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XXIV
Algo a impedia de levantar as pestanas. Dirigiu as mãos para o rosto e tocou um objeto suave. Afastou-o com rapidez e se incorporou sobre a cama. Quem lhe tinha abafado os olhos e por qual motivo? Quando pôde observar com claridade ao seu redor, levou-se uma mão à boca e evitou dar um grito. Roger estava ao seu lado, ajoelhado sobre o chão e apoiando meio corpo na cama. Estendia os braços para ela como se quisesse alcançá-la, seu cabelo revolto deixava apreciar a metade do rosto viril.
Evelyn cravou as pupilas naquela boca deliciosa que se escondia sob uma espessa barba loira. De repente, um estranho ardor sacudiu seu corpo, fazendo com que um inaceitável frenesi se apropriasse dela. Era um homem tão sedutor, tão encantador que até adormecido provocava o desejo de tocá-lo, de acariciá-lo.
Compreendia por que sua fama de galã se estendeu por Londres como a pólvora e por que as mulheres emitiam sorrisos nervosos quando ele estava presente: que mulher não sonha ter ao seu lado um homem assim?
Desvanecendo de repente os sentimentos de prazer e luxúria que se apropriavam de sua mente, moveu-se devagar para não o despertar. Precisava afastar-se dele o antes possível, não lhe cabia dúvida de que teria chegado tarde e bêbado. Talvez, devido ao seu estado de embriaguez, adotou aquela postura ao não alcançar a poltrona onde devia descansar. Não foi até que tentou pousar os pés no chão que viu a cadeira junto à cama. Nela havia uma bacia repleta de água, a mesma com a qual se refrescou à noite anterior no banheiro. O que tinha ocorrido? Que fazia a bacia ali?
Conseguiu que sua mente rememorasse o transcorrido na noite anterior, Roger tinha partido e ela, enfim, pôde despir-se. Esforçou-se em aliviar a terrível dor que tinha aparecido em seu rosto, mas não o obteve e, derrotada, retornou à cama. Não pôde conciliar o sonho até bastante tempo depois, a imagem daquele pequeno crânio aparecia uma e outra vez em sua mente provocando que um sem fim de perguntas surgisse em sua cabeça sem cessar. Não encontrou nenhuma razão lógica que explicasse por que o dito objeto permanecia sob o assento e finalmente alcançou o sono, mas não descansou.
Um terrível pesadelo dominou seu repouso. Viu-se no prado caminhando para o sol e notando como a grande bola de fogo lhe queimava o rosto. Era incapaz de diminuir seu passo embora se visse envolta em chamas e gritou ao ver que seu vestido ardia e todo seu corpo também. Quando se rendeu ao fatídico final observou uma enorme figura aproximando-se e colocando-se em frente a ela. Sua grandiosa sombra fez com que deixasse de sentir calor e que o fogo desaparecesse de repente.
Evelyn voltou o olhar para Roger. Tanto em seu pesadelo como na vida real, ele a cuidava. Deixava a um lado o ser arrogante e egoísta que tanto se esforçava em mostrar e a protegia sem lhe importar o que ele mesmo padecesse. A mulher deixou de franzir o cenho e, com cuidado, rodeou a cama até colocar-se atrás das costas de seu marido. Daquela proximidade contemplou maravilhada como descansavam seus fortes braços que com facilidade poderiam ser como quatro dos seus, sua musculatura era tal que lhe resultava impossível compará-lo com outro homem. As pernas, aquelas longas extremidades das quais se queixava ao sentar-se na carruagem, esticavam-se sobre o chão adotando uma postura indesejável. Mas não foi a magnitude da figura masculina que lhe fez levar de novo as mãos à boca, mas sim umas pequenas cicatrizes que desfiguravam as atléticas costas. Quem o teria açoitado com tanta força para assinalar uma pele tão forte? Teriam-no feito prisioneiro em alguma de suas viagens no navio? O teriam assaltado os temidos piratas? Quis esticar a mão e as tocar com suavidade, mas não era apropriado fazê-lo enquanto ele descansava, se de verdade desejava tocá-lo, se de verdade queria que seus dedos roçassem a pele masculina, devia fazê-lo quando Roger permanecesse acordado, assim poderia retroceder ao mínimo gesto de amargura. Zangada pelos pensamentos pecaminosos que despertava seu marido nela, virou-se com sigilo e caminhou para o baú. Precisava arrumar-se antes de despertá-lo. Se for certo, se ele tinha passado a noite velando sua agonia, não teria repousado o suficiente e o trajeto para Londres seguia sendo longo.
? Encontra-se melhor? ? A voz áspera de seu marido a fez virar com brutalidade.
? Sim. Muito melhor. Por que o fez? ? Arqueou as sobrancelhas e esperou para escutar a resposta com interesse.
? Por que não o ia fazer? ? Ao incorporar-se franziu o cenho. Tinha permanecido tantas horas na mesma posição que, ao levantar-se, sentiu dores nas pernas. ? Expôs-se durante muito tempo ao sol e sofreu umas leves queimaduras ? esclareceu com certo desinteresse. Não queria que desse importância a um fato tão banal. ? Se não as tivesse tratado hoje não poderíamos empreender a marcha.
? Entendo... ? disse com pesar.
Tinha encontrado a razão de seu cuidado. Não foi o que esperava, mas era o mais lógico. Se ela adoecesse teriam que permanecer na estalagem mais tempo do que pretendia e isso atrasaria a chegada a Londres. Evelyn olhou para o chão, evitando que Roger descobrisse as pequenas lágrimas que começavam a brotar em seus olhos.
Doía-lhe descobrir que seguia sem despertar certo interesse sentimental em seu marido. Aquela apatia os separava e a distanciava de averiguar a verdadeira personalidade de seu marido. Se continuasse dessa forma, seu plano não seria infalível.
? Não sei como agradecer tudo o que está fazendo por mim ? falou sem ser capaz de evitar certa aflição em suas palavras. ? Mal levamos dois dias de viagem e me salvou de ser atacada por uma serpente e te fiz passar a noite em claro para acalmar um estrago que eu mesma realizei por imprudência. O mais sensato seria que me deixasse aqui para que Wanda me recolhesse.
? Não vou abandonar-te! Permanecerá ao meu lado em todo momento, entendido? ? Disse zangado.
? Não se dá conta de que só atrapalho sua vida? ? Levantou o rosto e deixou que suas lágrimas fossem percebidas pelo homem.
? Bobagens... ? grunhiu aproximando-se dela. ? Qualquer um pode ser assaltado por um perigoso animal se caminhar pelo campo e, quem não está acostumado aos raios solares padecem este tipo de reações ? respondeu com tom suave. Esticou a mão para o rosto e o acariciou com muita suavidade. Enquanto lhe afastava as lágrimas com os polegares, observou como Evelyn fechava os olhos ao tocá-la e apertava seus deliciosos lábios. Esteve a ponto de beijá-la, de degustar de novo seu sabor, mas se conteve. Não desejava aproveitar-se dela em um momento de debilidade. ? Por sorte, não ficarão sequelas. ? Virou-se para a direita e deu uns passos para diante deixando-a as suas costas.
? Roger? ? Chamou sua atenção.
? O que? ? Perguntou elevando a cabeça para o teto esperando qualquer recriminação por havê-la tocado sem ela pedir-lhe.
? Obrigada... ? Não era essa a palavra que desejava dizer.
Ao sentir suas mãos sobre ela e notar como se acelerava seu pulso ao ser acariciada e como sua boca ficava fria sem os lábios de seu marido, avivou uma inesperada vontade de tê-lo ao seu lado sem roupas que impedissem o atrito entre seus corpos.
? Não tem por que me agradecer. Fiz o que devia e continuarei fazendo-o pelo resto da minha vida. E agora, se me desculpa, tenho que me assear. Imagino que Anderson já tenha preparado a carruagem para empreendermos a viagem.
? Roger! ? repetiu com ênfase. Ficaria ali parada? Esperaria que aquele desejo e aquela necessidade por tê-lo ao seu lado desaparecessem com o tempo? De verdade tinha tanta vontade de entregar-se a ele após descobrir que nunca se afastaria de seu lado e que cuidaria dela pelo resto de sua vida? Era suficiente escutar tal coisa para oferecer-se sem restrições?
? O que? ? Perguntou esperando conhecer a razão pela qual não o deixava assear-se com tranquilidade.
Evelyn não pensou. Correu para ele e saltou sobre o corpo seminu de seu marido. Os pequenos braços se entrelaçaram no pescoço e sua boca tocou a de Roger. Este, assombrado pela reação da mulher, ficou pétreo.
? Um simples obrigado teria sido suficiente ? comentou com apenas um fio de voz quando ela liberou sua boca.
Não esperava essa atuação de Evelyn nem tampouco aquele suave beijo. Se assim agradecia seu dever por cuidá-la, fá-lo-ia com mais gozo do que pudesse imaginar. Entretanto, por mais que lhe agradasse a recompensa, não queria que ela se entregasse a ele por esse motivo. Desejava, e cada vez mais, que entre ambos surgisse algo especial. Possivelmente um pouco parecido ao que tinham William e Beatrice, embora supusesse que jamais alcançariam aquele nível de amor.
? Sei ? disse cravando seus esverdeados olhos nos de Bennett.
? Então? ? Continuou colocando suas grandes mãos sob as redondas e gostosas nádegas. Os mamilos de Evelyn roçavam seu torso e estava ficando louco ao tentar manter relaxada certa parte de seu corpo que atuava por sua conta. ? Então? ? Insistiu arqueando as sobrancelhas.
? Quero me oferecer a ti... ? murmurou abaixando a cabeça para que não pudesse ver o rubor que lhe provocava sua ousadia.
? Assim, sem mais? Quer que te faça amor como prêmio por te haver salvado de uma serpente ou por ter acalmado umas pequenas bolhas? ? Foi abrindo suas mãos para que Evelyn se deslizasse até o chão. Quando ela apoiou os pés no piso, olhou-a com os olhos entreabertos. ? Disse-te que com um simples obrigado era o bastante. Não desejo te submeter, nem te obrigar a nada por algo que é meu dever de marido.
Evelyn ficou paralisada. Por mais que tentasse levantar o rosto e olhá-lo desafiante, não conseguia. Seu embaraço, sua vergonha era tal que não podia nem pensar. Com um esforço sobrenatural deu uns passos para trás dando a possibilidade a Roger para que fechasse a porta e a deixasse sozinha naquele quarto que, naquele momento, pareceu-lhe enorme. Entretanto, ele não se moveu. Seus pés, aqueles que só conseguia ver, seguiam pegos ao chão.
? Evelyn? ? Agora era ele quem chamava sua atenção. ? Olhe-me! Levanta de uma vez esse rosto e me olhe! ? Gritou com aparente mau humor.
Assim o fez. Contra sua vontade levantou o queixo e o olhou. As lágrimas percorriam seu rosto sem poder evitá-lo, suas mãos se apertavam com força formando dois pequenos punhos. Humilhou-se de novo. Degradou-se outra vez ante um homem e este não tinha consideração ante seu ato. Zangada pelo acontecido, elevou os punhos, caminhou para ele e começou a lhe golpear no peito com ímpeto.
? Odeio-te! Maldito seja! Odeio-te! ? Gritou entre soluços.
? Então... por que quer se entregar? Por que quer que te toque, que te beije, que te possua? ? Insistiu sem impedir que o continuasse golpeando.
Como podia falar? Como podia explicar o que sua mente lhe propunha se sua garganta estava pressionada pelo desejo? Possivelmente o único motivo pelo qual conseguia soltar aquelas palavras não era outro que escutar, da boca de Evelyn, que o necessitava tanto como ele a ela.
? Não me toque! ? Clamou Evelyn ao sentir as mãos de Roger entrelaçando-se em sua cintura. ? Solte-me!
? Só quando me responder ? disse com firmeza. ? Só assim te deixarei livre.
? O que quer que te responda? ? Inquiriu rudemente.
? A verdade ? respondeu mais comedido.
? A verdade? ? Voltou a abaixar a cabeça, mas Bennett depois de afastar suas mãos da cintura, usou uma para colocá-la sob seu queixo e lhe içar o rosto.
? Sim ? afirmou com solenidade.
? A verdade, ? interrompeu-se ? é que ninguém se preocupou por mim durante todos estes anos. A verdade é que todo aquele que se aproximou foi para obter algo em troca. A verdade é que nunca tive a uma pessoa ao meu lado que apaziguasse minhas doenças, minhas inquietações ou me oferecesse seu amparo sem um motivo ou razão alguma ? soltou sem respirar.
? E aquele seu prometido? Aquele que te roubou aquilo que me pertence? ? Grunhiu mastigando cada palavra e mostrando a ira que lhe provocava conhecer certas coisas do passado de sua esposa que não imaginara.
? Esse menos que nenhum... ? murmurou ao mesmo tempo em que deixava cair seus braços para o chão.
Roger a observou tão abatida que desejou apertá-la ao seu corpo, para que não se afastasse dele, mas pensou melhor. Ela necessitava de seu próprio espaço, seu momento de liberdade, para poder falar com tranquilidade.
? Só me queria pelo dote que ofereciam meus pais... ? sussurrou enquanto caminhava para a cama e se sentava sobre esta ? mas ao não conseguir seu propósito me abandonou.
Podia arrancar os marcos da porta a dentadas? Porque isso é o que desejava fazer naquele momento. Precisava focalizar sua ira, sua raiva e desespero para algo. Entretanto, depois de respirar com profundidade e achar um pouco de sensatez, andou até ela, ajoelhou-se e colocou suas palmas sobre os joelhos da mulher.
? Disseram-me que tinha morrido... ? confessou-lhe. Sabia que lhe ia responder que continuava vivo, então sua mente não cessava de idear a maneira de buscá-lo e fazer realidade a mentira. Se já estava morto... quem condenaria o assassinato de um cadáver?
? Tinha dezesseis anos. Meus pais me apresentaram em sociedade com muita alegria e ilusão. Naquela época a família era bastante rica então meu pai ofereceu um bom dote para o homem que decidisse casar-se comigo. ? Fez uma leve pausa, suficiente para recuperar um pouco de quietude. ? Ele me cortejou e me seduziu. Terminei por me apaixonar e finalmente nos comprometemos. Pouco depois meu pai anunciou que as riquezas familiares tinham desaparecido por um mau investimento. Quando contei, quando lhe narrei a agonia que estávamos padecendo, acreditei que nos ajudaria, que lutaria contra a pessoa que enganou ao meu pai e que graças à sua valentia obteríamos o roubado. Mas não o fez. Decidiu partir. Abandonou-me sem sequer pensar no que eu tinha em meu interior...
? Estava... ficou...? ? Abriu tanto os olhos que pensou que estes fossem sair das órbitas.
? Sim. Embora pouco tempo depois de sua partida o perdi. Tropecei nas escadas ao sofrer um desmaio e quando despertei, o bebê tinha morrido ? soluçou dolorosamente.
? Sinto muito... ? falou com tristeza. Tirou as mãos dos joelhos e se levantou. A vontade de quebrar algo, de estrangular ao malnascido que lhe tinha feito mal, não diminuiu. Mas não era o momento de atuar com agressividade. Não desejava que Evelyn se assustasse ao pensar que a ira se devia à sua confissão e não ao feito de descobrir o triste passado que tinha vivido.
? Não tem por que sentir, Roger, mereço isso. Mereço tudo o que me aconteceu e o que acontecerá ? murmurou Evelyn dirigindo seus olhos para a figura alterada de seu marido.
Perambulava de um lado para outro. Levava as mãos para o cabelo e o afastava sem cessar. Sabia que após conhecer o que escondia, que ao revelar seu passado, desiludira-o. Quem poderia viver junto a uma mulher manchada? Agora era só esperar o que tanto tinha temido, que outra pessoa a abandonasse. Supôs que, embora lhe prometesse cuidá-la, sua declaração lhe daria a oportunidade de afastar-se de seu lado como fizeram os outros.
? Eu... eu... ? tentou dizer, mas lhe resultou impossível explicar o que pensava. Alguém batia na porta com insistência. Com grandes pernadas se dirigiu para esta, abriu-a e ladrou: ? Quem é?
? Sua Excelência ? respondeu Anderson abaixando com rapidez a cabeça ao escutar o tom enfurecido de seu senhor. ? Desculpe atrapalhar. Mas tenho que o informar que tudo está preparado para empreender a viagem.
? Que horas são? ? Perguntou em tom irado.
? Quase sete, senhoria.
? Está bem. ? Olhou de esguelha para Evelyn. Não se tinha movido de seu assento. Seguia com a cabeça abaixada e apertava suas mãos com força. O que devia fazer? Era a primeira vez em sua vida que não sabia como atuar com uma mulher. Se partirem, se se preparavam para partir depois de sua confissão, ela poderia pensar que lhe tinham feito mal suas palavras e que a repudiava por aquele passado que tanto lhe doía. Mas se fechasse a porta, se se dirigisse para ela e fizessem amor, acreditaria que só tentava aproveitar-se de sua fragilidade.
? Senhor... ? interrompeu de novo seus pensamentos o criado.
? Avisem-me quando forem dez da manhã. Não descansei o suficiente para aguentar estoicamente um trajeto tão longo.
? É claro. Voltarei a chamar nessa hora. ? Anderson fez uma leve reverência e se afastou.
Roger fechou a porta e se apoiou nela. Respirou com profundidade e contemplou o aflito corpo de sua esposa. Não sabia se o que lhe ditava o coração era correto ou não, mas se seu interior lhe gritava que o fizesse, fá-lo-ia.
XXV
Virou-se quando escutou fechar a porta. Surpreendida ao escutar que a saída se atrasava, observou sem pestanejar ao Roger, que apoiou as costas na porta de madeira cruzando os braços e cravando suas pupilas nela. Tragou saliva ao perceber como a escuridão aparecia no rosto masculino, apertava a mandíbula com tanto afã que podia escutar com facilidade o ranger de seus ossos. O peito, robusto pelo trabalho que teria realizado no navio, elevava-se e baixava com brio apesar de suportar o peso dos grandes e musculosos braços. Evelyn tremeu. Ali estava, um titã de cabelo loiro e pele escura atravessando-a com o olhar. Supôs que era lógico, todo mundo que escutava seu passado sentia ira ou lástima e, para ser sincera, ela preferia o ódio, posto que estava acostumada a defender-se melhor dos ataques verbais que das palavras repletas de misericórdia.
Quis romper o silêncio incômodo que se produziu entre ambos perguntando se queria que partisse, se desejava descansar tal como tinha indicado ao Anderson ou se desejava terminar a frase que tinha começado antes de serem interrompidos. Tinha empalidecido ao descobrir que tinha perdido ao bebê. Ao que parecia, os rumores não o informaram da parte mais odiosa da ruptura de seu compromisso: a perda de um diminuto ser. Tampouco lhe haveriam dito que ela não podia ter mais filhos. «Colin não o advertiria no contrato matrimonial», disse-se irônica. Desejou falar sobre algo que o despertasse do choque no qual se encontrava, mas não o conseguiu.
De repente Roger descruzou os braços e caminhou com solenidade para ela. Evelyn esticou as mãos pela camisola no primeiro passo. No segundo, seu coração deu um tombo ao apreciar que na realidade o rosto masculino não mostrava escuridão, mas sim lascívia. Não estava zangado, não desejava afastar-se de seu lado. O que pretendia era possui-la como um selvagem. «Grita, Evelyn, grita! Salve-se dele! Corre, foge!», escutava uma voz exaltada em sua cabeça. Mas a fez calar com rapidez.
Roger se aproximava como um predador se aproxima de sua presa, mas nesta ocasião, a presa desejava ser alcançada.
? Prometi que não te tocaria até que me pedisse ? disse isso com voz rouca. Seu terceiro passo o deixou a menos de quatro palmos dela.
? Sim ? respondeu-lhe sem diminuir aquela excitação que lhe augurava o que ia acontecer se fosse incapaz de negar-se.
? E até agora atuei tal como ditou ? continuou com o mesmo tom. Parou de andar até que se colocou em frente a ela. Percebeu que ela tremia ante sua proximidade. Estava seguro de que o calor que emanava de seu próprio corpo chocava com força no da mulher.
? Sim... ? conseguiu dizer mediante uma profunda inspiração.
? Evelyn... quero respeitar suas decisões. Não haverá nada no mundo que me impeça de fazê-lo. Por isso te pergunto, quer que eu te toque? Quer que te beije e te possua com o ardor que sinto desde que pus meus olhos em ti? ? Esticou as mãos para lhe acariciar os suaves e sedosos cabelos que caíam em forma de cascata por seus ombros.
? Roger... ? murmurou.
? Diga-me... ? respondeu depois de respirar profundamente.
? Sim.
? Sim o que, Evelyn?
? Sim, o desejo.
Bennett não se conteve mais. As mãos abandonaram o cabelo para agarrar com força a cintura da mulher. Atraiu-a para ele enquanto sua boca se chocava com a dela. Sua língua voltava a dominá-la, a conquistar seu interior. Observou satisfeito como Evelyn se deixava levar pelo desejo, fechando os olhos e dando pequenos e musicais gemidos de prazer ao tê-la em seus braços. Tudo aquilo que pensou, todas aquelas dúvidas que o impediam de avançar para fazê-la sua se desvaneceram ao sentir as mãos de sua mulher lhe acariciando as costas. Ardiam. Ambos desprendiam um fogo abrasador. Contra sua vontade, Roger foi enrugando entre suas mãos a camisola de Evelyn muito devagar. Apesar de querer arrancar-lha acreditou oportuno ser delicado com ela posto que imaginasse, por suas palavras, que jamais tinha sido amada tal como merecia. Precisava lhe indicar com cada carícia, com cada beijo, que era uma deusa para ele e assim a trataria. Quando o objeto se levantou até a pequena cintura, Bennett pousou suas grandes palmas sobre os glúteos nus. Acariciou-os, apertou-os, e inclusive cravou seus dedos neles para marcá-la, para lhe demonstrar que era dele e de ninguém mais. Mas aconteceu algo que o deixou atônito. Não esperava que Evelyn, depois de notar suas mãos nas nádegas, abrisse lentamente suas pernas o convidando a prosseguir. Dava-lhe acesso à sua sexualidade. Um grunhido de satisfação saiu de sua garganta. Essa amostra de aceitação o deixou tão louco que seu controle se desvaneceu. Com a mesma voracidade que um sedento bebe água no inóspito deserto, Roger terminou por a despojar da camisola. Evelyn, ao ver-se completamente nua, tentou cobrir-se com suas mãos, mas Roger as afastou com delicadeza enquanto se ajoelhava ante ela.
? Não me oculte sua beleza, minha pequena bruxa ? murmurou. Sua boca beijou o ventre no qual um dia houve uma vida dentro. ? Não quero que se esconda de mim.
Esperou que lhe respondesse, mas não o fez. Só colocou as mãos sobre seus ombros para não cair. Seus dedos retornaram às nádegas para acariciá-las com devoção. Voltou a observar como Evelyn separava lentamente suas pernas. As mãos caminharam devagar pelas coxas até alcançar os lábios inchados e úmidos. Depois de inspirar o aroma erótico de sua esposa, acariciou com ligeireza aquelas dobras molhada. Seus dedos lhe facilitaram o trajeto, separando com suavidade as delicadas protuberâncias sexuais.
? Nota minhas carícias? ? Exigiu saber com uma mescla de luxúria e sufoco.
? Sim... ? murmurou mal consciente disso.
? Quer que siga? Quer que continue, meu amor? ? Nem ele mesmo foi consciente de haver dito aquela palavra. Nunca a tinha posto em sua boca anteriormente, mas apesar de entrecerrar seus olhos ao escutar-se, não se arrependeu. Adorava-a, desejava-a, necessitava-a, e isso não era a base do amor?
? Sim, por favor ? rogou-lhe.
Seu corpo se sacudia com tanta força que se agarrou com ímpeto aos ombros de Roger. Mal podia levantar suas pálpebras e se envergonhava por ser incapaz de fechar a boca e não fazer parar aqueles diminutos gemidos provocados pelo prazer. Isso não era o normal, ou talvez sim. Não tinha com o que compará-lo salvo com Scott e, onde suas mãos tinham provocado frieza, as de seu marido a faziam arder.
? Deixe-me conhecer todo seu corpo... ? murmurou devagar enquanto o dedo do meio apalpava o interior de seus lábios procurando o pequeno botão do clímax. ? Deixe-me explorar cada pedaço da sua pele... deixe-me te demonstrar quanto te necessito...
? Faça-o... ? disse sem voz.
? Agarre-se com força aos meus ombros, meu amor. Vou fazer com que desfaleça de prazer ? advertiu antes de mover seu dedo com rapidez sobre o pequeno clitóris.
Gotas de suor começaram a banhar sua pele. Não imaginou que com um simples dedo pudesse enlouquecê-la até o ponto de flexionar seu corpo para diante e cair sobre Roger. Sua respiração era intermitente, mal conseguia duas inspirações seguidas sem gritar. As pernas perdiam sua força e podia notar como começavam a encurvar-se. Mas seu marido a elevou, colocou-a como ele queria que estivesse e então aconteceu algo que, se não tivesse estado na cama, teria caído desabada ao chão. Toda a agitação que sentia ali onde ele tinha o dedo, ali onde era açoitada sem fim, acalmou-se com a língua de Roger.
? Está bem? ? Bennett saltou sobre ela assombrado.
? O que... o que foi isso? ? Perguntou aturdida.
? Isso, meu amor... ? disse com um sorriso de orelha a orelha ? é algo delicioso. ? Dirigiu sua boca para a dela e a beijou com ardor. Sua língua se apoderou dela, possuiu-a e a desfrutou. Evelyn descobriu que o sabor de Roger se mesclava com outro um pouco ácido, frutado. Ruborizou-se ao saber de onde procedia, mas não se amedrontou, queria mais. Muito mais.
? Repita ? ordenou desenhando um sorriso malicioso em seu rosto.
? É uma ordem? ? Perguntou zombador.
? É outro mandato que acabo de acrescentar à lista. ? Seus olhos verdes brilhavam pelo desejo. Urgia-a senti-lo ali abaixo e o necessitava já.
? Pois como te disse, acatarei todas as suas normas, querida.
Começou a percorrer o corpo feminino com sua boca. Fez várias paradas antes de chegar ao lugar que tanto ansiava sua mulher. Primeiro beijou o pescoço e lambeu cada milímetro de sua pele até que alcançou o lóbulo onde deveria luzir uns brincos de diamantes. Acariciou-o devagar fazendo com que o pelo se arrepiasse ao úmido tato. Prosseguiu até seus seios. Aquelas pequenas montanhas com suas pontas escuras o deixaram louco. Absorveu, mordeu e apertou com seus dentes os elevados mamilos para escutar seus gritos. Adorou ouvi-la. Adorou observar como seus seios se moviam agitados pelo prazer. Continuou seu trajeto para baixo gerando um caminho brilhante depois do passo de sua língua. Era uma tortura ter demorado tanto até alcançar seu sexo, mas não tinham pressa, já não. As grandes mãos se colocaram sobre as coxas, separando-as com suavidade. Depois de apartá-las, Roger admirou o fogo que ela escondia entre estas. Aproximou seu nariz para voltar a encher seus pulmões do delicioso aroma de Evelyn. O fez várias vezes, possivelmente mais das que deveria. Nem tentou fechar seus olhos ao aproximar sua língua para os amaciados lábios. Precisava contemplar tudo. Por mísero que fosse o movimento de sua mulher ao roçá-la, desejava averiguá-lo.
Não podia parar os tremores. Suas pernas, arqueadas e abertas, sacudiam-se de um lado para outro. Em mais de uma ocasião pensou que golpearia a cabeça de Roger com os joelhos, mas não foi assim. Enquanto ele acariciava o sexo com seus lábios e com sua língua, agarrava com solidez as pernas para que deixassem de agitar-se. Era impossível permanecer quieta quando todo o corpo se sacudia devido às convulsões que se propagavam por cada milímetro da pele. Evelyn gritou ao notar a pressão dos dentes ali abaixo. Levou as mãos para a boca para não repetir o uivo, embora mal o silenciasse. Continuou gritando, chiando, uivando pelo prazer que seu marido lhe dava entre as pernas. Em mais de uma ocasião vislumbrou o firmamento repleto de estrelas brilhantes no teto de seu quarto. Não era possível. O que fazia seu marido não era real.
? Minha pequena bruxa... ? sussurrou Bennett elevando-se sobre ela. ? É puro fogo. Jamais necessitei tanto estar dentro de uma mulher. Deixa-me louco, Evelyn. Perturba-me, rouba-me a pouca racionalidade que tenho.
Ela esticou as mãos para lhe segurar o rosto e atrai-lo para sua boca. Desejava voltar a degustar daquela deliciosa mescla que ele guardava.
? Quero te possuir, quero te fazer minha ? murmurou. Ao ver como sua esposa assentia pousou os pés no chão, tirou a calça e as meias e retornou à cama. ? Não doerá, prometo-lhe isso.
Evelyn não estava tão segura disso. Se o corpo de Roger era imenso, seu sexo não era menor. Esticou as palmas da mão e, curiosa, começou a tocá-lo. Sua pele lhe pareceu sedosa, mas ao mesmo tempo forte e rígida. Abriu os olhos como pratos ao notar a umidade em suas mãos. A isso se referia quando lhe dizia que perdia o controle? Teria cuspido sua semente antes de introduzir-se em seu interior? Se fosse isso, se ele já tinha explodido, então compreenderia a razão pela qual Scott sofria aqueles percalços. Desejava-a tanto que não era capaz de controlar-se.
? Evelyn... ? chamou sua atenção. ? Eu jamais... em minha vida... ? Abaixou a cabeça e a beijou com desejo. Enquanto, com uma mão, foi endireitando seu membro até encontrar o lugar no qual devia entrar.
Não foi capaz de controlar-se. Queria fazê-lo lento, devagar, entretanto, não o conseguiu. Ao sentir a calidez dela, apertou seus glúteos, apoiou as palmas de suas mãos sobre o colchão e a invadiu com força.
? Sinto muito, sinto muito, mas não posso me controlar. Quero te fazer minha, quero te sentir, quero...
As mãos de Evelyn se colocaram nas costas masculina. Seus dedos se apertaram tanto nela que terminou lhe cravando as unhas. Cada penetração, cada embate, ela o sofria com enérgicos espasmos. Podia sentir o início do sexo de Roger lhe penetrando o interior, parecia que desejava alcançar o que ninguém podia conseguir. Tentou fechar os olhos. Precisava fechá-los para deixar-se levar. Embora não pôde fazê-lo, desejava apreciar como era o rosto de Roger, como mudava a cor de seus olhos quando o clímax o sucumbia.
? Evelyn! Evelyn! ? Gritou com tanto ímpeto seu nome que os tendões se marcaram na garganta.
Os tremores se fizeram mais intensos, rápidos e incontroláveis. O suor de ambos se mesclou. Uma estranha essência se estendeu ao redor deles. Em cada inspiração, cada vez que ela cheirava aquela mescla a especiarias, mais excitada se encontrava. Apertou com mais força suas unhas na pele de Roger, elevou o queixo e quando estava a ponto de gritar, a boca de seu marido a possuiu. Não deixou de beijá-la até que pararam de tremer, até que ambos os corações relaxaram seus batimentos, até que as respirações se compassaram.
? Sinto muito... ? Roger saltou da cama, dirigiu-se para a bacia e pegou o pano úmido. ? Sinto de verdade. ? Não deixava de desculpar-se enquanto a limpava. ? É a primeira vez que verto minha semente... é a primeira vez que não controlo...
Evelyn se incorporou na cama e segurou a mão de seu marido que limpava sua zona erógena. Não sabia o que pensar ao lhe escutar dizer que era a primeira vez que sua semente se introduzia em uma mulher. Possivelmente mentia, mas ao vê-lo tão inquieto, tão assombrado, a dúvida se dissipou. Entretanto não devia temer por uma possível gravidez. Não com ela.
? Roger não sofra ? disse desenhando um pequeno sorriso no rosto. ? Não acontecerá nada do que pensa.
Bennett deixou cair o objeto no chão. Seus olhos se abriram tudo o que puderam, seu coração deixou de pulsar, a expressão de agonia que mostrou seu rosto ao compreender que podia deixá-la grávida antes de averiguar se entre eles tinha crescido o amor se dissipou com brutalidade. Não podia ter filhos? Era impossível! Havia-lhe dito que esteve grávida. Só uma mulher que... o compreendeu com rapidez. Algo tinha acontecido naquele aborto que a deixou estéril. Ao ser consciente de que Evelyn lhe estendia a mão para que se colocasse ao seu lado, estendeu a sua e se tombou junto a ela. Abraçou-a com força contra seu corpo e lhe beijou o cabelo.
? Tenho frio. ? Não foi um mandato, mas sim uma mera informação.
Roger esticou o braço e pegou o lençol para cobri-la. Ela se aproximou ainda mais a ele convertendo-se de novo em uma só figura.
? Descansa um pouco ? sussurrou-lhe com ternura. ? Despertá-la-ei antes que batam à porta. ? A mulher assentiu com um suave movimento de cabeça.
Bennett, apesar de estar cansado, foi incapaz de fechar os olhos. Uma centena de pensamentos golpeava sua mente sem trégua. O que aconteceria agora? Seguiriam assim toda a viagem até chegar a Londres? Isso esperava porque tê-la daquela forma acalmava seus medos. Entretanto, o que ocorreria quando Evelyn descobrisse o passado de seu marido? «Será ela quem te abandone ? refletiu com tristeza. ? Quem pode viver junto a uma pessoa como eu?». Apesar do inevitável final, Roger priorizou um de seus objetivos: antes que ela se afastasse, antes que Evelyn decidisse separar-se dele, procuraria com afã ao suposto morto e faria realidade o rumor. Ele mesmo lhe arrebataria a vida com suas próprias mãos. Depois de beijar de novo o cabelo de sua esposa e intensificar seu abraço, olhou para a janela e suspirou.
Apesar de sua insistente negativa, Roger a ajudou a vestir-se e a penteá-la. Adiantando-se à chamada de Anderson, ambos estavam preparados para retomar a viagem. Quando escutaram uns pequenos golpezinhos na porta, olharam-se sorridentes. Evelyn acreditou que seu marido daria suas típicas pernadas para chegar à saída e responder ao criado, mas em vez disso abraçou-a e a beijou com paixão.
? Estou desejando que chegue de novo a noite. ? sussurrou-lhe ao ouvido. ? Vou contar as horas que faltam para tê-la outra vez nua em meus braços.
Ela se ruborizou ao escutar as insinuantes palavras e notou em seu baixo ventre um incrível palpitar. Desejava-o. Evelyn também desejava que chegasse aquele momento para voltar a sentir o prazer que lhe provocavam as carícias de seu marido. Antes de sair olhou-se no espelho e se surpreendeu ao ver um rosto repleto de felicidade. As olheiras lhe pareceram maravilhosas, o enredado cabelo recolhido em um torpe coque pareceu-lhe o penteado mais surrealista que tinha mostrado até o momento e seus lábios, avermelhados pelo roce da barba, exibiam-se mais volumosos que de costume. Era muito difícil ocultar o que tinha acontecido durante as horas anteriores naquele quarto. Embora começasse a descobrir, atônita, que não lhe importava o que pensavam outros.
? Adiante-se ? indicou Roger soltando sua cintura. ? Vou pagar ao hospedeiro e depois correrei até te alcançar.
Evelyn fez o que lhe propôs com carinho. Elevou seu queixo e caminhou para a carruagem sem olhar para trás. Ao sair da estalagem se assustou ao perceber como o sol voltava a tocar seu rosto e o machucava. Içou a mão direita, abaixou levemente a cabeça e caminhou depressa para o veículo, mas quando estava a ponto de chegar, no momento em que Anderson lhe abria a porta para lhe facilitar o acesso, notou uma pressão na mão esquerda tão intensa que se girou para esse lado.
? Senhora... ? uma mulher de pouco mais de cinquenta anos e vestida de rigoroso luto era quem a impedia de alcançar o carro. ? É seu marido o homem que ontem me pediu uma beberagem para acalmar suas queimaduras? ? Perguntou sem mal respirar.
? Bom dia ? respondeu com cortesia. ? Sim, pode ser que seja ele.
? Tome cuidado, milady, não é um homem bom. Leva em suas costas a marca da morte ? falou com pavor. Seu rosto, enrugado pelo passar dos anos, enfatizava suas palavras.
? Não o conhece! ? Exclamou zangada. Olhou para Anderson para lhe pedir auxílio e este, não muito cortês, afastou a anciã de seu lado.
? É você quem não sabe como é a pessoa que está ao seu lado! ? Clamou desesperada.
Evelyn subiu depressa, fechou a porta e olhou para o lado contrário. Não queria escutá-la nem olhá-la, mas era tanto o interesse que lhe provocava a estranha mulher que terminou por virar-se para ela. Quando a anciã apreciou que era observada, jogou uma olhada ao seu redor e percebendo que não seria retida de novo pelo lacaio, caminhou para a carruagem. Esteve a ponto de dizer algo, mas ao tocar o carro com suas mãos, os olhos desta se abriram tudo o que podiam alcançar, deu uns passos para trás e se benzeu.
? Não é o diabo... ? murmurou aterrada. ? É seu sangue que foi germinado por essa abominação...
? Acontece algo? ? Inquiriu Roger zangado ao ver as duas mulheres.
? Lute por se liberar do mal. Faça todo o possível para fazer desaparecer até a última gota de seu sangue. Só assim se liberará de seu destino ? comentou a anciã a Bennett antes de correr para a estalagem sussurrando palavras em um idioma que nenhum dos dois conseguiu decifrar.
? Quem era? ? Quis saber Evelyn quando seu marido se sentou ao seu lado e estendeu o braço para aproximá-la para ele.
? Só uma velha louca que me deu um remédio à base de ervas para acalmar suas queimaduras ? respondeu antes de lhe dar um beijo na cabeça. ? Incomodou-te? Tenho que descer e recriminar sua atitude com a minha esposa? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Não. Acredito que a pobre já tem o suficiente com a sua demência ? alegou antes de apertar a cintura de seu marido e pousar sua cabeça sobre o duro torso.
Mas as palavras da anciã não cessaram de repetir-se uma e outra vez em sua mente. Não entendia muito bem o que tentava expressar, entretanto, quando fechou os olhos para descansar antes de chegar ao próximo povoado e comprar aquele chapéu que, segundo Roger, necessitava, abriu-os de par em par ao recordar o que estava escondido sob o assento.
XXVI
Tal como augurou, o trajeto para Londres se fez comprido, mas graças ao comportamento de Roger o desfrutou mais do que esperava. É óbvio, cumpriu suas palavras sobre o que aconteceria na noite seguinte quando pernoitassem em outra estalagem, embora nessa ocasião enchesse a habitação de mantimentos para repor a energia que gastaram durante a noite. Os rubores em sua pele, pelas carícias e beijos, aumentaram até ter que comprar, em um dos povoados que visitaram, um remédio para acalmar sua delicada cútis. Entretanto, Evelyn não ocultava as marcas de seu prazer. Exibia-as com altivez. Quem não poderia proclamar que um matrimônio criado de um pacto inadequado começava a dirigir-se para o bom caminho? Nem ela mesma o teria acreditado. Recordou o momento no qual Roger apareceu em Seather com o papel que autorizava o contrato matrimonial, seu desmaio, a tosca cerimônia, seu abandono e, é óbvio, seu regresso. Não tinha transcorrido muito tempo desde que seu marido desembarcara, mas era o suficiente para confirmar que não desejava que partisse de novo. E agora menos que nunca. Estavam a ponto de chegar a Lonely Field, o lar de seu marido que também se converteria no seu. Ali, se Deus a ajudasse, encontraria as respostas que tanto açoitavam sua cabeça. Quem era na realidade Roger Bennett? Que passado tentava ocultar? Por que se transformou em um ser egoísta e petulante? E, sobretudo... por que tinha mudado tanto sua atitude após possui-la?
? Olhe! ? Exclamou Bennett com entusiasmo elevando-se do assento. ? Aí está meu lar! ? Voltou o olhar para ela, sorriu e murmurou: ? Nosso lar...
Evelyn se reclinou e olhou pela janela. Ao longe começou a divisar o enorme telhado que Roger chamava de lar, mas daquela distância mal pôde fazer uma ideia de como era. Seu marido lhe indicou que não seria maior que o dos duques, mas não deu importância às suas palavras. Um futuro marquês, e nada menos que o de Riderland, de cujo império se falava sem cessar nos grupos sociais, teria um palácio semelhante ao de Haddon Hall. Entretanto, quando a carruagem entrou no limite do imóvel, Evelyn levou as mãos para a boca.
? Adverti-te que não era uma grande extensão ? disse-lhe com certo pesar ao contemplar o rosto de sua esposa.
? É magnífica! ? Exclamou. Dirigiu as mãos para as de seu marido, apertou-as e esteve a ponto de beijá-las, mas Bennett o impediu ao assaltar sua boca com a sua.
? Meu coração está agitado... ? ronronou. ? Sinto-me tão feliz de que esteja aqui que sou incapaz de conter um grito de satisfação.
Evelyn gargalhou ao escutá-lo. Sabia que era certo o que lhe expunha. Podia apreciar o entusiasmado em seu rosto: desenhava um enorme sorriso, seus olhos brilhavam e relaxava a mandíbula, entretanto, suas mãos tremiam. Não conseguia saber se se deviam à excitação que sentia ou por medo da sua opinião sobre o futuro lar. Fosse o que fosse, ela apertou as trementes mãos e tentou acalmá-lo.
? Essas sebes, ? indicou separando sua mão direita da quente amarração ? Anderson e eu que plantamos. Embora te assegure que não sou o autor dessas formas trabalhadas que possuem.
A mulher dirigiu o olhar para onde assinalava seu marido e corroborou o que lhe explicava. O caminho que conduzia à entrada da casa estava adornado com duas fileiras de enormes e frondosos arbustos. Todos eles adotavam figuras diferentes, umas eram altas e magras, como se quisessem assemelhar-se aos picos de uma montanha, outras pelo contrário, eram curvilíneas e um pouco mais grossas. Mas conforme se aproximavam percebeu que todas tinham no interior a forma de animais. Como podiam realizar tal proeza com umas simples sebes?
? São totens ? esclareceu Bennett ao apreciar o assombro em sua mulher. ? Segundo seu autor, que conhecerá assim que estacionemos, mostram símbolos do meu caráter.
? Totens? ? Perguntou assombrada. ? Isso não é próprio dos...?
? Índios ? esclareceu afirmando com a cabeça. ? Sim, o criador dessas belezas é índio. Encontrei-o em uma das minhas viagens pela América. Estava a ponto de ser enforcado por um crime que, conforme se esforçava em proclamar, não cometeu. Eu acreditei em sua inocência e o comprei.
? Comprou-o?! ? Levantou tanto as pestanas que pôde senti-las acariciar suas sobrancelhas.
? Tudo se compra onde quer que se vá ? disse com ternura. ? Se tiver uma bolsa de moedas com a quantia que se espera obter ninguém é capaz de negar-se.
? Meu Deus! ? Exclamou tampando-se de novo a boca.
? Todos os meus criados, salvo Anderson, provêm de muitas partes do mundo, Evelyn. Aqui os trato com o respeito que merecem. Jamais ninguém lhes porá a mão em cima nem os utilizará como se fossem animais ? comentou com solenidade.
A mulher olhou absorta a seu marido. Não sabia o que responder. Nunca tinha imaginado que Roger albergasse em seu lar criados de outro lugar que não fosse Londres. Possivelmente porque só o povo nativo conhecia, melhor que nenhum outro, os costumes ingleses. Mas começou a não estranhar o que começava a conhecer de seu marido. Ninguém podia igualar-se. Ninguém poderia assemelhar-se a um homem tão incomum.
? Vamos querida. Acredito que todos desejam conhecer minha esposa ? sugeriu Bennett com um sorriso de orelha a orelha ao descobrir que não faltava ninguém para sair da residência para apresentar-se ante sua mulher.
Evelyn aceitou a ajuda de Roger para descer da carruagem. Com o chapéu que este lhe tinha comprado colocado sobre sua cabeça mal podia ver mais à frente do chão. Angustiada por não contemplar o que havia ao seu redor, terminou por tirá-lo e jogá-lo no chão. Então ficou sem respiração. Dez pessoas permaneciam na entrada esperando-a. Quatro delas eram de pele escura, três um pouco mais claras e outros eram tão pálidos como ela, mas quem chamou sua atenção foi um homem de cabelo comprido e cor azeviche. Tinha o peito descoberto, embora tentasse ocultá-lo sob um colete de cor marrom. Dirigiu seus olhos para seu marido e esboçou um pequeno sorriso. Já sabia de onde procedia a insistência de Roger por mostrar seu torso com descaramento. Sem pensar muito, deduziu que também ele era o autor das figuras esculpidas nos arbustos. Não podia errar em uma coisa tão clara! De repente notou a pressão da mão de seu marido sobre a dela. Evelyn imaginou que adivinhava seus pensamentos e lhe respondeu com um sorriso extenso.
? Querida, ela é Sophie, nossa governanta.
? Encantada em conhecê-la, senhora ? disse enquanto realizava uma ligeira reverência. ? Nosso senhor nos falou muito de você, mas esqueceu de descrever sua beleza. ? Sophie olhou a Roger como se o estivesse repreendendo.
? Posso te assegurar que nem eu mesmo sabia como era ? afirmou antes de soltar uma gargalhada e coçar a cabeça com a mão direita.
? É uma longa história ? acrescentou Evelyn ao contemplar o assombro da governanta. ? Se desejar escutá-la, contar-lhe-ei isso em breve.
? Estarei desejosa de que chegue esse momento, milady ? disse dando uns passos para trás.
? Ele é Yeng. ? Assinalou Roger a um moço com olhos rasgados e uma pele um pouco ambarina. ? Em seu antigo trabalho era crupiê, mas aqui se encarrega da manutenção de Lonely.
? Crupiê? ? Perguntou assombrada.
? Sim, minha senhora ? respondeu Yeng saudando-a da mesma forma que tinha feito Sophie.
? De onde é? ? disse bastante interessada.
? Da França.
? Nem todos os que têm um aspecto asiático nasceram lá ? murmurou Roger ao seu ouvido de maneira zombadora.
Evelyn se ruborizou com rapidez. Notou como lhe ardiam as bochechas ante um deslize tão infantil, mas quando Roger beijou com suavidade uma de suas maçãs do rosto, esse calor diminuiu. Um a um se foram apresentando. Todos tinham uma história interessante que lhe narrar sobre as diversas procedências e a maneira que conheceram seu marido. Mas ficou aniquilada quando o índio apareceu em frente a ela. Ao contemplá-lo mais de perto divisou umas marcas ao redor de seu pescoço. Não eram brancas, mas sim escuras e tinham um interessante desenho. Observou-o sem pestanejar enquanto falava com Roger. Seu comportamento, sua atuação com seu marido era muito diferente da que tinham os outros. Nem Anderson, o fiel criado e possivelmente a mão direita de seu marido, tinha tanta confiança para chamá-lo por seu nome de batismo.
? Finalmente, ? disse Bennett ? o batizamos com o nome de John. Não nos pareceu conveniente a nenhum dos dois chamá-lo com seu nome real. As pessoas estão acostumadas a afastarem-se quando o vêem.
? Senhora... ? John se aproximou dela, pegou-lhe a mão e a beijou com suavidade.
? Pode me chamar de Evelyn ? respondeu com suave fio de voz.
? Bom, já conhece todos os que habitam Lonely e agora, se te parecer bem, mostrar-te-ei o interior do meu lar. Estou seguro de que te assombrará o que ocultam estes muros ? apontou Bennett orgulhoso.
? Estou desejosa de descobri-lo ? comentou aceitando a mão de Roger e caminhando para o interior.
Quando o casal desapareceu dos olhos de todos os trabalhadores, estes olharam com rapidez a John. Permanecia imóvel, pétreo e com as pupilas cravadas na entrada do lar.
? É ela? ? Yeng rompeu o silêncio.
? Sim ? respondeu o índio com firmeza.
? Pois não tem pinta de poder salvar nada! ? Exclamou Sophie pondo os olhos em branco. ? É uma mulher esquálida. Um pouco alta para ser uma dama e não dá a impressão de ter coragem para enfrentar tudo o que lhe vai acontecer.
? Acaso o fogo nasce com intensas chamas? ? Alegou John sem expressar emoção em seu rosto.
? Fogo? Olhe John... ? Sophie aproximou-se dele e assinalou com um dedo inquisidor no peito ? se ela não for esse fogo que tanto necessita o senhor, diga aos seus etéreos espíritos que pegarei o machado com o qual corto o pescoço das galinhas e, uma a uma, destroçarei as sebes nas quais passas tanto tempo rezando.
? Eu adoro quando se zanga ? murmurou somente para eles dois.
? Pois te advirto que o estou e muito. Se ela não o salvar, se não for capaz de conseguir o que aquelas harpias com pernas de galgo não obtiveram, penso em te buscar outra mulher que acalme suas necessidades espirituais ? retrucou antes de virar-se e entrar também no lar.
? Fará ... ? sussurrou para si.
XXVII
Cada cômodo que encontrava era diferente aos demais. Nenhum se assemelhava nem mesmo em uma única peça de decoração. Roger fazia de seu lar um pequeno mundo. A sala de jantar, a primeira sala que visitou, era muito parecia com a que teria qualquer mansão londrina: uma grande mesa central com uma dezena de cadeiras sob a formosa tábua de madeira, vitrines esculpidas, suportes nos quais pousavam candelabros de laboriosos desenhos, enormes abajures de cristal que se iluminavam mediante a reclamada luz a gás, equipamento de porcelana... Entretanto, as paredes não estavam cobertas de pinturas de seus antepassados. Enormes e floridas tapeçarias ocupavam esses lugares. Seis contou. Dois deles só eram paisagens de montanhas onde um rio atravessava a tapeçaria. Eram pequenos paraísos em meio de um nada, mudos ante os ouvidos de quem tentava escutar o passar da água, mas esplêndidos para todos os que fossem capazes de admirá-los com os olhos. Um deles lhe recordou o lugar no qual os duques ofereceram o piquenique. As montanhas ocultavam o sol, o caudal transbordante de vegetação fluía a seu passo com liberdade e percebeu que a imagem transmitia a mesma tranquilidade que ela obteve naquele lugar salvo quando foi jogada na água. Sorriu de lado ao recordar a infantil cena, voltou a ver-se golpeando o inerte líquido enquanto Roger não cessava de rir.
Algo tinha mudado entre eles. Soube assim que descobriu que se acontecesse de novo, abrir-lhe-ia os braços para que se unisse ao seu corpo molhado. Morta de calor por seus pensamentos, dirigiu o olhar para uma tapeçaria onde havia figuras de mulheres embelezadas com roupa desgastada pelo uso. A ambos os lados tinham umas cestas de vime e, pelos objetos que elas seguravam em suas mãos e tentavam limpar na água, deduziu que se tratava de uma cena habitual entre lavadeiras. Mas o que chamou verdadeiramente a atenção de Evelyn, que não pôde deixar de olhar, foi um imenso tecido que permanecia sozinho ao final da sala, justo atrás da cadeira que Roger devia ocupar. Imaginou-o ali sentado, conversando com alguns convidados e exibindo a magnitude que projetava a tapeçaria sobre ele. Evelyn caminhou para o inerte objeto. Sua fascinação aumentou ao contemplá-lo de perto. O imponente cavaleiro vestido com uma armadura cinza montado sobre um corcel branco que elevava suas patas dianteiras era tão majestoso que esticou a mão para tocá-lo.
? Você gosta? ? Roger, sem deixar de observar a sua esposa, colocou-se atrás dela, segurou-a pela cintura e apoiou seu queixo sobre o ombro direito da mulher.
? Quem é? ? Perguntou intrigada.
? Segundo o vendedor é dom Juan da Áustria9.
? O que representa? ? Voltou a perguntar sem diminuir seu desejo por descobrir o que havia atrás do cavaleiro.
? A batalha do Lepanto10. Vê o fogo que há ao fundo? ? Evelyn assentiu. ? Conforme me narrou o comerciante de quem o comprei, são os últimos povos turcos que batalharam com ardor.
? É lindo... ? sussurrou.
? Sim, também me parece isso. Por isso regateei seu preço. Embora soubesse que valia o que me pedia o comerciante, não estava disposto a perder minha pequena fortuna nele. Bom, minha querida esposa, prosseguimos ou seguimos aqui parados observando um cavaleiro sobre seu garanhão?
? Continuemos... ? respondeu aceitando sua mão.
? Estupendo, porque estou desejoso de te mostrar nosso quarto ? disse-lhe em voz baixa.
A Evelyn se fez um nó na garganta.
? Tudo o que vê ? começou a contar enquanto se afastavam da sala de jantar e se dirigiam para as escadas que os conduziriam ao andar superior ? foi adquirido em minhas explorações.
? Viajou tanto?
? Muito. Se a memória não me falhar, desde os vinte anos. Quando consegui o Liberté, meu navio ? comentou com orgulho.
? Deve ser lindo navegar por alto mar e poder visitar novos e paradisíacos lugares ? apontou Evelyn manifestando entusiasmo.
? Às vezes sim e outras nem tanto...
? Quando não? ? Virou-se para ele e o olhou sem pestanejar.
? Quando se tem uma mulher tão bela como você e não pode me acompanhar ? respondeu zombador.
? É um canalha... ? disse ao mesmo tempo em que desenhava um extenso sorriso.
? Sei ? respondeu antes de beijá-la.
Subindo as escadas mais rápido do que deveria, Roger foi lhe explicando onde dormiam as pessoas que tinha conhecido na entrada, onde permaneceriam os convidados quando decidissem os visitar e por último a conduziu para seu quarto.
? Adiante... ? disse após abrir a porta e deixando-a entrar primeiro ? pode entrar no lugar onde passaremos a maior parte das nossas vidas.
Evelyn entrou com certo temor. Não sabia o que encontraria em um lugar tão íntimo para seu marido. De repente, assaltou-a a dúvida. Perguntou-se se de verdade ela desejava descansar durante o resto de sua vida ao seu lado. Até agora não tinha sido consciente do que isso significava. Achava-se em uma nuvem, em um momento de êxtase desmesurado que mal lhe permitia pensar com claridade. Era suficiente uma vida sexual ativa para viver um matrimônio com plenitude? Olhou de esguelha a seu marido. Este mostrava o mesmo entusiasmo que um menino ao ter em suas mãos um presente. Por que ele não sentia medo? Por que mostrava tanta segurança? Não soube responder, embora umas palavras aparecessem em sua mente golpeando com força: «Meu amor», tinha lhe sussurrado Roger quando dormiram juntos, mas isso não a tranquilizava.
Scott tinha utilizado as mesmas palavras para enrolá-la, para atrai-la como faz o mel a um urso. E depois? Depois partiu.
De todos os modos não podia compará-lo com aquele titã que a observava com entusiasmo, eram diferentes e a situação também: Scott procurava o matrimônio enquanto Roger o tinha obtido sem desejá-lo. Suspirou várias vezes e, apesar do tremor de suas pernas, caminhou pelo interior do dormitório. A primeira impressão que teve foi de amplitude. Sim, era o maior quarto que já tinha visto. Podia albergar, com facilidade, duas vezes o seu de Seather. Frente a ela duas cortinas de cor negra se amarravam a cada lado da janela. Devagar, com muita calma inclusive, prosseguiu divisando cada objeto, cada elemento que guardava Roger nela. Abriu os olhos como pratos ao contemplar a cama.
Estava segura de que, embora estirasse seus braços e pernas por ela, nunca tocaria o final de cada extremo. Sorriu de lado. Era lógico que seu marido teria adquirido o leito mais colossal de qualquer loja, posto que facilmente ultrapassasse vários palmos daquele que se autoproclamara o homem mais alto de Londres. Sobre a colcha de cor vinho, três grossos almofadões lhe ofereciam uma visão confortável. Desejou pegar um e apertá-lo para confirmar sua suavidade, mas desistiu. Já o faria em outro momento. Olhou para cima apreciando a largura do dossel. Entrecerrou os olhos para tentar averiguar o que indicavam os desenhos esculpidos na madeira escura, mas de onde se encontrava não distinguiu nenhum. Continuando, cravou suas pupilas nas cortinas que pendiam do dossel. Estavam bordadas em ouro? A cor dourada daqueles objetos era realmente ouro?
Voltou a vista para seu marido. Este permanecia no marco da porta com os braços e pernas cruzadas. Tentava aparentar que estava relaxado, mas tal como apertava a mandíbula, Evelyn soube que não o estava.
? Um sultão me deu isso de presente ? disse com voz sussurrante. ? Eu jamais compraria uma coisa tão ostentosa.
Não lhe respondeu com palavras, só assentiu e continuou investigando. Ao pé da cama um enorme tapete de cor azul marinho convidava a ser pisado sem sapatos que entorpecessem a captação da suavidade de seu tato. Dirigiu seus olhos para o sofá. Não, não era um sofá qualquer, era um interminável divã. Se ela tentasse tombar-se sobre ele a pele que o forrava a faria escorregar até terminar sobre o chão.
? Sou grande... ? assinalou ao vê-la tão assombrada pelas dimensões da poltrona.
Evelyn respondeu a sua afirmação com um grandioso sorriso. Não precisava indicar que seu tamanho era bastante considerável, já o tinha percebido no dia em que apareceu no funeral de seu irmão. Sempre se complexou por sua altura, era a mais alta de suas amigas, mas no dia que Roger apareceu ao seu lado teve que levantar muito a cabeça para poder conseguir o olhar aos olhos.
Descalçou-se. Não devia fazê-lo, mas não queria manchar com as solas de seus sapatos o lindo tapete. Caminhou sobre este até alcançar uma estante que ocupava todo o comprimento da parede e que se achava entre o balcão e a chaminé. O normal, o habitual para outros, era ter uma biblioteca no piso de baixo. Pelo menos assim o tinha o resto do mundo. Mas pouco a pouco ia confirmando que seu marido era um homem peculiar e muito distinto a todos os que tinha conhecido.
? Eu gosto de ler sem que ninguém me incomode ? esclareceu de novo Roger ao observar as caretas de estranheza que mostrava sua mulher em cada coisa que achava.
? Não interprete mal minhas reações ? apontou virando-se sobre si mesma. ? Tudo o que encontrei até o momento não me produziu mal-estar, mas sim fascinação. Resulta-me incrível que um homem como você tenha adequado seu lar com tanto... como o diria? ? Pôs os olhos em branco ao não encontrar a palavra exata.
? Aprimoramento? ? Interveio divertido.
? Sim, aprimoramento está bem ? sorriu.
? O que imaginava? ? Endireitou-se e caminhou para ela. ? Como pensou que seria meu lar? ? Parou antes de chegar ao tapete.
? Tenha em conta que o único que escutei de ti em Londres foi que era um libertino, um homem enlouquecido por levantar as saias de todas aquelas mulheres que se abanavam com suas próprias pestanas. Sem esquecer a fama de bebedor e jogador inveterado ? continuou sorrindo apesar de o haver definido como um indesejável.
? Os rumores exageram... ? grunhiu.
? Isso vejo... ? sussurrou com um suspiro. De repente seus olhos se cravaram em uma porta que havia atrás das costas de Roger.
? É só o cômodo de asseio. ? Seu tom de voz voltou a ser sussurrante. ? Mas estou pensando em deixar a porta fechada por uns dias, possivelmente até dentro de vários meses...
A intriga a fez correr para aquela entrada, esticou a mão e quando abriu a porta ficou atônita. Suas pestanas tocaram de novo suas sobrancelhas e mal pôde fechar a boca. Era de esperar que fosse grande, mas nunca imaginou que uma banheira pudesse ter a largura e a profundidade de um pequeno lago. As paredes não estavam revestidas de papel ou de grossas capas de pintura, mas sim de lâminas retangulares de porcelana cor marfim. A privada, do mesmo material, tinha um depósito do qual pendia uma corda. Voltou-se para Roger sem poder conter seu assombro.
? Sei, ? comentou Roger com uma estranha mescla de entusiasmo e medo ? nunca viu algo semelhante.
? De onde...? Como conseguiu...?
? Pois não sei te dizer a procedência desta magnífica banheira. ? Levou a mão direita para a barba e a acariciou devagar. ? Depois de me haver descrito com tão hábeis palavras, o que pensará quando te disser que esta beleza a descobri em um bordel de Paris?
? Em um bordel?! ? Arqueou as sobrancelhas e seu assombro aumentou até limites incalculáveis.
? Vê? Sabia que ia pôr essa cara! ? Disse divertido. ? Evelyn, querida, nenhuma das tinas que vi em Londres podiam albergar meu tamanho. Cada vez que tentava me assear tinha que fazê-lo por partes.
? Claro... e viajou até Paris e se meteu em um bordel para encontrar o que necessitava ? interrompeu lhe com uma mescla de ira e sarcasmo. Roger esticou sua mão, mas ela esquivou-se do roce.
? Não foi assim exatamente... ? Deixou que ambas as mãos se estendessem para o chão. ? Em uma de minhas viagens a França conheci um cavalheiro que frequentava os ditos locais pecaminosos. Um dia tinha tomado mais taças das quais pude suportar e me ofereceram um quarto onde passar meu estado de embriaguez. Então, ao abrir a porta para me refrescar, fiquei fascinado por essa imensa banheira. Perguntei à madame quem tinha construído essa impressionante banheira e me deu com rapidez a direção do arquiteto.
? É óbvio... pergunto-me... o que lhe ofereceria para que atuasse com tanta prontidão? ? Disse com aparente desdém enquanto caminhava para o imenso espelho que se encontrava no lado oposto da grande tina. Olhou para um lado e logo para o outro e lhe parou o coração ao compreender que o que acontecesse dentro daquela banheira refletir-se-ia no espelho.
? Tratava-se de um afamado italiano que estava acostumado a passar longas temporadas em Paris para prover seus clientes de espetaculares quartos de banho ? continuou falando para não dar importância ao pequeno ataque de ciúmes que mostrou sua mulher. Devia zangar-se ante uma atuação tão infantil, mas lhe produziu o efeito contrário, sentiu-se tão orgulhoso que lhe alargou ainda mais o peito. ? Falei com ele, convidei-o a vir a Londres e quatro meses depois de sua chegada meu pequeno paraíso relaxante estava construído.
? Não sei o que pensar... ? disse um tanto aturdida.
? Comentei-te que não me importava seu passado e que esperava que não julgasse o meu ? comentou com voz pesarosa. Aproximou-se dela muito devagar, virou-a para ele e a olhou fixamente. ? Evelyn, a mim só interessa quem é agora, não o que foi antes de me conhecer.
? Sim, já me advertiu disso, mas por mais que o tente, não posso diminuir uma estranha ira que cresce em meu interior ao pensar que outra mulher esteve aqui e que gozou de suas carícias aí dentro ? resmungou.
? Não trouxe nenhuma mulher à minha casa salvo a ti ? apontou antes de soltar uma gargalhada. ? É a única que pôs seus bonitos pés neste lugar ? disse aproximando seus lábios dos dela. ? E a única que o fará...
? Jure! ? Gritou afastando o rosto para que não a beijasse.
? Juro-lhe isso... ? suas mãos apanharam o rosto de Evelyn e a imobilizou para finalizar o que se propôs, beijá-la.
Quando abriu os olhos descobriu que se achava no quarto. Roger a tinha pousado sobre o tapete. Suas mãos se dirigiam para os laços do vestido com a intenção de despi-la para possui-la outra vez. Fechou-os de novo fazendo com que se intensificassem os roces dos dedos ao caminhar pelas costas. A língua masculina percorria o interior de sua boca provocando umas suaves e cálidas carícias. Face aos sutis movimentos, sua dominância, seu desejo de fazê-la sua percebia-se com claridade. Cada beijo que lhe oferecia era diferente do anterior. Evelyn, nas nuvens, rememorou a sensação que obteve a primeira vez que suas bocas se uniram. Não havia ternura nele. Não encontrou calidez em seu primeiro beijo, só luxúria. Entretanto desde que dormiram juntos, antes de empreender a volta a Londres, seus beijos se enterneceram até tal ponto que começaram a destruir o objetivo que a conduziu a seduzir seu marido. Respirou profundamente quando Roger liberou sua boca. Esta, que mal podia fechar-se, necessitava que continuasse beijando-a, conquistando-a, desfrutando-a.
? Tenho que confessar que ia te dar um tempo para que descansasse depois da viagem, ? comentou Roger com voz oprimida. Ajoelhou-se ante ela, colocou suas mãos sob o vestido e foi baixando com lentidão as meias ? mas temo que não lhe vá conceder isso.
Evelyn jogou a cabeça para trás e soltou uma sonora gargalhada. Não estranhou escutar aquela insinuação de seu marido. E mais, teria lhe entristecido que a tivesse deixado sozinha. Com urgência levantou seus pés para despojar-se do suave tecido. Notou que Roger pousava sobre cada perna uma mão e as acariciava com incrível tranquilidade. Cada ascensão e descida sobre seu corpo o desfrutava tanto que começou a sentir a opressão de seu peito contra o vestido e uma incontrolável calidez sob seu ventre.
? É formosa, descaradamente formosa... ? sussurrou enquanto dirigia as palmas para o sexo de sua esposa. Roçou levemente seus lábios úmidos com os polegares, impregnando-os de seu mel. Aquele sutil gesto provocou o que tanto ansiava, que lhe permitisse continuar. ? Segure-se nos meus ombros, vou beber de seu doce manancial.
Açoitada pela paixão que começava a despertar em seu interior, ela pousou seus trementes dedos sobre cada uma das partes superiores do torso masculino. Voltou a abrir sua boca ao notar como a língua de Roger lambia seu interior. Pressionou com mais força o corpo de seu marido ao sentir a pressão dos dentes sobre suas saliências inchadas. Ele os puxava e colocava a boca no interior para absorver sua essência. Encontrava-se extasiada. Tanto que podia roçar com a gema de seus dedos aquilo que denominavam loucura. Ele era fogo, chamas que a queimavam e a faziam derreter-se quando a tocava.
? Não me saciarei nunca de ti ? murmurou antes de incorporar-se e beijá-la. ? Nunca ? sussurrou depois do beijo.
? Hoje quero fazer uma coisa...
? O quê? ? Colocou suas palmas sobre as maçãs do rosto de Evelyn e a atraiu para ele para beijá-la de novo.
? Não recordo... ? sussurrou sem voz.
? Então... enquanto se lembra... ? a conduziu devagar para trás até que as costas da mulher tocaram a parede. ? Deixe que eu faça outra...
A mão masculina foi descendo pela figura de Evelyn. Acariciou o decote, colocou os dedos no interior do objeto e tirou um mamilo. Deixou de beijar os lábios femininos para dirigir-se para o duro botão. Mordeu-o, sugou-o ao mesmo tempo em que aquela mão travessa continuava a trajetória para a perna esquerda da mulher.
? Minha pequena bruxa... ? murmurou estrangulado pelo desejo. ? Por mais que o tento... não posso me saciar de ti. ? Içou a mão pela coxa até que chegou ao epicentro de Evelyn. Voltou a procurar o pequeno e inchado clitóris. Ao achá-lo, acariciou-o com a mesma intensidade que a primeira vez. Entretanto nessa ocasião procurava algo mais pecaminoso, mais desonroso. Não pararia até que o interior das coxas de sua esposa terminasse banhados por seu suco. Mais tarde, quando ela estivesse exposta, percorreria cada milímetro de sua pele com a língua.
? Roger! Roger! ? Gritou Evelyn como uma louca. ? Roger!
? Sim, pequena bruxa ? sussurrou-lhe enquanto mordia e lambia o lóbulo direito feminino. ? Diz meu nome. Grite ao mundo inteiro quem é seu marido, quem te ama e quem te deixa louca de luxúria. ? Com cada palavra, com cada pressão de seus dentes na orelha, o dedo do homem se introduzia e saía do sexo feminino como se fosse seu membro ereto. Não parou até que notou a sacudida do orgasmo, até que Evelyn vincou os dedos de seus pés, até que molhou suas pernas. ? Desejo-te tanto... ? continuou sussurrando sem deixar de lhe beijar o rosto. ? Necessito-te mais do que imagina...
? Roger... conseguiu dizer. Suas bochechas ardiam, seus olhos brilhavam e o corpo inteiro seguia submetido a contínuas convulsões.
? Diga-me...
? Deixa-me que te dispa?
? Me despir? ? Perguntou assombrado.
? Sim, isso é o que queria te dizer. ? Sorriu com suavidade.
? Se é o que deseja, aqui me tem ? respondeu Roger dando duas pernadas para trás e abrindo os braços em cruz. ? Sou teu e pode fazer o que desejar.
Teve que respirar várias vezes antes de aproximar-se. Não sabia como começar. Sua cabeça seguia dando voltas e se envergonhava ao notar que suas coxas estavam úmidas de sua própria essência. Respirou. Suspirou. E depois de uns instantes duvidosos, caminhou para ele. Tirou o nó da gravata e a lançou para algum lugar do quarto. Logo continuou com a jaqueta. A passagem desta pelo corpo rude e musculoso fez com que seu coração golpeasse com força contra o peito. Sem jeito foi desabotoando a camisa. Esta caiu ao chão sem esforço algum. Ao observar aquele peito mordeu o lábio inferior e seus olhos brilharam tanto que nenhuma estrela do firmamento pôde assemelhar-se. Pousou suas mãos sobre o torso nu, que ascendia e descia agitado pelo desejo e o acariciou regozijando-se em cada milímetro de pele. Sorriu satisfeita ao ver como seu marido fechava os olhos e inspirava com força. Excitava-o. Suas carícias, seus toques, enlouqueciam-no. De repente Roger gemeu com mais ímpeto do que tinha esperado. Evelyn o olhou desconcertada pela inesperada reação.
? É uma tortura que me toque e que eu não possa fazê-lo ? assinalou desenhando um malicioso sorriso em seu rosto. ? Se seguir assim, temo que terminarei ajoelhado de novo.
Evelyn entrecerrou seus olhos o advertindo, com essa forma de olhar, que não se movesse. Era seu momento, seu desejo, seu grande prazer. Face à advertência de como terminaria se seguisse o torturando daquela maneira, não cessou de o acariciar, de enredar entre seus dedos o loiro pelo. Percebeu, surpreendida, que a ele também endureciam os diminutos mamilos. Sem pensar duas vezes, dirigiu sua boca para eles e os mordeu. Então descobriu que ele sofria os mesmos espasmos que ela ao ser assaltada nessa zona erógena. Com um enorme sorriso pelo deleite da experiência, olhou-o com descaramento enquanto baixava devagar suas mãos para a calça. Desabotoou o botão e deixou que este descesse com a mesma lentidão que a camisa. Roger sacudiu rapidamente as pernas, lançando o objeto mais longe que onde terminou a gravata.
? Não me deixará assim, não é? ? Exigiu saber com uma mescla de agonia e desespero.
? E se o fizer? ? Respondeu desafiante.
? Esquecer-me-ei, de repente, da última norma que acrescentou na estalagem ? disse zombador.
Evelyn mordeu outra vez o lábio inferior. Cravou o olhar no vulto da calça e entrecerrou os olhos. Ele era grande e seu sexo também. Prova disso era que, apesar da pressão da roupa de baixo, sobressaía por cima desta. Atordoada pelo frenesi colocou as mãos no interior do calção e segurou entre elas o duro membro. Essa carícia, esse leve contato de suas palmas com a ereção, fizeram com que todo o corpo masculino começasse um balanço compassado. Seu marido, com os olhos fechados e com a cabeça inclinada para trás, começava a mover-se da mesma forma que estava acostumado a fazer quando se introduzia em seu interior. Devia afastar as mãos, devia retirar-se ante tal obscenidade, mas não o fez. Ficou ali parada, contemplando o pausado movimento continuado até que escutou um grito de seu marido. Não foi um alarido usual. Foi mais um comprido e profundo uivo que provinha do mais profundo de Roger. Tinha liberado de novo a besta? Ou melhor... o monstro tinha liberado seu marido? Ao afastar as palmas sentiu como algo úmido a queimava. Curiosa por averiguar o que era aquilo que lhe produzia tanto calor, aproximou-as do rosto. «OH, Meu Deus! ? Exclamou para si. ? É sua semente!».
? Jamais... ninguém... nunca... ? começou a dizer Roger aturdido. Despojou-se do objeto que cobria seus quadris e avançou para sua mulher com passo firme, sólido, enérgico. ? Ninguém, Evelyn, ? sublinhou com vigor ? conseguiu de mim o que você obteve. ? Abriu seus braços para que ela se aproximasse de seu corpo e quando a teve perto de seu peito, apertou-a com força. ? É única, meu amor. Única.
O que devia pensar? Desejava que aquelas palavras fossem verdade? Sim, desejava-o. Necessitava que não a tratasse como outra mais. Que quando partisse e a deixasse sozinha na casa, não procurasse outras carícias que não fossem as suas. Não, já não. Evelyn queria ser a única.
? E agora deveria tirar esse lindo vestido azul se não quiser que termine empapado ? advertiu.
? Empapado? ? Distanciou-se dele e arqueou as sobrancelhas.
? Crê que o que fizemos foi suficiente? Não, minha pequena bruxa, isto foi só o princípio de uma longa jornada de amor. ? Sorriu. ? E o primeiro lugar onde vou possuir-te nesta casa ? sussurrou-lhe no ouvido ao mesmo tempo em que a elevava de novo em seus braços ? será nessa imensa banheira. Estou ansioso por ver como seu corpo pula sobre mim enquanto a água se agita pelo ardor da nossa paixão.
? Está louco... ? respondeu antes de esboçar uma pequena risadinha e mover as pernas.
? Por ti ? disse tão baixinho que Evelyn não pôde escutá-lo devido ao som de sua própria risada.
XXVIII
A água já estava morna, mas ao manter-se perto de Roger logo notou como diminuía a temperatura. Sentada sobre ele admirava a fortaleza de suas pernas e a longitude de seus pés. As mãos masculinas não cessavam de acariciá-la, de apalpá-la sem cessar, mas o que encantou realmente Evelyn não foi o magnífico corpo de seu marido, mas sim os momentos de risadas que passaram dentro daquela banheira. Ambos sentiam uma pequena dor em suas mandíbulas de tanto rir. Recordaram o dia que se conheceram, as bodas, a partida e o acontecido depois da volta.
Narrou-lhe como foi despachando um a um aos cavalheiros que a visitavam em seu lar com o propósito de convertê-la em sua amante. Evelyn percebeu como o corpo masculino se esticava ao lhe narrar aqueles momentos, mas o tranquilizou enchendo-o de beijos e carícias. Falou-lhe de sua viagem, dos lugares que visitou durante os sete meses fora de Londres. As tempestades que sofreu em alto mar, como atuava sua tripulação e como terminou por descobrir que aquilo que lhe proporcionava mal-estar em suas vísceras era somente a necessidade de retornar à sua terra natal e enfrentar com integridade seu futuro.
? E de repente, ? disse esticando os grandes braços para abraçá-la ? observo que todos os olhares dos cavalheiros se dirigiam para um ponto da sala. ? Seu queixo pousou sobre o ombro da mulher, acariciando com seu fôlego a aveludada pele da Evelyn. ? Olhei para essa parte do salão e...
? E? ? Insistiu a mulher voltando-se para ele. Sentou-se sobre seus quadris, as pernas se cruzaram pelas costas e ambos os torsos voltaram a unir-se.
? E encontrei uma pequena bruxa de cabelo cor de fogo exibindo em um lindo vestido vermelho com um delicioso decote que me convidava a pousar meus lábios nele. ? Elevou o queixo para contemplar a diversão que expressava o rosto de sua esposa e a beijou.
? Por que não cessa de me chamar assim? ? Colocou suas mãos sobre o rosto masculino e afastou as mechas loiras que a impediam de ver os azulados olhos.
? Minha pequena bruxa? ? Perguntou enquanto desenhava um sorriso. Evelyn assentiu. ? Porque é a única mulher que foi capaz de me enfeitiçar ? esclareceu com voz serena, pausada e firme.
Os braços femininos se entrelaçaram de novo no pescoço de seu marido. Aproximou a boca e o beijou. A pequena amostra de carinho despertou de novo a luxúria em Roger. Pousou suas mãos nas costas de Evelyn e a acariciou como se fosse uma frágil flor. Voltaram a agitar a água, voltaram a esquentar o interior da banheira, voltaram a deixar-se levar por aquele insaciável desejo por converter-se em um só ser.
Quando terminaram Evelyn pousou a testa sobre o peito agitado de seu marido. As bochechas se converteram em duas pequenas bolas de fogo. Extasiada e cansada, suspirou.
? Acredito que vai sendo hora de te oferecer um descanso ? murmurou Roger depois de afastar com certo desagrado o corpo de sua mulher do dele. ? Se continuo assim, poderia te matar.
? Não me acompanha? ? Levantou-se com cuidado para não escorregar e esperou que seu marido a ajudasse a sair dali.
? Tenho que falar com o John de certos temas ? indicou cobrindo a nudez de Evelyn com uma toalha branca. ? Estou muito tempo fora de casa e tenho que me pôr em dia. ? Elevou-a em seus braços e a conduziu até a cama. Estendeu-a com supremo cuidado e se colocou sobre ela. ? Prometo-te que assim que arrumar meus assuntos subirei para te fazer amor até que amanheça.
? Sabe? ? Disse elevando de novo os braços e enredando-os no pescoço de Roger. ? Isso mesmo me sugeriu na primeira noite na casa dos Rutland.
? Pois como comprovou, sempre cumpro minhas promessas. ? Abaixou sua cabeça e a beijou.
Custava-lhe deixá-la ali sozinha, mas seu dever como dono de certos negócios lhe reclamava. Era certo que tinha passado muito tempo fora de seu lar e estava seguro de que John ocupou seu posto com acerto. Entretanto devia confirmar que certos temas seguiam controlados, sobretudo aqueles dos quais tanto recusava falar com Evelyn e que possivelmente os distanciaria. Depois de vestir-se com uma calça e uma camisa, desceu ao escritório.
John não demorou a aparecer. Era tão desconfiado que houvesse sentido a presença de Roger na pequena sala.
? Pensei que não sairia daquele quarto até passada uma semana ? disse o índio zombador.
? Mentiria se te dissesse que não o pensei, mas algo me diz que tem notícias frescas, estou certo? ? Levou a taça para a boca e arqueou as sobrancelhas.
? Apareceu quando partiu ? comentou John enquanto se aproximava da licoreira para acompanhar seu amigo. ? Parece que tem um dom especial para saber quando e onde aparece.
? Costuma acontecer quando seu sangue é o mesmo que o meu ? grunhiu. Caminhou pesado para a poltrona que havia junto à chaminé e se sentou de repente.
? Falou com Sophie, já sabe que é incapaz de dirigir-se a mim, dou-lhe asco. ? Dirigiu-se para seu amigo e se sentou ao seu lado.
? Acredito que a palavra acertada é ódio. Não pode suportar o fato de que me salvou de suas garras. ? Sorriu de lado. Depois de manter uns instantes de silêncio, prosseguiu: ? Com que propósito apareceu em meu lar desta vez?
? Convidá-los à sua casa ? disse ao mesmo tempo em que cravava seus olhos marrons nos de seu amigo.
? Convidar-nos? ? Reclinou-se do assento e apertou a taça com força.
? O que esperava? Já não tem uma rocha em seu caminho, mas sim duas.
? Nela não tocará! Jamais a alcançará! ? Clamou zangado ao mesmo tempo em que lançava o copo para o interior da chaminé. ? Antes ponho fim à sua asquerosa vida com minhas próprias mãos.
John, imperturbável, reclinou-se sobre o assento, voltou a tomar um sorvo de sua bebida e refletiu durante um bom momento. Se seus espíritos tinham razão, se o que eles lhe indicavam era certo, Roger não devia recusar o convite. Precisava enfrentar, de uma vez por todas, a maldade de sua mãe e, se suas premissas não erravam, sua esposa o salvaria do inferno no qual vivia desde pouco mais de uma década.
? Como vai tudo por Children Saved? ? Mudou de tema.
? Bastante bem. Falei com seu administrador e por agora todas as necessidades estão resolvidas. Essa última viagem encheu as arcas da residência. Entretanto...
? Entretanto? ? Repetiu Roger intrigado.
? A pequena Natalie está muito triste. Não para de perguntar onde está seu irmão e acredito que deveria visitá-la o antes possível. Faz uns dias esteve bastante doente. O médico disse que era próprio de sua idade, mas não estou muito seguro disso. Desde esse dia mal pode sair da casa. Passa as horas no quarto e sua mãe está muito preocupada.
? Amanhã sem falta irei visita-la. Não quero que pense que a abandonei. É muito pequena para compreender certos temas. ? Roger esticou as pernas, acariciou a barba e adotou um olhar pensativo. De repente rompeu seu silêncio. ? Apareceu durante minha ausência algum mais?
? Não. Seguem sendo vinte ? respondeu antes de levantar-se, andar para o móvel bar e encher seu copo de novo. ? Um charuto? ? Perguntou mostrando a caixa em que guardava os melhores charutos.
? Não. Deixei de fumar faz uns dias. Evelyn não gosta do aroma de tabaco ? esclareceu sem oferecer emoção alguma.
? Essa mulher... ? começou John a dizer sem poder eliminar o sorriso de seu rosto.
? Essa mulher... ? insistiu Roger entrecerrando seus olhos e apertando os dentes.
? Calma, não vou dizer nada mau dela ? expôs antes de soltar uma gargalhada ao ver como seu amigo ficava na defensiva.
? Essa mulher, minha mulher, é intocável ? sentenciou. ? Por isso não quero que ela se aproxime de Evelyn. Irá destrui-la como tem feito com todos aqueles que se interpõem em seus propósitos.
? Duvido muito que sua mãe se arrisque tanto...
? Você não a conhece como eu ? resmungou. ? Tem suas mãos manchadas de tanto sangue inocente que lhe resulta impossível continuar sem ele. É uma víbora, um ser sem escrúpulos.
? Se eu estivesse em seu lugar pensaria seriamente em fazê-la parar de uma vez ? disse John enquanto caminhava para a janela. Um sorriso se desenhou em seu rosto ao observar como Sophie agitava uma bengala para tirar o pó dos tapetes que tinha estendidos sobre uma corda.
? Se decidisse por tal coisa, primeiro teria que matar meu irmão e, neste momento, não quero fazê-lo. O que faria Evelyn com seu marido encarcerado?
? Não pensaste que algum dia terá um filho e eles poderiam tentar conseguir o que não fizeram contigo? Mataram a uma dezena, o que importa mais um? ? John, apesar de ter o olhar sobre a mulher que amava, não a observava. Seus pensamentos estavam em outra parte do mundo.
? Evelyn não pode ter filhos ? grunhiu Roger ao mesmo tempo que se levantava e se dirigia para o porta-garrafas. ? Conforme entendi, ao perder o que esperava sofreu uma infecção ou algo similar e ficou estéril.
? Esteve casada? ? John virou a cabeça para seu amigo e entrecerrou seus olhos. Se for certo, se ela tinha vivido um matrimônio anterior, não seria a mulher que lhe indicaram seus ancestrais. Estes falaram de uma mulher sem enlace, de uma mulher quebrada pela tristeza de um passado tortuoso e que só acharia a paz quando seu amigo estivesse à beira da morte.
? Casada não, comprometida sim. Mas o compromisso se rompeu. Aquele malnascido a abandonou quando descobriu que a riqueza familiar tinha desaparecido depois de um mau investimento do pai dela ? explicou apertando a mandíbula.
? Poderia procurá-lo. Sabe que sou bastante hábil em encontrar pessoas desaparecidas ? comentou ansioso de que seu amigo lhe dissesse que sim.
? Não quero investigar o passado da Evelyn. Prometi-lhe que só me interessa saber o que faz desde que nossas vidas se cruzaram ? assinalou antes de voltar a tomar o líquido ambarino de um sorvo.
? Como quiser... mas tenho que te advertir que me entristeceu sua decisão.
? Mas como? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Faz muito tempo que não escalpelo ? assinalou antes de soltar uma gargalhada.
XXIX
Evelyn esticou as mãos para o lugar onde devia permanecer Roger, mas ao não o achar abriu os olhos. Sentou-se na cama ocultando sua nudez com o lençol e o buscou com o olhar. Não estava. Partira. Suspirou pelo pesar que lhe produzia não o ter ao seu lado e voltou a recostar. Fixou suas pupilas no dossel e tentou rememorar onde podia estar. Entretanto, em vez de recordar as conversações que mantiveram para conseguir responder-se, sua mente lhe ofereceu as imagens deles dois amando-se durante a noite. O corpo de seu marido sobre o seu, esquentando-o, fazendo-o arder de desejo... rodando ao longo da cama, sempre unidos, sempre se tocando. Não havia uma só parte de seu corpo que Roger tivesse deixado sem acariciar. Sorriu ao apreciar que, com somente recordando necessitava-o de novo. Assombrada pelas emoções que tinham despertado nela, voltou a elevar-se e procurou algo com o que cobrir sua nudez. Precisava sair daquele quarto onde seus pensamentos pecaminosos não tinham fim. Pousou seus pés no chão e se dirigiu para varanda, abriu as cortinas e viu que na entrada estava estacionada a carruagem na qual devia chegar Wanda. Procurou com o olhar a bata que na noite anterior Roger lançou para algum lugar do quarto e, depois de achá-la atrás do divã, correu para colocá-la.
? Wanda! ? Exclamou baixando as escadas como uma menina alterada.
? Senhora... ? comentou a donzela assombrada ao ver Evelyn vestida com uma simples bata e com os cabelos alvoroçados.
? OH, Wanda! Quanto senti saudades! ? Disse ao abraçá-la.
? Duvido que o tenha feito vendo-a dessa forma ? resmungou a criada.
? Não seja má... ? deu uns passos para trás e se ruborizou.
? Vejo que seu plano está sendo eficaz ? sussurrou-lhe.
? O plano ? retrucou ? desapareceu. Agora não quero descobrir quem é meu marido, mas sim desfrutar da vida que tanto deseja me oferecer.
Wanda esteve a ponto de soltar um enorme insulto quando Sophie apareceu de algum lado da casa.
? Deseja tomar o café da manhã? ? Perguntou a Evelyn com interesse.
? Sim, claro. Muito obrigada Sophie por ser tão atenciosa ? comentou com um sorriso.
? Tomar o café da manhã? ? Inquiriu Wanda com um sussurro. ? Eu diria que é a hora do almoço ? replicou.
? Esta noite não pude descansar tudo o que precisava ? alegou sem deixar de ruborizar-se. ? Sophie ? chamou a atenção da criada que já tinha começado a dirigir-se para a cozinha. ? Poderia nos levar o café da manhã em meu quarto?
? É claro, senhora ? afirmou fazendo uma leve reverência.
? Vem! ? Evelyn pegou a mão de Wanda para fazê-la subir as escadas com rapidez. ? Vou mostra-te a casa!
Depois de lhe mostrar o dormitório que tinham preparado para ela, conduziu-a para seu quarto. Os olhos da criada não tinham sido capazes de fechar-se nem um só instante. Mostrava a mesma expressão de assombro que ela ao compreender como era o interior da casa de seu marido.
? E este é nosso quarto ? indicou quando abriu a porta.
? Nosso? ? Quis saber ao mesmo tempo em que arqueava as sobrancelhas.
? Meu marido não deseja descansar afastado de mim ? expôs ruborizada.
? E muito temo que você tampouco fosse capaz de descansar sem sua presença, equivoco-me?
? As coisas mudaram! Tudo mudou! ? Exclamou virando-se sobre ela mesma um par de vezes. ? Não é o homem que me disseram. Não é o homem que acreditei!
? Bom... ? começou a dizer enquanto procurava um assento ? isso deve me alegrar.
? Claro que sim! ? Caminhou para ela, ajoelhou-se e pôs sua cabeça sobre os joelhos de Wanda. ? Nós duas temos que nos alegrar! Por fim viveremos felizes...
A donzela acariciou o cabelo de Evelyn ao mesmo tempo em que suspirava com veemência. Esperava, não! Melhor, rogava, que desta vez não lhe rompessem o coração. Porque se acontecesse, se voltassem a destroçá-la, ela não atuaria de maneira passiva. Arrancaria o coração do futuro marquês com suas próprias mãos...
? O que é esse ruído? ? Evelyn se levantou com rapidez e caminhou para a porta. Ao abri-la escutou a voz de uma mulher. Falava com autoridade e elevava seu tom em cada palavra.
? Nem lhe ocorra sair assim! ? Advertiu-a Wanda colocando-se em frente dela. ? Irei ver o que acontece.
Evelyn assentiu, deu uns passos para trás e deixou que saísse. Quando ficou sozinha andou até a cama, sentou-se e apertou as mãos. Quem apareceria no lar de seu marido dando ordens e levantando sua voz de forma desafiante? Olhou para a porta e notou como seu pulso se acelerava. Devia havê-lo suposto. Para chegar a Lonely tiveram que atravessar meia Londres e mais de um londrino saudou a carruagem ao contemplar o estandarte pendurado na lateral deste. Todo mundo saberia que o senhor Bennett tinha retornado. Talvez inclusive alguma de suas amantes descobrisse que Roger permaneceria em seu lar e apareceu demandando aquilo que em seu tempo lhe ofereceu. Sim, devia ser isso. Uma mulher não podia elevar a voz daquela maneira salvo que se zangasse ao ser informada que seu amante se casou e que já não a necessitava. Umas lágrimas começaram a brotar de seus olhos e a tristeza lhe oprimiu o coração. Tinha que havê-lo suspeitado. Tinha que ter considerado que, face à notícia do casamento de Roger, mais de uma mulher não renunciaria a perdê-lo como caso. Quem, em seu são julgamento, desistiria de umas mãos e uma boca como a de seu marido?
? Deus santo bendito! ? Exclamou Wanda depois de fechar a porta atrás de sua entrada. ? Vista-se!
? Quem é?
? Quem é?! ? Repetiu a donzela elevando os braços e pondo os olhos em branco. ? Sua muito ilustre, minha senhora! A própria marquesa de Riderland veio conhecê-la!
? A mãe do Roger? ? Levantou-se de um salto da cama e se levou as mãos à boca.
? A própria! E ela gritou a... Sophie?... ? Perguntou duvidosa ? que não partirá até saber quem é a mulher que conseguiu casar-se com seu filho.
? OH, meu Deus! OH, meu Deus! ? Gritou Evelyn correndo de um lado para outro.
Muito ao seu pesar teve que deixá-la no quarto. Teria gostado de vê-la despertar, observar como lhe brilhavam os olhos ao vê-lo ao seu lado e como estendia os braços para acolhê-lo de novo em seu corpo. Mas tinha outras coisas que fazer antes de retornar a Evelyn. Desceu do cavalo e soltou uma enorme gargalhada quando fixou suas pupilas na entrada da residência.
? Não disse que estava doente? ? Perguntou divertido.
? Prometo-te que assim era ? respondeu John assombrado.
Uma pequena de uns seis anos corria para eles. Seu cabelo ondulado voava sobre sua pequena cabeça e a cor loira se fazia branca quando os raios solares o alcançavam. Agarrava com suas mãozinhas o vestido esmeralda para não cair na corrida. Roger abriu os braços, ajoelhou-se e esperou que a menina impactasse sobre seu corpo.
? Roger! Roger! Retornou! ? Gritou Natalie antes de lançar-se sobre Bennett. ? Senti falta de ti.
? Olá, princesa! Eu também tive saudades. Como está? ? Perguntou sem deixar de abraçá-la. ? John me disse que esteve doente, sinto se não estive ao seu lado, mas tive que partir para um lugar muito longínquo. Embora vejo que se encontra melhor. ? Pegou-a em seus braços e a levou de novo ao interior da casa.
? O senhor Bell disse à mãe que era amigdalite, ? disse com a cabeça elevada e olhando ao seu irmão mais velho com entusiasmo ? e tive que tomar um remédio com um sabor amargo. ? Fez uma careta.
? Vá... e não te recomendou que tomasse muitos sorvetes? ? Disse divertido.
? Gelados? ? Abriu tanto os olhos que o azul de suas pupilas se voltou transparente.
? Já vejo que não... ? sorriu de lado a lado. ? Bom, pois falarei com sua mãe para que nos sirva duas grandes taças de sorvete de baunilha.
? Sim, por favor... ? murmurou Natalie. ? Ela sempre te dá atenção.
? Sua Excelência... ? Ywen, a mãe da menina, fez uma pequena reverência ao vê-lo entrar.
? Bom dia, Ywen. Acredito que Natalie deseja tomar duas bolas de sorvete. ? Deixou a menina no chão e caminhou pela entrada da residência. Tudo estava igual a antes de partir. Graças a Deus nada tinha mudado e esperava que nunca o fizesse.
? Gelado? ? Ywen arqueou as sobrancelhas castanhas e olhou à menina zangada. Natalie se escondeu atrás das pernas de Roger e este voltou a soltar outra gargalhada.
? Se puder nos servir duas taças de sorvete... ? assinalou divertido.
? Zangou-se... ? sussurrou a menina sem mover-se.
? Como sabe? ? Virou a cintura para a direita e a observou jocoso.
? Porque enrugou o nariz...
? Roger, deveria ir visitar os outros. Estarão na estufa ? indicou John.
? Far-me-á a honra de me acompanhar, milady?
Bennett fez uma exagerada reverência à menina.
? A honra será minha, cavalheiro ? respondeu agarrando seu vestido com ambas as mãos e lhe respondendo com outra genuflexão.
Agarrada à sua mão Natalie saltitava em vez de caminhar. Estava tão feliz de ter de novo seu irmão que era impossível andar como lhe indicava sua insistente instrutora. Elevou várias vezes o rosto para confirmar que estava ali, junto a ela, e que nada nem ninguém os separariam jamais.
? Bom dia a todos. ? Roger abriu a porta da estufa e saudou os meninos que se encontravam estudando botânica com a senhora Simon, encarregada de lhes ensinar matérias como álgebra, ciência e piano.
? Roger! ? Exclamaram ao uníssono. Antes que Natalie pudesse lhe soltar a mão os meninos correram para Bennett para abraçá-lo.
? Sua Excelência ? saudou-o a professora com uma reverência. ? Bem-vindo.
? Bom dia, senhora Simon. Que tal foram suas aulas em minha ausência?
? Salvo pelo comportamento habitual do senhor Logan, tenho que lhe dizer que tudo está perfeito ? explicou orgulhosa.
O menino aludido se endireitou, levou a mão à cabeça e soprou. Roger quis censurar e repreender sua atitude, mas quando o olhou aos olhos, viu-se ele mesmo. Nunca tinha sido um bom estudante. Sempre se esquivava das aulas que o aborreciam e desesperava qualquer instrutora que se autoproclamasse tranquila e sossegada. Mas por sorte sua mãe acalmava sua ira quando elogiavam o cavalheirismo, a inteligência e a sensatez de Charles, o filho pródigo, quem deveria ter sido o encarregado de ostentar o título que, por cinco minutos, ele tinha que possuir.
? Não quero voltar a escutar a senhora Simon me indicar que seu comportamento não é o adequado ? disse finalmente. Recordou-se de seu pai. Ali, em frente à porta de seu dormitório com os braços nas costas e elevando o queixo com ímpeto. ? Se em menos de um mês sua conduta não mudar, terei que falar com sua mãe para escolher o que fazer contigo. Não posso perder tempo nem meu dinheiro esbanjando-o naqueles que não o valoram.
? Sim, senhor. Prometo-lhe que mudarei. ? Abaixou a cabeça e apertou os dentes.
«Deus! ? Pensou Bennett. ? Como pode ser tão semelhante a mim?».
? Roger... ? John chamou sua atenção ? o administrador acaba de chegar. Espera-te no escritório.
? Diga-lhe que não demorarei. ? Seu amigo assentiu e partiu. ? Bom, tenho que ir. Espero que os pequenos incidentes não voltem a se repetir. Senhora Simon...
? Senhor Bennet...
Deu-se a volta e caminhou para a porta. Entretanto ficou parado ao ver que Natalie não se movia. Permanecia ao lado da professora.
? Quero escutá-la, se não se importar. Quero aproveitar o tempo e o dinheiro ? apontou a menina muito séria.
Bennett sorriu e continuou seu caminho. Enquanto se dirigia ao escritório recordou o dia no qual apareceu Ywen em Lonely Field. Chorava desesperada enquanto mostrava um bebê nos braços. Ao princípio não quis olhá-lo. Só pensou que era outro mais. Outro ser desamparado ao que, igual aos outros, unia-o o mesmo sangue, mas quando Ywen afastou a manta que cobria o pequeno rosto, Bennett ficou paralisado. Não estava vendo a filha de seu pai, mas sim a sua. Tinha o mesmo tom de olhos, seu mesmo nariz bicudo e o cabelo, aquele diminuto arbusto de cabelo que cobria a cabecinha era do mesmo tom. Nesse momento, ao ver Natalie, compreendeu que todo seu esforço, todos seus pesares valiam a pena se seus irmãos eram tratados com a dignidade que mereciam. Por que deviam sofrer as consequências do egoísmo de um pai incapaz de reconhecer seus bastardos? Além disso, na residência os mantinha a salvo das garras de sua mãe. Ao rememorar o instante em que descobriu as atrocidades que ela realizava para eliminar todas as crianças que nasciam das infidelidades de seu marido, Roger apertou a mandíbula e respirou com profundidade. Não, não lhes ocorreria nada de mau. Ele os protegeria sempre.
? Com os últimos ganhos têm podido resolver todas as faturas. ? O administrador, rodeado de papéis, mostrava a Roger um a um os recibos pagos. ? Tenho que lhe dizer que foi uma ideia excelente cortar os gastos ao fazer com que as mães trabalhassem na residência. Pudemos prescindir de cozinheiras, lavadeiras, donzelas e inclusive várias delas cuidam do jardim melhor que qualquer jardineiro que se orgulhe de sê-lo.
? Alegra-me escutar isso. ? Roger adotou a postura de um homem de negócios. Seu corpo reto parecia mais imenso, se cabia, e suas mãos ocultas atrás das costas o magnificavam.
? Mas também tenho que o advertir que se achássemos mais alguns filhos ilegítimos de seu pai...
? Conforme me informou John levamos um ano sem que apareça nenhum e não acredito que, aos seus setenta anos, possa continuar com esse desventurado costume ? resmungou Bennett.
? Bom, nunca se sabe o que foi capaz de fazer no passado, mas é certo que há um ano ninguém apareceu e duvido que possa engendrar mais filhos devido à sua enfermidade.
? Doente? ? Perguntou franzindo o cenho.
? Sim. Sua Excelência está prostrado no leito ao menos há quatro meses. Segundo meus contatos poderia falecer em qualquer momento e você possuiria o título.
? E como não me fez chegar uma notícia assim? ? Inquiriu furioso.
? Senhor, disse-lhe. Indiquei-lhe na missiva que lhe enviei quando estava navegando que devia me visitar por dois motivos importantes. Mas quando desembarcou não apareceu no meu escritório ? explicou com voz tremente.
? Tem razão... ? acalmou-se um pouco. ? Tive que me ocupar de outros assuntos antes de partir para Haddon Hall. ? Perambulou pelo escritório sem poder fixar a vista em nenhuma parte. Se for certo, se seu pai estava em seus últimos dias, como aceitaria sua mãe ser a viúva e que seu desprezível filho conseguisse o título? E seu irmão? Permaneceria impassível enquanto ele aceitava seu legado? Roger enrugou a testa. Sabia que deviam estar tramando algo, o que não conseguia imaginar, mas seria algo maligno, disso não lhe cabia dúvida. De repente ficou pétreo, olhou fixamente ao administrador e perguntou: ? Qual é o segundo motivo?
? Você... ? a voz tremente apareceu de novo.
? Eu? ? Roger entrecerrou os olhos e olhou ao homem com suspeita.
? Sei que não pode ser certo, sua Senhoria. Por mais que estive pensando nisso, não me saem as contas.
? Contas? De que contas fala? ? Caminhou para a mesa coberta de papéis e apoiou as palmas sobre eles.
? Rogo-lhe que não se zangue comigo, senhor. Juro-lhe por minha vida que não acredito em uma só palavra dessa descarada.
? A que descarada se refere? ? Grunhiu.
? À viúva do senhor Myers, Excelência ? disse ao fim.
? Eleonora? ? Afastou as mãos, cruzou-as diante de seu peito e arqueou as sobrancelhas. ? O que queria essa mulher de ti?
? Não se trata de mim, mas sim de você. ? O administrador fez uma pausa para poder tomar fôlego. Sabia que o que ia expor não lhe ia causar agrado algum. ? Cinco meses depois de seu enlace matrimonial apareceu em meu escritório ? começou a dizer. ? Vinha enfurecida e se foi ainda mais zangada quando lhe indiquei que não sabia onde se encontrava e que não podia lhe fazer chegar a informação.
? O que desejava essa harpia? Que informação devia me dar? ? Perguntou surpreso, ao mesmo tempo que confuso.
? Segundo ela você... ? titubeou de novo. ? Você...
? Maldita seja! Fala de uma vez!
? Essa mulher diz que o filho que espera é seu.
Roger não teve tempo de reagir ante a notícia quando John abriu a porta de uma vez.
? Temos um grave problema ? manifestou com o rosto alterado.
? O que acontece? ? Perguntou Bennett caminhando para seu amigo com rapidez.
? Yeng está lá fora. Sophie o enviou. ? Virou-se e correu para a saída. Bennett o imitou. Seu coração não palpitava e mal podia respirar. Se sua governanta tinha enviado alguém em sua busca era por uma razão: Evelyn.
? Diga-me que minha esposa não está em perigo ? exigiu saber enquanto montava no cavalo.
? Não posso dizer tal coisa porque sua mãe e seu irmão estão com ela ? soltou John antes de tocar com brio ao corcel.
XXX
? Estou perfeita? ? Evelyn acariciou o vestido e deixou de respirar. Wanda tinha sido hábil ao fazer chegar o baú que transportava na carruagem e podia usar um dos vestidos que comprou sob o atento olhar de Beatrice.
? É claro ? afirmou a donzela ultimando o penteado.
? Estou tão nervosa... o que pensará a marquesa? Parecerei a mulher perfeita para seu filho? Espero... rogo que não tenham chegado aos seus ouvidos as desditas que padeci no passado ? soluçou.
? Relaxe. De verdade que deve tranquilizar-se um pouco antes de descer. Além disso, goste ou não Sua Excelência, já se casou com seu filho e nada pode fazer para desfazê-lo. Seja você mesma, não queira aparentar aquilo que não é e já verá o orgulhoso que se sente seu marido quando souber que recebeu de maneira correta a sua mãe ? comentou com voz suave e aprazível.
? As luvas! ? Exclamou Evelyn olhando ao seu redor. Movia-se com tanto brio que Wanda pensou que o laborioso penteado não permaneceria muito tempo tão perfeito.
? Não acredito que seja apropriado... ? começou a dizer em voz baixa.
? Tenho que usá-las! ? Respondeu agitada. ? Meu Deus, tenho que usá-las!
? Respire... por favor, respire... ? Wanda observou que os objetos que procurava com desespero jaziam sobre a penteadeira e que devido ao seu estado de nervosismo não os tinha visto. Aproximou-se, pegou-os e os mostrou.
? É muito importante para mim lhe causar boa impressão ? disse um pouco mais serena enquanto a donzela lhe punha as ansiadas luvas. ? É a marquesa, a mãe do homem de quem estou... ? emudeceu rapidamente. Não, não podia dizê-lo ainda. Por mais feliz que se sentisse junto a Roger ainda não podia falar de algo tão importante, tão profundo.
A criada respirou fundo, estendeu suas mãos pelo vestido e caminhou para a porta. Não precisava que Evelyn terminasse a frase que tanto temor lhe produzia. Ela já sabia as palavras com as quais finalizaria. Estava apaixonada. O homem de olhar penetrante, perturbador e embelezador tinha utilizado todas as suas artimanhas para seduzi-la e apanhá-la. Só esperava que ele sentisse o mesmo por ela e esquecesse o resto das mulheres.
? Preparada? ? Quis saber após abrir a porta e esperar que Evelyn se decidisse a caminhar para o exterior.
? Sim ? respondeu após suspirar e elevar o queixo.
? Não se esqueça de respirar, é muito importante para evitar desmaios inoportunos... ? sussurrou-lhe quando passou ao seu lado.
Evelyn sorriu levemente. Caminhou mais erguida do que deveria e parou quando chegou às escadas. Olhou para a entrada e observou que ali não havia ninguém. Certamente Sophie tinha dirigido a marquesa para a sala de jantar. Relaxou e, tal como lhe indicou Wanda, respirou. Pousou a mão no corrimão e desceu devagar, sem aparente pressa, embora a força com que pulsava seu coração poderia impulsioná-la para baixo sem chegar a tocar o chão com os pés.
? Boa tarde... ? apareceu uma voz masculina justo antes de pisar o último degrau.
Evelyn não pôde ocultar a surpresa que lhe produziu ver um homem tão parecido ao seu marido, embora percebesse notórias diferenças: seu marido tinha os olhos mais claros, era o dobro de corpulento e, por sorte para Roger, o cabelo e a barba abundavam mais nele que naquela pessoa que a olhava sem piscar.
? Pelo assombro que contemplo em seu belo rosto meu querido irmão não a informou sobre mim, estou certo? ? Arqueou a sobrancelha direita, sorriu e esticou sua mão para tomar a dela e dirigi-la para sua boca.
? Boa tarde. A verdade é que falamos de muitas coisas, talvez tenha me dito e o esqueci ? desculpou-o. Tentou recompor-se do choque que lhe tinha produzido a aparição de outro Bennett e sorriu.
? Nesse caso, minha querida cunhada, apresentar-me-ei como é devido. ? Fez uma ligeira genuflexão e prosseguiu: ? Sou Charles Bennett, o irmão gêmeo de seu marido ? esclareceu com uma voz tão melosa que Evelyn sentiu uma estranha comichão em seu estômago.
? Encantada de o conhecer, pode me chamar de Evelyn se lhe parecer correto ? disse enquanto aceitava o braço que lhe oferecia para dirigi-la para a pequena saleta que Roger tinha ao lado da sala de jantar.
A mulher franziu sutilmente o cenho. Não esperava que Sophie os tivesse conduzido a um lugar tão privado para seu marido. Conforme lhe contou quando lhe fez o breve percorrido pela casa, ali era onde se reunia com os comerciantes, advogados e administradores que trabalhavam para ele e onde guardava documentos que ninguém devia tocar.
? Evelyn... ? sussurrou com tom aveludado. ? Bonito nome. Que significado tem um antropônimo tão assombrosamente belo?
? Provém de uma palavra grega, hiyya, que significa fonte de vida ? respondeu surpreendida. Era a primeira vez que alguém se interessava pela origem de seu nome. ? Embora acredite que a verdadeira razão pela qual meus pais decidiram me pôr este nome se deve a uma...
? Novela? ? Interrompeu antes de apertar inapropriadamente sua mão com a dele.
? Sim, com efeito, a uma novela. A minha mãe gostava muito de ler e imagino que achou o nome em algum personagem feminino ? respondeu desenhando um leve sorriso enquanto retirava sua mão do braço masculino com sutileza.
? Mãe... ? saudou Charles após abrir a porta e permitir que Evelyn acessasse primeiro ? apresento-lhe Evelyn, a esposa do nosso querido Roger.
? Sua Excelência... ? Evelyn caminhou para ela, fez uma reverência e ficou parada até que a mulher, de não mais de cinquenta anos, aproximou-se dela abrindo seus braços.
Nenhum dos dois tinha herdado nem a cor de seus olhos nem o do cabelo. A mãe possuía olhos negros e cabelo castanho. Tampouco se assemelhavam em altura. Era uma mulher baixa e gordinha. Entretanto, todo seu ser desprendia poder, dominação e arrogância. Qualidades que sim possuía seu marido.
? É linda! ? Exclamou a marquesa enquanto a abraçava. ? Roger sempre teve bom gosto ao escolher as suas mulheres e vejo que continua tendo-o. Embora até agora nunca escolhesse uma com o cabelo vermelho. Imagino que esse terá sido o principal motivo pelo qual terminou casando-se contigo. É diferente.
Evelyn piscou várias vezes, apertou os dentes e continuou sorrindo embora sua mente lhe oferecesse mil maneiras de desculpar-se e sair fugindo dali até que Roger aparecesse e lhe explicasse a verdadeira razão pela qual estavam casados.
? Enquanto a esperávamos pedi à criada que nos preparasse uma chaleira quente ? comentou. Pegou a mão direita de Evelyn e a conduziu, com um caminhar firme, por volta das duas poltronas que havia junto à chaminé.
? Parece-me uma ideia muito acertada. Sinto se os fiz esperar mais do que o devido. Depois da longa viagem necessitei de bastante tempo para me repor ? respondeu Evelyn sem saber se suas palavras eram as adequadas.
? Imagino... ? disse a mulher enquanto se sentava em uma das poltronas.
? Pode acreditar que minha querida cunhada não sabia da minha existência? ? Comentou Charles com um sorriso divertido. ? Deduzo que meu irmão não lhe falou muito sobre sua família.
? Não? ? Perguntou a marquesa mostrando um incrível pesar no rosto.
? Tenha em conta que mal permanecemos juntos. Depois de nos casar Roger teve que empreender uma longa viagem de negócios. ? Voltou a desculpá-lo sem poder evitar ruborizar-se ao ter que responder questões tão íntimas.
? Meu querido filho não é muito falador, não é? Ele prefere atrair as mulheres com outro tipo de artes mais... pecaminosas.
? Eu apreciei ? começou a dizer Evelyn depois de tomar ar e conter a impetuosa ira que começava a nascer em seu interior ? que tanto Charles como Roger são bastante parecidos.
? Sim, minha gestação foi um presente de Deus. Acreditamos que vinha um só bebê e tivemos uma grata surpresa ao descobrir que meu seio albergava duas criaturas. Embora Charles seja somente uns minutos mais novo que Roger ? disse sem ocultar seu desdém.
? Parecemos-lhes iguais? ? O aludido se aproximou tanto que voltou a sentir-se incômoda ante tal proximidade. Contra sua vontade Evelyn pôde cheirar o perfume de seu cunhado. Apesar de serem tão parecidos, os dois possuíam essências muito diferentes. A do Roger produzia nela um efeito embriagador, entretanto, a do Charles a enojava.
? Um pouco... ? reclinou-se levemente sobre seu assento para distanciar-se antes de mostrar qualquer sinal de repugnância no rosto e verteu água quente sobre a xícara em cujo interior havia uns raminhos verdes.
? Permiti-me o luxo ? continuou falando a mulher ? de te trazer umas infusões do meu lar. Espero que sejam de seu agrado.
? Muito obrigada, com certeza que sim. ? Aproximou a xícara de sua boca, mas ao notar a água mais quente do que estava acostumada a tomar, deixou-a de novo sobre o prato.
? Quando eram pequenos ninguém sabia quem era um e quem era outro, mas por sorte uma mãe nunca se equivoca. ? A marquesa franziu o cenho ao ver que Evelyn colocava o copo sobre a mesa. ? E falando de crianças... pensa em ter descendência logo? Meu marido, ao ser vinte anos mais velho que eu, esforçou-se em me deixar grávida desde a primeira noite que me converti em sua esposa.
? Mas Roger e eu somos da mesma idade e acreditamos que antes de trazer um bebê ao mundo temos que nos conhecer um pouco mais. ? Tinha parecido loquaz? Isso esperava porque não desejava ter que ser ela quem dissesse à marquesa que jamais teria essa ansiada descendência.
? Pois não deveriam demorar muito. Se por acaso não sabe, o marquês está muito doente ? disse com aparente tristeza. ? E se não melhorar, logo ficarei viúva.
? Isso significa que Roger... ? tragou saliva e voltou a segurar a xícara. Tremiam-lhe as mãos? Sim, claro que o faziam. Escutou um leve tinido ao tentar levantar a xícara.
? Sim. Apesar de sua insistência em recusar o título que por nascimento lhe pertence, não pode evitá-lo. Quando seu pai morrer ele será o novo marquês de Riderland ? prosseguiu sua exposição com uma desmesurada aflição no ancião rosto. ? Como já te terá indicado, odeia tanto a responsabilidade que suporta ser marquês que jamais aceitou um só xelim da família.
? Como? ? Disse sem pensar.
? Não lhe contou isso ainda? Sinto muito, possivelmente estou me metendo em temas que não me incumbem, mas não é justo que pense que se casou com um homem diferente ao que é em realidade: seu marido, querida, vive do que aquele navio lhe proporciona. ? A marquesa esticou a mão e tocou com suavidade a de Evelyn.
? Então... tudo isto...
Levou a xícara aos lábios. Devia lhe dar um bom sorvo para poder digerir o que estava escutando, mas quando a xícara tocou sua boca, uma enorme se escutou portada na sala. Ao levantar o olhar observou Roger com os olhos injetados em sangue. Sem pensar um segundo este correu para ela, pegou a xícara e a atirou para o interior da chaminé.
? Parta daqui agora mesmo! ? Gritou com tanta força que o eco de sua voz retumbou por cada canto da casa. Ao mover a cabeça de um lado para o outro algumas mechas do rabo de cavalo se soltaram para formar redemoinhos sobre sua cabeça. Alguma vez tinha visto um homem tão zangado? Alguma vez tinha presenciado como um titã podia converter-se em uma besta tão ameaçadora?
? Filho... ? murmurou a marquesa levantando-se de seu assento e estendendo as mãos para ele. ? Meu filho...
? Disse para partirem ? resmungou. Seu peito se elevava e baixava com uma velocidade inverossímil. De repente Evelyn observou assustada, que os olhos de seu marido se obscureciam e que sua boca se torcia em um sorriso satânico. ? Ou o fazem por bem... ou por mau ? sentenciou.
Nesse preciso momento John apareceu na entrada. Em sua mão levava uma pistola e sorria de satisfação.
? Vamos, mãe! ? Ordenou Charles estendendo a mão para ela. ? Não se humilhe mais.
? Mas, filho... ? insistiu a marquesa com lágrimas nos olhos.
? Bebeu algo? Tomou algum mísero sorvo disso? ? Roger, inquieto, agarrou-lhe a mão, levantou-a da poltrona, caminhou com ela para a saída e quando estavam no meio do salão, retornou à mesinha para lançar o bule ao mesmo lugar que tinha jogado a xícara.
? Não... ? disse temerosa. ? Não tomei nada, por que o diz? O que acontece, Roger? A que vem tudo isto? Por que os jogou desse modo de nossa casa?
? Querida, prometo-te que explicarei isso tudo quando me encontrar mais calmo, mas agora não sou capaz de raciocinar. Só desejo... ? soltou outra vez a mão de sua mulher e andou para a porta principal.
? Vão como duas hienas depois da chegada do leão ? indicou John antes de soltar uma gargalhada.
? Sinto muito, senhor, não pude evitar que... ? começou a dizer Sophie sem deixar de chorar.
? Calma, eu entendo. Fez o correto. ? Roger a reconfortou.
Evelyn foi incapaz de mover-se do hall. Não podia assimilar o que tinha acontecido nem por que. Seu marido havia dito que explicaria quando estivesse mais calmo, mas... e ela? Quando se acalmaria ela? Aturdida, levantou o vestido com as duas mãos e começou a subir as escadas com rapidez. Precisava ficar sozinha. Precisava digerir o que tinha acontecido em menos de uma hora.
? Evelyn! ? Gritou Roger ao vê-la caminhar pelo piso de cima. ? Evelyn!
? Não suba, ? disse John pousando a mão direita sobre o ombro de seu amigo ? deixe-a até que encontre a paz que necessita para falar com ela.
? Não vou dar tempo para que sua mente pense o que não é, devo lhe esclarecer tudo o que aconteceu, mas antes de subir deve me fazer um favor.
? Diga-me.
? Eleonora comenta que está esperando meu filho e não é certo ? disse com veemência.
? Está totalmente seguro de que não é teu?
? Totalmente ? declarou cortante.
? Bem, o que quer que eu faça?
? Procura o homem com quem ela esteve se vendo às escondidas. Pode ser que a visitasse inclusive quando estava comigo. Essa mulher tinha um maligno propósito quando jazia em meus braços. Não acreditei nos que me advertiram que, em diversas ocasiões, viram-na comprando beberagens de fertilidade em Whitechapel, mas agora sei que tinham razão quando me avisaram que procurava ser a futura marquesa de Riderland ? comentou zangado consigo mesmo por não haver se dado conta com antecedência.
? Essa mulher sempre me produziu calafrios... ? disse John fazendo tremer de maneira exagerada seu corpo.
? Não demore em encontrá-lo. Acredito que Evelyn não será capaz de confrontar tantas coisas de uma vez só ? disse olhando por volta do segundo andar.
? Se te amar, o fará ? determinou John antes de partir para começar a busca pelo misterioso amante.
XXXI
Apesar de querer dar-se um pouco mais de tempo para falar com Evelyn, não pôde conter-se. Quando viu John montar no cavalo e dirigir-se para Londres, Roger subiu as escadas de dois em dois. Urgia lhe contar a razão pela qual tinha atuado daquela maneira e que ela entendesse o motivo de sua ira. Caminhou pelo corredor com mais lentidão do que pretendia. Seu coração pulsava com força e mal podia controlar os tremores de suas mãos. Ficou parado na porta com a cabeça abaixada e os ombros inclinados para frente. Era o momento de sua esposa descobrir seu passado embora isso implicasse um inevitável distanciamento entre ambos.
Quando acessou ao dormitório observou Wanda sentada ao lado de sua mulher. Abraçava-a e lhe murmurava palavras de consolo enquanto ela soluçava. Estrangulou-se-lhe a garganta e notou como suas forças se desvaneciam ante a triste imagem. Deu dois passos para a frente esperando que a donzela notasse sua presença. Assim que ela o descobriu, ao virar com suavidade a cabeça para a porta, levantou-se, fez uma pequena reverência e começou a dirigir-se para ele.
? Obrigado, Wanda ? agradeceu-lhe com uma voz incomum nele.
? Excelência...
Wanda fechou a porta após sair. Inspirou profundamente e cravou seus olhos no final do corredor. Surpreendeu-se ao ver que Sophie a esperava com os braços cruzados diante do peito. Sem parar para raciocinar por que estava ali, dirigiu-se para ela.
? Posso te contar toda a história enquanto tomamos um chá ? assinalou a mulher com tom suave.
? Preferiria um bom copo de uísque ? acrescentou Wanda.
? Então direi ao Yeng que nos suba uma garrafa da adega.
Não se atrevia a aproximar-se. Evelyn continuava sentada sobre a cama olhando para a janela.
? Se quiser que eu parta, entenderei ? disse enfim.
? Acredito que antes de se afastar deveria me explicar o que aconteceu lá embaixo ? respondeu tremente.
? Evelyn eu... eu não quero te perder ? comentou em tom estrangulado.
? Tenta me dizer a verdade e eu ponderarei o que devo fazer, mas não dê por certo algo que ainda não decidi ? apontou. Voltou-se para Roger e ficou muda. Seu cabelo continuava alvoroçado, seus olhos já não eram escuros e sim cristalinos, e seu corpo, aquele que adorava pela magnitude que expressava, permanecia curvado, abatido.
? Como comprovou, ? começou a dizer caminhando para ela ? a relação com minha família é um tanto peculiar.
? Todos temos certas diferenças entre os membros de uma família, mas jamais acreditei que alguém tentasse resolvê-los dessa forma ? assinalou Evelyn apática.
? Não foi sempre assim, conforme me contou a mulher encarregada da nossa criação. Ela não teve preferidos até que cumpri os quinze anos. E era certo, ela tratava aos dois por igual. Entretanto, meu caráter começou a manifestar-se nessa idade e fomos nos distanciando.
? Meus pais também se zangaram comigo quando descobriram que eu não era a filha que esperavam, mas nunca cheguei a desprezá-los tanto para chegar a tratá-los dessa maneira ? indicou Evelyn esperando que Roger não quisesse lhe contar uma história falsa.
? Evelyn... ? murmurou ao mesmo tempo em que se ajoelhava em frente a ela.
? Tenta de novo, Roger. Se de verdade deseja que eu fique ao seu lado, conte-me a verdade.
? E se não for capaz de suportá-la? E se não for capaz de me olhar de novo nos olhos?
? Tenta...
Bennett abaixou a cabeça, deixou os braços soltos e prosseguiu.
? A fama de adúltero do meu pai era cada vez maior. Lembro como discutiam quando pensavam que ninguém os escutava, como minha mãe lhe gritava que ela não merecia padecer aquele tipo de vergonha e que estava cansada de receber todas as suas amantes com crianças nos braços declarando que eram filhos deles. «Casei-me contigo por sua inteligência, ? disse-lhe meu pai uma das vezes que falaram sobre o tema ? e confio que saberá como fazer desaparecer sua insofrível vergonha». Jamais imaginei que ela tomasse aquelas palavras de maneira tão literal, mas acredito que, aquilo que a conduziu a tomar aquela decisão tão horrenda, foi o desejo de velar por nossa posição social. ? Evelyn estendeu suas mãos para os ombros de seu marido para reconfortá-lo com seu leve toque. ? Mas apareceu um menino... uma estranha criatura que não contava com mais de sete anos se apresentou na porta da residência familiar com sua mãe pela mão. Até aquele dia, até aquele preciso momento, a marquesa cuidou com incrível paixão tanto do meu irmão como de mim para que não fôssemos testemunhas daquele tipo de visitas. Entretanto, aquele dia escapei do meu dormitório e me ocultei no estábulo. Precisava sair da casa e fazer desaparecer por umas horas a pressão que sentia ao ser instruído para me converter no futuro marquês. Lembro que a própria marquesa os recebeu, e após falar com a mulher, o menino ficou na entrada enquanto via como se afastava sua mãe. Com um sorriso estranho em seu rosto, conduziu-o para o interior da casa. Durante as duas semanas seguintes estive procurando esse menino por toda a residência. Inclusive me atrevi a perguntar às criadas se o tinham visto. Ninguém tinha ouvido falar dele, mas minha curiosidade era tal, que não diminuí meu empenho por encontrá-lo. Um dia, enquanto brincava com Charles, aventurei-me a percorrer o porão. Ali, no meio de um muro de pedra, uma porta de pequena envergadura permanecia fechada com a chave dentro da fechadura. Desejoso de ganhar o jogo, abri a porta e quando descobri o que havia no interior me assustei tanto que fui incapaz de me mover.
? Estava lá, não é? ? Interrompeu Evelyn ajoelhando-se em frente ao seu marido.
? Sim. Tinha-o amarrado a umas cordas para que não tentasse escapar. Lembro o suave e lento ritmo de seu respirar e a extrema magreza. Estava tão esquálido que podia apreciar com claridade os ossos ocultos sob sua pele. Quis desatá-lo, liberara-lo daquela prisão, mas escutei um ruído às minhas costas e me escondi.
? Quem era...? ? Perguntou colocando suas mãos nas maçãs do rosto de Roger. Levantou-lhe o rosto e observou um rio de lágrimas percorrendo suas bochechas.
? Minha mãe. Era minha mãe ? tremeu-lhe a voz ao afirmá-lo.
? OH, meu Deus, Roger! ? Exclamou abraçando-o com força.
? Matou-o diante dos meus olhos, Evelyn. Foi muito cruel escutar os soluços daquele menino rogando, em seu último fôlego, piedade para sua assassina. ? Bennett continuou chorando enquanto as cálidas mãos de sua mulher o acariciavam e tentavam lhe dar o consolo que, até aquele momento, nunca tinha encontrado. ? Quando esteve segura de que o menino não respirava, fechou a porta e partiu como se nada tivesse ocorrido. Durante os três dias seguintes, desci para averiguar que plano tinha minha mãe para desfazer-se do cadáver. E o que descobri foi tão aberrante que perdi o juízo. A cozinheira, uma mulher de incalculável confiança de minha mãe, picotava o corpo do menino com um machado. Vi-a ali, estendida no chão, levantando a arma e atirando-a com força para quebrar os ossos agarrados à carne. Logo todas as partes picotadas foram colocadas em um caldeirão e jogados em um fogo na cozinha. Utilizava-os como míseras lenhas.
? Mas o aroma... O fedor a...
? Quem ia imaginar que o que avivava o fogo eram restos de um ser humano? ? Comentou afastando as lágrimas com suas mãos e levantando-se com rapidez. Evelyn ficou olhando-o, quebrada de dor ao escutar o que lhe contava. ? Quando na cozinha não houve ninguém que fora testemunha da loucura que ia cometer, peguei um ramo do chão e tirei um osso desse menino.
? Seu crânio... ? murmurou Evelyn levando as mãos para a boca.
? Sim ? disse Roger voltando seu olhar para ela e entreabrindo os olhos.
? Vi-o na carruagem... ? revelou com temor.
? Prometo-te que não tratava de alcançar um prêmio, nem algo que queria ter como lembrança das demências da minha mãe. Precisava me aferrar a algo para me liberar da maldade que me rodeava, Evelyn. De confirmar que eu não era como ela, embora seu sangue regue meu corpo.
? O que aconteceu depois? ? Levantou-se e se colocou atrás das costas de seu marido.
? Parti. Com somente quinze anos abandonei meu lar e decidi procurar um futuro distinto do que me tinham marcado. Vivi alguns meses nas ruas, ocultando minha identidade. E de repente, um dia, um cavalheiro que cobria seu corpo com uma grande capa negra, e que se aproximou de mim para me dar umas moedas, teve piedade daquele menino magro e imundo que lhe rogava uma esmola para poder comer. Ofereceu-me partir com ele à França e me converter em um homem respeitável. Não me pergunte a razão dessa oferenda, jamais a investiguei, mas o que sim posso afirmar é que graças à sua misericórdia me salvei de morrer faminto em qualquer rua de Londres. Quatro anos depois do meu desaparecimento, quando todo mundo me acreditou morto, apareci em Tower, a residência dos meus pais. Meu pai chorou ao ver-me e me abraçou como nunca antes tinha feito. Entretanto, minha mãe e meu irmão não se aproximaram de mim. Acredito que não foram capazes de assimilar meu regresso. ? Suspirou profundamente. Olhou para o exterior da janela e prosseguiu. ? Não pretendia ficar vivendo com eles, nem voltar a ocupar o posto que por nascimento me pertencia, mas precisava esperar o momento idôneo para confessar à minha mãe que sabia o que tinha feito com os filhos ilegítimos de meu pai. Como era de se esperar, ela se enfureceu, gritou-me que tinha enlouquecido durante minha ausência e que só eram histórias que minha mente juvenil imaginou.
? Roger... ? Esticou as mãos, agarrou-o pela cintura e pousou sua cabeça sobre as costas masculina.
? Pouco tempo depois do meu imaginário testemunho comecei a adoecer. Tinha náuseas, enjoos e muitas febres, muitas. Meu pai, apavorado ao pensar que tinha contraído alguma enfermidade contagiosa, fez chamar o médico para que me tratasse, mas nem este pôde dizer com claridade o que me acontecia. De repente, uma pessoa teve piedade de mim. Um criado que levava pouco tempo servindo meus pais e que observava com firmeza o que acontecia no imóvel. Ele descobriu que minha mãe tinha plantado beladona em um lugar afastado do jardim e que me preparava isso como infusão. Ao raciocinar que tentava me matar por envenenamento, não o pensou. No meio de uma noite jogou meu corpo quase inerte sobre seus ombros, desceu até a entrada e, com grande esforço meteu-me em uma carruagem.
? Anderson... ? murmurou Evelyn apertando com mais força o corpo de seu marido.
? Mas o ódio da minha mãe não ia cessar nunca. Esperou com paciência o momento para conseguir seu fim e quase o obteve de novo. Encarregou um homem de me seguir e me espreitar. Em uma das minhas saídas noturnas nas quais não podia nem ficar em pé pela embriaguez, fui assaltado e amarrado. Resisti com afã ao ataque, mas não consegui escapar. Quando abri os olhos depois do desmaio, uma voz começou a falar atrás de mim. Antes de poder lhe responder, de repreender seu ato, notei uma ardência em minha pele.
? Suas marcas... ? Evelyn liberou a cintura de Roger e pousou com suavidade suas palmas sobre o tecido que cobria os sinais das chicotadas.
? Mas o destino voltou a me salvar. Na mesma noite em que fui assaltado, estive jogando cartas com o William e Nother, o antigo proprietário do meu navio. Rutland apareceu na residência em que me hospedava e ao não me achar buscou-me desesperado por toda Londres. Acredito que se sentia culpado por haver me abandonado à minha sorte enquanto ele esquentava o leito de uma amante. Então tropeçou com o Yeng, o crupiê que nos atendeu no clube. Quando lhe perguntou se me tinha visto, informou-o que depois de sair do clube duas pessoas carregavam meu corpo. Também lhe disse que me introduziram em uma carruagem e que se dirigiram para os subúrbios. William o agarrou pelo pescoço e fez com que lhe mostrasse o lugar aonde me conduziram. Só lembro que, quando dava tudo por perdido, quando vi a morte aproximando-se de mim, escutei um disparo e depois a pressão das minhas mãos acabou.
? OH, querido... ? soluçou abraçando-o de novo.
? Desde esse momento prometi que lutaria até o final dos meus dias e que nenhum ser inocente que tivesse meu próprio sangue morreria nas mãos da minha mãe. Yeng decidiu permanecer ao meu lado e foi meus olhos enquanto eu realizava longas viagens no navio. Encarregou-se de recolher todas as crianças que se dirigiam para Tower para reclamar a paternidade do marquês e os albergava em um asilo que eu pagava. Pouco depois adquiri vários terrenos. Em um construí Lonely e no outro... ? virou-se para sua mulher. Desejava contemplar como fazia frente ao que estava a ponto de revelar. Sentiu-se um ser maligno ao ver suas lágrimas vagar pelo rosto.
? E no outro? ? Insistiu Evelyn.
? Construí uma pequena residência a qual chamei Children Saved.
? Crianças salvas... ? murmurou a mulher com apenas um fio de voz.
? Sim. Ao princípio acredito que só o fiz para salvar minha própria consciência que não cessava de me recriminar dia após dia que podia ter impedido as mortes daquelas crianças.
? Mas não podia fazer nada... ? Evelyn levantou as mãos para Roger e pousou suas palmas no rosto. ? Era muito pequeno... ? insistiu soluçando.
? Mas um dia apareceu em minha porta um anjo. Um diminuto ser que quase me fez ajoelhar e suplicar que me perdoasse sem lhe haver feito nada ainda. Minha pequena Natalie... ? suspirou. ? Ela me fez compreender que esperavam de mim algo mais que um lugar onde os acolher ou os alimentar. Necessitavam de afeto igual a mim. Com o tempo minhas viagens se fizeram mais duradouras e abundantes face à fama que criei em Londres, para humilhar ainda mais meu sobrenome todos os comerciantes requeriam meus serviços. Quase todos os meus lucros se destinaram à melhoria da residência e a contratar pessoal qualificado para lhes oferecer a educação que mereciam.
? Quantas crianças há no Children Saved?
? Vinte.
? Vinte?! ? Repetiu surpreendida.
? Muitos, eu sei. Graças a Deus meu pai adoeceu e teve que abandonar o insaciável desejo de engendrar um sem-fim de possíveis herdeiros. ? Sorriu de lado ante seu próprio sarcasmo.
? Quero conhecer todos ? murmurou enquanto aproximava a boca de seu marido à dela.
? Está segura? ? Mal pôde fazer a pergunta pela emoção.
? Sim, muito segura.
Roger beijou Evelyn com paixão. Depois ficou olhando-a sem piscar, pegou-a pela cintura e a elevou sobre sua cintura.
? Amo-te, senhora Bennett. Amo-te mais do que jamais pude imaginar que o faria. ? Caminhou para o leito e a posou muito devagar.
? Roger... ? murmurou enquanto seu marido começava a colocar as mãos sob o vestido e acariciava com lentidão as pernas.
? Que...
? Eu também te amo.
Escutar aquelas palavras de sua esposa lhe produziu tal emoção que esteve a ponto de derrubar-se sobre ela e ficar a chorar. Todo seu passado, toda a escuridão que tinha vivido nele desde que descobriu aquelas mortes desapareceu. O sol brilhava em seu interior, e em cada carícia, em cada beijo que Evelyn lhe oferecia, os raios o iluminavam ainda mais. Beijou-a devagar, perfilando com sua língua o desenho da boca que adorava, que amava. Sentiu-se contente ao perceber que as mãos dela se colocavam em seu peito para o despojar da camisa. Afastou-se, levantou os braços e deixou que continuasse apalpando seu torso sem objetos que o impedissem de sentir o suave tato dos dedos. Suas mãos retornaram as coxas femininas. Evelyn arqueou a cintura, convidando-o a possui-la com prontidão, com o mesmo ardor e desejo que ele sentia por ela.
? Repete que me ama ? murmurou antes de morder o lábio inferior dela e puxar com suavidade para ele.
? Amo-te, Roger... Amo-te... ? fechou os olhos ao perceber como o sexo de seu marido se aproximava do dela.
Não houve ternura entre eles. Não foi um ato lento, nem suave. Foi a primeira vez em que Roger precisou unir-se a ela para aliviar sua dor. Mas não só acalmou seu suplício, como em cada gemido, em cada soluço, em cada invasão para o interior feminino, Evelyn também se liberava de toda a pressão que tinha acumulado em sua vida. Não foi só um ato de amor, mas sim de verdadeira plenitude.
? Evelyn... ? sussurrou junto à boca dela quando o clímax estava a ponto de chegar.
? Roger... ? Cravou as unhas nas costas de seu marido e tentou fazer desaparecer aquelas marcas com suas próprias mãos.
Um clamor brotou do quarto com tanta intensidade que Sophie e Wanda se levantaram de suas cadeiras assustadas.
? O som do amor... ? disse Sophie antes de emitir uma pequena risadinha. ? Só espero que essa paixão logo dê frutos.
? Não acredito que os dê... ? murmurou Wanda após sentar-se e olhar o oitavo copo de licor que tinha em suas mãos.
? Por que diz isso? ? Perguntou a mulher tomando assento.
? Minha senhora jamais poderá ficar grávida ? comentou com pesar.
? Explique-se! ? Insistiu Sophie enquanto que, com um salto, aproximou a cadeira da mesa.
? Quando era jovem perdeu um bebê e, depois do aborto, sofreu uma grave infecção. O médico que a atendeu informou aos pais que seu útero tinha ficado estéril e que lhe seria impossível ficar grávida de novo ? explicou antes de beber o licor de um gole.
? Mas esse doutor não conhecia a persistência do nosso senhor... ? apontou antes de soltar uma gargalhada.
XXXII
? Está acordada? ? A encantadora voz de Roger lhe sussurrou no ouvido a pergunta enquanto seu fôlego esquentava a pele que roçava em sua passagem.
? Agora sim ? respondeu voltando-se para ele.
Bennett apoiou o cotovelo no almofadão e a olhou com tanta ternura que Evelyn sentiu como o coração batia mais forte.
? Obrigado por não me abandonar, por não se afastar de mim depois de me escutar ? disse-lhe antes de aproximar sua mão direita e lhe acariciar uma bochecha.
? Não tem por que me agradecer. Além disso, não acredito que deva perdoar um passado do qual não teve nada a ver. As maldades foram realizadas por sua mãe, não por você ? assinalou aproximando-se dele e lhe dando um suave beijo.
? Sempre me culpei por não ter descoberto antes. Possivelmente desse modo, tivesse salvado mais vidas ? comentou franzindo o cenho.
? Mas salvou muitas, vinte para ser exata. ? Estendeu seus braços e Roger se enredou neles. Desta vez foi ele quem pousou sua cabeça sobre o peito de sua mulher e quem deixou que os delicados dedos de sua esposa acariciassem com suavidade o comprido cabelo dourado.
? Sim, vinte embora... quantas perderam a vida nas mãos da minha mãe? Evelyn, estou seguro de que houve bebês, crianças que não conseguiram chegar a cumprir os cinco anos...
? Não se martirize por isso, Roger. Sua consciência dever alcançar a paz. É ela quem está manchada de sangue inocente. ? Pousou seus lábios sobre o cabelo loiro e o beijou. ? Conta-me como é Children Saved ? disse-lhe depois de uns momentos de silêncio no qual só se escutavam suas respirações pausadas.
? Não é muito grande, mas o suficiente para albergá-los comodamente. Tem dois andares. Abaixo está a cozinha, um enorme refeitório e uma biblioteca, embora com as últimas reformas, essa sala a convertemos em um lugar onde a senhora Simon ensina as matérias. Acima não há distinções entre uma ala ou outra. Conforme sobe encontra um comprido corredor com mais de quinze dormitórios. Ali descansam todos os que habitam na residência.
? A que se refere quando diz todos?
? Em Children Saved não só vivem meus meios-irmãos, mas sim suas mães também residem ali.
? Deus santo, Roger! Quantas bocas alimenta? ? Perguntou surpreendida.
? Quarenta e sete. ? Levantou a cabeça e contemplou o assombro que mostrava o rosto de Evelyn. ? Tem que entender que alguns deles mal tinham completado um ano de idade quando apareceram na porta e não achei justo que as mães se separassem de seus filhos pequenos.
? Como pode resolver esses gastos? Terá que continuar realizando muitas viagens... ? perguntou interessada.
? Com três ao ano é suficiente. Tanto o administrador como eu estudámos a maneira de cortar gastos e nos ocorreu que a única forma de não nos excedermos nos orçamentos anuais era fazendo participes as mães das tarefas que se requerem na manutenção dessa residência. Várias são cozinheiras, outras lavadeiras e inclusive, conforme fui informado ontem, outras decidiram empregar-se como jardineiras ? comentou feliz ao ver que Evelyn não reprovava seu trabalho, mas sim, pelo contrário, elogiava-o.
? Têm jardim? ? Continuou interessando-se. Enquanto Roger falava ela imaginava como seria aquele pequeno paraíso no qual viviam felizes tantas criaturas.
? Dois hectares de pradaria rodeiam a casa. Embora te pareça imenso, não o é quando todos saem para brincar. ? Sorriu. ? Há um pequeno parque onde plantaram flores de todas as classes. Uma fonte com a escultura de uma criança se situa no centro e abastece de água esse pequeno éden. Faz um par de anos, Yeng se encarregou de construir uma estufa onde a senhora Simon dá aulas de botânica ou ciência.
? Deve ser lindo... ? murmurou com suavidade.
? É. Sabe? Acredito que é a primeira vez que estou ansioso para que amanheça. Assim que tomarmos o café da manhã te levarei lá e contemplará com seus próprios olhos o que eu construí durante estes anos ? disse colocando sua cabeça de novo sobre o torso feminino. ? Quando a virem aparecer, quando todos descobrirem que é minha esposa, ficarão loucos de emoção e não a vão deixar descansar nem um só instante.
? Fale-me deles.
? Todos são muito semelhantes embora se diferenciem na cor de seu cabelo ou no de seus olhos. Há dois que são tão parecidos comigo que quando os vejo me reflito neles.
? Como se chamam? ? Continuou com as carícias sobre o cabelo de seu marido.
? O menino é Logan. Tem quatorze anos. Loiro, alto, possivelmente muito alto para sua idade. Mas a cor de seus olhos não é azul, mas sim marrom. Não há dúvida que os herdou de sua mãe. Embora o que o faz tão parecido a mim é sua atitude. É rebelde, não acata as normas como fazem os outros. Sempre tenta rebater certos temas e não cessa de investigar por sua conta. Sei que o dia de amanhã, quando eu não puder mais me encarregar do meu navio, ele ficará encantado de ficar em meu posto.
? Isso te assusta?
? Não, ao contrário, adula-me. É grato saber que alguém continuará o que eu comecei ? expôs com orgulho.
? Quem mais?
? A outra pessoinha que me deixa em estado de choque cada vez que a vejo é a pequena Natalie... ? disse o nome com um imenso prazer.
? Fale-me dela, Roger. Interessa-me muito saber sobre esse anjo que te impulsionou a lhes dar aquilo que foi incapaz de oferecer.
? Chamo-lhe de princesinha porque em realidade o é. Tem o cabelo tão loiro que quando os raios do sol o tocam se converte em branco. Sua mãe se esforça em lhe fazer longos caracóis, mas assim que pode ela recolhe o cabelo como o faço eu, em um rabo de cavalo. ? Voltou a desenhar um enorme sorriso em sua cara ao recordar as contínuas discussões entre as duas por manter o penteado intacto. ? Seu nariz é idêntico ao meu e a cor de seus olhos também. Se Ywen não me houvesse dito que o pai da criatura era o mesmo que o meu, teria pensado que era minha. Adora investigar. Todo o tempo está perguntado os motivos disto, do outro ou inclusive por que sai o sol ao ser de dia e a lua quando anoitece. Às vezes desespera a instrutora. Diz que seu afã por saber é inaudito em uma menina tão pequena.
? Espero que me aceite... ? murmurou Evelyn desenhando um imenso sorriso.
? Por que não o faria? ? Roger elevou a cabeça e a olhou desconcertado.
? Nem imagina quão possessivas são as mulheres quando amam um homem ? respondeu sem diminuir a risada.
? Estou seguro de que assim que te veja, perguntará a razão pela qual tem o cabelo vermelho, como me conheceu e por que se casou comigo ? disse antes de soltar uma gargalhada.
? Bom, evitarei lhe dizer que me ganhou em uma partida de cartas. ? Fez uma pequena careta.
? A melhor partida de cartas da minha vida! ? Exclamou antes de colocar-se sobre ela e voltar a beijá-la.
Evelyn tinha fechado os olhos para sentir as mãos de seu marido percorrer seu corpo quando um golpe na porta fez com que ambos se retirassem como se lhes queimasse a pele ao tocar-se.
? Quem é? ? Grunhiu Roger saltando nu da cama.
? John ? respondeu o índio entreabrindo a porta.
? Entra ? indicou após confirmar que Evelyn se ocultava sob o lençol. ? O que acontece?
? Há um incêndio em Children Saved ? soltou agitado.
? Como? Um incêndio? Como aconteceu? ? Correu para a poltrona, começou a vestir-se e antes de colocar a camisa saiu ao exterior fechando a porta atrás de sua saída.
? Não sei. Acaba de chegar Logan e não para de gritar que tudo está ardendo.
? Maldita seja! ? Gritou enquanto descia as escadas sem perceber que estava descalço. ? Onde está o menino? Onde está Yeng?
? Ambos estão no estábulo preparando os cavalos.
? Maldita seja! ? Clamou Roger. ? Maldita seja!
Se seu marido pensava que ia permanecer na casa esperando para saber o que tinha acontecido, equivocava-se. Assim que fechou a porta Evelyn saltou da cama, colocou uma camisola e a bata que estava jogada sobre o chão e correu para o corredor. Se for certo, se a residência onde viviam os meninos estava ardendo, toda a ajuda que chegasse seria pouca.
? Wanda! Wanda! Onde está? ? Gritou quando saiu do quarto.
? Deus santo, senhora! Estou aqui!
? E Sophie? Onde está Sophie? ? Continuou vociferando enquanto descia ao piso inferior.
? Acredito que estava na entrada preparando-se para sair para uma casa que está sendo pasto das chamas.
? Que nem lhe ocorra partir sem nós! Nessa casa vivem mais de quarenta pessoas às quais terá que salvar.
O caminho, embora fosse curto, pareceu eterno. Durante o tempo que durou, Roger não cessava de perguntar-se como se teria produzido o incêndio. Considerou muitas razões, que se iniciou na cozinha, talvez se devesse a um defeito na instalação de gás... entretanto, nenhuma o convencia. Sempre tinham sido muito cuidadosos. As mães nunca partiam para descansar sem certificar-se que todas as luzes estivessem apagadas, as portas fechadas ou inclusive encaixavam com precisão as janelas. Havia muito controle em Children Saved, muitíssimo para que aquilo acontecesse.
Quando chegou ao caminho de terra que o conduzia até a residência, sentiu pânico. O fogo iluminava a colina. Enormes nuvens de fumaça negra cobriam o céu que tantas vezes contemplou junto aos seus irmãos. Estava seguro de que, se o inferno existia, seria muito parecido à imagem que observava. Roger desceu do cavalo e correu para as pessoas que se agruparam ao redor da fonte. Tinham sabido escolher o lugar onde resguardar-se, ali as chamas não as alcançariam, os vidros que explodiam pelo calor nem as faíscas que saíam disparadas do interior da casa.
Apesar de tentar mostrar um comportamento firme, loquaz e seguro, para que eles se tranquilizassem, não albergava em seu corpo nada disso. A imagem dos meninos aterrorizados chorando sob os braços das mães, iluminados pela luz das chamas, consternou-o.
? Estão bem? Estão todos bem? ? Insistiu gritando enquanto se aproximava.
Nesse momento, depois de compreender que seria inútil esforçar-se em apagar o incêndio, centrou-se em confirmar que, pelo menos, ninguém tinha resultado ferido na evacuação. Mas nenhum lhe respondeu. Estavam tão consternados pelo acontecido que lhes era impossível deixar de chorar para falar. De repente, seu pânico aumentou. Não estavam. Ywen e Natalie não se achavam no grupo e ninguém se deu conta de suas ausências.
? Onde estão Natalie e sua mãe? ? Perguntou atemorizado. Olhou ao John, este encolheu os ombros, logo ao Logan, o rosto pálido do moço e a agonia que mostravam seus olhos lhe confirmava que ele tampouco sabia nada delas. ? Alguém sabe onde podem estar? ? Rezou para escutar uma resposta. Entretanto, ao não obter o que esperava, correu para o interior da casa sem parar para pensar que punha sua vida em perigo.
Cobrindo sua cabeça com o braço esquerdo acessou ao interior da casa. O calor era asfixiante e a fumaça tão densa que mal podia distinguir o que havia em frente a ele. Com decisão se dirigiu à cozinha. Gritava uma e outra vez o nome das duas, mas não respondiam. Franziu o cenho ao observar que salvo a fumaça, as chamas ainda não tinham alcançado a planta baixa. «O fogo começou nos dormitórios», concluiu com uma mescla de surpresa e inquietação. Não era lógico que ardessem primeiro os quartos salvo que fora... «Provocado!», exclamou para si. Sem diminuir seu empenho por encontrá-las, continuou chamando-as e as procurando no piso inferior. Quando percorreu até o último canto, decidiu subir. Talvez o medo as tivesse deixado tão aterradas que eram incapazes de sair do quarto. Pegou o corrimão, pôs um pé no primeiro degrau e ficou petrificado ao ver quem permanecia justo ao final da escada.
? Estávamos o esperando... ? comentou uma voz familiar. ? Entristece-me ver que demorou muito. Possivelmente, se tivesse chegado antes, teria evitado a morte dessa. ? Assinalou com seu olhar um corpo que jazia estendido sobre o chão.
? Charles... o que fez? ? Tinha vontade de correr para eles, soltar a menina das mãos sujas de seu irmão e lhe dar uma surra, mas estava paralisado. Ver a pequena Natalie com sua camisola manchada de sangue, chorando presa do pânico e lhe rogando com o olhar que a ajudasse, fez-lhe concentrar-se em pensar uma forma mais sensata de liberá-la.
? E você? ? Repreendeu-o Charles. ? O que você fez, Roger?
? Solte-a... ela não tem nada a ver com isto... ? tentou dissuadi-lo.
? Mentira! Ela tem muito a ver ? disse com um enorme sorriso. ? Até que a vi correndo para mim porque inocentemente acreditava que era você, pensei que só albergava neste miserável lar os filhos que nosso pai criou. Mas quando apreciei quão parecidos são, descobri que não só permaneciam os filhos desse monstro, mas sim continuava com o maldito legado que começou.
? É muito pequena... ? comentou tentando procurar em Charles um pouco de piedade.
? Não é capaz de nomeá-la como merece, não é? Não é capaz de confessar que é sua filha? ? Falou em tom irado.
? Não é minha filha, Charles, é nossa irmã ? declarou com suavidade.
? Você mente! Mente como o tem feito nosso pai todo este tempo! Embora seja normal, a mãe sempre o soube, é tão sujo como ele. Por isso teve piedade dos filhos de satanás? Por isso construiu este lar cheio de depravação? Sim, claro que sim. Porque apesar de suas promessas, é igual a ele. ? Suas palavras soavam cada vez mais duras, sinistras e ofensivas. ? Mas o fim chegou. Toda a maldade que padeceu nosso sobrenome se verá sanada por minha grande proeza. ? Charles elevou a mão direita e tirou a arma que ocultava nela. Apontou ao seu irmão e justo quando ia disparar, sorriu.
? Charles! ? Exclamou uma voz feminina atrás das costas de Roger.
Ao virar-se e ver que se tratava de Evelyn, quis lhe gritar que se fosse, que se afastasse dali o antes possível, mas em meio àquela confusão só pôde dar uns passos para ela e ocultá-la atrás de seu corpo.
Quando chegou ao alto da colina e não achou Roger entre o grupo de pessoas que havia no jardim, seu coração se oprimiu. Onde estava? Ao dizer quem era, todas as mães a abraçaram como se fosse uma salvadora, como se ela pudesse protegê-las de todas as penúrias que estavam padecendo. Embora Evelyn não pudesse as consolar como requeriam. Ela só pensava em seu marido. «Foi procurar Natalie e sua mãe», confessou-lhe alguém enfim. Sem pensar duas vezes correu para o interior da casa evitando as mãos de Wanda e de Sophie. Entretanto, quando seus olhos puderam adaptar-se à fumaça e contemplou a cena que havia em frente a ela, não duvidou e avançou para Roger.
? Minha querida cunhada... alegro-me de que tenha vindo. Quero que veja com seus próprios olhos o que seu marido tem feito durante todo este tempo ? expôs com uma voz cálida.
? Tem razão ? respondeu afastando-se de Roger e, face aos intentos deste por a fazer parar, ela subiu dois degraus. ? Comportou-se como o demônio que é. Agora entendo por que me visitaram, queriam me proteger.
? Ela sim entende... ? murmurou Charles olhando seu irmão com os olhos entreabertos. ? Ela é a única que nos compreende...
? É óbvio que o faço, Charles. E te asseguro que quando sairmos daqui tudo isto terá terminado. Sua tortura, as crianças, essas mães, tudo desaparecerá!
? Ajudar-me-á? Ajudar-me-á a finalizar o que minha mãe começou? ? Desceu lentamente a arma e diminuiu a intensidade com que apertava a pequena Natalie em seu corpo.
? Duvida da minha palavra? ? Perguntou com aparente irritação. ? Acaso não entendeu quando me olhava, quando falávamos, que me resultou mais agradável que o desprezível de seu irmão?
? Sim que o apreciei. ? Sorriu satisfeito. ? Mas não conseguirei te dar a posição que merece se ele estiver vivo. ? Charles levantou a arma, apontou para seu irmão e disparou.
? Não! ? Exclamou Roger com desespero.
Evelyn notou uma terrível dor em seu ventre. Quis levar as mãos para o lugar onde sentia aquela horrorosa queimação, mas não o conseguiu. As forças a abandonavam pouco a pouco e seu corpo começou a cair. Custava-lhe respirar. A visão se nublava. A bala que ia impactar sobre o coração de seu marido alcançou a ela. Deveria gritar ou chorar de tristeza ao ver que seu fim estava próximo, mas não podia, sentia-se feliz por ter impedido que o homem que cuidava de todas as pessoas que viu no jardim continuaria fazendo-o embora ela não estivesse. Ao longe, muito longe para escutar com precisão, escutou a voz de seu marido que insistia em que não o abandonasse e de repente... outro disparo.
? Saiam agora mesmo daqui! ? Gritou John que, depois de aparecer, observou como Evelyn se desabava e como o irmão de Roger aproximava a arma de sua boca e disparava. ? Encarregar-me-ei de Natalie. ? Subiu as escadas, pegou a menina pela mão e correu para o exterior o mais rápido que pôde.
? Evelyn! Evelyn! ? Clamava Bennett enquanto saía daquele inferno com ela em braços. ? Aguenta, meu amor! Ficará bem! Amo-te! Escuta-me? Amo-te!
XXXIII
Escritório do senhor Lawford. Três semanas depois.
? Imagino que com as assinaturas do marquês nada nem ninguém poderá invalidar os documentos, não é? ? Insistiu Roger enquanto observava através da janela como as pessoas corriam de um lado para outro tentando resguardar-se da chuva.
Uma semana depois do disparo a Evelyn, Roger apareceu em Tower e, face aos intentos que realizou sua mãe para impedir que conseguisse seu propósito, conseguiu chegar até o quarto de seu pai. O ancião marquês se apoiava sobre os almofadões e soluçava a perda de um de seus filhos. Bennett se colocou ao pé da cama com as mãos sobre as costas e lhe contou a verdadeira história. Seu pai negava devagar tudo aquilo que lhe narrava, segurava os lençóis com força e rejeitava categoricamente o que escutava.
? É mentira! ? Gritou uma das vezes. ? Sua mãe seria incapaz de fazer algo assim!
Mas Roger não diminuiu sua intenção de abrir os olhos do marquês. Descreveu-lhe como esteve presente na morte daquele menino, a razão de sua fuga com quinze anos e o motivo pelo qual retornou anos depois. Também lhe indicou que tanto Charles como sua mãe tinham descoberto o lar que tinha construído para seus irmãos e que, depois de não conseguir o primeiro plano que era envenenar sua esposa, Charles decidiu tomar a justiça em sua mão.
? Por isso quero que os reconheça ? disse após sua longa exposição. ? Embora Evelyn conseguisse curar-se por completo, jamais poderá ter meu filho. A ferida em seu ventre tornou impossível que possa ficar grávida.
? Não vou reconhecer a nenhum desses malditos bastardos! ? Clamou o pai com a pouca força que ficava. ? São filhos de satanás, não meus!
? Faremos um trato ? resmungou apertando os dentes. Caminhou para a cabeceira da cama e aproximou seu rosto ao do pai. ? Reconheça ao menos a dois deles, um menino e uma menina, para que algum dos dois possa continuar com este maldito título.
? E se não o fizer? ? O ancião arqueou a sobrancelha direita e olhou seu primogênito de maneira desafiante.
? Se não o fizer ? continuou relaxando a mandíbula e mostrando um rosto de satisfação ? terá o prazer de ver como sua querida esposa é encarcerada e sentenciada à morte por todos os assassinatos que cometeu.
? Ela... ela... o fez porque me ama... ? balbuciou.
? Chama isso de amor? ? Virou-se sobre seus calcanhares para não o olhar, mas aquela reflexão tão absurda sobre no que consistia o amor em um matrimônio o fez voltar-se para seu pai. ? Isso é maldade, pai!
? Está bem, ? disse o marquês depois de um tempo emudecido ? reconhecerei a dois, mas em troca deve me dar sua palavra de que sua mãe jamais será julgada pelos atos de amor que cometeu e que, depois da minha morte continuará vivendo aqui sem carências econômicas.
? É óbvio ? afirmou satisfeito. ? Esta mesma tarde terá a visita do senhor Lawford, é um dos adminis...
? Já sei quem é esse malnascido! ? Exclamou o marquês mais zangado, se pudesse.
? Pois como vejo que já o conhece, aconselho-o que não pretenda realizar nenhum estratagema, advirto-lhe que o senhor Lawford é muito bom em seu ofício. E agora, se me desculpar, tenho muito trabalho a fazer. ? Dirigiu-se para a porta, bateu as botas, inclinou levemente a cabeça para diante e partiu.
Quando fechou, inclusive antes de poder encaixar os parafusos, sua mãe apareceu no corredor. Permanecia imóvel, olhando-o de maneira altiva. Roger passou por seu lado como se não estivesse, mas antes de descer as escadas e sair da casa que odiava, virou-se para ela para lhe dizer:
? Como se sente ao ver que depois de ter as mãos manchadas de sangue inocente não conseguiu seu propósito? ? Não lhe respondeu, nem se dignou a dar a volta e lhe responder. Ao compreender que não tinha a intenção de defender-se, porque não se arrependia de suas maldades, continuou seu caminho para a saída.
? Não acredito que seja o homem mais indicado para pôr em dúvida meu trabalho. ? Lawford levantou os óculos com o dedo e olhou ao futuro marquês fixamente. ? Recorde que foi impossível desfazer o compromisso.
? Tem razão, desculpe se o ofendi ? respondeu com um meio sorriso. Com as mãos nas costas, caminhou para a mesa em que o administrador mostrava um sem-fim de pastas.
? Falando de matrimônio... ? disse de maneira reflexiva Arthur. ? Como se encontra hoje a futura marquesa? ? Agrupou os papéis que seu cliente tinha vindo procurar e os golpeou brandamente sobre a mesa.
? As febres cessaram, mas o doutor diz que tenhamos paciência. A ferida embora grave, não roçou nenhum órgão vital salvo seu útero ? comentou com tristeza.
? Bom, não acredito que lhe faça falta não ter descendência. O senhor Logan continuará com o título de marquês e têm a tutela da pequena Natalie. Acredito que ambos atuarão como os filhos que já não terão.
? Não tinha nenhum desejo em ser pai, nem agora nem antes. O único que quero é que Evelyn desperte e volte a ser a mulher que era ? expôs Roger após respirar fundo.
? Não perca a esperança, senhor. Sua esposa é a mulher mais forte que vi em anos. Ainda lembro como entrou neste escritório e também... como saiu. ? Sorriu.
? Jamais a perderei... ? Roger também sorriu. Estendeu a mão e pegou os documentos que necessitava para que seus dois irmãos pudessem fazer oficial seu sobrenome. Teria gostado de ver a expressão de Evelyn ao informa-la de sua proeza, do bate-papo que tinha mantido com seu pai e os rostos de surpresa que mostraram Logan e Natalie ao lhes indicar que, legalmente, já eram Bennett. Embora tivesse que esperar um pouco mais para isso. ? Anderson lhe fará chegar seis garrafas mais ao longo desta semana ? informou antes de sair do escritório. ? É, além do pagamento ao seu trabalho, uma maneira de lhe agradecer o que tem feito por nós.
? OH, obrigado, sua Excelência! Muito obrigado! Não tinha que haver-se incomodado... ? Arthur se levantou do assento, dirigiu-se para Roger e lhe estendeu a mão.
? Graças a você, senhor Lawford, face à questionável forma que achou para que minha esposa e eu nos conhecêssemos, sempre lhe estarei agradecido por não haver se negado à proposta de Colin.
Arthur assentiu e se encheu de orgulho ante as palavras que escutou do futuro marquês. Quando se fechou a porta voltou para seu assento. «Eu só lhe aproximarei esse colar ? recordou as palavras do jovem Pearson. ? Ele sozinho deixará que Evelyn prenda-o». O moço tinha razão. Bennett tinha se apaixonado por sua mulher até tal ponto que deixou que lhe fechasse aquela cadeia. Entretanto, o que ocorreria se ela não se recuperasse? «Senhor, escuta minhas preces. Sei que faz muito tempo que não vou à igreja nem cumpro todos os seus mandamentos, mas não te peço por mim, mas sim por eles. Faça com que a senhora Bennett sare rapidamente». Sentou-se na cadeira, tirou a garrafa de brandy, serviu-se uma taça e após brindar pela mulher, o bebeu de um gole.
Enquanto caminhava para o exterior Roger olhou os papéis e os leu com interesse. Teria gostado que seu pai reconhecesse a todos, mas se contentava com o pouco que conseguira. Ao abrir a porta e perceber que a chuva não tinha cessado, ocultou os documentos sob a jaqueta. Correu para a carruagem e, sem esperar que Anderson lhe facilitasse a entrada ao interior, saltou com rapidez.
? Roger, ? começou a dizer o índio ao vê-lo entrar ? este é o senhor Pemberton.
? Encantado de o conhecer ? respondeu esticando sua mão para o homem. ? informou-lhe meu amigo sobre a razão pela qual o chamei?
? Sim, milorde. Este cavalheiro foi muito explícito.
? O que tem a dizer a respeito? ? Interessou-se Roger. Não afastava o olhar daquele homem. Pareceu-lhe estranho que Eleonora decidisse seduzir a um ser tão insólito. Mal tinha cabelo em sua cabeça, sua barba mostrava várias cores e seu bigode se estirava para ambos os lados de seu rosto em uma trabalhosa linha reta.
? Fui vê-la mais de uma centena de vezes desde que soube de seu estado, mas nunca quis me receber. Sempre me jogou na rua como se nosso amor jamais tivesse existido ? comentou com pesar.
Roger tirou a cabeça pelo guichê, indicou ao chofer a direção e retornou ao seu assento.
? Está completamente seguro de que você é o pai dessa criatura? ? Insistiu. Não queria aparecer em frente a Eleonora e confrontar-se com ela lhe oferecendo um pai errôneo. Se ele não tinha sido seu único amante durante o tempo que a visitava, quem poderia corroborar que o senhor Pemberton não a compartilhou com outros cavalheiros?
? Sim, milorde. Se meus cálculos não me falharem, Eleonora ficou grávida em uma viagem que fizemos a Cheshunt.
? Cheshunt? ? Repetiu Roger atônito. A mulher era avessa a viajar mais de duas horas em carruagem. Segundo ela seu corpo se debilitava com o balanço continuado do carro.
? Sim ? afirmou o homem com um pequeno movimento de cabeça. ? Tive que me deslocar até ali porque minha mãe faleceu.
? O que conseguiu ela em troca? ? Sabia que não era próprio de um cavalheiro realizar esse tipo de perguntas, mas a curiosidade era tão imensa que não pôde conter-se.
? Como? ? Pemberton levantou as pestanas, levou as mãos para o bigode e retorceu cada ponta com as pontas de seus dedos.
? Imagino que o propósito de o acompanhar em uma viagem tão árdua seria algo mais suculento para ela que simplesmente dar o último adeus à sua mãe. ? Sorriu maliciosamente.
? Todas as joias que ela possuía as dei de presente com gosto, senhoria. Ela as rejeitou com firmeza, mas eu insisti em que as tivesse ? respondeu ofendido.
? É claro, não duvido de sua palavra... ? Roger se reclinou no assento e olhou John. Este mostrava um sorriso tão grande que podia ver o branco de seus dentes. Mas ele não sorriu. No fundo sentia lástima pelo pobre infeliz.
? Entrarei primeiro ? disse Bennett quando a carruagem parou e abriu a porta para sair. ? Você deveria esperar na entrada oculto atrás de mim até que nos permitam acessar ao interior. Não me cabe a menor dúvida de que se a criada o descobrir não abrirá a porta e informará Eleonora de sua presença.
? Farei o que me ordena. Com tal só de poder falar com ela, de lhe suplicar que me deixe ver meu filho, atirar-me-ei ao chão se precisar ? indicou o homem colocando-se sob o pequeno teto da porta.
Roger o olhou sem pestanejar. Aquele homem era capaz de ajoelhar-se ante a mulher e lhe rogar que não o abandonasse enquanto se aferrava aos tornozelos desta. Era, sem dúvida, o melhor marido que Eleonora poderia encontrar: submisso, acessível, carente de personalidade e com os bolsos repletos. Não entendia como tendo uma oportunidade de ser feliz junto àquele desventurado, esforçava-se tanto em conseguir o que não estava ao seu alcance.
Depois de comprovar que Pemberton se ocultou, bateu na porta e esperou com aparente paciência que fosse recebido.
? Sua Excelência?! ? Exclamou a donzela com entusiasmo e assombro.
? A senhora está? ? Perguntou dando um passo para o interior da casa e obrigando a criada a lhe permitir o acesso.
? Está no pequeno salão, milorde. Quer que o anuncie? ? De repente seu olhar se cravou na pessoa que estava atrás de Roger. A mulher não pôde evitar levar as mãos à boca para fazer calar um grito. Tentou fechar a porta, deixar ao senhor Pemberton na rua, mas Bennett colheu com força a grossa porta de madeira e impediu tal propósito.
? Fique aqui, eu lhe farei um sinal quando for o momento apropriado ? ordenou Roger caminhado para o salãozinho.
? Meu senhor... milorde... rogo ? sussurrava a criada sem poder se mover da entrada. ? Ela... ela...
Mas Bennett não escutou a súplica. Estava decidido a terminar o rumor que Eleonora tinha estendido por Londres. Todos aqueles que o olhavam o comparavam com seu pai e isso não ia tolerar. Quando Evelyn despertasse, quando enfim abrisse seus olhos, não desejava que se entristecesse ao escutar falsos testemunhos sobre seu marido. Tinha-lhe sido fiel desde que se casaram. Por isso retornou a Londres após sua longa viagem. Se tivesse entrado naquela casa, se na noite de bodas se entregasse ao falso amor de Eleonora, jamais teria conhecido sua esposa nem teria conseguido descobrir o que era amar uma mulher.
Quando abriu a porta do salão encontrou Eleonora de pé com seu menino nos braços. Embalava-o e cantava uma melodiosa canção ao mesmo tempo que o balançava com ternura. Ao escutar que alguém permanecia na entrada, dirigiu seus olhos para ele e sorriu.
? Alegro-me de que enfim tenha decidido conhecer seu filho ? disse com um sorriso triunfal.
? Bom dia, Eleonora. Não volte a dizer que esse filho é meu, porque sabe que não é certo ? declarou com solenidade.
? Claro que é! ? Insistiu a mulher aproximando-se de Roger.
? Sempre soube que era uma harpia, mas jamais imaginei que sua maldade te levasse até tal ponto. É injusto o que tem feito, é injusto que tenha deixado crescer em suas vísceras uma criatura que sofrerá suas maldades. Embora desta vez não obtivesse seu propósito. Descobri quem é o verdadeiro pai desse menino ? apontou sem mover-se de onde permanecia.
? Você! ? Clamou de novo. ? O pai deste menino é...! ? Ficou sem palavras quando percebeu que Bennett levantava uma mão e aparecia atrás dele outro homem.
? Olá, Eleonora ? disse Pemberton ao acessar ao interior do salão.
? O que faz aqui? ? Gritou a mulher segurando a criatura com mais força sobre seu corpo. Seus olhos se dirigiram para Roger, que sorria de forma triunfal, e logo se cravaram no outro homem.
? Vim conhecer meu filho ? respondeu com firmeza.
? Seu filho? ? Repreendeu a mulher dando uns passos para trás. ? Este não é seu filho!
? Sim, sei que é. Não o negue, meu amor. Não pode se opor a que seu verdadeiro pai vele por ele ? assinalou Pemberton com tristeza.
? Não, você não! ? Exclamou entre lágrimas. ? Fora daqui! Não quero ver-te em minha casa!
? Casar-me-ei contigo, converter-te-ei na senhora Pemberton e daremos ao nosso filho o que lhe pertence. ? Caminhou para ela e se ajoelhou. ? Prometo que nada lhes faltará. Terão tudo o que necessitem. Eleonora, eu te amo, amo-te. Não me afaste, suplico-lhe ? rogou isso entre soluços.
Roger não aguentava mais a cena que contemplavam seus olhos, deu meia volta e saiu dali com passo ligeiro. Quando retornou à carruagem continuou observando o sorriso de John e a cara de satisfação de Anderson. Teriam pensado alguma vez que o filho era dele? É claro que sim. Ambos o conheciam e sabiam como tinha sido antes de conhecer Evelyn, mas desde que a viu, desde que a beijou pela primeira vez, converteu-se em um homem diferente.
Durante o regresso a casa os três falaram de como se desenvolviam as obras da nova residência. Bennett tinha decidido construi-la com mais quartos e mais salões. Não queria que neste novo lar mães e filhos tivessem que descansar nos mesmos quartos. John voltou a indicar, que finalizado o trabalho, ele e Sophie se instalariam na residência para custodiar os meninos. Roger sorria cada vez que falavam sobre esse tema. Estava seguro de que seu amigo tinha meditado muito a respeito da relação que tinham e que, por fim, dava o passo que todos esperavam.
O trajeto até Lonely se fez curto entre as risadas e as brincadeiras com seu amigo pela decisão tomada. Depois de descer, Bennett se dispôs a subir com rapidez as escadas e caminhar para o quarto, para certificar-se de que Evelyn continuava igual, mas sentiu que alguém lhe agarrava a mão e impedia seu propósito.
? Temos que finalizar aquilo que começou ? disse John a seu amigo.
Ele assentiu, retornou à carruagem, levantou o assento e pegou o pequeno crânio. As mãos lhe tremeram ao ter os ossos sobre suas palmas. Voltou a ver o menino dentro daquele cômodo escuro, amarrado, e escutou com claridade os gritos de socorro. Esteve a ponto de ajoelhar-se, de chorar pelo desespero de não ter sido capaz de o liberar daquele final, mas a mão cálida de John o reconfortou.
? Sua alma deve descansar em paz ? sussurrou.
? Sei. Mas depois de tanto tempo, depois de tudo o que aconteceu, não me vejo capaz de me desprender dele. Acredito que se o deixo ir, se me desprender do que significam estes ossos para mim, esquecerei o que me impulsionou a lutar contra minha família.
? Não poderá esquecê-lo, Roger. Tem ao seu lado muitas pessoas que conseguirão a lhe dar a força que necessita para seguir lutando.
Depois de uns momentos, nos quais Bennett meditou sobre a veracidade das palavras de seu amigo, ambos caminharam para a cancela metálica que dava passo à propriedade. John tinha preparado um lugar onde cuidaria das almas que viveriam naquele lugar.
Roger se ajoelhou em frente ao buraco e colocou o pequeno crânio.
? Sobe com sua esposa ? indicou John ao ver seu amigo imóvel e incapaz de enterrar o crânio. ? Acredito que o necessitará mais que ele.
Sem mediar palavra Roger se dirigiu ao seu lar, subiu as escadas sem poder sequer falar com as pessoas que o saudavam. Desejava meter-se no quarto, cair ao lado de Evelyn e não sair de seu lado até que decidisse despertar daquele amargo sonho que durava já três semanas.
Ao abrir a porta sorriu. Era de esperar que a pequena Natalie ocupasse seu lugar enquanto ele permanecia ausente. Não a deixavam sozinha, não desejavam, nenhum dos que habitavam sob o teto de Lonely, que ela abrisse seus olhos e se encontrasse sozinha. Entretanto, embora o comportamento da menina fosse louvável, devia brigar com ela. Perdeu um dia de aulas e a senhora Simon recriminaria que a tratasse diferente dos outros.
? Acaso as aulas de hoje não eram de seu agrado? ? Disse-lhe enquanto caminhava para a poltrona, tirava os documentos para apoiá-los sobre este e se despojava da jaqueta molhada.
? Hoje não posso deixá-la só ? comentou a menina com uma felicidade tão estranha que Roger ficou imobilizado ao escutá-la.
? Por que... hoje não pode deixá-la? ? Repetiu enquanto seu coração se agitava, seu pulso se acelerava e se aproximava da cama com medo.
? Porque despertou.
Roger deu dois largos passos para elas. Seu coração não pulsava, galopava em seu interior, mas ficou parado ao descobrir que Evelyn estava acordada. Por fim abria seus olhos! Ajoelhou-se junto à cama, pegou a mão que ela estendia para ele e a beijou enquanto chorava.
? Meu amor, minha vida. Por fim despertou. ? Continuou soluçando sem poder separar a mão de sua boca. ? Amo-te, Evelyn. Amo-te tanto que não teria podido viver sem ti.
? Nem eu sem ti... ? murmurou Evelyn antes de ver como seu marido se levantava e beijava seus lábios sem lhe importar que Natalie estivesse presente e se tampasse os olhos para não ver como se beijavam.
Epílogo
Três meses depois
Com muita ternura, Roger acariciou o rosto de Evelyn com seus dedos. Foi afastando as mechas de cabelo até poder observar com claridade suas feições ao dormir. Era a primeira vez que discutiam daquela forma. A primeira que tinha saído do dormitório e tinha descido até o salão para beber até cair morto.
Evelyn reprovou sua atuação, recriminou-lhe que se comportasse como um monstro, mas não pôde evitá-lo. Quem poderia conter-se ao ver que sua esposa era agarrada com força por um ser desprezível? Embora insistisse que a situação estava controlada, ele não o percebeu assim. O famoso Scott, aquele homem que destroçou a juventude de sua mulher apareceu na festa que Caroline ofereceu em Hamilton. Ia pelo braço de sua esposa, com quem se casou depois de abandonar Evelyn.
Mordeu os lábios quando Federith revelou seu nome. Tentou tranquilizar-se, embora quando observou que ia atrás de sua mulher, todo o controle se esfumou. Esperou paciente no balcão, espreitou o movimento daquele personagem enquanto se aproximava de sua esposa e escutou com atenção a conversação entre ambos. Ele não cessava de lhe dizer que sentia saudades, que se arrependia do que teve que fazer no passado e que, se ela quisesse, voltariam a ficar juntos. Como era de supor, o que lhe propunha era que se convertessem em amantes. Até aí, pôde suportá-lo. Mas quando Evelyn lhe disse que estava apaixonada por seu marido e que não desejava saber nada dele, este não se conformou, agarrou-a pelo braço e evitou que ela se afastasse de seu lado.
? Algum problema? ? Perguntou saindo de seu esconderijo.
? Roger! ? Exclamou Evelyn com surpresa.
? Repeti-lo-ei uma vez mais, algum problema? ? Seu aborrecimento era tal que mal podia manter um fio de prudência. Apertou os punhos e sua mandíbula esteve a ponto de deslocar.
? Não, ? respondeu ela ? nenhum problema. Agora mesmo me dispunha a retornar com Beatrice.
? Faça isso, eu irei depois ? disse sem afastar o olhar daquele que tinha ousado tocar sua esposa.
? Roger, por favor... ? suplicou-lhe.
? Vai, Evelyn, ? intercedeu Scott ? não acredito que seu marido se atreva a...
Não pôde terminar a frase. As mãos de Roger se aferraram ao seu pescoço e o levantou dois palmos do chão.
? A que não me atreverei? ? Grunhiu.
? Solte-me! ? Gritou o homem movendo seus pés.
De repente, como se percebessem que algo errado acontecia, William e Federith apareceram na entrada. Estes caminharam para Roger ao presenciar a cena.
? Roger... ? falou William. ? O que acontece?
? Este descarado ousou tocar a minha esposa ? bramou.
William olhou a assustada Evelyn e esperou que ela confirmasse as palavras de seu amigo, mas estava tão nervosa que não foi capaz de lhe responder.
? Evelyn, entra. Nós resolveremos esta situação ? indicou Federith com sua típica voz tranquilizadora.
? Por que a tocou? ? Inquiriu o duque sem fazer com que seu amigo desistisse em seu empenho por asfixiá-lo.
? Acredita-se com o direito de fazê-lo, ? respondeu Roger apertando com mais força suas mãos ? porque como bem sabem foi pretendente da minha esposa.
? Pensa uma coisa, ? voltou a falar William ? sua mulher está assustada e graças a Deus podem viver uma vida tranquila. Crê que vale a pena destroçar essa felicidade por um miserável como este?
? O que você fez, William? ? Grunhiu de novo Bennett.
? O correto. Por isso quero que você faça o mesmo.
Depois de suas palavras Roger afrouxou a amarração e deixou livre ao homem. Este depois de tossir e amaldiçoar correu para o interior do salão.
? Sua esposa sabia que Wyman foi o pretendente da Evelyn ? soltou William. Não era uma pergunta, mas sim uma afirmação.
? Minha esposa é um ser desprezível e lhes peço mil desculpas por seu inapropriado comportamento ? comentou Federith aflito.
? Como compreenderá, enquanto esteja com ela, minha visita ao seu lar está anulada ? resmungou Roger ao mesmo tempo em que dava a volta e caminhava para a entrada.
? Roger, por favor... ? disse Federith ao ver como seu amigo se afastava dele.
? Não é o momento. Deixa que lhe passe a ira. Sabe que não pensa com claridade quando está irritado ? apontou William.
? Esta mulher... ? comentou Cooper movendo a cabeça de um lado para o outro.
? Se estivesse em seu lugar a observaria com mais atenção ? disse o duque ao mesmo tempo que jogava seu braço sobre o ombro de seu amigo. ? Olha além do permitido ao senhor Graves.
? Olha com atenção a todo homem que não seja eu... ? respondeu triste.
Ainda seguia com os olhos fechados. Parecia que não desejava despertar, ou talvez não quisesse vê-lo ao seu lado. Roger se moveu da cama e tentou deixá-la sozinha, mas nesse momento notou a mão de sua esposa nas costas.
? Perdoe-me ? murmurou com a cabeça abaixada. ? Sinto o ocorrido. Não quis te envergonhar nem te humilhar diante de todo mundo.
? Não deveria se comportar daquela maneira embora se for sincera, alegro-me de que ocorresse ? respondeu sentando-se na cama para abraçá-lo. ? Sabia que cedo ou tarde nossas vidas se cruzariam e o meu único temor era descobrir como o confrontaria. Não quero que nada nem ninguém nos separe.
? Como pode imaginar uma coisa assim? ? Perguntou enquanto se virava e tombava a sua esposa de novo. ? Se por acaso não se deu conta, é minha, só minha.
? Isso... hummmm... soou muito primitivo... ? sussurrou. Levantou os braços e os enredou no pescoço de seu marido. Desejava que todo o acontecido na noite anterior desaparecesse o antes possível e a melhor forma de consegui-lo era deixar-se levar pelas carícias e os beijos de Roger.
? Quer-me, senhora Bennett? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Muitíssimo, senhor Bennett.
Quando os lábios do homem pousaram nos de sua mulher bateram na porta.
? Vou ter que lhes deixar claro que... ? balbuciou o futuro marquês.
? Milorde! Sua Excelência! ? Gritou Anderson através da porta.
? Entra ? respondeu depois de levantar-se e certificar-se de que Evelyn cobria seu corpo com o lençol. ? O que acontece?
? Desculpe a interrupção, mas o duque de Rutland o espera no hall. Ordenou que se apresente o antes possível ? expôs o criado sem mal respirar.
Estranhando a visita, Roger saiu do quarto, desceu as escadas de três em três e quando apreciou o rosto alterado de William esteve a ponto de sentar-se no chão.
? Vista-se! ? Gritou-lhe Rutland. ? Temos que nos dirigir a Londres o antes possível.
? O que acontece? Acaso aquele descarado do Wyman...? ? Tentou perguntar ao mesmo tempo em que convertia suas mãos em dois duros punhos.
? Encontraram esta madrugada o corpo sem vida de Caroline e acusam Federith de sua morte.
Agradecimentos
Em primeiro lugar quero agradecer à minha família a infinita paciência que tiveram enquanto criei o futuro marquês. Foram muitas horas afastada deles e lhes negando minha ajuda. Espero que ao final tenham sua recompensa.
Em segundo lugar às minhas amigas. Obrigada pelo apoio que me ofereceram, por aguentar as intermináveis horas ao telefone e por me dar ânimos quando estive a ponto de atirar a toalha.
É óbvio a ti, Paola. Por seguir trabalhando ao meu lado e fazendo com que minhas novelas não deixem de brilhar.
Também tenho que agradecer à minha querida companheira e amiga Ahna Shtauros por sua ajuda quando necessitava de expressões em francês. Sinto se te avassalei de mensagens de wassap aquela manhã às cinco da madrugada quando estava adormecida.
E é óbvio a ti, leitor, que escolheu entre um milhão de histórias, a minha.
XXIV
Algo a impedia de levantar as pestanas. Dirigiu as mãos para o rosto e tocou um objeto suave. Afastou-o com rapidez e se incorporou sobre a cama. Quem lhe tinha abafado os olhos e por qual motivo? Quando pôde observar com claridade ao seu redor, levou-se uma mão à boca e evitou dar um grito. Roger estava ao seu lado, ajoelhado sobre o chão e apoiando meio corpo na cama. Estendia os braços para ela como se quisesse alcançá-la, seu cabelo revolto deixava apreciar a metade do rosto viril.
Evelyn cravou as pupilas naquela boca deliciosa que se escondia sob uma espessa barba loira. De repente, um estranho ardor sacudiu seu corpo, fazendo com que um inaceitável frenesi se apropriasse dela. Era um homem tão sedutor, tão encantador que até adormecido provocava o desejo de tocá-lo, de acariciá-lo.
Compreendia por que sua fama de galã se estendeu por Londres como a pólvora e por que as mulheres emitiam sorrisos nervosos quando ele estava presente: que mulher não sonha ter ao seu lado um homem assim?
Desvanecendo de repente os sentimentos de prazer e luxúria que se apropriavam de sua mente, moveu-se devagar para não o despertar. Precisava afastar-se dele o antes possível, não lhe cabia dúvida de que teria chegado tarde e bêbado. Talvez, devido ao seu estado de embriaguez, adotou aquela postura ao não alcançar a poltrona onde devia descansar. Não foi até que tentou pousar os pés no chão que viu a cadeira junto à cama. Nela havia uma bacia repleta de água, a mesma com a qual se refrescou à noite anterior no banheiro. O que tinha ocorrido? Que fazia a bacia ali?
Conseguiu que sua mente rememorasse o transcorrido na noite anterior, Roger tinha partido e ela, enfim, pôde despir-se. Esforçou-se em aliviar a terrível dor que tinha aparecido em seu rosto, mas não o obteve e, derrotada, retornou à cama. Não pôde conciliar o sonho até bastante tempo depois, a imagem daquele pequeno crânio aparecia uma e outra vez em sua mente provocando que um sem fim de perguntas surgisse em sua cabeça sem cessar. Não encontrou nenhuma razão lógica que explicasse por que o dito objeto permanecia sob o assento e finalmente alcançou o sono, mas não descansou.
Um terrível pesadelo dominou seu repouso. Viu-se no prado caminhando para o sol e notando como a grande bola de fogo lhe queimava o rosto. Era incapaz de diminuir seu passo embora se visse envolta em chamas e gritou ao ver que seu vestido ardia e todo seu corpo também. Quando se rendeu ao fatídico final observou uma enorme figura aproximando-se e colocando-se em frente a ela. Sua grandiosa sombra fez com que deixasse de sentir calor e que o fogo desaparecesse de repente.
Evelyn voltou o olhar para Roger. Tanto em seu pesadelo como na vida real, ele a cuidava. Deixava a um lado o ser arrogante e egoísta que tanto se esforçava em mostrar e a protegia sem lhe importar o que ele mesmo padecesse. A mulher deixou de franzir o cenho e, com cuidado, rodeou a cama até colocar-se atrás das costas de seu marido. Daquela proximidade contemplou maravilhada como descansavam seus fortes braços que com facilidade poderiam ser como quatro dos seus, sua musculatura era tal que lhe resultava impossível compará-lo com outro homem. As pernas, aquelas longas extremidades das quais se queixava ao sentar-se na carruagem, esticavam-se sobre o chão adotando uma postura indesejável. Mas não foi a magnitude da figura masculina que lhe fez levar de novo as mãos à boca, mas sim umas pequenas cicatrizes que desfiguravam as atléticas costas. Quem o teria açoitado com tanta força para assinalar uma pele tão forte? Teriam-no feito prisioneiro em alguma de suas viagens no navio? O teriam assaltado os temidos piratas? Quis esticar a mão e as tocar com suavidade, mas não era apropriado fazê-lo enquanto ele descansava, se de verdade desejava tocá-lo, se de verdade queria que seus dedos roçassem a pele masculina, devia fazê-lo quando Roger permanecesse acordado, assim poderia retroceder ao mínimo gesto de amargura. Zangada pelos pensamentos pecaminosos que despertava seu marido nela, virou-se com sigilo e caminhou para o baú. Precisava arrumar-se antes de despertá-lo. Se for certo, se ele tinha passado a noite velando sua agonia, não teria repousado o suficiente e o trajeto para Londres seguia sendo longo.
? Encontra-se melhor? ? A voz áspera de seu marido a fez virar com brutalidade.
? Sim. Muito melhor. Por que o fez? ? Arqueou as sobrancelhas e esperou para escutar a resposta com interesse.
? Por que não o ia fazer? ? Ao incorporar-se franziu o cenho. Tinha permanecido tantas horas na mesma posição que, ao levantar-se, sentiu dores nas pernas. ? Expôs-se durante muito tempo ao sol e sofreu umas leves queimaduras ? esclareceu com certo desinteresse. Não queria que desse importância a um fato tão banal. ? Se não as tivesse tratado hoje não poderíamos empreender a marcha.
? Entendo... ? disse com pesar.
Tinha encontrado a razão de seu cuidado. Não foi o que esperava, mas era o mais lógico. Se ela adoecesse teriam que permanecer na estalagem mais tempo do que pretendia e isso atrasaria a chegada a Londres. Evelyn olhou para o chão, evitando que Roger descobrisse as pequenas lágrimas que começavam a brotar em seus olhos.
Doía-lhe descobrir que seguia sem despertar certo interesse sentimental em seu marido. Aquela apatia os separava e a distanciava de averiguar a verdadeira personalidade de seu marido. Se continuasse dessa forma, seu plano não seria infalível.
? Não sei como agradecer tudo o que está fazendo por mim ? falou sem ser capaz de evitar certa aflição em suas palavras. ? Mal levamos dois dias de viagem e me salvou de ser atacada por uma serpente e te fiz passar a noite em claro para acalmar um estrago que eu mesma realizei por imprudência. O mais sensato seria que me deixasse aqui para que Wanda me recolhesse.
? Não vou abandonar-te! Permanecerá ao meu lado em todo momento, entendido? ? Disse zangado.
? Não se dá conta de que só atrapalho sua vida? ? Levantou o rosto e deixou que suas lágrimas fossem percebidas pelo homem.
? Bobagens... ? grunhiu aproximando-se dela. ? Qualquer um pode ser assaltado por um perigoso animal se caminhar pelo campo e, quem não está acostumado aos raios solares padecem este tipo de reações ? respondeu com tom suave. Esticou a mão para o rosto e o acariciou com muita suavidade. Enquanto lhe afastava as lágrimas com os polegares, observou como Evelyn fechava os olhos ao tocá-la e apertava seus deliciosos lábios. Esteve a ponto de beijá-la, de degustar de novo seu sabor, mas se conteve. Não desejava aproveitar-se dela em um momento de debilidade. ? Por sorte, não ficarão sequelas. ? Virou-se para a direita e deu uns passos para diante deixando-a as suas costas.
? Roger? ? Chamou sua atenção.
? O que? ? Perguntou elevando a cabeça para o teto esperando qualquer recriminação por havê-la tocado sem ela pedir-lhe.
? Obrigada... ? Não era essa a palavra que desejava dizer.
Ao sentir suas mãos sobre ela e notar como se acelerava seu pulso ao ser acariciada e como sua boca ficava fria sem os lábios de seu marido, avivou uma inesperada vontade de tê-lo ao seu lado sem roupas que impedissem o atrito entre seus corpos.
? Não tem por que me agradecer. Fiz o que devia e continuarei fazendo-o pelo resto da minha vida. E agora, se me desculpa, tenho que me assear. Imagino que Anderson já tenha preparado a carruagem para empreendermos a viagem.
? Roger! ? repetiu com ênfase. Ficaria ali parada? Esperaria que aquele desejo e aquela necessidade por tê-lo ao seu lado desaparecessem com o tempo? De verdade tinha tanta vontade de entregar-se a ele após descobrir que nunca se afastaria de seu lado e que cuidaria dela pelo resto de sua vida? Era suficiente escutar tal coisa para oferecer-se sem restrições?
? O que? ? Perguntou esperando conhecer a razão pela qual não o deixava assear-se com tranquilidade.
Evelyn não pensou. Correu para ele e saltou sobre o corpo seminu de seu marido. Os pequenos braços se entrelaçaram no pescoço e sua boca tocou a de Roger. Este, assombrado pela reação da mulher, ficou pétreo.
? Um simples obrigado teria sido suficiente ? comentou com apenas um fio de voz quando ela liberou sua boca.
Não esperava essa atuação de Evelyn nem tampouco aquele suave beijo. Se assim agradecia seu dever por cuidá-la, fá-lo-ia com mais gozo do que pudesse imaginar. Entretanto, por mais que lhe agradasse a recompensa, não queria que ela se entregasse a ele por esse motivo. Desejava, e cada vez mais, que entre ambos surgisse algo especial. Possivelmente um pouco parecido ao que tinham William e Beatrice, embora supusesse que jamais alcançariam aquele nível de amor.
? Sei ? disse cravando seus esverdeados olhos nos de Bennett.
? Então? ? Continuou colocando suas grandes mãos sob as redondas e gostosas nádegas. Os mamilos de Evelyn roçavam seu torso e estava ficando louco ao tentar manter relaxada certa parte de seu corpo que atuava por sua conta. ? Então? ? Insistiu arqueando as sobrancelhas.
? Quero me oferecer a ti... ? murmurou abaixando a cabeça para que não pudesse ver o rubor que lhe provocava sua ousadia.
? Assim, sem mais? Quer que te faça amor como prêmio por te haver salvado de uma serpente ou por ter acalmado umas pequenas bolhas? ? Foi abrindo suas mãos para que Evelyn se deslizasse até o chão. Quando ela apoiou os pés no piso, olhou-a com os olhos entreabertos. ? Disse-te que com um simples obrigado era o bastante. Não desejo te submeter, nem te obrigar a nada por algo que é meu dever de marido.
Evelyn ficou paralisada. Por mais que tentasse levantar o rosto e olhá-lo desafiante, não conseguia. Seu embaraço, sua vergonha era tal que não podia nem pensar. Com um esforço sobrenatural deu uns passos para trás dando a possibilidade a Roger para que fechasse a porta e a deixasse sozinha naquele quarto que, naquele momento, pareceu-lhe enorme. Entretanto, ele não se moveu. Seus pés, aqueles que só conseguia ver, seguiam pegos ao chão.
? Evelyn? ? Agora era ele quem chamava sua atenção. ? Olhe-me! Levanta de uma vez esse rosto e me olhe! ? Gritou com aparente mau humor.
Assim o fez. Contra sua vontade levantou o queixo e o olhou. As lágrimas percorriam seu rosto sem poder evitá-lo, suas mãos se apertavam com força formando dois pequenos punhos. Humilhou-se de novo. Degradou-se outra vez ante um homem e este não tinha consideração ante seu ato. Zangada pelo acontecido, elevou os punhos, caminhou para ele e começou a lhe golpear no peito com ímpeto.
? Odeio-te! Maldito seja! Odeio-te! ? Gritou entre soluços.
? Então... por que quer se entregar? Por que quer que te toque, que te beije, que te possua? ? Insistiu sem impedir que o continuasse golpeando.
Como podia falar? Como podia explicar o que sua mente lhe propunha se sua garganta estava pressionada pelo desejo? Possivelmente o único motivo pelo qual conseguia soltar aquelas palavras não era outro que escutar, da boca de Evelyn, que o necessitava tanto como ele a ela.
? Não me toque! ? Clamou Evelyn ao sentir as mãos de Roger entrelaçando-se em sua cintura. ? Solte-me!
? Só quando me responder ? disse com firmeza. ? Só assim te deixarei livre.
? O que quer que te responda? ? Inquiriu rudemente.
? A verdade ? respondeu mais comedido.
? A verdade? ? Voltou a abaixar a cabeça, mas Bennett depois de afastar suas mãos da cintura, usou uma para colocá-la sob seu queixo e lhe içar o rosto.
? Sim ? afirmou com solenidade.
? A verdade, ? interrompeu-se ? é que ninguém se preocupou por mim durante todos estes anos. A verdade é que todo aquele que se aproximou foi para obter algo em troca. A verdade é que nunca tive a uma pessoa ao meu lado que apaziguasse minhas doenças, minhas inquietações ou me oferecesse seu amparo sem um motivo ou razão alguma ? soltou sem respirar.
? E aquele seu prometido? Aquele que te roubou aquilo que me pertence? ? Grunhiu mastigando cada palavra e mostrando a ira que lhe provocava conhecer certas coisas do passado de sua esposa que não imaginara.
? Esse menos que nenhum... ? murmurou ao mesmo tempo em que deixava cair seus braços para o chão.
Roger a observou tão abatida que desejou apertá-la ao seu corpo, para que não se afastasse dele, mas pensou melhor. Ela necessitava de seu próprio espaço, seu momento de liberdade, para poder falar com tranquilidade.
? Só me queria pelo dote que ofereciam meus pais... ? sussurrou enquanto caminhava para a cama e se sentava sobre esta ? mas ao não conseguir seu propósito me abandonou.
Podia arrancar os marcos da porta a dentadas? Porque isso é o que desejava fazer naquele momento. Precisava focalizar sua ira, sua raiva e desespero para algo. Entretanto, depois de respirar com profundidade e achar um pouco de sensatez, andou até ela, ajoelhou-se e colocou suas palmas sobre os joelhos da mulher.
? Disseram-me que tinha morrido... ? confessou-lhe. Sabia que lhe ia responder que continuava vivo, então sua mente não cessava de idear a maneira de buscá-lo e fazer realidade a mentira. Se já estava morto... quem condenaria o assassinato de um cadáver?
? Tinha dezesseis anos. Meus pais me apresentaram em sociedade com muita alegria e ilusão. Naquela época a família era bastante rica então meu pai ofereceu um bom dote para o homem que decidisse casar-se comigo. ? Fez uma leve pausa, suficiente para recuperar um pouco de quietude. ? Ele me cortejou e me seduziu. Terminei por me apaixonar e finalmente nos comprometemos. Pouco depois meu pai anunciou que as riquezas familiares tinham desaparecido por um mau investimento. Quando contei, quando lhe narrei a agonia que estávamos padecendo, acreditei que nos ajudaria, que lutaria contra a pessoa que enganou ao meu pai e que graças à sua valentia obteríamos o roubado. Mas não o fez. Decidiu partir. Abandonou-me sem sequer pensar no que eu tinha em meu interior...
? Estava... ficou...? ? Abriu tanto os olhos que pensou que estes fossem sair das órbitas.
? Sim. Embora pouco tempo depois de sua partida o perdi. Tropecei nas escadas ao sofrer um desmaio e quando despertei, o bebê tinha morrido ? soluçou dolorosamente.
? Sinto muito... ? falou com tristeza. Tirou as mãos dos joelhos e se levantou. A vontade de quebrar algo, de estrangular ao malnascido que lhe tinha feito mal, não diminuiu. Mas não era o momento de atuar com agressividade. Não desejava que Evelyn se assustasse ao pensar que a ira se devia à sua confissão e não ao feito de descobrir o triste passado que tinha vivido.
? Não tem por que sentir, Roger, mereço isso. Mereço tudo o que me aconteceu e o que acontecerá ? murmurou Evelyn dirigindo seus olhos para a figura alterada de seu marido.
Perambulava de um lado para outro. Levava as mãos para o cabelo e o afastava sem cessar. Sabia que após conhecer o que escondia, que ao revelar seu passado, desiludira-o. Quem poderia viver junto a uma mulher manchada? Agora era só esperar o que tanto tinha temido, que outra pessoa a abandonasse. Supôs que, embora lhe prometesse cuidá-la, sua declaração lhe daria a oportunidade de afastar-se de seu lado como fizeram os outros.
? Eu... eu... ? tentou dizer, mas lhe resultou impossível explicar o que pensava. Alguém batia na porta com insistência. Com grandes pernadas se dirigiu para esta, abriu-a e ladrou: ? Quem é?
? Sua Excelência ? respondeu Anderson abaixando com rapidez a cabeça ao escutar o tom enfurecido de seu senhor. ? Desculpe atrapalhar. Mas tenho que o informar que tudo está preparado para empreender a viagem.
? Que horas são? ? Perguntou em tom irado.
? Quase sete, senhoria.
? Está bem. ? Olhou de esguelha para Evelyn. Não se tinha movido de seu assento. Seguia com a cabeça abaixada e apertava suas mãos com força. O que devia fazer? Era a primeira vez em sua vida que não sabia como atuar com uma mulher. Se partirem, se se preparavam para partir depois de sua confissão, ela poderia pensar que lhe tinham feito mal suas palavras e que a repudiava por aquele passado que tanto lhe doía. Mas se fechasse a porta, se se dirigisse para ela e fizessem amor, acreditaria que só tentava aproveitar-se de sua fragilidade.
? Senhor... ? interrompeu de novo seus pensamentos o criado.
? Avisem-me quando forem dez da manhã. Não descansei o suficiente para aguentar estoicamente um trajeto tão longo.
? É claro. Voltarei a chamar nessa hora. ? Anderson fez uma leve reverência e se afastou.
Roger fechou a porta e se apoiou nela. Respirou com profundidade e contemplou o aflito corpo de sua esposa. Não sabia se o que lhe ditava o coração era correto ou não, mas se seu interior lhe gritava que o fizesse, fá-lo-ia.
XXV
Virou-se quando escutou fechar a porta. Surpreendida ao escutar que a saída se atrasava, observou sem pestanejar ao Roger, que apoiou as costas na porta de madeira cruzando os braços e cravando suas pupilas nela. Tragou saliva ao perceber como a escuridão aparecia no rosto masculino, apertava a mandíbula com tanto afã que podia escutar com facilidade o ranger de seus ossos. O peito, robusto pelo trabalho que teria realizado no navio, elevava-se e baixava com brio apesar de suportar o peso dos grandes e musculosos braços. Evelyn tremeu. Ali estava, um titã de cabelo loiro e pele escura atravessando-a com o olhar. Supôs que era lógico, todo mundo que escutava seu passado sentia ira ou lástima e, para ser sincera, ela preferia o ódio, posto que estava acostumada a defender-se melhor dos ataques verbais que das palavras repletas de misericórdia.
Quis romper o silêncio incômodo que se produziu entre ambos perguntando se queria que partisse, se desejava descansar tal como tinha indicado ao Anderson ou se desejava terminar a frase que tinha começado antes de serem interrompidos. Tinha empalidecido ao descobrir que tinha perdido ao bebê. Ao que parecia, os rumores não o informaram da parte mais odiosa da ruptura de seu compromisso: a perda de um diminuto ser. Tampouco lhe haveriam dito que ela não podia ter mais filhos. «Colin não o advertiria no contrato matrimonial», disse-se irônica. Desejou falar sobre algo que o despertasse do choque no qual se encontrava, mas não o conseguiu.
De repente Roger descruzou os braços e caminhou com solenidade para ela. Evelyn esticou as mãos pela camisola no primeiro passo. No segundo, seu coração deu um tombo ao apreciar que na realidade o rosto masculino não mostrava escuridão, mas sim lascívia. Não estava zangado, não desejava afastar-se de seu lado. O que pretendia era possui-la como um selvagem. «Grita, Evelyn, grita! Salve-se dele! Corre, foge!», escutava uma voz exaltada em sua cabeça. Mas a fez calar com rapidez.
Roger se aproximava como um predador se aproxima de sua presa, mas nesta ocasião, a presa desejava ser alcançada.
? Prometi que não te tocaria até que me pedisse ? disse isso com voz rouca. Seu terceiro passo o deixou a menos de quatro palmos dela.
? Sim ? respondeu-lhe sem diminuir aquela excitação que lhe augurava o que ia acontecer se fosse incapaz de negar-se.
? E até agora atuei tal como ditou ? continuou com o mesmo tom. Parou de andar até que se colocou em frente a ela. Percebeu que ela tremia ante sua proximidade. Estava seguro de que o calor que emanava de seu próprio corpo chocava com força no da mulher.
? Sim... ? conseguiu dizer mediante uma profunda inspiração.
? Evelyn... quero respeitar suas decisões. Não haverá nada no mundo que me impeça de fazê-lo. Por isso te pergunto, quer que eu te toque? Quer que te beije e te possua com o ardor que sinto desde que pus meus olhos em ti? ? Esticou as mãos para lhe acariciar os suaves e sedosos cabelos que caíam em forma de cascata por seus ombros.
? Roger... ? murmurou.
? Diga-me... ? respondeu depois de respirar profundamente.
? Sim.
? Sim o que, Evelyn?
? Sim, o desejo.
Bennett não se conteve mais. As mãos abandonaram o cabelo para agarrar com força a cintura da mulher. Atraiu-a para ele enquanto sua boca se chocava com a dela. Sua língua voltava a dominá-la, a conquistar seu interior. Observou satisfeito como Evelyn se deixava levar pelo desejo, fechando os olhos e dando pequenos e musicais gemidos de prazer ao tê-la em seus braços. Tudo aquilo que pensou, todas aquelas dúvidas que o impediam de avançar para fazê-la sua se desvaneceram ao sentir as mãos de sua mulher lhe acariciando as costas. Ardiam. Ambos desprendiam um fogo abrasador. Contra sua vontade, Roger foi enrugando entre suas mãos a camisola de Evelyn muito devagar. Apesar de querer arrancar-lha acreditou oportuno ser delicado com ela posto que imaginasse, por suas palavras, que jamais tinha sido amada tal como merecia. Precisava lhe indicar com cada carícia, com cada beijo, que era uma deusa para ele e assim a trataria. Quando o objeto se levantou até a pequena cintura, Bennett pousou suas grandes palmas sobre os glúteos nus. Acariciou-os, apertou-os, e inclusive cravou seus dedos neles para marcá-la, para lhe demonstrar que era dele e de ninguém mais. Mas aconteceu algo que o deixou atônito. Não esperava que Evelyn, depois de notar suas mãos nas nádegas, abrisse lentamente suas pernas o convidando a prosseguir. Dava-lhe acesso à sua sexualidade. Um grunhido de satisfação saiu de sua garganta. Essa amostra de aceitação o deixou tão louco que seu controle se desvaneceu. Com a mesma voracidade que um sedento bebe água no inóspito deserto, Roger terminou por a despojar da camisola. Evelyn, ao ver-se completamente nua, tentou cobrir-se com suas mãos, mas Roger as afastou com delicadeza enquanto se ajoelhava ante ela.
