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A TENTAÇÃO DO XEQUE Alexandra Sellers
A TENTAÇÃO DO XEQUE Alexandra Sellers

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

Depois de uma noite de amor primitivo e eletrizante com o xeque Arash Khosravi, Lã Holding não havia tornado a suportar que outro homem a tocasse. Separados pelas circunstâncias, acreditava que não voltaria a vê-lo. Mas sua reunião foi amarga porque o orgulho e o sofrimento tinham convertido ao atrativo xeque em um homem tão frio como a tormenta de neve da que tentavam refugiar-se... Arash tinha arriscado toda sua fortuna para salvar a seu adorado país e, portanto, não tinha nada que lhe oferecer a Lã. Mas estar a sós com aquela beleza era muito tentador para sua nobre resistência e, rendendo-se à mulher que era sua tortura e seu delírio, prometeu fazê-la sua para sempre. Mas, poderia convertê-la em sua esposa quando não tinha nada que oferecer, exceto a si mesmo?

 

 

 

 

O inverno estava atirando o último golpe às montanhas. Um forte vento tinha começado a sopro depois do almoço e, uma hora mais tarde, o céu se encheu de nuvens.

Com botas, agasalho impermeável e calças jeans, Lã Holding tiritava de frio apoiada na porta do jipe, enquanto observava ao Arash trocar uma roda, com o joelho esquerda dobrada e a perna direita estirada penosamente a um lado.

Poderia havê-lo ajudado mas quando, em seu habitual tom autoritário, lhe havia dito que não se incomodasse, não havia, querido insistir. Estava decidida a desfrutar daquele viaje pelas muito formosos montanhas Koh-i Shir apesar de sua presença.

—Nada —suspirou, guardando o walkie-talkie que solo oferecia um som estático.

—Provavelmente seguirão no Seebi-Ku-chek —disse Arash, enquanto terminava de trocar a roda—. E o walkie não serve de nada nas montanhas.

Seebi-Kuchek era o povo no que tinham acontecido a noite. O comboio que tinha saído do palácio da capital do Parvan no dia anterior consistia em dois jipes. Em um deles foram Lã e Arash e no outro, dois de seus homens, guarda-costas, escoltas ou como queria chamá-los. Embora tinha começado a pensar que seu papel consistia em que Arash e ela nunca ficassem sozinhos.

Se era assim, não a importava. Lã não queria ficar a sós com o Arash. Não queria estar com ele absolutamente, mas estava impaciente por chegar às montanhas. Aquela manhã, quando o jipe dos guarda-costas tinha tido problemas mecânicos, tinha sido Lã quem sugeriu seguir a viagem sem eles.

—Reunirão-se conosco à hora do almoço. Quero chegar às montanhas antes de que comece a nevar —tinha insistido, observando o magnífico pico do monte Shir.

Arash tinha aceito sem dizer uma palavra. depois de comer, apesar de que os escolta não se reuniram com eles, haviam tornado a ficar em marcha mas, uma hora mais tarde, cravou-se uma das rodas dianteiras e tinham tido que parar para trocá-la. Lã sabia que teriam que apressar-se se queriam acontecer a noite em lugar seguro.

—Crie que devemos voltar?

—Você decide —respondeu Arash, guardando as ferramentas na parte traseira do jipe—. Podemos seguir adiante ou voltar atrás. A distância é a mesma e, em qualquer caso, não chegaremos a nosso destino antes de que se faça de noite.

—O que quer dizer?— perguntou ela, alarmada.

—Que teremos que passar a noite nas montanhas.

Lã fechou os olhos, suspirando.

—por que está gafado esta viagem?

—Não posso te dar uma resposta— respondeu ele com calma. Mas a calma do homem a irritava em lugar de tranqüilizá-la.

—Já sei que não pode, Arash. Não sabe o que é uma pergunta retórica?

Arash a olhou fixamente durante uns segundos.

—Onde vamos, Lã? Para diante ou para trás?— perguntou, como se não a tivesse ouvido

Lã podia notar a impaciência em sua voz, como sempre que falava com ela.

Arash Durrani ibn Zahir ao Khosravi, primo do príncipe Kavi, desprezava-a.

Não podia imaginar-se como o tinham convencido de que a escoltasse ao emirado do Barakat e tampouco sabia por que tinha aceito ela.

Lã tinha querido ser a primeira pessoa em viajar através daquelas fabulosas montanhas pela nova estrada que o dinheiro de seu pai tinha feito possível construir. E quando Alinor, seu melhor amiga da universidade e depois esposa do Kavi e princesa do Parvan, havia-lhe dito que seu marido tinha razões para querer que Arash fora seu acompanhante, insinuando que, dessa forma, conseguiriam levar a cabo uma missão secreta, Lã não tinha sabido como lhe dizer a seu amiga que a idéia de fazer a viagem em companhia do Arash arruinaria a aventura.

De modo que ali estava, em meio das montanhas mais desoladas da terra, com o Arash ao Khosravi, um homem que a punha dos nervos.

E que seguia esperando que ela tomasse uma decisão.

—O que quer fazer você?

—Seguir —respondeu Arash.

Arash trocou de parte para seguir subindo pela tortuosa estrada que, graças ao dinheiro do Jonathan Holding, estava sendo construída através das montanhas para enlaçar Parvan com os emirados do Barakat.

Recordou o momento no que Kavi lhe tinha pedido acompanhar a Lã Holding em sua aventura através da estrada em construção. Arash nunca lhe tinha negado nada a seu príncipe, mas a petição o tinha horrorizado.

—Kavi, rogo-te que não me peça isso —lhe havia dito—. Não posso ser eu quem a guie através da montanha. Qualquer outro pode...

—Como meu homem de confiança, Arash, você é a quem peço este favor —lhe tinha replicado o príncipe e Arash se deu conta de que havia algo que não queria lhe dizer—. Nosso país lhe deve muito a Lã Holding. Como posso confiar em outro para cuidar de sua segurança?

Arash olhou ao príncipe, tentando ler em seus olhos.

—Quem me pede isso, Kavi?

—Peço-o eu, Arash —tinha respondido o príncipe, mas o tom desmentia suas palavras. Arash tinha sabido então que seria inútil resistir.

Era certo. Kavi e Parvan, seu país, deviam-lhe muito a Lã Holding, Kavi tinha duas razões para benzer a sorte que os tinha juntado a ele e ao Arash na universidade de Londres com o Alinor e sua amiga Lã Holding, a filha de um milionário americano que se apaixonou pelo Parvan e tinha persuadido a seu pai para que ajudasse a reconstruir o pequeno reino depois da guerra com os invasores Kaljuk. De modo que aquele era um pequeno sacrifício que poderia exigir de seu melhor amigo e companheiro de armas, como chamavam no Parvan aos xeques das diferentes tribos.

Entre o Kavi e Arash não podia haver ordens, Arash não tinha jurado obediência ao príncipe, porque não podia pedir-se tal juramento a um homem de sua linhagem, mas tinha jurado lealdade e quando Kavi lhe pedia um favor, a petição era mais capitalista que uma ordem.

—Com meus olhos, meu coração e minhas mãos, senhor —havia dito Arash então, utilizando a antiga frase de lealdade ao príncipe.

Mas tivesse desejado que Kavi lhe tivesse atribuído qualquer outra missão.

Arash conduzia tão rápido que Lã se perguntava se teria trocado de opinião e tentava cruzar as montanhas antes de que se fizesse de noite.

—Mash’Allah —se recordou a si mesmo, com as palavras que tinha aprendido durante sua estadia no Parvan, «que se cumpram os intuitos de Deus». Em um sítio como aquele era fácil recordar que, por muito que o homem propor, era Deus quem dispunha.

—Perdão? —disse ele, voltando a cabeça.

—Estava pensando que, se segue conduzindo tão rápido, é possível que atravessemos a montanha esta noite.

Arash negou com a cabeça.

—Seria perigoso conduzir depois de que anochezca.

Lã olhou ao céu. Levava uma hora tentando convencer-se a si mesmo de que as nuvens se moviam para o Este, mas sabia que não era assim e o céu estava cada vez mais escuro.

Arash parou em seco depois de tomar uma curva. A estrada, ainda em construção em muitos lances, estava coberta de rochas e teve que reduzir a marcha para abrir-se passo.

De noite, sem lua, teriam chocado contra essas rochas, pensou Lã, aceitando então que teriam que dormir na montanha.

—E se houver tormenta?— perguntou, tentando não parecer assustada—. Poderemos encontrar refúgio em alguma parte?

—A montanha é o que vê —disse Arash, encolhendo-se de ombros.

Lã sabia que se houvesse tormenta teriam que procurar amparo, mas as despovoadas montanhas cobertas de neve tinham sido infestadas de minas antipersonas pelos Kaljuks durante os últimos dias da guerra, antes de sua retirada.

Por todo o país havia equipes antiminas tentando as desativar e Lã sabia bem porque era seu projeto prioritário no Parvan. Mas também sabia que, exceto as rotas das tribos nômades, aquela era a zona menos povoada e, portanto, o último lugar que suas equipes teriam revisado. E isso significava que teriam que caminhar com muito cuidado se procuravam uma cova para resguardar-se da tormenta.

Um golpe de vento varreu a montanha, sacudindo o jipe e lançando punhados de areia sobre o pára-brisa.

A tormenta e a montanha. O melhor para que um ser humano se sentisse frágil e insignificante.

—Se houver tormenta não poderemos montar a loja. Teremos que ficar no jipe —observou ela. Arash não respondeu—. Crie que vai nevar muito?

Era uma pergunta tola e Lã se deu conta nada mais formulá-la. O tempo estava imprevisível.

—Dois centímetros ou dois metros —voltou a encolher-se de ombros.

—Dois metros?

—É impossível sabê-lo.

Sua voz era rouca e seca e Lã teve que respirar profundamente, procurando paciência. Solo tinha tentado conversar para acalmar os nervos e, além disso, era lógico lhe perguntar porque ele conhecia aquela zona muito melhor que ela. As terras de sua família estavam nas montanhas Koh-i Shir.

Mas, com aquele homem, dava igual.

Os dois tivessem desejado não voltar a ver-se jamais, mas isso ia ser impossível. Parvan era a pátria do Arash e ela não pensava partir do país até que Alinor, seu amiga, desse a luz. E depois... Lã não tinha decidido quando abandonaria o país.

Nunca tinha conhecido gente tão forte, valente e sincera como os cidadãos do pequeno país montanhoso do Kasi e ali, com o dinheiro de seu pai para ajudar a reconstruir o pequeno país, Lã tinha encontrado a razão de sua vida.

—O que acontece, quer adotar um país inteiro?— tinha-lhe perguntado seu pai que, em um momento de debilidade, tinha aceito contribuir a mesma quantidade de dinheiro que sua filha conseguisse arrecadar através de outras empresas e fundações—. É que não paguei já a reconstrução da maioria das escolas, poços e edifícios? E essa estrada na montanha, que chupa dinheiro como se fora uma aspiradora! Que mais podem necessitar?

—Papai, se não gastar seu dinheiro em ajudar a um formoso país como Parvan, no que o vais gastar? Em comprar poder? Se o fizer, converterá-te em um monstro— tinha replicado ela.

—Não estou tentando comprar poder, Lã. Estou tentando construir um museu.

O novo museu era o projeto favorito de seu pai, um projeto que custava milhares de milhões de dólares e, às vezes, seus interesses coincidiam porque muitas famílias parvaníes se viram obrigadas a vender seus tesouros milenarios depois da guerra e, ao menos, Lã podia assegurar-se de que esses tesouros passassem ao museu, onde seriam cuidados e mostrados com orgulho.

O príncipe Kavi, sua esposa Alinor e as pessoas cujas vistas Lã havia tocava, cujos povos, casas e escolas estava ajudando a reconstruir com as generosas doações de seu pai e o dinheiro que conseguia organizando eventos ou através de fundações, sentiam-se imensamente agradecidos.

Solo Arash estava fora do círculo de seus admiradores. Como xeque e líder de uma tribo que habitava o longínquo vale do Aram, tinha aceito ajuda para seu povo, mas se tinha negado a aceitar um céntimo para reconstruir o palácio e as propriedades de sua família.

E, embora Lã estava segura de que sua claudicação poderia solucionar-se com uma singela operação, Arash se tinha negado a escutá-la quando ela tinha insistido em que fora a um hospital nos Estados Unidos.

Lã voltou a cabeça para olhar o sério perfil do homem, que conduzia atento à estrada. Levava uma jaqueta de couro, jeans e botas, mas não parecia menos um xeque que quando ia embelezado com o traje tradicional.

—Poderemos seguir conduzindo se houver muita neve?

—Não posso predizer o futuro —respondeu ele.

—Possivelmente terminaremos esperando um helicóptero de resgate —murmurou Lã, com o coração encolhido. Quanto tempo poderia demorar um helicóptero?, perguntava-se. Mas não quis fazer a pergunta em voz alta porque sabia qual seria a resposta—. Deveria ter vindo em helicóptero.

—E por que não o tem feito?

—Você sabe a resposta melhor que eu, Arash!

—Eu sozinho sei que Kavi me pediu que velasse por sua segurança.

Lã o olhou fixamente.

—Arash, sei que sou uma desculpa para que leve a cabo uma missão secreta.

Arash franziu o cenho.

—Minha única missão é te levar sã e salva ao palácio de minhas primos, o príncipe Omar e a princesa Jana.

—Então, por que Alinor insistiu tanto em que devia ir comigo?

—Mas se foi você quem insistiu em que eu fora seu acompanhante— replicou Arash, surpreso.

—Eu? por que ia insistir em que me acompanhasse precisamente você?

—Eu tampouco o entendo— murmurou ele.

Lã o olhou, receosa.

—De verdade crie que eu lhe insisti ao príncipe para que te obrigasse a vir comigo? Kavi não pode te haver dito isso!

O se encolheu de ombros.

—Era a única explicação para algo inexplicável.

—E que motivos crie que teria para fazer isso, Arash?

O jipe diminuiu a velocidade e seus olhares se encontraram. O olhar do homem era eletrizante.

—Pensei que seus motivos me seriam revelados em seu momento. Por isso não me incomodei em questioná-los.

—Não me conte histórias! Se de verdade acreditava que era idéia minha que me acompanhasse, terá imaginado alguma razão!— exclamou ela. Arash era o único dos companheiros de armas do Kavi com o que Lã não tivesse querido ir a nenhuma parte—. Que razões poderia ter eu para querer estar contigo em uma montanha deserta?— insistiu. Arash não respondeu e ela teve que respirar profundamente para acalmar sua ira—. Que razões poderia ter, Arash? Crie que queria estar a sós contigo para... te fazer uma proposição? —perguntou.

Lã viu que o homem ficava rígido—. O que esperava, que te propor uma tórrida aventura ou possivelmente que ia pedir te que te casasse comigo? Um matrimônio de conveniência, meu dinheiro em troca de sua linhagem.

—Não estava seguro, mas o pensei— respondeu ele, com sinceridade.

—Isto é incrível!

Arash pisou no freio bruscamente e se voltou para olhá-la com olhos relampagueantes.

—vais negar que essa possibilidade passou por sua cabeça?

—É obvio que o nego— respondeu ela, atônita—. Como te atreve a me falar assim?

Os olhos do homem se obscureceram e Lã sentiu um calafrio.

—O que como me atrevo?— repetiu ele, furioso—. Você me obriga a me atrever, Lã. É você quem parece acreditar que estou em venda!

 

Tinha sido idéia de Lã organizar um fabuloso jantar a bordo de um jato para arrecadar recursos com os que se reconstruiriam casas, diques e fábricas, com convidados que pagariam uma substanciosa quantidade por voar de Londres ao Parvan, admirando o amanhecer sobre o magnífico monte Shir antes de aterrissar na capital para saudar o príncipe Kavi e sua esposa Alinor.

A bordo do luxuoso jato, emprestado para a ocasião pelo príncipe dos emirados do Barakat, os doadores tinham o privilégio de conhecer alguns dos companheiros de armas do príncipe.

Lã tinha aprendido que o reduzido grupo de xeques tinha quase tanto poder como o próprio príncipe e os incluía em todas suas atividades para arrecadar recursos. Aqueles homens orgulhosos, que tinham sofrido uma guerra, aceitavam tomar parte nas festas porque sabiam que era em benefício de seu país, embora muitos deles o faziam a contra gosto.

Um deles era o xeque Arash Durrani ibn Zahir ao Khosravi, um homem que enlouquecia às mulheres.

Arash era alto, moreno, arrogante v tremendamente atrativo, com uns lábios firmes sob uma bem recortada barba. Seus olhos escuros às vezes pareciam negros e às vezes, de cor violeta profunda, uma cor tão insólita que as mulheres ficavam sem fala.

O fato de que tivesse sido ferido durante a guerra com o Kaljukistan e caminhasse com uma ligeira claudicação aumentava seu encanto.

Quando, além disso, levava o traje tradicional do Parvan que consistia em umas calças brancas sujeitos aos tornozelos, sandálias de pedraria que logo que cobriam uns pés grandes e fortes e uma túnica de seda cor veio coberta de jóias e medalhas de guerra... enfim, Lã sabia que nenhum coração feminino podia resistir.

Lã estava imunizada, mas as outras mulheres gaguejavam quando se dirigia a elas.

A fascinação que um xeque árabe podia exercer sobre as ocidentais era algo que sempre lhe produzia um sorriso.

Mas nunca quando se tratava do Arash.

Arash Khosravi, cujos olhos pareciam esconder uma profunda tristeza, era uma inspiração para as mais sonhadoras, mas a Lã tivesse gostado de lhes dizer: «Não se aproximem dele, é perigoso...».

Lã tinha razões para sentir desse modo, mas não as tinha contado a ninguém.

Nem sequer Alinor sabia que Arash a tinha afetado tão profundamente no passado que logo que podia olhar a nenhum outro homem...

—Deve ter sofrido terrivelmente durante a guerra— havia dito Lucinda Burke Taylor uma hora depois de separar. E Lã sabia o que havia detrás das palavras da milionária inglesa. Normalmente, ela relatava a história dos xeques às mulheres para que se animassem a fazer doações, mas a riquíssima Lucinda Burke Taylor tinha estado casada com dois poetas pobres e se dizia que seu terceiro marido ia ser um refugiado político chinês. Era óbvio que aquela mulher via o matrimônio como um transação comercial. A cultura deles em troca de seu dinheiro. E se tinha posto seus olhos no Arash... embora não era assunto dele. Arash teria que cuidar de si mesmo—. ouvi que é o grande xeque de sua tribo. É fascinante!

—Se te parecer que perder a seu pai e a seu irmão na guerra é fascinante...

—Não referia a isso. Refiro ao de ser o xeque de uma tribo. É algo tão insólito...

Lã se encolheu de ombros.

—E também é muito amigo do príncipe. Um de seus homens de confiança.

—E não está casado, verdade?

—Não está casado e não tem um céntimo— respondeu Lã.

Os olhos da mulher se iluminaram ante aquela informação.

—De verdade? Quer dizer que... você crie que está procurando uma esposa milionária? —perguntou Lucinda Burke Taylor, baixando a voz.

O pobre dissidente chinês ficaria com um palmo de narizes, mas... por que não? Arash estava na ruína e se negava a aceitar sua ajuda, mas possivelmente a aceitaria de outra mulher

—Pode que mereça a pena fazer uma oferta— disse Lã, alegrando-se de que a outra mulher fora, aparentemente, surda ao sarcasmo. Quando se deu a volta, encontrou-se frente aos olhos do Arash. Ele tinha ouvido parte da conversação, mas em lugar de desculpar-se com o olhar, como teria feito com qualquer dos outros xeques, encolheu-se de ombros enquanto empurrava a Lucinda em sua direção—. Sua Excelência... —saudou-o, sabendo a impressão que causava aquele tratamento entre as enriquecidas ocidentais. Pelo olhar do Arash, soube que ele se precaveu de sua ironia. Que se fora ao inferno, pensou. Se a conhecesse um pouco, teria sabido que podia aceitar o dinheiro de seu pai sem obrigação alguma para ela—. Quero lhe apresentar a Lucinda Burke Taylor.

Possivelmente Lucinda teria mais sorte. Possivelmente ela era a que se equivocou ao não pedir algo em troca.

Lã franziu o cenho. O único engano que tinha cometido com o Arash tinha ocorrido muito tempo atrás e não pensava repeti-lo.

 

—Era uma brincadeira! —exclamou Lã, no jipe.

—Não era nenhuma brincadeira. Essa mulher se aproximou de mim como se eu fora um cavalo em um leilão —replicou Arash.

—Ela é assim— se encolheu Lã de ombros—. Que culpa tenho eu de que Lucinda Burke Taylor seja uma frívola? Além disso, já está acostumado a essas mulheres ricas e vaidosas e pode te liberar delas com um sozinho olhar.

—Sim, claro —murmurou ele, apertando o volante.

—Mas, em realidade, não estamos falando da Lucinda, verdade? por que recordaste isso agora? É que crie que sou igual a ela? Não tem nenhum motivo para sugerir que eu também queira te fazer uma oferta, Arash. Nenhum motivo absolutamente!

Para sua surpresa, Arash freou de repente e se voltou para olhá-la.

—Do que está falando?

—Estou dizendo que crie que inventei esta viagem só para te fazer proposições!

—Está louca, Lã? Eu sozinho hei dito...

—passou muito tempo da última vez que lancei a seus braços, Arash— o interrompeu ela—. E não vai voltar a ocorrer jamais!

—Você não lançou a meus braços— disse ele, com calma—. Te ofereceu para mim por compaixão, como faz uma mulher quando um homem se vai à guerra.

—Isso é o que crie?— perguntou Lã, com amargura.

—Não é a verdade?

Lã piscou rapidamente, para ocultar as lágrimas. Era isso? Tinha sido esse o motivo? Logo que podia recordá-lo, mas devia ter tido alguma razão para fazer tamaña estupidez.

—É possível— disse por fim. Possivelmente essa era a explicação de por que se lançou aos braços de um homem que, anos depois, desprezava-a—. Mas agora dá igual.

