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A TENTAÇÃO DO DESEJO / Diana Palmer
A TENTAÇÃO DO DESEJO / Diana Palmer

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A TENTAÇÃO DO DESEJO

 

Violet Hardy sentou-se na cadeira e se perguntou o porquê de ter aceitado aquele cargo de secretária. Seu chefe, Blake Kemp, de Jacobsville, Texas, definitivamente, não a apreciava. Ela havia apenas tentado evitar que ele morresse de um ataque cardíaco prematuro mudando seu café normal para descafeinado. Para seu desapontamento, ouviu os piores insultos do homem que amava. Sabia que suas colegas de trabalho estavam tão aborrecidas quanto ela. Tinham se mostrado gentis, mas nada compensava o fato de Blake achá-la gorda.

— Ele me acha gorda — disse Violet, infeliz.

— Ele não disse nada.

— Mas você sabe como ele me olhou e o que insinuou — murmurou Violet, olhando o hall. Mabel fez um muxoxo.

— Ele teve um péssimo dia.

— E eu também — contrapôs Violet. Libby Collins tentou consolá-la.

— Acalme-se, Violet — disse suave. — Espere al­guns dias e ele vai pedir desculpas, tenho certeza.

Violet não tinha tanta certeza. Na verdade, podia apostar que um pedido de desculpas era a última coisa em que ele pensava.

— Vamos ver — respondeu, voltando para a mesa. Mas não acreditou na possibilidade.

Ela afastou o cabelo escuro comprido. Os olhos azuis estavam marejados de lágrimas, por mais que tentasse esconder a mágoa. A situação era bem pior do que apenas uma insinuação de estar acima do peso. Tinha ouvido Mabel e Libby comentando que o interfone estava ligado quando Violet abri­ra o coração para as colegas de trabalho, depois do ataque de fúria de Kemp a respeito do café descafeinado que lhe serviram. Ela era apaixonada por ele. Ele tinha ouvido. Como poderia voltar a en­cará-lo?

Durante todo o dia ele saiu da sala para receber clientes, falar sobre os compromissos e pegar café. Sempre que entrava, olhava para Violet como se ela fosse responsável pelos sete pecados capitais. E ela começou a encolher-se ao ouvir os passos no hall.

Era uma terça-feira, e no final do dia ela decidiu que não podia mais continuar trabalhando naque­le escritório. Era muito humilhante. Teria que ir embora.

Libby e Mabel notaram sua pouca habitual for­malidade, agravada quando ela tirou uma folha da impressora, levantou-se, deu um longo suspiro e caminhou pelo hall em direção ao escritório do chefe.

Segundos depois, elas o ouviram:

— Que diabos...?

Violet surgiu caminhando a passos largos pelo hall, o rosto vermelho de irritação, seguida por um furioso Kemp, sem óculos, dois passos atrás, sacu­dindo a folha de papel.

— Você não pode me dar um aviso de um dia! — disse enfurecido. — Tenho casos pendentes. Você é responsável por fazer a triagem e notificar os peticionários...!

Ela o encarou furiosa.

— Toda a informação necessária está no compu­tador, junto com os números de telefone! Libby sabe como proceder. Ela ajudou-me a acompanhar os casos quando tirei licença para ficar com minha mãe quando ela teve derrame! Por favor, não finja estar interessado em quem digita ou faz as ligações porque eu sei que pouco lhe importa! Vou trabalhar para Duke Wright!

Ele estava com raiva, mas de repente ficou quieto.

— Vai trabalhar para o inimigo, não é, Srta. Hardy?

— O Sr. Wright é mais calmo que o senhor e não vai me destratar por causa de um café. Na verdade — disse audaciosa —, ele mesmo prepara o café!

Ele procurou uma resposta, mas não encontrou nenhuma. Semicerrou os lábios sensuais, murmu­rou algo, que poderia dar motivo para uma acu­sação de assédio sexual e saiu pelo hall ainda se­gurando a folha de papel. Em seguida bateu a porta.

Libby e Mabel tentaram não rir. O Dr. Kemp havia provocado a saída de duas pessoas do escritório em menos de um mês. Seu temperamento passara de ruim para péssimo e, no auge, Violet tinha se tor­nado uma das vítimas. Agora estava partindo e o escritório ficaria triste sem ela. Libby ficou ainda mais triste porque seu trabalho acabara de do­brar.

Violet pediu desculpas às colegas, mas insistiu que não conseguiria mais suportar aquela situação. No final do expediente, desligou o computador, perce­bendo que Mabel e Libby tinham saído antes que ela terminasse de arrumar os seus pertences. Libby havia concordado em voltar assim que comesse alguma coisa para terminar dois casos que Kemp iria apre­sentar no dia seguinte. Violet poderia se oferecer para ajudá-la. Libby tinha os próprios problemas, causados pela madrasta, que tentava vender a casa dos Collins contra a vontade de Libby e do irmão, Curt. Mas fingia não se importar.

Violet estava vestindo o casaco comprido quan­do Kemp veio caminhando a passos largos pelo hall, ainda mal humorado, os olhos azul-claros faiscando por trás dos óculos, o rosto fino tenso de raiva, o cabelo escuro ondulado ligeiramente despenteado na parte de trás.

Ele parou e a encarou.

— Espero ter deixado claro minha opinião sobre o café — disse, asperamente. — Por falar nisso, você já reconsiderou o impulsivo pedido de demissão?

Ela engoliu em seco. Ele tinha deixado clara sua opinião sobre vários assuntos. Ela se aprumou e o encarou com dignidade.

— Não. Irei embora assim que o senhor encontrar alguém que me substitua Dr. Kemp.

Ele arqueou as sobrancelhas.

— Fugindo, Srta. Hardy? — perguntou sarcástico.

— Pense o que quiser — respondeu.

Os olhos dele faiscaram de raiva pela resposta desaforada.

— Nesse caso, pode considerar hoje como seu último dia de trabalho e esqueça o aviso prévio. Vou pedir a Libby que termine sua tarefa. Se concordar, envio pelo correio o pagamento de duas semanas que lhe devo.

O rosto de Violet ficou tenso e preocupado diante do insulto, mas manteve-se firme.

— Está perfeito, Dr. Kemp. Obrigada.

Ele a encarou. Estava furioso por não conseguir humilhá-la.

— Muito bem. A chave do escritório, por favor. Ela retirou a chave do chaveiro e a entregou, tomando cuidado para não deixar os dedos tocarem os dele. Apesar da paixão que sentia por ele, era muito orgulhosa para deixá-lo perceber o quanto estava decepcionada.

Ele olhou para os seus cabelos escuros enquanto ela colocava a chave em sua mão. Sentiu uma sen­sação de perda desconfortável e pouco familiar. Não podia entender o porquê. Ultimamente, não se envolvia com mulheres, embora tivesse apenas 36 anos. Perdera a mulher que amava anos atrás e nunca mais se sentira inclinado a ter um novo re­lacionamento.

Entretanto, Violet ameaçava sua liberdade. Ela possuía uma perturbadora empatia com as pesso­as. Ficava magoada facilmente. Ele percebia como estava deprimida por sair do escritório e de sua vida. Mas precisava deixá-la ir embora. Ela já ha­via se aproximado demais. Nunca mais queria sentir a dor de ter o coração destroçado pela perda de uma mulher. Sua noiva falecera. Sua vida amo­rosa estava encerrada. Então, Violet precisava partir.

Melhor assim, disse para si mesmo com firme­za. Ela estava apenas deslumbrada por ele. Ia su­perar. Ele pensou no quanto ela havia perdido no último ano: o pai, a casa, o estilo de vida. Agora precisava cuidar da mãe inválida, um peso que suportava sem se queixar. E agora estava desem­pregada. Ele retraiu-se ao imaginar a dor que ela devia estar sentindo.

— Melhor assim — murmurou ele, desconfortável. Ela o olhou com aqueles trágicos olhos azuis.

— É mesmo?

O maxilar retesou-se.

— Você está confusa sobre seus sentimentos. Está apenas deslumbrada, Violet — disse da maneira mais gentil possível, enquanto seu rosto ficava ruboriza­do. — Não é um amor eterno e existem vários ho­mens disponíveis por aí. Você vai superar.

Os lábios tremeram quando ela tentou encontrar uma resposta grosseira para aquele comentário de­sagradável. Sentira medo de ele ter ouvido sua confissão de amor, e agora tinha certeza que escu­tara. As palavras dele a fizeram ter vontade de de­saparecer. Era a pior humilhação que sofrerá em toda a vida. Ele não podia ter deixado mais claro os sentimentos em relação a ela.

— Sim senhor — retrucou, virando-se. — Vou superar.

Ela pegou seus objetos e encaminhou-se para a porta. Previsivelmente, ele a abriu, portando-se até o final como um cavalheiro.

— Obrigada — disse com voz estrangulada, des­viando os olhos.

— Está segura de que Duke Wright vai contratá-la? — perguntou abruptamente.

Ela não o olhou.

— O que lhe importa Dr. Kemp? — perguntou num tom de voz entediado e infeliz. — Estou indo embora.

Ela caminhou até o carro com o coração dispa­rando. Atrás dela, um homem alto permaneceu parado, olhando pensativo ela afastar-se de sua vida.

Ela esquecera o bolo no escritório. Havia prometido parar no rancho dos Hart para falar com Tess, mas não trouxera o bolo. E ela não tinha mais a chave e preferia a morte a telefonar para Kemp pedindo que abrisse a porta para ela pegar o bolo. Ele acharia que era uma desculpa para voltar a vê-lo.

Olhou o volumoso corpo no vestido roxo de gola alta, babados e saia reta, vagamente consciente de que o modelo não a favorecia. Tinha de usar esse vestido justamente hoje, para ter que enfrentar o olhar de desaprovação de Kemp? A mãe tentara adverti-la, gentilmente, que babados e seios grandes não combinavam. Pior ainda: saia justa ressaltava quadris largos.

Vinha tentando desesperadamente perder peso. Abrira mão de doces, entrara para uma academia e se esforçava fazendo regularmente refeições pouco calóricas para ela e a mãe idosa, que tinha problemas cardíacos. O pai falecera no ano anterior de um aparente ataque cardíaco. Mas, ultimamente, escu­tara rumores de que a madrasta de Libby Collins, sua colega de trabalho, talvez fosse responsável pela morte súbita do Sr. Hardy. Janet Collins havia sido acusada de envenenar um senhor idoso numa casa de repouso. Ela também se apropriara de uma alta quantia do Sr. Hardy antes de sua inesperada mor­te, logo após ter sido visto com ela num quarto de motel. Não houve tempo para sustar o cheque, porque a Sra. Hardy só dera pela falta do dinheiro muito tempo depois do funeral.

Violet e a mãe ficaram arrasadas, não apenas pela perda do ente querido, mas pela situação financeira caótica em que foram deixadas. Tinham perdi­do as economias, a casa, o carro, tudo. A mulher que convencera o Sr. Hardy a lhe dar um quarto de milhão de dólares não fora identificada. E ela havia passado cheques sem fundo em lojas de de­partamento e até mesmo joalherias, e o Sr. Hardy fora responsabilizado. A mãe teve o primeiro der­rame logo após o funeral. A pequena herança de Violet foi suficiente para sustentá-las por poucos meses. Depois que o dinheiro acabou Violet foi forçada a manter as duas. Havia uma vaga no es­critório de Kemp, para trabalhar com Libby Collins e Mabel Henry. Felizmente, Violet tinha feito um curso de secretariado, apesar da desaprovação do pai. Ela não precisaria trabalhar nunca, dizia ele orgulhoso.

Era agradável trabalhar no escritório de Kemp e ela era uma secretária eficiente. Mas o chefe não gostava dela. Hoje, menos ainda. Ela desabafou por cinco minutos, enquanto as colegas de trabalho a ouviam e concordavam com ela, sem nada poder fazer. Despejou suas mágoas, incluindo os senti­mentos pelo taciturno chefe.

— Não leve tudo tão a sério, querida — disse fi­nalmente Mabel, condoendo-se de seu desespero. — Todas temos nossos dias ruins.

Parou na padaria e comprou outro bolo. Por sorte, Tess não queria uma mensagem no bolo. Estacionou na propriedade dos Hart, na enorme casa de Tess e Cag, e entregou o bolo para a go­vernanta, com uma luminosidade no sorriso que não chegara a seus olhos. Depois, foi para casa.

A mãe estava deitada no sofá, assistindo à última de suas novelas.

— Oi querida! — disse sorrindo. — Passou bem o dia?

— Muito bem — mentiu Violet, devolvendo-lhe o sorriso. — E você, como foi seu dia?

— Ótimo. Preparei o jantar!

— Mamãe, você não deve se cansar — protestou Violet, cerrando os dentes.

— Cozinhar não me cansa. Eu adoro! — respondeu à senhora de olhos azuis, tão parecidos com os de Violet, brilhando de prazer. O cabelo era grisalho, curto e ondulado. Ela estava deitada no sofá com uma camisola bastante usada, um roupão e meias. As noites ainda estavam frias, embora já fosse abril.

— Quer comer na bandeja vendo televisão? — ofe­receu Violet.

— Seria maravilhoso. Podemos ver o noticiário. Violet fez uma careta.

— As notícias, não. Algo agradável.

— Então, o que quer assistir? Temos um monte de DVDs — acrescentou a mãe.

Violet disse o nome de uma comédia sobre um crocodilo que comia as pessoas que moravam em volta de um lago.

A mãe lhe lançou um olhar estranho.

— Hum, normalmente, quando você quer assistir a esse filme, é porque discutiu com o Dr. Kemp.

Ela estava jogando verde para colher maduro.

Violet pigarreou.

— Tivemos uma pequena desavença — confessou, sem ousar dizer à mãe que a máquina de ganhar dinheiro estava temporariamente quebrada.

— Isso vai passar — prometeu a Sra. Hardy. — Ima­gino que ele seja um homem difícil, mas tem sido muito gentil conosco. Da última vez que estive internada, ele a levou até o hospital de carro e ficou sentado ao seu lado até eu superar a crise.

— Eu sei — respondeu Violet, sem acrescentar que o Dr. Kemp faria isso por qualquer um. Não signi­ficava nada, exceto que tinha bom coração.

— E depois nos mandou aquela imensa cesta de frutas no Natal. — A senhora continuava a falar.

Violet foi até o quarto colocar um jeans e uma camiseta. Como ia conseguir outro emprego sem mencionar o nome do Dr. Kemp como referência? Ele devia ter lhe dado uma carta de recomendação. Odiava ter que pedir isso a ele. Tinha dito a todos que iria trabalhar para Duke Wright, mas havia sido uma mentira para sair bem.

— Vai à academia hoje? — perguntou a mãe quan­do ela reapareceu e procurou na prateleira o DVD que queria.

— Hoje não — respondeu Violet com um sorriso. "Talvez nunca mais", pensou. Qual o sentido de ficar mais bonita se nunca mais voltaria a ver o Dr. Kemp?

Mais tarde, chorou até dormir, odiando-se por demonstrar fragilidade. Felizmente, ninguém mais presenciaria cenas daquele tipo. No dia seguinte, bem cedo, estava de pé e vestida, maquilada e de­cidida. Conseguiria um novo emprego. Era bem qualificada. Uma funcionária dedicada. Seria uma boa contratação para qualquer empregador. Disse isso a si mesma com firmeza, porque seu ego estava seriamente abalado. Ia mostrar ao Dr. Kemp que podia conseguir outro emprego!

Na verdade, não era bem assim. Jacobsville era uma cidade pequena. Não havia tantos empregos dispo­níveis, porque a maioria das pessoas com sorte para conseguir um, permanecia nele até a aposentado­ria.

Havia uma esperança. Duke Wright, um vaquei­ro local que mantinha com o Dr. Kemp uma verda­deira guerra verbal, não conseguia manter uma se­cretária. Era grosseiro, frio e exigente. Pelo menos uma secretária tinha deixado o emprego aos prantos. A esposa dele o abandonara, levando o filho pequeno, e pedira divórcio. Ele recusava-se a assinar os papéis, o que resultará num furioso confronto entre ele e Blake Kemp. Chegaram a ponto de trocar socos até que o chefe de Polícia Cash Grier interveio para apartar a briga. Duke deu um soco em Cash, o soco não pegou, mas ele foi parar na cadeia. Certamente, Duke Wright e Blake Kemp não se respeitavam.

Pensando nisso, reuniu coragem, telefonou para ele na manhã seguinte enquanto a mãe ainda dor­mia.

Sua voz profunda era facilmente reconhecível.

— Senhor... Sr. Wright? É Violet Hardy — gaguejou. Houve uma pausa surpresa.

— Sim, Srta. Hardy?

— Estava pensando se o senhor não estaria preci­sando da ajuda de uma secretária — despejou tão sem graça que estava quase chorando.

Houve uma pausa e depois uma risada ressoou.

— Você e o Kemp seguiram caminhos diferentes? — perguntou de imediato.

Ela se sentiu ruborizar.

— De fato, sim, seguimos. Pedi demissão.

— Fantástico!

— Per... Perdão? — gaguejou surpresa.

— Não consigo arranjar uma secretária que não me veja como um marido em potencial.

— Com certeza, não será o meu caso — respondeu nem pensar duas vezes. — Puxa, desculpe!

— Não precisa pedir desculpas. Em quanto tem­po consegue chegar aqui?

— Em 15 minutos — disse, satisfeita.

— Está contratada. Venha imediatamente. Não se esqueça de dizer a Kemp para quem você está trabalhando, confirmado? — acrescentou. — Vou ganhar meu dia!

Ela riu.

— Pois não, senhor. E muito obrigada! Trabalha­rei com afinco, posso fazer hora extra, tudo que o senhor quiser. Na medida do possível, claro.

— Não precisa se preocupar. Não quero mais saber de mulheres pelo resto da vida — disse num tom áspero. — Espero você, Violet.

Desligou antes que ela pudesse responder. Ela conseguira um emprego! Não precisava contar para a mãe que estava desempregada e que não conse­guiriam pagar o aluguel da casa, a prestação do carro e a comida. Sentiu-se tão aliviada que se sen­tou olhando o telefone até se lembrar de que pre­cisava ir para o trabalho.

— Vou chegar em casa logo depois das cinco, mamãe — disse carinhosamente, curvando-se para beijar-lhe a testa. A mãe estava gelada. Ela franziu o cenho, ficando ereta. — Você está bem?

A mãe abriu os olhos azuis pálidos e conseguiu dar um sorriso.

— Só um pouco de dor de cabeça, querida, nada com que se preocupar. Eu diria a você. Sincera­mente.

Violet relaxou, um pouco. Amava a mãe. A Sra. Hardy era a única pessoa no mundo que a amava, linha freqüentes crises de pânico só em pensar em perdê-la. Era assustador.

— Estou bem — enfatizou a mãe.

— Fique na cama hoje e não se levante e tente bancar a chefe do Cordon Bleu na cozinha, está certo?

A Sra. Hardy segurou a mão da filha.

— Não quero ser um peso para você, querida. Nunca pretendi isso.

— Não é sua culpa ter problemas cardíacos — in­sistiu.

— Se não fosse por mim... Seu pai ainda poderia estar vivo, se não tivesse sido forçado a... A sair com outra mulher... Para... — Foi interrompida pelo pranto, o que tornou seus olhos ainda mais d aros.

— Mãezinha, você não pode se culpar por algo que não podia controlar — disse Violet, pensando que se tivesse sido casada com o mesmo homem por 25 anos e ele tivesse um derrame cerebral, fica­ria ao seu lado enquanto ele lutava pela vida.

O pai não se comportara assim. Mas ele não amara de verdade sua mãe, e isso era óbvio para todo mundo, exceto para a Sra. Hardy. A mãe esta­va sempre disposta a ajudar os outros. Até adoecer, tinha sido membro ativo da comunidade, fazendo bolos para angariar fundos, trabalhando no grupo da igreja, levando comida para as famílias necessi­tadas — qualquer coisa. O pai, contador juramenta­do bem-sucedido, ia para o trabalho, voltava para casa e via televisão. Não tinha o menor sentimento de compaixão. Na verdade, a mente estava sempre voltada para si mesmo, para o que ele precisava. Ele e Violet nunca foram muito próximos, embora, à sua maneira, ele não tenha sido um mau pai.

Mas não podia dizer isso à mãe. Então, curvou-se e voltou a beijar-lhe a testa.

— Eu a amo. Não é peso nenhum tomar conta de você. Estou falando sério — acrescentou, sor­rindo.

— Diga ao Dr. Kemp que estou muito orgulhosa por ele ter lhe dado emprego. Não sei o que faría­mos...

Violet sentou-se ao lado da mãe.

— Escute, preciso contar-lhe algo.

— Você vai se casar? — perguntou à senhora, es­perançosa, com os olhos brilhando e um sorriso estampado no rosto. — O Dr. Kemp, finalmente, percebeu que você está apaixonada por ele!

— Ele percebeu — disse Violet, franzindo os lábios. — E disse que vou superar isso rápido se estiver trabalhando com outra pessoa.

A mãe ficou de queixo caído.

— E ele parecia um homem tão bom! — excla­mou.

Ela apertou com força sua mão.

— Arrumei um novo emprego — disse imediata­mente, antes que a mãe começasse a se preocupar. — Vou começar hoje de manha. — Sorriu. — Vai ser fantástico!

— Começar aonde? Trabalhando para quem?

— Duke Wright.

As sobrancelhas finas da mãe se arquearam e um brilho surgiu-lhe nos olhos.

— Ele não gosta do Dr. Kemp.

— E vice-versa — disse Violet com firmeza. — Vai pagar tanto quanto o Dr. Kemp — acrescentou, mentalmente cruzando os dedos, e não vai recla­mar do jeito como faço café.

— Não entendi — disse a Sra. Hardy. Violet pigarreou.

— Não se preocupe mãe. Vai correr tudo bem. Eu gosto do Sr. Wright.

A Sra. Hardy voltou a apertar-lhe a mão.

— Se você acha... Sinto muito, querida. Sei o que sente em relação ao Dr. Kemp.

— Já que ele não alimenta o mesmo sentimento, melhor não trabalhar mais ao seu lado e ficar so­frendo por ele — disse Violet realista. — Suponho que encontrarei outra pessoa, alguém que não me ache muito gorda...

Calou-se de repente e ficou ruborizada. A mãe ficou furiosa.

— Você não é gorda! Não posso acreditar que o Dr. Kemp teve a audácia de dizer uma coisa dessas para você!

— Ele não disse — respondeu Violet imediatamen­te. — Ele apenas... Insinuou. — Soltou um suspiro.

— Ele tem razão. Sou gorda. Mas estou me esfor­çando tanto para perder peso!

A mãe apertou-lhe a mão com mais força.

— Ouça querida — disse suavemente. — Um ho­mem que realmente se importe com você não vai ficar prestando atenção no que ele considera defei­to. Seu pai usava esse mesmo argumento comigo — acrescentou, inesperadamente. — Na verdade, ele disse que se envolveu com aquela outra mulher porque ela era mais magra e bem-arrumada.

— Ele... Disse isso?

Ela fez um trejeito com a boca.

— Eu devia ter contado a você. Seu pai nunca me amou, Violet. Era apaixonado pela minha melhor amiga, mas ela se casou com outro. E ele se casou comigo para se vingar. Queria o divórcio dois me­ses depois, mas eu estava grávida de você e, naque­le tempo, um homem que abandonasse a mulher grávida seria muito malvisto. Então, ficamos juntos e tentamos dar um lar para você. Pensando bem — disse num tom de voz cansado, recostada nos tra­vesseiros —, talvez eu tenha cometido um erro. Você não sabe o que é um casamento feliz, não é? Seu pai e eu, basicamente, não fazíamos nada juntos, nem mesmo quando você era pequenina.

Violet afastou o cabelo despenteado da mãe.

— Eu a amo muito. Acho você maravilhosa. E muita gente também pensa o mesmo. Meu pai foi quem perdeu se não foi capaz de perceber como você era especial.

— Pelo menos tenho você — respondeu com um suspiro — Eu também amo você, minha querida.

Violet lutou contra as lágrimas.

— Agora, realmente, preciso ir. Não posso me atrever a perder meu novo emprego antes mesmo de começar!

A mãe riu.

— Tome cuidado!

— Vou dirigir abaixo do limite de velocidade — prometeu.

— O Sr. Wright ainda é casado? — perguntou a Sra. Hardy.

— É sim. Recusou-se a assinar os papéis do di­vórcio. — Soltou uma gargalhada. — Foi esse o mo­tivo da briga com o Dr. Kemp.

— Você acha que foi por maldade ou ele ainda a ama?

— Todo mundo diz que ele ainda a ama, mas ela está ganhando uma fortuna como advogada em Nova York e não quer voltar para cá.

— Eles têm um filhinho. Ela não acha que o pai tem o direito de ver a criança?

— Ainda estão discutindo a guarda do filho.

— Que pena.

— As pessoas deviam pensar antes de terem filhos — disse Violet com convicção —, em vez de os terem por acidente.

— É o que eu sempre digo — respondeu a Sra. Hardy. — Tenha um ótimo dia, querida.

— Você também. O telefone está bem aqui e vou escrever o número do Sr. Wright, caso precise falar comigo. — Ela anotou-o no bloco perto do aparelho, sorriu e foi pegar a bolsa.

Duke Wright morava numa imensa casa branca em estilo vitoriano. Os comentários que corriam na cidade era que a mulher dele queria aquela casa desde criança, pois vivia na área pobre de Jacobsville. Tinha se casado com Duke assim que termi­nara o ensino médio e entrou para a faculdade de­pois da lua-de-mel. Decidira estudar Direito e Duke deixou-a fazer o que queria certo de que ela nunca deixaria Jacobsville. Mas ela gostou do estilo de vida cosmopolita quando foi estudar em Santo Antônio e decidiu trabalhar numa firma de advo­cacia lá mesmo.

Ninguém entendeu por que eles decidiram ter um filho no primeiro ano em que ela começou a exercer a advocacia. Ela não pareceu ficar satisfeita. Uma enfermeira foi contratada para trabalhar 24 horas por dia porque a Sra. Wright passava cada vez mais tempo no escritório. Depois, há dois anos, recebeu uma proposta de uma importante firma de advocacia em Nova York, e não perdera a chance. Duke tinha discutido, feito promessas, ameaçado, nu tentativa de fazê-la desistir. Nada funcionou. Num acesso de raiva, ela foi embora com o filho e pediu o divórcio. Duke havia lutado para dissuadi-la. Só agora a documentação do divórcio, no qual estava estabelecido que ele cederia a guarda do filho de cinco anos para ela, lhe tinha sido entregue para assinatura. Ele ficou desesperado.

Entretanto, pensou Violet, ele parecia ser muito seguro de si e convencido. Era alto e bronzeado, com traços fortes, queixo quadrado, olhos fundos escuros e cabelo castanho-alourado, que usava cor­tado de forma convencional. O físico era de astro de rodeio, o que realmente ele havia sido antes da morte do pai e sua mudança de caubói para barão do gado. Ele criava gado da raça Red Angus, que se destaca entre os criadores pelo pedigree. Tinha todo o equipamento científico necessário para uma ope­ração próspera, incluindo métodos de alta tecnolo­gia para criação, inseminação artificial, implante de embriões, cruzamento, obtenção de peso baixo no nascimento e taxa elevada de ganho diário de peso assim como formulação de alimentação adequada. Possuía o mais moderno tipo de operação, desde o controle das águas ao aprimoramento do feno. Tinha os computadores mais modernos que o di­nheiro podia comprar e software especializado. Sua mais nova produção era presunto e bacon orgânicos, negociados pela Internet.

Violet estava boquiaberta diante dos equipamen­tos de alta tecnologia do escritório que ele mantinha no enorme rancho, afastado da cidade.

— Intimidada? — perguntou devagar e sorrindo. — Não se preocupe. É mais fácil de usar do que parece.

— Você pode operar todo esse equipamento? — perguntou surpresa.

Ele deu de ombros.

— Levando-se em conta o tempo médio que as secretárias ficam no emprego, preciso ser capaz de trabalhar sozinho — disse abatido. Ele a fitou e colocou as mãos finas nos bolsos do jeans. — Violet, não sou um chefe fácil — confessou. — Tenho ataques de mau humor e crises de raiva, e algumas vezes fico furioso quando as coisas me aborrecem. Você vai precisar ter nervos de aço para trabalhar aqui. Então, não vou culpá-la se desistir.

Ela arqueou as sobrancelhas. — Trabalhei para Blake Kemp por mais de um ano.

Ele soltou uma gargalhada, compreendendo muito bem o que ela dizia.

— Dizem que ele é pior do que eu — concordou. Tudo bem. Então, que tal duas semanas de ex­periência? Depois disso, você decide se o salário vale à pena. Isso é outro assunto a ser discutido — acrescentou sorrindo. — Pago melhor que Kemp. Ele mencionou um valor que deixou Violet pasma. Ele meneou a cabeça. — Isso é para compensar os inconvenientes. Vamos, vou lhe mostrar o equi­pamento.

Era fascinante. Não conhecia nada parecido com a quantidade de planilhas eletrônicas e software com que ele cuidava de seu império. Mesmo a comida do gado era preparada por computador.

— Não que você vá precisar se preocupar com a operação dos porcos orgânicos — acrescentou rapi­damente. — Tenho três empregados só para cuidar disso. Mas estes dados — indicou a planilha eletrô­nica — são importantíssimos. Têm que ser mantidos diariamente.

— Todos eles? — perguntou em voz alta, preven­do horas e mais horas extras cuidando de estatís­ticas.

— Não é para ser feito a mão. Todos os caubóis são experts em computador, mesmo os da velha-guarda. Eles alimentam de informações os laptops e as enviam para o sistema pelo modem interno, direto das pastagens.

Ela apenas sacudiu a cabeça.

— Incrível! Espero ser inteligente o suficiente para aprender tudo isso, Sr. Wright.

Ele deu um sorriso de aprovação.

— Não há nada que eu aprecie mais do que a modéstia. Tenho certeza que vai aprender. Pronta para começar?

— Sim senhor!

O dia passou rapidamente, porque ela estava super ocupada tentando aprender o básico sobre os programas de computador de Duke Wright. Ela gostou dele. Ele podia ter péssima reputação e ela sabia que a convivência não seria fácil, mas ele tinha seu charme.

Conseguiu passar a tarde inteira sem pensar no Dr. Kemp até chegar em casa.

Sua mãe sorriu do sofá de onde assistia às no­velas.

— E então, como foi?

— Gostei! — respondeu Violet com um largo sor­riso. — Sinceramente. Acho que vai funcionar bem. Além disso, vou ganhar muito mais. Talvez a gente consiga até comprar uma máquina de lavar pratos!

A Sra. Hardy suspirou.

— Isso seria maravilhoso, não é?

Violet tirou os sapatos e sentou-se na cadeira de reclinar perto do sofá.

— Estou tão cansada... Vou descansar um pouco e depois cuido do jantar.

— Podíamos comer chili e cachorros-quentes. Violet soltou uma gargalhada.

— Podíamos comer uma linda salada — disse, pensando nas calorias.

— O que preferir querida. Ah! Esqueci de dizer. O Dr. Kemp esteve aqui há pouco.

Violet espantou-se. Ela sonhava em não ouvir aquele nome pelo menos nos próximos dias.

— O que ele queria?

A mãe pegou um envelope branco.

— Entregar isto a você. — Estendeu-o para Violet que ficou sentada olhando-o fixamente.

— Imagino que seja meu pagamento.

A Sra. Hardy tirou o som do aparelho de televi­são.

— Por que não abre para verificar?

Violet não queria, mas a mãe a olhava esperan­çosa. Rasgou o envelope e retirou um cheque e uma carta. Prendendo a respiração, desdobrou-a.

— O que diz?

Violet apenas olhava a carta sem acreditar.

— Violet, o que é?

Violet soltou um profundo suspiro.

— É uma carta de recomendação — disse com voz rouca.

 

— Não posso acreditar que ele me deu uma — disse Violet com voz rouca, o coração batendo forte ao pensar que ele tinha se dado a esse trabalho. — Não pedi.

— Ele me disse... — começou a mãe. — Disse que se sentiu muito mal com a forma como você partiu Violet, e desejava que fosse feliz no novo empre­go.

Violet olhou a mãe, odiando-se por estar tão feliz com essas migalhas.

— Ele disse? — Se recobrou de pronto. — Você contou onde eu estava trabalhando?

A Sra. Hardy mexeu-se no sofá.

— Bem, querida, ele parecia tão simpático e tive­mos uma conversa tão agradável... Então pensei: por que aborrecê-lo?

Violet soltou uma gargalhada.

— O que você lhe contou, mamãe? — perguntou gentil.

— Disse que você estava trabalhando num escri­tório da cidade para um homem muito gentil, preparando estatísticas — disse rindo a valer. — Ele não perguntou aonde. Ia perguntar, mas mudei de assunto. Ele explicou que Libby e Mabel estavam dividindo suas tarefas, por enquanto. E que vai colocar um anúncio procurando uma nova secretá­ria — acrescentou.

Violet suspirou.

— Espero que fique satisfeito com a coitada que conseguir o emprego.

— Não, não espera não. Eu sei que você não queria sair daquele escritório. Mas, querida, se ele não lhe corresponde, é uma bênção a longo prazo — disse a mãe, sábia. — Não faz sentido ficar se con­sumindo,

— Foi o que pensei ao pedir demissão — admitiu. Levantou-se, colocando a carta e o cheque de volta no envelope. — Vou preparar algo para comermos.

— Você podia fazer um bule de café — sugeriu a mãe.

Violet olhou-a séria.

— Você não deve tomar cafeína.

— Não temos descafeinado?

Esta pergunta fez Violet se lembrar do ex-chefe e perder a vontade de preparar o café. Mas a mãe gostava tanto e ficava tão chateada por não poder bebê-lo! Tampouco sabia sobre a discussão no escritório de Kemp. Violet forçou um sor­riso.

— Vou pensar — disse, deixando-a entregue à novela.

Os primeiros dias longe do escritório de Kemp foram os piores. Não conseguia esquecer como ansiava, a cada novo dia, admirar o chefe. O coração disparava ao som de sua voz. Tremia dos pés à ca­beça quando, raramente, ele lhe sorria ao concluir uma tarefa difícil. Mesmo o perfume lhe desperta­va lembranças, porque ele sempre usava a mesma colônia masculina. Sentia que algo lhe fora roubado, pois nunca mais o veria, nem de longe. Estava tra­balhando para o seu pior inimigo. Era pouco pro­vável que Kemp aparecesse no rancho de Duke Wright algum dia.

Mas, enquanto o tempo ia passando, Violet aos poucos, foi se adaptando à rotina do rancho. Os programas de planilhas eletrônicas eram fáceis de usar, depois que se aprendia o significado dos vários termos, como taxa de ganho de peso e baixo peso no nascimento. Aprendeu que Duke usava insemi­nação artificial para aprimorar a genética do gado, selecionando o peso baixo no nascimento, as taxas apropriadas de ganho de peso e as fatias de carne magra do gado que seria eventualmente gerado por seus rebanhos puro-sangue.

Ficou fascinada ao descobrir o uso da ciência para prever a maciez e a quantidade de gordura dos pedaços de carne e que a genética podia manipular tais fatores para fornecer um produto mais comerciável.

Ficou surpresa com a variedade de pedigrees e com o tanto de história contida nos programas de criação. Era como estudar a história orgânica do Texas só de olhar os primeiros rebanhos que con­tribuíram para a formidável preocupação de Duke quanto à carne. Ele mantinha registros fotográficos, estatísticas, e Violet descobriu que os primeiros animais eram pequenos, parrudos e peludos, com­parados aos de hoje. Os gráficos mostravam a pro­gressão da criação genética.

Suas tarefas eram rotineiras e pouco excitantes, mas ganhava bem e gostava das pessoas com quem trabalhava. Porém, o trabalho de Violet era à parte. Duke contratava caubóis para trabalharem tanto em tempo integral quanto em regime temporário, e um estudante de veterinária, que trabalhava no rancho durante um semestre e no outro freqüenta­va a universidade. Três dos funcionários apenas tinham a responsabilidade de, através do site, ven­der os excelentes produtos orgânicos de presunto e bacon.

Duke acabara de abrir uma loja em Jacobsville para vender porco orgânico. Havia, ainda, um mo­derno complexo de escritórios, onde o pessoal da produção e do laboratório estava instalado, adja­cente ao enorme estábulo. O estábulo, além de ser seu orgulho — graças aos rebanhos de puros-sangues e aos caros touros reprodutores — contava também com uma sala climatizada onde os espermas conge­lados e embriões eram mantidos, e realizada a inse­minação artificial. Embriões obtidos de animais de qualidade superior, assim como sêmen de touros campeões — mortos há muito tempo —, ficavam em barris de nitrogênio líquido. A inseminação era feita em fêmeas usadas como barrigas de aluguel, da raça Holsteins ou mesmo de fêmeas originárias de cruzamentos de várias raças. Os bezerros eram vendidos com os novilhos de um ano descendentes de touros puros-sangues.

Violet conhecia vagamente os funcionários en­carregados do laboratório, dentre eles a bióloga, Delene Crane, uma jovem com um estranho senso de humor. Apenas os cumprimentava porque não tinha muito tempo livre para conversar. Nenhum dos funcionários tinha. A rotina no rancho estava caótica, porque a primavera era o período mais atribulado para todos. Era a época de nascimento dos novilhos que precisavam ser registrados e mar­cados a ferro.

Ela sabia que Duke usava não somente o ferro em brasa, mas também chips de computador em etiquetas plásticas penduradas nas orelhas do gado, que conti­nham a história completa de cada vaca ou touro. A informação era escaneada em um laptop e enviada por modem para o computador de Violet para ser incluí­da no programa de planilhas eletrônicas.

— E simplesmente fascinante — disse Violet a Duke enquanto observava as informações sendo atualizadas automaticamente na tela do computa­dor, minuto a minuto.