? Não me oculte sua beleza, minha pequena bruxa ? murmurou. Sua boca beijou o ventre no qual um dia houve uma vida dentro. ? Não quero que se esconda de mim.
Esperou que lhe respondesse, mas não o fez. Só colocou as mãos sobre seus ombros para não cair. Seus dedos retornaram às nádegas para acariciá-las com devoção. Voltou a observar como Evelyn separava lentamente suas pernas. As mãos caminharam devagar pelas coxas até alcançar os lábios inchados e úmidos. Depois de inspirar o aroma erótico de sua esposa, acariciou com ligeireza aquelas dobras molhada. Seus dedos lhe facilitaram o trajeto, separando com suavidade as delicadas protuberâncias sexuais.
? Nota minhas carícias? ? Exigiu saber com uma mescla de luxúria e sufoco.
? Sim... ? murmurou mal consciente disso.
? Quer que siga? Quer que continue, meu amor? ? Nem ele mesmo foi consciente de haver dito aquela palavra. Nunca a tinha posto em sua boca anteriormente, mas apesar de entrecerrar seus olhos ao escutar-se, não se arrependeu. Adorava-a, desejava-a, necessitava-a, e isso não era a base do amor?
? Sim, por favor ? rogou-lhe.
Seu corpo se sacudia com tanta força que se agarrou com ímpeto aos ombros de Roger. Mal podia levantar suas pálpebras e se envergonhava por ser incapaz de fechar a boca e não fazer parar aqueles diminutos gemidos provocados pelo prazer. Isso não era o normal, ou talvez sim. Não tinha com o que compará-lo salvo com Scott e, onde suas mãos tinham provocado frieza, as de seu marido a faziam arder.
? Deixe-me conhecer todo seu corpo... ? murmurou devagar enquanto o dedo do meio apalpava o interior de seus lábios procurando o pequeno botão do clímax. ? Deixe-me explorar cada pedaço da sua pele... deixe-me te demonstrar quanto te necessito...
? Faça-o... ? disse sem voz.
? Agarre-se com força aos meus ombros, meu amor. Vou fazer com que desfaleça de prazer ? advertiu antes de mover seu dedo com rapidez sobre o pequeno clitóris.
Gotas de suor começaram a banhar sua pele. Não imaginou que com um simples dedo pudesse enlouquecê-la até o ponto de flexionar seu corpo para diante e cair sobre Roger. Sua respiração era intermitente, mal conseguia duas inspirações seguidas sem gritar. As pernas perdiam sua força e podia notar como começavam a encurvar-se. Mas seu marido a elevou, colocou-a como ele queria que estivesse e então aconteceu algo que, se não tivesse estado na cama, teria caído desabada ao chão. Toda a agitação que sentia ali onde ele tinha o dedo, ali onde era açoitada sem fim, acalmou-se com a língua de Roger.
? Está bem? ? Bennett saltou sobre ela assombrado.
? O que... o que foi isso? ? Perguntou aturdida.
? Isso, meu amor... ? disse com um sorriso de orelha a orelha ? é algo delicioso. ? Dirigiu sua boca para a dela e a beijou com ardor. Sua língua se apoderou dela, possuiu-a e a desfrutou. Evelyn descobriu que o sabor de Roger se mesclava com outro um pouco ácido, frutado. Ruborizou-se ao saber de onde procedia, mas não se amedrontou, queria mais. Muito mais.
? Repita ? ordenou desenhando um sorriso malicioso em seu rosto.
? É uma ordem? ? Perguntou zombador.
? É outro mandato que acabo de acrescentar à lista. ? Seus olhos verdes brilhavam pelo desejo. Urgia-a senti-lo ali abaixo e o necessitava já.
? Pois como te disse, acatarei todas as suas normas, querida.
Começou a percorrer o corpo feminino com sua boca. Fez várias paradas antes de chegar ao lugar que tanto ansiava sua mulher. Primeiro beijou o pescoço e lambeu cada milímetro de sua pele até que alcançou o lóbulo onde deveria luzir uns brincos de diamantes. Acariciou-o devagar fazendo com que o pelo se arrepiasse ao úmido tato. Prosseguiu até seus seios. Aquelas pequenas montanhas com suas pontas escuras o deixaram louco. Absorveu, mordeu e apertou com seus dentes os elevados mamilos para escutar seus gritos. Adorou ouvi-la. Adorou observar como seus seios se moviam agitados pelo prazer. Continuou seu trajeto para baixo gerando um caminho brilhante depois do passo de sua língua. Era uma tortura ter demorado tanto até alcançar seu sexo, mas não tinham pressa, já não. As grandes mãos se colocaram sobre as coxas, separando-as com suavidade. Depois de apartá-las, Roger admirou o fogo que ela escondia entre estas. Aproximou seu nariz para voltar a encher seus pulmões do delicioso aroma de Evelyn. O fez várias vezes, possivelmente mais das que deveria. Nem tentou fechar seus olhos ao aproximar sua língua para os amaciados lábios. Precisava contemplar tudo. Por mísero que fosse o movimento de sua mulher ao roçá-la, desejava averiguá-lo.
Não podia parar os tremores. Suas pernas, arqueadas e abertas, sacudiam-se de um lado para outro. Em mais de uma ocasião pensou que golpearia a cabeça de Roger com os joelhos, mas não foi assim. Enquanto ele acariciava o sexo com seus lábios e com sua língua, agarrava com solidez as pernas para que deixassem de agitar-se. Era impossível permanecer quieta quando todo o corpo se sacudia devido às convulsões que se propagavam por cada milímetro da pele. Evelyn gritou ao notar a pressão dos dentes ali abaixo. Levou as mãos para a boca para não repetir o uivo, embora mal o silenciasse. Continuou gritando, chiando, uivando pelo prazer que seu marido lhe dava entre as pernas. Em mais de uma ocasião vislumbrou o firmamento repleto de estrelas brilhantes no teto de seu quarto. Não era possível. O que fazia seu marido não era real.
? Minha pequena bruxa... ? sussurrou Bennett elevando-se sobre ela. ? É puro fogo. Jamais necessitei tanto estar dentro de uma mulher. Deixa-me louco, Evelyn. Perturba-me, rouba-me a pouca racionalidade que tenho.
Ela esticou as mãos para lhe segurar o rosto e atrai-lo para sua boca. Desejava voltar a degustar daquela deliciosa mescla que ele guardava.
? Quero te possuir, quero te fazer minha ? murmurou. Ao ver como sua esposa assentia pousou os pés no chão, tirou a calça e as meias e retornou à cama. ? Não doerá, prometo-lhe isso.
Evelyn não estava tão segura disso. Se o corpo de Roger era imenso, seu sexo não era menor. Esticou as palmas da mão e, curiosa, começou a tocá-lo. Sua pele lhe pareceu sedosa, mas ao mesmo tempo forte e rígida. Abriu os olhos como pratos ao notar a umidade em suas mãos. A isso se referia quando lhe dizia que perdia o controle? Teria cuspido sua semente antes de introduzir-se em seu interior? Se fosse isso, se ele já tinha explodido, então compreenderia a razão pela qual Scott sofria aqueles percalços. Desejava-a tanto que não era capaz de controlar-se.
? Evelyn... ? chamou sua atenção. ? Eu jamais... em minha vida... ? Abaixou a cabeça e a beijou com desejo. Enquanto, com uma mão, foi endireitando seu membro até encontrar o lugar no qual devia entrar.
Não foi capaz de controlar-se. Queria fazê-lo lento, devagar, entretanto, não o conseguiu. Ao sentir a calidez dela, apertou seus glúteos, apoiou as palmas de suas mãos sobre o colchão e a invadiu com força.
? Sinto muito, sinto muito, mas não posso me controlar. Quero te fazer minha, quero te sentir, quero...
As mãos de Evelyn se colocaram nas costas masculina. Seus dedos se apertaram tanto nela que terminou lhe cravando as unhas. Cada penetração, cada embate, ela o sofria com enérgicos espasmos. Podia sentir o início do sexo de Roger lhe penetrando o interior, parecia que desejava alcançar o que ninguém podia conseguir. Tentou fechar os olhos. Precisava fechá-los para deixar-se levar. Embora não pôde fazê-lo, desejava apreciar como era o rosto de Roger, como mudava a cor de seus olhos quando o clímax o sucumbia.
? Evelyn! Evelyn! ? Gritou com tanto ímpeto seu nome que os tendões se marcaram na garganta.
Os tremores se fizeram mais intensos, rápidos e incontroláveis. O suor de ambos se mesclou. Uma estranha essência se estendeu ao redor deles. Em cada inspiração, cada vez que ela cheirava aquela mescla a especiarias, mais excitada se encontrava. Apertou com mais força suas unhas na pele de Roger, elevou o queixo e quando estava a ponto de gritar, a boca de seu marido a possuiu. Não deixou de beijá-la até que pararam de tremer, até que ambos os corações relaxaram seus batimentos, até que as respirações se compassaram.
? Sinto muito... ? Roger saltou da cama, dirigiu-se para a bacia e pegou o pano úmido. ? Sinto de verdade. ? Não deixava de desculpar-se enquanto a limpava. ? É a primeira vez que verto minha semente... é a primeira vez que não controlo...
Evelyn se incorporou na cama e segurou a mão de seu marido que limpava sua zona erógena. Não sabia o que pensar ao lhe escutar dizer que era a primeira vez que sua semente se introduzia em uma mulher. Possivelmente mentia, mas ao vê-lo tão inquieto, tão assombrado, a dúvida se dissipou. Entretanto não devia temer por uma possível gravidez. Não com ela.
? Roger não sofra ? disse desenhando um pequeno sorriso no rosto. ? Não acontecerá nada do que pensa.
Bennett deixou cair o objeto no chão. Seus olhos se abriram tudo o que puderam, seu coração deixou de pulsar, a expressão de agonia que mostrou seu rosto ao compreender que podia deixá-la grávida antes de averiguar se entre eles tinha crescido o amor se dissipou com brutalidade. Não podia ter filhos? Era impossível! Havia-lhe dito que esteve grávida. Só uma mulher que... o compreendeu com rapidez. Algo tinha acontecido naquele aborto que a deixou estéril. Ao ser consciente de que Evelyn lhe estendia a mão para que se colocasse ao seu lado, estendeu a sua e se tombou junto a ela. Abraçou-a com força contra seu corpo e lhe beijou o cabelo.
? Tenho frio. ? Não foi um mandato, mas sim uma mera informação.
Roger esticou o braço e pegou o lençol para cobri-la. Ela se aproximou ainda mais a ele convertendo-se de novo em uma só figura.
? Descansa um pouco ? sussurrou-lhe com ternura. ? Despertá-la-ei antes que batam à porta. ? A mulher assentiu com um suave movimento de cabeça.
Bennett, apesar de estar cansado, foi incapaz de fechar os olhos. Uma centena de pensamentos golpeava sua mente sem trégua. O que aconteceria agora? Seguiriam assim toda a viagem até chegar a Londres? Isso esperava porque tê-la daquela forma acalmava seus medos. Entretanto, o que ocorreria quando Evelyn descobrisse o passado de seu marido? «Será ela quem te abandone ? refletiu com tristeza. ? Quem pode viver junto a uma pessoa como eu?». Apesar do inevitável final, Roger priorizou um de seus objetivos: antes que ela se afastasse, antes que Evelyn decidisse separar-se dele, procuraria com afã ao suposto morto e faria realidade o rumor. Ele mesmo lhe arrebataria a vida com suas próprias mãos. Depois de beijar de novo o cabelo de sua esposa e intensificar seu abraço, olhou para a janela e suspirou.
Apesar de sua insistente negativa, Roger a ajudou a vestir-se e a penteá-la. Adiantando-se à chamada de Anderson, ambos estavam preparados para retomar a viagem. Quando escutaram uns pequenos golpezinhos na porta, olharam-se sorridentes. Evelyn acreditou que seu marido daria suas típicas pernadas para chegar à saída e responder ao criado, mas em vez disso abraçou-a e a beijou com paixão.
? Estou desejando que chegue de novo a noite. ? sussurrou-lhe ao ouvido. ? Vou contar as horas que faltam para tê-la outra vez nua em meus braços.
Ela se ruborizou ao escutar as insinuantes palavras e notou em seu baixo ventre um incrível palpitar. Desejava-o. Evelyn também desejava que chegasse aquele momento para voltar a sentir o prazer que lhe provocavam as carícias de seu marido. Antes de sair olhou-se no espelho e se surpreendeu ao ver um rosto repleto de felicidade. As olheiras lhe pareceram maravilhosas, o enredado cabelo recolhido em um torpe coque pareceu-lhe o penteado mais surrealista que tinha mostrado até o momento e seus lábios, avermelhados pelo roce da barba, exibiam-se mais volumosos que de costume. Era muito difícil ocultar o que tinha acontecido durante as horas anteriores naquele quarto. Embora começasse a descobrir, atônita, que não lhe importava o que pensavam outros.
? Adiante-se ? indicou Roger soltando sua cintura. ? Vou pagar ao hospedeiro e depois correrei até te alcançar.
Evelyn fez o que lhe propôs com carinho. Elevou seu queixo e caminhou para a carruagem sem olhar para trás. Ao sair da estalagem se assustou ao perceber como o sol voltava a tocar seu rosto e o machucava. Içou a mão direita, abaixou levemente a cabeça e caminhou depressa para o veículo, mas quando estava a ponto de chegar, no momento em que Anderson lhe abria a porta para lhe facilitar o acesso, notou uma pressão na mão esquerda tão intensa que se girou para esse lado.
? Senhora... ? uma mulher de pouco mais de cinquenta anos e vestida de rigoroso luto era quem a impedia de alcançar o carro. ? É seu marido o homem que ontem me pediu uma beberagem para acalmar suas queimaduras? ? Perguntou sem mal respirar.
? Bom dia ? respondeu com cortesia. ? Sim, pode ser que seja ele.
? Tome cuidado, milady, não é um homem bom. Leva em suas costas a marca da morte ? falou com pavor. Seu rosto, enrugado pelo passar dos anos, enfatizava suas palavras.
? Não o conhece! ? Exclamou zangada. Olhou para Anderson para lhe pedir auxílio e este, não muito cortês, afastou a anciã de seu lado.
? É você quem não sabe como é a pessoa que está ao seu lado! ? Clamou desesperada.
Evelyn subiu depressa, fechou a porta e olhou para o lado contrário. Não queria escutá-la nem olhá-la, mas era tanto o interesse que lhe provocava a estranha mulher que terminou por virar-se para ela. Quando a anciã apreciou que era observada, jogou uma olhada ao seu redor e percebendo que não seria retida de novo pelo lacaio, caminhou para a carruagem. Esteve a ponto de dizer algo, mas ao tocar o carro com suas mãos, os olhos desta se abriram tudo o que podiam alcançar, deu uns passos para trás e se benzeu.
? Não é o diabo... ? murmurou aterrada. ? É seu sangue que foi germinado por essa abominação...
? Acontece algo? ? Inquiriu Roger zangado ao ver as duas mulheres.
? Lute por se liberar do mal. Faça todo o possível para fazer desaparecer até a última gota de seu sangue. Só assim se liberará de seu destino ? comentou a anciã a Bennett antes de correr para a estalagem sussurrando palavras em um idioma que nenhum dos dois conseguiu decifrar.
? Quem era? ? Quis saber Evelyn quando seu marido se sentou ao seu lado e estendeu o braço para aproximá-la para ele.
? Só uma velha louca que me deu um remédio à base de ervas para acalmar suas queimaduras ? respondeu antes de lhe dar um beijo na cabeça. ? Incomodou-te? Tenho que descer e recriminar sua atitude com a minha esposa? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Não. Acredito que a pobre já tem o suficiente com a sua demência ? alegou antes de apertar a cintura de seu marido e pousar sua cabeça sobre o duro torso.
Mas as palavras da anciã não cessaram de repetir-se uma e outra vez em sua mente. Não entendia muito bem o que tentava expressar, entretanto, quando fechou os olhos para descansar antes de chegar ao próximo povoado e comprar aquele chapéu que, segundo Roger, necessitava, abriu-os de par em par ao recordar o que estava escondido sob o assento.
XXVI
Tal como augurou, o trajeto para Londres se fez comprido, mas graças ao comportamento de Roger o desfrutou mais do que esperava. É óbvio, cumpriu suas palavras sobre o que aconteceria na noite seguinte quando pernoitassem em outra estalagem, embora nessa ocasião enchesse a habitação de mantimentos para repor a energia que gastaram durante a noite. Os rubores em sua pele, pelas carícias e beijos, aumentaram até ter que comprar, em um dos povoados que visitaram, um remédio para acalmar sua delicada cútis. Entretanto, Evelyn não ocultava as marcas de seu prazer. Exibia-as com altivez. Quem não poderia proclamar que um matrimônio criado de um pacto inadequado começava a dirigir-se para o bom caminho? Nem ela mesma o teria acreditado. Recordou o momento no qual Roger apareceu em Seather com o papel que autorizava o contrato matrimonial, seu desmaio, a tosca cerimônia, seu abandono e, é óbvio, seu regresso. Não tinha transcorrido muito tempo desde que seu marido desembarcara, mas era o suficiente para confirmar que não desejava que partisse de novo. E agora menos que nunca. Estavam a ponto de chegar a Lonely Field, o lar de seu marido que também se converteria no seu. Ali, se Deus a ajudasse, encontraria as respostas que tanto açoitavam sua cabeça. Quem era na realidade Roger Bennett? Que passado tentava ocultar? Por que se transformou em um ser egoísta e petulante? E, sobretudo... por que tinha mudado tanto sua atitude após possui-la?
? Olhe! ? Exclamou Bennett com entusiasmo elevando-se do assento. ? Aí está meu lar! ? Voltou o olhar para ela, sorriu e murmurou: ? Nosso lar...
Evelyn se reclinou e olhou pela janela. Ao longe começou a divisar o enorme telhado que Roger chamava de lar, mas daquela distância mal pôde fazer uma ideia de como era. Seu marido lhe indicou que não seria maior que o dos duques, mas não deu importância às suas palavras. Um futuro marquês, e nada menos que o de Riderland, de cujo império se falava sem cessar nos grupos sociais, teria um palácio semelhante ao de Haddon Hall. Entretanto, quando a carruagem entrou no limite do imóvel, Evelyn levou as mãos para a boca.
? Adverti-te que não era uma grande extensão ? disse-lhe com certo pesar ao contemplar o rosto de sua esposa.
? É magnífica! ? Exclamou. Dirigiu as mãos para as de seu marido, apertou-as e esteve a ponto de beijá-las, mas Bennett o impediu ao assaltar sua boca com a sua.
? Meu coração está agitado... ? ronronou. ? Sinto-me tão feliz de que esteja aqui que sou incapaz de conter um grito de satisfação.
Evelyn gargalhou ao escutá-lo. Sabia que era certo o que lhe expunha. Podia apreciar o entusiasmado em seu rosto: desenhava um enorme sorriso, seus olhos brilhavam e relaxava a mandíbula, entretanto, suas mãos tremiam. Não conseguia saber se se deviam à excitação que sentia ou por medo da sua opinião sobre o futuro lar. Fosse o que fosse, ela apertou as trementes mãos e tentou acalmá-lo.
? Essas sebes, ? indicou separando sua mão direita da quente amarração ? Anderson e eu que plantamos. Embora te assegure que não sou o autor dessas formas trabalhadas que possuem.
A mulher dirigiu o olhar para onde assinalava seu marido e corroborou o que lhe explicava. O caminho que conduzia à entrada da casa estava adornado com duas fileiras de enormes e frondosos arbustos. Todos eles adotavam figuras diferentes, umas eram altas e magras, como se quisessem assemelhar-se aos picos de uma montanha, outras pelo contrário, eram curvilíneas e um pouco mais grossas. Mas conforme se aproximavam percebeu que todas tinham no interior a forma de animais. Como podiam realizar tal proeza com umas simples sebes?
? São totens ? esclareceu Bennett ao apreciar o assombro em sua mulher. ? Segundo seu autor, que conhecerá assim que estacionemos, mostram símbolos do meu caráter.
? Totens? ? Perguntou assombrada. ? Isso não é próprio dos...?
? Índios ? esclareceu afirmando com a cabeça. ? Sim, o criador dessas belezas é índio. Encontrei-o em uma das minhas viagens pela América. Estava a ponto de ser enforcado por um crime que, conforme se esforçava em proclamar, não cometeu. Eu acreditei em sua inocência e o comprei.
? Comprou-o?! ? Levantou tanto as pestanas que pôde senti-las acariciar suas sobrancelhas.
? Tudo se compra onde quer que se vá ? disse com ternura. ? Se tiver uma bolsa de moedas com a quantia que se espera obter ninguém é capaz de negar-se.
? Meu Deus! ? Exclamou tampando-se de novo a boca.
? Todos os meus criados, salvo Anderson, provêm de muitas partes do mundo, Evelyn. Aqui os trato com o respeito que merecem. Jamais ninguém lhes porá a mão em cima nem os utilizará como se fossem animais ? comentou com solenidade.
A mulher olhou absorta a seu marido. Não sabia o que responder. Nunca tinha imaginado que Roger albergasse em seu lar criados de outro lugar que não fosse Londres. Possivelmente porque só o povo nativo conhecia, melhor que nenhum outro, os costumes ingleses. Mas começou a não estranhar o que começava a conhecer de seu marido. Ninguém podia igualar-se. Ninguém poderia assemelhar-se a um homem tão incomum.
? Vamos querida. Acredito que todos desejam conhecer minha esposa ? sugeriu Bennett com um sorriso de orelha a orelha ao descobrir que não faltava ninguém para sair da residência para apresentar-se ante sua mulher.
Evelyn aceitou a ajuda de Roger para descer da carruagem. Com o chapéu que este lhe tinha comprado colocado sobre sua cabeça mal podia ver mais à frente do chão. Angustiada por não contemplar o que havia ao seu redor, terminou por tirá-lo e jogá-lo no chão. Então ficou sem respiração. Dez pessoas permaneciam na entrada esperando-a. Quatro delas eram de pele escura, três um pouco mais claras e outros eram tão pálidos como ela, mas quem chamou sua atenção foi um homem de cabelo comprido e cor azeviche. Tinha o peito descoberto, embora tentasse ocultá-lo sob um colete de cor marrom. Dirigiu seus olhos para seu marido e esboçou um pequeno sorriso. Já sabia de onde procedia a insistência de Roger por mostrar seu torso com descaramento. Sem pensar muito, deduziu que também ele era o autor das figuras esculpidas nos arbustos. Não podia errar em uma coisa tão clara! De repente notou a pressão da mão de seu marido sobre a dela. Evelyn imaginou que adivinhava seus pensamentos e lhe respondeu com um sorriso extenso.
? Querida, ela é Sophie, nossa governanta.
? Encantada em conhecê-la, senhora ? disse enquanto realizava uma ligeira reverência. ? Nosso senhor nos falou muito de você, mas esqueceu de descrever sua beleza. ? Sophie olhou a Roger como se o estivesse repreendendo.
? Posso te assegurar que nem eu mesmo sabia como era ? afirmou antes de soltar uma gargalhada e coçar a cabeça com a mão direita.
? É uma longa história ? acrescentou Evelyn ao contemplar o assombro da governanta. ? Se desejar escutá-la, contar-lhe-ei isso em breve.
? Estarei desejosa de que chegue esse momento, milady ? disse dando uns passos para trás.
? Ele é Yeng. ? Assinalou Roger a um moço com olhos rasgados e uma pele um pouco ambarina. ? Em seu antigo trabalho era crupiê, mas aqui se encarrega da manutenção de Lonely.
? Crupiê? ? Perguntou assombrada.
? Sim, minha senhora ? respondeu Yeng saudando-a da mesma forma que tinha feito Sophie.
? De onde é? ? disse bastante interessada.
? Da França.
? Nem todos os que têm um aspecto asiático nasceram lá ? murmurou Roger ao seu ouvido de maneira zombadora.
Evelyn se ruborizou com rapidez. Notou como lhe ardiam as bochechas ante um deslize tão infantil, mas quando Roger beijou com suavidade uma de suas maçãs do rosto, esse calor diminuiu. Um a um se foram apresentando. Todos tinham uma história interessante que lhe narrar sobre as diversas procedências e a maneira que conheceram seu marido. Mas ficou aniquilada quando o índio apareceu em frente a ela. Ao contemplá-lo mais de perto divisou umas marcas ao redor de seu pescoço. Não eram brancas, mas sim escuras e tinham um interessante desenho. Observou-o sem pestanejar enquanto falava com Roger. Seu comportamento, sua atuação com seu marido era muito diferente da que tinham os outros. Nem Anderson, o fiel criado e possivelmente a mão direita de seu marido, tinha tanta confiança para chamá-lo por seu nome de batismo.
? Finalmente, ? disse Bennett ? o batizamos com o nome de John. Não nos pareceu conveniente a nenhum dos dois chamá-lo com seu nome real. As pessoas estão acostumadas a afastarem-se quando o vêem.
? Senhora... ? John se aproximou dela, pegou-lhe a mão e a beijou com suavidade.
? Pode me chamar de Evelyn ? respondeu com suave fio de voz.
? Bom, já conhece todos os que habitam Lonely e agora, se te parecer bem, mostrar-te-ei o interior do meu lar. Estou seguro de que te assombrará o que ocultam estes muros ? apontou Bennett orgulhoso.
? Estou desejosa de descobri-lo ? comentou aceitando a mão de Roger e caminhando para o interior.
Quando o casal desapareceu dos olhos de todos os trabalhadores, estes olharam com rapidez a John. Permanecia imóvel, pétreo e com as pupilas cravadas na entrada do lar.
? É ela? ? Yeng rompeu o silêncio.
? Sim ? respondeu o índio com firmeza.
? Pois não tem pinta de poder salvar nada! ? Exclamou Sophie pondo os olhos em branco. ? É uma mulher esquálida. Um pouco alta para ser uma dama e não dá a impressão de ter coragem para enfrentar tudo o que lhe vai acontecer.
? Acaso o fogo nasce com intensas chamas? ? Alegou John sem expressar emoção em seu rosto.
? Fogo? Olhe John... ? Sophie aproximou-se dele e assinalou com um dedo inquisidor no peito ? se ela não for esse fogo que tanto necessita o senhor, diga aos seus etéreos espíritos que pegarei o machado com o qual corto o pescoço das galinhas e, uma a uma, destroçarei as sebes nas quais passas tanto tempo rezando.
? Eu adoro quando se zanga ? murmurou somente para eles dois.
? Pois te advirto que o estou e muito. Se ela não o salvar, se não for capaz de conseguir o que aquelas harpias com pernas de galgo não obtiveram, penso em te buscar outra mulher que acalme suas necessidades espirituais ? retrucou antes de virar-se e entrar também no lar.
? Fará ... ? sussurrou para si.
XXVII
Cada cômodo que encontrava era diferente aos demais. Nenhum se assemelhava nem mesmo em uma única peça de decoração. Roger fazia de seu lar um pequeno mundo. A sala de jantar, a primeira sala que visitou, era muito parecia com a que teria qualquer mansão londrina: uma grande mesa central com uma dezena de cadeiras sob a formosa tábua de madeira, vitrines esculpidas, suportes nos quais pousavam candelabros de laboriosos desenhos, enormes abajures de cristal que se iluminavam mediante a reclamada luz a gás, equipamento de porcelana... Entretanto, as paredes não estavam cobertas de pinturas de seus antepassados. Enormes e floridas tapeçarias ocupavam esses lugares. Seis contou. Dois deles só eram paisagens de montanhas onde um rio atravessava a tapeçaria. Eram pequenos paraísos em meio de um nada, mudos ante os ouvidos de quem tentava escutar o passar da água, mas esplêndidos para todos os que fossem capazes de admirá-los com os olhos. Um deles lhe recordou o lugar no qual os duques ofereceram o piquenique. As montanhas ocultavam o sol, o caudal transbordante de vegetação fluía a seu passo com liberdade e percebeu que a imagem transmitia a mesma tranquilidade que ela obteve naquele lugar salvo quando foi jogada na água. Sorriu de lado ao recordar a infantil cena, voltou a ver-se golpeando o inerte líquido enquanto Roger não cessava de rir.
Algo tinha mudado entre eles. Soube assim que descobriu que se acontecesse de novo, abrir-lhe-ia os braços para que se unisse ao seu corpo molhado. Morta de calor por seus pensamentos, dirigiu o olhar para uma tapeçaria onde havia figuras de mulheres embelezadas com roupa desgastada pelo uso. A ambos os lados tinham umas cestas de vime e, pelos objetos que elas seguravam em suas mãos e tentavam limpar na água, deduziu que se tratava de uma cena habitual entre lavadeiras. Mas o que chamou verdadeiramente a atenção de Evelyn, que não pôde deixar de olhar, foi um imenso tecido que permanecia sozinho ao final da sala, justo atrás da cadeira que Roger devia ocupar. Imaginou-o ali sentado, conversando com alguns convidados e exibindo a magnitude que projetava a tapeçaria sobre ele. Evelyn caminhou para o inerte objeto. Sua fascinação aumentou ao contemplá-lo de perto. O imponente cavaleiro vestido com uma armadura cinza montado sobre um corcel branco que elevava suas patas dianteiras era tão majestoso que esticou a mão para tocá-lo.
? Você gosta? ? Roger, sem deixar de observar a sua esposa, colocou-se atrás dela, segurou-a pela cintura e apoiou seu queixo sobre o ombro direito da mulher.
? Quem é? ? Perguntou intrigada.
? Segundo o vendedor é dom Juan da Áustria9.
? O que representa? ? Voltou a perguntar sem diminuir seu desejo por descobrir o que havia atrás do cavaleiro.
? A batalha do Lepanto10. Vê o fogo que há ao fundo? ? Evelyn assentiu. ? Conforme me narrou o comerciante de quem o comprei, são os últimos povos turcos que batalharam com ardor.
? É lindo... ? sussurrou.
? Sim, também me parece isso. Por isso regateei seu preço. Embora soubesse que valia o que me pedia o comerciante, não estava disposto a perder minha pequena fortuna nele. Bom, minha querida esposa, prosseguimos ou seguimos aqui parados observando um cavaleiro sobre seu garanhão?
? Continuemos... ? respondeu aceitando sua mão.
? Estupendo, porque estou desejoso de te mostrar nosso quarto ? disse-lhe em voz baixa.
A Evelyn se fez um nó na garganta.
? Tudo o que vê ? começou a contar enquanto se afastavam da sala de jantar e se dirigiam para as escadas que os conduziriam ao andar superior ? foi adquirido em minhas explorações.
? Viajou tanto?
? Muito. Se a memória não me falhar, desde os vinte anos. Quando consegui o Liberté, meu navio ? comentou com orgulho.
? Deve ser lindo navegar por alto mar e poder visitar novos e paradisíacos lugares ? apontou Evelyn manifestando entusiasmo.
? Às vezes sim e outras nem tanto...
? Quando não? ? Virou-se para ele e o olhou sem pestanejar.
? Quando se tem uma mulher tão bela como você e não pode me acompanhar ? respondeu zombador.
? É um canalha... ? disse ao mesmo tempo em que desenhava um extenso sorriso.
? Sei ? respondeu antes de beijá-la.
Subindo as escadas mais rápido do que deveria, Roger foi lhe explicando onde dormiam as pessoas que tinha conhecido na entrada, onde permaneceriam os convidados quando decidissem os visitar e por último a conduziu para seu quarto.
? Adiante... ? disse após abrir a porta e deixando-a entrar primeiro ? pode entrar no lugar onde passaremos a maior parte das nossas vidas.
Evelyn entrou com certo temor. Não sabia o que encontraria em um lugar tão íntimo para seu marido. De repente, assaltou-a a dúvida. Perguntou-se se de verdade ela desejava descansar durante o resto de sua vida ao seu lado. Até agora não tinha sido consciente do que isso significava. Achava-se em uma nuvem, em um momento de êxtase desmesurado que mal lhe permitia pensar com claridade. Era suficiente uma vida sexual ativa para viver um matrimônio com plenitude? Olhou de esguelha a seu marido. Este mostrava o mesmo entusiasmo que um menino ao ter em suas mãos um presente. Por que ele não sentia medo? Por que mostrava tanta segurança? Não soube responder, embora umas palavras aparecessem em sua mente golpeando com força: «Meu amor», tinha lhe sussurrado Roger quando dormiram juntos, mas isso não a tranquilizava.
Scott tinha utilizado as mesmas palavras para enrolá-la, para atrai-la como faz o mel a um urso. E depois? Depois partiu.
De todos os modos não podia compará-lo com aquele titã que a observava com entusiasmo, eram diferentes e a situação também: Scott procurava o matrimônio enquanto Roger o tinha obtido sem desejá-lo. Suspirou várias vezes e, apesar do tremor de suas pernas, caminhou pelo interior do dormitório. A primeira impressão que teve foi de amplitude. Sim, era o maior quarto que já tinha visto. Podia albergar, com facilidade, duas vezes o seu de Seather. Frente a ela duas cortinas de cor negra se amarravam a cada lado da janela. Devagar, com muita calma inclusive, prosseguiu divisando cada objeto, cada elemento que guardava Roger nela. Abriu os olhos como pratos ao contemplar a cama.
Estava segura de que, embora estirasse seus braços e pernas por ela, nunca tocaria o final de cada extremo. Sorriu de lado. Era lógico que seu marido teria adquirido o leito mais colossal de qualquer loja, posto que facilmente ultrapassasse vários palmos daquele que se autoproclamara o homem mais alto de Londres. Sobre a colcha de cor vinho, três grossos almofadões lhe ofereciam uma visão confortável. Desejou pegar um e apertá-lo para confirmar sua suavidade, mas desistiu. Já o faria em outro momento. Olhou para cima apreciando a largura do dossel. Entrecerrou os olhos para tentar averiguar o que indicavam os desenhos esculpidos na madeira escura, mas de onde se encontrava não distinguiu nenhum. Continuando, cravou suas pupilas nas cortinas que pendiam do dossel. Estavam bordadas em ouro? A cor dourada daqueles objetos era realmente ouro?
Voltou a vista para seu marido. Este permanecia no marco da porta com os braços e pernas cruzadas. Tentava aparentar que estava relaxado, mas tal como apertava a mandíbula, Evelyn soube que não o estava.
? Um sultão me deu isso de presente ? disse com voz sussurrante. ? Eu jamais compraria uma coisa tão ostentosa.
Não lhe respondeu com palavras, só assentiu e continuou investigando. Ao pé da cama um enorme tapete de cor azul marinho convidava a ser pisado sem sapatos que entorpecessem a captação da suavidade de seu tato. Dirigiu seus olhos para o sofá. Não, não era um sofá qualquer, era um interminável divã. Se ela tentasse tombar-se sobre ele a pele que o forrava a faria escorregar até terminar sobre o chão.
? Sou grande... ? assinalou ao vê-la tão assombrada pelas dimensões da poltrona.
Evelyn respondeu a sua afirmação com um grandioso sorriso. Não precisava indicar que seu tamanho era bastante considerável, já o tinha percebido no dia em que apareceu no funeral de seu irmão. Sempre se complexou por sua altura, era a mais alta de suas amigas, mas no dia que Roger apareceu ao seu lado teve que levantar muito a cabeça para poder conseguir o olhar aos olhos.
Descalçou-se. Não devia fazê-lo, mas não queria manchar com as solas de seus sapatos o lindo tapete. Caminhou sobre este até alcançar uma estante que ocupava todo o comprimento da parede e que se achava entre o balcão e a chaminé. O normal, o habitual para outros, era ter uma biblioteca no piso de baixo. Pelo menos assim o tinha o resto do mundo. Mas pouco a pouco ia confirmando que seu marido era um homem peculiar e muito distinto a todos os que tinha conhecido.
? Eu gosto de ler sem que ninguém me incomode ? esclareceu de novo Roger ao observar as caretas de estranheza que mostrava sua mulher em cada coisa que achava.
? Não interprete mal minhas reações ? apontou virando-se sobre si mesma. ? Tudo o que encontrei até o momento não me produziu mal-estar, mas sim fascinação. Resulta-me incrível que um homem como você tenha adequado seu lar com tanto... como o diria? ? Pôs os olhos em branco ao não encontrar a palavra exata.
? Aprimoramento? ? Interveio divertido.
? Sim, aprimoramento está bem ? sorriu.
? O que imaginava? ? Endireitou-se e caminhou para ela. ? Como pensou que seria meu lar? ? Parou antes de chegar ao tapete.
? Tenha em conta que o único que escutei de ti em Londres foi que era um libertino, um homem enlouquecido por levantar as saias de todas aquelas mulheres que se abanavam com suas próprias pestanas. Sem esquecer a fama de bebedor e jogador inveterado ? continuou sorrindo apesar de o haver definido como um indesejável.
? Os rumores exageram... ? grunhiu.
? Isso vejo... ? sussurrou com um suspiro. De repente seus olhos se cravaram em uma porta que havia atrás das costas de Roger.
? É só o cômodo de asseio. ? Seu tom de voz voltou a ser sussurrante. ? Mas estou pensando em deixar a porta fechada por uns dias, possivelmente até dentro de vários meses...
A intriga a fez correr para aquela entrada, esticou a mão e quando abriu a porta ficou atônita. Suas pestanas tocaram de novo suas sobrancelhas e mal pôde fechar a boca. Era de esperar que fosse grande, mas nunca imaginou que uma banheira pudesse ter a largura e a profundidade de um pequeno lago. As paredes não estavam revestidas de papel ou de grossas capas de pintura, mas sim de lâminas retangulares de porcelana cor marfim. A privada, do mesmo material, tinha um depósito do qual pendia uma corda. Voltou-se para Roger sem poder conter seu assombro.
? Sei, ? comentou Roger com uma estranha mescla de entusiasmo e medo ? nunca viu algo semelhante.
? De onde...? Como conseguiu...?
? Pois não sei te dizer a procedência desta magnífica banheira. ? Levou a mão direita para a barba e a acariciou devagar. ? Depois de me haver descrito com tão hábeis palavras, o que pensará quando te disser que esta beleza a descobri em um bordel de Paris?
? Em um bordel?! ? Arqueou as sobrancelhas e seu assombro aumentou até limites incalculáveis.
? Vê? Sabia que ia pôr essa cara! ? Disse divertido. ? Evelyn, querida, nenhuma das tinas que vi em Londres podiam albergar meu tamanho. Cada vez que tentava me assear tinha que fazê-lo por partes.
? Claro... e viajou até Paris e se meteu em um bordel para encontrar o que necessitava ? interrompeu lhe com uma mescla de ira e sarcasmo. Roger esticou sua mão, mas ela esquivou-se do roce.
? Não foi assim exatamente... ? Deixou que ambas as mãos se estendessem para o chão. ? Em uma de minhas viagens a França conheci um cavalheiro que frequentava os ditos locais pecaminosos. Um dia tinha tomado mais taças das quais pude suportar e me ofereceram um quarto onde passar meu estado de embriaguez. Então, ao abrir a porta para me refrescar, fiquei fascinado por essa imensa banheira. Perguntei à madame quem tinha construído essa impressionante banheira e me deu com rapidez a direção do arquiteto.
? É óbvio... pergunto-me... o que lhe ofereceria para que atuasse com tanta prontidão? ? Disse com aparente desdém enquanto caminhava para o imenso espelho que se encontrava no lado oposto da grande tina. Olhou para um lado e logo para o outro e lhe parou o coração ao compreender que o que acontecesse dentro daquela banheira refletir-se-ia no espelho.
? Tratava-se de um afamado italiano que estava acostumado a passar longas temporadas em Paris para prover seus clientes de espetaculares quartos de banho ? continuou falando para não dar importância ao pequeno ataque de ciúmes que mostrou sua mulher. Devia zangar-se ante uma atuação tão infantil, mas lhe produziu o efeito contrário, sentiu-se tão orgulhoso que lhe alargou ainda mais o peito. ? Falei com ele, convidei-o a vir a Londres e quatro meses depois de sua chegada meu pequeno paraíso relaxante estava construído.
? Não sei o que pensar... ? disse um tanto aturdida.
? Comentei-te que não me importava seu passado e que esperava que não julgasse o meu ? comentou com voz pesarosa. Aproximou-se dela muito devagar, virou-a para ele e a olhou fixamente. ? Evelyn, a mim só interessa quem é agora, não o que foi antes de me conhecer.
? Sim, já me advertiu disso, mas por mais que o tente, não posso diminuir uma estranha ira que cresce em meu interior ao pensar que outra mulher esteve aqui e que gozou de suas carícias aí dentro ? resmungou.
? Não trouxe nenhuma mulher à minha casa salvo a ti ? apontou antes de soltar uma gargalhada. ? É a única que pôs seus bonitos pés neste lugar ? disse aproximando seus lábios dos dela. ? E a única que o fará...
? Jure! ? Gritou afastando o rosto para que não a beijasse.
? Juro-lhe isso... ? suas mãos apanharam o rosto de Evelyn e a imobilizou para finalizar o que se propôs, beijá-la.
Quando abriu os olhos descobriu que se achava no quarto. Roger a tinha pousado sobre o tapete. Suas mãos se dirigiam para os laços do vestido com a intenção de despi-la para possui-la outra vez. Fechou-os de novo fazendo com que se intensificassem os roces dos dedos ao caminhar pelas costas. A língua masculina percorria o interior de sua boca provocando umas suaves e cálidas carícias. Face aos sutis movimentos, sua dominância, seu desejo de fazê-la sua percebia-se com claridade. Cada beijo que lhe oferecia era diferente do anterior. Evelyn, nas nuvens, rememorou a sensação que obteve a primeira vez que suas bocas se uniram. Não havia ternura nele. Não encontrou calidez em seu primeiro beijo, só luxúria. Entretanto desde que dormiram juntos, antes de empreender a volta a Londres, seus beijos se enterneceram até tal ponto que começaram a destruir o objetivo que a conduziu a seduzir seu marido. Respirou profundamente quando Roger liberou sua boca. Esta, que mal podia fechar-se, necessitava que continuasse beijando-a, conquistando-a, desfrutando-a.
? Tenho que confessar que ia te dar um tempo para que descansasse depois da viagem, ? comentou Roger com voz oprimida. Ajoelhou-se ante ela, colocou suas mãos sob o vestido e foi baixando com lentidão as meias ? mas temo que não lhe vá conceder isso.
Evelyn jogou a cabeça para trás e soltou uma sonora gargalhada. Não estranhou escutar aquela insinuação de seu marido. E mais, teria lhe entristecido que a tivesse deixado sozinha. Com urgência levantou seus pés para despojar-se do suave tecido. Notou que Roger pousava sobre cada perna uma mão e as acariciava com incrível tranquilidade. Cada ascensão e descida sobre seu corpo o desfrutava tanto que começou a sentir a opressão de seu peito contra o vestido e uma incontrolável calidez sob seu ventre.
? É formosa, descaradamente formosa... ? sussurrou enquanto dirigia as palmas para o sexo de sua esposa. Roçou levemente seus lábios úmidos com os polegares, impregnando-os de seu mel. Aquele sutil gesto provocou o que tanto ansiava, que lhe permitisse continuar. ? Segure-se nos meus ombros, vou beber de seu doce manancial.
Açoitada pela paixão que começava a despertar em seu interior, ela pousou seus trementes dedos sobre cada uma das partes superiores do torso masculino. Voltou a abrir sua boca ao notar como a língua de Roger lambia seu interior. Pressionou com mais força o corpo de seu marido ao sentir a pressão dos dentes sobre suas saliências inchadas. Ele os puxava e colocava a boca no interior para absorver sua essência. Encontrava-se extasiada. Tanto que podia roçar com a gema de seus dedos aquilo que denominavam loucura. Ele era fogo, chamas que a queimavam e a faziam derreter-se quando a tocava.
? Não me saciarei nunca de ti ? murmurou antes de incorporar-se e beijá-la. ? Nunca ? sussurrou depois do beijo.
? Hoje quero fazer uma coisa...
? O quê? ? Colocou suas palmas sobre as maçãs do rosto de Evelyn e a atraiu para ele para beijá-la de novo.
? Não recordo... ? sussurrou sem voz.
? Então... enquanto se lembra... ? a conduziu devagar para trás até que as costas da mulher tocaram a parede. ? Deixe que eu faça outra...
A mão masculina foi descendo pela figura de Evelyn. Acariciou o decote, colocou os dedos no interior do objeto e tirou um mamilo. Deixou de beijar os lábios femininos para dirigir-se para o duro botão. Mordeu-o, sugou-o ao mesmo tempo em que aquela mão travessa continuava a trajetória para a perna esquerda da mulher.
? Minha pequena bruxa... ? murmurou estrangulado pelo desejo. ? Por mais que o tento... não posso me saciar de ti. ? Içou a mão pela coxa até que chegou ao epicentro de Evelyn. Voltou a procurar o pequeno e inchado clitóris. Ao achá-lo, acariciou-o com a mesma intensidade que a primeira vez. Entretanto nessa ocasião procurava algo mais pecaminoso, mais desonroso. Não pararia até que o interior das coxas de sua esposa terminasse banhados por seu suco. Mais tarde, quando ela estivesse exposta, percorreria cada milímetro de sua pele com a língua.
? Roger! Roger! ? Gritou Evelyn como uma louca. ? Roger!
? Sim, pequena bruxa ? sussurrou-lhe enquanto mordia e lambia o lóbulo direito feminino. ? Diz meu nome. Grite ao mundo inteiro quem é seu marido, quem te ama e quem te deixa louca de luxúria. ? Com cada palavra, com cada pressão de seus dentes na orelha, o dedo do homem se introduzia e saía do sexo feminino como se fosse seu membro ereto. Não parou até que notou a sacudida do orgasmo, até que Evelyn vincou os dedos de seus pés, até que molhou suas pernas. ? Desejo-te tanto... ? continuou sussurrando sem deixar de lhe beijar o rosto. ? Necessito-te mais do que imagina...
? Roger... conseguiu dizer. Suas bochechas ardiam, seus olhos brilhavam e o corpo inteiro seguia submetido a contínuas convulsões.
? Diga-me...
? Deixa-me que te dispa?
? Me despir? ? Perguntou assombrado.
? Sim, isso é o que queria te dizer. ? Sorriu com suavidade.
? Se é o que deseja, aqui me tem ? respondeu Roger dando duas pernadas para trás e abrindo os braços em cruz. ? Sou teu e pode fazer o que desejar.
Teve que respirar várias vezes antes de aproximar-se. Não sabia como começar. Sua cabeça seguia dando voltas e se envergonhava ao notar que suas coxas estavam úmidas de sua própria essência. Respirou. Suspirou. E depois de uns instantes duvidosos, caminhou para ele. Tirou o nó da gravata e a lançou para algum lugar do quarto. Logo continuou com a jaqueta. A passagem desta pelo corpo rude e musculoso fez com que seu coração golpeasse com força contra o peito. Sem jeito foi desabotoando a camisa. Esta caiu ao chão sem esforço algum. Ao observar aquele peito mordeu o lábio inferior e seus olhos brilharam tanto que nenhuma estrela do firmamento pôde assemelhar-se. Pousou suas mãos sobre o torso nu, que ascendia e descia agitado pelo desejo e o acariciou regozijando-se em cada milímetro de pele. Sorriu satisfeita ao ver como seu marido fechava os olhos e inspirava com força. Excitava-o. Suas carícias, seus toques, enlouqueciam-no. De repente Roger gemeu com mais ímpeto do que tinha esperado. Evelyn o olhou desconcertada pela inesperada reação.
? É uma tortura que me toque e que eu não possa fazê-lo ? assinalou desenhando um malicioso sorriso em seu rosto. ? Se seguir assim, temo que terminarei ajoelhado de novo.
Evelyn entrecerrou seus olhos o advertindo, com essa forma de olhar, que não se movesse. Era seu momento, seu desejo, seu grande prazer. Face à advertência de como terminaria se seguisse o torturando daquela maneira, não cessou de o acariciar, de enredar entre seus dedos o loiro pelo. Percebeu, surpreendida, que a ele também endureciam os diminutos mamilos. Sem pensar duas vezes, dirigiu sua boca para eles e os mordeu. Então descobriu que ele sofria os mesmos espasmos que ela ao ser assaltada nessa zona erógena. Com um enorme sorriso pelo deleite da experiência, olhou-o com descaramento enquanto baixava devagar suas mãos para a calça. Desabotoou o botão e deixou que este descesse com a mesma lentidão que a camisa. Roger sacudiu rapidamente as pernas, lançando o objeto mais longe que onde terminou a gravata.
? Não me deixará assim, não é? ? Exigiu saber com uma mescla de agonia e desespero.
? E se o fizer? ? Respondeu desafiante.
? Esquecer-me-ei, de repente, da última norma que acrescentou na estalagem ? disse zombador.
Evelyn mordeu outra vez o lábio inferior. Cravou o olhar no vulto da calça e entrecerrou os olhos. Ele era grande e seu sexo também. Prova disso era que, apesar da pressão da roupa de baixo, sobressaía por cima desta. Atordoada pelo frenesi colocou as mãos no interior do calção e segurou entre elas o duro membro. Essa carícia, esse leve contato de suas palmas com a ereção, fizeram com que todo o corpo masculino começasse um balanço compassado. Seu marido, com os olhos fechados e com a cabeça inclinada para trás, começava a mover-se da mesma forma que estava acostumado a fazer quando se introduzia em seu interior. Devia afastar as mãos, devia retirar-se ante tal obscenidade, mas não o fez. Ficou ali parada, contemplando o pausado movimento continuado até que escutou um grito de seu marido. Não foi um alarido usual. Foi mais um comprido e profundo uivo que provinha do mais profundo de Roger. Tinha liberado de novo a besta? Ou melhor... o monstro tinha liberado seu marido? Ao afastar as palmas sentiu como algo úmido a queimava. Curiosa por averiguar o que era aquilo que lhe produzia tanto calor, aproximou-as do rosto. «OH, Meu Deus! ? Exclamou para si. ? É sua semente!».
? Jamais... ninguém... nunca... ? começou a dizer Roger aturdido. Despojou-se do objeto que cobria seus quadris e avançou para sua mulher com passo firme, sólido, enérgico. ? Ninguém, Evelyn, ? sublinhou com vigor ? conseguiu de mim o que você obteve. ? Abriu seus braços para que ela se aproximasse de seu corpo e quando a teve perto de seu peito, apertou-a com força. ? É única, meu amor. Única.
O que devia pensar? Desejava que aquelas palavras fossem verdade? Sim, desejava-o. Necessitava que não a tratasse como outra mais. Que quando partisse e a deixasse sozinha na casa, não procurasse outras carícias que não fossem as suas. Não, já não. Evelyn queria ser a única.
? E agora deveria tirar esse lindo vestido azul se não quiser que termine empapado ? advertiu.
? Empapado? ? Distanciou-se dele e arqueou as sobrancelhas.
? Crê que o que fizemos foi suficiente? Não, minha pequena bruxa, isto foi só o princípio de uma longa jornada de amor. ? Sorriu. ? E o primeiro lugar onde vou possuir-te nesta casa ? sussurrou-lhe no ouvido ao mesmo tempo em que a elevava de novo em seus braços ? será nessa imensa banheira. Estou ansioso por ver como seu corpo pula sobre mim enquanto a água se agita pelo ardor da nossa paixão.
? Está louco... ? respondeu antes de esboçar uma pequena risadinha e mover as pernas.
? Por ti ? disse tão baixinho que Evelyn não pôde escutá-lo devido ao som de sua própria risada.
XXVIII
A água já estava morna, mas ao manter-se perto de Roger logo notou como diminuía a temperatura. Sentada sobre ele admirava a fortaleza de suas pernas e a longitude de seus pés. As mãos masculinas não cessavam de acariciá-la, de apalpá-la sem cessar, mas o que encantou realmente Evelyn não foi o magnífico corpo de seu marido, mas sim os momentos de risadas que passaram dentro daquela banheira. Ambos sentiam uma pequena dor em suas mandíbulas de tanto rir. Recordaram o dia que se conheceram, as bodas, a partida e o acontecido depois da volta.
Narrou-lhe como foi despachando um a um aos cavalheiros que a visitavam em seu lar com o propósito de convertê-la em sua amante. Evelyn percebeu como o corpo masculino se esticava ao lhe narrar aqueles momentos, mas o tranquilizou enchendo-o de beijos e carícias. Falou-lhe de sua viagem, dos lugares que visitou durante os sete meses fora de Londres. As tempestades que sofreu em alto mar, como atuava sua tripulação e como terminou por descobrir que aquilo que lhe proporcionava mal-estar em suas vísceras era somente a necessidade de retornar à sua terra natal e enfrentar com integridade seu futuro.
? E de repente, ? disse esticando os grandes braços para abraçá-la ? observo que todos os olhares dos cavalheiros se dirigiam para um ponto da sala. ? Seu queixo pousou sobre o ombro da mulher, acariciando com seu fôlego a aveludada pele da Evelyn. ? Olhei para essa parte do salão e...
? E? ? Insistiu a mulher voltando-se para ele. Sentou-se sobre seus quadris, as pernas se cruzaram pelas costas e ambos os torsos voltaram a unir-se.
? E encontrei uma pequena bruxa de cabelo cor de fogo exibindo em um lindo vestido vermelho com um delicioso decote que me convidava a pousar meus lábios nele. ? Elevou o queixo para contemplar a diversão que expressava o rosto de sua esposa e a beijou.
? Por que não cessa de me chamar assim? ? Colocou suas mãos sobre o rosto masculino e afastou as mechas loiras que a impediam de ver os azulados olhos.
? Minha pequena bruxa? ? Perguntou enquanto desenhava um sorriso. Evelyn assentiu. ? Porque é a única mulher que foi capaz de me enfeitiçar ? esclareceu com voz serena, pausada e firme.
Os braços femininos se entrelaçaram de novo no pescoço de seu marido. Aproximou a boca e o beijou. A pequena amostra de carinho despertou de novo a luxúria em Roger. Pousou suas mãos nas costas de Evelyn e a acariciou como se fosse uma frágil flor. Voltaram a agitar a água, voltaram a esquentar o interior da banheira, voltaram a deixar-se levar por aquele insaciável desejo por converter-se em um só ser.
Quando terminaram Evelyn pousou a testa sobre o peito agitado de seu marido. As bochechas se converteram em duas pequenas bolas de fogo. Extasiada e cansada, suspirou.
? Acredito que vai sendo hora de te oferecer um descanso ? murmurou Roger depois de afastar com certo desagrado o corpo de sua mulher do dele. ? Se continuo assim, poderia te matar.
? Não me acompanha? ? Levantou-se com cuidado para não escorregar e esperou que seu marido a ajudasse a sair dali.
? Tenho que falar com o John de certos temas ? indicou cobrindo a nudez de Evelyn com uma toalha branca. ? Estou muito tempo fora de casa e tenho que me pôr em dia. ? Elevou-a em seus braços e a conduziu até a cama. Estendeu-a com supremo cuidado e se colocou sobre ela. ? Prometo-te que assim que arrumar meus assuntos subirei para te fazer amor até que amanheça.
? Sabe? ? Disse elevando de novo os braços e enredando-os no pescoço de Roger. ? Isso mesmo me sugeriu na primeira noite na casa dos Rutland.
? Pois como comprovou, sempre cumpro minhas promessas. ? Abaixou sua cabeça e a beijou.
Custava-lhe deixá-la ali sozinha, mas seu dever como dono de certos negócios lhe reclamava. Era certo que tinha passado muito tempo fora de seu lar e estava seguro de que John ocupou seu posto com acerto. Entretanto devia confirmar que certos temas seguiam controlados, sobretudo aqueles dos quais tanto recusava falar com Evelyn e que possivelmente os distanciaria. Depois de vestir-se com uma calça e uma camisa, desceu ao escritório.
John não demorou a aparecer. Era tão desconfiado que houvesse sentido a presença de Roger na pequena sala.
? Pensei que não sairia daquele quarto até passada uma semana ? disse o índio zombador.
? Mentiria se te dissesse que não o pensei, mas algo me diz que tem notícias frescas, estou certo? ? Levou a taça para a boca e arqueou as sobrancelhas.
? Apareceu quando partiu ? comentou John enquanto se aproximava da licoreira para acompanhar seu amigo. ? Parece que tem um dom especial para saber quando e onde aparece.
? Costuma acontecer quando seu sangue é o mesmo que o meu ? grunhiu. Caminhou pesado para a poltrona que havia junto à chaminé e se sentou de repente.
? Falou com Sophie, já sabe que é incapaz de dirigir-se a mim, dou-lhe asco. ? Dirigiu-se para seu amigo e se sentou ao seu lado.
? Acredito que a palavra acertada é ódio. Não pode suportar o fato de que me salvou de suas garras. ? Sorriu de lado. Depois de manter uns instantes de silêncio, prosseguiu: ? Com que propósito apareceu em meu lar desta vez?
? Convidá-los à sua casa ? disse ao mesmo tempo em que cravava seus olhos marrons nos de seu amigo.
? Convidar-nos? ? Reclinou-se do assento e apertou a taça com força.
? O que esperava? Já não tem uma rocha em seu caminho, mas sim duas.
? Nela não tocará! Jamais a alcançará! ? Clamou zangado ao mesmo tempo em que lançava o copo para o interior da chaminé. ? Antes ponho fim à sua asquerosa vida com minhas próprias mãos.
John, imperturbável, reclinou-se sobre o assento, voltou a tomar um sorvo de sua bebida e refletiu durante um bom momento. Se seus espíritos tinham razão, se o que eles lhe indicavam era certo, Roger não devia recusar o convite. Precisava enfrentar, de uma vez por todas, a maldade de sua mãe e, se suas premissas não erravam, sua esposa o salvaria do inferno no qual vivia desde pouco mais de uma década.
? Como vai tudo por Children Saved? ? Mudou de tema.
? Bastante bem. Falei com seu administrador e por agora todas as necessidades estão resolvidas. Essa última viagem encheu as arcas da residência. Entretanto...
? Entretanto? ? Repetiu Roger intrigado.
? A pequena Natalie está muito triste. Não para de perguntar onde está seu irmão e acredito que deveria visitá-la o antes possível. Faz uns dias esteve bastante doente. O médico disse que era próprio de sua idade, mas não estou muito seguro disso. Desde esse dia mal pode sair da casa. Passa as horas no quarto e sua mãe está muito preocupada.
? Amanhã sem falta irei visita-la. Não quero que pense que a abandonei. É muito pequena para compreender certos temas. ? Roger esticou as pernas, acariciou a barba e adotou um olhar pensativo. De repente rompeu seu silêncio. ? Apareceu durante minha ausência algum mais?
? Não. Seguem sendo vinte ? respondeu antes de levantar-se, andar para o móvel bar e encher seu copo de novo. ? Um charuto? ? Perguntou mostrando a caixa em que guardava os melhores charutos.
? Não. Deixei de fumar faz uns dias. Evelyn não gosta do aroma de tabaco ? esclareceu sem oferecer emoção alguma.
? Essa mulher... ? começou John a dizer sem poder eliminar o sorriso de seu rosto.
? Essa mulher... ? insistiu Roger entrecerrando seus olhos e apertando os dentes.
? Calma, não vou dizer nada mau dela ? expôs antes de soltar uma gargalhada ao ver como seu amigo ficava na defensiva.
? Essa mulher, minha mulher, é intocável ? sentenciou. ? Por isso não quero que ela se aproxime de Evelyn. Irá destrui-la como tem feito com todos aqueles que se interpõem em seus propósitos.
? Duvido muito que sua mãe se arrisque tanto...
? Você não a conhece como eu ? resmungou. ? Tem suas mãos manchadas de tanto sangue inocente que lhe resulta impossível continuar sem ele. É uma víbora, um ser sem escrúpulos.
? Se eu estivesse em seu lugar pensaria seriamente em fazê-la parar de uma vez ? disse John enquanto caminhava para a janela. Um sorriso se desenhou em seu rosto ao observar como Sophie agitava uma bengala para tirar o pó dos tapetes que tinha estendidos sobre uma corda.
? Se decidisse por tal coisa, primeiro teria que matar meu irmão e, neste momento, não quero fazê-lo. O que faria Evelyn com seu marido encarcerado?
? Não pensaste que algum dia terá um filho e eles poderiam tentar conseguir o que não fizeram contigo? Mataram a uma dezena, o que importa mais um? ? John, apesar de ter o olhar sobre a mulher que amava, não a observava. Seus pensamentos estavam em outra parte do mundo.
? Evelyn não pode ter filhos ? grunhiu Roger ao mesmo tempo que se levantava e se dirigia para o porta-garrafas. ? Conforme entendi, ao perder o que esperava sofreu uma infecção ou algo similar e ficou estéril.
? Esteve casada? ? John virou a cabeça para seu amigo e entrecerrou seus olhos. Se for certo, se ela tinha vivido um matrimônio anterior, não seria a mulher que lhe indicaram seus ancestrais. Estes falaram de uma mulher sem enlace, de uma mulher quebrada pela tristeza de um passado tortuoso e que só acharia a paz quando seu amigo estivesse à beira da morte.
? Casada não, comprometida sim. Mas o compromisso se rompeu. Aquele malnascido a abandonou quando descobriu que a riqueza familiar tinha desaparecido depois de um mau investimento do pai dela ? explicou apertando a mandíbula.
? Poderia procurá-lo. Sabe que sou bastante hábil em encontrar pessoas desaparecidas ? comentou ansioso de que seu amigo lhe dissesse que sim.
? Não quero investigar o passado da Evelyn. Prometi-lhe que só me interessa saber o que faz desde que nossas vidas se cruzaram ? assinalou antes de voltar a tomar o líquido ambarino de um sorvo.
? Como quiser... mas tenho que te advertir que me entristeceu sua decisão.
? Mas como? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Faz muito tempo que não escalpelo ? assinalou antes de soltar uma gargalhada.
XXIX
Evelyn esticou as mãos para o lugar onde devia permanecer Roger, mas ao não o achar abriu os olhos. Sentou-se na cama ocultando sua nudez com o lençol e o buscou com o olhar. Não estava. Partira. Suspirou pelo pesar que lhe produzia não o ter ao seu lado e voltou a recostar. Fixou suas pupilas no dossel e tentou rememorar onde podia estar. Entretanto, em vez de recordar as conversações que mantiveram para conseguir responder-se, sua mente lhe ofereceu as imagens deles dois amando-se durante a noite. O corpo de seu marido sobre o seu, esquentando-o, fazendo-o arder de desejo... rodando ao longo da cama, sempre unidos, sempre se tocando. Não havia uma só parte de seu corpo que Roger tivesse deixado sem acariciar. Sorriu ao apreciar que, com somente recordando necessitava-o de novo. Assombrada pelas emoções que tinham despertado nela, voltou a elevar-se e procurou algo com o que cobrir sua nudez. Precisava sair daquele quarto onde seus pensamentos pecaminosos não tinham fim. Pousou seus pés no chão e se dirigiu para varanda, abriu as cortinas e viu que na entrada estava estacionada a carruagem na qual devia chegar Wanda. Procurou com o olhar a bata que na noite anterior Roger lançou para algum lugar do quarto e, depois de achá-la atrás do divã, correu para colocá-la.
? Wanda! ? Exclamou baixando as escadas como uma menina alterada.
? Senhora... ? comentou a donzela assombrada ao ver Evelyn vestida com uma simples bata e com os cabelos alvoroçados.
? OH, Wanda! Quanto senti saudades! ? Disse ao abraçá-la.
? Duvido que o tenha feito vendo-a dessa forma ? resmungou a criada.
? Não seja má... ? deu uns passos para trás e se ruborizou.
? Vejo que seu plano está sendo eficaz ? sussurrou-lhe.
? O plano ? retrucou ? desapareceu. Agora não quero descobrir quem é meu marido, mas sim desfrutar da vida que tanto deseja me oferecer.
Wanda esteve a ponto de soltar um enorme insulto quando Sophie apareceu de algum lado da casa.
? Deseja tomar o café da manhã? ? Perguntou a Evelyn com interesse.
? Sim, claro. Muito obrigada Sophie por ser tão atenciosa ? comentou com um sorriso.
? Tomar o café da manhã? ? Inquiriu Wanda com um sussurro. ? Eu diria que é a hora do almoço ? replicou.
? Esta noite não pude descansar tudo o que precisava ? alegou sem deixar de ruborizar-se. ? Sophie ? chamou a atenção da criada que já tinha começado a dirigir-se para a cozinha. ? Poderia nos levar o café da manhã em meu quarto?
? É claro, senhora ? afirmou fazendo uma leve reverência.
? Vem! ? Evelyn pegou a mão de Wanda para fazê-la subir as escadas com rapidez. ? Vou mostra-te a casa!
Depois de lhe mostrar o dormitório que tinham preparado para ela, conduziu-a para seu quarto. Os olhos da criada não tinham sido capazes de fechar-se nem um só instante. Mostrava a mesma expressão de assombro que ela ao compreender como era o interior da casa de seu marido.
? E este é nosso quarto ? indicou quando abriu a porta.
? Nosso? ? Quis saber ao mesmo tempo em que arqueava as sobrancelhas.
? Meu marido não deseja descansar afastado de mim ? expôs ruborizada.
? E muito temo que você tampouco fosse capaz de descansar sem sua presença, equivoco-me?
? As coisas mudaram! Tudo mudou! ? Exclamou virando-se sobre ela mesma um par de vezes. ? Não é o homem que me disseram. Não é o homem que acreditei!
? Bom... ? começou a dizer enquanto procurava um assento ? isso deve me alegrar.
? Claro que sim! ? Caminhou para ela, ajoelhou-se e pôs sua cabeça sobre os joelhos de Wanda. ? Nós duas temos que nos alegrar! Por fim viveremos felizes...
A donzela acariciou o cabelo de Evelyn ao mesmo tempo em que suspirava com veemência. Esperava, não! Melhor, rogava, que desta vez não lhe rompessem o coração. Porque se acontecesse, se voltassem a destroçá-la, ela não atuaria de maneira passiva. Arrancaria o coração do futuro marquês com suas próprias mãos...
? O que é esse ruído? ? Evelyn se levantou com rapidez e caminhou para a porta. Ao abri-la escutou a voz de uma mulher. Falava com autoridade e elevava seu tom em cada palavra.
? Nem lhe ocorra sair assim! ? Advertiu-a Wanda colocando-se em frente dela. ? Irei ver o que acontece.
Evelyn assentiu, deu uns passos para trás e deixou que saísse. Quando ficou sozinha andou até a cama, sentou-se e apertou as mãos. Quem apareceria no lar de seu marido dando ordens e levantando sua voz de forma desafiante? Olhou para a porta e notou como seu pulso se acelerava. Devia havê-lo suposto. Para chegar a Lonely tiveram que atravessar meia Londres e mais de um londrino saudou a carruagem ao contemplar o estandarte pendurado na lateral deste. Todo mundo saberia que o senhor Bennett tinha retornado. Talvez inclusive alguma de suas amantes descobrisse que Roger permaneceria em seu lar e apareceu demandando aquilo que em seu tempo lhe ofereceu. Sim, devia ser isso. Uma mulher não podia elevar a voz daquela maneira salvo que se zangasse ao ser informada que seu amante se casou e que já não a necessitava. Umas lágrimas começaram a brotar de seus olhos e a tristeza lhe oprimiu o coração. Tinha que havê-lo suspeitado. Tinha que ter considerado que, face à notícia do casamento de Roger, mais de uma mulher não renunciaria a perdê-lo como caso. Quem, em seu são julgamento, desistiria de umas mãos e uma boca como a de seu marido?
? Deus santo bendito! ? Exclamou Wanda depois de fechar a porta atrás de sua entrada. ? Vista-se!
? Quem é?
? Quem é?! ? Repetiu a donzela elevando os braços e pondo os olhos em branco. ? Sua muito ilustre, minha senhora! A própria marquesa de Riderland veio conhecê-la!
? A mãe do Roger? ? Levantou-se de um salto da cama e se levou as mãos à boca.
? A própria! E ela gritou a... Sophie?... ? Perguntou duvidosa ? que não partirá até saber quem é a mulher que conseguiu casar-se com seu filho.
? OH, meu Deus! OH, meu Deus! ? Gritou Evelyn correndo de um lado para outro.
Muito ao seu pesar teve que deixá-la no quarto. Teria gostado de vê-la despertar, observar como lhe brilhavam os olhos ao vê-lo ao seu lado e como estendia os braços para acolhê-lo de novo em seu corpo. Mas tinha outras coisas que fazer antes de retornar a Evelyn. Desceu do cavalo e soltou uma enorme gargalhada quando fixou suas pupilas na entrada da residência.
? Não disse que estava doente? ? Perguntou divertido.
? Prometo-te que assim era ? respondeu John assombrado.
Uma pequena de uns seis anos corria para eles. Seu cabelo ondulado voava sobre sua pequena cabeça e a cor loira se fazia branca quando os raios solares o alcançavam. Agarrava com suas mãozinhas o vestido esmeralda para não cair na corrida. Roger abriu os braços, ajoelhou-se e esperou que a menina impactasse sobre seu corpo.
? Roger! Roger! Retornou! ? Gritou Natalie antes de lançar-se sobre Bennett. ? Senti falta de ti.
? Olá, princesa! Eu também tive saudades. Como está? ? Perguntou sem deixar de abraçá-la. ? John me disse que esteve doente, sinto se não estive ao seu lado, mas tive que partir para um lugar muito longínquo. Embora vejo que se encontra melhor. ? Pegou-a em seus braços e a levou de novo ao interior da casa.
? O senhor Bell disse à mãe que era amigdalite, ? disse com a cabeça elevada e olhando ao seu irmão mais velho com entusiasmo ? e tive que tomar um remédio com um sabor amargo. ? Fez uma careta.
? Vá... e não te recomendou que tomasse muitos sorvetes? ? Disse divertido.
? Gelados? ? Abriu tanto os olhos que o azul de suas pupilas se voltou transparente.
? Já vejo que não... ? sorriu de lado a lado. ? Bom, pois falarei com sua mãe para que nos sirva duas grandes taças de sorvete de baunilha.
? Sim, por favor... ? murmurou Natalie. ? Ela sempre te dá atenção.
? Sua Excelência... ? Ywen, a mãe da menina, fez uma pequena reverência ao vê-lo entrar.
? Bom dia, Ywen. Acredito que Natalie deseja tomar duas bolas de sorvete. ? Deixou a menina no chão e caminhou pela entrada da residência. Tudo estava igual a antes de partir. Graças a Deus nada tinha mudado e esperava que nunca o fizesse.
? Gelado? ? Ywen arqueou as sobrancelhas castanhas e olhou à menina zangada. Natalie se escondeu atrás das pernas de Roger e este voltou a soltar outra gargalhada.
? Se puder nos servir duas taças de sorvete... ? assinalou divertido.
? Zangou-se... ? sussurrou a menina sem mover-se.
? Como sabe? ? Virou a cintura para a direita e a observou jocoso.
? Porque enrugou o nariz...
? Roger, deveria ir visitar os outros. Estarão na estufa ? indicou John.
? Far-me-á a honra de me acompanhar, milady?
Bennett fez uma exagerada reverência à menina.
? A honra será minha, cavalheiro ? respondeu agarrando seu vestido com ambas as mãos e lhe respondendo com outra genuflexão.
Agarrada à sua mão Natalie saltitava em vez de caminhar. Estava tão feliz de ter de novo seu irmão que era impossível andar como lhe indicava sua insistente instrutora. Elevou várias vezes o rosto para confirmar que estava ali, junto a ela, e que nada nem ninguém os separariam jamais.
? Bom dia a todos. ? Roger abriu a porta da estufa e saudou os meninos que se encontravam estudando botânica com a senhora Simon, encarregada de lhes ensinar matérias como álgebra, ciência e piano.
? Roger! ? Exclamaram ao uníssono. Antes que Natalie pudesse lhe soltar a mão os meninos correram para Bennett para abraçá-lo.
? Sua Excelência ? saudou-o a professora com uma reverência. ? Bem-vindo.
? Bom dia, senhora Simon. Que tal foram suas aulas em minha ausência?
? Salvo pelo comportamento habitual do senhor Logan, tenho que lhe dizer que tudo está perfeito ? explicou orgulhosa.
O menino aludido se endireitou, levou a mão à cabeça e soprou. Roger quis censurar e repreender sua atitude, mas quando o olhou aos olhos, viu-se ele mesmo. Nunca tinha sido um bom estudante. Sempre se esquivava das aulas que o aborreciam e desesperava qualquer instrutora que se autoproclamasse tranquila e sossegada. Mas por sorte sua mãe acalmava sua ira quando elogiavam o cavalheirismo, a inteligência e a sensatez de Charles, o filho pródigo, quem deveria ter sido o encarregado de ostentar o título que, por cinco minutos, ele tinha que possuir.
? Não quero voltar a escutar a senhora Simon me indicar que seu comportamento não é o adequado ? disse finalmente. Recordou-se de seu pai. Ali, em frente à porta de seu dormitório com os braços nas costas e elevando o queixo com ímpeto. ? Se em menos de um mês sua conduta não mudar, terei que falar com sua mãe para escolher o que fazer contigo. Não posso perder tempo nem meu dinheiro esbanjando-o naqueles que não o valoram.
? Sim, senhor. Prometo-lhe que mudarei. ? Abaixou a cabeça e apertou os dentes.
«Deus! ? Pensou Bennett. ? Como pode ser tão semelhante a mim?».
? Roger... ? John chamou sua atenção ? o administrador acaba de chegar. Espera-te no escritório.
? Diga-lhe que não demorarei. ? Seu amigo assentiu e partiu. ? Bom, tenho que ir. Espero que os pequenos incidentes não voltem a se repetir. Senhora Simon...
? Senhor Bennet...
Deu-se a volta e caminhou para a porta. Entretanto ficou parado ao ver que Natalie não se movia. Permanecia ao lado da professora.
? Quero escutá-la, se não se importar. Quero aproveitar o tempo e o dinheiro ? apontou a menina muito séria.
Bennett sorriu e continuou seu caminho. Enquanto se dirigia ao escritório recordou o dia no qual apareceu Ywen em Lonely Field. Chorava desesperada enquanto mostrava um bebê nos braços. Ao princípio não quis olhá-lo. Só pensou que era outro mais. Outro ser desamparado ao que, igual aos outros, unia-o o mesmo sangue, mas quando Ywen afastou a manta que cobria o pequeno rosto, Bennett ficou paralisado. Não estava vendo a filha de seu pai, mas sim a sua. Tinha o mesmo tom de olhos, seu mesmo nariz bicudo e o cabelo, aquele diminuto arbusto de cabelo que cobria a cabecinha era do mesmo tom. Nesse momento, ao ver Natalie, compreendeu que todo seu esforço, todos seus pesares valiam a pena se seus irmãos eram tratados com a dignidade que mereciam. Por que deviam sofrer as consequências do egoísmo de um pai incapaz de reconhecer seus bastardos? Além disso, na residência os mantinha a salvo das garras de sua mãe. Ao rememorar o instante em que descobriu as atrocidades que ela realizava para eliminar todas as crianças que nasciam das infidelidades de seu marido, Roger apertou a mandíbula e respirou com profundidade. Não, não lhes ocorreria nada de mau. Ele os protegeria sempre.
? Com os últimos ganhos têm podido resolver todas as faturas. ? O administrador, rodeado de papéis, mostrava a Roger um a um os recibos pagos. ? Tenho que lhe dizer que foi uma ideia excelente cortar os gastos ao fazer com que as mães trabalhassem na residência. Pudemos prescindir de cozinheiras, lavadeiras, donzelas e inclusive várias delas cuidam do jardim melhor que qualquer jardineiro que se orgulhe de sê-lo.
? Alegra-me escutar isso. ? Roger adotou a postura de um homem de negócios. Seu corpo reto parecia mais imenso, se cabia, e suas mãos ocultas atrás das costas o magnificavam.
? Mas também tenho que o advertir que se achássemos mais alguns filhos ilegítimos de seu pai...
? Conforme me informou John levamos um ano sem que apareça nenhum e não acredito que, aos seus setenta anos, possa continuar com esse desventurado costume ? resmungou Bennett.
? Bom, nunca se sabe o que foi capaz de fazer no passado, mas é certo que há um ano ninguém apareceu e duvido que possa engendrar mais filhos devido à sua enfermidade.
? Doente? ? Perguntou franzindo o cenho.
? Sim. Sua Excelência está prostrado no leito ao menos há quatro meses. Segundo meus contatos poderia falecer em qualquer momento e você possuiria o título.
? E como não me fez chegar uma notícia assim? ? Inquiriu furioso.
? Senhor, disse-lhe. Indiquei-lhe na missiva que lhe enviei quando estava navegando que devia me visitar por dois motivos importantes. Mas quando desembarcou não apareceu no meu escritório ? explicou com voz tremente.
? Tem razão... ? acalmou-se um pouco. ? Tive que me ocupar de outros assuntos antes de partir para Haddon Hall. ? Perambulou pelo escritório sem poder fixar a vista em nenhuma parte. Se for certo, se seu pai estava em seus últimos dias, como aceitaria sua mãe ser a viúva e que seu desprezível filho conseguisse o título? E seu irmão? Permaneceria impassível enquanto ele aceitava seu legado? Roger enrugou a testa. Sabia que deviam estar tramando algo, o que não conseguia imaginar, mas seria algo maligno, disso não lhe cabia dúvida. De repente ficou pétreo, olhou fixamente ao administrador e perguntou: ? Qual é o segundo motivo?
? Você... ? a voz tremente apareceu de novo.
? Eu? ? Roger entrecerrou os olhos e olhou ao homem com suspeita.
? Sei que não pode ser certo, sua Senhoria. Por mais que estive pensando nisso, não me saem as contas.
? Contas? De que contas fala? ? Caminhou para a mesa coberta de papéis e apoiou as palmas sobre eles.
? Rogo-lhe que não se zangue comigo, senhor. Juro-lhe por minha vida que não acredito em uma só palavra dessa descarada.
? A que descarada se refere? ? Grunhiu.
? À viúva do senhor Myers, Excelência ? disse ao fim.
? Eleonora? ? Afastou as mãos, cruzou-as diante de seu peito e arqueou as sobrancelhas. ? O que queria essa mulher de ti?
? Não se trata de mim, mas sim de você. ? O administrador fez uma pausa para poder tomar fôlego. Sabia que o que ia expor não lhe ia causar agrado algum. ? Cinco meses depois de seu enlace matrimonial apareceu em meu escritório ? começou a dizer. ? Vinha enfurecida e se foi ainda mais zangada quando lhe indiquei que não sabia onde se encontrava e que não podia lhe fazer chegar a informação.
? O que desejava essa harpia? Que informação devia me dar? ? Perguntou surpreso, ao mesmo tempo que confuso.
? Segundo ela você... ? titubeou de novo. ? Você...
? Maldita seja! Fala de uma vez!
? Essa mulher diz que o filho que espera é seu.
Roger não teve tempo de reagir ante a notícia quando John abriu a porta de uma vez.
? Temos um grave problema ? manifestou com o rosto alterado.
? O que acontece? ? Perguntou Bennett caminhando para seu amigo com rapidez.
? Yeng está lá fora. Sophie o enviou. ? Virou-se e correu para a saída. Bennett o imitou. Seu coração não palpitava e mal podia respirar. Se sua governanta tinha enviado alguém em sua busca era por uma razão: Evelyn.
? Diga-me que minha esposa não está em perigo ? exigiu saber enquanto montava no cavalo.
? Não posso dizer tal coisa porque sua mãe e seu irmão estão com ela ? soltou John antes de tocar com brio ao corcel.
XXX
? Estou perfeita? ? Evelyn acariciou o vestido e deixou de respirar. Wanda tinha sido hábil ao fazer chegar o baú que transportava na carruagem e podia usar um dos vestidos que comprou sob o atento olhar de Beatrice.
? É claro ? afirmou a donzela ultimando o penteado.
? Estou tão nervosa... o que pensará a marquesa? Parecerei a mulher perfeita para seu filho? Espero... rogo que não tenham chegado aos seus ouvidos as desditas que padeci no passado ? soluçou.
? Relaxe. De verdade que deve tranquilizar-se um pouco antes de descer. Além disso, goste ou não Sua Excelência, já se casou com seu filho e nada pode fazer para desfazê-lo. Seja você mesma, não queira aparentar aquilo que não é e já verá o orgulhoso que se sente seu marido quando souber que recebeu de maneira correta a sua mãe ? comentou com voz suave e aprazível.
? As luvas! ? Exclamou Evelyn olhando ao seu redor. Movia-se com tanto brio que Wanda pensou que o laborioso penteado não permaneceria muito tempo tão perfeito.
? Não acredito que seja apropriado... ? começou a dizer em voz baixa.
? Tenho que usá-las! ? Respondeu agitada. ? Meu Deus, tenho que usá-las!
? Respire... por favor, respire... ? Wanda observou que os objetos que procurava com desespero jaziam sobre a penteadeira e que devido ao seu estado de nervosismo não os tinha visto. Aproximou-se, pegou-os e os mostrou.
? É muito importante para mim lhe causar boa impressão ? disse um pouco mais serena enquanto a donzela lhe punha as ansiadas luvas. ? É a marquesa, a mãe do homem de quem estou... ? emudeceu rapidamente. Não, não podia dizê-lo ainda. Por mais feliz que se sentisse junto a Roger ainda não podia falar de algo tão importante, tão profundo.
A criada respirou fundo, estendeu suas mãos pelo vestido e caminhou para a porta. Não precisava que Evelyn terminasse a frase que tanto temor lhe produzia. Ela já sabia as palavras com as quais finalizaria. Estava apaixonada. O homem de olhar penetrante, perturbador e embelezador tinha utilizado todas as suas artimanhas para seduzi-la e apanhá-la. Só esperava que ele sentisse o mesmo por ela e esquecesse o resto das mulheres.
? Preparada? ? Quis saber após abrir a porta e esperar que Evelyn se decidisse a caminhar para o exterior.
? Sim ? respondeu após suspirar e elevar o queixo.
? Não se esqueça de respirar, é muito importante para evitar desmaios inoportunos... ? sussurrou-lhe quando passou ao seu lado.
Evelyn sorriu levemente. Caminhou mais erguida do que deveria e parou quando chegou às escadas. Olhou para a entrada e observou que ali não havia ninguém. Certamente Sophie tinha dirigido a marquesa para a sala de jantar. Relaxou e, tal como lhe indicou Wanda, respirou. Pousou a mão no corrimão e desceu devagar, sem aparente pressa, embora a força com que pulsava seu coração poderia impulsioná-la para baixo sem chegar a tocar o chão com os pés.
? Boa tarde... ? apareceu uma voz masculina justo antes de pisar o último degrau.
Evelyn não pôde ocultar a surpresa que lhe produziu ver um homem tão parecido ao seu marido, embora percebesse notórias diferenças: seu marido tinha os olhos mais claros, era o dobro de corpulento e, por sorte para Roger, o cabelo e a barba abundavam mais nele que naquela pessoa que a olhava sem piscar.
? Pelo assombro que contemplo em seu belo rosto meu querido irmão não a informou sobre mim, estou certo? ? Arqueou a sobrancelha direita, sorriu e esticou sua mão para tomar a dela e dirigi-la para sua boca.
? Boa tarde. A verdade é que falamos de muitas coisas, talvez tenha me dito e o esqueci ? desculpou-o. Tentou recompor-se do choque que lhe tinha produzido a aparição de outro Bennett e sorriu.
? Nesse caso, minha querida cunhada, apresentar-me-ei como é devido. ? Fez uma ligeira genuflexão e prosseguiu: ? Sou Charles Bennett, o irmão gêmeo de seu marido ? esclareceu com uma voz tão melosa que Evelyn sentiu uma estranha comichão em seu estômago.
? Encantada de o conhecer, pode me chamar de Evelyn se lhe parecer correto ? disse enquanto aceitava o braço que lhe oferecia para dirigi-la para a pequena saleta que Roger tinha ao lado da sala de jantar.
A mulher franziu sutilmente o cenho. Não esperava que Sophie os tivesse conduzido a um lugar tão privado para seu marido. Conforme lhe contou quando lhe fez o breve percorrido pela casa, ali era onde se reunia com os comerciantes, advogados e administradores que trabalhavam para ele e onde guardava documentos que ninguém devia tocar.
? Evelyn... ? sussurrou com tom aveludado. ? Bonito nome. Que significado tem um antropônimo tão assombrosamente belo?
? Provém de uma palavra grega, hiyya, que significa fonte de vida ? respondeu surpreendida. Era a primeira vez que alguém se interessava pela origem de seu nome. ? Embora acredite que a verdadeira razão pela qual meus pais decidiram me pôr este nome se deve a uma...
? Novela? ? Interrompeu antes de apertar inapropriadamente sua mão com a dele.
? Sim, com efeito, a uma novela. A minha mãe gostava muito de ler e imagino que achou o nome em algum personagem feminino ? respondeu desenhando um leve sorriso enquanto retirava sua mão do braço masculino com sutileza.
? Mãe... ? saudou Charles após abrir a porta e permitir que Evelyn acessasse primeiro ? apresento-lhe Evelyn, a esposa do nosso querido Roger.
? Sua Excelência... ? Evelyn caminhou para ela, fez uma reverência e ficou parada até que a mulher, de não mais de cinquenta anos, aproximou-se dela abrindo seus braços.
Nenhum dos dois tinha herdado nem a cor de seus olhos nem o do cabelo. A mãe possuía olhos negros e cabelo castanho. Tampouco se assemelhavam em altura. Era uma mulher baixa e gordinha. Entretanto, todo seu ser desprendia poder, dominação e arrogância. Qualidades que sim possuía seu marido.
? É linda! ? Exclamou a marquesa enquanto a abraçava. ? Roger sempre teve bom gosto ao escolher as suas mulheres e vejo que continua tendo-o. Embora até agora nunca escolhesse uma com o cabelo vermelho. Imagino que esse terá sido o principal motivo pelo qual terminou casando-se contigo. É diferente.
Evelyn piscou várias vezes, apertou os dentes e continuou sorrindo embora sua mente lhe oferecesse mil maneiras de desculpar-se e sair fugindo dali até que Roger aparecesse e lhe explicasse a verdadeira razão pela qual estavam casados.
? Enquanto a esperávamos pedi à criada que nos preparasse uma chaleira quente ? comentou. Pegou a mão direita de Evelyn e a conduziu, com um caminhar firme, por volta das duas poltronas que havia junto à chaminé.
? Parece-me uma ideia muito acertada. Sinto se os fiz esperar mais do que o devido. Depois da longa viagem necessitei de bastante tempo para me repor ? respondeu Evelyn sem saber se suas palavras eram as adequadas.
? Imagino... ? disse a mulher enquanto se sentava em uma das poltronas.
? Pode acreditar que minha querida cunhada não sabia da minha existência? ? Comentou Charles com um sorriso divertido. ? Deduzo que meu irmão não lhe falou muito sobre sua família.
? Não? ? Perguntou a marquesa mostrando um incrível pesar no rosto.
? Tenha em conta que mal permanecemos juntos. Depois de nos casar Roger teve que empreender uma longa viagem de negócios. ? Voltou a desculpá-lo sem poder evitar ruborizar-se ao ter que responder questões tão íntimas.
? Meu querido filho não é muito falador, não é? Ele prefere atrair as mulheres com outro tipo de artes mais... pecaminosas.
? Eu apreciei ? começou a dizer Evelyn depois de tomar ar e conter a impetuosa ira que começava a nascer em seu interior ? que tanto Charles como Roger são bastante parecidos.
? Sim, minha gestação foi um presente de Deus. Acreditamos que vinha um só bebê e tivemos uma grata surpresa ao descobrir que meu seio albergava duas criaturas. Embora Charles seja somente uns minutos mais novo que Roger ? disse sem ocultar seu desdém.
? Parecemos-lhes iguais? ? O aludido se aproximou tanto que voltou a sentir-se incômoda ante tal proximidade. Contra sua vontade Evelyn pôde cheirar o perfume de seu cunhado. Apesar de serem tão parecidos, os dois possuíam essências muito diferentes. A do Roger produzia nela um efeito embriagador, entretanto, a do Charles a enojava.
? Um pouco... ? reclinou-se levemente sobre seu assento para distanciar-se antes de mostrar qualquer sinal de repugnância no rosto e verteu água quente sobre a xícara em cujo interior havia uns raminhos verdes.
? Permiti-me o luxo ? continuou falando a mulher ? de te trazer umas infusões do meu lar. Espero que sejam de seu agrado.
? Muito obrigada, com certeza que sim. ? Aproximou a xícara de sua boca, mas ao notar a água mais quente do que estava acostumada a tomar, deixou-a de novo sobre o prato.
? Quando eram pequenos ninguém sabia quem era um e quem era outro, mas por sorte uma mãe nunca se equivoca. ? A marquesa franziu o cenho ao ver que Evelyn colocava o copo sobre a mesa. ? E falando de crianças... pensa em ter descendência logo? Meu marido, ao ser vinte anos mais velho que eu, esforçou-se em me deixar grávida desde a primeira noite que me converti em sua esposa.
? Mas Roger e eu somos da mesma idade e acreditamos que antes de trazer um bebê ao mundo temos que nos conhecer um pouco mais. ? Tinha parecido loquaz? Isso esperava porque não desejava ter que ser ela quem dissesse à marquesa que jamais teria essa ansiada descendência.
? Pois não deveriam demorar muito. Se por acaso não sabe, o marquês está muito doente ? disse com aparente tristeza. ? E se não melhorar, logo ficarei viúva.
? Isso significa que Roger... ? tragou saliva e voltou a segurar a xícara. Tremiam-lhe as mãos? Sim, claro que o faziam. Escutou um leve tinido ao tentar levantar a xícara.
? Sim. Apesar de sua insistência em recusar o título que por nascimento lhe pertence, não pode evitá-lo. Quando seu pai morrer ele será o novo marquês de Riderland ? prosseguiu sua exposição com uma desmesurada aflição no ancião rosto. ? Como já te terá indicado, odeia tanto a responsabilidade que suporta ser marquês que jamais aceitou um só xelim da família.
? Como? ? Disse sem pensar.
? Não lhe contou isso ainda? Sinto muito, possivelmente estou me metendo em temas que não me incumbem, mas não é justo que pense que se casou com um homem diferente ao que é em realidade: seu marido, querida, vive do que aquele navio lhe proporciona. ? A marquesa esticou a mão e tocou com suavidade a de Evelyn.
? Então... tudo isto...
Levou a xícara aos lábios. Devia lhe dar um bom sorvo para poder digerir o que estava escutando, mas quando a xícara tocou sua boca, uma enorme se escutou portada na sala. Ao levantar o olhar observou Roger com os olhos injetados em sangue. Sem pensar um segundo este correu para ela, pegou a xícara e a atirou para o interior da chaminé.
? Parta daqui agora mesmo! ? Gritou com tanta força que o eco de sua voz retumbou por cada canto da casa. Ao mover a cabeça de um lado para o outro algumas mechas do rabo de cavalo se soltaram para formar redemoinhos sobre sua cabeça. Alguma vez tinha visto um homem tão zangado? Alguma vez tinha presenciado como um titã podia converter-se em uma besta tão ameaçadora?
? Filho... ? murmurou a marquesa levantando-se de seu assento e estendendo as mãos para ele. ? Meu filho...
? Disse para partirem ? resmungou. Seu peito se elevava e baixava com uma velocidade inverossímil. De repente Evelyn observou assustada, que os olhos de seu marido se obscureciam e que sua boca se torcia em um sorriso satânico. ? Ou o fazem por bem... ou por mau ? sentenciou.
Nesse preciso momento John apareceu na entrada. Em sua mão levava uma pistola e sorria de satisfação.
? Vamos, mãe! ? Ordenou Charles estendendo a mão para ela. ? Não se humilhe mais.
? Mas, filho... ? insistiu a marquesa com lágrimas nos olhos.
? Bebeu algo? Tomou algum mísero sorvo disso? ? Roger, inquieto, agarrou-lhe a mão, levantou-a da poltrona, caminhou com ela para a saída e quando estavam no meio do salão, retornou à mesinha para lançar o bule ao mesmo lugar que tinha jogado a xícara.
? Não... ? disse temerosa. ? Não tomei nada, por que o diz? O que acontece, Roger? A que vem tudo isto? Por que os jogou desse modo de nossa casa?
? Querida, prometo-te que explicarei isso tudo quando me encontrar mais calmo, mas agora não sou capaz de raciocinar. Só desejo... ? soltou outra vez a mão de sua mulher e andou para a porta principal.
? Vão como duas hienas depois da chegada do leão ? indicou John antes de soltar uma gargalhada.
? Sinto muito, senhor, não pude evitar que... ? começou a dizer Sophie sem deixar de chorar.
? Calma, eu entendo. Fez o correto. ? Roger a reconfortou.
Evelyn foi incapaz de mover-se do hall. Não podia assimilar o que tinha acontecido nem por que. Seu marido havia dito que explicaria quando estivesse mais calmo, mas... e ela? Quando se acalmaria ela? Aturdida, levantou o vestido com as duas mãos e começou a subir as escadas com rapidez. Precisava ficar sozinha. Precisava digerir o que tinha acontecido em menos de uma hora.
? Evelyn! ? Gritou Roger ao vê-la caminhar pelo piso de cima. ? Evelyn!
? Não suba, ? disse John pousando a mão direita sobre o ombro de seu amigo ? deixe-a até que encontre a paz que necessita para falar com ela.
? Não vou dar tempo para que sua mente pense o que não é, devo lhe esclarecer tudo o que aconteceu, mas antes de subir deve me fazer um favor.
? Diga-me.
? Eleonora comenta que está esperando meu filho e não é certo ? disse com veemência.
? Está totalmente seguro de que não é teu?
? Totalmente ? declarou cortante.
? Bem, o que quer que eu faça?
? Procura o homem com quem ela esteve se vendo às escondidas. Pode ser que a visitasse inclusive quando estava comigo. Essa mulher tinha um maligno propósito quando jazia em meus braços. Não acreditei nos que me advertiram que, em diversas ocasiões, viram-na comprando beberagens de fertilidade em Whitechapel, mas agora sei que tinham razão quando me avisaram que procurava ser a futura marquesa de Riderland ? comentou zangado consigo mesmo por não haver se dado conta com antecedência.
? Essa mulher sempre me produziu calafrios... ? disse John fazendo tremer de maneira exagerada seu corpo.
? Não demore em encontrá-lo. Acredito que Evelyn não será capaz de confrontar tantas coisas de uma vez só ? disse olhando por volta do segundo andar.
? Se te amar, o fará ? determinou John antes de partir para começar a busca pelo misterioso amante.
XXXI
Apesar de querer dar-se um pouco mais de tempo para falar com Evelyn, não pôde conter-se. Quando viu John montar no cavalo e dirigir-se para Londres, Roger subiu as escadas de dois em dois. Urgia lhe contar a razão pela qual tinha atuado daquela maneira e que ela entendesse o motivo de sua ira. Caminhou pelo corredor com mais lentidão do que pretendia. Seu coração pulsava com força e mal podia controlar os tremores de suas mãos. Ficou parado na porta com a cabeça abaixada e os ombros inclinados para frente. Era o momento de sua esposa descobrir seu passado embora isso implicasse um inevitável distanciamento entre ambos.
Quando acessou ao dormitório observou Wanda sentada ao lado de sua mulher. Abraçava-a e lhe murmurava palavras de consolo enquanto ela soluçava. Estrangulou-se-lhe a garganta e notou como suas forças se desvaneciam ante a triste imagem. Deu dois passos para a frente esperando que a donzela notasse sua presença. Assim que ela o descobriu, ao virar com suavidade a cabeça para a porta, levantou-se, fez uma pequena reverência e começou a dirigir-se para ele.
? Obrigado, Wanda ? agradeceu-lhe com uma voz incomum nele.
? Excelência...
Wanda fechou a porta após sair. Inspirou profundamente e cravou seus olhos no final do corredor. Surpreendeu-se ao ver que Sophie a esperava com os braços cruzados diante do peito. Sem parar para raciocinar por que estava ali, dirigiu-se para ela.
? Posso te contar toda a história enquanto tomamos um chá ? assinalou a mulher com tom suave.
? Preferiria um bom copo de uísque ? acrescentou Wanda.
? Então direi ao Yeng que nos suba uma garrafa da adega.
Não se atrevia a aproximar-se. Evelyn continuava sentada sobre a cama olhando para a janela.
? Se quiser que eu parta, entenderei ? disse enfim.
? Acredito que antes de se afastar deveria me explicar o que aconteceu lá embaixo ? respondeu tremente.
? Evelyn eu... eu não quero te perder ? comentou em tom estrangulado.
? Tenta me dizer a verdade e eu ponderarei o que devo fazer, mas não dê por certo algo que ainda não decidi ? apontou. Voltou-se para Roger e ficou muda. Seu cabelo continuava alvoroçado, seus olhos já não eram escuros e sim cristalinos, e seu corpo, aquele que adorava pela magnitude que expressava, permanecia curvado, abatido.
? Como comprovou, ? começou a dizer caminhando para ela ? a relação com minha família é um tanto peculiar.
? Todos temos certas diferenças entre os membros de uma família, mas jamais acreditei que alguém tentasse resolvê-los dessa forma ? assinalou Evelyn apática.
? Não foi sempre assim, conforme me contou a mulher encarregada da nossa criação. Ela não teve preferidos até que cumpri os quinze anos. E era certo, ela tratava aos dois por igual. Entretanto, meu caráter começou a manifestar-se nessa idade e fomos nos distanciando.
? Meus pais também se zangaram comigo quando descobriram que eu não era a filha que esperavam, mas nunca cheguei a desprezá-los tanto para chegar a tratá-los dessa maneira ? indicou Evelyn esperando que Roger não quisesse lhe contar uma história falsa.
? Evelyn... ? murmurou ao mesmo tempo em que se ajoelhava em frente a ela.
? Tenta de novo, Roger. Se de verdade deseja que eu fique ao seu lado, conte-me a verdade.
? E se não for capaz de suportá-la? E se não for capaz de me olhar de novo nos olhos?
? Tenta...
Bennett abaixou a cabeça, deixou os braços soltos e prosseguiu.
? A fama de adúltero do meu pai era cada vez maior. Lembro como discutiam quando pensavam que ninguém os escutava, como minha mãe lhe gritava que ela não merecia padecer aquele tipo de vergonha e que estava cansada de receber todas as suas amantes com crianças nos braços declarando que eram filhos deles. «Casei-me contigo por sua inteligência, ? disse-lhe meu pai uma das vezes que falaram sobre o tema ? e confio que saberá como fazer desaparecer sua insofrível vergonha». Jamais imaginei que ela tomasse aquelas palavras de maneira tão literal, mas acredito que, aquilo que a conduziu a tomar aquela decisão tão horrenda, foi o desejo de velar por nossa posição social. ? Evelyn estendeu suas mãos para os ombros de seu marido para reconfortá-lo com seu leve toque. ? Mas apareceu um menino... uma estranha criatura que não contava com mais de sete anos se apresentou na porta da residência familiar com sua mãe pela mão. Até aquele dia, até aquele preciso momento, a marquesa cuidou com incrível paixão tanto do meu irmão como de mim para que não fôssemos testemunhas daquele tipo de visitas. Entretanto, aquele dia escapei do meu dormitório e me ocultei no estábulo. Precisava sair da casa e fazer desaparecer por umas horas a pressão que sentia ao ser instruído para me converter no futuro marquês. Lembro que a própria marquesa os recebeu, e após falar com a mulher, o menino ficou na entrada enquanto via como se afastava sua mãe. Com um sorriso estranho em seu rosto, conduziu-o para o interior da casa. Durante as duas semanas seguintes estive procurando esse menino por toda a residência. Inclusive me atrevi a perguntar às criadas se o tinham visto. Ninguém tinha ouvido falar dele, mas minha curiosidade era tal, que não diminuí meu empenho por encontrá-lo. Um dia, enquanto brincava com Charles, aventurei-me a percorrer o porão. Ali, no meio de um muro de pedra, uma porta de pequena envergadura permanecia fechada com a chave dentro da fechadura. Desejoso de ganhar o jogo, abri a porta e quando descobri o que havia no interior me assustei tanto que fui incapaz de me mover.
? Estava lá, não é? ? Interrompeu Evelyn ajoelhando-se em frente ao seu marido.
? Sim. Tinha-o amarrado a umas cordas para que não tentasse escapar. Lembro o suave e lento ritmo de seu respirar e a extrema magreza. Estava tão esquálido que podia apreciar com claridade os ossos ocultos sob sua pele. Quis desatá-lo, liberara-lo daquela prisão, mas escutei um ruído às minhas costas e me escondi.
? Quem era...? ? Perguntou colocando suas mãos nas maçãs do rosto de Roger. Levantou-lhe o rosto e observou um rio de lágrimas percorrendo suas bochechas.
? Minha mãe. Era minha mãe ? tremeu-lhe a voz ao afirmá-lo.
? OH, meu Deus, Roger! ? Exclamou abraçando-o com força.
? Matou-o diante dos meus olhos, Evelyn. Foi muito cruel escutar os soluços daquele menino rogando, em seu último fôlego, piedade para sua assassina. ? Bennett continuou chorando enquanto as cálidas mãos de sua mulher o acariciavam e tentavam lhe dar o consolo que, até aquele momento, nunca tinha encontrado. ? Quando esteve segura de que o menino não respirava, fechou a porta e partiu como se nada tivesse ocorrido. Durante os três dias seguintes, desci para averiguar que plano tinha minha mãe para desfazer-se do cadáver. E o que descobri foi tão aberrante que perdi o juízo. A cozinheira, uma mulher de incalculável confiança de minha mãe, picotava o corpo do menino com um machado. Vi-a ali, estendida no chão, levantando a arma e atirando-a com força para quebrar os ossos agarrados à carne. Logo todas as partes picotadas foram colocadas em um caldeirão e jogados em um fogo na cozinha. Utilizava-os como míseras lenhas.
? Mas o aroma... O fedor a...
? Quem ia imaginar que o que avivava o fogo eram restos de um ser humano? ? Comentou afastando as lágrimas com suas mãos e levantando-se com rapidez. Evelyn ficou olhando-o, quebrada de dor ao escutar o que lhe contava. ? Quando na cozinha não houve ninguém que fora testemunha da loucura que ia cometer, peguei um ramo do chão e tirei um osso desse menino.
? Seu crânio... ? murmurou Evelyn levando as mãos para a boca.
? Sim ? disse Roger voltando seu olhar para ela e entreabrindo os olhos.
? Vi-o na carruagem... ? revelou com temor.
? Prometo-te que não tratava de alcançar um prêmio, nem algo que queria ter como lembrança das demências da minha mãe. Precisava me aferrar a algo para me liberar da maldade que me rodeava, Evelyn. De confirmar que eu não era como ela, embora seu sangue regue meu corpo.
? O que aconteceu depois? ? Levantou-se e se colocou atrás das costas de seu marido.
? Parti. Com somente quinze anos abandonei meu lar e decidi procurar um futuro distinto do que me tinham marcado. Vivi alguns meses nas ruas, ocultando minha identidade. E de repente, um dia, um cavalheiro que cobria seu corpo com uma grande capa negra, e que se aproximou de mim para me dar umas moedas, teve piedade daquele menino magro e imundo que lhe rogava uma esmola para poder comer. Ofereceu-me partir com ele à França e me converter em um homem respeitável. Não me pergunte a razão dessa oferenda, jamais a investiguei, mas o que sim posso afirmar é que graças à sua misericórdia me salvei de morrer faminto em qualquer rua de Londres. Quatro anos depois do meu desaparecimento, quando todo mundo me acreditou morto, apareci em Tower, a residência dos meus pais. Meu pai chorou ao ver-me e me abraçou como nunca antes tinha feito. Entretanto, minha mãe e meu irmão não se aproximaram de mim. Acredito que não foram capazes de assimilar meu regresso. ? Suspirou profundamente. Olhou para o exterior da janela e prosseguiu. ? Não pretendia ficar vivendo com eles, nem voltar a ocupar o posto que por nascimento me pertencia, mas precisava esperar o momento idôneo para confessar à minha mãe que sabia o que tinha feito com os filhos ilegítimos de meu pai. Como era de se esperar, ela se enfureceu, gritou-me que tinha enlouquecido durante minha ausência e que só eram histórias que minha mente juvenil imaginou.
? Roger... ? Esticou as mãos, agarrou-o pela cintura e pousou sua cabeça sobre as costas masculina.
? Pouco tempo depois do meu imaginário testemunho comecei a adoecer. Tinha náuseas, enjoos e muitas febres, muitas. Meu pai, apavorado ao pensar que tinha contraído alguma enfermidade contagiosa, fez chamar o médico para que me tratasse, mas nem este pôde dizer com claridade o que me acontecia. De repente, uma pessoa teve piedade de mim. Um criado que levava pouco tempo servindo meus pais e que observava com firmeza o que acontecia no imóvel. Ele descobriu que minha mãe tinha plantado beladona em um lugar afastado do jardim e que me preparava isso como infusão. Ao raciocinar que tentava me matar por envenenamento, não o pensou. No meio de uma noite jogou meu corpo quase inerte sobre seus ombros, desceu até a entrada e, com grande esforço meteu-me em uma carruagem.
? Anderson... ? murmurou Evelyn apertando com mais força o corpo de seu marido.
? Mas o ódio da minha mãe não ia cessar nunca. Esperou com paciência o momento para conseguir seu fim e quase o obteve de novo. Encarregou um homem de me seguir e me espreitar. Em uma das minhas saídas noturnas nas quais não podia nem ficar em pé pela embriaguez, fui assaltado e amarrado. Resisti com afã ao ataque, mas não consegui escapar. Quando abri os olhos depois do desmaio, uma voz começou a falar atrás de mim. Antes de poder lhe responder, de repreender seu ato, notei uma ardência em minha pele.
? Suas marcas... ? Evelyn liberou a cintura de Roger e pousou com suavidade suas palmas sobre o tecido que cobria os sinais das chicotadas.
? Mas o destino voltou a me salvar. Na mesma noite em que fui assaltado, estive jogando cartas com o William e Nother, o antigo proprietário do meu navio. Rutland apareceu na residência em que me hospedava e ao não me achar buscou-me desesperado por toda Londres. Acredito que se sentia culpado por haver me abandonado à minha sorte enquanto ele esquentava o leito de uma amante. Então tropeçou com o Yeng, o crupiê que nos atendeu no clube. Quando lhe perguntou se me tinha visto, informou-o que depois de sair do clube duas pessoas carregavam meu corpo. Também lhe disse que me introduziram em uma carruagem e que se dirigiram para os subúrbios. William o agarrou pelo pescoço e fez com que lhe mostrasse o lugar aonde me conduziram. Só lembro que, quando dava tudo por perdido, quando vi a morte aproximando-se de mim, escutei um disparo e depois a pressão das minhas mãos acabou.
? OH, querido... ? soluçou abraçando-o de novo.
? Desde esse momento prometi que lutaria até o final dos meus dias e que nenhum ser inocente que tivesse meu próprio sangue morreria nas mãos da minha mãe. Yeng decidiu permanecer ao meu lado e foi meus olhos enquanto eu realizava longas viagens no navio. Encarregou-se de recolher todas as crianças que se dirigiam para Tower para reclamar a paternidade do marquês e os albergava em um asilo que eu pagava. Pouco depois adquiri vários terrenos. Em um construí Lonely e no outro... ? virou-se para sua mulher. Desejava contemplar como fazia frente ao que estava a ponto de revelar. Sentiu-se um ser maligno ao ver suas lágrimas vagar pelo rosto.
? E no outro? ? Insistiu Evelyn.
? Construí uma pequena residência a qual chamei Children Saved.
? Crianças salvas... ? murmurou a mulher com apenas um fio de voz.
? Sim. Ao princípio acredito que só o fiz para salvar minha própria consciência que não cessava de me recriminar dia após dia que podia ter impedido as mortes daquelas crianças.
? Mas não podia fazer nada... ? Evelyn levantou as mãos para Roger e pousou suas palmas no rosto. ? Era muito pequeno... ? insistiu soluçando.
? Mas um dia apareceu em minha porta um anjo. Um diminuto ser que quase me fez ajoelhar e suplicar que me perdoasse sem lhe haver feito nada ainda. Minha pequena Natalie... ? suspirou. ? Ela me fez compreender que esperavam de mim algo mais que um lugar onde os acolher ou os alimentar. Necessitavam de afeto igual a mim. Com o tempo minhas viagens se fizeram mais duradouras e abundantes face à fama que criei em Londres, para humilhar ainda mais meu sobrenome todos os comerciantes requeriam meus serviços. Quase todos os meus lucros se destinaram à melhoria da residência e a contratar pessoal qualificado para lhes oferecer a educação que mereciam.
? Quantas crianças há no Children Saved?
? Vinte.
? Vinte?! ? Repetiu surpreendida.
? Muitos, eu sei. Graças a Deus meu pai adoeceu e teve que abandonar o insaciável desejo de engendrar um sem-fim de possíveis herdeiros. ? Sorriu de lado ante seu próprio sarcasmo.
? Quero conhecer todos ? murmurou enquanto aproximava a boca de seu marido à dela.
? Está segura? ? Mal pôde fazer a pergunta pela emoção.
? Sim, muito segura.
Roger beijou Evelyn com paixão. Depois ficou olhando-a sem piscar, pegou-a pela cintura e a elevou sobre sua cintura.
? Amo-te, senhora Bennett. Amo-te mais do que jamais pude imaginar que o faria. ? Caminhou para o leito e a posou muito devagar.
? Roger... ? murmurou enquanto seu marido começava a colocar as mãos sob o vestido e acariciava com lentidão as pernas.
? Que...
? Eu também te amo.
Escutar aquelas palavras de sua esposa lhe produziu tal emoção que esteve a ponto de derrubar-se sobre ela e ficar a chorar. Todo seu passado, toda a escuridão que tinha vivido nele desde que descobriu aquelas mortes desapareceu. O sol brilhava em seu interior, e em cada carícia, em cada beijo que Evelyn lhe oferecia, os raios o iluminavam ainda mais. Beijou-a devagar, perfilando com sua língua o desenho da boca que adorava, que amava. Sentiu-se contente ao perceber que as mãos dela se colocavam em seu peito para o despojar da camisa. Afastou-se, levantou os braços e deixou que continuasse apalpando seu torso sem objetos que o impedissem de sentir o suave tato dos dedos. Suas mãos retornaram as coxas femininas. Evelyn arqueou a cintura, convidando-o a possui-la com prontidão, com o mesmo ardor e desejo que ele sentia por ela.
? Repete que me ama ? murmurou antes de morder o lábio inferior dela e puxar com suavidade para ele.
? Amo-te, Roger... Amo-te... ? fechou os olhos ao perceber como o sexo de seu marido se aproximava do dela.
Não houve ternura entre eles. Não foi um ato lento, nem suave. Foi a primeira vez em que Roger precisou unir-se a ela para aliviar sua dor. Mas não só acalmou seu suplício, como em cada gemido, em cada soluço, em cada invasão para o interior feminino, Evelyn também se liberava de toda a pressão que tinha acumulado em sua vida. Não foi só um ato de amor, mas sim de verdadeira plenitude.
? Evelyn... ? sussurrou junto à boca dela quando o clímax estava a ponto de chegar.
? Roger... ? Cravou as unhas nas costas de seu marido e tentou fazer desaparecer aquelas marcas com suas próprias mãos.
Um clamor brotou do quarto com tanta intensidade que Sophie e Wanda se levantaram de suas cadeiras assustadas.
? O som do amor... ? disse Sophie antes de emitir uma pequena risadinha. ? Só espero que essa paixão logo dê frutos.
? Não acredito que os dê... ? murmurou Wanda após sentar-se e olhar o oitavo copo de licor que tinha em suas mãos.
? Por que diz isso? ? Perguntou a mulher tomando assento.
? Minha senhora jamais poderá ficar grávida ? comentou com pesar.
? Explique-se! ? Insistiu Sophie enquanto que, com um salto, aproximou a cadeira da mesa.
? Quando era jovem perdeu um bebê e, depois do aborto, sofreu uma grave infecção. O médico que a atendeu informou aos pais que seu útero tinha ficado estéril e que lhe seria impossível ficar grávida de novo ? explicou antes de beber o licor de um gole.
? Mas esse doutor não conhecia a persistência do nosso senhor... ? apontou antes de soltar uma gargalhada.
XXXII
? Está acordada? ? A encantadora voz de Roger lhe sussurrou no ouvido a pergunta enquanto seu fôlego esquentava a pele que roçava em sua passagem.
? Agora sim ? respondeu voltando-se para ele.
Bennett apoiou o cotovelo no almofadão e a olhou com tanta ternura que Evelyn sentiu como o coração batia mais forte.
? Obrigado por não me abandonar, por não se afastar de mim depois de me escutar ? disse-lhe antes de aproximar sua mão direita e lhe acariciar uma bochecha.
? Não tem por que me agradecer. Além disso, não acredito que deva perdoar um passado do qual não teve nada a ver. As maldades foram realizadas por sua mãe, não por você ? assinalou aproximando-se dele e lhe dando um suave beijo.
? Sempre me culpei por não ter descoberto antes. Possivelmente desse modo, tivesse salvado mais vidas ? comentou franzindo o cenho.
? Mas salvou muitas, vinte para ser exata. ? Estendeu seus braços e Roger se enredou neles. Desta vez foi ele quem pousou sua cabeça sobre o peito de sua mulher e quem deixou que os delicados dedos de sua esposa acariciassem com suavidade o comprido cabelo dourado.
? Sim, vinte embora... quantas perderam a vida nas mãos da minha mãe? Evelyn, estou seguro de que houve bebês, crianças que não conseguiram chegar a cumprir os cinco anos...
? Não se martirize por isso, Roger. Sua consciência dever alcançar a paz. É ela quem está manchada de sangue inocente. ? Pousou seus lábios sobre o cabelo loiro e o beijou. ? Conta-me como é Children Saved ? disse-lhe depois de uns momentos de silêncio no qual só se escutavam suas respirações pausadas.
? Não é muito grande, mas o suficiente para albergá-los comodamente. Tem dois andares. Abaixo está a cozinha, um enorme refeitório e uma biblioteca, embora com as últimas reformas, essa sala a convertemos em um lugar onde a senhora Simon ensina as matérias. Acima não há distinções entre uma ala ou outra. Conforme sobe encontra um comprido corredor com mais de quinze dormitórios. Ali descansam todos os que habitam na residência.
? A que se refere quando diz todos?
? Em Children Saved não só vivem meus meios-irmãos, mas sim suas mães também residem ali.
? Deus santo, Roger! Quantas bocas alimenta? ? Perguntou surpreendida.
? Quarenta e sete. ? Levantou a cabeça e contemplou o assombro que mostrava o rosto de Evelyn. ? Tem que entender que alguns deles mal tinham completado um ano de idade quando apareceram na porta e não achei justo que as mães se separassem de seus filhos pequenos.
? Como pode resolver esses gastos? Terá que continuar realizando muitas viagens... ? perguntou interessada.
? Com três ao ano é suficiente. Tanto o administrador como eu estudámos a maneira de cortar gastos e nos ocorreu que a única forma de não nos excedermos nos orçamentos anuais era fazendo participes as mães das tarefas que se requerem na manutenção dessa residência. Várias são cozinheiras, outras lavadeiras e inclusive, conforme fui informado ontem, outras decidiram empregar-se como jardineiras ? comentou feliz ao ver que Evelyn não reprovava seu trabalho, mas sim, pelo contrário, elogiava-o.
? Têm jardim? ? Continuou interessando-se. Enquanto Roger falava ela imaginava como seria aquele pequeno paraíso no qual viviam felizes tantas criaturas.
? Dois hectares de pradaria rodeiam a casa. Embora te pareça imenso, não o é quando todos saem para brincar. ? Sorriu. ? Há um pequeno parque onde plantaram flores de todas as classes. Uma fonte com a escultura de uma criança se situa no centro e abastece de água esse pequeno éden. Faz um par de anos, Yeng se encarregou de construir uma estufa onde a senhora Simon dá aulas de botânica ou ciência.
? Deve ser lindo... ? murmurou com suavidade.
? É. Sabe? Acredito que é a primeira vez que estou ansioso para que amanheça. Assim que tomarmos o café da manhã te levarei lá e contemplará com seus próprios olhos o que eu construí durante estes anos ? disse colocando sua cabeça de novo sobre o torso feminino. ? Quando a virem aparecer, quando todos descobrirem que é minha esposa, ficarão loucos de emoção e não a vão deixar descansar nem um só instante.
? Fale-me deles.
? Todos são muito semelhantes embora se diferenciem na cor de seu cabelo ou no de seus olhos. Há dois que são tão parecidos comigo que quando os vejo me reflito neles.
? Como se chamam? ? Continuou com as carícias sobre o cabelo de seu marido.
? O menino é Logan. Tem quatorze anos. Loiro, alto, possivelmente muito alto para sua idade. Mas a cor de seus olhos não é azul, mas sim marrom. Não há dúvida que os herdou de sua mãe. Embora o que o faz tão parecido a mim é sua atitude. É rebelde, não acata as normas como fazem os outros. Sempre tenta rebater certos temas e não cessa de investigar por sua conta. Sei que o dia de amanhã, quando eu não puder mais me encarregar do meu navio, ele ficará encantado de ficar em meu posto.
? Isso te assusta?
? Não, ao contrário, adula-me. É grato saber que alguém continuará o que eu comecei ? expôs com orgulho.
? Quem mais?
? A outra pessoinha que me deixa em estado de choque cada vez que a vejo é a pequena Natalie... ? disse o nome com um imenso prazer.
? Fale-me dela, Roger. Interessa-me muito saber sobre esse anjo que te impulsionou a lhes dar aquilo que foi incapaz de oferecer.
? Chamo-lhe de princesinha porque em realidade o é. Tem o cabelo tão loiro que quando os raios do sol o tocam se converte em branco. Sua mãe se esforça em lhe fazer longos caracóis, mas assim que pode ela recolhe o cabelo como o faço eu, em um rabo de cavalo. ? Voltou a desenhar um enorme sorriso em sua cara ao recordar as contínuas discussões entre as duas por manter o penteado intacto. ? Seu nariz é idêntico ao meu e a cor de seus olhos também. Se Ywen não me houvesse dito que o pai da criatura era o mesmo que o meu, teria pensado que era minha. Adora investigar. Todo o tempo está perguntado os motivos disto, do outro ou inclusive por que sai o sol ao ser de dia e a lua quando anoitece. Às vezes desespera a instrutora. Diz que seu afã por saber é inaudito em uma menina tão pequena.
? Espero que me aceite... ? murmurou Evelyn desenhando um imenso sorriso.
? Por que não o faria? ? Roger elevou a cabeça e a olhou desconcertado.
? Nem imagina quão possessivas são as mulheres quando amam um homem ? respondeu sem diminuir a risada.
? Estou seguro de que assim que te veja, perguntará a razão pela qual tem o cabelo vermelho, como me conheceu e por que se casou comigo ? disse antes de soltar uma gargalhada.
? Bom, evitarei lhe dizer que me ganhou em uma partida de cartas. ? Fez uma pequena careta.
? A melhor partida de cartas da minha vida! ? Exclamou antes de colocar-se sobre ela e voltar a beijá-la.
Evelyn tinha fechado os olhos para sentir as mãos de seu marido percorrer seu corpo quando um golpe na porta fez com que ambos se retirassem como se lhes queimasse a pele ao tocar-se.
? Quem é? ? Grunhiu Roger saltando nu da cama.
? John ? respondeu o índio entreabrindo a porta.
? Entra ? indicou após confirmar que Evelyn se ocultava sob o lençol. ? O que acontece?
? Há um incêndio em Children Saved ? soltou agitado.
? Como? Um incêndio? Como aconteceu? ? Correu para a poltrona, começou a vestir-se e antes de colocar a camisa saiu ao exterior fechando a porta atrás de sua saída.
? Não sei. Acaba de chegar Logan e não para de gritar que tudo está ardendo.
? Maldita seja! ? Gritou enquanto descia as escadas sem perceber que estava descalço. ? Onde está o menino? Onde está Yeng?
? Ambos estão no estábulo preparando os cavalos.
? Maldita seja! ? Clamou Roger. ? Maldita seja!
Se seu marido pensava que ia permanecer na casa esperando para saber o que tinha acontecido, equivocava-se. Assim que fechou a porta Evelyn saltou da cama, colocou uma camisola e a bata que estava jogada sobre o chão e correu para o corredor. Se for certo, se a residência onde viviam os meninos estava ardendo, toda a ajuda que chegasse seria pouca.
? Wanda! Wanda! Onde está? ? Gritou quando saiu do quarto.
? Deus santo, senhora! Estou aqui!
? E Sophie? Onde está Sophie? ? Continuou vociferando enquanto descia ao piso inferior.
? Acredito que estava na entrada preparando-se para sair para uma casa que está sendo pasto das chamas.
? Que nem lhe ocorra partir sem nós! Nessa casa vivem mais de quarenta pessoas às quais terá que salvar.
O caminho, embora fosse curto, pareceu eterno. Durante o tempo que durou, Roger não cessava de perguntar-se como se teria produzido o incêndio. Considerou muitas razões, que se iniciou na cozinha, talvez se devesse a um defeito na instalação de gás... entretanto, nenhuma o convencia. Sempre tinham sido muito cuidadosos. As mães nunca partiam para descansar sem certificar-se que todas as luzes estivessem apagadas, as portas fechadas ou inclusive encaixavam com precisão as janelas. Havia muito controle em Children Saved, muitíssimo para que aquilo acontecesse.
Quando chegou ao caminho de terra que o conduzia até a residência, sentiu pânico. O fogo iluminava a colina. Enormes nuvens de fumaça negra cobriam o céu que tantas vezes contemplou junto aos seus irmãos. Estava seguro de que, se o inferno existia, seria muito parecido à imagem que observava. Roger desceu do cavalo e correu para as pessoas que se agruparam ao redor da fonte. Tinham sabido escolher o lugar onde resguardar-se, ali as chamas não as alcançariam, os vidros que explodiam pelo calor nem as faíscas que saíam disparadas do interior da casa.
Apesar de tentar mostrar um comportamento firme, loquaz e seguro, para que eles se tranquilizassem, não albergava em seu corpo nada disso. A imagem dos meninos aterrorizados chorando sob os braços das mães, iluminados pela luz das chamas, consternou-o.
? Estão bem? Estão todos bem? ? Insistiu gritando enquanto se aproximava.
Nesse momento, depois de compreender que seria inútil esforçar-se em apagar o incêndio, centrou-se em confirmar que, pelo menos, ninguém tinha resultado ferido na evacuação. Mas nenhum lhe respondeu. Estavam tão consternados pelo acontecido que lhes era impossível deixar de chorar para falar. De repente, seu pânico aumentou. Não estavam. Ywen e Natalie não se achavam no grupo e ninguém se deu conta de suas ausências.
? Onde estão Natalie e sua mãe? ? Perguntou atemorizado. Olhou ao John, este encolheu os ombros, logo ao Logan, o rosto pálido do moço e a agonia que mostravam seus olhos lhe confirmava que ele tampouco sabia nada delas. ? Alguém sabe onde podem estar? ? Rezou para escutar uma resposta. Entretanto, ao não obter o que esperava, correu para o interior da casa sem parar para pensar que punha sua vida em perigo.
Cobrindo sua cabeça com o braço esquerdo acessou ao interior da casa. O calor era asfixiante e a fumaça tão densa que mal podia distinguir o que havia em frente a ele. Com decisão se dirigiu à cozinha. Gritava uma e outra vez o nome das duas, mas não respondiam. Franziu o cenho ao observar que salvo a fumaça, as chamas ainda não tinham alcançado a planta baixa. «O fogo começou nos dormitórios», concluiu com uma mescla de surpresa e inquietação. Não era lógico que ardessem primeiro os quartos salvo que fora... «Provocado!», exclamou para si. Sem diminuir seu empenho por encontrá-las, continuou chamando-as e as procurando no piso inferior. Quando percorreu até o último canto, decidiu subir. Talvez o medo as tivesse deixado tão aterradas que eram incapazes de sair do quarto. Pegou o corrimão, pôs um pé no primeiro degrau e ficou petrificado ao ver quem permanecia justo ao final da escada.
? Estávamos o esperando... ? comentou uma voz familiar. ? Entristece-me ver que demorou muito. Possivelmente, se tivesse chegado antes, teria evitado a morte dessa. ? Assinalou com seu olhar um corpo que jazia estendido sobre o chão.
? Charles... o que fez? ? Tinha vontade de correr para eles, soltar a menina das mãos sujas de seu irmão e lhe dar uma surra, mas estava paralisado. Ver a pequena Natalie com sua camisola manchada de sangue, chorando presa do pânico e lhe rogando com o olhar que a ajudasse, fez-lhe concentrar-se em pensar uma forma mais sensata de liberá-la.
? E você? ? Repreendeu-o Charles. ? O que você fez, Roger?
? Solte-a... ela não tem nada a ver com isto... ? tentou dissuadi-lo.
? Mentira! Ela tem muito a ver ? disse com um enorme sorriso. ? Até que a vi correndo para mim porque inocentemente acreditava que era você, pensei que só albergava neste miserável lar os filhos que nosso pai criou. Mas quando apreciei quão parecidos são, descobri que não só permaneciam os filhos desse monstro, mas sim continuava com o maldito legado que começou.
? É muito pequena... ? comentou tentando procurar em Charles um pouco de piedade.
? Não é capaz de nomeá-la como merece, não é? Não é capaz de confessar que é sua filha? ? Falou em tom irado.
? Não é minha filha, Charles, é nossa irmã ? declarou com suavidade.
? Você mente! Mente como o tem feito nosso pai todo este tempo! Embora seja normal, a mãe sempre o soube, é tão sujo como ele. Por isso teve piedade dos filhos de satanás? Por isso construiu este lar cheio de depravação? Sim, claro que sim. Porque apesar de suas promessas, é igual a ele. ? Suas palavras soavam cada vez mais duras, sinistras e ofensivas. ? Mas o fim chegou. Toda a maldade que padeceu nosso sobrenome se verá sanada por minha grande proeza. ? Charles elevou a mão direita e tirou a arma que ocultava nela. Apontou ao seu irmão e justo quando ia disparar, sorriu.
? Charles! ? Exclamou uma voz feminina atrás das costas de Roger.
Ao virar-se e ver que se tratava de Evelyn, quis lhe gritar que se fosse, que se afastasse dali o antes possível, mas em meio àquela confusão só pôde dar uns passos para ela e ocultá-la atrás de seu corpo.
Quando chegou ao alto da colina e não achou Roger entre o grupo de pessoas que havia no jardim, seu coração se oprimiu. Onde estava? Ao dizer quem era, todas as mães a abraçaram como se fosse uma salvadora, como se ela pudesse protegê-las de todas as penúrias que estavam padecendo. Embora Evelyn não pudesse as consolar como requeriam. Ela só pensava em seu marido. «Foi procurar Natalie e sua mãe», confessou-lhe alguém enfim. Sem pensar duas vezes correu para o interior da casa evitando as mãos de Wanda e de Sophie. Entretanto, quando seus olhos puderam adaptar-se à fumaça e contemplou a cena que havia em frente a ela, não duvidou e avançou para Roger.
? Minha querida cunhada... alegro-me de que tenha vindo. Quero que veja com seus próprios olhos o que seu marido tem feito durante todo este tempo ? expôs com uma voz cálida.
? Tem razão ? respondeu afastando-se de Roger e, face aos intentos deste por a fazer parar, ela subiu dois degraus. ? Comportou-se como o demônio que é. Agora entendo por que me visitaram, queriam me proteger.
? Ela sim entende... ? murmurou Charles olhando seu irmão com os olhos entreabertos. ? Ela é a única que nos compreende...
? É óbvio que o faço, Charles. E te asseguro que quando sairmos daqui tudo isto terá terminado. Sua tortura, as crianças, essas mães, tudo desaparecerá!
? Ajudar-me-á? Ajudar-me-á a finalizar o que minha mãe começou? ? Desceu lentamente a arma e diminuiu a intensidade com que apertava a pequena Natalie em seu corpo.
? Duvida da minha palavra? ? Perguntou com aparente irritação. ? Acaso não entendeu quando me olhava, quando falávamos, que me resultou mais agradável que o desprezível de seu irmão?
? Sim que o apreciei. ? Sorriu satisfeito. ? Mas não conseguirei te dar a posição que merece se ele estiver vivo. ? Charles levantou a arma, apontou para seu irmão e disparou.
? Não! ? Exclamou Roger com desespero.
Evelyn notou uma terrível dor em seu ventre. Quis levar as mãos para o lugar onde sentia aquela horrorosa queimação, mas não o conseguiu. As forças a abandonavam pouco a pouco e seu corpo começou a cair. Custava-lhe respirar. A visão se nublava. A bala que ia impactar sobre o coração de seu marido alcançou a ela. Deveria gritar ou chorar de tristeza ao ver que seu fim estava próximo, mas não podia, sentia-se feliz por ter impedido que o homem que cuidava de todas as pessoas que viu no jardim continuaria fazendo-o embora ela não estivesse. Ao longe, muito longe para escutar com precisão, escutou a voz de seu marido que insistia em que não o abandonasse e de repente... outro disparo.
? Saiam agora mesmo daqui! ? Gritou John que, depois de aparecer, observou como Evelyn se desabava e como o irmão de Roger aproximava a arma de sua boca e disparava. ? Encarregar-me-ei de Natalie. ? Subiu as escadas, pegou a menina pela mão e correu para o exterior o mais rápido que pôde.
? Evelyn! Evelyn! ? Clamava Bennett enquanto saía daquele inferno com ela em braços. ? Aguenta, meu amor! Ficará bem! Amo-te! Escuta-me? Amo-te!
XXXIII
Escritório do senhor Lawford. Três semanas depois.
? Imagino que com as assinaturas do marquês nada nem ninguém poderá invalidar os documentos, não é? ? Insistiu Roger enquanto observava através da janela como as pessoas corriam de um lado para outro tentando resguardar-se da chuva.
Uma semana depois do disparo a Evelyn, Roger apareceu em Tower e, face aos intentos que realizou sua mãe para impedir que conseguisse seu propósito, conseguiu chegar até o quarto de seu pai. O ancião marquês se apoiava sobre os almofadões e soluçava a perda de um de seus filhos. Bennett se colocou ao pé da cama com as mãos sobre as costas e lhe contou a verdadeira história. Seu pai negava devagar tudo aquilo que lhe narrava, segurava os lençóis com força e rejeitava categoricamente o que escutava.
? É mentira! ? Gritou uma das vezes. ? Sua mãe seria incapaz de fazer algo assim!
Mas Roger não diminuiu sua intenção de abrir os olhos do marquês. Descreveu-lhe como esteve presente na morte daquele menino, a razão de sua fuga com quinze anos e o motivo pelo qual retornou anos depois. Também lhe indicou que tanto Charles como sua mãe tinham descoberto o lar que tinha construído para seus irmãos e que, depois de não conseguir o primeiro plano que era envenenar sua esposa, Charles decidiu tomar a justiça em sua mão.
? Por isso quero que os reconheça ? disse após sua longa exposição. ? Embora Evelyn conseguisse curar-se por completo, jamais poderá ter meu filho. A ferida em seu ventre tornou impossível que possa ficar grávida.
? Não vou reconhecer a nenhum desses malditos bastardos! ? Clamou o pai com a pouca força que ficava. ? São filhos de satanás, não meus!
? Faremos um trato ? resmungou apertando os dentes. Caminhou para a cabeceira da cama e aproximou seu rosto ao do pai. ? Reconheça ao menos a dois deles, um menino e uma menina, para que algum dos dois possa continuar com este maldito título.
? E se não o fizer? ? O ancião arqueou a sobrancelha direita e olhou seu primogênito de maneira desafiante.
? Se não o fizer ? continuou relaxando a mandíbula e mostrando um rosto de satisfação ? terá o prazer de ver como sua querida esposa é encarcerada e sentenciada à morte por todos os assassinatos que cometeu.
? Ela... ela... o fez porque me ama... ? balbuciou.
? Chama isso de amor? ? Virou-se sobre seus calcanhares para não o olhar, mas aquela reflexão tão absurda sobre no que consistia o amor em um matrimônio o fez voltar-se para seu pai. ? Isso é maldade, pai!
? Está bem, ? disse o marquês depois de um tempo emudecido ? reconhecerei a dois, mas em troca deve me dar sua palavra de que sua mãe jamais será julgada pelos atos de amor que cometeu e que, depois da minha morte continuará vivendo aqui sem carências econômicas.
? É óbvio ? afirmou satisfeito. ? Esta mesma tarde terá a visita do senhor Lawford, é um dos adminis...
? Já sei quem é esse malnascido! ? Exclamou o marquês mais zangado, se pudesse.
? Pois como vejo que já o conhece, aconselho-o que não pretenda realizar nenhum estratagema, advirto-lhe que o senhor Lawford é muito bom em seu ofício. E agora, se me desculpar, tenho muito trabalho a fazer. ? Dirigiu-se para a porta, bateu as botas, inclinou levemente a cabeça para diante e partiu.
Quando fechou, inclusive antes de poder encaixar os parafusos, sua mãe apareceu no corredor. Permanecia imóvel, olhando-o de maneira altiva. Roger passou por seu lado como se não estivesse, mas antes de descer as escadas e sair da casa que odiava, virou-se para ela para lhe dizer:
? Como se sente ao ver que depois de ter as mãos manchadas de sangue inocente não conseguiu seu propósito? ? Não lhe respondeu, nem se dignou a dar a volta e lhe responder. Ao compreender que não tinha a intenção de defender-se, porque não se arrependia de suas maldades, continuou seu caminho para a saída.
? Não acredito que seja o homem mais indicado para pôr em dúvida meu trabalho. ? Lawford levantou os óculos com o dedo e olhou ao futuro marquês fixamente. ? Recorde que foi impossível desfazer o compromisso.
? Tem razão, desculpe se o ofendi ? respondeu com um meio sorriso. Com as mãos nas costas, caminhou para a mesa em que o administrador mostrava um sem-fim de pastas.
? Falando de matrimônio... ? disse de maneira reflexiva Arthur. ? Como se encontra hoje a futura marquesa? ? Agrupou os papéis que seu cliente tinha vindo procurar e os golpeou brandamente sobre a mesa.
? As febres cessaram, mas o doutor diz que tenhamos paciência. A ferida embora grave, não roçou nenhum órgão vital salvo seu útero ? comentou com tristeza.
? Bom, não acredito que lhe faça falta não ter descendência. O senhor Logan continuará com o título de marquês e têm a tutela da pequena Natalie. Acredito que ambos atuarão como os filhos que já não terão.
? Não tinha nenhum desejo em ser pai, nem agora nem antes. O único que quero é que Evelyn desperte e volte a ser a mulher que era ? expôs Roger após respirar fundo.
? Não perca a esperança, senhor. Sua esposa é a mulher mais forte que vi em anos. Ainda lembro como entrou neste escritório e também... como saiu. ? Sorriu.
? Jamais a perderei... ? Roger também sorriu. Estendeu a mão e pegou os documentos que necessitava para que seus dois irmãos pudessem fazer oficial seu sobrenome. Teria gostado de ver a expressão de Evelyn ao informa-la de sua proeza, do bate-papo que tinha mantido com seu pai e os rostos de surpresa que mostraram Logan e Natalie ao lhes indicar que, legalmente, já eram Bennett. Embora tivesse que esperar um pouco mais para isso. ? Anderson lhe fará chegar seis garrafas mais ao longo desta semana ? informou antes de sair do escritório. ? É, além do pagamento ao seu trabalho, uma maneira de lhe agradecer o que tem feito por nós.
? OH, obrigado, sua Excelência! Muito obrigado! Não tinha que haver-se incomodado... ? Arthur se levantou do assento, dirigiu-se para Roger e lhe estendeu a mão.
? Graças a você, senhor Lawford, face à questionável forma que achou para que minha esposa e eu nos conhecêssemos, sempre lhe estarei agradecido por não haver se negado à proposta de Colin.
Arthur assentiu e se encheu de orgulho ante as palavras que escutou do futuro marquês. Quando se fechou a porta voltou para seu assento. «Eu só lhe aproximarei esse colar ? recordou as palavras do jovem Pearson. ? Ele sozinho deixará que Evelyn prenda-o». O moço tinha razão. Bennett tinha se apaixonado por sua mulher até tal ponto que deixou que lhe fechasse aquela cadeia. Entretanto, o que ocorreria se ela não se recuperasse? «Senhor, escuta minhas preces. Sei que faz muito tempo que não vou à igreja nem cumpro todos os seus mandamentos, mas não te peço por mim, mas sim por eles. Faça com que a senhora Bennett sare rapidamente». Sentou-se na cadeira, tirou a garrafa de brandy, serviu-se uma taça e após brindar pela mulher, o bebeu de um gole.
Enquanto caminhava para o exterior Roger olhou os papéis e os leu com interesse. Teria gostado que seu pai reconhecesse a todos, mas se contentava com o pouco que conseguira. Ao abrir a porta e perceber que a chuva não tinha cessado, ocultou os documentos sob a jaqueta. Correu para a carruagem e, sem esperar que Anderson lhe facilitasse a entrada ao interior, saltou com rapidez.
? Roger, ? começou a dizer o índio ao vê-lo entrar ? este é o senhor Pemberton.
? Encantado de o conhecer ? respondeu esticando sua mão para o homem. ? informou-lhe meu amigo sobre a razão pela qual o chamei?
? Sim, milorde. Este cavalheiro foi muito explícito.
? O que tem a dizer a respeito? ? Interessou-se Roger. Não afastava o olhar daquele homem. Pareceu-lhe estranho que Eleonora decidisse seduzir a um ser tão insólito. Mal tinha cabelo em sua cabeça, sua barba mostrava várias cores e seu bigode se estirava para ambos os lados de seu rosto em uma trabalhosa linha reta.
? Fui vê-la mais de uma centena de vezes desde que soube de seu estado, mas nunca quis me receber. Sempre me jogou na rua como se nosso amor jamais tivesse existido ? comentou com pesar.
Roger tirou a cabeça pelo guichê, indicou ao chofer a direção e retornou ao seu assento.
? Está completamente seguro de que você é o pai dessa criatura? ? Insistiu. Não queria aparecer em frente a Eleonora e confrontar-se com ela lhe oferecendo um pai errôneo. Se ele não tinha sido seu único amante durante o tempo que a visitava, quem poderia corroborar que o senhor Pemberton não a compartilhou com outros cavalheiros?
? Sim, milorde. Se meus cálculos não me falharem, Eleonora ficou grávida em uma viagem que fizemos a Cheshunt.
? Cheshunt? ? Repetiu Roger atônito. A mulher era avessa a viajar mais de duas horas em carruagem. Segundo ela seu corpo se debilitava com o balanço continuado do carro.
? Sim ? afirmou o homem com um pequeno movimento de cabeça. ? Tive que me deslocar até ali porque minha mãe faleceu.
? O que conseguiu ela em troca? ? Sabia que não era próprio de um cavalheiro realizar esse tipo de perguntas, mas a curiosidade era tão imensa que não pôde conter-se.
? Como? ? Pemberton levantou as pestanas, levou as mãos para o bigode e retorceu cada ponta com as pontas de seus dedos.
? Imagino que o propósito de o acompanhar em uma viagem tão árdua seria algo mais suculento para ela que simplesmente dar o último adeus à sua mãe. ? Sorriu maliciosamente.
? Todas as joias que ela possuía as dei de presente com gosto, senhoria. Ela as rejeitou com firmeza, mas eu insisti em que as tivesse ? respondeu ofendido.
? É claro, não duvido de sua palavra... ? Roger se reclinou no assento e olhou John. Este mostrava um sorriso tão grande que podia ver o branco de seus dentes. Mas ele não sorriu. No fundo sentia lástima pelo pobre infeliz.
? Entrarei primeiro ? disse Bennett quando a carruagem parou e abriu a porta para sair. ? Você deveria esperar na entrada oculto atrás de mim até que nos permitam acessar ao interior. Não me cabe a menor dúvida de que se a criada o descobrir não abrirá a porta e informará Eleonora de sua presença.
? Farei o que me ordena. Com tal só de poder falar com ela, de lhe suplicar que me deixe ver meu filho, atirar-me-ei ao chão se precisar ? indicou o homem colocando-se sob o pequeno teto da porta.
Roger o olhou sem pestanejar. Aquele homem era capaz de ajoelhar-se ante a mulher e lhe rogar que não o abandonasse enquanto se aferrava aos tornozelos desta. Era, sem dúvida, o melhor marido que Eleonora poderia encontrar: submisso, acessível, carente de personalidade e com os bolsos repletos. Não entendia como tendo uma oportunidade de ser feliz junto àquele desventurado, esforçava-se tanto em conseguir o que não estava ao seu alcance.
Depois de comprovar que Pemberton se ocultou, bateu na porta e esperou com aparente paciência que fosse recebido.
? Sua Excelência?! ? Exclamou a donzela com entusiasmo e assombro.
? A senhora está? ? Perguntou dando um passo para o interior da casa e obrigando a criada a lhe permitir o acesso.
? Está no pequeno salão, milorde. Quer que o anuncie? ? De repente seu olhar se cravou na pessoa que estava atrás de Roger. A mulher não pôde evitar levar as mãos à boca para fazer calar um grito. Tentou fechar a porta, deixar ao senhor Pemberton na rua, mas Bennett colheu com força a grossa porta de madeira e impediu tal propósito.
? Fique aqui, eu lhe farei um sinal quando for o momento apropriado ? ordenou Roger caminhado para o salãozinho.
? Meu senhor... milorde... rogo ? sussurrava a criada sem poder se mover da entrada. ? Ela... ela...
Mas Bennett não escutou a súplica. Estava decidido a terminar o rumor que Eleonora tinha estendido por Londres. Todos aqueles que o olhavam o comparavam com seu pai e isso não ia tolerar. Quando Evelyn despertasse, quando enfim abrisse seus olhos, não desejava que se entristecesse ao escutar falsos testemunhos sobre seu marido. Tinha-lhe sido fiel desde que se casaram. Por isso retornou a Londres após sua longa viagem. Se tivesse entrado naquela casa, se na noite de bodas se entregasse ao falso amor de Eleonora, jamais teria conhecido sua esposa nem teria conseguido descobrir o que era amar uma mulher.
Quando abriu a porta do salão encontrou Eleonora de pé com seu menino nos braços. Embalava-o e cantava uma melodiosa canção ao mesmo tempo que o balançava com ternura. Ao escutar que alguém permanecia na entrada, dirigiu seus olhos para ele e sorriu.
? Alegro-me de que enfim tenha decidido conhecer seu filho ? disse com um sorriso triunfal.
? Bom dia, Eleonora. Não volte a dizer que esse filho é meu, porque sabe que não é certo ? declarou com solenidade.
? Claro que é! ? Insistiu a mulher aproximando-se de Roger.
? Sempre soube que era uma harpia, mas jamais imaginei que sua maldade te levasse até tal ponto. É injusto o que tem feito, é injusto que tenha deixado crescer em suas vísceras uma criatura que sofrerá suas maldades. Embora desta vez não obtivesse seu propósito. Descobri quem é o verdadeiro pai desse menino ? apontou sem mover-se de onde permanecia.
? Você! ? Clamou de novo. ? O pai deste menino é...! ? Ficou sem palavras quando percebeu que Bennett levantava uma mão e aparecia atrás dele outro homem.
? Olá, Eleonora ? disse Pemberton ao acessar ao interior do salão.
? O que faz aqui? ? Gritou a mulher segurando a criatura com mais força sobre seu corpo. Seus olhos se dirigiram para Roger, que sorria de forma triunfal, e logo se cravaram no outro homem.
? Vim conhecer meu filho ? respondeu com firmeza.
? Seu filho? ? Repreendeu a mulher dando uns passos para trás. ? Este não é seu filho!
? Sim, sei que é. Não o negue, meu amor. Não pode se opor a que seu verdadeiro pai vele por ele ? assinalou Pemberton com tristeza.
? Não, você não! ? Exclamou entre lágrimas. ? Fora daqui! Não quero ver-te em minha casa!
? Casar-me-ei contigo, converter-te-ei na senhora Pemberton e daremos ao nosso filho o que lhe pertence. ? Caminhou para ela e se ajoelhou. ? Prometo que nada lhes faltará. Terão tudo o que necessitem. Eleonora, eu te amo, amo-te. Não me afaste, suplico-lhe ? rogou isso entre soluços.
Roger não aguentava mais a cena que contemplavam seus olhos, deu meia volta e saiu dali com passo ligeiro. Quando retornou à carruagem continuou observando o sorriso de John e a cara de satisfação de Anderson. Teriam pensado alguma vez que o filho era dele? É claro que sim. Ambos o conheciam e sabiam como tinha sido antes de conhecer Evelyn, mas desde que a viu, desde que a beijou pela primeira vez, converteu-se em um homem diferente.
Durante o regresso a casa os três falaram de como se desenvolviam as obras da nova residência. Bennett tinha decidido construi-la com mais quartos e mais salões. Não queria que neste novo lar mães e filhos tivessem que descansar nos mesmos quartos. John voltou a indicar, que finalizado o trabalho, ele e Sophie se instalariam na residência para custodiar os meninos. Roger sorria cada vez que falavam sobre esse tema. Estava seguro de que seu amigo tinha meditado muito a respeito da relação que tinham e que, por fim, dava o passo que todos esperavam.
O trajeto até Lonely se fez curto entre as risadas e as brincadeiras com seu amigo pela decisão tomada. Depois de descer, Bennett se dispôs a subir com rapidez as escadas e caminhar para o quarto, para certificar-se de que Evelyn continuava igual, mas sentiu que alguém lhe agarrava a mão e impedia seu propósito.
? Temos que finalizar aquilo que começou ? disse John a seu amigo.
Ele assentiu, retornou à carruagem, levantou o assento e pegou o pequeno crânio. As mãos lhe tremeram ao ter os ossos sobre suas palmas. Voltou a ver o menino dentro daquele cômodo escuro, amarrado, e escutou com claridade os gritos de socorro. Esteve a ponto de ajoelhar-se, de chorar pelo desespero de não ter sido capaz de o liberar daquele final, mas a mão cálida de John o reconfortou.
? Sua alma deve descansar em paz ? sussurrou.
? Sei. Mas depois de tanto tempo, depois de tudo o que aconteceu, não me vejo capaz de me desprender dele. Acredito que se o deixo ir, se me desprender do que significam estes ossos para mim, esquecerei o que me impulsionou a lutar contra minha família.
? Não poderá esquecê-lo, Roger. Tem ao seu lado muitas pessoas que conseguirão a lhe dar a força que necessita para seguir lutando.
Depois de uns momentos, nos quais Bennett meditou sobre a veracidade das palavras de seu amigo, ambos caminharam para a cancela metálica que dava passo à propriedade. John tinha preparado um lugar onde cuidaria das almas que viveriam naquele lugar.
Roger se ajoelhou em frente ao buraco e colocou o pequeno crânio.
? Sobe com sua esposa ? indicou John ao ver seu amigo imóvel e incapaz de enterrar o crânio. ? Acredito que o necessitará mais que ele.
Sem mediar palavra Roger se dirigiu ao seu lar, subiu as escadas sem poder sequer falar com as pessoas que o saudavam. Desejava meter-se no quarto, cair ao lado de Evelyn e não sair de seu lado até que decidisse despertar daquele amargo sonho que durava já três semanas.
Ao abrir a porta sorriu. Era de esperar que a pequena Natalie ocupasse seu lugar enquanto ele permanecia ausente. Não a deixavam sozinha, não desejavam, nenhum dos que habitavam sob o teto de Lonely, que ela abrisse seus olhos e se encontrasse sozinha. Entretanto, embora o comportamento da menina fosse louvável, devia brigar com ela. Perdeu um dia de aulas e a senhora Simon recriminaria que a tratasse diferente dos outros.
? Acaso as aulas de hoje não eram de seu agrado? ? Disse-lhe enquanto caminhava para a poltrona, tirava os documentos para apoiá-los sobre este e se despojava da jaqueta molhada.
? Hoje não posso deixá-la só ? comentou a menina com uma felicidade tão estranha que Roger ficou imobilizado ao escutá-la.
? Por que... hoje não pode deixá-la? ? Repetiu enquanto seu coração se agitava, seu pulso se acelerava e se aproximava da cama com medo.
? Porque despertou.
Roger deu dois largos passos para elas. Seu coração não pulsava, galopava em seu interior, mas ficou parado ao descobrir que Evelyn estava acordada. Por fim abria seus olhos! Ajoelhou-se junto à cama, pegou a mão que ela estendia para ele e a beijou enquanto chorava.
? Meu amor, minha vida. Por fim despertou. ? Continuou soluçando sem poder separar a mão de sua boca. ? Amo-te, Evelyn. Amo-te tanto que não teria podido viver sem ti.
? Nem eu sem ti... ? murmurou Evelyn antes de ver como seu marido se levantava e beijava seus lábios sem lhe importar que Natalie estivesse presente e se tampasse os olhos para não ver como se beijavam.
Epílogo
Três meses depois
Com muita ternura, Roger acariciou o rosto de Evelyn com seus dedos. Foi afastando as mechas de cabelo até poder observar com claridade suas feições ao dormir. Era a primeira vez que discutiam daquela forma. A primeira que tinha saído do dormitório e tinha descido até o salão para beber até cair morto.
Evelyn reprovou sua atuação, recriminou-lhe que se comportasse como um monstro, mas não pôde evitá-lo. Quem poderia conter-se ao ver que sua esposa era agarrada com força por um ser desprezível? Embora insistisse que a situação estava controlada, ele não o percebeu assim. O famoso Scott, aquele homem que destroçou a juventude de sua mulher apareceu na festa que Caroline ofereceu em Hamilton. Ia pelo braço de sua esposa, com quem se casou depois de abandonar Evelyn.
Mordeu os lábios quando Federith revelou seu nome. Tentou tranquilizar-se, embora quando observou que ia atrás de sua mulher, todo o controle se esfumou. Esperou paciente no balcão, espreitou o movimento daquele personagem enquanto se aproximava de sua esposa e escutou com atenção a conversação entre ambos. Ele não cessava de lhe dizer que sentia saudades, que se arrependia do que teve que fazer no passado e que, se ela quisesse, voltariam a ficar juntos. Como era de supor, o que lhe propunha era que se convertessem em amantes. Até aí, pôde suportá-lo. Mas quando Evelyn lhe disse que estava apaixonada por seu marido e que não desejava saber nada dele, este não se conformou, agarrou-a pelo braço e evitou que ela se afastasse de seu lado.
? Algum problema? ? Perguntou saindo de seu esconderijo.
? Roger! ? Exclamou Evelyn com surpresa.
? Repeti-lo-ei uma vez mais, algum problema? ? Seu aborrecimento era tal que mal podia manter um fio de prudência. Apertou os punhos e sua mandíbula esteve a ponto de deslocar.
? Não, ? respondeu ela ? nenhum problema. Agora mesmo me dispunha a retornar com Beatrice.
? Faça isso, eu irei depois ? disse sem afastar o olhar daquele que tinha ousado tocar sua esposa.
? Roger, por favor... ? suplicou-lhe.
? Vai, Evelyn, ? intercedeu Scott ? não acredito que seu marido se atreva a...
Não pôde terminar a frase. As mãos de Roger se aferraram ao seu pescoço e o levantou dois palmos do chão.
? A que não me atreverei? ? Grunhiu.
? Solte-me! ? Gritou o homem movendo seus pés.
De repente, como se percebessem que algo errado acontecia, William e Federith apareceram na entrada. Estes caminharam para Roger ao presenciar a cena.
? Roger... ? falou William. ? O que acontece?
? Este descarado ousou tocar a minha esposa ? bramou.
William olhou a assustada Evelyn e esperou que ela confirmasse as palavras de seu amigo, mas estava tão nervosa que não foi capaz de lhe responder.
? Evelyn, entra. Nós resolveremos esta situação ? indicou Federith com sua típica voz tranquilizadora.
? Por que a tocou? ? Inquiriu o duque sem fazer com que seu amigo desistisse em seu empenho por asfixiá-lo.
? Acredita-se com o direito de fazê-lo, ? respondeu Roger apertando com mais força suas mãos ? porque como bem sabem foi pretendente da minha esposa.
? Pensa uma coisa, ? voltou a falar William ? sua mulher está assustada e graças a Deus podem viver uma vida tranquila. Crê que vale a pena destroçar essa felicidade por um miserável como este?
? O que você fez, William? ? Grunhiu de novo Bennett.
? O correto. Por isso quero que você faça o mesmo.
Depois de suas palavras Roger afrouxou a amarração e deixou livre ao homem. Este depois de tossir e amaldiçoar correu para o interior do salão.
? Sua esposa sabia que Wyman foi o pretendente da Evelyn ? soltou William. Não era uma pergunta, mas sim uma afirmação.
? Minha esposa é um ser desprezível e lhes peço mil desculpas por seu inapropriado comportamento ? comentou Federith aflito.
? Como compreenderá, enquanto esteja com ela, minha visita ao seu lar está anulada ? resmungou Roger ao mesmo tempo em que dava a volta e caminhava para a entrada.
? Roger, por favor... ? disse Federith ao ver como seu amigo se afastava dele.
? Não é o momento. Deixa que lhe passe a ira. Sabe que não pensa com claridade quando está irritado ? apontou William.
? Esta mulher... ? comentou Cooper movendo a cabeça de um lado para o outro.
? Se estivesse em seu lugar a observaria com mais atenção ? disse o duque ao mesmo tempo que jogava seu braço sobre o ombro de seu amigo. ? Olha além do permitido ao senhor Graves.
? Olha com atenção a todo homem que não seja eu... ? respondeu triste.
Ainda seguia com os olhos fechados. Parecia que não desejava despertar, ou talvez não quisesse vê-lo ao seu lado. Roger se moveu da cama e tentou deixá-la sozinha, mas nesse momento notou a mão de sua esposa nas costas.
? Perdoe-me ? murmurou com a cabeça abaixada. ? Sinto o ocorrido. Não quis te envergonhar nem te humilhar diante de todo mundo.
? Não deveria se comportar daquela maneira embora se for sincera, alegro-me de que ocorresse ? respondeu sentando-se na cama para abraçá-lo. ? Sabia que cedo ou tarde nossas vidas se cruzariam e o meu único temor era descobrir como o confrontaria. Não quero que nada nem ninguém nos separe.
? Como pode imaginar uma coisa assim? ? Perguntou enquanto se virava e tombava a sua esposa de novo. ? Se por acaso não se deu conta, é minha, só minha.
? Isso... hummmm... soou muito primitivo... ? sussurrou. Levantou os braços e os enredou no pescoço de seu marido. Desejava que todo o acontecido na noite anterior desaparecesse o antes possível e a melhor forma de consegui-lo era deixar-se levar pelas carícias e os beijos de Roger.
? Quer-me, senhora Bennett? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Muitíssimo, senhor Bennett.
Quando os lábios do homem pousaram nos de sua mulher bateram na porta.
? Vou ter que lhes deixar claro que... ? balbuciou o futuro marquês.
? Milorde! Sua Excelência! ? Gritou Anderson através da porta.
? Entra ? respondeu depois de levantar-se e certificar-se de que Evelyn cobria seu corpo com o lençol. ? O que acontece?
? Desculpe a interrupção, mas o duque de Rutland o espera no hall. Ordenou que se apresente o antes possível ? expôs o criado sem mal respirar.
Estranhando a visita, Roger saiu do quarto, desceu as escadas de três em três e quando apreciou o rosto alterado de William esteve a ponto de sentar-se no chão.
? Vista-se! ? Gritou-lhe Rutland. ? Temos que nos dirigir a Londres o antes possível.
? O que acontece? Acaso aquele descarado do Wyman...? ? Tentou perguntar ao mesmo tempo em que convertia suas mãos em dois duros punhos.
? Encontraram esta madrugada o corpo sem vida de Caroline e acusam Federith de sua morte.
Agradecimentos
Em primeiro lugar quero agradecer à minha família a infinita paciência que tiveram enquanto criei o futuro marquês. Foram muitas horas afastada deles e lhes negando minha ajuda. Espero que ao final tenham sua recompensa.
Em segundo lugar às minhas amigas. Obrigada pelo apoio que me ofereceram, por aguentar as intermináveis horas ao telefone e por me dar ânimos quando estive a ponto de atirar a toalha.
É óbvio a ti, Paola. Por seguir trabalhando ao meu lado e fazendo com que minhas novelas não deixem de brilhar.
Também tenho que agradecer à minha querida companheira e amiga Ahna Shtauros por sua ajuda quando necessitava de expressões em francês. Sinto se te avassalei de mensagens de wassap aquela manhã às cinco da madrugada quando estava adormecida.
E é óbvio a ti, leitor, que escolheu entre um milhão de histórias, a minha.
XXIV
Algo a impedia de levantar as pestanas. Dirigiu as mãos para o rosto e tocou um objeto suave. Afastou-o com rapidez e se incorporou sobre a cama. Quem lhe tinha abafado os olhos e por qual motivo? Quando pôde observar com claridade ao seu redor, levou-se uma mão à boca e evitou dar um grito. Roger estava ao seu lado, ajoelhado sobre o chão e apoiando meio corpo na cama. Estendia os braços para ela como se quisesse alcançá-la, seu cabelo revolto deixava apreciar a metade do rosto viril.
Evelyn cravou as pupilas naquela boca deliciosa que se escondia sob uma espessa barba loira. De repente, um estranho ardor sacudiu seu corpo, fazendo com que um inaceitável frenesi se apropriasse dela. Era um homem tão sedutor, tão encantador que até adormecido provocava o desejo de tocá-lo, de acariciá-lo.
Compreendia por que sua fama de galã se estendeu por Londres como a pólvora e por que as mulheres emitiam sorrisos nervosos quando ele estava presente: que mulher não sonha ter ao seu lado um homem assim?
Desvanecendo de repente os sentimentos de prazer e luxúria que se apropriavam de sua mente, moveu-se devagar para não o despertar. Precisava afastar-se dele o antes possível, não lhe cabia dúvida de que teria chegado tarde e bêbado. Talvez, devido ao seu estado de embriaguez, adotou aquela postura ao não alcançar a poltrona onde devia descansar. Não foi até que tentou pousar os pés no chão que viu a cadeira junto à cama. Nela havia uma bacia repleta de água, a mesma com a qual se refrescou à noite anterior no banheiro. O que tinha ocorrido? Que fazia a bacia ali?
Conseguiu que sua mente rememorasse o transcorrido na noite anterior, Roger tinha partido e ela, enfim, pôde despir-se. Esforçou-se em aliviar a terrível dor que tinha aparecido em seu rosto, mas não o obteve e, derrotada, retornou à cama. Não pôde conciliar o sonho até bastante tempo depois, a imagem daquele pequeno crânio aparecia uma e outra vez em sua mente provocando que um sem fim de perguntas surgisse em sua cabeça sem cessar. Não encontrou nenhuma razão lógica que explicasse por que o dito objeto permanecia sob o assento e finalmente alcançou o sono, mas não descansou.
Um terrível pesadelo dominou seu repouso. Viu-se no prado caminhando para o sol e notando como a grande bola de fogo lhe queimava o rosto. Era incapaz de diminuir seu passo embora se visse envolta em chamas e gritou ao ver que seu vestido ardia e todo seu corpo também. Quando se rendeu ao fatídico final observou uma enorme figura aproximando-se e colocando-se em frente a ela. Sua grandiosa sombra fez com que deixasse de sentir calor e que o fogo desaparecesse de repente.
Evelyn voltou o olhar para Roger. Tanto em seu pesadelo como na vida real, ele a cuidava. Deixava a um lado o ser arrogante e egoísta que tanto se esforçava em mostrar e a protegia sem lhe importar o que ele mesmo padecesse. A mulher deixou de franzir o cenho e, com cuidado, rodeou a cama até colocar-se atrás das costas de seu marido. Daquela proximidade contemplou maravilhada como descansavam seus fortes braços que com facilidade poderiam ser como quatro dos seus, sua musculatura era tal que lhe resultava impossível compará-lo com outro homem. As pernas, aquelas longas extremidades das quais se queixava ao sentar-se na carruagem, esticavam-se sobre o chão adotando uma postura indesejável. Mas não foi a magnitude da figura masculina que lhe fez levar de novo as mãos à boca, mas sim umas pequenas cicatrizes que desfiguravam as atléticas costas. Quem o teria açoitado com tanta força para assinalar uma pele tão forte? Teriam-no feito prisioneiro em alguma de suas viagens no navio? O teriam assaltado os temidos piratas? Quis esticar a mão e as tocar com suavidade, mas não era apropriado fazê-lo enquanto ele descansava, se de verdade desejava tocá-lo, se de verdade queria que seus dedos roçassem a pele masculina, devia fazê-lo quando Roger permanecesse acordado, assim poderia retroceder ao mínimo gesto de amargura. Zangada pelos pensamentos pecaminosos que despertava seu marido nela, virou-se com sigilo e caminhou para o baú. Precisava arrumar-se antes de despertá-lo. Se for certo, se ele tinha passado a noite velando sua agonia, não teria repousado o suficiente e o trajeto para Londres seguia sendo longo.
? Encontra-se melhor? ? A voz áspera de seu marido a fez virar com brutalidade.
? Sim. Muito melhor. Por que o fez? ? Arqueou as sobrancelhas e esperou para escutar a resposta com interesse.
? Por que não o ia fazer? ? Ao incorporar-se franziu o cenho. Tinha permanecido tantas horas na mesma posição que, ao levantar-se, sentiu dores nas pernas. ? Expôs-se durante muito tempo ao sol e sofreu umas leves queimaduras ? esclareceu com certo desinteresse. Não queria que desse importância a um fato tão banal. ? Se não as tivesse tratado hoje não poderíamos empreender a marcha.
? Entendo... ? disse com pesar.
Tinha encontrado a razão de seu cuidado. Não foi o que esperava, mas era o mais lógico. Se ela adoecesse teriam que permanecer na estalagem mais tempo do que pretendia e isso atrasaria a chegada a Londres. Evelyn olhou para o chão, evitando que Roger descobrisse as pequenas lágrimas que começavam a brotar em seus olhos.
Doía-lhe descobrir que seguia sem despertar certo interesse sentimental em seu marido. Aquela apatia os separava e a distanciava de averiguar a verdadeira personalidade de seu marido. Se continuasse dessa forma, seu plano não seria infalível.
? Não sei como agradecer tudo o que está fazendo por mim ? falou sem ser capaz de evitar certa aflição em suas palavras. ? Mal levamos dois dias de viagem e me salvou de ser atacada por uma serpente e te fiz passar a noite em claro para acalmar um estrago que eu mesma realizei por imprudência. O mais sensato seria que me deixasse aqui para que Wanda me recolhesse.
? Não vou abandonar-te! Permanecerá ao meu lado em todo momento, entendido? ? Disse zangado.
? Não se dá conta de que só atrapalho sua vida? ? Levantou o rosto e deixou que suas lágrimas fossem percebidas pelo homem.
? Bobagens... ? grunhiu aproximando-se dela. ? Qualquer um pode ser assaltado por um perigoso animal se caminhar pelo campo e, quem não está acostumado aos raios solares padecem este tipo de reações ? respondeu com tom suave. Esticou a mão para o rosto e o acariciou com muita suavidade. Enquanto lhe afastava as lágrimas com os polegares, observou como Evelyn fechava os olhos ao tocá-la e apertava seus deliciosos lábios. Esteve a ponto de beijá-la, de degustar de novo seu sabor, mas se conteve. Não desejava aproveitar-se dela em um momento de debilidade. ? Por sorte, não ficarão sequelas. ? Virou-se para a direita e deu uns passos para diante deixando-a as suas costas.
? Roger? ? Chamou sua atenção.
? O que? ? Perguntou elevando a cabeça para o teto esperando qualquer recriminação por havê-la tocado sem ela pedir-lhe.
? Obrigada... ? Não era essa a palavra que desejava dizer.
Ao sentir suas mãos sobre ela e notar como se acelerava seu pulso ao ser acariciada e como sua boca ficava fria sem os lábios de seu marido, avivou uma inesperada vontade de tê-lo ao seu lado sem roupas que impedissem o atrito entre seus corpos.
? Não tem por que me agradecer. Fiz o que devia e continuarei fazendo-o pelo resto da minha vida. E agora, se me desculpa, tenho que me assear. Imagino que Anderson já tenha preparado a carruagem para empreendermos a viagem.
? Roger! ? repetiu com ênfase. Ficaria ali parada? Esperaria que aquele desejo e aquela necessidade por tê-lo ao seu lado desaparecessem com o tempo? De verdade tinha tanta vontade de entregar-se a ele após descobrir que nunca se afastaria de seu lado e que cuidaria dela pelo resto de sua vida? Era suficiente escutar tal coisa para oferecer-se sem restrições?
? O que? ? Perguntou esperando conhecer a razão pela qual não o deixava assear-se com tranquilidade.
Evelyn não pensou. Correu para ele e saltou sobre o corpo seminu de seu marido. Os pequenos braços se entrelaçaram no pescoço e sua boca tocou a de Roger. Este, assombrado pela reação da mulher, ficou pétreo.
? Um simples obrigado teria sido suficiente ? comentou com apenas um fio de voz quando ela liberou sua boca.
Não esperava essa atuação de Evelyn nem tampouco aquele suave beijo. Se assim agradecia seu dever por cuidá-la, fá-lo-ia com mais gozo do que pudesse imaginar. Entretanto, por mais que lhe agradasse a recompensa, não queria que ela se entregasse a ele por esse motivo. Desejava, e cada vez mais, que entre ambos surgisse algo especial. Possivelmente um pouco parecido ao que tinham William e Beatrice, embora supusesse que jamais alcançariam aquele nível de amor.
? Sei ? disse cravando seus esverdeados olhos nos de Bennett.
? Então? ? Continuou colocando suas grandes mãos sob as redondas e gostosas nádegas. Os mamilos de Evelyn roçavam seu torso e estava ficando louco ao tentar manter relaxada certa parte de seu corpo que atuava por sua conta. ? Então? ? Insistiu arqueando as sobrancelhas.
? Quero me oferecer a ti... ? murmurou abaixando a cabeça para que não pudesse ver o rubor que lhe provocava sua ousadia.
? Assim, sem mais? Quer que te faça amor como prêmio por te haver salvado de uma serpente ou por ter acalmado umas pequenas bolhas? ? Foi abrindo suas mãos para que Evelyn se deslizasse até o chão. Quando ela apoiou os pés no piso, olhou-a com os olhos entreabertos. ? Disse-te que com um simples obrigado era o bastante. Não desejo te submeter, nem te obrigar a nada por algo que é meu dever de marido.
Evelyn ficou paralisada. Por mais que tentasse levantar o rosto e olhá-lo desafiante, não conseguia. Seu embaraço, sua vergonha era tal que não podia nem pensar. Com um esforço sobrenatural deu uns passos para trás dando a possibilidade a Roger para que fechasse a porta e a deixasse sozinha naquele quarto que, naquele momento, pareceu-lhe enorme. Entretanto, ele não se moveu. Seus pés, aqueles que só conseguia ver, seguiam pegos ao chão.
? Evelyn? ? Agora era ele quem chamava sua atenção. ? Olhe-me! Levanta de uma vez esse rosto e me olhe! ? Gritou com aparente mau humor.
Assim o fez. Contra sua vontade levantou o queixo e o olhou. As lágrimas percorriam seu rosto sem poder evitá-lo, suas mãos se apertavam com força formando dois pequenos punhos. Humilhou-se de novo. Degradou-se outra vez ante um homem e este não tinha consideração ante seu ato. Zangada pelo acontecido, elevou os punhos, caminhou para ele e começou a lhe golpear no peito com ímpeto.
? Odeio-te! Maldito seja! Odeio-te! ? Gritou entre soluços.
? Então... por que quer se entregar? Por que quer que te toque, que te beije, que te possua? ? Insistiu sem impedir que o continuasse golpeando.
Como podia falar? Como podia explicar o que sua mente lhe propunha se sua garganta estava pressionada pelo desejo? Possivelmente o único motivo pelo qual conseguia soltar aquelas palavras não era outro que escutar, da boca de Evelyn, que o necessitava tanto como ele a ela.
? Não me toque! ? Clamou Evelyn ao sentir as mãos de Roger entrelaçando-se em sua cintura. ? Solte-me!
? Só quando me responder ? disse com firmeza. ? Só assim te deixarei livre.
? O que quer que te responda? ? Inquiriu rudemente.
? A verdade ? respondeu mais comedido.
? A verdade? ? Voltou a abaixar a cabeça, mas Bennett depois de afastar suas mãos da cintura, usou uma para colocá-la sob seu queixo e lhe içar o rosto.
? Sim ? afirmou com solenidade.
? A verdade, ? interrompeu-se ? é que ninguém se preocupou por mim durante todos estes anos. A verdade é que todo aquele que se aproximou foi para obter algo em troca. A verdade é que nunca tive a uma pessoa ao meu lado que apaziguasse minhas doenças, minhas inquietações ou me oferecesse seu amparo sem um motivo ou razão alguma ? soltou sem respirar.
? E aquele seu prometido? Aquele que te roubou aquilo que me pertence? ? Grunhiu mastigando cada palavra e mostrando a ira que lhe provocava conhecer certas coisas do passado de sua esposa que não imaginara.
? Esse menos que nenhum... ? murmurou ao mesmo tempo em que deixava cair seus braços para o chão.
Roger a observou tão abatida que desejou apertá-la ao seu corpo, para que não se afastasse dele, mas pensou melhor. Ela necessitava de seu próprio espaço, seu momento de liberdade, para poder falar com tranquilidade.
? Só me queria pelo dote que ofereciam meus pais... ? sussurrou enquanto caminhava para a cama e se sentava sobre esta ? mas ao não conseguir seu propósito me abandonou.
Podia arrancar os marcos da porta a dentadas? Porque isso é o que desejava fazer naquele momento. Precisava focalizar sua ira, sua raiva e desespero para algo. Entretanto, depois de respirar com profundidade e achar um pouco de sensatez, andou até ela, ajoelhou-se e colocou suas palmas sobre os joelhos da mulher.
? Disseram-me que tinha morrido... ? confessou-lhe. Sabia que lhe ia responder que continuava vivo, então sua mente não cessava de idear a maneira de buscá-lo e fazer realidade a mentira. Se já estava morto... quem condenaria o assassinato de um cadáver?
? Tinha dezesseis anos. Meus pais me apresentaram em sociedade com muita alegria e ilusão. Naquela época a família era bastante rica então meu pai ofereceu um bom dote para o homem que decidisse casar-se comigo. ? Fez uma leve pausa, suficiente para recuperar um pouco de quietude. ? Ele me cortejou e me seduziu. Terminei por me apaixonar e finalmente nos comprometemos. Pouco depois meu pai anunciou que as riquezas familiares tinham desaparecido por um mau investimento. Quando contei, quando lhe narrei a agonia que estávamos padecendo, acreditei que nos ajudaria, que lutaria contra a pessoa que enganou ao meu pai e que graças à sua valentia obteríamos o roubado. Mas não o fez. Decidiu partir. Abandonou-me sem sequer pensar no que eu tinha em meu interior...
? Estava... ficou...? ? Abriu tanto os olhos que pensou que estes fossem sair das órbitas.
? Sim. Embora pouco tempo depois de sua partida o perdi. Tropecei nas escadas ao sofrer um desmaio e quando despertei, o bebê tinha morrido ? soluçou dolorosamente.
? Sinto muito... ? falou com tristeza. Tirou as mãos dos joelhos e se levantou. A vontade de quebrar algo, de estrangular ao malnascido que lhe tinha feito mal, não diminuiu. Mas não era o momento de atuar com agressividade. Não desejava que Evelyn se assustasse ao pensar que a ira se devia à sua confissão e não ao feito de descobrir o triste passado que tinha vivido.
? Não tem por que sentir, Roger, mereço isso. Mereço tudo o que me aconteceu e o que acontecerá ? murmurou Evelyn dirigindo seus olhos para a figura alterada de seu marido.
Perambulava de um lado para outro. Levava as mãos para o cabelo e o afastava sem cessar. Sabia que após conhecer o que escondia, que ao revelar seu passado, desiludira-o. Quem poderia viver junto a uma mulher manchada? Agora era só esperar o que tanto tinha temido, que outra pessoa a abandonasse. Supôs que, embora lhe prometesse cuidá-la, sua declaração lhe daria a oportunidade de afastar-se de seu lado como fizeram os outros.
? Eu... eu... ? tentou dizer, mas lhe resultou impossível explicar o que pensava. Alguém batia na porta com insistência. Com grandes pernadas se dirigiu para esta, abriu-a e ladrou: ? Quem é?
? Sua Excelência ? respondeu Anderson abaixando com rapidez a cabeça ao escutar o tom enfurecido de seu senhor. ? Desculpe atrapalhar. Mas tenho que o informar que tudo está preparado para empreender a viagem.
? Que horas são? ? Perguntou em tom irado.
? Quase sete, senhoria.
? Está bem. ? Olhou de esguelha para Evelyn. Não se tinha movido de seu assento. Seguia com a cabeça abaixada e apertava suas mãos com força. O que devia fazer? Era a primeira vez em sua vida que não sabia como atuar com uma mulher. Se partirem, se se preparavam para partir depois de sua confissão, ela poderia pensar que lhe tinham feito mal suas palavras e que a repudiava por aquele passado que tanto lhe doía. Mas se fechasse a porta, se se dirigisse para ela e fizessem amor, acreditaria que só tentava aproveitar-se de sua fragilidade.
? Senhor... ? interrompeu de novo seus pensamentos o criado.
? Avisem-me quando forem dez da manhã. Não descansei o suficiente para aguentar estoicamente um trajeto tão longo.
? É claro. Voltarei a chamar nessa hora. ? Anderson fez uma leve reverência e se afastou.
Roger fechou a porta e se apoiou nela. Respirou com profundidade e contemplou o aflito corpo de sua esposa. Não sabia se o que lhe ditava o coração era correto ou não, mas se seu interior lhe gritava que o fizesse, fá-lo-ia.
XXV
Virou-se quando escutou fechar a porta. Surpreendida ao escutar que a saída se atrasava, observou sem pestanejar ao Roger, que apoiou as costas na porta de madeira cruzando os braços e cravando suas pupilas nela. Tragou saliva ao perceber como a escuridão aparecia no rosto masculino, apertava a mandíbula com tanto afã que podia escutar com facilidade o ranger de seus ossos. O peito, robusto pelo trabalho que teria realizado no navio, elevava-se e baixava com brio apesar de suportar o peso dos grandes e musculosos braços. Evelyn tremeu. Ali estava, um titã de cabelo loiro e pele escura atravessando-a com o olhar. Supôs que era lógico, todo mundo que escutava seu passado sentia ira ou lástima e, para ser sincera, ela preferia o ódio, posto que estava acostumada a defender-se melhor dos ataques verbais que das palavras repletas de misericórdia.
Quis romper o silêncio incômodo que se produziu entre ambos perguntando se queria que partisse, se desejava descansar tal como tinha indicado ao Anderson ou se desejava terminar a frase que tinha começado antes de serem interrompidos. Tinha empalidecido ao descobrir que tinha perdido ao bebê. Ao que parecia, os rumores não o informaram da parte mais odiosa da ruptura de seu compromisso: a perda de um diminuto ser. Tampouco lhe haveriam dito que ela não podia ter mais filhos. «Colin não o advertiria no contrato matrimonial», disse-se irônica. Desejou falar sobre algo que o despertasse do choque no qual se encontrava, mas não o conseguiu.
De repente Roger descruzou os braços e caminhou com solenidade para ela. Evelyn esticou as mãos pela camisola no primeiro passo. No segundo, seu coração deu um tombo ao apreciar que na realidade o rosto masculino não mostrava escuridão, mas sim lascívia. Não estava zangado, não desejava afastar-se de seu lado. O que pretendia era possui-la como um selvagem. «Grita, Evelyn, grita! Salve-se dele! Corre, foge!», escutava uma voz exaltada em sua cabeça. Mas a fez calar com rapidez.
Roger se aproximava como um predador se aproxima de sua presa, mas nesta ocasião, a presa desejava ser alcançada.
? Prometi que não te tocaria até que me pedisse ? disse isso com voz rouca. Seu terceiro passo o deixou a menos de quatro palmos dela.
? Sim ? respondeu-lhe sem diminuir aquela excitação que lhe augurava o que ia acontecer se fosse incapaz de negar-se.
? E até agora atuei tal como ditou ? continuou com o mesmo tom. Parou de andar até que se colocou em frente a ela. Percebeu que ela tremia ante sua proximidade. Estava seguro de que o calor que emanava de seu próprio corpo chocava com força no da mulher.
? Sim... ? conseguiu dizer mediante uma profunda inspiração.
? Evelyn... quero respeitar suas decisões. Não haverá nada no mundo que me impeça de fazê-lo. Por isso te pergunto, quer que eu te toque? Quer que te beije e te possua com o ardor que sinto desde que pus meus olhos em ti? ? Esticou as mãos para lhe acariciar os suaves e sedosos cabelos que caíam em forma de cascata por seus ombros.
? Roger... ? murmurou.
? Diga-me... ? respondeu depois de respirar profundamente.
? Sim.
? Sim o que, Evelyn?
? Sim, o desejo.
Bennett não se conteve mais. As mãos abandonaram o cabelo para agarrar com força a cintura da mulher. Atraiu-a para ele enquanto sua boca se chocava com a dela. Sua língua voltava a dominá-la, a conquistar seu interior. Observou satisfeito como Evelyn se deixava levar pelo desejo, fechando os olhos e dando pequenos e musicais gemidos de prazer ao tê-la em seus braços. Tudo aquilo que pensou, todas aquelas dúvidas que o impediam de avançar para fazê-la sua se desvaneceram ao sentir as mãos de sua mulher lhe acariciando as costas. Ardiam. Ambos desprendiam um fogo abrasador. Contra sua vontade, Roger foi enrugando entre suas mãos a camisola de Evelyn muito devagar. Apesar de querer arrancar-lha acreditou oportuno ser delicado com ela posto que imaginasse, por suas palavras, que jamais tinha sido amada tal como merecia. Precisava lhe indicar com cada carícia, com cada beijo, que era uma deusa para ele e assim a trataria. Quando o objeto se levantou até a pequena cintura, Bennett pousou suas grandes palmas sobre os glúteos nus. Acariciou-os, apertou-os, e inclusive cravou seus dedos neles para marcá-la, para lhe demonstrar que era dele e de ninguém mais. Mas aconteceu algo que o deixou atônito. Não esperava que Evelyn, depois de notar suas mãos nas nádegas, abrisse lentamente suas pernas o convidando a prosseguir. Dava-lhe acesso à sua sexualidade. Um grunhido de satisfação saiu de sua garganta. Essa amostra de aceitação o deixou tão louco que seu controle se desvaneceu. Com a mesma voracidade que um sedento bebe água no inóspito deserto, Roger terminou por a despojar da camisola. Evelyn, ao ver-se completamente nua, tentou cobrir-se com suas mãos, mas Roger as afastou com delicadeza enquanto se ajoelhava ante ela.
? Não me oculte sua beleza, minha pequena bruxa ? murmurou. Sua boca beijou o ventre no qual um dia houve uma vida dentro. ? Não quero que se esconda de mim.
Esperou que lhe respondesse, mas não o fez. Só colocou as mãos sobre seus ombros para não cair. Seus dedos retornaram às nádegas para acariciá-las com devoção. Voltou a observar como Evelyn separava lentamente suas pernas. As mãos caminharam devagar pelas coxas até alcançar os lábios inchados e úmidos. Depois de inspirar o aroma erótico de sua esposa, acariciou com ligeireza aquelas dobras molhada. Seus dedos lhe facilitaram o trajeto, separando com suavidade as delicadas protuberâncias sexuais.
? Nota minhas carícias? ? Exigiu saber com uma mescla de luxúria e sufoco.
? Sim... ? murmurou mal consciente disso.
? Quer que siga? Quer que continue, meu amor? ? Nem ele mesmo foi consciente de haver dito aquela palavra. Nunca a tinha posto em sua boca anteriormente, mas apesar de entrecerrar seus olhos ao escutar-se, não se arrependeu. Adorava-a, desejava-a, necessitava-a, e isso não era a base do amor?
? Sim, por favor ? rogou-lhe.
Seu corpo se sacudia com tanta força que se agarrou com ímpeto aos ombros de Roger. Mal podia levantar suas pálpebras e se envergonhava por ser incapaz de fechar a boca e não fazer parar aqueles diminutos gemidos provocados pelo prazer. Isso não era o normal, ou talvez sim. Não tinha com o que compará-lo salvo com Scott e, onde suas mãos tinham provocado frieza, as de seu marido a faziam arder.
? Deixe-me conhecer todo seu corpo... ? murmurou devagar enquanto o dedo do meio apalpava o interior de seus lábios procurando o pequeno botão do clímax. ? Deixe-me explorar cada pedaço da sua pele... deixe-me te demonstrar quanto te necessito...
? Faça-o... ? disse sem voz.
? Agarre-se com força aos meus ombros, meu amor. Vou fazer com que desfaleça de prazer ? advertiu antes de mover seu dedo com rapidez sobre o pequeno clitóris.
Gotas de suor começaram a banhar sua pele. Não imaginou que com um simples dedo pudesse enlouquecê-la até o ponto de flexionar seu corpo para diante e cair sobre Roger. Sua respiração era intermitente, mal conseguia duas inspirações seguidas sem gritar. As pernas perdiam sua força e podia notar como começavam a encurvar-se. Mas seu marido a elevou, colocou-a como ele queria que estivesse e então aconteceu algo que, se não tivesse estado na cama, teria caído desabada ao chão. Toda a agitação que sentia ali onde ele tinha o dedo, ali onde era açoitada sem fim, acalmou-se com a língua de Roger.
? Está bem? ? Bennett saltou sobre ela assombrado.
? O que... o que foi isso? ? Perguntou aturdida.
? Isso, meu amor... ? disse com um sorriso de orelha a orelha ? é algo delicioso. ? Dirigiu sua boca para a dela e a beijou com ardor. Sua língua se apoderou dela, possuiu-a e a desfrutou. Evelyn descobriu que o sabor de Roger se mesclava com outro um pouco ácido, frutado. Ruborizou-se ao saber de onde procedia, mas não se amedrontou, queria mais. Muito mais.
? Repita ? ordenou desenhando um sorriso malicioso em seu rosto.
? É uma ordem? ? Perguntou zombador.
? É outro mandato que acabo de acrescentar à lista. ? Seus olhos verdes brilhavam pelo desejo. Urgia-a senti-lo ali abaixo e o necessitava já.
? Pois como te disse, acatarei todas as suas normas, querida.
Começou a percorrer o corpo feminino com sua boca. Fez várias paradas antes de chegar ao lugar que tanto ansiava sua mulher. Primeiro beijou o pescoço e lambeu cada milímetro de sua pele até que alcançou o lóbulo onde deveria luzir uns brincos de diamantes. Acariciou-o devagar fazendo com que o pelo se arrepiasse ao úmido tato. Prosseguiu até seus seios. Aquelas pequenas montanhas com suas pontas escuras o deixaram louco. Absorveu, mordeu e apertou com seus dentes os elevados mamilos para escutar seus gritos. Adorou ouvi-la. Adorou observar como seus seios se moviam agitados pelo prazer. Continuou seu trajeto para baixo gerando um caminho brilhante depois do passo de sua língua. Era uma tortura ter demorado tanto até alcançar seu sexo, mas não tinham pressa, já não. As grandes mãos se colocaram sobre as coxas, separando-as com suavidade. Depois de apartá-las, Roger admirou o fogo que ela escondia entre estas. Aproximou seu nariz para voltar a encher seus pulmões do delicioso aroma de Evelyn. O fez várias vezes, possivelmente mais das que deveria. Nem tentou fechar seus olhos ao aproximar sua língua para os amaciados lábios. Precisava contemplar tudo. Por mísero que fosse o movimento de sua mulher ao roçá-la, desejava averiguá-lo.
Não podia parar os tremores. Suas pernas, arqueadas e abertas, sacudiam-se de um lado para outro. Em mais de uma ocasião pensou que golpearia a cabeça de Roger com os joelhos, mas não foi assim. Enquanto ele acariciava o sexo com seus lábios e com sua língua, agarrava com solidez as pernas para que deixassem de agitar-se. Era impossível permanecer quieta quando todo o corpo se sacudia devido às convulsões que se propagavam por cada milímetro da pele. Evelyn gritou ao notar a pressão dos dentes ali abaixo. Levou as mãos para a boca para não repetir o uivo, embora mal o silenciasse. Continuou gritando, chiando, uivando pelo prazer que seu marido lhe dava entre as pernas. Em mais de uma ocasião vislumbrou o firmamento repleto de estrelas brilhantes no teto de seu quarto. Não era possível. O que fazia seu marido não era real.
? Minha pequena bruxa... ? sussurrou Bennett elevando-se sobre ela. ? É puro fogo. Jamais necessitei tanto estar dentro de uma mulher. Deixa-me louco, Evelyn. Perturba-me, rouba-me a pouca racionalidade que tenho.
Ela esticou as mãos para lhe segurar o rosto e atrai-lo para sua boca. Desejava voltar a degustar daquela deliciosa mescla que ele guardava.
? Quero te possuir, quero te fazer minha ? murmurou. Ao ver como sua esposa assentia pousou os pés no chão, tirou a calça e as meias e retornou à cama. ? Não doerá, prometo-lhe isso.
Evelyn não estava tão segura disso. Se o corpo de Roger era imenso, seu sexo não era menor. Esticou as palmas da mão e, curiosa, começou a tocá-lo. Sua pele lhe pareceu sedosa, mas ao mesmo tempo forte e rígida. Abriu os olhos como pratos ao notar a umidade em suas mãos. A isso se referia quando lhe dizia que perdia o controle? Teria cuspido sua semente antes de introduzir-se em seu interior? Se fosse isso, se ele já tinha explodido, então compreenderia a razão pela qual Scott sofria aqueles percalços. Desejava-a tanto que não era capaz de controlar-se.
? Evelyn... ? chamou sua atenção. ? Eu jamais... em minha vida... ? Abaixou a cabeça e a beijou com desejo. Enquanto, com uma mão, foi endireitando seu membro até encontrar o lugar no qual devia entrar.
Não foi capaz de controlar-se. Queria fazê-lo lento, devagar, entretanto, não o conseguiu. Ao sentir a calidez dela, apertou seus glúteos, apoiou as palmas de suas mãos sobre o colchão e a invadiu com força.
? Sinto muito, sinto muito, mas não posso me controlar. Quero te fazer minha, quero te sentir, quero...
As mãos de Evelyn se colocaram nas costas masculina. Seus dedos se apertaram tanto nela que terminou lhe cravando as unhas. Cada penetração, cada embate, ela o sofria com enérgicos espasmos. Podia sentir o início do sexo de Roger lhe penetrando o interior, parecia que desejava alcançar o que ninguém podia conseguir. Tentou fechar os olhos. Precisava fechá-los para deixar-se levar. Embora não pôde fazê-lo, desejava apreciar como era o rosto de Roger, como mudava a cor de seus olhos quando o clímax o sucumbia.
? Evelyn! Evelyn! ? Gritou com tanto ímpeto seu nome que os tendões se marcaram na garganta.
Os tremores se fizeram mais intensos, rápidos e incontroláveis. O suor de ambos se mesclou. Uma estranha essência se estendeu ao redor deles. Em cada inspiração, cada vez que ela cheirava aquela mescla a especiarias, mais excitada se encontrava. Apertou com mais força suas unhas na pele de Roger, elevou o queixo e quando estava a ponto de gritar, a boca de seu marido a possuiu. Não deixou de beijá-la até que pararam de tremer, até que ambos os corações relaxaram seus batimentos, até que as respirações se compassaram.
? Sinto muito... ? Roger saltou da cama, dirigiu-se para a bacia e pegou o pano úmido. ? Sinto de verdade. ? Não deixava de desculpar-se enquanto a limpava. ? É a primeira vez que verto minha semente... é a primeira vez que não controlo...
Evelyn se incorporou na cama e segurou a mão de seu marido que limpava sua zona erógena. Não sabia o que pensar ao lhe escutar dizer que era a primeira vez que sua semente se introduzia em uma mulher. Possivelmente mentia, mas ao vê-lo tão inquieto, tão assombrado, a dúvida se dissipou. Entretanto não devia temer por uma possível gravidez. Não com ela.
? Roger não sofra ? disse desenhando um pequeno sorriso no rosto. ? Não acontecerá nada do que pensa.
Bennett deixou cair o objeto no chão. Seus olhos se abriram tudo o que puderam, seu coração deixou de pulsar, a expressão de agonia que mostrou seu rosto ao compreender que podia deixá-la grávida antes de averiguar se entre eles tinha crescido o amor se dissipou com brutalidade. Não podia ter filhos? Era impossível! Havia-lhe dito que esteve grávida. Só uma mulher que... o compreendeu com rapidez. Algo tinha acontecido naquele aborto que a deixou estéril. Ao ser consciente de que Evelyn lhe estendia a mão para que se colocasse ao seu lado, estendeu a sua e se tombou junto a ela. Abraçou-a com força contra seu corpo e lhe beijou o cabelo.
? Tenho frio. ? Não foi um mandato, mas sim uma mera informação.
Roger esticou o braço e pegou o lençol para cobri-la. Ela se aproximou ainda mais a ele convertendo-se de novo em uma só figura.
? Descansa um pouco ? sussurrou-lhe com ternura. ? Despertá-la-ei antes que batam à porta. ? A mulher assentiu com um suave movimento de cabeça.
Bennett, apesar de estar cansado, foi incapaz de fechar os olhos. Uma centena de pensamentos golpeava sua mente sem trégua. O que aconteceria agora? Seguiriam assim toda a viagem até chegar a Londres? Isso esperava porque tê-la daquela forma acalmava seus medos. Entretanto, o que ocorreria quando Evelyn descobrisse o passado de seu marido? «Será ela quem te abandone ? refletiu com tristeza. ? Quem pode viver junto a uma pessoa como eu?». Apesar do inevitável final, Roger priorizou um de seus objetivos: antes que ela se afastasse, antes que Evelyn decidisse separar-se dele, procuraria com afã ao suposto morto e faria realidade o rumor. Ele mesmo lhe arrebataria a vida com suas próprias mãos. Depois de beijar de novo o cabelo de sua esposa e intensificar seu abraço, olhou para a janela e suspirou.
Apesar de sua insistente negativa, Roger a ajudou a vestir-se e a penteá-la. Adiantando-se à chamada de Anderson, ambos estavam preparados para retomar a viagem. Quando escutaram uns pequenos golpezinhos na porta, olharam-se sorridentes. Evelyn acreditou que seu marido daria suas típicas pernadas para chegar à saída e responder ao criado, mas em vez disso abraçou-a e a beijou com paixão.
? Estou desejando que chegue de novo a noite. ? sussurrou-lhe ao ouvido. ? Vou contar as horas que faltam para tê-la outra vez nua em meus braços.
Ela se ruborizou ao escutar as insinuantes palavras e notou em seu baixo ventre um incrível palpitar. Desejava-o. Evelyn também desejava que chegasse aquele momento para voltar a sentir o prazer que lhe provocavam as carícias de seu marido. Antes de sair olhou-se no espelho e se surpreendeu ao ver um rosto repleto de felicidade. As olheiras lhe pareceram maravilhosas, o enredado cabelo recolhido em um torpe coque pareceu-lhe o penteado mais surrealista que tinha mostrado até o momento e seus lábios, avermelhados pelo roce da barba, exibiam-se mais volumosos que de costume. Era muito difícil ocultar o que tinha acontecido durante as horas anteriores naquele quarto. Embora começasse a descobrir, atônita, que não lhe importava o que pensavam outros.
? Adiante-se ? indicou Roger soltando sua cintura. ? Vou pagar ao hospedeiro e depois correrei até te alcançar.
Evelyn fez o que lhe propôs com carinho. Elevou seu queixo e caminhou para a carruagem sem olhar para trás. Ao sair da estalagem se assustou ao perceber como o sol voltava a tocar seu rosto e o machucava. Içou a mão direita, abaixou levemente a cabeça e caminhou depressa para o veículo, mas quando estava a ponto de chegar, no momento em que Anderson lhe abria a porta para lhe facilitar o acesso, notou uma pressão na mão esquerda tão intensa que se girou para esse lado.
? Senhora... ? uma mulher de pouco mais de cinquenta anos e vestida de rigoroso luto era quem a impedia de alcançar o carro. ? É seu marido o homem que ontem me pediu uma beberagem para acalmar suas queimaduras? ? Perguntou sem mal respirar.
? Bom dia ? respondeu com cortesia. ? Sim, pode ser que seja ele.
? Tome cuidado, milady, não é um homem bom. Leva em suas costas a marca da morte ? falou com pavor. Seu rosto, enrugado pelo passar dos anos, enfatizava suas palavras.
? Não o conhece! ? Exclamou zangada. Olhou para Anderson para lhe pedir auxílio e este, não muito cortês, afastou a anciã de seu lado.
? É você quem não sabe como é a pessoa que está ao seu lado! ? Clamou desesperada.
Evelyn subiu depressa, fechou a porta e olhou para o lado contrário. Não queria escutá-la nem olhá-la, mas era tanto o interesse que lhe provocava a estranha mulher que terminou por virar-se para ela. Quando a anciã apreciou que era observada, jogou uma olhada ao seu redor e percebendo que não seria retida de novo pelo lacaio, caminhou para a carruagem. Esteve a ponto de dizer algo, mas ao tocar o carro com suas mãos, os olhos desta se abriram tudo o que podiam alcançar, deu uns passos para trás e se benzeu.
? Não é o diabo... ? murmurou aterrada. ? É seu sangue que foi germinado por essa abominação...
? Acontece algo? ? Inquiriu Roger zangado ao ver as duas mulheres.
? Lute por se liberar do mal. Faça todo o possível para fazer desaparecer até a última gota de seu sangue. Só assim se liberará de seu destino ? comentou a anciã a Bennett antes de correr para a estalagem sussurrando palavras em um idioma que nenhum dos dois conseguiu decifrar.
? Quem era? ? Quis saber Evelyn quando seu marido se sentou ao seu lado e estendeu o braço para aproximá-la para ele.
? Só uma velha louca que me deu um remédio à base de ervas para acalmar suas queimaduras ? respondeu antes de lhe dar um beijo na cabeça. ? Incomodou-te? Tenho que descer e recriminar sua atitude com a minha esposa? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Não. Acredito que a pobre já tem o suficiente com a sua demência ? alegou antes de apertar a cintura de seu marido e pousar sua cabeça sobre o duro torso.
Mas as palavras da anciã não cessaram de repetir-se uma e outra vez em sua mente. Não entendia muito bem o que tentava expressar, entretanto, quando fechou os olhos para descansar antes de chegar ao próximo povoado e comprar aquele chapéu que, segundo Roger, necessitava, abriu-os de par em par ao recordar o que estava escondido sob o assento.
XXVI
Tal como augurou, o trajeto para Londres se fez comprido, mas graças ao comportamento de Roger o desfrutou mais do que esperava. É óbvio, cumpriu suas palavras sobre o que aconteceria na noite seguinte quando pernoitassem em outra estalagem, embora nessa ocasião enchesse a habitação de mantimentos para repor a energia que gastaram durante a noite. Os rubores em sua pele, pelas carícias e beijos, aumentaram até ter que comprar, em um dos povoados que visitaram, um remédio para acalmar sua delicada cútis. Entretanto, Evelyn não ocultava as marcas de seu prazer. Exibia-as com altivez. Quem não poderia proclamar que um matrimônio criado de um pacto inadequado começava a dirigir-se para o bom caminho? Nem ela mesma o teria acreditado. Recordou o momento no qual Roger apareceu em Seather com o papel que autorizava o contrato matrimonial, seu desmaio, a tosca cerimônia, seu abandono e, é óbvio, seu regresso. Não tinha transcorrido muito tempo desde que seu marido desembarcara, mas era o suficiente para confirmar que não desejava que partisse de novo. E agora menos que nunca. Estavam a ponto de chegar a Lonely Field, o lar de seu marido que também se converteria no seu. Ali, se Deus a ajudasse, encontraria as respostas que tanto açoitavam sua cabeça. Quem era na realidade Roger Bennett? Que passado tentava ocultar? Por que se transformou em um ser egoísta e petulante? E, sobretudo... por que tinha mudado tanto sua atitude após possui-la?
? Olhe! ? Exclamou Bennett com entusiasmo elevando-se do assento. ? Aí está meu lar! ? Voltou o olhar para ela, sorriu e murmurou: ? Nosso lar...
Evelyn se reclinou e olhou pela janela. Ao longe começou a divisar o enorme telhado que Roger chamava de lar, mas daquela distância mal pôde fazer uma ideia de como era. Seu marido lhe indicou que não seria maior que o dos duques, mas não deu importância às suas palavras. Um futuro marquês, e nada menos que o de Riderland, de cujo império se falava sem cessar nos grupos sociais, teria um palácio semelhante ao de Haddon Hall. Entretanto, quando a carruagem entrou no limite do imóvel, Evelyn levou as mãos para a boca.
? Adverti-te que não era uma grande extensão ? disse-lhe com certo pesar ao contemplar o rosto de sua esposa.
? É magnífica! ? Exclamou. Dirigiu as mãos para as de seu marido, apertou-as e esteve a ponto de beijá-las, mas Bennett o impediu ao assaltar sua boca com a sua.
? Meu coração está agitado... ? ronronou. ? Sinto-me tão feliz de que esteja aqui que sou incapaz de conter um grito de satisfação.
Evelyn gargalhou ao escutá-lo. Sabia que era certo o que lhe expunha. Podia apreciar o entusiasmado em seu rosto: desenhava um enorme sorriso, seus olhos brilhavam e relaxava a mandíbula, entretanto, suas mãos tremiam. Não conseguia saber se se deviam à excitação que sentia ou por medo da sua opinião sobre o futuro lar. Fosse o que fosse, ela apertou as trementes mãos e tentou acalmá-lo.
? Essas sebes, ? indicou separando sua mão direita da quente amarração ? Anderson e eu que plantamos. Embora te assegure que não sou o autor dessas formas trabalhadas que possuem.
A mulher dirigiu o olhar para onde assinalava seu marido e corroborou o que lhe explicava. O caminho que conduzia à entrada da casa estava adornado com duas fileiras de enormes e frondosos arbustos. Todos eles adotavam figuras diferentes, umas eram altas e magras, como se quisessem assemelhar-se aos picos de uma montanha, outras pelo contrário, eram curvilíneas e um pouco mais grossas. Mas conforme se aproximavam percebeu que todas tinham no interior a forma de animais. Como podiam realizar tal proeza com umas simples sebes?
? São totens ? esclareceu Bennett ao apreciar o assombro em sua mulher. ? Segundo seu autor, que conhecerá assim que estacionemos, mostram símbolos do meu caráter.
? Totens? ? Perguntou assombrada. ? Isso não é próprio dos...?
? Índios ? esclareceu afirmando com a cabeça. ? Sim, o criador dessas belezas é índio. Encontrei-o em uma das minhas viagens pela América. Estava a ponto de ser enforcado por um crime que, conforme se esforçava em proclamar, não cometeu. Eu acreditei em sua inocência e o comprei.
? Comprou-o?! ? Levantou tanto as pestanas que pôde senti-las acariciar suas sobrancelhas.
? Tudo se compra onde quer que se vá ? disse com ternura. ? Se tiver uma bolsa de moedas com a quantia que se espera obter ninguém é capaz de negar-se.
? Meu Deus! ? Exclamou tampando-se de novo a boca.
? Todos os meus criados, salvo Anderson, provêm de muitas partes do mundo, Evelyn. Aqui os trato com o respeito que merecem. Jamais ninguém lhes porá a mão em cima nem os utilizará como se fossem animais ? comentou com solenidade.
A mulher olhou absorta a seu marido. Não sabia o que responder. Nunca tinha imaginado que Roger albergasse em seu lar criados de outro lugar que não fosse Londres. Possivelmente porque só o povo nativo conhecia, melhor que nenhum outro, os costumes ingleses. Mas começou a não estranhar o que começava a conhecer de seu marido. Ninguém podia igualar-se. Ninguém poderia assemelhar-se a um homem tão incomum.
? Vamos querida. Acredito que todos desejam conhecer minha esposa ? sugeriu Bennett com um sorriso de orelha a orelha ao descobrir que não faltava ninguém para sair da residência para apresentar-se ante sua mulher.
Evelyn aceitou a ajuda de Roger para descer da carruagem. Com o chapéu que este lhe tinha comprado colocado sobre sua cabeça mal podia ver mais à frente do chão. Angustiada por não contemplar o que havia ao seu redor, terminou por tirá-lo e jogá-lo no chão. Então ficou sem respiração. Dez pessoas permaneciam na entrada esperando-a. Quatro delas eram de pele escura, três um pouco mais claras e outros eram tão pálidos como ela, mas quem chamou sua atenção foi um homem de cabelo comprido e cor azeviche. Tinha o peito descoberto, embora tentasse ocultá-lo sob um colete de cor marrom. Dirigiu seus olhos para seu marido e esboçou um pequeno sorriso. Já sabia de onde procedia a insistência de Roger por mostrar seu torso com descaramento. Sem pensar muito, deduziu que também ele era o autor das figuras esculpidas nos arbustos. Não podia errar em uma coisa tão clara! De repente notou a pressão da mão de seu marido sobre a dela. Evelyn imaginou que adivinhava seus pensamentos e lhe respondeu com um sorriso extenso.
