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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A UM PASSO DA FELICIDADE / Sarah Morgan
A UM PASSO DA FELICIDADE / Sarah Morgan

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

A UM PASSO DA FELICIDADE

 

— Estou falando sério, Stasia. Ou você fica e finge ser uma esposa apaixonada, até que eu decida que Chiara está bem, ou acabo com seu negócio. Eu posso e vou fazê-lo.

Olhou-o com desprezo.

— Não posso acreditar que seja tão baixo.

Sua opinião é irrelevante.

Ele agia friamente e ela apertou os dedos para impedir-se de voltar a esbofeteá-lo.

— Se fizer algo para ferir minha mãe...

A decisão está em suas mãos. Concorde em continuar sendo minha mulher pelo tempo que for preciso e o empréstimo está garantido. Quando finalmente o divórcio sair, o negócio será seu.

 

Ela não pode morrer.

Rico Crisanto, o bilionário presidente do Grupo Crisanti, olhava através da janela da Unidade de Terapia Intensiva, sem ligar para os olhares das enfermeiras. Estava habituado aos olhares das mulheres. Algumas vezes, correspondia. Outras, ignorava.

Hoje, simplesmente, não prestava atenção.

Concentrava a atenção no corpo inerte da garota, rodeada de médicos e equipamentos de última geração.

Há muito se livrara do paletó do terno bem cortado, jogado displicentemente na poltrona. Não disfarçava a tensão. Arregaçou as mangas da camisa de seda, revelando os braços bronzeados.

Para um homem ativo como Rico, acostumado a mandar e desmandar, a espera era o pior tipo de tortura.

A paciência não era seu ponto forte.

Queria resolver os problemas de imediato. Pela primeira vez descobria que existia algo que o dinheiro não podia comprar.

A vida da irmã adolescente.

Rico praguejou, dominando a vontade de esmurrar o vidro.

Há duas semanas passava muito tempo no hospital, e nunca se sentira tão inútil, tão impotente.

Ignorando o choro contido da mãe, da avó, da tia e de duas primas, observava silencioso o rosto inerte da irmã, como se a força de seu pensamento bastasse para tirá-la do coma.

Tinha que fazer algo. Sempre encontrava soluções para tudo, e recusava-se a desistir.

Tentou pensar com clareza, mas descobrira recentemente que o cansaço, o sofrimento e a preocupação não ajudavam na concentração. O medo provocara-lhe uma paralisia mental.

Tentava clarear as idéias. Ao ouvir outro gemido de agonia da mãe, sentiu as mandíbulas estalarem e o coração apertar. A responsabilidade que a família depositava nele era um fardo pesado.

Confiara a cirurgia, visando a aliviar a pressão sangüínea do cérebro de Chiara causada pelo hematoma, a um cirurgião renomado. Ela respirava sem ajuda externa, mas continuava inconsciente. Sua vida estava por um fio, e ninguém podia prever o resultado final.

Vida ou morte.

Caso a opção fosse a vida, seria a vida como deficiente, ou como a que levava antes da queda do cavalo?

Botou as mãos na cabeça. Para Rico, este era o aspecto mais crítico. A exaustiva tortura mental causada pela dúvida. Observava a mãe fatigada, com imensas olheiras, viver sob a sombra cruel da incerteza. Via-a definhar ao ser forçada a se perguntar se perderia a única filha.

Achou que poderia realmente controlar o destino?

A promessa feita ao pai de que tomaria conta da família parecia vazia e inútil. Que importância havia ter criado um império do nada graças a uma determinação atroz? Sua trajetória fez com que acreditasse ter o dom de controlar tudo. Precisou deste acidente para lembrar-se de que dinheiro nenhum do mundo protege um homem de seu destino.

Tomado pela enorme frustração, desabotoou outro botão da camisa com impaciência, e percorreu a passos largos o espaço confinado do quarto. A emoção, sentimento nada familiar ou bem-vindo, obstruía-lhe a garganta e, pela primeira vez, desde que deixara de ser criança, sentiu uma vertente de lágrimas alterar-lhe a habitual expressão glacial.

Amaldiçoando a própria fraqueza, fechou os olhos e pressionou os dedos ao longo do nariz, como se pudesse conter o crescente sofrimento.

Não podia se deixar abater.

Toda a família estava exausta, presa à tênue rede de esperança lançada por médicos com expressão pessimista. Ele era a força de que dispunham. A rocha em que se amparavam. Se desmoronasse e chorasse como um bebê, o moral de toda a família iria por água abaixo. O jogo que praticavam — o jogo da esperança — teria um fim.

Preferiu desviar a atenção para o corpo imóvel e contundido da irmã, querendo que ela acordasse. Ainda a observava quando a porta abriu-se, e o médico responsável e seus assistentes entraram.

Rico concentrou a atenção no homem, intuindo que havia novos fatos. Ao mesmo tempo, temia formular a pergunta que precisava ser feita.

— Alguma mudança?

A voz estava rouca devido à tensão, às noites mal dormidas e pior — ao medo de encarar más notícias.

— Sim. — O médico pigarreou, demonstrando-se claramente intimidado pelo enorme poder do homem parado a sua frente. — Os sinais vitais mostram melhora e recuperou a consciência por alguns momentos. Chegou a falar.

— Ela falou? — O alívio invadiu-o e, pela primeira vez em muitos dias, sentiu-se mais leve.

O médico fez um sinal positivo com a cabeça.

— Foi muito difícil entendê-la, mas uma das enfermeiras acredita ser um nome. — Hesitante, dirigiu-lhes um olhar interrogativo. — Stasia. Pode ser?

Stasia?

Rico ficou imóvel, momentaneamente abalado e em silêncio profundo, enquanto a mãe demonstrava horror dando um suspiro que parecia estrangular-lhe, e a avó choramingou.

Rico cerrou os dentes. Faria qualquer coisa para deixar os familiares longe de assuntos que julgava serem somente dele. Porém, naquele momento, não havia opção. Elas precisavam estar presentes, embora as demonstrações de histeria tornassem a situação ainda mais difícil.                                                  

Agora que Stasia fora citada, o quadro estava prestes a se deteriorar.                                                  

O mero som daquele nome foi suficiente pra detonar uma explosão entre a família.

No que dizia respeito a seus sentimentos...

Fechou os olhos por um momento, e passou a mão na testa bronzeada. Com a irmã lutando pela vida, não tinha que pensar em Stasia. O destino parecia pregar-lhe uma peça. O médico pigarreou.

— Bem, seja ela quem for... poderiam trazê-la ao hospital?

Ignorando o muxoxo da mãe, Rico tentou concentrar-se no que realmente importava. A cura da irmã. Mas não conseguiu conter a pergunta.

— Vai fazer alguma diferença?

— Pode ser — o médico deu de ombros. — É difícil dizer, mas qualquer tentativa é válida. Ela pode ser contatada?

Não sem um considerável sacrifício emocional. Sua mãe levantou-se, o rosto contorcido de raiva e dor.

— Não! Não quero vê-la aqui! Ela...

— Chega! — Rico notou a curiosidade da equipe médica e silenciou a mãe apenas com os expressivos olhos negros.

Já bastava que toda a imprensa fizesse sentinela na entrada de sua casa, rastreando-lhes cada momento daquelas horas agonizantes, faminta à espera de notícias sensacionalistas.

Stasia.

Que ironia isso acontecesse agora, refletiu, no momento em que a ligação entre eles estava prestes a ser rompida para sempre. Achou que em nenhuma hipótese seria obrigado a voltar a ver a esposa. Nos últimos meses, uma equipe de advogados trabalhava incessantemente na elaboração de um acordo de divórcio, que lhe parecia justo, para afastá-la de sua vida e deixá-lo com a consciência tranqüila caso viesse a se casar de novo. Dessa vez, com uma gentil mulher italiana que compreendesse o significado de ser a esposa de um italiano tradicional.

Não uma ardente ruiva inglesa que era só fogo e paixão, e que nada sabia sobre subserviência.

Uma visão de Stasia — incontrolável, linda Stasia — veio-lhe à mente, e subitamente sentiu a pulsação do mais genuíno ardor sexual invadir-lhe o corpo. Um ano se passara desde o último e tumultuado encontro e, apesar das circunstâncias dramáticas da separação, seu corpo ainda suplicava pelo dela em um desespero quase imoral. E não confiava na própria reação quando a visse de novo. Ela afetara-lhe o comportamento de uma forma que não queria admitir nem para si mesmo.

Apesar de tudo o que fez, Stasia era um vício, como qualquer droga, e voltar a vê-la não lhe parecia sensato. Neste último ano, aprendera a odiá-la, a vê-la como realmente era.

Um erro.

Rico caminhou até a janela, e observou a irmã em um silêncio consternado. No rosto uma expressão nefasta, enquanto decidia que atitude tomar. Não havia muita saída. Chegando à conclusão inquestionável de que suas necessidades e desejos eram secundários, frente às questões ligadas à recuperação da irmã, viu-se forçado a aceitar o encontro com Stasia.

Tinha o firme propósito de pôr fim ao casamento fracassado. Contratara advogados, e não havia motivo para que o divórcio não saísse. Era só uma questão de tempo. Poderia trazê-la para fazer o que precisava ser feito e depois a enviaria de volta para casa.

Parecia-lhe viável que apenas mantivessem conversas objetivas. Para ele, era perfeitamente adequado. Não tinha nenhuma intenção de rememorar o passado. E intenção ainda menor de perder tempo com a mulher.

Deu um sorriso de desgosto, percebendo a ironia da situação. A deslumbrante e exótica Stasia. A mulher que nunca se moldou à percepção do que, para sua família, seria a perfeita esposa siciliana.

Assim como para ele.

Ele deu-lhe tudo. Tudo que um marido deveria dar. Mesmo assim, aparentemente, não fora o suficiente.

O médico pigarreou discretamente, e Rico tomou a única decisão possível.

— Vou procurá-la.

Virou-se para Gio, seu chefe de segurança e disse:

— Entre em contato com ela e providencie para que tome o primeiro vôo.

Percebeu o olhar de obediência do homem que o acompanhava desde pequeno, ouviu a reação chocada de sua mãe e cerrou os dentes. Teria que ficar frente a frente com Stasia, apesar de ter jurado que nunca mais o faria.

Cedo ou tarde, ela sairia de sua vida. Algum dia, pensaria nela sem que de imediato sua masculinidade reagisse instantaneamente. Quanto mais cedo, melhor.

 

Anastácia deu os retoques finais no quadro, afastou-se apertando os olhos, e emitiu um som de satisfação.

Finalmente estava pronto.

Mark ficaria satisfeito.

Dando uma última olhadela na tela, limpou o pincel e andou do estúdio para a cozinha a fim de apanhar a correspondência que vinha se acumulando nas duas últimas semanas em que se concentrara no quadro.

Ainda manuseando a correspondência, correu em direção ao celular que tocava incessantemente.

Sabendo que seria sua mãe, respondeu sorrindo:

— Como andam os negócios?