—É verdade. Dá igual.

—E para que fique tranqüilo, Arash, em caso de que tenha medo de que volte a ocorrer, direi-te que embora tivesse que comprar um marido...

—Eu não hei dito isso— a interrompeu ele.

—Nunca, jamais, seria você. Assim, se pensar que essa é a razão pela que quero te ajudar a reconstruir seu palácio, pode ficar tranqüilo.

—Lã...

—Eu não queria que você me acompanhasse nesta viagem e quando me inteirei, era muito tarde para protestar. Além disso, Alinor me suplicou que aceitasse. Não tenho nenhum desejo de estar a sós contigo, Arash, nem agora nem nunca!

—Isso já sei —disse ele, com certa ironia—. Me tem feito ver tantas vezes que te arrependia daquela noite que teria que ser um idiota para não me haver dado conta. E também sei que você não é como Lucinda Burke Taylor, embora ela te pediu que abrisse as negociações em seu nome.

Lã sentiu que sua cara ardia. É obvio, Arash sabia que ela não era como Lucinda. por que se tinha posto tão histérica? O ar da montanha devia estar voltando-a louca.

—Lucinda Burke Taylor sabe negociar sozinha —murmurou, apartando o olhar para dissimular a vergonha. Arash lançou uma gargalhada e, pela extremidade do olho, Lã viu como trocava sua expressão. Por muito zangada que estivesse com ele, o aborrecimento nunca durava mais de uns minutos. Tinha que reconhecer isso ao menos—. vais arrancar ou não?

—Temos que decidir se seguirmos adiante ou não —disse ele, apoiando os braços no volante.

Um golpe de vento lançou mais areia sobre o pára-brisa e Lã sentiu um calafrio. Ao outro lado do guichê, solo havia uma escura estrada sem terminar, montões de rochas e o perigo das minas antipersona.

—Podemos nos refugiar em algum sítio?

—Podemos procurar refúgio para o Este— respondeu ele, assinalando a montanha—. Mas é um comprido caminho.

Lã se voltou e olhou a tenebrosa paisagem.

—Andando? E as minas?

—Conheço um caminho que foi limpo por nossas equipes —explicou ele—. Acredito que a tormenta vai ser forte, Lã, e seria perigoso ficar no jipe. Poderia haver uma avalanche.

Os dois olharam automaticamente os picos talheres de neve. As nuvens eram cada vez mais escuras e ameaçadoras.

—E se a tormenta nos pilha no meio do caminho?

—Por isso devemos nos dar pressa.

—Mas poderíamos nos perder e acabar feitos pedaços por uma mina!

—Eu conheço bem o caminho, Lã. Aconteça o que acontecer, não nos perderemos —a tranqüilizou o homem. Os dois ficaram calados depois daquilo, pensando na possibilidade de ficar apanhados pela tormenta de noite, em meio da montanha—. Temos uma maleta de sobrevivência —disse então, tirando as chaves de contato—. Será melhor que nos demos pressa.

Um golpe de vento ao sair do carro fez que Arash trastabillara.

—Arash... —começou a dizer ela, mas ele já estava abrindo a porta traseira do jipe.

—Ponha toda a roupa que tenha —ordenou ele—. Embora te pareça muito, não o será.

A idéia de procurar refúgio na montanha em meio de uma tormenta de neve não era absolutamente apetecível, mas tampouco gostava de ter que escutar ordens do Arash.

—Obrigado pelo conselho— murmurou Lã, descendo do jipe. O vento era tão forte que ficou sem respiração.

Arash tinha razão, o agasalho impermeável e os jeans não foram ser de nenhuma ajuda. congelaria-se se não ficava algo em cima.

Seus curtos cachos ruivos voavam ao redor de sua cabeça e, com muita dificuldade, aproximou-se do Arash, que estava tirando roupa de sua bolsa de viagem. Lã tirou uma calça de lycra da sua, mas depois voltou a guardá-lo.

—Ponha o ordenou ele, com um tom que não admitia réplica.

Lã o olhou, surpreendida. Outro golpe de vento fechou uma das portas do jipe violentamente. O frio se metia por dentro da roupa com dedos gelados e Lã começou a tremer.

—Está louco? Primeiro teria que me tirar os jeans...

—Ponha essa calça! —repetiu ele—. dentro de uma hora fará muito mais frio.

—Não faz falta... —começou a dizer ela, incômoda. Não gostava de despir-se diante do Arash.

—Temos que passar a noite na montanha. Ponha essa calça— repetiu ele. Lã seguia duvidando e Arash respirou profundamente, tentando não perder a paciência—. Faz o que digo! te tire as calças!

depois da explosão de fúria, seus olhos se encontraram durante uns segundos.

Lã se desabotoou os jeans, olhando-o desafiante e começou a baixar-lhe em meio daquela estrada geada.

Arash olhava sem dissimulação seus braguitas brancas e Lã sentiu calor nas bochechas.

Só era um instinto masculino, dizia-se a si mesmo, tentando ignorar sua própria reação ante aquele olhar.

Tentando não recordar a última vez que Arash tinha cuidadoso seu corpo.

Com os jeans pelos joelhos, tentou tirar uma das botas, mas era impossível.

—Maldita seja!— exclamou.

—O que acontece? —perguntou Arash.

—Não posso me tirar as botas!

Arash se inclinou e começou a lhe desatar os cordões.

—Levanta o pé— ordenou, impaciente.

Lã obedeceu e lhe tirou a bota direita e depois a esquerda. Depois, sem dizer uma palavra, tirou-lhe os jeans de um puxão.

Lã ficou médio nua frente a ele, sem nada na parte inferior de seu corpo exceto as diminutas braguitas brancas.

Por um segundo, os dois ficaram calados, recordando. Apartando o olhar, Lã ficou as calças de lycra e sobre eles os jeans. Depois se tirou o agasalho impermeável para ficar um par de jerséis. Enquanto isso, Arash ficava uma calça de lã sobre os jeans e outro pulôver sob a jaqueta.

—O que está fazendo? —perguntou, surpreendida, quando ele começou a lhe atar uma corda à cintura. Arash não respondeu—. me Responda!

Ele a olhou sem dizer nada. Na semioscuridad, os olhos do homem pareciam violetas aveludadas. Lã quase podia as cheirar.

—Estou atando uma corda ao redor de sua cintura —disse por fim.

—Isso já o vejo!

—Perguntaste-me —se encolheu ele de ombros.

—Para que me ata?

—Se não te atar para mim poderia te sair do caminho. Gosta de te perder em meio da tormenta e pisar em uma mina? —perguntou Arash, irritado—. Não percamos mais tempo discutindo, Tem que me obedecer, Lã. Se for seguir questionando cada coisa que faço, estamos perdidos.

Tem que me obedecer.

Lã tragou saliva. É obvio, Arash tinha razão. O era o perito.

—Sinto-o —murmurou, colocando um lenço na cabeça e uma mochila à costas. Arash carregou com outra, maior e pesada.

—Preparada?

Ela assentiu e começaram a caminhar em meio da tormenta. A sobrevivência dependia de que cooperassem em tudo e Lã se perguntava se poderiam consegui-lo.

 

Lã tinha ido à universidade de Londres procurando afastar-se das restrições que impunha a recentemente adquirida riqueza de seu pai.

Dez anos depois de dar o salto aos negócios, Jonathan Holding se converteu em multimilionário e a vida de Lã tinha trocado por completo. Desfrutava da liberdade que proporcionava o dinheiro, mas não podia suportar as restrições que isso supunha.

O pior tinha sido o efeito que exercia em suas relações com os meninos. Solo tinha dezesseis anos quando tinha tido que escapar de um companheiro bêbado que havia tentando violá-la. Lã havia resolvido aquilo com uma patada no sítio justo e o menino, arrependido, tinha-lhe confessado que queria gabar-se diante de seus amigos de ser o que tinha desflorado à filha do famoso Jonathan Holding.

Aquela noite, Lã tinha aprendido que os meninos de seu colégio competiam por esse tipo de coisas. O objetivo era conseguir as braguitas da filha de alguém famoso as pendurar em sua bilheteria e as de Lã eram tão cotadas como as de sua companheira classe, filha de um famoso ator de cinema.

A experiência a tinha deixado tão frustrada que não havia tornado a sair com nenhum menino durante a adolescência. E quando fez dezoito anos se deu conta de que ela esperava mais de um homem que a determinação de conseguir seus braguitas a toda costa. E muito mais dela mesma.

Por isso tinha decidido estudar na Europa onde, com um pouco de sorte, ninguém saberia quem era seu pai, mas Jonathan Holding tinha insistido em comprar um luxuoso apartamento protegido por grandes medidas de segurança.

Lã se havia sentido só no enorme apartamento até que tinha convidado a melhor amiga, Alinor, a compartilhá-lo com ela.

A muito belo Alinor tinha despertado o interesse do misterioso estudante Kavi Durran, membro da família real do Parvan, e sempre ia acompanhado por dois homens que pareciam seu guarda-costas, embora ele os tratava como se fossem seus amigos.

Um deles se chamava Arash Khosravi.

 

—Onde estamos?— perguntou Lã.

Arash não respondeu. Levavam mais de uma hora caminhando pela montanha e, se havia um caminho, ela certamente não o tinha visto. Tinha começado a nevar e enormes flocos caíam a seu redor, enquanto um vento gelado açoitava suas caras.

Cada passo a aterrorizava. A idéia de que Arash pisasse em uma mina a punha doente de pânico. «Ele não, por favor", rezava. «depois do que sofreu na guerra, não deixe que...»

—vamos descansar cinco minutos— disse Arash, olhando ao céu. Lã sabia que tinha esperado encontrar algum refúgio antes de que começasse a nevar e em sua voz podia escutar uma nota de ansiedade—. Ficam uns vinte quilômetros.

—Vinte quilômetros?— repetiu ela, tirando o recipiente térmico de sopa que uma mulher lhes tinha preparado no Seebi-Kuchek.

—Encontraremos refúgio no vale— disse Arash. Lã não se incomodou em perguntar durante quanto tempo teriam que seguir caminhando. Chegariam antes de que a tormenta explorasse com mais força. A neve golpeava suas caras com ferocidade e Lã perdeu o equilíbrio. Arash se voltou com a rapidez de um homem acostumado à montanha e a sujeitou entre seus braços.

—Obrigado —murmurou ela, assustada.

A mochila pesava suficiente como que os dois tivessem cansado rodando, os braços do homem eram fortes e Lã esperou até que os batimentos do coração de seu coração viram o ritmo normal.

—Está bem?— perguntou Arash.

Ela assentiu e seguiram caminhando.

Horas mais tarde, depois de uma hora de marcha, médio cegados pela tormenta, parou-se sobre um promontório do que se via um vale e o mundo pareceu transformar-se. Lã ofegava, exausta, sem deixar de admirar a paisagem que havia frente a ela.

Tinham deixado detrás uma montanha escura e geada e frente a eles se estendia um formoso vale que a neve ainda não havia talher de tudo. Era como se tivessem trocado de mundo repentinamente.

—Arash, é maravilhoso! —exclamou— como Shangai-A!

O vale era de um verdor extraordinário, com granjas construídas ao estilo do povo parvaní. Nesse momento, os pastores estavam levando seus rebanhos de ovelhas e cabras para resguardar os da tormenta que ameaçava chegando até aquele paraíso perdido.

Como em todo Parvan, ali também havia evidências da guerra que tinham mantido com os Kaljuks.

Algumas casa estavam destruídas, outras não tinham coberto e havia hortas arrasados.

Mas os habitantes estavam reconstruindo seu povo a toda velocidade e a imagem era de uma formosura incrível.

Um rio cruzava as terras formando uma garganta no meio do vale, antes de continuar seu caminho, brilhando entre os dois bancos até perder-se de vista.

—Temos que nos dar pressa. Ainda fica muito caminho por diante —disse Arash.

—No vale não há minas?

—Não— respondeu ele—. Está muito perto da fronteira do Bakarat e os Kaljuk não se atreveram a lançar minas para não envolver ao emirado na guerra.

—Mas o príncipe do Barakat esteve do lado do Parvan.

—O príncipe Omar é primo do Kavi e minha primo. Ajudou-nos de forma extra-oficial enviando dinheiro e armas, mas os Kaljuk não quiseram envolver ao emirado na guerra porque sabiam que teriam tido que retirar-se durante os primeiros meses.

—Ou seja que os habitantes deste vale tiveram sorte.

—Assim é.

—Como se chama?

—te economize as perguntas, Lã.

Arash não tomou o caminho principal a não ser um mais pequeno que parecia dirigir-se para o rio.

De repente, a tormenta começou a soprar com toda sua força e os rastros dos animais começaram a cobrir-se de neve. Era como se os flocos formassem um patrão determinado, como se seguissem uma direção.

Lã começou a pensar que o segredo para sobreviver estava em decifrar esse patrão Y... o pensamento a sobressaltou. Devia estar sofrendo do mal de altura ou um pouco parecido.

 

Um dos homens do Kavi era o homem mais atrativo que Lã tinha visto nunca. Arash Khosravi era um homem alto e fornido e Alinor e ela estavam convencidas de que era, efetivamente, um guarda-costas.

Tinha uns olhos escuros e profundos, de uma cor violeta escura surpreendente e exsudava sexualidade masculina.

Arash era diferente do resto dos homens. Quando a olhava, acreditava ouvir uma voz que dizia: «Nunca choraste que prazer, mas eu farei que chore. Nunca recebeste tudo o que necessita, mas eu te ensinarei que necessita muito mais do que crie».

Quando Kavi e Alinor começaram a sair, Lã e ele tinham tido que sair juntos à força e ela o tinha encontrado entristecedor, misterioso.

Inclusive sua forma de falar, de caminhar, era diferente. Caminhava como se o ar lhe pertencesse e, com cada passo, seu corpo parecia conectar-se com a terra, como se seus movimentos fossem parte do fôlego do mundo.

Durante algum tempo, Lã tinha estado convencida de que a atração que sentiam era mútua e se dizia a si mesmo que Arash estava procurando seu momento. Imaginava que estava deixando que crescesse a tensão deliberadamente para aumentar seu desejo.

Embora lhe teria gostado de lhe dizer que não o fazia falta incrementar nada.

Nunca havia sentido uma excitação sexual tão capitalista com nenhum outro homem. Esperando o dia que Arash se decidisse, Lã se queimava, gelava-se, tremia e se derretia, tudo de uma vez.

Possivelmente, se ela não tivesse sido uma garota sem experiência, poderia ter dado o primeiro passo. Mas Arash a punha nervosa. E se tudo era produto de sua imaginação?, dizia-se. E se não se sentia atraído para ela?

O momento de voltar para o Parvan se aproximava e Arash não fazia nada...

Cada dia seu coração se encolhia um pouco.

Cada dia pensava: «Hoje vai ser o dia». Cada dia tremia quando estava a seu lado.

E então ocorreu o que tinha estado temendo. Kavi e Alinor viajariam ao Parvan ao dia seguinte e Arash se iria com eles. Com o coração em um punho, Lã se deu conta que ele nunca ia dar o primeiro passo. E que, possivelmente jamais voltaria a vê-lo.

Aquela noite, na festa de despedida na casa do Kavi, um pouco bêbada e um pouco se desesperada, Lã tinha sabido que aquela era sua última oportunidade e que não podia deixá-lo ir lhe dizer...

Quando escutou as primeiras notas de uma canção lenta e melódica, aproximou-se do Arash e enredou os braços ao redor de seu pescoço.

—Dança comigo, Arash— sussurrou—. Amanhã volta para seu país. Dança comigo esta noite.

 

Seguiam caminhando com muita dificuldade pelo caminho coberto de neve. Havia luzes nas granjas do vale e o som do rio se aproximava com cada passo, a pesar do furioso rugido do vento.

diante deles parecia não haver mais que sombras, mas Arash seguia caminhando sem dizer uma palavra.

Por fim, quando Lã acreditava que suas mãos se congelaram, o homem deixou de caminhar. A neve seguia caindo com força e Lã suspirou, esgotada, quando viu uma parede frente a ela.

Arash abriu uma enorme porta de madeira e entraram em um pátio, onde o vento os golpeava quase com a mesma violência que no caminho.

—Já Sulayman! Já Suhail! —chamou Arash, mas sua voz se perdia entre o ruído da tormenta.

Não havia luz em nenhuma parte.

—É uma casa? —perguntou Lã, olhando ao redor. Era provável que Arash a tivesse levado a casa do xeque local, mas era estranho que não houvesse luz. A casa do chefe do povoado estava acostumado a estar cheia de luzes e de gente e, com aquele tempo, era normal que os aldeãos deixassem a seus animais no pátio para protegê-los do frio.

—Sim, é uma casa —respondeu Arash—. Ou o que fica dela.

Ele começou a caminhar de novo e Lã o seguiu, olhando ao redor. Eram os restos de uma casa palaciana, obviamente a casa de um xeque importante, provavelmente o líder de todos os povos do vale.

Inclusive em meio da tormenta, de noite, as ruínas fizeram que seu coração se encolhesse de pena. Devia ter sido um formoso palácio, construído em vários níveis sobre o formoso vale.

Enquanto caminhavam, observava os intrincados desenhos de cerâmica do chão, os ladrilhos roda pelos bombardeios.

Um momento depois, Arash abriu outra porta e se refugiaram da tormenta em uma habitação completamente às escuras.

—Não trouxemos uma lanterna?— perguntou Lã, esfregando-as mãos para entrar em calor.

—Espera um momento —disse Arash, acendendo um fósforo e dirigindo-se para um suporte sobre a que havia um abajur de azeite. Parecia saber que estaria ali, pensou Lã, surpreendida.

A luz do abajur lhe permitiu ver que estavam em uma habitação grande, com janelas em uma das paredes e uma tapeçaria cobrindo a entrada a outra habitação.

Havia tapetes sobre o chão de cerâmica, um montão de almofadões, uma mesa baixa, um aparador lavrado e um braseiro de bronze em uma esquina. Na outra, um montão de mantas e um korsi tradicional.

Lã se soprou sobre as mãos enquanto Arash voltava a chamar a alguém, sem obter resposta.

—Não há ninguém —murmurou ela.

—Não.

—Conhece proprietário da casa?

—Eu sou o proprietário da casa —respondeu ele, inclinando a cabeça na saudação tradicional do Parvan—. Bem-vinda ao lar dos Khosravi.

 

A luz do abajur de azeite revelou também um saco de carvão para o braseiro. Arash levou o braseiro de bronze perto da tapeçaria que cobria a entrada a outra habitação e começou a acender o fogo.

Era uma estranha e desconcertante experiência estar na casa do Arash. Desde que tinha chegado ao Parvan, ele tinha deixado muito claro que não queria manter amizade com ela e rechaçar seu dinheiro tinha sido uma forma de dizer-lhe E, depois de um período inicial de dor e confusão, Lã tinha aprendido a respeitar seu desejo.

De modo que, embora tinha contribuído com recursos para reconstruir o vale de seus antepassados, ela mesma nunca o tinha visitado.

O vale do Aram. Ali era onde estavam, embora Arash não o havia dito.

Possivelmente lhe tinha incomodado levá-la ali. Lã estava segura de que solo a necessidade o tinha obrigado a levá-la a sua casa.

Mas possivelmente a expressão furiosa de seu rosto não tinha nada que ver com ela. Devia lhe doer ver sua formosa casa em ruínas, pensava.

Entretanto, havia algo... Lã olhou a seu redor.

—O que ocorre? —perguntou Arash.

—Nada. É... este lugar.

—O que quer dizer?

—Não sei. Pode parecer uma ridicularia, mas me dá uma sensação de paz. Não sei, o ar parece diferente.

—Sempre foi assim— disse Arash—. Daí seu nome.

Lã recordou então e sorriu. Aram significava duas coisas, o vale da tranqüilidade em parvaní e o vale dos antílopes brancos em árabe.

—Faz muito que não vem por aqui?— perguntou.

—Duas vezes nos últimos meses, mas durante muito pouco tempo.

—Importa-te que eu esteja em sua casa?

Ele a olhou, pensativo.

—me importar? por que? —perguntou. Lã se encolheu de ombros e Arash deixou acontecer uns segundos—. Não me importa te trazer para minha casa, Lã.

No precioso aparador lavrado, Lã encontrou pratos, talheres, açúcar, sal e pimenta, tudo aposto e em bom uso.

Evidentemente, ali habitava alguém porque tanto o aparador como o braseiro de bronze tinham sido limpos recentemente.

—Quem vive aqui agora?

—Dois dos criados de meu pai— respondeu Arash, desaparecendo por debaixo da tapeçaria com a lanterna na mão.

A luz que saía da tampa lavrada do braseiro iluminava as paredes com formosas sombras e Lã respirou profundamente antes de dirigir-se ao montão de almofadões para colocá-los a ambos os lados da mesa, como era o costume no Parvan.

Quando Arash voltou com um cubo de água, seu cabelo estava talher de neve.

—Segue nevando? —perguntou Lã, bobamente.

—Muito —respondeu ele, deixando o cubo ao lado do braseiro—. Quer que te acompanhe ao lavabo?— perguntou, sempre atento. Lã assentiu e o seguiu até uma habitação que, à luz da lanterna, parecia estar cheia de móveis. Um buraco no teto deixava entrar a neve que caía sobre o chão de cerâmica. Ao outro lado da habitação havia uma porta e Arash a abriu, lhe indicando que entrasse. Dentro havia um típico inodoro parvaní.

Um retângulo de porcelana branca no chão com um buraco que ela se acostumou a usar desde que residia no Parvan. Sobre o retângulo de porcelana, uma cisterna—. O tanque de água está destruída, mas há um cubo com água— explicou ele, antes fechar a porta.

Não era fácil usar um inodoro parvaní quando se levava calças de lycra debaixo de uns jeans e umas calças de esporte, mas o frio fez que Lã se espabilase e voltasse rapidamente para a habitação.

Arash, despojado da jaqueta e as botas, tinha colocado o braseiro perto da mesa e tinha baixado a tapeçaria para manter o calor na estadia. Quando Lã entrou, estava enchendo uma panela de água e colocando-a sobre o braseiro.