? Querida, ela é Sophie, nossa governanta.
? Encantada em conhecê-la, senhora ? disse enquanto realizava uma ligeira reverência. ? Nosso senhor nos falou muito de você, mas esqueceu de descrever sua beleza. ? Sophie olhou a Roger como se o estivesse repreendendo.
? Posso te assegurar que nem eu mesmo sabia como era ? afirmou antes de soltar uma gargalhada e coçar a cabeça com a mão direita.
? É uma longa história ? acrescentou Evelyn ao contemplar o assombro da governanta. ? Se desejar escutá-la, contar-lhe-ei isso em breve.
? Estarei desejosa de que chegue esse momento, milady ? disse dando uns passos para trás.
? Ele é Yeng. ? Assinalou Roger a um moço com olhos rasgados e uma pele um pouco ambarina. ? Em seu antigo trabalho era crupiê, mas aqui se encarrega da manutenção de Lonely.
? Crupiê? ? Perguntou assombrada.
? Sim, minha senhora ? respondeu Yeng saudando-a da mesma forma que tinha feito Sophie.
? De onde é? ? disse bastante interessada.
? Da França.
? Nem todos os que têm um aspecto asiático nasceram lá ? murmurou Roger ao seu ouvido de maneira zombadora.
Evelyn se ruborizou com rapidez. Notou como lhe ardiam as bochechas ante um deslize tão infantil, mas quando Roger beijou com suavidade uma de suas maçãs do rosto, esse calor diminuiu. Um a um se foram apresentando. Todos tinham uma história interessante que lhe narrar sobre as diversas procedências e a maneira que conheceram seu marido. Mas ficou aniquilada quando o índio apareceu em frente a ela. Ao contemplá-lo mais de perto divisou umas marcas ao redor de seu pescoço. Não eram brancas, mas sim escuras e tinham um interessante desenho. Observou-o sem pestanejar enquanto falava com Roger. Seu comportamento, sua atuação com seu marido era muito diferente da que tinham os outros. Nem Anderson, o fiel criado e possivelmente a mão direita de seu marido, tinha tanta confiança para chamá-lo por seu nome de batismo.
? Finalmente, ? disse Bennett ? o batizamos com o nome de John. Não nos pareceu conveniente a nenhum dos dois chamá-lo com seu nome real. As pessoas estão acostumadas a afastarem-se quando o vêem.
? Senhora... ? John se aproximou dela, pegou-lhe a mão e a beijou com suavidade.
? Pode me chamar de Evelyn ? respondeu com suave fio de voz.
? Bom, já conhece todos os que habitam Lonely e agora, se te parecer bem, mostrar-te-ei o interior do meu lar. Estou seguro de que te assombrará o que ocultam estes muros ? apontou Bennett orgulhoso.
? Estou desejosa de descobri-lo ? comentou aceitando a mão de Roger e caminhando para o interior.
Quando o casal desapareceu dos olhos de todos os trabalhadores, estes olharam com rapidez a John. Permanecia imóvel, pétreo e com as pupilas cravadas na entrada do lar.
? É ela? ? Yeng rompeu o silêncio.
? Sim ? respondeu o índio com firmeza.
? Pois não tem pinta de poder salvar nada! ? Exclamou Sophie pondo os olhos em branco. ? É uma mulher esquálida. Um pouco alta para ser uma dama e não dá a impressão de ter coragem para enfrentar tudo o que lhe vai acontecer.
? Acaso o fogo nasce com intensas chamas? ? Alegou John sem expressar emoção em seu rosto.
? Fogo? Olhe John... ? Sophie aproximou-se dele e assinalou com um dedo inquisidor no peito ? se ela não for esse fogo que tanto necessita o senhor, diga aos seus etéreos espíritos que pegarei o machado com o qual corto o pescoço das galinhas e, uma a uma, destroçarei as sebes nas quais passas tanto tempo rezando.
? Eu adoro quando se zanga ? murmurou somente para eles dois.
? Pois te advirto que o estou e muito. Se ela não o salvar, se não for capaz de conseguir o que aquelas harpias com pernas de galgo não obtiveram, penso em te buscar outra mulher que acalme suas necessidades espirituais ? retrucou antes de virar-se e entrar também no lar.
? Fará ... ? sussurrou para si.
XXVII
Cada cômodo que encontrava era diferente aos demais. Nenhum se assemelhava nem mesmo em uma única peça de decoração. Roger fazia de seu lar um pequeno mundo. A sala de jantar, a primeira sala que visitou, era muito parecia com a que teria qualquer mansão londrina: uma grande mesa central com uma dezena de cadeiras sob a formosa tábua de madeira, vitrines esculpidas, suportes nos quais pousavam candelabros de laboriosos desenhos, enormes abajures de cristal que se iluminavam mediante a reclamada luz a gás, equipamento de porcelana... Entretanto, as paredes não estavam cobertas de pinturas de seus antepassados. Enormes e floridas tapeçarias ocupavam esses lugares. Seis contou. Dois deles só eram paisagens de montanhas onde um rio atravessava a tapeçaria. Eram pequenos paraísos em meio de um nada, mudos ante os ouvidos de quem tentava escutar o passar da água, mas esplêndidos para todos os que fossem capazes de admirá-los com os olhos. Um deles lhe recordou o lugar no qual os duques ofereceram o piquenique. As montanhas ocultavam o sol, o caudal transbordante de vegetação fluía a seu passo com liberdade e percebeu que a imagem transmitia a mesma tranquilidade que ela obteve naquele lugar salvo quando foi jogada na água. Sorriu de lado ao recordar a infantil cena, voltou a ver-se golpeando o inerte líquido enquanto Roger não cessava de rir.
Algo tinha mudado entre eles. Soube assim que descobriu que se acontecesse de novo, abrir-lhe-ia os braços para que se unisse ao seu corpo molhado. Morta de calor por seus pensamentos, dirigiu o olhar para uma tapeçaria onde havia figuras de mulheres embelezadas com roupa desgastada pelo uso. A ambos os lados tinham umas cestas de vime e, pelos objetos que elas seguravam em suas mãos e tentavam limpar na água, deduziu que se tratava de uma cena habitual entre lavadeiras. Mas o que chamou verdadeiramente a atenção de Evelyn, que não pôde deixar de olhar, foi um imenso tecido que permanecia sozinho ao final da sala, justo atrás da cadeira que Roger devia ocupar. Imaginou-o ali sentado, conversando com alguns convidados e exibindo a magnitude que projetava a tapeçaria sobre ele. Evelyn caminhou para o inerte objeto. Sua fascinação aumentou ao contemplá-lo de perto. O imponente cavaleiro vestido com uma armadura cinza montado sobre um corcel branco que elevava suas patas dianteiras era tão majestoso que esticou a mão para tocá-lo.
? Você gosta? ? Roger, sem deixar de observar a sua esposa, colocou-se atrás dela, segurou-a pela cintura e apoiou seu queixo sobre o ombro direito da mulher.
? Quem é? ? Perguntou intrigada.
? Segundo o vendedor é dom Juan da Áustria9.
? O que representa? ? Voltou a perguntar sem diminuir seu desejo por descobrir o que havia atrás do cavaleiro.
? A batalha do Lepanto10. Vê o fogo que há ao fundo? ? Evelyn assentiu. ? Conforme me narrou o comerciante de quem o comprei, são os últimos povos turcos que batalharam com ardor.
? É lindo... ? sussurrou.
? Sim, também me parece isso. Por isso regateei seu preço. Embora soubesse que valia o que me pedia o comerciante, não estava disposto a perder minha pequena fortuna nele. Bom, minha querida esposa, prosseguimos ou seguimos aqui parados observando um cavaleiro sobre seu garanhão?
? Continuemos... ? respondeu aceitando sua mão.
? Estupendo, porque estou desejoso de te mostrar nosso quarto ? disse-lhe em voz baixa.
A Evelyn se fez um nó na garganta.
? Tudo o que vê ? começou a contar enquanto se afastavam da sala de jantar e se dirigiam para as escadas que os conduziriam ao andar superior ? foi adquirido em minhas explorações.
? Viajou tanto?
? Muito. Se a memória não me falhar, desde os vinte anos. Quando consegui o Liberté, meu navio ? comentou com orgulho.
? Deve ser lindo navegar por alto mar e poder visitar novos e paradisíacos lugares ? apontou Evelyn manifestando entusiasmo.
? Às vezes sim e outras nem tanto...
? Quando não? ? Virou-se para ele e o olhou sem pestanejar.
? Quando se tem uma mulher tão bela como você e não pode me acompanhar ? respondeu zombador.
? É um canalha... ? disse ao mesmo tempo em que desenhava um extenso sorriso.
? Sei ? respondeu antes de beijá-la.
Subindo as escadas mais rápido do que deveria, Roger foi lhe explicando onde dormiam as pessoas que tinha conhecido na entrada, onde permaneceriam os convidados quando decidissem os visitar e por último a conduziu para seu quarto.
? Adiante... ? disse após abrir a porta e deixando-a entrar primeiro ? pode entrar no lugar onde passaremos a maior parte das nossas vidas.
Evelyn entrou com certo temor. Não sabia o que encontraria em um lugar tão íntimo para seu marido. De repente, assaltou-a a dúvida. Perguntou-se se de verdade ela desejava descansar durante o resto de sua vida ao seu lado. Até agora não tinha sido consciente do que isso significava. Achava-se em uma nuvem, em um momento de êxtase desmesurado que mal lhe permitia pensar com claridade. Era suficiente uma vida sexual ativa para viver um matrimônio com plenitude? Olhou de esguelha a seu marido. Este mostrava o mesmo entusiasmo que um menino ao ter em suas mãos um presente. Por que ele não sentia medo? Por que mostrava tanta segurança? Não soube responder, embora umas palavras aparecessem em sua mente golpeando com força: «Meu amor», tinha lhe sussurrado Roger quando dormiram juntos, mas isso não a tranquilizava.
Scott tinha utilizado as mesmas palavras para enrolá-la, para atrai-la como faz o mel a um urso. E depois? Depois partiu.
De todos os modos não podia compará-lo com aquele titã que a observava com entusiasmo, eram diferentes e a situação também: Scott procurava o matrimônio enquanto Roger o tinha obtido sem desejá-lo. Suspirou várias vezes e, apesar do tremor de suas pernas, caminhou pelo interior do dormitório. A primeira impressão que teve foi de amplitude. Sim, era o maior quarto que já tinha visto. Podia albergar, com facilidade, duas vezes o seu de Seather. Frente a ela duas cortinas de cor negra se amarravam a cada lado da janela. Devagar, com muita calma inclusive, prosseguiu divisando cada objeto, cada elemento que guardava Roger nela. Abriu os olhos como pratos ao contemplar a cama.
Estava segura de que, embora estirasse seus braços e pernas por ela, nunca tocaria o final de cada extremo. Sorriu de lado. Era lógico que seu marido teria adquirido o leito mais colossal de qualquer loja, posto que facilmente ultrapassasse vários palmos daquele que se autoproclamara o homem mais alto de Londres. Sobre a colcha de cor vinho, três grossos almofadões lhe ofereciam uma visão confortável. Desejou pegar um e apertá-lo para confirmar sua suavidade, mas desistiu. Já o faria em outro momento. Olhou para cima apreciando a largura do dossel. Entrecerrou os olhos para tentar averiguar o que indicavam os desenhos esculpidos na madeira escura, mas de onde se encontrava não distinguiu nenhum. Continuando, cravou suas pupilas nas cortinas que pendiam do dossel. Estavam bordadas em ouro? A cor dourada daqueles objetos era realmente ouro?
Voltou a vista para seu marido. Este permanecia no marco da porta com os braços e pernas cruzadas. Tentava aparentar que estava relaxado, mas tal como apertava a mandíbula, Evelyn soube que não o estava.
? Um sultão me deu isso de presente ? disse com voz sussurrante. ? Eu jamais compraria uma coisa tão ostentosa.
Não lhe respondeu com palavras, só assentiu e continuou investigando. Ao pé da cama um enorme tapete de cor azul marinho convidava a ser pisado sem sapatos que entorpecessem a captação da suavidade de seu tato. Dirigiu seus olhos para o sofá. Não, não era um sofá qualquer, era um interminável divã. Se ela tentasse tombar-se sobre ele a pele que o forrava a faria escorregar até terminar sobre o chão.
? Sou grande... ? assinalou ao vê-la tão assombrada pelas dimensões da poltrona.
Evelyn respondeu a sua afirmação com um grandioso sorriso. Não precisava indicar que seu tamanho era bastante considerável, já o tinha percebido no dia em que apareceu no funeral de seu irmão. Sempre se complexou por sua altura, era a mais alta de suas amigas, mas no dia que Roger apareceu ao seu lado teve que levantar muito a cabeça para poder conseguir o olhar aos olhos.
Descalçou-se. Não devia fazê-lo, mas não queria manchar com as solas de seus sapatos o lindo tapete. Caminhou sobre este até alcançar uma estante que ocupava todo o comprimento da parede e que se achava entre o balcão e a chaminé. O normal, o habitual para outros, era ter uma biblioteca no piso de baixo. Pelo menos assim o tinha o resto do mundo. Mas pouco a pouco ia confirmando que seu marido era um homem peculiar e muito distinto a todos os que tinha conhecido.
? Eu gosto de ler sem que ninguém me incomode ? esclareceu de novo Roger ao observar as caretas de estranheza que mostrava sua mulher em cada coisa que achava.
? Não interprete mal minhas reações ? apontou virando-se sobre si mesma. ? Tudo o que encontrei até o momento não me produziu mal-estar, mas sim fascinação. Resulta-me incrível que um homem como você tenha adequado seu lar com tanto... como o diria? ? Pôs os olhos em branco ao não encontrar a palavra exata.
? Aprimoramento? ? Interveio divertido.
? Sim, aprimoramento está bem ? sorriu.
? O que imaginava? ? Endireitou-se e caminhou para ela. ? Como pensou que seria meu lar? ? Parou antes de chegar ao tapete.
? Tenha em conta que o único que escutei de ti em Londres foi que era um libertino, um homem enlouquecido por levantar as saias de todas aquelas mulheres que se abanavam com suas próprias pestanas. Sem esquecer a fama de bebedor e jogador inveterado ? continuou sorrindo apesar de o haver definido como um indesejável.
? Os rumores exageram... ? grunhiu.
? Isso vejo... ? sussurrou com um suspiro. De repente seus olhos se cravaram em uma porta que havia atrás das costas de Roger.
? É só o cômodo de asseio. ? Seu tom de voz voltou a ser sussurrante. ? Mas estou pensando em deixar a porta fechada por uns dias, possivelmente até dentro de vários meses...
A intriga a fez correr para aquela entrada, esticou a mão e quando abriu a porta ficou atônita. Suas pestanas tocaram de novo suas sobrancelhas e mal pôde fechar a boca. Era de esperar que fosse grande, mas nunca imaginou que uma banheira pudesse ter a largura e a profundidade de um pequeno lago. As paredes não estavam revestidas de papel ou de grossas capas de pintura, mas sim de lâminas retangulares de porcelana cor marfim. A privada, do mesmo material, tinha um depósito do qual pendia uma corda. Voltou-se para Roger sem poder conter seu assombro.
? Sei, ? comentou Roger com uma estranha mescla de entusiasmo e medo ? nunca viu algo semelhante.
? De onde...? Como conseguiu...?
? Pois não sei te dizer a procedência desta magnífica banheira. ? Levou a mão direita para a barba e a acariciou devagar. ? Depois de me haver descrito com tão hábeis palavras, o que pensará quando te disser que esta beleza a descobri em um bordel de Paris?
? Em um bordel?! ? Arqueou as sobrancelhas e seu assombro aumentou até limites incalculáveis.
? Vê? Sabia que ia pôr essa cara! ? Disse divertido. ? Evelyn, querida, nenhuma das tinas que vi em Londres podiam albergar meu tamanho. Cada vez que tentava me assear tinha que fazê-lo por partes.
? Claro... e viajou até Paris e se meteu em um bordel para encontrar o que necessitava ? interrompeu lhe com uma mescla de ira e sarcasmo. Roger esticou sua mão, mas ela esquivou-se do roce.
? Não foi assim exatamente... ? Deixou que ambas as mãos se estendessem para o chão. ? Em uma de minhas viagens a França conheci um cavalheiro que frequentava os ditos locais pecaminosos. Um dia tinha tomado mais taças das quais pude suportar e me ofereceram um quarto onde passar meu estado de embriaguez. Então, ao abrir a porta para me refrescar, fiquei fascinado por essa imensa banheira. Perguntei à madame quem tinha construído essa impressionante banheira e me deu com rapidez a direção do arquiteto.
? É óbvio... pergunto-me... o que lhe ofereceria para que atuasse com tanta prontidão? ? Disse com aparente desdém enquanto caminhava para o imenso espelho que se encontrava no lado oposto da grande tina. Olhou para um lado e logo para o outro e lhe parou o coração ao compreender que o que acontecesse dentro daquela banheira refletir-se-ia no espelho.
? Tratava-se de um afamado italiano que estava acostumado a passar longas temporadas em Paris para prover seus clientes de espetaculares quartos de banho ? continuou falando para não dar importância ao pequeno ataque de ciúmes que mostrou sua mulher. Devia zangar-se ante uma atuação tão infantil, mas lhe produziu o efeito contrário, sentiu-se tão orgulhoso que lhe alargou ainda mais o peito. ? Falei com ele, convidei-o a vir a Londres e quatro meses depois de sua chegada meu pequeno paraíso relaxante estava construído.
? Não sei o que pensar... ? disse um tanto aturdida.
? Comentei-te que não me importava seu passado e que esperava que não julgasse o meu ? comentou com voz pesarosa. Aproximou-se dela muito devagar, virou-a para ele e a olhou fixamente. ? Evelyn, a mim só interessa quem é agora, não o que foi antes de me conhecer.
? Sim, já me advertiu disso, mas por mais que o tente, não posso diminuir uma estranha ira que cresce em meu interior ao pensar que outra mulher esteve aqui e que gozou de suas carícias aí dentro ? resmungou.
? Não trouxe nenhuma mulher à minha casa salvo a ti ? apontou antes de soltar uma gargalhada. ? É a única que pôs seus bonitos pés neste lugar ? disse aproximando seus lábios dos dela. ? E a única que o fará...
? Jure! ? Gritou afastando o rosto para que não a beijasse.
? Juro-lhe isso... ? suas mãos apanharam o rosto de Evelyn e a imobilizou para finalizar o que se propôs, beijá-la.
Quando abriu os olhos descobriu que se achava no quarto. Roger a tinha pousado sobre o tapete. Suas mãos se dirigiam para os laços do vestido com a intenção de despi-la para possui-la outra vez. Fechou-os de novo fazendo com que se intensificassem os roces dos dedos ao caminhar pelas costas. A língua masculina percorria o interior de sua boca provocando umas suaves e cálidas carícias. Face aos sutis movimentos, sua dominância, seu desejo de fazê-la sua percebia-se com claridade. Cada beijo que lhe oferecia era diferente do anterior. Evelyn, nas nuvens, rememorou a sensação que obteve a primeira vez que suas bocas se uniram. Não havia ternura nele. Não encontrou calidez em seu primeiro beijo, só luxúria. Entretanto desde que dormiram juntos, antes de empreender a volta a Londres, seus beijos se enterneceram até tal ponto que começaram a destruir o objetivo que a conduziu a seduzir seu marido. Respirou profundamente quando Roger liberou sua boca. Esta, que mal podia fechar-se, necessitava que continuasse beijando-a, conquistando-a, desfrutando-a.
? Tenho que confessar que ia te dar um tempo para que descansasse depois da viagem, ? comentou Roger com voz oprimida. Ajoelhou-se ante ela, colocou suas mãos sob o vestido e foi baixando com lentidão as meias ? mas temo que não lhe vá conceder isso.
Evelyn jogou a cabeça para trás e soltou uma sonora gargalhada. Não estranhou escutar aquela insinuação de seu marido. E mais, teria lhe entristecido que a tivesse deixado sozinha. Com urgência levantou seus pés para despojar-se do suave tecido. Notou que Roger pousava sobre cada perna uma mão e as acariciava com incrível tranquilidade. Cada ascensão e descida sobre seu corpo o desfrutava tanto que começou a sentir a opressão de seu peito contra o vestido e uma incontrolável calidez sob seu ventre.
? É formosa, descaradamente formosa... ? sussurrou enquanto dirigia as palmas para o sexo de sua esposa. Roçou levemente seus lábios úmidos com os polegares, impregnando-os de seu mel. Aquele sutil gesto provocou o que tanto ansiava, que lhe permitisse continuar. ? Segure-se nos meus ombros, vou beber de seu doce manancial.
Açoitada pela paixão que começava a despertar em seu interior, ela pousou seus trementes dedos sobre cada uma das partes superiores do torso masculino. Voltou a abrir sua boca ao notar como a língua de Roger lambia seu interior. Pressionou com mais força o corpo de seu marido ao sentir a pressão dos dentes sobre suas saliências inchadas. Ele os puxava e colocava a boca no interior para absorver sua essência. Encontrava-se extasiada. Tanto que podia roçar com a gema de seus dedos aquilo que denominavam loucura. Ele era fogo, chamas que a queimavam e a faziam derreter-se quando a tocava.
? Não me saciarei nunca de ti ? murmurou antes de incorporar-se e beijá-la. ? Nunca ? sussurrou depois do beijo.
? Hoje quero fazer uma coisa...
? O quê? ? Colocou suas palmas sobre as maçãs do rosto de Evelyn e a atraiu para ele para beijá-la de novo.
? Não recordo... ? sussurrou sem voz.
? Então... enquanto se lembra... ? a conduziu devagar para trás até que as costas da mulher tocaram a parede. ? Deixe que eu faça outra...
A mão masculina foi descendo pela figura de Evelyn. Acariciou o decote, colocou os dedos no interior do objeto e tirou um mamilo. Deixou de beijar os lábios femininos para dirigir-se para o duro botão. Mordeu-o, sugou-o ao mesmo tempo em que aquela mão travessa continuava a trajetória para a perna esquerda da mulher.
? Minha pequena bruxa... ? murmurou estrangulado pelo desejo. ? Por mais que o tento... não posso me saciar de ti. ? Içou a mão pela coxa até que chegou ao epicentro de Evelyn. Voltou a procurar o pequeno e inchado clitóris. Ao achá-lo, acariciou-o com a mesma intensidade que a primeira vez. Entretanto nessa ocasião procurava algo mais pecaminoso, mais desonroso. Não pararia até que o interior das coxas de sua esposa terminasse banhados por seu suco. Mais tarde, quando ela estivesse exposta, percorreria cada milímetro de sua pele com a língua.
? Roger! Roger! ? Gritou Evelyn como uma louca. ? Roger!
? Sim, pequena bruxa ? sussurrou-lhe enquanto mordia e lambia o lóbulo direito feminino. ? Diz meu nome. Grite ao mundo inteiro quem é seu marido, quem te ama e quem te deixa louca de luxúria. ? Com cada palavra, com cada pressão de seus dentes na orelha, o dedo do homem se introduzia e saía do sexo feminino como se fosse seu membro ereto. Não parou até que notou a sacudida do orgasmo, até que Evelyn vincou os dedos de seus pés, até que molhou suas pernas. ? Desejo-te tanto... ? continuou sussurrando sem deixar de lhe beijar o rosto. ? Necessito-te mais do que imagina...
? Roger... conseguiu dizer. Suas bochechas ardiam, seus olhos brilhavam e o corpo inteiro seguia submetido a contínuas convulsões.
? Diga-me...
? Deixa-me que te dispa?
? Me despir? ? Perguntou assombrado.
? Sim, isso é o que queria te dizer. ? Sorriu com suavidade.
? Se é o que deseja, aqui me tem ? respondeu Roger dando duas pernadas para trás e abrindo os braços em cruz. ? Sou teu e pode fazer o que desejar.
Teve que respirar várias vezes antes de aproximar-se. Não sabia como começar. Sua cabeça seguia dando voltas e se envergonhava ao notar que suas coxas estavam úmidas de sua própria essência. Respirou. Suspirou. E depois de uns instantes duvidosos, caminhou para ele. Tirou o nó da gravata e a lançou para algum lugar do quarto. Logo continuou com a jaqueta. A passagem desta pelo corpo rude e musculoso fez com que seu coração golpeasse com força contra o peito. Sem jeito foi desabotoando a camisa. Esta caiu ao chão sem esforço algum. Ao observar aquele peito mordeu o lábio inferior e seus olhos brilharam tanto que nenhuma estrela do firmamento pôde assemelhar-se. Pousou suas mãos sobre o torso nu, que ascendia e descia agitado pelo desejo e o acariciou regozijando-se em cada milímetro de pele. Sorriu satisfeita ao ver como seu marido fechava os olhos e inspirava com força. Excitava-o. Suas carícias, seus toques, enlouqueciam-no. De repente Roger gemeu com mais ímpeto do que tinha esperado. Evelyn o olhou desconcertada pela inesperada reação.
? É uma tortura que me toque e que eu não possa fazê-lo ? assinalou desenhando um malicioso sorriso em seu rosto. ? Se seguir assim, temo que terminarei ajoelhado de novo.
Evelyn entrecerrou seus olhos o advertindo, com essa forma de olhar, que não se movesse. Era seu momento, seu desejo, seu grande prazer. Face à advertência de como terminaria se seguisse o torturando daquela maneira, não cessou de o acariciar, de enredar entre seus dedos o loiro pelo. Percebeu, surpreendida, que a ele também endureciam os diminutos mamilos. Sem pensar duas vezes, dirigiu sua boca para eles e os mordeu. Então descobriu que ele sofria os mesmos espasmos que ela ao ser assaltada nessa zona erógena. Com um enorme sorriso pelo deleite da experiência, olhou-o com descaramento enquanto baixava devagar suas mãos para a calça. Desabotoou o botão e deixou que este descesse com a mesma lentidão que a camisa. Roger sacudiu rapidamente as pernas, lançando o objeto mais longe que onde terminou a gravata.
? Não me deixará assim, não é? ? Exigiu saber com uma mescla de agonia e desespero.
? E se o fizer? ? Respondeu desafiante.
? Esquecer-me-ei, de repente, da última norma que acrescentou na estalagem ? disse zombador.
Evelyn mordeu outra vez o lábio inferior. Cravou o olhar no vulto da calça e entrecerrou os olhos. Ele era grande e seu sexo também. Prova disso era que, apesar da pressão da roupa de baixo, sobressaía por cima desta. Atordoada pelo frenesi colocou as mãos no interior do calção e segurou entre elas o duro membro. Essa carícia, esse leve contato de suas palmas com a ereção, fizeram com que todo o corpo masculino começasse um balanço compassado. Seu marido, com os olhos fechados e com a cabeça inclinada para trás, começava a mover-se da mesma forma que estava acostumado a fazer quando se introduzia em seu interior. Devia afastar as mãos, devia retirar-se ante tal obscenidade, mas não o fez. Ficou ali parada, contemplando o pausado movimento continuado até que escutou um grito de seu marido. Não foi um alarido usual. Foi mais um comprido e profundo uivo que provinha do mais profundo de Roger. Tinha liberado de novo a besta? Ou melhor... o monstro tinha liberado seu marido? Ao afastar as palmas sentiu como algo úmido a queimava. Curiosa por averiguar o que era aquilo que lhe produzia tanto calor, aproximou-as do rosto. «OH, Meu Deus! ? Exclamou para si. ? É sua semente!».
? Jamais... ninguém... nunca... ? começou a dizer Roger aturdido. Despojou-se do objeto que cobria seus quadris e avançou para sua mulher com passo firme, sólido, enérgico. ? Ninguém, Evelyn, ? sublinhou com vigor ? conseguiu de mim o que você obteve. ? Abriu seus braços para que ela se aproximasse de seu corpo e quando a teve perto de seu peito, apertou-a com força. ? É única, meu amor. Única.
O que devia pensar? Desejava que aquelas palavras fossem verdade? Sim, desejava-o. Necessitava que não a tratasse como outra mais. Que quando partisse e a deixasse sozinha na casa, não procurasse outras carícias que não fossem as suas. Não, já não. Evelyn queria ser a única.
? E agora deveria tirar esse lindo vestido azul se não quiser que termine empapado ? advertiu.
? Empapado? ? Distanciou-se dele e arqueou as sobrancelhas.
? Crê que o que fizemos foi suficiente? Não, minha pequena bruxa, isto foi só o princípio de uma longa jornada de amor. ? Sorriu. ? E o primeiro lugar onde vou possuir-te nesta casa ? sussurrou-lhe no ouvido ao mesmo tempo em que a elevava de novo em seus braços ? será nessa imensa banheira. Estou ansioso por ver como seu corpo pula sobre mim enquanto a água se agita pelo ardor da nossa paixão.
? Está louco... ? respondeu antes de esboçar uma pequena risadinha e mover as pernas.
? Por ti ? disse tão baixinho que Evelyn não pôde escutá-lo devido ao som de sua própria risada.
XXVIII
A água já estava morna, mas ao manter-se perto de Roger logo notou como diminuía a temperatura. Sentada sobre ele admirava a fortaleza de suas pernas e a longitude de seus pés. As mãos masculinas não cessavam de acariciá-la, de apalpá-la sem cessar, mas o que encantou realmente Evelyn não foi o magnífico corpo de seu marido, mas sim os momentos de risadas que passaram dentro daquela banheira. Ambos sentiam uma pequena dor em suas mandíbulas de tanto rir. Recordaram o dia que se conheceram, as bodas, a partida e o acontecido depois da volta.
Narrou-lhe como foi despachando um a um aos cavalheiros que a visitavam em seu lar com o propósito de convertê-la em sua amante. Evelyn percebeu como o corpo masculino se esticava ao lhe narrar aqueles momentos, mas o tranquilizou enchendo-o de beijos e carícias. Falou-lhe de sua viagem, dos lugares que visitou durante os sete meses fora de Londres. As tempestades que sofreu em alto mar, como atuava sua tripulação e como terminou por descobrir que aquilo que lhe proporcionava mal-estar em suas vísceras era somente a necessidade de retornar à sua terra natal e enfrentar com integridade seu futuro.
? E de repente, ? disse esticando os grandes braços para abraçá-la ? observo que todos os olhares dos cavalheiros se dirigiam para um ponto da sala. ? Seu queixo pousou sobre o ombro da mulher, acariciando com seu fôlego a aveludada pele da Evelyn. ? Olhei para essa parte do salão e...
? E? ? Insistiu a mulher voltando-se para ele. Sentou-se sobre seus quadris, as pernas se cruzaram pelas costas e ambos os torsos voltaram a unir-se.
? E encontrei uma pequena bruxa de cabelo cor de fogo exibindo em um lindo vestido vermelho com um delicioso decote que me convidava a pousar meus lábios nele. ? Elevou o queixo para contemplar a diversão que expressava o rosto de sua esposa e a beijou.
? Por que não cessa de me chamar assim? ? Colocou suas mãos sobre o rosto masculino e afastou as mechas loiras que a impediam de ver os azulados olhos.
? Minha pequena bruxa? ? Perguntou enquanto desenhava um sorriso. Evelyn assentiu. ? Porque é a única mulher que foi capaz de me enfeitiçar ? esclareceu com voz serena, pausada e firme.
Os braços femininos se entrelaçaram de novo no pescoço de seu marido. Aproximou a boca e o beijou. A pequena amostra de carinho despertou de novo a luxúria em Roger. Pousou suas mãos nas costas de Evelyn e a acariciou como se fosse uma frágil flor. Voltaram a agitar a água, voltaram a esquentar o interior da banheira, voltaram a deixar-se levar por aquele insaciável desejo por converter-se em um só ser.
Quando terminaram Evelyn pousou a testa sobre o peito agitado de seu marido. As bochechas se converteram em duas pequenas bolas de fogo. Extasiada e cansada, suspirou.
? Acredito que vai sendo hora de te oferecer um descanso ? murmurou Roger depois de afastar com certo desagrado o corpo de sua mulher do dele. ? Se continuo assim, poderia te matar.
? Não me acompanha? ? Levantou-se com cuidado para não escorregar e esperou que seu marido a ajudasse a sair dali.
? Tenho que falar com o John de certos temas ? indicou cobrindo a nudez de Evelyn com uma toalha branca. ? Estou muito tempo fora de casa e tenho que me pôr em dia. ? Elevou-a em seus braços e a conduziu até a cama. Estendeu-a com supremo cuidado e se colocou sobre ela. ? Prometo-te que assim que arrumar meus assuntos subirei para te fazer amor até que amanheça.
? Sabe? ? Disse elevando de novo os braços e enredando-os no pescoço de Roger. ? Isso mesmo me sugeriu na primeira noite na casa dos Rutland.
? Pois como comprovou, sempre cumpro minhas promessas. ? Abaixou sua cabeça e a beijou.
Custava-lhe deixá-la ali sozinha, mas seu dever como dono de certos negócios lhe reclamava. Era certo que tinha passado muito tempo fora de seu lar e estava seguro de que John ocupou seu posto com acerto. Entretanto devia confirmar que certos temas seguiam controlados, sobretudo aqueles dos quais tanto recusava falar com Evelyn e que possivelmente os distanciaria. Depois de vestir-se com uma calça e uma camisa, desceu ao escritório.
John não demorou a aparecer. Era tão desconfiado que houvesse sentido a presença de Roger na pequena sala.
? Pensei que não sairia daquele quarto até passada uma semana ? disse o índio zombador.
? Mentiria se te dissesse que não o pensei, mas algo me diz que tem notícias frescas, estou certo? ? Levou a taça para a boca e arqueou as sobrancelhas.
? Apareceu quando partiu ? comentou John enquanto se aproximava da licoreira para acompanhar seu amigo. ? Parece que tem um dom especial para saber quando e onde aparece.
? Costuma acontecer quando seu sangue é o mesmo que o meu ? grunhiu. Caminhou pesado para a poltrona que havia junto à chaminé e se sentou de repente.
? Falou com Sophie, já sabe que é incapaz de dirigir-se a mim, dou-lhe asco. ? Dirigiu-se para seu amigo e se sentou ao seu lado.
? Acredito que a palavra acertada é ódio. Não pode suportar o fato de que me salvou de suas garras. ? Sorriu de lado. Depois de manter uns instantes de silêncio, prosseguiu: ? Com que propósito apareceu em meu lar desta vez?
? Convidá-los à sua casa ? disse ao mesmo tempo em que cravava seus olhos marrons nos de seu amigo.
? Convidar-nos? ? Reclinou-se do assento e apertou a taça com força.
? O que esperava? Já não tem uma rocha em seu caminho, mas sim duas.
? Nela não tocará! Jamais a alcançará! ? Clamou zangado ao mesmo tempo em que lançava o copo para o interior da chaminé. ? Antes ponho fim à sua asquerosa vida com minhas próprias mãos.
John, imperturbável, reclinou-se sobre o assento, voltou a tomar um sorvo de sua bebida e refletiu durante um bom momento. Se seus espíritos tinham razão, se o que eles lhe indicavam era certo, Roger não devia recusar o convite. Precisava enfrentar, de uma vez por todas, a maldade de sua mãe e, se suas premissas não erravam, sua esposa o salvaria do inferno no qual vivia desde pouco mais de uma década.
? Como vai tudo por Children Saved? ? Mudou de tema.
? Bastante bem. Falei com seu administrador e por agora todas as necessidades estão resolvidas. Essa última viagem encheu as arcas da residência. Entretanto...
? Entretanto? ? Repetiu Roger intrigado.
? A pequena Natalie está muito triste. Não para de perguntar onde está seu irmão e acredito que deveria visitá-la o antes possível. Faz uns dias esteve bastante doente. O médico disse que era próprio de sua idade, mas não estou muito seguro disso. Desde esse dia mal pode sair da casa. Passa as horas no quarto e sua mãe está muito preocupada.
? Amanhã sem falta irei visita-la. Não quero que pense que a abandonei. É muito pequena para compreender certos temas. ? Roger esticou as pernas, acariciou a barba e adotou um olhar pensativo. De repente rompeu seu silêncio. ? Apareceu durante minha ausência algum mais?
? Não. Seguem sendo vinte ? respondeu antes de levantar-se, andar para o móvel bar e encher seu copo de novo. ? Um charuto? ? Perguntou mostrando a caixa em que guardava os melhores charutos.
? Não. Deixei de fumar faz uns dias. Evelyn não gosta do aroma de tabaco ? esclareceu sem oferecer emoção alguma.
? Essa mulher... ? começou John a dizer sem poder eliminar o sorriso de seu rosto.
? Essa mulher... ? insistiu Roger entrecerrando seus olhos e apertando os dentes.
? Calma, não vou dizer nada mau dela ? expôs antes de soltar uma gargalhada ao ver como seu amigo ficava na defensiva.
? Essa mulher, minha mulher, é intocável ? sentenciou. ? Por isso não quero que ela se aproxime de Evelyn. Irá destrui-la como tem feito com todos aqueles que se interpõem em seus propósitos.
? Duvido muito que sua mãe se arrisque tanto...
? Você não a conhece como eu ? resmungou. ? Tem suas mãos manchadas de tanto sangue inocente que lhe resulta impossível continuar sem ele. É uma víbora, um ser sem escrúpulos.
? Se eu estivesse em seu lugar pensaria seriamente em fazê-la parar de uma vez ? disse John enquanto caminhava para a janela. Um sorriso se desenhou em seu rosto ao observar como Sophie agitava uma bengala para tirar o pó dos tapetes que tinha estendidos sobre uma corda.
? Se decidisse por tal coisa, primeiro teria que matar meu irmão e, neste momento, não quero fazê-lo. O que faria Evelyn com seu marido encarcerado?
? Não pensaste que algum dia terá um filho e eles poderiam tentar conseguir o que não fizeram contigo? Mataram a uma dezena, o que importa mais um? ? John, apesar de ter o olhar sobre a mulher que amava, não a observava. Seus pensamentos estavam em outra parte do mundo.
? Evelyn não pode ter filhos ? grunhiu Roger ao mesmo tempo que se levantava e se dirigia para o porta-garrafas. ? Conforme entendi, ao perder o que esperava sofreu uma infecção ou algo similar e ficou estéril.
? Esteve casada? ? John virou a cabeça para seu amigo e entrecerrou seus olhos. Se for certo, se ela tinha vivido um matrimônio anterior, não seria a mulher que lhe indicaram seus ancestrais. Estes falaram de uma mulher sem enlace, de uma mulher quebrada pela tristeza de um passado tortuoso e que só acharia a paz quando seu amigo estivesse à beira da morte.
? Casada não, comprometida sim. Mas o compromisso se rompeu. Aquele malnascido a abandonou quando descobriu que a riqueza familiar tinha desaparecido depois de um mau investimento do pai dela ? explicou apertando a mandíbula.
? Poderia procurá-lo. Sabe que sou bastante hábil em encontrar pessoas desaparecidas ? comentou ansioso de que seu amigo lhe dissesse que sim.
? Não quero investigar o passado da Evelyn. Prometi-lhe que só me interessa saber o que faz desde que nossas vidas se cruzaram ? assinalou antes de voltar a tomar o líquido ambarino de um sorvo.
? Como quiser... mas tenho que te advertir que me entristeceu sua decisão.
? Mas como? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Faz muito tempo que não escalpelo ? assinalou antes de soltar uma gargalhada.
XXIX
Evelyn esticou as mãos para o lugar onde devia permanecer Roger, mas ao não o achar abriu os olhos. Sentou-se na cama ocultando sua nudez com o lençol e o buscou com o olhar. Não estava. Partira. Suspirou pelo pesar que lhe produzia não o ter ao seu lado e voltou a recostar. Fixou suas pupilas no dossel e tentou rememorar onde podia estar. Entretanto, em vez de recordar as conversações que mantiveram para conseguir responder-se, sua mente lhe ofereceu as imagens deles dois amando-se durante a noite. O corpo de seu marido sobre o seu, esquentando-o, fazendo-o arder de desejo... rodando ao longo da cama, sempre unidos, sempre se tocando. Não havia uma só parte de seu corpo que Roger tivesse deixado sem acariciar. Sorriu ao apreciar que, com somente recordando necessitava-o de novo. Assombrada pelas emoções que tinham despertado nela, voltou a elevar-se e procurou algo com o que cobrir sua nudez. Precisava sair daquele quarto onde seus pensamentos pecaminosos não tinham fim. Pousou seus pés no chão e se dirigiu para varanda, abriu as cortinas e viu que na entrada estava estacionada a carruagem na qual devia chegar Wanda. Procurou com o olhar a bata que na noite anterior Roger lançou para algum lugar do quarto e, depois de achá-la atrás do divã, correu para colocá-la.
? Wanda! ? Exclamou baixando as escadas como uma menina alterada.
? Senhora... ? comentou a donzela assombrada ao ver Evelyn vestida com uma simples bata e com os cabelos alvoroçados.
? OH, Wanda! Quanto senti saudades! ? Disse ao abraçá-la.
? Duvido que o tenha feito vendo-a dessa forma ? resmungou a criada.
? Não seja má... ? deu uns passos para trás e se ruborizou.
? Vejo que seu plano está sendo eficaz ? sussurrou-lhe.
? O plano ? retrucou ? desapareceu. Agora não quero descobrir quem é meu marido, mas sim desfrutar da vida que tanto deseja me oferecer.
Wanda esteve a ponto de soltar um enorme insulto quando Sophie apareceu de algum lado da casa.
? Deseja tomar o café da manhã? ? Perguntou a Evelyn com interesse.
? Sim, claro. Muito obrigada Sophie por ser tão atenciosa ? comentou com um sorriso.
? Tomar o café da manhã? ? Inquiriu Wanda com um sussurro. ? Eu diria que é a hora do almoço ? replicou.
? Esta noite não pude descansar tudo o que precisava ? alegou sem deixar de ruborizar-se. ? Sophie ? chamou a atenção da criada que já tinha começado a dirigir-se para a cozinha. ? Poderia nos levar o café da manhã em meu quarto?
? É claro, senhora ? afirmou fazendo uma leve reverência.
? Vem! ? Evelyn pegou a mão de Wanda para fazê-la subir as escadas com rapidez. ? Vou mostra-te a casa!
Depois de lhe mostrar o dormitório que tinham preparado para ela, conduziu-a para seu quarto. Os olhos da criada não tinham sido capazes de fechar-se nem um só instante. Mostrava a mesma expressão de assombro que ela ao compreender como era o interior da casa de seu marido.
? E este é nosso quarto ? indicou quando abriu a porta.
? Nosso? ? Quis saber ao mesmo tempo em que arqueava as sobrancelhas.
? Meu marido não deseja descansar afastado de mim ? expôs ruborizada.
? E muito temo que você tampouco fosse capaz de descansar sem sua presença, equivoco-me?
? As coisas mudaram! Tudo mudou! ? Exclamou virando-se sobre ela mesma um par de vezes. ? Não é o homem que me disseram. Não é o homem que acreditei!
? Bom... ? começou a dizer enquanto procurava um assento ? isso deve me alegrar.
? Claro que sim! ? Caminhou para ela, ajoelhou-se e pôs sua cabeça sobre os joelhos de Wanda. ? Nós duas temos que nos alegrar! Por fim viveremos felizes...
A donzela acariciou o cabelo de Evelyn ao mesmo tempo em que suspirava com veemência. Esperava, não! Melhor, rogava, que desta vez não lhe rompessem o coração. Porque se acontecesse, se voltassem a destroçá-la, ela não atuaria de maneira passiva. Arrancaria o coração do futuro marquês com suas próprias mãos...
? O que é esse ruído? ? Evelyn se levantou com rapidez e caminhou para a porta. Ao abri-la escutou a voz de uma mulher. Falava com autoridade e elevava seu tom em cada palavra.
? Nem lhe ocorra sair assim! ? Advertiu-a Wanda colocando-se em frente dela. ? Irei ver o que acontece.
Evelyn assentiu, deu uns passos para trás e deixou que saísse. Quando ficou sozinha andou até a cama, sentou-se e apertou as mãos. Quem apareceria no lar de seu marido dando ordens e levantando sua voz de forma desafiante? Olhou para a porta e notou como seu pulso se acelerava. Devia havê-lo suposto. Para chegar a Lonely tiveram que atravessar meia Londres e mais de um londrino saudou a carruagem ao contemplar o estandarte pendurado na lateral deste. Todo mundo saberia que o senhor Bennett tinha retornado. Talvez inclusive alguma de suas amantes descobrisse que Roger permaneceria em seu lar e apareceu demandando aquilo que em seu tempo lhe ofereceu. Sim, devia ser isso. Uma mulher não podia elevar a voz daquela maneira salvo que se zangasse ao ser informada que seu amante se casou e que já não a necessitava. Umas lágrimas começaram a brotar de seus olhos e a tristeza lhe oprimiu o coração. Tinha que havê-lo suspeitado. Tinha que ter considerado que, face à notícia do casamento de Roger, mais de uma mulher não renunciaria a perdê-lo como caso. Quem, em seu são julgamento, desistiria de umas mãos e uma boca como a de seu marido?
? Deus santo bendito! ? Exclamou Wanda depois de fechar a porta atrás de sua entrada. ? Vista-se!
? Quem é?
? Quem é?! ? Repetiu a donzela elevando os braços e pondo os olhos em branco. ? Sua muito ilustre, minha senhora! A própria marquesa de Riderland veio conhecê-la!
? A mãe do Roger? ? Levantou-se de um salto da cama e se levou as mãos à boca.
? A própria! E ela gritou a... Sophie?... ? Perguntou duvidosa ? que não partirá até saber quem é a mulher que conseguiu casar-se com seu filho.
? OH, meu Deus! OH, meu Deus! ? Gritou Evelyn correndo de um lado para outro.
Muito ao seu pesar teve que deixá-la no quarto. Teria gostado de vê-la despertar, observar como lhe brilhavam os olhos ao vê-lo ao seu lado e como estendia os braços para acolhê-lo de novo em seu corpo. Mas tinha outras coisas que fazer antes de retornar a Evelyn. Desceu do cavalo e soltou uma enorme gargalhada quando fixou suas pupilas na entrada da residência.
? Não disse que estava doente? ? Perguntou divertido.
? Prometo-te que assim era ? respondeu John assombrado.
Uma pequena de uns seis anos corria para eles. Seu cabelo ondulado voava sobre sua pequena cabeça e a cor loira se fazia branca quando os raios solares o alcançavam. Agarrava com suas mãozinhas o vestido esmeralda para não cair na corrida. Roger abriu os braços, ajoelhou-se e esperou que a menina impactasse sobre seu corpo.
? Roger! Roger! Retornou! ? Gritou Natalie antes de lançar-se sobre Bennett. ? Senti falta de ti.
? Olá, princesa! Eu também tive saudades. Como está? ? Perguntou sem deixar de abraçá-la. ? John me disse que esteve doente, sinto se não estive ao seu lado, mas tive que partir para um lugar muito longínquo. Embora vejo que se encontra melhor. ? Pegou-a em seus braços e a levou de novo ao interior da casa.
? O senhor Bell disse à mãe que era amigdalite, ? disse com a cabeça elevada e olhando ao seu irmão mais velho com entusiasmo ? e tive que tomar um remédio com um sabor amargo. ? Fez uma careta.
? Vá... e não te recomendou que tomasse muitos sorvetes? ? Disse divertido.
? Gelados? ? Abriu tanto os olhos que o azul de suas pupilas se voltou transparente.
? Já vejo que não... ? sorriu de lado a lado. ? Bom, pois falarei com sua mãe para que nos sirva duas grandes taças de sorvete de baunilha.
? Sim, por favor... ? murmurou Natalie. ? Ela sempre te dá atenção.
? Sua Excelência... ? Ywen, a mãe da menina, fez uma pequena reverência ao vê-lo entrar.
? Bom dia, Ywen. Acredito que Natalie deseja tomar duas bolas de sorvete. ? Deixou a menina no chão e caminhou pela entrada da residência. Tudo estava igual a antes de partir. Graças a Deus nada tinha mudado e esperava que nunca o fizesse.
? Gelado? ? Ywen arqueou as sobrancelhas castanhas e olhou à menina zangada. Natalie se escondeu atrás das pernas de Roger e este voltou a soltar outra gargalhada.
? Se puder nos servir duas taças de sorvete... ? assinalou divertido.
? Zangou-se... ? sussurrou a menina sem mover-se.
? Como sabe? ? Virou a cintura para a direita e a observou jocoso.
? Porque enrugou o nariz...
? Roger, deveria ir visitar os outros. Estarão na estufa ? indicou John.
? Far-me-á a honra de me acompanhar, milady?
Bennett fez uma exagerada reverência à menina.
? A honra será minha, cavalheiro ? respondeu agarrando seu vestido com ambas as mãos e lhe respondendo com outra genuflexão.
Agarrada à sua mão Natalie saltitava em vez de caminhar. Estava tão feliz de ter de novo seu irmão que era impossível andar como lhe indicava sua insistente instrutora. Elevou várias vezes o rosto para confirmar que estava ali, junto a ela, e que nada nem ninguém os separariam jamais.
? Bom dia a todos. ? Roger abriu a porta da estufa e saudou os meninos que se encontravam estudando botânica com a senhora Simon, encarregada de lhes ensinar matérias como álgebra, ciência e piano.
? Roger! ? Exclamaram ao uníssono. Antes que Natalie pudesse lhe soltar a mão os meninos correram para Bennett para abraçá-lo.
? Sua Excelência ? saudou-o a professora com uma reverência. ? Bem-vindo.
? Bom dia, senhora Simon. Que tal foram suas aulas em minha ausência?
? Salvo pelo comportamento habitual do senhor Logan, tenho que lhe dizer que tudo está perfeito ? explicou orgulhosa.
O menino aludido se endireitou, levou a mão à cabeça e soprou. Roger quis censurar e repreender sua atitude, mas quando o olhou aos olhos, viu-se ele mesmo. Nunca tinha sido um bom estudante. Sempre se esquivava das aulas que o aborreciam e desesperava qualquer instrutora que se autoproclamasse tranquila e sossegada. Mas por sorte sua mãe acalmava sua ira quando elogiavam o cavalheirismo, a inteligência e a sensatez de Charles, o filho pródigo, quem deveria ter sido o encarregado de ostentar o título que, por cinco minutos, ele tinha que possuir.
? Não quero voltar a escutar a senhora Simon me indicar que seu comportamento não é o adequado ? disse finalmente. Recordou-se de seu pai. Ali, em frente à porta de seu dormitório com os braços nas costas e elevando o queixo com ímpeto. ? Se em menos de um mês sua conduta não mudar, terei que falar com sua mãe para escolher o que fazer contigo. Não posso perder tempo nem meu dinheiro esbanjando-o naqueles que não o valoram.
? Sim, senhor. Prometo-lhe que mudarei. ? Abaixou a cabeça e apertou os dentes.
«Deus! ? Pensou Bennett. ? Como pode ser tão semelhante a mim?».
? Roger... ? John chamou sua atenção ? o administrador acaba de chegar. Espera-te no escritório.
? Diga-lhe que não demorarei. ? Seu amigo assentiu e partiu. ? Bom, tenho que ir. Espero que os pequenos incidentes não voltem a se repetir. Senhora Simon...
? Senhor Bennet...
Deu-se a volta e caminhou para a porta. Entretanto ficou parado ao ver que Natalie não se movia. Permanecia ao lado da professora.
? Quero escutá-la, se não se importar. Quero aproveitar o tempo e o dinheiro ? apontou a menina muito séria.
Bennett sorriu e continuou seu caminho. Enquanto se dirigia ao escritório recordou o dia no qual apareceu Ywen em Lonely Field. Chorava desesperada enquanto mostrava um bebê nos braços. Ao princípio não quis olhá-lo. Só pensou que era outro mais. Outro ser desamparado ao que, igual aos outros, unia-o o mesmo sangue, mas quando Ywen afastou a manta que cobria o pequeno rosto, Bennett ficou paralisado. Não estava vendo a filha de seu pai, mas sim a sua. Tinha o mesmo tom de olhos, seu mesmo nariz bicudo e o cabelo, aquele diminuto arbusto de cabelo que cobria a cabecinha era do mesmo tom. Nesse momento, ao ver Natalie, compreendeu que todo seu esforço, todos seus pesares valiam a pena se seus irmãos eram tratados com a dignidade que mereciam. Por que deviam sofrer as consequências do egoísmo de um pai incapaz de reconhecer seus bastardos? Além disso, na residência os mantinha a salvo das garras de sua mãe. Ao rememorar o instante em que descobriu as atrocidades que ela realizava para eliminar todas as crianças que nasciam das infidelidades de seu marido, Roger apertou a mandíbula e respirou com profundidade. Não, não lhes ocorreria nada de mau. Ele os protegeria sempre.
? Com os últimos ganhos têm podido resolver todas as faturas. ? O administrador, rodeado de papéis, mostrava a Roger um a um os recibos pagos. ? Tenho que lhe dizer que foi uma ideia excelente cortar os gastos ao fazer com que as mães trabalhassem na residência. Pudemos prescindir de cozinheiras, lavadeiras, donzelas e inclusive várias delas cuidam do jardim melhor que qualquer jardineiro que se orgulhe de sê-lo.
? Alegra-me escutar isso. ? Roger adotou a postura de um homem de negócios. Seu corpo reto parecia mais imenso, se cabia, e suas mãos ocultas atrás das costas o magnificavam.
? Mas também tenho que o advertir que se achássemos mais alguns filhos ilegítimos de seu pai...
? Conforme me informou John levamos um ano sem que apareça nenhum e não acredito que, aos seus setenta anos, possa continuar com esse desventurado costume ? resmungou Bennett.
? Bom, nunca se sabe o que foi capaz de fazer no passado, mas é certo que há um ano ninguém apareceu e duvido que possa engendrar mais filhos devido à sua enfermidade.
? Doente? ? Perguntou franzindo o cenho.
? Sim. Sua Excelência está prostrado no leito ao menos há quatro meses. Segundo meus contatos poderia falecer em qualquer momento e você possuiria o título.
? E como não me fez chegar uma notícia assim? ? Inquiriu furioso.
? Senhor, disse-lhe. Indiquei-lhe na missiva que lhe enviei quando estava navegando que devia me visitar por dois motivos importantes. Mas quando desembarcou não apareceu no meu escritório ? explicou com voz tremente.
? Tem razão... ? acalmou-se um pouco. ? Tive que me ocupar de outros assuntos antes de partir para Haddon Hall. ? Perambulou pelo escritório sem poder fixar a vista em nenhuma parte. Se for certo, se seu pai estava em seus últimos dias, como aceitaria sua mãe ser a viúva e que seu desprezível filho conseguisse o título? E seu irmão? Permaneceria impassível enquanto ele aceitava seu legado? Roger enrugou a testa. Sabia que deviam estar tramando algo, o que não conseguia imaginar, mas seria algo maligno, disso não lhe cabia dúvida. De repente ficou pétreo, olhou fixamente ao administrador e perguntou: ? Qual é o segundo motivo?
? Você... ? a voz tremente apareceu de novo.
? Eu? ? Roger entrecerrou os olhos e olhou ao homem com suspeita.
? Sei que não pode ser certo, sua Senhoria. Por mais que estive pensando nisso, não me saem as contas.
? Contas? De que contas fala? ? Caminhou para a mesa coberta de papéis e apoiou as palmas sobre eles.
? Rogo-lhe que não se zangue comigo, senhor. Juro-lhe por minha vida que não acredito em uma só palavra dessa descarada.
? A que descarada se refere? ? Grunhiu.
? À viúva do senhor Myers, Excelência ? disse ao fim.
? Eleonora? ? Afastou as mãos, cruzou-as diante de seu peito e arqueou as sobrancelhas. ? O que queria essa mulher de ti?
? Não se trata de mim, mas sim de você. ? O administrador fez uma pausa para poder tomar fôlego. Sabia que o que ia expor não lhe ia causar agrado algum. ? Cinco meses depois de seu enlace matrimonial apareceu em meu escritório ? começou a dizer. ? Vinha enfurecida e se foi ainda mais zangada quando lhe indiquei que não sabia onde se encontrava e que não podia lhe fazer chegar a informação.
? O que desejava essa harpia? Que informação devia me dar? ? Perguntou surpreso, ao mesmo tempo que confuso.
? Segundo ela você... ? titubeou de novo. ? Você...
? Maldita seja! Fala de uma vez!
? Essa mulher diz que o filho que espera é seu.
Roger não teve tempo de reagir ante a notícia quando John abriu a porta de uma vez.
? Temos um grave problema ? manifestou com o rosto alterado.
? O que acontece? ? Perguntou Bennett caminhando para seu amigo com rapidez.
? Yeng está lá fora. Sophie o enviou. ? Virou-se e correu para a saída. Bennett o imitou. Seu coração não palpitava e mal podia respirar. Se sua governanta tinha enviado alguém em sua busca era por uma razão: Evelyn.
? Diga-me que minha esposa não está em perigo ? exigiu saber enquanto montava no cavalo.
? Não posso dizer tal coisa porque sua mãe e seu irmão estão com ela ? soltou John antes de tocar com brio ao corcel.
XXX
? Estou perfeita? ? Evelyn acariciou o vestido e deixou de respirar. Wanda tinha sido hábil ao fazer chegar o baú que transportava na carruagem e podia usar um dos vestidos que comprou sob o atento olhar de Beatrice.
? É claro ? afirmou a donzela ultimando o penteado.
? Estou tão nervosa... o que pensará a marquesa? Parecerei a mulher perfeita para seu filho? Espero... rogo que não tenham chegado aos seus ouvidos as desditas que padeci no passado ? soluçou.
? Relaxe. De verdade que deve tranquilizar-se um pouco antes de descer. Além disso, goste ou não Sua Excelência, já se casou com seu filho e nada pode fazer para desfazê-lo. Seja você mesma, não queira aparentar aquilo que não é e já verá o orgulhoso que se sente seu marido quando souber que recebeu de maneira correta a sua mãe ? comentou com voz suave e aprazível.
? As luvas! ? Exclamou Evelyn olhando ao seu redor. Movia-se com tanto brio que Wanda pensou que o laborioso penteado não permaneceria muito tempo tão perfeito.
? Não acredito que seja apropriado... ? começou a dizer em voz baixa.
? Tenho que usá-las! ? Respondeu agitada. ? Meu Deus, tenho que usá-las!
? Respire... por favor, respire... ? Wanda observou que os objetos que procurava com desespero jaziam sobre a penteadeira e que devido ao seu estado de nervosismo não os tinha visto. Aproximou-se, pegou-os e os mostrou.
? É muito importante para mim lhe causar boa impressão ? disse um pouco mais serena enquanto a donzela lhe punha as ansiadas luvas. ? É a marquesa, a mãe do homem de quem estou... ? emudeceu rapidamente. Não, não podia dizê-lo ainda. Por mais feliz que se sentisse junto a Roger ainda não podia falar de algo tão importante, tão profundo.
A criada respirou fundo, estendeu suas mãos pelo vestido e caminhou para a porta. Não precisava que Evelyn terminasse a frase que tanto temor lhe produzia. Ela já sabia as palavras com as quais finalizaria. Estava apaixonada. O homem de olhar penetrante, perturbador e embelezador tinha utilizado todas as suas artimanhas para seduzi-la e apanhá-la. Só esperava que ele sentisse o mesmo por ela e esquecesse o resto das mulheres.
? Preparada? ? Quis saber após abrir a porta e esperar que Evelyn se decidisse a caminhar para o exterior.
? Sim ? respondeu após suspirar e elevar o queixo.
? Não se esqueça de respirar, é muito importante para evitar desmaios inoportunos... ? sussurrou-lhe quando passou ao seu lado.
Evelyn sorriu levemente. Caminhou mais erguida do que deveria e parou quando chegou às escadas. Olhou para a entrada e observou que ali não havia ninguém. Certamente Sophie tinha dirigido a marquesa para a sala de jantar. Relaxou e, tal como lhe indicou Wanda, respirou. Pousou a mão no corrimão e desceu devagar, sem aparente pressa, embora a força com que pulsava seu coração poderia impulsioná-la para baixo sem chegar a tocar o chão com os pés.
? Boa tarde... ? apareceu uma voz masculina justo antes de pisar o último degrau.
Evelyn não pôde ocultar a surpresa que lhe produziu ver um homem tão parecido ao seu marido, embora percebesse notórias diferenças: seu marido tinha os olhos mais claros, era o dobro de corpulento e, por sorte para Roger, o cabelo e a barba abundavam mais nele que naquela pessoa que a olhava sem piscar.
? Pelo assombro que contemplo em seu belo rosto meu querido irmão não a informou sobre mim, estou certo? ? Arqueou a sobrancelha direita, sorriu e esticou sua mão para tomar a dela e dirigi-la para sua boca.
? Boa tarde. A verdade é que falamos de muitas coisas, talvez tenha me dito e o esqueci ? desculpou-o. Tentou recompor-se do choque que lhe tinha produzido a aparição de outro Bennett e sorriu.
? Nesse caso, minha querida cunhada, apresentar-me-ei como é devido. ? Fez uma ligeira genuflexão e prosseguiu: ? Sou Charles Bennett, o irmão gêmeo de seu marido ? esclareceu com uma voz tão melosa que Evelyn sentiu uma estranha comichão em seu estômago.
? Encantada de o conhecer, pode me chamar de Evelyn se lhe parecer correto ? disse enquanto aceitava o braço que lhe oferecia para dirigi-la para a pequena saleta que Roger tinha ao lado da sala de jantar.
A mulher franziu sutilmente o cenho. Não esperava que Sophie os tivesse conduzido a um lugar tão privado para seu marido. Conforme lhe contou quando lhe fez o breve percorrido pela casa, ali era onde se reunia com os comerciantes, advogados e administradores que trabalhavam para ele e onde guardava documentos que ninguém devia tocar.
? Evelyn... ? sussurrou com tom aveludado. ? Bonito nome. Que significado tem um antropônimo tão assombrosamente belo?
? Provém de uma palavra grega, hiyya, que significa fonte de vida ? respondeu surpreendida. Era a primeira vez que alguém se interessava pela origem de seu nome. ? Embora acredite que a verdadeira razão pela qual meus pais decidiram me pôr este nome se deve a uma...
? Novela? ? Interrompeu antes de apertar inapropriadamente sua mão com a dele.
? Sim, com efeito, a uma novela. A minha mãe gostava muito de ler e imagino que achou o nome em algum personagem feminino ? respondeu desenhando um leve sorriso enquanto retirava sua mão do braço masculino com sutileza.
? Mãe... ? saudou Charles após abrir a porta e permitir que Evelyn acessasse primeiro ? apresento-lhe Evelyn, a esposa do nosso querido Roger.
? Sua Excelência... ? Evelyn caminhou para ela, fez uma reverência e ficou parada até que a mulher, de não mais de cinquenta anos, aproximou-se dela abrindo seus braços.
Nenhum dos dois tinha herdado nem a cor de seus olhos nem o do cabelo. A mãe possuía olhos negros e cabelo castanho. Tampouco se assemelhavam em altura. Era uma mulher baixa e gordinha. Entretanto, todo seu ser desprendia poder, dominação e arrogância. Qualidades que sim possuía seu marido.
? É linda! ? Exclamou a marquesa enquanto a abraçava. ? Roger sempre teve bom gosto ao escolher as suas mulheres e vejo que continua tendo-o. Embora até agora nunca escolhesse uma com o cabelo vermelho. Imagino que esse terá sido o principal motivo pelo qual terminou casando-se contigo. É diferente.
Evelyn piscou várias vezes, apertou os dentes e continuou sorrindo embora sua mente lhe oferecesse mil maneiras de desculpar-se e sair fugindo dali até que Roger aparecesse e lhe explicasse a verdadeira razão pela qual estavam casados.
? Enquanto a esperávamos pedi à criada que nos preparasse uma chaleira quente ? comentou. Pegou a mão direita de Evelyn e a conduziu, com um caminhar firme, por volta das duas poltronas que havia junto à chaminé.
? Parece-me uma ideia muito acertada. Sinto se os fiz esperar mais do que o devido. Depois da longa viagem necessitei de bastante tempo para me repor ? respondeu Evelyn sem saber se suas palavras eram as adequadas.
? Imagino... ? disse a mulher enquanto se sentava em uma das poltronas.
? Pode acreditar que minha querida cunhada não sabia da minha existência? ? Comentou Charles com um sorriso divertido. ? Deduzo que meu irmão não lhe falou muito sobre sua família.
? Não? ? Perguntou a marquesa mostrando um incrível pesar no rosto.
? Tenha em conta que mal permanecemos juntos. Depois de nos casar Roger teve que empreender uma longa viagem de negócios. ? Voltou a desculpá-lo sem poder evitar ruborizar-se ao ter que responder questões tão íntimas.
? Meu querido filho não é muito falador, não é? Ele prefere atrair as mulheres com outro tipo de artes mais... pecaminosas.
? Eu apreciei ? começou a dizer Evelyn depois de tomar ar e conter a impetuosa ira que começava a nascer em seu interior ? que tanto Charles como Roger são bastante parecidos.
? Sim, minha gestação foi um presente de Deus. Acreditamos que vinha um só bebê e tivemos uma grata surpresa ao descobrir que meu seio albergava duas criaturas. Embora Charles seja somente uns minutos mais novo que Roger ? disse sem ocultar seu desdém.
? Parecemos-lhes iguais? ? O aludido se aproximou tanto que voltou a sentir-se incômoda ante tal proximidade. Contra sua vontade Evelyn pôde cheirar o perfume de seu cunhado. Apesar de serem tão parecidos, os dois possuíam essências muito diferentes. A do Roger produzia nela um efeito embriagador, entretanto, a do Charles a enojava.
? Um pouco... ? reclinou-se levemente sobre seu assento para distanciar-se antes de mostrar qualquer sinal de repugnância no rosto e verteu água quente sobre a xícara em cujo interior havia uns raminhos verdes.
? Permiti-me o luxo ? continuou falando a mulher ? de te trazer umas infusões do meu lar. Espero que sejam de seu agrado.
? Muito obrigada, com certeza que sim. ? Aproximou a xícara de sua boca, mas ao notar a água mais quente do que estava acostumada a tomar, deixou-a de novo sobre o prato.
? Quando eram pequenos ninguém sabia quem era um e quem era outro, mas por sorte uma mãe nunca se equivoca. ? A marquesa franziu o cenho ao ver que Evelyn colocava o copo sobre a mesa. ? E falando de crianças... pensa em ter descendência logo? Meu marido, ao ser vinte anos mais velho que eu, esforçou-se em me deixar grávida desde a primeira noite que me converti em sua esposa.
? Mas Roger e eu somos da mesma idade e acreditamos que antes de trazer um bebê ao mundo temos que nos conhecer um pouco mais. ? Tinha parecido loquaz? Isso esperava porque não desejava ter que ser ela quem dissesse à marquesa que jamais teria essa ansiada descendência.
? Pois não deveriam demorar muito. Se por acaso não sabe, o marquês está muito doente ? disse com aparente tristeza. ? E se não melhorar, logo ficarei viúva.
? Isso significa que Roger... ? tragou saliva e voltou a segurar a xícara. Tremiam-lhe as mãos? Sim, claro que o faziam. Escutou um leve tinido ao tentar levantar a xícara.
? Sim. Apesar de sua insistência em recusar o título que por nascimento lhe pertence, não pode evitá-lo. Quando seu pai morrer ele será o novo marquês de Riderland ? prosseguiu sua exposição com uma desmesurada aflição no ancião rosto. ? Como já te terá indicado, odeia tanto a responsabilidade que suporta ser marquês que jamais aceitou um só xelim da família.
? Como? ? Disse sem pensar.
? Não lhe contou isso ainda? Sinto muito, possivelmente estou me metendo em temas que não me incumbem, mas não é justo que pense que se casou com um homem diferente ao que é em realidade: seu marido, querida, vive do que aquele navio lhe proporciona. ? A marquesa esticou a mão e tocou com suavidade a de Evelyn.
? Então... tudo isto...
Levou a xícara aos lábios. Devia lhe dar um bom sorvo para poder digerir o que estava escutando, mas quando a xícara tocou sua boca, uma enorme se escutou portada na sala. Ao levantar o olhar observou Roger com os olhos injetados em sangue. Sem pensar um segundo este correu para ela, pegou a xícara e a atirou para o interior da chaminé.
? Parta daqui agora mesmo! ? Gritou com tanta força que o eco de sua voz retumbou por cada canto da casa. Ao mover a cabeça de um lado para o outro algumas mechas do rabo de cavalo se soltaram para formar redemoinhos sobre sua cabeça. Alguma vez tinha visto um homem tão zangado? Alguma vez tinha presenciado como um titã podia converter-se em uma besta tão ameaçadora?
? Filho... ? murmurou a marquesa levantando-se de seu assento e estendendo as mãos para ele. ? Meu filho...
? Disse para partirem ? resmungou. Seu peito se elevava e baixava com uma velocidade inverossímil. De repente Evelyn observou assustada, que os olhos de seu marido se obscureciam e que sua boca se torcia em um sorriso satânico. ? Ou o fazem por bem... ou por mau ? sentenciou.
Nesse preciso momento John apareceu na entrada. Em sua mão levava uma pistola e sorria de satisfação.
? Vamos, mãe! ? Ordenou Charles estendendo a mão para ela. ? Não se humilhe mais.
? Mas, filho... ? insistiu a marquesa com lágrimas nos olhos.
? Bebeu algo? Tomou algum mísero sorvo disso? ? Roger, inquieto, agarrou-lhe a mão, levantou-a da poltrona, caminhou com ela para a saída e quando estavam no meio do salão, retornou à mesinha para lançar o bule ao mesmo lugar que tinha jogado a xícara.
? Não... ? disse temerosa. ? Não tomei nada, por que o diz? O que acontece, Roger? A que vem tudo isto? Por que os jogou desse modo de nossa casa?
? Querida, prometo-te que explicarei isso tudo quando me encontrar mais calmo, mas agora não sou capaz de raciocinar. Só desejo... ? soltou outra vez a mão de sua mulher e andou para a porta principal.
? Vão como duas hienas depois da chegada do leão ? indicou John antes de soltar uma gargalhada.
? Sinto muito, senhor, não pude evitar que... ? começou a dizer Sophie sem deixar de chorar.
? Calma, eu entendo. Fez o correto. ? Roger a reconfortou.
Evelyn foi incapaz de mover-se do hall. Não podia assimilar o que tinha acontecido nem por que. Seu marido havia dito que explicaria quando estivesse mais calmo, mas... e ela? Quando se acalmaria ela? Aturdida, levantou o vestido com as duas mãos e começou a subir as escadas com rapidez. Precisava ficar sozinha. Precisava digerir o que tinha acontecido em menos de uma hora.
? Evelyn! ? Gritou Roger ao vê-la caminhar pelo piso de cima. ? Evelyn!
? Não suba, ? disse John pousando a mão direita sobre o ombro de seu amigo ? deixe-a até que encontre a paz que necessita para falar com ela.
? Não vou dar tempo para que sua mente pense o que não é, devo lhe esclarecer tudo o que aconteceu, mas antes de subir deve me fazer um favor.
? Diga-me.
? Eleonora comenta que está esperando meu filho e não é certo ? disse com veemência.
? Está totalmente seguro de que não é teu?
? Totalmente ? declarou cortante.
? Bem, o que quer que eu faça?
? Procura o homem com quem ela esteve se vendo às escondidas. Pode ser que a visitasse inclusive quando estava comigo. Essa mulher tinha um maligno propósito quando jazia em meus braços. Não acreditei nos que me advertiram que, em diversas ocasiões, viram-na comprando beberagens de fertilidade em Whitechapel, mas agora sei que tinham razão quando me avisaram que procurava ser a futura marquesa de Riderland ? comentou zangado consigo mesmo por não haver se dado conta com antecedência.
? Essa mulher sempre me produziu calafrios... ? disse John fazendo tremer de maneira exagerada seu corpo.
? Não demore em encontrá-lo. Acredito que Evelyn não será capaz de confrontar tantas coisas de uma vez só ? disse olhando por volta do segundo andar.
? Se te amar, o fará ? determinou John antes de partir para começar a busca pelo misterioso amante.
XXXI
Apesar de querer dar-se um pouco mais de tempo para falar com Evelyn, não pôde conter-se. Quando viu John montar no cavalo e dirigir-se para Londres, Roger subiu as escadas de dois em dois. Urgia lhe contar a razão pela qual tinha atuado daquela maneira e que ela entendesse o motivo de sua ira. Caminhou pelo corredor com mais lentidão do que pretendia. Seu coração pulsava com força e mal podia controlar os tremores de suas mãos. Ficou parado na porta com a cabeça abaixada e os ombros inclinados para frente. Era o momento de sua esposa descobrir seu passado embora isso implicasse um inevitável distanciamento entre ambos.
Quando acessou ao dormitório observou Wanda sentada ao lado de sua mulher. Abraçava-a e lhe murmurava palavras de consolo enquanto ela soluçava. Estrangulou-se-lhe a garganta e notou como suas forças se desvaneciam ante a triste imagem. Deu dois passos para a frente esperando que a donzela notasse sua presença. Assim que ela o descobriu, ao virar com suavidade a cabeça para a porta, levantou-se, fez uma pequena reverência e começou a dirigir-se para ele.
? Obrigado, Wanda ? agradeceu-lhe com uma voz incomum nele.
? Excelência...
Wanda fechou a porta após sair. Inspirou profundamente e cravou seus olhos no final do corredor. Surpreendeu-se ao ver que Sophie a esperava com os braços cruzados diante do peito. Sem parar para raciocinar por que estava ali, dirigiu-se para ela.
? Posso te contar toda a história enquanto tomamos um chá ? assinalou a mulher com tom suave.
? Preferiria um bom copo de uísque ? acrescentou Wanda.
? Então direi ao Yeng que nos suba uma garrafa da adega.
Não se atrevia a aproximar-se. Evelyn continuava sentada sobre a cama olhando para a janela.
? Se quiser que eu parta, entenderei ? disse enfim.
? Acredito que antes de se afastar deveria me explicar o que aconteceu lá embaixo ? respondeu tremente.
? Evelyn eu... eu não quero te perder ? comentou em tom estrangulado.
? Tenta me dizer a verdade e eu ponderarei o que devo fazer, mas não dê por certo algo que ainda não decidi ? apontou. Voltou-se para Roger e ficou muda. Seu cabelo continuava alvoroçado, seus olhos já não eram escuros e sim cristalinos, e seu corpo, aquele que adorava pela magnitude que expressava, permanecia curvado, abatido.
? Como comprovou, ? começou a dizer caminhando para ela ? a relação com minha família é um tanto peculiar.
? Todos temos certas diferenças entre os membros de uma família, mas jamais acreditei que alguém tentasse resolvê-los dessa forma ? assinalou Evelyn apática.
? Não foi sempre assim, conforme me contou a mulher encarregada da nossa criação. Ela não teve preferidos até que cumpri os quinze anos. E era certo, ela tratava aos dois por igual. Entretanto, meu caráter começou a manifestar-se nessa idade e fomos nos distanciando.
? Meus pais também se zangaram comigo quando descobriram que eu não era a filha que esperavam, mas nunca cheguei a desprezá-los tanto para chegar a tratá-los dessa maneira ? indicou Evelyn esperando que Roger não quisesse lhe contar uma história falsa.
? Evelyn... ? murmurou ao mesmo tempo em que se ajoelhava em frente a ela.
? Tenta de novo, Roger. Se de verdade deseja que eu fique ao seu lado, conte-me a verdade.
? E se não for capaz de suportá-la? E se não for capaz de me olhar de novo nos olhos?
? Tenta...
Bennett abaixou a cabeça, deixou os braços soltos e prosseguiu.
? A fama de adúltero do meu pai era cada vez maior. Lembro como discutiam quando pensavam que ninguém os escutava, como minha mãe lhe gritava que ela não merecia padecer aquele tipo de vergonha e que estava cansada de receber todas as suas amantes com crianças nos braços declarando que eram filhos deles. «Casei-me contigo por sua inteligência, ? disse-lhe meu pai uma das vezes que falaram sobre o tema ? e confio que saberá como fazer desaparecer sua insofrível vergonha». Jamais imaginei que ela tomasse aquelas palavras de maneira tão literal, mas acredito que, aquilo que a conduziu a tomar aquela decisão tão horrenda, foi o desejo de velar por nossa posição social. ? Evelyn estendeu suas mãos para os ombros de seu marido para reconfortá-lo com seu leve toque. ? Mas apareceu um menino... uma estranha criatura que não contava com mais de sete anos se apresentou na porta da residência familiar com sua mãe pela mão. Até aquele dia, até aquele preciso momento, a marquesa cuidou com incrível paixão tanto do meu irmão como de mim para que não fôssemos testemunhas daquele tipo de visitas. Entretanto, aquele dia escapei do meu dormitório e me ocultei no estábulo. Precisava sair da casa e fazer desaparecer por umas horas a pressão que sentia ao ser instruído para me converter no futuro marquês. Lembro que a própria marquesa os recebeu, e após falar com a mulher, o menino ficou na entrada enquanto via como se afastava sua mãe. Com um sorriso estranho em seu rosto, conduziu-o para o interior da casa. Durante as duas semanas seguintes estive procurando esse menino por toda a residência. Inclusive me atrevi a perguntar às criadas se o tinham visto. Ninguém tinha ouvido falar dele, mas minha curiosidade era tal, que não diminuí meu empenho por encontrá-lo. Um dia, enquanto brincava com Charles, aventurei-me a percorrer o porão. Ali, no meio de um muro de pedra, uma porta de pequena envergadura permanecia fechada com a chave dentro da fechadura. Desejoso de ganhar o jogo, abri a porta e quando descobri o que havia no interior me assustei tanto que fui incapaz de me mover.
? Estava lá, não é? ? Interrompeu Evelyn ajoelhando-se em frente ao seu marido.
? Sim. Tinha-o amarrado a umas cordas para que não tentasse escapar. Lembro o suave e lento ritmo de seu respirar e a extrema magreza. Estava tão esquálido que podia apreciar com claridade os ossos ocultos sob sua pele. Quis desatá-lo, liberara-lo daquela prisão, mas escutei um ruído às minhas costas e me escondi.
? Quem era...? ? Perguntou colocando suas mãos nas maçãs do rosto de Roger. Levantou-lhe o rosto e observou um rio de lágrimas percorrendo suas bochechas.
? Minha mãe. Era minha mãe ? tremeu-lhe a voz ao afirmá-lo.
? OH, meu Deus, Roger! ? Exclamou abraçando-o com força.
? Matou-o diante dos meus olhos, Evelyn. Foi muito cruel escutar os soluços daquele menino rogando, em seu último fôlego, piedade para sua assassina. ? Bennett continuou chorando enquanto as cálidas mãos de sua mulher o acariciavam e tentavam lhe dar o consolo que, até aquele momento, nunca tinha encontrado. ? Quando esteve segura de que o menino não respirava, fechou a porta e partiu como se nada tivesse ocorrido. Durante os três dias seguintes, desci para averiguar que plano tinha minha mãe para desfazer-se do cadáver. E o que descobri foi tão aberrante que perdi o juízo. A cozinheira, uma mulher de incalculável confiança de minha mãe, picotava o corpo do menino com um machado. Vi-a ali, estendida no chão, levantando a arma e atirando-a com força para quebrar os ossos agarrados à carne. Logo todas as partes picotadas foram colocadas em um caldeirão e jogados em um fogo na cozinha. Utilizava-os como míseras lenhas.
? Mas o aroma... O fedor a...
? Quem ia imaginar que o que avivava o fogo eram restos de um ser humano? ? Comentou afastando as lágrimas com suas mãos e levantando-se com rapidez. Evelyn ficou olhando-o, quebrada de dor ao escutar o que lhe contava. ? Quando na cozinha não houve ninguém que fora testemunha da loucura que ia cometer, peguei um ramo do chão e tirei um osso desse menino.
? Seu crânio... ? murmurou Evelyn levando as mãos para a boca.
? Sim ? disse Roger voltando seu olhar para ela e entreabrindo os olhos.
? Vi-o na carruagem... ? revelou com temor.
? Prometo-te que não tratava de alcançar um prêmio, nem algo que queria ter como lembrança das demências da minha mãe. Precisava me aferrar a algo para me liberar da maldade que me rodeava, Evelyn. De confirmar que eu não era como ela, embora seu sangue regue meu corpo.
? O que aconteceu depois? ? Levantou-se e se colocou atrás das costas de seu marido.
? Parti. Com somente quinze anos abandonei meu lar e decidi procurar um futuro distinto do que me tinham marcado. Vivi alguns meses nas ruas, ocultando minha identidade. E de repente, um dia, um cavalheiro que cobria seu corpo com uma grande capa negra, e que se aproximou de mim para me dar umas moedas, teve piedade daquele menino magro e imundo que lhe rogava uma esmola para poder comer. Ofereceu-me partir com ele à França e me converter em um homem respeitável. Não me pergunte a razão dessa oferenda, jamais a investiguei, mas o que sim posso afirmar é que graças à sua misericórdia me salvei de morrer faminto em qualquer rua de Londres. Quatro anos depois do meu desaparecimento, quando todo mundo me acreditou morto, apareci em Tower, a residência dos meus pais. Meu pai chorou ao ver-me e me abraçou como nunca antes tinha feito. Entretanto, minha mãe e meu irmão não se aproximaram de mim. Acredito que não foram capazes de assimilar meu regresso. ? Suspirou profundamente. Olhou para o exterior da janela e prosseguiu. ? Não pretendia ficar vivendo com eles, nem voltar a ocupar o posto que por nascimento me pertencia, mas precisava esperar o momento idôneo para confessar à minha mãe que sabia o que tinha feito com os filhos ilegítimos de meu pai. Como era de se esperar, ela se enfureceu, gritou-me que tinha enlouquecido durante minha ausência e que só eram histórias que minha mente juvenil imaginou.
? Roger... ? Esticou as mãos, agarrou-o pela cintura e pousou sua cabeça sobre as costas masculina.
? Pouco tempo depois do meu imaginário testemunho comecei a adoecer. Tinha náuseas, enjoos e muitas febres, muitas. Meu pai, apavorado ao pensar que tinha contraído alguma enfermidade contagiosa, fez chamar o médico para que me tratasse, mas nem este pôde dizer com claridade o que me acontecia. De repente, uma pessoa teve piedade de mim. Um criado que levava pouco tempo servindo meus pais e que observava com firmeza o que acontecia no imóvel. Ele descobriu que minha mãe tinha plantado beladona em um lugar afastado do jardim e que me preparava isso como infusão. Ao raciocinar que tentava me matar por envenenamento, não o pensou. No meio de uma noite jogou meu corpo quase inerte sobre seus ombros, desceu até a entrada e, com grande esforço meteu-me em uma carruagem.
? Anderson... ? murmurou Evelyn apertando com mais força o corpo de seu marido.
? Mas o ódio da minha mãe não ia cessar nunca. Esperou com paciência o momento para conseguir seu fim e quase o obteve de novo. Encarregou um homem de me seguir e me espreitar. Em uma das minhas saídas noturnas nas quais não podia nem ficar em pé pela embriaguez, fui assaltado e amarrado. Resisti com afã ao ataque, mas não consegui escapar. Quando abri os olhos depois do desmaio, uma voz começou a falar atrás de mim. Antes de poder lhe responder, de repreender seu ato, notei uma ardência em minha pele.
? Suas marcas... ? Evelyn liberou a cintura de Roger e pousou com suavidade suas palmas sobre o tecido que cobria os sinais das chicotadas.
? Mas o destino voltou a me salvar. Na mesma noite em que fui assaltado, estive jogando cartas com o William e Nother, o antigo proprietário do meu navio. Rutland apareceu na residência em que me hospedava e ao não me achar buscou-me desesperado por toda Londres. Acredito que se sentia culpado por haver me abandonado à minha sorte enquanto ele esquentava o leito de uma amante. Então tropeçou com o Yeng, o crupiê que nos atendeu no clube. Quando lhe perguntou se me tinha visto, informou-o que depois de sair do clube duas pessoas carregavam meu corpo. Também lhe disse que me introduziram em uma carruagem e que se dirigiram para os subúrbios. William o agarrou pelo pescoço e fez com que lhe mostrasse o lugar aonde me conduziram. Só lembro que, quando dava tudo por perdido, quando vi a morte aproximando-se de mim, escutei um disparo e depois a pressão das minhas mãos acabou.
? OH, querido... ? soluçou abraçando-o de novo.
? Desde esse momento prometi que lutaria até o final dos meus dias e que nenhum ser inocente que tivesse meu próprio sangue morreria nas mãos da minha mãe. Yeng decidiu permanecer ao meu lado e foi meus olhos enquanto eu realizava longas viagens no navio. Encarregou-se de recolher todas as crianças que se dirigiam para Tower para reclamar a paternidade do marquês e os albergava em um asilo que eu pagava. Pouco depois adquiri vários terrenos. Em um construí Lonely e no outro... ? virou-se para sua mulher. Desejava contemplar como fazia frente ao que estava a ponto de revelar. Sentiu-se um ser maligno ao ver suas lágrimas vagar pelo rosto.
? E no outro? ? Insistiu Evelyn.
? Construí uma pequena residência a qual chamei Children Saved.
? Crianças salvas... ? murmurou a mulher com apenas um fio de voz.
? Sim. Ao princípio acredito que só o fiz para salvar minha própria consciência que não cessava de me recriminar dia após dia que podia ter impedido as mortes daquelas crianças.
? Mas não podia fazer nada... ? Evelyn levantou as mãos para Roger e pousou suas palmas no rosto. ? Era muito pequeno... ? insistiu soluçando.
? Mas um dia apareceu em minha porta um anjo. Um diminuto ser que quase me fez ajoelhar e suplicar que me perdoasse sem lhe haver feito nada ainda. Minha pequena Natalie... ? suspirou. ? Ela me fez compreender que esperavam de mim algo mais que um lugar onde os acolher ou os alimentar. Necessitavam de afeto igual a mim. Com o tempo minhas viagens se fizeram mais duradouras e abundantes face à fama que criei em Londres, para humilhar ainda mais meu sobrenome todos os comerciantes requeriam meus serviços. Quase todos os meus lucros se destinaram à melhoria da residência e a contratar pessoal qualificado para lhes oferecer a educação que mereciam.
? Quantas crianças há no Children Saved?
? Vinte.
? Vinte?! ? Repetiu surpreendida.
? Muitos, eu sei. Graças a Deus meu pai adoeceu e teve que abandonar o insaciável desejo de engendrar um sem-fim de possíveis herdeiros. ? Sorriu de lado ante seu próprio sarcasmo.
? Quero conhecer todos ? murmurou enquanto aproximava a boca de seu marido à dela.
? Está segura? ? Mal pôde fazer a pergunta pela emoção.
? Sim, muito segura.
Roger beijou Evelyn com paixão. Depois ficou olhando-a sem piscar, pegou-a pela cintura e a elevou sobre sua cintura.
? Amo-te, senhora Bennett. Amo-te mais do que jamais pude imaginar que o faria. ? Caminhou para o leito e a posou muito devagar.
? Roger... ? murmurou enquanto seu marido começava a colocar as mãos sob o vestido e acariciava com lentidão as pernas.
? Que...
? Eu também te amo.
Escutar aquelas palavras de sua esposa lhe produziu tal emoção que esteve a ponto de derrubar-se sobre ela e ficar a chorar. Todo seu passado, toda a escuridão que tinha vivido nele desde que descobriu aquelas mortes desapareceu. O sol brilhava em seu interior, e em cada carícia, em cada beijo que Evelyn lhe oferecia, os raios o iluminavam ainda mais. Beijou-a devagar, perfilando com sua língua o desenho da boca que adorava, que amava. Sentiu-se contente ao perceber que as mãos dela se colocavam em seu peito para o despojar da camisa. Afastou-se, levantou os braços e deixou que continuasse apalpando seu torso sem objetos que o impedissem de sentir o suave tato dos dedos. Suas mãos retornaram as coxas femininas. Evelyn arqueou a cintura, convidando-o a possui-la com prontidão, com o mesmo ardor e desejo que ele sentia por ela.
? Repete que me ama ? murmurou antes de morder o lábio inferior dela e puxar com suavidade para ele.
? Amo-te, Roger... Amo-te... ? fechou os olhos ao perceber como o sexo de seu marido se aproximava do dela.
Não houve ternura entre eles. Não foi um ato lento, nem suave. Foi a primeira vez em que Roger precisou unir-se a ela para aliviar sua dor. Mas não só acalmou seu suplício, como em cada gemido, em cada soluço, em cada invasão para o interior feminino, Evelyn também se liberava de toda a pressão que tinha acumulado em sua vida. Não foi só um ato de amor, mas sim de verdadeira plenitude.
? Evelyn... ? sussurrou junto à boca dela quando o clímax estava a ponto de chegar.
? Roger... ? Cravou as unhas nas costas de seu marido e tentou fazer desaparecer aquelas marcas com suas próprias mãos.
Um clamor brotou do quarto com tanta intensidade que Sophie e Wanda se levantaram de suas cadeiras assustadas.
? O som do amor... ? disse Sophie antes de emitir uma pequena risadinha. ? Só espero que essa paixão logo dê frutos.
? Não acredito que os dê... ? murmurou Wanda após sentar-se e olhar o oitavo copo de licor que tinha em suas mãos.
? Por que diz isso? ? Perguntou a mulher tomando assento.
? Minha senhora jamais poderá ficar grávida ? comentou com pesar.
? Explique-se! ? Insistiu Sophie enquanto que, com um salto, aproximou a cadeira da mesa.
? Quando era jovem perdeu um bebê e, depois do aborto, sofreu uma grave infecção. O médico que a atendeu informou aos pais que seu útero tinha ficado estéril e que lhe seria impossível ficar grávida de novo ? explicou antes de beber o licor de um gole.
? Mas esse doutor não conhecia a persistência do nosso senhor... ? apontou antes de soltar uma gargalhada.
XXXII
? Está acordada? ? A encantadora voz de Roger lhe sussurrou no ouvido a pergunta enquanto seu fôlego esquentava a pele que roçava em sua passagem.
? Agora sim ? respondeu voltando-se para ele.
Bennett apoiou o cotovelo no almofadão e a olhou com tanta ternura que Evelyn sentiu como o coração batia mais forte.
? Obrigado por não me abandonar, por não se afastar de mim depois de me escutar ? disse-lhe antes de aproximar sua mão direita e lhe acariciar uma bochecha.
? Não tem por que me agradecer. Além disso, não acredito que deva perdoar um passado do qual não teve nada a ver. As maldades foram realizadas por sua mãe, não por você ? assinalou aproximando-se dele e lhe dando um suave beijo.
? Sempre me culpei por não ter descoberto antes. Possivelmente desse modo, tivesse salvado mais vidas ? comentou franzindo o cenho.
? Mas salvou muitas, vinte para ser exata. ? Estendeu seus braços e Roger se enredou neles. Desta vez foi ele quem pousou sua cabeça sobre o peito de sua mulher e quem deixou que os delicados dedos de sua esposa acariciassem com suavidade o comprido cabelo dourado.
? Sim, vinte embora... quantas perderam a vida nas mãos da minha mãe? Evelyn, estou seguro de que houve bebês, crianças que não conseguiram chegar a cumprir os cinco anos...
? Não se martirize por isso, Roger. Sua consciência dever alcançar a paz. É ela quem está manchada de sangue inocente. ? Pousou seus lábios sobre o cabelo loiro e o beijou. ? Conta-me como é Children Saved ? disse-lhe depois de uns momentos de silêncio no qual só se escutavam suas respirações pausadas.
? Não é muito grande, mas o suficiente para albergá-los comodamente. Tem dois andares. Abaixo está a cozinha, um enorme refeitório e uma biblioteca, embora com as últimas reformas, essa sala a convertemos em um lugar onde a senhora Simon ensina as matérias. Acima não há distinções entre uma ala ou outra. Conforme sobe encontra um comprido corredor com mais de quinze dormitórios. Ali descansam todos os que habitam na residência.
? A que se refere quando diz todos?
? Em Children Saved não só vivem meus meios-irmãos, mas sim suas mães também residem ali.
? Deus santo, Roger! Quantas bocas alimenta? ? Perguntou surpreendida.
? Quarenta e sete. ? Levantou a cabeça e contemplou o assombro que mostrava o rosto de Evelyn. ? Tem que entender que alguns deles mal tinham completado um ano de idade quando apareceram na porta e não achei justo que as mães se separassem de seus filhos pequenos.
? Como pode resolver esses gastos? Terá que continuar realizando muitas viagens... ? perguntou interessada.
? Com três ao ano é suficiente. Tanto o administrador como eu estudámos a maneira de cortar gastos e nos ocorreu que a única forma de não nos excedermos nos orçamentos anuais era fazendo participes as mães das tarefas que se requerem na manutenção dessa residência. Várias são cozinheiras, outras lavadeiras e inclusive, conforme fui informado ontem, outras decidiram empregar-se como jardineiras ? comentou feliz ao ver que Evelyn não reprovava seu trabalho, mas sim, pelo contrário, elogiava-o.
? Têm jardim? ? Continuou interessando-se. Enquanto Roger falava ela imaginava como seria aquele pequeno paraíso no qual viviam felizes tantas criaturas.
? Dois hectares de pradaria rodeiam a casa. Embora te pareça imenso, não o é quando todos saem para brincar. ? Sorriu. ? Há um pequeno parque onde plantaram flores de todas as classes. Uma fonte com a escultura de uma criança se situa no centro e abastece de água esse pequeno éden. Faz um par de anos, Yeng se encarregou de construir uma estufa onde a senhora Simon dá aulas de botânica ou ciência.
? Deve ser lindo... ? murmurou com suavidade.
? É. Sabe? Acredito que é a primeira vez que estou ansioso para que amanheça. Assim que tomarmos o café da manhã te levarei lá e contemplará com seus próprios olhos o que eu construí durante estes anos ? disse colocando sua cabeça de novo sobre o torso feminino. ? Quando a virem aparecer, quando todos descobrirem que é minha esposa, ficarão loucos de emoção e não a vão deixar descansar nem um só instante.
? Fale-me deles.
? Todos são muito semelhantes embora se diferenciem na cor de seu cabelo ou no de seus olhos. Há dois que são tão parecidos comigo que quando os vejo me reflito neles.
? Como se chamam? ? Continuou com as carícias sobre o cabelo de seu marido.
? O menino é Logan. Tem quatorze anos. Loiro, alto, possivelmente muito alto para sua idade. Mas a cor de seus olhos não é azul, mas sim marrom. Não há dúvida que os herdou de sua mãe. Embora o que o faz tão parecido a mim é sua atitude. É rebelde, não acata as normas como fazem os outros. Sempre tenta rebater certos temas e não cessa de investigar por sua conta. Sei que o dia de amanhã, quando eu não puder mais me encarregar do meu navio, ele ficará encantado de ficar em meu posto.
? Isso te assusta?
? Não, ao contrário, adula-me. É grato saber que alguém continuará o que eu comecei ? expôs com orgulho.
? Quem mais?
? A outra pessoinha que me deixa em estado de choque cada vez que a vejo é a pequena Natalie... ? disse o nome com um imenso prazer.
? Fale-me dela, Roger. Interessa-me muito saber sobre esse anjo que te impulsionou a lhes dar aquilo que foi incapaz de oferecer.
? Chamo-lhe de princesinha porque em realidade o é. Tem o cabelo tão loiro que quando os raios do sol o tocam se converte em branco. Sua mãe se esforça em lhe fazer longos caracóis, mas assim que pode ela recolhe o cabelo como o faço eu, em um rabo de cavalo. ? Voltou a desenhar um enorme sorriso em sua cara ao recordar as contínuas discussões entre as duas por manter o penteado intacto. ? Seu nariz é idêntico ao meu e a cor de seus olhos também. Se Ywen não me houvesse dito que o pai da criatura era o mesmo que o meu, teria pensado que era minha. Adora investigar. Todo o tempo está perguntado os motivos disto, do outro ou inclusive por que sai o sol ao ser de dia e a lua quando anoitece. Às vezes desespera a instrutora. Diz que seu afã por saber é inaudito em uma menina tão pequena.
? Espero que me aceite... ? murmurou Evelyn desenhando um imenso sorriso.
? Por que não o faria? ? Roger elevou a cabeça e a olhou desconcertado.
? Nem imagina quão possessivas são as mulheres quando amam um homem ? respondeu sem diminuir a risada.
? Estou seguro de que assim que te veja, perguntará a razão pela qual tem o cabelo vermelho, como me conheceu e por que se casou comigo ? disse antes de soltar uma gargalhada.
? Bom, evitarei lhe dizer que me ganhou em uma partida de cartas. ? Fez uma pequena careta.
? A melhor partida de cartas da minha vida! ? Exclamou antes de colocar-se sobre ela e voltar a beijá-la.
Evelyn tinha fechado os olhos para sentir as mãos de seu marido percorrer seu corpo quando um golpe na porta fez com que ambos se retirassem como se lhes queimasse a pele ao tocar-se.
? Quem é? ? Grunhiu Roger saltando nu da cama.
? John ? respondeu o índio entreabrindo a porta.
? Entra ? indicou após confirmar que Evelyn se ocultava sob o lençol. ? O que acontece?
? Há um incêndio em Children Saved ? soltou agitado.
? Como? Um incêndio? Como aconteceu? ? Correu para a poltrona, começou a vestir-se e antes de colocar a camisa saiu ao exterior fechando a porta atrás de sua saída.
? Não sei. Acaba de chegar Logan e não para de gritar que tudo está ardendo.
? Maldita seja! ? Gritou enquanto descia as escadas sem perceber que estava descalço. ? Onde está o menino? Onde está Yeng?
? Ambos estão no estábulo preparando os cavalos.
? Maldita seja! ? Clamou Roger. ? Maldita seja!
Se seu marido pensava que ia permanecer na casa esperando para saber o que tinha acontecido, equivocava-se. Assim que fechou a porta Evelyn saltou da cama, colocou uma camisola e a bata que estava jogada sobre o chão e correu para o corredor. Se for certo, se a residência onde viviam os meninos estava ardendo, toda a ajuda que chegasse seria pouca.
? Wanda! Wanda! Onde está? ? Gritou quando saiu do quarto.
? Deus santo, senhora! Estou aqui!
? E Sophie? Onde está Sophie? ? Continuou vociferando enquanto descia ao piso inferior.
? Acredito que estava na entrada preparando-se para sair para uma casa que está sendo pasto das chamas.
? Que nem lhe ocorra partir sem nós! Nessa casa vivem mais de quarenta pessoas às quais terá que salvar.
O caminho, embora fosse curto, pareceu eterno. Durante o tempo que durou, Roger não cessava de perguntar-se como se teria produzido o incêndio. Considerou muitas razões, que se iniciou na cozinha, talvez se devesse a um defeito na instalação de gás... entretanto, nenhuma o convencia. Sempre tinham sido muito cuidadosos. As mães nunca partiam para descansar sem certificar-se que todas as luzes estivessem apagadas, as portas fechadas ou inclusive encaixavam com precisão as janelas. Havia muito controle em Children Saved, muitíssimo para que aquilo acontecesse.
Quando chegou ao caminho de terra que o conduzia até a residência, sentiu pânico. O fogo iluminava a colina. Enormes nuvens de fumaça negra cobriam o céu que tantas vezes contemplou junto aos seus irmãos. Estava seguro de que, se o inferno existia, seria muito parecido à imagem que observava. Roger desceu do cavalo e correu para as pessoas que se agruparam ao redor da fonte. Tinham sabido escolher o lugar onde resguardar-se, ali as chamas não as alcançariam, os vidros que explodiam pelo calor nem as faíscas que saíam disparadas do interior da casa.
Apesar de tentar mostrar um comportamento firme, loquaz e seguro, para que eles se tranquilizassem, não albergava em seu corpo nada disso. A imagem dos meninos aterrorizados chorando sob os braços das mães, iluminados pela luz das chamas, consternou-o.
? Estão bem? Estão todos bem? ? Insistiu gritando enquanto se aproximava.
Nesse momento, depois de compreender que seria inútil esforçar-se em apagar o incêndio, centrou-se em confirmar que, pelo menos, ninguém tinha resultado ferido na evacuação. Mas nenhum lhe respondeu. Estavam tão consternados pelo acontecido que lhes era impossível deixar de chorar para falar. De repente, seu pânico aumentou. Não estavam. Ywen e Natalie não se achavam no grupo e ninguém se deu conta de suas ausências.
? Onde estão Natalie e sua mãe? ? Perguntou atemorizado. Olhou ao John, este encolheu os ombros, logo ao Logan, o rosto pálido do moço e a agonia que mostravam seus olhos lhe confirmava que ele tampouco sabia nada delas. ? Alguém sabe onde podem estar? ? Rezou para escutar uma resposta. Entretanto, ao não obter o que esperava, correu para o interior da casa sem parar para pensar que punha sua vida em perigo.
Cobrindo sua cabeça com o braço esquerdo acessou ao interior da casa. O calor era asfixiante e a fumaça tão densa que mal podia distinguir o que havia em frente a ele. Com decisão se dirigiu à cozinha. Gritava uma e outra vez o nome das duas, mas não respondiam. Franziu o cenho ao observar que salvo a fumaça, as chamas ainda não tinham alcançado a planta baixa. «O fogo começou nos dormitórios», concluiu com uma mescla de surpresa e inquietação. Não era lógico que ardessem primeiro os quartos salvo que fora... «Provocado!», exclamou para si. Sem diminuir seu empenho por encontrá-las, continuou chamando-as e as procurando no piso inferior. Quando percorreu até o último canto, decidiu subir. Talvez o medo as tivesse deixado tão aterradas que eram incapazes de sair do quarto. Pegou o corrimão, pôs um pé no primeiro degrau e ficou petrificado ao ver quem permanecia justo ao final da escada.
? Estávamos o esperando... ? comentou uma voz familiar. ? Entristece-me ver que demorou muito. Possivelmente, se tivesse chegado antes, teria evitado a morte dessa. ? Assinalou com seu olhar um corpo que jazia estendido sobre o chão.
? Charles... o que fez? ? Tinha vontade de correr para eles, soltar a menina das mãos sujas de seu irmão e lhe dar uma surra, mas estava paralisado. Ver a pequena Natalie com sua camisola manchada de sangue, chorando presa do pânico e lhe rogando com o olhar que a ajudasse, fez-lhe concentrar-se em pensar uma forma mais sensata de liberá-la.
? E você? ? Repreendeu-o Charles. ? O que você fez, Roger?
? Solte-a... ela não tem nada a ver com isto... ? tentou dissuadi-lo.
? Mentira! Ela tem muito a ver ? disse com um enorme sorriso. ? Até que a vi correndo para mim porque inocentemente acreditava que era você, pensei que só albergava neste miserável lar os filhos que nosso pai criou. Mas quando apreciei quão parecidos são, descobri que não só permaneciam os filhos desse monstro, mas sim continuava com o maldito legado que começou.
? É muito pequena... ? comentou tentando procurar em Charles um pouco de piedade.
? Não é capaz de nomeá-la como merece, não é? Não é capaz de confessar que é sua filha? ? Falou em tom irado.
? Não é minha filha, Charles, é nossa irmã ? declarou com suavidade.
? Você mente! Mente como o tem feito nosso pai todo este tempo! Embora seja normal, a mãe sempre o soube, é tão sujo como ele. Por isso teve piedade dos filhos de satanás? Por isso construiu este lar cheio de depravação? Sim, claro que sim. Porque apesar de suas promessas, é igual a ele. ? Suas palavras soavam cada vez mais duras, sinistras e ofensivas. ? Mas o fim chegou. Toda a maldade que padeceu nosso sobrenome se verá sanada por minha grande proeza. ? Charles elevou a mão direita e tirou a arma que ocultava nela. Apontou ao seu irmão e justo quando ia disparar, sorriu.
? Charles! ? Exclamou uma voz feminina atrás das costas de Roger.
Ao virar-se e ver que se tratava de Evelyn, quis lhe gritar que se fosse, que se afastasse dali o antes possível, mas em meio àquela confusão só pôde dar uns passos para ela e ocultá-la atrás de seu corpo.
Quando chegou ao alto da colina e não achou Roger entre o grupo de pessoas que havia no jardim, seu coração se oprimiu. Onde estava? Ao dizer quem era, todas as mães a abraçaram como se fosse uma salvadora, como se ela pudesse protegê-las de todas as penúrias que estavam padecendo. Embora Evelyn não pudesse as consolar como requeriam. Ela só pensava em seu marido. «Foi procurar Natalie e sua mãe», confessou-lhe alguém enfim. Sem pensar duas vezes correu para o interior da casa evitando as mãos de Wanda e de Sophie. Entretanto, quando seus olhos puderam adaptar-se à fumaça e contemplou a cena que havia em frente a ela, não duvidou e avançou para Roger.
? Minha querida cunhada... alegro-me de que tenha vindo. Quero que veja com seus próprios olhos o que seu marido tem feito durante todo este tempo ? expôs com uma voz cálida.
? Tem razão ? respondeu afastando-se de Roger e, face aos intentos deste por a fazer parar, ela subiu dois degraus. ? Comportou-se como o demônio que é. Agora entendo por que me visitaram, queriam me proteger.
? Ela sim entende... ? murmurou Charles olhando seu irmão com os olhos entreabertos. ? Ela é a única que nos compreende...
? É óbvio que o faço, Charles. E te asseguro que quando sairmos daqui tudo isto terá terminado. Sua tortura, as crianças, essas mães, tudo desaparecerá!
? Ajudar-me-á? Ajudar-me-á a finalizar o que minha mãe começou? ? Desceu lentamente a arma e diminuiu a intensidade com que apertava a pequena Natalie em seu corpo.
? Duvida da minha palavra? ? Perguntou com aparente irritação. ? Acaso não entendeu quando me olhava, quando falávamos, que me resultou mais agradável que o desprezível de seu irmão?
? Sim que o apreciei. ? Sorriu satisfeito. ? Mas não conseguirei te dar a posição que merece se ele estiver vivo. ? Charles levantou a arma, apontou para seu irmão e disparou.
? Não! ? Exclamou Roger com desespero.
Evelyn notou uma terrível dor em seu ventre. Quis levar as mãos para o lugar onde sentia aquela horrorosa queimação, mas não o conseguiu. As forças a abandonavam pouco a pouco e seu corpo começou a cair. Custava-lhe respirar. A visão se nublava. A bala que ia impactar sobre o coração de seu marido alcançou a ela. Deveria gritar ou chorar de tristeza ao ver que seu fim estava próximo, mas não podia, sentia-se feliz por ter impedido que o homem que cuidava de todas as pessoas que viu no jardim continuaria fazendo-o embora ela não estivesse. Ao longe, muito longe para escutar com precisão, escutou a voz de seu marido que insistia em que não o abandonasse e de repente... outro disparo.
? Saiam agora mesmo daqui! ? Gritou John que, depois de aparecer, observou como Evelyn se desabava e como o irmão de Roger aproximava a arma de sua boca e disparava. ? Encarregar-me-ei de Natalie. ? Subiu as escadas, pegou a menina pela mão e correu para o exterior o mais rápido que pôde.
? Evelyn! Evelyn! ? Clamava Bennett enquanto saía daquele inferno com ela em braços. ? Aguenta, meu amor! Ficará bem! Amo-te! Escuta-me? Amo-te!
XXXIII
Escritório do senhor Lawford. Três semanas depois.
? Imagino que com as assinaturas do marquês nada nem ninguém poderá invalidar os documentos, não é? ? Insistiu Roger enquanto observava através da janela como as pessoas corriam de um lado para outro tentando resguardar-se da chuva.
Uma semana depois do disparo a Evelyn, Roger apareceu em Tower e, face aos intentos que realizou sua mãe para impedir que conseguisse seu propósito, conseguiu chegar até o quarto de seu pai. O ancião marquês se apoiava sobre os almofadões e soluçava a perda de um de seus filhos. Bennett se colocou ao pé da cama com as mãos sobre as costas e lhe contou a verdadeira história. Seu pai negava devagar tudo aquilo que lhe narrava, segurava os lençóis com força e rejeitava categoricamente o que escutava.
? É mentira! ? Gritou uma das vezes. ? Sua mãe seria incapaz de fazer algo assim!
Mas Roger não diminuiu sua intenção de abrir os olhos do marquês. Descreveu-lhe como esteve presente na morte daquele menino, a razão de sua fuga com quinze anos e o motivo pelo qual retornou anos depois. Também lhe indicou que tanto Charles como sua mãe tinham descoberto o lar que tinha construído para seus irmãos e que, depois de não conseguir o primeiro plano que era envenenar sua esposa, Charles decidiu tomar a justiça em sua mão.
? Por isso quero que os reconheça ? disse após sua longa exposição. ? Embora Evelyn conseguisse curar-se por completo, jamais poderá ter meu filho. A ferida em seu ventre tornou impossível que possa ficar grávida.
? Não vou reconhecer a nenhum desses malditos bastardos! ? Clamou o pai com a pouca força que ficava. ? São filhos de satanás, não meus!
? Faremos um trato ? resmungou apertando os dentes. Caminhou para a cabeceira da cama e aproximou seu rosto ao do pai. ? Reconheça ao menos a dois deles, um menino e uma menina, para que algum dos dois possa continuar com este maldito título.
? E se não o fizer? ? O ancião arqueou a sobrancelha direita e olhou seu primogênito de maneira desafiante.
? Se não o fizer ? continuou relaxando a mandíbula e mostrando um rosto de satisfação ? terá o prazer de ver como sua querida esposa é encarcerada e sentenciada à morte por todos os assassinatos que cometeu.
? Ela... ela... o fez porque me ama... ? balbuciou.
? Chama isso de amor? ? Virou-se sobre seus calcanhares para não o olhar, mas aquela reflexão tão absurda sobre no que consistia o amor em um matrimônio o fez voltar-se para seu pai. ? Isso é maldade, pai!
? Está bem, ? disse o marquês depois de um tempo emudecido ? reconhecerei a dois, mas em troca deve me dar sua palavra de que sua mãe jamais será julgada pelos atos de amor que cometeu e que, depois da minha morte continuará vivendo aqui sem carências econômicas.
? É óbvio ? afirmou satisfeito. ? Esta mesma tarde terá a visita do senhor Lawford, é um dos adminis...
? Já sei quem é esse malnascido! ? Exclamou o marquês mais zangado, se pudesse.
? Pois como vejo que já o conhece, aconselho-o que não pretenda realizar nenhum estratagema, advirto-lhe que o senhor Lawford é muito bom em seu ofício. E agora, se me desculpar, tenho muito trabalho a fazer. ? Dirigiu-se para a porta, bateu as botas, inclinou levemente a cabeça para diante e partiu.
Quando fechou, inclusive antes de poder encaixar os parafusos, sua mãe apareceu no corredor. Permanecia imóvel, olhando-o de maneira altiva. Roger passou por seu lado como se não estivesse, mas antes de descer as escadas e sair da casa que odiava, virou-se para ela para lhe dizer:
? Como se sente ao ver que depois de ter as mãos manchadas de sangue inocente não conseguiu seu propósito? ? Não lhe respondeu, nem se dignou a dar a volta e lhe responder. Ao compreender que não tinha a intenção de defender-se, porque não se arrependia de suas maldades, continuou seu caminho para a saída.
? Não acredito que seja o homem mais indicado para pôr em dúvida meu trabalho. ? Lawford levantou os óculos com o dedo e olhou ao futuro marquês fixamente. ? Recorde que foi impossível desfazer o compromisso.
? Tem razão, desculpe se o ofendi ? respondeu com um meio sorriso. Com as mãos nas costas, caminhou para a mesa em que o administrador mostrava um sem-fim de pastas.
? Falando de matrimônio... ? disse de maneira reflexiva Arthur. ? Como se encontra hoje a futura marquesa? ? Agrupou os papéis que seu cliente tinha vindo procurar e os golpeou brandamente sobre a mesa.
? As febres cessaram, mas o doutor diz que tenhamos paciência. A ferida embora grave, não roçou nenhum órgão vital salvo seu útero ? comentou com tristeza.
? Bom, não acredito que lhe faça falta não ter descendência. O senhor Logan continuará com o título de marquês e têm a tutela da pequena Natalie. Acredito que ambos atuarão como os filhos que já não terão.
? Não tinha nenhum desejo em ser pai, nem agora nem antes. O único que quero é que Evelyn desperte e volte a ser a mulher que era ? expôs Roger após respirar fundo.
? Não perca a esperança, senhor. Sua esposa é a mulher mais forte que vi em anos. Ainda lembro como entrou neste escritório e também... como saiu. ? Sorriu.
? Jamais a perderei... ? Roger também sorriu. Estendeu a mão e pegou os documentos que necessitava para que seus dois irmãos pudessem fazer oficial seu sobrenome. Teria gostado de ver a expressão de Evelyn ao informa-la de sua proeza, do bate-papo que tinha mantido com seu pai e os rostos de surpresa que mostraram Logan e Natalie ao lhes indicar que, legalmente, já eram Bennett. Embora tivesse que esperar um pouco mais para isso. ? Anderson lhe fará chegar seis garrafas mais ao longo desta semana ? informou antes de sair do escritório. ? É, além do pagamento ao seu trabalho, uma maneira de lhe agradecer o que tem feito por nós.
? OH, obrigado, sua Excelência! Muito obrigado! Não tinha que haver-se incomodado... ? Arthur se levantou do assento, dirigiu-se para Roger e lhe estendeu a mão.
? Graças a você, senhor Lawford, face à questionável forma que achou para que minha esposa e eu nos conhecêssemos, sempre lhe estarei agradecido por não haver se negado à proposta de Colin.
Arthur assentiu e se encheu de orgulho ante as palavras que escutou do futuro marquês. Quando se fechou a porta voltou para seu assento. «Eu só lhe aproximarei esse colar ? recordou as palavras do jovem Pearson. ? Ele sozinho deixará que Evelyn prenda-o». O moço tinha razão. Bennett tinha se apaixonado por sua mulher até tal ponto que deixou que lhe fechasse aquela cadeia. Entretanto, o que ocorreria se ela não se recuperasse? «Senhor, escuta minhas preces. Sei que faz muito tempo que não vou à igreja nem cumpro todos os seus mandamentos, mas não te peço por mim, mas sim por eles. Faça com que a senhora Bennett sare rapidamente». Sentou-se na cadeira, tirou a garrafa de brandy, serviu-se uma taça e após brindar pela mulher, o bebeu de um gole.
Enquanto caminhava para o exterior Roger olhou os papéis e os leu com interesse. Teria gostado que seu pai reconhecesse a todos, mas se contentava com o pouco que conseguira. Ao abrir a porta e perceber que a chuva não tinha cessado, ocultou os documentos sob a jaqueta. Correu para a carruagem e, sem esperar que Anderson lhe facilitasse a entrada ao interior, saltou com rapidez.
? Roger, ? começou a dizer o índio ao vê-lo entrar ? este é o senhor Pemberton.
? Encantado de o conhecer ? respondeu esticando sua mão para o homem. ? informou-lhe meu amigo sobre a razão pela qual o chamei?
? Sim, milorde. Este cavalheiro foi muito explícito.
? O que tem a dizer a respeito? ? Interessou-se Roger. Não afastava o olhar daquele homem. Pareceu-lhe estranho que Eleonora decidisse seduzir a um ser tão insólito. Mal tinha cabelo em sua cabeça, sua barba mostrava várias cores e seu bigode se estirava para ambos os lados de seu rosto em uma trabalhosa linha reta.
? Fui vê-la mais de uma centena de vezes desde que soube de seu estado, mas nunca quis me receber. Sempre me jogou na rua como se nosso amor jamais tivesse existido ? comentou com pesar.
Roger tirou a cabeça pelo guichê, indicou ao chofer a direção e retornou ao seu assento.
? Está completamente seguro de que você é o pai dessa criatura? ? Insistiu. Não queria aparecer em frente a Eleonora e confrontar-se com ela lhe oferecendo um pai errôneo. Se ele não tinha sido seu único amante durante o tempo que a visitava, quem poderia corroborar que o senhor Pemberton não a compartilhou com outros cavalheiros?
? Sim, milorde. Se meus cálculos não me falharem, Eleonora ficou grávida em uma viagem que fizemos a Cheshunt.
? Cheshunt? ? Repetiu Roger atônito. A mulher era avessa a viajar mais de duas horas em carruagem. Segundo ela seu corpo se debilitava com o balanço continuado do carro.
? Sim ? afirmou o homem com um pequeno movimento de cabeça. ? Tive que me deslocar até ali porque minha mãe faleceu.
? O que conseguiu ela em troca? ? Sabia que não era próprio de um cavalheiro realizar esse tipo de perguntas, mas a curiosidade era tão imensa que não pôde conter-se.
? Como? ? Pemberton levantou as pestanas, levou as mãos para o bigode e retorceu cada ponta com as pontas de seus dedos.
? Imagino que o propósito de o acompanhar em uma viagem tão árdua seria algo mais suculento para ela que simplesmente dar o último adeus à sua mãe. ? Sorriu maliciosamente.
? Todas as joias que ela possuía as dei de presente com gosto, senhoria. Ela as rejeitou com firmeza, mas eu insisti em que as tivesse ? respondeu ofendido.
? É claro, não duvido de sua palavra... ? Roger se reclinou no assento e olhou John. Este mostrava um sorriso tão grande que podia ver o branco de seus dentes. Mas ele não sorriu. No fundo sentia lástima pelo pobre infeliz.
? Entrarei primeiro ? disse Bennett quando a carruagem parou e abriu a porta para sair. ? Você deveria esperar na entrada oculto atrás de mim até que nos permitam acessar ao interior. Não me cabe a menor dúvida de que se a criada o descobrir não abrirá a porta e informará Eleonora de sua presença.
? Farei o que me ordena. Com tal só de poder falar com ela, de lhe suplicar que me deixe ver meu filho, atirar-me-ei ao chão se precisar ? indicou o homem colocando-se sob o pequeno teto da porta.
Roger o olhou sem pestanejar. Aquele homem era capaz de ajoelhar-se ante a mulher e lhe rogar que não o abandonasse enquanto se aferrava aos tornozelos desta. Era, sem dúvida, o melhor marido que Eleonora poderia encontrar: submisso, acessível, carente de personalidade e com os bolsos repletos. Não entendia como tendo uma oportunidade de ser feliz junto àquele desventurado, esforçava-se tanto em conseguir o que não estava ao seu alcance.
Depois de comprovar que Pemberton se ocultou, bateu na porta e esperou com aparente paciência que fosse recebido.
? Sua Excelência?! ? Exclamou a donzela com entusiasmo e assombro.
? A senhora está? ? Perguntou dando um passo para o interior da casa e obrigando a criada a lhe permitir o acesso.
? Está no pequeno salão, milorde. Quer que o anuncie? ? De repente seu olhar se cravou na pessoa que estava atrás de Roger. A mulher não pôde evitar levar as mãos à boca para fazer calar um grito. Tentou fechar a porta, deixar ao senhor Pemberton na rua, mas Bennett colheu com força a grossa porta de madeira e impediu tal propósito.
? Fique aqui, eu lhe farei um sinal quando for o momento apropriado ? ordenou Roger caminhado para o salãozinho.
? Meu senhor... milorde... rogo ? sussurrava a criada sem poder se mover da entrada. ? Ela... ela...
Mas Bennett não escutou a súplica. Estava decidido a terminar o rumor que Eleonora tinha estendido por Londres. Todos aqueles que o olhavam o comparavam com seu pai e isso não ia tolerar. Quando Evelyn despertasse, quando enfim abrisse seus olhos, não desejava que se entristecesse ao escutar falsos testemunhos sobre seu marido. Tinha-lhe sido fiel desde que se casaram. Por isso retornou a Londres após sua longa viagem. Se tivesse entrado naquela casa, se na noite de bodas se entregasse ao falso amor de Eleonora, jamais teria conhecido sua esposa nem teria conseguido descobrir o que era amar uma mulher.
Quando abriu a porta do salão encontrou Eleonora de pé com seu menino nos braços. Embalava-o e cantava uma melodiosa canção ao mesmo tempo que o balançava com ternura. Ao escutar que alguém permanecia na entrada, dirigiu seus olhos para ele e sorriu.
? Alegro-me de que enfim tenha decidido conhecer seu filho ? disse com um sorriso triunfal.
? Bom dia, Eleonora. Não volte a dizer que esse filho é meu, porque sabe que não é certo ? declarou com solenidade.
? Claro que é! ? Insistiu a mulher aproximando-se de Roger.
? Sempre soube que era uma harpia, mas jamais imaginei que sua maldade te levasse até tal ponto. É injusto o que tem feito, é injusto que tenha deixado crescer em suas vísceras uma criatura que sofrerá suas maldades. Embora desta vez não obtivesse seu propósito. Descobri quem é o verdadeiro pai desse menino ? apontou sem mover-se de onde permanecia.
? Você! ? Clamou de novo. ? O pai deste menino é...! ? Ficou sem palavras quando percebeu que Bennett levantava uma mão e aparecia atrás dele outro homem.
? Olá, Eleonora ? disse Pemberton ao acessar ao interior do salão.
? O que faz aqui? ? Gritou a mulher segurando a criatura com mais força sobre seu corpo. Seus olhos se dirigiram para Roger, que sorria de forma triunfal, e logo se cravaram no outro homem.
? Vim conhecer meu filho ? respondeu com firmeza.
? Seu filho? ? Repreendeu a mulher dando uns passos para trás. ? Este não é seu filho!
? Sim, sei que é. Não o negue, meu amor. Não pode se opor a que seu verdadeiro pai vele por ele ? assinalou Pemberton com tristeza.
? Não, você não! ? Exclamou entre lágrimas. ? Fora daqui! Não quero ver-te em minha casa!
? Casar-me-ei contigo, converter-te-ei na senhora Pemberton e daremos ao nosso filho o que lhe pertence. ? Caminhou para ela e se ajoelhou. ? Prometo que nada lhes faltará. Terão tudo o que necessitem. Eleonora, eu te amo, amo-te. Não me afaste, suplico-lhe ? rogou isso entre soluços.
Roger não aguentava mais a cena que contemplavam seus olhos, deu meia volta e saiu dali com passo ligeiro. Quando retornou à carruagem continuou observando o sorriso de John e a cara de satisfação de Anderson. Teriam pensado alguma vez que o filho era dele? É claro que sim. Ambos o conheciam e sabiam como tinha sido antes de conhecer Evelyn, mas desde que a viu, desde que a beijou pela primeira vez, converteu-se em um homem diferente.
Durante o regresso a casa os três falaram de como se desenvolviam as obras da nova residência. Bennett tinha decidido construi-la com mais quartos e mais salões. Não queria que neste novo lar mães e filhos tivessem que descansar nos mesmos quartos. John voltou a indicar, que finalizado o trabalho, ele e Sophie se instalariam na residência para custodiar os meninos. Roger sorria cada vez que falavam sobre esse tema. Estava seguro de que seu amigo tinha meditado muito a respeito da relação que tinham e que, por fim, dava o passo que todos esperavam.
O trajeto até Lonely se fez curto entre as risadas e as brincadeiras com seu amigo pela decisão tomada. Depois de descer, Bennett se dispôs a subir com rapidez as escadas e caminhar para o quarto, para certificar-se de que Evelyn continuava igual, mas sentiu que alguém lhe agarrava a mão e impedia seu propósito.
? Temos que finalizar aquilo que começou ? disse John a seu amigo.
Ele assentiu, retornou à carruagem, levantou o assento e pegou o pequeno crânio. As mãos lhe tremeram ao ter os ossos sobre suas palmas. Voltou a ver o menino dentro daquele cômodo escuro, amarrado, e escutou com claridade os gritos de socorro. Esteve a ponto de ajoelhar-se, de chorar pelo desespero de não ter sido capaz de o liberar daquele final, mas a mão cálida de John o reconfortou.
? Sua alma deve descansar em paz ? sussurrou.
? Sei. Mas depois de tanto tempo, depois de tudo o que aconteceu, não me vejo capaz de me desprender dele. Acredito que se o deixo ir, se me desprender do que significam estes ossos para mim, esquecerei o que me impulsionou a lutar contra minha família.
? Não poderá esquecê-lo, Roger. Tem ao seu lado muitas pessoas que conseguirão a lhe dar a força que necessita para seguir lutando.
Depois de uns momentos, nos quais Bennett meditou sobre a veracidade das palavras de seu amigo, ambos caminharam para a cancela metálica que dava passo à propriedade. John tinha preparado um lugar onde cuidaria das almas que viveriam naquele lugar.
Roger se ajoelhou em frente ao buraco e colocou o pequeno crânio.
? Sobe com sua esposa ? indicou John ao ver seu amigo imóvel e incapaz de enterrar o crânio. ? Acredito que o necessitará mais que ele.
Sem mediar palavra Roger se dirigiu ao seu lar, subiu as escadas sem poder sequer falar com as pessoas que o saudavam. Desejava meter-se no quarto, cair ao lado de Evelyn e não sair de seu lado até que decidisse despertar daquele amargo sonho que durava já três semanas.
Ao abrir a porta sorriu. Era de esperar que a pequena Natalie ocupasse seu lugar enquanto ele permanecia ausente. Não a deixavam sozinha, não desejavam, nenhum dos que habitavam sob o teto de Lonely, que ela abrisse seus olhos e se encontrasse sozinha. Entretanto, embora o comportamento da menina fosse louvável, devia brigar com ela. Perdeu um dia de aulas e a senhora Simon recriminaria que a tratasse diferente dos outros.
? Acaso as aulas de hoje não eram de seu agrado? ? Disse-lhe enquanto caminhava para a poltrona, tirava os documentos para apoiá-los sobre este e se despojava da jaqueta molhada.
? Hoje não posso deixá-la só ? comentou a menina com uma felicidade tão estranha que Roger ficou imobilizado ao escutá-la.
? Por que... hoje não pode deixá-la? ? Repetiu enquanto seu coração se agitava, seu pulso se acelerava e se aproximava da cama com medo.
? Porque despertou.
Roger deu dois largos passos para elas. Seu coração não pulsava, galopava em seu interior, mas ficou parado ao descobrir que Evelyn estava acordada. Por fim abria seus olhos! Ajoelhou-se junto à cama, pegou a mão que ela estendia para ele e a beijou enquanto chorava.
? Meu amor, minha vida. Por fim despertou. ? Continuou soluçando sem poder separar a mão de sua boca. ? Amo-te, Evelyn. Amo-te tanto que não teria podido viver sem ti.
? Nem eu sem ti... ? murmurou Evelyn antes de ver como seu marido se levantava e beijava seus lábios sem lhe importar que Natalie estivesse presente e se tampasse os olhos para não ver como se beijavam.
Epílogo
Três meses depois
Com muita ternura, Roger acariciou o rosto de Evelyn com seus dedos. Foi afastando as mechas de cabelo até poder observar com claridade suas feições ao dormir. Era a primeira vez que discutiam daquela forma. A primeira que tinha saído do dormitório e tinha descido até o salão para beber até cair morto.
Evelyn reprovou sua atuação, recriminou-lhe que se comportasse como um monstro, mas não pôde evitá-lo. Quem poderia conter-se ao ver que sua esposa era agarrada com força por um ser desprezível? Embora insistisse que a situação estava controlada, ele não o percebeu assim. O famoso Scott, aquele homem que destroçou a juventude de sua mulher apareceu na festa que Caroline ofereceu em Hamilton. Ia pelo braço de sua esposa, com quem se casou depois de abandonar Evelyn.
Mordeu os lábios quando Federith revelou seu nome. Tentou tranquilizar-se, embora quando observou que ia atrás de sua mulher, todo o controle se esfumou. Esperou paciente no balcão, espreitou o movimento daquele personagem enquanto se aproximava de sua esposa e escutou com atenção a conversação entre ambos. Ele não cessava de lhe dizer que sentia saudades, que se arrependia do que teve que fazer no passado e que, se ela quisesse, voltariam a ficar juntos. Como era de supor, o que lhe propunha era que se convertessem em amantes. Até aí, pôde suportá-lo. Mas quando Evelyn lhe disse que estava apaixonada por seu marido e que não desejava saber nada dele, este não se conformou, agarrou-a pelo braço e evitou que ela se afastasse de seu lado.
? Algum problema? ? Perguntou saindo de seu esconderijo.
? Roger! ? Exclamou Evelyn com surpresa.
? Repeti-lo-ei uma vez mais, algum problema? ? Seu aborrecimento era tal que mal podia manter um fio de prudência. Apertou os punhos e sua mandíbula esteve a ponto de deslocar.
? Não, ? respondeu ela ? nenhum problema. Agora mesmo me dispunha a retornar com Beatrice.
? Faça isso, eu irei depois ? disse sem afastar o olhar daquele que tinha ousado tocar sua esposa.
? Roger, por favor... ? suplicou-lhe.
? Vai, Evelyn, ? intercedeu Scott ? não acredito que seu marido se atreva a...
Não pôde terminar a frase. As mãos de Roger se aferraram ao seu pescoço e o levantou dois palmos do chão.
? A que não me atreverei? ? Grunhiu.
? Solte-me! ? Gritou o homem movendo seus pés.
De repente, como se percebessem que algo errado acontecia, William e Federith apareceram na entrada. Estes caminharam para Roger ao presenciar a cena.
? Roger... ? falou William. ? O que acontece?
? Este descarado ousou tocar a minha esposa ? bramou.
William olhou a assustada Evelyn e esperou que ela confirmasse as palavras de seu amigo, mas estava tão nervosa que não foi capaz de lhe responder.
? Evelyn, entra. Nós resolveremos esta situação ? indicou Federith com sua típica voz tranquilizadora.
? Por que a tocou? ? Inquiriu o duque sem fazer com que seu amigo desistisse em seu empenho por asfixiá-lo.
? Acredita-se com o direito de fazê-lo, ? respondeu Roger apertando com mais força suas mãos ? porque como bem sabem foi pretendente da minha esposa.
? Pensa uma coisa, ? voltou a falar William ? sua mulher está assustada e graças a Deus podem viver uma vida tranquila. Crê que vale a pena destroçar essa felicidade por um miserável como este?
? O que você fez, William? ? Grunhiu de novo Bennett.
? O correto. Por isso quero que você faça o mesmo.
Depois de suas palavras Roger afrouxou a amarração e deixou livre ao homem. Este depois de tossir e amaldiçoar correu para o interior do salão.
? Sua esposa sabia que Wyman foi o pretendente da Evelyn ? soltou William. Não era uma pergunta, mas sim uma afirmação.
? Minha esposa é um ser desprezível e lhes peço mil desculpas por seu inapropriado comportamento ? comentou Federith aflito.
? Como compreenderá, enquanto esteja com ela, minha visita ao seu lar está anulada ? resmungou Roger ao mesmo tempo em que dava a volta e caminhava para a entrada.
? Roger, por favor... ? disse Federith ao ver como seu amigo se afastava dele.
? Não é o momento. Deixa que lhe passe a ira. Sabe que não pensa com claridade quando está irritado ? apontou William.
? Esta mulher... ? comentou Cooper movendo a cabeça de um lado para o outro.
? Se estivesse em seu lugar a observaria com mais atenção ? disse o duque ao mesmo tempo que jogava seu braço sobre o ombro de seu amigo. ? Olha além do permitido ao senhor Graves.
? Olha com atenção a todo homem que não seja eu... ? respondeu triste.
Ainda seguia com os olhos fechados. Parecia que não desejava despertar, ou talvez não quisesse vê-lo ao seu lado. Roger se moveu da cama e tentou deixá-la sozinha, mas nesse momento notou a mão de sua esposa nas costas.
? Perdoe-me ? murmurou com a cabeça abaixada. ? Sinto o ocorrido. Não quis te envergonhar nem te humilhar diante de todo mundo.
? Não deveria se comportar daquela maneira embora se for sincera, alegro-me de que ocorresse ? respondeu sentando-se na cama para abraçá-lo. ? Sabia que cedo ou tarde nossas vidas se cruzariam e o meu único temor era descobrir como o confrontaria. Não quero que nada nem ninguém nos separe.
? Como pode imaginar uma coisa assim? ? Perguntou enquanto se virava e tombava a sua esposa de novo. ? Se por acaso não se deu conta, é minha, só minha.
? Isso... hummmm... soou muito primitivo... ? sussurrou. Levantou os braços e os enredou no pescoço de seu marido. Desejava que todo o acontecido na noite anterior desaparecesse o antes possível e a melhor forma de consegui-lo era deixar-se levar pelas carícias e os beijos de Roger.
? Quer-me, senhora Bennett? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Muitíssimo, senhor Bennett.
Quando os lábios do homem pousaram nos de sua mulher bateram na porta.
? Vou ter que lhes deixar claro que... ? balbuciou o futuro marquês.
? Milorde! Sua Excelência! ? Gritou Anderson através da porta.
? Entra ? respondeu depois de levantar-se e certificar-se de que Evelyn cobria seu corpo com o lençol. ? O que acontece?
? Desculpe a interrupção, mas o duque de Rutland o espera no hall. Ordenou que se apresente o antes possível ? expôs o criado sem mal respirar.
Estranhando a visita, Roger saiu do quarto, desceu as escadas de três em três e quando apreciou o rosto alterado de William esteve a ponto de sentar-se no chão.
? Vista-se! ? Gritou-lhe Rutland. ? Temos que nos dirigir a Londres o antes possível.
? O que acontece? Acaso aquele descarado do Wyman...? ? Tentou perguntar ao mesmo tempo em que convertia suas mãos em dois duros punhos.
? Encontraram esta madrugada o corpo sem vida de Caroline e acusam Federith de sua morte.
Agradecimentos
Em primeiro lugar quero agradecer à minha família a infinita paciência que tiveram enquanto criei o futuro marquês. Foram muitas horas afastada deles e lhes negando minha ajuda. Espero que ao final tenham sua recompensa.
Em segundo lugar às minhas amigas. Obrigada pelo apoio que me ofereceram, por aguentar as intermináveis horas ao telefone e por me dar ânimos quando estive a ponto de atirar a toalha.
É óbvio a ti, Paola. Por seguir trabalhando ao meu lado e fazendo com que minhas novelas não deixem de brilhar.
Também tenho que agradecer à minha querida companheira e amiga Ahna Shtauros por sua ajuda quando necessitava de expressões em francês. Sinto se te avassalei de mensagens de wassap aquela manhã às cinco da madrugada quando estava adormecida.
E é óbvio a ti, leitor, que escolheu entre um milhão de histórias, a minha.
XXIV
Algo a impedia de levantar as pestanas. Dirigiu as mãos para o rosto e tocou um objeto suave. Afastou-o com rapidez e se incorporou sobre a cama. Quem lhe tinha abafado os olhos e por qual motivo? Quando pôde observar com claridade ao seu redor, levou-se uma mão à boca e evitou dar um grito. Roger estava ao seu lado, ajoelhado sobre o chão e apoiando meio corpo na cama. Estendia os braços para ela como se quisesse alcançá-la, seu cabelo revolto deixava apreciar a metade do rosto viril.
Evelyn cravou as pupilas naquela boca deliciosa que se escondia sob uma espessa barba loira. De repente, um estranho ardor sacudiu seu corpo, fazendo com que um inaceitável frenesi se apropriasse dela. Era um homem tão sedutor, tão encantador que até adormecido provocava o desejo de tocá-lo, de acariciá-lo.
Compreendia por que sua fama de galã se estendeu por Londres como a pólvora e por que as mulheres emitiam sorrisos nervosos quando ele estava presente: que mulher não sonha ter ao seu lado um homem assim?
Desvanecendo de repente os sentimentos de prazer e luxúria que se apropriavam de sua mente, moveu-se devagar para não o despertar. Precisava afastar-se dele o antes possível, não lhe cabia dúvida de que teria chegado tarde e bêbado. Talvez, devido ao seu estado de embriaguez, adotou aquela postura ao não alcançar a poltrona onde devia descansar. Não foi até que tentou pousar os pés no chão que viu a cadeira junto à cama. Nela havia uma bacia repleta de água, a mesma com a qual se refrescou à noite anterior no banheiro. O que tinha ocorrido? Que fazia a bacia ali?
Conseguiu que sua mente rememorasse o transcorrido na noite anterior, Roger tinha partido e ela, enfim, pôde despir-se. Esforçou-se em aliviar a terrível dor que tinha aparecido em seu rosto, mas não o obteve e, derrotada, retornou à cama. Não pôde conciliar o sonho até bastante tempo depois, a imagem daquele pequeno crânio aparecia uma e outra vez em sua mente provocando que um sem fim de perguntas surgisse em sua cabeça sem cessar. Não encontrou nenhuma razão lógica que explicasse por que o dito objeto permanecia sob o assento e finalmente alcançou o sono, mas não descansou.
Um terrível pesadelo dominou seu repouso. Viu-se no prado caminhando para o sol e notando como a grande bola de fogo lhe queimava o rosto. Era incapaz de diminuir seu passo embora se visse envolta em chamas e gritou ao ver que seu vestido ardia e todo seu corpo também. Quando se rendeu ao fatídico final observou uma enorme figura aproximando-se e colocando-se em frente a ela. Sua grandiosa sombra fez com que deixasse de sentir calor e que o fogo desaparecesse de repente.
Evelyn voltou o olhar para Roger. Tanto em seu pesadelo como na vida real, ele a cuidava. Deixava a um lado o ser arrogante e egoísta que tanto se esforçava em mostrar e a protegia sem lhe importar o que ele mesmo padecesse. A mulher deixou de franzir o cenho e, com cuidado, rodeou a cama até colocar-se atrás das costas de seu marido. Daquela proximidade contemplou maravilhada como descansavam seus fortes braços que com facilidade poderiam ser como quatro dos seus, sua musculatura era tal que lhe resultava impossível compará-lo com outro homem. As pernas, aquelas longas extremidades das quais se queixava ao sentar-se na carruagem, esticavam-se sobre o chão adotando uma postura indesejável. Mas não foi a magnitude da figura masculina que lhe fez levar de novo as mãos à boca, mas sim umas pequenas cicatrizes que desfiguravam as atléticas costas. Quem o teria açoitado com tanta força para assinalar uma pele tão forte? Teriam-no feito prisioneiro em alguma de suas viagens no navio? O teriam assaltado os temidos piratas? Quis esticar a mão e as tocar com suavidade, mas não era apropriado fazê-lo enquanto ele descansava, se de verdade desejava tocá-lo, se de verdade queria que seus dedos roçassem a pele masculina, devia fazê-lo quando Roger permanecesse acordado, assim poderia retroceder ao mínimo gesto de amargura. Zangada pelos pensamentos pecaminosos que despertava seu marido nela, virou-se com sigilo e caminhou para o baú. Precisava arrumar-se antes de despertá-lo. Se for certo, se ele tinha passado a noite velando sua agonia, não teria repousado o suficiente e o trajeto para Londres seguia sendo longo.
? Encontra-se melhor? ? A voz áspera de seu marido a fez virar com brutalidade.
? Sim. Muito melhor. Por que o fez? ? Arqueou as sobrancelhas e esperou para escutar a resposta com interesse.
? Por que não o ia fazer? ? Ao incorporar-se franziu o cenho. Tinha permanecido tantas horas na mesma posição que, ao levantar-se, sentiu dores nas pernas. ? Expôs-se durante muito tempo ao sol e sofreu umas leves queimaduras ? esclareceu com certo desinteresse. Não queria que desse importância a um fato tão banal. ? Se não as tivesse tratado hoje não poderíamos empreender a marcha.
? Entendo... ? disse com pesar.
Tinha encontrado a razão de seu cuidado. Não foi o que esperava, mas era o mais lógico. Se ela adoecesse teriam que permanecer na estalagem mais tempo do que pretendia e isso atrasaria a chegada a Londres. Evelyn olhou para o chão, evitando que Roger descobrisse as pequenas lágrimas que começavam a brotar em seus olhos.
Doía-lhe descobrir que seguia sem despertar certo interesse sentimental em seu marido. Aquela apatia os separava e a distanciava de averiguar a verdadeira personalidade de seu marido. Se continuasse dessa forma, seu plano não seria infalível.
? Não sei como agradecer tudo o que está fazendo por mim ? falou sem ser capaz de evitar certa aflição em suas palavras. ? Mal levamos dois dias de viagem e me salvou de ser atacada por uma serpente e te fiz passar a noite em claro para acalmar um estrago que eu mesma realizei por imprudência. O mais sensato seria que me deixasse aqui para que Wanda me recolhesse.
? Não vou abandonar-te! Permanecerá ao meu lado em todo momento, entendido? ? Disse zangado.
? Não se dá conta de que só atrapalho sua vida? ? Levantou o rosto e deixou que suas lágrimas fossem percebidas pelo homem.
? Bobagens... ? grunhiu aproximando-se dela. ? Qualquer um pode ser assaltado por um perigoso animal se caminhar pelo campo e, quem não está acostumado aos raios solares padecem este tipo de reações ? respondeu com tom suave. Esticou a mão para o rosto e o acariciou com muita suavidade. Enquanto lhe afastava as lágrimas com os polegares, observou como Evelyn fechava os olhos ao tocá-la e apertava seus deliciosos lábios. Esteve a ponto de beijá-la, de degustar de novo seu sabor, mas se conteve. Não desejava aproveitar-se dela em um momento de debilidade. ? Por sorte, não ficarão sequelas. ? Virou-se para a direita e deu uns passos para diante deixando-a as suas costas.
? Roger? ? Chamou sua atenção.
? O que? ? Perguntou elevando a cabeça para o teto esperando qualquer recriminação por havê-la tocado sem ela pedir-lhe.
? Obrigada... ? Não era essa a palavra que desejava dizer.
Ao sentir suas mãos sobre ela e notar como se acelerava seu pulso ao ser acariciada e como sua boca ficava fria sem os lábios de seu marido, avivou uma inesperada vontade de tê-lo ao seu lado sem roupas que impedissem o atrito entre seus corpos.
? Não tem por que me agradecer. Fiz o que devia e continuarei fazendo-o pelo resto da minha vida. E agora, se me desculpa, tenho que me assear. Imagino que Anderson já tenha preparado a carruagem para empreendermos a viagem.
? Roger! ? repetiu com ênfase. Ficaria ali parada? Esperaria que aquele desejo e aquela necessidade por tê-lo ao seu lado desaparecessem com o tempo? De verdade tinha tanta vontade de entregar-se a ele após descobrir que nunca se afastaria de seu lado e que cuidaria dela pelo resto de sua vida? Era suficiente escutar tal coisa para oferecer-se sem restrições?
? O que? ? Perguntou esperando conhecer a razão pela qual não o deixava assear-se com tranquilidade.
Evelyn não pensou. Correu para ele e saltou sobre o corpo seminu de seu marido. Os pequenos braços se entrelaçaram no pescoço e sua boca tocou a de Roger. Este, assombrado pela reação da mulher, ficou pétreo.
? Um simples obrigado teria sido suficiente ? comentou com apenas um fio de voz quando ela liberou sua boca.
Não esperava essa atuação de Evelyn nem tampouco aquele suave beijo. Se assim agradecia seu dever por cuidá-la, fá-lo-ia com mais gozo do que pudesse imaginar. Entretanto, por mais que lhe agradasse a recompensa, não queria que ela se entregasse a ele por esse motivo. Desejava, e cada vez mais, que entre ambos surgisse algo especial. Possivelmente um pouco parecido ao que tinham William e Beatrice, embora supusesse que jamais alcançariam aquele nível de amor.
? Sei ? disse cravando seus esverdeados olhos nos de Bennett.
? Então? ? Continuou colocando suas grandes mãos sob as redondas e gostosas nádegas. Os mamilos de Evelyn roçavam seu torso e estava ficando louco ao tentar manter relaxada certa parte de seu corpo que atuava por sua conta. ? Então? ? Insistiu arqueando as sobrancelhas.
? Quero me oferecer a ti... ? murmurou abaixando a cabeça para que não pudesse ver o rubor que lhe provocava sua ousadia.
? Assim, sem mais? Quer que te faça amor como prêmio por te haver salvado de uma serpente ou por ter acalmado umas pequenas bolhas? ? Foi abrindo suas mãos para que Evelyn se deslizasse até o chão. Quando ela apoiou os pés no piso, olhou-a com os olhos entreabertos. ? Disse-te que com um simples obrigado era o bastante. Não desejo te submeter, nem te obrigar a nada por algo que é meu dever de marido.
Evelyn ficou paralisada. Por mais que tentasse levantar o rosto e olhá-lo desafiante, não conseguia. Seu embaraço, sua vergonha era tal que não podia nem pensar. Com um esforço sobrenatural deu uns passos para trás dando a possibilidade a Roger para que fechasse a porta e a deixasse sozinha naquele quarto que, naquele momento, pareceu-lhe enorme. Entretanto, ele não se moveu. Seus pés, aqueles que só conseguia ver, seguiam pegos ao chão.
? Evelyn? ? Agora era ele quem chamava sua atenção. ? Olhe-me! Levanta de uma vez esse rosto e me olhe! ? Gritou com aparente mau humor.
Assim o fez. Contra sua vontade levantou o queixo e o olhou. As lágrimas percorriam seu rosto sem poder evitá-lo, suas mãos se apertavam com força formando dois pequenos punhos. Humilhou-se de novo. Degradou-se outra vez ante um homem e este não tinha consideração ante seu ato. Zangada pelo acontecido, elevou os punhos, caminhou para ele e começou a lhe golpear no peito com ímpeto.
? Odeio-te! Maldito seja! Odeio-te! ? Gritou entre soluços.
? Então... por que quer se entregar? Por que quer que te toque, que te beije, que te possua? ? Insistiu sem impedir que o continuasse golpeando.
Como podia falar? Como podia explicar o que sua mente lhe propunha se sua garganta estava pressionada pelo desejo? Possivelmente o único motivo pelo qual conseguia soltar aquelas palavras não era outro que escutar, da boca de Evelyn, que o necessitava tanto como ele a ela.
? Não me toque! ? Clamou Evelyn ao sentir as mãos de Roger entrelaçando-se em sua cintura. ? Solte-me!
? Só quando me responder ? disse com firmeza. ? Só assim te deixarei livre.
? O que quer que te responda? ? Inquiriu rudemente.
? A verdade ? respondeu mais comedido.
? A verdade? ? Voltou a abaixar a cabeça, mas Bennett depois de afastar suas mãos da cintura, usou uma para colocá-la sob seu queixo e lhe içar o rosto.
? Sim ? afirmou com solenidade.
? A verdade, ? interrompeu-se ? é que ninguém se preocupou por mim durante todos estes anos. A verdade é que todo aquele que se aproximou foi para obter algo em troca. A verdade é que nunca tive a uma pessoa ao meu lado que apaziguasse minhas doenças, minhas inquietações ou me oferecesse seu amparo sem um motivo ou razão alguma ? soltou sem respirar.
? E aquele seu prometido? Aquele que te roubou aquilo que me pertence? ? Grunhiu mastigando cada palavra e mostrando a ira que lhe provocava conhecer certas coisas do passado de sua esposa que não imaginara.
? Esse menos que nenhum... ? murmurou ao mesmo tempo em que deixava cair seus braços para o chão.
Roger a observou tão abatida que desejou apertá-la ao seu corpo, para que não se afastasse dele, mas pensou melhor. Ela necessitava de seu próprio espaço, seu momento de liberdade, para poder falar com tranquilidade.
? Só me queria pelo dote que ofereciam meus pais... ? sussurrou enquanto caminhava para a cama e se sentava sobre esta ? mas ao não conseguir seu propósito me abandonou.
Podia arrancar os marcos da porta a dentadas? Porque isso é o que desejava fazer naquele momento. Precisava focalizar sua ira, sua raiva e desespero para algo. Entretanto, depois de respirar com profundidade e achar um pouco de sensatez, andou até ela, ajoelhou-se e colocou suas palmas sobre os joelhos da mulher.
? Disseram-me que tinha morrido... ? confessou-lhe. Sabia que lhe ia responder que continuava vivo, então sua mente não cessava de idear a maneira de buscá-lo e fazer realidade a mentira. Se já estava morto... quem condenaria o assassinato de um cadáver?
? Tinha dezesseis anos. Meus pais me apresentaram em sociedade com muita alegria e ilusão. Naquela época a família era bastante rica então meu pai ofereceu um bom dote para o homem que decidisse casar-se comigo. ? Fez uma leve pausa, suficiente para recuperar um pouco de quietude. ? Ele me cortejou e me seduziu. Terminei por me apaixonar e finalmente nos comprometemos. Pouco depois meu pai anunciou que as riquezas familiares tinham desaparecido por um mau investimento. Quando contei, quando lhe narrei a agonia que estávamos padecendo, acreditei que nos ajudaria, que lutaria contra a pessoa que enganou ao meu pai e que graças à sua valentia obteríamos o roubado. Mas não o fez. Decidiu partir. Abandonou-me sem sequer pensar no que eu tinha em meu interior...
? Estava... ficou...? ? Abriu tanto os olhos que pensou que estes fossem sair das órbitas.
? Sim. Embora pouco tempo depois de sua partida o perdi. Tropecei nas escadas ao sofrer um desmaio e quando despertei, o bebê tinha morrido ? soluçou dolorosamente.
? Sinto muito... ? falou com tristeza. Tirou as mãos dos joelhos e se levantou. A vontade de quebrar algo, de estrangular ao malnascido que lhe tinha feito mal, não diminuiu. Mas não era o momento de atuar com agressividade. Não desejava que Evelyn se assustasse ao pensar que a ira se devia à sua confissão e não ao feito de descobrir o triste passado que tinha vivido.
? Não tem por que sentir, Roger, mereço isso. Mereço tudo o que me aconteceu e o que acontecerá ? murmurou Evelyn dirigindo seus olhos para a figura alterada de seu marido.
Perambulava de um lado para outro. Levava as mãos para o cabelo e o afastava sem cessar. Sabia que após conhecer o que escondia, que ao revelar seu passado, desiludira-o. Quem poderia viver junto a uma mulher manchada? Agora era só esperar o que tanto tinha temido, que outra pessoa a abandonasse. Supôs que, embora lhe prometesse cuidá-la, sua declaração lhe daria a oportunidade de afastar-se de seu lado como fizeram os outros.
? Eu... eu... ? tentou dizer, mas lhe resultou impossível explicar o que pensava. Alguém batia na porta com insistência. Com grandes pernadas se dirigiu para esta, abriu-a e ladrou: ? Quem é?
? Sua Excelência ? respondeu Anderson abaixando com rapidez a cabeça ao escutar o tom enfurecido de seu senhor. ? Desculpe atrapalhar. Mas tenho que o informar que tudo está preparado para empreender a viagem.
? Que horas são? ? Perguntou em tom irado.
? Quase sete, senhoria.
? Está bem. ? Olhou de esguelha para Evelyn. Não se tinha movido de seu assento. Seguia com a cabeça abaixada e apertava suas mãos com força. O que devia fazer? Era a primeira vez em sua vida que não sabia como atuar com uma mulher. Se partirem, se se preparavam para partir depois de sua confissão, ela poderia pensar que lhe tinham feito mal suas palavras e que a repudiava por aquele passado que tanto lhe doía. Mas se fechasse a porta, se se dirigisse para ela e fizessem amor, acreditaria que só tentava aproveitar-se de sua fragilidade.
? Senhor... ? interrompeu de novo seus pensamentos o criado.
? Avisem-me quando forem dez da manhã. Não descansei o suficiente para aguentar estoicamente um trajeto tão longo.
? É claro. Voltarei a chamar nessa hora. ? Anderson fez uma leve reverência e se afastou.
Roger fechou a porta e se apoiou nela. Respirou com profundidade e contemplou o aflito corpo de sua esposa. Não sabia se o que lhe ditava o coração era correto ou não, mas se seu interior lhe gritava que o fizesse, fá-lo-ia.
XXV
Virou-se quando escutou fechar a porta. Surpreendida ao escutar que a saída se atrasava, observou sem pestanejar ao Roger, que apoiou as costas na porta de madeira cruzando os braços e cravando suas pupilas nela. Tragou saliva ao perceber como a escuridão aparecia no rosto masculino, apertava a mandíbula com tanto afã que podia escutar com facilidade o ranger de seus ossos. O peito, robusto pelo trabalho que teria realizado no navio, elevava-se e baixava com brio apesar de suportar o peso dos grandes e musculosos braços. Evelyn tremeu. Ali estava, um titã de cabelo loiro e pele escura atravessando-a com o olhar. Supôs que era lógico, todo mundo que escutava seu passado sentia ira ou lástima e, para ser sincera, ela preferia o ódio, posto que estava acostumada a defender-se melhor dos ataques verbais que das palavras repletas de misericórdia.
Quis romper o silêncio incômodo que se produziu entre ambos perguntando se queria que partisse, se desejava descansar tal como tinha indicado ao Anderson ou se desejava terminar a frase que tinha começado antes de serem interrompidos. Tinha empalidecido ao descobrir que tinha perdido ao bebê. Ao que parecia, os rumores não o informaram da parte mais odiosa da ruptura de seu compromisso: a perda de um diminuto ser. Tampouco lhe haveriam dito que ela não podia ter mais filhos. «Colin não o advertiria no contrato matrimonial», disse-se irônica. Desejou falar sobre algo que o despertasse do choque no qual se encontrava, mas não o conseguiu.
De repente Roger descruzou os braços e caminhou com solenidade para ela. Evelyn esticou as mãos pela camisola no primeiro passo. No segundo, seu coração deu um tombo ao apreciar que na realidade o rosto masculino não mostrava escuridão, mas sim lascívia. Não estava zangado, não desejava afastar-se de seu lado. O que pretendia era possui-la como um selvagem. «Grita, Evelyn, grita! Salve-se dele! Corre, foge!», escutava uma voz exaltada em sua cabeça. Mas a fez calar com rapidez.
Roger se aproximava como um predador se aproxima de sua presa, mas nesta ocasião, a presa desejava ser alcançada.
? Prometi que não te tocaria até que me pedisse ? disse isso com voz rouca. Seu terceiro passo o deixou a menos de quatro palmos dela.
? Sim ? respondeu-lhe sem diminuir aquela excitação que lhe augurava o que ia acontecer se fosse incapaz de negar-se.
? E até agora atuei tal como ditou ? continuou com o mesmo tom. Parou de andar até que se colocou em frente a ela. Percebeu que ela tremia ante sua proximidade. Estava seguro de que o calor que emanava de seu próprio corpo chocava com força no da mulher.
? Sim... ? conseguiu dizer mediante uma profunda inspiração.
? Evelyn... quero respeitar suas decisões. Não haverá nada no mundo que me impeça de fazê-lo. Por isso te pergunto, quer que eu te toque? Quer que te beije e te possua com o ardor que sinto desde que pus meus olhos em ti? ? Esticou as mãos para lhe acariciar os suaves e sedosos cabelos que caíam em forma de cascata por seus ombros.
? Roger... ? murmurou.
? Diga-me... ? respondeu depois de respirar profundamente.
? Sim.
? Sim o que, Evelyn?
? Sim, o desejo.
Bennett não se conteve mais. As mãos abandonaram o cabelo para agarrar com força a cintura da mulher. Atraiu-a para ele enquanto sua boca se chocava com a dela. Sua língua voltava a dominá-la, a conquistar seu interior. Observou satisfeito como Evelyn se deixava levar pelo desejo, fechando os olhos e dando pequenos e musicais gemidos de prazer ao tê-la em seus braços. Tudo aquilo que pensou, todas aquelas dúvidas que o impediam de avançar para fazê-la sua se desvaneceram ao sentir as mãos de sua mulher lhe acariciando as costas. Ardiam. Ambos desprendiam um fogo abrasador. Contra sua vontade, Roger foi enrugando entre suas mãos a camisola de Evelyn muito devagar. Apesar de querer arrancar-lha acreditou oportuno ser delicado com ela posto que imaginasse, por suas palavras, que jamais tinha sido amada tal como merecia. Precisava lhe indicar com cada carícia, com cada beijo, que era uma deusa para ele e assim a trataria. Quando o objeto se levantou até a pequena cintura, Bennett pousou suas grandes palmas sobre os glúteos nus. Acariciou-os, apertou-os, e inclusive cravou seus dedos neles para marcá-la, para lhe demonstrar que era dele e de ninguém mais. Mas aconteceu algo que o deixou atônito. Não esperava que Evelyn, depois de notar suas mãos nas nádegas, abrisse lentamente suas pernas o convidando a prosseguir. Dava-lhe acesso à sua sexualidade. Um grunhido de satisfação saiu de sua garganta. Essa amostra de aceitação o deixou tão louco que seu controle se desvaneceu. Com a mesma voracidade que um sedento bebe água no inóspito deserto, Roger terminou por a despojar da camisola. Evelyn, ao ver-se completamente nua, tentou cobrir-se com suas mãos, mas Roger as afastou com delicadeza enquanto se ajoelhava ante ela.
? Não me oculte sua beleza, minha pequena bruxa ? murmurou. Sua boca beijou o ventre no qual um dia houve uma vida dentro. ? Não quero que se esconda de mim.
Esperou que lhe respondesse, mas não o fez. Só colocou as mãos sobre seus ombros para não cair. Seus dedos retornaram às nádegas para acariciá-las com devoção. Voltou a observar como Evelyn separava lentamente suas pernas. As mãos caminharam devagar pelas coxas até alcançar os lábios inchados e úmidos. Depois de inspirar o aroma erótico de sua esposa, acariciou com ligeireza aquelas dobras molhada. Seus dedos lhe facilitaram o trajeto, separando com suavidade as delicadas protuberâncias sexuais.
? Nota minhas carícias? ? Exigiu saber com uma mescla de luxúria e sufoco.
? Sim... ? murmurou mal consciente disso.
? Quer que siga? Quer que continue, meu amor? ? Nem ele mesmo foi consciente de haver dito aquela palavra. Nunca a tinha posto em sua boca anteriormente, mas apesar de entrecerrar seus olhos ao escutar-se, não se arrependeu. Adorava-a, desejava-a, necessitava-a, e isso não era a base do amor?
? Sim, por favor ? rogou-lhe.
Seu corpo se sacudia com tanta força que se agarrou com ímpeto aos ombros de Roger. Mal podia levantar suas pálpebras e se envergonhava por ser incapaz de fechar a boca e não fazer parar aqueles diminutos gemidos provocados pelo prazer. Isso não era o normal, ou talvez sim. Não tinha com o que compará-lo salvo com Scott e, onde suas mãos tinham provocado frieza, as de seu marido a faziam arder.
? Deixe-me conhecer todo seu corpo... ? murmurou devagar enquanto o dedo do meio apalpava o interior de seus lábios procurando o pequeno botão do clímax. ? Deixe-me explorar cada pedaço da sua pele... deixe-me te demonstrar quanto te necessito...
? Faça-o... ? disse sem voz.
? Agarre-se com força aos meus ombros, meu amor. Vou fazer com que desfaleça de prazer ? advertiu antes de mover seu dedo com rapidez sobre o pequeno clitóris.
Gotas de suor começaram a banhar sua pele. Não imaginou que com um simples dedo pudesse enlouquecê-la até o ponto de flexionar seu corpo para diante e cair sobre Roger. Sua respiração era intermitente, mal conseguia duas inspirações seguidas sem gritar. As pernas perdiam sua força e podia notar como começavam a encurvar-se. Mas seu marido a elevou, colocou-a como ele queria que estivesse e então aconteceu algo que, se não tivesse estado na cama, teria caído desabada ao chão. Toda a agitação que sentia ali onde ele tinha o dedo, ali onde era açoitada sem fim, acalmou-se com a língua de Roger.
? Está bem? ? Bennett saltou sobre ela assombrado.
? O que... o que foi isso? ? Perguntou aturdida.
? Isso, meu amor... ? disse com um sorriso de orelha a orelha ? é algo delicioso. ? Dirigiu sua boca para a dela e a beijou com ardor. Sua língua se apoderou dela, possuiu-a e a desfrutou. Evelyn descobriu que o sabor de Roger se mesclava com outro um pouco ácido, frutado. Ruborizou-se ao saber de onde procedia, mas não se amedrontou, queria mais. Muito mais.
? Repita ? ordenou desenhando um sorriso malicioso em seu rosto.
? É uma ordem? ? Perguntou zombador.
? É outro mandato que acabo de acrescentar à lista. ? Seus olhos verdes brilhavam pelo desejo. Urgia-a senti-lo ali abaixo e o necessitava já.
? Pois como te disse, acatarei todas as suas normas, querida.
Começou a percorrer o corpo feminino com sua boca. Fez várias paradas antes de chegar ao lugar que tanto ansiava sua mulher. Primeiro beijou o pescoço e lambeu cada milímetro de sua pele até que alcançou o lóbulo onde deveria luzir uns brincos de diamantes. Acariciou-o devagar fazendo com que o pelo se arrepiasse ao úmido tato. Prosseguiu até seus seios. Aquelas pequenas montanhas com suas pontas escuras o deixaram louco. Absorveu, mordeu e apertou com seus dentes os elevados mamilos para escutar seus gritos. Adorou ouvi-la. Adorou observar como seus seios se moviam agitados pelo prazer. Continuou seu trajeto para baixo gerando um caminho brilhante depois do passo de sua língua. Era uma tortura ter demorado tanto até alcançar seu sexo, mas não tinham pressa, já não. As grandes mãos se colocaram sobre as coxas, separando-as com suavidade. Depois de apartá-las, Roger admirou o fogo que ela escondia entre estas. Aproximou seu nariz para voltar a encher seus pulmões do delicioso aroma de Evelyn. O fez várias vezes, possivelmente mais das que deveria. Nem tentou fechar seus olhos ao aproximar sua língua para os amaciados lábios. Precisava contemplar tudo. Por mísero que fosse o movimento de sua mulher ao roçá-la, desejava averiguá-lo.
Não podia parar os tremores. Suas pernas, arqueadas e abertas, sacudiam-se de um lado para outro. Em mais de uma ocasião pensou que golpearia a cabeça de Roger com os joelhos, mas não foi assim. Enquanto ele acariciava o sexo com seus lábios e com sua língua, agarrava com solidez as pernas para que deixassem de agitar-se. Era impossível permanecer quieta quando todo o corpo se sacudia devido às convulsões que se propagavam por cada milímetro da pele. Evelyn gritou ao notar a pressão dos dentes ali abaixo. Levou as mãos para a boca para não repetir o uivo, embora mal o silenciasse. Continuou gritando, chiando, uivando pelo prazer que seu marido lhe dava entre as pernas. Em mais de uma ocasião vislumbrou o firmamento repleto de estrelas brilhantes no teto de seu quarto. Não era possível. O que fazia seu marido não era real.
? Minha pequena bruxa... ? sussurrou Bennett elevando-se sobre ela. ? É puro fogo. Jamais necessitei tanto estar dentro de uma mulher. Deixa-me louco, Evelyn. Perturba-me, rouba-me a pouca racionalidade que tenho.
Ela esticou as mãos para lhe segurar o rosto e atrai-lo para sua boca. Desejava voltar a degustar daquela deliciosa mescla que ele guardava.
? Quero te possuir, quero te fazer minha ? murmurou. Ao ver como sua esposa assentia pousou os pés no chão, tirou a calça e as meias e retornou à cama. ? Não doerá, prometo-lhe isso.
Evelyn não estava tão segura disso. Se o corpo de Roger era imenso, seu sexo não era menor. Esticou as palmas da mão e, curiosa, começou a tocá-lo. Sua pele lhe pareceu sedosa, mas ao mesmo tempo forte e rígida. Abriu os olhos como pratos ao notar a umidade em suas mãos. A isso se referia quando lhe dizia que perdia o controle? Teria cuspido sua semente antes de introduzir-se em seu interior? Se fosse isso, se ele já tinha explodido, então compreenderia a razão pela qual Scott sofria aqueles percalços. Desejava-a tanto que não era capaz de controlar-se.
? Evelyn... ? chamou sua atenção. ? Eu jamais... em minha vida... ? Abaixou a cabeça e a beijou com desejo. Enquanto, com uma mão, foi endireitando seu membro até encontrar o lugar no qual devia entrar.
Não foi capaz de controlar-se. Queria fazê-lo lento, devagar, entretanto, não o conseguiu. Ao sentir a calidez dela, apertou seus glúteos, apoiou as palmas de suas mãos sobre o colchão e a invadiu com força.
? Sinto muito, sinto muito, mas não posso me controlar. Quero te fazer minha, quero te sentir, quero...
As mãos de Evelyn se colocaram nas costas masculina. Seus dedos se apertaram tanto nela que terminou lhe cravando as unhas. Cada penetração, cada embate, ela o sofria com enérgicos espasmos. Podia sentir o início do sexo de Roger lhe penetrando o interior, parecia que desejava alcançar o que ninguém podia conseguir. Tentou fechar os olhos. Precisava fechá-los para deixar-se levar. Embora não pôde fazê-lo, desejava apreciar como era o rosto de Roger, como mudava a cor de seus olhos quando o clímax o sucumbia.
? Evelyn! Evelyn! ? Gritou com tanto ímpeto seu nome que os tendões se marcaram na garganta.
Os tremores se fizeram mais intensos, rápidos e incontroláveis. O suor de ambos se mesclou. Uma estranha essência se estendeu ao redor deles. Em cada inspiração, cada vez que ela cheirava aquela mescla a especiarias, mais excitada se encontrava. Apertou com mais força suas unhas na pele de Roger, elevou o queixo e quando estava a ponto de gritar, a boca de seu marido a possuiu. Não deixou de beijá-la até que pararam de tremer, até que ambos os corações relaxaram seus batimentos, até que as respirações se compassaram.
? Sinto muito... ? Roger saltou da cama, dirigiu-se para a bacia e pegou o pano úmido. ? Sinto de verdade. ? Não deixava de desculpar-se enquanto a limpava. ? É a primeira vez que verto minha semente... é a primeira vez que não controlo...
Evelyn se incorporou na cama e segurou a mão de seu marido que limpava sua zona erógena. Não sabia o que pensar ao lhe escutar dizer que era a primeira vez que sua semente se introduzia em uma mulher. Possivelmente mentia, mas ao vê-lo tão inquieto, tão assombrado, a dúvida se dissipou. Entretanto não devia temer por uma possível gravidez. Não com ela.
? Roger não sofra ? disse desenhando um pequeno sorriso no rosto. ? Não acontecerá nada do que pensa.
Bennett deixou cair o objeto no chão. Seus olhos se abriram tudo o que puderam, seu coração deixou de pulsar, a expressão de agonia que mostrou seu rosto ao compreender que podia deixá-la grávida antes de averiguar se entre eles tinha crescido o amor se dissipou com brutalidade. Não podia ter filhos? Era impossível! Havia-lhe dito que esteve grávida. Só uma mulher que... o compreendeu com rapidez. Algo tinha acontecido naquele aborto que a deixou estéril. Ao ser consciente de que Evelyn lhe estendia a mão para que se colocasse ao seu lado, estendeu a sua e se tombou junto a ela. Abraçou-a com força contra seu corpo e lhe beijou o cabelo.
? Tenho frio. ? Não foi um mandato, mas sim uma mera informação.
Roger esticou o braço e pegou o lençol para cobri-la. Ela se aproximou ainda mais a ele convertendo-se de novo em uma só figura.
? Descansa um pouco ? sussurrou-lhe com ternura. ? Despertá-la-ei antes que batam à porta. ? A mulher assentiu com um suave movimento de cabeça.
Bennett, apesar de estar cansado, foi incapaz de fechar os olhos. Uma centena de pensamentos golpeava sua mente sem trégua. O que aconteceria agora? Seguiriam assim toda a viagem até chegar a Londres? Isso esperava porque tê-la daquela forma acalmava seus medos. Entretanto, o que ocorreria quando Evelyn descobrisse o passado de seu marido? «Será ela quem te abandone ? refletiu com tristeza. ? Quem pode viver junto a uma pessoa como eu?». Apesar do inevitável final, Roger priorizou um de seus objetivos: antes que ela se afastasse, antes que Evelyn decidisse separar-se dele, procuraria com afã ao suposto morto e faria realidade o rumor. Ele mesmo lhe arrebataria a vida com suas próprias mãos. Depois de beijar de novo o cabelo de sua esposa e intensificar seu abraço, olhou para a janela e suspirou.
Apesar de sua insistente negativa, Roger a ajudou a vestir-se e a penteá-la. Adiantando-se à chamada de Anderson, ambos estavam preparados para retomar a viagem. Quando escutaram uns pequenos golpezinhos na porta, olharam-se sorridentes. Evelyn acreditou que seu marido daria suas típicas pernadas para chegar à saída e responder ao criado, mas em vez disso abraçou-a e a beijou com paixão.
? Estou desejando que chegue de novo a noite. ? sussurrou-lhe ao ouvido. ? Vou contar as horas que faltam para tê-la outra vez nua em meus braços.
Ela se ruborizou ao escutar as insinuantes palavras e notou em seu baixo ventre um incrível palpitar. Desejava-o. Evelyn também desejava que chegasse aquele momento para voltar a sentir o prazer que lhe provocavam as carícias de seu marido. Antes de sair olhou-se no espelho e se surpreendeu ao ver um rosto repleto de felicidade. As olheiras lhe pareceram maravilhosas, o enredado cabelo recolhido em um torpe coque pareceu-lhe o penteado mais surrealista que tinha mostrado até o momento e seus lábios, avermelhados pelo roce da barba, exibiam-se mais volumosos que de costume. Era muito difícil ocultar o que tinha acontecido durante as horas anteriores naquele quarto. Embora começasse a descobrir, atônita, que não lhe importava o que pensavam outros.
? Adiante-se ? indicou Roger soltando sua cintura. ? Vou pagar ao hospedeiro e depois correrei até te alcançar.
Evelyn fez o que lhe propôs com carinho. Elevou seu queixo e caminhou para a carruagem sem olhar para trás. Ao sair da estalagem se assustou ao perceber como o sol voltava a tocar seu rosto e o machucava. Içou a mão direita, abaixou levemente a cabeça e caminhou depressa para o veículo, mas quando estava a ponto de chegar, no momento em que Anderson lhe abria a porta para lhe facilitar o acesso, notou uma pressão na mão esquerda tão intensa que se girou para esse lado.
? Senhora... ? uma mulher de pouco mais de cinquenta anos e vestida de rigoroso luto era quem a impedia de alcançar o carro. ? É seu marido o homem que ontem me pediu uma beberagem para acalmar suas queimaduras? ? Perguntou sem mal respirar.
? Bom dia ? respondeu com cortesia. ? Sim, pode ser que seja ele.
? Tome cuidado, milady, não é um homem bom. Leva em suas costas a marca da morte ? falou com pavor. Seu rosto, enrugado pelo passar dos anos, enfatizava suas palavras.
? Não o conhece! ? Exclamou zangada. Olhou para Anderson para lhe pedir auxílio e este, não muito cortês, afastou a anciã de seu lado.
? É você quem não sabe como é a pessoa que está ao seu lado! ? Clamou desesperada.
Evelyn subiu depressa, fechou a porta e olhou para o lado contrário. Não queria escutá-la nem olhá-la, mas era tanto o interesse que lhe provocava a estranha mulher que terminou por virar-se para ela. Quando a anciã apreciou que era observada, jogou uma olhada ao seu redor e percebendo que não seria retida de novo pelo lacaio, caminhou para a carruagem. Esteve a ponto de dizer algo, mas ao tocar o carro com suas mãos, os olhos desta se abriram tudo o que podiam alcançar, deu uns passos para trás e se benzeu.
? Não é o diabo... ? murmurou aterrada. ? É seu sangue que foi germinado por essa abominação...
? Acontece algo? ? Inquiriu Roger zangado ao ver as duas mulheres.
? Lute por se liberar do mal. Faça todo o possível para fazer desaparecer até a última gota de seu sangue. Só assim se liberará de seu destino ? comentou a anciã a Bennett antes de correr para a estalagem sussurrando palavras em um idioma que nenhum dos dois conseguiu decifrar.
? Quem era? ? Quis saber Evelyn quando seu marido se sentou ao seu lado e estendeu o braço para aproximá-la para ele.
? Só uma velha louca que me deu um remédio à base de ervas para acalmar suas queimaduras ? respondeu antes de lhe dar um beijo na cabeça. ? Incomodou-te? Tenho que descer e recriminar sua atitude com a minha esposa? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Não. Acredito que a pobre já tem o suficiente com a sua demência ? alegou antes de apertar a cintura de seu marido e pousar sua cabeça sobre o duro torso.
Mas as palavras da anciã não cessaram de repetir-se uma e outra vez em sua mente. Não entendia muito bem o que tentava expressar, entretanto, quando fechou os olhos para descansar antes de chegar ao próximo povoado e comprar aquele chapéu que, segundo Roger, necessitava, abriu-os de par em par ao recordar o que estava escondido sob o assento.
XXVI
Tal como augurou, o trajeto para Londres se fez comprido, mas graças ao comportamento de Roger o desfrutou mais do que esperava. É óbvio, cumpriu suas palavras sobre o que aconteceria na noite seguinte quando pernoitassem em outra estalagem, embora nessa ocasião enchesse a habitação de mantimentos para repor a energia que gastaram durante a noite. Os rubores em sua pele, pelas carícias e beijos, aumentaram até ter que comprar, em um dos povoados que visitaram, um remédio para acalmar sua delicada cútis. Entretanto, Evelyn não ocultava as marcas de seu prazer. Exibia-as com altivez. Quem não poderia proclamar que um matrimônio criado de um pacto inadequado começava a dirigir-se para o bom caminho? Nem ela mesma o teria acreditado. Recordou o momento no qual Roger apareceu em Seather com o papel que autorizava o contrato matrimonial, seu desmaio, a tosca cerimônia, seu abandono e, é óbvio, seu regresso. Não tinha transcorrido muito tempo desde que seu marido desembarcara, mas era o suficiente para confirmar que não desejava que partisse de novo. E agora menos que nunca. Estavam a ponto de chegar a Lonely Field, o lar de seu marido que também se converteria no seu. Ali, se Deus a ajudasse, encontraria as respostas que tanto açoitavam sua cabeça. Quem era na realidade Roger Bennett? Que passado tentava ocultar? Por que se transformou em um ser egoísta e petulante? E, sobretudo... por que tinha mudado tanto sua atitude após possui-la?
? Olhe! ? Exclamou Bennett com entusiasmo elevando-se do assento. ? Aí está meu lar! ? Voltou o olhar para ela, sorriu e murmurou: ? Nosso lar...
Evelyn se reclinou e olhou pela janela. Ao longe começou a divisar o enorme telhado que Roger chamava de lar, mas daquela distância mal pôde fazer uma ideia de como era. Seu marido lhe indicou que não seria maior que o dos duques, mas não deu importância às suas palavras. Um futuro marquês, e nada menos que o de Riderland, de cujo império se falava sem cessar nos grupos sociais, teria um palácio semelhante ao de Haddon Hall. Entretanto, quando a carruagem entrou no limite do imóvel, Evelyn levou as mãos para a boca.
? Adverti-te que não era uma grande extensão ? disse-lhe com certo pesar ao contemplar o rosto de sua esposa.
? É magnífica! ? Exclamou. Dirigiu as mãos para as de seu marido, apertou-as e esteve a ponto de beijá-las, mas Bennett o impediu ao assaltar sua boca com a sua.
? Meu coração está agitado... ? ronronou. ? Sinto-me tão feliz de que esteja aqui que sou incapaz de conter um grito de satisfação.
Evelyn gargalhou ao escutá-lo. Sabia que era certo o que lhe expunha. Podia apreciar o entusiasmado em seu rosto: desenhava um enorme sorriso, seus olhos brilhavam e relaxava a mandíbula, entretanto, suas mãos tremiam. Não conseguia saber se se deviam à excitação que sentia ou por medo da sua opinião sobre o futuro lar. Fosse o que fosse, ela apertou as trementes mãos e tentou acalmá-lo.
? Essas sebes, ? indicou separando sua mão direita da quente amarração ? Anderson e eu que plantamos. Embora te assegure que não sou o autor dessas formas trabalhadas que possuem.
A mulher dirigiu o olhar para onde assinalava seu marido e corroborou o que lhe explicava. O caminho que conduzia à entrada da casa estava adornado com duas fileiras de enormes e frondosos arbustos. Todos eles adotavam figuras diferentes, umas eram altas e magras, como se quisessem assemelhar-se aos picos de uma montanha, outras pelo contrário, eram curvilíneas e um pouco mais grossas. Mas conforme se aproximavam percebeu que todas tinham no interior a forma de animais. Como podiam realizar tal proeza com umas simples sebes?
? São totens ? esclareceu Bennett ao apreciar o assombro em sua mulher. ? Segundo seu autor, que conhecerá assim que estacionemos, mostram símbolos do meu caráter.
? Totens? ? Perguntou assombrada. ? Isso não é próprio dos...?
? Índios ? esclareceu afirmando com a cabeça. ? Sim, o criador dessas belezas é índio. Encontrei-o em uma das minhas viagens pela América. Estava a ponto de ser enforcado por um crime que, conforme se esforçava em proclamar, não cometeu. Eu acreditei em sua inocência e o comprei.
? Comprou-o?! ? Levantou tanto as pestanas que pôde senti-las acariciar suas sobrancelhas.
? Tudo se compra onde quer que se vá ? disse com ternura. ? Se tiver uma bolsa de moedas com a quantia que se espera obter ninguém é capaz de negar-se.
? Meu Deus! ? Exclamou tampando-se de novo a boca.
? Todos os meus criados, salvo Anderson, provêm de muitas partes do mundo, Evelyn. Aqui os trato com o respeito que merecem. Jamais ninguém lhes porá a mão em cima nem os utilizará como se fossem animais ? comentou com solenidade.
A mulher olhou absorta a seu marido. Não sabia o que responder. Nunca tinha imaginado que Roger albergasse em seu lar criados de outro lugar que não fosse Londres. Possivelmente porque só o povo nativo conhecia, melhor que nenhum outro, os costumes ingleses. Mas começou a não estranhar o que começava a conhecer de seu marido. Ninguém podia igualar-se. Ninguém poderia assemelhar-se a um homem tão incomum.
? Vamos querida. Acredito que todos desejam conhecer minha esposa ? sugeriu Bennett com um sorriso de orelha a orelha ao descobrir que não faltava ninguém para sair da residência para apresentar-se ante sua mulher.
Evelyn aceitou a ajuda de Roger para descer da carruagem. Com o chapéu que este lhe tinha comprado colocado sobre sua cabeça mal podia ver mais à frente do chão. Angustiada por não contemplar o que havia ao seu redor, terminou por tirá-lo e jogá-lo no chão. Então ficou sem respiração. Dez pessoas permaneciam na entrada esperando-a. Quatro delas eram de pele escura, três um pouco mais claras e outros eram tão pálidos como ela, mas quem chamou sua atenção foi um homem de cabelo comprido e cor azeviche. Tinha o peito descoberto, embora tentasse ocultá-lo sob um colete de cor marrom. Dirigiu seus olhos para seu marido e esboçou um pequeno sorriso. Já sabia de onde procedia a insistência de Roger por mostrar seu torso com descaramento. Sem pensar muito, deduziu que também ele era o autor das figuras esculpidas nos arbustos. Não podia errar em uma coisa tão clara! De repente notou a pressão da mão de seu marido sobre a dela. Evelyn imaginou que adivinhava seus pensamentos e lhe respondeu com um sorriso extenso.
? Querida, ela é Sophie, nossa governanta.
? Encantada em conhecê-la, senhora ? disse enquanto realizava uma ligeira reverência. ? Nosso senhor nos falou muito de você, mas esqueceu de descrever sua beleza. ? Sophie olhou a Roger como se o estivesse repreendendo.
? Posso te assegurar que nem eu mesmo sabia como era ? afirmou antes de soltar uma gargalhada e coçar a cabeça com a mão direita.
? É uma longa história ? acrescentou Evelyn ao contemplar o assombro da governanta. ? Se desejar escutá-la, contar-lhe-ei isso em breve.
? Estarei desejosa de que chegue esse momento, milady ? disse dando uns passos para trás.
? Ele é Yeng. ? Assinalou Roger a um moço com olhos rasgados e uma pele um pouco ambarina. ? Em seu antigo trabalho era crupiê, mas aqui se encarrega da manutenção de Lonely.
? Crupiê? ? Perguntou assombrada.
? Sim, minha senhora ? respondeu Yeng saudando-a da mesma forma que tinha feito Sophie.
? De onde é? ? disse bastante interessada.
? Da França.
? Nem todos os que têm um aspecto asiático nasceram lá ? murmurou Roger ao seu ouvido de maneira zombadora.
Evelyn se ruborizou com rapidez. Notou como lhe ardiam as bochechas ante um deslize tão infantil, mas quando Roger beijou com suavidade uma de suas maçãs do rosto, esse calor diminuiu. Um a um se foram apresentando. Todos tinham uma história interessante que lhe narrar sobre as diversas procedências e a maneira que conheceram seu marido. Mas ficou aniquilada quando o índio apareceu em frente a ela. Ao contemplá-lo mais de perto divisou umas marcas ao redor de seu pescoço. Não eram brancas, mas sim escuras e tinham um interessante desenho. Observou-o sem pestanejar enquanto falava com Roger. Seu comportamento, sua atuação com seu marido era muito diferente da que tinham os outros. Nem Anderson, o fiel criado e possivelmente a mão direita de seu marido, tinha tanta confiança para chamá-lo por seu nome de batismo.
? Finalmente, ? disse Bennett ? o batizamos com o nome de John. Não nos pareceu conveniente a nenhum dos dois chamá-lo com seu nome real. As pessoas estão acostumadas a afastarem-se quando o vêem.
? Senhora... ? John se aproximou dela, pegou-lhe a mão e a beijou com suavidade.
? Pode me chamar de Evelyn ? respondeu com suave fio de voz.
? Bom, já conhece todos os que habitam Lonely e agora, se te parecer bem, mostrar-te-ei o interior do meu lar. Estou seguro de que te assombrará o que ocultam estes muros ? apontou Bennett orgulhoso.
? Estou desejosa de descobri-lo ? comentou aceitando a mão de Roger e caminhando para o interior.
Quando o casal desapareceu dos olhos de todos os trabalhadores, estes olharam com rapidez a John. Permanecia imóvel, pétreo e com as pupilas cravadas na entrada do lar.
? É ela? ? Yeng rompeu o silêncio.
? Sim ? respondeu o índio com firmeza.
? Pois não tem pinta de poder salvar nada! ? Exclamou Sophie pondo os olhos em branco. ? É uma mulher esquálida. Um pouco alta para ser uma dama e não dá a impressão de ter coragem para enfrentar tudo o que lhe vai acontecer.
? Acaso o fogo nasce com intensas chamas? ? Alegou John sem expressar emoção em seu rosto.
? Fogo? Olhe John... ? Sophie aproximou-se dele e assinalou com um dedo inquisidor no peito ? se ela não for esse fogo que tanto necessita o senhor, diga aos seus etéreos espíritos que pegarei o machado com o qual corto o pescoço das galinhas e, uma a uma, destroçarei as sebes nas quais passas tanto tempo rezando.
? Eu adoro quando se zanga ? murmurou somente para eles dois.
? Pois te advirto que o estou e muito. Se ela não o salvar, se não for capaz de conseguir o que aquelas harpias com pernas de galgo não obtiveram, penso em te buscar outra mulher que acalme suas necessidades espirituais ? retrucou antes de virar-se e entrar também no lar.
? Fará ... ? sussurrou para si.
XXVII
Cada cômodo que encontrava era diferente aos demais. Nenhum se assemelhava nem mesmo em uma única peça de decoração. Roger fazia de seu lar um pequeno mundo. A sala de jantar, a primeira sala que visitou, era muito parecia com a que teria qualquer mansão londrina: uma grande mesa central com uma dezena de cadeiras sob a formosa tábua de madeira, vitrines esculpidas, suportes nos quais pousavam candelabros de laboriosos desenhos, enormes abajures de cristal que se iluminavam mediante a reclamada luz a gás, equipamento de porcelana... Entretanto, as paredes não estavam cobertas de pinturas de seus antepassados. Enormes e floridas tapeçarias ocupavam esses lugares. Seis contou. Dois deles só eram paisagens de montanhas onde um rio atravessava a tapeçaria. Eram pequenos paraísos em meio de um nada, mudos ante os ouvidos de quem tentava escutar o passar da água, mas esplêndidos para todos os que fossem capazes de admirá-los com os olhos. Um deles lhe recordou o lugar no qual os duques ofereceram o piquenique. As montanhas ocultavam o sol, o caudal transbordante de vegetação fluía a seu passo com liberdade e percebeu que a imagem transmitia a mesma tranquilidade que ela obteve naquele lugar salvo quando foi jogada na água. Sorriu de lado ao recordar a infantil cena, voltou a ver-se golpeando o inerte líquido enquanto Roger não cessava de rir.
Algo tinha mudado entre eles. Soube assim que descobriu que se acontecesse de novo, abrir-lhe-ia os braços para que se unisse ao seu corpo molhado. Morta de calor por seus pensamentos, dirigiu o olhar para uma tapeçaria onde havia figuras de mulheres embelezadas com roupa desgastada pelo uso. A ambos os lados tinham umas cestas de vime e, pelos objetos que elas seguravam em suas mãos e tentavam limpar na água, deduziu que se tratava de uma cena habitual entre lavadeiras. Mas o que chamou verdadeiramente a atenção de Evelyn, que não pôde deixar de olhar, foi um imenso tecido que permanecia sozinho ao final da sala, justo atrás da cadeira que Roger devia ocupar. Imaginou-o ali sentado, conversando com alguns convidados e exibindo a magnitude que projetava a tapeçaria sobre ele. Evelyn caminhou para o inerte objeto. Sua fascinação aumentou ao contemplá-lo de perto. O imponente cavaleiro vestido com uma armadura cinza montado sobre um corcel branco que elevava suas patas dianteiras era tão majestoso que esticou a mão para tocá-lo.
? Você gosta? ? Roger, sem deixar de observar a sua esposa, colocou-se atrás dela, segurou-a pela cintura e apoiou seu queixo sobre o ombro direito da mulher.
? Quem é? ? Perguntou intrigada.
? Segundo o vendedor é dom Juan da Áustria9.
? O que representa? ? Voltou a perguntar sem diminuir seu desejo por descobrir o que havia atrás do cavaleiro.
? A batalha do Lepanto10. Vê o fogo que há ao fundo? ? Evelyn assentiu. ? Conforme me narrou o comerciante de quem o comprei, são os últimos povos turcos que batalharam com ardor.
? É lindo... ? sussurrou.
? Sim, também me parece isso. Por isso regateei seu preço. Embora soubesse que valia o que me pedia o comerciante, não estava disposto a perder minha pequena fortuna nele. Bom, minha querida esposa, prosseguimos ou seguimos aqui parados observando um cavaleiro sobre seu garanhão?
? Continuemos... ? respondeu aceitando sua mão.
? Estupendo, porque estou desejoso de te mostrar nosso quarto ? disse-lhe em voz baixa.
A Evelyn se fez um nó na garganta.
? Tudo o que vê ? começou a contar enquanto se afastavam da sala de jantar e se dirigiam para as escadas que os conduziriam ao andar superior ? foi adquirido em minhas explorações.
? Viajou tanto?
? Muito. Se a memória não me falhar, desde os vinte anos. Quando consegui o Liberté, meu navio ? comentou com orgulho.
? Deve ser lindo navegar por alto mar e poder visitar novos e paradisíacos lugares ? apontou Evelyn manifestando entusiasmo.
? Às vezes sim e outras nem tanto...
? Quando não? ? Virou-se para ele e o olhou sem pestanejar.
? Quando se tem uma mulher tão bela como você e não pode me acompanhar ? respondeu zombador.
? É um canalha... ? disse ao mesmo tempo em que desenhava um extenso sorriso.
? Sei ? respondeu antes de beijá-la.
Subindo as escadas mais rápido do que deveria, Roger foi lhe explicando onde dormiam as pessoas que tinha conhecido na entrada, onde permaneceriam os convidados quando decidissem os visitar e por último a conduziu para seu quarto.
? Adiante... ? disse após abrir a porta e deixando-a entrar primeiro ? pode entrar no lugar onde passaremos a maior parte das nossas vidas.
Evelyn entrou com certo temor. Não sabia o que encontraria em um lugar tão íntimo para seu marido. De repente, assaltou-a a dúvida. Perguntou-se se de verdade ela desejava descansar durante o resto de sua vida ao seu lado. Até agora não tinha sido consciente do que isso significava. Achava-se em uma nuvem, em um momento de êxtase desmesurado que mal lhe permitia pensar com claridade. Era suficiente uma vida sexual ativa para viver um matrimônio com plenitude? Olhou de esguelha a seu marido. Este mostrava o mesmo entusiasmo que um menino ao ter em suas mãos um presente. Por que ele não sentia medo? Por que mostrava tanta segurança? Não soube responder, embora umas palavras aparecessem em sua mente golpeando com força: «Meu amor», tinha lhe sussurrado Roger quando dormiram juntos, mas isso não a tranquilizava.
Scott tinha utilizado as mesmas palavras para enrolá-la, para atrai-la como faz o mel a um urso. E depois? Depois partiu.
De todos os modos não podia compará-lo com aquele titã que a observava com entusiasmo, eram diferentes e a situação também: Scott procurava o matrimônio enquanto Roger o tinha obtido sem desejá-lo. Suspirou várias vezes e, apesar do tremor de suas pernas, caminhou pelo interior do dormitório. A primeira impressão que teve foi de amplitude. Sim, era o maior quarto que já tinha visto. Podia albergar, com facilidade, duas vezes o seu de Seather. Frente a ela duas cortinas de cor negra se amarravam a cada lado da janela. Devagar, com muita calma inclusive, prosseguiu divisando cada objeto, cada elemento que guardava Roger nela. Abriu os olhos como pratos ao contemplar a cama.
Estava segura de que, embora estirasse seus braços e pernas por ela, nunca tocaria o final de cada extremo. Sorriu de lado. Era lógico que seu marido teria adquirido o leito mais colossal de qualquer loja, posto que facilmente ultrapassasse vários palmos daquele que se autoproclamara o homem mais alto de Londres. Sobre a colcha de cor vinho, três grossos almofadões lhe ofereciam uma visão confortável. Desejou pegar um e apertá-lo para confirmar sua suavidade, mas desistiu. Já o faria em outro momento. Olhou para cima apreciando a largura do dossel. Entrecerrou os olhos para tentar averiguar o que indicavam os desenhos esculpidos na madeira escura, mas de onde se encontrava não distinguiu nenhum. Continuando, cravou suas pupilas nas cortinas que pendiam do dossel. Estavam bordadas em ouro? A cor dourada daqueles objetos era realmente ouro?
Voltou a vista para seu marido. Este permanecia no marco da porta com os braços e pernas cruzadas. Tentava aparentar que estava relaxado, mas tal como apertava a mandíbula, Evelyn soube que não o estava.
? Um sultão me deu isso de presente ? disse com voz sussurrante. ? Eu jamais compraria uma coisa tão ostentosa.
Não lhe respondeu com palavras, só assentiu e continuou investigando. Ao pé da cama um enorme tapete de cor azul marinho convidava a ser pisado sem sapatos que entorpecessem a captação da suavidade de seu tato. Dirigiu seus olhos para o sofá. Não, não era um sofá qualquer, era um interminável divã. Se ela tentasse tombar-se sobre ele a pele que o forrava a faria escorregar até terminar sobre o chão.
? Sou grande... ? assinalou ao vê-la tão assombrada pelas dimensões da poltrona.
Evelyn respondeu a sua afirmação com um grandioso sorriso. Não precisava indicar que seu tamanho era bastante considerável, já o tinha percebido no dia em que apareceu no funeral de seu irmão. Sempre se complexou por sua altura, era a mais alta de suas amigas, mas no dia que Roger apareceu ao seu lado teve que levantar muito a cabeça para poder conseguir o olhar aos olhos.
Descalçou-se. Não devia fazê-lo, mas não queria manchar com as solas de seus sapatos o lindo tapete. Caminhou sobre este até alcançar uma estante que ocupava todo o comprimento da parede e que se achava entre o balcão e a chaminé. O normal, o habitual para outros, era ter uma biblioteca no piso de baixo. Pelo menos assim o tinha o resto do mundo. Mas pouco a pouco ia confirmando que seu marido era um homem peculiar e muito distinto a todos os que tinha conhecido.
? Eu gosto de ler sem que ninguém me incomode ? esclareceu de novo Roger ao observar as caretas de estranheza que mostrava sua mulher em cada coisa que achava.
? Não interprete mal minhas reações ? apontou virando-se sobre si mesma. ? Tudo o que encontrei até o momento não me produziu mal-estar, mas sim fascinação. Resulta-me incrível que um homem como você tenha adequado seu lar com tanto... como o diria? ? Pôs os olhos em branco ao não encontrar a palavra exata.
? Aprimoramento? ? Interveio divertido.
? Sim, aprimoramento está bem ? sorriu.
? O que imaginava? ? Endireitou-se e caminhou para ela. ? Como pensou que seria meu lar? ? Parou antes de chegar ao tapete.
? Tenha em conta que o único que escutei de ti em Londres foi que era um libertino, um homem enlouquecido por levantar as saias de todas aquelas mulheres que se abanavam com suas próprias pestanas. Sem esquecer a fama de bebedor e jogador inveterado ? continuou sorrindo apesar de o haver definido como um indesejável.
? Os rumores exageram... ? grunhiu.
? Isso vejo... ? sussurrou com um suspiro. De repente seus olhos se cravaram em uma porta que havia atrás das costas de Roger.
? É só o cômodo de asseio. ? Seu tom de voz voltou a ser sussurrante. ? Mas estou pensando em deixar a porta fechada por uns dias, possivelmente até dentro de vários meses...
A intriga a fez correr para aquela entrada, esticou a mão e quando abriu a porta ficou atônita. Suas pestanas tocaram de novo suas sobrancelhas e mal pôde fechar a boca. Era de esperar que fosse grande, mas nunca imaginou que uma banheira pudesse ter a largura e a profundidade de um pequeno lago. As paredes não estavam revestidas de papel ou de grossas capas de pintura, mas sim de lâminas retangulares de porcelana cor marfim. A privada, do mesmo material, tinha um depósito do qual pendia uma corda. Voltou-se para Roger sem poder conter seu assombro.
? Sei, ? comentou Roger com uma estranha mescla de entusiasmo e medo ? nunca viu algo semelhante.
? De onde...? Como conseguiu...?
? Pois não sei te dizer a procedência desta magnífica banheira. ? Levou a mão direita para a barba e a acariciou devagar. ? Depois de me haver descrito com tão hábeis palavras, o que pensará quando te disser que esta beleza a descobri em um bordel de Paris?
? Em um bordel?! ? Arqueou as sobrancelhas e seu assombro aumentou até limites incalculáveis.
? Vê? Sabia que ia pôr essa cara! ? Disse divertido. ? Evelyn, querida, nenhuma das tinas que vi em Londres podiam albergar meu tamanho. Cada vez que tentava me assear tinha que fazê-lo por partes.
? Claro... e viajou até Paris e se meteu em um bordel para encontrar o que necessitava ? interrompeu lhe com uma mescla de ira e sarcasmo. Roger esticou sua mão, mas ela esquivou-se do roce.
? Não foi assim exatamente... ? Deixou que ambas as mãos se estendessem para o chão. ? Em uma de minhas viagens a França conheci um cavalheiro que frequentava os ditos locais pecaminosos. Um dia tinha tomado mais taças das quais pude suportar e me ofereceram um quarto onde passar meu estado de embriaguez. Então, ao abrir a porta para me refrescar, fiquei fascinado por essa imensa banheira. Perguntei à madame quem tinha construído essa impressionante banheira e me deu com rapidez a direção do arquiteto.
? É óbvio... pergunto-me... o que lhe ofereceria para que atuasse com tanta prontidão? ? Disse com aparente desdém enquanto caminhava para o imenso espelho que se encontrava no lado oposto da grande tina. Olhou para um lado e logo para o outro e lhe parou o coração ao compreender que o que acontecesse dentro daquela banheira refletir-se-ia no espelho.
? Tratava-se de um afamado italiano que estava acostumado a passar longas temporadas em Paris para prover seus clientes de espetaculares quartos de banho ? continuou falando para não dar importância ao pequeno ataque de ciúmes que mostrou sua mulher. Devia zangar-se ante uma atuação tão infantil, mas lhe produziu o efeito contrário, sentiu-se tão orgulhoso que lhe alargou ainda mais o peito. ? Falei com ele, convidei-o a vir a Londres e quatro meses depois de sua chegada meu pequeno paraíso relaxante estava construído.
? Não sei o que pensar... ? disse um tanto aturdida.
? Comentei-te que não me importava seu passado e que esperava que não julgasse o meu ? comentou com voz pesarosa. Aproximou-se dela muito devagar, virou-a para ele e a olhou fixamente. ? Evelyn, a mim só interessa quem é agora, não o que foi antes de me conhecer.
? Sim, já me advertiu disso, mas por mais que o tente, não posso diminuir uma estranha ira que cresce em meu interior ao pensar que outra mulher esteve aqui e que gozou de suas carícias aí dentro ? resmungou.
? Não trouxe nenhuma mulher à minha casa salvo a ti ? apontou antes de soltar uma gargalhada. ? É a única que pôs seus bonitos pés neste lugar ? disse aproximando seus lábios dos dela. ? E a única que o fará...
? Jure! ? Gritou afastando o rosto para que não a beijasse.
? Juro-lhe isso... ? suas mãos apanharam o rosto de Evelyn e a imobilizou para finalizar o que se propôs, beijá-la.
Quando abriu os olhos descobriu que se achava no quarto. Roger a tinha pousado sobre o tapete. Suas mãos se dirigiam para os laços do vestido com a intenção de despi-la para possui-la outra vez. Fechou-os de novo fazendo com que se intensificassem os roces dos dedos ao caminhar pelas costas. A língua masculina percorria o interior de sua boca provocando umas suaves e cálidas carícias. Face aos sutis movimentos, sua dominância, seu desejo de fazê-la sua percebia-se com claridade. Cada beijo que lhe oferecia era diferente do anterior. Evelyn, nas nuvens, rememorou a sensação que obteve a primeira vez que suas bocas se uniram. Não havia ternura nele. Não encontrou calidez em seu primeiro beijo, só luxúria. Entretanto desde que dormiram juntos, antes de empreender a volta a Londres, seus beijos se enterneceram até tal ponto que começaram a destruir o objetivo que a conduziu a seduzir seu marido. Respirou profundamente quando Roger liberou sua boca. Esta, que mal podia fechar-se, necessitava que continuasse beijando-a, conquistando-a, desfrutando-a.
? Tenho que confessar que ia te dar um tempo para que descansasse depois da viagem, ? comentou Roger com voz oprimida. Ajoelhou-se ante ela, colocou suas mãos sob o vestido e foi baixando com lentidão as meias ? mas temo que não lhe vá conceder isso.
Evelyn jogou a cabeça para trás e soltou uma sonora gargalhada. Não estranhou escutar aquela insinuação de seu marido. E mais, teria lhe entristecido que a tivesse deixado sozinha. Com urgência levantou seus pés para despojar-se do suave tecido. Notou que Roger pousava sobre cada perna uma mão e as acariciava com incrível tranquilidade. Cada ascensão e descida sobre seu corpo o desfrutava tanto que começou a sentir a opressão de seu peito contra o vestido e uma incontrolável calidez sob seu ventre.
? É formosa, descaradamente formosa... ? sussurrou enquanto dirigia as palmas para o sexo de sua esposa. Roçou levemente seus lábios úmidos com os polegares, impregnando-os de seu mel. Aquele sutil gesto provocou o que tanto ansiava, que lhe permitisse continuar. ? Segure-se nos meus ombros, vou beber de seu doce manancial.
Açoitada pela paixão que começava a despertar em seu interior, ela pousou seus trementes dedos sobre cada uma das partes superiores do torso masculino. Voltou a abrir sua boca ao notar como a língua de Roger lambia seu interior. Pressionou com mais força o corpo de seu marido ao sentir a pressão dos dentes sobre suas saliências inchadas. Ele os puxava e colocava a boca no interior para absorver sua essência. Encontrava-se extasiada. Tanto que podia roçar com a gema de seus dedos aquilo que denominavam loucura. Ele era fogo, chamas que a queimavam e a faziam derreter-se quando a tocava.
? Não me saciarei nunca de ti ? murmurou antes de incorporar-se e beijá-la. ? Nunca ? sussurrou depois do beijo.
? Hoje quero fazer uma coisa...
? O quê? ? Colocou suas palmas sobre as maçãs do rosto de Evelyn e a atraiu para ele para beijá-la de novo.
? Não recordo... ? sussurrou sem voz.
? Então... enquanto se lembra... ? a conduziu devagar para trás até que as costas da mulher tocaram a parede. ? Deixe que eu faça outra...
A mão masculina foi descendo pela figura de Evelyn. Acariciou o decote, colocou os dedos no interior do objeto e tirou um mamilo. Deixou de beijar os lábios femininos para dirigir-se para o duro botão. Mordeu-o, sugou-o ao mesmo tempo em que aquela mão travessa continuava a trajetória para a perna esquerda da mulher.