— Melhor impossível! — A mãe demonstrava animação. Muito distante da mulher que se tornara quando o pai de Stasia deixou-a por uma loura com a metade de sua idade, seis anos atrás.

Stasia tentou esquecer aqueles tempos difíceis. A mãe dependia do marido para tudo, e quando ele a deixou, estava totalmente despreparada. Tinha perdido a auto-estima.

Foi Stasia quem lhe chamou a atenção para o fato de ter um grande conhecimento sobre antiguidades. Stasia ajudou-a a pôr em prática esse conhecimento, abrindo um pequeno negócio. Aos poucos, tornou-se conhecida, e logo não somente vendia antiguidades, mas prestava consultoria a clientes na decoração de casas inteiras. Há seis meses, graças a um vultoso empréstimo, expandiu o local de trabalho e os negócios prosperaram.

— Teremos que empregar mais gente — disse a mãe apressadamente. — Preciso fazer uma viagem de negócios. Fui convidada para opinar na restauração de uma casa fantástica em Yorkshire e não posso simplesmente fechar a loja. Tem gente vindo do país inteiro para visitá-la. Não seria justo fecharmos. E você anda muito ocupada com a pintura para ajudar.

Stasia sorriu. Era incrível ouvir a mãe tão animada.

— Você é quem manda, mamãe — disse alegremente, jogando um monte de correspondência inútil na cesta. — Aliás, o quadro está pronto. Mark pode vir apanhá-lo quando quiser.

— Ótimo. Falo com ele, se o vir antes de você. E como está passando, querida? Tem comido bem?

— Sim! — Mentira. Não vinha se alimentando bem. Desde que deixara a Itália, estava tão perturbada que alimentar-se não lhe parecia importante. Mas não queria que a mãe ficasse preocupada. — Estou bem, mamãe. Sério.

A mãe suspirou.

— Isto quer dizer que ainda está com o pensamento naquele siciliano.

E prosseguiu com voz firme:

— Ouça, Stasia, homens como ele não mudam. Eu sei disso. Vivi longos anos com seu pai, e ele era exatamente a mesma coisa. Eu era apenas um objeto do qual acabou se cansando, e então comprou um novo.

Stasia ouviu o ruído de um carro que se aproximava, o que ensejou o pedido de desculpas para terminar a conversa.

— Não posso falar agora, mamãe... tenho visita. Talvez seja Mark. Telefono mais tarde.

Sem dar tempo à mãe para contestar, desligou e desconectou o telefone. Adorava a mãe, mas não estava preparada para esse tipo de conversa com ninguém.

O carro estacionou, e Stasia amarrou a cara. Não estava com a menor vontade de ver Mark. Ele não escondia que queria algo além dos quadros, e ela não estava pronta para tal. Talvez nunca estivesse.

Reparando que o jeans estava todo sujo de tinta, deu um sorriso de desconsolo. Que aspecto deplorável! Entretanto, se Mark resolveu aparecer sem telefonar antes, o que poderia esperar?

Antes que batesse à porta, abriu-a e ficou chocada ao ver quem estava lá.

Rico Crisanti.

Bilionário e canalha.

A última das pessoas que queria ver.

O coração disparou, o mundo desabou, e, por um minuto de excitação e espanto, pensou que finalmente viera buscá-la. Conseguiu voltar à realidade, lembrou-se de que um ano se passara e que ele tinha deslanchado o pedido de divórcio. O que significava que estava ali por um motivo inteiramente diferente. Fosse o que fosse, não estava interessada.

— Não! — O impulso imediato de bater-lhe a porta na cara foi inútil pois ele agiu mais rápido. Antecipara-lhe a reação e, com um movimento brusco, segurou a porta com a mão, impedindo que ela a fechasse.

— Você não responde às cartas, não tem telefone — esbravejou raivosamente, conectando os olhos negros aos seus com a força letal de um míssil — e enterrou-se em um lugar tão distante que é quase impossível encontrá-la.

— Não lhe ocorreu que talvez eu não quisesse que você me achasse? Senão, teria deixado o endereço.

Ela o olhava enfurecida. As antigas hostilidades vinham à tona com tal força avassaladora que respirava com dificuldade, tomada pela emoção.

— E se achasse que havia alguma chance de você me encontrar, teria me enterrado mais fundo ainda — retrucou com agressividade calculada.

Mas nunca passara-lhe pela cabeça que ele viria à sua procura. Não depois daqueles meses de terror em que fitava a janela na desesperada expectativa de que um dos fantásticos carros esporte dele estacionasse à sua porta. Aos poucos, acostumou-se com a idéia de que ele não viria buscá-la.

Agora estava tudo acabado de verdade. Acabou com uma explosão de emoção amarga, com fragmentos tão intensos como o ardor do relacionamento que tiveram. Ela foi embora. Ele não a seguiu. E isto era tudo que tinha a dizer sobre o curto e instável casamento. Para ele, não valia a pena ser preservado. Foi um desastre absoluto, e prometera a si mesma que se voltasse a se apaixonar de novo, seria por um inglês educado e seguro, nunca um descontrolado brutamontes, todo-poderoso siciliano cuja atitude em relação às mulheres datava da Idade da Pedra. E ainda achava que o dinheiro era resposta para tudo.

Fitava-o com fúria, sem ignorar a força dos ombros largos, o ar arrogante do belo rosto e o brilho perigoso do olhar frio e calculista. Não era justo que um homem fosse tão indecentemente sensual, pensou, tentando corajosamente ignorar a pontada no coração e a repentina aceleração do pulso. Não queria reagir dessa forma. Era o tipo de reação que teve ao envolver-se com ele da primeira vez.

Contra todas suas convicções.

Mas Rico Crisanti era um homem que não passava desapercebido. Era incrivelmente bonito, e a aura de poder que emanava, além dos ternos bem talhados, atraía mulheres como tubarões em águas infestadas de sangue.

E ela provara ser tão vulnerável a esse tipo de macho siciliano como todas as outras.

Repentinamente, percebeu que ele olhava o interior da casa. Ao ver o ar de surpresa naquele rosto fascinante, sentiu o inesperado impulso de rir. Rico Crisanti, bilionário italiano e magnata dos negócios, dono de seis mansões pelo mundo, provavelmente, nunca estivera em um lugar como esse. Em outros tempos, ela teria feito uma brincadeira, mas agora não havia lugar para qualquer provocação.

As diferenças de atitudes e modo de encarar a vida eram tão gritantes... Ele acreditava que lugar de mulher era em casa, esperando seu homem, enquanto ela queria sair, viver intensamente.

Ele tinha a testa franzida e olhos negros brilhavam com um misto de dúvida e espanto.

— Que lugar é este?

A vontade de rir desapareceu.

— Minha casa, Rico — disse com firmeza. — E você não é bem-vindo aqui. — Lembrou-se de que ele nunca sequer vira o lugar que ela tanto amava. Que apesar de terem tido um casamento, ele pouco conhecia dela. Pouco sabia a respeito do que lhe importava...

Esboçou outra tentativa de fechar a porta, sabendo que era perda de tempo. Se medissem forças, perderia. Rico tinha mais de 1,90m e era muito forte. Mesmo sem verificar, sabia que nas proximidades havia um carro cheio de guarda-costas. A constante presença deles sempre a divertira, porque ninguém podia duvidar de que Rico era capaz de cuidar de si mesmo, se precisasse. Era exímio em artes marciais, com preparo físico invejável, e níveis de estamina de atleta olímpico. Mas o presidente bilionário de uma das mais bem-sucedidas empresas do mundo ocidental era um alvo de primeira para raptos e extorsões e, por isso, era uma pessoa a que poucos tinham acesso.

Stasia dominou um riso histérico.

Se fosse raptado, isso significaria um dia de folga o que, para Rico, era mais aterrorizante do que qualquer outra forma de tortura.

O homem era uma máquina.

Não podia viver sem trabalhar, e ela adorava provocá-lo a respeito. Uma vez, escondeu o telefone celular e ele ficou desorientado — até descobrir exatamente onde ela o escondera.

Levantou o queixo, tentando esquecer os dias alegres do relacionamento. Antes que a realidade viesse à tona. Antes de descobrirem que não tinham absolutamente nada em comum.

— Então, como você me achou?

— Com considerável dificuldade e muito empenho pessoal — respondeu, rispidamente. — E já perdi muito tempo. Meu piloto está cuidando do abastecimento enquanto conversamos. Nós precisamos estar prontos para decolar em uma hora.

Stasia ficou estupefata. O piloto estava reabastecendo? Teriam que voar daqui a uma hora? O que queria dizer?

— Nós? — Sacudiu a cabeça e deu uma risada nervosa. — Presumo que quando diz "nós", fale da família real. Certamente, não se refere a você e a mim!

Eles não se falavam há mais de um ano. Desde aquela noite...

Ele a acusou. Tão temperamental como ele, o sangue subiu-lhe à cabeça, e foi-se embora sem dar-se ao trabalho de defender-se, com tanta raiva que não acreditava ter condição de falar. Da mesma forma como sabia que lhe poderia causar algum dano físico.

Se precisasse de outras evidências sobre a impossibilidade de viverem juntos, devido às diferenças, teve a prova naquela noite. E se alimentava alguma esperança de que ele fosse segui-la — lutar pelo relacionamento — logo se decepcionou.

Não se viram desde então. Fim da história.

— No meu vocabulário, "nós" significa você e eu — repreendeu-a com impaciência — e, embora você sempre criticasse meu estilo de vida, saiba que nunca tive mania de grandeza.

Provavelmente estava certo, constatou, embora na Sicília e na Itália fosse tratado como um membro da realeza.

Era uma das brincadeiras que faziam juntos “Cinderela e o Príncipe”.

Mas não estavam brincando agora.

Por que queria que fosse a algum lugar com ele?

Mas lá estava ele, em pé na porta de entrada, com aqueles ombros largos que quase impediam a passagem da luz. Não lhe causaria surpresa constatar que Rico podia controlar o dia e a noite. Controlava praticamente tudo mais. Era o homem que indicava direções, enquanto outros o seguiam. Algo o trouxera a sua porta.

— Não imagino o que faz você vir até aqui quando sabe muito bem que eu nunca lhe acompanharia a lugar algum. Desisti de ser sua acompanhante há um ano.

Desistira de ser escrava do sexo, porque este tinha sido o único ponto a uni-los. Não importa o que houvesse de errado entre eles, sexo era sempre incrível.

Em vez do revide incisivo esperado, seguiu-se um momento de silêncio. Antevia uma discussão. Notou-lhe certa tensão nos ombros, além de sinais de cansaço no rosto de traços perfeitos. Sentiu um certo desconforto. Rico não se cansava nunca. Tinha mais estamina que qualquer pessoa que tivesse conhecido. Freqüentemente, ficavam acordados a noite inteira e ao amanhecer pulava da cama direto para uma reunião de negócios. Então, ela adormecia, exausta depois de uma noite inteira de amor.

Algo de muito sério estava acontecendo.

Olhou para fora e viu o motorista e dois guarda-costas que não conhecia.