Ele sorriu. Estava cansado e empoeirado. As botas estavam sujas e manchadas de sangue, porque passara o dia ajudando nos partos. A camisa verme­lha estava molhada de suor. O cabelo, por baixo do chapéu de caubói Stevenson, pingava. As luvas de couro, justas e de camurça colorida, estavam pen­duradas na larga fivela do cinto ajustado na cintura estreita, por cima do jeans.

— Trabalhamos um bocado para conseguir essa operação — confessou, olhando a tela enquanto fa­lava, a voz profunda e agradável ressoando no es­critório silencioso. — E gastamos um bocado de dinheiro também. No último ano, tive prejuízo. Mas agora estou começando a lucrar. Acho que a operação com os porcos vai me sair do déficit.

— Aonde os porcos são mantidos? — Até agora só tinha visto gado e cavalos. Além da criação de gado, Duke mantinha um pequeno rebanho de cavalos puro-sangue Appaloosa.

— Longe o suficiente, pois o cheiro não é dos mais agradáveis — respondeu com um sorriso força­do. — Ficam num complexo próprio a cerca de um quilômetro e meio da estrada. É impressionante­mente limpo e puramente orgânico. Tem pastos para ficarem soltos, um rio que corre durante todo o ano e são alimentados com uma dieta orgânica sem pesticidas, sem hormônios e sem antibióticos — a não ser quando, absolutamente necessário.

— O senhor parece os Hart, os Tremayne e... — começou.

—... E Cy Parks e J. D. Langley — completou ele, rindo. — Foram eles que me deram a idéia... E o movimento está ganhando adeptos. Christabel e Judd Dunn entraram no negócio no passado.

— Ouvi dizer que eles vêm obtendo muitos lucros — comentou Violet. — O Dr. Kemp cuida da do­cumentação dos Hart e de Cy Parks... — Mordeu a língua quando o viu ficar sério. — Desculpe chefe — disse imediatamente.

Ele ficou agitado.

— Sem problema.

Mas ela sabia o que ele pensava a respeito de Kemp. Abriu uma segunda janela na tela do com­putador e distraiu-o com uma pergunta sobre outro procedimento.

Ele explicou o processo e sorriu.

— Você é bem diplomata, Violet. Estou feliz por ter precisado de um emprego.

— Eu também, Sr. Wright — respondeu, sorrindo. Ele puxou o chapéu sobre os olhos.

— Já fiquei tempo demais conversando — disse. — Vou voltar ao trabalho antes que Lance me arras­te de volta para o pasto. Você pode ir embora as cinco em ponto, independentemente dos telefonemas, tudo bem? — acrescentou. — Sei que está pre­ocupada com sua mãe. Não precisa fazer hora ex­tra.

— Obrigada — disse com sinceridade. — Ela não gosta de ficar sozinha à noite. Tem medo.

— Não duvido. Ah, se tiver um minuto — acres­centou da porta —, telefone para Calhoun Ballenger e avise que estou enviando um donativo para a campanha dele.

Ela deu um sorriso.

— Com prazer. Eu também vou votar nele.

— Sorte sua. — Ele fechou a porta cuidadosa­mente.

Violet telefonou, terminou o trabalho e saiu no horário. Precisava ir ao correio, no caminho para casa, despachar a correspondência de Duke.

Kemp estava lá quando ela entrou: tinha acabado de remeter uma carta de última hora.

Parou ao vê-la, os olhos azuis apertados e acusa­dores. Ela sabia que o batom já saíra há tempos, o cabelo da trança estava espetado em ângulos cômi­cos e a bainha de uma das pernas da calça estava desfeita. Podia tê-lo encontrado quando estava mais arrumada e bonita, pensou infeliz. Para culminar, estava usando um jeans branco muito apertado e uma blusa vermelha com babados que a fazia pare­cer-se vagamente com um palhaço. Ela cerrou os dentes ao encará-lo.

— Dr. Kemp — disse, educada, e começou a se desviar.

Ele interceptou-a.

— O que o Wright tem feito com você? Você parece exausta.

As sobrancelhas finas arquearam-se ao perceber uma genuína preocupação no olhar dele. Pigarreou.

— É época de nascimento — respondeu. Ele acenou compreensivo.

— Os Hart já estão vendendo os novilhos — brin­cou e quase sorriu. — Tiveram alguns problemas com as exportações para o Japão. Suponho que esse negócio de gado seja exaustivo.

Ela sorriu encabulada.

— Todos estão se apressando para registrar as informações referentes a cada novo bezerro. E são tantos...

— Ele abriu uma loja de carne aqui na cidade — co­mentou. — Vende presunto, salsicha e bacon orgâ­nicos.

— Isso mesmo, e os funcionários mantêm um site na Internet para a venda dos porcos. — Hesitou. O coração batia acelerado e sentiu as pernas tremerem com a troca de olhares. Ela sentia tanta falta dele! — Como... Como estão Libby e Mabel?

— Com saudades de você. — Ele tentou fazê-la sentir-se culpada.

Se estivessem sozinhos, ela poderia fazer algum comentário sobre o olhar acusador dele. Mas havia muita gente entrando e saindo.

— Obrigada. Pela recomendação, quero dizer. Ele deu de ombros.

— Não achei que Wright fosse contratá-la — dis­se com sinceridade. — Não é segredo que ele não gosta de mulheres no rancho, desde o divórcio.

— Delene Crane trabalha para ele — respondeu curiosa. — E ela é mulher.

— Ele conhece Delene desde os tempos da facul­dade — contou. — Não a vê como uma mulher.

Interessante, pensou, porque Delene não era feia. Era ruiva, tinha olhos verdes e pele clara, com algu­mas sardas. Ela tratava friamente os caubóis que a cortejavam. O relacionamento com Duke era estri­tamente profissional, então, talvez ele realmente não a veja como uma possibilidade romântica. Por que Delene não se sentia à vontade com os homens?

— Como vai sua mãe? — perguntou Kemp de repente.

Ela espantou-se.

— Ela vive desobedecendo às ordens médicas — la­mentou-se. — Carrega peso, por exemplo. Os mé­dicos disseram que o organismo dela tem tendência à formação de coágulos, apesar dos armadores de sangue que lhe prescreveram. Não disseram, mas sei que quando alguém teve um ou dois derrames, a possibilidade de ter outros aumenta. Ele assentiu lentamente.

— Mas hoje há remédios que evitam isso. Estou certo que o médico está cuidando bem dela.

— Está — teve que concordar.

— Sua mãe é especial. Ela sorriu.

— Eu também acho.

— O tempo está escurecendo. Melhor colocar suas cartas no correio para não pegar chuva ao sair.

— Está bem. — Ela olhou-o com tristeza. Ela o amava. Era lamentável que ele soubesse e sentisse pena dela. Afastou o olhar, ficando ligeiramente ruborizada. — É, é melhor eu... Ir.

Inesperadamente, ele estendeu a mão e afastou uma longa mecha de seu cabelo negro que escapara da trança. Prendeu-a atrás de sua orelha, o olhar intenso e solene ao perceber que o coração disparava. Ouviu-a arfar com o leve contato. Sentiu-se culpado. Ele podia ter sido mais gentil com Violet. Ela já possuía tantos problemas: como cuidar da mãe, por exemplo. Ela se importava com ele. E dera várias demonstrações quando trabalhou com ele. Não queria encorajá-la ou dar-lhe falsas esperanças. Mas ela parecia tão infeliz!

— Cuide-se — disse baixinho. Ela engoliu em seco.

— Sim senhor. O senhor também.

Ele afastou-se para deixá-la passar. Quando o fez, sentiu um leve cheiro de rosas. Espantou-se ao notar como fazia falta aquele perfume no escritório. Violet havia se tornado quase como parte da mo­bília do escritório no ano que passou. Era tão fami­liar! Ao mesmo tempo, estava consciente de que ela lhe despertava emoções desconhecidas até então. Violet o fazia pensar em lareiras no inverno, em velas na escuridão. Sua ausência só tinha servido para fazê-lo perceber o quanto era solitário.

Ela caminhou até a caixa do correio, sem perce­ber o olhar nostálgico às suas costas. Quando ter­minou a tarefa, ele já tinha saído e entrado em sua Mercedes.

Violet o viu afastar-se antes de sair do Correio. Estava começando a chover. Ia se molhar, mas não se importava. O estranho e afetuoso encontro a deixara tonta de prazer. Seria uma recordação agra­dável para iluminar sua vida solitária.

A cidade inteira falava de Janet Collins. Ela havia desaparecido e Libby e Curt, seus enteados, sus­citavam muitos comentários maldosos. Jordan Powell tinha sido visto com Libby, mas ninguém levava o relacionamento a sério. Ele também le­vava Julie, filha do senador Merrill, a eventos sociais. Violet ficou imaginando se Libby se sen­tia tão rejeitada quanto ela em relação à Kemp. A ex-colega de trabalho gostava de Jordan há algum tempo, mas, aparentemente, o sentimento não era recíproco.

Com o passar dos dias, a mãe de Violet parecia cada vez mais fraca. E era difícil para Violet trabalhar sem se preocupar com ela. Tinha voltado a freqüen­tar a academia à noite, três vezes por semana, mas apenas por meia hora. Comprara um celular e o mantinha ligado, caso surgisse uma emergência durante sua ausência de casa. O novo telefone de casa possuía um botão que, acionado, se conectava imediatamente ao seu celular.

Cortou o cabelo e fez mechas, e pediu à dona de uma butique que lhe ajudasse a comprar roupas, levando-se em conta as características de seu corpo. Aprendeu que blusas decotadas ajudam a diminuir o tamanho do busto, que um blazer mais comprido diminui quadris largos e listras verticais a faziam parecer mais alta. Experimentou vários cortes de cabelo até encontrar o que lhe afinava o rosto re­dondo, e aprendeu a usar uma maquilagem suave que dava a impressão de não estar maquilada. Es­tava mudando, amadurecendo, emagrecendo. E tudo isso tinha um objetivo, por mais que não quisesse admitir. Ansiava que Blake Kemp sentisse sua falta, que a desejasse ao olhá-la. Era um sonho impossível, mas não conseguia abrir mão dele.

Nesse meio tempo, Kemp passava grande parte de seu tempo em casa, pensando como fazer Violet voltar.

Ele esticou-se no sofá de couro vinho para assis­tir ao canal do tempo com suas duas gatas, Mee e Yow, enrascadas em seu peito. Mee, uma siamesa grande com as extremidades em tonalidade marrom-escura, raramente se aconchegava. Yow, uma sia­mesa marrom-clara, pulava em seu colo assim que se sentava. Sentia enorme afeição pelas gatas, que ti­nham se tornado sua família. Sentavam-se com ele para ver televisão à noite. Ficavam enrascadas na grande mesa de carvalho quando trabalhava no computador. Tarde da noite, entravam embaixo das cobertas, uma de cada lado, e ronronavam até ele adormecer.

Os Hart achavam essa mania por gatos exagera­da. Mas, afinal, eles não gostavam de gatos, exceto de Cag e Tess, dois vira-latas. Mee e Yow, em con­trapartida, tinham pedigree. Blake as comprara numa loja de animais onde estavam presas em gaio­las há semanas, últimos filhotes de uma criadora que tinha ido à falência. Ficou com pena delas. E dizia a si mesmo que elas o hipnotizaram. Gatos eram mestres na arte de sedução. Incrível como um gato saudável e gordo podia passar a impressão de ser um órfão faminto e macilento. As gatas ainda lhe pregavam peças depois de quatro anos de con­vivência. E continuava funcionando.

Pensou em Violet e na mãe e lembrou-se que a idosa Sra. Hardy era alérgica a pêlo. Violet adorava animais. Mantinha pequenos bibelôs de gatos na mesa. Ele nunca a convidara para ir a sua casa, mas tinha certeza que ela iria adorar as gatas. Imaginou-a pedindo a Duke Wright para deixá-la acariciar os bezerros.

Ele estremeceu diante da idéia de Violet envol­ver-se com outro homem. Wright andava amargu­rado por causa do divórcio e do processo de custódia que a esposa havia movido contra ele. Culpava Kemp por isso, mas ele apenas agia como qualquer outro advogado. Se a futura ex-Sra. Wright estava feliz como parecia em seu emprego numa impor­tante firma de advocacia em Nova York, a proba­bilidade de voltar era nula. Ela amava o filho tanto quanto Duke e achava melhor que o menino não ficasse dividido entre pai e mãe. Kemp não concor­dava. Uma criança tinha pai e mãe. Privá-la de um deles só lhe traria tristeza.

Sacudiu a cabeça. Era uma pena que as pessoas tivessem filhos sem pensar nas conseqüências. Uma criança não transformava um mau casamento em um casamento bom. A clientela de Kemp o fazia constatar essa realidade sempre que cuidava de um processo de divórcio. As crianças eram as que mais sofriam.

Beka Wright nunca falara sobre o assunto e Kemp não era indiscreto, mas comentava-se na cidade que Duke tinha, deliberadamente, escon­dido as pílulas anticoncepcionais quando a mulher estava num período fértil, esperando que um bebê pudesse curá-la da ambição. Não curou. Ele era do tipo autoritário que espera obediência cega da mulher. O pai tinha sido igual: um autocrata do­minador cuja esposa saíra com pneumonia, na chuva, quando ele se ausentou da cidade, num final de semana em janeiro, numa única e fatal tentativa de escapar dele. A morte a poupara de futuros abusos. Duke herdara o mesmo compor­tamento autoritário e julgava ser essa a atitude normal de um homem para com a esposa. Estava aprendendo que casamento significava fazer con­cessões, buscar acordos.

Blake olhou sua casa com decoração em estilo western: couro vinho misturado com carvalho escu­ro e mobília em cerejeira. O carpete e as cortinas eram em tons terra. Ele gostava de encontrar uma atmosfera serena depois da agitação da vida profis­sional. Mas pensou nas alterações que uma mulher faria na decoração.

Mee arranhou-lhe o braço com as unhas. Ele se encolheu e resolveu tirá-la do sofá. Ela estava dor­mindo, mas quando sentiu a mão dele, aconchegou-se ainda mais e começou a ronronar.

Ele sorriu. Não, ele não era do tipo casamentei­ro. Era um cozinheiro, um gourmet. Cuidava da própria roupa e da casa. Podia prender um botão e fazer a cama. Como a maioria dos ex-oficiais das Forças Especiais, era independente e auto-suficien­te. Veterano da primeira Guerra do Iraque exibia a insígnia de capitão. Estava na reserva do Exército, depois de se formar em advocacia, e começara a trabalhar em Jacobsville quando sua unidade foi convocada. Ele e Cag Hart tinham servido na mesma Divisão Mecanizada. Poucas pessoas sa­biam disso, porque ele e Cag não falavam muito sobre as missões de que participaram e que criavam laços que não-combatentes não compreende­riam.

Pegou o controle remoto e mudou de canal. Parou no canal sobre previsão do tempo para ver quando a chuva cessaria e depois mudou para o canal de história, que assistia durante a maior parte de suas horas livres à noite. Com freqüência, pen­sava que se um dia encontrasse uma mulher que gostasse de história militar poderia resolver voltar à ativa.

Mas, depois, lembrou-se da mulher que perdera e a tristeza voltou. Aumentou o volume e recostou-se, a mente concentrando-se na batalha de Gaugemela, em 331 a.C, em que Alexandre, o Grande, derrotou o rei persa Dario.

Violet chegou tarde em casa na sexta-feira seguin­te. Tinha ido à academia e, ao sair, lembrou-se que não tinha leite em casa. Foi até a mercearia. Quan­do estacionou na garagem da minúscula casa alugada, viu a mãe sentada nas escadas da varanda perto do pequeno jardim de flores. A Sra. Hardy estava imóvel.

Em pânico, Violet saltou do carro, sem se preo­cupar em fechar a porta, e correu para a mãe.

— Mamãe — gritou.

A mãe estremeceu ligeiramente. Os olhos azuis estavam assustados quando virou a cabeça e olhou a filha. Respirava com dificuldade. Mesmo assim sorriu.

— Querida, está tudo bem. Apenas tive um pou­co de falta de ar; só isso! Estou bem!

Violet ajoelhou-se a seu lado, lágrimas escorren­do pelo rosto pálido. Estava tremendo.

— Minha filhinha. — A Sra. Hardy puxou a filha para perto, sussurrando palavras afetuosas. — La­mento. Lamento tanto... Quis arrancar as ervas daninhas do canteiro de flores e plantar as mudas que eu tinha colocado na janela da cozinha. Só trabalhei demais, apenas isso. Está vendo? Estou bem.

Violet afastou-se aterrorizada. Só tinha a mãe no mundo. A amava tanto. Como poderia viver sem ela? O medo estava estampado em seu rosto.

A Sra. Hardy percebeu e apertou Violet nos bra­ços.

— Violet — disse triste —, um dia você vai ter que deixar que eu me vá. Você sabe disso.

— Ainda não estou pronta — soluçou.

A Sra. Hardy suspirou. Beijou os cabelos negros de Violet.

— Eu sei — murmurou os olhos distantes em direção ao horizonte. — Nem eu.

Mais tarde, as duas se sentaram em frente a pratos de sopa quente e pão de milho fresco. A mãe ob­servava a filha, preocupada.

— Violet, tem certeza de que está satisfeita traba­lhando no escritório de Duke Wright?

— Claro que estou — afirmou Violet.

— Acho que o Dr. Kemp quer que você volte a trabalhar para ele.

Violet ficou com a colher de sopa no ar.

— Por que diz isso, mamãe?

— Mabel, que trabalha no escritório, veio me visitar na hora do almoço. Ela disse que o Dr. Kemp está tão mal-humorado que é quase impossível trabalhar com ele, e acha que ele sente sua falta.

O coração de Violet pulou.

— Não foi o que deu a entender, quando o en­contrei outro dia no Correio. Mas estava se com­portando... De um jeito esquisito.

A senhora sorriu por cima da colher de sopa.

— Os homens, com freqüência, não sabem o que querem até perderem.

— Não me diga! — riu Violet de mansinho.

— Então, querida, de volta à pergunta inicial. Você gosta do novo emprego?

Ela fez que sim com a cabeça.

— É desafiante. Não tenho que lidar com pessoas tristes, zangadas, infelizes, cujas vidas estão se des­pedaçando. Sabe? Até mudar de emprego, não tinha percebido como é deprimente trabalhar num escri­tório de advocacia. Você vê tantas tragédias...

— Suponho que gado seja bem diferente.

— Há muito que a aprender — concordou Vio­let. — E tão complexo. Há tantos fatores envolvidos para produzir um bom bife. Pensei que bastasse colocar touros e vacas no mesmo pasto e deixar que a natureza se encarregasse do resto.

— E não é? — perguntou a mãe, curiosa. Violet deu um risinho maroto.

— Quer saber como funciona?

— Com certeza.

Então Violet passou a meia hora seguinte ensi­nando à mãe as várias etapas necessárias para criar um bife de primeiríssima qualidade.

— Bem! — exclamou a senhora. — Não é nada simples.                                                  

— Não é mesmo. As planilhas de cálculos são tão complicadas...

O som da campainha do telefone interrompeu Violet. Ela franziu a testa.

— Deve ser outra ligação de telemarketing — res­mungou. — Adoraria poder comprar um daqueles telefones com secretária eletrônica e bina.

— Um dia um milionário vai entrar pela porta da frente trazendo um sapatinho de vidro e um anel de noivado — brincou a Sra. Hardy com um olhar malicioso.

Violet riu, levantou-se e foi atender ao telefone.

— Residência dos Hardy — disse numa voz ami­gável.

— Violet?

Era Kemp. Precisou respirar fundo antes de conseguir responder.

— Pois não — balbuciou. Ele hesitou.

— Preciso falar com você e com sua mãe. É im­portante. Posso ir à sua casa?

A mente de Violet funcionou rápido. A casa estava desarrumada. Ela estava desarrumada. Usava um jeans e uma camiseta que não lhe ficavam bem. O cabelo precisava ser lavado. A sala de estar precisava de um aspirador de pó...

— Quem é querida? — perguntou a Sra. Hardy.

— É o Dr. Kemp, mamãe. Disse que precisa falar conosco.

— Não é ótimo ainda termos um pouco daquele bolo de frutas? — perguntou em voz alta. — Diga-lhe que venha logo, querida.

Violet trincou os dentes.

— Está bem — respondeu.

— Ótimo. Chegarei em 15 minutos. — Ele desli­gou antes que Violet pudesse perguntar o que ele queria.

Virou-se preocupada para a mãe.

— Você acha que vai me propor voltar a trabalhar para ele?

— Como posso saber? Mas sei que devia lavar o cabelo, querida. Ainda há tempo.

— Não dá para lavar a cabeça, passar o aspirador e arrumar a sala de estar — lamentou-se.

— Violet, as tarefas domésticas podem esperar — respondeu a mãe em tom de gozação. — Você, não. Anda logo, garota!

Violet ficou desorientada, mas foi direto para o banheiro lavar o cabelo. Quando ouviu o motor do carro, já estava vestindo um bonito suéter azul de mangas curtas e um jeans branco. O cabelo estava limpo e ela o deixou solto, porque não teve tempo de trançá-lo. Estava calçando pantufas, mas decidiu que não tinha importância.

Abriu a porta. Kemp a examinou de cima a baixo com seus olhos azul-claros. Mas não prestou atenção à sua aparência. Estava carrancudo.

— Tenho algo a contar, mas não quero aborrecer sua mãe. Adeus aos sonhos de ser recontratada.

— Qual é o assunto?

Ele suspirou profundamente.

— Violet, quero autorização para mandar exumar corpo de seu pai. Acho que Janet Collins o matou.

 

Violet ficou em dúvida se tinha entendido o que ele dissera. Sabia que algo estava acontecendo. Curt fora ao seu escritório com um bilhete de Jordan Powell, o chefe dele, para Duke. Contara que ele e Libby iam pedir a exumação do corpo do pai porque suspeitavam que Janet, a madrasta, podia tê-lo as­sassinado. Ela era suspeita de matar pelo menos um outro homem idoso por envenenamento. Violet e a mãe sabiam que o Sr. Hardy envolvera-se com alguém. Mas jamais questionaram a causa da mor­te. E não tinham descoberto quem era a amante dele. Agora, várias perguntas que ela não quisera fazer estavam subitamente sendo respondidas.

A boca abriu-se de surpresa.

— Meu Deus! Kemp fechou a porta e suspendeu o queixo de Violet para que ela o olhasse.

— Não quero fazer isso — disse suave. — Mas exis­te uma grande chance de seu pai ter sido assassinado. Você não vai querer que Janet Collins escape dessa, se for culpada. Nem eu.

—Tem razão — concordou. — Mas e minha mãe?

Ele mais uma vez suspirou.

— Preciso da assinatura dela. Não posso agir apenas com a sua.

Eles trocaram olhares preocupados. E subitamente ele estreitou os olhos no rosto oval rodeado pelo cabelo escuro. A pele dela era clara e luminosa. Ela não estava usando maquilagem, ex­ceto um batom rosa nos lábios. E aquele suéter... Os olhos dele desceram até os seios fartos dela, apreciando-os. Tinha a cintura fina, também. E o jeans realçava o bonito contorno dos quadris. — Perdi peso — declarou.

— Não perca mais — murmurou ausente. — Você está perfeita.

Suas sobrancelhas arquearam-se.

— O que disse? — gaguejou.

— Se eu não fosse um solteirão convicto, não sei o que faria com você — respondeu baixinho, com o olhar intenso e firme.

O coração dela começou a acelerar. As pernas fraquejaram. Ele, a qualquer instante, perceberia sua agitação, seu descontrole.

— Mas sou um solteirão convicto — acrescentou com firmeza, tanto para si mesmo quanto para ela.

— E essa não é à hora, de qualquer forma. Posso entrar?

— Claro.

Fechou a porta, desconcertada comas palavras dele.

— Planejava ir até seu escritório para lhe contar — disse em voz baixa —, mas na última hora chegou um cliente preocupado e quando terminei de aten­dê-lo você já havia ido embora. Queria ter tido tempo para prepará-la para o que temos de fazer.

Ele olhou em direção à porta da sala de estar. —Como está ela?

Violet mordeu o lábio inferior.

— Ela teve uma indisposição esta semana — disse, preocupada. — Se julga mais forte do que é. Perder papai e descobrir que ele tinha uma amante arruinou sua vida.

Ele evitou uma resposta áspera.

— Acha que devo contar sobre minhas suspeitas na presença de um médico?

Ela suspirou, exausta.

— Não acho que fará diferença. — Fitou-o. — Ela precisa saber. Não quero que Janet Collins escape. Nem ela vai querer. Nós amávamos papai, à nossa maneira.

— Então, está bem. — Fez sinal para que ela fosse à frente e seguiu-a.

A mãe levantou a cabeça e sorriu.

— Dr. Kemp! Que bom voltar a vê-lo!

Ele sorriu e parou na frente dela para apertar-lhe a mão.

— Estou feliz em revê-la também, Sra. Hardy. Mas receio trazer-lhe más notícias.

Ela afastou a costura e sentou-se ereta.

— Minha filha pensa que sou um marshmallow — disse com um olhar travesso para Violet. — Mas sou mais forte do que pareço, apesar das minhas artérias entupidas. — Apertou os lábios com firmeza. — Diga o que preciso saber e farei o que for necessário.

Kemp piscou.

— A senhora é muito corajosa, não é? — brincou. Ela sorriu, parecendo bem mais jovem do que era.

— Pode apostar. Continue. Fale logo.

O sorriso dele desapareceu. Violet apoiou-se no braço da cadeira em que a mãe estava sentada.

— Deve ser algo ruim, já que vocês dois estão com medo que eu passe mal. Tem a ver com Janet Collins, não tem?

Violet engasgou. As sobrancelhas de Kemp arquearam por cima da armação dos óculos.

— Não sou uma petúnia. Não fico pendurada na varanda o tempo todo — informou-os. — Faço meu cabelo, vou ao consultório do médico, vejo muita gente. Sei que Libby e Curt Collins estão com pro­blemas com a madrasta e dizem que ela pode estar envolvida na morte de um ancião numa casa de repouso. Comentam que ela tirou o último centavo dele. E depois ela esvaziou nossa poupança: meio milhão de dólares. Não ficou provado que foi ela.

— Encontrei uma testemunha que talvez tenha visto Janet Collins no motel com Arthur no dia em que ele morreu, pouco antes de a ambulância chegar para levá-lo ao hospital. Ela saiu correndo pela porta, mas foi vista. No hospital, o médico, sem saber de nada, diagnosticou um ataque cardíaco pelos sintomas. Mas não foi feita autópsia.

— Isso mesmo — disse a Sra. Hardy. Ela deu um olhar inteligente aos ouvintes. — E você acha que ela o matou, não é isso? — perguntou a Kemp.

Ele ficou impressionado.

— Sim, acho — disse com sinceridade.

— Não quis pensar nisso, mas tinha minhas dú­vidas — afirmou. — Ele jamais teve problemas cardí­acos. Uma vez fez um cateterismo numa clínica em San Antônio, sem necessidade. Seu coração e suas artérias estavam em ótimas condições, sem nenhum entupimento. Então, para mim, foi uma surpresa ele ter morrido um mês depois por causa de um suposto ataque cardíaco. Mas eu estava tão aborre­cida com sua morte súbita e a descoberta de que tinha uma amante que não pensei com clareza.

— Se isso lhe servir de consolo, Janet Collins tinha um jeito especial de seduzir os homens — res­pondeu Kemp. — Ela costumava por se insinuar para homens mais velhos, e não é uma mulher feia. A maioria dos homens reage de forma previsível nessas situações.

Violet se perguntava se Kemp era assim também, mas afastou o pensamento.

— Arthur já havia tido outro envolvimento — dis­se a Sra. Hardy, lançando um olhar de desculpas para Violet. — Ele era um homem bonito e saudável, e eu sempre fui quieta, envergonhada e simples.

— Você não é simples — protestou Violet.

— Minha família era muito rica, querida — con­tou, com tristeza, à filha. — E Arthur era ambicioso.

Ele queria ter a própria firma de contabilidade, e eu o ajudei a consegui-la. Não que ele não traba­lhasse com afinco, mas ele jamais teria conseguido sem o meu apoio. Acho que isso feriu seu orgulho. Talvez seus... Relacionamentos extraconjugais... Fossem uma maneira de provar a si mesmo que, apesar da idade, ainda podia atrair mulheres bonitas. Desculpe, Violet — acrescentou, tocando a coxa da filha. — Mas pais são seres humanos também. Arthur a amava e tentou ser um bom pai, mesmo não sen­do um bom marido.

Violet trincou os dentes. Colocou-se no lugar da mãe, imaginando como se sentiria se o marido só pensasse em envolver-se com outras mulheres.

— Quando Arthur começou a me trair — continuou a Sra. Hardy—, não tive coragem para deixá-lo e seguir em frente sozinha. Tinha Violet que precisava de nós dois e de um ambiente estável. E eu não podia mais cuidar de mim mesma. Arthur pagou um preço para ficar comigo. Eu não o culpo pelo que fez.

Mas ela o culpava. Violet apertou-a nos braços.

— Eu o culpo — murmurou.

— Eu também — disse Kemp com uma firmeza surpreendente. — Qualquer homem honrado teria pedido o divórcio antes de se envolver com outra mulher.

— Ei, quanto puritanismo! — acusou-o a Sra. Hardy com um sorriso.

— Tenho companhia — disse, apontando para Violet.

A Sra. Hardy riu. Cruzou as mãos no colo.

— Tudo bem, então concordamos que Arthur, provavelmente, se envolveu com Janet Collins e ela pode ser responsável por sua morte. Mas, a não ser que seja exumado e feita uma autópsia, não pode­mos provar. Por isso o senhor está aqui, não é Dr. Kemp?

— A senhora é impressionante, Sra. Hardy — res­pondeu Kemp, mostrando admiração nos olhos azul-claros.

— Tenho muita percepção. Pergunte a Violet. — O sorriso desapareceu. — Quando vai querer exu­mar o corpo?

— O mais rápido possível. Vou tomar as provi­dências, se a senhora concordar. Há papéis a serem assinados. O assunto pode aparecer nos jornais.

— Posso lidar com isso. Assim como Violet — ga­rantiu, sorrindo para a filha.

— Eu também. Faremos o que for preciso. Não importa como papai agiu; ela não tinha o direito de matá-lo.

— Muito bem. — Kemp levantou-se do sofá e apertou a mão da Sra. Hardy mais uma vez. — Entrarei em contato, assim que tiver tomado as pro­vidências. A senhora está lidando muito bem com a situação.

— Eu o surpreendi, não é? — disse a senhora sor­rindo.

Ele aquiesceu.

— Positivamente — disse com um sorriso. — Até logo. — Olhou para Violet. — Pode acompanhar-me até a porta?

Ela levantou-se e seguiu-o, curiosa, os olhos ar­regalados fitando-o.

Ele parou com a mão na maçaneta e a olhou, de forma intensa, por um longo momento.

— Vou lhe passar os detalhes assim que discuti-los com as autoridades competentes. Você acha que ela vai lidar bem com a situação? — acrescentou, alu­dindo à mãe dela.

— Vai sim — respondeu segura. Ela o olhou com olhos mansos e famintos. — Como está o trabalho no escritório?

Ele fez um gesto vago.

— Eu mesmo tenho que fazer o café — resmun­gou. — Mabel e Libby não o fazem forte o suficien­te. E Mabel está desesperada de tanto trabalho. Acho que vou colocar um anúncio procurando uma secretária.

Violet não percebeu que ele demonstrava estar esperançoso, com um olhar de expectativa, porque não o encarava. Pensou que ele a estivesse critican­do por deixá-lo quando, na verdade, fora ele que praticamente a forçara sair do escritório.

Ela ajeitou os ombros.

— Tenho certeza de que vai encontrar alguém que atenda a seus requisitos, Dr. Kemp — disse num tom desanimado.

A formalidade e a falta de interesse o irritaram. Abriu a porta de supetão.

— Entrarei em contato — disse, e saiu sem olhar para trás.

Violet fechou a porta, e afastou-se para não vê-lo partir. Por um breve segundo imaginara que ele a convidaria a voltar para o emprego. Mas esse, ob­viamente, não era o caso.

Kemp entrou no carro irritado com o comporta­mento de Violet quando ele praticamente tinha atirado o antigo emprego aos seus pés. Duke Wright não era feio e gostava de mulheres bonitas. Estava divorciado. Violet era atraente. Só torcia para que Wright não estivesse tentando conquistá-la. Ia ve­rificar. Para o bem dela, é claro. Afinal, não estava interessado em Violet.

Involuntariamente, a mente recuou oito anos, e pensou na mulher que realmente amara. Shannon Culbertson tinha 18 anos quando começaram a namorar. Tinha sido amor à primeira vista de am­bas as partes. Kemp, já sócio júnior numa firma de advocacia da cidade, tendo se formado tarde, aos 28 anos de idade, estava trabalhando com o tio de Shannon. Encontraram-se no escritório e começa­ram a sair juntos. Em um mês, já sabiam que se casariam. Um dia Shannon foi a uma festa na casa de Julie Merrill com uma amiga. Ninguém com­preendeu — muito menos Shannon — por que Julie convidara sua inimiga. Mas Shannon achou que talvez Julie estivesse querendo encerrar a disputa entre elas por causa da vaga de presidente sênior. Alguém — provavelmente a própria Julie — tinha posto um "Boa-noite Cinderela" no refrigerante de Shannon. Ela tinha um problema cardíaco não diagnosticado e a droga a matou.

Ainda sofria ao lembrar-se do ocorrido. Ficara de luto por meses, culpou Julie, e tentou prendê-la por crime. Mas o pai dela era um senador rico. O caso nunca foi a julgamento, apesar de todos os esforços de Kemp.

Sentia raiva dos Merrill. Sentia falta de Shannon. Mas, desde que Violet começara a trabalhar para ele, pensava cada vez menos no seu antigo amor. Pela manha, ansiava por ver o rosto sorridente e feliz de Violet no escritório. Temia o sentimento que o dominava. Não queria mais correr o risco de amar alguém. Sua vida era marcada por tragédias. Teve uma irmã, Dolores, que morreu num aciden­te na piscina, no último ano do ensino médio. A mãe falecera de câncer em seguida. Eram só os dois, porque o pai tinha ido trabalhar numa empresa de petróleo no Oriente Médio quando ele era criança, e se apaixonara por uma mulher francesa e divor­ciou-se de sua mãe.

Suas experiências de vida tinham-no ensinado que era perigoso amar e se apegar demais às pessoas. Violet ainda estava encantada por ele, mas ia supe­rar, disse a si mesmo, decidido. Melhor esquecê-la. Ela era jovem e impressionável. Encontraria alguém. Talvez Duke Wright...

Trincou os dentes. Sentia-se estranhamente des­confortável ao pensar em Violet nos braços de outro homem. Muito desconfortável.

Em uma manhã, Violet levantou a cabeça do com­putador ao ouvir o som de vozes se aproximando, e ficou surpresa ao ver Curt Collins, o irmão de Libby Collins, parado na frente de sua mesa.

— Curt juntou-se aos negócios, Violet — disse Duke Wright com um sorriso. — Roubamos ele de Jordan Powell.

— Não foi bem um roubo — cortou Curt com um sorriso forçado. — Pedi demissão. Jordan mudou muito nos últimos tempos.

— Curt vai ajudar na operação de gado. Se ele precisar de alguma informação, pode passá-la dire­tamente, sem precisar me perguntar — acrescentou com um sorriso.

— Está certo — concordou.

— Vamos Curt, vou lhe mostrar os demais pro­cedimentos.

— Vejo você depois, Violet — murmurou Curt.

Ela despediu-se sorridente, mas ficou preocupa­da. Libby era apaixonada por Jordan Powell e Curt trabalhara para ele por anos. O que estava aconte­cendo?

Curt chegou quando ela começava a se arrumar para ir embora.

— Suponho que esteja se perguntando como eu vim parar aqui — disse ele.

Ela concordou.

— Foi uma surpresa e tanto.

— Você tem falado com Kemp ultimamente?

O coração dela saltou só de ouvir o nome, mas recobrou-se rapidamente.

— Não, já tem uma ou duas semanas que não falo com ele.

— Aconteceram alguns incidentes desagradáveis, digamos assim, entre Libby e Julie Merrill.

Violet olhou-o pasma.

— Nem sabia que elas se conheciam.

— E não se conhecem, mas Julie cismou com Jordan e Libby estava atrapalhando.

— Entendo.

— Julie atacou Libby e Jordan não a defendeu. Jordan fez algumas críticas maldosas sobre Libby. — Ele deu de ombros. — Não posso trabalhar para um homem que fala mal de minha irmã.

— Não o culpo. Coitada da Libby!

— Ela é capaz de se cuidar, mas Julie tem alguns amigos perigosos. Para azar dela, entrou no escritó­rio de Kemp para afrontar Libby.

— Como foi? Ele sorriu.

— Você não sabe? Kemp e Julie não se suportam. Há oito anos ela deu uma festa e convidou Shannon Culbertson, noiva de Kemp na época. Havia uma rivalidade entre as duas por causa de um posto na escola. Alguém colocou algo na bebida de Shannon. Ela morreu e Julie conseguiu o posto.

— Ela foi envenenada? — exclamou Violet, fasci­nada com a informação sobre a vida do taciturno ex—chefe. Então ele tivera uma mulher no passado... Seria por isso que evitava envolver—se? Ficou triste ao pensar que havia outra mulher na vida dele, mesmo que estivesse morta. Como uma mulher viva podia competir com uma lembrança de per­feição?

— Ela não foi envenenada. Tinha um problema cardíaco e ninguém sabia — corrigiu. — De qualquer maneira, morreu. Kemp nunca superou a perda. Fez o possível para que Julie fosse julgada, mas o pai dela é rico e muito influente. O caso foi considerado um trágico acidente, sem explicação, e arquivado. Kemp teria enforcado Julie se tivesse conseguido uma pro­va para levá-la a julgamento. — Ele se curvou. — Cá entre nós, isso pode acontecer. O senador Merrill foi preso por dirigir embriagado. Agora ele e o sobrinho, o prefeito, estão tentando demitir os policiais que os prenderam — e o chefe Cash Grier também.