Lã se tirou o lenço, a jaqueta e as botas e se estirou, agradecida.

—Que calorcito!

Sobre o aparador havia um saco de arroz e Arash tomou um punhado para jogá-lo na panela.

Um braseiro de carvão era, em realidade, um milagre da técnica, como Lã tinha aprendido durante sua estadia no Parvan. além de prover às casas de calor, podia-se cozinhar sobre eles.

Aquele era além disso, uma preciosidade. O desenho era muito elaborado e provavelmente levava muitas gerações na casa. Quando um xeque encarregava uma obra de arte como aquela, seus herdeiros a guardavam como ouro em pano.

Lã se deixou cair sobre os almofadões, observando ao Arash. Sentia curiosidade, vendo-o em sua própria casa.

Normalmente, não se permitia a si mesmo pensar nele, mas aquelas eram circunstâncias excepcionais.

—Nasceu aqui? —perguntou, quando ele se sentou frente a ela nos almofadões.

como sempre, fez-o deixando a perna direita estirada frente a ele.

—Sim.

—Nesta mesma casa?

Arash tomou duas peças de naan que tinha tirado da mochila e as colocou sobre o braseiro para as esquentar.

—Esta foi a casa de minha família durante gerações. Meus ancestros nasceram aqui e insh’Allah, meu filho também nascerá aqui.

Um pequeno calafrio de irritação percorreu as costas de Lã ao escutar suas palavras.

—E onde nascerá sua filha?

—Hei dito meu filho porque estou falando de minha herança —explicou Arash cravando nela seus olhos escuros—. Meu filho será o dono desta casa e o xeque da tribo do Aram. Se Deus o desejar, terei muitos filhos e filhas, mas meu filho maior será o herdeiro.

—E se não ter um filho?

Lã não sabia por que estava tentando provocá-lo. Possivelmente era o que sempre tinha temido, que estar a sós com ele despertaria um ressentimento guardado durante muito tempo.

Quando Lã chegou ao Parvan depois da guerra se ficou comovida e tinha tentado paliar no possível o sofrimento daquelas gente. E também se alegrou de voltar a ver o Arash.

É obvio, alegrou-se de que tivesse sobrevivido, mas quando havia tentando dizer-lhe ele a tinha cuidadoso severamente, como se logo que recordasse quem era.

Arash era o único que tinha essa atitude para ela no Parvan. Não havia um só parvaní que não a adorasse pelo que estava fazendo.

—A-na! —gritavam ao vê-la descer de um helicóptero ou de um jipe, reconhecendo-a por seus cachos ruivos e sua pele pálida embora nunca antes a tivessem visto—. A-na!

Lã tinha aprendido que seu nome em árabe significava «ele se suavizou». Para muitos o «ele» em questão significava Deus e o entendiam como «Deus suavizou sua fúria contra nosso povo graças à generosidade desta mulher», como se Lã fora uma enviada do Alá.

E os parvaníes eram uma gente que apreciava a generosidade.

As equipes contratadas por Lã foram cerque em vale, de povo em povo, desativando minas antipersonas e reconstruindo casas, escolas e mesquitas. Se o chefe de uma tribo lhe escrevia uma carta lhe pedindo um sistema de irrigação porque o antigo tinha sido destruído durante a guerra, Lã arrecadava dinheiro para reconstrui-lo. Tinha levado a país toneladas de sementes e toneladas de dólares.

Não tentava fazer caridade; eram os próprios parvaníes os que decidiam o que era mais importante para eles. Aos povos chegavam récuas de mulas, ovelhas ou cabras que cada tribo se repartia a sua conveniência.

Suas doações também tinham ajudado a muitas mulheres que tinham perdido a seus maridos durante a guerra. Essas mulheres se juntaram para trabalhar em pequenas granjas ou para manufaturar produtos típicos que depois podiam ser vendidos na Europa e Estados Unidos.

Parvan estava começando a respirar de novo e todo mundo dizia que não poderia ter ocorrido sem a ajuda de Lã Holding.

Todo mundo, exceto Arash.

Naquele momento podia ver com seus próprios olhos o que ficava do lar dos orgulhosos Khosravi e saber que ele se negava a restaurar aquele belo palácio lhe rompia o coração.

Possivelmente por isso lhe tinha perguntado o que ocorreria se não tinha filhos.

Ele apartou o olhar e se dedicou a lhe dar a volta aos pedaços de pão que tinha colocado no braseiro.

—Se não ter filhos, ninguém herdará minhas terras nem meu título— disse ele por fim—. Não haverá ninguém que cumpra com suas obrigações para com meu povo.

Sua voz logo que podia disfarçar a dor que sentia e Lã se deu conta de que, apesar de seu feroz exterior, Arash era um homem vulnerável.

Seu desejo de lhe fazer danifico tinha sido inconsciente, infantil, uma reação humana ante alguém que parecia desprezá-la. E tinha recordado muito tarde a seu pai e seu irmão maior, mortos na guerra.

Para o Arash e a gente do Parvan, a maioria das certezas que tinham acompanhado a suas vidas durante séculos tinham desaparecido com a guerra.

Aquele não era o momento de questionar as leis de primogenitura.

—Sinto muito, Arash. Não queria...

—Mas ainda falta muito tempo para isso— continuou ele, como se ela não tivesse falado—. E tenho muito trabalho que fazer antes de pensar em uma esposa e uma família.

Lã olhou os tristes restos de sua herança.

—Quer dizer restaurar esta casa?

—Esta casa, as terras, os animais e as casas do vale que foram destruídas —assentiu ele.

—E não vais casar te até ter restaurado todo o vale?

—Um homem não pode casar-se até que tenha algo que lhe oferecer a sua esposa.

—E não crie que uma mulher que te amasse quereria te ajudar a reconstruir sua casa?

—Um homem não pode casar-se até que tenha algo que lhe oferecer a sua esposa— repetiu, como se fora uma letanía.

Lã piscou, incrédula.

—Diz-o a sério?

—É obvio.

—Desde onde eu venho, se um homem quiser a uma mulher não fica esperando até que tenha pago a hipoteca.

Arash cravou seus olhos nela, sua cara em sombras. Lã tinha a impressão de que estava vendo uma parte dele que nunca antes tinha visto.

—Você, é obvio, não terá que esperar que um homem faça isso. Você está em posição de pagar a hipoteca.

—O que quer dizer? Que um homem só me quereria pelo dinheiro de meu pai?

—Seria um parvo se dissesse isso —respondeu Arash.

—Então, o que quiseste dizer?

—A riqueza de seu pai lhe aísla das necessidades ordinárias de homens e mulheres, Lã.

—Eu não acredito— disse ela, olhando-o aos olhos—. O que um homem e uma mulher precisam é amor e um compromisso para o futuro. Dá igual a estejam tentando reconstruir uma casa no Oriente Médio ou que estejam em Nova Iorque, comprando um apartamento de duas habitações. O único importante é compartilhá-lo tudo.

—Isso é certo quando duas pessoas podem escolher seu futuro. Mas para mim é diferente.

—por que?

Arash tinha falado como se aquela frase fora sua última palavra sobre o assunto e a olhou, irritado.

—Você crie que o amor o conquista tudo, Lã?

—O que acredito é que eu não gostaria de amar a um homem que pensasse como você.

—eu poderia lhe pedir a uma mulher que trabalhasse dia e noite durante anos para reconstruir uma casa que pertenceu a meus ancestros, que tinha permanecido em pé durante séculos e que agora está destruída? —perguntou Arash, assinalando a seu redor—. Poderia um homem aceitar uma esposa sabendo que não poderia lhe oferecer mais que seu cansaço, que não poderia falar com ela sem expressar sua frustração, sua angústia por não poder lhe dar nada formoso, nada que alegrasse suas vidas? O que pensaria de um homem que exigisse a uma mulher que sacrificasse sua juventude e sua alegria?

Lã ficou pensativa durante uns segundos;

—Pensaria que a essa mulher gostaria de te ajudar, Arash.

—Não posso lhe pedir a uma mulher que me ajude em uma tarefa que é sozinho minha obrigação —insistiu ele.

—Mas, não acaba de dizer que seu filho herdará suas propriedades? Perdoa, mas esse filho também séria filho de sua mulher. por que não vai ajudar te ela a reconstruir a herança de seu filho? —perguntou ela. Arash não respondeu imediatamente e Lã se deu conta de que estava tenso. Como era habitual quando estavam juntos—. Estamos falando de alguma mulher em concreto, Arash? Há alguém que está esperando a que você reconstrua tudo isto?

O negou com a cabeça.

—Uma vez pensei que me casaria com a mulher que tinha eleito como esposa. Mas a guerra terminou com esse sonho.

—Isso é uma estupidez —lhe espetou Lã então, irritada.

Os olhos do Arash brilharam com fúria masculina.

—Não me insulte, Lã.

—Sinto muito. Mas não posso acreditar que não possa ser feliz com a mulher que escolheu seu coração só porque a guerra te arrebatou sua casa.

Arash a olhou durante comprido momento sem dizer nada.

—Mas assim é— murmurou por fim.

—E ela está disposta a aceitá-lo?

—Ela não sabe nada.

Lã ficou atônita.

—Não o há dito? E se se casa com outro homem?

—Seria o melhor para ela.

—Está apaixonado por essa mulher ou estamos falando de um matrimônio consertado?

—Estou apaixonado por ela —respondeu Arash simplesmente, mas em sua voz Lã pôde detectar uma paixão tão crua, tão dilaceradora, que quase sentia lástima da mulher. Se algum dia Arash ao Khosravi liberava aquela paixão, seria mais abrasadora que as chamas candentes de um braseiro.

 

A bule começou a apitar nesse momento e Arash, alegrando-se da interrupção, levantou-se para procurar chá e hortelã no aparador.

—Espero que ao Suhail e Sulayman não os importância que tenhamos usado suas provisões— disse Lã, agradecendo também a mudança de tema.

—Não lhes importará —sorriu ele, aproximando-se da janela—. Leva tanto tempo em meu país e ainda não sabe isso?

—Ninguém pode viver no Parvan sem aprender o que é a verdadeira generosidade— disse Lã—. São criados de confiança?

—Sim. ficaram-se nas ruínas da casa para cuidar dela —respondeu ele—. Logo voltarão.

—Mas não esta noite, verdade?

Houve uma pausa depois da pergunta, como se ao Arash não lhe tivesse ocorrido pensá-lo até então.

—São as sete —murmurou, olhando-a com seus indecifráveis olhos escuros. Aquele olhar fez que Lã sentisse um calafrio.

—O que ocorre, Arash? —perguntou, ao ver que começava a ficá-las botas—. O que faz? Onde vai?

—A procurar o Suhail e Sulayman —respondeu ele—. Não são jovens e faz muito frio para eles.

—Não acreditará que estão aí fora com esta tormenta? É impossível, eles conhecem bem este vale e se resguardaram em alguma parte.

—Vou buscá-los —insistiu ele, abrindo a porta. O vento gelado que entrou na habitação moveu a chama do abajur, quase apagando-a por completo.

—Arash, faz muito frio, congelará-te!

—Não se preocupe por mim.

Lã se levantou de um salto. Era como se todo o calor da habitação tivesse desaparecido de repente. As sombras nas paredes pareciam selvagens, sinistras.

—Arash, não pode sair! —exclamou, sujeitando-o por um braço. Mas era ridículo e ela sabia. Arash era um guerreiro das montanhas e nunca teria podido contê-lo contra sua vontade. Inesperadamente, ele se deteve e Lã o olhou aos olhos—. Por favor —sussurrou—. Se sair agora, morreremos os dois. O que poderia fazer eu se você não voltasse?

Ele levantou uma mão e apartou a sua delicadamente.

—Aqui está segura —disse Arash, antes de sair e fechar a porta detrás de si.

Do que tinha medo Arash?, perguntava-se ela, sentindo um calafrio. Não de que Suhail e Sulayman se perderam em meio da tormenta, disso estava segura.

Lã recordou então como a tinha cuidadoso o homem, como se lutasse contra algo que não podia explicar, e se perguntou se a tormenta, a noite, as sombras, teriam despertado alguma terrível lembrança.

Possivelmente sofria algum trauma por causa da guerra. Seu avô tinha estado no Vietnam e Lã tinha aprendido muito sobre traumas vendo-o sofrer.

E também sabia que Arash tinha participado de todas as batalhas para tentar salvar seu país e o vale de seus antepassados.

—Não, Meu deus, por favor!— sussurrou, tomando sua jaqueta. Em uma febre de impaciência, ficou as botas e abriu a porta—. Arash! —chamou-o.

O vento a golpeava para trás, como se queria obrigá-la a voltar para a habitação, e Lã fechou a porta usando as duas mãos.

Não via nada, estava completamente às escuras e caminhou uns passos com os braços estendidos, lutando contra o vento, procurando uma parede para sujeitar-se. Tocou-a antes de vê-la e manteve uma mão sobre ela enquanto se movia. Uns minutos mais tarde, encontrou a porta de entrada do palácio e tentou abri-la. Furioso, o vento a separava de suas mãos e a golpeava contra as dobradiças, quase arrancando a de coalho, mas Lã conseguiu sair.

—Arash! —voltou a chamá-lo, enquanto o vento a lançava de joelhos sobre a neve.

Com uma tormenta como aquela, um homem podia morrer a cinco metros da porta de sua casa. Tinha ouvido histórias como essa, histórias de gente morta de frio durante uma tormenta nas montanhas, a uns metros de algum refúgio que não tinham visto na escuridão. Lã tentava escutar, aterrada, mas solo ouvia o rugido do vento. Onde estava a casa, diante ou detrás dela?, perguntava-se. Tinha perdido a orientação. Solo podia ver os flocos de neve cujo patrão antes lhe tinha parecido o segredo da vida, mas que naquele momento lhe parecia o baile da morte. Até de joelhos, voltou-se para um lado e outro, a cara golpeada pela neve. Nada. Não via nada. Seus confusos sentidos pareciam ter abandonado a luta. Desesperada-se, incorporou-se e procurou a parede com as mãos. Não podia estar a mais de um metro da casa, mas se dava um passo na direção equivocada se perderia definitivamente.

—Arash! Arash! —voltou a gritar, mas o vento parecia tragar-se sua voz.

Uma risada histérica subiu a sua garganta. O que estava fazendo ali? Tinha ido resgatar ao Arash e se perdeu a um metro da casa. Do que podia lhe servir ao homem?

Quão único poderia fazer em sua ignorância era morrer com ele. Mas, embora não pudesse fazer nada, não teria podido ficar na casa esperando, não teria podido deixá-lo sozinho. Se Arash estava sofrendo alguma lembrança traumática da guerra, poderia estar cego e surdo ante sua verdadeira situação.

—Arash! —chamou-o de novo. Se podia encontrá-lo, convenceria-o para voltar para a casa e ele saberia encontrar o caminho. Lã começou a rezar, caminhando uns passos, mas voltou a cair de joelhos. O vento lhe impedia de manter-se erguida e a neve golpeava seus olhos, cegando-a. «Não vou deixar que mora », pensava, decidida.

O que faria sua tribo sem ele? O que faria Kavi se perdesse a seu melhor amigo e conselheiro? Como foram sobreviver se Arash muriese? «Tanta gente o ama e depende dele... Não posso deixar que mora desta forma. Não posso deixá-lo morrer, todo mundo o ama. Eu... eu...»—. Arash! Arash! Onde está?

De repente, algo saltou sobre ela. Algo enorme. Lã lançou um grito, aterrada, e caiu sobre a neve.

Durante um segundo ficou tombada, esperando as garras que terminariam com a tormenta e com sua vida.

Tinha aceito a morte. Mas, de repente, uma luz se acendeu em seu cérebro: « Não posso morrer, tenho que encontrá-lo!», pensou, lançando um golpe às cegas. Tinha que ser um lince, um felino da montanha. Lã sentiu que golpeava ao animal, que se apartou, surpreso.

—Lã!— gritou uma voz.

—Arash? meu deus, Arash!

Duas vezes tentou levantar-se Arash, mas o vento o lançava de novo contra ela.

—Que demônios está fazendo aqui?

—Estava-te procurando! Menos mal que me encontraste! —gritou ela, aliviada. Estavam a salvo. Arash encontraria o caminho de volta à casa e a vida e o amor...

Era curioso o cálida que parecia a neve nesse momento. No chão, com o quente fôlego do Arash sobre sua boca, Lã entendia pela primeira vez as histórias que tinha escutado sobre gente que se tombava a dormir em meio de um vendaval de neve.

Nada lhe tivesse gostado mais nesse momento que fechar os olhos e deixar-se envolver pelo Arash...

Ele voltou a gritar, mas o vento era tão forte que Lã não pôde entender o que dizia. Arash ficou de joelhos, apesar de sua perna ferida e conseguiu sentá-la.

—te levante!— ordenou. Lã sorriu.

—Isso é fácil de dizer!

Finalmente, conseguiram levantar-se e Arash a tirou da mão. Para assombro de Lã, uns passos depois entravam de novo pela porta principal. Era incrível que tivesse estado tão perto. Tinha-lhe parecido estar perdida no meio do Ártico.

Entre os dois conseguiram fechar a porta contra um vento que não parecia querer soltar os de suas garras e, uns segundos depois, voltavam para a habitação onde o braseiro, felizmente, seguia aceso.

Arash cravou os dedos em seus ombros e Lã sentiu que sua carne ardia sob capas e capas de roupa.

Não podia encontrar palavras para os pensamentos que davam voltas em sua cabeça. Algo pior que a morte lhe tinha acontecido em meio da neve. Algo muito mais perigoso.

A ameaça da morte tinha passado, mas outra ameaça seguia presente. Estava nos olhos do homem, na necessidade imperiosa que sentia de apoiar a cabeça sobre seu peito para assegurar-se de que Arash era real.

Esse era o perigo, que o roce com os dedos da morte tivesse esmigalhado um véu. E depois do véu havia uma verdade que Lã não queria ver...

O tempo pareceu parar-se enquanto observava piscar ao homem, enquanto observava o pulso em seu pescoço que dava música a sua vida. Enquanto o observava entreabrir os lábios e voltar a fechá-los com força.

Lã recordou outro tempo, quando ele a tinha abraçado, quando sua vida tinha estado em uma balança, como naquele momento.

«Não tenho nada que te oferecer», havia-lhe dito ele então.

E era certo.

Lã fechou os olhos e sentiu que Arash a apertava em um movimento convulso antes de soltá-la.

depois disso, tiraram-se jaquetas e botas em silêncio e voltaram para a mesa, onde o abajur, felizmente, seguia brilhando e as brasas do carvão ardiam, iluminando a estadia de vermelho.

Lã, de repente, sentia-se faminta e, atirando-se sobre os almofadões, tomou uma parte de pão.

—BismAllah —murmurou, antes de começar—. Você não tem fome?

Arash, de pé sobre ela, olhou-a com seus olhos escuros.

—Sim. Estou faminto.

Arash tirou da mochila uma tartera de alumínio com assado de cordeiro e a colocou sobre o braseiro. Depois, jogou sobre o arroz que seguia cozendo umas especiarias que tinha encontrado no aparador.

O estômago de Lã começou a fazer ruídos quando o aroma encheu a habitação. A experiência que acabava de viver tinha despertado uma fome furiosa, uma sensação que nunca antes havia sentido.

Jantaram em completo silêncio, cada um perdido em seus pensamentos.

—De verdade crie que Suhail e Sulayman podem estar apanhados em meio da tormenta?— perguntou depois, quando Arash estava servindo o chá nos delicados copos tradicionais.

—Não— respondeu ele.

—E por que saiu a resgatá-los?

—Não saí a resgatá-los —respondeu ele, olhando-a com aqueles olhos intensos—. Fui trazê-los para casa.

—por que?

Nos olhos do homem houve um brilho.

—Lã, você sabe por que me parti. por que quer seguir falando disso?

—Não te entendo.

—O que seria mais estúpido e perigoso que falar disso agora?

—Arash, de verdade não te entendo —murmurou ela, confusa—. Se crie que Alinor me contou algo, equivoca-te.

—Alinor? Alinor não tem que te contar nada. Você sabe —disse Arash. Lã o olhou, absolutamente em branco—. Do que crie que estou falando?

—Meu avô esteve na guerra —começou a dizer ela—. E depois estava acostumado a ter sonhos, lembranças que não podia controlar. Era algo que o fazia sofrer muito —acrescentou. Mas quando olhou os olhos do homem, deu-se conta de que se equivocou.

—Eu pertenço a uma raça de guerreiros, Lã. Sempre lutamos para manter nossas terras, para defender a nossa gente. Tenho feridas, como o resto de meus compatriotas, mas essas lembranças dos que falas são para os Kaljuks, para que recordem sempre que começaram uma guerra injusta e a perderam— explicou Arash. Ela assentiu, hipnotizada—. Você não é tão ingênua, Lã.

—Eu não sabia... o que outra coisa podia pensar? —perguntou ela. Arash sacudiu a cabeça, em silêncio, tomando seu chá—. por que não me explica isso?

Lã escutou o golpecito de sua taça sobre o prato.

—por que insiste em falar disso? O que é o que quer? —perguntou ele, exasperado—. Estamos sozinhos! Você sabe bem o que pode passar!

Lã o olhou, incrédula e furiosa.

—O que está dizendo? —exclamou. Arash a olhou sem dizer nada—. Não posso acreditar! Está dizendo que saiu em meio de uma tormenta, arriscando sua vida, solo para procurar uma carabina?

 

—Não posso acreditar!

Estava tão indignada que o sangue parecia haver lhe subido à cabeça.

—O que é o que não pode acreditar? —perguntou ele, com calma—. Em meu país, um homem e uma mulher que não estão casados não dormem sob o mesmo teto. E você sabe.

Que comentário tão ridículo e arcaico!, pensou ela. depois de tudo o que tinha ocorrido aquele dia, depois do que tinha ocorrido entre eles anos atrás, aquilo era muito.