Franziu a testa.

— Cadê o Gio?

Durante o breve período em que foram casados, ela ficara amiga do chefe de segurança de Rico. Ele era muito mais que um empregado. Conhecia Rico desde que nascera. Gio era um siciliano franco e objetivo e, quase sempre, acompanhava o patrão. Sua missão era cuidar da proteção e da privacidade de Rico.

— Está no hospital — disse conciso. — É a única pessoa em quem confio para tomar conta da situação.

— Hospital? — Estava atônita. — O que ele está fazendo no hospital? O que aconteceu?

— Chiara sofreu uma queda de cavalo. — Falava pausadamente, a voz sem nenhum vestígio de emoção. — Está em estado de coma. Pensei que você tivesse lido nos jornais. A história saiu em todos eles.

Chiara estava em coma?

— Deixei de ler jornais. — Cansara de aparecer no noticiário quando estavam casados, e tinha todos os motivos para desprezar a imprensa. Desde a separação, não lia mais jornais. Olhou-o com firmeza. — Ela está muito machucada?

— Si. — Ele parecia que ia desmoronar. Ela sentiu-se consternada.

Nunca tinha visto Rico daquela maneira. Estava triste. Exausto. Um homem no limite de suas reservas. Instintivamente recuou.

— É melhor você entrar.

Ele a seguiu, inclinando-se um pouco para não bater com a cabeça na porta, franzindo as sobrancelhas negras que quase se encontravam, e reparando em tudo a seu redor.

— Por que está vivendo desse jeito? — Não conseguia disfarçar o desprezo em cada ângulo do rosto, enquanto inspecionava a minúscula sala de estar mobiliada com um sofá velho. — Você está sem dinheiro?

Quase esquecendo o pesar, sentiu a raiva borbulhar. Para ele, tudo se resumia a dinheiro. Nunca lhe ocorreria que ela havia escolhido aquela morada, simplesmente, porque gostava dela.

— Você não tem nada a ver com a minha vida. — Como tinha se apaixonado por um homem que demonstrava atrofia emocional? — Você nunca mostrou nenhum interesse antes, daí não vejo porque passaria a ter.

— Você não tem que viver deste jeito. Você é minha mulher...

Teria rido se não fosse tão doloroso.

— Eu gosto de viver assim. E nunca fui sua mulher, Rico — disse gesticulando e afastando as mechas ruivas onduladas dos cabelos rebeldes que quase lhe tiravam a visão.

Ele prestava atenção nos gestos, e os olhos negros cintilantes não se desviavam daquela juba selvagem, totalmente fascinado. Havia uma tensão crescente no ar. Por um momento, ambos esqueceram Chiara, tão absortos um no outro que as pressões do mundo externo passavam longe.

— Eu casei-me com você.

Evidentemente, ele julgou que esta seria a maior honraria que poderia conceder-lhe, e ela teve que conter um sorriso amargo. Como tinha esquecido sua arrogância inabalável?

"Um impulso do qual nos arrependemos". Stasia queria que ele tirasse os olhos de seus cabelos. Era tudo que queria naquele momento, pois reconhecia o brilho daquele olhar. Sabia estar prestes a explodir, e que ele deslizaria a mão possessiva pelos cabelos cacheados, expondo-lhe a garganta ao calor da boca. O toque sedutor dos dedos em seus cabelos sempre foi o prelúdio para a mais avassaladora explosão de sexo. Sentia a respiração acelerar. Não queria pensar nisso agora.

— Não foi um casamento de verdade. Casamentos significam comunhão e nunca comungamos nada além de sexo.

O mais incrível e incendiário sexo selvagem cuja lembrança ainda lhe tirava o sono.

Com relutância, desviou o olhar dos cabelos para fixar-se naquele rosto pálido. Sabia que ambos pensavam na mesma coisa.

— Não vim aqui reviver o fiasco que foi nosso casamento. Querendo ou não, até que o divórcio nos separe, você ainda é minha mulher — retrucou com voz grave, o que não combinava com o que seu corpo dizia. — Como minha mulher, preciso de você na Itália. Não me interprete mal... Não tenho intenção de ressuscitar nosso relacionamento em nenhum aspecto. Esta visita não é de caráter pessoal.

Sentia como se tivesse sido apunhalada. Não era pessoal.

Ela sabia disso, claro. Então por que ouvi-lo dizer a verdade parecia tão brutal? Por que doía tanto?

— Claro que não é nada pessoal. — Por que cheguei a pensar que seria? Chegara há cinco minutos. Cinco minutos, e por pouco estava pronto a arranhar e unhar até tirar sangue. Ele lhe deixava tão enraivecida. — Nosso casamento nunca teve envolvimento pessoal. Este foi o problema. O que tínhamos era sexo legalizado.

Ela o ouvia respirar profundamente e via-lhe as linhas de expressão na fronte. Quase podia sentir o gosto da fúria. Ele não negou. Como poderia se ambos sabiam que era verdade? O sexo era incrível, mas a relação dos dois não passava disso. Ao menos para ele. Para ela, era tudo.

Ele era o amor de sua vida.

O que tornava tudo muito mais difícil.

— Não vim aqui discutir nosso casamento.

O tom de voz frio sinalizava a vontade de mudar o assunto. Se ele não a fizesse sentir tão vulnerável e furiosa, teria rido da total falta de habilidade dele em falar sobre sentimentos.

— Claro que não. Você prefere divorciar-se sem discussão — retrucou com ódio. — Você prefere comunicar-se através de advogados engravatados!

Parecia tão furioso como ela.

— Foi você quem me abandonou!

— Porque não tínhamos um casamento! Você não confiava em mim! Não dividia nada comigo! Todas as decisões eram tomadas sem que considerasse minha opinião. Quase nunca nos víamos! É incrível que esteja aqui agora quando poderia ter mandado um de seus vassalos. Deve ser incrivelmente difícil para você vir pessoalmente até aqui.

O rosto estava enrijecido.

— Não tenho medo de dificuldades.

— Então por que usava advogados para se comunicar comigo, Rico?

— Dio, este não é o momento para este tipo de discussão! — Ele a observava com hostilidade, mas o corpo demonstrava sentimento oposto. — Não peço que volte à Itália por minha causa. Peço isto por Chiara.

O ódio crescente foi rapidamente substituído por vergonha.

Ela tinha se esquecido de Chiara. Como? Como Rico conseguia desviar todos seus pensamentos?

— Lógico, sinto muito por ela ter-se machucado. Mas não entendo por que você me quer na Itália.

O assombro diluía o ódio. Estava boquiaberta.

— Você quer realmente que eu visite sua irmã? Por quê? Uma demonstração repentina de solidariedade familiar? — Deu uma risada incrédula. — Tarde demais para isso, Rico.

Ela nunca fez parte da família.

Deixaram claro desde o início que a consideravam uma caça-dotes, o que era uma acusação totalmente absurda, levando-se em conta seu completo desinteresse por coisas materiais. Mas não tinha a menor graça. Era trágico. Arraigados aos preconceitos, não se preocuparam em conhecê-la a ponto de entender o que ela realmente priorizava. Em vez disso, tentavam sempre excluí-la, fazendo com que se sentisse uma forasteira. Ele casara-se sem consultá-los — ou mesmo convidá-los para o casamento — e a culpavam por isso. Para eles, casara-se com ele às pressas, para pôr logo as mãos no dinheiro. Eles não a queriam para Rico, e o demonstravam abertamente.

Ele rugiu como um tigre ameaçado, e os olhos projetaram um brilho estranho. — Madre de Dio. A vida de minha irmã está por um fio, e você fica espinafrando a minha família?

Calou-se, chocada com a notícia de que Chiara tinha se ferido seriamente.

— Ela corre risco de vida? — Agora entendia os sinais de fadiga extrema que ele mostrava. Adorava a irmãzinha. — Ela está muito mal?

Fechou os olhos e respirou profundamente. — Ontem nos disseram que ela não vai morrer, mas que o dano no cérebro — disse, encolhendo os ombros — só poderá ser avaliado quando acordar. Até agora, só disse algumas palavras. — Tinha a expressão cada vez mais compungida. — Como pode ver, a crítica em relação a minha família veio em má hora.

— Não falei mal de sua família — disse quase sem voz, sufocando o instinto natural de defender-se da acusação. Ele não fazia a menor idéia da verdadeira situação. Era incapaz de enxergar a família como era na realidade. — Somente sobre meu relacionamento com eles. E não tinha a menor idéia de que a vida de Chiara estava por um fio.

— Ela está em coma há mais de duas semanas. Sofreu uma operação no cérebro...

Totalmente perturbada pela notícia, Stasia chegou a estender a mão em um gesto instintivo de solidariedade para depois baixá-la, ao defrontar-se com o olhar duro e frio.

Aquele olhar dizia tudo.

Não toque.

Afaste as mãos.

Não tinha sequer o direito de oferecer-lhe algum consolo.

Não que Rico fosse homem que esperasse consolo de alguém. Simplesmente, não permitia esse tipo de intimidade.

Nem mesmo a sua mulher.

Ela cansou-se da total indiferença que ele demonstrava com sua presença.

Nem sempre foi assim. Em muitas ocasiões, viera a seu encontro. Tinha sede dela, fome dela. A obsessão era como um alimento afrodisíaco.

Mas ela não queria pensar nisso agora. Pensar no relacionamento com Rico seria o caminho rápido para a autodestruição. E, definitivamente, não queria mais saber disso. Na verdade, não se importava mais.

Decidiu manter a calma, exercitando o autocontrole que fora forçada a desenvolver para conviver com a família de Rico.

— Sinto muito, de verdade, o que aconteceu com Chiara e, naturalmente, vou ajudar em tudo o que puder, embora não compreenda porque você quer minha presença lá.

Chiara tinha deixado perfeitamente claro que Stasia não era bem-vinda como membro da família.

Rico passou a mão na nuca e suspirou fundo, fazendo um grande esforço para se pronunciar.

— Ela tem chamado você...

Stasia olhou-o surpresa, os olhos verdes arregalados. Chiara perguntar por ela não parecia lógico.

— Chiara me chamou? Você deve estar brincando! Foi um erro falar desse jeito.

— Dio. Você, que sempre me acusou de levar a vida muito seriamente! Pareço estar brincando? — Os olhos faiscavam naquele rosto lindo, e ela recuou involuntariamente, assustada com a violência da reação.

É claro que não estava brincando. Tinha certeza do grau de estresse a que estava submetido. Era tão raro Rico revelar o que sentia, demonstrar qualquer vestígio de perda de controle, que por um momento ficou estática.

— É difícil acreditar que ela tenha perguntado por mim...

Ele reagiu violentamente àquela desculpa esfarrapada.

— Achei que tínhamos concordado em não remexer nas feridas antigas — disse rispidamente, enquanto andava pela sala, abaixando-se para não bater com a cabeça na viga do teto. Olhou para cima achando incrível que alguém tivesse projetado uma casa como aquela. — Essa casa é uma verdadeira armadilha.

