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A TERRA DOS CALDER / Janet Dailey
A TERRA DOS CALDER / Janet Dailey

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Família Calder

Volume II

A TERRA DOS CALDER

 

                                 Setembro de 1878

A região era de terras planas, com relevos ocasionais, ravinas profundas, mesetas e relva que se estendia por centenas de quilómetros em todas as direções. O céu imenso e azul parecia contê-la no horizonte, mas essa vastíssima área de pastagens ondulava como um mar tempestuoso. Sua grandiosidade arrebatava o coração do forte e intimidava o fraco.

Dois cavaleiros, puxando animais de carga, chegaram à crista desse território virgem de Montana, pararam e recolheram as rédeas. Das selas robustas, com cilhas duplas, às bainhas dos rifles e à copa baixa dos chapéus de vaqueiro, roupas e equipamento identificavam-nos como texanos. Cobria-os uma grossa camada de poeira da viagem.

Levaram os cavalos a passo pela suave encosta e pararam novamente onde não eram mais silhuetados pela ondulação da planície. O couro da sela gemeu quando o mais alto deslizou para o chão num movimento fluídico. Seu baio de focinho amarelo bufou e inclinou o nariz para a relva.

Muito magro, quase pele e ossos, Chase Benteen Calder movia sua altura de quase um metro e noventa com a agilidade de um homem mais baixo. Seu peso era distribuído em músculos rijos que se acomodavam chatos sobre o peito, os ombros largos e a longa extensão das pernas. Vinte e seis anos de vida imprimiram-lhe a dureza refletida nas feições amplas, na vivacidade dos olhos escuros, na pequena entrada no canal do nariz e no risco apagado de uma velha cicatriz na têmpora direita. A experiência tornara-o taciturno e vigilante, e o sol o bronzeara.

Continuou segurando as rédeas quando o baio baixou a cabeça. O tilintar do cabresto atraiu por um momento sua atenção para o cavalo, que rasgava a relva ondulada, mosqueada, rente ao chão.

Aquilo era capim-de-búfalo nativo, mais nutritivo do que qualquer outro tipo de forragem natural. Nem calor nem seca podiam matá-lo; os frios invernos transformavam-no em feno; o pisotear de cascos não o destruía. Dizia-se que esse capim baixo podia dar uns cem quilos extras a um garrote, transformando-o em boi feito. Minutos antes, haviam cavalgado por um trecho de capim-de-búfalo, de hastes cinzento-azuladas, com espigas parecendo de trigo, roçando os estribos da sela.

Os grandes rebanhos de búfalos que outrora vaguearam por essa pastagem estavam sendo lentamente exterminados por caçadores de carne e couro. Era uma atividade estimulada pelo governo de Washington, numa deliberada tentativa de quebrar a resistência dos índios das planícies e subjugá-los para sempre. Um ano antes, no dia 5 de outubro de 1877, o Chefe José, dos nézpercé, rendera-se nas Montanhas Pata de Urso. Na maioria, sioux e cheyennes viviam encurralados em reservas, e o resto fugira para o Canadá, tendo à frente Touro Sentado e Faca Cega. Após anos de pressão clamorosa dos rancheiros e das estradas de ferro, o governo estava finalmente abrindo essa última ilha isolada de pastagens naturais descampadas. Essa terra toda ia ser gratuita e ficaria com quem chegasse primeiro.

Com olhos agudos e perspicazes, Chase Benteen Calder vasculhou a extensão ilimitada da planície. Seu olhar parou no cavaleiro magro e musculoso sentado relaxadamente no cavalo. Ambos eram veteranos curtidos de uma meia dúzia daquelas viagens, tangendo longhornsçara, o norte até as pontas dos trilhos no Kansas, e mais longe ainda. Haviam justamente terminado um daqueles trabalhos, sob o comando de Benteen, por conta do rancho Barra 10, situado ao sul de Fort Worth, no Texas, levando uma boiada a um comprador no Território de Wyoming. Os animais que montavam e os de carga tinham a marca Barra 10 gravada a fogo nas ancas.

Fora na trilha, durante uma parada em Dodge City, que ouviram falar pela primeira vez nas terras dos índios no Território de Montana, e Benteen estava interessado. O chefe do grupo de Wyoming mencionara as terras sem dono lá para as bandas do norte. Em vez de voltar diretamente ao Texas, Benteen alterou sua rota a fim de conhecer a região e trouxera Barnie.

Aquelas imensas terras de pastagens ondulantes eram tudo o que disseram a seu respeito, e muito mais. A baixa altitude tornava-as mais desejáveis do que as planícies do Wyoming e do Colorado, e sua relva era suculenta - para engordar melhor o gado.

Haveria um estouro de boiada em direção ao território. Terras de pastagem sem dono tinham o mesmo efeito do murmúrio da palavra "ouro". Naquele momento, elas pareciam mesmo um mar de ouro. O verão as amadurecera e lhes dera uma tonalidade amarelo-vivo, e o hálito frio do outono bronzeava as folhas cheias de vida que cobriam centenas de quilómetros quadrados. Não seria segredo por muito tempo. Logo chegariam pessoas ávidas pela grande oportunidade. Falsos fazendeiros e especuladores chegariam sorrateiros como baratas. Conseguiriam um lucro rápido e cairiam fora. Benteen, porém, resolveu que estaria plantado ali antes que as baratas chegassem.

- Acho que é isso aí, Barnie. - No leve sorriso havia frieza e segurança.

- Também acho.

Barnabas Moore não precisava que Benteen explicasse o que acabara de dizer.

Uma boa pastagem precisava de três coisas - capim, água e abrigo natural contra as tempestades de inverno. Havia capim de sobra; bosques de ameixeiras e cerejeiras ofereciam abrigo natural; e imediatamente à frente um largo rio serpenteava pela planície ondulada.

Lançando as rédeas por cima do pescoço do cavalo, Benteen saltou para a sela e conduziu sua montaria e o animal de carga para as margens do rio, ladeadas por choupos. O taciturno Barnie Moore seguiu-o, oscilando frouxamente ao ritmo do cavalo.

- Olhe ali. - Barnie inclinou a cabeça, a aba enrolada da frente do chapéu apontando para um corte na margem, onde a erosão de vento e água expusera camadas de rocha e terra na encosta. Perto da superfície, um veio largo de lustroso carvão preto brilhava à luz do outono. - Não faltará combustível.

Estavam cercados por pastagens virtualmente destituídas de árvores, e aquilo era um dado importante a ser guardado para o futuro. Benteen tomou nota mentalmente enquanto os dois continuavam na direção do rio, sem retardar a marcha.

O verão reduzira o fluxo do rio ao estado de uma preguiçosa corrente. Fluía bem no centro de margens cortadas por degelos de primavera, a água rasa brilhando clara como cristal. Mas era água - água que criava e sustentava a vida.

Benteen deixou cair as rédeas sobre o arção da sela. Ao seu lado, Barnie enfiou a mão no bolso profundo do colete e tirou o saquinho onde guardava o fumo e o papel. A certeza tranquilizou Chase Benteen Calder. Não havia necessidade de procurar mais nessa despojada e solitária terra de Montana.

Seus olhos embeberam-se da paisagem imensa: a planície esparramada do vale, com o rio de águas rasas fluindo de ponta a ponta, a projeção das montanhas do outro lado - e o soberbo céu azul. A pastagem se estendia dali para todo o sempre.

E lhe cantava uma promessa. Parecia coisa de doido pensar que a terra cantava para ele, mas estava cantando. O baixo murmúrio da água estabelecia o ritmo, enquanto a brisa plangente descia pelas encostas, dedilhando uma melodia na relva e folhas secas dos choupos e salgueiros que margeavam o rio.

Mentalmente, Benteen anteviu tudo aquilo como seria: os rebanhos engordando no capim nativo, grandes celeiros de grossas vigas de madeira e a casa-grande aconchegada num alto, de onde poderia ver tudo aquilo. Não no começo, mas algum dia. Enquanto esse dia não chegasse, havia espaço de sobra nesses descampados para pensar, respirar e sonhar - e trabalhar como um mouro para transformar o sonho em realidade.

Sabia o que era trabalho. Durante toda sua vida trabalhara para alguém, mas sempre atento, aprendendo, guardando dinheiro para comprar a terra que seria sua. Tudo o preparara para o dia em que chegou ali, onde colocaria em prática o que sabia e o que podia fazer. As planícies virgens receberiam sua marca. Ali construiria algo para resistir ao tempo.

A convicção de que encontrara sua pastagem nativa dilatou-lhe o peito. Aquela terra era sua. Seria a terra dos Calders.

- vou requerer este trecho do rio - disse, olhando para Barnie, que com a língua fechava o cigarro.

Todo criador sabia que requerer os direitos a uma estreita faixa dos sessenta e cinco hectares que o governo cedia aos colonos gratuitamente implicava o direito a uma região inteira - um mínimo de quinze quilómetros de cada lado, ou tanto quanto o gado pudesse caminhar até a água. O espaço de manobra aumentava-a em pelo menos quinze quilómetros e, às vezes, mais. Barnie já concordara que, se Benteen achasse o tipo certo de terra de pastagem, requereria o trecho contíguo e o transferiria para ele, o que era prática comum naqueles dias. Os sessenta e cinco hectares adicionais lhe dariam espaço para respirar - o resto viria depois.

Já não aguentava mais a sensação de encurralamento e aperto no Texas. Embora fosse apenas um menino à época do fim da Guerra Civil, observara as mudanças ocorridas na esteira da Reconstrução - e poucas foram boas. Na sua juventude houvera um número grande demais de causas perdidas. Ali era o lugar para recomeçar tudo.

- Na primavera, vou trazer um rebanho para cá - disse, em tom controlado e sem emoção, enquanto Barnie fechava a mão em concha em torno do cigarro e inclinava-se um pouco para a chama. - Se tudo correr bem, voltarei antes do fim do próximo verão. Você acha que pode aguentar por aqui até esse dia?

- Acho que posso - respondeu Barnie em voz arrastada. Era dois anos mais moço do que Benteen. - O que é que você acha que seu pai vai fazer?

Benteen olhou para a distância, uma rede de pequenas rugas formando-se nos cantos dos olhos.

- Não sei. - A pele bronzeada esticou-se na linha do queixo. - O Barra 10 expulsou-o da pastagem. Mas ele é teimoso.

Seu pai, Seth Calder, era um homem bom - um homem forte. Podia ter sido um homem importante, mas possuía um ponto cego, um defeito fatal. Não sabia se desfazer das coisas mortas. Mesmo alguns anos depois de a guerra entre os Estados terminar, continuara a defender a causa do Sul, insistindo em que Lincoln dera uma interpretação política ao verdadeiro motivo da discórdia, a questão dos direitos dos Estados, que provocara a secessão e transformara a guerra na questão de manter ou não a escravidão. Isso não o tornava agradável diante dos que detinham o poder no Texas reconstruído.

Seu apoio ao Sul durante a guerra deixara-o quase falido. Lutou para reconstruir seu modesto rancho, mas apenas para ser varrido pelo estouro da Sexta-Feira Negra, no Pânico de 1873. Enquanto era obrigado a vender gado, Judd Boston comprara mais, até que os rebanhos do Barra 10 inundaram as pastagens, deixando pouco espaço para Seth Calder expandir-se sem pressionar demais a terra. Foi empurrado para um pequeno canto de terreno que mal podia sustentar uma operação de criação de gado, mas não arredaria pé dali.

E nunca deixara de acreditar que a esposa voltaria. Benteen passara a maior parte de sua infância esperando por uma mãe que nunca voltou.

Ela lhe dera o nome - Chase Benteen Calder. Chase fora seu sobrenome de solteira, e Benteen, o nome de um primo. Seu prenome raramente era usado pelos conhecidos. Mesmo em criança, sempre o chamaram de Benteen.

Quando tinha seis anos de idade, a mãe fugira com um desses chamados emigrantes que vivem de mesadas - um traste que recebia uma pensão regular da família rica para se manter longe de casa. O pai sempre alegara que ele a atraíra com conversas sobre Nova Orleans, San Francisco, Londres, Europa, vestidos da moda e jóias. Vinte anos depois, Seth ainda acreditava que ela voltaria para ele e para o filho. Benteen, não. E, ao contrário do pai, não queria que ela voltasse.

Havia ocasiões em que um homem devia ficar e lutar, e outras em que devia abandonar tudo e fugir. Compreendia isso, mas duvidava que seu pai compreendesse. No Texas, eram oprimidos pelo passado e pelo presente. O futuro estava ali, no Território de Montana.

- O que você acha que Lorna vai pensar disso?

A intimidade entre eles permitia que Barnie lhe fizesse uma pergunta pessoal.

- Casaremos na primavera, antes de eu começar a trazer o rebanho para o norte.

Não havia mais razão para esperar. Encontrara o lugar que daria um futuro aos dois. A falta disso fora tudo que o impedira de marcar a data do casamento com Lorna Pearce. Seu olhar tornou-se firme, agudo, talvez confiante demais.

- Na próxima vez em que eu sair do Texas, será para sempre. Cortaria todos os laços, tudo que ficasse para trás... era ali mesmo que ficaria.

A ort Worth, no Texas, era o ponto de partida dos rebanhos que se dirigiam para o norte pela Trilha Chisholm. Cidade violenta e desregrada, atendia bem às necessidades dos vaqueiros. Ali compravam farinha de trigo, açúcar, café, melado, ameixas secas, charutos e outros artigos para a viagem. Havia saloons, cabarés e mulheres dadivosas que faziam o possível para que o vaqueiro não se entediasse antes de ganhar a estrada.

Era uma cidade que sofria as dores do crescimento. A Main e a Houston eram ruas pavimentadas, embora não faltasse quem dissesse que "pavimentada" não era a palavra certa para descrevê-las. O hotel El Paso ocupava um prédio de calcário cinzento de três andares, o que indicava que as coisas estavam melhorando. Mas havia absoluta falta de calçadas. Ninguém se preocupava muito em Fort Worth com a rival Trilha Oeste, que estava atraindo os rebanhos da batida Chisholm.

A temporada de uso da trilha, porém, estava encerrada por aquele ano. A tranquilidade descera sobre Fort Worth naquela tarde de novembro em que Chase Benteen entrou na cidade, as roupas duras de sujeira acumulada nos longos quilómetros percorridos desde o Território de Montana. Uma barba espinhenta escurecia-lhe o rosto ossudo, fazendo-o parecer mais resoluto. As pontas dos cabelos brilhavam com uma tonalidade vermelhoescura. Era um cabelo áspero, abundante, enrolando-se cheio e entrando no lenço que trazia em volta do pescoço, com um laço frouxo na frente.

Puxando o cavalo de carga, dirigiu-se à cocheira de aluguel. Nem por um momento deixou de examinar as ruas em volta, os prédios e as pessoas que circulavam pela cidade. Parou o baio em frente às portas abertas da cocheira e desmontou. O cheiro de poeira e o azedo da cocheira chegoulhe às narinas. Um homem com uma perna defeituosa saiu manquejando do interior escuro.

- Olá, Benteen. Pensei que você havia desistido destas bandas.

- No devido tempo, Stoney. - Dirigiu-lhe um leve e cansado sorriso.

O chocalhar de uma charrete se aproximando atraiu-lhe a atenção para a rua. Reconheceu Judd Boston, rédeas nas mãos, acompanhado por um grupo de cavaleiros. O dono do Barra 10 usava terno e colete escuros, camisa branca e colarinho engomado. O chapéu-coco bem plantado na cabeça distinguia-o muito dos acompanhantes. O poder que vem com a prosperidade era evidente na arrogância estudada de sua postura.

Apesar da aparência de almofadinha, Benteen não cometeu o erro de subestimar Judd Boston. Por baixo daquelas roupas do Leste havia uma estrutura robusta e músculos rígidos. Percebeu logo que Judd o reconhecera. A linha de sua boca afinou e estirou-se enquanto ele tentava alhear-se.

Após a longa viagem, sentia-se cansado, sujo e irritável. Tudo o que queria era tomar um banho, emborcar uma cerveja gelada e fazer uma visita a Lorna - nessa ordem. Não estava pronto para uma conversa com Judd Boston, mas não pôde evitar.

Nunca suportara aquele homem, e também não achava necessário gostar do homem para quem trabalhava. Não podia identificar precisamente o motivo por que não gostava de Judd Boston. Talvez porque fosse um ianque ou, quem sabe, banqueiro - e não um autêntico criador de gado. Ou talvez fosse pelas suas mãos brancas e limpas, que não lhe inspiravam confiança - limpas e brancas demais, talvez lavadas em excesso.

A charrete parou perto da cocheira, e a escolta espalhou-se protetoramente em forma de leque, cobrindo o lado da rua. Outros rancheiros vinham sozinhos à cidade, mas Judd Boston jamais ia a parte alguma sem uma guarda montada. Isso também produzia perguntas na mente de Benteen. Seria aquilo consciência culpada ou o banqueiro-rancheiro gostava da importância implícita em se fazer acompanhar de um cortejo de subordinados?

- Calder! - A palavra foi uma ordem seca para que ele se aproximasse da charrete.

Ao ouvir o tom autoritário, Benteen endireitou ligeiramente os ombros, mas não revelou tudo o que sentia. Dirigiu-se à charrete com o andar descontraído e sem pressa de um cavaleiro, cada passo acompanhado pelo tilintar abafado das esporas. Permaneceu calado, porque não tinha nada para dizer.

Judd Boston, porém, não gostou nada do silêncio daquele homem com olhos negros e infernais que queimavam com uma raiva muda.

- Onde, diabo, andou você? Estou à sua espera há dois meses.

- Tive uns negócios meus para resolver.

A voz sem emoção não transmitia respeito nem desrespeito. Benteen conhecia bem a paciência perigosa de Boston. Era do tipo astucioso, que esperava até o último momento. Lembrou-se de um gato brincando com um camundongo.

- Eu o contratei para fazer um trabalho, Calder. - As palavras insinuavam que ele não cumprira sua parte, atingindo-lhe os nervos quase esgotados.

- O rebanho foi entregue ao pessoal de Snyder, e só perdemos dez cabeças durante a viagem. - O olhar atento localizou Jessie Trumbo entre os membros da escolta. - Enviei por Jessie o dinheiro da venda. Você não tem motivo de queixa.

- Era responsabilidade sua me trazer aquele dinheiro. Não de Jessie - insistiu friamente Boston.

- Era minha responsabilidade providenciar para que você o recebesse. - Uma leve irritação surgiu no tom de voz. Não lhe importava mais se ofendia ou não Judd Boston. - Fui contratado para cuidar do seu rebanho e levá-lo até o Wyoming. Devia pagar os vaqueiros com o resultado da venda e lhe devolver o saldo. O trabalho foi feito. Você pode ter pago meu salário, mas não é meu dono, Boston. Ninguém é.

O rosto largo de Boston congelou-se.

- O trabalho acabou e você também, Calder. Não me interessa um homem que desaparece durante dois meses. Está fora de minha folha de pagamento.

- Ótimo. - Um meio sorriso aflorou aos lábios de Benteen. - Isso me poupa o incómodo de pedir demissão.

Seus olhos se cruzaram, num choque de pedra. Um brilho mordaz apareceu nos olhos de Judd Boston.

- Baker - disse a um dos cavaleiros da escolta. - Aqueles dois cavalos em frente à cocheira têm a marca do Barra 10. Vamos levá-los para o rancho.

A ordem queimou Benteen como um ferro em brasa.

- Seu filho da puta. - A voz saiu baixa e áspera. - Aqui não se toma o cavalo de um homem e o deixa a pé. Eu mesmo os levo ao rancho pela manhã.

- Quero os cavalos agora - disse Judd com um sorriso. - Eu podia acusá-lo de roubo, Calder. - Sem tirar os olhos de cima de Benteen, lembrou ao vaqueiro hesitante: - Você ouviu o que eu disse, Baker.

Benteen olhou furioso o jovem sobre o cavalo que se dirigia a passo para trás da charrete. Jessie Trumbo virou sua montaria para acompanhá-lo.

- Eu dou uma ajuda, Baker.

Concordassem ou não, os dois homens eram obrigados a obedecer. Fazia parte do contrato de trabalho com o rancho. Benteen sabia disso e não guardaria nada contra eles. Virou-se para Boston:

- vou retirar minhas coisas dos cavalos. Talvez agora eu tenha tempo de examinar algumas daquelas marcas. Sempre pensei que seria muito fácil transformar o C da marca de meu pai em um 10. Um ferro especial ou um anel de cilha fariam isso com a maior facilidade.

Judd Boston estremeceu.

- Está acabado por aqui, Calder. Se eu fosse você, caía fora.

- Já pensei nisso, Boston. - Benteen sorriu.

com um rápido movimento do punho, o banqueiro-fazendeiro estalou o chicote perto das orelhas da égua alazã que puxava a charrete. Benteen recuou para o veículo passar. Os dois homens restantes da escolta iniciaram o galope logo atrás.

Voltando-se para a cocheira, Benteen foi descarregar o cavalo de carga.

- Você fez um inimigo. - Jessie Trumbo falou em voz baixa. Benteen ainda o considerava amigo.

Olhou para a charrete que desaparecia no fim da rua, sem responder. Quase todos os vaqueiros do Barra 10 eram seus amigos. Esse emaranhado de amizades e inimizades numa terra violenta, onde os homens tinham pavios curtos, era que mantinha o desinteresse por tudo refletido em seus olhos.

- Tudo bem se eu guardar minhas coisas aí dentro, Stoney? - falou, dirigindo-se ao empregado da cocheira.

- Claro. - O homem idoso e manco inclinou a cabeça num gesto de permissão.

Levou as bolsas de sela para o pequeno escritório, sujo de poeira de feno. Abrindo as bolsas, puxou a cartucheira com o revólver, passou-a por cima do ombro e retirou o rifle. Em seguida, saiu para desencilhar o baio de focinho branco.

- Cadê o Barnie? - perguntou Jessie, inclinando-se sobre o arção da sela. - Pensei que estivesse com você.

- E estava. - Benteen prendeu o estribo no arção da sela e começou a afrouxar a cilha. - Deixei-o no Território de Montana, ao norte de Yellowstone. Ficou tomando conta das terras de colonização que requeri, até que eu possa chegar lá com um rebanho, na primavera.

Montaria. - Jessie espigou-se, assoviando baixinho de surpresa.

Então você vai dar o fora. Você não disse aquilo a Boston apenas por dizer.

- Não, não disse. - Ergueu a pesada sela acima do lombo do cavalo, um brilho de orgulho faiscando nos olhos escuros.

Onde vai arranjar um rebanho? com seu pai? vou passar o inverno batendo os matos e juntando um rebanho

de bois selvagens, sem marca. - Não alimentava a esperança de que o pai abandonasse tudo e o acompanhasse, levando consigo o que sobrara do rebanho. - Eu poderia usar um cara que fosse bom no laço.

Jessie abriu-se num sorriso.

- Vai ser muito duro caçar boi brabo lá no cerrado, mas acho que vai ser melhor do que passar a vida dizendo "sim, senhor" para aquele ricaço.

Benteen pôs a sela no ombro e levou-a para a cocheira. Quando voltou, Jessie e o jovem vaqueiro já haviam passado cordas pelos pescoços dos dois cavalos e os levavam para longe. Stoney veio coxeando para seu lado.

- Você pode usar o castrado cinzento da primeira baia - disse. Simplesmente solte-o, quando não precisar mais dele. Ele encontrará o caminho de volta. Sempre encontra.

- Obrigado, Stoney.

Pegou o rifle que deixara encostado num lado da cocheira e começou a descer a rua empoeirada.

Vários quarteirões abaixo, chegou à primeira de uma das raras calçadas de madeira da cidade. Os passos ressoavam pesados de fadiga, as esporas tilintando a cada movimento. Embora seu corpo estivesse extenuado até os ossos, os olhos nem por um momento deixavam de vasculhar a rua. Mas dava pouca atenção aos prédios que deixava para trás, observando apenas as pessoas que entravam e saíam.

- Benteen? - Uma voz feminina chamou-o, em dúvida.

Ele parou e virou-se parcialmente para olhar. Invadiu-lhe um doce calafrio quando viu Lorna emoldurada à porta da chapelaria. Desaparecendo a hesitação, a moça mostrou um sorriso nos lábios sensuais. Ela deslizou pela calçada ao seu encontro, a leveza dos passos mal produzindo um som. Uma fita azul mantinha os cabelos compridos pretos longe do rosto e cascateando em madeixas macias pelas costas. Era como a primavera, refrescante e inocente em seu vestido comprido de algodão branco com pequenas flores azuis.

O alto de sua cabeça mal chegava aos ombros dele. Os olhos castanhos brilharam de prazer ao vê-lo.

- Achei que fosse você.

A voz era um canto para ele.

Seus olhos beberam-lhe a essência como um homem sedento que há muito não prova água. Esquecera que coisinha pequenina ela era. Talvez não tão pequena assim, corrigiu-se, enquanto lhe contemplava os jovens e firmes seios contidos pela frente recatada do vestido que a escondia toda até o pescoço.

- Onde foi que você esteve? - perguntou ela, examinando-lhe a aparência encovada e suja. - Eu estava começando a me preocupar com você. Os outros voltaram da viagem há meses. Onde foi que você esteve esse tempo todo?

Um calor surgiu e suavizou-lhe as feições. Acariciou-lhe o rosto com a ponta do indicador, querendo fazer mais do que simplesmente tocá-la.

- Você já está falando como uma esposa - brincou suavemente. Estava consciente da sujeira e do rosto barbado. Uma rua pública não tornava nada fácil aquele encontro.

A observação fez Lorna baixar os olhos, revelando uma nervosa timidez. Lorna Pearce era a própria contradição. Havia algo de madona em suas feições, mas, ainda assim, seus olhos castanhos podiam ser ousados e corajosos, revelando uma inteligência que em geral escondia com feminino recato. Às vezes mostrava-se tão alegre e risonha como uma menina, e às vezes revelava grande calma e autoconfiança. Naquele momento, parecia incrivelmente jovem - jovem demais para ser uma esposa. Mas tinha 17 anos, logo faria 18, e estava definitivamente na idade certa.

Lançou-lhe um olhar enviesado, o topete mostrando-se por trás do ar bem-comportado.

- Se eu fosse sua esposa, Chase Benteen Calder, eu estaria atrás de você com um rolo de massa na mão por ter passado tanto tempo longe sem me escrever uma única linha.

Ele riu baixinho ao ouvir a ameaça, não acreditando que ela fosse capaz de coisa alguma que, mesmo remotamente, lembrasse violência. As feições dele eram tão solidamente estruturadas que, quando sorria, a mudança de expressão era sempre completa e surpreendente. Olhou para a loja de onde ela acabara de sair.

- O que você estava fazendo ali? - O armazém geral do pai dela, o Pearce's Emporium, ficava a vários quarteirões rua abaixo. - Gastando o dinheiro de seu pai em outro chapéu?

- Não. Estou esperando para gastar o seu. Estava visitando uma amiga. - Lançou um olhar para a porta onde se encontrava uma moça feia, de cabelos castanhos. - Lembra-se de Sue Ellen? Fomos colegas na escola. - Lorna chamou discretamente a amiga com um aceno. - A mãe dela é a dona da chapelaria.

A moça aproximou-se, tímida.

- Olá, sr. Calder. - A voz ligeiramente sufocada.

- Benteen - corrigiu ele, perguntando-se ao mesmo tempo o que aquelas duas moças tinham em comum, salvo o fato de haverem estudado na Escola para Moças da srta. Hilda. - Como vai, Sue Ellen?

- Ótima, obrigada - murmurou ela, mal abrindo a boca. Confiante, Lorna olhou-o bem de frente e desafiou-o:

- Você ainda não me disse onde esteve este tempo todo.

- É uma história muito comprida. vou à sua casa hoje à noite, e conversaremos. - Passou a mão pelo queixo, os pêlos arranhando-lhe a palma da mão calejada. - Neste momento, preciso fazer a barba e tomar um banho.

- Venha jantar conosco - convidou Lorna.

- Seis horas?

Era nessa hora que a família Pearce jantava.

- Isso mesmo.

O sorriso que Benteen dirigiu a Lorna era só para ela, mas virou-se e, polidamente, tocou a pala do chapéu num gesto de respeito dirigido a Sue Ellen. Seus passos lhe pareceram mais leves quando começou a descer a rua.

Conhecera-a há dois anos na loja do pai. Sentira-se logo atraído, mas na época Lorna era jovem demais. Daquele dia em diante, tornara-se freguês regular do Pearce's Emporium, na esperança de vê-la de longe. Durante a temporada de passagem das boiadas, os pais não permitiam que ela viesse ao armazém. Os vaqueiros que congestionavam a cidade, mesmo os que demonstravam o maior respeito pelo sexo frágil, podiam ser grosseiros depois de vários copos de uísque. Os Pearces, naturalmente, queriam proteger a filha de abordagens inconvenientes.

Mas quando Lorna completara dezesseis anos, Benteen pedira permissão ao pai para visitá-la. Vencidos os obstáculos iniciais, as dúvidas sobre sua capacidade de sustentar uma família, o pedido fora atendido. Desde que a vira pela primeira vez, Benteen jamais duvidara de que um dia ela seria sua esposa.

Antes de seguir viagem na última primavera, pedira-a oficialmente em casamento. Mas não quisera marcar data até descobrir um lugar para eles. Sempre soubera que seu pai os receberia de braços abertos no rancho, mas não havia futuro ali. O Barra C estava sendo aos poucos esmagado por Judd Boston. Era apenas uma questão de tempo, antes de Boston comprá-lo num leilão para pagamento de impostos. Se o rancho não podia sustentar o velho, não sustentaria mais um casal.

Nos últimos três anos, economizara cada centavo disponível. Caçara bois selvagens e os juntara aos rebanhos que levara ao norte. Conseguira amealhar quase mil dólares, pensando em comprar um lugar onde pudesse construir um futuro. Nesse momento, o dinheiro iria ser investido em equipamento para seguir na direção norte com um rebanho de gado selvagem, caçado nos matos do Texas, uma vez que a terra no Território de Montana lhe custaria apenas a taxa administrativa do governo.

Lorna seria a esposa perfeita. Ao contrário de sua própria mãe, Lorna não tinha a cabeça povoada por sonhos sobre as grandes cidades e vestidos da moda. Era uma moça sensata e prática - e bela. Sentiu o sangue correr forte nas veias.

Os nervos de Lorna estavam tensos no momento em que ouviu os passos no terraço da frente da casa. Não precisou olhar para o relógio. Sabia que era Benteen. O coração em disparada ordenou que corresse para a porta ao encontro dele, mas uma moça não devia parecer ansiosa demais. Não era direito... e, Deus sabia, havia ocasiões em que Benteen fazia-a sentirse muito errada.

Fingiu arrumar os talheres na mesa, posta com a melhor toalha de linho da mãe. Ouviu uma batida à porta. Notou a expressão levemente divertida do pai quando ele ergueu a vista do jornal Democrat, de Fort Worth.

- Deve ser Benteen - murmurou ela.

- Tem que ser - concordou ele secamente, e conseguiu manter o cachimbo firme entre os dentes enquanto falava.

A longa saia do vestido azul-celeste de Lorna farfalhou suavemente quando ela se dirigiu em passos lentos à porta. Ao passar pelo espelho oval no pequeno vestíbulo, lançou um último olhar à sua imagem. Os cabelos pretos penteados altos na cabeça tornaram-na muito mais adulta do que quando ele a vira naquela tarde. Odiava que a considerasse imatura. Naquele momento, parecia definitivamente mais velha - com todos os seus dezoito anos, no minimo.

Quando abriu a porta, Benteen ficou parado durante um minuto inteiro, simplesmente fitando-a. O exame ousado perturbou-a de tal maneira que Lorna perdeu o controle de como deveria reagir. Ou talvez fosse a mudança na aparência dele que a perturbava.

Estava descoberto, o chapéu nas mãos. Os cabelos castanhos cheios brilhavam com reflexos de mogno polido nos raios do sol que se punha. O rosto magro escanhoado revelava a força natural de suas feições. Usava camisa branca limpa e gravata fina. Coisa alguma, porém, parecia capaz de amortecer a sensação de força que dele emanava.

- Você chegou um pouco cedo - disse Lorna.

Sentiu necessidade de esconder o seu prazer, e sabia que o relógio não batera ainda a hora combinada.

- Quer que eu vá embora e volte depois? - zombou Benteen.

- Claro que não. - Segurou-lhe a mão, conduzindo-o para dentro de casa.

Sentiu a aspereza agradável dos dedos dele quando se fecharam em torno de sua mão, prendendo-a com firmeza. Os olhos escuros continuaram cravados nela. Ela ainda não aprendera a enfrentar a força daqueles olhos.

- Papai está na sala de visitas. Você pode conversar com ele enquanto ajudo mamãe na cozinha.

- Não demore demais. Estou morrendo de fome.

Sem objeção, soltou-lhe a mão. Ao se afastar, Lorna teve a sensação maluca de que ele não se referia à comida. Ficava excitada com a maneira como ele às vezes a fitava. Em outras ocasiões, sentia-se satisfeita porque os pais estavam no cómodo vizinho. Mesmo naquele momento, quando eram noivos, raramente estavam sozinhos por muito tempo. Em geral, ficavam no terraço da frente, enquanto os pais permaneciam na sala de visitas. Quando havia uma pausa na conversa deles, a mãe aparecia, oferecendo-lhes limonada ou algum outro refresco. Lorna gostava que Bemteen a respeitasse tanto e não sugerisse que fossem a algum lugar sem o acompanhamento dos pais, em parte porque tinha medo de sentir-se tentada a concordar.

Durante o jantar, ficaram sentados de frente um para o outro. Em ocasiões como essa, era-lhe fácil imaginar como seria quando estivessem casados e morassem em sua própria casa. Esperava com ansiedade o dia de convidar os pais para jantar.

Você disse que foi até o Território de Montana, Benteen? - perguntou o pai, passando-lhe a tigela de batatas.

- Disse. - Serviu-se de uma boa porção. - O governo está abrindo as terras dos índios que ficam a leste. O capim por lá cresce até a altura dos estribos, é uma pastagem ideal para o gado. Estou requerendo direitos de posse de uma parte muito boa.

- Está?

O pai de Lorna examinou-o com interesse e aparente aprovação. Lorna rejubilou-se de orgulho.

- A terra é exatamente o que andei procurando... um lugar onde Lorna e eu poderemos construir um futuro - disse Benteen, lançando-lhe um rápido olhar. - Acho que poderemos nos casar em março e viajar em abril com o rebanho que vou levar para o norte.

- Viajar? - repetiu Lorna. Tinha a impressão de que perdera alguma coisa. - Para onde?

- Eu acabei de explicar - respondeu Benteen com um sorriso paciente. - Descobri em Montana um lugar para nós. Já escolhi até mesmo o local onde vou construir nossa casa.

- Oh...

Foi um som baixo, para lhe esconder a confusão. Fingiu interesse pela comida à frente, mal ouvindo o que o pai conversava com Benteen.

Uma parte dela não podia acreditar que ele estivesse falando realmente sério sobre morar no Território de Montana. O lugar ficava tão longe. Não conseguia imaginar-se deixando o Texas. Benteen nunca lhe falara nesse assunto. E a ideia era muito mais do que assustadora.

Ele porém não pareceu notar o seu silêncio nem a falta de entusiasmo pelos planos que traçava para o futuro de ambos. Lorna sentiu o olhar da mãe, mas não estava disposta a encará-la. Não até que soubesse com clareza o que queria.

- A torta de maçã estava deliciosa, sra. Pearce - disse Benteen reclinando-se para trás, o prato de sobremesa vazio.

- Foi Lorna quem fez. - Corretamente, a mãe lhe deu crédito pela torta, mas esta foi uma das vezes em que Lorna não sentiu orgulho algum de seus dotes culinários. Estava preocupada demais com essa história sobre Montana. - Quer um pouco mais de café, Benteen?

- Não, obrigado - ele recusou, e Lorna sentiu-lhe os olhos.

- Eu ajudo você a tirar a mesa hoje à noite, Clara - ofereceu-se o pai. - Benteen e Lorna têm muita coisa para conversar.

- Sim, claro - concordou a mãe.

Os outros já estavam de pé quando Lorna finalmente empurrou a cadeira para trás. Quase no mesmo instante, Benteen apareceu a seu lado, segurando-a pelo cotovelo.

- Vamos para a sala de visitas? - Tomou como certa a concordância dela e levou-a para a sala vizinha.

- Você está mesmo falando sério sobre essa história de ir para Montana, Benteen?

Ele pareceu ligeiramente surpreso, alteando uma sobrancelha.

- Estou.

- Mas... - Agitação e incerteza lutavam dentro dela. - Você não acha que deveríamos conversar a esse respeito?

- O que é que há para conversar? - Ele franziu o cenho, o olhar concentrando-se nela. - Nós combinamos que eu ia procurar um lugar para nós.

- Sim, mas você não disse coisa alguma sobre Montana - protestou Lorna. - Eu pensava que ia comprar uma propriedade aqui no Texas.

- Não há mais nada por aqui, Lorna - respondeu ele. - Lá em cima, o céu é o limite... e que céu que é! Espere só até vê-lo. É uma terra linda.

- Tenho certeza de que é - murmurou ela. - Apenas, fica tão longe. Um leve sorriso apareceu nos lábios de Benteen.

- Em alguma ocasião, você vai ter que deixar seus pais. Começava a compreender a hesitação de Lorna. Esquecera-se de como ela era jovem. Continuava muito forte o apego aos pais. Mas isso mudaria logo que se casassem. Então ela se dedicaria só a ele.

Abriu os braços para ela. Lorna não ofereceu resistência, mas, também, não veio com a ânsia habitual. Benteen não deu importância ao fato. Fazia tempo demais que não a via, e todo seu corpo clamava pela maciez de uma mulher.

O estarrecimento causado pelo que ele dissera não durou muito sob a pressão do beijo. Quente, a boca de Benteen cobriu-lhe os lábios, numa leve violência de posse. No círculo dos braços que a apertavam, ela sentiu o calor candente da carne dura, ereta. Pequenos tremores percorreram-lhe o corpo, sacudindo-a. A intimidade do abraço assustou-a porque estava despertando desejos que julgava pecaminosos.

com um esforço, desvencilhou-se dele, o coração batendo forte e o peito arfando.

- Acho que você não deve me beijar dessa maneira. Parecia sem fôlego.

Ele levantou-lhe o queixo com o dedo e virou-a.

- Você vai ser minha mulher - lembrou-lhe calmamente. Parecia divertido com o rubor que lhe cobria o rosto. - Não vai?

- vou - murmurou Lorna.

De repente, ela se sentiu tomada por todos os tipos de incertezas sobre a intimidade que o casamento traria.

Significaria que ele a beijaria sempre daquela maneira? E como deveria reagir quando fizesse isso? Esforçou-se para acalmar os nervos tensos e recuperar o controle da situação. Afinal de contas era adulta e logo estaria casada. Tinha que começar a comportar-se assim. Era perfeitamente natural que a futura esposa se sentisse nervosa a respeito da noite de núpcias. Não que não soubesse tudo o que acontecia com as aves e as abelhas.

Mas não conhecia resposta a todas as perguntas. Claro que podia discutir o assunto com a mãe. Talvez fosse de esperar que experimentasse aquelas sensações quando Benteen a beijava. Talvez não houvesse nada de errado nisso.

- Algum problema, Lorna?

Benteen examinou atento as expressões que se sucediam no rosto da moça.

- Problema? - Teve a impressão incómoda de que ele lia seus pensamentos. - Não, claro que não - mentiu. - Nós temos que marcar a data do casamento.

- Você marca. Eu estarei lá.

Aquela promessa acendeu-lhe uma nova emoção.

Aparentemente, em nada ajudava o seu estreito relacionamento com a mãe. Tinha dificuldade em discutir a maneira como Benteen a fazia sentirse às vezes. Não era muito o que podia usar como comparação, uma vez que não se sentira atraída por mais ninguém. Caíra de amores por Benteen logo que o conhecera.

- Sobre o que você queria conversar comigo, Lorna? - provocou-a a mãe.

Lorna afastou-se da janela, um pouco surpresa com a pergunta. Estivera procurando uma maneira de abordar o assunto.

- Eu... eu estava pensando no que Benteen disse na noite passada... sobre essa mudança para Montana.

Era melhor começar por aí.

- Parece tão longe, não? - Os olhos da mãe enevoaram-se. - Seu pai e eu vamos sentir uma falta enorme de você.

- Acho que estou com medo - confessou ela. - Pensei em orarmos mais perto. Não tenho certeza se quero ir para lá.

- O lugar da mulher é junto do marido - lembrou-lhe ternamente a mãe. - Ainda quer casar com ele, não quer?

- Quero. - Lorna não tinha dúvidas a esse respeito. - Acontece apenas que... - Levou as pontas dos dedos aos lábios, lembrando-se da pressão do beijo de Benteen. - Há tantas coisas que eu não sei - terminou com um suspiro.

- Toda noiva sente o mesmo. - A mãe sorriu. - E parece que cada uma aprende por si. Lembro-me de que era a pior cozinheira do mundo quando casei com seu pai. É um milagre que ele tenha sobrevivido ao primeiro ano.

- Acho que posso me arranjar na cozinha e cuidar da casa. Mas o que é que vai acontecer quando formos ter um bebé? - Aquela sensação desagradável invadiu-a novamente. - Quero dizer, supondo que vamos ter.

- Tomara que tenham. Tomara que tenham muitos.

- Eu não sei... - Lorna virou-se, controlando a inquietação. - Às vezes, quando penso... - Parou, sem poder terminar a frase.

- Certamente não vai ser fácil no começo - disse a mãe. - Mas, depois de algum tempo, acho que aceitará com mais facilidade a ideia, se quiser filhos.

- Eu... eu acho que quero.

Ficou perturbada com a resposta da mãe, que parecia confirmar as conversas das moças na escola. Sexo era algo que mulher direita suportava. Não havia nisso o menor prazer, a menos que a moça fosse imoral.

Era melhor não contar à mãe a maneira como Benteen a fazia sentirse. A excitação que sentia e aqueles tremores esquisitos pelo corpo. Naturalmente, teria que aprender a dominá-los. Queria ser uma esposa direita.

Em meados da manhã Benteen chegou ao rancho de seu pai, o Barra C. Certa vez, haviam conversado sobre uma sociedade, mas o Estouro de 1873 acabara com o sonho. A dura realidade de ter que ganhar a vida levara-o a trabalhar para outros patrões, enquanto o pai continuava a lutar para salvar o rancho. As nevascas do último inverno puseram virtualmente um ponto final nesse sonho - as nevascas e Judd Boston.

Benteen tivera uma vaga desconfiança sobre as marcas modificadas do gado, mas só se manifestara na véspera a Boston. Nesse momento, tinha quase certeza de que o banqueiro estivera pegando um garrote aqui, uma vaca ali. Havia um ou dois tipos inescrupulosos em sua folha de pagamentos, e acreditou ter descoberto para que eles serviam. Mas não era provável que pudesse evidenciar alguma coisa. Nem mesmo sabia se isso faria alguma diferença, caso pudesse provar. No máximo, o pai perdera umas cinquenta cabeças nos últimos cinco anos. O problema era a exiguidade de seu plantel, e cinquenta cabeças constituíam um grande prejuízo. Números... aí estava o segredo de tudo.

com todo cuidado, observara as operações de Judd Boston no Barra 10. Aprendera muito e conhecia gado. Sem querer, Judd Boston lhe inculcara senso comercial, a importância da expansão e de mercados.

Parando o tordilho castrado em frente ao celeiro, desmontou e retirou sela e equipamento. Deu-lhe uma forte palmada na anca, enviando-o pela trilha esburacada que acabavam de percorrer. Dentro de uns dois dias o cavalo apareceria na cocheira pública, reclamando sua ração de aveia e milho.

Guardando sela e rédeas, levou a tralha para a casa, um prédio simples de madeira branca que já mostrava os sinais da idade. A casa dispunha apenas de quatro cómodos - uma cozinha com fogão a lenha e um poço interno que fornecia água corrente; uma sala fronteira com lareira de pedra, uma escrivaninha de nogueira-pecã e um sofá de crina; e dois pequenos quartos.

Colocou o rifle na prateleira junto à escrivaninha e levou a trouxa de dormir e os alforjes para o menor dos dois quartos - o quarto que sempre fora seu. Não viu sinal do pai, mas não esperava encontrá-lo em casa antes do fim do dia.

Meses se passaram desde que estivera em casa pela última vez, mas nada mudara. Olhou para o retrato que ocupava a posição de honra na cornija da lareira. O bem-estar desapareceu ao dirigir-se para a lareira enegrecida e pegar a moldura oval trabalhada que continha a fotografia.

Era de uma bela mulher. Quanto a isso não havia dúvida. Achava mesmo que a pose pudica e o daguerreótipo esmaecido não lhe faziam justiça. Os cabelos eram louros - da cor de mel silvestre, dissera o pai -, e os olhos, tão negros como eram claros os cabelos. Aquilo fazia uma combinação ousada, que se tornava ainda mais impressionante quando temperada pela fisionomia de traços fortes, embora bem femininos.

Mas olhando para a foto, Benteen não reparava na beleza de sua mãe. Notava naqueles olhos a determinação egoísta e a ânsia de tirar algo mais da vida. Sentia amargura? Sentia.

Se dependesse dele, a fotografia emoldurada de Madelaine Calder teria sido usada para acender fogo há muito tempo. Mas não foi possível. Recolocou a foto no mesmo lugar, indo para a cozinha fazer um pouco de café.

O pai chegou pouco antes do anoitecer. Não sendo homem de arroubos, Seth Calder cumprimentou o filho com reserva, apesar da longa separação. Era grande a semelhança entre os dois em altura e tez, mas Benteen possuía ainda um bocado de arestas. As de seu pai haviam sido gastas e polidas.

Trocaram poucas palavras enquanto o pai se lavava e Benteen punha a ceia na mesa. Só depois de acabada a refeição, quando o pai se reclinou para trás na cadeira, é que houve uma verdadeira tentativa de conversa.

Um charuto eventual era um dos poucos prazeres que Seth Calder ainda Se permitia. Acendeu um e começou a tirar baforadas, rolando-o entre os lábios e saboreando-o em silêncio. Sua atitude e aparência indicavam prosperidade, e não um homem à beira da falência. Por mais inútil que considerasse a luta para conservar o rancho, Benteen admirava a intrepidez do velho - mantinha tudo no lugar, mesmo que fosse falso.

- Como foi a viagem? - Seth Calder tirou o charuto da boca o suficiente para fazer a pergunta.

- Ótima. - Benteen girou o café dentro da caneca. - Quantas cabeças você perdeu no último inverno?

- Ao todo, umas trinta. Achei as carcaças da metade delas.

- Verificou nos rebanhos do Barra 10 se algumas de suas cabeças não se misturaram com as deles?

Benteen ainda não queria contar suas suspeitas.

- Verifiquei. - Foi uma resposta curta, mas o tom encorajava Benteen a insistir.

- Seria muito fácil transformar a marca do Barra C em Barra 10. E seria difícil provar isso. - Olhou para o pai por cima da borda da caneca enquanto tomava um gole.

Um sorriso surgiu num canto da boca de Seth.

- Não, se alguém fizesse um trabalho atamancado.

- Então, é verdade? - Ergueu a cabeça e olhou surpreso para o velho. - Só desconfiei ontem. Há quanto tempo você acha que isso vem acontecendo?

- Neste outono, encontrei por acaso um novilho com uma marca nova do Barra 10 sobre uma velha do Barra C - respondeu o pai, o charuto ainda entre os dentes.

O rosto de Benteen contraiu-se.

- Por que não fez nada quando descobriu? Por que não procurou o xerife?

- E eu podia? Tirou o charuto da boca e examinou a cinza que se formava na ponta. - Quando meu próprio filho trabalhava para o homem que roubava meu gado?

- Agora não recebo mais salário do Barra 10. - Benteen pôs a caneca em cima da mesa. - Devia ter me contado.

- Você viajou para o Wyoming com a boiada. E eu não tinha prova de que aquilo não era trabalho de um vaqueiro interessado demais em agradar o patrão, sem o conhecimento de Boston.

- Nada acontece naquele rancho que ele não saiba. Nenhuma ordem é dada sem o conhecimento dele - disse Benteen categórico.

- Foi isso o que pensei. - O pai parecia indiferente. - Mas ele não botou mais a mão em nenhum animal. Estou conservando perto daqui o que sobrou do rebanho para ficar de olho e fazer uma contagem diária. Na próxima vez em que algum desaparecer, sei com quem vou falar.

- Venda tudo, pai - insistiu Benteen, inclinando-se para a frente.

- O que foi que este lugar lhe trouxe, a não ser sofrimento? Requeri um pedaço de pastagem natural no Território de Montana que faz o Texas parecer um algodoal depois da colheita. Barnie está lá tomando conta para mim, até eu chegar com um rebanho. Podemos levar a criação do Barra C e soltá-la em todo aquele capim gratuito.

Seth Calder sacudiu a cabeça.

- Nada disso. Não vou desistir simplesmente porque as coisas ficam difíceis.

Embora impaciente e irritado com aquela cega obstinação, Benteen manteve a calma.

- Você não compreende, pai - respondeu em voz contida. - Lá em cima poderemos construir uma fazenda que fará o Barra 10 parecer um acampamento de grileiros. Está tudo lá, é de graça, e tudo aquilo pode ser nosso!

- A coisa pode parecer boa para você, mas para mim cheira a fuga.

Não havia moleza no pai, e seu olhar era de pedra. - Ninguém vai me expulsar daqui, e muito menos um aproveitador como Boston.

As pernas da cadeira arranharam o chão quando Benteen afastou-se da mesa e foi, com os nervos tensos, até o fogão de ferro fundido, onde encheu a caneca no bule de metal.

- Por quanto tempo mais você pode aguentar? Outro inverno ruim, um verão sem chuvas, e estará acabado. Boston nem precisa levantar um dedo.

Aquilo era tão óbvio que até um cego veria.

- A luta só acaba quando param os tiros.

- E depois? - provocou-o Benteen, os lábios comprimidos numa linha. - O que vai acontecer quando acabar e você perder?

- Eu não saio daqui. - Seth Calder era inabalável. - Construí este rancho para Madelaine e para mim. Estarei aqui quando ela voltar.

A amargura explodiu em Benteen.

- Ela não vai voltar, nunca! Nem hoje, nem amanhã! Nem no ano que vem! Você está mentindo para si mesmo! Se não estiver morta, com certeza é a puta de outro homem.

Seth levantou-se, a raiva queimando-lhe o rosto, o charuto nos dedos crispados.

- Não admito que fale assim de sua mãe!

Benteen calou-se e engoliu tudo o que gostaria de dizer. Não teria efeito sobre o pai, que não aceitava uma única palavra insultuosa contra ela. A batalha silenciosa terminou quando Benteen recuou e desviou a vista.

- vou passar o inverno no mato, formando um rebanho com gado selvagem. Uns dois caras do Barra 10 vão me ajudar - disse em voz sem expressão. - Eu me caso quando chegar a primavera. Lorna e eu iremos para o norte com o rebanho.

Era o enunciado de sua decisão, não um pedido de aprovação ou de bênçãos. Já lhe pedira que o acompanhasse e não ia insistir. O pai tinha que fazer o que julgava certo - exatamente como ele.

Na sala de jantar da casa-grande do Barra 10, Judd Boston conversava em Particular com seu capataz, um tipo magro, de ombros estreitos, chamado Loman Janes. Loman possuía as mãos enormes de um homem competente com uma corda e o rosto esburacado por bexigas, curtido por longas horas ao sol. Seus olhos cinzento-claros brilhavam de ressentimento com a reprovação que ouvia do homem que tinha sua lealdade total.

- Estou lhe dizendo - continuou Judd - que deve ter havido uma razão para assim de repente Calder suspeitar de alguma coisa, depois deste tempo todo. Alguém soltou alguma coisa a respeito daquelas marcas. Um de seus homens "escolhidos a dedo", provavelmente, quando estava de cara cheia.

- Não. - Loman Janes, alto e esgalgado no centro da sala, conservou inalterável seu orgulho. - Eles sabem muito bem que, se querem conservar a língua, não podem falar nem por alto. Ele estava apenas arriscando um palpite quando lhe disse aquilo.

Judd Boston não gostou da resposta. Todos seus planos vinham se desenvolvendo que era uma beleza, até que Chase Benteen Calder enlameara as águas com suas suspeitas.

- Tive a impressão de que o velho desconfiou do que estava acontecendo quando reuniu todo o rebanho perto da casa-grande. - Mentalmente, passou em revista os fatos recentes, antes de obrigar os olhos a voltarem ao capataz. - Ele esperou até que Benteen voltasse para mostrar as unhas. Agora você me diz que Shorty Niles e Trumbo estão pedindo as contas porque vão trabalhar para Calder.

- Dizem que ele vai reunir um rebanho e levá-lo para o norte explicou secamente Loman. - Viajando com tantas boiadas, ele com certeza meteu na cabeça fazer um grande lucro com um rebanho próprio.

- E se ganhar uma bolada, o que é que vai fazer com o dinheiro? A pergunta foi feita em voz alta, mas Boston não estava interessado na opinião de Loman. Não confiava no julgamento de homem nenhum, só no seu. - Investi-lo no Barra C - concluiu, sombrio.

- Trumbo andou comentando que Calder requisitou direito de posse de umas terras públicas lá no Território de Montana - explicou o capataz.

- Comentando. - Mostrou todo seu desprezo por essas fofocas de vaqueiros. - Lá não há nada, apenas índios siouxecheyennes. Faz apenas 10 anos desde que eles acabaram com Custer e sua tropa. Ele está simplesmente tentando nos botar numa pista errada.

Era isso o que teria feito no lugar de Calder, de modo que não podia acreditar em outra coisa.

- Estão falando de pastagens públicas lá em cima.

Loman conhecia gado e vaqueiros - e a magia que havia nessas palavras.

- E eles têm pastagens aqui mesmo... e água e gado - retorquiu Boston. - Estou esperando há dez anos para tomar aquela água do rancho de Calder. com ela, toda a área ficaria nas minhas mãos.

Manobrara um bocado nos bastidores para colocar Seth Calder na atual situação de desespero. Cobiçara as terras do Barra C desde que chegara à região, mas logo descobrira que não havia dinheiro que pudesse comprá-las. Muito tempo antes, porém, aprendera a curvar-se com o vento e correr com ele. Sabia quando pressionar e quando esperar. Paciente e inescrutável, esperara. O Barra C estava às vésperas do colapso. Aquele era o momento de pressionar.

Quero que você descubra onde está Benteen agora, quantos homens estão com ele e o que ele está fazendo - ordenou.

E o velho? - perguntou Loman.

Não sobrou muita coisa dos negócios dele. - Um sorriso frio, sem humor, surgiu nos cantos da boca de lábios grossos de Boston. - Logo, não vai ter mais nada.

Loman sabia que era melhor não perguntar o que o patrão andava planejando. Intimidava-o a inteligência de Boston, e respeitava a determinação implacável daquele homem. Havia um pervertido senso de orgulho em estar ligado ao tipo de poder que Boston possuía. Contentava-se em ser o músculo daquele cérebro. Sabia que, a fim de realizar seus planos, Boston precisava de uma pessoa tão discreta e sem escrúpulos como ele. Em sua opinião, formavam uma equipe. O patrão dava as ordens e ele as cumpria, mas um dependia do outro. Quanto mais poderoso Boston se tornasse, mais poderoso ele se tornaria, por associação.

Não havia trilhas no matagal do Texas. Nem espaço para elas. A vegetação crescia em moitas cerradas, dificultando a passagem de homem ou animal e estrangulando o capim natural que outrora cobrira esses milhões de hectares.

Era uma região decididamente hostil, cada planta exibindo intimidadoras presas e espinhos finos como agulhas. Entre as raquíticas algarobeiras que dominam a paisagem nasce o paio verde, seus espinhos preto-esverdeados mais visíveis do que suas folhas, e cactos arredondados que lembram almofadas de alfinetes. Há ainda a unha-de-gato, que os mexicanos chamam de "espere-um-minuto", uma expressão muito apropriada, endossada por todos que foram colhidos em seus espinhos.

Ninguém jamais alegou que Deus teve algo a ver com esse escuro chaparral. O que se diz é que Ele deu ao demónio essa terra como playground.

As cascavéis e os irritadiços porcos-do-mato de colmilhos afiados usam-no como lar. Nenhum cavalo ou cavaleiro passou por essas moitas sem ter por companhia o chocalho da serpente. Não haveria razão para aventurar-se pelo matagal se longhorns astuciosos e selvagens não o escolhessem como esconderijo.

Os rústicos longhoras não eram de encher a vista: flancos chatos, ancas estreitas, descaimento nas costas e grandes orelhas pendentes, eram a caricatura de um boi. O par de chifres longos e encurvados que dava à raça o seu nome teria normalmente uma envergadura de 1,20m, mas era raro se apresentarem uniformes. Um lado podia apontar para baixo, e o outro, para cima. Inclinavam-se, torciam-se, formavam espirais, nos movimentos mais estranhos. Os longhorns tinham todas as cores possíveis: pardacentos lavados, rajados e azulados, fulvos, marrons e vermelho sujo - em uma só cor, malhados ou mosqueados.

De desenvolvimento lento, só atingiam seu peso máximo de quatrocentos a quinhentos quilos aos oito anos de idade ou mais. Mas aquele animal alto, ossudo, podia viajar quilómetros intermináveis, enfrentar lobos, ursos e felinos, suportar secas e nevascas e se adaptar às terras mais inóspitas e aos mais inclementes climas.

De modo que vaqueiros penetravam nesses redutos espinhentos de cerrado sem fim à procura do gado selvagem que pertencia a quem fosse homem suficiente para capturá-los e tirá-los dali. Os vaqueiros lutavam contra o matagal cruel, amaldiçoavam-no e desenvolviam um sadio respeito por ele com Shorty Niles cavalgando a seu lado, Benteen levou a passo o baio até uma parte descampada do chaparral. Estavam em fins da tarde, para uma última vistoria na área antes que acabasse a luz. Dois dias antes, naquelas vizinhanças, localizaram umas duas vacas acompanhadas de bezerros, mas não puderam laçá-las. Benteen queria fazer outra tentativa.

Caçar gado no cerrado exigia roupas e equipamentos que oferecessem resistência máxima à vegetação espinhosa. As perneiras de couro que protegiam as pernas de Benteen eram macias e confortáveis, sem o menor ornamento que pudesse se prender nas moitas. Tapaderos envolviam os estribos da sela para impedir que um galho furasse a bota ou arrancasse o pé de seu apoio. A jaqueta colava-se justa aos ombros, costelas e cintura, sem dobras frouxas que pudessem ser colhidas por um espinho. O chapéu era de copa baixa.

Benteen usava luvas de couro para lhe proteger as mãos dos espinhos, mas não Shorty, que reclamava por serem quentes demais. Por isso vivia com as mãos cobertas de cicatrizes e arranhões.

Sendo de baixa estatura, Shorty precisava muito de auto-afirmação. Estava sempre pronto a arriscar a vida ou um membro. Muitos se perguntavam como conseguira chegar vivo aos dezessete anos. O corpo baixo, entroncado, possuía os músculos de ferro de um homem mais velho, e a experiência de escaramuças incontáveis com o perigo estava gravada em seu rosto largo. Era amigo incerto, mas Benteen não preferia tê-lo como inimigo.

Nenhum dos dois falou enquanto levavam os cavalos a passo pelas moitas. Falar exigia esforço, e precisavam de energia para a caçada. Passaram por uma moita com espinhos que pareciam adagas. A floração de inverno, de pequenas flores brancas, saturava o ar com um cheiro enjoativo, mas não conseguiu abafar a fedentina de uma cascavel de um metro e vinte de comprimento que se encontrava à frente, pisoteada e morta pelos cavalos, dois dias antes. Era o cheiro doentio mais conhecido do homem que frequentava aquelas moitas, emanado de cascavéis furiosas no momento da morte.

O baio hesitou por um momento e parou. Benteen ficou imediatamente alerta para os sinais da montaria, esperta nas coisas do matagal. O nariz e as orelhas empinadas do baio apontavam para uma sólida parede de algarobeiras. Enquanto o cavalo tremia ansioso entre suas pernas, Benteen viu uma vaca rosilha quase camuflada e os chifres torcidos de outra. Os animais permaneceram imóveis, acocorados nas moitas, até que tiveram a certeza de que foram vistos.

Ao seu lado, Shorty soltou um berro texano, um som agudo que é uma mistura de grito de guerra comanche e uivo de rebelde sulista. com os nervos liberados, os dois vaqueiros esporearam os cavalos na direção dos longhorns escondidos. A natureza deu aos longhorns a agilidade de um cervo, que lhes permite levantar-se de um salto, num segundo, e partir em desabalada corrida.

Não parecia haver abertura alguma nas moitas, mas onde uma vaca podia ir, um cavalo podia segui-la. Cabia aos cavaleiros permanecer na sela da melhor maneira que pudessem.

Benteen perseguiu a rosilha enquanto Shorty desviava-se para o segundo longhorn. Atingiram a moita a toda velocidade, abrindo-lhe um buraco - um buraco que pareceu fechar-se no exato momento em que passaram. Ramos saltaram e estalaram; galhos espinhosos arranharam-lhes as perneiras e riscaram-lhes as roupas. Para não ser lançado fora da sela, Benteen deitou-se sobre o animal, abaixando-se mais e desviando-se dos obstáculos, colando-se ao pescoço do baio e estirando-se em seguida na direção oposta. Usava os braços, as pernas, as mãos, todo o corpo para proteger a cabeça dos galhos espinhosos que tentavam furar-lhe os olhos. Não ousava fechá-los ou perderia o controle e não veria o galho seguinte. Tal como o cavalo que montava, estava inconsciente de tudo mais que não os chifres encurvados da vaca que corria à frente deles.

Era uma corrida brutal, arrepiante, para emparelhar-se com a rosilha. Na vegetação cerrada não havia espaço para cordas compridas ou grandes laços. Enquanto o baio fechava a distância sobre a vaca selvagem, Benteen esperou até dispor de uma pequena abertura nas moitas, do tamanho de uma manta de sela. Usando uma corda curta, estendeu o braço e lançou o laço em volta da cabeça do animal, aproveitando a vegetação escassa perto do chão.

O baio retesou-se e preparou-se para absorver o puxão quando a vaca chegasse ao fim da corda. Logo que o laço se fechou em torno do pescoço, a vaca soltou um mugido de raiva e medo. Mergulhando para a frente e lutando contra o laço, enrolou os chifres no obstáculo que a prendia, mas não atacou o vaqueiro, como fazem algumas de sua espécie.

Após longa luta, tornou-se dócil e, de má vontade, obedeceu ao puxão da corda, permitindo que Benteen a tirasse do matagal. Às vezes, gado selvagem tinha que ficar amarrado durante dias a uma árvore, até que amolecesse o suficiente para se deixar conduzir. Em casos extremos, as pálpebras do boi rebelde eram costuradas, de modo que ele seguia cegamente outro animal a fim de evitar ramos traiçoeiros.

Trazendo a vaca a reboque, Benteen virou o baio na direção do acampamento principal, onde prendiam em currais o que conseguiam capturar. Não esperou por Shorty. O jovem vaqueiro sabia se virar sozinho. Era comum o pessoal que trabalhava no cerrado não conseguir voltar antes da noite. Nesse caso, dormia onde estivesse.

Shorty emparelhou-se com Benteen cerca de quilómetro e meio antes de chegar ao acampamento. Cavalo e cavaleiro mostravam claramente as marcas da perseguição. Benteen viu um corte na cernelha direita do baio, no lugar onde um chifre rompera o couro. Tal como no caso de sua montaria, as pernas do cavalo estavam arranhadas e cheias de espinhos. Shorty tinha um longo corte na bochecha, onde o sangue começava a coagular e formar casca.

- Tive que deixar a minha lá, amarrada a uma árvore - falou com um sorriso. - vou pegá-la dentro de uns dois dias.

Benteen inclinou a cabeça e olhou para os pedaços quebrados de galhos que se projetavam da forquilha da sela de Shorty.

- Você tem lenha suficiente aí para fazer uma pequena fogueira.

- Acho que tenho mesmo. - Shorty soltou uma risada e começou a tirar os pedaços de galhos.

Ao chegarem ao acampamento, a noite já descia sobre o cerrado. Jessie Trumbo acendera a fogueira e fritava bifes de um novilho que haviam charqueado no dia anterior. O café pronto esperava no bule, mantido quente ao lado dos carvões. Ao ver Benteen trazendo a vaca pela corda, Jessie enfiou no fogo o ferro de marcar.

Em frente a um curral feito de varas de algarobeira, Shorty amarrou as patas traseiras do animal. com Benteen à cabeça e Shorty puxando a cauda, os três deitaram a vaca, com um flanco para cima. O ferro em brasa era encurvado em forma de C. Jessie calcou-o três vezes no couro da vaca, queimando o pêlo apenas em profundidade suficiente para deixar uma cicatriz permanente do Triplo C.

Na ausência de Jessie, outro vaqueiro, chamado Ely Stanton, encarregara-se do trabalho de cozinha. Num acampamento de vaqueiros, todos executavam qualquer tarefa necessária, e sem queixas. Contando Benteen, havia cinco vaqueiros usando o acampamento como base. Quatro outros, entre eles Andy Young e Woolie Willis, estavam nesse momento tocando pela pradaria um rebanho de mil e duzentos animais capturados.

Depois de marcada a vaca, Benteen soltou-a no curral e tirou os arreios do baio. Antes de levá-lo para junto da cavalhada, extraiu-lhe das pernas os espinhos e tratou dos cortes.

A noite era completa quando Benteen finalmente se reuniu aos outros vaqueiros no fogo do acampamento. Contundido e arrasado pelo dia de trabalho, serviu-se em gestos lentos de uma xícara de café forte, antes de sentar-se de pernas cruzadas no chão. Após três meses extenuantes, o trabalho estava quase no fim. Possuía um rebanho de bom tamanho, de gado misto e com a sua marca. com os mil e cem dólares que conseguira juntar nos três últimos anos, de seus salários de chefe de tropa, e o dinheiro que ganhara com a venda de gado selvagem que laçara, marcara e levara para o norte com os rebanhos do Barra 10, teria o suficiente para comprar algumas mudas de cavalos, uns dois carroções e suprimentos para a viagem. Poderia vender em Dodge City alguns novilhos mais taludos e conseguir dinheiro suficiente para pagar os vaqueiros e ainda lhe sobraria uma boa quantia para os primeiros e difíceis anos - se tivesse sorte.

Varreu com o olhar o rosto dos outros homens em volta da fogueira.

- Alguém viu Spanish hoje?

O mestiço mexicano estava fora havia três noites, mas praticamente fora criado no mato. Conhecia-lhe todos os segredos. Benteen não se preocupava com a prolongada ausência de Spanish Bill, mas notara o fato.

- Não. - Ely virou com a faca o bife que chiava na gordura da frigideira.

- Eu cruzei as pegadas dele esta manhã - disse Jessie. - Mas já tinham dois dias.

- Onde?

- Perto daquele trecho de moitas brancas.

- Amanhã eu vou até lá. - Benteen tomou um gole do café escaldante, forte o suficiente para lhe endireitar a espinha e amargo o bastante para lhe despertar os sentidos.

Alguma coisa farfalhou nas moitas, atraindo a atenção de todos. A luz do fogo tremeluziu, lançando sombras grotescas sobre o matagal. Antes que alguém tivesse tempo de pegar uma arma, um homem gritou com forte sotaque.

- Sou eu. Spanish.

Uma forma desengonçada separou-se das sombras e aproximou-se a pé da fogueira, arrastando a massa pesada de uma sela. Quando Spanish Bill entrou no círculo de luz, as roupas sujas e rasgadas contaram grande parte de sua história. O andar claudicante contava mais.

- Onde está seu cavalo? - perguntou Shorty.

Ninguém mencionou o fato de que Spanish estivera ausente durante três dias. A maneira como o recebiam seria a mesma sempre, como se o tivessem visto pela manhã.

- Por lá. - Spanish indicou o cerrado com um movimento de cabeça e deixou cair a sela num pedaço limpo do chão. Arrastando o pé esquerdo, Veio manquejando até o fogo e serviu-se de café. - Pensei que ia passar outra noite no mato, até que cheirei esses bifes.

- Estão quase queimando. - Ely mostrou que a carne estava pronta.

Spanish claudicou até a sela e arriou-se no chão, encostando-se nela e estirando a perna ferida.

- Passei o laço num ladino. - Mas criminoso seria o mais próximo da descrição que um vaqueiro daria a um boi selvagem que luta até a morte para conservar a liberdade. - Quando a corda começou a apertar em torno do pescoço, ele trocou de lado como um cavalo chucro. Aquele ladino tinha uns chifres de mais de metro e meio, talvez dois. Atacou meu cavalo, enfiou uma ponta de chifre no peito dele, torcendo e empurrando. Não tive a menor chance de soltar a corda. O cavalo morreu bem debaixo de mim. Era um bom cavalo. - Sacudiu por um instante a cabeça. - Mas o ladino, o safado, foi embora levando minha corda.

Era mais fácil substituir um cavalo do que uma boa corda.

- Não era um boi velho, castanho-avermelhado? - perguntou Jessie.

- Si- confirmou Spanish.

- Tive uma pega com ele na semana passada. Aquele animal não vai ser capturado. Não perca seu tempo tentando. É melhor dar um tiro nele.

Ninguém discordou.

Foi uma ceia de bifes e feijão, acompanhada pelo pão feito de farinha de milho, gordura, água e um pouco de sal. Ninguém fingiu que era uma delícia. Mas era comida forte, e só isso importava.

Depois de comer, cada homem esfregou seu prato com areia. A água era valiosa demais para ser desperdiçada em lavagem. Havia ainda um pouco de café no bule. Benteen serviu-se e sentou-se no chão, na orla obscurecida da fogueira. Quando tirou do bolso o saco de fumo Buli Durham, notou que estava quase vazio.

- Ei, Benteen. - Shorty quebrou o enfadonho silêncio. - Você vai convidar a gente para seu casamento?

- Eu estava pensando em convidar vocês todos para seguirem com a gente em nossa lua-de-mel - respondeu, enquanto fechava as pontas do cigarro enrolado.

- Você está falando sério?

Estirado no chão, usando a sela como travesseiro, Shorty levantou a cabeça a fim de olhá-lo atento, cenho franzido.

- Claro que estou. - Inclinou-se para a frente, pegou um galho em brasa na fogueira e encostou-o na ponta do cigarro. - Lorna e eu poderíamos precisar de um pouco de ajuda, levando aquela boiada para o Território de Montana.

- Você vai levá-la com a boiada? - Jessie Trumbo pareceu incrédulo.

- Eu não vou me casar com ela e deixá-la para trás - respondeu Benteen. - O oferecimento está de pé. Qualquer um de vocês que quiser trabalho, levando aquele gado para o norte, será bem-vindo.

- Pode contar comigo. - Shorty foi o primeiro a se decidir.

- Eu não tenho nada que me prenda no Texas - observou Jessie.

- Spanish? - Benteen lançou um olhar ao mexicano. Gostaria de poder contar com a experiência dele na viagem.

Eu vou com o gado - concordou ele, e sorriu alegre quando acrescentou uma rápida ressalva - se você conseguir chegar lá antes do inverno. Meu sangue é ralo demais para aquele clima.

A antipatia do mexicano pelo frio era bem conhecida e muito exagerada. Benteen esboçou um sorriso preguiçoso quando se voltou para o último homem do grupo. Ely Stanton, o caladão, o último a falar, lento em decidir, até ter pensado bem. Era também o único casado ali. Tentara a sorte em tudo - da agricultura ao comércio -, mas só se sentia feliz em cima de um cavalo.

- E você, Ely? - perguntou Benteen.

- Acho que Mary não vai gostar disso - respondeu devagar, referindo-se à sua mulher. - Ela tem parentes lá pras bandas de lowa. Anda pensando em irmos ver se arranjo algum lugar com terra boa por lá.

- Ora essa, Ely, você não vai andar atrás de um arado e olhar para o traseiro de um cavalo o dia inteiro quando poderia estar montando nele, vai? - disse Shorty com o desprezo do vaqueiro pelo lavrador.

- Fico pensando nisso. - Parecia um homem rude, atiçando as brasas da fogueira.

- Se resolver deixar tudo por aqui e se mudar para lowa, pode ir com o rebanho até Dodge City - sugeriu Benteen. - Lorna gostará de ter a companhia de outra mulher, durante parte da viagem.

- Eu aviso quando resolver - prometeu Ely.

O gado inquietou-se no curral, batendo chifres. Os homens em volta da fogueira ficaram imediatamente alerta, esperando problemas. Mas foi apenas uma pequena mudança de posição. Minutos depois voltou o silêncio.

- Você ficou longe durante um tempo danado de comprido, Benteen - observou Shorty. - Como sabe que sua pequena ainda espera para casar com você? Talvez tenha mudado de ideia e fugido com outro cara.

Sem saber, ele tocava num ponto delicado. Benteen nunca esquecera a fuga da mãe.

- Lorna não é desse tipo - respondeu seco.

- Ei, eu não quis insinuar nada - protestou Shorty. - Você esteve no mato tempo demais. Está tão espinhento como um cacto.

Benteen tirou a última tragada do cigarro e lançou a ponta no fogo que morria.

- Vamos embora nos próximos dois dias. Logo que enchermos aquele curral, vamos nos reunir a Willie e ao rebanho principal e seguiremos para Fort Worth.

Dentro de uma semana, todo o gado estava reunido e a caminho de Fort Worth. Os primeiros dias na trilha eram críticos, pois era o período de adaptação da boiada à estrada. O instinto natural os atraía de volta para o cerrado. Os vaqueiros mantinham-se ocupados o dia inteiro, mantendo-os na direção certa.

Alguns chefes de boiada acreditavam em mimar os animais, conduzindo-os lentamente nos primeiros dias. Benteen resolveu puxar pelo rebanho misto de vacas, garrotes e bois - jovens e velhos - de tal modo que ficassem cansados ao anoitecer e menos inclinados à agitação e a um estouro. Naqueles primeiros dias, fizeram em média 25 quilómetros diários.

A sorte estava favorável. O rebanho encontrava-se a poucos quilómetros de Fort Worth e não aconteceu nenhum estouro. Sabia-se de casos de boiadas com o hábito de estourar todos os dias. Mas se os estouros pudessem ser evitados nos primeiros dez dias, tornava-se fácil conduzir a boiada durante o resto do caminho.

Benteen cavalgava com Spanish Bill à esquerda do rebanho. Um garrote de pernas compridas assumira a liderança e seguia à frente.

Um cavaleiro, montando em pêlo um alazão grande demais, apareceu numa elevação na planície, à frente da boiada. Benteen espigou-se na sela, pronto para amaldiçoá-lo se assustasse o rebanho. O grande alazão foi contido no momento em que o cavaleiro viu o rebanho espalhado à frente. Benteen relaxou um pouco quando cavalo e cavaleiro descreveram um grande círculo, aproximando-se pelos flancos.

Sem parecer interessado, Benteen manteve sob estreita vigilância o jovem que chegava. O alazão tinha sangue de cavalo de tração para ter aquele tamanho todo, e o rapazola magro que o montava parecia ter saído diretamente de uma fazenda.

Cada vez mais lavradores chegavam todos os anos, arando as pastagens e construindo cercas. No que interessava a Benteen, mais razão lhe davam para ir embora do Texas. Ouvira falar no novo arame farpado e não gostara nada.

- Podem me dizer onde encontro o sr. Calder? - perguntou o rapaz. A voz já fizera a transição para a maturidade, mas o corpo não a acompanhara. Lembrou a Benteen um potrinho desajeitado.

- Está olhando para ele.

Reduziu o passo do cavalo, deixando que Spanish continuasse, enquanto o rapaz se emparelhava.

O grande cavalo foi posto a passo, e Benteen pôde observar melhor o cavaleiro. Sem chapéu, o rapaz alto e magrelo tinha uma abundante cabeleira castanho-escura, que descia rente até o pescoço. Ele fazia força para parecer mais velho, mas Benteen calculou que devia andar pelos quinze anos.

- Ouvi dizer que o senhor vai levar um rebanho para o norte este ano. - O rapaz olhou para os animais que passavam, simulando possuir um olho crítico. - Parece que estão viajando bem.

- Estão.

Benteen estivera ausente tempo demais para conhecer a família do rapaz, mas, de qualquer maneira, eram muitos os novos agricultores que entravam na área.

- Achei que o senhor poderia precisar de mais alguns vaqueiros. A observação foi feita com uma leve expressão de interesse, mas o olhar ocioso arruinou a postura fria do rapaz.

pode ser - reconheceu Benteen. - Qual é seu nome?

joe. joe Dollarhide - respondeu logo. - Tenho vivido junto de animais a vida toda. Sei tudo sobre eles. Sou trabalhador. Pode perguntar a quem quiser. E também aprendo depressa.

Seus pais têm uma fazenda por aqui? - Benteen pôs as mãos na

sela e deixou-se embalar pelo ritmo dos passos do cavalo.

Têm, sim, senhor. - Foi Uma confissão relutante.

E você quer ser vaqueiro?

£ vou ser. Dos bons - insistiu Joe Dollarhide. - Já conheço bois e cavalos. Sei montar. Atiro bem. Caço desde os sete anos de idade.

Acho que seu pai poderia usar um rapaz forte como você na

fazenda. - Na maior parte do tempo, Benteen mantinha a atenção no rebanho, apenas ocasionalmente lançando um olhar ao rapaz.

Eu tenho seis irmãos e irmãs em casa. São mais do que suficientes

para ajudar. - Em primeiro lugar, garantiu a Benteen que não era necessário em casa. - Além do mais, já é tempo de eu começar a me mexer sozinho e fazer alguma coisa neste mundo.

- Que idade tem você? - Benteen já tivera um palpite, mas queria ouvir a resposta do garoto.

- Dezessete - respondeu rapidamente.

Um brilho de divertimento apareceu nos olhos de Benteen, mas não disse ao rapaz que não acreditava. Usou uma tática mais sutil.

- Lembro-me da primeira vez em que consegui trabalho, cuidando do gado de outra pessoa. Claro, eu só tinha quinze anos. - Olhou diretamente para Joe Dollarhide. - Foi muito bom ser pago para fazer um trabalho que meu pai me obrigava a fazer de graça - continuou em voz arrastada. - Qual foi a idade que você disse que tinha?

O garotão mordeu o lábio inferior e confessou:

- vou fazer dezesseis em abril.

- Idade suficiente para ganhar um salário de homem, não acha? perguntou Benteen com um meio sorriso.

- Sim, senhor. - O rapaz sorriu e agitou-se, mas logo tentou se conter e certificar-se de que compreendera bem. - Então o senhor vai me contratar?

Benteen não se comprometeu.

- Vamos manter este rebanho nos arredores de Fort Worth durante cerca de uma semana, enquanto reúno suprimentos e resolvo uns assuntos Pessoais. vou precisar de ajuda extra para dar uma folga aos rapazes. Mas tem que ser gente de confiança.

O senhor pode confiar em mim. Posso fazer tudo o que for preciso!

- Não vai ser fácil - avisou-o Benteen. Trabalho nunca é fácil. Mas faço qualquer coisa.

- Tem sela para o cavalo?

- Não - confessou o rapaz com uma sombria relutância, mas depois garantiu: - vou comprar uma quando receber meu primeiro salário.

- Mas vai precisar também de outras coisas - murmurou secamente Benteen. - É difícil segurar a ponta de uma corda quando no outro lado está um garrote de quatrocentos quilos que não quer estar ali.

- Eu dou um jeito - insistiu o rapaz, resolvido a não perder a oportunidade de arranjar emprego.

Aquilo era uma tola bravata, mas Benteen deixou passar sem comentário.

- vou experimentar você uns dias. Se servir, eu o contrato pelo resto da viagem. Parece justo, Joe Dollarhide?

- Pode apostar que sim! O senhor não vai se arrepender. Isso eu lhe garanto!

- Se aprovar, eu lhe pagarei trinta dólares por mês, mais pensão. Mas você não pode trabalhar sem uma sela. Até comprar a sua, é melhor eu lhe arranjar uma.

Pelo que lembrava, havia uma velha sela na cocheira do Barra C. Estava muito usada, mas era melhor do que nada.

- Eu pago pelo aluguel dela - disse orgulhoso Joe Dollarhide.

- Volte para casa e junte suas coisas. Venha amanhã pela manhã logo que o sol raiar - disse Benteen. - Se eu não estiver aqui, fale com Jessie Trumbo. Ele dirá o que fazer.

Joe Dollarhide estendeu a mão a Benteen para selarem o acordo.

- Muito obrigado por pensar em me levar para o norte com o rebanho. vou trabalhar bem para o senhor. Já é tempo de eu conhecer mais do mundo, além do Texas.

Um sorriso surgiu nos cantos da boca de Benteen quando apertou a mão do rapaz. Aquela sede de agitação e aventura corria quente no sangue dos jovens. Apesar da inexperiência, havia alguma coisa em Joe Dollaride que lhe agradava.

O rapaz começou a virar a cabeça do alazão para afastar-se, mas voltou e manteve o animal paralelo com o de Benteen.

- Eu queria dizer que sinto muito o que aconteceu com seu pai, senhor Calder. - As palavras saíram com dificuldade, transmitindo grande respeito.

Os olhos de Benteen estreitaram-se, tornando-se duros e inquisitivos.

- Meu pai? O que é que você quer dizer com isso?

Tinha uma maneira de olhar para um homem que o fazia desejar estar noutro lugar, exatamente como o rapaz desejava naquele momento.

- Apenas que... aquilo de ele cair morto assim tão de repente e tudo o mais. - Os ombros do rapaz se mexeram num gesto desajeitado.

O rosto de Benteen estava impassível, mas por dentro o sangue corria rápido e frio. Sentiu grande pressão sobre o peito, quase impedindo-o de respirar.

Ouviu Dollarhide dizer com a voz apagada:

- Estarei aqui ao amanhecer.

Seu assentimento com a cabeça foi automático. O rapaz enfiou os calcanhares nos flancos do alazão e afastou-se. Por vários minutos, Benteen lutou com a cruel realidade da notícia. Era algum equívoco. O garoto não se referira a seu pai. Tudo nele lutava contra a aceitação do fato.

A incerteza, porém, era insuportável. Virou o cavalo e voltou a meio galope pela linha de marcha do rebanho até o lugar onde Jessie Trumbo guardava o flanco. Recolhendo as rédeas, manteve a tensão no freio do bridão, enquanto o cavalo dançava em pequenos círculos.

Estou indo para o Barra C - disse a Jessie, sem dar explicação. Você fica no comando até eu voltar.

- Tudo bem.

Jessie fitou-o com viva curiosidade. Problemas sempre andavam por perto naquela terra. Seu instinto lhe dizia que eles estavam chegando. Algumas vezes vira aquela expressão no rosto de Benteen, e ela nunca anunciara coisa boa.

Uma torcida das rédeas e o estímulo das esporas lançaram o cavalo a galope, afastando-se da boiada. Benteen manteve o mustang a toda, impulsionado pela ânsia de urgência. Ao avistar os prédios do rancho, alguma coisa se enrolou dentro dele como se fosse uma mola de relógio.

O cavalo bufava quando reduziu a marcha. Mudou para uma andadura mais lenta e aproximou-se a trote da casa. Uma sensação desagradável desceu por sua espinha, e não melhorou quando viu um cavalo rosilho no curral, com a marca do Barra 10.

Dirigiu-se para o curral a fim de olhar mais de perto, quando a porta da frente se abriu e um homem saiu para o terraço, apontando-lhe um rifle. Benteen virou o cavalo para ele.

- Está invadindo propriedade particular, Benteen - disse o homem, a voz áspera e clara.

- Desde quando isto aqui é terra do Barra 10?

Pensava que conhecia a maior parte dos vaqueiros de Boston, mas aquele homem barbado era estranho.

- Desde quando o sr. Boston disse que era. - Firmou o cano da arma na direção de Benteen. - Recebi ordem de atirar em invasores, se não seguirem seu caminho.

- Ordens de Boston? - A sensatez fugira de Benteen. Frio e temerário, dirigiu o cavalo a passo diretamente para o cano do rifle. - Você sabe quem eu sou... e sabia que eu vinha.

- Disseram-me que eu podia esperar por você aqui, Calder. - O homem não mostrou hesitação. - Este rancho pertence agora ao Barra 10. O sr- Boston achou que precisava convencer você.

E como ele convenceu meu pai? - perguntou Benteen, olhando de relance para o rifle. - com isso, também?

Não sei. - O homem fez um leve movimento de negação com a cabeça, mas não tirou os olhos de cima de Benteen. - Chega de conversa.

Eu não sou pago para conversar. Siga seu caminho, Calder.

Benteen sentiu um desejo violento, selvagem, de atacar aquele homem e enfiar-lhe o rifle pela garganta. Jamais gostara que lhe apontassem uma arma.

Mas seria um gesto estúpido. Parou o mustang. Doeu no seu orgulho virar o cavalo e sair do pátio. Havia muitas perguntas sem resposta. Dirigiu-se para a estrada de Fort Worth.

O rebanho de Benteen não era o único nos arredores de Forth Worth naquele começo de primavera. No momento em que entrou na cidade, encontrou-a cheia de vaqueiros turbulentos e grupos de boiadeiros que se abasteciam para a viagem ao norte.

Estava tomado por uma raiva surda no instante em que reduziu o passo do mustang e parou-o em frente à casa de Pearce. Desmontando, amarrou as rédeas num meio laço no anel do poste e dirigiu-se para o terraço fronteiro. Seus passos soaram pesados quando cruzou o chão de madeira e bateu duas vezes na porta. Quando ela foi aberta, dirigiu, por um tempo, um duro e indagador olhar ao rosto de Lorna.

Após um momento de surpreso reconhecimento, ela empalideceu.

- Você sabe - disse baixinho.

- Meu pai está morto. - A voz saiu sem expressão, enquanto ele lia a confirmação do fato no rosto da moça.

Lorna inclinou a cabeça uma vez, seus lábios se entreabriram, mas não pronunciou uma palavra. Benteen baixou os olhos para a soleira da porta, fisicamente embotado. Fechou os punhos, tentando aceitar a verdade das palavras que ele mesmo pronunciara, mas um protesto queimava violento em seu íntimo.

- Quando? - a pergunta de uma só palavra subiu rouca de um poço profundo em seu ser.

- Na primeira semana de janeiro.

Benteen cerrou os olhos por um instante, quase nem ouvindo o farfalhar da longa saia da moça. Estremeceu ao senti-la tocar sua mão, numa silenciosa condolência. Secamente, rejeitou-a.

- Entre - convidou ela.

Ele entrou deixando-a para trás, queimando numa espécie de energia bruta. Ouviu um som vindo da sala de jantar. Virou-se e viu a mãe de Lorna. Ela lhe lançou um único olhar e não precisou que lhe dissessem nada.

- Venha até a cozinha, Benteen, tomar um pouco de café – convidou polidamente, como se esta visita não fosse diferente das outras. Automaticamente, seguiu-a para o sossego e a limpeza da cozinha. De olhar vazio, observou-a servir uma xícara de café do bule que se encontrava em cima do fogão a lenha. Ela pôs a xícara em cima da mesa.

- Acho que você não comeu nada, não é? - perguntou a sra. Pearce.

Ele ergueu a mão num gesto vago que dizia que comida não tinha importância.

- O que foi que aconteceu?

Continuou de pé, e nenhum movimento fez para sentar-se na cadeira esmaltada branca ou tomar o café.

Às suas costas, ouviu os passos de Lorna quando ela entrou na cozinha. Não conseguia pensar nela, talvez porque seu coração estivesse incapacitado naquele momento para sentir qualquer emoção. Tinha que mantê-las longe de si.

- O médico disse que foi o coração - respondeu a sra. Pearce com sombria atenção aos fatos, sem dourar a pílula. - Quando o médico chegou, era tarde demais para fazer alguma coisa.

- Onde estava ele quando isso aconteceu? - perguntou Benteen.

- Tinha vindo à cidade comprar suprimentos... na loja de meu marido - respondeu ela, tornando-se mais específica.

- Seu marido estava com ele quando ele morreu?

Agarrou com unhas e dentes essa informação. O instinto lhe dizia que Judd Boston tinha algo a ver com a morte do pai, e estava resolvido a descobrir até que ponto.

- Bem, não exatamente. - A sra. Pearce mostrou paciência com esse duro interrogatório. - Seu pai deu a meu marido uma lista das coisas que queria. Arthur achou que ele não estava com boa aparência, de modo que sugeriu que ficasse em seu escritório nos fundos, onde poderia sentar-se e descansar enquanto o pedido era atendido.

- Neste caso, ele estava sozinho?

- Estava - respondeu ela, inclinando a cabeça. - Havia apanhado um charuto e disse a meu marido para incluí-lo na conta. Arthur disse que seu pai estava na sala dos fundos havia apenas alguns minutos, quando ouviu um barulho alto... como alguma coisa caindo. Quando foi lá ver o que tinha acontecido, encontrou seu pai caído no chão junto à escrivaninha. Arthur mandou imediatamente uma pessoa chamar o médico.

Ele disse alguma coisa a respeito de Judd Boston? - Havia um frio cinismo na pergunta.

Clara Pearce mostrou certo embaraço.

Só depois soubemos que o banco do sr. Boston havia pedido ao cliente que citasse seu pai na execução da hipoteca do rancho... por falta de Pagamento de promissórias vencidas.

E meu pai não falou nada disso a seu marido? - A linha dura do queixo de Benteen destacava-se vivamente.

- Eu... - ela hesitou e depois, relutante, continuou: - Acho que meu marido fez de fato um comentário a respeito da quantidade de munição que seu pai queria. Brincando, perguntou a ele se ia começar uma guerra. Seu pai sorriu e disse que apenas uma guerrinha.

Desviando dela o rosto, Benteen praguejou violentamente em voz baixa. Sempre soubera que viria o dia em que a situação de seu pai teria um fim, mas não desse jeito.

- Por favor, sente-se e tome seu café, Benteen - insistiu a sra. Pearce. - Está esfriando. Também deve estar com fome. vou preparar alguma coisa para você.

- Não.

A impaciência afinou ainda mais a linha da boca. Irritava-se com a convicção feminina de que comida podia resolver coisas e dar consolo a algo que não podia ser consolado.

Uma fúria interna fê-lo deixar a cozinha e as tentativas de confortálo. Não queria que nenhuma mão tranquilizadora aliviasse a dor candente e removesse aquele embotamento. Uma semente de raiva estava crescendo dentro dele, e queria senti-la. Mais uma vez, passou por Lorna como se ela não existisse, e continuou até chegar à sala de visitas.

Lorna imaginara que Benteen ficasse transtornado, mas não daquela maneira. Teria se chocado caso ele chorasse, mas ainda assim pensara que ele demonstraria mais emoção do que aquela fria raiva. Ele construíra em volta de si um muro que a excluía. Doía-lhe pensar que não a queria, e essa era a impressão que estava dando. Iam casar-se. Ia ser mulher dele. Era seu dever ficar ao seu lado em ocasiões como aquela, tentar aliviar-lhe a dor.

- O que é que está havendo, mamãe? - Na voz confusa havia uma nota de contido desespero. - Ele olha através de mim como se não me visse e foi grosseiro com você.

- Você se lembra do seu cachorrinho, quando você era criança? Compreensão e maturidade transpareciam no semblante da mãe. - Um cavalo lhe deu um coice, e ele, cego de dor, mordeu você quando tentou ajudá-lo. O cachorrinho não queria feri-la, mas perdeu o controle sobre seus atos.

- Está querendo me dizer que Benteen é como um animal ferido? Lorna ficou atónita com a comparação.

- Tento dizer que a dor dele é muito profunda - explicou a mãe.

- Os homens acham que precisam esconder esses sentimentos... que pensaremos mal deles se descobrirmos que também são vulneráveis. Benteen não quer reconhecer isso, mas precisa de você, Lorna. - Encorajou a filha a ir ao encontro do noivo.

Lorna hesitou, mas resolveu correr novo risco de ser repelida. Não possuía a intuição da sra. Pearce sobre o que um homem pensava, pois era algo que provavelmente desenvolvera durante tantos anos de vida em comum com o marido.

Ao entrar na sala de visitas, viu Benteen junto às caixas que ela e a mãe trouxeram do rancho. Judd Boston lhes permitira retirar da casa esses objetos, para entregarem a Benteen.

Espantada, notou como o noivo parecia velho, as feições cor de bronze encovadas e murchas, mostrando uma idade determinada mais pela experiência brutal do que pelo acúmulo de anos. Mesmo depois de lavadas a sujeira e a poeira, a idade continuara ali.

Sentiu-se horrivelmente simplória em sua inocência. Como fora tola ao pensar que sabia as palavras certas para consolar alguém que vira muito mais da vida. O que ela sabia de morte e tribulações? Tudo aquilo acontecia na periferia de sua existência.

O chapéu coberto de pó pendia ao lado de Benteen. A forte pressão dos dedos enluvados dobrava a aba manchada. Estendeu a mão para pegar a fotografia emoldurada de cima das roupas dobradas com vários objetos que pertenceram a seu pai. Lorna cruzou a sala e parou um pouco atrás dele. O olhar terno e compassivo passeou pela jaqueta, estirada sobre os ombros largos. O ar parecia eletrificado com a tensão daquele homem.

- Nós tentamos encontrar você - disse, e ficou paralisada com o olhar fulminante. - O sr. Boston enviou dois homens à sua procura.

- Não acho que eles tenham se esforçado muito. - A voz de Benteen era pesada e seca, enquanto seu olhar se fixava no daguerreótipo.

- Papai disse que seria difícil encontrar alguém na região selvagem - murmurou Lorna. Olhou de relance a foto quase invisível do lugar onde se encontrava. - É a sua mãe, não é? - Um vizinho mencionara o nome daquela mulher. - Ela era muito bonita.

- Era.

Esforçando-se para compreender o que Benteen sentia, tentou colocar-se no lugar dele, imaginando como seria crescer sem a mãe e depois perder o pai. Era tão amada por mãe e pai que não podia conceber a vida sem eles.

- Sua mãe morreu quando você era muito criança, não foi? comentou, na esperança de que ele falasse, dando vazão à dor que o consumia.

Quando Benteen a encarou, a moça sentiu um choque com o ódio primitivo falseando nos olhos escuros.

- Ela não morreu. - A boca se contorceu, pronunciando as palavras como um grunhido. - Fugiu com outro homem e nos deixou.

- Eu não sabia.

Lorna retraiu-se, assustada. Aquela face de Benteen era absolutamente inplacável e estranha ao perdão.

O olhar dele voltou ao daguerreótipo.

- Papai sempre esperou que ela voltasse. - O tom de voz inexpressivo, sem emoção. - Nunca recebeu notícias em todos estes anos, mas esperou. Tremeu um pouco a mão enluvada segurando a fotografia. E surgiu um tremor também na voz... de pura raiva. - Não precisa esperar mais.

O fogo na lareira era baixo, apenas o suficiente para espantar o resto de frio do ar de primavera. Com um gesto rápido, Benteen lançou o retrato nas chamas. O vidro estilhaçou-se de encontro à grelha que sustentava as brasas. Lorna encolheu-se, mas logo se recuperou e pegou o atiçador de ferro para salvar a foto.

Percebendo-lhe a intenção, Benteen fechou a mão em seu punho com um aperto doloroso.

- Deixe que queime, Lorna.

- Não. - As lágrimas começaram a arder em seus olhos, e ela nada compreendia. Pela primeira vez desafiou a autoridade de um homem. Não vou deixar que você queime o retrato de sua mãe, não importa o que ela tenha feito.

- É um retrato de minha mãe - retrucou ríspido Benteen. - Eu resolvo o que fazer com ele.

- Não, você não vai fazer isso. - Passou o atiçador para a outra mão e puxou a moldura de madeira das chamas que já a envolviam. - É um retrato da avó de nossos filhos. Nós vamos guardá-lo.

Pressionada pela raiva em sua volta, ela esperava que Benteen a esbofeteasse a qualquer momento. Mesmo assim, com a mão trémula, continuou no esforço frenético para salvar o retrato.

O aperto da mão dele quase lhe cortava a circulação nos dedos quando, de repente, soltou seu punho.

- Ela merece queimar no inferno! - A voz saiu áspera. - Guarde-o, se quiser, mas nunca mais quero ver esse retrato.

As pernas de Lorna fraquejaram no momento em que, em largos passos, Benteen se afastava da lareira. Exaurida com o esforço, ajoelhou-se junto ao fogo e salvou o retrato. A porta da frente fechou-se com estrondo quando ele deixou a casa.