—por que? explique-me isso Você não vais tentar me seduzir, disso estou segura. Então, por que? É que crie que eu tentaria te seduzir?

—É isso tão impossível?

Lã se tornou para trás, como se a tivesse golpeado.

—Ah, claro, já entendo. Não seria a primeira vez, verdade?— disse, com amargura—. Mas todos aprendemos, Arash. E eu estou imunizada contra seus encantos. Não vou lançar me a seus braços pela segunda vez.

—Não estou sugiriendo que fosses fazer isso!

—Pois o parece!

—Só porque quer estar zangada comigo.

—Isso não é verdade!

—Olhe, Lã, cria o que cria, não era isso o que queria dizer. por que inflama seus sentimentos dessa forma? Não te dá conta de quão perigosas são as emoções nesta situação?

—Asseguro-te que minha fúria não vai transformar se em amor, Arash!

Arash ficou olhando-a em silêncio até que Lã apartou o olhar, incômoda.

—Não vou discutir contigo —disse por fim, com calma—. Sou o herdeiro de meu pai, o líder da tribo do Aram. A gente de meu povo se sentiria muito desgostada se soubesse que passei a noite com uma mulher que não é minha esposa. Essa deve ser razão suficiente para ti.

—Por favor, Arash, há uma tormenta feroz!

—Essa é outra das razões pela que não deveríamos estar aqui.

—O que é o que quer dizer? Que é possível que esqueçamos quem somos ou que sua gente imaginará que o temos feito?

—Dá igual. Estamos sozinhos e não podemos fazer nada. Exceto não baixar o guarda Y...

—Por favor!— interrompeu-a ela—. Tivesse preferido que ficássemos no jipe? Agora estaríamos congelados ou enterrados sob uma avalanche!

—por que quer me zangar dizendo essas coisas, Lã? É que não te dá conta do que está passando?

—O que acredito é que sua arrogância é incrível. A gente deste vale não é tão ignorante...

—O povo de meu pai não tem televisão, mas conhece a diferença entre um homem e uma mulher. lhe educaram para que cria que está por cima de todo isso, mas não é assim.

—Está tentando me dizer que me vou ver arrastada por um incontrolável desejo só porque estamos sozinhos? Se for assim, não poderia estar mais...

De repente, ele tomou pela boneca. A forte e escura mão do homem, calejada pelo trabalho duro, em contraste com seu suave emano branca.

A cara do homem estava em sombras, o violeta escuro de seus olhos refletia a diminuta chama do abajur.

Quando ela olhou o reflexo, seu sangue se esquentou e seu coração começou a pulsar, desbocado.

—Eu sou um homem, Lã —disse Arash—. E você uma mulher. Essa é toda a explicação que necessita.

De repente aquela frase pareceu um encantamento. Era como se por nomear um tigre, o animal tivesse aparecido. Ele era um homem. Ela, uma mulher. Uma mescla perigosa e tão predecible como a fórmula da dinamite.

Arash era um homem ferozmente atrativo, poderoso, um homem com carisma e magnetismo. A fúria que via em seus olhos e o gesto firme de sua boca contribuíam a aumentar seu atrativo, como um perfume que podia afogá-la, anular sua razão.

Lã tragou saliva.

—O que significa isso? —sussurrou.

Ele não respondeu. Solo a olhou com uma posesividad que a queimava, que acendia um vulcão no centro de seu ser. Lentamente, como se essa fora sua resposta, ele a empurrou brandamente sobre os almofadões. Chama-a que via em seus olhos invadiu suas coxas, seu ventre, estendendo-se por seus membros, como um incêndio.

—por que me obriga a fazer isto?— perguntou ele, em voz baixa—. Desde o começo, sabia qual era o risco.

—Não —protestou ela fracamente

Arash acariciava sua garganta, seu queixo. A boca do homem, a uns centímetros da sua, enchia-a de desejo. Solo uma vez em toda sua vida tinha sentido Lã tal excitação selvagem, tal primitiva paixão.

—Não acredito que tenha esquecido. E sabe que então também lutei para que não ocorresse —murmurou Arash.

Lã não podia falar. Ele seguia sujeitando suas mãos, imobilizando-a. Estava tombada, com o cabelo vermelho ao redor de sua cara, como uma flor aberta—. O que fazemos, Lã? Devemos nos abandonar a esta doce loucura que não pode ter futuro? Quer te arriscar?

Aquelas palavras despertaram uma dor que acreditava ter esquecido. convenceu-se a si mesmo de que aquilo nunca tinha ocorrido e, de repente...

Lã fechou os olhos para não ver a cara do homem sobre a sua.

—Esta vez não —murmurou—. me Solte.

Arash fechou os olhos e lentamente, como se estivesse fazendo um esforço sobre-humano, soltou-a. levantou-se torpemente do chão com sua perna ferida, aproximou-se do cubo de água e tomou um sorvo, lhe dando as costas.

Depois, tomou a lanterna e levantando a tapeçaria, saiu da habitação sem dizer uma palavra.

Lã ficou tombada sobre os almofadões, com a mente em branco. Quando se incorporou, sua mente seguia vazia. Parecia não ter passado, nem presente, nem futuro. Quando tomou a taça de chá, olhava sua mão como se fora a mão de outra mulher.

 

—Dançar? —repetiu ele. Arash tomou pela cintura com força e na semioscuridad do salão, Lã viu o brilho nos olhos escuros do homem. Não se tinha equivocado. Arash Khosravi não podia resistir a seus encantos, mas o baile que ele tinha em mente não necessitava música.

Dançaram. Um baile lento, sinuoso, esquecendo-se do que os rodeava, seu olhar limitado aos olhos do outro. O corpo do homem se apertava contra o seu, derretia-se contra o sua e Lã se maravilhava daquele fenômeno; ela era ela mesma e, de uma vez, parte daquele outro ser...

Arash lutou contra si mesmo durante aquele baile? Nunca saberia. Quando a escuridão os envolveu e ela abriu os olhos viu sem surpresa que tinham saído do salão e tinham dançado pelo corredor até uma habitação completamente às escuras.

O luxuoso apartamento do Kavi, que seu guarda-costas compartilhavam com ele, estava no segundo piso da embaixada do Parvan e, em meio das sombras, Arash apertava sua cintura com tal força que quase o fazia danifico. Um segundo depois, tomava em braços e, sem deixar de beijá-la, levava-a a outra habitação...

Parecia como se o tempo tivesse um peso e uma medida que ela nunca antes tinha entendido. Arash fechou a porta e se apoiou sobre ela, sem soltá-la. Lã baixou as pernas e se deixou cair sobre o corpo do homem, enquanto seguiam beijando-se.

Nenhum beijo a tinha embebedado como os beijos do Arash. A pressão do duro corpo masculino sobre o seu fez que apartasse a boca um segundo para tomar ar.

Ele beijou sua garganta na escuridão e Lã acariciou seu cabelo, sua cara, com mãos trementes. Era tudo o que tinha que saber, que estava nos braços do Arash. Nunca havia sentido aquela fome de beijos, nunca tinha desejado tanto as carícias de um homem.

—Lã —sussurrou ele, sua voz urgente e rouca—. Não tenho nada que te oferecer.

—O que? —murmurou ela, sonriendo.

—Não tem futuro comigo, Lã. Amanhã vou à guerra e não voltarei. Se esperas algo mais me diga que não agora, Lã. me diga que não.

Lã não podia acreditar o que estava ouvindo. Arash a tinha apertada contra seu peito e seu coração lhe dizia que o desejo do homem, como o seu, era mais que sexual.

—Arriscarei-me— sussurrou.

 

Lã tinha lavado os pratos em um cubo de água, com o sabão cinza que usavam as mulheres parvaníes, quando Arash voltou a entrar através da tapeçaria, com um saco de carvão e a cabeça coberta de neve.

—vamos dormir aqui? —perguntou, para romper a tensão. Ele a olhou e, sem responder, tomou o braseiro e o colocou ao outro lado da habitação. Lã se mordeu os lábios e, durante uns segundos, seguiu secando os pratos e colocando-os no aparador. Arash levantou a tampa do braseiro e começou a jogar carvão sobre as brasas acesas—. Quanto tempo vamos ficar nos? —voltou a perguntar. Arash, de novo, não respondeu—. O que faremos para comer? —insistiu ela. Estava tremendo e não era de frio.

—Sairemos pela manhã a procurar comida —disse ele por fim—. Mas agora terá que apagar o abajur para conservar o cabo.

Lã, obedientemente, pôs os almofadões sobre o tapete a ambos os lados do Korsi, uma espécie de tamborete muito alto que Arash tinha colocado sobre o braseiro.

Depois, em um ritual que tinha centenas de anos de antigüidade, juntos colocaram as mantas a ambos os lados do korsi, fazendo uma tradicional cama parvaní.

Lã tinha visto famílias inteiras dormir desse modo. O korsi mantinha as mantas se separadas do braseiro e o calor se conservava melhor que em uma cama ocidental.

Embora também tinha suas desvantagens. Se a habitação não estava bem ventilada, podia morrer ao inalar monóxido de carbono. Mas Arash levantou a tapeçaria que cobria a entrada para arejar a estadia e Lã se atreveu a enfrentar-se de novo com o frio para ir ao lavabo.

Quando voltou, tudo estava preparado para ir-se dormir.

Só se tiraram os pulôveres e as calças que levavam sobre os jeans antes de tombar-se e quando Arash apagou o abajur, a escuridão caiu sobre eles como outra manta. Ouviu-o tombar-se sobre os almofadões, sabendo que estava ao outro lado do braseiro e seu coração começou a pulsar com força.

—boa noite —murmurou.

—boa noite, Lã.

O intercâmbio de palavras na escuridão pareceu sublinhar sua solidão e Lã desejou de repente estar mais perto dele, a seu lado.

Mas se tinha arriscado uma vez. E não voltaria a fazê-lo.

 

Sem soltá-la, Arash acendeu um abajur.

Embora estava decorada ao estilo árabe, com preciosos tapetes e tecidos sobre as paredes, a habitação era completamente impessoal. Não havia um só livro nenhuma fotografia e as malas ao lado da porta o diziam tudo.

Ele a olhou um momento em silêncio, como esperando que ela trocasse de opinião. Pela manhã, dizia-lhe aquele olhar, não haveria nem rastro dele naquela casa.

Mas Lã estava cega e surda ante a advertência.

—me faça o amor, Arash —sussurrou.

Ele a tirou da mão e a levou para a cama. Parecia o sultão de seus sonhos, com as calças e a túnica de seda brancos e um colete bordado em ouro.

Arash lhe tirou o vestido como ela tinha sonhado que faria quando, antes da festa, pôs-se aquela roupa interior tão especial.

Lã levava uns pantaloncitos verdes da mais fina seda que se fechavam sob o joelho e uma espécie de colete que logo que cobria seus peitos, deixando seu ventre ao descoberto.

—Um pijama de harém— havia dito que era aquilo a vendedora na muito exclusivo loja de moda.

Parecia a versão hollywoodiense de uma concubina, voluptuosa, seus peitos ameaçando escapando do diminuto colete, seus quadris e coxas cheias, femininos e firmes. Sua pele, como a nata, o cabelo vermelho caindo sobre suas costas...

Sentado ao bordo da cama, Arash a colocou sobre suas coxas abertas e depositou um beijo sobre seu estômago sem deixar de acariciar suas costas, seu traseiro através da seda, suas coxas... seus peitos, seus ombros.

Depois, encontrou-se a si mesmo ajoelhado frente a ela, beijando-a por cima das calças de seda, apartando lentamente o tecido para que sua boca estivesse cada vez mais perto... Arash levantou as mãos e desabotoou os dois botoncitos de pérola do colete para que seus peitos ficassem livres. O embriagador endurecimento dos mamilos femininos lhe dizia que seu roce era prazenteiro para ela...

O homem e a mulher eram um só quando Arash a tombou sobre a cama e se tombou a seu lado, sobre ela e, finalmente, dentro dela...

Ele não tinha esperado chorar no momento da união, não tinha esperado sentir a profunda conexão que lhe dizia que, desde aquele momento, solo entenderia o universo através daquela mulher.

Nunca tinha sido varrido por tal profundo e selvagem prazer, nunca tinha gritado um nome como se fora uma resposta a todas as perguntas que pudesse fazer-se, naquele momento e sempre.

 

Lã despertou em meio da noite. Tinha chorado em sonhos, mas não recordava por que. Pouco a pouco, as imagens iam a sua cabeça. Tinha chorado sonhando com a noite em que lhe tinha pedido ao Arash que dançasse com ela. Até então não tinha recordado aquela outra noite em muito tempo. Tinha-a afastado de sua mente.

A lembrança era clara, imediato, como se algo na escuridão a levasse atrás no tempo. Como se se tivesse despertado como a pessoa que foi naquele momento, sentindo de novo a paixão, o desejo que tinha sentido pelo Arash, a necessidade de tocá-lo, de acreditar que ela significava algo para ele.

Arash não tinha sabido que era virgem e ele era um homem muito grande. Seus gemidos de prazer e dor tinham sido afogados pelos gemidos de paixão entristecedora do homem...

ficou-se dormida quando os pássaros começaram a cantar, sentindo que era a canção de seu coração, sentindo uma com o Arash, sobre cujo peito apoiava a cabeça, cujos fortes braços a sujeitavam lhe dizendo sem palavras que se pertenciam.

Lã se tinha despertado sozinha. Quando se sentou sobre a cama com um sorriso, olhou ao redor... e só viu sua roupa colocada sobre uma cadeira.

As malas tinham desaparecido, igual à roupa do Arash. Não havia rastro algum dele e Lã se sentiu sozinha no mundo.

Saltou da cama, vestiu-se a toda pressa e saiu ao corredor, mas solo encontrou aos encarregados da limpeza. O príncipe e sua gente se partiram uma hora antes.

Lã voltou para dormitório para procurar uma nota, uma mensagem... nada. Perguntou às faxineiras. Nada... não tinham visto nenhum papel, ninguém tinha deixado nenhuma mensagem.

E foi ali, no meio do salão da impressionante embaixada do Parvan, diante de uns estranhos, onde Lã entendeu por fim seus sentimentos.

Lentamente, como se tivesse perdido a razão, saiu à rua, parou um táxi e voltou para sua casa.

Havia uma mensagem do Alinor na secretária eletrônica.

—Onde te colocaste, Lã? Sinto muito não ter podido me despedir de ti...

Mas nenhuma mensagem do Arash.

«Não tenho nada que te oferecer, Lã».

Lã entendeu então. Não podia lhe oferecer amor, porque não a amava.

Ela, entretanto, estava apaixonada por ele. Louca, profunda e apaixonadamente apaixonada por ele. Com um amor que lhe rompia o coração.

Naquele momento o recordava tudo... coisas que tinha esquecido, que se tinha obrigado a si mesmo a esquecer para poder sobreviver.

Ele acreditava que Parvan ia ser invadido imediatamente pelo país vizinho e voltava para seu país para lutar.

Uma vez lhe tinha perguntado qual seria o resultado da guerra. Também tinha esquecido isso. Mas naquele momento o recordava como se acabasse de lhe fazer a pergunta.

Recordava a tristeza em sua expressão, como se pressentisse a perda de tudo o que lhe era querido.

—Significa a destruição total, Lã —lhe havia dito—. Somos um país muito pequeno e nossas reservas de petróleo estão situadas nas montanhas, em lugares de difícil acesso. Kaljukistán tem muito petróleo e muitos interesses econômicos estrangeiros. E também tem um arsenal que deixaram atrás os soviéticos. Quem vai ajudar nos? Quem vai ficar de nosso lado? Todas nossas riquezas, que foram passando de geração em geração, serão hipotecadas para comprar armas... não ficará nada.

—Crie que eles ganharão a guerra?

—Não poderão ganhá-la, a menos que matem a todos e cada um dos parvaníes. Enquanto fique um de nós vivo, não poderão ganhar.

Lã teria ido com ele. Teria lutado a seu lado, teria ajudado às mulheres de seu povo durante um tempo de horror, mas sabia que Arash não o teria permitido.

Tinha pensado nele constantemente durante aquele tempo, às vezes sem saber durante meses se seguia vivo ou tinha morrido. A guerra entre o Parvan e Kaljukistán não era um tema de interesse para os jornalistas e Lã tinha sofrido sem saber dele, esperando o golpe que romperia seu coração em qualquer momento.

Um dia na universidade, um companheiro lhe havia dito que um dos acompanhantes do príncipe Kavi tinha morrido na guerra e seu coração se parou. Não era uma sensação. Lã estava segura de que se parou durante uns segundos, como se tivesse querido morrer ao lado do Arash.

Passaram vinte e quatro horas antes de que alguém lhe dissesse que era Jamshid quem tinha morrido. Lã sentiu uma profunda tristeza pelo jovem alegre, morto em uma guerra que a ninguém parecia lhe importar.

Jamshid tinha deixado detrás uma esposa que tinha dado a luz uns meses depois de receber a notícia de sua morte e Lã a invejava porque tinha um menino que lhe recordaria para sempre a seu pai.

Se Arash tivesse morrido, ela não teria nada. Nunca tinha ouvido uma palavra de amor de seus lábios. Não teria nada exceto a lembrança de umas horas de paixão física que não tinham significado nada para ele.

Como se o sonho tivesse quebrado uma armadura sob a que guardava seu coração, a dor de seu amor pelo Arash parecia renovado, em carne viva, e Lã teve que ficá-la mão na boca para que ele não a ouvisse chorar.

Tinha sido uma estúpida imaginando que tinha selado seu coração. O amor era uma realidade cruel da que não se podia escapar.

Tinha ido até o Parvan solo para vê-lo. Tinha-lhe pedido dinheiro a seu pai, a seus amigos, a estranhos, tinha trabalhado mais do que tinha trabalhado em toda sua vida para ajudar às pessoas de seu povo, mas também para voltar a vê-lo. Tinha passada fome quando a gente do Parvan passava fome, tinha chorado quando os via sofrer, fazia o impossível para ajudá-los a reconstruir suas vidas...

Porque um homem que não sentia nada por lhe havia dito uma noite com o coração quebrado: «Não ficará nada».

 

A habitação estava geada quando despertou.

—Que frio! —exclamou ao apartar as mantas. Em meias três-quartos, correu ao lavabo e quando saía escutou ruídos no teto. Arash tinha subido ao telhado e estava cravando uma peça de madeira sobre o buraco.

Uma vez na habitação, Lã guardou cuidadosamente as mantas e o kersi e se dedicou a reavivar o fogo do braseiro.

Como seu amor, ficou-se nas brasas, mas aquela noite com o Arash o tinha reavivado e voltava a queimá-la por dentro...

Tinha sido uma estúpida ao aceitar aquele viaje com ele. por que não tinha escutado a voz interior que a advertia do perigo? Deveria ter abandonado a idéia de viajar às montanhas se ele ia ser seu acompanhante.

Lã se obrigou a si mesmo a apartar ao Arash de seus pensamentos e começou a procurar um pouco de café da manhã.

 

Quando ele voltou a entrar na habitação, esfregando-as mãos geladas, tinha preparado chá, naan com manteiga e pêssegos em conserva.

—Que bem! Aqui faz calorcito— disse ele, tirando-as botas e sentando-se sobre os almofadões—. Na outra habitação há um aquecedor que funciona com gasolina. depois de tomar o café da manhã, podemos ir ver se encontrarmos algo de combustível.

—Onde encontraste a madeira para o telhado?

—Coloquei-a ali faz uns meses, mas o vento a tinha arrancado— explicou Arash, enquanto ela apartava o pão do braseiro e o colocava rapidamente sobre o prato com um gesto de dor. Arash se pôs-se a rir—. Pode utilizar um pano para não te queimar.

Lã olhou seus olhos, que brilhavam divertidos, perguntando-se como tinha podido convencer-se a se mesma de que não sentia nada por aquele homem.

Seu amor parecia ter estado sempre ali, seguindo-a como uma sombra a todas partes.

Lã tinha esperado que, à luz do dia, aqueles pensamentos desaparecessem, como a maioria das preocupações que assaltam aos humanos durante a noite, mas solo tinha que olhar a cara do Arash para saber que não podia esconder-se sob uma capa de indiferença.

—Arash... —começou a dizer. Mas não pôde terminar a frase. O que ia dizer? « Acabo de me dar conta de que sigo apaixonada por ti?»

—Sim?

—Quer chá?

—Obrigado.

—Quanto tempo vamos estar aqui?

—Possivelmente possamos ir amanhã— respondeu ele—. Mas não saberei seguro até que deixe de nevar.

—Crie que poderemos comprar comida em alguma parte?

—Suponho que sim. O que se encontraremos seguro serão armas e munições —disse Arash, pensativo.

—Quer dizer que vai de caça?

—Se for necessário... Mas antes quero ver o estado da casa à luz do dia. Quer vir comigo?

Ela assentiu. Desejava ver a casa em que Arash tinha nascido e tinha passado sua infância, como se aquilo fora lhe dar alguma chave.

Ao outro lado da tapeçaria havia um corredor e, ao final, umas escadas que terminavam em uma enorme sala. A guerra tinha destruído em parte janelas, paredes e chãos, mas não havia dúvida de que, uma vez, aquela tinha sido uma residência palaciana.

Passaram por diante de uma sucessão de habitações e Arash parecia ir tomando nota mental dos danos. Nas paredes nuas havia manchas onde antes tinham pendurado obras de arte e Lã sacudiu a cabeça, com tristeza.

—As obras de arte...? —começou a perguntar.

—Meu pai as vendeu para comprar armas —respondeu ele e Lã recordou a noite em que Arash tinha pressentido a tragédia.

«Se o tivesse consolado aquela noite», pensou. «Se o tivesse abraçado e lhe houvesse dito que o amava...».

—Sinto muito. Esta casa devia ser preciosa —murmurou. Ele não disse nada e seguiram passando de habitação em habitação. Em muitas delas havia móveis, formosas peças árabes e índias que começavam a danificar-se por falta de cuidados—. Seria melhor que alguém vivesse aqui, Arash. Os móveis estão começando a danificar-se.

—Logo voltarei para esta casa —disse ele.