— Certamente, não foi projetada para alguém de seu porte — murmurou, desejando que ele fosse embora. Ocupava quase inteiramente aquela saleta com os ombros largos e a força da personalidade, e tudo que levara meses para esquecer vinha-lhe de novo à mente.

Como do jeito que se sentiu ao beijar-lhe o pescoço bronzeado. E a reação imediata dele deslizando-lhe as mãos pelas costas e beijando-a. O beijo de Rico era uma forma de arte.

As lembranças enchiam-lhe a cabeça, aumentando a urgência desesperadora de que ele fosse embora o quanto antes. Antes que esquecesse que esse era o homem que destruíra seus sonhos. Antes que esquecesse que já não sentia mais nada por ele.

Mas ele não demonstrava nenhum sinal de ir embora. Ao contrário, permanecia em pé com as pernas afastadas, determinado a desafiar quaisquer obstáculos e sua mal disfarçada hostilidade.

— Desde que se acidentou há duas semanas, recobrou a consciência uma vez, e seu nome foi a única palavra que falou. O seu nome. Este fato com certeza o irritava e não fez nenhum esforço para esconder a contrariedade pela situação em que agora se encontrava. — E, independente do que possa pensar, Chiara gostava muito de você.

Stasia fitou-o atônita, intrigada. Como um homem de inteligência tão aguçada podia ser tão cego em relação à família?

Ela deveria dizer que Chiara podia tudo, menos gostar dela. Deveria repetir as conversas penosas que tiveram enquanto ele se fechava em seu império de negócios globais incrivelmente bem sucedidos, deixando-a à mercê da família.

Chiara a odiava.

A adolescente rejeitou-a a partir do momento em que se casaram, e teve um papel decisivo na destruição do maldito casamento.

Rico adorava a irmã. E Stasia achou que não lhe competia dizer-lhe a verdade; não queria ser responsável por criar uma rixa na instituição siciliana conhecida como "a família".

Por mais que tentasse, não entendia o que levara Chiara a perguntar por ela. Nada entendia sobre mentes em estado inconsciente.

Culpa?

Um desejo subconsciente de desculpar-se? Uma súbita consciência do erro?

Alguém tossiu discretamente na porta de entrada e Rico virou-se, visivelmente irritado com a intromissão.

— Enzo está ao telefone, senhor. — O guarda-costa tentava justificar-se. — O avião está pronto para decolar.

Rico respirou fundo e virou-se para ela, de modo decidido e impaciente.

— Precisamos ir. Tenho que voltar ao hospital. Já perdi muito tempo vindo aqui pessoalmente.

Uma atitude de que claramente se arrependia. Dava a impressão de que preferia estar em qualquer lugar, menos naquela saleta apertada com uma mulher que desprezava. Stasia tinha certeza de que se ele acreditasse que alguém mais poderia persuadi-la a embarcar naquele avião, teria delegado essa missão. Mas sabia que ela não seria facilmente convencida. Não teve outra opção senão negociar ele mesmo.

Com toda certeza, esperava que ela o acompanhasse.

Depois de tudo o que acontecera, realmente esperava que ela o acompanhasse.

Lamentou ter desligado o telefone. Ao menos ficaria avisada da chegada intempestiva. Poderia ter-se preparado mentalmente para o choque e a dor de voltar a vê-lo.

Se soubesse o que estava por vir, poderia ter-se escondido.

Poderia mesmo?

Se Chiara tivesse perguntando por ela — se estivesse tão ferida como Rico dava a entender — como poderia recusar-se a ir?

Como poderia negar à garota a oportunidade de desculpar-se se era isso o que queria?

Molhou os lábios, sabendo que não se perdoaria caso algo acontecesse a Chiara e tivesse se recusado a visitá-la. A garota tinha-se mostrado incrivelmente cruel, mas estava disposta a perdoá-la. Nunca deixou de ter esperança de que um dia Chiara teria a coragem de contar a verdade.

Mas como podia voltar para o lugar onde tudo aconteceu? E encarar a família que a detestava e a julgava tão inadequada para Rico?

Fechou os olhos aceitando o inevitável. Enfrentar o inimigo lhe faria menos mal que enfrentar a própria consciência se o inevitável acontecesse, e ela não a tivesse visitado.

— Dê-me cinco minutos para arrumar uma maleta. Rico respirou fundo e relaxou. Foi aí que ela teve certeza de que ele esperava uma batalha. Abafou um sorriso cínico. Obviamente, ele não fazia a menor idéia de que há muito perdera o gosto por batalhas.

— Não precisa arrumar nada. Você deixou tudo lá quando foi embora.

— Deixei tudo porque não precisava de nada daquilo.

Encarou-o com uma mensagem clara nos olhos. Nunca tive interesse em seu dinheiro, e me surpreende que não saiba disso.

A única coisa de que precisou algum dia era ele, pensou triste, mas ele nunca entendeu. Sempre acostumado a mulheres que fariam tudo para ter acesso a sua conta bancária ilimitada, ficava totalmente confuso com a indiferença que demonstrava por sua incomensurável riqueza.

Para um homem guiado por dinheiro e poder, algo simples como o amor era tão difícil de entender como uma língua estrangeira. E quanto mais jóias e presentes extravagantes lhe dava, menos ela se sentia sua mulher, e cada vez mais como amante. Parecia que ele a estava pagando pelo sexo.

Mas tudo pertencia ao passado. Deu uma olhada no jeans manchado de tinta.

— Ao menos me deixe mudar a roupa.

Não estava nem um pouco preocupada com o que a família de Rico pensaria dela, mas nem ela admitiria cruzar a porta do hospital com mais tinta que na tela que pintou.

— Você pode trocar de roupa no avião — respondeu sem pestanejar, indo em direção à porta, totalmente seguro de si, como sempre. Um homem acostumado a mandar.

E ela tinha que agüentar isso. Apenas por causa de Chiara.

Balançou a cabeça, exasperada consigo própria. Era independente sob todos os pontos de vista. Mas quando Rico estalava os dedos, lá ia ela. Todas as vezes. Quase sempre para a cama.

Mas não dessa vez.

Nunca mais.

Fechou os olhos, estupefata com o que estava prestes a fazer. Podia um alcoólatra empregar-se em um bar? Podia um viciado em drogas cercar-se de substâncias ilegais? Mesmo assim, estava prestes a seguir o homem que a fizera esquecer quem ela era.

Devia estar louca.

Sofrer a tortura de estar perto de Rico por causa de uma adolescente que nunca lhe demonstrara a menor amizade.

Certa de que Rico a observava com impaciência, caminhou em direção à porta, sentindo as mãos frias e o coração disparando.

— Tudo bem. Mas vai ser uma visita curta — murmurou, com os olhos verdes olhando-o fixamente, para que não se esquivasse do assunto. — Vejo Chiara, fala com ela, vou embora. E deixe o avião aguardando para me trazer de volta.

Em circunstâncias normais, optaria por sair da Itália descalça. Mas aquela não era uma circunstância normal, e ela queria passar o mínimo tempo possível na companhia da família dele.

—Pode ter certeza de que não tenho intenção de prolongar sua estada além do necessário.

Claro que não tinha. Ódio e sofrimento mesclavam-se dentro dela. Devia ser tão difícil para ele como para ela. Ele não escondia que cometera um enorme erro ao casar-se com ela. Ela não era o tipo de mulher que queria ter permanentemente a seu lado. Somente na cama. Ou em qualquer outra superfície plana.

Tentava ignorar a intensa onda de dor que sentia, e pegou as chaves e a bolsa. Por um breve momento, os olhos esbarraram nos ombros largos, expostos em sua plenitude embaixo da roupa de corte perfeito. O corpo era tão espetacular que se apaixonou à primeira vista. Vestido, o homem já era deslumbrante, mas quando tirava a roupa...

A repentina lembrança da pele lisa e bronzeada, dos músculos vigorosos e dos pêlos escuros do corpo másculo invadiram-lhe o cérebro. Sacudiu a cabeça, tentando afastar a imagem sedutora gravada em sua mente.

Como se adivinhasse, ele virou-se, e os olhos de ambos cruzaram-se com violenta cumplicidade, intensificando as imagens.

Labaredas de fogo pareciam consumi-los. Ela deu um passo à frente, reagindo instintivamente à atração selvagem que ainda sentia.

Por um breve momento, os olhos negros de Rico pareciam estar em chamas logo extintas, só restando o gelo.

Queria morrer, e permaneceu imóvel ao perceber o desdém emanado pelo olhar frio, rememorando tardiamente as duas lições que tirou do casamento com Rico.

A atração, mesmo sendo poderosa, era uma base instável e precária para sustentar um relacionamento.

Amar alguém com todas as forças do coração não significava felicidade eterna.

 

— Fique à vontade para usar o banheiro. Você sabe onde fica.

Rico estava esparramado no assento de couro creme, o laptop ligado e papéis espalhados pela mesa. Como de costume, estivera colado ao telefone a partir do momento em que começaram a voar, e raramente olhara em sua direção desde que ela se sentara e afivelara o cinto.

Nada mudara.

Stasia fechou os olhos, sentindo-se traída pela indiferença e furiosa consigo mesma por se importar. Ela não se importava. Não mesmo. Era apenas o choque de vê-lo.

E é claro que sabia onde ficava o banheiro. Ficava ao lado do quarto. O mesmo quarto para onde um dia ele a carregara, rindo, e louca de amor. O mesmo quarto onde fizera amor com ela durante todo um vôo.

Seus olhos abriram-se e fixaram-se na porta ao fundo do suntuoso avião particular.

Ela gastara doze dolorosos meses tentando esquecer tudo. Tentando se libertar da agonia de gostar e desejar que a dilacerava em momentos inesperados. Entrar naquela porta arruinaria o pouco progresso?

Que diabos! Era só um quarto, pensou. Levantou-se com determinação, andando até o fundo do avião sentindo o espesso carpete creme. De qualquer modo, não precisava chegar perto daquele quarto. Poderia simplesmente lavar a tinta e tornar-se decente o suficiente para encarar a crítica e dependente família dele.

Rico estava novamente ao telefone. Ela parou com a mão na maçaneta, enquanto escutava.

Quando o encontrou pela primeira vez, adorou ouvi-lo falar italiano.

Pouco importava o que dizia. Poderia ler as páginas de finanças do jornal e, ainda assim, o som da voz fazia seu estômago revirar e o corpo tremer.

Rico falando italiano era pura sedução.

Sem querer reviver o início do relacionamento, em que predominava a mais inacreditável excitação sexual, abriu a porta da suíte e se trancou no elegante banheiro.

A única maneira de sobreviver aos próximos dias seria lembrar-se dos motivos pelos quais tudo terminara.

Olhou-se no espelho, percebeu o borrão de tinta sobre a sobrancelha direita, e sorriu de modo irônico.

Não parecia nada com a esposa de um dos mais conhecidos homens de negócios do mundo.

Esse era provavelmente o motivo pelo qual estavam atravessando a agonia de um divórcio, pensou entorpecida, abrindo a torneira e jogando água gelada no rosto na tentativa de remover a tinta e diminuir a cor das bochechas coradas.