- O que aconteceu?

Lorna olhou por cima do ombro. A mãe acabara de entrar na sala de visitas e parecia preocupada. Sem identificar ainda o que estava mudando em seu íntimo, nada respondeu. Os sentimentos irados e amargos que descobrira em Benteen eram tão particulares que não podiam ser partilhados nem mesmo com a mãe.

Largou o atiçador e cautelosamente pegou a moldura, tirando-a das cinzas. Estava chamuscada nas bordas, e um canto do daguerreótipo quase queimara. A mulher loura de olhos escuros do retrato não fora tocada pelas chamas e sorria para Lorna. A moça soprou o pó e levantou-se. Agora estava bem.

- Você pode colocar isto em minha arca? - entregou o retrato à mãe, sem lhe responder à pergunta. - vou guardar para Benteen.

- Está bem.

A sra. Pearce olhou com as sobrancelhas franzidas para as marcas de fogo, depois encarou Lorna com uma indagação silenciosa. A tristeza nublou sua fisionomia ao notar os novos traços de maturidade no olhar da filha. Ela estava crescendo - e depressa. Mas foi tudo muito rápido, pois logo a moça virou-se e apanhou o grosso xale no braço do sofá.

vou atrás de Benteen.

Saindo da casa, viu-o junto ao poste, desamarrando as rédeas do cavalo. Sabia que ele iria embora se não o detivesse. Inconformado com a morte do pai, poderia cometer um ato de violência.

Você me ajuda a atrelar Dandy à charrete, Benteen? - perguntou, quebrando o silêncio. - Gostaria de ir com você ao cemitério para mostrar onde enterramos seu pai.

Ao encará-la, em seu rosto não havia mais nenhum sinal de raiva. Lorna tranquilizou-se. A expressão dele, porém, ainda escondia seus sentimentos.

- Tudo bem - concordou em atrelar o baio castrado. Puxando seu cavalo, deu a volta em torno da cerca de taliscas do pátio

em frente à casa e dirigiu-se para os fundos, para o telheiro que abrigava a charrete dos Pearces e a baia. Lorna seguiu-o, cortando caminho pelo quintal.

O prolongado silêncio não era fácil de suportar, mas também não era desagradável. Lorna ficou observando enquanto Benteen amarrava o cavalo da charrete na baia para colocar-lhe os arreios. A atividade parecia descomprimir sua tensão. Diminuiu a rudeza de seus movimentos, que se tornaram mais suaves, mais naturais.

Arreado o baio, fê-lo recuar entre os varais da charrete e prendeu os tirantes. Voltou para ajudar Lorna a subir, tratando-a de maneira formal. Ela se afastou para o lado, abrindo espaço na esperança de que ele seguisse em sua companhia, mas Benteen entregou-lhe as rédeas e montou em seu próprio cavalo.

Seguiu a moça pelas ruas malcuidadas até o pequeno cemitério. Desmontando, amarrou o cavalo ao fundo da charrete e ajudou-a a descer.

- A sepultura fica debaixo daquele grande carvalho - ela apontou. - Espero que você goste.

- Tudo bem. - A resposta seca nada revelava.

Durante um momento, Lorna pensou que Benteen não concordaria que ela o acompanhasse até o local. Mas logo ele pousou o braço em suas costas. Percorreram o caminho muito batido, passando por marcadores de madeira e pedras tumulares, até o grande carvalho que dominava a área.

Nos galhos da árvore despida de suas folhas pelo inverno viam-se os Primeiros sinais de brotos verdes. A brisa sussurrava nos movimentos das folhas no chão, um som plangente fazendo fundo à nostalgia da cruz simPles de madeira fincada na extremidade do monte alongado de terra. Sua forma escura destacava-se do misto de relva amarelecida e novos brotos que despontavam em volta.

Ao Chegarem à sepultura, Benteen retirou a mão de suas costas. Pelo canto do olho, viu-o tirar o chapéu, segurando-o em frente ao corpo com as duas mãos. A brisa levantou as pontas de seus cabelos escuros enquanto ele olhava para a cruz. A inscrição dizia apenas: "Seth Calder. R.I.P."

- Não sabíamos a data de nascimento dele - ela explicou em voz baixa. - Pensamos que você poderia acrescentar depois o que quisesse.

- Tudo bem.

- Muitos amigos e vizinhos de seu pai vieram ao enterro. - Achou que ele gostaria de saber.

- Estou contente porque ele não viveu para ver Boston tomar posse de suas terras. - Um músculo mexeu-se na face de Benteen.

- O sr. Boston sentiu-se muito mal com o que seu banco foi obrigado a fazer. - Lorna não sabia ao certo por que justificava os atos do banqueiro.

O olhar de Benteen perfurou-a de um lado a outro.

- Boston veio ao enterro?

- Não, mas veio à nossa casa para dar os pêsames. Estava preocupado com a possibilidade de ter precipitado a morte de seu pai.

- Aposto que estava preocupado mesmo. - O tom de voz era sarcástico.

Uma carranca formou-se no rosto de Lorna.

- Você o está culpando pelo que aconteceu? Tenho certeza de que ele não pôde evitar. Eu sei também como meu pai fica chateado quando tem que recusar crédito a um antigo cliente com uma conta muito atrasada.

- Lorna irritou-se e desviou a vista. -Tenho certeza de que esperou o quanto foi possível.

- Tem mesmo? - murmurou Benteen.

- Tenho. E não compreendo você. Ele e seu pai eram vizinhos, e durante anos você trabalhou para ele. Está claro que, como banqueiro, sua posição é muito incómoda.

- Há anos que Boston queria as pastagens e a água do Barra C. Espremeu lentamente meu pai o tempo todo. Agora conseguiu. O Barra C é dele. - Pôs o chapéu na cabeça, puxando-o para baixo nas pontas.

- Sempre soubemos o que ele queria. Boston está simplesmente fingindo escrúpulos para ficar bem aos olhos da cidade. Não acredite nele.

Segurando-a pelo cotovelo, conduziu-a de volta para a charrete. Parecia tão certo do que dizia sobre o banqueiro que Lorna duvidou de seu próprio impulso em acreditar no melhor. Estava acostumada a confiar nas pessoas.

- Você foi ao rancho? - Ao mesmo tempo, tentava observá-lo e ao chão onde pisava.

- Fui. - No leve sorriso estampava todo o seu desagrado. - Judd Boston me preparou uma boa recepção.

- Ele fez isso? - Ela se confundiu com as palavras dele.

- Apenas um homem com um rifle, para certificar-se de que eu não me demoraria muito por ali. - Ao chegarem à charrete, ele parou e olhou para a sepultura. - A única razão que havia para eu ficar no Texas está enterrada aqui. É a última vez em que um Calder será plantado nestas terraS.

Alguma coisa mórbida na promessa assustou Lorna. Era um lado de Benteen que não conhecia nem compreendia. Passou os braços em volta dele e apertou-o, colando o rosto em seu peito para esconder-se na jaqueta.

Não fale assim, Benteen. - Naquele momento era ela quem precisava de consolo.

Ele tentou afastá-la, mas Lorna manteve as mãos em volta de sua cintura, a vista baixa. Benteen mergulhou as mãos nos cabelos compridos que caíam pelos lados, alisou seu pescoço, obrigando-a a levantar a cabeça.

Quanto tempo para preparar o casamento? Quero partir logo que conseguir os suprimentos e os cavalos para a viagem.

Esperaram tanto tempo que Lorna não compreendia aquela pressa. Lutara muito para não pensar no dia em que deixaria o mundo seguro que sempre conhecera. As luvas de couro arranhavam-lhe a pele delicada do rosto.

Por que está tão ansioso para ir embora? - perguntou baixinho.

Você é a única coisa boa que encontrei no Texas - murmurou ele.

A máscara escorregou por um momento, revelando grande dor e amargura.

Em seguida, aqueles olhos escuros envolveram-na por completo. Quase inconsciente, sentiu-se absorvida pelo abraço inevitável. Benteen baixou a boca para os seus lábios com uma força primitiva. Ela enrodilhou os braços em sua cintura, aquecendo-se naquele calor irresistível.

Benteen sentiu o pulsar da vida na maciez do corpo feminino apertado contra o seu. Após a dura convivência com a morte, precisava de renovação. Sugou-lhe avidamente os lábios e, mal eles se entreabriram, enfiou a língua para explorar o espaço semiproibido.

Lorna estremeceu, sentindo-se invadida, mas a sensação era nova e excitante. Relaxou, pensando que aquilo dava prazer a ele, que atendia à sua necessidade daquele momento, pois era claro o objetivo de Benteen.

Evoluindo a troca de intimidades, ocorreu uma mudança gradual em seus desejos de mulher... invadiu-lhe uma sensação de egoísmo. Deu menos e tomou mais à medida que ânsias profundas começaram a lhe ditar os impulsos. Quando sua boca fundiu-se com a dele, sentiu-se em brasa, queimando num fogo que não sabia extinguir.

A rigidez do corpo magro e musculoso aumentava a pressão, prendendo-a contra as pranchas da charrete. A longa saia do vestido enrodilhou-se em suas pernas devido ao vento. Mas ela não compreendia bem por que ele insistia tanto em mantê-la presa a si, enfiando as mãos sob o xale e pressionando suas costas, para que se dobrasse mais e quase se fundisse em seu ventre. Na ponta dos pés, Lorna esforçava-se para atingir a intimidade que solicitava, mas só sentiu uma pura frustração por não conseguir.

Os braços dele relaxaram-se. Momentaneamente confusa, ela não

Queria que o abraço terminasse. Ele pousou a mão sobre seu peito, parecendo Que iria empurrá-la. Ela resistiu, pois não queria sair à força de seus braços. Mas a mão dele deslizou para o seu seio maduro e redondo, que se comprimia dentro das roupas.

Um inferno de emoções explodiu dentro dela. Entregou-se por uma fração de segundo, até reconhecer o desejo carnal e pecaminoso que a dominava. Tentou escapar, mas não tinha para onde ir. Estava entre a charrete e aquela muralha masculina.

Seus dedos estavam sem forças quando tentou libertar-se daquela mão no seio. Respirava arquejante, o rosto escarlate de vergonha com sua conduta despudorada. Erguendo a cabeça, examinou alarmada o rosto dele, temerosa de que estivesse chocado por ela tê-lo praticamente convidado a tratá-la daquela maneira - tal como uma daquelas pobres coitadas que vira em volta dos saloons. Mas a dor estampada em seus olhos fê-la arrepender-se de o haver interrompido.

Benteen recuou um pouco, separando seus corpos. O olhar baixou para a mão ainda pousada sobre o seio, retirando-a lentamente.

- Eu não devia ter deixado você fazer isso - sussurrou nervosa Lorna. - Não sei o que aconteceu comigo. Você é bem capaz de estar pensando...

- ... que eu quero me enterrar em você - Benteen concluiu a frase, mas ela, na sua inocência, não captou o tom erótico. Ele compreendeu isso e esboçou um sorriso melancólico. - É melhor nos casarmos logo, porque eu preciso de você.

- Eu também preciso de você - murmurou ela, mas não se referia à mesma necessidade que ele.

- Você não sabe o que faz comigo, mulher. - A frase enigmática foi acompanhada por uma sacudidela de cabeça. - Na nossa noite de núpcias eu serei implacável, você verá.

Ela estremeceu ao pensar nas intimidades que essa noite traria e nas suas possíveis reações. O xale caíra em volta de seus braços. Gentilmente, Benteen recolocou-o em torno dos ombros.

- Está ficando frio. É melhor levá-la para casa antes que você se resfrie.

- Janta conosco hoje à noite? - não queria deixá-lo ir, agora que voltara.

- Preciso ver como anda o rebanho - ele recusou suavemente o convite. Mas em seguida prometeu: - Voltarei à cidade de manhã, e a gente se vê.

Ajudou-a a subir na charrete. Desta vez sentou-se ao seu lado, tomou as rédeas e guiou até a casa dos Pearces.

No transporte de uma boiada, o cozinheiro só era menos importante do que o chefe do grupo. A maioria dos vaqueiros considerava-o até mais importante, especialmente se cozinhava bem. Além de preparar as refeições, e manter sempre pronto um bule de café forte e quente, ele cuidava dos omens e cavalos quando tinham problemas -de saúde, guardava-lhes objetos de uso pessoal e dinheiro, extraía dentes ocasionalmente e lhes cortava os cabelos. O cozinheiro podia tornar a vida, numa viagem, agradável ou transformá-la em puro inferno.

Neste particular, só havia um homem que Benteen queria - um rabugento e velho lobo-do-mar que alegava ter sido cozinheiro pessoal de um Almirante. Seu verdadeiro nome há muito fora esquecido, provavelmente até por ele mesmo, desde que um vaqueiro reclamara que seu café tinha gosto de "ferrugem". "Rusty" (ferrugem) esvaziara o bule em cima da cabeça do vaqueiro. Ninguém mais cometera o erro de dizer que seu café tinha gosto de ferrugem, mas ficou o apelido.

Rusty fora cozinheiro em duas das tropas que Benteen dirigira. A muito custo aceitou o convite para ir pela terceira vez. Não aceitou porque gostasse de trabalhar para Benteen - disse -, mas porque desejava conhecer o Território de Montana, e tinha muita sede de viagens.

Os dois juntos escolheram o carroção da cozinha, que seria o domínio de Rusty nos próximos meses. O vendedor indicou o nome de outra pessoa com quem poderiam comprar mais um carroção coberto. Benteen anotou o nome, enfiou o pedaço de papel no bolso e dirigiu-se a pé até o Pearce's Emporium em companhia de Rusty.

Depois de apresentá-lo a Arthur Pearce, explicou:

- Rusty é o cozinheiro de minha tropa. Forneça todas as provisões que ele pedir. Mais tarde venho pagar.

Começar mal com Rusty seria lhe dizer quanto de farinha de trigo, barriletes de melado, potes de vinagre, açúcar, bacon e itens variados ele deveria comprar. Por isso Benteen autorizou-lhe comprar tudo o que achasse necessário.

- Lorna mandou dizer que precisa muito falar com você - disse Pearce.

- Um homem chamado Davies tem um carroção à venda. vou vê-lo primeiro e depois irei até sua casa conversar com Lorna.

- Ela não estará em casa esta-tarde - informou Pearce. - Ela e a mãe vão à modista escolher o vestido de casamento. Depois, vão à igreja falar com o pastor.

Um brilho de divertimento apareceu nos olhos de Benteen.

- O que é que eu devo fazer? Correr por toda a cidade tentando me emparelhar com ela?

E sacudiu a cabeça ante as excentricidades femininas.

- Apenas dei o recado - disse Arthur Pearce com um sorriso. Deixando o armazém, Benteen foi procurar o homem do carroção. Era um sem-número de coisas para comprar. Seus bolsos ficavam cada vez mais vazios.

Precisava do carroção para transportar as peças que usariam na nova casa em Montana, além dos objetos de uso pessoal. E daria também a Lorna alguma privacidade e o privilégio de uma cama. Não queria que ela experimentasse a dureza da viagem, como o resto da tropa.

Após o carroção, compraria mais uns vinte cavalos. Não se sentia bem com menos de oitenta cavalos de muda. Yates estivera pechinchando os preços para ele e encontrara um bom lote para completar a cavalhada. Mais dinheiro... sem falar nos salários dos rapazes que o acompanharam na caça aos bois selvagens. Mil e cem dólares pareceram-lhe no início mais do que suficientes para financiar toda a viagem. Mas agora viu que deveria ter reservado um tempo extra na última primavera para laçar mais umas vinte cabeças de gado selvagem e juntar ao rebanho do Barra 10 que levara a Wyoming por conta de Boston, em vez de ter-se contentado com apenas trinta. Se fizesse isso, teria agora uns duzentos ou trezentos dólares a mais.

Ainda bem que planejara vender algumas cabeças quando chegassem a Dodge City, pois esperava que os preços fossem bons. Precisaria do dinheiro para pagar os vaqueiros quando chegassem ao Território de Montana. Perguntava-se como estaria Barnie e como fora o inverno por lá. A experiência de Barnie com um inverno em Montana seria de valor inestimável para todos no futuro.

Foi costurando seu caminho pela rua, evitando carroças em movimento e vaqueiros a galope, num redemoinho constante de poeira. A cocheira pública apareceu bem em frente, no meio da nuvem de pó.

O estrondo de um malho de ferreiro forjando uma ferradura aumentava o ruído da rua. Aproximando-se da cocheira, viu o aleijado segurando um rosilho malacara para o ferreiro. Aproximou-se.

- Ei, Stoney - gritou para o empregado.

- Olá, Benteen - respondeu Stoney, erguendo a mão. - Triste aquilo sobre seu pai. Ouvi dizer que você já está dando no pé.

- Em três dias. - Pelo menos, era o que queria.

- Logo depois do casamento, hein? - Stoney sorriu, com um ar matreiro. - Você acha que estará em condições de montar?

Benteen apenas riu.

- Um cara chamado Davies tem um carroção para vender?

- Tem. - Stoney deu um puxão na cabeça do cavalo quando ele começou a se mexer com a aproximação do ferreiro. - Outro desses lavradores - disse, e cuspiu na areia. - Um verdadeiro enxame indo para o norte. Ouvi dizer que estão cercando as aguadas.

- É? - Arquivou na memória a informação, como fazia com tudo o que se referia às condições da trilha. As boiadas viajavam de uma aguada a outra. - O que me diz da carroça?

- Está lá atrás do palheiro - respondeu Stoney, indicando a direção com um movimento de cabeça. - Davies quer vendê-la para arranjar dinheiro e comprar sementes. Eu disse a ele que devia arrumar as coisas e ir embora. Mas esses roceiros são muito teimosos.

Como é que está a carroça? - Ia examiná-la pessoalmente, mas era bom perguntar.

Diabo, como nova. Comprou-a em Kansas. Jura que nunca mais volta para lá. - Stoney soltou uma risadinha. - Não posso culpá-lo.

vou dar uma olhada na carroça - disse Benteen.

E vai comprar barato. Como eu disse, o idiota precisa de dinheiro

para sementes.

Uma pechincha seria ótimo. Dirigindo-se para o curral, começou a passar pela cerca a fim de cortar caminho até o palheiro. De repente pareceu que alguém lhe chamava, mas o barulho era grande demais na rua para ter certeza. Olhou em volta.

Ei, Calder!

Uma carroça aproximava-se da cocheira com grande estardalhaço, transportando um homem e uma mulher.

Benteen parou ao reconhecer Ely Stanton. com um grito característico, Ely freou a parelha na frente da cocheira.

- Olá, Ely. - Cumprimentou o homem e tocou a aba do chapéu com a mão, inclinando-o respeitosamente para a mulher.

- Eu vim à cidade justamente à sua procura. - Ely sorria, um fato muito raro. - Esta é minha mulher, Mary. Acho que vocês não se conhecem. Este é o sr. Calder, amor.

- Prazer em conhecê-la, sra. Stanton - disse Benteen.

- É uma honra, sr. Calder. - Era uma mulher feia, forte, e parecia muito prática. Era o tipo que poderia dominar um homem, se ele se descuidasse. Mas nela havia uma solidez de que Benteen gostou. - O sr. Stanton me falou muito a seu respeito. Se apenas metade for verdade, o senhor deve ser um homem e tanto.

Ely pediu-lhe com o olhar impaciente que se calasse. Benteen se divertiu com o jeito despachado da mulher - afinal de contas, não era o marido dela. Mary Stanton não seria intimidada por homem nenhum.

- Ely também me falou da senhora muitas vezes - respondeu Benteen.

Ela pareceu embaraçada, demonstrando que seu jeito despachado era uma característica desagradável para o marido, mas escondeu bem os sentimentos, e Ely falou:

- Vim lhe dizer que resolvi pegá-lo pela palavra naquele oferecimento de Mary e eu viajarmos com vocês. - Exagerou seu papel na decisão.

- Mas só até Dodge City - interrompeu-o Mary. - De lá vamos para lowa, onde tenho parentes.

Ely me falou sobre isso - informou Benteen, mas sabia que essa Parte não agradava ao rapaz.

Odiava ver um homem com o conhecimento de gado de Ely transformado em roceiro sujo, mas o problema era dele.

Eu só queria ter certeza de que o senhor compreendia isso. - Ela falou mais para o marido do que para Benteen.

- Compreendo, sim. - Fingiu não notar a troca de olhares entre os dois. - Quero viajar dentro de três dias. Vocês serão bem-vindos.

- Estaremos com o rebanho depois de amanhã - disse Ely, e a mulher confirmou.

- Benteen!

Reconhecendo a voz de Lorna, virou-se rapidamente. Abriu-se num sorriso quando viu a noiva acenando do meio da rua, esperando em companhia da mãe uma oportunidade para atravessar. Teve uma mostra excitante do belo tornozelo quando ela suspendeu lentamente a barra da saia e recuou alguns passos para dar passagem a uma diligência. Ele gemeu em silêncio, pois deveria ainda esperar dois dias antes de ter sua posse definitiva.

- Olá. - Debaixo do recato havia uma fagulha muito viva naqueles olhos castanhos. - Passamos pelo armazém, e papai disse que você veio para cá.

- Vim procurar uma carroça para transportar a sua "preciosa" carga

- disse ele zombeteiro, referindo-se à roupa de cama e mesa bordada e artigos caseiros que ela estava reunindo.

- É bom que seja bem grande - Lorna sorriu.

Ele segurou-a pelo braço, dirigindo-se à carroça de Stanton.

- Lorna, quero lhe apresentar nossos companheiros de viagem, Ely Stanton e a esposa, Mary. Vão até Dodge City. - com os olhos presos na noiva, Benteen não percebeu a aflição de Mary. - Esta é minha noiva, Lorna Pearce, e sua mãe, sra. Clara Pearce.

- Você não falou que outro casal viajaria também - disse Clara, visivelmente satisfeita.

- A decisão foi recente, mas pensei que seria bom para Lorna a companhia de outra mulher. Quando Ely contou seus planos, convidei-os.

- Que bom que você fez isso. - A ideia de ter outra mulher na viagem fez Lorna sentir-se muito melhor.

Por motivos diferentes, sua mãe tranquilizou-se. Embora confiasse em que Benteen cuidaria bem da filha, preocupava-se porque ela seria a única mulher num acampamento cheio de homens - vaqueiros beberrões e turbulentos. Ouvira histórias sobre suas farras monumentais na cidade, as lutas sangrentas, os tiros, as orgias com mulheres. À noite uma mulher não tinha segurança em algumas ruas de Fort Worth. Apesar de o sr. Pearce garantir que não haveria perigo, Clara não conseguira se acalmar. Mas agora achava que, em companhia de outra mulher respeitável, a filha não estaria mais tão sozinha.

Lorna sorriu para Mary.

- vou aguardar com prazer o momento de nos conhecermos melhor.

- Fez uma pequena pausa e perguntou: - Posso chamá-la de Mary?

- Por favor, faça isso - murmurou Mary Stanton, e mediu-a com um olhar velado, reparando na pele alva, sem nenhum sinal dos estragos do sol, e nas luvas brancas protegendo as mãos delicadas.

Como filha de fazendeiro de família numerosa, Mary Stanton sabia a respeito de trabalho duro e vida difícil. Era uma mulher correta, graças a Deus. Não se curvava diante de homem algum, mas havia mulheres que a deixavam embaraçada com sua falta de educação e de maneiras refinadas. Lorna Pearce era uma delas, e seus sentimentos em relação à jovem tornaram-se dúbios. Por um lado, sentia pena de sua ignorância sobre as dificuldades que a esperavam; por outro, invejava-lhe a postura superior, a fala cultivada, o rosto sem mácula. Por isso ficara em receio. Não queria que Lorna descobrisse que não eram iguais.

Seu pai me deu seu recado. Você quer falar comigo? - disse Benteen à noiva.

O reverendo Matthews nos chamou para conversar amanhã de manhã na igreja. - Esboçou um sorriso de ironia. - Acho que vai fazer um sermão sobre a santidade do casamento e nossos respectivos deveres.

Isso é necessário? - Benteen respirou fundo, irritado porque havia tanta coisa importante para fazer antes da partida.

- Chase Benteen Calder, você estará lá - insistiu Lorna. - O reverendo desconfia de que vou me casar com um ateu. Se você não for, é bem provável que ele não queira oficiar o casamento.

- Ótimo. - Imitou o sorriso dela. - Nesse caso, eu simplesmente fujo com você, e ele terá que nos casar para torná-la uma mulher honesta.

Um leve rubor coloriu o rosto de Lorna.

- Não é nada engraçado. - Mas havia um brilho brejeiro em seus olhos.

- Deixarei que ele me "salve" também. - Benteen sentia-se abrasado quando ela ria e tentava parecer correta e devota. Ah, como a desejava.

- Eu me encontro com você amanhã às dez horas na igreja - Lorna tocou-lhe suavemente o braço, um gesto de afeto aceitável em público. Agora temos que ir. Há milhares de coisas a fazer. - Dirigiu-se ao casal que estava na carroça. - Foi um prazer. Estou ansiosa para conversar com você, Mary.

Era cada vez mais difícil permitir que Lorna se afastasse. Benteen lutou contra seus impulsos enquanto a observava caminhando com a mãe. A necessidade de possuí-la totalmente - de prendê-la ao seu lado - estava ganhando força a cada minuto.

Sua senhora é muito bonita - falou Ely Stanton, observando Lorna com respeitosa admiração.

Benteen notou a expressão de mágoa de Mary com a escolha de palavras de admiração por outra mulher.

Benteen afastou a vista da figura de Lorna e do gingado provocador. Estava orgulhoso com o cumprimento de Stanton. m, é muito bonita.

- Vai ver Quando o sol e o vento acabarem com ela - falou Mary em desafio. - Perdoe-me, sr. Calder, mas acho que o senhor não pensou como vai ser difícil para uma pessoa com a formação dela. Está acostumada a... coisas moles.

- Lorna é forte. Vai aguentar. - Benteen encrespou-se ao vê-la questionar sua capacidade de julgamento e o caráter de Lorna.

- Mary não quis insinuar nada.

Ely desculpou-se pela esposa, cutucando-a para que se calasse. Ela cerrou os lábios, irritada com os homens, que se achavam sempre uns sabi chões.

- Tudo bem, Ely - murmurou Benteen, sem expressão. Aquele homem precisava fazer alguma coisa para manter a mulher na

linha. Já não sabia se era uma boa ideia Lorna passar muito tempo em com panhia de Mary Stanton. Podia ser um grande erro.

- vou examinar aquela carroça. Vejo vocês daqui a dois dias.

Em frente ao espelho da modista, Lorna virou a cabeça de um lado para o outro, admirando o véu de renda e as contas brancas que ocultariam o pente de prender os cabelos. Adorou combinar a renda branca e o cabelo castanho-escuro. Sentiu-se absolutamente irresistível. Talvez fosse vaidade, mas era tudo tão lindo...

- Sue Ellen, é demais para descrever em palavras. Sei que devo tirá-lo, mas... - Suspirou emocionada e, balançando a cabeça, relutava em tirar a peça.

- Imagine quando combinar o véu com o vestido. - Sue Ellen sentia uma ponta de inveja da beleza da amiga. Não era uma moça tão feia, mas faltava-lhe o magnetismo de Lorna. Por isso sempre se julgava apagada junto a ela.

- Mal posso esperar até que Benteen me veja vestida de noiva - Lorna virou-se rapidamente para a amiga. - Pense bem, Sue Ellen. Daqui a dois dias eu serei a sra. Chase Benteen Calder.

- Você não está... um pouco nervosa?

Sempre que pensava em casar-se com um homem como Benteen, Sue Ellen tremia de medo. Era tão másculo... Ela não o escolheria. Preferia alguém mais tranquilo, mais reservado. Era um escândalo a maneira como às vezes Benteen olhava para Lorna.

- Quero dizer... - continuou Sue Ellen - sobre a noite de núpcias e tudo mais.

Lorna evitou o olhar indiscreto da amiga. Sentiu-se afogueada.

- Estou... um pouco.

Lutava para não pensar nisso, porque lhe parecia errada sua tendência em soltar demais a imaginação nesse campo. Nada que vira ou aprendera em sua jovem vida lhe ensinara que a excitação era uma virtude. AChava chocante deixar que os pensamentos se desencaminhassem nessa direcção.

- Você acha... quero dizer, me disseram... que é muito doloroso para a mulher. - Sue Ellen baixou a voz e olhou apreensiva para a sala dos fundos, onde sua mãe e a sra. Pearce tomavam chá. - Parece... bem, humilhante deixar que um homem faça... essas coisas com o corpo da gente, não é?

- Talvez não seja tão ruim assim. - Lorna sentia calor e tremia toda, embaraçada mas possuída de uma alarmante excitação.

Acho que a gente acaba se acostumando - Sue Ellen tentou acalmar a amiga. - Ouvi dizer que se pode chegar ao ponto de fingir que não está acontecendo. Pode-se pensar em outra coisa, apagar tudo.

- Não diga. - Lorna tentou afastar com uma risada aquela sensação desagradável. - Acho que logo vou descobrir isso.

Oh, Lorna - murmurou Sue Ellen, com tristeza no olhar e o queixo trémulo. - Eu gostaria que você não fosse. Não quero que vá embora.

- Não comece a chorar, Sue Ellen, ou eu choro também.

- Mas você vai para tão longe. Talvez a gente nunca mais se veja.

- Nós nos veremos - disse ela, altiva. - E vamos nos corresponder... regularmente.

- Se eu fosse você, morreria de medo de morar naquele território índio. - Sue Ellen sacudiu a cabeça, maravilhando-se em silêncio com a coragem de Lorna.

- Benteen estará comigo.

- Mas ele se afastará, cuidando do gado. E se os índios vierem quando você estiver sozinha? Poderão capturá-la, fazê-la prisioneira. O medo cresceu com a imaginação. - Ouvi histórias sobre esses selvagens e mulheres brancas. Eles se revezam com elas, fazendo-as cometer todos os tipos de atos vis, horríveis.

- Sue Ellen, pare com isso - Lorna também lutava com seus próprios medos.

- Desculpe. Eu fico tão preocupada quando penso em você lá sozinha... sem um único médico por centenas de quilómetros... Não digo mais nada, prometo.

Lorna esperava que ela mantivesse a palavra, pois lutava com suas próprias apreensões por ter que deixar o lar, os pais, as amigas e o único tipo de vida que conhecia.

Um sinal da campainha anunciou a chegada de três freguesas. Lorna reconheceu logo as personagens muito pintadas de ruge naqueles vestidos de cores extravagantes. Refreou seu interesse, pois mulheres respeitáveis ficavam impassíveis na presença das "damas da noite". Vestiam-se para chamar atenção - "atrair negócios", como diziam. Sempre vinham à loja comprar as últimas criações em chapéus e gorros exagerados. Sue Ellen contava a Lorna, em voz baixa, sobre as conversas daquelas mulheres, censurando seu baixo calão e tentando adivinhar o significado de palavras que trocavam, inteiramente desconhecidas.

É melhor eu chamar mamãe - sussurrou Sue Ellen, tímida demais para atendê-las. - Vá para a sala dos fundos, se quiser, e espere até que elas saiam.

Não, estou bem aqui. - Lorna virou-se para o espelho e começou a desatar o laço de renda.

Achou divertida a atitude da amiga. Sue Ellen comportava-se como se a presença das três mulheres trouxesse algum contágio. Mas Lorna estava curiosa e, enquanto as ignorasse, não via mal algum em continuar ali.

Através do espelho, viu a de cabelos castanho-avermelhados interceptar Sue Ellen na passagem para a sala dos fundos.

- Desculpe, moça, vim aqui para saber se já chegou o chapéu que encomendei. - O tom de voz era educado.

Sue Ellen enrubesceu até as raízes dos cabelos.

- vou chamar mamãe - disse, e saiu rapidamente.

Lorna ouviu a risadinha das outras duas quando Sue Ellen desapareceu.

- Deus do céu, Pearl - disse uma delas. - Você embaraçou a moça. Aposto que as calçolas dela ficaram vermelhas, também.

- Ela se enrolou em sua própria imaginação - respondeu Pearl. Por um segundo Lorna se perguntou se aquilo não era verdade. Sue

Ellen preocupava-se demais com as intimidades entre homem e mulher. Mas aquele pensamento foi interrompido quando a meretriz de cabelos pretos se aproximou com parcimônia para examinar alguns chapéus próximos.

- Pearl. Jenny. Vejam isto - gritou para as outras duas com as três bem perto, Lorna concentrou-se no espelho. Não queria revelar sua curiosidade.

A ruiva, porém, não achou necessário ignorá-la.

- Que véu mais lindo.

- Obrigada. - Foi uma resposta polida mas fria.

- Você deve estar se preparando para casar - adivinhou Pearl.

- Estou mesmo - Lorna captou um lampejo de inveja.

Sentiu pena, porque nenhum homem decente casaria com qualquer uma delas.

- Vai ser uma noiva muito bonita - disse Pearl, e virou-se para as amigas: - Não vai, meninas?

- Sem dúvida - concordou a de cabelos pretos.

A terceira, Jenny, que parecia tão nova quanto Lorna, embora estivesse com aquele ruge todo e a boca pintada, perguntou com um sorriso ostensivo:

- Quem é o felizardo? Talvez a gente o conheça. Lorna não ia dizer, mas de repente mudou de ideia:

- Benteen Calder. - Algo lhe avisava de que não devia conversar com aquelas três.

- Benteen Calder - repetiu a de cabelos pretos, olhando Pearl de relance. - Acho que o vi por aí.

Lorna eriçou-se, e a ruiva Pearl explicou:

- Não se preocupe, queridinha. Dixie apenas o viu em um dos saloons, tomando cerveja. Moças como nós não esquecem um homem como Benteen Calder.

Aquilo parecia um elogio, mas, apesar do que disse Pearl, Lorna ainda duvidava se elas não conheciam Benteen mais intimamente.

preste atenção, querida - continuou Pearl com um sorriso melancólico - Se não quiser que seu homem procure gente como nós, seja mais ardente na cama do que ele.

Lorna empalideceu e logo ruborizou-se. Tinha vontade de tapar os ouvidos e não conseguia dizer uma palavra.

Aprendi muito sobre os homens nestes anos todos. - As palavras

pesavam como se fosse muito tempo, embora Pearl não parecesse ter passado dos vinte anos de idade. - Eles querem uma senhora pelo braço e, na cama, uma prostituta. Sei que é chato ouvir isso, querida, mas é a mais pura verdade. Se as esposas abrissem o olho para esse fato, não teríamos tantos homens casados entre nossa clientela.

- Srta. Rogers!

O chamamento ríspido de Liza Mac Brown, mãe de Sue Ellen, pôs fim à conversa. E, o que era pior, Lorna viu que também sua mãe ouvira o finalzinho. Mas Pearl não se deixou intimidar:

- Não perca seu tempo me passando sermões, sra. Brown. Afastou-se de Lorna, indiferente. - Eu não estava corrompendo a menina. Na verdade, posso tê-la salvo de muito sofrimento no futuro. Agora quero saber se meu chapéu já chegou.

- Ainda não... - começou a sra. Brown.

- Então voltaremos outro dia - Pearl interrompeu-lhe a fala, e as três executaram uma saída apoteótica.

- Sue Ellen, não devia ter deixado Lorna aqui sozinha - a sra. Brown repreendeu a filha. - Sinto muito, Clara. Estou chocada por Lorna ter ouvido essa conversa indecente. Eu não devia deixar que elas entrassem aqui, mas infelizmente preciso da freguesia.

- Não foi sua culpa, Liza. Conheço minha filha. Não dará a menor atenção ao que ouviu. Elas só estavam tentando justificar sua triste moral, acusando as mulheres respeitáveis.

- Grande verdade - concordou sinceramente a sra. Brown.

- Vamos guardar o véu, Lorna. Temos ainda que passar na igreja. A conversa conduziu-se para outros assuntos, mas a mãe retomou o

incidente logo que deixaram a loja.

Sei que não teve contato com certas personagens de nossa comunidade. Foi bom aquilo acontecer. Em vez de fingirmos que não as vemos,

deveríamos convencer os grandes da cidade que devem ser eliminadas. Mas estarão sempre aonde quer que você vá, por isso é melhor saber agora. Sim, mamãe. - Lorna ainda pensava no chocante conselho. Que tipo de homens procuram essas mulheres? Seria alguém

como Papai ou Benteen?

- Claro que não - A resposta foi rápida demais. - Isto é, geralmentE os homens pintam o sete antes de se dedicarem à esposa e à família, circunstâncias em que eles podem precisar satisfazer suas necessidades fora de casa.

- Que tipo de circunstâncias?

- Se a esposa não pode ocupar o leito matrimonial por causa de doença ou... - a mãe hesitou - quando não seria prudente engravidar. Chega uma hora em que a gente não quer mais filhos. O homem deve compreender.

- Então, você e papai... - A moça não concluiu a frase. Sentiu-se invadindo o relacionamento íntimo dos pais.

- Isso mesmo - confessou a mãe. - E seu pai compreende que essa é a única maneira de uma mulher se preservar.

- E ele não se importa? - Lembrando o que dissera Pearl, Lorna duvidava que ele se conformasse.

- Não.

- A senhora não se incomoda que vocês não tenham mais intimidades? - Escolheu as palavras com cuidado.

- Naturalmente que não - respondeu a mãe com um rápido sorriso.

- Afinal de contas, a finalidade disso é a concepção de filhos.

- Sim, eu sei.

- Não se deixe preocupar. Vai aprender tudo, e dirá as mesmas coisas à sua filha.

- Sim, um dia... - Lorna esboçou um sorriso, mas continuava perturbada pelo que sentia nos braços de Benteen. Então aquilo não era normal... só a prostituta achava que era.

A carroça estava em ótimas condições. Benteen fez negócio com o roceiro e atrelou uma parelha de cavalos. Depois levou-a até a casa de Pearce para Lorna ocupá-la com seus pertences. Ela não sabia distribuir de maneira uniforme o peso, mas contou com a ajuda dele.

Queria levar muitas coisas desnecessárias. Benteen sentiu muito, mas teve que impor uma seleção.

- O que é isto? - Franziu as sobrancelhas ao pegar dois galhos espinhentos, embrulhados em panos úmidos.

- Não vai me dizer que são pesados ou grandes demais para levar - Lorna pôs as mãos nos quadris.

- Mas o que são? - perguntou Benteen.

- São mudas da roseira de mamãe. Para plantar ao lado de nossa casa nova.

- Lorna, elas vão morrer. - Fez um esforço para mostrar paciência. - Será perda de tempo.

Você não deixou eu levar o chiffonier de minha avó e a mesa de carvalho que meu tio fez para nós. Preciso de alguma coisa que me lembre de Hcasa. Levo essas mudas. Não importa o que você diga. Elas vão viver. Benteen soltou um profundo suspiro.

Se está decidida, tudo bem.

Estou.

_ Onde eu as coloco? Sob o assento?

- Sim, lá posso cuidar melhor.

As mudas ficaram sob o assento da carroça, onde estariam à sombra e protegidas dos perigos da bagagem.

- Tomara que seja só isso - observou Benteen.

Faltam apenas umas coisinhas que vão comigo: meu vestido de casamento e outras miudezas. E não diga que não.

- Lamento. Sei que está deixando muita coisa, mas há um limite para o que os cavalos podem puxar.

- Eu sei. - Ela baixou a cabeça e virou o rosto. Benteen viu o brilho de uma lágrima e segurou-lhe o queixo.

- Por que isso?

- É tão fácil para você fazer as malas e ir embora. Não está deixando ninguém aqui.

- Não pode estar com saudade, se ainda nem saiu daqui.

- Não leve na brincadeira - protestou Lorna.

Ele a envolveu num abraço e beijou-lhe de leve a testa.

- Prometo que amará tanto nosso lar em Montana quanto ama este.

- Eu sei.

Soluçou, parou de chorar e afastou-se; não queria que Benteen a julgasse infantil. Devia estar ansiosa pela nova vida juntos, e não chorar porque deixaria a casa dos pais, mas não era fácil. Enxugou timidamente a umidade no rosto.

- Você não vai esquecer de ir amanhã falar com o reverendo, vai?

- Estarei lá - prometeu Benteen. - Não deixarei que ninguém estrague nosso casamento no último minuto.

Lorna desejou naquele instante que o casamento fosse adiado - até dominar o nervosismo. Mas nada disse a Benteen, pois ele estava impaciente e desejava realizar tudo o mais cedo possível.

Escurecia quando Benteen chegou ao acampamento, próximo ao local onde era guardado o rebanho. Os dois vigias do primeiro turno da noite davam uma volta lenta a cavalo, em direções opostas, em torno do gado, que estava retirado, ruminando. A luz da lua tirava lampejos dos chifres dos animais.

Em algum lugar distante na pradaria, um coiote lançou seu uivo lamentoso.

Um garrote bufou, mas era um som de contentamento.

bEnteen tranquilizou-se quando escutou um dos vaqueiros cantando para o gado. A melodia trinada subia e descia acompanhando o ritmo lento e regular estabelecido pelo cavalo a passo. Desmontando, desencilhou a montaria, amarrando-a à cerca de taliscas onde estavam os cavalos reservados para os três turnos seguintes de vigia. Levando a sela apoiada no quadril, dirigiu-se à fogueira mortiça.

A carroça da cozinha já estava em funcionamento, o tampo traseiro abaixado e apoiado em uma vara fincada no chão. Possuía um armário com prateleiras e gavetas para os alimentos e utensílios e uma mesa de trabalho para o cozinheiro. A lança da carroça estava apontada para a Ursa Maior, como estaria sempre, durante toda a viagem. Era uma das muitas tarefas do cozinheiro. Em todos os acampamentos, à noite, a lança da carroça da cozinha apontava para o norte; assim, qualquer que fosse o tempo no dia seguinte, o chefe da tropa sabia que direção tomar.

A Ursa Maior era a bússola e o relógio do vaqueiro. Enquanto fazia sua trajetória no céu, suas posições lhe diziam as horas e lhe marcavam também o tempo de vigília. Em noites nubladas, tinha que adivinhar a hora, a não ser quando seu cavalo, condicionado pelo hábito, se dirigia por si mesmo para o acampamento quando acabava o turno.

Deixando a sela nas sombras atrás do círculo de luz da fogueira, onde dormiria, Benteen dirigiu-se à carroça da cozinha a fim de pegar uma caneca de flandres para tomar café. O olhar aparentemente sem interesse sondava os vaqueiros.

- Shorty pegou o primeiro turno, não? - perguntou a Rusty, e soprou o café de que se servira, antes de tomar um grande gole. - Reconheci a voz dele cantando para o gado.

- Shorty e Hank - confirmou Rusty.

- Aquele Shorty canta mesmo para valer - disse um vaqueiro chamado Jonesy, e parou no trabalho de desbastar um pedaço de madeira.

- O que é que um filho da mãe como você sabe disso? - perguntou das sombras uma voz zombeteira. - Duvido que pudesse tirar um som até de uma moringa torta.

- É mesmo? - Jonesy encrespou-se todo. - Só espero que algum filho de uma égua lhe ensine outra estrofe de Sweet Betsy. Se cantar aquela mesma nesta viagem, como fez da última vez, vou dar um jeito para você não cantar mais.

- Não recebi queixa nenhuma desses bois de merda - protestou Zeke Taylor.

Benteen interveio antes que as coisas esquentassem:

- Em vez de discutirem sobre como cada um canta, é melhor verem como falam. - Fez uma pausa enquanto olhava duro para os vaqueiros.

- Isto é para todos vocês. Quando esta tropa partir, vamos ter senhoras no acampamento. Alguns de vocês não podem dizer uma frase sem incluir "merda", "bosta", ou um "filho da puta" em algum lugar... e às vezes todos três e mais alguns. Guardem os palavrões para o gado. Se não puderem, é melhor ficarem calados quando houver mulheres em volta.

- Ei, tagarela, você acha que pode fazer isso? - disse Jonesy, Provocando o vaqueiro falador, Zeke Taylor.

Eu sei falar uma merda de vezes melhor com uma senhora do que você - respondeu Taylor.

Avisem aos outros - ordenou Benteen. Além dos vaqueiros que tomavam conta do rebanho, havia mais quatro, que receberam permissão de passar a noite em Fort Worth, com a promessa de que voltariam à primeira hora da manhã, e em condições de trabalhar, mesmo que fosse amargoso.

- Nada de palavrão na frente das mulheres, se não quiserem andar na rabada durante um mês.

A ameaça provocou resmungos entre os homens, e Benteen ignorou. Numa viagem, três vaqueiros eram em geral designados para posições na retaguarda do rebanho, para tocar os bois retardatários e garrotes mais fracos. Era trabalho cansativo, em meio à poeira, e o menos desejado de todos. Mas na maioria das vezes os homens se revezavam na cabeça da boiada, avançando, e nos flancos, de modo que todos recebessem tratamento igual.

Benteen viu Jessie Trumbo encostado na roda traseira da carroça da cozinha. Foi beber seu café ao lado dele.

- Tudo calmo por aqui, não?

- Calmo como você queria - respondeu Jessie. Houve uma pausa demorada enquanto ele se endireitava para arrancar com os dentes um naco de fumo de rolo e passá-lo para o lado esquerdo da boca. - O Barra 10 tem um grande rebanho seguindo para o norte. Pararam para o pernoite a uns oito quilómetros daqui. Buli Giles dirige a tropa.

- Conversou com ele? - Benteen girou o café na caneca. Jessie inclinou lento a cabeça.

- Buli passou por aqui. Disse que vamos comer poeira dele o caminho todo até o Kansas.

- Você acha que ele ficaria aborrecido se fosse ao contrário? - especulou Benteen com um sorriso seco.

- É bem capaz. - Apareceu um brilho nos olhos de Jessie.

A mãe de Lorna acompanhou-os à igreja na manhã seguinte. Enquanto os noivos conversavam com o reverendo, inspecionou os últimos detalhes da decoração. Tudo estava sendo feito para tornar o casamento da filha - a única filha - um acontecimento especial. Clara Pearce ocupava-se com os preparativos, pois assim não teria tempo para pensar nos dias vazios que se seguiriam quando a filha estivesse longe, muito longe.

Conseguiu afastar o assunto da mente enquanto Lorna e Benteen eram instruídos sobre seus respectivos papéis em um casamento cristão. Depois dirigiu-se ao encontro deles no fundo da igreja.

Vamos, mamãe? - perguntou Lorna. - Benteen tem coisas para fazer, mas vai nos levar em casa.

- Estou pronta, só preciso parar no armazém para falar com seu pai.

DUrante a época de passagem das boiadas, Clara Pearce não gostava de andar na rua sem uma companhia masculina, especialmente no centro, onde tantos vaqueiros se reuniam. - Não me demoro - falou a Benteen.

- Eu posso esperar. - Polidez e senso de dever ordenavam-lhe que cedesse. Mulheres precisavam da proteção de um homem. Todos aceitavam esse fato.

No lado de fora da igreja, ajudou-as a subirem na charrete, amarrou seu cavalo atrás e colocou-se ao lado de Lorna, tomando as rédeas.

As ruas estavam cheias de vaqueiros e peões. Poucos deixaram de notar a mulher jovem e bonita ao lado de Benteen. Ele bem sabia o tipo de comentário que faziam, mas não precisava defender a honra da moça, pois falavam sem má intenção, apenas para comentar, e nem chegavam a ser ouvidos por Lorna.

Em frente ao Pearce's Emporium, parou a charrete e entregou as rédeas a Lorna, enquanto ajudava Clara a descer.

- Esperaremos aqui pela senhora.

- Não me demoro.

Benteen ficou de pé junto ao assento da charrete, no lado que Lorna ocupava.

- Amanhã é o grande dia. Você acha que sua mãe estará pronta?

- Tomara que sim. - Lorna esboçou um pequeno sorriso. - Ela está nessa roda-viva há dias. Parece até que é ela quem vai casar.

Havia atividade demais em volta para que Benteen a ignorasse. Sua experiência aguçara o instinto de vigilância. Um homem jamais relaxava inteiramente a guarda, e seus olhos estavam sempre registrando rostos e movimentos. Viu Judd Boston dirigindo-se em passos rápidos para o banco, antes que ele o visse.

Apesar de sua antipatia pessoal, Benteen admirava os nervos de aço de Boston. Não teve a menor mudança de expressão quando viu Benteen ao lado da charrete. Um outro tipo de homem ou o teria ignorado ou mudado de caminho, mas não Judd Boston. Aproximou-se, com a maior desfaçatez.

- bom dia, Benteen. Srta. Pearce. - Polidamente, inclinou o chapéu-coco na direção de Lorna.

- Boston. - Benteen moveu levemente a cabeça na direção do banqueiro, retribuindo o cumprimento, o olhar de gelo.

- Não tive ainda oportunidade de lhe apresentar minhas condolências pela morte de seu pai, embora tenha certeza de que você duvidaria de minha sinceridade.

- Desde que você já sabe, não tenho mais nada a dizer. - Benteen não fingiu.

- Não me surpreende que você pense assim - disse Boston. Esperei que viesse ao banco pedir uma explicação sobre a morte de seu Pai.

- Por quê? Era óbvio. Você executou a hipoteca, meu pai morreu e você lhe confiscou toda a propriedade e o gado.

- Achei que você ficaria mais perturbado com esses fatos - sugeriu Boston.

- Era inevitável. Percebi tudo antes do meu pai. O baralho estava marcado, mas ele se recusava a admitir isso.

- É bom que seja sensato a esse respeito, Benteen. - Boston sorriu, o sorriso complacente de quem pensa que está tratando com um inferior.

- Não. Sou apenas esperto o bastante para recusar a mão e pedir um baralho novo antes de me sentar à mesma mesa para jogar com uma serpente - replicou Benteen.

Boston irritou-se, mas apenas por um momento.

- Ouvi dizer que leva um rebanho seu para o norte.

- Isso mesmo.

- É um empreendimento financeiro muito grande... - olhou de relance para Lorna - especialmente quando se tem esposa nova. Dizem que o casamento é amanhã.

- É...

- É uma pena deixar uma noiva tão bela, logo depois do casamento. Benteen começou a encrespar-se.

- Lorna viaja comigo. Vamos construir nosso lar no Território de Montana.

- Ouvi os boatos - Boston olhou-o com novo interesse -, mas não os levei a sério. Vai mesmo deixar o Texas para sempre?

- Não há nada mais no Texas para mim. - Benteen pensou no pai. Seth Calder se reviraria na sepultura se Judd Boston acreditasse que um Calder estava fugindo de uma briga. E foi orgulho de família que o fez falar:

- Você não está me expulsando, Boston. Minha decisão foi tomada antes que você se mexesse para tomar o Barra C. Compreenda isso, caso nossos caminhos se cruzem outra vez. Meu pai não se rebaixaria a seu nível de safadeza, mas eu combato safadeza com safadeza.

- Sua hostilidade não tem razão de ser, Benteen. Eu nunca tive nada de pessoal contra vocês.

- Acredito. Meu pai simplesmente estava no caminho de uma coisa que você queria. E agora fique avisado: mantenha-se longe do meu caminho.

Boston sorriu, como se fosse absurdo pensar que havia o menor motivo para as suspeitas de Benteen, no passado ou no futuro.

- Eu tenho um encontro. com licença. Meus melhores votos ao casal.

O último cumprimento foi para Lorna, numa sutil tentativa de ganhar-lhe as boas graças e deixá-la em dúvida sobre a opinião de Benteen a seu respeito.

Uma linha sombria, inflexível, desenhou-se na expressão tensa de Benteen, observando Judd Boston afastar-se no passo lento e medido de um rei que inspeciona seus domínios. As molas da charrete chiaram quando Lorna mudou de posição. Benteen olhou- a de soslaio e viu o ar de desaprovação.

Você não foi muito delicado, Benteen.

Um tipo como ele não sabe o que é delicadeza.

A mãe de Lorna saiu do armazém. Benteen adiantou-se, pegou de suas mãos o pequeno pacote e ajudou-a a subir para a charrete. Sentou-se ao lado de Lorna e virou o baio na direção de casa.

Na volta para a casa-grande do Barra 10, naquela noite, Judd desviou-se para o local onde estava o rebanho que partiria para o norte dentro de dois dias. Tinha uma missão extra para o seu chefe de tropa, depois que o gado fosse entregue nas pontas dos trilhos, em Dodge City.

Um dos tropeiros avistou a charrete cruzando aos solavancos a pradaria, seguida pela escolta, e avisou que o chefe estava chegando. Buli Giles foi logo ao seu encontro. Buli (Touro) merecia o apelido que tinha. Possuía o pescoço, os ombros e o peito de um touro durham de raça pura, e a cara amassada. Era chegado a divergências como um touro tocado à força, e sempre rabugento, mesmo em seus melhores momentos. Gostava de dar ordens, mas não de recebê-las. Possuía talento e experiência para ser o número um em qualquer fazenda, mas não entendia ter que dizer "sim, senhor" ao patrão. Assim, tocava boiadas, mantendo-se o mais longe possível dele.

O capataz do Barra 10, Loman Jones, cavalgava ao lado da charrete. Buli Giles ignorou-o, dirigindo-se apenas a Judd Boston.

- Algum problema, sr. Boston? - A pergunta era quase um desafio, enquanto Buli lutava para mostrar-se cortês e respeitoso.

- Benteen Calder vai partir com um rebanho dentro de alguns dias.

- Vai, e vai também comer nossa poeira o tempo todo até Dodge City - disse Buli.

Boston não estava interessado nisso.

- Simplesmente, leve esses bois para o mercado com alguma carne extra neles. Isso não é uma corrida.

- Eu sei como se toca uma boiada - retrucou Buli.

- É melhor assim. - Buli Giles não fora escolha sua, mas Loman Jones insistira em que era o melhor homem disponível. - Calder diz que vai levar o rebanho dele até o Território de Montana. Quero saber se é para lá que ele vai realmente.

- É para lá mesmo. Conversei ontem com Jessie Trumbo. Barnie Moore está à espera dele com uma parte da pastagem pública, já toda demarcada.

- Ouvi contar essa história. - Boston estava ficando impaciente com a impertinência daquele homem. - Mas quero ter certeza.

- O senhor já esteve naquela região? - desafiou-o Buli. - Há alguns anos, cacei búfalos lá pelas bandas do Little Missouri. Lá, há capim, nada mais do que quilómetros e mais quilómetros de capim. - Conhecia a história sobre a tomada do Barra C, e seus olhos se tornaram astutos. - Por que Benteen quereria voltar para cá e brigar com o senhor por causa de um pequeno pedaço de chão, quando ele pode requerer uma pastagem que faça o Barra 10 parecer a propriedade de um mendigo?

Depois de entregar o rebanho em Dodge City, descubra o que ele pretende fazer - ordenou Boston e, com um estalo do chicote, avançou a parelha num salto para a frente.

A cerimónia do casamento não levou muito tempo. Por um momento, pouco antes de descer a coxia da igreja pelo braço do pai, Lorna quis desistir. Mas viu Benteen junto ao púlpito à sua espera, bonitão em seu terno de casemira fina. Não parecia nada nervoso. Na verdade, estava confiante e seguro, e Lorna sentiu-se ridícula com suas dúvidas.

Pensou que sentiria alguma mudança interna quando o pastor os declarasse marido e mulher, incorporando-se uma nova maturidade que eliminasse aquele desconforto emocional. A sra. Chase Benteen Calder, porém, sentiu exatamente a mesma coisa que Lorna Pearce. Mesmo com as bênçãos do reverendo, corou quando Benteen depositou um casto beijo em seus lábios. Já era seu marido naquele momento, e adquirira direitos irrecusáveis. Sentindo o braço dele sempre em volta da cintura, segurando-a e tocando-a, como podia esquecer isso?

A cerimónia foi seguida de uma recepção na casa dos Pearces. Benteen não tinha parentes para convidar, e os Pearces possuíam apenas alguns velhos primos residentes na área, mas havia bastantes amigos de ambos os lados para compensar. O álcool não fazia parte dos refrescos oferecidos pela sra. Pearce, mas um bom suprimento esperava fora da casa. Havia sempre alguém escapulindo para tomar um trago, e as conversas e os risos tornavam-se cada vez mais ruidosos.

- Acho que é hora de irmos embora - murmurou Benteen ao ouvido de Lorna em meio aos cumprimentos.

- Talvez a gente deva ficar um pouco mais.

Ela não queria deixar a recepção, quando era o centro de todas as atenções. Queria saborear tudo o maior tempo possível, porque nunca mais seria uma noiva. Além disso, inquietava-se ao se imaginar sozinha com Benteen.

- Não. Deixemos que os convidados mantenham seus pais de pé até o amanhecer... mas nós, não.

Mulheres não discutem decisões do marido, e Lorna cedeu. Mas não saíram Discretamente. Quando os convidados perceberam que os noivos iam embora, bombardearam-nos com chuva de arroz e uma ou outra piada maliciosa.

Benteen reservara uma suíte em um dos melhores hotéis de Fort Worth.

Pousou na soleira do quarto a Pequena mala de Lorna e virou-se para vê-la, indecisa, à beira da porta.

- Quer que eu a carregue? - perguntou com um meio sorriso. Aquela sombria expressão de posse era um pouco mais do que os seus nervos podiam aguentar. Entrou no quarto rapidamente, antes que ele a carregasse. Benteen fechou a porta, e Lorna estremeceu ao ouvir o estalido da chave na fechadura.

- É um quarto muito bonito. - disse ela, olhando em torno. Foi até a alta cómoda de carvalho, principalmente porque ficava no canto oposto à cama. Passou a mão enluvada pela madeira. - É mobília boa, sólida!

Benteen a observava com carinhoso divertimento.

- A cama também é sólida - ironizou ele.

Um estranho calor apoderou-se de suas entranhas. Nada do que aprendera na Escola para Moças da srta. Hilda tinha a ver com uma noite de núpcias. Sabia arrumar bem uma mesa e arranjar flores num vaso ou bordar lençóis, mas absolutamente nada sobre o que fazer na mais esperada de todas as noites.

- Desculpe, Lorna. Eu não queria embaraçá-la. - No pedido de desculpa continuava o tom de ironia.

- Não sei o que fazer - falou tímida, a cabeça ligeiramente baixa.

- Vai ter que me ensinar. Devo ir ao quarto de vestir primeiro? Ou...

Benteen meneou a cabeça, como se fosse responder, e começou a andar. Lorna pensou que fosse ao quarto de vestir, mas ele veio em sua direção. Bem de leve, levantou-lhe o queixo.

- Eu esperei demais, Lorna. Tempo demais... nada de quarto de vestir.

O coração de Lorna batia tão rápido que ela quase não conseguia falar. Também esperara por aquela noite. Não temendo-a, como uma moça direita. Não tinha medo do que Benteen ia fazer com ela. Queria que acontecesse. Só estava assustada com essa necessidade urgente da descoberta, já que a volúpia era algo que uma mulher respeitável não devia ter.

Perdeu a noção da realidade ao ver a linha forte da boca de Benteen descer sobre seu rosto. Uma explosão de pânico excitado manteve-a inteiramente imóvel quando aquela boca tocou a sua, movendo-se devagar! sensualmente, explorando com gentil insistência a curva contraída de seus lábios, até que eles cederam.

O beijo terminou, e Benteen levantou devagar a cabeça, estudando-lhe a expressão com os olhos semicerrados. Lorna esperava que não adivinhasse o que ela pensava e sentia. Ele vibrava de satisfação, e ela soltou um suspiro de alívio porque não fora atrevida demais.

Benteen tomou-lhe a mão e levou-a para a cama, olhos nos olhos. Tirou-lhe as luvas. Havia um propósito controlado quando as colocou sob' a mesinha-de-cabeceira e baixou as cobertas.

Lorna encantou-se com a determinação e a sólida tranquilidade de quem sabia exatamente o que estava fazendo. Por um pequeno instante, assimilou um pouco da confiança de Benteen. Mas, quando as mãos tocaram o primeiro botão de seu vestido, tudo desmoronou. Ergueu a vista para o colarinho engomado, branco, em volta da coluna bronzeada do pescoço e todos os seus sentidos se apagaram. Permaneceu imóvel enquanto Benteen, devagar, desabotoava-lhe o vestido. Ofegante, aspirava o perfume da loção pós-barba daquele rosto magro e escanhoado. Na excitação crescente, ouvia o ritmo febril do coração. Fechou os olhos.

Camada após camada, as anáguas foram retiradas e colocadas na cadeira, juntamente com o vestido. Faltavam a combinação e as meias. Quando as mãos dele não voltaram para tirar as últimas peças, ela ergueu a vista em inquieta curiosidade.

Já sem o paletó, ele soltava o colarinho duro para desfazer-se da camisa. Ao primeiro vislumbre do peito nu, escurecido por pêlos castanhos encaracolados, a ansiedade pressionou seu ventre. Perturbou-se com esta sensação, porque queria ver mais daquele corpo magro e forte que só sentira apertado contra o seu.

A indecência do desejo obrigou-a a desviar a vista. A pressão no ventre aumentou, quase chegando a doer. O candeeiro projetava uma luz muito forte sobre aquele canto do quarto. Desejou apagá-lo, pois, no escuro, não poderia ver o corpo nu, mesmo que quisesse.

- Devíamos apagar o candeeiro. - A voz trémula denunciou suas apreensões.

- Neste caso, nós não nos veríamos - observou Benteen, aproximando-se por trás. - E eu quero ver minha mulher.

Lorna deixou escapar um suspiro profundo quando os lábios dele roçaram-lhe o pescoço. Cerrou os olhos, lutando contra um torvelinho de emoções. Por pouco não desabou quando sentiu o impacto de um puxão liberando o nó da fita que prendia a combinação. Benteen retirou-a por cima de sua cabeça e lançou-a para o lado com um movimento descuidado.

Depois aquelas mãos fortes desceram suas meias compridas pelas coxas, joelhos e pernas, e ergueram-lhe os pés para tirá-las inteiramente. Ela enrijeceu todo o corpo para ocultar o que sentia. Agora estava completamente despida.

- Quer fazer o favor de olhar para mim, Lorna?

A decisão da voz fê-la abrir os olhos, que se fixaram no rosto dele.

Na periferia da visão desenhavam-se os ombros musculosos e os pelos escuros no peito nu. A luz sombria daqueles olhos varreram-lhe o corpo, queimando com força avassaladora, depois confrontou-se com seu rosto.

A mão dele pressionou-lhe o pulso, puxando-a na direção da cama.

Ela resistiu, envolvida por uma onda de pudor.

- vou precisar de minha camisola.

Não, não vai. Camisolas são para dormir, e não vamos dormir por algum tempo... muito tempo.

Com Um último gemido, ela se deixou conduzir. O apoio macio do braço foi bem recebido Pelas Pernas trémulas, mas o olhar não se desprendeu do rosto de Benteen, que também desabou sobre a cama. Aquele estranho aperto em seu ventre aumentava, e ela não queria que ele soubesse o quanto ardiam suas entranhas. Não queria envergonhar-se aos olhos dele.

Apoiando a cabeça no travesseiro de penas, Lorna manteve o corpo retesado. Não demonstrava sentir o mesmo calor que vinha de Benteen, deitado a seu lado, com a respiração cada vez mais densa, passando-lhe através do olhar uma força tão potente que ela estremecia da cabeça aos pés.

Quando aquele olhar passeou pelos seios firmes e túmidos, pela lisura tensa do ventre e pelo púbis, Lorna fechou os olhos, tentando eliminar a crescente excitação.

- Não é errado eu olhar para você. Sou seu marido - lembrou-lhe Benteen, mas ela sabia da imensidão de direitos que o anel em seu dedo lhe dava.

Aquela espera de que ele exercesse esses direitos é que a dilacerava. Benteen retirou o travesseiro que estava sob sua cabeça e ficou por cima dela, com o peito roçando em seus seios. Sentindo a pele formigando, ela encarou o rosto dele, tão perto que lhe pôde ver os poros da pele morena e a cicatriz esmaecida na têmpora.

- Serei muito gentil. - Seu hálito acariciou a pele quente. - Não tenha medo.

Ela concordou, inclinando de leve a cabeça ao mesmo tempo em que seu queixo tremia, parecendo hesitar, quando ele prendeu a respiração, olhando fundo em seus olhos. com o coração aos saltos, ela esperou a aproximação dos lábios que baixavam sobre sua boca.

Ele beijava de maneira lenta e sensual, explorando suavemente, esperando ser correspondido, até que ela abriu a boca e foi invadida pelo sabor daquele beijo que um dia tanto a excitara.

A mão quente dele deslizou até seu seio intumescido, definitivamente entregue às suas carícias. Ela sentiu que era bem melhor agora, sem a proteção das roupas, mas não ousava tocar aquele corpo másculo, que aos poucos aumentava a pressão sobre seu corpo. Crescendo cada vez mais a vontade de agarrar-se àquele peito onde o coração explodia, ela se protegeu enfiando os dedos no colchão.

Quando a boca de Benteen passeou sobre sua garganta, Lorna virou a cabeça para o lado, apertando o rosto contra o colchão e mordendo o lábio para silenciar um gemido de puro prazer. A exploração continuou, e ela ficou alarmada ao vê-lo descer para o bico de um seio.

Bebés sugam o seio de uma mulher, mas nunca lhe ocorrera que homens fizessem a mesma coisa. Aquele contato provocou-lhe uma onda incontrolável de espasmos, e, quando a língua dele pulsou avidamente, ela quase desmaiou. Depois foi o outro seio. Sugava, enquanto a mão acariciava o primeiro, mantendo-o excitado.

Era uma doçura sem limites. Nasceu um perigoso gemido na garganta, logo reprimido pela mão tapando a boca. Benteen notou-o e cobriu-lhe o rosto de beijos.

- Não resista, Lorna. - Murmurou em tom de súplica. - Deixe-me ouvi-la.

Não posso. - A resposta soou falsa.

Ela se envolveu na onda de beijos, querendo ser dominada. Fechou a mão nos cabelos dele, cada vez mais enlouquecida, sem controle- carícias passaram para as partes mais sensíveis do seu corpo. O instinto assumiu o seu lugar, e ela ficou à mercê da efervescência de sensações que borbulhavam em suas entranhas. Arqueou os quadris de encontro às mãos dele, buscando o alívio que prometiam. Desligados todos os censores, abriu as pernas e, num crescendo de sensa ções, deixou que as carícias dominassem seu corpo. A onda de prazer cresceu em seu íntimo, levando-a ao êxtase. As palavras de Benteen soaram distantes:

Aproveite, meu amor.

Logo, ela foi tomada por uma explosão interna tão intensamente agradável que se sentiu desfalecer.

Vários minutos se passaram antes que pudesse abrir os olhos, arquejante e exausta, mas sentindo-se maravilhosamente bem. Benteen lhe sorria, retomando de leve as carícias. Ela notou uma camada de suor cobrindolhe a pele. Não sabia o que tinha acontecido, mas ele parecia saber.

- Lorna, você tem tanto para dar - a voz estava rouca, e ele começou a beijá-la.

Não imaginara que ainda pudesse sentir alguma coisa; achava que cessara sua fonte de sensações, mas quando Benteen recomeçou a beijar-lhe os lábios, a garganta e os seios, e as mãos hábeis intensificaram as carícias, a excitação voltou.

Desta vez, ele abriu-lhe as pernas com os joelhos, colocando-se por cima dela, que pressentia a aproximação do momento mais solene daquele encontro. Algo quente e duro pressionou suas partes úmidas à procura da entrada. Num relance inconsciente seu olhar foi atraído para lá.

Um frio cortante perpassou sua espinha. Aquilo não era nada mole e pequenino como o do bebé que vira uma vez. Não se dera conta de que crescia também. A descoberta foi seguida por um momento de pânico, pois se achava pequena demais para ele. A primeira investida de Benteen pareceu confirmar isso.

- Não, por favor.-Empurrou-o, tentando tirar aquele peso de cima.

- Vai correr tudo bem, Lorna. - Tentou acalmá-la, mas nele era evidente a Capacidade de controlar o desejo.

Não! - Seus olhos suplicavam. - É... grande demais. Não, não é.

Viu Benteen a sorrir, mas seu semblante se contorceu em ansiedade e escapou um gemido de sua garganta. Colou seus lábios aos dela e abafou todos os protestos.

Sentiu uma pontada de dor quando ele a penetrou, substituída por ondas de prazer que aos poucos se agigantavam na aproximação do clímax. Os movimentos dele aceleraram-se, levando-a ào momento alucinante, dourado, de prazer explosivo, seguido de uma série de pequenos tremores. Violentos abalos sacudiram então Benteen, até que ele relaxou o corpo sobre o dela, arquejando.

Após um minuto, Benteen rolou para o lado e abriu os olhos para ela. Sua expressão séria deixou-a preocupada. Ele estendeu a mão com displicência sobre um dos seios, e Lorna intimidou-se com aquele olhar. f Então puxou as cobertas. !

- Nós somos casados, Lorna. Não tenha vergonha de olhar. - Na boca, um sorriso de ironia.

- Eu sei. - Era difícil romper com os velhos hábitos.

- Como você se sente? - perguntou a ela, com a mão afagando-lhe o ventre.

- Muito bem. - Ruborizou-se com a pergunta franca.

- Você se enganou, não? - A mão desceu possessiva para o quadril.

- Não sou grande demais para você.

- Por favor. - Achava que não deviam falar sobre essas coisas, mesmo casados.

- Você gostou, não?

Era mais uma declaração do que uma pergunta. De repente Lorna ficou alarmada, porque achara o ato amoroso tão agradável. Não queria que Benteen pensasse que ela era uma vagabunda de rua.

- Não -mentiu.

- O quê? - Ele se apoiou sobre um cotovelo e examinou-a, incrédulo, - Me pareceu o contrário.

- Não pude evitar aquilo. - Desviou o olhar dos olhos dele.

- Se não gostou, porque pareceu tão disposta... tão ansiosa? -a pergunta era um desafio.

- Você é meu marido. Não posso negar os seus direitos. Ele segurou-lhe o queixo e obrigou-a a olhá-lo.

- Por que está mentindo? Eu a observei na primeira vez. Você é inocente demais para fingir um gozo.

Lorna ficou escarlate de vergonha e tentou soltar-se. Ele a prendeu no colchão e não permitiu que ela escondesse o rosto.

- Eu não queria que nada daquilo acontecesse. - A voz estava zangada. - Eu não sabia como parar aquilo.

- Por quê? - Ele não acreditava.

- Porque... - Lorna hesitou, confusa - porque não quero QUe pense que eu... sou má.

A expressão dele tornou-se ainda mais séria, sondando-a bem dentro dos olhos.

- Você não acha que sentir paixão a torna má, acha? - Ela nem precisou responder. - Meu Deus, você acha - murmurou Benteen. - Quem foi que meteu isso na sua cabeça?

Eu sempre achei. - Ela estava insegura. - Embora nunca ninguém me dissesse claramente.

EU sabia que você era jovem, mas... - Interrompeu a frase com um movimento de cabeça. - A paixão é natural entre marido e esposa... Entre Um homem e uma mulher. Não há nada de errado em gostar de fazer amor.

Ela baixou os olhos, achando rude aquela maneira de falar. - Você é capaz de dizer essa palavra?

Claro. - Foi invadida por uma onda de calor.

Então, diga-a. Melhor ainda, diga que gostou de fazer sexo com seu marido. - Ele insistia em fitá-la, com um carinhoso divertimento.

Eu... eu gostei de fazer sexo com meu marido.

Gostou?

- Gostei - confessou num murmúrio, ainda sem saber se era certo reconhecer isso.

- Se você falasse mil vezes, talvez conseguisse uma expressão de amor, e não uma confissão de culpa.

- Mas eu amo você. - Ela não queria deixar dúvidas.

- É melhor que não ame ninguém mais - disse ele numa fingida ameaça, e estendeu a mão para apagar o candeeiro.

- Espere. - Lorna segurou-lhe a mão. - Tenho que pegar minha camisola.

- Não. - Ele abaixou o pavio e pôs a mão no alto da manga de vidro, soprando a chama. Em seguida, tomou-lhe o corpo nu entre os braços e deitou-lhe a cabeça no peito. - Vamos dormir nus hoje. Não quero que você fique embaraçada com seu corpo... ou com o meu.

- vou tentar.

Mas não era fácil. Duvidava que sua consciência daquele corpo lhe permitisse relaxar.

As mãos dele passeavam sobre ela.

- Este aqui, e nenhum outro, é o seu lugar, Lorna. - Era uma firme declaração de propriedade. - Isto é apenas o começo. A mulher foi feita Para dar prazer ao homem.

Ouvindo, ela se lembrou do conselho da prostituta, Pearl Rogers, e acelerou seus pensamentos.

Benteen? - A mão afagava distraída os pêlos encaracolados do Peito dele. - Você teve... teve sexo com muitas mulheres? O que é isso? - Ele sorriu. - Uma investigação sobre meu sórdido passado?

- Teve?

- Conheci algumas mulheres nos meus tempos. Que tipo?

Não vejo que diferença isso vai fazer. - Ele tentou fugir à pergunta. Você é minha esposa agora. Minha mulher.

essas mulheres... eram respeitáveis? - Precisava saber se ele reparava no tipo certo de mulher.

- Eu as respeitava. Isso é tudo o que precisa saber.

- Mas... - Ergueu a cabeça para saber mais, pois desconfiava qUe se parecia realmente com as mulheres da vida que ele conhecera.

- Nada mais de perguntas. - Cobriu-lhe a boca com a mão deslizando-a depois para seu quadril, afagando-o com o polegar. - Vamos ter um dia muito comprido amanhã. É bom dormirmos um pouco.

Ela travou mentalmente um pequeno debate antes de repousar no peito dele, abandonando o assunto. Benteen puxou-a para mais perto. Lorna aconchegou-se, passando a perna por cima dele, mas puxou-a rápido para trás quando tocou de leve em alguma coisa macia.

- O que houve? - perguntou Benteen.

- Nada - mentiu, cheia de confusão.

- Pode botar a perna em cima da minha.

- Não, está bom assim.

- O que foi? Sei que houve alguma coisa. - A determinação voltou ao tom de voz dele. - O que é que você está com vergonha de dizer?

- É... é pequeno.

A risada dele não ajudou a acalmá-la.

- Só fica duro e ereto quando um homem está excitado. Logo você aprende como isso acontece - ele falou em tom tranquilo.

Então havia muita coisa a aprender. Sempre se considerara bem-educada. Sabia ler e fazer contas, além de costurar, cozinhar e arrumar uma casa. Julgava-se relativamente bem versada nos fatos da vida, mas viu que ainda não conhecia os aspectos fundamentais. E não gostava de sentir-se ignorante.

Botem o gado pra andar!

Querida, enxugue os olhos,

Pois a pastagem dos Calders está à espera.

Sob os céus azuis de Montana.

 

A primeira luz da manhã filtrou-se pelo vidro empoeirado da janela do hotel. A rua lá embaixo começava a movimentar-se. Acordado na cama, Benteen observava Lorna dormir. Os seios duros e cheios estavam à mostra, as cobertas repousavam sobre os quadris. Ele não sabia, até a noite passada, quanta volúpia se escondia naquele corpo maravilhoso, mas não ficara chocado. "Deliciado" seria a melhor palavra.

Desceu o olhar pela planície do ventre e parou na protuberância dos quadris. Deus do céu, como ela sugara cada partícula de energia do seu corpo! A simples lembrança atiçou seu desejo. Os olhos voltaram ao rosto dela; sua inocência era comovente agora, como fora o pudor durante a noite. Notou uma leve curva nos lábios, colados num toque sensual, indício da satisfação que ela também experimentara. Mexeu-se, virando-se um pouco para ele.

Era hora de se levantarem, mas não tinha vontade de acordá-la. Queria observar bem, estudar cada detalhe que perdera durante a noite e os poucos que não perdera. Tocou nas cobertas para abaixá-las mais.

Os cílios dela tremeram e lentamente abriu os olhos. Ele acompanhou atento a confusão espalhar-se sobre seu rosto, enquanto ela tentava situarse. Ao vê-lo, houve um surpreso reconhecimento. - bom dia, sra. Calder.

O sorriso preguiçoso combinou com o cumprimento feito em voz arrastada. Assistiu ao acesso de pudor quando ela puxou para cima as cobertas que ele tentara abaixar. Era uma pena, mas com o tempo superaria isso.

- bom dia. - A voz era branda e meio rouca.

- Sabia que você ronca? - brincou Benteen.

- Não ronco! - Ficou aterrada com esse pensamento e protegeu-se mais com as cobertas.

Ronca, sim. E ronca muito bonitinho.

Inclinou-se e roçou-lhe os lábios com a boca. A reação que obteve quase o fez esquecer a hora. De má vontade, controlou-se. E o controle teve que ser redobrado quando ele viu o hesitante brilho de desejo nos olhos dela. Teria Que desviar a vista ou ceder.

Está na hora de começar nossa viagem.

Sentiu-se um pouco imoral deixando os olhos correrem pelas costas que se afinavam na cintura e pelos quadris magros e musculosos. Benteen não se preocupou com a privacidade do quarto de vestir e enfiou-se nas roupas de trabalho ali mesmo na câmara nupcial, deixando de lado a fatiota do casamento.

Virou-se e olhou para Lorna, abotoando a camisa e colocando-a por dentro das calças justas de brim azul.

- Saia da cama e vista-se. - O tom era de sugestão e não de ordem.

- Temos mesmo que viajar esta manhã? - Não podemos esperar mais um dia?

Ele voltou à cama e debruçou-se, colocando as mãos sobre o corpo dela.

- Se pudéssemos esperar mais um dia, eu estaria aí com você. - Os olhos dele pareciam ver tudo sob as cobertas. Lorna excitou-se novamente.

- Mas não podemos manter mais o rebanho naquele local. O capim acabou, e a boiada tem que sair.

- Apenas mais um dia... - começou ela, o instinto feminino lhe dizendo que ele podia ser tentado, como Adão o fora na Bíblia.

- Não. - A resposta decisiva seguiu-se da ação, e Benteen a ergueu nos braços. - Os planos estão prontos, e os rapazes receberam ordens de aprontar o gado para sair no máximo até o meio da manhã. - Logo que ela ficou em pé, nua, à sua frente, as mãos dele passearam distraídas sobre seus seios, até a cintura. - vou sair logo que me barbear e me lavar. Se vai comigo, é melhor se mexer.

Lorna captou o interesse crescente nas feições dele, e, apesar da pressa, sabia que nem pensaria em deixá-la. Mas antes que o interesse ganhasse forças, ele soltou-a e virou-se bruscamente.

- Vista-se - foi uma ordem severa.

Lorna teve sua primeira noção da facilidade com que um homem pode ser excitado por um corpo de mulher. Este pensamento, porém, foi expulso pelos assuntos urgentes, como fazer as malas e vestir-se para a viagem.

Após um rápido desjejum, foram até a casa dos Pearces para as despedidas. A parte inquieta de Benteen deixava-o impaciente, mas ele a controlou, pensando em Lorna, pois não poderia esperar que ela deixasse a casa dos pais sem umas despedidas caprichadas. Mas quando ameaçaram transformar-se num demorado e doloroso adeus, resolveu intervir.

- Lorna, temos que ir - disse, segurando-lhe o cotovelo, a voz firme.

- Não podemos esperar um pouco mais? - Ela estava banhada em lágrimas.

- Não. - Não tentou amenizar a recusa, embora fosse difícil. Ao ver que o apelo era inútil, ela virou-se para abraçar a mãe. A sra

Pearce chorava, no mais emocional estado que Benteen já a vira demonstrar. Notou também um brilho úmido nos olhos de Arthur Pearce, que deu um passo para a frente e apertou-lhe a mão.

- Tome cuidado com minha filhinha. - Havia uma certa dureza no riso do homem e na posição rígida do queixo.

EU tomarei, senhor. - Benteen fingiu não notar a comoção na voz.

Lorna desprendeu-se dos braços da mãe e olhou lacrimosa para o pai.

- Oh, papai - soluçou, e lançou-se ao seu pescoço.

Durante um minuto, Arthur Pearce escondeu o rosto nos cabelos escuros da filha, abraçando-a com força.

- Agora, seja uma boa menina; ouviu o que eu disse? - com a severa advertência disfarçava a dor.

vou sentir tanta falta de você, papai.

Benteen viu que não havia maneira fácil de acabar com aquilo.

Desculpe, sr. Pearce - disse, intrometendo-se com firmeza.

Arthur concordou relutante e tentou afastar a filha. Segurando-a pelos ombros, Benteen afastou-a, mas as mãos dela permaneceram estendidas, involuntariamente voltadas para os pais.

- Está na hora, Lorna.

- Eu...

Interrompeu a fala, dando as costas ao pranto da mãe e à expressão de dor no rosto do pai. Correu para a carroça, cobrindo a boca com a mão para sufocar os soluços.

Sério, Benteen ajudou-a a subir e também subiu. Evitava olhar para o rosto angustiado e encharcado de lágrimas, pois lhe doía muito. Ela se voltou novamente e olhou saudosa para os pais. Benteen soltou as rédeas, que estavam amarradas ao freio da carroça.

- Adeus!

- Adeus!

- Não esqueça de escrever!

- Vamos sentir saudades!

- Adeus!

Benteen não se intrometeu. Bateu de leve com as rédeas nos cavalos e estalou a língua, dando partida. O chiado dos tirantes, as batidas de patas fincando-se na terra e os estalos da carroça combinaram-se para abafar as vozes. Lorna acenava freneticamente, estirando-se e torcendo-se no assento Para manter os pais à vista enquanto desciam a rua. As lágrimas não Paravam, e Benteen, em silêncio, compreendia, e sentia a raiva da frustração, porque nada podia fazer. Também nada tentou, pois a tristeza dela não era daquelas que se podia consolar.

Chegavam quase aos limites da cidade quando os soluços cessaram, e com eles as lágrimas. Benteen olhou de relance o rosto pálido e tenso. Com Uma das mãos retirou o lenço que estava em volta de seu pescoço, oferecendo-o a ela.

Ela pegou-o e enxugou o rosto, ao mesmo tempo segurando-se ao lado da carroça, para se equilibrar na estrada acidentada. Depois de tudo, conservou o lenço no colo.

Não pude evitar - referia-se às lágrimas.

- Eu sei.

A voz dele era impiedosa. Novamente, ela tocou os olhos, inclinando a cabeça e fungando. Fazia com que ele se sentisse um canalha por levá-la para longe dos pais. E isso irritava-o porque ela era sua esposa. Pertencia a ele, não a eles. Controlou-se o melhor que pôde, mas teve que dizer:

- Essas lágrimas não a farão sentir-se melhor.

Ela se ressentiu, e ele se recriminou por não lhe oferecer nenhum consolo.

Quando tentou passar o braço em volta dela, Lorna empurrou-o.

- Você não compreende - as lágrimas aumentaram. - Talvez nunca mais eu os veja.

Ela podia estar com a razão, e Benteen não tentou argumentar. Mas os olhos dela fitavam-no, esperando que negasse essas palavras e lhe dissesse que seus receios não tinham fundamento. Ante o silêncio dele, ela falou, com voz trémula:

- É verdade, não é?

- Não sei. - Foi tão sincero quanto pôde.

Esperou que ela explodisse em lágrimas, o que não aconteceu. Continuou num pranto silencioso, olhando para a frente. Isso era mais difícil de suportar do que um berreiro.

Estava tudo pronto para o início da viagem quando chegaram ao acampamento, às nove da manhã. Os cavalos foram atrelados à carroça do cozinheiro; a carroça de Ely Stanton já estava lá; o vaqueiro arrebanhador juntara os cavalos de muda, e todos os vaqueiros estavam na sela, esperando a ordem de partida.

Parando a carroça, Benteen puxou o freio e enrolou as rédeas em torno dele. Lançou um olhar a Lorna, notando as lágrimas congeladas no rosto. Soltou um profundo suspiro ao descer e foi apanhar seu cavalo.

Jessie Trumbo aproximou-se cavalgando quando Benteen subiu para a sela.

- Tudo pronto. Quando você quiser...

Benteen concordou, fazendo um sinal com a cabeça, passou por Lorna sem olhá-la e dirigiu-se a meio galope para a carroça de Stanton. Tocou o chapéu num silencioso cumprimento à mulher sentada sozinha no assento, uma boina cobrindo-lhe os cabelos.

- Eu agradeceria, sra. Stanton, se guiasse minha carroça esta manhã. Minha mulher ficaria grata pela sua companhia. O ajudante do boiadeiro dirigirá a sua.

- Pois não, sr. Calder - concordou Mary Stanton, e arrepanhou as longas saias de chita para descer.

Girando o cavalo, ele trotou até a carroça da cozinha, onde Jessie conversava com o cozinheiro, Rusty.

- Diga a Joe Dollarhide que ele vai guiar a carroça de Stanton esta manhã.

Os dois homens notaram o rosto pálido e choroso da noiva, mas não comentariam com Benteen. Jessie virou o cavalo e galopou para onde estava a Cavalhada, a fim de avisar o jovem peão. Ao subir para a carroça, ao lado de Lorna, Mary Stanton sentiu uma

grande pena.

seu marido acha que podemos fazer companhia uma à outra esta

manhã - explicou com um sorriso tranquilo.

A moça fez um sinal com a cabeça mas não falou. O lenço que tinha no colo fora transformado numa pequena bola. Olhando para o outro lado, Mary viu o velho e rabugento cozinheiro preparando-se para dar partida à sua parelha. Soltou as rédeas e ajustou-as no comprimento certo. A carroça da cozinha iria à frente. a pausa do meio-dia, um pouco fora da rota programada.

Vamos seguir a carroça da cozinha - disse Mary. Notou o chapéu pendurado atrás das costas de Lorna. - É melhor botar esse chapéu e prendê-lo sob o queixo, senão o sol vai acabar com sua linda pele. - Ele fará isso de qualquer maneira, pensou, mas não disse.

Lorna estava longe de se preocupar; com um gesto indolente pôs o chapéu na cabeça e o amarrou sob o queixo. Um rapaz chegou, desmontou, prendeu seu cavalo à segunda carroça e subiu para o assento. Quando a carroça da cozinha mexeu-se barulhenta, Mary deu partida à sua parelha. Lorna segurou-se como pôde para proteger-se do primeiro solavanco. Procurou Benteen e vislumbrou-o no momento exato em que ele fazia sinal para tocar o rebanho.

- É duro a gente deixar a casa pela primeira vez - observou Mary depois de terem percorrido uma pequena distância. - Sem saber quando se poderá rever a família.

- É isso mesmo - Lorna olhou de frente para a mulher, que era apenas alguns anos mais velha. Ela parecia realmente compreender seus sentimentos. - Você... você viu seus pais depois que saiu de casa?

- Não. Minha mãe morreu no ano passado. Espero visitar a sepultura dela em lowa.

Aquela resposta contribuiu para convencer Lorna de que seus receios tinham fundamento. Ainda assim, as palavras eram mais suportáveis do Que se viessem de Benteen.

É solitário o destino de uma mulher neste mundo - disse Mary. Você vai descobrir isso... e descobrir uma maneira de tirar o melhor proveito dessa situação.

Não estou tão confiante.

à sua Ora você só pensa no que deixou para trás, mas quando chegar A sua casa e tiver bebés, vai olhar para a frente. O sofrimento passa.

- Uma mulher não tem muita escolha. Quando está crescendo, os pais lhe dizem o que fazer. Depois que se casa, é o marido.

- Não é justo - replicou Lorna, sem compreender bem o que dizia.

- A vida não é justa, mas pode ser boa - disse Mary com um leve sorriso. A mocinha tinha mais coragem do que pensara.

Ser boa parecia impossível, com a perspectiva de nunca mais ver os pais. A vida de casada se revelava o contrário do que sonhara. E pelo que Mary dissera, não ia melhorar. Mas era muito difícil pensar em meio ao mugido do gado e dos estalos da carroça, enquanto ia sacolejando de um lado para o outro no chão acidentado.

Absorta em suas cogitações, não notou que a pradaria do Texas vestira o melhor traje para sua despedida. O verde cobria a terra, era primavera, e as poucas árvores explodiam em brotos. As colinas ondulantes enfeitavam-se com flores silvestres. Aqui e ali, espalhavam-se canteiros naturais de centáureas azuis, molhos amarelos de mostardeira-do-campo e castilejas índias escarlate-alaranjadas.

A estação se abria para os irrequietos, e Benteen atendia-lhe o chamado, como já o fizera tantas vezes. Do alto de um pequeno morro, observou os longhorns se estendendo a distância. O novilho rajado abrira caminho até a frente, assumindo a liderança. Era característica daqueles animais manterem a mesma posição no rebanho um dia após outro na trilha. Alguns ficariam no meio, outros, mais perto da dianteira, e outros, sempre atrasados. Como quer que partissem no início da marcha, quando o dia terminasse todos estariam em suas posições habituais.

Spanish Bill e Jessie Trumbo eram os ponteiros, cavalgando avançados de cada lado do rebanho, para levá-lo na direção certa. Os peões volantes de flanco e retaguarda trocariam as posições todos os dias, mas não os ponteiros. A posição deles era de importância decisiva e exigia experiência e habilidade. Benteen dera esse encargo aos dois homens em quem mais confiava.

O rebanho não era tanto tocado, mas encorajado a ir na direção certa - e sempre em passo lento. Aquele gado de longas pernas comeria a viagem sem perder peso, enquanto fosse mantido sem trote. Na maior parte dos casos, os longhorns ganhavam peso na trilha até a ponta da estrada de ferro, se houvesse água e pastagem suficiente ao longo do caminho.

À frente, as carroças desapareciam numa depressão na pradaria. Benteen acompanhou a que levava Lorna, até perdê-la de vista. Esperava ter acertado ao pedir que Mary Stanton viajasse com ela para que não ficasse sozinha, pois ele tinha a responsabilidade do rebanho.

O chefe de tropa em qualquer viagem tem um lema básico: cuide dos pés dos bois e das ancas dos cavalos e deixe que os vaqueiros cuidem de si mesmos. Isso se aplicava parcialmente à esposa. O gado representava o futuro deles. Ela precisava compreender isso. Esporeou o cavalo, galopando para a frente da boiada.

Como haviam saído tarde, deixou o rebanho caminhar para o norte uma hora além do habitual. O sol estava a pino quando mandou parar. deixou que os animais pastassem na pausa do meio-dia. O local fora escOlhido antecipadamente, e o cozinheiro tinha pronta uma refeição leve. OS vaqueiros comiam em turnos, para não desguarnecer o rebanho. Benteen levou seu prato para perto de Lorna, junto à sua carroça. Ela não chorava, mas parecia distante.

Que tal comer alguma coisa? - Acocorou-se ao lado dela, empurrando o chapéu para as costas.

Não estou com fome. - Evitou olhar para ele.

Como quiser. - Sentando-se sobre os calcanhares, começou a comer. Olhou em volta, para as flores silvestres e o exuberante verde primaveril. - Está um dia bonito.

- Tome. - Entregou-lhe de volta o lenço vermelho.

Você e Mary estão se dando bem? - Ele guardou o lenço no bolso da camisa.

- Estamos.

- Posso dar um jeito para que ela viaje com você hoje à tarde, se quiser. .

Eu me arranjo com a parelha.

Ele pôs o prato de lado. Aquela frieza tirou-lhe o apetite.

- Lorna, lamento sobre seus pais. Sei como você se sente, mas não há muita coisa que se possa fazer.

- Não há muita coisa que você queira fazer. - Lorna levantou-se e dirigiu-se para a carroça dos Stantons.

Pegando o prato, Benteen voltou a comer, mas a raiva interferiu no paladar. Que maneira de começar o primeiro dia de casado! E o diabo o levasse se pedisse desculpas novamente.

Terminando de pastar, os longhorns começaram a se deitar. Era o sinal para colocá-los novamente na trilha. À tarde era mais fácil tocá-los, porque ficavam com sede e iam sem resistência em busca de água.

Benteen conhecia bem aquela parte da trilha. Ordinariamente, cavalgava à frente nesse trecho do caminho, a fim de examinar o local onde o rebanho passaria a noite. Mas lembrou-se de que Stoney, o homem da cocheira, dissera que algumas aguadas foram cercadas pelos roceiros. E, de fato, encontrou arame farpado novo em volta dos poços.

Spanish o acompanhara.

- O vendedor desse arame construiu uma cerca com ele em San Antonio. Provocou o estouro de alguns longhorns contra ela a fim de mostrar como era forte. Os bois arrancaram mourões do chão, mas o arame aguentou.

Corte-o - ordenou Benteen.

O fazendeiro não vai gostar. - Spanish olhou-o, curioso. - Meus longhorns não vão morrer de sede. Corte-o. Enquanto o rebanho se aproximava do local de pernoite, os tropeiros os agruparam em um gruPo mais compacto. Levando-os à água, separaram-se em grupos a fim de evitar aglomerações e atropelos. Ao Chegarem à aguada, Benteen e Spanish já haviam retirado o arame.

Mas o inferno pareceu abrir as portas quando o arame no chão começou a emaranhar-se em patas e chifres.

Benteen soltou um palavrão ao ver o que estava acontecendo.

- Estouro!

Reconheceu os sinais um segundo antes de o primeiro garrote fazer um mergulho louco para um lado, levando os outros em disparada.

O chão ribombou. Chifres saltaram e estalaram ao se chocarem. Todos os demais trabalhos foram esquecidos. Benteen reservou apenas o tempo suficiente para certificar-se de que o gado corria em direção contrária às carroças enquanto açoitava o cavalo e saía em perseguição ao rebanho. Jonesy, correndo a toda brida à sua frente, cantava a plenos pulmões "Ó rocha das idades abre-te para mim. Deixa que me abrigue em ti". Muitos vaqueiros pecadores viam "a luz" no meio de um estouro, causado pelo demónio. Os supersticiosos acreditavam que a boiada louca só atendia quando se cantavam hinos.

Como Jonesy montava um cavalo mais rápido, Benteen deixou-o ultrapassar os líderes do rebanho para virá-lo num lento e largo círculo. Por sorte, foi um estouro curto - não durou mais de cinco minutos -, o gado sedento era fácil de controlar. Os bois mugiam alto quando começaram a se agrupar calmamente, os peões tomando todo cuidado para não juntálos demais, dada a possibilidade de algum cair no centro e ser pisoteado.

Mal o rebanho se acalmou, o latido de cães recomeçou a agitação. Benteen virou bruscamente a cabeça e viu um grupo de lavradores correndo para o poço. A fúria estampou-se em sua face.

- Jessie! Shorty! com um gesto mandou que os dois o acompanhassem ao encontro dos lavradores.

Tirou o rifle da bainha e introduziu um cartucho na câmara, apontando para o cão de pêlo lustroso que liderava a matilha. Um tiro de rifle poderia provocar novo estouro da boiada, mas a mesma coisa podiam fazer os cachorros. Atirou, derrubando o primeiro e lançando-o contra os outros. Às suas costas, Shorty e Jessie despejaram fogo. Em segundos, os cães que ainda conseguiam se mover fugiram. Benteen virou o cavalo para a carroça cheia de roceiros.

- Vocês mataram nossos cães! - gritou um deles.

- Vocês levantaram aquela cerca? - Benteen ignorou o protesto indignado.

- Aquela água é nossa! - berrou outro.

- O diabo que é! Os rebanhos bebem aqui desde que o primeiro garrote foi levado para o norte.

- Você vai nos pagar pela cerca que cortou... e pelo que cada garrote bebeu.

- Não vou pagar a ninguém para dar de beber ao meu gado -respondeu seco Benteen.

- Vamos ver o que o delegado tem a dizer - ameaçou o primeiro que falara.

Pois faça isso.

Houve uma áspera troca de palavras entre os lavradores, antes que o grupo finalmente desse a volta. Benteen observou-os se afastarem, permanecendo onde estava até que se perderam de vista. Quando enfiou o rifle na bainha da sela, ouviu o som de Shorty e Jessie fazendo o mesmo. Roceiros de merda! - cuspiu Shorty. - A gente devia era meter bala neles.

Vamos voltar para a boiada. - Benteen dirigiu o cavalo para os animais ainda inquietos.

As carroças chegaram ao local do acampamento muito antes do rebanho. Lorna estava profundamente arrependida por ter dito a Benteen que conseguiria manejar as parelhas. Aqueles não eram os animais mansos da carroça de carga do pai, e seus braços tremiam com o esforço para controlar as rédeas. Não havia estradas na pradaria e após um dia sendo sacudida de um lado para o outro no assento, o corpo estava tão contundido e surrado que não havia uma única parte que não doesse. Poeira pegajosa cobria-lhe o rosto e a roupa, aumentando o desconforto.

E estava com problemas, porque não se aliviara desde a parada do meio-dia. Desceu com todo cuidado da carroça, sem saltar a última distância, temerosa de que o choque da queda a levasse a humilhar-se. Olhou nervosa em volta. Na parada do meio-dia houvera um pequeno ajuntamento de árvores, onde escondera-se para fazer suas necessidades, mas ali não havia coisa nenhuma, exceto capim em todas as direções. Nem mesmo conseguia ver qualquer moita.