«Quando chegar ao palácio do Omar, quero que descanse durante um tempo antes de voltar para vale do Aram para realizar a tarefa que te espera ali...», recordou Arash as palavras do príncipe Kavi.

Que motivos poderia ter Kavi para lhe pedir que acompanhasse a Lã naquela viagem?, perguntava-se, perplexo.

Seria um plano que o príncipe não tinha querido lhe revelar?

Era inconcebível que Kavi não tivesse querido lhe revelar os detalhes de uma missão secreta e, entretanto...

«me faça o amor; Arash...»

Arash fechou os olhos para se separar de si as lembranças. A luz do abajur sobre a pele branca, os olhos femininos brilhando para ele, o peso de seus peitos em suas mãos, os doces gritos de paixão e surpresa.

Tinha levado aquelas lembranças com ele cada noite durante a batalha... e esses sonhos eram como uma viagem pela formosa montanha, em contraste com a dor e a destruição da guerra.

Arash respirou profundamente. ia precisar controlar-se com mão de ferro para suportar aqueles dias com Lã.

 

—Este é o vestidor de minha mãe. Pode que siga havendo roupa dela e possivelmente haja algo que possa usar —disse Arash, entrando em uma habitação cheia de armários e baús. Quando abriu um dos armários, Lã viu que cada vestido estava talher por uma capa de seda branca. Cheirava a especiarias e a perfume.

—Onde está sua mãe?

—Quando acabou a guerra, foi se viver com minha irmã. Não gostava de viver sozinha nesta casa, onde tinha sido tão feliz com meu pai.

—Compreendo-o —murmurou Lã.

—Escolhe o que queira.

—Obrigado —disse ela, abrindo uma das capas. Era uma túnica de seda púrpura, bordada em pedraria.

—Espero que haja algo mais de casaco— sorriu ele, tirando outra das capas. Mas quando a abriu, encontraram uma camisola de várias capas de seda cor turquesa, bordado com pérolas. O erótico perfume do objeto dizia que uma mulher o tinha posto... para excitar a um homem.

Lã pigarreou para dissimular sua confusão.

—Nunca tinha visto um pouco parecido,

—Minha mãe estava acostumada ficar coisas preciosas para meu pai.

Os dois se olharam em silencio durante uns segundos.

—Era um matrimônio consertado? —perguntou Lã.

—Meu pai viu minha mãe um dia montando a cavalo no rio. De repente, seu cavalo se encabritou e meu pai, que era um cavaleiro perito, conseguiu colocá-la sobre suas arreios antes de que o animal a atirasse.

—E se apaixonaram?

—Meu pai se apaixonou por ela nada mais vê-la.

—E o que ocorreu depois?

—Que a beijou e minha mãe ficou tinta. Que um homem beije a uma mulher nada mais conhecê-la é algo insólito em meu país e minha mãe lhe perguntou se era assim como os Khosravi escolhiam a suas concubinas. Meu pai se enfureceu e lhe disse: « Assim é como os Khosravi escolhem a suas algemas!» —seguiu dizendo—. Depois a levou a casa de seu pai e pediu sua mão. O mesmo dia, umas horas depois de havê-la conhecido.

—Essa história é certa? —sorriu Lã.

Arash sorriu também. Sua voz se suavizou até fazer-se quase um murmúrio.

—É a história que contava meu pai. E minha mãe acrescentava que seu cavalo se encabritou porque ela tinha querido —acrescentou. Lã soltou uma gargalhada e Arash se voltou de repente, como se de repente tivesse visto nela algo que não queria ver—. Acreditei que era um casaco —disse em voz baixa, enquanto guardava o objeto no armário—. Pode voltar depois e escolher o que quiser. A minha mãe gostaria que o fizesse.

—Um banho! —exclamou Lã então, voltando-se para outra das portas—. Mas suponho que não funcionará.

—Não há água nem eletricidade, sinto muito.

Arash ficou na soleira enquanto Lã entrava no hammam privado de sua mãe e tocava as formosas peças de mármore. Recordava momentos de sua infância ali, a habitação cheia de vapor, sua mãe na banheira, rendo com suas criadas ou envolta em um grande tecido branco, escolhendo seu perfume... ao Arash adorava os perfumes, o aroma das mulheres...

—Que frascos tão preciosos! —exclamou Lã.

Havia sabões e perfumes no banheiro. Estavam cheios de pó, mas o pó não podia apagar a beleza daqueles frascos de cristal esculpido nem as formosas cores vermelhas, turquesas e esmeraldas dos perfumes e azeites.

Quando abriu um dos frascos e o aproximou de seu nariz, foi como se a transportassem a outro mundo. Aquele era o aroma de uma mulher encantadora, rica, mimada e amada por seu marido, uma mulher em plena confiança de sua sexualidade que, depois de banhar-se e perfumar-se, ficava uma camisola de seda bordado de pérolas...

Arash recordava uma vez quando era pequeno. Tinha tomado um daqueles frascos de perfume e, com seus torpes manitas, tinha-o deixado cair sobre o chão de cerâmica.

Um perfume embriagador o tinha afligido então. Recordava a intensidade da experiência, como se tinha rido, como se tinha agachado e se molhou as manitas com o perfume. Uma das criadas tinha tido que apartá-lo para que não se cortasse com o cristal quebrado.

Eram momentos felizes e ninguém o tinha arreganhado. Sua mãe não tinha costume de gritar por um pouco tão simples como um frasco de perfume quebrado e todos se ficaram encantados ao ver seu êxtase infantil, a alegria sensual do menino, em um país de sensualidade extrema.

—Que feliz será um dia sua esposa! —tinha sorrido sua mãe, mas o menino Arash não tinha entendido então.

Quatrocentos anos antes, o profeta havia dito: «O homem ama os perfumes, às mulheres e a alegria da reza». E a tribo do Aram seguia acreditando que um menino que ama os perfumes seria um bom marido e um bom homem porque, como o profeta, amaria às mulheres e procuraria seu guia para a verdade...

Ele sozinho tinha entendido aquilo a noite que tinha tido a Lã entre seus braços. Aquela noite seus sentidos se viram embriagados por ela como o dia que tinha quebrado o frasco de perfume de sua mãe...

Mas era outro tempo, outra vida.

Todo isso tinha desaparecido. Solo uns quantos frascos de perfume adornavam a mesa do penteadeira, onde antes tinha havido dúzias. E onde ele tinha deixado cair um que se quebrado em pedaços, como sua vida.

Seguiram revisando a casa e Arash passou por diante de algumas leva, sem as abrir. Lã imaginou que seriam as habitações de seu pai e seu irmão e que Arash não poderia suportar as ver vazias.

Mais tarde chegaram à zona da casa mais danificada pela guerra. Era a zona que se abria ao vale e as paredes estavam demolidas.

Lã ficou parada sob a neve que entrava pelo telhado fundo, olhando aqueles escombros com o coração em um punho.

Então, além disso do ruído da garganta, escutou outro...

—Não faz falta que sigamos olhando... —estava dizendo Arash.

—O que é esse ruído?— interrompeu-o ela, tomando-o do braço.

—Ouve algo?

Era um som suave, como um pranto.

—Acredito que é alguém chorando.

—Onde? —perguntou ele. Lã assinalou para o Este, para o rio. Ali havia um edifício quadrado rematado por uma abóbada, com janelas cobertas por fitas de seda de madeira. De novo voltaram a escutar o som, mais forte que antes—. É possível que alguém se refugiou no majlis. Vamos— ordenou, como tinha por costume.

O majlis era o lugar onde o xeque pedia conselho aos anciões do povoado e onde se tomavam as decisões importantes. Lã o seguiu através da neve. Seu coração pulsava com força. E se era um menino? Se tinha passado a noite ali sem um braseiro, seria um milagre encontrá-lo vivo. As enormes leva de madeira se abriram com facilidade ante o empurrão do homem e um forte aroma os surpreendeu—. Já Allah —murmurou Arash, mais para si mesmo que para ela—. O majlis de meu pai convertido em um estábulo?

—O que ocorre, Arash?

—Espera —disse ele, abrindo as janelas. O que descobriram foi um pequeno rebanho de ovelhas, umas quantas galinhas e uma mula que mascava palha—. Olhe —disse Arash. Na outra esquina, uma ovelha os olhava enquanto seus dois corderitos recém-nascidos mamavam furiosamente, movendo as diminutas caudas.

—Que preciosos! —exclamou Lã—. Crie que poderão sobreviver ao frio?

—Os cordeiros sobrevivem inclusive em piores circunstâncias —disse ele—. Mas estarão melhor se lhes dermos um pouco de calor —acrescentou, assinalando uma estufa.

—Que pena, tivesse-me gostado dos ter comigo.

—Tenta lhe dizer isso a sua mãe —sorriu Arash, aproximando-se da estufa para encher a de lenha. Acendeu um fósforo e, uns momentos depois, uma luz vermelha iluminava a estadia—. Bom, ao menos sabemos que Sulayman esteve ontem aqui porque há cinzas recentes e os animais têm comida.

Lã sentiu uma pontada de dor no coração. Sabia o importante que era o majlis para as famílias do Parvan. E o da família Khosravi se converteu em um estábulo... Aquilo devia romper o coração do homem, mas não o demonstrava.

Se lhe houvesse dito que o amava, se lhe tivesse pedido que se casasse com ela, a teria aceito Arash solo para reconstruir a herança de sua família?

Mas não tinha que casar-se com ela. Lã lhe tinha devotado ajuda sem pedir nada em troca e ele a tinha rechaçado.

Arash foi ao rio para encher dois cubos de água fresca e, de volta no kajlis, seu olhar parecia irremisiblemente atraída para uma das paredes, em que havia uma grande sombra escura. Lã não podia ver sua expressão porque estava de costas, mas se deu conta de que ocorria algo.

—O que ocorre, Arash? —perguntou—. O que havia nessa parede?

Arash não respondeu imediatamente.

—O escudo do Aram —disse por fim—. esteve pendurado aí durante centenas de anos.

Sua voz não tinha expressão, mas Lã se deu conta de que aquele era o tesouro mais prezado de sua família, a perda mais terrível.

—Tiveram que vendê-lo?

—Os Khosravi nunca poderiam vender o escudo do Aram. Significa nossa soberania e a guia que nos foi encomendada. Uma vez, faz muito tempo, foi roubado, mas o ladrão o devolveu pouco depois. Agora tornou a desaparecer. Quem sabe onde estará?

 

Por acordo tácito, quando voltaram para a habitação que se converteu em seu refúgio, Lã começou a preparar o almoço enquanto Arash reavivava o braseiro.

Tinham encontrado muitas coisas em sua exploração da casa: parafina para o aquecedor e lentilhas, azeite de oliva, batatas, maçãs e alguns botes de cristal com conservas de tomate na despensa.

Enquanto ela preparava uma sopa, escutava ao Arash mover móveis em uma habitação contigüa. Era agradável saber que os dois estavam trabalhando, embora fora em silêncio.

Em Londres, quando começava a apaixonar-se pelo Arash, antes de saber que não era um guarda-costas, antes de conhecer a história de sua aristocrática família, tinha sonhado com uma vida como aquela, tão diferente do mundo que ela conhecia. Tinha imaginado que viveriam juntos em uma pequena granja, rodeados de meninos.

Lã nunca tinha desejado um matrimônio como o de seus pais, no que a vida familiar se sacrificou para conseguir uma fortuna. Ela não queria isso com o Arash.

Esperava compartilhar tudo em sua vida, o trabalho e a alegria, a dor e o prazer...

Mas tampouco esquecia que era precisamente pelos largos anos de duro trabalho de seu pai pelo que estava no Parvan. Se seu pai tivesse sido um homem normal, com objetivos normais, possivelmente ela não teria ido à universidade em Londres, possivelmente nunca teria conhecido ao Arash e nem sequer saberia que existia um país chamado Parvan.

E, embora soubesse, não teria dinheiro para ajudar ao pequeno reino árabe.

Lã tinha esquentado um cubo de água sobre o braseiro e depois de tirar sua nécessaire da mochila, passou por debaixo da tapeçaria para ir ao quarto de banho.

Então ficou parada.

—Uma cozinha! Uma cozinha de verdade!

Arash tinha conseguido encontrar uma antiga cozinha de ferro e estava colocando a chaminé.

—Importada da Inglaterra por minha avó— explicou ele.

—Funciona?

—Espero que sim. Quer acendê-la?

—Agora não. dentro de meia hora —respondeu ela—. Vou ao quarto de banho de sua mãe, se não te importa —acrescentou, assinalando o cubo de água.

—Eu levarei o aquecedor —disse Arash, subindo a escada diante dela.

Era tão protetor, tão atento, pensava Lã, desejando que aquele homem a amasse.

Ou que não amasse a ninguém e, com o tempo, pudesse amá-la a ela...

Consideraria Arash a idéia de casar-se com ela se a mulher a que amava se casou em sua ausência?

Mas aqueles pensamentos eram absurdos. Ela não podia casar-se com um homem que não a amasse. Um homem que não ama a sua mulher a trata mau, faz que sua vida seja um inferno.

Mas não Arash, seu coração pareceu sussurrar. Lã estava segura de que Arash sempre seria carinhoso com uma mulher, embora não a amasse.

Exceto a noite anterior, recordou-se a si mesmo. Quando a tinha atirado sobre os almofadões, não tinha sido amável e carinhoso.

Mas aquilo solo tinha sido uma admissão de que a encontrava atrativa sexualmente embora não houvesse nada mais entre eles.

Sem dar-se conta, Lã observava o alto e forte corpo do homem frente a ela, movendo-se com graça e força masculina. Havia algo nele que a afetava profundamente.

Arash abriu a porta do quarto de banho e deixou o aquecedor de parafina no centro da habitação.

—Não esqueça que pode usar a roupa de minha mãe.

—Seguro que não lhe importará?

—Importará-lhe se se inteira que não quiseste pôr lhe sorriu isso ele, dirigindo-se para a porta.

—Arash —o chamou Lã então. Ele se voltou—. Te importaria mover a sopa?— perguntou—. Não demorarei muito.

—A sopa —repetiu ele, como se estivesse pensando em outra coisa—. Se, moverei a sopa.

O banho e o vestidor estavam cheios de espelhos e Lã imaginou que a mãe do Arash devia ser uma mulher muito formosa.

Lã era uma mulher inconsciente de sua própria beleza. Possivelmente porque durante a puberdade era o que as outras garotas consideravam «gorda», embora nunca lhe tinha importado. É obvio, os homens lhe diziam que era preciosa, mas Lã não confiava nesses galanteios. Tinha uns profundos olhos castanhos, nariz reta, maçãs do rosto altos e uns lábios carnudos, todos os ingredientes da beleza, mas Lã nunca se considerou uma mulher bonita. Sabia que era atrativa, mas se Arash tinha a beleza de sua mãe como referência...

ficou de pé no meio do banho, examinando seu corpo nu frente a um dos espelhos. Tinha perdido muito peso desde que chegou ao Parvan e se cortou o cabelo. Era mais cômodo, mas lhe seguia parecendo estranho porque sempre o tinha levado comprido.

Tinha emagrecido tanto que inclusive seus peitos pareciam mais pequenos e se perguntava se Arash seguiria encontrando seu corpo atrativo. Encontraria prazer, como o tinha encontrado uma vez, acariciando suas coxas, seus peitos...? A lembrança das mãos do homem fez que lhe dobrassem os joelhos.

Acreditava ter esquecido. Mas havia tornado a recordar e se Arash voltava a tocá-la como o tinha feito a noite anterior... Lã fechou os olhos. Não poderia fazer nada. Se ele a acariciava, se a beijava...

Tomando um frasco de perfume, jogou umas gotas na água do cubo e se dispôs a banhar-se.

 

—Vejo que encontraste algo que te pôr —disse Arash, quando se sentavam para comer. Lã levava um kaftán comprido de lã cor violeta, bordado como era costume no país com pedraria. Era um objeto cômoda, cálida e muito feminina. E ela sabia que o violeta ia bem com a cor de sua pele. O que não sabia era que também sublinhava sua palidez, fazendo-a parecer de porcelana em contraste com a pele torrada do homem—. estiveste trabalhando muito —murmurou ele, servindo a sopa nos pratos. Arash também se trocou os jeans pelas calças tradicionais de seu povo e uma larga túnica escura de lã.

Parecia um guerreiro da montanha.

—Mas se solo tiver preparado a comida... —começou a dizer ela—. É você o que esteve movendo móveis.

—Refiro a estes últimos meses. Está muito magra —esclareceu ele—. Me alegro de que Alinor te tenha obrigado a descansar um pouco.

Lã começou a comer sua sopa, surpreendida. O que Arash acabava de dizer era o mais parecido a um completo que lhe havia dito nunca.

—Acreditei que você não gostava que interferisse nos assuntos de seu país.

—por que diz isso? —perguntou ele, surpreso—. O povo do Parvan te está imensamente agradecido, Lã.

—Sim, mas você pensa que sou uma menina rica jogando às casitas —murmurou ela, sem olhá-lo.

—Eu não penso isso de ti.

Lã deixou de comer e o olhou aos olhos.

—Por isso não quer aceitar minha ajuda? —perguntou—. Por isso prefere deixar que sua formosa casa se afunde antes que aceitar o dinheiro de meu pai?

Os olhos escuros do homem se cravaram nela, mas Lã não podia ler sua expressão. Uns segundos depois, Arash apartou o olhar.

—Não posso fazê-lo.

Seu tom era distante, como se chegasse de longe, e Lã sabia por experiência que ele tinha fechado a porta de novo.

—por que não pode? —insistiu, apesar de tudo.

—Porque não. Mas isso não significa que esteja cego a tudo o que está fazendo por meu povo.

—E, entretanto, não pode aceitar...

—Não quero seguir falando disto, Lã.

—Não vejo por que. Estamos sozinhos. A quem teme ofender?

Lã pensava que se zangou porque voltou a concentrar-se em sua sopa. Arash sempre parecia capaz de retirar-se a seu próprio mundo quando convinha.

Comeram em silêncio, enquanto Lã lhe dava voltas à cabeça. Tivesse-lhe gostado de lhe dizer que o amava, que se tinha dado conta de que não podia viver sem ele. Lhe teria gostado de lhe perguntar se poderia amá-la alguma vez.

Mas já o tinha feito uma vez.

Suas palavras não tinham sido tão claras, mas sim o suficiente. Louca de dor ante seu desaparecimento, tinha- escrito ao Parvan enquanto as tropas do país vizinho se aproximavam da fronteira e o resto do mundo fechava os olhos.

Mas então Alinor lhe havia dito quem era. Não Arash Khosravi, um guarda-costas, a não ser Arash ao Khosravi, o filho de um dos xeques do Parvan, amigo íntimo do príncipe Kavi.

E então Lã tinha entendido ou tinha acreditado entender; essa era a explicação para tudo o que tinha passado. por que lhe havia dito que não podia lhe oferecer nada, por que tinha desaparecido sem dizer uma palavra.

Porque solo podia casar-se com a mulher que seu pai tivesse eleito para ele e seu pai não teria aprovado a uma mulher ocidental...

Na carta lhe dizia que o sentiria falta de, que esperava que seu país encontrasse logo a paz, que desejava voltar a vê-lo... e depois tinha escrito com tristeza que tivesse desejado que fora um homem singelo, sem título, porque desse modo, possivelmente, poderiam ter significado algo o um para o outro...

Era o mais parecido a uma declaração de amor, sem sê-lo. Em seus sonhos, Arash lhe escreveria, diria-lhe a verdade de sua posição, diria-lhe por que seu amor era impossível. E Lã lhe diria o que ele não sabia sobre ela então. Que seu pai era Jonathan Holding. Possivelmente o xeque não objetaria a aquele matrimônio. depois de tudo, o herdeiro não era Arash a não ser seu filho maior e ela era a filha de um multimilionário americano.

Isso tinha esperado.

Mas Arash simplesmente lhe tinha enviado uma nota, lhe agradecendo sua preocupação. Não dizia nada que pudesse lhe dar esperanças. Nenhuma referência de noite de amor que tinham compartilhado, nenhuma referência a que os dois tinham gritado de prazer, chorado de prazer...

Nada.

Para então, os Kaljuk tinham invadido o país e os aeroportos estavam fechados. Lã não voltou a escrever.

Tinha aceito o fato de que ele não a amava, faziam o amor porque ela tinha aceito deitar-se com ele sem outra condição e porque Arash era um homem.

Quão único devia lamentar era sua própria cegueira.

E não pensava voltar a passar pela humilhação de oferecer-se de novo a um homem que não a amava

 

Quando terminaram de comer, Lã encheu uma panela de água e jogou umas colheradas de café. Arash estava comendo uma das maçãs e quando a mordeu com seus fortes dentes brancos, o perfume da fruta encheu a habitação.

—São de sua horta? —perguntou Lã.

—Isso espero —respondeu ele—. Se não o forem, significa que as árvores se secaram.

Lã mordeu sua maçã, sentindo que o jogo enchia sua boca. O sabor era forte, mais rico que o das maçãs que se comiam na Europa e, sob a pele um pouco enrugada, a carne era firme e branca.

Apesar de tudo, sentia-se em paz com o Arash. Não poderia zangar-se com ele durante muito tempo, passasse o que acontecesse.

—Aram é um de seus ancestros? —perguntou.

Ele não respondeu imediatamente e em seus olhos pôde ver uma sombra que lhe rompeu o coração.

—Assim é —respondeu por fim—. Há muitas lendas sobre ele. Era um guerreiro, um homem com poderes místicos.

—E o escudo é realmente tão antigo?

—Se. A pedra, o rubi que há no escudo, era o rubi do Aram.

Lã sorriu, mordendo sua maçã.

—O rubi do Aram? —repetiu, reclinando-se nos almofadões.