Ela não combinava com ele.

Mas não fora isso que tinha atraído Rico?

O fato de ser diferente das habituais modelos e atrizes?

Ele sentira-se atraído por ela ser diferente, mas foram justamente essas diferenças que nos últimos tempos os afastaram.

Pegando a toalha, secou o rosto e estudou seu reflexo. O que Rico tinha visto nela naquele dia em Roma? O que o havia feito aproximar-se dela? Apesar da resolução de não pensar nisso, a mente divagava.

Ela estava equilibrada em um andaime, trabalhando em um painel que fora encarregada de pintar na parede do foyer. Como acontecia quando desenhava ou pintava, estava tão absorta na atividade que só ao terminar a tarefa se dera conta de estar sendo observada.

Olhou para baixo e quase caiu.

Em um país habitado por homens muito atraentes, ele era o homem mais incrivelmente sexy que j á tinha visto. Indiscutivelmente italiano, com uma beleza de tirar o fôlego, fitava-a com olhos escuros e penetrantes, avaliando cada centímetro de seu corpo de maneira tipicamente masculina.

— Está tudo o.k.? — Seu italiano era vergonhosamente ruim, então usou o inglês esperando que ele a compreendesse.

Desde que começara a pintar o painel na parede do foyer da matriz da Corporação Crisanti, muitas pessoas haviam passado e parado para observá-la sem que ela se sentisse nem remotamente desconfortável. Mas nenhuma mulher deixaria de notar aquele homem. Ele era extremamente atraente, e ela se conteve para não babar quando os olhos de artista percorreram a estrutura perfeita e rosto forte e simétrico. Se tivesse um lápis à mão teria imediatamente o desenhado. Teria sido um exercício frustrante, deu-se conta de modo sonhador. Nenhum esboço de duas dimensões seria capaz de transmitir a força e poder do homem a sua frente.

Parecia um deus, confiante e todo poderoso. Algo na maneira calma e firme de observar a deixava excepcionalmente nervosa.

Percebendo que o local estava cheio para aquele horário, olhou para os acompanhantes, observando os portes e a respeitável distância mantida, e deu-se conta de quem era o homem a observá-la tão detidamente.

Apressadamente desceu a escada e limpou a palma da mão no jeans antes de estendê-la.

— Sou Anastasia Silver. Fui contratada para pintar seu painel.

Seu painel...

Ela encolheu-se ao ouvir-se falar. Como se alguém na posição do Rico fosse se importar em saber quem estava decorando o prédio de seu escritório. Sem dúvida deixava decisões como essas para meros mortais, e concentrava a lendária inteligência na obtenção de mais alguns milhões para aumentar sua já considerável fortuna.

A mão fechou-se sobre a sua, e ela quase perdeu a respiração diante da força daquele aperto. Ciente de que o olhar dele havia se dirigido para a parede que estivera pintando, acompanhou o olhar e, vendo através dos olhos dele, recuou horrorizada. Em condições ideais, gostava de trabalhar os projetos a sós até que estivessem terminados. Nesse caso, não fora possível.

— Você provavelmente está achando horrível já que nesse estágio sempre causa essa impressão. É difícil imaginar como ficará quando terminado. A preparação é tão importante quanto a pintura final. Eu... seu arquiteto aprovou os desenhos e cores dos esboços — ponderou sem jeito, ciente de que ele olhava-a fixamente.

— Você é sempre tão tensa? Se for, estou admirado que consiga segurar um pincel — murmurou dando um sorriso inesperado. — Relaxe, sita. Silver. Estou gostando do que está fazendo na minha parede.

Sua parede.

Soava íntimo. Pessoal. Como se a parede fosse parte dele.

Abalada pelo sedutor charme do sorriso, Stasia sentiu os joelhos tremerem e ficou corada.

Sem gostar nem um pouco de sentir-se assim, mordeu o lábio e recuou, repentinamente se dando conta de como devia estar desarrumada.

— Estou coberta de tinta.

Levou a mão ao rosto que queimava odiando-se por ser tão estabanada quando deveria parecer calma.

— Devo estar completamente desarrumada.

O sorriso era o de um homem que sabe que as mulheres se preocupam com a aparência na presença dele.

— Não está desarrumada, e gosto muito do seu cabelo — assegurou-lhe gentilmente, percebendo-lhe o extremo desconforto. — As várias tonalidades do dourado e do cobre mescladas me lembram a Inglaterra no outono.

Os olhos negros analisavam-lhe o cabelo como se determinado a memorizar cada mecha.

— Além das partes salpicadas de branco... Sentindo uma quentura mortal espalhar-se pelo corpo, Stasia passou os dedos pelas mechas em desalinho.

— Sairá ao lavar.

Uma sobrancelha escura ergueu-se.

— O outono dourado? Espero que não saia.

— As manchas brancas — murmurou olhando à volta, imaginando o que estariam pensando dessa conversa ridícula. — A primeira coisa que faço à noite é me livrar da tinta.

Ele balançou a cabeça com o olhar subitamente pensativo.

— Eu adoraria vê-la sem tinta, srta. Silver. Jantará comigo esta noite.

A arrogante certeza de que aceitaria ultrajou-a. Ainda assim seu corpo tremia.

— Talvez esteja ocupada.

Ele sorriu. Era o sorriso de um homem totalmente confiante em si.

— Às oito horas. E você não estará ocupada.

Ainda incrédula de que Rico a chamasse para sair, Stasia ficou sem ar.

— Seguro de si, não? — levantou a sobrancelha debochando. — É herança de seus ancestrais romanos? Me pergunto se tem a mesma necessidade de conquistar, pilhar, saquear...

— Depende do prêmio. — Os olhos negros pousaram fascinados em sua boca. — E não sou romano, srta. Silver. Sou siciliano, e temos um modo muito , distinto de fazer as coisas.

Sem aguardar a resposta, finalmente parou de olhar sua boca e caminhou pelo foyer em direção ao elevador, seguido a uma relativa distância pelos subordinados.

Stasia seguiu-o com o olhar. Ficou em silêncio sem acreditar no que ocorrera. Não era romano. Siciliano.

Rico Crisanti, um dos homens mais ricos e poderosos do mundo, queria jantar com ela.

O coração saltou e a imaginação vagou.

Então a realidade interveio.

O que um homem como Rico ia querer com ela?

Comparada às mulheres ricas e sofisticadas a que estava acostumado, ela era muito inferior.

Ficou boquiaberta diante de tamanha arrogância. Simplesmente assumira que ela gostaria de passar a noite com ele.                                                            

Mas que mulher seria capaz de recusar?                  

Diante da enorme tentação, Stasia recordou-se de que ele nem havia perguntado onde ela morava, sendo muito provável que não aparecesse às oito. E se aparecesse...

Subiu novamente no andaime, e tentou continuar o desenho na parede, ignorando ter perdido a concentração e a firmeza da mão.                                          

Se ele aparecesse, diria que não jantava com estranhos.                                                                      

Trazendo com dificuldade a mente de volta ao presente, Stasia tomou banho e, rapidamente, ajeitou o abundante cabelo cor de cobre.  

Em seguida, abriu o armário.

Havia várias roupas de grife, todas bem formais e não muito de seu gosto, mas no fundo da arara encontrou um vestido simples de linho pêssego. Simples, contudo caro, pensou ironicamente ao olhar a etiqueta. Estava longe de ser seu estilo de vestir-se: simples e bem colorido. Ou se vestia assim, ou colocava o jeans manchado de tinta. Resolveu botar o vestido. Uma olhada minuciosa no espelho convenceu-a de que estava bem.

Parecia elegante e classuda.

Uma caçador a de fortuna?

Mordeu o lábio. Era tarde para novamente se preocupar com o que a família dele pensava. Tarde demais.

Deixou o luxuoso banheiro de cabeça erguida, e sentou-se novamente no assento de couro creme.

Rico ainda estava ao telefone, e ela cerrou os dentes lembrando quantas vezes ameaçara jogar o telefone fora. Olhou pela janela sentindo-se cada vez pior ao imaginar o encontro que a aguardava.

Não encontrara Chiara desde a noite fatídica há um ano.

Deu-se conta de que Rico parará de falar, e sentara-se no assento a seu lado.

— Desculpe-me por abandoná-la desta forma — disse calmo, esticando a mão para pegar o drinque preparado pela comissária de bordo. — Tinha que fazer algumas chamadas. Esse vestido lhe cai bem.

O elogio inesperado surpreendeu-a. Quando ele roçou o ombro no seu, teve que se controlar para não pular. Sentiu a tensão espalhando-se pelo corpo assim como a exagerada batida do coração à medida que o corpo reagia à proximidade dele. Sentiu o atordoante cheiro de macho, e de repente todos seus sentidos despertaram. Ele era sua fonte de energia. Um único toque fez com que seu corpo fosse tomado por uma enorme pulsão sexual.

Com raiva de si mexeu-se no assento.

O que estava acontecendo com ela?

Como poderia desejá-lo sabendo o tipo de homem que era? Sabendo que só a queria na cama?

Nem uma única vez, durante todo o relacionamento, havia dito que a amava. Como pôde então imaginar — mesmo que por um curto período — que o faria?

Por causa da maneira como a havia abraçado e tocado, pensou entristecida. Durante curtos períodos de felicidade, confundira o toque de um homem apaixonado com o de um amante habilidoso. Não era a mesma coisa, como descobriu a duras penas.

Discretamente, moveu-se a fim de que os braços não mais encostassem e o fitou tentando parecer tão indiferente quanto ele.

— Sabemos que não se trata de uma visita social

— replicou com o tom de voz tão frio quanto o dele.

— Não espero que me distraia nem quero interromper seus negócios. Nunca quis quando éramos casados. Acabei aceitando que você já era casado com o celular. Por que esperaria agora algo diferente?

Para Rico, os negócios vinham em primeiro lugar.

— Não me importune, Stasia. — Olhou-a friamente. — Não estou no clima, e como não podemos mais resolver nossas diferenças na cama não vejo nenhum motivo para provocações.

A mera menção à cama fez com que o estômago revirasse e, contra vontade, os olhos buscaram a boca delineada. Ele a calara com beijos mais vezes do que gostaria de se lembrar. Quando ambos eram devorados pelas chamas da raiva, o sexo extinguia a ira deixando-os exaustos.

Fora o único meio de comunicação. Só que não falavam a mesma coisa. Ela dissera: Eu te amo. Ao passo que ele dissera: Eu te desejo.

Os olhos procuraram os dele.

— Não estou incomodando.

— Está sim. Com o brilho dos olhos verdes e a cada palavra não dita.

Algo mudou em seu modo de olhar.

— E não se tratava de trabalho. Para sua informação, o primeiro telefonema foi para um neurocirurgião especializado em traumas cerebrais. Queria sua opinião a respeito da possibilidade de ter havido lesão cerebral, e me certificar de que nenhum procedimento tinha sido deixado de lado. O segundo foi para a amiga que visitava no momento do acidente, e o terceiro para o hospital na Sicília. Fiquei longe por quase todo o dia; queria estar atualizado.