A mente de Violet teve que voltar ao assunto. Ainda estava pensando no passado secreto de Kemp do qual nunca suspeitara.

— Estou para ver o dia em que o chefe Grier vai deixar a honra de seus policiais ser manchada sem uma briga.

— Exatamente o que a maioria de nós acha — dis­se Curt. — Grier é competente na caça aos trafi­cantes de drogas. O que me faz lembrar mais outro rumor que escutei: que Julie está envol­vida numa rede de distribuição de certo pó branco.

Violet assoviou.

— Quantas novidades!

— Que fique só entre nós. Mas, do jeito como tudo aconteceu, eu estava desempregado e Duke me chamou para trabalhar com ele.

— Bem—vindo a bordo, de um refugiado para outro.

— E verdade: você e Kemp tiveram um desen­tendimento, não foi? — Ele sorriu ironicamente. — Libby me contou — acrescentou quando ela o olhou surpresa. — Mas ouvi comentários a respei­to de outras três pessoas também. Não dá para guardar segredos numa cidade como Jacobsville. Somos todos uma grande família. Sabemos tudo um do outro.

Ela sorriu. —Imagino que sim.

— Como sua mãe está lidando com a exumação?

O sorriso sumiu.

— Ela diz que não está se incomodando, mas sei que está. Ela é muito reservada.

Ele parecia zangado.

— Nós também nos sentimos assim, mas preci­sávamos permitir que exumassem papai. Não po­demos deixar Janet se livrar de outro assassinato.

— Eu e mamãe concordamos — disse Violet. — Mas é difícil. Você ouviu alguma novidade sobre o as­sunto?

Ele sacudiu a cabeça.

— Dizem que o resultado vai demorar. O labo­ratório criminal do estado está com muito trabalho, então não vai ser um processo rápido. O que tor­nará as coisas ainda piores, eu acho.

Ela concordou.

— Mas vamos superar isso, não vamos? — acres­centou.

Ele sorriu diante de sua determinação.

— Pode apostar que sim.

Blake Kemp estava furioso. Tinha estado tão ocu­pado no escritório que se esquecera das exumações até Libby perguntar sobre elas. Havia prometido cuidar do assunto imediatamente. Mas as notícias pertur­badoras não tinham nada a ver com os possíveis assassinatos. Mas com o fato de Curt Collins, irmão de Libby, ter levado Violet ao encontro de volun­tários da campanha de Calhoun Ballenger em seu rancho no sábado.

Estava tão preocupado achando que Duke Wright podia conquistar Violet e, no entanto, ela ia sair com um rapaz solteiro, membro da família fundadora de Jacobsville, Texas. Até mesmo Kemp não podia alegar ser descendente do velho John Jacobs. Duke tinha muitos defeitos, mas Curt era um jovem com um futuro promissor. E Violet ia sair com ele!

Não compreendia sua oposição ao casal. Violet não significava nada para ele, afinal. Era apenas sua ex—secretária. Ele não tinha o direito de se preocupar com sua vida particular.

Mas se preocupava. Ao pensar nela ao lado de Curt, ficou aborrecido. Conhecia Calhoun Ballen­ger há anos. Freqüentemente, cuidava de casos para ele. Admirava e respeitava o proprietário de pastos de engorda local. Não havia porque não ser convi­dado para o encontro. Só queria certificar-se que Violet não agiria como uma tola, atirando-se nos braços de Curt na primeira oportunidade. Era seu dever protegê-la. Quer dizer, mais ou menos. Pegou o telefone e ligou para Calhoun, recusando-se a considerar os motivos de forma pessoal.

A festa estava superlotada. Entre as pessoas reunidas na grande sala de recreação, estavam algumas que Kemp não encontrava há anos. Ver certas pessoas, francamente, fora uma surpresa, como dois dos maiores contribuintes republicanos do município na primeira fila.

— Interessante, não acha? — perguntou o chefe de polícia Cash Grier dando um sorriso forçado, ao notar para onde Kemp olhava. — Tem muita gente mudando de lado. Ballenger é bastante famoso nos círculos de gado e aqui na cidade é conhecido como o garoto que saiu da pobreza para tornar-se um milionário. Pelo que sei, conquistou tudo sem ne­nhuma negociação ilegal.

— É verdade — confirmou Kemp. — Calhoun e o irmão, Justin, eram as crianças mais pobres das redondezas. Fizeram fortuna honestamente. E tam­bém se casaram com mulheres ricas.

— Dizem que a esposa de Calhoun era sua tutora — brincou Grier.

— E Justin casou-se com uma descendente dire­ta do grande John Jacobs, o fundador de Jacobsville. Os dois irmãos têm seis filhos. Nenhuma meni­na nas duas famílias.

Grier ficou calado ao ouvi-lo fazer menção a crianças. Ele e sua hóspede, Tippy Moore, uma estrela de cinema, haviam perdido o filho um pou­co antes do irmãozinho de Tippy ser seqüestrado. Tippy tinha se oferecido para ficar no lugar dele, um ato de coragem que ainda deixava Grier orgu­lhoso. O relacionamento deles continuava instável e Tippy era uma vítima em potencial de um dos seqüestradores que havia enganado a polícia em Manhattan e escapado.

Kemp olhou para ele, ciente do seu desconforto.

— Desculpe — murmurou. Sabia sobre o bebê porque uma versão da história, falsa e nada lisonjeira, tinha saído nos tablóides quando Tippy sofreu um aborto.

Grier deixou escapar um profundo suspiro.

— Nunca imaginei que ia querer filhos — disse serenamente, sem encarar Kemp. — Maldita forma de descobrir que desejava.

— A vida tem altos e baixos — disse Kemp filosoficamente. — Você passa por dias ruins, mas depois vêem os bons, para compensá-los.

Grier piscou os olhos escuros.

— Tenho direito a dois anos de dias bons. Kemp riu bem—humorado.

— Não temos todos?

A atenção de Grier foi despertada por alguém atrás de Kemp. Ele demonstrou surpresa.

— Sua ex—secretária está bastante diferente.

Kemp notou que o coração pulou com a decla­ração. Virou a cabeça e viu Violet. E como parecia outra pessoa! Usava uma minissaia preta com uma blusa azul até os quadris com um razoável decote na frente. O cabelo caía desfiado pelos ombros. Devia ter emagrecido uns cinco quilos e estava muito bo­nita.

Ela viu Kemp e o coração acelerou. Ao seu lado, Curt observava divertido a troca de olhares, e Kemp parecia não conseguir tirar os olhos dela — nem Violet dele.

— Preciso falar com alguém — disse a Violet. — Pode dispensar minha presença por alguns minutos?

— Claro!

Ela tentou disfarçar o entusiasmo.

— Quero dizer, posso, não tem problema, Curt. Obrigada.

Ele deu uma risada, piscou para ela e afastou-se.

Kemp foi ao seu encontro. Usava uma camisa com a gola aberta, um casaco esporte e calça azul—marinho. Parecia um homem chique, sofisticado e atraente o suficiente para se desejar. Violet não conseguia desviar os olhos.

Ele enfrentava um problema semelhante. Era estranho o quanto Violet ocupava seu pensamento nos últimos tempos. Kemp a via no escritório mes­mo ela não estando lá. Sentia-se desconfortável desde que a vira em casa e se despediram de forma grosseira.

— Ainda gosta de trabalhar para Duke? — inqui­riu com rigor.

Ela encolheu os ombros.

— E um emprego como outro qualquer. Levantou a sobrancelha.

— Seu cabelo está bonito — murmurou, pegando uma mecha. — Normalmente não gosto de cabelo desfiado, mas ficou bem em você. Você perdeu peso...

— Parece, mas não perdi não — respondeu em­bevecida por causa da proximidade. — Apenas estou aprendendo a me vestir para valorizar o que te­nho.

Os olhos deles se encontraram.

— Nisso consiste a vida, Violet — disse gentilmen­te. — Aprender como valorizar o que nos dado. Não precisa perder mais peso. Está fantástica.

Ela enrubesceu e sorriu radiante.

— Você... Acha mesmo?

Ele deu um passo para se aproximar, ciente das sensações de prazer que a mente lhe oferecia en­quanto a olhava.

— Você gosta de truta?

Que pergunta estranha! Piscou.

— Truta? Gosto.

— Por que não almoça comigo amanhã? Posso fritar trutas e fazer uma salada de massa para acom­panhar. Você pode levar um pouco para sua mãe.

Violet ficou pasma. E calada enquanto tentava descobrir, sem perda de tempo, se tinha enlouque­cido e estava tendo alucinações.

 

A ausência de resposta deixou Kemp desconfor­tável e provocou uma pergunta sarcástica. Ele achava que ela agarraria a chance sem pestanejar.

— Qual o problema? Está com medo de ficar sozinha comigo fora do escritório?

Violet começou a gaguejar.

—Não estou... Não... Eu não acho... Eu não disse... — Limpou a garganta. — Adoro trutas. E mamãe também.

Os olhos de Kemp cintilaram. Então ele não estava enganado. Ela ainda gostava dele.

— Eu também — respondeu. — Frito a truta na manteiga e especiarias. Tenho minha própria plan­tação de temperos, mesmo no inverno.

— Parece delicioso — disse sem ar.

Ele ainda segurava a mecha entre os dedos. Aca­riciavam-lhe os cabelos e a voz profunda ficou ainda mais baixa.

— Você gosta de gatos? Ela fez que sim.

— A princípio, você pode enfrentar um pouco de problemas com Mee e Yow, mas elas acabam se acostumando.

Violet parecia ter saltado de um precipício e descoberto o mistério do vôo livre. Estava exta­siada.

— Acho os gatos lindos.

— As minhas são siamesas. São especiais. Ela sorriu.

— Vou gostar de conhecê-las.

Ele soltou-lhe o cabelo e tocou-lhe a face com as pontas dos dedos. Eles pareciam formigar ao con­tato.

— Amanhã por volta de uma da tarde está bom para você?

Ela concordou, emudecida.

— Sabe como chegar à minha casa?

— Claro que sei! — exclamou, e teve vontade de morder a língua por parecer tão entusiasmada.

Kemp estava totalmente confuso. Sabia que era uma péssima idéia encorajá-la. Num determinado ponto, teria que se afastar dela. Não queria com­promisso. Ainda não. Mas Violet era tão suave ao toque e tão encantadora de se olhar! Há muito tempo não tinha uma mulher em sua vida. Estava solitário. Certamente, não iria arrancar-lhe pedaço fazer uma refeição com ela. E claro que não. Estava gostando de sua expressão extasiada. Ela o fazia sentir-se como se pudesse conquistar o mundo. Pela primeira vez na vida ia deixar se envolver sem preo­cupar-se com o resultado.

— Então espero você — concluiu.

Ela sorriu, os grandes olhos azuis suaves e famin­tos.

— Vou esperar ansiosa pelo almoço — disse com voz rouca.

— Eu também — respondeu, e o sorriso desapa­receu por um breve instante enquanto a olhava de um jeito tão penetrante que ela ficou ruborizada e a respiração tornou-se difícil.

— Kemp! Estou contente por ter vindo! — O alto e elegante Calhoun Baílenger aproximou-se para apertar a mão de Kemp e cumprimentar Violet.

— Kemp, gostaria de lhe apresentar uma pessoa. Violet, se não se importa...

— Não, de jeito algum — mentiu.

— Amanha à uma da tarde — disse Kemp, antes de se afastar com Calhoun.

— Amanhã — respondeu.

— Curt precisou perguntar duas vezes se estava pron­ta para ir embora. Ela não tivera a oportunidade de voltar a falar com Kemp e ele tinha sido chamado de repente para ir ao encontro de um homem que acabara de ser preso. Antes de partir, olhou nova­mente Violet com ardentes olhos azuis—claros. Ela ainda estava trêmula uma hora depois de ele ter partido.

— O quê? — perguntou abruptamente, encarando Curt. Ficou sem graça quando ele deu um sorriso forçado. — Desculpe — começou.

— Não estou aborrecido — ele respondeu sorrin­do. — Estou contente de ver que seu ex—chefe final­mente se deu conta do que estava perdendo.

Ela ficou ainda mais envergonhada.

— Não é isso.

— Sou homem, Violet — lembrou-a enquanto caminhavam para o carro dele depois de se despe­direm do dono da casa. — Reconheço um homem apaixonado quando vejo um. E Kemp está, defini­tivamente, envolvido por você.

— Você acha mesmo? — perguntou esperançosa.

— Acho sim. Mas não tenha pressa — avisou. — Ele é um homem solitário e não costuma se comportar de forma leviana.

— Já sabia disso.

Ele virou-se em sua direção, sério.

— O que quis dizer — explicou suavemente — é que ele é mais vulnerável do que um homem que sai com várias mulheres. Como todo mundo sabe, ele não é do tipo que quer se casar, pelo menos não aparenta. Tenha calma, promete?

— Prometo. Obrigada pelo conselho, Curt. Ele balançou os ombros.

— E a história da minha vida. Sou sempre o irmão mais velho de alguém.

Ela riu.

— Um dia alguma garota sortuda vai conquistar você.

Curt sorriu também.

— Espero que não seja logo. Sou igual ao seu ami­go Kemp: não estou pronto para me comprometer. Pelo menos ele tem uma profissão. Eu ainda não me defini.

— Libby disse que você pretendia ter uma loja de alimentos.

Ele aquiesceu.

— É o sonho da minha vida.

— Espero que consiga Curt. Sinceramente. Ele abriu a porta para ela.

— Você também. Você é uma boa garota, Violet.

— E você, um bom homem. Ele deu uma gargalhada.

— Pelo menos sou gentil. Calhoun convidou um bocado de gente. — Ele mudou de assunto, ao sen­tar atrás do volante da velha caminhonete dele e de Libby.

— Uma multidão. E muita gente rica também. Acho que ele pode vencer o senador Merrill para a indicação do Partido Democrata.

— Eu não ficaria nem um pouco surpreso.

Violet contou à mãe sobre o convite de Kemp e a Sra. Hardy abriu um largo sorriso.

— E há quanto tempo venho dizendo que o Dr. Kemp tem mais interesse em você do que um che­fe teria pela secretária?

— Convidou—me apenas para comer truta.

— Ele pode comer truta sozinho — disse a mãe sabiamente. — Também é interessante que o Dr. Kemp, que nunca alardeou suas afiliações partidá­rias, tenha de repente comparecido a um encontro de campanha.

— Ele gosta do Sr. Ballenger. A Sra. Hardy franziu os lábios.

— Acho que alguém contou que você estaria na reunião com Curt Collins.

Ela arfou.

— Sério?

— Às vezes, um homem não aprecia o que tem, até que outro homem o deseje. Ou que ele ache que outro homem deseja. — Os olhos da Sra. Hardy cintilaram. — Vamos ver, não é querida?

Violet ficou corada e sugeriu um programa de televisão.

Não conseguiu dormir. A noite inteira viu os olhos de Blake Kemp mergulhando nos seus, ouviu-lhe a voz, sentiu o toque dos dedos em seu rosto. Na manhã seguinte, experimentou todas as roupas que tinha no armário, até finalmente decidir-se por um macacão azul—claro com uma blusa branca por bai­xo e sua jaqueta jeans bordada por cima. Deixou o cabelo solto.

— Você está linda — disse a mãe quando foi se despedir.

— Tem certeza de que está se sentindo bem? — perguntou Violet preocupada.

— Vou passar o domingo só na preguiça — disse a senhora sorrindo. — Não mentiria para você.

— Está bem. Mas se precisar de mim...

— O telefone está bem aqui, querida. — A Sra. Hardy indicou o telefone na mesinha—de—cabeceira. — Agora vá e divirta-se. Não vou esperar que minha truta chegue logo. Por falar nisso, já tomei meu café—da—manhã.

— Vou trazer alguma coisa gostosa — prometeu.

— Dirija com cuidado. Violet a beijou.

— Sempre!

Ela parou na entrada de casa e olhou para os mocassins pretos e as meias três quartos. Fez uma careta, porque um deles estava um pouco gasto. Mas, pensou, Kemp estaria mais interessado no resto que em seus sapatos. Pendurou a alça da bol­sa no ombro e caminhou resoluta para seu antigo, mas confiável carro.

Kemp estava na varanda da frente da casa quando ela chegou. Era uma construção vitoriana com trabalhos em madeira e uma pequena torre. A casa toda era pintada de branco brilhante e tinha apa­rência de nova, e havia um balanço e cadeiras de balanço na comprida e larga varanda. Havia tigelas com comida para passarinhos por toda parte. Nos jardins flanqueando a varanda brotavam flores e arbustos de rosas se abriam em botões.

Violet pegou a bolsa e trancou o carro involun­tariamente antes de guardar a chave e subir as esca­das.

— Você gosta de passarinhos! — exclamou.

Ele riu. Estava vestido casualmente, como ela: calças caqui e uma camisa de grife de malha de um azul mais escuro do que os olhos por trás da arma­ção de metal dos óculos.

— E, eu gosto de passarinhos. Mas Mee e Yow também; então, preciso me certificar de que ambas estão dentro de casa antes de colocar comida para eles — disse rindo.

— Eu também coloco comida para passarinhos em minha casa — comentou Violet encabulada. — Gosto especialmente dos passarinhos pequenos, como os rouxinóis e abelheiros.

— Prefiro cardeais e gaios azuis.

— Eles também são passarinhos — disse Violet dando uma risada.

Ele tinha a impressão de que os pés estavam fora do chão ao olhá-la. Sorrisos transformavam o rosto oval de Violet, tornando-o brilhante e radiante — quase lindo.

— Você contrata um jardineiro ou cuida do quin­tal sozinho? — perguntou, entusiasmada com a quan­tidade de arbustos floridos em volta da entrada.

— Eu mesmo cuido. De vez em quando preciso relaxar.

— E jardinagem é uma ótima atividade para combater o estresse — admitiu. — Eu também gosto de jardinagem, mas planto vegetais em nosso pe­queno jardim e depois os guardo em conserva ou os congelo para o inverno.

Ela parou de falar de repente, encabulada, porque o jardim era uma necessidade para ela e sua mãe, que precisavam trabalhar muito para pagar as con­tas no final do mês. Tinha sérias dúvidas de que Kemp algum dia tivesse precisado fazer economia.

— Não planto vegetais — confessou. — A não ser que você considere algumas ervas e gataria para os gatos como vegetais. Gosto de cozinhar.

— Eu também. Mamãe pode cozinhar, mas não gosto que ela cozinhe, pois prefere fazer a comida em panelas de ferro, que são pesadas.

— Ela não devia carregar peso — concordou. — Es­pero que esteja com fome.

Violet sorriu.

— Nem tomei o café—da—manhã. Ele retribuiu o sorriso.

— Entre então. Está tudo pronto.

Kemp abriu a porta da frente e ela entrou. Havia um comprido hall com um elefante que servia de porta—guarda—chuvas, um cabideiro e portas de cada lado do hall.

— No final do corredor, à esquerda — informou-a enquanto fechava a porta da frente.

O hall estava pintado de azul—claro com uma borda escura e papel de parede até o teto. O carpe­te também era azul—claro.

— Você, provavelmente, está pensando que é difícil manter tudo limpo — comentou Kemp en­quanto a seguia. — E está certa. O pessoal da lim­peza vem com freqüência.

— Adoro a cor — comentou Violet. — Me faz pen­sar no oceano.

Ele riu alto.

— E a cor dos olhos de Yow. E ela sabe disso. Adora esparramar-se no carpete. Mee prefere o sofá ou minha cama.

Violet prendeu a respiração ao entrar na formal sala de jantar. Havia uma mesa cerejeira, já posta com toalhas de linho, copos de cristal e louça, e atrás via uma cozinha que seria o sonho de qualquer cozinheira. O piso era de cerâmica, eletrodomésti­cos modernos, uma imensa pia e uma bancada grande o suficiente para usar para preparar metade de um boi. Em cima da pia, uma janela grande abria para o pasto e a floresta atrás da casa.

— Aposto que você gosta de trabalhar aqui — co­mentou.

— Gosto mesmo. Gosto de bastante espaço para me mover. Cozinhas apertadas são o que considero um inferno.

— São mesmo, e eu podia escrever um livro sobre o assunto — confessou Violet. — Esbarro na geladei­ra e no forno toda vez que me movo na minha casa.

— O que gostaria de beber? — perguntou, abrindo a geladeira. — Tenho refrigerantes, chá gelado ou café.

— Adoro café, se não for muito trabalho. Ele deu um sorriso.

— Sempre tenho um pouco aquecendo. Pegou duas xícaras de porcelana, pires e serviu o café.

— O creme e o açúcar estão na mesa.

Ele levou as xícaras até os lugares que já estavam arrumados entre pratos de peixe, vegetais, pãezinhos frescos e até mesmo um bolo.

— Nossa, parece delicioso! — exclamou.

— Contei com sua pontualidade — disse olhando-a. — Você sempre é pontual.

Ele afastou a cadeira para que ela se sentasse e depois se sentou também.

— Gosto de causar boa impressão — contou ela. Kemp soltou uma gargalhada.

— Sirva-se.

Violet olhou à volta curiosa enquanto se servia de truta, pãezinhos e caçarola de batata que exalava um delicioso aroma.

— Onde estão as gatas?

— Ficam com vergonha com pessoas que não conhecem — disse descontraído. — Vão aparecer quando eu cortar o bolo. Elas imploram por um pedaço.

— Você está brincando! Ele riu.

— Não estou não. Você vai ver.

Falaram sobre eleição e política durante a refei­ção. Violet estava impressionada com suas habili­dades culinárias. Kemp era um cozinheiro exem­plar.

— Você sempre consegue preparar uma refeição dessas? — pensou alto.

— Estive no Exército, nas Forças Especiais — res­pondeu simplesmente. — Tive que aprender a cozi­nhar.

— Você esteve na divisão de Cag Hart, não é isso?

Ele sacudiu a cabeça.

— Matt Caldwell também. Muitos dos rapazes da cidade apareceram por lá.

Ela não sabia o quanto devia testar a sorte. Al­guém tinha lhe contado que Kemp não gostava de falar sobre a participação de sua unidade no início do conflito iraquiano. Mas ele cortou o bolo e dois miados das gatas se fizeram ouvir.

— Está vendo? — comentou quando as gatas apare­ceram uma de cada lado, os focinhos levantados en­quanto miavam, parecendo crianças pedindo bolo.

— Seus miados são inigualáveis, não acha? — per­guntou, fascinada.

— Sem dúvida. E gatos siameses têm outra peculiaridade: podem alcançar o que está atrás de suas cabeças. Têm garras e não sentem vergonha de usá-las — acrescentou, com um olhar de aviso. — Vá com calma e tudo ficará bem.

— Você lhes dá bolo? Ele riu.

— Pedacinhos minúsculos — confessou. — Não quero que fiquem gordas.

Violet ficou envergonhada.

Ele cerrou os dentes e a olhou emocionado.

— Não me interprete mal, Violet — disse gentil. — Não acho que seja gorda. Você tem a aparência que uma mulher deveria ter, sob todos os aspectos.

— Você disse... — começou.

— Estava num dia ruim e descontei em você. Lamento mais do que possa imaginar. Foi uma coisa cruel. Fiz você se demitir e essa jamais foi a minha intenção.

Era um pedido de desculpa que soava como um elogio. Ela o fitou sem piscar.

— Sério?

Ele relaxou ao perceber a combinação de prazer e fascinação em seu rosto. Violet tremia só de olhá-lo. Sentiu vontade de arrancá-la da cadeira e beijá-la. O pensamento chocou-o. Ficou parado com a faca pousada em cima do bolo, olhando-a fixamente.

O rubor aumentou. Ela sentiu o coração baten­do acelerado. Os lábios se separaram quando tentou respirar normalmente.

— Acho que era o jeito como você se vestia — dis­se nervoso quando conseguiu voltar os olhos para o bolo. — Gosto do novo guarda—roupa. Combina perfeitamente com você. Vestidos e blusas largos não são adequados para uma mulher com formas arredondadas.

Ela não se sentiu ofendida. Kemp estava olhan­do-a como se estivesse com vontade de beijá-la. Quando ele colocou um pedaço de bolo no prato e ofereceu-o, Violet o fitou de maneira sensual.

Há muito tempo Kemp não saía com ninguém, mas não tinha esquecido o jeito como uma mulher olha quando quer ser beijada. Distraidamente, colocou uma das mãos finas nas costas da cadeira de Violet e curvou-se em sua direção, confiante.

A respiração ofegante o fez hesitar, mas só por um segundo. Segurou o queixo redondo de Violet e o levantou ligeiramente.

— Não se espante — sussurrou quando aproximou a boca dos lábios de Violet. — Quero beijar você tanto quanto você quer me beijar.

— Sé—sério?

Ele sorriu gentil.

— Sério.

Tocou-lhe a boca carnuda, mordiscando o lábio superior, lambendo-o para sentir seu sabor. Violet estremeceu. A experiência era absolutamente nova. Tinha saído com alguns rapazes, mas parecia não ter atraído nenhum fisicamente. Isso era diferente. Ela precisava saber o que fazer para que ele não parasse.

Kemp levantou a cabeça e fitou os olhos que exprimiam culpa e esperança. Ela respirava com dificuldade. Os seios moviam-se seguindo o ritmo de seu pulso. Ele pensara que ela fosse mais expe­riente, mas parece que se enganara.

O polegar tocou-lhe o lábio inferior e puxou-o para baixo enquanto voltava a inclinar a cabeça.

— Temos de começar de algum lugar — sussurrou enquanto a boca abriu-se novamente contra os lá­bios carnudos e macios.

Violet estremeceu. As mãos seguraram-lhe os braços com força. Ele era forte. Não parecia musculoso vestindo ternos, mas ela podia sentir a força dos músculos. Soltou um gemido; um som que o fez levantar a cabeça.

Os olhos se encontraram e neles não havia mais nenhum sinal de brincadeira. Eram intensos, som­brios, famintos.

Os dedos de Violet tocaram-lhe o peito, hesi­tante.

—Não... Pare! — implorou num sussurro trê­mulo.

Um músculo de seu maxilar retesou-se. Voltou a inclinar-se, o coração acelerado.

— Violet — sussurrou.

Dessa vez o beijo não foi provocante, suave ou breve. Ela voltou a gemer e entrelaçou as mãos em torno do pescoço dele. A boca de Kemp tornou-se ávida.

Outro gemido se seguiu, mas este era apai­xonado.

Ele jogou a cabeça para trás. Violet abaixou-se e segurou o tornozelo ao mesmo tempo em que Yow se afastava arreganhando os dentes.

— Yow! — gritou, espantando a gata para longe da cadeira. Ajoelhou-se e examinou o tornozelo de Violet. Estava sangrando. — Desculpe! Não deveria ter deixado que isso acontecesse.

— Devo ter pisado em seu rabo, coitadinha — balbuciou. Era excitante beijar Blake Kemp. Era igual­mente excitante tê-lo a seus pés, preocupado com ela.

— Você estava me beijando — corrigiu-a. — Elas têm ciúmes se dou atenção a outras pessoas.

— Isso já... Aconteceu antes? — perguntou infeliz.

— Sim. Bem, não, não assim. Mee enfiou os dentes em Cy Parks um dia quando ele estava to­mando café comigo na cozinha.

— Entendo — começou.

Ele deu um sorriso malicioso.

— Eu não o estava beijando. Ela soltou numa risada.

Ele levantou-se, arrastando a cadeira dela. Fez com que se levantasse e de repente pegou-a no colo. Ela arfou e agarrou-se com força a seus ombros.

Ele arqueou a sobrancelha de um jeito debo­chado.

— Agora são meus tornozelos que correm perigo. Preciso limpar e colocar um anti—séptico no seu ma­chucado — brincou, enquanto a carregava em direção aos quartos.

— Sou muito pesada! — protestou.

— Não é não — tranqüilizou-a.

Ele a olhou em seus braços. Era vários centí­metros mais alto do que ela. Violet estava deli­ciosamente aconchegada. Kemp gostava de beijá-la. E desejava voltar a fazê-lo, mas não era o mo­mento.

Colocou-a de pé no piso ladrilhado azul do es­paçoso banheiro. Havia uma banheira de hidromassagem e um enorme espaço onde ficava a cômoda, uma cadeira e um armário com toalhas, assim como uma gaveta cheia de remédios.

Ele procurou na gaveta o que precisava, pegou uma toalha da prateleira e iniciou a lavagem e o curativo do ferimento.

Yow espiou pela porta do banheiro, os olhos azuis imensos no rosto em formato triangular.

— A senhorita não vai ganhar atum hoje — disse Blake com firmeza.

Ela abaixou as orelhas e arreganhou os dentes para Violet.

— Nem amanhã tampouco — acrescentou seco.

Yow virou as costas e saiu bruscamente. Mee, num tom conciliatório, miou na porta e entrou curiosa, olhando o casal, mas sem muito antago­nismo.

— Minha linda garota — Violet falou, esticando os dedos para a gata cheirá-los.

Mee cheirou-os, esfregou o rosto neles e depois enroscou o corpo esguio nas pernas de Violet.

— Você vai ganhar atum — disse Blake à gata. O ronronar ficou mais alto.

Violet acariciou a gata, mas os olhos e o coração estavam concentrados na cabeça inclinada de Blake enquanto ele colocava um esparadrapo no arra­nhão.

— Vai ficar boa.

— Claro que vou — tranqüilizou-o, sorrindo. — Obrigada.

— Peço perdão — voltou a dizer, pegando a caixa de primeiros—socorros e guardando-a. — Yow é mui­to mimada.

— Adoro gatos — disse Violet, ainda acariciando Mee. — Adoraria ter um, se mamãe não fosse alér­gica.

— Não sei o que faria sem as minhas. Embora, às vezes, fique tentado a experimentar — acrescentou com um olhar zangado em direção à porta onde Yow tinha reaparecido e novamente mostrava os dentes.

— Você mora sozinho. E natural que elas se com­portem assim com estranhos.

Ele curvou-se e ajudou-a a levantar-se.

— Você não é uma estranha — disse com voz rouca, os olhos buscando os dela. — Acho que nun­ca foi.

Violet sentiu tamanho enlevo que mal conseguia respirar. Poucas semanas atrás, eram inimigos. De­pois, subitamente, tornaram-se quase íntimos. Era um choque. Era... Maravilhoso.

— Seus olhos não podem esconder nada — mur­murou, curvando-se em direção a ela.

Ela olhou os tornozelos preocupada e ele riu. Kemp a pegou novamente no colo.

— Sente-se mais segura? — perguntou, fitando-lhe a boca.

— Bem mais — concordou, e os braços rodearam-lhe o pescoço.

Com um profundo suspiro, ele inclinou a ca­beça e beijou-a muito carinhosamente. Os dentes mordiscaram-lhe o lábio inferior até que sua boca abrisse. Ele aproveitou imediatamente a oportu­nidade e ela sentiu o corpo inteiro vibrar quando Kemp puxou-a para mais perto, para que seus seios volumosos roçassem o peito musculoso.

Ele gemeu e o beijo ficou mais intenso, mais apaixonado. Os braços dele apertaram—na com de­sejo.

Ela retribuiu o beijo com mais entusiasmo do que técnica, mas ele não pareceu se importar. Violet suspirou nos lábios colados aos seus e mergulhou em fantasias. Era bem mais gostoso do que jamais sonhara.

Sentiu como se todo o corpo tremesse de pra­zer.

Blake levantou a cabeça. Virou-se e ouviu um barulho. Não tinha sido sua imaginação. Algo real­mente tinha quebrado.

— Yow! — gritou.

Colocou Violet no chão e correu pelo corredor. Chegou à sala de jantar a tempo de ver Yow devo­rando o pedaço de bolo de Violet no chão, entre os cacos do prato que quebrara.

— Yow! — repreendeu-a.

A gata pulou e mais uma vez arreganhou os dentes para Violet. Aproveitou para fazer o mesmo com Blake antes de escapar a toda velocidade da sala.

Mee, vendo uma oportunidade, passou esfregando-se nas pernas de Blake enquanto espiava o bolo no chão.

Blake catou os cacos. Enquanto os colocava na lixeira, Mee agarrou um pedaço do bolo e carregou-o para a cozinha.

— Aquela gata — resmungou.

Violet estava rindo, mais feliz do que nunca, apesar do antagonismo da gata. Era um raro vis­lumbre da vida pessoal de Blake, do homem que era quando não estava trabalhando. Ela gostou do que viu. Sua afeição pelas gatas era óbvia, apesar da frustração com Yow.

— Elas são muito diferentes, não é? — perguntou enquanto ele pegava o bolo da frustrada Mee e o colocava também na lixeira.

— Elas me enlouquecem de vez em quando — ad­mitiu. — Mas suponho que o gosto delas seja terrível, mesmo que eu tenha vontade, não com muita fre­qüência, de cozinhá-las numa panela.

— Você não teria coragem! — exclamou, rindo. Ele deu de ombros.

— Bem, não sóbrio — confessou.

Violet riu para ele, o rosto radiante com a inti­midade que nascia entre os dois.

Ela estava tão bonita que Blake interrompeu o que fazia para ficar olhando-a. Por que nunca tinha percebido como Violet era linda? Questionou-se.

Violet percebeu o olhar e retribuiu-o, e ficou hipnotizada, enquanto o tempo parava ao redor.

 

Violet cruzou os braços, segura de si.

— Eu realmente gosto de sua casa — disse para quebrar o silêncio.

Ele sorriu.

— Fico contente.

— Gosto das gatas também. Apesar de tudo — acrescentou. — Foi só um arranhão.

Ele olhou em direção à porta onde Yow estava novamente à espreita. Mee ainda estava girando em torno dos tornozelos de Violet.

— Temos que treinar Yow para ser mais sociável. Talvez lhe falte uma companhia apropriada. Pode ser que eu lhe dê um cachorro de presente.

— Você não faria isso! — exclamou Violet, rindo. Ele lhe lançou um olhar maldoso.

— Um cachorro grande, feio e muito brabo — acrescentou.

— Você ia parar na Corte como réu.

— Não; a não ser que Yow possa custear um ad­vogado — garantiu-lhe Kemp.

Violet riu. Era incrível como se sentia à vontade com Kemp, um homem que a intimidara desde o primeiro encontro quando fora trabalhar para ele. Parecia outro homem, completamente diferente, fora do escritório.

— Bem, ainda tem bolo — comentou. — Melhor comê-lo enquanto podemos, antes que Yow tente novamente.

— Que bolo é esse? — perguntou voltando a sen­tar-se à mesa.

— Bolo de frutas. É o único que sei fazer.

— Meu favorito também. Sei fazer bolo de cama­das, mas prefiro este.

Ele colocou um garfo e uma fatia no prato à sua frente.

— Mais café?

— Sim, por favor.

Ele serviu mais café e sentaram-se, mas ela notou que Blake mantinha os olhos na porta, caso Yow resolvesse fazer outra aparição.

Kemp não a deixou ajudar com a louça, insistindo que lavaria tudo depois. Conduziu-a até a varanda e sentaram-se no balanço.

— Adoro isso. Nós tínhamos um balanço na va­randa, antes de perdermos tudo. Gostava de ficar sentada, especialmente na primavera e no verão. Tínhamos um quintal bem grande, com nogueiras de peca e uma amendoeira, e mamãe plantou um jardim, muito parecido com o seu.

Ele passou o braço por trás de sua cabeça e en­rolou os cabelos dela nos dedos.

— Deve ser difícil para vocês.

— Estamos sobrevivendo — disse baixinho. — Eu não me importo realmente. Só lamento ter perdido meu pai e do jeito como morreu. — Ela o olhou. —Você ainda não sabe nada sobre a autópsia?

— Talvez na próxima semana. Aviso assim que souber o resultado e então contaremos para sua mãe.

— É muita gentileza sua — disse.

Ele inclinou-se e tocou-lhe a testa com os lá­bios.

— Sou um homem gentil — murmurou, rindo baixinho. — Nem mesmo chuto gatos quando eles merecem.

Ela retribuiu o sorriso e aproximou-se. Adorava estar perto dele, sentindo-lhe a respiração no rosto, os dedos em seus cabelos.

Kemp ficou impressionado por ela mostrar-se tão receptiva a seus avanços, como os aceitava tão ardentemente. Ele não sabia o que sentia por Violet. Não ia analisar. Ainda não. Mas ela o deixava ex­citado, e ele não se sentia assim desde a morte de Shannon Culbertson.

Shannon. Os olhos ficaram tristes, perdidos no horizonte, as memórias tomando conta dele. Ele a amara. Tinha entregado o coração completamente, de forma impensada, sem preocupar-se com o fu­turo. Shannon havia morrido e sua vida mudara de um dia para o outro. Lembrava-se daquela paixão arrebatadora com uma leve apreensão. Amar era perigoso. Muito perigoso.

Violet não sabia em que Kemp estava pensando, mas sentiu um súbito distanciamento. Percebeu que o olhar dele estava vazio. Talvez estivesse pensando no rumo que o relacionamento deles tomava. Esta­ria arrependido por tê-la beijado?

Ele sentiu seu olhar penetrante. Virou a cabeça e fitou-a, examinando-a. O olhar era mais íntimo do que um beijo. Q corpo começou a ficar rígido diante de tamanha intensidade.

— Algo errado? — perguntou Violet depois de um minuto.

Os dedos tocaram-lhe o queixo, levantando-o.

— Estou sentindo uma sensação estranha no estô­mago.

— Não compreendo.

Ele soltou um longo suspiro.

— Foi tudo muito rápido, Violet — murmurou, fitando-a. — Não tenho certeza de estar preparado.

— Para me alimentar com truta? — perguntou com os olhos arregalados.

Ele sacudiu a cabeça.

— Não. Para... Isso.

Ele inclinou-se e beijou-a suavemente. Levantou a cabeça.

— Gosto de beijar você. Ela sorriu.

— Eu também gosto de beijar você.

— Com que propósito? Ela piscou.

— Desculpe?

— Não quero me casar — falou de repente. Violet sentiu como se tudo tivesse acabado, ficou confusa e insegura.

Kemp olhou-a. Ela parecia infeliz e ele ficou perturbado.