—Assim se chama. Nele há signos esculpidos e se diz que tem poderes. Houve um tempo no que aqui havia minas de pedras preciosas e esse rubi é o maior e mais formoso que se encontrou nunca. O próprio Aram o esculpiu porque ele era o único que sabia como fazê-lo. A pedra passou de geração em geração até que, quinhentos anos atrás, um de meus ancestros fez que o soldassem a um escudo de ouro— seguiu explicando ele—. A gente do vale acredita que esse escudo foi o responsável por sua boa fortuna durante gerações. E também acreditam que, enquanto o que conserve o escudo, estará capacitado para guiá-los, que nada mau pode ocorrer— acrescentou. depois disso ficou em silêncio e Lã se deu conta de que estava contemplando um futuro incerto—. O escudo só pode trazer fortuna a seus proprietários, os xeques Khosravi. Não pode ser vendido e se alguém o roubar sozinho conseguirá atrair todo tipo de males sobre sua cabeça.

—Uma maldição?

—Não exatamente —sorriu ele—. Se um homem colocar os dedos em uma tomada não é a eletricidade o que o mata, a não ser sua própria ignorância.

Lã sentiu um calafrio de fascinação.

A voz do Arash era a voz de um homem contando um segredo oculto.

—Mas, Arash... você crie nessas coisas?

Ele a olhou, pensativo.

—Lã, há uma presa hidrelétrica neste vale, construída com o dinheiro de seu pai. por que?

Lã ficou atônita ante a mudança de conversação.

—Pois... porque a eletricidade é fundamental para a gente. O que quer dizer, Arash?

—Você crie no poder da energia elétrica?

—Não tenho que acreditar nela. Sei que existe.

Arash sorriu.

—O escudo do Aram esteve durante séculos em um lugar de honra durante as reuniões dos majlis. Com o tempo, começaram a chamá-lo Dar-i Ehoshbakti, «a porta da boa fortuna», porque acreditavam que era através desse escudo como a boa fortuna tinha entrado no vale —seguiu explicando ele.

Lã tivesse querido perguntar quem tinha roubado o escudo, mas sabia que não para falta. Os narradores de histórias do Parvan se tomavam seu tempo para terminar um relato e Arash era tão bom narrador como qualquer dos habitantes daquele longínquo país.

—O poder da pedra e o escudo eram conhecidos por muitas pessoas e vinha gente de outros países para admirá-lo e estudá-lo, universitários, curiosos... Ao princípio, não lhes permitia visitá-lo. Solo na época de meu bisavô se permitiu a um ocidental ver o escudo. E um dia em 1917, um criado tremente se aproximou de meu bisavô para lhe dar a má notícia: alguém tinha roubado o rubi do Aram. O escudo seguia pendurado na parede, mas alguém tinha arrancado a pedra.

—Quem o tinha roubado? —perguntou Lã, intrigada.

—No dia anterior, três homens tinham visitado o Dar-i Ehoshbakti: Um francês e dois ingleses. Mas nenhum dos criados sabia qual deles tinha sido o ladrão.

—E o que fez seu bisavô? —perguntou Lã, como uma menina a que estão contando uma preciosa história antes de ir-se dormir.

Arash sorriu enquanto lhe punha açúcar a seu café.

—Nada. encolheu-se de ombros, dizendo que os ocidentais eram uns loucos por jogar com algo que tinha poderes desconhecidos para eles.

Lã ficou perplexa.

—Isso é tudo o que fez? Nem sequer tentou recuperá-lo?

—Chamou a todos os homens do vale para lhes mostrar o escudo espoliado e lhes recordou que a pedra traria todo tipo de males sobre quem a tivesse roubado. Assegurou-lhes que o rubi voltaria logo para seu poder porque o ladrão o devolveria voluntariamente —seguiu dizendo Arash—. E isso exatamente é o que ocorreu.

—De verdade?

—Duas semanas depois, um criado trouxe a pedra com uma carta em que alguém suplicava a meu bisavô que o perdoasse.

—Isso é tudo o que dizia a carta?

—E que sobre ele e sua família tinham cansado as maiores desgraça depois de ter roubado o rubi e esperava que, devolvendo-o, a maldição se dissipasse.

—Arash, todo isso é verdade?

Ele sorriu com uma ternura que derreteu seu coração.

—Meu bisavô conservou a carta e depois meu avô e meu pai. Suponho que estará por aqui, em alguma parte. Vi-a uma vez de pequeno; estava escrito em um parvaní detestável, obviamente o de um estrangeiro.

—E sabe o que ocorreu em realidade?

—Não. Solo sei que o rubi foi devolvido por um homem que estava aterrorizado.

Lã recordou então que alguém havia tornado a roubar o escudo.

—E crie que esta vez voltará a ocorrer o mesmo?

depois de fazer a pergunta, desejou não havê-la feito porque a luz desapareceu dos olhos do Arash.

—Não sei como desapareceu. Possivelmente os majlis o esconderam em alguma parte durante a guerra, possivelmente foi destruído por uma bomba. Possivelmente foi roubado e o ladrão morreu sem dizer a ninguém onde está —respondeu Arash—. Eu não falei com meu pai e meu irmão antes de que morreram porque lutávamos em posições diferentes. E houve muitos estranhos no vale durante a guerra.

Lã não sabia o que dizer.

—É um escudo muito valioso para ti, verdade?

—É um dos rubis maiores do mundo; certamente uma das jóias mais valiosas para os colecionadores. Mas para mim é muito mais que isso.

—Sinto-o muito —murmurou ela. Lã sabia por seu pai como trabalhavam os colecionadores de jóias e antiguidades. Se tinha cansado em mãos de algum, jamais poderiam recuperá-lo. E a situação seria muito pior se tinha sido um vulgar ladrão o que o tinha levado porque cortaria a pedra em pequenas partes e o valor histórico se teria perdido para sempre—. Seu povo sabe que o escudo foi roubado?

—Só sabemos você e eu. Os criados acreditam que meu pai o levou a um lugar seguro durante a guerra. Quando souberem a verdade... —Arash sacudiu a cabeça, pensativo e Lã viu a desolação em seus olhos—. Como vou dizer lhe a minha gente que, além de todos os problemas causados pela guerra, a fonte de sua boa fortuna, seu guia se perdeu para sempre?

 

—Arash... —murmurou Lã, pondo sua mão sobre o braço do homem—. Tão importante é para eles?

Ele tomou sua mão e a apartou, como se não pudesse suportar que o tocasse. Mas não a soltou. Em lugar de fazê-lo, deu-lhe a volta e ficou olhando a palma, como se ali fora a encontrar as respostas que procurava.

—Inclusive agora dizem que o vale do Aram se salvou da maior parte dos bombardeios pelo amparo do escudo.

—E tem que lhes dizer a verdade?

Arash acariciava sua mão em um gesto de intimidade que a surpreendia. Era como se houvesse tornado para ela para procurar consolo. Como se, naquele momento, ele tivesse esquecido as circunstâncias de sua relação e procurasse a verdade do que havia entre eles.

O coração de Lã deu um tombo.

—As reuniões dos majlis têm que ser retomadas assim que os anciões voltem para vale. Em seguida verão que o escudo desapareceu.

—Suponho que nunca mentiria a sua gente sobre o desaparecimento do escudo.

Ele levantou os olhos e a olhou como se queria ler seus pensamentos.

—O que quer dizer?

—Se atribuírem a boa fortuna do vale ao escudo e você lhes diz que tinha desaparecido antes de que começassem os bombardeios, não se dariam conta de que sua sorte não tem nada que ver com o rubi do Aram?

A rica cor violeta de seus olhos era algo no que Lã tivesse querido afogar-se e pensou bobamente que algum dia teria uma vidraça da cor dos olhos do Arash.

—Começar minha vida como líder com uma mentira —murmurou ele—. Não seria essa a primeira evidência de que Arash ao Khosravi não sabe guiar a seu povo? São homens e mulheres, Lã, não são meninos. Eu sou o líder de meu povo porque eles escolheram a minha família, não porque tenham que me aceitar à força. Uma mentira violaria o contrato que meus ancestros têm com o povo do Aram.

—Sinto-o —murmurou Lã—. Tem razão.

—Não tem por que te desculpar. Deste-me um conselho —sorriu ele—. O conselho de uma mulher ocidental. Mas às vezes um conselho que não se segue é o caminho para encontrar uma resposta.

—Se quiser minha opinião, a tribo do Aram está a salvo contigo com ou sem o escudo de seus ancestros —disse ela. Arash sorriu, mas em seus olhos Lã podia ver uma profunda tristeza e, nesse momento, lhe ocorreu algo—. Arash, sabe que meu pai é proprietário de um museu. O que ocorreria se ele faz correr a voz de que quer comprar o escudo do Aram e que não fará perguntas? Poderia oferecer uma grande soma e o ladrão apareceria imediatamente.

—E então o que, Lã?— perguntou ele.

—Pois... que você poderia reclamar o escudo como propriedade roubada.

—E seu pai se arriscaria a fazer isso? Essa pessoa pode ser vingativa, pode pertencer a uma banda de ladrões de jóias. A história do rubi do Aram é conhecida por muita gente e te asseguro que as bandas de ladrões de jóias não se andam com brincadeiras.

Arash tinha razão. Além disso, sua conexão com o Parvan era conhecida por todo mundo e uma banda organizada de ladrões de jóias saberia imediatamente que era um truque.

—Também poderia comprar o ao ladrão —murmurou.

—Sugere que seu pai compraria o escudo e depois me devolveria isso?

—por que não? —perguntou ela, sem olhá-lo. Sabia qual seria sua resposta.

—Lã, o escudo do Aram deve valer milhões de dólares. por que ia seu pai A...?

—O ladrão não pode pedir uma soma tão elevada. Tem que aceitar o dinheiro que lhe ofereçam e desaparecer. Possivelmente não pedirá mais de um milhão Y...

Arash se pôs-se a rir.

—Um milhão? Que bem. Então, venderei as ovelhas que ficam e o devolverei.

—um milhão de dólares não é nada para meu pai, Arash.

—Sei! —exclamou então Arash—. É tão rico que pode comprar a um xeque arruinado! É isso o que quer dizer? —a fúria do homem era tal que Lã se assustou—. O que posso lhe oferecer eu em troca, me casar com sua filha para que seus filhos herdem os títulos de minha família? O que outra coisa poderia tentá-lo?

—te cale, Arash! —exclamou ela.

—E você, Lã, você que logo que pode suportar minha presença, aceitaria esse intercâmbio? Seu filho seria um xeque. É isso suficiente como para que te sacrifique?

—Como te atreve!— exclamou ela, furiosa—. Como te atreve a sugerir que meu pai te pediria algo em troca quando tudo o que tem feito até agora por seu povo o tem feito sozinho por generosidade! Como pode dizer algo assim de meu pai ou de mim? Se queria me casar com alguém por um maldito título, certamente não escolheria a ti! Está obcecado com que eu quero comprar !O que te passa? Quão único tem que fazer se alguém te faz uma oferta quer dizer que não! —seguiu gritando. Toda a raiva que tinha guardado contra ele parecia estalar naquele momento—. Ou é disso do que tem medo, Arash? Tem medo de ti mesmo? Possivelmente tem medo de não poder dizer que não! Pode que se sinta tentado de te casar com qualquer, sempre que puderem te devolver seu precioso escudo!

—Sinto muito, Lã —começou ele a desculpar-se, mas Lã se levantou de repente.

—É por isso pelo que rechaçaste minhas ofertas de ajuda para reconstruir sua casa, é por isso pelo que sofre a dor de sua perna dia a dia e te nega a aceitar meu dinheiro para pagar uma singela operação? —perguntou, olhando-o com olhos relampagueantes—. Não tenha medo de mim, Arash. Eu não penso te fazer nenhuma oferta. Se quero comprar a um homem, há centenas de títulos nobiliários no mundo. por que ia querer comprar a um xeque empobrecido em um país do que ninguém ouviu falar? Poderia comprar um lorde inglês, um duque espanhol... poderia comprar um príncipe, se queria fazê-lo!

Arash se levantou penosamente.

—Já te pedi desculpas, Lã. Não siga me insultando.

—OH, não, claro que não —se burlou ela—. Você pode sugerir que meu pai quer comprar um título, mas não se pode tocar à família Khosravi...

—te cale! —ordenou-lhe ele, furioso, tomando-a pelas bonecas.

—me solte, Arash! —gritou ela, tentando empurrá-lo com a outra mão.

—Estate quieta!— exclamou Arash, apertando-a contra seu peito. Durante uns segundos ficaram em silêncio, ofegando, pegos o um ao outro—. Já Allah! —exclamou. Depois, sem saber como, como se se sentisse atraído por um ímã, colocou os braços dela ao redor de seu pescoço e a apertou contra si com todas suas forças. Por uns segundos, olharam-se aos olhos, como se cada um estivesse lendo na alma do outro—. Lhe adverti isso e você não quiseste me escutar.

Então pôs os lábios sobre a boca dela, em um beijo poderoso e exigente e Lã sentiu que se derretia sobre o peito do homem. Arash sujeitava sua cabeça e a atormentava com aquele beijo, mordendo seus lábios, enredando sua língua com a sua, queimando sua boca até que começou a gemer. Lã sussurrou seu nome, acendendo ainda mais o desejo do Arash.

A boca do homem era uma droga para ela. quanto mais lhe dava ele, mais necessitava. Quando ele enredou os dedos em seu cabelo para beijá-la no pescoço, Lã gemeu de prazer. Com uma mão em seu cabelo e outra em suas costas, Arash apertou o corpo feminino contra o seu, inclinando-a para trás até que Lã sentiu sua dura ereção e o assalto de sua língua de uma vez e o mundo se obscureceu.

Arash a tombou, colocando almofadões debaixo de seus quadris para que não tivesse dúvidas de suas intenções. Sujeitava-a com tal força, cão tal possessiva determinação que Lã se sentia de uma vez a salvo e em perigo.

—Lã —murmurou, inclinando-se para beijar suas pestanas, suas bochechas, seu pescoço. Arash começou a desabotoar os botões do kaftán, um a um, com mão firme, embora Lã podia ver a febre em seus olhos. debaixo do tecido, seus suaves peitos estavam apenas talheres por uma magra seda e ele apertou os lábios contra o tecido como se queria devorá-la.

Lã tinha perdido o sentido da orientação e do tempo. O que ocorria sozinho era medido por seu coração.

Só uma vez tinha experiente aquela paixão, solo uma vez seu coração se aberto dessa forma ante outro ser.

O ar frio roçava sua pele quando ele apartou o kaftán, mas isso aumentava seu desejo e se colocou sobre ele, sem tirar o kaftan, seus peitos sobre o torso do homem, sonriendo enquanto ele acariciava seu cabelo.

—Entrega-te para mim sem condições? —perguntou Arash.

—Que condições quer que ponha?

—Nenhuma —respondeu Arash, com voz rouca.

Ela não disse nada mais. A resposta estava em seus olhos.

Arash tomou sua cabeça e a atraiu para si para beijá-la na boca.

Quanto tinha desejado aquilo Lã durante a larga guerra, sem saber o que tinha sido dele, e depois, quando ele parecia olhá-la como a uma desconhecida... quanto tinha desejado sentir a boca possessiva do homem devorando a sua.

—Arash. Arash... —murmurou. Os olhos violeta escuro se obscureceram ainda mais e voltou a beijá-la grosseiramente, como se o sabor de seus lábios o drogasse. Lã desabotoou a túnica do homem e posou os lábios sobre o torso masculino enquanto ele se tirava as calças que chamavam shalwar... Então abriu os lábios e fechou um segundo os olhos ante a visão de sua potente virilidade... e a brutal cicatriz que marcava sua perna do joelho até a virilha—. Que formoso é, Arash— murmurou.

Arash levantou sensualmente sua túnica e a colocou sobre ele, abrindo suas coxas e empurrando-a para baixo, para sua selvagem e se desesperada carne ardente a ponto de estalar.

 

Lã tivesse desejado chorar de alegria. Arash tinha colocado uma manta sobre eles e a abraçava como nunca ninguém a tinha abraçado. Ela acariciava seu peito indolentemente, contando os batimentos do coração de seu coração. Tudo naquele momento era uma mensagem de amor.

—Arash, quer-me? —perguntou então. Ele ficou rígido.

—Lã, não faça essas perguntas.

O coração dela, totalmente aberto para o homem, começou a sangrar.

—por que não?

—Não tenho nada que te oferecer e você sabe —disse Arash, como havia dito aquela outra noite—. E você não quer nada de mim.

—Está muito seguro disso.

—É obvio, queria prazer e o aceitaste— murmurou ele—. Que isso seja suficiente para os dois. Não pergunte sobre o que sente meu coração.

Lã se incorporou um pouco para olhá-lo aos olhos. Estavam cheios de angústia.

—Tenho direito ou seja uma coisa.

—O que?

—Quando fazíamos o amor... pensava em mim ou nela?

—Nela?

—Na mulher a que amas. Estava fazendo o amor a ela ou a mim?

Arash suspirou profundamente.

—A ti, Lã. Tenho-te feito o amor a ti— respondeu, olhando-a aos olhos.

—Sinto-o— murmurou Lã, sem saber por que.

—Eu também o sinto. Um homem não pode ser débil e seguir chamando-se homem.

—Sente-se atraído para mim contra sua vontade? —pergunto Lã, levantando-se para que ele não visse seus olhos cheios de lágrimas.

—Você sabe que é assim. por que me pergunta?

Não seria o primeiro homem que se sentia atraído para uma mulher de uma forma puramente sexual, enquanto guardava seu amor para outra. A fantasia virgem-prostituta. E, nesse caso, ela era a prostituta.

Uma risada amarga escapou de sua garganta. Era uma prostituta para o único homem ao que tinha amado em toda sua vida.

—Pergunto-te porque quero deixar as coisas claras. Não quero que me culpe, Arash. Se me fizer o amor, é por sua própria eleição, não porque eu te tenha seduzido.

—Não culpo a ti. Sei que é minha culpa.

Tremendo, Lã voltou a ficar o kaftán violeta, quase da mesma cor que os olhos do homem.

—O que quer que façamos? —suspirou.

—Não te entendo.

—Estamos confinados nesta habitação e deixamos que ocorresse algo que você não desejava que ocorresse. O que fazemos agora? —perguntou Lã—. vais tentar ser leal à mulher que amas ou vamos seguir fazendo o amor até que possamos partir daqui?

—Está-me voltando louco, Lã! —exclamou Arash com voz rouca—. O que é o que quer? Que façamos o amor uma e outra vez e depois nos separemos sem olhar atrás?

Lã sabia que seria um engano. Sabia que se seguia fazendo o amor com o Arash nunca poderia esquecê-lo. Fazia o amor com ele uma só vez em Londres anos atrás e, após, não tinha podido suportar que outro homem a tocasse. Possivelmente nunca poderia suportá-lo.

Tinha tentado desesperadamente apagar a lembrança do Arash, tinha deixado que alguns homens a beijassem, mas solo para apartá-los depois, murmurando uma desculpa. Nenhum beijo era como o beijo do Arash, nenhuma mão como a forte emano do xeque. Nenhum fôlego como o seu.

Se voltavam a fazer o amor, estaria marcada para sempre. Como poderia viver então com sua lembrança martirizando-a? Para ele séria solo a lembrança de algo passageiro, enquanto para ela séria uma contínua tortura.

Mas Lã o olhou e se deu conta de que não podia lhe dar as costas à única felicidade que desejava, embora não fossem mais que migalhas.

—por que não?

depois de havê-lo dito, sentiu medo. Mas antes de que pudesse retirar a frase, ele atirou dela e a tombou sobre os almofadões para beijá-la de novo como nenhum homem a tinha beijado jamais, como nenhum homem voltaria a beijá-la.

O corpo do homem se endureceu ante o contato das suaves coxas femininas, tão duro e faminto como se nunca a houvesse poseído. Arash era o amante com o que sempre tinha sonhado. Era tudo o que desejava; apaixonado, tenro, selvagem, forte, formoso, doce...

 

Durante dois dias e duas noites fizeram o amor, com tal intensidade e devoção que Lã imaginou que o mundo se terminou. Como se algo dentro deles lhes dissesse que a terra ia explorar, como se tivessem que viver toda sua paixão naquelas quarenta e oito horas, como se seus frágeis corpos humanos tivessem que lutar fazendo o amor contra as presas da extinção.

O desejo era constante. Ele tomava sua mão quando ela comia uma maçã e a maçã caía ao chão enquanto Lã saboreava a doçura de sua boca em lugar da fruta. Ocorria em qualquer momento, em todas partes. Seus olhos não podiam encontrar-se sem que o desejo se acendesse neles.

Ele se tinha convertido na figura encarnada do prazer. Tudo o que fazia, tudo o que dizia, tinha o poder de comovê-la. Era como um ímã e ela, uma peça de metal. Se Arash saía da habitação, ela tinha que fazer um esforço para não segui-lo.

O mais ligeiro roce, um olhar dos olhos violeta, um movimento de sua mão a derretiam, faziam-na desejar seus beijos, seu corpo; a selvagem explosão de delícia que criavam seus corpos quando estavam juntos...

Era doce e doloroso em sua intensidade. E cruel também. Uma voz dentro de seu coração lhe dizia que Arash tinha que amá-la, que era impossível que sentisse o que sentia a menos que...

Era como estar bêbada todo o tempo, como voar com suas próprias asas, como dançar sozinho para ele, selvagem, abandonada, mais livre do que nunca tivesse acreditado ser... sabendo que a música cessaria de repente, brutalmente.

—A tormenta passou. Vêem— ordenou ele, de pé. Lã se aproximou da janela, lhe obedecendo sem palavras. Não tinha tempo para questionar-se esse tipo de coisas, solo tinha tempo para sentir.

Arash abriu a porta. Tinha deixado de nevar e a lua brilhava no céu sobre suas cabeças. Era uma paisagem mágica, claro, silencioso. Nem sequer podiam escutar o ruído da garganta. Os dois estavam nus.

Arash se tombou sobre a neve e a tombou sobre ele.

—Arash!— exclamou ela. Apartando suas coxas, a mão do homem encontrou seu centro com facilidade e Lã se derreteu instantaneamente. Arash se introduziu nela, apertando seus quadris para baixo com força.