? Minha pequena bruxa... ? murmurou estrangulado pelo desejo. ? Por mais que o tento... não posso me saciar de ti. ? Içou a mão pela coxa até que chegou ao epicentro de Evelyn. Voltou a procurar o pequeno e inchado clitóris. Ao achá-lo, acariciou-o com a mesma intensidade que a primeira vez. Entretanto nessa ocasião procurava algo mais pecaminoso, mais desonroso. Não pararia até que o interior das coxas de sua esposa terminasse banhados por seu suco. Mais tarde, quando ela estivesse exposta, percorreria cada milímetro de sua pele com a língua.
? Roger! Roger! ? Gritou Evelyn como uma louca. ? Roger!
? Sim, pequena bruxa ? sussurrou-lhe enquanto mordia e lambia o lóbulo direito feminino. ? Diz meu nome. Grite ao mundo inteiro quem é seu marido, quem te ama e quem te deixa louca de luxúria. ? Com cada palavra, com cada pressão de seus dentes na orelha, o dedo do homem se introduzia e saía do sexo feminino como se fosse seu membro ereto. Não parou até que notou a sacudida do orgasmo, até que Evelyn vincou os dedos de seus pés, até que molhou suas pernas. ? Desejo-te tanto... ? continuou sussurrando sem deixar de lhe beijar o rosto. ? Necessito-te mais do que imagina...
? Roger... conseguiu dizer. Suas bochechas ardiam, seus olhos brilhavam e o corpo inteiro seguia submetido a contínuas convulsões.
? Diga-me...
? Deixa-me que te dispa?
? Me despir? ? Perguntou assombrado.
? Sim, isso é o que queria te dizer. ? Sorriu com suavidade.
? Se é o que deseja, aqui me tem ? respondeu Roger dando duas pernadas para trás e abrindo os braços em cruz. ? Sou teu e pode fazer o que desejar.
Teve que respirar várias vezes antes de aproximar-se. Não sabia como começar. Sua cabeça seguia dando voltas e se envergonhava ao notar que suas coxas estavam úmidas de sua própria essência. Respirou. Suspirou. E depois de uns instantes duvidosos, caminhou para ele. Tirou o nó da gravata e a lançou para algum lugar do quarto. Logo continuou com a jaqueta. A passagem desta pelo corpo rude e musculoso fez com que seu coração golpeasse com força contra o peito. Sem jeito foi desabotoando a camisa. Esta caiu ao chão sem esforço algum. Ao observar aquele peito mordeu o lábio inferior e seus olhos brilharam tanto que nenhuma estrela do firmamento pôde assemelhar-se. Pousou suas mãos sobre o torso nu, que ascendia e descia agitado pelo desejo e o acariciou regozijando-se em cada milímetro de pele. Sorriu satisfeita ao ver como seu marido fechava os olhos e inspirava com força. Excitava-o. Suas carícias, seus toques, enlouqueciam-no. De repente Roger gemeu com mais ímpeto do que tinha esperado. Evelyn o olhou desconcertada pela inesperada reação.
? É uma tortura que me toque e que eu não possa fazê-lo ? assinalou desenhando um malicioso sorriso em seu rosto. ? Se seguir assim, temo que terminarei ajoelhado de novo.
Evelyn entrecerrou seus olhos o advertindo, com essa forma de olhar, que não se movesse. Era seu momento, seu desejo, seu grande prazer. Face à advertência de como terminaria se seguisse o torturando daquela maneira, não cessou de o acariciar, de enredar entre seus dedos o loiro pelo. Percebeu, surpreendida, que a ele também endureciam os diminutos mamilos. Sem pensar duas vezes, dirigiu sua boca para eles e os mordeu. Então descobriu que ele sofria os mesmos espasmos que ela ao ser assaltada nessa zona erógena. Com um enorme sorriso pelo deleite da experiência, olhou-o com descaramento enquanto baixava devagar suas mãos para a calça. Desabotoou o botão e deixou que este descesse com a mesma lentidão que a camisa. Roger sacudiu rapidamente as pernas, lançando o objeto mais longe que onde terminou a gravata.
? Não me deixará assim, não é? ? Exigiu saber com uma mescla de agonia e desespero.
? E se o fizer? ? Respondeu desafiante.
? Esquecer-me-ei, de repente, da última norma que acrescentou na estalagem ? disse zombador.
Evelyn mordeu outra vez o lábio inferior. Cravou o olhar no vulto da calça e entrecerrou os olhos. Ele era grande e seu sexo também. Prova disso era que, apesar da pressão da roupa de baixo, sobressaía por cima desta. Atordoada pelo frenesi colocou as mãos no interior do calção e segurou entre elas o duro membro. Essa carícia, esse leve contato de suas palmas com a ereção, fizeram com que todo o corpo masculino começasse um balanço compassado. Seu marido, com os olhos fechados e com a cabeça inclinada para trás, começava a mover-se da mesma forma que estava acostumado a fazer quando se introduzia em seu interior. Devia afastar as mãos, devia retirar-se ante tal obscenidade, mas não o fez. Ficou ali parada, contemplando o pausado movimento continuado até que escutou um grito de seu marido. Não foi um alarido usual. Foi mais um comprido e profundo uivo que provinha do mais profundo de Roger. Tinha liberado de novo a besta? Ou melhor... o monstro tinha liberado seu marido? Ao afastar as palmas sentiu como algo úmido a queimava. Curiosa por averiguar o que era aquilo que lhe produzia tanto calor, aproximou-as do rosto. «OH, Meu Deus! ? Exclamou para si. ? É sua semente!».
? Jamais... ninguém... nunca... ? começou a dizer Roger aturdido. Despojou-se do objeto que cobria seus quadris e avançou para sua mulher com passo firme, sólido, enérgico. ? Ninguém, Evelyn, ? sublinhou com vigor ? conseguiu de mim o que você obteve. ? Abriu seus braços para que ela se aproximasse de seu corpo e quando a teve perto de seu peito, apertou-a com força. ? É única, meu amor. Única.
O que devia pensar? Desejava que aquelas palavras fossem verdade? Sim, desejava-o. Necessitava que não a tratasse como outra mais. Que quando partisse e a deixasse sozinha na casa, não procurasse outras carícias que não fossem as suas. Não, já não. Evelyn queria ser a única.
? E agora deveria tirar esse lindo vestido azul se não quiser que termine empapado ? advertiu.
? Empapado? ? Distanciou-se dele e arqueou as sobrancelhas.
? Crê que o que fizemos foi suficiente? Não, minha pequena bruxa, isto foi só o princípio de uma longa jornada de amor. ? Sorriu. ? E o primeiro lugar onde vou possuir-te nesta casa ? sussurrou-lhe no ouvido ao mesmo tempo em que a elevava de novo em seus braços ? será nessa imensa banheira. Estou ansioso por ver como seu corpo pula sobre mim enquanto a água se agita pelo ardor da nossa paixão.
? Está louco... ? respondeu antes de esboçar uma pequena risadinha e mover as pernas.
? Por ti ? disse tão baixinho que Evelyn não pôde escutá-lo devido ao som de sua própria risada.
XXVIII
A água já estava morna, mas ao manter-se perto de Roger logo notou como diminuía a temperatura. Sentada sobre ele admirava a fortaleza de suas pernas e a longitude de seus pés. As mãos masculinas não cessavam de acariciá-la, de apalpá-la sem cessar, mas o que encantou realmente Evelyn não foi o magnífico corpo de seu marido, mas sim os momentos de risadas que passaram dentro daquela banheira. Ambos sentiam uma pequena dor em suas mandíbulas de tanto rir. Recordaram o dia que se conheceram, as bodas, a partida e o acontecido depois da volta.
Narrou-lhe como foi despachando um a um aos cavalheiros que a visitavam em seu lar com o propósito de convertê-la em sua amante. Evelyn percebeu como o corpo masculino se esticava ao lhe narrar aqueles momentos, mas o tranquilizou enchendo-o de beijos e carícias. Falou-lhe de sua viagem, dos lugares que visitou durante os sete meses fora de Londres. As tempestades que sofreu em alto mar, como atuava sua tripulação e como terminou por descobrir que aquilo que lhe proporcionava mal-estar em suas vísceras era somente a necessidade de retornar à sua terra natal e enfrentar com integridade seu futuro.
? E de repente, ? disse esticando os grandes braços para abraçá-la ? observo que todos os olhares dos cavalheiros se dirigiam para um ponto da sala. ? Seu queixo pousou sobre o ombro da mulher, acariciando com seu fôlego a aveludada pele da Evelyn. ? Olhei para essa parte do salão e...
? E? ? Insistiu a mulher voltando-se para ele. Sentou-se sobre seus quadris, as pernas se cruzaram pelas costas e ambos os torsos voltaram a unir-se.
? E encontrei uma pequena bruxa de cabelo cor de fogo exibindo em um lindo vestido vermelho com um delicioso decote que me convidava a pousar meus lábios nele. ? Elevou o queixo para contemplar a diversão que expressava o rosto de sua esposa e a beijou.
? Por que não cessa de me chamar assim? ? Colocou suas mãos sobre o rosto masculino e afastou as mechas loiras que a impediam de ver os azulados olhos.
? Minha pequena bruxa? ? Perguntou enquanto desenhava um sorriso. Evelyn assentiu. ? Porque é a única mulher que foi capaz de me enfeitiçar ? esclareceu com voz serena, pausada e firme.
Os braços femininos se entrelaçaram de novo no pescoço de seu marido. Aproximou a boca e o beijou. A pequena amostra de carinho despertou de novo a luxúria em Roger. Pousou suas mãos nas costas de Evelyn e a acariciou como se fosse uma frágil flor. Voltaram a agitar a água, voltaram a esquentar o interior da banheira, voltaram a deixar-se levar por aquele insaciável desejo por converter-se em um só ser.
Quando terminaram Evelyn pousou a testa sobre o peito agitado de seu marido. As bochechas se converteram em duas pequenas bolas de fogo. Extasiada e cansada, suspirou.
? Acredito que vai sendo hora de te oferecer um descanso ? murmurou Roger depois de afastar com certo desagrado o corpo de sua mulher do dele. ? Se continuo assim, poderia te matar.
? Não me acompanha? ? Levantou-se com cuidado para não escorregar e esperou que seu marido a ajudasse a sair dali.
? Tenho que falar com o John de certos temas ? indicou cobrindo a nudez de Evelyn com uma toalha branca. ? Estou muito tempo fora de casa e tenho que me pôr em dia. ? Elevou-a em seus braços e a conduziu até a cama. Estendeu-a com supremo cuidado e se colocou sobre ela. ? Prometo-te que assim que arrumar meus assuntos subirei para te fazer amor até que amanheça.
? Sabe? ? Disse elevando de novo os braços e enredando-os no pescoço de Roger. ? Isso mesmo me sugeriu na primeira noite na casa dos Rutland.
? Pois como comprovou, sempre cumpro minhas promessas. ? Abaixou sua cabeça e a beijou.
Custava-lhe deixá-la ali sozinha, mas seu dever como dono de certos negócios lhe reclamava. Era certo que tinha passado muito tempo fora de seu lar e estava seguro de que John ocupou seu posto com acerto. Entretanto devia confirmar que certos temas seguiam controlados, sobretudo aqueles dos quais tanto recusava falar com Evelyn e que possivelmente os distanciaria. Depois de vestir-se com uma calça e uma camisa, desceu ao escritório.
John não demorou a aparecer. Era tão desconfiado que houvesse sentido a presença de Roger na pequena sala.
? Pensei que não sairia daquele quarto até passada uma semana ? disse o índio zombador.
? Mentiria se te dissesse que não o pensei, mas algo me diz que tem notícias frescas, estou certo? ? Levou a taça para a boca e arqueou as sobrancelhas.
? Apareceu quando partiu ? comentou John enquanto se aproximava da licoreira para acompanhar seu amigo. ? Parece que tem um dom especial para saber quando e onde aparece.
? Costuma acontecer quando seu sangue é o mesmo que o meu ? grunhiu. Caminhou pesado para a poltrona que havia junto à chaminé e se sentou de repente.
? Falou com Sophie, já sabe que é incapaz de dirigir-se a mim, dou-lhe asco. ? Dirigiu-se para seu amigo e se sentou ao seu lado.
? Acredito que a palavra acertada é ódio. Não pode suportar o fato de que me salvou de suas garras. ? Sorriu de lado. Depois de manter uns instantes de silêncio, prosseguiu: ? Com que propósito apareceu em meu lar desta vez?
? Convidá-los à sua casa ? disse ao mesmo tempo em que cravava seus olhos marrons nos de seu amigo.
? Convidar-nos? ? Reclinou-se do assento e apertou a taça com força.
? O que esperava? Já não tem uma rocha em seu caminho, mas sim duas.
? Nela não tocará! Jamais a alcançará! ? Clamou zangado ao mesmo tempo em que lançava o copo para o interior da chaminé. ? Antes ponho fim à sua asquerosa vida com minhas próprias mãos.
John, imperturbável, reclinou-se sobre o assento, voltou a tomar um sorvo de sua bebida e refletiu durante um bom momento. Se seus espíritos tinham razão, se o que eles lhe indicavam era certo, Roger não devia recusar o convite. Precisava enfrentar, de uma vez por todas, a maldade de sua mãe e, se suas premissas não erravam, sua esposa o salvaria do inferno no qual vivia desde pouco mais de uma década.
? Como vai tudo por Children Saved? ? Mudou de tema.
? Bastante bem. Falei com seu administrador e por agora todas as necessidades estão resolvidas. Essa última viagem encheu as arcas da residência. Entretanto...
? Entretanto? ? Repetiu Roger intrigado.
? A pequena Natalie está muito triste. Não para de perguntar onde está seu irmão e acredito que deveria visitá-la o antes possível. Faz uns dias esteve bastante doente. O médico disse que era próprio de sua idade, mas não estou muito seguro disso. Desde esse dia mal pode sair da casa. Passa as horas no quarto e sua mãe está muito preocupada.
? Amanhã sem falta irei visita-la. Não quero que pense que a abandonei. É muito pequena para compreender certos temas. ? Roger esticou as pernas, acariciou a barba e adotou um olhar pensativo. De repente rompeu seu silêncio. ? Apareceu durante minha ausência algum mais?
? Não. Seguem sendo vinte ? respondeu antes de levantar-se, andar para o móvel bar e encher seu copo de novo. ? Um charuto? ? Perguntou mostrando a caixa em que guardava os melhores charutos.
? Não. Deixei de fumar faz uns dias. Evelyn não gosta do aroma de tabaco ? esclareceu sem oferecer emoção alguma.
? Essa mulher... ? começou John a dizer sem poder eliminar o sorriso de seu rosto.
? Essa mulher... ? insistiu Roger entrecerrando seus olhos e apertando os dentes.
? Calma, não vou dizer nada mau dela ? expôs antes de soltar uma gargalhada ao ver como seu amigo ficava na defensiva.
? Essa mulher, minha mulher, é intocável ? sentenciou. ? Por isso não quero que ela se aproxime de Evelyn. Irá destrui-la como tem feito com todos aqueles que se interpõem em seus propósitos.
? Duvido muito que sua mãe se arrisque tanto...
? Você não a conhece como eu ? resmungou. ? Tem suas mãos manchadas de tanto sangue inocente que lhe resulta impossível continuar sem ele. É uma víbora, um ser sem escrúpulos.
? Se eu estivesse em seu lugar pensaria seriamente em fazê-la parar de uma vez ? disse John enquanto caminhava para a janela. Um sorriso se desenhou em seu rosto ao observar como Sophie agitava uma bengala para tirar o pó dos tapetes que tinha estendidos sobre uma corda.
? Se decidisse por tal coisa, primeiro teria que matar meu irmão e, neste momento, não quero fazê-lo. O que faria Evelyn com seu marido encarcerado?
? Não pensaste que algum dia terá um filho e eles poderiam tentar conseguir o que não fizeram contigo? Mataram a uma dezena, o que importa mais um? ? John, apesar de ter o olhar sobre a mulher que amava, não a observava. Seus pensamentos estavam em outra parte do mundo.
? Evelyn não pode ter filhos ? grunhiu Roger ao mesmo tempo que se levantava e se dirigia para o porta-garrafas. ? Conforme entendi, ao perder o que esperava sofreu uma infecção ou algo similar e ficou estéril.
? Esteve casada? ? John virou a cabeça para seu amigo e entrecerrou seus olhos. Se for certo, se ela tinha vivido um matrimônio anterior, não seria a mulher que lhe indicaram seus ancestrais. Estes falaram de uma mulher sem enlace, de uma mulher quebrada pela tristeza de um passado tortuoso e que só acharia a paz quando seu amigo estivesse à beira da morte.
? Casada não, comprometida sim. Mas o compromisso se rompeu. Aquele malnascido a abandonou quando descobriu que a riqueza familiar tinha desaparecido depois de um mau investimento do pai dela ? explicou apertando a mandíbula.
? Poderia procurá-lo. Sabe que sou bastante hábil em encontrar pessoas desaparecidas ? comentou ansioso de que seu amigo lhe dissesse que sim.
? Não quero investigar o passado da Evelyn. Prometi-lhe que só me interessa saber o que faz desde que nossas vidas se cruzaram ? assinalou antes de voltar a tomar o líquido ambarino de um sorvo.
? Como quiser... mas tenho que te advertir que me entristeceu sua decisão.
? Mas como? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Faz muito tempo que não escalpelo ? assinalou antes de soltar uma gargalhada.
XXIX
Evelyn esticou as mãos para o lugar onde devia permanecer Roger, mas ao não o achar abriu os olhos. Sentou-se na cama ocultando sua nudez com o lençol e o buscou com o olhar. Não estava. Partira. Suspirou pelo pesar que lhe produzia não o ter ao seu lado e voltou a recostar. Fixou suas pupilas no dossel e tentou rememorar onde podia estar. Entretanto, em vez de recordar as conversações que mantiveram para conseguir responder-se, sua mente lhe ofereceu as imagens deles dois amando-se durante a noite. O corpo de seu marido sobre o seu, esquentando-o, fazendo-o arder de desejo... rodando ao longo da cama, sempre unidos, sempre se tocando. Não havia uma só parte de seu corpo que Roger tivesse deixado sem acariciar. Sorriu ao apreciar que, com somente recordando necessitava-o de novo. Assombrada pelas emoções que tinham despertado nela, voltou a elevar-se e procurou algo com o que cobrir sua nudez. Precisava sair daquele quarto onde seus pensamentos pecaminosos não tinham fim. Pousou seus pés no chão e se dirigiu para varanda, abriu as cortinas e viu que na entrada estava estacionada a carruagem na qual devia chegar Wanda. Procurou com o olhar a bata que na noite anterior Roger lançou para algum lugar do quarto e, depois de achá-la atrás do divã, correu para colocá-la.
? Wanda! ? Exclamou baixando as escadas como uma menina alterada.
? Senhora... ? comentou a donzela assombrada ao ver Evelyn vestida com uma simples bata e com os cabelos alvoroçados.
? OH, Wanda! Quanto senti saudades! ? Disse ao abraçá-la.
? Duvido que o tenha feito vendo-a dessa forma ? resmungou a criada.
? Não seja má... ? deu uns passos para trás e se ruborizou.
? Vejo que seu plano está sendo eficaz ? sussurrou-lhe.
? O plano ? retrucou ? desapareceu. Agora não quero descobrir quem é meu marido, mas sim desfrutar da vida que tanto deseja me oferecer.
Wanda esteve a ponto de soltar um enorme insulto quando Sophie apareceu de algum lado da casa.
? Deseja tomar o café da manhã? ? Perguntou a Evelyn com interesse.
? Sim, claro. Muito obrigada Sophie por ser tão atenciosa ? comentou com um sorriso.
? Tomar o café da manhã? ? Inquiriu Wanda com um sussurro. ? Eu diria que é a hora do almoço ? replicou.
? Esta noite não pude descansar tudo o que precisava ? alegou sem deixar de ruborizar-se. ? Sophie ? chamou a atenção da criada que já tinha começado a dirigir-se para a cozinha. ? Poderia nos levar o café da manhã em meu quarto?
? É claro, senhora ? afirmou fazendo uma leve reverência.
? Vem! ? Evelyn pegou a mão de Wanda para fazê-la subir as escadas com rapidez. ? Vou mostra-te a casa!
Depois de lhe mostrar o dormitório que tinham preparado para ela, conduziu-a para seu quarto. Os olhos da criada não tinham sido capazes de fechar-se nem um só instante. Mostrava a mesma expressão de assombro que ela ao compreender como era o interior da casa de seu marido.
? E este é nosso quarto ? indicou quando abriu a porta.
? Nosso? ? Quis saber ao mesmo tempo em que arqueava as sobrancelhas.
? Meu marido não deseja descansar afastado de mim ? expôs ruborizada.
? E muito temo que você tampouco fosse capaz de descansar sem sua presença, equivoco-me?
? As coisas mudaram! Tudo mudou! ? Exclamou virando-se sobre ela mesma um par de vezes. ? Não é o homem que me disseram. Não é o homem que acreditei!
? Bom... ? começou a dizer enquanto procurava um assento ? isso deve me alegrar.
? Claro que sim! ? Caminhou para ela, ajoelhou-se e pôs sua cabeça sobre os joelhos de Wanda. ? Nós duas temos que nos alegrar! Por fim viveremos felizes...
A donzela acariciou o cabelo de Evelyn ao mesmo tempo em que suspirava com veemência. Esperava, não! Melhor, rogava, que desta vez não lhe rompessem o coração. Porque se acontecesse, se voltassem a destroçá-la, ela não atuaria de maneira passiva. Arrancaria o coração do futuro marquês com suas próprias mãos...
? O que é esse ruído? ? Evelyn se levantou com rapidez e caminhou para a porta. Ao abri-la escutou a voz de uma mulher. Falava com autoridade e elevava seu tom em cada palavra.
? Nem lhe ocorra sair assim! ? Advertiu-a Wanda colocando-se em frente dela. ? Irei ver o que acontece.
Evelyn assentiu, deu uns passos para trás e deixou que saísse. Quando ficou sozinha andou até a cama, sentou-se e apertou as mãos. Quem apareceria no lar de seu marido dando ordens e levantando sua voz de forma desafiante? Olhou para a porta e notou como seu pulso se acelerava. Devia havê-lo suposto. Para chegar a Lonely tiveram que atravessar meia Londres e mais de um londrino saudou a carruagem ao contemplar o estandarte pendurado na lateral deste. Todo mundo saberia que o senhor Bennett tinha retornado. Talvez inclusive alguma de suas amantes descobrisse que Roger permaneceria em seu lar e apareceu demandando aquilo que em seu tempo lhe ofereceu. Sim, devia ser isso. Uma mulher não podia elevar a voz daquela maneira salvo que se zangasse ao ser informada que seu amante se casou e que já não a necessitava. Umas lágrimas começaram a brotar de seus olhos e a tristeza lhe oprimiu o coração. Tinha que havê-lo suspeitado. Tinha que ter considerado que, face à notícia do casamento de Roger, mais de uma mulher não renunciaria a perdê-lo como caso. Quem, em seu são julgamento, desistiria de umas mãos e uma boca como a de seu marido?
? Deus santo bendito! ? Exclamou Wanda depois de fechar a porta atrás de sua entrada. ? Vista-se!
? Quem é?
? Quem é?! ? Repetiu a donzela elevando os braços e pondo os olhos em branco. ? Sua muito ilustre, minha senhora! A própria marquesa de Riderland veio conhecê-la!
? A mãe do Roger? ? Levantou-se de um salto da cama e se levou as mãos à boca.
? A própria! E ela gritou a... Sophie?... ? Perguntou duvidosa ? que não partirá até saber quem é a mulher que conseguiu casar-se com seu filho.
? OH, meu Deus! OH, meu Deus! ? Gritou Evelyn correndo de um lado para outro.
Muito ao seu pesar teve que deixá-la no quarto. Teria gostado de vê-la despertar, observar como lhe brilhavam os olhos ao vê-lo ao seu lado e como estendia os braços para acolhê-lo de novo em seu corpo. Mas tinha outras coisas que fazer antes de retornar a Evelyn. Desceu do cavalo e soltou uma enorme gargalhada quando fixou suas pupilas na entrada da residência.
? Não disse que estava doente? ? Perguntou divertido.
? Prometo-te que assim era ? respondeu John assombrado.
Uma pequena de uns seis anos corria para eles. Seu cabelo ondulado voava sobre sua pequena cabeça e a cor loira se fazia branca quando os raios solares o alcançavam. Agarrava com suas mãozinhas o vestido esmeralda para não cair na corrida. Roger abriu os braços, ajoelhou-se e esperou que a menina impactasse sobre seu corpo.
? Roger! Roger! Retornou! ? Gritou Natalie antes de lançar-se sobre Bennett. ? Senti falta de ti.
? Olá, princesa! Eu também tive saudades. Como está? ? Perguntou sem deixar de abraçá-la. ? John me disse que esteve doente, sinto se não estive ao seu lado, mas tive que partir para um lugar muito longínquo. Embora vejo que se encontra melhor. ? Pegou-a em seus braços e a levou de novo ao interior da casa.
? O senhor Bell disse à mãe que era amigdalite, ? disse com a cabeça elevada e olhando ao seu irmão mais velho com entusiasmo ? e tive que tomar um remédio com um sabor amargo. ? Fez uma careta.
? Vá... e não te recomendou que tomasse muitos sorvetes? ? Disse divertido.
? Gelados? ? Abriu tanto os olhos que o azul de suas pupilas se voltou transparente.
? Já vejo que não... ? sorriu de lado a lado. ? Bom, pois falarei com sua mãe para que nos sirva duas grandes taças de sorvete de baunilha.
? Sim, por favor... ? murmurou Natalie. ? Ela sempre te dá atenção.
? Sua Excelência... ? Ywen, a mãe da menina, fez uma pequena reverência ao vê-lo entrar.
? Bom dia, Ywen. Acredito que Natalie deseja tomar duas bolas de sorvete. ? Deixou a menina no chão e caminhou pela entrada da residência. Tudo estava igual a antes de partir. Graças a Deus nada tinha mudado e esperava que nunca o fizesse.
? Gelado? ? Ywen arqueou as sobrancelhas castanhas e olhou à menina zangada. Natalie se escondeu atrás das pernas de Roger e este voltou a soltar outra gargalhada.
? Se puder nos servir duas taças de sorvete... ? assinalou divertido.
? Zangou-se... ? sussurrou a menina sem mover-se.
? Como sabe? ? Virou a cintura para a direita e a observou jocoso.
? Porque enrugou o nariz...
? Roger, deveria ir visitar os outros. Estarão na estufa ? indicou John.
? Far-me-á a honra de me acompanhar, milady?
Bennett fez uma exagerada reverência à menina.
? A honra será minha, cavalheiro ? respondeu agarrando seu vestido com ambas as mãos e lhe respondendo com outra genuflexão.
Agarrada à sua mão Natalie saltitava em vez de caminhar. Estava tão feliz de ter de novo seu irmão que era impossível andar como lhe indicava sua insistente instrutora. Elevou várias vezes o rosto para confirmar que estava ali, junto a ela, e que nada nem ninguém os separariam jamais.
? Bom dia a todos. ? Roger abriu a porta da estufa e saudou os meninos que se encontravam estudando botânica com a senhora Simon, encarregada de lhes ensinar matérias como álgebra, ciência e piano.
? Roger! ? Exclamaram ao uníssono. Antes que Natalie pudesse lhe soltar a mão os meninos correram para Bennett para abraçá-lo.
? Sua Excelência ? saudou-o a professora com uma reverência. ? Bem-vindo.
? Bom dia, senhora Simon. Que tal foram suas aulas em minha ausência?
? Salvo pelo comportamento habitual do senhor Logan, tenho que lhe dizer que tudo está perfeito ? explicou orgulhosa.
O menino aludido se endireitou, levou a mão à cabeça e soprou. Roger quis censurar e repreender sua atitude, mas quando o olhou aos olhos, viu-se ele mesmo. Nunca tinha sido um bom estudante. Sempre se esquivava das aulas que o aborreciam e desesperava qualquer instrutora que se autoproclamasse tranquila e sossegada. Mas por sorte sua mãe acalmava sua ira quando elogiavam o cavalheirismo, a inteligência e a sensatez de Charles, o filho pródigo, quem deveria ter sido o encarregado de ostentar o título que, por cinco minutos, ele tinha que possuir.
? Não quero voltar a escutar a senhora Simon me indicar que seu comportamento não é o adequado ? disse finalmente. Recordou-se de seu pai. Ali, em frente à porta de seu dormitório com os braços nas costas e elevando o queixo com ímpeto. ? Se em menos de um mês sua conduta não mudar, terei que falar com sua mãe para escolher o que fazer contigo. Não posso perder tempo nem meu dinheiro esbanjando-o naqueles que não o valoram.
? Sim, senhor. Prometo-lhe que mudarei. ? Abaixou a cabeça e apertou os dentes.
«Deus! ? Pensou Bennett. ? Como pode ser tão semelhante a mim?».
? Roger... ? John chamou sua atenção ? o administrador acaba de chegar. Espera-te no escritório.
? Diga-lhe que não demorarei. ? Seu amigo assentiu e partiu. ? Bom, tenho que ir. Espero que os pequenos incidentes não voltem a se repetir. Senhora Simon...
? Senhor Bennet...
Deu-se a volta e caminhou para a porta. Entretanto ficou parado ao ver que Natalie não se movia. Permanecia ao lado da professora.
? Quero escutá-la, se não se importar. Quero aproveitar o tempo e o dinheiro ? apontou a menina muito séria.
Bennett sorriu e continuou seu caminho. Enquanto se dirigia ao escritório recordou o dia no qual apareceu Ywen em Lonely Field. Chorava desesperada enquanto mostrava um bebê nos braços. Ao princípio não quis olhá-lo. Só pensou que era outro mais. Outro ser desamparado ao que, igual aos outros, unia-o o mesmo sangue, mas quando Ywen afastou a manta que cobria o pequeno rosto, Bennett ficou paralisado. Não estava vendo a filha de seu pai, mas sim a sua. Tinha o mesmo tom de olhos, seu mesmo nariz bicudo e o cabelo, aquele diminuto arbusto de cabelo que cobria a cabecinha era do mesmo tom. Nesse momento, ao ver Natalie, compreendeu que todo seu esforço, todos seus pesares valiam a pena se seus irmãos eram tratados com a dignidade que mereciam. Por que deviam sofrer as consequências do egoísmo de um pai incapaz de reconhecer seus bastardos? Além disso, na residência os mantinha a salvo das garras de sua mãe. Ao rememorar o instante em que descobriu as atrocidades que ela realizava para eliminar todas as crianças que nasciam das infidelidades de seu marido, Roger apertou a mandíbula e respirou com profundidade. Não, não lhes ocorreria nada de mau. Ele os protegeria sempre.
? Com os últimos ganhos têm podido resolver todas as faturas. ? O administrador, rodeado de papéis, mostrava a Roger um a um os recibos pagos. ? Tenho que lhe dizer que foi uma ideia excelente cortar os gastos ao fazer com que as mães trabalhassem na residência. Pudemos prescindir de cozinheiras, lavadeiras, donzelas e inclusive várias delas cuidam do jardim melhor que qualquer jardineiro que se orgulhe de sê-lo.
? Alegra-me escutar isso. ? Roger adotou a postura de um homem de negócios. Seu corpo reto parecia mais imenso, se cabia, e suas mãos ocultas atrás das costas o magnificavam.
? Mas também tenho que o advertir que se achássemos mais alguns filhos ilegítimos de seu pai...
? Conforme me informou John levamos um ano sem que apareça nenhum e não acredito que, aos seus setenta anos, possa continuar com esse desventurado costume ? resmungou Bennett.
? Bom, nunca se sabe o que foi capaz de fazer no passado, mas é certo que há um ano ninguém apareceu e duvido que possa engendrar mais filhos devido à sua enfermidade.
? Doente? ? Perguntou franzindo o cenho.
? Sim. Sua Excelência está prostrado no leito ao menos há quatro meses. Segundo meus contatos poderia falecer em qualquer momento e você possuiria o título.
? E como não me fez chegar uma notícia assim? ? Inquiriu furioso.
? Senhor, disse-lhe. Indiquei-lhe na missiva que lhe enviei quando estava navegando que devia me visitar por dois motivos importantes. Mas quando desembarcou não apareceu no meu escritório ? explicou com voz tremente.
? Tem razão... ? acalmou-se um pouco. ? Tive que me ocupar de outros assuntos antes de partir para Haddon Hall. ? Perambulou pelo escritório sem poder fixar a vista em nenhuma parte. Se for certo, se seu pai estava em seus últimos dias, como aceitaria sua mãe ser a viúva e que seu desprezível filho conseguisse o título? E seu irmão? Permaneceria impassível enquanto ele aceitava seu legado? Roger enrugou a testa. Sabia que deviam estar tramando algo, o que não conseguia imaginar, mas seria algo maligno, disso não lhe cabia dúvida. De repente ficou pétreo, olhou fixamente ao administrador e perguntou: ? Qual é o segundo motivo?
? Você... ? a voz tremente apareceu de novo.
? Eu? ? Roger entrecerrou os olhos e olhou ao homem com suspeita.
? Sei que não pode ser certo, sua Senhoria. Por mais que estive pensando nisso, não me saem as contas.
? Contas? De que contas fala? ? Caminhou para a mesa coberta de papéis e apoiou as palmas sobre eles.
? Rogo-lhe que não se zangue comigo, senhor. Juro-lhe por minha vida que não acredito em uma só palavra dessa descarada.
? A que descarada se refere? ? Grunhiu.
? À viúva do senhor Myers, Excelência ? disse ao fim.
? Eleonora? ? Afastou as mãos, cruzou-as diante de seu peito e arqueou as sobrancelhas. ? O que queria essa mulher de ti?
? Não se trata de mim, mas sim de você. ? O administrador fez uma pausa para poder tomar fôlego. Sabia que o que ia expor não lhe ia causar agrado algum. ? Cinco meses depois de seu enlace matrimonial apareceu em meu escritório ? começou a dizer. ? Vinha enfurecida e se foi ainda mais zangada quando lhe indiquei que não sabia onde se encontrava e que não podia lhe fazer chegar a informação.
? O que desejava essa harpia? Que informação devia me dar? ? Perguntou surpreso, ao mesmo tempo que confuso.
? Segundo ela você... ? titubeou de novo. ? Você...
? Maldita seja! Fala de uma vez!
? Essa mulher diz que o filho que espera é seu.
Roger não teve tempo de reagir ante a notícia quando John abriu a porta de uma vez.
? Temos um grave problema ? manifestou com o rosto alterado.
? O que acontece? ? Perguntou Bennett caminhando para seu amigo com rapidez.
? Yeng está lá fora. Sophie o enviou. ? Virou-se e correu para a saída. Bennett o imitou. Seu coração não palpitava e mal podia respirar. Se sua governanta tinha enviado alguém em sua busca era por uma razão: Evelyn.
? Diga-me que minha esposa não está em perigo ? exigiu saber enquanto montava no cavalo.
? Não posso dizer tal coisa porque sua mãe e seu irmão estão com ela ? soltou John antes de tocar com brio ao corcel.
XXX
? Estou perfeita? ? Evelyn acariciou o vestido e deixou de respirar. Wanda tinha sido hábil ao fazer chegar o baú que transportava na carruagem e podia usar um dos vestidos que comprou sob o atento olhar de Beatrice.
? É claro ? afirmou a donzela ultimando o penteado.
? Estou tão nervosa... o que pensará a marquesa? Parecerei a mulher perfeita para seu filho? Espero... rogo que não tenham chegado aos seus ouvidos as desditas que padeci no passado ? soluçou.
? Relaxe. De verdade que deve tranquilizar-se um pouco antes de descer. Além disso, goste ou não Sua Excelência, já se casou com seu filho e nada pode fazer para desfazê-lo. Seja você mesma, não queira aparentar aquilo que não é e já verá o orgulhoso que se sente seu marido quando souber que recebeu de maneira correta a sua mãe ? comentou com voz suave e aprazível.
? As luvas! ? Exclamou Evelyn olhando ao seu redor. Movia-se com tanto brio que Wanda pensou que o laborioso penteado não permaneceria muito tempo tão perfeito.
? Não acredito que seja apropriado... ? começou a dizer em voz baixa.
? Tenho que usá-las! ? Respondeu agitada. ? Meu Deus, tenho que usá-las!
? Respire... por favor, respire... ? Wanda observou que os objetos que procurava com desespero jaziam sobre a penteadeira e que devido ao seu estado de nervosismo não os tinha visto. Aproximou-se, pegou-os e os mostrou.
? É muito importante para mim lhe causar boa impressão ? disse um pouco mais serena enquanto a donzela lhe punha as ansiadas luvas. ? É a marquesa, a mãe do homem de quem estou... ? emudeceu rapidamente. Não, não podia dizê-lo ainda. Por mais feliz que se sentisse junto a Roger ainda não podia falar de algo tão importante, tão profundo.
A criada respirou fundo, estendeu suas mãos pelo vestido e caminhou para a porta. Não precisava que Evelyn terminasse a frase que tanto temor lhe produzia. Ela já sabia as palavras com as quais finalizaria. Estava apaixonada. O homem de olhar penetrante, perturbador e embelezador tinha utilizado todas as suas artimanhas para seduzi-la e apanhá-la. Só esperava que ele sentisse o mesmo por ela e esquecesse o resto das mulheres.
? Preparada? ? Quis saber após abrir a porta e esperar que Evelyn se decidisse a caminhar para o exterior.
? Sim ? respondeu após suspirar e elevar o queixo.
? Não se esqueça de respirar, é muito importante para evitar desmaios inoportunos... ? sussurrou-lhe quando passou ao seu lado.
Evelyn sorriu levemente. Caminhou mais erguida do que deveria e parou quando chegou às escadas. Olhou para a entrada e observou que ali não havia ninguém. Certamente Sophie tinha dirigido a marquesa para a sala de jantar. Relaxou e, tal como lhe indicou Wanda, respirou. Pousou a mão no corrimão e desceu devagar, sem aparente pressa, embora a força com que pulsava seu coração poderia impulsioná-la para baixo sem chegar a tocar o chão com os pés.
? Boa tarde... ? apareceu uma voz masculina justo antes de pisar o último degrau.
Evelyn não pôde ocultar a surpresa que lhe produziu ver um homem tão parecido ao seu marido, embora percebesse notórias diferenças: seu marido tinha os olhos mais claros, era o dobro de corpulento e, por sorte para Roger, o cabelo e a barba abundavam mais nele que naquela pessoa que a olhava sem piscar.
? Pelo assombro que contemplo em seu belo rosto meu querido irmão não a informou sobre mim, estou certo? ? Arqueou a sobrancelha direita, sorriu e esticou sua mão para tomar a dela e dirigi-la para sua boca.
? Boa tarde. A verdade é que falamos de muitas coisas, talvez tenha me dito e o esqueci ? desculpou-o. Tentou recompor-se do choque que lhe tinha produzido a aparição de outro Bennett e sorriu.
? Nesse caso, minha querida cunhada, apresentar-me-ei como é devido. ? Fez uma ligeira genuflexão e prosseguiu: ? Sou Charles Bennett, o irmão gêmeo de seu marido ? esclareceu com uma voz tão melosa que Evelyn sentiu uma estranha comichão em seu estômago.
? Encantada de o conhecer, pode me chamar de Evelyn se lhe parecer correto ? disse enquanto aceitava o braço que lhe oferecia para dirigi-la para a pequena saleta que Roger tinha ao lado da sala de jantar.
A mulher franziu sutilmente o cenho. Não esperava que Sophie os tivesse conduzido a um lugar tão privado para seu marido. Conforme lhe contou quando lhe fez o breve percorrido pela casa, ali era onde se reunia com os comerciantes, advogados e administradores que trabalhavam para ele e onde guardava documentos que ninguém devia tocar.
? Evelyn... ? sussurrou com tom aveludado. ? Bonito nome. Que significado tem um antropônimo tão assombrosamente belo?
? Provém de uma palavra grega, hiyya, que significa fonte de vida ? respondeu surpreendida. Era a primeira vez que alguém se interessava pela origem de seu nome. ? Embora acredite que a verdadeira razão pela qual meus pais decidiram me pôr este nome se deve a uma...
? Novela? ? Interrompeu antes de apertar inapropriadamente sua mão com a dele.
? Sim, com efeito, a uma novela. A minha mãe gostava muito de ler e imagino que achou o nome em algum personagem feminino ? respondeu desenhando um leve sorriso enquanto retirava sua mão do braço masculino com sutileza.
? Mãe... ? saudou Charles após abrir a porta e permitir que Evelyn acessasse primeiro ? apresento-lhe Evelyn, a esposa do nosso querido Roger.
? Sua Excelência... ? Evelyn caminhou para ela, fez uma reverência e ficou parada até que a mulher, de não mais de cinquenta anos, aproximou-se dela abrindo seus braços.
Nenhum dos dois tinha herdado nem a cor de seus olhos nem o do cabelo. A mãe possuía olhos negros e cabelo castanho. Tampouco se assemelhavam em altura. Era uma mulher baixa e gordinha. Entretanto, todo seu ser desprendia poder, dominação e arrogância. Qualidades que sim possuía seu marido.
? É linda! ? Exclamou a marquesa enquanto a abraçava. ? Roger sempre teve bom gosto ao escolher as suas mulheres e vejo que continua tendo-o. Embora até agora nunca escolhesse uma com o cabelo vermelho. Imagino que esse terá sido o principal motivo pelo qual terminou casando-se contigo. É diferente.
Evelyn piscou várias vezes, apertou os dentes e continuou sorrindo embora sua mente lhe oferecesse mil maneiras de desculpar-se e sair fugindo dali até que Roger aparecesse e lhe explicasse a verdadeira razão pela qual estavam casados.
? Enquanto a esperávamos pedi à criada que nos preparasse uma chaleira quente ? comentou. Pegou a mão direita de Evelyn e a conduziu, com um caminhar firme, por volta das duas poltronas que havia junto à chaminé.
? Parece-me uma ideia muito acertada. Sinto se os fiz esperar mais do que o devido. Depois da longa viagem necessitei de bastante tempo para me repor ? respondeu Evelyn sem saber se suas palavras eram as adequadas.
? Imagino... ? disse a mulher enquanto se sentava em uma das poltronas.
? Pode acreditar que minha querida cunhada não sabia da minha existência? ? Comentou Charles com um sorriso divertido. ? Deduzo que meu irmão não lhe falou muito sobre sua família.
? Não? ? Perguntou a marquesa mostrando um incrível pesar no rosto.
? Tenha em conta que mal permanecemos juntos. Depois de nos casar Roger teve que empreender uma longa viagem de negócios. ? Voltou a desculpá-lo sem poder evitar ruborizar-se ao ter que responder questões tão íntimas.
? Meu querido filho não é muito falador, não é? Ele prefere atrair as mulheres com outro tipo de artes mais... pecaminosas.
? Eu apreciei ? começou a dizer Evelyn depois de tomar ar e conter a impetuosa ira que começava a nascer em seu interior ? que tanto Charles como Roger são bastante parecidos.
? Sim, minha gestação foi um presente de Deus. Acreditamos que vinha um só bebê e tivemos uma grata surpresa ao descobrir que meu seio albergava duas criaturas. Embora Charles seja somente uns minutos mais novo que Roger ? disse sem ocultar seu desdém.
? Parecemos-lhes iguais? ? O aludido se aproximou tanto que voltou a sentir-se incômoda ante tal proximidade. Contra sua vontade Evelyn pôde cheirar o perfume de seu cunhado. Apesar de serem tão parecidos, os dois possuíam essências muito diferentes. A do Roger produzia nela um efeito embriagador, entretanto, a do Charles a enojava.
? Um pouco... ? reclinou-se levemente sobre seu assento para distanciar-se antes de mostrar qualquer sinal de repugnância no rosto e verteu água quente sobre a xícara em cujo interior havia uns raminhos verdes.
? Permiti-me o luxo ? continuou falando a mulher ? de te trazer umas infusões do meu lar. Espero que sejam de seu agrado.
? Muito obrigada, com certeza que sim. ? Aproximou a xícara de sua boca, mas ao notar a água mais quente do que estava acostumada a tomar, deixou-a de novo sobre o prato.
? Quando eram pequenos ninguém sabia quem era um e quem era outro, mas por sorte uma mãe nunca se equivoca. ? A marquesa franziu o cenho ao ver que Evelyn colocava o copo sobre a mesa. ? E falando de crianças... pensa em ter descendência logo? Meu marido, ao ser vinte anos mais velho que eu, esforçou-se em me deixar grávida desde a primeira noite que me converti em sua esposa.
? Mas Roger e eu somos da mesma idade e acreditamos que antes de trazer um bebê ao mundo temos que nos conhecer um pouco mais. ? Tinha parecido loquaz? Isso esperava porque não desejava ter que ser ela quem dissesse à marquesa que jamais teria essa ansiada descendência.
? Pois não deveriam demorar muito. Se por acaso não sabe, o marquês está muito doente ? disse com aparente tristeza. ? E se não melhorar, logo ficarei viúva.
? Isso significa que Roger... ? tragou saliva e voltou a segurar a xícara. Tremiam-lhe as mãos? Sim, claro que o faziam. Escutou um leve tinido ao tentar levantar a xícara.
? Sim. Apesar de sua insistência em recusar o título que por nascimento lhe pertence, não pode evitá-lo. Quando seu pai morrer ele será o novo marquês de Riderland ? prosseguiu sua exposição com uma desmesurada aflição no ancião rosto. ? Como já te terá indicado, odeia tanto a responsabilidade que suporta ser marquês que jamais aceitou um só xelim da família.
? Como? ? Disse sem pensar.
? Não lhe contou isso ainda? Sinto muito, possivelmente estou me metendo em temas que não me incumbem, mas não é justo que pense que se casou com um homem diferente ao que é em realidade: seu marido, querida, vive do que aquele navio lhe proporciona. ? A marquesa esticou a mão e tocou com suavidade a de Evelyn.
? Então... tudo isto...
Levou a xícara aos lábios. Devia lhe dar um bom sorvo para poder digerir o que estava escutando, mas quando a xícara tocou sua boca, uma enorme se escutou portada na sala. Ao levantar o olhar observou Roger com os olhos injetados em sangue. Sem pensar um segundo este correu para ela, pegou a xícara e a atirou para o interior da chaminé.
? Parta daqui agora mesmo! ? Gritou com tanta força que o eco de sua voz retumbou por cada canto da casa. Ao mover a cabeça de um lado para o outro algumas mechas do rabo de cavalo se soltaram para formar redemoinhos sobre sua cabeça. Alguma vez tinha visto um homem tão zangado? Alguma vez tinha presenciado como um titã podia converter-se em uma besta tão ameaçadora?
? Filho... ? murmurou a marquesa levantando-se de seu assento e estendendo as mãos para ele. ? Meu filho...
? Disse para partirem ? resmungou. Seu peito se elevava e baixava com uma velocidade inverossímil. De repente Evelyn observou assustada, que os olhos de seu marido se obscureciam e que sua boca se torcia em um sorriso satânico. ? Ou o fazem por bem... ou por mau ? sentenciou.
Nesse preciso momento John apareceu na entrada. Em sua mão levava uma pistola e sorria de satisfação.
? Vamos, mãe! ? Ordenou Charles estendendo a mão para ela. ? Não se humilhe mais.
? Mas, filho... ? insistiu a marquesa com lágrimas nos olhos.
? Bebeu algo? Tomou algum mísero sorvo disso? ? Roger, inquieto, agarrou-lhe a mão, levantou-a da poltrona, caminhou com ela para a saída e quando estavam no meio do salão, retornou à mesinha para lançar o bule ao mesmo lugar que tinha jogado a xícara.
? Não... ? disse temerosa. ? Não tomei nada, por que o diz? O que acontece, Roger? A que vem tudo isto? Por que os jogou desse modo de nossa casa?
? Querida, prometo-te que explicarei isso tudo quando me encontrar mais calmo, mas agora não sou capaz de raciocinar. Só desejo... ? soltou outra vez a mão de sua mulher e andou para a porta principal.
? Vão como duas hienas depois da chegada do leão ? indicou John antes de soltar uma gargalhada.
? Sinto muito, senhor, não pude evitar que... ? começou a dizer Sophie sem deixar de chorar.
? Calma, eu entendo. Fez o correto. ? Roger a reconfortou.
Evelyn foi incapaz de mover-se do hall. Não podia assimilar o que tinha acontecido nem por que. Seu marido havia dito que explicaria quando estivesse mais calmo, mas... e ela? Quando se acalmaria ela? Aturdida, levantou o vestido com as duas mãos e começou a subir as escadas com rapidez. Precisava ficar sozinha. Precisava digerir o que tinha acontecido em menos de uma hora.
? Evelyn! ? Gritou Roger ao vê-la caminhar pelo piso de cima. ? Evelyn!
? Não suba, ? disse John pousando a mão direita sobre o ombro de seu amigo ? deixe-a até que encontre a paz que necessita para falar com ela.
? Não vou dar tempo para que sua mente pense o que não é, devo lhe esclarecer tudo o que aconteceu, mas antes de subir deve me fazer um favor.
? Diga-me.
? Eleonora comenta que está esperando meu filho e não é certo ? disse com veemência.
? Está totalmente seguro de que não é teu?
? Totalmente ? declarou cortante.
? Bem, o que quer que eu faça?
? Procura o homem com quem ela esteve se vendo às escondidas. Pode ser que a visitasse inclusive quando estava comigo. Essa mulher tinha um maligno propósito quando jazia em meus braços. Não acreditei nos que me advertiram que, em diversas ocasiões, viram-na comprando beberagens de fertilidade em Whitechapel, mas agora sei que tinham razão quando me avisaram que procurava ser a futura marquesa de Riderland ? comentou zangado consigo mesmo por não haver se dado conta com antecedência.
? Essa mulher sempre me produziu calafrios... ? disse John fazendo tremer de maneira exagerada seu corpo.
? Não demore em encontrá-lo. Acredito que Evelyn não será capaz de confrontar tantas coisas de uma vez só ? disse olhando por volta do segundo andar.
? Se te amar, o fará ? determinou John antes de partir para começar a busca pelo misterioso amante.
XXXI
Apesar de querer dar-se um pouco mais de tempo para falar com Evelyn, não pôde conter-se. Quando viu John montar no cavalo e dirigir-se para Londres, Roger subiu as escadas de dois em dois. Urgia lhe contar a razão pela qual tinha atuado daquela maneira e que ela entendesse o motivo de sua ira. Caminhou pelo corredor com mais lentidão do que pretendia. Seu coração pulsava com força e mal podia controlar os tremores de suas mãos. Ficou parado na porta com a cabeça abaixada e os ombros inclinados para frente. Era o momento de sua esposa descobrir seu passado embora isso implicasse um inevitável distanciamento entre ambos.
Quando acessou ao dormitório observou Wanda sentada ao lado de sua mulher. Abraçava-a e lhe murmurava palavras de consolo enquanto ela soluçava. Estrangulou-se-lhe a garganta e notou como suas forças se desvaneciam ante a triste imagem. Deu dois passos para a frente esperando que a donzela notasse sua presença. Assim que ela o descobriu, ao virar com suavidade a cabeça para a porta, levantou-se, fez uma pequena reverência e começou a dirigir-se para ele.
? Obrigado, Wanda ? agradeceu-lhe com uma voz incomum nele.
? Excelência...
Wanda fechou a porta após sair. Inspirou profundamente e cravou seus olhos no final do corredor. Surpreendeu-se ao ver que Sophie a esperava com os braços cruzados diante do peito. Sem parar para raciocinar por que estava ali, dirigiu-se para ela.
? Posso te contar toda a história enquanto tomamos um chá ? assinalou a mulher com tom suave.
? Preferiria um bom copo de uísque ? acrescentou Wanda.
? Então direi ao Yeng que nos suba uma garrafa da adega.
Não se atrevia a aproximar-se. Evelyn continuava sentada sobre a cama olhando para a janela.
? Se quiser que eu parta, entenderei ? disse enfim.
? Acredito que antes de se afastar deveria me explicar o que aconteceu lá embaixo ? respondeu tremente.
? Evelyn eu... eu não quero te perder ? comentou em tom estrangulado.
? Tenta me dizer a verdade e eu ponderarei o que devo fazer, mas não dê por certo algo que ainda não decidi ? apontou. Voltou-se para Roger e ficou muda. Seu cabelo continuava alvoroçado, seus olhos já não eram escuros e sim cristalinos, e seu corpo, aquele que adorava pela magnitude que expressava, permanecia curvado, abatido.
? Como comprovou, ? começou a dizer caminhando para ela ? a relação com minha família é um tanto peculiar.
? Todos temos certas diferenças entre os membros de uma família, mas jamais acreditei que alguém tentasse resolvê-los dessa forma ? assinalou Evelyn apática.
? Não foi sempre assim, conforme me contou a mulher encarregada da nossa criação. Ela não teve preferidos até que cumpri os quinze anos. E era certo, ela tratava aos dois por igual. Entretanto, meu caráter começou a manifestar-se nessa idade e fomos nos distanciando.
? Meus pais também se zangaram comigo quando descobriram que eu não era a filha que esperavam, mas nunca cheguei a desprezá-los tanto para chegar a tratá-los dessa maneira ? indicou Evelyn esperando que Roger não quisesse lhe contar uma história falsa.
? Evelyn... ? murmurou ao mesmo tempo em que se ajoelhava em frente a ela.
? Tenta de novo, Roger. Se de verdade deseja que eu fique ao seu lado, conte-me a verdade.
? E se não for capaz de suportá-la? E se não for capaz de me olhar de novo nos olhos?
? Tenta...
Bennett abaixou a cabeça, deixou os braços soltos e prosseguiu.
? A fama de adúltero do meu pai era cada vez maior. Lembro como discutiam quando pensavam que ninguém os escutava, como minha mãe lhe gritava que ela não merecia padecer aquele tipo de vergonha e que estava cansada de receber todas as suas amantes com crianças nos braços declarando que eram filhos deles. «Casei-me contigo por sua inteligência, ? disse-lhe meu pai uma das vezes que falaram sobre o tema ? e confio que saberá como fazer desaparecer sua insofrível vergonha». Jamais imaginei que ela tomasse aquelas palavras de maneira tão literal, mas acredito que, aquilo que a conduziu a tomar aquela decisão tão horrenda, foi o desejo de velar por nossa posição social. ? Evelyn estendeu suas mãos para os ombros de seu marido para reconfortá-lo com seu leve toque. ? Mas apareceu um menino... uma estranha criatura que não contava com mais de sete anos se apresentou na porta da residência familiar com sua mãe pela mão. Até aquele dia, até aquele preciso momento, a marquesa cuidou com incrível paixão tanto do meu irmão como de mim para que não fôssemos testemunhas daquele tipo de visitas. Entretanto, aquele dia escapei do meu dormitório e me ocultei no estábulo. Precisava sair da casa e fazer desaparecer por umas horas a pressão que sentia ao ser instruído para me converter no futuro marquês. Lembro que a própria marquesa os recebeu, e após falar com a mulher, o menino ficou na entrada enquanto via como se afastava sua mãe. Com um sorriso estranho em seu rosto, conduziu-o para o interior da casa. Durante as duas semanas seguintes estive procurando esse menino por toda a residência. Inclusive me atrevi a perguntar às criadas se o tinham visto. Ninguém tinha ouvido falar dele, mas minha curiosidade era tal, que não diminuí meu empenho por encontrá-lo. Um dia, enquanto brincava com Charles, aventurei-me a percorrer o porão. Ali, no meio de um muro de pedra, uma porta de pequena envergadura permanecia fechada com a chave dentro da fechadura. Desejoso de ganhar o jogo, abri a porta e quando descobri o que havia no interior me assustei tanto que fui incapaz de me mover.
? Estava lá, não é? ? Interrompeu Evelyn ajoelhando-se em frente ao seu marido.
? Sim. Tinha-o amarrado a umas cordas para que não tentasse escapar. Lembro o suave e lento ritmo de seu respirar e a extrema magreza. Estava tão esquálido que podia apreciar com claridade os ossos ocultos sob sua pele. Quis desatá-lo, liberara-lo daquela prisão, mas escutei um ruído às minhas costas e me escondi.
? Quem era...? ? Perguntou colocando suas mãos nas maçãs do rosto de Roger. Levantou-lhe o rosto e observou um rio de lágrimas percorrendo suas bochechas.
? Minha mãe. Era minha mãe ? tremeu-lhe a voz ao afirmá-lo.
? OH, meu Deus, Roger! ? Exclamou abraçando-o com força.
? Matou-o diante dos meus olhos, Evelyn. Foi muito cruel escutar os soluços daquele menino rogando, em seu último fôlego, piedade para sua assassina. ? Bennett continuou chorando enquanto as cálidas mãos de sua mulher o acariciavam e tentavam lhe dar o consolo que, até aquele momento, nunca tinha encontrado. ? Quando esteve segura de que o menino não respirava, fechou a porta e partiu como se nada tivesse ocorrido. Durante os três dias seguintes, desci para averiguar que plano tinha minha mãe para desfazer-se do cadáver. E o que descobri foi tão aberrante que perdi o juízo. A cozinheira, uma mulher de incalculável confiança de minha mãe, picotava o corpo do menino com um machado. Vi-a ali, estendida no chão, levantando a arma e atirando-a com força para quebrar os ossos agarrados à carne. Logo todas as partes picotadas foram colocadas em um caldeirão e jogados em um fogo na cozinha. Utilizava-os como míseras lenhas.
? Mas o aroma... O fedor a...
? Quem ia imaginar que o que avivava o fogo eram restos de um ser humano? ? Comentou afastando as lágrimas com suas mãos e levantando-se com rapidez. Evelyn ficou olhando-o, quebrada de dor ao escutar o que lhe contava. ? Quando na cozinha não houve ninguém que fora testemunha da loucura que ia cometer, peguei um ramo do chão e tirei um osso desse menino.
? Seu crânio... ? murmurou Evelyn levando as mãos para a boca.
? Sim ? disse Roger voltando seu olhar para ela e entreabrindo os olhos.
? Vi-o na carruagem... ? revelou com temor.
? Prometo-te que não tratava de alcançar um prêmio, nem algo que queria ter como lembrança das demências da minha mãe. Precisava me aferrar a algo para me liberar da maldade que me rodeava, Evelyn. De confirmar que eu não era como ela, embora seu sangue regue meu corpo.
? O que aconteceu depois? ? Levantou-se e se colocou atrás das costas de seu marido.
? Parti. Com somente quinze anos abandonei meu lar e decidi procurar um futuro distinto do que me tinham marcado. Vivi alguns meses nas ruas, ocultando minha identidade. E de repente, um dia, um cavalheiro que cobria seu corpo com uma grande capa negra, e que se aproximou de mim para me dar umas moedas, teve piedade daquele menino magro e imundo que lhe rogava uma esmola para poder comer. Ofereceu-me partir com ele à França e me converter em um homem respeitável. Não me pergunte a razão dessa oferenda, jamais a investiguei, mas o que sim posso afirmar é que graças à sua misericórdia me salvei de morrer faminto em qualquer rua de Londres. Quatro anos depois do meu desaparecimento, quando todo mundo me acreditou morto, apareci em Tower, a residência dos meus pais. Meu pai chorou ao ver-me e me abraçou como nunca antes tinha feito. Entretanto, minha mãe e meu irmão não se aproximaram de mim. Acredito que não foram capazes de assimilar meu regresso. ? Suspirou profundamente. Olhou para o exterior da janela e prosseguiu. ? Não pretendia ficar vivendo com eles, nem voltar a ocupar o posto que por nascimento me pertencia, mas precisava esperar o momento idôneo para confessar à minha mãe que sabia o que tinha feito com os filhos ilegítimos de meu pai. Como era de se esperar, ela se enfureceu, gritou-me que tinha enlouquecido durante minha ausência e que só eram histórias que minha mente juvenil imaginou.
? Roger... ? Esticou as mãos, agarrou-o pela cintura e pousou sua cabeça sobre as costas masculina.
? Pouco tempo depois do meu imaginário testemunho comecei a adoecer. Tinha náuseas, enjoos e muitas febres, muitas. Meu pai, apavorado ao pensar que tinha contraído alguma enfermidade contagiosa, fez chamar o médico para que me tratasse, mas nem este pôde dizer com claridade o que me acontecia. De repente, uma pessoa teve piedade de mim. Um criado que levava pouco tempo servindo meus pais e que observava com firmeza o que acontecia no imóvel. Ele descobriu que minha mãe tinha plantado beladona em um lugar afastado do jardim e que me preparava isso como infusão. Ao raciocinar que tentava me matar por envenenamento, não o pensou. No meio de uma noite jogou meu corpo quase inerte sobre seus ombros, desceu até a entrada e, com grande esforço meteu-me em uma carruagem.
? Anderson... ? murmurou Evelyn apertando com mais força o corpo de seu marido.
? Mas o ódio da minha mãe não ia cessar nunca. Esperou com paciência o momento para conseguir seu fim e quase o obteve de novo. Encarregou um homem de me seguir e me espreitar. Em uma das minhas saídas noturnas nas quais não podia nem ficar em pé pela embriaguez, fui assaltado e amarrado. Resisti com afã ao ataque, mas não consegui escapar. Quando abri os olhos depois do desmaio, uma voz começou a falar atrás de mim. Antes de poder lhe responder, de repreender seu ato, notei uma ardência em minha pele.
? Suas marcas... ? Evelyn liberou a cintura de Roger e pousou com suavidade suas palmas sobre o tecido que cobria os sinais das chicotadas.
? Mas o destino voltou a me salvar. Na mesma noite em que fui assaltado, estive jogando cartas com o William e Nother, o antigo proprietário do meu navio. Rutland apareceu na residência em que me hospedava e ao não me achar buscou-me desesperado por toda Londres. Acredito que se sentia culpado por haver me abandonado à minha sorte enquanto ele esquentava o leito de uma amante. Então tropeçou com o Yeng, o crupiê que nos atendeu no clube. Quando lhe perguntou se me tinha visto, informou-o que depois de sair do clube duas pessoas carregavam meu corpo. Também lhe disse que me introduziram em uma carruagem e que se dirigiram para os subúrbios. William o agarrou pelo pescoço e fez com que lhe mostrasse o lugar aonde me conduziram. Só lembro que, quando dava tudo por perdido, quando vi a morte aproximando-se de mim, escutei um disparo e depois a pressão das minhas mãos acabou.
? OH, querido... ? soluçou abraçando-o de novo.
? Desde esse momento prometi que lutaria até o final dos meus dias e que nenhum ser inocente que tivesse meu próprio sangue morreria nas mãos da minha mãe. Yeng decidiu permanecer ao meu lado e foi meus olhos enquanto eu realizava longas viagens no navio. Encarregou-se de recolher todas as crianças que se dirigiam para Tower para reclamar a paternidade do marquês e os albergava em um asilo que eu pagava. Pouco depois adquiri vários terrenos. Em um construí Lonely e no outro... ? virou-se para sua mulher. Desejava contemplar como fazia frente ao que estava a ponto de revelar. Sentiu-se um ser maligno ao ver suas lágrimas vagar pelo rosto.
? E no outro? ? Insistiu Evelyn.
? Construí uma pequena residência a qual chamei Children Saved.
? Crianças salvas... ? murmurou a mulher com apenas um fio de voz.
? Sim. Ao princípio acredito que só o fiz para salvar minha própria consciência que não cessava de me recriminar dia após dia que podia ter impedido as mortes daquelas crianças.
? Mas não podia fazer nada... ? Evelyn levantou as mãos para Roger e pousou suas palmas no rosto. ? Era muito pequeno... ? insistiu soluçando.
? Mas um dia apareceu em minha porta um anjo. Um diminuto ser que quase me fez ajoelhar e suplicar que me perdoasse sem lhe haver feito nada ainda. Minha pequena Natalie... ? suspirou. ? Ela me fez compreender que esperavam de mim algo mais que um lugar onde os acolher ou os alimentar. Necessitavam de afeto igual a mim. Com o tempo minhas viagens se fizeram mais duradouras e abundantes face à fama que criei em Londres, para humilhar ainda mais meu sobrenome todos os comerciantes requeriam meus serviços. Quase todos os meus lucros se destinaram à melhoria da residência e a contratar pessoal qualificado para lhes oferecer a educação que mereciam.
? Quantas crianças há no Children Saved?
? Vinte.
? Vinte?! ? Repetiu surpreendida.
? Muitos, eu sei. Graças a Deus meu pai adoeceu e teve que abandonar o insaciável desejo de engendrar um sem-fim de possíveis herdeiros. ? Sorriu de lado ante seu próprio sarcasmo.
? Quero conhecer todos ? murmurou enquanto aproximava a boca de seu marido à dela.
? Está segura? ? Mal pôde fazer a pergunta pela emoção.
? Sim, muito segura.
Roger beijou Evelyn com paixão. Depois ficou olhando-a sem piscar, pegou-a pela cintura e a elevou sobre sua cintura.
? Amo-te, senhora Bennett. Amo-te mais do que jamais pude imaginar que o faria. ? Caminhou para o leito e a posou muito devagar.
? Roger... ? murmurou enquanto seu marido começava a colocar as mãos sob o vestido e acariciava com lentidão as pernas.
? Que...
? Eu também te amo.
Escutar aquelas palavras de sua esposa lhe produziu tal emoção que esteve a ponto de derrubar-se sobre ela e ficar a chorar. Todo seu passado, toda a escuridão que tinha vivido nele desde que descobriu aquelas mortes desapareceu. O sol brilhava em seu interior, e em cada carícia, em cada beijo que Evelyn lhe oferecia, os raios o iluminavam ainda mais. Beijou-a devagar, perfilando com sua língua o desenho da boca que adorava, que amava. Sentiu-se contente ao perceber que as mãos dela se colocavam em seu peito para o despojar da camisa. Afastou-se, levantou os braços e deixou que continuasse apalpando seu torso sem objetos que o impedissem de sentir o suave tato dos dedos. Suas mãos retornaram as coxas femininas. Evelyn arqueou a cintura, convidando-o a possui-la com prontidão, com o mesmo ardor e desejo que ele sentia por ela.
? Repete que me ama ? murmurou antes de morder o lábio inferior dela e puxar com suavidade para ele.
? Amo-te, Roger... Amo-te... ? fechou os olhos ao perceber como o sexo de seu marido se aproximava do dela.
Não houve ternura entre eles. Não foi um ato lento, nem suave. Foi a primeira vez em que Roger precisou unir-se a ela para aliviar sua dor. Mas não só acalmou seu suplício, como em cada gemido, em cada soluço, em cada invasão para o interior feminino, Evelyn também se liberava de toda a pressão que tinha acumulado em sua vida. Não foi só um ato de amor, mas sim de verdadeira plenitude.
? Evelyn... ? sussurrou junto à boca dela quando o clímax estava a ponto de chegar.
? Roger... ? Cravou as unhas nas costas de seu marido e tentou fazer desaparecer aquelas marcas com suas próprias mãos.
Um clamor brotou do quarto com tanta intensidade que Sophie e Wanda se levantaram de suas cadeiras assustadas.
? O som do amor... ? disse Sophie antes de emitir uma pequena risadinha. ? Só espero que essa paixão logo dê frutos.
? Não acredito que os dê... ? murmurou Wanda após sentar-se e olhar o oitavo copo de licor que tinha em suas mãos.
? Por que diz isso? ? Perguntou a mulher tomando assento.
? Minha senhora jamais poderá ficar grávida ? comentou com pesar.
? Explique-se! ? Insistiu Sophie enquanto que, com um salto, aproximou a cadeira da mesa.
? Quando era jovem perdeu um bebê e, depois do aborto, sofreu uma grave infecção. O médico que a atendeu informou aos pais que seu útero tinha ficado estéril e que lhe seria impossível ficar grávida de novo ? explicou antes de beber o licor de um gole.
? Mas esse doutor não conhecia a persistência do nosso senhor... ? apontou antes de soltar uma gargalhada.
XXXII
? Está acordada? ? A encantadora voz de Roger lhe sussurrou no ouvido a pergunta enquanto seu fôlego esquentava a pele que roçava em sua passagem.
? Agora sim ? respondeu voltando-se para ele.
Bennett apoiou o cotovelo no almofadão e a olhou com tanta ternura que Evelyn sentiu como o coração batia mais forte.
? Obrigado por não me abandonar, por não se afastar de mim depois de me escutar ? disse-lhe antes de aproximar sua mão direita e lhe acariciar uma bochecha.
? Não tem por que me agradecer. Além disso, não acredito que deva perdoar um passado do qual não teve nada a ver. As maldades foram realizadas por sua mãe, não por você ? assinalou aproximando-se dele e lhe dando um suave beijo.
? Sempre me culpei por não ter descoberto antes. Possivelmente desse modo, tivesse salvado mais vidas ? comentou franzindo o cenho.
? Mas salvou muitas, vinte para ser exata. ? Estendeu seus braços e Roger se enredou neles. Desta vez foi ele quem pousou sua cabeça sobre o peito de sua mulher e quem deixou que os delicados dedos de sua esposa acariciassem com suavidade o comprido cabelo dourado.
? Sim, vinte embora... quantas perderam a vida nas mãos da minha mãe? Evelyn, estou seguro de que houve bebês, crianças que não conseguiram chegar a cumprir os cinco anos...
? Não se martirize por isso, Roger. Sua consciência dever alcançar a paz. É ela quem está manchada de sangue inocente. ? Pousou seus lábios sobre o cabelo loiro e o beijou. ? Conta-me como é Children Saved ? disse-lhe depois de uns momentos de silêncio no qual só se escutavam suas respirações pausadas.
? Não é muito grande, mas o suficiente para albergá-los comodamente. Tem dois andares. Abaixo está a cozinha, um enorme refeitório e uma biblioteca, embora com as últimas reformas, essa sala a convertemos em um lugar onde a senhora Simon ensina as matérias. Acima não há distinções entre uma ala ou outra. Conforme sobe encontra um comprido corredor com mais de quinze dormitórios. Ali descansam todos os que habitam na residência.
? A que se refere quando diz todos?
? Em Children Saved não só vivem meus meios-irmãos, mas sim suas mães também residem ali.
? Deus santo, Roger! Quantas bocas alimenta? ? Perguntou surpreendida.
? Quarenta e sete. ? Levantou a cabeça e contemplou o assombro que mostrava o rosto de Evelyn. ? Tem que entender que alguns deles mal tinham completado um ano de idade quando apareceram na porta e não achei justo que as mães se separassem de seus filhos pequenos.
? Como pode resolver esses gastos? Terá que continuar realizando muitas viagens... ? perguntou interessada.
? Com três ao ano é suficiente. Tanto o administrador como eu estudámos a maneira de cortar gastos e nos ocorreu que a única forma de não nos excedermos nos orçamentos anuais era fazendo participes as mães das tarefas que se requerem na manutenção dessa residência. Várias são cozinheiras, outras lavadeiras e inclusive, conforme fui informado ontem, outras decidiram empregar-se como jardineiras ? comentou feliz ao ver que Evelyn não reprovava seu trabalho, mas sim, pelo contrário, elogiava-o.
? Têm jardim? ? Continuou interessando-se. Enquanto Roger falava ela imaginava como seria aquele pequeno paraíso no qual viviam felizes tantas criaturas.
? Dois hectares de pradaria rodeiam a casa. Embora te pareça imenso, não o é quando todos saem para brincar. ? Sorriu. ? Há um pequeno parque onde plantaram flores de todas as classes. Uma fonte com a escultura de uma criança se situa no centro e abastece de água esse pequeno éden. Faz um par de anos, Yeng se encarregou de construir uma estufa onde a senhora Simon dá aulas de botânica ou ciência.
? Deve ser lindo... ? murmurou com suavidade.
? É. Sabe? Acredito que é a primeira vez que estou ansioso para que amanheça. Assim que tomarmos o café da manhã te levarei lá e contemplará com seus próprios olhos o que eu construí durante estes anos ? disse colocando sua cabeça de novo sobre o torso feminino. ? Quando a virem aparecer, quando todos descobrirem que é minha esposa, ficarão loucos de emoção e não a vão deixar descansar nem um só instante.
? Fale-me deles.
? Todos são muito semelhantes embora se diferenciem na cor de seu cabelo ou no de seus olhos. Há dois que são tão parecidos comigo que quando os vejo me reflito neles.
? Como se chamam? ? Continuou com as carícias sobre o cabelo de seu marido.
? O menino é Logan. Tem quatorze anos. Loiro, alto, possivelmente muito alto para sua idade. Mas a cor de seus olhos não é azul, mas sim marrom. Não há dúvida que os herdou de sua mãe. Embora o que o faz tão parecido a mim é sua atitude. É rebelde, não acata as normas como fazem os outros. Sempre tenta rebater certos temas e não cessa de investigar por sua conta. Sei que o dia de amanhã, quando eu não puder mais me encarregar do meu navio, ele ficará encantado de ficar em meu posto.
? Isso te assusta?
? Não, ao contrário, adula-me. É grato saber que alguém continuará o que eu comecei ? expôs com orgulho.
? Quem mais?
? A outra pessoinha que me deixa em estado de choque cada vez que a vejo é a pequena Natalie... ? disse o nome com um imenso prazer.
? Fale-me dela, Roger. Interessa-me muito saber sobre esse anjo que te impulsionou a lhes dar aquilo que foi incapaz de oferecer.
? Chamo-lhe de princesinha porque em realidade o é. Tem o cabelo tão loiro que quando os raios do sol o tocam se converte em branco. Sua mãe se esforça em lhe fazer longos caracóis, mas assim que pode ela recolhe o cabelo como o faço eu, em um rabo de cavalo. ? Voltou a desenhar um enorme sorriso em sua cara ao recordar as contínuas discussões entre as duas por manter o penteado intacto. ? Seu nariz é idêntico ao meu e a cor de seus olhos também. Se Ywen não me houvesse dito que o pai da criatura era o mesmo que o meu, teria pensado que era minha. Adora investigar. Todo o tempo está perguntado os motivos disto, do outro ou inclusive por que sai o sol ao ser de dia e a lua quando anoitece. Às vezes desespera a instrutora. Diz que seu afã por saber é inaudito em uma menina tão pequena.
? Espero que me aceite... ? murmurou Evelyn desenhando um imenso sorriso.
? Por que não o faria? ? Roger elevou a cabeça e a olhou desconcertado.
? Nem imagina quão possessivas são as mulheres quando amam um homem ? respondeu sem diminuir a risada.
? Estou seguro de que assim que te veja, perguntará a razão pela qual tem o cabelo vermelho, como me conheceu e por que se casou comigo ? disse antes de soltar uma gargalhada.
? Bom, evitarei lhe dizer que me ganhou em uma partida de cartas. ? Fez uma pequena careta.
? A melhor partida de cartas da minha vida! ? Exclamou antes de colocar-se sobre ela e voltar a beijá-la.
Evelyn tinha fechado os olhos para sentir as mãos de seu marido percorrer seu corpo quando um golpe na porta fez com que ambos se retirassem como se lhes queimasse a pele ao tocar-se.
? Quem é? ? Grunhiu Roger saltando nu da cama.
? John ? respondeu o índio entreabrindo a porta.
? Entra ? indicou após confirmar que Evelyn se ocultava sob o lençol. ? O que acontece?
? Há um incêndio em Children Saved ? soltou agitado.
? Como? Um incêndio? Como aconteceu? ? Correu para a poltrona, começou a vestir-se e antes de colocar a camisa saiu ao exterior fechando a porta atrás de sua saída.
? Não sei. Acaba de chegar Logan e não para de gritar que tudo está ardendo.
? Maldita seja! ? Gritou enquanto descia as escadas sem perceber que estava descalço. ? Onde está o menino? Onde está Yeng?
? Ambos estão no estábulo preparando os cavalos.
? Maldita seja! ? Clamou Roger. ? Maldita seja!
Se seu marido pensava que ia permanecer na casa esperando para saber o que tinha acontecido, equivocava-se. Assim que fechou a porta Evelyn saltou da cama, colocou uma camisola e a bata que estava jogada sobre o chão e correu para o corredor. Se for certo, se a residência onde viviam os meninos estava ardendo, toda a ajuda que chegasse seria pouca.
? Wanda! Wanda! Onde está? ? Gritou quando saiu do quarto.
? Deus santo, senhora! Estou aqui!
? E Sophie? Onde está Sophie? ? Continuou vociferando enquanto descia ao piso inferior.
? Acredito que estava na entrada preparando-se para sair para uma casa que está sendo pasto das chamas.
? Que nem lhe ocorra partir sem nós! Nessa casa vivem mais de quarenta pessoas às quais terá que salvar.
O caminho, embora fosse curto, pareceu eterno. Durante o tempo que durou, Roger não cessava de perguntar-se como se teria produzido o incêndio. Considerou muitas razões, que se iniciou na cozinha, talvez se devesse a um defeito na instalação de gás... entretanto, nenhuma o convencia. Sempre tinham sido muito cuidadosos. As mães nunca partiam para descansar sem certificar-se que todas as luzes estivessem apagadas, as portas fechadas ou inclusive encaixavam com precisão as janelas. Havia muito controle em Children Saved, muitíssimo para que aquilo acontecesse.
Quando chegou ao caminho de terra que o conduzia até a residência, sentiu pânico. O fogo iluminava a colina. Enormes nuvens de fumaça negra cobriam o céu que tantas vezes contemplou junto aos seus irmãos. Estava seguro de que, se o inferno existia, seria muito parecido à imagem que observava. Roger desceu do cavalo e correu para as pessoas que se agruparam ao redor da fonte. Tinham sabido escolher o lugar onde resguardar-se, ali as chamas não as alcançariam, os vidros que explodiam pelo calor nem as faíscas que saíam disparadas do interior da casa.
Apesar de tentar mostrar um comportamento firme, loquaz e seguro, para que eles se tranquilizassem, não albergava em seu corpo nada disso. A imagem dos meninos aterrorizados chorando sob os braços das mães, iluminados pela luz das chamas, consternou-o.
? Estão bem? Estão todos bem? ? Insistiu gritando enquanto se aproximava.
Nesse momento, depois de compreender que seria inútil esforçar-se em apagar o incêndio, centrou-se em confirmar que, pelo menos, ninguém tinha resultado ferido na evacuação. Mas nenhum lhe respondeu. Estavam tão consternados pelo acontecido que lhes era impossível deixar de chorar para falar. De repente, seu pânico aumentou. Não estavam. Ywen e Natalie não se achavam no grupo e ninguém se deu conta de suas ausências.
? Onde estão Natalie e sua mãe? ? Perguntou atemorizado. Olhou ao John, este encolheu os ombros, logo ao Logan, o rosto pálido do moço e a agonia que mostravam seus olhos lhe confirmava que ele tampouco sabia nada delas. ? Alguém sabe onde podem estar? ? Rezou para escutar uma resposta. Entretanto, ao não obter o que esperava, correu para o interior da casa sem parar para pensar que punha sua vida em perigo.
Cobrindo sua cabeça com o braço esquerdo acessou ao interior da casa. O calor era asfixiante e a fumaça tão densa que mal podia distinguir o que havia em frente a ele. Com decisão se dirigiu à cozinha. Gritava uma e outra vez o nome das duas, mas não respondiam. Franziu o cenho ao observar que salvo a fumaça, as chamas ainda não tinham alcançado a planta baixa. «O fogo começou nos dormitórios», concluiu com uma mescla de surpresa e inquietação. Não era lógico que ardessem primeiro os quartos salvo que fora... «Provocado!», exclamou para si. Sem diminuir seu empenho por encontrá-las, continuou chamando-as e as procurando no piso inferior. Quando percorreu até o último canto, decidiu subir. Talvez o medo as tivesse deixado tão aterradas que eram incapazes de sair do quarto. Pegou o corrimão, pôs um pé no primeiro degrau e ficou petrificado ao ver quem permanecia justo ao final da escada.
? Estávamos o esperando... ? comentou uma voz familiar. ? Entristece-me ver que demorou muito. Possivelmente, se tivesse chegado antes, teria evitado a morte dessa. ? Assinalou com seu olhar um corpo que jazia estendido sobre o chão.
? Charles... o que fez? ? Tinha vontade de correr para eles, soltar a menina das mãos sujas de seu irmão e lhe dar uma surra, mas estava paralisado. Ver a pequena Natalie com sua camisola manchada de sangue, chorando presa do pânico e lhe rogando com o olhar que a ajudasse, fez-lhe concentrar-se em pensar uma forma mais sensata de liberá-la.
? E você? ? Repreendeu-o Charles. ? O que você fez, Roger?
? Solte-a... ela não tem nada a ver com isto... ? tentou dissuadi-lo.
? Mentira! Ela tem muito a ver ? disse com um enorme sorriso. ? Até que a vi correndo para mim porque inocentemente acreditava que era você, pensei que só albergava neste miserável lar os filhos que nosso pai criou. Mas quando apreciei quão parecidos são, descobri que não só permaneciam os filhos desse monstro, mas sim continuava com o maldito legado que começou.
? É muito pequena... ? comentou tentando procurar em Charles um pouco de piedade.
? Não é capaz de nomeá-la como merece, não é? Não é capaz de confessar que é sua filha? ? Falou em tom irado.
? Não é minha filha, Charles, é nossa irmã ? declarou com suavidade.
? Você mente! Mente como o tem feito nosso pai todo este tempo! Embora seja normal, a mãe sempre o soube, é tão sujo como ele. Por isso teve piedade dos filhos de satanás? Por isso construiu este lar cheio de depravação? Sim, claro que sim. Porque apesar de suas promessas, é igual a ele. ? Suas palavras soavam cada vez mais duras, sinistras e ofensivas. ? Mas o fim chegou. Toda a maldade que padeceu nosso sobrenome se verá sanada por minha grande proeza. ? Charles elevou a mão direita e tirou a arma que ocultava nela. Apontou ao seu irmão e justo quando ia disparar, sorriu.
? Charles! ? Exclamou uma voz feminina atrás das costas de Roger.
Ao virar-se e ver que se tratava de Evelyn, quis lhe gritar que se fosse, que se afastasse dali o antes possível, mas em meio àquela confusão só pôde dar uns passos para ela e ocultá-la atrás de seu corpo.
Quando chegou ao alto da colina e não achou Roger entre o grupo de pessoas que havia no jardim, seu coração se oprimiu. Onde estava? Ao dizer quem era, todas as mães a abraçaram como se fosse uma salvadora, como se ela pudesse protegê-las de todas as penúrias que estavam padecendo. Embora Evelyn não pudesse as consolar como requeriam. Ela só pensava em seu marido. «Foi procurar Natalie e sua mãe», confessou-lhe alguém enfim. Sem pensar duas vezes correu para o interior da casa evitando as mãos de Wanda e de Sophie. Entretanto, quando seus olhos puderam adaptar-se à fumaça e contemplou a cena que havia em frente a ela, não duvidou e avançou para Roger.
? Minha querida cunhada... alegro-me de que tenha vindo. Quero que veja com seus próprios olhos o que seu marido tem feito durante todo este tempo ? expôs com uma voz cálida.
? Tem razão ? respondeu afastando-se de Roger e, face aos intentos deste por a fazer parar, ela subiu dois degraus. ? Comportou-se como o demônio que é. Agora entendo por que me visitaram, queriam me proteger.
? Ela sim entende... ? murmurou Charles olhando seu irmão com os olhos entreabertos. ? Ela é a única que nos compreende...
? É óbvio que o faço, Charles. E te asseguro que quando sairmos daqui tudo isto terá terminado. Sua tortura, as crianças, essas mães, tudo desaparecerá!
? Ajudar-me-á? Ajudar-me-á a finalizar o que minha mãe começou? ? Desceu lentamente a arma e diminuiu a intensidade com que apertava a pequena Natalie em seu corpo.
? Duvida da minha palavra? ? Perguntou com aparente irritação. ? Acaso não entendeu quando me olhava, quando falávamos, que me resultou mais agradável que o desprezível de seu irmão?
? Sim que o apreciei. ? Sorriu satisfeito. ? Mas não conseguirei te dar a posição que merece se ele estiver vivo. ? Charles levantou a arma, apontou para seu irmão e disparou.
? Não! ? Exclamou Roger com desespero.
Evelyn notou uma terrível dor em seu ventre. Quis levar as mãos para o lugar onde sentia aquela horrorosa queimação, mas não o conseguiu. As forças a abandonavam pouco a pouco e seu corpo começou a cair. Custava-lhe respirar. A visão se nublava. A bala que ia impactar sobre o coração de seu marido alcançou a ela. Deveria gritar ou chorar de tristeza ao ver que seu fim estava próximo, mas não podia, sentia-se feliz por ter impedido que o homem que cuidava de todas as pessoas que viu no jardim continuaria fazendo-o embora ela não estivesse. Ao longe, muito longe para escutar com precisão, escutou a voz de seu marido que insistia em que não o abandonasse e de repente... outro disparo.
? Saiam agora mesmo daqui! ? Gritou John que, depois de aparecer, observou como Evelyn se desabava e como o irmão de Roger aproximava a arma de sua boca e disparava. ? Encarregar-me-ei de Natalie. ? Subiu as escadas, pegou a menina pela mão e correu para o exterior o mais rápido que pôde.
? Evelyn! Evelyn! ? Clamava Bennett enquanto saía daquele inferno com ela em braços. ? Aguenta, meu amor! Ficará bem! Amo-te! Escuta-me? Amo-te!
XXXIII
Escritório do senhor Lawford. Três semanas depois.
? Imagino que com as assinaturas do marquês nada nem ninguém poderá invalidar os documentos, não é? ? Insistiu Roger enquanto observava através da janela como as pessoas corriam de um lado para outro tentando resguardar-se da chuva.
Uma semana depois do disparo a Evelyn, Roger apareceu em Tower e, face aos intentos que realizou sua mãe para impedir que conseguisse seu propósito, conseguiu chegar até o quarto de seu pai. O ancião marquês se apoiava sobre os almofadões e soluçava a perda de um de seus filhos. Bennett se colocou ao pé da cama com as mãos sobre as costas e lhe contou a verdadeira história. Seu pai negava devagar tudo aquilo que lhe narrava, segurava os lençóis com força e rejeitava categoricamente o que escutava.
? É mentira! ? Gritou uma das vezes. ? Sua mãe seria incapaz de fazer algo assim!
Mas Roger não diminuiu sua intenção de abrir os olhos do marquês. Descreveu-lhe como esteve presente na morte daquele menino, a razão de sua fuga com quinze anos e o motivo pelo qual retornou anos depois. Também lhe indicou que tanto Charles como sua mãe tinham descoberto o lar que tinha construído para seus irmãos e que, depois de não conseguir o primeiro plano que era envenenar sua esposa, Charles decidiu tomar a justiça em sua mão.
? Por isso quero que os reconheça ? disse após sua longa exposição. ? Embora Evelyn conseguisse curar-se por completo, jamais poderá ter meu filho. A ferida em seu ventre tornou impossível que possa ficar grávida.
? Não vou reconhecer a nenhum desses malditos bastardos! ? Clamou o pai com a pouca força que ficava. ? São filhos de satanás, não meus!
? Faremos um trato ? resmungou apertando os dentes. Caminhou para a cabeceira da cama e aproximou seu rosto ao do pai. ? Reconheça ao menos a dois deles, um menino e uma menina, para que algum dos dois possa continuar com este maldito título.
? E se não o fizer? ? O ancião arqueou a sobrancelha direita e olhou seu primogênito de maneira desafiante.
? Se não o fizer ? continuou relaxando a mandíbula e mostrando um rosto de satisfação ? terá o prazer de ver como sua querida esposa é encarcerada e sentenciada à morte por todos os assassinatos que cometeu.
? Ela... ela... o fez porque me ama... ? balbuciou.
? Chama isso de amor? ? Virou-se sobre seus calcanhares para não o olhar, mas aquela reflexão tão absurda sobre no que consistia o amor em um matrimônio o fez voltar-se para seu pai. ? Isso é maldade, pai!
? Está bem, ? disse o marquês depois de um tempo emudecido ? reconhecerei a dois, mas em troca deve me dar sua palavra de que sua mãe jamais será julgada pelos atos de amor que cometeu e que, depois da minha morte continuará vivendo aqui sem carências econômicas.
? É óbvio ? afirmou satisfeito. ? Esta mesma tarde terá a visita do senhor Lawford, é um dos adminis...
? Já sei quem é esse malnascido! ? Exclamou o marquês mais zangado, se pudesse.
? Pois como vejo que já o conhece, aconselho-o que não pretenda realizar nenhum estratagema, advirto-lhe que o senhor Lawford é muito bom em seu ofício. E agora, se me desculpar, tenho muito trabalho a fazer. ? Dirigiu-se para a porta, bateu as botas, inclinou levemente a cabeça para diante e partiu.
Quando fechou, inclusive antes de poder encaixar os parafusos, sua mãe apareceu no corredor. Permanecia imóvel, olhando-o de maneira altiva. Roger passou por seu lado como se não estivesse, mas antes de descer as escadas e sair da casa que odiava, virou-se para ela para lhe dizer:
? Como se sente ao ver que depois de ter as mãos manchadas de sangue inocente não conseguiu seu propósito? ? Não lhe respondeu, nem se dignou a dar a volta e lhe responder. Ao compreender que não tinha a intenção de defender-se, porque não se arrependia de suas maldades, continuou seu caminho para a saída.
? Não acredito que seja o homem mais indicado para pôr em dúvida meu trabalho. ? Lawford levantou os óculos com o dedo e olhou ao futuro marquês fixamente. ? Recorde que foi impossível desfazer o compromisso.
? Tem razão, desculpe se o ofendi ? respondeu com um meio sorriso. Com as mãos nas costas, caminhou para a mesa em que o administrador mostrava um sem-fim de pastas.
? Falando de matrimônio... ? disse de maneira reflexiva Arthur. ? Como se encontra hoje a futura marquesa? ? Agrupou os papéis que seu cliente tinha vindo procurar e os golpeou brandamente sobre a mesa.
? As febres cessaram, mas o doutor diz que tenhamos paciência. A ferida embora grave, não roçou nenhum órgão vital salvo seu útero ? comentou com tristeza.
? Bom, não acredito que lhe faça falta não ter descendência. O senhor Logan continuará com o título de marquês e têm a tutela da pequena Natalie. Acredito que ambos atuarão como os filhos que já não terão.
? Não tinha nenhum desejo em ser pai, nem agora nem antes. O único que quero é que Evelyn desperte e volte a ser a mulher que era ? expôs Roger após respirar fundo.
? Não perca a esperança, senhor. Sua esposa é a mulher mais forte que vi em anos. Ainda lembro como entrou neste escritório e também... como saiu. ? Sorriu.
? Jamais a perderei... ? Roger também sorriu. Estendeu a mão e pegou os documentos que necessitava para que seus dois irmãos pudessem fazer oficial seu sobrenome. Teria gostado de ver a expressão de Evelyn ao informa-la de sua proeza, do bate-papo que tinha mantido com seu pai e os rostos de surpresa que mostraram Logan e Natalie ao lhes indicar que, legalmente, já eram Bennett. Embora tivesse que esperar um pouco mais para isso. ? Anderson lhe fará chegar seis garrafas mais ao longo desta semana ? informou antes de sair do escritório. ? É, além do pagamento ao seu trabalho, uma maneira de lhe agradecer o que tem feito por nós.
? OH, obrigado, sua Excelência! Muito obrigado! Não tinha que haver-se incomodado... ? Arthur se levantou do assento, dirigiu-se para Roger e lhe estendeu a mão.
? Graças a você, senhor Lawford, face à questionável forma que achou para que minha esposa e eu nos conhecêssemos, sempre lhe estarei agradecido por não haver se negado à proposta de Colin.
Arthur assentiu e se encheu de orgulho ante as palavras que escutou do futuro marquês. Quando se fechou a porta voltou para seu assento. «Eu só lhe aproximarei esse colar ? recordou as palavras do jovem Pearson. ? Ele sozinho deixará que Evelyn prenda-o». O moço tinha razão. Bennett tinha se apaixonado por sua mulher até tal ponto que deixou que lhe fechasse aquela cadeia. Entretanto, o que ocorreria se ela não se recuperasse? «Senhor, escuta minhas preces. Sei que faz muito tempo que não vou à igreja nem cumpro todos os seus mandamentos, mas não te peço por mim, mas sim por eles. Faça com que a senhora Bennett sare rapidamente». Sentou-se na cadeira, tirou a garrafa de brandy, serviu-se uma taça e após brindar pela mulher, o bebeu de um gole.
Enquanto caminhava para o exterior Roger olhou os papéis e os leu com interesse. Teria gostado que seu pai reconhecesse a todos, mas se contentava com o pouco que conseguira. Ao abrir a porta e perceber que a chuva não tinha cessado, ocultou os documentos sob a jaqueta. Correu para a carruagem e, sem esperar que Anderson lhe facilitasse a entrada ao interior, saltou com rapidez.
? Roger, ? começou a dizer o índio ao vê-lo entrar ? este é o senhor Pemberton.
? Encantado de o conhecer ? respondeu esticando sua mão para o homem. ? informou-lhe meu amigo sobre a razão pela qual o chamei?
? Sim, milorde. Este cavalheiro foi muito explícito.
? O que tem a dizer a respeito? ? Interessou-se Roger. Não afastava o olhar daquele homem. Pareceu-lhe estranho que Eleonora decidisse seduzir a um ser tão insólito. Mal tinha cabelo em sua cabeça, sua barba mostrava várias cores e seu bigode se estirava para ambos os lados de seu rosto em uma trabalhosa linha reta.
? Fui vê-la mais de uma centena de vezes desde que soube de seu estado, mas nunca quis me receber. Sempre me jogou na rua como se nosso amor jamais tivesse existido ? comentou com pesar.
Roger tirou a cabeça pelo guichê, indicou ao chofer a direção e retornou ao seu assento.
? Está completamente seguro de que você é o pai dessa criatura? ? Insistiu. Não queria aparecer em frente a Eleonora e confrontar-se com ela lhe oferecendo um pai errôneo. Se ele não tinha sido seu único amante durante o tempo que a visitava, quem poderia corroborar que o senhor Pemberton não a compartilhou com outros cavalheiros?
? Sim, milorde. Se meus cálculos não me falharem, Eleonora ficou grávida em uma viagem que fizemos a Cheshunt.
? Cheshunt? ? Repetiu Roger atônito. A mulher era avessa a viajar mais de duas horas em carruagem. Segundo ela seu corpo se debilitava com o balanço continuado do carro.
? Sim ? afirmou o homem com um pequeno movimento de cabeça. ? Tive que me deslocar até ali porque minha mãe faleceu.
? O que conseguiu ela em troca? ? Sabia que não era próprio de um cavalheiro realizar esse tipo de perguntas, mas a curiosidade era tão imensa que não pôde conter-se.
? Como? ? Pemberton levantou as pestanas, levou as mãos para o bigode e retorceu cada ponta com as pontas de seus dedos.
? Imagino que o propósito de o acompanhar em uma viagem tão árdua seria algo mais suculento para ela que simplesmente dar o último adeus à sua mãe. ? Sorriu maliciosamente.
? Todas as joias que ela possuía as dei de presente com gosto, senhoria. Ela as rejeitou com firmeza, mas eu insisti em que as tivesse ? respondeu ofendido.
? É claro, não duvido de sua palavra... ? Roger se reclinou no assento e olhou John. Este mostrava um sorriso tão grande que podia ver o branco de seus dentes. Mas ele não sorriu. No fundo sentia lástima pelo pobre infeliz.
? Entrarei primeiro ? disse Bennett quando a carruagem parou e abriu a porta para sair. ? Você deveria esperar na entrada oculto atrás de mim até que nos permitam acessar ao interior. Não me cabe a menor dúvida de que se a criada o descobrir não abrirá a porta e informará Eleonora de sua presença.
? Farei o que me ordena. Com tal só de poder falar com ela, de lhe suplicar que me deixe ver meu filho, atirar-me-ei ao chão se precisar ? indicou o homem colocando-se sob o pequeno teto da porta.
Roger o olhou sem pestanejar. Aquele homem era capaz de ajoelhar-se ante a mulher e lhe rogar que não o abandonasse enquanto se aferrava aos tornozelos desta. Era, sem dúvida, o melhor marido que Eleonora poderia encontrar: submisso, acessível, carente de personalidade e com os bolsos repletos. Não entendia como tendo uma oportunidade de ser feliz junto àquele desventurado, esforçava-se tanto em conseguir o que não estava ao seu alcance.
Depois de comprovar que Pemberton se ocultou, bateu na porta e esperou com aparente paciência que fosse recebido.
? Sua Excelência?! ? Exclamou a donzela com entusiasmo e assombro.
? A senhora está? ? Perguntou dando um passo para o interior da casa e obrigando a criada a lhe permitir o acesso.
? Está no pequeno salão, milorde. Quer que o anuncie? ? De repente seu olhar se cravou na pessoa que estava atrás de Roger. A mulher não pôde evitar levar as mãos à boca para fazer calar um grito. Tentou fechar a porta, deixar ao senhor Pemberton na rua, mas Bennett colheu com força a grossa porta de madeira e impediu tal propósito.
? Fique aqui, eu lhe farei um sinal quando for o momento apropriado ? ordenou Roger caminhado para o salãozinho.
? Meu senhor... milorde... rogo ? sussurrava a criada sem poder se mover da entrada. ? Ela... ela...
Mas Bennett não escutou a súplica. Estava decidido a terminar o rumor que Eleonora tinha estendido por Londres. Todos aqueles que o olhavam o comparavam com seu pai e isso não ia tolerar. Quando Evelyn despertasse, quando enfim abrisse seus olhos, não desejava que se entristecesse ao escutar falsos testemunhos sobre seu marido. Tinha-lhe sido fiel desde que se casaram. Por isso retornou a Londres após sua longa viagem. Se tivesse entrado naquela casa, se na noite de bodas se entregasse ao falso amor de Eleonora, jamais teria conhecido sua esposa nem teria conseguido descobrir o que era amar uma mulher.
Quando abriu a porta do salão encontrou Eleonora de pé com seu menino nos braços. Embalava-o e cantava uma melodiosa canção ao mesmo tempo que o balançava com ternura. Ao escutar que alguém permanecia na entrada, dirigiu seus olhos para ele e sorriu.
? Alegro-me de que enfim tenha decidido conhecer seu filho ? disse com um sorriso triunfal.
? Bom dia, Eleonora. Não volte a dizer que esse filho é meu, porque sabe que não é certo ? declarou com solenidade.
? Claro que é! ? Insistiu a mulher aproximando-se de Roger.
? Sempre soube que era uma harpia, mas jamais imaginei que sua maldade te levasse até tal ponto. É injusto o que tem feito, é injusto que tenha deixado crescer em suas vísceras uma criatura que sofrerá suas maldades. Embora desta vez não obtivesse seu propósito. Descobri quem é o verdadeiro pai desse menino ? apontou sem mover-se de onde permanecia.
? Você! ? Clamou de novo. ? O pai deste menino é...! ? Ficou sem palavras quando percebeu que Bennett levantava uma mão e aparecia atrás dele outro homem.
? Olá, Eleonora ? disse Pemberton ao acessar ao interior do salão.
? O que faz aqui? ? Gritou a mulher segurando a criatura com mais força sobre seu corpo. Seus olhos se dirigiram para Roger, que sorria de forma triunfal, e logo se cravaram no outro homem.
? Vim conhecer meu filho ? respondeu com firmeza.
? Seu filho? ? Repreendeu a mulher dando uns passos para trás. ? Este não é seu filho!
? Sim, sei que é. Não o negue, meu amor. Não pode se opor a que seu verdadeiro pai vele por ele ? assinalou Pemberton com tristeza.
? Não, você não! ? Exclamou entre lágrimas. ? Fora daqui! Não quero ver-te em minha casa!
? Casar-me-ei contigo, converter-te-ei na senhora Pemberton e daremos ao nosso filho o que lhe pertence. ? Caminhou para ela e se ajoelhou. ? Prometo que nada lhes faltará. Terão tudo o que necessitem. Eleonora, eu te amo, amo-te. Não me afaste, suplico-lhe ? rogou isso entre soluços.
Roger não aguentava mais a cena que contemplavam seus olhos, deu meia volta e saiu dali com passo ligeiro. Quando retornou à carruagem continuou observando o sorriso de John e a cara de satisfação de Anderson. Teriam pensado alguma vez que o filho era dele? É claro que sim. Ambos o conheciam e sabiam como tinha sido antes de conhecer Evelyn, mas desde que a viu, desde que a beijou pela primeira vez, converteu-se em um homem diferente.
Durante o regresso a casa os três falaram de como se desenvolviam as obras da nova residência. Bennett tinha decidido construi-la com mais quartos e mais salões. Não queria que neste novo lar mães e filhos tivessem que descansar nos mesmos quartos. John voltou a indicar, que finalizado o trabalho, ele e Sophie se instalariam na residência para custodiar os meninos. Roger sorria cada vez que falavam sobre esse tema. Estava seguro de que seu amigo tinha meditado muito a respeito da relação que tinham e que, por fim, dava o passo que todos esperavam.
O trajeto até Lonely se fez curto entre as risadas e as brincadeiras com seu amigo pela decisão tomada. Depois de descer, Bennett se dispôs a subir com rapidez as escadas e caminhar para o quarto, para certificar-se de que Evelyn continuava igual, mas sentiu que alguém lhe agarrava a mão e impedia seu propósito.
? Temos que finalizar aquilo que começou ? disse John a seu amigo.
Ele assentiu, retornou à carruagem, levantou o assento e pegou o pequeno crânio. As mãos lhe tremeram ao ter os ossos sobre suas palmas. Voltou a ver o menino dentro daquele cômodo escuro, amarrado, e escutou com claridade os gritos de socorro. Esteve a ponto de ajoelhar-se, de chorar pelo desespero de não ter sido capaz de o liberar daquele final, mas a mão cálida de John o reconfortou.
? Sua alma deve descansar em paz ? sussurrou.
? Sei. Mas depois de tanto tempo, depois de tudo o que aconteceu, não me vejo capaz de me desprender dele. Acredito que se o deixo ir, se me desprender do que significam estes ossos para mim, esquecerei o que me impulsionou a lutar contra minha família.
? Não poderá esquecê-lo, Roger. Tem ao seu lado muitas pessoas que conseguirão a lhe dar a força que necessita para seguir lutando.
Depois de uns momentos, nos quais Bennett meditou sobre a veracidade das palavras de seu amigo, ambos caminharam para a cancela metálica que dava passo à propriedade. John tinha preparado um lugar onde cuidaria das almas que viveriam naquele lugar.
Roger se ajoelhou em frente ao buraco e colocou o pequeno crânio.
? Sobe com sua esposa ? indicou John ao ver seu amigo imóvel e incapaz de enterrar o crânio. ? Acredito que o necessitará mais que ele.
Sem mediar palavra Roger se dirigiu ao seu lar, subiu as escadas sem poder sequer falar com as pessoas que o saudavam. Desejava meter-se no quarto, cair ao lado de Evelyn e não sair de seu lado até que decidisse despertar daquele amargo sonho que durava já três semanas.
Ao abrir a porta sorriu. Era de esperar que a pequena Natalie ocupasse seu lugar enquanto ele permanecia ausente. Não a deixavam sozinha, não desejavam, nenhum dos que habitavam sob o teto de Lonely, que ela abrisse seus olhos e se encontrasse sozinha. Entretanto, embora o comportamento da menina fosse louvável, devia brigar com ela. Perdeu um dia de aulas e a senhora Simon recriminaria que a tratasse diferente dos outros.
? Acaso as aulas de hoje não eram de seu agrado? ? Disse-lhe enquanto caminhava para a poltrona, tirava os documentos para apoiá-los sobre este e se despojava da jaqueta molhada.
? Hoje não posso deixá-la só ? comentou a menina com uma felicidade tão estranha que Roger ficou imobilizado ao escutá-la.
? Por que... hoje não pode deixá-la? ? Repetiu enquanto seu coração se agitava, seu pulso se acelerava e se aproximava da cama com medo.
? Porque despertou.
Roger deu dois largos passos para elas. Seu coração não pulsava, galopava em seu interior, mas ficou parado ao descobrir que Evelyn estava acordada. Por fim abria seus olhos! Ajoelhou-se junto à cama, pegou a mão que ela estendia para ele e a beijou enquanto chorava.
? Meu amor, minha vida. Por fim despertou. ? Continuou soluçando sem poder separar a mão de sua boca. ? Amo-te, Evelyn. Amo-te tanto que não teria podido viver sem ti.
? Nem eu sem ti... ? murmurou Evelyn antes de ver como seu marido se levantava e beijava seus lábios sem lhe importar que Natalie estivesse presente e se tampasse os olhos para não ver como se beijavam.
Epílogo
Três meses depois
Com muita ternura, Roger acariciou o rosto de Evelyn com seus dedos. Foi afastando as mechas de cabelo até poder observar com claridade suas feições ao dormir. Era a primeira vez que discutiam daquela forma. A primeira que tinha saído do dormitório e tinha descido até o salão para beber até cair morto.
Evelyn reprovou sua atuação, recriminou-lhe que se comportasse como um monstro, mas não pôde evitá-lo. Quem poderia conter-se ao ver que sua esposa era agarrada com força por um ser desprezível? Embora insistisse que a situação estava controlada, ele não o percebeu assim. O famoso Scott, aquele homem que destroçou a juventude de sua mulher apareceu na festa que Caroline ofereceu em Hamilton. Ia pelo braço de sua esposa, com quem se casou depois de abandonar Evelyn.
Mordeu os lábios quando Federith revelou seu nome. Tentou tranquilizar-se, embora quando observou que ia atrás de sua mulher, todo o controle se esfumou. Esperou paciente no balcão, espreitou o movimento daquele personagem enquanto se aproximava de sua esposa e escutou com atenção a conversação entre ambos. Ele não cessava de lhe dizer que sentia saudades, que se arrependia do que teve que fazer no passado e que, se ela quisesse, voltariam a ficar juntos. Como era de supor, o que lhe propunha era que se convertessem em amantes. Até aí, pôde suportá-lo. Mas quando Evelyn lhe disse que estava apaixonada por seu marido e que não desejava saber nada dele, este não se conformou, agarrou-a pelo braço e evitou que ela se afastasse de seu lado.
? Algum problema? ? Perguntou saindo de seu esconderijo.
? Roger! ? Exclamou Evelyn com surpresa.
? Repeti-lo-ei uma vez mais, algum problema? ? Seu aborrecimento era tal que mal podia manter um fio de prudência. Apertou os punhos e sua mandíbula esteve a ponto de deslocar.
? Não, ? respondeu ela ? nenhum problema. Agora mesmo me dispunha a retornar com Beatrice.
? Faça isso, eu irei depois ? disse sem afastar o olhar daquele que tinha ousado tocar sua esposa.
? Roger, por favor... ? suplicou-lhe.
? Vai, Evelyn, ? intercedeu Scott ? não acredito que seu marido se atreva a...
Não pôde terminar a frase. As mãos de Roger se aferraram ao seu pescoço e o levantou dois palmos do chão.
? A que não me atreverei? ? Grunhiu.
? Solte-me! ? Gritou o homem movendo seus pés.
De repente, como se percebessem que algo errado acontecia, William e Federith apareceram na entrada. Estes caminharam para Roger ao presenciar a cena.
? Roger... ? falou William. ? O que acontece?
? Este descarado ousou tocar a minha esposa ? bramou.
William olhou a assustada Evelyn e esperou que ela confirmasse as palavras de seu amigo, mas estava tão nervosa que não foi capaz de lhe responder.
? Evelyn, entra. Nós resolveremos esta situação ? indicou Federith com sua típica voz tranquilizadora.
? Por que a tocou? ? Inquiriu o duque sem fazer com que seu amigo desistisse em seu empenho por asfixiá-lo.
? Acredita-se com o direito de fazê-lo, ? respondeu Roger apertando com mais força suas mãos ? porque como bem sabem foi pretendente da minha esposa.
? Pensa uma coisa, ? voltou a falar William ? sua mulher está assustada e graças a Deus podem viver uma vida tranquila. Crê que vale a pena destroçar essa felicidade por um miserável como este?
? O que você fez, William? ? Grunhiu de novo Bennett.
? O correto. Por isso quero que você faça o mesmo.
Depois de suas palavras Roger afrouxou a amarração e deixou livre ao homem. Este depois de tossir e amaldiçoar correu para o interior do salão.
? Sua esposa sabia que Wyman foi o pretendente da Evelyn ? soltou William. Não era uma pergunta, mas sim uma afirmação.
? Minha esposa é um ser desprezível e lhes peço mil desculpas por seu inapropriado comportamento ? comentou Federith aflito.
? Como compreenderá, enquanto esteja com ela, minha visita ao seu lar está anulada ? resmungou Roger ao mesmo tempo em que dava a volta e caminhava para a entrada.
? Roger, por favor... ? disse Federith ao ver como seu amigo se afastava dele.
? Não é o momento. Deixa que lhe passe a ira. Sabe que não pensa com claridade quando está irritado ? apontou William.
? Esta mulher... ? comentou Cooper movendo a cabeça de um lado para o outro.
? Se estivesse em seu lugar a observaria com mais atenção ? disse o duque ao mesmo tempo que jogava seu braço sobre o ombro de seu amigo. ? Olha além do permitido ao senhor Graves.
? Olha com atenção a todo homem que não seja eu... ? respondeu triste.
Ainda seguia com os olhos fechados. Parecia que não desejava despertar, ou talvez não quisesse vê-lo ao seu lado. Roger se moveu da cama e tentou deixá-la sozinha, mas nesse momento notou a mão de sua esposa nas costas.
? Perdoe-me ? murmurou com a cabeça abaixada. ? Sinto o ocorrido. Não quis te envergonhar nem te humilhar diante de todo mundo.
? Não deveria se comportar daquela maneira embora se for sincera, alegro-me de que ocorresse ? respondeu sentando-se na cama para abraçá-lo. ? Sabia que cedo ou tarde nossas vidas se cruzariam e o meu único temor era descobrir como o confrontaria. Não quero que nada nem ninguém nos separe.
? Como pode imaginar uma coisa assim? ? Perguntou enquanto se virava e tombava a sua esposa de novo. ? Se por acaso não se deu conta, é minha, só minha.
? Isso... hummmm... soou muito primitivo... ? sussurrou. Levantou os braços e os enredou no pescoço de seu marido. Desejava que todo o acontecido na noite anterior desaparecesse o antes possível e a melhor forma de consegui-lo era deixar-se levar pelas carícias e os beijos de Roger.
? Quer-me, senhora Bennett? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Muitíssimo, senhor Bennett.
Quando os lábios do homem pousaram nos de sua mulher bateram na porta.
? Vou ter que lhes deixar claro que... ? balbuciou o futuro marquês.
? Milorde! Sua Excelência! ? Gritou Anderson através da porta.
? Entra ? respondeu depois de levantar-se e certificar-se de que Evelyn cobria seu corpo com o lençol. ? O que acontece?
? Desculpe a interrupção, mas o duque de Rutland o espera no hall. Ordenou que se apresente o antes possível ? expôs o criado sem mal respirar.
Estranhando a visita, Roger saiu do quarto, desceu as escadas de três em três e quando apreciou o rosto alterado de William esteve a ponto de sentar-se no chão.
? Vista-se! ? Gritou-lhe Rutland. ? Temos que nos dirigir a Londres o antes possível.
? O que acontece? Acaso aquele descarado do Wyman...? ? Tentou perguntar ao mesmo tempo em que convertia suas mãos em dois duros punhos.
? Encontraram esta madrugada o corpo sem vida de Caroline e acusam Federith de sua morte.
Agradecimentos
Em primeiro lugar quero agradecer à minha família a infinita paciência que tiveram enquanto criei o futuro marquês. Foram muitas horas afastada deles e lhes negando minha ajuda. Espero que ao final tenham sua recompensa.
Em segundo lugar às minhas amigas. Obrigada pelo apoio que me ofereceram, por aguentar as intermináveis horas ao telefone e por me dar ânimos quando estive a ponto de atirar a toalha.
É óbvio a ti, Paola. Por seguir trabalhando ao meu lado e fazendo com que minhas novelas não deixem de brilhar.
Também tenho que agradecer à minha querida companheira e amiga Ahna Shtauros por sua ajuda quando necessitava de expressões em francês. Sinto se te avassalei de mensagens de wassap aquela manhã às cinco da madrugada quando estava adormecida.
E é óbvio a ti, leitor, que escolheu entre um milhão de histórias, a minha.
XXIV
Algo a impedia de levantar as pestanas. Dirigiu as mãos para o rosto e tocou um objeto suave. Afastou-o com rapidez e se incorporou sobre a cama. Quem lhe tinha abafado os olhos e por qual motivo? Quando pôde observar com claridade ao seu redor, levou-se uma mão à boca e evitou dar um grito. Roger estava ao seu lado, ajoelhado sobre o chão e apoiando meio corpo na cama. Estendia os braços para ela como se quisesse alcançá-la, seu cabelo revolto deixava apreciar a metade do rosto viril.
Evelyn cravou as pupilas naquela boca deliciosa que se escondia sob uma espessa barba loira. De repente, um estranho ardor sacudiu seu corpo, fazendo com que um inaceitável frenesi se apropriasse dela. Era um homem tão sedutor, tão encantador que até adormecido provocava o desejo de tocá-lo, de acariciá-lo.
Compreendia por que sua fama de galã se estendeu por Londres como a pólvora e por que as mulheres emitiam sorrisos nervosos quando ele estava presente: que mulher não sonha ter ao seu lado um homem assim?
Desvanecendo de repente os sentimentos de prazer e luxúria que se apropriavam de sua mente, moveu-se devagar para não o despertar. Precisava afastar-se dele o antes possível, não lhe cabia dúvida de que teria chegado tarde e bêbado. Talvez, devido ao seu estado de embriaguez, adotou aquela postura ao não alcançar a poltrona onde devia descansar. Não foi até que tentou pousar os pés no chão que viu a cadeira junto à cama. Nela havia uma bacia repleta de água, a mesma com a qual se refrescou à noite anterior no banheiro. O que tinha ocorrido? Que fazia a bacia ali?
Conseguiu que sua mente rememorasse o transcorrido na noite anterior, Roger tinha partido e ela, enfim, pôde despir-se. Esforçou-se em aliviar a terrível dor que tinha aparecido em seu rosto, mas não o obteve e, derrotada, retornou à cama. Não pôde conciliar o sonho até bastante tempo depois, a imagem daquele pequeno crânio aparecia uma e outra vez em sua mente provocando que um sem fim de perguntas surgisse em sua cabeça sem cessar. Não encontrou nenhuma razão lógica que explicasse por que o dito objeto permanecia sob o assento e finalmente alcançou o sono, mas não descansou.
Um terrível pesadelo dominou seu repouso. Viu-se no prado caminhando para o sol e notando como a grande bola de fogo lhe queimava o rosto. Era incapaz de diminuir seu passo embora se visse envolta em chamas e gritou ao ver que seu vestido ardia e todo seu corpo também. Quando se rendeu ao fatídico final observou uma enorme figura aproximando-se e colocando-se em frente a ela. Sua grandiosa sombra fez com que deixasse de sentir calor e que o fogo desaparecesse de repente.
Evelyn voltou o olhar para Roger. Tanto em seu pesadelo como na vida real, ele a cuidava. Deixava a um lado o ser arrogante e egoísta que tanto se esforçava em mostrar e a protegia sem lhe importar o que ele mesmo padecesse. A mulher deixou de franzir o cenho e, com cuidado, rodeou a cama até colocar-se atrás das costas de seu marido. Daquela proximidade contemplou maravilhada como descansavam seus fortes braços que com facilidade poderiam ser como quatro dos seus, sua musculatura era tal que lhe resultava impossível compará-lo com outro homem. As pernas, aquelas longas extremidades das quais se queixava ao sentar-se na carruagem, esticavam-se sobre o chão adotando uma postura indesejável. Mas não foi a magnitude da figura masculina que lhe fez levar de novo as mãos à boca, mas sim umas pequenas cicatrizes que desfiguravam as atléticas costas. Quem o teria açoitado com tanta força para assinalar uma pele tão forte? Teriam-no feito prisioneiro em alguma de suas viagens no navio? O teriam assaltado os temidos piratas? Quis esticar a mão e as tocar com suavidade, mas não era apropriado fazê-lo enquanto ele descansava, se de verdade desejava tocá-lo, se de verdade queria que seus dedos roçassem a pele masculina, devia fazê-lo quando Roger permanecesse acordado, assim poderia retroceder ao mínimo gesto de amargura. Zangada pelos pensamentos pecaminosos que despertava seu marido nela, virou-se com sigilo e caminhou para o baú. Precisava arrumar-se antes de despertá-lo. Se for certo, se ele tinha passado a noite velando sua agonia, não teria repousado o suficiente e o trajeto para Londres seguia sendo longo.
? Encontra-se melhor? ? A voz áspera de seu marido a fez virar com brutalidade.
? Sim. Muito melhor. Por que o fez? ? Arqueou as sobrancelhas e esperou para escutar a resposta com interesse.
? Por que não o ia fazer? ? Ao incorporar-se franziu o cenho. Tinha permanecido tantas horas na mesma posição que, ao levantar-se, sentiu dores nas pernas. ? Expôs-se durante muito tempo ao sol e sofreu umas leves queimaduras ? esclareceu com certo desinteresse. Não queria que desse importância a um fato tão banal. ? Se não as tivesse tratado hoje não poderíamos empreender a marcha.
? Entendo... ? disse com pesar.
Tinha encontrado a razão de seu cuidado. Não foi o que esperava, mas era o mais lógico. Se ela adoecesse teriam que permanecer na estalagem mais tempo do que pretendia e isso atrasaria a chegada a Londres. Evelyn olhou para o chão, evitando que Roger descobrisse as pequenas lágrimas que começavam a brotar em seus olhos.
Doía-lhe descobrir que seguia sem despertar certo interesse sentimental em seu marido. Aquela apatia os separava e a distanciava de averiguar a verdadeira personalidade de seu marido. Se continuasse dessa forma, seu plano não seria infalível.
? Não sei como agradecer tudo o que está fazendo por mim ? falou sem ser capaz de evitar certa aflição em suas palavras. ? Mal levamos dois dias de viagem e me salvou de ser atacada por uma serpente e te fiz passar a noite em claro para acalmar um estrago que eu mesma realizei por imprudência. O mais sensato seria que me deixasse aqui para que Wanda me recolhesse.
? Não vou abandonar-te! Permanecerá ao meu lado em todo momento, entendido? ? Disse zangado.
? Não se dá conta de que só atrapalho sua vida? ? Levantou o rosto e deixou que suas lágrimas fossem percebidas pelo homem.
? Bobagens... ? grunhiu aproximando-se dela. ? Qualquer um pode ser assaltado por um perigoso animal se caminhar pelo campo e, quem não está acostumado aos raios solares padecem este tipo de reações ? respondeu com tom suave. Esticou a mão para o rosto e o acariciou com muita suavidade. Enquanto lhe afastava as lágrimas com os polegares, observou como Evelyn fechava os olhos ao tocá-la e apertava seus deliciosos lábios. Esteve a ponto de beijá-la, de degustar de novo seu sabor, mas se conteve. Não desejava aproveitar-se dela em um momento de debilidade. ? Por sorte, não ficarão sequelas. ? Virou-se para a direita e deu uns passos para diante deixando-a as suas costas.
? Roger? ? Chamou sua atenção.
? O que? ? Perguntou elevando a cabeça para o teto esperando qualquer recriminação por havê-la tocado sem ela pedir-lhe.
? Obrigada... ? Não era essa a palavra que desejava dizer.
Ao sentir suas mãos sobre ela e notar como se acelerava seu pulso ao ser acariciada e como sua boca ficava fria sem os lábios de seu marido, avivou uma inesperada vontade de tê-lo ao seu lado sem roupas que impedissem o atrito entre seus corpos.
? Não tem por que me agradecer. Fiz o que devia e continuarei fazendo-o pelo resto da minha vida. E agora, se me desculpa, tenho que me assear. Imagino que Anderson já tenha preparado a carruagem para empreendermos a viagem.
? Roger! ? repetiu com ênfase. Ficaria ali parada? Esperaria que aquele desejo e aquela necessidade por tê-lo ao seu lado desaparecessem com o tempo? De verdade tinha tanta vontade de entregar-se a ele após descobrir que nunca se afastaria de seu lado e que cuidaria dela pelo resto de sua vida? Era suficiente escutar tal coisa para oferecer-se sem restrições?
? O que? ? Perguntou esperando conhecer a razão pela qual não o deixava assear-se com tranquilidade.
Evelyn não pensou. Correu para ele e saltou sobre o corpo seminu de seu marido. Os pequenos braços se entrelaçaram no pescoço e sua boca tocou a de Roger. Este, assombrado pela reação da mulher, ficou pétreo.
? Um simples obrigado teria sido suficiente ? comentou com apenas um fio de voz quando ela liberou sua boca.
Não esperava essa atuação de Evelyn nem tampouco aquele suave beijo. Se assim agradecia seu dever por cuidá-la, fá-lo-ia com mais gozo do que pudesse imaginar. Entretanto, por mais que lhe agradasse a recompensa, não queria que ela se entregasse a ele por esse motivo. Desejava, e cada vez mais, que entre ambos surgisse algo especial. Possivelmente um pouco parecido ao que tinham William e Beatrice, embora supusesse que jamais alcançariam aquele nível de amor.
? Sei ? disse cravando seus esverdeados olhos nos de Bennett.
? Então? ? Continuou colocando suas grandes mãos sob as redondas e gostosas nádegas. Os mamilos de Evelyn roçavam seu torso e estava ficando louco ao tentar manter relaxada certa parte de seu corpo que atuava por sua conta. ? Então? ? Insistiu arqueando as sobrancelhas.
? Quero me oferecer a ti... ? murmurou abaixando a cabeça para que não pudesse ver o rubor que lhe provocava sua ousadia.
? Assim, sem mais? Quer que te faça amor como prêmio por te haver salvado de uma serpente ou por ter acalmado umas pequenas bolhas? ? Foi abrindo suas mãos para que Evelyn se deslizasse até o chão. Quando ela apoiou os pés no piso, olhou-a com os olhos entreabertos. ? Disse-te que com um simples obrigado era o bastante. Não desejo te submeter, nem te obrigar a nada por algo que é meu dever de marido.
Evelyn ficou paralisada. Por mais que tentasse levantar o rosto e olhá-lo desafiante, não conseguia. Seu embaraço, sua vergonha era tal que não podia nem pensar. Com um esforço sobrenatural deu uns passos para trás dando a possibilidade a Roger para que fechasse a porta e a deixasse sozinha naquele quarto que, naquele momento, pareceu-lhe enorme. Entretanto, ele não se moveu. Seus pés, aqueles que só conseguia ver, seguiam pegos ao chão.
? Evelyn? ? Agora era ele quem chamava sua atenção. ? Olhe-me! Levanta de uma vez esse rosto e me olhe! ? Gritou com aparente mau humor.
Assim o fez. Contra sua vontade levantou o queixo e o olhou. As lágrimas percorriam seu rosto sem poder evitá-lo, suas mãos se apertavam com força formando dois pequenos punhos. Humilhou-se de novo. Degradou-se outra vez ante um homem e este não tinha consideração ante seu ato. Zangada pelo acontecido, elevou os punhos, caminhou para ele e começou a lhe golpear no peito com ímpeto.
? Odeio-te! Maldito seja! Odeio-te! ? Gritou entre soluços.
? Então... por que quer se entregar? Por que quer que te toque, que te beije, que te possua? ? Insistiu sem impedir que o continuasse golpeando.
Como podia falar? Como podia explicar o que sua mente lhe propunha se sua garganta estava pressionada pelo desejo? Possivelmente o único motivo pelo qual conseguia soltar aquelas palavras não era outro que escutar, da boca de Evelyn, que o necessitava tanto como ele a ela.
? Não me toque! ? Clamou Evelyn ao sentir as mãos de Roger entrelaçando-se em sua cintura. ? Solte-me!
? Só quando me responder ? disse com firmeza. ? Só assim te deixarei livre.
? O que quer que te responda? ? Inquiriu rudemente.
? A verdade ? respondeu mais comedido.
? A verdade? ? Voltou a abaixar a cabeça, mas Bennett depois de afastar suas mãos da cintura, usou uma para colocá-la sob seu queixo e lhe içar o rosto.
? Sim ? afirmou com solenidade.
? A verdade, ? interrompeu-se ? é que ninguém se preocupou por mim durante todos estes anos. A verdade é que todo aquele que se aproximou foi para obter algo em troca. A verdade é que nunca tive a uma pessoa ao meu lado que apaziguasse minhas doenças, minhas inquietações ou me oferecesse seu amparo sem um motivo ou razão alguma ? soltou sem respirar.
? E aquele seu prometido? Aquele que te roubou aquilo que me pertence? ? Grunhiu mastigando cada palavra e mostrando a ira que lhe provocava conhecer certas coisas do passado de sua esposa que não imaginara.
? Esse menos que nenhum... ? murmurou ao mesmo tempo em que deixava cair seus braços para o chão.
Roger a observou tão abatida que desejou apertá-la ao seu corpo, para que não se afastasse dele, mas pensou melhor. Ela necessitava de seu próprio espaço, seu momento de liberdade, para poder falar com tranquilidade.
? Só me queria pelo dote que ofereciam meus pais... ? sussurrou enquanto caminhava para a cama e se sentava sobre esta ? mas ao não conseguir seu propósito me abandonou.
Podia arrancar os marcos da porta a dentadas? Porque isso é o que desejava fazer naquele momento. Precisava focalizar sua ira, sua raiva e desespero para algo. Entretanto, depois de respirar com profundidade e achar um pouco de sensatez, andou até ela, ajoelhou-se e colocou suas palmas sobre os joelhos da mulher.
? Disseram-me que tinha morrido... ? confessou-lhe. Sabia que lhe ia responder que continuava vivo, então sua mente não cessava de idear a maneira de buscá-lo e fazer realidade a mentira. Se já estava morto... quem condenaria o assassinato de um cadáver?
? Tinha dezesseis anos. Meus pais me apresentaram em sociedade com muita alegria e ilusão. Naquela época a família era bastante rica então meu pai ofereceu um bom dote para o homem que decidisse casar-se comigo. ? Fez uma leve pausa, suficiente para recuperar um pouco de quietude. ? Ele me cortejou e me seduziu. Terminei por me apaixonar e finalmente nos comprometemos. Pouco depois meu pai anunciou que as riquezas familiares tinham desaparecido por um mau investimento. Quando contei, quando lhe narrei a agonia que estávamos padecendo, acreditei que nos ajudaria, que lutaria contra a pessoa que enganou ao meu pai e que graças à sua valentia obteríamos o roubado. Mas não o fez. Decidiu partir. Abandonou-me sem sequer pensar no que eu tinha em meu interior...
? Estava... ficou...? ? Abriu tanto os olhos que pensou que estes fossem sair das órbitas.
? Sim. Embora pouco tempo depois de sua partida o perdi. Tropecei nas escadas ao sofrer um desmaio e quando despertei, o bebê tinha morrido ? soluçou dolorosamente.
? Sinto muito... ? falou com tristeza. Tirou as mãos dos joelhos e se levantou. A vontade de quebrar algo, de estrangular ao malnascido que lhe tinha feito mal, não diminuiu. Mas não era o momento de atuar com agressividade. Não desejava que Evelyn se assustasse ao pensar que a ira se devia à sua confissão e não ao feito de descobrir o triste passado que tinha vivido.
? Não tem por que sentir, Roger, mereço isso. Mereço tudo o que me aconteceu e o que acontecerá ? murmurou Evelyn dirigindo seus olhos para a figura alterada de seu marido.
Perambulava de um lado para outro. Levava as mãos para o cabelo e o afastava sem cessar. Sabia que após conhecer o que escondia, que ao revelar seu passado, desiludira-o. Quem poderia viver junto a uma mulher manchada? Agora era só esperar o que tanto tinha temido, que outra pessoa a abandonasse. Supôs que, embora lhe prometesse cuidá-la, sua declaração lhe daria a oportunidade de afastar-se de seu lado como fizeram os outros.
? Eu... eu... ? tentou dizer, mas lhe resultou impossível explicar o que pensava. Alguém batia na porta com insistência. Com grandes pernadas se dirigiu para esta, abriu-a e ladrou: ? Quem é?
? Sua Excelência ? respondeu Anderson abaixando com rapidez a cabeça ao escutar o tom enfurecido de seu senhor. ? Desculpe atrapalhar. Mas tenho que o informar que tudo está preparado para empreender a viagem.
? Que horas são? ? Perguntou em tom irado.
? Quase sete, senhoria.
? Está bem. ? Olhou de esguelha para Evelyn. Não se tinha movido de seu assento. Seguia com a cabeça abaixada e apertava suas mãos com força. O que devia fazer? Era a primeira vez em sua vida que não sabia como atuar com uma mulher. Se partirem, se se preparavam para partir depois de sua confissão, ela poderia pensar que lhe tinham feito mal suas palavras e que a repudiava por aquele passado que tanto lhe doía. Mas se fechasse a porta, se se dirigisse para ela e fizessem amor, acreditaria que só tentava aproveitar-se de sua fragilidade.
? Senhor... ? interrompeu de novo seus pensamentos o criado.
? Avisem-me quando forem dez da manhã. Não descansei o suficiente para aguentar estoicamente um trajeto tão longo.
? É claro. Voltarei a chamar nessa hora. ? Anderson fez uma leve reverência e se afastou.
Roger fechou a porta e se apoiou nela. Respirou com profundidade e contemplou o aflito corpo de sua esposa. Não sabia se o que lhe ditava o coração era correto ou não, mas se seu interior lhe gritava que o fizesse, fá-lo-ia.
XXV
Virou-se quando escutou fechar a porta. Surpreendida ao escutar que a saída se atrasava, observou sem pestanejar ao Roger, que apoiou as costas na porta de madeira cruzando os braços e cravando suas pupilas nela. Tragou saliva ao perceber como a escuridão aparecia no rosto masculino, apertava a mandíbula com tanto afã que podia escutar com facilidade o ranger de seus ossos. O peito, robusto pelo trabalho que teria realizado no navio, elevava-se e baixava com brio apesar de suportar o peso dos grandes e musculosos braços. Evelyn tremeu. Ali estava, um titã de cabelo loiro e pele escura atravessando-a com o olhar. Supôs que era lógico, todo mundo que escutava seu passado sentia ira ou lástima e, para ser sincera, ela preferia o ódio, posto que estava acostumada a defender-se melhor dos ataques verbais que das palavras repletas de misericórdia.
Quis romper o silêncio incômodo que se produziu entre ambos perguntando se queria que partisse, se desejava descansar tal como tinha indicado ao Anderson ou se desejava terminar a frase que tinha começado antes de serem interrompidos. Tinha empalidecido ao descobrir que tinha perdido ao bebê. Ao que parecia, os rumores não o informaram da parte mais odiosa da ruptura de seu compromisso: a perda de um diminuto ser. Tampouco lhe haveriam dito que ela não podia ter mais filhos. «Colin não o advertiria no contrato matrimonial», disse-se irônica. Desejou falar sobre algo que o despertasse do choque no qual se encontrava, mas não o conseguiu.
De repente Roger descruzou os braços e caminhou com solenidade para ela. Evelyn esticou as mãos pela camisola no primeiro passo. No segundo, seu coração deu um tombo ao apreciar que na realidade o rosto masculino não mostrava escuridão, mas sim lascívia. Não estava zangado, não desejava afastar-se de seu lado. O que pretendia era possui-la como um selvagem. «Grita, Evelyn, grita! Salve-se dele! Corre, foge!», escutava uma voz exaltada em sua cabeça. Mas a fez calar com rapidez.
Roger se aproximava como um predador se aproxima de sua presa, mas nesta ocasião, a presa desejava ser alcançada.
? Prometi que não te tocaria até que me pedisse ? disse isso com voz rouca. Seu terceiro passo o deixou a menos de quatro palmos dela.
? Sim ? respondeu-lhe sem diminuir aquela excitação que lhe augurava o que ia acontecer se fosse incapaz de negar-se.
? E até agora atuei tal como ditou ? continuou com o mesmo tom. Parou de andar até que se colocou em frente a ela. Percebeu que ela tremia ante sua proximidade. Estava seguro de que o calor que emanava de seu próprio corpo chocava com força no da mulher.
? Sim... ? conseguiu dizer mediante uma profunda inspiração.
? Evelyn... quero respeitar suas decisões. Não haverá nada no mundo que me impeça de fazê-lo. Por isso te pergunto, quer que eu te toque? Quer que te beije e te possua com o ardor que sinto desde que pus meus olhos em ti? ? Esticou as mãos para lhe acariciar os suaves e sedosos cabelos que caíam em forma de cascata por seus ombros.
? Roger... ? murmurou.
? Diga-me... ? respondeu depois de respirar profundamente.
? Sim.
? Sim o que, Evelyn?
? Sim, o desejo.
Bennett não se conteve mais. As mãos abandonaram o cabelo para agarrar com força a cintura da mulher. Atraiu-a para ele enquanto sua boca se chocava com a dela. Sua língua voltava a dominá-la, a conquistar seu interior. Observou satisfeito como Evelyn se deixava levar pelo desejo, fechando os olhos e dando pequenos e musicais gemidos de prazer ao tê-la em seus braços. Tudo aquilo que pensou, todas aquelas dúvidas que o impediam de avançar para fazê-la sua se desvaneceram ao sentir as mãos de sua mulher lhe acariciando as costas. Ardiam. Ambos desprendiam um fogo abrasador. Contra sua vontade, Roger foi enrugando entre suas mãos a camisola de Evelyn muito devagar. Apesar de querer arrancar-lha acreditou oportuno ser delicado com ela posto que imaginasse, por suas palavras, que jamais tinha sido amada tal como merecia. Precisava lhe indicar com cada carícia, com cada beijo, que era uma deusa para ele e assim a trataria. Quando o objeto se levantou até a pequena cintura, Bennett pousou suas grandes palmas sobre os glúteos nus. Acariciou-os, apertou-os, e inclusive cravou seus dedos neles para marcá-la, para lhe demonstrar que era dele e de ninguém mais. Mas aconteceu algo que o deixou atônito. Não esperava que Evelyn, depois de notar suas mãos nas nádegas, abrisse lentamente suas pernas o convidando a prosseguir. Dava-lhe acesso à sua sexualidade. Um grunhido de satisfação saiu de sua garganta. Essa amostra de aceitação o deixou tão louco que seu controle se desvaneceu. Com a mesma voracidade que um sedento bebe água no inóspito deserto, Roger terminou por a despojar da camisola. Evelyn, ao ver-se completamente nua, tentou cobrir-se com suas mãos, mas Roger as afastou com delicadeza enquanto se ajoelhava ante ela.
? Não me oculte sua beleza, minha pequena bruxa ? murmurou. Sua boca beijou o ventre no qual um dia houve uma vida dentro. ? Não quero que se esconda de mim.
Esperou que lhe respondesse, mas não o fez. Só colocou as mãos sobre seus ombros para não cair. Seus dedos retornaram às nádegas para acariciá-las com devoção. Voltou a observar como Evelyn separava lentamente suas pernas. As mãos caminharam devagar pelas coxas até alcançar os lábios inchados e úmidos. Depois de inspirar o aroma erótico de sua esposa, acariciou com ligeireza aquelas dobras molhada. Seus dedos lhe facilitaram o trajeto, separando com suavidade as delicadas protuberâncias sexuais.
? Nota minhas carícias? ? Exigiu saber com uma mescla de luxúria e sufoco.
? Sim... ? murmurou mal consciente disso.
? Quer que siga? Quer que continue, meu amor? ? Nem ele mesmo foi consciente de haver dito aquela palavra. Nunca a tinha posto em sua boca anteriormente, mas apesar de entrecerrar seus olhos ao escutar-se, não se arrependeu. Adorava-a, desejava-a, necessitava-a, e isso não era a base do amor?
? Sim, por favor ? rogou-lhe.
Seu corpo se sacudia com tanta força que se agarrou com ímpeto aos ombros de Roger. Mal podia levantar suas pálpebras e se envergonhava por ser incapaz de fechar a boca e não fazer parar aqueles diminutos gemidos provocados pelo prazer. Isso não era o normal, ou talvez sim. Não tinha com o que compará-lo salvo com Scott e, onde suas mãos tinham provocado frieza, as de seu marido a faziam arder.
? Deixe-me conhecer todo seu corpo... ? murmurou devagar enquanto o dedo do meio apalpava o interior de seus lábios procurando o pequeno botão do clímax. ? Deixe-me explorar cada pedaço da sua pele... deixe-me te demonstrar quanto te necessito...
? Faça-o... ? disse sem voz.
? Agarre-se com força aos meus ombros, meu amor. Vou fazer com que desfaleça de prazer ? advertiu antes de mover seu dedo com rapidez sobre o pequeno clitóris.
Gotas de suor começaram a banhar sua pele. Não imaginou que com um simples dedo pudesse enlouquecê-la até o ponto de flexionar seu corpo para diante e cair sobre Roger. Sua respiração era intermitente, mal conseguia duas inspirações seguidas sem gritar. As pernas perdiam sua força e podia notar como começavam a encurvar-se. Mas seu marido a elevou, colocou-a como ele queria que estivesse e então aconteceu algo que, se não tivesse estado na cama, teria caído desabada ao chão. Toda a agitação que sentia ali onde ele tinha o dedo, ali onde era açoitada sem fim, acalmou-se com a língua de Roger.
? Está bem? ? Bennett saltou sobre ela assombrado.
? O que... o que foi isso? ? Perguntou aturdida.
? Isso, meu amor... ? disse com um sorriso de orelha a orelha ? é algo delicioso. ? Dirigiu sua boca para a dela e a beijou com ardor. Sua língua se apoderou dela, possuiu-a e a desfrutou. Evelyn descobriu que o sabor de Roger se mesclava com outro um pouco ácido, frutado. Ruborizou-se ao saber de onde procedia, mas não se amedrontou, queria mais. Muito mais.
? Repita ? ordenou desenhando um sorriso malicioso em seu rosto.
? É uma ordem? ? Perguntou zombador.
? É outro mandato que acabo de acrescentar à lista. ? Seus olhos verdes brilhavam pelo desejo. Urgia-a senti-lo ali abaixo e o necessitava já.
? Pois como te disse, acatarei todas as suas normas, querida.
Começou a percorrer o corpo feminino com sua boca. Fez várias paradas antes de chegar ao lugar que tanto ansiava sua mulher. Primeiro beijou o pescoço e lambeu cada milímetro de sua pele até que alcançou o lóbulo onde deveria luzir uns brincos de diamantes. Acariciou-o devagar fazendo com que o pelo se arrepiasse ao úmido tato. Prosseguiu até seus seios. Aquelas pequenas montanhas com suas pontas escuras o deixaram louco. Absorveu, mordeu e apertou com seus dentes os elevados mamilos para escutar seus gritos. Adorou ouvi-la. Adorou observar como seus seios se moviam agitados pelo prazer. Continuou seu trajeto para baixo gerando um caminho brilhante depois do passo de sua língua. Era uma tortura ter demorado tanto até alcançar seu sexo, mas não tinham pressa, já não. As grandes mãos se colocaram sobre as coxas, separando-as com suavidade. Depois de apartá-las, Roger admirou o fogo que ela escondia entre estas. Aproximou seu nariz para voltar a encher seus pulmões do delicioso aroma de Evelyn. O fez várias vezes, possivelmente mais das que deveria. Nem tentou fechar seus olhos ao aproximar sua língua para os amaciados lábios. Precisava contemplar tudo. Por mísero que fosse o movimento de sua mulher ao roçá-la, desejava averiguá-lo.
Não podia parar os tremores. Suas pernas, arqueadas e abertas, sacudiam-se de um lado para outro. Em mais de uma ocasião pensou que golpearia a cabeça de Roger com os joelhos, mas não foi assim. Enquanto ele acariciava o sexo com seus lábios e com sua língua, agarrava com solidez as pernas para que deixassem de agitar-se. Era impossível permanecer quieta quando todo o corpo se sacudia devido às convulsões que se propagavam por cada milímetro da pele. Evelyn gritou ao notar a pressão dos dentes ali abaixo. Levou as mãos para a boca para não repetir o uivo, embora mal o silenciasse. Continuou gritando, chiando, uivando pelo prazer que seu marido lhe dava entre as pernas. Em mais de uma ocasião vislumbrou o firmamento repleto de estrelas brilhantes no teto de seu quarto. Não era possível. O que fazia seu marido não era real.
? Minha pequena bruxa... ? sussurrou Bennett elevando-se sobre ela. ? É puro fogo. Jamais necessitei tanto estar dentro de uma mulher. Deixa-me louco, Evelyn. Perturba-me, rouba-me a pouca racionalidade que tenho.
Ela esticou as mãos para lhe segurar o rosto e atrai-lo para sua boca. Desejava voltar a degustar daquela deliciosa mescla que ele guardava.
? Quero te possuir, quero te fazer minha ? murmurou. Ao ver como sua esposa assentia pousou os pés no chão, tirou a calça e as meias e retornou à cama. ? Não doerá, prometo-lhe isso.
Evelyn não estava tão segura disso. Se o corpo de Roger era imenso, seu sexo não era menor. Esticou as palmas da mão e, curiosa, começou a tocá-lo. Sua pele lhe pareceu sedosa, mas ao mesmo tempo forte e rígida. Abriu os olhos como pratos ao notar a umidade em suas mãos. A isso se referia quando lhe dizia que perdia o controle? Teria cuspido sua semente antes de introduzir-se em seu interior? Se fosse isso, se ele já tinha explodido, então compreenderia a razão pela qual Scott sofria aqueles percalços. Desejava-a tanto que não era capaz de controlar-se.
? Evelyn... ? chamou sua atenção. ? Eu jamais... em minha vida... ? Abaixou a cabeça e a beijou com desejo. Enquanto, com uma mão, foi endireitando seu membro até encontrar o lugar no qual devia entrar.
Não foi capaz de controlar-se. Queria fazê-lo lento, devagar, entretanto, não o conseguiu. Ao sentir a calidez dela, apertou seus glúteos, apoiou as palmas de suas mãos sobre o colchão e a invadiu com força.
? Sinto muito, sinto muito, mas não posso me controlar. Quero te fazer minha, quero te sentir, quero...
As mãos de Evelyn se colocaram nas costas masculina. Seus dedos se apertaram tanto nela que terminou lhe cravando as unhas. Cada penetração, cada embate, ela o sofria com enérgicos espasmos. Podia sentir o início do sexo de Roger lhe penetrando o interior, parecia que desejava alcançar o que ninguém podia conseguir. Tentou fechar os olhos. Precisava fechá-los para deixar-se levar. Embora não pôde fazê-lo, desejava apreciar como era o rosto de Roger, como mudava a cor de seus olhos quando o clímax o sucumbia.
? Evelyn! Evelyn! ? Gritou com tanto ímpeto seu nome que os tendões se marcaram na garganta.
Os tremores se fizeram mais intensos, rápidos e incontroláveis. O suor de ambos se mesclou. Uma estranha essência se estendeu ao redor deles. Em cada inspiração, cada vez que ela cheirava aquela mescla a especiarias, mais excitada se encontrava. Apertou com mais força suas unhas na pele de Roger, elevou o queixo e quando estava a ponto de gritar, a boca de seu marido a possuiu. Não deixou de beijá-la até que pararam de tremer, até que ambos os corações relaxaram seus batimentos, até que as respirações se compassaram.
? Sinto muito... ? Roger saltou da cama, dirigiu-se para a bacia e pegou o pano úmido. ? Sinto de verdade. ? Não deixava de desculpar-se enquanto a limpava. ? É a primeira vez que verto minha semente... é a primeira vez que não controlo...
Evelyn se incorporou na cama e segurou a mão de seu marido que limpava sua zona erógena. Não sabia o que pensar ao lhe escutar dizer que era a primeira vez que sua semente se introduzia em uma mulher. Possivelmente mentia, mas ao vê-lo tão inquieto, tão assombrado, a dúvida se dissipou. Entretanto não devia temer por uma possível gravidez. Não com ela.
? Roger não sofra ? disse desenhando um pequeno sorriso no rosto. ? Não acontecerá nada do que pensa.
Bennett deixou cair o objeto no chão. Seus olhos se abriram tudo o que puderam, seu coração deixou de pulsar, a expressão de agonia que mostrou seu rosto ao compreender que podia deixá-la grávida antes de averiguar se entre eles tinha crescido o amor se dissipou com brutalidade. Não podia ter filhos? Era impossível! Havia-lhe dito que esteve grávida. Só uma mulher que... o compreendeu com rapidez. Algo tinha acontecido naquele aborto que a deixou estéril. Ao ser consciente de que Evelyn lhe estendia a mão para que se colocasse ao seu lado, estendeu a sua e se tombou junto a ela. Abraçou-a com força contra seu corpo e lhe beijou o cabelo.
? Tenho frio. ? Não foi um mandato, mas sim uma mera informação.
Roger esticou o braço e pegou o lençol para cobri-la. Ela se aproximou ainda mais a ele convertendo-se de novo em uma só figura.
? Descansa um pouco ? sussurrou-lhe com ternura. ? Despertá-la-ei antes que batam à porta. ? A mulher assentiu com um suave movimento de cabeça.
Bennett, apesar de estar cansado, foi incapaz de fechar os olhos. Uma centena de pensamentos golpeava sua mente sem trégua. O que aconteceria agora? Seguiriam assim toda a viagem até chegar a Londres? Isso esperava porque tê-la daquela forma acalmava seus medos. Entretanto, o que ocorreria quando Evelyn descobrisse o passado de seu marido? «Será ela quem te abandone ? refletiu com tristeza. ? Quem pode viver junto a uma pessoa como eu?». Apesar do inevitável final, Roger priorizou um de seus objetivos: antes que ela se afastasse, antes que Evelyn decidisse separar-se dele, procuraria com afã ao suposto morto e faria realidade o rumor. Ele mesmo lhe arrebataria a vida com suas próprias mãos. Depois de beijar de novo o cabelo de sua esposa e intensificar seu abraço, olhou para a janela e suspirou.
Apesar de sua insistente negativa, Roger a ajudou a vestir-se e a penteá-la. Adiantando-se à chamada de Anderson, ambos estavam preparados para retomar a viagem. Quando escutaram uns pequenos golpezinhos na porta, olharam-se sorridentes. Evelyn acreditou que seu marido daria suas típicas pernadas para chegar à saída e responder ao criado, mas em vez disso abraçou-a e a beijou com paixão.
? Estou desejando que chegue de novo a noite. ? sussurrou-lhe ao ouvido. ? Vou contar as horas que faltam para tê-la outra vez nua em meus braços.
Ela se ruborizou ao escutar as insinuantes palavras e notou em seu baixo ventre um incrível palpitar. Desejava-o. Evelyn também desejava que chegasse aquele momento para voltar a sentir o prazer que lhe provocavam as carícias de seu marido. Antes de sair olhou-se no espelho e se surpreendeu ao ver um rosto repleto de felicidade. As olheiras lhe pareceram maravilhosas, o enredado cabelo recolhido em um torpe coque pareceu-lhe o penteado mais surrealista que tinha mostrado até o momento e seus lábios, avermelhados pelo roce da barba, exibiam-se mais volumosos que de costume. Era muito difícil ocultar o que tinha acontecido durante as horas anteriores naquele quarto. Embora começasse a descobrir, atônita, que não lhe importava o que pensavam outros.
? Adiante-se ? indicou Roger soltando sua cintura. ? Vou pagar ao hospedeiro e depois correrei até te alcançar.
Evelyn fez o que lhe propôs com carinho. Elevou seu queixo e caminhou para a carruagem sem olhar para trás. Ao sair da estalagem se assustou ao perceber como o sol voltava a tocar seu rosto e o machucava. Içou a mão direita, abaixou levemente a cabeça e caminhou depressa para o veículo, mas quando estava a ponto de chegar, no momento em que Anderson lhe abria a porta para lhe facilitar o acesso, notou uma pressão na mão esquerda tão intensa que se girou para esse lado.
? Senhora... ? uma mulher de pouco mais de cinquenta anos e vestida de rigoroso luto era quem a impedia de alcançar o carro. ? É seu marido o homem que ontem me pediu uma beberagem para acalmar suas queimaduras? ? Perguntou sem mal respirar.
? Bom dia ? respondeu com cortesia. ? Sim, pode ser que seja ele.
? Tome cuidado, milady, não é um homem bom. Leva em suas costas a marca da morte ? falou com pavor. Seu rosto, enrugado pelo passar dos anos, enfatizava suas palavras.
? Não o conhece! ? Exclamou zangada. Olhou para Anderson para lhe pedir auxílio e este, não muito cortês, afastou a anciã de seu lado.
? É você quem não sabe como é a pessoa que está ao seu lado! ? Clamou desesperada.
Evelyn subiu depressa, fechou a porta e olhou para o lado contrário. Não queria escutá-la nem olhá-la, mas era tanto o interesse que lhe provocava a estranha mulher que terminou por virar-se para ela. Quando a anciã apreciou que era observada, jogou uma olhada ao seu redor e percebendo que não seria retida de novo pelo lacaio, caminhou para a carruagem. Esteve a ponto de dizer algo, mas ao tocar o carro com suas mãos, os olhos desta se abriram tudo o que podiam alcançar, deu uns passos para trás e se benzeu.
? Não é o diabo... ? murmurou aterrada. ? É seu sangue que foi germinado por essa abominação...
? Acontece algo? ? Inquiriu Roger zangado ao ver as duas mulheres.
? Lute por se liberar do mal. Faça todo o possível para fazer desaparecer até a última gota de seu sangue. Só assim se liberará de seu destino ? comentou a anciã a Bennett antes de correr para a estalagem sussurrando palavras em um idioma que nenhum dos dois conseguiu decifrar.
? Quem era? ? Quis saber Evelyn quando seu marido se sentou ao seu lado e estendeu o braço para aproximá-la para ele.
? Só uma velha louca que me deu um remédio à base de ervas para acalmar suas queimaduras ? respondeu antes de lhe dar um beijo na cabeça. ? Incomodou-te? Tenho que descer e recriminar sua atitude com a minha esposa? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Não. Acredito que a pobre já tem o suficiente com a sua demência ? alegou antes de apertar a cintura de seu marido e pousar sua cabeça sobre o duro torso.
Mas as palavras da anciã não cessaram de repetir-se uma e outra vez em sua mente. Não entendia muito bem o que tentava expressar, entretanto, quando fechou os olhos para descansar antes de chegar ao próximo povoado e comprar aquele chapéu que, segundo Roger, necessitava, abriu-os de par em par ao recordar o que estava escondido sob o assento.
XXVI
Tal como augurou, o trajeto para Londres se fez comprido, mas graças ao comportamento de Roger o desfrutou mais do que esperava. É óbvio, cumpriu suas palavras sobre o que aconteceria na noite seguinte quando pernoitassem em outra estalagem, embora nessa ocasião enchesse a habitação de mantimentos para repor a energia que gastaram durante a noite. Os rubores em sua pele, pelas carícias e beijos, aumentaram até ter que comprar, em um dos povoados que visitaram, um remédio para acalmar sua delicada cútis. Entretanto, Evelyn não ocultava as marcas de seu prazer. Exibia-as com altivez. Quem não poderia proclamar que um matrimônio criado de um pacto inadequado começava a dirigir-se para o bom caminho? Nem ela mesma o teria acreditado. Recordou o momento no qual Roger apareceu em Seather com o papel que autorizava o contrato matrimonial, seu desmaio, a tosca cerimônia, seu abandono e, é óbvio, seu regresso. Não tinha transcorrido muito tempo desde que seu marido desembarcara, mas era o suficiente para confirmar que não desejava que partisse de novo. E agora menos que nunca. Estavam a ponto de chegar a Lonely Field, o lar de seu marido que também se converteria no seu. Ali, se Deus a ajudasse, encontraria as respostas que tanto açoitavam sua cabeça. Quem era na realidade Roger Bennett? Que passado tentava ocultar? Por que se transformou em um ser egoísta e petulante? E, sobretudo... por que tinha mudado tanto sua atitude após possui-la?
? Olhe! ? Exclamou Bennett com entusiasmo elevando-se do assento. ? Aí está meu lar! ? Voltou o olhar para ela, sorriu e murmurou: ? Nosso lar...
Evelyn se reclinou e olhou pela janela. Ao longe começou a divisar o enorme telhado que Roger chamava de lar, mas daquela distância mal pôde fazer uma ideia de como era. Seu marido lhe indicou que não seria maior que o dos duques, mas não deu importância às suas palavras. Um futuro marquês, e nada menos que o de Riderland, de cujo império se falava sem cessar nos grupos sociais, teria um palácio semelhante ao de Haddon Hall. Entretanto, quando a carruagem entrou no limite do imóvel, Evelyn levou as mãos para a boca.
? Adverti-te que não era uma grande extensão ? disse-lhe com certo pesar ao contemplar o rosto de sua esposa.
? É magnífica! ? Exclamou. Dirigiu as mãos para as de seu marido, apertou-as e esteve a ponto de beijá-las, mas Bennett o impediu ao assaltar sua boca com a sua.
? Meu coração está agitado... ? ronronou. ? Sinto-me tão feliz de que esteja aqui que sou incapaz de conter um grito de satisfação.
Evelyn gargalhou ao escutá-lo. Sabia que era certo o que lhe expunha. Podia apreciar o entusiasmado em seu rosto: desenhava um enorme sorriso, seus olhos brilhavam e relaxava a mandíbula, entretanto, suas mãos tremiam. Não conseguia saber se se deviam à excitação que sentia ou por medo da sua opinião sobre o futuro lar. Fosse o que fosse, ela apertou as trementes mãos e tentou acalmá-lo.
? Essas sebes, ? indicou separando sua mão direita da quente amarração ? Anderson e eu que plantamos. Embora te assegure que não sou o autor dessas formas trabalhadas que possuem.
A mulher dirigiu o olhar para onde assinalava seu marido e corroborou o que lhe explicava. O caminho que conduzia à entrada da casa estava adornado com duas fileiras de enormes e frondosos arbustos. Todos eles adotavam figuras diferentes, umas eram altas e magras, como se quisessem assemelhar-se aos picos de uma montanha, outras pelo contrário, eram curvilíneas e um pouco mais grossas. Mas conforme se aproximavam percebeu que todas tinham no interior a forma de animais. Como podiam realizar tal proeza com umas simples sebes?
? São totens ? esclareceu Bennett ao apreciar o assombro em sua mulher. ? Segundo seu autor, que conhecerá assim que estacionemos, mostram símbolos do meu caráter.
? Totens? ? Perguntou assombrada. ? Isso não é próprio dos...?
? Índios ? esclareceu afirmando com a cabeça. ? Sim, o criador dessas belezas é índio. Encontrei-o em uma das minhas viagens pela América. Estava a ponto de ser enforcado por um crime que, conforme se esforçava em proclamar, não cometeu. Eu acreditei em sua inocência e o comprei.
? Comprou-o?! ? Levantou tanto as pestanas que pôde senti-las acariciar suas sobrancelhas.
? Tudo se compra onde quer que se vá ? disse com ternura. ? Se tiver uma bolsa de moedas com a quantia que se espera obter ninguém é capaz de negar-se.
? Meu Deus! ? Exclamou tampando-se de novo a boca.
? Todos os meus criados, salvo Anderson, provêm de muitas partes do mundo, Evelyn. Aqui os trato com o respeito que merecem. Jamais ninguém lhes porá a mão em cima nem os utilizará como se fossem animais ? comentou com solenidade.
A mulher olhou absorta a seu marido. Não sabia o que responder. Nunca tinha imaginado que Roger albergasse em seu lar criados de outro lugar que não fosse Londres. Possivelmente porque só o povo nativo conhecia, melhor que nenhum outro, os costumes ingleses. Mas começou a não estranhar o que começava a conhecer de seu marido. Ninguém podia igualar-se. Ninguém poderia assemelhar-se a um homem tão incomum.
? Vamos querida. Acredito que todos desejam conhecer minha esposa ? sugeriu Bennett com um sorriso de orelha a orelha ao descobrir que não faltava ninguém para sair da residência para apresentar-se ante sua mulher.
Evelyn aceitou a ajuda de Roger para descer da carruagem. Com o chapéu que este lhe tinha comprado colocado sobre sua cabeça mal podia ver mais à frente do chão. Angustiada por não contemplar o que havia ao seu redor, terminou por tirá-lo e jogá-lo no chão. Então ficou sem respiração. Dez pessoas permaneciam na entrada esperando-a. Quatro delas eram de pele escura, três um pouco mais claras e outros eram tão pálidos como ela, mas quem chamou sua atenção foi um homem de cabelo comprido e cor azeviche. Tinha o peito descoberto, embora tentasse ocultá-lo sob um colete de cor marrom. Dirigiu seus olhos para seu marido e esboçou um pequeno sorriso. Já sabia de onde procedia a insistência de Roger por mostrar seu torso com descaramento. Sem pensar muito, deduziu que também ele era o autor das figuras esculpidas nos arbustos. Não podia errar em uma coisa tão clara! De repente notou a pressão da mão de seu marido sobre a dela. Evelyn imaginou que adivinhava seus pensamentos e lhe respondeu com um sorriso extenso.
? Querida, ela é Sophie, nossa governanta.
? Encantada em conhecê-la, senhora ? disse enquanto realizava uma ligeira reverência. ? Nosso senhor nos falou muito de você, mas esqueceu de descrever sua beleza. ? Sophie olhou a Roger como se o estivesse repreendendo.
? Posso te assegurar que nem eu mesmo sabia como era ? afirmou antes de soltar uma gargalhada e coçar a cabeça com a mão direita.
? É uma longa história ? acrescentou Evelyn ao contemplar o assombro da governanta. ? Se desejar escutá-la, contar-lhe-ei isso em breve.
? Estarei desejosa de que chegue esse momento, milady ? disse dando uns passos para trás.
? Ele é Yeng. ? Assinalou Roger a um moço com olhos rasgados e uma pele um pouco ambarina. ? Em seu antigo trabalho era crupiê, mas aqui se encarrega da manutenção de Lonely.
? Crupiê? ? Perguntou assombrada.
? Sim, minha senhora ? respondeu Yeng saudando-a da mesma forma que tinha feito Sophie.
? De onde é? ? disse bastante interessada.
? Da França.
? Nem todos os que têm um aspecto asiático nasceram lá ? murmurou Roger ao seu ouvido de maneira zombadora.
Evelyn se ruborizou com rapidez. Notou como lhe ardiam as bochechas ante um deslize tão infantil, mas quando Roger beijou com suavidade uma de suas maçãs do rosto, esse calor diminuiu. Um a um se foram apresentando. Todos tinham uma história interessante que lhe narrar sobre as diversas procedências e a maneira que conheceram seu marido. Mas ficou aniquilada quando o índio apareceu em frente a ela. Ao contemplá-lo mais de perto divisou umas marcas ao redor de seu pescoço. Não eram brancas, mas sim escuras e tinham um interessante desenho. Observou-o sem pestanejar enquanto falava com Roger. Seu comportamento, sua atuação com seu marido era muito diferente da que tinham os outros. Nem Anderson, o fiel criado e possivelmente a mão direita de seu marido, tinha tanta confiança para chamá-lo por seu nome de batismo.
? Finalmente, ? disse Bennett ? o batizamos com o nome de John. Não nos pareceu conveniente a nenhum dos dois chamá-lo com seu nome real. As pessoas estão acostumadas a afastarem-se quando o vêem.
? Senhora... ? John se aproximou dela, pegou-lhe a mão e a beijou com suavidade.
? Pode me chamar de Evelyn ? respondeu com suave fio de voz.
? Bom, já conhece todos os que habitam Lonely e agora, se te parecer bem, mostrar-te-ei o interior do meu lar. Estou seguro de que te assombrará o que ocultam estes muros ? apontou Bennett orgulhoso.
? Estou desejosa de descobri-lo ? comentou aceitando a mão de Roger e caminhando para o interior.
Quando o casal desapareceu dos olhos de todos os trabalhadores, estes olharam com rapidez a John. Permanecia imóvel, pétreo e com as pupilas cravadas na entrada do lar.
? É ela? ? Yeng rompeu o silêncio.
? Sim ? respondeu o índio com firmeza.
? Pois não tem pinta de poder salvar nada! ? Exclamou Sophie pondo os olhos em branco. ? É uma mulher esquálida. Um pouco alta para ser uma dama e não dá a impressão de ter coragem para enfrentar tudo o que lhe vai acontecer.
? Acaso o fogo nasce com intensas chamas? ? Alegou John sem expressar emoção em seu rosto.
? Fogo? Olhe John... ? Sophie aproximou-se dele e assinalou com um dedo inquisidor no peito ? se ela não for esse fogo que tanto necessita o senhor, diga aos seus etéreos espíritos que pegarei o machado com o qual corto o pescoço das galinhas e, uma a uma, destroçarei as sebes nas quais passas tanto tempo rezando.
? Eu adoro quando se zanga ? murmurou somente para eles dois.
? Pois te advirto que o estou e muito. Se ela não o salvar, se não for capaz de conseguir o que aquelas harpias com pernas de galgo não obtiveram, penso em te buscar outra mulher que acalme suas necessidades espirituais ? retrucou antes de virar-se e entrar também no lar.
? Fará ... ? sussurrou para si.
XXVII
Cada cômodo que encontrava era diferente aos demais. Nenhum se assemelhava nem mesmo em uma única peça de decoração. Roger fazia de seu lar um pequeno mundo. A sala de jantar, a primeira sala que visitou, era muito parecia com a que teria qualquer mansão londrina: uma grande mesa central com uma dezena de cadeiras sob a formosa tábua de madeira, vitrines esculpidas, suportes nos quais pousavam candelabros de laboriosos desenhos, enormes abajures de cristal que se iluminavam mediante a reclamada luz a gás, equipamento de porcelana... Entretanto, as paredes não estavam cobertas de pinturas de seus antepassados. Enormes e floridas tapeçarias ocupavam esses lugares. Seis contou. Dois deles só eram paisagens de montanhas onde um rio atravessava a tapeçaria. Eram pequenos paraísos em meio de um nada, mudos ante os ouvidos de quem tentava escutar o passar da água, mas esplêndidos para todos os que fossem capazes de admirá-los com os olhos. Um deles lhe recordou o lugar no qual os duques ofereceram o piquenique. As montanhas ocultavam o sol, o caudal transbordante de vegetação fluía a seu passo com liberdade e percebeu que a imagem transmitia a mesma tranquilidade que ela obteve naquele lugar salvo quando foi jogada na água. Sorriu de lado ao recordar a infantil cena, voltou a ver-se golpeando o inerte líquido enquanto Roger não cessava de rir.
Algo tinha mudado entre eles. Soube assim que descobriu que se acontecesse de novo, abrir-lhe-ia os braços para que se unisse ao seu corpo molhado. Morta de calor por seus pensamentos, dirigiu o olhar para uma tapeçaria onde havia figuras de mulheres embelezadas com roupa desgastada pelo uso. A ambos os lados tinham umas cestas de vime e, pelos objetos que elas seguravam em suas mãos e tentavam limpar na água, deduziu que se tratava de uma cena habitual entre lavadeiras. Mas o que chamou verdadeiramente a atenção de Evelyn, que não pôde deixar de olhar, foi um imenso tecido que permanecia sozinho ao final da sala, justo atrás da cadeira que Roger devia ocupar. Imaginou-o ali sentado, conversando com alguns convidados e exibindo a magnitude que projetava a tapeçaria sobre ele. Evelyn caminhou para o inerte objeto. Sua fascinação aumentou ao contemplá-lo de perto. O imponente cavaleiro vestido com uma armadura cinza montado sobre um corcel branco que elevava suas patas dianteiras era tão majestoso que esticou a mão para tocá-lo.
? Você gosta? ? Roger, sem deixar de observar a sua esposa, colocou-se atrás dela, segurou-a pela cintura e apoiou seu queixo sobre o ombro direito da mulher.
? Quem é? ? Perguntou intrigada.
? Segundo o vendedor é dom Juan da Áustria9.
? O que representa? ? Voltou a perguntar sem diminuir seu desejo por descobrir o que havia atrás do cavaleiro.
? A batalha do Lepanto10. Vê o fogo que há ao fundo? ? Evelyn assentiu. ? Conforme me narrou o comerciante de quem o comprei, são os últimos povos turcos que batalharam com ardor.
? É lindo... ? sussurrou.
? Sim, também me parece isso. Por isso regateei seu preço. Embora soubesse que valia o que me pedia o comerciante, não estava disposto a perder minha pequena fortuna nele. Bom, minha querida esposa, prosseguimos ou seguimos aqui parados observando um cavaleiro sobre seu garanhão?
? Continuemos... ? respondeu aceitando sua mão.
? Estupendo, porque estou desejoso de te mostrar nosso quarto ? disse-lhe em voz baixa.
A Evelyn se fez um nó na garganta.
? Tudo o que vê ? começou a contar enquanto se afastavam da sala de jantar e se dirigiam para as escadas que os conduziriam ao andar superior ? foi adquirido em minhas explorações.
? Viajou tanto?
? Muito. Se a memória não me falhar, desde os vinte anos. Quando consegui o Liberté, meu navio ? comentou com orgulho.
? Deve ser lindo navegar por alto mar e poder visitar novos e paradisíacos lugares ? apontou Evelyn manifestando entusiasmo.
? Às vezes sim e outras nem tanto...
? Quando não? ? Virou-se para ele e o olhou sem pestanejar.
? Quando se tem uma mulher tão bela como você e não pode me acompanhar ? respondeu zombador.
? É um canalha... ? disse ao mesmo tempo em que desenhava um extenso sorriso.
? Sei ? respondeu antes de beijá-la.
Subindo as escadas mais rápido do que deveria, Roger foi lhe explicando onde dormiam as pessoas que tinha conhecido na entrada, onde permaneceriam os convidados quando decidissem os visitar e por último a conduziu para seu quarto.
? Adiante... ? disse após abrir a porta e deixando-a entrar primeiro ? pode entrar no lugar onde passaremos a maior parte das nossas vidas.
Evelyn entrou com certo temor. Não sabia o que encontraria em um lugar tão íntimo para seu marido. De repente, assaltou-a a dúvida. Perguntou-se se de verdade ela desejava descansar durante o resto de sua vida ao seu lado. Até agora não tinha sido consciente do que isso significava. Achava-se em uma nuvem, em um momento de êxtase desmesurado que mal lhe permitia pensar com claridade. Era suficiente uma vida sexual ativa para viver um matrimônio com plenitude? Olhou de esguelha a seu marido. Este mostrava o mesmo entusiasmo que um menino ao ter em suas mãos um presente. Por que ele não sentia medo? Por que mostrava tanta segurança? Não soube responder, embora umas palavras aparecessem em sua mente golpeando com força: «Meu amor», tinha lhe sussurrado Roger quando dormiram juntos, mas isso não a tranquilizava.
Scott tinha utilizado as mesmas palavras para enrolá-la, para atrai-la como faz o mel a um urso. E depois? Depois partiu.
De todos os modos não podia compará-lo com aquele titã que a observava com entusiasmo, eram diferentes e a situação também: Scott procurava o matrimônio enquanto Roger o tinha obtido sem desejá-lo. Suspirou várias vezes e, apesar do tremor de suas pernas, caminhou pelo interior do dormitório. A primeira impressão que teve foi de amplitude. Sim, era o maior quarto que já tinha visto. Podia albergar, com facilidade, duas vezes o seu de Seather. Frente a ela duas cortinas de cor negra se amarravam a cada lado da janela. Devagar, com muita calma inclusive, prosseguiu divisando cada objeto, cada elemento que guardava Roger nela. Abriu os olhos como pratos ao contemplar a cama.
Estava segura de que, embora estirasse seus braços e pernas por ela, nunca tocaria o final de cada extremo. Sorriu de lado. Era lógico que seu marido teria adquirido o leito mais colossal de qualquer loja, posto que facilmente ultrapassasse vários palmos daquele que se autoproclamara o homem mais alto de Londres. Sobre a colcha de cor vinho, três grossos almofadões lhe ofereciam uma visão confortável. Desejou pegar um e apertá-lo para confirmar sua suavidade, mas desistiu. Já o faria em outro momento. Olhou para cima apreciando a largura do dossel. Entrecerrou os olhos para tentar averiguar o que indicavam os desenhos esculpidos na madeira escura, mas de onde se encontrava não distinguiu nenhum. Continuando, cravou suas pupilas nas cortinas que pendiam do dossel. Estavam bordadas em ouro? A cor dourada daqueles objetos era realmente ouro?
Voltou a vista para seu marido. Este permanecia no marco da porta com os braços e pernas cruzadas. Tentava aparentar que estava relaxado, mas tal como apertava a mandíbula, Evelyn soube que não o estava.
? Um sultão me deu isso de presente ? disse com voz sussurrante. ? Eu jamais compraria uma coisa tão ostentosa.
Não lhe respondeu com palavras, só assentiu e continuou investigando. Ao pé da cama um enorme tapete de cor azul marinho convidava a ser pisado sem sapatos que entorpecessem a captação da suavidade de seu tato. Dirigiu seus olhos para o sofá. Não, não era um sofá qualquer, era um interminável divã. Se ela tentasse tombar-se sobre ele a pele que o forrava a faria escorregar até terminar sobre o chão.
? Sou grande... ? assinalou ao vê-la tão assombrada pelas dimensões da poltrona.
Evelyn respondeu a sua afirmação com um grandioso sorriso. Não precisava indicar que seu tamanho era bastante considerável, já o tinha percebido no dia em que apareceu no funeral de seu irmão. Sempre se complexou por sua altura, era a mais alta de suas amigas, mas no dia que Roger apareceu ao seu lado teve que levantar muito a cabeça para poder conseguir o olhar aos olhos.
Descalçou-se. Não devia fazê-lo, mas não queria manchar com as solas de seus sapatos o lindo tapete. Caminhou sobre este até alcançar uma estante que ocupava todo o comprimento da parede e que se achava entre o balcão e a chaminé. O normal, o habitual para outros, era ter uma biblioteca no piso de baixo. Pelo menos assim o tinha o resto do mundo. Mas pouco a pouco ia confirmando que seu marido era um homem peculiar e muito distinto a todos os que tinha conhecido.
? Eu gosto de ler sem que ninguém me incomode ? esclareceu de novo Roger ao observar as caretas de estranheza que mostrava sua mulher em cada coisa que achava.
? Não interprete mal minhas reações ? apontou virando-se sobre si mesma. ? Tudo o que encontrei até o momento não me produziu mal-estar, mas sim fascinação. Resulta-me incrível que um homem como você tenha adequado seu lar com tanto... como o diria? ? Pôs os olhos em branco ao não encontrar a palavra exata.
? Aprimoramento? ? Interveio divertido.
? Sim, aprimoramento está bem ? sorriu.
? O que imaginava? ? Endireitou-se e caminhou para ela. ? Como pensou que seria meu lar? ? Parou antes de chegar ao tapete.
? Tenha em conta que o único que escutei de ti em Londres foi que era um libertino, um homem enlouquecido por levantar as saias de todas aquelas mulheres que se abanavam com suas próprias pestanas. Sem esquecer a fama de bebedor e jogador inveterado ? continuou sorrindo apesar de o haver definido como um indesejável.
? Os rumores exageram... ? grunhiu.
? Isso vejo... ? sussurrou com um suspiro. De repente seus olhos se cravaram em uma porta que havia atrás das costas de Roger.
? É só o cômodo de asseio. ? Seu tom de voz voltou a ser sussurrante. ? Mas estou pensando em deixar a porta fechada por uns dias, possivelmente até dentro de vários meses...
A intriga a fez correr para aquela entrada, esticou a mão e quando abriu a porta ficou atônita. Suas pestanas tocaram de novo suas sobrancelhas e mal pôde fechar a boca. Era de esperar que fosse grande, mas nunca imaginou que uma banheira pudesse ter a largura e a profundidade de um pequeno lago. As paredes não estavam revestidas de papel ou de grossas capas de pintura, mas sim de lâminas retangulares de porcelana cor marfim. A privada, do mesmo material, tinha um depósito do qual pendia uma corda. Voltou-se para Roger sem poder conter seu assombro.
? Sei, ? comentou Roger com uma estranha mescla de entusiasmo e medo ? nunca viu algo semelhante.
? De onde...? Como conseguiu...?
? Pois não sei te dizer a procedência desta magnífica banheira. ? Levou a mão direita para a barba e a acariciou devagar. ? Depois de me haver descrito com tão hábeis palavras, o que pensará quando te disser que esta beleza a descobri em um bordel de Paris?
? Em um bordel?! ? Arqueou as sobrancelhas e seu assombro aumentou até limites incalculáveis.
? Vê? Sabia que ia pôr essa cara! ? Disse divertido. ? Evelyn, querida, nenhuma das tinas que vi em Londres podiam albergar meu tamanho. Cada vez que tentava me assear tinha que fazê-lo por partes.
? Claro... e viajou até Paris e se meteu em um bordel para encontrar o que necessitava ? interrompeu lhe com uma mescla de ira e sarcasmo. Roger esticou sua mão, mas ela esquivou-se do roce.
? Não foi assim exatamente... ? Deixou que ambas as mãos se estendessem para o chão. ? Em uma de minhas viagens a França conheci um cavalheiro que frequentava os ditos locais pecaminosos. Um dia tinha tomado mais taças das quais pude suportar e me ofereceram um quarto onde passar meu estado de embriaguez. Então, ao abrir a porta para me refrescar, fiquei fascinado por essa imensa banheira. Perguntei à madame quem tinha construído essa impressionante banheira e me deu com rapidez a direção do arquiteto.
? É óbvio... pergunto-me... o que lhe ofereceria para que atuasse com tanta prontidão? ? Disse com aparente desdém enquanto caminhava para o imenso espelho que se encontrava no lado oposto da grande tina. Olhou para um lado e logo para o outro e lhe parou o coração ao compreender que o que acontecesse dentro daquela banheira refletir-se-ia no espelho.
? Tratava-se de um afamado italiano que estava acostumado a passar longas temporadas em Paris para prover seus clientes de espetaculares quartos de banho ? continuou falando para não dar importância ao pequeno ataque de ciúmes que mostrou sua mulher. Devia zangar-se ante uma atuação tão infantil, mas lhe produziu o efeito contrário, sentiu-se tão orgulhoso que lhe alargou ainda mais o peito. ? Falei com ele, convidei-o a vir a Londres e quatro meses depois de sua chegada meu pequeno paraíso relaxante estava construído.
? Não sei o que pensar... ? disse um tanto aturdida.
? Comentei-te que não me importava seu passado e que esperava que não julgasse o meu ? comentou com voz pesarosa. Aproximou-se dela muito devagar, virou-a para ele e a olhou fixamente. ? Evelyn, a mim só interessa quem é agora, não o que foi antes de me conhecer.
? Sim, já me advertiu disso, mas por mais que o tente, não posso diminuir uma estranha ira que cresce em meu interior ao pensar que outra mulher esteve aqui e que gozou de suas carícias aí dentro ? resmungou.
? Não trouxe nenhuma mulher à minha casa salvo a ti ? apontou antes de soltar uma gargalhada. ? É a única que pôs seus bonitos pés neste lugar ? disse aproximando seus lábios dos dela. ? E a única que o fará...
? Jure! ? Gritou afastando o rosto para que não a beijasse.
? Juro-lhe isso... ? suas mãos apanharam o rosto de Evelyn e a imobilizou para finalizar o que se propôs, beijá-la.
Quando abriu os olhos descobriu que se achava no quarto. Roger a tinha pousado sobre o tapete. Suas mãos se dirigiam para os laços do vestido com a intenção de despi-la para possui-la outra vez. Fechou-os de novo fazendo com que se intensificassem os roces dos dedos ao caminhar pelas costas. A língua masculina percorria o interior de sua boca provocando umas suaves e cálidas carícias. Face aos sutis movimentos, sua dominância, seu desejo de fazê-la sua percebia-se com claridade. Cada beijo que lhe oferecia era diferente do anterior. Evelyn, nas nuvens, rememorou a sensação que obteve a primeira vez que suas bocas se uniram. Não havia ternura nele. Não encontrou calidez em seu primeiro beijo, só luxúria. Entretanto desde que dormiram juntos, antes de empreender a volta a Londres, seus beijos se enterneceram até tal ponto que começaram a destruir o objetivo que a conduziu a seduzir seu marido. Respirou profundamente quando Roger liberou sua boca. Esta, que mal podia fechar-se, necessitava que continuasse beijando-a, conquistando-a, desfrutando-a.
? Tenho que confessar que ia te dar um tempo para que descansasse depois da viagem, ? comentou Roger com voz oprimida. Ajoelhou-se ante ela, colocou suas mãos sob o vestido e foi baixando com lentidão as meias ? mas temo que não lhe vá conceder isso.
Evelyn jogou a cabeça para trás e soltou uma sonora gargalhada. Não estranhou escutar aquela insinuação de seu marido. E mais, teria lhe entristecido que a tivesse deixado sozinha. Com urgência levantou seus pés para despojar-se do suave tecido. Notou que Roger pousava sobre cada perna uma mão e as acariciava com incrível tranquilidade. Cada ascensão e descida sobre seu corpo o desfrutava tanto que começou a sentir a opressão de seu peito contra o vestido e uma incontrolável calidez sob seu ventre.
? É formosa, descaradamente formosa... ? sussurrou enquanto dirigia as palmas para o sexo de sua esposa. Roçou levemente seus lábios úmidos com os polegares, impregnando-os de seu mel. Aquele sutil gesto provocou o que tanto ansiava, que lhe permitisse continuar. ? Segure-se nos meus ombros, vou beber de seu doce manancial.
Açoitada pela paixão que começava a despertar em seu interior, ela pousou seus trementes dedos sobre cada uma das partes superiores do torso masculino. Voltou a abrir sua boca ao notar como a língua de Roger lambia seu interior. Pressionou com mais força o corpo de seu marido ao sentir a pressão dos dentes sobre suas saliências inchadas. Ele os puxava e colocava a boca no interior para absorver sua essência. Encontrava-se extasiada. Tanto que podia roçar com a gema de seus dedos aquilo que denominavam loucura. Ele era fogo, chamas que a queimavam e a faziam derreter-se quando a tocava.
? Não me saciarei nunca de ti ? murmurou antes de incorporar-se e beijá-la. ? Nunca ? sussurrou depois do beijo.
? Hoje quero fazer uma coisa...
? O quê? ? Colocou suas palmas sobre as maçãs do rosto de Evelyn e a atraiu para ele para beijá-la de novo.
? Não recordo... ? sussurrou sem voz.
? Então... enquanto se lembra... ? a conduziu devagar para trás até que as costas da mulher tocaram a parede. ? Deixe que eu faça outra...
A mão masculina foi descendo pela figura de Evelyn. Acariciou o decote, colocou os dedos no interior do objeto e tirou um mamilo. Deixou de beijar os lábios femininos para dirigir-se para o duro botão. Mordeu-o, sugou-o ao mesmo tempo em que aquela mão travessa continuava a trajetória para a perna esquerda da mulher.
? Minha pequena bruxa... ? murmurou estrangulado pelo desejo. ? Por mais que o tento... não posso me saciar de ti. ? Içou a mão pela coxa até que chegou ao epicentro de Evelyn. Voltou a procurar o pequeno e inchado clitóris. Ao achá-lo, acariciou-o com a mesma intensidade que a primeira vez. Entretanto nessa ocasião procurava algo mais pecaminoso, mais desonroso. Não pararia até que o interior das coxas de sua esposa terminasse banhados por seu suco. Mais tarde, quando ela estivesse exposta, percorreria cada milímetro de sua pele com a língua.
? Roger! Roger! ? Gritou Evelyn como uma louca. ? Roger!
? Sim, pequena bruxa ? sussurrou-lhe enquanto mordia e lambia o lóbulo direito feminino. ? Diz meu nome. Grite ao mundo inteiro quem é seu marido, quem te ama e quem te deixa louca de luxúria. ? Com cada palavra, com cada pressão de seus dentes na orelha, o dedo do homem se introduzia e saía do sexo feminino como se fosse seu membro ereto. Não parou até que notou a sacudida do orgasmo, até que Evelyn vincou os dedos de seus pés, até que molhou suas pernas. ? Desejo-te tanto... ? continuou sussurrando sem deixar de lhe beijar o rosto. ? Necessito-te mais do que imagina...
? Roger... conseguiu dizer. Suas bochechas ardiam, seus olhos brilhavam e o corpo inteiro seguia submetido a contínuas convulsões.
? Diga-me...
? Deixa-me que te dispa?
? Me despir? ? Perguntou assombrado.
? Sim, isso é o que queria te dizer. ? Sorriu com suavidade.
? Se é o que deseja, aqui me tem ? respondeu Roger dando duas pernadas para trás e abrindo os braços em cruz. ? Sou teu e pode fazer o que desejar.
Teve que respirar várias vezes antes de aproximar-se. Não sabia como começar. Sua cabeça seguia dando voltas e se envergonhava ao notar que suas coxas estavam úmidas de sua própria essência. Respirou. Suspirou. E depois de uns instantes duvidosos, caminhou para ele. Tirou o nó da gravata e a lançou para algum lugar do quarto. Logo continuou com a jaqueta. A passagem desta pelo corpo rude e musculoso fez com que seu coração golpeasse com força contra o peito. Sem jeito foi desabotoando a camisa. Esta caiu ao chão sem esforço algum. Ao observar aquele peito mordeu o lábio inferior e seus olhos brilharam tanto que nenhuma estrela do firmamento pôde assemelhar-se. Pousou suas mãos sobre o torso nu, que ascendia e descia agitado pelo desejo e o acariciou regozijando-se em cada milímetro de pele. Sorriu satisfeita ao ver como seu marido fechava os olhos e inspirava com força. Excitava-o. Suas carícias, seus toques, enlouqueciam-no. De repente Roger gemeu com mais ímpeto do que tinha esperado. Evelyn o olhou desconcertada pela inesperada reação.
? É uma tortura que me toque e que eu não possa fazê-lo ? assinalou desenhando um malicioso sorriso em seu rosto. ? Se seguir assim, temo que terminarei ajoelhado de novo.
Evelyn entrecerrou seus olhos o advertindo, com essa forma de olhar, que não se movesse. Era seu momento, seu desejo, seu grande prazer. Face à advertência de como terminaria se seguisse o torturando daquela maneira, não cessou de o acariciar, de enredar entre seus dedos o loiro pelo. Percebeu, surpreendida, que a ele também endureciam os diminutos mamilos. Sem pensar duas vezes, dirigiu sua boca para eles e os mordeu. Então descobriu que ele sofria os mesmos espasmos que ela ao ser assaltada nessa zona erógena. Com um enorme sorriso pelo deleite da experiência, olhou-o com descaramento enquanto baixava devagar suas mãos para a calça. Desabotoou o botão e deixou que este descesse com a mesma lentidão que a camisa. Roger sacudiu rapidamente as pernas, lançando o objeto mais longe que onde terminou a gravata.
? Não me deixará assim, não é? ? Exigiu saber com uma mescla de agonia e desespero.
? E se o fizer? ? Respondeu desafiante.
? Esquecer-me-ei, de repente, da última norma que acrescentou na estalagem ? disse zombador.
Evelyn mordeu outra vez o lábio inferior. Cravou o olhar no vulto da calça e entrecerrou os olhos. Ele era grande e seu sexo também. Prova disso era que, apesar da pressão da roupa de baixo, sobressaía por cima desta. Atordoada pelo frenesi colocou as mãos no interior do calção e segurou entre elas o duro membro. Essa carícia, esse leve contato de suas palmas com a ereção, fizeram com que todo o corpo masculino começasse um balanço compassado. Seu marido, com os olhos fechados e com a cabeça inclinada para trás, começava a mover-se da mesma forma que estava acostumado a fazer quando se introduzia em seu interior. Devia afastar as mãos, devia retirar-se ante tal obscenidade, mas não o fez. Ficou ali parada, contemplando o pausado movimento continuado até que escutou um grito de seu marido. Não foi um alarido usual. Foi mais um comprido e profundo uivo que provinha do mais profundo de Roger. Tinha liberado de novo a besta? Ou melhor... o monstro tinha liberado seu marido? Ao afastar as palmas sentiu como algo úmido a queimava. Curiosa por averiguar o que era aquilo que lhe produzia tanto calor, aproximou-as do rosto. «OH, Meu Deus! ? Exclamou para si. ? É sua semente!».
? Jamais... ninguém... nunca... ? começou a dizer Roger aturdido. Despojou-se do objeto que cobria seus quadris e avançou para sua mulher com passo firme, sólido, enérgico. ? Ninguém, Evelyn, ? sublinhou com vigor ? conseguiu de mim o que você obteve. ? Abriu seus braços para que ela se aproximasse de seu corpo e quando a teve perto de seu peito, apertou-a com força. ? É única, meu amor. Única.
O que devia pensar? Desejava que aquelas palavras fossem verdade? Sim, desejava-o. Necessitava que não a tratasse como outra mais. Que quando partisse e a deixasse sozinha na casa, não procurasse outras carícias que não fossem as suas. Não, já não. Evelyn queria ser a única.
? E agora deveria tirar esse lindo vestido azul se não quiser que termine empapado ? advertiu.
? Empapado? ? Distanciou-se dele e arqueou as sobrancelhas.
? Crê que o que fizemos foi suficiente? Não, minha pequena bruxa, isto foi só o princípio de uma longa jornada de amor. ? Sorriu. ? E o primeiro lugar onde vou possuir-te nesta casa ? sussurrou-lhe no ouvido ao mesmo tempo em que a elevava de novo em seus braços ? será nessa imensa banheira. Estou ansioso por ver como seu corpo pula sobre mim enquanto a água se agita pelo ardor da nossa paixão.
? Está louco... ? respondeu antes de esboçar uma pequena risadinha e mover as pernas.
? Por ti ? disse tão baixinho que Evelyn não pôde escutá-lo devido ao som de sua própria risada.
XXVIII
A água já estava morna, mas ao manter-se perto de Roger logo notou como diminuía a temperatura. Sentada sobre ele admirava a fortaleza de suas pernas e a longitude de seus pés. As mãos masculinas não cessavam de acariciá-la, de apalpá-la sem cessar, mas o que encantou realmente Evelyn não foi o magnífico corpo de seu marido, mas sim os momentos de risadas que passaram dentro daquela banheira. Ambos sentiam uma pequena dor em suas mandíbulas de tanto rir. Recordaram o dia que se conheceram, as bodas, a partida e o acontecido depois da volta.
Narrou-lhe como foi despachando um a um aos cavalheiros que a visitavam em seu lar com o propósito de convertê-la em sua amante. Evelyn percebeu como o corpo masculino se esticava ao lhe narrar aqueles momentos, mas o tranquilizou enchendo-o de beijos e carícias. Falou-lhe de sua viagem, dos lugares que visitou durante os sete meses fora de Londres. As tempestades que sofreu em alto mar, como atuava sua tripulação e como terminou por descobrir que aquilo que lhe proporcionava mal-estar em suas vísceras era somente a necessidade de retornar à sua terra natal e enfrentar com integridade seu futuro.
? E de repente, ? disse esticando os grandes braços para abraçá-la ? observo que todos os olhares dos cavalheiros se dirigiam para um ponto da sala. ? Seu queixo pousou sobre o ombro da mulher, acariciando com seu fôlego a aveludada pele da Evelyn. ? Olhei para essa parte do salão e...
? E? ? Insistiu a mulher voltando-se para ele. Sentou-se sobre seus quadris, as pernas se cruzaram pelas costas e ambos os torsos voltaram a unir-se.
? E encontrei uma pequena bruxa de cabelo cor de fogo exibindo em um lindo vestido vermelho com um delicioso decote que me convidava a pousar meus lábios nele. ? Elevou o queixo para contemplar a diversão que expressava o rosto de sua esposa e a beijou.
? Por que não cessa de me chamar assim? ? Colocou suas mãos sobre o rosto masculino e afastou as mechas loiras que a impediam de ver os azulados olhos.
? Minha pequena bruxa? ? Perguntou enquanto desenhava um sorriso. Evelyn assentiu. ? Porque é a única mulher que foi capaz de me enfeitiçar ? esclareceu com voz serena, pausada e firme.
Os braços femininos se entrelaçaram de novo no pescoço de seu marido. Aproximou a boca e o beijou. A pequena amostra de carinho despertou de novo a luxúria em Roger. Pousou suas mãos nas costas de Evelyn e a acariciou como se fosse uma frágil flor. Voltaram a agitar a água, voltaram a esquentar o interior da banheira, voltaram a deixar-se levar por aquele insaciável desejo por converter-se em um só ser.
Quando terminaram Evelyn pousou a testa sobre o peito agitado de seu marido. As bochechas se converteram em duas pequenas bolas de fogo. Extasiada e cansada, suspirou.
? Acredito que vai sendo hora de te oferecer um descanso ? murmurou Roger depois de afastar com certo desagrado o corpo de sua mulher do dele. ? Se continuo assim, poderia te matar.
? Não me acompanha? ? Levantou-se com cuidado para não escorregar e esperou que seu marido a ajudasse a sair dali.
? Tenho que falar com o John de certos temas ? indicou cobrindo a nudez de Evelyn com uma toalha branca. ? Estou muito tempo fora de casa e tenho que me pôr em dia. ? Elevou-a em seus braços e a conduziu até a cama. Estendeu-a com supremo cuidado e se colocou sobre ela. ? Prometo-te que assim que arrumar meus assuntos subirei para te fazer amor até que amanheça.
? Sabe? ? Disse elevando de novo os braços e enredando-os no pescoço de Roger. ? Isso mesmo me sugeriu na primeira noite na casa dos Rutland.
? Pois como comprovou, sempre cumpro minhas promessas. ? Abaixou sua cabeça e a beijou.
Custava-lhe deixá-la ali sozinha, mas seu dever como dono de certos negócios lhe reclamava. Era certo que tinha passado muito tempo fora de seu lar e estava seguro de que John ocupou seu posto com acerto. Entretanto devia confirmar que certos temas seguiam controlados, sobretudo aqueles dos quais tanto recusava falar com Evelyn e que possivelmente os distanciaria. Depois de vestir-se com uma calça e uma camisa, desceu ao escritório.
John não demorou a aparecer. Era tão desconfiado que houvesse sentido a presença de Roger na pequena sala.
? Pensei que não sairia daquele quarto até passada uma semana ? disse o índio zombador.
? Mentiria se te dissesse que não o pensei, mas algo me diz que tem notícias frescas, estou certo? ? Levou a taça para a boca e arqueou as sobrancelhas.
? Apareceu quando partiu ? comentou John enquanto se aproximava da licoreira para acompanhar seu amigo. ? Parece que tem um dom especial para saber quando e onde aparece.
? Costuma acontecer quando seu sangue é o mesmo que o meu ? grunhiu. Caminhou pesado para a poltrona que havia junto à chaminé e se sentou de repente.
? Falou com Sophie, já sabe que é incapaz de dirigir-se a mim, dou-lhe asco. ? Dirigiu-se para seu amigo e se sentou ao seu lado.
? Acredito que a palavra acertada é ódio. Não pode suportar o fato de que me salvou de suas garras. ? Sorriu de lado. Depois de manter uns instantes de silêncio, prosseguiu: ? Com que propósito apareceu em meu lar desta vez?
? Convidá-los à sua casa ? disse ao mesmo tempo em que cravava seus olhos marrons nos de seu amigo.
? Convidar-nos? ? Reclinou-se do assento e apertou a taça com força.
? O que esperava? Já não tem uma rocha em seu caminho, mas sim duas.
? Nela não tocará! Jamais a alcançará! ? Clamou zangado ao mesmo tempo em que lançava o copo para o interior da chaminé. ? Antes ponho fim à sua asquerosa vida com minhas próprias mãos.
John, imperturbável, reclinou-se sobre o assento, voltou a tomar um sorvo de sua bebida e refletiu durante um bom momento. Se seus espíritos tinham razão, se o que eles lhe indicavam era certo, Roger não devia recusar o convite. Precisava enfrentar, de uma vez por todas, a maldade de sua mãe e, se suas premissas não erravam, sua esposa o salvaria do inferno no qual vivia desde pouco mais de uma década.
? Como vai tudo por Children Saved? ? Mudou de tema.
? Bastante bem. Falei com seu administrador e por agora todas as necessidades estão resolvidas. Essa última viagem encheu as arcas da residência. Entretanto...
? Entretanto? ? Repetiu Roger intrigado.
? A pequena Natalie está muito triste. Não para de perguntar onde está seu irmão e acredito que deveria visitá-la o antes possível. Faz uns dias esteve bastante doente. O médico disse que era próprio de sua idade, mas não estou muito seguro disso. Desde esse dia mal pode sair da casa. Passa as horas no quarto e sua mãe está muito preocupada.
? Amanhã sem falta irei visita-la. Não quero que pense que a abandonei. É muito pequena para compreender certos temas. ? Roger esticou as pernas, acariciou a barba e adotou um olhar pensativo. De repente rompeu seu silêncio. ? Apareceu durante minha ausência algum mais?
? Não. Seguem sendo vinte ? respondeu antes de levantar-se, andar para o móvel bar e encher seu copo de novo. ? Um charuto? ? Perguntou mostrando a caixa em que guardava os melhores charutos.
? Não. Deixei de fumar faz uns dias. Evelyn não gosta do aroma de tabaco ? esclareceu sem oferecer emoção alguma.
? Essa mulher... ? começou John a dizer sem poder eliminar o sorriso de seu rosto.
? Essa mulher... ? insistiu Roger entrecerrando seus olhos e apertando os dentes.
? Calma, não vou dizer nada mau dela ? expôs antes de soltar uma gargalhada ao ver como seu amigo ficava na defensiva.
? Essa mulher, minha mulher, é intocável ? sentenciou. ? Por isso não quero que ela se aproxime de Evelyn. Irá destrui-la como tem feito com todos aqueles que se interpõem em seus propósitos.
? Duvido muito que sua mãe se arrisque tanto...
? Você não a conhece como eu ? resmungou. ? Tem suas mãos manchadas de tanto sangue inocente que lhe resulta impossível continuar sem ele. É uma víbora, um ser sem escrúpulos.
? Se eu estivesse em seu lugar pensaria seriamente em fazê-la parar de uma vez ? disse John enquanto caminhava para a janela. Um sorriso se desenhou em seu rosto ao observar como Sophie agitava uma bengala para tirar o pó dos tapetes que tinha estendidos sobre uma corda.
? Se decidisse por tal coisa, primeiro teria que matar meu irmão e, neste momento, não quero fazê-lo. O que faria Evelyn com seu marido encarcerado?
? Não pensaste que algum dia terá um filho e eles poderiam tentar conseguir o que não fizeram contigo? Mataram a uma dezena, o que importa mais um? ? John, apesar de ter o olhar sobre a mulher que amava, não a observava. Seus pensamentos estavam em outra parte do mundo.
? Evelyn não pode ter filhos ? grunhiu Roger ao mesmo tempo que se levantava e se dirigia para o porta-garrafas. ? Conforme entendi, ao perder o que esperava sofreu uma infecção ou algo similar e ficou estéril.
? Esteve casada? ? John virou a cabeça para seu amigo e entrecerrou seus olhos. Se for certo, se ela tinha vivido um matrimônio anterior, não seria a mulher que lhe indicaram seus ancestrais. Estes falaram de uma mulher sem enlace, de uma mulher quebrada pela tristeza de um passado tortuoso e que só acharia a paz quando seu amigo estivesse à beira da morte.
? Casada não, comprometida sim. Mas o compromisso se rompeu. Aquele malnascido a abandonou quando descobriu que a riqueza familiar tinha desaparecido depois de um mau investimento do pai dela ? explicou apertando a mandíbula.
? Poderia procurá-lo. Sabe que sou bastante hábil em encontrar pessoas desaparecidas ? comentou ansioso de que seu amigo lhe dissesse que sim.
? Não quero investigar o passado da Evelyn. Prometi-lhe que só me interessa saber o que faz desde que nossas vidas se cruzaram ? assinalou antes de voltar a tomar o líquido ambarino de um sorvo.
? Como quiser... mas tenho que te advertir que me entristeceu sua decisão.
? Mas como? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Faz muito tempo que não escalpelo ? assinalou antes de soltar uma gargalhada.
XXIX
Evelyn esticou as mãos para o lugar onde devia permanecer Roger, mas ao não o achar abriu os olhos. Sentou-se na cama ocultando sua nudez com o lençol e o buscou com o olhar. Não estava. Partira. Suspirou pelo pesar que lhe produzia não o ter ao seu lado e voltou a recostar. Fixou suas pupilas no dossel e tentou rememorar onde podia estar. Entretanto, em vez de recordar as conversações que mantiveram para conseguir responder-se, sua mente lhe ofereceu as imagens deles dois amando-se durante a noite. O corpo de seu marido sobre o seu, esquentando-o, fazendo-o arder de desejo... rodando ao longo da cama, sempre unidos, sempre se tocando. Não havia uma só parte de seu corpo que Roger tivesse deixado sem acariciar. Sorriu ao apreciar que, com somente recordando necessitava-o de novo. Assombrada pelas emoções que tinham despertado nela, voltou a elevar-se e procurou algo com o que cobrir sua nudez. Precisava sair daquele quarto onde seus pensamentos pecaminosos não tinham fim. Pousou seus pés no chão e se dirigiu para varanda, abriu as cortinas e viu que na entrada estava estacionada a carruagem na qual devia chegar Wanda. Procurou com o olhar a bata que na noite anterior Roger lançou para algum lugar do quarto e, depois de achá-la atrás do divã, correu para colocá-la.
? Wanda! ? Exclamou baixando as escadas como uma menina alterada.
? Senhora... ? comentou a donzela assombrada ao ver Evelyn vestida com uma simples bata e com os cabelos alvoroçados.
? OH, Wanda! Quanto senti saudades! ? Disse ao abraçá-la.
? Duvido que o tenha feito vendo-a dessa forma ? resmungou a criada.
? Não seja má... ? deu uns passos para trás e se ruborizou.
? Vejo que seu plano está sendo eficaz ? sussurrou-lhe.
? O plano ? retrucou ? desapareceu. Agora não quero descobrir quem é meu marido, mas sim desfrutar da vida que tanto deseja me oferecer.
Wanda esteve a ponto de soltar um enorme insulto quando Sophie apareceu de algum lado da casa.
? Deseja tomar o café da manhã? ? Perguntou a Evelyn com interesse.
? Sim, claro. Muito obrigada Sophie por ser tão atenciosa ? comentou com um sorriso.
? Tomar o café da manhã? ? Inquiriu Wanda com um sussurro. ? Eu diria que é a hora do almoço ? replicou.
? Esta noite não pude descansar tudo o que precisava ? alegou sem deixar de ruborizar-se. ? Sophie ? chamou a atenção da criada que já tinha começado a dirigir-se para a cozinha. ? Poderia nos levar o café da manhã em meu quarto?
? É claro, senhora ? afirmou fazendo uma leve reverência.
? Vem! ? Evelyn pegou a mão de Wanda para fazê-la subir as escadas com rapidez. ? Vou mostra-te a casa!
Depois de lhe mostrar o dormitório que tinham preparado para ela, conduziu-a para seu quarto. Os olhos da criada não tinham sido capazes de fechar-se nem um só instante. Mostrava a mesma expressão de assombro que ela ao compreender como era o interior da casa de seu marido.
? E este é nosso quarto ? indicou quando abriu a porta.
? Nosso? ? Quis saber ao mesmo tempo em que arqueava as sobrancelhas.
? Meu marido não deseja descansar afastado de mim ? expôs ruborizada.
? E muito temo que você tampouco fosse capaz de descansar sem sua presença, equivoco-me?
? As coisas mudaram! Tudo mudou! ? Exclamou virando-se sobre ela mesma um par de vezes. ? Não é o homem que me disseram. Não é o homem que acreditei!
? Bom... ? começou a dizer enquanto procurava um assento ? isso deve me alegrar.
? Claro que sim! ? Caminhou para ela, ajoelhou-se e pôs sua cabeça sobre os joelhos de Wanda. ? Nós duas temos que nos alegrar! Por fim viveremos felizes...
A donzela acariciou o cabelo de Evelyn ao mesmo tempo em que suspirava com veemência. Esperava, não! Melhor, rogava, que desta vez não lhe rompessem o coração. Porque se acontecesse, se voltassem a destroçá-la, ela não atuaria de maneira passiva. Arrancaria o coração do futuro marquês com suas próprias mãos...
? O que é esse ruído? ? Evelyn se levantou com rapidez e caminhou para a porta. Ao abri-la escutou a voz de uma mulher. Falava com autoridade e elevava seu tom em cada palavra.
? Nem lhe ocorra sair assim! ? Advertiu-a Wanda colocando-se em frente dela. ? Irei ver o que acontece.
Evelyn assentiu, deu uns passos para trás e deixou que saísse. Quando ficou sozinha andou até a cama, sentou-se e apertou as mãos. Quem apareceria no lar de seu marido dando ordens e levantando sua voz de forma desafiante? Olhou para a porta e notou como seu pulso se acelerava. Devia havê-lo suposto. Para chegar a Lonely tiveram que atravessar meia Londres e mais de um londrino saudou a carruagem ao contemplar o estandarte pendurado na lateral deste. Todo mundo saberia que o senhor Bennett tinha retornado. Talvez inclusive alguma de suas amantes descobrisse que Roger permaneceria em seu lar e apareceu demandando aquilo que em seu tempo lhe ofereceu. Sim, devia ser isso. Uma mulher não podia elevar a voz daquela maneira salvo que se zangasse ao ser informada que seu amante se casou e que já não a necessitava. Umas lágrimas começaram a brotar de seus olhos e a tristeza lhe oprimiu o coração. Tinha que havê-lo suspeitado. Tinha que ter considerado que, face à notícia do casamento de Roger, mais de uma mulher não renunciaria a perdê-lo como caso. Quem, em seu são julgamento, desistiria de umas mãos e uma boca como a de seu marido?