— Sicília? — Olhou-o espantada. Pensamentos desagradáveis foram desviados de sua mente devido ao abrupto choque que a última declaração provocara. — Estamos indo para a Sicília?

Ele franziu a sobrancelha.

— Si, para onde pensava estarmos indo?

— Roma. — Levou a mão à garganta sentindo a rápida pulsação sob os dedos. — Pensei que íamos para Roma.

Ele tinha escritórios em vários lugares do mundo, mas a matriz da empresa ficava em Roma, onde ele passava grande parte do tempo.

Ele deu de ombros como se o mal-entendido não fosse importante.

— Você entendeu mal. Chiara estava na Sicília no dia do acidente. É para lá que vamos.

De volta ao local onde seus sonhos nasceram. De volta ao lugar de felicidade plena. Seria o mais cruel insulto que ele poderia planejar e, por um momento, perguntou-se se ele arquitetara tudo. Será que a odiava tanto que conscientemente lhe causaria tanta dor?

— Não quero ir à Sicília!

As palavras escaparam-lhe. Fechou os olhos blasfemando-se pela impetuosidade que sempre a fazia revelar demais. Se fora intenção dele magoá-la, acabara de dar-lhe a satisfação de saber que fora bem-sucedido.

— Por que não quer ir à Sicília? A consciência a incomoda, Stasia? Está lembrando o começo da nossa relação? Tudo que disse sem querer? Todas aquelas palavras de amor sem sentido?

Sem sentido?

Afastou-se, perguntando-se como um homem tão inteligente podia ser tão cego.

As semanas que passaram na Sicília em lua-de-mel haviam sido as mais felizes de todo o relacionamento, e ela confiara cegamente nele. Abrira o coração sem reservas.

Somente agora percebia como havia sido tola.

Tão ingênua e crédula.

Rico nunca desejara o mesmo que ela. Não fora capaz de lhe dar o que mais ansiara.

— Talvez devesse tê-la trancado na Sicília — disse de modo ácido. — Dessa forma não teria tido oportunidade de seguir sua busca incessante por novidades.

Virou-se com visível dor e desprezo.

— Nunca fui infiel.

Ele inflamou-se tão rapidamente que ela recuou chocada.

— Encontro você no quarto com um homem nu e espera que acredite na sua inocência? — Inclinou-se em sua direção. A voz não passava de um murmúrio de macho primitivo, e feixes de luz destacavam os espantosos ângulos da face. — Você era minha esposa. Nem ao menos se defendeu. Isso não a torna culpada?

Estava cega de raiva.

— Vi como me olhava. Não havia a menor possibilidade de uma conversa racional. Mas deveria me conhecer o suficiente para saber que nunca o trairia. Jamais deveria ter pensado isso de mim, Rico!

Voltou-se para ela como um animal ferido.

— Dio, você era minha, e vi quando ele a beijou.

Uma olhadela e assumira saber tudo. Era tão primitivo e possessivo que não pensou que poderia haver outra explicação para aquela cena.

Na época estava tão chocada e apavorada que foi incapaz de defender-se. Parte dela pensara que inocentes não precisavam de defesa. Esperou que Chiara contasse a verdade, mas a adolescente apenas sorrira e voltara para o quarto deixando a decisão a Stasia.

Deveria contar a verdade?

Confusa, magoada, acabou indo embora achando que necessitavam de tempo para se acalmarem. Foi embora no meio da noite levando somente o passaporte.

Mas, em vez de considerar a partida como um tempo para esfriar as emoções, ele concluiu que era uma prova de culpa.

Quando estava tranqüila o bastante para engolir o orgulho e telefonar, ele bloqueou suas chamadas.

Não acreditara nela, e ela não conseguira perdoá-lo. Sabia que não poderia viver com um homem assim. Havia sido o fim de um casamento que já demonstrava sinais de tensão. Comunicaram-se através dos advogados.

Stasia tentou desabotoar o cinto de segurança com mãos trêmulas.

Ele olhou-a de modo severo.

— Que diabos está fazendo?

— Me afastando de você. Errei ao vir. Não vejo como minha presença possa ajudar Chiara. Estou certa de que a última coisa que precisa é de um clima tenso, e é o que terá caso estejamos juntos.

— Não vai a lugar nenhum. — Dedos longos e fortes fecharam-se sobre os seus impedindo-a de se soltar. — Já vamos pousar. Deixe o cinto afivelado.

— Quero ir para casa. Até lá pretendo ficar no banheiro. Não quero respirar o mesmo ar que você. — Tentou livrar-se das mãos em vão.

— Dio, fique quieta!

— Quero que diga ao piloto que dê meia volta com esse brinquedinho e leve-me para casa.— Ainda lutava, mas sem convicção de que conseguiria se libertar. — Não vou a lugar algum com você.

— Já concordou em ir ao hospital — recordou-lhe.


Odiava-o por ser tão frio e insensível. Por não acreditar nela. Por não amá-la.

— Para visitar sua irmã sim, mas não para ser insultada por você. Já fui atacada demais por sua família.

Ele inspirou e ela sabia, pelo perigoso brilho dos olhos, que ele tentava não perder a cabeça. Sempre se orgulhara de manter o controle. Exceto com ela. Com ela, cuspia fogo. Não se controlava. Era como ver um vulcão inativo subitamente entrar em erupção. Mas o temperamento dele nunca a assustara. Por estranho que parecesse, era reconfortante saber que Rico era capaz de demonstrar emoção, mesmo raiva. Ao menos algo o tirava do sério.

— Em primeiro lugar, estamos obviamente indo para a Sicília já que é lá que Chiara se encontra. Olhou-a com evidente impaciência. — Apesar da sua péssima avaliação a meu respeito, me importo com minha família.                                                                                                                

Stasia gelou. Havia sido a obsessão pela família, devido à forte herança siciliana, que o impedira de ver a verdade. E fora o mesmo amor profundo pela família que a impedira de contar a verdade sobre a irmã dele. Como poderia abalar suas ilusões?

— Nunca duvidei do amor que sente por sua família. Você ligou para o hospital. Alguma mudança?

O olhar era tão desdenhoso quanto frio.

— Por que está perguntando se você não se importa?

Stasia estava pasma. Ela se importava. Importara-se quando ficou evidente que a família achou que ele errara casando-se com ela. Os primeiros comentários maldosos a respeito de seu interesse pelo dinheiro dele a deixaram muito chateada e incapaz de sentir prazer ao receber de Rico inúmeros presentes. Parou de usar as jóias com que ele constantemente a presenteava, incapaz de suportar o olhar da mãe e da irmã. Ao usá-las dava crédito às suposições a seu respeito.

— Me importo. — Subitamente, parecia importante dizê-lo para ao menos esclarecer aquele assunto.

— Se realmente acredita nisso, é uma prova de que não me conhece nem um pouco. — Os olhos escuros confrontaram os seus.

— Percebi quão pouco a conheço pouco tempo atrás — disse em um tom implacável. — Infelizmente, não me dei conta antes de me casar com você. Se conhecesse sua natureza jamais a teria convidado para morar comigo. Assim não teria a oportunidade de corromper minha irmã e levá-la a boates, mesmo sabendo que a proibia expressamente de freqüentar aqueles lugares. Só Deus sabe o que mais encorajou-a a fazer.

A acusação era tão injusta e distante da verdade que apenas olhou-o.

— Está tão equivocado, Rico.                            

Prometeu que não desperdiçaria mais energia tentando defender-se, mas seu senso de justiça não permitia que se calasse.                                                

— Um dia irá ajoelhar-se e implorar meu perdão.

— Basta! — retrucou rispidamente com semblante agressivo. — Você foi pega, minha linda esposa. Admita que errou, e talvez possamos seguir adiante.

Seguir adiante?

Para onde?      

Lágrimas surgiram-lhe nos olhos, e virou-se em direção à janela, desesperada por recompor-se antes que ele percebesse seu sofrimento. Não queria dar-lhe a satisfação de saber quanto a magoara.

Era suficientemente honesta para reconhecer que o fim da relação não ocorrera somente por culpa da irmã manipuladora. Se fossem de fato um casal — se houvesse algo mais na relação do que só sexo — jamais teria duvidado dela. Forçada a reconhecer que o relacionamento estava fadado ao insucesso desde o começo, afundou no assento, e ele imediatamente soltou suas mãos.

— Pousaremos em dez minutos e vamos direto ao hospital.

Stasia respirou fundo pensando que não tiraria nenhum proveito em prender-se ao passado. Precisava enfrentar o presente e voltar para casa. Tentando acalmar-se manteve a conversa no presente.

— Como ocorreu o acidente?

— Ela estava na propriedade de uma amiga. — Rico descansou a cabeça no assento e fechou os olhos como se assim ficasse mais fácil relatar o difícil assunto. — Estavam cavalgando. Algo assustou o cavalo que saiu da estrada. Chiara caiu. Não usava proteção na cabeça.

Stasia agitou-se ao imaginar a cena do acidente. Olhou os cílios grossos e escuros, a pele bronzeada, a boca firme e as perfeitas linhas do rosto. Com os olhos fechados parecia mais humano. Menos ameaçador e mais vulnerável.

Mais parecido com o homem por quem se apaixonara.

Como se sentisse o olhar, abriu os olhos, e Stasia desviou os seus lembrando-se de que não havia nada de vulnerável em Rico.

Precisava falar algo. Diferentemente dele não conseguia trancafiar as emoções.

— Apesar do que aconteceu entre nós, quero que saiba que sinto muito por Chiara. Deve ser muito difícil para você. Não ter informações, a espera... — Olhou-o e achou ter visto um sorriso irônico.

— Não é meu ponto forte, como bem sabe — disse lentamente, olhando o relógio enquanto o avião taxiava. — Chegamos. Devo avisar-lhe que toda minha família estará no hospital. A atmosfera está bem pesada. Desnecessário dizer que sua presença dificilmente será recebida com entusiasmo.

O lembrete de que a família a odiava caiu como uma ducha fria, apagando qualquer tentativa de aproximação.

— Você me pediu para vir.

Ele suspirou passando os dedos no cabelo liso e sedoso.

— Si, não tive escolha. Chiara pediu que você viesse.

Os olhos escuros e tempestuosos confrontaram-se com os dela como um sinal de alerta.

Mas nem toda a minha família tem a mesma opinião que eu. Peço que mantenha as opiniões para si.

Em outras palavras, não deveria se exceder. De repente, percebeu como devia ser difícil para ele. Não apenas por Chiara, mas por causa dela. Ele a cortara da vida. Para ele, passara a ser um nome em documentos legais. E agora novas circunstâncias forçaram-no a trazê-la de volta à sua vida. E ele claramente estava odiando isso.

— Sua família pode não me aprovar. Isso é problema deles e não meu — disse com dignidade. — Você pediu que eu viesse. Não pode esperar que mude minha personalidade.

Ele esbravejou.