- Eu desatrelo os cavalos para a senhora, sra. Calder. Virando-se sobressaltada, Lorna viu o rapaz de cabelos escuros no outro lado da carroça. Era o cocheiro que guiara a carroça de Mary. Talvez fosse uns dois anos mais moço do que ela. Sentiu-se muito jovem e tola naquele momento, mais imatura do que ele, mas era uma mulher casada e jamais lhe diria isso.

- Obrigada. - Sorriu, hesitante. Duvidava que pudesse desatrelar aqueles animais teimosos sem fazer alguma coisa errada.

Andando dura, dirigiu-se para a carroça dos Stantons. Sentiu-se menos incompetente quando viu que Mary estava sendo ajudada pelo guardador dos cavalos. O homem manco soltou as parelhas da lança da carroça, Puxando os arreios perto do chão.

Mary - gritou para a nova amiga e conselheira.

A mulher aproximou-se, a dureza de expressão suavizada por um sorriso cansado.

Como é que você está se sentindo?

Ótima. - Se o outro assunto não fosse tão urgente, teria continuado a conversa ociosa. Baixou a voz para não ser ouvida pelos três homens que se encontravam no acampamento. - O que é que a gente faz Para se aliviar?

Durante um momento houve silêncio. Lorna baixou a vista para a terra da pradaria, certa de que se desgraçara falando em funções corporais, mas não sabia mais o que fazer.

- Você simplesmente se afasta e faz o que precisa - disse Mary. Chocada, ela voltou a olhar para aquela mulher.

- Mas aqui é tão descampado. - Lançou um olhar furtivo ao tropeiro que tirava os arreios dos cavalos. - Todo mundo vai ver.

- Há ocasiões em que se pode ter vergonha e outras em que isso simplesmente não é possível - explicou suavemente Mary. com o olhar, vistoriou a área. - Há um pequeno monte ali. Talvez você possa ficar atrás dele. Não estará exatamente escondida, mas é o mais perto que vai conseguir.

Só restava seguir a sugestão de Mary. Nunca se sentiu tão embaraçada como quando fingiu que passeava indolentemente, indo até o pequeno monte. Ninguém pareceu notá-la ou pelo menos ninguém olhou. Tentou fazer-se pequenina quando teve certeza de que não podia esperar mais.

A longa saia e as anáguas davam certa proteção. Contudo, ao ouvir os passos de alguém na grama, as peças foram um estorvo, atrapalhando-a quando quis, apressadamente, subir as roupas de baixo. Estava de costas para o ruído, o que piorou tudo, porque não tinha ideia de quem poderia ser. Lançou um olhar furtivo por cima do ombro e reconheceu o cozinheiro. Parecia perdido em pensamentos, e caminhava olhando para o céu.

Levantando-se, alisou freneticamente a saia e voltou em passos rápidos para o acampamento. com o rosto muito vermelho, virou rápida a vista na direção dele, na esperança de que a ignorasse. A humilhação aumentou quando descobriu que isso era impossível. Não podia suportar o pensamento de que ele sabia o que ela fizera.

- Vim olhar de perto as flores silvestres. - Foi a mentira desesperada que lhe ocorreu.

Os olhos do homem brilharam.

- Acho que tive a mesma ideia, madame. - Tocando a aba arriada do chapéu, ele afastou-se.

Lorna sentiu vontade de que a terra a engolisse, pois não conseguiu enganá-lo, e não queria saber se estavam ali pelo mesmo motivo.

Ao chegar à carroça, nem o encarregado da cavalhada nem seu ajudante lhe deram a mínima atenção, embora parecesse que cem olhos a espiavam. Ouviu o barulho do rebanho se aproximando. Benteen e outro vaqueiro encontravam-se no poço, cortando a cerca de arame.

Dividindo com Mary uma pequena panela d'água, lavou um pouco o rosto e as mãos, Tomar banho estava fora de cogitação. O cozinheiro voltara do passeio pela pradaria e estava jogando mais alguns galhos secos no fogo intenso. A lenha fora colhida na trilha pelo peão da cavalhada e guardada em uma engenhoca em forma de rede estirada no fundo da carroça da cozinha. O bule de café já estava pronto para ferver durante a habitual meia hora.

- Acho que deveríamos nos oferecer para ajudar na ceia, mesmo que ele não aceite - sugeriu Mary com uma leve careta.

- Por que não? - Não estava ansiosa para encontrar-se novamente com o cozinheiro, mas era difícil compreender por que alguém recusaria ajuda. Mesmo numa cozinha ao ar livre na pradaria.

- Ely diz que os cozinheiros nessas viagens defendem furiosos suas posições. Não gostam de receber conselhos sobre coisa alguma de cozinha

- explicou Mary. - Mas vamos tentar.

Apoiada em Mary, Lorna foi. O tampo dos fundos da carroça era agora uma pequena mesa. Certificando-se de que a fogueira queimava bem, o cozinheiro voltara à cozinha ao ar livre. Naquele momento, tirava massa de um barrilete para fazer biscoitos, habituais em quase todas as refeições, e acrescentava mais farinha, sal e água para completar a receita.

- Podemos ajudar em alguma coisa? - perguntou Mary.

- Não. - Ele nem mesmo se virou para responder.

Um pequeno estrondo começou a se transformar num trovão.

- O que é aquilo? - perguntou Lorna, alarmada.

- Estouro de boiada. - O cozinheiro parou o trabalho para olhar.

- Mas não está vindo para cá. - E voltou à mesa.

Lorna prendeu sua atenção na corrida alucinada do gado, à distância de uns quatrocentos metros, tendo a visão completa de toda a cena.

Ouvira histórias de estouros e de vaqueiros pisoteados. O coração disparou ao vê-los em desabalada carreira, acompanhando passo a passo o rebanho trovejante. Benteen estava lá, em algum lugar, invisível no nevoeiro de pó e na massa de corpos em movimento. O medo por ele paralisou-a.

Rusty trabalhava com um olho no que acontecia. Antes de descobrir se seria cozinheiro, médico ou coveiro, havia biscoitos a fazer. Vendo o gado lentamente se enrolando em círculo, inclinou a cabeça num gesto de aprovação.

- Conseguiram virar a boiada. Acabou tudo, menos os mugidos. Só depois de ouvir os altos mugidos do gado é que Lorna percebeu que os animais não emitiram nenhum som durante a corrida louca. O coro se tornou insuportável. A poeira dominava o ar, fechava-se em torno do rebanho e ocultava os vaqueiros. Em vão procurou Benteen.

Do lado mais distante do rebanho ouviu cães latindo, ou pelo menos parecia. Sobressaltou-se com as explosões que se seguiram. Olhou alarmada para o cozinheiro.

- Aquilo são tiros?

Rusty concordou com a cabeça.

- Acho que Benteen encontrou-se com os caras que botaram a cerca. Deve estar dando explicações a eles.

O tiroteio parou logo. Mas Lorna só estaria tranquila quando visse Benteen são e salvo. Continuou a procurar, tentando distinguir cavalo cavaleiro.

- Lá está Ely - disse baixinho Mary, ao seu lado.

Lorna nem imaginou que a amiga passava pelas mesmas preocupações. Sua mão se fechou em volta do braço de Mary, num silencioso júbilo. Ely Stanton estava bem.

- Mas onde está Benteen?

Passou-se uma eternidade antes que o visse em companhia de vaqueiros cercando a boiada. As pernas começaram a tremer, e sentiu-se febril em seu alívio.

- O movimento acabou por enquanto - disse o cozinheiro, olhando-as discretamente. - Por que não se sentam e tomam um pouco de caffé?

- Obrigada - respondeu Mary.

O café era tão forte e preto que Lorna quase se engasgou no primeiro gole.

- Ely sempre disse que meu café é fraco - comentou Mary com um leve sorriso. - Eu não acreditava quando ele dizia que uma pistola pode flutuar no café feito na trilha.

Desamarrando o laço do chapéu, Lorna tirou-o e sorriu, concordando com a observação de Mary. Sentia-se emocionalmente esgotada. O caféstabeleceu-lhe em parte o ânimo, embora tivesse um gosto horroroso.

Benteen acompanhou o rebanho, esperando os animais beberem e serem retirados da trilha para pastar durante algum tempo antes de se deitarem. Quando chegou ao acampamento, Yates trazia os cavalos, a fim de que os vaqueiros os tivessem prontos para seu turno de vigia de duas horas à noite. Desmontou junto à carroça da cozinha.

Rusty entregou-lhe uma caneca de lata, sabendo que ele ia quererer antes de qualquer outra coisa.

- Alguém se machucou?

- Ninguém. - Benteen estendeu a caneca enquanto Rusty a enchia até a borda. - O cavalo de Taylor pisou num buraco de marmota e caiu mas ele conseguiu safar-se. Diz que está tudo bem. - Bebeu o café sem esfriar.

- Toda aquela bagunça assustou um bocado sua mulher. - informou distraído, mas notou o rápido olhar de Benteen para o carro de Lorna.

De pé aos fundos da carroça coberta, ela sentia-se insegura enquanto olhava para Benteen. Ele pôs a caneca sobre a mesa improvisada da cozinha e cruzou o acampamento. A moça examinou-lhe o corpo da cabeça aos pés, procurando sinais de contusões. Quando ele parou à sua frente, ela estava ansiosa em seu rosto.

- Você está bem?

- Nem um arranhão. - Esboçou um sorriso ao vê-la interessar-se.

Abraçando-o pela cintura, ela ficou mais tranquila sentindo-o inteiro. - Fiquei tão preocupada - reconheceu, e a mão dele afagou seu cabelo.

Tudo isso é parte de um dia de trabalho, Lorna. - Ela estremeceu com aquela naturalidade. - Além do mais, aconteceu uma coisa boa quê? - Isso parecia impossível.

Você não está mais zangada.

Mantendo a cabeça baixa, Lorna afastou-se relutante.

Eu não estava zangada. - Não quis falar de sua mágoa com a falta de compreensão dele sobre seus pais e a indiferença que demonstrara pelo que ela sentia. - Ouvimos alguns tiros - disse, mudando de assunto.

- Um bando de roceiros lançou os cachorros contra o gado. - Benteen encolheu os ombros, dando pouca importância ao incidente.

- Foram eles que cercaram a água? - perguntou ela, a fim de verificar se o cozinheiro acertara.

- Disseram que sim.

- Acho que ficaram muito aborrecidos. Não foi errado cortar a cerca? Quero dizer, não devemos destruir a propriedade dos outros, certo?

- Nenhum homem tem direito de cercar água boa e manter distante o gado sedento.

As pálpebras dele escondiam-lhe os olhos, mas Lorna sentiu seu desagrado com a pergunta.

- Mas você não devia pedir licença antes de cortá-la? Eles provavelmente não ficariam tão zangados.

- Enquanto mandava alguém procurá-los e pedir permissão, o que faria com duas mil e quinhentas cabeças de longhorns mortos de sede? Eles teriam derrubado a cerca para chegar à água e se cortariam todos. - Benteen falou secamente, deixando-a ver a dureza em seus olhos. - Isto não é Fort Worth, Lorna. A vida é diferente aqui.

Atrás dele, Rusty bateu numa panela de metal.

- Venham comer ou jogo tudo fora!

Benteen virou-se parcialmente ao ouvir o som, mas voltou-se outra vez Para Lorna.

- A ceia está pronta. com fome?

- Estou.

Na verdade, estava quase morrendo de inanição, mas ele a fizera sentirnovamente jovem e ignorante. Não gostou e vingou-se não pensando mais.

Ele a tomou pelo braço.

Quero apresentá-la ao pessoal. Você não conhece todos. Enquanto os vaqueiros esperavam em fila que Rusty lhes enchesse os pratos com o guisado, Benteen identificou-os para ela. Dois dos mais novos ficaram vermelhos quando ele a apresentou. Shorty Niles lisonjeou-a, fazendo-a rir, mas todos a trataram com o máximo respeito. Não eram absolutamente iguais aos vaqueiros de boca suja e turbulentos que vira nas ruas de Fort Worth.

Não havia ordem na refeição, nenhuma formalidade. Os homens sentavam-se no chão, os chapéus na cabeça, e enchiam a boca até mais não poder, como se não fossem mais comer durante dias. Lorna achou difícil S manter a linha, sentada de pernas cruzadas no chão, as saias enfunando se em volta e segurando nas mãos o prato. Rusty circulou, reenchendo as canecas de café.

- Este guisado é muito diferente. - Haviam-lhe dito que cumprimentasse o cozinheiro. Uma vez que nunca comera antes coisa de gosto parecido, pareceu-lhe lógico falar nisso. - Qual é o nome deste prato?

Houve uma pausa. Rusty olhou para Benteen. Todo mundo se lenbrava de suas ordens de não soltar palavrões na frente das mulheres.

- É chamado de... "guisado filho-da-mãe" - respondeu finalmente Rusty. Alguns vaqueiros riram alto.

Lorna não entendeu a piada e lançou um olhar interrogativo a Benteen. Ele esboçava um meio sorriso, mas continuou de olhos baixos.

- É feito de carne de boi, não?

- Bem, é, madame. - Rusty hesitou. - É feito de partes do boi.., Coração, fígado, língua. Claro que o gosto vem do tubo do folhoso.

- Folhoso - repetiu Lorna, e deixou o garfo no prato. - O que é isso?

- Vem do tubo que liga os dois estômagos do boi.

Tendo passado grande parte da vida no mar, Rusty sabia que marinheiros precisavam comer vegetais frescos para evitar doenças. O mesmo acontece com os vaqueiros na trilha. Carne e feijão apenas não são suficientes. Uma vez que o gado come capim, os elementos nutritivos necessários existem no interior do tubo que liga seus estômagos. Se o vaqueiro o come, consegue o benefício de vegetais verdes. O "guisado filho-da-puta" como era realmente conhecido, continha isso.

- Oh!

Lorna olhou para o prato e desejou não ter nunca perguntado. Não conseguiria comer mais. E o que comeu já incomodava seu estômago. Olhou para Mary, mas ela parecia não ter ouvido nada.

Como se não tivesse suportado tudo por aquele dia, ali estava comendo miúdos de animal. Era demais. Pôs o prato no chão, pouco se importando que o talher caísse, e levantou-se.

- com licença - balbuciou, consciente do olhar de repreensão de Benteen.

Segurando com força as saias em torno do corpo, saiu da área do acampamento e procurou refúgio nos fundos da carroça. Atirou-se no colchão e começou a chorar. Simplesmente, não podia aguentar mais.

Uma expressão de arrependimento apareceu no rosto enrugado de RUSty.

- Desculpe, Benteen. Esqueci que uma conversa destas ofende a sensibilidade de uma senhora.

Caiu um silêncio sobre os homens com a saída apressada de Lorna. Benteen sabia que esperavam para ver o que ele faria. E estava irritado com a situação embaraçosa. Sorriu forçado.

Não se preocupe com isso, Rusty. Há muita coisa que ela vai aprender a aceitar.

Pôs o prato de lado e levantou-se rápido. Cruzando o acampamento com deliberada lentidão, ergueu a aba de lona da carroça e enfiou a cabeça para subir, ouvindo os sons abafados de choro. Fez um esforço para se controlar. Ela ergueu a cabeça para olhá-lo e voltou a esconder o rosto.

O que é desta vez, Lorna?

Não havia espaço para ficar de pé, e ele se sentou no colchão. Ela também se sentou, e cruzou as pernas sob as saias para evitar o menor contato com ele.

- Miúdos de animal - disse em voz sufocada. - Como você pode esperar que eu coma miúdos de animal?

- Não são miúdos. Era o folhoso, e você estava gostando.

- Não é apenas isso - ela protestou, esfregando as lágrimas com a mão.

- Então o que é?

- Tudo. Você nunca me disse que seria assim.

- Você sabia que ia ser difícil. - Ele cerrou as sobrancelhas numa sombria carranca.

- Difícil, sim. Posso aguentar ser sacudida numa carroça até ficar cheia de manchas pretas e azuis. Posso aguentar a poeira e o sujo porque não há água suficiente para um banho. Mas é o resto.

- O resto?

- Será que você não sabe como é humilhante para uma mulher ter que se aliviar num lugar onde todos podem vê-la? - Lorna soluçou, corando ao lembrar-se do fato embaraçoso. Escondeu o rosto nas mãos.

- Eu queria voltar para casa, onde meus pais comem comida decente.

O que você quer de mim, Lorna? - Havia uma tranquilidade dura como aço na voz de Benteen. - Quer que eu vire a carroça amanhã pela manhã e a leve de volta?

- Não.

Então, o que você quer?

não sei- Confusa e arrasada com toda aquela situação, ela sacudiu a cabeça.

você não comPreendeu realmente, como esta viagem seria dura - reconheceu Benteen. - Compreendo como certas coisas podem

embaraçosas. Mas vai ter que aceitá-las.

- Pode ser- retrucou Lorna, finalmente descendo as mãos do rosto.

não é fácil ficar lá com todos os meus homens, olhando você se esconder na carroça e chorar. Chorou quando chegou esta manhã e está chorando à noite. Você não se importa com o que estão pensando?

Ela olhou para o lado, dando-se conta de que todos os vaqueiros sabiam que Benteen estava com ela.

- Não pensei nisso.

- Acho que a opinião deles é a minha. Eu pensei que havia me casado com uma mulher, mas descubro agora que tenho nas mãos uma criança mimada.

Ela esbofeteou-o com toda sua força. A palma da mão estalou no rosto dele, e a força do golpe fê-lo virar a cabeça. Chocada com a própria violência, ela o olhou cheia de medo, quando ele virou lentamente a cabeça para fitá-la. Homem algum jamais pusera a mão nele com raiva e se safara mas ela era uma mulher - sua esposa. Controlou a fúria.

- Estou arrependida - balbuciou ela, enquanto via tornar-se vermelha a marca branca deixada pela mão.

- Juro por Deus que não a compreendo. - As palavras furiosas foram espremidas entre dentes cerrados. - Você tem coragem para me atacar, mas chora por falta de privacidade.

- Você me fez ficar zangada quando disse aquilo.

- Você terá que crescer. Não tenho tempo de lhe segurar a mão.

- Não quero que segure minha mão e nem sou criança. - Aqui estava o ponto mais cruel. - Eu talvez não saiba tanto quanto você, mas isso não me torna uma criança.

- Esta viagem será dura. Não vou lhe mentir e dizer que vai melhorar, Hoje você teve apenas uma amostra. Mas há uma opção. Pode chorar a cada pequena coisa que acontecer e espojar-se no sofrimento o tempo todo, ou aceitar as coisas como elas são, como o resto de nós. A sra. Stanton não está em sua carroça se desfazendo em lágrimas. E ela passou pela mesma coisa hoje.

Não era uma comparação muito justa, e Benteen sabia disso. Mary Stanton não levara a vida protegida de Lorna. Mas mencionou-a como um exemplo para lhe dar uma sacudida.

- O que você vai fazer? Ficar aqui na carroça sentindo pena de si mesma? Ou sair e ficar em volta da fogueira conosco? - perguntou ele.

- Eu vou sair. - Um relâmpago de raiva riscou os olhos escuros de Lorna.

- Ótimo - disse ele, e estendeu a mão para ajudá-la a descer. De má vontade ela aceitou, ressentida com a aspereza e a falta de consideração. Benteen não tinha certeza se sua atitude mudara para agradá-lo ou para desafiá-lo. Havia fogo nela: o seu rosto dolorido era prova disso. Isso a levaria em melhores condições ao fim da jornada do que se a mimasse. Ao mudar a posição do corpo para sair do colchão, ela se aproximou mais dele. Ele se tornou consciente de tudo o que nela havia de mulher. sua outra mão envolveu-lhe o pescoço para deter seus movimentos. e endureceu a cabeça resistindo ao toque. Ignorou o fato de ela não querer um beijo e baixou a boca em sua direção. Irritava-se porque não cedia e aumentou a pressão até ela se render.

Mas submissão não era suficiente, não agora, quando a dominava. Moldou-lhe cada curva dos lábios, mordiscando um, passando para o outro, para senti-la bem perto. Respondeu ao desejo que nela aflorou com um beijo Sereno e curto e afastou-se.

A boca de Lorna estava intumescida, inclinada para ele, em silencioso convite. Respirava rápido, os olhos suplicantes. Parecia dócil, ansiosa e afogueada.

- É assim que uma esposa deve parecer - disse Benteen satisfeito. - Nada de lágrimas, nada de mau humor.

A expressão da moça mudou, enquanto o fitava, pensativa.

- Quando eu era uma menininha e fazia alguma coisa que meu pai não gostava, ele me fazia sentar e me falava com grande seriedade. - Benteen ergueu uma sobrancelha, sem compreender. - Depois que eu prometia me comportar e ser uma boa menina, ele sempre me dava um doce. Maridos dão beijos por bom comportamento?

Benteen estava intrigado, mas parecia haver ironia naquela pergunta. Não tinha certeza. Alguma coisa lhe avisou que seria melhor deixar para lá.

- Vamos sair - disse -, antes que alguém comece a especular sobre o que estamos fazendo aqui.

A observação conseguiu o efeito desejado. Ela não insistiu na pergunta e seguiu-o para os fundos da carroça. Ele desceu e ajudou-a.

Os vaqueiros fingiram não notar o retorno de Lorna ao círculo do acampamento, mas isso não tornou em nada mais fácil a companhia deles. Todos haviam acabado de comer, e os pratos e talheres sujos estavam empilhados para serem lavados. Lorna notou a grande quantidade de pratos. Sem dar uma única palavra de explicação a Benteen, deixou-o e aproximou-se da carroça da cozinha, onde o cozinheiro estava pondo o feijão de molho.

- Eu lavo os pratos para o senhor - disse, e viu a cabeça sacudir-se, uma recusa se formando na expressão dele, e assim continuou rápida, com mais segurança do que sentia: - O senhor talvez não queira minha ajuda na cozinha, mas não consigo imaginar homem nenhum querendo lavar Pratos. vou lavá-los.

- O peão da cavalhada ou o seu ajudante fazem isso - explicou o cozinheiro. - Mas acho que eles não se importarão se perderem o emprego.

Obrigada, sr. Rusty.

Lorna começou a arregaçar as mangas para começar a lavar a bacia dos Pratos. Benteen insinuara que todos ali a consideravam uma criança.

Queria mostrar a eles que não se julgava boa demais para fazer

trabalhos humildes e que tinha intenção de trabalhar seriamente. O seu trabalho como aJudante do cozinheiro foi devidamente notado pelos Vaqueiros Quando vieram à carroça apanhar sua tralha de cama, enrolada u guardada na parte da frente da carroça. Benteen notou, também, mas com uma reacção duvidosa. Queria-a aceita pelos seus homens como sua esposa, mas não queria que ela confraternizasse demais com eles. A longo prazo, isso poderia significar problemas. Mas, por ora, deixaria as coisas nesse pé.

Depois de designar os homens para os quatro turnos da noite, selou seu cavalo para a última inspeção. Levou-o até a carroça da cozinha, onde Lorna areava muito ocupada os pratos de estanho. Seu olhar lhe pareceu levemente desafiador.

- Vou ver a boiada - disse ele.

Ela inclinou a cabeça, enxaguou o prato que tinha na mão, colocou-o de lado e pegou outro. Ele fixou por um momento o olhar em Rusty, passou as rédeas por cima do pescoço do cavalo e saltou para a sela.

A boiada estava deitada não muito longe do acampamento, em um trecho plano - uma área que os próprios longhorns teriam escolhido. com a sede saciada e os estômagos cheios, começavam a se acomodar para a noite. A despeito do estouro daquele dia, os animais não mostravam sinais de nervosismo. Enquanto levava o baio a passo num largo círculo em volta do rebanho, viu o garrote rosilho à luz da lua, descansando um pouco distante do grupo principal. Willis e Garvey tinham tirado o primeiro turno. Um deles aproximou-se, fazendo seu lento círculo, encurvado frouxamente sobre a sela. Reconheceu a voz musical, baixa, de Garvey cantando uma estrofe de Na Velha Trilha Chisholm.

Levanto-me bem cedo antes do sol,

E quando vou dormir a luz já está alta no céu.

Epa, epa, epa, cavalinho,

Epa, epa, epa, cavalinho.

Sem perneira e sem capa e chove pra burro,

E eu juro que nunca mais dou guarda à noite à boiada.

Epa, epa, epa...

Garvey deixou a canção morrer no meio do estribilho quando se emparelhou com Benteen, os cavalos parando para que os homens trocassem breves palavras.

- Eles estão contentes como carrapatos num cachorro - disse Garvey.

- Tomara que fiquem assim - respondeu Benteen, e com os joelhos picou o cavalo para a frente. Às suas costas, Garvey continuou o estribilho de onde interrompera:

... epa, cavalinho.

Epa, epa, epa, cavalinho.

Procurei o chefe pra pegar meu dinheiro,

Ele tinha calculado tudo e eu estava nove dólares no buraco.

Havia uma dezena ou mais de versos. Benteen sabia que talvez Garvey cantasse todos eles e improvisasse alguns antes de terminar seu turno. completado o círculo em volta do rebanho, dirigiu-se para o acampamento. Ao sul, viu o tremeluzir de luzes de fogueira de outro acampamento. Bob Vernon, que fora um dos três vaqueiros de retaguarda naquele dia, lhe dissera que o rebanho do Barra 10 estava atrás deles.

 

Deixou o baio amarrado à estaca e levou a sela para o círculo do acampamento. Encontrou Lorna sentada junto ao fogo, olhando fixamente para as chamas, algo que nenhum vaqueiro experiente no campo faria, porque o cegaria quando olhasse para a noite.

 

Sabendo que a noite poderia ser curta, e longo o dia seguinte, a maioria dos vaqueiros estava espichada no chão, uma soogan - colcha amaciando-lhe a dureza. Muitos continuavam com o chapéu na cabeça ou o usavam para cobrir o rosto. Bob Vernon, o erudito da turma, lia pela quinta vez um livro de Platão, de páginas muito viradas nas pontas.

 

A tralha de dormir do vaqueiro era mais do que apenas uma soogan e um encerado. Guardava nela praticamente todos os pertences que não levava consigo. Tudo, da bolsa de fumo a papel de cigarros, de uma cilha a um laço sobressalente, de uma muda de roupa a uma foto da família ou da namorada, de velhas cartas a material de leitura.

 

O jovem Joe Dollarhide estava sentado ao lado de Lorna, novato demais na trilha para saber que o sono que estava perdendo talvez fosse o último que conseguiria em dois dias ou mais. Acontecia isto, às vezes, quando a boiada resolvia estourar. Ela podia manter um homem na sela durante dias, sem dormir e tendo apenas carne-seca para comer.

 

- Estou pensando em ter algum dia uma grande fazenda - ele bravateava para Lorna no momento em que Benteen se aproximou. - Já escolhi até minha marca. Uma marca de dólar por causa de meu nome... uma marca de dólar num couro de boi. - Gostou de sua inteligência em ter chegado àquela associação e queria que Lorna a notasse também. Em seguida, tornou-se distraidamente modesto: - Claro, levará alguns anos até que eu tenha um lugar meu.

 

- E uma mulher sua? - perguntou Benteen, a fim de ter certeza de que o rapaz compreenderia a deixa.

 

- Sr. Calder. - Levantou-se rapidamente, quase tomando posição de sentido.

 

Benteen amenizou o tom de voz:

 

- Obrigado por ter feito companhia à minha esposa. - Mas ainda pôs uma ligeira ênfase em seu status matrimonial.

 

- Sim, senhor. - Desajeitado, Joe fez uma mesura para Lorna. Boa noite, madame.

 

Quando ia se afastando, Benteen disse:

 

- Quero que você examine a cavalhada amanhã, Dollarhide, e verifique se há um cavalo manso no grupo... um animal que uma senhora possa montar, numa sela de amazona. Se não houver, quero que você escolha o mais promissor e dome-o para minha mulher. Informe-me na muda a quem pertence o cavalo, e eu acertarei com o dono.

 

- Sim, senhor.

 

O jovem jogou os ombros para trás, orgulhoso por lhe ter sido atribuída uma responsabilidade.

 

Enquanto Joe mergulhava nas sombras em volta da fogueira, evitando os vaqueiros que estavam deitados, Benteen pegou o bule que se encontrava à borda do fogo.

 

- Se pudermos arranjar um cavalo manso, você não terá que passar o tempo todo sofrendo solavancos na carroça - falava enchendo uma caneca perto do bule. - Quer um pouco de café?

 

- Não, obrigada. Não entendo como você pode beber café tão grosso assim.

 

- É assim que é bom. - Sorriu e sentou-se sobre os calcanhares ao lado dela, divertido com a careta de nojo. Quando tomou um gole, seu olhar passou pela borda da caneca e varreu a área do acampamento. - Onde está Mary?

 

- Ela e o marido já foram dormir.

 

Ele olhou para a carroça dos Stantons e ficou calado, deixando o silêncio se prolongar entre eles. De uma crista distante na pradaria veio o uivo de um coiote, acabando em uma nota aguda, trémula.

 

- Coiotes? - perguntou Lorna.

 

- Sim.

 

- Eu os ouvi uma vez, quando era criança. Não sabia que podiam parecer tão solitários.

 

- Você não está acostumada ainda ao silêncio.

 

Ela aproximou-se mais do fogo. O xale estava bem apertado em volta dos ombros para combater a fria noite do Texas. No seu perfil, Benteen viu uma estranha mistura de vulnerabilidade e força.

 

- É melhor dormir. Vai amanhecer logo.

 

Após um segundo de hesitação, ela lhe lançou um olhar.

 

- E você?

 

Era difícil interpretar a expressão da moça, meio escondida nas sombras. Mas algo em sua atitude despertava os desejos reprimidos. Ela lhe fazia isso, obrigava-o a querer abrir-se e deixá-la compartilhar de seus segredos mais ciumentamente guardados.

 

- Vou depois. - Tomou outro gole do café, protegendo-se ao manter certa distância.

 

Outro segundo se passou antes que ela se levantasse e puxasse mais as pontas do xale em volta do corpo. As longas saias produziam um chiado baixo na grama alta, enquanto ela se dirigia para a traseira da carroça. Benteen conservou-se de costas, escutando o som de um fósforo sendo riscado e percebendo o breve lampejo do pavio do candeeiro. Pensou na longa viagem e na terra de pastagens que os aguardava em Montana. A imagem daquela terra estava gravada em sua mente - a grama espessa, o céu sem limites.

 

A terra do Texas, onde se encontrava naquele momento, era parte do passado que estava abandonando, as causas perdidas do pai e o código de honra sulista que muitas vezes lhe atara as mãos. Mas não as suas. Coisa alguma ia se interpor em seu caminho.

 

Deus do céu! - exclamou Shorty Niles baixinho em algum lugar no meio daqueles colchões.

 

Benteen foi arrancado daqueles pensamentos pela súbita carga de eletricidade que varreu a noite. Pensou logo no rebanho, até que viu Rusty virar-se bruscamente, em direção à sua carroça. Lançou o olhar por cima do ombro e viu o candeeiro iluminando, por trás, a lona e a silhueta de uma mulher. Os braços dela estavam nesse momento acima da cabeça, levando com eles uma camada de roupas, o que mudava a forma da silhueta. A sinuosidade da parte superior do corpo de Lorna produziu efeito sobre ele, enchendo-o durante um segundo de intenso desejo.

 

Mas ele não era o único que estava vendo isso. Levantando-se de um salto, lançou fora a caneca e cruzou a curta distância em passos largos, a indignação vibrando em cada nervo. Afastou com um puxão a aba da carroça e subiu para a cama em um único movimento. Sobressaltada, Lorna virou-se rápido, semidespida.

 

- Apague o candeeiro - rosnou ele baixinho.

 

- Mas assim eu não posso ver - disse ela, pestanejando numa inocente confusão.

 

Ele estendeu a mão além do corpo dela e apagou a luz.

 

- Você se despe no escuro. Você e esta luz estão dando um espetáculo para todo o acampamento!

 

A acusação foi recebida em silêncio. Mas em seguida um murmúrio embaraçado saiu da escuridão da carroça:

 

- Eu não sabia.

 

- Agora, você sabe. - Virou-se para ir embora, zangado, mas consciente de que ela não soubera. Parou, controlando a raiva. - Está tudo bem, Lorna. Simplesmente, tenha mais cuidado.

 

Saltou da carroça e amarrou de novo a aba no lugar. Olhou em volta do acampamento, mas todos os vaqueiros estavam deitados de lado, virados na direção oposta.

 

Voltando à fogueira, Benteen apanhou a caneca que jogara para o lado e levou-a à carroça da cozinha. Rusty estava dando corda no despertador para acordar cedo e preparar o desjejum, antes que a primeira luz aparecesse no céu.

 

- Trazer mulheres cria toda sorte de dificuldades em que a gente nunca pensou - disse ele, sem olhar para Benteen.

 

- É o que estou descobrindo.

 

O cozinheiro olhou de lado, a barba branca começando a espinhar o rosto.

 

- Estou achando que talvez seja bom manter aquelas carroças um Pouco afastadas durante a noite. - Seu olhar desceu para o volume nas calças de Benteen. - Não vou precisar perguntar se você vai dormir com sua mulher. com você e Stanton, a imaginação daqueles vaqueiros vai trabalhar em serão, mesmo que eles não ouçam coisa alguma. Benteen não podia discordar.

 

- Me acorde antes dos outros - foi sua única resposta.

 

- Acordo... a menos que a carroça esteja se sacudindo - murmurou Rusty.

 

Em vez de ir diretamente para a carroça, Benteen foi até a linha onde estavam amarrados os cavalos e fumou um cigarro. Ainda pela metade, esmagou-o com o salto da bota. A uns 300 quilómetros mais à frente, quando sua reserva de fumo começasse a escassear, iria sentir falta daquele cigarro desperdiçado, mas não era aquilo o que queria nesse instante.

 

A carroça estava às escuras e em silêncio quando chegou. Subiu, tirou as roupas de trabalho e ficou de cueca. Tateando até o colchão, a mão encontrou o corpo de Lorna, coberto pela colcha, perto da borda.

 

- Passe para lá.

 

Falou em voz baixa, mas as molas da carroça rangeram quando ela mudou de posição.

 

Ao se enfiar sob a colcha, descobriu que Lorna estava colada ao lado da carroça, tomando todo cuidado para não tocá-lo em parte alguma. Durante vários longos minutos, ele ficou deitado de costas, olhando para o cavername do teto. Em seguida, passou a mão pelo braço dela.

 

- Lorna. - Era um pedido para que ela se aproximasse.

 

- Não. - Estava rígida. - Eles vão nos ouvir.

 

Benteen colocou-se de lado e aplicou pressão para colocá-la de costas no colchão. As mãos dela subiram para empurrá-lo, o rosto vagamente delineado na escuridão.

 

- Eles vão pensar que estamos fazendo isto, estejamos ou não raciocinou ele, e passou um braço pelo estômago dela para puxá-la mais para si.

 

- Não, eu não quero.

 

Desviou a cabeça quando ele tentou beijá-la, fazendo-o beijar-lhe o pescoço, onde a pequena veia pulsava acelerada, denunciando o que realmente sentia.

 

- Vamos ficar na trilha durante quase seis meses, Lorna. Isso significa cento e oitenta noites. - As mãos dele moviam-se, descobrindo-lhe as formas torneadas dentro da camisola. As mãos de Lorna permaneciam imóveis, não estava reagindo. - Não há maneira de não fazermos amor até o fim da viagem. E eu não me importo se alguém escutar.

 

- Eu me importo.

 

- Neste caso, é melhor aprendermos a fazer em silêncio - replicou ele. - Depois da noite passada, você quer passar esse tempo todo sem amor?

- Não. - gemeu com relutância.

 

Em um segundo, seus lábios se encontraram. Ele sentiu a onda de desejo passar pelo seu corpo, doce e violenta. Houve o mesmo imenso choque, a mesma sensação de necessidade profunda finalmente satisfeita. Lorna podia satisfazê-lo muito bem naquele tipo de união.

 

A camisola era comprida. Puxou-a até os quadris, para tocar a pele macia, e foi frustrante ver que havia mais roupa.

 

- Você sempre usa tanta coisa assim para dormir? - Falou entre dentes, enquanto tentava descobrir como se soltava tudo aquilo. - Quer tirar estas coisas?

 

- Não fale tão alto - murmurou ela.

 

- Tire - disse baixinho, beijando-lhe a boca.

 

Quando ela acabou, a camisola estava em volta da cintura e as mãos dele aqueciam-se em seu corpo. Ela aqueceu-se também, nas mãos vagando pelas nádegas e quadris arredondados até chegarem à fonte do calor.

 

- Seu corpo está quente - murmurou ele.

 

- O seu também. - Os lábios dela estavam abertos e úmidos. Quando ele se deitou por cima, um som baixo tremeu na garganta de Lorna.

 

- Vamos fazer em silêncio, lembra-se?

 

Benteen gostou da expressão de desejo que ela não pôde conter e penetrou.

 

Instintivamente, ela o enlaçou com as pernas. Benteen não teve pressa, prolongando o ato, consciente de que ela o aceitava mesmo virando o rosto para esconder a necessidade selvagem. Quando o primeiro espasmo começou a sacudi-la, ele enfiou a língua em sua boca e mergulhou mais fundo em seu corpo.

 

Terminando, ele aconchegou-a nos braços, deitando ao seu lado.

 

- Você é uma devassa.

 

- Não diga isso - protestou Lorna num alarmado sussurro.

 

- É verdade - aspirou o odor quente, feminino. - Você me sugou tudo.

 

- Eu pensei que você queria dizer... - Não terminou e fechou a boca.

 

- Veja o que você fez de mim. - Segurou-lhe a mão para que ela o apalpasse.

 

Ela puxou rápido a mão de volta para o peito. Ele riu em silêncio, divertido com a encenação de pudor, que nada tinha a ver com o que vira minutos antes.

 

- Fiz alguma coisa errada? - Lorna perguntou.

 

- Você escolhe as ocasiões mais esquisitas para ter vergonha. Só isso - garantiu-lhe Benteen e beijou-lhe a fronte. - É melhor fechar esses olhos e tentar dormir. Vamos acordar com o sol.

 

- Boa noite. - aconchegou-se, toda macia e quente, na solidez de pedra do corpo dele.

 

 

Estavam na trilha havia mais de três semanas e ainda se encontravam no Texas. Estabeleceu-se a monotonia. Um dia pouca diferença apresentava do outro, enquanto cruzavam a pradaria ondulada que aparentemente não tinha fim. O tempo era o único que contribuía com alguma variação. Na maior parte, conservou-se claro e quente, o sol traçando seu caminho ígneo no céu sem nuvens. Quando soprava ocasionalmente, o vento não trazia alívio. Em vez disso, açoitava o rosto de Lorna, queimando-lhe as bochechas e cobrindo-lhe o vestido com poeira.

 

Na primeira vez em que nuvens cinzentas toldaram o céu, pensou que a chuva seria uma bênção, mas logo descobriu que não era assim. Durante quatro dias de desolação e umidade, a garoa alternou-se com toros que encharcavam tudo. Comia e cavalgava em roupas molhadas e arrepiava-se e dormia nelas também. Os homens ficavam montados quase o dia inteiro e, nas piores noites, quando o rebanho recusava-se a deitar, todos eles permaneciam nas selas.

 

Pouco via Benteen. Já estava de pé e, não raro, montado, quando ela acordava, vistoriando o rebanho. Às vezes, passava um dia inteiro sem que pusesse os olhos nele. Em muitas noites, já dormia quando ele se recolhia. Não conhecera antes essa faceta do marido. Ele exigia mais de si mesmo do que dos outros. Uma vez, conversou sobre isso com Mary, numa ocasião em que Rusty pôde ouvi-las. O rabugento cozinheiro permitia que elas dessem uma mãozinha nos trabalhos do acampamento, mas não na cozinha. Ele mesmo explicou:

 

- Benteen é o chefe da tropa. Faz parte das obrigações dele ser o primeiro a acordar pela manhã e distribuir o serviço a cada peão. Tem que ir à frente a fim de descobrir onde fica a aguada, onde parar ao meio-dia e armar acampamento à noite. Tem que manter a conta do gado a fim de descobrir se alguma cabeça se perdeu. Se houver alguma discussão entre os homens, a palavra dele é a lei. Um chefe de tropa percorre três, quatro vezes a distância coberta pelo rebanho.

 

Estando Benteen ausente por tanto tempo, Lorna duvidava que pudesse ter suportado a solidão se não fosse por Mary Stanton. Num tempo muito curto, tornara-se íntima daquela mulher, contando-lhe coisas que jamais diria à mãe ou a Sue Ellen. Mas nem a mãe nem Sue Ellen tinham experiência de vida na trilha. Ter Mary como amiga era como possuir uma irmã mais velha. Sentia-se à vontade para discutir assuntos que antes considerara intocáveis. Havia um bocado de coisas que queria saber da vida de casada e que a fariam parecer ignorante demais se perguntasse a Benteen. Mary conhecia a maioria das respostas, e, quanto às outras, especulavam juntas. Mary era uma mulher muito franca e aberta, e assunto algum lhe parecia proibido.

 

Montando cavalos descansados, três peões deixaram o acampamento a fim de substituir os vaqueiros que vigiavam o descanso de meio-dia do rebanho, dando-lhes oportunidade de vir comer alguma coisa. Lorna pouca atenção deu ao fato. Era constante o movimento de idas e vindas no acampamento. Logo depois haveria pratos para lavar. Enquanto isso, ocupava-se umedecendo os galhos das roseiras que a mãe lhe dera. Nem mesmo olhou em volta quando ouviu o bater de patas de um cavalo que se aproximava a trote do acampamento. O animal bufou no momento em que o cavaleiro recolheu as rédeas.

 

- O que você está fazendo?

 

Era Benteen. Lorna virou-se, alegrando-se com a maneira como ele a examinava. Nesse momento, ele descansava a mão no mourão da sela, indiferente ao balanceio da cabeça do cavalo.

 

- Estou molhando minhas mudas de roseiras - respondeu ela, e mostrou-lhe os pequenos galhos. - Está vendo como estão bem? E você disse que iam morrer.

 

Benteen nada comentou.

 

- Eu disse a Dollarhide para selar seu cavalo. Pensei que você talvez gostasse de ir à frente comigo esta tarde.

 

O convite raro encheu-a de satisfação. Inclinou a cabeça para um lado e voltou-se para ele com ar de fingida surpresa.

 

- Você quer dizer que vai, realmente, passar algum tempo comigo? É tão raro que eu esteja com você por mais de cinco minutos.

 

O olhar dele estreitou-se, mas um sorriso apareceu.

 

- Está ficando um pouco atrevida, não?

 

- Não sei por quê... - fingiu inocência e sorriu.

 

- Vou pegar um pouco de comida. Converso com você depois.

 

O tom indicava que voltaria ao assunto, mas havia também um certo divertimento que mostrava que ele não estava aborrecido. Aquilo era apenas uma reação à maneira como ela flertava.

 

Benteen puxou para longe o cavalo e levou-o a passo à carroça da cozinha. Segundos depois de ter-se afastado, Lorna já corria para contar a Mary sobre o passeio daquela tarde.

 

Mary demonstrou alegria por sua causa, e Lorna lhe perguntou pela segunda vez:

 

- Tem certeza de que não quer que eu peça a Benteen um cavalo para você?

 

A resposta de Mary continuou a mesma:

 

- Não. Tenho certeza. Minha maneira de montar é escanchada. Tudo bem, quando eu era uma menininha na fazenda, mas, definitivamente, não é coisa que mulher casada deva fazer.

 

- Eu poderia lhe ensinar a montar em sela feminina - insistiu Lorna. O oferecimento era tentador, porque Mary queria parecer tão refinada

 

quanto Lorna, mas também, pelo mesmo motivo, recusava. Não queria reconhecer que sentia inveja. Duvidava também que pudesse desenvolver a mesma habilidade e graça da amiga, e de que valeria isso se conseguisse? Tinha coisas melhores a fazer com seu tempo.

 

- Não, obrigada. O assento da carroça já me deu calombos e contusões suficientes. Não quero arranjar mais, caindo de um cavalo.

 

Com um suspiro, Lorna deixou-a. Mesmo que tivesse conseguido convencer Mary, só havia por ali uma sela feminina, o que significava que não poderiam cavalgar juntas, e isto teria sido metade do divertimento.

 

A menos que fosse acompanhada por Benteen em uma das marchas avançadas, seus passeios se limitavam a uma área em volta das carroças. O vento enfunava as longas saias, assustando o gado, de modo que não podia cavalgar por perto do rebanho ou se afastar muito do acampamento. A despeito dos limites rigorosos, a mudança da carroça para o cavalo tornava essas ocasiões ainda mais agradáveis.

 

Seu cavalo era um baio claro. Por natureza, um animal calmo e confiável, mas cheio de vida. Nele, nada havia de pesadão e lerdo. Ficou mais espantado do que incomodado com a sela estranha e as muitas camadas de saias e anáguas em seu lombo, mas acostumou-se rápido. Lorna deu-lhe o nome de João Pestana por causa da cor e das maneiras educadas.

 

Cavalgando o baio ao lado de Benteen, a pradaria transformou-se no terreno acidentado e quebrado que assinalava o vale do Red River e a fronteira do Texas. Sentiu-se apavorada com aquela zona selvagem. Certamente não havia nada parecido próximo de Fort Worth. Mas, também, até aquele momento nunca se aventurara a fazer uma viagem de mais de um dia, quando estava lá.

 

Ao chegarem ao Red River, encontraram a água preguiçosa colorida pela argila vermelha que lhe dava o nome. Parando no alto de uma pequena elevação, Benteen estudou o rio como um general examinando um campo de batalha antes do começo da luta.

 

- Algum problema? - perguntou Lorna.

 

Ela não sabia como a travessia de um rio poderia ser traiçoeira para o gado e os vaqueiros. Até aquele momento, haviam cruzado apenas riachos de águas tranquilas. Benteen não explicou a diferença.

 

- Não. - Seu olhar ultrapassou o rio até a terra na margem oposta.

- Logo que cruzarmos este rio, o Texas ficará às nossas costas.

 

A satisfação na voz dele entristeceu Lorna, porque não sentia o desejo de cortar todos os laços com aquela terra. Havia muitas coisas nas quais se recusava a pensar, entre elas seus pais. Esforçara-se ao máximo para chegar ao fim de cada dia sem se queixar, a fim de mostrar a Benteen que tinha fibra suficiente para aguentar qualquer coisa que acontecesse. Continuava a dizer-se que tudo ficaria bem quando finalmente chegassem a Montana e tivessem um lar autêntico, e não uma carroça coberta. Mas ficaria mesmo?

 

- Espere aqui - ordenou Benteen. - Vou descer até lá para olhar mais de perto.

 

Controlando a tentativa do baio de seguir o outro cavalo, Lorna ficou observando enquanto Benteen descia até o lugar do vau. Aparentemente, ele pensava sempre no gado e no caminho a percorrer. Quase não havia tempo para outra coisa. Mesmo quando a levava consigo, como naquela tarde, aquilo parecia um gesto simbólico - exatamente como no tempo em que, quando menina, o pai deixava-a ir até o armazém, desde que ela prometesse ficar sentada, caladinha, e não incomodar ninguém. A única ocasião em que recebia a atenção total de Benteen era à noite - e isso não acontecera com muita frequência. Irritada, Lorna compreendera que ele estava reservando suas forças e energias para a trilha.

 

Benteen passara a nado com o cavalo para o outro lado e já estava voltando quando Lorna ouviu o som de um cavalo aproximando-se do rio. Virou-se, mas não reconheceu o homem que montava o alazão. Não era ninguém da tropa. Ficou mais curiosa do que alarmada ao ver um estranho aproximando-se. Era um único homem, e Benteen estava ao alcance de um grito.

 

Ao parar o cavalo a poucos metros, o homem tirou o chapéu num gesto elegante de respeito e manteve-o junto ao peito. Parecia ser todo peito, ombros e pescoço. Lorna inclinou a cabeça em mudo sinal de reconhecimento da deferência.

 

- bom dia, sra. Calder - disse o estranho, surpreendendo-a por saber seu nome. A ousadia transpareceu nas maneiras dele quando sorriu.

- Nós não nos conhecemos, mas já me disseram como a senhora era, de modo que a reconheci imediatamente.

 

- O senhor tem uma vantagem sobre mim, senhor.

 

- Meu nome é Giles. Meus amigos me chamam de Buli. Sou o chefe de uma tropa que está a alguns quilómetros trilha abaixo.

 

- É um prazer conhecê-lo, sr. Giles. - Lorna ouvira os homens falando de um rebanho que vinha à retaguarda deles, embora houvesse muitos, à frente e atrás. - É o senhor que está conduzindo o rebanho do sr. Boston?

 

- Exatamente, madame. - Admiração transpareceu visivelmente na expressão dele. - A senhora não apenas monta bem, mas tem também boa cabeça.

 

Ninguém, nem mesmo Benteen, jamais a cumprimentara por sua inteligência e capacidade de pensar. Desde o casamento, sentia-se incrivelmente ignorante e ingénua. Aquele homem, porém, fizera-a sentir-se esperta e sabida. E isso fez maravilhas com sua auto- estima.

 

- O senhor é muito gentil, sr. Giles.

 

- Que outra coisa pode um homem ser em companhia de uma bela mulher?

 

O galanteio parecia um contraste grande demais com aquele homem musculoso e de aparência agressiva. Talvez fosse isso o que o fizesse parecer tão sincero, pensou Lorna.

 

Um galope anunciou a aproximação de Benteen. O homem chamado Buli Giles lançou um olhar pensativo em direção dele e enfiou o chapéu na cabeça. O sorriso desapareceu, e o rosto assumiu aquela expressão reservada e fechada que ela notara em homens quando se conhecem. Quando parou o cavalo, Benteen colocou-o entre Lorna e o chefe de tropa do Barra 10.

- Giles. - Benteen cumprimentou-o com uma inclinação de cabeça.

 

- Como está o rio?

 

- Um pouco mole na outra margem, mas em boas condições. - Água gotejava de Benteen, e o cavalo estava lustroso de umidade.

 

- Quando você está pensando em cruzar? - perguntou o homenzarrão.

 

- Amanhã pela manhã.

 

- Não leve o dia inteiro nisso - disse Giles. - Caso contrário vou ter que empurrá-lo para o lado a fim de passar com meus bois.

 

- Eu não sou fácil de empurrar - respondeu Benteen. Superficialmente, a troca de palavras parecia tranquila, sem nenhuma irritação, mesmo assim, Lorna sentiu algo no ar.

 

- Foi o que eu sempre pensei - concordou o grandalhão. - Como também pensei que Boston encontraria alguma resistência para tomar o Barra C.

 

- Aquele jogo não era meu, e meu pai já havia descontado as fichas quando Boston recolheu seu lucro.

 

- É isso aí. Ouvi dizer que você vai para o Território de Montana continuou Giles. - Acho que talvez eu vá dar outra olhada por aquelas bandas, depois de entregar esses bois em Dodge City.

 

Mas olhava diretamente para Lorna quando disse isso, dando a impressão de que era ela que queria rever.

 

Lorna corou, sentindo o peso do olhar de Benteen. O pulso disparou, e não soube qual dos dois era o culpado. Olhando para Benteen, algo nos olhos de Giles o desafiava.

 

- Conheceu minha esposa? - Mais uma vez, ênfase no possessivo.

 

- Conheci, apresentei-me ao chegar - disse Giles. - Tomara que tome conta dela, porque na certa haverá alguém por aí querendo fazer esse serviço.

 

- Refere-se a você?

 

- Um bicho feio como eu? - riu Giles.

 

A Lorna passou despercebido que ele não negara, mas não a Benteen.

 

- Tenho certeza de que o senhor subestima seu valor, sr. Giles - disse ela.

 

A situação lhe lembrava a maneira como Sue Ellen vivia sempre se humilhando porque era feia.

 

- Agora a senhora está sendo bondosa, sra. Calder. - Essas maneiras impecáveis pareciam incongruentes demais vindo de um homem de aparência tão rústica. A atenção dele voltou para Benteen: - Acho que eu mesmo vou dar uma olhada no rio. - Recuou o alazão e dirigiu- se para o vau.

 

Quando o chefe da tropa do Barra 10 saiu do alcance da voz, Benteen perguntou:

 

- O que foi que você disse a ele antes de eu chegar?

 

- Praticamente nada. Por quê? - Lorna franziu as sobrancelhas.

 

- Você deve ter dito ou feito alguma coisa. Um homem não olha para uma mulher casada do jeito que Giles olhou para você, a menos que ele tivesse razão para pensar que seu interesse era bem recebido. - O olhar agudo abria buracos na recém-adquirida auto-estima de Lorna. - Quando eu cheguei, você parecia muito satisfeita.

 

- Ele me fez um elogio... uma coisa que eu raramente ouço - respondeu ela um tanto seca.

 

- No caso de você não ter percebido, tenho andado muito ocupado ultimamente.

 

- Por quê? Porque está dirigindo esta tropa? - Olhou-o friamente.

- O sr. Giles tem andado ocupado dirigindo uma tropa, também, mas isso não o impediu de me dizer palavras agradáveis.

 

- Provavelmente já passaram mais de três semanas desde que ele viu uma mulher.

 

- E acho que faz diferença, porque você me vê todos os dias, e ele, não. Ou talvez o sr. Giles saiba como fazer uma mulher sentir-se bem, e você só sabe fazê-la sentir-se tola e ignorante.

 

Lorna bateu no baio com as rédeas e lançou-o a galope pela trilha que haviam tomado para o rio. Sabia que Benteen estava zangado, mas ela também estava. Não dera corda a Buli Giles e não gostou de ser acusada por isso.

 

Naquela noite, Benteen escolheu para si o segundo quarto de vigia do rebanho e estendeu um colchão de campanha no chão ao lado da carroça, onde poderia ser facilmente acordado. Lorna não lhe dirigira palavra desde a chegada ao acampamento, e o diabo o levasse se fosse tomar a iniciativa de quebrar o silêncio. No dia seguinte, atribuiu sua irritabilidade ao pouco tempo de sono.

 

As carroças foram enviadas à frente a fim de cruzar o Red River antes do rebanho. Logo que os longhorns se levantaram e pastaram um pouco, Benteen fez um movimento circular com o chapéu acima da cabeça, dando sinal de partida. Os ponteiros perceberam o movimento e passaram o sinal para os outros.

 

Rapidamente, o rosilho abriu caminho até a frente do rebanho. Em pouco tempo, a boiada estava em marcha organizada, uma fita multicolorida de couros e chifres em movimento. O gado andava por iniciativa própria em direção à água, desta vez sem necessidade de ser tocado. Não houvera água no pernoite, e os animais estavam com sede.

 

Quando o rosilho e os bois que o seguiam entraram na água para beber, os peões apertaram as fileiras para empurrar o resto do rebanho e forçar o grupo da frente a entrar também no rio. Jessie Trumbo, que estava na ponta direita, pôs o cavalo a nado em frente ao rosilho a fim de lhe mostrar o caminho para a outra margem.

 

- Venha atrás de mim! - ouviu Benteen quando Jessie gritou para o garrote. - Vamos, seu comandante desse mar de chifres!

Nadando, os longhorns formavam um estranho espetáculo. O rio vermelho escondia-lhes o corpo sob a água, deixando de fora apenas a galhada de longos chifres. Os vaqueiros pressionavam em volta para não permitir que se abrisse a fileira.

 

Os primeiros garrotes chegaram à margem oposta enquanto os batedores, Jonesy e Andy Young, entravam no rio de cada lado da boiada. Os peões de flanco e retaguarda continuavam a empurrar por trás. De um ponto alto à margem, Benteen observava a manobra, alerta para tudo o que pudesse ameaçar a travessia tranquila. Muitas vezes, os vaqueiros nem sabiam o que assustara um boi - um remoinho, um tronco submerso, ou o pio de um curiango. Andy estava deixando seu lado do rebanho descer demais para o lado da corrente, onde havia trechos de areia movediça que podiam engolir um cavalo ou um garrote em questão de minutos. Benteen avisou-o com um grito, abafando o ruído dos mugidos. O alerta foi respondido com um movimento de mão.

 

Alguma coisa errada aconteceu, nesse momento, no meio do rio. Benteen não viu o que era. De repente, o gado começou a mover-se em círculo, tentando virar e voltar para a margem que acabava de deixar, contra o resto do rebanho que estava sendo empurrado em sentido oposto.

 

A coisa aconteceu rapidamente - e teria que acabar com igual rapidez, ou os animais, no meio, morreriam afogados no choque dos corpos agitados. Jonesy já percebera a situação e estava dirigindo o cavalo a nado para a massa enovelada, batendo e gritando com os animais excitados para virá-los na direção da margem norte. Benteen esporeou o cavalo e entrou no rio enquanto Andy Young virava o seu para o bolo. Um garrote, nadando em pânico cego, arremeteu contra o cavalo de Andy. O animal afundou, cuspindo o cavaleiro.

 

- Andy caiu! - berrou Jonesy.

 

Benteen viu o chapéu do vaqueiro descendo a correnteza e em seguida divisou a cabeça de Andy quando ele rompeu a superfície. O enovelado do gado ficava entre ele e o vaqueiro. Jonesy encontrava-se mais perto.

 

Na margem norte, água espadanou quando Spanish entrou com o cavalo no rio, indo em ajuda deles, enquanto Jessie continha a parte do rebanho que já fizera a travessia.

 

Quando viu Jessie lançar uma corda a Andy, Benteen dirigiu todos seus esforços para quebrar o bolo formado pelos animais. Não havia tempo para pensar em risco ou perigo pessoal. Só havia o gado e a necessidade de salválo. Spanish levou o cavalo até perto do centro e saltou para começar a subir pelos ombros dos animais e chegar ao centro. com um abundante suprimento de palavrões da fronteira e pancadas violentas das mãos, começou a abrir uma cunha no círculo de chifres. A pressão de Benteen terminou o trabalho, e os garrotes voltaram mais uma vez a nadar na mesma direção, para a margem norte.

 

O cavalo de Benteen subiu com dificuldade a margem, tremendo e bufando. Ele respirava com dificuldade, também, mas toda sua atenção continuava no gado e na travessia do restante. Dois dos peões de flanco acompanharam a corrente de chifres até o outro lado. Passando a galope, Shorty Niles tinha o rosto branco e tenso.

 

- Os filhos da puta não conseguiram. Os filhos da puta burros - praguejou ele, mas numa voz cheia de dor.

 

Benteen olhou para o último local onde vira Jonesy. O cavalo dele já estava na margem sul, sacudindo-se como um cachorro molhado. Não viu sinais de Jonesy nem de Andy Young. Deu uma profunda respiração e prendeu-a, fechando os olhos antes de soltá-la num longo e trémulo suspiro.

 

Nenhuma tentativa foi feita de procurar os corpos dos vaqueiros até que todo o rebanho terminou a travessia e foi reunido a uns oitocentos metros do rio. Dando buscas corrente abaixo, encontraram os corpos flutuando a uns dois quilómetros de distância. No todo, o remoinho no cruzamento do rio custara um preço alto: dois vaqueiros mortos e setenta cabeças de gado afogadas.

 

Os corpos foram envolvidos em encerado e levados para o penedo a cavaleiro do rio, onde se fez o enterro. A cerimónia foi solene, mas, por necessidade, também curta. Lorna olhou fixamente para os rostos inexpressivos dos homens junto às covas, chapéus nas mãos. Ely Stanton construíra um par de cruzes rústicas com galhos de árvores e correias a fim de marcar o local, mas nenhum nome foi escrito nelas. Alguém apanhara no rio os chapéus dos mortos, que foram colocados em cima do mastro das cruzes. Nenhum vaqueiro ia a lugar nenhum sem seu chapéu. Comia com ele, dormia com ele, morria com ele.

 

Como chefe da tropa, cabia a Benteen dizer algumas palavras:

 

- Eles foram homens bons, e Tu, Deus, sabes disso. Dá a eles bons cavalos para montar e um céu claro por cima da cabeça. Amém.

 

- Amém - repetiu Lorna, sozinha.

 

Tinha os olhos brilhantes, um fio de medo tremendo nela ante a vulnerabilidade dos seres humanos. Não conhecera bem Jonesy, ninguém lhe dissera o nome completo dele, nem Andy Young, mas ambos estavam vivos no desjejum naquela manhã, trazendo seus pratos para serem areados. Agora estavam mortos. Ainda assim, ela parecia ser a única afetada por aquele fato.

 

Cabeças baixas, os homens começaram a se afastar das covas. Ouviu Vince Garvey murmurar para outro vaqueiro:

 

- Quando eu for para o outro lado e ouvir algum anjo cantando desafinado, acho que saberei que é Jonesy. Ele nunca conseguiu cantar uma nota afinada.

 

- Ei, Shorty, quer me ensinar outro verso de Sweet Beísyl - perguntou Zeke Taylor.

 

- Claro - respondeu Shorty, inclinando a cabeça. Lorna observou-os enquanto se dirigiam para os cavalos.

- Eles não se incomodam?

 

Só compreendeu que dissera essas palavras em voz alta quando Rusty respondeu:

 

- Quase todo mundo aqui já correu muitos perigos. Quase todos aqui, muitas vezes, olharam a morte de perto. Eles simplesmente não mostram seus sentimentos quando um vai se encontrar com o Criador. Conhecem a morte, mas conhecem também a vida.

 

Rusty foi embora sem esperar para ver se ela entendera a explicação. Mary parou junto às sepulturas e pôs em cada uma um buquê de flores silvestres. Depois, inclinou a cabeça numa oração silenciosa.

 

As flores morreriam. Os elementos e os animais que vagueavam pela terra selvagem logo derrubariam as cruzes, e o capim cobriria as sepulturas. Lorna virou-se e correu para a carroça, ao pé da encosta, inconsciente da aproximação de Benteen e da sua carranca ao vê-la correndo.

 

Ele foi atrás dela, preparado para outra explosão emocional pela morte de dois vaqueiros. Notou-lhe lágrimas nos olhos, mas também determinação no rosto tenso.

 

- Lorna.

 

- Você não precisa se preocupar. Não vou chorar como uma criança.

- Subiu para o vagão e começou a procurar freneticamente alguma coisa. No momento em que achou, saltou para o chão.

 

- O que você está fazendo?

 

- Vou plantar duas das mudas de roseira de mamãe na sepultura deles, para marcá-las. - Seus olhos escuros desafiaram-no.

 

Mas ele apenas falou em voz rouca:

 

- Faça isso logo. Temos que partir.

 

Com o Texas e o Red River para trás, a boiada iniciou a viagem pelo território índio. Nos primeiros anos da história da trilha, esse trecho da Chisholm entre o Red River e Cimarron tornara-se tristemente famoso pelos ataques aos rebanhos desfechados por índios e renegados brancos. Embora o risco houvesse diminuído, os homens mantinham-se de olho vivo. com as mortes de Andy e Jonesy, a tropa estava desfalcada, o que significava trabalho extra para todo mundo.

 

Uma semana depois da entrada na nação índia, Lorna estava lavando os pratos da refeição do meio-dia, a vida árdua que levava começando já a mostrar seus efeitos. Perdera peso e desaparecera o arredondado juvenil de seu rosto. A despeito do chapéu com alça que usava durante a maior parte do dia, as feições haviam perdido a alvura de leite, queimadas pelo sol e vento, e exibiam nesse momento um moreno dourado. As mãos estavam rachadas e ásperas da imersão na água onde era com frequência alto o conteúdo de álcali. Às vezes, quando se olhava no pequeno espelho da carroça, duvidava que a própria mãe a reconhecesse.

 

Pouco consolava que os vestidos de Mary estivessem também frouxos na cintura. Lorna, porém, notara que a amiga fraternal parecia suportar melhor a viagem do que ela. com um suspiro, voltou à bacia dos pratos sujos, lavou mais um e entregou-o a Mary para enxugar.

 

Sentiu uma vaga impressão de que alguém a observava. Ergueu a vista. O pavor disparou-lhe o sangue nas veias. Viu um índio seminu junto à carroça da cozinha, rosto e peito pintados com cores de guerra. Todas aquelas histórias apavorantes que Sue Ellen lhe contara sobre mulheres brancas capturadas por índios assaltaram-lhe a memória. Deixou cair na água o prato semilavado e gritou.

 

Benteen acabara justamente de deixar Spanish à testa da boiada, onde devia seguir de escoteiro, quando ouviu o grito que vinha do acampamento. Tirando o rifle da bainha, virou a montaria para as carroças distantes e enterrou as esporas na barriga do cavalo. Fora Lorna quem gritara, embora ele não soubesse como tinha certeza disso.

 

Outros cavaleiros vieram logo atrás. Virou-se e reconheceu Spanish e Shorty Niles - este estacionado até então no flanco - que vinham em sua ajuda, conforme planejado, caso houvesse problemas. Não haveria dois homens melhores se precisassem lutar.

 

Suas suspeitas foram confirmadas quando viu uma meia dúzia de guerreiros montando póneis magros, colocados entre o rebanho e as carroças. Todos tinham rifles, dois deles, rifles de repetição novinhos em folha, material do exército. Benteen reduziu a corrida quando se aproximou, sentindo os olhares de pedra. Passou por eles na direção do acampamento, sem saber quantos mais havia lá e sabendo que estava imprensado entre os dois grupos.

 

O grito de pavor deixara Lorna aparentemente desvairada. O selvagem não fizera nenhum gesto ameaçador. Nesse momento, estava petrificada olhando fixamente para o primeiro índio de verdade que vira. Notou que era velho, o cabelo ralo quase branco, magro, e não tão apavorante. Afastou a vista e viu mais dois, montados, segurando a corda de um terceiro cavalo.

 

O índio velho começou a falar. Ela não conseguiu entender nada, mas parecia um discurso muito eloquente, a julgar pelos gestos graciosos das mãos. Ela perguntou ao cozinheiro:

 

- Entende o que ele está dizendo, sr. Rusty?

 

- Isso para mim é apenas um bocado de palavras incompreensíveis

- reconheceu ele.

 

O índio parou de falar e mostrou a boca com um gesto.

- Acho que ele quer alguma coisa para comer - disse Mary.

 

- Sobrou algum feijão? - perguntou Lorna.

 

- Sobrou - respondeu Rusty.

 

- Passe-me um prato, Mary. - Sua mão tremia quando o recebeu. Sorrindo amigavelmente para o índio, estendeu o prato a Rusty. - Ponha um pouco de feijão... e todos os biscoitos que tiver. - Olhou para os dois índios montados nos póneis. - Arranje-me mais dois pratos, Mary.

 

Repetiu o mesmo gesto de mão à boca que o velho índio fizera e ofereceu- lhe o prato, estendendo-o ao máximo. Ele aceitou-o e começou a comer o feijão com as mãos.

 

- Não me lembro de ninguém ter gostado tanto desses morangos do Pecos - comentou Rusty, e raspou o resto do feijão, enchendo outro prato.

 

Mary pôs os dois pratos na beira da mesa de trabalho e com um gesto chamou os dois outros índios. Em seguida, ela e Lorna recuaram para ficar mais perto de Rusty quando os dois saltaram dos cavalos e correram para a carroça de cozinha, pondo os rifles no chão.

 

- Eles devem estar morrendo de fome - disse Lorna, franzindo as sobrancelhas para a maneira como eles enfiavam o feijão na boca.

 

Entristeceu-se ao ver o velho índio lamber o prato para aproveitar o resto. Ele estendeu o prato e apontou novamente para a boca, querendo mais.

 

Com as mãos Rusty fez um gesto indicando que não havia mais.

 

- Não mais. Tudo acabado. - Pelo canto da boca, murmurou para as mulheres. - Tomara que não saqueiem a carroça, ou acabará para nós também.

 

Lorna compreendeu que a situação ainda era difícil. Ouviu nesse instante o som de patas de cavalos e virou-se para Benteen, que vinha chegando, seguido pelo mexicano e por Shorty.

 

Saltando da sela antes que o cavalo parasse inteiramente, Benteen fez uma rápida avaliação da situação - pratos vazios e três índios virando-se para ele. Caberia a Shorty manter de olho os outros seis que se encontravam entre o acampamento e a boiada. Segurou com força o rifle ao lado do corpo.

 

- Eles parecem estar com fome, Benteen - disse Rusty. Spanish aproximou- se dele, muito calmo e alerta.

 

- O que é que você acha que eles são? - perguntou Benteen. Kiowa? Osage? Você fala a língua deles?

 

Benteen adiantou-se, todos seus músculos tensos e prontos. Spanish seguiu-o a meio passo atrás.

 

- Não kiowa. Um pouco cheyenne. Um pouco comanche. Talvez eles falem espanhol - sugeriu.

 

- Tente.

Spanish cumprimentou o velho índio, o porta-voz do grupo, e recebeu resposta. Traduziu-a para Benteen.

 

- O velho é Alce Pintado. Ele diz que você está invadindo a terra dele. Houve uma pausa, e o índio falou novamente. Spanish respondeu. O índio disse mais alguma coisa. Desta vez Benteen reconheceu a palavra wohaw, com que os índios designam o gado longhorn.

 

- Ele diz - o espanhol parou por um instante - que você tem que pagar a ele 100 cabeças ou não poderá cruzar suas terras.

 

- Diga a ele que o preço é alto demais. - Benteen barganhara antes com índios. - Diga a ele que lhe darei uma cabeça pelo direito de passagem por suas terras.

 

Houve um demorado regateio entre Spanish e o índio, enquanto tentavam chegar a um acordo. Spanish lançou um olhar a Benteen.

 

- Ele diz que aceita 20 cabeças... nem uma a menos.

 

- Rusty, o que é que você tem aí na carroça? Alguma bugiganga? perguntou Benteen, sem tirar os olhos do índio grisalho. - Algum suprimento que não vá lhe fazer falta?

 

- Tenho uns lenços vermelhos. Esses demónios vermelhos devem gostar deles. - Foi até a frente da carroça e mexeu na carga até encontrar o que procurava.

 

- Ponha-os no chão - disse Benteen, e em seguida voltou-se para Spanish: - Diga a ele que lhe daremos cinco garrotes, esses lenços e um pouco de fumo. E diga a ele - enfiou a mão no bolso da camisa e tirou a caderneta de contas e um lápis - que há um grande rebanho a um dia de viagem atrás de nós. Eles lhe pagarão 20 garrotes se lhes mostrar este papel.

 

Umedecendo a ponta do lápis, escreveu uma nota rápida: A quem interessar possa: Este é um bom índio. Pague 20 bois pela passagem por sua terra. E assinou: Judd Boston. Era um truque sujo, mas Boston bem que o merecia. Não se importava em deixar que esses índios se tornassem problema de Buli Giles. Era uma maneira de vingar- se do chefe de tropa rival pela liberdade que tomara com Lorna. Destacou a página da caderneta e entregou-a ao sorridente Spanish, que gostava tanto de uma boa peça como qualquer vaqueiro.

 

Spanish retransmitiu a mensagem. O índio pensou e em seguida fez uma contraproposta que deixou arregalado o mexicano.

 

- Enquanto espera pela grande boiada, ele diz que aceitará 10 garrotes e a jovem squaw para cuidar dele.

 

Lorna abriu a boca de choque. Benteen nem pestanejou.

 

- Diga a ele que a squaw não serve. Ela se queixa demais.

 

- Benteen Calder... - disse ela baixinho, indignada.

 

- Simplesmente, cale a boca e fique fora disto, Lorna - ordenou ele.

- Diga a Alce Pintado o que eu disse e repita o último oferecimento.

 

Quando isso foi feito, o velho índio olhou de soslaio para Benteen.

 

- Ele disse que você o insulta. Se não lhe der os 10 garrotes, ele mandará seus guerreiros provocarem um estouro em seu rebanho hoje à noite, e você não terá mais gado algum.

 

- Diga a Alce Pintado que se os guerreiros dele provocarem o estouro de minha boiada, eu atacarei a aldeia dele e matarei todos seus guerreiros. Depois pergunte como é que as mulheres e crianças vão comer se não houver mais homens para caçar para elas.

 

Lorna ficou atónita com a ameaça de Benteen. Os índios estavam simplesmente com fome. Tudo o que pediam era que pagasse por lhes cruzar as terras, com seu gado. O velho índio nada dissera sobre atacá-los, apenas provocar um estouro da boiada. Em sua opinião, a ameaça de Benteen era cruel demais.

 

Houve um longo silêncio enquanto o velho índio sustentava o duro olhar de Benteen e pensava no que ele dissera. Finalmente, inclinou a cabeça uma vez.

 

- Ele aceitará o oferecimento - confirmou Spanish. Em seguida, um sorriso retorceu o canto de sua boca. - Ele diz que aceitará também a squaw que se queixa muito.

 

Benteen hesitou durante um instante.

 

- Alce Pintado pode ficar com a squaw que se queixa, mas...

 

- Benteen Calder, o que é que você está dizendo? - perguntou Lorna, furiosa e também um pouco assustada. - Como é que você tem a coragem...

 

Ele ergueu a voz para abafar as palavras dela:

 

- ... mas diga a ele que ela está com bexigas.

 

No instante em que Spanish repetiu essas palavras, o velho recuou, colocando uma boa distância entre si e Lorna. Uma frase murmurada e os dois outros índios bateram também em retirada. Lorna, porém, estava zangada demais para sentir qualquer alívio.

 

- Rusty, junte uns dois saquinhos de fumo aos lenços - ordenou Benteen. - Quando voltar para o rebanho, Spanish, mande os rapazes separarem aqueles dois garrotes mancos e mais três outros. Temos uns dois que estão querendo fugir da boiada desde que partimos.

 

- Certo.

 

Logo que pegaram os presentes, o índio grisalho e os dois guerreiros montaram e ficaram à espera de Spanish. Benteen permaneceu no acampamento enquanto Shorty e Spanish seguiam de volta para o rebanho.

 

Rusty foi até a gaveta da cozinha e dela tirou um revólver de seis tiros.

 

- Acho melhor deixar isto à mão - comentou. - Eles simplesmente apareceram saindo do nada. Não tive tempo de pegar a arma.

 

- Você não poderia fazer muito contra três deles - disse Benteen, enquanto olhava para Lorna e Mary. - Vocês duas estão bem?

 

- Muito bem - respondeu Mary. - Eles não se aproximaram, exceto para pegar a comida.

- E você realmente se importa? - Acabado tudo aquilo, Lorna começava a tremer, mas a raiva contra Benteen não diminuíra, a despeito do resultado favorável. - Você ia me entregar àquele selvagem.

 

Ela, nem por um segundo, pensava que ele alimentara seriamente essa ideia, mas achava que ele arriscara a vida dela quando fingira concordar.

 

- Você sabe que eu não faria isso - respondeu ele secamente. - Se uma situação como esta voltar a acontecer, Lorna, quero que fique calada e deixe que eu resolva. Eu sei o que estou fazendo.

 

- Apenas me diga uma coisa - retrucou ela, os olhos fixos nele. Se Alce Pintado tivesse provocado o estouro da boiada você teria atacado a aldeia dele e matado seus homens?

 

- Teria.

 

Um arrepio frio desceu pela pele de Lorna. Acreditou nele.

 

- Por quê? - balbuciou. - Ele não ameaçou nos fazer mal.

 

- Você não compreende os índios e a maneira como eles pensam explicou Benteen. - Eles respeitam a força. Eu prometi um castigo violento se me atacassem... pior do que ele faria. Foi por isso que ele concordou em receber cinco bois e é por isso que os guerreiros dele não provocarão um estouro da boiada hoje à noite.

 

- Boiada. - A voz dela tremeu ao pronunciar a palavra. - É só nisso que você pensa. Você não se importa comigo ou com qualquer outra pessoa, enquanto esses malditos bois não chegarem a Montana.

 

- Esses malditos bois representam nosso futuro. E, sim, é só com eles que me preocupo! Você e todo mundo mais devem cuidar de si mesmos. Vocês não são um bando de animais estúpidos. Podem pensar. Têm inteligência. - Girando sobre os calcanhares, Benteen dirigiu-se para o cavalo e saltou para a sela.

 

Lágrimas brotavam nos olhos de Lorna.

 

- Não tenho que perguntar aonde você vai - disse-lhe furiosa. Vai ver como está o gado!

 

Ele dirigiu-lhe um olhar frio e rodou o cavalo num meio círculo. Os ombros de Lorna começaram a tremer, mas ela não chorou. Olhou para Mary, esperando seu apoio.

 

- Isso não foi justo, Lorna - disse Mary. - Ele, de fato, se importa.

 

- Não, não se importa - replicou ela. - Não conosco. Apenas com aqueles animais. Aqueles animais estúpidos.

 

Mais do que qualquer outra coisa, queria rastejar para os fundos da carroça e abrir um bom berreiro, mas isso seria exatamente o que Benteen esperaria dela. Dura, voltou à bacia dos pratos.

 

- Vamos acabar de lavar a louça. Como meu marido diria, temos que continuar a viagem.

 

Por trás das costas dela, Rusty e Mary trocaram olhares, mas nada disseram sobre o assunto. Aquilo era coisa entre ela e Benteen. Não seria bom se meter em briga de marido e mulher, mesmo com a melhor das intenções.

 

Antes de guardarem os últimos petrechos de cozinha, Benteen voltou ao acampamento seguido pelo jovem Joe Dollarhide, que trazia pelo cabresto o baio de Lorna. Ela não estava com vontade de ser apaziguada com o oferecimento de um passeio à tarde, mas não teve escolha, uma vez que Joe amarrou seu próprio cavalo à traseira da carroça e subiu para o assento a fim de pegar as rédeas e dar partida às parelhas. Olhou zangada para Benteen, que examinava a cilha do cavalo, enquanto a carroça começava a mover-se com Joe.

 

- Não estou interessada em passear a cavalo com você.

 

- Vamos. Eu ajudo você a subir. - Esperou ao lado do cavalo enquanto ela se aproximava de má vontade.

 

Enquanto o baio permanecia imóvel, Benteen entrelaçou os dedos para formar um estribo. Ela pisou e obrigou-o a lhe suportar todo o peso para colocá-la na sela. Em seguida, empurrou com força a sola dura do sapato nas mãos dele antes de soltar-se.

 

Benteen esperou até que ela se acomodasse confortavelmente na sela de amazona e ajustasse as saias, antes de montar em seu próprio cavalo.

 

- Pronta? - Na sua face não havia expressão alguma quando a olhou.

 

Ao receber a dura inclinação de cabeça de Lorna, espicaçou o cavalo. Foram em meio galope durante uma curta distância, paralelo à boiada, e em seguida ultrapassaram-na. Benteen virou o cavalo para o leste e ela seguiu-o. Nenhuma tentativa foi feita de parte a parte de quebrar o silêncio.

 

Depois de cavalgarem vários quilómetros e estarem a uma boa distância do rebanho, Benteen parou o cavalo junto a um grupo de carvalhos e desmontou. Lorna, sem saber o objetivo da parada, permaneceu na sela até que Benteen se aproximou para ajudá-la a descer. Sob a sombra das árvores, ela soltou as fitas do chapéu e deixou-o cair para as costas.

 

- Acho que há uma razão para termos parado aqui - desafiou-o, olhando em volta. Se ele tinha intenção de pedir desculpas e fazer romance, não ia facilitar em nada.

 

- Você já disparou uma arma antes? - perguntou ele. - Um rifle ou um revólver?

 

Lorna olhou-o, um pouco espantada por ter errado tanto no palpite. Seus olhos se arregalaram quando Benteen tirou do coldre o revólver de cano longo. Passou, em seguida, a extrair as balas, num estalido metálico que lhe pareceu muito agourento.

 

- Já disparou? - repetiu Benteen.

 

- Não.

 

O pai nem mesmo lhe permitira tocar nas armas que vendia no armazém, sabendo muito bem que a mãe ficaria horrorizada com aquilo.

 

- Vou lhe mostrar como ela funciona.

 

Enquanto explicava as funções do cursor, ou cão, da câmara e do gatilho, Lorna teve dificuldade em prestar atenção. Não entendia por que tinha que saber tudo isso. E, mais: não Queria saber de coisa alguma sobre armas.

 

- Tome aqui - disse Benteen e estendeu-lhe o revólver. - Sinta-a na mão.

Ela escondeu as mãos às costas.

 

- Não. - Recusou-se a tocá-la e fitou-o amuada. Benteen mostrou-se paciente.

 

- Pegue-a. Não está carregada.

 

- O que é que está acontecendo, Benteen? Desde que deixamos Fort Worth, você parece estar mudando diante de meus olhos. Quando me namorava era sempre gentil e atencioso. Nunca ergueu a voz para mim. Ultimamente, você grita comigo por qualquer coisa. A cada dia que passa torna-se mais duro. O que foi que aconteceu com o homem que conheci em Fort Worth... o homem com quem casei? Tenho certeza de que ele não insistiria em que eu aprendesse a atirar de revólver.

 

- Há uma grande diferença entre Fort Worth e isto aqui. Não há xerifes que venham em nosso socorro se acontecer algum problema. Não há nem ruas nem estradas. Você não pode depender de ninguém, só de si mesma. Este território acaba com os covardes e os fracos. A pessoa tem que ser dura para sobreviver. Não podemos lutar contra esta terra e obrigála a se curvar ao que queremos. Temos que nos adaptar a ela. Eu não estou em nada diferente, Lorna. O homem que você conheceu em Fort Worth era o que a cidade permitia ser.

 

Antigamente, ela não teria compreendido o que ele dizia naquele momento, mas já estava na trilha havia mais de um mês. Aceitava nesse momento muitas coisas que antes a teriam chocado.

 

- Talvez não seja só você - reconheceu ela. - Olhe para mim e veja como estou diferente. Estou usando o mesmo vestido há dias, sem lavá-lo. Não tomei um banho desde que deixamos Fort Worth. Minhas mãos. Meu rosto. Meu cabelo está praticamente duro de sujo e poeira. - Ergueu os olhos para ele, confusa com as mudanças que nela haviam ocorrido. - Eu nunca fui irritadiça. Mas quando você é grosseiro comigo, eu, simplesmente, quero devolver na mesma moeda.

 

- Eu notei. A vida já é suficientemente difícil aqui, sem haver necessidade de problemas entre nós dois.

 

Durante um longo segundo, entreolharam-se. Em seguida, com um pequeno grito, Lorna correu para os braços dele, inclinando a cabeça para o beijo. Seus braços chocaram-se com a sólida forma masculina, a arma ainda nas mãos de Benteen. Seus lábios se encontraram famintos, como se agarrando a algo que haviam perdido. O cheiro suado, térreo dele desapareceu. Havia só a dura vitalidade daquele corpo e a pressão saciante de suas bocas.

 

Quando terminou o beijo, Lorna continuou o abraço, o rosto contra o dele. Fechou os olhos, procurando conservar aquele momento.

 

- Às vezes, fico com medo do que está acontecendo - confessou num sussurro.

 

- Nada pode assustá-la, a menos que você deixe - respondeu Benteen, recuando a cabeça para poder olhá-la, segurando-a pelos ombros e firmando-a no chão. Lorna sentiu o cabo da pistola na mão. - É tempo de você aprender a atirar.

 

Relutante, ela saiu dos braços dele e olhou fixamente para a arma, antes de, finalmente, segurá-la. Era pesada. Benteen manejava-a como se não pesasse nada.

- Em primeiro lugar, veja se está carregada.

 

- Mas você a descarregou.

 

- Veja por si mesma - insistiu ele. - Lembra-se como fazer isso?

 

- Sim, acho que sim.

 

Lorna girou o tambor como vira ele fazer e confirmou que a arma estava descarregada.

 

- Puxe o cão para trás algumas vezes e aperte o gatilho, para sentir a sensação - disse ele. Ela teve que usar as duas mãos. - E lembre- se, nunca - enfatizou ele - aponte-a para ninguém, mesmo que esteja descarregada.

 

O cão e o gatilho eram duros. Juntamente com o peso da arma, tornaram muito desajeitadas suas tentativas. Após algumas repetições, Benteen tomou-lhe o revólver e começou a carregar as câmaras com as balas calibre 45.

 

- Vou carregá-lo com cinco balas. - Frisou bem o número e sugeriu:

 

- Por que não escolhe um alvo?

 

Lorna escolheu um alvo grande.

 

- Aquele tronco de árvore. - Apontou para um grande carvalho, não muito distante.

 

Aparentemente, ele nada mais fez do que virar a arma para o alvo, segurando-a com uma única mão. A explosão súbita e o relâmpago de fogo azul que saiu do cano sobressaltaram Lorna. Encolheu-se e fechou os olhos ao ouvir o barulho ensurdecedor.

 

- É esse o barulho que vai fazer quando você disparar - disse ele, e, num gesto suave, virou-o na mão para entregá-lo pela coronha. - O revólver vai dar um coice contra sua mão, de modo que segure-o firme. E não feche os olhos.

 

- Você acertou na árvore? - perguntou ela, sentindo-se muito nervosa e não tão ansiosa para ir até o fim das lições.

 

- Acertei.

 

Pequenas rugas de divertimento irradiaram-se dos cantos dos olhos dele. Usando as duas mãos, ela ergueu a arma bem reta à frente, fechando um olho para seguir a direção do cano. O coração batendo descompassado.

 

- Não tente apontar a arma. - Benteen baixou-lhe os braços e ajustou a empunhadura da mão direita para colocar o indicador ao longo do cano. - Finja que está apontando o dedo para a árvore e aperte o gatilho.

 

A instrução parecia muito simples. Pensou mesmo que fizera o que ele mandara. Quando apertou o gatilho, a arma explodiu e pareceu que saltava de suas mãos. Instintivamente, fechou os olhos.

 

- Você arrancou uma folha no alto da árvore - informou Benteen.

 

- Tente novamente, mas, desta vez, olhe para o tronco e aponte o dedo para o lugar onde está olhando.

 

- Eu não sei por que estamos fazendo isto - protestou Lorna, querendo parar. - Eu nunca vou atirar em nada.

 

- Tomara que não - disse Benteen. - Tente novamente. Lorna tentou - e mais uma vez - com o mesmo grau de fracasso.

 

- Quantas balas há ainda no revólver? - perguntou ele. Ela teve que parar para contar...

 

- Uma.

 

- Sempre deixe uma bala na arma. Nunca dispare a última em coisa nenhuma. - A expressão dele era tão séria que simplesmente tornou Lorna mais inquieta com aquela experiência toda. - Reserve-a para si mesma.

 

- Para que eu não seja capturada viva por índios. - Todas as mulheres na fronteira ouviram histórias de outras que preferiram se matar a serem capturadas por índios. Lorna não era exceção. Arrepiou-se toda pensando nisso. com o encontro daquele dia ainda fresco na memória, tentou destruir o medo com a improbabilidade de isso jamais ser necessário.

- Você não acredita realmente que Alce Pintado e seu bando nos ataque, acredita?

 

- Eu não estava pensando tanto nesses índios de reservas, mas nos sioux lá no Território de Montana. - Benteen tirou mais balas da cartucheira. - Carregue-a e tente novamente.

 

- Por que não praticamos noutra ocasião? - Lorna sentia-se toda trémula por dentro.

 

- Não. Vamos ficar aqui até você acertar naquele tronco ou as balas acabarem.

 

Naquela noite o acampamento recaiu na habitual tranquilidade. Quase todos os vaqueiros estavam estirados no chão, exaustos, derreados contra as selas, cigarros enrolados pendendo da boca. Yates ferrava um dos cavalos de serviço junto à carroça da cozinha, as batidas do malho desafinadas como a balada que Woolie tirava de uma gaita-de- boca. Junto aos dois tropeiros, Joe Dollarhide era todo ouvidos para as histórias que ouvia.

 

Lorna estava sentada em companhia de Mary. Ely tirara o primeiro turno de vigia, e Benteen saíra para fazer a última volta em torno da boiada e verificar tudo para a noite. À luz ténue, a agulha de costura cintilava em rápidos lampejos de prata, entrando e saindo do tecido enquanto Lorna pregava um botão numa camisa de Benteen. Já contara a Mary sobre sua primeira lição de tiro ao alvo, e falou sobre o aviso de Benteen sobre a última bala. Aquilo parecia divertir Mary.

 

- Por que você está rindo? - perguntou Lorna, franzindo as sobrancelhas.

 

- Eu estava apenas me lembrando de uma história triste que ouvi. Mary parou sua costura. - Uma jovem esposa acabava de vir do Leste para juntar-se ao marido, que requisitou a posse de uma fazenda no Kansas. Acho que ela, antes de viajar, ouviu um mundo de histórias de horror sobre os índios. De qualquer modo - encolheu os ombros e voltou a costurar - só estava ali havia umas duas semanas. O marido foi para os campos, e ela ficou sozinha na cabana de barro. Ouviu alguém chegar a cavalo, olhou pela janela e viu dois índios. Provavelmente, teve certeza de que ia ser sequestrada e violentada, de modo que correu para o baú, tirou a arma do marido e se matou.

 

- E os índios? - perguntou Lorna.

 

- Aí é que está a ironia da coisa. Eram amigos do marido dela. Um deles, educado numa escola no Leste, só ia fazer uma visita.

 

Dia após dia, a pradaria ondulava diante dos cavaleiros e das carroças. O sol queimava e dava uma tonalidade castanho-dourada à relva, enquanto dez mil cascos levantavam nuvens sufocantes de poeira. Os únicos sons ali eram os chiados e estalos das carroças, o estalido das juntas dos cavalos, o ribombo interminável de cascos a passo e o entrechoque baixo de chifres. Paisagem e sons embotavam os sentidos e a mente.

 

E era também a estação de violentas tempestades, pondo tudo a ferver de repente e irrompendo numa explosão feroz de trovões, raios e chuva. Nessas noites tempestuosas - em seis diferentes ocasiões durante a travessia da nação índia - todos os homens permaneceram na sela tentando conter o rebanho. A boiada disparou duas vezes, mas nunca na direção certa. No total, três dias se perderam na procura de reses extraviadas, e a contagem, ainda assim, ficou em vinte e sete cabeças perdidas, mas não se perdeu nenhum homem.

 

Cavalgando à frente, Benteen avistou certo dia um antílope macho. Estava adiantado o suficiente do rebanho para que um tiro não o assus tasse. Após a dieta invariável de morangos do Pecos e truta de terra - a gíria do vaqueiro para bacon -, carne fresca seria muito bem recebida no acampamento. Abateu o antílope com um único tiro, carneou-o ali mesmo, cortando um quarto e deixando o resto.

 

Embora cercados por toneladas de carne sobre patas, o gado não devia ser abatido. Uma parte grande demais da carcaça estragava-se antes de ser comida, além disso, o animal era muito valioso no mercado e como reprodutor nas pastagens naturais. Não se abatia nenhuma vaca ou garrote, a menos que estivesse ferido ou incapaz de acompanhar o rebanho.

 

Com o quarto de antílope na garupa, Benteen foi um pouco mais adiante até chegar ao Cimarron River. Na outra margem ficava o Estado soberano do Kansas. Viu um crânio de búfalo no outro lado do rio. Era o marco do início do desvio que levava a Dodge City. Por experiência, sabia que a cada oitocentos metros haveria outro crânio. Não havia fazenda alguma ao longo do desvio, nenhum dano a pagar por culturas destruídas ou cercas derrubadas, nenhuma multa por invasão.

 

O desvio, porém, significava uma viagem seca, 160 quilómetros mortais por uma região completamente sem água. Ao ritmo habitual, a boiada levaria cerca de oito dias para cobrir a distância. Mas, em oito dias, o gado calcinado pelo sol já podia estar morto ou semimorto. Parariam ali, à margem do Cimarron, descansariam uns dois dias, e recomeçariam com o gado refeito.

 

Os dois dias foram um paraíso para Lorna. Havia finalmente tempo e água suficiente para lavar as roupas e estendê-las na pradaria para secar. Ela e Mary puderam mesmo tomar banho de rio, uma sempre de olho em vaqueiros errantes enquanto a outra se banhava. Os vaqueiros aproveitavam também a água, e Benteen brincou com ela por não tomar banho em pêlo, como ele, mas ela, pudica demais, recusara-se a tirar a combinação, mesmo que por ali só houvesse Mary para vê-la.

 

Antes da partida, encheram tudo que podia levar água. Mas era muito remota a possibilidade de ser o suficiente para durar a viagem toda. Haveria racionamento. Benteen deu ordens severas: ninguém, exceto Rusty, poderia tocar no barril de água amarrado num dos lados da carroça da cozinha.

 

Lorna pensara que suas experiências anteriores na trilha haviam-na preparado para tudo, mas nunca passara sede antes. O ritmo estafante que teve que ser estabelecido minou-lhe a força. No segundo dia aprendeu o macete de levar seixos na boca para estimular o fluxo de saliva. O sol queimava tudo, descorando e tornando ainda mais brancos os crânios que marcavam a trilha seca. Não havia alívio daquele calor. Poeira sufocante cobria tudo, e o suor transformou-se em lama na pele e nos cabelos de Lorna. Ainda na segunda noite, o gado sedento começou a mugir, e ela não conseguiu dormir.

 

O calor no terceiro dia foi pior. Alguns bois ficavam cegos com a falta de água. A rebelião começou nas fileiras dos longhorns, nesse momento bem amestrados na rotina da trilha. Eles sabiam que havia água no Cimarron, que ficara para trás, e continuavam querendo voltar, sem confiar mais nos tropeiros. Estes não descansavam, literalmente empurrando o gado, batendo com cordas enroladas ou bexigas amarradas às pontas das cordas.

 

Ao pararem ao meio-dia do quarto dia, Lorna sentiu-se fraca demais ao descer da carroça. O rio Arkansas ainda continuava longe, em algum lugar na frente deles. Seus nervos não podiam aguentar muito mais aqueles tristes mugidos. Quase caiu no chão, mas endireitou-se cambaleante, segurando-se na borda de uma roda para se firmar. O suor encharcava-lhe a roupa, fazendo-a pegajosa e transformando a poeira em fios de lama.

 

Rusty trouxe-lhe uma caneca de água, e ela sorriu um triste obrigada. Vorazmente, bebeu um grande gole e parou, querendo que aquilo durasse. Ele observava-a atentamente.

 

- A senhora parece arrasada. É melhor tomar um pouco mais de sal.

- A barba dele nesse momento era longa e branca, e suja com a poeira da trilha.

 

- Vou fazer isso. - Da garganta seca, a voz saiu áspera.

Era surpreendente a diferença que um gole de água poderia fazer. As pernas mais firmes, a grama pardacenta esfarelada até a carroça de cozinha. Os homens seriam divididos em turnos, dois ou três vindo juntos para comer alguma coisa enquanto o resto permanecia com a boiada inquieta. Os ponteiros, Spanish e Jessie, foram os primeiros a chegar. Nenhum dos dois esperou que o café fervesse. Estenderam as canecas de estanho para que Rusty as enchesse com o horroroso líquido preto. Ambos estavam cansados demais para comer e, com um gesto, recusaram o feijão frio, preferindo mastigar, apaticamente, um pedaço de carne-seca.

 

Enquanto lambia um pouco de sal, Lorna pensou que aquele banho no Cimarron parecia um sonho de um tempo muito remoto. E perguntou-se como todos eles encontravam energia para dar outro passo ou percorrer outro quilómetro. Um esgotadíssimo Jessie Trumbo estava passando suco de fumo nos olhos, a fim de fazê-los arder e conservá- lo acordado. Por que estava andando por esse inferno? A resposta era: Benteen - e sua determinação de levar o gado até o fim, qualquer que fosse o custo.

 

De repente, Lorna deu-se conta de que Mary não viera fazer-lhe companhia. Lançou a vista para a carroça dos Stantons e viu-a agachada na escassa sombra fornecida pela cobertura enrolada. Parecia haver algum problema. Obrigou o corpo quente e cansado a cobrir o espaço que a separava da carroça. Só quando chegou ao lado da amiga descobriu que Mary estava chorando, soluços secos sacudindo-lhe os ombros.

 

Aquilo parecia impossível. Mary era a mais forte das duas. Sabia de tudo sobre dificuldades, privações e falta de confortos humanos. Jamais pensara que alguma coisa pudesse levar a amiga a lágrimas. Caiu de joelhos ao lado de Mary, tocando-lhe o ombro.

 

- O que é, Mary? - A amiga porém, simplesmente sacudiu a cabeça. Lorna ficou sem saber o que fazer. Olhou para a caneca ainda em sua mão.

- Beba um pouco de água. Vai se sentir melhor.

 

Lembrou-se de como a água lhe dera novas forças. Levou a caneca aos lábios de Mary, algumas gotas derramando pelo vestido. Seu coração se contraiu com aquela pequena perda.

 

- Beba - insistiu.