? Deus santo bendito! ? Exclamou Wanda depois de fechar a porta atrás de sua entrada. ? Vista-se!
? Quem é?
? Quem é?! ? Repetiu a donzela elevando os braços e pondo os olhos em branco. ? Sua muito ilustre, minha senhora! A própria marquesa de Riderland veio conhecê-la!
? A mãe do Roger? ? Levantou-se de um salto da cama e se levou as mãos à boca.
? A própria! E ela gritou a... Sophie?... ? Perguntou duvidosa ? que não partirá até saber quem é a mulher que conseguiu casar-se com seu filho.
? OH, meu Deus! OH, meu Deus! ? Gritou Evelyn correndo de um lado para outro.
Muito ao seu pesar teve que deixá-la no quarto. Teria gostado de vê-la despertar, observar como lhe brilhavam os olhos ao vê-lo ao seu lado e como estendia os braços para acolhê-lo de novo em seu corpo. Mas tinha outras coisas que fazer antes de retornar a Evelyn. Desceu do cavalo e soltou uma enorme gargalhada quando fixou suas pupilas na entrada da residência.
? Não disse que estava doente? ? Perguntou divertido.
? Prometo-te que assim era ? respondeu John assombrado.
Uma pequena de uns seis anos corria para eles. Seu cabelo ondulado voava sobre sua pequena cabeça e a cor loira se fazia branca quando os raios solares o alcançavam. Agarrava com suas mãozinhas o vestido esmeralda para não cair na corrida. Roger abriu os braços, ajoelhou-se e esperou que a menina impactasse sobre seu corpo.
? Roger! Roger! Retornou! ? Gritou Natalie antes de lançar-se sobre Bennett. ? Senti falta de ti.
? Olá, princesa! Eu também tive saudades. Como está? ? Perguntou sem deixar de abraçá-la. ? John me disse que esteve doente, sinto se não estive ao seu lado, mas tive que partir para um lugar muito longínquo. Embora vejo que se encontra melhor. ? Pegou-a em seus braços e a levou de novo ao interior da casa.
? O senhor Bell disse à mãe que era amigdalite, ? disse com a cabeça elevada e olhando ao seu irmão mais velho com entusiasmo ? e tive que tomar um remédio com um sabor amargo. ? Fez uma careta.
? Vá... e não te recomendou que tomasse muitos sorvetes? ? Disse divertido.
? Gelados? ? Abriu tanto os olhos que o azul de suas pupilas se voltou transparente.
? Já vejo que não... ? sorriu de lado a lado. ? Bom, pois falarei com sua mãe para que nos sirva duas grandes taças de sorvete de baunilha.
? Sim, por favor... ? murmurou Natalie. ? Ela sempre te dá atenção.
? Sua Excelência... ? Ywen, a mãe da menina, fez uma pequena reverência ao vê-lo entrar.
? Bom dia, Ywen. Acredito que Natalie deseja tomar duas bolas de sorvete. ? Deixou a menina no chão e caminhou pela entrada da residência. Tudo estava igual a antes de partir. Graças a Deus nada tinha mudado e esperava que nunca o fizesse.
? Gelado? ? Ywen arqueou as sobrancelhas castanhas e olhou à menina zangada. Natalie se escondeu atrás das pernas de Roger e este voltou a soltar outra gargalhada.
? Se puder nos servir duas taças de sorvete... ? assinalou divertido.
? Zangou-se... ? sussurrou a menina sem mover-se.
? Como sabe? ? Virou a cintura para a direita e a observou jocoso.
? Porque enrugou o nariz...
? Roger, deveria ir visitar os outros. Estarão na estufa ? indicou John.
? Far-me-á a honra de me acompanhar, milady?
Bennett fez uma exagerada reverência à menina.
? A honra será minha, cavalheiro ? respondeu agarrando seu vestido com ambas as mãos e lhe respondendo com outra genuflexão.
Agarrada à sua mão Natalie saltitava em vez de caminhar. Estava tão feliz de ter de novo seu irmão que era impossível andar como lhe indicava sua insistente instrutora. Elevou várias vezes o rosto para confirmar que estava ali, junto a ela, e que nada nem ninguém os separariam jamais.
? Bom dia a todos. ? Roger abriu a porta da estufa e saudou os meninos que se encontravam estudando botânica com a senhora Simon, encarregada de lhes ensinar matérias como álgebra, ciência e piano.
? Roger! ? Exclamaram ao uníssono. Antes que Natalie pudesse lhe soltar a mão os meninos correram para Bennett para abraçá-lo.
? Sua Excelência ? saudou-o a professora com uma reverência. ? Bem-vindo.
? Bom dia, senhora Simon. Que tal foram suas aulas em minha ausência?
? Salvo pelo comportamento habitual do senhor Logan, tenho que lhe dizer que tudo está perfeito ? explicou orgulhosa.
O menino aludido se endireitou, levou a mão à cabeça e soprou. Roger quis censurar e repreender sua atitude, mas quando o olhou aos olhos, viu-se ele mesmo. Nunca tinha sido um bom estudante. Sempre se esquivava das aulas que o aborreciam e desesperava qualquer instrutora que se autoproclamasse tranquila e sossegada. Mas por sorte sua mãe acalmava sua ira quando elogiavam o cavalheirismo, a inteligência e a sensatez de Charles, o filho pródigo, quem deveria ter sido o encarregado de ostentar o título que, por cinco minutos, ele tinha que possuir.
? Não quero voltar a escutar a senhora Simon me indicar que seu comportamento não é o adequado ? disse finalmente. Recordou-se de seu pai. Ali, em frente à porta de seu dormitório com os braços nas costas e elevando o queixo com ímpeto. ? Se em menos de um mês sua conduta não mudar, terei que falar com sua mãe para escolher o que fazer contigo. Não posso perder tempo nem meu dinheiro esbanjando-o naqueles que não o valoram.
? Sim, senhor. Prometo-lhe que mudarei. ? Abaixou a cabeça e apertou os dentes.
«Deus! ? Pensou Bennett. ? Como pode ser tão semelhante a mim?».
? Roger... ? John chamou sua atenção ? o administrador acaba de chegar. Espera-te no escritório.
? Diga-lhe que não demorarei. ? Seu amigo assentiu e partiu. ? Bom, tenho que ir. Espero que os pequenos incidentes não voltem a se repetir. Senhora Simon...
? Senhor Bennet...
Deu-se a volta e caminhou para a porta. Entretanto ficou parado ao ver que Natalie não se movia. Permanecia ao lado da professora.
? Quero escutá-la, se não se importar. Quero aproveitar o tempo e o dinheiro ? apontou a menina muito séria.
Bennett sorriu e continuou seu caminho. Enquanto se dirigia ao escritório recordou o dia no qual apareceu Ywen em Lonely Field. Chorava desesperada enquanto mostrava um bebê nos braços. Ao princípio não quis olhá-lo. Só pensou que era outro mais. Outro ser desamparado ao que, igual aos outros, unia-o o mesmo sangue, mas quando Ywen afastou a manta que cobria o pequeno rosto, Bennett ficou paralisado. Não estava vendo a filha de seu pai, mas sim a sua. Tinha o mesmo tom de olhos, seu mesmo nariz bicudo e o cabelo, aquele diminuto arbusto de cabelo que cobria a cabecinha era do mesmo tom. Nesse momento, ao ver Natalie, compreendeu que todo seu esforço, todos seus pesares valiam a pena se seus irmãos eram tratados com a dignidade que mereciam. Por que deviam sofrer as consequências do egoísmo de um pai incapaz de reconhecer seus bastardos? Além disso, na residência os mantinha a salvo das garras de sua mãe. Ao rememorar o instante em que descobriu as atrocidades que ela realizava para eliminar todas as crianças que nasciam das infidelidades de seu marido, Roger apertou a mandíbula e respirou com profundidade. Não, não lhes ocorreria nada de mau. Ele os protegeria sempre.
? Com os últimos ganhos têm podido resolver todas as faturas. ? O administrador, rodeado de papéis, mostrava a Roger um a um os recibos pagos. ? Tenho que lhe dizer que foi uma ideia excelente cortar os gastos ao fazer com que as mães trabalhassem na residência. Pudemos prescindir de cozinheiras, lavadeiras, donzelas e inclusive várias delas cuidam do jardim melhor que qualquer jardineiro que se orgulhe de sê-lo.
? Alegra-me escutar isso. ? Roger adotou a postura de um homem de negócios. Seu corpo reto parecia mais imenso, se cabia, e suas mãos ocultas atrás das costas o magnificavam.
? Mas também tenho que o advertir que se achássemos mais alguns filhos ilegítimos de seu pai...
? Conforme me informou John levamos um ano sem que apareça nenhum e não acredito que, aos seus setenta anos, possa continuar com esse desventurado costume ? resmungou Bennett.
? Bom, nunca se sabe o que foi capaz de fazer no passado, mas é certo que há um ano ninguém apareceu e duvido que possa engendrar mais filhos devido à sua enfermidade.
? Doente? ? Perguntou franzindo o cenho.
? Sim. Sua Excelência está prostrado no leito ao menos há quatro meses. Segundo meus contatos poderia falecer em qualquer momento e você possuiria o título.
? E como não me fez chegar uma notícia assim? ? Inquiriu furioso.
? Senhor, disse-lhe. Indiquei-lhe na missiva que lhe enviei quando estava navegando que devia me visitar por dois motivos importantes. Mas quando desembarcou não apareceu no meu escritório ? explicou com voz tremente.
? Tem razão... ? acalmou-se um pouco. ? Tive que me ocupar de outros assuntos antes de partir para Haddon Hall. ? Perambulou pelo escritório sem poder fixar a vista em nenhuma parte. Se for certo, se seu pai estava em seus últimos dias, como aceitaria sua mãe ser a viúva e que seu desprezível filho conseguisse o título? E seu irmão? Permaneceria impassível enquanto ele aceitava seu legado? Roger enrugou a testa. Sabia que deviam estar tramando algo, o que não conseguia imaginar, mas seria algo maligno, disso não lhe cabia dúvida. De repente ficou pétreo, olhou fixamente ao administrador e perguntou: ? Qual é o segundo motivo?
? Você... ? a voz tremente apareceu de novo.
? Eu? ? Roger entrecerrou os olhos e olhou ao homem com suspeita.
? Sei que não pode ser certo, sua Senhoria. Por mais que estive pensando nisso, não me saem as contas.
? Contas? De que contas fala? ? Caminhou para a mesa coberta de papéis e apoiou as palmas sobre eles.
? Rogo-lhe que não se zangue comigo, senhor. Juro-lhe por minha vida que não acredito em uma só palavra dessa descarada.
? A que descarada se refere? ? Grunhiu.
? À viúva do senhor Myers, Excelência ? disse ao fim.
? Eleonora? ? Afastou as mãos, cruzou-as diante de seu peito e arqueou as sobrancelhas. ? O que queria essa mulher de ti?
? Não se trata de mim, mas sim de você. ? O administrador fez uma pausa para poder tomar fôlego. Sabia que o que ia expor não lhe ia causar agrado algum. ? Cinco meses depois de seu enlace matrimonial apareceu em meu escritório ? começou a dizer. ? Vinha enfurecida e se foi ainda mais zangada quando lhe indiquei que não sabia onde se encontrava e que não podia lhe fazer chegar a informação.
? O que desejava essa harpia? Que informação devia me dar? ? Perguntou surpreso, ao mesmo tempo que confuso.
? Segundo ela você... ? titubeou de novo. ? Você...
? Maldita seja! Fala de uma vez!
? Essa mulher diz que o filho que espera é seu.
Roger não teve tempo de reagir ante a notícia quando John abriu a porta de uma vez.
? Temos um grave problema ? manifestou com o rosto alterado.
? O que acontece? ? Perguntou Bennett caminhando para seu amigo com rapidez.
? Yeng está lá fora. Sophie o enviou. ? Virou-se e correu para a saída. Bennett o imitou. Seu coração não palpitava e mal podia respirar. Se sua governanta tinha enviado alguém em sua busca era por uma razão: Evelyn.
? Diga-me que minha esposa não está em perigo ? exigiu saber enquanto montava no cavalo.
? Não posso dizer tal coisa porque sua mãe e seu irmão estão com ela ? soltou John antes de tocar com brio ao corcel.
XXX
? Estou perfeita? ? Evelyn acariciou o vestido e deixou de respirar. Wanda tinha sido hábil ao fazer chegar o baú que transportava na carruagem e podia usar um dos vestidos que comprou sob o atento olhar de Beatrice.
? É claro ? afirmou a donzela ultimando o penteado.
? Estou tão nervosa... o que pensará a marquesa? Parecerei a mulher perfeita para seu filho? Espero... rogo que não tenham chegado aos seus ouvidos as desditas que padeci no passado ? soluçou.
? Relaxe. De verdade que deve tranquilizar-se um pouco antes de descer. Além disso, goste ou não Sua Excelência, já se casou com seu filho e nada pode fazer para desfazê-lo. Seja você mesma, não queira aparentar aquilo que não é e já verá o orgulhoso que se sente seu marido quando souber que recebeu de maneira correta a sua mãe ? comentou com voz suave e aprazível.
? As luvas! ? Exclamou Evelyn olhando ao seu redor. Movia-se com tanto brio que Wanda pensou que o laborioso penteado não permaneceria muito tempo tão perfeito.
? Não acredito que seja apropriado... ? começou a dizer em voz baixa.
? Tenho que usá-las! ? Respondeu agitada. ? Meu Deus, tenho que usá-las!
? Respire... por favor, respire... ? Wanda observou que os objetos que procurava com desespero jaziam sobre a penteadeira e que devido ao seu estado de nervosismo não os tinha visto. Aproximou-se, pegou-os e os mostrou.
? É muito importante para mim lhe causar boa impressão ? disse um pouco mais serena enquanto a donzela lhe punha as ansiadas luvas. ? É a marquesa, a mãe do homem de quem estou... ? emudeceu rapidamente. Não, não podia dizê-lo ainda. Por mais feliz que se sentisse junto a Roger ainda não podia falar de algo tão importante, tão profundo.
A criada respirou fundo, estendeu suas mãos pelo vestido e caminhou para a porta. Não precisava que Evelyn terminasse a frase que tanto temor lhe produzia. Ela já sabia as palavras com as quais finalizaria. Estava apaixonada. O homem de olhar penetrante, perturbador e embelezador tinha utilizado todas as suas artimanhas para seduzi-la e apanhá-la. Só esperava que ele sentisse o mesmo por ela e esquecesse o resto das mulheres.
? Preparada? ? Quis saber após abrir a porta e esperar que Evelyn se decidisse a caminhar para o exterior.
? Sim ? respondeu após suspirar e elevar o queixo.
? Não se esqueça de respirar, é muito importante para evitar desmaios inoportunos... ? sussurrou-lhe quando passou ao seu lado.
Evelyn sorriu levemente. Caminhou mais erguida do que deveria e parou quando chegou às escadas. Olhou para a entrada e observou que ali não havia ninguém. Certamente Sophie tinha dirigido a marquesa para a sala de jantar. Relaxou e, tal como lhe indicou Wanda, respirou. Pousou a mão no corrimão e desceu devagar, sem aparente pressa, embora a força com que pulsava seu coração poderia impulsioná-la para baixo sem chegar a tocar o chão com os pés.
? Boa tarde... ? apareceu uma voz masculina justo antes de pisar o último degrau.
Evelyn não pôde ocultar a surpresa que lhe produziu ver um homem tão parecido ao seu marido, embora percebesse notórias diferenças: seu marido tinha os olhos mais claros, era o dobro de corpulento e, por sorte para Roger, o cabelo e a barba abundavam mais nele que naquela pessoa que a olhava sem piscar.
? Pelo assombro que contemplo em seu belo rosto meu querido irmão não a informou sobre mim, estou certo? ? Arqueou a sobrancelha direita, sorriu e esticou sua mão para tomar a dela e dirigi-la para sua boca.
? Boa tarde. A verdade é que falamos de muitas coisas, talvez tenha me dito e o esqueci ? desculpou-o. Tentou recompor-se do choque que lhe tinha produzido a aparição de outro Bennett e sorriu.
? Nesse caso, minha querida cunhada, apresentar-me-ei como é devido. ? Fez uma ligeira genuflexão e prosseguiu: ? Sou Charles Bennett, o irmão gêmeo de seu marido ? esclareceu com uma voz tão melosa que Evelyn sentiu uma estranha comichão em seu estômago.
? Encantada de o conhecer, pode me chamar de Evelyn se lhe parecer correto ? disse enquanto aceitava o braço que lhe oferecia para dirigi-la para a pequena saleta que Roger tinha ao lado da sala de jantar.
A mulher franziu sutilmente o cenho. Não esperava que Sophie os tivesse conduzido a um lugar tão privado para seu marido. Conforme lhe contou quando lhe fez o breve percorrido pela casa, ali era onde se reunia com os comerciantes, advogados e administradores que trabalhavam para ele e onde guardava documentos que ninguém devia tocar.
? Evelyn... ? sussurrou com tom aveludado. ? Bonito nome. Que significado tem um antropônimo tão assombrosamente belo?
? Provém de uma palavra grega, hiyya, que significa fonte de vida ? respondeu surpreendida. Era a primeira vez que alguém se interessava pela origem de seu nome. ? Embora acredite que a verdadeira razão pela qual meus pais decidiram me pôr este nome se deve a uma...
? Novela? ? Interrompeu antes de apertar inapropriadamente sua mão com a dele.
? Sim, com efeito, a uma novela. A minha mãe gostava muito de ler e imagino que achou o nome em algum personagem feminino ? respondeu desenhando um leve sorriso enquanto retirava sua mão do braço masculino com sutileza.
? Mãe... ? saudou Charles após abrir a porta e permitir que Evelyn acessasse primeiro ? apresento-lhe Evelyn, a esposa do nosso querido Roger.
? Sua Excelência... ? Evelyn caminhou para ela, fez uma reverência e ficou parada até que a mulher, de não mais de cinquenta anos, aproximou-se dela abrindo seus braços.
Nenhum dos dois tinha herdado nem a cor de seus olhos nem o do cabelo. A mãe possuía olhos negros e cabelo castanho. Tampouco se assemelhavam em altura. Era uma mulher baixa e gordinha. Entretanto, todo seu ser desprendia poder, dominação e arrogância. Qualidades que sim possuía seu marido.
? É linda! ? Exclamou a marquesa enquanto a abraçava. ? Roger sempre teve bom gosto ao escolher as suas mulheres e vejo que continua tendo-o. Embora até agora nunca escolhesse uma com o cabelo vermelho. Imagino que esse terá sido o principal motivo pelo qual terminou casando-se contigo. É diferente.
Evelyn piscou várias vezes, apertou os dentes e continuou sorrindo embora sua mente lhe oferecesse mil maneiras de desculpar-se e sair fugindo dali até que Roger aparecesse e lhe explicasse a verdadeira razão pela qual estavam casados.
? Enquanto a esperávamos pedi à criada que nos preparasse uma chaleira quente ? comentou. Pegou a mão direita de Evelyn e a conduziu, com um caminhar firme, por volta das duas poltronas que havia junto à chaminé.
? Parece-me uma ideia muito acertada. Sinto se os fiz esperar mais do que o devido. Depois da longa viagem necessitei de bastante tempo para me repor ? respondeu Evelyn sem saber se suas palavras eram as adequadas.
? Imagino... ? disse a mulher enquanto se sentava em uma das poltronas.
? Pode acreditar que minha querida cunhada não sabia da minha existência? ? Comentou Charles com um sorriso divertido. ? Deduzo que meu irmão não lhe falou muito sobre sua família.
? Não? ? Perguntou a marquesa mostrando um incrível pesar no rosto.
? Tenha em conta que mal permanecemos juntos. Depois de nos casar Roger teve que empreender uma longa viagem de negócios. ? Voltou a desculpá-lo sem poder evitar ruborizar-se ao ter que responder questões tão íntimas.
? Meu querido filho não é muito falador, não é? Ele prefere atrair as mulheres com outro tipo de artes mais... pecaminosas.
? Eu apreciei ? começou a dizer Evelyn depois de tomar ar e conter a impetuosa ira que começava a nascer em seu interior ? que tanto Charles como Roger são bastante parecidos.
? Sim, minha gestação foi um presente de Deus. Acreditamos que vinha um só bebê e tivemos uma grata surpresa ao descobrir que meu seio albergava duas criaturas. Embora Charles seja somente uns minutos mais novo que Roger ? disse sem ocultar seu desdém.
? Parecemos-lhes iguais? ? O aludido se aproximou tanto que voltou a sentir-se incômoda ante tal proximidade. Contra sua vontade Evelyn pôde cheirar o perfume de seu cunhado. Apesar de serem tão parecidos, os dois possuíam essências muito diferentes. A do Roger produzia nela um efeito embriagador, entretanto, a do Charles a enojava.
? Um pouco... ? reclinou-se levemente sobre seu assento para distanciar-se antes de mostrar qualquer sinal de repugnância no rosto e verteu água quente sobre a xícara em cujo interior havia uns raminhos verdes.
? Permiti-me o luxo ? continuou falando a mulher ? de te trazer umas infusões do meu lar. Espero que sejam de seu agrado.
? Muito obrigada, com certeza que sim. ? Aproximou a xícara de sua boca, mas ao notar a água mais quente do que estava acostumada a tomar, deixou-a de novo sobre o prato.
? Quando eram pequenos ninguém sabia quem era um e quem era outro, mas por sorte uma mãe nunca se equivoca. ? A marquesa franziu o cenho ao ver que Evelyn colocava o copo sobre a mesa. ? E falando de crianças... pensa em ter descendência logo? Meu marido, ao ser vinte anos mais velho que eu, esforçou-se em me deixar grávida desde a primeira noite que me converti em sua esposa.
? Mas Roger e eu somos da mesma idade e acreditamos que antes de trazer um bebê ao mundo temos que nos conhecer um pouco mais. ? Tinha parecido loquaz? Isso esperava porque não desejava ter que ser ela quem dissesse à marquesa que jamais teria essa ansiada descendência.
? Pois não deveriam demorar muito. Se por acaso não sabe, o marquês está muito doente ? disse com aparente tristeza. ? E se não melhorar, logo ficarei viúva.
? Isso significa que Roger... ? tragou saliva e voltou a segurar a xícara. Tremiam-lhe as mãos? Sim, claro que o faziam. Escutou um leve tinido ao tentar levantar a xícara.
? Sim. Apesar de sua insistência em recusar o título que por nascimento lhe pertence, não pode evitá-lo. Quando seu pai morrer ele será o novo marquês de Riderland ? prosseguiu sua exposição com uma desmesurada aflição no ancião rosto. ? Como já te terá indicado, odeia tanto a responsabilidade que suporta ser marquês que jamais aceitou um só xelim da família.
? Como? ? Disse sem pensar.
? Não lhe contou isso ainda? Sinto muito, possivelmente estou me metendo em temas que não me incumbem, mas não é justo que pense que se casou com um homem diferente ao que é em realidade: seu marido, querida, vive do que aquele navio lhe proporciona. ? A marquesa esticou a mão e tocou com suavidade a de Evelyn.
? Então... tudo isto...
Levou a xícara aos lábios. Devia lhe dar um bom sorvo para poder digerir o que estava escutando, mas quando a xícara tocou sua boca, uma enorme se escutou portada na sala. Ao levantar o olhar observou Roger com os olhos injetados em sangue. Sem pensar um segundo este correu para ela, pegou a xícara e a atirou para o interior da chaminé.
? Parta daqui agora mesmo! ? Gritou com tanta força que o eco de sua voz retumbou por cada canto da casa. Ao mover a cabeça de um lado para o outro algumas mechas do rabo de cavalo se soltaram para formar redemoinhos sobre sua cabeça. Alguma vez tinha visto um homem tão zangado? Alguma vez tinha presenciado como um titã podia converter-se em uma besta tão ameaçadora?
? Filho... ? murmurou a marquesa levantando-se de seu assento e estendendo as mãos para ele. ? Meu filho...
? Disse para partirem ? resmungou. Seu peito se elevava e baixava com uma velocidade inverossímil. De repente Evelyn observou assustada, que os olhos de seu marido se obscureciam e que sua boca se torcia em um sorriso satânico. ? Ou o fazem por bem... ou por mau ? sentenciou.
Nesse preciso momento John apareceu na entrada. Em sua mão levava uma pistola e sorria de satisfação.
? Vamos, mãe! ? Ordenou Charles estendendo a mão para ela. ? Não se humilhe mais.
? Mas, filho... ? insistiu a marquesa com lágrimas nos olhos.
? Bebeu algo? Tomou algum mísero sorvo disso? ? Roger, inquieto, agarrou-lhe a mão, levantou-a da poltrona, caminhou com ela para a saída e quando estavam no meio do salão, retornou à mesinha para lançar o bule ao mesmo lugar que tinha jogado a xícara.
? Não... ? disse temerosa. ? Não tomei nada, por que o diz? O que acontece, Roger? A que vem tudo isto? Por que os jogou desse modo de nossa casa?
? Querida, prometo-te que explicarei isso tudo quando me encontrar mais calmo, mas agora não sou capaz de raciocinar. Só desejo... ? soltou outra vez a mão de sua mulher e andou para a porta principal.
? Vão como duas hienas depois da chegada do leão ? indicou John antes de soltar uma gargalhada.
? Sinto muito, senhor, não pude evitar que... ? começou a dizer Sophie sem deixar de chorar.
? Calma, eu entendo. Fez o correto. ? Roger a reconfortou.
Evelyn foi incapaz de mover-se do hall. Não podia assimilar o que tinha acontecido nem por que. Seu marido havia dito que explicaria quando estivesse mais calmo, mas... e ela? Quando se acalmaria ela? Aturdida, levantou o vestido com as duas mãos e começou a subir as escadas com rapidez. Precisava ficar sozinha. Precisava digerir o que tinha acontecido em menos de uma hora.
? Evelyn! ? Gritou Roger ao vê-la caminhar pelo piso de cima. ? Evelyn!
? Não suba, ? disse John pousando a mão direita sobre o ombro de seu amigo ? deixe-a até que encontre a paz que necessita para falar com ela.
? Não vou dar tempo para que sua mente pense o que não é, devo lhe esclarecer tudo o que aconteceu, mas antes de subir deve me fazer um favor.
? Diga-me.
? Eleonora comenta que está esperando meu filho e não é certo ? disse com veemência.
? Está totalmente seguro de que não é teu?
? Totalmente ? declarou cortante.
? Bem, o que quer que eu faça?
? Procura o homem com quem ela esteve se vendo às escondidas. Pode ser que a visitasse inclusive quando estava comigo. Essa mulher tinha um maligno propósito quando jazia em meus braços. Não acreditei nos que me advertiram que, em diversas ocasiões, viram-na comprando beberagens de fertilidade em Whitechapel, mas agora sei que tinham razão quando me avisaram que procurava ser a futura marquesa de Riderland ? comentou zangado consigo mesmo por não haver se dado conta com antecedência.
? Essa mulher sempre me produziu calafrios... ? disse John fazendo tremer de maneira exagerada seu corpo.
? Não demore em encontrá-lo. Acredito que Evelyn não será capaz de confrontar tantas coisas de uma vez só ? disse olhando por volta do segundo andar.
? Se te amar, o fará ? determinou John antes de partir para começar a busca pelo misterioso amante.
XXXI
Apesar de querer dar-se um pouco mais de tempo para falar com Evelyn, não pôde conter-se. Quando viu John montar no cavalo e dirigir-se para Londres, Roger subiu as escadas de dois em dois. Urgia lhe contar a razão pela qual tinha atuado daquela maneira e que ela entendesse o motivo de sua ira. Caminhou pelo corredor com mais lentidão do que pretendia. Seu coração pulsava com força e mal podia controlar os tremores de suas mãos. Ficou parado na porta com a cabeça abaixada e os ombros inclinados para frente. Era o momento de sua esposa descobrir seu passado embora isso implicasse um inevitável distanciamento entre ambos.
Quando acessou ao dormitório observou Wanda sentada ao lado de sua mulher. Abraçava-a e lhe murmurava palavras de consolo enquanto ela soluçava. Estrangulou-se-lhe a garganta e notou como suas forças se desvaneciam ante a triste imagem. Deu dois passos para a frente esperando que a donzela notasse sua presença. Assim que ela o descobriu, ao virar com suavidade a cabeça para a porta, levantou-se, fez uma pequena reverência e começou a dirigir-se para ele.
? Obrigado, Wanda ? agradeceu-lhe com uma voz incomum nele.
? Excelência...
Wanda fechou a porta após sair. Inspirou profundamente e cravou seus olhos no final do corredor. Surpreendeu-se ao ver que Sophie a esperava com os braços cruzados diante do peito. Sem parar para raciocinar por que estava ali, dirigiu-se para ela.
? Posso te contar toda a história enquanto tomamos um chá ? assinalou a mulher com tom suave.
? Preferiria um bom copo de uísque ? acrescentou Wanda.
? Então direi ao Yeng que nos suba uma garrafa da adega.
Não se atrevia a aproximar-se. Evelyn continuava sentada sobre a cama olhando para a janela.
? Se quiser que eu parta, entenderei ? disse enfim.
? Acredito que antes de se afastar deveria me explicar o que aconteceu lá embaixo ? respondeu tremente.
? Evelyn eu... eu não quero te perder ? comentou em tom estrangulado.
? Tenta me dizer a verdade e eu ponderarei o que devo fazer, mas não dê por certo algo que ainda não decidi ? apontou. Voltou-se para Roger e ficou muda. Seu cabelo continuava alvoroçado, seus olhos já não eram escuros e sim cristalinos, e seu corpo, aquele que adorava pela magnitude que expressava, permanecia curvado, abatido.
? Como comprovou, ? começou a dizer caminhando para ela ? a relação com minha família é um tanto peculiar.
? Todos temos certas diferenças entre os membros de uma família, mas jamais acreditei que alguém tentasse resolvê-los dessa forma ? assinalou Evelyn apática.
? Não foi sempre assim, conforme me contou a mulher encarregada da nossa criação. Ela não teve preferidos até que cumpri os quinze anos. E era certo, ela tratava aos dois por igual. Entretanto, meu caráter começou a manifestar-se nessa idade e fomos nos distanciando.
? Meus pais também se zangaram comigo quando descobriram que eu não era a filha que esperavam, mas nunca cheguei a desprezá-los tanto para chegar a tratá-los dessa maneira ? indicou Evelyn esperando que Roger não quisesse lhe contar uma história falsa.
? Evelyn... ? murmurou ao mesmo tempo em que se ajoelhava em frente a ela.
? Tenta de novo, Roger. Se de verdade deseja que eu fique ao seu lado, conte-me a verdade.
? E se não for capaz de suportá-la? E se não for capaz de me olhar de novo nos olhos?
? Tenta...
Bennett abaixou a cabeça, deixou os braços soltos e prosseguiu.
? A fama de adúltero do meu pai era cada vez maior. Lembro como discutiam quando pensavam que ninguém os escutava, como minha mãe lhe gritava que ela não merecia padecer aquele tipo de vergonha e que estava cansada de receber todas as suas amantes com crianças nos braços declarando que eram filhos deles. «Casei-me contigo por sua inteligência, ? disse-lhe meu pai uma das vezes que falaram sobre o tema ? e confio que saberá como fazer desaparecer sua insofrível vergonha». Jamais imaginei que ela tomasse aquelas palavras de maneira tão literal, mas acredito que, aquilo que a conduziu a tomar aquela decisão tão horrenda, foi o desejo de velar por nossa posição social. ? Evelyn estendeu suas mãos para os ombros de seu marido para reconfortá-lo com seu leve toque. ? Mas apareceu um menino... uma estranha criatura que não contava com mais de sete anos se apresentou na porta da residência familiar com sua mãe pela mão. Até aquele dia, até aquele preciso momento, a marquesa cuidou com incrível paixão tanto do meu irmão como de mim para que não fôssemos testemunhas daquele tipo de visitas. Entretanto, aquele dia escapei do meu dormitório e me ocultei no estábulo. Precisava sair da casa e fazer desaparecer por umas horas a pressão que sentia ao ser instruído para me converter no futuro marquês. Lembro que a própria marquesa os recebeu, e após falar com a mulher, o menino ficou na entrada enquanto via como se afastava sua mãe. Com um sorriso estranho em seu rosto, conduziu-o para o interior da casa. Durante as duas semanas seguintes estive procurando esse menino por toda a residência. Inclusive me atrevi a perguntar às criadas se o tinham visto. Ninguém tinha ouvido falar dele, mas minha curiosidade era tal, que não diminuí meu empenho por encontrá-lo. Um dia, enquanto brincava com Charles, aventurei-me a percorrer o porão. Ali, no meio de um muro de pedra, uma porta de pequena envergadura permanecia fechada com a chave dentro da fechadura. Desejoso de ganhar o jogo, abri a porta e quando descobri o que havia no interior me assustei tanto que fui incapaz de me mover.
? Estava lá, não é? ? Interrompeu Evelyn ajoelhando-se em frente ao seu marido.
? Sim. Tinha-o amarrado a umas cordas para que não tentasse escapar. Lembro o suave e lento ritmo de seu respirar e a extrema magreza. Estava tão esquálido que podia apreciar com claridade os ossos ocultos sob sua pele. Quis desatá-lo, liberara-lo daquela prisão, mas escutei um ruído às minhas costas e me escondi.
? Quem era...? ? Perguntou colocando suas mãos nas maçãs do rosto de Roger. Levantou-lhe o rosto e observou um rio de lágrimas percorrendo suas bochechas.
? Minha mãe. Era minha mãe ? tremeu-lhe a voz ao afirmá-lo.
? OH, meu Deus, Roger! ? Exclamou abraçando-o com força.
? Matou-o diante dos meus olhos, Evelyn. Foi muito cruel escutar os soluços daquele menino rogando, em seu último fôlego, piedade para sua assassina. ? Bennett continuou chorando enquanto as cálidas mãos de sua mulher o acariciavam e tentavam lhe dar o consolo que, até aquele momento, nunca tinha encontrado. ? Quando esteve segura de que o menino não respirava, fechou a porta e partiu como se nada tivesse ocorrido. Durante os três dias seguintes, desci para averiguar que plano tinha minha mãe para desfazer-se do cadáver. E o que descobri foi tão aberrante que perdi o juízo. A cozinheira, uma mulher de incalculável confiança de minha mãe, picotava o corpo do menino com um machado. Vi-a ali, estendida no chão, levantando a arma e atirando-a com força para quebrar os ossos agarrados à carne. Logo todas as partes picotadas foram colocadas em um caldeirão e jogados em um fogo na cozinha. Utilizava-os como míseras lenhas.
? Mas o aroma... O fedor a...
? Quem ia imaginar que o que avivava o fogo eram restos de um ser humano? ? Comentou afastando as lágrimas com suas mãos e levantando-se com rapidez. Evelyn ficou olhando-o, quebrada de dor ao escutar o que lhe contava. ? Quando na cozinha não houve ninguém que fora testemunha da loucura que ia cometer, peguei um ramo do chão e tirei um osso desse menino.
? Seu crânio... ? murmurou Evelyn levando as mãos para a boca.
? Sim ? disse Roger voltando seu olhar para ela e entreabrindo os olhos.
? Vi-o na carruagem... ? revelou com temor.
? Prometo-te que não tratava de alcançar um prêmio, nem algo que queria ter como lembrança das demências da minha mãe. Precisava me aferrar a algo para me liberar da maldade que me rodeava, Evelyn. De confirmar que eu não era como ela, embora seu sangue regue meu corpo.
? O que aconteceu depois? ? Levantou-se e se colocou atrás das costas de seu marido.
? Parti. Com somente quinze anos abandonei meu lar e decidi procurar um futuro distinto do que me tinham marcado. Vivi alguns meses nas ruas, ocultando minha identidade. E de repente, um dia, um cavalheiro que cobria seu corpo com uma grande capa negra, e que se aproximou de mim para me dar umas moedas, teve piedade daquele menino magro e imundo que lhe rogava uma esmola para poder comer. Ofereceu-me partir com ele à França e me converter em um homem respeitável. Não me pergunte a razão dessa oferenda, jamais a investiguei, mas o que sim posso afirmar é que graças à sua misericórdia me salvei de morrer faminto em qualquer rua de Londres. Quatro anos depois do meu desaparecimento, quando todo mundo me acreditou morto, apareci em Tower, a residência dos meus pais. Meu pai chorou ao ver-me e me abraçou como nunca antes tinha feito. Entretanto, minha mãe e meu irmão não se aproximaram de mim. Acredito que não foram capazes de assimilar meu regresso. ? Suspirou profundamente. Olhou para o exterior da janela e prosseguiu. ? Não pretendia ficar vivendo com eles, nem voltar a ocupar o posto que por nascimento me pertencia, mas precisava esperar o momento idôneo para confessar à minha mãe que sabia o que tinha feito com os filhos ilegítimos de meu pai. Como era de se esperar, ela se enfureceu, gritou-me que tinha enlouquecido durante minha ausência e que só eram histórias que minha mente juvenil imaginou.
? Roger... ? Esticou as mãos, agarrou-o pela cintura e pousou sua cabeça sobre as costas masculina.
? Pouco tempo depois do meu imaginário testemunho comecei a adoecer. Tinha náuseas, enjoos e muitas febres, muitas. Meu pai, apavorado ao pensar que tinha contraído alguma enfermidade contagiosa, fez chamar o médico para que me tratasse, mas nem este pôde dizer com claridade o que me acontecia. De repente, uma pessoa teve piedade de mim. Um criado que levava pouco tempo servindo meus pais e que observava com firmeza o que acontecia no imóvel. Ele descobriu que minha mãe tinha plantado beladona em um lugar afastado do jardim e que me preparava isso como infusão. Ao raciocinar que tentava me matar por envenenamento, não o pensou. No meio de uma noite jogou meu corpo quase inerte sobre seus ombros, desceu até a entrada e, com grande esforço meteu-me em uma carruagem.
? Anderson... ? murmurou Evelyn apertando com mais força o corpo de seu marido.
? Mas o ódio da minha mãe não ia cessar nunca. Esperou com paciência o momento para conseguir seu fim e quase o obteve de novo. Encarregou um homem de me seguir e me espreitar. Em uma das minhas saídas noturnas nas quais não podia nem ficar em pé pela embriaguez, fui assaltado e amarrado. Resisti com afã ao ataque, mas não consegui escapar. Quando abri os olhos depois do desmaio, uma voz começou a falar atrás de mim. Antes de poder lhe responder, de repreender seu ato, notei uma ardência em minha pele.
? Suas marcas... ? Evelyn liberou a cintura de Roger e pousou com suavidade suas palmas sobre o tecido que cobria os sinais das chicotadas.
? Mas o destino voltou a me salvar. Na mesma noite em que fui assaltado, estive jogando cartas com o William e Nother, o antigo proprietário do meu navio. Rutland apareceu na residência em que me hospedava e ao não me achar buscou-me desesperado por toda Londres. Acredito que se sentia culpado por haver me abandonado à minha sorte enquanto ele esquentava o leito de uma amante. Então tropeçou com o Yeng, o crupiê que nos atendeu no clube. Quando lhe perguntou se me tinha visto, informou-o que depois de sair do clube duas pessoas carregavam meu corpo. Também lhe disse que me introduziram em uma carruagem e que se dirigiram para os subúrbios. William o agarrou pelo pescoço e fez com que lhe mostrasse o lugar aonde me conduziram. Só lembro que, quando dava tudo por perdido, quando vi a morte aproximando-se de mim, escutei um disparo e depois a pressão das minhas mãos acabou.
? OH, querido... ? soluçou abraçando-o de novo.
? Desde esse momento prometi que lutaria até o final dos meus dias e que nenhum ser inocente que tivesse meu próprio sangue morreria nas mãos da minha mãe. Yeng decidiu permanecer ao meu lado e foi meus olhos enquanto eu realizava longas viagens no navio. Encarregou-se de recolher todas as crianças que se dirigiam para Tower para reclamar a paternidade do marquês e os albergava em um asilo que eu pagava. Pouco depois adquiri vários terrenos. Em um construí Lonely e no outro... ? virou-se para sua mulher. Desejava contemplar como fazia frente ao que estava a ponto de revelar. Sentiu-se um ser maligno ao ver suas lágrimas vagar pelo rosto.
? E no outro? ? Insistiu Evelyn.
? Construí uma pequena residência a qual chamei Children Saved.
? Crianças salvas... ? murmurou a mulher com apenas um fio de voz.
? Sim. Ao princípio acredito que só o fiz para salvar minha própria consciência que não cessava de me recriminar dia após dia que podia ter impedido as mortes daquelas crianças.
? Mas não podia fazer nada... ? Evelyn levantou as mãos para Roger e pousou suas palmas no rosto. ? Era muito pequeno... ? insistiu soluçando.
? Mas um dia apareceu em minha porta um anjo. Um diminuto ser que quase me fez ajoelhar e suplicar que me perdoasse sem lhe haver feito nada ainda. Minha pequena Natalie... ? suspirou. ? Ela me fez compreender que esperavam de mim algo mais que um lugar onde os acolher ou os alimentar. Necessitavam de afeto igual a mim. Com o tempo minhas viagens se fizeram mais duradouras e abundantes face à fama que criei em Londres, para humilhar ainda mais meu sobrenome todos os comerciantes requeriam meus serviços. Quase todos os meus lucros se destinaram à melhoria da residência e a contratar pessoal qualificado para lhes oferecer a educação que mereciam.
? Quantas crianças há no Children Saved?
? Vinte.
? Vinte?! ? Repetiu surpreendida.
? Muitos, eu sei. Graças a Deus meu pai adoeceu e teve que abandonar o insaciável desejo de engendrar um sem-fim de possíveis herdeiros. ? Sorriu de lado ante seu próprio sarcasmo.
? Quero conhecer todos ? murmurou enquanto aproximava a boca de seu marido à dela.
? Está segura? ? Mal pôde fazer a pergunta pela emoção.
? Sim, muito segura.
Roger beijou Evelyn com paixão. Depois ficou olhando-a sem piscar, pegou-a pela cintura e a elevou sobre sua cintura.
? Amo-te, senhora Bennett. Amo-te mais do que jamais pude imaginar que o faria. ? Caminhou para o leito e a posou muito devagar.
? Roger... ? murmurou enquanto seu marido começava a colocar as mãos sob o vestido e acariciava com lentidão as pernas.
? Que...
? Eu também te amo.
Escutar aquelas palavras de sua esposa lhe produziu tal emoção que esteve a ponto de derrubar-se sobre ela e ficar a chorar. Todo seu passado, toda a escuridão que tinha vivido nele desde que descobriu aquelas mortes desapareceu. O sol brilhava em seu interior, e em cada carícia, em cada beijo que Evelyn lhe oferecia, os raios o iluminavam ainda mais. Beijou-a devagar, perfilando com sua língua o desenho da boca que adorava, que amava. Sentiu-se contente ao perceber que as mãos dela se colocavam em seu peito para o despojar da camisa. Afastou-se, levantou os braços e deixou que continuasse apalpando seu torso sem objetos que o impedissem de sentir o suave tato dos dedos. Suas mãos retornaram as coxas femininas. Evelyn arqueou a cintura, convidando-o a possui-la com prontidão, com o mesmo ardor e desejo que ele sentia por ela.
? Repete que me ama ? murmurou antes de morder o lábio inferior dela e puxar com suavidade para ele.
? Amo-te, Roger... Amo-te... ? fechou os olhos ao perceber como o sexo de seu marido se aproximava do dela.
Não houve ternura entre eles. Não foi um ato lento, nem suave. Foi a primeira vez em que Roger precisou unir-se a ela para aliviar sua dor. Mas não só acalmou seu suplício, como em cada gemido, em cada soluço, em cada invasão para o interior feminino, Evelyn também se liberava de toda a pressão que tinha acumulado em sua vida. Não foi só um ato de amor, mas sim de verdadeira plenitude.
? Evelyn... ? sussurrou junto à boca dela quando o clímax estava a ponto de chegar.
? Roger... ? Cravou as unhas nas costas de seu marido e tentou fazer desaparecer aquelas marcas com suas próprias mãos.
Um clamor brotou do quarto com tanta intensidade que Sophie e Wanda se levantaram de suas cadeiras assustadas.
? O som do amor... ? disse Sophie antes de emitir uma pequena risadinha. ? Só espero que essa paixão logo dê frutos.
? Não acredito que os dê... ? murmurou Wanda após sentar-se e olhar o oitavo copo de licor que tinha em suas mãos.
? Por que diz isso? ? Perguntou a mulher tomando assento.
? Minha senhora jamais poderá ficar grávida ? comentou com pesar.
? Explique-se! ? Insistiu Sophie enquanto que, com um salto, aproximou a cadeira da mesa.
? Quando era jovem perdeu um bebê e, depois do aborto, sofreu uma grave infecção. O médico que a atendeu informou aos pais que seu útero tinha ficado estéril e que lhe seria impossível ficar grávida de novo ? explicou antes de beber o licor de um gole.
? Mas esse doutor não conhecia a persistência do nosso senhor... ? apontou antes de soltar uma gargalhada.
XXXII
? Está acordada? ? A encantadora voz de Roger lhe sussurrou no ouvido a pergunta enquanto seu fôlego esquentava a pele que roçava em sua passagem.
? Agora sim ? respondeu voltando-se para ele.
Bennett apoiou o cotovelo no almofadão e a olhou com tanta ternura que Evelyn sentiu como o coração batia mais forte.
? Obrigado por não me abandonar, por não se afastar de mim depois de me escutar ? disse-lhe antes de aproximar sua mão direita e lhe acariciar uma bochecha.
? Não tem por que me agradecer. Além disso, não acredito que deva perdoar um passado do qual não teve nada a ver. As maldades foram realizadas por sua mãe, não por você ? assinalou aproximando-se dele e lhe dando um suave beijo.
? Sempre me culpei por não ter descoberto antes. Possivelmente desse modo, tivesse salvado mais vidas ? comentou franzindo o cenho.
? Mas salvou muitas, vinte para ser exata. ? Estendeu seus braços e Roger se enredou neles. Desta vez foi ele quem pousou sua cabeça sobre o peito de sua mulher e quem deixou que os delicados dedos de sua esposa acariciassem com suavidade o comprido cabelo dourado.
? Sim, vinte embora... quantas perderam a vida nas mãos da minha mãe? Evelyn, estou seguro de que houve bebês, crianças que não conseguiram chegar a cumprir os cinco anos...
? Não se martirize por isso, Roger. Sua consciência dever alcançar a paz. É ela quem está manchada de sangue inocente. ? Pousou seus lábios sobre o cabelo loiro e o beijou. ? Conta-me como é Children Saved ? disse-lhe depois de uns momentos de silêncio no qual só se escutavam suas respirações pausadas.
? Não é muito grande, mas o suficiente para albergá-los comodamente. Tem dois andares. Abaixo está a cozinha, um enorme refeitório e uma biblioteca, embora com as últimas reformas, essa sala a convertemos em um lugar onde a senhora Simon ensina as matérias. Acima não há distinções entre uma ala ou outra. Conforme sobe encontra um comprido corredor com mais de quinze dormitórios. Ali descansam todos os que habitam na residência.
? A que se refere quando diz todos?
? Em Children Saved não só vivem meus meios-irmãos, mas sim suas mães também residem ali.
? Deus santo, Roger! Quantas bocas alimenta? ? Perguntou surpreendida.
? Quarenta e sete. ? Levantou a cabeça e contemplou o assombro que mostrava o rosto de Evelyn. ? Tem que entender que alguns deles mal tinham completado um ano de idade quando apareceram na porta e não achei justo que as mães se separassem de seus filhos pequenos.
? Como pode resolver esses gastos? Terá que continuar realizando muitas viagens... ? perguntou interessada.
? Com três ao ano é suficiente. Tanto o administrador como eu estudámos a maneira de cortar gastos e nos ocorreu que a única forma de não nos excedermos nos orçamentos anuais era fazendo participes as mães das tarefas que se requerem na manutenção dessa residência. Várias são cozinheiras, outras lavadeiras e inclusive, conforme fui informado ontem, outras decidiram empregar-se como jardineiras ? comentou feliz ao ver que Evelyn não reprovava seu trabalho, mas sim, pelo contrário, elogiava-o.
? Têm jardim? ? Continuou interessando-se. Enquanto Roger falava ela imaginava como seria aquele pequeno paraíso no qual viviam felizes tantas criaturas.
? Dois hectares de pradaria rodeiam a casa. Embora te pareça imenso, não o é quando todos saem para brincar. ? Sorriu. ? Há um pequeno parque onde plantaram flores de todas as classes. Uma fonte com a escultura de uma criança se situa no centro e abastece de água esse pequeno éden. Faz um par de anos, Yeng se encarregou de construir uma estufa onde a senhora Simon dá aulas de botânica ou ciência.
? Deve ser lindo... ? murmurou com suavidade.
? É. Sabe? Acredito que é a primeira vez que estou ansioso para que amanheça. Assim que tomarmos o café da manhã te levarei lá e contemplará com seus próprios olhos o que eu construí durante estes anos ? disse colocando sua cabeça de novo sobre o torso feminino. ? Quando a virem aparecer, quando todos descobrirem que é minha esposa, ficarão loucos de emoção e não a vão deixar descansar nem um só instante.
? Fale-me deles.
? Todos são muito semelhantes embora se diferenciem na cor de seu cabelo ou no de seus olhos. Há dois que são tão parecidos comigo que quando os vejo me reflito neles.
? Como se chamam? ? Continuou com as carícias sobre o cabelo de seu marido.
? O menino é Logan. Tem quatorze anos. Loiro, alto, possivelmente muito alto para sua idade. Mas a cor de seus olhos não é azul, mas sim marrom. Não há dúvida que os herdou de sua mãe. Embora o que o faz tão parecido a mim é sua atitude. É rebelde, não acata as normas como fazem os outros. Sempre tenta rebater certos temas e não cessa de investigar por sua conta. Sei que o dia de amanhã, quando eu não puder mais me encarregar do meu navio, ele ficará encantado de ficar em meu posto.
? Isso te assusta?
? Não, ao contrário, adula-me. É grato saber que alguém continuará o que eu comecei ? expôs com orgulho.
? Quem mais?
? A outra pessoinha que me deixa em estado de choque cada vez que a vejo é a pequena Natalie... ? disse o nome com um imenso prazer.
? Fale-me dela, Roger. Interessa-me muito saber sobre esse anjo que te impulsionou a lhes dar aquilo que foi incapaz de oferecer.
? Chamo-lhe de princesinha porque em realidade o é. Tem o cabelo tão loiro que quando os raios do sol o tocam se converte em branco. Sua mãe se esforça em lhe fazer longos caracóis, mas assim que pode ela recolhe o cabelo como o faço eu, em um rabo de cavalo. ? Voltou a desenhar um enorme sorriso em sua cara ao recordar as contínuas discussões entre as duas por manter o penteado intacto. ? Seu nariz é idêntico ao meu e a cor de seus olhos também. Se Ywen não me houvesse dito que o pai da criatura era o mesmo que o meu, teria pensado que era minha. Adora investigar. Todo o tempo está perguntado os motivos disto, do outro ou inclusive por que sai o sol ao ser de dia e a lua quando anoitece. Às vezes desespera a instrutora. Diz que seu afã por saber é inaudito em uma menina tão pequena.
? Espero que me aceite... ? murmurou Evelyn desenhando um imenso sorriso.
? Por que não o faria? ? Roger elevou a cabeça e a olhou desconcertado.
? Nem imagina quão possessivas são as mulheres quando amam um homem ? respondeu sem diminuir a risada.
? Estou seguro de que assim que te veja, perguntará a razão pela qual tem o cabelo vermelho, como me conheceu e por que se casou comigo ? disse antes de soltar uma gargalhada.
? Bom, evitarei lhe dizer que me ganhou em uma partida de cartas. ? Fez uma pequena careta.
? A melhor partida de cartas da minha vida! ? Exclamou antes de colocar-se sobre ela e voltar a beijá-la.
Evelyn tinha fechado os olhos para sentir as mãos de seu marido percorrer seu corpo quando um golpe na porta fez com que ambos se retirassem como se lhes queimasse a pele ao tocar-se.
? Quem é? ? Grunhiu Roger saltando nu da cama.
? John ? respondeu o índio entreabrindo a porta.
? Entra ? indicou após confirmar que Evelyn se ocultava sob o lençol. ? O que acontece?
? Há um incêndio em Children Saved ? soltou agitado.
? Como? Um incêndio? Como aconteceu? ? Correu para a poltrona, começou a vestir-se e antes de colocar a camisa saiu ao exterior fechando a porta atrás de sua saída.
? Não sei. Acaba de chegar Logan e não para de gritar que tudo está ardendo.
? Maldita seja! ? Gritou enquanto descia as escadas sem perceber que estava descalço. ? Onde está o menino? Onde está Yeng?
? Ambos estão no estábulo preparando os cavalos.
? Maldita seja! ? Clamou Roger. ? Maldita seja!
Se seu marido pensava que ia permanecer na casa esperando para saber o que tinha acontecido, equivocava-se. Assim que fechou a porta Evelyn saltou da cama, colocou uma camisola e a bata que estava jogada sobre o chão e correu para o corredor. Se for certo, se a residência onde viviam os meninos estava ardendo, toda a ajuda que chegasse seria pouca.
? Wanda! Wanda! Onde está? ? Gritou quando saiu do quarto.
? Deus santo, senhora! Estou aqui!
? E Sophie? Onde está Sophie? ? Continuou vociferando enquanto descia ao piso inferior.
? Acredito que estava na entrada preparando-se para sair para uma casa que está sendo pasto das chamas.
? Que nem lhe ocorra partir sem nós! Nessa casa vivem mais de quarenta pessoas às quais terá que salvar.
O caminho, embora fosse curto, pareceu eterno. Durante o tempo que durou, Roger não cessava de perguntar-se como se teria produzido o incêndio. Considerou muitas razões, que se iniciou na cozinha, talvez se devesse a um defeito na instalação de gás... entretanto, nenhuma o convencia. Sempre tinham sido muito cuidadosos. As mães nunca partiam para descansar sem certificar-se que todas as luzes estivessem apagadas, as portas fechadas ou inclusive encaixavam com precisão as janelas. Havia muito controle em Children Saved, muitíssimo para que aquilo acontecesse.
Quando chegou ao caminho de terra que o conduzia até a residência, sentiu pânico. O fogo iluminava a colina. Enormes nuvens de fumaça negra cobriam o céu que tantas vezes contemplou junto aos seus irmãos. Estava seguro de que, se o inferno existia, seria muito parecido à imagem que observava. Roger desceu do cavalo e correu para as pessoas que se agruparam ao redor da fonte. Tinham sabido escolher o lugar onde resguardar-se, ali as chamas não as alcançariam, os vidros que explodiam pelo calor nem as faíscas que saíam disparadas do interior da casa.
Apesar de tentar mostrar um comportamento firme, loquaz e seguro, para que eles se tranquilizassem, não albergava em seu corpo nada disso. A imagem dos meninos aterrorizados chorando sob os braços das mães, iluminados pela luz das chamas, consternou-o.
? Estão bem? Estão todos bem? ? Insistiu gritando enquanto se aproximava.
Nesse momento, depois de compreender que seria inútil esforçar-se em apagar o incêndio, centrou-se em confirmar que, pelo menos, ninguém tinha resultado ferido na evacuação. Mas nenhum lhe respondeu. Estavam tão consternados pelo acontecido que lhes era impossível deixar de chorar para falar. De repente, seu pânico aumentou. Não estavam. Ywen e Natalie não se achavam no grupo e ninguém se deu conta de suas ausências.
? Onde estão Natalie e sua mãe? ? Perguntou atemorizado. Olhou ao John, este encolheu os ombros, logo ao Logan, o rosto pálido do moço e a agonia que mostravam seus olhos lhe confirmava que ele tampouco sabia nada delas. ? Alguém sabe onde podem estar? ? Rezou para escutar uma resposta. Entretanto, ao não obter o que esperava, correu para o interior da casa sem parar para pensar que punha sua vida em perigo.
Cobrindo sua cabeça com o braço esquerdo acessou ao interior da casa. O calor era asfixiante e a fumaça tão densa que mal podia distinguir o que havia em frente a ele. Com decisão se dirigiu à cozinha. Gritava uma e outra vez o nome das duas, mas não respondiam. Franziu o cenho ao observar que salvo a fumaça, as chamas ainda não tinham alcançado a planta baixa. «O fogo começou nos dormitórios», concluiu com uma mescla de surpresa e inquietação. Não era lógico que ardessem primeiro os quartos salvo que fora... «Provocado!», exclamou para si. Sem diminuir seu empenho por encontrá-las, continuou chamando-as e as procurando no piso inferior. Quando percorreu até o último canto, decidiu subir. Talvez o medo as tivesse deixado tão aterradas que eram incapazes de sair do quarto. Pegou o corrimão, pôs um pé no primeiro degrau e ficou petrificado ao ver quem permanecia justo ao final da escada.
? Estávamos o esperando... ? comentou uma voz familiar. ? Entristece-me ver que demorou muito. Possivelmente, se tivesse chegado antes, teria evitado a morte dessa. ? Assinalou com seu olhar um corpo que jazia estendido sobre o chão.
? Charles... o que fez? ? Tinha vontade de correr para eles, soltar a menina das mãos sujas de seu irmão e lhe dar uma surra, mas estava paralisado. Ver a pequena Natalie com sua camisola manchada de sangue, chorando presa do pânico e lhe rogando com o olhar que a ajudasse, fez-lhe concentrar-se em pensar uma forma mais sensata de liberá-la.
? E você? ? Repreendeu-o Charles. ? O que você fez, Roger?
? Solte-a... ela não tem nada a ver com isto... ? tentou dissuadi-lo.
? Mentira! Ela tem muito a ver ? disse com um enorme sorriso. ? Até que a vi correndo para mim porque inocentemente acreditava que era você, pensei que só albergava neste miserável lar os filhos que nosso pai criou. Mas quando apreciei quão parecidos são, descobri que não só permaneciam os filhos desse monstro, mas sim continuava com o maldito legado que começou.
? É muito pequena... ? comentou tentando procurar em Charles um pouco de piedade.
? Não é capaz de nomeá-la como merece, não é? Não é capaz de confessar que é sua filha? ? Falou em tom irado.
? Não é minha filha, Charles, é nossa irmã ? declarou com suavidade.
? Você mente! Mente como o tem feito nosso pai todo este tempo! Embora seja normal, a mãe sempre o soube, é tão sujo como ele. Por isso teve piedade dos filhos de satanás? Por isso construiu este lar cheio de depravação? Sim, claro que sim. Porque apesar de suas promessas, é igual a ele. ? Suas palavras soavam cada vez mais duras, sinistras e ofensivas. ? Mas o fim chegou. Toda a maldade que padeceu nosso sobrenome se verá sanada por minha grande proeza. ? Charles elevou a mão direita e tirou a arma que ocultava nela. Apontou ao seu irmão e justo quando ia disparar, sorriu.
? Charles! ? Exclamou uma voz feminina atrás das costas de Roger.
Ao virar-se e ver que se tratava de Evelyn, quis lhe gritar que se fosse, que se afastasse dali o antes possível, mas em meio àquela confusão só pôde dar uns passos para ela e ocultá-la atrás de seu corpo.
Quando chegou ao alto da colina e não achou Roger entre o grupo de pessoas que havia no jardim, seu coração se oprimiu. Onde estava? Ao dizer quem era, todas as mães a abraçaram como se fosse uma salvadora, como se ela pudesse protegê-las de todas as penúrias que estavam padecendo. Embora Evelyn não pudesse as consolar como requeriam. Ela só pensava em seu marido. «Foi procurar Natalie e sua mãe», confessou-lhe alguém enfim. Sem pensar duas vezes correu para o interior da casa evitando as mãos de Wanda e de Sophie. Entretanto, quando seus olhos puderam adaptar-se à fumaça e contemplou a cena que havia em frente a ela, não duvidou e avançou para Roger.
? Minha querida cunhada... alegro-me de que tenha vindo. Quero que veja com seus próprios olhos o que seu marido tem feito durante todo este tempo ? expôs com uma voz cálida.
? Tem razão ? respondeu afastando-se de Roger e, face aos intentos deste por a fazer parar, ela subiu dois degraus. ? Comportou-se como o demônio que é. Agora entendo por que me visitaram, queriam me proteger.
? Ela sim entende... ? murmurou Charles olhando seu irmão com os olhos entreabertos. ? Ela é a única que nos compreende...
? É óbvio que o faço, Charles. E te asseguro que quando sairmos daqui tudo isto terá terminado. Sua tortura, as crianças, essas mães, tudo desaparecerá!
? Ajudar-me-á? Ajudar-me-á a finalizar o que minha mãe começou? ? Desceu lentamente a arma e diminuiu a intensidade com que apertava a pequena Natalie em seu corpo.
? Duvida da minha palavra? ? Perguntou com aparente irritação. ? Acaso não entendeu quando me olhava, quando falávamos, que me resultou mais agradável que o desprezível de seu irmão?
? Sim que o apreciei. ? Sorriu satisfeito. ? Mas não conseguirei te dar a posição que merece se ele estiver vivo. ? Charles levantou a arma, apontou para seu irmão e disparou.
? Não! ? Exclamou Roger com desespero.
Evelyn notou uma terrível dor em seu ventre. Quis levar as mãos para o lugar onde sentia aquela horrorosa queimação, mas não o conseguiu. As forças a abandonavam pouco a pouco e seu corpo começou a cair. Custava-lhe respirar. A visão se nublava. A bala que ia impactar sobre o coração de seu marido alcançou a ela. Deveria gritar ou chorar de tristeza ao ver que seu fim estava próximo, mas não podia, sentia-se feliz por ter impedido que o homem que cuidava de todas as pessoas que viu no jardim continuaria fazendo-o embora ela não estivesse. Ao longe, muito longe para escutar com precisão, escutou a voz de seu marido que insistia em que não o abandonasse e de repente... outro disparo.
? Saiam agora mesmo daqui! ? Gritou John que, depois de aparecer, observou como Evelyn se desabava e como o irmão de Roger aproximava a arma de sua boca e disparava. ? Encarregar-me-ei de Natalie. ? Subiu as escadas, pegou a menina pela mão e correu para o exterior o mais rápido que pôde.
? Evelyn! Evelyn! ? Clamava Bennett enquanto saía daquele inferno com ela em braços. ? Aguenta, meu amor! Ficará bem! Amo-te! Escuta-me? Amo-te!
XXXIII
Escritório do senhor Lawford. Três semanas depois.
? Imagino que com as assinaturas do marquês nada nem ninguém poderá invalidar os documentos, não é? ? Insistiu Roger enquanto observava através da janela como as pessoas corriam de um lado para outro tentando resguardar-se da chuva.
Uma semana depois do disparo a Evelyn, Roger apareceu em Tower e, face aos intentos que realizou sua mãe para impedir que conseguisse seu propósito, conseguiu chegar até o quarto de seu pai. O ancião marquês se apoiava sobre os almofadões e soluçava a perda de um de seus filhos. Bennett se colocou ao pé da cama com as mãos sobre as costas e lhe contou a verdadeira história. Seu pai negava devagar tudo aquilo que lhe narrava, segurava os lençóis com força e rejeitava categoricamente o que escutava.
? É mentira! ? Gritou uma das vezes. ? Sua mãe seria incapaz de fazer algo assim!
Mas Roger não diminuiu sua intenção de abrir os olhos do marquês. Descreveu-lhe como esteve presente na morte daquele menino, a razão de sua fuga com quinze anos e o motivo pelo qual retornou anos depois. Também lhe indicou que tanto Charles como sua mãe tinham descoberto o lar que tinha construído para seus irmãos e que, depois de não conseguir o primeiro plano que era envenenar sua esposa, Charles decidiu tomar a justiça em sua mão.
? Por isso quero que os reconheça ? disse após sua longa exposição. ? Embora Evelyn conseguisse curar-se por completo, jamais poderá ter meu filho. A ferida em seu ventre tornou impossível que possa ficar grávida.
? Não vou reconhecer a nenhum desses malditos bastardos! ? Clamou o pai com a pouca força que ficava. ? São filhos de satanás, não meus!
? Faremos um trato ? resmungou apertando os dentes. Caminhou para a cabeceira da cama e aproximou seu rosto ao do pai. ? Reconheça ao menos a dois deles, um menino e uma menina, para que algum dos dois possa continuar com este maldito título.
? E se não o fizer? ? O ancião arqueou a sobrancelha direita e olhou seu primogênito de maneira desafiante.
? Se não o fizer ? continuou relaxando a mandíbula e mostrando um rosto de satisfação ? terá o prazer de ver como sua querida esposa é encarcerada e sentenciada à morte por todos os assassinatos que cometeu.
? Ela... ela... o fez porque me ama... ? balbuciou.
? Chama isso de amor? ? Virou-se sobre seus calcanhares para não o olhar, mas aquela reflexão tão absurda sobre no que consistia o amor em um matrimônio o fez voltar-se para seu pai. ? Isso é maldade, pai!
? Está bem, ? disse o marquês depois de um tempo emudecido ? reconhecerei a dois, mas em troca deve me dar sua palavra de que sua mãe jamais será julgada pelos atos de amor que cometeu e que, depois da minha morte continuará vivendo aqui sem carências econômicas.
? É óbvio ? afirmou satisfeito. ? Esta mesma tarde terá a visita do senhor Lawford, é um dos adminis...
? Já sei quem é esse malnascido! ? Exclamou o marquês mais zangado, se pudesse.
? Pois como vejo que já o conhece, aconselho-o que não pretenda realizar nenhum estratagema, advirto-lhe que o senhor Lawford é muito bom em seu ofício. E agora, se me desculpar, tenho muito trabalho a fazer. ? Dirigiu-se para a porta, bateu as botas, inclinou levemente a cabeça para diante e partiu.
Quando fechou, inclusive antes de poder encaixar os parafusos, sua mãe apareceu no corredor. Permanecia imóvel, olhando-o de maneira altiva. Roger passou por seu lado como se não estivesse, mas antes de descer as escadas e sair da casa que odiava, virou-se para ela para lhe dizer:
? Como se sente ao ver que depois de ter as mãos manchadas de sangue inocente não conseguiu seu propósito? ? Não lhe respondeu, nem se dignou a dar a volta e lhe responder. Ao compreender que não tinha a intenção de defender-se, porque não se arrependia de suas maldades, continuou seu caminho para a saída.
? Não acredito que seja o homem mais indicado para pôr em dúvida meu trabalho. ? Lawford levantou os óculos com o dedo e olhou ao futuro marquês fixamente. ? Recorde que foi impossível desfazer o compromisso.
? Tem razão, desculpe se o ofendi ? respondeu com um meio sorriso. Com as mãos nas costas, caminhou para a mesa em que o administrador mostrava um sem-fim de pastas.
? Falando de matrimônio... ? disse de maneira reflexiva Arthur. ? Como se encontra hoje a futura marquesa? ? Agrupou os papéis que seu cliente tinha vindo procurar e os golpeou brandamente sobre a mesa.
? As febres cessaram, mas o doutor diz que tenhamos paciência. A ferida embora grave, não roçou nenhum órgão vital salvo seu útero ? comentou com tristeza.
? Bom, não acredito que lhe faça falta não ter descendência. O senhor Logan continuará com o título de marquês e têm a tutela da pequena Natalie. Acredito que ambos atuarão como os filhos que já não terão.
? Não tinha nenhum desejo em ser pai, nem agora nem antes. O único que quero é que Evelyn desperte e volte a ser a mulher que era ? expôs Roger após respirar fundo.
? Não perca a esperança, senhor. Sua esposa é a mulher mais forte que vi em anos. Ainda lembro como entrou neste escritório e também... como saiu. ? Sorriu.
? Jamais a perderei... ? Roger também sorriu. Estendeu a mão e pegou os documentos que necessitava para que seus dois irmãos pudessem fazer oficial seu sobrenome. Teria gostado de ver a expressão de Evelyn ao informa-la de sua proeza, do bate-papo que tinha mantido com seu pai e os rostos de surpresa que mostraram Logan e Natalie ao lhes indicar que, legalmente, já eram Bennett. Embora tivesse que esperar um pouco mais para isso. ? Anderson lhe fará chegar seis garrafas mais ao longo desta semana ? informou antes de sair do escritório. ? É, além do pagamento ao seu trabalho, uma maneira de lhe agradecer o que tem feito por nós.
? OH, obrigado, sua Excelência! Muito obrigado! Não tinha que haver-se incomodado... ? Arthur se levantou do assento, dirigiu-se para Roger e lhe estendeu a mão.
? Graças a você, senhor Lawford, face à questionável forma que achou para que minha esposa e eu nos conhecêssemos, sempre lhe estarei agradecido por não haver se negado à proposta de Colin.
Arthur assentiu e se encheu de orgulho ante as palavras que escutou do futuro marquês. Quando se fechou a porta voltou para seu assento. «Eu só lhe aproximarei esse colar ? recordou as palavras do jovem Pearson. ? Ele sozinho deixará que Evelyn prenda-o». O moço tinha razão. Bennett tinha se apaixonado por sua mulher até tal ponto que deixou que lhe fechasse aquela cadeia. Entretanto, o que ocorreria se ela não se recuperasse? «Senhor, escuta minhas preces. Sei que faz muito tempo que não vou à igreja nem cumpro todos os seus mandamentos, mas não te peço por mim, mas sim por eles. Faça com que a senhora Bennett sare rapidamente». Sentou-se na cadeira, tirou a garrafa de brandy, serviu-se uma taça e após brindar pela mulher, o bebeu de um gole.
Enquanto caminhava para o exterior Roger olhou os papéis e os leu com interesse. Teria gostado que seu pai reconhecesse a todos, mas se contentava com o pouco que conseguira. Ao abrir a porta e perceber que a chuva não tinha cessado, ocultou os documentos sob a jaqueta. Correu para a carruagem e, sem esperar que Anderson lhe facilitasse a entrada ao interior, saltou com rapidez.
? Roger, ? começou a dizer o índio ao vê-lo entrar ? este é o senhor Pemberton.
? Encantado de o conhecer ? respondeu esticando sua mão para o homem. ? informou-lhe meu amigo sobre a razão pela qual o chamei?
? Sim, milorde. Este cavalheiro foi muito explícito.
? O que tem a dizer a respeito? ? Interessou-se Roger. Não afastava o olhar daquele homem. Pareceu-lhe estranho que Eleonora decidisse seduzir a um ser tão insólito. Mal tinha cabelo em sua cabeça, sua barba mostrava várias cores e seu bigode se estirava para ambos os lados de seu rosto em uma trabalhosa linha reta.
? Fui vê-la mais de uma centena de vezes desde que soube de seu estado, mas nunca quis me receber. Sempre me jogou na rua como se nosso amor jamais tivesse existido ? comentou com pesar.
Roger tirou a cabeça pelo guichê, indicou ao chofer a direção e retornou ao seu assento.
? Está completamente seguro de que você é o pai dessa criatura? ? Insistiu. Não queria aparecer em frente a Eleonora e confrontar-se com ela lhe oferecendo um pai errôneo. Se ele não tinha sido seu único amante durante o tempo que a visitava, quem poderia corroborar que o senhor Pemberton não a compartilhou com outros cavalheiros?
? Sim, milorde. Se meus cálculos não me falharem, Eleonora ficou grávida em uma viagem que fizemos a Cheshunt.
? Cheshunt? ? Repetiu Roger atônito. A mulher era avessa a viajar mais de duas horas em carruagem. Segundo ela seu corpo se debilitava com o balanço continuado do carro.
? Sim ? afirmou o homem com um pequeno movimento de cabeça. ? Tive que me deslocar até ali porque minha mãe faleceu.
? O que conseguiu ela em troca? ? Sabia que não era próprio de um cavalheiro realizar esse tipo de perguntas, mas a curiosidade era tão imensa que não pôde conter-se.
? Como? ? Pemberton levantou as pestanas, levou as mãos para o bigode e retorceu cada ponta com as pontas de seus dedos.
? Imagino que o propósito de o acompanhar em uma viagem tão árdua seria algo mais suculento para ela que simplesmente dar o último adeus à sua mãe. ? Sorriu maliciosamente.
? Todas as joias que ela possuía as dei de presente com gosto, senhoria. Ela as rejeitou com firmeza, mas eu insisti em que as tivesse ? respondeu ofendido.
? É claro, não duvido de sua palavra... ? Roger se reclinou no assento e olhou John. Este mostrava um sorriso tão grande que podia ver o branco de seus dentes. Mas ele não sorriu. No fundo sentia lástima pelo pobre infeliz.
? Entrarei primeiro ? disse Bennett quando a carruagem parou e abriu a porta para sair. ? Você deveria esperar na entrada oculto atrás de mim até que nos permitam acessar ao interior. Não me cabe a menor dúvida de que se a criada o descobrir não abrirá a porta e informará Eleonora de sua presença.
? Farei o que me ordena. Com tal só de poder falar com ela, de lhe suplicar que me deixe ver meu filho, atirar-me-ei ao chão se precisar ? indicou o homem colocando-se sob o pequeno teto da porta.
Roger o olhou sem pestanejar. Aquele homem era capaz de ajoelhar-se ante a mulher e lhe rogar que não o abandonasse enquanto se aferrava aos tornozelos desta. Era, sem dúvida, o melhor marido que Eleonora poderia encontrar: submisso, acessível, carente de personalidade e com os bolsos repletos. Não entendia como tendo uma oportunidade de ser feliz junto àquele desventurado, esforçava-se tanto em conseguir o que não estava ao seu alcance.
Depois de comprovar que Pemberton se ocultou, bateu na porta e esperou com aparente paciência que fosse recebido.
? Sua Excelência?! ? Exclamou a donzela com entusiasmo e assombro.
? A senhora está? ? Perguntou dando um passo para o interior da casa e obrigando a criada a lhe permitir o acesso.
? Está no pequeno salão, milorde. Quer que o anuncie? ? De repente seu olhar se cravou na pessoa que estava atrás de Roger. A mulher não pôde evitar levar as mãos à boca para fazer calar um grito. Tentou fechar a porta, deixar ao senhor Pemberton na rua, mas Bennett colheu com força a grossa porta de madeira e impediu tal propósito.
? Fique aqui, eu lhe farei um sinal quando for o momento apropriado ? ordenou Roger caminhado para o salãozinho.
? Meu senhor... milorde... rogo ? sussurrava a criada sem poder se mover da entrada. ? Ela... ela...
Mas Bennett não escutou a súplica. Estava decidido a terminar o rumor que Eleonora tinha estendido por Londres. Todos aqueles que o olhavam o comparavam com seu pai e isso não ia tolerar. Quando Evelyn despertasse, quando enfim abrisse seus olhos, não desejava que se entristecesse ao escutar falsos testemunhos sobre seu marido. Tinha-lhe sido fiel desde que se casaram. Por isso retornou a Londres após sua longa viagem. Se tivesse entrado naquela casa, se na noite de bodas se entregasse ao falso amor de Eleonora, jamais teria conhecido sua esposa nem teria conseguido descobrir o que era amar uma mulher.
Quando abriu a porta do salão encontrou Eleonora de pé com seu menino nos braços. Embalava-o e cantava uma melodiosa canção ao mesmo tempo que o balançava com ternura. Ao escutar que alguém permanecia na entrada, dirigiu seus olhos para ele e sorriu.
? Alegro-me de que enfim tenha decidido conhecer seu filho ? disse com um sorriso triunfal.
? Bom dia, Eleonora. Não volte a dizer que esse filho é meu, porque sabe que não é certo ? declarou com solenidade.
? Claro que é! ? Insistiu a mulher aproximando-se de Roger.
? Sempre soube que era uma harpia, mas jamais imaginei que sua maldade te levasse até tal ponto. É injusto o que tem feito, é injusto que tenha deixado crescer em suas vísceras uma criatura que sofrerá suas maldades. Embora desta vez não obtivesse seu propósito. Descobri quem é o verdadeiro pai desse menino ? apontou sem mover-se de onde permanecia.
? Você! ? Clamou de novo. ? O pai deste menino é...! ? Ficou sem palavras quando percebeu que Bennett levantava uma mão e aparecia atrás dele outro homem.
? Olá, Eleonora ? disse Pemberton ao acessar ao interior do salão.
? O que faz aqui? ? Gritou a mulher segurando a criatura com mais força sobre seu corpo. Seus olhos se dirigiram para Roger, que sorria de forma triunfal, e logo se cravaram no outro homem.
? Vim conhecer meu filho ? respondeu com firmeza.
? Seu filho? ? Repreendeu a mulher dando uns passos para trás. ? Este não é seu filho!
? Sim, sei que é. Não o negue, meu amor. Não pode se opor a que seu verdadeiro pai vele por ele ? assinalou Pemberton com tristeza.
? Não, você não! ? Exclamou entre lágrimas. ? Fora daqui! Não quero ver-te em minha casa!
? Casar-me-ei contigo, converter-te-ei na senhora Pemberton e daremos ao nosso filho o que lhe pertence. ? Caminhou para ela e se ajoelhou. ? Prometo que nada lhes faltará. Terão tudo o que necessitem. Eleonora, eu te amo, amo-te. Não me afaste, suplico-lhe ? rogou isso entre soluços.
Roger não aguentava mais a cena que contemplavam seus olhos, deu meia volta e saiu dali com passo ligeiro. Quando retornou à carruagem continuou observando o sorriso de John e a cara de satisfação de Anderson. Teriam pensado alguma vez que o filho era dele? É claro que sim. Ambos o conheciam e sabiam como tinha sido antes de conhecer Evelyn, mas desde que a viu, desde que a beijou pela primeira vez, converteu-se em um homem diferente.
Durante o regresso a casa os três falaram de como se desenvolviam as obras da nova residência. Bennett tinha decidido construi-la com mais quartos e mais salões. Não queria que neste novo lar mães e filhos tivessem que descansar nos mesmos quartos. John voltou a indicar, que finalizado o trabalho, ele e Sophie se instalariam na residência para custodiar os meninos. Roger sorria cada vez que falavam sobre esse tema. Estava seguro de que seu amigo tinha meditado muito a respeito da relação que tinham e que, por fim, dava o passo que todos esperavam.
O trajeto até Lonely se fez curto entre as risadas e as brincadeiras com seu amigo pela decisão tomada. Depois de descer, Bennett se dispôs a subir com rapidez as escadas e caminhar para o quarto, para certificar-se de que Evelyn continuava igual, mas sentiu que alguém lhe agarrava a mão e impedia seu propósito.
? Temos que finalizar aquilo que começou ? disse John a seu amigo.
Ele assentiu, retornou à carruagem, levantou o assento e pegou o pequeno crânio. As mãos lhe tremeram ao ter os ossos sobre suas palmas. Voltou a ver o menino dentro daquele cômodo escuro, amarrado, e escutou com claridade os gritos de socorro. Esteve a ponto de ajoelhar-se, de chorar pelo desespero de não ter sido capaz de o liberar daquele final, mas a mão cálida de John o reconfortou.
? Sua alma deve descansar em paz ? sussurrou.
? Sei. Mas depois de tanto tempo, depois de tudo o que aconteceu, não me vejo capaz de me desprender dele. Acredito que se o deixo ir, se me desprender do que significam estes ossos para mim, esquecerei o que me impulsionou a lutar contra minha família.
? Não poderá esquecê-lo, Roger. Tem ao seu lado muitas pessoas que conseguirão a lhe dar a força que necessita para seguir lutando.
Depois de uns momentos, nos quais Bennett meditou sobre a veracidade das palavras de seu amigo, ambos caminharam para a cancela metálica que dava passo à propriedade. John tinha preparado um lugar onde cuidaria das almas que viveriam naquele lugar.
Roger se ajoelhou em frente ao buraco e colocou o pequeno crânio.
? Sobe com sua esposa ? indicou John ao ver seu amigo imóvel e incapaz de enterrar o crânio. ? Acredito que o necessitará mais que ele.
Sem mediar palavra Roger se dirigiu ao seu lar, subiu as escadas sem poder sequer falar com as pessoas que o saudavam. Desejava meter-se no quarto, cair ao lado de Evelyn e não sair de seu lado até que decidisse despertar daquele amargo sonho que durava já três semanas.
Ao abrir a porta sorriu. Era de esperar que a pequena Natalie ocupasse seu lugar enquanto ele permanecia ausente. Não a deixavam sozinha, não desejavam, nenhum dos que habitavam sob o teto de Lonely, que ela abrisse seus olhos e se encontrasse sozinha. Entretanto, embora o comportamento da menina fosse louvável, devia brigar com ela. Perdeu um dia de aulas e a senhora Simon recriminaria que a tratasse diferente dos outros.
? Acaso as aulas de hoje não eram de seu agrado? ? Disse-lhe enquanto caminhava para a poltrona, tirava os documentos para apoiá-los sobre este e se despojava da jaqueta molhada.
? Hoje não posso deixá-la só ? comentou a menina com uma felicidade tão estranha que Roger ficou imobilizado ao escutá-la.
? Por que... hoje não pode deixá-la? ? Repetiu enquanto seu coração se agitava, seu pulso se acelerava e se aproximava da cama com medo.
? Porque despertou.
Roger deu dois largos passos para elas. Seu coração não pulsava, galopava em seu interior, mas ficou parado ao descobrir que Evelyn estava acordada. Por fim abria seus olhos! Ajoelhou-se junto à cama, pegou a mão que ela estendia para ele e a beijou enquanto chorava.
? Meu amor, minha vida. Por fim despertou. ? Continuou soluçando sem poder separar a mão de sua boca. ? Amo-te, Evelyn. Amo-te tanto que não teria podido viver sem ti.
? Nem eu sem ti... ? murmurou Evelyn antes de ver como seu marido se levantava e beijava seus lábios sem lhe importar que Natalie estivesse presente e se tampasse os olhos para não ver como se beijavam.
Epílogo
Três meses depois
Com muita ternura, Roger acariciou o rosto de Evelyn com seus dedos. Foi afastando as mechas de cabelo até poder observar com claridade suas feições ao dormir. Era a primeira vez que discutiam daquela forma. A primeira que tinha saído do dormitório e tinha descido até o salão para beber até cair morto.
Evelyn reprovou sua atuação, recriminou-lhe que se comportasse como um monstro, mas não pôde evitá-lo. Quem poderia conter-se ao ver que sua esposa era agarrada com força por um ser desprezível? Embora insistisse que a situação estava controlada, ele não o percebeu assim. O famoso Scott, aquele homem que destroçou a juventude de sua mulher apareceu na festa que Caroline ofereceu em Hamilton. Ia pelo braço de sua esposa, com quem se casou depois de abandonar Evelyn.
Mordeu os lábios quando Federith revelou seu nome. Tentou tranquilizar-se, embora quando observou que ia atrás de sua mulher, todo o controle se esfumou. Esperou paciente no balcão, espreitou o movimento daquele personagem enquanto se aproximava de sua esposa e escutou com atenção a conversação entre ambos. Ele não cessava de lhe dizer que sentia saudades, que se arrependia do que teve que fazer no passado e que, se ela quisesse, voltariam a ficar juntos. Como era de supor, o que lhe propunha era que se convertessem em amantes. Até aí, pôde suportá-lo. Mas quando Evelyn lhe disse que estava apaixonada por seu marido e que não desejava saber nada dele, este não se conformou, agarrou-a pelo braço e evitou que ela se afastasse de seu lado.
? Algum problema? ? Perguntou saindo de seu esconderijo.
? Roger! ? Exclamou Evelyn com surpresa.
? Repeti-lo-ei uma vez mais, algum problema? ? Seu aborrecimento era tal que mal podia manter um fio de prudência. Apertou os punhos e sua mandíbula esteve a ponto de deslocar.
? Não, ? respondeu ela ? nenhum problema. Agora mesmo me dispunha a retornar com Beatrice.
? Faça isso, eu irei depois ? disse sem afastar o olhar daquele que tinha ousado tocar sua esposa.
? Roger, por favor... ? suplicou-lhe.
? Vai, Evelyn, ? intercedeu Scott ? não acredito que seu marido se atreva a...
Não pôde terminar a frase. As mãos de Roger se aferraram ao seu pescoço e o levantou dois palmos do chão.
? A que não me atreverei? ? Grunhiu.
? Solte-me! ? Gritou o homem movendo seus pés.
De repente, como se percebessem que algo errado acontecia, William e Federith apareceram na entrada. Estes caminharam para Roger ao presenciar a cena.
? Roger... ? falou William. ? O que acontece?
? Este descarado ousou tocar a minha esposa ? bramou.
William olhou a assustada Evelyn e esperou que ela confirmasse as palavras de seu amigo, mas estava tão nervosa que não foi capaz de lhe responder.
? Evelyn, entra. Nós resolveremos esta situação ? indicou Federith com sua típica voz tranquilizadora.
? Por que a tocou? ? Inquiriu o duque sem fazer com que seu amigo desistisse em seu empenho por asfixiá-lo.
? Acredita-se com o direito de fazê-lo, ? respondeu Roger apertando com mais força suas mãos ? porque como bem sabem foi pretendente da minha esposa.
? Pensa uma coisa, ? voltou a falar William ? sua mulher está assustada e graças a Deus podem viver uma vida tranquila. Crê que vale a pena destroçar essa felicidade por um miserável como este?
? O que você fez, William? ? Grunhiu de novo Bennett.
? O correto. Por isso quero que você faça o mesmo.
Depois de suas palavras Roger afrouxou a amarração e deixou livre ao homem. Este depois de tossir e amaldiçoar correu para o interior do salão.
? Sua esposa sabia que Wyman foi o pretendente da Evelyn ? soltou William. Não era uma pergunta, mas sim uma afirmação.
? Minha esposa é um ser desprezível e lhes peço mil desculpas por seu inapropriado comportamento ? comentou Federith aflito.
? Como compreenderá, enquanto esteja com ela, minha visita ao seu lar está anulada ? resmungou Roger ao mesmo tempo em que dava a volta e caminhava para a entrada.
? Roger, por favor... ? disse Federith ao ver como seu amigo se afastava dele.
? Não é o momento. Deixa que lhe passe a ira. Sabe que não pensa com claridade quando está irritado ? apontou William.
? Esta mulher... ? comentou Cooper movendo a cabeça de um lado para o outro.
? Se estivesse em seu lugar a observaria com mais atenção ? disse o duque ao mesmo tempo que jogava seu braço sobre o ombro de seu amigo. ? Olha além do permitido ao senhor Graves.
? Olha com atenção a todo homem que não seja eu... ? respondeu triste.
Ainda seguia com os olhos fechados. Parecia que não desejava despertar, ou talvez não quisesse vê-lo ao seu lado. Roger se moveu da cama e tentou deixá-la sozinha, mas nesse momento notou a mão de sua esposa nas costas.
? Perdoe-me ? murmurou com a cabeça abaixada. ? Sinto o ocorrido. Não quis te envergonhar nem te humilhar diante de todo mundo.
? Não deveria se comportar daquela maneira embora se for sincera, alegro-me de que ocorresse ? respondeu sentando-se na cama para abraçá-lo. ? Sabia que cedo ou tarde nossas vidas se cruzariam e o meu único temor era descobrir como o confrontaria. Não quero que nada nem ninguém nos separe.
? Como pode imaginar uma coisa assim? ? Perguntou enquanto se virava e tombava a sua esposa de novo. ? Se por acaso não se deu conta, é minha, só minha.
? Isso... hummmm... soou muito primitivo... ? sussurrou. Levantou os braços e os enredou no pescoço de seu marido. Desejava que todo o acontecido na noite anterior desaparecesse o antes possível e a melhor forma de consegui-lo era deixar-se levar pelas carícias e os beijos de Roger.
? Quer-me, senhora Bennett? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Muitíssimo, senhor Bennett.
Quando os lábios do homem pousaram nos de sua mulher bateram na porta.
? Vou ter que lhes deixar claro que... ? balbuciou o futuro marquês.
? Milorde! Sua Excelência! ? Gritou Anderson através da porta.
? Entra ? respondeu depois de levantar-se e certificar-se de que Evelyn cobria seu corpo com o lençol. ? O que acontece?
? Desculpe a interrupção, mas o duque de Rutland o espera no hall. Ordenou que se apresente o antes possível ? expôs o criado sem mal respirar.
Estranhando a visita, Roger saiu do quarto, desceu as escadas de três em três e quando apreciou o rosto alterado de William esteve a ponto de sentar-se no chão.
? Vista-se! ? Gritou-lhe Rutland. ? Temos que nos dirigir a Londres o antes possível.
? O que acontece? Acaso aquele descarado do Wyman...? ? Tentou perguntar ao mesmo tempo em que convertia suas mãos em dois duros punhos.
? Encontraram esta madrugada o corpo sem vida de Caroline e acusam Federith de sua morte.
Agradecimentos
Em primeiro lugar quero agradecer à minha família a infinita paciência que tiveram enquanto criei o futuro marquês. Foram muitas horas afastada deles e lhes negando minha ajuda. Espero que ao final tenham sua recompensa.
Em segundo lugar às minhas amigas. Obrigada pelo apoio que me ofereceram, por aguentar as intermináveis horas ao telefone e por me dar ânimos quando estive a ponto de atirar a toalha.
É óbvio a ti, Paola. Por seguir trabalhando ao meu lado e fazendo com que minhas novelas não deixem de brilhar.
Também tenho que agradecer à minha querida companheira e amiga Ahna Shtauros por sua ajuda quando necessitava de expressões em francês. Sinto se te avassalei de mensagens de wassap aquela manhã às cinco da madrugada quando estava adormecida.
E é óbvio a ti, leitor, que escolheu entre um milhão de histórias, a minha.
XXIV
Algo a impedia de levantar as pestanas. Dirigiu as mãos para o rosto e tocou um objeto suave. Afastou-o com rapidez e se incorporou sobre a cama. Quem lhe tinha abafado os olhos e por qual motivo? Quando pôde observar com claridade ao seu redor, levou-se uma mão à boca e evitou dar um grito. Roger estava ao seu lado, ajoelhado sobre o chão e apoiando meio corpo na cama. Estendia os braços para ela como se quisesse alcançá-la, seu cabelo revolto deixava apreciar a metade do rosto viril.
Evelyn cravou as pupilas naquela boca deliciosa que se escondia sob uma espessa barba loira. De repente, um estranho ardor sacudiu seu corpo, fazendo com que um inaceitável frenesi se apropriasse dela. Era um homem tão sedutor, tão encantador que até adormecido provocava o desejo de tocá-lo, de acariciá-lo.
Compreendia por que sua fama de galã se estendeu por Londres como a pólvora e por que as mulheres emitiam sorrisos nervosos quando ele estava presente: que mulher não sonha ter ao seu lado um homem assim?
Desvanecendo de repente os sentimentos de prazer e luxúria que se apropriavam de sua mente, moveu-se devagar para não o despertar. Precisava afastar-se dele o antes possível, não lhe cabia dúvida de que teria chegado tarde e bêbado. Talvez, devido ao seu estado de embriaguez, adotou aquela postura ao não alcançar a poltrona onde devia descansar. Não foi até que tentou pousar os pés no chão que viu a cadeira junto à cama. Nela havia uma bacia repleta de água, a mesma com a qual se refrescou à noite anterior no banheiro. O que tinha ocorrido? Que fazia a bacia ali?
Conseguiu que sua mente rememorasse o transcorrido na noite anterior, Roger tinha partido e ela, enfim, pôde despir-se. Esforçou-se em aliviar a terrível dor que tinha aparecido em seu rosto, mas não o obteve e, derrotada, retornou à cama. Não pôde conciliar o sonho até bastante tempo depois, a imagem daquele pequeno crânio aparecia uma e outra vez em sua mente provocando que um sem fim de perguntas surgisse em sua cabeça sem cessar. Não encontrou nenhuma razão lógica que explicasse por que o dito objeto permanecia sob o assento e finalmente alcançou o sono, mas não descansou.
Um terrível pesadelo dominou seu repouso. Viu-se no prado caminhando para o sol e notando como a grande bola de fogo lhe queimava o rosto. Era incapaz de diminuir seu passo embora se visse envolta em chamas e gritou ao ver que seu vestido ardia e todo seu corpo também. Quando se rendeu ao fatídico final observou uma enorme figura aproximando-se e colocando-se em frente a ela. Sua grandiosa sombra fez com que deixasse de sentir calor e que o fogo desaparecesse de repente.
Evelyn voltou o olhar para Roger. Tanto em seu pesadelo como na vida real, ele a cuidava. Deixava a um lado o ser arrogante e egoísta que tanto se esforçava em mostrar e a protegia sem lhe importar o que ele mesmo padecesse. A mulher deixou de franzir o cenho e, com cuidado, rodeou a cama até colocar-se atrás das costas de seu marido. Daquela proximidade contemplou maravilhada como descansavam seus fortes braços que com facilidade poderiam ser como quatro dos seus, sua musculatura era tal que lhe resultava impossível compará-lo com outro homem. As pernas, aquelas longas extremidades das quais se queixava ao sentar-se na carruagem, esticavam-se sobre o chão adotando uma postura indesejável. Mas não foi a magnitude da figura masculina que lhe fez levar de novo as mãos à boca, mas sim umas pequenas cicatrizes que desfiguravam as atléticas costas. Quem o teria açoitado com tanta força para assinalar uma pele tão forte? Teriam-no feito prisioneiro em alguma de suas viagens no navio? O teriam assaltado os temidos piratas? Quis esticar a mão e as tocar com suavidade, mas não era apropriado fazê-lo enquanto ele descansava, se de verdade desejava tocá-lo, se de verdade queria que seus dedos roçassem a pele masculina, devia fazê-lo quando Roger permanecesse acordado, assim poderia retroceder ao mínimo gesto de amargura. Zangada pelos pensamentos pecaminosos que despertava seu marido nela, virou-se com sigilo e caminhou para o baú. Precisava arrumar-se antes de despertá-lo. Se for certo, se ele tinha passado a noite velando sua agonia, não teria repousado o suficiente e o trajeto para Londres seguia sendo longo.
? Encontra-se melhor? ? A voz áspera de seu marido a fez virar com brutalidade.
? Sim. Muito melhor. Por que o fez? ? Arqueou as sobrancelhas e esperou para escutar a resposta com interesse.
? Por que não o ia fazer? ? Ao incorporar-se franziu o cenho. Tinha permanecido tantas horas na mesma posição que, ao levantar-se, sentiu dores nas pernas. ? Expôs-se durante muito tempo ao sol e sofreu umas leves queimaduras ? esclareceu com certo desinteresse. Não queria que desse importância a um fato tão banal. ? Se não as tivesse tratado hoje não poderíamos empreender a marcha.
? Entendo... ? disse com pesar.
Tinha encontrado a razão de seu cuidado. Não foi o que esperava, mas era o mais lógico. Se ela adoecesse teriam que permanecer na estalagem mais tempo do que pretendia e isso atrasaria a chegada a Londres. Evelyn olhou para o chão, evitando que Roger descobrisse as pequenas lágrimas que começavam a brotar em seus olhos.
Doía-lhe descobrir que seguia sem despertar certo interesse sentimental em seu marido. Aquela apatia os separava e a distanciava de averiguar a verdadeira personalidade de seu marido. Se continuasse dessa forma, seu plano não seria infalível.
? Não sei como agradecer tudo o que está fazendo por mim ? falou sem ser capaz de evitar certa aflição em suas palavras. ? Mal levamos dois dias de viagem e me salvou de ser atacada por uma serpente e te fiz passar a noite em claro para acalmar um estrago que eu mesma realizei por imprudência. O mais sensato seria que me deixasse aqui para que Wanda me recolhesse.
? Não vou abandonar-te! Permanecerá ao meu lado em todo momento, entendido? ? Disse zangado.
? Não se dá conta de que só atrapalho sua vida? ? Levantou o rosto e deixou que suas lágrimas fossem percebidas pelo homem.
? Bobagens... ? grunhiu aproximando-se dela. ? Qualquer um pode ser assaltado por um perigoso animal se caminhar pelo campo e, quem não está acostumado aos raios solares padecem este tipo de reações ? respondeu com tom suave. Esticou a mão para o rosto e o acariciou com muita suavidade. Enquanto lhe afastava as lágrimas com os polegares, observou como Evelyn fechava os olhos ao tocá-la e apertava seus deliciosos lábios. Esteve a ponto de beijá-la, de degustar de novo seu sabor, mas se conteve. Não desejava aproveitar-se dela em um momento de debilidade. ? Por sorte, não ficarão sequelas. ? Virou-se para a direita e deu uns passos para diante deixando-a as suas costas.
? Roger? ? Chamou sua atenção.
? O que? ? Perguntou elevando a cabeça para o teto esperando qualquer recriminação por havê-la tocado sem ela pedir-lhe.
? Obrigada... ? Não era essa a palavra que desejava dizer.
Ao sentir suas mãos sobre ela e notar como se acelerava seu pulso ao ser acariciada e como sua boca ficava fria sem os lábios de seu marido, avivou uma inesperada vontade de tê-lo ao seu lado sem roupas que impedissem o atrito entre seus corpos.
? Não tem por que me agradecer. Fiz o que devia e continuarei fazendo-o pelo resto da minha vida. E agora, se me desculpa, tenho que me assear. Imagino que Anderson já tenha preparado a carruagem para empreendermos a viagem.
? Roger! ? repetiu com ênfase. Ficaria ali parada? Esperaria que aquele desejo e aquela necessidade por tê-lo ao seu lado desaparecessem com o tempo? De verdade tinha tanta vontade de entregar-se a ele após descobrir que nunca se afastaria de seu lado e que cuidaria dela pelo resto de sua vida? Era suficiente escutar tal coisa para oferecer-se sem restrições?
? O que? ? Perguntou esperando conhecer a razão pela qual não o deixava assear-se com tranquilidade.
Evelyn não pensou. Correu para ele e saltou sobre o corpo seminu de seu marido. Os pequenos braços se entrelaçaram no pescoço e sua boca tocou a de Roger. Este, assombrado pela reação da mulher, ficou pétreo.
? Um simples obrigado teria sido suficiente ? comentou com apenas um fio de voz quando ela liberou sua boca.
Não esperava essa atuação de Evelyn nem tampouco aquele suave beijo. Se assim agradecia seu dever por cuidá-la, fá-lo-ia com mais gozo do que pudesse imaginar. Entretanto, por mais que lhe agradasse a recompensa, não queria que ela se entregasse a ele por esse motivo. Desejava, e cada vez mais, que entre ambos surgisse algo especial. Possivelmente um pouco parecido ao que tinham William e Beatrice, embora supusesse que jamais alcançariam aquele nível de amor.
? Sei ? disse cravando seus esverdeados olhos nos de Bennett.
? Então? ? Continuou colocando suas grandes mãos sob as redondas e gostosas nádegas. Os mamilos de Evelyn roçavam seu torso e estava ficando louco ao tentar manter relaxada certa parte de seu corpo que atuava por sua conta. ? Então? ? Insistiu arqueando as sobrancelhas.
? Quero me oferecer a ti... ? murmurou abaixando a cabeça para que não pudesse ver o rubor que lhe provocava sua ousadia.
? Assim, sem mais? Quer que te faça amor como prêmio por te haver salvado de uma serpente ou por ter acalmado umas pequenas bolhas? ? Foi abrindo suas mãos para que Evelyn se deslizasse até o chão. Quando ela apoiou os pés no piso, olhou-a com os olhos entreabertos. ? Disse-te que com um simples obrigado era o bastante. Não desejo te submeter, nem te obrigar a nada por algo que é meu dever de marido.
Evelyn ficou paralisada. Por mais que tentasse levantar o rosto e olhá-lo desafiante, não conseguia. Seu embaraço, sua vergonha era tal que não podia nem pensar. Com um esforço sobrenatural deu uns passos para trás dando a possibilidade a Roger para que fechasse a porta e a deixasse sozinha naquele quarto que, naquele momento, pareceu-lhe enorme. Entretanto, ele não se moveu. Seus pés, aqueles que só conseguia ver, seguiam pegos ao chão.
? Evelyn? ? Agora era ele quem chamava sua atenção. ? Olhe-me! Levanta de uma vez esse rosto e me olhe! ? Gritou com aparente mau humor.
Assim o fez. Contra sua vontade levantou o queixo e o olhou. As lágrimas percorriam seu rosto sem poder evitá-lo, suas mãos se apertavam com força formando dois pequenos punhos. Humilhou-se de novo. Degradou-se outra vez ante um homem e este não tinha consideração ante seu ato. Zangada pelo acontecido, elevou os punhos, caminhou para ele e começou a lhe golpear no peito com ímpeto.
? Odeio-te! Maldito seja! Odeio-te! ? Gritou entre soluços.
? Então... por que quer se entregar? Por que quer que te toque, que te beije, que te possua? ? Insistiu sem impedir que o continuasse golpeando.
Como podia falar? Como podia explicar o que sua mente lhe propunha se sua garganta estava pressionada pelo desejo? Possivelmente o único motivo pelo qual conseguia soltar aquelas palavras não era outro que escutar, da boca de Evelyn, que o necessitava tanto como ele a ela.
? Não me toque! ? Clamou Evelyn ao sentir as mãos de Roger entrelaçando-se em sua cintura. ? Solte-me!
? Só quando me responder ? disse com firmeza. ? Só assim te deixarei livre.
? O que quer que te responda? ? Inquiriu rudemente.
? A verdade ? respondeu mais comedido.
? A verdade? ? Voltou a abaixar a cabeça, mas Bennett depois de afastar suas mãos da cintura, usou uma para colocá-la sob seu queixo e lhe içar o rosto.
? Sim ? afirmou com solenidade.
? A verdade, ? interrompeu-se ? é que ninguém se preocupou por mim durante todos estes anos. A verdade é que todo aquele que se aproximou foi para obter algo em troca. A verdade é que nunca tive a uma pessoa ao meu lado que apaziguasse minhas doenças, minhas inquietações ou me oferecesse seu amparo sem um motivo ou razão alguma ? soltou sem respirar.
? E aquele seu prometido? Aquele que te roubou aquilo que me pertence? ? Grunhiu mastigando cada palavra e mostrando a ira que lhe provocava conhecer certas coisas do passado de sua esposa que não imaginara.
? Esse menos que nenhum... ? murmurou ao mesmo tempo em que deixava cair seus braços para o chão.
Roger a observou tão abatida que desejou apertá-la ao seu corpo, para que não se afastasse dele, mas pensou melhor. Ela necessitava de seu próprio espaço, seu momento de liberdade, para poder falar com tranquilidade.
? Só me queria pelo dote que ofereciam meus pais... ? sussurrou enquanto caminhava para a cama e se sentava sobre esta ? mas ao não conseguir seu propósito me abandonou.
Podia arrancar os marcos da porta a dentadas? Porque isso é o que desejava fazer naquele momento. Precisava focalizar sua ira, sua raiva e desespero para algo. Entretanto, depois de respirar com profundidade e achar um pouco de sensatez, andou até ela, ajoelhou-se e colocou suas palmas sobre os joelhos da mulher.
? Disseram-me que tinha morrido... ? confessou-lhe. Sabia que lhe ia responder que continuava vivo, então sua mente não cessava de idear a maneira de buscá-lo e fazer realidade a mentira. Se já estava morto... quem condenaria o assassinato de um cadáver?
? Tinha dezesseis anos. Meus pais me apresentaram em sociedade com muita alegria e ilusão. Naquela época a família era bastante rica então meu pai ofereceu um bom dote para o homem que decidisse casar-se comigo. ? Fez uma leve pausa, suficiente para recuperar um pouco de quietude. ? Ele me cortejou e me seduziu. Terminei por me apaixonar e finalmente nos comprometemos. Pouco depois meu pai anunciou que as riquezas familiares tinham desaparecido por um mau investimento. Quando contei, quando lhe narrei a agonia que estávamos padecendo, acreditei que nos ajudaria, que lutaria contra a pessoa que enganou ao meu pai e que graças à sua valentia obteríamos o roubado. Mas não o fez. Decidiu partir. Abandonou-me sem sequer pensar no que eu tinha em meu interior...
? Estava... ficou...? ? Abriu tanto os olhos que pensou que estes fossem sair das órbitas.
? Sim. Embora pouco tempo depois de sua partida o perdi. Tropecei nas escadas ao sofrer um desmaio e quando despertei, o bebê tinha morrido ? soluçou dolorosamente.
? Sinto muito... ? falou com tristeza. Tirou as mãos dos joelhos e se levantou. A vontade de quebrar algo, de estrangular ao malnascido que lhe tinha feito mal, não diminuiu. Mas não era o momento de atuar com agressividade. Não desejava que Evelyn se assustasse ao pensar que a ira se devia à sua confissão e não ao feito de descobrir o triste passado que tinha vivido.
? Não tem por que sentir, Roger, mereço isso. Mereço tudo o que me aconteceu e o que acontecerá ? murmurou Evelyn dirigindo seus olhos para a figura alterada de seu marido.
Perambulava de um lado para outro. Levava as mãos para o cabelo e o afastava sem cessar. Sabia que após conhecer o que escondia, que ao revelar seu passado, desiludira-o. Quem poderia viver junto a uma mulher manchada? Agora era só esperar o que tanto tinha temido, que outra pessoa a abandonasse. Supôs que, embora lhe prometesse cuidá-la, sua declaração lhe daria a oportunidade de afastar-se de seu lado como fizeram os outros.
? Eu... eu... ? tentou dizer, mas lhe resultou impossível explicar o que pensava. Alguém batia na porta com insistência. Com grandes pernadas se dirigiu para esta, abriu-a e ladrou: ? Quem é?
? Sua Excelência ? respondeu Anderson abaixando com rapidez a cabeça ao escutar o tom enfurecido de seu senhor. ? Desculpe atrapalhar. Mas tenho que o informar que tudo está preparado para empreender a viagem.
? Que horas são? ? Perguntou em tom irado.
? Quase sete, senhoria.
? Está bem. ? Olhou de esguelha para Evelyn. Não se tinha movido de seu assento. Seguia com a cabeça abaixada e apertava suas mãos com força. O que devia fazer? Era a primeira vez em sua vida que não sabia como atuar com uma mulher. Se partirem, se se preparavam para partir depois de sua confissão, ela poderia pensar que lhe tinham feito mal suas palavras e que a repudiava por aquele passado que tanto lhe doía. Mas se fechasse a porta, se se dirigisse para ela e fizessem amor, acreditaria que só tentava aproveitar-se de sua fragilidade.
? Senhor... ? interrompeu de novo seus pensamentos o criado.
? Avisem-me quando forem dez da manhã. Não descansei o suficiente para aguentar estoicamente um trajeto tão longo.
? É claro. Voltarei a chamar nessa hora. ? Anderson fez uma leve reverência e se afastou.
Roger fechou a porta e se apoiou nela. Respirou com profundidade e contemplou o aflito corpo de sua esposa. Não sabia se o que lhe ditava o coração era correto ou não, mas se seu interior lhe gritava que o fizesse, fá-lo-ia.
XXV
Virou-se quando escutou fechar a porta. Surpreendida ao escutar que a saída se atrasava, observou sem pestanejar ao Roger, que apoiou as costas na porta de madeira cruzando os braços e cravando suas pupilas nela. Tragou saliva ao perceber como a escuridão aparecia no rosto masculino, apertava a mandíbula com tanto afã que podia escutar com facilidade o ranger de seus ossos. O peito, robusto pelo trabalho que teria realizado no navio, elevava-se e baixava com brio apesar de suportar o peso dos grandes e musculosos braços. Evelyn tremeu. Ali estava, um titã de cabelo loiro e pele escura atravessando-a com o olhar. Supôs que era lógico, todo mundo que escutava seu passado sentia ira ou lástima e, para ser sincera, ela preferia o ódio, posto que estava acostumada a defender-se melhor dos ataques verbais que das palavras repletas de misericórdia.
Quis romper o silêncio incômodo que se produziu entre ambos perguntando se queria que partisse, se desejava descansar tal como tinha indicado ao Anderson ou se desejava terminar a frase que tinha começado antes de serem interrompidos. Tinha empalidecido ao descobrir que tinha perdido ao bebê. Ao que parecia, os rumores não o informaram da parte mais odiosa da ruptura de seu compromisso: a perda de um diminuto ser. Tampouco lhe haveriam dito que ela não podia ter mais filhos. «Colin não o advertiria no contrato matrimonial», disse-se irônica. Desejou falar sobre algo que o despertasse do choque no qual se encontrava, mas não o conseguiu.
De repente Roger descruzou os braços e caminhou com solenidade para ela. Evelyn esticou as mãos pela camisola no primeiro passo. No segundo, seu coração deu um tombo ao apreciar que na realidade o rosto masculino não mostrava escuridão, mas sim lascívia. Não estava zangado, não desejava afastar-se de seu lado. O que pretendia era possui-la como um selvagem. «Grita, Evelyn, grita! Salve-se dele! Corre, foge!», escutava uma voz exaltada em sua cabeça. Mas a fez calar com rapidez.
Roger se aproximava como um predador se aproxima de sua presa, mas nesta ocasião, a presa desejava ser alcançada.
? Prometi que não te tocaria até que me pedisse ? disse isso com voz rouca. Seu terceiro passo o deixou a menos de quatro palmos dela.
? Sim ? respondeu-lhe sem diminuir aquela excitação que lhe augurava o que ia acontecer se fosse incapaz de negar-se.
? E até agora atuei tal como ditou ? continuou com o mesmo tom. Parou de andar até que se colocou em frente a ela. Percebeu que ela tremia ante sua proximidade. Estava seguro de que o calor que emanava de seu próprio corpo chocava com força no da mulher.
? Sim... ? conseguiu dizer mediante uma profunda inspiração.
? Evelyn... quero respeitar suas decisões. Não haverá nada no mundo que me impeça de fazê-lo. Por isso te pergunto, quer que eu te toque? Quer que te beije e te possua com o ardor que sinto desde que pus meus olhos em ti? ? Esticou as mãos para lhe acariciar os suaves e sedosos cabelos que caíam em forma de cascata por seus ombros.
? Roger... ? murmurou.
? Diga-me... ? respondeu depois de respirar profundamente.
? Sim.
? Sim o que, Evelyn?
? Sim, o desejo.
Bennett não se conteve mais. As mãos abandonaram o cabelo para agarrar com força a cintura da mulher. Atraiu-a para ele enquanto sua boca se chocava com a dela. Sua língua voltava a dominá-la, a conquistar seu interior. Observou satisfeito como Evelyn se deixava levar pelo desejo, fechando os olhos e dando pequenos e musicais gemidos de prazer ao tê-la em seus braços. Tudo aquilo que pensou, todas aquelas dúvidas que o impediam de avançar para fazê-la sua se desvaneceram ao sentir as mãos de sua mulher lhe acariciando as costas. Ardiam. Ambos desprendiam um fogo abrasador. Contra sua vontade, Roger foi enrugando entre suas mãos a camisola de Evelyn muito devagar. Apesar de querer arrancar-lha acreditou oportuno ser delicado com ela posto que imaginasse, por suas palavras, que jamais tinha sido amada tal como merecia. Precisava lhe indicar com cada carícia, com cada beijo, que era uma deusa para ele e assim a trataria. Quando o objeto se levantou até a pequena cintura, Bennett pousou suas grandes palmas sobre os glúteos nus. Acariciou-os, apertou-os, e inclusive cravou seus dedos neles para marcá-la, para lhe demonstrar que era dele e de ninguém mais. Mas aconteceu algo que o deixou atônito. Não esperava que Evelyn, depois de notar suas mãos nas nádegas, abrisse lentamente suas pernas o convidando a prosseguir. Dava-lhe acesso à sua sexualidade. Um grunhido de satisfação saiu de sua garganta. Essa amostra de aceitação o deixou tão louco que seu controle se desvaneceu. Com a mesma voracidade que um sedento bebe água no inóspito deserto, Roger terminou por a despojar da camisola. Evelyn, ao ver-se completamente nua, tentou cobrir-se com suas mãos, mas Roger as afastou com delicadeza enquanto se ajoelhava ante ela.
? Não me oculte sua beleza, minha pequena bruxa ? murmurou. Sua boca beijou o ventre no qual um dia houve uma vida dentro. ? Não quero que se esconda de mim.
Esperou que lhe respondesse, mas não o fez. Só colocou as mãos sobre seus ombros para não cair. Seus dedos retornaram às nádegas para acariciá-las com devoção. Voltou a observar como Evelyn separava lentamente suas pernas. As mãos caminharam devagar pelas coxas até alcançar os lábios inchados e úmidos. Depois de inspirar o aroma erótico de sua esposa, acariciou com ligeireza aquelas dobras molhada. Seus dedos lhe facilitaram o trajeto, separando com suavidade as delicadas protuberâncias sexuais.
? Nota minhas carícias? ? Exigiu saber com uma mescla de luxúria e sufoco.
? Sim... ? murmurou mal consciente disso.
? Quer que siga? Quer que continue, meu amor? ? Nem ele mesmo foi consciente de haver dito aquela palavra. Nunca a tinha posto em sua boca anteriormente, mas apesar de entrecerrar seus olhos ao escutar-se, não se arrependeu. Adorava-a, desejava-a, necessitava-a, e isso não era a base do amor?
? Sim, por favor ? rogou-lhe.
Seu corpo se sacudia com tanta força que se agarrou com ímpeto aos ombros de Roger. Mal podia levantar suas pálpebras e se envergonhava por ser incapaz de fechar a boca e não fazer parar aqueles diminutos gemidos provocados pelo prazer. Isso não era o normal, ou talvez sim. Não tinha com o que compará-lo salvo com Scott e, onde suas mãos tinham provocado frieza, as de seu marido a faziam arder.
? Deixe-me conhecer todo seu corpo... ? murmurou devagar enquanto o dedo do meio apalpava o interior de seus lábios procurando o pequeno botão do clímax. ? Deixe-me explorar cada pedaço da sua pele... deixe-me te demonstrar quanto te necessito...
? Faça-o... ? disse sem voz.
? Agarre-se com força aos meus ombros, meu amor. Vou fazer com que desfaleça de prazer ? advertiu antes de mover seu dedo com rapidez sobre o pequeno clitóris.
Gotas de suor começaram a banhar sua pele. Não imaginou que com um simples dedo pudesse enlouquecê-la até o ponto de flexionar seu corpo para diante e cair sobre Roger. Sua respiração era intermitente, mal conseguia duas inspirações seguidas sem gritar. As pernas perdiam sua força e podia notar como começavam a encurvar-se. Mas seu marido a elevou, colocou-a como ele queria que estivesse e então aconteceu algo que, se não tivesse estado na cama, teria caído desabada ao chão. Toda a agitação que sentia ali onde ele tinha o dedo, ali onde era açoitada sem fim, acalmou-se com a língua de Roger.
? Está bem? ? Bennett saltou sobre ela assombrado.
? O que... o que foi isso? ? Perguntou aturdida.
? Isso, meu amor... ? disse com um sorriso de orelha a orelha ? é algo delicioso. ? Dirigiu sua boca para a dela e a beijou com ardor. Sua língua se apoderou dela, possuiu-a e a desfrutou. Evelyn descobriu que o sabor de Roger se mesclava com outro um pouco ácido, frutado. Ruborizou-se ao saber de onde procedia, mas não se amedrontou, queria mais. Muito mais.
? Repita ? ordenou desenhando um sorriso malicioso em seu rosto.
? É uma ordem? ? Perguntou zombador.
? É outro mandato que acabo de acrescentar à lista. ? Seus olhos verdes brilhavam pelo desejo. Urgia-a senti-lo ali abaixo e o necessitava já.
? Pois como te disse, acatarei todas as suas normas, querida.
Começou a percorrer o corpo feminino com sua boca. Fez várias paradas antes de chegar ao lugar que tanto ansiava sua mulher. Primeiro beijou o pescoço e lambeu cada milímetro de sua pele até que alcançou o lóbulo onde deveria luzir uns brincos de diamantes. Acariciou-o devagar fazendo com que o pelo se arrepiasse ao úmido tato. Prosseguiu até seus seios. Aquelas pequenas montanhas com suas pontas escuras o deixaram louco. Absorveu, mordeu e apertou com seus dentes os elevados mamilos para escutar seus gritos. Adorou ouvi-la. Adorou observar como seus seios se moviam agitados pelo prazer. Continuou seu trajeto para baixo gerando um caminho brilhante depois do passo de sua língua. Era uma tortura ter demorado tanto até alcançar seu sexo, mas não tinham pressa, já não. As grandes mãos se colocaram sobre as coxas, separando-as com suavidade. Depois de apartá-las, Roger admirou o fogo que ela escondia entre estas. Aproximou seu nariz para voltar a encher seus pulmões do delicioso aroma de Evelyn. O fez várias vezes, possivelmente mais das que deveria. Nem tentou fechar seus olhos ao aproximar sua língua para os amaciados lábios. Precisava contemplar tudo. Por mísero que fosse o movimento de sua mulher ao roçá-la, desejava averiguá-lo.
Não podia parar os tremores. Suas pernas, arqueadas e abertas, sacudiam-se de um lado para outro. Em mais de uma ocasião pensou que golpearia a cabeça de Roger com os joelhos, mas não foi assim. Enquanto ele acariciava o sexo com seus lábios e com sua língua, agarrava com solidez as pernas para que deixassem de agitar-se. Era impossível permanecer quieta quando todo o corpo se sacudia devido às convulsões que se propagavam por cada milímetro da pele. Evelyn gritou ao notar a pressão dos dentes ali abaixo. Levou as mãos para a boca para não repetir o uivo, embora mal o silenciasse. Continuou gritando, chiando, uivando pelo prazer que seu marido lhe dava entre as pernas. Em mais de uma ocasião vislumbrou o firmamento repleto de estrelas brilhantes no teto de seu quarto. Não era possível. O que fazia seu marido não era real.
? Minha pequena bruxa... ? sussurrou Bennett elevando-se sobre ela. ? É puro fogo. Jamais necessitei tanto estar dentro de uma mulher. Deixa-me louco, Evelyn. Perturba-me, rouba-me a pouca racionalidade que tenho.
Ela esticou as mãos para lhe segurar o rosto e atrai-lo para sua boca. Desejava voltar a degustar daquela deliciosa mescla que ele guardava.
? Quero te possuir, quero te fazer minha ? murmurou. Ao ver como sua esposa assentia pousou os pés no chão, tirou a calça e as meias e retornou à cama. ? Não doerá, prometo-lhe isso.
Evelyn não estava tão segura disso. Se o corpo de Roger era imenso, seu sexo não era menor. Esticou as palmas da mão e, curiosa, começou a tocá-lo. Sua pele lhe pareceu sedosa, mas ao mesmo tempo forte e rígida. Abriu os olhos como pratos ao notar a umidade em suas mãos. A isso se referia quando lhe dizia que perdia o controle? Teria cuspido sua semente antes de introduzir-se em seu interior? Se fosse isso, se ele já tinha explodido, então compreenderia a razão pela qual Scott sofria aqueles percalços. Desejava-a tanto que não era capaz de controlar-se.
? Evelyn... ? chamou sua atenção. ? Eu jamais... em minha vida... ? Abaixou a cabeça e a beijou com desejo. Enquanto, com uma mão, foi endireitando seu membro até encontrar o lugar no qual devia entrar.
Não foi capaz de controlar-se. Queria fazê-lo lento, devagar, entretanto, não o conseguiu. Ao sentir a calidez dela, apertou seus glúteos, apoiou as palmas de suas mãos sobre o colchão e a invadiu com força.
? Sinto muito, sinto muito, mas não posso me controlar. Quero te fazer minha, quero te sentir, quero...
As mãos de Evelyn se colocaram nas costas masculina. Seus dedos se apertaram tanto nela que terminou lhe cravando as unhas. Cada penetração, cada embate, ela o sofria com enérgicos espasmos. Podia sentir o início do sexo de Roger lhe penetrando o interior, parecia que desejava alcançar o que ninguém podia conseguir. Tentou fechar os olhos. Precisava fechá-los para deixar-se levar. Embora não pôde fazê-lo, desejava apreciar como era o rosto de Roger, como mudava a cor de seus olhos quando o clímax o sucumbia.
? Evelyn! Evelyn! ? Gritou com tanto ímpeto seu nome que os tendões se marcaram na garganta.
Os tremores se fizeram mais intensos, rápidos e incontroláveis. O suor de ambos se mesclou. Uma estranha essência se estendeu ao redor deles. Em cada inspiração, cada vez que ela cheirava aquela mescla a especiarias, mais excitada se encontrava. Apertou com mais força suas unhas na pele de Roger, elevou o queixo e quando estava a ponto de gritar, a boca de seu marido a possuiu. Não deixou de beijá-la até que pararam de tremer, até que ambos os corações relaxaram seus batimentos, até que as respirações se compassaram.
? Sinto muito... ? Roger saltou da cama, dirigiu-se para a bacia e pegou o pano úmido. ? Sinto de verdade. ? Não deixava de desculpar-se enquanto a limpava. ? É a primeira vez que verto minha semente... é a primeira vez que não controlo...
Evelyn se incorporou na cama e segurou a mão de seu marido que limpava sua zona erógena. Não sabia o que pensar ao lhe escutar dizer que era a primeira vez que sua semente se introduzia em uma mulher. Possivelmente mentia, mas ao vê-lo tão inquieto, tão assombrado, a dúvida se dissipou. Entretanto não devia temer por uma possível gravidez. Não com ela.
? Roger não sofra ? disse desenhando um pequeno sorriso no rosto. ? Não acontecerá nada do que pensa.
Bennett deixou cair o objeto no chão. Seus olhos se abriram tudo o que puderam, seu coração deixou de pulsar, a expressão de agonia que mostrou seu rosto ao compreender que podia deixá-la grávida antes de averiguar se entre eles tinha crescido o amor se dissipou com brutalidade. Não podia ter filhos? Era impossível! Havia-lhe dito que esteve grávida. Só uma mulher que... o compreendeu com rapidez. Algo tinha acontecido naquele aborto que a deixou estéril. Ao ser consciente de que Evelyn lhe estendia a mão para que se colocasse ao seu lado, estendeu a sua e se tombou junto a ela. Abraçou-a com força contra seu corpo e lhe beijou o cabelo.
? Tenho frio. ? Não foi um mandato, mas sim uma mera informação.
Roger esticou o braço e pegou o lençol para cobri-la. Ela se aproximou ainda mais a ele convertendo-se de novo em uma só figura.
? Descansa um pouco ? sussurrou-lhe com ternura. ? Despertá-la-ei antes que batam à porta. ? A mulher assentiu com um suave movimento de cabeça.
Bennett, apesar de estar cansado, foi incapaz de fechar os olhos. Uma centena de pensamentos golpeava sua mente sem trégua. O que aconteceria agora? Seguiriam assim toda a viagem até chegar a Londres? Isso esperava porque tê-la daquela forma acalmava seus medos. Entretanto, o que ocorreria quando Evelyn descobrisse o passado de seu marido? «Será ela quem te abandone ? refletiu com tristeza. ? Quem pode viver junto a uma pessoa como eu?». Apesar do inevitável final, Roger priorizou um de seus objetivos: antes que ela se afastasse, antes que Evelyn decidisse separar-se dele, procuraria com afã ao suposto morto e faria realidade o rumor. Ele mesmo lhe arrebataria a vida com suas próprias mãos. Depois de beijar de novo o cabelo de sua esposa e intensificar seu abraço, olhou para a janela e suspirou.
Apesar de sua insistente negativa, Roger a ajudou a vestir-se e a penteá-la. Adiantando-se à chamada de Anderson, ambos estavam preparados para retomar a viagem. Quando escutaram uns pequenos golpezinhos na porta, olharam-se sorridentes. Evelyn acreditou que seu marido daria suas típicas pernadas para chegar à saída e responder ao criado, mas em vez disso abraçou-a e a beijou com paixão.
? Estou desejando que chegue de novo a noite. ? sussurrou-lhe ao ouvido. ? Vou contar as horas que faltam para tê-la outra vez nua em meus braços.
Ela se ruborizou ao escutar as insinuantes palavras e notou em seu baixo ventre um incrível palpitar. Desejava-o. Evelyn também desejava que chegasse aquele momento para voltar a sentir o prazer que lhe provocavam as carícias de seu marido. Antes de sair olhou-se no espelho e se surpreendeu ao ver um rosto repleto de felicidade. As olheiras lhe pareceram maravilhosas, o enredado cabelo recolhido em um torpe coque pareceu-lhe o penteado mais surrealista que tinha mostrado até o momento e seus lábios, avermelhados pelo roce da barba, exibiam-se mais volumosos que de costume. Era muito difícil ocultar o que tinha acontecido durante as horas anteriores naquele quarto. Embora começasse a descobrir, atônita, que não lhe importava o que pensavam outros.
? Adiante-se ? indicou Roger soltando sua cintura. ? Vou pagar ao hospedeiro e depois correrei até te alcançar.
Evelyn fez o que lhe propôs com carinho. Elevou seu queixo e caminhou para a carruagem sem olhar para trás. Ao sair da estalagem se assustou ao perceber como o sol voltava a tocar seu rosto e o machucava. Içou a mão direita, abaixou levemente a cabeça e caminhou depressa para o veículo, mas quando estava a ponto de chegar, no momento em que Anderson lhe abria a porta para lhe facilitar o acesso, notou uma pressão na mão esquerda tão intensa que se girou para esse lado.
? Senhora... ? uma mulher de pouco mais de cinquenta anos e vestida de rigoroso luto era quem a impedia de alcançar o carro. ? É seu marido o homem que ontem me pediu uma beberagem para acalmar suas queimaduras? ? Perguntou sem mal respirar.
? Bom dia ? respondeu com cortesia. ? Sim, pode ser que seja ele.
? Tome cuidado, milady, não é um homem bom. Leva em suas costas a marca da morte ? falou com pavor. Seu rosto, enrugado pelo passar dos anos, enfatizava suas palavras.
? Não o conhece! ? Exclamou zangada. Olhou para Anderson para lhe pedir auxílio e este, não muito cortês, afastou a anciã de seu lado.
? É você quem não sabe como é a pessoa que está ao seu lado! ? Clamou desesperada.
Evelyn subiu depressa, fechou a porta e olhou para o lado contrário. Não queria escutá-la nem olhá-la, mas era tanto o interesse que lhe provocava a estranha mulher que terminou por virar-se para ela. Quando a anciã apreciou que era observada, jogou uma olhada ao seu redor e percebendo que não seria retida de novo pelo lacaio, caminhou para a carruagem. Esteve a ponto de dizer algo, mas ao tocar o carro com suas mãos, os olhos desta se abriram tudo o que podiam alcançar, deu uns passos para trás e se benzeu.
? Não é o diabo... ? murmurou aterrada. ? É seu sangue que foi germinado por essa abominação...
? Acontece algo? ? Inquiriu Roger zangado ao ver as duas mulheres.
? Lute por se liberar do mal. Faça todo o possível para fazer desaparecer até a última gota de seu sangue. Só assim se liberará de seu destino ? comentou a anciã a Bennett antes de correr para a estalagem sussurrando palavras em um idioma que nenhum dos dois conseguiu decifrar.
? Quem era? ? Quis saber Evelyn quando seu marido se sentou ao seu lado e estendeu o braço para aproximá-la para ele.
? Só uma velha louca que me deu um remédio à base de ervas para acalmar suas queimaduras ? respondeu antes de lhe dar um beijo na cabeça. ? Incomodou-te? Tenho que descer e recriminar sua atitude com a minha esposa? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Não. Acredito que a pobre já tem o suficiente com a sua demência ? alegou antes de apertar a cintura de seu marido e pousar sua cabeça sobre o duro torso.
Mas as palavras da anciã não cessaram de repetir-se uma e outra vez em sua mente. Não entendia muito bem o que tentava expressar, entretanto, quando fechou os olhos para descansar antes de chegar ao próximo povoado e comprar aquele chapéu que, segundo Roger, necessitava, abriu-os de par em par ao recordar o que estava escondido sob o assento.
XXVI
Tal como augurou, o trajeto para Londres se fez comprido, mas graças ao comportamento de Roger o desfrutou mais do que esperava. É óbvio, cumpriu suas palavras sobre o que aconteceria na noite seguinte quando pernoitassem em outra estalagem, embora nessa ocasião enchesse a habitação de mantimentos para repor a energia que gastaram durante a noite. Os rubores em sua pele, pelas carícias e beijos, aumentaram até ter que comprar, em um dos povoados que visitaram, um remédio para acalmar sua delicada cútis. Entretanto, Evelyn não ocultava as marcas de seu prazer. Exibia-as com altivez. Quem não poderia proclamar que um matrimônio criado de um pacto inadequado começava a dirigir-se para o bom caminho? Nem ela mesma o teria acreditado. Recordou o momento no qual Roger apareceu em Seather com o papel que autorizava o contrato matrimonial, seu desmaio, a tosca cerimônia, seu abandono e, é óbvio, seu regresso. Não tinha transcorrido muito tempo desde que seu marido desembarcara, mas era o suficiente para confirmar que não desejava que partisse de novo. E agora menos que nunca. Estavam a ponto de chegar a Lonely Field, o lar de seu marido que também se converteria no seu. Ali, se Deus a ajudasse, encontraria as respostas que tanto açoitavam sua cabeça. Quem era na realidade Roger Bennett? Que passado tentava ocultar? Por que se transformou em um ser egoísta e petulante? E, sobretudo... por que tinha mudado tanto sua atitude após possui-la?
? Olhe! ? Exclamou Bennett com entusiasmo elevando-se do assento. ? Aí está meu lar! ? Voltou o olhar para ela, sorriu e murmurou: ? Nosso lar...
Evelyn se reclinou e olhou pela janela. Ao longe começou a divisar o enorme telhado que Roger chamava de lar, mas daquela distância mal pôde fazer uma ideia de como era. Seu marido lhe indicou que não seria maior que o dos duques, mas não deu importância às suas palavras. Um futuro marquês, e nada menos que o de Riderland, de cujo império se falava sem cessar nos grupos sociais, teria um palácio semelhante ao de Haddon Hall. Entretanto, quando a carruagem entrou no limite do imóvel, Evelyn levou as mãos para a boca.
? Adverti-te que não era uma grande extensão ? disse-lhe com certo pesar ao contemplar o rosto de sua esposa.
? É magnífica! ? Exclamou. Dirigiu as mãos para as de seu marido, apertou-as e esteve a ponto de beijá-las, mas Bennett o impediu ao assaltar sua boca com a sua.
? Meu coração está agitado... ? ronronou. ? Sinto-me tão feliz de que esteja aqui que sou incapaz de conter um grito de satisfação.
Evelyn gargalhou ao escutá-lo. Sabia que era certo o que lhe expunha. Podia apreciar o entusiasmado em seu rosto: desenhava um enorme sorriso, seus olhos brilhavam e relaxava a mandíbula, entretanto, suas mãos tremiam. Não conseguia saber se se deviam à excitação que sentia ou por medo da sua opinião sobre o futuro lar. Fosse o que fosse, ela apertou as trementes mãos e tentou acalmá-lo.
? Essas sebes, ? indicou separando sua mão direita da quente amarração ? Anderson e eu que plantamos. Embora te assegure que não sou o autor dessas formas trabalhadas que possuem.
A mulher dirigiu o olhar para onde assinalava seu marido e corroborou o que lhe explicava. O caminho que conduzia à entrada da casa estava adornado com duas fileiras de enormes e frondosos arbustos. Todos eles adotavam figuras diferentes, umas eram altas e magras, como se quisessem assemelhar-se aos picos de uma montanha, outras pelo contrário, eram curvilíneas e um pouco mais grossas. Mas conforme se aproximavam percebeu que todas tinham no interior a forma de animais. Como podiam realizar tal proeza com umas simples sebes?
? São totens ? esclareceu Bennett ao apreciar o assombro em sua mulher. ? Segundo seu autor, que conhecerá assim que estacionemos, mostram símbolos do meu caráter.
? Totens? ? Perguntou assombrada. ? Isso não é próprio dos...?
? Índios ? esclareceu afirmando com a cabeça. ? Sim, o criador dessas belezas é índio. Encontrei-o em uma das minhas viagens pela América. Estava a ponto de ser enforcado por um crime que, conforme se esforçava em proclamar, não cometeu. Eu acreditei em sua inocência e o comprei.
? Comprou-o?! ? Levantou tanto as pestanas que pôde senti-las acariciar suas sobrancelhas.
? Tudo se compra onde quer que se vá ? disse com ternura. ? Se tiver uma bolsa de moedas com a quantia que se espera obter ninguém é capaz de negar-se.
? Meu Deus! ? Exclamou tampando-se de novo a boca.
? Todos os meus criados, salvo Anderson, provêm de muitas partes do mundo, Evelyn. Aqui os trato com o respeito que merecem. Jamais ninguém lhes porá a mão em cima nem os utilizará como se fossem animais ? comentou com solenidade.
A mulher olhou absorta a seu marido. Não sabia o que responder. Nunca tinha imaginado que Roger albergasse em seu lar criados de outro lugar que não fosse Londres. Possivelmente porque só o povo nativo conhecia, melhor que nenhum outro, os costumes ingleses. Mas começou a não estranhar o que começava a conhecer de seu marido. Ninguém podia igualar-se. Ninguém poderia assemelhar-se a um homem tão incomum.
? Vamos querida. Acredito que todos desejam conhecer minha esposa ? sugeriu Bennett com um sorriso de orelha a orelha ao descobrir que não faltava ninguém para sair da residência para apresentar-se ante sua mulher.
Evelyn aceitou a ajuda de Roger para descer da carruagem. Com o chapéu que este lhe tinha comprado colocado sobre sua cabeça mal podia ver mais à frente do chão. Angustiada por não contemplar o que havia ao seu redor, terminou por tirá-lo e jogá-lo no chão. Então ficou sem respiração. Dez pessoas permaneciam na entrada esperando-a. Quatro delas eram de pele escura, três um pouco mais claras e outros eram tão pálidos como ela, mas quem chamou sua atenção foi um homem de cabelo comprido e cor azeviche. Tinha o peito descoberto, embora tentasse ocultá-lo sob um colete de cor marrom. Dirigiu seus olhos para seu marido e esboçou um pequeno sorriso. Já sabia de onde procedia a insistência de Roger por mostrar seu torso com descaramento. Sem pensar muito, deduziu que também ele era o autor das figuras esculpidas nos arbustos. Não podia errar em uma coisa tão clara! De repente notou a pressão da mão de seu marido sobre a dela. Evelyn imaginou que adivinhava seus pensamentos e lhe respondeu com um sorriso extenso.
? Querida, ela é Sophie, nossa governanta.
? Encantada em conhecê-la, senhora ? disse enquanto realizava uma ligeira reverência. ? Nosso senhor nos falou muito de você, mas esqueceu de descrever sua beleza. ? Sophie olhou a Roger como se o estivesse repreendendo.
? Posso te assegurar que nem eu mesmo sabia como era ? afirmou antes de soltar uma gargalhada e coçar a cabeça com a mão direita.
? É uma longa história ? acrescentou Evelyn ao contemplar o assombro da governanta. ? Se desejar escutá-la, contar-lhe-ei isso em breve.
? Estarei desejosa de que chegue esse momento, milady ? disse dando uns passos para trás.
? Ele é Yeng. ? Assinalou Roger a um moço com olhos rasgados e uma pele um pouco ambarina. ? Em seu antigo trabalho era crupiê, mas aqui se encarrega da manutenção de Lonely.
? Crupiê? ? Perguntou assombrada.
? Sim, minha senhora ? respondeu Yeng saudando-a da mesma forma que tinha feito Sophie.
? De onde é? ? disse bastante interessada.
? Da França.
? Nem todos os que têm um aspecto asiático nasceram lá ? murmurou Roger ao seu ouvido de maneira zombadora.
Evelyn se ruborizou com rapidez. Notou como lhe ardiam as bochechas ante um deslize tão infantil, mas quando Roger beijou com suavidade uma de suas maçãs do rosto, esse calor diminuiu. Um a um se foram apresentando. Todos tinham uma história interessante que lhe narrar sobre as diversas procedências e a maneira que conheceram seu marido. Mas ficou aniquilada quando o índio apareceu em frente a ela. Ao contemplá-lo mais de perto divisou umas marcas ao redor de seu pescoço. Não eram brancas, mas sim escuras e tinham um interessante desenho. Observou-o sem pestanejar enquanto falava com Roger. Seu comportamento, sua atuação com seu marido era muito diferente da que tinham os outros. Nem Anderson, o fiel criado e possivelmente a mão direita de seu marido, tinha tanta confiança para chamá-lo por seu nome de batismo.
? Finalmente, ? disse Bennett ? o batizamos com o nome de John. Não nos pareceu conveniente a nenhum dos dois chamá-lo com seu nome real. As pessoas estão acostumadas a afastarem-se quando o vêem.
? Senhora... ? John se aproximou dela, pegou-lhe a mão e a beijou com suavidade.
? Pode me chamar de Evelyn ? respondeu com suave fio de voz.
? Bom, já conhece todos os que habitam Lonely e agora, se te parecer bem, mostrar-te-ei o interior do meu lar. Estou seguro de que te assombrará o que ocultam estes muros ? apontou Bennett orgulhoso.
? Estou desejosa de descobri-lo ? comentou aceitando a mão de Roger e caminhando para o interior.
Quando o casal desapareceu dos olhos de todos os trabalhadores, estes olharam com rapidez a John. Permanecia imóvel, pétreo e com as pupilas cravadas na entrada do lar.
? É ela? ? Yeng rompeu o silêncio.
? Sim ? respondeu o índio com firmeza.
? Pois não tem pinta de poder salvar nada! ? Exclamou Sophie pondo os olhos em branco. ? É uma mulher esquálida. Um pouco alta para ser uma dama e não dá a impressão de ter coragem para enfrentar tudo o que lhe vai acontecer.
? Acaso o fogo nasce com intensas chamas? ? Alegou John sem expressar emoção em seu rosto.
? Fogo? Olhe John... ? Sophie aproximou-se dele e assinalou com um dedo inquisidor no peito ? se ela não for esse fogo que tanto necessita o senhor, diga aos seus etéreos espíritos que pegarei o machado com o qual corto o pescoço das galinhas e, uma a uma, destroçarei as sebes nas quais passas tanto tempo rezando.
? Eu adoro quando se zanga ? murmurou somente para eles dois.
? Pois te advirto que o estou e muito. Se ela não o salvar, se não for capaz de conseguir o que aquelas harpias com pernas de galgo não obtiveram, penso em te buscar outra mulher que acalme suas necessidades espirituais ? retrucou antes de virar-se e entrar também no lar.
? Fará ... ? sussurrou para si.
XXVII
Cada cômodo que encontrava era diferente aos demais. Nenhum se assemelhava nem mesmo em uma única peça de decoração. Roger fazia de seu lar um pequeno mundo. A sala de jantar, a primeira sala que visitou, era muito parecia com a que teria qualquer mansão londrina: uma grande mesa central com uma dezena de cadeiras sob a formosa tábua de madeira, vitrines esculpidas, suportes nos quais pousavam candelabros de laboriosos desenhos, enormes abajures de cristal que se iluminavam mediante a reclamada luz a gás, equipamento de porcelana... Entretanto, as paredes não estavam cobertas de pinturas de seus antepassados. Enormes e floridas tapeçarias ocupavam esses lugares. Seis contou. Dois deles só eram paisagens de montanhas onde um rio atravessava a tapeçaria. Eram pequenos paraísos em meio de um nada, mudos ante os ouvidos de quem tentava escutar o passar da água, mas esplêndidos para todos os que fossem capazes de admirá-los com os olhos. Um deles lhe recordou o lugar no qual os duques ofereceram o piquenique. As montanhas ocultavam o sol, o caudal transbordante de vegetação fluía a seu passo com liberdade e percebeu que a imagem transmitia a mesma tranquilidade que ela obteve naquele lugar salvo quando foi jogada na água. Sorriu de lado ao recordar a infantil cena, voltou a ver-se golpeando o inerte líquido enquanto Roger não cessava de rir.
Algo tinha mudado entre eles. Soube assim que descobriu que se acontecesse de novo, abrir-lhe-ia os braços para que se unisse ao seu corpo molhado. Morta de calor por seus pensamentos, dirigiu o olhar para uma tapeçaria onde havia figuras de mulheres embelezadas com roupa desgastada pelo uso. A ambos os lados tinham umas cestas de vime e, pelos objetos que elas seguravam em suas mãos e tentavam limpar na água, deduziu que se tratava de uma cena habitual entre lavadeiras. Mas o que chamou verdadeiramente a atenção de Evelyn, que não pôde deixar de olhar, foi um imenso tecido que permanecia sozinho ao final da sala, justo atrás da cadeira que Roger devia ocupar. Imaginou-o ali sentado, conversando com alguns convidados e exibindo a magnitude que projetava a tapeçaria sobre ele. Evelyn caminhou para o inerte objeto. Sua fascinação aumentou ao contemplá-lo de perto. O imponente cavaleiro vestido com uma armadura cinza montado sobre um corcel branco que elevava suas patas dianteiras era tão majestoso que esticou a mão para tocá-lo.
? Você gosta? ? Roger, sem deixar de observar a sua esposa, colocou-se atrás dela, segurou-a pela cintura e apoiou seu queixo sobre o ombro direito da mulher.
? Quem é? ? Perguntou intrigada.
? Segundo o vendedor é dom Juan da Áustria9.
? O que representa? ? Voltou a perguntar sem diminuir seu desejo por descobrir o que havia atrás do cavaleiro.
? A batalha do Lepanto10. Vê o fogo que há ao fundo? ? Evelyn assentiu. ? Conforme me narrou o comerciante de quem o comprei, são os últimos povos turcos que batalharam com ardor.
? É lindo... ? sussurrou.
? Sim, também me parece isso. Por isso regateei seu preço. Embora soubesse que valia o que me pedia o comerciante, não estava disposto a perder minha pequena fortuna nele. Bom, minha querida esposa, prosseguimos ou seguimos aqui parados observando um cavaleiro sobre seu garanhão?
? Continuemos... ? respondeu aceitando sua mão.
? Estupendo, porque estou desejoso de te mostrar nosso quarto ? disse-lhe em voz baixa.
A Evelyn se fez um nó na garganta.
? Tudo o que vê ? começou a contar enquanto se afastavam da sala de jantar e se dirigiam para as escadas que os conduziriam ao andar superior ? foi adquirido em minhas explorações.
? Viajou tanto?
? Muito. Se a memória não me falhar, desde os vinte anos. Quando consegui o Liberté, meu navio ? comentou com orgulho.
? Deve ser lindo navegar por alto mar e poder visitar novos e paradisíacos lugares ? apontou Evelyn manifestando entusiasmo.
? Às vezes sim e outras nem tanto...
? Quando não? ? Virou-se para ele e o olhou sem pestanejar.
? Quando se tem uma mulher tão bela como você e não pode me acompanhar ? respondeu zombador.
? É um canalha... ? disse ao mesmo tempo em que desenhava um extenso sorriso.
? Sei ? respondeu antes de beijá-la.
Subindo as escadas mais rápido do que deveria, Roger foi lhe explicando onde dormiam as pessoas que tinha conhecido na entrada, onde permaneceriam os convidados quando decidissem os visitar e por último a conduziu para seu quarto.
? Adiante... ? disse após abrir a porta e deixando-a entrar primeiro ? pode entrar no lugar onde passaremos a maior parte das nossas vidas.
Evelyn entrou com certo temor. Não sabia o que encontraria em um lugar tão íntimo para seu marido. De repente, assaltou-a a dúvida. Perguntou-se se de verdade ela desejava descansar durante o resto de sua vida ao seu lado. Até agora não tinha sido consciente do que isso significava. Achava-se em uma nuvem, em um momento de êxtase desmesurado que mal lhe permitia pensar com claridade. Era suficiente uma vida sexual ativa para viver um matrimônio com plenitude? Olhou de esguelha a seu marido. Este mostrava o mesmo entusiasmo que um menino ao ter em suas mãos um presente. Por que ele não sentia medo? Por que mostrava tanta segurança? Não soube responder, embora umas palavras aparecessem em sua mente golpeando com força: «Meu amor», tinha lhe sussurrado Roger quando dormiram juntos, mas isso não a tranquilizava.
Scott tinha utilizado as mesmas palavras para enrolá-la, para atrai-la como faz o mel a um urso. E depois? Depois partiu.
De todos os modos não podia compará-lo com aquele titã que a observava com entusiasmo, eram diferentes e a situação também: Scott procurava o matrimônio enquanto Roger o tinha obtido sem desejá-lo. Suspirou várias vezes e, apesar do tremor de suas pernas, caminhou pelo interior do dormitório. A primeira impressão que teve foi de amplitude. Sim, era o maior quarto que já tinha visto. Podia albergar, com facilidade, duas vezes o seu de Seather. Frente a ela duas cortinas de cor negra se amarravam a cada lado da janela. Devagar, com muita calma inclusive, prosseguiu divisando cada objeto, cada elemento que guardava Roger nela. Abriu os olhos como pratos ao contemplar a cama.
Estava segura de que, embora estirasse seus braços e pernas por ela, nunca tocaria o final de cada extremo. Sorriu de lado. Era lógico que seu marido teria adquirido o leito mais colossal de qualquer loja, posto que facilmente ultrapassasse vários palmos daquele que se autoproclamara o homem mais alto de Londres. Sobre a colcha de cor vinho, três grossos almofadões lhe ofereciam uma visão confortável. Desejou pegar um e apertá-lo para confirmar sua suavidade, mas desistiu. Já o faria em outro momento. Olhou para cima apreciando a largura do dossel. Entrecerrou os olhos para tentar averiguar o que indicavam os desenhos esculpidos na madeira escura, mas de onde se encontrava não distinguiu nenhum. Continuando, cravou suas pupilas nas cortinas que pendiam do dossel. Estavam bordadas em ouro? A cor dourada daqueles objetos era realmente ouro?
Voltou a vista para seu marido. Este permanecia no marco da porta com os braços e pernas cruzadas. Tentava aparentar que estava relaxado, mas tal como apertava a mandíbula, Evelyn soube que não o estava.
? Um sultão me deu isso de presente ? disse com voz sussurrante. ? Eu jamais compraria uma coisa tão ostentosa.
Não lhe respondeu com palavras, só assentiu e continuou investigando. Ao pé da cama um enorme tapete de cor azul marinho convidava a ser pisado sem sapatos que entorpecessem a captação da suavidade de seu tato. Dirigiu seus olhos para o sofá. Não, não era um sofá qualquer, era um interminável divã. Se ela tentasse tombar-se sobre ele a pele que o forrava a faria escorregar até terminar sobre o chão.
? Sou grande... ? assinalou ao vê-la tão assombrada pelas dimensões da poltrona.
Evelyn respondeu a sua afirmação com um grandioso sorriso. Não precisava indicar que seu tamanho era bastante considerável, já o tinha percebido no dia em que apareceu no funeral de seu irmão. Sempre se complexou por sua altura, era a mais alta de suas amigas, mas no dia que Roger apareceu ao seu lado teve que levantar muito a cabeça para poder conseguir o olhar aos olhos.
Descalçou-se. Não devia fazê-lo, mas não queria manchar com as solas de seus sapatos o lindo tapete. Caminhou sobre este até alcançar uma estante que ocupava todo o comprimento da parede e que se achava entre o balcão e a chaminé. O normal, o habitual para outros, era ter uma biblioteca no piso de baixo. Pelo menos assim o tinha o resto do mundo. Mas pouco a pouco ia confirmando que seu marido era um homem peculiar e muito distinto a todos os que tinha conhecido.
? Eu gosto de ler sem que ninguém me incomode ? esclareceu de novo Roger ao observar as caretas de estranheza que mostrava sua mulher em cada coisa que achava.
? Não interprete mal minhas reações ? apontou virando-se sobre si mesma. ? Tudo o que encontrei até o momento não me produziu mal-estar, mas sim fascinação. Resulta-me incrível que um homem como você tenha adequado seu lar com tanto... como o diria? ? Pôs os olhos em branco ao não encontrar a palavra exata.
? Aprimoramento? ? Interveio divertido.
? Sim, aprimoramento está bem ? sorriu.
? O que imaginava? ? Endireitou-se e caminhou para ela. ? Como pensou que seria meu lar? ? Parou antes de chegar ao tapete.
? Tenha em conta que o único que escutei de ti em Londres foi que era um libertino, um homem enlouquecido por levantar as saias de todas aquelas mulheres que se abanavam com suas próprias pestanas. Sem esquecer a fama de bebedor e jogador inveterado ? continuou sorrindo apesar de o haver definido como um indesejável.
? Os rumores exageram... ? grunhiu.
? Isso vejo... ? sussurrou com um suspiro. De repente seus olhos se cravaram em uma porta que havia atrás das costas de Roger.
? É só o cômodo de asseio. ? Seu tom de voz voltou a ser sussurrante. ? Mas estou pensando em deixar a porta fechada por uns dias, possivelmente até dentro de vários meses...
A intriga a fez correr para aquela entrada, esticou a mão e quando abriu a porta ficou atônita. Suas pestanas tocaram de novo suas sobrancelhas e mal pôde fechar a boca. Era de esperar que fosse grande, mas nunca imaginou que uma banheira pudesse ter a largura e a profundidade de um pequeno lago. As paredes não estavam revestidas de papel ou de grossas capas de pintura, mas sim de lâminas retangulares de porcelana cor marfim. A privada, do mesmo material, tinha um depósito do qual pendia uma corda. Voltou-se para Roger sem poder conter seu assombro.
? Sei, ? comentou Roger com uma estranha mescla de entusiasmo e medo ? nunca viu algo semelhante.
? De onde...? Como conseguiu...?
? Pois não sei te dizer a procedência desta magnífica banheira. ? Levou a mão direita para a barba e a acariciou devagar. ? Depois de me haver descrito com tão hábeis palavras, o que pensará quando te disser que esta beleza a descobri em um bordel de Paris?
? Em um bordel?! ? Arqueou as sobrancelhas e seu assombro aumentou até limites incalculáveis.
? Vê? Sabia que ia pôr essa cara! ? Disse divertido. ? Evelyn, querida, nenhuma das tinas que vi em Londres podiam albergar meu tamanho. Cada vez que tentava me assear tinha que fazê-lo por partes.
? Claro... e viajou até Paris e se meteu em um bordel para encontrar o que necessitava ? interrompeu lhe com uma mescla de ira e sarcasmo. Roger esticou sua mão, mas ela esquivou-se do roce.
? Não foi assim exatamente... ? Deixou que ambas as mãos se estendessem para o chão. ? Em uma de minhas viagens a França conheci um cavalheiro que frequentava os ditos locais pecaminosos. Um dia tinha tomado mais taças das quais pude suportar e me ofereceram um quarto onde passar meu estado de embriaguez. Então, ao abrir a porta para me refrescar, fiquei fascinado por essa imensa banheira. Perguntei à madame quem tinha construído essa impressionante banheira e me deu com rapidez a direção do arquiteto.
? É óbvio... pergunto-me... o que lhe ofereceria para que atuasse com tanta prontidão? ? Disse com aparente desdém enquanto caminhava para o imenso espelho que se encontrava no lado oposto da grande tina. Olhou para um lado e logo para o outro e lhe parou o coração ao compreender que o que acontecesse dentro daquela banheira refletir-se-ia no espelho.
? Tratava-se de um afamado italiano que estava acostumado a passar longas temporadas em Paris para prover seus clientes de espetaculares quartos de banho ? continuou falando para não dar importância ao pequeno ataque de ciúmes que mostrou sua mulher. Devia zangar-se ante uma atuação tão infantil, mas lhe produziu o efeito contrário, sentiu-se tão orgulhoso que lhe alargou ainda mais o peito. ? Falei com ele, convidei-o a vir a Londres e quatro meses depois de sua chegada meu pequeno paraíso relaxante estava construído.
? Não sei o que pensar... ? disse um tanto aturdida.
? Comentei-te que não me importava seu passado e que esperava que não julgasse o meu ? comentou com voz pesarosa. Aproximou-se dela muito devagar, virou-a para ele e a olhou fixamente. ? Evelyn, a mim só interessa quem é agora, não o que foi antes de me conhecer.
? Sim, já me advertiu disso, mas por mais que o tente, não posso diminuir uma estranha ira que cresce em meu interior ao pensar que outra mulher esteve aqui e que gozou de suas carícias aí dentro ? resmungou.
? Não trouxe nenhuma mulher à minha casa salvo a ti ? apontou antes de soltar uma gargalhada. ? É a única que pôs seus bonitos pés neste lugar ? disse aproximando seus lábios dos dela. ? E a única que o fará...
? Jure! ? Gritou afastando o rosto para que não a beijasse.
? Juro-lhe isso... ? suas mãos apanharam o rosto de Evelyn e a imobilizou para finalizar o que se propôs, beijá-la.
Quando abriu os olhos descobriu que se achava no quarto. Roger a tinha pousado sobre o tapete. Suas mãos se dirigiam para os laços do vestido com a intenção de despi-la para possui-la outra vez. Fechou-os de novo fazendo com que se intensificassem os roces dos dedos ao caminhar pelas costas. A língua masculina percorria o interior de sua boca provocando umas suaves e cálidas carícias. Face aos sutis movimentos, sua dominância, seu desejo de fazê-la sua percebia-se com claridade. Cada beijo que lhe oferecia era diferente do anterior. Evelyn, nas nuvens, rememorou a sensação que obteve a primeira vez que suas bocas se uniram. Não havia ternura nele. Não encontrou calidez em seu primeiro beijo, só luxúria. Entretanto desde que dormiram juntos, antes de empreender a volta a Londres, seus beijos se enterneceram até tal ponto que começaram a destruir o objetivo que a conduziu a seduzir seu marido. Respirou profundamente quando Roger liberou sua boca. Esta, que mal podia fechar-se, necessitava que continuasse beijando-a, conquistando-a, desfrutando-a.
? Tenho que confessar que ia te dar um tempo para que descansasse depois da viagem, ? comentou Roger com voz oprimida. Ajoelhou-se ante ela, colocou suas mãos sob o vestido e foi baixando com lentidão as meias ? mas temo que não lhe vá conceder isso.
Evelyn jogou a cabeça para trás e soltou uma sonora gargalhada. Não estranhou escutar aquela insinuação de seu marido. E mais, teria lhe entristecido que a tivesse deixado sozinha. Com urgência levantou seus pés para despojar-se do suave tecido. Notou que Roger pousava sobre cada perna uma mão e as acariciava com incrível tranquilidade. Cada ascensão e descida sobre seu corpo o desfrutava tanto que começou a sentir a opressão de seu peito contra o vestido e uma incontrolável calidez sob seu ventre.
? É formosa, descaradamente formosa... ? sussurrou enquanto dirigia as palmas para o sexo de sua esposa. Roçou levemente seus lábios úmidos com os polegares, impregnando-os de seu mel. Aquele sutil gesto provocou o que tanto ansiava, que lhe permitisse continuar. ? Segure-se nos meus ombros, vou beber de seu doce manancial.
Açoitada pela paixão que começava a despertar em seu interior, ela pousou seus trementes dedos sobre cada uma das partes superiores do torso masculino. Voltou a abrir sua boca ao notar como a língua de Roger lambia seu interior. Pressionou com mais força o corpo de seu marido ao sentir a pressão dos dentes sobre suas saliências inchadas. Ele os puxava e colocava a boca no interior para absorver sua essência. Encontrava-se extasiada. Tanto que podia roçar com a gema de seus dedos aquilo que denominavam loucura. Ele era fogo, chamas que a queimavam e a faziam derreter-se quando a tocava.
? Não me saciarei nunca de ti ? murmurou antes de incorporar-se e beijá-la. ? Nunca ? sussurrou depois do beijo.
? Hoje quero fazer uma coisa...
? O quê? ? Colocou suas palmas sobre as maçãs do rosto de Evelyn e a atraiu para ele para beijá-la de novo.
? Não recordo... ? sussurrou sem voz.
? Então... enquanto se lembra... ? a conduziu devagar para trás até que as costas da mulher tocaram a parede. ? Deixe que eu faça outra...
A mão masculina foi descendo pela figura de Evelyn. Acariciou o decote, colocou os dedos no interior do objeto e tirou um mamilo. Deixou de beijar os lábios femininos para dirigir-se para o duro botão. Mordeu-o, sugou-o ao mesmo tempo em que aquela mão travessa continuava a trajetória para a perna esquerda da mulher.
? Minha pequena bruxa... ? murmurou estrangulado pelo desejo. ? Por mais que o tento... não posso me saciar de ti. ? Içou a mão pela coxa até que chegou ao epicentro de Evelyn. Voltou a procurar o pequeno e inchado clitóris. Ao achá-lo, acariciou-o com a mesma intensidade que a primeira vez. Entretanto nessa ocasião procurava algo mais pecaminoso, mais desonroso. Não pararia até que o interior das coxas de sua esposa terminasse banhados por seu suco. Mais tarde, quando ela estivesse exposta, percorreria cada milímetro de sua pele com a língua.
? Roger! Roger! ? Gritou Evelyn como uma louca. ? Roger!
? Sim, pequena bruxa ? sussurrou-lhe enquanto mordia e lambia o lóbulo direito feminino. ? Diz meu nome. Grite ao mundo inteiro quem é seu marido, quem te ama e quem te deixa louca de luxúria. ? Com cada palavra, com cada pressão de seus dentes na orelha, o dedo do homem se introduzia e saía do sexo feminino como se fosse seu membro ereto. Não parou até que notou a sacudida do orgasmo, até que Evelyn vincou os dedos de seus pés, até que molhou suas pernas. ? Desejo-te tanto... ? continuou sussurrando sem deixar de lhe beijar o rosto. ? Necessito-te mais do que imagina...
? Roger... conseguiu dizer. Suas bochechas ardiam, seus olhos brilhavam e o corpo inteiro seguia submetido a contínuas convulsões.
? Diga-me...
? Deixa-me que te dispa?
? Me despir? ? Perguntou assombrado.
? Sim, isso é o que queria te dizer. ? Sorriu com suavidade.
? Se é o que deseja, aqui me tem ? respondeu Roger dando duas pernadas para trás e abrindo os braços em cruz. ? Sou teu e pode fazer o que desejar.
Teve que respirar várias vezes antes de aproximar-se. Não sabia como começar. Sua cabeça seguia dando voltas e se envergonhava ao notar que suas coxas estavam úmidas de sua própria essência. Respirou. Suspirou. E depois de uns instantes duvidosos, caminhou para ele. Tirou o nó da gravata e a lançou para algum lugar do quarto. Logo continuou com a jaqueta. A passagem desta pelo corpo rude e musculoso fez com que seu coração golpeasse com força contra o peito. Sem jeito foi desabotoando a camisa. Esta caiu ao chão sem esforço algum. Ao observar aquele peito mordeu o lábio inferior e seus olhos brilharam tanto que nenhuma estrela do firmamento pôde assemelhar-se. Pousou suas mãos sobre o torso nu, que ascendia e descia agitado pelo desejo e o acariciou regozijando-se em cada milímetro de pele. Sorriu satisfeita ao ver como seu marido fechava os olhos e inspirava com força. Excitava-o. Suas carícias, seus toques, enlouqueciam-no. De repente Roger gemeu com mais ímpeto do que tinha esperado. Evelyn o olhou desconcertada pela inesperada reação.
? É uma tortura que me toque e que eu não possa fazê-lo ? assinalou desenhando um malicioso sorriso em seu rosto. ? Se seguir assim, temo que terminarei ajoelhado de novo.
Evelyn entrecerrou seus olhos o advertindo, com essa forma de olhar, que não se movesse. Era seu momento, seu desejo, seu grande prazer. Face à advertência de como terminaria se seguisse o torturando daquela maneira, não cessou de o acariciar, de enredar entre seus dedos o loiro pelo. Percebeu, surpreendida, que a ele também endureciam os diminutos mamilos. Sem pensar duas vezes, dirigiu sua boca para eles e os mordeu. Então descobriu que ele sofria os mesmos espasmos que ela ao ser assaltada nessa zona erógena. Com um enorme sorriso pelo deleite da experiência, olhou-o com descaramento enquanto baixava devagar suas mãos para a calça. Desabotoou o botão e deixou que este descesse com a mesma lentidão que a camisa. Roger sacudiu rapidamente as pernas, lançando o objeto mais longe que onde terminou a gravata.
? Não me deixará assim, não é? ? Exigiu saber com uma mescla de agonia e desespero.
? E se o fizer? ? Respondeu desafiante.
? Esquecer-me-ei, de repente, da última norma que acrescentou na estalagem ? disse zombador.
Evelyn mordeu outra vez o lábio inferior. Cravou o olhar no vulto da calça e entrecerrou os olhos. Ele era grande e seu sexo também. Prova disso era que, apesar da pressão da roupa de baixo, sobressaía por cima desta. Atordoada pelo frenesi colocou as mãos no interior do calção e segurou entre elas o duro membro. Essa carícia, esse leve contato de suas palmas com a ereção, fizeram com que todo o corpo masculino começasse um balanço compassado. Seu marido, com os olhos fechados e com a cabeça inclinada para trás, começava a mover-se da mesma forma que estava acostumado a fazer quando se introduzia em seu interior. Devia afastar as mãos, devia retirar-se ante tal obscenidade, mas não o fez. Ficou ali parada, contemplando o pausado movimento continuado até que escutou um grito de seu marido. Não foi um alarido usual. Foi mais um comprido e profundo uivo que provinha do mais profundo de Roger. Tinha liberado de novo a besta? Ou melhor... o monstro tinha liberado seu marido? Ao afastar as palmas sentiu como algo úmido a queimava. Curiosa por averiguar o que era aquilo que lhe produzia tanto calor, aproximou-as do rosto. «OH, Meu Deus! ? Exclamou para si. ? É sua semente!».
? Jamais... ninguém... nunca... ? começou a dizer Roger aturdido. Despojou-se do objeto que cobria seus quadris e avançou para sua mulher com passo firme, sólido, enérgico. ? Ninguém, Evelyn, ? sublinhou com vigor ? conseguiu de mim o que você obteve. ? Abriu seus braços para que ela se aproximasse de seu corpo e quando a teve perto de seu peito, apertou-a com força. ? É única, meu amor. Única.
O que devia pensar? Desejava que aquelas palavras fossem verdade? Sim, desejava-o. Necessitava que não a tratasse como outra mais. Que quando partisse e a deixasse sozinha na casa, não procurasse outras carícias que não fossem as suas. Não, já não. Evelyn queria ser a única.
? E agora deveria tirar esse lindo vestido azul se não quiser que termine empapado ? advertiu.
? Empapado? ? Distanciou-se dele e arqueou as sobrancelhas.
? Crê que o que fizemos foi suficiente? Não, minha pequena bruxa, isto foi só o princípio de uma longa jornada de amor. ? Sorriu. ? E o primeiro lugar onde vou possuir-te nesta casa ? sussurrou-lhe no ouvido ao mesmo tempo em que a elevava de novo em seus braços ? será nessa imensa banheira. Estou ansioso por ver como seu corpo pula sobre mim enquanto a água se agita pelo ardor da nossa paixão.
? Está louco... ? respondeu antes de esboçar uma pequena risadinha e mover as pernas.
? Por ti ? disse tão baixinho que Evelyn não pôde escutá-lo devido ao som de sua própria risada.
XXVIII
A água já estava morna, mas ao manter-se perto de Roger logo notou como diminuía a temperatura. Sentada sobre ele admirava a fortaleza de suas pernas e a longitude de seus pés. As mãos masculinas não cessavam de acariciá-la, de apalpá-la sem cessar, mas o que encantou realmente Evelyn não foi o magnífico corpo de seu marido, mas sim os momentos de risadas que passaram dentro daquela banheira. Ambos sentiam uma pequena dor em suas mandíbulas de tanto rir. Recordaram o dia que se conheceram, as bodas, a partida e o acontecido depois da volta.
Narrou-lhe como foi despachando um a um aos cavalheiros que a visitavam em seu lar com o propósito de convertê-la em sua amante. Evelyn percebeu como o corpo masculino se esticava ao lhe narrar aqueles momentos, mas o tranquilizou enchendo-o de beijos e carícias. Falou-lhe de sua viagem, dos lugares que visitou durante os sete meses fora de Londres. As tempestades que sofreu em alto mar, como atuava sua tripulação e como terminou por descobrir que aquilo que lhe proporcionava mal-estar em suas vísceras era somente a necessidade de retornar à sua terra natal e enfrentar com integridade seu futuro.
? E de repente, ? disse esticando os grandes braços para abraçá-la ? observo que todos os olhares dos cavalheiros se dirigiam para um ponto da sala. ? Seu queixo pousou sobre o ombro da mulher, acariciando com seu fôlego a aveludada pele da Evelyn. ? Olhei para essa parte do salão e...
? E? ? Insistiu a mulher voltando-se para ele. Sentou-se sobre seus quadris, as pernas se cruzaram pelas costas e ambos os torsos voltaram a unir-se.
? E encontrei uma pequena bruxa de cabelo cor de fogo exibindo em um lindo vestido vermelho com um delicioso decote que me convidava a pousar meus lábios nele. ? Elevou o queixo para contemplar a diversão que expressava o rosto de sua esposa e a beijou.
? Por que não cessa de me chamar assim? ? Colocou suas mãos sobre o rosto masculino e afastou as mechas loiras que a impediam de ver os azulados olhos.
? Minha pequena bruxa? ? Perguntou enquanto desenhava um sorriso. Evelyn assentiu. ? Porque é a única mulher que foi capaz de me enfeitiçar ? esclareceu com voz serena, pausada e firme.
Os braços femininos se entrelaçaram de novo no pescoço de seu marido. Aproximou a boca e o beijou. A pequena amostra de carinho despertou de novo a luxúria em Roger. Pousou suas mãos nas costas de Evelyn e a acariciou como se fosse uma frágil flor. Voltaram a agitar a água, voltaram a esquentar o interior da banheira, voltaram a deixar-se levar por aquele insaciável desejo por converter-se em um só ser.
Quando terminaram Evelyn pousou a testa sobre o peito agitado de seu marido. As bochechas se converteram em duas pequenas bolas de fogo. Extasiada e cansada, suspirou.
? Acredito que vai sendo hora de te oferecer um descanso ? murmurou Roger depois de afastar com certo desagrado o corpo de sua mulher do dele. ? Se continuo assim, poderia te matar.
? Não me acompanha? ? Levantou-se com cuidado para não escorregar e esperou que seu marido a ajudasse a sair dali.
? Tenho que falar com o John de certos temas ? indicou cobrindo a nudez de Evelyn com uma toalha branca. ? Estou muito tempo fora de casa e tenho que me pôr em dia. ? Elevou-a em seus braços e a conduziu até a cama. Estendeu-a com supremo cuidado e se colocou sobre ela. ? Prometo-te que assim que arrumar meus assuntos subirei para te fazer amor até que amanheça.
? Sabe? ? Disse elevando de novo os braços e enredando-os no pescoço de Roger. ? Isso mesmo me sugeriu na primeira noite na casa dos Rutland.
? Pois como comprovou, sempre cumpro minhas promessas. ? Abaixou sua cabeça e a beijou.
Custava-lhe deixá-la ali sozinha, mas seu dever como dono de certos negócios lhe reclamava. Era certo que tinha passado muito tempo fora de seu lar e estava seguro de que John ocupou seu posto com acerto. Entretanto devia confirmar que certos temas seguiam controlados, sobretudo aqueles dos quais tanto recusava falar com Evelyn e que possivelmente os distanciaria. Depois de vestir-se com uma calça e uma camisa, desceu ao escritório.
John não demorou a aparecer. Era tão desconfiado que houvesse sentido a presença de Roger na pequena sala.
? Pensei que não sairia daquele quarto até passada uma semana ? disse o índio zombador.
? Mentiria se te dissesse que não o pensei, mas algo me diz que tem notícias frescas, estou certo? ? Levou a taça para a boca e arqueou as sobrancelhas.
? Apareceu quando partiu ? comentou John enquanto se aproximava da licoreira para acompanhar seu amigo. ? Parece que tem um dom especial para saber quando e onde aparece.
? Costuma acontecer quando seu sangue é o mesmo que o meu ? grunhiu. Caminhou pesado para a poltrona que havia junto à chaminé e se sentou de repente.
? Falou com Sophie, já sabe que é incapaz de dirigir-se a mim, dou-lhe asco. ? Dirigiu-se para seu amigo e se sentou ao seu lado.
? Acredito que a palavra acertada é ódio. Não pode suportar o fato de que me salvou de suas garras. ? Sorriu de lado. Depois de manter uns instantes de silêncio, prosseguiu: ? Com que propósito apareceu em meu lar desta vez?
? Convidá-los à sua casa ? disse ao mesmo tempo em que cravava seus olhos marrons nos de seu amigo.
? Convidar-nos? ? Reclinou-se do assento e apertou a taça com força.
? O que esperava? Já não tem uma rocha em seu caminho, mas sim duas.
? Nela não tocará! Jamais a alcançará! ? Clamou zangado ao mesmo tempo em que lançava o copo para o interior da chaminé. ? Antes ponho fim à sua asquerosa vida com minhas próprias mãos.
John, imperturbável, reclinou-se sobre o assento, voltou a tomar um sorvo de sua bebida e refletiu durante um bom momento. Se seus espíritos tinham razão, se o que eles lhe indicavam era certo, Roger não devia recusar o convite. Precisava enfrentar, de uma vez por todas, a maldade de sua mãe e, se suas premissas não erravam, sua esposa o salvaria do inferno no qual vivia desde pouco mais de uma década.
? Como vai tudo por Children Saved? ? Mudou de tema.
? Bastante bem. Falei com seu administrador e por agora todas as necessidades estão resolvidas. Essa última viagem encheu as arcas da residência. Entretanto...
? Entretanto? ? Repetiu Roger intrigado.
? A pequena Natalie está muito triste. Não para de perguntar onde está seu irmão e acredito que deveria visitá-la o antes possível. Faz uns dias esteve bastante doente. O médico disse que era próprio de sua idade, mas não estou muito seguro disso. Desde esse dia mal pode sair da casa. Passa as horas no quarto e sua mãe está muito preocupada.
? Amanhã sem falta irei visita-la. Não quero que pense que a abandonei. É muito pequena para compreender certos temas. ? Roger esticou as pernas, acariciou a barba e adotou um olhar pensativo. De repente rompeu seu silêncio. ? Apareceu durante minha ausência algum mais?
? Não. Seguem sendo vinte ? respondeu antes de levantar-se, andar para o móvel bar e encher seu copo de novo. ? Um charuto? ? Perguntou mostrando a caixa em que guardava os melhores charutos.
? Não. Deixei de fumar faz uns dias. Evelyn não gosta do aroma de tabaco ? esclareceu sem oferecer emoção alguma.
? Essa mulher... ? começou John a dizer sem poder eliminar o sorriso de seu rosto.
? Essa mulher... ? insistiu Roger entrecerrando seus olhos e apertando os dentes.
? Calma, não vou dizer nada mau dela ? expôs antes de soltar uma gargalhada ao ver como seu amigo ficava na defensiva.
? Essa mulher, minha mulher, é intocável ? sentenciou. ? Por isso não quero que ela se aproxime de Evelyn. Irá destrui-la como tem feito com todos aqueles que se interpõem em seus propósitos.
? Duvido muito que sua mãe se arrisque tanto...
? Você não a conhece como eu ? resmungou. ? Tem suas mãos manchadas de tanto sangue inocente que lhe resulta impossível continuar sem ele. É uma víbora, um ser sem escrúpulos.
? Se eu estivesse em seu lugar pensaria seriamente em fazê-la parar de uma vez ? disse John enquanto caminhava para a janela. Um sorriso se desenhou em seu rosto ao observar como Sophie agitava uma bengala para tirar o pó dos tapetes que tinha estendidos sobre uma corda.
? Se decidisse por tal coisa, primeiro teria que matar meu irmão e, neste momento, não quero fazê-lo. O que faria Evelyn com seu marido encarcerado?
? Não pensaste que algum dia terá um filho e eles poderiam tentar conseguir o que não fizeram contigo? Mataram a uma dezena, o que importa mais um? ? John, apesar de ter o olhar sobre a mulher que amava, não a observava. Seus pensamentos estavam em outra parte do mundo.
? Evelyn não pode ter filhos ? grunhiu Roger ao mesmo tempo que se levantava e se dirigia para o porta-garrafas. ? Conforme entendi, ao perder o que esperava sofreu uma infecção ou algo similar e ficou estéril.
? Esteve casada? ? John virou a cabeça para seu amigo e entrecerrou seus olhos. Se for certo, se ela tinha vivido um matrimônio anterior, não seria a mulher que lhe indicaram seus ancestrais. Estes falaram de uma mulher sem enlace, de uma mulher quebrada pela tristeza de um passado tortuoso e que só acharia a paz quando seu amigo estivesse à beira da morte.
? Casada não, comprometida sim. Mas o compromisso se rompeu. Aquele malnascido a abandonou quando descobriu que a riqueza familiar tinha desaparecido depois de um mau investimento do pai dela ? explicou apertando a mandíbula.
? Poderia procurá-lo. Sabe que sou bastante hábil em encontrar pessoas desaparecidas ? comentou ansioso de que seu amigo lhe dissesse que sim.
? Não quero investigar o passado da Evelyn. Prometi-lhe que só me interessa saber o que faz desde que nossas vidas se cruzaram ? assinalou antes de voltar a tomar o líquido ambarino de um sorvo.
? Como quiser... mas tenho que te advertir que me entristeceu sua decisão.
? Mas como? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Faz muito tempo que não escalpelo ? assinalou antes de soltar uma gargalhada.
XXIX
Evelyn esticou as mãos para o lugar onde devia permanecer Roger, mas ao não o achar abriu os olhos. Sentou-se na cama ocultando sua nudez com o lençol e o buscou com o olhar. Não estava. Partira. Suspirou pelo pesar que lhe produzia não o ter ao seu lado e voltou a recostar. Fixou suas pupilas no dossel e tentou rememorar onde podia estar. Entretanto, em vez de recordar as conversações que mantiveram para conseguir responder-se, sua mente lhe ofereceu as imagens deles dois amando-se durante a noite. O corpo de seu marido sobre o seu, esquentando-o, fazendo-o arder de desejo... rodando ao longo da cama, sempre unidos, sempre se tocando. Não havia uma só parte de seu corpo que Roger tivesse deixado sem acariciar. Sorriu ao apreciar que, com somente recordando necessitava-o de novo. Assombrada pelas emoções que tinham despertado nela, voltou a elevar-se e procurou algo com o que cobrir sua nudez. Precisava sair daquele quarto onde seus pensamentos pecaminosos não tinham fim. Pousou seus pés no chão e se dirigiu para varanda, abriu as cortinas e viu que na entrada estava estacionada a carruagem na qual devia chegar Wanda. Procurou com o olhar a bata que na noite anterior Roger lançou para algum lugar do quarto e, depois de achá-la atrás do divã, correu para colocá-la.
? Wanda! ? Exclamou baixando as escadas como uma menina alterada.
? Senhora... ? comentou a donzela assombrada ao ver Evelyn vestida com uma simples bata e com os cabelos alvoroçados.
? OH, Wanda! Quanto senti saudades! ? Disse ao abraçá-la.
? Duvido que o tenha feito vendo-a dessa forma ? resmungou a criada.
? Não seja má... ? deu uns passos para trás e se ruborizou.
? Vejo que seu plano está sendo eficaz ? sussurrou-lhe.
? O plano ? retrucou ? desapareceu. Agora não quero descobrir quem é meu marido, mas sim desfrutar da vida que tanto deseja me oferecer.
Wanda esteve a ponto de soltar um enorme insulto quando Sophie apareceu de algum lado da casa.
? Deseja tomar o café da manhã? ? Perguntou a Evelyn com interesse.
? Sim, claro. Muito obrigada Sophie por ser tão atenciosa ? comentou com um sorriso.
? Tomar o café da manhã? ? Inquiriu Wanda com um sussurro. ? Eu diria que é a hora do almoço ? replicou.
? Esta noite não pude descansar tudo o que precisava ? alegou sem deixar de ruborizar-se. ? Sophie ? chamou a atenção da criada que já tinha começado a dirigir-se para a cozinha. ? Poderia nos levar o café da manhã em meu quarto?
? É claro, senhora ? afirmou fazendo uma leve reverência.
? Vem! ? Evelyn pegou a mão de Wanda para fazê-la subir as escadas com rapidez. ? Vou mostra-te a casa!
Depois de lhe mostrar o dormitório que tinham preparado para ela, conduziu-a para seu quarto. Os olhos da criada não tinham sido capazes de fechar-se nem um só instante. Mostrava a mesma expressão de assombro que ela ao compreender como era o interior da casa de seu marido.
? E este é nosso quarto ? indicou quando abriu a porta.
? Nosso? ? Quis saber ao mesmo tempo em que arqueava as sobrancelhas.
? Meu marido não deseja descansar afastado de mim ? expôs ruborizada.
? E muito temo que você tampouco fosse capaz de descansar sem sua presença, equivoco-me?
? As coisas mudaram! Tudo mudou! ? Exclamou virando-se sobre ela mesma um par de vezes. ? Não é o homem que me disseram. Não é o homem que acreditei!
? Bom... ? começou a dizer enquanto procurava um assento ? isso deve me alegrar.
? Claro que sim! ? Caminhou para ela, ajoelhou-se e pôs sua cabeça sobre os joelhos de Wanda. ? Nós duas temos que nos alegrar! Por fim viveremos felizes...
A donzela acariciou o cabelo de Evelyn ao mesmo tempo em que suspirava com veemência. Esperava, não! Melhor, rogava, que desta vez não lhe rompessem o coração. Porque se acontecesse, se voltassem a destroçá-la, ela não atuaria de maneira passiva. Arrancaria o coração do futuro marquês com suas próprias mãos...
? O que é esse ruído? ? Evelyn se levantou com rapidez e caminhou para a porta. Ao abri-la escutou a voz de uma mulher. Falava com autoridade e elevava seu tom em cada palavra.
? Nem lhe ocorra sair assim! ? Advertiu-a Wanda colocando-se em frente dela. ? Irei ver o que acontece.
Evelyn assentiu, deu uns passos para trás e deixou que saísse. Quando ficou sozinha andou até a cama, sentou-se e apertou as mãos. Quem apareceria no lar de seu marido dando ordens e levantando sua voz de forma desafiante? Olhou para a porta e notou como seu pulso se acelerava. Devia havê-lo suposto. Para chegar a Lonely tiveram que atravessar meia Londres e mais de um londrino saudou a carruagem ao contemplar o estandarte pendurado na lateral deste. Todo mundo saberia que o senhor Bennett tinha retornado. Talvez inclusive alguma de suas amantes descobrisse que Roger permaneceria em seu lar e apareceu demandando aquilo que em seu tempo lhe ofereceu. Sim, devia ser isso. Uma mulher não podia elevar a voz daquela maneira salvo que se zangasse ao ser informada que seu amante se casou e que já não a necessitava. Umas lágrimas começaram a brotar de seus olhos e a tristeza lhe oprimiu o coração. Tinha que havê-lo suspeitado. Tinha que ter considerado que, face à notícia do casamento de Roger, mais de uma mulher não renunciaria a perdê-lo como caso. Quem, em seu são julgamento, desistiria de umas mãos e uma boca como a de seu marido?
? Deus santo bendito! ? Exclamou Wanda depois de fechar a porta atrás de sua entrada. ? Vista-se!
? Quem é?
? Quem é?! ? Repetiu a donzela elevando os braços e pondo os olhos em branco. ? Sua muito ilustre, minha senhora! A própria marquesa de Riderland veio conhecê-la!
? A mãe do Roger? ? Levantou-se de um salto da cama e se levou as mãos à boca.
? A própria! E ela gritou a... Sophie?... ? Perguntou duvidosa ? que não partirá até saber quem é a mulher que conseguiu casar-se com seu filho.
? OH, meu Deus! OH, meu Deus! ? Gritou Evelyn correndo de um lado para outro.
Muito ao seu pesar teve que deixá-la no quarto. Teria gostado de vê-la despertar, observar como lhe brilhavam os olhos ao vê-lo ao seu lado e como estendia os braços para acolhê-lo de novo em seu corpo. Mas tinha outras coisas que fazer antes de retornar a Evelyn. Desceu do cavalo e soltou uma enorme gargalhada quando fixou suas pupilas na entrada da residência.
? Não disse que estava doente? ? Perguntou divertido.
? Prometo-te que assim era ? respondeu John assombrado.
Uma pequena de uns seis anos corria para eles. Seu cabelo ondulado voava sobre sua pequena cabeça e a cor loira se fazia branca quando os raios solares o alcançavam. Agarrava com suas mãozinhas o vestido esmeralda para não cair na corrida. Roger abriu os braços, ajoelhou-se e esperou que a menina impactasse sobre seu corpo.
? Roger! Roger! Retornou! ? Gritou Natalie antes de lançar-se sobre Bennett. ? Senti falta de ti.
? Olá, princesa! Eu também tive saudades. Como está? ? Perguntou sem deixar de abraçá-la. ? John me disse que esteve doente, sinto se não estive ao seu lado, mas tive que partir para um lugar muito longínquo. Embora vejo que se encontra melhor. ? Pegou-a em seus braços e a levou de novo ao interior da casa.
? O senhor Bell disse à mãe que era amigdalite, ? disse com a cabeça elevada e olhando ao seu irmão mais velho com entusiasmo ? e tive que tomar um remédio com um sabor amargo. ? Fez uma careta.
? Vá... e não te recomendou que tomasse muitos sorvetes? ? Disse divertido.
? Gelados? ? Abriu tanto os olhos que o azul de suas pupilas se voltou transparente.
? Já vejo que não... ? sorriu de lado a lado. ? Bom, pois falarei com sua mãe para que nos sirva duas grandes taças de sorvete de baunilha.
? Sim, por favor... ? murmurou Natalie. ? Ela sempre te dá atenção.
? Sua Excelência... ? Ywen, a mãe da menina, fez uma pequena reverência ao vê-lo entrar.
? Bom dia, Ywen. Acredito que Natalie deseja tomar duas bolas de sorvete. ? Deixou a menina no chão e caminhou pela entrada da residência. Tudo estava igual a antes de partir. Graças a Deus nada tinha mudado e esperava que nunca o fizesse.
? Gelado? ? Ywen arqueou as sobrancelhas castanhas e olhou à menina zangada. Natalie se escondeu atrás das pernas de Roger e este voltou a soltar outra gargalhada.
? Se puder nos servir duas taças de sorvete... ? assinalou divertido.
? Zangou-se... ? sussurrou a menina sem mover-se.
? Como sabe? ? Virou a cintura para a direita e a observou jocoso.
? Porque enrugou o nariz...
? Roger, deveria ir visitar os outros. Estarão na estufa ? indicou John.
? Far-me-á a honra de me acompanhar, milady?
Bennett fez uma exagerada reverência à menina.
? A honra será minha, cavalheiro ? respondeu agarrando seu vestido com ambas as mãos e lhe respondendo com outra genuflexão.
Agarrada à sua mão Natalie saltitava em vez de caminhar. Estava tão feliz de ter de novo seu irmão que era impossível andar como lhe indicava sua insistente instrutora. Elevou várias vezes o rosto para confirmar que estava ali, junto a ela, e que nada nem ninguém os separariam jamais.
? Bom dia a todos. ? Roger abriu a porta da estufa e saudou os meninos que se encontravam estudando botânica com a senhora Simon, encarregada de lhes ensinar matérias como álgebra, ciência e piano.
? Roger! ? Exclamaram ao uníssono. Antes que Natalie pudesse lhe soltar a mão os meninos correram para Bennett para abraçá-lo.
? Sua Excelência ? saudou-o a professora com uma reverência. ? Bem-vindo.
? Bom dia, senhora Simon. Que tal foram suas aulas em minha ausência?
? Salvo pelo comportamento habitual do senhor Logan, tenho que lhe dizer que tudo está perfeito ? explicou orgulhosa.
O menino aludido se endireitou, levou a mão à cabeça e soprou. Roger quis censurar e repreender sua atitude, mas quando o olhou aos olhos, viu-se ele mesmo. Nunca tinha sido um bom estudante. Sempre se esquivava das aulas que o aborreciam e desesperava qualquer instrutora que se autoproclamasse tranquila e sossegada. Mas por sorte sua mãe acalmava sua ira quando elogiavam o cavalheirismo, a inteligência e a sensatez de Charles, o filho pródigo, quem deveria ter sido o encarregado de ostentar o título que, por cinco minutos, ele tinha que possuir.
? Não quero voltar a escutar a senhora Simon me indicar que seu comportamento não é o adequado ? disse finalmente. Recordou-se de seu pai. Ali, em frente à porta de seu dormitório com os braços nas costas e elevando o queixo com ímpeto. ? Se em menos de um mês sua conduta não mudar, terei que falar com sua mãe para escolher o que fazer contigo. Não posso perder tempo nem meu dinheiro esbanjando-o naqueles que não o valoram.
? Sim, senhor. Prometo-lhe que mudarei. ? Abaixou a cabeça e apertou os dentes.
«Deus! ? Pensou Bennett. ? Como pode ser tão semelhante a mim?».
? Roger... ? John chamou sua atenção ? o administrador acaba de chegar. Espera-te no escritório.
? Diga-lhe que não demorarei. ? Seu amigo assentiu e partiu. ? Bom, tenho que ir. Espero que os pequenos incidentes não voltem a se repetir. Senhora Simon...
? Senhor Bennet...
Deu-se a volta e caminhou para a porta. Entretanto ficou parado ao ver que Natalie não se movia. Permanecia ao lado da professora.
? Quero escutá-la, se não se importar. Quero aproveitar o tempo e o dinheiro ? apontou a menina muito séria.
Bennett sorriu e continuou seu caminho. Enquanto se dirigia ao escritório recordou o dia no qual apareceu Ywen em Lonely Field. Chorava desesperada enquanto mostrava um bebê nos braços. Ao princípio não quis olhá-lo. Só pensou que era outro mais. Outro ser desamparado ao que, igual aos outros, unia-o o mesmo sangue, mas quando Ywen afastou a manta que cobria o pequeno rosto, Bennett ficou paralisado. Não estava vendo a filha de seu pai, mas sim a sua. Tinha o mesmo tom de olhos, seu mesmo nariz bicudo e o cabelo, aquele diminuto arbusto de cabelo que cobria a cabecinha era do mesmo tom. Nesse momento, ao ver Natalie, compreendeu que todo seu esforço, todos seus pesares valiam a pena se seus irmãos eram tratados com a dignidade que mereciam. Por que deviam sofrer as consequências do egoísmo de um pai incapaz de reconhecer seus bastardos? Além disso, na residência os mantinha a salvo das garras de sua mãe. Ao rememorar o instante em que descobriu as atrocidades que ela realizava para eliminar todas as crianças que nasciam das infidelidades de seu marido, Roger apertou a mandíbula e respirou com profundidade. Não, não lhes ocorreria nada de mau. Ele os protegeria sempre.
? Com os últimos ganhos têm podido resolver todas as faturas. ? O administrador, rodeado de papéis, mostrava a Roger um a um os recibos pagos. ? Tenho que lhe dizer que foi uma ideia excelente cortar os gastos ao fazer com que as mães trabalhassem na residência. Pudemos prescindir de cozinheiras, lavadeiras, donzelas e inclusive várias delas cuidam do jardim melhor que qualquer jardineiro que se orgulhe de sê-lo.
? Alegra-me escutar isso. ? Roger adotou a postura de um homem de negócios. Seu corpo reto parecia mais imenso, se cabia, e suas mãos ocultas atrás das costas o magnificavam.
? Mas também tenho que o advertir que se achássemos mais alguns filhos ilegítimos de seu pai...
? Conforme me informou John levamos um ano sem que apareça nenhum e não acredito que, aos seus setenta anos, possa continuar com esse desventurado costume ? resmungou Bennett.
? Bom, nunca se sabe o que foi capaz de fazer no passado, mas é certo que há um ano ninguém apareceu e duvido que possa engendrar mais filhos devido à sua enfermidade.
? Doente? ? Perguntou franzindo o cenho.
? Sim. Sua Excelência está prostrado no leito ao menos há quatro meses. Segundo meus contatos poderia falecer em qualquer momento e você possuiria o título.
? E como não me fez chegar uma notícia assim? ? Inquiriu furioso.
? Senhor, disse-lhe. Indiquei-lhe na missiva que lhe enviei quando estava navegando que devia me visitar por dois motivos importantes. Mas quando desembarcou não apareceu no meu escritório ? explicou com voz tremente.
? Tem razão... ? acalmou-se um pouco. ? Tive que me ocupar de outros assuntos antes de partir para Haddon Hall. ? Perambulou pelo escritório sem poder fixar a vista em nenhuma parte. Se for certo, se seu pai estava em seus últimos dias, como aceitaria sua mãe ser a viúva e que seu desprezível filho conseguisse o título? E seu irmão? Permaneceria impassível enquanto ele aceitava seu legado? Roger enrugou a testa. Sabia que deviam estar tramando algo, o que não conseguia imaginar, mas seria algo maligno, disso não lhe cabia dúvida. De repente ficou pétreo, olhou fixamente ao administrador e perguntou: ? Qual é o segundo motivo?
? Você... ? a voz tremente apareceu de novo.
? Eu? ? Roger entrecerrou os olhos e olhou ao homem com suspeita.
? Sei que não pode ser certo, sua Senhoria. Por mais que estive pensando nisso, não me saem as contas.
? Contas? De que contas fala? ? Caminhou para a mesa coberta de papéis e apoiou as palmas sobre eles.
? Rogo-lhe que não se zangue comigo, senhor. Juro-lhe por minha vida que não acredito em uma só palavra dessa descarada.
? A que descarada se refere? ? Grunhiu.
? À viúva do senhor Myers, Excelência ? disse ao fim.
? Eleonora? ? Afastou as mãos, cruzou-as diante de seu peito e arqueou as sobrancelhas. ? O que queria essa mulher de ti?
? Não se trata de mim, mas sim de você. ? O administrador fez uma pausa para poder tomar fôlego. Sabia que o que ia expor não lhe ia causar agrado algum. ? Cinco meses depois de seu enlace matrimonial apareceu em meu escritório ? começou a dizer. ? Vinha enfurecida e se foi ainda mais zangada quando lhe indiquei que não sabia onde se encontrava e que não podia lhe fazer chegar a informação.
? O que desejava essa harpia? Que informação devia me dar? ? Perguntou surpreso, ao mesmo tempo que confuso.
? Segundo ela você... ? titubeou de novo. ? Você...
? Maldita seja! Fala de uma vez!
? Essa mulher diz que o filho que espera é seu.
Roger não teve tempo de reagir ante a notícia quando John abriu a porta de uma vez.
? Temos um grave problema ? manifestou com o rosto alterado.
? O que acontece? ? Perguntou Bennett caminhando para seu amigo com rapidez.
? Yeng está lá fora. Sophie o enviou. ? Virou-se e correu para a saída. Bennett o imitou. Seu coração não palpitava e mal podia respirar. Se sua governanta tinha enviado alguém em sua busca era por uma razão: Evelyn.
? Diga-me que minha esposa não está em perigo ? exigiu saber enquanto montava no cavalo.
? Não posso dizer tal coisa porque sua mãe e seu irmão estão com ela ? soltou John antes de tocar com brio ao corcel.
XXX
? Estou perfeita? ? Evelyn acariciou o vestido e deixou de respirar. Wanda tinha sido hábil ao fazer chegar o baú que transportava na carruagem e podia usar um dos vestidos que comprou sob o atento olhar de Beatrice.
? É claro ? afirmou a donzela ultimando o penteado.
? Estou tão nervosa... o que pensará a marquesa? Parecerei a mulher perfeita para seu filho? Espero... rogo que não tenham chegado aos seus ouvidos as desditas que padeci no passado ? soluçou.
? Relaxe. De verdade que deve tranquilizar-se um pouco antes de descer. Além disso, goste ou não Sua Excelência, já se casou com seu filho e nada pode fazer para desfazê-lo. Seja você mesma, não queira aparentar aquilo que não é e já verá o orgulhoso que se sente seu marido quando souber que recebeu de maneira correta a sua mãe ? comentou com voz suave e aprazível.
? As luvas! ? Exclamou Evelyn olhando ao seu redor. Movia-se com tanto brio que Wanda pensou que o laborioso penteado não permaneceria muito tempo tão perfeito.
? Não acredito que seja apropriado... ? começou a dizer em voz baixa.
? Tenho que usá-las! ? Respondeu agitada. ? Meu Deus, tenho que usá-las!
? Respire... por favor, respire... ? Wanda observou que os objetos que procurava com desespero jaziam sobre a penteadeira e que devido ao seu estado de nervosismo não os tinha visto. Aproximou-se, pegou-os e os mostrou.
? É muito importante para mim lhe causar boa impressão ? disse um pouco mais serena enquanto a donzela lhe punha as ansiadas luvas. ? É a marquesa, a mãe do homem de quem estou... ? emudeceu rapidamente. Não, não podia dizê-lo ainda. Por mais feliz que se sentisse junto a Roger ainda não podia falar de algo tão importante, tão profundo.
A criada respirou fundo, estendeu suas mãos pelo vestido e caminhou para a porta. Não precisava que Evelyn terminasse a frase que tanto temor lhe produzia. Ela já sabia as palavras com as quais finalizaria. Estava apaixonada. O homem de olhar penetrante, perturbador e embelezador tinha utilizado todas as suas artimanhas para seduzi-la e apanhá-la. Só esperava que ele sentisse o mesmo por ela e esquecesse o resto das mulheres.
? Preparada? ? Quis saber após abrir a porta e esperar que Evelyn se decidisse a caminhar para o exterior.
? Sim ? respondeu após suspirar e elevar o queixo.
? Não se esqueça de respirar, é muito importante para evitar desmaios inoportunos... ? sussurrou-lhe quando passou ao seu lado.
Evelyn sorriu levemente. Caminhou mais erguida do que deveria e parou quando chegou às escadas. Olhou para a entrada e observou que ali não havia ninguém. Certamente Sophie tinha dirigido a marquesa para a sala de jantar. Relaxou e, tal como lhe indicou Wanda, respirou. Pousou a mão no corrimão e desceu devagar, sem aparente pressa, embora a força com que pulsava seu coração poderia impulsioná-la para baixo sem chegar a tocar o chão com os pés.
? Boa tarde... ? apareceu uma voz masculina justo antes de pisar o último degrau.
Evelyn não pôde ocultar a surpresa que lhe produziu ver um homem tão parecido ao seu marido, embora percebesse notórias diferenças: seu marido tinha os olhos mais claros, era o dobro de corpulento e, por sorte para Roger, o cabelo e a barba abundavam mais nele que naquela pessoa que a olhava sem piscar.
? Pelo assombro que contemplo em seu belo rosto meu querido irmão não a informou sobre mim, estou certo? ? Arqueou a sobrancelha direita, sorriu e esticou sua mão para tomar a dela e dirigi-la para sua boca.
? Boa tarde. A verdade é que falamos de muitas coisas, talvez tenha me dito e o esqueci ? desculpou-o. Tentou recompor-se do choque que lhe tinha produzido a aparição de outro Bennett e sorriu.
? Nesse caso, minha querida cunhada, apresentar-me-ei como é devido. ? Fez uma ligeira genuflexão e prosseguiu: ? Sou Charles Bennett, o irmão gêmeo de seu marido ? esclareceu com uma voz tão melosa que Evelyn sentiu uma estranha comichão em seu estômago.
? Encantada de o conhecer, pode me chamar de Evelyn se lhe parecer correto ? disse enquanto aceitava o braço que lhe oferecia para dirigi-la para a pequena saleta que Roger tinha ao lado da sala de jantar.
A mulher franziu sutilmente o cenho. Não esperava que Sophie os tivesse conduzido a um lugar tão privado para seu marido. Conforme lhe contou quando lhe fez o breve percorrido pela casa, ali era onde se reunia com os comerciantes, advogados e administradores que trabalhavam para ele e onde guardava documentos que ninguém devia tocar.
? Evelyn... ? sussurrou com tom aveludado. ? Bonito nome. Que significado tem um antropônimo tão assombrosamente belo?
? Provém de uma palavra grega, hiyya, que significa fonte de vida ? respondeu surpreendida. Era a primeira vez que alguém se interessava pela origem de seu nome. ? Embora acredite que a verdadeira razão pela qual meus pais decidiram me pôr este nome se deve a uma...
? Novela? ? Interrompeu antes de apertar inapropriadamente sua mão com a dele.
? Sim, com efeito, a uma novela. A minha mãe gostava muito de ler e imagino que achou o nome em algum personagem feminino ? respondeu desenhando um leve sorriso enquanto retirava sua mão do braço masculino com sutileza.
? Mãe... ? saudou Charles após abrir a porta e permitir que Evelyn acessasse primeiro ? apresento-lhe Evelyn, a esposa do nosso querido Roger.
? Sua Excelência... ? Evelyn caminhou para ela, fez uma reverência e ficou parada até que a mulher, de não mais de cinquenta anos, aproximou-se dela abrindo seus braços.
Nenhum dos dois tinha herdado nem a cor de seus olhos nem o do cabelo. A mãe possuía olhos negros e cabelo castanho. Tampouco se assemelhavam em altura. Era uma mulher baixa e gordinha. Entretanto, todo seu ser desprendia poder, dominação e arrogância. Qualidades que sim possuía seu marido.
? É linda! ? Exclamou a marquesa enquanto a abraçava. ? Roger sempre teve bom gosto ao escolher as suas mulheres e vejo que continua tendo-o. Embora até agora nunca escolhesse uma com o cabelo vermelho. Imagino que esse terá sido o principal motivo pelo qual terminou casando-se contigo. É diferente.
Evelyn piscou várias vezes, apertou os dentes e continuou sorrindo embora sua mente lhe oferecesse mil maneiras de desculpar-se e sair fugindo dali até que Roger aparecesse e lhe explicasse a verdadeira razão pela qual estavam casados.
? Enquanto a esperávamos pedi à criada que nos preparasse uma chaleira quente ? comentou. Pegou a mão direita de Evelyn e a conduziu, com um caminhar firme, por volta das duas poltronas que havia junto à chaminé.
? Parece-me uma ideia muito acertada. Sinto se os fiz esperar mais do que o devido. Depois da longa viagem necessitei de bastante tempo para me repor ? respondeu Evelyn sem saber se suas palavras eram as adequadas.
? Imagino... ? disse a mulher enquanto se sentava em uma das poltronas.
? Pode acreditar que minha querida cunhada não sabia da minha existência? ? Comentou Charles com um sorriso divertido. ? Deduzo que meu irmão não lhe falou muito sobre sua família.
? Não? ? Perguntou a marquesa mostrando um incrível pesar no rosto.
? Tenha em conta que mal permanecemos juntos. Depois de nos casar Roger teve que empreender uma longa viagem de negócios. ? Voltou a desculpá-lo sem poder evitar ruborizar-se ao ter que responder questões tão íntimas.
? Meu querido filho não é muito falador, não é? Ele prefere atrair as mulheres com outro tipo de artes mais... pecaminosas.
? Eu apreciei ? começou a dizer Evelyn depois de tomar ar e conter a impetuosa ira que começava a nascer em seu interior ? que tanto Charles como Roger são bastante parecidos.
? Sim, minha gestação foi um presente de Deus. Acreditamos que vinha um só bebê e tivemos uma grata surpresa ao descobrir que meu seio albergava duas criaturas. Embora Charles seja somente uns minutos mais novo que Roger ? disse sem ocultar seu desdém.
? Parecemos-lhes iguais? ? O aludido se aproximou tanto que voltou a sentir-se incômoda ante tal proximidade. Contra sua vontade Evelyn pôde cheirar o perfume de seu cunhado. Apesar de serem tão parecidos, os dois possuíam essências muito diferentes. A do Roger produzia nela um efeito embriagador, entretanto, a do Charles a enojava.
? Um pouco... ? reclinou-se levemente sobre seu assento para distanciar-se antes de mostrar qualquer sinal de repugnância no rosto e verteu água quente sobre a xícara em cujo interior havia uns raminhos verdes.
? Permiti-me o luxo ? continuou falando a mulher ? de te trazer umas infusões do meu lar. Espero que sejam de seu agrado.
? Muito obrigada, com certeza que sim. ? Aproximou a xícara de sua boca, mas ao notar a água mais quente do que estava acostumada a tomar, deixou-a de novo sobre o prato.
? Quando eram pequenos ninguém sabia quem era um e quem era outro, mas por sorte uma mãe nunca se equivoca. ? A marquesa franziu o cenho ao ver que Evelyn colocava o copo sobre a mesa. ? E falando de crianças... pensa em ter descendência logo? Meu marido, ao ser vinte anos mais velho que eu, esforçou-se em me deixar grávida desde a primeira noite que me converti em sua esposa.
? Mas Roger e eu somos da mesma idade e acreditamos que antes de trazer um bebê ao mundo temos que nos conhecer um pouco mais. ? Tinha parecido loquaz? Isso esperava porque não desejava ter que ser ela quem dissesse à marquesa que jamais teria essa ansiada descendência.