Com os joelhos enterrados na neve, Lã começou a mover-se acima e abaixo, ofegando, enquanto o homem, duro e exigente, seguia empurrando... como se não só queria possuir seu corpo, como se queria possui-la inteira, para sempre.

Então, quando o ritmo os levava a explosão, ele tomou um punhado de neve e o esfregou onde seus corpos se encontravam. A neve geada contra sua carne ardente foi como um curto-circuito. O frio e o calor fizeram que Lã gritasse de prazer, gemendo como nunca o tinha feito.

Tremendo com um prazer inexplicável, jogou a cabeça para trás e gritou ao céu, assombrada, como um pássaro que acabasse de descobrir o amanhecer.

—Arash! —gritou, enquanto o calor insuportável do homem a queimava por dentro. Arash a atraiu para sua boca e beijou aquela palavra em seus lábios.

 

Sob um céu espaçoso, duas figuras se moviam pelo vale coberto de neve. O sol sobre as montanhas esquentava a paisagem e as ovelhas e as cabras saltavam alegremente, como se tivesse terminado o inverno.

Tinham deixado dinheiro e uma nota sobre a mesa. Era costume deixar dinheiro para agradecer a hospitalidade de alguém e, embora Arash não era um hóspede em sua casa, tinha-o deixado para que Sulayman e Suhail comprassem provisões.

Só uma vez, quando chegavam ao pico mais alto, Lã se permitiu voltar o olhar para o vale. A paz que transmitia enchia seu coração e respirou profundamente para gravar aquela imagem em sua mente. Tinha passado uns dias de prazer delirante naquele vale, na casa do homem que amava, em sua cama, em seus braços... e isso teria que lhe durar para sempre.

—Era assim o vale antes da guerra?

—Suponho que não era muito diferente —respondeu ele.

Lã assinalou umas ruínas escuras, quão únicas podia ver naquele momento em contraste com a neve.

—O que é isso?

—Era um horta de damascos. Foi destroçado durante um bombardeio.

—De quem era?

—De minha família.

—Agora é teu então.

—Será meu enquanto viva. Depois será de meus filhos.

—Arash... eu— começou a dizer Lã—. Deixaria que o replantasse? Poderíamos trazer as sementes quando se tiver derretido a neve. Não suporto ver que as árvores morrem Y...

—Tanto desfrutaste, Lã? Que grande completo para mim! Pensa o que poderia lhe dizer a meus filhos. Este horta ganhei na cama com uma rica americana! Isso adorariam...

—te cale! —exclamou ela—. Que direito tem a dizer isso?

—Nenhum —respondeu ele então—. Não tenho nenhum direito. me perdoe.

—por que me fala assim?— perguntou Lã, com a voz rota—. por que quer sujar o que houve entre nós?

—Tenho que sujá-lo... por mim, Lã. Sou um homem dividido— disse ele, com os olhos brilhantes—. E você sabe. Este é o caminho para a loucura —murmurou, dando-a volta—. Vamos.

As torres e cúpulas de um palácio como o Das Mil e uma noites apareceram frente a eles. Estavam no emirado do Barakat.

—Esse é o palácio?

Tinham cruzado a fronteira, passando pelo túnel que os engenheiros de seu pai tinham construído e que conectava Parvan com o Barakat através da montanha Koh-i Noor.

Aquela noite tinham dormido em um povo, onde o xeque lhes tinha devotado um banquete e, pela manhã, tinham-nos escoltado pela estrada com guardas de honra montadas em quatro jipes. Uma hora depois, disparando seus fuzis, suas escoltas se despediram.

—Suponho que antes faziam isso a cavalo —disse Lã.

—Assim é. É um antigo costume escoltar aos convidados através de território inimigo. Embora aqui não é necessário.

—Possivelmente era um xeque à velho uso —brincou ela.

—Todos somos xeques à velho uso, Lã —disse ele. Inclusive uma frase tão singela como essa podia derretê-la.

Lã sabia que o velho código da honra dos parvaníes, junto com a hospitalidade e a generosidade, incluía lhe dar agradar sexual à esposa—. Lã, tudo terminou. Deixamo-lo atrás no vale —acrescentou ele depois, como se tivesse lido seus pensamentos.

—Sei— murmurou Lã.

 

O palácio brilhava sob o sol como uma miragem, como se flutuasse no ar, como se ela mesma o tivesse conjurado em seus sonhos.

—O palácio do Omar —disse Arash—. Te alegra de ter chegado por fim?

—Certamente. Estou desejando me dar uma ducha— respondeu Lã. Embora não era certo. Não se alegrava de ter chegado absolutamente porque isso representava o final.

Com as janelas do jipe abertas, a areia do deserto entrava com cada golpe de vento. Lã levava óculos de sol para proteger seus olhos e um lenço na cabeça para que seu cabelo não se enchesse de areia.

Arash assentiu, passando-a mão pela frente.

—Uma ducha, sim —murmurou.

De repente, viram uma nuvem de fumaça na distância e escutaram disparos. Frente a eles, na estrada, uma dúzia de jipes.

—meu deus! —exclamou Lã—. Os quais são?

—São homens do Omar, não se preocupe.

Lã ainda não se acostumou a tradicional bem-vinda árabe. A hospitalidade, como a generosidade, eram proverbiais também no emirado do Barakat.

—Que susto! Acreditei que foram tomar nos como reféns!

Os jipes rodearam a caminhonete e os homens começaram a disparar seus fuzis. Uns minutos mais tarde, escoltavam-nos até o palácio do príncipe Omar.

A princesa Jana que, como Alinor, tinha sido seu amiga na universidade antes de casar-se com o príncipe Omar, acompanhou-a à magnífica suíte dê habitações que ocuparia durante sua estadia no palácio e em que as criadas estavam colocando sua bolsa de viagem.

—Esta é Salimah, que fala nosso idioma. Ela cuidará de ti. Fátima se encarregará do banho —disse Jana.

Depois a levou a um pátio de pedra rodeado por doze colunas de mármore no que havia uma bebedouro transparente.

—É precioso —murmurou Lã.

Um criado lhes serve refrescos quando se sentaram a descansar sob uma das parras.

Lã, com os jeans sujos de areia, sentia-se como uma vagabunda ao lado da princesa, que vestia uma túnica e calças de seda brancos, mas o primeiro que precisava era beber algo frio.

—Alinor e eu estávamos aterrorizadas quando começou a tormenta —lhe estava dizendo Jana—. Graças a Deus chegaram ao vale! Mas Omar disse desde o começo que estava a salvo com o Arash. E também dizia que, em realidade, eu estava preocupada porque me sentia culpado.

—E por que se sentia culpado? —perguntou Lã.

—Bom... pois... ao fim e ao cabo, eu te havia convidado— disse a princesa.

—Sim, mas... —Lã decidiu não terminar a frase. Não tinha a cabeça para adivinhações naquele Isto momento é precioso, Jana, é mágico —sorriu, estirando-se perezosamente, enquanto bebia a deliciosa mescla de pêssego e lima—. Suponho que o palácio do Arash devia ser como este antes do bombardeio.

Jana tomou um sorvo do refresco, sem pressas.

—Está muito prejudicado? —perguntou. Lã descreveu o que tinha visto, os restos de colunas e pórticos, os escombros, os preciosos chãos de cerâmica destroçados e as duas ficaram em silêncio—. Suponho que agora que o viu encontrará recursos para restaurá-lo.

Lã olhou à princesa, sem incomodar-se em disfarçar sua dor.

—Ofereci- dinheiro ao Arash, mas se nega a aceitá-lo.

—De verdade? E nós que acreditávamos que... mas por que se nega?

—Não sei —respondeu Lã, com lágrimas nos olhos—. Nem sequer aceita que lhe ajude a plantar o horta de damascos ou que pague uma singela operação para que possa voltar a caminhar sem problemas. Não sei... É um homem impossível! Solo aceita dinheiro para restaurar as casas do vale, mas não a sua.

—Já vejo —murmurou Jana.

—Os Kaljuks destruíram os sistemas de irrigação, a presa, tudo... É obvio, as equipes antiminas se encarregaram de limpar o vale e enviamos sementes e dinheiro para restaurar as granjas e a fábrica de tapeçarias —seguiu Lã, soluçando—. Mas Arash se nega a aceitar um céntimo para reconstruir o formoso palácio de sua família...

—Lã, eu acredito que Arash está apaixonado por ti.

A frase cortou o ar como um látego.

—O que?

—O que outra explicação pode haver?

—Se me amasse, deixaria-me ajudá-lo!

—Se vivesse em Califórnia, é possível. Mas Arash é um homem das montanhas. É um Durrani e um Khosravi. Duas feras e orgulhosas tribos —explicou a princesa. Lã olhou a seu amiga, com uma expressão entre a esperança e a incredulidade—. Omar também é um Durrani, por isso sei. O fato de que Arash te ame faria impossível que aceitasse sua ajuda. Nas montanhas Koh-i Shir um homem é um homem e é ele quem cuida de sua mulher. Não ao reverso, Lã.

«Um homem não pode casar-se até que tenha algo que lhe oferecer a sua esposa».

—Mas Arash está apaixonado por outra mulher. Ele mesmo me disse isso.

—De quem?

Uma criada apareceu com um precioso lenço sobre uma bandeja e Lã o aceitou com um sorriso.

—Aqui não têm problemas com o serviço —tentou brincar, soando-a nariz—. Me disse faz isso um par de dias. Disse-me que não podia casar-se com ela porque não podia lhe pedir que perdesse sua juventude reconstruindo o palácio.

Jana sacudiu a cabeça tristemente.

—Então não sei o que dizer. Não estará mentindo para proteger-se?

—Do que?

—De ti. Se você não tivesse dinheiro e necessitasse ao Arash possivelmente teria uma oportunidade com ele, Lã.

—Em Londres pensei que... possivelmente seu pai não aceitaria que se casasse com uma ocidental. Pensei que era isso o que o retinha.

—O pai do Omar não teve nenhum problema comigo —sorriu Jana—. Bom, é a hora de seu banho. Aqui está Fátima para te ajudar —seguiu seu amiga ao ver a criada—. Shokran jazilan, Fatima —disse à mulher, que desapareceu imediatamente—. A maioria dos criados não falam inglês, mas não te fará falta —acrescentou, levantando-se—. Meu marido e eu temos que ir ao Barakat ao Barakat para assistir a um banquete esta noite e amanhã Omar tem várias conferências, assim que me temo que Arash e você estarão sozinhos aqui durante um par de dias.

—O que? —perguntou Lã, surpreendida.

—Sinto muito, mas não posso ficar, devo ir com meu marido. Pensávamos que chegariam faz dois dias e tínhamos este compromisso faz tempo que —explicou a princesa—. Lhes diria que viessem conosco, mas estou segura de que tanto Arash como você estarão esgotados. dei ordem de que lhes sirvam as comidas no pátio e há cavalos e carros a sua disposição. Arash conhece bem o palácio —sorriu Jana, inclinando-se para beijá-la-o sinto. eu adoraria ficar conversando toda a noite, mas não posso. O helicóptero virá a nos buscar em meia hora e ainda tenho que me vestir. Não se preocupe, estará muito cômoda aqui. Se necessitar algo, diga-lhe ao Arash.

 

Lã se manteve em silêncio enquanto Fátima esfregava suas costas com perfume. O roce das firmes mãos da mulher relaxava seus músculos, esgotados do caminho pela montanha e do apaixonado amor com o Arash.

Estava tentando não pensar. Tentando não usar as palavras da Jana para terminar o quebra-cabeças que era o comportamento do Arash. Tentando não ter esperanças...

Ele amava a uma mulher, mas nunca o havia dito. Recordava que Arash havia dito que a mulher não sabia. Seria possível que...?

Lã fechou os olhos, tentando separar de seu coração uma louca esperança.

Trinta minutos mais tarde, fresca, poda e relaxada, entrava no dormitório.

—Que preciosidade!

Salimah ficou tinta ante o completo.

—Sua Alteza me pediu que a deixe usar seus vestidos, Khanum Lã, e escolhi alguns esperando que sejam de seu gosto.

A criada tinha colocado sobre a cama quatro delicados vestidos e Lã os admirou um a um, mas sabia desde o começo qual deles ficaria aquela noite. Salimah sorriu com aprovação quando Lã tomou.

—É precioso porque é muito revelador— lhe confiou, acariciando as calças de seda negra quase transparente, bordados de pérolas no tornozelo—. É obvio, não pode levar roupa interior. Isso arruinaria o efeito.

De modo que Lã ficou as calças e depois a túnica sem mangas, do mesmo tecido. A jovem Salimah tinha razão. Ao contato com a pele, o tecido se transformava em algo diáfano, como uma telaraña; era absolutamente sedutor.

A própria Salimah a maquiou e Lã se deixou fazer, enfeitiçada pelo exotismo do palácio, do traje, da noite... Salimah lhe pintou os olhos com kool antes de lhe pôr um pó dourado na frente e os maçãs do rosto.

depois de lhe pôr as sandálias, a criada lhe colocou um bracelete de folhas douradas na frente e outra no braço para completar o traje. Lã se olhou, incrédula, ao espelho.

O jogaria todo aquela noite, mas e se Arash pensava que estava louca?

E por que não ia fazer o?, pensava. Estava louca. Louca de amor.

 

A mesa estava posta na terraço. Lã se movia sobre o chão de pedra, sentindo que caminhava pelo mesmo caminho que tinham caminhado gerações de mulheres, todas com o mesmo objetivo.

O perfume das flores lhe chegava através do ar do deserto e uma estrela solitária brilhava no céu.

«Vênus, deusa do amor, brilha para mim esta noite», pensava.

Arash estava ali, de pé ao lado da fonte, observando-a enquanto se aproximava.

Havia dito que tudo tinha terminado quando saíram do vale, mas aquela noite soube que não tudo tinha terminado. Não tinha podido resisti-la em um vale coberto de neve e não poderia resisti-la aquela noite cálida, quando estava vestida como as concubinas de seus ancestros, quando o aroma de milhares de flores o embriagava e o perfume feminino acendia seu sangue.

Como podia ser tão idiota, como podia esquecer sua determinação?, perguntava-se. Pagaria o preço de sua cegueira durante o resto de sua vida; a lembrança de Lã o atormentaria para sempre.

—Lã— murmurou. Aquele nome era tão doce para ele como para o resto dos parvaníes. Ela tinha conseguido mitigar sua angústia, tinha suavizado a miséria de sua vida, mas, a que preço? A dor de amá-la, a dor de não poder esquecê-la jamais. Lã se tinha posto um lenço sobre a cabeça, quase cobrindo sua cara, de modo que Arash só podia ver o brilho de seus olhos.

Aquela seria a última noite, dizia-se. Não podia haver futuro para eles; mas se permitiria aquela última noite.

—Arash... —murmurou ela.

Um criado apareceu então para acender umas velas ao redor da terraço e os dois se sentaram à mesa.

Os diminutos medalhões sobre a frente de Lã tilintavam com cada movimento. Arash tinha sonhado com ela desse modo tantas vezes...

—Está preciosa —disse brandamente, observando como a luz das velas iluminava sua pálida pele, seus braços, seu peito sob o suave tecido. Era como um desenho dentro de uma taça de vinho, revelado e escondido de uma vez e, como o vinho, embriagadora.

—Obrigado.

Ele parecia um príncipe de Las Mil e uma noites, com calças de seda cor nata e uma túnica bordada, aberta sobre seu torso nu. Estava descalço, seus fortes pés acariciando o chão de pedra como se estivessem conectados com a terra. Com a mesma conexão que ela tinha sentido no centro de seu ser quando o fazia o amor...

Lã baixou as pálpebras de forma sedutora e a carne do homem se endureceu.

—Faz uma noite preciosa.

As estrelas apareciam pouco a pouco, como lhes dando a bem-vinda e Arash tinha que fazer um esforço para não tomá-la em seus braços e levá-la a sua cama naquele mesmo instante. Se ia ser sua última noite, devia fazer que ela a recordasse para sempre.

Uma noite preciosa. Formosa, mas cruel porque lhe tinha mostrado sua própria debilidade. Arash pensava em tudo o que havia em seu coração e que nunca poderia lhe dizer, inclusive em uma noite como aquela...

—É uma noite preciosa —assentiu ele.

—Jana diz que conhece bem o palácio.

—Visitava-o freqüentemente de pequeno. E durante a guerra vim aqui...

—Quando lhe feriram? —perguntou ela. Ele inclinou a cabeça. Um criado colocou os pratos frente a eles. Algo suculento e luxuoso, como podia esperar-se das cozinhas do príncipe Omar. O contraste com o que tinham comido durante os últimos dias era surpreendente para seus paladares e comeram em silêncio, desfrutando de do prazer sensual dos exóticos sabores—. É delicioso.

—Omar tem um chefe de cozinha excelente— disse Arash, surpreendendo-se a si mesmo por falar de nimiedades quando a verdade pressionava sua garganta, quando tivesse desejado lhe dizer o que sentia por ela, confessar seu amor de uma vez por todas.

—Foi no Barakat onde lhe curaram a perna?

—Felizmente, uma das companhias do Omar estava comigo quando caí ferido e me trouxeram para o palácio. Se me tivesse curado o médico de campanha...

Arash não terminou a frase e Lã o olhou, perguntando-o perto que teria estado da morte.

—Me alegro de que Omar estivesse perto —sussurrou. O criado voltou então com algo que parecia uma churrasqueira e começou a preparar ante seus olhos um exótico prato. Movia as mãos como um mago e Lã estava como hipnotizada—. Suas mãos também são assim— murmurou, sem pensar. Arash a olhou, as chamas iluminando sua cara. Tinha os lábios apertados—. Quando me toca, é como se suas mãos fossem de fogo.

Seus olhos se encontraram então e Arash teve que fechar os olhos.

depois de uns segundos, o criado colocou frente a eles dois pratos e depois desapareceu como por cura.

Lã respirou o aroma da carne assada. Era como se tivessem preparado aquela janta para seduzi-los.

—Sempre comem assim? —perguntou.

—No deserto há uma grande sensualidade— murmurou ele—. Não o temos tudo, mas está em nossa cultura aproveitar o que se tem para desfrutar da vida.

—Neste palácio tem que tudo, não crie? Nunca tinha visto tantas flores.

—Se for ao vale do Aram na primavera, verá mais flores das que tenha visto em sua vida.

—Mas eu não vou ao vale do Aram na primavera, verdade? —perguntou ela. Arash apartou o olhar, sem responder—. me Fale das flores do vale, Arash. Por favor.

Ele começou a descrever as flores que cobriam o vale de seus ancestros, contou-lhe a história do rouxinol apaixonado secretamente da rosa e, desse modo, falou-lhe de seu próprio amor secretamente, sabendo que o coração de Lã entenderia.

Falaram sobre flores, sobre os ventos do deserto. Mas cada frase era uma mensagem secreta, uma mensagem de amor.

Sobre suas cabeças, as estrelas se voltaram infinitas.

Ao final, serviram-lhes uma deliciosa nata. Sua doçura era dolorosa para o Arash, como seu amor, porque falava de algo que não poderia possuir.

Lã se meteu a colher na boca enquanto ele a observava. Arash pensava em como a tinha ensinado a saborear seu corpo com os lábios, em como ela tinha respondido a seus desejos...

—Então, nosso tempo terminou? —sussurrou Lã, como se lesse seus pensamentos.

—Sim —respondeu ele—. Mas esta noite, se você o desejar... também teremos esta noite.

Mas deve ser a última vez.

Ela assentiu, umedecendo-os lábios com a língua. Como o fazia depois de...

—É porque note gosto, Arash?

O homem sujeitou com força sua taça.

—Não é isso, Lã. E você sabe.

—Você gosta?

—Hei dito que sabe! por que insiste?

—Porque eu gostaria de ouvir lhe dizer isso. Acredito que tenho direito para ouvi-lo. Mereço-me isso.

—O que outra coisa estive dizendo esta noite? É que não o entendeste? —perguntou ele. Lã o olhou sem dizer nada—. Eu gosto de —acrescentou. Mas poderia ter rido ou chorado pelo vazio daquela frase comparado com seus verdadeiros sentimentos.

—Meu corpo é uma fonte de prazer para ti?

Ele a olhou com enfebrecidos olhos cor violeta escura.

—Seu corpo é minha tortura e meu delírio —disse ele, fechando os olhos. Durante quanto tempo poderia manter escondidos seus sentimentos sem que escapassem por sua boca?

A resposta do homem desatou nela uma quebra de onda de paixão.

—Se nos tivéssemos conhecido faz dois séculos, pergunto-me se me teria acrescentado a seu harém.

Ele ficou rígido e a olhou com os olhos nublados.

—O que é o que quer, Lã?

—Teria-o feito?

—Não —respondeu ele—. Nenhum xeque poderia ter uma mulher como você em seu harém, Lã. E deixa de me tentar com essas criancices.

—por que não uma mulher como eu? por que sou diferente? —insistiu ela. Arash não respondeu. Seus gritos na noite enquanto o corpo do homem se movia dentro dela, enquanto sua língua a acariciava, enquanto lhe dizia que era dela... Haveria outra mulher como ela?—. por que sou diferente, Arash? por que sou suficientemente boa para fazer o amor comigo durante dois dias e duas noites, mas não poderia formar parte de seu harém?

—É uma mulher tão rica como uma rainha. Como poderia te levar a meu harém?

—Rica? Está falando de dinheiro? —perguntou Lã. De novo, Arash não respondeu—. O que tem que ver o dinheiro de meu pai com isto?

—Não tenho nada que te oferecer, exceto prazer sexual. Aceita isso e depois, tentemos esquecer.

—Não está esquecendo algo, Arash? Não existe uma tradição em seu povo pela que, quando uma mulher lhe dá prazer a um homem, ele tem o dever de lhe fazer um presente?

—Se algo meu te agradar, darei-lhe isso com gosto —replicou ele com os olhos brilhantes.

—Dará-me o que peça sem perguntar o que é?

Arash levantou a cabeça e Lã viu em seus olhos a sombra de gerações de orgulhosos xeques.

—Pede o que queira —disse o xeque Arash Durrani ibn Zahir ao Khosravi.