— Não estou pedindo que mude sua personalidade! Apenas que demonstre um pouco de sensibilidade. Estão bastante estressados com a condição de Chiara. Não precisam de mais pressão.

Esse não seria um encontro feliz. Com esse horrível pensamento, desafivelou o cinto de segurança seguindo-o até a parte dianteira da aeronave.

 

Foram do aeroporto ao hospital sem trocar uma palavra.

Novamente, Rico estava colado ao celular, as mãos finas movendo-se enfaticamente enquanto falava em italiano. Na frente, o motorista e o segurança sentados em absoluto silêncio.

Stasia sabia que outro carro com seguranças os seguia. O status de Rico tornava essas precauções necessárias, e ela se acostumara a ter companhia durante o breve namoro e os seis meses de casamento. Até se divertira, comportando-se escandalosamente por saber que estavam sendo vigiados praticamente todo o tempo.

Para sua surpresa, evitaram a entrada do moderno hospital. O motorista cruzou algumas ruas laterais antes de estacionar num beco. Havia uma saída de incêndio no final, e em cima, uma porta.

— Por que vamos por esse caminho?

— Porque todas as entradas convencionais do hospital estão repletas de paparazzi — explicou Rico, enquanto a conduzia pela estreita passagem. — Esse caminho leva a um corredor perto da UTI. Por enquanto, a imprensa não o descobriu.

A salvo dentro do hospital, caminhou decidido pelo corredor e parou do lado de fora da UTI, a ansiedade estampada em cada linha do rosto.

— Espere aqui.

Stasia ficou parada, o coração batendo com força no peito. A perspectiva de encontrar a família dele a fez respirar com dificuldade, e quando ele reapareceu e anunciou que a conduziria até Chiara sentiu alívio, já que o inevitável confronto seria adiado.

A adolescente estava imóvel, o rosto tão pálido quanto os lençóis que a cobriam. Uma contusão deixara uma mancha roxa em um dos lados do rosto, e perto dela, assustadoras máquinas piscavam monitorando-lhe os órgãos. Confrontada com a brutal evidência da tecnologia médica, Stasia sentiu um mal-estar crescente. A descrição de Rico acerca dos ferimentos da irmã não a tinham preparado para a terrível realidade.

Subitamente percebeu o quanto ele era forte. Vivia um pesadelo e, mesmo assim, conseguia funcionar. Conduzir uma empresa, dar apoio à família, convencê-la...

Sentiu lágrimas inundarem-lhe os olhos. Mesmo agora ele não demonstrava abertamente as emoções. Parecia cansado, tenso. Mas ainda não verbalizava os sentimentos. E essa era uma das diferenças fundamentais entre eles.

Quantas vezes, durante o breve relacionamento, desejou que ele falasse com ela?

Quantas vezes esperara que ele dissesse que a amava?

Mas ele nunca dissera.

Sabia agora que o motivo era nunca tê-la amado. Por um breve período a tinha desejado; agora nem isso. Ele a desprezava.

Essa era a dura realidade. As lágrimas saltaram, e as pernas começaram a tremer. Achava não ter dado um pio, mas percebeu o engano ao ouvi-lo resmungar algo. No momento seguinte, estava a seu lado, a mão pesada em seu ombro e um franzir de testa unindo as escuras sobrancelhas.

— Você está incrivelmente pálida. Está se sentindo mal? Está muito calor aqui, e a atmosfera é opressiva. Eu devia tê-la avisado.

Ela lutou contra as lágrimas, perguntando-se como ainda tinha lágrimas. Achava ter derramado todas no último ano. Em luto pela morte do relacionamento, de seus sonhos. Sentindo tanta falta dele que a dor era quase um tormento físico.

Realmente não devia pensar sobre isso agora, mas algo na atmosfera esterilizada e fria do hospital a fazia sentir mais isolada e só do que jamais se sentira. Mais consciente de como a vida era passageira e frágil.

Sentiu o gosto de sal nos lábios e limpou as lágrimas com as costas da mão.

— Lamento...

— Não lamente. — A voz dele era áspera e carregada de recriminação. — Hospitais não são lugares agradáveis, e nestas circunstâncias... — Calou-se e conduziu-a gentilmente em direção à cadeira mais próxima.

Sentou-se agradecida e olhou desconsolada para Chiara. A menina estava imóvel, totalmente alheia a tudo.

Rico deu um suspiro e sentou-se.

— Nem sempre a vida da gente segue o rumo que esperamos, não é mesmo? — O tom melancólico trazia uma emoção profunda que ela jamais o tinha visto expressar. A tensão era visível quando ele levantou a mão inanimada da irmã.

Por um momento ficou silencioso, como se tentasse se refazer. Dirigiu o olhar para a irmã.

— Stasia está aqui. — Reassumira o controle, a emoção fora embora, e por um momento, ela achou que tivesse imaginado coisas. Sentindo-se mais à vontade no próprio idioma, começou a falar suavemente em italiano, segurando todo o tempo a mão de Chiara como se tentasse transferir parte de sua força vital para a menina.

Stasia permaneceu sentada, as lágrimas bloqueadas, olhando a menina que não tentara esconder que a odiava. Era quase impossível acreditar que fosse a mesma pessoa.

Parecia uma adolescente vulnerável, e Stasia sentiu que o ressentimento se dissolvia.

Rico levantou a cabeça e a olhou, a tensão tornando seus olhos ainda mais escuros.

— Os médicos acham que ouvir sua voz pode ajudar... Fale com ela.

Stasia o olhou desconsolada. Era tão difícil. Queria ajudar, mas sobre o que devia falar? Sobre o passado? Difícil — já que todas as conversas entre elas foram hostis. Certamente, por parte de Chiara. Praticamente, desde o dia em que Stasia se casara com Rico, Chiara a tratara como inimiga.

Ciente de que Rico a olhava esperançoso, debruçou-se na cama. Se dissesse algo errado agora...

— Oi, Chiara. Sou eu, Stasia.

Fez uma pausa, como se esperasse que Chiara pulasse da cama e a esbofeteasse.

Mas a menina não se moveu.

De repente, desejou que Rico fosse dar uma volta e as deixasse a sós. Mas não havia a menor chance, é claro. Ele a julgava uma influência nociva, e jamais a deixaria sozinha com a irmãzinha.

— O que você fez? Por que não usava capacete? Talvez um garoto maravilhoso estivesse olhando e você não quis esconder os cabelos...

Percebeu o franzir do rosto de Rico, mas o ignorou. Se era para falar com Chiara, então diria coisas que fariam sentido para a garota. Algo que refletisse a pessoa que era. Seria típico de Chiara ignorar o capacete se alguém estivesse olhando.

Stasia hesitou, e delicadamente tocou o ombro de Chiara.

— Todos estão muito preocupados com você. Seu irmão até faltou ao trabalho — isso é o suficiente para entender o grau de preocupação. Você consegue se lembrar de um único dia em que ele tenha tirado folga? Você não vai querer a falência da Crisanti Corporation, portanto melhor acordar... — Continuou a falar, mantendo uma conversa leve, falando sobre banalidades até que, finalmente, Rico levantou-se bruscamente, como se não mais suportasse.

— Vamos parar agora. — A voz era áspera, e parecia terrivelmente tenso. — Está ficando tarde. Você precisa descansar.

— Prefiro ficar.

Não queria deixar a cabeceira da menina se houvesse uma chance de ajudá-la com sua presença.

— Você parece exausta. — Dava a impressão de recear que ela interpretasse a preocupação como algo doce.

Mas não havia a menor chance. Sabia o que pensava dela e que o fato de estar ali era a medida do amor dele pela irmã. Não uma indicação de algum sentimento em relação a ela. Ele não tinha nenhum. Pelo menos, nada positivo, e estava consciente de que só mesmo o desespero o levara a fazer contato com alguém por quem sentia tanto desprezo.

A certeza chocou-a.

— Hoje foi um dia estressante.

A voz estava estranhamente sem emoção e de súbito percebeu que ele tinha razão. Estava exausta. Tinha trabalhado sem parar, tentando esquecer...

— Você não mudou.

A voz dele tinha um forte sotaque e, de repente, soava muito siciliano.

— Você ainda está obcecada com o trabalho. Se dá conta de que só falava disso?

Porque não havia mais nada em sua vida. Conseguiu dar um sorriso irônico, porque sem dúvida era o que ele esperaria dela.

— E isso vindo de você? — Ele não retornou o sorriso.

— E continua falando demais.

O sorriso de Stasia apagou-se diante da lembrança amarga. Ele sempre brincava com ela sobre isso. Sobre o fato de falar todo o tempo.

— Pensei que você quisesse que eu falasse.

Ele caminhou até o pé da cama como se precisasse manter distância.

— Eu queria. Mas é o suficiente por uma noite. Suficiente para as duas. Hoje foi um dia difícil para todos nós.

Os olhos dele encontraram os seus, o olhar sombrio demonstrando o quão difícil estava sendo.

— Vou providenciar para que a levem para casa. Casa?

Engoliu a seco, sem saber se ele percebia o que dissera.

— Rico, nós dois sabemos que não é mais minha casa.

Independente disso, não queria ficar um minuto além do necessário. Estar tão próxima dele a desnorteava.

Queria aconchegar-se no peito largo, agarrar-se a ele até que ele implorasse perdão por ter jogado fora o que tinham sem tentar proteger a relação. Até que ele explicasse por que não a seguira, por que a deixara partir.

Por um momento se olharam. Depois, ele resmungou algo em italiano e cerrou os punhos.                  

— Para todos os efeitos, ainda somos casados.

Como se ela precisasse de um lembrete de que a forma de verem essa instituição era totalmente distinta.

— Vou para um hotel.

— Não.

— Rico...

— Até que ela acorde quero que fique na vila para saber onde está. Depois disso — sacudiu os ombros —, você está livre para partir.

Lutou contra a frustração tão familiar. Como de hábito, ele ditava as regras. Não levava em consideração sua opinião. Estava acostumado a mandar e a ser obedecido.

Jogou a cabeça para trás, os cabelos caindo como fogo nas costas esguias.

— Posso tomar minhas próprias decisões. Não sou um de seus empregados.

— Não. Você é minha mulher. E seria bom lembrar-se disso.

Ofegou.

— Não é hora para exibir seu machismo siciliano... — Calou-se, silenciada pelo olhar admoestador.

De repente, notou que ele sentia a mesma tensão que ela.

Ele ainda a queria. E essa consciência devia estar acabando com ele.

Se não estivesse tão zangada, tão arrasada, teria sorrido. Depois das acusações, das suspeitas, ainda desejá-la devia ser um insulto. Para um homem que exercia o controle sobre tudo, não ser capaz de controlar os impulsos físicos devia ser extremamente irritante.

Mas não tinha vontade de sorrir e sim de gritar, soluçar, bater nele.

A falta de sentido, o desperdício, só a destruíam. Não tinha que ser assim. Podia ter sido tão diferente.

— Rico...

Imediatamente ele se afastou, tanto física quanto emocionalmente. Os olhos escuros mostravam a autodisciplina tão característica.