? Pois não deveriam demorar muito. Se por acaso não sabe, o marquês está muito doente ? disse com aparente tristeza. ? E se não melhorar, logo ficarei viúva.
? Isso significa que Roger... ? tragou saliva e voltou a segurar a xícara. Tremiam-lhe as mãos? Sim, claro que o faziam. Escutou um leve tinido ao tentar levantar a xícara.
? Sim. Apesar de sua insistência em recusar o título que por nascimento lhe pertence, não pode evitá-lo. Quando seu pai morrer ele será o novo marquês de Riderland ? prosseguiu sua exposição com uma desmesurada aflição no ancião rosto. ? Como já te terá indicado, odeia tanto a responsabilidade que suporta ser marquês que jamais aceitou um só xelim da família.
? Como? ? Disse sem pensar.
? Não lhe contou isso ainda? Sinto muito, possivelmente estou me metendo em temas que não me incumbem, mas não é justo que pense que se casou com um homem diferente ao que é em realidade: seu marido, querida, vive do que aquele navio lhe proporciona. ? A marquesa esticou a mão e tocou com suavidade a de Evelyn.
? Então... tudo isto...
Levou a xícara aos lábios. Devia lhe dar um bom sorvo para poder digerir o que estava escutando, mas quando a xícara tocou sua boca, uma enorme se escutou portada na sala. Ao levantar o olhar observou Roger com os olhos injetados em sangue. Sem pensar um segundo este correu para ela, pegou a xícara e a atirou para o interior da chaminé.
? Parta daqui agora mesmo! ? Gritou com tanta força que o eco de sua voz retumbou por cada canto da casa. Ao mover a cabeça de um lado para o outro algumas mechas do rabo de cavalo se soltaram para formar redemoinhos sobre sua cabeça. Alguma vez tinha visto um homem tão zangado? Alguma vez tinha presenciado como um titã podia converter-se em uma besta tão ameaçadora?
? Filho... ? murmurou a marquesa levantando-se de seu assento e estendendo as mãos para ele. ? Meu filho...
? Disse para partirem ? resmungou. Seu peito se elevava e baixava com uma velocidade inverossímil. De repente Evelyn observou assustada, que os olhos de seu marido se obscureciam e que sua boca se torcia em um sorriso satânico. ? Ou o fazem por bem... ou por mau ? sentenciou.
Nesse preciso momento John apareceu na entrada. Em sua mão levava uma pistola e sorria de satisfação.
? Vamos, mãe! ? Ordenou Charles estendendo a mão para ela. ? Não se humilhe mais.
? Mas, filho... ? insistiu a marquesa com lágrimas nos olhos.
? Bebeu algo? Tomou algum mísero sorvo disso? ? Roger, inquieto, agarrou-lhe a mão, levantou-a da poltrona, caminhou com ela para a saída e quando estavam no meio do salão, retornou à mesinha para lançar o bule ao mesmo lugar que tinha jogado a xícara.
? Não... ? disse temerosa. ? Não tomei nada, por que o diz? O que acontece, Roger? A que vem tudo isto? Por que os jogou desse modo de nossa casa?
? Querida, prometo-te que explicarei isso tudo quando me encontrar mais calmo, mas agora não sou capaz de raciocinar. Só desejo... ? soltou outra vez a mão de sua mulher e andou para a porta principal.
? Vão como duas hienas depois da chegada do leão ? indicou John antes de soltar uma gargalhada.
? Sinto muito, senhor, não pude evitar que... ? começou a dizer Sophie sem deixar de chorar.
? Calma, eu entendo. Fez o correto. ? Roger a reconfortou.
Evelyn foi incapaz de mover-se do hall. Não podia assimilar o que tinha acontecido nem por que. Seu marido havia dito que explicaria quando estivesse mais calmo, mas... e ela? Quando se acalmaria ela? Aturdida, levantou o vestido com as duas mãos e começou a subir as escadas com rapidez. Precisava ficar sozinha. Precisava digerir o que tinha acontecido em menos de uma hora.
? Evelyn! ? Gritou Roger ao vê-la caminhar pelo piso de cima. ? Evelyn!
? Não suba, ? disse John pousando a mão direita sobre o ombro de seu amigo ? deixe-a até que encontre a paz que necessita para falar com ela.
? Não vou dar tempo para que sua mente pense o que não é, devo lhe esclarecer tudo o que aconteceu, mas antes de subir deve me fazer um favor.
? Diga-me.
? Eleonora comenta que está esperando meu filho e não é certo ? disse com veemência.
? Está totalmente seguro de que não é teu?
? Totalmente ? declarou cortante.
? Bem, o que quer que eu faça?
? Procura o homem com quem ela esteve se vendo às escondidas. Pode ser que a visitasse inclusive quando estava comigo. Essa mulher tinha um maligno propósito quando jazia em meus braços. Não acreditei nos que me advertiram que, em diversas ocasiões, viram-na comprando beberagens de fertilidade em Whitechapel, mas agora sei que tinham razão quando me avisaram que procurava ser a futura marquesa de Riderland ? comentou zangado consigo mesmo por não haver se dado conta com antecedência.
? Essa mulher sempre me produziu calafrios... ? disse John fazendo tremer de maneira exagerada seu corpo.
? Não demore em encontrá-lo. Acredito que Evelyn não será capaz de confrontar tantas coisas de uma vez só ? disse olhando por volta do segundo andar.
? Se te amar, o fará ? determinou John antes de partir para começar a busca pelo misterioso amante.
XXXI
Apesar de querer dar-se um pouco mais de tempo para falar com Evelyn, não pôde conter-se. Quando viu John montar no cavalo e dirigir-se para Londres, Roger subiu as escadas de dois em dois. Urgia lhe contar a razão pela qual tinha atuado daquela maneira e que ela entendesse o motivo de sua ira. Caminhou pelo corredor com mais lentidão do que pretendia. Seu coração pulsava com força e mal podia controlar os tremores de suas mãos. Ficou parado na porta com a cabeça abaixada e os ombros inclinados para frente. Era o momento de sua esposa descobrir seu passado embora isso implicasse um inevitável distanciamento entre ambos.
Quando acessou ao dormitório observou Wanda sentada ao lado de sua mulher. Abraçava-a e lhe murmurava palavras de consolo enquanto ela soluçava. Estrangulou-se-lhe a garganta e notou como suas forças se desvaneciam ante a triste imagem. Deu dois passos para a frente esperando que a donzela notasse sua presença. Assim que ela o descobriu, ao virar com suavidade a cabeça para a porta, levantou-se, fez uma pequena reverência e começou a dirigir-se para ele.
? Obrigado, Wanda ? agradeceu-lhe com uma voz incomum nele.
? Excelência...
Wanda fechou a porta após sair. Inspirou profundamente e cravou seus olhos no final do corredor. Surpreendeu-se ao ver que Sophie a esperava com os braços cruzados diante do peito. Sem parar para raciocinar por que estava ali, dirigiu-se para ela.
? Posso te contar toda a história enquanto tomamos um chá ? assinalou a mulher com tom suave.
? Preferiria um bom copo de uísque ? acrescentou Wanda.
? Então direi ao Yeng que nos suba uma garrafa da adega.
Não se atrevia a aproximar-se. Evelyn continuava sentada sobre a cama olhando para a janela.
? Se quiser que eu parta, entenderei ? disse enfim.
? Acredito que antes de se afastar deveria me explicar o que aconteceu lá embaixo ? respondeu tremente.
? Evelyn eu... eu não quero te perder ? comentou em tom estrangulado.
? Tenta me dizer a verdade e eu ponderarei o que devo fazer, mas não dê por certo algo que ainda não decidi ? apontou. Voltou-se para Roger e ficou muda. Seu cabelo continuava alvoroçado, seus olhos já não eram escuros e sim cristalinos, e seu corpo, aquele que adorava pela magnitude que expressava, permanecia curvado, abatido.
? Como comprovou, ? começou a dizer caminhando para ela ? a relação com minha família é um tanto peculiar.
? Todos temos certas diferenças entre os membros de uma família, mas jamais acreditei que alguém tentasse resolvê-los dessa forma ? assinalou Evelyn apática.
? Não foi sempre assim, conforme me contou a mulher encarregada da nossa criação. Ela não teve preferidos até que cumpri os quinze anos. E era certo, ela tratava aos dois por igual. Entretanto, meu caráter começou a manifestar-se nessa idade e fomos nos distanciando.
? Meus pais também se zangaram comigo quando descobriram que eu não era a filha que esperavam, mas nunca cheguei a desprezá-los tanto para chegar a tratá-los dessa maneira ? indicou Evelyn esperando que Roger não quisesse lhe contar uma história falsa.
? Evelyn... ? murmurou ao mesmo tempo em que se ajoelhava em frente a ela.
? Tenta de novo, Roger. Se de verdade deseja que eu fique ao seu lado, conte-me a verdade.
? E se não for capaz de suportá-la? E se não for capaz de me olhar de novo nos olhos?
? Tenta...
Bennett abaixou a cabeça, deixou os braços soltos e prosseguiu.
? A fama de adúltero do meu pai era cada vez maior. Lembro como discutiam quando pensavam que ninguém os escutava, como minha mãe lhe gritava que ela não merecia padecer aquele tipo de vergonha e que estava cansada de receber todas as suas amantes com crianças nos braços declarando que eram filhos deles. «Casei-me contigo por sua inteligência, ? disse-lhe meu pai uma das vezes que falaram sobre o tema ? e confio que saberá como fazer desaparecer sua insofrível vergonha». Jamais imaginei que ela tomasse aquelas palavras de maneira tão literal, mas acredito que, aquilo que a conduziu a tomar aquela decisão tão horrenda, foi o desejo de velar por nossa posição social. ? Evelyn estendeu suas mãos para os ombros de seu marido para reconfortá-lo com seu leve toque. ? Mas apareceu um menino... uma estranha criatura que não contava com mais de sete anos se apresentou na porta da residência familiar com sua mãe pela mão. Até aquele dia, até aquele preciso momento, a marquesa cuidou com incrível paixão tanto do meu irmão como de mim para que não fôssemos testemunhas daquele tipo de visitas. Entretanto, aquele dia escapei do meu dormitório e me ocultei no estábulo. Precisava sair da casa e fazer desaparecer por umas horas a pressão que sentia ao ser instruído para me converter no futuro marquês. Lembro que a própria marquesa os recebeu, e após falar com a mulher, o menino ficou na entrada enquanto via como se afastava sua mãe. Com um sorriso estranho em seu rosto, conduziu-o para o interior da casa. Durante as duas semanas seguintes estive procurando esse menino por toda a residência. Inclusive me atrevi a perguntar às criadas se o tinham visto. Ninguém tinha ouvido falar dele, mas minha curiosidade era tal, que não diminuí meu empenho por encontrá-lo. Um dia, enquanto brincava com Charles, aventurei-me a percorrer o porão. Ali, no meio de um muro de pedra, uma porta de pequena envergadura permanecia fechada com a chave dentro da fechadura. Desejoso de ganhar o jogo, abri a porta e quando descobri o que havia no interior me assustei tanto que fui incapaz de me mover.
? Estava lá, não é? ? Interrompeu Evelyn ajoelhando-se em frente ao seu marido.
? Sim. Tinha-o amarrado a umas cordas para que não tentasse escapar. Lembro o suave e lento ritmo de seu respirar e a extrema magreza. Estava tão esquálido que podia apreciar com claridade os ossos ocultos sob sua pele. Quis desatá-lo, liberara-lo daquela prisão, mas escutei um ruído às minhas costas e me escondi.
? Quem era...? ? Perguntou colocando suas mãos nas maçãs do rosto de Roger. Levantou-lhe o rosto e observou um rio de lágrimas percorrendo suas bochechas.
? Minha mãe. Era minha mãe ? tremeu-lhe a voz ao afirmá-lo.
? OH, meu Deus, Roger! ? Exclamou abraçando-o com força.
? Matou-o diante dos meus olhos, Evelyn. Foi muito cruel escutar os soluços daquele menino rogando, em seu último fôlego, piedade para sua assassina. ? Bennett continuou chorando enquanto as cálidas mãos de sua mulher o acariciavam e tentavam lhe dar o consolo que, até aquele momento, nunca tinha encontrado. ? Quando esteve segura de que o menino não respirava, fechou a porta e partiu como se nada tivesse ocorrido. Durante os três dias seguintes, desci para averiguar que plano tinha minha mãe para desfazer-se do cadáver. E o que descobri foi tão aberrante que perdi o juízo. A cozinheira, uma mulher de incalculável confiança de minha mãe, picotava o corpo do menino com um machado. Vi-a ali, estendida no chão, levantando a arma e atirando-a com força para quebrar os ossos agarrados à carne. Logo todas as partes picotadas foram colocadas em um caldeirão e jogados em um fogo na cozinha. Utilizava-os como míseras lenhas.
? Mas o aroma... O fedor a...
? Quem ia imaginar que o que avivava o fogo eram restos de um ser humano? ? Comentou afastando as lágrimas com suas mãos e levantando-se com rapidez. Evelyn ficou olhando-o, quebrada de dor ao escutar o que lhe contava. ? Quando na cozinha não houve ninguém que fora testemunha da loucura que ia cometer, peguei um ramo do chão e tirei um osso desse menino.
? Seu crânio... ? murmurou Evelyn levando as mãos para a boca.
? Sim ? disse Roger voltando seu olhar para ela e entreabrindo os olhos.
? Vi-o na carruagem... ? revelou com temor.
? Prometo-te que não tratava de alcançar um prêmio, nem algo que queria ter como lembrança das demências da minha mãe. Precisava me aferrar a algo para me liberar da maldade que me rodeava, Evelyn. De confirmar que eu não era como ela, embora seu sangue regue meu corpo.
? O que aconteceu depois? ? Levantou-se e se colocou atrás das costas de seu marido.
? Parti. Com somente quinze anos abandonei meu lar e decidi procurar um futuro distinto do que me tinham marcado. Vivi alguns meses nas ruas, ocultando minha identidade. E de repente, um dia, um cavalheiro que cobria seu corpo com uma grande capa negra, e que se aproximou de mim para me dar umas moedas, teve piedade daquele menino magro e imundo que lhe rogava uma esmola para poder comer. Ofereceu-me partir com ele à França e me converter em um homem respeitável. Não me pergunte a razão dessa oferenda, jamais a investiguei, mas o que sim posso afirmar é que graças à sua misericórdia me salvei de morrer faminto em qualquer rua de Londres. Quatro anos depois do meu desaparecimento, quando todo mundo me acreditou morto, apareci em Tower, a residência dos meus pais. Meu pai chorou ao ver-me e me abraçou como nunca antes tinha feito. Entretanto, minha mãe e meu irmão não se aproximaram de mim. Acredito que não foram capazes de assimilar meu regresso. ? Suspirou profundamente. Olhou para o exterior da janela e prosseguiu. ? Não pretendia ficar vivendo com eles, nem voltar a ocupar o posto que por nascimento me pertencia, mas precisava esperar o momento idôneo para confessar à minha mãe que sabia o que tinha feito com os filhos ilegítimos de meu pai. Como era de se esperar, ela se enfureceu, gritou-me que tinha enlouquecido durante minha ausência e que só eram histórias que minha mente juvenil imaginou.
? Roger... ? Esticou as mãos, agarrou-o pela cintura e pousou sua cabeça sobre as costas masculina.
? Pouco tempo depois do meu imaginário testemunho comecei a adoecer. Tinha náuseas, enjoos e muitas febres, muitas. Meu pai, apavorado ao pensar que tinha contraído alguma enfermidade contagiosa, fez chamar o médico para que me tratasse, mas nem este pôde dizer com claridade o que me acontecia. De repente, uma pessoa teve piedade de mim. Um criado que levava pouco tempo servindo meus pais e que observava com firmeza o que acontecia no imóvel. Ele descobriu que minha mãe tinha plantado beladona em um lugar afastado do jardim e que me preparava isso como infusão. Ao raciocinar que tentava me matar por envenenamento, não o pensou. No meio de uma noite jogou meu corpo quase inerte sobre seus ombros, desceu até a entrada e, com grande esforço meteu-me em uma carruagem.
? Anderson... ? murmurou Evelyn apertando com mais força o corpo de seu marido.
? Mas o ódio da minha mãe não ia cessar nunca. Esperou com paciência o momento para conseguir seu fim e quase o obteve de novo. Encarregou um homem de me seguir e me espreitar. Em uma das minhas saídas noturnas nas quais não podia nem ficar em pé pela embriaguez, fui assaltado e amarrado. Resisti com afã ao ataque, mas não consegui escapar. Quando abri os olhos depois do desmaio, uma voz começou a falar atrás de mim. Antes de poder lhe responder, de repreender seu ato, notei uma ardência em minha pele.
? Suas marcas... ? Evelyn liberou a cintura de Roger e pousou com suavidade suas palmas sobre o tecido que cobria os sinais das chicotadas.
? Mas o destino voltou a me salvar. Na mesma noite em que fui assaltado, estive jogando cartas com o William e Nother, o antigo proprietário do meu navio. Rutland apareceu na residência em que me hospedava e ao não me achar buscou-me desesperado por toda Londres. Acredito que se sentia culpado por haver me abandonado à minha sorte enquanto ele esquentava o leito de uma amante. Então tropeçou com o Yeng, o crupiê que nos atendeu no clube. Quando lhe perguntou se me tinha visto, informou-o que depois de sair do clube duas pessoas carregavam meu corpo. Também lhe disse que me introduziram em uma carruagem e que se dirigiram para os subúrbios. William o agarrou pelo pescoço e fez com que lhe mostrasse o lugar aonde me conduziram. Só lembro que, quando dava tudo por perdido, quando vi a morte aproximando-se de mim, escutei um disparo e depois a pressão das minhas mãos acabou.
? OH, querido... ? soluçou abraçando-o de novo.
? Desde esse momento prometi que lutaria até o final dos meus dias e que nenhum ser inocente que tivesse meu próprio sangue morreria nas mãos da minha mãe. Yeng decidiu permanecer ao meu lado e foi meus olhos enquanto eu realizava longas viagens no navio. Encarregou-se de recolher todas as crianças que se dirigiam para Tower para reclamar a paternidade do marquês e os albergava em um asilo que eu pagava. Pouco depois adquiri vários terrenos. Em um construí Lonely e no outro... ? virou-se para sua mulher. Desejava contemplar como fazia frente ao que estava a ponto de revelar. Sentiu-se um ser maligno ao ver suas lágrimas vagar pelo rosto.
? E no outro? ? Insistiu Evelyn.
? Construí uma pequena residência a qual chamei Children Saved.
? Crianças salvas... ? murmurou a mulher com apenas um fio de voz.
? Sim. Ao princípio acredito que só o fiz para salvar minha própria consciência que não cessava de me recriminar dia após dia que podia ter impedido as mortes daquelas crianças.
? Mas não podia fazer nada... ? Evelyn levantou as mãos para Roger e pousou suas palmas no rosto. ? Era muito pequeno... ? insistiu soluçando.
? Mas um dia apareceu em minha porta um anjo. Um diminuto ser que quase me fez ajoelhar e suplicar que me perdoasse sem lhe haver feito nada ainda. Minha pequena Natalie... ? suspirou. ? Ela me fez compreender que esperavam de mim algo mais que um lugar onde os acolher ou os alimentar. Necessitavam de afeto igual a mim. Com o tempo minhas viagens se fizeram mais duradouras e abundantes face à fama que criei em Londres, para humilhar ainda mais meu sobrenome todos os comerciantes requeriam meus serviços. Quase todos os meus lucros se destinaram à melhoria da residência e a contratar pessoal qualificado para lhes oferecer a educação que mereciam.
? Quantas crianças há no Children Saved?
? Vinte.
? Vinte?! ? Repetiu surpreendida.
? Muitos, eu sei. Graças a Deus meu pai adoeceu e teve que abandonar o insaciável desejo de engendrar um sem-fim de possíveis herdeiros. ? Sorriu de lado ante seu próprio sarcasmo.
? Quero conhecer todos ? murmurou enquanto aproximava a boca de seu marido à dela.
? Está segura? ? Mal pôde fazer a pergunta pela emoção.
? Sim, muito segura.
Roger beijou Evelyn com paixão. Depois ficou olhando-a sem piscar, pegou-a pela cintura e a elevou sobre sua cintura.
? Amo-te, senhora Bennett. Amo-te mais do que jamais pude imaginar que o faria. ? Caminhou para o leito e a posou muito devagar.
? Roger... ? murmurou enquanto seu marido começava a colocar as mãos sob o vestido e acariciava com lentidão as pernas.
? Que...
? Eu também te amo.
Escutar aquelas palavras de sua esposa lhe produziu tal emoção que esteve a ponto de derrubar-se sobre ela e ficar a chorar. Todo seu passado, toda a escuridão que tinha vivido nele desde que descobriu aquelas mortes desapareceu. O sol brilhava em seu interior, e em cada carícia, em cada beijo que Evelyn lhe oferecia, os raios o iluminavam ainda mais. Beijou-a devagar, perfilando com sua língua o desenho da boca que adorava, que amava. Sentiu-se contente ao perceber que as mãos dela se colocavam em seu peito para o despojar da camisa. Afastou-se, levantou os braços e deixou que continuasse apalpando seu torso sem objetos que o impedissem de sentir o suave tato dos dedos. Suas mãos retornaram as coxas femininas. Evelyn arqueou a cintura, convidando-o a possui-la com prontidão, com o mesmo ardor e desejo que ele sentia por ela.
? Repete que me ama ? murmurou antes de morder o lábio inferior dela e puxar com suavidade para ele.
? Amo-te, Roger... Amo-te... ? fechou os olhos ao perceber como o sexo de seu marido se aproximava do dela.
Não houve ternura entre eles. Não foi um ato lento, nem suave. Foi a primeira vez em que Roger precisou unir-se a ela para aliviar sua dor. Mas não só acalmou seu suplício, como em cada gemido, em cada soluço, em cada invasão para o interior feminino, Evelyn também se liberava de toda a pressão que tinha acumulado em sua vida. Não foi só um ato de amor, mas sim de verdadeira plenitude.
? Evelyn... ? sussurrou junto à boca dela quando o clímax estava a ponto de chegar.
? Roger... ? Cravou as unhas nas costas de seu marido e tentou fazer desaparecer aquelas marcas com suas próprias mãos.
Um clamor brotou do quarto com tanta intensidade que Sophie e Wanda se levantaram de suas cadeiras assustadas.
? O som do amor... ? disse Sophie antes de emitir uma pequena risadinha. ? Só espero que essa paixão logo dê frutos.
? Não acredito que os dê... ? murmurou Wanda após sentar-se e olhar o oitavo copo de licor que tinha em suas mãos.
? Por que diz isso? ? Perguntou a mulher tomando assento.
? Minha senhora jamais poderá ficar grávida ? comentou com pesar.
? Explique-se! ? Insistiu Sophie enquanto que, com um salto, aproximou a cadeira da mesa.
? Quando era jovem perdeu um bebê e, depois do aborto, sofreu uma grave infecção. O médico que a atendeu informou aos pais que seu útero tinha ficado estéril e que lhe seria impossível ficar grávida de novo ? explicou antes de beber o licor de um gole.
? Mas esse doutor não conhecia a persistência do nosso senhor... ? apontou antes de soltar uma gargalhada.
XXXII
? Está acordada? ? A encantadora voz de Roger lhe sussurrou no ouvido a pergunta enquanto seu fôlego esquentava a pele que roçava em sua passagem.
? Agora sim ? respondeu voltando-se para ele.
Bennett apoiou o cotovelo no almofadão e a olhou com tanta ternura que Evelyn sentiu como o coração batia mais forte.
? Obrigado por não me abandonar, por não se afastar de mim depois de me escutar ? disse-lhe antes de aproximar sua mão direita e lhe acariciar uma bochecha.
? Não tem por que me agradecer. Além disso, não acredito que deva perdoar um passado do qual não teve nada a ver. As maldades foram realizadas por sua mãe, não por você ? assinalou aproximando-se dele e lhe dando um suave beijo.
? Sempre me culpei por não ter descoberto antes. Possivelmente desse modo, tivesse salvado mais vidas ? comentou franzindo o cenho.
? Mas salvou muitas, vinte para ser exata. ? Estendeu seus braços e Roger se enredou neles. Desta vez foi ele quem pousou sua cabeça sobre o peito de sua mulher e quem deixou que os delicados dedos de sua esposa acariciassem com suavidade o comprido cabelo dourado.
? Sim, vinte embora... quantas perderam a vida nas mãos da minha mãe? Evelyn, estou seguro de que houve bebês, crianças que não conseguiram chegar a cumprir os cinco anos...
? Não se martirize por isso, Roger. Sua consciência dever alcançar a paz. É ela quem está manchada de sangue inocente. ? Pousou seus lábios sobre o cabelo loiro e o beijou. ? Conta-me como é Children Saved ? disse-lhe depois de uns momentos de silêncio no qual só se escutavam suas respirações pausadas.
? Não é muito grande, mas o suficiente para albergá-los comodamente. Tem dois andares. Abaixo está a cozinha, um enorme refeitório e uma biblioteca, embora com as últimas reformas, essa sala a convertemos em um lugar onde a senhora Simon ensina as matérias. Acima não há distinções entre uma ala ou outra. Conforme sobe encontra um comprido corredor com mais de quinze dormitórios. Ali descansam todos os que habitam na residência.
? A que se refere quando diz todos?
? Em Children Saved não só vivem meus meios-irmãos, mas sim suas mães também residem ali.
? Deus santo, Roger! Quantas bocas alimenta? ? Perguntou surpreendida.
? Quarenta e sete. ? Levantou a cabeça e contemplou o assombro que mostrava o rosto de Evelyn. ? Tem que entender que alguns deles mal tinham completado um ano de idade quando apareceram na porta e não achei justo que as mães se separassem de seus filhos pequenos.
? Como pode resolver esses gastos? Terá que continuar realizando muitas viagens... ? perguntou interessada.
? Com três ao ano é suficiente. Tanto o administrador como eu estudámos a maneira de cortar gastos e nos ocorreu que a única forma de não nos excedermos nos orçamentos anuais era fazendo participes as mães das tarefas que se requerem na manutenção dessa residência. Várias são cozinheiras, outras lavadeiras e inclusive, conforme fui informado ontem, outras decidiram empregar-se como jardineiras ? comentou feliz ao ver que Evelyn não reprovava seu trabalho, mas sim, pelo contrário, elogiava-o.
? Têm jardim? ? Continuou interessando-se. Enquanto Roger falava ela imaginava como seria aquele pequeno paraíso no qual viviam felizes tantas criaturas.
? Dois hectares de pradaria rodeiam a casa. Embora te pareça imenso, não o é quando todos saem para brincar. ? Sorriu. ? Há um pequeno parque onde plantaram flores de todas as classes. Uma fonte com a escultura de uma criança se situa no centro e abastece de água esse pequeno éden. Faz um par de anos, Yeng se encarregou de construir uma estufa onde a senhora Simon dá aulas de botânica ou ciência.
? Deve ser lindo... ? murmurou com suavidade.
? É. Sabe? Acredito que é a primeira vez que estou ansioso para que amanheça. Assim que tomarmos o café da manhã te levarei lá e contemplará com seus próprios olhos o que eu construí durante estes anos ? disse colocando sua cabeça de novo sobre o torso feminino. ? Quando a virem aparecer, quando todos descobrirem que é minha esposa, ficarão loucos de emoção e não a vão deixar descansar nem um só instante.
? Fale-me deles.
? Todos são muito semelhantes embora se diferenciem na cor de seu cabelo ou no de seus olhos. Há dois que são tão parecidos comigo que quando os vejo me reflito neles.
? Como se chamam? ? Continuou com as carícias sobre o cabelo de seu marido.
? O menino é Logan. Tem quatorze anos. Loiro, alto, possivelmente muito alto para sua idade. Mas a cor de seus olhos não é azul, mas sim marrom. Não há dúvida que os herdou de sua mãe. Embora o que o faz tão parecido a mim é sua atitude. É rebelde, não acata as normas como fazem os outros. Sempre tenta rebater certos temas e não cessa de investigar por sua conta. Sei que o dia de amanhã, quando eu não puder mais me encarregar do meu navio, ele ficará encantado de ficar em meu posto.
? Isso te assusta?
? Não, ao contrário, adula-me. É grato saber que alguém continuará o que eu comecei ? expôs com orgulho.
? Quem mais?
? A outra pessoinha que me deixa em estado de choque cada vez que a vejo é a pequena Natalie... ? disse o nome com um imenso prazer.
? Fale-me dela, Roger. Interessa-me muito saber sobre esse anjo que te impulsionou a lhes dar aquilo que foi incapaz de oferecer.
? Chamo-lhe de princesinha porque em realidade o é. Tem o cabelo tão loiro que quando os raios do sol o tocam se converte em branco. Sua mãe se esforça em lhe fazer longos caracóis, mas assim que pode ela recolhe o cabelo como o faço eu, em um rabo de cavalo. ? Voltou a desenhar um enorme sorriso em sua cara ao recordar as contínuas discussões entre as duas por manter o penteado intacto. ? Seu nariz é idêntico ao meu e a cor de seus olhos também. Se Ywen não me houvesse dito que o pai da criatura era o mesmo que o meu, teria pensado que era minha. Adora investigar. Todo o tempo está perguntado os motivos disto, do outro ou inclusive por que sai o sol ao ser de dia e a lua quando anoitece. Às vezes desespera a instrutora. Diz que seu afã por saber é inaudito em uma menina tão pequena.
? Espero que me aceite... ? murmurou Evelyn desenhando um imenso sorriso.
? Por que não o faria? ? Roger elevou a cabeça e a olhou desconcertado.
? Nem imagina quão possessivas são as mulheres quando amam um homem ? respondeu sem diminuir a risada.
? Estou seguro de que assim que te veja, perguntará a razão pela qual tem o cabelo vermelho, como me conheceu e por que se casou comigo ? disse antes de soltar uma gargalhada.
? Bom, evitarei lhe dizer que me ganhou em uma partida de cartas. ? Fez uma pequena careta.
? A melhor partida de cartas da minha vida! ? Exclamou antes de colocar-se sobre ela e voltar a beijá-la.
Evelyn tinha fechado os olhos para sentir as mãos de seu marido percorrer seu corpo quando um golpe na porta fez com que ambos se retirassem como se lhes queimasse a pele ao tocar-se.
? Quem é? ? Grunhiu Roger saltando nu da cama.
? John ? respondeu o índio entreabrindo a porta.
? Entra ? indicou após confirmar que Evelyn se ocultava sob o lençol. ? O que acontece?
? Há um incêndio em Children Saved ? soltou agitado.
? Como? Um incêndio? Como aconteceu? ? Correu para a poltrona, começou a vestir-se e antes de colocar a camisa saiu ao exterior fechando a porta atrás de sua saída.
? Não sei. Acaba de chegar Logan e não para de gritar que tudo está ardendo.
? Maldita seja! ? Gritou enquanto descia as escadas sem perceber que estava descalço. ? Onde está o menino? Onde está Yeng?
? Ambos estão no estábulo preparando os cavalos.
? Maldita seja! ? Clamou Roger. ? Maldita seja!
Se seu marido pensava que ia permanecer na casa esperando para saber o que tinha acontecido, equivocava-se. Assim que fechou a porta Evelyn saltou da cama, colocou uma camisola e a bata que estava jogada sobre o chão e correu para o corredor. Se for certo, se a residência onde viviam os meninos estava ardendo, toda a ajuda que chegasse seria pouca.
? Wanda! Wanda! Onde está? ? Gritou quando saiu do quarto.
? Deus santo, senhora! Estou aqui!
? E Sophie? Onde está Sophie? ? Continuou vociferando enquanto descia ao piso inferior.
? Acredito que estava na entrada preparando-se para sair para uma casa que está sendo pasto das chamas.
? Que nem lhe ocorra partir sem nós! Nessa casa vivem mais de quarenta pessoas às quais terá que salvar.
O caminho, embora fosse curto, pareceu eterno. Durante o tempo que durou, Roger não cessava de perguntar-se como se teria produzido o incêndio. Considerou muitas razões, que se iniciou na cozinha, talvez se devesse a um defeito na instalação de gás... entretanto, nenhuma o convencia. Sempre tinham sido muito cuidadosos. As mães nunca partiam para descansar sem certificar-se que todas as luzes estivessem apagadas, as portas fechadas ou inclusive encaixavam com precisão as janelas. Havia muito controle em Children Saved, muitíssimo para que aquilo acontecesse.
Quando chegou ao caminho de terra que o conduzia até a residência, sentiu pânico. O fogo iluminava a colina. Enormes nuvens de fumaça negra cobriam o céu que tantas vezes contemplou junto aos seus irmãos. Estava seguro de que, se o inferno existia, seria muito parecido à imagem que observava. Roger desceu do cavalo e correu para as pessoas que se agruparam ao redor da fonte. Tinham sabido escolher o lugar onde resguardar-se, ali as chamas não as alcançariam, os vidros que explodiam pelo calor nem as faíscas que saíam disparadas do interior da casa.
Apesar de tentar mostrar um comportamento firme, loquaz e seguro, para que eles se tranquilizassem, não albergava em seu corpo nada disso. A imagem dos meninos aterrorizados chorando sob os braços das mães, iluminados pela luz das chamas, consternou-o.
? Estão bem? Estão todos bem? ? Insistiu gritando enquanto se aproximava.
Nesse momento, depois de compreender que seria inútil esforçar-se em apagar o incêndio, centrou-se em confirmar que, pelo menos, ninguém tinha resultado ferido na evacuação. Mas nenhum lhe respondeu. Estavam tão consternados pelo acontecido que lhes era impossível deixar de chorar para falar. De repente, seu pânico aumentou. Não estavam. Ywen e Natalie não se achavam no grupo e ninguém se deu conta de suas ausências.
? Onde estão Natalie e sua mãe? ? Perguntou atemorizado. Olhou ao John, este encolheu os ombros, logo ao Logan, o rosto pálido do moço e a agonia que mostravam seus olhos lhe confirmava que ele tampouco sabia nada delas. ? Alguém sabe onde podem estar? ? Rezou para escutar uma resposta. Entretanto, ao não obter o que esperava, correu para o interior da casa sem parar para pensar que punha sua vida em perigo.
Cobrindo sua cabeça com o braço esquerdo acessou ao interior da casa. O calor era asfixiante e a fumaça tão densa que mal podia distinguir o que havia em frente a ele. Com decisão se dirigiu à cozinha. Gritava uma e outra vez o nome das duas, mas não respondiam. Franziu o cenho ao observar que salvo a fumaça, as chamas ainda não tinham alcançado a planta baixa. «O fogo começou nos dormitórios», concluiu com uma mescla de surpresa e inquietação. Não era lógico que ardessem primeiro os quartos salvo que fora... «Provocado!», exclamou para si. Sem diminuir seu empenho por encontrá-las, continuou chamando-as e as procurando no piso inferior. Quando percorreu até o último canto, decidiu subir. Talvez o medo as tivesse deixado tão aterradas que eram incapazes de sair do quarto. Pegou o corrimão, pôs um pé no primeiro degrau e ficou petrificado ao ver quem permanecia justo ao final da escada.
? Estávamos o esperando... ? comentou uma voz familiar. ? Entristece-me ver que demorou muito. Possivelmente, se tivesse chegado antes, teria evitado a morte dessa. ? Assinalou com seu olhar um corpo que jazia estendido sobre o chão.
? Charles... o que fez? ? Tinha vontade de correr para eles, soltar a menina das mãos sujas de seu irmão e lhe dar uma surra, mas estava paralisado. Ver a pequena Natalie com sua camisola manchada de sangue, chorando presa do pânico e lhe rogando com o olhar que a ajudasse, fez-lhe concentrar-se em pensar uma forma mais sensata de liberá-la.
? E você? ? Repreendeu-o Charles. ? O que você fez, Roger?
? Solte-a... ela não tem nada a ver com isto... ? tentou dissuadi-lo.
? Mentira! Ela tem muito a ver ? disse com um enorme sorriso. ? Até que a vi correndo para mim porque inocentemente acreditava que era você, pensei que só albergava neste miserável lar os filhos que nosso pai criou. Mas quando apreciei quão parecidos são, descobri que não só permaneciam os filhos desse monstro, mas sim continuava com o maldito legado que começou.
? É muito pequena... ? comentou tentando procurar em Charles um pouco de piedade.
? Não é capaz de nomeá-la como merece, não é? Não é capaz de confessar que é sua filha? ? Falou em tom irado.
? Não é minha filha, Charles, é nossa irmã ? declarou com suavidade.
? Você mente! Mente como o tem feito nosso pai todo este tempo! Embora seja normal, a mãe sempre o soube, é tão sujo como ele. Por isso teve piedade dos filhos de satanás? Por isso construiu este lar cheio de depravação? Sim, claro que sim. Porque apesar de suas promessas, é igual a ele. ? Suas palavras soavam cada vez mais duras, sinistras e ofensivas. ? Mas o fim chegou. Toda a maldade que padeceu nosso sobrenome se verá sanada por minha grande proeza. ? Charles elevou a mão direita e tirou a arma que ocultava nela. Apontou ao seu irmão e justo quando ia disparar, sorriu.
? Charles! ? Exclamou uma voz feminina atrás das costas de Roger.
Ao virar-se e ver que se tratava de Evelyn, quis lhe gritar que se fosse, que se afastasse dali o antes possível, mas em meio àquela confusão só pôde dar uns passos para ela e ocultá-la atrás de seu corpo.
Quando chegou ao alto da colina e não achou Roger entre o grupo de pessoas que havia no jardim, seu coração se oprimiu. Onde estava? Ao dizer quem era, todas as mães a abraçaram como se fosse uma salvadora, como se ela pudesse protegê-las de todas as penúrias que estavam padecendo. Embora Evelyn não pudesse as consolar como requeriam. Ela só pensava em seu marido. «Foi procurar Natalie e sua mãe», confessou-lhe alguém enfim. Sem pensar duas vezes correu para o interior da casa evitando as mãos de Wanda e de Sophie. Entretanto, quando seus olhos puderam adaptar-se à fumaça e contemplou a cena que havia em frente a ela, não duvidou e avançou para Roger.
? Minha querida cunhada... alegro-me de que tenha vindo. Quero que veja com seus próprios olhos o que seu marido tem feito durante todo este tempo ? expôs com uma voz cálida.
? Tem razão ? respondeu afastando-se de Roger e, face aos intentos deste por a fazer parar, ela subiu dois degraus. ? Comportou-se como o demônio que é. Agora entendo por que me visitaram, queriam me proteger.
? Ela sim entende... ? murmurou Charles olhando seu irmão com os olhos entreabertos. ? Ela é a única que nos compreende...
? É óbvio que o faço, Charles. E te asseguro que quando sairmos daqui tudo isto terá terminado. Sua tortura, as crianças, essas mães, tudo desaparecerá!
? Ajudar-me-á? Ajudar-me-á a finalizar o que minha mãe começou? ? Desceu lentamente a arma e diminuiu a intensidade com que apertava a pequena Natalie em seu corpo.
? Duvida da minha palavra? ? Perguntou com aparente irritação. ? Acaso não entendeu quando me olhava, quando falávamos, que me resultou mais agradável que o desprezível de seu irmão?
? Sim que o apreciei. ? Sorriu satisfeito. ? Mas não conseguirei te dar a posição que merece se ele estiver vivo. ? Charles levantou a arma, apontou para seu irmão e disparou.
? Não! ? Exclamou Roger com desespero.
Evelyn notou uma terrível dor em seu ventre. Quis levar as mãos para o lugar onde sentia aquela horrorosa queimação, mas não o conseguiu. As forças a abandonavam pouco a pouco e seu corpo começou a cair. Custava-lhe respirar. A visão se nublava. A bala que ia impactar sobre o coração de seu marido alcançou a ela. Deveria gritar ou chorar de tristeza ao ver que seu fim estava próximo, mas não podia, sentia-se feliz por ter impedido que o homem que cuidava de todas as pessoas que viu no jardim continuaria fazendo-o embora ela não estivesse. Ao longe, muito longe para escutar com precisão, escutou a voz de seu marido que insistia em que não o abandonasse e de repente... outro disparo.
? Saiam agora mesmo daqui! ? Gritou John que, depois de aparecer, observou como Evelyn se desabava e como o irmão de Roger aproximava a arma de sua boca e disparava. ? Encarregar-me-ei de Natalie. ? Subiu as escadas, pegou a menina pela mão e correu para o exterior o mais rápido que pôde.
? Evelyn! Evelyn! ? Clamava Bennett enquanto saía daquele inferno com ela em braços. ? Aguenta, meu amor! Ficará bem! Amo-te! Escuta-me? Amo-te!
XXXIII
Escritório do senhor Lawford. Três semanas depois.
? Imagino que com as assinaturas do marquês nada nem ninguém poderá invalidar os documentos, não é? ? Insistiu Roger enquanto observava através da janela como as pessoas corriam de um lado para outro tentando resguardar-se da chuva.
Uma semana depois do disparo a Evelyn, Roger apareceu em Tower e, face aos intentos que realizou sua mãe para impedir que conseguisse seu propósito, conseguiu chegar até o quarto de seu pai. O ancião marquês se apoiava sobre os almofadões e soluçava a perda de um de seus filhos. Bennett se colocou ao pé da cama com as mãos sobre as costas e lhe contou a verdadeira história. Seu pai negava devagar tudo aquilo que lhe narrava, segurava os lençóis com força e rejeitava categoricamente o que escutava.
? É mentira! ? Gritou uma das vezes. ? Sua mãe seria incapaz de fazer algo assim!
Mas Roger não diminuiu sua intenção de abrir os olhos do marquês. Descreveu-lhe como esteve presente na morte daquele menino, a razão de sua fuga com quinze anos e o motivo pelo qual retornou anos depois. Também lhe indicou que tanto Charles como sua mãe tinham descoberto o lar que tinha construído para seus irmãos e que, depois de não conseguir o primeiro plano que era envenenar sua esposa, Charles decidiu tomar a justiça em sua mão.
? Por isso quero que os reconheça ? disse após sua longa exposição. ? Embora Evelyn conseguisse curar-se por completo, jamais poderá ter meu filho. A ferida em seu ventre tornou impossível que possa ficar grávida.
? Não vou reconhecer a nenhum desses malditos bastardos! ? Clamou o pai com a pouca força que ficava. ? São filhos de satanás, não meus!
? Faremos um trato ? resmungou apertando os dentes. Caminhou para a cabeceira da cama e aproximou seu rosto ao do pai. ? Reconheça ao menos a dois deles, um menino e uma menina, para que algum dos dois possa continuar com este maldito título.
? E se não o fizer? ? O ancião arqueou a sobrancelha direita e olhou seu primogênito de maneira desafiante.
? Se não o fizer ? continuou relaxando a mandíbula e mostrando um rosto de satisfação ? terá o prazer de ver como sua querida esposa é encarcerada e sentenciada à morte por todos os assassinatos que cometeu.
? Ela... ela... o fez porque me ama... ? balbuciou.
? Chama isso de amor? ? Virou-se sobre seus calcanhares para não o olhar, mas aquela reflexão tão absurda sobre no que consistia o amor em um matrimônio o fez voltar-se para seu pai. ? Isso é maldade, pai!
? Está bem, ? disse o marquês depois de um tempo emudecido ? reconhecerei a dois, mas em troca deve me dar sua palavra de que sua mãe jamais será julgada pelos atos de amor que cometeu e que, depois da minha morte continuará vivendo aqui sem carências econômicas.
? É óbvio ? afirmou satisfeito. ? Esta mesma tarde terá a visita do senhor Lawford, é um dos adminis...
? Já sei quem é esse malnascido! ? Exclamou o marquês mais zangado, se pudesse.
? Pois como vejo que já o conhece, aconselho-o que não pretenda realizar nenhum estratagema, advirto-lhe que o senhor Lawford é muito bom em seu ofício. E agora, se me desculpar, tenho muito trabalho a fazer. ? Dirigiu-se para a porta, bateu as botas, inclinou levemente a cabeça para diante e partiu.
Quando fechou, inclusive antes de poder encaixar os parafusos, sua mãe apareceu no corredor. Permanecia imóvel, olhando-o de maneira altiva. Roger passou por seu lado como se não estivesse, mas antes de descer as escadas e sair da casa que odiava, virou-se para ela para lhe dizer:
? Como se sente ao ver que depois de ter as mãos manchadas de sangue inocente não conseguiu seu propósito? ? Não lhe respondeu, nem se dignou a dar a volta e lhe responder. Ao compreender que não tinha a intenção de defender-se, porque não se arrependia de suas maldades, continuou seu caminho para a saída.
? Não acredito que seja o homem mais indicado para pôr em dúvida meu trabalho. ? Lawford levantou os óculos com o dedo e olhou ao futuro marquês fixamente. ? Recorde que foi impossível desfazer o compromisso.
? Tem razão, desculpe se o ofendi ? respondeu com um meio sorriso. Com as mãos nas costas, caminhou para a mesa em que o administrador mostrava um sem-fim de pastas.
? Falando de matrimônio... ? disse de maneira reflexiva Arthur. ? Como se encontra hoje a futura marquesa? ? Agrupou os papéis que seu cliente tinha vindo procurar e os golpeou brandamente sobre a mesa.
? As febres cessaram, mas o doutor diz que tenhamos paciência. A ferida embora grave, não roçou nenhum órgão vital salvo seu útero ? comentou com tristeza.
? Bom, não acredito que lhe faça falta não ter descendência. O senhor Logan continuará com o título de marquês e têm a tutela da pequena Natalie. Acredito que ambos atuarão como os filhos que já não terão.
? Não tinha nenhum desejo em ser pai, nem agora nem antes. O único que quero é que Evelyn desperte e volte a ser a mulher que era ? expôs Roger após respirar fundo.
? Não perca a esperança, senhor. Sua esposa é a mulher mais forte que vi em anos. Ainda lembro como entrou neste escritório e também... como saiu. ? Sorriu.
? Jamais a perderei... ? Roger também sorriu. Estendeu a mão e pegou os documentos que necessitava para que seus dois irmãos pudessem fazer oficial seu sobrenome. Teria gostado de ver a expressão de Evelyn ao informa-la de sua proeza, do bate-papo que tinha mantido com seu pai e os rostos de surpresa que mostraram Logan e Natalie ao lhes indicar que, legalmente, já eram Bennett. Embora tivesse que esperar um pouco mais para isso. ? Anderson lhe fará chegar seis garrafas mais ao longo desta semana ? informou antes de sair do escritório. ? É, além do pagamento ao seu trabalho, uma maneira de lhe agradecer o que tem feito por nós.
? OH, obrigado, sua Excelência! Muito obrigado! Não tinha que haver-se incomodado... ? Arthur se levantou do assento, dirigiu-se para Roger e lhe estendeu a mão.
? Graças a você, senhor Lawford, face à questionável forma que achou para que minha esposa e eu nos conhecêssemos, sempre lhe estarei agradecido por não haver se negado à proposta de Colin.
Arthur assentiu e se encheu de orgulho ante as palavras que escutou do futuro marquês. Quando se fechou a porta voltou para seu assento. «Eu só lhe aproximarei esse colar ? recordou as palavras do jovem Pearson. ? Ele sozinho deixará que Evelyn prenda-o». O moço tinha razão. Bennett tinha se apaixonado por sua mulher até tal ponto que deixou que lhe fechasse aquela cadeia. Entretanto, o que ocorreria se ela não se recuperasse? «Senhor, escuta minhas preces. Sei que faz muito tempo que não vou à igreja nem cumpro todos os seus mandamentos, mas não te peço por mim, mas sim por eles. Faça com que a senhora Bennett sare rapidamente». Sentou-se na cadeira, tirou a garrafa de brandy, serviu-se uma taça e após brindar pela mulher, o bebeu de um gole.
Enquanto caminhava para o exterior Roger olhou os papéis e os leu com interesse. Teria gostado que seu pai reconhecesse a todos, mas se contentava com o pouco que conseguira. Ao abrir a porta e perceber que a chuva não tinha cessado, ocultou os documentos sob a jaqueta. Correu para a carruagem e, sem esperar que Anderson lhe facilitasse a entrada ao interior, saltou com rapidez.
? Roger, ? começou a dizer o índio ao vê-lo entrar ? este é o senhor Pemberton.
? Encantado de o conhecer ? respondeu esticando sua mão para o homem. ? informou-lhe meu amigo sobre a razão pela qual o chamei?
? Sim, milorde. Este cavalheiro foi muito explícito.
? O que tem a dizer a respeito? ? Interessou-se Roger. Não afastava o olhar daquele homem. Pareceu-lhe estranho que Eleonora decidisse seduzir a um ser tão insólito. Mal tinha cabelo em sua cabeça, sua barba mostrava várias cores e seu bigode se estirava para ambos os lados de seu rosto em uma trabalhosa linha reta.
? Fui vê-la mais de uma centena de vezes desde que soube de seu estado, mas nunca quis me receber. Sempre me jogou na rua como se nosso amor jamais tivesse existido ? comentou com pesar.
Roger tirou a cabeça pelo guichê, indicou ao chofer a direção e retornou ao seu assento.
? Está completamente seguro de que você é o pai dessa criatura? ? Insistiu. Não queria aparecer em frente a Eleonora e confrontar-se com ela lhe oferecendo um pai errôneo. Se ele não tinha sido seu único amante durante o tempo que a visitava, quem poderia corroborar que o senhor Pemberton não a compartilhou com outros cavalheiros?
? Sim, milorde. Se meus cálculos não me falharem, Eleonora ficou grávida em uma viagem que fizemos a Cheshunt.
? Cheshunt? ? Repetiu Roger atônito. A mulher era avessa a viajar mais de duas horas em carruagem. Segundo ela seu corpo se debilitava com o balanço continuado do carro.
? Sim ? afirmou o homem com um pequeno movimento de cabeça. ? Tive que me deslocar até ali porque minha mãe faleceu.
? O que conseguiu ela em troca? ? Sabia que não era próprio de um cavalheiro realizar esse tipo de perguntas, mas a curiosidade era tão imensa que não pôde conter-se.
? Como? ? Pemberton levantou as pestanas, levou as mãos para o bigode e retorceu cada ponta com as pontas de seus dedos.
? Imagino que o propósito de o acompanhar em uma viagem tão árdua seria algo mais suculento para ela que simplesmente dar o último adeus à sua mãe. ? Sorriu maliciosamente.
? Todas as joias que ela possuía as dei de presente com gosto, senhoria. Ela as rejeitou com firmeza, mas eu insisti em que as tivesse ? respondeu ofendido.
? É claro, não duvido de sua palavra... ? Roger se reclinou no assento e olhou John. Este mostrava um sorriso tão grande que podia ver o branco de seus dentes. Mas ele não sorriu. No fundo sentia lástima pelo pobre infeliz.
? Entrarei primeiro ? disse Bennett quando a carruagem parou e abriu a porta para sair. ? Você deveria esperar na entrada oculto atrás de mim até que nos permitam acessar ao interior. Não me cabe a menor dúvida de que se a criada o descobrir não abrirá a porta e informará Eleonora de sua presença.
? Farei o que me ordena. Com tal só de poder falar com ela, de lhe suplicar que me deixe ver meu filho, atirar-me-ei ao chão se precisar ? indicou o homem colocando-se sob o pequeno teto da porta.
Roger o olhou sem pestanejar. Aquele homem era capaz de ajoelhar-se ante a mulher e lhe rogar que não o abandonasse enquanto se aferrava aos tornozelos desta. Era, sem dúvida, o melhor marido que Eleonora poderia encontrar: submisso, acessível, carente de personalidade e com os bolsos repletos. Não entendia como tendo uma oportunidade de ser feliz junto àquele desventurado, esforçava-se tanto em conseguir o que não estava ao seu alcance.
Depois de comprovar que Pemberton se ocultou, bateu na porta e esperou com aparente paciência que fosse recebido.
? Sua Excelência?! ? Exclamou a donzela com entusiasmo e assombro.
? A senhora está? ? Perguntou dando um passo para o interior da casa e obrigando a criada a lhe permitir o acesso.
? Está no pequeno salão, milorde. Quer que o anuncie? ? De repente seu olhar se cravou na pessoa que estava atrás de Roger. A mulher não pôde evitar levar as mãos à boca para fazer calar um grito. Tentou fechar a porta, deixar ao senhor Pemberton na rua, mas Bennett colheu com força a grossa porta de madeira e impediu tal propósito.
? Fique aqui, eu lhe farei um sinal quando for o momento apropriado ? ordenou Roger caminhado para o salãozinho.
? Meu senhor... milorde... rogo ? sussurrava a criada sem poder se mover da entrada. ? Ela... ela...
Mas Bennett não escutou a súplica. Estava decidido a terminar o rumor que Eleonora tinha estendido por Londres. Todos aqueles que o olhavam o comparavam com seu pai e isso não ia tolerar. Quando Evelyn despertasse, quando enfim abrisse seus olhos, não desejava que se entristecesse ao escutar falsos testemunhos sobre seu marido. Tinha-lhe sido fiel desde que se casaram. Por isso retornou a Londres após sua longa viagem. Se tivesse entrado naquela casa, se na noite de bodas se entregasse ao falso amor de Eleonora, jamais teria conhecido sua esposa nem teria conseguido descobrir o que era amar uma mulher.
Quando abriu a porta do salão encontrou Eleonora de pé com seu menino nos braços. Embalava-o e cantava uma melodiosa canção ao mesmo tempo que o balançava com ternura. Ao escutar que alguém permanecia na entrada, dirigiu seus olhos para ele e sorriu.
? Alegro-me de que enfim tenha decidido conhecer seu filho ? disse com um sorriso triunfal.
? Bom dia, Eleonora. Não volte a dizer que esse filho é meu, porque sabe que não é certo ? declarou com solenidade.
? Claro que é! ? Insistiu a mulher aproximando-se de Roger.
? Sempre soube que era uma harpia, mas jamais imaginei que sua maldade te levasse até tal ponto. É injusto o que tem feito, é injusto que tenha deixado crescer em suas vísceras uma criatura que sofrerá suas maldades. Embora desta vez não obtivesse seu propósito. Descobri quem é o verdadeiro pai desse menino ? apontou sem mover-se de onde permanecia.
? Você! ? Clamou de novo. ? O pai deste menino é...! ? Ficou sem palavras quando percebeu que Bennett levantava uma mão e aparecia atrás dele outro homem.
? Olá, Eleonora ? disse Pemberton ao acessar ao interior do salão.
? O que faz aqui? ? Gritou a mulher segurando a criatura com mais força sobre seu corpo. Seus olhos se dirigiram para Roger, que sorria de forma triunfal, e logo se cravaram no outro homem.
? Vim conhecer meu filho ? respondeu com firmeza.
? Seu filho? ? Repreendeu a mulher dando uns passos para trás. ? Este não é seu filho!
? Sim, sei que é. Não o negue, meu amor. Não pode se opor a que seu verdadeiro pai vele por ele ? assinalou Pemberton com tristeza.
? Não, você não! ? Exclamou entre lágrimas. ? Fora daqui! Não quero ver-te em minha casa!
? Casar-me-ei contigo, converter-te-ei na senhora Pemberton e daremos ao nosso filho o que lhe pertence. ? Caminhou para ela e se ajoelhou. ? Prometo que nada lhes faltará. Terão tudo o que necessitem. Eleonora, eu te amo, amo-te. Não me afaste, suplico-lhe ? rogou isso entre soluços.
Roger não aguentava mais a cena que contemplavam seus olhos, deu meia volta e saiu dali com passo ligeiro. Quando retornou à carruagem continuou observando o sorriso de John e a cara de satisfação de Anderson. Teriam pensado alguma vez que o filho era dele? É claro que sim. Ambos o conheciam e sabiam como tinha sido antes de conhecer Evelyn, mas desde que a viu, desde que a beijou pela primeira vez, converteu-se em um homem diferente.
Durante o regresso a casa os três falaram de como se desenvolviam as obras da nova residência. Bennett tinha decidido construi-la com mais quartos e mais salões. Não queria que neste novo lar mães e filhos tivessem que descansar nos mesmos quartos. John voltou a indicar, que finalizado o trabalho, ele e Sophie se instalariam na residência para custodiar os meninos. Roger sorria cada vez que falavam sobre esse tema. Estava seguro de que seu amigo tinha meditado muito a respeito da relação que tinham e que, por fim, dava o passo que todos esperavam.
O trajeto até Lonely se fez curto entre as risadas e as brincadeiras com seu amigo pela decisão tomada. Depois de descer, Bennett se dispôs a subir com rapidez as escadas e caminhar para o quarto, para certificar-se de que Evelyn continuava igual, mas sentiu que alguém lhe agarrava a mão e impedia seu propósito.
? Temos que finalizar aquilo que começou ? disse John a seu amigo.
Ele assentiu, retornou à carruagem, levantou o assento e pegou o pequeno crânio. As mãos lhe tremeram ao ter os ossos sobre suas palmas. Voltou a ver o menino dentro daquele cômodo escuro, amarrado, e escutou com claridade os gritos de socorro. Esteve a ponto de ajoelhar-se, de chorar pelo desespero de não ter sido capaz de o liberar daquele final, mas a mão cálida de John o reconfortou.
? Sua alma deve descansar em paz ? sussurrou.
? Sei. Mas depois de tanto tempo, depois de tudo o que aconteceu, não me vejo capaz de me desprender dele. Acredito que se o deixo ir, se me desprender do que significam estes ossos para mim, esquecerei o que me impulsionou a lutar contra minha família.
? Não poderá esquecê-lo, Roger. Tem ao seu lado muitas pessoas que conseguirão a lhe dar a força que necessita para seguir lutando.
Depois de uns momentos, nos quais Bennett meditou sobre a veracidade das palavras de seu amigo, ambos caminharam para a cancela metálica que dava passo à propriedade. John tinha preparado um lugar onde cuidaria das almas que viveriam naquele lugar.
Roger se ajoelhou em frente ao buraco e colocou o pequeno crânio.
? Sobe com sua esposa ? indicou John ao ver seu amigo imóvel e incapaz de enterrar o crânio. ? Acredito que o necessitará mais que ele.
Sem mediar palavra Roger se dirigiu ao seu lar, subiu as escadas sem poder sequer falar com as pessoas que o saudavam. Desejava meter-se no quarto, cair ao lado de Evelyn e não sair de seu lado até que decidisse despertar daquele amargo sonho que durava já três semanas.
Ao abrir a porta sorriu. Era de esperar que a pequena Natalie ocupasse seu lugar enquanto ele permanecia ausente. Não a deixavam sozinha, não desejavam, nenhum dos que habitavam sob o teto de Lonely, que ela abrisse seus olhos e se encontrasse sozinha. Entretanto, embora o comportamento da menina fosse louvável, devia brigar com ela. Perdeu um dia de aulas e a senhora Simon recriminaria que a tratasse diferente dos outros.
? Acaso as aulas de hoje não eram de seu agrado? ? Disse-lhe enquanto caminhava para a poltrona, tirava os documentos para apoiá-los sobre este e se despojava da jaqueta molhada.
? Hoje não posso deixá-la só ? comentou a menina com uma felicidade tão estranha que Roger ficou imobilizado ao escutá-la.
? Por que... hoje não pode deixá-la? ? Repetiu enquanto seu coração se agitava, seu pulso se acelerava e se aproximava da cama com medo.
? Porque despertou.
Roger deu dois largos passos para elas. Seu coração não pulsava, galopava em seu interior, mas ficou parado ao descobrir que Evelyn estava acordada. Por fim abria seus olhos! Ajoelhou-se junto à cama, pegou a mão que ela estendia para ele e a beijou enquanto chorava.
? Meu amor, minha vida. Por fim despertou. ? Continuou soluçando sem poder separar a mão de sua boca. ? Amo-te, Evelyn. Amo-te tanto que não teria podido viver sem ti.
? Nem eu sem ti... ? murmurou Evelyn antes de ver como seu marido se levantava e beijava seus lábios sem lhe importar que Natalie estivesse presente e se tampasse os olhos para não ver como se beijavam.
Epílogo
Três meses depois
Com muita ternura, Roger acariciou o rosto de Evelyn com seus dedos. Foi afastando as mechas de cabelo até poder observar com claridade suas feições ao dormir. Era a primeira vez que discutiam daquela forma. A primeira que tinha saído do dormitório e tinha descido até o salão para beber até cair morto.
Evelyn reprovou sua atuação, recriminou-lhe que se comportasse como um monstro, mas não pôde evitá-lo. Quem poderia conter-se ao ver que sua esposa era agarrada com força por um ser desprezível? Embora insistisse que a situação estava controlada, ele não o percebeu assim. O famoso Scott, aquele homem que destroçou a juventude de sua mulher apareceu na festa que Caroline ofereceu em Hamilton. Ia pelo braço de sua esposa, com quem se casou depois de abandonar Evelyn.
Mordeu os lábios quando Federith revelou seu nome. Tentou tranquilizar-se, embora quando observou que ia atrás de sua mulher, todo o controle se esfumou. Esperou paciente no balcão, espreitou o movimento daquele personagem enquanto se aproximava de sua esposa e escutou com atenção a conversação entre ambos. Ele não cessava de lhe dizer que sentia saudades, que se arrependia do que teve que fazer no passado e que, se ela quisesse, voltariam a ficar juntos. Como era de supor, o que lhe propunha era que se convertessem em amantes. Até aí, pôde suportá-lo. Mas quando Evelyn lhe disse que estava apaixonada por seu marido e que não desejava saber nada dele, este não se conformou, agarrou-a pelo braço e evitou que ela se afastasse de seu lado.
? Algum problema? ? Perguntou saindo de seu esconderijo.
? Roger! ? Exclamou Evelyn com surpresa.
? Repeti-lo-ei uma vez mais, algum problema? ? Seu aborrecimento era tal que mal podia manter um fio de prudência. Apertou os punhos e sua mandíbula esteve a ponto de deslocar.
? Não, ? respondeu ela ? nenhum problema. Agora mesmo me dispunha a retornar com Beatrice.
? Faça isso, eu irei depois ? disse sem afastar o olhar daquele que tinha ousado tocar sua esposa.
? Roger, por favor... ? suplicou-lhe.
? Vai, Evelyn, ? intercedeu Scott ? não acredito que seu marido se atreva a...
Não pôde terminar a frase. As mãos de Roger se aferraram ao seu pescoço e o levantou dois palmos do chão.
? A que não me atreverei? ? Grunhiu.
? Solte-me! ? Gritou o homem movendo seus pés.
De repente, como se percebessem que algo errado acontecia, William e Federith apareceram na entrada. Estes caminharam para Roger ao presenciar a cena.
? Roger... ? falou William. ? O que acontece?
? Este descarado ousou tocar a minha esposa ? bramou.
William olhou a assustada Evelyn e esperou que ela confirmasse as palavras de seu amigo, mas estava tão nervosa que não foi capaz de lhe responder.
? Evelyn, entra. Nós resolveremos esta situação ? indicou Federith com sua típica voz tranquilizadora.
? Por que a tocou? ? Inquiriu o duque sem fazer com que seu amigo desistisse em seu empenho por asfixiá-lo.
? Acredita-se com o direito de fazê-lo, ? respondeu Roger apertando com mais força suas mãos ? porque como bem sabem foi pretendente da minha esposa.
? Pensa uma coisa, ? voltou a falar William ? sua mulher está assustada e graças a Deus podem viver uma vida tranquila. Crê que vale a pena destroçar essa felicidade por um miserável como este?
? O que você fez, William? ? Grunhiu de novo Bennett.
? O correto. Por isso quero que você faça o mesmo.
Depois de suas palavras Roger afrouxou a amarração e deixou livre ao homem. Este depois de tossir e amaldiçoar correu para o interior do salão.
? Sua esposa sabia que Wyman foi o pretendente da Evelyn ? soltou William. Não era uma pergunta, mas sim uma afirmação.
? Minha esposa é um ser desprezível e lhes peço mil desculpas por seu inapropriado comportamento ? comentou Federith aflito.
? Como compreenderá, enquanto esteja com ela, minha visita ao seu lar está anulada ? resmungou Roger ao mesmo tempo em que dava a volta e caminhava para a entrada.
? Roger, por favor... ? disse Federith ao ver como seu amigo se afastava dele.
? Não é o momento. Deixa que lhe passe a ira. Sabe que não pensa com claridade quando está irritado ? apontou William.
? Esta mulher... ? comentou Cooper movendo a cabeça de um lado para o outro.
? Se estivesse em seu lugar a observaria com mais atenção ? disse o duque ao mesmo tempo que jogava seu braço sobre o ombro de seu amigo. ? Olha além do permitido ao senhor Graves.
? Olha com atenção a todo homem que não seja eu... ? respondeu triste.
Ainda seguia com os olhos fechados. Parecia que não desejava despertar, ou talvez não quisesse vê-lo ao seu lado. Roger se moveu da cama e tentou deixá-la sozinha, mas nesse momento notou a mão de sua esposa nas costas.
? Perdoe-me ? murmurou com a cabeça abaixada. ? Sinto o ocorrido. Não quis te envergonhar nem te humilhar diante de todo mundo.
? Não deveria se comportar daquela maneira embora se for sincera, alegro-me de que ocorresse ? respondeu sentando-se na cama para abraçá-lo. ? Sabia que cedo ou tarde nossas vidas se cruzariam e o meu único temor era descobrir como o confrontaria. Não quero que nada nem ninguém nos separe.
? Como pode imaginar uma coisa assim? ? Perguntou enquanto se virava e tombava a sua esposa de novo. ? Se por acaso não se deu conta, é minha, só minha.
? Isso... hummmm... soou muito primitivo... ? sussurrou. Levantou os braços e os enredou no pescoço de seu marido. Desejava que todo o acontecido na noite anterior desaparecesse o antes possível e a melhor forma de consegui-lo era deixar-se levar pelas carícias e os beijos de Roger.
? Quer-me, senhora Bennett? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Muitíssimo, senhor Bennett.
Quando os lábios do homem pousaram nos de sua mulher bateram na porta.
? Vou ter que lhes deixar claro que... ? balbuciou o futuro marquês.
? Milorde! Sua Excelência! ? Gritou Anderson através da porta.
? Entra ? respondeu depois de levantar-se e certificar-se de que Evelyn cobria seu corpo com o lençol. ? O que acontece?
? Desculpe a interrupção, mas o duque de Rutland o espera no hall. Ordenou que se apresente o antes possível ? expôs o criado sem mal respirar.
Estranhando a visita, Roger saiu do quarto, desceu as escadas de três em três e quando apreciou o rosto alterado de William esteve a ponto de sentar-se no chão.
? Vista-se! ? Gritou-lhe Rutland. ? Temos que nos dirigir a Londres o antes possível.
? O que acontece? Acaso aquele descarado do Wyman...? ? Tentou perguntar ao mesmo tempo em que convertia suas mãos em dois duros punhos.
? Encontraram esta madrugada o corpo sem vida de Caroline e acusam Federith de sua morte.
Agradecimentos
Em primeiro lugar quero agradecer à minha família a infinita paciência que tiveram enquanto criei o futuro marquês. Foram muitas horas afastada deles e lhes negando minha ajuda. Espero que ao final tenham sua recompensa.
Em segundo lugar às minhas amigas. Obrigada pelo apoio que me ofereceram, por aguentar as intermináveis horas ao telefone e por me dar ânimos quando estive a ponto de atirar a toalha.
É óbvio a ti, Paola. Por seguir trabalhando ao meu lado e fazendo com que minhas novelas não deixem de brilhar.
Também tenho que agradecer à minha querida companheira e amiga Ahna Shtauros por sua ajuda quando necessitava de expressões em francês. Sinto se te avassalei de mensagens de wassap aquela manhã às cinco da madrugada quando estava adormecida.
E é óbvio a ti, leitor, que escolheu entre um milhão de histórias, a minha.
XXIV
Algo a impedia de levantar as pestanas. Dirigiu as mãos para o rosto e tocou um objeto suave. Afastou-o com rapidez e se incorporou sobre a cama. Quem lhe tinha abafado os olhos e por qual motivo? Quando pôde observar com claridade ao seu redor, levou-se uma mão à boca e evitou dar um grito. Roger estava ao seu lado, ajoelhado sobre o chão e apoiando meio corpo na cama. Estendia os braços para ela como se quisesse alcançá-la, seu cabelo revolto deixava apreciar a metade do rosto viril.
Evelyn cravou as pupilas naquela boca deliciosa que se escondia sob uma espessa barba loira. De repente, um estranho ardor sacudiu seu corpo, fazendo com que um inaceitável frenesi se apropriasse dela. Era um homem tão sedutor, tão encantador que até adormecido provocava o desejo de tocá-lo, de acariciá-lo.
Compreendia por que sua fama de galã se estendeu por Londres como a pólvora e por que as mulheres emitiam sorrisos nervosos quando ele estava presente: que mulher não sonha ter ao seu lado um homem assim?
Desvanecendo de repente os sentimentos de prazer e luxúria que se apropriavam de sua mente, moveu-se devagar para não o despertar. Precisava afastar-se dele o antes possível, não lhe cabia dúvida de que teria chegado tarde e bêbado. Talvez, devido ao seu estado de embriaguez, adotou aquela postura ao não alcançar a poltrona onde devia descansar. Não foi até que tentou pousar os pés no chão que viu a cadeira junto à cama. Nela havia uma bacia repleta de água, a mesma com a qual se refrescou à noite anterior no banheiro. O que tinha ocorrido? Que fazia a bacia ali?
Conseguiu que sua mente rememorasse o transcorrido na noite anterior, Roger tinha partido e ela, enfim, pôde despir-se. Esforçou-se em aliviar a terrível dor que tinha aparecido em seu rosto, mas não o obteve e, derrotada, retornou à cama. Não pôde conciliar o sonho até bastante tempo depois, a imagem daquele pequeno crânio aparecia uma e outra vez em sua mente provocando que um sem fim de perguntas surgisse em sua cabeça sem cessar. Não encontrou nenhuma razão lógica que explicasse por que o dito objeto permanecia sob o assento e finalmente alcançou o sono, mas não descansou.
Um terrível pesadelo dominou seu repouso. Viu-se no prado caminhando para o sol e notando como a grande bola de fogo lhe queimava o rosto. Era incapaz de diminuir seu passo embora se visse envolta em chamas e gritou ao ver que seu vestido ardia e todo seu corpo também. Quando se rendeu ao fatídico final observou uma enorme figura aproximando-se e colocando-se em frente a ela. Sua grandiosa sombra fez com que deixasse de sentir calor e que o fogo desaparecesse de repente.
Evelyn voltou o olhar para Roger. Tanto em seu pesadelo como na vida real, ele a cuidava. Deixava a um lado o ser arrogante e egoísta que tanto se esforçava em mostrar e a protegia sem lhe importar o que ele mesmo padecesse. A mulher deixou de franzir o cenho e, com cuidado, rodeou a cama até colocar-se atrás das costas de seu marido. Daquela proximidade contemplou maravilhada como descansavam seus fortes braços que com facilidade poderiam ser como quatro dos seus, sua musculatura era tal que lhe resultava impossível compará-lo com outro homem. As pernas, aquelas longas extremidades das quais se queixava ao sentar-se na carruagem, esticavam-se sobre o chão adotando uma postura indesejável. Mas não foi a magnitude da figura masculina que lhe fez levar de novo as mãos à boca, mas sim umas pequenas cicatrizes que desfiguravam as atléticas costas. Quem o teria açoitado com tanta força para assinalar uma pele tão forte? Teriam-no feito prisioneiro em alguma de suas viagens no navio? O teriam assaltado os temidos piratas? Quis esticar a mão e as tocar com suavidade, mas não era apropriado fazê-lo enquanto ele descansava, se de verdade desejava tocá-lo, se de verdade queria que seus dedos roçassem a pele masculina, devia fazê-lo quando Roger permanecesse acordado, assim poderia retroceder ao mínimo gesto de amargura. Zangada pelos pensamentos pecaminosos que despertava seu marido nela, virou-se com sigilo e caminhou para o baú. Precisava arrumar-se antes de despertá-lo. Se for certo, se ele tinha passado a noite velando sua agonia, não teria repousado o suficiente e o trajeto para Londres seguia sendo longo.
? Encontra-se melhor? ? A voz áspera de seu marido a fez virar com brutalidade.
? Sim. Muito melhor. Por que o fez? ? Arqueou as sobrancelhas e esperou para escutar a resposta com interesse.
? Por que não o ia fazer? ? Ao incorporar-se franziu o cenho. Tinha permanecido tantas horas na mesma posição que, ao levantar-se, sentiu dores nas pernas. ? Expôs-se durante muito tempo ao sol e sofreu umas leves queimaduras ? esclareceu com certo desinteresse. Não queria que desse importância a um fato tão banal. ? Se não as tivesse tratado hoje não poderíamos empreender a marcha.
? Entendo... ? disse com pesar.
Tinha encontrado a razão de seu cuidado. Não foi o que esperava, mas era o mais lógico. Se ela adoecesse teriam que permanecer na estalagem mais tempo do que pretendia e isso atrasaria a chegada a Londres. Evelyn olhou para o chão, evitando que Roger descobrisse as pequenas lágrimas que começavam a brotar em seus olhos.
Doía-lhe descobrir que seguia sem despertar certo interesse sentimental em seu marido. Aquela apatia os separava e a distanciava de averiguar a verdadeira personalidade de seu marido. Se continuasse dessa forma, seu plano não seria infalível.
? Não sei como agradecer tudo o que está fazendo por mim ? falou sem ser capaz de evitar certa aflição em suas palavras. ? Mal levamos dois dias de viagem e me salvou de ser atacada por uma serpente e te fiz passar a noite em claro para acalmar um estrago que eu mesma realizei por imprudência. O mais sensato seria que me deixasse aqui para que Wanda me recolhesse.
? Não vou abandonar-te! Permanecerá ao meu lado em todo momento, entendido? ? Disse zangado.
? Não se dá conta de que só atrapalho sua vida? ? Levantou o rosto e deixou que suas lágrimas fossem percebidas pelo homem.
? Bobagens... ? grunhiu aproximando-se dela. ? Qualquer um pode ser assaltado por um perigoso animal se caminhar pelo campo e, quem não está acostumado aos raios solares padecem este tipo de reações ? respondeu com tom suave. Esticou a mão para o rosto e o acariciou com muita suavidade. Enquanto lhe afastava as lágrimas com os polegares, observou como Evelyn fechava os olhos ao tocá-la e apertava seus deliciosos lábios. Esteve a ponto de beijá-la, de degustar de novo seu sabor, mas se conteve. Não desejava aproveitar-se dela em um momento de debilidade. ? Por sorte, não ficarão sequelas. ? Virou-se para a direita e deu uns passos para diante deixando-a as suas costas.
? Roger? ? Chamou sua atenção.
? O que? ? Perguntou elevando a cabeça para o teto esperando qualquer recriminação por havê-la tocado sem ela pedir-lhe.
? Obrigada... ? Não era essa a palavra que desejava dizer.
Ao sentir suas mãos sobre ela e notar como se acelerava seu pulso ao ser acariciada e como sua boca ficava fria sem os lábios de seu marido, avivou uma inesperada vontade de tê-lo ao seu lado sem roupas que impedissem o atrito entre seus corpos.
? Não tem por que me agradecer. Fiz o que devia e continuarei fazendo-o pelo resto da minha vida. E agora, se me desculpa, tenho que me assear. Imagino que Anderson já tenha preparado a carruagem para empreendermos a viagem.
? Roger! ? repetiu com ênfase. Ficaria ali parada? Esperaria que aquele desejo e aquela necessidade por tê-lo ao seu lado desaparecessem com o tempo? De verdade tinha tanta vontade de entregar-se a ele após descobrir que nunca se afastaria de seu lado e que cuidaria dela pelo resto de sua vida? Era suficiente escutar tal coisa para oferecer-se sem restrições?
? O que? ? Perguntou esperando conhecer a razão pela qual não o deixava assear-se com tranquilidade.
Evelyn não pensou. Correu para ele e saltou sobre o corpo seminu de seu marido. Os pequenos braços se entrelaçaram no pescoço e sua boca tocou a de Roger. Este, assombrado pela reação da mulher, ficou pétreo.
? Um simples obrigado teria sido suficiente ? comentou com apenas um fio de voz quando ela liberou sua boca.
Não esperava essa atuação de Evelyn nem tampouco aquele suave beijo. Se assim agradecia seu dever por cuidá-la, fá-lo-ia com mais gozo do que pudesse imaginar. Entretanto, por mais que lhe agradasse a recompensa, não queria que ela se entregasse a ele por esse motivo. Desejava, e cada vez mais, que entre ambos surgisse algo especial. Possivelmente um pouco parecido ao que tinham William e Beatrice, embora supusesse que jamais alcançariam aquele nível de amor.
? Sei ? disse cravando seus esverdeados olhos nos de Bennett.
? Então? ? Continuou colocando suas grandes mãos sob as redondas e gostosas nádegas. Os mamilos de Evelyn roçavam seu torso e estava ficando louco ao tentar manter relaxada certa parte de seu corpo que atuava por sua conta. ? Então? ? Insistiu arqueando as sobrancelhas.
? Quero me oferecer a ti... ? murmurou abaixando a cabeça para que não pudesse ver o rubor que lhe provocava sua ousadia.
? Assim, sem mais? Quer que te faça amor como prêmio por te haver salvado de uma serpente ou por ter acalmado umas pequenas bolhas? ? Foi abrindo suas mãos para que Evelyn se deslizasse até o chão. Quando ela apoiou os pés no piso, olhou-a com os olhos entreabertos. ? Disse-te que com um simples obrigado era o bastante. Não desejo te submeter, nem te obrigar a nada por algo que é meu dever de marido.
Evelyn ficou paralisada. Por mais que tentasse levantar o rosto e olhá-lo desafiante, não conseguia. Seu embaraço, sua vergonha era tal que não podia nem pensar. Com um esforço sobrenatural deu uns passos para trás dando a possibilidade a Roger para que fechasse a porta e a deixasse sozinha naquele quarto que, naquele momento, pareceu-lhe enorme. Entretanto, ele não se moveu. Seus pés, aqueles que só conseguia ver, seguiam pegos ao chão.
? Evelyn? ? Agora era ele quem chamava sua atenção. ? Olhe-me! Levanta de uma vez esse rosto e me olhe! ? Gritou com aparente mau humor.
Assim o fez. Contra sua vontade levantou o queixo e o olhou. As lágrimas percorriam seu rosto sem poder evitá-lo, suas mãos se apertavam com força formando dois pequenos punhos. Humilhou-se de novo. Degradou-se outra vez ante um homem e este não tinha consideração ante seu ato. Zangada pelo acontecido, elevou os punhos, caminhou para ele e começou a lhe golpear no peito com ímpeto.
? Odeio-te! Maldito seja! Odeio-te! ? Gritou entre soluços.
? Então... por que quer se entregar? Por que quer que te toque, que te beije, que te possua? ? Insistiu sem impedir que o continuasse golpeando.
Como podia falar? Como podia explicar o que sua mente lhe propunha se sua garganta estava pressionada pelo desejo? Possivelmente o único motivo pelo qual conseguia soltar aquelas palavras não era outro que escutar, da boca de Evelyn, que o necessitava tanto como ele a ela.
? Não me toque! ? Clamou Evelyn ao sentir as mãos de Roger entrelaçando-se em sua cintura. ? Solte-me!
? Só quando me responder ? disse com firmeza. ? Só assim te deixarei livre.
? O que quer que te responda? ? Inquiriu rudemente.
? A verdade ? respondeu mais comedido.
? A verdade? ? Voltou a abaixar a cabeça, mas Bennett depois de afastar suas mãos da cintura, usou uma para colocá-la sob seu queixo e lhe içar o rosto.
? Sim ? afirmou com solenidade.
? A verdade, ? interrompeu-se ? é que ninguém se preocupou por mim durante todos estes anos. A verdade é que todo aquele que se aproximou foi para obter algo em troca. A verdade é que nunca tive a uma pessoa ao meu lado que apaziguasse minhas doenças, minhas inquietações ou me oferecesse seu amparo sem um motivo ou razão alguma ? soltou sem respirar.
? E aquele seu prometido? Aquele que te roubou aquilo que me pertence? ? Grunhiu mastigando cada palavra e mostrando a ira que lhe provocava conhecer certas coisas do passado de sua esposa que não imaginara.
? Esse menos que nenhum... ? murmurou ao mesmo tempo em que deixava cair seus braços para o chão.
Roger a observou tão abatida que desejou apertá-la ao seu corpo, para que não se afastasse dele, mas pensou melhor. Ela necessitava de seu próprio espaço, seu momento de liberdade, para poder falar com tranquilidade.
? Só me queria pelo dote que ofereciam meus pais... ? sussurrou enquanto caminhava para a cama e se sentava sobre esta ? mas ao não conseguir seu propósito me abandonou.
Podia arrancar os marcos da porta a dentadas? Porque isso é o que desejava fazer naquele momento. Precisava focalizar sua ira, sua raiva e desespero para algo. Entretanto, depois de respirar com profundidade e achar um pouco de sensatez, andou até ela, ajoelhou-se e colocou suas palmas sobre os joelhos da mulher.
? Disseram-me que tinha morrido... ? confessou-lhe. Sabia que lhe ia responder que continuava vivo, então sua mente não cessava de idear a maneira de buscá-lo e fazer realidade a mentira. Se já estava morto... quem condenaria o assassinato de um cadáver?
? Tinha dezesseis anos. Meus pais me apresentaram em sociedade com muita alegria e ilusão. Naquela época a família era bastante rica então meu pai ofereceu um bom dote para o homem que decidisse casar-se comigo. ? Fez uma leve pausa, suficiente para recuperar um pouco de quietude. ? Ele me cortejou e me seduziu. Terminei por me apaixonar e finalmente nos comprometemos. Pouco depois meu pai anunciou que as riquezas familiares tinham desaparecido por um mau investimento. Quando contei, quando lhe narrei a agonia que estávamos padecendo, acreditei que nos ajudaria, que lutaria contra a pessoa que enganou ao meu pai e que graças à sua valentia obteríamos o roubado. Mas não o fez. Decidiu partir. Abandonou-me sem sequer pensar no que eu tinha em meu interior...
? Estava... ficou...? ? Abriu tanto os olhos que pensou que estes fossem sair das órbitas.
? Sim. Embora pouco tempo depois de sua partida o perdi. Tropecei nas escadas ao sofrer um desmaio e quando despertei, o bebê tinha morrido ? soluçou dolorosamente.
? Sinto muito... ? falou com tristeza. Tirou as mãos dos joelhos e se levantou. A vontade de quebrar algo, de estrangular ao malnascido que lhe tinha feito mal, não diminuiu. Mas não era o momento de atuar com agressividade. Não desejava que Evelyn se assustasse ao pensar que a ira se devia à sua confissão e não ao feito de descobrir o triste passado que tinha vivido.
? Não tem por que sentir, Roger, mereço isso. Mereço tudo o que me aconteceu e o que acontecerá ? murmurou Evelyn dirigindo seus olhos para a figura alterada de seu marido.
Perambulava de um lado para outro. Levava as mãos para o cabelo e o afastava sem cessar. Sabia que após conhecer o que escondia, que ao revelar seu passado, desiludira-o. Quem poderia viver junto a uma mulher manchada? Agora era só esperar o que tanto tinha temido, que outra pessoa a abandonasse. Supôs que, embora lhe prometesse cuidá-la, sua declaração lhe daria a oportunidade de afastar-se de seu lado como fizeram os outros.
? Eu... eu... ? tentou dizer, mas lhe resultou impossível explicar o que pensava. Alguém batia na porta com insistência. Com grandes pernadas se dirigiu para esta, abriu-a e ladrou: ? Quem é?
? Sua Excelência ? respondeu Anderson abaixando com rapidez a cabeça ao escutar o tom enfurecido de seu senhor. ? Desculpe atrapalhar. Mas tenho que o informar que tudo está preparado para empreender a viagem.
? Que horas são? ? Perguntou em tom irado.
? Quase sete, senhoria.
? Está bem. ? Olhou de esguelha para Evelyn. Não se tinha movido de seu assento. Seguia com a cabeça abaixada e apertava suas mãos com força. O que devia fazer? Era a primeira vez em sua vida que não sabia como atuar com uma mulher. Se partirem, se se preparavam para partir depois de sua confissão, ela poderia pensar que lhe tinham feito mal suas palavras e que a repudiava por aquele passado que tanto lhe doía. Mas se fechasse a porta, se se dirigisse para ela e fizessem amor, acreditaria que só tentava aproveitar-se de sua fragilidade.
? Senhor... ? interrompeu de novo seus pensamentos o criado.
? Avisem-me quando forem dez da manhã. Não descansei o suficiente para aguentar estoicamente um trajeto tão longo.
? É claro. Voltarei a chamar nessa hora. ? Anderson fez uma leve reverência e se afastou.
Roger fechou a porta e se apoiou nela. Respirou com profundidade e contemplou o aflito corpo de sua esposa. Não sabia se o que lhe ditava o coração era correto ou não, mas se seu interior lhe gritava que o fizesse, fá-lo-ia.
XXV
Virou-se quando escutou fechar a porta. Surpreendida ao escutar que a saída se atrasava, observou sem pestanejar ao Roger, que apoiou as costas na porta de madeira cruzando os braços e cravando suas pupilas nela. Tragou saliva ao perceber como a escuridão aparecia no rosto masculino, apertava a mandíbula com tanto afã que podia escutar com facilidade o ranger de seus ossos. O peito, robusto pelo trabalho que teria realizado no navio, elevava-se e baixava com brio apesar de suportar o peso dos grandes e musculosos braços. Evelyn tremeu. Ali estava, um titã de cabelo loiro e pele escura atravessando-a com o olhar. Supôs que era lógico, todo mundo que escutava seu passado sentia ira ou lástima e, para ser sincera, ela preferia o ódio, posto que estava acostumada a defender-se melhor dos ataques verbais que das palavras repletas de misericórdia.
Quis romper o silêncio incômodo que se produziu entre ambos perguntando se queria que partisse, se desejava descansar tal como tinha indicado ao Anderson ou se desejava terminar a frase que tinha começado antes de serem interrompidos. Tinha empalidecido ao descobrir que tinha perdido ao bebê. Ao que parecia, os rumores não o informaram da parte mais odiosa da ruptura de seu compromisso: a perda de um diminuto ser. Tampouco lhe haveriam dito que ela não podia ter mais filhos. «Colin não o advertiria no contrato matrimonial», disse-se irônica. Desejou falar sobre algo que o despertasse do choque no qual se encontrava, mas não o conseguiu.
De repente Roger descruzou os braços e caminhou com solenidade para ela. Evelyn esticou as mãos pela camisola no primeiro passo. No segundo, seu coração deu um tombo ao apreciar que na realidade o rosto masculino não mostrava escuridão, mas sim lascívia. Não estava zangado, não desejava afastar-se de seu lado. O que pretendia era possui-la como um selvagem. «Grita, Evelyn, grita! Salve-se dele! Corre, foge!», escutava uma voz exaltada em sua cabeça. Mas a fez calar com rapidez.
Roger se aproximava como um predador se aproxima de sua presa, mas nesta ocasião, a presa desejava ser alcançada.
? Prometi que não te tocaria até que me pedisse ? disse isso com voz rouca. Seu terceiro passo o deixou a menos de quatro palmos dela.
? Sim ? respondeu-lhe sem diminuir aquela excitação que lhe augurava o que ia acontecer se fosse incapaz de negar-se.
? E até agora atuei tal como ditou ? continuou com o mesmo tom. Parou de andar até que se colocou em frente a ela. Percebeu que ela tremia ante sua proximidade. Estava seguro de que o calor que emanava de seu próprio corpo chocava com força no da mulher.
? Sim... ? conseguiu dizer mediante uma profunda inspiração.
? Evelyn... quero respeitar suas decisões. Não haverá nada no mundo que me impeça de fazê-lo. Por isso te pergunto, quer que eu te toque? Quer que te beije e te possua com o ardor que sinto desde que pus meus olhos em ti? ? Esticou as mãos para lhe acariciar os suaves e sedosos cabelos que caíam em forma de cascata por seus ombros.
? Roger... ? murmurou.
? Diga-me... ? respondeu depois de respirar profundamente.
? Sim.
? Sim o que, Evelyn?
? Sim, o desejo.
Bennett não se conteve mais. As mãos abandonaram o cabelo para agarrar com força a cintura da mulher. Atraiu-a para ele enquanto sua boca se chocava com a dela. Sua língua voltava a dominá-la, a conquistar seu interior. Observou satisfeito como Evelyn se deixava levar pelo desejo, fechando os olhos e dando pequenos e musicais gemidos de prazer ao tê-la em seus braços. Tudo aquilo que pensou, todas aquelas dúvidas que o impediam de avançar para fazê-la sua se desvaneceram ao sentir as mãos de sua mulher lhe acariciando as costas. Ardiam. Ambos desprendiam um fogo abrasador. Contra sua vontade, Roger foi enrugando entre suas mãos a camisola de Evelyn muito devagar. Apesar de querer arrancar-lha acreditou oportuno ser delicado com ela posto que imaginasse, por suas palavras, que jamais tinha sido amada tal como merecia. Precisava lhe indicar com cada carícia, com cada beijo, que era uma deusa para ele e assim a trataria. Quando o objeto se levantou até a pequena cintura, Bennett pousou suas grandes palmas sobre os glúteos nus. Acariciou-os, apertou-os, e inclusive cravou seus dedos neles para marcá-la, para lhe demonstrar que era dele e de ninguém mais. Mas aconteceu algo que o deixou atônito. Não esperava que Evelyn, depois de notar suas mãos nas nádegas, abrisse lentamente suas pernas o convidando a prosseguir. Dava-lhe acesso à sua sexualidade. Um grunhido de satisfação saiu de sua garganta. Essa amostra de aceitação o deixou tão louco que seu controle se desvaneceu. Com a mesma voracidade que um sedento bebe água no inóspito deserto, Roger terminou por a despojar da camisola. Evelyn, ao ver-se completamente nua, tentou cobrir-se com suas mãos, mas Roger as afastou com delicadeza enquanto se ajoelhava ante ela.
? Não me oculte sua beleza, minha pequena bruxa ? murmurou. Sua boca beijou o ventre no qual um dia houve uma vida dentro. ? Não quero que se esconda de mim.
Esperou que lhe respondesse, mas não o fez. Só colocou as mãos sobre seus ombros para não cair. Seus dedos retornaram às nádegas para acariciá-las com devoção. Voltou a observar como Evelyn separava lentamente suas pernas. As mãos caminharam devagar pelas coxas até alcançar os lábios inchados e úmidos. Depois de inspirar o aroma erótico de sua esposa, acariciou com ligeireza aquelas dobras molhada. Seus dedos lhe facilitaram o trajeto, separando com suavidade as delicadas protuberâncias sexuais.
? Nota minhas carícias? ? Exigiu saber com uma mescla de luxúria e sufoco.
? Sim... ? murmurou mal consciente disso.
? Quer que siga? Quer que continue, meu amor? ? Nem ele mesmo foi consciente de haver dito aquela palavra. Nunca a tinha posto em sua boca anteriormente, mas apesar de entrecerrar seus olhos ao escutar-se, não se arrependeu. Adorava-a, desejava-a, necessitava-a, e isso não era a base do amor?
? Sim, por favor ? rogou-lhe.
Seu corpo se sacudia com tanta força que se agarrou com ímpeto aos ombros de Roger. Mal podia levantar suas pálpebras e se envergonhava por ser incapaz de fechar a boca e não fazer parar aqueles diminutos gemidos provocados pelo prazer. Isso não era o normal, ou talvez sim. Não tinha com o que compará-lo salvo com Scott e, onde suas mãos tinham provocado frieza, as de seu marido a faziam arder.
? Deixe-me conhecer todo seu corpo... ? murmurou devagar enquanto o dedo do meio apalpava o interior de seus lábios procurando o pequeno botão do clímax. ? Deixe-me explorar cada pedaço da sua pele... deixe-me te demonstrar quanto te necessito...
? Faça-o... ? disse sem voz.
? Agarre-se com força aos meus ombros, meu amor. Vou fazer com que desfaleça de prazer ? advertiu antes de mover seu dedo com rapidez sobre o pequeno clitóris.
Gotas de suor começaram a banhar sua pele. Não imaginou que com um simples dedo pudesse enlouquecê-la até o ponto de flexionar seu corpo para diante e cair sobre Roger. Sua respiração era intermitente, mal conseguia duas inspirações seguidas sem gritar. As pernas perdiam sua força e podia notar como começavam a encurvar-se. Mas seu marido a elevou, colocou-a como ele queria que estivesse e então aconteceu algo que, se não tivesse estado na cama, teria caído desabada ao chão. Toda a agitação que sentia ali onde ele tinha o dedo, ali onde era açoitada sem fim, acalmou-se com a língua de Roger.
? Está bem? ? Bennett saltou sobre ela assombrado.
? O que... o que foi isso? ? Perguntou aturdida.
? Isso, meu amor... ? disse com um sorriso de orelha a orelha ? é algo delicioso. ? Dirigiu sua boca para a dela e a beijou com ardor. Sua língua se apoderou dela, possuiu-a e a desfrutou. Evelyn descobriu que o sabor de Roger se mesclava com outro um pouco ácido, frutado. Ruborizou-se ao saber de onde procedia, mas não se amedrontou, queria mais. Muito mais.
? Repita ? ordenou desenhando um sorriso malicioso em seu rosto.
? É uma ordem? ? Perguntou zombador.
? É outro mandato que acabo de acrescentar à lista. ? Seus olhos verdes brilhavam pelo desejo. Urgia-a senti-lo ali abaixo e o necessitava já.
? Pois como te disse, acatarei todas as suas normas, querida.
Começou a percorrer o corpo feminino com sua boca. Fez várias paradas antes de chegar ao lugar que tanto ansiava sua mulher. Primeiro beijou o pescoço e lambeu cada milímetro de sua pele até que alcançou o lóbulo onde deveria luzir uns brincos de diamantes. Acariciou-o devagar fazendo com que o pelo se arrepiasse ao úmido tato. Prosseguiu até seus seios. Aquelas pequenas montanhas com suas pontas escuras o deixaram louco. Absorveu, mordeu e apertou com seus dentes os elevados mamilos para escutar seus gritos. Adorou ouvi-la. Adorou observar como seus seios se moviam agitados pelo prazer. Continuou seu trajeto para baixo gerando um caminho brilhante depois do passo de sua língua. Era uma tortura ter demorado tanto até alcançar seu sexo, mas não tinham pressa, já não. As grandes mãos se colocaram sobre as coxas, separando-as com suavidade. Depois de apartá-las, Roger admirou o fogo que ela escondia entre estas. Aproximou seu nariz para voltar a encher seus pulmões do delicioso aroma de Evelyn. O fez várias vezes, possivelmente mais das que deveria. Nem tentou fechar seus olhos ao aproximar sua língua para os amaciados lábios. Precisava contemplar tudo. Por mísero que fosse o movimento de sua mulher ao roçá-la, desejava averiguá-lo.
Não podia parar os tremores. Suas pernas, arqueadas e abertas, sacudiam-se de um lado para outro. Em mais de uma ocasião pensou que golpearia a cabeça de Roger com os joelhos, mas não foi assim. Enquanto ele acariciava o sexo com seus lábios e com sua língua, agarrava com solidez as pernas para que deixassem de agitar-se. Era impossível permanecer quieta quando todo o corpo se sacudia devido às convulsões que se propagavam por cada milímetro da pele. Evelyn gritou ao notar a pressão dos dentes ali abaixo. Levou as mãos para a boca para não repetir o uivo, embora mal o silenciasse. Continuou gritando, chiando, uivando pelo prazer que seu marido lhe dava entre as pernas. Em mais de uma ocasião vislumbrou o firmamento repleto de estrelas brilhantes no teto de seu quarto. Não era possível. O que fazia seu marido não era real.
? Minha pequena bruxa... ? sussurrou Bennett elevando-se sobre ela. ? É puro fogo. Jamais necessitei tanto estar dentro de uma mulher. Deixa-me louco, Evelyn. Perturba-me, rouba-me a pouca racionalidade que tenho.
Ela esticou as mãos para lhe segurar o rosto e atrai-lo para sua boca. Desejava voltar a degustar daquela deliciosa mescla que ele guardava.
? Quero te possuir, quero te fazer minha ? murmurou. Ao ver como sua esposa assentia pousou os pés no chão, tirou a calça e as meias e retornou à cama. ? Não doerá, prometo-lhe isso.
Evelyn não estava tão segura disso. Se o corpo de Roger era imenso, seu sexo não era menor. Esticou as palmas da mão e, curiosa, começou a tocá-lo. Sua pele lhe pareceu sedosa, mas ao mesmo tempo forte e rígida. Abriu os olhos como pratos ao notar a umidade em suas mãos. A isso se referia quando lhe dizia que perdia o controle? Teria cuspido sua semente antes de introduzir-se em seu interior? Se fosse isso, se ele já tinha explodido, então compreenderia a razão pela qual Scott sofria aqueles percalços. Desejava-a tanto que não era capaz de controlar-se.
? Evelyn... ? chamou sua atenção. ? Eu jamais... em minha vida... ? Abaixou a cabeça e a beijou com desejo. Enquanto, com uma mão, foi endireitando seu membro até encontrar o lugar no qual devia entrar.
Não foi capaz de controlar-se. Queria fazê-lo lento, devagar, entretanto, não o conseguiu. Ao sentir a calidez dela, apertou seus glúteos, apoiou as palmas de suas mãos sobre o colchão e a invadiu com força.
? Sinto muito, sinto muito, mas não posso me controlar. Quero te fazer minha, quero te sentir, quero...
As mãos de Evelyn se colocaram nas costas masculina. Seus dedos se apertaram tanto nela que terminou lhe cravando as unhas. Cada penetração, cada embate, ela o sofria com enérgicos espasmos. Podia sentir o início do sexo de Roger lhe penetrando o interior, parecia que desejava alcançar o que ninguém podia conseguir. Tentou fechar os olhos. Precisava fechá-los para deixar-se levar. Embora não pôde fazê-lo, desejava apreciar como era o rosto de Roger, como mudava a cor de seus olhos quando o clímax o sucumbia.
? Evelyn! Evelyn! ? Gritou com tanto ímpeto seu nome que os tendões se marcaram na garganta.
Os tremores se fizeram mais intensos, rápidos e incontroláveis. O suor de ambos se mesclou. Uma estranha essência se estendeu ao redor deles. Em cada inspiração, cada vez que ela cheirava aquela mescla a especiarias, mais excitada se encontrava. Apertou com mais força suas unhas na pele de Roger, elevou o queixo e quando estava a ponto de gritar, a boca de seu marido a possuiu. Não deixou de beijá-la até que pararam de tremer, até que ambos os corações relaxaram seus batimentos, até que as respirações se compassaram.
? Sinto muito... ? Roger saltou da cama, dirigiu-se para a bacia e pegou o pano úmido. ? Sinto de verdade. ? Não deixava de desculpar-se enquanto a limpava. ? É a primeira vez que verto minha semente... é a primeira vez que não controlo...
Evelyn se incorporou na cama e segurou a mão de seu marido que limpava sua zona erógena. Não sabia o que pensar ao lhe escutar dizer que era a primeira vez que sua semente se introduzia em uma mulher. Possivelmente mentia, mas ao vê-lo tão inquieto, tão assombrado, a dúvida se dissipou. Entretanto não devia temer por uma possível gravidez. Não com ela.
? Roger não sofra ? disse desenhando um pequeno sorriso no rosto. ? Não acontecerá nada do que pensa.
Bennett deixou cair o objeto no chão. Seus olhos se abriram tudo o que puderam, seu coração deixou de pulsar, a expressão de agonia que mostrou seu rosto ao compreender que podia deixá-la grávida antes de averiguar se entre eles tinha crescido o amor se dissipou com brutalidade. Não podia ter filhos? Era impossível! Havia-lhe dito que esteve grávida. Só uma mulher que... o compreendeu com rapidez. Algo tinha acontecido naquele aborto que a deixou estéril. Ao ser consciente de que Evelyn lhe estendia a mão para que se colocasse ao seu lado, estendeu a sua e se tombou junto a ela. Abraçou-a com força contra seu corpo e lhe beijou o cabelo.
? Tenho frio. ? Não foi um mandato, mas sim uma mera informação.
Roger esticou o braço e pegou o lençol para cobri-la. Ela se aproximou ainda mais a ele convertendo-se de novo em uma só figura.
? Descansa um pouco ? sussurrou-lhe com ternura. ? Despertá-la-ei antes que batam à porta. ? A mulher assentiu com um suave movimento de cabeça.
Bennett, apesar de estar cansado, foi incapaz de fechar os olhos. Uma centena de pensamentos golpeava sua mente sem trégua. O que aconteceria agora? Seguiriam assim toda a viagem até chegar a Londres? Isso esperava porque tê-la daquela forma acalmava seus medos. Entretanto, o que ocorreria quando Evelyn descobrisse o passado de seu marido? «Será ela quem te abandone ? refletiu com tristeza. ? Quem pode viver junto a uma pessoa como eu?». Apesar do inevitável final, Roger priorizou um de seus objetivos: antes que ela se afastasse, antes que Evelyn decidisse separar-se dele, procuraria com afã ao suposto morto e faria realidade o rumor. Ele mesmo lhe arrebataria a vida com suas próprias mãos. Depois de beijar de novo o cabelo de sua esposa e intensificar seu abraço, olhou para a janela e suspirou.
Apesar de sua insistente negativa, Roger a ajudou a vestir-se e a penteá-la. Adiantando-se à chamada de Anderson, ambos estavam preparados para retomar a viagem. Quando escutaram uns pequenos golpezinhos na porta, olharam-se sorridentes. Evelyn acreditou que seu marido daria suas típicas pernadas para chegar à saída e responder ao criado, mas em vez disso abraçou-a e a beijou com paixão.
? Estou desejando que chegue de novo a noite. ? sussurrou-lhe ao ouvido. ? Vou contar as horas que faltam para tê-la outra vez nua em meus braços.
Ela se ruborizou ao escutar as insinuantes palavras e notou em seu baixo ventre um incrível palpitar. Desejava-o. Evelyn também desejava que chegasse aquele momento para voltar a sentir o prazer que lhe provocavam as carícias de seu marido. Antes de sair olhou-se no espelho e se surpreendeu ao ver um rosto repleto de felicidade. As olheiras lhe pareceram maravilhosas, o enredado cabelo recolhido em um torpe coque pareceu-lhe o penteado mais surrealista que tinha mostrado até o momento e seus lábios, avermelhados pelo roce da barba, exibiam-se mais volumosos que de costume. Era muito difícil ocultar o que tinha acontecido durante as horas anteriores naquele quarto. Embora começasse a descobrir, atônita, que não lhe importava o que pensavam outros.
? Adiante-se ? indicou Roger soltando sua cintura. ? Vou pagar ao hospedeiro e depois correrei até te alcançar.
Evelyn fez o que lhe propôs com carinho. Elevou seu queixo e caminhou para a carruagem sem olhar para trás. Ao sair da estalagem se assustou ao perceber como o sol voltava a tocar seu rosto e o machucava. Içou a mão direita, abaixou levemente a cabeça e caminhou depressa para o veículo, mas quando estava a ponto de chegar, no momento em que Anderson lhe abria a porta para lhe facilitar o acesso, notou uma pressão na mão esquerda tão intensa que se girou para esse lado.
? Senhora... ? uma mulher de pouco mais de cinquenta anos e vestida de rigoroso luto era quem a impedia de alcançar o carro. ? É seu marido o homem que ontem me pediu uma beberagem para acalmar suas queimaduras? ? Perguntou sem mal respirar.
? Bom dia ? respondeu com cortesia. ? Sim, pode ser que seja ele.
? Tome cuidado, milady, não é um homem bom. Leva em suas costas a marca da morte ? falou com pavor. Seu rosto, enrugado pelo passar dos anos, enfatizava suas palavras.
? Não o conhece! ? Exclamou zangada. Olhou para Anderson para lhe pedir auxílio e este, não muito cortês, afastou a anciã de seu lado.
? É você quem não sabe como é a pessoa que está ao seu lado! ? Clamou desesperada.
Evelyn subiu depressa, fechou a porta e olhou para o lado contrário. Não queria escutá-la nem olhá-la, mas era tanto o interesse que lhe provocava a estranha mulher que terminou por virar-se para ela. Quando a anciã apreciou que era observada, jogou uma olhada ao seu redor e percebendo que não seria retida de novo pelo lacaio, caminhou para a carruagem. Esteve a ponto de dizer algo, mas ao tocar o carro com suas mãos, os olhos desta se abriram tudo o que podiam alcançar, deu uns passos para trás e se benzeu.
? Não é o diabo... ? murmurou aterrada. ? É seu sangue que foi germinado por essa abominação...
? Acontece algo? ? Inquiriu Roger zangado ao ver as duas mulheres.
? Lute por se liberar do mal. Faça todo o possível para fazer desaparecer até a última gota de seu sangue. Só assim se liberará de seu destino ? comentou a anciã a Bennett antes de correr para a estalagem sussurrando palavras em um idioma que nenhum dos dois conseguiu decifrar.
? Quem era? ? Quis saber Evelyn quando seu marido se sentou ao seu lado e estendeu o braço para aproximá-la para ele.
? Só uma velha louca que me deu um remédio à base de ervas para acalmar suas queimaduras ? respondeu antes de lhe dar um beijo na cabeça. ? Incomodou-te? Tenho que descer e recriminar sua atitude com a minha esposa? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Não. Acredito que a pobre já tem o suficiente com a sua demência ? alegou antes de apertar a cintura de seu marido e pousar sua cabeça sobre o duro torso.
Mas as palavras da anciã não cessaram de repetir-se uma e outra vez em sua mente. Não entendia muito bem o que tentava expressar, entretanto, quando fechou os olhos para descansar antes de chegar ao próximo povoado e comprar aquele chapéu que, segundo Roger, necessitava, abriu-os de par em par ao recordar o que estava escondido sob o assento.
XXVI
Tal como augurou, o trajeto para Londres se fez comprido, mas graças ao comportamento de Roger o desfrutou mais do que esperava. É óbvio, cumpriu suas palavras sobre o que aconteceria na noite seguinte quando pernoitassem em outra estalagem, embora nessa ocasião enchesse a habitação de mantimentos para repor a energia que gastaram durante a noite. Os rubores em sua pele, pelas carícias e beijos, aumentaram até ter que comprar, em um dos povoados que visitaram, um remédio para acalmar sua delicada cútis. Entretanto, Evelyn não ocultava as marcas de seu prazer. Exibia-as com altivez. Quem não poderia proclamar que um matrimônio criado de um pacto inadequado começava a dirigir-se para o bom caminho? Nem ela mesma o teria acreditado. Recordou o momento no qual Roger apareceu em Seather com o papel que autorizava o contrato matrimonial, seu desmaio, a tosca cerimônia, seu abandono e, é óbvio, seu regresso. Não tinha transcorrido muito tempo desde que seu marido desembarcara, mas era o suficiente para confirmar que não desejava que partisse de novo. E agora menos que nunca. Estavam a ponto de chegar a Lonely Field, o lar de seu marido que também se converteria no seu. Ali, se Deus a ajudasse, encontraria as respostas que tanto açoitavam sua cabeça. Quem era na realidade Roger Bennett? Que passado tentava ocultar? Por que se transformou em um ser egoísta e petulante? E, sobretudo... por que tinha mudado tanto sua atitude após possui-la?
? Olhe! ? Exclamou Bennett com entusiasmo elevando-se do assento. ? Aí está meu lar! ? Voltou o olhar para ela, sorriu e murmurou: ? Nosso lar...
Evelyn se reclinou e olhou pela janela. Ao longe começou a divisar o enorme telhado que Roger chamava de lar, mas daquela distância mal pôde fazer uma ideia de como era. Seu marido lhe indicou que não seria maior que o dos duques, mas não deu importância às suas palavras. Um futuro marquês, e nada menos que o de Riderland, de cujo império se falava sem cessar nos grupos sociais, teria um palácio semelhante ao de Haddon Hall. Entretanto, quando a carruagem entrou no limite do imóvel, Evelyn levou as mãos para a boca.
? Adverti-te que não era uma grande extensão ? disse-lhe com certo pesar ao contemplar o rosto de sua esposa.
? É magnífica! ? Exclamou. Dirigiu as mãos para as de seu marido, apertou-as e esteve a ponto de beijá-las, mas Bennett o impediu ao assaltar sua boca com a sua.
? Meu coração está agitado... ? ronronou. ? Sinto-me tão feliz de que esteja aqui que sou incapaz de conter um grito de satisfação.
Evelyn gargalhou ao escutá-lo. Sabia que era certo o que lhe expunha. Podia apreciar o entusiasmado em seu rosto: desenhava um enorme sorriso, seus olhos brilhavam e relaxava a mandíbula, entretanto, suas mãos tremiam. Não conseguia saber se se deviam à excitação que sentia ou por medo da sua opinião sobre o futuro lar. Fosse o que fosse, ela apertou as trementes mãos e tentou acalmá-lo.
? Essas sebes, ? indicou separando sua mão direita da quente amarração ? Anderson e eu que plantamos. Embora te assegure que não sou o autor dessas formas trabalhadas que possuem.
A mulher dirigiu o olhar para onde assinalava seu marido e corroborou o que lhe explicava. O caminho que conduzia à entrada da casa estava adornado com duas fileiras de enormes e frondosos arbustos. Todos eles adotavam figuras diferentes, umas eram altas e magras, como se quisessem assemelhar-se aos picos de uma montanha, outras pelo contrário, eram curvilíneas e um pouco mais grossas. Mas conforme se aproximavam percebeu que todas tinham no interior a forma de animais. Como podiam realizar tal proeza com umas simples sebes?
? São totens ? esclareceu Bennett ao apreciar o assombro em sua mulher. ? Segundo seu autor, que conhecerá assim que estacionemos, mostram símbolos do meu caráter.
? Totens? ? Perguntou assombrada. ? Isso não é próprio dos...?
? Índios ? esclareceu afirmando com a cabeça. ? Sim, o criador dessas belezas é índio. Encontrei-o em uma das minhas viagens pela América. Estava a ponto de ser enforcado por um crime que, conforme se esforçava em proclamar, não cometeu. Eu acreditei em sua inocência e o comprei.
? Comprou-o?! ? Levantou tanto as pestanas que pôde senti-las acariciar suas sobrancelhas.
? Tudo se compra onde quer que se vá ? disse com ternura. ? Se tiver uma bolsa de moedas com a quantia que se espera obter ninguém é capaz de negar-se.
? Meu Deus! ? Exclamou tampando-se de novo a boca.
? Todos os meus criados, salvo Anderson, provêm de muitas partes do mundo, Evelyn. Aqui os trato com o respeito que merecem. Jamais ninguém lhes porá a mão em cima nem os utilizará como se fossem animais ? comentou com solenidade.
A mulher olhou absorta a seu marido. Não sabia o que responder. Nunca tinha imaginado que Roger albergasse em seu lar criados de outro lugar que não fosse Londres. Possivelmente porque só o povo nativo conhecia, melhor que nenhum outro, os costumes ingleses. Mas começou a não estranhar o que começava a conhecer de seu marido. Ninguém podia igualar-se. Ninguém poderia assemelhar-se a um homem tão incomum.
? Vamos querida. Acredito que todos desejam conhecer minha esposa ? sugeriu Bennett com um sorriso de orelha a orelha ao descobrir que não faltava ninguém para sair da residência para apresentar-se ante sua mulher.
Evelyn aceitou a ajuda de Roger para descer da carruagem. Com o chapéu que este lhe tinha comprado colocado sobre sua cabeça mal podia ver mais à frente do chão. Angustiada por não contemplar o que havia ao seu redor, terminou por tirá-lo e jogá-lo no chão. Então ficou sem respiração. Dez pessoas permaneciam na entrada esperando-a. Quatro delas eram de pele escura, três um pouco mais claras e outros eram tão pálidos como ela, mas quem chamou sua atenção foi um homem de cabelo comprido e cor azeviche. Tinha o peito descoberto, embora tentasse ocultá-lo sob um colete de cor marrom. Dirigiu seus olhos para seu marido e esboçou um pequeno sorriso. Já sabia de onde procedia a insistência de Roger por mostrar seu torso com descaramento. Sem pensar muito, deduziu que também ele era o autor das figuras esculpidas nos arbustos. Não podia errar em uma coisa tão clara! De repente notou a pressão da mão de seu marido sobre a dela. Evelyn imaginou que adivinhava seus pensamentos e lhe respondeu com um sorriso extenso.
? Querida, ela é Sophie, nossa governanta.
? Encantada em conhecê-la, senhora ? disse enquanto realizava uma ligeira reverência. ? Nosso senhor nos falou muito de você, mas esqueceu de descrever sua beleza. ? Sophie olhou a Roger como se o estivesse repreendendo.
? Posso te assegurar que nem eu mesmo sabia como era ? afirmou antes de soltar uma gargalhada e coçar a cabeça com a mão direita.
? É uma longa história ? acrescentou Evelyn ao contemplar o assombro da governanta. ? Se desejar escutá-la, contar-lhe-ei isso em breve.
? Estarei desejosa de que chegue esse momento, milady ? disse dando uns passos para trás.
? Ele é Yeng. ? Assinalou Roger a um moço com olhos rasgados e uma pele um pouco ambarina. ? Em seu antigo trabalho era crupiê, mas aqui se encarrega da manutenção de Lonely.
? Crupiê? ? Perguntou assombrada.
? Sim, minha senhora ? respondeu Yeng saudando-a da mesma forma que tinha feito Sophie.
? De onde é? ? disse bastante interessada.
? Da França.
? Nem todos os que têm um aspecto asiático nasceram lá ? murmurou Roger ao seu ouvido de maneira zombadora.
Evelyn se ruborizou com rapidez. Notou como lhe ardiam as bochechas ante um deslize tão infantil, mas quando Roger beijou com suavidade uma de suas maçãs do rosto, esse calor diminuiu. Um a um se foram apresentando. Todos tinham uma história interessante que lhe narrar sobre as diversas procedências e a maneira que conheceram seu marido. Mas ficou aniquilada quando o índio apareceu em frente a ela. Ao contemplá-lo mais de perto divisou umas marcas ao redor de seu pescoço. Não eram brancas, mas sim escuras e tinham um interessante desenho. Observou-o sem pestanejar enquanto falava com Roger. Seu comportamento, sua atuação com seu marido era muito diferente da que tinham os outros. Nem Anderson, o fiel criado e possivelmente a mão direita de seu marido, tinha tanta confiança para chamá-lo por seu nome de batismo.
? Finalmente, ? disse Bennett ? o batizamos com o nome de John. Não nos pareceu conveniente a nenhum dos dois chamá-lo com seu nome real. As pessoas estão acostumadas a afastarem-se quando o vêem.
? Senhora... ? John se aproximou dela, pegou-lhe a mão e a beijou com suavidade.
? Pode me chamar de Evelyn ? respondeu com suave fio de voz.
? Bom, já conhece todos os que habitam Lonely e agora, se te parecer bem, mostrar-te-ei o interior do meu lar. Estou seguro de que te assombrará o que ocultam estes muros ? apontou Bennett orgulhoso.
? Estou desejosa de descobri-lo ? comentou aceitando a mão de Roger e caminhando para o interior.
Quando o casal desapareceu dos olhos de todos os trabalhadores, estes olharam com rapidez a John. Permanecia imóvel, pétreo e com as pupilas cravadas na entrada do lar.
? É ela? ? Yeng rompeu o silêncio.
? Sim ? respondeu o índio com firmeza.
? Pois não tem pinta de poder salvar nada! ? Exclamou Sophie pondo os olhos em branco. ? É uma mulher esquálida. Um pouco alta para ser uma dama e não dá a impressão de ter coragem para enfrentar tudo o que lhe vai acontecer.
? Acaso o fogo nasce com intensas chamas? ? Alegou John sem expressar emoção em seu rosto.
? Fogo? Olhe John... ? Sophie aproximou-se dele e assinalou com um dedo inquisidor no peito ? se ela não for esse fogo que tanto necessita o senhor, diga aos seus etéreos espíritos que pegarei o machado com o qual corto o pescoço das galinhas e, uma a uma, destroçarei as sebes nas quais passas tanto tempo rezando.
? Eu adoro quando se zanga ? murmurou somente para eles dois.
? Pois te advirto que o estou e muito. Se ela não o salvar, se não for capaz de conseguir o que aquelas harpias com pernas de galgo não obtiveram, penso em te buscar outra mulher que acalme suas necessidades espirituais ? retrucou antes de virar-se e entrar também no lar.
? Fará ... ? sussurrou para si.
XXVII
Cada cômodo que encontrava era diferente aos demais. Nenhum se assemelhava nem mesmo em uma única peça de decoração. Roger fazia de seu lar um pequeno mundo. A sala de jantar, a primeira sala que visitou, era muito parecia com a que teria qualquer mansão londrina: uma grande mesa central com uma dezena de cadeiras sob a formosa tábua de madeira, vitrines esculpidas, suportes nos quais pousavam candelabros de laboriosos desenhos, enormes abajures de cristal que se iluminavam mediante a reclamada luz a gás, equipamento de porcelana... Entretanto, as paredes não estavam cobertas de pinturas de seus antepassados. Enormes e floridas tapeçarias ocupavam esses lugares. Seis contou. Dois deles só eram paisagens de montanhas onde um rio atravessava a tapeçaria. Eram pequenos paraísos em meio de um nada, mudos ante os ouvidos de quem tentava escutar o passar da água, mas esplêndidos para todos os que fossem capazes de admirá-los com os olhos. Um deles lhe recordou o lugar no qual os duques ofereceram o piquenique. As montanhas ocultavam o sol, o caudal transbordante de vegetação fluía a seu passo com liberdade e percebeu que a imagem transmitia a mesma tranquilidade que ela obteve naquele lugar salvo quando foi jogada na água. Sorriu de lado ao recordar a infantil cena, voltou a ver-se golpeando o inerte líquido enquanto Roger não cessava de rir.
Algo tinha mudado entre eles. Soube assim que descobriu que se acontecesse de novo, abrir-lhe-ia os braços para que se unisse ao seu corpo molhado. Morta de calor por seus pensamentos, dirigiu o olhar para uma tapeçaria onde havia figuras de mulheres embelezadas com roupa desgastada pelo uso. A ambos os lados tinham umas cestas de vime e, pelos objetos que elas seguravam em suas mãos e tentavam limpar na água, deduziu que se tratava de uma cena habitual entre lavadeiras. Mas o que chamou verdadeiramente a atenção de Evelyn, que não pôde deixar de olhar, foi um imenso tecido que permanecia sozinho ao final da sala, justo atrás da cadeira que Roger devia ocupar. Imaginou-o ali sentado, conversando com alguns convidados e exibindo a magnitude que projetava a tapeçaria sobre ele. Evelyn caminhou para o inerte objeto. Sua fascinação aumentou ao contemplá-lo de perto. O imponente cavaleiro vestido com uma armadura cinza montado sobre um corcel branco que elevava suas patas dianteiras era tão majestoso que esticou a mão para tocá-lo.
? Você gosta? ? Roger, sem deixar de observar a sua esposa, colocou-se atrás dela, segurou-a pela cintura e apoiou seu queixo sobre o ombro direito da mulher.
? Quem é? ? Perguntou intrigada.
? Segundo o vendedor é dom Juan da Áustria9.
? O que representa? ? Voltou a perguntar sem diminuir seu desejo por descobrir o que havia atrás do cavaleiro.
? A batalha do Lepanto10. Vê o fogo que há ao fundo? ? Evelyn assentiu. ? Conforme me narrou o comerciante de quem o comprei, são os últimos povos turcos que batalharam com ardor.
? É lindo... ? sussurrou.
? Sim, também me parece isso. Por isso regateei seu preço. Embora soubesse que valia o que me pedia o comerciante, não estava disposto a perder minha pequena fortuna nele. Bom, minha querida esposa, prosseguimos ou seguimos aqui parados observando um cavaleiro sobre seu garanhão?
? Continuemos... ? respondeu aceitando sua mão.
? Estupendo, porque estou desejoso de te mostrar nosso quarto ? disse-lhe em voz baixa.
A Evelyn se fez um nó na garganta.
? Tudo o que vê ? começou a contar enquanto se afastavam da sala de jantar e se dirigiam para as escadas que os conduziriam ao andar superior ? foi adquirido em minhas explorações.
? Viajou tanto?
? Muito. Se a memória não me falhar, desde os vinte anos. Quando consegui o Liberté, meu navio ? comentou com orgulho.
? Deve ser lindo navegar por alto mar e poder visitar novos e paradisíacos lugares ? apontou Evelyn manifestando entusiasmo.
? Às vezes sim e outras nem tanto...
? Quando não? ? Virou-se para ele e o olhou sem pestanejar.
? Quando se tem uma mulher tão bela como você e não pode me acompanhar ? respondeu zombador.
? É um canalha... ? disse ao mesmo tempo em que desenhava um extenso sorriso.
? Sei ? respondeu antes de beijá-la.
Subindo as escadas mais rápido do que deveria, Roger foi lhe explicando onde dormiam as pessoas que tinha conhecido na entrada, onde permaneceriam os convidados quando decidissem os visitar e por último a conduziu para seu quarto.
? Adiante... ? disse após abrir a porta e deixando-a entrar primeiro ? pode entrar no lugar onde passaremos a maior parte das nossas vidas.
Evelyn entrou com certo temor. Não sabia o que encontraria em um lugar tão íntimo para seu marido. De repente, assaltou-a a dúvida. Perguntou-se se de verdade ela desejava descansar durante o resto de sua vida ao seu lado. Até agora não tinha sido consciente do que isso significava. Achava-se em uma nuvem, em um momento de êxtase desmesurado que mal lhe permitia pensar com claridade. Era suficiente uma vida sexual ativa para viver um matrimônio com plenitude? Olhou de esguelha a seu marido. Este mostrava o mesmo entusiasmo que um menino ao ter em suas mãos um presente. Por que ele não sentia medo? Por que mostrava tanta segurança? Não soube responder, embora umas palavras aparecessem em sua mente golpeando com força: «Meu amor», tinha lhe sussurrado Roger quando dormiram juntos, mas isso não a tranquilizava.
Scott tinha utilizado as mesmas palavras para enrolá-la, para atrai-la como faz o mel a um urso. E depois? Depois partiu.
De todos os modos não podia compará-lo com aquele titã que a observava com entusiasmo, eram diferentes e a situação também: Scott procurava o matrimônio enquanto Roger o tinha obtido sem desejá-lo. Suspirou várias vezes e, apesar do tremor de suas pernas, caminhou pelo interior do dormitório. A primeira impressão que teve foi de amplitude. Sim, era o maior quarto que já tinha visto. Podia albergar, com facilidade, duas vezes o seu de Seather. Frente a ela duas cortinas de cor negra se amarravam a cada lado da janela. Devagar, com muita calma inclusive, prosseguiu divisando cada objeto, cada elemento que guardava Roger nela. Abriu os olhos como pratos ao contemplar a cama.
Estava segura de que, embora estirasse seus braços e pernas por ela, nunca tocaria o final de cada extremo. Sorriu de lado. Era lógico que seu marido teria adquirido o leito mais colossal de qualquer loja, posto que facilmente ultrapassasse vários palmos daquele que se autoproclamara o homem mais alto de Londres. Sobre a colcha de cor vinho, três grossos almofadões lhe ofereciam uma visão confortável. Desejou pegar um e apertá-lo para confirmar sua suavidade, mas desistiu. Já o faria em outro momento. Olhou para cima apreciando a largura do dossel. Entrecerrou os olhos para tentar averiguar o que indicavam os desenhos esculpidos na madeira escura, mas de onde se encontrava não distinguiu nenhum. Continuando, cravou suas pupilas nas cortinas que pendiam do dossel. Estavam bordadas em ouro? A cor dourada daqueles objetos era realmente ouro?
Voltou a vista para seu marido. Este permanecia no marco da porta com os braços e pernas cruzadas. Tentava aparentar que estava relaxado, mas tal como apertava a mandíbula, Evelyn soube que não o estava.
? Um sultão me deu isso de presente ? disse com voz sussurrante. ? Eu jamais compraria uma coisa tão ostentosa.
Não lhe respondeu com palavras, só assentiu e continuou investigando. Ao pé da cama um enorme tapete de cor azul marinho convidava a ser pisado sem sapatos que entorpecessem a captação da suavidade de seu tato. Dirigiu seus olhos para o sofá. Não, não era um sofá qualquer, era um interminável divã. Se ela tentasse tombar-se sobre ele a pele que o forrava a faria escorregar até terminar sobre o chão.
? Sou grande... ? assinalou ao vê-la tão assombrada pelas dimensões da poltrona.
Evelyn respondeu a sua afirmação com um grandioso sorriso. Não precisava indicar que seu tamanho era bastante considerável, já o tinha percebido no dia em que apareceu no funeral de seu irmão. Sempre se complexou por sua altura, era a mais alta de suas amigas, mas no dia que Roger apareceu ao seu lado teve que levantar muito a cabeça para poder conseguir o olhar aos olhos.
Descalçou-se. Não devia fazê-lo, mas não queria manchar com as solas de seus sapatos o lindo tapete. Caminhou sobre este até alcançar uma estante que ocupava todo o comprimento da parede e que se achava entre o balcão e a chaminé. O normal, o habitual para outros, era ter uma biblioteca no piso de baixo. Pelo menos assim o tinha o resto do mundo. Mas pouco a pouco ia confirmando que seu marido era um homem peculiar e muito distinto a todos os que tinha conhecido.
? Eu gosto de ler sem que ninguém me incomode ? esclareceu de novo Roger ao observar as caretas de estranheza que mostrava sua mulher em cada coisa que achava.
? Não interprete mal minhas reações ? apontou virando-se sobre si mesma. ? Tudo o que encontrei até o momento não me produziu mal-estar, mas sim fascinação. Resulta-me incrível que um homem como você tenha adequado seu lar com tanto... como o diria? ? Pôs os olhos em branco ao não encontrar a palavra exata.
? Aprimoramento? ? Interveio divertido.
? Sim, aprimoramento está bem ? sorriu.
? O que imaginava? ? Endireitou-se e caminhou para ela. ? Como pensou que seria meu lar? ? Parou antes de chegar ao tapete.
? Tenha em conta que o único que escutei de ti em Londres foi que era um libertino, um homem enlouquecido por levantar as saias de todas aquelas mulheres que se abanavam com suas próprias pestanas. Sem esquecer a fama de bebedor e jogador inveterado ? continuou sorrindo apesar de o haver definido como um indesejável.
? Os rumores exageram... ? grunhiu.
? Isso vejo... ? sussurrou com um suspiro. De repente seus olhos se cravaram em uma porta que havia atrás das costas de Roger.
? É só o cômodo de asseio. ? Seu tom de voz voltou a ser sussurrante. ? Mas estou pensando em deixar a porta fechada por uns dias, possivelmente até dentro de vários meses...
A intriga a fez correr para aquela entrada, esticou a mão e quando abriu a porta ficou atônita. Suas pestanas tocaram de novo suas sobrancelhas e mal pôde fechar a boca. Era de esperar que fosse grande, mas nunca imaginou que uma banheira pudesse ter a largura e a profundidade de um pequeno lago. As paredes não estavam revestidas de papel ou de grossas capas de pintura, mas sim de lâminas retangulares de porcelana cor marfim. A privada, do mesmo material, tinha um depósito do qual pendia uma corda. Voltou-se para Roger sem poder conter seu assombro.
? Sei, ? comentou Roger com uma estranha mescla de entusiasmo e medo ? nunca viu algo semelhante.
? De onde...? Como conseguiu...?
? Pois não sei te dizer a procedência desta magnífica banheira. ? Levou a mão direita para a barba e a acariciou devagar. ? Depois de me haver descrito com tão hábeis palavras, o que pensará quando te disser que esta beleza a descobri em um bordel de Paris?
? Em um bordel?! ? Arqueou as sobrancelhas e seu assombro aumentou até limites incalculáveis.
? Vê? Sabia que ia pôr essa cara! ? Disse divertido. ? Evelyn, querida, nenhuma das tinas que vi em Londres podiam albergar meu tamanho. Cada vez que tentava me assear tinha que fazê-lo por partes.
? Claro... e viajou até Paris e se meteu em um bordel para encontrar o que necessitava ? interrompeu lhe com uma mescla de ira e sarcasmo. Roger esticou sua mão, mas ela esquivou-se do roce.
? Não foi assim exatamente... ? Deixou que ambas as mãos se estendessem para o chão. ? Em uma de minhas viagens a França conheci um cavalheiro que frequentava os ditos locais pecaminosos. Um dia tinha tomado mais taças das quais pude suportar e me ofereceram um quarto onde passar meu estado de embriaguez. Então, ao abrir a porta para me refrescar, fiquei fascinado por essa imensa banheira. Perguntei à madame quem tinha construído essa impressionante banheira e me deu com rapidez a direção do arquiteto.
? É óbvio... pergunto-me... o que lhe ofereceria para que atuasse com tanta prontidão? ? Disse com aparente desdém enquanto caminhava para o imenso espelho que se encontrava no lado oposto da grande tina. Olhou para um lado e logo para o outro e lhe parou o coração ao compreender que o que acontecesse dentro daquela banheira refletir-se-ia no espelho.
? Tratava-se de um afamado italiano que estava acostumado a passar longas temporadas em Paris para prover seus clientes de espetaculares quartos de banho ? continuou falando para não dar importância ao pequeno ataque de ciúmes que mostrou sua mulher. Devia zangar-se ante uma atuação tão infantil, mas lhe produziu o efeito contrário, sentiu-se tão orgulhoso que lhe alargou ainda mais o peito. ? Falei com ele, convidei-o a vir a Londres e quatro meses depois de sua chegada meu pequeno paraíso relaxante estava construído.
? Não sei o que pensar... ? disse um tanto aturdida.
? Comentei-te que não me importava seu passado e que esperava que não julgasse o meu ? comentou com voz pesarosa. Aproximou-se dela muito devagar, virou-a para ele e a olhou fixamente. ? Evelyn, a mim só interessa quem é agora, não o que foi antes de me conhecer.
? Sim, já me advertiu disso, mas por mais que o tente, não posso diminuir uma estranha ira que cresce em meu interior ao pensar que outra mulher esteve aqui e que gozou de suas carícias aí dentro ? resmungou.
? Não trouxe nenhuma mulher à minha casa salvo a ti ? apontou antes de soltar uma gargalhada. ? É a única que pôs seus bonitos pés neste lugar ? disse aproximando seus lábios dos dela. ? E a única que o fará...
? Jure! ? Gritou afastando o rosto para que não a beijasse.
? Juro-lhe isso... ? suas mãos apanharam o rosto de Evelyn e a imobilizou para finalizar o que se propôs, beijá-la.
Quando abriu os olhos descobriu que se achava no quarto. Roger a tinha pousado sobre o tapete. Suas mãos se dirigiam para os laços do vestido com a intenção de despi-la para possui-la outra vez. Fechou-os de novo fazendo com que se intensificassem os roces dos dedos ao caminhar pelas costas. A língua masculina percorria o interior de sua boca provocando umas suaves e cálidas carícias. Face aos sutis movimentos, sua dominância, seu desejo de fazê-la sua percebia-se com claridade. Cada beijo que lhe oferecia era diferente do anterior. Evelyn, nas nuvens, rememorou a sensação que obteve a primeira vez que suas bocas se uniram. Não havia ternura nele. Não encontrou calidez em seu primeiro beijo, só luxúria. Entretanto desde que dormiram juntos, antes de empreender a volta a Londres, seus beijos se enterneceram até tal ponto que começaram a destruir o objetivo que a conduziu a seduzir seu marido. Respirou profundamente quando Roger liberou sua boca. Esta, que mal podia fechar-se, necessitava que continuasse beijando-a, conquistando-a, desfrutando-a.
? Tenho que confessar que ia te dar um tempo para que descansasse depois da viagem, ? comentou Roger com voz oprimida. Ajoelhou-se ante ela, colocou suas mãos sob o vestido e foi baixando com lentidão as meias ? mas temo que não lhe vá conceder isso.
Evelyn jogou a cabeça para trás e soltou uma sonora gargalhada. Não estranhou escutar aquela insinuação de seu marido. E mais, teria lhe entristecido que a tivesse deixado sozinha. Com urgência levantou seus pés para despojar-se do suave tecido. Notou que Roger pousava sobre cada perna uma mão e as acariciava com incrível tranquilidade. Cada ascensão e descida sobre seu corpo o desfrutava tanto que começou a sentir a opressão de seu peito contra o vestido e uma incontrolável calidez sob seu ventre.
? É formosa, descaradamente formosa... ? sussurrou enquanto dirigia as palmas para o sexo de sua esposa. Roçou levemente seus lábios úmidos com os polegares, impregnando-os de seu mel. Aquele sutil gesto provocou o que tanto ansiava, que lhe permitisse continuar. ? Segure-se nos meus ombros, vou beber de seu doce manancial.
Açoitada pela paixão que começava a despertar em seu interior, ela pousou seus trementes dedos sobre cada uma das partes superiores do torso masculino. Voltou a abrir sua boca ao notar como a língua de Roger lambia seu interior. Pressionou com mais força o corpo de seu marido ao sentir a pressão dos dentes sobre suas saliências inchadas. Ele os puxava e colocava a boca no interior para absorver sua essência. Encontrava-se extasiada. Tanto que podia roçar com a gema de seus dedos aquilo que denominavam loucura. Ele era fogo, chamas que a queimavam e a faziam derreter-se quando a tocava.
? Não me saciarei nunca de ti ? murmurou antes de incorporar-se e beijá-la. ? Nunca ? sussurrou depois do beijo.
? Hoje quero fazer uma coisa...
? O quê? ? Colocou suas palmas sobre as maçãs do rosto de Evelyn e a atraiu para ele para beijá-la de novo.
? Não recordo... ? sussurrou sem voz.
? Então... enquanto se lembra... ? a conduziu devagar para trás até que as costas da mulher tocaram a parede. ? Deixe que eu faça outra...
A mão masculina foi descendo pela figura de Evelyn. Acariciou o decote, colocou os dedos no interior do objeto e tirou um mamilo. Deixou de beijar os lábios femininos para dirigir-se para o duro botão. Mordeu-o, sugou-o ao mesmo tempo em que aquela mão travessa continuava a trajetória para a perna esquerda da mulher.
? Minha pequena bruxa... ? murmurou estrangulado pelo desejo. ? Por mais que o tento... não posso me saciar de ti. ? Içou a mão pela coxa até que chegou ao epicentro de Evelyn. Voltou a procurar o pequeno e inchado clitóris. Ao achá-lo, acariciou-o com a mesma intensidade que a primeira vez. Entretanto nessa ocasião procurava algo mais pecaminoso, mais desonroso. Não pararia até que o interior das coxas de sua esposa terminasse banhados por seu suco. Mais tarde, quando ela estivesse exposta, percorreria cada milímetro de sua pele com a língua.
? Roger! Roger! ? Gritou Evelyn como uma louca. ? Roger!
? Sim, pequena bruxa ? sussurrou-lhe enquanto mordia e lambia o lóbulo direito feminino. ? Diz meu nome. Grite ao mundo inteiro quem é seu marido, quem te ama e quem te deixa louca de luxúria. ? Com cada palavra, com cada pressão de seus dentes na orelha, o dedo do homem se introduzia e saía do sexo feminino como se fosse seu membro ereto. Não parou até que notou a sacudida do orgasmo, até que Evelyn vincou os dedos de seus pés, até que molhou suas pernas. ? Desejo-te tanto... ? continuou sussurrando sem deixar de lhe beijar o rosto. ? Necessito-te mais do que imagina...
? Roger... conseguiu dizer. Suas bochechas ardiam, seus olhos brilhavam e o corpo inteiro seguia submetido a contínuas convulsões.
? Diga-me...
? Deixa-me que te dispa?
? Me despir? ? Perguntou assombrado.
? Sim, isso é o que queria te dizer. ? Sorriu com suavidade.
? Se é o que deseja, aqui me tem ? respondeu Roger dando duas pernadas para trás e abrindo os braços em cruz. ? Sou teu e pode fazer o que desejar.
Teve que respirar várias vezes antes de aproximar-se. Não sabia como começar. Sua cabeça seguia dando voltas e se envergonhava ao notar que suas coxas estavam úmidas de sua própria essência. Respirou. Suspirou. E depois de uns instantes duvidosos, caminhou para ele. Tirou o nó da gravata e a lançou para algum lugar do quarto. Logo continuou com a jaqueta. A passagem desta pelo corpo rude e musculoso fez com que seu coração golpeasse com força contra o peito. Sem jeito foi desabotoando a camisa. Esta caiu ao chão sem esforço algum. Ao observar aquele peito mordeu o lábio inferior e seus olhos brilharam tanto que nenhuma estrela do firmamento pôde assemelhar-se. Pousou suas mãos sobre o torso nu, que ascendia e descia agitado pelo desejo e o acariciou regozijando-se em cada milímetro de pele. Sorriu satisfeita ao ver como seu marido fechava os olhos e inspirava com força. Excitava-o. Suas carícias, seus toques, enlouqueciam-no. De repente Roger gemeu com mais ímpeto do que tinha esperado. Evelyn o olhou desconcertada pela inesperada reação.
? É uma tortura que me toque e que eu não possa fazê-lo ? assinalou desenhando um malicioso sorriso em seu rosto. ? Se seguir assim, temo que terminarei ajoelhado de novo.
Evelyn entrecerrou seus olhos o advertindo, com essa forma de olhar, que não se movesse. Era seu momento, seu desejo, seu grande prazer. Face à advertência de como terminaria se seguisse o torturando daquela maneira, não cessou de o acariciar, de enredar entre seus dedos o loiro pelo. Percebeu, surpreendida, que a ele também endureciam os diminutos mamilos. Sem pensar duas vezes, dirigiu sua boca para eles e os mordeu. Então descobriu que ele sofria os mesmos espasmos que ela ao ser assaltada nessa zona erógena. Com um enorme sorriso pelo deleite da experiência, olhou-o com descaramento enquanto baixava devagar suas mãos para a calça. Desabotoou o botão e deixou que este descesse com a mesma lentidão que a camisa. Roger sacudiu rapidamente as pernas, lançando o objeto mais longe que onde terminou a gravata.
? Não me deixará assim, não é? ? Exigiu saber com uma mescla de agonia e desespero.
? E se o fizer? ? Respondeu desafiante.
? Esquecer-me-ei, de repente, da última norma que acrescentou na estalagem ? disse zombador.
Evelyn mordeu outra vez o lábio inferior. Cravou o olhar no vulto da calça e entrecerrou os olhos. Ele era grande e seu sexo também. Prova disso era que, apesar da pressão da roupa de baixo, sobressaía por cima desta. Atordoada pelo frenesi colocou as mãos no interior do calção e segurou entre elas o duro membro. Essa carícia, esse leve contato de suas palmas com a ereção, fizeram com que todo o corpo masculino começasse um balanço compassado. Seu marido, com os olhos fechados e com a cabeça inclinada para trás, começava a mover-se da mesma forma que estava acostumado a fazer quando se introduzia em seu interior. Devia afastar as mãos, devia retirar-se ante tal obscenidade, mas não o fez. Ficou ali parada, contemplando o pausado movimento continuado até que escutou um grito de seu marido. Não foi um alarido usual. Foi mais um comprido e profundo uivo que provinha do mais profundo de Roger. Tinha liberado de novo a besta? Ou melhor... o monstro tinha liberado seu marido? Ao afastar as palmas sentiu como algo úmido a queimava. Curiosa por averiguar o que era aquilo que lhe produzia tanto calor, aproximou-as do rosto. «OH, Meu Deus! ? Exclamou para si. ? É sua semente!».
? Jamais... ninguém... nunca... ? começou a dizer Roger aturdido. Despojou-se do objeto que cobria seus quadris e avançou para sua mulher com passo firme, sólido, enérgico. ? Ninguém, Evelyn, ? sublinhou com vigor ? conseguiu de mim o que você obteve. ? Abriu seus braços para que ela se aproximasse de seu corpo e quando a teve perto de seu peito, apertou-a com força. ? É única, meu amor. Única.
O que devia pensar? Desejava que aquelas palavras fossem verdade? Sim, desejava-o. Necessitava que não a tratasse como outra mais. Que quando partisse e a deixasse sozinha na casa, não procurasse outras carícias que não fossem as suas. Não, já não. Evelyn queria ser a única.
? E agora deveria tirar esse lindo vestido azul se não quiser que termine empapado ? advertiu.
? Empapado? ? Distanciou-se dele e arqueou as sobrancelhas.
? Crê que o que fizemos foi suficiente? Não, minha pequena bruxa, isto foi só o princípio de uma longa jornada de amor. ? Sorriu. ? E o primeiro lugar onde vou possuir-te nesta casa ? sussurrou-lhe no ouvido ao mesmo tempo em que a elevava de novo em seus braços ? será nessa imensa banheira. Estou ansioso por ver como seu corpo pula sobre mim enquanto a água se agita pelo ardor da nossa paixão.
? Está louco... ? respondeu antes de esboçar uma pequena risadinha e mover as pernas.
? Por ti ? disse tão baixinho que Evelyn não pôde escutá-lo devido ao som de sua própria risada.
XXVIII
A água já estava morna, mas ao manter-se perto de Roger logo notou como diminuía a temperatura. Sentada sobre ele admirava a fortaleza de suas pernas e a longitude de seus pés. As mãos masculinas não cessavam de acariciá-la, de apalpá-la sem cessar, mas o que encantou realmente Evelyn não foi o magnífico corpo de seu marido, mas sim os momentos de risadas que passaram dentro daquela banheira. Ambos sentiam uma pequena dor em suas mandíbulas de tanto rir. Recordaram o dia que se conheceram, as bodas, a partida e o acontecido depois da volta.
Narrou-lhe como foi despachando um a um aos cavalheiros que a visitavam em seu lar com o propósito de convertê-la em sua amante. Evelyn percebeu como o corpo masculino se esticava ao lhe narrar aqueles momentos, mas o tranquilizou enchendo-o de beijos e carícias. Falou-lhe de sua viagem, dos lugares que visitou durante os sete meses fora de Londres. As tempestades que sofreu em alto mar, como atuava sua tripulação e como terminou por descobrir que aquilo que lhe proporcionava mal-estar em suas vísceras era somente a necessidade de retornar à sua terra natal e enfrentar com integridade seu futuro.
? E de repente, ? disse esticando os grandes braços para abraçá-la ? observo que todos os olhares dos cavalheiros se dirigiam para um ponto da sala. ? Seu queixo pousou sobre o ombro da mulher, acariciando com seu fôlego a aveludada pele da Evelyn. ? Olhei para essa parte do salão e...
? E? ? Insistiu a mulher voltando-se para ele. Sentou-se sobre seus quadris, as pernas se cruzaram pelas costas e ambos os torsos voltaram a unir-se.
? E encontrei uma pequena bruxa de cabelo cor de fogo exibindo em um lindo vestido vermelho com um delicioso decote que me convidava a pousar meus lábios nele. ? Elevou o queixo para contemplar a diversão que expressava o rosto de sua esposa e a beijou.
? Por que não cessa de me chamar assim? ? Colocou suas mãos sobre o rosto masculino e afastou as mechas loiras que a impediam de ver os azulados olhos.
? Minha pequena bruxa? ? Perguntou enquanto desenhava um sorriso. Evelyn assentiu. ? Porque é a única mulher que foi capaz de me enfeitiçar ? esclareceu com voz serena, pausada e firme.
Os braços femininos se entrelaçaram de novo no pescoço de seu marido. Aproximou a boca e o beijou. A pequena amostra de carinho despertou de novo a luxúria em Roger. Pousou suas mãos nas costas de Evelyn e a acariciou como se fosse uma frágil flor. Voltaram a agitar a água, voltaram a esquentar o interior da banheira, voltaram a deixar-se levar por aquele insaciável desejo por converter-se em um só ser.
Quando terminaram Evelyn pousou a testa sobre o peito agitado de seu marido. As bochechas se converteram em duas pequenas bolas de fogo. Extasiada e cansada, suspirou.
? Acredito que vai sendo hora de te oferecer um descanso ? murmurou Roger depois de afastar com certo desagrado o corpo de sua mulher do dele. ? Se continuo assim, poderia te matar.
? Não me acompanha? ? Levantou-se com cuidado para não escorregar e esperou que seu marido a ajudasse a sair dali.
? Tenho que falar com o John de certos temas ? indicou cobrindo a nudez de Evelyn com uma toalha branca. ? Estou muito tempo fora de casa e tenho que me pôr em dia. ? Elevou-a em seus braços e a conduziu até a cama. Estendeu-a com supremo cuidado e se colocou sobre ela. ? Prometo-te que assim que arrumar meus assuntos subirei para te fazer amor até que amanheça.
? Sabe? ? Disse elevando de novo os braços e enredando-os no pescoço de Roger. ? Isso mesmo me sugeriu na primeira noite na casa dos Rutland.
? Pois como comprovou, sempre cumpro minhas promessas. ? Abaixou sua cabeça e a beijou.
Custava-lhe deixá-la ali sozinha, mas seu dever como dono de certos negócios lhe reclamava. Era certo que tinha passado muito tempo fora de seu lar e estava seguro de que John ocupou seu posto com acerto. Entretanto devia confirmar que certos temas seguiam controlados, sobretudo aqueles dos quais tanto recusava falar com Evelyn e que possivelmente os distanciaria. Depois de vestir-se com uma calça e uma camisa, desceu ao escritório.
John não demorou a aparecer. Era tão desconfiado que houvesse sentido a presença de Roger na pequena sala.
? Pensei que não sairia daquele quarto até passada uma semana ? disse o índio zombador.
? Mentiria se te dissesse que não o pensei, mas algo me diz que tem notícias frescas, estou certo? ? Levou a taça para a boca e arqueou as sobrancelhas.
? Apareceu quando partiu ? comentou John enquanto se aproximava da licoreira para acompanhar seu amigo. ? Parece que tem um dom especial para saber quando e onde aparece.
? Costuma acontecer quando seu sangue é o mesmo que o meu ? grunhiu. Caminhou pesado para a poltrona que havia junto à chaminé e se sentou de repente.
? Falou com Sophie, já sabe que é incapaz de dirigir-se a mim, dou-lhe asco. ? Dirigiu-se para seu amigo e se sentou ao seu lado.
? Acredito que a palavra acertada é ódio. Não pode suportar o fato de que me salvou de suas garras. ? Sorriu de lado. Depois de manter uns instantes de silêncio, prosseguiu: ? Com que propósito apareceu em meu lar desta vez?
? Convidá-los à sua casa ? disse ao mesmo tempo em que cravava seus olhos marrons nos de seu amigo.
? Convidar-nos? ? Reclinou-se do assento e apertou a taça com força.
? O que esperava? Já não tem uma rocha em seu caminho, mas sim duas.
? Nela não tocará! Jamais a alcançará! ? Clamou zangado ao mesmo tempo em que lançava o copo para o interior da chaminé. ? Antes ponho fim à sua asquerosa vida com minhas próprias mãos.
John, imperturbável, reclinou-se sobre o assento, voltou a tomar um sorvo de sua bebida e refletiu durante um bom momento. Se seus espíritos tinham razão, se o que eles lhe indicavam era certo, Roger não devia recusar o convite. Precisava enfrentar, de uma vez por todas, a maldade de sua mãe e, se suas premissas não erravam, sua esposa o salvaria do inferno no qual vivia desde pouco mais de uma década.
? Como vai tudo por Children Saved? ? Mudou de tema.
? Bastante bem. Falei com seu administrador e por agora todas as necessidades estão resolvidas. Essa última viagem encheu as arcas da residência. Entretanto...
? Entretanto? ? Repetiu Roger intrigado.
? A pequena Natalie está muito triste. Não para de perguntar onde está seu irmão e acredito que deveria visitá-la o antes possível. Faz uns dias esteve bastante doente. O médico disse que era próprio de sua idade, mas não estou muito seguro disso. Desde esse dia mal pode sair da casa. Passa as horas no quarto e sua mãe está muito preocupada.
? Amanhã sem falta irei visita-la. Não quero que pense que a abandonei. É muito pequena para compreender certos temas. ? Roger esticou as pernas, acariciou a barba e adotou um olhar pensativo. De repente rompeu seu silêncio. ? Apareceu durante minha ausência algum mais?
? Não. Seguem sendo vinte ? respondeu antes de levantar-se, andar para o móvel bar e encher seu copo de novo. ? Um charuto? ? Perguntou mostrando a caixa em que guardava os melhores charutos.
? Não. Deixei de fumar faz uns dias. Evelyn não gosta do aroma de tabaco ? esclareceu sem oferecer emoção alguma.
? Essa mulher... ? começou John a dizer sem poder eliminar o sorriso de seu rosto.
? Essa mulher... ? insistiu Roger entrecerrando seus olhos e apertando os dentes.
? Calma, não vou dizer nada mau dela ? expôs antes de soltar uma gargalhada ao ver como seu amigo ficava na defensiva.
? Essa mulher, minha mulher, é intocável ? sentenciou. ? Por isso não quero que ela se aproxime de Evelyn. Irá destrui-la como tem feito com todos aqueles que se interpõem em seus propósitos.
? Duvido muito que sua mãe se arrisque tanto...
? Você não a conhece como eu ? resmungou. ? Tem suas mãos manchadas de tanto sangue inocente que lhe resulta impossível continuar sem ele. É uma víbora, um ser sem escrúpulos.
? Se eu estivesse em seu lugar pensaria seriamente em fazê-la parar de uma vez ? disse John enquanto caminhava para a janela. Um sorriso se desenhou em seu rosto ao observar como Sophie agitava uma bengala para tirar o pó dos tapetes que tinha estendidos sobre uma corda.
? Se decidisse por tal coisa, primeiro teria que matar meu irmão e, neste momento, não quero fazê-lo. O que faria Evelyn com seu marido encarcerado?
? Não pensaste que algum dia terá um filho e eles poderiam tentar conseguir o que não fizeram contigo? Mataram a uma dezena, o que importa mais um? ? John, apesar de ter o olhar sobre a mulher que amava, não a observava. Seus pensamentos estavam em outra parte do mundo.
? Evelyn não pode ter filhos ? grunhiu Roger ao mesmo tempo que se levantava e se dirigia para o porta-garrafas. ? Conforme entendi, ao perder o que esperava sofreu uma infecção ou algo similar e ficou estéril.
? Esteve casada? ? John virou a cabeça para seu amigo e entrecerrou seus olhos. Se for certo, se ela tinha vivido um matrimônio anterior, não seria a mulher que lhe indicaram seus ancestrais. Estes falaram de uma mulher sem enlace, de uma mulher quebrada pela tristeza de um passado tortuoso e que só acharia a paz quando seu amigo estivesse à beira da morte.
? Casada não, comprometida sim. Mas o compromisso se rompeu. Aquele malnascido a abandonou quando descobriu que a riqueza familiar tinha desaparecido depois de um mau investimento do pai dela ? explicou apertando a mandíbula.
? Poderia procurá-lo. Sabe que sou bastante hábil em encontrar pessoas desaparecidas ? comentou ansioso de que seu amigo lhe dissesse que sim.
? Não quero investigar o passado da Evelyn. Prometi-lhe que só me interessa saber o que faz desde que nossas vidas se cruzaram ? assinalou antes de voltar a tomar o líquido ambarino de um sorvo.
? Como quiser... mas tenho que te advertir que me entristeceu sua decisão.
? Mas como? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Faz muito tempo que não escalpelo ? assinalou antes de soltar uma gargalhada.
XXIX
Evelyn esticou as mãos para o lugar onde devia permanecer Roger, mas ao não o achar abriu os olhos. Sentou-se na cama ocultando sua nudez com o lençol e o buscou com o olhar. Não estava. Partira. Suspirou pelo pesar que lhe produzia não o ter ao seu lado e voltou a recostar. Fixou suas pupilas no dossel e tentou rememorar onde podia estar. Entretanto, em vez de recordar as conversações que mantiveram para conseguir responder-se, sua mente lhe ofereceu as imagens deles dois amando-se durante a noite. O corpo de seu marido sobre o seu, esquentando-o, fazendo-o arder de desejo... rodando ao longo da cama, sempre unidos, sempre se tocando. Não havia uma só parte de seu corpo que Roger tivesse deixado sem acariciar. Sorriu ao apreciar que, com somente recordando necessitava-o de novo. Assombrada pelas emoções que tinham despertado nela, voltou a elevar-se e procurou algo com o que cobrir sua nudez. Precisava sair daquele quarto onde seus pensamentos pecaminosos não tinham fim. Pousou seus pés no chão e se dirigiu para varanda, abriu as cortinas e viu que na entrada estava estacionada a carruagem na qual devia chegar Wanda. Procurou com o olhar a bata que na noite anterior Roger lançou para algum lugar do quarto e, depois de achá-la atrás do divã, correu para colocá-la.
? Wanda! ? Exclamou baixando as escadas como uma menina alterada.
? Senhora... ? comentou a donzela assombrada ao ver Evelyn vestida com uma simples bata e com os cabelos alvoroçados.
? OH, Wanda! Quanto senti saudades! ? Disse ao abraçá-la.
? Duvido que o tenha feito vendo-a dessa forma ? resmungou a criada.
? Não seja má... ? deu uns passos para trás e se ruborizou.
? Vejo que seu plano está sendo eficaz ? sussurrou-lhe.
? O plano ? retrucou ? desapareceu. Agora não quero descobrir quem é meu marido, mas sim desfrutar da vida que tanto deseja me oferecer.
Wanda esteve a ponto de soltar um enorme insulto quando Sophie apareceu de algum lado da casa.
? Deseja tomar o café da manhã? ? Perguntou a Evelyn com interesse.
? Sim, claro. Muito obrigada Sophie por ser tão atenciosa ? comentou com um sorriso.
? Tomar o café da manhã? ? Inquiriu Wanda com um sussurro. ? Eu diria que é a hora do almoço ? replicou.
? Esta noite não pude descansar tudo o que precisava ? alegou sem deixar de ruborizar-se. ? Sophie ? chamou a atenção da criada que já tinha começado a dirigir-se para a cozinha. ? Poderia nos levar o café da manhã em meu quarto?
? É claro, senhora ? afirmou fazendo uma leve reverência.
? Vem! ? Evelyn pegou a mão de Wanda para fazê-la subir as escadas com rapidez. ? Vou mostra-te a casa!
Depois de lhe mostrar o dormitório que tinham preparado para ela, conduziu-a para seu quarto. Os olhos da criada não tinham sido capazes de fechar-se nem um só instante. Mostrava a mesma expressão de assombro que ela ao compreender como era o interior da casa de seu marido.
? E este é nosso quarto ? indicou quando abriu a porta.
? Nosso? ? Quis saber ao mesmo tempo em que arqueava as sobrancelhas.
? Meu marido não deseja descansar afastado de mim ? expôs ruborizada.
? E muito temo que você tampouco fosse capaz de descansar sem sua presença, equivoco-me?
? As coisas mudaram! Tudo mudou! ? Exclamou virando-se sobre ela mesma um par de vezes. ? Não é o homem que me disseram. Não é o homem que acreditei!
? Bom... ? começou a dizer enquanto procurava um assento ? isso deve me alegrar.
? Claro que sim! ? Caminhou para ela, ajoelhou-se e pôs sua cabeça sobre os joelhos de Wanda. ? Nós duas temos que nos alegrar! Por fim viveremos felizes...
A donzela acariciou o cabelo de Evelyn ao mesmo tempo em que suspirava com veemência. Esperava, não! Melhor, rogava, que desta vez não lhe rompessem o coração. Porque se acontecesse, se voltassem a destroçá-la, ela não atuaria de maneira passiva. Arrancaria o coração do futuro marquês com suas próprias mãos...
? O que é esse ruído? ? Evelyn se levantou com rapidez e caminhou para a porta. Ao abri-la escutou a voz de uma mulher. Falava com autoridade e elevava seu tom em cada palavra.
? Nem lhe ocorra sair assim! ? Advertiu-a Wanda colocando-se em frente dela. ? Irei ver o que acontece.
Evelyn assentiu, deu uns passos para trás e deixou que saísse. Quando ficou sozinha andou até a cama, sentou-se e apertou as mãos. Quem apareceria no lar de seu marido dando ordens e levantando sua voz de forma desafiante? Olhou para a porta e notou como seu pulso se acelerava. Devia havê-lo suposto. Para chegar a Lonely tiveram que atravessar meia Londres e mais de um londrino saudou a carruagem ao contemplar o estandarte pendurado na lateral deste. Todo mundo saberia que o senhor Bennett tinha retornado. Talvez inclusive alguma de suas amantes descobrisse que Roger permaneceria em seu lar e apareceu demandando aquilo que em seu tempo lhe ofereceu. Sim, devia ser isso. Uma mulher não podia elevar a voz daquela maneira salvo que se zangasse ao ser informada que seu amante se casou e que já não a necessitava. Umas lágrimas começaram a brotar de seus olhos e a tristeza lhe oprimiu o coração. Tinha que havê-lo suspeitado. Tinha que ter considerado que, face à notícia do casamento de Roger, mais de uma mulher não renunciaria a perdê-lo como caso. Quem, em seu são julgamento, desistiria de umas mãos e uma boca como a de seu marido?
? Deus santo bendito! ? Exclamou Wanda depois de fechar a porta atrás de sua entrada. ? Vista-se!
? Quem é?
? Quem é?! ? Repetiu a donzela elevando os braços e pondo os olhos em branco. ? Sua muito ilustre, minha senhora! A própria marquesa de Riderland veio conhecê-la!
? A mãe do Roger? ? Levantou-se de um salto da cama e se levou as mãos à boca.
? A própria! E ela gritou a... Sophie?... ? Perguntou duvidosa ? que não partirá até saber quem é a mulher que conseguiu casar-se com seu filho.
? OH, meu Deus! OH, meu Deus! ? Gritou Evelyn correndo de um lado para outro.
Muito ao seu pesar teve que deixá-la no quarto. Teria gostado de vê-la despertar, observar como lhe brilhavam os olhos ao vê-lo ao seu lado e como estendia os braços para acolhê-lo de novo em seu corpo. Mas tinha outras coisas que fazer antes de retornar a Evelyn. Desceu do cavalo e soltou uma enorme gargalhada quando fixou suas pupilas na entrada da residência.
? Não disse que estava doente? ? Perguntou divertido.
? Prometo-te que assim era ? respondeu John assombrado.
Uma pequena de uns seis anos corria para eles. Seu cabelo ondulado voava sobre sua pequena cabeça e a cor loira se fazia branca quando os raios solares o alcançavam. Agarrava com suas mãozinhas o vestido esmeralda para não cair na corrida. Roger abriu os braços, ajoelhou-se e esperou que a menina impactasse sobre seu corpo.
? Roger! Roger! Retornou! ? Gritou Natalie antes de lançar-se sobre Bennett. ? Senti falta de ti.
? Olá, princesa! Eu também tive saudades. Como está? ? Perguntou sem deixar de abraçá-la. ? John me disse que esteve doente, sinto se não estive ao seu lado, mas tive que partir para um lugar muito longínquo. Embora vejo que se encontra melhor. ? Pegou-a em seus braços e a levou de novo ao interior da casa.
? O senhor Bell disse à mãe que era amigdalite, ? disse com a cabeça elevada e olhando ao seu irmão mais velho com entusiasmo ? e tive que tomar um remédio com um sabor amargo. ? Fez uma careta.
? Vá... e não te recomendou que tomasse muitos sorvetes? ? Disse divertido.
? Gelados? ? Abriu tanto os olhos que o azul de suas pupilas se voltou transparente.
? Já vejo que não... ? sorriu de lado a lado. ? Bom, pois falarei com sua mãe para que nos sirva duas grandes taças de sorvete de baunilha.
? Sim, por favor... ? murmurou Natalie. ? Ela sempre te dá atenção.
? Sua Excelência... ? Ywen, a mãe da menina, fez uma pequena reverência ao vê-lo entrar.
? Bom dia, Ywen. Acredito que Natalie deseja tomar duas bolas de sorvete. ? Deixou a menina no chão e caminhou pela entrada da residência. Tudo estava igual a antes de partir. Graças a Deus nada tinha mudado e esperava que nunca o fizesse.
? Gelado? ? Ywen arqueou as sobrancelhas castanhas e olhou à menina zangada. Natalie se escondeu atrás das pernas de Roger e este voltou a soltar outra gargalhada.
? Se puder nos servir duas taças de sorvete... ? assinalou divertido.
? Zangou-se... ? sussurrou a menina sem mover-se.
? Como sabe? ? Virou a cintura para a direita e a observou jocoso.
? Porque enrugou o nariz...
? Roger, deveria ir visitar os outros. Estarão na estufa ? indicou John.
? Far-me-á a honra de me acompanhar, milady?
Bennett fez uma exagerada reverência à menina.
? A honra será minha, cavalheiro ? respondeu agarrando seu vestido com ambas as mãos e lhe respondendo com outra genuflexão.
Agarrada à sua mão Natalie saltitava em vez de caminhar. Estava tão feliz de ter de novo seu irmão que era impossível andar como lhe indicava sua insistente instrutora. Elevou várias vezes o rosto para confirmar que estava ali, junto a ela, e que nada nem ninguém os separariam jamais.
? Bom dia a todos. ? Roger abriu a porta da estufa e saudou os meninos que se encontravam estudando botânica com a senhora Simon, encarregada de lhes ensinar matérias como álgebra, ciência e piano.
? Roger! ? Exclamaram ao uníssono. Antes que Natalie pudesse lhe soltar a mão os meninos correram para Bennett para abraçá-lo.
? Sua Excelência ? saudou-o a professora com uma reverência. ? Bem-vindo.
? Bom dia, senhora Simon. Que tal foram suas aulas em minha ausência?
? Salvo pelo comportamento habitual do senhor Logan, tenho que lhe dizer que tudo está perfeito ? explicou orgulhosa.
O menino aludido se endireitou, levou a mão à cabeça e soprou. Roger quis censurar e repreender sua atitude, mas quando o olhou aos olhos, viu-se ele mesmo. Nunca tinha sido um bom estudante. Sempre se esquivava das aulas que o aborreciam e desesperava qualquer instrutora que se autoproclamasse tranquila e sossegada. Mas por sorte sua mãe acalmava sua ira quando elogiavam o cavalheirismo, a inteligência e a sensatez de Charles, o filho pródigo, quem deveria ter sido o encarregado de ostentar o título que, por cinco minutos, ele tinha que possuir.
? Não quero voltar a escutar a senhora Simon me indicar que seu comportamento não é o adequado ? disse finalmente. Recordou-se de seu pai. Ali, em frente à porta de seu dormitório com os braços nas costas e elevando o queixo com ímpeto. ? Se em menos de um mês sua conduta não mudar, terei que falar com sua mãe para escolher o que fazer contigo. Não posso perder tempo nem meu dinheiro esbanjando-o naqueles que não o valoram.
? Sim, senhor. Prometo-lhe que mudarei. ? Abaixou a cabeça e apertou os dentes.
«Deus! ? Pensou Bennett. ? Como pode ser tão semelhante a mim?».
? Roger... ? John chamou sua atenção ? o administrador acaba de chegar. Espera-te no escritório.
? Diga-lhe que não demorarei. ? Seu amigo assentiu e partiu. ? Bom, tenho que ir. Espero que os pequenos incidentes não voltem a se repetir. Senhora Simon...
? Senhor Bennet...
Deu-se a volta e caminhou para a porta. Entretanto ficou parado ao ver que Natalie não se movia. Permanecia ao lado da professora.
? Quero escutá-la, se não se importar. Quero aproveitar o tempo e o dinheiro ? apontou a menina muito séria.
Bennett sorriu e continuou seu caminho. Enquanto se dirigia ao escritório recordou o dia no qual apareceu Ywen em Lonely Field. Chorava desesperada enquanto mostrava um bebê nos braços. Ao princípio não quis olhá-lo. Só pensou que era outro mais. Outro ser desamparado ao que, igual aos outros, unia-o o mesmo sangue, mas quando Ywen afastou a manta que cobria o pequeno rosto, Bennett ficou paralisado. Não estava vendo a filha de seu pai, mas sim a sua. Tinha o mesmo tom de olhos, seu mesmo nariz bicudo e o cabelo, aquele diminuto arbusto de cabelo que cobria a cabecinha era do mesmo tom. Nesse momento, ao ver Natalie, compreendeu que todo seu esforço, todos seus pesares valiam a pena se seus irmãos eram tratados com a dignidade que mereciam. Por que deviam sofrer as consequências do egoísmo de um pai incapaz de reconhecer seus bastardos? Além disso, na residência os mantinha a salvo das garras de sua mãe. Ao rememorar o instante em que descobriu as atrocidades que ela realizava para eliminar todas as crianças que nasciam das infidelidades de seu marido, Roger apertou a mandíbula e respirou com profundidade. Não, não lhes ocorreria nada de mau. Ele os protegeria sempre.
? Com os últimos ganhos têm podido resolver todas as faturas. ? O administrador, rodeado de papéis, mostrava a Roger um a um os recibos pagos. ? Tenho que lhe dizer que foi uma ideia excelente cortar os gastos ao fazer com que as mães trabalhassem na residência. Pudemos prescindir de cozinheiras, lavadeiras, donzelas e inclusive várias delas cuidam do jardim melhor que qualquer jardineiro que se orgulhe de sê-lo.
? Alegra-me escutar isso. ? Roger adotou a postura de um homem de negócios. Seu corpo reto parecia mais imenso, se cabia, e suas mãos ocultas atrás das costas o magnificavam.
? Mas também tenho que o advertir que se achássemos mais alguns filhos ilegítimos de seu pai...
? Conforme me informou John levamos um ano sem que apareça nenhum e não acredito que, aos seus setenta anos, possa continuar com esse desventurado costume ? resmungou Bennett.
? Bom, nunca se sabe o que foi capaz de fazer no passado, mas é certo que há um ano ninguém apareceu e duvido que possa engendrar mais filhos devido à sua enfermidade.
? Doente? ? Perguntou franzindo o cenho.
? Sim. Sua Excelência está prostrado no leito ao menos há quatro meses. Segundo meus contatos poderia falecer em qualquer momento e você possuiria o título.
? E como não me fez chegar uma notícia assim? ? Inquiriu furioso.
? Senhor, disse-lhe. Indiquei-lhe na missiva que lhe enviei quando estava navegando que devia me visitar por dois motivos importantes. Mas quando desembarcou não apareceu no meu escritório ? explicou com voz tremente.
? Tem razão... ? acalmou-se um pouco. ? Tive que me ocupar de outros assuntos antes de partir para Haddon Hall. ? Perambulou pelo escritório sem poder fixar a vista em nenhuma parte. Se for certo, se seu pai estava em seus últimos dias, como aceitaria sua mãe ser a viúva e que seu desprezível filho conseguisse o título? E seu irmão? Permaneceria impassível enquanto ele aceitava seu legado? Roger enrugou a testa. Sabia que deviam estar tramando algo, o que não conseguia imaginar, mas seria algo maligno, disso não lhe cabia dúvida. De repente ficou pétreo, olhou fixamente ao administrador e perguntou: ? Qual é o segundo motivo?
? Você... ? a voz tremente apareceu de novo.
? Eu? ? Roger entrecerrou os olhos e olhou ao homem com suspeita.
? Sei que não pode ser certo, sua Senhoria. Por mais que estive pensando nisso, não me saem as contas.
? Contas? De que contas fala? ? Caminhou para a mesa coberta de papéis e apoiou as palmas sobre eles.
? Rogo-lhe que não se zangue comigo, senhor. Juro-lhe por minha vida que não acredito em uma só palavra dessa descarada.
? A que descarada se refere? ? Grunhiu.
? À viúva do senhor Myers, Excelência ? disse ao fim.
? Eleonora? ? Afastou as mãos, cruzou-as diante de seu peito e arqueou as sobrancelhas. ? O que queria essa mulher de ti?
? Não se trata de mim, mas sim de você. ? O administrador fez uma pausa para poder tomar fôlego. Sabia que o que ia expor não lhe ia causar agrado algum. ? Cinco meses depois de seu enlace matrimonial apareceu em meu escritório ? começou a dizer. ? Vinha enfurecida e se foi ainda mais zangada quando lhe indiquei que não sabia onde se encontrava e que não podia lhe fazer chegar a informação.
? O que desejava essa harpia? Que informação devia me dar? ? Perguntou surpreso, ao mesmo tempo que confuso.
? Segundo ela você... ? titubeou de novo. ? Você...
? Maldita seja! Fala de uma vez!
? Essa mulher diz que o filho que espera é seu.
Roger não teve tempo de reagir ante a notícia quando John abriu a porta de uma vez.
? Temos um grave problema ? manifestou com o rosto alterado.
? O que acontece? ? Perguntou Bennett caminhando para seu amigo com rapidez.
? Yeng está lá fora. Sophie o enviou. ? Virou-se e correu para a saída. Bennett o imitou. Seu coração não palpitava e mal podia respirar. Se sua governanta tinha enviado alguém em sua busca era por uma razão: Evelyn.
? Diga-me que minha esposa não está em perigo ? exigiu saber enquanto montava no cavalo.
? Não posso dizer tal coisa porque sua mãe e seu irmão estão com ela ? soltou John antes de tocar com brio ao corcel.
XXX
? Estou perfeita? ? Evelyn acariciou o vestido e deixou de respirar. Wanda tinha sido hábil ao fazer chegar o baú que transportava na carruagem e podia usar um dos vestidos que comprou sob o atento olhar de Beatrice.
? É claro ? afirmou a donzela ultimando o penteado.
? Estou tão nervosa... o que pensará a marquesa? Parecerei a mulher perfeita para seu filho? Espero... rogo que não tenham chegado aos seus ouvidos as desditas que padeci no passado ? soluçou.
? Relaxe. De verdade que deve tranquilizar-se um pouco antes de descer. Além disso, goste ou não Sua Excelência, já se casou com seu filho e nada pode fazer para desfazê-lo. Seja você mesma, não queira aparentar aquilo que não é e já verá o orgulhoso que se sente seu marido quando souber que recebeu de maneira correta a sua mãe ? comentou com voz suave e aprazível.
? As luvas! ? Exclamou Evelyn olhando ao seu redor. Movia-se com tanto brio que Wanda pensou que o laborioso penteado não permaneceria muito tempo tão perfeito.
? Não acredito que seja apropriado... ? começou a dizer em voz baixa.
? Tenho que usá-las! ? Respondeu agitada. ? Meu Deus, tenho que usá-las!
? Respire... por favor, respire... ? Wanda observou que os objetos que procurava com desespero jaziam sobre a penteadeira e que devido ao seu estado de nervosismo não os tinha visto. Aproximou-se, pegou-os e os mostrou.
? É muito importante para mim lhe causar boa impressão ? disse um pouco mais serena enquanto a donzela lhe punha as ansiadas luvas. ? É a marquesa, a mãe do homem de quem estou... ? emudeceu rapidamente. Não, não podia dizê-lo ainda. Por mais feliz que se sentisse junto a Roger ainda não podia falar de algo tão importante, tão profundo.
A criada respirou fundo, estendeu suas mãos pelo vestido e caminhou para a porta. Não precisava que Evelyn terminasse a frase que tanto temor lhe produzia. Ela já sabia as palavras com as quais finalizaria. Estava apaixonada. O homem de olhar penetrante, perturbador e embelezador tinha utilizado todas as suas artimanhas para seduzi-la e apanhá-la. Só esperava que ele sentisse o mesmo por ela e esquecesse o resto das mulheres.
? Preparada? ? Quis saber após abrir a porta e esperar que Evelyn se decidisse a caminhar para o exterior.
? Sim ? respondeu após suspirar e elevar o queixo.
? Não se esqueça de respirar, é muito importante para evitar desmaios inoportunos... ? sussurrou-lhe quando passou ao seu lado.
Evelyn sorriu levemente. Caminhou mais erguida do que deveria e parou quando chegou às escadas. Olhou para a entrada e observou que ali não havia ninguém. Certamente Sophie tinha dirigido a marquesa para a sala de jantar. Relaxou e, tal como lhe indicou Wanda, respirou. Pousou a mão no corrimão e desceu devagar, sem aparente pressa, embora a força com que pulsava seu coração poderia impulsioná-la para baixo sem chegar a tocar o chão com os pés.
? Boa tarde... ? apareceu uma voz masculina justo antes de pisar o último degrau.
Evelyn não pôde ocultar a surpresa que lhe produziu ver um homem tão parecido ao seu marido, embora percebesse notórias diferenças: seu marido tinha os olhos mais claros, era o dobro de corpulento e, por sorte para Roger, o cabelo e a barba abundavam mais nele que naquela pessoa que a olhava sem piscar.
? Pelo assombro que contemplo em seu belo rosto meu querido irmão não a informou sobre mim, estou certo? ? Arqueou a sobrancelha direita, sorriu e esticou sua mão para tomar a dela e dirigi-la para sua boca.
? Boa tarde. A verdade é que falamos de muitas coisas, talvez tenha me dito e o esqueci ? desculpou-o. Tentou recompor-se do choque que lhe tinha produzido a aparição de outro Bennett e sorriu.
? Nesse caso, minha querida cunhada, apresentar-me-ei como é devido. ? Fez uma ligeira genuflexão e prosseguiu: ? Sou Charles Bennett, o irmão gêmeo de seu marido ? esclareceu com uma voz tão melosa que Evelyn sentiu uma estranha comichão em seu estômago.
? Encantada de o conhecer, pode me chamar de Evelyn se lhe parecer correto ? disse enquanto aceitava o braço que lhe oferecia para dirigi-la para a pequena saleta que Roger tinha ao lado da sala de jantar.
A mulher franziu sutilmente o cenho. Não esperava que Sophie os tivesse conduzido a um lugar tão privado para seu marido. Conforme lhe contou quando lhe fez o breve percorrido pela casa, ali era onde se reunia com os comerciantes, advogados e administradores que trabalhavam para ele e onde guardava documentos que ninguém devia tocar.
? Evelyn... ? sussurrou com tom aveludado. ? Bonito nome. Que significado tem um antropônimo tão assombrosamente belo?
? Provém de uma palavra grega, hiyya, que significa fonte de vida ? respondeu surpreendida. Era a primeira vez que alguém se interessava pela origem de seu nome. ? Embora acredite que a verdadeira razão pela qual meus pais decidiram me pôr este nome se deve a uma...
? Novela? ? Interrompeu antes de apertar inapropriadamente sua mão com a dele.
? Sim, com efeito, a uma novela. A minha mãe gostava muito de ler e imagino que achou o nome em algum personagem feminino ? respondeu desenhando um leve sorriso enquanto retirava sua mão do braço masculino com sutileza.
? Mãe... ? saudou Charles após abrir a porta e permitir que Evelyn acessasse primeiro ? apresento-lhe Evelyn, a esposa do nosso querido Roger.
? Sua Excelência... ? Evelyn caminhou para ela, fez uma reverência e ficou parada até que a mulher, de não mais de cinquenta anos, aproximou-se dela abrindo seus braços.
Nenhum dos dois tinha herdado nem a cor de seus olhos nem o do cabelo. A mãe possuía olhos negros e cabelo castanho. Tampouco se assemelhavam em altura. Era uma mulher baixa e gordinha. Entretanto, todo seu ser desprendia poder, dominação e arrogância. Qualidades que sim possuía seu marido.
? É linda! ? Exclamou a marquesa enquanto a abraçava. ? Roger sempre teve bom gosto ao escolher as suas mulheres e vejo que continua tendo-o. Embora até agora nunca escolhesse uma com o cabelo vermelho. Imagino que esse terá sido o principal motivo pelo qual terminou casando-se contigo. É diferente.
Evelyn piscou várias vezes, apertou os dentes e continuou sorrindo embora sua mente lhe oferecesse mil maneiras de desculpar-se e sair fugindo dali até que Roger aparecesse e lhe explicasse a verdadeira razão pela qual estavam casados.
? Enquanto a esperávamos pedi à criada que nos preparasse uma chaleira quente ? comentou. Pegou a mão direita de Evelyn e a conduziu, com um caminhar firme, por volta das duas poltronas que havia junto à chaminé.
? Parece-me uma ideia muito acertada. Sinto se os fiz esperar mais do que o devido. Depois da longa viagem necessitei de bastante tempo para me repor ? respondeu Evelyn sem saber se suas palavras eram as adequadas.
? Imagino... ? disse a mulher enquanto se sentava em uma das poltronas.
? Pode acreditar que minha querida cunhada não sabia da minha existência? ? Comentou Charles com um sorriso divertido. ? Deduzo que meu irmão não lhe falou muito sobre sua família.
? Não? ? Perguntou a marquesa mostrando um incrível pesar no rosto.
? Tenha em conta que mal permanecemos juntos. Depois de nos casar Roger teve que empreender uma longa viagem de negócios. ? Voltou a desculpá-lo sem poder evitar ruborizar-se ao ter que responder questões tão íntimas.
? Meu querido filho não é muito falador, não é? Ele prefere atrair as mulheres com outro tipo de artes mais... pecaminosas.
? Eu apreciei ? começou a dizer Evelyn depois de tomar ar e conter a impetuosa ira que começava a nascer em seu interior ? que tanto Charles como Roger são bastante parecidos.
? Sim, minha gestação foi um presente de Deus. Acreditamos que vinha um só bebê e tivemos uma grata surpresa ao descobrir que meu seio albergava duas criaturas. Embora Charles seja somente uns minutos mais novo que Roger ? disse sem ocultar seu desdém.
? Parecemos-lhes iguais? ? O aludido se aproximou tanto que voltou a sentir-se incômoda ante tal proximidade. Contra sua vontade Evelyn pôde cheirar o perfume de seu cunhado. Apesar de serem tão parecidos, os dois possuíam essências muito diferentes. A do Roger produzia nela um efeito embriagador, entretanto, a do Charles a enojava.
? Um pouco... ? reclinou-se levemente sobre seu assento para distanciar-se antes de mostrar qualquer sinal de repugnância no rosto e verteu água quente sobre a xícara em cujo interior havia uns raminhos verdes.
? Permiti-me o luxo ? continuou falando a mulher ? de te trazer umas infusões do meu lar. Espero que sejam de seu agrado.
? Muito obrigada, com certeza que sim. ? Aproximou a xícara de sua boca, mas ao notar a água mais quente do que estava acostumada a tomar, deixou-a de novo sobre o prato.
? Quando eram pequenos ninguém sabia quem era um e quem era outro, mas por sorte uma mãe nunca se equivoca. ? A marquesa franziu o cenho ao ver que Evelyn colocava o copo sobre a mesa. ? E falando de crianças... pensa em ter descendência logo? Meu marido, ao ser vinte anos mais velho que eu, esforçou-se em me deixar grávida desde a primeira noite que me converti em sua esposa.
? Mas Roger e eu somos da mesma idade e acreditamos que antes de trazer um bebê ao mundo temos que nos conhecer um pouco mais. ? Tinha parecido loquaz? Isso esperava porque não desejava ter que ser ela quem dissesse à marquesa que jamais teria essa ansiada descendência.
? Pois não deveriam demorar muito. Se por acaso não sabe, o marquês está muito doente ? disse com aparente tristeza. ? E se não melhorar, logo ficarei viúva.
? Isso significa que Roger... ? tragou saliva e voltou a segurar a xícara. Tremiam-lhe as mãos? Sim, claro que o faziam. Escutou um leve tinido ao tentar levantar a xícara.
? Sim. Apesar de sua insistência em recusar o título que por nascimento lhe pertence, não pode evitá-lo. Quando seu pai morrer ele será o novo marquês de Riderland ? prosseguiu sua exposição com uma desmesurada aflição no ancião rosto. ? Como já te terá indicado, odeia tanto a responsabilidade que suporta ser marquês que jamais aceitou um só xelim da família.
? Como? ? Disse sem pensar.
? Não lhe contou isso ainda? Sinto muito, possivelmente estou me metendo em temas que não me incumbem, mas não é justo que pense que se casou com um homem diferente ao que é em realidade: seu marido, querida, vive do que aquele navio lhe proporciona. ? A marquesa esticou a mão e tocou com suavidade a de Evelyn.
? Então... tudo isto...
Levou a xícara aos lábios. Devia lhe dar um bom sorvo para poder digerir o que estava escutando, mas quando a xícara tocou sua boca, uma enorme se escutou portada na sala. Ao levantar o olhar observou Roger com os olhos injetados em sangue. Sem pensar um segundo este correu para ela, pegou a xícara e a atirou para o interior da chaminé.
? Parta daqui agora mesmo! ? Gritou com tanta força que o eco de sua voz retumbou por cada canto da casa. Ao mover a cabeça de um lado para o outro algumas mechas do rabo de cavalo se soltaram para formar redemoinhos sobre sua cabeça. Alguma vez tinha visto um homem tão zangado? Alguma vez tinha presenciado como um titã podia converter-se em uma besta tão ameaçadora?
? Filho... ? murmurou a marquesa levantando-se de seu assento e estendendo as mãos para ele. ? Meu filho...
? Disse para partirem ? resmungou. Seu peito se elevava e baixava com uma velocidade inverossímil. De repente Evelyn observou assustada, que os olhos de seu marido se obscureciam e que sua boca se torcia em um sorriso satânico. ? Ou o fazem por bem... ou por mau ? sentenciou.
Nesse preciso momento John apareceu na entrada. Em sua mão levava uma pistola e sorria de satisfação.
? Vamos, mãe! ? Ordenou Charles estendendo a mão para ela. ? Não se humilhe mais.
? Mas, filho... ? insistiu a marquesa com lágrimas nos olhos.
? Bebeu algo? Tomou algum mísero sorvo disso? ? Roger, inquieto, agarrou-lhe a mão, levantou-a da poltrona, caminhou com ela para a saída e quando estavam no meio do salão, retornou à mesinha para lançar o bule ao mesmo lugar que tinha jogado a xícara.
? Não... ? disse temerosa. ? Não tomei nada, por que o diz? O que acontece, Roger? A que vem tudo isto? Por que os jogou desse modo de nossa casa?
? Querida, prometo-te que explicarei isso tudo quando me encontrar mais calmo, mas agora não sou capaz de raciocinar. Só desejo... ? soltou outra vez a mão de sua mulher e andou para a porta principal.
? Vão como duas hienas depois da chegada do leão ? indicou John antes de soltar uma gargalhada.
? Sinto muito, senhor, não pude evitar que... ? começou a dizer Sophie sem deixar de chorar.
? Calma, eu entendo. Fez o correto. ? Roger a reconfortou.
Evelyn foi incapaz de mover-se do hall. Não podia assimilar o que tinha acontecido nem por que. Seu marido havia dito que explicaria quando estivesse mais calmo, mas... e ela? Quando se acalmaria ela? Aturdida, levantou o vestido com as duas mãos e começou a subir as escadas com rapidez. Precisava ficar sozinha. Precisava digerir o que tinha acontecido em menos de uma hora.
? Evelyn! ? Gritou Roger ao vê-la caminhar pelo piso de cima. ? Evelyn!
? Não suba, ? disse John pousando a mão direita sobre o ombro de seu amigo ? deixe-a até que encontre a paz que necessita para falar com ela.
? Não vou dar tempo para que sua mente pense o que não é, devo lhe esclarecer tudo o que aconteceu, mas antes de subir deve me fazer um favor.
? Diga-me.
? Eleonora comenta que está esperando meu filho e não é certo ? disse com veemência.
? Está totalmente seguro de que não é teu?
? Totalmente ? declarou cortante.
? Bem, o que quer que eu faça?
? Procura o homem com quem ela esteve se vendo às escondidas. Pode ser que a visitasse inclusive quando estava comigo. Essa mulher tinha um maligno propósito quando jazia em meus braços. Não acreditei nos que me advertiram que, em diversas ocasiões, viram-na comprando beberagens de fertilidade em Whitechapel, mas agora sei que tinham razão quando me avisaram que procurava ser a futura marquesa de Riderland ? comentou zangado consigo mesmo por não haver se dado conta com antecedência.
? Essa mulher sempre me produziu calafrios... ? disse John fazendo tremer de maneira exagerada seu corpo.
? Não demore em encontrá-lo. Acredito que Evelyn não será capaz de confrontar tantas coisas de uma vez só ? disse olhando por volta do segundo andar.
? Se te amar, o fará ? determinou John antes de partir para começar a busca pelo misterioso amante.
XXXI
Apesar de querer dar-se um pouco mais de tempo para falar com Evelyn, não pôde conter-se. Quando viu John montar no cavalo e dirigir-se para Londres, Roger subiu as escadas de dois em dois. Urgia lhe contar a razão pela qual tinha atuado daquela maneira e que ela entendesse o motivo de sua ira. Caminhou pelo corredor com mais lentidão do que pretendia. Seu coração pulsava com força e mal podia controlar os tremores de suas mãos. Ficou parado na porta com a cabeça abaixada e os ombros inclinados para frente. Era o momento de sua esposa descobrir seu passado embora isso implicasse um inevitável distanciamento entre ambos.
Quando acessou ao dormitório observou Wanda sentada ao lado de sua mulher. Abraçava-a e lhe murmurava palavras de consolo enquanto ela soluçava. Estrangulou-se-lhe a garganta e notou como suas forças se desvaneciam ante a triste imagem. Deu dois passos para a frente esperando que a donzela notasse sua presença. Assim que ela o descobriu, ao virar com suavidade a cabeça para a porta, levantou-se, fez uma pequena reverência e começou a dirigir-se para ele.
? Obrigado, Wanda ? agradeceu-lhe com uma voz incomum nele.
? Excelência...
Wanda fechou a porta após sair. Inspirou profundamente e cravou seus olhos no final do corredor. Surpreendeu-se ao ver que Sophie a esperava com os braços cruzados diante do peito. Sem parar para raciocinar por que estava ali, dirigiu-se para ela.
? Posso te contar toda a história enquanto tomamos um chá ? assinalou a mulher com tom suave.
? Preferiria um bom copo de uísque ? acrescentou Wanda.
? Então direi ao Yeng que nos suba uma garrafa da adega.
Não se atrevia a aproximar-se. Evelyn continuava sentada sobre a cama olhando para a janela.
? Se quiser que eu parta, entenderei ? disse enfim.
? Acredito que antes de se afastar deveria me explicar o que aconteceu lá embaixo ? respondeu tremente.
? Evelyn eu... eu não quero te perder ? comentou em tom estrangulado.
? Tenta me dizer a verdade e eu ponderarei o que devo fazer, mas não dê por certo algo que ainda não decidi ? apontou. Voltou-se para Roger e ficou muda. Seu cabelo continuava alvoroçado, seus olhos já não eram escuros e sim cristalinos, e seu corpo, aquele que adorava pela magnitude que expressava, permanecia curvado, abatido.
? Como comprovou, ? começou a dizer caminhando para ela ? a relação com minha família é um tanto peculiar.
? Todos temos certas diferenças entre os membros de uma família, mas jamais acreditei que alguém tentasse resolvê-los dessa forma ? assinalou Evelyn apática.
? Não foi sempre assim, conforme me contou a mulher encarregada da nossa criação. Ela não teve preferidos até que cumpri os quinze anos. E era certo, ela tratava aos dois por igual. Entretanto, meu caráter começou a manifestar-se nessa idade e fomos nos distanciando.
? Meus pais também se zangaram comigo quando descobriram que eu não era a filha que esperavam, mas nunca cheguei a desprezá-los tanto para chegar a tratá-los dessa maneira ? indicou Evelyn esperando que Roger não quisesse lhe contar uma história falsa.
? Evelyn... ? murmurou ao mesmo tempo em que se ajoelhava em frente a ela.
? Tenta de novo, Roger. Se de verdade deseja que eu fique ao seu lado, conte-me a verdade.
? E se não for capaz de suportá-la? E se não for capaz de me olhar de novo nos olhos?
? Tenta...
Bennett abaixou a cabeça, deixou os braços soltos e prosseguiu.
? A fama de adúltero do meu pai era cada vez maior. Lembro como discutiam quando pensavam que ninguém os escutava, como minha mãe lhe gritava que ela não merecia padecer aquele tipo de vergonha e que estava cansada de receber todas as suas amantes com crianças nos braços declarando que eram filhos deles. «Casei-me contigo por sua inteligência, ? disse-lhe meu pai uma das vezes que falaram sobre o tema ? e confio que saberá como fazer desaparecer sua insofrível vergonha». Jamais imaginei que ela tomasse aquelas palavras de maneira tão literal, mas acredito que, aquilo que a conduziu a tomar aquela decisão tão horrenda, foi o desejo de velar por nossa posição social. ? Evelyn estendeu suas mãos para os ombros de seu marido para reconfortá-lo com seu leve toque. ? Mas apareceu um menino... uma estranha criatura que não contava com mais de sete anos se apresentou na porta da residência familiar com sua mãe pela mão. Até aquele dia, até aquele preciso momento, a marquesa cuidou com incrível paixão tanto do meu irmão como de mim para que não fôssemos testemunhas daquele tipo de visitas. Entretanto, aquele dia escapei do meu dormitório e me ocultei no estábulo. Precisava sair da casa e fazer desaparecer por umas horas a pressão que sentia ao ser instruído para me converter no futuro marquês. Lembro que a própria marquesa os recebeu, e após falar com a mulher, o menino ficou na entrada enquanto via como se afastava sua mãe. Com um sorriso estranho em seu rosto, conduziu-o para o interior da casa. Durante as duas semanas seguintes estive procurando esse menino por toda a residência. Inclusive me atrevi a perguntar às criadas se o tinham visto. Ninguém tinha ouvido falar dele, mas minha curiosidade era tal, que não diminuí meu empenho por encontrá-lo. Um dia, enquanto brincava com Charles, aventurei-me a percorrer o porão. Ali, no meio de um muro de pedra, uma porta de pequena envergadura permanecia fechada com a chave dentro da fechadura. Desejoso de ganhar o jogo, abri a porta e quando descobri o que havia no interior me assustei tanto que fui incapaz de me mover.
? Estava lá, não é? ? Interrompeu Evelyn ajoelhando-se em frente ao seu marido.
? Sim. Tinha-o amarrado a umas cordas para que não tentasse escapar. Lembro o suave e lento ritmo de seu respirar e a extrema magreza. Estava tão esquálido que podia apreciar com claridade os ossos ocultos sob sua pele. Quis desatá-lo, liberara-lo daquela prisão, mas escutei um ruído às minhas costas e me escondi.
? Quem era...? ? Perguntou colocando suas mãos nas maçãs do rosto de Roger. Levantou-lhe o rosto e observou um rio de lágrimas percorrendo suas bochechas.
? Minha mãe. Era minha mãe ? tremeu-lhe a voz ao afirmá-lo.
? OH, meu Deus, Roger! ? Exclamou abraçando-o com força.
? Matou-o diante dos meus olhos, Evelyn. Foi muito cruel escutar os soluços daquele menino rogando, em seu último fôlego, piedade para sua assassina. ? Bennett continuou chorando enquanto as cálidas mãos de sua mulher o acariciavam e tentavam lhe dar o consolo que, até aquele momento, nunca tinha encontrado. ? Quando esteve segura de que o menino não respirava, fechou a porta e partiu como se nada tivesse ocorrido. Durante os três dias seguintes, desci para averiguar que plano tinha minha mãe para desfazer-se do cadáver. E o que descobri foi tão aberrante que perdi o juízo. A cozinheira, uma mulher de incalculável confiança de minha mãe, picotava o corpo do menino com um machado. Vi-a ali, estendida no chão, levantando a arma e atirando-a com força para quebrar os ossos agarrados à carne. Logo todas as partes picotadas foram colocadas em um caldeirão e jogados em um fogo na cozinha. Utilizava-os como míseras lenhas.
? Mas o aroma... O fedor a...
? Quem ia imaginar que o que avivava o fogo eram restos de um ser humano? ? Comentou afastando as lágrimas com suas mãos e levantando-se com rapidez. Evelyn ficou olhando-o, quebrada de dor ao escutar o que lhe contava. ? Quando na cozinha não houve ninguém que fora testemunha da loucura que ia cometer, peguei um ramo do chão e tirei um osso desse menino.
? Seu crânio... ? murmurou Evelyn levando as mãos para a boca.
? Sim ? disse Roger voltando seu olhar para ela e entreabrindo os olhos.
? Vi-o na carruagem... ? revelou com temor.
? Prometo-te que não tratava de alcançar um prêmio, nem algo que queria ter como lembrança das demências da minha mãe. Precisava me aferrar a algo para me liberar da maldade que me rodeava, Evelyn. De confirmar que eu não era como ela, embora seu sangue regue meu corpo.
? O que aconteceu depois? ? Levantou-se e se colocou atrás das costas de seu marido.
? Parti. Com somente quinze anos abandonei meu lar e decidi procurar um futuro distinto do que me tinham marcado. Vivi alguns meses nas ruas, ocultando minha identidade. E de repente, um dia, um cavalheiro que cobria seu corpo com uma grande capa negra, e que se aproximou de mim para me dar umas moedas, teve piedade daquele menino magro e imundo que lhe rogava uma esmola para poder comer. Ofereceu-me partir com ele à França e me converter em um homem respeitável. Não me pergunte a razão dessa oferenda, jamais a investiguei, mas o que sim posso afirmar é que graças à sua misericórdia me salvei de morrer faminto em qualquer rua de Londres. Quatro anos depois do meu desaparecimento, quando todo mundo me acreditou morto, apareci em Tower, a residência dos meus pais. Meu pai chorou ao ver-me e me abraçou como nunca antes tinha feito. Entretanto, minha mãe e meu irmão não se aproximaram de mim. Acredito que não foram capazes de assimilar meu regresso. ? Suspirou profundamente. Olhou para o exterior da janela e prosseguiu. ? Não pretendia ficar vivendo com eles, nem voltar a ocupar o posto que por nascimento me pertencia, mas precisava esperar o momento idôneo para confessar à minha mãe que sabia o que tinha feito com os filhos ilegítimos de meu pai. Como era de se esperar, ela se enfureceu, gritou-me que tinha enlouquecido durante minha ausência e que só eram histórias que minha mente juvenil imaginou.
? Roger... ? Esticou as mãos, agarrou-o pela cintura e pousou sua cabeça sobre as costas masculina.
? Pouco tempo depois do meu imaginário testemunho comecei a adoecer. Tinha náuseas, enjoos e muitas febres, muitas. Meu pai, apavorado ao pensar que tinha contraído alguma enfermidade contagiosa, fez chamar o médico para que me tratasse, mas nem este pôde dizer com claridade o que me acontecia. De repente, uma pessoa teve piedade de mim. Um criado que levava pouco tempo servindo meus pais e que observava com firmeza o que acontecia no imóvel. Ele descobriu que minha mãe tinha plantado beladona em um lugar afastado do jardim e que me preparava isso como infusão. Ao raciocinar que tentava me matar por envenenamento, não o pensou. No meio de uma noite jogou meu corpo quase inerte sobre seus ombros, desceu até a entrada e, com grande esforço meteu-me em uma carruagem.
? Anderson... ? murmurou Evelyn apertando com mais força o corpo de seu marido.
? Mas o ódio da minha mãe não ia cessar nunca. Esperou com paciência o momento para conseguir seu fim e quase o obteve de novo. Encarregou um homem de me seguir e me espreitar. Em uma das minhas saídas noturnas nas quais não podia nem ficar em pé pela embriaguez, fui assaltado e amarrado. Resisti com afã ao ataque, mas não consegui escapar. Quando abri os olhos depois do desmaio, uma voz começou a falar atrás de mim. Antes de poder lhe responder, de repreender seu ato, notei uma ardência em minha pele.
? Suas marcas... ? Evelyn liberou a cintura de Roger e pousou com suavidade suas palmas sobre o tecido que cobria os sinais das chicotadas.
? Mas o destino voltou a me salvar. Na mesma noite em que fui assaltado, estive jogando cartas com o William e Nother, o antigo proprietário do meu navio. Rutland apareceu na residência em que me hospedava e ao não me achar buscou-me desesperado por toda Londres. Acredito que se sentia culpado por haver me abandonado à minha sorte enquanto ele esquentava o leito de uma amante. Então tropeçou com o Yeng, o crupiê que nos atendeu no clube. Quando lhe perguntou se me tinha visto, informou-o que depois de sair do clube duas pessoas carregavam meu corpo. Também lhe disse que me introduziram em uma carruagem e que se dirigiram para os subúrbios. William o agarrou pelo pescoço e fez com que lhe mostrasse o lugar aonde me conduziram. Só lembro que, quando dava tudo por perdido, quando vi a morte aproximando-se de mim, escutei um disparo e depois a pressão das minhas mãos acabou.
? OH, querido... ? soluçou abraçando-o de novo.
? Desde esse momento prometi que lutaria até o final dos meus dias e que nenhum ser inocente que tivesse meu próprio sangue morreria nas mãos da minha mãe. Yeng decidiu permanecer ao meu lado e foi meus olhos enquanto eu realizava longas viagens no navio. Encarregou-se de recolher todas as crianças que se dirigiam para Tower para reclamar a paternidade do marquês e os albergava em um asilo que eu pagava. Pouco depois adquiri vários terrenos. Em um construí Lonely e no outro... ? virou-se para sua mulher. Desejava contemplar como fazia frente ao que estava a ponto de revelar. Sentiu-se um ser maligno ao ver suas lágrimas vagar pelo rosto.
? E no outro? ? Insistiu Evelyn.
? Construí uma pequena residência a qual chamei Children Saved.
? Crianças salvas... ? murmurou a mulher com apenas um fio de voz.
? Sim. Ao princípio acredito que só o fiz para salvar minha própria consciência que não cessava de me recriminar dia após dia que podia ter impedido as mortes daquelas crianças.
? Mas não podia fazer nada... ? Evelyn levantou as mãos para Roger e pousou suas palmas no rosto. ? Era muito pequeno... ? insistiu soluçando.
? Mas um dia apareceu em minha porta um anjo. Um diminuto ser que quase me fez ajoelhar e suplicar que me perdoasse sem lhe haver feito nada ainda. Minha pequena Natalie... ? suspirou. ? Ela me fez compreender que esperavam de mim algo mais que um lugar onde os acolher ou os alimentar. Necessitavam de afeto igual a mim. Com o tempo minhas viagens se fizeram mais duradouras e abundantes face à fama que criei em Londres, para humilhar ainda mais meu sobrenome todos os comerciantes requeriam meus serviços. Quase todos os meus lucros se destinaram à melhoria da residência e a contratar pessoal qualificado para lhes oferecer a educação que mereciam.
? Quantas crianças há no Children Saved?
? Vinte.
? Vinte?! ? Repetiu surpreendida.
? Muitos, eu sei. Graças a Deus meu pai adoeceu e teve que abandonar o insaciável desejo de engendrar um sem-fim de possíveis herdeiros. ? Sorriu de lado ante seu próprio sarcasmo.
? Quero conhecer todos ? murmurou enquanto aproximava a boca de seu marido à dela.
? Está segura? ? Mal pôde fazer a pergunta pela emoção.
? Sim, muito segura.
Roger beijou Evelyn com paixão. Depois ficou olhando-a sem piscar, pegou-a pela cintura e a elevou sobre sua cintura.
? Amo-te, senhora Bennett. Amo-te mais do que jamais pude imaginar que o faria. ? Caminhou para o leito e a posou muito devagar.
? Roger... ? murmurou enquanto seu marido começava a colocar as mãos sob o vestido e acariciava com lentidão as pernas.
? Que...
? Eu também te amo.
Escutar aquelas palavras de sua esposa lhe produziu tal emoção que esteve a ponto de derrubar-se sobre ela e ficar a chorar. Todo seu passado, toda a escuridão que tinha vivido nele desde que descobriu aquelas mortes desapareceu. O sol brilhava em seu interior, e em cada carícia, em cada beijo que Evelyn lhe oferecia, os raios o iluminavam ainda mais. Beijou-a devagar, perfilando com sua língua o desenho da boca que adorava, que amava. Sentiu-se contente ao perceber que as mãos dela se colocavam em seu peito para o despojar da camisa. Afastou-se, levantou os braços e deixou que continuasse apalpando seu torso sem objetos que o impedissem de sentir o suave tato dos dedos. Suas mãos retornaram as coxas femininas. Evelyn arqueou a cintura, convidando-o a possui-la com prontidão, com o mesmo ardor e desejo que ele sentia por ela.
? Repete que me ama ? murmurou antes de morder o lábio inferior dela e puxar com suavidade para ele.
? Amo-te, Roger... Amo-te... ? fechou os olhos ao perceber como o sexo de seu marido se aproximava do dela.
Não houve ternura entre eles. Não foi um ato lento, nem suave. Foi a primeira vez em que Roger precisou unir-se a ela para aliviar sua dor. Mas não só acalmou seu suplício, como em cada gemido, em cada soluço, em cada invasão para o interior feminino, Evelyn também se liberava de toda a pressão que tinha acumulado em sua vida. Não foi só um ato de amor, mas sim de verdadeira plenitude.
? Evelyn... ? sussurrou junto à boca dela quando o clímax estava a ponto de chegar.
? Roger... ? Cravou as unhas nas costas de seu marido e tentou fazer desaparecer aquelas marcas com suas próprias mãos.
Um clamor brotou do quarto com tanta intensidade que Sophie e Wanda se levantaram de suas cadeiras assustadas.