 

Mary conseguiu tomar uns dois goles e em seguida virou a cabeça. Os soluços pararam, mas ela não parecia bem. Tinha os lábios queimados e rachados pela falta de umidade, como os de Lorna.

 

- Por que está chorando, Mary? Você e Ely brigaram?

 

- Não - Mary fungou. - Eu... eu estava só pensando. Quando notou que ela não ia dizer mais nada, Lorna insistiu.

 

- Pensando no quê?

 

O queixo tremia quando Mary finalmente ergueu a cabeça.

 

- Oh, Lorna... as galinhas do meu pai lá em casa têm uma vida melhor do que a minha.

 

Uma combinação de calor, sede, nervos à flor da pele e pura exaustão agiu sobre Lorna. A observação de Mary fê-la inicialmente sorrir, depois soltar uma pequena risada, até que começou a rir às gargalhadas e não pôde parar mais. Como aquilo era verdade. Todos os animais de fazenda passavam melhor do que eles. Logo depois, Mary ria também, até que as duas riam e choravam ao mesmo tempo, caindo contra os aros das rodas das carroças, quando não conseguiram mais aguentar.

 

Rusty olhou-as preocupado, certo de que enlouqueciam de sede, e sem saber o que fazer. Mas aquilo foi uma explosão emocional que aos poucos terminou. Lorna descansou contra os aros da roda e olhou para a amiga.

 

- Mary, eu gostaria que você não nos deixasse quando chegarmos a Dodge City - murmurou séria. - Eu nunca teria chegado até aqui sem você. Quando penso no quanto you ter que viajar até chegar a Montana, não sei se poderei conseguir sem você.

 

- Você pode - disse Mary, mas também havia interesse em seus olhos.

 

- Por que você e Ely não vão conosco para Montana? É uma terra nova. Você e Ely poderiam requerer algumas terras perto de nós. Assim, poderíamos nos ver de vez em quando.

 

- Planejamos ir para lowa.

 

Lorna, porém, podia ver que Mary hesitava.

 

- Mas você pensaria nisto? - insistiu.

 

- Vou pensar - disse Mary. - Mas não estou prometendo nada.

 

- Vamos beber a isso. - Ergueu o caneco num brinde, bebeu um gole de água e passou-o a Mary.

 

O gole de Mary foi grande demais, e ela ficou com remorso.

 

- Bebi quase toda sua água. Vou lhe dar um pouco da minha.

 

- Não, já bebi o suficiente. - Olhou para o resto da água que sobrara na caneca. - Há o suficiente para minhas mudas de roseiras. Não posso deixar que elas morram agora.

 

Apoiou-se na roda da carroça para se levantar. Embora ainda estivesse com calor, cansaço, sede, e um pouco fraca, sentia-se um pouco melhor por dentro. Era uma surpresa constante descobrir quanta força possuía, a força de aguentar, a força de continuar quando pensava que não podia mais, a vontade de sobreviver e ainda ser capaz de encontrar um motivo de riso. Foi até o lado mais distante da carroça, onde guardava as mudas sob o assento.

 

Ao chegar ao acampamento, Benteen notou Mary sentada à sombra de sua carroça, mas nenhum sinal de Lorna. Desmontou, atando as rédeas do cavalo suado à roda da carroça da cozinha. Após servir-se de uma caneca de café, olhou novamente em volta, e depois foi ao encontro de Mary.

 

- Como é que está se aguentando? - perguntou ele com uma expressão suave de interesse.

 

- Muito melhor, graças a sua mulher. - Mary sorriu apaticamente.

- Eu me enganei a respeito dela.

 

- O que você quer dizer com isso? - Benteen não se lembrava de comentário nenhum feito por Mary quando conhecera Lorna.

 

- Eu pensava que, por estar acostumada a coisas fáceis, ela não conseguiria aguentar a vida aqui, mas você disse que ela era forte. E ela é. Mais forte do que eu.

 

Ele olhou descrente para a robusta mulher.

 

- Eu não sei se iria até esse ponto.

 

- Ela acabou de me dar quase toda a sua própria água - disse Mary.

- Quando lhe ofereci a minha, ela recusou. Pode imaginar isso? É melhor dar um jeito para que ela beba um pouco. Está economizando o que sobrou para as roseiras da mãe dela.

 

- O quê? - Foi uma exclamação rápida, baixa, enquanto o olhar virava rápido para a carroça. Distinguiu apenas o alto da cabeça de Lorna no outro lado. - Segure isto! - Empurrou a caneca para Mary.

 

Benteen dirigiu-se para a carroça e saltou por cima da lança e dos travessões. Quando chegou ao outro lado, encontrou Lorna umedecendo com todo cuidado as mudas, aproveitando cada preciosa gota de água. Uma fúria dominou-o inteiramente quando ela ergueu a vista. As provações dos últimos 150 quilómetros haviam-lhe afundado os olhos, queimado e rachado os lábios, e a exaustão transparecia em todo o rosto.

 

- Sua bobinha estúpida! - Benteen arrancou-lhe as mudas da mão antes que ela pudesse reagir. A mão enluvada fechou-se com força em torno dos pequenos galhos. - O que é que você pensa que está fazendo? - Em silêncio, amaldiçoou a confusão que viu nos olhos dela.

 

- Eu estava apenas dando um pouco de água às minhas roseiras. Não foi muito, Benteen.

 

- Em toda parte em volta de você há homens e animais morrendo de sede... e você está molhando plantas! Você enlouqueceu?

 

A aparência ameaçadora do rosto era aumentada pelos dentes rilhados, o sujo e a barba de quatro dias que lhe cobria o queixo. Os olhos queimavam. Lorna o vira zangado antes, mas nunca assim, nunca a ponto de perder o controle.

 

- Eu não ia deixar que as rosas morressem.

 

- E esse pouquinho de água poderia ser a diferença entre você viver e morrer. E você gastou-o com isto!

 

O punho cerrado como que estrangulou as plantas quando as sacudiu no alto num gesto irado.

 

- Eu não pensei... - murmurou Lorna.

 

- Você nunca pensa - ele rosnou e virou-se, erguendo as mudas para lançá-las o mais longe possível.

 

Lorna gritou e agarrou-lhe o braço, mas era tarde demais.

 

- Minhas roseiras! Você não tinha o direito de fazer isso! Lágrimas enchiam-lhe os olhos quando os virou para ele, acusadores,

mas Benteen não demonstrou nenhum remorso.

 

Arrepanhando as saias, ela se virou e correu na direção em que ele lançara as mudas. Foi uma corrida tropeçada, prejudicada pelo cansaço e pela relva emaranhada que lhe prendia os pés. Pensou que vira onde elas caíram, mas as lágrimas tornavam difícil ver qualquer coisa.

 

Ao chegar ao lugar onde achava que estavam, respirava com dificuldade, com o esforço naquele estado de fraqueza. Continuou a enxugar as lágrimas, enquanto procurava na relva, afastando-a para o lado na busca frenética das mudas. Obcecada pelo desejo de encontrá-las, procurou, e voltou a procurar, o insucesso tornando mais alucinados seus movimentos. Estava fazendo tanto barulho que não ouviu Benteen aproximar-se, até que a voz áspera lhe chamou o nome. Quando olhou, ele vinha em largas passadas em sua direção.

- Esqueça isso e saia do sol antes de desmaiar.

- Não.

- Droga, elas não valem isso, Lorna! - Agarrou-lhe um pulso para obrigá-la a obedecer.

Toda a raiva e ressentimento com aquelas táticas arrogantes saltaram nesse momento. Soltou-se com um puxão e enfrentou-o com todo peso de sua revolta, tremendo com a fúria que a consumia.

- Você fez isso de propósito! Não quis nunca que eu trouxesse aquelas mudas! Acho que não quis nunca trazer coisa alguma do Texas! Me espanto de você não queimar a carroça com todas nossas coisas para não haver nada que lhe lembre o Texas! Você andou querendo se livrar daquelas mudas o tempo todo! Esperou que elas morressem! E, finalmente, arranjou uma desculpa para jogá-las fora!

- Você vai sair do sol ou vou ter que carregá-la de volta?

- Não vou embora daqui antes de achá-las! Não me importo com o tempo que isso leve! - A raiva estava secando as lágrimas, esquentando-lhe os olhos. - As carroças podem ir embora sem mim!

- Sua imbecilzinha! - disse ele, mordendo vagarosamente as palavras.

- É isso mesmo, você está sempre dizendo que eu sou burra, ou infantil, ou tola. - As palavras doíam, e ela reagiu, querendo feri- lo também. - Não me interessa mais o que você pensa! Aquelas rosas eram minhas! E a água era minha! Você não tem o direito de me dizer o que fazer com qualquer uma delas!

- Sou seu marido, e isso me dá o direito de evitar que você se mate!

- Você se mataria por causa daquela droga de gado! Qual é a diferença?

- Não vou discutir com você. Vai voltar ao acampamento comigo e chega! - Desta vez, quando ele a agarrou, não houve como soltar-se.

Mas, ainda assim, Lorna lutou. Sabia que ele levaria a melhor, mas havia ainda uma batalha verbal a ser travada.

- Eu não vou a lugar nenhum com você! - A força física estava se esvaindo, escorrendo dela como o suor que lhe descia pelo pescoço. - Eu não sou um de seus bois para ser tocado de um lado para o outro!

- Eles têm mais juízo!

- Como é que você sabe? - perguntou arquejante Lorna. - Você jamais me perguntou o que é que eu penso de alguma coisa! Eu nunca quis realmente ir para Montana. Sabia disso? Você nem mesmo se importou o suficiente com minha opinião para perguntar.

- Não interessa, agora. Já estamos na metade do caminho. Lorna olhou para a curva zangada, determinada, do queixo dele.

- Eu o odeio, Benteen Calder.

- Você está ficando histérica.

Até certo ponto, estava. Sua raiva e ressentimento eram exagerados, superando outras emoções que, em um momento mais calmo, seriam igualmente fortes. Mas naquele momento o desejo de ferir vencia a todos.

- Eu o odeio. - E o ódio vibrava na voz. - Lamento o dia em que me casei com você.

As narinas dele se dilataram, pois a seta que ela disparara acertara no alvo. Puxou-a violentamente para o peito, prendendo-lhe os braços entre o corpo dos dois. Uma fúria imensa brilhou em seu olhar.

- Isso é uma pena danada. - Seu lábio superior se arreganhou ao pronunciar essas palavras. - Nós estamos casados e vamos continuar casados.

- Eu não vou para Montana com você. - Lorna desafiava-o abertamente, nesse momento em que lhe tocara num ponto fraco. - Quando chegarmos a Dodge City, vou embora com Mary.

Ela sentiu uma força selvagem nascendo dentro dele, enroscando todos os músculos com a tensão de uma mola comprimida. A força estava tão perto de ser libertada que o sacudiu todo.

- Tente, e eu a arrastarei de volta. - A ameaça rosnou de alguma parte escura e profunda dele. - Você é minha, e nunca a deixarei ir embora.

- Pois eu fugirei novamente. - Lorna aproveitava a vantagem sobre ele.

Essas palavras libertaram a violência reprimida. Os dedos enluvados entraram por baixo do chapéu e agarraram-lhe os cabelos, soltando-os do coque e empurrando o chapéu para trás. A mão brutal puxava os cabelos pelas raízes, forçando-a a inclinar a cabeça para trás. Lorna sentiu o primeiro tremor de medo.

- O diabo que vai! - Foi um rosnado, seguido pela cruel violação de seus lábios.

Em pânico, Lorna lutou, mas os braços dele eram como aço, prendendo-a. Os lábios começaram a sangrar sob a pressão esmagadora da boca de Benteen, enquanto a barba áspera lhe arranhava a pele. Ele estava se vingando da ameaça que ela fizera dominando-a fisicamente.

Na mente dele queimava a recordação de uma mãe que o abandonara e os anos de inferno em que penara o pai. E foi esse ódio negro e amargo que o levou ao excesso. Até o simples pensamento de Lorna deixá-lo era uma dor que o fendia em dois, deixando-lhe apenas uma violência que não conseguia controlar.

Os gemidos dela nem por um momento penetraram no nevoeiro ígneo que lhe toldava a consciência. Benteen não soube em absoluto o que estava fazendo quando forçou-a a deitar-se no chão e afastou camadas de tecido e lhe rasgou a roupa de baixo. Não sentiu o gosto de sangue nos lábios nem a umidade de lágrimas no rosto. Era um animal macho que só queria subjugar a fêmea.

Quando a fúria cessou, ela permaneceu inerte sob ele. O nevoeiro que o cegara começou a dissipar-se. Focalizou um rosto que o evitava - um rosto molhado e uma mancha vermelha de sangue nos lábios rachados. Ela tremia em ténues soluços.

Benteen sentiu asco pelo que fizera. Uma náusea violenta subiu-lhe à garganta e sufocou-o, enquanto lágrimas lhe picavam os olhos. Nunca se sentira menos homem em toda sua vida. E aquilo era um mal que jamais poderia ser desfeito.

- Lorna. - Moveu hesitante os dedos para tocar-lhe o rosto. - Não me toque. - Encolheu-se toda, fechando com força os olhos.

Se ela o houvesse esfaqueado, a dor não poderia ser maior. Em violento contraste com a posse brutal, rearrumou-lhe ternamente as roupas, mas ela permaneceu imóvel na relva. Ele virou para os céus os olhos torturados.

- Deus, perdoe-me. - Foi um murmúrio quase inaudível, que não endereçou a Lorna porque não achava que o perdoaria. Depois, voltou-se para ela, incapaz de ir embora e deixá-la ali, daquela maneira. - Lorna.

- Deixe-me em paz. - A voz alquebrada fez o pedido que ele não podia entender.

- Não, não vou deixá-la - respondeu baixinho. - E não a culpo por me odiar.

- Por que você teve que dizer isso?

Abriu os olhos para fitá-lo, mas ele não conseguia encará-los. Ela se sentia conspurcada e humilhada, mas, também, estranhamente culpada.

- Fiquei louco com o pensamento de você me deixar. Isto nunca mais acontecerá.

Lorna estremeceu com a sensação de que era mais do que a fúria o que ele estava sepultando. Era, também, sua capacidade de sentir profundamente. O abuso sexual de que fora vítima deixara-a enojada, mas ódio não descrevia o que sentia em relação a ele, embora não pudesse dizer que ainda o amava. Tudo aquilo era brutalmente recente para que pudesse avaliar o dano aos seus sentimentos por ele.

Só uma vez vira Benteen chegar tão perto do ódio violento que acabara de demonstrar. Pensara que ele ia bater-lhe naquela ocasião em que salvara das chamas o retrato da mãe dele - a mãe que o deixara, como ela ameaçara fazer.

Sabia que era parcialmente responsável pelo que acontecera. Ameaça num momento de raiva, mas nunca houvera a menor possibilidade de ser verdade. Descobrira uma maneira de feri-lo e a usara, nem por um momento pensando nas consequências. Tal como Benteen, descobriu que não havia nada para dizer.

Sentou-se, conservando-se de costas para ele, enquanto enxugava as pernas com a barra da saia manchada pela grama esmagada. Ele esperou em silêncio, sem tentar ajudá-la a levantar-se. O cabelo de Lorna estava solto, caindo pelas costas e embaraçando-se no chapéu.

- Eu ajudarei a procurar aquelas mudas - disse Benteen.

- Não. Não as quero mais.

Elas seriam sempre uma lembrança do que acontecera. Já seria muito difícil para os dois esquecer.

Voltaram juntos ao acampamento, mas nunca estiveram tão separados. Era um fosso que ambos tinham o desejo de fechar, mas nenhum sabia como. Separaram-se quando chegaram à carroça. Benteen montou e voltou à boiada, enquanto Lorna subia para os fundos da apertada carroça a fim de endireitar o cabelo e pensar sozinha.

Juntaram o gado no calor do meio-dia antes de colocá-lo novamente na trilha. A quinze quilómetros do Arkansas, os longhorns sentiram o cheiro das águas do rio. O problema transformou-se em impedir que a boiada estourasse naquela direção. O rosilho, que passara a ser chamado de Capitão depois de ter conduzido o rebanho através do Red River, fez sua parte para controlar a disparada do gado, morto de sede, mantendo um passo regular e enfiando os longos chifres em todos os que tentavam ultrapassá-lo.

Ao chegarem, o rio ficou coalhado de couros multicoloridos enquanto o gado espadanava na água. A grande maioria ficou simplesmente na água, mugindo baixo e absorvendo umidade em seus corpos ressequidos, e esperou um pouco para beber. Uns poucos beberam demais e morreram.

Enquanto o gado bebia, os vaqueiros subiram a corrente e estiraram- se de bruços na margem para beber também até fartarem-se. Não muito longe, avista do acampamento, estendia-se a cidade de Dodge City. Lorna só então compreendeu como estava sequiosa da vista de um prédio.

No acampamento naquela noite, ela e Benteen conversaram pouco mais do que o absolutamente necessário. Ela se recolheu cedo e ficou acordada durante muito tempo, esperando-o. Quando ele chegou, não fingiu que dormia. Continuou no seu lado do colchão, de costas para ele. Depois de despir-se, ele se enfiou sob as cobertas. Num ato reflexo, ela se retraiu quando ele acidentalmente roçou em seu corpo. Mas controlou-se. Aos olhos de Deus, ele era seu marido "na alegria e na dor". Rolou e olhou para ele. Ele tinha as mãos sob a cabeça enquanto olhava para o teto de lona.

- Vamos deixar o gado pastar e descansar durante uns dois dias disse ele. - Amanhã, vamos a Dodge City para reabastecer.

- Há umas coisas que eu queria comprar - respondeu Lorna, e compreendeu que ele esperava que ela repetisse sua intenção de abandoná-lo naquela cidade. - vou sentir falta de Mary - disse, a fim de que ele soubesse que ia ficar.

O peito dele ergueu-se numa profunda respiração e lentamente baixou.

- Eu sei. - Foi tudo o que disse. Era um pequeno passo, um recomeço.

Dodge City vibrava de atividade. Apitos de trens correndo com forte ruído metálico sobre trilhos de ferro chegavam até os currais temporários de gado. Vaqueiros tangiam o rebanho para corredores de madeira a fim de colocá-lo nos vagões que o levariam para os mercados do Leste.

As ruas sem calçamento no centro eram revolvidas pelas patas de cavalos, levantando nuvens de poeira que se espalhavam por toda parte. Era incessante o som de passadas nas calçadas de madeira, enquanto vaqueiros deixavam cambaleantes os saloons a caminho das casas de jogos. Às vezes, reuniam-se em grupos barulhentos numa esquina, gritando cumprimentos obscenos para os conhecidos que passavam montados.

Foi nessa balbúrdia que Lorna entrou, empoleirada no assento da carroça, enquanto Benteen guiava as parelhas. Uns dois cães esganiçados atacaram os cavalos, mordendo-lhes os tornozelos e pulando para longe dos coices. O barulho ensurdecedor era vagamente alarmante, depois das semanas de relativo silêncio da pradaria.

- É tão barulhento.

Lançou um olhar a Benteen, enquanto dois cavalos passavam como uma bala pela carroça disputando uma corrida. A noite anterior aliviara a tensão entre eles, embora nada voltasse ainda ao normal. Ambos se conduziam com cuidado.

- É turbulento - concordou Benteen, lançando-lhe um meio olhar.

- Vamos parar na Dodge House. Achei que você poderia gostar de um banho verdadeiro e umas duas noites numa verdadeira cama.

- Seria bom, sim.

Lorna sabia que era uma tentativa de compensá-la.

O saguão do hotel estava congestionado de representantes de frigoríficos do Norte, elegantemente vestidos, fornecedores e compradores de gado de várias procedências. Acotovelavam-se com vaqueiros sujos e cobertos de poeira recente da trilha. A presença de uma mulher ali foi rapidamente notada, tornando Lorna embaraçada com sua aparência. Manteve a cabeça baixa para que não vissem como a tez outrora imaculada fora curtida pelos elementos. Escondeu também as mãos com todo cuidado.

Ficou junto de Benteen quando ele assinou o livro de hóspedes e esforçou-se para permanecer apagada.

- É um prazer tê-lo de volta conosco, sr. Calder - disse o recepcionista sem olhar para o registro. - Acho que seu quarto habitual está vago.

- Eu gostaria, desta vez, de alguma coisa maior... Alguma coisa com um quarto de vestir para minha esposa.

O empregado olhou para Lorna e em seguida para o registro.

- Muito bem, senhor. Temos justamente o quarto que quer. Entregou a chave ao mensageiro, murmurando instruções. - Tenho certeza de que achará satisfatório.

- Providencie também para que seja mandada água lá para cima para um banho - pediu Benteen, e entregou ao mensageiro a valise que continha os objetos de uso pessoal de Lorna e que trouxera da carroça. - Quer fazer o favor de acompanhar minha esposa até o quarto?

- Você não vem? - Lorna fitou-o, levemente confusa, hesitante se devia perguntar a ele por que não ia acompanhá-la.

- Não. vou levar a carroça até a cocheira pública e acomodar os animais. - Foi reservado na explicação. - Volto logo.

- Se quiser me acompanhar, madame - disse o mensageiro. Lorna não queria pedir a Benteen que a acompanhasse até o quarto,

embora tivesse apreciado a companhia dele quando cruzou o saguão cheio. Pouco importava que vaqueiros na trilha a houvessem visto em pior aspecto ainda. Aqueles homens ali eram cavalheiros, e não queria que começassem a especular sobre uma mulher desacompanhada.

Manteve a vista recatadamente baixa, enquanto seguia o mensageiro, consciente de que era seguida pelo olhar de Benteen. No momento em que subia a escada, ouviu um farfalhar de seda. Ergueu a vista, esperando ver uma "dama da noite", uma vez que obviamente elas proliferavam numa cidade de pecuária.

Por nenhum esforço de imaginação, porém, a mulher no alto da escada poderia ser membro da mais antiga das profissões. O vestido longo de seda azul de decote baixo e mangas curtas era da última moda. O cabelo louro claro fora arrumado no alto da cabeça em penteado elegante, nem um único fio fora do lugar. As finas jóias e o porte soberbo do corpo esbelto disseram a Lorna que ela era uma autêntica senhora de sociedade.

Aproximando-se da mulher, nesse momento conversando com um homem igualmente bem-vestido, notou que ela não era tão jovem como parecera inicialmente. Possuía pele tão lisa e beleza tão impecável que se tornava difícil julgar-lhe a verdadeira idade. Se não fossem as leves rugas que se mostravam no pescoço empoado, teria pensado que ela se encontrava ainda na casa dos vinte anos.

Mas era grosseiro olhar diretamente, e fez força para evitar isso quando seguiu o porteiro, passando pelo casal. A curiosidade, porém, venceu-a quando ouviu a voz da mulher. Possuía um sotaque estrangeiro que a deixou muito intrigada. Reduziu os passos para escutar, sem dar atenção ao mensageiro que continuava a andar.

- O convite é muito gentil, senhor, mas o conde me disse que aceitou o convite do prefeito para partilhar de seu camarote privativo - dizia nesse momento a mulher.

Conde. O prefeito. Um camarote privativo. Aquela senhora era evidentemente pessoa muito importante e rica. Lançou outro olhar para trás na direção da elegante mulher. Havia nela alguma coisa estranhamente familiar.

Sra. Calder? - chamou o mensageiro.

Quando a mulher olhou na direção do corredor, Lorna rapidamente desviou a cabeça. Não queria ser surpreendida olhando assim para uma pessoa. Correu para a porta onde o mensageiro a esperava.

- Algum problema, madame?

- Não. - Pensou em perguntar a ele quem era aquela senhora, mas isso seria também ousado demais.

Após depositar a valise no chão, ele lhe entregou a chave. Relutante, pegou-a, tendo esperança de que o mensageiro não notasse a aspereza de suas mãos. Antes de entrar no quarto, lançou outro olhar à mulher. O homem bem-vestido curvava-se nesse momento sobre a mão da mulher, despedindo-se dela.

Quando o adulador foi embora finalmente, lady Elaine, esposa do conde de Crawford, virou-se para olhar pelo corredor. O sorriso mostrou-lhe a boca levemente pintada, e os olhos pretos tornaram-se agudos de curiosidade. Sabia que escondera bem a surpresa quando ouvira aquele nome. Não era um nome comum.

O mensageiro veio em sua direção, sorrindo satisfeito.

- bom dia para a senhora... - gaguejou, sem saber a maneira correta de dirigir-se a ela -... Sua Alteza.

- bom dia. - Deus, como ela adorava a maneira como esses rústicos se curvavam e faziam rapapés para lhe ganhar as boas graças. - com licença, um momento, rapaz.

- Sim, madame... Sua Alteza - corrigiu-se ele, corando um pouco mas não menos ansioso para servir.

- Aquela jovem. Acho que o ouvi chamá-la de sra. Calder. Meu marido conheceu uma família Calder em uma visita anterior à América. Eu estava pensando se ela não seria alguém da mesma família.

- Duvido. - Descrente, ele virou a cabeça para um lado. - O marido dela tem vindo aqui regularmente, trazendo boiadas do Texas, umas duas vezes por ano.

Lady Elaine empertigou-se.

- Sabe o nome dele?

- Acho que... o nome dele é Benteen Calder - respondeu o mensageiro.

Como você disse - ela fez um pequeno muxoxo, desapontada - não é provável que meu marido o tenha conhecido. Obrigada.

- O prazer foi meu, madame... Sua Majestade. - A tentativa de mesura dele foi muito desajeitada.

Quando o mensageiro começou a descer a escada, a mulher permaneceu por mais um momento ali e lançou um olhar pensativo pelo corredor.

Uma fria inteligência mostrava-se em seus olhos, enquanto ela pensava em quais problemas aquela situação lhe poderia trazer, se é que haveria algum. Talvez ela e o Conde devessem partir imediatamente para San Francisco. Mas já haviam aceitado convites demais. Além de tudo, havia aquela parte curiosa dela. Quase riu alto quando se deu conta disso. Depois de todos esses anos, quem teria pensado que daria a mínima importância àquilo?

- Laine, meu bem, você vai descer?

com um movimento gracioso, ela olhou para a base da escada, onde viu o marido com um pé no degrau. Fitou-o com olhos antigos e viu as mudanças - o excesso de peso que lhe arredondara a cintura e o cabelo fugidio que aumentara ainda mais a testa já alta. O bigode e as suíças punham em relevo as bochechas moles e o queixo fraco. Ele nunca fez seu coração bater mais depressa, mas lhe deu tudo o que quis - depois que pusera essa ideia na cabeça dele.

- Estou descendo, Con.

Mais de duas horas haviam se passado desde que Lorna chegara ao quarto. Nesse tempo, tomara um banho demorado e lavara os cabelos. Gostaria de ter um robe para usar por cima da roupa de baixo e da combinação. A senhora que vira no corredor provavelmente tinha dezenas de robes de seda e cetim. Não queria usar seu único vestido limpo até que o cabelo estivesse seco.

Benteen não chegara ainda. Enquanto passava o pente pelos cabelos úmidos, perguntou-se o que o estava prendendo por tanto tempo. Continuava a pensar na mulher que vira, a imagem dela permanecendo muito nítida. Sentia grande curiosidade e gostaria de saber quem era ela e de onde viera. O sotaque parecia estrangeiro.

Ouviu uma pequena pancada à porta. Espigou-se na cama, segurando o pente em frente ao peito.

- Quem é?

- Sou eu, Benteen.

Cruzando o quarto, virou a chave, abriu e escondeu-se atrás da porta. Sentiu o cheiro de bagas de loureiro quando Benteen entrou. Fechando a porta, ela virou a chave para trancá-la.

Quando se voltou, notou que Benteen a observava, o olhar descendo dos ombros nus até os tornozelos esguios. O corpo de Lorna reagiu à sensação de ser tocado. Tomou uma respiração, sem notar que o movimento empurrava os seios contra o corpete de algodão, acentuando-lhes o volume. Ficou subitamente inquieta, perguntando-se se ele ia aproveitar-se dela à força novamente.

Um músculo contraiu-se no queixo dele por um segundo antes que ele se virasse.

- Pensava que já estivesse pronta.

Tornou-se de repente claro que ele retardara deliberadamente a volta para dar-lhe tempo de terminar o banho e vestir-se. Não quisera estar ali durante esse tempo. Lorna não teve dificuldade em descobrir por quê. Benteen lhe dissera no passado, quando haviam feito amor, que olhar para o corpo dela excitava-o. Ele quisera evitar que isso acontecesse.

Meu cabelo não está ainda seco.

Indo até o espelho, começou a passar novamente o pente pela massa escura para separar os fios úmidos e apressar a secagem. No espelho via o reflexo dele. Estudou-lhe o talhe rude do rosto e os cabelos abundantes que caíam quase até o colarinho. Havia força e poder ali, clareza de propósito e vontade sólida.

De repente, notou a camisa limpa que ele usava, e as calças. A luz que entrava pela janela coloria de fogo as pontas dos cabelos do marido.

- Você tomou banho.

- Tomei. Um dos saloons tem banheiros nos fundos. Pensei que ganharíamos tempo se eu fosse na frente e tomasse um banho, em vez de esperar até que você acabasse.

Inconscientemente, ela cheirou o ar, sentindo o perfume de loureiro, o que indicava que ele também se barbeara. O cheiro era levemente estimulante. Estava se tornando consciente demais dele.

- Quando o mensageiro me acompanhou até o quarto, passei por uma senhora na escada. - Começou a falar da primeira coisa que lhe ocorreu. - Ela estava usando um vestido lindo. Tenho certeza de que é uma pessoa muito importante. Ouvi-a falar alguma coisa sobre usar o camarote privativo do prefeito. E tinha também sotaque estrangeiro.

- Há um bocado de imigrantes aqui no Kansas - respondeu Benteen.

Não podia evitar que seu olhar voltasse a ela. As curvas do corpo de Lorna eram como um imã. Enquanto ela penteava o cabelo, observava-lhe o movimento ondulante pelo torso, até uma cintura tão fina que podia abarcá-la com as mãos. As nádegas redondas e os quadris totalmente delineados pela combinação provocavam-no.

- Aquela senhora não era uma imigrante comum. - Lorna continuou, embora outra mulher fosse naquele momento a coisa mais distante dos pensamentos de Benteen. - Sei que ela é especial. Referiu-se a um "conde". Isso é um título, não é? Como duque?

- Acho que sim. - Benteen tinha aversão pela nobreza titulada. Sua mãe fugira com um homem que vivia de pensão, um membro dessa classe.

- Esses títulos empolados não significam coisa alguma. Não se impressione com eles, Lorna.

A brusquidão dele resultou em renovada concentração no penteado. Não gostou da maneira como ele a fizera sentir-se em falta por ter ficado fascinada por aquela mulher. Não via mal nenhum nisso. Os dentes do pente Prenderam-se num nó na parte de trás. Quando tentou puxá-lo, doeu.

- Uau!

A exclamação foi involuntária. O nó estava atrás. Tentou girar para o lado e desfazê-lo, mas não conseguiu.

- Eu desembaraço para você - ofereceu Benteen.

Lorna hesitou por um instante ao pensamento de tê-lo tão perto. Isso quase não fazia sentido, pois dormira com ele na mesma cama na noite anterior. Entregou-lhe o pente e continuou a olhar para o espelho, descansando as mãos na borda da cómoda, com seu vaso de água e bacia.

Havia alguma coisa no toque dos dedos dele nos cabelos, enquanto se insinuavam por baixo do peso úmido para segurar o nó, que lhe fez o coração bater apressado. Depois de soltar suavemente o nó, ele começou a passar lentamente o pente pelos longos cabelos. Lorna fechou parcialmente os olhos com o involuntário prazer que a mão dele lhe dava, seguindo os fios para alisá-los. Quando inclinou mais a cabeça para ela, quase não reagiu.

- Seu cabelo cheira bem - murmurou Benteen quando o pente cessou o movimento. A mão dele parou num ponto nu no ombro, a pele calejada agradavelmente quente. - Você cheira bem.

Quando a mão iniciou um movimento acariciante, Lorna retraiu-se. Seus dedos apertaram-se mais em torno das bordas da cómoda. Benteen sentiu o protesto silencioso e imediatamente retirou a mão. Estendeu-lhe o pente. No momento em que ela o pegou, afastou-se em passo rápido. Ela ficou com o pente na mão, olhando-o, ofegante.

- Obrigada.

- Isto não está servindo, Lorna. - O reflexo dele no espelho mostrava um tremor perto da boca. - Eu sou um homem, não um padre. Vamos ter que chegar a algum tipo de entendimento, porque não sei por quanto tempo vou conseguir evitar tocar em você.

Ela virou-se bem devagar para ele, consciente da dura realidade daquelas palavras e da escolha que ela mesma fizera de ficar. Era muito difícil dizer as palavras seguintes, porque sabia que não se passara ainda tempo suficiente.

- Eu lhe disse, em nossa noite de núpcias, Benteen, que eu não tinha o direito de lhe negar os privilégios do leito matrimonial. Isso ainda é verdade. - E fortaleceu-se para suportar o que viria.

Benteen fitou-a, os olhos estreitando-se.

- Deus do céu, Lorna - disse rouco e baixo. - Por que simplesmente não me chama de animal por esperar que você se submeta a mim, em vez de ser tão humildemente obediente?

- Porque sei que o que você disse é verdade. - Ela possuía inteligência para compreender que, mesmo que não tivesse certeza, estava emocionalmente pronta outra vez. - Reconheço que isso é uma necessidade do homem. É uma coisa de que você gosta. - Não conseguia olhá-lo, enquanto explicava as razões de sua aquiescência.

- E você?

- Não tenho certeza se poderei... - a intenção era dizer "sem me lembrar de quando você me possuiu violentamente". Mas não disse, sabendo que ele compreenderia o resto.

Ele se aproximou e tirou toda a roupa. O rosto permaneceu sem nenhuma expressão quando lhe levantou o queixo com um dedo. O coração de Lorna acelerou-se em pânico, mas ela controlou-o e fez um esforço para retribuir o olhar firme.

- É melhor descobrirmos se você pode - disse Benteen.

com lenta deliberação, ele baixou a cabeça sem pressa na direção dela, observando-a atento, à espera de qualquer reação contrária. Por dentro, ela estava se encolhendo, mas conseguiu não demonstrar. No momento em que os lábios dele sondaram os seus, não resistiu. Benteen beijava com cuidado, e o beijo foi ternamente tranquilizante. Lorna conseguiu aceitar a pressão suave e descobrir em si um pequeno grau de correspondência.

O corpo de Benteen não tocou o seu, mas sentiu o calor que se irradiava dele. Se a situação permanecesse assim, poderia controlar-se. A mão subiu para seu pescoço, levemente acompanhando-lhe a longa curva até a depressão da garganta. No instante em que ele tentou abrir-lhe os lábios com os seus, ela se lembrou da violência da última vez. Fez um grande esforço para bloquear a recordação humilhante, mas sentiu-se retraindo. Não queria que fosse assim. Queria voltar a sentir aquela paixão natural dos primeiros dias.

Embora abrisse os lábios para forçar os sentimentos a se manifestarem, Benteen sentiu a diferença. O beijo parou frio enquanto ele lentamente recuava para fitá-la. O olhar de Lorna vacilou.

- Você não é nada boa em fingir, Lorna.

Ele sabia que se a deixasse levar até o fim esse jogo de desejo e fizesse amor com ela, como queria desesperadamente, ela acabaria por ressentir o exercício dos privilégios que mencionara. Desprezá-lo-ia ainda mais do que já acontecia.

- Benteen, eu estou tentando...

- Se não pode acontecer naturalmente, não quero. Seja honesta com o que sente, mesmo que seja ódio.

- Eu não o odeio. - Mas não o esclareceu sobre o que sentia.

- Eu ficarei longe de você por algum tempo. Diga-me, quando quiser que eu seja seu marido. - E rezou para ter forças de esperar até esse dia, e que não demorasse muito. Deu-lhe as costas e foi até a janela olhar a rua embaixo. Sem olhar, sabia que Lorna continuava no mesmo lugar. - Seus cabelos já estão secos agora. É melhor vestir-se.

- Está bem.

De Cabeça baixa, compreendeu que fora tola em pensar que podia fingir prazer. Mas aceitar os avanços dele parecera uma maneira de expiar sua culpa por espicaçá-lo com a ameaça de abandoná-lo, provocando a violência. Não podia alegar ignorância, porque já o conhecia, desde o caso da fotografia da mãe dele. Devia ter adivinhado que seria excessivamente sensível à menor insinuação de que ela poderia repetir o que a mãe fizera.

Mas não era tão generosa que acreditasse que aquilo lhe dera o direito de violentá-la. Constituía meramente aceitação de que parte da culpa lhe cabia - mas apenas uma parte. E havia aquela sensação desagradável de que tentara transferir essa pequena parte para Benteen momentos antes, sacrificando-se nobremente aos seus desejos sexuais.

Passaram a maior parte da tarde em um dos armazéns gerais. Embora tivesse apenas umas pequenas compras a fazer, Lorna percorreu toda a loja com olho crítico, comparando-a com a de seu pai em Fort Worth. O ambiente era tão conhecido que odiou deixar o lugar. Benteen deve ter adivinhado isso, porque não teve pressa em comprar os suprimentos de que precisava para reabastecer a carroça da cozinha. Vários clientes ali eram homens que conhecia, vaqueiros que haviam viajado antes com ele ou chefes de tropa, como ele mesmo. Parou para um dedo de prosa com eles, sem pressa de carregar a carroça.

À noite, jantaram no restaurante do hotel. Para ela foi um prazer comer novamente numa mesa. Embora Rusty fosse cozinheiro mais do que passável, a monotonia do cardápio na trilha começara a dar nos seus nervos, o que tornou a refeição no restaurante ainda mais saborosa. Continuou a olhar em volta para os comensais, na esperança de rever a tal senhora e indicá-la a Benteen, mas isso não aconteceu.

Benteen mostrou-se tranquilamente atencioso, disposto a participar da conversa ociosa, embora se mantivesse levemente distante. Tudo o que Lorna entreouvia em volta dizia respeito a gado, marcas, preços de bois e tarifas de embarque. Ocorreu, porém, um momento em que um súbito silêncio caiu no salão.

Um homem bem-vestido, de roupa preta e colete, entrara na sala de jantar. Mas havia uma diferença nele. Trazia um imenso trabuco afivelado ao quadril e uma estrela brilhante presa ao peito.

- Benteen - Lorna inclinou-se para ele e murmurou: - Você acha que aquele homem é Wyatt Earp?

Rapidamente, ele olhou para o recém-chegado.

- É ele...

- Ouvi dizer que, quando ele atira, atira para matar - sussurrou ela, lembrando-se de algumas das histórias arrepiantes que ouvira a respeito do notório agente da lei. - Mas ele só mata quem merece morrer.

- Você não ouviu isso de um texano - retrucou seco Benteen. - Lá no Texas, a cabeça dele está a prémio por mil dólares.

Os olhos dela se arregalaram.

- Não acredito nisso.

- Pois é verdade. - O sorriso dele era apenas um esboço. - Quanto a atirar para matar, é melhor um homem não ter outra razão para puxar a arma, ou será ele quem morre.

Disse isso com tal indiferença, que Lorna de repente quis saber:

- Você já matou alguém, Benteen?

Surgiu um brilho de humor nos olhos dele, lembrando os dias de namoro:

- Ninguém que não merecesse.

Zombou dela com a justificativa que ela dera para os atos de Wyatt

EarpSegundo o código de Benteen, matar um homem não constituía motivo

algum de bravata. Nas vezes em que tivera razão para sacar a arma, os adversários haviam sido ou índios ou bandidos que lhe tentavam roubar o rebanho. Não foram muitas as ocasiões. Bastava dizer que continuava vivo e que havia outros que não estavam.

- Aposto que você nunca matou ninguém - insistiu Lorna, fitando-o, em dúvida.

Benteen encolheu levemente os ombros e deixou passar o comentário. Quando terminaram e deixaram o salão, Lorna, num gesto de contentamento, apertou um pouco mais o xale em volta dos ombros.

- Estou tão cheia - suspirou, e olhou esperançosa para Benteen. Você não acha que poderíamos dar um pequeno passeio antes de voltarmos ao quarto?

Benteen conhecia bem o atrevimento de vaqueiros bem lubrificados pelo álcool. Os cabarés, saloons e cassinos estavam em plena atividade, e os prostíbulos, também abertos à espera de fregueses. As ruas de Dodge City não eram o melhor lugar para passeio de uma mulher respeitável, e certamente não de sua esposa.

- Podemos sair para tomar um pouco de ar fresco.

- Não. - Ela queria mais o passeio do que o ar fresco.

com o toque impessoal da mão no cotovelo, Benteen levou-a pela escada até o quarto. Abriu a porta e empurrou-a para que ela entrasse, mas não a seguiu.

- Dois de nossos rapazes vêm à cidade hoje à noite. vou vigiar para não se meterem em encrencas, senão terei que pagar fiança para tirá-los da cadeia. - Falou despreocupadamente. - Depois de fechar a porta, tire a chave. Pedirei outra à portaria.

Embora não pudesse dizer, Lorna sentiu-se aliviada porque ele não iria imediatamente para a cama com ela. Compreendeu que Benteen estava dando uma desculpa, poupando a ambos da tensão que isso traria.

- Muito bem - disse ela, concordando com a sugestão.

- Durma bem.

Depois de fechar a porta, ela virou a chave e tirou-a da fechadura. No corredor, Benteen ouviu o som e sentiu vontade de derrubar aquela porta.

Em vez disso, enfiou a mão no bolso à procura de material para fazer um cigarro. A mão tremeu enquanto o enrolava, derramando fumo no chão.

Finalmente, desistiu, jogou tudo fora e começou a descer o corredor.

Depois de muito tempo acordada, Lorna finalmente adormeceu. Não ouviu Benteen entrar nas primeiras horas da manhã. Meio bêbado, ele fitou a face adormecida.

Não me deixe - disse em voz meio embolada.

Despiu-se na escuridão e subiu para a cama. Dormiu quase imediatamente, o álcool agindo para lhe amortecer o desejo.

Ao acordar na manhã seguinte, Lorna descobriu que Benteen já saíra. Só o travesseiro amassado ao lado lhe disse que ele dormira ali. Levantou-se e vestiu-se apressada.

Quando estava alisando o último fio de cabelo num coque bem arrumado, ouviu uma batida à porta. Foi até lá, parou, notando a chave na fechadura.

- Benteen?

- Sim, sou eu.

Quando abriu a porta, o olhar de Benteen a examinou.

- Eu pensei que você já estivesse pronta.

- Acordei há alguns minutos. É muito tarde?

- Passa das nove.

Lorna achou impossível, mas sabia que todo o seu ser estivera exausto.

- Está pronta para descer e tomar o desjejum?

- Estou. Você já comeu? Benteen inclinou a cabeça.

- Eu tomo café com você. Depois, vou até o rebanho. Um comprador quer examinar as trezentas cabeças que estou pensando em vender.

- Oh!

Lorna não tinha certeza do motivo por que esperava que ele passasse a maior parte do dia em sua companhia. Não era sempre o gado que vinha à frente de tudo? Estava certa de quem venceria se houvesse uma opção entre o casamento deles e o gado.

- Você ficará bem aqui, não?

- Claro - respondeu com um tom vagamente sarcástico, mas ele não compreendeu.

O comprador parou à mesa do café e perguntou a Benteen quando poderia ir ver o rebanho. Lorna notou como Benteen estava ansioso e sugeriu que fosse logo, garantindo-lhe que ficaria bem. Depois, ficou irritada quando ele aceitou sem protesto a sugestão.

Não estava acostumada com tanto tempo livre, e não sabia realmente o que fazer. Após o desjejum, foi para o quarto, mas era apertado demais. Saiu do hotel para um pequeno passeio e voltou na hora do almoço.

O salão estava cheio. Ao descobrir que não havia lugar, preferiu retirar-se a mostrar que estava desacompanhada. Ao virar-se, quase se chocou com um homem.

- Sr. Giles. - Ficou surpresa ao ver um rosto conhecido.

- Sra. Calder. - Ele tirou o chapéu e lhe fez uma pequena vénia.'

- Pensei encontrá-la junto com seu marido aqui. É onde ele sempre se hospeda em Dodge.

- Vejo que o senhor conseguiu trazer em segurança sua boiada.

- Ela está a uns três quilómetros da cidade, comendo capim e engordando.

Certas pessoas, pensou Lorna, ficariam intimidadas com o tamanho daquele homem e sua aparência rude, mas ela se sentia inteiramente segura. Ele se interessava por ela como mulher, mas sempre com respeito. Não tomaria liberdade, a menos que o encorajasse.

- Já almoçou, sra. Calder?

Na verdade, não - confessou ela. - Todas as mesas estão ocupadas.

- Está vagando uma ali. - indicou com a cabeça uma mesa onde os homens se levantavam. - Eu me sentiria muito orgulhoso se a senhora me acompanhasse no almoço. Ou está esperando por seu marido?

- Ele levou um comprador para ver alguns garrotes. Não sei quando volta. - Comer sozinha não era perspectiva muito agradável depois de ter ficado entregue a si mesma durante toda a manhã. - Terei muita satisfação em almoçar com o senhor, sr. Giles.

Almoçar com Buli Giles foi uma experiência extremamente agradável. Toda aquela aparência rústica ocultava um homem que possuía uma mente viva e um humor cativante. Em seca e tranquila maneira, ele zombou daquela conversa toda em volta sobre gado e dos homens bem-vestidos que dela participavam. Várias vezes, seus comentários mordazes fizeram-na rir alto.

Quando Buli Giles mostrou desejo de demorar-se ao café e prolongar o almoço, Lorna teve certeza de que isso não devia permitir. com uma facilidade grande demais, aquele encontro seria mal interpretado. Da maneira como estavam as coisas, Benteen não ficaria satisfeito em saber que ela passara algum tempo em companhia de Buli Giles. Começava a compreender como era forte aquele traço possessivo em Benteen.

Mas gostava da companhia de Buli. Se inocente e inócua, por que deveria privar-se dela? Aquela pequena semente de rebelião não fora erradicada de todo. Teria sempre que fazer coisas para agradar a alguém? Certamente que poderia prosear com uma pessoa de quem gostava, simplesmente, porque era o que queria fazer. Afinal de contas, ninguém Poderia dizer que estavam sozinhos, não num restaurante cheio de gente.

Não recusou quando o garçom parou à mesa para a segunda rodada de café. Ergueu a xícara de porcelana, soprando-a delicadamente antes de tomar o primeiro gole. Por cima da borda, notou a maneira absorta como ele a fitava.

- Estou atrapalhando seus negócios. Tenho certeza de que o senhor está ansioso para mostrar seu rebanho aos compradores.

Durante um vaidoso momento, quis a garantia de que Buli lhe desejava a companhia, ao contrário de Benteen, que atribuía ao gado uma prioridade muito maior.

- Não estou tão ansioso que queira me privar da companhia de uma bela mulher - declarou Buli com o charme habitual.

- Por que será que os homens só pensam assim antes de se casarem?

- A intenção foi dar uma resposta ligeiramente provocante. Só depois de ouvir suas próprias palavras é que compreendeu que elas lhe revelavam as desilusões com o casamento. Rapidamente, tentou disfarçar: - Acho que as mulheres também pensam da mesma maneira.

- Jamais conheci uma mulher bela, casada ou solteira, que não quisesse a atenção de seu homem.

Buli falou em termos gerais, como ela fizera, mas Lorna teve a impressão de que ele via tudo por trás daquilo.

Tomou outro gole, segurou a xícara no ar e acompanhou parte da borda com o dedo. Mas, consciente de que estava mostrando um exagerado interesse por uma simples xícara, usou a oportunidade para mudar de assunto:

- Não é estranho como tudo tem gosto melhor, alimento, café, quando não se come ou bebe num copo ou caneca de flandres?

Aquilo era algo que podia confessar a Buli Giles, mas não a Benteen. Ele teria interpretado as palavras como uma queixa, ao passo que julgava que Buli compreenderia.

- com toalha de mesa e guardanapos - acrescentou Buli, com um sorriso.

- Dois dias disto - Lorna deixou a vista passear pela sala, notando os muitos aspectos que nesse momento representavam luxo para ela - e eu ficarei mimada.

- Merece ser mimada. Uma trilha de gado não é lugar para uma mulher como a senhora.

- Não é uma maneira fácil de viajar. - Deliberadamente, minimizou as dificuldades que lhe haviam posto à prova. - Mas tudo vai ficar bem quando chegarmos a Montana. - Disse isso sem convicção, enquanto examinava a prata polida da colher contra a toalha branca.

Seguiu-se um momento de silêncio. Em seguida, Buli falou em voz muito tranquila.

- A senhora não tem que ir para Montana, sra. Calder, se não é o lugar para aonde quer ir.

Seus olhares se cruzaram. Buli Giles era intuitivo. Ela sorriu, mas com um traço de alheamento porque ele adivinhara demais.

- Meu marido vai para Montana. Eu vou para aonde ele for, sr. Giles.

- Claro. - Mas havia dúvida na expressão dele.

Fora um erro prolongar o café, e, assim, deixou claro a ele, de maneira polida, que era tempo de irem embora. Buli concordou e acompanhou-a quando ela deixou o salão.

- Há alguma compra que gostaria de fazer? - perguntou ele, ao se despedirem. - Eu teria muito prazer em acompanhá-la.

O almoço com ele poderia ser explicado pela falta de mesas vazias, mas aceitar-lhe também a companhia não seria correto.

- Não, obrigada. Ontem Benteen me acompanhou em todas as minhas compras.

- Se a senhora precisar de alguma coisa...

Lorna, porém, não queria que ele ampliasse os oferecimentos:

- Apreciei muito o almoço, sr. Giles. Tenho certeza de que há muitas coisas que precisa fazer. Não vou detê-lo por mais tempo.

- Neste caso, despeço-me da senhora. - O corpo maciço fez uma meia curvatura para ela. - Mas quero dizer que nunca apreciei tanto uma refeição, graças à senhora, sra. Calder. Talvez voltemos a nos encontrar.

Lorna inclinou de leve a cabeça ao receber o cumprimento, mas ficou calada. Enfiando o chapéu na cabeça, Buli Giles dirigiu-se para a saída. Lorna acompanhou-o com os olhos e permaneceu por alguns minutos no saguão, abominando a ideia de retornar logo para o quarto, a fim de esperar a volta de Benteen.

Nesse momento, um murmúrio perpassou pelo saguão, e as atenções se voltaram para a escada. Curiosa, Lorna virou-se e viu-a, a matrona que conhecera no dia anterior. Usava um traje de viagem marrom-claro, com chapéu combinando que lhe sombreava o rosto. Desceu os degraus com uma graça lenta e majestosa, aparentemente alheia à agitação que criava. Lorna notou que nunca olhava diretamente para as pessoas, desencorajando quem quisesse se dirigir a ela.

O olhar errante da mulher chegou até Lorna, como se procurasse alguém. Ao notar a moça, ela sorriu levemente e lhe fez uma mesura com a cabeça. Esse gesto de reconhecimento da parte de alguém, obviamente tão importante, provocou em Lorna uma grande excitação, enquanto retribuía o cumprimento.

com aparente indiferença, a mulher aproximou-se. O pequeno sorriso nos lábios desviou a atenção de Lorna dos olhos escuros da mulher. Pareceu-lhe impossível que aquela senhora viesse realmente em sua direção.

- Parece que somos as únicas mulheres aqui - observou a matrona com um rápido olhar em volta.

- E tenho certeza de que nenhum deles está olhando para mim - resPondeu Lorna com toda sinceridade.

- Que lisonjeiro de sua parte dizer isso. - Ela sorriu.

- É verdade.

Era impossível competir com a aparência, as roupas e a segurança daquela mulher. O máximo em beleza e sofisticação.

- Permita-me que me apresente. Sou Elaine Dunshill, esposa do conde de Crawford.

Então ela realmente pertencia à nobreza titulada.

- É um prazer conhecê-la, minha senhora - disse Lorna, fazendo uma pequena vénia, como haviam-lhe ensinado na escola da srta. Hilda. Ao ver a reverência correta, lady Elaine ergueu de leve uma sobrancelha.

- Eu sou a sra. Lorna Calder.

- Do Texas. - Aquilo parecia mais uma afirmação que uma adivinhação.

- De fato - confirmou Lorna, com leve surpresa. - Como soube?

- O seu sotaque macio, arrastado. Parece que quase todo mundo em Dodge City veio do Texas.

- É por causa das boiadas. - Tomou coragem e perguntou: - De onde é a senhora?

- Inglaterra. Meu marido e eu estamos fazendo uma longa visita à América. Quando mais jovem, meu marido passou um ano no Oeste. Que histórias que conta de suas aventuras! - A mulher arregalou os olhos escuros, indicando que elas eram intermináveis. - E decidiu reviver parte delas. Na verdade, estamos a caminho de San Francisco.

- Ouvi dizer que é uma cidade muito interessante - disse Lorna.

- De fato. - Pareceu indiferente e lançou um olhar à porta da rua.

- Neste momento, estou esperando que meu marido traga a carruagem. Ele quer dar um passeio e examinar alguns rebanhos. Acalenta a ideia de, algum dia, tornar-se proprietário de uma grande fazenda de criação no Oeste. Está esperando também por seu marido?

- Estou. - Isso era em parte verdade, embora não fosse exatamente a razão de se encontrar ali no saguão. - Ele saiu esta manhã com um comprador, a fim de mostrar alguns novilhos.

- Você e seu marido estão aqui para vender gado?

- Estamos, mas apenas de passagem, a caminho do Território de Montana. Meu marido possui lá algumas terras, onde pretende criar gado. Será o nosso novo lar.

- Então vocês deixaram o Texas para sempre?

A senhora inglesa deu impressão de ficar levemente interessada nessa descoberta. Parte do pesar de Lorna deve ter transparecido em sua expressão.

- Deve ter sido muito difícil iniciar uma nova vida.

- Foi mesmo. - Mas Lorna não queria confidenciar a ninguém como fora doloroso.

- Você e seu marido ainda têm família no Texas?

- O pai de Benteen faleceu pouco antes de viajarmos, mas meus pais residem lá.

- Que pena para seu marido - murmurou lady Elaine. Baixou a cabeça para não dar o menor sinal de que a notícia tinha importância para ela. O último problema potencial desaparecera. Anos demais haviam passado para que sentisse qualquer outra coisa que não o alívio. Sempre atenta na observação de pequenos detalhes, notou as mãos ásperas e vermelhas da jovem esposa de Calder. Experimentou uma rara sensação de pena, talvez porque seus pensamentos tenham voltado, por um instante, para seus próprios anos difíceis.

- Tomara que não se sinta ofendida, sra. Calder, mas, no curto tempo em que estou no Oeste, descobri como este clima pode ser prejudicial para a pele de uma mulher.

Lorna enrubesceu e tentou esconder as mãos nas dobras do vestido. Estava bem consciente da diferença entre elas.

- Tenho uma loção que meu farmacêutico preparou especialmente para mim. vou mandar minha empregada levar um pouco ao seu quarto. Faz maravilhas, garanto-lhe.

- Que generosidade a sua - balbuciou Lorna.

- As mulheres precisam se ajudar mutuamente. Para dizer a verdade, fazemos isso muito melhor do que os homens. - Mais uma vez, o pequeno sorriso. - vou enviar minha empregada a seu quarto levando um pouco da loção. - A porta da rua foi aberta nesse momento e por ela passou um cavalheiro elegantemente vestido. - Meu marido chegou com a carruagem. Tenho que ir. Foi um prazer conversar com a senhora, sra. Calder.

- bom dia, minha senhora.

Mais uma vez, Lorna fez uma pequena vénia e recebeu uma graciosa inclinação de cabeça.

Lorna pensou que o marido daquela senhora fosse algum nobre bonitão de aspecto varonil, mas ele era muito mais velho, e nada tinha de bonitão. Exceto pelas roupas, dava impressão de um homem sem atrativos, comum. E acabou com sua fantasia de que lady Elaine era casada com um príncipe encantado.

Tão absorta estava na contemplação do casal titulado, que quase não viu Benteen entrar. Lady Elaine estava de costas para ele. Não recebeu mais do que um olhar de relance, enquanto se certificava de que não era Lorna. Um segundo depois, viu a esposa do outro lado do saguão. No início, pensou que sua expressão extasiada era dirigida a ele e apressou o passo, mas aquela expressão desapareceu no momento em que Lorna o viu.

Benteen não compreendia quantas pequenas coisas no seu relacionamento veio a aceitar como naturais e certas. A maneira como Lorna costumava virar-se quando a tocava, a excitação especial naqueles olhos quando a fitava, e a maneira como ela sempre o procurava. Nada mais havia. Fez um esforço para se retemperar e suportar a perda.

Lorna não se tornara a esposa carinhosa, dócil, que esperara. Às vezes era muito polémica, pronta demais para discordar, criticando excessivamente os seus atos. Culpava Mary Stanton pela maneira como Lorna começara a lhe responder. Essa nova faceta o aborrecia, mas, ainda assim, admirava-lhe a coragem, a força de vontade e o orgulho inflexível. Quando

o irritava, queria domá-la - como quase fizera ao violentá-la. Mas ele sentia desagradável sensação de que, se ela não se dobrasse, deixaria de amá-la. uma estranha contradição que não compreendia.

Estava fazendo força para desprender-se mais dela, pois assim não se Chucaria se ela o deixasse. Queria poder virar-lhe as costas e esquecê-la inteiramente. Era isso o que seu pai devia ter feito.

- Eu não esperava encontrá-la no saguão - observou, ao chegar junto a ela. - Pensei que estivesse no quarto.

- Eu ia justamente para lá agora - respondeu Lorna.

- Quem é aquela moça? - perguntou Con Dunshill à esposa.

Em geral, ela não demonstrava interesse por pessoas de seu próprio sexo, e ele se sentira surpreso e curioso ao ver Elaine conversando com aquela moça, especialmente porque não pertencia à sua classe.

- Realmente, não sei - ela mentiu.

A atenção do marido foi atraída pela chegada do homem que se oferecera para acompanhá-los na visita aos rebanhos de longhorns. Lady Elaine lançou um olhar pelo saguão, procurando sua jovem nora.

Uma sensação de vigilância dominou seus pensamentos errantes quando viu o vaqueiro alto e magro que conversava com Lorna Calder. Os olhos agudos estudaram as feições bem talhadas daquele homem. A semelhança estava ali, uma versão mais rude de Seth Calder, mas era Benteen, o filho que abandonara há tantos anos.

Mas não sentiu nenhuma culpa. Tivera trabalho mais do que suficiente para convencer Con a levá-la. Um filho teria complicado tudo. Além do mais, Seth era doido pelo menino. Benteen servira como âncora e conservara Seth no Texas, em vez de partir à sua procura. Se houvesse levado o filho, Seth teria revirado meio mundo até encontrá-lo.

Madelaine - Lady Elaine - estava convencida de que algumas mulheres foram talhadas para o papel de mãe, e outras, não. Era o seu caso. Não havia coisa alguma associada a Benteen que achasse, mesmo remotamente, satisfatória e agradável. A gravidez fora horrível. Quase lhe arruinara o corpo. Durante aquelas longas e torturantes horas do trabalho de parto amaldiçoara repetidamente Seth por ter plantado um filho em seu ventre. Quando finalmente expeliu a coisa que lhe causava tanta dor, sentiu um grande prazer. Não teve o menor desejo de vê-la ou segurá-la. Quase não permitira que o bebé mamasse. Deixara a Seth o cuidado de atender a muitas das necessidades da criança.

Em sua opinião, nenhuma mulher deveria ser obrigada a ter um filho aos dezesseis anos de idade. Tivera a sensação de jamais ter sido jovem ou livre. Sempre cheia de trabalho e responsabilidade - que ameaçavam arruinar-lhe a beleza. Sonhava com roupas finas, jóias e toneladas de dinheiro, para gastar como quisesse. Então, Con aparecera um dia para dar de beber ao cavalo, e ela descobrira a maneira de realizar esses sonhos. Madelaine Calder transformara-se em Elaine Asher.

Fora relativamente fácil manipular Con Dunshill, o segundo na linha de sucessão ao conde de Crawford. No princípio, contentara-se em ser sua amante. Ele a encheu de presentes e roupas caras, levando-a aos melhores locais em San Francisco e em Nova York. Convencera-o de que era culpado de induzi-la a abandonar o marido e o filho. Quando interceptara um telegrama da família dele, ordenando-lhe que voltasse à Inglaterra, fingiu que o perdera, e inventou a história de que leu num jornal de Fort Worth sobre a morte de Seth e Benteen. Ao "encontrar" o telegrama, Con estava pronto para levá-la à Inglaterra como noiva. A essa altura, ela já adquirira um bom nível de sofisticação. Juntos, inventaram uma origem que convenceria a família dele de que ela era uma noiva adequada. E, como dizem as histórias de fada, viveram felizes daí em diante.

Ela se cuidou para não ter mais filhos, deixando que outras esposas da família Dunshill gerassem seus próprios herdeiros. Con acreditava que era estéril, o que deu a Elaine outra forma de domínio sobre ele. Apesar de toda sua educação, ele não possuía a capacidade de conspirar ou manipular pessoas. Elaine aprendera bem e, sem que ninguém soubesse, conseguiu juntar para si uma pequena fortuna.

Constituía uma experiência nova saber que aquele homem no outro lado da sala era seu filho. Ele se moveu ligeiramente, e ela pôde vê-lo melhor. Um homem viril. Quanto mais o olhava, mais via determinação implacável, ambição e energia para vencer. Reconheceu essas qualidades porque eram também suas. Que dupla eles formariam, pensou, e em seguida soltou um suspiro.

- Meu assunto com o comprador demorou mais do que eu esperava disse Benteen. - Conseguiu se distrair?

- Pouco antes de você chegar, eu estava conversando com aquela senhora de quem lhe falei - contou Lorna. - É uma lady. Seu marido é um conde inglês. Está ali agora, junto à porta. Você passou por ela quando entrou.

Benteen voltou-se parcialmente e olhou para a mulher pequenina e bem-vestida que nesse momento deixava o hotel pelo braço de um cavalheiro.

- Por que estava conversando com você?

- Acho que porque eu era a única outra mulher aqui. - Lorna, na realidade, não tinha certeza. - Ela foi muito gentil. Vai mandar sua empregada ao meu quarto com um pouco de loção para amaciar minha pele.

- Você não pode arranjar outra coisa? Não precisamos de caridade de gente daquele tipo.

- Não é caridade - protestou Lorna. - É como quando Mary me dá um pouco de linha para consertar suas roupas. Mulheres fazem isso umas pelas outras.

Benteen sentiu vontade de ordenar que ela recusasse, mas prometera a si mesmo que não imporia mais sua vontade.

- Você encontrou Mary quando foi ver o rebanho? - perguntou Lorna- - Ela me disse que iria embora com Ely dentro de uns dois dias. Mas eles ainda estão lá, não?

- Estão. Ely está fazendo reparos na carroça.

Eu sabia que Mary não iria embora sem me dizer adeus. Parece que sempre a conheci - comentou, pensativa. A vida parecia ser feita de despedidas. - É difícil aceitar a ideia de que talvez nunca mais a veja.

- Vendi o gado. - Benteen mudou de assunto, não gostando do senso de culpa que as palavras dela lhe provocavam.

Lorna deu-se conta de que ainda não perguntara sobre o sucesso do marido naquela manhã. Gado. Sempre gado.

- Tomara que tenha obtido um bom preço.

Era um comentário superficial, feito mais por dever.

- Dezoito dólares a cabeça.

- Isso é bom preço?

- É o que pagam pelo melhor... às vezes, vinte dólares. Há uma grande procura de carne nos mercados europeus. É isso que faz o preço continuar subindo.

As palavras dele lembravam os comentários que ouvira na mesa do almoço. Sorriu levemente, recordando as ironias de Buli Giles.

- Eu disse alguma coisa engraçada?

Lorna apagou o sorriso, pois não queria testar o senso de humor de Benteen.

- Não, em absoluto. Eu estava pensando em outra coisa.

- Já almoçou?

- Já. - Não ia esconder nada. - Como só havia uma mesa desocupada, o sr. Giles sugeriu que a dividíssemos.

- Giles? Buli Giles?

- Ele mesmo. Chegou a Dodge.

- Como seu marido, tenho o direito de exigir que não tenha mais nenhum contato com aquele homem - disse Benteen.

- Eu não lhe dei motivo nenhum para fazer essa exigência - respondeu friamente Lorna. - Além do mais, nós vamos embora amanhã. O sr. Giles talvez seja outra pessoa a quem eu diga adeus e nunca mais veja.

- É a segunda vez que você diz isso. Há alguma razão especial para falar tanto nesse assunto?

Lorna se arrependeu de falar. Era deprimente demais.

- Não, nenhuma razão. - E continuou, com um sorriso de ironia.

- Eu cresci um pouco, Benteen. Agora, posso dizer adeus às pessoas sem chorar o dia inteiro. - Depois mudou de assunto: - Já almoçou?

- Não.

- Vamos ao salão? Eu tomo uma xícara de chá enquanto você almoça.

Naquela noite, Lorna voltou ao quarto após o jantar, e Benteen arranjou uma desculpa para sair. Perdendo o sono, sentou-se na cama e leu o jornal que ele trouxera.

Assustou-se com uma batida à porta. Não seria Benteen tão cedo, e além disso ele tinha chave. Duvidava que Buli Giles ousasse vir ao quarto. Olhou para a valise onde guardava o revólver.

- Quem é? - Moveu-se para a extremidade da cama, a fim de ficar mais próxima da valise.

A empregada de lady Crawford. Ela me mandou aqui com um pouco de loção para a madame.

Ela não esqueceu a promessa, mas pensou que a lady tivesse esquecido. Cruzou o quarto e abriu a porta. Do lado de fora, a empregada, usando vestido preto e avental branco imaculado, completado por uma touca de babados, parecia tão dura e formal como as roupas, enquanto examinava Lorna criticamente.

- A loção, madame. - Pareceu que fungava de desaprovação quando entregou a Lorna um potinho.

- Poderia transmitir minha gratidão a sua senhora e os meus respeitos? - disse Lorna, com igual formalidade.

Segurou com força o potinho, acalentando o pensamento de que seu conteúdo pudesse lhe tornar a pele tão macia como a de lady Crawford.

A empregada pareceu vagamente surpresa ao notar que Lorna era capaz de pronunciar palavras civilizadas.

- É o que farei, madame.

Fez uma pequena mesura, virou sobre os calcanhares e desceu pelo corredor, farfalhando o vestido engomado.

A loção aparentemente era tudo o que lady Crawford prometera. Jurou que sentiu a diferença no momento em que a aplicou no rosto e nas mãos. Se economizasse, duraria muito tempo. Mal podia esperar para oferecer também a Mary.

Entristeceu ao se lembrar da amiga. Esperava convencer Mary a continuar com eles. Mas Benteen falou que o casal estava fazendo preparativos de partida. com a crise que atravessava seu casamento, seria muito solitária a viagem até o Território de Montana.

Mais uma vez, ela dormia quando Benteen voltou no início da manhã. Não o ouviu despir-se e deitar-se ao seu lado, tomando todo cuidado para não lhe tocar.

Os primeiros raios do sol brilhavam através da janela quando o viu inteiramente vestido, em pé, ao lado da cama.

- Acorde, Lorna.

Ela se mexeu e rolou de lado para olhá-lo sonolenta, piscando. Durante alguns segundos, houve em seus olhos calor para ele. Mas, depois, desapareceu.

Já vamos embora - adivinhou. Ele confirmou com a cabeça.

vou buscar a carroça, enquanto se veste. Encontro-me com você lá embaixo.

Tudo bem - suspirou, e ele já se dirigia para a porta.

A carroça, com sua cobertura desajeitada, entrou pesadamente no acampammento ainda bem cedo. O cenário era o mesmo. A carroça da cozinha, altamente funcional, com compartimentos laterais para guardar as cobertas dos vaqueiros e a caixa de provisão na parte traseira, já estava em funcionamento. Viu uns dois homens agachados perto do fogo, bebericando suas canecas de café. Junto à carroça dos Stantons, Mary lavava algumas roupas. Assumira a função de lavadeira da tropa, trabalho que em geral cabia ao cozinheiro.

No momento em que a carroça parou, Ely pôs de lado os arreios que estava consertando e aproximou-se para ajudar Benteen com os cavalos. Prendendo o freio, Benteen saltou e virou-se para apoiar Lorna pela cintura, enquanto ela descia.

- Pensei que você gostaria de saber, Benteen... - Ely mantinha-se ocupado com os cavalos, não se interrompendo enquanto falava - ... eu e Mary resolvemos continuar até Montana. Talvez eu possa requerer umas terras por lá, criar alguns bois e, de quebra, lhe dar uma ajuda.

- vou precisar de vaqueiros - foi só o que Benteen respondeu. Lorna ouviu tudo e olhou atónita para os dois. Como podiam encarar com tanta calma um assunto daquela importância? Pareciam discutir as condições do tempo. Arrepanhou as saias e dirigiu-se apressada à carroça dos Stantons. Mary espremeu a água da última peça, juntando-a com as outras para estender na grama.

- É verdade? - não esperou que Mary se virasse. - Vocês vão conosco?

Radiante, Mary voltou para Lorna um carinhoso sorriso.

- É verdade.

Lorna, porém, não podia absorver a notícia com toda aquela calma. Rindo feliz, deu um rápido abraço em Mary.

- Não posso acreditar! O que foi que fez você mudar de ideia? Embora Mary estivesse sorrindo, havia um brilho sério em seus olhos.

- Uma combinação de coisas. Compreendi finalmente que Ely nunca seria feliz como roceiro. Ele estava tentando me agradar porque se achava em falta, não construindo um lar para nós. Fui filha de roceiro durante tanto tempo, e pensei que devia ser mulher de roceiro. Durante todos esses anos tentei mudar Ely. Mas ele é vaqueiro. O trabalho de um homem é o seu orgulho. A gente não pode tirar isso dele, ou não tem mais homem.

- Eu não acredito que você tenha feito isso. - Lorna recusava-se a pensar mal da amiga.

- Não conscientemente. Mas fiz. Hoje descobri que tenho orgulho, também - acrescentou Mary. - Voltar a meus pais em lowa seria a mesma coisa que dizer que não tínhamos garra necessária para vencer aqui.

- Mas você tem - insistiu Lorna.

- Antes, era eu quem dava coragem, tranquilizava você. Nunca tive uma amiga, Lorna. Acho que a última razão foi você.

As duas estavam à beira das lágrimas, e Lorna comentou:

- Se a última metade desta viagem for igual à primeira, talvez a gente deva pintar um sinal em nossas carroças, como os caçadores de ouro em 149: Ou Montana, ou o inferno!

A Trilha Oeste virava para o norte ao sair de Dodge City, cortava a extremidade ocidental do Kansas e apontava para o Ogallala e suas pontas de trilhos na extremidade sul das dunas de Nebraska. Daí a trilha rodava para o oeste em direção a Cheyenne e ao Território de Wyoming, que ficava ao norte.

O rebanho de duas mil e tantas cabeças de longhorns, o número reduzido pela venda de trezentas cabeças, deixara Dodge City há uma semana. Como diminuíra o número de cabeças, Benteen resolvera não contratar mais tropeiros para substituir Jonesy e Andy Young. A boiada estava bemcomportada, e a turma atual seria suficiente.

Benteen cavalgava à frente, a fim de escolher um local para acamparem à noite. O sol dardejava inclemente seus raios naquela tarde de julho. Não se notava mudança alguma na pradaria lisa. Parecia que viajaram incontáveis quilómetros sem verem uma única árvore. Às suas costas, o rebanho levantava uma nuvem de poeira que cobria o horizonte.

À esquerda, Benteen ouviu o barulho distante de uma carroça. Viu uma parelha de mulas puxando uma carroça de lados altos, cruzando nesse momento a campina. O veículo parecia uma carroça Conestoga sem a cobertura de lona. Algum fazendeiro provavelmente trouxera nela a família, convertendo-a, depois, para trabalho no campo. Não querendo problema algum com agricultores, se isso pudesse ser evitado, tocou o cavalo na direção da carroça, a fim de interceptá-la antes que chegasse ao rebanho.

O homem freou as mulas no momemto em que Benteen aproximou-se. O sol implacável do Kansas queimara o rosto do roceiro, dando-lhe uma tonalidade escuro-avermelhada. Viu olhos encovados e embotados, resignados à luta constante contra a natureza.

- Diazinho quente, não? - observou Benteen, e tirou o chapéu para enxugar a testa com a manga da camisa.

Sempre é. Você está com aquele rebanho?

O homem falava em frases entrecortadas, como se completá-las exiSisse esforço demais.

O rebanho é meu. O nome é Calder. Benteen Calder.

- Eu tenho uma propriedade fora da trilha. - O roceiro fez um gesto do ombro. - Água no riacho e capim. Pode acomodar lá seu rebanho e Passar a noite. A patroa e eu vamos precisar de combustível para o inverno.

O esterco de boi e búfalo era chamado de "carvão da pradaria". Com a escassez de árvores, constituía a única fonte de combustível. Usando-se um pouco de bacon como mecha, o esterco queimava com uma chama que dava bom calor.

- vou dar uma olhada - disse Benteen.

- Uma chuva de granizo acabou com minha plantação na semana passada.

Isso explicava por que o homem deixava o gado pastar em suas terras.

Dirigindo as parelhas como uma cocheira veterana em que se transformara, Lorna seguiu a carroça da cozinha até o lugar escolhido por Benteen. As carroças ficariam estacionadas entre a boiada e a propriedade do agricultor, situada a uns cem metros de distância.

O caminho escolhido levou-os até perto da casa. Era a primeira vez que via uma casa de taipa, embora ouvisse falar nelas. Não pôde esconder sua surpresa diante da estrutura estranha, com tufos de grama projetando-se de camadas de terra. A porta e as janelas eram de madeira, e o telhado parecia uma combinação de mato, terra e varas.

A mulher do agricultor, parada à porta da cabana primitiva, enxugava as mãos no largo avental que usava em torno da cintura. Lorna acenou. De repente, a mulher começou a correr em direção à carroça.

- Pare! - gritou. - Por favor, pare!

Parecia tão desesperada, que Lorna pensou que pedia socorro. Puxou as rédeas e parou os animais. Lágrimas escorriam pelo rosto da mulher correndo ao lado da carroça, as mãos estendidas para Lorna enquanto continuava a soluçar aos arrancos, pedindo-lhe que parasse.

Quando finalmente a carroça parou, Lorna desceu rápido.

- O que é? Qual é o problema? - perguntou preocupada, enquanto a mulher levava a mão à boca.

- Obrigada. - A palavra saiu em um soluço abafado, e ela fez um gesto tímido para Lorna, como se quisesse tocá-la.

- O que é? - repetiu Lorna e olhou para a cabana de barro, pensando que ali poderia estar alguém doente ou ferido.

- Desculpe. - Um riso brotou por trás dos soluços. - Apenas, faz tanto tempo... desde que vi pela última vez uma mulher branca.

Um calafrio desceu pela espinha de Lorna ao ouvir a explicação. Meu Deus, que tipo de vida era essa que reduzia uma mulher às lágrimas simplesmente por ver outra mulher?

- Você na certa vai pensar que sou louca. - A mulher juntou as mãos sobre o peito, numa postura de prece. - Mas eu não podia deixar que você passasse por aqui.., sem lhe falar. Alfred não me disse que havia mulheres com a boiada. - Lançou um olhar para o lado, no momento em que Mary se aproximou para saber qual era o problema. - Alfred é meu marido. Pensei que estava vendo coisas quando você fez um gesto para mim. Pensei que este vazio todo finalmente me havia tornado louca.

As palavras jorravam em cascata, atropelando-se na ansiedade. Lorna ficou cheia de pena, mas também um pouco assustada com o quadro que ela descrevia.

- Você não está imaginando coisas - garantiu-lhe. - Esta moça é Mary Stanton, e eu sou Lorna Calder.

- Meu nome é Emma Jenkins. - De repente, levou a mão às madeixas enroscadas que haviam escapado do coque mal-arrumado. Deus do céu, eu devo estar um horror.

Lorna suspeitou que a mulher deixara de preocupar-se com a aparência, sentindo-se provavelmente desestimulada pelas olheiras escuras e a magreza do rosto. Prometeu que nunca deixaria que o mesmo lhe acontecesse.

- É esta terra, sabia? - disse Emma com um olhar ressentido para a pradaria deserta que se estendia de um lado a outro do horizonte. - O vento se queixa também.

Benteen voltou a galope para verificar o que estava atrasando as carroças. O cavalo parou a alguns metros das mulheres e dançou de lado sobre as patas.

- Qual é o problema? - O olhar envolveu as três mulheres.

- Sra. Jenkins, quero lhe apresentar meu marido, Benteen Calder.

- Diplomaticamente, Lorna ignorou a pergunta e fez a apresentação.

- Prazer em conhecê-la, sra. Jenkins. - com uma inclinação, ele levou a mão à pala do chapéu.

O nervosismo do momento tornara a mulher tão emocional que todas suas reações eram exageradas. Nessa hora, foi tomada de culpa e remorso.

- Desculpe. Acho que atrasei sua esposa. Sei que o senhor está querendo armar o acampamento para a noite, e estou atrapalhando.

- Foi bom que tivesse nos chamado - disse Lorna. - Deu-nos oportunidade de agradecer pela oportunidade de acampar aqui.

- Vocês... ? - Começou a pergunta dirigindo-se a Lorna, mas depois virou-se ansiosa para Benteen: - O senhor e sua esposa poderiam nos fazer a gentileza de vir jantar conosco hoje à noite? - Virando-se para Mary, incluiu-a também. - E você e seu marido, sra. Stanton? Seria tão maravilhoso ter companhia... e alguém com quem conversar à noite. Oh, por favor, aceite.

- Teremos muito prazer em vir - garantiu-lhe Lorna. Sentia quase vontade de chorar ao ver como Emma Jenkins estava sequiosa de companhia.

Mary, mais experiente, percebeu o desgaste que alimentar mais quatro bocas ocasionaria aos suprimentos de uma família da fronteira.

- Não queremos que tenha esse trabalho extra todo por nossa causa protestou mansamente. - Talvez fosse melhor que viéssemos visitá-los depois do jantar.

- Por favor, eu quero que vocês venham - insistiu Emma Jenkins. Nós temos um galo velho e perverso que bica minha filha toda vez que ela sai de casa. Há muito tempo que ele está pedindo para ter o pescoço torcido.

- Se a senhora tem certeza que... -disse Mary, aceitando relutante.

- Tenho. - A mulher ficou novamente alegre.

As grossas paredes da casa de taipa mantinham frio o interior, mesmo nos dias mais quentes. Ainda assim, o ar era úmido e bolorento, como numa caverna. Alguns velhos jornais pregados nas paredes acrescentavam um pouco de vida aos cómodos. Um tapete puído cobria o chão de terra, e uma colcha de retalhos multicolorida escondia o colchão de palha em cima de uma cama de madeira, num canto. Tecido de musselina fora pregado com tachas às janelas, servindo de cortinas, e uma grande mala de viagem era nesse momento uma caminha de criança. Uma segunda mala servia de mesa rústica, com duas cadeiras. Como assentos adicionais, caixotes de madeira.

A despeito dos pequenos toques dados com a intenção de transformar aquilo em um lar, o lugar pareceu tristonho a Lorna. A marca de água no tapete indicava vazamento no telhado. E a toalha emendada de tecido riscadinho brilhante parecia-se demais com partes da saia de um vestido usado. Mas a mesa foi posta com uma bela louça azul, uma estranha exibição de luxo em um ambiente tão rústico.

Emma Jenkins usava seu melhor vestido, um azul-escuro simples, costurado mais com vistas à utilidade do que à aparência, e o cabelo castanhoclaro fora bem penteado para trás desta vez e preso em um coque bem-feito. A filha de cabelos claros continuava a esconder-se atrás dela, chupando nervosa o polegar e olhando apreensiva para aqueles quatro estranhos na casa.

- Será que você não pode dizer alo às nossas visitas, Elizabeth? Emma fez um esforço para convencer a filha de dois anos a despregar-se de suas saias, mas a pequena Elizabeth reagiu escondendo ainda mais o rosto. - Desculpe- disse. - Ela é muito tímida. Não vê nunca ninguém de quem possa se lembrar, exceto Alfred e eu.

- Crianças dessa idade ficam naturalmente acanhadas com estranhos

- garantiu-lhe Mary.

- Sua louça é muito bonita - elogiou Lorna.

- Obrigada. - Emma ficou radiante. - Nós a trouxemos por este caminho todo, desde Ohío. E só quebrou um prato na viagem.

- E a patroa chorou durante uma semana, também - acrescentou Alfred Jenkins. Ele, também, mostrava sinais de animação com a visita.

Alfred insistiu em que Mary e Lorna se sentassem nas duas cadeiras, ficando Ely e Benteen com os caixotes. Alfred e Emma espremeram se no baú de viagem, a pequena Elizabeth no colo da mãe. Além do galo, havia batatas, pão de milho e canjica. Antes de comerem, Alfred inclinou a cabeça e deu graças:

- Querido Deus, Tu levaste nossa colheita, mas também nos deste combustível para o inverno e trouxeste estas boas pessoas à nossa mesa. Por isso Te agradecemos. Amém.

As palavras simples tornaram Lorna muito humilde. A ansiedade daquela gente em compartilhar o pouco que tinham levou-a a olhar-se com redobrada atenção. Notou as pequenas porções que eles tiravam das travessas para que houvesse o bastante para todos.

Claro que Emma Jenkins estava agitada e ocupada demais fazendo perguntas para ter tempo de comer muito. Alfred parecia igualmente interessado em saber o que estava acontecendo no mundo. Eram tantas as conversas simultâneas - homem com homem e mulher com mulher - que era de espantar como conseguiam se entender.

Após a refeição, os homens saíram para fumar um pouco. Emma ficou horrorizada quando Lorna e Mary se ofereceram para ajudá-la com os pratos. Elas eram visitas. De modo algum podia permitir que ajudassem. com todo o cuidado, empilhou a louça numa bacia e disse que a lavaria mais tarde.

Já era noite fechada quando Benteen voltou à casa de taipa e disse que chegara a hora de voltarem ao acampamento. Emotivamente, Emma abraçou-os e agradeceu-lhes a visita. Afastando-se com Benteen, Lorna lançou um olhar por cima do ombro. A mulher estava à porta, exatamente como a vira pela primeira vez. Acenou, como fizera antes.

Desta vez foi Alfred Jenkins que veio apressado atrás deles. Esperaram que ele se emparelhasse. Ao chegar, falou muito baixo:

- Eu só queria agradecer a vocês pelo que fizeram pela patroa, vindo aqui hoje à noite. - Ele falava em frases completas, o que parecia demonstrar como se achava realmente comovido. - Ela não sorri há muito tempo. Vocês a ajudaram. Obrigado. Era só isso o que eu queria dizer.

Pareceu embaraçado pelo muito que dissera e virou-se rapidamente para voltar ao encontro da mulher, que o esperava à porta da casa.

- Não haverá alguma coisa que possamos fazer por eles, Benteen?

- perguntou baixinho Lorna. - Algo mais do que simplesmente deixar um bocado de estrume de gado?

Benteen levou muito tempo para responder.

- Amanhã pela manhã, vamos ver o que poderemos fazer.

Ao chegarem ao acampamento, Lorna retirou-se para a carroça. Além de terem todos falado demais, havia um número muito grande de coisas em que queria pensar, principalmente a determinação de que aquela terra não ia fazer com ela o que fizera, física e mentalmente, com Emma.

Dormiu sozinha. Desde a partida de Dodge City, Benteen vinha estender no chão seu colchão de enrolar, juntamente com os outros vaqueiros. A mudança nos hábitos de dormir dele não passara despercebida, mas ninguem especulava sobre as possíveis razões daquilo.

Ao acordar na manhã seguinte, o primeiro olhar de Lorna foi para a cor telhaH terra- A tonalidade escarlate-alaranjada do amanhecer. Com uma espécie de desafio, ergueu a vista para a solitária grandeza da planície, e em seguida dirigiu-se em passos vivos para a carroça da cozinha a fim de tomar a refeição matinal.

- O que é que há com o garoto? - perguntou Shorty Niles a Rusty no momento em que ela se aproximou.

Os dois homens lançaram rápidos olhares a Joe Dollarhide, sentado a alguma distância, sozinho, em triste silêncio. Em geral, ele sempre repetia, mas o alimento no prato, equilibrado sobre o joelho, não fora tocado.

- Não tenho a mínima ideia. - Rusty encolheu os ombros, mas a seriedade de sua boca mostrava preocupação. - Na noite passada, disse a ele que podia moer o café, e ele não quis.

Nunca havia falta de voluntários para moer o café, uma vez que a Arbuckle Coffee Company punha sempre um bastão de menta em todos seus sacos de meio quilo. Todos os vaqueiros gostavam de doces, e quem moía o café ficava com a bala. Havia evidentemente algum problema, se Joe Dollarhide recusara sua oportunidade.

- bom dia.

Lorna virou-se e viu Benteen, que se aproximara por trás, uma caneca de café na mão. Durante um embaraçado momento, ela não conseguiu enfrentar o sombrio exame dos olhos dele. Mas ele baixou a vista para tomar um gole, e o brilho desapareceu.

- Como vai você esta manhã? - perguntou ela.

- Tão bem quanto se pode esperar, nas circunstâncias. - A voz dele era seca, e não havia condenação nem queixa. Lorna sentiu o relâmpago de tensão sexual e entendeu exatamente o que ele queria dizer com aquilo. Mas ele não esperava resposta, porque voltou a falar, desta vez dirigindo-se a Shorty. - Quando você acabar de comer, quero que vá até o rebanho. Spanish me disse que duas vacas tiveram cria durante a noite. Dê os bezerros para os Jenkins.

- Certo.

Shorty inclinou a cabeça e pegou seu prato, indo sentar-se um pouco mais distante, no chão.

- A vaca leiteira dele deve ter o suficiente para amamentar dois bezerros - disse Benteen a Lorna. - A família Jenkins terá um boi para carnear neste inverno.

- Comida, além de combustível - disse ela, e sorriu. - Obrigada.

- Não me agradeça. Agradeça às vacas.

- Sr. Calder?

Joe Dollarhide pusera o prato no chão quando vira Benteen aproximar- se da carroça da cozinha. Nesse momento, em que tinha a atenção de Benteen, levantou-se e esfregou as mãos nas coxas num gesto nervoso. Aproximou-se meio hesitante.

- O que é, Dollarhide? - Benteen pensava que sabia. Na noite anterior, vira o rapaz olhando com uma espécie de saudade para as janelas iluminadas.

- Eu estava só pensando... aquele roceiro deixou nosso rebanho pastar nas terras dele; talvez a gente devesse fazer alguma coisa em troca. Um favor por outro - sugeriu, desajeitado.

No que você está pensando? - perguntou Benteen, sem dizer ao garoto o que já fizera.

Eu... pensei... que esta manhã podia fazer alguns trabalhos para ele... ordenhar a vaca e cortar lenha. - Havia uma expressão ansiosa na fisionomia do rapaz.

- Você pensou, hein? - Benteen tomou um gole de café, examinando pela borda o garoto desengonçado. - Talvez seja melhor você resolver se quer ser vaqueiro ou roceiro. Até hoje nunca conheci um vaqueiro que se tenha oferecido para rachar lenha ou ordenhar vacas.

- Eu quero ser vaqueiro.

Joe Dollarhide esticou-se todo, preocupado com a possibilidade de que Benteen pudesse ter pensado que a proximidade de uma fazenda o houvesse feito sentir um pouco de saudade da propriedade do pai.

- Como é que você não está praticando com seu laço? - perguntou tranquilamente Benteen. Joe costumava treinar o dia inteiro com o laço, tentando tornar-se eficiente naquela ferramenta essencial do vaqueiro.

- Eu agarro praticamente tudo com meu laço... cabeça ou pata declarou Joe. - Pergunte a Yates. Tenho praticado sempre.

- Neste caso, vamos precisar de um tropeiro extra na retaguarda esta manhã. Há umas duas vacas que não vão gostar da ideia de deixarmos seus bezerros para o roceiro. Você acha que poderia dar conta desse trabalho?

- O senhor me dá o trabalho, e eu mostro o que posso fazer.

A saudade dele começava a desaparecer nesse momento em que tinha, finalmente, a oportunidade de ser algo mais do que simples ajudante do encarregado da caravana.

- Então é melhor pensar em comer seu desjejum e selar um cavalo

- observou Benteen. - Todo mundo aqui já está quase pronto para montar.

- Sim, senhor.

com um largo sorriso, Joe Dollarhide foi pegar seu prato e devorar o desjejum frio.

Benteen bebeu o resto da xícara quase vazia e entregou-a a Rusty. Por um momento, seu olhar pousou em Lorna.

- Vou até o rebanho. Vejo você ao meio-dia.

Enquanto ele se dirigia aos cavalos selados na linha de espera, Lorna examinava-o com confuso interesse.

- Rusty, como é que ele soube que Joe estava saudoso de casa?

- Instinto, acho. - O cozinheiro, também, lançou um olhar pensativo a Benteen. - Alguns homens conhecem gado, mas droga nenhuma sobre como dirigir os homens que cuidam do gado. Dirigir gente é uma coisa que Benteen realmente sabe fazer. - Lançou um olhar de soslaio a Lorna.

Agora, quanto à mulher, é outra coisa. É uma raça diferente. Não é tão fácil dirigir vocês.

- Talvez nós não queiramos ser "dirigidas" - sugeriu Lorna.

- Pode ser. Por falar nisto, há um belo trecho de flores silvestres numa pequena ravina que fica por trás desta carroça.

- Ora, muito obrigada, sr. Rusty.

Desde aquela primeira ocasião, ele sempre se referia aos passeios dela para atender aos chamados da natureza com uma pergunta sobre as flores silvestres que vira pelo caminho. Aquilo se tornara uma piada particular entre os dois. Quem imaginaria que ela pudesse rir com um homem sobre funções corporais?

Quando Shorty Niles e Joe Dollarhide foram até a casinhola da fazenda com os dois bezerros recém-nascidos atravessados nas selas, Lorna observou-os do acampamento. Sorriu quando ouviu Alfred Jenkins virar-se e chamar a esposa. A voz dele chegou até o acampamento:

- Emma! Emma! Venha até aqui, depressa!

Lorna tinha certeza de que as preces do casal naquela noite incluiriam uma menção àquele presente caído dos céus. E sentiu-se bem por isso.

As temperaturas escaldantes do início de julho não deram sinais de trégua mesmo depois de três dias do recomeço da viagem pela pradaria destituída de árvores. Spanish era o único que parecia não importar-se com a viagem quente e suada, e brincava com os outros vaqueiros, dizendo que seu sangue estava simplesmente ficando morno. Durante as três noites seguintes, raios provocados pelo calor riscaram os céus. E deixaram o rebanho nervoso.

Benteen dormia com sono leve, estirado no chão perto da carroça. Uma voz baixa acordou-o para seu turno na vigília. Era uma lei, não escrita, que não se acordava um homem tocando-o ou sacudindo-o. A probabilidade era igual à de olhar para a boca de uma arma.

Empurrando para trás o chapéu que lhe cobria o rosto, Benteen viu a silhueta de Shorty. A fogueira do acampamento apagara, mas um céu nublado iluminava o mundo de sombras com relâmpagos ocasionais. Levantou-se rapidamente.

- Não está nada bom lá fora - murmurou Shorty. - É melhor guardar seu metal.

Em tempestades, os vigias noturnos tinham mais medo de raios do que de um estouro de boiada. Na planície descampada, eram alvos inermes dos raios em ziguezague que traziam o fogo dos céus. Prevalecia a superstição de que era o metal que atraía os raios para os cavaleiros, de modo que, em noites de tempestades, o vaqueiro desvencilhava-se da faca e esporas, e, alguns, de suas armas de fogo.

- Acorde Spanish. Diga a ele que vai ter um turno extra - ordenou Benteen. - Dollarhide é novato demais, se vier uma tempestade por aí.

Shorty assentiu com a cabeça, enquanto Benteen se dirigia para seu cavalo, um grulla que chamava de Camundongo, amarrado à lança da carroça, selado e pronto.

- Tomara que você conheça alguns hinos religiosos.

Quando os três cavaleiros dirigiram-se para o rebanho e se dividiram para começar a descrever círculos, alguns bois se levantaram em silencioso reconhecimento da mudança de guarda. Minutos depois, voltaram a se deitar.

O rebanho estava tranquilo, tranquilo demais. Por umas duas vezes, Benteen parou o baio cinzento-azulado apenas para escutar. O ar quente estava sufocante, cheio de tensão. Relâmpagos iluminavam o gado, confirmando que todos os animais estavam deitados, mas ouviu distintamente o ribombo do trovão distante. E estava aproximando-se.

Quando passou pelo garoto, que vinha em sentido contrário, dando a volta em torno do rebanho, notou que Dollarhide cantava baixinho uma velha canção de amor. Um pouco mais adiante, encontrou Spanish. O mexicano puxou as rédeas, e o cavalo de Benteen parou também.

- O Capitão está acordado. - Spanish deu a informação de que o garrote líder estava de pé. - Ele também não gosta desta noite.

- Quem gosta? - murmurou Benteen, e picou o cavalo.

O rosilho não era de se assustar à toa e fora, até então, um seguro e confiável líder do rebanho. Quando o viu, o animal tinha o focinho levantado, sondando o ar, não gostando mais do que Benteen do que havia lá fora. Tentou acalmar o rebanho com o The Texas Lullaby, uma balada constituída não tanto de palavras, mas de sons tranquilizantes. Outro garrote levantou-se e ficou imóvel, expectante. Logo depois, eram outros dois ou três que se levantavam, até que toda a boiada ficou de pé.

O céu enegrecera, fendido por línguas de fogo. O ar, de tão denso, quase não podia ser inalado. De repente, uma luz brilhante apareceu no alto de todos os chifres. Era um espetáculo sobrenatural, que Benteen vira uma única vez em toda sua vida - aquela luz fosforescente que o folclore designa por tantos nomes. Conhecia-o como fogo-de-santelmo.

Nos momentos de escuridão, nada havia para se ver, a não ser a iluminação estranha, apavorante, de mais de quatro mil chifres. Spanish cantava mais alto de seu lado do rebanho, tentando dizer aos animais que as luzes sobrenaturais não eram nada que se pudesse temer. O rebanho começou a mexer-se, agitado.

Uma grande bola azul de relâmpago desceu rasgando o céu, cegando, momentaneamente, Benteen. Não teve nem tempo de tomar uma respiração antes de o chão tremer com o estrondo poderoso do trovão. As reverberações que se seguiram, porém, foram produzidas pelo estouro da boiada, Que, de um salto, lançou-se em corrida desabalada.

O grulla quase escapou das pernas de Benteen, quando se lançou em Perseguição ao gado. Os céus se abriram, e a chuva caiu pesada, em grande quantidade. Não havia maneira de saber onde se encontravam Spanish e Doliarhide. Ele mesmo não sabia para onde estava indo e não tinha opção senão a de confiar no cavalo e acompanhar a boiada em pânico.

Meio cego pela escuridão e os açoites da chuva, só ocasionalmente tinha vislumbres do rebanho. O brilho sobrenatural parecia pular de uma ponta do chifre para outra, enquanto o calor desprendido pelos corpos enlouquecidos e juntos lhe queimava aquele lado do rosto. Não havia tempo para pensar em perigo, num passo em falso do cavalo. O que tinha a fazer era esporear o cavalo e correr como um louco para chegar até os líderes do rebanho. Um único homem podia virar uma boiada, se soubesse como.

Patas tamborilavam e estalavam, pontas de chifre entrechocavam-se, e o trovão e a tempestade rugiam mais alto que tudo. O pequeno grulla da cor de pele de rato estava tão estirado que seu ventre parecia raspar a grama da pradaria. Estavam apostando corrida com os líderes do estouro, disputando cabeça por cabeça. O mustang sob suas pernas conhecia seu ofício e apertou os líderes a fim de forçá-los a virar.

Logo que eles começaram, o resto da boiada os seguiu. Outros vaqueiros apareceram silhuetados contra o horizonte, correndo com o rebanho. O que começara com um largo círculo apertou-se, concentricamente, em outro menor até que os animais se enovelaram.

O trovão e os raios rolaram para longe na pradaria, mas a chuva continuou, caindo torrencialmente. Até a manhã seguinte, não havia como saber quantos animais haviam-se extraviado. O trabalho dos vaqueiros passou a ser o de contenção, de manter intacto o corpo principal do rebanho.

Os longhorns correram uns doze loucos quilómetros a partir do acampamento. Três vaqueiros estavam desaparecidos - Spanish, Dollarhide e Woolie Willis. Qualquer uma das várias coisas que aconteceram podia têlos afastado do rebanho - um cavalo que caía ou um cavaleiro partindo em perseguição a outro grupo de animais. Ninguém especulava sobre o destino dos três desaparecidos.