— Esqueça — murmurou, voltando a fitá-la. —Nem sei o que estou dizendo.

— Sei sobre ela — confessou.

Ele olhou-a sério. —Ela?

— Shannon Culbertson — respondeu, desviando o olhar para o jardim de rosas. — Lamento o que aconteceu. Deve tê-lo arrasado.

Kemp não podia pensar em uma única pessoa que não xingaria por mencionar o nome dela. Mas não se sentiu desconfortável em falar sobre Shannon com Violet. Ela era bondosa. Kemp ansiava por conforto. Nunca o tivera.

— Ela era linda — respondeu. — Jovem, divertida, com uma vida inteira pela frente. Eu a amava ob­sessivamente. Achei que não conseguiria continuar vivendo quando ela morreu.

— Mas viveu. Você é mais forte do que imagina.

— Você exerce um estranho efeito sobre mim.

— De que tipo? — perguntou, estudando-o. Balançou os ombros. Os olhos se voltaram para a paisagem enquanto ele colocava o balanço em movimento.

— Nunca falo sobre ela. Não o faço há anos. Ela suspirou e colocou a cabeça em seu ombro, olhando a estrada distante.

— Você não pode apagar o passado — disse. — Ele afeta tudo que fazemos tudo que somos.

Kemp franziu a testa.

— Você perdeu alguém? Violet riu.

— Eu? Quando estava no ensino médio, pesava mais do que peso hoje. Meus pais me mandaram para uma escola particular porque acharam que lá não debochariam tanto de mim. Enganaram-se. Sempre existe gente bonita que se julga com o di­reito de comentar sobre os menos afortunados. Eu odiava a escola.

— Pensei que as escolas reprimissem a agressividade dos alunos.

— Se reprimem demais, acabam sendo processadas — comentou, com olhar de quem sabe o que diz.

Ele sorriu.

— Você sabe que não defendo esse tipo de gente — lembrou-a.

— Muitos outros advogados o fazem. Depois recebem uma boa quantia, que não declaram no Imposto de Renda. E aí entra o prêmio do seguro e o total atinge uma soma estratosférica.

Ele a olhou sério.

— Você tem opiniões fortes.

— Compenso com inteligência o que me falta em beleza — murmurou.

Kemp levantou-lhe o rosto, buscando os olhos azuis.

— Violet — disse carinhoso —, não há nada er­rado com sua aparência. Eu estava num péssimo dia e descontei em você. Venho tentando encon­trar uma forma de pedir desculpas desde então. Repito: você é exatamente como uma mulher deve ser.

Violet o analisou. Ele era muito bonito. Sentia-se fascinada pelo jeito com que a olhava, como se realmente a achasse encantadora. Ela sorriu.

— Cuidado! — avisou-a com um tom rouco. — Vai se meter em confusão olhando para mim desse jeito.

— Vou mesmo? — perguntou esperançosa.

A brincadeira o estimulou. Os olhos se voltaram para a boca carnuda e macia de Violet e ficou exci­tado. Uma voz interior o avisava para se precaver. Ignorou-a e puxou Violet para mais perto. A boca áspera encostou-se à boca suave, provocando-a até que ela relaxou e recostou-se em seu peito. Os dedos longos mergulharam nos cabelos fartos, e sedosos e puxaram a cabeça para seu ombro.

Os dedos estavam na nuca, provocantes, enquan­to a língua lentamente penetrava a estreita linha de seus lábios.

Ela ficou rija, mas ele insistiu. Como ela conti­nuou a não lhe dar o que queria, colocou uma das mãos em seu seio e apertou suavemente o mamilo entre o polegar e a mão. Ela arfou e estremeceu, permitindo-lhe que a beijasse. Violet sentiu uma sensação estranha.

Kemp ainda permanecia com as mãos em seu seio. Ele procurou pelos botões da blusa de Violet e conseguiu desabotoá-los, e as mãos tocaram a maciez de seda da pele nua. Ela gemeu com voz rouca. Seus braços rodearam o pescoço de Kemp enquanto entregava-se ao sonho de estar nos braços dele, sendo desejada por ele.

O beijo tornou-se apaixonado, voraz. Violet sentiu que ele a levantava. Kemp curvou-se e a pegou no colo, a boca sôfrega ainda colada à sua. Carregou-a para dentro da casa, fechando a porta com um pontapé.

Dirigiu-se para o quarto, mas o corpo estava tenso. As sensações que sentia em seus braços fortes eram excitantes e ela não queria que ele parasse. Jamais sentira um prazer físico semelhan­te e não estava disposta a abrir mão disso — não por enquanto.

Blake experimentava algo parecido. Há muito tempo não tinha uma parceira tão excitada, tão receptiva. Mesmo Shannon, embora o amasse, não correspondia com excitação quando ele a beijava, a amava. Violet era diferente. Seu gosto era de mel. Adorava a resposta ardente de seu corpo ao mínimo toque. Adorava os barulhos que fazia, os pequenos gemidos que ouvia quando suas carícias tornavam-se mais íntimas.

Ela sentiu o ar frio nos seios e abriu os olhos por um segundo. A roupa estava toda aberta na frente e o sutiã desabotoado. Os olhos dele estavam num tom de azul mais escuro, demonstrando paixão enquanto acariciava os seios nus, percorrendo as curvas e os mamilos. Kemp ajoelhou-se, a boca se abrindo quando se deitou a seu lado e a tomou na boca.

Ela arqueou-se no chão, gemendo.

— Assim! Assim!

Qualquer preocupação que ele tivesse desapa­receu de imediato. Ela estava tão ansiosa por prazer quanto ele. Kemp não pensou nas conseqüências. Estava muito excitado para pensar no amanhã. Só havia aquela necessidade, que lhe percorria o vigo­roso corpo como se o rasgasse, destroçasse. Anos de abstinência sexual o descontrolara.

As mãos eram hábeis e eficientes. Em segundos, todas as barreiras haviam sido desfeitas e a boca movia-se faminta sobre a barriga macia de Violet descendo para o interior de suas coxas.

Enquanto a beijava, a tocava de um jeito como ela só conhecia através de livros. Violet não imagi­nava que as sensações fossem tão arrebatadoras. Quando os primeiros arrepios de êxtase desceram-lhe pelo corpo, ela não pensava em protestar. Ela o amava. Ele a desejava. Estava se tornando uma mulher, uma mulher de verdade. Não desejava mais nada além de continuar a ser beijada, tocada, aca­riciada, levada ao prazer nos braços dele.

De alguma forma, jamais pensou que a primeira vez pudesse ser desconfortável ou que ele pudesse não notar que era sua primeira experiência. A maio­ria das mulheres na idade de Violet já havia tido seu momento de amor. Mas Violet era uma flor tar­dia.

Ela sentiu a penetração com um enlevo que su­bitamente transformou-se em desconforto e, depois, em dor. Violet retesou-se e prendeu a respiração, arranhando com as unhas as costas dele.

Tremendo de desejo, Kemp conseguiu levantar a cabeça e olhar dentro de seus olhos arregalados e chocados.

Ele sentiu a barreira. Por que não tinha percebi­do o quanto seria difícil? Porque estava fora de si de desejo; por isso. E não conseguia parar. Não conseguia...!

O joelho afastou as pernas dela, apesar de seus silenciosos protestos, e a mão moveu-se ágil entre elas. Ele a olhava via o medo e a dor lentamente dar lugar ao prazer.

As unhas voltaram a arranhá-lo, mas não sentia mais dor. Ela acompanhava com prazer, ritmada—mente, cada movimento que ele fazia com os quadris. As pernas de Violet abriram-se ainda mais, sem que ele precisasse persuadi-la. Os quadris moveram-se ao encontro dos seus. E ele ainda mantinha seus olhos prisioneiros, olhando-a en­quanto a possuía.

Foi a mais vibrante experiência de toda sua vida. Apesar de sua experiência — e ele tinha alguma - tudo era novo para ele. Kemp teve inibições, assim como Violet. A maior parte de seus encontros havia sido em quartos escuros, à noite. Era a pri­meira vez que tinha chegado a esse estágio em plena luz do dia, e isso era tão excitante quanto à nudez cor—de—rosa de Violet debaixo dele. Come­çou a estremecer a medida que se movia e pene­trava mais profundamente dentro do corpo ma­cio.

— Nunca tinha feito isso... À luz do dia. E nunca ficara olhando, Violet — confessou a voz profunda entrecortada enquanto fitava os olhos azuis.

Ela engoliu em seco. Os lábios estavam entreabertos e arfava enquanto o prazer crescia e começa­va a concentrar-se. Ela o encarou, sentindo o prazer aumentar.

— Eu... Nunca — disse com voz entrecortada.

O maxilar de Kemp contraiu-se quando o pra­zer começou a invadi-lo.

— Eu sei — gemeu. Os olhos fecharam-se numa onda de êxtase que fez com que ele se dobrasse sobre ela, os quadris prendendo os dela com força enquanto buscava a satisfação. — Deus... Eu não posso... Parar! — exclamou.

Violet prendeu seus quadris com os joelhos, aumentando-lhe o prazer. Ela mexia-se sem parar, os olhos arregalados, a boca aberta, sem deixar de olhar dentro de seus olhos. Eles estavam quase negros.

— Eu estou sentindo você — disse num sussurro entrecortado. — Sinto você... Dentro de mim!

A ansiedade triplicou. O corpo esfregou o dela no carpete em movimentos rápidos, urgentes, que denotavam mais desespero que experiência. As costas de Violet ficariam irritadas, pensou numa última manifestação de sanidade. Depois, a sentiu mover-se convulsivamente debaixo dele, gritar e contrair-se ao seu redor. Ele perdeu o controle, os olhos fecharam-se e seu corpo a penetrou em um último e forte movimento que o levou a um nível de clímax que não conhecia.

Violet deliciou-se ao senti-lo ligado a ela naque­le espaço de segundos. O prazer foi aos poucos diminuindo, tornando-se suportável, e ela quis chorar de tão excitante e tão breve. Admirou-o enquanto ele se entregou ao próprio prazer, os olhos dela, famintos, percorrendo o seu corpo, os mús­culos retesados e o pêlo espesso de seu peito até a barriga que estava pressionada contra a sua, até as pernas compridas e fortes em cima de suas coxas brancas.

Poderia ser embaraçoso, mas ela estava apenas fascinada pela novidade da intimidade.

Levantou o rosto e encontrou o dele contraído, molhado de suor enquanto lentamente voltava a si. Os olhos se abriram escuros, sombrios, satis­feitos.

Ela esticou uma das mãos e tocou-lhe a boca. Sentiu-lhe o corpo trêmulo, assim como o seu. Ele parecia... Exausto.

Virou-se em cima dela, os braços segurando a maior parte de seu peso. O rosto suado e buscando ar. Ele estremeceu. Violet o envolveu, apertando-o. Ela sentia cada centímetro do corpo de Kemp colado ao seu. E ainda o sentia dentro dela, pulsando suavemente.

— Meu Deus! — sussurrou apavorada. Cruzou as pernas em torno de seu corpo e arqueou-se numa súplica.

— Otimista — murmurou.

Ela riu baixinho. Sabia o que ele queria dizer. Os homens demoravam bastante tempo até serem ca­pazes de fazer amor novamente. Ela não tinha ex­periência, mas havia ouvido os comentários de outras mulheres.

— Quando senti você se contrair, podia ter me matado — disse em seu ouvido. — Perdi o controle. Sabia que você era virgem, mas mesmo assim não consegui me conter.

Suas mãos acariciaram-lhe os cabelos escuros e ondulados. Ela olhou para o teto, percebendo as gatas se movendo pelo aposento, uma suave brisa balançando as cortinas, um carro passando à dis­tância na estrada. Jamais ficara tão próxima de outro ser humano. Sabia, finalmente, o que signi­ficava ser uma mulher. Não imaginara que Blake é quem lhe ensinaria como fazer amor.

Ele soltou um longo suspiro e deitou-se de bruços, arrastando-a junto para que pudesse olhar seus enormes olhos azuis.

Colocou a mão entre os dois corpos e ela ficou suja de sangue. Violet corou. Ele a fitou por um longo período.

— Também não me lembrei de usar um preser­vativo.

Ela não sabia o que dizer. Ainda estava a meio caminho da nova realidade.

As mãos percorreram seu corpo até os quadris largos e macios.

— Levante-se — murmurou.

Ela obedeceu curiosa, até que viu os olhos dele admirando seus seios. Segurou-os em cada uma das mãos. Reclinou-a e beijou-os, deliciando-se com eles até que ela se arrepiou com renovado desejo.

Kemp soltou um gemido quando o corpo res­pondeu com uma renovada ereção e uma urgência súbita.

— Você está ardendo? — perguntou rudemente.

— Eu... bem, eu não... Ai! — gemeu quando ele tocou-a onde estava sensível por causa da primeira relação.

Ele cerrou os dentes.

— Desculpe.

Ela podia perceber o quanto Kemp estava exci­tado.

— Você pode — sussurrou. — Está bem.

As palavras o enterneceram. Ela deixaria, apesar da dor. Sentiu-se abatido.

Beijou-a com carinho, com uma suavidade es­tranha. Ela tocou-o com os quadris, mas ele não reagiu.

— Não — disse baixinho, sorrindo para ela. — Não; a não ser que você possa obter de meu corpo tanto prazer quanto obtenho do seu.

Violet ficou fascinada com a resposta.

Kemp voltou a beijá-la, muito carinhosamente, e afastou-se. Recolheu as roupas e levantou-se para terminar de vestir-se. Olhou enquanto ela cobria os seios com o vestido e o fitava confusa.

— Vou preparar um café — disse ele baixinho, ciente de seu súbito embaraço. — Depois conversa­mos.

Ele se afastou. Ela vestiu rapidamente as roupas, notando os olhares curiosos das duas gatas siamesas, que provavelmente nunca tinham visto um com­portamento tão confuso de seu dono. Ela ficou orgulhosa.

Quando Kemp voltou com uma bandeja, ela es­tava sentada no sofá, constrangida e envergonhada.

Ele sentou-se a seu lado, serviu-lhe o café do jeito que ela gostava e estendeu-lhe a xícara. Ele notou as lágrimas que ela tentava conter.

Pegou um lenço de papel na caixa que mantinha perto do abajur e enxugou-lhe os olhos com uma ternura que dizia muito mais que palavras.

— Não tenho uma mulher há mais de dois anos — disse sem preâmbulos. — Me perdoe. Perdi o controle no instante em que comecei a beijá-la.

— Está bem — murmurou, experimentando o café.

— Eu não lutei por minha honra. — Lágrimas come­çaram a rolar, enquanto tentava não demonstrar o quanto estava preocupada.

Ele pegou a xícara de café de sua mão, aconche­gou-a em seus braços e finalmente sentou-a no colo. Abraçou-a enquanto ela chorava, embalando-a no silêncio do aposento. Ele estava satisfeito. O corpo não ficava tão relaxado há anos. Sentia-se jovem, cheio de vida, de ardor. Sorriu pelo efeito que pou­cos minutos tórridos tinham surtido no relaciona­mento tumultuado deles.

— Desculpe — ela soluçou. — Estou me compor­tando como uma criança.

Ele beijou-lhe os cílios molhados.

— A primeira vez é sempre traumática — murmurou, enxugando-lhe novamente os olhos com o lenço.

— A sua também? — perguntou curiosa. Ele riu.

— A primeira vez que tentei fazer sexo tinha 17 anos. Estava saindo com uma garota mais velha e estávamos no banco de trás do carro de meus pais num drive—in, um dos últimos no Texas — lembrou-se. — Estávamos ficando bastante excitados quando meu zíper enguiçou.

Ela o olhou, fascinada.

Ele voltou a rir.

— Não consegui abri-lo. Não podia tirar o jeans com o zíper fechado. E se arrebentasse o zíper, não conseguiria passar pela minha mãe para ir para meu quarto. — Ele sacudiu a cabeça. — Minha parceira era experiente e muito brava. Xingou—me de tolo e disse que não podia imaginar como alguma garota saía comigo. Eu a levei para casa e nunca mais te­lefonei. Ela não sabia que era minha primeira vez, o que salvou meu orgulho.

— Não consigo imaginar você desajeitado — disse, fascinada.

Ele beijou-lhe a ponta do nariz.

— Nós todos começamos em algum ponto — me­ditou indolentemente. Contornou-lhe os lábios macios com os dedos. — Mas você foi minha pri­meira virgem — sussurrou, olhando-a fixamente.

Os lábios separaram-se.

— Fui?

Ele sacudiu a cabeça. Afastou-lhe o cabelo despenteado.

— Não tinha certeza se saberia poupá-la da dor.

— Mas você conseguiu — suspirou, afastando os olhos encabulada.

Ele percebera. Sentiu-se um gigante super poderoso. Sabia que ela havia atingido o clímax, e mais de uma vez. Tinha lhe dado prazer, apesar do co­meço difícil. Isso o deixou orgulhoso.

Kemp puxou-a para mais perto, envolvendo-a com os braços até que seu rosto ficou encostado no pescoço dele. Ele a balançava excitado, o corpo ainda estremecendo ao lembrar-se do prazer.

— Tinha esquecido como era bom. Suponho que estava semimorto, sem saber.

— Eu também — respondeu sonolenta. Ele beijou-lhe o cabelo.

— Desculpe se a machuquei. Era inevitável.

— Eu sei.

Ele ficou sentado segurando-a por um longo tempo, tão contente que nem percebeu como já era tarde até que as luzes da rua se acenderam.

— Nossa! — exclamou Violet sentada em seu colo. — Preciso ir para casa. Mamãe deve estar preo­cupada. — Ela parou, envergonhada ao lembrar-se da mãe e de suas responsabilidades. Lembrou-se do que fizera e sentiu-se culpada e desconfortá­vel.

Kemp percebeu. Podia ver-lhe a expressão. Não sabia o que dizer para melhorar a situação.

— Se alguma coisa acontecer, vamos resolver tudo — disse baixinho. — Não fique preocupada, promete?

Vamos resolver tudo. O que queria dizer? Que pagaria pelo aborto? Ficou enjoada. O que afinal andara pensando? Apenas fizera sexo com o ex—che­fe solteiro, mas, com certeza, ele não começaria a ouvir violinos, se aparecesse grávida. Ia sugerir uma solução prática. Mas ela não seria capaz de concor­dar com isso. Simplesmente não seria possível.

— Posso ler seus pensamentos, Violet — disse, de repente. — Não vamos pensar nos problemas antes que eles aconteçam.

Ela engoliu em seco.

— Você tem razão, é claro.

Levantou-se trôpega e olhou à volta como se não soubesse direito onde estava. Kemp também se levantou.

— Quer que eu acompanhe você até em casa, por precaução?

Ela levantou o rosto.

— Precaução de quê?

— Você não costuma dirigir muito à noite. E comum motoristas bêbados na estrada por aqui à noite.

— Não vai acontecer nada — assegurou-o.

— Exceto viver com o que acaba de acontecer — comentou.

Violet pegou a bolsa e o suéter e virou-se para fitá-lo.

— O quê? Ele colocou as mãos nos bolsos.

— Você é uma puritana, Violet — disse melancolicamente. — Você não era virgem por acaso.

Ela ficou ruborizada.

— Não saio muito... Kemp dispensou o resto da resposta.

— Você está apaixonada por mim. Sempre soube. Não vejo outro motivo para se entregar a um homem sem se casar.

Ela o fitou. Não gostava de ser tão transparen­te.

Kemp aproximou-se, segurando-a gentilmente pelos ombros. — Você vai trabalhar para mim até que a gente descubra, de um jeito ou de outro, se haverá alguma conseqüência.

— Eu não deveria... Ele fechou-lhe a boca com um beijo.

— Somos ambos humanos. — Ele procurou-lhe os olhos. — Adorei o jeito como você se comportou — acrescentou com voz rouca. — Foi o encontro mais excitante de minha vida, Violet. Acho que podia passar o resto da vida, se fosse preciso, vivendo desta lembrança. Você foi... Extraordinária.

— Eu não sabia nada — revelou.

— O instinto falou mais alto. — Voltou a beijá-la.

— Tente não ficar com vergonha de algo tão bonito — acrescentou calmamente. — Temos muito em comum. Acho que ainda descobriremos mais afini­dades com a convivência.

Ele estava dizendo algo incrível. Ela olhou-o fascinada.

— Eu estava feliz sozinho até você aparecer e mudar minha vida— murmurou distraído, olhando-a profundamente. — Não posso voltar atrás.

— Não pode?

Ele levou-lhe a macia palma da mão até a boca e beijou-a avidamente.

— Em poucos dias, acho que vamos ter que com­prar as alianças — disse hesitante, e o rosto ficou corado.

— Alianças?

O polegar esfregou-lhe o dedo anular.

— Alianças.

Ela não conseguiu pronunciar uma só palavra.

Os olhos azuis dele estavam melancólicos.

— Hoje foi o começo. Não o fim.

Abriu a boca observando-o, o amor irradiando de seu rosto. Ele percebeu e se sentiu abatido. Jamais uma mulher estivera tão apaixonada por ele. Kemp sentia-se mimado, valorizado, seguro.

Ele a puxou para perto, e ficou excitado no mo­mento em que sentiu os seios macios contra seu peito. Isso nunca tinha acontecido, nem mesmo com Shannon, quando ele era bem mais jovem. Violet deixava seu corpo em êxtase.

— Sente isso? — sussurrou ao inclinar-se lhe buscando a boca. — Você me excita tanto....

Ela abriu a boca quando sentiu seus lábios. Ele beijou-a levantando-a do chão.

— Se você quiser, eu faço amor com você — mur­murou Violet.

— Eu sei. Você faz parte de mim agora. Eu sou parte de você. Beija-me...

O beijo foi demorado, apaixonado. Quando ele finalmente a colocou no chão, ela estava tre­mendo.

— Vá para casa — disse com firmeza, conduzindo-a até a porta.

— Me expulsando? — brincou. Ele deu uma risada.

— Salvando você — murmurou malicioso. — Pre­ciso de um banho gelado.

Ela tocou-lhe o peito com a mão, tonta e vibran­do com as novas sensações, a nova alegria.

— Eu sei que você já sabe — disse baixinho —, mas amo você.

Ele contornou-lhe a boca com o dedo. As pala­vras o machucaram, fizeram—no sentir-se culpado. Ele a desejava, mas não sentia o mesmo por ela. Ainda não. Apenas sorriu.

— Dirija com cuidado. Telefone quando chegar em casa.

Kemp não disse, mas tinha que sentir algo forte por ela. Violet sorriu alegre.

— Está bem. Boa noite!

— Boa noite, meu anjo.

Ele a viu afastar-se com a sensação de ser um homem desprezível. Tinha se aproveitado dos sen­timentos dela, perdera o controle e a colocara em risco. Agora devia assumir a responsabilidade e es­perar para ver se ela ficava grávida, sabendo que, se isso acontecesse, seria obrigado a casar-se com Vio­let para salvar-lhe a reputação. Não era a melhor noite de sua vida, apesar do prazer prolongado que o lembrava do que acontecera à tarde.

 

Violet conseguiu entrar em casa sem ser vista pela mãe. Estava desarrumada e despenteada. A mãe não era cega nem tola, saberia que algo tórrido aconte­cera. Para evitar perguntas incômodas, Violet a tinha chamado e ido direto para o quarto sem deixar que a visse.

De lá foi para a cozinha, tentando não se lembrar do que acontecera à tarde. Depois, lembrou-se que prometera trazer trutas para a mãe. Soltou um suspiro e esquentou um prato de sopa com bolachas para a mãe jantar.

       — Desculpe a respeito das trutas — começou. Mas estava radiante e não conseguia se controlar.

A Sra. Hardy sorriu.

— Não tem importância. Sopa está ótimo. Você parece muito sorridente, minha querida gatinha — brincou. — Então, o que está acontecendo entre você e aquele homem atraente?

Não ia conseguir desviar as suspeitas da mãe. Violet corou, retribuindo o sorriso.

— O chefão está falando de alianças. A mãe ficou pasma.

— Querida! Violet riu.

— Você pode acreditar? E estávamos brigando, só faltando nos agredir na semana passada!

— Ele ainda não a conhecia direito — disse, to­mando uma colher de sopa. — Você ficava muito encabulada perto dele, não era você mesma.

— Tem razão — concordou Violet, ainda vaga­mente envergonhada pelo que tinha acontecido.

— Ele mencionou uma data?

Violet sacudiu negativamente a cabeça.

— Vamos viver um dia de cada vez.

A Sra. Hardy apenas sorriu. Sabia que quando os casais chegavam a ponto de falar em alianças, os casamentos não demoravam.

— Só espero viver o suficiente para ver você ca­sada e segura — disse distraída.

— Melhor viver bem mais do que isso. Não pos­so viver sem você!

— Bobagem — murmurou a mãe. — Você tem que viver sua própria vida. A minha já está quase che­gando ao fim.

— Não fale assim — reprovou-a. — Você não está nem perto do fim. Ainda tem muita coisa pela frente!

— Por exemplo... — disse os olhos sem brilho.

— Netos — respondeu, e ficou corada novamente porque já podia estar grávida.

A senhora sentou-se bem ereta.

— Netos. Não tinha pensado nisso... — Olhou para Violet. — Então ele quer filhos?

— Claro — respondeu sorridente.

— Deve ter mudado de idéia. — murmurou a Sra. Hardy em voz baixa.

Violet sentiu uma vertigem.

— Como assim?

— Nada, apenas algo que mencionou no dia em que veio conversar comigo, querida — disse, toman­do mais sopa. — Disse que nunca teria filhos.

Violet sentiu-se mal.

— Ele disse isso?

A mãe notou a palidez e a falta de entusiasmo da filha.

— Em geral, os homens pensam assim até terem um filho. Mas ele foi bastante enfático.

— Me pergunto por que — murmurou Violet alto, sentindo-se confusa.

A mãe a fitou preocupada.

— Você não deve contar-lhe o que eu lhe disse.

— A senhora me disse o quê, mamãe? A Sra. Hardy riu.

— O Dr. Kemp é um homem correto, mas já foi jovem e irresponsável. Uma enfermeira que conhe­ço fez alguns comentários sobre a garota Culbertson. Perguntei-lhe a respeito. Ele ficou chocado e me confessou a verdade. Estava grávida dele quando morreu. Ele não sabia, caso contrário teria se casa­do com ela imediatamente. O investigador escondeu a verdade, para poupar os pais da moça do cons­trangimento. Mas isso o afetou terrivelmente. Ele perdeu não apenas a noiva, mas também um filho. Contou que até hoje tem pesadelos só de pensar na criança, e todas as lembranças o perseguem.

Violet sentou-se rígida. Era pior do que imagi­nara. Blake não queria filhos. Ele perdera o con­trole e fizeram sexo sem proteção. Ele estava se comportando bem, mas nunca tinha dito que a amava e havia insinuado que tomariam providên­cias, caso ela ficasse grávida. Isso significava que ele não queria filhos nunca, depois do que acon­tecera com a noiva?

Ficou desesperada. O que ia fazer?

— Querida, alguma coisa errada? — perguntou a Sra. Hardy preocupada.

Violet forçou um sorriso.

— Nada. Eu não devia ter ciúmes de uma mulher morta, devia? — perguntou, levando a mãe à falsa conclusão de que estava pensando em Shannon.

A Sra. Hardy relaxou.

— Não, querida. Não devia.

Violet mudou de assunto. Mas não dormiu muito aquela noite. Estava muito preocupada. Como podia ter sido tão ingênua? Ia pagar um preço alto por uma hora de paixão. Achara que valia cada minuto. Agora não tinha tanta certeza.

Foi trabalhar na segunda-feira de manhã sentindo-se insegura. Ao mesmo tempo, temia e desejava voltar a ver Kemp. Duke Wright sorriu quando a pediu para trabalhar na listagem dos novos re­banhos e a fitava como se soubesse o que aconte­cera na casa de Blake Kemp. Mas não disse nada.

Mas Curt disse. Lançou-lhe um sorriso malicio­so ao parar em sua mesa.

— Soube que você esteve na casa de Kemp no final de semana.

Ela engoliu em seco.

— Como...?

— Jacobsville é uma cidade pequena. A casa de Kemp fica numa estrada importante. Seu carro estava à vista de todos no estacionamento.

Ela franziu o rosto.

— Não pensei nisso.

— Pare de se preocupar com isso como se fosse uma tragédia. Vocês dois são livres e solteiros. Nin­guém vai fazer comentários maldosos sobre vocês terem passados uma tarde juntos. E verdade o que dizem sobre as gatas?

— O que dizem... Sobre as gatas?

— Que têm tanto ciúme de Kemp que as visitas não podem chegar perto dele.

— Não são assim tão horríveis — confidenciou. — Mas confesso que fui arranhada por uma delas. Foi só um pequeno arranhão.

— O rumor é que quanto mais Kemp gosta de alguém, piores as gatas ficam — contou. — Nesse caso, é melhor usar uma armadura se passar a ir lá com freqüência.

— Os siameses costumam ser temperamentais, imagino — disse, pensando em quantas pessoas ti­nham visto seu carro na casa de Kemp.

— Uma vez tivemos um cachorro que não gosta­va do namorado de Libby, quando ela tinha uns 14 anos — recordou-se. — O cachorro latia para ele todo o tempo que ele passava lá em casa. Depois, um dia, o garoto trouxe um osso. A partir de então, o ca­chorro ia esperá-lo na porta e o lambia sem parar.

Ela franziu os lábios e sorriu malévola.

— Será que siameses gostam de ossos? Ele riu e voltou ao trabalho.

Violet teve esperanças de receber notícias de Blake durante o dia. Afinal, tinham dormido juntos. Mas ele não telefonou. Foi uma decepção, e sua auto­confiança foi abalada. Suas esperanças começaram a se transformar em dúvidas. Seguiu a rotina diá­ria, atendendo ao telefone e anotando recados, digitando as cartas que Duke Wright ditava. Foi um dia normal. Nada fora do comum. Ela quase chorou.

Pensou em ligar para Kemp. Mas não devia fazer isso. Não podia agir como se o estivesse perseguin­do. Talvez ele precisasse de espaço, para se acostu­mar com o relacionamento entre eles. Com certeza, era apenas isso.

No final do dia estava desanimada. Pensou que talvez Kemp tivesse telefonado enquanto ela esteve fora do escritório, quando foi à cidade, no Correio, pegar uma carta que Wright esperava.

Teve a oportunidade de perguntar ao chefe en­quanto pegava a bolsa e o suéter para ir para casa, e ele trouxe uma carta fechada que precisava de selo.

— Pode deixar isto no Correio para mim, no caminho para casa, Violet?

— Certamente. — Ela colocou o selo e deu-lhe um olhar tímido. — Hum, nenhum recado para mim enquanto estive fora?

Ele levantou a sobrancelha e forçou um sorriso.

— De seu ex—chefe? Ela ficou ruborizada.

— Bem...

— Esse é um caso dos mais difíceis. Você está correndo risco, Violet. Dos grandes.

— Senhor?

— Todos sabemos que você esteve na casa dele — respondeu com naturalidade. — As novidades se espalham rapidamente por aqui. Ouvimos dizer que as gatas não gostam nem um pouco de compa­nhia.

— Elas são meio anti—sociais — confessou sem mencionar os arranhões.

— Um dia Kemp levou outro advogado para jantar na casa dele e o homem foi parar na sala de emergência do hospital. Era alérgico a arranhões de gatos. Ela engoliu em seco.

— Elas são meio possessivas. Mas não represento uma ameaça. Somos apenas amigos — disse com firmeza. — Ele queria me apresentar às gatas.

— Isso explica tudo — meditou Duke sorrindo. — Então são as gatas que estão interessadas em você?

Curt Collins entrou, sem sentir vergonha por estar escutando a conversa.

— E, é claro, como Kemp adora as gatas, leva para casa estranhos que ele acredita serão do agrado das acrescentou. Vocês dois! — exclamou Violet, rindo diante do absurdo. — Estou indo, Vejo vocês amanhã. Eles se despediram e olharam—na sair.

Ela sabia o que eles queriam dizer a respeito das gatas.

       O Dr. Kemp era um notório solitário. Nunca levava mulheres para casa. Se recebera Violet no fim de semana, alguma coisa estava acontecendo. Ela sabia que se Duke Wright estava a par da visita, — toda a cidade também estaria. Será que os comentários maldosos chegaram aos ouvidos de Blake e por esse motivo ele não tinha telefonado? É claro que ele também podia estar arrependido por ter perdido o controle. Ela estava sentindo algo seme­lhante. Sua única desculpa era o fato de amá-lo. Infelizmente, sabia que ele não sentia o mesmo. Desejo não era amor.

Violet passou a noite insone, preocupada com a falta de controle na casa de Kemp e com a maneira como ele a evitava. Não podia esquecer o que a mãe lhe contara sobre sua atitude em relação a crianças. Esperava, sinceramente, que não houvesse conse­qüências. Com certeza, não podia ficar grávida por causa de um único e breve encontro!

Foi trabalhar na manhã seguinte e encontrou Duke Wright fazendo café. Ele sorriu para ela.

— Preciso ficar fora hoje. Acha que pode cuidar do escritório até eu voltar?

— Vou fazer o melhor possível, senhor — prome­teu.

— Se Kemp aparecer, pode demorar no almoço — acrescentou com um sorrisinho forçado. — Mas não quero que ele saiba o que eu disse.

— Ele não é má pessoa.

— Não temos a mesma opinião sobre ele.

Ela sabia disso. O divórcio de Wright tinha sido complicado e ele culpava Kemp pelas exigências absurdas da esposa. Não falou nada mais.

Ele balançou os ombros. — Desculpe. Tenho péssimas recordações. Vejo você amanhã, Violet.

— Sim senhor. Faça uma boa viagem.

— Espero que sim. Ela sentiu um mau pressentimento ao vê-lo partir.

Não podia afastar o presságio de que algo aconte­ceria.

E estava certa. Kemp entrou no escritório e chamou Libby Collins. Contou-lhe que o resultado da autópsia de seu pai tinha dado negativo. Ela demonstrou alívio.

— Mas o resultado do exame do pai de Violet deu positivo — disse baixinho. — Não diga nada a Curt até que eu tenha saído do rancho de Wright. Vou pessoalmente contar a Violet e depois levá-la para casa e ajudá-la a contar a verdade para a mãe. Vai ser uma situação difícil para elas. Se pudermos pegar Janet Collins, vamos acusá-la de assassinato em primeiro grau. Violet e a mãe precisarão testemunhar e isso ressuscitará algumas terríveis memórias na Sra. Hardy. Não tenho certeza se seu coração agüentará.

— E o que podemos fazer? Ele encolheu os ombros.

— Podemos tentar chegar a um acordo, se con­seguirmos convencer o promotor de justiça. Talvez Janet confesse, para evitar a prisão perpétua. Preci­so conferir. No momento, minha prioridade é certificar—me de que Violet não saiba pelo noticiário das 18 horas. Havia vários repórteres atrás da notí­cia esta tarde.

— Coitada de Violet — disse Libby triste. — Por favor, diga a ela que se precisar de mim é só cha­mar.

— Farei isso. Mas tenho certeza de que ela já sabe. Tome conta do escritório para mim.

— Fique tranqüilo.

Durante todo o trajeto para a casa de Duke Wright, Kemp pensava qual seria a reação de Violet. Ainda lembrava-se do breve momento que tiveram, e sentia-se pouco à vontade para encará-la novamen­te. Ela era uma mulher tímida, introvertida, que não tivera nenhuma experiência com outros ho­mens. Ele tinha tirado vantagem da situação. Violet podia odiá-lo por isso. Mas, de qualquer forma, precisava fazer o que estivesse ao seu alcance para protegê-la e à mãe. Não ia ser fácil para ambas en­carar o fato de que o Sr. Hardy tinha sido assassi­nado.

Violet estava terminando o último dos arquivos do novo rebanho quando ouviu passos entrando no escritório.

Levantou a cabeça e o coração bateu descompas­sado ao ver Blake Kemp pela primeira vez desde aquela tarde de paixão. Ficou ruborizada quando ele entrou na sala e parou em frente à sua mesa. Kemp estava muito elegante num terno cinza—claro com colete, nem um fio de cabelo fora do lugar. Os olhos azuis demonstraram simpatia ao encontrar os seus.

— Algo errado? — perguntou de imediato, sentin­do-se desconfortável.

— Precisamos falar com sua mãe. Wright deixaria você sair mais cedo?

— Ele não está aqui hoje — disse vacilante. Levan­tou-se. — O que aconteceu?

— Acabamos de receber os resultados da autópsia de seu pai. Ele foi envenenado. Não foi morte na­tural. Foi assassinato.

Assassinato. Assassinato. Ficou pálida. Janet Collins havia matado seu pai.

— Aquela mulher — esbravejou. — Aquela mulher desavergonhada, mesquinha, matou meu pai!

Ele deu a volta na mesa rapidamente e a estreitou nos braços.

— Está tudo bem — murmurou-lhe ao ouvido, apertando-a com mais força quando ela começou a tremer. — Vamos fazer com que pague por isso. Eu juro.

Ela, primeiro, ficara espantada, depois, enraive­cida. Agora sofria. Amava o pai, apesar de seus defeitos. Como a mãe reagiria à notícia?

— Isso vai entristecer mamãe — soluçou, passando os braços em volta da cintura de Blake.

— Não vai não — tranqüilizou-a. — Ela é mais forte do que aparenta. Mas acho que nós dois de­víamos contar-lhe a verdade.

— Está bem. Obrigada.

Ele soltou um longo suspiro. Surpreendeu-se ao notar como ela se encaixava bem em seus braços. Tinha sentido sua falta nos últimos dias. Agora era como se tivesse voltado para casa.

Violet adorava o conforto de seu abraço. Além da mãe, tinha recebido pouca afeição na vida. Era mara­vilhoso unir-se àquele corpo musculoso e deixar que ele absorvesse todas as suas preocupações, todos os seus medos. Ele lhe transmitia segurança, proteção.

Kemp acariciou-lhe os cabelos, apreciando sua maciez.

Foram interrompidos por passos. Curt chegou à sala, ficou estático e começou a se afastar, ligei­ramente embaraçado.