Uma greta tão grande como sua vida pareceu abrir-se A. os pés de Lã. Daquele momento dependia seu futuro.

Pensou em seu pai, no risco que tinha assumido abrindo sua própria empresa com apenas dez mil dólares.

Ela levava o risco no sangue, dizia-se a si mesmo.

Lã respirou profundamente.

—Quero que te case comigo.

A frase tinha convertido ao Arash em uma estátua de pedra.

—por que me pede isso? —perguntou o homem, por fim.

—me vais dar isso —No puedo aceptar eso y tampoco puedo negarte tu regalo. Lana, pide cualquier otra cosa.

—Não posso aceitar isso e tampouco posso te negar seu presente. Lã, pede qualquer outra coisa.

—por que não me pode dar isso —¿Qué significa eso?

—por que? —repetiu ele, furioso. Mas, de repente, sua expressão trocou—. Tora doost dá-ram wa chizi nadaram joz sipar-i Aram, ke tora nadadam.

—O que significa isso?

—Quero-te e não há nada, exceto o escudo do Aram, que não pudesse te dar —traduziu ele—. É o que meus ancestros hão dito durante gerações a suas algemas o dia de suas bodas. E, nesse momento, as mulheres do vale pedem seu dote. O que posso te dar eu, Lã?

—O horta de damascos —respondeu ela. Lã observou o impacto de suas palavras só no movimento do vinho em sua taça. Suas mãos tinham tremido.

—O horta está queimado. Para que pode te valer?

—Para replantá-lo.

—Essa não é dote para uma mulher como você.

—Meu pai tem muito dinheiro, Arash, é certo. E, portanto, não são posses materiais o que desejo —explicou Lã—. Você tem um propósito, umas obrigações, uma história a que te enfrentar, tem algo que reconstruir para deixar às gerações futuras. O horta de damascos é um símbolo de todas essas coisas e também um símbolo da oportunidade de fazer coisas importantes. E essa é a dote que eu quero —acrescentou, levantando a cabeça, orgulhosa —. Em tais términos, Arash Durrani ibn Zahir ao Khosravi, quer te casar comigo?

 

—E por isso quer te casar comigo? Por seu sentido da história e a oportunidade de fazer algo importante? —perguntou Arash—. Pode encontrar isso em qualquer parte. te case com o filho de um duque e herda sua história e suas obrigações.

—Não é por isso pelo que quero me casar contigo. Quero me casar contigo porque te quero.

Ele se inclino para frente então e seus olhos cor violeta brilharam à luz da vela.

—Quer-me? Até faz dois dias, odiava-me!

—Quero-te —repetiu ela, com o coração liberado ao dizer o que tinha guardado dentro durante tanto tempo—. Nunca te odiei, embora seja certo que me tem feito mal, Amei-te do primeiro dia e sei que não encontraria um homem melhor que você embora procurasse durante cem anos.

—O que ocorreu entre nós não te dá pé para acreditar que me ama. É uma relação sexual, Lã...

—Está seguro disso? Eu não saberia...

—O que?— perguntou ele, olhando-a com olhos penetrantes.

—Não tenho nada com o que compará-lo— disse ela, com lágrimas nos olhos.

Arash se levantou tão abruptamente que sua cadeira caiu para trás. Um criado se aproximou silenciosamente, mas Arash o despediu com um gesto.

—Poderia voltar louco a qualquer homem, Lã— disse com voz rouca. Ela levantou o olhar, tremendo de emoção e algo que nunca antes havia sentido. Arash tomou pela boneca—. Vêem!— ordenou.

Seu coração saltava dentro de seu peito quando Arash retirou sua cadeira. Em silêncio, sem soltar sua boneca, levou-a a outro lado do pátio, onde a lua se refletia sobre a água da fonte. Ali, abriu uma porta e entraram em sua suíte, tão formosa como a que ela ocupava. Arash fechou a porta e a conduziu até seu dormitório

—E agora me diga a verdade.

—Só estive contigo, Arash. Assim não sei muito bem...

—Foi virgem? —a voz do homem era quase um grito animal.

—Não sabia?

Arash a olhou, vendo-o tudo de novo, o momento em que a tinha penetrado, o grito dela, prazer, surpresa, dor? Mas ele tinha estado muito perdido em seu próprio delírio.

—Como ia ou seja o? Você te ofereceu para mim livremente e não te comportava como uma virgem...

—Não, é certo. Só pinjente «me Faça o amor, Arash». Recorda?

Ele fechou os olhos.

—Isso é o que disse —assentiu ele—. por que me diz isto agora?

—Porque... porque se esta noite é nossa última noite, acredito que passará muito tempo antes de que...

—Quer dizer que nenhum homem te há meio doido depois daquela noite?— interrompeu-a ele.

—Beijaram-me —sorriu ela com tristeza—. Mas existe esse momento no que tudo troca, no que o beijo é o primeiro passo para fazer o amor... —Lã não pôde terminar a frase, com lágrimas nos olhos—. Nunca pude passar de um beijo após. Tentei-o, mas não pude fazê-lo.

Ele a olhava, com incredulidade Y... algo mais.

—Desde aquela noite, faz anos, nenhum homem? por que?

—Porque te quero, Arash. E suponho que... porque você estava lutando na guerra. Quando um homem me beijava, pensava: «Não posso fazer isto, quando Arash poderia estar ferido, ou faminto, ou sedento…»— Lã fechou os olhos—. Não podia fazê-lo porque não foi você.

Com um gemido rouco, ele a envolveu em seus braços e sua boca encontrou a sua: ansiosa, desesperada-se, com uma paixão que parecia arranco do mais profundo de seu ser.

Arash tomou em braços e a levou a cama. Na semioscuridad do dormitório, devorava-a com os olhos enquanto a tombava sobre os lençóis de seda.

O lenço que levava na cabeça caiu ao chão, como um símbolo da tristeza que tinha marcado sua vida desde que o tinha conhecido. Um símbolo que desaparecia por fim.

Brandamente, lhe tirou o adorno da frente e o deixou sobre a mesa.

—Devo aprender a não ser um estúpido —murmurou ele, tombando-se a seu lado e acariciando sua bochecha com ternura.

—Arash, quem é a mulher a que diz que amas?

—Você sabe quem é— respondeu ele. Lã fechou os olhos, perguntando-se se ia deprimir se de felicidade e depois voltou a abri-los para olhar-se nos olhos do homem—. É você, Lã. É você a quem amo e a quem tive medo de amar.

—OH, Arash —murmurou, estremecida—. por que tênias medo? Deveria ter sabido o que sentia por ti.

—Em Londres sonhava que poderia fazer que me amasse.

—Mas nunca o tentou.

—A guerra estava a ponto de estalar e eu sabia que o perderíamos tudo. Sabia que não teria nada que te oferecer e me disse mesmo que nunca poderia ser minha.

—Amava-me então, amava-me a noite que fizemos o amor?

—Amava-te então. Amei-te sempre. Dizia-me mesmo que te amava muito para te obrigar a compartilhar um futuro de miséria... mas não pude resistir quando lançou a meus braços.

—por que não me deixou uma nota, algo? —perguntou ela, recordando a angústia que havia sentido aquela manhã.

Ele respirou profundamente.

—Pensei que sabia que eu te amava e te tinha devotado a mim por compaixão, como faz uma mulher quando um homem se vai à guerra. Quando despertei, fiquei te olhando, desejando te pedir que me acompanhasse, que compartilhasse comigo o que o destino me tinha preparado. Mas nesse momento recordei quem era seu pai e pensei que não tinha direito a te pedir nada. A gente tivesse pensado: «que sorte, apaixonar-se por uma multimilionária justo quando começa a guerra...»

—Eu queria ir contigo —soluçou Lã—. Queria te ajudar a lutar. Fizesse algo... escrevi-te, lhe tentei dizer isso —Lana, cuando la guerra terminó, yo estaba en esta misma habitación, sin saber si iba a morir. Mi padre estaba muerto, mi hermano también, la herencia de mi familia arruinada. Entonces no sabía que también había desaparecido el escudo de Aram, pero mi herida... tenía miedo de que la herida me impidiera tener hijos —explicó—. Creí que me había sido arrebatado todo, Lana, incluyendo el futuro. ¿Cómo iba a pensar en ti en esas circunstancias? Ni siquiera podía prometerte un hijo. Creí que la dinastía al Khosravi iba a morir conmigo.

—Fui um covarde, me disfarçando de homem forte. Quando voltei para casa, minha irmã me disse que um homem temente ao dinheiro de sua esposa não é melhor que um homem temente à espada, mas eu não queria aceitá-lo.

—E quando terminou a guerra, não pensou em voltar para ver-me?

—Lã, quando a guerra terminou, eu estava nesta mesma habitação, sem saber se ia morrer. Meu pai estava morto, meu irmão também, a herança de minha família arruinada. Então não sabia que também tinha desaparecido o escudo do Aram, mas minha ferida... tinha medo de que a ferida me impedisse de ter filhos —explicou—. Acreditei que me tinha sido arrebatado tudo, Lã, incluindo o futuro. Como ia pensar em ti nessas circunstâncias? Nem sequer podia te prometer um filho. Acreditei que a dinastia ao Khosravi ia morrer comigo.

—Oxalá o tivesse sabido —murmurou Lã.

—Recuperei-me e voltei para o Parvan. E ali estava você, como sempre, preciosa, cheia de vitalidade e mostrando uma generosidade impensável, Deste-lhe tudo a meu povo sem pedir nada em troca.

—Mas você não queria aceitar nada de mim.

—Um homem não se converte em um cão à mesa da mulher que ama —disse ele com ferocidade. Arash era um homem orgulhoso e Lã sabia que nunca poderia trocá-lo.

—Pensei que me desprezava.

—te desprezar? —repetiu ele, apertando seu braço com tal força que Lã fez uma careta de dor—. Não podia te desprezar. Desprezava-me mesmo por seguir amando a uma mulher quando não tinha nada que lhe oferecer.

Lã enredou os braços ao redor de seu pescoço.

—Você me ofereceste isso tudo —sussurrou. E era certo. Arash lhe tinha devotado amor, tinha-lhe devotado seu passado, seu presente e seu futuro. Que mais podia pedir?

—Quero-te, Lã. Quer te casar comigo, meu amor, minha vida?

—Se me der o horta de damascos —sorriu ela.

Mas Arash não podia brincar nesse momento. Sua boca cobriu a sua com uma fome que fez que o mundo se desvanecesse.

Com uma mão a colocou sobre ele, enquanto com a outra sujeitava sua cabeça. O beijo se voltava mais ansioso, mais enfebrecido, até que começou a desabotoar os botões de sua túnica. depois de desabotoar cada botão, beijava-a com seus úmidos lábios até abrir a túnica de tudo.

Seu estômago nu estava sobre o corpo do Arash; seus quadris, sobre as suas, sentindo o potente desejo masculino. Seus peitos cheios penduravam sobre o torso do homem. Lã gemeu de prazer quando ele começou a chupar um de seus mamilos, lambendo-a com a língua uma e outra vez.

Então Arash aproximou sua cara à sua e Lã quase chorou ao ver-se refletida nos olhos do homem.

—Lã.

—Que bonitos vão ser nossos filhos —murmurou ela, acariciando o cabelo escuro, os firmes lábios, a barba negra—. Espero que tenham seus olhos. Sabe que estava acostumado a sonhar com eles?

—Em meus sonhos você e eu estávamos juntos— murmurou ele—. Cada noite sonhava contigo no campo de batalha.

—De verdade?

—Deus me enviava imagens de ti para me ajudar a agüentar a guerra.

—Foi terrível, Arash?

—Se não tivesse tido seu rosto para recordar... há um manancial no vale, Lã. Sua água é a mais fresca, a mais doce. Meus sonhos eram como essa água, como se minha alma se desencardisse ao te recordar.

Ela levantou a cabeça e respirou profundamente para acalmar a louca marcha de seu coração.

—O que sonhava?

—Às vezes me esperava, com um vestido branco, e eu lutava contra tudo para chegar até ti. Se me ia dormir sedento, seus peitos me davam de beber. Se tinha fome, você me oferecia seu corpo para comer...

—OH, Arash.

—Eram sonhos poderosos, sonhos de poder. Quando me ia dormir cansado, você te aproximava de mim e me pedia que te fizesse o amor e pela manhã despertava com a força de cem homens —seguiu ele, acariciando seus peitos com ternura—. Quando estava ferido, também sonhava contigo. Estava a meu lado, aqui, nesta cama. Não sei o que sonhava porque estava delirando, mas sei que me pedia que vivesse. Mas quase sempre sonhava te tocando, acariciando seu cabelo, suas costas, seus peitos... e sonhava que você gritava de prazer. Sonhava com sua cara como te vi aquela primeira noite, com os olhos fechados, com meu nome em sua boca. Pelas noites, eu sozinho tinha isso, Lã.

Lã estava muito emocionada para falar e, durante uns minutos, solo se olharam aos olhos, sem dizer nada.

—Me alegro de que tivesse isso —murmurou por fim—. Mas eu não o fiz com essa intenção, fiz-o porque te amava já então.

—Possivelmente Deus te pôs em meu caminho para que seguisse vivo.

—Mas se não tivéssemos feito o amor aquela noite, teria recordado a outras mulheres— disse Lã, sentindo uma pontada de ciúmes.

—Lã, não me entendeste? —sorriu ele.

—O que?

—Não houve outras mulheres para mim —murmurou ele, sobre seus lábios—. Você é meu primeiro meu único amor.

Lã ficou sem fala quando ele a abraçou e a apertou contra seu torso nu.

E de novo começaram a beijar-se com urgência, com desespero, um desejo de corpo e alma que era de uma vez tenro e selvagem. Lhe tirou a túnica e Lã começou a desatar o laço de suas calças...

Por fim estiveram nus, cada um aberto aos olhos, mãos e boca do outro. Ele estava convexo de lado, olhando-a, uma mão sujeitando sua cabeça com fera ternura, os dedos enredados em seus cachos, o púrpura de seus olhos derretendo-a. Ela tinha a mão em sua cara e sentia seu amor passando da palma ao coração do homem

—me faça o amor, Arash —murmurou—. me Faça o amor.

Arash tomou pela cintura com mãos impaciente e a colocou sobre seu corpo, abrindo-a para ele. Depois, sujeitando seus quadris, começou a mover-se acima e abaixo até que Lã sentiu que tinha deixado de pertencer-se a si mesmo.

Investida-las os derretiam aos dois, consumiam-nos. apertavam-se o um contra o outro, como se queriam transpassar-se.

Bêbados, loucos, gritaram de alegria e de prazer. Ele parecia não ter suficiente e se tombou sobre ela de joelhos, enredando as pernas femininas ao redor de sua cintura. O corpo do homem entrava no dela até o fundo e Lã gritou com cada selvagem investida.

sentiam-se como se estivessem montando ás cheire de um mar tormentoso, cada onda cobrindo a outra, fazendo-os perder a cabeça.

depois de um tempo que parecia interminável, uma onda maior que as demais pareceu cair sobre eles e os dois gritaram, apertando-se tão forte o um contra o outro que se faziam mal.

Então entenderam o prazer e a dor; o prazer de estar intimamente unidos, a dor de saber que não podiam sustentar-se sobre a crista da onda durante mais de uns segundos.

 

Tinham montado os cavalos do Omar, tinham nadado na piscina, tinham passeado pela cidade, nos mercadillos onde os artesãos trabalhavam a prata ou vendiam os produtos de suas hortas.

E sempre escapavam do mundo em seu dormitório, onde se amavam, jogavam, choravam e riam.

—me diga como foi para ti a primeira vez— lhe pediu ela. E lhe contou como seu corpo tinha emocionado e aflito a um homem jovem que ia a uma guerra da que poderia não voltar, como tinha saboreado um prazer que poderia não voltar a provar de novo...

—Tinha vinte e dois anos, verdade?

—Vinte e um.

—São muitos anos para que um menino siga virgem.

—No Ocidente, é possível. Mas no vale do Aram segue sendo o costume que o homem e a mulher sejam vírgenes quando se casam.

—Seus pais tinham eleito esposa para ti?

—Não, porque sabiam que eu devia ser companheiro do Kavi. E que devia ir à universidade.

—Não conheceu nenhuma garota antes de ir à universidade?

Arash sorriu.

—Conheci uma garota mas, é obvio, ela sabia que devia chegar virgem ao matrimônio.

—E alguma vez o tentou?

—Não, porque não estava seguro de querer me casar com ela. No Parvan, um homem não tira de uma mulher o que não está seguro de poder restaurar.

—E então foi a Inglaterra.

—Então fui a Inglaterra, conheci-te, apaixonei-me e entendi por que não tinha estado seguro de querer me casar com a Tahira. Contigo, as dúvidas se dissiparam.

—Mas...

—Mas então começaram as ameaças de guerra e como podia te atar a mim com um futuro tão incerto?

—Eu estava atada a ti de todas maneiras.

Quando Lã dizia coisas como aquela, ele sozinho podia beijá-la.

—Aconteceste-lo bem? —perguntou Jana.

Estavam na terraço privada do príncipe Omar, frente ao deserto e as estrelas e um criado lhes servia champanha em formosas taças de cristal esculpido.

—Sim —respondeu Lã—. Que tal a conferência?

—deu bons frutos —respondeu o príncipe. Conversaram animadamente sobre vários temas e, um pouco mais tarde, Lã se levou a seu amiga à parte.

—Vejo que isto funcionou como eu esperava —sorriu a princesa.

—Perdoa?

—Que as coisas se solucionaram entre você e Arash. Estão comprometidos?

Lã a olhou, atônita.

—Se, mas...

—Alinor estará encantada! O há dito?

—Jana, do que está falando?

—É que não te tinha dado conta?

—Do que?

—Tudo isto foi idéia do Alinor. Dizia que Arash e você estavam ignorando o que era óbvio para todos outros, de modo que preparamos esta viagem e ela se encarregou de que Arash fora seu acompanhante.

—Tudo isto era parte de um plano?

—A tormenta não —sorriu Isso Jana foi o destino.

—Alinor nunca me há dito nada.

—Não queria te pôr em guarda. ides anunciar o compromisso? Podemos chamar o Alinor para contar-lhe perguntou seu amiga, como uma menina com sapatos novos.

Ao outro lado da terraço, o príncipe Omar acendia um cigarro escuro, olhando com aprovação a sua primo Arash.

—Felicidades. Me alegro de verte tão feliz. Suponho que voltarão para casa logo para começar a reconstruir seu palácio.

—Sim —respondeu Arash.

—Seu povo te necessita. Se estiver a seu lado, saberão que a guerra terminou para sempre.

—Tem razão —murmurou Arash, pensativo—. Tenho muito que aprender. Não era eu quem devia herdar a posição de meu pai a não ser Kamil, mas suponho que meu povo o entenderá e me ajudará a aprender.

—Sua presença é o mais importante, Arash. Se quiser um conselho...

—Agradeceria-lhe isso muito.

—Sugiro-te que devolva o escudo do Aram ao vale quanto antes. Sei que a casa está destroçada, mas seu povo precisa saber que o escudo está com eles.

Arash apartou o olhar

—Omar, esse é o problema...

—Segue guardado em uma caixa, nunca o tirei. O resto das coisas de seu pai... Arash, o que ocorre?

A taça de cristal do Arash tinha cansado ao chão e se quebrado em mil pedaços.

—O que há dito?

—O que ocorre?

—Você tem o escudo do Aram?

—claro que sim. E o resto dos tesouros de seu pai. O que acreditava, que os tinha vendido?

—Pode ser verdade? —murmurou Arash, incrédulo—. Acreditei que tinha sido roubado!

—Seu pai não lhe contou isso?

—Apenas nos vimos durante a guerra. Lutávamos em frentes diferentes.

—Um ano antes de que terminasse a guerra, quando os bombardeios começaram a chegar ao vale, seu pai enviou um mensageiro para me rogar que me fizesse cargo do escudo e o resto de seus tesouros. De modo que, uma noite, meus homens foram ao palácio e o levaram tudo em vários helicópteros —explicou Omar—. Alguns desses tesouros deviam ser vendidos para comprar armas, mas outros, os de maior valor histórico ou material eram para guardá-los aqui. É que não sabia?

—Não sabia, Omar —exclamou Arash, cheio de alegria—. Acreditei que todo se perdeu.

—Me alegro de te dar esta boa notícia. Quer que vamos à galeria para que veja suas posses?

Arash piscou, com o coração cheio de felicidade.

—Por favor —sorriu.

—meu deus, é magnífico! —exclamou Lã quando Arash lhe mostrou o escudo do Aram.

Era um formoso dia da primavera e estavam no restaurado majlis, recém pintado e arejado.

Fora, nas montanhas, o sol dava cor às folhas das árvores, às flores, as mariposas e a água da garganta.

Havia homens por toda parte trabalhando, pedreiros, artesãos, jardineiros. No vale, centenas de homens reconstruíam as casas e os hortas.

Dentro do majlis, o xeque da tribo do Aram contemplava o escudo que tinha protegido a seu povo durante gerações.

O rubi brilhava sob os raios de sol que entravam pelas janelas, cegando a Lã com seu brilho, hipnotizando-a.

Arash deu um passo atrás, sua claudicação apenas apreciável então, admirando junto a sua futura algema o símbolo da boa fortuna.

—Agora o entendo tudo, Arash.

—Amanhã serei seu marido nesta mesma habitação.

—Sim.

—Tem medo?

—Estou nervosa, mas não tenho medo —sorriu Lã, pondo a mão sobre seu ventre, onde repousava a diminuta semente que Arash tinha plantado nela—. Além disso, já é muito tarde para arrepender-se.

O xeque Arash Durrani ibn Zahir ao Khosravi sorriu e envolveu ao objeto de seu amor em seus poderosos braços.

—Sim —assentiu—. Já não olharemos atrás. É tempo de olhar para frente, minha tentação, meu delírio. Agora nos espera o futuro e o confrontaremos juntos. Você e eu, nosso filho e nosso povo. 

 

                                                                                Alexandra Sellers 

 

 

                                         

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