A chuva parou antes do amanhecer, as nuvens desfizeram-se, aparecendo as estrelas. Antes da primeira luz, Rusty já estava atrelando as parelhas à carroça da cozinha e dando uma mão a Mary e Lorna com as suas. Logo que as cores suaves da manhã coloriram a terra, partiram em busca do rebanho disperso.

Os longhorns deixaram uma larga trilha de grama pisoteada e terra revolvida. Ao longo da rota, Lorna viu vários tropeiros - procurando gado tresmalhado, pensou. Uns dois pararam, trocaram uma palavra com Rusty e continuaram em seus caminhos.

Jessie e Ely continham o grosso do rebanho, quando chegaram. Rusty escolheu o lugar mais apropriado para o acampamento e para lá guiou suas parelhas. Desatrelando os cavalos, deixou-os arreados e amarrou-os.

- Vocês, moças, querem dar uma ajuda? - gritou para Lorna e Mary. - Aqueles rapazes estão molhados e cansados. Vão querer café e um rango quente logo que puderem.

- Eu acendo o fogo - ofereceu-se Lorna e saltou.

- Há lenha seca e gravetos no depósito - disse Rusty.

O café já estava fervendo quando os primeiros vaqueiros chegaram ao acampamento. Lorna viu vapor subindo dos flancos úmidos dos cavalos. Um deles esporeou a montaria para chegar ao acampamento antes dos outros. Vince Garvey deslizou para fora da sela, cambaleando um pouco de cansaço.

Estão trazendo Woolie. Quebrou a perna - informou ele a Rusty

e arrastou-se para o fogo a fim de servir-se de café.

Lorna captou uma leve expressão de alívio no rosto de Rusty, mas, ainda assim, ele rosnou mal-humorado.

- E o que eu vou usar como talas nesta merda de inferno sem árvores?

- Rapidamente, inclinou a cabeça na direção de Mary e Lorna. - com o perdão das moças.

- Isso é problema seu, serra-osso. - Vince emborcou o café. Arrancar pedaços da carroça, acho. - Seu cavalo continuava no mesmo lugar onde ele deixara, a cabeça pendida. - O que espero mesmo é que Yates tenha conseguido reunir os cavalos de muda - observou. - Esses cavalos aí estão para cair de cansaço.

- O que foi que aconteceu com Spanish e Dollarhide? - perguntou Rusty.

Houve uma longa pausa, enquanto Vince se servia de outra dose de café.

- Eles não vão precisar de sua ajuda.

Por um instante as palavras ficaram no ar. Lorna não soubera que dois vaqueiros estavam desaparecidos, de modo que a significação da resposta de Vince inicialmente não lhe ocorreu, até ver os rostos solenes dos homens que chegavam.

- Eles morreram. - Tinha que dizer isso em voz alta, mesmo que ainda assim não acreditasse. - O que foi que aconteceu?

Vince lançou-lhe um olhar, olhou para Rusty e, em seguida, encolheu os ombros em resposta. Os vaqueiros chegaram e desmontaram, todos menos um. O vaqueiro ferido estava curvado sobre a sela, o rosto mortalmente pálido. Benteen foi um dos que, com todo cuidado, arriou Woolie no chão. O chapéu dele caiu, revelando a abundante cabeleira loura enroscada que lhe dera aquele apelido. Gemeu de dor quando Rusty lhe apalpou a perna esquerda.

Isso deve me candidatar a um pouco de seu remédio para mordida de cobra, Rusty - grunhiu Woolie, num esforço para combater a dor.

O cozinheiro era o guardião da única garrafa de álcool trazida na viagem - para combater picada de cobra.

Quando foi a sua carroça buscá-la, chamou Mary e Lorna com um gesto. Lorna continuava ainda atordoada com a morte do jovem Joe Dolarhide e do mexicano, Spanish Bill.

Eu - Vocês duas, moças, acham que podem segurar Woolie enquanto encano a perna dele? - perguntou em voz baixa. - Ele não vai espernear muito com vocês duas olhando. Vai querer mostrar como é valente.

Lorna olhou em dúvida para Mary.

- Acho que sim.

- Simplesmente encane a perna, Rusty - disse Mary. - Lorna e eu vamos dar um jeito para que ele não lhe crie muito caso.

Rusty desarrolhou a garrafa e encheu uma caneca de flandres. Levou-a até o grupo e entregou-a a Benteen que se encontrava agachado junto ao vaqueiro ferido. Enquanto Rusty voltava à carroça para pegar umas tiras de couro e soltar uma tábua, Benteen ajudou Woolie a sentar-se parcialmente. Woolie bebeu metade, engasgou-se e findou a bebida.

- Deus do céu, Rusty - disse rouco, enquanto Benteen o arriava no chão -, você tem certeza que esse troço não é para matar cobra?

- Talvez seja isso o que o rótulo diz. - Rusty interrompeu-se para quebrar em dois, no joelho, o pedaço de madeira. - Nunca soube ler bem.

- Com um gesto, indicou a Lorna e Mary o vaqueiro deitado. - Cada uma de vocês segure um braço dele.

Quando Lorna se ajoelhou ao seu lado, Benteen afastou-se. Woolie tentou trincar os dentes para suportar a dor e sorrir ao mesmo tempo.

- Olhem para mim, caras - gritou para os vaqueiros, - Tenho uma mulher em cada braço. Aposto que vocês queriam estar no meu lugar.

Lorna nunca vira ninguém sofrer dor física. Foi impossível permanecer indiferente. Estava ficando tensa, com pena do rapaz, quando Rusty pôs as talas de madeira ao lado da perna esquerda de Woolie, segurando entre os dentes as correias de couro.

- Segurem com força - disse entre os dentes e agarrou a bota esquerda.

- vou tentar não dizer palavrão, moças - disse Woolie, tentando mais uma vez sorrir. - Mas espero que perdoem minha linguagem se escapar alguma coisa.

- Perdoaremos - sussurrou Lorna enquanto segurava com força o braço e o ombro do rapaz para mantê-lo nivelado com o chão.

Seu olhar cravou-se no rosto branco do vaqueiro. Não podia obrigarse a olhar para o que Rusty estava fazendo. Gotas de suor brotaram em toda a testa de Woolie e no rosto quando ele cerrou os dentes. Vendo as feições contraídas de dor, Lorna desejou que ele gritasse. O corpo do rapaz sacudiu-se com a violenta puxada de Rusty. Em seguida, soltou um gemido de agonia e amoleceu.

- Desmaiou - disse Rusty. - Podem soltá-lo agora. Sentando-se sobre os calcanhares, Lorna sentiu-se fraca. As mãos de

Benteen fecharam-se em torno de seus ombros e ajudaram-na a se levantar. Virou-se parcialmente para ele, um pouco pálida. O olhar dele percorreu-a sem interesse.

- É melhor ir tomar um pouco de café - aconselhou. Voltando-se para ver se Mary viria também, viu a amiga ajudando

Rusty a amarrar as talas para manter o osso da perna na posição correta. Lorna sentiu-se impotente. Pensara que aprendera a enfrentar tudo que o destino lhe podia lançar, mas nunca tivera que lidar com ferimentos.

Dirigiu-se vagarosa até a fogueira, não querendo realmente café, mas servindo-se de qualquer maneira. Segurando a caneca com ambas as mãos, voltou até a beira do fogo, longe do grupo silencioso de vaqueiros. Não era sua intenção xeretar a conversa, mas quando eles começaram a conversar tranquilamente entre si, não pôde deixar de ouvir.

- Aposto que Spanish nunca soube o que foi que o atingiu - murmurou Bob Vernon.

- Dizem que o cabelo se arrepia na nuca pouco antes de o raio pegar a pessoa - sugeriu Vince Garvey, e Lorna sentiu o sangue gelar. Spanish fora morto por um raio.

- Bem, pelo menos houve um consolo - murmurou Shorty. - Spanish odiava o frio. Não gosto da ideia de ser fritado, mas essa pode ter sido a maneira que ele escolheria.

- Eu gostaria mesmo era de ter encontrado alguma coisa do garoto para enterrar. - Zeke Taylor sacudiu a cabeça. - Isso não parece justo.

- O gado fez o enterro, quando pisou nele no chão. - Shorty emborcou o café como se fosse um gole de álcool.

Lorna sentiu vontade de vomitar. Virou-se e foi cambaleando até a carroça, onde se agarrou a um lado, apoiando-se fracamente. Cobriu a boca com a mão. Não tinha certeza se estava tentando conter a náusea crescente ou sufocar os soluços que lhe subiam à garganta. Continuava a lembrar-se da vez em que Joe Dollarhide lhe falara da fazenda de criação que queria ter algum dia e como quisera ser um vaqueiro de verdade. Fora apenas um jovem roceiro longe de casa. E não haveria nenhuma sepultura para marcar o lugar onde ele estava.

- Lorna. - Era Benteen. Ela engoliu em seco.

- Eu estava... apenas pensando em Joe... e em como ele queria ser vaqueiro.

- Beba seu café.

Não se apercebia da caneca na mão até que ele a levou à sua boca e obrigou-a a beber. O café forte e amargo endureceu-a. Olhou para aquele rosto impassível.

- Ele era tão moço, Benteen - murmurou. - A morte dele significa alguma coisa para você? Ou a de Spanish?

- Você não é a única que tem de dizer adeus a amigos, Lorna - respondeu ele, a voz tão inexpressiva como o rosto. - Acho que os meus foram mais finais do que os seus.

Quando ele se virou e se afastou, ela sentiu pena e culpa. Ele não podia mostrar dor, porque isso não fazia parte de seu código. Mas estava ali, compreendeu. Por que não a vira por trás daquela expressão fechada? O desjejum estava sendo servido quando Yates, o encarregado da cavalhada, trouxe para perto do acampamento mais da metade dos cavalos de muda - com cavalos descansados para montar, não havia mais razão para prolongar a refeição. Era hora de dar aos cavalos cansados oportunidade de descansar. Mais de quinhentas cabeças de longhorns haviam sido dispersadas no estouro. Tinham que ser reunidas e trazidas de volta ao corpo principal do rebanho. Não havia tempo para repousar ou chorar os mortos.

A refeição do meio-dia foi improvisada, mantendo-se quente uma panela de feijão e um bule de café para qualquer vaqueiro que aparecesse. Geralmente, um deles chegava, comia vorazmente o feijão, rebatia-o com café, selava um cavalo descansado e ia embora em menos de quinze minutos.

- Parece que o sr. Willis acordou - notou Lorna ao ver o vaqueiro ferido mexer-se à sombra da carroça dos Stantons e tentar sentar-se. - vou levar um pouco de comida para ele.

Depois que Woolie desmaiara, levaram-no para a sombra, ficou deitado em seu colchão e dormiu a manhã toda, até começos da tarde. Manteve-se naquele estado por uma combinação de choque, exaustão e álcool.

Mary acrescentou alguns biscoitos ao prato de feijão que Lorna preparou. Lorna levou o prato e a caneca de café à carroça. Woolie conseguiu sentar-se, usando a roda da carroça como apoio, mas o esforço fê-lo suar novamente, com a dor latejante da perna ferida. Havia ainda alguma palidez em seu rosto moreno, e ele respirava em pequenos arquejos.

- Pensei que você podia estar com fome. - Lorna inclinou-se para lhe entregar a comida e o café.

- Obrigado. - Aceitou o prato, mas não fez tentativa alguma de comer. Virou a cabeça para olhar o rebanho.. - Como é que está indo o pessoal? Aposto que aqueles bichos se espalharam por todo o inferno e desapareceram.

- Esta manhã já trouxeram vários grupos - tranquilizou-o Lorna. Apesar dos olhos vítreos, o queixo exibia uma linha firme quando ele voltou a fitar Lorna.

- A senhora podia me ajudar a montar no meu cavalo? Eles vão precisar de ajuda.

- Você não está em condições de montar, com essa perna quebrada.

- Ponha-me numa sela e eu fico nela - insistiu. - Eles estão com falta de gente e vão precisar de todos os vaqueiros.

Com a perda de Spanish e Dollarhide, sobravam seis vaqueiros em condições, não contando Benteen. Dois deles tinham que ficar com o grosso do rebanho, o que só deixava quatro para procurar as reses desaparecidas.

Você não pode campear na pradaria - disse Lorna, franzindo as sobrancelhas.

Talvez não - reconheceu Woolie, fazendo uma careta de dor quando tentou mudar de posição. - Mas, com certeza, posso levar um cavalo a passo em volta daquela boiada e livrar Jess ou Ely para irem procurar o gado. Não preciso de duas pernas boas para fazer isso.

Ela fitou-o, achando que havia certa lógica no que dizia. O primeiro pensamento dele ao acordar fora para o rebanho, e não para seus ferimentos ou a fome. Em primeiro lugar e acima de tudo - exatamente como Benteen. O rebanho representava o sustento futuro deles. Lembrou-se da maneira como sua mãe trabalhara no armazém para ajudar nos dias de muito movimento, enquanto ela reclamava do tempo que o pai passava no trabalho e não levantava a mão para ajudá-lo.

- Sra. Calder, eu simplesmente não posso ficar sentado aqui enquanto eles precisam de mim - argumentou Woolie.

- Você vai ficar sentado aí até acabar de comer. - Até ela mesma ficara espantada com a nota de autoridade em sua voz. - Vai precisar de toda força que puder reunir.

- Sim, madame - disse ele e, obedientemente, pegou o garfo. Levantando-se, Lorna virou-se e voltou à carroça de cozinha. Abriu

o depósito lateral, onde estavam guardados os colchões de enrolar.

- Rusty, qual desses colchões pertencia a Joe Dollarhide?

Rusty aproximou-se, uma carranca de curiosidade contraindo-lhe as feições.

- Por que a senhora quer saber isso? Eu vou dar um jeito para que as coisas dele sejam devolvidas aos parentes.

- Apenas me diga qual é. - Manteve na voz o tom de autoridade, não querendo explicar seu plano.

Exatamente como fizera Woolie Willis, Rusty obedeceu.

- Esse aí.

Puxou um colchão de enrolar que não parecia diferente dos outros.

- Obrigada. - Lorna deu-lhe as costas antes que ele pudesse fazer mais perguntas. Dirigindo-se para sua carroça, gritou para Mary: - Pode me ajudar um minuto?

Já estava dentro da carroça, desamarrando o rolo, quando Mary subiu Pela traseira.

- O que é?

Desenrolando o encerado, Lorna não perdeu tempo em responder, enquanto examinava o conteúdo.

Vou montar escanchada e preciso de roupas. Estas saias e anáguas vão esPantar o gado e haverá outro estouro. Joe Dollarhide tinha mais ou menos a mesma altura que eu. Pensei que as calças dele podiam dar em mim. Sentando-se no canto de um baú, Mary perguntou estarrecida:

- Do que você está falando?

Benteen está com falta de pessoal agora. Precisa de vaqueiros para encontrar o gado desaparecido. - Separou uma camisa limpa e calças compridas e ergueu-as para examiná-las com olho crítico. - O sr. Willis acaba de dizer que qualquer pessoa pode andar com um cavalo a passo em volta de um rebanho. De modo que é isso o que vou fazer, e, com isso, o sr. Trumbo pode ir procurar os bois. - Virou-se para Mary e pôs as calças à altura da cintura. - O que acha?

- Lorna, uma mulher de calças compridas! ? - Mary estava convencida de que ela enlouquecera.

- Ficarão compridas demais, mas poderemos enrolá-las para cima. Tendo decidido, começou a tirar as roupas. As calças ficavam um

pouco justas nos quadris, e as costuras dos ombros da camisa caíam pelos braços. Rolou para cima as calças até aparecerem os dedões do pé. Sentiu-se muito estranha naquelas roupas, como se não estivesse realmente vestida.

- Bem? - perguntou, olhando para Mary.

- Lorna, essas calças mostram tudo. São escandalosas!

- Neste caso, não vou botar a camisa para dentro.

Lorna tentou fingir que não se sentia embaraçada, que tudo aquilo era natural e certo.

- Você vai mesmo levar isso adiante, não vai?

- Vou.

- O que vai usar como sela?

- A sela de Jonesy está nos fundos da carroça da cozinha. - Já pensara nisso. - vou usá-la. - Pegou o chapéu e amarrou-o à cabeça.

Mary soltou uma gargalhada, incapaz de se conter.

- Você parece uma maluca com essas calças compridas e esse chapéu.

Lorna sorriu e depois gargalhou também. Ambas sabiam que a alternativa ao chapéu feminino era não usar nada, o que significava expor-se ao feroz sol do Kansas. O que não era uma alternativa.

Ao saltar da carroça sem ser incomodada pelas saias, descobriu uma liberdade de movimentos que nunca conhecera. A fim de disfarçar o nervosismo, dirigiu-se em passos rápidos à carroça da cozinha e tentou fingir que nada havia de estranho na maneira como estava vestida. Mas notou a expressão chocada e incrédula no rosto de Rusty. Essa foi uma das raras ocasiões em que o viu incapaz de articular palavra.

- Você podia pegar meu cavalo para mim, Rusty? - perguntou em voz animada. - vou substituir o sr. Trumbo no trabalho do rebanho para que ele possa procurar as reses que desapareceram.

O cozinheiro conseguiu inclinar a cabeça e pegou uma corda na frente da carroça: Durante todo o tempo em que se dirigiu ao local da cavalhada, um curral feito de cordas, continuou a olhar para Lorna por cima do ombro, como se achasse que os olhos estavam lhe pregando uma peça.

A reação de Jessie Trumbo foi idêntica quando ela chegou ao rebanho e disse que vinha substituí-lo. O vaqueiro ficou pasmo ao ver uma mulher usando calças compridas e sentada escanchada num cavalo. Continuou a virar-se na sela para fitá-la enquanto se afastava. Lorna descobrira que não era preciso macete algum para montar escanchada. Continuava a ser uma questão de força nas pernas e de equilíbrio.

Em fins da tarde, Benteen aproximou-se do grosso do rebanho, tocando as 50 cabeças que conseguira encontrar. O gado trotou rápido quando enxergou os companheiros. Benteen freou o cavalo para deixar que o grupo se infiltrasse no rebanho por iniciativa própria.

Com uma inclinação de cabeça para Ely, começou a virar o cavalo na direção do acampamento e de uma caneca de café, antes de sair novamente para outra batida enquanto havia ainda luz. Pelo canto do olho, viu um estranho espetáculo. Parecia um homem usando chapéu de mulher. Não podia ser - mas era.

O cavaleiro era esbelto demais para ser um homem - talvez fosse um rapazola. Tampouco o reconheceu pela maneira como montava o cavalo. Depois, notou que era o cavalo de Lorna. Esporeou o seu a fim de interceptar o esguio cavaleiro que nesse momento fazia um lento círculo em volta do rebanho. Parou o cavalo diretamente em frente a ela. Lorna deteve também sua montaria.

Benteen passou os olhos pela camisa, colada à pele pelo suor, e pelas calças, bem justas em torno das coxas. Indignação ferveu dentro dele, mas o atordoamento era grande demais para que tivesse força.

- O que você está fazendo aqui... nessa coisa? - perguntou, franzindo as sobrancelhas.

- Estou no lugar do sr. Trumbo para que ele possa ir procurar as reses que fugiram. - Fez um esforço para se mostrar muito calma. - Eu sabia que você estava com falta de gente, com o sr. Willis ferido e tudo mais, de modo que pensei em ajudar. Esses bois são tão importantes para meu futuro como para o seu.

Lorna pensara um bocado nisso, enquanto cavalgara em torno do rebanho.

Durante um longo tempo, Benteen não disse nada. Somente em um ponto podia divergir do raciocínio da esposa: o flagrante desafio das convenções usando calças compridas. Ainda assim, compreendia a praticidade, a necessidade dessas roupas para aquele trabalho.

Quando estiver no acampamento, use um vestido. Não quero você

circulando em frente dos homens dessa maneira. Mostra demais o seu corpo.

Farei isso- prometeu Lorna, e tentou manter a nota de triunfo longe da voz.

Mas ficou séria com a súbita tensão que surgiu na expressão dele. Involuntariamente, descera a vista pelo seu corpo. Mas atraiu o desejo que ela sabia que ele sentia. Com aparente calma, ele virou o cavalo e se afastou.

Deitada sozinha na cama naquela noite, embora o corpo estivesse cansado, a mente estava inquieta. Benteen dormia no chão ao lado da carroça. Queria saber se ele se sentia tão solitário quanto ela. Lembrou-se como fora bom enroscar-se naquele corpo quente, tão agradavelmente sólido.

Havia tantas coisas nele que ela não entendera antes. Talvez fosse inexperiente demais sobre as coisas da vida para compreendê-las. Ele não fora criado de forma tão delicada como ela. Quando era atacado, reagia. Não fazia ameaças ociosas, como ela fizera.

Passou a mão pelo seio e lembrou-se da maneira como a mão dele se apossava daquela parte de seu corpo e brincava com o bico até deixá-lo duro e redondo entre os dedos. Aos poucos, deixou de ser tímida com ele e gostava das coisas que ele a fazia sentir. Talvez a má recordação estivesse desaparecendo. Talvez ele pudesse fazê-la sentir novamente aquelas coisas.

Suspirando, rolou para o lado e procurou fechar os olhos. Sentiu uma pequena irritação porque Benteen lhe deixara a decisão de fazer o primeiro movimento sobre a ocasião em que, novamente, seriam marido e mulher. Ainda assim, se ele tivesse tentado forçar a situação, teria se enfurecido. Estava tudo muito confuso.

Depois de dois dias vendo-a usando calças compridas e montando escanchada, os vaqueiros se acostumaram ao espetáculo, e Lorna deixou de ser uma raridade. Havia um pouco mais no trabalho do que Woolie Willis a levara a acreditar, mas Lorna descobriu que podia dar conta do recado. E também estava muito orgulhosa de si mesma.

Foram precisos dois dias para reunir o gado disperso. Dez cabeças jamais foram encontradas. Na terceira manhã, retornaram à trilha. Benteen designou Lorna para ocupar um dos flancos, enquanto Woolie Willis dirigia a carroça. Ele andava capengando num par de muletas que Rusty lhe improvisara. O trabalho era duro, sujo, e punha à prova a resistência de Lorna.

Dez dias depois chegaram a Ogallala, Nebraska, à margem do rio North Platte. Pararam ao sul da cidade por um dia, enquanto Benteen ia ver se contratava mais dois homens. Lorna aproveitou a folga para lavar roupa.

Depois de reunir todas suas coisas, passou uma revista no colchão de enrolar do marido e pegou as roupas sujas. Uma lustrosa moeda de latão rolou para a colcha. Não parecia dinheiro. Apanhou-a e examinou-a cheia de curiosidade.

Num dos lados estava gravado um retrato de mulher. A inscrição no outro lado dizia: "Cumprimentos da srta. Belle, Dodge City! Aquilo era obviamente algum tipo de moeda que ela não conhecia. E quem era a srta. Belle?

A curiosidade dominou-a. Deixando as roupas na carroça, saltou para o chão. Três dos vaqueiros foram à cidade com Benteen, e os outros montavam guarda ao rebanho. Woolie Willis estava no rio, tentando fisgar um peixe. Não viu sinal de Mary, mas Rusty estava trabalhando na carroça, Uma vez que ele andara por praticamente todo o mundo como cozinheiro de navio, talvez soubesse que moeda era aquela. Resolveu perguntar:

- Rusty, você já viu uma moeda como esta?

Ele lançou um rápido olhar à moeda e ficou subitamente sério, olhando para ela.

- Onde arranjou isso?

- Simplesmente achei. - Mas não disse que a moeda caíra das roupas de cama de Benteen. Se Rusty pensasse que a encontrara no chão, seria melhor.

- Um dos rapazes deve tê-la deixado cair - concluiu ele.

- O que é? - Lorna repetiu a pergunta - É dinheiro?

- É um dólar simbólico - respondeu ele, e tentou parecer muito ocupado.

- Você quer dizer que vale realmente um dólar? - Lorna examinou novamente a moeda.

- Há lugares que a aceitam como moeda legal. Mas eu não a levaria a banco nenhum - retrucou Rusty, fugindo à pergunta.

- Quem é essa mulher... a srta. Belle? É a efígie dela que está no outro lado? - perguntou.

- Provavelmente, é... - disse ele, inclinando relutante a cabeça. As peças começaram a se ajustar na cabeça de Lorna. Um dólar simbólico. Bom em alguns lugares indecentes. Uma efígie de mulher.

- É alguma espécie de anúncio?

- É... acho que pode dizer que é isso - concordou Rusty.

- O que é que essa moça está anunciando? - Uma fria raiva começava a gelar sua expressão. - A moeda não diz qual é o negócio dela.

Rusty começou a ficar vermelho. A cor se insinuando sob a barba branca.

- Bem, eu não sei direito - gaguejou.

- Você acha que ela pode ser uma "dama da noite"? - disse, desafiando Rusty a negar o que já adivinhara.

- Se você já sabe, por que me pergunta? - grunhiu ele, irritado. De qualquer modo, não devia estar me fazendo esse tipo de pergunta. São essas calças compridas que você está usando. Estão fazendo com que esqueça o que é direito.

- Sou uma mulher casada. Eu sei que há mulheres assim. Seria tolo fingir que elas não existem.

- Acho que sim. Mas não há excesso de mulheres aqui no Oeste, e às vezes um homem se cansa de dormir sozinho.

Desta vez, foi ele quem a desafiou.

Ela ficou com o rosto em brasa ante a insinuação de que Benteen Poderia cansar-se de dormir sozinho. Girando sobre os calcanhares, voltou Apressada para a carroça. A moeda de latão parecia queimar-lhe a mão. Deixou-a cair no colchão e sentou-se, olhando-a fixamente.

Dodge City. Ele quis fazer amor com ela no hotel quando voltou ao Quarto. Ela não conseguiu reagir de modo satisfatório. Em ambas as noites naquela cidade, ele ficou fora até tarde da noite. Deve ter sido numa dessas noites que arranjou a moeda.

Um ciúme violento assaltou-a quando concluiu que Benteen fora para a cama com uma prostituta. Ele lhe fora infiel, e ela ia matá-lo por isso. As mãos tremendo de raiva, tirou o revólver da valise. Ele se arrependeria do dia em que lhe ensinara a atirar.

Enquanto examinava a arma para ver se estava carregada, outro incidente se insinuou em sua memória. Escutou apenas a parte que dizia "uma prostituta na cama". Mas havia uma frase correspondente que também lhe chegou: "Uma senhora pelo braço."

Baixou o revólver para o colo. Fora isso o que a prostituta dissera na loja da chapelaria. A ruiva chamada Pearl lhe dissera que, se queria impedir que Benteen andasse com aquele tipo de mulher, tinha que ser mais ardente na cama do que ele.

Nas primeiras semanas do casamento, descobrira que Benteen respondia à paixão que ela tentara antes ocultar. E ela reagira ao ardor dele. Mesmo que tivesse motivos para mantê-lo longe de sua cama, a questão era: por quanto tempo? Se queria que seu casamento desse certo - o que realmente queria -, então certas mudanças tinham que acontecer. Perdoara-o pelo que acontecera. Naquele momento, tinha que esquecer.

A arma voltou à valise, juntamente com o dólar simbólico da feiticeira de Dodge City. Pegou as roupas sujas e deixou a carroça.

Durante todo o dia pensou na decisão que pretendia tomar. No momento em que Benteen voltou da cidade, em fins da tarde, sentia-se muito calma. Mal notou o pacote que ele trazia - e se notou, pensou que eram suprimentos - até que ele o ofereceu a ela, em vez de entregá-lo a Rusty.

- Comprei uma coisa para você - disse Benteen, sem expressão. Tive que adivinhar o tamanho.

A calma desapareceu de Lorna. Não esperara um presente e perdeu de todo o controle. Olhou para o pacote e em seguida para Benteen. Ele interpretou a hesitação como se ela rejeitasse tudo que vinha dele.

- Não sei o que dizer - murmurou ela e pegou o presente. - O que é?

- Abra e veja.

Era um chapéu de vaqueiro, de copa baixa. No início, Lorna só conseguiu mesmo olhar para o presente. Finalmente, ergueu os olhos faiscantes para Benteen.

- Você parecia muito esquisita com aquele chapéu de mulher. Falou de modo carinhoso. - Todo vaqueiro precisa de um chapéu. É melhor ver se dá em você.

Ao experimentá-lo, Lorna descobriu que estava um pouco apertado, mas ficaria satisfeita com isso num dia de vento. Que vontade de ter um espelho ali. Por ora, tinha que confiar na opinião de Benteen.

- Que tal? - perguntou.

- Não combina com o vestido - disse ele.

- Mas eu prometi não usar calças compridas no acampamento.

Mas ele desviou a vista, e ela teve certeza de que dissera a coisa errada. O chapéu fica bem em você.

Obrigada pelo presente - disse Lorna. - Gostei mesmo.

_ Não há de quê. - Dado o presente, ele se afastou.

Ia ser difícil a aproximação, quando ele estava tão resolvido a manter distância. Compreendia o porquê, mas isso não lhe tornava nada mais fácil. Tomara que tivesse coragem de ir até o fim.

A calma anterior não voltou mais. Era sua noite de núpcias chegando novamente. Durante a ceia, os pequenos tremores no estômago persistiram. Enquanto lavava os pratos, viu Benteen dirigir-se à carroça para apanhar sua trouxa de dormir, que ela escondera.

Lavou o último prato e o entregou a Mary para enxugar. Estava secando as mãos na saia quando Benteen voltou. Sua ânsia crescia. Uma parte dela não tinha certeza de coisa alguma. Só com dificuldade encarou a expressão carrancuda e pensativa dele.

- O que foi que você fez com minha trouxa de dormir? - Falou baixo, só para Lorna. - Não consigo encontrá-la.

- Guardei-a. - O pouco caso era forçado. - Você não vai precisar dela.

Teve esperança de que ele aceitasse a sutil insinuação e não esperasse que ela fosse mais explícita. Mas quando se voltou para ir embora, sentiu a mão dele prendendo-a.

- Por que não vou precisar dela, Lorna? - O olhar sombrio examinou-lhe o rosto em busca de resposta.

- Por que precisaria, se vai dormir na carroça? - Na tentativa de sorriso, um ricto nervoso.

- É lá que eu vou dormir?

- É... - disse ela, e suspirou profundamente. - Eu quero que você seja.meu marido.

Sentiu-se atraída para ele. Benteen pensou em abraçá-la e tê-la ali mesmo, o desejo de posse tão esmagador. Mas em seguida o olhar dele virou-se impaciente para o sol, ainda pairando no horizonte. Lorna não conseguiu controlar o riso. Parou bruscamente quando ele a fitou. Ocorreu Um momento de inquietação, enquanto se perguntava se ele ia ser rude e exigente. O olhar perscrutador dele parecia ler seus pensamentos. Eu tornarei o momento belo para você - ele murmurou. A promessa levou um pouco de cor a seu rosto. Desta vez, quando se virou, Benteen deixou-a ir. Lorna foi até a carroça e subiu. Havia muitos preparativos antes que ele chegasse.

Tirou os grampos dos cabelos, desfez o coque e desenrolou-os. Escovou-os em seguida até senti-los brilhantes. Tirou a roupa, ficou em pêlo, e usou um pouco da loção de lady Crawg para tornar-lhe o corpo sedoso ao toque. As sombras da noite chegavam SOrrateiras quando se enfiou sob a colcha a fim de esperar por Benteen.

Não demorou muito, a aba da lona foi levantada, e ele subiu. sem poder ver na escuridão, acompanhou os ruídos dele se despindo. Quando ele levantou a colcha para deitar-se a seu lado, sentiu um tremor percorrer-lhe todo o corpo.

- Espero que esta noite seja tão longa como todas as outras foram - A voz dele foi mais baixa do que um murmúrio.

Era tarde demais para qualquer tipo de arrependimento, pois a boCa de Benteen procurou a sua com uma fome incontrolável. Ela fechou os olhos, enquanto abria a boca para aprofundar o beijo. Não havia mais razão para pensar, uma vez que o instinto assumiu, e suas mãos, compulsivamente, subiram para os musculosos ombros do marido.

Os dedos dele penetravam sob seus cabelos e desciam por sua espinha para aproximá-la mais. Sentiu quando ele se endureceu. A pressão exigente dos lábios diminuiu um pouco no momento em que ele murmurou em voj rouca:

- Meu Deus, você não está usando nada.

- Não. Eu quis que fosse como nossa noite de núpcias... sem nada entre nós.

As mãos dele começaram a percorrer-lhe o corpo, descendo pela coluna para a reentrância suave da cintura e a curva dos quadris. Lorna estremeceu de puro prazer, gemendo baixinho. Benteen aceitou o silencioso convite; abandonou-lhe os lábios para mordiscar a curva esguia do pescoço.

Inevitavelmente, ele continuou a exploração até a rígida elevação dos seios. Enquanto os beijos antes tinham sido famintos e exigentes, nesse momento excitavam e torturavam. A língua dele em seus seios lembrou lhe veludo áspero, traçando pequenas espirais em torno do sensível botão rosado. Enfiou as mãos nos cabelos dele e tentou forçá-lo a acabar aquele delicioso tormento.

O momento prolongou-se interminavelmente, enquanto Lorna se entregava à paixão que ele despertava. As mãos e boca de Benteen estavam criando um caos em seus sentimentos, perturbando-a além do que podia suportar. Baixinho, repetiu-lhe o nome muitas vezes.

Quando ele finalmente reagiu à insistência e ficou sobre ela, Lorna sentiu um segundo de pânico com o peso dele, mas o calor da boca de Benteen garantiu-lhe que nada havia a temer. E a fusão dos dois tornou-se natural e certa, mutuamente desejada e maravilhosamente satisfatória.

Ainda assim, quando acabou e descansava na curva do braço dele, tentando voltar a respirar normalmente mais uma vez, sentiu que alguma coisa não fora como antes. Havia uma parte que Benteen não lhe dera. Ele não tivera sob controle o lado emocional.

- Qual é o problema, Benteen? - murmurou e passou a mão nos pêlos enroscados do peito do marido.

- Nada.

Por algum motivo, sabia que ele estava mentindo.

- Eu não ia deixar você - disse, porque era algo que nunca lhe passara pela cabeça.

- Eu simplesmente quis feri-lo porque você jogou fora as rosas. Foi infantilidade minha.

Você sente como uma mulher. - Ele apertou a maciez do ombro dela como se a confirmar essas palavras.

Eu estou querendo falar sério - sussurrou Lorna.

- Eu não quero conversar sobre isso, Lorna.

- Mas devemos ser honestos - insistiu ela. - Foi você mesmo quem disse isso.

- Você quer ser honesta? - desafiou-a Benteen, e mudou de posição, ficando de lado para olhá-la melhor. - Então me diga por que resolveu esconder minha trouxa de cama?

- Talvez porque eu tivesse medo de perdê-lo para alguma outra mulher - sugeriu ela, procurando ver-lhe a reação.

- Tente de novo, mas, desta vez, com uma história melhor - ele zombou.

- Você podia estar com uma daquelas moças de cabaré o dia todo. O que foi que você fez na cidade, além de me comprar um chapéu? Não contratou vaqueiro nenhum.

- Não passei o dia inteiro com moças de cabaré. - Benteen sorriu e passou a ponta do dedo pelo queixo dela. - E se soubesse que ia receber este tipo de agradecimento pelo chapéu, teria voltado muito mais cedo.

- Por que me comprou o chapéu?

Reformulou a pergunta para não falar na moeda de latão.

- Eu esperava que a fizesse parecer mais com um menino. Estava ficando louco de vê-la usando aquelas calças compridas.

Ela mordeu o dedo dele, não com muita força.

- Isto é por querer um menino em vez de sua mulher.

- Talvez eu possa ter as duas coisas - disse ele, a boca chegando mais perto. - Uma mulher e um filho.

- E se eu quiser uma filha?

- Por que é que você tem sempre que discordar de mim? Teremos um filho primeiro e depois, uma filha.

- Que tal o contrário...?

A frase foi interrompida por um beijo. Quando teve oportunidade de falar outra vez, estava encantada com outros prazeres para ainda se lembrar daquele assunto.

Daí mesmo de onde está, Até onde sua vista alcançar, Estará olhando para a terra dos Calders, Toda ela para você e para mim.

Deixando Ogaliala, o rebanho seguiu o vale do rio Platte e penetrou no Território de Wyoming, dirigindo-se para o norte a partir de Cheyenne. Tanto quanto possível, Benteen seguia a rota estabelecida por tropeiros que trouxeram gado do Texas para as pastagens de Wyoming.

Cinco semanas depois de saírem de Nebraska, entraram numa zona nova, nas planícies virgens que outrora pertenceram aos búfalos. Isso significava que Benteen tinha que cavalgar muito mais à frente do rebanho, batendo o terreno, às vezes até mais de um dia adiantado à procura de local de pastagem, aguadas e lugares seguros para vadearem cursos d'água.

Às suas costas, os longhorns continuavam incansáveis pelos grandes vazios sem caminhos. Às vezes, o rebanho estendia-se por quase três quilómetros. Lorna descobriu como era tedioso e maçante manter em movimento o gado cansado, sem apressá-lo. À noite, caía exausta na cama e se encostava em Benteen, adormecendo no mesmo instante em que fechava os olhos.

A perna de Woolie estava sarando, o que o deixava cada vez mais ansioso para voltar à sela. Lorna achou que não ficaria triste por aposentar seu chapéu de vaqueiro e deixá-lo voltar ao trabalho cansativo e monótono. Mas estava orgulhosa do papel que desempenhara e sabia que podia retomálo se fosse necessário.

Nenhuma linha visível marcava a fronteira entre Wyoming e Montana. Certa noite, Benteen chegou ao acampamento e anunciou que estavam em Montana. No dia seguinte, cruzaram o rio Powder. Dentro de duas semanas, armariam o último acampamento. Lágrimas de alívio subiram aos olhos de Lorna. A trilha lhe parecera interminável. Estavam nela há quatro meses e, de certa maneira, pareciam quatro anos.

Eu gostaria que você não nos tivesse dito como estamos perto - disse ela a Benteen quando foram dormir.

Por quê? - Virou-se para olhá-la, levantando um fio do cabelo de Lorna com um dedo preguiçoso.

- Porque agora vou ficar impaciente para chegar lá. Estou cansada de viver assim. Não foi tão ruim, quando eu não sabia quanto tempo mais ia demorar. Agora, só quero mesmo que a viagem acabe.

- Queixando-se novamente - disse Benteen, estalando a língua em fingida reprovação. Sim, estou.

Simplesmente espere até chegarmos lá. Vai descobrir que valeu a Pena tudo o que passou.

O rebanho cruzou os rios Powder, Pumpkin e Tongue e, finalmente, o YeK lowstone em meados de agosto. Menos de uma semana depois da travessia, Benteen veio a meio galope e emparelhou-se com Lorna, que estava tomando conta do flanco esquerdo. Notou nele uma tensão enérgica, ansiosa, que brilhava em seus olhos escuros quando ele conteve o cavalo ao seu lado.

- Quer ir à frente comigo? - perguntou. - Mando Zeke cobrir a retaguarda e o flanco.

Por essa altura o gado estava tão acostumado à trilha que perdera a vontade de se extraviar. Os animais viajavam como uma unidade sabendo quando era hora de parar, ao meio-dia, e quando recomeçar, à tarde. Só os vaqueiros de retaguarda é que tinham trabalho com os animais retardatários.

- Quero. - Lorna sentiu que havia alguma coisa no ar. Sabia que estavam perto da pastagem que Benteen requerera, mas não até que ponto.

Afastando-se do rebanho, descreveram um largo círculo para se distanciarem bastante do rebanho. A terra se estendia em planícies ilimitadas de capim grosso e emaranhado. A horizontalidade do terreno era quebrada por morros isolados e cortada de ravinas, tudo isso dominado pela amplidão do céu.

Um cavaleiro apareceu por um instante na crista da pastagem. Era o primeiro ser humano que Lorna via há semanas, fora o pessoal da tropa. Mostrou a Benteen o cavaleiro que se aproximava, mas ele já o vira. Uma expressão de satisfação suavizou a linha de sua boca, e ele reduziu a marcha a trote.

- É Barnie.

Quando o cavaleiro parou para cumprimentá-los, Lorna esperou ruidosas boas-vindas. Barnie Moore, porém, simplesmente inclinou a cabeça.

- Achei que aquilo era poeira de sua tropa. Tem algum papel de cigarro? O meu acabou.

Benteen entregou-lhe um maço de papéis, que tirou do bolso do colete.

- Fique com ele.

- Nunca me acostumei a mascar. - Soltou um pouco de fumo da bolsa e habilmente enrolou o cigarro, fechando-o com a língua. Acendendo-o, tragou a fumaça e prendeu-a durante um silencioso momento de prazer.

- Como tem sido a coisa? Tranquila? - Benteen esperou até ele soprar a fumaça antes de perguntar.

- Tive um bocado de visitantes - explicou Barnie. - Espalhou-se a notícia sobre este capim gratuito. Muitos grupos têm andado por aqui, examinando as terras.

- Calculei isso. - Benteen não estava surpreso.

- Você vai ter um bocado de caras importantes como vizinhos... O XIT, o Turkey Track. Kohrs e outros criadores do oeste de Montana estão vindo para aqui, agora que as minas de ouro estão se esgotando e não vão vender muita carne aos mineiros. O lugar vai ficar congestionado.

Durante todo o tempo em que transmitiu as informações, o olhar de Barnie continuava a desviar-se para Lorna. com os longos cabelos escondidos sob o chapéu, a camisa frouxa e as calças compridas apertadas ela parecia um rapazola imberbe, mas Lorna, muito tempo antes, deixara de sentir-se embaraçada com sua aparência em roupas de homem.

- Quem é o garoto? - perguntou Barnie, inclinando a cabeça na direção de Lorna.

O riso brotou no olhar que Benteen dirigiu a Lorna.

Esta é a minha mulher. Andamos com falta de gente, e ela tem ajudado com a boiada. - Barnie fez um grande esforço para disfarçar o choque que levara e para não olhar mais. Benteen ajudou-o, sugerindo: O rebanho está a uns oito quilómetros para trás. Por que você não mostra ao pessoal o caminho, enquanto Lorna e eu vamos à frente?

Barnie segurou a ponta do chapéu e murmurou:

- com o seu perdão, madame - e afastou-se do caminho deles.

- Está tudo bem, sr. Moore - ela sorriu.

Benteen continuou a segurar o cavalo depois que Barnie se afastou. com uma luz de divertimento nos olhos, lançou a vista de soslaio para Lorna.

- Você não me disse que estávamos tão perto assim. - Mas sabia que ele fizera isso de propósito. - A que distância fica?

- Uns três quilómetros. Está impaciente para chegar lá? - Arqueou a sobrancelha com a pergunta, sabendo perfeitamente qual seria a resposta.

- Você sabe que estou - respondeu Lorna, o sorriso alargando-se.

- Vamos. - Esporeou o cavalo e partiu a galope.

O cavalo de Lorna estava a um passo atrás e espichando-se todo na corrida. Pedaços de grama e terra foram arrancados pelas patas fortes e pesadas enquanto corriam os três últimos quilómetros. A corrida coroou-se de júbilo esfuziante no fim da jornada. Sem fôlego, os olhos escuros brilhando de excitação, Lorna parou o cavalo junto da montaria de Benteen.

- É isso aí. -. A voz dele vibrou com uma sensação de posse quando estendeu a vista pela terra.

Lorna viu uma rústica cabana de troncos perto do rio e um pequeno curral construído com madeira de choupo. Fez um esforço para não se sentir Perdida, e achou que devia haver alguma bandeira invisível proclamando Que aquele seria o novo lar dos dois. Mas tudo o que viu foi uma paisagem máscula, tão grande e majestosa que lhe estirou a vista até os olhos doerem.

Sob o sol de verão, a terra bravia rolava para longe em ondas irregulares, um mar interminável de capim amarelo-pálido, com quilómetros incontáveis de céu azul esfumaçado por cima. Além das cristas desmaiadas, Um morro isolado de cume chato projetava sua escura cabeça acima do horizonte. Pensou na longa trilha que haviam percorrido para chegar até ali e no preço pago em vidas, em lágrimas, em suor. Por aquilo.

Cerrou os dentes. Aquela terra não ia derrotá-la com sua solidão. Ia ficar à altura dela, transformá-la num lar. Desviando a vista da amplidão esmagadora, concentrou a atenção nas árvores verdes que cresciam cerradas ao longo das margens do rio. Havia madeira para uma cabana. Não ia viver numa casa de taipa como aquela mulher do Kansas.

Seguiu Benteen quando ele levou a passo o cavalo, que bufava, nos últimos cem metros até a palhoça. Toda a atenção dele estava no ponto de chegada, a vista varrendo com orgulhosa satisfação a pastagem em volta. A pausa deu tempo a Lorna para ajustar-se à vastidão do que via e para tentar visualizar como aquilo seria com uma casa e alguns outros prédios

- alguma coisa para torná-la civilizada.

Sob os choupos ao longo do rio, Benteen parou o cavalo e saltou da cela com um movimento indolente. Lorna desmontou e deixou que seu cavalo bebesse também. Observou o focinho preto de João Pestana mergulhar na água, o freio batendo nos dentes antes que o baio começasse a sugar o líquido frio.

- com esta água, nós controlamos as pastagens por uns trinta quilómetros em ambas as direções - disse Benteen, começando a explicar a importância da localização. - Até onde você possa ver, Lorna, e muito além, tudo isso nos pertence.

- Tudo isso? - Estava atónita com a imensidão da terra.

- Tudo. - Olhou-a tranquilamente, mas o fogo em seus olhos era para a terra. - E isto é apenas o começo.

- Mas Barnie, o sr. Moore, disse que outros grupos estão vindo para cá.

- Não para esta pastagem, não para ela. - Deixou as rédeas arrastarem pelo chão e afastou-se alguns passos do rio. Inclinou-se, arrancou um punhado de capim e mostrou-o a Lorna. - Para um criador, isto é como se fosse ouro. E o rio é prata. Haverá sempre alguém que os quererá. Porque chegamos aqui primeiro e requeremos o melhor, outros tentarão nos expulsar. Mas eu não serei expulso.

- Você pensa, realmente, que vão tentar? - Inclinou levemente a cabeça para trás a fim de examiná-lo bem.

- É da natureza do homem querer o que outro tem. - Benteen mostrou tolerância com o esforço dela de apegar-se à crença na bondade das pessoas. - Chame a isso de inveja ou cobiça. Alguns a controlam. Uns poucos são francos a respeito dela. E outros tentam disfarçá-la. Os poucos que são grandes sempre querem mais, e os que são pequenos querem ser grandes. Os que estão no meio, nem pequenos nem grandes, fingem que é assim que querem ser.

- Qual deles é você? - perguntou Lorna. Ele esboçou um sorriso quase sem humor:

- Sempre fui o pequeno que queria ser grande. E vou ser grande. A Calder Cattle Company será um grupo que todos terão que levar em conta aqui por estas bandas.

- Mas isso nada tem de errado - disse ela, franzindo as sobrancelhas. - Isso é ser simplesmente ambicioso.

Sorrindo de leve, Benteen limpou folhas de grama da luva e pôs um braço em volta dos ombros da esposa.

- Ambição também é um tipo de cobiça. - Deixaram ali os cavalos e dirigiram-se Para a cabana de construção tosca. - Só que a palavra soa melhor.

O assunto deixou-a contrafeita, embora entendesse o que Benteen estava dizendo. Era muito fina a linha que separava cobiça de ambição. Uma era virtude, mas a outra, não. E ambição podia facilmente gerar cobiça.

Mudou os pensamentos para um tópico mais positivo:

Você disse que tinha escolhido o lugar onde vamos construir nossa casa. Onde é?

Está vendo aquele monte bem à frente? - Benteen apontou para

um aclive na direção do qual estavam andando. - É ali que vamos construir nossa casa.

- Uma casa de dois andares, pintada de branco - disse ela, acrescentando detalhes à imagem de sonho.

- com pilares brancos na frente. - Ele parecia estar brincando com ela.

- Isso mesmo, com pilares brancos na frente - concordou Lorna com uma inclinação decisiva de cabeça, porque aquilo parecia tão grandioso e porque não se importava se ele estivesse zombando. E deu-lhe o troco: - Afinal de contas, tem que ser uma estrutura apropriada, se vai ser a sede da Calder Cattle Company.

E sentiu-se aquecida com a risada dele, que partiu do fundo da garganta. Quando chegaram ao alto do monte, onde construiriam a futura casa, Benteen virou-se para estudar a paisagem, o braço em torno dos ombros de Lorna virando-a também. O aumento da elevação permitia-lhes ver de cima a ampla curva do rio e as planícies rolantes.

- Vamos ter que andar depressa, com o inverno se aproximando disse ele. - O melhor que podemos fazer é construir uma cabana de troncos perto do rio, de modo que você fique perto do suprimento de água. Mas você terá sua casa, Lorna. Se não este ano, no próximo.

- Depois de viver quase cinco meses numa carroça, até uma cabana Parece boa coisa - concordou ela.

Há um mundo de coisas que temos que fazer antes que o inverno chegue. Teremos que construir uma cocheira para os cavalos que vamos manter aqui para o uso e um alojamento onde o pessoal possa dormir e comer.

Ele descrevia seus planos em voz alta, e ela lhe admirava a magnitude perguntando-se como tudo isso poderia ser feito em tempo tão curto assim.

Enquanto esperava a chegada do rebanho, Benteen usou construtivamente o tempo e Marcou a localização dos vários prédios da fazenda e suas dimensões, mandando Lorna apanhar galhos partidos para usar como marcos.

Estava carregando uma braçada de lenha, quando notou um homem a cavalo parar para examinar o tosco acampamento antes de reiniciar sua aproximação. Havia nele alguma coisa conhecida, mas Lorna tinha certeza de que não era um dos vaqueiros. Sem tirar os olhos dele, virou levemente a cabeça a fim de chamar Benteen.

- Há alguém chegando. Um estranho, acho.

Benteen voltou-se para o homem que chegava, casualmente soltando a correia de couro que prendia o cão de seu revólver no coldre. Colocou-se ao lado de Lorna.

Quando o homem aproximou-se o suficiente para que ela o reconhecesse, Lorna abriu a boca de surpresa.

- É o sr. Giles.

Mas ele já o reconhecera, e seu olhar se estreitara, cheio de desconfiança.

Depois do encontro com Barnie Moore, Lorna lembrou-se da aparência enganadora que tinha naquelas roupas que usava. Podia ver que Buli Giles estava tentando identificá-la pela maneira como a olhava. Ela abafou um sorriso e tirou o chapéu, deixando que os cabelos escuros cascateassem pelos ombros. Um brilho de divertimento dançou nos olhos do homenzarrão, quando ele varreu as calças justas que lhe mostravam o comprimento das pernas.

Foi ele quem falou em primeiro lugar:

- Eu lhe disse que poderíamos voltar a nos encontrar, sra. Calder.

- Sim, sr. Giles. Mas não pensei que o senhor se referia a Montana.

- Eu pensava que você tinha voltado para o Texas - interveio Benteen, aproveitando o comentário de Lorna.

- Já faz alguns anos desde que estive aqui no norte. Pensei em dar uma olhada por aqui. - Buli Giles deu a impressão de que aquilo fora uma decisão casual. O olhar dele passou pela cabana e chegou ao curral improvisado com galhos. - Então esta é a sua concessão, hein?

- Isso mesmo - disse Benteen, a cabeça inclinada em silencioso desafio.

- Capim, água, terreno acidentado o suficiente para dar abrigo no inverno. - Buli Giles enumerou as vantagens da terra de pastagens que Benteen escolhera. - Nada mau.

- Foi isso que pensei. - Benteen permaneceu frio.

- Eu disse a Boston que aqui em cima era assim - continuou Giles.

- Você está aqui por ordens de Boston? Buli Giles encolheu de leve os ombros.

- Ele mostrou certa curiosidade sobre seu destino. Acho que queria ter certeza de que você não estava nas costas dele.

- Eu contei a ele meus planos. Quando se encontrar com ele de novo, pode dizer que não gosto que minha palavra seja posta em dúvida. - Benteen permaneceu rigidamente alerta, nem por um minuto relaxando a guarda na presença desse representante do Barra 10.

Você e Boston não se dão bem. - Buli sorriu ao fazer essa observação. - E não acho que ele vá ficar muito satisfeito quando descobrir que Você assinou o nome dele, autorizando-me a pagar vinte cabeças de gado como pedágio àqueles índios.

Ele simplesmente pagou parte do que roubou de meu pai - respondeu Benteen.

Essas palavras são fortes. - Buli fitou-o pensativamente.

Eu as disse na cara dele.

Buli deixou o comentário passar e perguntou:

Você se importaria se eu desmontasse e desse de beber ao meu cavalo?

Fique à vontade para dar água e pasto a seu cavalo. E pode acampar aqui hoje à noite, se quiser.

Benteen estava lhe estendendo a hospitalidade das pastagens sem dono. Algum dia, a situação poderia inverter-se e ele estar muito longe de casa.

- O senhor pode cear conosco, sr. Giles - disse Lorna, ampliando o convite.

- Eu apreciaria isso. Obrigado, sra. Calder. - Inclinou o chapéu na direção dela, levou o cavalo para a sombra dos choupos e desmontou.

- Ele é um dos homens de Boston, Lorna - avisou-a Benteen em voz baixa. - Não se faça de cordial ou ele a apunhala pelas costas.

Lorna pensou que ele estava sendo injusto demais com Buli Giles e, ousadamente, retribuiu o duro olhar dele.

- Não acredito que o sr. Giles seja homem de ninguém, a não ser de si mesmo. E é errado atirar pedras quando você mesmo já trabalhou para Judd Boston.

Benteen não pareceu satisfeito com a comparação, mas não conseguiu achar um argumento lógico contra ela. Em vista disso, escolheu outro assunto para mostrar seu aborrecimento.

- Troque essa roupa por um vestido assim que as carroças chegarem - ordenou e deu-lhe as costas, voltando a medir o alojamento do pessoal.

Quando Barnie a vira vestida daquela maneira, Benteen apenas sorrira. NO caso presente, porém, estava reagindo ciumentamente e tentando fazê-la sentir que era culpada por vestir-se daquela maneira. E os homens diziam que as mulheres não raciocinavam logicamente. com um sorriso divertido, foi levar a braçada de galhos partidos para o lugar onde Benteen estava trabalhando.

As carroças chegaram em meados da tarde, antes do rebanho. Depois de se trocar, colocando um vestido de chita azul, Lorna ajudou a armar o acampamento permanente. Todos dependeriam das carroças por mais umas poucas semanas, até que prédios pudessem ser construídos.

Com Benteen por ali, tentou não mostrar nenhum interesse por Buli,

mas a tentativa apenas a tornou mais consciente daquele homem. Ele deu uma mão no fogo e foi apanhar mais lenha como paga da

hospitalidade. Levou a sela e a trouxa de dormir para um lado, colocou arreio no cavalo e soltou-o para pastar.

Quando o rebanho surgiu ao longe, Benteen foi encontrar-se com oS ponteiros e dirigir a boiada para colocá-la na direção da corrente do rio. Lorna achou que ele pensava que ela estava suficientemente protegida no acampamento em companhia de Mary, Rusty e Woolie. Gostava de Giles - como amiga - e gostaria que Benteen compreendesse isso.

Notou que o barril de água estava baixo e soltou o balde de madeira preso ao lado da carroça da cozinha.

- Mary - gritou para a amiga -, vou até o rio buscar um pouco de água.

Seguia assim o costume de informar sempre a alguém para onde ia quando deixava o acampamento.

O capim crescia alto e espesso sob as árvores junto ao rio. Suas longas saias produziram um chiado alto na vegetação, enquanto se dirigia para o pequeno banco de areia que se projetava da margem. Teve que afastar os talos de capim quando se abaixou para mergulhar o balde na água clara. Um cardume de peixes pequenos disparou como gotas de mercúrio na direção das águas profundas.

Deixou o balde afundar na água. Quando o puxou, a água fria transbordou pelos lados, molhando-lhe a saia. Ouviu um som de passos no cascalho às suas costas. Virou-se rapidamente, derramando mais água.

- Desculpe, não quis assustá-la - disse Buli Giles.

- Eu não o ouvi, só isso. - com um encolher de ombros, ignorou o curto momento de apreensão.

com típica ousadia, o olhar dele desceu por seu vestido e as pregas amplas e discretas da longa saia. Lorna sabia que ele estava lembrando-se da maneira como a vira de calças compridas.

- Gosto de vestido, mas fiquei mais consciente de que você era mulher quando estava usando aquelas calças compridas.

- Elas eram uma necessidade. O gado se assustava com minha saia.

- Explicou porque lhe pareceu necessário que ele compreendesse que não afrontava as convenções sem um motivo.

- Deixe-me carregar o balde. Ele é pesado demais para você - disse ele, e estendeu a mão para tomá-lo.

Lorna entregou-lhe o balde, não porque não pudesse carregá-lo. Naqueles longos meses na trilha, transportara um bocado de água. Mas aquilo era um gesto de cavalheiro, e gostava da maneira como ele a tratava, como a uma senhora.

- Você acha que vai gostar da vida aqui? - perguntou ele. - Vai ser preciso um bocado de trabalho cansativo.

- Eu sei. - Andou até a margem e aceitou a ajuda segura da mão dele em seu ombro para subir pela grama escorregadia.

- A vida aqui vai ser muito solitária para uma coisinha bonita como você - declarou Buli.

A observação fê-la lembrar-se imediatamente da mulher da casa de taipa- Projetou o queixo para a frente numa silenciosa resolução de que aquela terra não ia fazer isso com ela.

- Provavelmente, viverei ocupada demais para notar isso, sr. Giles. Como o senhor disse, vou ter muito trabalho.

- Mas uma mulher como você não devia ter que trabalhar. Devia estar morando numa bela casa, com uma empregada trabalhando para você - insistiu ele. - Você é delicada demais para sujar as mãos.

Ela arqueou a cabeça para trás e riu do fundo da garganta:

- Eu lhe garanto, sr. Giles, que não sou delicada, nem fraca. Posso montar tão bem quanto a maioria dos homens e atirar melhor do que alguns. Uma mulher gosta de ser posta à prova, sr. Giles, e não mimada. Eu pensava que o senhor soubesse disso.

- Neste caso, eu deveria deixar que carregasse o balde - ele sorriu.

- Agora é tarde demais - zombou Lorna. - Estamos quase chegando.

Estavam a apenas alguns metros da carroça da cozinha e do barril preso em um dos lados. Buli levou o balde e esvaziou-o no barril.

- Obrigada por ter trazido a água, sr. Giles - disse Lorna, continuando a sorrir.

Ele cruzou os braços sobre o peito numa zombeteira mesura.

- O prazer foi meu, sra. Calder.

Não havia necessidade de manter os longhorns em grupo durante a noite. Aquela pastagem ia ser o novo lar dos animais. Benteen e os vaqueiros voltaram quando o gado chegou ao rio e o deixaram para beber e se dispersar à vontade.

com a cavalhada era diferente. Benteen ordenou a Yates que fizesse um curral de cordas para guardá-los. No dia seguinte, escolheria os que conservaria para trabalhar no pasto. Levaria o resto para vender em Deadwood, quando lá fosse adquirir suprimentos para o inverno.

Pensava nas muitas coisas que teria que fazer quando chegou ao acampamento. Teve, porém, a atenção despertada pelo som da risada de Lorna. Contraiu a boca ao vê-la voltando do rio em companhia de Buli Giles. O balde que ele carregava explicava o que os dois estavam fazendo. Mas Benteen não se deixava enganar por inocência aparente. Era um homem e sabia como funcionava a mente de Buli Giles. Sem que lhe dissessem, sabia que Giles vira Lorna dirigir-se para o rio e que a seguira. Uma fria irritação toldou-lhe os olhos, porque Lorna não compreendia a maneira como Giles procurava se insinuar, fazendo tudo para que confiasse nele. Ela não considerava a atenção lisonjeira dele como uma ameaça.

Desmontando, observou quando os dois se separaram. Em sombrio silêncio, desencilhou o cavalo e soltou-o com o resto da tropa. Dirigiu-se com os vaqueiros até a fogueira para a caneca de café habitual e evitou todo contato com Lorna. Se a cabeça dela podia ser virada por outro homem, então não a queria. Mas estava trincando os dentes quando disse isso a si mesmo.

Em torno da fogueira naquela noite, Barnie Moore foi o principal foco das atenções. As perguntas variaram do volume de chuvas a inundações do rio e com que gravidade.

- Eu digo a vocês uma coisa. - Um cigarro pendia do seu lábio inferior. - Quando esta terra fica molhada, parece cola. A gente vai daqui até o rio e os pés ficam tão cheios de barro que parecem ter quase três ou quatro vezes o tamanho normal. Quando seca, fica duro como pedra, e a gente precisa de martelo e escopro para tirá-lo das botas.

Todos queriam também saber como era o inverno. Até onde descia a temperatura e se nevava muito. Quando começava e quanto durava. Que partes do pasto ficavam livres da neve? E as chuvas de pedra, quais eram as chances do gado de aguentá-las?

- Você bem que podia comprar alguns westerns - aconselhou ele a Benteen. - Têm sangue shorthorn e devon, mas estão acostumados a este clima do norte. E têm tutano de sobra para lutar pelos seus bezerros. Não são como aquelas drogas de bois de raça que vimos chegar ao Texas e que se apavoram e fogem quando vêem um coiote e deixam o bezerro para servir de jantar ao bicho.

Seguiu-se uma curta discussão dos méritos relativos das diferentes raças. Benteen escutou com interesse tudo o que ouvia. Precisava aumentar o tamanho do rebanho, mas também de gado de engorda rápida para levar ao mercado. A sugestão de Barnie de comprar animais originários do Noroeste, em vez de depender inteiramente de longhorns, parecia fazer sentido.

- Barnie, você teve oportunidade de examinar bem as terras livres

- disse Ely, entrando na conversa à sua maneira tranquila. - Onde há boas terras que Mary e eu possamos requerer?

- Posso mostrar a vocês uns dois locais - respondeu Barnie. - Mas acho que o melhor fica ao norte daqui, bem no pé dos morros. Há um bom rio passando por lá. Se quiser, podemos ir lá amanhã, e eu lhe mostro.

- Isso seria ótimo.

- E os lobos? - perguntou Shorty. - Ouvi dizer que eles são perigosos.

- Aqueles diabos de olhos amarelos são matreiros - respondeu Barnie, sacudindo de leve a cabeça.

Rusty lançou mais um galho seco no fogo, provocando uma nuvem de fagulhas que se misturou com as estrelas em cima. Lorna escutava com toda atenção a conversa dos vaqueiros, sentindo mais interesse desde que começara a trabalhar com o gado na viagem. Alguém rolara um tronco caído para perto da fogueira, e se encontrava sentada nele, com as saias em volta das pernas para combater o frio da noite. Não notou quando Buli Giles parou para reencher a caneca de café, como muitos outros vaqueiros tinham feito antes dele. Nem prestou atenção quando ele se aproximou do sítio onde estava sentada.

- Acho que você está ficando entediada com toda essa conversa sobre gado - murmurou ele, inesperadamente.

Lorna virou a cabeça e descobriu que ele estava às suas costas.

Quando ele se sentou, as sombras envolveram-no. Lorna lembrou-se do tempo que haviam compartilhado em Dodge City e das troças que ele fizera das conversas sobre gado em volta da mesa. Na ocasião, o assunto não lhe parecera importante. Sua atitude, porém, mudara na segunda parte da conversa.

- Eu sou uma mulher de criador - lembrou ela a Buli. - O gado garante tanto o futuro de Benteen como o meu. Não estou entediada com a conversa. A esposa precisa saber alguma coisa sobre os negócios do marido para poder discutir inteligentemente com ele.

Você não se importa se uma vaca vier em primeiro lugar? - perguntou ele incrédulo.

- Uma vaca pode ser uma fêmea, mas de modo nenhum vou ter ciúmes dela. - Um sorriso brincou nos lábios de Lorna ao lembrar-se da ocasião em que ficara zangada por causa da prioridade que os animais recebiam de Benteen.

Num dos lados do acampamento, um garrote bufou e emitiu um som baixo e curioso. Virando-se para olhar, Lorna reconheceu o rosilho que sempre andara à frente do rebanho. A luz do fogo tirava reflexos da grande envergadura dos chifres do animal.

- Olhem só quem está ali - disse Shorty. - É o Capitão.

- Na certa veio saber por que ninguém está dando guarda ao rebanho esta noite - Zeke deu um palpite.

- Isso mesmo. Provavelmente ficou tão acostumado à companhia de gente, que está se perguntando onde estão seus amigos - sugeriu Jessie.

Giles Partiu à primeira luz da manhã seguinte. Imediatamente após o desjejum, a tropa começou a trabalhar nos prédios da fazenda. O sítio transformou-se numa colmeia de atividade. O rosilho, o Capitão, ocupou um lugar na elevaÇão, como se estivesse supervisionando tudo aquilo.

Semanas depois, já estavam de pé os prédios rústicos e ligados os troncos verdes com musgo e barro. Os telhados eram de ramos cobertos com terra. Zeke Taylor, o que mais se assemelhava a um carpinteiro, com um grupo de vaqueiros, construíra os catres, cadeiras e mesas. As peças eram tão toscas e mal-acabadas como os prédios em que iam ficar.

Metade dos homens foi embora quando Ely e Mary se despediram para tomar posse da terra que haviam requerido no local em que Barnie lhes mostrara, ao norte. A cabana e o celeiro deles seriam instalados em tempo claramente curto. Lorna não se importou quando partiram, porque eles seriam vizinhos, mesmo que a uma distância de uns quarenta e cinco quilómetros.

A carroça coberta foi parcialmente desmontada e convertida para uma fazenda. Lorna aproveitou a lona branca da capota e pendurou-a na cabana, fazendo uma parede de pano e dividindo a área do quarto do resto da estrutura de um único cómodo. Enquanto arrumava seus objetos de uso pessoal no novo lar, recusava-se a comparar-lhe a crueza com a casa de taipa da mulher do roceiro em Kansas.

Em setembro, chegou à conclusão de que estava mesmo grávida, embora não sentisse náuseas matutinas e sua saúde fosse a melhor possíve. Quando disse a Benteen que a cegonha iria visitá-los na primavera, ele prontamente informou, e com orgulho considerável, que ia ser um menino.

Uma semana depois, Benteen partiu com a carroça e uma tropa á trinta cavalos. Rusty, Jessie Trumbo e Bob Vernon permaneceram na fazenda, juntamente com Lorna. Benteen não queria correr o risco de algo acontecer a ela e ao bebé com as sacudidelas e solavancos do banco da carroça, ignorando inteiramente a dura viagem de quase cinco meses que acabara de completar. Assim, ficou combinado que Lorna permaneceríi em casa, enquanto ele comprava os suprimentos para o inverno, registrava a propriedade no cartório de terras e vendia os cavalos excedentes. Além dos suprimentos, ele trouxe tecido para que Lorna pudesse reforçar o limitado guarda-roupa do casal e trezentas cabeças do chamado gado de raça western. Havia grande procura de cavalos do Texas nas fazendas do norte. e ele conseguiu altos preços.

Ao retornar, enviou Jessie Trumbo, Rusty, Shorty Niles e Vince GarvEy de volta ao Texas para reunir outro rebanho de gado bravo e sem dono e trazê-lo para o norte, na primavera. O garrote rosilho trotou atrás da carroça de cozinha, mais do que ansioso de voltar à trilha. Levaram-no para que ele dirigisse o próximo rebanho que viesse para o norte.

A propriedade adjacente de Barnie servia como acampamento exterior a partir do qual ele trabalhava, cuidando do gado em sua área.

O primeiro inverno foi frio e tempestuoso, com frequentes temperaturas abaixo de zero e dias de pesadas nevascas, cujos primeiros flocos caíram em princípios de outubro. Mas não foi um inverno rigoroso, segUIndo os padrões de Montana. No Natal, Mary e Ely vieram para o jantar. Benteen leu na Bíblia a história de Belém, Woolie tocou canções de Natal e gaita-de-boca, e todos cantaram.

Quando chegou a hora de Lorna, perto do dia 1º de abril, Mary veio fazer-lhe companhia na cabana e servir como parteira. Apesar de todas as histórias pavorosas que ouvira a respeito de partos no mato, não houve problemas. Benteen segurou nos braços o filho recém-nascido, Webb Matthew Calder, naquele primeiro dia de sua vida e, no dia seguinte, partiu com o resto do pessoal para iniciar o rodeio de primavera.

Correntes de bridões tilintaram quando o pequeno grupo de homens montados aproximou-se do amontoado de prédios primitivos que formavam a sede da fazenda naquele princípio de tarde de maio. Vinham relaxados na sela, bamboleando levemente, com o ritmo do trote dos cavalos. Os estribos eram compridos, e quase nenhuma perna se dobrava no joelho.

Linhas de cansaço vincavam o rosto bronzeado de Benteen, produto dos dias brutalmente longos do rodeio, mas seus olhos permaneciam agudos e alerta. As perdas de crias e as ocasionadas pelo inverno haviam sido mínimas, menos do que esperara.

Ao ver Lorna em frente à cabana com o bebé nos braços, acenando para ele, a vista recrudesceu nele fomes profundas. Os cabelos dela brilhavam em castanho dourado ao sol, os lábios entreabertos, cheios e vermelhos no rosto suave. Aquilo o aqueceu como se fosse um fogo na noite ou uma flor de primavera, rompendo a crosta da neve que se derretia. Havia algo nos olhos, nos lábios ou no porte dela que despertava suas paixões mais profundas. O calor de algo cru e imemorial queimou-o, o tipo de coisa que levaria um homem a matar, se tivesse que fazer isso.

Saltou da sela e deixou cair as rédeas. Por um momento, conservou os braços ao lado do corpo, olhando para a mulher e para seu filho. O leve aroma que se evolava dos cabelos dela rompeu-lhe a imobilidade. Os olhos escuros de Lorna brilharam ao retribuir seu olhar firme. Havia uma poderosa sugestão de fogo nos lábios ligeiramente contraídos, doçura neles, para um homem.

Quando falou, ela não se dirigiu a ele, mas ao bebé de quase um mês de idade, coroado por abundantes cabelos pretos:

- Webb, eu não lhe disse que papai voltaria hoje?

Todos os músculos dele estavam contraídos, prontos para o envolvimento. Ao lhe ouvir as palavras, as necessidades que Benteen continha foram liberadas. Seu braço enroscou-se em torno da cintura dela, descobrindo-lhe as curvas sob o pesado xale, e puxou-a. Curvou-se e beijou-a. Uma leve camada de suor cobriu-lhe o corpo ao sentir a força da reação dela.

Mas sabia que a pressão de seus braços e boca eram fortes demais, assertivos demais de seus direitos sobre ela. Soltou-a, deu um passo para trás, consciente em todo o corpo daquela vibração. Havia algo incerto e interrogativo na maneira como ela o fitava. Os lábios dela continuavam entreabertos, para ver se neles, deixara a marca de sua dureza.

Talvez os impulsos que o impeliam fossem comuns e vis demais. Voltou a atenção Para o bebé e pegou o pequeno pulso que batia no seu peito.

Um sorriso esboçou-se em sua boca quando tentou fazer com que os pequenos dedos se fechassem em torno de seu indicador.

- Como foi a coisa? - perguntou Lorna. Ele sabia que ela se referia ao rodeio.

- Ótima. Ele não parece aquele bebé chorão e vermelho que carreguei na primeira vez.

Tirou o bebé dos braços dela e segurou-o contra o corpo.

- Você esteve longe durante algum tempo - lembrou ela. Aninhando o bebé em um braço, Benteen virou-se, apanhou as rédeas e passou-as por cima do pescoço do cavalo. Enfiou o pé no estribo e subiu para a sela, tudo isso num único fluido movimento. com o peso mudado para a parte posterior da sela, pôs o bebé a sua frente e abriu bem a mão em frente ao peito e estômago de Webb para mantê-lo firme no lugar.

- Benteen, o que é que você pensa que está fazendo? - gritou Lorna, correndo para o cavalo.

- vou levar Webb em sua primeira cavalgada.

- Mas ele não tem nem um mês ainda - protestou ela.

- Ele vai ter que começar algum dia, se vai ganhar a vida em cima de um cavalo, como seu velho - respondeu Benteen.

Levou o cavalo a passo para fora, sabendo que Lorna o seguia nervosamente.

Manteve a cabeça do bebé apoiada em seu corpo e conservou o cavalo em passo lento. Quando tinha três anos, cavalgara em um cavalo sem a ajuda de ninguém, segundo lhe contara o pai. Não via mal algum em começar a ensinar cedo ao filho.

Ao chegar à tosca cocheira e desmontar, os vaqueiros se reuniram em torno do bebé como mariposas em volta de uma chama. Na profissão que tinham, eram raros os contatos com bebés ou crianças. Lorna ficou de longe, divertida, observando esses homens rudes e desbocados arrulhando e dizendo bobagens carinhosas à criança nos braços de Benteen. Woolie disse que Webb tinha as mãos de um emérito laçador, enquanto Bob Vernon alegava que podia ver a inteligência que havia nos olhos daquele bebé, embora estes estivessem fechados na ocasião.

Lorna adiantou-se para pegar o filho quando Webb começou a protestar. Chapéus voaram das cabeças enquanto os homens abriam espaço para ela. O nascimento da criança lhe elevara o status de meramente mulher para mãe. Trataram-na como se ela fosse uma madona.

- Há café no fogão - disse ela a Benteen quando lhe tomou o filho dos braços.

- vou para casa logo que tiver cuidado do cavalo - prometeu ele. Havia alguma coisa nele que o fez tomar mais tempo do que o habitual, como se precisasse negar a si mesmo a coisa que mais queria. Ao erguer a tranca da porta e empurrá-la, obrigou-se a dar ao rosto uma expressão de indiferença. A cabana estava aparentemente vazia. O olhar inquiridor notou o bule no fogão de ferro, que aquecia o espaço apertado e servia para o preparo das refeições.

Lorna?

_ vou para aí dentro de um minuto - disse a voz do outro lado da parede de lona.

Seus braços foram atraídos para a parede. Quando a ergueu, viu-a sentada na cama, amamentando o filho. Ela arregalou para ele os olhos numa pressão de surpresa. Enrubesceu profundamente e fez menção de interromper a mamada da criança.

Não pare, se ele ainda estiver com fome. - Benteen deu a volta

à cortina e deixou-a cair às suas costas.

Às vezes ele é muito guloso - murmurou Lorna.

Benteen olhou para os dois, a frente do vestido dela desabotoado para soltar o seio redondo e cheio. Pequenos punhos martelavam a convexidade do seio enquanto a boca sugava vigorosamente o bico.

- Não acho que possa ficar olhando calmamente enquanto outro homem aproveita-se de seus seios - comentou Benteen.

- Ele está mamando - sussurrou Lorna. - Não é nunca a mesma coisa.

- Espero que não - retrucou secamente Benteen, e arriou-se na beira da cama ao lado deles.

Estendeu a mão para acariciar a cabeça do filho e, em seguida, levou o dedo pela curva do seio de Lorna. Desabotoou mais alguns botões, afastou o vestido e expôs ambos os seios. Ela prendeu a respiração quando ele empalmou o outro seio e acariciou com o polegar o bico rosa-castanho. Estava excitado, com necessidades por satisfazer.

- vou ter inveja de meu filho durante certo tempo - reconheceu. Lorna finalmente ergueu os olhos e fitou-o. O olhar foi um comentário mudo, saturado de paixões ardentes. Benteen lutou consigo mesmo para controlar o desejo e afastar a mão. - Acho que vou tomar aquela caneca de café.

Tranquilos em seus cavalos, os três homens pararam no alto de um morro a uns oitocentos metros da fazenda. Buli Giles empurrou para trás o chapéu e inclinou-se sobre o arção da sela, observando as melhorias feitas desde a última vez em que estivera ali. Olhou complacente para o homem magro e estreito de ombros que ocupava o centro do trio.

Eu lhe disse que Calder havia requerido a concessão das melhores Pastagens. - Sentiu tocá-lo a frieza daqueles olhos cinzento-claros e voltou-se novamente para a cena embaixo.

É o que parece - respondeu Loman Janes.

Giles sentiu uma pontada de impaciência com a frieza daquele homem.

- Moore ficou com o lado contíguo do rio, e Stanton requereu uma ao norte. Calder já tem o controle de aproximadamente 1.500km2.

- Ser o Primeiro numa briga não significa que o cara vai estar de pé até ela acabar- Você devia saber disso, Buli - - Os lábios de Loman moveram-se enquanto falava. - Calder talvez controle o pasto. Mas quem é que já o desafiou?

- Você está falando a respeito de Benteen Calder... não do velho - respondeu Giles.

- Já não ouviu aquele dito... tal pai, tal filho? - O capataz do Barra 10 não esperou pela resposta. Olhou para o terceiro homem e disse: Vamos até lá embaixo apresentar nossos cumprimentos.

O último membro do trio era um homem chamado Trace Reynolds - bom vaqueiro, melhor batedor e o melhor atirador do Texas. Dizia-se, à boca pequena, que por um preço qualquer podia escolher o alvo, mas esse tipo de boato seguia todo homem que mostrava eficiência no manejo de armas.

Buli Giles endireitou-se na sela, satisfeito com a sugestão de Janes. Lorna Calder podia ser uma mulher casada, mas não conseguira esquecê-la. Errado ou não, queria vê-la de novo.

Ao ouvir Lorna sair de trás da cortina, Benteen conservou-se de costas para ela e dirigiu-se ao fogão para reencher a caneca. Ouviu um som baixo feito pelo bebé e as palavras murmuradas dela, tranquilizando-o.

Outro som surgiu quando passadas rápidas e longas aproximaram-se da porta da cabana. Houve uma seca batida, que Benteen não quis responder.

As batidas foram imediatamente seguidas pela voz de Woolie:

- Três homens a cavalo vindo para cá. Um deles é um grandalhão. Parece Buli Giles.

Benteen girou sobre si mesmo, lançando um vivo olhar a Lorna. Nesse momento ela estava ajoelhada junto ao berço que fora feito por Zeke.

- Fique aqui dentro - ordenou, e dirigiu-se para a porta. Antes de sair, pegou a cartucheira num cabide de parede e afivelou-a

à cintura. Não sabia que razão o levava a armar-se. Era mais puro instinto do que uma sensação de ameaça criada pela presença de Buli Giles.

No momento em que saiu da cabana, os três homens entravam com seus cavalos a passo no pátio fronteiro. Benteen endureceu-se, reconhecendo o homem de cara bexigosa que vinha à frente. Sem precisar olhar, a visão periférica disse-lhe que Woolie estava ali, de prontidão, dando-lhe apoio. Na cocheira, onde estava examinando um cavalo com ferradura frouxa, Zeke e Bob ficaram observando os três homens quando eles pararam em frente a Benteen.

- Você está muito longe de casa, Janes - observou Benteen. - Perdeu o caminho?

- O sr. Boston andou ouvindo um bocado de coisas sobre este território. Achou que talvez fosse bom eu dar uma olhada nele - respondeu Loman Janes.

- Giles fez um bom relatório quando voltou, acho. - Benteen lançou um olhar para o homem parrudo e surpreendeu-o examinando a cabana, sem dúvida querendo ver Lorna.

- O sr. Boston anda pensando em expandir suas propriedades. - Loman ignorou a referência a Buli Giles. - Isso não deve ser surpresa para você, Calder. Um bocado de grandes criadores do Texas está vindo para o norte pegar este capim gratuito. Você pensou realmente que ia ficar com todas estas pastagens apenas para você?

Não - reconheceu Benteen. - Pensei que ia ter vizinhos. E seria demais esperar que o canalha ficasse longe por muito tempo.

A boca de Loman Janes espichou-se na linha curva de um sorriso

gelado.

E às vezes temos que expulsar as cobras antes que um lugar sirva para nele se viver. - Colheu as rédeas do cavalo. - Paramos aqui para perguntar se podemos acampar junto ao rio. Viajamos um bocado e precisamos arranjar um lugar antes de escurecer.

- Podem acampar por lá - disse Benteen, concedendo a permissão.

- Simplesmente, não se façam muito de casa.

O sorriso friamente zombeteiro permaneceu nos lábios de Loman enquanto ele lentamente puxava a rédea do cavalo para virá-lo para longe da cabana e de Benteen. Dentro da casa, a criança chorou. Buli Giles endireitou os ombros e olhou para Benteen.

- Foi um bebé?

- Meu filho - respondeu Benteen, e observou músculos se contraírem no pescoço de Buli Giles.

- Sua esposa... está passando bem, espero - disse ele, perguntando concisamente pela saúde de Lorna.

- Está. - Benteen continuou a olhar tranquilamente para o homenzarrão.

- Parabéns, então - disse ele em voz rouca e virou o cavalo para emparelhar-se com o capataz do Barra 10.

O trio pôs os animais em trote e dirigiu-se para um ponto no rio não muito distante dos prédios da fazenda.

Woolie deu um passo para o lado de Benteen.

- O que é que você acha? - perguntou, porque nunca fora muito bom em descobrir os motivos de outras pessoas.

- Como eu disse, não deve ser surpresa se Boston estiver pensando em se estabelecer aqui no norte - respondeu sombrio Benteen. - Os grandes sempre querem tornar-se maiores.

Ouvi dizer que ele não se importa muito com a maneira como chega lá - sugeriu Woolie.

Talvez alguém dê um jeito nele - retrucou Benteen e lançou um seco olhar a Woolie.

O vaqueiro abriu-se num sorriso.

- É Bem possível.

Voltando à cabana, Benteen deu-se conta de que não se surpreendera de veR a Chegada de Loman Janes. A ideia de que algum membro do grupo se disPusesse aparecer por ali devia estar fermentando em sua mente.

No último verão, quando Buli Giles chegara como quem não queria nada, percebeu que Havia problemas à vista, e o melhor que poderia fazer era começar a traçar planos para isso imediatamente.

Entrou na cabana, desafivelou a cartucheira e pendurou-a no cabide. Lorna notou-lhe o ar preocupado e lentamente deixou de balançar o berço.

- Quem era? - perguntou ela, fingindo que não ouvira a conversa.

- Loman Janes, o capataz de Judd Boston. - Foi até a cortina de lona e levantou a parte de baixo. - Parece que Boston chegou à conclusão de que quer parte destas pastagens gratuitas.

Lorna franziu as sobrancelhas quando o viu tirar a faca da bainha e cortar um pedaço de uns cinquenta centímetros da parte de baixo da cortina.

- O que você está fazendo?

- Preciso fazer um mapa - respondeu ele e deu outro corte para conseguir um pedaço retangular do tecido branco. Levou-o para a mesa e estendeu-o. - Pegue um lápis para mim, sim?

- Um mapa do quê? - indagou Lorna, tirando um lápis de sua caixa de costura.

- De nossa fazenda e das pastagens que a cercam.

Não havia mapas da área, exceto o que tinha dentro da cabeça. Tentara explorar tanto o território em volta quanto lhe permitia o tempo não ocupado nos trabalhos da fazenda. Começou a dar forma de desenho à informação, transferindo-a da cabeça para o pedaço de lona. Desenhou as terras requeridas por Stanton e as de Barnie, contíguas às suas.

Depois de mais de duas horas de trabalho, corrigindo distâncias e localizações, o mapa começou a tomar forma. Não notou quando Lorna acendeu o candeeiro e o colocou na mesa, nem sentiu o cheiro da comida no fogão.

- Não vou poder conservar a comida quente por muito tempo, Benteen, ela vai se estragar - disse Lorna.

Estivera tão absorvido no mapa, que se esquecera da presença dela. Quando as palavras penetraram, reclinou-se na cadeira e passou a mão pelos cabelos.

- Está quase pronto - disse com um suspiro cansado, e começou a enrolar o mapa.

Lorna pôs a mesa enquanto Benteen ia lavar as mãos.

- Por que fez esse mapa?

- Por causa do futuro.

Qualquer que fosse o plano que o marido estivesse formulando, era evidente que não estava em condições de comunicar ainda a ela. Mais tarde, na mesma noite, examinou o mapa que ele desenhara. Três áreas estavam marcadas com linhas pontilhadas. Mentalmente, preencheu-as e deu-se conta de que formavam um longo retângulo com a fazenda deles, as terras de Barnie e as de Ely e Mary.

Após o desjejum na manhã seguinte, Lorna pegou a bacia de lavagem e restos para ir esvaziá-la no capim alto da margem do rio. Enquanto despejava a água, ouviu o som de cavalos saindo das árvores a pouca distância abaixo. Levantou a vista quando apareceu o trio de vaqueiros. Ao vê-la, Buli Giles hesitou, mas depois desviou o cavalo de sua posição, junto aos outros, e veio falar com ela. Lorna esperou, considerando-o como um amigo, a despeito da companhia em que ele andava, as mãos fechadas em torno da circunferência da bacia.

Bom dia, sra. Calder. - Inclinou a cabeça na direção dela, mas parecia haver um ar magoado em seus olhos. Não a ousadia habitual.

Bom dia, sr. Giles.

A senhora está parecendo bem - continuou ele. - Soube que teve um filho.

- Isso mesmo. Webb Matthew Calder - respondeu com natural orgulho e amor.

O olhar dele examinou-lhe a esbelteza do corpo.

Não parece que a senhora tenha tido um filho - observou ele, com uma sombra da antiga franqueza.

- Obrigada.

Embora parecesse que queria dizer mais alguma coisa, ele limitou-se a tocar novamente e inclinar o chapéu em sua direção.

- É melhor eu me mandar - disse. - Eu a verei noutra ocasião. No momento em que Buli Giles se separou deles, Loman Janes parou o cavalo e ficou observando a breve troca de palavras. Alguma coisa lhe disse que aquilo era uma informação que precisava passar a Judd Boston. Poderia ser importante.

Naquele verão, Benteen convenceu Zeke, Bob e Woolie a requererem os três lotes de terra que marcara com linhas pontilhadas em seu mapa. fariam tampões entre sua fazenda e outros grupos e lhe dariam toda a proteção possível. A terra era aberta e nela não havia cercas, o que significava que gados de outros proprietários poderiam entrar na sua, mas tinha esperança de manter baixo esse número e impedir que sua fazenda abrigasse gado demais que não fosse seu.

sibird bancara reQuerer os três lotes contíguos, tendo em vista, também, razões especulativas. Em primeiro lugar, ficariam sob seu controle, caso fizesses suas operações. Se isso não fosse possível, poderia vendê-las m lucro substancial a grupos que viessem se estabelecer no norte. Tentava cobrir todos os ângulos e ainda se reservar uma última opção.

Novos grupos continuavam a se estabelecer em Montana. Na última semana, vira a poeira de uma boiada e cavalgara para o sul na esperança de que fosse Jessie chegando. O rebanho, porém, pertencia a outro grupo do Texas, os animais em péssimas condições. Teve esperança de que Jessie trouxesse um gado melhor.

Um pequeno movimento ao seu lado, na cama, distraiu-lhe a atenção Pela maneira como Lorna estava respirando, teve certeza de que ela tampouco dormia.

- Você está muito calada - murmurou ele. - No que é que está pensando?

Em touros no pasto. - Foi uma resposta distraída, quase sonhadora.

Touros no pasto?

- Achei que isso chamaria sua atenção - disse ela.

Ele virou-se parcialmente e passou-lhe o braço pela cintura, a fim de puxá-la para mais perto.

- Ando vagueando demais para seu agrado?

- Você fica fora um bocado de tempo. - A mão dela desceu pelos músculos duros do braço do marido. - Não é tão ruim assim durante o dia, porque sempre há muita coisa para fazer, mas as noites tornam-se compridas demais. Estou doida para que Webb comece a falar, de modo que eu não tenha de conversar com o fogão ou as árvores. - O tom mudou, enquanto ela abandonava a questão da solidão: - com essa lona pendurada aí, você não se lembra da carroça?

- Acho que sim - concordou Benteen. - Talvez possamos construir nossa casa no próximo ano.

- Tomara que sim - murmurou ela. - Quando chove, as goteiras nesse telhado são pura lama. Há insetos e aranhas por toda parte. Quando acordei numa manhã destas, uma aranha havia feito uma teia de um lado a outro do berço de Webb.

- Eu lhe disse que estive com Ely e Mary um dia destes? - Ele sabia que se esquecera de mencionar o fato. Ultimamente, estivera saindo muito, estudando a configuração do terreno em volta e explorando os diferentes lugares a fim de preencher as áreas em branco no mapa de lona pendurado na parede da cabana. - Eles vêm aqui dentro de uma semana, de visita. Mary está ansiosa para ver o bebé que ajudou a trazer ao mundo.

Não houve resposta, enquanto ela se virava mais para ele e começava a acompanhar-lhe, com as pontas dos dedos, a linha do queixo. Benteen franziu o cenho, achando curioso aquele comportamento.

- Ouviu o que eu disse? Mary está vindo para aqui. - Esperava Que ela ficasse radiante com a notícia.

Ela passou os dedos pelos lábios dele, delineando-lhe as curvas.

- Eu estava pensando novamente nos touros no pasto - disse ela. - e me perguntando se eles são tão férteis quanto você. - Quando tirou a mão da boca do marido, havia divertimento nos olhos ao lhe notar a expressão confusa. - Vamos ter outro bebé.

Um orgulho e emoção inexprimíveis tomaram conta de Benteen. Abriu a mão em cima do ventre liso dela, onde vivia, naquele momento, a vida que haviam criado. - Vai ser menino - disse em voz rouca. - Posso senti-lo.

Benteen, é cedo demais para você perceber qualquer movimento

- disse Lorna, rindo baixinho.

Vai ser menino, de qualquer maneira - insistiu ele.

Haviam feito amor há cerca de vinte minutos, mas ele já estava tendo nova ereção, tal o desejo que sentia por ela. Beijou-a, cobrindo-lhe a boca com a sua e abrindo-lhe os lábios com língua insistente. Empalmou o peso do seio cheio, amoldando-se a seu volume. Baixou a cabeça para beijar o bico doce de leite e, em seguida, esfregou-se na redondeza do seio.

As mãos de Lorna apertaram-no e puxaram-no enquanto seu corpo se contorcia de excitação. Estava ansiosa para satisfazê-lo, e satisfazer-se também, como em tantas outras noites. Era simultaneamente cálida ao se dar e ardente ao tomar. Quando ele subiu por cima dela, arranhou-lhe as costas com as unhas.

Dos lábios escapou-lhe um pequeno gemido de prazer.

- Seja muito ardente comigo, Benteen.

Ele estremeceu, e as necessidades de sua carne confundiram-se com as necessidades da alma. A combinação infundiu graça e perfeição em algo animal. Não eram duas pessoas, mas parte de uma única coisa, alternativamente se lançando um contra o outro até que a pressão os deixou e recaíram contentes na cama.

- Gostou, Benteen?

Sentiu-lhe o quadril quente ao lado.

- Deus do céu, que diabo de palavra é essa para descrever isso? Estava irritado, incapaz de expressar em palavras como ela o afetava, e desconfiado, também, do poder que ela exercia sobre ele.

- Você nunca diz mais nada - murmurou ela. - Antes dizia. Dissera, há muito tempo, quando eram recém-casados, antes que ela Pronunciasse aquelas palavras: "vou deixá-lo." As palavras ainda o perseguiam, um pesadelo que não conseguia esquecer. Mesmo naquele momento, não podia apagá-las da memória.

- Acho que é isso o que acontece quando a gente se torna um velho casal. - Levou na troça a observação dela. - Você também se esquece de falar.

E Eu não sou velha, Benteen Calder - respondeu ela imediatamente. Tenho dezenove anos.

Com um bebé a caminho. É melhor você fechar os olhos e dormir um Pouco.

No silêncio que se seguiu, percebeu uma mudança nela. Lorna permaneceu imóvel, esperando algo dele, mas ele não sabia o quê. Continuando o silêncio, ela virou-se para o lado, afastando-se.

Jessie Trumbo e os rapazes chegaram com o rebanho de longhorns do Texas em princípios de agosto, no mesmo dia em que Mary e Ely apareceram de visita. A reunião de velhos amigos e companheiros de trilha transformou-se numa festa que durou até bem depois do anoitecer. O garrote rosilho Capitão, permaneceu nas proximidades.

- O mundo está ficando biruta - disse Jessie a Benteen naquela noite. - É como se todo mundo no Leste e na Europa tivesse acabado de descobrir que há gado no Oeste e que fortunas podem ser feitas com ele.

Os animais recém-chegados estavam num estado de passável a bom. Benteen separou os mais fracos para serem vendidos com os garrotes prontos para o mercado, quando fizessem o rodeio de outono.

A procura era grande e elevava os preços. Benteen investiu a maior parte dos lucros no reforço e melhoramento do rebanho. Devolveu Jessie e Rusty à trilha para que trouxessem mais longhorns no ano seguinte, o garrote rosilho seguindo a carroça da cozinha como se fosse um cachorrinho. Bob Vernon foi para o oeste a fim de comprar mais animais da raça western. Barnie partiu para Minnesota, onde ia comprar um touro de raça pura, um "peregrino" para a pastagem aberta.

O inverno, porém, foi inclemente. As temperaturas despencaram, e a neve acumulou-se, alta. Em plena nevasca de fevereiro, nasceu Arthur William Calder, desta vez com a ajuda de Benteen. Calmo, durante todo o trabalho de parto, ele garantiu, em tom de brincadeira, a Lorna que ajudara muita vaca e égua a ter cria e que uma mulher não podia ser muito diferente. Logo que o forte neném tomou a primeira mamada, Lorna caiu em sono exausto e por isso não viu que a mão de Benteen tremia quando ele se serviu de um copo de uísque e emborcou-o de uma só vez.

O degelo de primavera revelou a extensão das perdas de inverno. As ravinas estavam cheias de animais mortos, que Benteen e os vaqueiros esfolaram para aproveitar o couro. Viram também sinais de que as perdas não podiam ser atribuídas exclusivamente ao inverno. Os lobos, que haviam feito serenatas à noite nas proximidades da fazenda, haviam também extraído seu tributo do gado.

Os grandes lobos de olhos amarelos pesavam para mais de setenta e cinco quilos e possuíam um bocado de cérebro e esperteza para lhes acompanhar a ferocidade. Antes, sua fonte de alimentos fora o búfalo. Abater um búfalo maciço era brincadeira para eles. A dizimação dos rebanhos de búfalos das planícies, porém, os obrigara a se concentrarem no gado.

Os longhorns não eram exatamente presas fáceis para eles. Benteen encontrou algumas carcaças de lobos estripados por longhorns valentes Mas, atacando em matilhas, os lobos geralmente cansavam rapidamente a presa - se o inverno a havia enfraquecido.

Mais irritante do que a perda para os lobos e o inverno era o número de cabeças desaparecidas. Praticamente sem oposição, os índios entravam em suas reservas em Dakota, Montana e Canadá. Tendo sido seus sonhos de búfalos exterminados pelo homem branco, eles sentiam que tinham o direito de abater ou roubar todo o gado que encontravam. Protestar com índios era algo que Benteen queria evitar, se pudesse.

NO conjunto, perdeu quase mil cabeças, mas sobraram cerca de dez mil com um Triplo C marcado a fogo nas ancas, compreendendo o rebanho e descendentes, o segundo e maior rebanho que Jessie trouxera, e o gado recentemente comprado. E aquilo era simplesmente o começo. Ely Stanton ajudou-os no rodeio de primavera. Na pausa do meio-dia, veio fazer companhia a Benteen, examinando o que haviam arrebanhado naquela manhã.

- Mary e eu estivemos conversando antes de eu vir para cá - disse Ely. Começamos na mesma época que você e Lorna. Tudo o que tínhamos eram umas trezentas cabeças, e você possuía... sete, oito vezes isso. Mas tudo o que temos hoje são quatrocentas. E veja só o que você conseguiu.

- Você vai começar a crescer - disse Benteen, embora soubesse que a diferença era culpa da falta de energia de Ely.

- Não. - Ely sacudiu a cabeça. - Às vezes, um homem tem que fazer um exame de consciência sincero. Eu tenho cabeça para gado e terra, mas não sou bom no lado comercial da vida de fazendeiro. Posso ser o melhor capataz do mundo do que qualquer um que já montou para um homem como você... e não valer nada para mim mesmo.

- Ely... - começou Benteen com grande pena, porque aquilo era, inegavelmente, verdade.

- Mary e eu conversamos e queremos vender nossas terras a você... se você estiver interessado - interrompeu-o Ely. - Simplesmente, compre nossas terras, como está fazendo com o resto dos rapazes. Quanto ao gado, você nos paga por ele quando puder. Sabemos que podemos confiar em você. E se você precisar de um bom capataz, posso trabalhar em tempo integral.