Blake soltou Violet.

— Ela recebeu péssimas notícias. Todo mundo vai estar comentando o assunto na cidade, então é melhor que você saiba logo. O pai dela foi envene­nado.

— Por minha madrasta? — perguntou Curt, infe­liz.

Blake anuiu.

— Muito provavelmente. Curt contraiu o rosto.

— Violet, sinto muito.

Ela enxugou os olhos inchados de chorar com as costas da mão.

— Não é sua culpa, Curt. Você e Libby também sofreram por causa dela. Somos todos vítimas.

— E não conseguimos encontrá-la — disse Curt Zangado.

— Encontraremos — disse Blake com firmeza. —Juro que a encontraremos.

— Posso ajudar de alguma forma? — perguntou Curt.

Violet sacudiu a cabeça.

— Não, mas obrigada. Vamos contar a mamãe. Espero que isso não seja demais para ela.

Blake deu um sorriso tímido enquanto Violet se arrumava.

— Acho que vai descobrir que sua mãe vai querer vingança ao saber a verdade.

Violet sorriu.

— Espero que sim. Espero, realmente, que ela aja assim.

Blake virou-se para Curt.

— Vou acompanhar Violet até em casa. Se Wright ligar, pode lhe contar o que aconteceu?

— Ele deixou o capataz tomando conta da fazen­da. Pode deixar que eu aviso. Não há nada que não possa esperar até amanhã. Violet, se precisar de algo, é só nos pedir. Sei que Libby diria a mesma coisa.

— Obrigada Curt — respondeu, forçando um sorriso. — Estou pronta quando você estiver — disse a Blake.

— Vamos — disse, deixando-a passar na frente. A Sra. Hardy demonstrou surpresa ao vê-lo entrar acompanhado da filha. Ambos tinham expressões sombrias.

Ela estava recostada em almofadas no sofá. Deu—lhes um olhar sábio.

— Vocês receberam o resultado da autópsia — de­duziu. — Aquela vadia envenenou meu marido, não foi? — perguntou os olhos faiscando. — Quero vê-la presa!

Blake sorriu para Violet.

— Eu não disse?

Violet anuiu com a cabeça.

— Sim, você disse. — Sentou-se ao lado da mãe no sofá e abraçou-a. — Vamos encontrá-la e mandá-la para a cadeia por anos e anos — prometeu. — E só uma questão de tempo e provas.

— Provas é a palavra—chave — concordou Blake. — Por sorte, os criminalistas que investigaram a cena do crime fizeram um trabalho minucioso. Não re­jeitaram a hipótese de homicídio, então coletaram evidências. Há material mais que suficiente para um exame de DNA. Se Janet estava no quarto, podere­mos provar. Há também uma testemunha que a viu sair logo depois após seu marido ter sido encontra­do — acrescentou.

— Sim, mas não sabemos onde ela está — murmurou Violet.

         — Ah, isso é apenas um pequeno detalhe — disse Blake indiferente. — Já contratei um detetive particular para buscar pistas. E uma questão de tempo, apenas.

— Você não tinha me falado sobre isso — comentou Violet.

— Encontrar Janet é essencial para Libby e Curt. Estão tendo dificuldades para manter o rancho — disse com raiva. — Janet fez tudo que estava ao seu alcance para tirar—lhes o rancho. Ela fugiu com todo o dinheiro e eles mal podem pagar as contas. Pre­cisam encontrá-la, e rápido. Assim como vocês duas — acrescentou. — Quanto mais tempo à situação se estender, pior será.

— Como pode um ser humano ser tão frio? — fa­lou a Sra. Hardy em voz alta, tensa. — O dinheiro não é assim tão importante.

— Para algumas pessoas é — respondeu Blake. — Já vi homens irem para a prisão perpétua porque rou­baram menos de 20 dólares. Um ladrão não sabe quanto dinheiro a vítima está carregando. Algumas vezes, a vítima resiste, é morta, e o ladrão fica com uns trocados e uma sentença de prisão perpétua. A ambição é a própria punição.

— Espero que Janet Collins seja punida — disse Violet baixinho, abraçando a mãe. Ela olhou Blake.

— Imagino que isso vai ser notícia em todos os jornais.

— Sem dúvida — concordou. Sentou-se numa confortável poltrona. — As tragédias pessoais torna­ram-se um divertimento popular. Chegamos a um nível muito baixo na ética jornalística.

— Para onde acha que Janet Collins foi? — per­guntou a Sra. Hardy subitamente.

Blake cruzou as longas pernas e reclinou-se na poltrona.

— Desconfio não ter ido muito longe. Ela não quer abrir mão do rancho. Libby e Curt já receberam al­gumas ameaças, provavelmente a mando dela.

— Lamento que estejam passando por tantos problemas — disse Violet. — Libby é minha melhor amiga.

— Não vou sossegar até encontrar Janet — assegu­rou-lhe Kemp. — Contratei um dos melhores inves­tigadores particulares do Texas.

A Sra. Hardy enxugou os olhos. A raiva tinha cedido lugar à dor.

— Estava pensando no relatório do investigador de homicídios no qual constava ataque cardíaco como causa da morte — disse em voz alta. — Meu marido tinha feito todo tipo de exames e não havia sinal de problema cardíaco.

— Pelo que o médico me explicou, o veneno paralisa o coração. Já que não havia suspeita de crime, não se preocuparam em fazer uma autópsia. Mas felicito os investigadores de San Antônio por terem feito um excelente serviço de coleta de provas. Quando finalmente pegarmos Janet, teremos o Suficiente para mandá-la à forca.

Violet abraçou a mãe.

— Vai ficar tudo bem — disse, embora não acre­ditasse nisso.

— Os jornais vão ter um dia movimentado, não vão? — perguntou de repente a Sra. Hardy, o rosto contraído.

— Vamos superar isso — tranqüilizou-a Violet. — Somos fortes, não somos?

A mãe hesitou e depois sorriu.

— Claro querida. Somos fortes.

— Encontraremos um jeito de evitar a publicida­de — disse Blake. — Uma coisa de cada vez. Precisa­mos encontrar Janet.

— Obrigada por acompanhar Violet para me dar a notícia, Blake — disse com gentileza. — Foi mais fácil assim.

— Achei que seria — respondeu ele educadamen­te. — Lamento que a situação tenha tomado esse rumo — acrescentou.

— Nós também — respondeu Violet. — Mas não podemos escolher nossos obstáculos, podemos?

— É verdade — murmurou a Sra. Hardy. Olhou para Kemp. — Você gostaria de jantar conosco?

Violet corou. Percebera que a mãe estava tentan­do bancar o cupido, mas preferia que não o fizesse. Sentia-se desconfortável perto dele. Não sabia o que ele esperava dela. Como devia se comportar.

Blake notou sua indecisão e dirigiu o olhar para a Sra. Hardy.

— Obrigado, mas tenho muito trabalho para preparar esta noite para um cliente.

A cliente era Libby Collins, mas não iria discutir o assunto com elas.

— Outro dia — sugeriu a Sra. Hardy.

— Outro dia — concordou satisfeito. — Melhor pegar a estrada. Se precisar de mim, telefone — dis­se a Violet com firmeza.

— Claro que ligaremos — respondeu, sem olhá-lo diretamente e com um sorriso forçado.

— Minha secretária temporária vai se casar — co­mentou. — Você podia considerar a idéia de voltar para o escritório. Libby e Mabel sentem sua falta. Violet ficou surpresa. Afinal, ele não entrara em contato com ela desde aquele almoço. Nem sabia que tinha contratado uma secretária temporária. Je dava a impressão de querer Violet de volta. Mas não parecia ter pressa.

Por outro lado, ela sentia falta de vê-lo diariamente. Trabalhar para Duke Wright era um sofrimento, pois certamente não veria Kemp regu­larmente. Hoje tinha sido um acontecimento raro.  

— Pelo menos pense a respeito — acrescentou ele calmamente.

— Vou pensar. Pode ter certeza.

Kemp a observou por vários segundos, os olhos estreitos e intensos. Ela podia achar que o convite era algo romântico, mas, definitivamente, não era o caso. Ele sentia-se culpado pelo que deixara acon­tecer em sua casa. Violet podia estar grávida. Kemp não ousava manter a distância até estar seguro. A mulher não tinha nenhuma experiência em relacio­namentos e ficaria numa situação dificílima se re­almente estivesse grávida.

Tinha que mantê-la por perto para saber o que aconteceria. Se fosse ter uma criança...

Kemp interrompeu o pensamento. Não ia pen­sar a respeito. Tinha que ver o lado positivo. Não estava pronto para assumir um casamento e uma família. Talvez nunca estivesse. Certamente, Violet não era o tipo de mulher que queria para esposa. Era meiga e educada, mas não era um bom partido. Havia empecilhos entre eles que ela não compreen­deria, e ele não podia magoá-la explicando-os.

Precisava esperar até ter certeza de que ela não estava grávida. Afinal, não era culpa dela. Ele a tinha seduzido por solidão e desejo sexual. Ainda sentia-se atraído por ela. Por isso a evitara nos últimos dias. Esperava assumir o controle de seus instintos.

Mas não conseguira. Olhou-a e desejou-a. O corpo já ficara tenso só de olhá-la. Sabia, instintivamente, que se a tocasse, não ia ser capaz de afastar-se. Violet proporcionara-lhe um prazer diferen­te e gostaria de repetir aquele momento. Só não ousava fazê-lo... — Violet, por que não acompanha Kemp? — sugeriu a Sra. Hardy diante do silêncio.

— Posso ir sozinho — disse ele, sem dar muita importância à hesitação de Violet. Chegou até a sorrir — Pense no emprego — sugeriu. — Formamos um time afinado... Eu, você, Libby e Mabel — acrescentou quando ela supôs que ele estivesse falando sobre ambos. Ela aquiesceu.

— Vou pensar — prometeu.

— Entro em contato. Não disse até logo. Simplesmente saiu.

— Está vendo, querida, ele sente sua falta! — exclamou a Sra. Hardy quando ouviram o som do carro ao ser ligado. — Ele quer você de volta! Você — vai voltar, não vai?

— Preciso mudar a roupa e preparar o jantar — in­terrompeu as especulações da mãe. — O que quer si comer? Que tal umas panquecas? — Panquecas no jantar?

— Por que não? Nós adoramos panquecas! A Sra. Hardy sorriu.

— Então panquecas. E café.

Café fez Violet lembrar-se de Kemp e ficar triste. Tinha perdido o emprego por causa do café. Mas não deixou transparecer o que sentia.

— Descafeinado para você — brincou, e foi trocar de roupa.

 

BLAKE Kemp passou o final de semana trabalhando, tentando manter a mente afastada de Violet. Na segunda-feira de manhã, o detetive particular te­lefonou com boas notícias para Libby e Curt Collins. A coleção de moedas do pai, de valor inestimável, tinha sido localizada na loja de um negociante em San Antônio, bem como talões de cheques e a cópia de um novo testamento, do qual Cemp suspeitava. Kemp telefonou para o dono da loja e combinou encontrá-lo bem cedo na manhã seguinte, para recuperar as moedas e os documen­tos. Disse a ele que Libby entraria em contato assim que chegasse ao escritório — ela podia atestar que Kemp era seu advogado e estava autorizado a cuidar de sua herança.

Ele não sabia se Janet Collins conhecia o local onde se encontrava a coleção de moedas e conside­rou que talvez corresse perigo.

Telefonou para o escritório do chefe de Polícia; Cash Grier concordou em acompanhá-lo. Interes­sante como Grier, mesmo desarmado, assustava a maioria das pessoas mal—intencionadas.

Contou a Libby sobre a viagem e pediu que ela fosse depois do expediente à casa de Violet com uma pizza para tentar distraí-la e à sua mãe. Tam­bém sugeriu que Libby mencionasse o quanto sentiam falta dela no escritório e como estavam assoberbadas de trabalho desde que a secretária temporária, Jessie, pedira demissão. Libby concor­dou, sorrindo.

Ao chegar à casa de Violet, Libby ficou surpresa com o novo visual e o nervosismo da amiga. Co­nhecia-a a muito tempo. Sempre a viu calma e controlada.

— O Dr. Kemp me pediu que lhe dissesse o quan­to sentimos sua falta — foi logo dizendo Libby.

Violet sorriu.

— É verdade mesmo ou estão apenas precisando de mim porque Jessie pediu demissão sem cumprir o aviso prévio?

Libby arregalou os olhos.

— Como, afinal, você sabe disso? Violet riu.

— A Sra. Landers, que trabalha no jornal, adora fazer mexericos. Achou que eu gostaria de saber que o Dr. Kemp estava sem secretária. Jessie foi colocar o anúncio do chá—de—bebê e mencionou que ia deixar o emprego antes do previsto porque o Dr. Kemp tinha esperanças de que a antiga secretária voltasse, caso soubesse o quanto ele necessitava de ajuda.

— E isso! — exclamou Libby, soltando uma gargalhada, e mostrando a caixa de pizza. — E tudo verdade, é claro. Trouxe uma pizza para você e sua mãe.

— Você pode comer um pouco também, Libby, já que foi tão gentil em trazê-la — disse Violet, abra­çando a amiga. — Foi muita gentileza de sua parte. Eu e mamãe tivemos um dia péssimo.

— O Dr. Kemp me contou. Sinto muito. Violet deu de ombros.

— Todas nós atravessamos períodos difíceis. Va­mos superar os nossos. Mas esse fato trouxe tantas lembranças terríveis!

— Tudo culpa de minha madrasta — disse Libby, fria. — Curt e eu adoraríamos encontrá-la!

— Pegue uma senha e entre na fila — brincou Violet com humor negro.

— Entendo.

— Vamos para a cozinha para eu pegar uns pratos. Mamãe, Libby chegou e trouxe pizza.

— Olá, Libby. Quanta gentileza!

— Foi exatamente o que eu disse mamãe — brin­cou Violet.

Ela conduziu Libby à cozinha.

— De um jeito ou de outro, minha madrasta trouxe problemas terríveis para todos nós. Mas ela vai responder pelo que fez.

— Como?

— Meu pai deve ter suspeitado de algo, porque preparou um novo testamento e o deixou com um negociante de moedas raras em San Antônio. A coleção de moedas dele também está lá. O Dr. Kemp disse que eu e Curt poderemos pagar o financiamento da casa e recuperar o gado da fa­zenda.

— Libby, isso é maravilhoso! — exclamou Violet.

— É maravilhoso mesmo. Mas Julie Merrill tem me trazido muitos problemas. Ela está com Jordan e não o deixa. Ele acha que estou com ciúmes e tentando separá-los. Mas é mais do que isso — disse com raiva. — Ela é perigosa. Tem espalhado todo tipo de comentários maldosos sobre Calhoun Ballenger. Ele contratou o Dr. Kemp para mover uma ação de di­famação contra ela.

— Bom para Ballenger!

Libby ajudou a colocar a pizza nos pratos.

— Achei que Jordan gostasse de mim — disse triste. — Mas, no instante em que Julie apareceu, ele me abandonou. Chegou a deixar que ela me insul­tasse, sem dizer uma palavra em minha defesa.

— Sinto muito. Pensei que Jordan fosse esperto o suficiente para perceber quem ela é.

— Ela é bonita, elegante e rica.

— E o que você é? Horrorosa? Sua família fundou Jacobsville e você é legal. E bonita também. Vale mais que duas Julie Merrill.

Libby pareceu relaxar. Sorriu.

— Obrigada, Violet. Eu realmente senti sua falta. Não tenho mais ninguém com quem conversar, exceto meu irmão, e não podia contar a ele meus verdadeiros sentimentos em relação a Jordan.

— Julie vai acabar experimentando da sua própria maldade. Com sorte, Janet também!

Hesitou, lembrando-se do que Libby acabara de contar.

— O Dr. Kemp não vai cuidar sozinho desse assunto, vai? Quero dizer, Janet pode ter um cúmpli­ce...

— Cash Grier vai com ele — interrompeu-a Libby.

Violet riu.

— Vou parar de me preocupar então. Ninguém vai querer enfrentar o nosso chefe de Polícia.

— Isso é verdade. Mas não se esqueça que o Dr. Kemp é oficial da reserva. Ele também não é ne­nhum rapaz indefeso.

— Sei disso. Lembra daqueles dois homens que ele atirou porta afora?

— Ainda estou tentando esquecer.

As duas riram.

— A pizza estava deliciosa. Violet acompanhou Libby até a porta quando ela decidiu ir embora.

— Você vai voltar? — perguntou Libby séria.

— Vou, mas estou receosa de contar ao Sr. Wright. Ele foi muito gentil comigo.

— Duke é um bom homem. Não vai se impor­tar. Pode não gostar do Dr. Kemp, mas gosta de você — completou com um sorriso. — Aposto que não vai nem pedir que você cumpra o aviso pré­vio.

— Isso seria ótimo. — Ela envolveu o corpo com os braços. A noite estava fria. — O Dr. Kemp real­mente sentiu minha falta?

Libby sorriu.

— Sentiu sim. Ele conseguiu se superar em hos­tilidade e impaciência. Acho que Jessie pediu de­missão porque chegou ao limite. Nunca conseguia satisfazê-lo, não importa o quanto tentasse. Eu e Mabel achamos que o Dr. Kemp provocava para que ela fosse embora.

Violet sorriu encantada.

— Eu também senti falta dele — confessou. Libby a abraçou.

— Todas sabemos o que sente por ele. Acho que você tem chances, Violet. Não iria encorajá-la a voltar se não tivesse. Sei o quanto nos faz sofrer um amor não correspondido.

— Você e Jordan ainda vão se entender — tran­qüilizou a amiga. — Tenho certeza.

— Uma chance já seria ótimo — suspirou Libby. — Melhor voltar para casa. Curt saiu com os amigos, por isso não tenho que me preocupar com o jantar.

— Seu irmão é um bom homem.

— É mesmo, não é? Eu não me importaria de ter você como cunhada, sabe? Mas a gente não consegue mandar em nossos corações, eu sei. Eu bem que tentei.

— Vai dar certo, Libby.

— De um jeito ou de outro — concordou.

— Obrigada pela pizza e pela companhia.

— De nada.

— Vou ligar hoje à noite para o Sr. Wright — com­pletou Violet, eufórica.

— Esperamos você de volta assim que puder — gri­tou Libby a caminho do carro.

Violet telefonou para Duke Wright e ele a liberou das duas semanas de aviso prévio. Disse que lamen­tava perdê-la, mas qualquer um podia ver o que ela sentia por Kemp, embora este não a merecesse. Violet agradeceu e desligou. Ia estar em sua escri­vaninha quando o Dr. Kemp chegasse ao escritório na manhã seguinte. Mal podia esperar para ver sua reação!

Kemp e Cash Grier voltaram de San Antônio depois de terem passado na loja do negociante de moedas, num escritório de advocacia e num restaurante para um almoço rápido. Kemp conseguira salvar grande parte dos bens de Riddle Collins, o que livraria Libby e Curt Collins da falência. Eles teriam con­dições de liquidar as prestações do financiamento e ainda sobraria o suficiente para aplicar no banco.

Só a coleção de moedas que o pai lhes deixara valia uma fortuna. Além disso, Kemp tinha encontrado duas contas de poupança e um novo testamento que o falecido deixara com o negociante de moedas em San Antônio. Aparentemente, não confiava mesmo na esposa, Janet, e havia planejado uma surpresa para ela depois de sua morte. Tomara providências legais para que seus filhos não ficassem desamparados.

— Não é incrível? — perguntou Kemp em voz alta, tendo contado a Grier a maneira vergonhosa com que Janet havia tratado os enteados.

— Se é! Nunca consegui compreender esse tipo de gente. Gosto de ter o suficiente—para garantir um local seguro para morar e uma noite ou outra de lazer, mas não me imagino tomando atitudes erra­das para me tornar rico.

— Nem eu — disse Kemp olhando-o com curio­sidade.

— Algo o está incomodando? — perguntou Grier.

— Estou surpreso como você se adaptou aqui — respondeu com um meio sorriso. — Você sabe que toda a cidade está comentando sobre como tem defendido os dois policiais da patrulha — aqueles que o prefeito está tentando demitir.

— Gosto de controvérsia se for por uma boa causa. Não vou deixar que demitam bons policiais por cumprirem suas obrigações.

— Você também está tentando prender trafican­tes de drogas. Está mexendo com a comunidade. Gosto das mudanças, assim como muitas outras pessoas.

— Estou contente, mas não aceitei o emprego para ganhar um concurso de popularidade.

— Por que aceitou? Grier suspirou.

— Estou cansado de viver como cigano — confes­sou, olhando pela janela enquanto Kemp dirigia. — Começo a sentir o peso da idade. Acho que po­deria me estabelecer aqui.

— Com Tippy?

Grier não reagiu agressivamente, como Kemp esperava. Apenas franziu ligeiramente o cenho.

— Ela não é o que parece — respondeu calmamen­te. — Eu a julguei mal. Não sei por que ela está disposta a me aceitar, já que se recuperou e está em condições de voltar a trabalhar. De qualquer jeito, preciso mantê-la por perto. Pelo menos até que o terceiro seqüestrador esteja preso — disse friamente. — Se ele aparecer em Jacobsville e tentar algo contra ela, é melhor que tenha seguro de vida.

— Ele teria que ser um criminoso tolo para agir assim.

— Já prendi muitos que não eram espertos — dis­se fazendo graça e olhando para Kemp.

Kemp soltou uma gargalhada.

— Já defendi um grande número de homens que também não eram — teve que concordar. — Por falar nisso, se quiser que eu defenda seus patrulheiros no julgamento, faço de graça.

— Obrigado. Mas preparei uma bela surpresa para o Conselho da cidade quando eles se reunirem para a audiência.

— Esqueci. Você é parente dos Hart, não é?

— São meus primos.

— E Simon Hart é nosso procurador—geral. Então não preciso oferecer meus serviços. Não vou nem tentar adivinhar quem você vai levar.

— Não precisa adivinhar — disse Grier. Ele espreguiçou-se. — Preciso de uns dias de folga. Quando a eleição terminar e as audiências tiverem termina­do, vou tirar férias. O irmão de Tippy virá para cá em breve. Ele gosta de pescar. Talvez nós dois pos­samos nos instalar à margem de um rio por algumas horas e levar peixe fresco para Tippy.

— Ela sabe cozinhar? — perguntou Kemp surpre­so.

— E como! Você ficaria surpreso ao ver como ela é caseira.

Os olhos suavizaram-se.

— Ela se sente à vontade na cozinha. Eu podia me acostumar a vê-la do outro lado da mesa pelo resto da vida.

Kemp ficou sem jeito. Grier, um homem mais velho e mais solitário que ele, demonstrava estar planejando uma relação estável e dividir o futuro com uma mulher. Kemp pensou em casamento, e isso o deixou desconfortável.

— Não estou procurando uma esposa — disse Kemp em voz alta. — Gosto de ter meu próprio espaço, minha própria companhia.

— Eu também era assim. Mas sempre existe uma mulher que pode nos fazer mudar de idéia.

— Não para mim. Já me envolvi antes. Não que­ro fazê-lo de novo.

— Nada errado em ser solitário. Até recentemen­te, eu também pensava assim.

— Tippy é uma beleza.

— E tem um cérebro privilegiado e é uma grande ajuda numa emergência — contou Grier. — Não estou interessado em aparências.

— Desculpe — disse Kemp sem graça. — Pensei alto.

— Ouvi dizer que sua nova secretária pediu de­missão.

— Ela não sabia nem escrever. Não perdi nada.

— O que você vai fazer? Pedir a Libby e a Mabel que voltem a fazer hora extra?

— Pode ser que Violet volte. Grier franziu os lábios.

— Pensei que ela não queria vê-lo nunca mais. Kemp encolheu os ombros.

— Voltamos a nos falar. — Tentou não demonstrar que tinham feito bem mais que isso.

— Se você está dizendo...

— Posso encontrar outra secretária sempre que precisar de uma — disse Kemp aborrecido.

— A agência de empregos sabe disso?

— Só porque desligam o telefone quando ouvem minha voz não quer dizer que não queiram trabalhar comigo.

— Tenho certeza.

— Mas se Violet voltar, todos os meus problemas estarão solucionados. E agora que tenho a herança de Riddle Collins escondida naquela mala, Libby e Curt Collins vão saldar as dívidas e voltar para casa.

— Isso não vai agradar a Julie Merrill. Ela está interessadíssima no dinheiro de Jordan Powell. Coitada da Libby.

— Coitada da Julie, se você conseguir colocá-la onde todos nós queremos — disse Kemp.

— Estou cuidando disso — garantiu Grier. — De um jeito ou de outro, vou colocar o último cartel de drogas fora de atividade em Jacobsville.

— Com minha bênção — respondeu Kemp sor­rindo.

Na manhã seguinte, Kemp chegou cedo ao escritó­rio, levando o testamento de Riddle, e mostrou-o a Libby, que já havia chegado para saber as novida­des. Ficou emocionada quando examinaram a prova de amor do pai por ela e Curt.

Poucos minutos depois, Kemp foi para a Corte judicial apresentar e registrar o testamento revisado deixado por Riddle. Quando voltou ao escritório, a primeira coisa que viu foi Violet sentada em sua mesa.

Sua expressão foi suficiente para alimentar o coração apaixonado de Violet. Ela corou e abriu um grande sorriso.

— Você disse que eu podia voltar — lembrou-o.

— Disse sim — respondeu sorridente. — Vai fi­car?

Ela fez que sim com a cabeça.

— Que tal um bule de café fresco?

— Normal?

— Meio a meio — respondeu Kemp, desviando os olhos. — Muita cafeína não me faz bem.

Ele saiu, deixando Violet surpresa.

— Eu disse que ele estava sentindo sua falta — sus­surrou Libby em tom de brincadeira, enquanto seguiam o chefe.

Durante o dia, Kemp se pegou procurando descul­pas para ir até a recepção do escritório. Tomou dois potes de café, porque essa era a melhor desculpa que encontrava. Violet estava usando um vestido mo­derno que realçava sua silhueta arredondada. Com aquele decote na frente, o cabelo escuro repicado e a maquilagem bem feita, qualquer homem iria admirá-la.

Libby e Mabel acharam graça no súbito interes­se do chefe pelo pote de café. Não queriam deixar Violet constrangida, mas ela ficava sem jeito sempre que o chefe se aproximava.

Era previsível que Violet não saísse junto com Mabel e Libby no final do dia.

Ela arrumou a mesa e lentamente pegou a bolsa e o suéter. Kemp apareceu e ficou parado, olhando-a sem disfarçar.

— Está com pressa de chegar em casa? Pode ligar para sua mãe e dizer que vai se atrasar alguns mi­nutos?

— Cla—claro — gaguejou. — O olhar dele a deixou trêmula. Ela pegou o telefone e discou, os olhos fixos no chefe.

Ela disse à mãe que chegaria um pouco mais tarde, tentando não reagir de forma muito evidente à alegria da mãe.

Blake estendeu a mão. Violet colocou a bolsa e o suéter na cadeira e foi ao seu encontro, deixando que a conduzisse até sua sala.

Ele fechou a porta e puxou-a ávido para seus braços. Ela gemeu de prazer quando a boca encontrou-lhe os lábios e ele a apertou num abraço mais íntimo.

— Senti sua falta — murmurou com os lábios colados ao de Violet.

— Eu também senti... Sua falta — retrucou.

— Venha para casa comigo — sugeriu com voz rouca.

Ela sabia o que ele estava sugerindo, e não era jantar. Queria ir com ele. Queria ficar com ele. Mas estava indecisa.

Ele percebeu a hesitação. Deixou que ela se sol­tasse de seu corpo musculoso e a olhou ansioso.

— E então?

Ela engoliu em seco. O olhar fixou o peito largo porque não conseguiria olhá-lo nos olhos e recusar o convite.

— O que está me propondo, Blake? Ele olhou-a duvidoso.

— Você está negociando sexo? Ela o encarou estupefata.

— E só isso que quer de mim?

Kemp ficou confuso. Normalmente, tinha o pensamento lógico e frio, e agora estava se sentindo como um jovenzinho às voltas com seu primeiro romance.

— Não quero me casar, Violet — disse delicada­mente. — Você sabe...

Ela engoliu em seco.

— Sei. Você já disse. Mas não quero ser sua amante.

O maxilar contraiu-se.

— Não me lembro de ter pedido isso.

— Então, o que está pedindo? — perguntou Vio­let, triste. — Você quer dormir comigo sem com­promisso, não é essa a verdade?

Ele colocou as mãos nos bolsos e deixou escapar um suspiro.

— Minha mãe é antiquada — continuou. — Ela me educou para pensar em sexo como algo que caminha de mãos dadas com amor e casamento. Ficaria arrasada se eu tivesse uma ligação pura­mente física com qualquer homem, especialmen­te você. — Lançou-lhe um olhar infeliz. — Jacobsville é uma cidade pequena, Blake. Todo mundo saberia.

— Não sou escravo da opinião pública — disse de modo grosseiro, sentindo que a magoara.

— Entendo; mas eu sou.

Recuou, sentindo que ele demonstrava frieza. Não era isso que esperava dele. Desejava que ele pudesse vir a amá-la. Tinham ficado tão próximos na casa dele! Agora pareciam estranhos.

Ele estava furioso. Confuso. Violet havia des­pertado mais conflito do que sentira desde a mor­te da noiva, anos atrás. Adorava sua liberdade. Mas odiava a idéia de perder Violet.

— Violet — começou lentamente. — Já fui noivo e a amava mais do que a minha própria vida. Depois que a perdi, não quis mais viver. — Ele franziu o cenho. — Não... Posso passar por tudo isso de novo.

Ela olhou dentro dos olhos turbulentos.

— E por que passaria? Você não me ama — disse infeliz. — Apenas me deseja.

Virou-se e dirigiu-se para a porta.

Antes que pudesse abri-la, a mão dele cobriu a dela na maçaneta.

— Espere.

— Eu não deveria ter voltado a trabalhar aqui. Vou retornar para o rancho do Sr. Wright. Você pode contratar outra secretária temporária até achar alguém para me substituir.

—Não!

Lágrimas surgiram em seus olhos azuis. Nunca se sentira tão infeliz na vida.

— Por favor, deixe—me ir!

Ele moveu a mão. Em segundos ela já saíra pela porta da frente. Kemp ficou sozinho no escritório, sentindo-se vazio e frio. Ela queria algo que ele não poderia lhe dar. Por que as mulheres não podiam ser como os homens, pensou zangado, e simples­mente se divertirem na companhia do outro sem exigir promessas para toda a eternidade?

Foi aborrecido para casa e preparou o jantar para ele e para as gatas. Elas lhe deram olhares esquisitos, como se percebessem seu estado de ânimo.

Kemp as fitou.

— Não comecem — murmurou. Mee esfregou-se em suas pernas. Yow sentou-se, olhando com olhos azuis acusatórios. — Ótimo. Agora dei para falar com gatos!

Terminou o jantar simples e tentou se interessar por um programa de televisão, mas o corpo vibrava ao pensar em Violet em seus braços. Entretanto, não ia ceder. Se ela achava que conseguiria colocá-lo diante de um padre se recusando a ser dele fisi­camente, estava muito enganada.

Não podia esquecer a intimidade que experimen­tara com ela naquela única vez, a beleza e o prazer de possuí-la. Tinha sido um momento mágico, perfeito.

Depois se lembrou de algo que vinha tentando esquecer. Fizeram sexo sem proteção. E se Violet engravidasse?

Ficou rígido, apavorado, os olhos arregalados só de pensar na possibilidade. O que fariam? Tinha certeza que Violet seria incapaz de ir a uma clínica. Ia insistir em ter a criança. Ele tinha horror a criança. Ainda não superara o fato de Shannon estar carregando um filho seu ao morrer. Essa tragédia distorceu sua atitu­de em relação à gravidez. Pensou em crianças e lem­brou-se de como se sentira ao saber que seu filho havia morrido com a mulher que ele amava. Essas lembran­ças lhe trouxeram de volta os pesadelos. Violet não poderia compreender. Ela queria um "Felizes para sempre". Porém, ele apenas queria aliviar a incômoda necessidade física que tomava conta dele.

Mas, se ela engravidasse, não poderia abandoná-la. Não só porque não seria um comportamento digno de um homem, mas também por causa dos comentários que teria que enfrentar na cidade. Certamente, arruinariam a reputação de Violet, e a mãe dela não suportaria a vergonha, e poderia mor­rer, considerando sua saúde frágil.

Ele falou um impropério entre os dentes. Se não tivesse convidado Violet para ir à sua casa, nada disso teria acontecido. Por que ele não podia sim­plesmente deixá-la ir embora e esquecer o assunto? Ele tinha tornado a vida dos dois insuportável, devido à sua paixão incontrolável. Não podia culpar Violet, mas mesmo assim não sabia o que fazer.

Mas não permitiria que pedisse demissão. Não até ter certeza de seu estado. Pegou o telefone e discou seu número.

Violet tinha conseguido esconder a infelicidade da mãe. Sabia que Kemp não se importaria se ela se demitisse de novo. Provavelmente, ficaria aliviado. Ele a queria e não podia tê-la como desejava. Talvez tudo ficasse mais fácil, se ela voltasse a trabalhar para Duke. Era melhor telefonar para ele imediata­mente...

O telefone tocou, fazendo-a sobressaltar-se. Atendeu-o sem pensar.

— Alô!

— Não peça demissão — disse Blake suavemente. O coração dela quase parou.

— Des-cul-pe? — gaguejou.

— Vamos viver um dia atrás do outro, Violet. Está bem assim? — perguntou, e pela voz parecia estar repensando o futuro.

Ela se sentiu renascer. O ânimo se elevou. Mal conseguia conter a alegria que sentia.

— Está bem — disse sorrindo. — Um dia de cada vez!

 

Durante dias, Violet e Blake se mostravam hesi­tantes quando se encontravam. Ele era bastante cortês. Não brigou ou gritou. Não colocou nin­guém para fora do escritório. Parecia outro homem.

Violet adorava a ternura que ele demonstrava. Não mais levantou a voz ou fez comentários sarcás­ticos sobre seu trabalho. Mas tampouco tentou tocá-la. Parecia estar à espera de algo, observando. Violet se perguntava o quê.

Julie Merrill foi presa por tentativa de incêndio doloso na casa de Libby e Curt Collins no sábado seguinte e Cash Grier preparou uma surpresa para a Câmara Municipal na audiência disciplinar da segunda-feira. Os policiais foram isentados de cul­pa e o prefeito que tentara forçá-los a retirar as acusações contra o tio, o senador Merrill, por diri­gir bêbado, viu-se numa posição constrangedora.

As eleições primárias seriam no dia seguinte. Calhoun Ballenger ganhou a nomeação do Partido Democrata do senador Merrill por um expressivo número de votos e o prefeito perdeu seu cargo numa eleição extraordinária ganha pelo ex-pre­feito Eddie Cane. Foi um dia maravilhoso para Jacobsville.

Mas, na quarta-feira de manhã, Violet passou mal após o café-da-manhã no escritório. Blake passou perto do banheiro e percebeu o que estava acontecendo. Ele também ficou enjoado. Violet era muito saudável. Se estava mal, só havia uma expli­cação: estava grávida.

Para ele foi um choque. Kemp passou o resto do dia atordoado, e Violet também. Ele ouviu Mabel e Libby cochichando sobre o súbito mal-estar dela e sobre a consulta que marcara com o médico. Elas se calaram quando ele entrou na sala. Não precisa­vam ser muito espertas para saber que se Violet estava grávida, o chefe era o responsável. Afinal, por quem mais Violet era apaixonada há quase um ano? E o mais importante: com quem tinha sido vista sozinha nos últimos tempos? Não havia muito a especular.

Violet ficou em pânico quando se sentiu enjoada após o café-da-manhã. Ligou para o consultório da Dra. Lou Coltrain e marcou uma consulta, sabendo que Mabel e Libby escutariam. Disse suspeitar ter contraído um vírus e receava transmiti-lo para a mãe. Mas elas estavam desconfiadas e não disfarça­ram.

Dirigiu-se ao consultório da Dra. Lou depois do trabalho, deixando que Libby e Mabel fechassem o escritório. Fez a Dra. Coltrain jurar que manteria segredo antes de mencionar os sintomas. Lou Col­train olhou-a preocupada enquanto a enfermeira tirava seu sangue para o teste de gravidez.

— Uma vez — disse com voz sufocada quando recebeu o resultado do teste logo em seguida.

— Uma vez só basta — disse a doutora com tris­teza. — Puxa Violet.

— O que vou fazer? — murmurou a jovem, escon­dendo o rosto com as mãos. — Não posso confiar em ninguém, Lou!

A médica a consolou.

— Tenho certeza de que quando Kemp souber... Violet olhou-a horrorizada.

— Quem mais poderia ser? — perguntou Lou sensatamente. — E o único homem com quem você se importa e passou metade de um dia na casa dele — acrescentou, sorrindo sem jeito quan­do Violet corou. — Bem, olhando o lado positivo, não vai ser difícil definir a data de nascimento do bebê.

— Ele não quer filhos. Ele não quer nem mesmo um compromisso permanente. Ele disse...!

Lou Coltrain recostou-a na cadeira quando ela se moveu bruscamente.

— Não entre em pânico!

— Minha mãe já teve um derrame! Ela me criou para ser uma boa...

— Somos seres humanos — interrompeu Lou. —Sua mãe não vai deserdá-la ou expulsá-la de casa.

— Todo mundo vai saber — balbuciou Violet, respirando profundamente. — Eu podia me mudar para San Antônio — começou.

— Isso seria ainda pior — garantiu-lhe Lou. — E Blake teria que enfrentar as conseqüências sozi­nho.

Ela franziu os lábios e os olhos escuros faiscaram.

— Talvez a situação não seja tão ruim assim. Pensei que ele fosse mais esperto. Ele é inteligente o suficiente para saber que devia se precaver. Não ia esperar que você tivesse experiência!

Violet ficou ainda mais ruborizada.

— Está tão óbvio assim?

— E uma cidade pequena — afirmou Lou. — Você não é promíscua.

Violet soltou outro suspiro.