? O som do amor... ? disse Sophie antes de emitir uma pequena risadinha. ? Só espero que essa paixão logo dê frutos.
? Não acredito que os dê... ? murmurou Wanda após sentar-se e olhar o oitavo copo de licor que tinha em suas mãos.
? Por que diz isso? ? Perguntou a mulher tomando assento.
? Minha senhora jamais poderá ficar grávida ? comentou com pesar.
? Explique-se! ? Insistiu Sophie enquanto que, com um salto, aproximou a cadeira da mesa.
? Quando era jovem perdeu um bebê e, depois do aborto, sofreu uma grave infecção. O médico que a atendeu informou aos pais que seu útero tinha ficado estéril e que lhe seria impossível ficar grávida de novo ? explicou antes de beber o licor de um gole.
? Mas esse doutor não conhecia a persistência do nosso senhor... ? apontou antes de soltar uma gargalhada.
XXXII
? Está acordada? ? A encantadora voz de Roger lhe sussurrou no ouvido a pergunta enquanto seu fôlego esquentava a pele que roçava em sua passagem.
? Agora sim ? respondeu voltando-se para ele.
Bennett apoiou o cotovelo no almofadão e a olhou com tanta ternura que Evelyn sentiu como o coração batia mais forte.
? Obrigado por não me abandonar, por não se afastar de mim depois de me escutar ? disse-lhe antes de aproximar sua mão direita e lhe acariciar uma bochecha.
? Não tem por que me agradecer. Além disso, não acredito que deva perdoar um passado do qual não teve nada a ver. As maldades foram realizadas por sua mãe, não por você ? assinalou aproximando-se dele e lhe dando um suave beijo.
? Sempre me culpei por não ter descoberto antes. Possivelmente desse modo, tivesse salvado mais vidas ? comentou franzindo o cenho.
? Mas salvou muitas, vinte para ser exata. ? Estendeu seus braços e Roger se enredou neles. Desta vez foi ele quem pousou sua cabeça sobre o peito de sua mulher e quem deixou que os delicados dedos de sua esposa acariciassem com suavidade o comprido cabelo dourado.
? Sim, vinte embora... quantas perderam a vida nas mãos da minha mãe? Evelyn, estou seguro de que houve bebês, crianças que não conseguiram chegar a cumprir os cinco anos...
? Não se martirize por isso, Roger. Sua consciência dever alcançar a paz. É ela quem está manchada de sangue inocente. ? Pousou seus lábios sobre o cabelo loiro e o beijou. ? Conta-me como é Children Saved ? disse-lhe depois de uns momentos de silêncio no qual só se escutavam suas respirações pausadas.
? Não é muito grande, mas o suficiente para albergá-los comodamente. Tem dois andares. Abaixo está a cozinha, um enorme refeitório e uma biblioteca, embora com as últimas reformas, essa sala a convertemos em um lugar onde a senhora Simon ensina as matérias. Acima não há distinções entre uma ala ou outra. Conforme sobe encontra um comprido corredor com mais de quinze dormitórios. Ali descansam todos os que habitam na residência.
? A que se refere quando diz todos?
? Em Children Saved não só vivem meus meios-irmãos, mas sim suas mães também residem ali.
? Deus santo, Roger! Quantas bocas alimenta? ? Perguntou surpreendida.
? Quarenta e sete. ? Levantou a cabeça e contemplou o assombro que mostrava o rosto de Evelyn. ? Tem que entender que alguns deles mal tinham completado um ano de idade quando apareceram na porta e não achei justo que as mães se separassem de seus filhos pequenos.
? Como pode resolver esses gastos? Terá que continuar realizando muitas viagens... ? perguntou interessada.
? Com três ao ano é suficiente. Tanto o administrador como eu estudámos a maneira de cortar gastos e nos ocorreu que a única forma de não nos excedermos nos orçamentos anuais era fazendo participes as mães das tarefas que se requerem na manutenção dessa residência. Várias são cozinheiras, outras lavadeiras e inclusive, conforme fui informado ontem, outras decidiram empregar-se como jardineiras ? comentou feliz ao ver que Evelyn não reprovava seu trabalho, mas sim, pelo contrário, elogiava-o.
? Têm jardim? ? Continuou interessando-se. Enquanto Roger falava ela imaginava como seria aquele pequeno paraíso no qual viviam felizes tantas criaturas.
? Dois hectares de pradaria rodeiam a casa. Embora te pareça imenso, não o é quando todos saem para brincar. ? Sorriu. ? Há um pequeno parque onde plantaram flores de todas as classes. Uma fonte com a escultura de uma criança se situa no centro e abastece de água esse pequeno éden. Faz um par de anos, Yeng se encarregou de construir uma estufa onde a senhora Simon dá aulas de botânica ou ciência.
? Deve ser lindo... ? murmurou com suavidade.
? É. Sabe? Acredito que é a primeira vez que estou ansioso para que amanheça. Assim que tomarmos o café da manhã te levarei lá e contemplará com seus próprios olhos o que eu construí durante estes anos ? disse colocando sua cabeça de novo sobre o torso feminino. ? Quando a virem aparecer, quando todos descobrirem que é minha esposa, ficarão loucos de emoção e não a vão deixar descansar nem um só instante.
? Fale-me deles.
? Todos são muito semelhantes embora se diferenciem na cor de seu cabelo ou no de seus olhos. Há dois que são tão parecidos comigo que quando os vejo me reflito neles.
? Como se chamam? ? Continuou com as carícias sobre o cabelo de seu marido.
? O menino é Logan. Tem quatorze anos. Loiro, alto, possivelmente muito alto para sua idade. Mas a cor de seus olhos não é azul, mas sim marrom. Não há dúvida que os herdou de sua mãe. Embora o que o faz tão parecido a mim é sua atitude. É rebelde, não acata as normas como fazem os outros. Sempre tenta rebater certos temas e não cessa de investigar por sua conta. Sei que o dia de amanhã, quando eu não puder mais me encarregar do meu navio, ele ficará encantado de ficar em meu posto.
? Isso te assusta?
? Não, ao contrário, adula-me. É grato saber que alguém continuará o que eu comecei ? expôs com orgulho.
? Quem mais?
? A outra pessoinha que me deixa em estado de choque cada vez que a vejo é a pequena Natalie... ? disse o nome com um imenso prazer.
? Fale-me dela, Roger. Interessa-me muito saber sobre esse anjo que te impulsionou a lhes dar aquilo que foi incapaz de oferecer.
? Chamo-lhe de princesinha porque em realidade o é. Tem o cabelo tão loiro que quando os raios do sol o tocam se converte em branco. Sua mãe se esforça em lhe fazer longos caracóis, mas assim que pode ela recolhe o cabelo como o faço eu, em um rabo de cavalo. ? Voltou a desenhar um enorme sorriso em sua cara ao recordar as contínuas discussões entre as duas por manter o penteado intacto. ? Seu nariz é idêntico ao meu e a cor de seus olhos também. Se Ywen não me houvesse dito que o pai da criatura era o mesmo que o meu, teria pensado que era minha. Adora investigar. Todo o tempo está perguntado os motivos disto, do outro ou inclusive por que sai o sol ao ser de dia e a lua quando anoitece. Às vezes desespera a instrutora. Diz que seu afã por saber é inaudito em uma menina tão pequena.
? Espero que me aceite... ? murmurou Evelyn desenhando um imenso sorriso.
? Por que não o faria? ? Roger elevou a cabeça e a olhou desconcertado.
? Nem imagina quão possessivas são as mulheres quando amam um homem ? respondeu sem diminuir a risada.
? Estou seguro de que assim que te veja, perguntará a razão pela qual tem o cabelo vermelho, como me conheceu e por que se casou comigo ? disse antes de soltar uma gargalhada.
? Bom, evitarei lhe dizer que me ganhou em uma partida de cartas. ? Fez uma pequena careta.
? A melhor partida de cartas da minha vida! ? Exclamou antes de colocar-se sobre ela e voltar a beijá-la.
Evelyn tinha fechado os olhos para sentir as mãos de seu marido percorrer seu corpo quando um golpe na porta fez com que ambos se retirassem como se lhes queimasse a pele ao tocar-se.
? Quem é? ? Grunhiu Roger saltando nu da cama.
? John ? respondeu o índio entreabrindo a porta.
? Entra ? indicou após confirmar que Evelyn se ocultava sob o lençol. ? O que acontece?
? Há um incêndio em Children Saved ? soltou agitado.
? Como? Um incêndio? Como aconteceu? ? Correu para a poltrona, começou a vestir-se e antes de colocar a camisa saiu ao exterior fechando a porta atrás de sua saída.
? Não sei. Acaba de chegar Logan e não para de gritar que tudo está ardendo.
? Maldita seja! ? Gritou enquanto descia as escadas sem perceber que estava descalço. ? Onde está o menino? Onde está Yeng?
? Ambos estão no estábulo preparando os cavalos.
? Maldita seja! ? Clamou Roger. ? Maldita seja!
Se seu marido pensava que ia permanecer na casa esperando para saber o que tinha acontecido, equivocava-se. Assim que fechou a porta Evelyn saltou da cama, colocou uma camisola e a bata que estava jogada sobre o chão e correu para o corredor. Se for certo, se a residência onde viviam os meninos estava ardendo, toda a ajuda que chegasse seria pouca.
? Wanda! Wanda! Onde está? ? Gritou quando saiu do quarto.
? Deus santo, senhora! Estou aqui!
? E Sophie? Onde está Sophie? ? Continuou vociferando enquanto descia ao piso inferior.
? Acredito que estava na entrada preparando-se para sair para uma casa que está sendo pasto das chamas.
? Que nem lhe ocorra partir sem nós! Nessa casa vivem mais de quarenta pessoas às quais terá que salvar.
O caminho, embora fosse curto, pareceu eterno. Durante o tempo que durou, Roger não cessava de perguntar-se como se teria produzido o incêndio. Considerou muitas razões, que se iniciou na cozinha, talvez se devesse a um defeito na instalação de gás... entretanto, nenhuma o convencia. Sempre tinham sido muito cuidadosos. As mães nunca partiam para descansar sem certificar-se que todas as luzes estivessem apagadas, as portas fechadas ou inclusive encaixavam com precisão as janelas. Havia muito controle em Children Saved, muitíssimo para que aquilo acontecesse.
Quando chegou ao caminho de terra que o conduzia até a residência, sentiu pânico. O fogo iluminava a colina. Enormes nuvens de fumaça negra cobriam o céu que tantas vezes contemplou junto aos seus irmãos. Estava seguro de que, se o inferno existia, seria muito parecido à imagem que observava. Roger desceu do cavalo e correu para as pessoas que se agruparam ao redor da fonte. Tinham sabido escolher o lugar onde resguardar-se, ali as chamas não as alcançariam, os vidros que explodiam pelo calor nem as faíscas que saíam disparadas do interior da casa.
Apesar de tentar mostrar um comportamento firme, loquaz e seguro, para que eles se tranquilizassem, não albergava em seu corpo nada disso. A imagem dos meninos aterrorizados chorando sob os braços das mães, iluminados pela luz das chamas, consternou-o.
? Estão bem? Estão todos bem? ? Insistiu gritando enquanto se aproximava.
Nesse momento, depois de compreender que seria inútil esforçar-se em apagar o incêndio, centrou-se em confirmar que, pelo menos, ninguém tinha resultado ferido na evacuação. Mas nenhum lhe respondeu. Estavam tão consternados pelo acontecido que lhes era impossível deixar de chorar para falar. De repente, seu pânico aumentou. Não estavam. Ywen e Natalie não se achavam no grupo e ninguém se deu conta de suas ausências.
? Onde estão Natalie e sua mãe? ? Perguntou atemorizado. Olhou ao John, este encolheu os ombros, logo ao Logan, o rosto pálido do moço e a agonia que mostravam seus olhos lhe confirmava que ele tampouco sabia nada delas. ? Alguém sabe onde podem estar? ? Rezou para escutar uma resposta. Entretanto, ao não obter o que esperava, correu para o interior da casa sem parar para pensar que punha sua vida em perigo.
Cobrindo sua cabeça com o braço esquerdo acessou ao interior da casa. O calor era asfixiante e a fumaça tão densa que mal podia distinguir o que havia em frente a ele. Com decisão se dirigiu à cozinha. Gritava uma e outra vez o nome das duas, mas não respondiam. Franziu o cenho ao observar que salvo a fumaça, as chamas ainda não tinham alcançado a planta baixa. «O fogo começou nos dormitórios», concluiu com uma mescla de surpresa e inquietação. Não era lógico que ardessem primeiro os quartos salvo que fora... «Provocado!», exclamou para si. Sem diminuir seu empenho por encontrá-las, continuou chamando-as e as procurando no piso inferior. Quando percorreu até o último canto, decidiu subir. Talvez o medo as tivesse deixado tão aterradas que eram incapazes de sair do quarto. Pegou o corrimão, pôs um pé no primeiro degrau e ficou petrificado ao ver quem permanecia justo ao final da escada.
? Estávamos o esperando... ? comentou uma voz familiar. ? Entristece-me ver que demorou muito. Possivelmente, se tivesse chegado antes, teria evitado a morte dessa. ? Assinalou com seu olhar um corpo que jazia estendido sobre o chão.
? Charles... o que fez? ? Tinha vontade de correr para eles, soltar a menina das mãos sujas de seu irmão e lhe dar uma surra, mas estava paralisado. Ver a pequena Natalie com sua camisola manchada de sangue, chorando presa do pânico e lhe rogando com o olhar que a ajudasse, fez-lhe concentrar-se em pensar uma forma mais sensata de liberá-la.
? E você? ? Repreendeu-o Charles. ? O que você fez, Roger?
? Solte-a... ela não tem nada a ver com isto... ? tentou dissuadi-lo.
? Mentira! Ela tem muito a ver ? disse com um enorme sorriso. ? Até que a vi correndo para mim porque inocentemente acreditava que era você, pensei que só albergava neste miserável lar os filhos que nosso pai criou. Mas quando apreciei quão parecidos são, descobri que não só permaneciam os filhos desse monstro, mas sim continuava com o maldito legado que começou.
? É muito pequena... ? comentou tentando procurar em Charles um pouco de piedade.
? Não é capaz de nomeá-la como merece, não é? Não é capaz de confessar que é sua filha? ? Falou em tom irado.
? Não é minha filha, Charles, é nossa irmã ? declarou com suavidade.
? Você mente! Mente como o tem feito nosso pai todo este tempo! Embora seja normal, a mãe sempre o soube, é tão sujo como ele. Por isso teve piedade dos filhos de satanás? Por isso construiu este lar cheio de depravação? Sim, claro que sim. Porque apesar de suas promessas, é igual a ele. ? Suas palavras soavam cada vez mais duras, sinistras e ofensivas. ? Mas o fim chegou. Toda a maldade que padeceu nosso sobrenome se verá sanada por minha grande proeza. ? Charles elevou a mão direita e tirou a arma que ocultava nela. Apontou ao seu irmão e justo quando ia disparar, sorriu.
? Charles! ? Exclamou uma voz feminina atrás das costas de Roger.
Ao virar-se e ver que se tratava de Evelyn, quis lhe gritar que se fosse, que se afastasse dali o antes possível, mas em meio àquela confusão só pôde dar uns passos para ela e ocultá-la atrás de seu corpo.
Quando chegou ao alto da colina e não achou Roger entre o grupo de pessoas que havia no jardim, seu coração se oprimiu. Onde estava? Ao dizer quem era, todas as mães a abraçaram como se fosse uma salvadora, como se ela pudesse protegê-las de todas as penúrias que estavam padecendo. Embora Evelyn não pudesse as consolar como requeriam. Ela só pensava em seu marido. «Foi procurar Natalie e sua mãe», confessou-lhe alguém enfim. Sem pensar duas vezes correu para o interior da casa evitando as mãos de Wanda e de Sophie. Entretanto, quando seus olhos puderam adaptar-se à fumaça e contemplou a cena que havia em frente a ela, não duvidou e avançou para Roger.
? Minha querida cunhada... alegro-me de que tenha vindo. Quero que veja com seus próprios olhos o que seu marido tem feito durante todo este tempo ? expôs com uma voz cálida.
? Tem razão ? respondeu afastando-se de Roger e, face aos intentos deste por a fazer parar, ela subiu dois degraus. ? Comportou-se como o demônio que é. Agora entendo por que me visitaram, queriam me proteger.
? Ela sim entende... ? murmurou Charles olhando seu irmão com os olhos entreabertos. ? Ela é a única que nos compreende...
? É óbvio que o faço, Charles. E te asseguro que quando sairmos daqui tudo isto terá terminado. Sua tortura, as crianças, essas mães, tudo desaparecerá!
? Ajudar-me-á? Ajudar-me-á a finalizar o que minha mãe começou? ? Desceu lentamente a arma e diminuiu a intensidade com que apertava a pequena Natalie em seu corpo.
? Duvida da minha palavra? ? Perguntou com aparente irritação. ? Acaso não entendeu quando me olhava, quando falávamos, que me resultou mais agradável que o desprezível de seu irmão?
? Sim que o apreciei. ? Sorriu satisfeito. ? Mas não conseguirei te dar a posição que merece se ele estiver vivo. ? Charles levantou a arma, apontou para seu irmão e disparou.
? Não! ? Exclamou Roger com desespero.
Evelyn notou uma terrível dor em seu ventre. Quis levar as mãos para o lugar onde sentia aquela horrorosa queimação, mas não o conseguiu. As forças a abandonavam pouco a pouco e seu corpo começou a cair. Custava-lhe respirar. A visão se nublava. A bala que ia impactar sobre o coração de seu marido alcançou a ela. Deveria gritar ou chorar de tristeza ao ver que seu fim estava próximo, mas não podia, sentia-se feliz por ter impedido que o homem que cuidava de todas as pessoas que viu no jardim continuaria fazendo-o embora ela não estivesse. Ao longe, muito longe para escutar com precisão, escutou a voz de seu marido que insistia em que não o abandonasse e de repente... outro disparo.
? Saiam agora mesmo daqui! ? Gritou John que, depois de aparecer, observou como Evelyn se desabava e como o irmão de Roger aproximava a arma de sua boca e disparava. ? Encarregar-me-ei de Natalie. ? Subiu as escadas, pegou a menina pela mão e correu para o exterior o mais rápido que pôde.
? Evelyn! Evelyn! ? Clamava Bennett enquanto saía daquele inferno com ela em braços. ? Aguenta, meu amor! Ficará bem! Amo-te! Escuta-me? Amo-te!
XXXIII
Escritório do senhor Lawford. Três semanas depois.
? Imagino que com as assinaturas do marquês nada nem ninguém poderá invalidar os documentos, não é? ? Insistiu Roger enquanto observava através da janela como as pessoas corriam de um lado para outro tentando resguardar-se da chuva.
Uma semana depois do disparo a Evelyn, Roger apareceu em Tower e, face aos intentos que realizou sua mãe para impedir que conseguisse seu propósito, conseguiu chegar até o quarto de seu pai. O ancião marquês se apoiava sobre os almofadões e soluçava a perda de um de seus filhos. Bennett se colocou ao pé da cama com as mãos sobre as costas e lhe contou a verdadeira história. Seu pai negava devagar tudo aquilo que lhe narrava, segurava os lençóis com força e rejeitava categoricamente o que escutava.
? É mentira! ? Gritou uma das vezes. ? Sua mãe seria incapaz de fazer algo assim!
Mas Roger não diminuiu sua intenção de abrir os olhos do marquês. Descreveu-lhe como esteve presente na morte daquele menino, a razão de sua fuga com quinze anos e o motivo pelo qual retornou anos depois. Também lhe indicou que tanto Charles como sua mãe tinham descoberto o lar que tinha construído para seus irmãos e que, depois de não conseguir o primeiro plano que era envenenar sua esposa, Charles decidiu tomar a justiça em sua mão.
? Por isso quero que os reconheça ? disse após sua longa exposição. ? Embora Evelyn conseguisse curar-se por completo, jamais poderá ter meu filho. A ferida em seu ventre tornou impossível que possa ficar grávida.
? Não vou reconhecer a nenhum desses malditos bastardos! ? Clamou o pai com a pouca força que ficava. ? São filhos de satanás, não meus!
? Faremos um trato ? resmungou apertando os dentes. Caminhou para a cabeceira da cama e aproximou seu rosto ao do pai. ? Reconheça ao menos a dois deles, um menino e uma menina, para que algum dos dois possa continuar com este maldito título.
? E se não o fizer? ? O ancião arqueou a sobrancelha direita e olhou seu primogênito de maneira desafiante.
? Se não o fizer ? continuou relaxando a mandíbula e mostrando um rosto de satisfação ? terá o prazer de ver como sua querida esposa é encarcerada e sentenciada à morte por todos os assassinatos que cometeu.
? Ela... ela... o fez porque me ama... ? balbuciou.
? Chama isso de amor? ? Virou-se sobre seus calcanhares para não o olhar, mas aquela reflexão tão absurda sobre no que consistia o amor em um matrimônio o fez voltar-se para seu pai. ? Isso é maldade, pai!
? Está bem, ? disse o marquês depois de um tempo emudecido ? reconhecerei a dois, mas em troca deve me dar sua palavra de que sua mãe jamais será julgada pelos atos de amor que cometeu e que, depois da minha morte continuará vivendo aqui sem carências econômicas.
? É óbvio ? afirmou satisfeito. ? Esta mesma tarde terá a visita do senhor Lawford, é um dos adminis...
? Já sei quem é esse malnascido! ? Exclamou o marquês mais zangado, se pudesse.
? Pois como vejo que já o conhece, aconselho-o que não pretenda realizar nenhum estratagema, advirto-lhe que o senhor Lawford é muito bom em seu ofício. E agora, se me desculpar, tenho muito trabalho a fazer. ? Dirigiu-se para a porta, bateu as botas, inclinou levemente a cabeça para diante e partiu.
Quando fechou, inclusive antes de poder encaixar os parafusos, sua mãe apareceu no corredor. Permanecia imóvel, olhando-o de maneira altiva. Roger passou por seu lado como se não estivesse, mas antes de descer as escadas e sair da casa que odiava, virou-se para ela para lhe dizer:
? Como se sente ao ver que depois de ter as mãos manchadas de sangue inocente não conseguiu seu propósito? ? Não lhe respondeu, nem se dignou a dar a volta e lhe responder. Ao compreender que não tinha a intenção de defender-se, porque não se arrependia de suas maldades, continuou seu caminho para a saída.
? Não acredito que seja o homem mais indicado para pôr em dúvida meu trabalho. ? Lawford levantou os óculos com o dedo e olhou ao futuro marquês fixamente. ? Recorde que foi impossível desfazer o compromisso.
? Tem razão, desculpe se o ofendi ? respondeu com um meio sorriso. Com as mãos nas costas, caminhou para a mesa em que o administrador mostrava um sem-fim de pastas.
? Falando de matrimônio... ? disse de maneira reflexiva Arthur. ? Como se encontra hoje a futura marquesa? ? Agrupou os papéis que seu cliente tinha vindo procurar e os golpeou brandamente sobre a mesa.
? As febres cessaram, mas o doutor diz que tenhamos paciência. A ferida embora grave, não roçou nenhum órgão vital salvo seu útero ? comentou com tristeza.
? Bom, não acredito que lhe faça falta não ter descendência. O senhor Logan continuará com o título de marquês e têm a tutela da pequena Natalie. Acredito que ambos atuarão como os filhos que já não terão.
? Não tinha nenhum desejo em ser pai, nem agora nem antes. O único que quero é que Evelyn desperte e volte a ser a mulher que era ? expôs Roger após respirar fundo.
? Não perca a esperança, senhor. Sua esposa é a mulher mais forte que vi em anos. Ainda lembro como entrou neste escritório e também... como saiu. ? Sorriu.
? Jamais a perderei... ? Roger também sorriu. Estendeu a mão e pegou os documentos que necessitava para que seus dois irmãos pudessem fazer oficial seu sobrenome. Teria gostado de ver a expressão de Evelyn ao informa-la de sua proeza, do bate-papo que tinha mantido com seu pai e os rostos de surpresa que mostraram Logan e Natalie ao lhes indicar que, legalmente, já eram Bennett. Embora tivesse que esperar um pouco mais para isso. ? Anderson lhe fará chegar seis garrafas mais ao longo desta semana ? informou antes de sair do escritório. ? É, além do pagamento ao seu trabalho, uma maneira de lhe agradecer o que tem feito por nós.
? OH, obrigado, sua Excelência! Muito obrigado! Não tinha que haver-se incomodado... ? Arthur se levantou do assento, dirigiu-se para Roger e lhe estendeu a mão.
? Graças a você, senhor Lawford, face à questionável forma que achou para que minha esposa e eu nos conhecêssemos, sempre lhe estarei agradecido por não haver se negado à proposta de Colin.
Arthur assentiu e se encheu de orgulho ante as palavras que escutou do futuro marquês. Quando se fechou a porta voltou para seu assento. «Eu só lhe aproximarei esse colar ? recordou as palavras do jovem Pearson. ? Ele sozinho deixará que Evelyn prenda-o». O moço tinha razão. Bennett tinha se apaixonado por sua mulher até tal ponto que deixou que lhe fechasse aquela cadeia. Entretanto, o que ocorreria se ela não se recuperasse? «Senhor, escuta minhas preces. Sei que faz muito tempo que não vou à igreja nem cumpro todos os seus mandamentos, mas não te peço por mim, mas sim por eles. Faça com que a senhora Bennett sare rapidamente». Sentou-se na cadeira, tirou a garrafa de brandy, serviu-se uma taça e após brindar pela mulher, o bebeu de um gole.
Enquanto caminhava para o exterior Roger olhou os papéis e os leu com interesse. Teria gostado que seu pai reconhecesse a todos, mas se contentava com o pouco que conseguira. Ao abrir a porta e perceber que a chuva não tinha cessado, ocultou os documentos sob a jaqueta. Correu para a carruagem e, sem esperar que Anderson lhe facilitasse a entrada ao interior, saltou com rapidez.
? Roger, ? começou a dizer o índio ao vê-lo entrar ? este é o senhor Pemberton.
? Encantado de o conhecer ? respondeu esticando sua mão para o homem. ? informou-lhe meu amigo sobre a razão pela qual o chamei?
? Sim, milorde. Este cavalheiro foi muito explícito.
? O que tem a dizer a respeito? ? Interessou-se Roger. Não afastava o olhar daquele homem. Pareceu-lhe estranho que Eleonora decidisse seduzir a um ser tão insólito. Mal tinha cabelo em sua cabeça, sua barba mostrava várias cores e seu bigode se estirava para ambos os lados de seu rosto em uma trabalhosa linha reta.
? Fui vê-la mais de uma centena de vezes desde que soube de seu estado, mas nunca quis me receber. Sempre me jogou na rua como se nosso amor jamais tivesse existido ? comentou com pesar.
Roger tirou a cabeça pelo guichê, indicou ao chofer a direção e retornou ao seu assento.
? Está completamente seguro de que você é o pai dessa criatura? ? Insistiu. Não queria aparecer em frente a Eleonora e confrontar-se com ela lhe oferecendo um pai errôneo. Se ele não tinha sido seu único amante durante o tempo que a visitava, quem poderia corroborar que o senhor Pemberton não a compartilhou com outros cavalheiros?
? Sim, milorde. Se meus cálculos não me falharem, Eleonora ficou grávida em uma viagem que fizemos a Cheshunt.
? Cheshunt? ? Repetiu Roger atônito. A mulher era avessa a viajar mais de duas horas em carruagem. Segundo ela seu corpo se debilitava com o balanço continuado do carro.
? Sim ? afirmou o homem com um pequeno movimento de cabeça. ? Tive que me deslocar até ali porque minha mãe faleceu.
? O que conseguiu ela em troca? ? Sabia que não era próprio de um cavalheiro realizar esse tipo de perguntas, mas a curiosidade era tão imensa que não pôde conter-se.
? Como? ? Pemberton levantou as pestanas, levou as mãos para o bigode e retorceu cada ponta com as pontas de seus dedos.
? Imagino que o propósito de o acompanhar em uma viagem tão árdua seria algo mais suculento para ela que simplesmente dar o último adeus à sua mãe. ? Sorriu maliciosamente.
? Todas as joias que ela possuía as dei de presente com gosto, senhoria. Ela as rejeitou com firmeza, mas eu insisti em que as tivesse ? respondeu ofendido.
? É claro, não duvido de sua palavra... ? Roger se reclinou no assento e olhou John. Este mostrava um sorriso tão grande que podia ver o branco de seus dentes. Mas ele não sorriu. No fundo sentia lástima pelo pobre infeliz.
? Entrarei primeiro ? disse Bennett quando a carruagem parou e abriu a porta para sair. ? Você deveria esperar na entrada oculto atrás de mim até que nos permitam acessar ao interior. Não me cabe a menor dúvida de que se a criada o descobrir não abrirá a porta e informará Eleonora de sua presença.
? Farei o que me ordena. Com tal só de poder falar com ela, de lhe suplicar que me deixe ver meu filho, atirar-me-ei ao chão se precisar ? indicou o homem colocando-se sob o pequeno teto da porta.
Roger o olhou sem pestanejar. Aquele homem era capaz de ajoelhar-se ante a mulher e lhe rogar que não o abandonasse enquanto se aferrava aos tornozelos desta. Era, sem dúvida, o melhor marido que Eleonora poderia encontrar: submisso, acessível, carente de personalidade e com os bolsos repletos. Não entendia como tendo uma oportunidade de ser feliz junto àquele desventurado, esforçava-se tanto em conseguir o que não estava ao seu alcance.
Depois de comprovar que Pemberton se ocultou, bateu na porta e esperou com aparente paciência que fosse recebido.
? Sua Excelência?! ? Exclamou a donzela com entusiasmo e assombro.
? A senhora está? ? Perguntou dando um passo para o interior da casa e obrigando a criada a lhe permitir o acesso.
? Está no pequeno salão, milorde. Quer que o anuncie? ? De repente seu olhar se cravou na pessoa que estava atrás de Roger. A mulher não pôde evitar levar as mãos à boca para fazer calar um grito. Tentou fechar a porta, deixar ao senhor Pemberton na rua, mas Bennett colheu com força a grossa porta de madeira e impediu tal propósito.
? Fique aqui, eu lhe farei um sinal quando for o momento apropriado ? ordenou Roger caminhado para o salãozinho.
? Meu senhor... milorde... rogo ? sussurrava a criada sem poder se mover da entrada. ? Ela... ela...
Mas Bennett não escutou a súplica. Estava decidido a terminar o rumor que Eleonora tinha estendido por Londres. Todos aqueles que o olhavam o comparavam com seu pai e isso não ia tolerar. Quando Evelyn despertasse, quando enfim abrisse seus olhos, não desejava que se entristecesse ao escutar falsos testemunhos sobre seu marido. Tinha-lhe sido fiel desde que se casaram. Por isso retornou a Londres após sua longa viagem. Se tivesse entrado naquela casa, se na noite de bodas se entregasse ao falso amor de Eleonora, jamais teria conhecido sua esposa nem teria conseguido descobrir o que era amar uma mulher.
Quando abriu a porta do salão encontrou Eleonora de pé com seu menino nos braços. Embalava-o e cantava uma melodiosa canção ao mesmo tempo que o balançava com ternura. Ao escutar que alguém permanecia na entrada, dirigiu seus olhos para ele e sorriu.
? Alegro-me de que enfim tenha decidido conhecer seu filho ? disse com um sorriso triunfal.
? Bom dia, Eleonora. Não volte a dizer que esse filho é meu, porque sabe que não é certo ? declarou com solenidade.
? Claro que é! ? Insistiu a mulher aproximando-se de Roger.
? Sempre soube que era uma harpia, mas jamais imaginei que sua maldade te levasse até tal ponto. É injusto o que tem feito, é injusto que tenha deixado crescer em suas vísceras uma criatura que sofrerá suas maldades. Embora desta vez não obtivesse seu propósito. Descobri quem é o verdadeiro pai desse menino ? apontou sem mover-se de onde permanecia.
? Você! ? Clamou de novo. ? O pai deste menino é...! ? Ficou sem palavras quando percebeu que Bennett levantava uma mão e aparecia atrás dele outro homem.
? Olá, Eleonora ? disse Pemberton ao acessar ao interior do salão.
? O que faz aqui? ? Gritou a mulher segurando a criatura com mais força sobre seu corpo. Seus olhos se dirigiram para Roger, que sorria de forma triunfal, e logo se cravaram no outro homem.
? Vim conhecer meu filho ? respondeu com firmeza.
? Seu filho? ? Repreendeu a mulher dando uns passos para trás. ? Este não é seu filho!
? Sim, sei que é. Não o negue, meu amor. Não pode se opor a que seu verdadeiro pai vele por ele ? assinalou Pemberton com tristeza.
? Não, você não! ? Exclamou entre lágrimas. ? Fora daqui! Não quero ver-te em minha casa!
? Casar-me-ei contigo, converter-te-ei na senhora Pemberton e daremos ao nosso filho o que lhe pertence. ? Caminhou para ela e se ajoelhou. ? Prometo que nada lhes faltará. Terão tudo o que necessitem. Eleonora, eu te amo, amo-te. Não me afaste, suplico-lhe ? rogou isso entre soluços.
Roger não aguentava mais a cena que contemplavam seus olhos, deu meia volta e saiu dali com passo ligeiro. Quando retornou à carruagem continuou observando o sorriso de John e a cara de satisfação de Anderson. Teriam pensado alguma vez que o filho era dele? É claro que sim. Ambos o conheciam e sabiam como tinha sido antes de conhecer Evelyn, mas desde que a viu, desde que a beijou pela primeira vez, converteu-se em um homem diferente.
Durante o regresso a casa os três falaram de como se desenvolviam as obras da nova residência. Bennett tinha decidido construi-la com mais quartos e mais salões. Não queria que neste novo lar mães e filhos tivessem que descansar nos mesmos quartos. John voltou a indicar, que finalizado o trabalho, ele e Sophie se instalariam na residência para custodiar os meninos. Roger sorria cada vez que falavam sobre esse tema. Estava seguro de que seu amigo tinha meditado muito a respeito da relação que tinham e que, por fim, dava o passo que todos esperavam.
O trajeto até Lonely se fez curto entre as risadas e as brincadeiras com seu amigo pela decisão tomada. Depois de descer, Bennett se dispôs a subir com rapidez as escadas e caminhar para o quarto, para certificar-se de que Evelyn continuava igual, mas sentiu que alguém lhe agarrava a mão e impedia seu propósito.
? Temos que finalizar aquilo que começou ? disse John a seu amigo.
Ele assentiu, retornou à carruagem, levantou o assento e pegou o pequeno crânio. As mãos lhe tremeram ao ter os ossos sobre suas palmas. Voltou a ver o menino dentro daquele cômodo escuro, amarrado, e escutou com claridade os gritos de socorro. Esteve a ponto de ajoelhar-se, de chorar pelo desespero de não ter sido capaz de o liberar daquele final, mas a mão cálida de John o reconfortou.
? Sua alma deve descansar em paz ? sussurrou.
? Sei. Mas depois de tanto tempo, depois de tudo o que aconteceu, não me vejo capaz de me desprender dele. Acredito que se o deixo ir, se me desprender do que significam estes ossos para mim, esquecerei o que me impulsionou a lutar contra minha família.
? Não poderá esquecê-lo, Roger. Tem ao seu lado muitas pessoas que conseguirão a lhe dar a força que necessita para seguir lutando.
Depois de uns momentos, nos quais Bennett meditou sobre a veracidade das palavras de seu amigo, ambos caminharam para a cancela metálica que dava passo à propriedade. John tinha preparado um lugar onde cuidaria das almas que viveriam naquele lugar.
Roger se ajoelhou em frente ao buraco e colocou o pequeno crânio.
? Sobe com sua esposa ? indicou John ao ver seu amigo imóvel e incapaz de enterrar o crânio. ? Acredito que o necessitará mais que ele.
Sem mediar palavra Roger se dirigiu ao seu lar, subiu as escadas sem poder sequer falar com as pessoas que o saudavam. Desejava meter-se no quarto, cair ao lado de Evelyn e não sair de seu lado até que decidisse despertar daquele amargo sonho que durava já três semanas.
Ao abrir a porta sorriu. Era de esperar que a pequena Natalie ocupasse seu lugar enquanto ele permanecia ausente. Não a deixavam sozinha, não desejavam, nenhum dos que habitavam sob o teto de Lonely, que ela abrisse seus olhos e se encontrasse sozinha. Entretanto, embora o comportamento da menina fosse louvável, devia brigar com ela. Perdeu um dia de aulas e a senhora Simon recriminaria que a tratasse diferente dos outros.
? Acaso as aulas de hoje não eram de seu agrado? ? Disse-lhe enquanto caminhava para a poltrona, tirava os documentos para apoiá-los sobre este e se despojava da jaqueta molhada.
? Hoje não posso deixá-la só ? comentou a menina com uma felicidade tão estranha que Roger ficou imobilizado ao escutá-la.
? Por que... hoje não pode deixá-la? ? Repetiu enquanto seu coração se agitava, seu pulso se acelerava e se aproximava da cama com medo.
? Porque despertou.
Roger deu dois largos passos para elas. Seu coração não pulsava, galopava em seu interior, mas ficou parado ao descobrir que Evelyn estava acordada. Por fim abria seus olhos! Ajoelhou-se junto à cama, pegou a mão que ela estendia para ele e a beijou enquanto chorava.
? Meu amor, minha vida. Por fim despertou. ? Continuou soluçando sem poder separar a mão de sua boca. ? Amo-te, Evelyn. Amo-te tanto que não teria podido viver sem ti.
? Nem eu sem ti... ? murmurou Evelyn antes de ver como seu marido se levantava e beijava seus lábios sem lhe importar que Natalie estivesse presente e se tampasse os olhos para não ver como se beijavam.
Epílogo
Três meses depois
Com muita ternura, Roger acariciou o rosto de Evelyn com seus dedos. Foi afastando as mechas de cabelo até poder observar com claridade suas feições ao dormir. Era a primeira vez que discutiam daquela forma. A primeira que tinha saído do dormitório e tinha descido até o salão para beber até cair morto.
Evelyn reprovou sua atuação, recriminou-lhe que se comportasse como um monstro, mas não pôde evitá-lo. Quem poderia conter-se ao ver que sua esposa era agarrada com força por um ser desprezível? Embora insistisse que a situação estava controlada, ele não o percebeu assim. O famoso Scott, aquele homem que destroçou a juventude de sua mulher apareceu na festa que Caroline ofereceu em Hamilton. Ia pelo braço de sua esposa, com quem se casou depois de abandonar Evelyn.
Mordeu os lábios quando Federith revelou seu nome. Tentou tranquilizar-se, embora quando observou que ia atrás de sua mulher, todo o controle se esfumou. Esperou paciente no balcão, espreitou o movimento daquele personagem enquanto se aproximava de sua esposa e escutou com atenção a conversação entre ambos. Ele não cessava de lhe dizer que sentia saudades, que se arrependia do que teve que fazer no passado e que, se ela quisesse, voltariam a ficar juntos. Como era de supor, o que lhe propunha era que se convertessem em amantes. Até aí, pôde suportá-lo. Mas quando Evelyn lhe disse que estava apaixonada por seu marido e que não desejava saber nada dele, este não se conformou, agarrou-a pelo braço e evitou que ela se afastasse de seu lado.
? Algum problema? ? Perguntou saindo de seu esconderijo.
? Roger! ? Exclamou Evelyn com surpresa.
? Repeti-lo-ei uma vez mais, algum problema? ? Seu aborrecimento era tal que mal podia manter um fio de prudência. Apertou os punhos e sua mandíbula esteve a ponto de deslocar.
? Não, ? respondeu ela ? nenhum problema. Agora mesmo me dispunha a retornar com Beatrice.
? Faça isso, eu irei depois ? disse sem afastar o olhar daquele que tinha ousado tocar sua esposa.
? Roger, por favor... ? suplicou-lhe.
? Vai, Evelyn, ? intercedeu Scott ? não acredito que seu marido se atreva a...
Não pôde terminar a frase. As mãos de Roger se aferraram ao seu pescoço e o levantou dois palmos do chão.
? A que não me atreverei? ? Grunhiu.
? Solte-me! ? Gritou o homem movendo seus pés.
De repente, como se percebessem que algo errado acontecia, William e Federith apareceram na entrada. Estes caminharam para Roger ao presenciar a cena.
? Roger... ? falou William. ? O que acontece?
? Este descarado ousou tocar a minha esposa ? bramou.
William olhou a assustada Evelyn e esperou que ela confirmasse as palavras de seu amigo, mas estava tão nervosa que não foi capaz de lhe responder.
? Evelyn, entra. Nós resolveremos esta situação ? indicou Federith com sua típica voz tranquilizadora.
? Por que a tocou? ? Inquiriu o duque sem fazer com que seu amigo desistisse em seu empenho por asfixiá-lo.
? Acredita-se com o direito de fazê-lo, ? respondeu Roger apertando com mais força suas mãos ? porque como bem sabem foi pretendente da minha esposa.
? Pensa uma coisa, ? voltou a falar William ? sua mulher está assustada e graças a Deus podem viver uma vida tranquila. Crê que vale a pena destroçar essa felicidade por um miserável como este?
? O que você fez, William? ? Grunhiu de novo Bennett.
? O correto. Por isso quero que você faça o mesmo.
Depois de suas palavras Roger afrouxou a amarração e deixou livre ao homem. Este depois de tossir e amaldiçoar correu para o interior do salão.
? Sua esposa sabia que Wyman foi o pretendente da Evelyn ? soltou William. Não era uma pergunta, mas sim uma afirmação.
? Minha esposa é um ser desprezível e lhes peço mil desculpas por seu inapropriado comportamento ? comentou Federith aflito.
? Como compreenderá, enquanto esteja com ela, minha visita ao seu lar está anulada ? resmungou Roger ao mesmo tempo em que dava a volta e caminhava para a entrada.
? Roger, por favor... ? disse Federith ao ver como seu amigo se afastava dele.
? Não é o momento. Deixa que lhe passe a ira. Sabe que não pensa com claridade quando está irritado ? apontou William.
? Esta mulher... ? comentou Cooper movendo a cabeça de um lado para o outro.
? Se estivesse em seu lugar a observaria com mais atenção ? disse o duque ao mesmo tempo que jogava seu braço sobre o ombro de seu amigo. ? Olha além do permitido ao senhor Graves.
? Olha com atenção a todo homem que não seja eu... ? respondeu triste.
Ainda seguia com os olhos fechados. Parecia que não desejava despertar, ou talvez não quisesse vê-lo ao seu lado. Roger se moveu da cama e tentou deixá-la sozinha, mas nesse momento notou a mão de sua esposa nas costas.
? Perdoe-me ? murmurou com a cabeça abaixada. ? Sinto o ocorrido. Não quis te envergonhar nem te humilhar diante de todo mundo.
? Não deveria se comportar daquela maneira embora se for sincera, alegro-me de que ocorresse ? respondeu sentando-se na cama para abraçá-lo. ? Sabia que cedo ou tarde nossas vidas se cruzariam e o meu único temor era descobrir como o confrontaria. Não quero que nada nem ninguém nos separe.
? Como pode imaginar uma coisa assim? ? Perguntou enquanto se virava e tombava a sua esposa de novo. ? Se por acaso não se deu conta, é minha, só minha.
? Isso... hummmm... soou muito primitivo... ? sussurrou. Levantou os braços e os enredou no pescoço de seu marido. Desejava que todo o acontecido na noite anterior desaparecesse o antes possível e a melhor forma de consegui-lo era deixar-se levar pelas carícias e os beijos de Roger.
? Quer-me, senhora Bennett? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Muitíssimo, senhor Bennett.
Quando os lábios do homem pousaram nos de sua mulher bateram na porta.
? Vou ter que lhes deixar claro que... ? balbuciou o futuro marquês.
? Milorde! Sua Excelência! ? Gritou Anderson através da porta.
? Entra ? respondeu depois de levantar-se e certificar-se de que Evelyn cobria seu corpo com o lençol. ? O que acontece?
? Desculpe a interrupção, mas o duque de Rutland o espera no hall. Ordenou que se apresente o antes possível ? expôs o criado sem mal respirar.
Estranhando a visita, Roger saiu do quarto, desceu as escadas de três em três e quando apreciou o rosto alterado de William esteve a ponto de sentar-se no chão.
? Vista-se! ? Gritou-lhe Rutland. ? Temos que nos dirigir a Londres o antes possível.
? O que acontece? Acaso aquele descarado do Wyman...? ? Tentou perguntar ao mesmo tempo em que convertia suas mãos em dois duros punhos.
? Encontraram esta madrugada o corpo sem vida de Caroline e acusam Federith de sua morte.
Agradecimentos
Em primeiro lugar quero agradecer à minha família a infinita paciência que tiveram enquanto criei o futuro marquês. Foram muitas horas afastada deles e lhes negando minha ajuda. Espero que ao final tenham sua recompensa.
Em segundo lugar às minhas amigas. Obrigada pelo apoio que me ofereceram, por aguentar as intermináveis horas ao telefone e por me dar ânimos quando estive a ponto de atirar a toalha.
É óbvio a ti, Paola. Por seguir trabalhando ao meu lado e fazendo com que minhas novelas não deixem de brilhar.
Também tenho que agradecer à minha querida companheira e amiga Ahna Shtauros por sua ajuda quando necessitava de expressões em francês. Sinto se te avassalei de mensagens de wassap aquela manhã às cinco da madrugada quando estava adormecida.
E é óbvio a ti, leitor, que escolheu entre um milhão de histórias, a minha.
XXIV
Algo a impedia de levantar as pestanas. Dirigiu as mãos para o rosto e tocou um objeto suave. Afastou-o com rapidez e se incorporou sobre a cama. Quem lhe tinha abafado os olhos e por qual motivo? Quando pôde observar com claridade ao seu redor, levou-se uma mão à boca e evitou dar um grito. Roger estava ao seu lado, ajoelhado sobre o chão e apoiando meio corpo na cama. Estendia os braços para ela como se quisesse alcançá-la, seu cabelo revolto deixava apreciar a metade do rosto viril.
Evelyn cravou as pupilas naquela boca deliciosa que se escondia sob uma espessa barba loira. De repente, um estranho ardor sacudiu seu corpo, fazendo com que um inaceitável frenesi se apropriasse dela. Era um homem tão sedutor, tão encantador que até adormecido provocava o desejo de tocá-lo, de acariciá-lo.
Compreendia por que sua fama de galã se estendeu por Londres como a pólvora e por que as mulheres emitiam sorrisos nervosos quando ele estava presente: que mulher não sonha ter ao seu lado um homem assim?
Desvanecendo de repente os sentimentos de prazer e luxúria que se apropriavam de sua mente, moveu-se devagar para não o despertar. Precisava afastar-se dele o antes possível, não lhe cabia dúvida de que teria chegado tarde e bêbado. Talvez, devido ao seu estado de embriaguez, adotou aquela postura ao não alcançar a poltrona onde devia descansar. Não foi até que tentou pousar os pés no chão que viu a cadeira junto à cama. Nela havia uma bacia repleta de água, a mesma com a qual se refrescou à noite anterior no banheiro. O que tinha ocorrido? Que fazia a bacia ali?
Conseguiu que sua mente rememorasse o transcorrido na noite anterior, Roger tinha partido e ela, enfim, pôde despir-se. Esforçou-se em aliviar a terrível dor que tinha aparecido em seu rosto, mas não o obteve e, derrotada, retornou à cama. Não pôde conciliar o sonho até bastante tempo depois, a imagem daquele pequeno crânio aparecia uma e outra vez em sua mente provocando que um sem fim de perguntas surgisse em sua cabeça sem cessar. Não encontrou nenhuma razão lógica que explicasse por que o dito objeto permanecia sob o assento e finalmente alcançou o sono, mas não descansou.
Um terrível pesadelo dominou seu repouso. Viu-se no prado caminhando para o sol e notando como a grande bola de fogo lhe queimava o rosto. Era incapaz de diminuir seu passo embora se visse envolta em chamas e gritou ao ver que seu vestido ardia e todo seu corpo também. Quando se rendeu ao fatídico final observou uma enorme figura aproximando-se e colocando-se em frente a ela. Sua grandiosa sombra fez com que deixasse de sentir calor e que o fogo desaparecesse de repente.
Evelyn voltou o olhar para Roger. Tanto em seu pesadelo como na vida real, ele a cuidava. Deixava a um lado o ser arrogante e egoísta que tanto se esforçava em mostrar e a protegia sem lhe importar o que ele mesmo padecesse. A mulher deixou de franzir o cenho e, com cuidado, rodeou a cama até colocar-se atrás das costas de seu marido. Daquela proximidade contemplou maravilhada como descansavam seus fortes braços que com facilidade poderiam ser como quatro dos seus, sua musculatura era tal que lhe resultava impossível compará-lo com outro homem. As pernas, aquelas longas extremidades das quais se queixava ao sentar-se na carruagem, esticavam-se sobre o chão adotando uma postura indesejável. Mas não foi a magnitude da figura masculina que lhe fez levar de novo as mãos à boca, mas sim umas pequenas cicatrizes que desfiguravam as atléticas costas. Quem o teria açoitado com tanta força para assinalar uma pele tão forte? Teriam-no feito prisioneiro em alguma de suas viagens no navio? O teriam assaltado os temidos piratas? Quis esticar a mão e as tocar com suavidade, mas não era apropriado fazê-lo enquanto ele descansava, se de verdade desejava tocá-lo, se de verdade queria que seus dedos roçassem a pele masculina, devia fazê-lo quando Roger permanecesse acordado, assim poderia retroceder ao mínimo gesto de amargura. Zangada pelos pensamentos pecaminosos que despertava seu marido nela, virou-se com sigilo e caminhou para o baú. Precisava arrumar-se antes de despertá-lo. Se for certo, se ele tinha passado a noite velando sua agonia, não teria repousado o suficiente e o trajeto para Londres seguia sendo longo.
? Encontra-se melhor? ? A voz áspera de seu marido a fez virar com brutalidade.
? Sim. Muito melhor. Por que o fez? ? Arqueou as sobrancelhas e esperou para escutar a resposta com interesse.
? Por que não o ia fazer? ? Ao incorporar-se franziu o cenho. Tinha permanecido tantas horas na mesma posição que, ao levantar-se, sentiu dores nas pernas. ? Expôs-se durante muito tempo ao sol e sofreu umas leves queimaduras ? esclareceu com certo desinteresse. Não queria que desse importância a um fato tão banal. ? Se não as tivesse tratado hoje não poderíamos empreender a marcha.
? Entendo... ? disse com pesar.
Tinha encontrado a razão de seu cuidado. Não foi o que esperava, mas era o mais lógico. Se ela adoecesse teriam que permanecer na estalagem mais tempo do que pretendia e isso atrasaria a chegada a Londres. Evelyn olhou para o chão, evitando que Roger descobrisse as pequenas lágrimas que começavam a brotar em seus olhos.
Doía-lhe descobrir que seguia sem despertar certo interesse sentimental em seu marido. Aquela apatia os separava e a distanciava de averiguar a verdadeira personalidade de seu marido. Se continuasse dessa forma, seu plano não seria infalível.
? Não sei como agradecer tudo o que está fazendo por mim ? falou sem ser capaz de evitar certa aflição em suas palavras. ? Mal levamos dois dias de viagem e me salvou de ser atacada por uma serpente e te fiz passar a noite em claro para acalmar um estrago que eu mesma realizei por imprudência. O mais sensato seria que me deixasse aqui para que Wanda me recolhesse.
? Não vou abandonar-te! Permanecerá ao meu lado em todo momento, entendido? ? Disse zangado.
? Não se dá conta de que só atrapalho sua vida? ? Levantou o rosto e deixou que suas lágrimas fossem percebidas pelo homem.
? Bobagens... ? grunhiu aproximando-se dela. ? Qualquer um pode ser assaltado por um perigoso animal se caminhar pelo campo e, quem não está acostumado aos raios solares padecem este tipo de reações ? respondeu com tom suave. Esticou a mão para o rosto e o acariciou com muita suavidade. Enquanto lhe afastava as lágrimas com os polegares, observou como Evelyn fechava os olhos ao tocá-la e apertava seus deliciosos lábios. Esteve a ponto de beijá-la, de degustar de novo seu sabor, mas se conteve. Não desejava aproveitar-se dela em um momento de debilidade. ? Por sorte, não ficarão sequelas. ? Virou-se para a direita e deu uns passos para diante deixando-a as suas costas.
? Roger? ? Chamou sua atenção.
? O que? ? Perguntou elevando a cabeça para o teto esperando qualquer recriminação por havê-la tocado sem ela pedir-lhe.
? Obrigada... ? Não era essa a palavra que desejava dizer.
Ao sentir suas mãos sobre ela e notar como se acelerava seu pulso ao ser acariciada e como sua boca ficava fria sem os lábios de seu marido, avivou uma inesperada vontade de tê-lo ao seu lado sem roupas que impedissem o atrito entre seus corpos.
? Não tem por que me agradecer. Fiz o que devia e continuarei fazendo-o pelo resto da minha vida. E agora, se me desculpa, tenho que me assear. Imagino que Anderson já tenha preparado a carruagem para empreendermos a viagem.
? Roger! ? repetiu com ênfase. Ficaria ali parada? Esperaria que aquele desejo e aquela necessidade por tê-lo ao seu lado desaparecessem com o tempo? De verdade tinha tanta vontade de entregar-se a ele após descobrir que nunca se afastaria de seu lado e que cuidaria dela pelo resto de sua vida? Era suficiente escutar tal coisa para oferecer-se sem restrições?
? O que? ? Perguntou esperando conhecer a razão pela qual não o deixava assear-se com tranquilidade.
Evelyn não pensou. Correu para ele e saltou sobre o corpo seminu de seu marido. Os pequenos braços se entrelaçaram no pescoço e sua boca tocou a de Roger. Este, assombrado pela reação da mulher, ficou pétreo.
? Um simples obrigado teria sido suficiente ? comentou com apenas um fio de voz quando ela liberou sua boca.
Não esperava essa atuação de Evelyn nem tampouco aquele suave beijo. Se assim agradecia seu dever por cuidá-la, fá-lo-ia com mais gozo do que pudesse imaginar. Entretanto, por mais que lhe agradasse a recompensa, não queria que ela se entregasse a ele por esse motivo. Desejava, e cada vez mais, que entre ambos surgisse algo especial. Possivelmente um pouco parecido ao que tinham William e Beatrice, embora supusesse que jamais alcançariam aquele nível de amor.
? Sei ? disse cravando seus esverdeados olhos nos de Bennett.
? Então? ? Continuou colocando suas grandes mãos sob as redondas e gostosas nádegas. Os mamilos de Evelyn roçavam seu torso e estava ficando louco ao tentar manter relaxada certa parte de seu corpo que atuava por sua conta. ? Então? ? Insistiu arqueando as sobrancelhas.
? Quero me oferecer a ti... ? murmurou abaixando a cabeça para que não pudesse ver o rubor que lhe provocava sua ousadia.
? Assim, sem mais? Quer que te faça amor como prêmio por te haver salvado de uma serpente ou por ter acalmado umas pequenas bolhas? ? Foi abrindo suas mãos para que Evelyn se deslizasse até o chão. Quando ela apoiou os pés no piso, olhou-a com os olhos entreabertos. ? Disse-te que com um simples obrigado era o bastante. Não desejo te submeter, nem te obrigar a nada por algo que é meu dever de marido.
Evelyn ficou paralisada. Por mais que tentasse levantar o rosto e olhá-lo desafiante, não conseguia. Seu embaraço, sua vergonha era tal que não podia nem pensar. Com um esforço sobrenatural deu uns passos para trás dando a possibilidade a Roger para que fechasse a porta e a deixasse sozinha naquele quarto que, naquele momento, pareceu-lhe enorme. Entretanto, ele não se moveu. Seus pés, aqueles que só conseguia ver, seguiam pegos ao chão.
? Evelyn? ? Agora era ele quem chamava sua atenção. ? Olhe-me! Levanta de uma vez esse rosto e me olhe! ? Gritou com aparente mau humor.
Assim o fez. Contra sua vontade levantou o queixo e o olhou. As lágrimas percorriam seu rosto sem poder evitá-lo, suas mãos se apertavam com força formando dois pequenos punhos. Humilhou-se de novo. Degradou-se outra vez ante um homem e este não tinha consideração ante seu ato. Zangada pelo acontecido, elevou os punhos, caminhou para ele e começou a lhe golpear no peito com ímpeto.
? Odeio-te! Maldito seja! Odeio-te! ? Gritou entre soluços.
? Então... por que quer se entregar? Por que quer que te toque, que te beije, que te possua? ? Insistiu sem impedir que o continuasse golpeando.
Como podia falar? Como podia explicar o que sua mente lhe propunha se sua garganta estava pressionada pelo desejo? Possivelmente o único motivo pelo qual conseguia soltar aquelas palavras não era outro que escutar, da boca de Evelyn, que o necessitava tanto como ele a ela.
? Não me toque! ? Clamou Evelyn ao sentir as mãos de Roger entrelaçando-se em sua cintura. ? Solte-me!
? Só quando me responder ? disse com firmeza. ? Só assim te deixarei livre.
? O que quer que te responda? ? Inquiriu rudemente.
? A verdade ? respondeu mais comedido.
? A verdade? ? Voltou a abaixar a cabeça, mas Bennett depois de afastar suas mãos da cintura, usou uma para colocá-la sob seu queixo e lhe içar o rosto.
? Sim ? afirmou com solenidade.
? A verdade, ? interrompeu-se ? é que ninguém se preocupou por mim durante todos estes anos. A verdade é que todo aquele que se aproximou foi para obter algo em troca. A verdade é que nunca tive a uma pessoa ao meu lado que apaziguasse minhas doenças, minhas inquietações ou me oferecesse seu amparo sem um motivo ou razão alguma ? soltou sem respirar.
? E aquele seu prometido? Aquele que te roubou aquilo que me pertence? ? Grunhiu mastigando cada palavra e mostrando a ira que lhe provocava conhecer certas coisas do passado de sua esposa que não imaginara.
? Esse menos que nenhum... ? murmurou ao mesmo tempo em que deixava cair seus braços para o chão.
Roger a observou tão abatida que desejou apertá-la ao seu corpo, para que não se afastasse dele, mas pensou melhor. Ela necessitava de seu próprio espaço, seu momento de liberdade, para poder falar com tranquilidade.
? Só me queria pelo dote que ofereciam meus pais... ? sussurrou enquanto caminhava para a cama e se sentava sobre esta ? mas ao não conseguir seu propósito me abandonou.
Podia arrancar os marcos da porta a dentadas? Porque isso é o que desejava fazer naquele momento. Precisava focalizar sua ira, sua raiva e desespero para algo. Entretanto, depois de respirar com profundidade e achar um pouco de sensatez, andou até ela, ajoelhou-se e colocou suas palmas sobre os joelhos da mulher.
? Disseram-me que tinha morrido... ? confessou-lhe. Sabia que lhe ia responder que continuava vivo, então sua mente não cessava de idear a maneira de buscá-lo e fazer realidade a mentira. Se já estava morto... quem condenaria o assassinato de um cadáver?
? Tinha dezesseis anos. Meus pais me apresentaram em sociedade com muita alegria e ilusão. Naquela época a família era bastante rica então meu pai ofereceu um bom dote para o homem que decidisse casar-se comigo. ? Fez uma leve pausa, suficiente para recuperar um pouco de quietude. ? Ele me cortejou e me seduziu. Terminei por me apaixonar e finalmente nos comprometemos. Pouco depois meu pai anunciou que as riquezas familiares tinham desaparecido por um mau investimento. Quando contei, quando lhe narrei a agonia que estávamos padecendo, acreditei que nos ajudaria, que lutaria contra a pessoa que enganou ao meu pai e que graças à sua valentia obteríamos o roubado. Mas não o fez. Decidiu partir. Abandonou-me sem sequer pensar no que eu tinha em meu interior...
? Estava... ficou...? ? Abriu tanto os olhos que pensou que estes fossem sair das órbitas.
? Sim. Embora pouco tempo depois de sua partida o perdi. Tropecei nas escadas ao sofrer um desmaio e quando despertei, o bebê tinha morrido ? soluçou dolorosamente.
? Sinto muito... ? falou com tristeza. Tirou as mãos dos joelhos e se levantou. A vontade de quebrar algo, de estrangular ao malnascido que lhe tinha feito mal, não diminuiu. Mas não era o momento de atuar com agressividade. Não desejava que Evelyn se assustasse ao pensar que a ira se devia à sua confissão e não ao feito de descobrir o triste passado que tinha vivido.
? Não tem por que sentir, Roger, mereço isso. Mereço tudo o que me aconteceu e o que acontecerá ? murmurou Evelyn dirigindo seus olhos para a figura alterada de seu marido.
Perambulava de um lado para outro. Levava as mãos para o cabelo e o afastava sem cessar. Sabia que após conhecer o que escondia, que ao revelar seu passado, desiludira-o. Quem poderia viver junto a uma mulher manchada? Agora era só esperar o que tanto tinha temido, que outra pessoa a abandonasse. Supôs que, embora lhe prometesse cuidá-la, sua declaração lhe daria a oportunidade de afastar-se de seu lado como fizeram os outros.
? Eu... eu... ? tentou dizer, mas lhe resultou impossível explicar o que pensava. Alguém batia na porta com insistência. Com grandes pernadas se dirigiu para esta, abriu-a e ladrou: ? Quem é?
? Sua Excelência ? respondeu Anderson abaixando com rapidez a cabeça ao escutar o tom enfurecido de seu senhor. ? Desculpe atrapalhar. Mas tenho que o informar que tudo está preparado para empreender a viagem.
? Que horas são? ? Perguntou em tom irado.
? Quase sete, senhoria.
? Está bem. ? Olhou de esguelha para Evelyn. Não se tinha movido de seu assento. Seguia com a cabeça abaixada e apertava suas mãos com força. O que devia fazer? Era a primeira vez em sua vida que não sabia como atuar com uma mulher. Se partirem, se se preparavam para partir depois de sua confissão, ela poderia pensar que lhe tinham feito mal suas palavras e que a repudiava por aquele passado que tanto lhe doía. Mas se fechasse a porta, se se dirigisse para ela e fizessem amor, acreditaria que só tentava aproveitar-se de sua fragilidade.
? Senhor... ? interrompeu de novo seus pensamentos o criado.
? Avisem-me quando forem dez da manhã. Não descansei o suficiente para aguentar estoicamente um trajeto tão longo.
? É claro. Voltarei a chamar nessa hora. ? Anderson fez uma leve reverência e se afastou.
Roger fechou a porta e se apoiou nela. Respirou com profundidade e contemplou o aflito corpo de sua esposa. Não sabia se o que lhe ditava o coração era correto ou não, mas se seu interior lhe gritava que o fizesse, fá-lo-ia.
XXV
Virou-se quando escutou fechar a porta. Surpreendida ao escutar que a saída se atrasava, observou sem pestanejar ao Roger, que apoiou as costas na porta de madeira cruzando os braços e cravando suas pupilas nela. Tragou saliva ao perceber como a escuridão aparecia no rosto masculino, apertava a mandíbula com tanto afã que podia escutar com facilidade o ranger de seus ossos. O peito, robusto pelo trabalho que teria realizado no navio, elevava-se e baixava com brio apesar de suportar o peso dos grandes e musculosos braços. Evelyn tremeu. Ali estava, um titã de cabelo loiro e pele escura atravessando-a com o olhar. Supôs que era lógico, todo mundo que escutava seu passado sentia ira ou lástima e, para ser sincera, ela preferia o ódio, posto que estava acostumada a defender-se melhor dos ataques verbais que das palavras repletas de misericórdia.
Quis romper o silêncio incômodo que se produziu entre ambos perguntando se queria que partisse, se desejava descansar tal como tinha indicado ao Anderson ou se desejava terminar a frase que tinha começado antes de serem interrompidos. Tinha empalidecido ao descobrir que tinha perdido ao bebê. Ao que parecia, os rumores não o informaram da parte mais odiosa da ruptura de seu compromisso: a perda de um diminuto ser. Tampouco lhe haveriam dito que ela não podia ter mais filhos. «Colin não o advertiria no contrato matrimonial», disse-se irônica. Desejou falar sobre algo que o despertasse do choque no qual se encontrava, mas não o conseguiu.
De repente Roger descruzou os braços e caminhou com solenidade para ela. Evelyn esticou as mãos pela camisola no primeiro passo. No segundo, seu coração deu um tombo ao apreciar que na realidade o rosto masculino não mostrava escuridão, mas sim lascívia. Não estava zangado, não desejava afastar-se de seu lado. O que pretendia era possui-la como um selvagem. «Grita, Evelyn, grita! Salve-se dele! Corre, foge!», escutava uma voz exaltada em sua cabeça. Mas a fez calar com rapidez.
Roger se aproximava como um predador se aproxima de sua presa, mas nesta ocasião, a presa desejava ser alcançada.
? Prometi que não te tocaria até que me pedisse ? disse isso com voz rouca. Seu terceiro passo o deixou a menos de quatro palmos dela.
? Sim ? respondeu-lhe sem diminuir aquela excitação que lhe augurava o que ia acontecer se fosse incapaz de negar-se.
? E até agora atuei tal como ditou ? continuou com o mesmo tom. Parou de andar até que se colocou em frente a ela. Percebeu que ela tremia ante sua proximidade. Estava seguro de que o calor que emanava de seu próprio corpo chocava com força no da mulher.
? Sim... ? conseguiu dizer mediante uma profunda inspiração.
? Evelyn... quero respeitar suas decisões. Não haverá nada no mundo que me impeça de fazê-lo. Por isso te pergunto, quer que eu te toque? Quer que te beije e te possua com o ardor que sinto desde que pus meus olhos em ti? ? Esticou as mãos para lhe acariciar os suaves e sedosos cabelos que caíam em forma de cascata por seus ombros.
? Roger... ? murmurou.
? Diga-me... ? respondeu depois de respirar profundamente.
? Sim.
? Sim o que, Evelyn?
? Sim, o desejo.
Bennett não se conteve mais. As mãos abandonaram o cabelo para agarrar com força a cintura da mulher. Atraiu-a para ele enquanto sua boca se chocava com a dela. Sua língua voltava a dominá-la, a conquistar seu interior. Observou satisfeito como Evelyn se deixava levar pelo desejo, fechando os olhos e dando pequenos e musicais gemidos de prazer ao tê-la em seus braços. Tudo aquilo que pensou, todas aquelas dúvidas que o impediam de avançar para fazê-la sua se desvaneceram ao sentir as mãos de sua mulher lhe acariciando as costas. Ardiam. Ambos desprendiam um fogo abrasador. Contra sua vontade, Roger foi enrugando entre suas mãos a camisola de Evelyn muito devagar. Apesar de querer arrancar-lha acreditou oportuno ser delicado com ela posto que imaginasse, por suas palavras, que jamais tinha sido amada tal como merecia. Precisava lhe indicar com cada carícia, com cada beijo, que era uma deusa para ele e assim a trataria. Quando o objeto se levantou até a pequena cintura, Bennett pousou suas grandes palmas sobre os glúteos nus. Acariciou-os, apertou-os, e inclusive cravou seus dedos neles para marcá-la, para lhe demonstrar que era dele e de ninguém mais. Mas aconteceu algo que o deixou atônito. Não esperava que Evelyn, depois de notar suas mãos nas nádegas, abrisse lentamente suas pernas o convidando a prosseguir. Dava-lhe acesso à sua sexualidade. Um grunhido de satisfação saiu de sua garganta. Essa amostra de aceitação o deixou tão louco que seu controle se desvaneceu. Com a mesma voracidade que um sedento bebe água no inóspito deserto, Roger terminou por a despojar da camisola. Evelyn, ao ver-se completamente nua, tentou cobrir-se com suas mãos, mas Roger as afastou com delicadeza enquanto se ajoelhava ante ela.
? Não me oculte sua beleza, minha pequena bruxa ? murmurou. Sua boca beijou o ventre no qual um dia houve uma vida dentro. ? Não quero que se esconda de mim.
Esperou que lhe respondesse, mas não o fez. Só colocou as mãos sobre seus ombros para não cair. Seus dedos retornaram às nádegas para acariciá-las com devoção. Voltou a observar como Evelyn separava lentamente suas pernas. As mãos caminharam devagar pelas coxas até alcançar os lábios inchados e úmidos. Depois de inspirar o aroma erótico de sua esposa, acariciou com ligeireza aquelas dobras molhada. Seus dedos lhe facilitaram o trajeto, separando com suavidade as delicadas protuberâncias sexuais.
? Nota minhas carícias? ? Exigiu saber com uma mescla de luxúria e sufoco.
? Sim... ? murmurou mal consciente disso.
? Quer que siga? Quer que continue, meu amor? ? Nem ele mesmo foi consciente de haver dito aquela palavra. Nunca a tinha posto em sua boca anteriormente, mas apesar de entrecerrar seus olhos ao escutar-se, não se arrependeu. Adorava-a, desejava-a, necessitava-a, e isso não era a base do amor?
? Sim, por favor ? rogou-lhe.
Seu corpo se sacudia com tanta força que se agarrou com ímpeto aos ombros de Roger. Mal podia levantar suas pálpebras e se envergonhava por ser incapaz de fechar a boca e não fazer parar aqueles diminutos gemidos provocados pelo prazer. Isso não era o normal, ou talvez sim. Não tinha com o que compará-lo salvo com Scott e, onde suas mãos tinham provocado frieza, as de seu marido a faziam arder.
? Deixe-me conhecer todo seu corpo... ? murmurou devagar enquanto o dedo do meio apalpava o interior de seus lábios procurando o pequeno botão do clímax. ? Deixe-me explorar cada pedaço da sua pele... deixe-me te demonstrar quanto te necessito...
? Faça-o... ? disse sem voz.
? Agarre-se com força aos meus ombros, meu amor. Vou fazer com que desfaleça de prazer ? advertiu antes de mover seu dedo com rapidez sobre o pequeno clitóris.
Gotas de suor começaram a banhar sua pele. Não imaginou que com um simples dedo pudesse enlouquecê-la até o ponto de flexionar seu corpo para diante e cair sobre Roger. Sua respiração era intermitente, mal conseguia duas inspirações seguidas sem gritar. As pernas perdiam sua força e podia notar como começavam a encurvar-se. Mas seu marido a elevou, colocou-a como ele queria que estivesse e então aconteceu algo que, se não tivesse estado na cama, teria caído desabada ao chão. Toda a agitação que sentia ali onde ele tinha o dedo, ali onde era açoitada sem fim, acalmou-se com a língua de Roger.
? Está bem? ? Bennett saltou sobre ela assombrado.
? O que... o que foi isso? ? Perguntou aturdida.
? Isso, meu amor... ? disse com um sorriso de orelha a orelha ? é algo delicioso. ? Dirigiu sua boca para a dela e a beijou com ardor. Sua língua se apoderou dela, possuiu-a e a desfrutou. Evelyn descobriu que o sabor de Roger se mesclava com outro um pouco ácido, frutado. Ruborizou-se ao saber de onde procedia, mas não se amedrontou, queria mais. Muito mais.
? Repita ? ordenou desenhando um sorriso malicioso em seu rosto.
? É uma ordem? ? Perguntou zombador.
? É outro mandato que acabo de acrescentar à lista. ? Seus olhos verdes brilhavam pelo desejo. Urgia-a senti-lo ali abaixo e o necessitava já.
? Pois como te disse, acatarei todas as suas normas, querida.
Começou a percorrer o corpo feminino com sua boca. Fez várias paradas antes de chegar ao lugar que tanto ansiava sua mulher. Primeiro beijou o pescoço e lambeu cada milímetro de sua pele até que alcançou o lóbulo onde deveria luzir uns brincos de diamantes. Acariciou-o devagar fazendo com que o pelo se arrepiasse ao úmido tato. Prosseguiu até seus seios. Aquelas pequenas montanhas com suas pontas escuras o deixaram louco. Absorveu, mordeu e apertou com seus dentes os elevados mamilos para escutar seus gritos. Adorou ouvi-la. Adorou observar como seus seios se moviam agitados pelo prazer. Continuou seu trajeto para baixo gerando um caminho brilhante depois do passo de sua língua. Era uma tortura ter demorado tanto até alcançar seu sexo, mas não tinham pressa, já não. As grandes mãos se colocaram sobre as coxas, separando-as com suavidade. Depois de apartá-las, Roger admirou o fogo que ela escondia entre estas. Aproximou seu nariz para voltar a encher seus pulmões do delicioso aroma de Evelyn. O fez várias vezes, possivelmente mais das que deveria. Nem tentou fechar seus olhos ao aproximar sua língua para os amaciados lábios. Precisava contemplar tudo. Por mísero que fosse o movimento de sua mulher ao roçá-la, desejava averiguá-lo.
Não podia parar os tremores. Suas pernas, arqueadas e abertas, sacudiam-se de um lado para outro. Em mais de uma ocasião pensou que golpearia a cabeça de Roger com os joelhos, mas não foi assim. Enquanto ele acariciava o sexo com seus lábios e com sua língua, agarrava com solidez as pernas para que deixassem de agitar-se. Era impossível permanecer quieta quando todo o corpo se sacudia devido às convulsões que se propagavam por cada milímetro da pele. Evelyn gritou ao notar a pressão dos dentes ali abaixo. Levou as mãos para a boca para não repetir o uivo, embora mal o silenciasse. Continuou gritando, chiando, uivando pelo prazer que seu marido lhe dava entre as pernas. Em mais de uma ocasião vislumbrou o firmamento repleto de estrelas brilhantes no teto de seu quarto. Não era possível. O que fazia seu marido não era real.
? Minha pequena bruxa... ? sussurrou Bennett elevando-se sobre ela. ? É puro fogo. Jamais necessitei tanto estar dentro de uma mulher. Deixa-me louco, Evelyn. Perturba-me, rouba-me a pouca racionalidade que tenho.
Ela esticou as mãos para lhe segurar o rosto e atrai-lo para sua boca. Desejava voltar a degustar daquela deliciosa mescla que ele guardava.
? Quero te possuir, quero te fazer minha ? murmurou. Ao ver como sua esposa assentia pousou os pés no chão, tirou a calça e as meias e retornou à cama. ? Não doerá, prometo-lhe isso.
Evelyn não estava tão segura disso. Se o corpo de Roger era imenso, seu sexo não era menor. Esticou as palmas da mão e, curiosa, começou a tocá-lo. Sua pele lhe pareceu sedosa, mas ao mesmo tempo forte e rígida. Abriu os olhos como pratos ao notar a umidade em suas mãos. A isso se referia quando lhe dizia que perdia o controle? Teria cuspido sua semente antes de introduzir-se em seu interior? Se fosse isso, se ele já tinha explodido, então compreenderia a razão pela qual Scott sofria aqueles percalços. Desejava-a tanto que não era capaz de controlar-se.
? Evelyn... ? chamou sua atenção. ? Eu jamais... em minha vida... ? Abaixou a cabeça e a beijou com desejo. Enquanto, com uma mão, foi endireitando seu membro até encontrar o lugar no qual devia entrar.
Não foi capaz de controlar-se. Queria fazê-lo lento, devagar, entretanto, não o conseguiu. Ao sentir a calidez dela, apertou seus glúteos, apoiou as palmas de suas mãos sobre o colchão e a invadiu com força.
? Sinto muito, sinto muito, mas não posso me controlar. Quero te fazer minha, quero te sentir, quero...
As mãos de Evelyn se colocaram nas costas masculina. Seus dedos se apertaram tanto nela que terminou lhe cravando as unhas. Cada penetração, cada embate, ela o sofria com enérgicos espasmos. Podia sentir o início do sexo de Roger lhe penetrando o interior, parecia que desejava alcançar o que ninguém podia conseguir. Tentou fechar os olhos. Precisava fechá-los para deixar-se levar. Embora não pôde fazê-lo, desejava apreciar como era o rosto de Roger, como mudava a cor de seus olhos quando o clímax o sucumbia.
? Evelyn! Evelyn! ? Gritou com tanto ímpeto seu nome que os tendões se marcaram na garganta.
Os tremores se fizeram mais intensos, rápidos e incontroláveis. O suor de ambos se mesclou. Uma estranha essência se estendeu ao redor deles. Em cada inspiração, cada vez que ela cheirava aquela mescla a especiarias, mais excitada se encontrava. Apertou com mais força suas unhas na pele de Roger, elevou o queixo e quando estava a ponto de gritar, a boca de seu marido a possuiu. Não deixou de beijá-la até que pararam de tremer, até que ambos os corações relaxaram seus batimentos, até que as respirações se compassaram.
? Sinto muito... ? Roger saltou da cama, dirigiu-se para a bacia e pegou o pano úmido. ? Sinto de verdade. ? Não deixava de desculpar-se enquanto a limpava. ? É a primeira vez que verto minha semente... é a primeira vez que não controlo...
Evelyn se incorporou na cama e segurou a mão de seu marido que limpava sua zona erógena. Não sabia o que pensar ao lhe escutar dizer que era a primeira vez que sua semente se introduzia em uma mulher. Possivelmente mentia, mas ao vê-lo tão inquieto, tão assombrado, a dúvida se dissipou. Entretanto não devia temer por uma possível gravidez. Não com ela.
? Roger não sofra ? disse desenhando um pequeno sorriso no rosto. ? Não acontecerá nada do que pensa.
Bennett deixou cair o objeto no chão. Seus olhos se abriram tudo o que puderam, seu coração deixou de pulsar, a expressão de agonia que mostrou seu rosto ao compreender que podia deixá-la grávida antes de averiguar se entre eles tinha crescido o amor se dissipou com brutalidade. Não podia ter filhos? Era impossível! Havia-lhe dito que esteve grávida. Só uma mulher que... o compreendeu com rapidez. Algo tinha acontecido naquele aborto que a deixou estéril. Ao ser consciente de que Evelyn lhe estendia a mão para que se colocasse ao seu lado, estendeu a sua e se tombou junto a ela. Abraçou-a com força contra seu corpo e lhe beijou o cabelo.
? Tenho frio. ? Não foi um mandato, mas sim uma mera informação.
Roger esticou o braço e pegou o lençol para cobri-la. Ela se aproximou ainda mais a ele convertendo-se de novo em uma só figura.
? Descansa um pouco ? sussurrou-lhe com ternura. ? Despertá-la-ei antes que batam à porta. ? A mulher assentiu com um suave movimento de cabeça.
Bennett, apesar de estar cansado, foi incapaz de fechar os olhos. Uma centena de pensamentos golpeava sua mente sem trégua. O que aconteceria agora? Seguiriam assim toda a viagem até chegar a Londres? Isso esperava porque tê-la daquela forma acalmava seus medos. Entretanto, o que ocorreria quando Evelyn descobrisse o passado de seu marido? «Será ela quem te abandone ? refletiu com tristeza. ? Quem pode viver junto a uma pessoa como eu?». Apesar do inevitável final, Roger priorizou um de seus objetivos: antes que ela se afastasse, antes que Evelyn decidisse separar-se dele, procuraria com afã ao suposto morto e faria realidade o rumor. Ele mesmo lhe arrebataria a vida com suas próprias mãos. Depois de beijar de novo o cabelo de sua esposa e intensificar seu abraço, olhou para a janela e suspirou.
Apesar de sua insistente negativa, Roger a ajudou a vestir-se e a penteá-la. Adiantando-se à chamada de Anderson, ambos estavam preparados para retomar a viagem. Quando escutaram uns pequenos golpezinhos na porta, olharam-se sorridentes. Evelyn acreditou que seu marido daria suas típicas pernadas para chegar à saída e responder ao criado, mas em vez disso abraçou-a e a beijou com paixão.
? Estou desejando que chegue de novo a noite. ? sussurrou-lhe ao ouvido. ? Vou contar as horas que faltam para tê-la outra vez nua em meus braços.
Ela se ruborizou ao escutar as insinuantes palavras e notou em seu baixo ventre um incrível palpitar. Desejava-o. Evelyn também desejava que chegasse aquele momento para voltar a sentir o prazer que lhe provocavam as carícias de seu marido. Antes de sair olhou-se no espelho e se surpreendeu ao ver um rosto repleto de felicidade. As olheiras lhe pareceram maravilhosas, o enredado cabelo recolhido em um torpe coque pareceu-lhe o penteado mais surrealista que tinha mostrado até o momento e seus lábios, avermelhados pelo roce da barba, exibiam-se mais volumosos que de costume. Era muito difícil ocultar o que tinha acontecido durante as horas anteriores naquele quarto. Embora começasse a descobrir, atônita, que não lhe importava o que pensavam outros.
? Adiante-se ? indicou Roger soltando sua cintura. ? Vou pagar ao hospedeiro e depois correrei até te alcançar.
Evelyn fez o que lhe propôs com carinho. Elevou seu queixo e caminhou para a carruagem sem olhar para trás. Ao sair da estalagem se assustou ao perceber como o sol voltava a tocar seu rosto e o machucava. Içou a mão direita, abaixou levemente a cabeça e caminhou depressa para o veículo, mas quando estava a ponto de chegar, no momento em que Anderson lhe abria a porta para lhe facilitar o acesso, notou uma pressão na mão esquerda tão intensa que se girou para esse lado.
? Senhora... ? uma mulher de pouco mais de cinquenta anos e vestida de rigoroso luto era quem a impedia de alcançar o carro. ? É seu marido o homem que ontem me pediu uma beberagem para acalmar suas queimaduras? ? Perguntou sem mal respirar.
? Bom dia ? respondeu com cortesia. ? Sim, pode ser que seja ele.
? Tome cuidado, milady, não é um homem bom. Leva em suas costas a marca da morte ? falou com pavor. Seu rosto, enrugado pelo passar dos anos, enfatizava suas palavras.
? Não o conhece! ? Exclamou zangada. Olhou para Anderson para lhe pedir auxílio e este, não muito cortês, afastou a anciã de seu lado.
? É você quem não sabe como é a pessoa que está ao seu lado! ? Clamou desesperada.
Evelyn subiu depressa, fechou a porta e olhou para o lado contrário. Não queria escutá-la nem olhá-la, mas era tanto o interesse que lhe provocava a estranha mulher que terminou por virar-se para ela. Quando a anciã apreciou que era observada, jogou uma olhada ao seu redor e percebendo que não seria retida de novo pelo lacaio, caminhou para a carruagem. Esteve a ponto de dizer algo, mas ao tocar o carro com suas mãos, os olhos desta se abriram tudo o que podiam alcançar, deu uns passos para trás e se benzeu.
? Não é o diabo... ? murmurou aterrada. ? É seu sangue que foi germinado por essa abominação...
? Acontece algo? ? Inquiriu Roger zangado ao ver as duas mulheres.
? Lute por se liberar do mal. Faça todo o possível para fazer desaparecer até a última gota de seu sangue. Só assim se liberará de seu destino ? comentou a anciã a Bennett antes de correr para a estalagem sussurrando palavras em um idioma que nenhum dos dois conseguiu decifrar.
? Quem era? ? Quis saber Evelyn quando seu marido se sentou ao seu lado e estendeu o braço para aproximá-la para ele.
? Só uma velha louca que me deu um remédio à base de ervas para acalmar suas queimaduras ? respondeu antes de lhe dar um beijo na cabeça. ? Incomodou-te? Tenho que descer e recriminar sua atitude com a minha esposa? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Não. Acredito que a pobre já tem o suficiente com a sua demência ? alegou antes de apertar a cintura de seu marido e pousar sua cabeça sobre o duro torso.
Mas as palavras da anciã não cessaram de repetir-se uma e outra vez em sua mente. Não entendia muito bem o que tentava expressar, entretanto, quando fechou os olhos para descansar antes de chegar ao próximo povoado e comprar aquele chapéu que, segundo Roger, necessitava, abriu-os de par em par ao recordar o que estava escondido sob o assento.
XXVI
Tal como augurou, o trajeto para Londres se fez comprido, mas graças ao comportamento de Roger o desfrutou mais do que esperava. É óbvio, cumpriu suas palavras sobre o que aconteceria na noite seguinte quando pernoitassem em outra estalagem, embora nessa ocasião enchesse a habitação de mantimentos para repor a energia que gastaram durante a noite. Os rubores em sua pele, pelas carícias e beijos, aumentaram até ter que comprar, em um dos povoados que visitaram, um remédio para acalmar sua delicada cútis. Entretanto, Evelyn não ocultava as marcas de seu prazer. Exibia-as com altivez. Quem não poderia proclamar que um matrimônio criado de um pacto inadequado começava a dirigir-se para o bom caminho? Nem ela mesma o teria acreditado. Recordou o momento no qual Roger apareceu em Seather com o papel que autorizava o contrato matrimonial, seu desmaio, a tosca cerimônia, seu abandono e, é óbvio, seu regresso. Não tinha transcorrido muito tempo desde que seu marido desembarcara, mas era o suficiente para confirmar que não desejava que partisse de novo. E agora menos que nunca. Estavam a ponto de chegar a Lonely Field, o lar de seu marido que também se converteria no seu. Ali, se Deus a ajudasse, encontraria as respostas que tanto açoitavam sua cabeça. Quem era na realidade Roger Bennett? Que passado tentava ocultar? Por que se transformou em um ser egoísta e petulante? E, sobretudo... por que tinha mudado tanto sua atitude após possui-la?
? Olhe! ? Exclamou Bennett com entusiasmo elevando-se do assento. ? Aí está meu lar! ? Voltou o olhar para ela, sorriu e murmurou: ? Nosso lar...
Evelyn se reclinou e olhou pela janela. Ao longe começou a divisar o enorme telhado que Roger chamava de lar, mas daquela distância mal pôde fazer uma ideia de como era. Seu marido lhe indicou que não seria maior que o dos duques, mas não deu importância às suas palavras. Um futuro marquês, e nada menos que o de Riderland, de cujo império se falava sem cessar nos grupos sociais, teria um palácio semelhante ao de Haddon Hall. Entretanto, quando a carruagem entrou no limite do imóvel, Evelyn levou as mãos para a boca.
? Adverti-te que não era uma grande extensão ? disse-lhe com certo pesar ao contemplar o rosto de sua esposa.
? É magnífica! ? Exclamou. Dirigiu as mãos para as de seu marido, apertou-as e esteve a ponto de beijá-las, mas Bennett o impediu ao assaltar sua boca com a sua.
? Meu coração está agitado... ? ronronou. ? Sinto-me tão feliz de que esteja aqui que sou incapaz de conter um grito de satisfação.
Evelyn gargalhou ao escutá-lo. Sabia que era certo o que lhe expunha. Podia apreciar o entusiasmado em seu rosto: desenhava um enorme sorriso, seus olhos brilhavam e relaxava a mandíbula, entretanto, suas mãos tremiam. Não conseguia saber se se deviam à excitação que sentia ou por medo da sua opinião sobre o futuro lar. Fosse o que fosse, ela apertou as trementes mãos e tentou acalmá-lo.
? Essas sebes, ? indicou separando sua mão direita da quente amarração ? Anderson e eu que plantamos. Embora te assegure que não sou o autor dessas formas trabalhadas que possuem.
A mulher dirigiu o olhar para onde assinalava seu marido e corroborou o que lhe explicava. O caminho que conduzia à entrada da casa estava adornado com duas fileiras de enormes e frondosos arbustos. Todos eles adotavam figuras diferentes, umas eram altas e magras, como se quisessem assemelhar-se aos picos de uma montanha, outras pelo contrário, eram curvilíneas e um pouco mais grossas. Mas conforme se aproximavam percebeu que todas tinham no interior a forma de animais. Como podiam realizar tal proeza com umas simples sebes?
? São totens ? esclareceu Bennett ao apreciar o assombro em sua mulher. ? Segundo seu autor, que conhecerá assim que estacionemos, mostram símbolos do meu caráter.
? Totens? ? Perguntou assombrada. ? Isso não é próprio dos...?
? Índios ? esclareceu afirmando com a cabeça. ? Sim, o criador dessas belezas é índio. Encontrei-o em uma das minhas viagens pela América. Estava a ponto de ser enforcado por um crime que, conforme se esforçava em proclamar, não cometeu. Eu acreditei em sua inocência e o comprei.
? Comprou-o?! ? Levantou tanto as pestanas que pôde senti-las acariciar suas sobrancelhas.
? Tudo se compra onde quer que se vá ? disse com ternura. ? Se tiver uma bolsa de moedas com a quantia que se espera obter ninguém é capaz de negar-se.
? Meu Deus! ? Exclamou tampando-se de novo a boca.
? Todos os meus criados, salvo Anderson, provêm de muitas partes do mundo, Evelyn. Aqui os trato com o respeito que merecem. Jamais ninguém lhes porá a mão em cima nem os utilizará como se fossem animais ? comentou com solenidade.
A mulher olhou absorta a seu marido. Não sabia o que responder. Nunca tinha imaginado que Roger albergasse em seu lar criados de outro lugar que não fosse Londres. Possivelmente porque só o povo nativo conhecia, melhor que nenhum outro, os costumes ingleses. Mas começou a não estranhar o que começava a conhecer de seu marido. Ninguém podia igualar-se. Ninguém poderia assemelhar-se a um homem tão incomum.
? Vamos querida. Acredito que todos desejam conhecer minha esposa ? sugeriu Bennett com um sorriso de orelha a orelha ao descobrir que não faltava ninguém para sair da residência para apresentar-se ante sua mulher.
Evelyn aceitou a ajuda de Roger para descer da carruagem. Com o chapéu que este lhe tinha comprado colocado sobre sua cabeça mal podia ver mais à frente do chão. Angustiada por não contemplar o que havia ao seu redor, terminou por tirá-lo e jogá-lo no chão. Então ficou sem respiração. Dez pessoas permaneciam na entrada esperando-a. Quatro delas eram de pele escura, três um pouco mais claras e outros eram tão pálidos como ela, mas quem chamou sua atenção foi um homem de cabelo comprido e cor azeviche. Tinha o peito descoberto, embora tentasse ocultá-lo sob um colete de cor marrom. Dirigiu seus olhos para seu marido e esboçou um pequeno sorriso. Já sabia de onde procedia a insistência de Roger por mostrar seu torso com descaramento. Sem pensar muito, deduziu que também ele era o autor das figuras esculpidas nos arbustos. Não podia errar em uma coisa tão clara! De repente notou a pressão da mão de seu marido sobre a dela. Evelyn imaginou que adivinhava seus pensamentos e lhe respondeu com um sorriso extenso.
? Querida, ela é Sophie, nossa governanta.
? Encantada em conhecê-la, senhora ? disse enquanto realizava uma ligeira reverência. ? Nosso senhor nos falou muito de você, mas esqueceu de descrever sua beleza. ? Sophie olhou a Roger como se o estivesse repreendendo.
? Posso te assegurar que nem eu mesmo sabia como era ? afirmou antes de soltar uma gargalhada e coçar a cabeça com a mão direita.
? É uma longa história ? acrescentou Evelyn ao contemplar o assombro da governanta. ? Se desejar escutá-la, contar-lhe-ei isso em breve.
? Estarei desejosa de que chegue esse momento, milady ? disse dando uns passos para trás.
? Ele é Yeng. ? Assinalou Roger a um moço com olhos rasgados e uma pele um pouco ambarina. ? Em seu antigo trabalho era crupiê, mas aqui se encarrega da manutenção de Lonely.
? Crupiê? ? Perguntou assombrada.
? Sim, minha senhora ? respondeu Yeng saudando-a da mesma forma que tinha feito Sophie.
? De onde é? ? disse bastante interessada.
? Da França.
? Nem todos os que têm um aspecto asiático nasceram lá ? murmurou Roger ao seu ouvido de maneira zombadora.
Evelyn se ruborizou com rapidez. Notou como lhe ardiam as bochechas ante um deslize tão infantil, mas quando Roger beijou com suavidade uma de suas maçãs do rosto, esse calor diminuiu. Um a um se foram apresentando. Todos tinham uma história interessante que lhe narrar sobre as diversas procedências e a maneira que conheceram seu marido. Mas ficou aniquilada quando o índio apareceu em frente a ela. Ao contemplá-lo mais de perto divisou umas marcas ao redor de seu pescoço. Não eram brancas, mas sim escuras e tinham um interessante desenho. Observou-o sem pestanejar enquanto falava com Roger. Seu comportamento, sua atuação com seu marido era muito diferente da que tinham os outros. Nem Anderson, o fiel criado e possivelmente a mão direita de seu marido, tinha tanta confiança para chamá-lo por seu nome de batismo.
? Finalmente, ? disse Bennett ? o batizamos com o nome de John. Não nos pareceu conveniente a nenhum dos dois chamá-lo com seu nome real. As pessoas estão acostumadas a afastarem-se quando o vêem.
? Senhora... ? John se aproximou dela, pegou-lhe a mão e a beijou com suavidade.
? Pode me chamar de Evelyn ? respondeu com suave fio de voz.
? Bom, já conhece todos os que habitam Lonely e agora, se te parecer bem, mostrar-te-ei o interior do meu lar. Estou seguro de que te assombrará o que ocultam estes muros ? apontou Bennett orgulhoso.
? Estou desejosa de descobri-lo ? comentou aceitando a mão de Roger e caminhando para o interior.
Quando o casal desapareceu dos olhos de todos os trabalhadores, estes olharam com rapidez a John. Permanecia imóvel, pétreo e com as pupilas cravadas na entrada do lar.
? É ela? ? Yeng rompeu o silêncio.
? Sim ? respondeu o índio com firmeza.
? Pois não tem pinta de poder salvar nada! ? Exclamou Sophie pondo os olhos em branco. ? É uma mulher esquálida. Um pouco alta para ser uma dama e não dá a impressão de ter coragem para enfrentar tudo o que lhe vai acontecer.
? Acaso o fogo nasce com intensas chamas? ? Alegou John sem expressar emoção em seu rosto.
? Fogo? Olhe John... ? Sophie aproximou-se dele e assinalou com um dedo inquisidor no peito ? se ela não for esse fogo que tanto necessita o senhor, diga aos seus etéreos espíritos que pegarei o machado com o qual corto o pescoço das galinhas e, uma a uma, destroçarei as sebes nas quais passas tanto tempo rezando.
? Eu adoro quando se zanga ? murmurou somente para eles dois.
? Pois te advirto que o estou e muito. Se ela não o salvar, se não for capaz de conseguir o que aquelas harpias com pernas de galgo não obtiveram, penso em te buscar outra mulher que acalme suas necessidades espirituais ? retrucou antes de virar-se e entrar também no lar.
? Fará ... ? sussurrou para si.
XXVII
Cada cômodo que encontrava era diferente aos demais. Nenhum se assemelhava nem mesmo em uma única peça de decoração. Roger fazia de seu lar um pequeno mundo. A sala de jantar, a primeira sala que visitou, era muito parecia com a que teria qualquer mansão londrina: uma grande mesa central com uma dezena de cadeiras sob a formosa tábua de madeira, vitrines esculpidas, suportes nos quais pousavam candelabros de laboriosos desenhos, enormes abajures de cristal que se iluminavam mediante a reclamada luz a gás, equipamento de porcelana... Entretanto, as paredes não estavam cobertas de pinturas de seus antepassados. Enormes e floridas tapeçarias ocupavam esses lugares. Seis contou. Dois deles só eram paisagens de montanhas onde um rio atravessava a tapeçaria. Eram pequenos paraísos em meio de um nada, mudos ante os ouvidos de quem tentava escutar o passar da água, mas esplêndidos para todos os que fossem capazes de admirá-los com os olhos. Um deles lhe recordou o lugar no qual os duques ofereceram o piquenique. As montanhas ocultavam o sol, o caudal transbordante de vegetação fluía a seu passo com liberdade e percebeu que a imagem transmitia a mesma tranquilidade que ela obteve naquele lugar salvo quando foi jogada na água. Sorriu de lado ao recordar a infantil cena, voltou a ver-se golpeando o inerte líquido enquanto Roger não cessava de rir.
Algo tinha mudado entre eles. Soube assim que descobriu que se acontecesse de novo, abrir-lhe-ia os braços para que se unisse ao seu corpo molhado. Morta de calor por seus pensamentos, dirigiu o olhar para uma tapeçaria onde havia figuras de mulheres embelezadas com roupa desgastada pelo uso. A ambos os lados tinham umas cestas de vime e, pelos objetos que elas seguravam em suas mãos e tentavam limpar na água, deduziu que se tratava de uma cena habitual entre lavadeiras. Mas o que chamou verdadeiramente a atenção de Evelyn, que não pôde deixar de olhar, foi um imenso tecido que permanecia sozinho ao final da sala, justo atrás da cadeira que Roger devia ocupar. Imaginou-o ali sentado, conversando com alguns convidados e exibindo a magnitude que projetava a tapeçaria sobre ele. Evelyn caminhou para o inerte objeto. Sua fascinação aumentou ao contemplá-lo de perto. O imponente cavaleiro vestido com uma armadura cinza montado sobre um corcel branco que elevava suas patas dianteiras era tão majestoso que esticou a mão para tocá-lo.
? Você gosta? ? Roger, sem deixar de observar a sua esposa, colocou-se atrás dela, segurou-a pela cintura e apoiou seu queixo sobre o ombro direito da mulher.
? Quem é? ? Perguntou intrigada.
? Segundo o vendedor é dom Juan da Áustria9.
? O que representa? ? Voltou a perguntar sem diminuir seu desejo por descobrir o que havia atrás do cavaleiro.
? A batalha do Lepanto10. Vê o fogo que há ao fundo? ? Evelyn assentiu. ? Conforme me narrou o comerciante de quem o comprei, são os últimos povos turcos que batalharam com ardor.
? É lindo... ? sussurrou.
? Sim, também me parece isso. Por isso regateei seu preço. Embora soubesse que valia o que me pedia o comerciante, não estava disposto a perder minha pequena fortuna nele. Bom, minha querida esposa, prosseguimos ou seguimos aqui parados observando um cavaleiro sobre seu garanhão?
? Continuemos... ? respondeu aceitando sua mão.
? Estupendo, porque estou desejoso de te mostrar nosso quarto ? disse-lhe em voz baixa.
A Evelyn se fez um nó na garganta.
? Tudo o que vê ? começou a contar enquanto se afastavam da sala de jantar e se dirigiam para as escadas que os conduziriam ao andar superior ? foi adquirido em minhas explorações.
? Viajou tanto?
? Muito. Se a memória não me falhar, desde os vinte anos. Quando consegui o Liberté, meu navio ? comentou com orgulho.
? Deve ser lindo navegar por alto mar e poder visitar novos e paradisíacos lugares ? apontou Evelyn manifestando entusiasmo.
? Às vezes sim e outras nem tanto...
? Quando não? ? Virou-se para ele e o olhou sem pestanejar.
? Quando se tem uma mulher tão bela como você e não pode me acompanhar ? respondeu zombador.
? É um canalha... ? disse ao mesmo tempo em que desenhava um extenso sorriso.
? Sei ? respondeu antes de beijá-la.
Subindo as escadas mais rápido do que deveria, Roger foi lhe explicando onde dormiam as pessoas que tinha conhecido na entrada, onde permaneceriam os convidados quando decidissem os visitar e por último a conduziu para seu quarto.
? Adiante... ? disse após abrir a porta e deixando-a entrar primeiro ? pode entrar no lugar onde passaremos a maior parte das nossas vidas.
Evelyn entrou com certo temor. Não sabia o que encontraria em um lugar tão íntimo para seu marido. De repente, assaltou-a a dúvida. Perguntou-se se de verdade ela desejava descansar durante o resto de sua vida ao seu lado. Até agora não tinha sido consciente do que isso significava. Achava-se em uma nuvem, em um momento de êxtase desmesurado que mal lhe permitia pensar com claridade. Era suficiente uma vida sexual ativa para viver um matrimônio com plenitude? Olhou de esguelha a seu marido. Este mostrava o mesmo entusiasmo que um menino ao ter em suas mãos um presente. Por que ele não sentia medo? Por que mostrava tanta segurança? Não soube responder, embora umas palavras aparecessem em sua mente golpeando com força: «Meu amor», tinha lhe sussurrado Roger quando dormiram juntos, mas isso não a tranquilizava.
Scott tinha utilizado as mesmas palavras para enrolá-la, para atrai-la como faz o mel a um urso. E depois? Depois partiu.
De todos os modos não podia compará-lo com aquele titã que a observava com entusiasmo, eram diferentes e a situação também: Scott procurava o matrimônio enquanto Roger o tinha obtido sem desejá-lo. Suspirou várias vezes e, apesar do tremor de suas pernas, caminhou pelo interior do dormitório. A primeira impressão que teve foi de amplitude. Sim, era o maior quarto que já tinha visto. Podia albergar, com facilidade, duas vezes o seu de Seather. Frente a ela duas cortinas de cor negra se amarravam a cada lado da janela. Devagar, com muita calma inclusive, prosseguiu divisando cada objeto, cada elemento que guardava Roger nela. Abriu os olhos como pratos ao contemplar a cama.
Estava segura de que, embora estirasse seus braços e pernas por ela, nunca tocaria o final de cada extremo. Sorriu de lado. Era lógico que seu marido teria adquirido o leito mais colossal de qualquer loja, posto que facilmente ultrapassasse vários palmos daquele que se autoproclamara o homem mais alto de Londres. Sobre a colcha de cor vinho, três grossos almofadões lhe ofereciam uma visão confortável. Desejou pegar um e apertá-lo para confirmar sua suavidade, mas desistiu. Já o faria em outro momento. Olhou para cima apreciando a largura do dossel. Entrecerrou os olhos para tentar averiguar o que indicavam os desenhos esculpidos na madeira escura, mas de onde se encontrava não distinguiu nenhum. Continuando, cravou suas pupilas nas cortinas que pendiam do dossel. Estavam bordadas em ouro? A cor dourada daqueles objetos era realmente ouro?
Voltou a vista para seu marido. Este permanecia no marco da porta com os braços e pernas cruzadas. Tentava aparentar que estava relaxado, mas tal como apertava a mandíbula, Evelyn soube que não o estava.
? Um sultão me deu isso de presente ? disse com voz sussurrante. ? Eu jamais compraria uma coisa tão ostentosa.
Não lhe respondeu com palavras, só assentiu e continuou investigando. Ao pé da cama um enorme tapete de cor azul marinho convidava a ser pisado sem sapatos que entorpecessem a captação da suavidade de seu tato. Dirigiu seus olhos para o sofá. Não, não era um sofá qualquer, era um interminável divã. Se ela tentasse tombar-se sobre ele a pele que o forrava a faria escorregar até terminar sobre o chão.
? Sou grande... ? assinalou ao vê-la tão assombrada pelas dimensões da poltrona.
Evelyn respondeu a sua afirmação com um grandioso sorriso. Não precisava indicar que seu tamanho era bastante considerável, já o tinha percebido no dia em que apareceu no funeral de seu irmão. Sempre se complexou por sua altura, era a mais alta de suas amigas, mas no dia que Roger apareceu ao seu lado teve que levantar muito a cabeça para poder conseguir o olhar aos olhos.
Descalçou-se. Não devia fazê-lo, mas não queria manchar com as solas de seus sapatos o lindo tapete. Caminhou sobre este até alcançar uma estante que ocupava todo o comprimento da parede e que se achava entre o balcão e a chaminé. O normal, o habitual para outros, era ter uma biblioteca no piso de baixo. Pelo menos assim o tinha o resto do mundo. Mas pouco a pouco ia confirmando que seu marido era um homem peculiar e muito distinto a todos os que tinha conhecido.
? Eu gosto de ler sem que ninguém me incomode ? esclareceu de novo Roger ao observar as caretas de estranheza que mostrava sua mulher em cada coisa que achava.
? Não interprete mal minhas reações ? apontou virando-se sobre si mesma. ? Tudo o que encontrei até o momento não me produziu mal-estar, mas sim fascinação. Resulta-me incrível que um homem como você tenha adequado seu lar com tanto... como o diria? ? Pôs os olhos em branco ao não encontrar a palavra exata.
? Aprimoramento? ? Interveio divertido.
? Sim, aprimoramento está bem ? sorriu.
? O que imaginava? ? Endireitou-se e caminhou para ela. ? Como pensou que seria meu lar? ? Parou antes de chegar ao tapete.
? Tenha em conta que o único que escutei de ti em Londres foi que era um libertino, um homem enlouquecido por levantar as saias de todas aquelas mulheres que se abanavam com suas próprias pestanas. Sem esquecer a fama de bebedor e jogador inveterado ? continuou sorrindo apesar de o haver definido como um indesejável.
? Os rumores exageram... ? grunhiu.
? Isso vejo... ? sussurrou com um suspiro. De repente seus olhos se cravaram em uma porta que havia atrás das costas de Roger.
? É só o cômodo de asseio. ? Seu tom de voz voltou a ser sussurrante. ? Mas estou pensando em deixar a porta fechada por uns dias, possivelmente até dentro de vários meses...
A intriga a fez correr para aquela entrada, esticou a mão e quando abriu a porta ficou atônita. Suas pestanas tocaram de novo suas sobrancelhas e mal pôde fechar a boca. Era de esperar que fosse grande, mas nunca imaginou que uma banheira pudesse ter a largura e a profundidade de um pequeno lago. As paredes não estavam revestidas de papel ou de grossas capas de pintura, mas sim de lâminas retangulares de porcelana cor marfim. A privada, do mesmo material, tinha um depósito do qual pendia uma corda. Voltou-se para Roger sem poder conter seu assombro.
? Sei, ? comentou Roger com uma estranha mescla de entusiasmo e medo ? nunca viu algo semelhante.
? De onde...? Como conseguiu...?
? Pois não sei te dizer a procedência desta magnífica banheira. ? Levou a mão direita para a barba e a acariciou devagar. ? Depois de me haver descrito com tão hábeis palavras, o que pensará quando te disser que esta beleza a descobri em um bordel de Paris?
? Em um bordel?! ? Arqueou as sobrancelhas e seu assombro aumentou até limites incalculáveis.
? Vê? Sabia que ia pôr essa cara! ? Disse divertido. ? Evelyn, querida, nenhuma das tinas que vi em Londres podiam albergar meu tamanho. Cada vez que tentava me assear tinha que fazê-lo por partes.
? Claro... e viajou até Paris e se meteu em um bordel para encontrar o que necessitava ? interrompeu lhe com uma mescla de ira e sarcasmo. Roger esticou sua mão, mas ela esquivou-se do roce.
? Não foi assim exatamente... ? Deixou que ambas as mãos se estendessem para o chão. ? Em uma de minhas viagens a França conheci um cavalheiro que frequentava os ditos locais pecaminosos. Um dia tinha tomado mais taças das quais pude suportar e me ofereceram um quarto onde passar meu estado de embriaguez. Então, ao abrir a porta para me refrescar, fiquei fascinado por essa imensa banheira. Perguntei à madame quem tinha construído essa impressionante banheira e me deu com rapidez a direção do arquiteto.
? É óbvio... pergunto-me... o que lhe ofereceria para que atuasse com tanta prontidão? ? Disse com aparente desdém enquanto caminhava para o imenso espelho que se encontrava no lado oposto da grande tina. Olhou para um lado e logo para o outro e lhe parou o coração ao compreender que o que acontecesse dentro daquela banheira refletir-se-ia no espelho.
? Tratava-se de um afamado italiano que estava acostumado a passar longas temporadas em Paris para prover seus clientes de espetaculares quartos de banho ? continuou falando para não dar importância ao pequeno ataque de ciúmes que mostrou sua mulher. Devia zangar-se ante uma atuação tão infantil, mas lhe produziu o efeito contrário, sentiu-se tão orgulhoso que lhe alargou ainda mais o peito. ? Falei com ele, convidei-o a vir a Londres e quatro meses depois de sua chegada meu pequeno paraíso relaxante estava construído.
? Não sei o que pensar... ? disse um tanto aturdida.
? Comentei-te que não me importava seu passado e que esperava que não julgasse o meu ? comentou com voz pesarosa. Aproximou-se dela muito devagar, virou-a para ele e a olhou fixamente. ? Evelyn, a mim só interessa quem é agora, não o que foi antes de me conhecer.
? Sim, já me advertiu disso, mas por mais que o tente, não posso diminuir uma estranha ira que cresce em meu interior ao pensar que outra mulher esteve aqui e que gozou de suas carícias aí dentro ? resmungou.
? Não trouxe nenhuma mulher à minha casa salvo a ti ? apontou antes de soltar uma gargalhada. ? É a única que pôs seus bonitos pés neste lugar ? disse aproximando seus lábios dos dela. ? E a única que o fará...
? Jure! ? Gritou afastando o rosto para que não a beijasse.
? Juro-lhe isso... ? suas mãos apanharam o rosto de Evelyn e a imobilizou para finalizar o que se propôs, beijá-la.
Quando abriu os olhos descobriu que se achava no quarto. Roger a tinha pousado sobre o tapete. Suas mãos se dirigiam para os laços do vestido com a intenção de despi-la para possui-la outra vez. Fechou-os de novo fazendo com que se intensificassem os roces dos dedos ao caminhar pelas costas. A língua masculina percorria o interior de sua boca provocando umas suaves e cálidas carícias. Face aos sutis movimentos, sua dominância, seu desejo de fazê-la sua percebia-se com claridade. Cada beijo que lhe oferecia era diferente do anterior. Evelyn, nas nuvens, rememorou a sensação que obteve a primeira vez que suas bocas se uniram. Não havia ternura nele. Não encontrou calidez em seu primeiro beijo, só luxúria. Entretanto desde que dormiram juntos, antes de empreender a volta a Londres, seus beijos se enterneceram até tal ponto que começaram a destruir o objetivo que a conduziu a seduzir seu marido. Respirou profundamente quando Roger liberou sua boca. Esta, que mal podia fechar-se, necessitava que continuasse beijando-a, conquistando-a, desfrutando-a.
? Tenho que confessar que ia te dar um tempo para que descansasse depois da viagem, ? comentou Roger com voz oprimida. Ajoelhou-se ante ela, colocou suas mãos sob o vestido e foi baixando com lentidão as meias ? mas temo que não lhe vá conceder isso.
Evelyn jogou a cabeça para trás e soltou uma sonora gargalhada. Não estranhou escutar aquela insinuação de seu marido. E mais, teria lhe entristecido que a tivesse deixado sozinha. Com urgência levantou seus pés para despojar-se do suave tecido. Notou que Roger pousava sobre cada perna uma mão e as acariciava com incrível tranquilidade. Cada ascensão e descida sobre seu corpo o desfrutava tanto que começou a sentir a opressão de seu peito contra o vestido e uma incontrolável calidez sob seu ventre.
? É formosa, descaradamente formosa... ? sussurrou enquanto dirigia as palmas para o sexo de sua esposa. Roçou levemente seus lábios úmidos com os polegares, impregnando-os de seu mel. Aquele sutil gesto provocou o que tanto ansiava, que lhe permitisse continuar. ? Segure-se nos meus ombros, vou beber de seu doce manancial.
Açoitada pela paixão que começava a despertar em seu interior, ela pousou seus trementes dedos sobre cada uma das partes superiores do torso masculino. Voltou a abrir sua boca ao notar como a língua de Roger lambia seu interior. Pressionou com mais força o corpo de seu marido ao sentir a pressão dos dentes sobre suas saliências inchadas. Ele os puxava e colocava a boca no interior para absorver sua essência. Encontrava-se extasiada. Tanto que podia roçar com a gema de seus dedos aquilo que denominavam loucura. Ele era fogo, chamas que a queimavam e a faziam derreter-se quando a tocava.
? Não me saciarei nunca de ti ? murmurou antes de incorporar-se e beijá-la. ? Nunca ? sussurrou depois do beijo.
? Hoje quero fazer uma coisa...
? O quê? ? Colocou suas palmas sobre as maçãs do rosto de Evelyn e a atraiu para ele para beijá-la de novo.
? Não recordo... ? sussurrou sem voz.
? Então... enquanto se lembra... ? a conduziu devagar para trás até que as costas da mulher tocaram a parede. ? Deixe que eu faça outra...
A mão masculina foi descendo pela figura de Evelyn. Acariciou o decote, colocou os dedos no interior do objeto e tirou um mamilo. Deixou de beijar os lábios femininos para dirigir-se para o duro botão. Mordeu-o, sugou-o ao mesmo tempo em que aquela mão travessa continuava a trajetória para a perna esquerda da mulher.
? Minha pequena bruxa... ? murmurou estrangulado pelo desejo. ? Por mais que o tento... não posso me saciar de ti. ? Içou a mão pela coxa até que chegou ao epicentro de Evelyn. Voltou a procurar o pequeno e inchado clitóris. Ao achá-lo, acariciou-o com a mesma intensidade que a primeira vez. Entretanto nessa ocasião procurava algo mais pecaminoso, mais desonroso. Não pararia até que o interior das coxas de sua esposa terminasse banhados por seu suco. Mais tarde, quando ela estivesse exposta, percorreria cada milímetro de sua pele com a língua.
? Roger! Roger! ? Gritou Evelyn como uma louca. ? Roger!
? Sim, pequena bruxa ? sussurrou-lhe enquanto mordia e lambia o lóbulo direito feminino. ? Diz meu nome. Grite ao mundo inteiro quem é seu marido, quem te ama e quem te deixa louca de luxúria. ? Com cada palavra, com cada pressão de seus dentes na orelha, o dedo do homem se introduzia e saía do sexo feminino como se fosse seu membro ereto. Não parou até que notou a sacudida do orgasmo, até que Evelyn vincou os dedos de seus pés, até que molhou suas pernas. ? Desejo-te tanto... ? continuou sussurrando sem deixar de lhe beijar o rosto. ? Necessito-te mais do que imagina...
? Roger... conseguiu dizer. Suas bochechas ardiam, seus olhos brilhavam e o corpo inteiro seguia submetido a contínuas convulsões.
? Diga-me...
? Deixa-me que te dispa?
? Me despir? ? Perguntou assombrado.
? Sim, isso é o que queria te dizer. ? Sorriu com suavidade.
? Se é o que deseja, aqui me tem ? respondeu Roger dando duas pernadas para trás e abrindo os braços em cruz. ? Sou teu e pode fazer o que desejar.
Teve que respirar várias vezes antes de aproximar-se. Não sabia como começar. Sua cabeça seguia dando voltas e se envergonhava ao notar que suas coxas estavam úmidas de sua própria essência. Respirou. Suspirou. E depois de uns instantes duvidosos, caminhou para ele. Tirou o nó da gravata e a lançou para algum lugar do quarto. Logo continuou com a jaqueta. A passagem desta pelo corpo rude e musculoso fez com que seu coração golpeasse com força contra o peito. Sem jeito foi desabotoando a camisa. Esta caiu ao chão sem esforço algum. Ao observar aquele peito mordeu o lábio inferior e seus olhos brilharam tanto que nenhuma estrela do firmamento pôde assemelhar-se. Pousou suas mãos sobre o torso nu, que ascendia e descia agitado pelo desejo e o acariciou regozijando-se em cada milímetro de pele. Sorriu satisfeita ao ver como seu marido fechava os olhos e inspirava com força. Excitava-o. Suas carícias, seus toques, enlouqueciam-no. De repente Roger gemeu com mais ímpeto do que tinha esperado. Evelyn o olhou desconcertada pela inesperada reação.
? É uma tortura que me toque e que eu não possa fazê-lo ? assinalou desenhando um malicioso sorriso em seu rosto. ? Se seguir assim, temo que terminarei ajoelhado de novo.
Evelyn entrecerrou seus olhos o advertindo, com essa forma de olhar, que não se movesse. Era seu momento, seu desejo, seu grande prazer. Face à advertência de como terminaria se seguisse o torturando daquela maneira, não cessou de o acariciar, de enredar entre seus dedos o loiro pelo. Percebeu, surpreendida, que a ele também endureciam os diminutos mamilos. Sem pensar duas vezes, dirigiu sua boca para eles e os mordeu. Então descobriu que ele sofria os mesmos espasmos que ela ao ser assaltada nessa zona erógena. Com um enorme sorriso pelo deleite da experiência, olhou-o com descaramento enquanto baixava devagar suas mãos para a calça. Desabotoou o botão e deixou que este descesse com a mesma lentidão que a camisa. Roger sacudiu rapidamente as pernas, lançando o objeto mais longe que onde terminou a gravata.
? Não me deixará assim, não é? ? Exigiu saber com uma mescla de agonia e desespero.
? E se o fizer? ? Respondeu desafiante.
? Esquecer-me-ei, de repente, da última norma que acrescentou na estalagem ? disse zombador.
Evelyn mordeu outra vez o lábio inferior. Cravou o olhar no vulto da calça e entrecerrou os olhos. Ele era grande e seu sexo também. Prova disso era que, apesar da pressão da roupa de baixo, sobressaía por cima desta. Atordoada pelo frenesi colocou as mãos no interior do calção e segurou entre elas o duro membro. Essa carícia, esse leve contato de suas palmas com a ereção, fizeram com que todo o corpo masculino começasse um balanço compassado. Seu marido, com os olhos fechados e com a cabeça inclinada para trás, começava a mover-se da mesma forma que estava acostumado a fazer quando se introduzia em seu interior. Devia afastar as mãos, devia retirar-se ante tal obscenidade, mas não o fez. Ficou ali parada, contemplando o pausado movimento continuado até que escutou um grito de seu marido. Não foi um alarido usual. Foi mais um comprido e profundo uivo que provinha do mais profundo de Roger. Tinha liberado de novo a besta? Ou melhor... o monstro tinha liberado seu marido? Ao afastar as palmas sentiu como algo úmido a queimava. Curiosa por averiguar o que era aquilo que lhe produzia tanto calor, aproximou-as do rosto. «OH, Meu Deus! ? Exclamou para si. ? É sua semente!».
? Jamais... ninguém... nunca... ? começou a dizer Roger aturdido. Despojou-se do objeto que cobria seus quadris e avançou para sua mulher com passo firme, sólido, enérgico. ? Ninguém, Evelyn, ? sublinhou com vigor ? conseguiu de mim o que você obteve. ? Abriu seus braços para que ela se aproximasse de seu corpo e quando a teve perto de seu peito, apertou-a com força. ? É única, meu amor. Única.
O que devia pensar? Desejava que aquelas palavras fossem verdade? Sim, desejava-o. Necessitava que não a tratasse como outra mais. Que quando partisse e a deixasse sozinha na casa, não procurasse outras carícias que não fossem as suas. Não, já não. Evelyn queria ser a única.
? E agora deveria tirar esse lindo vestido azul se não quiser que termine empapado ? advertiu.
? Empapado? ? Distanciou-se dele e arqueou as sobrancelhas.
? Crê que o que fizemos foi suficiente? Não, minha pequena bruxa, isto foi só o princípio de uma longa jornada de amor. ? Sorriu. ? E o primeiro lugar onde vou possuir-te nesta casa ? sussurrou-lhe no ouvido ao mesmo tempo em que a elevava de novo em seus braços ? será nessa imensa banheira. Estou ansioso por ver como seu corpo pula sobre mim enquanto a água se agita pelo ardor da nossa paixão.
? Está louco... ? respondeu antes de esboçar uma pequena risadinha e mover as pernas.
? Por ti ? disse tão baixinho que Evelyn não pôde escutá-lo devido ao som de sua própria risada.
XXVIII
A água já estava morna, mas ao manter-se perto de Roger logo notou como diminuía a temperatura. Sentada sobre ele admirava a fortaleza de suas pernas e a longitude de seus pés. As mãos masculinas não cessavam de acariciá-la, de apalpá-la sem cessar, mas o que encantou realmente Evelyn não foi o magnífico corpo de seu marido, mas sim os momentos de risadas que passaram dentro daquela banheira. Ambos sentiam uma pequena dor em suas mandíbulas de tanto rir. Recordaram o dia que se conheceram, as bodas, a partida e o acontecido depois da volta.
Narrou-lhe como foi despachando um a um aos cavalheiros que a visitavam em seu lar com o propósito de convertê-la em sua amante. Evelyn percebeu como o corpo masculino se esticava ao lhe narrar aqueles momentos, mas o tranquilizou enchendo-o de beijos e carícias. Falou-lhe de sua viagem, dos lugares que visitou durante os sete meses fora de Londres. As tempestades que sofreu em alto mar, como atuava sua tripulação e como terminou por descobrir que aquilo que lhe proporcionava mal-estar em suas vísceras era somente a necessidade de retornar à sua terra natal e enfrentar com integridade seu futuro.
? E de repente, ? disse esticando os grandes braços para abraçá-la ? observo que todos os olhares dos cavalheiros se dirigiam para um ponto da sala. ? Seu queixo pousou sobre o ombro da mulher, acariciando com seu fôlego a aveludada pele da Evelyn. ? Olhei para essa parte do salão e...
? E? ? Insistiu a mulher voltando-se para ele. Sentou-se sobre seus quadris, as pernas se cruzaram pelas costas e ambos os torsos voltaram a unir-se.
? E encontrei uma pequena bruxa de cabelo cor de fogo exibindo em um lindo vestido vermelho com um delicioso decote que me convidava a pousar meus lábios nele. ? Elevou o queixo para contemplar a diversão que expressava o rosto de sua esposa e a beijou.
? Por que não cessa de me chamar assim? ? Colocou suas mãos sobre o rosto masculino e afastou as mechas loiras que a impediam de ver os azulados olhos.
? Minha pequena bruxa? ? Perguntou enquanto desenhava um sorriso. Evelyn assentiu. ? Porque é a única mulher que foi capaz de me enfeitiçar ? esclareceu com voz serena, pausada e firme.
Os braços femininos se entrelaçaram de novo no pescoço de seu marido. Aproximou a boca e o beijou. A pequena amostra de carinho despertou de novo a luxúria em Roger. Pousou suas mãos nas costas de Evelyn e a acariciou como se fosse uma frágil flor. Voltaram a agitar a água, voltaram a esquentar o interior da banheira, voltaram a deixar-se levar por aquele insaciável desejo por converter-se em um só ser.
Quando terminaram Evelyn pousou a testa sobre o peito agitado de seu marido. As bochechas se converteram em duas pequenas bolas de fogo. Extasiada e cansada, suspirou.
? Acredito que vai sendo hora de te oferecer um descanso ? murmurou Roger depois de afastar com certo desagrado o corpo de sua mulher do dele. ? Se continuo assim, poderia te matar.
? Não me acompanha? ? Levantou-se com cuidado para não escorregar e esperou que seu marido a ajudasse a sair dali.
? Tenho que falar com o John de certos temas ? indicou cobrindo a nudez de Evelyn com uma toalha branca. ? Estou muito tempo fora de casa e tenho que me pôr em dia. ? Elevou-a em seus braços e a conduziu até a cama. Estendeu-a com supremo cuidado e se colocou sobre ela. ? Prometo-te que assim que arrumar meus assuntos subirei para te fazer amor até que amanheça.
? Sabe? ? Disse elevando de novo os braços e enredando-os no pescoço de Roger. ? Isso mesmo me sugeriu na primeira noite na casa dos Rutland.
? Pois como comprovou, sempre cumpro minhas promessas. ? Abaixou sua cabeça e a beijou.
Custava-lhe deixá-la ali sozinha, mas seu dever como dono de certos negócios lhe reclamava. Era certo que tinha passado muito tempo fora de seu lar e estava seguro de que John ocupou seu posto com acerto. Entretanto devia confirmar que certos temas seguiam controlados, sobretudo aqueles dos quais tanto recusava falar com Evelyn e que possivelmente os distanciaria. Depois de vestir-se com uma calça e uma camisa, desceu ao escritório.
John não demorou a aparecer. Era tão desconfiado que houvesse sentido a presença de Roger na pequena sala.
? Pensei que não sairia daquele quarto até passada uma semana ? disse o índio zombador.
? Mentiria se te dissesse que não o pensei, mas algo me diz que tem notícias frescas, estou certo? ? Levou a taça para a boca e arqueou as sobrancelhas.
? Apareceu quando partiu ? comentou John enquanto se aproximava da licoreira para acompanhar seu amigo. ? Parece que tem um dom especial para saber quando e onde aparece.
? Costuma acontecer quando seu sangue é o mesmo que o meu ? grunhiu. Caminhou pesado para a poltrona que havia junto à chaminé e se sentou de repente.
? Falou com Sophie, já sabe que é incapaz de dirigir-se a mim, dou-lhe asco. ? Dirigiu-se para seu amigo e se sentou ao seu lado.
? Acredito que a palavra acertada é ódio. Não pode suportar o fato de que me salvou de suas garras. ? Sorriu de lado. Depois de manter uns instantes de silêncio, prosseguiu: ? Com que propósito apareceu em meu lar desta vez?
? Convidá-los à sua casa ? disse ao mesmo tempo em que cravava seus olhos marrons nos de seu amigo.
? Convidar-nos? ? Reclinou-se do assento e apertou a taça com força.
? O que esperava? Já não tem uma rocha em seu caminho, mas sim duas.
? Nela não tocará! Jamais a alcançará! ? Clamou zangado ao mesmo tempo em que lançava o copo para o interior da chaminé. ? Antes ponho fim à sua asquerosa vida com minhas próprias mãos.
John, imperturbável, reclinou-se sobre o assento, voltou a tomar um sorvo de sua bebida e refletiu durante um bom momento. Se seus espíritos tinham razão, se o que eles lhe indicavam era certo, Roger não devia recusar o convite. Precisava enfrentar, de uma vez por todas, a maldade de sua mãe e, se suas premissas não erravam, sua esposa o salvaria do inferno no qual vivia desde pouco mais de uma década.
? Como vai tudo por Children Saved? ? Mudou de tema.
? Bastante bem. Falei com seu administrador e por agora todas as necessidades estão resolvidas. Essa última viagem encheu as arcas da residência. Entretanto...
? Entretanto? ? Repetiu Roger intrigado.
? A pequena Natalie está muito triste. Não para de perguntar onde está seu irmão e acredito que deveria visitá-la o antes possível. Faz uns dias esteve bastante doente. O médico disse que era próprio de sua idade, mas não estou muito seguro disso. Desde esse dia mal pode sair da casa. Passa as horas no quarto e sua mãe está muito preocupada.
? Amanhã sem falta irei visita-la. Não quero que pense que a abandonei. É muito pequena para compreender certos temas. ? Roger esticou as pernas, acariciou a barba e adotou um olhar pensativo. De repente rompeu seu silêncio. ? Apareceu durante minha ausência algum mais?
? Não. Seguem sendo vinte ? respondeu antes de levantar-se, andar para o móvel bar e encher seu copo de novo. ? Um charuto? ? Perguntou mostrando a caixa em que guardava os melhores charutos.
? Não. Deixei de fumar faz uns dias. Evelyn não gosta do aroma de tabaco ? esclareceu sem oferecer emoção alguma.
? Essa mulher... ? começou John a dizer sem poder eliminar o sorriso de seu rosto.
? Essa mulher... ? insistiu Roger entrecerrando seus olhos e apertando os dentes.
? Calma, não vou dizer nada mau dela ? expôs antes de soltar uma gargalhada ao ver como seu amigo ficava na defensiva.
? Essa mulher, minha mulher, é intocável ? sentenciou. ? Por isso não quero que ela se aproxime de Evelyn. Irá destrui-la como tem feito com todos aqueles que se interpõem em seus propósitos.
? Duvido muito que sua mãe se arrisque tanto...
? Você não a conhece como eu ? resmungou. ? Tem suas mãos manchadas de tanto sangue inocente que lhe resulta impossível continuar sem ele. É uma víbora, um ser sem escrúpulos.
? Se eu estivesse em seu lugar pensaria seriamente em fazê-la parar de uma vez ? disse John enquanto caminhava para a janela. Um sorriso se desenhou em seu rosto ao observar como Sophie agitava uma bengala para tirar o pó dos tapetes que tinha estendidos sobre uma corda.
? Se decidisse por tal coisa, primeiro teria que matar meu irmão e, neste momento, não quero fazê-lo. O que faria Evelyn com seu marido encarcerado?
? Não pensaste que algum dia terá um filho e eles poderiam tentar conseguir o que não fizeram contigo? Mataram a uma dezena, o que importa mais um? ? John, apesar de ter o olhar sobre a mulher que amava, não a observava. Seus pensamentos estavam em outra parte do mundo.
? Evelyn não pode ter filhos ? grunhiu Roger ao mesmo tempo que se levantava e se dirigia para o porta-garrafas. ? Conforme entendi, ao perder o que esperava sofreu uma infecção ou algo similar e ficou estéril.
? Esteve casada? ? John virou a cabeça para seu amigo e entrecerrou seus olhos. Se for certo, se ela tinha vivido um matrimônio anterior, não seria a mulher que lhe indicaram seus ancestrais. Estes falaram de uma mulher sem enlace, de uma mulher quebrada pela tristeza de um passado tortuoso e que só acharia a paz quando seu amigo estivesse à beira da morte.
? Casada não, comprometida sim. Mas o compromisso se rompeu. Aquele malnascido a abandonou quando descobriu que a riqueza familiar tinha desaparecido depois de um mau investimento do pai dela ? explicou apertando a mandíbula.
? Poderia procurá-lo. Sabe que sou bastante hábil em encontrar pessoas desaparecidas ? comentou ansioso de que seu amigo lhe dissesse que sim.
? Não quero investigar o passado da Evelyn. Prometi-lhe que só me interessa saber o que faz desde que nossas vidas se cruzaram ? assinalou antes de voltar a tomar o líquido ambarino de um sorvo.
? Como quiser... mas tenho que te advertir que me entristeceu sua decisão.
? Mas como? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Faz muito tempo que não escalpelo ? assinalou antes de soltar uma gargalhada.
XXIX
Evelyn esticou as mãos para o lugar onde devia permanecer Roger, mas ao não o achar abriu os olhos. Sentou-se na cama ocultando sua nudez com o lençol e o buscou com o olhar. Não estava. Partira. Suspirou pelo pesar que lhe produzia não o ter ao seu lado e voltou a recostar. Fixou suas pupilas no dossel e tentou rememorar onde podia estar. Entretanto, em vez de recordar as conversações que mantiveram para conseguir responder-se, sua mente lhe ofereceu as imagens deles dois amando-se durante a noite. O corpo de seu marido sobre o seu, esquentando-o, fazendo-o arder de desejo... rodando ao longo da cama, sempre unidos, sempre se tocando. Não havia uma só parte de seu corpo que Roger tivesse deixado sem acariciar. Sorriu ao apreciar que, com somente recordando necessitava-o de novo. Assombrada pelas emoções que tinham despertado nela, voltou a elevar-se e procurou algo com o que cobrir sua nudez. Precisava sair daquele quarto onde seus pensamentos pecaminosos não tinham fim. Pousou seus pés no chão e se dirigiu para varanda, abriu as cortinas e viu que na entrada estava estacionada a carruagem na qual devia chegar Wanda. Procurou com o olhar a bata que na noite anterior Roger lançou para algum lugar do quarto e, depois de achá-la atrás do divã, correu para colocá-la.
? Wanda! ? Exclamou baixando as escadas como uma menina alterada.
? Senhora... ? comentou a donzela assombrada ao ver Evelyn vestida com uma simples bata e com os cabelos alvoroçados.
? OH, Wanda! Quanto senti saudades! ? Disse ao abraçá-la.
? Duvido que o tenha feito vendo-a dessa forma ? resmungou a criada.
? Não seja má... ? deu uns passos para trás e se ruborizou.
? Vejo que seu plano está sendo eficaz ? sussurrou-lhe.
? O plano ? retrucou ? desapareceu. Agora não quero descobrir quem é meu marido, mas sim desfrutar da vida que tanto deseja me oferecer.
Wanda esteve a ponto de soltar um enorme insulto quando Sophie apareceu de algum lado da casa.
? Deseja tomar o café da manhã? ? Perguntou a Evelyn com interesse.
? Sim, claro. Muito obrigada Sophie por ser tão atenciosa ? comentou com um sorriso.
? Tomar o café da manhã? ? Inquiriu Wanda com um sussurro. ? Eu diria que é a hora do almoço ? replicou.
? Esta noite não pude descansar tudo o que precisava ? alegou sem deixar de ruborizar-se. ? Sophie ? chamou a atenção da criada que já tinha começado a dirigir-se para a cozinha. ? Poderia nos levar o café da manhã em meu quarto?
? É claro, senhora ? afirmou fazendo uma leve reverência.
? Vem! ? Evelyn pegou a mão de Wanda para fazê-la subir as escadas com rapidez. ? Vou mostra-te a casa!
Depois de lhe mostrar o dormitório que tinham preparado para ela, conduziu-a para seu quarto. Os olhos da criada não tinham sido capazes de fechar-se nem um só instante. Mostrava a mesma expressão de assombro que ela ao compreender como era o interior da casa de seu marido.
? E este é nosso quarto ? indicou quando abriu a porta.
? Nosso? ? Quis saber ao mesmo tempo em que arqueava as sobrancelhas.
? Meu marido não deseja descansar afastado de mim ? expôs ruborizada.
? E muito temo que você tampouco fosse capaz de descansar sem sua presença, equivoco-me?
? As coisas mudaram! Tudo mudou! ? Exclamou virando-se sobre ela mesma um par de vezes. ? Não é o homem que me disseram. Não é o homem que acreditei!
? Bom... ? começou a dizer enquanto procurava um assento ? isso deve me alegrar.
? Claro que sim! ? Caminhou para ela, ajoelhou-se e pôs sua cabeça sobre os joelhos de Wanda. ? Nós duas temos que nos alegrar! Por fim viveremos felizes...
A donzela acariciou o cabelo de Evelyn ao mesmo tempo em que suspirava com veemência. Esperava, não! Melhor, rogava, que desta vez não lhe rompessem o coração. Porque se acontecesse, se voltassem a destroçá-la, ela não atuaria de maneira passiva. Arrancaria o coração do futuro marquês com suas próprias mãos...
? O que é esse ruído? ? Evelyn se levantou com rapidez e caminhou para a porta. Ao abri-la escutou a voz de uma mulher. Falava com autoridade e elevava seu tom em cada palavra.
? Nem lhe ocorra sair assim! ? Advertiu-a Wanda colocando-se em frente dela. ? Irei ver o que acontece.
Evelyn assentiu, deu uns passos para trás e deixou que saísse. Quando ficou sozinha andou até a cama, sentou-se e apertou as mãos. Quem apareceria no lar de seu marido dando ordens e levantando sua voz de forma desafiante? Olhou para a porta e notou como seu pulso se acelerava. Devia havê-lo suposto. Para chegar a Lonely tiveram que atravessar meia Londres e mais de um londrino saudou a carruagem ao contemplar o estandarte pendurado na lateral deste. Todo mundo saberia que o senhor Bennett tinha retornado. Talvez inclusive alguma de suas amantes descobrisse que Roger permaneceria em seu lar e apareceu demandando aquilo que em seu tempo lhe ofereceu. Sim, devia ser isso. Uma mulher não podia elevar a voz daquela maneira salvo que se zangasse ao ser informada que seu amante se casou e que já não a necessitava. Umas lágrimas começaram a brotar de seus olhos e a tristeza lhe oprimiu o coração. Tinha que havê-lo suspeitado. Tinha que ter considerado que, face à notícia do casamento de Roger, mais de uma mulher não renunciaria a perdê-lo como caso. Quem, em seu são julgamento, desistiria de umas mãos e uma boca como a de seu marido?
? Deus santo bendito! ? Exclamou Wanda depois de fechar a porta atrás de sua entrada. ? Vista-se!
? Quem é?
? Quem é?! ? Repetiu a donzela elevando os braços e pondo os olhos em branco. ? Sua muito ilustre, minha senhora! A própria marquesa de Riderland veio conhecê-la!
? A mãe do Roger? ? Levantou-se de um salto da cama e se levou as mãos à boca.
? A própria! E ela gritou a... Sophie?... ? Perguntou duvidosa ? que não partirá até saber quem é a mulher que conseguiu casar-se com seu filho.
? OH, meu Deus! OH, meu Deus! ? Gritou Evelyn correndo de um lado para outro.
Muito ao seu pesar teve que deixá-la no quarto. Teria gostado de vê-la despertar, observar como lhe brilhavam os olhos ao vê-lo ao seu lado e como estendia os braços para acolhê-lo de novo em seu corpo. Mas tinha outras coisas que fazer antes de retornar a Evelyn. Desceu do cavalo e soltou uma enorme gargalhada quando fixou suas pupilas na entrada da residência.
? Não disse que estava doente? ? Perguntou divertido.
? Prometo-te que assim era ? respondeu John assombrado.
Uma pequena de uns seis anos corria para eles. Seu cabelo ondulado voava sobre sua pequena cabeça e a cor loira se fazia branca quando os raios solares o alcançavam. Agarrava com suas mãozinhas o vestido esmeralda para não cair na corrida. Roger abriu os braços, ajoelhou-se e esperou que a menina impactasse sobre seu corpo.
? Roger! Roger! Retornou! ? Gritou Natalie antes de lançar-se sobre Bennett. ? Senti falta de ti.
? Olá, princesa! Eu também tive saudades. Como está? ? Perguntou sem deixar de abraçá-la. ? John me disse que esteve doente, sinto se não estive ao seu lado, mas tive que partir para um lugar muito longínquo. Embora vejo que se encontra melhor. ? Pegou-a em seus braços e a levou de novo ao interior da casa.
? O senhor Bell disse à mãe que era amigdalite, ? disse com a cabeça elevada e olhando ao seu irmão mais velho com entusiasmo ? e tive que tomar um remédio com um sabor amargo. ? Fez uma careta.
? Vá... e não te recomendou que tomasse muitos sorvetes? ? Disse divertido.
? Gelados? ? Abriu tanto os olhos que o azul de suas pupilas se voltou transparente.
? Já vejo que não... ? sorriu de lado a lado. ? Bom, pois falarei com sua mãe para que nos sirva duas grandes taças de sorvete de baunilha.
? Sim, por favor... ? murmurou Natalie. ? Ela sempre te dá atenção.
? Sua Excelência... ? Ywen, a mãe da menina, fez uma pequena reverência ao vê-lo entrar.
? Bom dia, Ywen. Acredito que Natalie deseja tomar duas bolas de sorvete. ? Deixou a menina no chão e caminhou pela entrada da residência. Tudo estava igual a antes de partir. Graças a Deus nada tinha mudado e esperava que nunca o fizesse.
? Gelado? ? Ywen arqueou as sobrancelhas castanhas e olhou à menina zangada. Natalie se escondeu atrás das pernas de Roger e este voltou a soltar outra gargalhada.
? Se puder nos servir duas taças de sorvete... ? assinalou divertido.
? Zangou-se... ? sussurrou a menina sem mover-se.
? Como sabe? ? Virou a cintura para a direita e a observou jocoso.
? Porque enrugou o nariz...
? Roger, deveria ir visitar os outros. Estarão na estufa ? indicou John.
? Far-me-á a honra de me acompanhar, milady?
Bennett fez uma exagerada reverência à menina.
? A honra será minha, cavalheiro ? respondeu agarrando seu vestido com ambas as mãos e lhe respondendo com outra genuflexão.
Agarrada à sua mão Natalie saltitava em vez de caminhar. Estava tão feliz de ter de novo seu irmão que era impossível andar como lhe indicava sua insistente instrutora. Elevou várias vezes o rosto para confirmar que estava ali, junto a ela, e que nada nem ninguém os separariam jamais.
? Bom dia a todos. ? Roger abriu a porta da estufa e saudou os meninos que se encontravam estudando botânica com a senhora Simon, encarregada de lhes ensinar matérias como álgebra, ciência e piano.
? Roger! ? Exclamaram ao uníssono. Antes que Natalie pudesse lhe soltar a mão os meninos correram para Bennett para abraçá-lo.
? Sua Excelência ? saudou-o a professora com uma reverência. ? Bem-vindo.
? Bom dia, senhora Simon. Que tal foram suas aulas em minha ausência?
? Salvo pelo comportamento habitual do senhor Logan, tenho que lhe dizer que tudo está perfeito ? explicou orgulhosa.
O menino aludido se endireitou, levou a mão à cabeça e soprou. Roger quis censurar e repreender sua atitude, mas quando o olhou aos olhos, viu-se ele mesmo. Nunca tinha sido um bom estudante. Sempre se esquivava das aulas que o aborreciam e desesperava qualquer instrutora que se autoproclamasse tranquila e sossegada. Mas por sorte sua mãe acalmava sua ira quando elogiavam o cavalheirismo, a inteligência e a sensatez de Charles, o filho pródigo, quem deveria ter sido o encarregado de ostentar o título que, por cinco minutos, ele tinha que possuir.
? Não quero voltar a escutar a senhora Simon me indicar que seu comportamento não é o adequado ? disse finalmente. Recordou-se de seu pai. Ali, em frente à porta de seu dormitório com os braços nas costas e elevando o queixo com ímpeto. ? Se em menos de um mês sua conduta não mudar, terei que falar com sua mãe para escolher o que fazer contigo. Não posso perder tempo nem meu dinheiro esbanjando-o naqueles que não o valoram.
? Sim, senhor. Prometo-lhe que mudarei. ? Abaixou a cabeça e apertou os dentes.
«Deus! ? Pensou Bennett. ? Como pode ser tão semelhante a mim?».
? Roger... ? John chamou sua atenção ? o administrador acaba de chegar. Espera-te no escritório.
? Diga-lhe que não demorarei. ? Seu amigo assentiu e partiu. ? Bom, tenho que ir. Espero que os pequenos incidentes não voltem a se repetir. Senhora Simon...
? Senhor Bennet...
Deu-se a volta e caminhou para a porta. Entretanto ficou parado ao ver que Natalie não se movia. Permanecia ao lado da professora.
? Quero escutá-la, se não se importar. Quero aproveitar o tempo e o dinheiro ? apontou a menina muito séria.
Bennett sorriu e continuou seu caminho. Enquanto se dirigia ao escritório recordou o dia no qual apareceu Ywen em Lonely Field. Chorava desesperada enquanto mostrava um bebê nos braços. Ao princípio não quis olhá-lo. Só pensou que era outro mais. Outro ser desamparado ao que, igual aos outros, unia-o o mesmo sangue, mas quando Ywen afastou a manta que cobria o pequeno rosto, Bennett ficou paralisado. Não estava vendo a filha de seu pai, mas sim a sua. Tinha o mesmo tom de olhos, seu mesmo nariz bicudo e o cabelo, aquele diminuto arbusto de cabelo que cobria a cabecinha era do mesmo tom. Nesse momento, ao ver Natalie, compreendeu que todo seu esforço, todos seus pesares valiam a pena se seus irmãos eram tratados com a dignidade que mereciam. Por que deviam sofrer as consequências do egoísmo de um pai incapaz de reconhecer seus bastardos? Além disso, na residência os mantinha a salvo das garras de sua mãe. Ao rememorar o instante em que descobriu as atrocidades que ela realizava para eliminar todas as crianças que nasciam das infidelidades de seu marido, Roger apertou a mandíbula e respirou com profundidade. Não, não lhes ocorreria nada de mau. Ele os protegeria sempre.
? Com os últimos ganhos têm podido resolver todas as faturas. ? O administrador, rodeado de papéis, mostrava a Roger um a um os recibos pagos. ? Tenho que lhe dizer que foi uma ideia excelente cortar os gastos ao fazer com que as mães trabalhassem na residência. Pudemos prescindir de cozinheiras, lavadeiras, donzelas e inclusive várias delas cuidam do jardim melhor que qualquer jardineiro que se orgulhe de sê-lo.
? Alegra-me escutar isso. ? Roger adotou a postura de um homem de negócios. Seu corpo reto parecia mais imenso, se cabia, e suas mãos ocultas atrás das costas o magnificavam.
? Mas também tenho que o advertir que se achássemos mais alguns filhos ilegítimos de seu pai...
? Conforme me informou John levamos um ano sem que apareça nenhum e não acredito que, aos seus setenta anos, possa continuar com esse desventurado costume ? resmungou Bennett.
? Bom, nunca se sabe o que foi capaz de fazer no passado, mas é certo que há um ano ninguém apareceu e duvido que possa engendrar mais filhos devido à sua enfermidade.
? Doente? ? Perguntou franzindo o cenho.
? Sim. Sua Excelência está prostrado no leito ao menos há quatro meses. Segundo meus contatos poderia falecer em qualquer momento e você possuiria o título.
? E como não me fez chegar uma notícia assim? ? Inquiriu furioso.
? Senhor, disse-lhe. Indiquei-lhe na missiva que lhe enviei quando estava navegando que devia me visitar por dois motivos importantes. Mas quando desembarcou não apareceu no meu escritório ? explicou com voz tremente.
? Tem razão... ? acalmou-se um pouco. ? Tive que me ocupar de outros assuntos antes de partir para Haddon Hall. ? Perambulou pelo escritório sem poder fixar a vista em nenhuma parte. Se for certo, se seu pai estava em seus últimos dias, como aceitaria sua mãe ser a viúva e que seu desprezível filho conseguisse o título? E seu irmão? Permaneceria impassível enquanto ele aceitava seu legado? Roger enrugou a testa. Sabia que deviam estar tramando algo, o que não conseguia imaginar, mas seria algo maligno, disso não lhe cabia dúvida. De repente ficou pétreo, olhou fixamente ao administrador e perguntou: ? Qual é o segundo motivo?
? Você... ? a voz tremente apareceu de novo.
? Eu? ? Roger entrecerrou os olhos e olhou ao homem com suspeita.
? Sei que não pode ser certo, sua Senhoria. Por mais que estive pensando nisso, não me saem as contas.
? Contas? De que contas fala? ? Caminhou para a mesa coberta de papéis e apoiou as palmas sobre eles.
? Rogo-lhe que não se zangue comigo, senhor. Juro-lhe por minha vida que não acredito em uma só palavra dessa descarada.
? A que descarada se refere? ? Grunhiu.
? À viúva do senhor Myers, Excelência ? disse ao fim.
? Eleonora? ? Afastou as mãos, cruzou-as diante de seu peito e arqueou as sobrancelhas. ? O que queria essa mulher de ti?
? Não se trata de mim, mas sim de você. ? O administrador fez uma pausa para poder tomar fôlego. Sabia que o que ia expor não lhe ia causar agrado algum. ? Cinco meses depois de seu enlace matrimonial apareceu em meu escritório ? começou a dizer. ? Vinha enfurecida e se foi ainda mais zangada quando lhe indiquei que não sabia onde se encontrava e que não podia lhe fazer chegar a informação.
? O que desejava essa harpia? Que informação devia me dar? ? Perguntou surpreso, ao mesmo tempo que confuso.
? Segundo ela você... ? titubeou de novo. ? Você...
? Maldita seja! Fala de uma vez!
? Essa mulher diz que o filho que espera é seu.
Roger não teve tempo de reagir ante a notícia quando John abriu a porta de uma vez.
? Temos um grave problema ? manifestou com o rosto alterado.
? O que acontece? ? Perguntou Bennett caminhando para seu amigo com rapidez.
? Yeng está lá fora. Sophie o enviou. ? Virou-se e correu para a saída. Bennett o imitou. Seu coração não palpitava e mal podia respirar. Se sua governanta tinha enviado alguém em sua busca era por uma razão: Evelyn.
? Diga-me que minha esposa não está em perigo ? exigiu saber enquanto montava no cavalo.
? Não posso dizer tal coisa porque sua mãe e seu irmão estão com ela ? soltou John antes de tocar com brio ao corcel.
XXX
? Estou perfeita? ? Evelyn acariciou o vestido e deixou de respirar. Wanda tinha sido hábil ao fazer chegar o baú que transportava na carruagem e podia usar um dos vestidos que comprou sob o atento olhar de Beatrice.
? É claro ? afirmou a donzela ultimando o penteado.
? Estou tão nervosa... o que pensará a marquesa? Parecerei a mulher perfeita para seu filho? Espero... rogo que não tenham chegado aos seus ouvidos as desditas que padeci no passado ? soluçou.
? Relaxe. De verdade que deve tranquilizar-se um pouco antes de descer. Além disso, goste ou não Sua Excelência, já se casou com seu filho e nada pode fazer para desfazê-lo. Seja você mesma, não queira aparentar aquilo que não é e já verá o orgulhoso que se sente seu marido quando souber que recebeu de maneira correta a sua mãe ? comentou com voz suave e aprazível.
? As luvas! ? Exclamou Evelyn olhando ao seu redor. Movia-se com tanto brio que Wanda pensou que o laborioso penteado não permaneceria muito tempo tão perfeito.
? Não acredito que seja apropriado... ? começou a dizer em voz baixa.
? Tenho que usá-las! ? Respondeu agitada. ? Meu Deus, tenho que usá-las!
? Respire... por favor, respire... ? Wanda observou que os objetos que procurava com desespero jaziam sobre a penteadeira e que devido ao seu estado de nervosismo não os tinha visto. Aproximou-se, pegou-os e os mostrou.
? É muito importante para mim lhe causar boa impressão ? disse um pouco mais serena enquanto a donzela lhe punha as ansiadas luvas. ? É a marquesa, a mãe do homem de quem estou... ? emudeceu rapidamente. Não, não podia dizê-lo ainda. Por mais feliz que se sentisse junto a Roger ainda não podia falar de algo tão importante, tão profundo.
A criada respirou fundo, estendeu suas mãos pelo vestido e caminhou para a porta. Não precisava que Evelyn terminasse a frase que tanto temor lhe produzia. Ela já sabia as palavras com as quais finalizaria. Estava apaixonada. O homem de olhar penetrante, perturbador e embelezador tinha utilizado todas as suas artimanhas para seduzi-la e apanhá-la. Só esperava que ele sentisse o mesmo por ela e esquecesse o resto das mulheres.
? Preparada? ? Quis saber após abrir a porta e esperar que Evelyn se decidisse a caminhar para o exterior.
? Sim ? respondeu após suspirar e elevar o queixo.
? Não se esqueça de respirar, é muito importante para evitar desmaios inoportunos... ? sussurrou-lhe quando passou ao seu lado.
Evelyn sorriu levemente. Caminhou mais erguida do que deveria e parou quando chegou às escadas. Olhou para a entrada e observou que ali não havia ninguém. Certamente Sophie tinha dirigido a marquesa para a sala de jantar. Relaxou e, tal como lhe indicou Wanda, respirou. Pousou a mão no corrimão e desceu devagar, sem aparente pressa, embora a força com que pulsava seu coração poderia impulsioná-la para baixo sem chegar a tocar o chão com os pés.
? Boa tarde... ? apareceu uma voz masculina justo antes de pisar o último degrau.
Evelyn não pôde ocultar a surpresa que lhe produziu ver um homem tão parecido ao seu marido, embora percebesse notórias diferenças: seu marido tinha os olhos mais claros, era o dobro de corpulento e, por sorte para Roger, o cabelo e a barba abundavam mais nele que naquela pessoa que a olhava sem piscar.
? Pelo assombro que contemplo em seu belo rosto meu querido irmão não a informou sobre mim, estou certo? ? Arqueou a sobrancelha direita, sorriu e esticou sua mão para tomar a dela e dirigi-la para sua boca.
? Boa tarde. A verdade é que falamos de muitas coisas, talvez tenha me dito e o esqueci ? desculpou-o. Tentou recompor-se do choque que lhe tinha produzido a aparição de outro Bennett e sorriu.
? Nesse caso, minha querida cunhada, apresentar-me-ei como é devido. ? Fez uma ligeira genuflexão e prosseguiu: ? Sou Charles Bennett, o irmão gêmeo de seu marido ? esclareceu com uma voz tão melosa que Evelyn sentiu uma estranha comichão em seu estômago.
? Encantada de o conhecer, pode me chamar de Evelyn se lhe parecer correto ? disse enquanto aceitava o braço que lhe oferecia para dirigi-la para a pequena saleta que Roger tinha ao lado da sala de jantar.
A mulher franziu sutilmente o cenho. Não esperava que Sophie os tivesse conduzido a um lugar tão privado para seu marido. Conforme lhe contou quando lhe fez o breve percorrido pela casa, ali era onde se reunia com os comerciantes, advogados e administradores que trabalhavam para ele e onde guardava documentos que ninguém devia tocar.
? Evelyn... ? sussurrou com tom aveludado. ? Bonito nome. Que significado tem um antropônimo tão assombrosamente belo?
? Provém de uma palavra grega, hiyya, que significa fonte de vida ? respondeu surpreendida. Era a primeira vez que alguém se interessava pela origem de seu nome. ? Embora acredite que a verdadeira razão pela qual meus pais decidiram me pôr este nome se deve a uma...
? Novela? ? Interrompeu antes de apertar inapropriadamente sua mão com a dele.
? Sim, com efeito, a uma novela. A minha mãe gostava muito de ler e imagino que achou o nome em algum personagem feminino ? respondeu desenhando um leve sorriso enquanto retirava sua mão do braço masculino com sutileza.
? Mãe... ? saudou Charles após abrir a porta e permitir que Evelyn acessasse primeiro ? apresento-lhe Evelyn, a esposa do nosso querido Roger.
? Sua Excelência... ? Evelyn caminhou para ela, fez uma reverência e ficou parada até que a mulher, de não mais de cinquenta anos, aproximou-se dela abrindo seus braços.
Nenhum dos dois tinha herdado nem a cor de seus olhos nem o do cabelo. A mãe possuía olhos negros e cabelo castanho. Tampouco se assemelhavam em altura. Era uma mulher baixa e gordinha. Entretanto, todo seu ser desprendia poder, dominação e arrogância. Qualidades que sim possuía seu marido.
? É linda! ? Exclamou a marquesa enquanto a abraçava. ? Roger sempre teve bom gosto ao escolher as suas mulheres e vejo que continua tendo-o. Embora até agora nunca escolhesse uma com o cabelo vermelho. Imagino que esse terá sido o principal motivo pelo qual terminou casando-se contigo. É diferente.
Evelyn piscou várias vezes, apertou os dentes e continuou sorrindo embora sua mente lhe oferecesse mil maneiras de desculpar-se e sair fugindo dali até que Roger aparecesse e lhe explicasse a verdadeira razão pela qual estavam casados.
? Enquanto a esperávamos pedi à criada que nos preparasse uma chaleira quente ? comentou. Pegou a mão direita de Evelyn e a conduziu, com um caminhar firme, por volta das duas poltronas que havia junto à chaminé.
? Parece-me uma ideia muito acertada. Sinto se os fiz esperar mais do que o devido. Depois da longa viagem necessitei de bastante tempo para me repor ? respondeu Evelyn sem saber se suas palavras eram as adequadas.
? Imagino... ? disse a mulher enquanto se sentava em uma das poltronas.
? Pode acreditar que minha querida cunhada não sabia da minha existência? ? Comentou Charles com um sorriso divertido. ? Deduzo que meu irmão não lhe falou muito sobre sua família.
? Não? ? Perguntou a marquesa mostrando um incrível pesar no rosto.
? Tenha em conta que mal permanecemos juntos. Depois de nos casar Roger teve que empreender uma longa viagem de negócios. ? Voltou a desculpá-lo sem poder evitar ruborizar-se ao ter que responder questões tão íntimas.
? Meu querido filho não é muito falador, não é? Ele prefere atrair as mulheres com outro tipo de artes mais... pecaminosas.
? Eu apreciei ? começou a dizer Evelyn depois de tomar ar e conter a impetuosa ira que começava a nascer em seu interior ? que tanto Charles como Roger são bastante parecidos.
? Sim, minha gestação foi um presente de Deus. Acreditamos que vinha um só bebê e tivemos uma grata surpresa ao descobrir que meu seio albergava duas criaturas. Embora Charles seja somente uns minutos mais novo que Roger ? disse sem ocultar seu desdém.
? Parecemos-lhes iguais? ? O aludido se aproximou tanto que voltou a sentir-se incômoda ante tal proximidade. Contra sua vontade Evelyn pôde cheirar o perfume de seu cunhado. Apesar de serem tão parecidos, os dois possuíam essências muito diferentes. A do Roger produzia nela um efeito embriagador, entretanto, a do Charles a enojava.
? Um pouco... ? reclinou-se levemente sobre seu assento para distanciar-se antes de mostrar qualquer sinal de repugnância no rosto e verteu água quente sobre a xícara em cujo interior havia uns raminhos verdes.
? Permiti-me o luxo ? continuou falando a mulher ? de te trazer umas infusões do meu lar. Espero que sejam de seu agrado.
? Muito obrigada, com certeza que sim. ? Aproximou a xícara de sua boca, mas ao notar a água mais quente do que estava acostumada a tomar, deixou-a de novo sobre o prato.
? Quando eram pequenos ninguém sabia quem era um e quem era outro, mas por sorte uma mãe nunca se equivoca. ? A marquesa franziu o cenho ao ver que Evelyn colocava o copo sobre a mesa. ? E falando de crianças... pensa em ter descendência logo? Meu marido, ao ser vinte anos mais velho que eu, esforçou-se em me deixar grávida desde a primeira noite que me converti em sua esposa.
? Mas Roger e eu somos da mesma idade e acreditamos que antes de trazer um bebê ao mundo temos que nos conhecer um pouco mais. ? Tinha parecido loquaz? Isso esperava porque não desejava ter que ser ela quem dissesse à marquesa que jamais teria essa ansiada descendência.
? Pois não deveriam demorar muito. Se por acaso não sabe, o marquês está muito doente ? disse com aparente tristeza. ? E se não melhorar, logo ficarei viúva.
? Isso significa que Roger... ? tragou saliva e voltou a segurar a xícara. Tremiam-lhe as mãos? Sim, claro que o faziam. Escutou um leve tinido ao tentar levantar a xícara.
? Sim. Apesar de sua insistência em recusar o título que por nascimento lhe pertence, não pode evitá-lo. Quando seu pai morrer ele será o novo marquês de Riderland ? prosseguiu sua exposição com uma desmesurada aflição no ancião rosto. ? Como já te terá indicado, odeia tanto a responsabilidade que suporta ser marquês que jamais aceitou um só xelim da família.
? Como? ? Disse sem pensar.
? Não lhe contou isso ainda? Sinto muito, possivelmente estou me metendo em temas que não me incumbem, mas não é justo que pense que se casou com um homem diferente ao que é em realidade: seu marido, querida, vive do que aquele navio lhe proporciona. ? A marquesa esticou a mão e tocou com suavidade a de Evelyn.
? Então... tudo isto...
Levou a xícara aos lábios. Devia lhe dar um bom sorvo para poder digerir o que estava escutando, mas quando a xícara tocou sua boca, uma enorme se escutou portada na sala. Ao levantar o olhar observou Roger com os olhos injetados em sangue. Sem pensar um segundo este correu para ela, pegou a xícara e a atirou para o interior da chaminé.
? Parta daqui agora mesmo! ? Gritou com tanta força que o eco de sua voz retumbou por cada canto da casa. Ao mover a cabeça de um lado para o outro algumas mechas do rabo de cavalo se soltaram para formar redemoinhos sobre sua cabeça. Alguma vez tinha visto um homem tão zangado? Alguma vez tinha presenciado como um titã podia converter-se em uma besta tão ameaçadora?
? Filho... ? murmurou a marquesa levantando-se de seu assento e estendendo as mãos para ele. ? Meu filho...
? Disse para partirem ? resmungou. Seu peito se elevava e baixava com uma velocidade inverossímil. De repente Evelyn observou assustada, que os olhos de seu marido se obscureciam e que sua boca se torcia em um sorriso satânico. ? Ou o fazem por bem... ou por mau ? sentenciou.
Nesse preciso momento John apareceu na entrada. Em sua mão levava uma pistola e sorria de satisfação.
? Vamos, mãe! ? Ordenou Charles estendendo a mão para ela. ? Não se humilhe mais.
? Mas, filho... ? insistiu a marquesa com lágrimas nos olhos.
? Bebeu algo? Tomou algum mísero sorvo disso? ? Roger, inquieto, agarrou-lhe a mão, levantou-a da poltrona, caminhou com ela para a saída e quando estavam no meio do salão, retornou à mesinha para lançar o bule ao mesmo lugar que tinha jogado a xícara.
? Não... ? disse temerosa. ? Não tomei nada, por que o diz? O que acontece, Roger? A que vem tudo isto? Por que os jogou desse modo de nossa casa?
? Querida, prometo-te que explicarei isso tudo quando me encontrar mais calmo, mas agora não sou capaz de raciocinar. Só desejo... ? soltou outra vez a mão de sua mulher e andou para a porta principal.
? Vão como duas hienas depois da chegada do leão ? indicou John antes de soltar uma gargalhada.
? Sinto muito, senhor, não pude evitar que... ? começou a dizer Sophie sem deixar de chorar.
? Calma, eu entendo. Fez o correto. ? Roger a reconfortou.
Evelyn foi incapaz de mover-se do hall. Não podia assimilar o que tinha acontecido nem por que. Seu marido havia dito que explicaria quando estivesse mais calmo, mas... e ela? Quando se acalmaria ela? Aturdida, levantou o vestido com as duas mãos e começou a subir as escadas com rapidez. Precisava ficar sozinha. Precisava digerir o que tinha acontecido em menos de uma hora.
? Evelyn! ? Gritou Roger ao vê-la caminhar pelo piso de cima. ? Evelyn!
? Não suba, ? disse John pousando a mão direita sobre o ombro de seu amigo ? deixe-a até que encontre a paz que necessita para falar com ela.
? Não vou dar tempo para que sua mente pense o que não é, devo lhe esclarecer tudo o que aconteceu, mas antes de subir deve me fazer um favor.
? Diga-me.
? Eleonora comenta que está esperando meu filho e não é certo ? disse com veemência.
? Está totalmente seguro de que não é teu?
? Totalmente ? declarou cortante.
? Bem, o que quer que eu faça?
? Procura o homem com quem ela esteve se vendo às escondidas. Pode ser que a visitasse inclusive quando estava comigo. Essa mulher tinha um maligno propósito quando jazia em meus braços. Não acreditei nos que me advertiram que, em diversas ocasiões, viram-na comprando beberagens de fertilidade em Whitechapel, mas agora sei que tinham razão quando me avisaram que procurava ser a futura marquesa de Riderland ? comentou zangado consigo mesmo por não haver se dado conta com antecedência.
? Essa mulher sempre me produziu calafrios... ? disse John fazendo tremer de maneira exagerada seu corpo.
? Não demore em encontrá-lo. Acredito que Evelyn não será capaz de confrontar tantas coisas de uma vez só ? disse olhando por volta do segundo andar.
? Se te amar, o fará ? determinou John antes de partir para começar a busca pelo misterioso amante.
XXXI
Apesar de querer dar-se um pouco mais de tempo para falar com Evelyn, não pôde conter-se. Quando viu John montar no cavalo e dirigir-se para Londres, Roger subiu as escadas de dois em dois. Urgia lhe contar a razão pela qual tinha atuado daquela maneira e que ela entendesse o motivo de sua ira. Caminhou pelo corredor com mais lentidão do que pretendia. Seu coração pulsava com força e mal podia controlar os tremores de suas mãos. Ficou parado na porta com a cabeça abaixada e os ombros inclinados para frente. Era o momento de sua esposa descobrir seu passado embora isso implicasse um inevitável distanciamento entre ambos.
Quando acessou ao dormitório observou Wanda sentada ao lado de sua mulher. Abraçava-a e lhe murmurava palavras de consolo enquanto ela soluçava. Estrangulou-se-lhe a garganta e notou como suas forças se desvaneciam ante a triste imagem. Deu dois passos para a frente esperando que a donzela notasse sua presença. Assim que ela o descobriu, ao virar com suavidade a cabeça para a porta, levantou-se, fez uma pequena reverência e começou a dirigir-se para ele.
? Obrigado, Wanda ? agradeceu-lhe com uma voz incomum nele.
? Excelência...
Wanda fechou a porta após sair. Inspirou profundamente e cravou seus olhos no final do corredor. Surpreendeu-se ao ver que Sophie a esperava com os braços cruzados diante do peito. Sem parar para raciocinar por que estava ali, dirigiu-se para ela.
? Posso te contar toda a história enquanto tomamos um chá ? assinalou a mulher com tom suave.
? Preferiria um bom copo de uísque ? acrescentou Wanda.
? Então direi ao Yeng que nos suba uma garrafa da adega.
Não se atrevia a aproximar-se. Evelyn continuava sentada sobre a cama olhando para a janela.
? Se quiser que eu parta, entenderei ? disse enfim.
? Acredito que antes de se afastar deveria me explicar o que aconteceu lá embaixo ? respondeu tremente.
? Evelyn eu... eu não quero te perder ? comentou em tom estrangulado.
? Tenta me dizer a verdade e eu ponderarei o que devo fazer, mas não dê por certo algo que ainda não decidi ? apontou. Voltou-se para Roger e ficou muda. Seu cabelo continuava alvoroçado, seus olhos já não eram escuros e sim cristalinos, e seu corpo, aquele que adorava pela magnitude que expressava, permanecia curvado, abatido.
? Como comprovou, ? começou a dizer caminhando para ela ? a relação com minha família é um tanto peculiar.
? Todos temos certas diferenças entre os membros de uma família, mas jamais acreditei que alguém tentasse resolvê-los dessa forma ? assinalou Evelyn apática.
? Não foi sempre assim, conforme me contou a mulher encarregada da nossa criação. Ela não teve preferidos até que cumpri os quinze anos. E era certo, ela tratava aos dois por igual. Entretanto, meu caráter começou a manifestar-se nessa idade e fomos nos distanciando.
? Meus pais também se zangaram comigo quando descobriram que eu não era a filha que esperavam, mas nunca cheguei a desprezá-los tanto para chegar a tratá-los dessa maneira ? indicou Evelyn esperando que Roger não quisesse lhe contar uma história falsa.
? Evelyn... ? murmurou ao mesmo tempo em que se ajoelhava em frente a ela.
? Tenta de novo, Roger. Se de verdade deseja que eu fique ao seu lado, conte-me a verdade.
? E se não for capaz de suportá-la? E se não for capaz de me olhar de novo nos olhos?
? Tenta...
Bennett abaixou a cabeça, deixou os braços soltos e prosseguiu.
? A fama de adúltero do meu pai era cada vez maior. Lembro como discutiam quando pensavam que ninguém os escutava, como minha mãe lhe gritava que ela não merecia padecer aquele tipo de vergonha e que estava cansada de receber todas as suas amantes com crianças nos braços declarando que eram filhos deles. «Casei-me contigo por sua inteligência, ? disse-lhe meu pai uma das vezes que falaram sobre o tema ? e confio que saberá como fazer desaparecer sua insofrível vergonha». Jamais imaginei que ela tomasse aquelas palavras de maneira tão literal, mas acredito que, aquilo que a conduziu a tomar aquela decisão tão horrenda, foi o desejo de velar por nossa posição social. ? Evelyn estendeu suas mãos para os ombros de seu marido para reconfortá-lo com seu leve toque. ? Mas apareceu um menino... uma estranha criatura que não contava com mais de sete anos se apresentou na porta da residência familiar com sua mãe pela mão. Até aquele dia, até aquele preciso momento, a marquesa cuidou com incrível paixão tanto do meu irmão como de mim para que não fôssemos testemunhas daquele tipo de visitas. Entretanto, aquele dia escapei do meu dormitório e me ocultei no estábulo. Precisava sair da casa e fazer desaparecer por umas horas a pressão que sentia ao ser instruído para me converter no futuro marquês. Lembro que a própria marquesa os recebeu, e após falar com a mulher, o menino ficou na entrada enquanto via como se afastava sua mãe. Com um sorriso estranho em seu rosto, conduziu-o para o interior da casa. Durante as duas semanas seguintes estive procurando esse menino por toda a residência. Inclusive me atrevi a perguntar às criadas se o tinham visto. Ninguém tinha ouvido falar dele, mas minha curiosidade era tal, que não diminuí meu empenho por encontrá-lo. Um dia, enquanto brincava com Charles, aventurei-me a percorrer o porão. Ali, no meio de um muro de pedra, uma porta de pequena envergadura permanecia fechada com a chave dentro da fechadura. Desejoso de ganhar o jogo, abri a porta e quando descobri o que havia no interior me assustei tanto que fui incapaz de me mover.
? Estava lá, não é? ? Interrompeu Evelyn ajoelhando-se em frente ao seu marido.
? Sim. Tinha-o amarrado a umas cordas para que não tentasse escapar. Lembro o suave e lento ritmo de seu respirar e a extrema magreza. Estava tão esquálido que podia apreciar com claridade os ossos ocultos sob sua pele. Quis desatá-lo, liberara-lo daquela prisão, mas escutei um ruído às minhas costas e me escondi.
? Quem era...? ? Perguntou colocando suas mãos nas maçãs do rosto de Roger. Levantou-lhe o rosto e observou um rio de lágrimas percorrendo suas bochechas.
? Minha mãe. Era minha mãe ? tremeu-lhe a voz ao afirmá-lo.
? OH, meu Deus, Roger! ? Exclamou abraçando-o com força.
? Matou-o diante dos meus olhos, Evelyn. Foi muito cruel escutar os soluços daquele menino rogando, em seu último fôlego, piedade para sua assassina. ? Bennett continuou chorando enquanto as cálidas mãos de sua mulher o acariciavam e tentavam lhe dar o consolo que, até aquele momento, nunca tinha encontrado. ? Quando esteve segura de que o menino não respirava, fechou a porta e partiu como se nada tivesse ocorrido. Durante os três dias seguintes, desci para averiguar que plano tinha minha mãe para desfazer-se do cadáver. E o que descobri foi tão aberrante que perdi o juízo. A cozinheira, uma mulher de incalculável confiança de minha mãe, picotava o corpo do menino com um machado. Vi-a ali, estendida no chão, levantando a arma e atirando-a com força para quebrar os ossos agarrados à carne. Logo todas as partes picotadas foram colocadas em um caldeirão e jogados em um fogo na cozinha. Utilizava-os como míseras lenhas.
? Mas o aroma... O fedor a...
? Quem ia imaginar que o que avivava o fogo eram restos de um ser humano? ? Comentou afastando as lágrimas com suas mãos e levantando-se com rapidez. Evelyn ficou olhando-o, quebrada de dor ao escutar o que lhe contava. ? Quando na cozinha não houve ninguém que fora testemunha da loucura que ia cometer, peguei um ramo do chão e tirei um osso desse menino.
? Seu crânio... ? murmurou Evelyn levando as mãos para a boca.
? Sim ? disse Roger voltando seu olhar para ela e entreabrindo os olhos.
? Vi-o na carruagem... ? revelou com temor.
? Prometo-te que não tratava de alcançar um prêmio, nem algo que queria ter como lembrança das demências da minha mãe. Precisava me aferrar a algo para me liberar da maldade que me rodeava, Evelyn. De confirmar que eu não era como ela, embora seu sangue regue meu corpo.
? O que aconteceu depois? ? Levantou-se e se colocou atrás das costas de seu marido.
? Parti. Com somente quinze anos abandonei meu lar e decidi procurar um futuro distinto do que me tinham marcado. Vivi alguns meses nas ruas, ocultando minha identidade. E de repente, um dia, um cavalheiro que cobria seu corpo com uma grande capa negra, e que se aproximou de mim para me dar umas moedas, teve piedade daquele menino magro e imundo que lhe rogava uma esmola para poder comer. Ofereceu-me partir com ele à França e me converter em um homem respeitável. Não me pergunte a razão dessa oferenda, jamais a investiguei, mas o que sim posso afirmar é que graças à sua misericórdia me salvei de morrer faminto em qualquer rua de Londres. Quatro anos depois do meu desaparecimento, quando todo mundo me acreditou morto, apareci em Tower, a residência dos meus pais. Meu pai chorou ao ver-me e me abraçou como nunca antes tinha feito. Entretanto, minha mãe e meu irmão não se aproximaram de mim. Acredito que não foram capazes de assimilar meu regresso. ? Suspirou profundamente. Olhou para o exterior da janela e prosseguiu. ? Não pretendia ficar vivendo com eles, nem voltar a ocupar o posto que por nascimento me pertencia, mas precisava esperar o momento idôneo para confessar à minha mãe que sabia o que tinha feito com os filhos ilegítimos de meu pai. Como era de se esperar, ela se enfureceu, gritou-me que tinha enlouquecido durante minha ausência e que só eram histórias que minha mente juvenil imaginou.
? Roger... ? Esticou as mãos, agarrou-o pela cintura e pousou sua cabeça sobre as costas masculina.
? Pouco tempo depois do meu imaginário testemunho comecei a adoecer. Tinha náuseas, enjoos e muitas febres, muitas. Meu pai, apavorado ao pensar que tinha contraído alguma enfermidade contagiosa, fez chamar o médico para que me tratasse, mas nem este pôde dizer com claridade o que me acontecia. De repente, uma pessoa teve piedade de mim. Um criado que levava pouco tempo servindo meus pais e que observava com firmeza o que acontecia no imóvel. Ele descobriu que minha mãe tinha plantado beladona em um lugar afastado do jardim e que me preparava isso como infusão. Ao raciocinar que tentava me matar por envenenamento, não o pensou. No meio de uma noite jogou meu corpo quase inerte sobre seus ombros, desceu até a entrada e, com grande esforço meteu-me em uma carruagem.
? Anderson... ? murmurou Evelyn apertando com mais força o corpo de seu marido.
? Mas o ódio da minha mãe não ia cessar nunca. Esperou com paciência o momento para conseguir seu fim e quase o obteve de novo. Encarregou um homem de me seguir e me espreitar. Em uma das minhas saídas noturnas nas quais não podia nem ficar em pé pela embriaguez, fui assaltado e amarrado. Resisti com afã ao ataque, mas não consegui escapar. Quando abri os olhos depois do desmaio, uma voz começou a falar atrás de mim. Antes de poder lhe responder, de repreender seu ato, notei uma ardência em minha pele.
? Suas marcas... ? Evelyn liberou a cintura de Roger e pousou com suavidade suas palmas sobre o tecido que cobria os sinais das chicotadas.
? Mas o destino voltou a me salvar. Na mesma noite em que fui assaltado, estive jogando cartas com o William e Nother, o antigo proprietário do meu navio. Rutland apareceu na residência em que me hospedava e ao não me achar buscou-me desesperado por toda Londres. Acredito que se sentia culpado por haver me abandonado à minha sorte enquanto ele esquentava o leito de uma amante. Então tropeçou com o Yeng, o crupiê que nos atendeu no clube. Quando lhe perguntou se me tinha visto, informou-o que depois de sair do clube duas pessoas carregavam meu corpo. Também lhe disse que me introduziram em uma carruagem e que se dirigiram para os subúrbios. William o agarrou pelo pescoço e fez com que lhe mostrasse o lugar aonde me conduziram. Só lembro que, quando dava tudo por perdido, quando vi a morte aproximando-se de mim, escutei um disparo e depois a pressão das minhas mãos acabou.
? OH, querido... ? soluçou abraçando-o de novo.
? Desde esse momento prometi que lutaria até o final dos meus dias e que nenhum ser inocente que tivesse meu próprio sangue morreria nas mãos da minha mãe. Yeng decidiu permanecer ao meu lado e foi meus olhos enquanto eu realizava longas viagens no navio. Encarregou-se de recolher todas as crianças que se dirigiam para Tower para reclamar a paternidade do marquês e os albergava em um asilo que eu pagava. Pouco depois adquiri vários terrenos. Em um construí Lonely e no outro... ? virou-se para sua mulher. Desejava contemplar como fazia frente ao que estava a ponto de revelar. Sentiu-se um ser maligno ao ver suas lágrimas vagar pelo rosto.
? E no outro? ? Insistiu Evelyn.
? Construí uma pequena residência a qual chamei Children Saved.
? Crianças salvas... ? murmurou a mulher com apenas um fio de voz.
? Sim. Ao princípio acredito que só o fiz para salvar minha própria consciência que não cessava de me recriminar dia após dia que podia ter impedido as mortes daquelas crianças.
? Mas não podia fazer nada... ? Evelyn levantou as mãos para Roger e pousou suas palmas no rosto. ? Era muito pequeno... ? insistiu soluçando.
? Mas um dia apareceu em minha porta um anjo. Um diminuto ser que quase me fez ajoelhar e suplicar que me perdoasse sem lhe haver feito nada ainda. Minha pequena Natalie... ? suspirou. ? Ela me fez compreender que esperavam de mim algo mais que um lugar onde os acolher ou os alimentar. Necessitavam de afeto igual a mim. Com o tempo minhas viagens se fizeram mais duradouras e abundantes face à fama que criei em Londres, para humilhar ainda mais meu sobrenome todos os comerciantes requeriam meus serviços. Quase todos os meus lucros se destinaram à melhoria da residência e a contratar pessoal qualificado para lhes oferecer a educação que mereciam.
? Quantas crianças há no Children Saved?
? Vinte.
? Vinte?! ? Repetiu surpreendida.
? Muitos, eu sei. Graças a Deus meu pai adoeceu e teve que abandonar o insaciável desejo de engendrar um sem-fim de possíveis herdeiros. ? Sorriu de lado ante seu próprio sarcasmo.
? Quero conhecer todos ? murmurou enquanto aproximava a boca de seu marido à dela.
? Está segura? ? Mal pôde fazer a pergunta pela emoção.
? Sim, muito segura.
Roger beijou Evelyn com paixão. Depois ficou olhando-a sem piscar, pegou-a pela cintura e a elevou sobre sua cintura.
? Amo-te, senhora Bennett. Amo-te mais do que jamais pude imaginar que o faria. ? Caminhou para o leito e a posou muito devagar.
? Roger... ? murmurou enquanto seu marido começava a colocar as mãos sob o vestido e acariciava com lentidão as pernas.
? Que...
? Eu também te amo.
Escutar aquelas palavras de sua esposa lhe produziu tal emoção que esteve a ponto de derrubar-se sobre ela e ficar a chorar. Todo seu passado, toda a escuridão que tinha vivido nele desde que descobriu aquelas mortes desapareceu. O sol brilhava em seu interior, e em cada carícia, em cada beijo que Evelyn lhe oferecia, os raios o iluminavam ainda mais. Beijou-a devagar, perfilando com sua língua o desenho da boca que adorava, que amava. Sentiu-se contente ao perceber que as mãos dela se colocavam em seu peito para o despojar da camisa. Afastou-se, levantou os braços e deixou que continuasse apalpando seu torso sem objetos que o impedissem de sentir o suave tato dos dedos. Suas mãos retornaram as coxas femininas. Evelyn arqueou a cintura, convidando-o a possui-la com prontidão, com o mesmo ardor e desejo que ele sentia por ela.
? Repete que me ama ? murmurou antes de morder o lábio inferior dela e puxar com suavidade para ele.
? Amo-te, Roger... Amo-te... ? fechou os olhos ao perceber como o sexo de seu marido se aproximava do dela.
Não houve ternura entre eles. Não foi um ato lento, nem suave. Foi a primeira vez em que Roger precisou unir-se a ela para aliviar sua dor. Mas não só acalmou seu suplício, como em cada gemido, em cada soluço, em cada invasão para o interior feminino, Evelyn também se liberava de toda a pressão que tinha acumulado em sua vida. Não foi só um ato de amor, mas sim de verdadeira plenitude.
? Evelyn... ? sussurrou junto à boca dela quando o clímax estava a ponto de chegar.
? Roger... ? Cravou as unhas nas costas de seu marido e tentou fazer desaparecer aquelas marcas com suas próprias mãos.
Um clamor brotou do quarto com tanta intensidade que Sophie e Wanda se levantaram de suas cadeiras assustadas.
? O som do amor... ? disse Sophie antes de emitir uma pequena risadinha. ? Só espero que essa paixão logo dê frutos.
? Não acredito que os dê... ? murmurou Wanda após sentar-se e olhar o oitavo copo de licor que tinha em suas mãos.
? Por que diz isso? ? Perguntou a mulher tomando assento.
? Minha senhora jamais poderá ficar grávida ? comentou com pesar.
? Explique-se! ? Insistiu Sophie enquanto que, com um salto, aproximou a cadeira da mesa.
? Quando era jovem perdeu um bebê e, depois do aborto, sofreu uma grave infecção. O médico que a atendeu informou aos pais que seu útero tinha ficado estéril e que lhe seria impossível ficar grávida de novo ? explicou antes de beber o licor de um gole.
? Mas esse doutor não conhecia a persistência do nosso senhor... ? apontou antes de soltar uma gargalhada.
XXXII
? Está acordada? ? A encantadora voz de Roger lhe sussurrou no ouvido a pergunta enquanto seu fôlego esquentava a pele que roçava em sua passagem.
? Agora sim ? respondeu voltando-se para ele.
Bennett apoiou o cotovelo no almofadão e a olhou com tanta ternura que Evelyn sentiu como o coração batia mais forte.
? Obrigado por não me abandonar, por não se afastar de mim depois de me escutar ? disse-lhe antes de aproximar sua mão direita e lhe acariciar uma bochecha.
? Não tem por que me agradecer. Além disso, não acredito que deva perdoar um passado do qual não teve nada a ver. As maldades foram realizadas por sua mãe, não por você ? assinalou aproximando-se dele e lhe dando um suave beijo.
? Sempre me culpei por não ter descoberto antes. Possivelmente desse modo, tivesse salvado mais vidas ? comentou franzindo o cenho.
? Mas salvou muitas, vinte para ser exata. ? Estendeu seus braços e Roger se enredou neles. Desta vez foi ele quem pousou sua cabeça sobre o peito de sua mulher e quem deixou que os delicados dedos de sua esposa acariciassem com suavidade o comprido cabelo dourado.
? Sim, vinte embora... quantas perderam a vida nas mãos da minha mãe? Evelyn, estou seguro de que houve bebês, crianças que não conseguiram chegar a cumprir os cinco anos...
? Não se martirize por isso, Roger. Sua consciência dever alcançar a paz. É ela quem está manchada de sangue inocente. ? Pousou seus lábios sobre o cabelo loiro e o beijou. ? Conta-me como é Children Saved ? disse-lhe depois de uns momentos de silêncio no qual só se escutavam suas respirações pausadas.
? Não é muito grande, mas o suficiente para albergá-los comodamente. Tem dois andares. Abaixo está a cozinha, um enorme refeitório e uma biblioteca, embora com as últimas reformas, essa sala a convertemos em um lugar onde a senhora Simon ensina as matérias. Acima não há distinções entre uma ala ou outra. Conforme sobe encontra um comprido corredor com mais de quinze dormitórios. Ali descansam todos os que habitam na residência.
? A que se refere quando diz todos?
? Em Children Saved não só vivem meus meios-irmãos, mas sim suas mães também residem ali.
? Deus santo, Roger! Quantas bocas alimenta? ? Perguntou surpreendida.
? Quarenta e sete. ? Levantou a cabeça e contemplou o assombro que mostrava o rosto de Evelyn. ? Tem que entender que alguns deles mal tinham completado um ano de idade quando apareceram na porta e não achei justo que as mães se separassem de seus filhos pequenos.
? Como pode resolver esses gastos? Terá que continuar realizando muitas viagens... ? perguntou interessada.
? Com três ao ano é suficiente. Tanto o administrador como eu estudámos a maneira de cortar gastos e nos ocorreu que a única forma de não nos excedermos nos orçamentos anuais era fazendo participes as mães das tarefas que se requerem na manutenção dessa residência. Várias são cozinheiras, outras lavadeiras e inclusive, conforme fui informado ontem, outras decidiram empregar-se como jardineiras ? comentou feliz ao ver que Evelyn não reprovava seu trabalho, mas sim, pelo contrário, elogiava-o.
? Têm jardim? ? Continuou interessando-se. Enquanto Roger falava ela imaginava como seria aquele pequeno paraíso no qual viviam felizes tantas criaturas.
? Dois hectares de pradaria rodeiam a casa. Embora te pareça imenso, não o é quando todos saem para brincar. ? Sorriu. ? Há um pequeno parque onde plantaram flores de todas as classes. Uma fonte com a escultura de uma criança se situa no centro e abastece de água esse pequeno éden. Faz um par de anos, Yeng se encarregou de construir uma estufa onde a senhora Simon dá aulas de botânica ou ciência.
? Deve ser lindo... ? murmurou com suavidade.
? É. Sabe? Acredito que é a primeira vez que estou ansioso para que amanheça. Assim que tomarmos o café da manhã te levarei lá e contemplará com seus próprios olhos o que eu construí durante estes anos ? disse colocando sua cabeça de novo sobre o torso feminino. ? Quando a virem aparecer, quando todos descobrirem que é minha esposa, ficarão loucos de emoção e não a vão deixar descansar nem um só instante.
? Fale-me deles.
? Todos são muito semelhantes embora se diferenciem na cor de seu cabelo ou no de seus olhos. Há dois que são tão parecidos comigo que quando os vejo me reflito neles.
? Como se chamam? ? Continuou com as carícias sobre o cabelo de seu marido.
? O menino é Logan. Tem quatorze anos. Loiro, alto, possivelmente muito alto para sua idade. Mas a cor de seus olhos não é azul, mas sim marrom. Não há dúvida que os herdou de sua mãe. Embora o que o faz tão parecido a mim é sua atitude. É rebelde, não acata as normas como fazem os outros. Sempre tenta rebater certos temas e não cessa de investigar por sua conta. Sei que o dia de amanhã, quando eu não puder mais me encarregar do meu navio, ele ficará encantado de ficar em meu posto.
? Isso te assusta?
? Não, ao contrário, adula-me. É grato saber que alguém continuará o que eu comecei ? expôs com orgulho.
? Quem mais?
? A outra pessoinha que me deixa em estado de choque cada vez que a vejo é a pequena Natalie... ? disse o nome com um imenso prazer.
? Fale-me dela, Roger. Interessa-me muito saber sobre esse anjo que te impulsionou a lhes dar aquilo que foi incapaz de oferecer.
? Chamo-lhe de princesinha porque em realidade o é. Tem o cabelo tão loiro que quando os raios do sol o tocam se converte em branco. Sua mãe se esforça em lhe fazer longos caracóis, mas assim que pode ela recolhe o cabelo como o faço eu, em um rabo de cavalo. ? Voltou a desenhar um enorme sorriso em sua cara ao recordar as contínuas discussões entre as duas por manter o penteado intacto. ? Seu nariz é idêntico ao meu e a cor de seus olhos também. Se Ywen não me houvesse dito que o pai da criatura era o mesmo que o meu, teria pensado que era minha. Adora investigar. Todo o tempo está perguntado os motivos disto, do outro ou inclusive por que sai o sol ao ser de dia e a lua quando anoitece. Às vezes desespera a instrutora. Diz que seu afã por saber é inaudito em uma menina tão pequena.
? Espero que me aceite... ? murmurou Evelyn desenhando um imenso sorriso.
? Por que não o faria? ? Roger elevou a cabeça e a olhou desconcertado.
? Nem imagina quão possessivas são as mulheres quando amam um homem ? respondeu sem diminuir a risada.
? Estou seguro de que assim que te veja, perguntará a razão pela qual tem o cabelo vermelho, como me conheceu e por que se casou comigo ? disse antes de soltar uma gargalhada.
? Bom, evitarei lhe dizer que me ganhou em uma partida de cartas. ? Fez uma pequena careta.
? A melhor partida de cartas da minha vida! ? Exclamou antes de colocar-se sobre ela e voltar a beijá-la.
Evelyn tinha fechado os olhos para sentir as mãos de seu marido percorrer seu corpo quando um golpe na porta fez com que ambos se retirassem como se lhes queimasse a pele ao tocar-se.
? Quem é? ? Grunhiu Roger saltando nu da cama.
? John ? respondeu o índio entreabrindo a porta.
? Entra ? indicou após confirmar que Evelyn se ocultava sob o lençol. ? O que acontece?
? Há um incêndio em Children Saved ? soltou agitado.
? Como? Um incêndio? Como aconteceu? ? Correu para a poltrona, começou a vestir-se e antes de colocar a camisa saiu ao exterior fechando a porta atrás de sua saída.
? Não sei. Acaba de chegar Logan e não para de gritar que tudo está ardendo.
? Maldita seja! ? Gritou enquanto descia as escadas sem perceber que estava descalço. ? Onde está o menino? Onde está Yeng?
? Ambos estão no estábulo preparando os cavalos.
? Maldita seja! ? Clamou Roger. ? Maldita seja!
Se seu marido pensava que ia permanecer na casa esperando para saber o que tinha acontecido, equivocava-se. Assim que fechou a porta Evelyn saltou da cama, colocou uma camisola e a bata que estava jogada sobre o chão e correu para o corredor. Se for certo, se a residência onde viviam os meninos estava ardendo, toda a ajuda que chegasse seria pouca.
? Wanda! Wanda! Onde está? ? Gritou quando saiu do quarto.
? Deus santo, senhora! Estou aqui!
? E Sophie? Onde está Sophie? ? Continuou vociferando enquanto descia ao piso inferior.
? Acredito que estava na entrada preparando-se para sair para uma casa que está sendo pasto das chamas.
? Que nem lhe ocorra partir sem nós! Nessa casa vivem mais de quarenta pessoas às quais terá que salvar.
O caminho, embora fosse curto, pareceu eterno. Durante o tempo que durou, Roger não cessava de perguntar-se como se teria produzido o incêndio. Considerou muitas razões, que se iniciou na cozinha, talvez se devesse a um defeito na instalação de gás... entretanto, nenhuma o convencia. Sempre tinham sido muito cuidadosos. As mães nunca partiam para descansar sem certificar-se que todas as luzes estivessem apagadas, as portas fechadas ou inclusive encaixavam com precisão as janelas. Havia muito controle em Children Saved, muitíssimo para que aquilo acontecesse.
Quando chegou ao caminho de terra que o conduzia até a residência, sentiu pânico. O fogo iluminava a colina. Enormes nuvens de fumaça negra cobriam o céu que tantas vezes contemplou junto aos seus irmãos. Estava seguro de que, se o inferno existia, seria muito parecido à imagem que observava. Roger desceu do cavalo e correu para as pessoas que se agruparam ao redor da fonte. Tinham sabido escolher o lugar onde resguardar-se, ali as chamas não as alcançariam, os vidros que explodiam pelo calor nem as faíscas que saíam disparadas do interior da casa.
Apesar de tentar mostrar um comportamento firme, loquaz e seguro, para que eles se tranquilizassem, não albergava em seu corpo nada disso. A imagem dos meninos aterrorizados chorando sob os braços das mães, iluminados pela luz das chamas, consternou-o.
? Estão bem? Estão todos bem? ? Insistiu gritando enquanto se aproximava.
Nesse momento, depois de compreender que seria inútil esforçar-se em apagar o incêndio, centrou-se em confirmar que, pelo menos, ninguém tinha resultado ferido na evacuação. Mas nenhum lhe respondeu. Estavam tão consternados pelo acontecido que lhes era impossível deixar de chorar para falar. De repente, seu pânico aumentou. Não estavam. Ywen e Natalie não se achavam no grupo e ninguém se deu conta de suas ausências.
? Onde estão Natalie e sua mãe? ? Perguntou atemorizado. Olhou ao John, este encolheu os ombros, logo ao Logan, o rosto pálido do moço e a agonia que mostravam seus olhos lhe confirmava que ele tampouco sabia nada delas. ? Alguém sabe onde podem estar? ? Rezou para escutar uma resposta. Entretanto, ao não obter o que esperava, correu para o interior da casa sem parar para pensar que punha sua vida em perigo.
Cobrindo sua cabeça com o braço esquerdo acessou ao interior da casa. O calor era asfixiante e a fumaça tão densa que mal podia distinguir o que havia em frente a ele. Com decisão se dirigiu à cozinha. Gritava uma e outra vez o nome das duas, mas não respondiam. Franziu o cenho ao observar que salvo a fumaça, as chamas ainda não tinham alcançado a planta baixa. «O fogo começou nos dormitórios», concluiu com uma mescla de surpresa e inquietação. Não era lógico que ardessem primeiro os quartos salvo que fora... «Provocado!», exclamou para si. Sem diminuir seu empenho por encontrá-las, continuou chamando-as e as procurando no piso inferior. Quando percorreu até o último canto, decidiu subir. Talvez o medo as tivesse deixado tão aterradas que eram incapazes de sair do quarto. Pegou o corrimão, pôs um pé no primeiro degrau e ficou petrificado ao ver quem permanecia justo ao final da escada.
? Estávamos o esperando... ? comentou uma voz familiar. ? Entristece-me ver que demorou muito. Possivelmente, se tivesse chegado antes, teria evitado a morte dessa. ? Assinalou com seu olhar um corpo que jazia estendido sobre o chão.
? Charles... o que fez? ? Tinha vontade de correr para eles, soltar a menina das mãos sujas de seu irmão e lhe dar uma surra, mas estava paralisado. Ver a pequena Natalie com sua camisola manchada de sangue, chorando presa do pânico e lhe rogando com o olhar que a ajudasse, fez-lhe concentrar-se em pensar uma forma mais sensata de liberá-la.
? E você? ? Repreendeu-o Charles. ? O que você fez, Roger?
? Solte-a... ela não tem nada a ver com isto... ? tentou dissuadi-lo.
? Mentira! Ela tem muito a ver ? disse com um enorme sorriso. ? Até que a vi correndo para mim porque inocentemente acreditava que era você, pensei que só albergava neste miserável lar os filhos que nosso pai criou. Mas quando apreciei quão parecidos são, descobri que não só permaneciam os filhos desse monstro, mas sim continuava com o maldito legado que começou.
? É muito pequena... ? comentou tentando procurar em Charles um pouco de piedade.
? Não é capaz de nomeá-la como merece, não é? Não é capaz de confessar que é sua filha? ? Falou em tom irado.
? Não é minha filha, Charles, é nossa irmã ? declarou com suavidade.
? Você mente! Mente como o tem feito nosso pai todo este tempo! Embora seja normal, a mãe sempre o soube, é tão sujo como ele. Por isso teve piedade dos filhos de satanás? Por isso construiu este lar cheio de depravação? Sim, claro que sim. Porque apesar de suas promessas, é igual a ele. ? Suas palavras soavam cada vez mais duras, sinistras e ofensivas. ? Mas o fim chegou. Toda a maldade que padeceu nosso sobrenome se verá sanada por minha grande proeza. ? Charles elevou a mão direita e tirou a arma que ocultava nela. Apontou ao seu irmão e justo quando ia disparar, sorriu.
? Charles! ? Exclamou uma voz feminina atrás das costas de Roger.
Ao virar-se e ver que se tratava de Evelyn, quis lhe gritar que se fosse, que se afastasse dali o antes possível, mas em meio àquela confusão só pôde dar uns passos para ela e ocultá-la atrás de seu corpo.
Quando chegou ao alto da colina e não achou Roger entre o grupo de pessoas que havia no jardim, seu coração se oprimiu. Onde estava? Ao dizer quem era, todas as mães a abraçaram como se fosse uma salvadora, como se ela pudesse protegê-las de todas as penúrias que estavam padecendo. Embora Evelyn não pudesse as consolar como requeriam. Ela só pensava em seu marido. «Foi procurar Natalie e sua mãe», confessou-lhe alguém enfim. Sem pensar duas vezes correu para o interior da casa evitando as mãos de Wanda e de Sophie. Entretanto, quando seus olhos puderam adaptar-se à fumaça e contemplou a cena que havia em frente a ela, não duvidou e avançou para Roger.
? Minha querida cunhada... alegro-me de que tenha vindo. Quero que veja com seus próprios olhos o que seu marido tem feito durante todo este tempo ? expôs com uma voz cálida.
? Tem razão ? respondeu afastando-se de Roger e, face aos intentos deste por a fazer parar, ela subiu dois degraus. ? Comportou-se como o demônio que é. Agora entendo por que me visitaram, queriam me proteger.
? Ela sim entende... ? murmurou Charles olhando seu irmão com os olhos entreabertos. ? Ela é a única que nos compreende...
? É óbvio que o faço, Charles. E te asseguro que quando sairmos daqui tudo isto terá terminado. Sua tortura, as crianças, essas mães, tudo desaparecerá!
? Ajudar-me-á? Ajudar-me-á a finalizar o que minha mãe começou? ? Desceu lentamente a arma e diminuiu a intensidade com que apertava a pequena Natalie em seu corpo.
? Duvida da minha palavra? ? Perguntou com aparente irritação. ? Acaso não entendeu quando me olhava, quando falávamos, que me resultou mais agradável que o desprezível de seu irmão?
? Sim que o apreciei. ? Sorriu satisfeito. ? Mas não conseguirei te dar a posição que merece se ele estiver vivo. ? Charles levantou a arma, apontou para seu irmão e disparou.
? Não! ? Exclamou Roger com desespero.
Evelyn notou uma terrível dor em seu ventre. Quis levar as mãos para o lugar onde sentia aquela horrorosa queimação, mas não o conseguiu. As forças a abandonavam pouco a pouco e seu corpo começou a cair. Custava-lhe respirar. A visão se nublava. A bala que ia impactar sobre o coração de seu marido alcançou a ela. Deveria gritar ou chorar de tristeza ao ver que seu fim estava próximo, mas não podia, sentia-se feliz por ter impedido que o homem que cuidava de todas as pessoas que viu no jardim continuaria fazendo-o embora ela não estivesse. Ao longe, muito longe para escutar com precisão, escutou a voz de seu marido que insistia em que não o abandonasse e de repente... outro disparo.
? Saiam agora mesmo daqui! ? Gritou John que, depois de aparecer, observou como Evelyn se desabava e como o irmão de Roger aproximava a arma de sua boca e disparava. ? Encarregar-me-ei de Natalie. ? Subiu as escadas, pegou a menina pela mão e correu para o exterior o mais rápido que pôde.
? Evelyn! Evelyn! ? Clamava Bennett enquanto saía daquele inferno com ela em braços. ? Aguenta, meu amor! Ficará bem! Amo-te! Escuta-me? Amo-te!
XXXIII
Escritório do senhor Lawford. Três semanas depois.
? Imagino que com as assinaturas do marquês nada nem ninguém poderá invalidar os documentos, não é? ? Insistiu Roger enquanto observava através da janela como as pessoas corriam de um lado para outro tentando resguardar-se da chuva.
Uma semana depois do disparo a Evelyn, Roger apareceu em Tower e, face aos intentos que realizou sua mãe para impedir que conseguisse seu propósito, conseguiu chegar até o quarto de seu pai. O ancião marquês se apoiava sobre os almofadões e soluçava a perda de um de seus filhos. Bennett se colocou ao pé da cama com as mãos sobre as costas e lhe contou a verdadeira história. Seu pai negava devagar tudo aquilo que lhe narrava, segurava os lençóis com força e rejeitava categoricamente o que escutava.
? É mentira! ? Gritou uma das vezes. ? Sua mãe seria incapaz de fazer algo assim!
Mas Roger não diminuiu sua intenção de abrir os olhos do marquês. Descreveu-lhe como esteve presente na morte daquele menino, a razão de sua fuga com quinze anos e o motivo pelo qual retornou anos depois. Também lhe indicou que tanto Charles como sua mãe tinham descoberto o lar que tinha construído para seus irmãos e que, depois de não conseguir o primeiro plano que era envenenar sua esposa, Charles decidiu tomar a justiça em sua mão.
? Por isso quero que os reconheça ? disse após sua longa exposição. ? Embora Evelyn conseguisse curar-se por completo, jamais poderá ter meu filho. A ferida em seu ventre tornou impossível que possa ficar grávida.
? Não vou reconhecer a nenhum desses malditos bastardos! ? Clamou o pai com a pouca força que ficava. ? São filhos de satanás, não meus!
? Faremos um trato ? resmungou apertando os dentes. Caminhou para a cabeceira da cama e aproximou seu rosto ao do pai. ? Reconheça ao menos a dois deles, um menino e uma menina, para que algum dos dois possa continuar com este maldito título.
? E se não o fizer? ? O ancião arqueou a sobrancelha direita e olhou seu primogênito de maneira desafiante.
? Se não o fizer ? continuou relaxando a mandíbula e mostrando um rosto de satisfação ? terá o prazer de ver como sua querida esposa é encarcerada e sentenciada à morte por todos os assassinatos que cometeu.
? Ela... ela... o fez porque me ama... ? balbuciou.
? Chama isso de amor? ? Virou-se sobre seus calcanhares para não o olhar, mas aquela reflexão tão absurda sobre no que consistia o amor em um matrimônio o fez voltar-se para seu pai. ? Isso é maldade, pai!
? Está bem, ? disse o marquês depois de um tempo emudecido ? reconhecerei a dois, mas em troca deve me dar sua palavra de que sua mãe jamais será julgada pelos atos de amor que cometeu e que, depois da minha morte continuará vivendo aqui sem carências econômicas.
? É óbvio ? afirmou satisfeito. ? Esta mesma tarde terá a visita do senhor Lawford, é um dos adminis...
? Já sei quem é esse malnascido! ? Exclamou o marquês mais zangado, se pudesse.
? Pois como vejo que já o conhece, aconselho-o que não pretenda realizar nenhum estratagema, advirto-lhe que o senhor Lawford é muito bom em seu ofício. E agora, se me desculpar, tenho muito trabalho a fazer. ? Dirigiu-se para a porta, bateu as botas, inclinou levemente a cabeça para diante e partiu.
Quando fechou, inclusive antes de poder encaixar os parafusos, sua mãe apareceu no corredor. Permanecia imóvel, olhando-o de maneira altiva. Roger passou por seu lado como se não estivesse, mas antes de descer as escadas e sair da casa que odiava, virou-se para ela para lhe dizer:
? Como se sente ao ver que depois de ter as mãos manchadas de sangue inocente não conseguiu seu propósito? ? Não lhe respondeu, nem se dignou a dar a volta e lhe responder. Ao compreender que não tinha a intenção de defender-se, porque não se arrependia de suas maldades, continuou seu caminho para a saída.