- O lugar é seu, Ely, mas... - uma ruga de vaga incredulidade começou a formar-se na testa de Benteen - você poderia vender a fazenda e o gado a outro grupo e por um belo preço. Você está se oferecendo para vendê-los a mim praticamente de graça. E não devia fazer isso.

- Como eu disse - apareceu um raro brilho de divertimento nos tranQuilos olhos de Ely - não tenho cabeça para "negócios". E estendeu a mão para selar o trato.

Um carteiro era uma raridade, mas o começo do verão trouxe um monte de cartas do Texas, algumas já antigas, com mais de nove meses. Lorna recebeu dos pais Uma delas, de alegres Parabéns Pelo nascimento do primeiro filho, Web Matthew. A segunda, uma carta de Natal. Lorna ficou em dúvida se haviam recebido a sua segunda carta, informando-os da chegada do segundo neto ao mundo e descrevendo o robusto bebé chamado Arthur William, em homenagem ao avô materno.

A amiga, Sue Ellen, escrevera, também. Lorna riu alto ao ler algUns trechos em que a amiga insinuava que sabia perfeitamente que Lorna estava sofrendo horrores naquela terra selvagem, primitiva. Parecia certa de qUe Lorna estivera às portas da morte quando do nascimento de Webb. A carta de Sue Ellen incluía informações de um artigo que lera em um jornal de Nova York que algum caixeiro viajante deixara na loja de sua mãe. A notícia lhe atraíra a atenção por causa da carta que Lorna lhe escrevera, contando o encontro com a lady inglesa em Dodge City. O artigo dizia que o conde de Crawford adoecera e falecera na cidade, antes de partir para a Inglaterra, e que sua viúva, lady Crawford, viajaria para a Inglaterra, onde os restos mortais do esposo seriam sepultados no lar ancestral da família. Sue Ellen achara que Lorna ficaria interessada em saber de tudo a respeito da "tragédia".

Lorna lembrou-se da curta conversa que tivera com lady Crawford e da bondade que ela lhe demonstrara, enviando a empregada ao seu quarto com o potinho de loção. O produto acabara, mas Lorna guardara o pote como recordação do encontro e para mostrar aos filhos, como prova de que conhecera e conversara certa vez com uma lady de verdade. A história, nesse momento, chegava a um fim triste. Segundo a data da carta de Sue Ellen, o conde de Crawford falecera há quase um ano e meio.

A correspondência incluía também um bilhete apressadamente rabiscado por Jessie Trumbo. Pensava ele em partir do Texas na última semana de março, levando um rebanho misto de três mil cabeças. O Barra 10 estava também enviando para o norte duas boiadas do mesmo número. Além disso, quatro outros rebanhos que ele pessoalmente conhecia estavam se dirigindo para o Território de Montana.

Os pastos abertos seriam ocupados rapidamente.

Com a chegada de mais rebanhos do Texas à zona oriental de Montana, outras mudanças começaram a surgir. Os fazendeiros precisavam de suprimentos, e os vaqueiros necessitavam de um lugar onde pudessem gastar seus salários. Miles City começou a tomar forma como cidade de vaqueiros.

Em setembro, um homem chamado Fat Frank Fitzsimmons chegou ao território trazendo duas carroças de suprimentos e uísque. Quando uma de suas carroças quebrou um eixo, no meio de parte alguma, ele chegou à conclusão de que o destino colaborara na escolha da localização de sua nova loja. Duas semanas depois, construíra um prédio improvisado e abrira as portas para fazer negócios. A tabuleta dizia simplesmente: "Fat Frank s

- UÍSQUE."

O primeiro vaqueiro que passou por ali teve certeza de que estava vendo coisas. Depois de duas talagadas de uísque, disse a Fat Frank que ele estava condenado a fracassar, uma vez que ninguém passava por ali, a não ser uma vez na vida e outra na morte. Imediatamente, Fat Frank pendurou mais uma tabuleta, esta menor, na frente da loja, proclamando,: "Uma Vez na Vida, Outra na Morte, Território de Montana." Fosse ou não verdade a história sobre o vaqueiro, Fat Frank contou-a a todo mundo que por acaso passava por ali e apontava para a tabuleta "Uma Vez na Vida, Outra na Morte." A história era boa para se contar em torno das fogueiras, e a notícia se espalhou.

O local era uma fonte de suprimentos mais próxima do que Miles City. com essa possibilidade em mente, Benteen pegou seu cavalo e foi até o armazém de Fat Frank a fim de examiná-lo. O prédio atarracado era um espetáculo estranho, plantado ali no meio da campina, sem coisa alguma em volta por quilómetros. A tabuleta de uísque foi como um farol naquela fria manhã de outubro. Seu peludo cavalo empinou as orelhas ao ver aquilo e acelerou o passo. Bufou interessado para dois outros cavalos amarrados a um mourão do lado de fora, sua quente respiração formando uma nuvem branca à frente.

Ler marcas de gado era um hábito. Quando notou a marca Barra 10 nos cavalos selados na frente do armazém, o olhar de Benteen tornou-se agudo. Sabia que os dois rebanhos que o Barra 10 enviara haviam chegado quase na mesma ocasião que o trazido por Jessie. Haviam estabelecido sua sede em umas boas pastagens situadas a leste e ao norte de sua fazenda, mas esta era a primeira vez em que ia encontrar-se com um dos vaqueiros do grupo.

Desmontando, passou as rédeas em torno da trave do mourão. Não houve pressa em seus passos medidos, quando se dirigiu à porta tosca de tábua. Suas esporas produziam um leve som metálico no silêncio. A porta girou para dentro sobre dobradiças de couro quando entrou. Varreu com os olhos a confusão de caixas e engradados, usados como mostruários na parte fronteira do armazém.

Dos fundos, vinha o baixo murmúrio de vozes, os sons macios e arrastados da fala de texanos. Desabotoando o casaco, Benteen tomou essa direção enquanto um homem gordo vinha bamboleando em sua direção. Era evidentemente o proprietário.

- bom dia, senhor. - A voz era hospitaleira. - Seja bem-vindo ao meu humilde estabelecimento. Meu nome é Fitzsimmons, mas todo mundo me chama de Fat Frank. - Deu uma palmadinha satisfeita em suas rotundas dimensões. - Em que posso servi-lo neste belo dia?

- Sua tabuleta lá fora fala em uísque.

- E também é uísque autêntico o que tenho aqui - declarou Fat Frank. - Não aquela zurrapa aguada que vocês, caras, chamam de uísque. Simplesmente, venha até aqui ao fundo do armazém, onde montei um Pequeno bar.

Arquejando com o esforço de carregar tanto peso, o homem tomou a frente. Benteen notou o vivo olhar de soslaio que o gordo proprietário lhe lançou e percebeu a astúcia que havia por trás daquela fachada jovial.

- O senhor seria por acaso Benteen Calder? - perguntou o homem.

- Eu mesmo.

Benteen não se importou em perguntar como o homem descobrira sua identidade. Saloons no meio do deserto como aquele eram sempre viveiros de bisbilhotices. E ele teria feito o possível para descobrir tudo a respeito de clientes potenciais.

- Ouvi falar muito a seu respeito - continuou Fat Frank. - Estava curioso para saber quando o senhor apareceria para fazer algumas compras. Vai descobrir que meus preços são razoáveis e que tenho praticamente tudo que o senhor possa necessitar. Se não tiver, posso conseguir. Se sua esposa precisar de tecido em peça ou vestidos prontos, simplesmente diga a Fat Frank.

- vou me lembrar disso. - Benteen não queria se comprometer. As bebidas eram servidas num canto, no fundo do prédio. Uma tábua

em cima de dois barris servia de bar, e havia engradados abertos, onde eram guardadas as garrafas. Um fogão barrigudo encostado numa parede mostrava notável semelhança com a forma do proprietário - redondo e enorme, de pernas finas. Duas cadeiras rústicas junto do fogão convidavam os clientes a um descanso e ao calor do fogo. Além disso, havia ainda uma pequena mesa com mais duas cadeiras. Elas eram ocupadas nesse momento por Loman Janes e Buli Giles. Benteen notou a dupla ali e continuou na direção do bar improvisado, atrás do qual já se encontrava Fat Frank. Desarrolhando uma garrafa, serviu uísque num copinho e empurrou-o na direção de Benteen.

- Por conta da casa - disse, quando Benteen fez um movimento para pegar dinheiro e pagar a bebida.

- Grato. - Inclinou a cabeça e tomou um gole, sentindo fogo puro descer pela garganta.

- Eu lhe disse que tinha o produto autêntico - lembrou-lhe Fat Frank.

- Disse mesmo - reconheceu Benteen e conservou a mão em torno do copo enquanto virava o corpo na direção dos dois outros fregueses.

- O senhor conhece o sr. Janes, do Barra 10? - perguntou Fat frank, como se querendo fazer as apresentações.

- Conheço.

- Juro que todos vocês, texanos, se conhecem - comentou o dono do bar com uma risada.

- Quem está cuidando do Barra 10 com você por estas bandas, Janes?

- perguntou Benteen com um leve interesse.

O capataz de rosto encovado fez preguiçosamente um semicírculo com o copo no tampo da mesa.

- Ollie Webster está cuidando da ponta do Texas.

- bom sujeito - disse Benteen, inclinando a cabeça em silencioso reconhecimento da capacidade do vaqueiro mencionado. Trabalhara com ele algumas vezes.

- Tem havido muitos problemas com os índios por aqui? - perguntou Loman.

Era uma pergunta de um criador a outro, e Benteen tratou-a como tal.

Algum. De vez em quando, eles roubam umas reses.

Pobres selvagens esfomeados - comentou Fat Frank, sacudindo a cabeça.

A Mais da metade dos suprimentos que o governo prometeu a eles, canunca chega às reservas. E aquele canalha do Missouri não ajuda em nada, vendendo uísque a eles.

Do que é que você está falando? - perguntou Loman Janes, levantando a cabeça com uma carranca de interesse.

Há um bando de ex-caçadores de búfalos e corta-paus estabelecido lá pelo rio Missouri. - Corta-pau era o termo aplicado aos homens que cortavam madeira para as barcas a vapor que navegavam no rio. - É uma turma muito ordinária. Logo que descobriram que o governo canadense estava pagando algum dinheiro todos os outonos aos índios crees e blood, vêm vendendo bebida falsificada aos índios e tomando-lhes o dinheiro. Sei que a coisa está ficando de tal modo, que os índios passam a maior parte do inverno no lado de cá da fronteira.

- Acho que isso explica por que perdi mais gado no último inverno do que o habitual - murmurou Benteen e olhou pensativo para a bebida restante no copo, sabendo que a situação provavelmente ficaria ainda pior.

- Eu pensava que você era novo nesta área - observou Loman Janes, examinando com grande interesse o gorducho.

- Eu viajei um bocado, antes de minha carroça quebrar aqui. Entendam, a gente aprende. - O homem levantou as mãos gordas num gesto de quem pesa alguma coisa e encolheu os ombros. - E aconteceu que encontrei por acaso o chefe desse bando. Conheci-o há alguns anos, quando ele andava caçando búfalos em Kansas. Era um cara mesquinho. Agora é simplesmente perverso. O pessoal chama-o de Big Ed.

- Big Ed - repetiu Buli Giles. - Big Ed Sallie? Tem uma cicatriz de um lado a outro do lado direito do rosto? - Passou o dedo diagonalmente pelo próprio rosto, do olho até o queixo.

- É esse aí - confirmou Fat Frank com um aceno.

- Conhece-o? - Loman Janes olhou para Buli, enquanto o homenzarrão se endireitava de sua posição arriada.

- Há alguns anos, cacei búfalos com ele durante uma temporada. Vi-o meter-se numa briga de faca com outro caçador... e ele o reduziu a migalhas. tomou um gole do uísque e, aparentemente, conservou-o na boca antes de engoli-lo.

Os índios Já criam caso suficiente quando estão sóbrios - observou. - Bêbados, pior ainda. - Ergueu a vista para Benteen. Neste verão, você tem bem mais pastagem para cobrir do que eu. - Embora não o ouvisse, Benteen escutou mais este comentário. Se os índios começassem a roubar gado, Janes escolheria Uma das vezes em que o tamanho constituiria um estorvo. Loman não teria esse Problema com um rebanho menor, espalhado por um território menor. - Eu pensei que você estaria no Texas, Buli, juntando outro rebanho do Barra 10 para trazer para cá.

- Resolvi passar o inverno por aqui - respondeu Buli. - na poeira alcalina por algum tempo.

Buli Giles nunca se dava bem com pessoa alguma durante muito tenpo, Benteen não podia imaginá-lo recebendo ordens de Loman Janes por todo o inverno.

- Está pensando em trabalhar para Janes? - perguntou francamente.

Foi Loman Janes quem respondeu:

- Ouvi dizer que os lobos eram perigosos, de modo que disse a ele que ele poderia passar o inverno reduzindo o número deles, uma vez que ia ficar por aqui. Vamos dar a ele alguns suprimentos e munição.

Todo o gado do Barra 10 estava tendo sua primeira experiência com o inverno do norte, de modo que era sensato procurar reduzir o número de predadores que vagueavam furtivos pelas pastagens. Ele mesmo distribuíra munição à sua gente com ordens de atirar em todos os lobos que vissem, mas aqueles bichos cinzentos podiam ser tão escorregadios como fantasmas. Contratar um caçador de lobos não era má ideia, mas podia ser caro, uma vez que recebiam salários três vezes maiores do que um vaqueiro comum.

Esse pensamento levou-o a perguntar:

- Boston sabe a respeito disso?

- Incluí isso no último relatório. - Janes endureceu-se ante a implicação de que não tinha autoridade para fazer coisa alguma sem aprovação de Judd Boston.

Benteen terminou o uísque.

- No seu próximo relatório, diga que lhe mandei lembranças.

- Por que não espera até a próxima primavera, quando poderá fazer isso pessoalmente? - sugeriu Loman Janes com um frio sorriso.

Disfarçando sua surpresa, Benteen olhou para o capataz do Barra 10.

- Boston está vindo para cá? Por quê?

- Vai abrir um banco - explicou Janes. - com todos estes texanos por aqui, ele pensou que gostariam mais de fazer negócios com o banco de um compatriota do que com esses ianques.

- Segundo me lembro, o próprio Boston era ianque quando chegou ao Texas - observou cinicamente Benteen. - Agora ele está dizendo que é texano, ahn?

- Ele mora lá há mais tempo do que a maioria - justificou Janes.

- Acho que sim. - Benteen afastou-se do bar e fez um aceno de cabeça na direção de Fat Frank. - Obrigada pelo uísque.

- Venha quando quiser e traga sua esposa - convidou o dono do armazém.

Pelo canto do olho Benteen viu Buli Giles estender a mão para a garrafa de uísque que estava na pequena mesa. O movimento OCOrreu no mesmo momento em que o taverneiro mencionava Lorna. O grande canalha ainda lhe cobiçava a mulher, o que o levou a se perguntar por que Giles não aparecera na fazenda para importuná-la. Mas o que quer que o estivesse mantendo longe, queria que as coisas continuassem assim. Enquanto se afastava do armazém, as patas de seu cavalo, em meio galope, pareciam tamborilar o nome de Judd Boston. Um banco do Texas em Montana. Era uma manobra brilhante. Aquele indivíduo acabaria ganhando dinheiro com todos os grupos instalados na região, e não apenas com o seu. Tinha que dar a ele o devido crédito. Ele era um homem de negócios vivo e esperto, gostasse dele ou não.

O inverno foi ameno. O quente e seco vento chinook, que sopra das vertentes orientais das Montanhas Rochosas, varria a pradaria, derretendo a neve e libertando a relva queimada.

Anoitecia quando Benteen chegou à fazenda, depois de ter levado suprimentos a Shorty em um dos acampamentos avançados. Desencilhou a montaria, tirou a cangalha do animal de carga e levou-os ao curral. Dirigindo-se à cabana, olhou a fita de fumaça que se enroscava para o alto e era levada para as profundezas da noite pelo chinook.

Ao entrar, encontrou Lorna equilibrando o buliçoso Arthur no quadril, enquanto mexia numa panela no fogão. Pendurado à saia, Webb soluçava. Benteen notou a expressão aborrecida e impaciente da esposa e sorriu, enquanto se virava para tirar o casaco.

- O que foi, Webb? - Cruzou a sala, arregaçando as mangas da camisa para ir lavar as mãos.

O filho mais velho, porém, em vez de responder, berrou ainda mais alto e tentou subir pelas saias de Lorna.

- Quer que eu o carregue - explicou Lorna, tentando, irritada, empurrar o menino para longe do fogão quente.

A cabana estava escura. Olhando em volta, Benteen notou que só havia um candeeiro aceso.

- Por que não acendeu o outro candeeiro? - Derramou água na bacia e pegou um naco de sabão.

O querosene está acabando. Estou tentando economizar.

Eu quero ver é o que vou comer. Acenda-o, mesmo assim, e

amanhã ou depois vou ao armazém de Fat Frank comprar mais.

Webb, você vai se queimar se não sair de junto desse fogão! Quem é Fat Frank? - As duas frases saíram num jato, sem pausa entre elas.

É o dono do pequeno armazém geral que fica a leste daqui. - 197

Benteen enxugou as mãos e viu que o filho continuava a choramingar bem perto do fogão quente. - Você não consegue fazer com que seu filho a obedeça?

- E, ao mesmo tempo, segurar Arthur e cozinhar sua ceia. Explodiu Lorna, deixando cair a colher na panela. - vou deixar é qUe a ceia queime.

Colocou o irrequieto Arthur no berço e como resposta teve um grito estridente. Deu uma palmada em Webb e sentou-o numa cadeira. O garoto começou, imediatamente, a chorar com toda a força. Ignorando-o, acendeu o segundo candeeiro e colocou-o na mesa com uma brusquidão que fez vibrar a manga de vidro. E havia palavras iradas no olhar que lançou a Benteen quando passou feito um pé-de-vento por ele e chegou ao fogão.

- Algum problema? - Benteen fez um esforço para não sorrir diante dessa explosão de mau humor.

- Você nunca disse coisa alguma sobre um armazém geral que fica a leste da fazenda e de modo algum falou num homem chamado Fat Frank.

- Não falei? - Ergueu uma sobrancelha em leve surpresa, encolheu os ombros e pôs de lado a toalha com que enxugara as mãos. - Devo ter esquecido. O armazém só foi aberto no último outono.

- Ultimamente, você vem esquecendo um bocado de coisas. Começou a encher os pratos e colocá-los na mesa. Webb continuava o berreiro. Enfiou-lhe uma colher na mão e aproximou-o mais da mesa. - Cale a boca e coma.

Sentando-se, Benteen esperou até que ela voltasse à mesa com o soluçante caçula de um ano e lhe fosse fazer companhia.

- O que foi que eu andei esquecendo? - perguntou.

- Tudo. - Foi uma resposta abrangente, enquanto tentava enfiar a colher cheia na boca de Arthur. - Não sei de mais nada que anda acontecendo por aqui. Há gente trabalhando para você que eu nem conheço. Você não me diz nada do que está acontecendo.

- Eu não sabia que tinha que apresentá-la a todos os novos empregados. - Benteen fechou a cara. - Considerando que os três homens são vaqueiros que chegaram com a última boiada do verão, é um pouco tarde para ficar toda nervosa por causa de um lapso. Na ocasião você andava muito ocupada com o pequeno Arthur e com Webb. Não achei que isso tivesse importância.

- O que é que você me diz daquele touro hereford que comprou em setembro passado? Barnie esteve aqui hoje e disse que você o está guardando na fazenda de Mary e Ely. - Lorna segurou com força o esperneante Arthur, que queria soltar-se. Olhou impaciente para Benteen. - Você não pode pelo menos tirar o chapéu quando come?

- Desculpe. - Tirou o chapéu e pendurou-o nas costas da cadeira.

- Eu pensei que você iria soltar aquele touro com as vacas - continuou Lorna.

- Aquele touro é valioso demais para que um daqueles longhorns selvagens o mate com uma chifrada numa briga. - Benteen explicou desta forma as razões para isolar o puro-sangue. - Ely vai escolher um pequeno grupo de vacas western para cruzar com o touro nesta primavera. Assim, não terá que lutar para formar seu próprio harém.

- Webb, use a colher - ralhou Lorna, quando viu o filho comendo com as mãos.

Não quero! - protestou o garoto, escondendo as mãos às costas.

O que foi que deu nesses meninos? - Benteen olhou carrancudo a dupla. - Você não pode fazer com que eles se comportem? Essas palavras foram a fagulha final para levá-la a explodir. Lorna empurrou a cadeira para trás e lançou o espantado Arthur no colo de Benteen.

Tome. Você pode fazer tudo sozinho. E bem que podia educar também os seus filhos!

Enquanto Benteen tentava ainda se recuperar do choque provocado pelo gesto inesperado da mulher e, ao mesmo tempo, conter a criança aos berros, Lorna pegou o xale e saiu furiosa da cabana. Webb começou a escorregar da cadeira e soltou um grito de medo:

- Mamãe!

- Fique aí mesmo onde está - ordenou Benteen em um tom áspero que imediatamente acabou com as lágrimas. Sentou Arthur na cadeira de Lorna e enfiou-lhe a colher na mão. - Você já tem idade para comer sozinho. - Levantou-se e apontou um dedo de aviso para os dois chocados e silenciosos nenens, que o fitavam com os redondos olhos castanhos. Comam a comida e não se mexam daí.

Passos longos e irados levaram-no à porta que Lorna acabara de fechar com estrondo. Mas antes de sair, lançou um último olhar aos filhos calados e imóveis. Em seguida, fechou a porta. Quase no mesmo instante, viu Lorna encostada na esquina da cabana, os ombros sacudindo-se em soluços silenciosos. Desapareceu a raiva que o tomara quando saíra. Ela não o deixara realmente, nem aos meninos. Aproximou-se por trás, suas mãos se fechando em torno dos ombros dela com uma espécie de ferocidade.

- Deus do céu, que ideia foi essa de sair assim de casa? Para onde você pensava que iria?

- Isso pouco importa, porque não fui muito longe - respondeu ela, a voz trémula.

- É melhor entrar. Está frio aqui.

- Não. Não quero voltar para lá ainda. - Lorna resistiu à tentativa dele de virá-la.

  1. . Acho que você está com um caso grave de febre de isolamento Adivinhou Benteen.

Ela girou sobre si mesma ao notar o leve sorriso no tom de voz dele, novamente tomada de desafio raivoso e trémulo ressentimento.

- Isso não deve ser surpresa nenhuma. O que é que eu vejo, a não ser quatro Paredes? Não tenho ninguém com quem conversar o dia inteiro. apenas duas crianças que nem mesmo sabem falar direito. Todos os dias é a mesma coisa. Cozinho, varro a casa, costuro, vou apanhar água, lavo e evito que os meninos se metam em encrencas. - O queixo lhe tremia.

- Jurei que não deixaria que esta terra acabasse comigo. Jurei que não ia acabar como aquela mulher lá do Kansas. Ia trabalhar e ajudar você a construir um futuro aqui.

- E é isso o que você está fazendo - garantiu-lhe Benteen quando ela se afastou dele, e mordeu o lábio inferior.

Mas, em vez de agradá-la, a resposta enfureceu-a.

- Como? - desafiou. - Cozinhando sua comida, cuidando de seus filhos e dormindo na mesma cama com você! Você pode contratar gente para fazer tudo isso. Evidentemente, isso é tudo que você quer de uma esposa!

Os olhos dele estreitaram-se, confusos.

- Não a estou entendendo.

- Acho que aí é que está o problema. Você não entende - concordou ela. - Sai de manhã e nunca me diz para onde vai. Volta à noite e nunca me diz onde esteve ou o que andou fazendo.

- Acho que devo agradecer a Mary por isso, porque Ely conversa com ela sobre tudo o que lhe acontece. - Começou a ficar impaciente. - Eu tomo as decisões nesta família.

- Sem discuti-las comigo. Não tenho absolutamente nada a dizer sobre o que acontece. Nem mesmo sei o que está acontecendo.

- Por que você está falando nisso agora? - quis saber ele. - Por que isso, assim de repente, tornou-se tão importante?

- Talvez porque eu andasse ocupada demais, quando as crianças eram bem pequenas, para compreender como sabia pouco do que estava acontecendo - sugeriu Lorna. - No caso de não ter notado, este é o primeiro inverno em que não estou grávida.

- Se a gravidez a impede de se tornar uma esposa chata, então a gente talvez deva mudar isso.

- Aposto que você gostaria que eu parisse todas as primaveras, como uma de suas vacas. Ou quer me manter grávida para que eu não o deixe?

- A amarga acusação era cruel. No mesmo instante, arrependeu-se. - DeSculpe, Benteen. Minha intenção não era dizer isso. - Fez um esforço para retratar-se, mas ele permaneceu rígido à sua frente, sem expressão. - Benteen, você tem que acreditar em mim. Eu o amo demais para deixá-lo. Eu não sou igual à sua mãe.

- Eu deixei as crianças sozinhas - respondeu ele. - É melhor voltarmos para lá e terminarmos a ceia.

- Não. - Lorna permaneceu onde estava, examinando-lhe as feições implacáveis. - Tudo o que eu quero é que você compartilhe sua vida comigo. E não arredo daqui até que você me diga que acredita nisso.

Ele fitou-a durante um longo segundo. Em seguida, levantou-a do chão, tomando-a nos braços.

- Acredite no seguinte, Lorna. Não vou lhe dar nunca a oportnidade de me abandonar.

A despeito do tom possessivo da voz, não era a resposta que ela queria.

Sabia sem que ele lhe dissesse explicitamente, que Benteen não queria depender dela. Havia uma parte dele que não queria amá-la. Esse era o motivo pelo qual ele lhe permitia ocupar apenas um pequeno espaço em sua vida, não toda ela. Mas não ia deixar que isso continuasse assim, mesmo que precisasse tornar-se uma chata ou uma megera.

A primavera naquele ano foi duas vezes mais movimentada. O inverno ameno lhes dera uma boa colheita de bezerros. Esse fato e a continuação da alta no mercado de carne convenceram Benteen a iniciar a construção da casa no alto da elevação. Além da turma encarregada de ferrar os animais, contratou gente para escavar as fundações e encomendou madeira a uma serraria. Abriu um poço para fornecer água corrente à casa e mandou chamar uma turma de carpinteiros.

A casa começou a tomar forma diante dos olhos de Lorna. Ia ser ainda mais magnífica do que sonhara. Benteen consultava-a sobre praticamente todos os detalhes. Animada demais com os planos de ambos e diante da estrutura que crescia a olhos vistos, não se manteve a par de outros fatos que ocorriam na fazenda. Havia revestimentos de parede a selecionar, móveis a escolher, cortinas a reservar, tapetes para os assoalhos e instalações permanentes da casa. Tudo aquilo tinha que ser encomendado e chegava por trem, barca a vapor e em carroças. Se tivessem sorte, tudo chegaria quando a casa estivesse pronta.

Ao voltar em fins de julho, do Texas, com outro rebanho de longhorns, Jessie Trumbo viu de longe, na planície, a impressionante estrutura de dois andares. Aquilo era meramente a concha externa, mas causou-lhe uma grande surpresa.

Fat Frank Fitzsimmons tirou a rolha do recipiente e enfiou as mãos gordas pela abertura a fim de pescar dois bastões de menta. com um brilho nos olhos, virou-se para Lorna.

- É mesmo uma pena que não haja aqui no meu armazém dois bons garotinhos a quem eu poderia dar uns bombons - disse e, deliberadamente, ignorou os dois meninos que, um segundo antes, haviam estado se acotovelando. Eu sou bom - disse imediatamente Webb em sua voz aguda.

O pequeno Arthur enfiou um dedo na boca e pestanejou para o homem gordo, inocência nos olhos arregalados.

- Dom... - disse, com o dedo na boca. - O proprietário hesitou por mais um minuto sob o ar ansioso das crianças - acho que vocês dois foram meninos bonzinhos demais para se curvar, de modo que se inclinou apenas e deu um bombom a cada um deles.

Como é que se diz ao sr. Fitzsimmons? - perguntou Lorna. Webb teve que tirar o bombom da boca para responder.

O pequeno Arthur não achou que isso fosse necessário:

- bigado'.

- Não há de quê. - O gordo sorriu radiante e serviu-se de Um bombom de menta, antes de cobrir o jarro. - Eu ainda sou menino, Um menino crescido. - Bateu no estômago e riu.

- Acho que o senhor não devia dar bombons a eles todas as vezes em que viéssemos aqui - protestou suavemente Lorna. - Eles vão começar a esperá-los.

- E vão querer sempre vir à minha loja quando a senhora vier fazer compras. A gente suborna os filhos e consegue a clientela dos pais - disse ele, declarando francamente seus motivos.

- Não há dúvida de que seu armazém aumentou, desde que estive aqui na primavera - observou Lorna e olhou em volta para os melhoramentos.

Fora acrescentado um segundo cómodo, transformado em área do saloon e separado do armazém. Havia janelas de vidro na frente e prateleiras para as mercadorias. Parecia-lhe que jamais podia entrar num armazém de secos e molhados sem compará-lo com o do pai.

- Pelo que ouvi dizer, a senhora e seu marido também andam construindo - observou ele, começando a colocar as compras numa caixa.

- De fato, estamos construindo uma casa - respondeu ela, esforçando-se para não demonstrar orgulho.

- Uma mansão, segundo todas as informações - corrigiu-a ele, repreendendo-lhe a modéstia.

- Realmente, parece grande em comparação com a cabana de um só cómodo onde estamos morando agora.

- Quando ficará pronta?

- Tínhamos esperanças de comemorar nela o Natal, mas duvido que a mobília chegue a tempo. Mas pensamos em nos mudar ainda no inverno.

- É mais do que apropriado que a senhora e seu marido tenham uma grande casa - garantiu-lhe Frank Fitzsimmons. - Seu marido é o maior criador por aqui. Ouvi dizer que ele tem em seus pastos para mais de vinte mil cabeças.

- Realmente... - murmurou Lorna, que não sabia que o rebanho chegara até aquele número. Abriu a bolsa de pano. - Quanto lhe devo?

- Eu debito à sua conta - respondeu ele.

Ela não sabia que Benteen abrira uma conta no armazém. Era mais outra coisa que ele não lhe dissera, mas não deixou que o proprietário soubesse disso.

- Claro - concordou, sorrindo debilmente.

- vou botar isto na carroça para a senhora. - O gordo levantou a caixa, bufando com o esforço, e saiu bamboleando de trás do balcão. Alguém veio com a senhora?

- Veio. O sr. Willis está no ferreiro. Um dos cavalos da fazenda perdeu uma ferradura a caminho daqui. - Virou-se para as crianças, lambuzadas com os bombons. - Vamos, meninos. Vamos para a carroça. Além do armazém, a cidadezinha de Uma Vez na Vida, Outra na Morte orgulhava-se de possuir uma oficina de ferreiro e fabricante de rodas e duas cabanas. onde moravam as famílias Fitzsimmons e a do ferreiro - um homem chamado Dan Long. O movimento acabara com a relva na frente das duas casas pondo a nu a terra dura e formando uma espécie de rua. Dela se irradiavam três conjuntos de trilhas que desapareciam na planície ondulante.

A carroça encontrava-se do lado de fora do estabelecimento, com apenas um dos animais atrelado. Um malho de ferreiro batia ritmicamente na tarde de verão.

Se o senhor fizer a gentileza de pôr a caixa na carroça, sr. Fitzsimmons - pediu Lorna -, vou dizer ao sr. Willis que poderemos partir logo que ele estiver pronto.

- Mas claro, sra. Calder.

Enquanto ele ia arquejando até os fundos da carroça, Lorna pegou Arthur pela mão para ir até a oficina do ferreiro. Webb, que saltitava a alguns passos à frente dela, parou de repente e apontou.

- Olhe para aquela carroça, mamãe!

- Aquilo é uma carruagem, não é uma carroça - corrigiu ela, vendo-a quase no mesmo instante que o filho.

Era uma carruagem de luxo, também, toda fechada e pintada em cores vivas. Ela não vira nada nem remotamente parecido desde que deixara o Texas. O veículo despertou-lhe forte curiosidade.

- O que é uma carruagem? - perguntou Webb, franzindo as sobrancelhas.

Lorna riu ao ouvir a pergunta.

- Você está olhando para uma.

- Oh... - disse ele, e correu para examiná-la mais de perto. Aquilo deu a Lorna excelente desculpa para satisfazer sua curiosidade

e ir atrás de Webb, em vez de procurar imediatamente Woolie Willis. Uma parelha de alazões de crinas e caudas sedosas encontrava-se, nesse momento, no curral contíguo à oficina. Tinha que ser a parelha que puxava aquela carruagem finamente construída. Vislumbrou assentos forrados de couro vermelho, mas notou também que Webb estava tentando entrar no veículo Para ver como era por dentro.

Você não pode subir na propriedade de outras pessoas repreendeu-o ela e puxou-o do estribo.

Mas eu quero ver como é por dentro.

Ouviu o som de passos em volta da carruagem e viu um par de botas antes de o homem sair de trás do veículo. Arregalou os olhos de surpresa, pois esperava Que fosse o proprietário da carruagem. Mas em vez disso, quem estava ali era Buli Giles.

- Giles. - Sorriu alegre, reconhecendo-o. - Que bom vê-lo de novo! Ele fitou Lorna, Tirando o chapéu e prendendo-o ao peito, pareceu espantado durante muito tempo.

- Lorna!

Ela ficou um pouco desconcertada com o puro desejo que viu nos olhos dele e na liberdade que ele tomara, utilizando-lhe o primeiro nome. Fez um esforço para disfarçar o súbito embaraço.

- O senhor acaba de chegar do Texas com outro rebanho? Buli Giles pareceu controlar-se um pouco e desviou a vista.

- Não. Para dizer a verdade, não voltei ao Texas no último outono.

- Não voltou? Não o vejo há bastante tempo, de modo que pensei

- parou sem saber o que dizer mais.

- Vi seu marido aqui no último outono. Ele não lhe falou? - ele soube a resposta no mesmo momento em que fazia a pergunta.

- Ele deve ter esquecido - respondeu Lorna, tentando, debilmente defender Benteen.

- Tenho certeza de que sim.

- Acho que o senhor esteve trabalhando numa das fazendas. Para o Barra 10, novamente?

- De certa maneira. Eles me contrataram para passar o inverno caçando lobos. Seu marido sabia disso, também. - Acrescentou deliberadamente, a fim de que ela soubesse que Benteen tivera pleno conhecimento de suas atividades.

- Compreendo - murmurou Lorna. Na surpresa inicial de rever Buli Giles, soltara o braço de Webb. O interesse dele pelo homenzarrão desaparecera logo e nesse momento, de volta à carruagem, ele tentava entrar.

- Webb, volte aqui.

- Tudo bem, sra. Calder. Ele não pode fazer nenhum mal - disse Buli.

- O dono talvez não pense assim.

Agarrou o braço de Webb e puxou-o para baixo. O pequeno Arthur chorou porque deixara cair o bombom no chão.

Abaixando-se, Buli Giles apanhou o bastão da bala e limpou a maior parte da terra e em seguida entregou-a ao menino. Quando Lorna começou a protestar, ele lançou-lhe um olhar e disse com um sorriso:

- Um pouco de terra não vai fazer mal a ele.

- Tudo bem - ela concordou.

Logo que soltou a mão de Arthur, o menino andou titubeante em direção ao musculoso estranho. Já que tinha novamente o bombom na boca, Arthur ficou ali mesmo, olhando-o.

- Ele se parece com a senhora. - Havia ternura nos olhos do homem rude quando levantou a vista, do menino para Lorna. - Qual é o nome dele?

- Arthur... o nome de meu pai.

- Por que é que eu não posso subir na carruagem, mamãe? - quis saber Webb.

- Você pode. - Lentamente, Buli levantou-se e aproximou-se do garoto mais velho. - Eu carrego você para entrar.

- Mas... - começou Lorna.

Está tudo bem - garantiu-lhe ele. - Uma das porcas partiu-se soltou-se um dia destes. Trouxe-a para que Dan a consertasse. Uma pequena ruga formou-se na testa de Lorna.

Esta carruagem pertence ao Barra 10?

Não - respondeu Buli com uma pequena risada. - Nem mesmo Judd Boston possui coisa parecida.

Mas eu pensei ter ouvido o senhor dizer que estava trabalhando para ele.

Ela estava ficando confusa.

Trabalhei, no último inverno.

- Bem, neste caso, de quem é essa carruagem?

Lorna deu um passo para examinar mais de perto o veículo, o que, automaticamente, aproximou-a de Buli Giles.

- Há umas duas semanas, fui contratado por um grupo de aristocratas ingleses, servindo como guia e escolta. A carruagem pertence a eles

- explicou, a atenção concentrada no rosto de Lorna. Uma mão pequenina puxou-lhe a perna da calça, desviando-lhe a vista para Arthur. - Você quer sentar-se na carruagem com seu irmão, não é? - adivinhou. Arthur inclinou vigorosamente a cabeça.

- Aristocratas ingleses - repetiu Lorna, enquanto ele levantava Arthur do chão e o colocava na carruagem. - O senhor quer dizer, eles têm títulos?

- Têm. Toda vez que a gente diz alguma coisa tem que acrescentar "meu senhor" ou "minha senhora".

Ele parecia sentir o mesmo desprezo zombeteiro de Benteen por toda a pompa que cercava a classe titulada europeia.

Parecia impossível, mas, ainda assim, Lorna não pôde deixar de especular:

- Uma delas não seria lady Crawford? - perguntou. Ele ergueu bruscamente as sobrancelhas.

- Como é que a senhora sabe disso? - Mas depois pareceu duvidar de que ela se referisse à mesma pessoa. - Ela é uma mulher mais idosa, de cabelos louros platinados.

- Parece que é ela. - Lorna nem podia acreditar. - Eu a conheci em Dodge City... no mesmo dia em que o senhor e eu almoçamos juntos.

Foi muito bondosa. Mandou sua empregada me levar um pouco de loção Para amaciar a pele. - Distraidamente, passou a mão pelo rosto, lembrando-se do presente. - E o senhor disse que ela faz parte desse grupo que está acompanhando?

Pelo que pude entender, ela é a acompanhante ou amiga de uma das mulheres mais moça, que está noiva do duque - explicou ele.

Nunca tive oportunidade de agradecer a ela pessoalmente por me ter dado aquele presente - Lorna suspirou e sorriu baixinho de si mesma. - Ela provavelmente nem se lembra disso.

Eu digo a ela - ofereceu-se Buli.

- Isso não tem importância - respondeu Lorna, mas teve esperança de que ele falasse.

- Sra. Calder? - Woolie apareceu dando a volta na carruagem puxando o segundo cavalo da parelha. - Só vou precisar de mais alguns minutos para atrelar este cavalo, e poderemos ir.

- Iremos logo para lá - respondeu Lorna. Enquanto o vaqueiro se dirigia para a carroça, Lorna virou-se para os filhos, que pulavam nos assentos da carruagem. - Basta, meninos. Vamos ter que ir agora.

- Ainda não, mamãe - disse Webb e, teimosamente, escapou das mãos dela.

- Façam como mamãe está mandando - ordenou Buli. - Vamos. Eu tiro vocês daí.

Nenhuma das duas crianças estava disposta a discutir com aquele homenzarrão. Arthur foi o primeiro a adiantar-se e a deixar que as grandes mãos o erguessem. Gritou de alegria quando Buli levantou-o alto, no ar, antes de colocá-lo no chão.

- Comigo, também - pediu Webb, quando chegou sua vez de ser tirado da carruagem.

Logo que Webb foi posto no chão, os dois começaram a pedir em altos brados que Buli fizesse a mesma coisa outra vez. Lorna teve medo de que Buli se deixasse convencer a repetir a brincadeira e interveio.

- Mais, não - proibiu, pegando cada um deles pela mão. - Está ficando tarde, e temos que voltar à fazenda para fazer a ceia do papai. Houve narizes torcidos e resmungos baixos. - O pessoal na fazenda dá tanta atenção a eles, que se tornaram um pouco mimados - confessou Lorna a Buli.

- São bons meninos.

Desmanchou carinhosamente os cabelos escuros de Webb.

- Eu gosto de você - disse Arthur, inclinando a cabeça para trás a fim de olhar para o forasteiro.

- Eu gosto de você, também - respondeu Buli com uma pequena rouquidão na voz.

- O senhor é muito carinhoso com crianças - observou Lorna. Devia casar-se e ter filhos seus.

- Não é provável que isso aconteça, considerando que a única moça com quem quis casar é esposa de outro homem. - Deixou claro que se referia a ela.

- Por favor, não diga uma coisa dessas, sr. Giles - pediu embaraçada Lorna, porque não podia deixá-lo sem uma resposta. - Isso torna impossível que sejamos amigos.

Ele respirou profundamente e soltou um rápido suspiro.

- Minhas desculpas, sra. Calder.

Tudo o que ela conseguiu fazer foi inclinar a cabeça e murmurar um bom-dia. Segurando as crianças pela mão, virou-se e dirigiu-se para a carroça à espera.

AS tendas de lona se aglomeravam como cogumelos nas pradarias despojadas e desertas. Não muito longe do trecho de rio onde se espalhavam tendas e carroças, um rebanho de cavalos pastava sob os olhos vigilantes de um vaqueiro. Mulas de longas orelhas e cavalos de tração, de musculatura possante, fartavam-se de capim ao lado de puros-sangues esguios, misturando-se e compartilhando do banquete de uma maneira democrática que as pessoas que ocupavam as tendas considerariam inconcebível.

- A senhora não acha tudo isto tão emocionante e aventuroso, lady Crawford? - perguntou Penelope Dunshill, filha do atual conde de Crawford e futura esposa do duque de Middleton. A enérgica morena não possuía qualquer beleza real, ainda que sua vivacidade a fizesse parecer atraente. - Quero montar meu cavalo e galopar loucamente por esta terra melancólica. - No mesmo instante em que manifestou esse desejo, tirou a vista da vastidão imensa da campina ondulante e virou-se para a companheira. - Vamos sair a cavalo.

- Não. - Elaine Dunshill passou a sombrinha para o outro ombro para resguardar do sol o rosto ainda bem conservado. - Até mesmo você murcharia neste calor, Penelope, e George mandou preparar um jantar suntuoso para que todos possamos provar a caça que ele abateu esta manhã. Ficará desapontado se sua futura esposa se cansar demais para saboreála. - Isso devia ter sido argumento suficiente contra a ideia, mas para reforçá-lo acrescentou: - Nosso guia saiu do acampamento para mandar consertar a carruagem. Sem um nativo para mostrar o caminho, uma pessoa pode perder-se facilmente por aqui. Em vez disso, sugiro que se deite e descanse por algumas horas.

- Se a senhora insiste... - O longo suspiro que acompanhou a concordância constituiu uma exibição exagerada do pouco desejo que havia de fazer isso.

No momento em que as duas pararam em frente à tenda de Penelope, Ursula aPareceu imediatamente. Elaine sorria para si mesma todas as vezes que esse Pensamento lhe ocorria.

Era, praticamente, a única distração que encontrava na excursão desse verdadeiro" Oeste americano. A morte de Con reduzira o papel que desempenhara na sociedade e na política de Londres. Era ainda uma mulher de encher os olhos, vestida de preto, a cor que continuava a usar após um ano de luto oficial, mas era também a esposa de um falecido conde e não mais procurada pela influência que outrora exercera. A despeito de sua herança e fortuna pessoal, fora relegada ao status de viúva.

Irritava-se com a perda de poder e prestígio que a levara a servir de acompanhante de uma moça desmiolada que achava mais emoção em um galope alucinado pelas planícies do que em ganhar dinheiro e manipular pessoas. A única alternativa à sua atual situação seria não receber mais convites e retirar-se para alguma mansão no campo. E isso seria infinitamente mais mortificante.

Quando a empregada levou Penelope para dentro, Elaine continuou andando, distanciando-se de sua tenda. Queria trocar uma palavra com o anfitrião, o duque de Middleton, e descobrir quando reiniciariam a viagem. Na verdade, parte do interesse que a levara a aceitar o convite para fazer a viagem como acompanhante da sobrinha surgira quando George - o duque de Middleton - dissera que visitariam os territórios do norte, incluindo Montana. Alimentava a possibilidade de encontrar por acaso o filho, Benteen Calder, e descobrir se ele utilizara o potencial que nele vira. O território era grande, porém, e até aquele momento não ouvira qualquer menção a seu nome. Não que isso fosse importante. Admitia apenas uma ociosa curiosidade a respeito dele.

Ao chegar perto da tenda central, viu uma charrete em frente a ela, que reconheceu como pertencente a Judd Boston, um banqueiro transformado em fazendeiro e criador. O acampamento dele localizava-se em algum lugar naquela pastagem, e ele se tornara visitante frequente. Na verdade, fora ele quem lhes recomendara o atual guia, quando George despedira o anterior por motivo de bebida. Embora pouco contato pessoal tivesse com o banqueiro, Elaine desconfiava que ele estava deliberadamente tentando manter o grupo em suas terras por alguma razão especial.

Ao ouvir o som de vozes que se filtravam pelas paredes de lona, Elaine não teve escrúpulo algum em ouvir a conversa entre Judd Boston e o anfitrião. No passado, obtivera valiosas informações dessa maneira.

- Tenho certeza de que este investimento será muito lucrativo para o senhor. - Nesse momento quem falava era Judd Boston. Embora alegasse ser texano, ele não possuía o sotaque. Por um instante, Elaine pensou que poderia ser interessante saber um pouco mais sobre ele. - Esta nossa sociedade será altamente vantajosa. Há muito dinheiro a ser ganho com gado, especialmente se um homem tem não só apoio financeiro, mas, também, relações importantes no governo. Com sua ajuda financeira e minhas ligações, nossa companhia terá as duas coisas.

- The Duchess Land and Cattle Company. O nome tem um belo som, não acha? - disse George em sua voz arrogante e bravateadora. - Minha futura esposa adora esta região. Tenho certeza de que vai adorar possuir uma fazenda com seu nome.

- Um excelente presente de casamento - concordou Boston, e Elaine percebeu um traço de cinismo na voz.

Nesse momento, ela compreendeu o jogo do banqueiro. Mantivera o grupo ali a fim de convencer o duque de Middleton a investir parte de sua grande fortuna em sua fazenda, como tantos outros membros da realeza europeia haviam feito recentemente. Idiotas, pensou Elaine. Eles não tinham a menor ideia das incertezas da criação de gado no Oeste. Secas, nevascas, doenças, para nada dizer das oscilações do mercado de carne. Podia-se ganhar dinheiro. Sim, muito. Mas não tão facilmente como diziam homens como Judd Boston. Esses donos e sócios ausentes estavam pedindo para serem tosquiados e aliviados de seu dinheiro.

- Isto aqui é uma pastagem de primeira classe - dizia nesse momento Boston. - Pode procurar em toda Montana e não encontrará outra melhor.

Pelo que Elaine vira, havia uma terrível falta de água para sustentar um grande rebanho e, certamente, um do tamanho que Boston dissera que ia trazer do Texas. A água fora o único património de Seth Calder, mas ele sempre fora conservador demais em tudo o que fizera. "Crescer devagar", fora isso o que dissera, e Elaine vira os meses se transformarem em anos sem nenhum melhoramento visível ao padrão de vida que levavam.

- O que foi que o senhor disse sobre três propriedades requeridas que o senhor - ou melhor, nós - poderíamos assumir? - disse George, corrigindo-se e enfatizando sua participação.

- Antes que o governo conceda o título de terras a um indivíduo, exige que sejam feitas benfeitorias. Como eu disse, há três propriedades que não atendem a essas exigências. Tenho um "amigo" no cartório de terras que indeferirá os requerimentos na ocasião apropriada, deixando-as abertas para nós. - Houve uma pequena pausa antes de Boston continuar: - O senhor compreende, naturalmente, que essa informação deve ser mantida em rigoroso sigilo. Não vamos querer que o dono do Triplo C descubra nossos planos e atenda a essas condições.

- Não direi nem uma única palavra - prometeu George, simultaneamente um pouco insultado e entusiasmado com aquelas atividades clandestinas. - Convido-o para jantar conosco hoje à noite, Boston. Aquele sr. Giles que nos recomendou é um guia maravilhoso. Esta noite, vamos nos banquetear com caça que eu abati pessoalmente, caça a que me levou nosso guia. Gostaria que participasse dos resultados da caça e celebrássemos nossa nova sociedade.

- Será um grande prazer, senhor.

Acho que o senhor gostará de descansar e arrumar-se antes do jantar. - Elaine ouviu o som de estalo de dedos. - vou mandar Barton lhe mostrar onde pode ficar.

Terminada a conversa, Elaine voltou a andar devagar e chegou à frente da tenda no momento em que o criado levantava a tela para Boston sair.

Inclinou a cabeça na direção dele, e o banqueiro retribuiu tocando a pala do chaPéu e lhe fazendo uma pequena mesura. Enquanto ele se afastava, ficou parada por um momento, sabendo que o duque de Middleton estava sozinho na tenda e debatendo consigo mesma se devia falar-lhe, como pensara antes.

A marcha dos fatos, porém, lhe estimulara a imaginação. Pareceu-lhe muito menos imperativo que o grupo reiniciasse a jornada. Voltou à sua tenda particular e dispensou a empregada. Apenas como exercício mental, começou a imaginar o que faria com uma fazenda de criação em Montana - onde e como dinheiro podia ser ganho. A maior parte do gado era vendida para embarque com destino aos mercados de carne do Leste, o que punha o criador à mercê dos preços estabelecidos pelos compradores. De que modo podia isso ser controlado? Um criador poderia vender diretamente ao governo dos Estados Unidos.

Não obstante, o Canadá ficava muito mais perto - e os canadenses estavam construindo uma estrada de ferro através das Montanhas Rochosas, além de postos avançados da Polícia Montada. E havia todos aqueles índios nas reservas para serem alimentados. Lembrava-se vagamente de um parente pobre que trabalhava para o governo canadense, um primo em segundo ou terceiro grau do falecido marido, o conde de Crawford. Conhecera-o superficialmente naquela última e infeliz viagem pelo Oeste. Ele tentara conseguir dinheiro emprestado. Roddy... não, Roger Dunshill, era esse o nome dele. Trabalhava como comprador do governo.

Elaine riu de si mesma. Se Judd Boston apenas soubesse que seu novo sócio tinha também valiosas ligações... Mas não tinha a menor intenção de levar a informação ao conhecimento do duque. Por que deveria ela fazer uma fortuna para ele? No fim, alguém descobriria o mercado para a carne que havia no Canadá. Era uma pena que ela não fosse participar do grande golpe que poderia ser dado.

Tentar financiar duas operações esticara demais os recursos de Judd Boston. com uma carta de crédito de valor ilimitado assinada e com o sinete do duque de Middleton teria todo o dinheiro de que necessitaria. O acordo de sociedade não o preocupava absolutamente. Havia um número grande demais de maneiras legais de captar fundos para incomodar-se com a divisão de lucros.

Paciência. Era apenas uma questão de paciência, e, no fim, teria tudo o que queria. Incluindo aquelas três concessões que Calder requerera. Aquele homem andava tão ocupado construindo a nova mansão que esquecera de fazer as necessárias benfeitorias que lhe assegurariam o direito legal às propriedades.

Cheiros apetitosos que vinham da área da cozinha levaram-no a tirar o relógio do bolso do colete e verificar a hora. Em mais vinte minutos, chegaria o momento de apresentar-se à tenda do duque. Em vista disso, continuou a vaguear, sem pressa, entre as carroças, enquanto o sol caía às suas costas num incêndio de glória. Ouviu o som de uma carruagem aproximando-se. Virando-se, viu Buli chegando com a parelha de alazões idênticos.

Esperou que a carruagem parasse e o homenzarrão saltasse para o chão. Antes de ir ao seu encontro- Dois peões adiantaram-se para cuidar dos cavalos. agachou-se para examinar as rodas da carruagem.

Eu lhe disse que faria com que valesse a pena para você manter os seus amigos nesta área por umas duas semanas - disse Boston, tirando um saco de moedas do bolso e deixando-o cair na mão de Giles. O vaqueiro pesou o dinheiro antes de guardá-lo no bolso.

A coisa simplesmente aconteceu naturalmente - disse Giles.

_ Em nosso benefício mútuo - murmurou Boston e fitou-o durante um longo segundo. - Eu não o entendo.

Em geral, ele era capaz de descobrir os motivos de todos os homens, mas Buli Giles não seguia o modelo habitual.

- Há alguma razão para entender? - perguntou Giles com uma leve zombaria.

- Não, mas acho que ajuda. Você chegou aqui antes da maioria. Conhecia o potencial desta zona. Podia ter feito a mesma coisa que Calder. Hoje, poderia estar construindo uma casa tão grande como a dele. Você tem os conhecimentos e a capacidade, mas não os usa. Por quê?

Buli encolheu indiferente os ombros.

- Acho que não tenho seu tipo de ambição... ou cobiça.

- Todo homem quer alguma coisa. - Boston não ia acreditar nessa. - O que é que você quer?

- Ser deixado em paz - retrucou Buli, lançando-lhe um olhar impaciente.

- O que é que o está prendendo aqui? - voltou a perguntar Boston. Em geral, você vagueia de um lugar para o outro. - Levantou a cabeça, lembrando-se de uma observação feita por Loman Janes certa vez. Na ocasião, ela não lhe despertara o menor interesse. - Não seria por acaso a mulher de Benteen Calder, seria?

Passou-se um pequeno momento antes de Giles responder:

- O que eu ia querer com a mulher de outro homem?

Judd Boston, porém, simplesmente sorriu, seus olhos pretos escurecendo ainda mais com uma expressão de quem sabia das coisas.

Acho que acidentes, nas pastagens, são coisas que acontecem. esPosas se transformam em jovens viúvas com muita rapidez por aqui. Talvez seja isso - disse pensativo. - Está tentando arranJar coragem para providenciar que Calder tenha um acidente?

Eu nunca gostei muito de você, Boston - rosnou Buli.

Deixe que outra pessoa faça o trabalho, e você pode substituí-lo. Um plano nada mau, Giles.

Eu nunca disse nada disso.

Mas está pensando - continuou, o sorriso de Boston alargando-se. Irá dar certo.

- Você tem uma mente suja. - Buli deu-lhe as costas e se afastou.

Ao entrar no acampamento propriamente dito, Buli Giles estava tremendo de raiva. Sabia que Judd Boston invejava as pastagens de Calder. Não via por ali nenhuma melhor. Mas a tentativa de usá-lo como peão para retirar Calder de cena parecia-lhe uma canalhice. Era verdade que pensara no aconteceria a Lorna se Benteen fosse morto ou estropiado, mas apenas por estar interessado nela. Não fora um desejo de morte em relação a Benteen.

Uma mulher como ela não olharia duas vezes para um homem como ele. Começou a reduzir os passos à medida que um doloroso aperto lhe fechava o peito, torturando-o com as emoções profundas que pensar nela lhe provocavam. Ela era tão bonita, com aqueles olhos escuros e cabelo macios e lustrosos, como aqueles puros-sangues que pastavam ali. Chamara-o de amigo, ou não? Isso significava alguma coisa ou não? Ela tinha que gostar dele. Um gemido escapou-lhe da garganta.

Olhou em volta, preocupado de alguém ter ouvido. Lady Crawford estava justamente saindo da tenda. com a recordação do encontro com Lorna tão vívida ainda, imediatamente lembrou-se que ela dissera que conhecera lady Crawford, que a vira uma vez. E ele prometera dizer isso àquela mulher.

Tirando o chapéu, adiantou-se para interceptá-la.

- com licença, minha senhora - disse, com uma pequena inclinação.

- Sim? O que é? - perguntou ela, querendo saber a razão pela qual ele a detinha, tão majestosa e altaneira no seu porte.

- Por acaso a senhora esteve em Dodge City há três anos? - perguntou Buli.

Uma sobrancelha levantou-se em curiosa surpresa.

- Estive, sim, com meu falecido marido.

- Talvez a senhora se lembre de ter conversado com uma moça e lhe dado um pote de loção para a pele - sugeriu Buli.

O interesse de Elaine tornou-se autêntico.

- Lembro-me, de fato, desse incidente. Posso saber como soube disso?

- Eu conversei com a jovem, a sra. Calder, ainda esta tarde, quando levei a carruagem para consertar. Ela estava muito grata por sua bondade para com ela.

- Sra. Calder, sim, era esse o nome. - Inclinou a cabeça, como se a menção do nome lhe tivesse avivado a memória. - E ela mora por aí? Que coincidência!

- O marido dela é dono de uma das fazendas vizinhas - confirmou ele.

Lady Crawford ficou calada por um momento.

- Talvez eu deva visitá-la - especulou em voz alta, mas em seguida lançou um olhar a Buli. - O senhor acha que ela se incomodaria?

- Eu acho que ela ficaria muito contente. - Sorriu ao pensar que Lorna ficaria satisfeita em rever aquela mulher.

Não seria correto chegar lá sem ser anunciada. O senhor poderia ir à fazenda dela amanhã e perguntar se eu poderia visitá-la no dia seguinte? - perguntou.

_ Eu ficaria mais do que feliz em fazer isso para a senhora garantiu-lhe Buli.

E vou exigir que me acompanhe até a fazenda dela no dia seguinte.

Providenciarei isso com o duque - disse ela.

Muito bem. - com outra pequena mesura, Buli afastou-se.

Com todo o barulho que havia no canteiro da obra, Lorna não prestou nenhuma atenção quando ouviu o ruído de uma carroça parando diante de sua cabana. Webb entrou correndo em casa e dirigiu-se diretamente para ela. Lorna pegou o ferro de passar um momento antes de ele chocar-se com a tábua.

- Mamãe, é a tia Mary! - exclamou ele sem fôlego. - Veio visitar a gente!

Lorna esqueceu o sabão que ia passar nele, pôs o ferro em cima do fogão e dirigiu-se rápida para a porta. Webb não se enganara. Mary e Ely nesse momento chegavam à cabana.

- Webb disse que vocês estavam aí - disse surpresa Lorna. - Por que não avisaram que vinham? Eu podia ter feito um bolo.

- Simplesmente, não houve tempo - respondeu Mary e olhou para Ely.

Os dois estavam com um sorriso escancarado, que ia de uma orelha a outra. Lorna teve a impressão de que via um jovem casal que se apaixonara.

- Não houve tempo? - repetiu, inteiramente confusa com o comportamento dos dois.

Quando a fitou, havia lágrimas nos olhos de Mary.

- Nós vamos ter um bebé, Lorna.

- Você vai? - Lorna ficou surpresa e feliz, tudo ao mesmo tempo.

- Vamos, sim. - O queixo de Mary subia e descia nervosamente.

- Isso não é maravilhoso? Depois de todo este tempo, vamos, finalmente, ter um filho.

- É mais do que maravilhoso! - No momento seguinte, abraçava a amiga, enquanto as duas choravam e riam.

- Eu, simplesmente, não pude esperar nem mais um minuto antes de vir aqui contar a você - disse Mary, quando conseguiu recuperar o fôlego. - Ely ficou preocupado com esta viagem toda na carroça, mas eu achava Que ia estourar se não lhe contasse pessoalmente. Nós esperamos tanto!

Estou tão contente por você. - Lorna enxugou as lágrimas nos olhos e apertou a mão de Ely. - Estou tão contente pelos dois. Ouviu um som de patas a galope e viu Benteen chegando. Erguendo o braço, acenou agitada para ele. Ele reconheceu Ely e dirigiu o cavalo para a cabana. Lorna mal lhe deu tempo de desmontar e já lhe contava a novidade. Quando terminaram os parabéns pela segunda vez, Lorna sugeriu que todos entrassem para tomar café.

Enquanto os homens ocupavam-se discutindo assuntos de fazenda Mary inclinou-se para perguntar baixinho a Lorna:

- É verdade que Bob Vernon vai casar?

- Não soube de nada a esse respeito.

- Ely insinuou que isso poderia acontecer, e pensei que Benteen tivesse lhe dito alguma coisa - disse Mary, explicando a razão por que perguntara. - É por causa de uma moça que ele está indo a Miles City uma vez por mês.

- Eu sabia que ele estava indo muito lá - reconheceu Lorna. - muitos outros rapazes também vão. Não sabia que ele ia por causa de uma moça.

- Não é qualquer moça - murmurou Mary. - É uma prostituta, mas sei que os dois estão perdidamente apaixonados um pelo outro.

Lorna fez um rápido exame de consciência, mas não conseguiu descobrir em si mesma nenhum choque ou indignação moral. Sua maneira de encarar a vida mudara muito. Se Bob Vernon queria casar-se com a tal mulher, conhecendo-lhe o passado, e ela queria casar-se com ele, isso era suficiente.

- Acho que vou sugerir a Benteen que dê esta cabana a Bob quando nos mudarmos para a casa - disse, pois foi o pensamento que lhe ocorreu no momento.

Mary fez menção de falar, mas foi interrompida por Webb, que entrou mais uma vez impetuoso na cabana. Lançou-se a Lorna com o habitual descuido.

- Mamãe! Aquele homem está aqui... só que ele não trouxe a "carriage".

A última palavra escapou-lhe. Quando Lorna olhou para a porta que Webb deixara aberta, Benteen já se dirigia para ela. Havia algo nele que lhe lembrou um cão eriçando-se todo ao ver um intruso. E isso a levou, ainda com mais rapidez, a sair para ver quem estava chegando.

Ao chegar à soleira, Benteen pusera um pé fora da porta, bloqueando a saída. Por cima do ombro dele, viu Buli Giles descendo do cavalo e compreendeu então que Webb estivera tentando pronunciar a palavra "carruagem". Arthur estava saindo no seu trote curto para receber o estranho, mas, depois, parou tímido no último momento e enfiou o dedo na boca.

Buli parou, sorriu para a criança e lhe desmanchou o cabelo.

- Como vão as coisas, Artie?

Arthur girou sobre as pernas curtas e correu para Benteen, mas estava sorrindo, sem medo nenhum do homenzarrão que o seguia. Lorna lanÇou um olhar rápido a Benteen. O queixo do marido estava projetado para frente, numa postura agressiva.

O que é que o traz aqui, Giles? - perguntou Benteen, sem se dar o trabalho de um cumprimento.

O olhar de Buli passou por ele e dirigiu-se a Lorna, que notou um nervo tremendo no rosto de Benteen.

Trago um recado para sua esposa de lady Crawford.

Os lábios de Lorna entreabriram-se de agradável surpresa e contentamento, mas Benteen falou antes que ela tivesse oportunidade de fazê-lo:

Quem é lady Crawford?

Você deve se lembrar que eu lhe falei sobre ela - apressou-se Lorna a explicar, pondo-se ao lado dele e tocando-lhe o braço. Com Ansiedade nos olhos, ela levantou a cabeça para ele. - Eu a conheci em Dodge City, e ela me deu aquele pote de loção.

Uma leve expressão de reconhecimento passou pelo rosto dele, mas em seguida os olhos se estreitaram.

- O que ela está fazendo aqui?

- Está com um grupo de aristocratas ingleses que fazem uma excursão por esta região. O sr. Giles está servindo de guia para eles - explicou Lorna. As palavras foram recebidas em silêncio por Benteen. Ela virou-se para Buli.

- O senhor disse que tem um recado para mim? Ela se lembrou de mim?

- Sim, lembrou-se de tê-la conhecido. Ela gostaria de lhe fazer uma visita e mandou-me perguntar se não haveria inconveniente se viesse aqui amanhã.

- Amanhã? - Inconscientemente, sua mão apertou a manga do braço de Benteen. - Diga a ela que não há inconveniente algum. Ela será mais do que bem-vinda.

- Por volta das duas horas? - sugeriu Buli.

- Sim, essa hora será ótima - garantiu-lhe Lorna, ainda achando difícil acreditar que aquela mulher quisesse visitá-la.

Seria sua primeira oportunidade de receber socialmente outra pessoa, além de Mary e Ely. Sentiu o nervosismo e a prelibação crescendo e lutou para abafá-las. Simplesmente porque não tivera contatos sociais durante anos, não ia tornar-se pateticamente ansiosa como aquela mulher do Kansas.

Eu direi a ela que a senhora a espera amanhã, então. - Inclinou a cabeça e fez menção de retirar-se.

O senhor não quer entrar para um café? - convidou Lorna, a despeito da atitude hostil de Benteen.

Mas foi Benteen quem atraiu o olhar de Buli antes de ele sacudir a cabeça, recusando.

Não obrigado, sra. Calder. - Dirigiu-se ao cavalo, enfiou o pé no estribo e saltou para a sela. Enquanto ele se afastava a trote da cabana, Webb puxou as saias de Lorna.

Por que ele não trouxe a "carriage"?

Provavelmente, porque era mais rápido vir a cavalo – raciocinou Lorna, embora consciente do olhar fulminante de Benteen.

- Quando foi que os meninos o conheceram? - A pergunta foi rápida e em voz baixa.

- Ontem - respondeu ela tranquilamente -, quando fomos ao armazém do sr. Fitzsimmons. O sr. Giles estava na oficina do ferreiro esperando pelo conserto de uma carruagem que pertence ao grupo inglês.

- Você não falou nisso na noite passada.

- Devo ter esquecido.

Havia uma suavidade na voz dela que dizia que pagava na mesma moeda por todas as coisas que ele não se incomodara em lhe contar. Na verdade, não contara a ele porque ficara perturbada com o último comentário feito por Buli.

- O quê foi mais que você esqueceu? - Ele não estava achando graça. Na verdade, estava ficando furioso.

Como não tinha intenção de provocar ciúmes, Lorna apenas suspirou cansadamente.

- Nada, Benteen. Nada mais. - Mas se controlou e sorriu para ele.

- Você estará aqui amanhã, quando ela vier? Eu gostaria que a conhecesse.

Ele olhou-a atentamente e em seguida desviou a vista para o homem que nesse momento deixava sua fazenda.

- Eu estarei aqui amanhã, quando ela chegar.

De repente, Lorna deu-se conta de que Buli Giles, provavelmente, acompanharia lady Crawford na viagem à fazenda. Ele era a razão por que Benteen estaria ali. Não estava interessado em conhecer lady Crawford e não concordara para agradá-la.

- Você pensa que o sr. Giles vem amanhã - murmurou Lorna para deixar claro que lhe conhecia as razões.

O olhar que ele voltou para ela foi frio.

- E você não pensa?

- Eu sou casada com você, Benteen - respondeu ela, com tranquila força.

- Neste caso, quero fazer com que ele não esqueça isso - respondeu, sem mudança alguma na expressão dura.

A alta estrutura de madeira elevava-se majestosa sobre o tédio im terrupto da pradaria ondulante. Elaine espigou-se mais no assento da ca ruagem e inclinou-se um pouco para a frente a fim de examiná-la bem. As proporções do prédio eram grandiosas, algo menor teria sido apoucado Pela imensidão da terra vazia. A casa estava reivindicando domínio sobre os termos infindáveis daquela terra selvagem.

É para lá que estamos indo? - gritou para Buli Giles a fim de confirmar a certeza que já lhe queimava o coração.

- É, madame. Lá à frente está o Triplo C - respondeu Buli, virando-se firmemente no assento do cocheiro para responder.

- O senhor disse Triplo C? - perguntou vivamente Elaine.

- Sim, madame. Essa é a marca de ferrar que Calder usa. O Triplo C.

Recostando-se no assento, Elaine manteve a mão no lado da carruagem para manter o equilíbrio, enquanto o veículo rolava pela trilha irregular e esburacada que levava à fazenda. Considerando a observação feita por Judd Boston, parecia-lhe que a fazenda de seu filho não estava tão segura quanto aquela casa deixava transparecer.

Lorna puxou para cima a gola do vestido, tentando colocá-la mais alto para que não aparecesse tanto dos seios, mas a verdade era que eles haviam se tornado mais cheios desde o nascimento das crianças. O corpete do vestido simplesmente se recusava a esticar mais para cobrir a convexidade dos seios.

Criticamente, estudou a imagem refletida no espelho. Impudico ou não, ia usá-lo. Era o seu melhor vestido. Recusava-se a receber a visita da inglesa usando um dos vestidos comuns, de uso diário. Passou a ponta dos dedos pelo rosto, experimentando-lhe a maciez.

Uma segunda imagem apareceu no espelho, surpreendendo-a. Benteen surgira às suas costas, tendo chegado com pés de gato. O rosto másculo e magro dele ficou junto ao seu no espelho. Seus olhos se encandearam durante um longo segundo antes que Lorna se virasse para encará-lo. A mão dele moveu-se para acariciar de leve a curva da garganta da esposa enquanto a vista lhe acompanhava o movimento.

- Giles vai gostar do tempo que você gastou para se tornar bonita

- observou ele cinicamente, enquanto os dedos continuavam a descer até chegar à elevação exposta dos seios.

- Eu não fiz isso para ele - respondeu secamente Lorna, irritada por ele dizer uma coisa dessas e ao mesmo tempo consciente da maneira como sua carne vibrava sob o toque. - Além do mais, nem mesmo sei se ele virá trazer lady Crawford até aqui.

- Ele virá - declarou Benteen. - E vai notar sua aparência.

Não posso evitar isso - protestou ela, enquanto os dedos dele se introduziam sob o tecido já esticado da gola e lhe seguiam a linha descendente.

- Por que é que você tem que voltar sempre ao mesmo assunto? Ele quer fazer o que estou fazendo agora com você. - A palma da mão subiu Para a nuca de Lorna quando os dedos terminaram a subida pelo pescoço. Ele gostaria de tomá-la de mim. Você sabe disso também. Os olhos dele desafiaram-na a negar isso, mas ela não podia.

Não há razão alguma para você se preocupar com isso.

- Não há? - A mão dele aplicou pressão para aproximá-la mais da parte inferior de seu corpo. - Neste caso, diga-me que não gosta dele.

- Mas eu gosto dele... como amigo. - Lorna ressalvou a resposta mas recusou-se a mentir sobre seus sentimentos em relação a Buli Giles.

- Ele usará isso algum dia, Lorna - avisou Benteen. - É esse motivo pelo qual ele está se demorando nesta área... por sua causa. Nada mais o prende aqui. Você não pode confiar nele.

- Você está exagerando. - Mas havia um pouco de dúvida nela. - De qualquer maneira, esta não é a ocasião de falarmos sobre isso. Eles chegam a qualquer hora.

- Eles... - interrompeu-a Benteen. - Você está esperando que ele venha.

- Benteen, por favor, não faça isso.

Ele não tinha motivo para sentir ciúmes, mas, aparentemente, não conseguia convencê-lo disso.

Ele a puxou para si para beijá-la. Havia fogo naquele beijo, como se ele quisesse deixar queimada sua marca nos lábios da mulher, marcá-la da maneira como marcava todas suas posses. Quando levantou a cabeça, a respiração saía entrecortada. Ela estava furiosa e excitada ao mesmo tempo. A contradição mostrava-se na fagulha ígnea nos olhos e na maciez dos lábios. Girando sobre si mesma, Lorna examinou os estragos no espelho.

- Não há tempo para isso - disse Benteen. - A carruagem estava aproximando-se no momento em que entrei.

Ela virou-se para ele, furiosa por lhe destruir a calma quando a chegada das visitas estava iminente. Um brilho satisfeito luziu nos olhos dele enquanto a examinava. Cerrando os lábios, Lorna passou rápida por ele e dirigiu-se para a porta. Ela mesma estava ouvindo o chocalhar de rodas no lado de fora.

A carruagem parava justamente no momento em que abriu a porta. Um sentido interno disse-lhe que Benteen se encontrava a um passo às suas costas. Endireitou os ombros como se defendendo dele e saiu da cabana para receber a visita especial. As crianças já corriam nesse momento para fora. Ao notar a mancha de gordura nos fundilhos das calças curtas de Webb, sua irritação aumentou.

Buli Giles desceu do assento do cocheiro, seu olhar correndo para Lorna. Embora consciente desse fato, não conseguiu enfrentar-lhe os olhos, quando sabia que Benteen observava atentamente os dois. Aquilo criava tensão em suas maneiras, justo no momento em que queria causar boa impressão à visita.

Chamou Webb e Arthur para seu lado, enquanto Buli Giles ia abrir a porta da carruagem, oferecendo a mão para ajudar a mulher. No momento em que lady Crawford desceu, Lorna ficou mais uma vez imprssionada pela postura majestosa daquela mulher, um efeito tornado ainda mais dramático pela blusa de seda pura e a longa saia de cetim, ambas negríssimas. Parecia mais velha do que da última vez em que a vira – rugas em torno dos olhos pretos - mas, estranhamente, não menos bela. Dirigindo-se lady Crawford graciosamente ao seu encontro, o instinto dissee a Lorna que devia fazer uma mesura. A mão de Benteen, porém, fixou-se em torno da curva de sua cintura, como se para impedir o movimento. Ela endureceu ligeiramente sob a firme pressão dele e permaneceu erecta.

É um grande prazer voltar a vê-la, minha lady - disse à mulher, com a mão estendida, apertada e rapidamente solta.

Por favor, vamos dispensar as formalidades neste encontro. Eu gostaria que você me chamasse de Elaine - pediu ela, o olhar voltando-se inten cionalmente para Benteen. - É este o seu marido?

Enquanto Lorna fazia as apresentações, Elaine observou atentamente o rosto do filho, mas não viu nenhum sinal de reconhecimento. Não era de surpreender, realmente, considerando como ele era pequeno e o quanto ela mudara, de simples moça do Texas para membro da classe dominante inglesa. Embora ele mostrasse o maior desinteresse, ela sentiu, ainda assim, uma tensão que provinha dele e se perguntou qual seria a causa.

As duas crianças foram apresentadas. A herança do sangue Calder mostrava-se fortemente em ambos, e Elaine fez uma observação a esse respeito. Por dentro, estava incomodada com a ideia de ter netos. A velhice era algo que combatia, e filhos eram provas de idade avançada, a despeito das mentiras contadas pelo espelho.

- Sr. Giles. - Ela virou-se parcialmente para falar com o guia. Pode me fazer o favor de ir buscar os dois presentes que deixei no assento da carruagem? - Certa da obediência, manteve a atenção no casal, seu olhar demorando-se mais em Benteen. - Eu trouxe para ambos uma lembrancinha para mostrar minha apreciação pela hospitalidade de hoje. Não sabia da existência de filhos ou teria incluído também um pequeno presente para eles.

- A senhora não nos devia ter trazido nada - protestou Lorna.

- Minha esposa tem razão. Temos que recusar - disse Benteen com uma demonstração daquele obstinado orgulho Calder que Elaine conhecia tão bem.

- Tolice. - com um gesto autocrático disse a Giles que lhes entregasse os presentes. - São meramente presentes simbólicos. Um pote de loÇão para sua esposa e alguns charutos para o senhor. Meras bagatelas, garanto-lhes.

A contragosto, Benteen aceitou o presente, enquanto Lorna se mostrava muito menos relutante. O interesse de Elaine, porém, foi interrompido pelo olhar que Benteen lançou ao guia, cheio de suspeita e desconfiança. Notou logo a maneira como a esposa evitava olhar diretamente para o guia. Aparentemente, eles não eram a unidade familiar inteiramente feliz que pareciam à primeira vista.

Gostaria de entrar um pouco? - convidou Lorna. - Preparei um Pouco de chá e bolos.

- Eu gostaria - aceitou Elaine, mas se interrompeu para lançar u olhar à casa que estava sendo construída. - Não pude deixar de notar que vocês estão construindo uma nova casa. É uma estrutura muito imponemte. Talvez depois possam me mostrar as obras?

- Os marceneiros começaram justamente a trabalhar no interior de modo que não há muita coisa para ver, mas terei muito prazer em lhe mostrar o que há - concordou Lorna com uma pontada de orgulho. Em comparação, a cabana vai parecer muito pequena e tosca.

- Mamãe, por favor, posso me sentar na "carriage"? - pediu Webb, incapaz de conter a ansiedade por mais um segundo.

Lorna tentou distraí-lo:

- Você não acha melhor entrar e comer um daqueles lindos bolos que eu fiz?

- Eu quero sentar na "carriage"!

Vendo Lorna hesitar, lady Crawford tomou a palavra:

- Se a carruagem pôde sobreviver à viagem neste terreno difícil, dois garotinhos não irão danificá-la.

Crianças sempre haviam sido mais problema do que qualquer outra coisa, de modo que não se importou por sentirem mais interesse pela carruagem do que por ela.

- Eu sei que as crianças não fariam intencionalmente qualquer... começou Lorna.

Buli Giles a interrompeu:

- Eu cuidarei das crianças, sra. Calder, e tomarei cuidado para que não se metam em encrencas.

Um curto e embaraçado silêncio seguiu-se ao oferecimento, enquanto Lorna olhava inquieta na direção de Benteen. Ele, porém, continuou calado. Os cantos da boca de Lorna tremeram com o esforço de tentar sorrir.

- Isso é muita bondade sua, sr. Giles. Obrigada.

- Vamos, meninos. Vamos ver a carruagem. - Os dois correram ao encontro dele.

Lorna se preocupara muito em como receber uma pessoa da classe e educação de lady Crawford, mas a visita fê-la sentir-se muito à vontade durante o chá. A conversa correu tranquila, exceto pela maneira como Benteen se conservava distante. Lorna notou que lady Crawford observava esse comportamento pelas muitas vezes em que o olhar dela vagueou na direção de seu marido.

As vozes alegres e os risos das crianças chegavam até a cabana, numa garantia de que Buli estava mantendo-os divertidos. Lorna sentiu que Benteen não estava satisfeito com isso. Talvez não devesse tê-las deixado lá fora, mas Webb desenvolvera um temperamento tão difícil ultimamente que não quisera arriscar-se a uma das tempestuosas crises de mau humor da criança na frente de lady Crawford.

Depois de esperar até o ponto em que julgou que sua obrigação social fora cumprida, Elaine sugeriu que fossem conhecer a nova casa. O plano radicou-se quando saíram e as duas crianças quiseram acompanhá-los na visita ao canteiro de obras. Pensara que eles estavam seguros e distantes na guarda do guia, mas aparentemente se enganara. O interior da casa era um labirinto de andaimes e pedaços e pilhas de madeira serrada por toda parte. Para as crianças, aquilo era uma gigantesca sala de brinquedos. As correrias e gritos deles aumentavam ainda mais

a confusão. A despeito de tudo, Elaine visualizou exatamente como a casa seria desde a sala de jantar formal à área de serviços e à grande cozinha. A casa tinha o potencial de ser magnífica, nos padrões do Oeste, e sabia-o.

Isto aqui vai ser o gabinete - explicou Lorna, depois de completarem a visita ao térreo e chegando a uma sala que se abria a partir do grande vestíbulo.

Nesse momento, ouviram um baque surdo, seguido por um grito de dor e medo de uma das crianças. Elaine foi a única que não reagiu alarmada, enquanto Lorna e Benteen corriam para atender ao apelo de Arthur. com as pernas pequeninas tropeçara numa tábua e escorregara, arranhando os joelhos no chão áspero de madeira.

Benteen fez menção de erguê-lo, mas Arthur queria a mamãe e soltou novo berro, estendendo as mãos para ela, que o levantou do chão, abraçou-o fortemente e começou a niná-lo devagar, em silencioso consolo.

- Arthur se machucou? - o garoto mais velho espichou o pescoço para ver o ferimento. - Está saindo sangue? Posso ver?

- Ele simplesmente arranhou os joelhos - respondeu Lorna e lançou um olhar de desculpas a Elaine. - Podia me dar licença?

- Mas claro - respondeu ela alegre. - Seu marido pode me mostrar o resto da casa.

Virou-se para esconder a satisfação que lhe brilhava nos olhos e cruzou a sala até a lareira maciça. Escutou o som dos passos, separando os de Benteen dos de Lorna e as crianças, quando eles saíram pela porta principal.

- A escada para o segundo andar não está ainda pronta - informou Benteen. - Não há nada mais na casa para se ver.

Elaine inclinou a cabeça sobre um ombro para estudá-lo de soslaio.

- Você não se lembra absolutamente de mim, não é? - murmurou.

- Não entendi.

Ele ergueu comicamente uma sobrancelha, mas a curiosidade dele Parecia forçada. Evidentemente, ele pensava em outras coisas. Eu não esperava que se lembrasse. - O olhar dela voltou à lareira. Seu pai conservava um retrato meu na cornija da lareira. Eu muitas vezes

Perguntei por quanto tempo ele o deixou no mesmo lugar, quando o fitou novamente, notou a palidez sob os músculos faciais. Estremeciam de frio choque. Elaine não ficou surpreendida com o ódio que lhe incendiou subitamente os olhos.

Ficou no mesmo lugar até o dia em que ele morreu. - A voz rosnou a resposta, embora o controle permanecesse inalterado.

- Seth sempre foi um romântico incurável - disse Elaine com uma risada rouca, mas depois deixou a vista correr pela casa semi-acabada. - Talvez, se ele tivesse me construído uma casa como esta, eu não o tivesse deixado. É por isso que a está construindo, Benteen? Está com medo de perder sua mulher?

- Não sei por que você está aqui, mas pode ir para o diabo que a carregue! - A voz baixa vibrava com o esforço para conter a fúria. - Volte para seus lordes e ladies elegantes. Ninguém a quer aqui.

- Eu não vim aqui pedir seu perdão - respondeu ela com um laivo de divertimento. - Não me arrependo de ter fugido de seu pai e de o ter abandonado. Quando deixei o Texas em companhia de Con Dunshill nem uma única vez olhei para trás.

- Você pensa que eu me importo? - perguntou Benteen em voz rouca. - Eu não sou meu pai. Você saiu de minha vida e pode se conservar fora.

Os olhos escuros examinaram-no, indiferentes ao profundo ódio dele.

- Você não é igual ao seu pai. Eu soube isso quando o vi em Dodge City. Você é igual a mim, Benteen. Igualzinho a mim.

- Você é uma adúltera, uma intrigante. Não tem nem mesmo os escrúpulos de uma prostituta. - Desprezo e zombaria contorceram-lhe as feições quando lhe cuspiu esses insultos.

- E você é implacável, ambicioso e inteligente... todas as coisas que diz que eu sou. No homem, elas são qualidades a serem admiradas. Mas se uma mulher as possui, ela é uma intrigante, uma cavadora de ouro. Confesso-me culpada de todas as três coisas. E agora, Benteen? Não está um pouco curioso para saber por que vim aqui, depois de todo este tempo?

- Não particularmente.

- Você de fato quer saber. Mas simplesmente não quer reconhecer.

- Sorriu, cheia de certeza. - Assim, vou lhe dizer. Desde a morte de meu marido...

- Suponho que se refere a meu pai - interrompeu-a Benteen. - Ele era seu marido legal.

- Acrescente bigamia às acusações contra mim, então. - Ela encolheu os ombros. - Desde a morte do conde de Crawford, com quem estive vivendo nos últimos anos como esposa, não me sinto inteiramente pronta para me aposentar, como gostariam que eu fizesse. Desde que o vi em Dodge City, ocorreu-me a ideia de que formaríamos uma grande dupla, você e eu.

- Não estou interessado em sócios e de modo algum a escolheria.

- Eu sou uma mulher extremamente rica, embora eu duvide que isso tenha o menor interesse para você neste momento. Mas, depois que tiver tempo de superar o... choque - vamos chamá-lo assim? - de ver novamente sua mãe, há uma proposta comercial que eu gostaria de discutir com você.

- Eu não tenho mãe - retrucou Benteen numa voz sem expressão.

Ela ergueu os ombros num expressivo gesto de indiferença.

Eu preferiria muito mais ser sua sócia, mas falaremos disso em outra ocasião.

Não haverá outra ocasião, e não estou interessado em nenhuma proposta sua... de negócios ou de qualquer outra natureza. Sugiro que vá embora antes que eu a expulse daqui. - Não havia sinal de amolecimento naquelas feições duras e amarguradas.

Vou embora, sim - sorriu ela friamente. - Só há mais uma coisa que quero dizer antes de ir embora.

Então diga logo e vá embora!

Sei que conhece um homem chamado Judd Boston.

O que é que tem ele? - Os olhos escuros de Benteen ficaram cautelosos.

Parece que ele tem um amigo no cartório de terras que lhe falou de três requerimentos de concessão de terras, nas quais não foram feitas as necessárias benfeitorias para validar o pedido, nos termos da lei de concessão de terras públicas. Todos os direitos e títulos de posse serão negados ao atual ocupante, e o sr. Boston, sorrateiramente, se apossará das terras.

- Muito interessante, mas nada surpreendente. É assim que Boston trabalha - respondeu Benteen.

Ela aproximou-se lentamente, deslizando num roçar de saias de cetim.

- Ah, mas esses três requerimentos dizem respeito a terras suas, Benteen. - A incerteza da descrença mostrou-se por um instante no rosto dele.

- De modo que você vê que eu lhe posso ser útil... de muitas maneiras.

- Elaine sorriu cheia de confiança e tocou-lhe de leve o rosto, fazendo-lhe com os dedos uma curta carícia. - Eu entro em contato com você dentro de alguns dias, e falaremos sobre minha proposta.

Depois que ela passou por ele e se dirigiu à porta, Benteen permaneceu imóvel. O toque da mão dela lhe provocara uma dor que se estilhaçara dentro dele como vidro quebrado. Por uma fração de segundo, foi menino outra vez, querendo o calor da mão de uma mãe, desejando, em desespero, Que a bela mulher no quadro voltasse para ele. Mas isso antes de compreender que a mãe do sonho não existia.

Lentamente, virou-se e dirigiu-se para a porta da frente, onde ela esperava Para ser levada até a carruagem. Benteen não a fitou. Tentou apagar da mente a existência dela. Embora soubesse que ela estava em fins da casa dos 50 anos, não parecia. Era elegante e sofisticada demais para que alguém a considerasse uma matrona.

Muitas vezes, na juventude, pensara no que diria se ela voltasse. Uma Parte sua vivera chamando-lhe nomes, repudiando-a, mandando-a sair de sua vida. Ainda assim, a sensação do toque dela permanecia em seu rosto, com a dor daquele toque. Não, ninguém podia ver a dor. Suas duras feições haviam sido treinadas bem demais para esconder a privacidade de suas emoções.

A situação da casa, voltada para o sul, fez com que andassem na direção do sol. O céu era um imenso pedaço de azul coroando a pradaria em todas as direções. Benteen varreu-o com um olhar lento, abrangente, consciente da malevolência daquela terra, que tanto podia dar como tirar. O aviso da mãe sobre os planos de Judd Boston voltaram em turbilhão à sua mente. Fora confiante demais, seguro demais de si mesmo.

Ao chegarem à carruagem, Lorna saía justamente da cabana, trazend Webb ao lado. Buli Giles seguia-a, carregando o pequeno Arthur na curva do braço. A despeito dos joelhos ralados e dos traços de lágrimas no rosto o pequerrucho parecia muito contente naquele poleiro alto.

- Você é um menino valente - dizia nesse momento Buli Giles, e nem ele nem Lorna notaram o par junto à carruagem.

- Simplesmente desajeitado - riu Lorna.

- Simplesmente dê a ele a oportunidade de crescer - respondeu Buli Mas quando sorriu para Lorna seu olhar encontrou o de Benteen. Ao lado do filho, a mãe observou:

- O sr. Giles parece muito à vontade aqui. Ele é amigo de vocês?

- Não. - Benteen esvaziou a fisionomia de toda expressão, enquanto observava Buli pôr Arthur no chão. O sorriso natural deixara os lábios de Lorna, substituído por um mais embaraçado. - Ele é amigo de minha mulher, não meu.

Nem tudo anda bem por aqui, pensou Elaine, enquanto Lorna se adiantava. Com um pouco mais de interesse, estudou a esposa do filho. Lorna era uma moça atraente, bem desenvolvida. O duro trabalho que a região exigia das mulheres haviam-lhe mantido intato o corpo, a despeito do nascimento de dois filhos. Usando roupas apropriadas ela poderia ser deslumbrante. Embora houvesse inteligência naqueles olhos, ela conservava certa vulnerabilidade. Percebeu que Lorna ainda possuía o desejo infantil de confiar, o que a tornava fácil de ser enganada.

- Que bom que o machucado de seu filho não foi sério - observou quando Lorna chegou ao seu lado, o pequeno Arthur correndo para acompanhá-la.

- Foi uma bobagem.

- A tarde foi muito agradável. Não gostaria que ela terminasse numa nota triste - disse Elaine.

- Já vai? - perguntou Lorna, com uma mistura de surpresa e desapontamento.

Elaine olhou por um instante para Benteen.

- vou ter que ir - respondeu.

Ao aproximar-se da porta da carruagem, Buli Giles já estava lá Para ajudá-la a subir.

Lorna aproximou-se da carruagem e segurou as crianças com mão cuidadosa para que elas não fossem atingidas pelas rodas.

- Fiquei muito feliz com a visita. E obrigada pelos presentes.

- Não há de quê. - Mais uma vez, seu olhar passou por ela e se deteve em Benteen. - Nós voltaremos a nos encontrar - disse, e voltou-o para Lorna. - Tenho confiança nisso.

Enquanto a carruagem se afastava da cabana, Lorna acompanhou-a com os olhos. Em seguida, virou-se para Benteen:

Por que não se despediu dela?

Ele pareceu ter dificuldade para tirar os olhos da carruagem que rolava pela pradaria interminável.

- Eu já havia me despedido - disse, e afastou-se dela e das crianças.

- Para onde você vai? - perguntou Lorna, franzindo as sobrancelhas com a partida brusca dele.

Benteen, porém, não respondeu, levado para longe dela pelas compridas passadas. Ela o perdeu de vista quando ele passou pelo celeirococheira a caminho do curral, onde eram conservados os cavalos. Minutos depois, viu-o sair a galope.

Na área que chamavam de Broken Buttes, Benteen encontrou Zeke Taylor tratando de uma vaca com um caso grave de bicheira. Fumaça de querosene enchia o ar de um cheiro acre. Benteen conteve o cavalo e parou, permanecendo a certa distância, enquanto Zeke desamarrava os pés do animal e corria para seu cavalo. Foi uma corrida em ziguezague, Zeke esquivando-se para evitar os chifres tortos do ingrato animal que o atacava. Depois de errar o ataque inicial, a vaca preferiu o descampado, sua cauda empinada alta no ar.

Zeke levou o cavalo a passo até junto de Benteen.

- Dia quente - comentou, e tirou o chapéu para enxugar o suor da testa com as costas da mão.

- Procure Woolie e Bob Vernon - ordenou Benteen. - Diga a eles que quero que vocês se encontrem comigo bem cedo pela manhã. Talvez seja bom você fazer a barba. Vamos à cidade.

- Não pode ser dia de pagamento ainda. - Zeke franziu as sobrancelhas, tentando lembrar-se do número de dias desde que recebera o último salário.

- Não, não é.

Benteen virou o cavalo para um lado e partiu a galope.

Zeke ficou onde estava durante um minuto, perguntando-se o que estava acontecendo com Benteen. Não estava preocupado com a falta de Aplicação sobre o que Benteen queria com ele e com os outros, mas ele, em geral, oferecia a um homem um pouco de fumo e papel para cigarro.

Lorna preparou a ceia pouco antes do anoitecer. Não tendo Benteen voltado, deu comida às crianças e colocou-as na cama. Manteve a refeição

Quente durante mais uma hora e depois preparou um prato para si mesma.

Perdeu a conta do número de vezes em que foi até a porta e olhou para dentro da noite. Finalmente, tirou a comida do fogão e vestiu a camisola.

Estando Benteen ausente, não conseguiu dormir. Sentou-se na cama com Os Joelhos junto ao corpo, os braços em volta deles, balançando-se para conseguir um pouco de tranquilidade. Passando através das paredes gretadas da cabana, chegavam pios abafados de aves noturnas. A solidão do lugar começou a afetar-lhe os nervos.

O eco, em lento aumento, de patas de cavalo começou a separar-se das batidas de seu coração. Tinha que ser Benteen. Saltou da cama e empurrou para o lado a parede de cortina e correu de pés descalços para a porta. Vislumbrou a silhueta de um cavaleiro contra o céu escuro-azulado antes que ela fosse engolida pela sombra da cocheira.

Fechando a porta, correu para o fogão, alimentou o fogo e botou a comida para esquentar. Ouviu o tilintar leve das esporas quando Benteen se aproximou da cabana. A ansiedade que sentira, sem saber onde ele estivera, transformou-se numa espécie de irritado alívio quando ele entrou.

- Esperei por você para cear enquanto pude - disse. - Vai levar apenas um minuto para esquentar a comida.

Ele parou do lado de dentro da porta para tirar a cartucheira com a arma e pendurar o chapéu num cabide de madeira. Sem olhá-la, cruzou a sala até as prateleiras toscas que serviam de guarda-comida.

- Não estou com fome - disse. Enfiou a mão no fundo da prateleira e tirou uma garrafa de uísque e um copo.

A falta de expressão na voz e a garrafa de uísque fizeram Lorna olhálo fixamente. Ele aproximou-se da mesa e puxou uma cadeira. Com os pés em cima da mesa, abriu a garrafa e encheu o copo pela metade. Enquanto Lorna olhava, esvaziou quase toda a bebida e olhou para o mapa pendurado na parede. Ela nunca o vira assim antes.

- Benteen, o que é que está acontecendo? O olhar dele mal a tocou.

- Nada. Já é tarde. É melhor você ir dormir. Enquanto falava, reenchia o copo de uísque.

- Mas...

- Simplesmente me deixe em paz - pediu ele cansadamente. Após uma longa hesitação, Lorna resolveu não pedir mais explicação daquele comportamento. Tirou a comida do fogão e guardou os pratos. Benteen não respondeu quando ela lhe disse boa noite. Teve a impressão de que ele não a ouvira.

Passou-se muito tempo antes de conseguir adormecer. O candeeiro continuou aceso, lançando luz sobre a divisão de lona. Ao acordar na manhã seguinte, descobriu que estava liso o travesseiro ao seu lado. Descobriu Benteen derreado sobre a mesa, a garrafa de uísque esvaziada em mais da metade.

Os quatro entraram em Miles City num trote lento. Benteen separou Woolie, Zeke e Bob Vernon quando eles levaram os cavalos para o ponto de amarração de animais, em frente ao cartório de terras. De acordo com a lei de Cessão de Terras a Colonos, havia duas maneiras de adquirir a terra. A primeira exigia residência no local durante cinco anos e Realização de benfeitorias, enquanto a segunda, conhecida como concessão direta, concedia o título após seis meses de residência e pagamento de um dólar e vinte e cinco por acre. Wollie, Zeke e Bob iam "converter" seus direitos às terras. Aquilo implicaria uma mordida forte no dinheiro disponível de Benteen, mas era uma maneira rápida e segura de torpedear os planos de Judd Boston.

Desmontou em frente à redação do jornal e amarrou o cavalo ao poste. Uma dupla de soldados do forte passou por ele, mas a rua poeirenta estava relativamente tranquila naquele dia de agosto. Olhou para a fileira de prédios angulosos no outro lado da rua. A tabuleta num deles dizia "The First Texas Bank of Montana", e era o banco de propriedade de Judd Boston.

As esporas tilintaram ao entrar na redação do jornal. Sentiu um forte cheiro de tinta. Um homem de bigode, sentado a uma escrivaninha, ergueu a vista com uma carranca distraída e depois levantou-se com certa vivacidade.

- Posso ajudá-lo em alguma coisa?

- Pode. Quero botar um anúncio no jornal - respondeu Benteen. O homem pegou papel e caneta. Parecia ter as mãos permanentemente sujas de tinta.

- Apenas me diga o que quer, e eu escrevo para o senhor.

- Eu, Benteen Calder, pelo presente notifico aos interessados que reivindico toda a terra... - E descreveu limites de terras que abrangiam mais de duzentos e cinquenta mil hectares.

Depois que acabou, a caneta continuou a arranhar o papel por mais alguns segundos. Em seguida, o jornalista releu o anúncio a fim de se certificar de que incluíra tudo. Olhou para Benteen e sacudiu irónico a cabeça.

- Estas drogas sempre parecem uma citação legal.

Legal ou não, elas funcionam - respondeu Benteen. - Quanto

leva por este anúncio?

era uma das muitas táticas de grilagem de terra usadas no

Montana. Essas reivindicações de terras não tinham base legal, mas os criadores observavam e aceitavam essas declarações de propriedade feitas por jornal. onde não havia lei, eles criavam seus próprios códigos. Só esta lei vigorava: respeite as delimitações de terra marcadas por um homem, e ele respeitará as suas.