— Não sei o que fazer.

— Vá para casa e alimente-se bem. Vou lhe recei­tar umas vitaminas. Você precisa consultar uma boa obstetra também. Sugiro uma conhecida em Victoria. Ela é discreta — disse a médica quando Violet pareceu ainda mais aterrorizada.

Violet rangeu os dentes.

— Não foi isso que planejei para a minha vida.

— A vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos — citou Lou, com ar pensativo. — Não me lembro quem disse isso, mas é a pura verdade. — Olhou com carinho para Violet. — Você vai ser uma mãe maravilhosa.

Mae! Até aquele momento, Violet tinha perdido o rumo. Mas agora se conscientizou de que haveria uma versão sua em miniatura, ou de Kemp. Sentiu-se... Estranha. As mãos seguraram a barriga. Havia um bebê dentro dela!

— Agora você está se conscientizando do que aconteceu — sorriu Coltrain. — Não há nada pare­cido com a sensação que a mulher tem ao perceber que existe uma vida em seu corpo. Quando soube que estava grávida, mal pude acreditar — acrescen­tou. — Fiquei eufórica, depois com medo e depois saí por aí sonhando acordada. — Os olhos ficaram úmidos. — Foram os nove meses mais felizes da minha vida. Mal posso esperar para passar por isso de novo, mas preferimos aguardar até que nosso garotinho cresça um pouco mais. E difícil cuidar de um bebê, de um recém—nascido, e ter uma pro­fissão ao mesmo tempo.

Violet sorriu, sentiu-se confusa pelas emoções.

— Sempre quis ter filhos. Só queria... Bem, só queria ser casada.

— Conte a Kemp e será — sugeriu Lou. Violet sacudiu a cabeça.

— Não posso contar. Não agora. Talvez nunca.

— Ele tem a obrigação de ajudá-la a sustentar o filho, Violet — disse Lou com firmeza. — Você não agiu sozinha. Quanto a manter isso em segredo, sabe que não será possível. Não numa cidade tão pequena. Além do mais, quando você levar essa receita à farmácia, todos vão saber o que está acon­tecendo — disse prescrevendo os remédios. — São vitaminas pré—natais. — Está bem, dona Avestruz, esconda-se enquanto pode — disse Lou brincan­do.

— Posso fazer isso — respondeu Violet com fir­meza.

— Com certeza — debochou Lou. Ela entregou a receita a Violet. — Nada de pegar peso no primeiro trimestre. E durma bastante.

— Dormir bastante. Certo — murmurou Violet, imaginando as noites de insônia à frente, preocu­pada com seu estado e a saúde da mãe.

Lou abraçou-a.

— Você não vai acreditar, mas aposto que em cinco ou seis meses você vai lembrar-se do dia de hoje e achar graça.

— Se eu gostasse de apostas, não perderia essa chance — disse Violet triste. — Mas obrigada, Dra. Lou.

Lou Coltrain se despediu sem deixar que Violet percebesse sua preocupação. Só queria saber como ela conseguiria esconder seu estado.

Kemp sabia que Violet tivera uma consulta com Lou Coltrain porque, no caminho para casa, a vira sair do consultório. A consulta e o olhar assustado no rosto de Violet ao chegar ao escritório no dia seguinte foram suficientes para que deduzisse o que estava acontecendo. Ele se amaldiçoou pelo que fizera a ambos. Se tivesse se controlado, se tivesse se precavido, se, se, se...! Agora ia ser pai e teria que se casar com a mãe do filho ou causar a desgraça dele, de Violet e da Sra. Hardy. Detestou a perspec­tiva de abrir mão da liberdade. Não suportava a idéia de uma criança em sua vida. Não era o tipo de homem família, caseiro.

Mas era responsável e tinha senso de dever. Te­ria de agir. Não queria que Violet tomasse nenhuma atitude desesperada.

Se dissesse que já sabia sobre o seu estado, sabe­ria que a estava pedindo em casamento por obriga­ção e recusaria. Então, tinha que esconder os reais sentimentos e fingir ter mudado de idéia enquanto era tempo. Manteria um ar indiferente. Ia conseguir. Afinal, que outra opção lhe restava? No final do expediente, foi à recepção. — Violet, que tal uma xícara de café e um filé com salada no Café da Bárbara? — perguntou, des­contraído. — Você pode levar uma salada para sua mãe.

Libby e Mabel disfarçaram os sorrisos, despedi­ram-se e saíram rápido para que o casal tivesse al­guma privacidade.

Violet olhou curiosa para o chefe.

— Jantar? Com você? — gaguejou. Ele forçou um sorriso.

— Jantar comigo. Aceita?

— As pessoas vão comentar. Ele deu de ombros.

— E daí?

Ela sentiu-se um pouco melhor. Pelo menos ele gostava um pouco dela, já que não estava tentando se esconder. Talvez houvesse alguma esperança. Ela sorriu.

— Adoraria!

— Ótimo. Ligue para sua mãe e vamos andando até o restaurante depois que fecharmos o escritó­rio.

— Agora mesmo!

Bárbara servia três refeições por dia e seu restauran­te estava quase sempre lotado no final do expedien­te. Aquele dia não era exceção. Quando Violet entrou com Blake Kemp, a conversa cessou imedia­tamente e todos os olhos se viraram em direção ao casal na fila do bufê.

Eles escolheram carnes e saladas e Violet separou um prato para viagem para a mãe. Mas fez questão de pagar a própria conta, para desconsolo de Kemp.

— E por falar em mulheres independentes! — mur­murou ele secamente, quando se sentaram para comer.

— Fui criada assim — disse Violet sorrindo. — Mi­nha mãe sempre insistiu que só devíamos depender de nós mesmas e não nos impormos aos outros.

— Nunca pensei num filé como uma imposição — brincou.

Ela riu.

— De qualquer jeito, obrigada pela oferta.

Ele terminou a salada e começou a comer o bife. Não usou temperos. Observou que Violet também não os usou.

— Que tipo de música você gosta? — perguntou de repente.

Ela hesitou, ficando com o garfo a meio caminho da boca.

— Gosto de música country e clássica. E de rock pesado — acrescentou com ar travesso.

Ele riu.

— Na verdade eu também.

— Você gosta de ler? Ele anuiu com a cabeça.

— Gosto de história antiga e biografias. Ela sorriu encabulada.

— Gosto de romances e de livros sobre jardinagem e culinária.

— Sua mãe disse que você gosta de astronomia.

— Gosto mesmo, mas não tenho dinheiro para comprar um telescópio.

Ele inclinou-se.

— Tenho um Schmidt—Cassegrain de 30,5cm de diâmetro.

Era um telescópio caro, com lentes refratoras e refletoras. Ela não sonhava em possuir algo tão grande e eficiente. Ela ficou surpresa.

— Sério? Ele riu.

— Eu passava muito tempo do lado de fora à noite. Como vivo muito longe da cidade, não tenho problemas com a poluição das luzes.

— Aposto que pode ver as crateras na lua — ela suspirou.

— Posso ver dentro delas — ele explicou. Ela soltou um assobio.

— Adoraria poder usar seu telescópio.

— Podemos combinar. Acha que pode aprender a conviver com duas gatas siamesas belicosas?

— Eu gosto de Mee e de Yow — respondeu cu­riosa.

Ele olhou para o prato.

— Tenho pensado muito em nossa situação — dis­se finalmente — Desde que você pediu demissão e foi trabalhar para Wright, minhas prioridades mudaram. Não me sinto tão feliz em estar sozinho como antes.

Ela colocou o garfo na mesa e ficou olhando para ele. O coração batia tão... Será que ele queria di­zer...?

Ele levantou os olhos.

— Eu disse que não era um homem com tendên­cia para o casamento. E, na época, acreditava nisso. Mas gosto de ter você por perto. — O olhar fixou-se em sua boca e os olhos ficaram sombrios. — Na verdade, gostaria de ter você por perto, não apenas no escritório.

— Não compreendo — balbuciou.

Ele pegou-lhe a mão e entrelaçou os dedos nos seus. Olhou os olhos azuis e se sentiu afundando.

— Acho que devíamos ficar noivos — disse, ten­tando encontrar as palavras certas sem sucesso.

— Eu e você?

— Eu e você. Violet temos muitas afinidades. Acho que vamos descobrir outras mais com a con­vivência. — Abaixou a voz: — E fisicamente não há dúvida quanto à compatibilidade.

Ela ficou ligeiramente ruborizada.

— Mas você disse que nunca iria se casar, que nunca ia querer ter filhos...

— Os homens dizem um monte de bobagens quando tentam se apegar à rotina confortável, Violet.

— Sou um solitário. Tem sido difícil pensar em mudar minha vida, sob qualquer ponto de vista.

— Mas você não me ama.

Ele não podia fingir. Seria mentira. Violet era perceptiva. Os dedos apertaram os seus.

— Amizade e carinho podem levar ao amor. Não posso lhe dar garantias quanto a sermos felizes para sempre. Mas posso prometer-lhe afeto, companhei­rismo e respeito. O resto vem com o tempo. Eu sei que virá. Dê—nos uma chance. Diga que sim.

Ela hesitou. Não parecia sincero. Ele não esta­va fingindo amor eterno, mas também estava prometendo muito. Ela podia ter companheirismo e afeto de um cachorro ou de um gato. O que queria de Kemp era bem mais. Que tipo de casa­mento teriam, se ele não a amasse como ela o amava?

Obviamente, ele gostava dela fisicamente, mas todo mundo diz que a paixão acaba rápido. E, de­pois, o que sobraria se ele não a amasse?

— Você está pensando demais — ele a recriminou. — Preste atenção. Estou cansado de viver sozinho. Quero tentar com você. Se as coisas não funciona­rem, não tem problema. Seguimos caminhos dis­tintos. — Ele já estava pensando à frente: se por acaso ela não estivesse grávida, não havia motivo para achar que teria que continuar casado com ela. Mas não estava disposto a admiti-lo.

— Nos divorciamos, é o que quer dizer. Ele deu de ombros.

— Às vezes não dá certo. Não estou dizendo que acho que não vai dar certo, Violet. Estou oferecen­do uma alternativa, por via das dúvidas.

— Não é a mesma coisa que ter um extintor de incêndio por perto caso aconteça um incêndio? —provocou.

Ele riu.

— Não, não é. — Observou-a afetuosamente. —Vamos. Aceite. Você pode escolher o anel de noi­vado que quiser e vou até permitir que assine um acordo se comprometendo a nunca mais me deixar para trabalhar com outra pessoa.

— E por que eu assinaria tal acordo?

— Para que eu fique em paz, é claro. Você vai querer que eu seja feliz, não vai?

A apreensão desapareceu e ela riu.

— Que coisa horrível!

— Espere só para ver. Vou ficar ainda pior com a idade — prometeu.

— Que idéia terrível!

— Prometo não jogar dicionários em cima de você — acrescentou.

— Você nunca me atirou um — lembrou-se. He­sitou. — Não me diga que atirou um em Jessie.

— Era fininho. Não era de capa dura e era com­pacto.

Ela explodiu numa risada.

— Não me admira que ela tenha se demitido!

— Mas não foi por causa do dicionário. Foi depois que eu joguei café num resumo que digitou.

Ela ficou boquiaberta, esperando uma explica­ção.

— Tinha dois erros de gramática por linha. Que­ria me certificar de que ela saberia refazê-lo.

— Mas você não podia simplesmente pedir?

— Muito complicado. Minha tática funcionou bem melhor.

— Sua tática fez com que ela se demitisse.

— Para que você pudesse voltar — reconheceu. —Ela não teria se demitido se eu apenas pedisse que redigitasse o resumo, teria?

Violet realmente gostava dele. Era incrível como se sentia à vontade ao seu lado, mesmo que ele a excitasse de uma forma insuportável. Casar-se com Kemp seria arriscado. Mas não conseguiria recusar. Talvez pudesse ensiná-lo a amá-la, caso se esforças­se. No momento sentiu como se fosse capaz de fazer, qualquer coisa. O coração estava batendo descompassado de tanta felicidade.

Uma de suas mãos livre cobriu a dele.

— Preciso salvar as outras mulheres; portanto, acho que terei de me casar com você.

Ele sentiu uma sensação estranha. Estava que­rendo casar-se com ela por obrigação, embora ela nunca devesse saber. Porém, quando ela aceitou, se sentiu aliviado. Sentiu-se o homem mais feliz da face da Terra. Era absurdo. Ele não a amava. Não a queria. Lembrou-se, de repente, da sensação da­quele corpo inexperiente e ávido debaixo do seu, no tapete da sala de estar, e as maçãs do rosto fica­ram avermelhadas.

— O que foi? — perguntou curiosa.

— Estava me lembrando de meu tapete.

Ela demorou um minuto para entender, mas depois se lembrou. Seu rosto também ficou rubo­rizado.

Ele riu baixinho e maliciosamente.

— Pelo menos nesse setor nós somos muito com­patíveis, certo Violet? — provocou-a.

— Safado! — acusou-o, olhando à volta para cer­tificar-se de que ninguém a ouvira.

— Sem problema. Estamos sós no planeta — tranqüilizou-a falando como se contasse um se­gredo. — Somos invisíveis para o resto da huma­nidade. Assim, como se sente a respeito de linóleo? — perguntou com um olhar especulativo em direção ao piso.

— Blake Kemp! — exclamou, batendo-lhe no braço.

Ele sorriu alegre. Nunca sentira tanto prazer na companhia de uma mulher. Desde Shannon. A lembrança de Shannon apagou-lhe o sorriso e dei­xou-o triste.

Ela percebeu e também ficou séria.

— Algo errado?

Ele não podia contar-lhe a verdade.

— Estava pensando em sua mãe — mentiu.

— Ah querido! — mordeu o lábio. — Blake, não posso deixá-la sozinha, não ousaria.

— Como se sentiria se contratássemos alguém para ficar com ela todo o tempo e a visitássemos com freqüência? — perguntou, demonstrando estar disposto a fazer concessões.

— Não sei...

— Não vamos nos casar em dois dias — disse com um sorriso confortador. — Temos bastante tempo para encontrar uma solução.

— Está bem — murmurou, mas se perguntou o que ele queria dizer com bastante tempo. Ele não parecia estar pensando em casar-se em breve.

Kemp soltou-lhe a mão e pegou a caneca de café.

— Não se martirize Violet. Tudo acaba se ajei­tando no momento certo.

— Imagino que sim.

— Quer sobremesa? Ela balançou a cabeça.

— Não. É muito difícil perder peso. — Em segui­da lembrou-se que ganharia muito peso em breve e ficou desanimada. Sua taxa hormonal já sofrerá alteração devido à gravidez. Ia passar por muitas mudanças no futuro próximo.

— Gosto de você do jeito como você é — disse ele com voz profunda e suave.

Ela levantou os olhos demonstrando preocupação.

— Está falando sério? Ele anuiu com a cabeça.

Ela terminou o café e Jam, a jovem que traba­lhava para Bárbara, trouxe o jantar da Sra. Hardy numa sacola.

— Acha que devemos contar a mamãe?

Ele hesitou. Ainda estava se acostumando com a idéia de se casar. Não queria contar a ninguém.

— Acho que podíamos esperar uns dias — sugeriu Violet.

— Você acha melhor? — perguntou surpreso.

— Sim — disse com firmeza. — Preciso de tempo para me acostumar com a idéia — disse, com um sorriso encabulado.

O raciocínio: que achava que ele não estava falando sério e não queria desapontar a mãe caso ele inventasse um motivo para desistir. Talvez tivesse agido por impulso e já estivesse arre­pendido.

— Se você prefere assim — concordou sem opor-se.

Ele a levou até o carro. O estacionamento estava lotado e ele não queria dar motivos para comentá­rios aos seus concidadãos. Beijou-lhe a mão.

— Vejo você de manhã.

— Certo. Adorei o jantar — completou Violet com um sorriso tímido.

— Eu também. Vamos ter que passar mais tempo juntos. Não sei muita coisa sobre Você, não é?

— Eu também não sei nada sobre você.

— Mais um motivo. — Ele olhou de relance para o relógio. — Preciso ir. Estou esperando uma ligação em casa sobre um processo. Está quase na hora. Até amanhã!

— Até!

Ela teria dito mais, mas ele já se afastara. Cami­nhou até o carro sem olhar para trás.

Violet o viu afastar-se com um estranho pressen­timento. Ele não se comportava como alguém que tivesse acabado de ficar noivo. Tampouco como um homem ansioso para se casar. Entrou no carro e foi para casa. Estava mais determinada do que nunca a não mencionar o suposto noivado à mãe.

O resto do dia passou devagar, e Violet conseguiu esconder os enjôos matinais tanto da mãe quanto das colegas de trabalho e de Kemp.

Ficou preocupada por ele não anunciar o noiva­do ou tratá-la de forma diferente. Ficou deprimida e não pôde disfarçar.

Kemp notou. Na sexta à tarde, pediu que Violet ficasse no escritório depois de Mabel e Libby saírem. Trancou a porta da frente, levou-a a sua sala e tran­cou-a também.

Às vezes, era necessário um sacrifício. Foi o que disse a si mesmo quando a atraiu para si e beijou-a com um entusiasmo forçado.

Mas, no instante em que sentiu a boca macia abrir-se, o sacrifício foi esquecido. Apertou o corpo dela contra o seu e intensificou o beijo. Ela gemeu. Ele ficou sem respiração e excitado. Estava sozinho há algum tempo e estava reagindo mal a isso. Sen­tiu-se sucumbir ao encanto quando o beijo tornou-se mais intenso.

Kemp abaixou-se para pegá-la no colo, não mais fingindo. Só tinha um pensamento: aliviar o desejo que tornava seu corpo tão tenso.

— Blake... Não devíamos... — Tentou protestar quando ele a colocou no sofá e deitou-se por cima.

A boca interrompeu qualquer protesto. A mão estava ocupada em desabotoar as roupas. Em segun­dos, sentiu os seios nus. Era tão bom que ela não podia nem tentar se defender.

Kemp colocou uma perna entre as de Violet, por baixo da saia, e soltou um gemido rouco à medida que se desvencilhava da roupa íntima dela e come­çava a despir-se.

Ele estava descontrolado. O corpo invadiu o seu com movimentos rápidos e hábeis que podiam ser considerados até brutais. Mas ela também estava desejando aquele momento. Afastou as pernas com um gemido trêmulo e retorceu-se para que os qua­dris se tocassem.

As mãos seguraram-lhe os cabelos grossos e on­dulados e ela os acariciou enquanto ele a penetrava com intensa paixão.

De certa maneira, era bem mais excitante do que uma sedução lenta. Ele estava no auge do desejo e ela aos poucos o acompanhava. O fato de ele estar tão ansioso por ela a fez sentir-se estranhamente protetora. Era sincero. Nenhum homem podia fingir a paixão que percebia.

— Assim — murmurou ele apressado, puxando-lhe a perna com mão forte. — Levante uma perna sobre... A minha. Rápido. Isso. Assim!

Ele mergulhou ainda mais fundo, levantando a cabeça para poder ver-lhe o rosto, os olhos. Eles estavam abertos, escuros. Mas o corpo o encorajava. Ele notou que ela se movia ao encontro de suas investidas cada vez mais profundas. Sentiu-se en­volvido naquela suavidade, naquele calor secreto. Ele estava feliz. Estava ardendo de paixão. O corpo inteiro era pura volúpia.

A tensão cresceu em proporções insanas. Ele gemia a cada investida, os olhos turvos de desejo, o corpo tenso, trêmulo.

Os dedos apertaram-lhe a coxa macia, puxando-a para cima. Trincou os dentes ao deparar-se com os olhos espantados.

— Eu nunca fiquei olhando enquanto fazia sexo... Com ninguém — conseguiu dizer num sussurro rouco.

Ela não pôde responder. Estava num turbilhão de prazer profundo, sensual, que crescia sem aplacar a tensão que lhe enrijecia os músculos e a deixava tremendo a cada movimento dos quadris dele.

— Isso é loucura! — gemeu Kemp.

Os seios roçaram o peito dele, esfregando-se com força naquele corpo másculo enquanto as mãos deslizaram e acariciaram o tórax musculoso.

Ele gemeu com voz rouca e estremeceu.

— Isso. Assim, não pare.

Kemp curvou-se sentindo um imenso prazer, como jamais sentira. Não conseguia pensar. Mal conseguia respirar. Esperou que ela o acompanhas­se, porque ele não podia parar, não podia... Parar...!

Ele gritou, a voz rouca e excitada enquanto o corpo desabava sobre o de Violet. Ela o olhou fas­cinada, sentindo-o pulsar dentro dela. Ele estreme­ceu, ficou rijo e depois, subitamente, imóvel e com a respiração fraca.

Ela ainda estava bastante excitada, mas ele não a tinha esperado. Sentiu-se triste, traída. Não que­ria dizer nada. Pelo menos ele tinha precisado dela.

Kemp conseguiu normalizar a respiração embo­ra ainda estivesse excitado. Levantou a cabeça e olhou para o rosto tenso e decepcionado. Ela não tinha conseguido chegar ao clímax com ele.

Naquele instante, sentiu uma enorme ternura — como nunca sentira antes. Ela nem mesmo recla­mava. Ela o amava.

O amava. O pensamento deixou-o abatido. Acariciou-a, prendendo-a quando ela debateu-se em protesto.

— Ah, não — ele sussurrou suavemente, a mão movendo-se até encontrar o ponto certo. O toque a fez gemer e erguer-se. — Não. Não vou parar até que você consiga atingir o clímax como o meu. — Ele inclinou-se e roçou-lhe levemente os lábios. Ela tremeu quando o toque tornou-se mais intenso. —Farei qualquer coisa por você — ele sussurrou com os lábios colados aos seus.

— Blake — gemeu Violet, apertando os dedos em seus ombros à medida que o prazer aumentava.

— Isso. Você está quase... — sussurrou ele, levan­tando o rosto para olhá-la. — Vou olhar você dessa vez. Gosto do jeito como seus olhos se reviram quando a levo ao clímax. Gosto de sentir você pal­pitar e me apertar quando sente satisfação.

As palavras eram tão excitantes quanto o toque. Mas ela estava longe de responder com palavras. O corpo movia-se ritmadamente, pulsando, os olhos fixos no rosto dele enquanto o prazer tornava-se tão intenso que ela achou que não suportaria.

As pernas afastaram-se e ela gemeu, as unhas arranhando-o quando o momento de magia de repente transformou-se em angústia.

— Por favor, Blake — pediu, trincando os dentes. Os olhos fecharam-se numa onda de prazer. — Por favor, por favor...!

Ele moveu-se, penetrando-a. O único e brusco movimento foi o suficiente para levá-la ao êxtase. Ela curvou-se, tremendo sem parar enquanto o prazer tomou conta dela. Não conseguia vê-lo. Mas sentia-o dentro de seu corpo.

— Isso — sussurrou ele, excitado. Trincou os den­tes e moveu-se dentro dela, em busca do próprio prazer. Eles atingiram o clímax juntos, transforman­do seus corpos num único corpo por um longo e profundo instante de perfeita comunhão.

Da outra vez não tinha sido tão intenso, tão arrebatador. Ela gemia e não conseguia parar.

Blake levantou o rosto suado e olhou-a, o corpo ainda ligeiramente trêmulo por causa da intensida­de do clímax que atingiram juntos.

Ela abriu os olhos e ao fitá-lo deparou com algo inesperado: total comoção.

 

Violet sentia-se sufocar. De repente tomou cons­ciência do quanto os corpos estavam unidos, tão intimamente que ela podia até mesmo sentir sua pulsação dentro dela.

Ele apoiou-se nos cotovelos, ainda tentando recuperar a respiração e fitou os olhos azuis de Violet. Jamais teve tanta vontade de possuir uma mulher, nem mesmo Shannon. Seus sentimentos por ela foram afetuosos, protetores, quase passivos. Mas com Violet era diferente. Sentia um desejo e uma necessidade incontroláveis que pareciam, a cada dia, mais fortes e poderosos.

Mas, apesar disso, havia carinho. Seu corpo era macio e aconchegante, e ele inalou seu suave per­fume com prazer. Acariciou-lhe as sobrancelhas com o dedo indicador, os olhos examinando-lhe o rosto, o pescoço, os seios fartos. Tocou-os suave­mente. Pensou no seu filho no ventre de Violet e estremeceu. Ela amamentaria o bebê? De repente se deu conta da mágica e do medo da criação. Ela carregava seu filho. Seu filho...

Ficou ofegante. Curvou-se e tocou-lhe os lábios com a boca, fechando-os carinhosamente. Os dedos mergulharam em seus cabelos volumosos e suspen­deu seu rosto para dar-lhe mais um beijo.

Violet não compreendeu. Não estava sendo como da última vez. Ele estava diferente.

Kemp levantou a cabeça e sorriu.

— Isso é que dá fazer abstinência esperando pela cerimônia — murmurou sorridente.

Ela corou. Ele riu.

— Ficou encabulada? — provocou. — Não devia. Essa é uma das mais importantes partes de qualquer casamento. Sei de casamentos em que os casais se davam bem em todos os sentidos terminarem em divórcio porque um não conseguia satisfazer o ou­tro sexualmente.

— Parece que não temos esse problema — concor­dou envergonhada.

Ele acariciou-lhe o rosto.

— Você devia me dizer que não estava satisfeita — disse carinhosamente. — Por sorte, eu percebi. Mas não gosto de pensar que você me deixaria continuar quando ainda não estava satisfeita.

Ela o estudou curiosa.

— Pensei que os homens estivessem preocupados apenas com o próprio prazer.

— Não este homem aqui — respondeu, a voz pro­funda e afetuosa. Ele sorriu enigmático. — Você gosta de mim, não gosta? — perguntou com naturalidade.

— Fico contente. Pensei que você pudesse demonstrar inibição já que passara a vida em abstinência.

— E verdade — confessou rindo. — Não sei o que aconteceu comigo.

— Você se envolve em tudo que faz e retribui tudo que recebe. — Beijou-a com meiguice. — Adoro o jeito com que você se comporta comigo, Violet — disse sério. Afastou-a lentamente, consciente de seu embaraço. Sorriu, porque gostava desse sinal de insegurança. Gostava de saber que era seu primeiro homem.

Ela ajeitou as roupas.. Quando terminou, ele já estava abrindo a porta.

— Sua mãe vai ficar preocupada — disse, olhando o relógio. — Deveria ligar para ela antes de sairmos.

Ela fez a ligação, inventando que precisara pre­parar umas cartas depois do expediente. A mãe não estava preocupada e parecia satisfeita. Violet deu um olhar irônico para Blake ao desligar.

— Ela não acreditou, não é? — perguntou, achan­do graça.

— Ela já foi jovem.

— Foi sim. — Ele a puxou para seus braços e a segurou por um longo instante, a expressão preo­cupada. Acabara de pensar no bebê e em como tinha sido bruto. Começava a desenvolver um impulso protetor em relação à Violet. Ela estava carregando seu filho...

— Não pretendia ser bruto — disse subitamente. —Apenas... Perdi o controle quando comecei a beijar você — confessou. — Eu machuquei você?

— Claro que não — respondeu, pensando imedia­tamente no bebê. Será que ao fazer sexo machuca­ria o bebê? Com certeza, não. Lou tinha dito para não carregar peso. Não dissera nada sobre sexo. Tudo estava bem. Claro que sim.

Seguiu Kemp silenciosamente até a recepção do escritório e esperou que ele desligasse as luzes e trancasse a porta.

— Vá direto para casa. Vou seguir você até o cruzamento.

— Não precisa — disse surpresa com sua preocu­pação.

— Eu sei que não. Vamos.

Ele a ajudou a entrar no carro e depois entrou no seu. Ela o viu pelo espelho retrovisor até entrar na pequena estrada que levava a casa onde mo­rava com a mãe. Sentiu-se segura e animada até estacionar e lembrar-se que ele não dissera uma palavra sobre se verem novamente no final de semana.

Ele não ligou. No sábado, ela foi até Victoria pegar as vitaminas pré—natais e passou o final de semana tricotando um xale enquanto fazia companhia à mãe. Estava certa de que Kemp pelo menos ligaria para ela. Mas ele não telefonou.

No domingo à tarde sentiu-se usada. Ele tinha precisado dela na sexta-feira à noite. Havia sido delicado, mas era um relacionamento apenas físico por parte dele. Podia perceber que não tinha ne­nhum forte laço emocional com ela. Era físico, e isso não iria durar. Pensou no motivo que o levara a ficar noivo dela. Ele não podia saber que estava grávida.

Pelo menos era o que achava até a segunda-feira de manhã. Mabel e Libby estavam trabalhan­do arduamente nos documentos a serem apresen­tados à Corte de justiça. Violet tinha ido até a sala de Kemp levar uma mensagem porque ele estava na outra linha e ela achou melhor não interrom­pê-lo, julgando que podia ser uma conversa par­ticular.

Hesitou do lado de fora da porta entreaberta. O que ouviu fez com que o bilhete caísse no chão. Ficou desapontada.

— O que mais eu podia fazer? — perguntava a alguém num tom de voz carregado, assustado. — A saúde da mãe dela é frágil e já está suficientemente aborrecida pela forma como o marido morreu. Saber que Violet está grávida sem estar casada po­deria levá-la à morte. Além do mais, vivemos em uma comunidade pequena e todos nos conhecem. Não há a menor possibilidade de Violet concordar em fazer um aborto, então o casamento é a única solução possível.

Fez uma pausa demorada até voltar a falar, ob­viamente escutando o que a pessoa do outro lado da linha dizia.

— Eu sei — disse, e pareceu arrasado. — Eu sei. Mas ela não vai descobrir. Nunca vou lhe contar. Posso dar-lhe o suficiente para fazê-la feliz. Ela e a mãe não aceitariam nada. Depois que a criança nascer, vamos tomar as decisões que forem necessárias. Vou me assegurar que fique bem, mesmo que o casamento não continue. Sim, sim, eu sei.

Violet abaixou-se para pegar o pedaço de papel. A conversa continuava. Ela não conseguia raciocinar direito. Era impossível tomar uma decisão racional, até que pudesse pensar em suas prioridades.

Sentou-se em frente do computador e colocou o recado em cima de uma pilha de papéis ao lado da bandeja da impressora. Ficou paralisada por um momento. O que era ótimo, porque, certamente, teria um acesso de fúria quando voltasse a racio­cinar.

A porta da frente foi aberta e Libby entrou. Olhou para Violet e hesitou.

— Você está bem? Está pálida. Violet engoliu em seco.

— Sinto—me um pouco tonta — confessou, colo­cando a mão na testa. — Aposto que peguei um vírus que anda por aí.

— Quer um remédio? Posso ajudar? — perguntou Libby, preocupada.

— O que está errado? — Kemp perguntou, entran­do na sala e franzindo o cenho.

— Violet está passando mal — disse Libby. — Tal­vez deva ir para casa — disse para a colega de traba­lho.

— Não é má idéia — concordou Kemp. — Quer que eu a leve?

— Posso dirigir — Violet conseguiu dizer numa voz fraca e rouca. Ela não o olhou. — Estou apenas um pouco enjoada. Não é nada. Sério.

Ele a ajudou a levantar-se e levou-a até o carro.

— Me ligue quando chegar em casa — disse com firmeza. Ele hesitou. — Pensando bem, acho que devo ir com você.

— Não, não é preciso. Estou bem — repetiu. — Só preciso me deitar.

Ele pareceu em dúvida, preocupado.

— Você está pálida.

Tinha um bom motivo para estar pálida, mas não podia lhe contar o que era.

— Amanhã já estarei boa.

— Violet... — começou.

— Vejo você amanhã, chefe — interrompeu-o com um sorriso e afastou-se.

Kemp a olhou sentindo-se culpado. Se fosse um bom noivo, a teria levado de carro para casa. Ficado ao seu lado. Não compreendia seus senti­mentos. Tinha passado um fim de semana péssimo tentando entendê-los. Aquela situação o dei­xara mal—humorado. Ressentia-se da gravidez de Violet. Ressentia-se do sentimento de não ter op­ção. Sentimento esse que se apossara dele durante todo o final de semana e que fizera com que não ligasse para ela, apesar do momento de paixão no escritório. O bebê era culpa tanto sua quanto dela, é claro, mas ele não aceitava bem o fato. Estava sendo egoísta. Mas é que sua vida ficara confusa. Sentia que o papel de marido não se adequava a ele. Quanto mais o de pai! Vivia sozinho há tanto tempo... Mas não havia motivo para deixar Violet sofrer por algo que ele era o responsável. Estava passando mal e sua obrigação agora era tomar conta dela. Resolutamente virou-se e começou a andar em direção ao carro, mas chegou a tempo de vê-la sair do estacionamento. Saiu rapidamente e ele sentiu-se um patife. Ela estava passando mal e ele a deixara ir sozinha para casa.

Enquanto relutava sobre o próximo passo a to­mar e buscava as chaves no bolso, Libby surgiu para avisar que tinha uma ligação urgente. Um de seus clientes havia sido preso.

Entrou; o destino decidira por ele.

Violet chorou durante todo o percurso. Acreditara que Kemp realmente gostava dela, que a queria para todo o sempre, que ficaria feliz quando soubesse que ia ser pai. Mas ele já sabia — só Deus sabe como! —, e não estava feliz. Iria se casar com ela apenas para manter as aparências. Sentia-se aprisionado. Não queria Violet; ou talvez, simplesmente, sentisse atra­ção física. Foi um duro golpe.

Ficou no carro até as lágrimas cessarem e sentir-se capaz de agir dentro de um mínimo de norma­lidade. Observou os olhos no espelho para se asse­gurar de que não estavam vermelhos. Não queria alarmar a mãe. Kemp estava certo a respeito de um detalhe: a mãe ficaria preocupada se soubesse sobre o bebê.

Com um sorriso forçado, chamou a mãe ao en­trar. A Sra. Hardy estava vendo novela, acenou com a mão e sorriu, voltando imediatamente à atenção para a tela.

Que alívio! Violet foi para o quarto e vestiu um jeans folgado e um blusão. Deitou por alguns mi­nutos, certa de que sua mãe não se levantaria até que o programa terminasse, mesmo que houvesse uma emergência.

Tinha que tomar uma decisão — e rápido. Não podia entrar num ônibus e deixar a cidade. Seria impossível mudar-se com a mãe; não apenas devido aos problemas legais — caso Janet Collins fosse en­contrada e levada a julgamento pela morte de seu pai. Não podia partir, porque a mãe não sobrevive­ria se fosse forçada a abandonar sua cidade natal. Ela adorava Jacobsville.

Assim, Violet, temporariamente, só tinha uma atitude a tomar: sair do escritório de Kemp. Prefe­ria não telefonar novamente para Duke Wright e voltar a trabalhar para ele, mas, afinal, não tinha uma lista de potenciais patrões. Não conseguiria esconder a gravidez por muito tempo, mas por várias semanas, pelo menos, não ia aparecer. Isso lhe dava algum tempo para tomar decisões.

Pegou o telefone e ligou para o ex—patrão.

Minutos depois, entrou na sala de estar. A tela mostrava os créditos da novela e a mãe enxugava os olhos.

— Foi tão triste! — contou a Violet. — Harry ama­va Eunice há anos e anos e justo quando a pediu em casamento, morreu de um ataque cardíaco.

— É, é muito triste mesmo. — Curvou-se e beijou-a. — Como está se sentindo?

— Eu é quem devia perguntar, querida — respon­deu com olhar arguto. — Você está muito pálida. Está se sentindo bem?

— Acho que peguei um vírus. Vim para casa cedo. Não teve problema com o chefão — acrescentou com um sorriso forçado. — Vou preparar algo gostoso para o jantar.

— Se quiser — disse a Sra. Hardy, parecendo preocu­pada.

Violet não podia lhe contar o que acontecera de fato: que tinha acabado de combinar voltar a tra­balhar para Duke Wright. O ex—chefe não tinha sido capaz de encontrar uma substituta para ela e ficou hiper satisfeito por ela desejar voltar.

A única coisa ruim foi ter concordado em estar no escritório na segunda-feira. Agora tinha que contar a Blake Kemp que ia embora de novo, e o motivo. Ficou enjoada só de pensar nisso.

Kemp telefonou para ela assim que acalmou o cliente, mas a Sra. Hardy atendeu ao telefone, pediu desculpas e avisou que Violet tinha ido para a cama cedo, com dor de cabeça. Ele desligou e foi para casa, mas não conseguiu dormir.

A madrugada inteira ficou pensando em seu egoísmo. Violet era meiga, gentil e o amava. Talvez nunca mais encontrasse uma mulher igual a ela. Desde que começara a trabalhar para ele, o havia mimado; a tal ponto que ele se alegrava só de vê-la no escritório. Desde que se tornaram mais íntimos, sentia atração por ela noite e dia. Sabia que tinha sido o primeiro homem na vida dela e que ela não queria mais ninguém. E agora estava carregando um filho dele. Apesar de tudo isso, ele a tinha pe­dido em casamento só por obrigação, não porque a queria ou à criança.

Agora, com a mente finalmente voltando a fun­cionar, percebeu quanta sorte tinha. Por que demo­rou tanto para perceber?

Levantou-se antes do amanhecer e preparou um farto café—da—manhã. Iria para a joalheria mais so­fisticada em Jacobsville comprar o maior diamante que encontrasse para Violet. Talvez tivesse se sen­tido forçado a pedi-la em casamento antes, mas estava começando a perceber que havia sido o me­lhor que lhe acontecera. Ia fazer Violet se sentir a mais feliz das mulheres. Iria dar-lhe flores, levá-la ao teatro, comprar-lhe muitos presentes. Riu dian­te de sua própria descontração. Nunca se sentira tão feliz.

No dia seguinte, Violet sentou-se na escrivaninha, séria e quieta. Seu comportamento deixou as colegas de trabalho apreensivas. Especialmente quando começou a limpar a escrivaninha.

Kemp entrou sorrindo.

Violet olhou-o com uma expressão que ele não conseguiu decifrar.

— O que está fazendo? — perguntou de repente, quando percebeu que ela estava colocando suas coisas numa caixa de papelão.