? Não acredito que seja o homem mais indicado para pôr em dúvida meu trabalho. ? Lawford levantou os óculos com o dedo e olhou ao futuro marquês fixamente. ? Recorde que foi impossível desfazer o compromisso.
? Tem razão, desculpe se o ofendi ? respondeu com um meio sorriso. Com as mãos nas costas, caminhou para a mesa em que o administrador mostrava um sem-fim de pastas.
? Falando de matrimônio... ? disse de maneira reflexiva Arthur. ? Como se encontra hoje a futura marquesa? ? Agrupou os papéis que seu cliente tinha vindo procurar e os golpeou brandamente sobre a mesa.
? As febres cessaram, mas o doutor diz que tenhamos paciência. A ferida embora grave, não roçou nenhum órgão vital salvo seu útero ? comentou com tristeza.
? Bom, não acredito que lhe faça falta não ter descendência. O senhor Logan continuará com o título de marquês e têm a tutela da pequena Natalie. Acredito que ambos atuarão como os filhos que já não terão.
? Não tinha nenhum desejo em ser pai, nem agora nem antes. O único que quero é que Evelyn desperte e volte a ser a mulher que era ? expôs Roger após respirar fundo.
? Não perca a esperança, senhor. Sua esposa é a mulher mais forte que vi em anos. Ainda lembro como entrou neste escritório e também... como saiu. ? Sorriu.
? Jamais a perderei... ? Roger também sorriu. Estendeu a mão e pegou os documentos que necessitava para que seus dois irmãos pudessem fazer oficial seu sobrenome. Teria gostado de ver a expressão de Evelyn ao informa-la de sua proeza, do bate-papo que tinha mantido com seu pai e os rostos de surpresa que mostraram Logan e Natalie ao lhes indicar que, legalmente, já eram Bennett. Embora tivesse que esperar um pouco mais para isso. ? Anderson lhe fará chegar seis garrafas mais ao longo desta semana ? informou antes de sair do escritório. ? É, além do pagamento ao seu trabalho, uma maneira de lhe agradecer o que tem feito por nós.
? OH, obrigado, sua Excelência! Muito obrigado! Não tinha que haver-se incomodado... ? Arthur se levantou do assento, dirigiu-se para Roger e lhe estendeu a mão.
? Graças a você, senhor Lawford, face à questionável forma que achou para que minha esposa e eu nos conhecêssemos, sempre lhe estarei agradecido por não haver se negado à proposta de Colin.
Arthur assentiu e se encheu de orgulho ante as palavras que escutou do futuro marquês. Quando se fechou a porta voltou para seu assento. «Eu só lhe aproximarei esse colar ? recordou as palavras do jovem Pearson. ? Ele sozinho deixará que Evelyn prenda-o». O moço tinha razão. Bennett tinha se apaixonado por sua mulher até tal ponto que deixou que lhe fechasse aquela cadeia. Entretanto, o que ocorreria se ela não se recuperasse? «Senhor, escuta minhas preces. Sei que faz muito tempo que não vou à igreja nem cumpro todos os seus mandamentos, mas não te peço por mim, mas sim por eles. Faça com que a senhora Bennett sare rapidamente». Sentou-se na cadeira, tirou a garrafa de brandy, serviu-se uma taça e após brindar pela mulher, o bebeu de um gole.
Enquanto caminhava para o exterior Roger olhou os papéis e os leu com interesse. Teria gostado que seu pai reconhecesse a todos, mas se contentava com o pouco que conseguira. Ao abrir a porta e perceber que a chuva não tinha cessado, ocultou os documentos sob a jaqueta. Correu para a carruagem e, sem esperar que Anderson lhe facilitasse a entrada ao interior, saltou com rapidez.
? Roger, ? começou a dizer o índio ao vê-lo entrar ? este é o senhor Pemberton.
? Encantado de o conhecer ? respondeu esticando sua mão para o homem. ? informou-lhe meu amigo sobre a razão pela qual o chamei?
? Sim, milorde. Este cavalheiro foi muito explícito.
? O que tem a dizer a respeito? ? Interessou-se Roger. Não afastava o olhar daquele homem. Pareceu-lhe estranho que Eleonora decidisse seduzir a um ser tão insólito. Mal tinha cabelo em sua cabeça, sua barba mostrava várias cores e seu bigode se estirava para ambos os lados de seu rosto em uma trabalhosa linha reta.
? Fui vê-la mais de uma centena de vezes desde que soube de seu estado, mas nunca quis me receber. Sempre me jogou na rua como se nosso amor jamais tivesse existido ? comentou com pesar.
Roger tirou a cabeça pelo guichê, indicou ao chofer a direção e retornou ao seu assento.
? Está completamente seguro de que você é o pai dessa criatura? ? Insistiu. Não queria aparecer em frente a Eleonora e confrontar-se com ela lhe oferecendo um pai errôneo. Se ele não tinha sido seu único amante durante o tempo que a visitava, quem poderia corroborar que o senhor Pemberton não a compartilhou com outros cavalheiros?
? Sim, milorde. Se meus cálculos não me falharem, Eleonora ficou grávida em uma viagem que fizemos a Cheshunt.
? Cheshunt? ? Repetiu Roger atônito. A mulher era avessa a viajar mais de duas horas em carruagem. Segundo ela seu corpo se debilitava com o balanço continuado do carro.
? Sim ? afirmou o homem com um pequeno movimento de cabeça. ? Tive que me deslocar até ali porque minha mãe faleceu.
? O que conseguiu ela em troca? ? Sabia que não era próprio de um cavalheiro realizar esse tipo de perguntas, mas a curiosidade era tão imensa que não pôde conter-se.
? Como? ? Pemberton levantou as pestanas, levou as mãos para o bigode e retorceu cada ponta com as pontas de seus dedos.
? Imagino que o propósito de o acompanhar em uma viagem tão árdua seria algo mais suculento para ela que simplesmente dar o último adeus à sua mãe. ? Sorriu maliciosamente.
? Todas as joias que ela possuía as dei de presente com gosto, senhoria. Ela as rejeitou com firmeza, mas eu insisti em que as tivesse ? respondeu ofendido.
? É claro, não duvido de sua palavra... ? Roger se reclinou no assento e olhou John. Este mostrava um sorriso tão grande que podia ver o branco de seus dentes. Mas ele não sorriu. No fundo sentia lástima pelo pobre infeliz.
? Entrarei primeiro ? disse Bennett quando a carruagem parou e abriu a porta para sair. ? Você deveria esperar na entrada oculto atrás de mim até que nos permitam acessar ao interior. Não me cabe a menor dúvida de que se a criada o descobrir não abrirá a porta e informará Eleonora de sua presença.
? Farei o que me ordena. Com tal só de poder falar com ela, de lhe suplicar que me deixe ver meu filho, atirar-me-ei ao chão se precisar ? indicou o homem colocando-se sob o pequeno teto da porta.
Roger o olhou sem pestanejar. Aquele homem era capaz de ajoelhar-se ante a mulher e lhe rogar que não o abandonasse enquanto se aferrava aos tornozelos desta. Era, sem dúvida, o melhor marido que Eleonora poderia encontrar: submisso, acessível, carente de personalidade e com os bolsos repletos. Não entendia como tendo uma oportunidade de ser feliz junto àquele desventurado, esforçava-se tanto em conseguir o que não estava ao seu alcance.
Depois de comprovar que Pemberton se ocultou, bateu na porta e esperou com aparente paciência que fosse recebido.
? Sua Excelência?! ? Exclamou a donzela com entusiasmo e assombro.
? A senhora está? ? Perguntou dando um passo para o interior da casa e obrigando a criada a lhe permitir o acesso.
? Está no pequeno salão, milorde. Quer que o anuncie? ? De repente seu olhar se cravou na pessoa que estava atrás de Roger. A mulher não pôde evitar levar as mãos à boca para fazer calar um grito. Tentou fechar a porta, deixar ao senhor Pemberton na rua, mas Bennett colheu com força a grossa porta de madeira e impediu tal propósito.
? Fique aqui, eu lhe farei um sinal quando for o momento apropriado ? ordenou Roger caminhado para o salãozinho.
? Meu senhor... milorde... rogo ? sussurrava a criada sem poder se mover da entrada. ? Ela... ela...
Mas Bennett não escutou a súplica. Estava decidido a terminar o rumor que Eleonora tinha estendido por Londres. Todos aqueles que o olhavam o comparavam com seu pai e isso não ia tolerar. Quando Evelyn despertasse, quando enfim abrisse seus olhos, não desejava que se entristecesse ao escutar falsos testemunhos sobre seu marido. Tinha-lhe sido fiel desde que se casaram. Por isso retornou a Londres após sua longa viagem. Se tivesse entrado naquela casa, se na noite de bodas se entregasse ao falso amor de Eleonora, jamais teria conhecido sua esposa nem teria conseguido descobrir o que era amar uma mulher.
Quando abriu a porta do salão encontrou Eleonora de pé com seu menino nos braços. Embalava-o e cantava uma melodiosa canção ao mesmo tempo que o balançava com ternura. Ao escutar que alguém permanecia na entrada, dirigiu seus olhos para ele e sorriu.
? Alegro-me de que enfim tenha decidido conhecer seu filho ? disse com um sorriso triunfal.
? Bom dia, Eleonora. Não volte a dizer que esse filho é meu, porque sabe que não é certo ? declarou com solenidade.
? Claro que é! ? Insistiu a mulher aproximando-se de Roger.
? Sempre soube que era uma harpia, mas jamais imaginei que sua maldade te levasse até tal ponto. É injusto o que tem feito, é injusto que tenha deixado crescer em suas vísceras uma criatura que sofrerá suas maldades. Embora desta vez não obtivesse seu propósito. Descobri quem é o verdadeiro pai desse menino ? apontou sem mover-se de onde permanecia.
? Você! ? Clamou de novo. ? O pai deste menino é...! ? Ficou sem palavras quando percebeu que Bennett levantava uma mão e aparecia atrás dele outro homem.
? Olá, Eleonora ? disse Pemberton ao acessar ao interior do salão.
? O que faz aqui? ? Gritou a mulher segurando a criatura com mais força sobre seu corpo. Seus olhos se dirigiram para Roger, que sorria de forma triunfal, e logo se cravaram no outro homem.
? Vim conhecer meu filho ? respondeu com firmeza.
? Seu filho? ? Repreendeu a mulher dando uns passos para trás. ? Este não é seu filho!
? Sim, sei que é. Não o negue, meu amor. Não pode se opor a que seu verdadeiro pai vele por ele ? assinalou Pemberton com tristeza.
? Não, você não! ? Exclamou entre lágrimas. ? Fora daqui! Não quero ver-te em minha casa!
? Casar-me-ei contigo, converter-te-ei na senhora Pemberton e daremos ao nosso filho o que lhe pertence. ? Caminhou para ela e se ajoelhou. ? Prometo que nada lhes faltará. Terão tudo o que necessitem. Eleonora, eu te amo, amo-te. Não me afaste, suplico-lhe ? rogou isso entre soluços.
Roger não aguentava mais a cena que contemplavam seus olhos, deu meia volta e saiu dali com passo ligeiro. Quando retornou à carruagem continuou observando o sorriso de John e a cara de satisfação de Anderson. Teriam pensado alguma vez que o filho era dele? É claro que sim. Ambos o conheciam e sabiam como tinha sido antes de conhecer Evelyn, mas desde que a viu, desde que a beijou pela primeira vez, converteu-se em um homem diferente.
Durante o regresso a casa os três falaram de como se desenvolviam as obras da nova residência. Bennett tinha decidido construi-la com mais quartos e mais salões. Não queria que neste novo lar mães e filhos tivessem que descansar nos mesmos quartos. John voltou a indicar, que finalizado o trabalho, ele e Sophie se instalariam na residência para custodiar os meninos. Roger sorria cada vez que falavam sobre esse tema. Estava seguro de que seu amigo tinha meditado muito a respeito da relação que tinham e que, por fim, dava o passo que todos esperavam.
O trajeto até Lonely se fez curto entre as risadas e as brincadeiras com seu amigo pela decisão tomada. Depois de descer, Bennett se dispôs a subir com rapidez as escadas e caminhar para o quarto, para certificar-se de que Evelyn continuava igual, mas sentiu que alguém lhe agarrava a mão e impedia seu propósito.
? Temos que finalizar aquilo que começou ? disse John a seu amigo.
Ele assentiu, retornou à carruagem, levantou o assento e pegou o pequeno crânio. As mãos lhe tremeram ao ter os ossos sobre suas palmas. Voltou a ver o menino dentro daquele cômodo escuro, amarrado, e escutou com claridade os gritos de socorro. Esteve a ponto de ajoelhar-se, de chorar pelo desespero de não ter sido capaz de o liberar daquele final, mas a mão cálida de John o reconfortou.
? Sua alma deve descansar em paz ? sussurrou.
? Sei. Mas depois de tanto tempo, depois de tudo o que aconteceu, não me vejo capaz de me desprender dele. Acredito que se o deixo ir, se me desprender do que significam estes ossos para mim, esquecerei o que me impulsionou a lutar contra minha família.
? Não poderá esquecê-lo, Roger. Tem ao seu lado muitas pessoas que conseguirão a lhe dar a força que necessita para seguir lutando.
Depois de uns momentos, nos quais Bennett meditou sobre a veracidade das palavras de seu amigo, ambos caminharam para a cancela metálica que dava passo à propriedade. John tinha preparado um lugar onde cuidaria das almas que viveriam naquele lugar.
Roger se ajoelhou em frente ao buraco e colocou o pequeno crânio.
? Sobe com sua esposa ? indicou John ao ver seu amigo imóvel e incapaz de enterrar o crânio. ? Acredito que o necessitará mais que ele.
Sem mediar palavra Roger se dirigiu ao seu lar, subiu as escadas sem poder sequer falar com as pessoas que o saudavam. Desejava meter-se no quarto, cair ao lado de Evelyn e não sair de seu lado até que decidisse despertar daquele amargo sonho que durava já três semanas.
Ao abrir a porta sorriu. Era de esperar que a pequena Natalie ocupasse seu lugar enquanto ele permanecia ausente. Não a deixavam sozinha, não desejavam, nenhum dos que habitavam sob o teto de Lonely, que ela abrisse seus olhos e se encontrasse sozinha. Entretanto, embora o comportamento da menina fosse louvável, devia brigar com ela. Perdeu um dia de aulas e a senhora Simon recriminaria que a tratasse diferente dos outros.
? Acaso as aulas de hoje não eram de seu agrado? ? Disse-lhe enquanto caminhava para a poltrona, tirava os documentos para apoiá-los sobre este e se despojava da jaqueta molhada.
? Hoje não posso deixá-la só ? comentou a menina com uma felicidade tão estranha que Roger ficou imobilizado ao escutá-la.
? Por que... hoje não pode deixá-la? ? Repetiu enquanto seu coração se agitava, seu pulso se acelerava e se aproximava da cama com medo.
? Porque despertou.
Roger deu dois largos passos para elas. Seu coração não pulsava, galopava em seu interior, mas ficou parado ao descobrir que Evelyn estava acordada. Por fim abria seus olhos! Ajoelhou-se junto à cama, pegou a mão que ela estendia para ele e a beijou enquanto chorava.
? Meu amor, minha vida. Por fim despertou. ? Continuou soluçando sem poder separar a mão de sua boca. ? Amo-te, Evelyn. Amo-te tanto que não teria podido viver sem ti.
? Nem eu sem ti... ? murmurou Evelyn antes de ver como seu marido se levantava e beijava seus lábios sem lhe importar que Natalie estivesse presente e se tampasse os olhos para não ver como se beijavam.
Epílogo
Três meses depois
Com muita ternura, Roger acariciou o rosto de Evelyn com seus dedos. Foi afastando as mechas de cabelo até poder observar com claridade suas feições ao dormir. Era a primeira vez que discutiam daquela forma. A primeira que tinha saído do dormitório e tinha descido até o salão para beber até cair morto.
Evelyn reprovou sua atuação, recriminou-lhe que se comportasse como um monstro, mas não pôde evitá-lo. Quem poderia conter-se ao ver que sua esposa era agarrada com força por um ser desprezível? Embora insistisse que a situação estava controlada, ele não o percebeu assim. O famoso Scott, aquele homem que destroçou a juventude de sua mulher apareceu na festa que Caroline ofereceu em Hamilton. Ia pelo braço de sua esposa, com quem se casou depois de abandonar Evelyn.
Mordeu os lábios quando Federith revelou seu nome. Tentou tranquilizar-se, embora quando observou que ia atrás de sua mulher, todo o controle se esfumou. Esperou paciente no balcão, espreitou o movimento daquele personagem enquanto se aproximava de sua esposa e escutou com atenção a conversação entre ambos. Ele não cessava de lhe dizer que sentia saudades, que se arrependia do que teve que fazer no passado e que, se ela quisesse, voltariam a ficar juntos. Como era de supor, o que lhe propunha era que se convertessem em amantes. Até aí, pôde suportá-lo. Mas quando Evelyn lhe disse que estava apaixonada por seu marido e que não desejava saber nada dele, este não se conformou, agarrou-a pelo braço e evitou que ela se afastasse de seu lado.
? Algum problema? ? Perguntou saindo de seu esconderijo.
? Roger! ? Exclamou Evelyn com surpresa.
? Repeti-lo-ei uma vez mais, algum problema? ? Seu aborrecimento era tal que mal podia manter um fio de prudência. Apertou os punhos e sua mandíbula esteve a ponto de deslocar.
? Não, ? respondeu ela ? nenhum problema. Agora mesmo me dispunha a retornar com Beatrice.
? Faça isso, eu irei depois ? disse sem afastar o olhar daquele que tinha ousado tocar sua esposa.
? Roger, por favor... ? suplicou-lhe.
? Vai, Evelyn, ? intercedeu Scott ? não acredito que seu marido se atreva a...
Não pôde terminar a frase. As mãos de Roger se aferraram ao seu pescoço e o levantou dois palmos do chão.
? A que não me atreverei? ? Grunhiu.
? Solte-me! ? Gritou o homem movendo seus pés.
De repente, como se percebessem que algo errado acontecia, William e Federith apareceram na entrada. Estes caminharam para Roger ao presenciar a cena.
? Roger... ? falou William. ? O que acontece?
? Este descarado ousou tocar a minha esposa ? bramou.
William olhou a assustada Evelyn e esperou que ela confirmasse as palavras de seu amigo, mas estava tão nervosa que não foi capaz de lhe responder.
? Evelyn, entra. Nós resolveremos esta situação ? indicou Federith com sua típica voz tranquilizadora.
? Por que a tocou? ? Inquiriu o duque sem fazer com que seu amigo desistisse em seu empenho por asfixiá-lo.
? Acredita-se com o direito de fazê-lo, ? respondeu Roger apertando com mais força suas mãos ? porque como bem sabem foi pretendente da minha esposa.
? Pensa uma coisa, ? voltou a falar William ? sua mulher está assustada e graças a Deus podem viver uma vida tranquila. Crê que vale a pena destroçar essa felicidade por um miserável como este?
? O que você fez, William? ? Grunhiu de novo Bennett.
? O correto. Por isso quero que você faça o mesmo.
Depois de suas palavras Roger afrouxou a amarração e deixou livre ao homem. Este depois de tossir e amaldiçoar correu para o interior do salão.
? Sua esposa sabia que Wyman foi o pretendente da Evelyn ? soltou William. Não era uma pergunta, mas sim uma afirmação.
? Minha esposa é um ser desprezível e lhes peço mil desculpas por seu inapropriado comportamento ? comentou Federith aflito.
? Como compreenderá, enquanto esteja com ela, minha visita ao seu lar está anulada ? resmungou Roger ao mesmo tempo em que dava a volta e caminhava para a entrada.
? Roger, por favor... ? disse Federith ao ver como seu amigo se afastava dele.
? Não é o momento. Deixa que lhe passe a ira. Sabe que não pensa com claridade quando está irritado ? apontou William.
? Esta mulher... ? comentou Cooper movendo a cabeça de um lado para o outro.
? Se estivesse em seu lugar a observaria com mais atenção ? disse o duque ao mesmo tempo que jogava seu braço sobre o ombro de seu amigo. ? Olha além do permitido ao senhor Graves.
? Olha com atenção a todo homem que não seja eu... ? respondeu triste.
Ainda seguia com os olhos fechados. Parecia que não desejava despertar, ou talvez não quisesse vê-lo ao seu lado. Roger se moveu da cama e tentou deixá-la sozinha, mas nesse momento notou a mão de sua esposa nas costas.
? Perdoe-me ? murmurou com a cabeça abaixada. ? Sinto o ocorrido. Não quis te envergonhar nem te humilhar diante de todo mundo.
? Não deveria se comportar daquela maneira embora se for sincera, alegro-me de que ocorresse ? respondeu sentando-se na cama para abraçá-lo. ? Sabia que cedo ou tarde nossas vidas se cruzariam e o meu único temor era descobrir como o confrontaria. Não quero que nada nem ninguém nos separe.
? Como pode imaginar uma coisa assim? ? Perguntou enquanto se virava e tombava a sua esposa de novo. ? Se por acaso não se deu conta, é minha, só minha.
? Isso... hummmm... soou muito primitivo... ? sussurrou. Levantou os braços e os enredou no pescoço de seu marido. Desejava que todo o acontecido na noite anterior desaparecesse o antes possível e a melhor forma de consegui-lo era deixar-se levar pelas carícias e os beijos de Roger.
? Quer-me, senhora Bennett? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Muitíssimo, senhor Bennett.
Quando os lábios do homem pousaram nos de sua mulher bateram na porta.
? Vou ter que lhes deixar claro que... ? balbuciou o futuro marquês.
? Milorde! Sua Excelência! ? Gritou Anderson através da porta.
? Entra ? respondeu depois de levantar-se e certificar-se de que Evelyn cobria seu corpo com o lençol. ? O que acontece?
? Desculpe a interrupção, mas o duque de Rutland o espera no hall. Ordenou que se apresente o antes possível ? expôs o criado sem mal respirar.
Estranhando a visita, Roger saiu do quarto, desceu as escadas de três em três e quando apreciou o rosto alterado de William esteve a ponto de sentar-se no chão.
? Vista-se! ? Gritou-lhe Rutland. ? Temos que nos dirigir a Londres o antes possível.
? O que acontece? Acaso aquele descarado do Wyman...? ? Tentou perguntar ao mesmo tempo em que convertia suas mãos em dois duros punhos.
? Encontraram esta madrugada o corpo sem vida de Caroline e acusam Federith de sua morte.
Agradecimentos
Em primeiro lugar quero agradecer à minha família a infinita paciência que tiveram enquanto criei o futuro marquês. Foram muitas horas afastada deles e lhes negando minha ajuda. Espero que ao final tenham sua recompensa.
Em segundo lugar às minhas amigas. Obrigada pelo apoio que me ofereceram, por aguentar as intermináveis horas ao telefone e por me dar ânimos quando estive a ponto de atirar a toalha.
É óbvio a ti, Paola. Por seguir trabalhando ao meu lado e fazendo com que minhas novelas não deixem de brilhar.
Também tenho que agradecer à minha querida companheira e amiga Ahna Shtauros por sua ajuda quando necessitava de expressões em francês. Sinto se te avassalei de mensagens de wassap aquela manhã às cinco da madrugada quando estava adormecida.
E é óbvio a ti, leitor, que escolheu entre um milhão de histórias, a minha.
XXIV
Algo a impedia de levantar as pestanas. Dirigiu as mãos para o rosto e tocou um objeto suave. Afastou-o com rapidez e se incorporou sobre a cama. Quem lhe tinha abafado os olhos e por qual motivo? Quando pôde observar com claridade ao seu redor, levou-se uma mão à boca e evitou dar um grito. Roger estava ao seu lado, ajoelhado sobre o chão e apoiando meio corpo na cama. Estendia os braços para ela como se quisesse alcançá-la, seu cabelo revolto deixava apreciar a metade do rosto viril.
Evelyn cravou as pupilas naquela boca deliciosa que se escondia sob uma espessa barba loira. De repente, um estranho ardor sacudiu seu corpo, fazendo com que um inaceitável frenesi se apropriasse dela. Era um homem tão sedutor, tão encantador que até adormecido provocava o desejo de tocá-lo, de acariciá-lo.
Compreendia por que sua fama de galã se estendeu por Londres como a pólvora e por que as mulheres emitiam sorrisos nervosos quando ele estava presente: que mulher não sonha ter ao seu lado um homem assim?
Desvanecendo de repente os sentimentos de prazer e luxúria que se apropriavam de sua mente, moveu-se devagar para não o despertar. Precisava afastar-se dele o antes possível, não lhe cabia dúvida de que teria chegado tarde e bêbado. Talvez, devido ao seu estado de embriaguez, adotou aquela postura ao não alcançar a poltrona onde devia descansar. Não foi até que tentou pousar os pés no chão que viu a cadeira junto à cama. Nela havia uma bacia repleta de água, a mesma com a qual se refrescou à noite anterior no banheiro. O que tinha ocorrido? Que fazia a bacia ali?
Conseguiu que sua mente rememorasse o transcorrido na noite anterior, Roger tinha partido e ela, enfim, pôde despir-se. Esforçou-se em aliviar a terrível dor que tinha aparecido em seu rosto, mas não o obteve e, derrotada, retornou à cama. Não pôde conciliar o sonho até bastante tempo depois, a imagem daquele pequeno crânio aparecia uma e outra vez em sua mente provocando que um sem fim de perguntas surgisse em sua cabeça sem cessar. Não encontrou nenhuma razão lógica que explicasse por que o dito objeto permanecia sob o assento e finalmente alcançou o sono, mas não descansou.
Um terrível pesadelo dominou seu repouso. Viu-se no prado caminhando para o sol e notando como a grande bola de fogo lhe queimava o rosto. Era incapaz de diminuir seu passo embora se visse envolta em chamas e gritou ao ver que seu vestido ardia e todo seu corpo também. Quando se rendeu ao fatídico final observou uma enorme figura aproximando-se e colocando-se em frente a ela. Sua grandiosa sombra fez com que deixasse de sentir calor e que o fogo desaparecesse de repente.
Evelyn voltou o olhar para Roger. Tanto em seu pesadelo como na vida real, ele a cuidava. Deixava a um lado o ser arrogante e egoísta que tanto se esforçava em mostrar e a protegia sem lhe importar o que ele mesmo padecesse. A mulher deixou de franzir o cenho e, com cuidado, rodeou a cama até colocar-se atrás das costas de seu marido. Daquela proximidade contemplou maravilhada como descansavam seus fortes braços que com facilidade poderiam ser como quatro dos seus, sua musculatura era tal que lhe resultava impossível compará-lo com outro homem. As pernas, aquelas longas extremidades das quais se queixava ao sentar-se na carruagem, esticavam-se sobre o chão adotando uma postura indesejável. Mas não foi a magnitude da figura masculina que lhe fez levar de novo as mãos à boca, mas sim umas pequenas cicatrizes que desfiguravam as atléticas costas. Quem o teria açoitado com tanta força para assinalar uma pele tão forte? Teriam-no feito prisioneiro em alguma de suas viagens no navio? O teriam assaltado os temidos piratas? Quis esticar a mão e as tocar com suavidade, mas não era apropriado fazê-lo enquanto ele descansava, se de verdade desejava tocá-lo, se de verdade queria que seus dedos roçassem a pele masculina, devia fazê-lo quando Roger permanecesse acordado, assim poderia retroceder ao mínimo gesto de amargura. Zangada pelos pensamentos pecaminosos que despertava seu marido nela, virou-se com sigilo e caminhou para o baú. Precisava arrumar-se antes de despertá-lo. Se for certo, se ele tinha passado a noite velando sua agonia, não teria repousado o suficiente e o trajeto para Londres seguia sendo longo.
? Encontra-se melhor? ? A voz áspera de seu marido a fez virar com brutalidade.
? Sim. Muito melhor. Por que o fez? ? Arqueou as sobrancelhas e esperou para escutar a resposta com interesse.
? Por que não o ia fazer? ? Ao incorporar-se franziu o cenho. Tinha permanecido tantas horas na mesma posição que, ao levantar-se, sentiu dores nas pernas. ? Expôs-se durante muito tempo ao sol e sofreu umas leves queimaduras ? esclareceu com certo desinteresse. Não queria que desse importância a um fato tão banal. ? Se não as tivesse tratado hoje não poderíamos empreender a marcha.
? Entendo... ? disse com pesar.
Tinha encontrado a razão de seu cuidado. Não foi o que esperava, mas era o mais lógico. Se ela adoecesse teriam que permanecer na estalagem mais tempo do que pretendia e isso atrasaria a chegada a Londres. Evelyn olhou para o chão, evitando que Roger descobrisse as pequenas lágrimas que começavam a brotar em seus olhos.
Doía-lhe descobrir que seguia sem despertar certo interesse sentimental em seu marido. Aquela apatia os separava e a distanciava de averiguar a verdadeira personalidade de seu marido. Se continuasse dessa forma, seu plano não seria infalível.
? Não sei como agradecer tudo o que está fazendo por mim ? falou sem ser capaz de evitar certa aflição em suas palavras. ? Mal levamos dois dias de viagem e me salvou de ser atacada por uma serpente e te fiz passar a noite em claro para acalmar um estrago que eu mesma realizei por imprudência. O mais sensato seria que me deixasse aqui para que Wanda me recolhesse.
? Não vou abandonar-te! Permanecerá ao meu lado em todo momento, entendido? ? Disse zangado.
? Não se dá conta de que só atrapalho sua vida? ? Levantou o rosto e deixou que suas lágrimas fossem percebidas pelo homem.
? Bobagens... ? grunhiu aproximando-se dela. ? Qualquer um pode ser assaltado por um perigoso animal se caminhar pelo campo e, quem não está acostumado aos raios solares padecem este tipo de reações ? respondeu com tom suave. Esticou a mão para o rosto e o acariciou com muita suavidade. Enquanto lhe afastava as lágrimas com os polegares, observou como Evelyn fechava os olhos ao tocá-la e apertava seus deliciosos lábios. Esteve a ponto de beijá-la, de degustar de novo seu sabor, mas se conteve. Não desejava aproveitar-se dela em um momento de debilidade. ? Por sorte, não ficarão sequelas. ? Virou-se para a direita e deu uns passos para diante deixando-a as suas costas.
? Roger? ? Chamou sua atenção.
? O que? ? Perguntou elevando a cabeça para o teto esperando qualquer recriminação por havê-la tocado sem ela pedir-lhe.
? Obrigada... ? Não era essa a palavra que desejava dizer.
Ao sentir suas mãos sobre ela e notar como se acelerava seu pulso ao ser acariciada e como sua boca ficava fria sem os lábios de seu marido, avivou uma inesperada vontade de tê-lo ao seu lado sem roupas que impedissem o atrito entre seus corpos.
? Não tem por que me agradecer. Fiz o que devia e continuarei fazendo-o pelo resto da minha vida. E agora, se me desculpa, tenho que me assear. Imagino que Anderson já tenha preparado a carruagem para empreendermos a viagem.
? Roger! ? repetiu com ênfase. Ficaria ali parada? Esperaria que aquele desejo e aquela necessidade por tê-lo ao seu lado desaparecessem com o tempo? De verdade tinha tanta vontade de entregar-se a ele após descobrir que nunca se afastaria de seu lado e que cuidaria dela pelo resto de sua vida? Era suficiente escutar tal coisa para oferecer-se sem restrições?
? O que? ? Perguntou esperando conhecer a razão pela qual não o deixava assear-se com tranquilidade.
Evelyn não pensou. Correu para ele e saltou sobre o corpo seminu de seu marido. Os pequenos braços se entrelaçaram no pescoço e sua boca tocou a de Roger. Este, assombrado pela reação da mulher, ficou pétreo.
? Um simples obrigado teria sido suficiente ? comentou com apenas um fio de voz quando ela liberou sua boca.
Não esperava essa atuação de Evelyn nem tampouco aquele suave beijo. Se assim agradecia seu dever por cuidá-la, fá-lo-ia com mais gozo do que pudesse imaginar. Entretanto, por mais que lhe agradasse a recompensa, não queria que ela se entregasse a ele por esse motivo. Desejava, e cada vez mais, que entre ambos surgisse algo especial. Possivelmente um pouco parecido ao que tinham William e Beatrice, embora supusesse que jamais alcançariam aquele nível de amor.
? Sei ? disse cravando seus esverdeados olhos nos de Bennett.
? Então? ? Continuou colocando suas grandes mãos sob as redondas e gostosas nádegas. Os mamilos de Evelyn roçavam seu torso e estava ficando louco ao tentar manter relaxada certa parte de seu corpo que atuava por sua conta. ? Então? ? Insistiu arqueando as sobrancelhas.
? Quero me oferecer a ti... ? murmurou abaixando a cabeça para que não pudesse ver o rubor que lhe provocava sua ousadia.
? Assim, sem mais? Quer que te faça amor como prêmio por te haver salvado de uma serpente ou por ter acalmado umas pequenas bolhas? ? Foi abrindo suas mãos para que Evelyn se deslizasse até o chão. Quando ela apoiou os pés no piso, olhou-a com os olhos entreabertos. ? Disse-te que com um simples obrigado era o bastante. Não desejo te submeter, nem te obrigar a nada por algo que é meu dever de marido.
Evelyn ficou paralisada. Por mais que tentasse levantar o rosto e olhá-lo desafiante, não conseguia. Seu embaraço, sua vergonha era tal que não podia nem pensar. Com um esforço sobrenatural deu uns passos para trás dando a possibilidade a Roger para que fechasse a porta e a deixasse sozinha naquele quarto que, naquele momento, pareceu-lhe enorme. Entretanto, ele não se moveu. Seus pés, aqueles que só conseguia ver, seguiam pegos ao chão.
? Evelyn? ? Agora era ele quem chamava sua atenção. ? Olhe-me! Levanta de uma vez esse rosto e me olhe! ? Gritou com aparente mau humor.
Assim o fez. Contra sua vontade levantou o queixo e o olhou. As lágrimas percorriam seu rosto sem poder evitá-lo, suas mãos se apertavam com força formando dois pequenos punhos. Humilhou-se de novo. Degradou-se outra vez ante um homem e este não tinha consideração ante seu ato. Zangada pelo acontecido, elevou os punhos, caminhou para ele e começou a lhe golpear no peito com ímpeto.
? Odeio-te! Maldito seja! Odeio-te! ? Gritou entre soluços.
? Então... por que quer se entregar? Por que quer que te toque, que te beije, que te possua? ? Insistiu sem impedir que o continuasse golpeando.
Como podia falar? Como podia explicar o que sua mente lhe propunha se sua garganta estava pressionada pelo desejo? Possivelmente o único motivo pelo qual conseguia soltar aquelas palavras não era outro que escutar, da boca de Evelyn, que o necessitava tanto como ele a ela.
? Não me toque! ? Clamou Evelyn ao sentir as mãos de Roger entrelaçando-se em sua cintura. ? Solte-me!
? Só quando me responder ? disse com firmeza. ? Só assim te deixarei livre.
? O que quer que te responda? ? Inquiriu rudemente.
? A verdade ? respondeu mais comedido.
? A verdade? ? Voltou a abaixar a cabeça, mas Bennett depois de afastar suas mãos da cintura, usou uma para colocá-la sob seu queixo e lhe içar o rosto.
? Sim ? afirmou com solenidade.
? A verdade, ? interrompeu-se ? é que ninguém se preocupou por mim durante todos estes anos. A verdade é que todo aquele que se aproximou foi para obter algo em troca. A verdade é que nunca tive a uma pessoa ao meu lado que apaziguasse minhas doenças, minhas inquietações ou me oferecesse seu amparo sem um motivo ou razão alguma ? soltou sem respirar.
? E aquele seu prometido? Aquele que te roubou aquilo que me pertence? ? Grunhiu mastigando cada palavra e mostrando a ira que lhe provocava conhecer certas coisas do passado de sua esposa que não imaginara.
? Esse menos que nenhum... ? murmurou ao mesmo tempo em que deixava cair seus braços para o chão.
Roger a observou tão abatida que desejou apertá-la ao seu corpo, para que não se afastasse dele, mas pensou melhor. Ela necessitava de seu próprio espaço, seu momento de liberdade, para poder falar com tranquilidade.
? Só me queria pelo dote que ofereciam meus pais... ? sussurrou enquanto caminhava para a cama e se sentava sobre esta ? mas ao não conseguir seu propósito me abandonou.
Podia arrancar os marcos da porta a dentadas? Porque isso é o que desejava fazer naquele momento. Precisava focalizar sua ira, sua raiva e desespero para algo. Entretanto, depois de respirar com profundidade e achar um pouco de sensatez, andou até ela, ajoelhou-se e colocou suas palmas sobre os joelhos da mulher.
? Disseram-me que tinha morrido... ? confessou-lhe. Sabia que lhe ia responder que continuava vivo, então sua mente não cessava de idear a maneira de buscá-lo e fazer realidade a mentira. Se já estava morto... quem condenaria o assassinato de um cadáver?
? Tinha dezesseis anos. Meus pais me apresentaram em sociedade com muita alegria e ilusão. Naquela época a família era bastante rica então meu pai ofereceu um bom dote para o homem que decidisse casar-se comigo. ? Fez uma leve pausa, suficiente para recuperar um pouco de quietude. ? Ele me cortejou e me seduziu. Terminei por me apaixonar e finalmente nos comprometemos. Pouco depois meu pai anunciou que as riquezas familiares tinham desaparecido por um mau investimento. Quando contei, quando lhe narrei a agonia que estávamos padecendo, acreditei que nos ajudaria, que lutaria contra a pessoa que enganou ao meu pai e que graças à sua valentia obteríamos o roubado. Mas não o fez. Decidiu partir. Abandonou-me sem sequer pensar no que eu tinha em meu interior...
? Estava... ficou...? ? Abriu tanto os olhos que pensou que estes fossem sair das órbitas.
? Sim. Embora pouco tempo depois de sua partida o perdi. Tropecei nas escadas ao sofrer um desmaio e quando despertei, o bebê tinha morrido ? soluçou dolorosamente.
? Sinto muito... ? falou com tristeza. Tirou as mãos dos joelhos e se levantou. A vontade de quebrar algo, de estrangular ao malnascido que lhe tinha feito mal, não diminuiu. Mas não era o momento de atuar com agressividade. Não desejava que Evelyn se assustasse ao pensar que a ira se devia à sua confissão e não ao feito de descobrir o triste passado que tinha vivido.
? Não tem por que sentir, Roger, mereço isso. Mereço tudo o que me aconteceu e o que acontecerá ? murmurou Evelyn dirigindo seus olhos para a figura alterada de seu marido.
Perambulava de um lado para outro. Levava as mãos para o cabelo e o afastava sem cessar. Sabia que após conhecer o que escondia, que ao revelar seu passado, desiludira-o. Quem poderia viver junto a uma mulher manchada? Agora era só esperar o que tanto tinha temido, que outra pessoa a abandonasse. Supôs que, embora lhe prometesse cuidá-la, sua declaração lhe daria a oportunidade de afastar-se de seu lado como fizeram os outros.
? Eu... eu... ? tentou dizer, mas lhe resultou impossível explicar o que pensava. Alguém batia na porta com insistência. Com grandes pernadas se dirigiu para esta, abriu-a e ladrou: ? Quem é?
? Sua Excelência ? respondeu Anderson abaixando com rapidez a cabeça ao escutar o tom enfurecido de seu senhor. ? Desculpe atrapalhar. Mas tenho que o informar que tudo está preparado para empreender a viagem.
? Que horas são? ? Perguntou em tom irado.
? Quase sete, senhoria.
? Está bem. ? Olhou de esguelha para Evelyn. Não se tinha movido de seu assento. Seguia com a cabeça abaixada e apertava suas mãos com força. O que devia fazer? Era a primeira vez em sua vida que não sabia como atuar com uma mulher. Se partirem, se se preparavam para partir depois de sua confissão, ela poderia pensar que lhe tinham feito mal suas palavras e que a repudiava por aquele passado que tanto lhe doía. Mas se fechasse a porta, se se dirigisse para ela e fizessem amor, acreditaria que só tentava aproveitar-se de sua fragilidade.
? Senhor... ? interrompeu de novo seus pensamentos o criado.
? Avisem-me quando forem dez da manhã. Não descansei o suficiente para aguentar estoicamente um trajeto tão longo.
? É claro. Voltarei a chamar nessa hora. ? Anderson fez uma leve reverência e se afastou.
Roger fechou a porta e se apoiou nela. Respirou com profundidade e contemplou o aflito corpo de sua esposa. Não sabia se o que lhe ditava o coração era correto ou não, mas se seu interior lhe gritava que o fizesse, fá-lo-ia.
XXV
Virou-se quando escutou fechar a porta. Surpreendida ao escutar que a saída se atrasava, observou sem pestanejar ao Roger, que apoiou as costas na porta de madeira cruzando os braços e cravando suas pupilas nela. Tragou saliva ao perceber como a escuridão aparecia no rosto masculino, apertava a mandíbula com tanto afã que podia escutar com facilidade o ranger de seus ossos. O peito, robusto pelo trabalho que teria realizado no navio, elevava-se e baixava com brio apesar de suportar o peso dos grandes e musculosos braços. Evelyn tremeu. Ali estava, um titã de cabelo loiro e pele escura atravessando-a com o olhar. Supôs que era lógico, todo mundo que escutava seu passado sentia ira ou lástima e, para ser sincera, ela preferia o ódio, posto que estava acostumada a defender-se melhor dos ataques verbais que das palavras repletas de misericórdia.
Quis romper o silêncio incômodo que se produziu entre ambos perguntando se queria que partisse, se desejava descansar tal como tinha indicado ao Anderson ou se desejava terminar a frase que tinha começado antes de serem interrompidos. Tinha empalidecido ao descobrir que tinha perdido ao bebê. Ao que parecia, os rumores não o informaram da parte mais odiosa da ruptura de seu compromisso: a perda de um diminuto ser. Tampouco lhe haveriam dito que ela não podia ter mais filhos. «Colin não o advertiria no contrato matrimonial», disse-se irônica. Desejou falar sobre algo que o despertasse do choque no qual se encontrava, mas não o conseguiu.
De repente Roger descruzou os braços e caminhou com solenidade para ela. Evelyn esticou as mãos pela camisola no primeiro passo. No segundo, seu coração deu um tombo ao apreciar que na realidade o rosto masculino não mostrava escuridão, mas sim lascívia. Não estava zangado, não desejava afastar-se de seu lado. O que pretendia era possui-la como um selvagem. «Grita, Evelyn, grita! Salve-se dele! Corre, foge!», escutava uma voz exaltada em sua cabeça. Mas a fez calar com rapidez.
Roger se aproximava como um predador se aproxima de sua presa, mas nesta ocasião, a presa desejava ser alcançada.
? Prometi que não te tocaria até que me pedisse ? disse isso com voz rouca. Seu terceiro passo o deixou a menos de quatro palmos dela.
? Sim ? respondeu-lhe sem diminuir aquela excitação que lhe augurava o que ia acontecer se fosse incapaz de negar-se.
? E até agora atuei tal como ditou ? continuou com o mesmo tom. Parou de andar até que se colocou em frente a ela. Percebeu que ela tremia ante sua proximidade. Estava seguro de que o calor que emanava de seu próprio corpo chocava com força no da mulher.
? Sim... ? conseguiu dizer mediante uma profunda inspiração.
? Evelyn... quero respeitar suas decisões. Não haverá nada no mundo que me impeça de fazê-lo. Por isso te pergunto, quer que eu te toque? Quer que te beije e te possua com o ardor que sinto desde que pus meus olhos em ti? ? Esticou as mãos para lhe acariciar os suaves e sedosos cabelos que caíam em forma de cascata por seus ombros.
? Roger... ? murmurou.
? Diga-me... ? respondeu depois de respirar profundamente.
? Sim.
? Sim o que, Evelyn?
? Sim, o desejo.
Bennett não se conteve mais. As mãos abandonaram o cabelo para agarrar com força a cintura da mulher. Atraiu-a para ele enquanto sua boca se chocava com a dela. Sua língua voltava a dominá-la, a conquistar seu interior. Observou satisfeito como Evelyn se deixava levar pelo desejo, fechando os olhos e dando pequenos e musicais gemidos de prazer ao tê-la em seus braços. Tudo aquilo que pensou, todas aquelas dúvidas que o impediam de avançar para fazê-la sua se desvaneceram ao sentir as mãos de sua mulher lhe acariciando as costas. Ardiam. Ambos desprendiam um fogo abrasador. Contra sua vontade, Roger foi enrugando entre suas mãos a camisola de Evelyn muito devagar. Apesar de querer arrancar-lha acreditou oportuno ser delicado com ela posto que imaginasse, por suas palavras, que jamais tinha sido amada tal como merecia. Precisava lhe indicar com cada carícia, com cada beijo, que era uma deusa para ele e assim a trataria. Quando o objeto se levantou até a pequena cintura, Bennett pousou suas grandes palmas sobre os glúteos nus. Acariciou-os, apertou-os, e inclusive cravou seus dedos neles para marcá-la, para lhe demonstrar que era dele e de ninguém mais. Mas aconteceu algo que o deixou atônito. Não esperava que Evelyn, depois de notar suas mãos nas nádegas, abrisse lentamente suas pernas o convidando a prosseguir. Dava-lhe acesso à sua sexualidade. Um grunhido de satisfação saiu de sua garganta. Essa amostra de aceitação o deixou tão louco que seu controle se desvaneceu. Com a mesma voracidade que um sedento bebe água no inóspito deserto, Roger terminou por a despojar da camisola. Evelyn, ao ver-se completamente nua, tentou cobrir-se com suas mãos, mas Roger as afastou com delicadeza enquanto se ajoelhava ante ela.
? Não me oculte sua beleza, minha pequena bruxa ? murmurou. Sua boca beijou o ventre no qual um dia houve uma vida dentro. ? Não quero que se esconda de mim.
Esperou que lhe respondesse, mas não o fez. Só colocou as mãos sobre seus ombros para não cair. Seus dedos retornaram às nádegas para acariciá-las com devoção. Voltou a observar como Evelyn separava lentamente suas pernas. As mãos caminharam devagar pelas coxas até alcançar os lábios inchados e úmidos. Depois de inspirar o aroma erótico de sua esposa, acariciou com ligeireza aquelas dobras molhada. Seus dedos lhe facilitaram o trajeto, separando com suavidade as delicadas protuberâncias sexuais.
? Nota minhas carícias? ? Exigiu saber com uma mescla de luxúria e sufoco.
? Sim... ? murmurou mal consciente disso.
? Quer que siga? Quer que continue, meu amor? ? Nem ele mesmo foi consciente de haver dito aquela palavra. Nunca a tinha posto em sua boca anteriormente, mas apesar de entrecerrar seus olhos ao escutar-se, não se arrependeu. Adorava-a, desejava-a, necessitava-a, e isso não era a base do amor?
? Sim, por favor ? rogou-lhe.
Seu corpo se sacudia com tanta força que se agarrou com ímpeto aos ombros de Roger. Mal podia levantar suas pálpebras e se envergonhava por ser incapaz de fechar a boca e não fazer parar aqueles diminutos gemidos provocados pelo prazer. Isso não era o normal, ou talvez sim. Não tinha com o que compará-lo salvo com Scott e, onde suas mãos tinham provocado frieza, as de seu marido a faziam arder.
? Deixe-me conhecer todo seu corpo... ? murmurou devagar enquanto o dedo do meio apalpava o interior de seus lábios procurando o pequeno botão do clímax. ? Deixe-me explorar cada pedaço da sua pele... deixe-me te demonstrar quanto te necessito...
? Faça-o... ? disse sem voz.
? Agarre-se com força aos meus ombros, meu amor. Vou fazer com que desfaleça de prazer ? advertiu antes de mover seu dedo com rapidez sobre o pequeno clitóris.
Gotas de suor começaram a banhar sua pele. Não imaginou que com um simples dedo pudesse enlouquecê-la até o ponto de flexionar seu corpo para diante e cair sobre Roger. Sua respiração era intermitente, mal conseguia duas inspirações seguidas sem gritar. As pernas perdiam sua força e podia notar como começavam a encurvar-se. Mas seu marido a elevou, colocou-a como ele queria que estivesse e então aconteceu algo que, se não tivesse estado na cama, teria caído desabada ao chão. Toda a agitação que sentia ali onde ele tinha o dedo, ali onde era açoitada sem fim, acalmou-se com a língua de Roger.
? Está bem? ? Bennett saltou sobre ela assombrado.
? O que... o que foi isso? ? Perguntou aturdida.
? Isso, meu amor... ? disse com um sorriso de orelha a orelha ? é algo delicioso. ? Dirigiu sua boca para a dela e a beijou com ardor. Sua língua se apoderou dela, possuiu-a e a desfrutou. Evelyn descobriu que o sabor de Roger se mesclava com outro um pouco ácido, frutado. Ruborizou-se ao saber de onde procedia, mas não se amedrontou, queria mais. Muito mais.
? Repita ? ordenou desenhando um sorriso malicioso em seu rosto.
? É uma ordem? ? Perguntou zombador.
? É outro mandato que acabo de acrescentar à lista. ? Seus olhos verdes brilhavam pelo desejo. Urgia-a senti-lo ali abaixo e o necessitava já.
? Pois como te disse, acatarei todas as suas normas, querida.
Começou a percorrer o corpo feminino com sua boca. Fez várias paradas antes de chegar ao lugar que tanto ansiava sua mulher. Primeiro beijou o pescoço e lambeu cada milímetro de sua pele até que alcançou o lóbulo onde deveria luzir uns brincos de diamantes. Acariciou-o devagar fazendo com que o pelo se arrepiasse ao úmido tato. Prosseguiu até seus seios. Aquelas pequenas montanhas com suas pontas escuras o deixaram louco. Absorveu, mordeu e apertou com seus dentes os elevados mamilos para escutar seus gritos. Adorou ouvi-la. Adorou observar como seus seios se moviam agitados pelo prazer. Continuou seu trajeto para baixo gerando um caminho brilhante depois do passo de sua língua. Era uma tortura ter demorado tanto até alcançar seu sexo, mas não tinham pressa, já não. As grandes mãos se colocaram sobre as coxas, separando-as com suavidade. Depois de apartá-las, Roger admirou o fogo que ela escondia entre estas. Aproximou seu nariz para voltar a encher seus pulmões do delicioso aroma de Evelyn. O fez várias vezes, possivelmente mais das que deveria. Nem tentou fechar seus olhos ao aproximar sua língua para os amaciados lábios. Precisava contemplar tudo. Por mísero que fosse o movimento de sua mulher ao roçá-la, desejava averiguá-lo.
Não podia parar os tremores. Suas pernas, arqueadas e abertas, sacudiam-se de um lado para outro. Em mais de uma ocasião pensou que golpearia a cabeça de Roger com os joelhos, mas não foi assim. Enquanto ele acariciava o sexo com seus lábios e com sua língua, agarrava com solidez as pernas para que deixassem de agitar-se. Era impossível permanecer quieta quando todo o corpo se sacudia devido às convulsões que se propagavam por cada milímetro da pele. Evelyn gritou ao notar a pressão dos dentes ali abaixo. Levou as mãos para a boca para não repetir o uivo, embora mal o silenciasse. Continuou gritando, chiando, uivando pelo prazer que seu marido lhe dava entre as pernas. Em mais de uma ocasião vislumbrou o firmamento repleto de estrelas brilhantes no teto de seu quarto. Não era possível. O que fazia seu marido não era real.
? Minha pequena bruxa... ? sussurrou Bennett elevando-se sobre ela. ? É puro fogo. Jamais necessitei tanto estar dentro de uma mulher. Deixa-me louco, Evelyn. Perturba-me, rouba-me a pouca racionalidade que tenho.
Ela esticou as mãos para lhe segurar o rosto e atrai-lo para sua boca. Desejava voltar a degustar daquela deliciosa mescla que ele guardava.
? Quero te possuir, quero te fazer minha ? murmurou. Ao ver como sua esposa assentia pousou os pés no chão, tirou a calça e as meias e retornou à cama. ? Não doerá, prometo-lhe isso.
Evelyn não estava tão segura disso. Se o corpo de Roger era imenso, seu sexo não era menor. Esticou as palmas da mão e, curiosa, começou a tocá-lo. Sua pele lhe pareceu sedosa, mas ao mesmo tempo forte e rígida. Abriu os olhos como pratos ao notar a umidade em suas mãos. A isso se referia quando lhe dizia que perdia o controle? Teria cuspido sua semente antes de introduzir-se em seu interior? Se fosse isso, se ele já tinha explodido, então compreenderia a razão pela qual Scott sofria aqueles percalços. Desejava-a tanto que não era capaz de controlar-se.
? Evelyn... ? chamou sua atenção. ? Eu jamais... em minha vida... ? Abaixou a cabeça e a beijou com desejo. Enquanto, com uma mão, foi endireitando seu membro até encontrar o lugar no qual devia entrar.
Não foi capaz de controlar-se. Queria fazê-lo lento, devagar, entretanto, não o conseguiu. Ao sentir a calidez dela, apertou seus glúteos, apoiou as palmas de suas mãos sobre o colchão e a invadiu com força.
? Sinto muito, sinto muito, mas não posso me controlar. Quero te fazer minha, quero te sentir, quero...
As mãos de Evelyn se colocaram nas costas masculina. Seus dedos se apertaram tanto nela que terminou lhe cravando as unhas. Cada penetração, cada embate, ela o sofria com enérgicos espasmos. Podia sentir o início do sexo de Roger lhe penetrando o interior, parecia que desejava alcançar o que ninguém podia conseguir. Tentou fechar os olhos. Precisava fechá-los para deixar-se levar. Embora não pôde fazê-lo, desejava apreciar como era o rosto de Roger, como mudava a cor de seus olhos quando o clímax o sucumbia.
? Evelyn! Evelyn! ? Gritou com tanto ímpeto seu nome que os tendões se marcaram na garganta.
Os tremores se fizeram mais intensos, rápidos e incontroláveis. O suor de ambos se mesclou. Uma estranha essência se estendeu ao redor deles. Em cada inspiração, cada vez que ela cheirava aquela mescla a especiarias, mais excitada se encontrava. Apertou com mais força suas unhas na pele de Roger, elevou o queixo e quando estava a ponto de gritar, a boca de seu marido a possuiu. Não deixou de beijá-la até que pararam de tremer, até que ambos os corações relaxaram seus batimentos, até que as respirações se compassaram.
? Sinto muito... ? Roger saltou da cama, dirigiu-se para a bacia e pegou o pano úmido. ? Sinto de verdade. ? Não deixava de desculpar-se enquanto a limpava. ? É a primeira vez que verto minha semente... é a primeira vez que não controlo...
Evelyn se incorporou na cama e segurou a mão de seu marido que limpava sua zona erógena. Não sabia o que pensar ao lhe escutar dizer que era a primeira vez que sua semente se introduzia em uma mulher. Possivelmente mentia, mas ao vê-lo tão inquieto, tão assombrado, a dúvida se dissipou. Entretanto não devia temer por uma possível gravidez. Não com ela.
? Roger não sofra ? disse desenhando um pequeno sorriso no rosto. ? Não acontecerá nada do que pensa.
Bennett deixou cair o objeto no chão. Seus olhos se abriram tudo o que puderam, seu coração deixou de pulsar, a expressão de agonia que mostrou seu rosto ao compreender que podia deixá-la grávida antes de averiguar se entre eles tinha crescido o amor se dissipou com brutalidade. Não podia ter filhos? Era impossível! Havia-lhe dito que esteve grávida. Só uma mulher que... o compreendeu com rapidez. Algo tinha acontecido naquele aborto que a deixou estéril. Ao ser consciente de que Evelyn lhe estendia a mão para que se colocasse ao seu lado, estendeu a sua e se tombou junto a ela. Abraçou-a com força contra seu corpo e lhe beijou o cabelo.
? Tenho frio. ? Não foi um mandato, mas sim uma mera informação.
Roger esticou o braço e pegou o lençol para cobri-la. Ela se aproximou ainda mais a ele convertendo-se de novo em uma só figura.
? Descansa um pouco ? sussurrou-lhe com ternura. ? Despertá-la-ei antes que batam à porta. ? A mulher assentiu com um suave movimento de cabeça.
Bennett, apesar de estar cansado, foi incapaz de fechar os olhos. Uma centena de pensamentos golpeava sua mente sem trégua. O que aconteceria agora? Seguiriam assim toda a viagem até chegar a Londres? Isso esperava porque tê-la daquela forma acalmava seus medos. Entretanto, o que ocorreria quando Evelyn descobrisse o passado de seu marido? «Será ela quem te abandone ? refletiu com tristeza. ? Quem pode viver junto a uma pessoa como eu?». Apesar do inevitável final, Roger priorizou um de seus objetivos: antes que ela se afastasse, antes que Evelyn decidisse separar-se dele, procuraria com afã ao suposto morto e faria realidade o rumor. Ele mesmo lhe arrebataria a vida com suas próprias mãos. Depois de beijar de novo o cabelo de sua esposa e intensificar seu abraço, olhou para a janela e suspirou.
Apesar de sua insistente negativa, Roger a ajudou a vestir-se e a penteá-la. Adiantando-se à chamada de Anderson, ambos estavam preparados para retomar a viagem. Quando escutaram uns pequenos golpezinhos na porta, olharam-se sorridentes. Evelyn acreditou que seu marido daria suas típicas pernadas para chegar à saída e responder ao criado, mas em vez disso abraçou-a e a beijou com paixão.
? Estou desejando que chegue de novo a noite. ? sussurrou-lhe ao ouvido. ? Vou contar as horas que faltam para tê-la outra vez nua em meus braços.
Ela se ruborizou ao escutar as insinuantes palavras e notou em seu baixo ventre um incrível palpitar. Desejava-o. Evelyn também desejava que chegasse aquele momento para voltar a sentir o prazer que lhe provocavam as carícias de seu marido. Antes de sair olhou-se no espelho e se surpreendeu ao ver um rosto repleto de felicidade. As olheiras lhe pareceram maravilhosas, o enredado cabelo recolhido em um torpe coque pareceu-lhe o penteado mais surrealista que tinha mostrado até o momento e seus lábios, avermelhados pelo roce da barba, exibiam-se mais volumosos que de costume. Era muito difícil ocultar o que tinha acontecido durante as horas anteriores naquele quarto. Embora começasse a descobrir, atônita, que não lhe importava o que pensavam outros.
? Adiante-se ? indicou Roger soltando sua cintura. ? Vou pagar ao hospedeiro e depois correrei até te alcançar.
Evelyn fez o que lhe propôs com carinho. Elevou seu queixo e caminhou para a carruagem sem olhar para trás. Ao sair da estalagem se assustou ao perceber como o sol voltava a tocar seu rosto e o machucava. Içou a mão direita, abaixou levemente a cabeça e caminhou depressa para o veículo, mas quando estava a ponto de chegar, no momento em que Anderson lhe abria a porta para lhe facilitar o acesso, notou uma pressão na mão esquerda tão intensa que se girou para esse lado.
? Senhora... ? uma mulher de pouco mais de cinquenta anos e vestida de rigoroso luto era quem a impedia de alcançar o carro. ? É seu marido o homem que ontem me pediu uma beberagem para acalmar suas queimaduras? ? Perguntou sem mal respirar.
? Bom dia ? respondeu com cortesia. ? Sim, pode ser que seja ele.
? Tome cuidado, milady, não é um homem bom. Leva em suas costas a marca da morte ? falou com pavor. Seu rosto, enrugado pelo passar dos anos, enfatizava suas palavras.
? Não o conhece! ? Exclamou zangada. Olhou para Anderson para lhe pedir auxílio e este, não muito cortês, afastou a anciã de seu lado.
? É você quem não sabe como é a pessoa que está ao seu lado! ? Clamou desesperada.
Evelyn subiu depressa, fechou a porta e olhou para o lado contrário. Não queria escutá-la nem olhá-la, mas era tanto o interesse que lhe provocava a estranha mulher que terminou por virar-se para ela. Quando a anciã apreciou que era observada, jogou uma olhada ao seu redor e percebendo que não seria retida de novo pelo lacaio, caminhou para a carruagem. Esteve a ponto de dizer algo, mas ao tocar o carro com suas mãos, os olhos desta se abriram tudo o que podiam alcançar, deu uns passos para trás e se benzeu.
? Não é o diabo... ? murmurou aterrada. ? É seu sangue que foi germinado por essa abominação...
? Acontece algo? ? Inquiriu Roger zangado ao ver as duas mulheres.
? Lute por se liberar do mal. Faça todo o possível para fazer desaparecer até a última gota de seu sangue. Só assim se liberará de seu destino ? comentou a anciã a Bennett antes de correr para a estalagem sussurrando palavras em um idioma que nenhum dos dois conseguiu decifrar.
? Quem era? ? Quis saber Evelyn quando seu marido se sentou ao seu lado e estendeu o braço para aproximá-la para ele.
? Só uma velha louca que me deu um remédio à base de ervas para acalmar suas queimaduras ? respondeu antes de lhe dar um beijo na cabeça. ? Incomodou-te? Tenho que descer e recriminar sua atitude com a minha esposa? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Não. Acredito que a pobre já tem o suficiente com a sua demência ? alegou antes de apertar a cintura de seu marido e pousar sua cabeça sobre o duro torso.
Mas as palavras da anciã não cessaram de repetir-se uma e outra vez em sua mente. Não entendia muito bem o que tentava expressar, entretanto, quando fechou os olhos para descansar antes de chegar ao próximo povoado e comprar aquele chapéu que, segundo Roger, necessitava, abriu-os de par em par ao recordar o que estava escondido sob o assento.
XXVI
Tal como augurou, o trajeto para Londres se fez comprido, mas graças ao comportamento de Roger o desfrutou mais do que esperava. É óbvio, cumpriu suas palavras sobre o que aconteceria na noite seguinte quando pernoitassem em outra estalagem, embora nessa ocasião enchesse a habitação de mantimentos para repor a energia que gastaram durante a noite. Os rubores em sua pele, pelas carícias e beijos, aumentaram até ter que comprar, em um dos povoados que visitaram, um remédio para acalmar sua delicada cútis. Entretanto, Evelyn não ocultava as marcas de seu prazer. Exibia-as com altivez. Quem não poderia proclamar que um matrimônio criado de um pacto inadequado começava a dirigir-se para o bom caminho? Nem ela mesma o teria acreditado. Recordou o momento no qual Roger apareceu em Seather com o papel que autorizava o contrato matrimonial, seu desmaio, a tosca cerimônia, seu abandono e, é óbvio, seu regresso. Não tinha transcorrido muito tempo desde que seu marido desembarcara, mas era o suficiente para confirmar que não desejava que partisse de novo. E agora menos que nunca. Estavam a ponto de chegar a Lonely Field, o lar de seu marido que também se converteria no seu. Ali, se Deus a ajudasse, encontraria as respostas que tanto açoitavam sua cabeça. Quem era na realidade Roger Bennett? Que passado tentava ocultar? Por que se transformou em um ser egoísta e petulante? E, sobretudo... por que tinha mudado tanto sua atitude após possui-la?
? Olhe! ? Exclamou Bennett com entusiasmo elevando-se do assento. ? Aí está meu lar! ? Voltou o olhar para ela, sorriu e murmurou: ? Nosso lar...
Evelyn se reclinou e olhou pela janela. Ao longe começou a divisar o enorme telhado que Roger chamava de lar, mas daquela distância mal pôde fazer uma ideia de como era. Seu marido lhe indicou que não seria maior que o dos duques, mas não deu importância às suas palavras. Um futuro marquês, e nada menos que o de Riderland, de cujo império se falava sem cessar nos grupos sociais, teria um palácio semelhante ao de Haddon Hall. Entretanto, quando a carruagem entrou no limite do imóvel, Evelyn levou as mãos para a boca.
? Adverti-te que não era uma grande extensão ? disse-lhe com certo pesar ao contemplar o rosto de sua esposa.
? É magnífica! ? Exclamou. Dirigiu as mãos para as de seu marido, apertou-as e esteve a ponto de beijá-las, mas Bennett o impediu ao assaltar sua boca com a sua.
? Meu coração está agitado... ? ronronou. ? Sinto-me tão feliz de que esteja aqui que sou incapaz de conter um grito de satisfação.
Evelyn gargalhou ao escutá-lo. Sabia que era certo o que lhe expunha. Podia apreciar o entusiasmado em seu rosto: desenhava um enorme sorriso, seus olhos brilhavam e relaxava a mandíbula, entretanto, suas mãos tremiam. Não conseguia saber se se deviam à excitação que sentia ou por medo da sua opinião sobre o futuro lar. Fosse o que fosse, ela apertou as trementes mãos e tentou acalmá-lo.
? Essas sebes, ? indicou separando sua mão direita da quente amarração ? Anderson e eu que plantamos. Embora te assegure que não sou o autor dessas formas trabalhadas que possuem.
A mulher dirigiu o olhar para onde assinalava seu marido e corroborou o que lhe explicava. O caminho que conduzia à entrada da casa estava adornado com duas fileiras de enormes e frondosos arbustos. Todos eles adotavam figuras diferentes, umas eram altas e magras, como se quisessem assemelhar-se aos picos de uma montanha, outras pelo contrário, eram curvilíneas e um pouco mais grossas. Mas conforme se aproximavam percebeu que todas tinham no interior a forma de animais. Como podiam realizar tal proeza com umas simples sebes?
? São totens ? esclareceu Bennett ao apreciar o assombro em sua mulher. ? Segundo seu autor, que conhecerá assim que estacionemos, mostram símbolos do meu caráter.
? Totens? ? Perguntou assombrada. ? Isso não é próprio dos...?
? Índios ? esclareceu afirmando com a cabeça. ? Sim, o criador dessas belezas é índio. Encontrei-o em uma das minhas viagens pela América. Estava a ponto de ser enforcado por um crime que, conforme se esforçava em proclamar, não cometeu. Eu acreditei em sua inocência e o comprei.
? Comprou-o?! ? Levantou tanto as pestanas que pôde senti-las acariciar suas sobrancelhas.
? Tudo se compra onde quer que se vá ? disse com ternura. ? Se tiver uma bolsa de moedas com a quantia que se espera obter ninguém é capaz de negar-se.
? Meu Deus! ? Exclamou tampando-se de novo a boca.
? Todos os meus criados, salvo Anderson, provêm de muitas partes do mundo, Evelyn. Aqui os trato com o respeito que merecem. Jamais ninguém lhes porá a mão em cima nem os utilizará como se fossem animais ? comentou com solenidade.
A mulher olhou absorta a seu marido. Não sabia o que responder. Nunca tinha imaginado que Roger albergasse em seu lar criados de outro lugar que não fosse Londres. Possivelmente porque só o povo nativo conhecia, melhor que nenhum outro, os costumes ingleses. Mas começou a não estranhar o que começava a conhecer de seu marido. Ninguém podia igualar-se. Ninguém poderia assemelhar-se a um homem tão incomum.
? Vamos querida. Acredito que todos desejam conhecer minha esposa ? sugeriu Bennett com um sorriso de orelha a orelha ao descobrir que não faltava ninguém para sair da residência para apresentar-se ante sua mulher.
Evelyn aceitou a ajuda de Roger para descer da carruagem. Com o chapéu que este lhe tinha comprado colocado sobre sua cabeça mal podia ver mais à frente do chão. Angustiada por não contemplar o que havia ao seu redor, terminou por tirá-lo e jogá-lo no chão. Então ficou sem respiração. Dez pessoas permaneciam na entrada esperando-a. Quatro delas eram de pele escura, três um pouco mais claras e outros eram tão pálidos como ela, mas quem chamou sua atenção foi um homem de cabelo comprido e cor azeviche. Tinha o peito descoberto, embora tentasse ocultá-lo sob um colete de cor marrom. Dirigiu seus olhos para seu marido e esboçou um pequeno sorriso. Já sabia de onde procedia a insistência de Roger por mostrar seu torso com descaramento. Sem pensar muito, deduziu que também ele era o autor das figuras esculpidas nos arbustos. Não podia errar em uma coisa tão clara! De repente notou a pressão da mão de seu marido sobre a dela. Evelyn imaginou que adivinhava seus pensamentos e lhe respondeu com um sorriso extenso.
? Querida, ela é Sophie, nossa governanta.
? Encantada em conhecê-la, senhora ? disse enquanto realizava uma ligeira reverência. ? Nosso senhor nos falou muito de você, mas esqueceu de descrever sua beleza. ? Sophie olhou a Roger como se o estivesse repreendendo.
? Posso te assegurar que nem eu mesmo sabia como era ? afirmou antes de soltar uma gargalhada e coçar a cabeça com a mão direita.
? É uma longa história ? acrescentou Evelyn ao contemplar o assombro da governanta. ? Se desejar escutá-la, contar-lhe-ei isso em breve.
? Estarei desejosa de que chegue esse momento, milady ? disse dando uns passos para trás.
? Ele é Yeng. ? Assinalou Roger a um moço com olhos rasgados e uma pele um pouco ambarina. ? Em seu antigo trabalho era crupiê, mas aqui se encarrega da manutenção de Lonely.
? Crupiê? ? Perguntou assombrada.
? Sim, minha senhora ? respondeu Yeng saudando-a da mesma forma que tinha feito Sophie.
? De onde é? ? disse bastante interessada.
? Da França.
? Nem todos os que têm um aspecto asiático nasceram lá ? murmurou Roger ao seu ouvido de maneira zombadora.
Evelyn se ruborizou com rapidez. Notou como lhe ardiam as bochechas ante um deslize tão infantil, mas quando Roger beijou com suavidade uma de suas maçãs do rosto, esse calor diminuiu. Um a um se foram apresentando. Todos tinham uma história interessante que lhe narrar sobre as diversas procedências e a maneira que conheceram seu marido. Mas ficou aniquilada quando o índio apareceu em frente a ela. Ao contemplá-lo mais de perto divisou umas marcas ao redor de seu pescoço. Não eram brancas, mas sim escuras e tinham um interessante desenho. Observou-o sem pestanejar enquanto falava com Roger. Seu comportamento, sua atuação com seu marido era muito diferente da que tinham os outros. Nem Anderson, o fiel criado e possivelmente a mão direita de seu marido, tinha tanta confiança para chamá-lo por seu nome de batismo.
? Finalmente, ? disse Bennett ? o batizamos com o nome de John. Não nos pareceu conveniente a nenhum dos dois chamá-lo com seu nome real. As pessoas estão acostumadas a afastarem-se quando o vêem.
? Senhora... ? John se aproximou dela, pegou-lhe a mão e a beijou com suavidade.
? Pode me chamar de Evelyn ? respondeu com suave fio de voz.
? Bom, já conhece todos os que habitam Lonely e agora, se te parecer bem, mostrar-te-ei o interior do meu lar. Estou seguro de que te assombrará o que ocultam estes muros ? apontou Bennett orgulhoso.
? Estou desejosa de descobri-lo ? comentou aceitando a mão de Roger e caminhando para o interior.
Quando o casal desapareceu dos olhos de todos os trabalhadores, estes olharam com rapidez a John. Permanecia imóvel, pétreo e com as pupilas cravadas na entrada do lar.
? É ela? ? Yeng rompeu o silêncio.
? Sim ? respondeu o índio com firmeza.
? Pois não tem pinta de poder salvar nada! ? Exclamou Sophie pondo os olhos em branco. ? É uma mulher esquálida. Um pouco alta para ser uma dama e não dá a impressão de ter coragem para enfrentar tudo o que lhe vai acontecer.
? Acaso o fogo nasce com intensas chamas? ? Alegou John sem expressar emoção em seu rosto.
? Fogo? Olhe John... ? Sophie aproximou-se dele e assinalou com um dedo inquisidor no peito ? se ela não for esse fogo que tanto necessita o senhor, diga aos seus etéreos espíritos que pegarei o machado com o qual corto o pescoço das galinhas e, uma a uma, destroçarei as sebes nas quais passas tanto tempo rezando.
? Eu adoro quando se zanga ? murmurou somente para eles dois.
? Pois te advirto que o estou e muito. Se ela não o salvar, se não for capaz de conseguir o que aquelas harpias com pernas de galgo não obtiveram, penso em te buscar outra mulher que acalme suas necessidades espirituais ? retrucou antes de virar-se e entrar também no lar.
? Fará ... ? sussurrou para si.
XXVII
Cada cômodo que encontrava era diferente aos demais. Nenhum se assemelhava nem mesmo em uma única peça de decoração. Roger fazia de seu lar um pequeno mundo. A sala de jantar, a primeira sala que visitou, era muito parecia com a que teria qualquer mansão londrina: uma grande mesa central com uma dezena de cadeiras sob a formosa tábua de madeira, vitrines esculpidas, suportes nos quais pousavam candelabros de laboriosos desenhos, enormes abajures de cristal que se iluminavam mediante a reclamada luz a gás, equipamento de porcelana... Entretanto, as paredes não estavam cobertas de pinturas de seus antepassados. Enormes e floridas tapeçarias ocupavam esses lugares. Seis contou. Dois deles só eram paisagens de montanhas onde um rio atravessava a tapeçaria. Eram pequenos paraísos em meio de um nada, mudos ante os ouvidos de quem tentava escutar o passar da água, mas esplêndidos para todos os que fossem capazes de admirá-los com os olhos. Um deles lhe recordou o lugar no qual os duques ofereceram o piquenique. As montanhas ocultavam o sol, o caudal transbordante de vegetação fluía a seu passo com liberdade e percebeu que a imagem transmitia a mesma tranquilidade que ela obteve naquele lugar salvo quando foi jogada na água. Sorriu de lado ao recordar a infantil cena, voltou a ver-se golpeando o inerte líquido enquanto Roger não cessava de rir.
Algo tinha mudado entre eles. Soube assim que descobriu que se acontecesse de novo, abrir-lhe-ia os braços para que se unisse ao seu corpo molhado. Morta de calor por seus pensamentos, dirigiu o olhar para uma tapeçaria onde havia figuras de mulheres embelezadas com roupa desgastada pelo uso. A ambos os lados tinham umas cestas de vime e, pelos objetos que elas seguravam em suas mãos e tentavam limpar na água, deduziu que se tratava de uma cena habitual entre lavadeiras. Mas o que chamou verdadeiramente a atenção de Evelyn, que não pôde deixar de olhar, foi um imenso tecido que permanecia sozinho ao final da sala, justo atrás da cadeira que Roger devia ocupar. Imaginou-o ali sentado, conversando com alguns convidados e exibindo a magnitude que projetava a tapeçaria sobre ele. Evelyn caminhou para o inerte objeto. Sua fascinação aumentou ao contemplá-lo de perto. O imponente cavaleiro vestido com uma armadura cinza montado sobre um corcel branco que elevava suas patas dianteiras era tão majestoso que esticou a mão para tocá-lo.
? Você gosta? ? Roger, sem deixar de observar a sua esposa, colocou-se atrás dela, segurou-a pela cintura e apoiou seu queixo sobre o ombro direito da mulher.
? Quem é? ? Perguntou intrigada.
? Segundo o vendedor é dom Juan da Áustria9.
? O que representa? ? Voltou a perguntar sem diminuir seu desejo por descobrir o que havia atrás do cavaleiro.
? A batalha do Lepanto10. Vê o fogo que há ao fundo? ? Evelyn assentiu. ? Conforme me narrou o comerciante de quem o comprei, são os últimos povos turcos que batalharam com ardor.
? É lindo... ? sussurrou.
? Sim, também me parece isso. Por isso regateei seu preço. Embora soubesse que valia o que me pedia o comerciante, não estava disposto a perder minha pequena fortuna nele. Bom, minha querida esposa, prosseguimos ou seguimos aqui parados observando um cavaleiro sobre seu garanhão?
? Continuemos... ? respondeu aceitando sua mão.
? Estupendo, porque estou desejoso de te mostrar nosso quarto ? disse-lhe em voz baixa.
A Evelyn se fez um nó na garganta.
? Tudo o que vê ? começou a contar enquanto se afastavam da sala de jantar e se dirigiam para as escadas que os conduziriam ao andar superior ? foi adquirido em minhas explorações.
? Viajou tanto?
? Muito. Se a memória não me falhar, desde os vinte anos. Quando consegui o Liberté, meu navio ? comentou com orgulho.
? Deve ser lindo navegar por alto mar e poder visitar novos e paradisíacos lugares ? apontou Evelyn manifestando entusiasmo.
? Às vezes sim e outras nem tanto...
? Quando não? ? Virou-se para ele e o olhou sem pestanejar.
? Quando se tem uma mulher tão bela como você e não pode me acompanhar ? respondeu zombador.
? É um canalha... ? disse ao mesmo tempo em que desenhava um extenso sorriso.
? Sei ? respondeu antes de beijá-la.
Subindo as escadas mais rápido do que deveria, Roger foi lhe explicando onde dormiam as pessoas que tinha conhecido na entrada, onde permaneceriam os convidados quando decidissem os visitar e por último a conduziu para seu quarto.
? Adiante... ? disse após abrir a porta e deixando-a entrar primeiro ? pode entrar no lugar onde passaremos a maior parte das nossas vidas.
Evelyn entrou com certo temor. Não sabia o que encontraria em um lugar tão íntimo para seu marido. De repente, assaltou-a a dúvida. Perguntou-se se de verdade ela desejava descansar durante o resto de sua vida ao seu lado. Até agora não tinha sido consciente do que isso significava. Achava-se em uma nuvem, em um momento de êxtase desmesurado que mal lhe permitia pensar com claridade. Era suficiente uma vida sexual ativa para viver um matrimônio com plenitude? Olhou de esguelha a seu marido. Este mostrava o mesmo entusiasmo que um menino ao ter em suas mãos um presente. Por que ele não sentia medo? Por que mostrava tanta segurança? Não soube responder, embora umas palavras aparecessem em sua mente golpeando com força: «Meu amor», tinha lhe sussurrado Roger quando dormiram juntos, mas isso não a tranquilizava.
Scott tinha utilizado as mesmas palavras para enrolá-la, para atrai-la como faz o mel a um urso. E depois? Depois partiu.
De todos os modos não podia compará-lo com aquele titã que a observava com entusiasmo, eram diferentes e a situação também: Scott procurava o matrimônio enquanto Roger o tinha obtido sem desejá-lo. Suspirou várias vezes e, apesar do tremor de suas pernas, caminhou pelo interior do dormitório. A primeira impressão que teve foi de amplitude. Sim, era o maior quarto que já tinha visto. Podia albergar, com facilidade, duas vezes o seu de Seather. Frente a ela duas cortinas de cor negra se amarravam a cada lado da janela. Devagar, com muita calma inclusive, prosseguiu divisando cada objeto, cada elemento que guardava Roger nela. Abriu os olhos como pratos ao contemplar a cama.
Estava segura de que, embora estirasse seus braços e pernas por ela, nunca tocaria o final de cada extremo. Sorriu de lado. Era lógico que seu marido teria adquirido o leito mais colossal de qualquer loja, posto que facilmente ultrapassasse vários palmos daquele que se autoproclamara o homem mais alto de Londres. Sobre a colcha de cor vinho, três grossos almofadões lhe ofereciam uma visão confortável. Desejou pegar um e apertá-lo para confirmar sua suavidade, mas desistiu. Já o faria em outro momento. Olhou para cima apreciando a largura do dossel. Entrecerrou os olhos para tentar averiguar o que indicavam os desenhos esculpidos na madeira escura, mas de onde se encontrava não distinguiu nenhum. Continuando, cravou suas pupilas nas cortinas que pendiam do dossel. Estavam bordadas em ouro? A cor dourada daqueles objetos era realmente ouro?
Voltou a vista para seu marido. Este permanecia no marco da porta com os braços e pernas cruzadas. Tentava aparentar que estava relaxado, mas tal como apertava a mandíbula, Evelyn soube que não o estava.
? Um sultão me deu isso de presente ? disse com voz sussurrante. ? Eu jamais compraria uma coisa tão ostentosa.
Não lhe respondeu com palavras, só assentiu e continuou investigando. Ao pé da cama um enorme tapete de cor azul marinho convidava a ser pisado sem sapatos que entorpecessem a captação da suavidade de seu tato. Dirigiu seus olhos para o sofá. Não, não era um sofá qualquer, era um interminável divã. Se ela tentasse tombar-se sobre ele a pele que o forrava a faria escorregar até terminar sobre o chão.
? Sou grande... ? assinalou ao vê-la tão assombrada pelas dimensões da poltrona.
Evelyn respondeu a sua afirmação com um grandioso sorriso. Não precisava indicar que seu tamanho era bastante considerável, já o tinha percebido no dia em que apareceu no funeral de seu irmão. Sempre se complexou por sua altura, era a mais alta de suas amigas, mas no dia que Roger apareceu ao seu lado teve que levantar muito a cabeça para poder conseguir o olhar aos olhos.
Descalçou-se. Não devia fazê-lo, mas não queria manchar com as solas de seus sapatos o lindo tapete. Caminhou sobre este até alcançar uma estante que ocupava todo o comprimento da parede e que se achava entre o balcão e a chaminé. O normal, o habitual para outros, era ter uma biblioteca no piso de baixo. Pelo menos assim o tinha o resto do mundo. Mas pouco a pouco ia confirmando que seu marido era um homem peculiar e muito distinto a todos os que tinha conhecido.
? Eu gosto de ler sem que ninguém me incomode ? esclareceu de novo Roger ao observar as caretas de estranheza que mostrava sua mulher em cada coisa que achava.
? Não interprete mal minhas reações ? apontou virando-se sobre si mesma. ? Tudo o que encontrei até o momento não me produziu mal-estar, mas sim fascinação. Resulta-me incrível que um homem como você tenha adequado seu lar com tanto... como o diria? ? Pôs os olhos em branco ao não encontrar a palavra exata.
? Aprimoramento? ? Interveio divertido.
? Sim, aprimoramento está bem ? sorriu.
? O que imaginava? ? Endireitou-se e caminhou para ela. ? Como pensou que seria meu lar? ? Parou antes de chegar ao tapete.
? Tenha em conta que o único que escutei de ti em Londres foi que era um libertino, um homem enlouquecido por levantar as saias de todas aquelas mulheres que se abanavam com suas próprias pestanas. Sem esquecer a fama de bebedor e jogador inveterado ? continuou sorrindo apesar de o haver definido como um indesejável.
? Os rumores exageram... ? grunhiu.
? Isso vejo... ? sussurrou com um suspiro. De repente seus olhos se cravaram em uma porta que havia atrás das costas de Roger.
? É só o cômodo de asseio. ? Seu tom de voz voltou a ser sussurrante. ? Mas estou pensando em deixar a porta fechada por uns dias, possivelmente até dentro de vários meses...
A intriga a fez correr para aquela entrada, esticou a mão e quando abriu a porta ficou atônita. Suas pestanas tocaram de novo suas sobrancelhas e mal pôde fechar a boca. Era de esperar que fosse grande, mas nunca imaginou que uma banheira pudesse ter a largura e a profundidade de um pequeno lago. As paredes não estavam revestidas de papel ou de grossas capas de pintura, mas sim de lâminas retangulares de porcelana cor marfim. A privada, do mesmo material, tinha um depósito do qual pendia uma corda. Voltou-se para Roger sem poder conter seu assombro.
? Sei, ? comentou Roger com uma estranha mescla de entusiasmo e medo ? nunca viu algo semelhante.
? De onde...? Como conseguiu...?
? Pois não sei te dizer a procedência desta magnífica banheira. ? Levou a mão direita para a barba e a acariciou devagar. ? Depois de me haver descrito com tão hábeis palavras, o que pensará quando te disser que esta beleza a descobri em um bordel de Paris?
? Em um bordel?! ? Arqueou as sobrancelhas e seu assombro aumentou até limites incalculáveis.
? Vê? Sabia que ia pôr essa cara! ? Disse divertido. ? Evelyn, querida, nenhuma das tinas que vi em Londres podiam albergar meu tamanho. Cada vez que tentava me assear tinha que fazê-lo por partes.
? Claro... e viajou até Paris e se meteu em um bordel para encontrar o que necessitava ? interrompeu lhe com uma mescla de ira e sarcasmo. Roger esticou sua mão, mas ela esquivou-se do roce.
? Não foi assim exatamente... ? Deixou que ambas as mãos se estendessem para o chão. ? Em uma de minhas viagens a França conheci um cavalheiro que frequentava os ditos locais pecaminosos. Um dia tinha tomado mais taças das quais pude suportar e me ofereceram um quarto onde passar meu estado de embriaguez. Então, ao abrir a porta para me refrescar, fiquei fascinado por essa imensa banheira. Perguntei à madame quem tinha construído essa impressionante banheira e me deu com rapidez a direção do arquiteto.
? É óbvio... pergunto-me... o que lhe ofereceria para que atuasse com tanta prontidão? ? Disse com aparente desdém enquanto caminhava para o imenso espelho que se encontrava no lado oposto da grande tina. Olhou para um lado e logo para o outro e lhe parou o coração ao compreender que o que acontecesse dentro daquela banheira refletir-se-ia no espelho.
? Tratava-se de um afamado italiano que estava acostumado a passar longas temporadas em Paris para prover seus clientes de espetaculares quartos de banho ? continuou falando para não dar importância ao pequeno ataque de ciúmes que mostrou sua mulher. Devia zangar-se ante uma atuação tão infantil, mas lhe produziu o efeito contrário, sentiu-se tão orgulhoso que lhe alargou ainda mais o peito. ? Falei com ele, convidei-o a vir a Londres e quatro meses depois de sua chegada meu pequeno paraíso relaxante estava construído.
? Não sei o que pensar... ? disse um tanto aturdida.
? Comentei-te que não me importava seu passado e que esperava que não julgasse o meu ? comentou com voz pesarosa. Aproximou-se dela muito devagar, virou-a para ele e a olhou fixamente. ? Evelyn, a mim só interessa quem é agora, não o que foi antes de me conhecer.
? Sim, já me advertiu disso, mas por mais que o tente, não posso diminuir uma estranha ira que cresce em meu interior ao pensar que outra mulher esteve aqui e que gozou de suas carícias aí dentro ? resmungou.
? Não trouxe nenhuma mulher à minha casa salvo a ti ? apontou antes de soltar uma gargalhada. ? É a única que pôs seus bonitos pés neste lugar ? disse aproximando seus lábios dos dela. ? E a única que o fará...
? Jure! ? Gritou afastando o rosto para que não a beijasse.
? Juro-lhe isso... ? suas mãos apanharam o rosto de Evelyn e a imobilizou para finalizar o que se propôs, beijá-la.
Quando abriu os olhos descobriu que se achava no quarto. Roger a tinha pousado sobre o tapete. Suas mãos se dirigiam para os laços do vestido com a intenção de despi-la para possui-la outra vez. Fechou-os de novo fazendo com que se intensificassem os roces dos dedos ao caminhar pelas costas. A língua masculina percorria o interior de sua boca provocando umas suaves e cálidas carícias. Face aos sutis movimentos, sua dominância, seu desejo de fazê-la sua percebia-se com claridade. Cada beijo que lhe oferecia era diferente do anterior. Evelyn, nas nuvens, rememorou a sensação que obteve a primeira vez que suas bocas se uniram. Não havia ternura nele. Não encontrou calidez em seu primeiro beijo, só luxúria. Entretanto desde que dormiram juntos, antes de empreender a volta a Londres, seus beijos se enterneceram até tal ponto que começaram a destruir o objetivo que a conduziu a seduzir seu marido. Respirou profundamente quando Roger liberou sua boca. Esta, que mal podia fechar-se, necessitava que continuasse beijando-a, conquistando-a, desfrutando-a.
? Tenho que confessar que ia te dar um tempo para que descansasse depois da viagem, ? comentou Roger com voz oprimida. Ajoelhou-se ante ela, colocou suas mãos sob o vestido e foi baixando com lentidão as meias ? mas temo que não lhe vá conceder isso.
Evelyn jogou a cabeça para trás e soltou uma sonora gargalhada. Não estranhou escutar aquela insinuação de seu marido. E mais, teria lhe entristecido que a tivesse deixado sozinha. Com urgência levantou seus pés para despojar-se do suave tecido. Notou que Roger pousava sobre cada perna uma mão e as acariciava com incrível tranquilidade. Cada ascensão e descida sobre seu corpo o desfrutava tanto que começou a sentir a opressão de seu peito contra o vestido e uma incontrolável calidez sob seu ventre.
? É formosa, descaradamente formosa... ? sussurrou enquanto dirigia as palmas para o sexo de sua esposa. Roçou levemente seus lábios úmidos com os polegares, impregnando-os de seu mel. Aquele sutil gesto provocou o que tanto ansiava, que lhe permitisse continuar. ? Segure-se nos meus ombros, vou beber de seu doce manancial.
Açoitada pela paixão que começava a despertar em seu interior, ela pousou seus trementes dedos sobre cada uma das partes superiores do torso masculino. Voltou a abrir sua boca ao notar como a língua de Roger lambia seu interior. Pressionou com mais força o corpo de seu marido ao sentir a pressão dos dentes sobre suas saliências inchadas. Ele os puxava e colocava a boca no interior para absorver sua essência. Encontrava-se extasiada. Tanto que podia roçar com a gema de seus dedos aquilo que denominavam loucura. Ele era fogo, chamas que a queimavam e a faziam derreter-se quando a tocava.
? Não me saciarei nunca de ti ? murmurou antes de incorporar-se e beijá-la. ? Nunca ? sussurrou depois do beijo.
? Hoje quero fazer uma coisa...
? O quê? ? Colocou suas palmas sobre as maçãs do rosto de Evelyn e a atraiu para ele para beijá-la de novo.
? Não recordo... ? sussurrou sem voz.
? Então... enquanto se lembra... ? a conduziu devagar para trás até que as costas da mulher tocaram a parede. ? Deixe que eu faça outra...
A mão masculina foi descendo pela figura de Evelyn. Acariciou o decote, colocou os dedos no interior do objeto e tirou um mamilo. Deixou de beijar os lábios femininos para dirigir-se para o duro botão. Mordeu-o, sugou-o ao mesmo tempo em que aquela mão travessa continuava a trajetória para a perna esquerda da mulher.
? Minha pequena bruxa... ? murmurou estrangulado pelo desejo. ? Por mais que o tento... não posso me saciar de ti. ? Içou a mão pela coxa até que chegou ao epicentro de Evelyn. Voltou a procurar o pequeno e inchado clitóris. Ao achá-lo, acariciou-o com a mesma intensidade que a primeira vez. Entretanto nessa ocasião procurava algo mais pecaminoso, mais desonroso. Não pararia até que o interior das coxas de sua esposa terminasse banhados por seu suco. Mais tarde, quando ela estivesse exposta, percorreria cada milímetro de sua pele com a língua.
? Roger! Roger! ? Gritou Evelyn como uma louca. ? Roger!
? Sim, pequena bruxa ? sussurrou-lhe enquanto mordia e lambia o lóbulo direito feminino. ? Diz meu nome. Grite ao mundo inteiro quem é seu marido, quem te ama e quem te deixa louca de luxúria. ? Com cada palavra, com cada pressão de seus dentes na orelha, o dedo do homem se introduzia e saía do sexo feminino como se fosse seu membro ereto. Não parou até que notou a sacudida do orgasmo, até que Evelyn vincou os dedos de seus pés, até que molhou suas pernas. ? Desejo-te tanto... ? continuou sussurrando sem deixar de lhe beijar o rosto. ? Necessito-te mais do que imagina...
? Roger... conseguiu dizer. Suas bochechas ardiam, seus olhos brilhavam e o corpo inteiro seguia submetido a contínuas convulsões.
? Diga-me...
? Deixa-me que te dispa?
? Me despir? ? Perguntou assombrado.
? Sim, isso é o que queria te dizer. ? Sorriu com suavidade.
? Se é o que deseja, aqui me tem ? respondeu Roger dando duas pernadas para trás e abrindo os braços em cruz. ? Sou teu e pode fazer o que desejar.
Teve que respirar várias vezes antes de aproximar-se. Não sabia como começar. Sua cabeça seguia dando voltas e se envergonhava ao notar que suas coxas estavam úmidas de sua própria essência. Respirou. Suspirou. E depois de uns instantes duvidosos, caminhou para ele. Tirou o nó da gravata e a lançou para algum lugar do quarto. Logo continuou com a jaqueta. A passagem desta pelo corpo rude e musculoso fez com que seu coração golpeasse com força contra o peito. Sem jeito foi desabotoando a camisa. Esta caiu ao chão sem esforço algum. Ao observar aquele peito mordeu o lábio inferior e seus olhos brilharam tanto que nenhuma estrela do firmamento pôde assemelhar-se. Pousou suas mãos sobre o torso nu, que ascendia e descia agitado pelo desejo e o acariciou regozijando-se em cada milímetro de pele. Sorriu satisfeita ao ver como seu marido fechava os olhos e inspirava com força. Excitava-o. Suas carícias, seus toques, enlouqueciam-no. De repente Roger gemeu com mais ímpeto do que tinha esperado. Evelyn o olhou desconcertada pela inesperada reação.
? É uma tortura que me toque e que eu não possa fazê-lo ? assinalou desenhando um malicioso sorriso em seu rosto. ? Se seguir assim, temo que terminarei ajoelhado de novo.
Evelyn entrecerrou seus olhos o advertindo, com essa forma de olhar, que não se movesse. Era seu momento, seu desejo, seu grande prazer. Face à advertência de como terminaria se seguisse o torturando daquela maneira, não cessou de o acariciar, de enredar entre seus dedos o loiro pelo. Percebeu, surpreendida, que a ele também endureciam os diminutos mamilos. Sem pensar duas vezes, dirigiu sua boca para eles e os mordeu. Então descobriu que ele sofria os mesmos espasmos que ela ao ser assaltada nessa zona erógena. Com um enorme sorriso pelo deleite da experiência, olhou-o com descaramento enquanto baixava devagar suas mãos para a calça. Desabotoou o botão e deixou que este descesse com a mesma lentidão que a camisa. Roger sacudiu rapidamente as pernas, lançando o objeto mais longe que onde terminou a gravata.
? Não me deixará assim, não é? ? Exigiu saber com uma mescla de agonia e desespero.
? E se o fizer? ? Respondeu desafiante.
? Esquecer-me-ei, de repente, da última norma que acrescentou na estalagem ? disse zombador.
Evelyn mordeu outra vez o lábio inferior. Cravou o olhar no vulto da calça e entrecerrou os olhos. Ele era grande e seu sexo também. Prova disso era que, apesar da pressão da roupa de baixo, sobressaía por cima desta. Atordoada pelo frenesi colocou as mãos no interior do calção e segurou entre elas o duro membro. Essa carícia, esse leve contato de suas palmas com a ereção, fizeram com que todo o corpo masculino começasse um balanço compassado. Seu marido, com os olhos fechados e com a cabeça inclinada para trás, começava a mover-se da mesma forma que estava acostumado a fazer quando se introduzia em seu interior. Devia afastar as mãos, devia retirar-se ante tal obscenidade, mas não o fez. Ficou ali parada, contemplando o pausado movimento continuado até que escutou um grito de seu marido. Não foi um alarido usual. Foi mais um comprido e profundo uivo que provinha do mais profundo de Roger. Tinha liberado de novo a besta? Ou melhor... o monstro tinha liberado seu marido? Ao afastar as palmas sentiu como algo úmido a queimava. Curiosa por averiguar o que era aquilo que lhe produzia tanto calor, aproximou-as do rosto. «OH, Meu Deus! ? Exclamou para si. ? É sua semente!».
? Jamais... ninguém... nunca... ? começou a dizer Roger aturdido. Despojou-se do objeto que cobria seus quadris e avançou para sua mulher com passo firme, sólido, enérgico. ? Ninguém, Evelyn, ? sublinhou com vigor ? conseguiu de mim o que você obteve. ? Abriu seus braços para que ela se aproximasse de seu corpo e quando a teve perto de seu peito, apertou-a com força. ? É única, meu amor. Única.
O que devia pensar? Desejava que aquelas palavras fossem verdade? Sim, desejava-o. Necessitava que não a tratasse como outra mais. Que quando partisse e a deixasse sozinha na casa, não procurasse outras carícias que não fossem as suas. Não, já não. Evelyn queria ser a única.
? E agora deveria tirar esse lindo vestido azul se não quiser que termine empapado ? advertiu.
? Empapado? ? Distanciou-se dele e arqueou as sobrancelhas.
? Crê que o que fizemos foi suficiente? Não, minha pequena bruxa, isto foi só o princípio de uma longa jornada de amor. ? Sorriu. ? E o primeiro lugar onde vou possuir-te nesta casa ? sussurrou-lhe no ouvido ao mesmo tempo em que a elevava de novo em seus braços ? será nessa imensa banheira. Estou ansioso por ver como seu corpo pula sobre mim enquanto a água se agita pelo ardor da nossa paixão.
? Está louco... ? respondeu antes de esboçar uma pequena risadinha e mover as pernas.
? Por ti ? disse tão baixinho que Evelyn não pôde escutá-lo devido ao som de sua própria risada.
XXVIII
A água já estava morna, mas ao manter-se perto de Roger logo notou como diminuía a temperatura. Sentada sobre ele admirava a fortaleza de suas pernas e a longitude de seus pés. As mãos masculinas não cessavam de acariciá-la, de apalpá-la sem cessar, mas o que encantou realmente Evelyn não foi o magnífico corpo de seu marido, mas sim os momentos de risadas que passaram dentro daquela banheira. Ambos sentiam uma pequena dor em suas mandíbulas de tanto rir. Recordaram o dia que se conheceram, as bodas, a partida e o acontecido depois da volta.
Narrou-lhe como foi despachando um a um aos cavalheiros que a visitavam em seu lar com o propósito de convertê-la em sua amante. Evelyn percebeu como o corpo masculino se esticava ao lhe narrar aqueles momentos, mas o tranquilizou enchendo-o de beijos e carícias. Falou-lhe de sua viagem, dos lugares que visitou durante os sete meses fora de Londres. As tempestades que sofreu em alto mar, como atuava sua tripulação e como terminou por descobrir que aquilo que lhe proporcionava mal-estar em suas vísceras era somente a necessidade de retornar à sua terra natal e enfrentar com integridade seu futuro.
? E de repente, ? disse esticando os grandes braços para abraçá-la ? observo que todos os olhares dos cavalheiros se dirigiam para um ponto da sala. ? Seu queixo pousou sobre o ombro da mulher, acariciando com seu fôlego a aveludada pele da Evelyn. ? Olhei para essa parte do salão e...
? E? ? Insistiu a mulher voltando-se para ele. Sentou-se sobre seus quadris, as pernas se cruzaram pelas costas e ambos os torsos voltaram a unir-se.
? E encontrei uma pequena bruxa de cabelo cor de fogo exibindo em um lindo vestido vermelho com um delicioso decote que me convidava a pousar meus lábios nele. ? Elevou o queixo para contemplar a diversão que expressava o rosto de sua esposa e a beijou.
? Por que não cessa de me chamar assim? ? Colocou suas mãos sobre o rosto masculino e afastou as mechas loiras que a impediam de ver os azulados olhos.
? Minha pequena bruxa? ? Perguntou enquanto desenhava um sorriso. Evelyn assentiu. ? Porque é a única mulher que foi capaz de me enfeitiçar ? esclareceu com voz serena, pausada e firme.
Os braços femininos se entrelaçaram de novo no pescoço de seu marido. Aproximou a boca e o beijou. A pequena amostra de carinho despertou de novo a luxúria em Roger. Pousou suas mãos nas costas de Evelyn e a acariciou como se fosse uma frágil flor. Voltaram a agitar a água, voltaram a esquentar o interior da banheira, voltaram a deixar-se levar por aquele insaciável desejo por converter-se em um só ser.
Quando terminaram Evelyn pousou a testa sobre o peito agitado de seu marido. As bochechas se converteram em duas pequenas bolas de fogo. Extasiada e cansada, suspirou.
? Acredito que vai sendo hora de te oferecer um descanso ? murmurou Roger depois de afastar com certo desagrado o corpo de sua mulher do dele. ? Se continuo assim, poderia te matar.
? Não me acompanha? ? Levantou-se com cuidado para não escorregar e esperou que seu marido a ajudasse a sair dali.
? Tenho que falar com o John de certos temas ? indicou cobrindo a nudez de Evelyn com uma toalha branca. ? Estou muito tempo fora de casa e tenho que me pôr em dia. ? Elevou-a em seus braços e a conduziu até a cama. Estendeu-a com supremo cuidado e se colocou sobre ela. ? Prometo-te que assim que arrumar meus assuntos subirei para te fazer amor até que amanheça.
? Sabe? ? Disse elevando de novo os braços e enredando-os no pescoço de Roger. ? Isso mesmo me sugeriu na primeira noite na casa dos Rutland.
? Pois como comprovou, sempre cumpro minhas promessas. ? Abaixou sua cabeça e a beijou.
Custava-lhe deixá-la ali sozinha, mas seu dever como dono de certos negócios lhe reclamava. Era certo que tinha passado muito tempo fora de seu lar e estava seguro de que John ocupou seu posto com acerto. Entretanto devia confirmar que certos temas seguiam controlados, sobretudo aqueles dos quais tanto recusava falar com Evelyn e que possivelmente os distanciaria. Depois de vestir-se com uma calça e uma camisa, desceu ao escritório.
John não demorou a aparecer. Era tão desconfiado que houvesse sentido a presença de Roger na pequena sala.
? Pensei que não sairia daquele quarto até passada uma semana ? disse o índio zombador.
? Mentiria se te dissesse que não o pensei, mas algo me diz que tem notícias frescas, estou certo? ? Levou a taça para a boca e arqueou as sobrancelhas.
? Apareceu quando partiu ? comentou John enquanto se aproximava da licoreira para acompanhar seu amigo. ? Parece que tem um dom especial para saber quando e onde aparece.
? Costuma acontecer quando seu sangue é o mesmo que o meu ? grunhiu. Caminhou pesado para a poltrona que havia junto à chaminé e se sentou de repente.
? Falou com Sophie, já sabe que é incapaz de dirigir-se a mim, dou-lhe asco. ? Dirigiu-se para seu amigo e se sentou ao seu lado.
? Acredito que a palavra acertada é ódio. Não pode suportar o fato de que me salvou de suas garras. ? Sorriu de lado. Depois de manter uns instantes de silêncio, prosseguiu: ? Com que propósito apareceu em meu lar desta vez?
? Convidá-los à sua casa ? disse ao mesmo tempo em que cravava seus olhos marrons nos de seu amigo.
? Convidar-nos? ? Reclinou-se do assento e apertou a taça com força.
? O que esperava? Já não tem uma rocha em seu caminho, mas sim duas.
? Nela não tocará! Jamais a alcançará! ? Clamou zangado ao mesmo tempo em que lançava o copo para o interior da chaminé. ? Antes ponho fim à sua asquerosa vida com minhas próprias mãos.
John, imperturbável, reclinou-se sobre o assento, voltou a tomar um sorvo de sua bebida e refletiu durante um bom momento. Se seus espíritos tinham razão, se o que eles lhe indicavam era certo, Roger não devia recusar o convite. Precisava enfrentar, de uma vez por todas, a maldade de sua mãe e, se suas premissas não erravam, sua esposa o salvaria do inferno no qual vivia desde pouco mais de uma década.
? Como vai tudo por Children Saved? ? Mudou de tema.
? Bastante bem. Falei com seu administrador e por agora todas as necessidades estão resolvidas. Essa última viagem encheu as arcas da residência. Entretanto...
? Entretanto? ? Repetiu Roger intrigado.
? A pequena Natalie está muito triste. Não para de perguntar onde está seu irmão e acredito que deveria visitá-la o antes possível. Faz uns dias esteve bastante doente. O médico disse que era próprio de sua idade, mas não estou muito seguro disso. Desde esse dia mal pode sair da casa. Passa as horas no quarto e sua mãe está muito preocupada.
? Amanhã sem falta irei visita-la. Não quero que pense que a abandonei. É muito pequena para compreender certos temas. ? Roger esticou as pernas, acariciou a barba e adotou um olhar pensativo. De repente rompeu seu silêncio. ? Apareceu durante minha ausência algum mais?
? Não. Seguem sendo vinte ? respondeu antes de levantar-se, andar para o móvel bar e encher seu copo de novo. ? Um charuto? ? Perguntou mostrando a caixa em que guardava os melhores charutos.
? Não. Deixei de fumar faz uns dias. Evelyn não gosta do aroma de tabaco ? esclareceu sem oferecer emoção alguma.
? Essa mulher... ? começou John a dizer sem poder eliminar o sorriso de seu rosto.
? Essa mulher... ? insistiu Roger entrecerrando seus olhos e apertando os dentes.
? Calma, não vou dizer nada mau dela ? expôs antes de soltar uma gargalhada ao ver como seu amigo ficava na defensiva.
? Essa mulher, minha mulher, é intocável ? sentenciou. ? Por isso não quero que ela se aproxime de Evelyn. Irá destrui-la como tem feito com todos aqueles que se interpõem em seus propósitos.
? Duvido muito que sua mãe se arrisque tanto...
? Você não a conhece como eu ? resmungou. ? Tem suas mãos manchadas de tanto sangue inocente que lhe resulta impossível continuar sem ele. É uma víbora, um ser sem escrúpulos.
? Se eu estivesse em seu lugar pensaria seriamente em fazê-la parar de uma vez ? disse John enquanto caminhava para a janela. Um sorriso se desenhou em seu rosto ao observar como Sophie agitava uma bengala para tirar o pó dos tapetes que tinha estendidos sobre uma corda.
? Se decidisse por tal coisa, primeiro teria que matar meu irmão e, neste momento, não quero fazê-lo. O que faria Evelyn com seu marido encarcerado?
? Não pensaste que algum dia terá um filho e eles poderiam tentar conseguir o que não fizeram contigo? Mataram a uma dezena, o que importa mais um? ? John, apesar de ter o olhar sobre a mulher que amava, não a observava. Seus pensamentos estavam em outra parte do mundo.
? Evelyn não pode ter filhos ? grunhiu Roger ao mesmo tempo que se levantava e se dirigia para o porta-garrafas. ? Conforme entendi, ao perder o que esperava sofreu uma infecção ou algo similar e ficou estéril.
? Esteve casada? ? John virou a cabeça para seu amigo e entrecerrou seus olhos. Se for certo, se ela tinha vivido um matrimônio anterior, não seria a mulher que lhe indicaram seus ancestrais. Estes falaram de uma mulher sem enlace, de uma mulher quebrada pela tristeza de um passado tortuoso e que só acharia a paz quando seu amigo estivesse à beira da morte.
? Casada não, comprometida sim. Mas o compromisso se rompeu. Aquele malnascido a abandonou quando descobriu que a riqueza familiar tinha desaparecido depois de um mau investimento do pai dela ? explicou apertando a mandíbula.
? Poderia procurá-lo. Sabe que sou bastante hábil em encontrar pessoas desaparecidas ? comentou ansioso de que seu amigo lhe dissesse que sim.
? Não quero investigar o passado da Evelyn. Prometi-lhe que só me interessa saber o que faz desde que nossas vidas se cruzaram ? assinalou antes de voltar a tomar o líquido ambarino de um sorvo.
? Como quiser... mas tenho que te advertir que me entristeceu sua decisão.
? Mas como? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Faz muito tempo que não escalpelo ? assinalou antes de soltar uma gargalhada.
XXIX
Evelyn esticou as mãos para o lugar onde devia permanecer Roger, mas ao não o achar abriu os olhos. Sentou-se na cama ocultando sua nudez com o lençol e o buscou com o olhar. Não estava. Partira. Suspirou pelo pesar que lhe produzia não o ter ao seu lado e voltou a recostar. Fixou suas pupilas no dossel e tentou rememorar onde podia estar. Entretanto, em vez de recordar as conversações que mantiveram para conseguir responder-se, sua mente lhe ofereceu as imagens deles dois amando-se durante a noite. O corpo de seu marido sobre o seu, esquentando-o, fazendo-o arder de desejo... rodando ao longo da cama, sempre unidos, sempre se tocando. Não havia uma só parte de seu corpo que Roger tivesse deixado sem acariciar. Sorriu ao apreciar que, com somente recordando necessitava-o de novo. Assombrada pelas emoções que tinham despertado nela, voltou a elevar-se e procurou algo com o que cobrir sua nudez. Precisava sair daquele quarto onde seus pensamentos pecaminosos não tinham fim. Pousou seus pés no chão e se dirigiu para varanda, abriu as cortinas e viu que na entrada estava estacionada a carruagem na qual devia chegar Wanda. Procurou com o olhar a bata que na noite anterior Roger lançou para algum lugar do quarto e, depois de achá-la atrás do divã, correu para colocá-la.
? Wanda! ? Exclamou baixando as escadas como uma menina alterada.
? Senhora... ? comentou a donzela assombrada ao ver Evelyn vestida com uma simples bata e com os cabelos alvoroçados.
? OH, Wanda! Quanto senti saudades! ? Disse ao abraçá-la.
? Duvido que o tenha feito vendo-a dessa forma ? resmungou a criada.
? Não seja má... ? deu uns passos para trás e se ruborizou.
? Vejo que seu plano está sendo eficaz ? sussurrou-lhe.
? O plano ? retrucou ? desapareceu. Agora não quero descobrir quem é meu marido, mas sim desfrutar da vida que tanto deseja me oferecer.
Wanda esteve a ponto de soltar um enorme insulto quando Sophie apareceu de algum lado da casa.
? Deseja tomar o café da manhã? ? Perguntou a Evelyn com interesse.
? Sim, claro. Muito obrigada Sophie por ser tão atenciosa ? comentou com um sorriso.
? Tomar o café da manhã? ? Inquiriu Wanda com um sussurro. ? Eu diria que é a hora do almoço ? replicou.
? Esta noite não pude descansar tudo o que precisava ? alegou sem deixar de ruborizar-se. ? Sophie ? chamou a atenção da criada que já tinha começado a dirigir-se para a cozinha. ? Poderia nos levar o café da manhã em meu quarto?
? É claro, senhora ? afirmou fazendo uma leve reverência.
? Vem! ? Evelyn pegou a mão de Wanda para fazê-la subir as escadas com rapidez. ? Vou mostra-te a casa!
Depois de lhe mostrar o dormitório que tinham preparado para ela, conduziu-a para seu quarto. Os olhos da criada não tinham sido capazes de fechar-se nem um só instante. Mostrava a mesma expressão de assombro que ela ao compreender como era o interior da casa de seu marido.
? E este é nosso quarto ? indicou quando abriu a porta.
? Nosso? ? Quis saber ao mesmo tempo em que arqueava as sobrancelhas.
? Meu marido não deseja descansar afastado de mim ? expôs ruborizada.
? E muito temo que você tampouco fosse capaz de descansar sem sua presença, equivoco-me?
? As coisas mudaram! Tudo mudou! ? Exclamou virando-se sobre ela mesma um par de vezes. ? Não é o homem que me disseram. Não é o homem que acreditei!
? Bom... ? começou a dizer enquanto procurava um assento ? isso deve me alegrar.
? Claro que sim! ? Caminhou para ela, ajoelhou-se e pôs sua cabeça sobre os joelhos de Wanda. ? Nós duas temos que nos alegrar! Por fim viveremos felizes...
A donzela acariciou o cabelo de Evelyn ao mesmo tempo em que suspirava com veemência. Esperava, não! Melhor, rogava, que desta vez não lhe rompessem o coração. Porque se acontecesse, se voltassem a destroçá-la, ela não atuaria de maneira passiva. Arrancaria o coração do futuro marquês com suas próprias mãos...
? O que é esse ruído? ? Evelyn se levantou com rapidez e caminhou para a porta. Ao abri-la escutou a voz de uma mulher. Falava com autoridade e elevava seu tom em cada palavra.
? Nem lhe ocorra sair assim! ? Advertiu-a Wanda colocando-se em frente dela. ? Irei ver o que acontece.
Evelyn assentiu, deu uns passos para trás e deixou que saísse. Quando ficou sozinha andou até a cama, sentou-se e apertou as mãos. Quem apareceria no lar de seu marido dando ordens e levantando sua voz de forma desafiante? Olhou para a porta e notou como seu pulso se acelerava. Devia havê-lo suposto. Para chegar a Lonely tiveram que atravessar meia Londres e mais de um londrino saudou a carruagem ao contemplar o estandarte pendurado na lateral deste. Todo mundo saberia que o senhor Bennett tinha retornado. Talvez inclusive alguma de suas amantes descobrisse que Roger permaneceria em seu lar e apareceu demandando aquilo que em seu tempo lhe ofereceu. Sim, devia ser isso. Uma mulher não podia elevar a voz daquela maneira salvo que se zangasse ao ser informada que seu amante se casou e que já não a necessitava. Umas lágrimas começaram a brotar de seus olhos e a tristeza lhe oprimiu o coração. Tinha que havê-lo suspeitado. Tinha que ter considerado que, face à notícia do casamento de Roger, mais de uma mulher não renunciaria a perdê-lo como caso. Quem, em seu são julgamento, desistiria de umas mãos e uma boca como a de seu marido?
? Deus santo bendito! ? Exclamou Wanda depois de fechar a porta atrás de sua entrada. ? Vista-se!
? Quem é?
? Quem é?! ? Repetiu a donzela elevando os braços e pondo os olhos em branco. ? Sua muito ilustre, minha senhora! A própria marquesa de Riderland veio conhecê-la!
? A mãe do Roger? ? Levantou-se de um salto da cama e se levou as mãos à boca.
? A própria! E ela gritou a... Sophie?... ? Perguntou duvidosa ? que não partirá até saber quem é a mulher que conseguiu casar-se com seu filho.
? OH, meu Deus! OH, meu Deus! ? Gritou Evelyn correndo de um lado para outro.
Muito ao seu pesar teve que deixá-la no quarto. Teria gostado de vê-la despertar, observar como lhe brilhavam os olhos ao vê-lo ao seu lado e como estendia os braços para acolhê-lo de novo em seu corpo. Mas tinha outras coisas que fazer antes de retornar a Evelyn. Desceu do cavalo e soltou uma enorme gargalhada quando fixou suas pupilas na entrada da residência.
? Não disse que estava doente? ? Perguntou divertido.
? Prometo-te que assim era ? respondeu John assombrado.
Uma pequena de uns seis anos corria para eles. Seu cabelo ondulado voava sobre sua pequena cabeça e a cor loira se fazia branca quando os raios solares o alcançavam. Agarrava com suas mãozinhas o vestido esmeralda para não cair na corrida. Roger abriu os braços, ajoelhou-se e esperou que a menina impactasse sobre seu corpo.
? Roger! Roger! Retornou! ? Gritou Natalie antes de lançar-se sobre Bennett. ? Senti falta de ti.
? Olá, princesa! Eu também tive saudades. Como está? ? Perguntou sem deixar de abraçá-la. ? John me disse que esteve doente, sinto se não estive ao seu lado, mas tive que partir para um lugar muito longínquo. Embora vejo que se encontra melhor. ? Pegou-a em seus braços e a levou de novo ao interior da casa.
? O senhor Bell disse à mãe que era amigdalite, ? disse com a cabeça elevada e olhando ao seu irmão mais velho com entusiasmo ? e tive que tomar um remédio com um sabor amargo. ? Fez uma careta.
? Vá... e não te recomendou que tomasse muitos sorvetes? ? Disse divertido.
? Gelados? ? Abriu tanto os olhos que o azul de suas pupilas se voltou transparente.
? Já vejo que não... ? sorriu de lado a lado. ? Bom, pois falarei com sua mãe para que nos sirva duas grandes taças de sorvete de baunilha.
? Sim, por favor... ? murmurou Natalie. ? Ela sempre te dá atenção.
? Sua Excelência... ? Ywen, a mãe da menina, fez uma pequena reverência ao vê-lo entrar.
? Bom dia, Ywen. Acredito que Natalie deseja tomar duas bolas de sorvete. ? Deixou a menina no chão e caminhou pela entrada da residência. Tudo estava igual a antes de partir. Graças a Deus nada tinha mudado e esperava que nunca o fizesse.
? Gelado? ? Ywen arqueou as sobrancelhas castanhas e olhou à menina zangada. Natalie se escondeu atrás das pernas de Roger e este voltou a soltar outra gargalhada.
? Se puder nos servir duas taças de sorvete... ? assinalou divertido.
? Zangou-se... ? sussurrou a menina sem mover-se.
? Como sabe? ? Virou a cintura para a direita e a observou jocoso.
? Porque enrugou o nariz...
? Roger, deveria ir visitar os outros. Estarão na estufa ? indicou John.
? Far-me-á a honra de me acompanhar, milady?
Bennett fez uma exagerada reverência à menina.
? A honra será minha, cavalheiro ? respondeu agarrando seu vestido com ambas as mãos e lhe respondendo com outra genuflexão.
Agarrada à sua mão Natalie saltitava em vez de caminhar. Estava tão feliz de ter de novo seu irmão que era impossível andar como lhe indicava sua insistente instrutora. Elevou várias vezes o rosto para confirmar que estava ali, junto a ela, e que nada nem ninguém os separariam jamais.
? Bom dia a todos. ? Roger abriu a porta da estufa e saudou os meninos que se encontravam estudando botânica com a senhora Simon, encarregada de lhes ensinar matérias como álgebra, ciência e piano.
? Roger! ? Exclamaram ao uníssono. Antes que Natalie pudesse lhe soltar a mão os meninos correram para Bennett para abraçá-lo.
? Sua Excelência ? saudou-o a professora com uma reverência. ? Bem-vindo.
? Bom dia, senhora Simon. Que tal foram suas aulas em minha ausência?
? Salvo pelo comportamento habitual do senhor Logan, tenho que lhe dizer que tudo está perfeito ? explicou orgulhosa.
O menino aludido se endireitou, levou a mão à cabeça e soprou. Roger quis censurar e repreender sua atitude, mas quando o olhou aos olhos, viu-se ele mesmo. Nunca tinha sido um bom estudante. Sempre se esquivava das aulas que o aborreciam e desesperava qualquer instrutora que se autoproclamasse tranquila e sossegada. Mas por sorte sua mãe acalmava sua ira quando elogiavam o cavalheirismo, a inteligência e a sensatez de Charles, o filho pródigo, quem deveria ter sido o encarregado de ostentar o título que, por cinco minutos, ele tinha que possuir.
? Não quero voltar a escutar a senhora Simon me indicar que seu comportamento não é o adequado ? disse finalmente. Recordou-se de seu pai. Ali, em frente à porta de seu dormitório com os braços nas costas e elevando o queixo com ímpeto. ? Se em menos de um mês sua conduta não mudar, terei que falar com sua mãe para escolher o que fazer contigo. Não posso perder tempo nem meu dinheiro esbanjando-o naqueles que não o valoram.
? Sim, senhor. Prometo-lhe que mudarei. ? Abaixou a cabeça e apertou os dentes.
«Deus! ? Pensou Bennett. ? Como pode ser tão semelhante a mim?».
? Roger... ? John chamou sua atenção ? o administrador acaba de chegar. Espera-te no escritório.
? Diga-lhe que não demorarei. ? Seu amigo assentiu e partiu. ? Bom, tenho que ir. Espero que os pequenos incidentes não voltem a se repetir. Senhora Simon...
? Senhor Bennet...
Deu-se a volta e caminhou para a porta. Entretanto ficou parado ao ver que Natalie não se movia. Permanecia ao lado da professora.
? Quero escutá-la, se não se importar. Quero aproveitar o tempo e o dinheiro ? apontou a menina muito séria.
Bennett sorriu e continuou seu caminho. Enquanto se dirigia ao escritório recordou o dia no qual apareceu Ywen em Lonely Field. Chorava desesperada enquanto mostrava um bebê nos braços. Ao princípio não quis olhá-lo. Só pensou que era outro mais. Outro ser desamparado ao que, igual aos outros, unia-o o mesmo sangue, mas quando Ywen afastou a manta que cobria o pequeno rosto, Bennett ficou paralisado. Não estava vendo a filha de seu pai, mas sim a sua. Tinha o mesmo tom de olhos, seu mesmo nariz bicudo e o cabelo, aquele diminuto arbusto de cabelo que cobria a cabecinha era do mesmo tom. Nesse momento, ao ver Natalie, compreendeu que todo seu esforço, todos seus pesares valiam a pena se seus irmãos eram tratados com a dignidade que mereciam. Por que deviam sofrer as consequências do egoísmo de um pai incapaz de reconhecer seus bastardos? Além disso, na residência os mantinha a salvo das garras de sua mãe. Ao rememorar o instante em que descobriu as atrocidades que ela realizava para eliminar todas as crianças que nasciam das infidelidades de seu marido, Roger apertou a mandíbula e respirou com profundidade. Não, não lhes ocorreria nada de mau. Ele os protegeria sempre.
? Com os últimos ganhos têm podido resolver todas as faturas. ? O administrador, rodeado de papéis, mostrava a Roger um a um os recibos pagos. ? Tenho que lhe dizer que foi uma ideia excelente cortar os gastos ao fazer com que as mães trabalhassem na residência. Pudemos prescindir de cozinheiras, lavadeiras, donzelas e inclusive várias delas cuidam do jardim melhor que qualquer jardineiro que se orgulhe de sê-lo.
? Alegra-me escutar isso. ? Roger adotou a postura de um homem de negócios. Seu corpo reto parecia mais imenso, se cabia, e suas mãos ocultas atrás das costas o magnificavam.
? Mas também tenho que o advertir que se achássemos mais alguns filhos ilegítimos de seu pai...
? Conforme me informou John levamos um ano sem que apareça nenhum e não acredito que, aos seus setenta anos, possa continuar com esse desventurado costume ? resmungou Bennett.
? Bom, nunca se sabe o que foi capaz de fazer no passado, mas é certo que há um ano ninguém apareceu e duvido que possa engendrar mais filhos devido à sua enfermidade.
? Doente? ? Perguntou franzindo o cenho.
? Sim. Sua Excelência está prostrado no leito ao menos há quatro meses. Segundo meus contatos poderia falecer em qualquer momento e você possuiria o título.
? E como não me fez chegar uma notícia assim? ? Inquiriu furioso.
? Senhor, disse-lhe. Indiquei-lhe na missiva que lhe enviei quando estava navegando que devia me visitar por dois motivos importantes. Mas quando desembarcou não apareceu no meu escritório ? explicou com voz tremente.
? Tem razão... ? acalmou-se um pouco. ? Tive que me ocupar de outros assuntos antes de partir para Haddon Hall. ? Perambulou pelo escritório sem poder fixar a vista em nenhuma parte. Se for certo, se seu pai estava em seus últimos dias, como aceitaria sua mãe ser a viúva e que seu desprezível filho conseguisse o título? E seu irmão? Permaneceria impassível enquanto ele aceitava seu legado? Roger enrugou a testa. Sabia que deviam estar tramando algo, o que não conseguia imaginar, mas seria algo maligno, disso não lhe cabia dúvida. De repente ficou pétreo, olhou fixamente ao administrador e perguntou: ? Qual é o segundo motivo?
? Você... ? a voz tremente apareceu de novo.
? Eu? ? Roger entrecerrou os olhos e olhou ao homem com suspeita.
? Sei que não pode ser certo, sua Senhoria. Por mais que estive pensando nisso, não me saem as contas.
? Contas? De que contas fala? ? Caminhou para a mesa coberta de papéis e apoiou as palmas sobre eles.
? Rogo-lhe que não se zangue comigo, senhor. Juro-lhe por minha vida que não acredito em uma só palavra dessa descarada.
? A que descarada se refere? ? Grunhiu.
? À viúva do senhor Myers, Excelência ? disse ao fim.
? Eleonora? ? Afastou as mãos, cruzou-as diante de seu peito e arqueou as sobrancelhas. ? O que queria essa mulher de ti?
? Não se trata de mim, mas sim de você. ? O administrador fez uma pausa para poder tomar fôlego. Sabia que o que ia expor não lhe ia causar agrado algum. ? Cinco meses depois de seu enlace matrimonial apareceu em meu escritório ? começou a dizer. ? Vinha enfurecida e se foi ainda mais zangada quando lhe indiquei que não sabia onde se encontrava e que não podia lhe fazer chegar a informação.
? O que desejava essa harpia? Que informação devia me dar? ? Perguntou surpreso, ao mesmo tempo que confuso.
? Segundo ela você... ? titubeou de novo. ? Você...
? Maldita seja! Fala de uma vez!
? Essa mulher diz que o filho que espera é seu.
Roger não teve tempo de reagir ante a notícia quando John abriu a porta de uma vez.
? Temos um grave problema ? manifestou com o rosto alterado.
? O que acontece? ? Perguntou Bennett caminhando para seu amigo com rapidez.
? Yeng está lá fora. Sophie o enviou. ? Virou-se e correu para a saída. Bennett o imitou. Seu coração não palpitava e mal podia respirar. Se sua governanta tinha enviado alguém em sua busca era por uma razão: Evelyn.
? Diga-me que minha esposa não está em perigo ? exigiu saber enquanto montava no cavalo.
? Não posso dizer tal coisa porque sua mãe e seu irmão estão com ela ? soltou John antes de tocar com brio ao corcel.
XXX
? Estou perfeita? ? Evelyn acariciou o vestido e deixou de respirar. Wanda tinha sido hábil ao fazer chegar o baú que transportava na carruagem e podia usar um dos vestidos que comprou sob o atento olhar de Beatrice.
? É claro ? afirmou a donzela ultimando o penteado.
? Estou tão nervosa... o que pensará a marquesa? Parecerei a mulher perfeita para seu filho? Espero... rogo que não tenham chegado aos seus ouvidos as desditas que padeci no passado ? soluçou.
? Relaxe. De verdade que deve tranquilizar-se um pouco antes de descer. Além disso, goste ou não Sua Excelência, já se casou com seu filho e nada pode fazer para desfazê-lo. Seja você mesma, não queira aparentar aquilo que não é e já verá o orgulhoso que se sente seu marido quando souber que recebeu de maneira correta a sua mãe ? comentou com voz suave e aprazível.
? As luvas! ? Exclamou Evelyn olhando ao seu redor. Movia-se com tanto brio que Wanda pensou que o laborioso penteado não permaneceria muito tempo tão perfeito.
? Não acredito que seja apropriado... ? começou a dizer em voz baixa.
? Tenho que usá-las! ? Respondeu agitada. ? Meu Deus, tenho que usá-las!
? Respire... por favor, respire... ? Wanda observou que os objetos que procurava com desespero jaziam sobre a penteadeira e que devido ao seu estado de nervosismo não os tinha visto. Aproximou-se, pegou-os e os mostrou.
? É muito importante para mim lhe causar boa impressão ? disse um pouco mais serena enquanto a donzela lhe punha as ansiadas luvas. ? É a marquesa, a mãe do homem de quem estou... ? emudeceu rapidamente. Não, não podia dizê-lo ainda. Por mais feliz que se sentisse junto a Roger ainda não podia falar de algo tão importante, tão profundo.
A criada respirou fundo, estendeu suas mãos pelo vestido e caminhou para a porta. Não precisava que Evelyn terminasse a frase que tanto temor lhe produzia. Ela já sabia as palavras com as quais finalizaria. Estava apaixonada. O homem de olhar penetrante, perturbador e embelezador tinha utilizado todas as suas artimanhas para seduzi-la e apanhá-la. Só esperava que ele sentisse o mesmo por ela e esquecesse o resto das mulheres.
? Preparada? ? Quis saber após abrir a porta e esperar que Evelyn se decidisse a caminhar para o exterior.
? Sim ? respondeu após suspirar e elevar o queixo.
? Não se esqueça de respirar, é muito importante para evitar desmaios inoportunos... ? sussurrou-lhe quando passou ao seu lado.
Evelyn sorriu levemente. Caminhou mais erguida do que deveria e parou quando chegou às escadas. Olhou para a entrada e observou que ali não havia ninguém. Certamente Sophie tinha dirigido a marquesa para a sala de jantar. Relaxou e, tal como lhe indicou Wanda, respirou. Pousou a mão no corrimão e desceu devagar, sem aparente pressa, embora a força com que pulsava seu coração poderia impulsioná-la para baixo sem chegar a tocar o chão com os pés.
? Boa tarde... ? apareceu uma voz masculina justo antes de pisar o último degrau.
Evelyn não pôde ocultar a surpresa que lhe produziu ver um homem tão parecido ao seu marido, embora percebesse notórias diferenças: seu marido tinha os olhos mais claros, era o dobro de corpulento e, por sorte para Roger, o cabelo e a barba abundavam mais nele que naquela pessoa que a olhava sem piscar.
? Pelo assombro que contemplo em seu belo rosto meu querido irmão não a informou sobre mim, estou certo? ? Arqueou a sobrancelha direita, sorriu e esticou sua mão para tomar a dela e dirigi-la para sua boca.
? Boa tarde. A verdade é que falamos de muitas coisas, talvez tenha me dito e o esqueci ? desculpou-o. Tentou recompor-se do choque que lhe tinha produzido a aparição de outro Bennett e sorriu.
? Nesse caso, minha querida cunhada, apresentar-me-ei como é devido. ? Fez uma ligeira genuflexão e prosseguiu: ? Sou Charles Bennett, o irmão gêmeo de seu marido ? esclareceu com uma voz tão melosa que Evelyn sentiu uma estranha comichão em seu estômago.
? Encantada de o conhecer, pode me chamar de Evelyn se lhe parecer correto ? disse enquanto aceitava o braço que lhe oferecia para dirigi-la para a pequena saleta que Roger tinha ao lado da sala de jantar.
A mulher franziu sutilmente o cenho. Não esperava que Sophie os tivesse conduzido a um lugar tão privado para seu marido. Conforme lhe contou quando lhe fez o breve percorrido pela casa, ali era onde se reunia com os comerciantes, advogados e administradores que trabalhavam para ele e onde guardava documentos que ninguém devia tocar.
? Evelyn... ? sussurrou com tom aveludado. ? Bonito nome. Que significado tem um antropônimo tão assombrosamente belo?
? Provém de uma palavra grega, hiyya, que significa fonte de vida ? respondeu surpreendida. Era a primeira vez que alguém se interessava pela origem de seu nome. ? Embora acredite que a verdadeira razão pela qual meus pais decidiram me pôr este nome se deve a uma...
? Novela? ? Interrompeu antes de apertar inapropriadamente sua mão com a dele.
? Sim, com efeito, a uma novela. A minha mãe gostava muito de ler e imagino que achou o nome em algum personagem feminino ? respondeu desenhando um leve sorriso enquanto retirava sua mão do braço masculino com sutileza.
? Mãe... ? saudou Charles após abrir a porta e permitir que Evelyn acessasse primeiro ? apresento-lhe Evelyn, a esposa do nosso querido Roger.
? Sua Excelência... ? Evelyn caminhou para ela, fez uma reverência e ficou parada até que a mulher, de não mais de cinquenta anos, aproximou-se dela abrindo seus braços.
Nenhum dos dois tinha herdado nem a cor de seus olhos nem o do cabelo. A mãe possuía olhos negros e cabelo castanho. Tampouco se assemelhavam em altura. Era uma mulher baixa e gordinha. Entretanto, todo seu ser desprendia poder, dominação e arrogância. Qualidades que sim possuía seu marido.
? É linda! ? Exclamou a marquesa enquanto a abraçava. ? Roger sempre teve bom gosto ao escolher as suas mulheres e vejo que continua tendo-o. Embora até agora nunca escolhesse uma com o cabelo vermelho. Imagino que esse terá sido o principal motivo pelo qual terminou casando-se contigo. É diferente.
Evelyn piscou várias vezes, apertou os dentes e continuou sorrindo embora sua mente lhe oferecesse mil maneiras de desculpar-se e sair fugindo dali até que Roger aparecesse e lhe explicasse a verdadeira razão pela qual estavam casados.
? Enquanto a esperávamos pedi à criada que nos preparasse uma chaleira quente ? comentou. Pegou a mão direita de Evelyn e a conduziu, com um caminhar firme, por volta das duas poltronas que havia junto à chaminé.
? Parece-me uma ideia muito acertada. Sinto se os fiz esperar mais do que o devido. Depois da longa viagem necessitei de bastante tempo para me repor ? respondeu Evelyn sem saber se suas palavras eram as adequadas.
? Imagino... ? disse a mulher enquanto se sentava em uma das poltronas.
? Pode acreditar que minha querida cunhada não sabia da minha existência? ? Comentou Charles com um sorriso divertido. ? Deduzo que meu irmão não lhe falou muito sobre sua família.
? Não? ? Perguntou a marquesa mostrando um incrível pesar no rosto.
? Tenha em conta que mal permanecemos juntos. Depois de nos casar Roger teve que empreender uma longa viagem de negócios. ? Voltou a desculpá-lo sem poder evitar ruborizar-se ao ter que responder questões tão íntimas.
? Meu querido filho não é muito falador, não é? Ele prefere atrair as mulheres com outro tipo de artes mais... pecaminosas.
? Eu apreciei ? começou a dizer Evelyn depois de tomar ar e conter a impetuosa ira que começava a nascer em seu interior ? que tanto Charles como Roger são bastante parecidos.
? Sim, minha gestação foi um presente de Deus. Acreditamos que vinha um só bebê e tivemos uma grata surpresa ao descobrir que meu seio albergava duas criaturas. Embora Charles seja somente uns minutos mais novo que Roger ? disse sem ocultar seu desdém.
? Parecemos-lhes iguais? ? O aludido se aproximou tanto que voltou a sentir-se incômoda ante tal proximidade. Contra sua vontade Evelyn pôde cheirar o perfume de seu cunhado. Apesar de serem tão parecidos, os dois possuíam essências muito diferentes. A do Roger produzia nela um efeito embriagador, entretanto, a do Charles a enojava.
? Um pouco... ? reclinou-se levemente sobre seu assento para distanciar-se antes de mostrar qualquer sinal de repugnância no rosto e verteu água quente sobre a xícara em cujo interior havia uns raminhos verdes.
? Permiti-me o luxo ? continuou falando a mulher ? de te trazer umas infusões do meu lar. Espero que sejam de seu agrado.
? Muito obrigada, com certeza que sim. ? Aproximou a xícara de sua boca, mas ao notar a água mais quente do que estava acostumada a tomar, deixou-a de novo sobre o prato.
? Quando eram pequenos ninguém sabia quem era um e quem era outro, mas por sorte uma mãe nunca se equivoca. ? A marquesa franziu o cenho ao ver que Evelyn colocava o copo sobre a mesa. ? E falando de crianças... pensa em ter descendência logo? Meu marido, ao ser vinte anos mais velho que eu, esforçou-se em me deixar grávida desde a primeira noite que me converti em sua esposa.
? Mas Roger e eu somos da mesma idade e acreditamos que antes de trazer um bebê ao mundo temos que nos conhecer um pouco mais. ? Tinha parecido loquaz? Isso esperava porque não desejava ter que ser ela quem dissesse à marquesa que jamais teria essa ansiada descendência.
? Pois não deveriam demorar muito. Se por acaso não sabe, o marquês está muito doente ? disse com aparente tristeza. ? E se não melhorar, logo ficarei viúva.
? Isso significa que Roger... ? tragou saliva e voltou a segurar a xícara. Tremiam-lhe as mãos? Sim, claro que o faziam. Escutou um leve tinido ao tentar levantar a xícara.
? Sim. Apesar de sua insistência em recusar o título que por nascimento lhe pertence, não pode evitá-lo. Quando seu pai morrer ele será o novo marquês de Riderland ? prosseguiu sua exposição com uma desmesurada aflição no ancião rosto. ? Como já te terá indicado, odeia tanto a responsabilidade que suporta ser marquês que jamais aceitou um só xelim da família.
? Como? ? Disse sem pensar.
? Não lhe contou isso ainda? Sinto muito, possivelmente estou me metendo em temas que não me incumbem, mas não é justo que pense que se casou com um homem diferente ao que é em realidade: seu marido, querida, vive do que aquele navio lhe proporciona. ? A marquesa esticou a mão e tocou com suavidade a de Evelyn.
? Então... tudo isto...
Levou a xícara aos lábios. Devia lhe dar um bom sorvo para poder digerir o que estava escutando, mas quando a xícara tocou sua boca, uma enorme se escutou portada na sala. Ao levantar o olhar observou Roger com os olhos injetados em sangue. Sem pensar um segundo este correu para ela, pegou a xícara e a atirou para o interior da chaminé.
? Parta daqui agora mesmo! ? Gritou com tanta força que o eco de sua voz retumbou por cada canto da casa. Ao mover a cabeça de um lado para o outro algumas mechas do rabo de cavalo se soltaram para formar redemoinhos sobre sua cabeça. Alguma vez tinha visto um homem tão zangado? Alguma vez tinha presenciado como um titã podia converter-se em uma besta tão ameaçadora?
? Filho... ? murmurou a marquesa levantando-se de seu assento e estendendo as mãos para ele. ? Meu filho...
? Disse para partirem ? resmungou. Seu peito se elevava e baixava com uma velocidade inverossímil. De repente Evelyn observou assustada, que os olhos de seu marido se obscureciam e que sua boca se torcia em um sorriso satânico. ? Ou o fazem por bem... ou por mau ? sentenciou.
Nesse preciso momento John apareceu na entrada. Em sua mão levava uma pistola e sorria de satisfação.
? Vamos, mãe! ? Ordenou Charles estendendo a mão para ela. ? Não se humilhe mais.
? Mas, filho... ? insistiu a marquesa com lágrimas nos olhos.
? Bebeu algo? Tomou algum mísero sorvo disso? ? Roger, inquieto, agarrou-lhe a mão, levantou-a da poltrona, caminhou com ela para a saída e quando estavam no meio do salão, retornou à mesinha para lançar o bule ao mesmo lugar que tinha jogado a xícara.
? Não... ? disse temerosa. ? Não tomei nada, por que o diz? O que acontece, Roger? A que vem tudo isto? Por que os jogou desse modo de nossa casa?
? Querida, prometo-te que explicarei isso tudo quando me encontrar mais calmo, mas agora não sou capaz de raciocinar. Só desejo... ? soltou outra vez a mão de sua mulher e andou para a porta principal.
? Vão como duas hienas depois da chegada do leão ? indicou John antes de soltar uma gargalhada.
? Sinto muito, senhor, não pude evitar que... ? começou a dizer Sophie sem deixar de chorar.
? Calma, eu entendo. Fez o correto. ? Roger a reconfortou.
Evelyn foi incapaz de mover-se do hall. Não podia assimilar o que tinha acontecido nem por que. Seu marido havia dito que explicaria quando estivesse mais calmo, mas... e ela? Quando se acalmaria ela? Aturdida, levantou o vestido com as duas mãos e começou a subir as escadas com rapidez. Precisava ficar sozinha. Precisava digerir o que tinha acontecido em menos de uma hora.
? Evelyn! ? Gritou Roger ao vê-la caminhar pelo piso de cima. ? Evelyn!
? Não suba, ? disse John pousando a mão direita sobre o ombro de seu amigo ? deixe-a até que encontre a paz que necessita para falar com ela.
? Não vou dar tempo para que sua mente pense o que não é, devo lhe esclarecer tudo o que aconteceu, mas antes de subir deve me fazer um favor.
? Diga-me.
? Eleonora comenta que está esperando meu filho e não é certo ? disse com veemência.
? Está totalmente seguro de que não é teu?
? Totalmente ? declarou cortante.
? Bem, o que quer que eu faça?
? Procura o homem com quem ela esteve se vendo às escondidas. Pode ser que a visitasse inclusive quando estava comigo. Essa mulher tinha um maligno propósito quando jazia em meus braços. Não acreditei nos que me advertiram que, em diversas ocasiões, viram-na comprando beberagens de fertilidade em Whitechapel, mas agora sei que tinham razão quando me avisaram que procurava ser a futura marquesa de Riderland ? comentou zangado consigo mesmo por não haver se dado conta com antecedência.
? Essa mulher sempre me produziu calafrios... ? disse John fazendo tremer de maneira exagerada seu corpo.
? Não demore em encontrá-lo. Acredito que Evelyn não será capaz de confrontar tantas coisas de uma vez só ? disse olhando por volta do segundo andar.
? Se te amar, o fará ? determinou John antes de partir para começar a busca pelo misterioso amante.
XXXI
Apesar de querer dar-se um pouco mais de tempo para falar com Evelyn, não pôde conter-se. Quando viu John montar no cavalo e dirigir-se para Londres, Roger subiu as escadas de dois em dois. Urgia lhe contar a razão pela qual tinha atuado daquela maneira e que ela entendesse o motivo de sua ira. Caminhou pelo corredor com mais lentidão do que pretendia. Seu coração pulsava com força e mal podia controlar os tremores de suas mãos. Ficou parado na porta com a cabeça abaixada e os ombros inclinados para frente. Era o momento de sua esposa descobrir seu passado embora isso implicasse um inevitável distanciamento entre ambos.
Quando acessou ao dormitório observou Wanda sentada ao lado de sua mulher. Abraçava-a e lhe murmurava palavras de consolo enquanto ela soluçava. Estrangulou-se-lhe a garganta e notou como suas forças se desvaneciam ante a triste imagem. Deu dois passos para a frente esperando que a donzela notasse sua presença. Assim que ela o descobriu, ao virar com suavidade a cabeça para a porta, levantou-se, fez uma pequena reverência e começou a dirigir-se para ele.
? Obrigado, Wanda ? agradeceu-lhe com uma voz incomum nele.
? Excelência...
Wanda fechou a porta após sair. Inspirou profundamente e cravou seus olhos no final do corredor. Surpreendeu-se ao ver que Sophie a esperava com os braços cruzados diante do peito. Sem parar para raciocinar por que estava ali, dirigiu-se para ela.
? Posso te contar toda a história enquanto tomamos um chá ? assinalou a mulher com tom suave.
? Preferiria um bom copo de uísque ? acrescentou Wanda.
? Então direi ao Yeng que nos suba uma garrafa da adega.
Não se atrevia a aproximar-se. Evelyn continuava sentada sobre a cama olhando para a janela.
? Se quiser que eu parta, entenderei ? disse enfim.
? Acredito que antes de se afastar deveria me explicar o que aconteceu lá embaixo ? respondeu tremente.
? Evelyn eu... eu não quero te perder ? comentou em tom estrangulado.
? Tenta me dizer a verdade e eu ponderarei o que devo fazer, mas não dê por certo algo que ainda não decidi ? apontou. Voltou-se para Roger e ficou muda. Seu cabelo continuava alvoroçado, seus olhos já não eram escuros e sim cristalinos, e seu corpo, aquele que adorava pela magnitude que expressava, permanecia curvado, abatido.
? Como comprovou, ? começou a dizer caminhando para ela ? a relação com minha família é um tanto peculiar.
? Todos temos certas diferenças entre os membros de uma família, mas jamais acreditei que alguém tentasse resolvê-los dessa forma ? assinalou Evelyn apática.
? Não foi sempre assim, conforme me contou a mulher encarregada da nossa criação. Ela não teve preferidos até que cumpri os quinze anos. E era certo, ela tratava aos dois por igual. Entretanto, meu caráter começou a manifestar-se nessa idade e fomos nos distanciando.
? Meus pais também se zangaram comigo quando descobriram que eu não era a filha que esperavam, mas nunca cheguei a desprezá-los tanto para chegar a tratá-los dessa maneira ? indicou Evelyn esperando que Roger não quisesse lhe contar uma história falsa.
? Evelyn... ? murmurou ao mesmo tempo em que se ajoelhava em frente a ela.
? Tenta de novo, Roger. Se de verdade deseja que eu fique ao seu lado, conte-me a verdade.
? E se não for capaz de suportá-la? E se não for capaz de me olhar de novo nos olhos?
? Tenta...
Bennett abaixou a cabeça, deixou os braços soltos e prosseguiu.
? A fama de adúltero do meu pai era cada vez maior. Lembro como discutiam quando pensavam que ninguém os escutava, como minha mãe lhe gritava que ela não merecia padecer aquele tipo de vergonha e que estava cansada de receber todas as suas amantes com crianças nos braços declarando que eram filhos deles. «Casei-me contigo por sua inteligência, ? disse-lhe meu pai uma das vezes que falaram sobre o tema ? e confio que saberá como fazer desaparecer sua insofrível vergonha». Jamais imaginei que ela tomasse aquelas palavras de maneira tão literal, mas acredito que, aquilo que a conduziu a tomar aquela decisão tão horrenda, foi o desejo de velar por nossa posição social. ? Evelyn estendeu suas mãos para os ombros de seu marido para reconfortá-lo com seu leve toque. ? Mas apareceu um menino... uma estranha criatura que não contava com mais de sete anos se apresentou na porta da residência familiar com sua mãe pela mão. Até aquele dia, até aquele preciso momento, a marquesa cuidou com incrível paixão tanto do meu irmão como de mim para que não fôssemos testemunhas daquele tipo de visitas. Entretanto, aquele dia escapei do meu dormitório e me ocultei no estábulo. Precisava sair da casa e fazer desaparecer por umas horas a pressão que sentia ao ser instruído para me converter no futuro marquês. Lembro que a própria marquesa os recebeu, e após falar com a mulher, o menino ficou na entrada enquanto via como se afastava sua mãe. Com um sorriso estranho em seu rosto, conduziu-o para o interior da casa. Durante as duas semanas seguintes estive procurando esse menino por toda a residência. Inclusive me atrevi a perguntar às criadas se o tinham visto. Ninguém tinha ouvido falar dele, mas minha curiosidade era tal, que não diminuí meu empenho por encontrá-lo. Um dia, enquanto brincava com Charles, aventurei-me a percorrer o porão. Ali, no meio de um muro de pedra, uma porta de pequena envergadura permanecia fechada com a chave dentro da fechadura. Desejoso de ganhar o jogo, abri a porta e quando descobri o que havia no interior me assustei tanto que fui incapaz de me mover.
? Estava lá, não é? ? Interrompeu Evelyn ajoelhando-se em frente ao seu marido.
? Sim. Tinha-o amarrado a umas cordas para que não tentasse escapar. Lembro o suave e lento ritmo de seu respirar e a extrema magreza. Estava tão esquálido que podia apreciar com claridade os ossos ocultos sob sua pele. Quis desatá-lo, liberara-lo daquela prisão, mas escutei um ruído às minhas costas e me escondi.
? Quem era...? ? Perguntou colocando suas mãos nas maçãs do rosto de Roger. Levantou-lhe o rosto e observou um rio de lágrimas percorrendo suas bochechas.
? Minha mãe. Era minha mãe ? tremeu-lhe a voz ao afirmá-lo.
? OH, meu Deus, Roger! ? Exclamou abraçando-o com força.
? Matou-o diante dos meus olhos, Evelyn. Foi muito cruel escutar os soluços daquele menino rogando, em seu último fôlego, piedade para sua assassina. ? Bennett continuou chorando enquanto as cálidas mãos de sua mulher o acariciavam e tentavam lhe dar o consolo que, até aquele momento, nunca tinha encontrado. ? Quando esteve segura de que o menino não respirava, fechou a porta e partiu como se nada tivesse ocorrido. Durante os três dias seguintes, desci para averiguar que plano tinha minha mãe para desfazer-se do cadáver. E o que descobri foi tão aberrante que perdi o juízo. A cozinheira, uma mulher de incalculável confiança de minha mãe, picotava o corpo do menino com um machado. Vi-a ali, estendida no chão, levantando a arma e atirando-a com força para quebrar os ossos agarrados à carne. Logo todas as partes picotadas foram colocadas em um caldeirão e jogados em um fogo na cozinha. Utilizava-os como míseras lenhas.
? Mas o aroma... O fedor a...
? Quem ia imaginar que o que avivava o fogo eram restos de um ser humano? ? Comentou afastando as lágrimas com suas mãos e levantando-se com rapidez. Evelyn ficou olhando-o, quebrada de dor ao escutar o que lhe contava. ? Quando na cozinha não houve ninguém que fora testemunha da loucura que ia cometer, peguei um ramo do chão e tirei um osso desse menino.
? Seu crânio... ? murmurou Evelyn levando as mãos para a boca.
? Sim ? disse Roger voltando seu olhar para ela e entreabrindo os olhos.
? Vi-o na carruagem... ? revelou com temor.
? Prometo-te que não tratava de alcançar um prêmio, nem algo que queria ter como lembrança das demências da minha mãe. Precisava me aferrar a algo para me liberar da maldade que me rodeava, Evelyn. De confirmar que eu não era como ela, embora seu sangue regue meu corpo.
? O que aconteceu depois? ? Levantou-se e se colocou atrás das costas de seu marido.
? Parti. Com somente quinze anos abandonei meu lar e decidi procurar um futuro distinto do que me tinham marcado. Vivi alguns meses nas ruas, ocultando minha identidade. E de repente, um dia, um cavalheiro que cobria seu corpo com uma grande capa negra, e que se aproximou de mim para me dar umas moedas, teve piedade daquele menino magro e imundo que lhe rogava uma esmola para poder comer. Ofereceu-me partir com ele à França e me converter em um homem respeitável. Não me pergunte a razão dessa oferenda, jamais a investiguei, mas o que sim posso afirmar é que graças à sua misericórdia me salvei de morrer faminto em qualquer rua de Londres. Quatro anos depois do meu desaparecimento, quando todo mundo me acreditou morto, apareci em Tower, a residência dos meus pais. Meu pai chorou ao ver-me e me abraçou como nunca antes tinha feito. Entretanto, minha mãe e meu irmão não se aproximaram de mim. Acredito que não foram capazes de assimilar meu regresso. ? Suspirou profundamente. Olhou para o exterior da janela e prosseguiu. ? Não pretendia ficar vivendo com eles, nem voltar a ocupar o posto que por nascimento me pertencia, mas precisava esperar o momento idôneo para confessar à minha mãe que sabia o que tinha feito com os filhos ilegítimos de meu pai. Como era de se esperar, ela se enfureceu, gritou-me que tinha enlouquecido durante minha ausência e que só eram histórias que minha mente juvenil imaginou.
? Roger... ? Esticou as mãos, agarrou-o pela cintura e pousou sua cabeça sobre as costas masculina.
? Pouco tempo depois do meu imaginário testemunho comecei a adoecer. Tinha náuseas, enjoos e muitas febres, muitas. Meu pai, apavorado ao pensar que tinha contraído alguma enfermidade contagiosa, fez chamar o médico para que me tratasse, mas nem este pôde dizer com claridade o que me acontecia. De repente, uma pessoa teve piedade de mim. Um criado que levava pouco tempo servindo meus pais e que observava com firmeza o que acontecia no imóvel. Ele descobriu que minha mãe tinha plantado beladona em um lugar afastado do jardim e que me preparava isso como infusão. Ao raciocinar que tentava me matar por envenenamento, não o pensou. No meio de uma noite jogou meu corpo quase inerte sobre seus ombros, desceu até a entrada e, com grande esforço meteu-me em uma carruagem.
? Anderson... ? murmurou Evelyn apertando com mais força o corpo de seu marido.
? Mas o ódio da minha mãe não ia cessar nunca. Esperou com paciência o momento para conseguir seu fim e quase o obteve de novo. Encarregou um homem de me seguir e me espreitar. Em uma das minhas saídas noturnas nas quais não podia nem ficar em pé pela embriaguez, fui assaltado e amarrado. Resisti com afã ao ataque, mas não consegui escapar. Quando abri os olhos depois do desmaio, uma voz começou a falar atrás de mim. Antes de poder lhe responder, de repreender seu ato, notei uma ardência em minha pele.
? Suas marcas... ? Evelyn liberou a cintura de Roger e pousou com suavidade suas palmas sobre o tecido que cobria os sinais das chicotadas.
? Mas o destino voltou a me salvar. Na mesma noite em que fui assaltado, estive jogando cartas com o William e Nother, o antigo proprietário do meu navio. Rutland apareceu na residência em que me hospedava e ao não me achar buscou-me desesperado por toda Londres. Acredito que se sentia culpado por haver me abandonado à minha sorte enquanto ele esquentava o leito de uma amante. Então tropeçou com o Yeng, o crupiê que nos atendeu no clube. Quando lhe perguntou se me tinha visto, informou-o que depois de sair do clube duas pessoas carregavam meu corpo. Também lhe disse que me introduziram em uma carruagem e que se dirigiram para os subúrbios. William o agarrou pelo pescoço e fez com que lhe mostrasse o lugar aonde me conduziram. Só lembro que, quando dava tudo por perdido, quando vi a morte aproximando-se de mim, escutei um disparo e depois a pressão das minhas mãos acabou.
? OH, querido... ? soluçou abraçando-o de novo.
? Desde esse momento prometi que lutaria até o final dos meus dias e que nenhum ser inocente que tivesse meu próprio sangue morreria nas mãos da minha mãe. Yeng decidiu permanecer ao meu lado e foi meus olhos enquanto eu realizava longas viagens no navio. Encarregou-se de recolher todas as crianças que se dirigiam para Tower para reclamar a paternidade do marquês e os albergava em um asilo que eu pagava. Pouco depois adquiri vários terrenos. Em um construí Lonely e no outro... ? virou-se para sua mulher. Desejava contemplar como fazia frente ao que estava a ponto de revelar. Sentiu-se um ser maligno ao ver suas lágrimas vagar pelo rosto.
? E no outro? ? Insistiu Evelyn.
? Construí uma pequena residência a qual chamei Children Saved.
? Crianças salvas... ? murmurou a mulher com apenas um fio de voz.
? Sim. Ao princípio acredito que só o fiz para salvar minha própria consciência que não cessava de me recriminar dia após dia que podia ter impedido as mortes daquelas crianças.
? Mas não podia fazer nada... ? Evelyn levantou as mãos para Roger e pousou suas palmas no rosto. ? Era muito pequeno... ? insistiu soluçando.
? Mas um dia apareceu em minha porta um anjo. Um diminuto ser que quase me fez ajoelhar e suplicar que me perdoasse sem lhe haver feito nada ainda. Minha pequena Natalie... ? suspirou. ? Ela me fez compreender que esperavam de mim algo mais que um lugar onde os acolher ou os alimentar. Necessitavam de afeto igual a mim. Com o tempo minhas viagens se fizeram mais duradouras e abundantes face à fama que criei em Londres, para humilhar ainda mais meu sobrenome todos os comerciantes requeriam meus serviços. Quase todos os meus lucros se destinaram à melhoria da residência e a contratar pessoal qualificado para lhes oferecer a educação que mereciam.
? Quantas crianças há no Children Saved?
? Vinte.
? Vinte?! ? Repetiu surpreendida.
? Muitos, eu sei. Graças a Deus meu pai adoeceu e teve que abandonar o insaciável desejo de engendrar um sem-fim de possíveis herdeiros. ? Sorriu de lado ante seu próprio sarcasmo.
? Quero conhecer todos ? murmurou enquanto aproximava a boca de seu marido à dela.
? Está segura? ? Mal pôde fazer a pergunta pela emoção.
? Sim, muito segura.
Roger beijou Evelyn com paixão. Depois ficou olhando-a sem piscar, pegou-a pela cintura e a elevou sobre sua cintura.
? Amo-te, senhora Bennett. Amo-te mais do que jamais pude imaginar que o faria. ? Caminhou para o leito e a posou muito devagar.
? Roger... ? murmurou enquanto seu marido começava a colocar as mãos sob o vestido e acariciava com lentidão as pernas.
? Que...
? Eu também te amo.
Escutar aquelas palavras de sua esposa lhe produziu tal emoção que esteve a ponto de derrubar-se sobre ela e ficar a chorar. Todo seu passado, toda a escuridão que tinha vivido nele desde que descobriu aquelas mortes desapareceu. O sol brilhava em seu interior, e em cada carícia, em cada beijo que Evelyn lhe oferecia, os raios o iluminavam ainda mais. Beijou-a devagar, perfilando com sua língua o desenho da boca que adorava, que amava. Sentiu-se contente ao perceber que as mãos dela se colocavam em seu peito para o despojar da camisa. Afastou-se, levantou os braços e deixou que continuasse apalpando seu torso sem objetos que o impedissem de sentir o suave tato dos dedos. Suas mãos retornaram as coxas femininas. Evelyn arqueou a cintura, convidando-o a possui-la com prontidão, com o mesmo ardor e desejo que ele sentia por ela.
? Repete que me ama ? murmurou antes de morder o lábio inferior dela e puxar com suavidade para ele.
? Amo-te, Roger... Amo-te... ? fechou os olhos ao perceber como o sexo de seu marido se aproximava do dela.
Não houve ternura entre eles. Não foi um ato lento, nem suave. Foi a primeira vez em que Roger precisou unir-se a ela para aliviar sua dor. Mas não só acalmou seu suplício, como em cada gemido, em cada soluço, em cada invasão para o interior feminino, Evelyn também se liberava de toda a pressão que tinha acumulado em sua vida. Não foi só um ato de amor, mas sim de verdadeira plenitude.
? Evelyn... ? sussurrou junto à boca dela quando o clímax estava a ponto de chegar.
? Roger... ? Cravou as unhas nas costas de seu marido e tentou fazer desaparecer aquelas marcas com suas próprias mãos.
Um clamor brotou do quarto com tanta intensidade que Sophie e Wanda se levantaram de suas cadeiras assustadas.
? O som do amor... ? disse Sophie antes de emitir uma pequena risadinha. ? Só espero que essa paixão logo dê frutos.
? Não acredito que os dê... ? murmurou Wanda após sentar-se e olhar o oitavo copo de licor que tinha em suas mãos.
? Por que diz isso? ? Perguntou a mulher tomando assento.
? Minha senhora jamais poderá ficar grávida ? comentou com pesar.
? Explique-se! ? Insistiu Sophie enquanto que, com um salto, aproximou a cadeira da mesa.
? Quando era jovem perdeu um bebê e, depois do aborto, sofreu uma grave infecção. O médico que a atendeu informou aos pais que seu útero tinha ficado estéril e que lhe seria impossível ficar grávida de novo ? explicou antes de beber o licor de um gole.
? Mas esse doutor não conhecia a persistência do nosso senhor... ? apontou antes de soltar uma gargalhada.
XXXII
? Está acordada? ? A encantadora voz de Roger lhe sussurrou no ouvido a pergunta enquanto seu fôlego esquentava a pele que roçava em sua passagem.
? Agora sim ? respondeu voltando-se para ele.
Bennett apoiou o cotovelo no almofadão e a olhou com tanta ternura que Evelyn sentiu como o coração batia mais forte.
? Obrigado por não me abandonar, por não se afastar de mim depois de me escutar ? disse-lhe antes de aproximar sua mão direita e lhe acariciar uma bochecha.
? Não tem por que me agradecer. Além disso, não acredito que deva perdoar um passado do qual não teve nada a ver. As maldades foram realizadas por sua mãe, não por você ? assinalou aproximando-se dele e lhe dando um suave beijo.
? Sempre me culpei por não ter descoberto antes. Possivelmente desse modo, tivesse salvado mais vidas ? comentou franzindo o cenho.
? Mas salvou muitas, vinte para ser exata. ? Estendeu seus braços e Roger se enredou neles. Desta vez foi ele quem pousou sua cabeça sobre o peito de sua mulher e quem deixou que os delicados dedos de sua esposa acariciassem com suavidade o comprido cabelo dourado.
? Sim, vinte embora... quantas perderam a vida nas mãos da minha mãe? Evelyn, estou seguro de que houve bebês, crianças que não conseguiram chegar a cumprir os cinco anos...
? Não se martirize por isso, Roger. Sua consciência dever alcançar a paz. É ela quem está manchada de sangue inocente. ? Pousou seus lábios sobre o cabelo loiro e o beijou. ? Conta-me como é Children Saved ? disse-lhe depois de uns momentos de silêncio no qual só se escutavam suas respirações pausadas.
? Não é muito grande, mas o suficiente para albergá-los comodamente. Tem dois andares. Abaixo está a cozinha, um enorme refeitório e uma biblioteca, embora com as últimas reformas, essa sala a convertemos em um lugar onde a senhora Simon ensina as matérias. Acima não há distinções entre uma ala ou outra. Conforme sobe encontra um comprido corredor com mais de quinze dormitórios. Ali descansam todos os que habitam na residência.
? A que se refere quando diz todos?
? Em Children Saved não só vivem meus meios-irmãos, mas sim suas mães também residem ali.
? Deus santo, Roger! Quantas bocas alimenta? ? Perguntou surpreendida.
? Quarenta e sete. ? Levantou a cabeça e contemplou o assombro que mostrava o rosto de Evelyn. ? Tem que entender que alguns deles mal tinham completado um ano de idade quando apareceram na porta e não achei justo que as mães se separassem de seus filhos pequenos.
? Como pode resolver esses gastos? Terá que continuar realizando muitas viagens... ? perguntou interessada.
? Com três ao ano é suficiente. Tanto o administrador como eu estudámos a maneira de cortar gastos e nos ocorreu que a única forma de não nos excedermos nos orçamentos anuais era fazendo participes as mães das tarefas que se requerem na manutenção dessa residência. Várias são cozinheiras, outras lavadeiras e inclusive, conforme fui informado ontem, outras decidiram empregar-se como jardineiras ? comentou feliz ao ver que Evelyn não reprovava seu trabalho, mas sim, pelo contrário, elogiava-o.
? Têm jardim? ? Continuou interessando-se. Enquanto Roger falava ela imaginava como seria aquele pequeno paraíso no qual viviam felizes tantas criaturas.
? Dois hectares de pradaria rodeiam a casa. Embora te pareça imenso, não o é quando todos saem para brincar. ? Sorriu. ? Há um pequeno parque onde plantaram flores de todas as classes. Uma fonte com a escultura de uma criança se situa no centro e abastece de água esse pequeno éden. Faz um par de anos, Yeng se encarregou de construir uma estufa onde a senhora Simon dá aulas de botânica ou ciência.
? Deve ser lindo... ? murmurou com suavidade.
? É. Sabe? Acredito que é a primeira vez que estou ansioso para que amanheça. Assim que tomarmos o café da manhã te levarei lá e contemplará com seus próprios olhos o que eu construí durante estes anos ? disse colocando sua cabeça de novo sobre o torso feminino. ? Quando a virem aparecer, quando todos descobrirem que é minha esposa, ficarão loucos de emoção e não a vão deixar descansar nem um só instante.
? Fale-me deles.
? Todos são muito semelhantes embora se diferenciem na cor de seu cabelo ou no de seus olhos. Há dois que são tão parecidos comigo que quando os vejo me reflito neles.
? Como se chamam? ? Continuou com as carícias sobre o cabelo de seu marido.
? O menino é Logan. Tem quatorze anos. Loiro, alto, possivelmente muito alto para sua idade. Mas a cor de seus olhos não é azul, mas sim marrom. Não há dúvida que os herdou de sua mãe. Embora o que o faz tão parecido a mim é sua atitude. É rebelde, não acata as normas como fazem os outros. Sempre tenta rebater certos temas e não cessa de investigar por sua conta. Sei que o dia de amanhã, quando eu não puder mais me encarregar do meu navio, ele ficará encantado de ficar em meu posto.
? Isso te assusta?
? Não, ao contrário, adula-me. É grato saber que alguém continuará o que eu comecei ? expôs com orgulho.
? Quem mais?
? A outra pessoinha que me deixa em estado de choque cada vez que a vejo é a pequena Natalie... ? disse o nome com um imenso prazer.
? Fale-me dela, Roger. Interessa-me muito saber sobre esse anjo que te impulsionou a lhes dar aquilo que foi incapaz de oferecer.
? Chamo-lhe de princesinha porque em realidade o é. Tem o cabelo tão loiro que quando os raios do sol o tocam se converte em branco. Sua mãe se esforça em lhe fazer longos caracóis, mas assim que pode ela recolhe o cabelo como o faço eu, em um rabo de cavalo. ? Voltou a desenhar um enorme sorriso em sua cara ao recordar as contínuas discussões entre as duas por manter o penteado intacto. ? Seu nariz é idêntico ao meu e a cor de seus olhos também. Se Ywen não me houvesse dito que o pai da criatura era o mesmo que o meu, teria pensado que era minha. Adora investigar. Todo o tempo está perguntado os motivos disto, do outro ou inclusive por que sai o sol ao ser de dia e a lua quando anoitece. Às vezes desespera a instrutora. Diz que seu afã por saber é inaudito em uma menina tão pequena.
? Espero que me aceite... ? murmurou Evelyn desenhando um imenso sorriso.
? Por que não o faria? ? Roger elevou a cabeça e a olhou desconcertado.
? Nem imagina quão possessivas são as mulheres quando amam um homem ? respondeu sem diminuir a risada.
? Estou seguro de que assim que te veja, perguntará a razão pela qual tem o cabelo vermelho, como me conheceu e por que se casou comigo ? disse antes de soltar uma gargalhada.
? Bom, evitarei lhe dizer que me ganhou em uma partida de cartas. ? Fez uma pequena careta.
? A melhor partida de cartas da minha vida! ? Exclamou antes de colocar-se sobre ela e voltar a beijá-la.
Evelyn tinha fechado os olhos para sentir as mãos de seu marido percorrer seu corpo quando um golpe na porta fez com que ambos se retirassem como se lhes queimasse a pele ao tocar-se.
? Quem é? ? Grunhiu Roger saltando nu da cama.
? John ? respondeu o índio entreabrindo a porta.
? Entra ? indicou após confirmar que Evelyn se ocultava sob o lençol. ? O que acontece?
? Há um incêndio em Children Saved ? soltou agitado.
? Como? Um incêndio? Como aconteceu? ? Correu para a poltrona, começou a vestir-se e antes de colocar a camisa saiu ao exterior fechando a porta atrás de sua saída.
? Não sei. Acaba de chegar Logan e não para de gritar que tudo está ardendo.
? Maldita seja! ? Gritou enquanto descia as escadas sem perceber que estava descalço. ? Onde está o menino? Onde está Yeng?
? Ambos estão no estábulo preparando os cavalos.
? Maldita seja! ? Clamou Roger. ? Maldita seja!
Se seu marido pensava que ia permanecer na casa esperando para saber o que tinha acontecido, equivocava-se. Assim que fechou a porta Evelyn saltou da cama, colocou uma camisola e a bata que estava jogada sobre o chão e correu para o corredor. Se for certo, se a residência onde viviam os meninos estava ardendo, toda a ajuda que chegasse seria pouca.
? Wanda! Wanda! Onde está? ? Gritou quando saiu do quarto.
? Deus santo, senhora! Estou aqui!
? E Sophie? Onde está Sophie? ? Continuou vociferando enquanto descia ao piso inferior.
? Acredito que estava na entrada preparando-se para sair para uma casa que está sendo pasto das chamas.
? Que nem lhe ocorra partir sem nós! Nessa casa vivem mais de quarenta pessoas às quais terá que salvar.
O caminho, embora fosse curto, pareceu eterno. Durante o tempo que durou, Roger não cessava de perguntar-se como se teria produzido o incêndio. Considerou muitas razões, que se iniciou na cozinha, talvez se devesse a um defeito na instalação de gás... entretanto, nenhuma o convencia. Sempre tinham sido muito cuidadosos. As mães nunca partiam para descansar sem certificar-se que todas as luzes estivessem apagadas, as portas fechadas ou inclusive encaixavam com precisão as janelas. Havia muito controle em Children Saved, muitíssimo para que aquilo acontecesse.
Quando chegou ao caminho de terra que o conduzia até a residência, sentiu pânico. O fogo iluminava a colina. Enormes nuvens de fumaça negra cobriam o céu que tantas vezes contemplou junto aos seus irmãos. Estava seguro de que, se o inferno existia, seria muito parecido à imagem que observava. Roger desceu do cavalo e correu para as pessoas que se agruparam ao redor da fonte. Tinham sabido escolher o lugar onde resguardar-se, ali as chamas não as alcançariam, os vidros que explodiam pelo calor nem as faíscas que saíam disparadas do interior da casa.
Apesar de tentar mostrar um comportamento firme, loquaz e seguro, para que eles se tranquilizassem, não albergava em seu corpo nada disso. A imagem dos meninos aterrorizados chorando sob os braços das mães, iluminados pela luz das chamas, consternou-o.
? Estão bem? Estão todos bem? ? Insistiu gritando enquanto se aproximava.
Nesse momento, depois de compreender que seria inútil esforçar-se em apagar o incêndio, centrou-se em confirmar que, pelo menos, ninguém tinha resultado ferido na evacuação. Mas nenhum lhe respondeu. Estavam tão consternados pelo acontecido que lhes era impossível deixar de chorar para falar. De repente, seu pânico aumentou. Não estavam. Ywen e Natalie não se achavam no grupo e ninguém se deu conta de suas ausências.
? Onde estão Natalie e sua mãe? ? Perguntou atemorizado. Olhou ao John, este encolheu os ombros, logo ao Logan, o rosto pálido do moço e a agonia que mostravam seus olhos lhe confirmava que ele tampouco sabia nada delas. ? Alguém sabe onde podem estar? ? Rezou para escutar uma resposta. Entretanto, ao não obter o que esperava, correu para o interior da casa sem parar para pensar que punha sua vida em perigo.
Cobrindo sua cabeça com o braço esquerdo acessou ao interior da casa. O calor era asfixiante e a fumaça tão densa que mal podia distinguir o que havia em frente a ele. Com decisão se dirigiu à cozinha. Gritava uma e outra vez o nome das duas, mas não respondiam. Franziu o cenho ao observar que salvo a fumaça, as chamas ainda não tinham alcançado a planta baixa. «O fogo começou nos dormitórios», concluiu com uma mescla de surpresa e inquietação. Não era lógico que ardessem primeiro os quartos salvo que fora... «Provocado!», exclamou para si. Sem diminuir seu empenho por encontrá-las, continuou chamando-as e as procurando no piso inferior. Quando percorreu até o último canto, decidiu subir. Talvez o medo as tivesse deixado tão aterradas que eram incapazes de sair do quarto. Pegou o corrimão, pôs um pé no primeiro degrau e ficou petrificado ao ver quem permanecia justo ao final da escada.
? Estávamos o esperando... ? comentou uma voz familiar. ? Entristece-me ver que demorou muito. Possivelmente, se tivesse chegado antes, teria evitado a morte dessa. ? Assinalou com seu olhar um corpo que jazia estendido sobre o chão.
? Charles... o que fez? ? Tinha vontade de correr para eles, soltar a menina das mãos sujas de seu irmão e lhe dar uma surra, mas estava paralisado. Ver a pequena Natalie com sua camisola manchada de sangue, chorando presa do pânico e lhe rogando com o olhar que a ajudasse, fez-lhe concentrar-se em pensar uma forma mais sensata de liberá-la.
? E você? ? Repreendeu-o Charles. ? O que você fez, Roger?
? Solte-a... ela não tem nada a ver com isto... ? tentou dissuadi-lo.
? Mentira! Ela tem muito a ver ? disse com um enorme sorriso. ? Até que a vi correndo para mim porque inocentemente acreditava que era você, pensei que só albergava neste miserável lar os filhos que nosso pai criou. Mas quando apreciei quão parecidos são, descobri que não só permaneciam os filhos desse monstro, mas sim continuava com o maldito legado que começou.
? É muito pequena... ? comentou tentando procurar em Charles um pouco de piedade.
? Não é capaz de nomeá-la como merece, não é? Não é capaz de confessar que é sua filha? ? Falou em tom irado.
? Não é minha filha, Charles, é nossa irmã ? declarou com suavidade.
? Você mente! Mente como o tem feito nosso pai todo este tempo! Embora seja normal, a mãe sempre o soube, é tão sujo como ele. Por isso teve piedade dos filhos de satanás? Por isso construiu este lar cheio de depravação? Sim, claro que sim. Porque apesar de suas promessas, é igual a ele. ? Suas palavras soavam cada vez mais duras, sinistras e ofensivas. ? Mas o fim chegou. Toda a maldade que padeceu nosso sobrenome se verá sanada por minha grande proeza. ? Charles elevou a mão direita e tirou a arma que ocultava nela. Apontou ao seu irmão e justo quando ia disparar, sorriu.
? Charles! ? Exclamou uma voz feminina atrás das costas de Roger.
Ao virar-se e ver que se tratava de Evelyn, quis lhe gritar que se fosse, que se afastasse dali o antes possível, mas em meio àquela confusão só pôde dar uns passos para ela e ocultá-la atrás de seu corpo.
Quando chegou ao alto da colina e não achou Roger entre o grupo de pessoas que havia no jardim, seu coração se oprimiu. Onde estava? Ao dizer quem era, todas as mães a abraçaram como se fosse uma salvadora, como se ela pudesse protegê-las de todas as penúrias que estavam padecendo. Embora Evelyn não pudesse as consolar como requeriam. Ela só pensava em seu marido. «Foi procurar Natalie e sua mãe», confessou-lhe alguém enfim. Sem pensar duas vezes correu para o interior da casa evitando as mãos de Wanda e de Sophie. Entretanto, quando seus olhos puderam adaptar-se à fumaça e contemplou a cena que havia em frente a ela, não duvidou e avançou para Roger.
? Minha querida cunhada... alegro-me de que tenha vindo. Quero que veja com seus próprios olhos o que seu marido tem feito durante todo este tempo ? expôs com uma voz cálida.
? Tem razão ? respondeu afastando-se de Roger e, face aos intentos deste por a fazer parar, ela subiu dois degraus. ? Comportou-se como o demônio que é. Agora entendo por que me visitaram, queriam me proteger.
? Ela sim entende... ? murmurou Charles olhando seu irmão com os olhos entreabertos. ? Ela é a única que nos compreende...
? É óbvio que o faço, Charles. E te asseguro que quando sairmos daqui tudo isto terá terminado. Sua tortura, as crianças, essas mães, tudo desaparecerá!
? Ajudar-me-á? Ajudar-me-á a finalizar o que minha mãe começou? ? Desceu lentamente a arma e diminuiu a intensidade com que apertava a pequena Natalie em seu corpo.
? Duvida da minha palavra? ? Perguntou com aparente irritação. ? Acaso não entendeu quando me olhava, quando falávamos, que me resultou mais agradável que o desprezível de seu irmão?
? Sim que o apreciei. ? Sorriu satisfeito. ? Mas não conseguirei te dar a posição que merece se ele estiver vivo. ? Charles levantou a arma, apontou para seu irmão e disparou.
? Não! ? Exclamou Roger com desespero.
Evelyn notou uma terrível dor em seu ventre. Quis levar as mãos para o lugar onde sentia aquela horrorosa queimação, mas não o conseguiu. As forças a abandonavam pouco a pouco e seu corpo começou a cair. Custava-lhe respirar. A visão se nublava. A bala que ia impactar sobre o coração de seu marido alcançou a ela. Deveria gritar ou chorar de tristeza ao ver que seu fim estava próximo, mas não podia, sentia-se feliz por ter impedido que o homem que cuidava de todas as pessoas que viu no jardim continuaria fazendo-o embora ela não estivesse. Ao longe, muito longe para escutar com precisão, escutou a voz de seu marido que insistia em que não o abandonasse e de repente... outro disparo.
? Saiam agora mesmo daqui! ? Gritou John que, depois de aparecer, observou como Evelyn se desabava e como o irmão de Roger aproximava a arma de sua boca e disparava. ? Encarregar-me-ei de Natalie. ? Subiu as escadas, pegou a menina pela mão e correu para o exterior o mais rápido que pôde.
? Evelyn! Evelyn! ? Clamava Bennett enquanto saía daquele inferno com ela em braços. ? Aguenta, meu amor! Ficará bem! Amo-te! Escuta-me? Amo-te!
XXXIII
Escritório do senhor Lawford. Três semanas depois.
? Imagino que com as assinaturas do marquês nada nem ninguém poderá invalidar os documentos, não é? ? Insistiu Roger enquanto observava através da janela como as pessoas corriam de um lado para outro tentando resguardar-se da chuva.
Uma semana depois do disparo a Evelyn, Roger apareceu em Tower e, face aos intentos que realizou sua mãe para impedir que conseguisse seu propósito, conseguiu chegar até o quarto de seu pai. O ancião marquês se apoiava sobre os almofadões e soluçava a perda de um de seus filhos. Bennett se colocou ao pé da cama com as mãos sobre as costas e lhe contou a verdadeira história. Seu pai negava devagar tudo aquilo que lhe narrava, segurava os lençóis com força e rejeitava categoricamente o que escutava.
? É mentira! ? Gritou uma das vezes. ? Sua mãe seria incapaz de fazer algo assim!
Mas Roger não diminuiu sua intenção de abrir os olhos do marquês. Descreveu-lhe como esteve presente na morte daquele menino, a razão de sua fuga com quinze anos e o motivo pelo qual retornou anos depois. Também lhe indicou que tanto Charles como sua mãe tinham descoberto o lar que tinha construído para seus irmãos e que, depois de não conseguir o primeiro plano que era envenenar sua esposa, Charles decidiu tomar a justiça em sua mão.
? Por isso quero que os reconheça ? disse após sua longa exposição. ? Embora Evelyn conseguisse curar-se por completo, jamais poderá ter meu filho. A ferida em seu ventre tornou impossível que possa ficar grávida.
? Não vou reconhecer a nenhum desses malditos bastardos! ? Clamou o pai com a pouca força que ficava. ? São filhos de satanás, não meus!
? Faremos um trato ? resmungou apertando os dentes. Caminhou para a cabeceira da cama e aproximou seu rosto ao do pai. ? Reconheça ao menos a dois deles, um menino e uma menina, para que algum dos dois possa continuar com este maldito título.
? E se não o fizer? ? O ancião arqueou a sobrancelha direita e olhou seu primogênito de maneira desafiante.
? Se não o fizer ? continuou relaxando a mandíbula e mostrando um rosto de satisfação ? terá o prazer de ver como sua querida esposa é encarcerada e sentenciada à morte por todos os assassinatos que cometeu.
? Ela... ela... o fez porque me ama... ? balbuciou.
? Chama isso de amor? ? Virou-se sobre seus calcanhares para não o olhar, mas aquela reflexão tão absurda sobre no que consistia o amor em um matrimônio o fez voltar-se para seu pai. ? Isso é maldade, pai!
? Está bem, ? disse o marquês depois de um tempo emudecido ? reconhecerei a dois, mas em troca deve me dar sua palavra de que sua mãe jamais será julgada pelos atos de amor que cometeu e que, depois da minha morte continuará vivendo aqui sem carências econômicas.
? É óbvio ? afirmou satisfeito. ? Esta mesma tarde terá a visita do senhor Lawford, é um dos adminis...
? Já sei quem é esse malnascido! ? Exclamou o marquês mais zangado, se pudesse.
? Pois como vejo que já o conhece, aconselho-o que não pretenda realizar nenhum estratagema, advirto-lhe que o senhor Lawford é muito bom em seu ofício. E agora, se me desculpar, tenho muito trabalho a fazer. ? Dirigiu-se para a porta, bateu as botas, inclinou levemente a cabeça para diante e partiu.
Quando fechou, inclusive antes de poder encaixar os parafusos, sua mãe apareceu no corredor. Permanecia imóvel, olhando-o de maneira altiva. Roger passou por seu lado como se não estivesse, mas antes de descer as escadas e sair da casa que odiava, virou-se para ela para lhe dizer:
? Como se sente ao ver que depois de ter as mãos manchadas de sangue inocente não conseguiu seu propósito? ? Não lhe respondeu, nem se dignou a dar a volta e lhe responder. Ao compreender que não tinha a intenção de defender-se, porque não se arrependia de suas maldades, continuou seu caminho para a saída.
? Não acredito que seja o homem mais indicado para pôr em dúvida meu trabalho. ? Lawford levantou os óculos com o dedo e olhou ao futuro marquês fixamente. ? Recorde que foi impossível desfazer o compromisso.
? Tem razão, desculpe se o ofendi ? respondeu com um meio sorriso. Com as mãos nas costas, caminhou para a mesa em que o administrador mostrava um sem-fim de pastas.
? Falando de matrimônio... ? disse de maneira reflexiva Arthur. ? Como se encontra hoje a futura marquesa? ? Agrupou os papéis que seu cliente tinha vindo procurar e os golpeou brandamente sobre a mesa.
? As febres cessaram, mas o doutor diz que tenhamos paciência. A ferida embora grave, não roçou nenhum órgão vital salvo seu útero ? comentou com tristeza.
? Bom, não acredito que lhe faça falta não ter descendência. O senhor Logan continuará com o título de marquês e têm a tutela da pequena Natalie. Acredito que ambos atuarão como os filhos que já não terão.
? Não tinha nenhum desejo em ser pai, nem agora nem antes. O único que quero é que Evelyn desperte e volte a ser a mulher que era ? expôs Roger após respirar fundo.
? Não perca a esperança, senhor. Sua esposa é a mulher mais forte que vi em anos. Ainda lembro como entrou neste escritório e também... como saiu. ? Sorriu.
? Jamais a perderei... ? Roger também sorriu. Estendeu a mão e pegou os documentos que necessitava para que seus dois irmãos pudessem fazer oficial seu sobrenome. Teria gostado de ver a expressão de Evelyn ao informa-la de sua proeza, do bate-papo que tinha mantido com seu pai e os rostos de surpresa que mostraram Logan e Natalie ao lhes indicar que, legalmente, já eram Bennett. Embora tivesse que esperar um pouco mais para isso. ? Anderson lhe fará chegar seis garrafas mais ao longo desta semana ? informou antes de sair do escritório. ? É, além do pagamento ao seu trabalho, uma maneira de lhe agradecer o que tem feito por nós.
? OH, obrigado, sua Excelência! Muito obrigado! Não tinha que haver-se incomodado... ? Arthur se levantou do assento, dirigiu-se para Roger e lhe estendeu a mão.
? Graças a você, senhor Lawford, face à questionável forma que achou para que minha esposa e eu nos conhecêssemos, sempre lhe estarei agradecido por não haver se negado à proposta de Colin.
Arthur assentiu e se encheu de orgulho ante as palavras que escutou do futuro marquês. Quando se fechou a porta voltou para seu assento. «Eu só lhe aproximarei esse colar ? recordou as palavras do jovem Pearson. ? Ele sozinho deixará que Evelyn prenda-o». O moço tinha razão. Bennett tinha se apaixonado por sua mulher até tal ponto que deixou que lhe fechasse aquela cadeia. Entretanto, o que ocorreria se ela não se recuperasse? «Senhor, escuta minhas preces. Sei que faz muito tempo que não vou à igreja nem cumpro todos os seus mandamentos, mas não te peço por mim, mas sim por eles. Faça com que a senhora Bennett sare rapidamente». Sentou-se na cadeira, tirou a garrafa de brandy, serviu-se uma taça e após brindar pela mulher, o bebeu de um gole.
Enquanto caminhava para o exterior Roger olhou os papéis e os leu com interesse. Teria gostado que seu pai reconhecesse a todos, mas se contentava com o pouco que conseguira. Ao abrir a porta e perceber que a chuva não tinha cessado, ocultou os documentos sob a jaqueta. Correu para a carruagem e, sem esperar que Anderson lhe facilitasse a entrada ao interior, saltou com rapidez.
? Roger, ? começou a dizer o índio ao vê-lo entrar ? este é o senhor Pemberton.
? Encantado de o conhecer ? respondeu esticando sua mão para o homem. ? informou-lhe meu amigo sobre a razão pela qual o chamei?
? Sim, milorde. Este cavalheiro foi muito explícito.
? O que tem a dizer a respeito? ? Interessou-se Roger. Não afastava o olhar daquele homem. Pareceu-lhe estranho que Eleonora decidisse seduzir a um ser tão insólito. Mal tinha cabelo em sua cabeça, sua barba mostrava várias cores e seu bigode se estirava para ambos os lados de seu rosto em uma trabalhosa linha reta.
? Fui vê-la mais de uma centena de vezes desde que soube de seu estado, mas nunca quis me receber. Sempre me jogou na rua como se nosso amor jamais tivesse existido ? comentou com pesar.
Roger tirou a cabeça pelo guichê, indicou ao chofer a direção e retornou ao seu assento.
? Está completamente seguro de que você é o pai dessa criatura? ? Insistiu. Não queria aparecer em frente a Eleonora e confrontar-se com ela lhe oferecendo um pai errôneo. Se ele não tinha sido seu único amante durante o tempo que a visitava, quem poderia corroborar que o senhor Pemberton não a compartilhou com outros cavalheiros?
? Sim, milorde. Se meus cálculos não me falharem, Eleonora ficou grávida em uma viagem que fizemos a Cheshunt.
? Cheshunt? ? Repetiu Roger atônito. A mulher era avessa a viajar mais de duas horas em carruagem. Segundo ela seu corpo se debilitava com o balanço continuado do carro.
? Sim ? afirmou o homem com um pequeno movimento de cabeça. ? Tive que me deslocar até ali porque minha mãe faleceu.
? O que conseguiu ela em troca? ? Sabia que não era próprio de um cavalheiro realizar esse tipo de perguntas, mas a curiosidade era tão imensa que não pôde conter-se.
? Como? ? Pemberton levantou as pestanas, levou as mãos para o bigode e retorceu cada ponta com as pontas de seus dedos.
? Imagino que o propósito de o acompanhar em uma viagem tão árdua seria algo mais suculento para ela que simplesmente dar o último adeus à sua mãe. ? Sorriu maliciosamente.
? Todas as joias que ela possuía as dei de presente com gosto, senhoria. Ela as rejeitou com firmeza, mas eu insisti em que as tivesse ? respondeu ofendido.
? É claro, não duvido de sua palavra... ? Roger se reclinou no assento e olhou John. Este mostrava um sorriso tão grande que podia ver o branco de seus dentes. Mas ele não sorriu. No fundo sentia lástima pelo pobre infeliz.
? Entrarei primeiro ? disse Bennett quando a carruagem parou e abriu a porta para sair. ? Você deveria esperar na entrada oculto atrás de mim até que nos permitam acessar ao interior. Não me cabe a menor dúvida de que se a criada o descobrir não abrirá a porta e informará Eleonora de sua presença.
? Farei o que me ordena. Com tal só de poder falar com ela, de lhe suplicar que me deixe ver meu filho, atirar-me-ei ao chão se precisar ? indicou o homem colocando-se sob o pequeno teto da porta.
Roger o olhou sem pestanejar. Aquele homem era capaz de ajoelhar-se ante a mulher e lhe rogar que não o abandonasse enquanto se aferrava aos tornozelos desta. Era, sem dúvida, o melhor marido que Eleonora poderia encontrar: submisso, acessível, carente de personalidade e com os bolsos repletos. Não entendia como tendo uma oportunidade de ser feliz junto àquele desventurado, esforçava-se tanto em conseguir o que não estava ao seu alcance.
Depois de comprovar que Pemberton se ocultou, bateu na porta e esperou com aparente paciência que fosse recebido.
? Sua Excelência?! ? Exclamou a donzela com entusiasmo e assombro.
? A senhora está? ? Perguntou dando um passo para o interior da casa e obrigando a criada a lhe permitir o acesso.
? Está no pequeno salão, milorde. Quer que o anuncie? ? De repente seu olhar se cravou na pessoa que estava atrás de Roger. A mulher não pôde evitar levar as mãos à boca para fazer calar um grito. Tentou fechar a porta, deixar ao senhor Pemberton na rua, mas Bennett colheu com força a grossa porta de madeira e impediu tal propósito.
? Fique aqui, eu lhe farei um sinal quando for o momento apropriado ? ordenou Roger caminhado para o salãozinho.
? Meu senhor... milorde... rogo ? sussurrava a criada sem poder se mover da entrada. ? Ela... ela...
Mas Bennett não escutou a súplica. Estava decidido a terminar o rumor que Eleonora tinha estendido por Londres. Todos aqueles que o olhavam o comparavam com seu pai e isso não ia tolerar. Quando Evelyn despertasse, quando enfim abrisse seus olhos, não desejava que se entristecesse ao escutar falsos testemunhos sobre seu marido. Tinha-lhe sido fiel desde que se casaram. Por isso retornou a Londres após sua longa viagem. Se tivesse entrado naquela casa, se na noite de bodas se entregasse ao falso amor de Eleonora, jamais teria conhecido sua esposa nem teria conseguido descobrir o que era amar uma mulher.
Quando abriu a porta do salão encontrou Eleonora de pé com seu menino nos braços. Embalava-o e cantava uma melodiosa canção ao mesmo tempo que o balançava com ternura. Ao escutar que alguém permanecia na entrada, dirigiu seus olhos para ele e sorriu.
? Alegro-me de que enfim tenha decidido conhecer seu filho ? disse com um sorriso triunfal.
? Bom dia, Eleonora. Não volte a dizer que esse filho é meu, porque sabe que não é certo ? declarou com solenidade.
? Claro que é! ? Insistiu a mulher aproximando-se de Roger.
? Sempre soube que era uma harpia, mas jamais imaginei que sua maldade te levasse até tal ponto. É injusto o que tem feito, é injusto que tenha deixado crescer em suas vísceras uma criatura que sofrerá suas maldades. Embora desta vez não obtivesse seu propósito. Descobri quem é o verdadeiro pai desse menino ? apontou sem mover-se de onde permanecia.
? Você! ? Clamou de novo. ? O pai deste menino é...! ? Ficou sem palavras quando percebeu que Bennett levantava uma mão e aparecia atrás dele outro homem.
? Olá, Eleonora ? disse Pemberton ao acessar ao interior do salão.
? O que faz aqui? ? Gritou a mulher segurando a criatura com mais força sobre seu corpo. Seus olhos se dirigiram para Roger, que sorria de forma triunfal, e logo se cravaram no outro homem.
? Vim conhecer meu filho ? respondeu com firmeza.
? Seu filho? ? Repreendeu a mulher dando uns passos para trás. ? Este não é seu filho!
? Sim, sei que é. Não o negue, meu amor. Não pode se opor a que seu verdadeiro pai vele por ele ? assinalou Pemberton com tristeza.
? Não, você não! ? Exclamou entre lágrimas. ? Fora daqui! Não quero ver-te em minha casa!
? Casar-me-ei contigo, converter-te-ei na senhora Pemberton e daremos ao nosso filho o que lhe pertence. ? Caminhou para ela e se ajoelhou. ? Prometo que nada lhes faltará. Terão tudo o que necessitem. Eleonora, eu te amo, amo-te. Não me afaste, suplico-lhe ? rogou isso entre soluços.
Roger não aguentava mais a cena que contemplavam seus olhos, deu meia volta e saiu dali com passo ligeiro. Quando retornou à carruagem continuou observando o sorriso de John e a cara de satisfação de Anderson. Teriam pensado alguma vez que o filho era dele? É claro que sim. Ambos o conheciam e sabiam como tinha sido antes de conhecer Evelyn, mas desde que a viu, desde que a beijou pela primeira vez, converteu-se em um homem diferente.
Durante o regresso a casa os três falaram de como se desenvolviam as obras da nova residência. Bennett tinha decidido construi-la com mais quartos e mais salões. Não queria que neste novo lar mães e filhos tivessem que descansar nos mesmos quartos. John voltou a indicar, que finalizado o trabalho, ele e Sophie se instalariam na residência para custodiar os meninos. Roger sorria cada vez que falavam sobre esse tema. Estava seguro de que seu amigo tinha meditado muito a respeito da relação que tinham e que, por fim, dava o passo que todos esperavam.
O trajeto até Lonely se fez curto entre as risadas e as brincadeiras com seu amigo pela decisão tomada. Depois de descer, Bennett se dispôs a subir com rapidez as escadas e caminhar para o quarto, para certificar-se de que Evelyn continuava igual, mas sentiu que alguém lhe agarrava a mão e impedia seu propósito.
? Temos que finalizar aquilo que começou ? disse John a seu amigo.
Ele assentiu, retornou à carruagem, levantou o assento e pegou o pequeno crânio. As mãos lhe tremeram ao ter os ossos sobre suas palmas. Voltou a ver o menino dentro daquele cômodo escuro, amarrado, e escutou com claridade os gritos de socorro. Esteve a ponto de ajoelhar-se, de chorar pelo desespero de não ter sido capaz de o liberar daquele final, mas a mão cálida de John o reconfortou.
? Sua alma deve descansar em paz ? sussurrou.
? Sei. Mas depois de tanto tempo, depois de tudo o que aconteceu, não me vejo capaz de me desprender dele. Acredito que se o deixo ir, se me desprender do que significam estes ossos para mim, esquecerei o que me impulsionou a lutar contra minha família.
? Não poderá esquecê-lo, Roger. Tem ao seu lado muitas pessoas que conseguirão a lhe dar a força que necessita para seguir lutando.
Depois de uns momentos, nos quais Bennett meditou sobre a veracidade das palavras de seu amigo, ambos caminharam para a cancela metálica que dava passo à propriedade. John tinha preparado um lugar onde cuidaria das almas que viveriam naquele lugar.
Roger se ajoelhou em frente ao buraco e colocou o pequeno crânio.
? Sobe com sua esposa ? indicou John ao ver seu amigo imóvel e incapaz de enterrar o crânio. ? Acredito que o necessitará mais que ele.
Sem mediar palavra Roger se dirigiu ao seu lar, subiu as escadas sem poder sequer falar com as pessoas que o saudavam. Desejava meter-se no quarto, cair ao lado de Evelyn e não sair de seu lado até que decidisse despertar daquele amargo sonho que durava já três semanas.
Ao abrir a porta sorriu. Era de esperar que a pequena Natalie ocupasse seu lugar enquanto ele permanecia ausente. Não a deixavam sozinha, não desejavam, nenhum dos que habitavam sob o teto de Lonely, que ela abrisse seus olhos e se encontrasse sozinha. Entretanto, embora o comportamento da menina fosse louvável, devia brigar com ela. Perdeu um dia de aulas e a senhora Simon recriminaria que a tratasse diferente dos outros.
? Acaso as aulas de hoje não eram de seu agrado? ? Disse-lhe enquanto caminhava para a poltrona, tirava os documentos para apoiá-los sobre este e se despojava da jaqueta molhada.
? Hoje não posso deixá-la só ? comentou a menina com uma felicidade tão estranha que Roger ficou imobilizado ao escutá-la.
? Por que... hoje não pode deixá-la? ? Repetiu enquanto seu coração se agitava, seu pulso se acelerava e se aproximava da cama com medo.
? Porque despertou.
Roger deu dois largos passos para elas. Seu coração não pulsava, galopava em seu interior, mas ficou parado ao descobrir que Evelyn estava acordada. Por fim abria seus olhos! Ajoelhou-se junto à cama, pegou a mão que ela estendia para ele e a beijou enquanto chorava.
? Meu amor, minha vida. Por fim despertou. ? Continuou soluçando sem poder separar a mão de sua boca. ? Amo-te, Evelyn. Amo-te tanto que não teria podido viver sem ti.
? Nem eu sem ti... ? murmurou Evelyn antes de ver como seu marido se levantava e beijava seus lábios sem lhe importar que Natalie estivesse presente e se tampasse os olhos para não ver como se beijavam.
Epílogo
Três meses depois
Com muita ternura, Roger acariciou o rosto de Evelyn com seus dedos. Foi afastando as mechas de cabelo até poder observar com claridade suas feições ao dormir. Era a primeira vez que discutiam daquela forma. A primeira que tinha saído do dormitório e tinha descido até o salão para beber até cair morto.
Evelyn reprovou sua atuação, recriminou-lhe que se comportasse como um monstro, mas não pôde evitá-lo. Quem poderia conter-se ao ver que sua esposa era agarrada com força por um ser desprezível? Embora insistisse que a situação estava controlada, ele não o percebeu assim. O famoso Scott, aquele homem que destroçou a juventude de sua mulher apareceu na festa que Caroline ofereceu em Hamilton. Ia pelo braço de sua esposa, com quem se casou depois de abandonar Evelyn.
Mordeu os lábios quando Federith revelou seu nome. Tentou tranquilizar-se, embora quando observou que ia atrás de sua mulher, todo o controle se esfumou. Esperou paciente no balcão, espreitou o movimento daquele personagem enquanto se aproximava de sua esposa e escutou com atenção a conversação entre ambos. Ele não cessava de lhe dizer que sentia saudades, que se arrependia do que teve que fazer no passado e que, se ela quisesse, voltariam a ficar juntos. Como era de supor, o que lhe propunha era que se convertessem em amantes. Até aí, pôde suportá-lo. Mas quando Evelyn lhe disse que estava apaixonada por seu marido e que não desejava saber nada dele, este não se conformou, agarrou-a pelo braço e evitou que ela se afastasse de seu lado.
? Algum problema? ? Perguntou saindo de seu esconderijo.
? Roger! ? Exclamou Evelyn com surpresa.
? Repeti-lo-ei uma vez mais, algum problema? ? Seu aborrecimento era tal que mal podia manter um fio de prudência. Apertou os punhos e sua mandíbula esteve a ponto de deslocar.
? Não, ? respondeu ela ? nenhum problema. Agora mesmo me dispunha a retornar com Beatrice.
? Faça isso, eu irei depois ? disse sem afastar o olhar daquele que tinha ousado tocar sua esposa.
? Roger, por favor... ? suplicou-lhe.
? Vai, Evelyn, ? intercedeu Scott ? não acredito que seu marido se atreva a...
Não pôde terminar a frase. As mãos de Roger se aferraram ao seu pescoço e o levantou dois palmos do chão.
? A que não me atreverei? ? Grunhiu.
? Solte-me! ? Gritou o homem movendo seus pés.
De repente, como se percebessem que algo errado acontecia, William e Federith apareceram na entrada. Estes caminharam para Roger ao presenciar a cena.
? Roger... ? falou William. ? O que acontece?
? Este descarado ousou tocar a minha esposa ? bramou.
William olhou a assustada Evelyn e esperou que ela confirmasse as palavras de seu amigo, mas estava tão nervosa que não foi capaz de lhe responder.
? Evelyn, entra. Nós resolveremos esta situação ? indicou Federith com sua típica voz tranquilizadora.
? Por que a tocou? ? Inquiriu o duque sem fazer com que seu amigo desistisse em seu empenho por asfixiá-lo.
? Acredita-se com o direito de fazê-lo, ? respondeu Roger apertando com mais força suas mãos ? porque como bem sabem foi pretendente da minha esposa.
? Pensa uma coisa, ? voltou a falar William ? sua mulher está assustada e graças a Deus podem viver uma vida tranquila. Crê que vale a pena destroçar essa felicidade por um miserável como este?
? O que você fez, William? ? Grunhiu de novo Bennett.
? O correto. Por isso quero que você faça o mesmo.
Depois de suas palavras Roger afrouxou a amarração e deixou livre ao homem. Este depois de tossir e amaldiçoar correu para o interior do salão.
? Sua esposa sabia que Wyman foi o pretendente da Evelyn ? soltou William. Não era uma pergunta, mas sim uma afirmação.
? Minha esposa é um ser desprezível e lhes peço mil desculpas por seu inapropriado comportamento ? comentou Federith aflito.
? Como compreenderá, enquanto esteja com ela, minha visita ao seu lar está anulada ? resmungou Roger ao mesmo tempo em que dava a volta e caminhava para a entrada.
? Roger, por favor... ? disse Federith ao ver como seu amigo se afastava dele.
? Não é o momento. Deixa que lhe passe a ira. Sabe que não pensa com claridade quando está irritado ? apontou William.
? Esta mulher... ? comentou Cooper movendo a cabeça de um lado para o outro.
? Se estivesse em seu lugar a observaria com mais atenção ? disse o duque ao mesmo tempo que jogava seu braço sobre o ombro de seu amigo. ? Olha além do permitido ao senhor Graves.
? Olha com atenção a todo homem que não seja eu... ? respondeu triste.
Ainda seguia com os olhos fechados. Parecia que não desejava despertar, ou talvez não quisesse vê-lo ao seu lado. Roger se moveu da cama e tentou deixá-la sozinha, mas nesse momento notou a mão de sua esposa nas costas.
? Perdoe-me ? murmurou com a cabeça abaixada. ? Sinto o ocorrido. Não quis te envergonhar nem te humilhar diante de todo mundo.
? Não deveria se comportar daquela maneira embora se for sincera, alegro-me de que ocorresse ? respondeu sentando-se na cama para abraçá-lo. ? Sabia que cedo ou tarde nossas vidas se cruzariam e o meu único temor era descobrir como o confrontaria. Não quero que nada nem ninguém nos separe.
? Como pode imaginar uma coisa assim? ? Perguntou enquanto se virava e tombava a sua esposa de novo. ? Se por acaso não se deu conta, é minha, só minha.
? Isso... hummmm... soou muito primitivo... ? sussurrou. Levantou os braços e os enredou no pescoço de seu marido. Desejava que todo o acontecido na noite anterior desaparecesse o antes possível e a melhor forma de consegui-lo era deixar-se levar pelas carícias e os beijos de Roger.
? Quer-me, senhora Bennett? ? Perguntou arqueando as sobrancelhas.
? Muitíssimo, senhor Bennett.
Quando os lábios do homem pousaram nos de sua mulher bateram na porta.
? Vou ter que lhes deixar claro que... ? balbuciou o futuro marquês.
? Milorde! Sua Excelência! ? Gritou Anderson através da porta.
? Entra ? respondeu depois de levantar-se e certificar-se de que Evelyn cobria seu corpo com o lençol. ? O que acontece?
? Desculpe a interrupção, mas o duque de Rutland o espera no hall. Ordenou que se apresente o antes possível ? expôs o criado sem mal respirar.
Estranhando a visita, Roger saiu do quarto, desceu as escadas de três em três e quando apreciou o rosto alterado de William esteve a ponto de sentar-se no chão.
? Vista-se! ? Gritou-lhe Rutland. ? Temos que nos dirigir a Londres o antes possível.
? O que acontece? Acaso aquele descarado do Wyman...? ? Tentou perguntar ao mesmo tempo em que convertia suas mãos em dois duros punhos.
? Encontraram esta madrugada o corpo sem vida de Caroline e acusam Federith de sua morte.
Dama Beltrán
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