Deixando a redaÇão do jornal, notou que um homem se dirigia apressadamente para o banco. Demorou-se desamarrando as rédeas e para subir na sela, mas o tal homem não voltou. Desceu a rua com o cavalo a passo, até o cartório de terras, na frente do qual os três cavalos do Triplo C se encontravam amarrados à sombra. Levando seu cavalo ao poste, desmontou. Parecia estar havendo uma acalorada discussão dentro do prédio

 

- vozes iradas que chegavam até a rua. Zeke estava começando a agarrar pelo colarinho o homem baixote que se encontrava atrás do balcão, no momento em que entrou.

 

- Qual é o problema aqui?

 

A despeito do tom baixo da voz, a pergunta interrompeu todo o movimento. O escrivão de terras, do outro lado do balcão, suava nervoso, enquanto olhava temeroso para os três furiosos vaqueiros.

 

- Esse chupa-tinta está querendo ganhar tempo e nos embromar queixou-se Woolie com um movimento desdenhoso da mão.

 

- Isso mesmo - interveio Zeke. - Esse filho da puta está dizendo que não consegue achar os requerimentos que fizemos de nossas terras.

 

Dos fundos do prédio veio o som de uma porta sendo aberta e fechada. Alguém entrara por ali.

 

- Eu não estou dizendo que não os tenho mais - disse o escrivão.

 

- Apenas, não sei onde estão. Não posso aceitar o dinheiro dos senhores até que eles sejam achados. Talvez, se puderem vir mais tarde...

 

- Lá começa ele de novo - disse Zeke, irritando-se.

 

- Por que não deixa que a gente o ajude a procurá-los? - sugeriu Bob Vernon.

 

- Esses são documentos particulares do governo - retrucou o agente, sacudindo a cabeça. - Não posso deixar que ninguém mexa neles, sem autorização.

 

Um homem apareceu à porta de um escritório nos fundos e, com um gesto, disse ao agente que queria lhe falar. Parecia-se muito com o homem que Benteen vira correndo para o banco minutos antes.

 

- Você sabe que os registros estão aqui, Benteen - disse Woolie. Quer que a gente desmonte isto aqui? Nós os encontraremos.

 

- Não acho que isso seja necessário - murmurou Benteen, enquanto observava os dois homens conversando em voz baixa. Um maço de papéis foi entregue ao escrivão. - Tenho impressão de que a coisa já foi esclarecida.

O escrivão voltou ao balcão trazendo os documentos.

 

- Os documentos estão aqui. - Sorriu constrangido. - Foram arquivados em lugar errado, só isso.

 

Verificada a documentação, os pagamentos em dinheiro foram efetuados e concedidos os títulos a três lotes de sessenta e cinco hectares cada. Imediatamente, os vaqueiros venderam e transferiram a terra para Benteen.

 

- Fui dono de terras durante cinco minutos - declarou Woolie. Isso não exige um drinque, Benteen?

 

- Por que não? - concordou ele, mas ainda se demorou ali enquanto os três vaqueiros se dirigiam para a porta, a caminho do saloon. Lançou um rápido olhar ao escrivão. - Não se esqueça de apresentar meus respeitos a Judd Boston na próxima vez em que o vir.

 

O homenzinho empalideceu e gaguejou, procurando uma resposta, enquanto Benteen se dirigia para a porta.

 

A casa de fazenda do Barra 10, em Montana, era feita de troncos e tábuas, mais compacta e sem nenhum dos luxos de sua equivalente no Texas. Sentado em uma cadeira forrada de couro de boi, Judd Boston estudava a forma de um dos charutos do duque. Loman Janes servira-se de uma dose de uísque que tirara de uma garrafa lapidada que se encontrava numa pequena mesa redonda.

 

- Soo diabo imagina como eu gostaria de saber como Calder descobriu - especulou Boston em voz alta.

 

- Tem certeza de que Giles não sabe de nada a respeito de seus planos? - perguntou Loman. - Você sabe que ele tem interesse na mulher de Calder. Talvez ele esteja querendo ganhar as boas graças dela.

 

- A única maneira seria se o duque lhe houvesse dito. George jura que não falou sobre o assunto com ninguém. Aquele homem pode ser uma besta pomposa, mas não é um mentiroso. - Mordeu com força o charuto e tirou uma baforada. - Não sei como Benteen conseguiu adivinhar.

 

- Talvez seja melhor você enviar um telegrama a Webster, dizendo-lhe para adiar a compra de todo aquele gado que estava querendo trazer para cá, até que a gente arranje uma pastagem para ele - sugeriu Janes.

- Este lugar aqui não vai dar para aquele número todo. Se conseguissem sobreviver ao inverno, acabariam com a pastagem dentro de um ano.

 

- O capim não é o problema. É a água. - Boston sabia disso pela sua experiência no Texas. - E não vou mandar nenhum telegrama a Webster cancelando minha ordem. Ainda temos tempo de arranjar algumas terras. Teria sido direto e simples se tivéssemos conseguido aquelas três concessões de Calder. Eu gostaria que a terra tivesse pertencido a qualquer outra pessoa, menos a ele.

 

- Por que é que devemos nos preocupar? - Uma expressão confusa e desconfiada apareceu no rosto de Janes. O comentário de Boston indicava medo, e não queria nada com um homem que demonstrava isso.

 

- Se eu for atrás da terra dele, depois daquele negócio com o pai, é provável que ele considere a coisa como pessoal. Já tive mais do que o suficiente de vendettas.

 

- Vendeta? Nunca ouvi falar nisso - retrucou Janes, franzindo as sobrancelhas.

 

- É uma luta de morte entre famílias. - Seu nome nem sempre fora Boston, mas isso era parte de um passado enterrado. - Talvez eu possa comprar uns dois de seus direitos de aguada.

 

- Ele seria idiota se vendesse. - Loman Janes sacudiu a cabeça ao pensar nessa ideia. - Por que ele faria isso? Não tem razão para vendê-los, quando pode usá-los pessoalmente.

 

- Ele poderia, se precisasse subitamente de dinheiro - sugeriu Boston e, pensativo, bateu a cinza do charuto. - Um homem nunca sabe quando o céu pode cair em cima de sua cabeça. Pode acontecer quando o céu parece o mais claro possível.

Loman Janes ficou aliviado ao ouvir esse tipo de conversa. Durante um minuto, pensara que julgara mal Boston. Não respeitava um homem que fugia de uma briga, mas Boston estava sendo apenas cauteloso. E sabia tudo a respeito de vinganças de família. A sua era do Tennessee, de modo que não entendia por que Boston achava que era algo que devia ser evitado. Boston, porém, era o cérebro do grupo.

- O que é que você quer que seja feito? - perguntou Loman e emborcou o resto do uísque.

Boston puxou uma baforada do charuto apagado.

- Você tem um fósforo?

Os acampamentos nas divisas da propriedade eram postos avançados da fazenda, formando um perímetro invisível que devia ser percorrido pelos vaqueiros que tinham a má sorte de serem designados para aquele trabalho solitário. O Triplo C já era grande demais para ser dirigido exclusivamente pela sede central, como os vaqueiros já haviam batizado a propriedade. Uma vez que o gado não tinha noção de delimitações e possuía tendências vagabundas, os vaqueiros das regiões fronteiriças formavam uma espécie de cerca invisível entre o acampamento e o seguinte, subindo e descendo a linha. Mantinha no lado de dentro o gado da fazenda e expulsava os animais dos vizinhos.

Já fazia algum tempo desde que Benteen fora inspecionar a zona de Shorty. Cavalgou contra um vento quente e seco que soprava do sudoeste. Sentiu o cheiro da fogueira do acampamento de Shorty quando estava ainda a uns 3 quilómetros de distância.

Benteen não teve certeza do exato momento em que compreendeu que a mancha no céu ao sul não eram nuvens de tempestade que se acumulava. Eram colunas de fumaça. O capim seco das planícies transformara-se em matéria inflamável, tornando-o presa fácil do fogo.

Açoitou o cavalo, que partiu em desabalada corrida, quase nivelado com o chão, diretamente para as nuvens cada vez maiores de fumaça preta. A linha vermelha de chamas que avançavam céleres apareceu no momento em que viu Shorty tentando levar um bando enlouquecido de garrotes longhorns para o outro lado de um riacho. O riacho era o único lugar que oferecia um aceiro natural por quilómetros em volta. Virou o cavalo para lá a fim de dar uma ajuda a Shorty.

Seis garrotes desviaram-se, e tiveram que deixá-los passar para poderem levar as 40 e tantas cabeças para o outro lado do riacho. Uma vez conseguido isso, continuaram a tocar o gado, reunindo involuntariamente outros animais enquanto prosseguiam coiotes, coelhos, gamos. A uns dois quilómetros e meio do riacho, deixaram o gado fazendo redemoinho e voltaram para tentar pegar outras cabeças que podiam lhes ter escapado.

Um nevoeiro de fumaça e cinzas enchia o ar, sufocando-os. Benteen amarrou o lenço em volta do nariz e da boca. O vento parecia mais forte, o calor do fogo criando sua própria corrente. Berrou para Shorty:

Acho que o riacho não vai deter o fogo! O vento está forte demais!

Shorty inclinou a cabeça e apontou para a direita de Benteen. Um dedo de fumaça levantava-se nesse instante da margem relvada daquele lado do riacho. Da fumaça, uma língua de fogo elevou-se e começou a devorar o capim seco.

- Nós nunca deteremos este fogo sem ajuda! - com um gesto, Benteen mandou Shorty afastar-se do riacho.

A mais ou menos uns mil e quinhentos metros, uma projeção rochosa irrompia da terra. Essa barreira natural flanquearia o incêndio de um lado. Benteen puxou as rédeas e parou o cavalo com um arranco. O lenço lhe caíra para o queixo.

- Lá vêm Barnie e Ramon! - gritou Shorty a fim de chamar a atenção de Benteen para dois cavaleiros que chegavam a galope.

- Mate uns dois desses garrotes - ordenou Benteen e pegou o laço amarrado à sela.

Shorty virou o cavalo para um pequeno grupo de garrotes que corria mugindo, afastando-se do cheiro de fumaça. Viu Shorty aproximar-se do primeiro e derrubá-lo com um tiro na nuca. Quase sentindo o calor do fogo, virou-se para olhar por cima do ombro o brilho vermelho que avançava. A fumaça preta quase bloqueava a luz do sol enquanto enchia o céu, alteando-se agourenta e intencional sobre eles. Galopou até os garrotes mortos para dar uma ajuda a Shorty.

Os animais foram esfolados de um lado e amarradas cordas em suas patas traseiras. Quando Barnie e o vaquero mexicano chegaram, tudo o que Shorty teve que fazer foi entregar a cada um deles uma corda. Eles partiram a galope arrastando a carcaça sangrenta do garrote até a linha de fogo. Benteen e Shorty montaram em seus cavalos, amarraram a ponta livre das cordas em torno do arção da sela e partiram com a segunda carcaça, arrastada entre eles.

Ao chegarem à estreita linha do fogo, Benteen fincou as esporas no seu castanho apavorado e fê-lo pular por cima das chamas e chegar ao outro lado no terreno quente e enegrecido. Correndo paralelo às chamas, ele de um lado e Shorty do outro, a carcaça ensanguentada foi rebocada ao longo do comprimento das chamas, apagando-as, enquanto eles continuavam a galope.

O calor era escaldante, e secava o suor do corpo no mesmo momento em que chegava à pele. Quase sufocados pela fumaça, os pulmões lutavam pjara respirar. Não havia tempo de pensar, apenas de fazer. O fogo tinha que ser detido. Era insuportável o cheiro do ar e da carne queimada.

Benteen e Shorty tinham que trocar de lado com frequência para que os cavalos não ficassem estropiados pela corrida constante sobre a terra queimada. Quando parecia que iriam continuar a correr para sempre nesse inferno ardente, as chamas morreram. Benteen soltou a corda do arção da sela e deixou-a cair, ficando atrás os restos torrados do garrote. Os quatro vaqueiros reuniram-se em um pequeno grupo e deixaram que descansassem um pouco os cavalos trémulos. Tinham rostos e roupas enegrecidos pela fumaça e cinzas, e um cheiro forte colava-se a eles. Benteen tomou um longo gole no cantil. A água estava quente, mas era líquida.

- Quantas cabeças você pensa que perdemos? - A voz era um som de grasnado, e ele tomou outro gole.

- Cinquenta... 100 cabeças. Talvez mais - respondeu Shorty. - Sei que havia um grande grupo preso numa ravina.

Barnie estava tendo problema para juntar cuspe suficiente para enrolar um cigarro de papel. Finalmente, desistiu e levou o cigarro à boca, indiferente ao fumo que caía. Mexeu nos bolsos e depois olhou para os outros.

- Alguém tem fogo? - perguntou.

- Você está falando sério? - Shorty olhou-o fixamente. - Se quer fumaça, simplesmente respire, seu filho da puta estúpido.

Benteen estava cansado demais para rir.

Webb correu à frente dele para a cabana, mal podendo ver para onde ia, porque o chapéu de Benteen descia muito abaixo de suas orelhas. Empurrou a porta e parou para esperá-lo.

- Mamãe! - gritou, o chapéu entortando-se na cabeça. - Papai chegou e está todo preto. Venha logo ver!

Lorna abriu o resto da porta para sair logo que ouviu o grito do filho. O espanto apagou as leves rugas na testa quando fitou boquiaberta o marido.

- Houve um fogo na planície - disse Benteen, explicando sua aparência. - Conseguimos apagá-lo.

- Você está bem? - Um pequeno estremecimento acabou com a imobilização da surpresa. Aproximou-se, as mãos erguendo-se hesitantes para tocá-lo. - Você parece todo queimado.

- Apenas fumaça e cinzas - tranquilizou-a ele, cansadamente. Sai tudo com um banho.

Os dedos de Lorna ficaram pretos quando lhe tocou a camisa. Convencida de que ele estava ileso, fez uma careta para as roupas enegrecidas.

- Não sei se essa camisa e a calça vão ficar limpas novamente. - Tirou o chapéu da cabeça de Webb, que já deixara um anel preto na testa do garoto. Mandou-o para a cabana à frente deles. - Fique longe de seu pai. Não quero que você fique sujo também.

Segurou com cuidado o chapéu e pendurou-o num cabide do lado de dentro. Fez outra careta ao sentir o cheiro forte de fumaça e cabelos Queimados que subia das roupas e pele do marido. O pequeno Arthur deu um olhar em Benteen e soltou um grito de medo, escondendo-se atrás das saias de Lorna.

Sei que não parece, mas é o seu pai - garantiu-lhe Lorna.

Espere até eu lavar as mãos e o rosto. - Dirigiu um sorriso cansado ao filho mais moço e foi até o lavatório. Enquanto enchia a bacia com a água da jarra, notou a comida no fogão. - Â ceia já está pronta?

Está. Nós comeremos logo que você se lavar.

Pegou dois baldes de água e dirigiu-se para a porta.

- Para onde é que você vai? - perguntou Benteen, meio virado.

- Pegar um pouco de água para seu banho - respondeu ela, sem parar. - Ela pode esquentar enquanto nós comemos. - O pequeno Arthur correu atrás dela, choramingando porque a voz pertencia ao pai, mas não tinha ainda certeza de que fosse ele. Lorna parou à porta. - Webb, tome conta de seu irmãozinho até eu voltar.

Webb pegou o irmão com toda força pela mão e puxou-o da porta. Arthur imediatamente soltou um alto protesto, a despeito das tentativas adultas de Webb para calá-lo.

A espuma do sabão transformou-se em bolhas preto-acinzentadas quando Benteen esfregou o rosto. Precisou de repetidas ensaboadelas antes que a água de enxaguar ficasse clara. Quando Lorna chegou com os baldes cheios, ele estava enxugando os olhos, que lhe ardiam. Arthur observava-o com um pensativo dedo na boca. Mas então um sorriso lhe entreabriu os lábios.

- Papai! - e apontou o dedo úmido para Benteen num feliz reconhecimento.

- Eu mesmo. - Pôs a toalha úmida num canto do lavatório e abaixou-se para o filho menor.

- Não pegue nele - ordenou Lorna, fazendo os pratos da ceia. Você ainda está com toda essa cinza na roupa.

- Desculpe, filhote. - Afagou o alto da cabeça de Arthur e segurou-lhe a mão para levá-lo à mesa.

Depois de pôr os pratos na mesa, Lorna voltou ao fogão e botou as chaleiras para ferver a água. Benteen e as crianças começaram a comer sem ela. A comida estava quase fria quando ela finalmente lhes veio fazer companhia.

- Como foi que o fogo começou? Você sabe?

- Não. - Ele sacudiu por um momento a cabeça. - Provavelmente nunca vamos saber. Uma meia dúzia de coisas podia ter começado o incêndio.

- Foi ruim?

A aflição começou nesse momento em que o via em segurança e parecendo outra vez um ser humano. Teve visões apavorantes de Benteen comendo o fogo que lavrava furioso em volta.

- Bem ruim - respondeu Benteen. - Não saberemos realmente as proporções até podermos examinar a área queimada. Eu achei que sentia cheiro da fumaça no vento. Foi ao sul? – A pergunta recebeu uma inclinação afirmativa de cabeça. Ela estremeceu um pouco. - Se tivesse continuado, o incêndio poderia ter chegado até aqui.

- Foi apagado. Barnie e Shorty continuam acampados lá para evitar que algum foco reapareça - explicou Benteen para lhe garantir que não havia mais perigo.

- Arthur e eu vamos ter que tomar banho? - perguntou Webb pronto para fazer cara de protesto.

- Hoje à noite, não - respondeu Lorna. - Nós vamos, simplesmente, lavar seu pai fedorento. - Olhou para o prato do filho. - Não esqueça de comer as batatas.

Terminada a ceia, Lorna puxou a banheira atarracada, oval e colocou-a em frente ao fogão. Alternativamente, encheu-a de água do balde e das chaleiras. Enquanto Benteen tirava as roupas, cheirando a fumaça, ela pôs as crianças na cama. Levou para fora a pilha de roupas malcheirosas e pendurou-as na corda que corria de um canto da cabana até uma árvore, a fim de ventilá-las.

Ao voltar, encontrou Benteen sentado na curta banheira, joelhos dobrados, deixando a água morna saturar o corpo cansado. A fadiga fizera-o arriar os ombros musculosos e fechar os olhos. Nesse momento fazia um esforço para ensaboar-se.

- Você nunca vai se limpar dessa maneira - observou Lorna, e aproximou-se de um dos lados. - vou ter que lavá-lo por trás das orelhas, como faço com as crianças?

- Boa ideia - murmurou ele, sem abrir os olhos. Levantou a mão da água e entregou-lhe o pedaço de sabonete.

- Vamos começar por cima e lavar primeiro sua cabeça.

Os cabelos fediam, e sentiu o cheiro da fumaça no momento em que se ajoelhou ao lado da banheira. Sua mão curvou-se por trás do pescoço dele, pegando os músculos duros e encordoados. Relutante, Benteen mudou de posição e cedeu à pressão da mão que forçava sua cabeça para baixo da água. Ela ensaboou-a com força, usando abundantemente o sabão forte. As pontas dos cabelos, nas partes parcialmente chamuscadas, produziam uma sensação esquisita em suas mãos. Lorna estremeceu novamente, compreendendo quão perto ele devia ter estado do fogo. Mas logo forçou a cabeça novamente sob a água para remover o sabão.

Tirando a água dos olhos, Benteen voltou à antiga posição na banheira.

- Acho que você fez isso de propósito, para me acordar - acusou.

- Eu só queria ter certeza de que você estava vivo. - A voz de Lorna tinha um timbre rouco. Passou sabão num pano para lhe esfregar as costas. As carnes de Benteen eram sólidas sob sua mão, mesmo com os poderosos músculos relaxados. Depois de ter banhado as crianças tantas vezes. Era uma experiência nova ter aquela largura toda de homem que se afilava para a cintura. Sentiu um leve movimento dos músculos quando ele resistiu à pressão de sua mão, empurrando-a. Tornou-se importante para ela cobrir-lhe cada centímetro da espinha e ombros. Não imaginou quanto tempo estava levando para lavar a parte traseira de um músculo até que, por acaso, percebeu a malícia nos olhos dele. Embaraçada, fez mais uns dois rápidos movimentos e em seguida tentou vivamente lhe passar o pano cheio de sabão.

Não pare agora - murmurou Benteen. - Eu estava começando a gostar.

Acho que você pode fazer o resto.

- Eu preferiria muito mais que você fizesse - respondeu ele e recostou-se na banheira.

O brilho nos olhos dele aqueceu-a. Sentiu-se um pouco ousada, agradavelmente traquina, e começou a ensaboar os músculos do peito com sua escura capa de cabelos. Arriscou um olhar para o rosto dele e notou que Benteen estava gostando. A tranquilidade dele em se deixar banhar despertou-lhe a curiosidade.

- Alguém já lhe deu banho antes? - perguntou, embora com mais do que simples curiosidade. - Outra mulher que não sua mãe, claro.

Benteen pareceu endurecer sob seu toque. Culpa?

- Por que perguntou isso?

- Porque você não se comporta como se fosse a primeira vez. - As esfregadelas tornaram-se vivas, um pouco de ciúme aparecendo, enquanto ela lavava os músculos flexíveis do braço. - O que é que me diz daquela vez em Dodge City quando disse que tomou banho em um dos saloons? Talvez tenha mandado uma das moças esfregar suas costas.

Lembrou-se da moeda de latão que encontrara na trouxa de dormir dele e começou a esfregar com mais força.

- Ei! - protestou Benteen, sentindo a força e segurando-lhe o punho, a água gotejando-lhe da mão. Os olhos escuros dela estavam furiosos quando encontrou os seus, perplexos. - O que foi que lhe deu essa ideia?

- O nome srta. Belle significa alguma coisa para você? - Ela não esquecera o nome gravado na moeda de latão.

A carranca dele aprofundou-se.

- Nada. Por que é que você pensa que deveria?

- Porque encontrei um dólar de brincadeira em sua trouxa de dormir com o nome dela e uma efígie. - Confrontando-o com esse conhecimento, Lorna desafiou-o a negar a evidência. - E você sabe muito bem que ficou

fora até tarde nas duas noites que passamos lá.

Você pensa que passei aquelas noites na companhia de outra mulher? - perguntou ele, os olhos estreitando-se.

De que outro modo você ganharia aquela moeda?

Ela é aceita como moeda comum. Provavelmente, recebi-a como trOco quando paguei as bebidas que tomei no saloon, numa daquelas noites. Nenhuma mulher me deu aquela moeda. Eu estava tentando me embebedar tanto que não as desejaria.

Isso é verdade? - Afastou-se cautelosa da banheira para examiná-lo bem.

Uma expressão de dureza apareceu na fisionomia dele.

- Não posso provar isso, se é o que está perguntando.

- Você queria fazer amor comigo, e eu... - Lorna interrompeu-se não querendo lembrar-se do motivo por que relutara tanto em deixar que ele a tocasse. Aquilo ficaria melhor sepultado no passado. - Você podia ter procurado outra mulher para satisfazer suas necessidades.

- Talvez.- Havia certa amargura em sua boca. - Mas acontece que desde a noite em que despi minha esposa, não tenho estado interessado na satisfação que alguma outra mulher possa me dar. Parece que você fez um trabalho bom demais nesse particular. - Havia um fio subjacente de raiva na voz que parecia contradizer a afirmação dele.

- Por que isso o irrita tanto? - perguntou ela, franzindo as sobrancelhas.

- Porque... - a mão úmida puxou-a para a borda da banheira, enquanto a outra mão subia para segurar-lhe a nuca - porque eu não consigo o suficiente de você. - Disse as últimas palavras na boca de Lorna, enchendo-a com o fogo de seu desejo.

As mãos tentaram puxá-la para mais perto, procurando arqueá-la contra ele, a despeito do obstáculo da banheira. Uma necessidade coincidente acordou dentro de Lorna, tornando-lhe o corpo maleável enquanto o coração disparava. A boca de Benteen cobriu-a com uma sucessão de beijos rudes pelo rosto e pescoço. Ela sentiu a umidade que se espalhava pelo vestido.

- Você está me molhando toda - murmurou num protesto insincero.

- Tire-o, então. - Os dedos dele desabotoaram parcialmente as costas do vestido e impacientes puxaram-no dos ombros, de modo a que os lábios lhe pudessem explorar as curvas redondas.

com mãos trémulas, Lorna procurou desabotoar o resto.

- E as crianças? - Arquejante, lembrou a Benteen a falta de privacidade, deixando que aquilo se tornasse decisão dele.

- Estão dormindo. - Mal lhe deu tempo de descer o vestido pelos quadris antes que suas mãos estivessem levantando a combinação que lhe ocultava os seios. - Entre na banheira comigo.

- Não cabe nós dois. É pequena demais. - Tentou rir da sugestão dele, mas a carícia estimulante daquelas mãos transformaram as palavras em um som de gemido.

- Simplesmente entre na banheira, e eu lhe mostro como ela dá para nós dois.

Só no dia seguinte Benteen compreendeu como o incêndio chegara perto de causar uma devastação total. O vento poderia ter levado o fogo a toda sua pastagem se não o houvesse descoberto ainda no início. Em vez disso, consumira apenas uma parte do lado sudoeste. Mas havia lhe causado sérios pre juízos. Cerca de 30 cabeças tinham morrido no incêndio, e outras 200 de seu gado de raça sofreram queimaduras graves e precisaram ser sacrificadas.

Quando o último tiro de rifle morreu no silêncio, olhou para a cena de Um rebanho inteiro destruído e sentiu uma raiva impotente. O cano tocou

o seu queixo quando o virou para colocá-lo na bainha da sela. Estava ainda quente.

Podia ter sido pior - lembrou-lhe Barnie à guisa de consolo.

Sim - reconheceu ele sombrio -, podia ter sido pior. – Saltou para a sela e aproximou-se de Shorty. - Faça uma varredura e toque o gado para outros quadros da pastagem.

Quer que eu faça outro acampamento de linha? – perguntou Shorty.

O fogo acabara com o que estivera usando, bem como com seus poucos pertences que não estavam no cavalo.

- Não. Vamos esperar até o próximo verão, quando a grama voltar a crescer. - Olhou para o trecho queimado da planície. - Quando acabar aqui, volte para o alojamento.

O sol já estava baixo no céu quando levou o cavalo para a cocheira e desmontou. Permaneceu taciturno, enquanto desencilhava o cavalo e o soltava no curral. Tudo estivera correndo bem até que sua mãe aparecera - lady Crawford, corrigiu-se com profunda amargura. Desde então, não houvera outra coisa senão problemas. Sacudiu a cabeça, reprimindo essa ideia como insensata. Ela não podia ser culpada pela tentativa de Judd Boston de esbulhá-lo de três concessões de terra ou pelo incêndio na campina.

Os passos pesados como chumbo, cruzou o pátio em direção à cabana. A mesa estava ainda preparada para a ceia quando entrou. Viu Lorna ao fogão, fazendo os pratos. Ela lhe enviou um rápido sorriso por cima do ombro.

- Para variar, desta vez, sincronizei a ceia exatamente. - Disse, e levou dois pratos às crianças na mesa.

Havia um brilho no rosto dela, um entusiasmo que ele não notara recentemente. Ela parecia muito animada com alguma coisa.

Foi até a bacia lavar as mãos, enquanto ela sentava as crianças à mesa.

- O que foi que houve?

- Nada - respondeu ela, mas acrescentou: - Há um bilhete na mesa Para você.

Sacudindo a água das mãos, ele se virou parcialmente para o olhar na mesa, enquanto procurava uma toalha para enxugar as mãos. Um pequeno Quadrado de papel estava em cima da mesa, junto à sua cadeira.

- De quem?

- De lady Crawford. O sr. Giles esteve aqui esta tarde, trazendo o bilHhete. - Uma vez tendo começado a falar, não pôde conter-se mais. Pensei que era apenas um bilhete para nos agradecer por aquela tarde, de modo que o abri.

Ele endureceu-se, parando no ato de enxugar as mãos. O que é que dizia?

- Escreveu para dizer que está hospedada na Macqueen House, em Miles City, e perguntar se poderíamos visitá-la na tarde de sexta-feira.

- Só isso? - Os olhos dele se estreitaram de leve enquanto lhe examinava a expressão.

- Leia o bilhete. - Lorna apanhou-o na mesa e levou-o a ele. - Não posso pensar em razão nenhuma para não aceitarmos o convite. De qualquer modo, iríamos lá dentro de um mês, mais ou menos.

A mensagem contida na nota era o que Lorna lhe contara, e nada mais - com uma exceção. Fora dirigida a ele.

- Isto não é um convite social, Lorna. - Dobrou-o e enfiou-o no bolso. - Ela quer me falar a respeito de um assunto de negócios.

- Que tipo de negócios? - Confusão nublou os olhos de Lorna. Por que quereria ela falar com você a esse respeito?

- Ela sugeriu que estava interessada em investir algum capital em criação de gado - disse ele, passando por ela e dirigindo-se à mesa.

Nada mais foi dito até Lorna acabar de fazer os pratos e levá-los à mesa.

- Você vai encontrar-se com ela?

- Depende. - Ele encolheu os ombros. - Eu talvez não possa me afastar daqui.

- Eu acho que você devia - insistiu Lorna. - É uma honra que ela...

- Lorna. - Ele rilhou os dentes num esforço para falar calmamente.

- Eu não quero discutir mais este assunto. Se não estiver ocupado, irei. Mas se for necessário aqui na fazenda, lady Crawford, simplesmente, terá que procurar outra pessoa.

Ao ouvir a batida à porta da suíte, Elaine sorriu satisfeita para sua imagem no espelho. Tocou com o dedo os rufos da gola do vestido preto, ciente de que escondia as rugas e acrescentava atração à linha do pescoço. Esperou até que a aia informou que um certo sr. Benteen Calder encontrava-se na sala de espera.

- Obrigada, Hilda. Isto é tudo. Não vou precisar mais de você pelo resto da tarde.

- Muito bem, minha senhora. - com uma mesura, a empregada retirou-se em silêncio.

Ao vir, Benteen já lhe dera sua resposta. Ele concordaria com seus planos - e ela sabia disso. A nota fora um teste - a fim de verificar se ele estava disposto a fazer o esforço de vir vê-la. Se o ódio dele fosse tão profundo como alegara, não estaria naquele momento em sua sala de espera.

Quando entrou, viu Benteen à janela, com o chapéu na mão. Na postura dele, interpretou impaciência e raiva, e arrependimento por ter vindo. Seu sorriso veio e se foi com tal rapidez que o encarou com expressão Parecida quando ele se voltou.

- Gostaria de tomar um pouco de café? - com um gesto gracioso indicou o serviço de café na mesinha entre os sofás de veludo azul. Se preferir, há algo mais forte no armário. . Nada - recusou ele.

Os olhos escuros dele percorriam-na, sondando, inspecionando. Elaine permitiu que um pequeno sorriso lhe aquecesse os lábios. Com um gesto, mandou que ele se sentasse, enquanto se acomodava em um dos sofás, arrumando as saias.

Você não vai se arrepender de ter vindo, Benteen. - murmurou. Isto vai ser o início de um novo relacionamento entre nós.

Você disse que tinha uma proposta comercial a fazer - lembrou-lhe Benteen.

De fato. Negócios - concordou Elaine. - Por falar nisso, soube

que obteve o título àquelas três extensões de terra requeridas. Meus parabéns. Eu sabia que você cuidaria disso. O sr. Boston não está muito satisfeito. Comprou um bocado de gado e, de repente, não tem onde colocá-lo.

- Isso é problema dele.

- Ele pode transformá-lo em problema seu, mas isso é assunto inteiramente diferente e não, absolutamente, o que você veio aqui para discutir.

- Inclinou-se e serviu-se de uma xícara de café. - Você se interessaria em obter um contrato de compra de todo o gado que puder fornecer e a um preço que seria, em média, superior ao do mercado?

- Um contrato com quem?

- Não posso lhe dizer isso... ainda - disse ela, repreendendo-o por lhe querer tirar uma informação tão valiosa assim. - É a arma de que disponho para convencê-lo a tornar-se meu sócio na empresa. Se eu lhe falasse de minhas ligações, você poderia querer me passar a perna.

- Em minha própria mamãe? - provocou-a ele.

- Nela mesma. Você poderia considerar isso uma maneira de vingarse. O casamento nunca teria funcionado entre mim e seu pai. E ele teria me matado antes de me deixar levar o filho dele. - Caiu um pequeno silêncio antes de ela acrescentar: - Eu achava que você quereria uma explicação.

- E você não sente arrependimento algum - desafiou Benteen.

- Arrependimento? Não. - Sacudiu a cabeça. - Arrependimento haveria, sim, se eu tivesse ficado. Eu nunca teria perdoado a você e a seu Pai por terem me mantido lá, quando eu poderia ter-me tornado alguém. Bebeu o café, levantando delicadamente o dedo mínimo. - Eu sou ambiciosa... exatamente como você, Benteen.

Quantas cabeças vou precisar para esse contrato que diz que pode conseguir? - perguntou ele, voltando ao tópico inicial. - Quantas você tem - respondeu Helain. - É aí que posso actuar, financiando a compra de mais gado.

- E...?

E dividiremos os lucros meio a meio.

Parece justo. - Reclinou-se no sofá e examinou-a através de 239

pálpebras semicerradas. - Mas como é que vou saber que, no fim do negócio você não pega todo o dinheiro e foge?

- Porque aprendi nestes anos todos que podemos enganar o marido, enganar o amante, e enganar nas contas de casa... mas nunca, nunca, enganar numa transação de negócios. - Por trás do tom engraçado ela mostrava-se tranquilamente séria.

- E o que é que poderia me impedir de ficar com todo o dinheiro?

- Torceu a boca para um lado, zombeteiramente.

- Aquele código absurdo pelo qual vivem vocês, homens, e que torcem para ajustá-lo às suas necessidades. Se você der sua palavra a respeito de qualquer coisa, não vai fugir dela - declarou ela, confiante. Mas na verdade você não teria nada a perder. Eu terei que comparecer com o contrato e com o dinheiro para que você compre mais gado. Eu o farei um homem rico, Benteen. Negócio feito? - Estendeu a mão.

Passou-se um longo momento, durante o qual Elaine pensou que talvez tivesse pressionado cedo demais para um acordo. Depois, ele se moveu e cobriu-lhe inteiramente a mão com a sua. Continuou a segurá-la, estudando-a.

- Por quê? Apenas por dinheiro? - A voz era baixa, exigente.

- Pelo desafio de fazer isso - respondeu Elaine. - Sei que se supõe que isso seja uma prerrogativa dos homens, mas não é exclusiva de vocês.

- Por que me escolheu? Por que não um homem como Judd Boston? Por culpa?

Elaine pôs a xícara na mesa e pressionou a aspereza da mão dele.

- Escolhi você porque somos muito parecidos. Não há nada que nos detenha, Benteen. - Surgiu uma viva ânsia no timbre rouco da voz. - E então?

- Negócio feito - concordou ele, mas sem o entusiasmo dela. Continuava reservado, ainda desconfiado. Elaine não se preocupou. Isso passaria com o tempo. - Quem vai comprar o gado?

- Seu vizinho do norte. O Canadá.

Falou-lhe da construção da estrada de ferro, das reservas índias, dos postos avançados que o governo canadense precisaria estabelecer para garantir o suprimento de carne. Mas teve o cuidado de manter-se ambígua sobre as ligações através das quais obteria o contrato.

- Onde ficará você, enquanto isso tudo estiver acontecendo? - Perguntou Benteen. - Acho que vai voltar com seus amigos ingleses para Londres.

- Não, não vou voltar para Londres. Na verdade, o duque de Míddleton e seu grupo já partiram para o Território de Dakota. - Desta vez, quando Elaine serviu mais café, Benteen aceitou uma xícara. - vou ficar aqui. Esta transação é apenas o começo para nós.

- Eu pensava que você tinha fugido para gozar um pouco do bem e da alegria da sociedade - provocou-a ele. - Vai dar a volta inteira para retornar para uma cidade de criadores de gado?

É um círculo que se fecha, talvez, mas vou voltar em grande estilo - lembrou-lhe ela. - Além do mais, o brilho e a alegria excitam mulheres jovens, belas... como a sua. As duas coisas esmaecem se não houver outra para estimular a inteligência. - Ele não gostara da referência a sua jovem esposa. - Lá deve ser extremamente solitário para Lorna. Ela vai precisar de alguém que lhe faça companhia, quando você estiver longe. Quando foi que disse que a casa estará terminada?

- Neste inverno, embora, provavelmente, possamos nos mudar para uma parte dela neste outono. - Tomou um gole de café. - A cabana está ficando apertada demais com duas crianças pequenas correndo de um lado para o outro.

- Mas não parecerá tão vazia como aquela casa, se sua mulher ficar sozinha nela - observou Elaine. Alguém bateu à porta. - Eu dispensei a empregada pela tarde. Você se importaria de ir abrir?

Bebericou o café enquanto Benteen se dirigia à porta. Houve um longo momento de silêncio depois que ele a abriu. Elaine virou-se no sofá para olhar.

- Sr. Giles. Entre.

Benteen deu um passo para o lado a fim de permitir a entrada do espadaúdo visitante. O olhar de Giles, porém, varreu a sala como se procurando alguém mais, antes de parar ao lado do sofá.

- O que é? - perguntou ela.

- A senhora me pediu para lhe trazer a resposta àquele telegrama logo que chegasse. - Entregou-lhe o telegrama.

- Obrigada, sr. Giles. - Elaine olhou-o tempo suficiente para certificar-se de que era do primo do falecido marido, que residia no Canadá. Guardou-o em seguida entre as almofadas do sofá. - Isto será tudo por ora, obrigada.

Depois de abaixar a cabeça na direção dela, se virou e saiu. Benteen fechou a porta e voltou ao seu assento.

- Eu pensava que ele estava guiando seus amigos ingleses.

- Eu pedi a ele que viesse trabalhar para mim - respondeu ela.

- Porquê?

- Porque ele pode me ser útil. Não é prudente uma mulher sair sozinha neste país, sem um guarda-costas ou algum tipo de escolta. O sr. Giles serve às minhas finalidades.

- Ele trabalhou para Judd Boston - lembrou Benteen.

- De fato, eu sei. Mas as lealdades dele, hoje, são outras - garantiu-lhe Elaine. - Há alguma razão por que você não goste dele?

- Não. - A resposta foi concisa, o que indicava que ele estava escondendo alguma coisa.

A Ursa Maior descia para sua posição, à meia-noite, quando Benteen Chegou à sede da fazenda. O luar prateava a grande casa no pequeno morro, Uma vista impressionante naquela terra.

Havia luz na cabana, à espera de sua chegada. Quando saíra, naquela manhã, não dissera a Lorna aonde iria. Uma dezena de vezes, ou mais, estivera prestes a virar o cavalo e voltar para a fazenda. Havia centenas de razões para deixar sua mãe à espera no hotel e não comparecer. E não houvera uma única que fizesse sentido, para ele, a fim de ir ao encontro. Até o momento de bater à porta, não resolvera ainda se iria revê-la.

Dúvidas, incertezas, desconfiança continuavam a persegui-lo a respeito dela. Ainda assim, concordara com a proposta que ela lhe fizera de uma sociedade comercial. No que interessava a todos, aquela era a única ligação entre eles, por ora - até que tudo estivesse claro para ele, no tocante à mulher que o trouxera ao mundo.

O expediente já fora encerrado, e o banco estava fechado. Sentado à grande escrivaninha de mogno, no gabinete particular, Judd Boston passava em revista as transações do dia, enquanto Loman Janes andava de um lado para o outro como um animal que não aguentava confinamento. Boston olhou para ele uma vez e continuou a mexer nos seus papéis.

- Supõe que ele não venha? - Loman finalmente quebrou o silêncio.

- Ele virá. - Boston nem levantou a vista para responder.-A curiosidade o trará aqui, apenas para saber o que eu tenho a dizer.

- Teria sido mais simples se você me houvesse mandado trazê-lo aqui. Evitaria toda esta espera - disse Janes.

Boston não respondeu. Embora Loman Janes fosse bom no trabalho, pensava com os músculos. Ele teria recebido de bom grado uma guerra aberta com Calder pela posse das pastagens. Não lhe ocorria que Boston precisava de boa vontade e apoio dos colegas criadores para manter o banco em atividade. Uma guerra por pastagens implicava tomar partido. Perderia contas, os negócios do banco sofreriam, e um bocado de má fama lhe seria associada ao nome.

Às vezes, era irritante a falta de imaginação do capataz. Não tendo o incêndio na pradaria provocado tantos danos quanto haviam esperado, quisera atear outro. A última coisa que Boston queria era despertar as suspeitas de Calder. Ele tivera algumas perdas por causa do incêndio. Era tempo de criar outras através de outros meios. E de maneiras que seriam difíceis de lhe serem atribuídas. Precisava de pastagens para seu gado, não de uma guerra.

Ouviu uma batida à porta traseira do banco. Um brilho de satisfação apareceu em seus olhos quando encontrou os de Loman.

Vá abrir a porta para Giles - ordenou.

Minutos depois, Janes introduziu no gabinete o vaqueiro de pescoço pequeno. Boston lançou-lhe um breve olhar e voltou aos seus papéis. sente-se, Giles. Acabo isto em alguns minutos - disse. - Ofereça-lhe uma bebida, Janes.

A espera era deliberada, dando tempo a Giles para acomodar-se, confortavelmente, na grande cadeira de couro, de frente para a escrivaninha, e tomar um drinque de uísque legítimo.

- O rei está na casa das contas, contando seu dinheiro - recitou Giles enquanto Boston punha os livros da escrita de lado e acendia um charuto. - E o vilão... - Interrompeu-se, olhou para Janes, mas o significado daquela palavra arcaica escapou ao capataz. - Você queria falar comigo, Boston?

Queria. - Judd Boston reclinou-se na cadeira. - Reconheço que

fiquei surpreso quando você se demitiu do serviço do duque. Mas imaginei que você queria ficar por perto.

- Se isso é tudo sobre o que queria me falar... - Giles pôs na mesa o copo ainda cheio de uísque e fez menção de se levantar.

- A mulher de Calder continua a ser um assunto delicado para você, não? - observou Boston e mandou-o sentar-se com um gesto. - Sente-se. Há uma coisa que eu gostaria que você fizesse para mim.

- Eu já arranjei emprego, Boston. - Giles afundou-se na cadeira.

- Sim, sei que você foi contratado por lady Crawford. Segundo me disseram, as dificuldades de viagem foram demais para ela. - A decisão dela lhe parecera estranha e brusca demais, mas aqueles aristocratas ingleses tinham lá suas peculiaridades. - Ela pensa em descansar aqui por um mês, mais ou menos, antes de viajar por meio de transporte mais confortável, acho.

- Se foi isso que você ouviu, então acho que é. - Buli Giles não se comprometeu nem de uma forma nem de outra.

- Você a apresentou a Calder?

Os finos lábios de Giles contorceram-se de leve.

- Acho que foi o duque que lhe deu essa informação. Tudo o que

sei é que ela já conhecia a sra. Calder.

Não mencionou que ela tivera um encontro reservado com Benteen em sUa suíte no hotel. Aquilo era uma coisa que não entendera ainda. - A menos que esteja à disposição dela o tempo todo, acho que dispõe dum bocado de folga - sugeriu Boston. - A tarefa que tenho para você não lhe tomaria mais de um ou dois dias.

- Que "tarefa"?

Sei que você conhece um homem chamado Big Ed Sallie. - Boston inclinou-se para a frente e bateu a cinza do charuto.

Uma ruga rápida apareceu na testa de Buli Giles quando olhou, rapidamente, de Boston para Loman Janes. - De fato, conheço. E daí?

- Quero que você entre em contato com esse Sallie e arranj encontro dele com o sr. Janes.

Os olhos estreitando-se, Buli perguntou:

- Por quê?

- Não acho que isso seja de sua conta - respondeu Boston. sentiu que Giles não cooperaria a menos que lhe fosse dada uma razão para o motivo por que queria aquele encontro. - Na verdade, é uma simples questão de suborno. Segundo sei, se alguém tem influência com índios, esse alguém é Big Ed Sallie e seu bando de renegados brancos lá doS norte, no Missouri. Tenho esperança de que Janes possa convencê-lo a impedir que os índios ataquem o Barra 10.

- Só isso? - perguntou Giles.

- Isso será muito, se puder ser conseguido - disse Boston. - Você pode arranjar o encontro?

- Não posso garantir nada. Já faz muito tempo desde que o vi pela última vez. Mas posso tentar - concordou Giles.

- Este negócio fica estritamente entre nós, claro. Rigorosamente particular. - Boston queria deixar claro que Giles não devia falar sobre isso com pessoa alguma.

- Entendo que não daria certo se todos os criadores tentassem subornar Big Ed. Ninguém tem esse controle todo sobre aqueles índios fujões das reservas. Eles vão roubar o gado de alguém.

- Provavelmente, o de Calder - disse Boston. - Isso o incomoda?

- Não. Por que deveria?

Giles levantou a cabeça num ângulo desafiador, negando que sentisse qualquer interesse especial pelo Triplo C ou pela sua dona.

- Nunca se sabe, Giles. O que é ruim para Benteen Calder pode vir a ser bom para você - sugeriu Boston. - Veja o que pode conseguir e mande me dizer.

Pelo cheiro que se desprendia de Big Ed Sallie, ele não tinha contato com água há anos. A aba arriada do chapéu sombreava-lhe o azul dos olhos sem lhe ocultar o brilho matreiro. A barba revolta, abundante, apenas destacava a cicatriz irregular na bochecha onde o cabelo não crescia. Usava um casaco de couro de búfalo que lembrava sua antiga profissão. O couro parecia sarnento e fedia a uísque, vómito e suor velho.

- Buli disse que você queria conversar comigo. Quando os lábios se arregaçavam ao falar, mostravam dentes amarelos, manchados por suco de tabaco. Virou a cabeça e cuspiu um jato amarelo no chão.

- Quero - confirmou Loman. Seu olhar cinzento gelado Passou de Big Ed Sallie para o bando de facínoras que se encontravam montados no meio de um grupo de árvores. O olhar chegou a Buli Giles, que o levara até aquele local de encontro no meio de parte alguma. - Seu trabalho está feito. Pode ir.

Giles encolheu os ombros como se aquilo fosse o enterro de Janes, recuou o cavalo por alguns passos e, em seguida, levou-o num semicírculo para ir embora. Janes esperou até que o som do trote do cavalo morresse às suas costas, enquanto continuava a medir o líder renegado com os olhos.

Você deve pensar que é um cara muito duro. - A sela rangeu quando Big Ed Sallie mudou o peso do corpo e pôs ambas as mãos sobre o arção. - Alguns caras ficariam preocupados com meus amigos me esperando ali embaixo das árvores.

Por que eu deveria me preocupar com eles, quando posso lhe dar um tiro fácil? - disse Loman, pagando para ver a tentativa de blefe.

Big Ed deu uma risada gutural, um brilho de respeito aparecendo em seus olhos.

- O que é que você quer?

- Está chegando a época do ano em que os índios vão sair das reservas para comprar seu uísque - começou Janes.

- É ilegal vender uísque aos índios. Não sei se gosto de ouvir você me fazer essas acusações - disse Big Ed, inclinando a cabeça para um lado.

- Bêbado ou sóbrio, índio não vale coisa nenhuma - disse Janes.

- Para mim não interessa como eles gastam o dinheiro ou o que dão para consegui-lo. É sobre quando eles atacam fazendas que quero conversar com você.

- Eu não sou o guardião daqueles peles-vermelhas.

- Mas você lhes vende uísque, o que o torna amigo deles - raciocinou Janes. - Se um amigo dissesse a eles que o gado com a marca Barra 10 não deve ser tocado, eles poderiam escutar.

- Poderiam.

Pensativo, Big Ed rolou o naco de fumo em torno da boca e cuspiu novamente, sem tirar os olhos do homem de rosto pipocado de bexigas.

- E se o amigo deles lhes dissesse que o gado com um Triplo C vale mais do que os outros, eles bem que poderiam escutar.

- Quanto vale esse gado?

Lentamente, Loman Janes levou a mão para trás, levantou a aba do alforje e tirou uma bolsa de couro. Sopesou-a na mão por algum tempo, fazendo tilintar as moedas de ouro que nela havia. Depois, lançou-a na direção de Big Ed.

- E haverá uma gratificação extra depois de verificarmos o sucesso Que você tenha - prometeu Janes.

- Em outras palavras, você está me pagando para roubar o gado do triPlo C?-sorriu Big Ed.

Como é que eu poderia fazer uma coisa dessas? - zombou Janes.

- Você mesmo disse que não era o guardião desses índios. Como era que alguém poderia botar a culpa em você, se os índios, "por acaso", atacassem ais o gado do Triplo C do que o de qualquer outro criador na área?

- É... - concordou Big Ed, inclinando a cabeça e o sorriso alargando-se. - É isso mesmo.

Quando ouviu o som das rodas da charrete no lado de fora, Lorna passou as mãos pelos cabelos e dirigiu-se apressada à porta. Por cima do ombro olhou para as duas crianças que dormiam em pequenas enxergas e saiu,. A charrete parara, mas Buli Giles continuava com as rédeas nas mãos. Lady Crawford inclinou-se para a frente no assento, quando Lorna se aproximou, e perguntou:

- Onde é que eu posso encontrar Benteen?

- Ele está lá no morro - respondeu Lorna, indicando a casa com um movimento de cabeça.

- Obrigada. - A mulher recostou-se e com a mão disse a Giles para continuar.

Lorna soltou a respiração num suspiro nervoso. Virou-se e voltou lentamente para a cabana. Parando na soleira, seu olhar alongou-se até o morro, onde a charrete preta parara em frente à casa. Viu Benteen sair e ajudar lady Crawford a descer. Em seguida, os dois desapareceram na casa.

Não era a primeira dessas visitas que lady Crawford fazia. Estivera na fazenda em duas outras ocasiões. Em nenhuma das vezes visitara Lorna, nem mesmo por instantes. Benteen dissera que estava associado a ela num negócio, mas não lhe dera detalhes.

Mais do que ser excluída daquelas conversas de negócios, o que a incomodava era a relutância de Benteen em discutir com ela tudo que dissesse respeito a lady Crawford. Alguma coisa estava mudando nele. Parecia haver começado naquela noite em que ficara acordado, bebendo. Ultimamente, ele se tornara preocupado, casmurro.

Suspirando novamente, virou-se e entrou na cabana.

- A casa está mesmo começando a tomar forma, não? - observou Elaine, enquanto passavam do vestíbulo para o que seria o gabinete. Todas as paredes internas já haviam sido levantadas, dividindo a casa em cómodos, e começara já o trabalho de acabamento. - Talvez sua mulher fique feliz quando vocês se mudarem para a casa.

- O que é que você quer dizer com isso? - perguntou ele vivamente.

- Não importa. - Fingiu ignorar a observação impensada e apertou com força o braço dele. - De qualquer modo, não foi por isso que vim aqui conversar com você. Quando espera entregar o gado ao posto do governo, no Canadá?

- Jessie deve chegar lá na próxima semana. - Benteen parou e inclinou-se para encará-la. - Onde foi que arranjou essa ideia de que Lorna não é feliz?

- Chame isso de intuição feminina, acho. Parece que nós podemos sentir quando outro membro de nosso sexo não é feliz. - Finalmente, seu olhar encontrou o de Benteen. - Sua mulher deveria ser muito jovem quando casou com ela.

- Dezessete, quase 18. Eu não consideraria isso jovem demais.

- Naturalmente, ela era virgem. - Quando ele desviou a cabeça, Elaine repreendeu-o. - Não devia ter me perguntado, se não queria que eu falasse em assuntos pessoais.

- Não acho que isso tenha importância - disse seco Benteen.

Não, os homens nunca acham. - Elaine riu baixinho. - Você teve

algumas experiências com mulheres, de modo que sabia o que queria numa esposa. Lorna não teve essa vantagem. Se descobrir que cometeu um erro, não terá mais opções do que eu tive.

- Não houve erro.

- Eu não quis dizer que houve, no seu caso - observou Elaine. Estava falando apenas em termos gerais. O que me lembra de uma coisa. Eu gostaria que você jantasse comigo numa noite, na próxima semana. Há dois cavalheiros que eu acho que você deve conhecer.

- Quem são eles? Canadenses? - Ele rapidamente aceitou a mudança de assunto.

- Não. São políticos locais.

- Eu não estou interessado em me envolver em política.

- Há graus diferentes de envolvimento - lembrou ela. - Seu pai foi ao extremo. Estou falando em jogar com a política, em manipular pessoas e fatos de acordo com seus próprios interesses. Você precisa conhecer alguns dos líderes do governo do território.

- Esse governo, para todos os efeitos, não existe. - Manifestava um sentimento compartilhado pela vasta maioria dos cidadãos do território.

- Isto aqui é um sistema com que o Leste apenas sonhou. E eles não têm a menor ideia de como as coisas são por aqui. Todo mundo aqui o ignora.

- É fraco - concordou Elaine. - Mas quando Montana adquirir a condição de Estado, não há razão por que você e eu não tenhamos uma voz na escolha do primeiro governador. O jogo da política é instigante e pode ser altamente lucrativo para a fazenda. Veja o caso do contrato de fornecimento de gado. Nunca faz mal ter no governo pessoas influentes que nos devam favores, Benteen.

- Talvez. - Mas ele não concordava inteiramente com o argumento.

- O segredo é usá-los - não ser usado por eles.

- Você é competente em usar pessoas, não? - observou ele, a expressão se fechando.

- vou fingir que isso é um cumprimento. - Sorriu, tomou-lhe novamente o braço e examinou o aposento. - Acho que este gabinete vai ser meu lugar favorito em sua casa.

A cabana estava recendendo ao cheiro de fermento do pão que assava no forno. De costas para a janela, Lorna aproveitava a luz do sol para costurar, à mão, uma camisa para Arthur, feita com os restos de outra de Benteen.

Sua concentração foi interrompida por uma batida à porta. Rapidamente, pôs a camisa de lado e limpou o pó de farinha do avental de mussea. Mas quando abriu a porta, foi Buli Giles e não lady Crawford quem viu do outro lado. Relaxou um pouco, não realmente desapontada.

- Os garotos estão? - perguntou ele.

Tornara-se hábito dele brincar com as crianças durante as visitas d lady Crawford ao seu marido. A boca de Lorna entortou-se com a ironia da situação. Lady Crawford passava, às vezes, mais tempo com seu marido do que ela. E Buli Giles passava mais tempo com as crianças do que Benteen.

- Estão tirando um cochilo - explicou ela, mantendo baixa a voz - Benteen não disse que vocês viriam aqui hoje.

- Eu trouxe para cada um deles umas duas barras de menta. - Tirouas do bolso e entregou-as a Lorna. - Pode dá-las a eles depois da ceia desta noite.

- Os meninos vão adorar. Obrigada, Bu... - surpreendeu-se usandolhe o nome e rapidamente corrigiu-se: - sr. Giles.

- Eu gostaria que você me chamasse de Buli - pediu ele tranquilamente.

- Esse certamente não é seu nome de batismo.

- Não. - Um brilho súbito apareceu nos olhos dele. - Se prometer não dizer a ninguém, eu lhe digo qual é.

- Prometo. - Ela fez uma cruz sobre o coração, numa promessa infantil de segredo.

- Horatio.

- Horatio - repetiu ela e sentiu o riso brotar na voz.

- Revoltante, não é? - sorriu Buli.

- "Buli" de fato fica melhor em você - concordou Lorna, podendo sorrir nesse instante, porque ele sorria também.

- Lorna também cai muito bem em você - murmurou ele. Quando ela se encolheu com a intimidade implícita no tom de voz, Buli mudou-o e fingiu que cheirava o ar. - É pão fresco o que estou cheirando?

- Isso mesmo. Botei alguns para assar no forno.

- Nada é mais gostoso do que pão fresco recém-saído do forno declarou ele.

Ela riu baixinho.

- Devem ficar prontos em uns quinze minutos. Por que não entra e toma um pouco de café? - convidou Lorna.

- Eu gostaria, se a senhora tem certeza de que está tudo bem. Buli esperou, dando-lhe oportunidade de reconsiderar o oferecimento impulsivo.

Lorna olhou rapidamente para a casa no morro. Se Benteen não queria lhe contar nada do que estava acontecendo, talvez pudesse descobrir com Buli.

- Claro que está tudo bem. - Abriu mais a porta e deu um passo para o lado, deixando-o passar. - Sente-se. £

Enquanto ela ia servir o café, Buli foi até a cadeira junto à janela e pegou a costura que ela deixara lá.

O que é que está fazendo? - perguntou.

- Uma nova camisa para Arthur. Pode colocá-la em cima da mesa por ora. - E foi dar uma olhada no fogão para ver como iam os pães.

Buli desdobrou a camisa e segurou-a alta no ar.

É bem pequena, mesmo. Minha mão nem entra na manga. Mexeu os três dedos que conseguiu passar pela manga.

- Sua mão é muito mais grossa do que o braço dele. - Lorna trocou a camisa pela xícara de café.

Buli reposicionou a cadeira de modo a sentar-se paralelo à janela e de frente para a porta. Seu olhar desviou-se para os dois meninos que dormiam a sono solto nas pequenas enxergas, no canto mais distante da sala.

- Eu nunca tive muito contato com crianças. Mas passei a gostar um bocado desses dois - confessou ele, e tomou um gole do café quente.

- Eles também gostam muito do senhor.

- Esse Webb vai ser um cavaleiro e tanto quando crescer. Agora ele já pode, praticamente, montar sozinho.

- Isso não tem nada de surpreendente. Benteen levou-o para passear a cavalo quando ele tinha menos de um mês. - Lorna sorriu, lembrando-se daquele dia. A menção de Benteen trouxe-a de volta ao seu objetivo. - Claro, a fazenda o tem mantido tão ocupado ultimamente que não tem arranjado tempo para ensinar Webb a montar. Tem que ficar longe muito tempo por causa dessa sociedade comercial dele com lady Crawford.

- Eu sei que ele anda comprando muito gado para cumprir aquele contrato canadense - disse Buli. - Parece que aqueles dois vão ganhar um bocado de dinheiro.

Lorna soubera que Benteen estivera comprando gado e que Jessie levara um rebanho ao Canadá para vender, mas não ligara os dois fatos a lady Crawford.

- Para dizer a verdade, estou um pouco surpresa ao ver como Benteen está-se dando bem com lady Crawford. Antigamente, ele tinha uma opinião não muito boa dos chamados aristocratas. Mas estão realmente se tornando amigos, acho.

- Isso não deveria lhe causar surpresa - disse Buli, fitando-a pensativo. - Ela ainda é uma mulher bonita. Todo homem normal apreciaria a companhia dela.

- Sim, ela ainda é bela - o acordo de Lorna saiu fácil até que ela Percebeu outra implicação naquelas palavras -, embora seja muito mais Velha do que Benteen.

- A senhora acha que isso faz alguma diferença? - perguntou ele com aparente inocência.

Diferença no quê? - Ficou cautelosa, não gostando do rumo que a conversa estava tomando, mas, ainda assim, incapaz de interrompê-la ou dar-lhe outra direção.

- No fato de Benteen sentir-se atraído por ela - disse Buli.

- Você quer dizer, como mulher? - perguntou Lorna fechando a cara.

- Sim, como mulher.

Ela tentou rir, mas o riso teve um som oco.

- Buli, você está querendo insinuar que eles têm mais do que um relacionamento cordial, é isso? Isso é uma tolice.

- Por quê?

- Porque Benteen e eu somos casados. - Mas a razão pareceu-lhe fraca.

- Não é provável que um homem casado tenha um caso. - A declaração dele, porém, não pareceu uma concordância.

- Benteen não faria uma coisa dessas. - Virou-se para o fogão. O pão já deve estar pronto. - com igual rapidez, voltou-se para Buli. Por que está me dizendo essas coisas? Por que está tentando plantar dúvidas em mim?

Ele sustentou-lhe o olhar durante um longo momento. Depois, levantou-se para ir até o fogão encher a xícara.

- Porque os vi juntos, e você não viu. Vi a maneira como eles se olham. O que há entre eles, aposto minha vida, não são apenas negócios. Há algo mais - insistiu. - E queria lhe dizer outra coisa. Não gosto da ideia de alguém fazendo você sofrer.

- Entendo - murmurou ela, porque não havia mais nada que pudesse dizer.

A sugestão de que Benteen pudesse estar de caso com lady Crawford deixou-a atónita. Era uma possibilidade que nunca lhe ocorrera. Aquela mulher era bela, elegante, sofisticada, mas supusera que, por ser mais velha, Benteen não a consideraria como objeto sexual. Ainda assim, não seria isso uma explicação da maneira como ele vinha se comportando ultimamente? Por que ele não queria conversar sobre lady Crawford? Tentou rejeitar a ideia como absurda, mas não era fácil.

com movimentos automáticos, pegou uma toalha para proteger as mãos enquanto tirava as formas de estanho de dentro do forno. Mal notou que Buli a observava e ela mesma permaneceu inteiramente inconsciente da carranca magoada que se formara no seu rosto.

- Eu não devia ter dito coisa alguma - suspirou ele. - Tomara que não leve isso contra mim.

A expressão de profunda preocupação nas feições rudes levou-a a sorrir debilmente para tranquilizá-lo.

- Não vou levar, Buli. - Mais uma vez, inconscientemente, usara-lhe o primeiro nome.

A porta foi aberta, inundando de luz a cabana. O corpo anguloso de Benteen apareceu silhuetado no clarão, um pé dentro da cabana. Em seguida, ele afastou-se do fulgor da luz para manter a porta aberta.

- Você deixou a charrete abandonada, Giles - disse ele, a voz áspera.

- Ela está pronta para ir embora.

Vagarosamente, Buli tomou o último gole de café antes de passar a xícara a Lorna.

- Obrigado pelo café, sra. Calder. - Dirigiu-se sem pressa para a porta que Benteen mantinha aberta para ele. O ar estava carregado, como pouco antes de cair uma tempestade.

Quando se emparelhou com ele, Benteen disse:

- Nunca mais ponha os pés dentro desta cabana.

Não houve resposta de Buli. Sua única reação foi uma leve pausa na passada antes de sair pela porta. Lorna tremeu de raiva, mas esperou que Benteen fechasse a porta antes de explodir.

- Como é que você ousa dar uma ordem dessas? - Tentou manter a voz baixa, mas ela vibrava de fúria. - Eu o convidei para tomar café. Esta casa também é minha. Posso receber, aqui, quem quiser.

- Não, não pode - respondeu seco Benteen. - Não ele.

- Por quê? Porque ele é um homem - ela mesma respondeu. - Há alguma diferença em você e lady Crawford passarem todo esse tempo juntos?

- Pode ficar danada de certa que há uma diferença!

- Por que é correto para ela e não para mim? - exigiu saber.

- Porque é o que eu digo.

- Isso não é suficiente! Não vou admitir que me diga o que fazer ou quem posso escolher como amigo. Certamente, não você!

- Acontece que sou seu marido.

- Que estranho que se lembre disso nesta ocasião particular observou ela com cortante sarcasmo.

- O que é que você quer dizer com isso? - perguntou Benteen olhando-a zangado.

- Significa que, em geral, você só se lembra que tem esposa quando está com fome, quando as crianças estão chorando, ou quando sente necessidade de fazer amor. Nas outras ocasiões, eu poderia ser uma cadeira, pela atenção que você me dá.

- Você quer dizer que não é feliz?

- Não, não sou. Quem seria, em meu lugar? - disse Lorna, pensando na maneira como ele a excluía e não lhe contava seus planos.

- Isso é uma pena danada, porque você vai, simplesmente, ter que viver com seu erro. De modo que não meta na cabeça nenhuma ideia maluca de querer mudar as coisas. É assim que as coisas vão ser, de modo que é melhor aprender a conviver com isso.

No instante seguinte, Benteen saía fechando a porta com estrondo. O Primeiro impulso de Lorna foi correr atrás dele e exigir uma explicação daquelas últimas palavras, mas a pancada da porta acordara as crianças.

Quando conseguiu lhes acalmar o choro, Benteen já cavalgava para longe.

Seguiu-o com os olhos, um brilho determinado neles. Ele estava enganado. A despeito do que ele queria, algumas mudanças seriam feitas. Se resolvera não incluí-la, ela o obrigaria a isso.

Não era um dos empregados dele para receber ordens - nem uma de suas vacas para ser ferrada e parir uma vez por ano. Era esposa dele, e, com todos os diabos, ele ia ter que compreender isso.

Quando o gado anda pela relva, empurra-a para baixo na direção oposta em que está seguindo. O cavalo empurra a grama para a frente na direção em que vai. Ler pegadas é uma coisa que o vaqueiro aprende cedo em sua carreira.

Uma vez que o fogo na pradaria queimara a terra e incendiara inteiramente o acampamento avançado na seção sudoeste da pastagem, Shorty voltara para o alojamento central. Estava cobrindo o quadrante nordeste, certo dia, quando cortou a trilha de cabeças de gado que estavam sendo tocadas para longe da fazenda por quatro homens montados.

Como estavam na época de rodeio, era possível que vaqueiros de uma fazenda vizinha tivessem entrado na pastagem do Triplo C procurando gado extraviado e os estivessem levando de volta - exceto que estavam montando póneis que não possuíam ferraduras. O rastro era fresco e fácil de seguir e não tinha passado mais de uma hora desde que fora deixado ali. Shorty alinhou o cavalo com o rastro e pôs o baio de nariz chato em lento galope.

Vasculhou a viril terra de Montana à frente e olhou ocasionalmente para a trilha a fim de se certificar de que ela não fazia voltas bruscas. Teve saudade de seu rifle, que ficara no alojamento, mas a arma atrapalhava quando pastoreava gado. O revólver estava carregado, e tinha outro nos alforjes. Não esperava que índios ladrões fossem topar uma luta. Em geral, eles se dispersavam pela planície e se reagrupavam em outro lugar e voltavam como uma matilha de coiotes para tentar novamente.

O terreno ficou mais acidentado quando a trilha se enroscou em torno da base de um morro alto e isolado. Quando deu a volta, viu um magote de gado com a marca do Triplo C espalhado e pastando na grama queimada pelo sol. Puxou com força as rédeas, levantando o baio sobre a traseira.

Um minuto depois, o silêncio era quebrado apenas pela respiração forçada do cavalo, o tilintar das correntes do bridão e o gemido da sela de couro. Não viu sinais de índios, cavalos ou cavaleiros.

Na fração de segundo que precisou para absorver a cena, o ar foi rasgado por gritos agudos. Havia cinco deles, vindo de todos os lados em sua direção. Pegando a arma, perguntou-se como deixara de ver os sinais doutro cavaleiro. Ele devia ter estado cavalgando afastado em um dos lados.

Não havia cobertura nenhuma ali no terreno. Estava cercado em campo aberto, e eles tinham rifles. A arma não deixara ainda o coldre quando enfiou as esporas no baio e correu para o centro do gado reunido.

Explosões rasgaram o ar enquanto balas assoviavam por toda parte em volta.

Estava numa situação muito grave e sabia disso, três deles pressionando-o por trás, e dois aos gritos, convergindo pela frente. Era um dia frio de setembro, mas o suor escorria de sua testa quando disparou três tiros contra o índio que vinha bem à frente. O índio desmoronou em cima do cavalo, e Shorty viu sua brecha.

Nesse momento, alguma coisa lhe sacudiu o braço. Um segundo depois, algo como um punho desceu sobre suas costas. A força do golpe lançou-o contra o pescoço do baio. Uma estranha dormência pareceu descer por seus membros. Não se sentiu, de modo algum, na sela. A escuridão se fechava em torno dele, estreitando-lhe a visão. Aparentemente, nem podia respirar nem se espigar.

O mustang baio estava dando tudo o que podia, a cabeça de Shorty descansando em seu pescoço espichado. com a visão toldada, viu os homens continuando a perseguição. Por um confuso segundo, teve certeza de que um deles era branco. A última coisa de que se lembrou foi enrolar as rédeas em torno do pulso e se perguntar por que não as sentia.

Estavam frias as roupas penduradas na corda que corria de um canto da cabana até a árvore, mas também secas. Lorna examinou as calças que haviam outrora pertencido a Joe Dollarhide, mas não viu traço do mofo que descobrira quando a tirara do baú.

Quando viu o cavalo e cavaleiro pelo canto do olho, virou a cabeça, pensando que poderia ser Benteen. Teve logo a atenção despertada pela andadura desigual do baio, poupando a perna direita da frente. Depois, viu o corpo imóvel do cavaleiro caído em cima do pescoço do cavalo.

Durante um momento, olhou apenas, até que se deu conta de que o cavaleiro estava ferido. Deixou cair as roupas, arrepanhou as saias e correu Pelo pátio na direção da cocheira-celeiro, a fim de interceptar o animal. Dez minutos antes, vira Rusty do lado de fora do alojamento. Gritou, chamando-o.

O cavalo, coberto de espuma, sacudiu a cabeça quando ela estendeu a mão para as rédeas. Murmurou alguma coisa para tranquilizar o animal e aproximou-se do homem derreado em cima. Era Shorty Niles. Quando tocou a manga direita da camisa, a mão saiu pegajosa de sangue. Uma bala raspara a coxa dele, abrindo a perna da calça e escurecendo de sangue o tecido. Estendeu o braço para passar a mão pela cintura dele e tirá-lo da sela e descobriu mais sangue nas costas do vaqueiro.

Com um choque súbito, deu-se conta de que Shorty poderia estar morto. Teve um momento de medo quando lhe segurou o rosto com as mãos, manchando-o. Tremeu de alívio quando seus dedos encontraram uma fraca pulsação. Tentou mais uma vez tirar aquele peso morto da sela Mas, logo depois, havia mais um par de mãos a ajudá-la com a chegada de Rusty.

- Ele está vivo - disse ela baixinho, enquanto lutava para soltar as rédeas amarradas em volta do pulso do rapaz.

- Mas alguém meteu chumbo nele - grunhiu Rusty com o esforço de tirar o corpo da sela.

Lorna moveu-se rapidamente para ajudá-lo a manter Shorty em pé. Enquanto Rusty ficava de um lado, aguentando a maior parte do peso, ela passava um braço em torno do pescoço e amparava o corpo do rapaz com o ombro, de modo a poderem, parcialmente, arrastá-lo e carregá-lo.

- Vamos levá-lo para o alojamento - disse Rusty.

O alojamento era território proibido a Lorna. Não se conhecia caso de mulher ter entrado no domínio privado do vaqueiro. Quando Rusty abriu a porta, ela foi assaltada por cheiro de suor, esterco de gado e a fedentina de nacos de fumo de mascar. O lugar era imundo e desarrumado, com roupas sujas duras no chão e páginas de catálogos presas com percevejos nas paredes. Viu piolhos correndo para se esconder quando Rusty puxou a coberta de uma das enxergas.

- Isto é pior do que um chiqueiro - disse ela em chocado nojo. Vamos levá-lo para a cabana. - Quando Rusty começou a discutir, ela explodiu: - Você ouviu o que eu disse! Vamos levá-lo para a cabana agora mesmo!

Grunhindo baixinho, Rusty levantou a maior parte do fardo nos ombros e dirigiu-se para a porta. No momento em que saíam, dois vaqueiros chegavam. Vince Garvey e Woolie saltaram das selas e vieram ajudar Lorna.

- O que foi que aconteceu? - perguntou Vince.

- Ele foi baleado - respondeu Rusty. - Ela quer levá-lo para a cabana.

- vou preparar um lugar para ele - disse Lorna, e seguiu à frente. Mesmo que houvesse tempo de ir chamar um médico, não havia

nenhum em um raio de cinquenta quilómetros. Limpou a mesa para que Rusty pudesse operar ali e reuniu todos os lençóis limpos que pôde encontrar. Houve uma pequena discussão quando Rusty insistiu em que ela saísse porque os ferimentos de Shorty tornariam necessário despi-lo, mas acabou cedendo diante da obstinada determinação dela em ficar. Mandou as crianças para fora com Woolie e fez o que podia para ajudar Rusty, segurando o candeeiro para lhe dar mais luz e enxugando o sangue que escorria para que ele pudesse ver melhor. Exceto pelos poucos nauseantes momentos em que ele cauterizou os ferimentos e ela sentiu o cheiro de carne queimada, Lorna aguentou bem a sangrenta provação.

Depois de suturados e enfaixados os ferimentos, Vince e Woolie puseram-no na grande cama atrás da cortina de lona. Nem por um momento Shorty recuperou a consciência ou fez qualquer movimento. A palidez de seu rosto parecia ter-se tornado maior ainda contra a brancura do lençol de musselina.

Agora, tudo cabe ao Senhor - declarou Rusty, desviando a vista do paciente para Lorna.

Acho que há um pouco de café no fogão.

- Acho que preciso de um pouco. Minhas mãos não estão muito firmes agora. .

Rusty estava temperando o café com uma dose de uisque no momento em qUe Benteen entrou. Vince e Woolie já lhe haviam contado o que acontecera.

- Como está ele? - perguntou, dirigindo-se à cama para ir vê-lo.

- Está respirando - respondeu Rusty. - Mas isso é tudo que posso dizer. Ele foi muito ferido.

- Ele não disse nada? Nem uma palavra sobre quem fez isso? Rusty sacudiu a cabeça.

- Não deu nem um pio.

Afastando-se da cama, Benteen foi até o fogão e serviu-se de café. Webb entrara em silêncio na cabana seguindo Benteen. Na ponta dos pés, olhava para o vaqueiro estirado na cama.

- Mamãe, Shorty vai dormir aqui?

- Vai, até ficar melhor - respondeu ela, consciente do vivo olhar que Benteen lhe dirigiu.

- Mas onde é que você e papai vão dormir? - voltou a falar Webb, franzindo as sobrancelhas.

- Papai pode dormir com você e Arthur. Eu ponho umas colchas na cadeira e fico sentada ao lado de Shorty. - Pegou-o pelos ombros e apontou-lhe a porta. - Saia e vá brincar, enquanto eu preparo a ceia.

Pouco antes do amanhecer, Shorty recuperou parcialmente a consciência. Seus gemidos acordaram Lorna; que cochilava na cadeira junto à cama. Aproximou-se para acalmá-lo e lhe umedecer os lábios com um pano molhado. Benteen aproximou-se silenciosamente da cama e se curvou sobre ela.

- O que foi que aconteceu, Shorty? - A pergunta murmurada fez

o vaQueiro erguer brevemente as pálpebras.

- índios... roubando gado... emboscaram-me. - As palavras murmuradas eram quase indistintas, a maioria ininteligível, mas Benteen pegou o núcleo da coisa.

índios.

Shorty prendeu a camisa de Benteen com os dedos. Uma expressão confusa misturou-se com a dor que havia no rosto.

pensei... que havia... umhomem branco., com eles –Fechou com força os olhos. -... Devo ter me... enganado.

- Psiu. - Lorna ficou preocupada, pensando que ele estava gastando forças demais para falar e, com firmeza, soltou a fraca mão da camisa de Benteen. - Está tudo bem, Shorty. Simplesmente, descanse.

Ele inclinou levemente a cabeça e pareceu relaxar. Lorna arrumou as cobertas sobre ele e virou-se em seguida para Benteen.

- O que é que você acha que ele quis dizer, quando falou em homem branco?

- Não sei - respondeu ele baixinho, com sombria impaciência. Não devia ter ido sozinho atrás deles, mas ninguém pode dizer isso a Shorty. Ele enfrentaria sozinho um exército para provar que é tão homem como qualquer outro.

Durante cinco longos dias e noites, Lorna tratou-o de crises de febre e delírio. Em certas ocasiões, Shorty tornou-se violento, e Benteen teve que prendê-lo à cama para evitar que os ferimentos se abrissem. Lorna dava-lhe caldo quando ele estava consciente e alimentava-o à força, quando não estava. Shorty, porém, conseguiu superar a pior fase. Rusty declarou que ele era um cabra ruim demais para morrer.

Só depois de passada a febre e o delírio é que Benteen tentou interrogá-lo sobre a referência de um homem branco entre os ladrões de gado. Shorty, porém, não conseguiu lançar muita luz sobre o assunto.

- As coisas todas estavam escurecendo para mim quando o vi por um momento... ou pensei que vi. - Shorty ficou nervoso com sua própria imprecisão. - Não posso jurar que um deles era branco, Benteen. Quanto mais penso nisso, mais acredito que meus olhos me enganaram.

- Isso acontece - concordou Benteen.

- Sinto muito. Se tivesse me ocorrido que eles poderiam estar vigiando o rastro que deixavam, eu teria tido mais cuidado em segui-los.

- Lembre-se disso, se houver uma próxima vez. E não tente enfrentálos sozinho. Isto é uma ordem - acrescentou Benteen, de quebra, e sua boca contorceu-se num ângulo brincalhão. - Descanse um pouco. Quero você fora de minha cama e de volta ao alojamento, que é o seu lugar.

Mas antes de Shorty ser levado para o alojamento, Lorna resolveu fazer lá uma limpeza. Começou tirando tudo para fora, lavando paredes, pisos e armações de cama com a solução mais forte de água de barrela que conseguiu preparar. A despeito das queixas dos vaqueiros, ferveu-lhes as vestimentas e as roupas de cama e colocou-as ao sol de setembro para secar.

Quando terminou, o alojamento ficou quase reluzente. Doíam-lhe todos os ossos e músculos do corpo, e as mãos lhe ardiam com as queimaduras de detergente do sabão, mas olhou satisfeita para os resultados.

Seu prazer, porém, não foi compartilhado por Vince quando entrou no alojamento e torceu o nariz para aquele cheiro todo de limpeza.

- Isto aqui simplesmente não parece mais a casa da gente - murmurou e foi arrastando-se até seu catre.

Quando mencionou a observação dele a Benteen, a resposta do marido implicou também desaprovação a seus atos.

- Você não esperava agradecimentos por ter interferido, esperava?

Lorna compreendeu que estava lutando sozinha num mundo de homens.

Ao voltar do Canadá, Jessie Trumbo contou que fora fustigado por índios durante a viagem. Calculava que haviam roubado umas 20 cabeças de gado e 10 cavalos, mas ninguém ficara ferido. Depois do incidente com Shorty, Benteen passou ordens aos homens para que trabalhassem em duplas e levassem seus rifles. No mesmo dia em que Jessie voltou, Zeke feriu-se acidentalmente a bala no pé e queixou-se amargamente de ter estragado um bom par de botas.

A charrete preta não parou na cabana. Lorna observou-a da janela seguir diretamente para a casa no alto do pequeno morro. Seus lábios se afinaram numa linha reta. Virando-se, pegou o xale preto e colocou-o nos ombros.

Webb corria para a cabana a fim de informá-la da chegada do sr. Giles quando ela cruzou a porta. Ficou animadíssimo ao descobrir que iam até a casa conversar com ele. Lorna andava rápido demais para que Arthur a acompanhasse e assim montou-o no quadril para carregá-lo, enquanto Webb trotava à frente num cavalo imaginário.

Buli Giles mostrou sua surpresa ao vê-la aproximar-se. Em geral, ele ia até a cabana ver as crianças. Lorna nunca as trazia para vê-lo. Arthur esperneou para ser posto no chão. Deixou que ele escorregasse para o chão e corresse ao encontro do amigo enorme.

Lorna não parou para falar com Buli e ignorou o olhar interrogativo que a seguiu quando ela passou pela charrete e subiu os degraus para a porta da frente. Ouviu o som rouco da risada de Benteen, o calor que havia nele provocando-lhe um arrepio espinha abaixo ao parar à entrada. Seus pés foram atraídos para o gabinete, de onde viera o som. A porta entreaberta permitiu que olhasse para dentro.

Benteen encontrava-se muito perto de lady Crawford, estonteante num vestido preto, olhos escuros e cabelos prateados. Passou-se um segundo antes de notar que Benteen enchia um cálice que lady Crawford segurava. O líquido saiu espumante da garrafa que ele tinha na mão e com a qual enchia o cálice de haste comprida.

Ouviu-lhes o murmúrio das vozes, mas não conseguiu distinguir o que diziam. Sorriam ambos. Uma dor começou a espalhar-se pelo seu corpo. No momento em que Benteen virou-se parcialmente para pôr a garrafa em um engradado de madeira, lady Crawford levou a mão ao rosto dele para virá-lo para ela. O gesto pareceu tão natural e familiar que um protesto gritou dentro dela. Durante uma fração de segundo, vislumbrou uma tensa ânsia nas feições de Benteen. Sentiu-se queimar de ciúme.

A mão empurrou o resto da porta, e deu um passo à frente, uma inclinação irada na cabeça.

- Isto é uma comemoração particular, ou todo mundo pode comparecer? - perguntou, desafiante.

Benteen não fez tentativa alguma de ocultar seu irritado desagrado com a intromissão. Lady Crawford, porém, virou-se e lhe sorriu com descarada tranquilidade.

- Venha se reunir a nós, Lorna - convidou. - íamos fazer um brinde ao nosso primeiro sucesso.

- Um brinde? - Seus pés mal pareceram tocar o chão quando deslizou para o lado de Benteen. - Isso aí é champanhe? Que coisa maravilhosa - disse com gelada alegria. - Nunca a provei antes. Você se importa?

- Tomou o cálice da mão de Benteen sem lhe pedir permissão. Bebericou o líquido e fingiu gostar da azeda e seca efervescência. - É bem gostoso, não é?

- Na verdade, é de um ano ruim, mas era o melhor que tinham respondeu lady Crawford.

- Eu não sou experiente nessas coisas - reconheceu tranquilamente Lorna e devolveu o cálice a Benteen. - Perdoe-me por não ter permitido que você e lady Crawford brindassem à primeira entrega de gado no contrato de fornecimento. - Queria que soubesse que estava inteirada da natureza de seus negócios, mesmo que ele não houvesse dado detalhes. Os dedos dele estavam encurvados com força sobre o cálice, os nós brancos. - Vão quebrar os cálices na lareira depois do brinde? É assim que se faz geralmente, não?

- Muito raramente - respondeu lady Crawford e enviou a Benteen um olhar particular sobre a borda do cálice quando o levou aos lábios pintados de vermelho.

- Você queria alguma coisa, Lorna? - perguntou Benteen.

- Simplesmente dizer alo a lady Crawford. - Dirigiu um sorriso alegre à mulher mais velha. - Eu não gostaria que a senhora pensasse que eu estava sendo grosseira.

- Minha querida, eu nunca pensaria isso - garantiu-lhe lady Crawford.

- Você se importaria em nos deixar agora, Lorna? - Aquilo era uma ordem, não um pedido. - Temos alguns negócios a discutir.

Um tremor de rebelião sacudiu-a toda, mas terminou numa nota de sarcástica submissão:

- Eu nem pensaria em me intrometer numa discussão de negócios. com uma orgulhosa inclinação de cabeça à viúva inglesa, deixou a sala.

Não reduziu o passo até sair da casa e começar a descer os degraus. Os olhos lhe queimavam com lágrimas secas. Pestanejou para diminuir o ardor e errou o último degrau, caindo de joelhos.

- Droga, droga, droga! - disse baixinho, embaraçando-se na longa saia quando tentou se levantar.

- Machucou-se? - Buli Giles inclinou-se à frente dela e estendeu as mãos para pegá-la pelos braços.

Estou bem. Apenas tropecei - respondeu Lorna, mantendo os olhos baixos enquanto ele a ajudava.

Você está tremendo - disse ele.

Lorna deu-se conta de que estava vibrando com uma mistura de raiva e mágoa.

Estou bem, mesmo - insistiu.

É melhor que deixe que a ajude a voltar para a cabana.

Buli começou a passar o braço em torno de seus ombros para ampará-la, mas Lorna pôs a mão aberta em cima do peito dele para detê-lo.

Não, realmente... - O protesto morreu quando levantou a cabeça e viu a adoração total naqueles olhos. - Não me olhe desse jeito, Buli.

- Foi porque você viu Benteen com ela lá dentro, não? - adivinhou ele. - Aquele homem é um idiota. Se quiser deixá-lo, Lorna, simplesmente me diga, e eu levarei você e as crianças para onde você quiser ir. Cuidarei de você. Você sabe disso.

- Não diga nada. - Ela sacudiu a cabeça. - Eu nunca poderia deixálo.

A grande mão calejada roçou-lhe o lado da face numa carícia involuntária. O amor profundo, suave, estava ali, nos olhos dele. E transformava em vulnerabilidade a aspereza das feições rudes. Ouviu um leve ruído, mas que nada significou para ela até que ouviu o açoite feroz da voz de Benteen.

- Tire suas mãos de cima de minha mulher!

Lorna girou rapidamente para ele, muito alto acima deles ali nos degraus. Empalideceu quando viu a mão dele na coronha do revólver. De repente, a mão de uma mulher fechou-se em torno do punho dele para impedir qualquer tentativa de sacá-lo.

O olhar em chamas de Benteen virou-se para a mãe ao seu lado.

- Tire-o daqui antes que eu o mate.

Os pés de Lorna pareceram pregados ao chão, enquanto lady Crawford descia os degraus com descansada graça. Olhou para Benteen, sentindo a violência que emanava dele como se fosse uma coisa viva.

- Ajude-me a subir para a charrete, sr. Gíles - ordenou calmamente lady Crawford.

Lorna mal notou os dois meninos correrem para seu lado e acenarem Para Buli, no momento em que a charrete rolou para longe.

Quando Benteen girou sobre os calcanhares para entrar em largas passadas em casa, um estremecimento sacudiu o corpo de Lorna.

O que é, mamãe? - perguntou Webb. - Nada, querido - mentiu ela. - Vamos voltar para a cabana, sim?

O silêncio na ceia naquela noite foi tão pesado, que quase a sufocou. Benteen não dissera uma palavra às crianças e, ainda menos, a ela. A comida não tinha sabor. Acabou empurrando-a de um lado para o outro no prato, sem comê-la.

Tirada a mesa, Benteen espalhou papéis em cima dela e acendeu o candeeiro. Parecia impossível, mas a tensão cresceu mais ainda. Lorna meteu as crianças na cama mais cedo do que o habitual, e um dia de grandes brincadeiras logo as fez dormir. Havia roupas a remendar, mas Lorna não podia aguentar sentar-se numa cadeira perto de Benteen a fim de aproveitar a luz do candeeiro.

O sono era o que estava mais longe de seus pensamentos, mas ainda assim, passou para trás da parede de lona e começou a preparar-se para ir para a cama. Pelo menos a lona poderia servir como obstáculo e bloquear a tensão que enchia o resto da cabana.

Colocara o vestido em cima do tampo do baú. No momento em que ia tirando a combinação comprida, a cortina foi puxada para um lado. Endureceu-se ao ver o frio olhar de Benteen.

- O que é que você pensa que está fazendo? - perguntou ele.

- Estou cansada e vou dormir. - E lançou a combinação em cima do vestido simples de chita.

- E fazer o quê? Sonhar em fugir com Buli Giles? - desafiou-a Benteen.

Lorna ficou surpresa com a pergunta.

- Você o ouviu dizer aquilo?

Fez explosivamente a pergunta, porque não pensara que ele saíra da casa justamente a tempo de ouvir a conversa.

- Foi apenas um palpite. - Os lábios dele se abriram, revelando a fileira uniforme de dentes brancos rilhados. - Mas bem no alvo.

- Não exatamente, uma vez que foi Buli que...

- "Buli", então é assim? - Aproveitou aquela familiaridade. - Não mais "sr. Giles".

- Acabe com isso, Benteen - protestou irritada e virando-se parcialmente, não querendo continuar aquela desagradável discussão.

Ele pegou-a pelo braço e virou-a.

- Quantas vezes ele a teve em seus braços? - perguntou.

- Nunca - mentiu ela.

A outra mão dele roçou-lhe o rosto como Buli fizera.

- Acho também que foi a primeira vez que ele a tocou, não? - escarneceu ele. .

- Foi, mas de modo algum vou tentar convencê-lo disso - disse ela e se soltou da carícia zombeteira no rosto.

- Quantas vezes ele esteve aqui durante os tempos em que estive fora?

- Torceu-lhe o braço para puxá-la mais enquanto os olhos frios se estreitavam sobre ela.

- Essa pergunta não merece resposta - tentou soltar-se do doloroso aperto. - Solte-me. Eu quero dormir.

Os dedos dele fecharam-se na gola reta da fina camisola. com um movimento para baixo da mão, rasgou-a, enquanto Lorna, chocada, soltou um Profundo suspiro. Lutou freneticamente quando ele lhe tomou o corpo nos braços, escoiceando e esmurrando-o, enquanto pequenos sons desesperados lhe escapavam da garganta. O aperto contundente dos braços dele não demorou muito e soltou-a em cima da cama.

- Não era isso o que você queria? - rosnou ele.

Durante um atordoado momento, ela ficou na cama olhando para os movimentos agoniados do peito dele, incapaz de acreditar que ele não quisera estuprá-la novamente. Era o mesmo tipo de violência que via no rosto dele. Mas exatamente quando ia reconhecer que se enganara, ele se baixou sobre a cama, usando seu peso para prendê-la ao colchão. Contorcendo-se e esperneando, tentou empurrá-lo para longe, atacando-o com as unhas.

Ele prendeu-lhe as mãos e empurrou-as para cima da cabeça, segurando-lhe facilmente os pulsos com a empunhadura férrea de uma única mão. Impotente nesse momento, Lorna virou o rosto para o lado e fechou com força os olhos. O espírito de luta abandonou-a quando começou a respirar em soluços silenciosos e tentou fechar a mente à violação de seu corpo.

Ainda assim, a mão que a acariciava não era cruel, e a dura boca que se movia pela depressão de sua clavícula não era brutal. Ele acariciou-lhe o seio, e ela começou a umedecer-se com aqueles beijos quentes. Tremeu de desejo incerto quando ele tomou o bico na boca e rolou a língua em volta até que o endureceu. Os dentes dele mordiscaram-no, puxando-o sensualmente.

A respiração dela começou a sair em pequeninos arquejos, relutante com uma paixão que poderia ser mal empregada. Erguendo a cabeça, ele observou a mão explorar o lugar onde antes estiveram os lábios. O peso dele mudou parcialmente sobre ela.

- Ele a tocou assim, Lorna? - murmurou.

- Não - gemeu ela.

Os punhos dela torceram-se sob a mão que a prendia, mas ele não a soltou. A mão livre começou a descer pelo peito e pelo estômago liso. Logo depois, ele se inclinava para explorar-lhe o umbigo, os dedos dos pés de Lorna vibrando com a sensação criada pela língua dele. Benteen passou a mão sobre o quadril nu, descendo ao joelho e curvando-se por trás para erguê-lo. Quando os dedos iniciaram uma caminhada provocante pela parte interior das coxas, o pequeno som que escapou da garganta de Lorna foi uma expressão eloquente de desejo doloroso.

- Ele pode fazê-la sentir-se assim?

- Não, não - disse ela, e tentou pôr a boca sob a dele, mas ele a evitou.

- Hoje à noite, Lorna - murmurou ele junto à sua garganta-, vou fazer você me querer tanto que nunca mais olhará para homem nenhum enquanto viver.

- Eu não quero ninguém mais - sussurrou ela.

Seus quadris moveram-se para ele numa ânsia muda. Pareceu que ele escutava alguma coisa quando tirou as calças com uma mão, mas sem lhe soltar os braços. A pele de Lorna incendiou-se com o calor do corpo dele quando sentiu a nudez das pernas musculosas. Arqueou-se desejosa para ele, mas ele continuou a negar-lhe a satisfação pela qual ela ansiava.

Com mãos e boca ele lhe explorou cada centímetro do corpo, dos dedos dos pés à cabeça, acariciando e mordiscando até que não havia mais uma única parte do corpo dela que não vibrasse. Quando finalmente subiu em cima dela, foi uma interpenetração de mente, de carne e de alma. Havia naquilo uma pureza que lhe levou lágrimas aos olhos e um erotismo que a deixou inteiramente esgotada e mole depois.

Diga-me agora - Benteen endureceu o braço que lhe envolvia a cintura - que você pode me abandonar e fugir com Buli Giles.

- Eu não poderia fazer isso antes e certamente não posso fazer agora - confessou ela e passou as mãos pelo peito dele, naquele momento em que podia finalmente tocá-lo.

- Mas ele sugeriu isso.

- Sim, mas apenas porque você... porque ele pensou que você estava me magoando. - Lorna mudou de posição entre os braços dele para poder ver-lhe o rosto.

- Magoando você? - perguntou Benteen, franzindo as sobrancelhas.

- O que foi que deu a ele essa ideia?

- A maneira como você e lady Crawford se comportam quando estão juntos. Eu mesma vi isso hoje.

Havia uma sombra de acusação na voz dela - mas apenas uma sombra. Era difícil acreditar que ele pudesse estar tendo um caso com outra mulher depois da maneira como fizera amor com ela. Ainda assim, vira a prova com seus próprios olhos.

- Viu o quê? - Os olhos dele se estreitaram.

- O jeito como ela tocou em você. Não foi de maneira alguma diferente do jeito que Buli tocou meu rosto - disse Lorna.

O peito dele ergueu-se numa profunda respiração. Logo depois, retirava os braços das costas dela e se sentava à beira da cama. Aquela retirada física e mental pareceu confirmar o que Lorna não queria acreditar- Ela é... sua amante, Benteen? - Tinha que saber.

Um riso curto, difícil escapou dele, seguido por uma sacudidela de cabeça.

- Não, Lorna, ela não é minha amante. - Passou a mão Pelos cabelos. De costas, ela não pôde ver-lhe o rosto. - Ela é minha mãe.

- O quê?

Desta vez, Benteen virou-se para fitá-la.

- Ela é minha mãe.

Aquilo parecia incrível. Lorna saiu atabalhoada da cama e empurrou as roupas para fora da tampa do baú. Levantando-a, mexeu ali até achar o retrato emoldurado. Olhou fixamente para a mulher loura de olhos escuros. Era verdade.

Por que você não me disse? - Virou-se para fitar Benteen.

- Porque... eu não tinha certeza de que queria que alguém soubesse.

Confusão riscou linhas profundas em seu rosto. - Eu a odiava. Você

sabe o quanto eu a odiava.

Ela aproximou-se da cama.

- E agora?

- Agora... não sei o que sinto. - Suspirou fundamente. - Ela é uma estranha... uma estranha fascinante.

- Por que ela está aqui? - As palavras lhe pareceram brutais demais, desalmadas demais. - Quero dizer... ela deve ter querido vê-lo novamente. Foi por isso que ela veio?

- Ela diz que pensou em mim desde que me viu em Dodge City e que se perguntou se poderíamos nos dar bem novamente - disse Benteen. Está aqui, de modo que acho que é verdade. - Uma expressão distante surgiu em seus olhos quando os mergulhou num canto escuro do quarto.

- Quando eu era menino, meu pai me dizia que ela voltaria um dia. Eu queria acreditar nele. Sonhava com ela. Depois de alguns anos, os sonhos se transformaram em pesadelos... Ela voltava, prometia nunca mais me deixar, depois ria e desaparecia, enquanto eu chorava por ela.

Pela primeira vez, ele abria uma porta e deixava que ela o visse por dentro - sua angústia e solidão -, esse homem que sempre parecera tão auto-suficiente, tão forte. Mas ele, também, tinha necessidades humanas. Lorna subiu na cama e ajoelhou-se no colchão.

- Por que você nunca conversou assim comigo antes? - perguntou.

- Por que guardou tudo isso para si mesmo? Não pensou que eu ouviria e me importaria? Não compreendo por que não deixou que eu me aproximasse de você.

Ele fitou-a lentamente, enquanto os cantos de sua boca se aprofundavam num leve sorriso.

- Por que você não se sentou assim na cama em nossa noite de núpcias? - retorquiu ele. - Isso poderia ter-me dado uma ideia do que eu Poderia esperar.

Lorna viu que estava desavergonhadamente nua, mas também não havia um único centímetro de seu corpo que ele não conhecesse intimamente. Olhou novamente para o retrato emoldurado que ainda conservava nas mãos.

- O que é que isso tem a ver com o que lhe perguntei? - Ergueu o rosto, as sobrancelhas contraídas.

O sorriso dele aumentou quando lhe tomou o retrato e o pôs de lado.

Depois, mãos gentis e firmes deitaram-na no colchão, enquanto ele se estirava ao lado, tão nu quanto ela. Os dedos dele tocaram a face que voltou para ele, subiram para as têmporas e afastaram para o lado fios do cabelo castanho sedoso.

- Eu pensei que havia casado com uma mocinha carinhosa, generosa e feliz. Quando descobri em nossa noite de núpcias que ela era também ardente, fiquei muito mais satisfeito com minha escolha - murmurou Benteen, os dedos continuando a tocar-lhe o rosto, tocando o nariz e seguindo a linha dos malares. - Pensei que tinha uma esposa que podia amar em segurança.

- Não está fazendo sentido.

Lorna examinou os escuros olhos veludosos dele e a expressão carinhosa. A pequena cicatriz perto do olho sobressaía como uma linha branca na pele bronzeada.