— Vou voltar a trabalhar para Duke Wright — dis­se calmamente.

Ele ficou imóvel, a mente vazia enquanto a olha­va, sem compreender.

— Você está pedindo demissão de novo?

— Isso mesmo: estou pedindo demissão! Mabel e Libby trocaram olhares e levantaram-se ao mesmo tempo.

— Vamos à confeitaria comprar bolinhos de amêndoas — anunciaram, e saíram apressadas.

— Mas você acabou de voltar — explodiu Kemp, mal percebendo a porta da frente fechar-se atrás das duas mulheres.

— E já estou indo embora — disse batendo com o grampeador na mesa.

— Por quê?

— Por quê? Como pode me perguntar isso? Você só vai se casar comigo porque sabe sobre o bebê.

O semblante assustado era a confirmação que precisava.

— Sim — disse com frieza, a angústia transpare­cendo em seus olhos azuis ao fitá-lo. — Eu sei Blake. Ouvi sua conversa ao telefone.

Conversa ao telefone. Conversa... Ficou boquia­berto ao encará-la. Ficou pálido, os dentes trincados. Maldito destino por permitir que ela ouvisse aque­la conversa com a Dra. Lou Coltrain. Por quê? Por que não tinha fechado a porta?

Violet sentiu a última esperança desaparecer ao ver-lhe a expressão culpada. Ele, realmente, disse­ra o que sentia, pensou. Só pretendia casar-se com ela para dar um nome à criança e evitar que a mãe dela morresse do coração de tanta vergonha.

— Muitos casamentos começam com menos do que temos — disse após um minuto, escolhendo as palavras com cuidado.

— Mas nós começamos sem o que mais conta, Blake: amor.

Ele inspirou profundamente.

— Não vou tentar impedi-la, se isso é o que real­mente deseja. Mas espero que reconsidere.

Ela sacudiu a cabeça.

— Não quero continuar aqui sabendo que você tem pena de mim e vendo todo mundo especular sobre o motivo.

— Se você for embora, aí, sim, dará margem a mui­tas especulações — respondeu com visível irritação.

Ela voltou para a escrivaninha, desapontada.

— Não posso ficar.

— Não espere que eu a impeça — respondeu fu­rioso. — Fique à vontade para sair e contar para toda a cidade que está grávida e não vai casar com o pai de seu filho.

— E é por causa dessa maravilhosa sensação que eu vou embora — disse irada. — Você não está preo­cupado comigo, está preocupado apenas com o que as pessoas vão pensar! Sua reputação pode ser abala­da, não é isso? Você pode perder clientes!

O olhar fulminou-a.

— E quanto à sua mãe? — retrucou, percebendo tê-la atingido. — Como ela vai se sentir ao desco­brir?

Ela mordeu o lábio.

— Mamãe compreenderá.

— Você acha mesmo? — perguntou sarcástico. — E Duke Wright?

— Desculpe...

— Quando a gravidez não puder mais ser escon­dida, o que acha que ele vai pensar? E os funcioná­rios, sem mencionar a ex—esposa? — Ele a fixou com uma expressão vazia. — Vão achar que o filho é dele!

Ela engoliu em seco.

— Não... Não vão!

— Deixe de ser tola!

Violet o encarou. Era demais. Não queria acre­ditar no que ele dizia, mas era verdade. Foi ficando cada vez mais ruborizada.

Ele a olhou fixamente, o olhar concentrado em sua cintura fina. A expressão mudou. Nunca pensara em filhos. Pelo menos, não desde a morte de Shannon. Agora, começava a se perguntar como seria seu filho. Teria o cabelo escuro como o dele e o de Violet? Teria olhos azuis? Seria um menino ou uma menina?

— Você ficou... Estranho — comentou.

— Estava pensando no bebê — disse com ar au­sente, os olhos ainda fixos em sua cintura. — Jamais pensei em ser pai. Passei quase toda minha vida adulta sozinho.

— Eu também — confessou Violet.

— O que você quer? — perguntou, fitando-a. Ela piscou.

— Eu... Eu não pensei a respeito. Não muito. Ele deu um passo à frente.

— O que você gostaria de ter?

Ela se sentiu enfeitiçada pelos olhos.

— Meninas são uma gracinha — aventurou-se. —Gosto de costurar, fazer crochê e tricô. Eu poderia... Ensinar a ela.

Ele ficou com a respiração presa. Uma menininha. Lembrou-se da filhinha de Rey Hart. A famí­lia tinha ido consultá-lo a respeito de um assunto legal e Celina os acompanhara. Ela estava com seis meses aproximadamente, cabelos escuros, e parece­ra fascinante para Kemp. Ele a examinara, perce­bendo que Rey era apaixonado pela filha, para fe­licidade de Meredith, sua esposa. O mesmo acon­tecia com as gêmeas de Judd Dunn e Christabel. Todo mundo na cidade ficara surpreso ao ver como um homem durão como Judd Dunn de repente se transformava quando carregava os bebês no colo.

— Menininhas são uma gracinha — concordou tranqüilamente.

— Mas não me importaria em ter um menino. Gosto de beisebol e de futebol — continuou. — Ain­da posso bater agarrar e chutar.

Ele sorriu.

— Eu também.

O rosto de Violet tornou-se triste ao lembrar-se da situação.

— Você não quer uma criança, Blake — disse melancólica. — Você está agindo corretamente, me propondo casamento, mas não ia dar certo.

— Como pode saber? Eu disse algumas tolices no telefone e você ouviu. Mas ainda estou me habituando à idéia. Você já teve tempo para pensar sobre o bebê. Eu não. — Ele colocou as mãos nos bolsos da calça. — Não reajo bem a mudanças — disse com ho­nestidade. — Preciso de tempo para pensar no que isso significa.

Violet suspirou preocupada.

— É, mas você ia se sentir como se tivesse caído numa armadilha.

Ele deu de ombros.

— Honestamente, talvez me sinta um pouco — confessou. — Mas isso é temporário. Só preciso de um tempo, Violet.

— Eu sei disso. Eu também. — Ela virou-se e voltou para a escrivaninha, e para a caixa que esta­va arrumando. — Duke está disposto a me aceitar de volta. Eu vou. Em algumas semanas, quando você souber o que quer, podemos conversar.

— Em algumas semanas, já será fácil notar a gra­videz, Violet — respondeu sem preâmbulos.

Ela virou-se.

— Sou gorducha— disse com tranqüilidade. — Não vai aparecer tão cedo.

— Gorducha? — Ele sorriu. — Feminina é um adjetivo mais apropriado. Você tem uma aparência adorável.

Ela arqueou as sobrancelhas.

— Não estou tentando ser gentil e convencê-la — disse ao ver a expressão dela. — Eu estou sendo falso. Há muitas coisas em você de que gosto. Além disso, as gatas também gostam de você.

— E isso faz com que eu ganhe pontos? — arriscou. Ele riu.

— Elas não gostam de muita gente. Uma noite dessas atacaram o entregador de pizza; cada uma subiu por uma perna. Depois desse dia, preciso dar uma gorjeta extra para que ele faça entregas lá em casa. E ainda tenho que prometer trancar Mee e Yow antes que ele chegue na calçada.

— Uau!

— Talvez fosse por causa das anchovas — disse, fazendo um retrospecto. — Está bem, se você está determinada a ir novamente embora, não vou me opor.

"Mas você também precisa pensar um pouco a respeito. A pessoa na qual temos que pensar é o bebê. Ele, ou ela, não tem culpa de nada."

Ela ficou pensativa.

— Não pensei em tomar... Precauções. Kemp sorriu.

— Nós dois não estávamos muito preocupados com isso. Nas duas vezes.

Violet corou. Ele riu.

— Foi muito bom. Acho que posso procurar o resto da vida e nunca vou encontrar uma mulher com quem me dê tão bem na intimidade.

Ela encolheu os ombros.

— Pensei que os homens tivessem prazer com qualquer uma.

— Isso é o que eles dizem. Mas eu parei de pro­curar.

A maneira com que a olhou a fez estremecer. Ele parecia sincero. Mas não a amava. E ela o amava. Seria uma relação desigual.

— Planejo ligar para você com freqüência. Estou lhe avisando com antecipação. Não pense que por estar concordando que saia do escritório, isso sig­nifica estar abrindo mão de você. Não estou.

Ela arregalou os olhos.

— Oh!

— Eu preferia que você não contasse à sua mãe que estamos enfrentando problemas. Ela não pre­cisa de mais aborrecimentos.

— Eu sei. Não vou contar — concordou, a cabeça baixa, olhando dentro da caixa.

— Há rumores de que a mulher de Duke talvez traga o filho para uma visita rápida. Talvez seja por motivos legais, mas acho que ela ouviu falar sobre a veterinária que está trabalhando para Wright. Ela piscou os olhos.

— Ciúmes?

— Quem sabe? Mas seria bom se eles pudessem se entender. Uma criança precisa do pai e da mãe — acrescentou com firmeza.

E ele não se referia apenas aos Wright, como Violet percebeu.

— Tem razão. A criança precisa dos dois. Ele adiantou-se e carregou a caixa para ela.

— Eu devia ter acompanhado você no dia em que se sentiu mal — disse inesperadamente. — Eu ia segui-la, mas o telefone tocou e eu tive que acalmar um cliente assustado.

— É mesmo? — perguntou surpresa.

— Mesmo. Abra a porta. Ela abriu, e ele a seguiu.

Violet tranqüilizou a mãe sobre o fato de voltar a trabalhar com Duke Wright com uma simples ex­plicação: ela e Kemp não estavam conseguindo trabalhar direito convivendo o dia inteiro, então estava resolvendo o problema até se casarem.

A mãe olhou-a preocupada, mas ela sorriu e mudou de assunto.

Verdade seja dita: Kemp ligou todos os dias. A princípio, Violet ficou constrangida, mas ele lhe contava como tinha sido seu dia, os comentários no escritório e depois de dois dias achou ótimo ter alguém com quem falar — alguém que soubesse de tudo que acontecia na cidade.

Após algum tempo, Janet Collins foi presa em San Antônio e acusada de ter assassinado o pai de Violet.

Assim como acontecera quando saiu o resultado da autópsia, Kemp não telefonou para Violet. Foi ao rancho de Duke Wright dar a notícia pessoal­mente.

A reação de Violet era transparente.

— E o que vai acontecer agora? — perguntou de­vagar, as mãos no teclado do computador.

— Agora ela vai ser formalmente acusada de as­sassinato em primeiro grau. Será levada a juízo na próxima segunda-feira, em San Antônio.

— Você acha que eu e minha mãe devemos com­parecer? — perguntou, — esperando que ele dissesse que não. Seria um martírio ver a mulher que havia matado o pai.

— Não é necessário — respondeu. — Embora sua mãe, provavelmente, tenha que testemunhar no julgamento para que possamos obter a condena­ção.

— E em que isso vai ajudar? — perguntou Violet infeliz. — Se isso apenas contribuir para deixá-la mais triste. De qualquer jeito, ela nunca viu Janet com meu pai.

Kemp levantou a mão.

— Receio que sim — respondeu vendo a expressão dela transformar-se de preocupada para assustada.

— Ela nunca contou, mas entrou no motel em que estavam um pouco antes de seu pai ter o colapso e ser levado para o hospital.

— Foi por isso que a polícia encontrou evidências que ligaram Janet ao envenenamento — lembrou-se Violet, ainda surpresa ao saber do segredo guardado pela mãe durante todos esses anos.

— Isso mesmo. E foi uma sorte para nós que sua mãe os tivesse encontrado, e não apenas porque servirá como testemunha, mas sua presença forçou Janet a fugir e, na pressa, esqueceu o copo com o veneno. As digitais estão no copo — acrescentou —, embora ninguém saiba disso, exceto o laboratório criminal, a polícia e eu. E agora você — corrigiu.

— Há provas suficientes para condená-la por assas­sinato. Sua mãe vai fornecer o motivo e a identi­ficação que liga Janet ao quarto do motel, a seu pai, a conta bancária dele e seu estado de penúria. Eles vão tentar fazer a relação da prova com o paciente no asilo que lhe deixou a herança e foi por ela envenenado. O filho dele está disposto a testemunhar.

— Você tem andado ocupado! — exclamou quan­do percebeu que ele tinha investigado o caso contra Janet.

— Tenho mesmo. — Colocou as mãos finas nos bolsos da calça, sorrindo para Violet de um jeito que a fez estremecer.

Harley Fowler entrou com Duke Wright, falando sobre um touro que seu chefe, Cy Parks, havia com­prado e o mandara transportar, e viram Kemp.

Duke fechou os punhos.

— O que está fazendo em minha casa? — pergun­tou a Kemp.

Blake Kemp o olhou com um sorriso maroto.

— Apenas conversando com a mãe de meu filho — disse, revelando o segredo.

Melhor assim: resolvo o assunto de uma vez só, já que os dois homens são solteiros. Agora não te­riam chance de se insinuar para Violet.

 

Mas, se Kemp estava se sentindo orgulhoso, Violet experimentara uma emoção completamente dife­rente. Ela olhou da expressão divertida de Harley para a surpresa de Duke e voltou os olhos para Kemp, que revelava arrogância.

— Como você ousa! — disse com raiva para Kemp, erguendo-se.

Foi um erro. Ela estava fragilizada devido à gra­videz e à falta de sono. Ficou tonta.

Kemp moveu-se rápido para segurá-la quando ela caiu. Suspendeu-a nos braços e a embalou sorrindo.

— Ainda está no primeiro trimestre — disse gentil. — Precisa evitar movimentos bruscos como esse. Pode cair.

Ela o fitou furiosa e sem poder revidar. A postura ameaçadora de Duke tinha relaxado. Olhou Kemp com emoções conflitantes.

— É seu filho? — perguntou lentamente. Kemp olhou-o furioso.

— Como ousa! — repetiu a expressão pronunciada há pouco por Violet, mostrando-se tão indignado quanto zangado.

— Que tipo de mulher você pensa que ela é? Duke pigarreou.

— Me desculpe.

Violet tentava não rir. Na verdade não tinha graça. Mas a defesa dele a fez sentir-se protegida.

Kemp relaxou um pouco, mas não colocou Vio­let no chão.

— Você precisa assegurar-se que ela descansará em intervalos freqüentes — disse a Duke. — Para que não fique muito cansada. Virei todo dia na hora do almoço para levá-la a um bom restaurante onde possa consumir bastante proteína. — Parecia aten­cioso. — Nada com hormônios ou agrotóxicos, é claro. Temos que pensar no bebê.

— Kemp! — cochichou Violet, batendo-lhe no ombro.

— E, definitivamente, não pode trabalhar até tarde — acrescentou ele agressivo.

Duke tentava disfarçar o sorriso.

— Certo — disse simpático.

Harley estava pasmo. Ele realmente gostava de Violet. Mas a maneira como Blake Kemp a olhava tirou-lhe todas as esperanças. E ela estava grávida. Harley suspirou desolado. Não tinha muita sorte com as mulheres, apesar de ter ajudado a desbaratar a maior quadrilha de drogas na área.

Kemp olhou para Violet.

— Está se sentindo bem agora? — perguntou ca­rinhoso.

Ela teve vontade de enroscar-se naquele corpo forte e beijá-lo até que seu desejo cessasse. O que nunca aconteceria, é claro.

— Estou bem melhor — disse com ar afetado e mexeu-se para que ele percebesse que ela queria ser colocada no chão.

Ele a colocou de pé.

— Temos que contar à sua mãe.

— Sobre o bebê? — pensou Duke em voz alta.

— Sobre Janet Collins ter sido presa em San An­tônio — corrigiu-o Kemp. — Ela está sendo acusada de assassinato em primeiro grau pela morte do pai de Violet.

Duke e Harley deixaram escapar um assobio.

— Sinto muito, Violet — disse Duke gentil. — Se precisar passar a sair mais cedo, contrato uma se­cretária temporária para substituí-la.

— Não, vai ser melhor para mamãe não alterar minha rotina — disse Violet. — Conto quando che­gar em casa.

— Vou com você — disse Kemp imediatamente. Os olhos faiscaram ao se encontrarem. Ela pigarreou.

— Obrigada.

Ele anuiu com a cabeça encantado por aquele olhar meigo e faminto.

Duke bateu com sua mão pesada nas costas de Harley.

— Por falar em rotina, temos que mover o gado. Olhou para Kemp.

— Não sabia que você estava aqui. Desculpe pela recepção.

Kemp encolheu os ombros.

— Não tem importância. Duke hesitou.

— Pode deixar que ela vai ter intervalos suficientes para descanso — acrescentou. — Ainda me lembro de minha mulher grávida. — O rosto de Wright entris­teceu.

— Ouvimos dizer que ela vem visitá-lo — disse Kemp, jogando verde.

A expressão de Duke ficou impenetrável como a de um jogador de pôquer.

— Estamos discutindo uma revisão nos direitos de custódia. Ela tem passado muito tempo fora de casa e o menino fica na creche ou com a babá a maior parte da semana. — Os olhos cintilaram de raiva. — Quero trazê-lo para morar aqui.

— Você acha que ela vai aceitar? — perguntou Violet delicadamente.

— Foi um divórcio caótico — respondeu. — Mas estou começando a perceber o quanto fui culpado. Eu praticamente a expulsei. — Ele balançou os om­bros. — Talvez consigamos fazer com que as coisas se acomodem agora. — Olhou para Blake. — Você tentou me explicar isso e eu bati em você.

Kemp riu.

— Sem problema. Eu revidei. Duke conseguiu dar um sorriso.

— Ele era capitão das Forças Especiais, sabia? — per­guntou a Violet. — Ele e Cag Hart serviram juntos.

— Eu não toco nesse assunto — disse Kemp sé­rio.

— Bem, me desculpe — disse Duke com natura­lidade. — Tem coisas que não se consegue esconder, você sabe.

Violet olhava curiosa para Kemp. Duke deu um sorriso forçado.

— Um dia imagino que ele vá lhe contar. Ou mostrar as medalhas, se estiver de bom humor.

Os olhos de Kemp faiscaram.

— Estou indo — disse Duke, levantando as mãos. — Vamos Harley, vamos despachar o touro que seu chefe quer.

— Sim senhor — respondeu Harley, piscando o olho para Violet.

Kemp o encarou. Ele também levantou as mãos dando uma risada e seguiu Duke.

Violet os olhou sair e depois desviou o olhar para Kemp. Ele não parecia se sentir culpado. Parecia orgulhoso, parado ali com um sorriso triunfante no rosto e as mãos nos bolsos. Ele não era um homem que sorrisse com facilidade. Mas sorria muito para ela, o que a deixou mais relaxada.

— Então, você vai se casar comigo, não vai? — in­quiriu com os lábios contraídos.

Ela estreitou os olhos enquanto se sentava.

— Isso não é justo.

Os olhos dele cintilaram.

— Também não é justo andar pela cidade, com meu bebê na barriga, sorrindo para outros homens. Particularmente Harley Fowler — acrescentou, para deixar bem claro o que pensava.

Ela piscou os olhos.

— Não estou interessada em Harley, neste sen­tido.

— Ele está interessado em você. Ou estava.

— Você não pode estar falando sério.

— Claro que estou. — O sorriso desapareceu ao olhá-la e sentiu uma sensação de carinho e de pro­teção por ela. — Não acredita em si mesma. Fui má influência para você e não lhe dei o apoio que pre­cisava. Isso vai mudar.

— Você está se sentindo bem? — perguntou ela, estranhando a atitude dele.

— Talvez Duke não seja o único que refletiu sobre suas atitudes nos últimos tempos — respondeu ele. — Passei semanas humilhando-a quando você veio trabalhar para mim. Enquanto você só me deu aten­ção e gentileza. Fiquei receoso. Suponho que, desde aquela época, já soubesse que você começava a fazer parte de mim. Tentei lutar contra isso, é claro.

— Pode ser apenas o bebê — começou.

— Pode não ser.

Ela sorriu os olhos suavizando-se.

— Certo, certo.

Ele retribuiu-lhe o sorriso.

— Volto na hora da saída e a acompanho até em casa. Precisamos contar as novidades a Sra. Hardy.

— Mamãe é forte. Parece muito frágil, mas tem garra.

— Assim como você. Temo que também vá pre­cisar ser forte quando o caso for a julgamento. Vai trazer memórias dolorosas para ambas.

— Tivemos que enfrentar tudo isso quando papai morreu — disse triste. — Incluindo a perda do di­nheiro e de nossa casa. Pelo menos vamos obter alguma satisfação ao vê-la ter que prestar contas pelo assassinato dele. Espero que seja presa.

— E eu também, mas nunca se sabe o que se passa na cabeça do júri. Vamos ter de fornecer ao promotor de acusação o máximo de provas possíveis — acrescentou. — Não quero que ela escape.

— Nem eu — concordou Violet. Sorriu. — Obri­gada.

— Vejo você às cinco. Piscou antes de sair. Violet ficou sentada olhando, suspirando, até se dar conta de que tinha trabalho a fazer.

A Sra. Hardy deduziu que algo estava errado ao ouvir dois carros estacionando na frente da casa. Principalmente quando viu Kemp e Violet chegan­do juntos, com expressão séria.

Sentou-se ereta e colocou as mãos no colo.

— Muito bem. O que está acontecendo? Os dois a encararam.

— Dois carros, ambos aqui depois do expediente. Tem que ser algo muito sério.

— Bem... — começou Violet. Kemp aproximou-se.

— Pegaram Janet Collins. Está na cadeia em San Antônio.

— Aleluia! — exclamou a Sra. Hardy dando um sorriso.

Kemp e Violet trocaram olhares desconfiados.

— Vocês esperavam que eu desmaiasse ou algo assim? Desculpe, estou muito feliz por terem en­contrado aquela mulher e disposta a testemunhar contra ela.

— Será muito estressante — começou Violet, sen­tando-se no sofá em frente à mãe.

— Deixá-la escapar incólume seria bem mais es­tressante. — Olhou séria para Kemp. — Falando em estresse, quando vocês vão se casar?

Ele ficou boquiaberto.

— Melhor que seja logo — acrescentou com fir­meza. — Não quero minha filha entrando na igreja com roupa de grávida.

— Mamãe! — exclamou Violet horrorizada.

— Ela acha que sou surda — disse a Kemp. — Só se fosse, para não ouvi-la vomitando toda manhã. — Ela o olhou agressiva. — E então?

Kemp deu uma risada.

— Acabo de contar ao chefe dela sobre o bebê.

— Vai ser um escândalo — lamentou.

— Vai ser um bebê — corrigiu-a Kemp, sorrindo afetuoso para Violet. — Com pais que vão amá-lo e desejá-lo muito.

— Com certeza! — concordou Violet, retribuindo-lhe o sorriso.

— Então? — insistiu a Sra. Hardy. — Quando?

— Suponho que se nos apressarmos conseguiremos casar na semana que vem — disse ele. — Levando-se em conta as circunstâncias, quanto antes melhor. Mas não será um casamento com uma grande festa. Tenho casos que não posso adiar, então também não haverá tempo para uma lua—de—mel agora.

— Deixe para lá a lua—de—mel. Vocês têm que legalizar meu neto.

— Vou começar a tomar as providências — disse ele. — Ela pode comprar o vestido e eu me encarre­garei das flores e da recepção.

— E o padre? — perguntou a Sra. Hardy.

— Podíamos ter uma cerimônia civil — começou Violet, preocupada.

— Nada disso — interrompeu-a Kemp. — Vamos ter uma cerimônia religiosa, Violet — continuou afetuosamente ao ver-lhe a expressão — Afinal, não estamos sendo forçados a nada. — Ele relanceou os olhos para a Sra. Hardy e pigarreou. — Bem, estamos de certa maneira sendo forçados, já que nos adian­tamos... Mas vamos ter um casamento feliz e para isso precisamos de uma base sólida.

— Eu ia me sentir culpada na igreja — murmu­rou.

— Até mesmo os puritanos pulam etapas quando ficam noivos — disse ele. — Deus não espera que as pessoas sejam perfeitas. Sorte nossa!

— Imagino que sim — respondeu Violet.

— As pessoas vão comentar — murmurou aborre­cida a mãe.

— Já estão comentando — disse Kemp com um sorriso. — Todo mundo na cidade já sabe. Só estão curiosos para saber aonde vamos nos casar.

— Suponho que esta seja a vantagem das cidades pequenas — concordou Violet, sorrindo. — Não há segredos. Somos todos uma grande família.

— Exatamente — respondeu Kemp. — Agora va­mos para o próximo ponto importante. — Viu os rostos ficarem atentos. — Quem quer comida chi­nesa? — perguntou, soltando uma risada.

Ele foi buscar o pedido. Violet e a mãe já haviam arrumado a mesa quando Kemp voltou, e estavam todos famintos. Conversaram sobre a ação contra Janet Collins e o casamento. Quando ele ia embo­ra, a Sra. Hardy estava sorridente e parecia ter es­quecido as preocupações.

Violet acompanhou-o até o carro. O céu estava claro e luminoso. As estrelas brilhavam. Tudo à volta estava impregnado da fragrância das rosas que a mãe cultivava no pequeno jardim.

A Sra. Hardy já dera sua opinião acerca de mo­rar com os recém—casados — e especialmente sobre as gatas siamesas delinqüentes de Kemp. Disse preferir a tortura. Então, combinaram contratar uma acompanhante. Kemp telefonaria para uma agência e a Sra. Hardy entrevistaria as candida­tas.

— Ela vai ficar bem mais feliz aqui, eu sei — disse Violet. — Adora cuidar das rosas. Podemos visitá-la sempre.

— Viremos com freqüência, e também traremos o jantar — disse. — Ela vai ter uma pessoa bem pre­parada para cuidar dela, então você não precisa se preocupar. — Olhou-a curioso. — Está vendo como as coisas se ajeitam com facilidade, quando devem acontecer?

Ela concordou e aproximou-se dele. Estava frio, apesar de normalmente as noites de primavera serem quentes. Ela o fitou tranqüila.

— Você não vai ficar ressentido com o bebê por­que fomos forçados a casar por causa dele?

Kemp segurou-a pela cintura e a puxou para perto.

— Se eu não gostasse de você, manteria os dois e não nos casaríamos — disse, para surpresa de Violet. — Não me agrada a idéia de divórcio. É sempre caótico e deixa uma trilha de arrependimentos. Você e eu temos muito em comum. Somos basicamente o mesmo tipo de pessoa. Temos as mesmas atitudes. Ambos adoramos crianças e animais. Isso é o sufi­ciente para começar, e uma compatibilidade sexual que jamais sonhara encontrar. Quero me casar com você. O bebê será um bônus.

Lágrimas escorreram-lhe pelo rosto.

— Você pensou um bocado sobre o assunto.

— Pensei sim. Por isso lamento que tenha escu­tado minha conversa com a Dra. Lou Coltrain — acrescentou, dando nome à sua confidente pela primeira vez. — Eu não estava raciocinando direito, estava confuso. Mas isso tudo passou.

— Tem certeza? — perguntou serenamente.

Ele fez que sim com a cabeça. Passou o dedo em seu rosto suave.

— Vivo sozinho há muito tempo. Estou cansado. Vou me adaptar, e você também.

Ela concordou, mas ainda parecia preocupada.

— O que foi agora?

— Estou assustada.

— Com o casamento? — perguntou com um sor­riso enigmático.

— Com o bebê. Eles não vêm com manual de instrução. São tão pequeninos, tão frágeis...

Ele a abraçou rindo.

— Todo mundo tem medo, mas os bebês são mais fortes do que parecem. Além disso, sempre podemos contar com a Dra. Lou. Ela tem muita experiência com grávidas e conhece uma obstetra muito competente.

— Foi o que ouvi dizer.

— Pare de se preocupar. Estamos juntos.

— Imagino que sim. Vamos ter companhia tam­bém... no casamento. Libby e Jordan Powell vão se casar.

Ele sorriu.

— Isso não é surpresa. Ele esteve várias vezes no escritório para pedir perdão a ela.

— Bem feito para ele, se ela demorou a perdoá-lo — disse Violet categórica. — Ele e Julie Merrill não formavam um belo casal. Você acha que Julie vai para a cadeia por causa do incêndio culposo?

— Provavelmente, vai conseguir com que a em­pregada seja acusada no seu lugar. Mas não se preo­cupe: o chefe Grier tem outra acusação pendente. Uma da qual ela não escapará com tanta facilidade.

— Você vai me contar o que é? Ele riu.

— Agora não. — Curvou-se e beijou-a delicada­mente, apertando-a num abraço.

Estavam protegidos do frio da noite. Ela suspirou e beijou-o. Sua boca era tão quente quanto seus braços. Ele era perfeito.

— Entre — disse, depois de um minuto, acariciando-lhe os braços com as mãos. — Você está conge­lando aqui fora.

— E já estamos na primavera — comentou, tre­mendo.

— Se não gosta do tempo, espere mais cinco minutos — repetiu a piada local.

— Ê verdade. — Sorriu. — Vamos mesmo nos casar na semana que vem ou você estava apenas tentando acalmar mamãe?

— Era para me acalmar também — respondeu sério. — Não quero que as pessoas façam comentários maldosos a seu respeito, do mesmo jeito que falam sobre Tippy Moore por estar morando com o che­fe Grier.

— Ela estava seriamente ferida. Ninguém em sã consciência vai pensar uma coisa dessas. Além do mais, a Sra. Jewell fica lá o dia inteiro. Assim como o irmãozinho de Tippy. Tem bastante gente por perto para vigiar.

— Mesmo assim, há muito falatório. E teriam mais munição com você do que com Tippy, mesmo considerando o aborto dela. Não vai demorar em que alguém descubra que você mandou preparar vitaminas pré—natais em Victoria.

Ela demonstrou surpresa.

— Como sabe disso?

— Lou me contou — disse e sorriu. — Bem, eu também sou parte interessada— lembrou-a. — E meu bebê também. — Hesitou, franzindo o cenho ao olhar para Violet e depois para seu ventre. Ele sen­tiu-se... Esquisito. Nunca havia pensado em crian­ças, exceto uma, há tempos atrás, com Shannon. Desde então, desde o envenenamento fatal que ti­rara a vida dela e da criança que carregava, ele esta­va determinado a não querer filhos. Mas agora...

— Você está chateado — disse Violet com meiguice, chegando mais perto. — O que é?

Ele parecia preocupado.

— Você sabe minha posição sobre não querer fi­lhos. Não tenho certeza se você conhece o motivo.

Ela havia esquecido o que acontecera e sentiu-se angustiada. Sabia que ele tentava superar o passado, mas não quis pensar em como ele se sentia com relação a crianças.

— Alguns homens simplesmente não gostam de crianças — começou.

Ele colocou o dedo indicador em sua boca.

— Shannon estava grávida ao morrer. Era meu filho.

Ela não ficou chocada, como ele esperava. Fran­ziu o rosto.

— Cidades pequenas — explicou. — Todo mundo sabe de tudo.

— Você sabia?

Ela sacudiu a cabeça.

— Lamento que tenha ocorrido. Ele deu um profundo suspiro.

— É. Eu também. Foi um trauma que nunca superei. Toda vez que via Julie Merrill, as lembran­ças voltavam. Ela matou outro ser humano apenas porque queria ser a presidente da classe. E nem ao menos parecia se importar.

— Há pessoas que não têm sentimentos. Eu tam­bém não compreendo. Mas um dia ela vai respon­der por todo o mal que fez.

— Quanto antes, melhor — disse Blake.

Ela tocou-lhe o rosto.

— Você sabia sobre o bebê? O rosto dele ficou tenso.

— Não. Acho que ela não se sentiu à vontade para me contar. Para você ter uma idéia, naquela época eu era mais radical em relação a constituir família do que sou hoje. Isso aumentou minha culpa. Fiquei pensan­do se ela se sentia atormentada, achando que eu não ia querer a criança. Mas nunca vou saber-acrescentou apreensivo. — Ela e o bebê morreram juntos.

— Julie sabia?

— Nunca perguntei. Não faria diferença agora. Mesmo assim, gostaria de vê-la ser punida pelo que fez. Não pode conseguir se livrar.

— As pessoas acabam respondendo pelos erros, Blake — disse parecendo bem mais madura do que era quando olhou para ele. — Pode demorar, mas o castigo acaba chegando. E, às vezes, recebem em dobro o mal que fizeram.

Kemp contornou-lhe os lábios com o dedo. Ela o fez sentir-se confortado, seguro. Ele era um ex—capitão rigoroso das Forças Especiais e tinha as medalhas para prová-lo. Mas ela o deixara mais sensível. Será que fazia idéia do que ele sentia por ela? Era igual ao que sentira por Shannon, anos atrás. Shannon. Lembrou-se de seu rosto no caixão, branco, imóvel, os alegres olhos azuis fechados para sempre. Sentiu-se mal.

Violet não era culpada, e quando se defrontou com seu olhar inseguro, sentiu-se pior. Curvou-se e beijou-a suavemente. Estava angustiado, mas não queria que ela se julgasse responsável. Ele estava lembrando-se de Shannon, da última vez que a vira, quando parecia que a luz desaparecera do mundo. Tinha que ir embora, para ter tempo de afastar o passado para sempre.

— Descanse. Ligo amanhã.

Ele prometeu saírem para almoçar, mas ela sabia que a conversa sobre Shannon o estava martirizando. Apenas sorriu.

— Vou esperar ansiosa. Dirija com cuidado. Ele aquiesceu, desanimado, virou-se e foi para o carro, sem olhar para trás.

Violet hesitou antes de voltar para casa. Não estava realmente preocupada. Ele falara a verdade sobre a compatibilidade sexual e parecia desejar o filho. Mas não tinha conseguido esquecer o passado. Necessitava de tempo, e ela o daria. Ela o desejava verdadeiramente. Mas Kemp precisava ter o mesmo sentimento por ela. Precisava livrar-se da memória de Shannon.

De alguma forma — ela sabia — ele iria conseguir.

Ela e a mãe foram dormir cedo. Violet sonhou com o bebê e acordou animada com a idéia de gerar uma nova vida. Não se importava com o sexo da criança. Apenas queria que fosse saudável.

Ela ficou se perguntando se conseguiria trabalhar e cuidar da família ou se Kemp gostaria que ela continuasse trabalhando. Na verdade, adoraria se dedicar aos filhos enquanto ainda fossem pequenos, levando-os para passear, contando histórias, ficando com eles. A mãe tinha deixado o trabalho para ser dona—de—casa, e não se arrependera. Violet sabia que com ela seria igual. Se Kemp não tivesse um bom salário e ela precisasse trabalhar para ajudar no sustento, certamente que iria cooperar. Mas as cir­cunstâncias eram diferentes.

Quando chegou ao escritório de Duke Wright na manhã seguinte, notou que ele estava muito sério. Levantou o rosto quando ela se aproximou, mas não sorriu.

— Fiz algo errado? — perguntou, sentindo-se pouco à vontade.

Ele fez que não com a cabeça.

— Beka está a caminho.

— Desculpe?

— Beka. Minha... Quase ex—esposa. E nosso fi­lho.

— Ah! — Ela colocou a bolsa na mesa. — Você precisa de ajuda?

— Não há muito a fazer — respondeu. Afastou-se da escrivaninha com as mãos nos bolsos da calça. — Espero que ela realmente cumpra o que prometeu ao telefone, ou seja, deixe Trent comigo.

— Talvez cumpra — disse Violet, tentando tran­qüilizá-lo.

Ele balançou os ombros.

— Pode ser que mude de idéia se descobrir que Delene está trabalhando aqui no laboratório — de­sabafou.

— Ela conhece Delene? — perguntou curiosa.

— Só se encontraram uma vez, na reunião com o pessoal da minha universidade. Delene não gostou dela, e o demonstrou. Sabe como é Beka mal aca­bara de completar o ensino médio naquela época. Foi antes de estudar Direito. Delene se formou na minha turma — e com especialização em Ciências. Sempre foi unia intelectual.

Violet arqueou as sobrancelhas.

— E agora?

— Se Beka achar que me envolvi com Delene, ela pode levar Trent de volta para Nova York. O que posso fazer? Não posso demitir a melhor bióloga da cidade!

— Você podia mandar Delene para o Colorado — sugeriu.

Ele a olhou atônito.

— Colorado?

— A Associação Nacional de Criadores de Gado não está patrocinando um seminário para especia­listas em inseminação artificial esta semana?

Ele franziu os lábios.

— É mesmo! Recebemos um folheto pelo Correio a semana passada, lembra—se?

— Claro que sim. — Ela checou o relógio. — Se você se apressar, ela pode pegar o avião de meio—dia.

Ele deu uma gargalhada. — Violet, você é incrível!

— Foi só uma sugestão, chefe. Ele suspirou.

— Se ela concordar...

— Sugira a ela. Mas é melhor andar rápido. O tempo é curto.

— Vou agora mesmo. Ah, essas cartas em cima da escrivaninha precisam de resposta, mas não tenho tempo para ditá-las agora. Por favor, atualize as planilhas, está bem?

Ele desapareceu antes que ela tivesse a chance de responder. Sentou-se achando graça na situação e ligou o computador. Aquele prometia ser um dia interessante.

Duas horas depois, estava concentrada no programa de planilhas, listando o ganho de peso e as medidas dos filhotes, quando a porta foi aberta e uma mulher alta e loura entrou segurando um menininho pela mão.

Ela ficou paralisada ao ver Violet na escrivaninha. Franziu a testa e examinou a mulher.

— Eu conheço você? — perguntou lentamente.

— Sra. Wright? — perguntou Violet educadamen­te, mas lembrou-se que Beka estava prestes a se tornar a ex—Sra. Wright. Talvez essa não fosse a forma politicamente correta de se dirigir a ela. Vio­let ficou ruborizada.

— Sou Beka Wright — respondeu segura. — Deu um passo à frente com o menininho. — Você é nova aqui?

— Sim senhora — confirmou Violet. — Estou tra­balhando para o Sr. Wright esporadicamente há pou­cas semanas.

— Esporadicamente? — questionou Beka.

A criança, cansada, recostou-se nas pernas da mãe, que estava vestida com uma elegante calça preta e usando salto alto.