- Mas está - sorriu ele. - Não se passou muito tempo e você começou a me desafiar. Não aceitava simplesmente as coisas da maneira como eu achava que devia. Discutia comigo, contrariava-me. Mais do que isso, porém, você começou a insinuar-se dentro de mim. Em vez de uma mulherzinha mansa, eu tinha uma pequena rebelde obstinada que usava calças de homem e insistia em envolver-se em minha vida. - Passou de leve as pontas dos dedos pelos lábios dela. - Lorna Calder era uma pessoa insuportável que eu não sabia como controlar. Você pode ser muito irritante.

- Nem a metade do que você pode ser.

- Isso acontecia porque você exigia demais. Você começou a significar demais para mim. De repente, não era mais seguro amá-la mais. Se eu lhe desse demais de mim mesmo, o que me sobraria? De modo que tentei guardar algumas coisas. Tentei botar uma cerca em torno de você, mas você continuou a cortar o arame.

- Benteen Calder... construindo cercas? - repreendeu-o, ante o absurdo da ideia de que um homem de pastagens abertas pudesse construir cercas. - Se é uma cerca que você quer construir, então construa-a em torno de nós dois. Ponha-nos os dois dentro, e eu não terei razão alguma para querer derrubá-la.

- Nem mesmo para sair? - perguntou ele tranquilamente.

- Eu nunca devia ter ameaçado deixá-lo - reconheceu Lorna. Aquilo foi uma bobagem de mocinha. Tudo o que sempre quis foi que você me amasse... e deixasse que eu o amasse. Mas você não me dizia o que pensava, sentia, sonhava. - A mão dele estava em sua garganta. Ela seguroua e levou-a aos lábios. - Conheço seu corpo quase tão bem como o meu. mas você não me deixou saber o que há no seu coração.

- Amo-a, Lorna. De uma maneira ou de outra, você deu um jeito para que não houvesse espaço para mais nada - disse ele, rouca a voz." Deus me ajude, mas como amo você.

Quando ele a beijou, o mundo encheu-se de luzes. Vezes sem conta, ela lhe murmurou o nome nos duros lábios. Eles eram igualmente fortes em coragem, orgulho e vontade, forjados por uma terra e uma época que só reconheciam a força, mas o amor os tornava inconquistáveis.

Elaine estudou o filho com agudo interesse. Havia uma nova tranquilidade nele, uma descontração de maneiras que não vira antes. Ele sempre projetara a imagem de um homem seguro de seus objetivos, mas, naquele momento, havia também confiança.

Quando terminou a conversa com o capataz, despediu-o e veio até a lareira, onde ela se encontrava. Havia uma expressão preocupada no rosto dele, os pensamentos ainda focalizados na conversa com o vaqueiro. Elaine não fingiu que não ouvira.

- Eu não sabia que você estava tendo problemas com índios. Quando foi que isso começou? - perguntou ela.

- Nós sempre tivemos problemas com eles, mas este ano parece que estão piores - reconheceu ele, com uma carranca. - Há umas duas semanas, eles balearam um de meus homens, que os surpreendeu.

- Você não me disse isso.

Elaine ergueu uma sobrancelha. Pensara que ele a mantinha informada de tudo o que acontecia. Obviamente, ele ainda não confiava inteiramente nela.

- Não interessa a você.

- Mas interessava a você e, por conseguinte, também a mim insistiu Elaine. - O mesmo acontece com essa questão com os índios. Se você está tendo prejuízos...

- Todo criador espera perder certo número de cabeças para os índios. Isso faz parte do negócio - respondeu Benteen.

Mas não disse que já perdera mais do que a percentagem habitual e que a estação estava no começo. Ely estivera se informando com outros grupos, mas eles quase nem haviam sido incomodados. Não era lógico que os índios escolhessem uma única fazenda. Havia, porém, a possibilidade de que aquilo fosse apenas azar. Mas, de algum modo, não parecia. Ainda assim, se eles estavam deliberadamente escolhendo o gado do Triplo C, a pergunta seguinte era: Por quê?

- Quantas cabeças eles roubaram? - perguntou Elaine.

- Só vou saber quando terminar o rodeio. - Mas tinha certeza de Que o número ia ser alto. - É para lá que vou nos próximos dias, de modo que você não poderá entrar em contato comigo. Lorna e as crianças vão, também.

- Vai levar sua mulher e os meninos? Eu achava que você não confiava nela, mas não sabia que tinha que vigiá-la cada minuto - observou ela com fingida surpresa. - Se esse for o caso, você ficará melhor sem ela.

- Não é esse o caso - respondeu tranquilamente Benteen. - Por falar nisso, ela sabe que somos parentes.

- Você disse a ela? - Uma nota de satisfação apareceu na voz de Elaine porque aquilo significava progresso.

- Sim, disse.

- Estou satisfeita. - Elaine sorriu e segurou-lhe a mão. - Acho que ela não estava gostando do tempo que você passava comigo, e não quero que coisa alguma interfira nisso. Tenho muitos e grandes planos para nós dois.

Benteen olhou para a mão macia que cobria a sua. Queria acreditar na afeição daquele toque, mas incomodava-o também seu aspecto possessivo. Mas isso devia tê-lo convencido de que o gesto era genuíno.

- vou acompanhá-la até a charrete. - Tomou-lhe a mão e deu-lhe o braço.

Tirando o chapéu, Lorna deixou-o pender nas costas, preso pela correia. Olhou para as cores desmaiadas do céu, perolizadas pelo sol que se afundava no horizonte. A fumaça do acampamento subia vertical no ar. Um grupo de cansados vaqueiros espalhava-se em volta da fogueira. Eram tantas as recordações da trilha que aquela cena lhe trazia... os mesmos cheiros, os mesmos sons, os mesmos corpos cansados.

Uma série de notas discordantes tocadas numa gaita-de-boca chamou-lhe a atenção para Woolie, sentado de pernas cruzadas no chão, Webb em um de seus joelhos. Pacientemente, ele tentava ensinar Webb a tocar. Um dos vaqueros fizera um cavalo de pau, no qual o pequeno Arthur galopava em volta do acampamento.

com a caneca vazia, foi reenchê-la no bule que esquentava ao lado da fogueira. Tomou um rápido gole do café preto e amargo e, em passos preguiçosos, dirigiu-se para a carroça da cozinha, onde Rusty estava trabalhando. Ele a olhou, notando a caneca em sua mão.

- Pensei que não gostasse do meu café - observou ele.

- Acho que aprendi a gostar - respondeu Lorna, encolhendo de leve os ombros e sorrindo.

- Parece como nos velhos tempos, vendo você andando por aí usando calças de homem. - O olhar desceu para a parte inferior do corpo de Lorna, um brilho iluminando-lhe os olhos. - Você a encheu mais. A camisa, também. Agora não há mais essa de confundir você com um menino.

- Tomara que não. - O riso foi suave, não se importando com a brincadeira dele.

- Por falar em menino, aqueles dois estão se divertindo a valer.

- Eu sei. - Lorna lançou um olhar carinhoso às crianças. - Estão convencidos de que este rodeio foi organizado para diverti-los.

- Isso foi, com certeza. - Rusty pareceu cheirar o ar, sua atenção despertada por uma vigilância que subitamente despertou nele. - Não há dúvida de que tudo está muito calmo.

Lorna olhou para o céu claro, exceto por algumas nuvens no horizonte distante.

- Tomara que não chova à noite. Os meninos querem dormir ao relento, como o resto de vocês. - Haviam trazido uma tenda, pequena que fora armada na borda do círculo do acampamento.

Se chover, você pode sempre trazê-los para a carroça-disse Rusty.

Ficarão aqui no alto e no seco. Eu mesmo dormi muitas vezes nela, em noites de chuva.

Não diga isso a Webb. Ele vai insistir em experimentar - avisou

Lorna, mas nesse momento viu Benteen entrar a pé no acampamento, acompanhado de EJy Stanton. - Falo com você depois.

Cruzando em diagonal o acampamento, ela notou que os dois homens paravam e conversavam sobre alguma coisa. Pela expressão de Benteen, Lorna teve certeza de que o assunto era sério.

- Algum problema? - perguntou.

Quando Benteen abriu a boca para falar, ela teve certeza que ele ia negar. Mas, então, o olhar dele sustentou o dela por um segundo e depois baixou a vista.

- Até agora, pela contagem, estão faltando umas cinco mil cabeças - confessou ele.

O número deixou-a atónita. Sabia que os índios haviam levado algum gado, mas aquilo era mais do que simplesmente "algum".

- Você acha que os índios são os responsáveis? - perguntou, incrédula. - Mas o que era que eles iriam fazer com tantas reses? Eu pensava que só roubavam aquilo que precisassem para comer.

- Foi o que fizeram no passado - concordou Benteen.

- É certo que eles estão roubando para vender ou trocar por mercadorias e que alguém os está dirigindo. - Ely sacudiu a cabeça. - Eles não costumam fazer as coisas nessa escala. Uma dúzia de cabeças os manteria abastecidos de bebida durante todo o inverno e, de quebra, ainda conseguiriam uns cobertores quentes.

- Talvez não sejam os índios - sugeriu Lorna.

- São sinais de índios que temos encontrado - disse Ely.

- Lembra-se de quando Shorty estava delirando com febre? - Lorna virou-se para Benteen. - Ele falou alguma coisa a respeito de um homem branco.

- Eu perguntei a ele depois - retrucou Benteen. - Quando estava desmaiando, pensou que tinha visto um homem branco com os índios, mas não tinha certeza.

- E se ele não imaginou? - insistiu Lorna.

- Que homem branco se aliaria a índios? - Ely não deu muita importância à ideia de Lorna. - Por falar nisso, com que homem branco os índios se aliariam?

Durante um longo minuto, a pergunta ficou sem resposta.

- Talvez haja um - disse finalmente Benteen com uma expressão Pensativa.

- Quem? - perguntou Ely.

- Um ex-caçador de búfalos que vive no alto Missouri e que negocia com os índios. O nome dele é Sallie. Buli Giles conhece-o.

As últimas palavras foram ditas em tom distraído. A mente de Benteen já estava muito além disso.

- Buli o conhece? - repetiu Lorna.

Benteen dissera isso como se significasse alguma coisa, mas ela não via significação alguma.

Talvez não houvesse, mas Benteen estava lembrando-se daquele dia no armazém de Fat Frank, quando o nome do renegado fora mencionado pela primeira vez. Buli Giles estivera lá em companhia de Loman Janes. Janes era o capataz do Barra 10. O Barra 10 precisava de água e pastagens. No Texas, a tática de Judd Boston fora comprar gado demais e expulsar as poucas cabeças de seu pai. O objetivo foi colocar seu pai em um aperto financeiro, o que acabara dando certo. Estaria ele fazendo uma jogada semelhante, embora mais sutil, ali, em Montana, para pegar uma parte das pastagens do Triplo C?

Benteen fez um esforço para afastar esse pensamento com uma vaga sacudidela de cabeça. Não funcionaria - não com o contrato de fornecimento de gado aos canadenses. Aquelas cinco mil cabeças constituíam uma grande perda, mas, financeiramente, podia suportar duas vezes a perda daquele número. O prejuízo apenas atrasaria sua expansão. Além do mais, Buli Giles estava trabalhando para sua mãe.

- Esse café está bom? - Seu braço encurvou-se naturalmente era torno da cintura de Lorna. - Eu poderia tomar um pouco.

- É café de Rusty, se isto responde à sua pergunta.

Não estava preocupada por que ele não lhe dissera o que estava pensando nem explicara a referência a Buli Giles. A situação mudara. Tinha confiança em que, no devido tempo, ele lhe contaria. Fora a presença de Ely que o mantivera calado, não a sua.

Ao se dirigir para a fogueira, Woolie tocava uma versão melancólica de Shenandoah a fim de mostrar a Webb como a gaita-de-boca devia soar quando tocada certo. Morrendo a última nota na noite, Webb quis ansiosamente experimentar. Lorna não pôde deixar de sorrir ante o esforço dele em imitar Woolie, até mesmo na maneira como posicionava a mão, mas os sons que tirava ou eram estridentes ou desafinados, nunca na clave certa.

- Por que você não desiste? - protestou Zeke. - Você disse que ia fazer um verdadeiro vaqueiro dele, Woolie. com uma corda ele não pode de jeito nenhum massacrar os ouvidos de um homem.

- Quer apostar? - riu Woolie. - Pegue aquela corda que eu fiz para você, garoto, e lace aquela criatura ali.

A corda trançada era mais curta e mais fina do que a usada pelos vaqueiros. Fora feita especialmente para Webb, levando em conta seu tamanho. Os vaqueiros vinham-no instruindo há mais de ano nos rudimentos da arte de laçar. O garoto tinha a ideia da coisa, embora na maior parte das vezes sua coordenação não fosse lá muito boa.

Estimulado pelos outros vaqueiros, Webb pegou seu laço e saiu em Perseguição de Zeke, que corria muito devagar. A tranquila cena foi destruída por berros, gargalhadas e lançamentos errados do laço. Arthur tentou entrar na brincadeira, mas tropeçava demais nas pernas dos vaqueiros.

Uma atenção tão grande estava concentrada no garotinho que perseguia o vaqueiro de pernas cambaias que passou despercebido o movimento inquieto da cavalhada. As canecas de café na mão, Lorna e Benteen, em uni dos lados do círculo da fogueira, riam com os demais das palhaçadas dos filhos.

O vaquero Ramon berrou um aviso que interrompeu os risos e colocou o acampamento em estado de alerta. Benteen ouviu o estrugir de patas e os bufidos dos cavalos em pânico um instante antes de a cavalhada entrar em disparada no acampamento. Sentiu o movimento instintivo de Lorna na direção dos filhos e agarrou-a, puxando-a do caminho dos cavalos que estouravam. Tirando o chapéu, agitou-o loucamente na direção do rebanho, assoviando, estridentemente, entre dentes, para desviá-los. Os que vinham na frente procuraram desviar-se, mas foram empurrados pelos que vinham atrás. Aquilo se transformou numa massa fervente de carne de cavalo e de vaqueiros procurando escapar.

- índios! - gritou alguém. - Estão roubando o gado!

Tiros estavam sendo trocados numa posição em frente a Benteen. Era o lado mais perto do rebanho, o que significava que seus homens estavam atirando nos atacantes e que estes respondiam ao fogo. A primeira onda de cavalos passou, deixando espaços vazios que lhe permitiram correr até o local da luta.

O estouro da cavalhada tinha sido uma tática diversionária para criar caos no acampamento enquanto o gado era roubado. Benteen olhou rapidamente para Lorna, bem apertada contra uma roda de carroça. O olhar dela procurava, freneticamente, Webb e Arthur no meio daquela confusão. Ele mesmo estava rezando uma prece silenciosa pelos filhos, mas conhecia seus homens. Eles teriam posto a segurança das crianças acima da própria vida.

- Eles tiraram as crianças do caminho. Não se preocupe com elas!

- gritou para Lorna. - Simplesmente fique onde está.

Agitando o chapéu para um cavalo que vinha, esquivou-se com um salto. Conseguiu correr entre a confusão de trouxas de dormir e selas, tentando manter um olho nos cavalos soltos e o outro na luta que continuava.

- Pegue alguns desses cavalos! - berrou para Vince Garvey. Não podiam deixar que todos os cavalos se dispersassem, ou não poderiam organizar uma perseguição.

Benteen cruzou o acampamento e chegou aos quatro vaqueiros que estavam respondendo ao fogo dos índios que fugiam. Sentiu o peso do revólver na mão, sem ter notado que o sacara do coldre. Recolocou o chapéu na cabeça. No ar pairava o cheiro acre de fumaça de pólvora. Conseguiu Aparar dois tiros antes que os atacantes saíssem do alcance das balas.

Automaticamente, pegou mais balas no cinto para recarregar.

- Comecem a botar selas nesses cavalos!

Berrou a ordem para o acampamento, mas uma meia dúzia de vaqueiros já estava fazendo justamente isso. Benteen olhou em volta para ver quem estava ali com ele, enquanto introduzia novos cartuchos nas câmaras vazias. Barnie era o mais próximo. Ambos se viraram no mesmo instante, trotando na direção dos cavalos.

- E as crianças? Você sabe se elas estão bem? - perguntou Benteen enquanto recolocava o revólver no coldre.

- Vi Zeke levantar Webb do chão. Acho que Rusty pegou o pequeno Arthur - respondeu Barnie. - Um dos atacantes que estavam com os índios usava barba e um casaco de búfalo.

Benteen chamou um palavrão a si mesmo por ter exposto Lorna e as crianças àquele tipo de perigo. Apenas não houvera razão para desconfiar que os índios atacariam um rebanho protegido. Achara lógico acreditar que sua família estaria mais segura na companhia de vinte vaqueiros armados do que sozinha na cabana. Mas tampouco contara com o fato de os ataques dos índios serem instigados por um renegado branco.

Só haviam sido laçados oito cavalos da tropa. Ninguém perdeu tempo identificando selas e donos. Zeke entregou a Benteen as rédeas de um grande cavalo castanho no momento em que ele entrou no acampamento.

- Onde está Webb? - perguntou Benteen, pondo o pé no estribo.

- Acaba de voltar para a mamãe dele - respondeu Zeke.

O olhar de Benteen varreu o acampamento, uma confusão de homens a pé e montados. Por um instante foi dilacerado pelo desejo de certificarse de que sua família estava bem, mas cada minuto de demora significava que o gado estava sendo levado para mais longe. Se queria recapturar o grosso de seu rebanho, era imperativo iniciar a perseguição imediata. Já era quase noite.

A decisão foi tomada antes de o pé encontrar o outro estribo.

- Vamos. - Deu a ordem, mas foi a ação dele que os homens seguiram, deixando-o tomar a frente montado no grande cavalo castanho.

Quando Benteen iniciou aquela corrida louca entre os cavalos até o outro lado do acampamento, Lorna levantou-se como pôde e apertou-se contra a carroça de cozinha. Eram tantos os berros, os tiros e o movimento de pessoas e animais correndo que não conseguiu distinguir bem uma coisa de outra.

O pior passou numa sucessão de momentos que lhe pareceram eternamente longos. A confusão prosseguiu, porém, enquanto os vaqueiros laçavam cavalos desgarrados e começavam a pôr as grandes e pesadas selas neles, levantando-as no ar como se fossem travesseiros.

Mergulhou freneticamente no caos à procura de Webb e Arthur. Empurrando para longe as ancas de nervosos cavalos e evitando as cabeças de outros, conseguiu abrir caminho até o lugar onde vira as crianças pela última vez. Todos estavam correndo, entrando e saindo de seu campo de visão. Ela respirava em haustos loucos e lutava para controlá-los.

- Aqui, madame - disse uma voz.

Mal teve tempo de reconhecer Zeke e ele já estava lançando Webb em seus braços. Foi mais alívio que fez seus joelhos cederem do que o peso do menino de quatro anos e meio. Agarrou-lhe o braço com uma mão, enquanto com a outra lhe alisava o rosto e os cabelos. O garoto estava com uma expressão atordoada, arregalada, com toda aquela agitação de cavalos, gente montada e tiros.

- Você está bem? - A voz tremeu, embora tentasse parecer muito calma- Sentiu um nó na garganta e a umidade de lágrimas nos olhos. Mas manteve-os bem abertos.

- Estou - respondeu ele, inclinando a cabeça. - Eu não fiquei com medo, mamãe, juro.

- Claro que não ficou - concordou ela com um sorriso trémulo.

- Você ficou? - quis saber ele.

- Um pouco - confessou ela e abraçou-o com uma ferocidade de mãe, mas depois obrigou-se a recuar. - Onde está seu irmão? Você sabe?

Ele sacudiu a cabeça.

- Perdi minha corda. Zeke disse que eu podia achar ela depois.

- Sim, depois. - Lorna inclinou a cabeça e começou a olhar em volta. - Em primeiro lugar, temos que encontrar seu irmão.

O estouro da cavalhada espalhara a fogueira, acabando com a luz que poderiam ter tido ali. Às suas costas, ouviu patas escavando o chão. Olhou por cima do ombro e viu oito homens galoparem para a noite que descia. Achou que Benteen estava entre eles, embora não pudesse reconhecê-lo.

A partida dos homens devolveu certa tranquilidade ao acampamento, enquanto os vaqueiros restantes tentavam restabelecer algum tipo de ordem e procurar cavalos que talvez houvessem se atrasado e estivessem ainda próximos. Lorna segurou com força a mão de Webb quando se levantou. Deu um passo, sem saber bem onde começar a procurar Arthur.

Quando viu Rusty vir impassível em sua direção com uma criança nos braços, uma segunda onda de alívio envolveu-a. Aproximando-se ele mais, sentiu que alguma coisa não estava certa. O rosto de Rusty estava quase tão branco quanto a barba. E havia uma dor funda, um vazio em seus olhos. Um medo crescente começou a martelá-la, tornando-se mais forte a cada passo que Rusty dava em sua direção.

Seu olhar caiu na criança, tão imóvel nos braços dele. Os olhos estavam fechados, o rosto, inocente como se estivesse dormindo, mas não tinha o dedo na boca. Tentou sorrir - tentou dizer o nome dele e acordá-lo.

- Sinto tanto - a voz de Rusty tremeu, rouca. - Foi um tiro perdido... ou de ricochete.

Uma lágrima escorreu-lhe do olho, seus ombros mexendo-se mudamente.

- Não. - Lorna sacudiu a cabeça, tentando mostrar-se muito firme. - Ele está apenas... - Mas quando estendeu os braços para tirar Arthur dos braços dele, sentiu nos dedos o calor pegajoso de sangue.

Uma dor louca, como se fosse uma garra, rasgou-lhe o peito. Pegou o corpinho mole nos braços e apertou-o com força, como se lhe pudesse dar novamente vida, como fizera quando o carregara no ventre. Com descrença total, examinou o belo rosto do filho à procura de algum sinal de vida.

- Não. Não.

Não ouviu seu murmúrio de protesto, repetido incessantemente. Apertando o rosto contra o dele, fechou os olhos e ninou-o de um lado para o outro.

- Deus do céu, isto não é justo - disse Rusty em voz rouca.

- O que é que há com Arthur? - Webb puxou-lhe a perna da calça, mas Lorna não podia ouvi-lo.

Rusty fungou alto e assoou-se ruidosamente.

- Venha comigo, filho. - A voz era áspera mas não sem bondade. Devagar, ela caiu de joelhos e chorou baixinho, quase sem um som.

Ficou simplesmente sentada ali, abraçando-o com força e ninando-o, inconsciente do silêncio no acampamento, dos vaqueiros andando em passos leves, dor nos olhos, e da escuridão que enchia o céu.

Coube a Rusty responder às perguntas de Webb e colocá-lo na cama:

- Por que mamãe está abraçando Arthur e chorando?

- Por que ele vai embora. - E aninhou a colcha em volta dos pequenos ombros.

- Eu vou, também?

- Não, você tem que ficar aqui e cuidar de sua mãe.

- Mas para onde vai Arthur?

- Para longe, muito longe. Mas você o verá logo - disse Rusty. Agora, feche os olhos.

- Amanhã de manhã a gente pode procurar o meu laço?

- Pode. Pela manhã, mas primeiro você tem que dormir. - Ficou sentado com o menino até que ele dormiu. Em seguida, saiu em silêncio da tenda.

Uma fogueira queimava forte, em solitária vigília com a mulher que abraçava o filho pela última noite. Rusty pegou um cobertor, aproximou-se dela e cobriu-lhe os ombros. Ela não deu sinal de lhe ter percebido a presença. Rusty sentiu-se muito velho. Vira coisas demais. Ergueu os olhos para o céu noturno. O céu infindável. Vaqueiros e marinheiros viam demais o céu, andassem pelas planícies ou pelo mar. Ele vira demais.

Nos começos do amanhecer, Benteen aproximou-se do acampamento. Haviam finalmente se emparelhado com o grosso do rebanho, que estava sendo tocado para o norte pelos índios. Houvera um curto tiroteio antes de os atacantes desistirem da presa. À parte balas de raspão, nenhum de seus homens fora ferido. Foram necessárias mais de duas horas para reunir e acalmar o gado. Deixara o resto dos homens com a boiada, prevendo a possibilidade de que outra tentativa fosse feita.

No início, foi o sobrenatural silêncio do acampamento que o impressionou. Não ouviu resmungos entre os vaqueiros, enquanto tomavam o café matinal. Depois, foi a maneira como eles lhe evitavam os olhos.

Ao ver Lorna com o cobertor, ninando o pequeno Arthur, seu cansaço desapareceu. Saltou do cavalo junto à carroça de cozinha e deixou as rédeas se arrastarem pelo chão. Ao dar um passo para Lorna, Rusty interceptou-o. Fez uma leve carranca ao notar os olhos remelentos do velho cozinheiro.

- Não há maneira fácil de contar... - começou Rusty. - Num minuto, ele estava seguro comigo... - Ergueu os ombros. - Uma bala perdida. .. - Olhou na direção de Lorna. - Ela esteve sentada assim com ele a noite toda.

Uma dor rugiu dentro dele. Empurrou Rusty para um lado e cobriu em passos longos o espaço que o separava de Lorna. Ao parar em frente a ela, respirava fundo e sufocado. Os olhos queimaram ao ver o filho morto. Vacilou, abatido por um sofrimento insuportável.

Quando ela ergueu os olhos para ele, abriu a boca, mas não conseguiu falar. Agachou-se ao lado dela, as mãos e braços como nunca os sentira.

- Você pode chorar, Benteen - murmurou Lorna. - Tudo bem.

- Ele apertou a mão nos olhos e rangeu os dentes.

- Como eu sinto. - A culpa dominou-o, por ter, sem querer, lhes arriscado a vida, por não ter ficado com ela.

- Recuperou o gado? - perguntou ela.

- Sim.

- Você tinha que ir buscá-lo, Benteen - disse ela em voz calma. Não havia nada que você pudesse ter feito por ele, se tivesse ficado aqui. Você tinha que ir.

Quando finalmente baixou a mão, havia lágrimas em seus olhos. Olhou para a mulher durante um longo minuto e depois estendeu a mão para o filho.

- Eu fico com ele agora, Lorna.

Relutante, ela lhe entregou o cadáver do filho e ficou olhando quando ele o levou para a carroça da cozinha. Sabia que Benteen estava dando seu último adeus a Arthur.

Uma triste e solene procissão voltou para a sede da fazenda, o corpinho da criança envolvido numa colcha e com todo cuidado deitado nos fundos da carroça da cozinha.

Madeira da nova casa foi usada para fazer o caixão do pequeno Arthur. Os marceneiros teriam feito isso, mas Zeke insistiu em que aquilo era direito seu. Fizera o berço em que dormira o bebé Arthur e o catre que fora a cama dele. Faria também o último lugar de descanso de Arthur.

A sepultura foi aberta à sombra dos choupos, à margem do rio, onde ele brincara durante tantas horas. Vaqueiros do Triplo C haviam localizado um pregador ambulante que tentava salvar alguns pecadores no armazém de Frank Fitzsimmons em Uma Vez na Vida, Outra na Morte. Não perderam tempo com explicações - simplesmente arrastaram-no do saloon e puseram-no num cavalo.

Um vaqueiro podia ser plantado na terra com uma simples apresentação falada ao seu Criador. Mas, segundo pensavam, o menininho - o menininho da sra. Calder - precisava que fossem ditas as palavras apropriadas. Era também a maneira que sentiam de mostrar profundo respeito e lealdade por Benteen.

A notícia da tragédia espalhou-se além dos limites do Triplo C. Além de Mary e Ely e dos vaqueiros, vieram uns dois criadores vizinhos, Frank Fitzsimmons, lady Crawford e Buli, que se reuniram ao grupo de pranteadores no local da sepultura.

Fazia uma manhã fria e acre, a brisa forte farfalhando as folhas secas dos choupos. No ar havia mais do que dor e pena por uma pessoa amada. O frio hálito da vingança soprava por ali, visível nas armas que pendiam dos quadris de Benteen e de seus homens. Cavalos selados com rifles nas bainhas esperavam no curral.

O pregador notou isso quando terminou as orações, fazendo um apelo por perdão.

- E que Deus tenha piedade das almas dos que perpetraram este ato. Amém.

Primeiro Benteen e depois Lorna jogaram um punhado de terra na sepultura. Um após outro, os vaqueiros fizeram a mesma coisa. com os olhos brilhantes de lágrimas, Lorna manteve os ombros retos, Benteen espigado e alto a seu lado. O pregador aproximou-se rapidamente para apresentar suas condolências.

- Meus mais profundos sentimentos para os dois - murmurou.

- Obrigada, reverendo Worth - respondeu Lorna com uma leve inclinação de cabeça. - Meu marido e eu estamos muito gratos por ter vindo.

- É o meu trabalho - disse ele.

- Nós gostaríamos de lhe construir uma igreja... logo que tudo isto acabar... - gaguejou ela baixinho. - Este território precisa de igrejas... e de escolas. Tenho certeza de que o sr. Fitzsimmons o ajudará com prazer a escolher um lugar.

- A senhora é muito generosa, sra. Calder - agradeceu o reverendo.

- E o senhor, sr. Calder.

Benteen recebeu essas palavras com uma curta inclinação de cabeça. Ramon, o vaquero, aproximou-se da sepultura e hesitou, olhando para Benteen e Lorna. Após um momento de indecisão, aproximou-se e curvou-se inteiramente, com tranquila dignidade e respeito. Enfiando a mão na jaqueta, tirou o pequeno cavalo de madeira que talhara para Arthur e entregou-o a Lorna.

- Eu encontrei ele, senora - disse. - Acho que a senora gostará de guardar ele, não?

- Sim. - Recebeu o brinquedo de Arthur e apertou-o com força durante um momento. - Gracias, Ramon.

O vaquero inclinou-se novamente e se afastou. O braço de Benteen apertou-se em volta da cintura de Lorna. Ela ficou um pouco mais alta, fortalecida pelo apoio silencioso dele. Mary abraçou-a e chorou. Em seguida, aproximou-se lady Crawford, um véu preto cobrindo-lhe o rosto. Abraçou Lorna num gesto de simpatia e pena e virou-se para Benteen.

- Você não pode realmente querer ir atrás deles. - Parecia impaciente, mas o véu escondia-lhe a expressão. - O que é que você vai provar? Isso não trará de volta seu filho, Benteen.

- Não, não trará. - Mesmo que concordasse, isso não lhe mudava a decisão.

- Você está sendo tolo - insistiu Elaine. - Mande seus homens atrás deles, se tem que fazer isso, mas não arrisque sua vida. E se você for baleado e morto? Você devia estar pensando em sua mulher e em seu outro filho... em sua fazenda e no que acontecerá a ela se morrer, em vez de seguir esse estúpido código masculino de honra e orgulho.

- Ninguém comanda homens ficando atrás, onde é seguro - respondeu ele, sombriamente. - E ninguém fica parado sem fazer nada quando seu gado é roubado e seu filho é morto.

- Deixe que alguém faça isso. - A agitação dela era visível. - Isto é um assunto para a lei resolver.

- Não há nenhuma lei aqui. Você está olhando para a única justiça que há aqui. "Apenas nós."

- Lorna... - Lady Crawford virou-se num apelo à nora.

- Benteen tem razão - disse Lorna, a voz insegura. - Se ele não os detiver, quem o fará? Talvez isso não seja verdade em algum outro dia, mas hoje é.

Com uma rápida volta, lady Crawford afastou-se empertigada. Buli Giles parou em frente a Benteen. Seus olhos estavam vermelhos de sofrimento, mas queimavam, também, com uma negra fúria. Mexeu a boca durante um silencioso minuto, tentando encontrar as palavras certas.

- Se você me emprestar um cavalo, Benteen - disse -, eu gostaria de ir com você.

- Nós não vamos atrás dos índios - retrucou Benteen. - Vamos Pegar Big Ed Sallie e seu bando.

- Eu posso lhe mostrar onde encontrá-los - declarou Buli.

- Diga a Barnie que eu disse para selar um cavalo para você. Quando Giles se afastou, os dois ficaram sozinhos junto à sepultura

Parcialmente cheia de terra. Benteen mudou de posição, inclinando-se para Lorna. Ela sentiu o vago movimento da mão dele em suas costas e ergueu o rosto. Seus olhos colaram-se a ele com puro amor e angústia.

- Não vou dizer adeus, não a você - sussurrou, e disse a frase tão ouvida na fronteira do Texas: - Simplesmente... vá com Deus.

A pressão da mão dele puxou-a para seu corpo. Beijou-a com força nos lábios, prometendo-lhe voltar, prometendo uma vida amanhã, e pro metendo um amor que duraria pelo tempo que a relva crescesse verde na primavera. Os olhos de Lorna permaneceram fechados quando o beijo terminou, os lábios tremendo, separados sob o efeito da respiração. O tilintar abafado das esporas acompanhou os passos que o levavam dela para os cavalos à espera.

Couro de sela rangeu e patas bateram impacientes. Lorna abriu os olhos e acompanhou o grupo que se afastava. Benteen virou o cavalo para ela e lhe sustentou o olhar a distância. Em seguida, virou o animal para o norte. Perdeu-o de vista quando os outros cavaleiros se alinharam por trás do cavalo do marido.

Atendendo a um convite de Lorna, o pregador ficou para um almoço cedo e em seguida escoltou Mary até em casa. Lady Crawford ficou nervosamente silenciosa, pouco falando à mesa. Minutos depois de o reverendo Worth e Mary irem embora, ela deixou Lorna com os pratos e desapareceu na direção da casa da fazenda.

Rusty e o convalescente Shorty haviam se encarregado de Webb, o que deixou Lorna com minutos vazios para ocupar. Já tivera seu tempo de lágrimas e orações. Precisava de outro escoadouro para diluir a dor. Começou a guardar as coisas de Arthur no fundo do baú. A partir daí fez uma arrumação geral.

No momento em que dobrava um vestido e o colocava em cima de uma das camisas de Benteen, a porta da cabana foi aberta. Lorna parou apenas o tempo suficiente para olhar por cima do ombro e identificar a mãe do marido. E voltou a dobrar outro vestido.

- Foi por isso que você estimulou Benteen a ir atrás dos assassinos?

- desafiou-a calmamente lady Crawford. - De modo que pudesse fugir quando ele estivesse fora? - Lorna virou-se lentamente, atónita com a sugestão. - Não posso dizer que a censuro por querer ir embora. Notei como você gosta de seus filhos. Perder um deles desta forma tão brutal foi indubitavelmente a última palha. Pode levar minha charrete. Simplesmente, deixe-a na cocheira pública na cidade.

- A senhora está enganada. Não vou embora e nunca tive intenção de ir - corrigiu-a secamente Lorna. - Esta fazenda é meu lar. Não suponha que porque a senhora não pôde tolerar este tipo de vida todas as outras mulheres pensam da mesma maneira.

- Eu não suponho isso - respondeu lady Crawford. - Mas você foi infeliz aqui. Notei isso. Ninguém deve ter que lutar e trabalhar, e viver desta maneira, especialmente uma mulher.

Os dedos de Lorna enterraram-se no vestido que tinha nas mãos antes de jogá-lo para o lado com um movimento brusco. Aproximou-se de lady Crawford, agarrou-lhe o braço e levou-a até o mapa desenhado sobre o pedaço de lona.

Está vendo isso? Sabe o que é? - perguntou.

- Uma espécie de mapa. - A mulher encolheu indiferente os ombros.

- É um mapa da fazenda e de nosso futuro - disse Lorna. Soltou o braço vestido em preto e dirigiu-se para o mapa. - Estes são os cento e cinquenta hectares que Benteen requereu. - Apontou para os trechos de terreno, um a um. - E declarou sua propriedade sobre todo o resto como terra de pastagem. É por isso que estou aqui, trabalhando com ele para construir esta fazenda. Se tivesse ficado com o pai dele, talvez a senhora pudesse ter construído um lugar como este no Texas. Quando o deixou, ele perdeu a coragem de tentar. Passou a preocupar-se em conservar apenas aquele lugar até que a senhora voltasse. Benteen me contou isso.

- Seth nunca foi nem metade do homem que Benteen é - declarou a mulher. - Ele não conseguia separar sonhos da realidade.

- A gente começa com um sonho e depois constrói alicerces embaixo. Esta fazenda era um sonho no dia em que pusemos os pés nela e subimos até aquele cômoro onde a casa está agora. Estou começando a compreender que durante toda sua vida a senhora tomou, agarrando tudo o que podia pegar. Exatamente, por que continua aqui?

- Talvez eu tenha descoberto que não era suficiente o que eu tinha

- retrucou ela, a cabeça alta.

- Eu acho que a senhora teria ficado satisfeita se eu deixasse Benteen - compreendeu.

- Isso é um absurdo - negou Elaine. - Não tenho nada contra você. Um homem precisa de uma mulher. Benteen não é diferente dos outros.

- Uma mulher. A senhora dá a impressão de que uma mulher não é ninguém, que deve servir, mas nunca falar. Era isso o que a senhora queria que eu fosse. - No início, fora o que Benteen quisera dela, mas Lorna não falou no passado. - O que é que a senhora quer de Benteen? Não é um filho. A senhora nem mesmo reconhece publicamente que é mãe dele.

- Isso não é prático.

- Não, não é - concordou Lorna com um pouco de tristeza. - Se reconhecesse que ele é seu filho, teria o problema de explicar seu casamento com o conde de Crawford quando ainda era legalmente casada com Seth Calder. Não apenas perderia a herança dele, mas também o título.

- Por que devo renunciar a isso? Seria uma tolice.

- De fato, seria.

- Eu não acredito que você compreenda a situação. - Elaine espigou-se e ficou mais alta. - com meu dinheiro e influência, posso tornar Benteen um homem poderoso neste território.

- Não duvido que possa. Mas não acho que seja isso o que ele queira da senhora.

- Você está obviamente insinuando que é uma mãe que ele quer.

Desde que estamos sendo francas uma com a outra, reconheço livremente para você, como reconheci para ele, que não lamento tê-lo deixado. O instinto maternal, que supostamente é tão forte nas mulheres, sempre me faltou. Não posso ser o que nunca fui. - Não havia pedido de desculpas nas palavras dela.

- Neste caso, deixe de tentar despertar o amor de seu filho por você

- exigiu Lorna. - Se tem alguma amizade por Benteen, não o use desta maneira. Seja sua sócia, sua financista. Seja sua amiga, mas não o deixe continuar a pensar que a mãe que sempre quis voltou para ele.

Não houve resposta ao apelo, enquanto lady Crawford se virava e parecia ir vagarosamente até o baú que Lorna arrumara. Pegou o vestido que fora lançado para um lado.

- Por que está fazendo esta arrumação toda? - Falava como se nada da conversa anterior houvesse acontecido.

- Resolvi mudar todas nossas coisas para a casa - respondeu Lorna.

- Há lá dois quartos onde podemos morar até que o resto esteja terminado.

- Compreendo - murmurou lady Crawford, e pôs o vestido de lado.

- vou buscar dois trabalhadores para levar esses baús para você.

Saiu da cabana num passo vagaroso, deslizante, deixando Lorna pensando se conseguira alguma coisa.

Benteen mudou o galope do cavalo para um trote lateral, quando viu os prédios rústicos encostados a um penhasco um pouco afastado do rio. Os seus homens se reuniam ali, enquanto reduziam a andadura de suas montarias.

- É aí - disse Buli Giles, confirmando que haviam chegado ao destino.

Nervos esticados, Benteen examinou o local. As árvores haviam sido derrubadas, tornando impossível a aproximação sem que os atacantes fossem vistos. O prédio principal, o posto comercial, era escorado na escarpa. Um telheiro com um curral ficava à direita, e havia uma cabana em frente. Qualquer tentativa de se dirigirem diretamente ao posto os colocaria em meio a um fogo cruzado. A escarpa impedia qualquer aproximação pelos fundos. Os prédios haviam sido construídos prevendo um ataque. Parou o cavalo. Até aquele momento não haviam sido vistos.

- Quantos são eles? - perguntou com um olhar a Giles.

- Havia sete na última vez que estive aqui - respondeu Buli. - Não pode haver mais do que isso no bando deles.

Não querendo deixar as pastagens inteiramente desguarnecidas, Benteen dividira suas forças, o que lhe deixava dez homens, doze contando consigo mesmo e Buli Giles. Virou-se na sela.

- Vamos ter que nos dividir e atacá-los de dois lados. Barnie, leve cinco homens e dirija-se para aquela cabana. O resto venha comigo.

- Você pensa em fazer uma volta até o curral? - perguntou Buli.

A ideia é essa - respondeu seco Benteen.

Eu vou com você.

Barnie levou seu grupo para perto de algumas árvores e esperou, enquanto Benteen conduzia o resto em um amplo círculo, conservando-se perto da margem. Viram algum movimento em torno dos prédios, mas aquilo parecia atividade normal.

Estavam quase em posição, quando Benteen ouviu um grito partindo dos prédios, seguido pelo estrondo de um rifle Sharp. Picou o cavalo com as esporas e saiu a toda brida das árvores. As patas dos demais cavalos batiam a terra ao seu lado, disparando na direção do curral. O rugido da Sharp fora um lembrete sério de que a maioria dos renegados era constituída de ex-caçadores de búfalos, todos eles excelentes atiradores. Se tivesse tempo de escolher o alvo, derrubariam tudo à vista. O segredo seria não lhes dar tempo ou um alvo estacionário.

O ar foi rasgado pelas explosões. Homens corriam em volta da ladeira, tomando posição. Benteen e seu grupo se encontravam a uns trinta metros do curral quando foram vistos, toda a concentração do inimigo dirigida antes para o grupo de Barnie. Uma bala puxou a manga do casaco de Benteen. Baforadas de fumaça saíam do telheiro. Benteen começou a esvaziar sua arma, enquanto chumbo assoviava à sua volta.

No curral, uma meia dúzia de cavalos corria e relinchava em pânico. Ao chegar à cerca, saltou do cavalo e caiu correndo no chão. Abaixou-se atrás de um cocho d'água e verificou o revólver sobressalente enfiado na cintura.

Uma bala atingiu o cavalo de Vince. Benteen observou o cavalo arriar enquanto Vince saltava livre, achatava-se no chão e levantava-se correndo para arranjar cobertura. Lançou um olhar à cabana e verificou que Barnie conseguira seu objetivo. Boca seca, lambeu o suor nervoso que se formara por cima do lábio superior. Buli estava coleando e se abaixando enquanto passava entre os cavalos no curral, dirigindo-se para a parede do telheiro. Benteen atirou na porta para lhe dar fogo de cobertura.

Um borrifo molhou-lhe o rosto, a água levantada por uma bala que atingira o cocho. Um segundo tiro estilhaçou a madeira, mas ele já localizara o atirador. Atirou antes de o homem apertar o gatilho pela terceira vez, atingindo-o no peito. O rifle dele subiu no ar quando o homem foi lançado para trás pela força do golpe.

Uma barragem caiu sobre o cocho. Benteen abandonou-o, correndo agachado, e juntou-se a Buli sob a trave mais baixa do curral. Um cavalo Passou a sua frente. Usou essa proteção para chegar à parede. O instinto fazia-o introduzir sem saber novos cartuchos nas câmaras do revólver para mantê-lo carregado. O cheiro de pólvora estava por toda parte.

Ouviu a voz de Buli:

- Não pode ser pior dentro do telheiro do que fora.

- Vamos descobrir - concordou Benteen.

Woolie e outro vaqueiro, nivelados ao chão, mandavam chumbo no telheiro. Benteen lhes disse, com um sinal, que ele e Buli iam entrar. Esgueiraram-se pela parede até a porta.

- Eu pego a esquerda - disse Buli. Benteen concordou com a cabeça.

Passaram pela abertura quase no mesmo instante, Benteen lançando-se no chão, atirando para cima, enquanto Buli passava pelo portal disparando os dois revólveres. Quando a poeira e a fumaça assentaram, um dos três homens no chão gemia e Benteen se levantava. Buli, com um pontapé, lançou para longe a arma de um que estava ainda vivo e rolou-o com a ponta da bota. Ele levara um tiro na barriga.

- Os outros dois? - perguntou Benteen, respirando com dificuldade.

- Mortos.

Dirigiu-se devagar para a janela, tendo o cuidado de não se mostrar. Uma voz trovejou do posto de comércio:

- Paulie? Ei, Paulie!

Agachado, Benteen correu para a outra abertura que dava para a clareira e a cabana. Sentiu umidade ao longo das costelas. Enfiando a mão no casaco, tirou-a manchada de sangue. Uma bala pegara-o de raspão. Não tinha ideia de quando aquilo acontecera.

Buli apareceu ao seu lado para espiar.

- Como é que Barnie está indo?

- Eles ainda têm a cabana.

De repente, um renegado deixou a cabana, correndo pela clareira na direção do posto. Benteen e Giles passaram pela abertura, atirando, enquanto uma chuva de balas caía dos lados da cabana. O homem deu um pequeno salto e depois caiu esparramado de cara no chão. Contorceu-se uma vez e depois não se moveu mais.

- Barnie tomou a cabana - disse Buli.

Ouviram um barulho na porta atrás deles. Benteen virou-se rapidamente, o revólver engatilhado.

- Sou eu. - Wollie arrastou para o telheiro um homem ferido, um dos vaqueros. - Vince e Bob estão no canto do telheiro. Diego foi ferido no quadril. - Parou junto à parede e arriou o vaquero no chão. - Vamos invadir o posto?

Benteen olhou para um candeeiro pendente de um gancho junto à porta. O depósito estava cheio em mais da metade com querosene. Tirouo do gancho.

- Vamos expulsá-los de lá com fogo. Diga a Barnie.

Enquanto Benteen riscava um fósforo nas calças para acender o candeeiro, Woolie correu para a janela e gritou as ordens para a cabana. Respirava forte quando voltou:

- Barnie vai lhe dar cobertura.

O rugido do tiroteio enchia o ar no momento em que Benteen saiu pela porta e lançou o candeeiro contra a janela fronteira do posto de comércio.Quando recuou para a cabana, uma bala fincou-se no portal, lançando estilhaços de madeira em seu rosto. Ouviu o som do candeeiro quebrando-se e o chiado das chamas.

- Prepare-se. Eles vão sair - avisou aos outros.

Havia três homens no posto. Não demorou muito para que eles escolhessem a maneira como queriam morrer. Os três renegados saíram pela porta, as armas cuspindo fogo. O casaco de um deles estava em chamas, mas quando ele rolou no chão foi por efeito de uma bala. O segundo foi lançado por outra bala de volta às chamas, onde gritou uma vez. Uma terceira bala arrancou a arma do terceiro homem, o barbado de casaco de couro de búfalo.

- Esse aí é Sallie - disse Giles.

- Suspendam o fogo! - berrou Benteen.

Enquanto os vaqueiros do Triplo C saíam de suas coberturas e começavam a se aproximar do homem desarmado, Big Ed Sallie fez arquejantes e vacilantes tentativas de encontrar uma abertura por onde pudesse passar, os olhos arregalados a tal ponto que aparecia o branco. Era um animal em pânico que não tinha mais um lugar onde se esconder.

- O que é que tudo isso significa? - implorou ele. - Alguém me diga o que é que tudo isso significa.

- Você sabe o que é que significa, Sallie - disse Benteen, a arma apontada para o homem.

- Não. Juro que não sei. - A respiração misturava-se áspera à voz, estridente de pânico. - Vocês, simplesmente, chegaram aqui, atirando para todo lado.

- Você se esqueceu do rebanho do Triplo C que tentou roubar há duas noites? - desafiou-o Benteen. - Meu filho foi morto naquela ocasião.

- Eu estava aqui. Juro que estava aqui mesmo. - Atrás dele, as chamas rugiam consumindo a estrutura de madeira, os chiados e os estalos criando um pano de fundo infernal. - Eu nunca roubei gado de ninguém. Não do Triplo C. De ninguém.

- Ele está mentindo, chefe. - Vince Garvey chegou até a frente do círculo cada vez mais apertado de vaqueiros e lançou no chão um couro de boi, com a marca do Triplo C. - Este couro estava secando na cerca.

- Eu faço negócio com índios. Troquei isso com eles - explicou ele em pânico, enquanto sangue gotejava de um ferimento em sua mão.

Buli Giles passou por Benteen, seu rosto feio contorcido de ódio.

- Deixe que eu fale com ele. Sallie e eu falamos a mesma língua. Sacou a faca e cortou uma correia no couro que estava no chão. Entregando-a a Barnie, disse: - Amarre as mãos dele. - E levou uma segunda tira de couro até um cocho d'água.

- Não. - Big Ed Sallie começou a lutar. - Não!

Dois vaqueiros saltaram para a frente a fim de ajudar Barnie, dominaram o renegado e prenderam-lhe as mãos às costas. Quando foram amarradas, Buli voltou com a tira molhada de couro. Sorriu para Sallie enquanto tirava o chapéu do renegado.

Eu não lhe preciso dizer nada sobre couro cru, preciso, Sallie? -. Começou a amarrar a tira molhada em torno da cabeça do homem, a despeito dos movimentos dele de se esquivar e resistir. - Quando está molhada, ela estica que é uma beleza. - Apertou-a e amarrou um nó na têmpora. - Mas, quando seca, encolhe. E vai partir seu crânio de um lado a outro, Sallie.

- Não, não faça isso - gritou ele apavorado. - Tudo foi culpa sua, Buli. Foi você que me botou nesta.

- Você quer dizer, com Janes? - perguntou Buli.

- Ele mesmo - respondeu alucinado Sallie.

- Mas aquilo foi apenas para lhe pagar, a fim de você manter os índios longe do gado do Barra 10. - Buli fitou-o com dura atenção. Talvez a gente deva amarrar outro pedaço de couro cru no seu pescoço e ver se você estrangula antes de sua cabeça rachar.

- Não, ele me pagou para jogar os índios contra o Triplo C defendeu-se Sallie.

- Ele fez isso, hein? - zombou Buli.

- Droga, foi! - berrou furioso Sallie. - Não foi ideia minha. Não me deixe morrer dessa maneira.

Lentamente, Buli virou-se para Benteen.

- Eu arranjei um encontro entre ele e Janes. Boston disse que queria apenas comprar proteção e evitar que índios atacassem o Barra 10. - Amargura e dor contorceram-lhe o rosto. - Eu não sabia... - E sufocou-se com as próprias palavras.

Benteen vira Buli vezes demais em companhia de Arthur para duvidar da dor dele. Sentiu raiva ao ouvir a confissão, mas ela foi temperada pelo frio raciocínio que lhe dizia que Buli fora usado apenas como intermediário.

- Eu nunca matei um homem por ser um idiota - disse seco Benteen.

- O que é que você quer que a gente faça com ele? - perguntou

Barnie com um movimento de cabeça na direção do renegado.

- Enforque-o.

- Eu disse a ele que vendesse - repetiu Boston e começou a mexer em papéis na mesa. - Vamos ter que recuar, ficar na moita durante algum tempo e esperar que tudo isto passe.

- E Calder? Não vai mais querer tomar as pastagens dele?

- Esqueça Calder. Nós vamos deixá-lo em paz - disse Boston numa seca ordem.

- Você tem medo de enfrentá-lo de cara, não tem? Foi por isso que me contratou, para fazer seu trabalho sujo. Porque não tem colhão para fazer isso pessoalmente - cuspiu Janes.

Furioso, Boston esbofeteou-o com as costas da mão.

- Você já falou demais. - A mão de Janes tremeu em cima do revólver.

- Faça isso outra vez e eu o mato.

Boston recuou, olhando para o cão fiel, que, de repente, mostrava sinais de voltar-se contra ele. Deu-lhe as costas.

- Volte para a fazenda. E veja se não estraga mais nada. Durante um longo segundo, Janes vacilou, antes de dirigir-se à porta

e virar a chave. Abrindo-a e respirando, sentiu o cheiro de medo no ar. Olhou para o homem que suava sentado à escrivaninha. Sentia apenas desprezo por Judd Boston, o homem que falava grosso e duro até que alguém o ameaçava, se acovardando como um cachorrinho medroso e sem dentes.

- É melhor passar a chave na porta, Boston. O bicho-papão pode vir pegar você - zombou com uma risadinha.

E não se incomodou em fechá-la quando saiu.

Ouviu a porta ser fechada e o estalido da chave, e isso aumentou mais ainda seu nojo. Ao chegar à rua, desamarrou o cavalo do poste e subiu para a sela. Mas, em vez de dirigir-se para a fazenda, desceu a rua em direção ao saloon mais próximo. Pouco importava a ordem que havia recebido. Voltaria para a fazenda quando bem quisesse.

Viu três outros cavalos do Barra 10 amarrados do lado de fora do saloon. Pôs seu cavalo ao lado deles. Precisava de um drinque para tirar aquele gosto ruim da boca e precisava também pensar. E não era muito bom nisso de pensar. Era um homem de ação e reação, de preto e branco.

Alguém martelava um piano no momento em que entrou no saloon. Parando em um dos lados da porta, olhou em volta do lugar. Riso áspero vinha de um lugar nos fundos. Em um dos cantos, um jogo de pôquer estava em andamento. Uma meia dúzia de vaqueiros encontrava-se de pé, encostados no balcão do bar. Fumaça pairava pela sala como se fosse um nevoeiro, misturando-se com o cheiro de álcool.

Um vaqueiro na extremidade do bar bateu acidentalmente numa escarradeira manchada, que estava num canto, e soltou um palavrão.

- É melhor alguém tirar esta droga daqui antes que eu cuspa nela.

- Virou-se e lançou um jato de suco amarelo no chão.

Janes viu Trace Reynolds e outro vaqueiro do Barra 10 encostados no centro do bar. Cruzou o salão e espremeu o corpo estreito entre eles.

- Uísque - disse ao garçom.

Não sabia que você vinha à cidade, Janes - disse o texano Reynolds em seu falar arrastado, demonstrando leve interesse.

Tive que falar com Boston. - Janes não disse que fora chamado.

Pode haver problemas com Calder.

Ergueu o copo e lançou parte do conteúdo garganta abaixo. Depois olhou de soslaio para o vaqueiro que usava um coldre oleado.

- Boston pisou nos calos dele novamente? - perguntou Reynolds com um sorriso tranquilo.

- Você pode dizer que sim. - Janes terminou o drinque e pediu outro.

A cidade apareceu diante deles, uma extensão de formas pretas com pequenos quadros de luz. Benteen espigou-se na sela e encolheu-se um pouco com o ardor do ferimento nas costelas. Destruído o ninho dos renegados, restava apenas o homem que os havia contratado. Olhou para o pequeno grupo - Jessie, Woolie, Bob Vernon e Buli Giles. Enviara o resto de volta à fazenda, juntamente com os feridos.

- Woolie, vá na frente e veja se a charrete de Boston está parada atrás do banco - ordenou. - Nós encontramos você em frente ao cartório de terras.

com uma inclinação de cabeça, Wollie tirou o cavalo da estrada principal a fim de entrar na cidade por uma das ruas laterais. A escuridão logo o engoliu, e apenas o som cada vez mais distante das patas dos cavalos marcava seu caminho pela noite.

Benteen impeliu o cansado animal para a frente, deixando-o seguir num passo lento. A raiva o abandonara. A luta no rio saciara sua sede de vingança. Naquele momento, aquilo era apenas um trabalho a terminar. Estava preso numa situação que não lhe deixava alternativa. Era assim que aconteciam as coisas, até que o tempo as mudasse, se mudasse.

Lorna estivera no terraço que corria por todo o comprimento da casa de dois andares conversando com o capataz da turma de acabamento de marceneiros quando vira o bando frouxo de vaqueiros chegar à fazenda, alguns deles derreados nas selas. Rapidamente murmurara um pedido de licença e descera correndo o cômoro para ir ao encontro deles. Eram menos do que os que haviam partido. Ficou alarmada quando não viu Benteen.

Rusty e Shorty já estavam ajudando os feridos a descerem dos cavalos quando chegou ao lado deles. Shorty continuava a dizer em voz baixa:

- Eu devia estar lá.

- Onde está Benteen? Onde está o resto? - perguntou a Barnie.

- Não há motivo nenhum para preocupação. Ele está bem - garantiu Barnie. - Foram à cidade pegar Boston.

Webb lhe segurara a mão, perturbado ao ver feridos todos aqueles amigos.

- O que foi que aconteceu, mamãe? Como foi que eles se machucaram?

- Estiveram numa briga. - Nessa altura tornara-se impossível para ela esperar pacientemente na fazenda até que Benteen voltasse - se voltasse. Tinha que estar lá quando aquilo tudo terminasse. - Eu vou à cidade.

- A decisão dela não causou surpresa alguma a Rusty. - Você pode dar um jeito sozinho?

- Posso, mas a senhora não vai sozinha. Benteen tiraria nosso couro se isso acontecesse. Barnie atrela a carroça e vai à cidade com a senhora.

- Posso ir também? - pediu Webb.

- Não. - Perdera um filho num tiroteio. Não ia, naquele momento, arriscar-se a perder o único que lhe restava.

Loman Janes lançou o dinheiro no balcão para pagar a bebida e tirou os pés do descanso embaixo. Seu olhar levou os três outros vaqueiros do Barra 10 a fazerem o mesmo.

- Acho que já está tarde.

Botas arrastaram-se relutantes e esporas tilintaram quando seguiram, deixando o saloon. Janes parou na calçada de tábuas para olhar instintivamente a atividáde na rua. No momento em que ajeitava a cartucheira numa posição mais confortável em torno dos quadris estreitos, viu os quatro cavaleiros descendo lentos a rua. Não havia como confundir a silhueta larga de Buli Giles ou a forma alta e descontraída de Benteen Calder.

Janes saiu da luz que se derramava do saloon e recuou para as sombras da parede, silvando para seus homens para que se afastassem da porta. A vista daqueles dois homens juntos parecia confirmar as medrosas suspeitas de Boston, compreendeu Janes. Com Boston apavorado, era tempo de tomar o assunto em suas próprias mãos. Calder viera à cidade comprar briga, mas o que não sabia - Janes sorriu friamente para si mesmo - era que a briga o encontrara antes.

- Frank, cruze aquela rua e entre no beco ao lado do cartório de terras. Young, suba para uma janela lá em cima. - Disse Janes, começando a posicionar seus homens em voz baixa. - Reynolds, você fica naquela porta ali, Giles e Calder são os homens que queremos. Concentrem-se neles.

Aquilo era uma coisa simples para Loman Janes. Quem queria um homem morto matava-o. Só pistoleiros em busca de reputação é que andavam pela rua provocando. A maioria das mortes a tiro acontecia de duas maneiras - ou revólveres eram sacados no calor de uma discussão ou se fazia um ataque planejado ao inimigo.

O olhar de Benteen, sempre inquieto, vasculhava os dois lados da rua. Um vaqueiro entrou num saloon à frente deles. No fim do quarteirão, um homem cruzou a rua. Pessoas moveram-se nas sombras do lado de fora do saloon, mas tudo aquilo parecia atividáde normal. Estava pensando em outra coisa - no banco e em Judd Boston, se era lá que ele estava. Até o momento não vira sinal de Woolie.

O vaqueiro de cabelos louros encaracolados virou o cavalo para o beco e a rua que passava junto ao cartório de terras. A charrete estivera estacionada nos fundos do banco, e ele vira luz numa janela na parte posterior do prédio.

Notou o vaqueiro encostado na esquina do prédio na boca do beco. No começo, não deu muita importância ao fato. O vaqueiro podia ter entrado no beco para urinar antes de voltar para casa, mas a postura dele estava toda errada, e ele parecia estar vigiando a rua. O chão era macio sob as patas do cavalo, e ele não produziu som algum. Uma ruga de preocupação formou-se em sua testa. O que era que aquele homem estava fazendo ali, se não estava fumando ou urinando? Aproximando-se mais, viu o brilho do cano de um revólver e viu o suficiente do homem para reconhecê-lo como um dos vaqueiros do Barra 10.

Com um berro de aviso, fincou as esporas nos lados do cavalo e galopou direto para o vaqueiro. Viu o homem girar vivamente a cabeça tomado de surpresa e tentar apontar a arma. O cavalo de Woolie, porém, já se chocava com ele e lançava-o contra o prédio. Disparou a arma contra o homem quando o cavalo passou e soltou um palavrão quando errou.

Ao ouvir o berro partido do beco, Benteen puxou violentamente as rédeas. Um frio desceu sobre ele em ondas rápidas e sucessivas. De repente, todos os sons tornaram-se altos, todos os cheiros ficaram fortes e todas as imagens na rua ganharam nitidez e foco. Na fração de segundo do tempo de reação, tirou o cavalo do centro da rua no exato momento em que um tiro estalava no ar. Em seguida, as portas do inferno se abriram.

A cavalo, eles constituíam alvos fáceis para homens escondidos. Chumbo descia zunindo de toda parte em volta dele quando Woolie entrou na rua, o revólver cuspindo fogo em resposta aos tiros que partiam da calçada em frente ao saloon. O cavalo de Benteen vacilou quando ele saltava da sela. Uma bala atingiu-lhe o ombro esquerdo, fazendo-o rolar para as sombras da frente de um prédio. Protegeu-se atrás de um barril de madeira, o braço esquerdo pendendo inútil.

Jessie estava estirado no chão, entre um cocho de cavalos e a calçada de madeira elevada. Ouviu um arranhar de botas às suas costas. Olhou rapidamente para o local de onde vinha o som. Buli Giles arrastava uma perna, enquanto tentava sentar-se numa soleira recuada. Benteen não conseguiu ver Woolie ou Bob Vernon, mas não havia mais corpos na rua.

Se Woolie não os houvesse avisado, teriam sido abatidos como patinhos numa galeria de tiro. As probabilidades eram que todos estivessem estirados na rua naquele momento, todos mortos. Voltou a olhar para os prédios no outro lado na rua, procurando formas na noite. Notou uma coisa estranha. Todas as janelas no segundo andar do saloon estavam acesas todas, menos uma. Estava escuro, e a janela estava aberta. Viu a cortina enfunando-se para fora. Disparou três tiros contra ela. Um homem desmoronou em cima do peitoril, o revólver escapando-lhe da mão.

Mas havia revelado também sua posição. O barril começou a ser crivado de balas e caiu caliça do prédio imediatamente acima de sua cabeça, prendendo-o ali. Nessa ocasião, Buli abriu fogo juntamente com Jessie, apontando para as explosões de chamas do outro lado da rua. Benteen correu para o beco, agachado e colado ao prédio. Havia um homem ali para emboscá-los, e deu a volta à esquina esperando encontrá-lo. Viu o vaqueiro de joelhos, a mão segurando a nuca enquanto gemia e fazia um esforço descoordenado para se levantar.

- Minha cabeça... - gemeu ele. - Estou me sentindo esquisito disse e escorregou para o chão, perdendo os sentidos.

Ouviu o barulho de uma charrete descendo a rua. Benteen colou-se à parede do beco. Foi tomado de uma grande confusão quando reconheceu o homem de chapéu-coco dirigindo o veículo. Judd Boston.

Do outro lado da rua, Loman Janes gritou:

- Saia do caminho! Nós temos Calder encurralado!

Boston parou a charrete no meio da rua, puxando com força as rédeas para conter o cavalo nervoso.

- Seu idiota! Seu grandessíssimo idiota! - Levantou-se na charrete e virou-se para o outro lado da rua. - Calder! Isto não é coisa minha! Janes está agindo sozinho! Não tive nada a ver com isso... ou com qualquer outra coisa!

Proclamava sua inocência para que todos o ouvissem.

- Seu filho da puta covarde! - rosnou Janes das sombras.

Dois tiros foram disparados, em rápida sucessão, enquanto Boston caía no assento da charrete e o cavalo se empinava nos tirantes e disparava. Benteen aproveitou a distração causada pelo veículo desgovernado para cruzar rapidamente a rua. Chegou ao outro lado e abaixou-se atrás de um barril de coleta de água de chuva.

O ombro latejava, e uma umidade descia pelo braço. Passando a língua pelos lábios secos, permaneceu imóvel, à escuta, tentando localizar pelo som os adversários.

Boston estava ou morto ou fora de circulação, mas a briga não terminara ainda. Por mais que antipatizasse com Loman Janes, Benteen sentia certo grau de respeito por ele. Ele tinha suas regras e as cumpriria até o fim. Começara a luta com Benteen, e ela não terminaria até que um deles estivesse morto.

Uma onda de tontura envolveu-o e sacudiu a cabeça para afastá-la. Viu uma sombra em movimento. Afastou-se do barril, virou-se para o som e atirou. Rapidamente, moveu-se para a esquerda do prédio. Errara os tiros, mas eles haviam tirado o homem da proteção da larga soleira de porta. Era o pistoleiro Reynolds. Ele atirou do quadril para o alvo em movimento que era Benteen. Um deles foi como um ferro quente passando em sua coxa. A perna começou a ceder quando atirou na forma do homem, silhuetada por um breve instante. O cão da arma bateu numa câmara vazia, mas Reynolds estava caindo.

Um frio sorriso de satisfação encurvara os lábios de Janes quando a charrete com Judd Boston disparou pela rua. O calhorda estivera pondo toda culpa nele para salvar a própria pele e recebera o que merecia.

Tudo o que teve foi um vislumbre do homem que cruzou a rua na esteira da charrete. Estivera certo de que Calder se encontrava posicionado em algum lugar perto do beco. Tinha que ser ele. Giles fora baleado na perna e não poderia correr de modo algum. Os outros três encontravam-se rua acima.

Fizera um exame cuidadoso das sombras onde Calder tinha que estar escondido e chegara à conclusão de que ele devia estar usando o barril de coleta de água de chuva. Não lhe ocorrera avisar a Reynolds que Calder cruzara para aquele lado da rua. Seu único objetivo era acabar com Calder. Em seguida, com Giles.

Havia espaço entre os dois prédios atrás de Janes apenas suficientemente largo para que passasse por ele um homem magro. Passou, a fim de dar a volta no prédio de modo a surpreender Calder pelo outro lado.

Dera a volta ao prédio e se aproximava furtivo quando ouviu a súbita troca de tiros e o som surdo de um corpo caindo. Parou para escutar, adivinhando que fora o de Reynolds que caíra.

com os músculos do braço esquerdo inúteis, seria lento demais recarregar a arma, pensou Benteen. Encostou-se na parede do prédio e enfiou o revólver no coldre, pegando o sobressalente que trazia na cintura. Do outro lado da rua, viu Buli Giles encostado de lado em um poste, mas não conseguiu descobrir onde se encontravam os outros.

Benteen não tinha a vantagem da posição de Buli. No princípio, Buli não teve certeza se a forma que viu no canto do prédio era um homem. Ela se moveu ligeiramente. Friamente compreendeu que aquela forma estreita pertencia a Loman Janes. De alguma maneira, ele conseguira dar a volta em torno do prédio para surpreender Benteen pelas costas.

Seu olhar passou para Calder, perguntando-se se ele sabia que ia ser atacado por trás. Era impossível dizer que ele sabia, embora desconfiasse que não. Abriu a boca para gritar um aviso, mas som algum saiu.

Se Benteen morresse, Lorna seria viúva. O feio pensamento ocorreu-lhe espontaneamente. Fechou a boca com força, odiando-se por isso.

E naquele momento era tarde demais para um aviso. Janes estava saindo das sombras da esquina para emboscar Calder.

Benteen começou a se arrastar pelo lado do prédio, seus ouvidos esforçando-se para captar outros sons que não os de sua própria respiração e o jorro de sangue pelas veias. Houve um súbito movimento no outro lado da rua quando Buli saiu de trás do poste, expondo-se.

- Janes! - gritou Buli, e atirou.

Uma arma explodiu às suas costas, e Benteen virou-se para Loman Janes. No espaço de segundos pensou em Lorna e no lar enquanto disparava. Observou a arma de Janes levantar-se no ar com o seu primeiro tiro, que errou o alvo enquanto se virava. O cano apontou novamente em sua direção no momento em que Benteen atirou pela segunda vez e ouviu o som da bala atingindo o alvo.

Uma tosse rápida, fraca, escapou de Janes. Surpresa apareceu em seus olhos, enquanto ele começava a inclinar-se para trás. Caiu em cima do barril de água e, lentamente, escorregou para o chão.

Os ecos dos tiros morreram a distância, e a rua tornou-se silenciosa. Acabara tudo. Cansado até os ossos, o revólver ainda na mão, Benteen segurou o braço esquerdo, latejante com o ferimento no ombro. Vacilando, cambaleou para a rua. Obscuramente, viu pessoas saindo cautelosas dos prédios, mas tudo o que queria era voltar para casa - para Lorna.

Uma carroça entrou barulhenta na rua. Benteen parou irritado para deixá-la passar, mas a parelha parou antes de alcançá-lo. Cansadamente, pensou que via Lorna saltar da boleia da carroça. Quando mãos lhe tocaram o rosto, compreendeu que era ela, em carne e osso.

- O que é que você está fazendo aqui? - A aspereza do cansaço estava na voz, mas nos olhos havia carinho para ela.

- Não pude esperar mais. - Examinava-o todo, inspecionando os ferimentos com as mãos e os olhos.

- Leve-me para casa - disse ele. - vou levá-lo primeiro a um médico.

Nesse momento, ele se lembrou de algo que era importante - a maneira como Giles saíra de sua cobertura e atraíra o fogo de Janes, depois de o inimigo ter se esgueirado furtivo por trás do prédio.

- Acho que Giles pegou uma bala que era para mim - disse. - Vá ver como ele está.

- Mas...

- Eu estou bem - garantiu-lhe Benteen. Lorna virou-se parcialmente e ordenou:

- Barnie, leve-o a um médico. - Depois cruzou apressada a rua.

Buli estava caído no chão, encostado na calçada alta, uma palidez horrenda no rosto e o joelho esquerdo ensopado de sangue. Conservava a mão direita desajeitada sobre o estômago, o sangue espalhando-se pela manga da camisa.

Quando Lorna ajoelhou-se ao seu lado, ele sorriu debilmente.

- Ele a mandou aqui, não foi?

- Foi - confessou ela, e curvou-se para examinar o ferimento no joelho. Estraçalhado, uma polpa sangrenta.

- Parece que foi uma boa coisa eu ter praticado guiar charrete para lady Crawford. A partir de hoje, é tudo o que vou dirigir - disse, reconhecendo que sofrera um ferimento mutilante.

- Nós vamos levá-lo ao médico. São impressionantes as coisas que eles hoje podem fazer. - Mas ela sabia que ele tinha razão.

- Você o ama, não?

- Amo. - Foi a maneira como ela falou, a expressão nos olhos que o convenceram.

- Você será sempre uma mulher especial para mim, Lorna - disse tranquilamente Buli. - Mas acho que isso é tudo.

- Você será sempre muito especial para mim... e para Benteen também - acrescentou ela.

Moradores da cidade começaram a se reunir em volta deles. com um gesto, Lorna chamou dois homens de aparência forte.

- Ajudem-me a levá-lo ao médico.

Quando acordou, Benteen viu a luz se insinuando pelas janelas. Teve problema para focalizar os olhos, continuando indistintas as coisas no quarto. Sentiu um forte cheiro de antisséptico em volta. Um minuto se passou antes de compreender que estava deitado numa maca no consultório do médico. Tentou mover-se, e uma pontada de dor queimou-lhe o ombro provocando-lhe um gemido e uma careta.

- Não se mova. - Era a voz de Lorna. Ternamente, a mão dela tocou-lhe o ombro.

O olhar dele passeou pelo rosto que, nesse momento, entrou em sua linha de visão. Ela era morena - cheia de vida, lábios vermelhos, cheia de ternura por ele. Sentiu-lhe o aroma, tão fresco e silvestre.

- Eu pensava que você ia me levar para casa - lembrou-lhe.

- O médico achou que seria bom você passar a noite aqui. Deu-lhe alguma coisa para dormir, enquanto extraía a bala. - Mostrou-lhe o projétil que fora tirado do ombro. - Quer guardá-lo?

- Não. Pode jogá-lo fora. - Levou a mão ao ombro enfaixado. Não preciso de nada para me lembrar disto.

Lorna concordou plenamente e, com a maior satisfação, lançou a bala no lixo. Não queria jamais passar por aquele momento em que vira Benteen cambaleando na rua.

- E os outros? Giles, Woolie? - Preocupação vincou-lhe o rosto de profundas rugas.

- O cavalo de Wollie foi atingido. Ele quebrou uma perna. Jessie pegou uma bala de raspão no braço, e Bob Vernon levou um tiro na mão.

- Lorna fez a lista dos ferimentos e hesitou na última: - O joelho de Buli foi destruído. O médico disse que ele escapa, mas que nunca mais poderá dobrá-lo. Ficará com a perna dura.

Benteen suspirou, mas continuou calado, consciente da dívida que tinha com aquele homem.

- Boston morreu?

- Morreu.

- Isto é uma coisa maluca - murmurou em tom distante. - Sempre dizem que quem vive pela espada morre pela espada. Boston roubava com documentos, não com balas. Um ladrão não-violento. Mas, ainda assim, morreu violentamente.

Ouviram uma leve batida à porta. Lorna virou-se, mas não deixou seu lugar junto ao leito.

- Sim?

A porta foi aberta e lady Crawford entrou no quarto, enfiada em suas longas saias pretas. com absoluta compostura, cruzou o cómodo até a maca. Luvas pretas apertavam o cabo perolado de uma sombrinha.

- Então foi você quem andou dando todos aqueles tiros na noite passada - disse ela a Benteen numa leve acusação. - Queixei-me seriamente à gerência do hotel sobre aquela perturbação. Pouco adiantou, claro. Fez uma pequena pausa. - Como é que você está se sentindo?

- vou me sentir melhor quando estiver de volta à fazenda - respondeu Benteen e encadeou os dedos com os de Lorna.

- Tenho certeza de que sua esposa pode cuidar de você muito bem, embora eu não lhe inveje esse trabalho - declarou Elaine. - Quanto a mim, vou viajar para Helena. O governador do território convidou-me a passar alguns dias com a família dele. Acho que essa viagem será muito valiosa.

- Deve ser... - concordou Benteen, mas Lorna notou um tom de resignação na voz dele.

- Talvez, quando você ficar bom, possa ir comigo em outra ocasião

- sugeriu distraída Elaine. - Há um bocado de trabalho preliminar que precisa ser feito, e eu, certamente, não sou necessária aqui, uma vez que tem Lorna para cuidar de você.

- Isso é verdade - concordou ele, novamente.

- Infelizmente, vai demorar alguns dias antes que o sr. Giles esteja bem e ativo, de modo que serei forçada a viajar sozinha. Se tudo correr bem, ele poderá voltar ao trabalho dentro de umas duas semanas. Eu fiz uma visita rápida a ele - confessou.

- Que ótimo que ele está melhorando.

Benteen olhou para Lorna, não se sentindo mais ameaçado pela amizade dela com Buli Giles, como provara na última noite, ao lhe dizer que fosse ver como ele estava.

- Você certamente não vai querer discutir negócios - continuou Elaine. - E eu tenho muitas malas para arrumar. Vim aqui apenas para lhe dizer onde estarei. Eu o procuro quando voltar.

Lorna estava começando a entender a atitude fria da mãe de Benteen, tão seca e eficiente. A mãe comum ficaria preocupada com a doença ou ferimento do filho e relutante em deixá-lo até que ele ficasse bom. Lady Crawford, porém, não mostrava nenhuma dessas emoções. Propositadamente, Lorna sentiu uma sensação de admiração e respeito por aquela mulher.

- Por falar nisso... - Elaine parou, enquanto se afastava da cama.

- Apresentei queixa ao governo canadense, em seu nome, por causa do gado roubado pelos índios cujas reservas ficam no Canadá. Tenho absoluta certeza de que você será brevemente indenizado pelos prejuízos.

Benteen ergueu uma sobrancelha, mostrando surpresa e prazer.

- Isso é uma boa notícia.

- Eu pensava que você diria isso - sorriu Elaine. - Tenho que ir. Cuide-se.

Sombrinha na mão, deslizou para a porta. Lorna soltou-se dos dedos de Benteen.

- Volto já - prometeu, e foi atrás de lady Crawford. com todo cuidado, fechou a porta ao sair.

- Deseja alguma coisa? - perguntou lady Crawford com uma majestosa inclinação de cabeça.

- Eu queria lhe agradecer - disse Lorna.

- Agradecer?

- Sim, pelo que fez lá dentro... pela impressão que deixou com Benteen.

Olhou carinhosamente para aquela mulher porque ela fora muito generosa no que fizera.

- Sim, bem... você teve toda razão, sabia? - respondeu lady Crawford, e demorou-se alisando as luvas nas mãos. - Há uma única coisa que eu não posso dar a ele... mas há outros sonhos que posso realizar.

- Obrigada - repetiu Lorna.

- Tolice. - com um gesto, ignorou a manifestação de gratidão. Não se esqueça que vou ter um lucro enorme com nossa associação.

Dirigiu-se para a porta da rua antes que Lorna pudesse dizer mais alguma coisa. Mas tudo fora dito. Lentamente, Lorna voltou ao quarto de Benteen. Encontrou-o sentado à beira da maca, o corpo balançando precariamente.

- Chase Benteen Calder, o que é que você está fazendo? - E correu para ajudá-lo.

- Vamos para casa, não vamos? - perguntou, e voltou olhos interrogativos para ela. - Sobre o que você e lady Crawford conversaram?

- Nada. - Lorna ajudou-o a vestir a camisa. - Ela devolveu uma coisa, e eu quis lhe agradecer por isso.

Três semanas depois, chegou a primeira remessa de móveis para a nova casa, incluindo uma grande escrivaninha para o gabinete. Lorna deteve os trabalhadores, mandou tirar a escrivaninha da embalagem e levá-la para o gabinete. Colocou por trás o mapa na parede e encheu as gavetas com os Papéis relativos à fazenda. Duas cadeiras faziam parte da mobília da sala de estar, mas instalou-as no gabinete, em frente à imensa lareira.

Quando ouviu Webb correndo pelo terraço a fim de ir receber o pai nos degraus, deixou o gabinete e foi aguardá-lo na entrada da casa. O ombro de Benteen continuava duro e dolorido, ele estava mais magro, mas dúvida alguma havia de que ele se encontrava em pleno controle da Calder Cattle Company.

Ao entrarem na casa, Benteen tirou Webb do quadril, onde o filho estava escanchado, e colocou-o no chão. Olhou para Lorna, envolvendo-a daquela maneira íntima que sempre lhe acelerava as pulsações.

- A ceia já está pronta? - perguntou ele.

- Nem comecei ainda - disse Lorna, mas depois riu, agarrou a mão do marido e puxou-o como se ele fosse uma criança. - Há uma coisa que quero lhe mostrar.

Com mal disfarçada excitação, levou-o até as portas do gabinete, abriu-as e entrou. Girou sobre si mesma a fim de observar-lhe a reação, enquanto o olhar dele passeava pelo cómodo.

- Parte da mobília chegou depois que você saiu esta manhã. Mandei o pessoal trabalhar, tirando-a dos engradados e pondo no lugar.

- O mapa. - Notou o mapa na parede e sorriu. - Gostei. - Em passos lentos foi até a imensa lareira de pedra. - A cornija está precisando de uns enfeites.

- Eu mesma estava pensando nisso. - Mordeu o lábio inferior e depois foi com toda a calma até a gaveta da escrivaninha, de onde tirou o daguerreótipo da mãe dele, no tempo de moça. - Gostaria de pôr isto ali?

Entregou-lhe o retrato e observou-o enquanto ele o estudava. Por um momento, as feições másculas e de planos bem cortados dele foram uma selva de emoções conflitantes. Ergueu o queixo, respirando profundamente e fitou-a.

- Não. - Sacudiu devagar a cabeça. - Ponha-a em outro lugar, se quiser.

Nada sobrara do velho sonho, ou da velha amargura. Lady Crawford e a imagem no retrato eram duas pessoas diferentes, separadas em sua mente. Lorna cruzou a sala e abraçou-o pela cintura.

- Você sabia disso, não? - murmurou Benteen, a boca nos cabelos dela.

- Eu tinha esperança de que todos os fantasmas houvessem se dissolvido - confessou. - Ela não podia ser o que você queria.

Uma pequena risada escapou da garganta de Benteen.

- Você pode imaginar Webb chamando-a de vovó? Ela ficaria horrorizada. - Tirou a boca dos cabelos de Lorna para olhá-la, segurando-a pela nuca a fim de moldá-la à parte inferior de seu corpo. - Falando em Webb, você não acha que podia convencer seu filho a sair e brincar durante mais uma hora?

- Uma hora? - perguntou ela, provocante. - Você não está se vangloriando muito.

- Sua safadinha... - Mas não terminou porque ela lhe puxou a cabeça para beijá-lo.

 

               Das pastagens livres às cercas,

               Muita coisa aconteceu,

               Mas uma coisa é certa,

               Esta pastagem dos Calders durará.

 

                                       1902

Na primeira luz da manhã, Benteen trouxe os dois cavalos selados ao acampamento. Quando o viu chegando, Lorna jogou fora o resto do café da caneca de latão e deixou-a na bacia de lavar junto à carroça da cozinha. O café não era tão bom como o que fora feito por Rusty. Sorriu por um instante para o homem magro, chamado Bogie, que o substituíra. Sentia falta do cozinheiro irascível de barbas brancas. Não havia mais ninguém para lhe dizer onde as "flores silvestres" estavam nascendo. Falecera tranquilamente certa noite, enquanto dormia - simplesmente apagara. Lamentava não lhe ter dito o quanto gostava dele, mas sempre lhe parecera que haveria tempo para isso.

Consciente do olhar de Benteen, sacudiu de si a leve tristeza e sorriu. Os olhos dele escureceram ao fitá-la. Calças de homem ajustavam-se aos quadris dela, macios e curvos quadris criados pelo sábio Senhor para o prazer de um homem. O brim azul era novo e duro e produziu um som farfalhante quando ela veio em sua direção. Continuava tão esguia e bela como no dia em que casara com ela, embora mais experiente, pensou Benteen com uma sombra de sorriso.

Entregou-lhe as rédeas do ruão com a mancha na testa, observando:

- Acho que você vem a estes rodeios apenas para ter desculpa de usar calças compridas. - Gostava dela vestida assim, mas não era coisa que ia confessar.

- Acho que você me chamou para vir apenas para me ver usando estas calças - replicou, provocante, Lorna. Enfiou o pé no estribo e subiu fácil para a sela.

Benteen observou o movimento por cima de sua sela, gostando de ver a maneira como o tecido se esticava e lhe delineava as nádegas firmes. Ela continuava a excitá-lo, como fora intenção da natureza desde o primeiro ato de amor entre eles.

Montou também.

- Eu devia ter obrigado você a tirar isso na primeira vez em que a usou, em vez de pensar que ia ser coisa temporária. A gente dá a uma mulher o pé, e ela toma logo a mão. - Mas sorriu enquanto dizia isso. - Você sabia que todo mundo na Associação dos Criadores comenta a maneira de você montar como homem?

- Não sei por que deviam comentar - retrucou Lorna. - Não sou a única mulher que monta escanchada.

Mas é a única que faz isso usando calças compridas – observou ele, e virou o cavalo para os currais de reunião de gado. - Todas as outras usam saias de montar divididas ao meio.

- Você está querendo me dizer o que eu devo usar, Benteen Calder? - desafiou-o ela.

- Não adiantaria nada. Você só faz o que quer, como sempre, aliás

- replicou ele, secamente.

- Nem sempre - corrigiu-o Lorna, porque houve um tempo em que se importara com a opinião dos demais. - Esta terra me ensinou a ser independente.

Cavalgaram até o lugar onde os vaqueiros reuniam o gado naquela primavera. O gado hereford que estava sendo tocado era acompanhado por lustrosos bezerros de focinho branco. A porteira foi aberta, de modo que outro pequeno grupo pudesse ser tocado e aumentasse o número, cada vez maior dentro dos currais. Benteen e Lorna levaram os cavalos para um lado a fim de observar a cena.

A marca Triplo C aparecia queimada a fogo no flanco de todos os animais. Lorna sentia um senso de orgulho e realização toda vez que a via. Olhou brevemente para Benteen, enquanto o resto de sua atenção permanecia na pastagem selvagem que era deles.

- Você se sente como um barão do gado? - Havia um sorriso na sua voz, porque sabia que aquela expressão o irritava.

- Ninguém nunca diz "barão de gado" sem acrescentar "ganancioso". - Aceitou a provocação. - Isso é uma coisa que nunca vou compreender. É sempre o pequeno fazendeiro e sua mulherzinha que despertam toda simpatia pelas lutas e tribulações que sofreram. Sempre dizem que os grandes criadores são uma espécie de senhores feudais. Nunca levam em conta as lutas e dificuldades por que passamos para termos isto hoje.

- Há muito tempo você me disse que faz parte da natureza humana querer o que outra pessoa tem - lembrou-lhe Lorna.

- De fato. Mas, algum dia, as pessoas terão que dar o devido valor ao vaqueiro. Ninguém jamais teve um trabalho mais solitário, mais difícil, nem mesmo os agricultores. As horas são compridas, as condições de trabalho são, em geral, ruins, e toda a companhia que ele tem é um cavalo. Nós chegamos aqui antes que houvesse cidades e gente - quando só havia marmotas e índios. Construímos algo onde não havia coisa alguma e agora somos condenados por isso.

Havia nojo e impaciência em sua voz.

- Acontece isso porque acham que temos certa culpa pelo alto preço da carne nos açougues - respondeu Lorna. - Quando querem alimentar suas famílias, não se interessam em conhecer alguma coisa sobre os anos ruins que tivemos... as secas, as nevascas.

- O inverno de 1886-1887 foi o pior, vindo logo depois de uma seca de verão que havia deixado o pasto em péssimo estado - lembrou Benteen. - Um bocado de fazendas de criação acabou depois daqueles anos.

Lorna lembrou-se do ano que quase os destruíra, juntamente com tantos outros criadores. Depois das pesadas nevascas em fins de novembro, o chinook chegara em princípios de janeiro para lhes dar esperança. Mas a temperatura caíra verticalmente. A neve semiderretida se transformara numa armadura de gelo que patas não podiam quebrar para chegar ao capim. Congelado e faminto, o gado morrera aos milhares.

Fora um golpe severo. No ano anterior, haviam ferrado quase 10 mil garrotes no rodeio de primavera, mas, após aquele inverno assassino, só sobraram 1.200 cabeças. Um bocado de criadores perdera a esperança, desistira ou vira desaparecer o apoio financeiro.

Benteen calculara que a imensa perda de gado provocaria escassez de carne no mercado e elevaria os preços. Pegara toda reserva financeira de que dispunha e restaurara parcialmente o rebanho. Em seguida, enviara Shorty Niles ao Canadá para comprar cavalos de tração e transformara terras férteis de várzeas em feno. Shorty voltara com os cavalos e com uma filha de fazendeiro como esposa.

A manobra arriscada dera certo, e haveria feno para alimentar o gado se acontecesse mais um inverno difícil. A criação fora combinada com o plantio em tempo parcial.

- Sr. Calder!

O filho de 15 anos de Jessie Trumbo galopou na direção deles, um dos muitos da segunda geração de vaqueiros do Triplo C.

Ely e Mary Stanton tiveram uma filha, chamada Ruth Ann, Woolie Willis casara com uma professorinha ruiva, e Bob Vernon casara, finalmente, com sua namorada dançarina de cabaré e tinha um filho de 17 anos que, nesse momento, trabalhava no rodeio. Barnie Moore, Vince Garvey e Zeke Taylor estavam todos casados e tinham filhos. Havia um senso de continuidade e integração, uma ordem estabelecida que dava um aspecto de permanência às coisas.

Benteen virou o cavalo para o cavaleiro que se aproximava e esperou até que Dick Trumbo estancou a montaria que vinha a trote e colocou-a a passo.

- O que é?

- O pai quer que o senhor venha. É o Capitão. Está morto. - O rapaz já virava o cavalo num círculo para indicar o caminho.

Lorna deixou escapar um som de pena, ao instigar o cavalo para seguir Benteen. O velho longhorn liderara as boiadas que vinham do Texas até que a chegada de colonos fechara, finalmente, a trilha. Anos antes haviam aposentado o rosilho e lhe dado um pasto próprio.

Bem distante do curral, viram Jessie. Ele desmontara e estava de pé na borda de uma ravina. Tinha o chapéu na mão, num gesto de respeito pela perda de um companheiro. Pouco restava do touro. Os abutres haviam limPado a carcaça, deixando um esqueleto incompleto, alguns pedaços de couro solto e o par de longos chifres recurvos.

Rosto sério, Jessie ergueu a vista para Benteen.

- É o Capitão. Eu reconheceria aqueles chifres velhos em qualquer lugar. - As palavras dele foram seguidas por um longo silêncio, que Benteen finalmente quebrou:

- Vamos levar os chifres de volta para a fazenda. - Olhou para Lorna. - O lugar deles é acima da cornija da lareira.

Ela inclinou a cabeça em muda concordância. Aquele boi desempenhara um papel vital na construção da fazenda. Era justo que sua memória fosse respeitada - e a da sua raça.

- Dick, desça até ali e pegue aqueles chifres - disse Jessie ao filho.

- Leve-os para a carroça da cozinha.

O jovem vaqueiro saltou do cavalo, deixando cair as rédeas. Desceu escorregando a encosta da ravina até chegar à carcaça e ao crânio armado de chifres.

- Esses chifres devem ter um metro e meio de largura ou mais - disse, segurando a ponta e compreendendo que tinha de comprimento quase tanto quanto ele de altura.

Jessie aproximou-se de seu cavalo e montou.

- Não há muitos iguais a ele de sobra na pastagem - observou. vou sentir falta deles, de verdade. Certamente não eram tão lustrosos e bonitos como esses herefords.

O comentário dele não precisava ser explicado a Benteen. O longhorn era essencialmente uma raça de bois selvagens que haviam sido domesticados - ou tão domados quanto podiam ser. Mas era a selvageria que os tornava especiais, uma espécie de liberdade que era parte de sua natureza, como os chifres característicos. Eram animais que sabiam se virar. Não precisavam que ninguém cuidasse deles.

- Não acho que nenhum criador se sinta feliz em ver seus rebanhos desaparecerem - disse Benteen, concordando com o vaqueiro. - É um caso de circunstâncias. Sendo os preços da terra e os impostos o que são, não se pode manter um longhorn no pasto até que ele atinja a maturidade. Precisamos de uma raça que cresça logo para enviar os animais ao mercado. O criador não pode se dar ao luxo de ter um longhorn pastando durante seis anos, quando um hereford alcança um bom tamanho em menos tempo.

- É... eu conheço todos os argumentos - disse Jessie, inclinando a cabeça. - O pasto é valioso demais, de modo que a raça está sendo substituída aos poucos. Acho que vai chegar o tempo em que todos nós seremos substituídos. Mas acho que ele teve seu tempo de glória.

Inclinou o chapéu na direção de Lorna e cavalgou para longe a fim de reiniciar suas atividades no rodeio. Um momento depois, Benteen e Lorna afastaram os cavalos da ravina e voltaram para os currais, levando os animais a passo. Lorna observou Benteen vasculhar a pastagem, sua vastidão atraindo-lhe o olhar e estirando-o até doer.

- Você ainda se aborrece quando vê cercas, não? - perguntou ela em voz baixa.

- Elas não são uma coisa que um criador escolheria, mas nos foram impostas - respondeu ele. - Da mesma forma que obter o título e direitos sobre estas terras para evitar que os pequenos criadores as tomem. Não se trata simplesmente de, com cerca, excluir os outros. O gado tornou-se valioso demais para permitir que se extravie. Um criador não pode mais comprar um touro de raça e deixar que ele cubra as vacas do vizinho, em vez das suas. A pastagem aberta foi acabada por uma combinação de economia e circunstâncias.

- E o vaqueiro... - murmurou Lorna.

Fora difícil para muitos deles fazer a transição. Haviam ganho a vida no lombo de um cavalo, com um laço na mão. Tudo mudara depois, e esperava-se agora que eles cortassem feno, abrissem buracos para mourões de cerca e estendessem arame farpado.

No momento em que se aproximavam dos currais, dois cavaleiros se afastavam. com a facilidade de mãe, Lorna reconheceu o filho. Webb Calder era agora um rapaz alto, ossudo, cabelos castanhos quase pretos e olhos escuros. Desde que nascera, os vaqueiros do rancho haviam-no tratado como um dos seus, nunca fazendo nada para ele, mas sempre lhe mostrando como fazer as coisas certas. Jovem ainda, já mostrava sinais de pensamento independente.

- Webb vem insinuando que gostaria de passar a morar no alojamento - observou Lorna. - Acho que ele está tentando me dizer, com jeito, que já cresceu.

- Você pode dizer a ele para acabar com as insinuações - respondeu Benteen. - O governador e família chegam de visita no dia primeiro do mês. Quero Webb em casa.

- Esqueci. - Lorna fez uma pequena careta. - Elaine estaria muito ocupada organizando tudo, se estivesse aqui.

Era difícil ainda aceitar o fato de que ela falecera três anos antes, levada rapidamente por um ataque cardíaco. Lady Crawford sempre fora mulher para fazer entradas e saídas magníficas, e parecera a Lorna que ela se fora muito repentinamente. Aquilo não era, absolutamente, do estilo dela. Haviam recebido um telegrama de Buli Giles, procedente de Washington, para onde lady Crawford se dirigira em uma de suas muitas viagens políticas.

- Ela foi uma mulher extraordinária - murmurou Benteen.

Até aquele dia, todos acreditavam que a associação dela com Benteen fora puramente financeira. Ele deixara as coisas nesse pé. O relacionamento entre ambos se tornara finalmente íntimo, baseado mais em profundo respeito do que em afeto, algo que poucas pessoas teriam compreendido.

- Já faz tempo desde que tivemos notícias de Buli pela última vez. O que será que ele anda fazendo? - especulou Lorna em voz alta.

- Pelo que ouvi de outros criadores, o hotel dele em Denver está ganhando uma excelente reputação. Ele atende à alta roda, segundo soube - disse Benteen. - Teve um bocado de prática durante estes anos todos como secretário de Elaine, guarda-costas e... amigo.

- Eles formavam uma combinação pouco comum... a bela e a fera

- disse ela, mas com afeição.

Fora uma estranha aliança aquela. Buli, que fora sempre tão propenso a discussões e inimigo da autoridade, seguia lady Crawford aonde quer que ela fosse, recebendo ordens e transmitindo recados, embora nunca houvesse, realmente, curvado a cabeça para ela. Ao falecer, lady Crawford deixara para ele o grosso de sua fortuna. Em carta fechada deixada a Benteen, dizia que já o havia ajudado a acumular grande riqueza enquanto vivera, de modo que não se sentia obrigada a lhe deixar coisa alguma com sua morte.

- Você nunca se importou realmente por ela ter deixado a maior parte da fortuna para Buli, não foi? - Olhou de soslaio para o perfil do marido, belo em sua força e masculinidade.

- Não. - Benteen fitou-a com uma expressão vazia. - Ela nunca foi realmente minha mãe e nem eu seu filho. Todas as obrigações que tínhamos um com o outro foram eliminadas há muito tempo... juntamente com a amargura.

- Fico feliz em ouvir isso.

Benteen aproximou o cavalo do ruão de Lorna.

- Lembro-me da maneira como você chorou no dia em que deixamos Fort Worth. Está arrependida de ter vindo para cá?

Lorna ficou surpresa com a pergunta.

- Como é que você pode fazer uma pergunta dessas? Não, não estou. Isto aqui é o meu lar.

- Mas você gostaria de rever seus pais, não?

Gostaria. - Não tentou negar. - Na última carta, mamãe disse que papai não estava se sentindo muito bem.

- Talvez, nesse outono, possamos voltar em visita - sugeriu Benteen.

Durante um longo segundo, ela simplesmente o fitou. Aquilo era algo que vinha querendo fazer havia anos, mas sabia que ele não tinha desejo de voltar. Quando saíra do Texas, fora para sempre.

- Eu gostaria de ir - disse com simplicidade.

- Vamos planejar isso - prometeu ele. - Enquanto estivermos lá. bem que posso comprar uns touros. - A boca entortou-se num sorriso zombeteiro. - Quando uma mulher deixa de se queixar, o marido não se importa de fazer coisas por ela.

- Diga-me uma coisa, Benteen, você está triste pelo fato de não ter uma mulherzinha tranquila que o espere pacientemente em casa? - O brilho quente nos olhos dela desafiava-o.

- Tenho certeza de que seria diferente se eu tivesse uma mulher que conhecesse seu lugar - murmurou ele secamente.

- Mas eu conheço meu lugar - protestou Lorna. - É aqui mesmo, junto de você.

Construímos esta pastagem Para durar para sempre. É um legado que deixamos... De orgulho e de algo mais.

 

                                                                                Janet Dailey  

 

                      

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