— O Dr. Kemp me demite periodicamente — res­pondeu. — Ou eu me demito. Mas acho que vou voltar a trabalhar com ele em pouco tempo, porque estamos noivos — acrescentou rapidamente, antes que Beka ficasse imaginando coisas erradas a seu respeito. Sorriu encabulada.

— Blake Kemp vai se casar? — perguntou a Sra. Wright. Ela colocou a mão na testa como se esti­vesse verificando se estava febril. — Deve ser pior do que pensei. Ou talvez tenha entendido mal.

— Não, é verdade — assegurou—lhe. — Vamos ter um bebê.

— Um bebê? Agora preciso me sentar. — A Sra. Wright sentou-se na cadeira em frente da escriva­ninha e colocou o menininho no colo. — Onde está meu ma... Meu ex—marido? — corrigiu-se.

— Acho que foi levar a Srta. Crane ao aeroporto — respondeu. Teve vontade de morder a língua.

— Delene Crane? — O rosto ficou tenso. — O que ela está fazendo aqui? — perguntou Beka.

— Ela vai a uma conferência em Colorado. Ela é bióloga. — Não ousou acrescentar que ela também trabalhava para o Sr. Wright.

Beka relaxou um pouco.

— Ela passa muito tempo aqui? — perguntou desconfiada.

— Não muito. — Violet torceu para não se meter em confusão por estar mentindo.

— Ainda bem. Quero dizer, não quero meu filho convivendo com ela — explicou Beka. — Não gosto do comportamento dela. Quando Duke vai voltar? — continuou.

Violet olhou por cima do ombro.

— A qualquer instante — murmurou desconfor­tável.

Beka virou-se. Duke Wright estava parado na porta, o chapéu cobrindo-lhe um dos olhos, o ros­to rígido. E não estava sorrindo.

 

Duke entrou na sala, e a expressão mudou ao ver o menininho louro no colo da ex-esposa.

— Ei, Trent! — chamou sorrindo. —Pai!

Trent pulou do colo da mãe e saiu correndo em direção ao homem alto que esperava, parado, com os braços abertos. A criança atirou-se em seus bra­ços.

— Papai, senti tanta saudade! — chorou. — Por que não foi nos ver em Nova York?

Duke parecia atormentado. Não olhava a esposa nos olhos. Beijou o menino.

— Estou feliz por ter vindo me ver — respondeu, sorrindo para a criança.

Olhou para cima, encontrando os olhos escuros serenos de Beka.

— Oi, Beka.

— Olá, Duke — respondeu, evitando o olhar acusador.

— Tenho certeza que já deve ter reservado um hotel, mas adoraria que pudesse deixar Trent ficar aqui. Conheço uma governanta que mora na cida­de, a Sra. Holmes. Ela adora crianças. E é uma ótima cozinheira.

Beka pareceu confusa.

— Eu... Não... Bem, não há um único quarto de hotel vago em Jacobsville...

Ela o encarou.

— Você também será bem-vinda aqui. Apenas não imaginei que quisesse — acrescentou com amargura.

— Se você não se importar, eu ficarei. Nossas malas estão no carro. Vou buscá-las — disse levantando-se.

— Vou pedir a um dos rapazes que as traga para você — retorquiu seco. — Se estiver de acordo — con­cluiu inesperadamente e sem antagonismo.

Ela arqueou as sobrancelhas finas e pareceu sur­presa.

— Claro. Vai ser ótimo. Obrigada.

— De nada.

Colocou Trent no chão e sorriu para ele.

— Quer vir comigo? Vou até o curral chamar um de meus caubóis. Ele está treinando uma potra.

— O que é uma potra, papai?

— É uma égua jovem. Ela é uma Appaloosa. E tem as patas listradas e manchas nas costas — disse rindo.

— Pensei que tivesse vendido todos os Appaloosas! — exclamou Beka.

— Nem todos. — Os olhos percorreram a blusa vermelha de seda descendo até a calça preta e os pequenos pés no salto alto. — Sinta-se à vontade para nos acompanhar. Mas está bastante empoeirado lá.

Ela caminhou na direção dele, um tanto hesi­tante.

— Roupas podem ser lavadas. — Pegou a mão de Trent. — Gostaria de vê-la.

Os olhos dele suavizaram-se e ele sorriu.

— É uma beleza.

Beka retribuiu o sorriso, seguindo-os.

Violet os viu partir com sentimentos esperanço­sos. Sabia que tinha sido um divórcio complicado porque, na época, trabalhava com Kemp. Achava que Duke Wright era um tirano: dominador e impulsivo. Não nutria nenhuma simpatia por ele. A mulher que se casasse com um homem como Wright só podia esperar ser tratada da mesma ma­neira como ele cuidava dos cavalos de sua proprie­dade. Ele jamais pedia a opinião de alguém; impu­nha a sua. Dava ordens como um comandante militar, e no primeiro dia em que Violet o encon­trara teve vontade de vê-lo de cabeça para baixo num barril de água suja.

Só recentemente ele tinha amadurecido e se tornado mais amável. Era óbvio que tentava ser gentil com a ex-esposa, mesmo que apenas para que ela o deixasse ficar com o filho. Delene, certamen­te, parecia gostar dele. Fez uma expressão divertida. Quando a Sra. Wright descobrisse quem era a nova bióloga, não ia ficar tão sorridente. Ia haver uma explosão...

Kemp voltara para casa de mau humor. Mee e Yow se aconchegaram na cama à noite e ronronaram enquanto ele meditava. Não conseguia esquecer a última visão de Shannon, deitada tão serena e linda naquele caixão branco. Durante todos esses anos, se culpava, achando que talvez nada disso aconteceria se tivesse concordado em ir à festa com ela. Ela o tinha convidado e ele não quis ir porque, já naquela época, não confiava em Julie Merrill.

E também teria uma audiência na segunda-feira e queria trabalhar na defesa. Enquanto estava escre­vendo a abertura de seu argumento inicial, Shannon estava bebendo uma droga que funcionou como veneno. Ele não soube de nada até a manha seguin­te, quando a mãe dela telefonou do hospital para dar a notícia.

Kemp ficara em estado de choque por semanas. Não conseguia raciocinar, muito menos traba­lhar. Sua unidade de reserva — a mesma de Cag Hart — tinha sido convocada em 1991, quando a operação "Tempestade no Deserto" enviou soldados ao Kuwait para liberar o país da invasão. Alistou-se como voluntário sem pensar duas ve­zes, não se preocupando com o risco de vida que corria.

Tinha atravessado dificuldades com sua com­panhia, no auge da luta, como capitão na linha de frente. Durante um bombardeio memorável, in­vadira a posição inimiga com um tanque e arrasa­ra os inimigos alojados numa trincheira com metralhadoras, que estavam exterminando seus soldados. Tinha sido condecorado com a medalha

Purple Heart, por ter sido ferido na batalha sub­seqüente, e com a Silver Star por ato de bravura em ação. Poucas pessoas sabiam a respeito. A não ser Cag Hart. Ele não falava sobre o serviço mili­tar. Diziam que Cash Grier tinha lutado no Iraque na mesma ocasião, mas era um assunto que Grier não comentava. Ele era ainda mais reticente do que Kemp.

Revirou-se a noite inteira na cama, e finalmen­te desistiu, ao amanhecer. Levantou-se, fez café, preparou uma torrada e sentou-se à mesa ainda meditando. Shannon, a guerra — tudo isso fazia parte do passado. Não podia voltar atrás. Apesar de todo o encantamento que sentira por ela, não sentiu uma paixão espontânea como quando está com Violet. Ele e Shannon se amaram, mas era um amor mais sereno, menos tempestuoso. O que sentia por Violet era diferente, um redemoi­nho de sensações que o deixava sem ar só de imaginar.

Pensou sobre o bebê. Seria parecido com ele ou com Violet? Um menino ou uma menina? Já se via com uma menininha no colo, lendo histórias na hora de dormir, ou com um menininho, mostrando-lhe o telescópio e os planetas distantes, e ensinando-lhe sobre pedras. Ele gostava mais de pedras do que de astronomia. Tinha amostras de cristais e meteoritos, fósseis e toda sorte de mine­rais. Possuía um detector de metais e no seu tem­po livre adorava andar pela propriedade procuran­do meteoritos metálicos. Já encontrara vários ao longo dos anos. Ainda não contara a Violet sobre seu estranho passatempo. Será que ela também gostava de pedras?

Terminou o café e se espreguiçou. As gatas se sentaram, espiando-o desconcertadas com a mu­dança na rotina.

— Não consegui dormir. Vocês não têm insônia?

Elas piscaram. Por incrível que possa parecer, era como se elas entendessem. É claro, também pare­ciam assistir à televisão. Obviamente, sua falta de sono estava lhe pregando peças.

— Vou me casar com Violet. E vai chegar um ser humano pequenininho por aqui em breve. Vocês duas vão ter de se adaptar.

Elas voltaram a piscar. A esta altura, se entreolharam, e depois o encararam.

Ele sacudiu a cabeça. Lá estava falando de novo com as gatas. Violet e o bebê seriam ótimos para sua saúde mental. Qualquer dia ia começar a achar que as gatas realmente o compreendiam.

Levantou-se e foi para a pia. Quando começou a lavar a xícara de café e o pires, dois pares de den­tes cravaram-se em seus tornozelos.

— Droga! — gritou e começou a xingar.

As duas gatas fugiram, cada uma numa direção diferente, com as orelhas levantadas e os rabos eretos como bandeiras. Ele esfregou as marcas, abso­lutamente pasmo.

— Eu disse vocês vão ter de se adaptar, e estou falando sério! — gritou novamente.

Elas andaram mais rápido.

Não ia contar a Violet, decidiu, enquanto exa­minava as pequenas marcas. Ela o mandaria internar antes do casamento!

Quando Kemp foi buscar Violet no rancho de Duke para almoçar, nem ele nem a esposa e o filho esta­vam.

— Ela já foi? — perguntou a Violet em voz baixa. Ela sacudiu a cabeça.

— Primeiro estavam formais e educados. Agora estão andando de um lado para outro como luta­dores de boxe procurando a melhor hora para desferir um golpe.

Ele suspirou ao segurar-lhe a mão e caminharem em direção ao carro dele.

— Estava receoso que isso fosse acontecer. As pessoas não mudam você sabe — disse pensativo. — Elas escondem traços que incomodam os parcei­ros em potencial; mas os defeitos, eventualmente, aparecem.

Ela parou de andar e o encarou com um brilho no olhar.

— Não me diga! Que traços odiosos está escon­dendo de mim?

Os olhos dele também cintilaram. Curvou-se.

— Sou fanático por pedras.

— Você gosta de jóias? Ele sacudiu a cabeça.

— Gosto de pedras. Meteoritos. Fósseis. Cristais. Agora estou concentrado em meteoritos de ferro. Saio à cata com um detector de metais nos finais de semana.

Ela começou a sorrir.

— Tenho uma caixa de pedras pontiagudas em meu armário. Peguei-as na fazenda de meu avô quando era pequena. Algumas grandes; outras, pe­quenas. Não sei quase nada sobre elas, mas as valo­rizo mesmo assim. E tenho cristais de quartzo de todos os tipos, desde ametistas a quartzo rosa...!

Ele deu-lhe um abraço apertado, rindo.

— Mas que coincidência!

Violet correspondeu ao abraço.

— Já estou nos vendo escalando uma montanha com o bebê preso às costas e um detector de metais — riu.

Ele afastou-se para olhar o rosto dela.

— Vamos nos revezar carregando-o. Ou carregando-a.

— Acho que vai ser um menino — disse Violet.

— Não sei por quê.

Ele beijou-lhe o nariz carinhosamente.

— Vamos amar esse neném, não importa o sexo. Talvez ele também goste de pedras. E de astrono­mia.

Ele voltou a segurar-lhe uma das mãos e condu­ziu-a para o carro. Puxava um pouco da perna es­querda e parecia sentir dor ao se mover.

— O que houve? — perguntou imediatamente. —Você se machucou?

Ele parou ao lado da porta do carona e a obser­vou.

— Não quer me contar? — insistiu ao vê-lo hesi­tar.

—Você pode querer pedir que me internem quando eu contar.

— Experimente. Ele riu.

— Eu disse às gatas que íamos nos casar e esperá­vamos um novo membro na família. Elas se entreolharam e depois me olharam. Cada uma foi para um lado, morderam meus tornozelos ao mesmo tempo e fugiram em disparada.

Ela nada disse. Olhou-o de um jeito esquisito. Kemp sacudiu os ombros.

— Eu disse que você ia querer me internar.

— Elas gostam de atum?

Ele fez que não com a cabeça.

— Salmão. Adoram salmão.

— Sei onde podemos conseguir salmão fresco — murmurou com indiferença.

Ele franziu os lábios, pensativo.

— Pode ser que funcione.

— Vamos ver!

— Experimentaremos logo depois do almoço — prometeu, abrindo-lhe a porta.

O chefe de Polícia, Grier, estava no Café da Bárba­ra sentado com Leo Hart quando Kemp e Violet chegaram. Os dois olharam quando viram Kemp entrar. Grier fez sinal, chamando-o. Ele deixou Violet na fila para guardar seu lugar e foi ao encon­tro deles.

— Imagino que algo esteja acontecendo — co­mentou.

— Algo muito sério — concordou Grier. — Simon, irmão de Leo, tem novidades sobre Julie Merrill. Lembra-se do traficante que tentou se estabelecer aqui antes que eu assumisse o posto?

— Lembro — respondeu Kemp. — Ele não era nada inofensivo.

— Ele foi substituído por uma mulher que passou a ser a líder do cartel, e achamos que Julie Merrill é sua comparsa. Tenho vigiado uma casa na estrada de Victoria onde os traficantes tinham um esconderijo que foi descoberto pelos agentes federais. Pois o lugar voltou a ser ativado. Acho que Julie está envolvida, junto com alguns políticos locais conhecidos.

Kemp assoviou.

— Conseguiram prendê-la?

— Tivemos sorte, mas ela pagou a fiança e saiu. Uns dois dias depois ela desapareceu.

Em outras palavras, Kemp traduziu, ela fugiu da cidade.

— Se precisar de ajuda para localizá-la, conheço um ótimo detetive particular.

Grier sorriu.

— Obrigado, mas acho que meus contatos são ainda melhores que os seus. O que preciso per­guntar pode ser doloroso — acrescentou, e ficou sério.

— Quer saber sobre Shannon Culbertson — disse Kemp de imediato. — Julie colocou algo em sua bebida e ela morreu. Mas nunca consegui provar. E eu tentei!

— Se tiver algumas anotações sobre o caso, gos­taria de examinar. Quer dizer, se não for confiden­cial — concluiu.

— Depois de tanto tempo deixou de ser — respon­deu Kemp, sério. — Passe no meu escritório de manha. Vou separá-las para você. Adoraria ver Julie Merrill presa.

— Então somos dois — concordou Grier. Virou-se para Violet que olhava Kemp com olhos apaixona­dos e sorriu. — Você tem bom gosto para mulheres, posso garantir — disse.

— Tenho mesmo, não acha? — perguntou Kemp complacente, sorrindo para Violet, que corou.

— Ouvi dizer que ela está tomando vitaminas pré-natais — murmurou Grier maldoso.

Kemp não se abalou. Pelo contrário.

— Muitas, senão ela dorme no prato. — Ele olhou para Grier e depois para Leo Hart, que também estava sorrindo. — Os dois podem ir à festa de casa­mento se quiserem. Decidimos que será na igreja metodista. Vamos anunciar no jornal. Não há tempo para convites. A Sra. Hardy já carregou a espin­garda e fez sérias ameaças.

— Como se você fosse se importar com isso — pro­vocou Leo.

Kemp sorriu.

— Nunca pensei em casar, muito menos em ser pai. Mas tudo parece estar acontecendo natural­mente. — Ele olhou Grier. — Ouvi dizer que você tem levado o irmão de Tippy para pescar.

— Rory é um menino excelente — afirmou Grier.

— Gosto de tê-lo por perto. Gosto de tê-la por per­to também.

— E aí? — provocou Kemp.

Grier simplesmente encolheu os ombros.

— Estamos esperando resolver o problema mais sério.

— Ouvi dizer que o seqüestrador ainda está solto

— disse Kemp. — Você acha que ele vai ter a audácia de aparecer na cidade?

Grier o fitou.

— Sem Tippy, não há caso. Seqüestro é crime federal, o que quer dizer que a punição é severa. O homem é profissional, um assassino de aluguel. Não tenho ilusões achando que Tippy está a salvo só por estar em minha casa. Nunca consigo dormir.

Kemp fez sinal que compreendia.

— Espero que tudo termine bem.

— Vai terminar de uma maneira ou de outra — disse Grier de um jeito assustador.

— E as gatas? — perguntou Leo curioso. Kemp piscou os olhos.

— O quê?

— Ouvimos histórias estranhas de pessoas que visi­taram sua casa — respondeu Leo com uma risada. — Quase todas dizem que tiveram de sair correndo.

— E sangrando — acrescentou Grier maldosa­mente.

— Que exagero! Foram só alguns arranhões; ape­nas isso.

— Mas Violet vai morar com elas.

— Ela tem alguns planos que envolvem salmão fresco — respondeu ele com um sorriso maldoso. —Elas aceitam suborno.

— Boa sorte! — disse Grier.

— Amém! — completou Leo.

Blake apenas sorriu e foi ao encontro de Violet.

A caminho de casa, contou-lhe sobre a fiança paga por Julie Merrill e sobre o pedido de Grier para ver as provas.

Ela o olhou com compaixão.

— E difícil enfrentar o passado, não é? — pergun­tou carinhosa. — Shannon significava muito para você.

Ele sacudiu a cabeça com ar sério.

— Significava sim. — Virou-se para ela. — Mas o passado ficou para trás, Violet. Errei ao tentar per­manecer nele. Ela era uma boa moça. Não ia querer que eu me tornasse amargo.

Violet sorriu.

— Você só ficou magoado. E preciso muito tem­po para aceitar a perda de pessoas queridas. Eu sei. Ainda sinto falta de meu pai.

— Eu tenho saudade de meus pais — ele disse, inesperadamente. — Meu pai morreu quando eu era pequeno. Tomei conta de minha mãe desde então. Ela faleceu vítima de um derrame cerebral uma semana após minha formatura na faculdade. Shannon me apoiou, foi muito presente, compa­nheira. Eu quase enlouqueci de desespero. Alguns meses depois, perdi Shannon também. — Ele olhou para Violet. — Tenho me escondido, supo­nho.

— Não é difícil imaginar o porquê. — Ela recostou-se. — Leo parece diferente.

— Ele está casado — disse rindo. — Definitivamen­te, tornou-se mais meigo e maduro. Todos os Hart, aliás. É incrível! Apostaria uma quantia como eles terminariam uns solteirões convictos.

— Disseram o mesmo sobre os irmãos Tremayne — comentou. — Agora parece ser a vez de Cash Grier.

— Você acha que Tippy pode se acostumar a viver numa cidade pequena? — perguntou Violet surpresa.

— Você já os viu juntos. O que acha? Ela suspirou.

— Acho que se adoram, mas nenhum dos dois está disposto a admitir. Ela passou por maus mo­mentos, incluindo o aborto. Deve ter sido difícil. E se os tablóides descobrirem que ela está aqui e começarem a persegui-la novamente?

Os olhos dele cintilaram.

— Ah, acho que Cash pode lidar com a imprensa.

— Dizem que Matt Caldwell deu um jeito de expulsar a repórter que estava perseguindo Leslie, sua futura esposa.

— Esse não é um bom lugar para estranhos que invadem nossa privacidade — lembrou-a Kemp.

— Ainda bem. Gosto de morar aqui. — Ela suspi­rou preocupada. — Kemp, eles não vão tentar ex­plorar o julgamento de Janet Collins, vão? Ela en­venenou meu pai e era suspeita de outro assassina­to numa casa de repouso. Não há muitas mulheres assassinas em série. E se a imprensa vier para cá e começar a perseguir a mim e a minha mãe?

— Impossível — prometeu.

O tom de voz era curioso. Ela o fitou.

— Você sabe algo que desconheço? — perguntou lentamente.

— Vamos dizer que estou trabalhando em alguma novidade — respondeu. Parou no único mercado de peixes da cidade e estacionou o carro. — Salmão fresco

— disse desligando o motor do carro com um sorriso.

— Vamos torcer para que elas sejam subornáveis!

As gatas estavam sentadas na janela da frente quan­do eles chegaram.

— Que estranho... — comentou Kemp. — Elas nunca esperam por mim desse jeito, a não ser em dia de supermercado.

— Talvez tenham sentido o cheiro do salmão! — debochou Violet.

Ele fez uma expressão de descrédito.

— Assim já é demais!

Violet pegou o peixe e os dois foram juntos até a porta da frente.

— Ei, meninas — disse Violet, sacudindo o paco­te com o peixe por cima de suas cabeças. — Estão famintas?

As duas começaram a miar, parecendo bebês, e levantaram-se nas patas traseiras tentando tirar o pacote das mãos de Violet.

— Isso deve ser um bom sinal — disse ela.

— Vamos ver. Venham, meninas — chamou Kemp, conduzindo Violet através da sala de estar até a espaçosa cozinha. — Vou pegar as tigelas.

Ele as tirou da máquina de lavar louças e as co­locou na bancada. Violet abriu o pacote e cortou o salmão ao meio. As gatas estavam quase escalando o armário.

— Aqui estão, filhotes — disse carinhosamente, e serviu—lhes o peixe.

Ambas a olharam com seus grandes olhos azuis, mas só por um minuto. Começaram a comer e a miar ao mesmo tempo, determinadas a deixar claro que não permitiriam invasão no seu prato.

Kemp e Violet afastaram-se e ficaram observan­do enquanto elas comiam. Não demorou muito. As gatas lamberam as tigelas e começaram a se lam­ber também. Ignoraram eles por completo.

— Suas malditas, ingratas! — riu Kemp. Pegou as tigelas e colocou-as na pia, sacudindo a cabeça.

Violet, mais segura do que antes, agachou-se perto delas.

— Minhas lindas filhotinhas — disse afetuosamen­te, sorrindo. — Prometo que vocês terão salmão sempre que quiserem.

Elas pararam de se lamber e a olharam com aque­les olhos azuis penetrantes.

— Juro — acrescentou.

Mee aproximou-se e esfregou-se em seus joelhos. Yow hesitou e depois se aproximou também, mas parou de costas, a uma pequena distância.

Olhou para Kemp.

— Já é um começo — disse Violet otimista. Ele sorriu satisfeito.

Foram juntos ao casamento de Libby Collins. Ela se casou com Jordan Powell numa linda cerimônia na igreja, e a maioria dos mais importantes cidadãos de Jacobsville serviu como testemunha. Quando o irmão Curt a conduziu pelo corredor ao altar, ela olhou Violet, sentada bem junto de Blake Kemp e sorriu. Eles retribuíram.

Foi uma bonita cerimônia — rápida, mas tocan­te —, e a recepção foi no Café da Bárbara. Tippy e Grier acenaram do outro lado da sala. Assim como os Ballenger. Calhoun estava eufórico por ter der­rotado o velho senador Merrill na indicação dos democratas para o Senado em seu distrito. A esposa, Abby, também estava lá, segurando o braço do marido. Depois de três filhos, todos os meninos, ainda pareciam muito apaixonados. Justin Ballenger também compareceu, com sua Shelby. Assim como Calhoun e Abby, tinham três filhos. Shelby era descendente direta do grande John Jacobs, fundador de Jacobsville e do condado Jacobs.

Inicialmente, Violet se sentira desconfortável perto de tanta gente importante, mas logo percebeu que eram pessoas comuns e nada arrogantes. Gostou delas. Não ia ser difícil integrar-se à sociedade.

Mas estava preocupada com o processo contra Janet Collins. É claro que existiam provas de DNA, mas sempre havia maneiras de um bom advogado de defesa distorcer a verdade. Não queria que Collins escapasse depois do que fizera com seu pai.

Kemp notou a expressão distraída de Violet.

— Alegre-se! — sussurrou. — Vai parecer que você está num funeral e não em um casamento.

Ela moveu-se e sorriu para ele, segurando a taça de ponche.

— Desculpe, estava pensando em Janet Collins. Kemp chegou mais perto, levantando-lhe o queixo para que o fitasse.

— Deixe que eu me preocupe com isso — disse baixinho — Prometo que ela não vai escapar.

Ela suspirou.

— Está bem, chefão. — Ficou na ponta dos pés e encostou os lábios nos dele. — O senhor é quem manda.

Ele sorriu, puxando-a para retribuir-lhe o beijo, muito empolgado. Ao se afastar, notou o silêncio.

E logo descobriu que todos estavam olhando para eles e não para os recém—casados.

— Melhor colocar uma aliança no dedo dela ao cair da noite — sussurrou Cash Grier enquanto passava. — Ou você pode ser a próxima atração do tablóide.

         Ele sorriu.

— O casamento é na próxima— semana — disse ao chefe de Polícia. — E você está convidado.

— Vou convidar todos do meu departamento — prometeu Grier.

Kemp suspendeu as sobrancelhas.

— Todos?

Grier confirmou balançando a cabeça com ar ponderado.              

— E vou planejar uma bela surpresa para o dia de seu casamento — concluiu.

Marc Brannon ouviu a conversa e aproximou-se com a esposa, Josie, grávida de meses.

— Fujam para a fronteira — avisou a Kemp e Violet. — Ele estava esperando por nós em meu rancho depois do casamento com metade da força policial do condado, e precisei ameaçá-lo com uma espingarda para me ver livre dele!

Grier o fitou.

— Eu não estava nem com a metade. Alguns dos que chamei se recusaram a comparecer. Não que­riam impor a presença aos recém—casados, pode acreditar nisso?

— Vamos deixar a cidade logo depois do casamen­to — prometeu Kemp a Violet imediatamente.

Grier olhou para ele e depois para os Brannon.

— Hummm! Tem gente que não tem o menor senso de humor.

— Tem gente que não conhece o significado da palavra privacidade — respondeu Brannon.

Grier olhou para Josie e sorriu.

— Não avisei sobre ele? — apontou para Brannon. — E você não me ouviu!

Josie recostou-se nos ombros largos do marido.

— Ah! Ele não é assim tão ruim — disse compla­cente. — Na verdade, nenhum de vocês — acrescentou para Grier —, apesar de sua conhecida reputação.

— Que reputação? — Tippy Moore perguntou soltando uma risada enquanto caminhava em dire­ção a Grier, que a acolheu carinhosamente.

— Ele é tão puro quanto à neve — disse devagar, com um brilho malévolo nos olhos verdes.

Grier curvou-se e beijou-lhe a ponta do nariz.

— Peste.

Ela retribuiu o sorriso e foi como se fogos explo­dissem.

— E eu que tinha planejado preparar um estrogonofe de carne para você hoje à noite... E agora fica me xingando...

— Uma peste bonita — explicou Grier. Ela balançou os ombros.

— Tudo bem, acho que posso suportar isso. Foi bom ver vocês — dirigiu-se aos outros, enquanto Grier a conduzia até a mesa onde estava o ponche.

Ela ainda trazia vários cortes no bonito rosto e algumas marcas roxas, e parecia um pouco instável. Mas o que suportara em Nova York fez com que angariasse bastante simpatia em Jacobsville. Embora fingissem não saber, todos tinham conhecimento do sentimento que Grier sentia por ela e vice—versa.

— Esses dois vão acabar no altar ou não me cha­mo Marc Brannon — brincou.

— Nós dois também — comentou Kemp. Entre­laçou os dedos aos de Violet. — Imagino que seja contagioso — acrescentou, olhando afetuosamente para ela.

— E o seu harém de gatas? — perguntou Brannon.

— Elas são subornáveis — disse Violet, antes que ele pudesse responder. — Salmão fresco.

— Grande idéia, Violet — riu Josie. — Quando tiver um problema difícil, basta deixar a solução nas mãos de uma mulher.

— E ela saberá o que fazer — respondeu Brannon, sorrindo para a esposa. — Ela acaba de passar para o concurso de procuradora do município. Vai começar a trabalhar depois que o bebê nascer, é claro.

— Tem preferência de sexo? — perguntou Kemp curioso.

— Já temos um menino. Adoraria uma menina. Mas vamos ficar felizes com o que vier — disse Josie sorrindo para o marido. Ele imediatamente concor­dou: — Mal posso esperar.

Kemp olhou para Violet com tanta ternura que ela se sentiu flutuar.

— Nem eu — disse afetuosamente.

Violet ficou ruborizada e escondeu o rosto em seu peito.

— Nós também estamos esperando neném — dis­se Kemp aos Brannon com um sorriso. — Vai ser um ano maravilhoso.

— Pode apostar — respondeu Brannon. — Para­béns!

— Para vocês também.

Violet fechou os olhos enquanto a conversa se encerrava. Será que suportaria tanta felicidade?

 

Violet esperava nervosa no hall da igreja pelo som do órgão. A mãe estava na primeira fileira. Meta­de de Jacobsville estava acomodada nas demais. Ela avistou Cag Hart, padrinho de seu futuro marido. Violet não tinha ninguém para atravessar o corredor com ela e entregá-la ao noivo no altar. Mas esse era um costume meio arcaico, ela se consolou. Não ia ser entregue ou vendida para nenhum homem, independentemente do quanto o amasse.

Ajeitou nervosa a cintura de seu lindo vestido branco de cetim, esperando que a gravidez não aparecesse tanto. Mas isso não tinha muita impor­tância. A maioria das pessoas já sabia que ela estava grávida. Sorriu. Ela e Kemp amariam o filho. Não tinha mais dúvidas a respeito do sentimento de que o casamento daria certo.

O órgão soou e ela voltou à atenção para o mo­mento, apertando o buquê de rosas brancas e lírios—do—vale. Suspirou profundamente e colocou o pé direito à frente quando sentiu uma grande e gentil mão segurando-lhe a mão esquerda e colocando-a em seu cotovelo.

Ela virou o rosto, surpresa, fitando-o com os cintilantes olhos verdes.

— Não tenho idade para ser seu pai — disse Cy Parks num sussurro —, mas Kemp disse que você não se importaria.

Ela sorriu.

— Não me importo mesmo, Sr. Parks. Obrigada!

— Ótimo. Você pode fazer o mesmo por mim um dia — disse num tom irônico.

Ela começou a rir e só parou quando A Marcha Nupcial tocada ao piano fez-se ouvir.

— Vamos ficar sérios agora — murmurou Cy.

— Certamente — concordou. Atravessaram o corredor até onde Kemp a aguar­dava no altar com o coração acelerado ao vê—La naquele vestido de renda e cetim branco, o véu delicadamente cobrindo o bonito rosto. Achou que o coração iria parar de bater.

A cerimônia foi breve, emocionante e inesque­cível. Kemp levantou o véu para beijar a noiva e os olhos azuis de Violet brilharam através das lágrimas, mostrando o quanto estava apaixonada.

Saíram da igreja debaixo de uma chuva de con­fetes, arroz e congratulações.

— O arroz é para a fertilidade — disse Libby Collins em voz baixa.

— Já funcionou! — exclamou Kemp também em voz baixa, com olhos maliciosos.

Violet bateu nele com o buquê e piscou o olho para Libby.

Entraram na limusine e foram para a casa de Kemp para mudar de roupa para a recepção.

— Que bom que a recepção só vai começar dentro de uma hora — cochichou Kemp ao beijar Violet apaixonadamente na enorme cama do casal.

— E você acha que vamos chegar a tempo? Quan­to otimismo! — disse Violet ofegante e levantando-se para tocar—lhe.

Ele riu, mas a sensação o deixou desnorteado e tão excitado que o prazer era indescritível.

Violet o acompanhou, em êxtase, sentindo um súbito e intenso delírio.

Ele acelerou o ritmo e a pressão, e segundos depois os dois chegaram, juntos, ao clímax. Parecia que não teria fim.

Quando ele, finalmente, conseguiu respirar nor­malmente, estava molhado de suor e tremendo. Assim como Violet.

— Uau! — ela suspirou, encontrando-lhe o olhar. Ele curvou-se para beijá-la delicadamente.

— Está vendo o que uma semana de abstinência faz com um homem normal? — murmurou com os lábios colados aos dela.

— Quer que eu tranque a portado meu quarto por uma semana para ficar ainda melhor...? — Ela pulou e gritou quando, ao virar de costas, ele a beliscou.

— Experimente só trancá-la. Eu a derrubo — avi­sou. — Não suporto abstinência!

Ela passou os braços em volta de seu pescoço e sorriu satisfeita, embora os batimentos de seu cora­ção ainda não estivessem normalizados. Estava também muito suada e ofegante.

— Fica melhor a cada vez — disse ela.

— Com a prática, vou me aprimorando — brincou ele.

Violet riu e passou as pernas em torno de seus quadris.

— É mesmo? Deixe—me confirmar...!

Eles sabiam que a festa já havia começado. Saíram do chuveiro e vestiram-se rapidamente com a rou­pa que tinham escolhido para a recepção: um ves­tido de renda cor—de—rosa para Violet e calça escura com uma camisa branca, gravata e um blazer espor­tivo para Kemp.

Começavam a se vestir, ainda sorrindo um para o outro com intenso prazer, quando uma batida forte soou na porta da frente.

Entreolharam-se.

— Estamos esperando alguém? — perguntou Kemp curioso.

— Não que eu saiba.

Foram juntos até a porta e a abriram.

Do lado de fora estava o chefe de Polícia, de uniforme, com quase todo o Departamento Policial de Jacobsville. Ele segurava uma folha de papel e sorria maliciosamente.

— Senhor e senhora — começou —, seus amigos do Departamento de Polícia de Jacobsville os para­benizam pelas núpcias e desejam lembrá-los que se algum dia necessitarem de ajuda estarão à sua dis­posição. Temos...

— Vou chamar o governador! — começou Kemp, interrompendo o discurso.

Grier o fitou.

— Tenho seis páginas para ler.

— E eu 10 — anunciou Judd Dunn, seu assisten­te, mostrando-as.

Dunn e Grier olharam um para o outro interrogativamente.

— Quantos anos ele pode pegar se nos desacatar? — perguntou Dunn em voz alta.

— Isso não seria nada agradável, no dia de seu casamento — concordou Grier, e sorriu para Kemp com malícia.

Kemp estreitou os olhos.

— Invasão de propriedade particular, ameaças públicas, ameaças terroristas e atos... — começou.

— Não sou um terrorista — disse Grier.

— Mas é uma ameaça pública — disse Dunn a Grier.

— Eu? — exclamou Grier.

A oficial Dana Hall pigarreou e afastou os dois oficiais superiores de seu caminho. Estava seguran­do um bolo.

— Este é o bolo de casamento da recepção — disse a eles, entregando-o a Violet. — Sinto muito, since­ramente, mas foi tudo o que conseguimos salvar.

Violet a olhava estupefata.

A oficial Hall pigarreou novamente.

— Alguém colocou mais álcool no ponche. Harden e Evan Tremayne beberam alguns copos antes de perceber. Um dos fazendeiros de gado também o bebeu e fez um comentário desagradável, em voz bem alta, sobre lunáticos que criavam gado orgâ­nico justo quando Cy Parks entrou com J. D. Langley.

Grier limpou a garganta.

— Dunn e eu tivemos de acabar com sua recep­ção de casamento e prender alguns de seus convi­dados. Mas salvamos o bolo. Havia também um pouco de ponche, mas o oficial Palmer aqui pre­sente — apontou para um oficial louro, alto e bo­nito, com algumas mechas no cabelo — bebeu tudo.

Kemp soltou uma gargalhada. Só em Jacobsville isso podia acontecer, pensava.

— De qualquer forma, vocês estão partindo em lua-de-mel, certo? — perguntou Dunn. — Então, podem tomar ponche e comer sanduíches no lugar para onde estão indo.

— Suponho que a cadeia já esteja cheia... — brin­cou Violet.

— Está e ele... — Grier indicou Kemp — é advo­gado de Cy Parks e dos Tremayne. Eles exigem a presença dele para tirá-los da prisão.

— Isso explica o bolo — disse Kemp a Violet. Ela sorriu para ele.

— Podemos desviar nosso caminho para o aero­porto, não podemos? Afinal o Sr. Parks me entregou a você.

— Ótima lembrança. Ele suspirou.

— Está bem, diga a eles que estou a caminho. E obrigado pelo bolo.

— E pelo ponche — disse Violet olhando para Palmer, que retribuiu o sorriso,

A força policial entrou nos carros e partiu. Violet colocou o bolo no freezer. A casa estava silenciosa sem Mee e Yow, enviadas para um hotel de animais enquanto durasse a lua-de-mel. A Sra. Hardy ia ficar em casa, com uma enfermeira.

— Você gostaria de seu presente de casamento agora? — perguntou Kemp enquanto apagavam as luzes.

Ela virou-se para fitá-lo.

— O que é? — perguntou surpresa. Ele a puxou e a beijou.

— Janet Collins fez uma conciliação penal com o Ministério Público de San Antônio. Declarou-se culpada para reduzir a pena, então não haverá jul­gamento. Você e sua mãe estão livres do estresse de ter de irem depor.

— Ah, Kemp! — Ela o beijou apaixonadamente.

— Você participou disso, não foi?

Ele concordou, sorrindo.

— Tenho trabalhado nisso há duas semanas. Fi­nalmente a decisão chegou ontem. Guardei a novi­dade para hoje.

— Obrigada! — disse profundamente grata.

Ela abominava a idéia de expor o doloroso epi­sódio em público.

— Preciso cuidar de minha garota — sussurrou.

— E da mãe de meu filho.

Pousou uma das mãos suavemente em seu ventre ligeiramente arredondado.

— Você foi a noiva mais linda que já entrou numa igreja.

— E você o noivo mais elegante. — Ela o beijou.

— Vamos tentar resgatar alguns de nossos mais im­portantes concidadãos a caminho do aeroporto?

— Por mim, tudo bem. Dirigiram-se ao carro de mãos dadas.

— Hoje é o primeiro dia do resto de nossas vidas — pensou Kemp.

— Todos os nossos dias serão maravilhosos — dis­se Violet baixinho.

E foram.

 

                                                                                Diana Palmer  

 

                      

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