— Se tem compromissos profissionais, telefone — disse frio. — Faça o que for preciso. Mas vai ficar na vila.

Ela não tinha mais forças. Discutir com Rico exigia baterias carregadas e as delas estavam totalmente descarregadas.

Olhou-a por muito tempo, como para assegurar-se de que ela não tencionava brigar, e fez um imperceptível aceno.

— Vou pedir que a levem para a vila.

A vila onde tinham passado tanto tempo juntos. Onde tinham sido tão felizes. Não podia acreditar que ele quisesse que ela lá ficasse. Com certeza, isso aumentaria a tortura para ambos.

Ou talvez, ele não se importasse muito.

Ajeitou os ombros.

— E você? Também precisa dormir.

Não se perguntou por que depois de tudo ainda estava preocupada com ele. Rico não era um homem que precisasse da empatia dos outros. Preferia ser visto como invulnerável.

O olhar era incontestável, proibindo qualquer acesso às emoções.                                                  

— Tenho que dar uns telefonemas. Prefiro ficar no hospital.                                                                  

Uma parte de si murchou diante das implicações da afirmativa.

Então, por isso, a mandava para a vila. Não tinha intenção de ir para lá. A constatação causou-lhe sofrimento, e ela olhou para o lado, abandonando qualquer esperança de se conectar a ele. Ele não queria sua preocupação. Não queria entrar em sintonia com as próprias emoções.

Mas por que cargas d'água a mandara para a vila?

Quatro horas depois, Rico desabava na desconfortável cadeira da sala que passara a odiar. Finalmente, decidiu que a paz da vila era mais atraente do que essa sala de espera com a presença dos parentes, bem intencionados as exaustivos. O estado de Chiara não sofrerá alteração. A mãe e a avó insistiam em ficar no hospital. A mídia ainda uivava como lobos, desesperada por uma história.

Então, por que a mandara para a vila, uma espécie de santuário em meio à tensão persistente da situação atual? Que loucura o tinha possuído?

E por que não conseguia tirá-la da mente quando a desprezava do mais fundo de seu ser? Os pensamentos deviam estar concentrados na irmã, mas não conseguia parar de pensar na única mulher que quase destruíra sua sanidade.

Fechou os punhos e, sem mais indagações, chamou o segurança e instruiu-o a buscar o carro para levá-lo para a vila.

Afundado no assento do carro, os olhos ardendo devido às noites insones, tomou consciência de que o motivo de tê-la mandado para a vila era acreditar que ela podia ir embora, se ficasse em um hotel. Era óbvio que não queria estar ali, e já tinha provado que não hesitaria em fugir quando as coisas ficassem feias. E as coisas tinham ficado extremamente feias, graças a sua predileção por garotos mal saídos da adolescência. O ciúme o atingiu, e ele fechou a cara quando a dor chegou, mais forte e poderosa do que nunca. Talvez ela tivesse tomado a decisão certa ao fugir. Na época, ele queria quebrar-lhe o pescoço, então fugir tinha sido uma sábia atitude de sua parte, embora para ele isso só confirmasse sua culpa.

Caminhou pela vila, cada músculo do vigoroso corpo preparado para brigar, mas não havia sinal de Stasia, e supôs que ela já estivesse dormindo. Estava pálida e exausta quando finalmente mandou-a embora do hospital. Foi tensão ao ver Chiara ou vê-lo? Sua consciência finalmente doía?

Dispensou os empregados, serviu-se de um drinque, e deu um sorriso desgostoso, consciente da fraqueza de homem.

Mesmo conhecendo-lhe as artimanhas, sabendo do que era capaz, ainda a desejava. Pensara odiá-la e, ainda assim, desejava-a com um desespero primitivo que ocupava-lhe cada milímetro do cérebro. O que só provava que o relacionamento deles não tinha nada a ver com a mente, e tudo a ver com o corpo, refletiu parado diante do mar, no terraço.

Gostasse ou não, Stasia estava em seu sangue. E divorciar-se não mudaria este fato. Então, quanto antes aprendesse a conviver com isso, melhor para os dois.

Era apenas uma reação à situação atual, tranqüilizou-se. Buscar relaxamento físico era uma resposta masculina natural ao estresse e tensão, e nesse ponto da vida a tensão chegava ao extremo.

Voltou os pensamentos para a irmã. A pressão de se controlar diante da família começava a pesar. Olhou a enorme piscina abaixo do terraço. Talvez devesse se exercitar para atingir o relax.

Mais tarde, decidiu, sentando-se em um dos sofás que permitiam ver a piscina e o mar.

Os médicos tinham prometido telefonar se houvesse alguma alteração. Tinha importantes telefonemas a dar. Sabia que os funcionários se empenhavam em resolver tudo, mas também sabia que o complexo império não se mantinha sozinho.

Terminou o drinque, serviu-se de outro, e ligou para o diretor financeiro que tentava fechar um acordo no escritório de Nova York.

Uma hora depois terminou a ligação e pegou o prato de carnes frias que a empregada, discretamente, colocara a sua frente.

Comeu sem prestar atenção à comida, a cabeça mergulhada na pilha de papéis que a assistente enviara. Ocasionalmente, parava para escrever uma observação ou dar outro telefonema. Passava da meia-noite quando finalmente jogou os papéis na mesa e recostou-se fechando os olhos.

A idéia de nadar tornou-se mais atraente, e levantou-se em um movimento ágil, tirando a roupa enquanto caminhava para a piscina. A água azul brilhava, iluminada por uma fileira de lâmpadas em toda a extensão da piscina. Mergulhou nu na água fria, voltou à tona e nadou dando braçadas vigorosas. Atravessava a piscina com movimentos sincronizados, e o esforço físico que se impunha afastava momentaneamente os problemas da mente.

Sentiu sua presença na borda dá piscina antes de vê-la.

A atmosfera mudou. Algo tão sutil que seria imperceptível para qualquer outra pessoa. Mas não para ele.

A sintonia entre eles sempre fizera parte da incrível relação física. Mesmo em uma sala lotada, ele era capaz de sentir sua presença e sabia que o mesmo acontecia com ela.

Voltou à tona e a viu em pé fitando-o, delgada e frágil como uma gazela, os flamejantes cabelos soltos por cima de uma camisa branca de seda.

A camisa dele.

— Roubando minhas roupas? —Sem pensar falou em italiano, e viu que ela estremeceu.

— Não pensava em ficar — respondeu em italiano, a voz rouca e levemente hesitante, pois nunca se sentira segura falando o idioma dele. — Não trouxe nada.

E normalmente ela dormia nua. Enquanto estiveram juntos, nunca tinha permitido que se vestisse. Nunca quis o incrível corpo escondido.

Ele mudou para o inglês.

— Você sempre roubou minhas camisas.

E com seu estilo inato, ela conseguia tornar-se elegante. Tinha a capacidade de transformar o comum em extraordinário. Um xale amarrado de um jeito especial. Cores que ninguém mais ousaria misturar. O gosto artístico era visível em tudo que tocava.

Sem falar no cabelo. Uma massa sexy de fogo e chamas que refletia a tempestuosa natureza da mulher. Era o suficiente para enlouquecer um homem.

— Você tem bom gosto para camisas. Não achei que viesse para casa. Ouvi alguém na piscina... — A voz tinha aquele tom rouco de quem acabou de acordar e, mesmo na água gelada, o corpo reagia. Quantas vezes a acordara de madrugada ansiando por seu corpo? Quantas vezes ela rira e o provocara em um tom de voz igual?

Saiu da piscina num movimento ágil. Ficou assombrada diante da nudez dele. Vislumbrou o movimento da garganta quando ela engoliu, lendo a indisfarçável sofreguidão no olhar, antes que ela pudesse escondê-lo piscando os cílios longos e curvos.

A resposta à olhada involuntária foi instantânea, e ele pegou uma toalha na cadeira, amaldiçoando a inabilidade de permanecer indiferente àquela mulher. Era como se o corpo lhe fugisse ao controle. O que era verdade. Desde o momento em que se encontraram, ficara enfeitiçado. Vulnerável à tentação. Mulheres. Só que no caso dele era só uma mulher.

Stasia.

— Tinha que dar uns telefonemas. — Enrolou a toalha na cintura. Talvez se ela parasse de olhar ele pararia de reagir. — Trabalho. Precisava me afastar do hospital.

E acima de tudo dos parentes, refletiu. Não ia admitir, mas era óbvio que ela adivinhava-lhe o pensamento.

Sabia pelo seu olhar. Esses olhos verdes observadores que se apossavam de um homem e o fazia queimar de excitação.

O silêncio pesava. Os dois sentiam, e ele ficou agradecido à toalha. Pelo menos ela escondia a reação previsível e ridícula do corpo dele. Por um breve momento quis tê-la ouvido e a mandado para um hotel. Para qualquer lugar, desde que longe dele.

Vê-la assim, semidespida com a camisa dele, na casa dele, sugeria uma intimidade não mais existente.

Tinha que se lembrar de que ela não era mais dele. Que não tinha direito aos pensamentos primitivos e possessivos, tão fortes em sua mente lógica.

Não ajudava que ela também o desejasse. Podia sentir pela maneira como a boca macia estava entreaberta, do jeito que ficava quando esperava por um beijo, pela maneira como os fabulosos olhos verdes escureceram, analisando-o. Os sinais eram sutis, mas estavam presentes, e ele os reconheceu de forma tão clara como se alguém tivesse escrito palavras em uma parede.

Preferiu ignorá-los.

— Pare de me olhar desse jeito.

A voz saiu mais áspera do que pretendia.

— Pare de me olhar como se me desejasse, quando sabemos que você vai atrás de qualquer corpo masculino conveniente. Por acaso, prefiro que meus relacionamentos sejam exclusivos.

O rosto bonito perdeu quase toda a cor.

— Como pode me dizer uma coisa dessas? Inocente. Ofendida. Todas essas palavras vieram-lhe à mente ao olhá-la. No entanto, sabia que elas não se encaixavam.

Não havia nada de inocente nela quando a pegou nua na cama com outro homem.

— Porque é verdade. — disse Rico entre dentes. Ela conseguia fazê-lo sentir-se culpado embora soubesse que não tinha motivos para se sentir assim.

Ele não a pegou no flagra? Ocupando os dias com os prazeres da carne enquanto ele trabalhava? Passando as noites em boates e levando a sugestionável irmã dele?

— Você também está me olhando. Por quê?

A voz estava engasgada e ele franziu o rosto sem saber o que dizer diante da inesperada resposta. Ele tinha visto suas lágrimas no hospital e ficou surpreso por ter se sentido emocionado. Sabia como era durona, que não era o tipo de mulher que se desmancha em lágrimas.

Devia sentir-se embaraçada com a situação, decidiu. Ser forçada a encará-lo depois da traição fatal! Seriam lágrimas de uma consciência pesada?

— Se estou olhando para você é por que mal posso acreditar que fui idiota a ponto de me casar com você — disse cruel, vendo-a hesitar e se perguntando porque sentia tamanha necessidade de feri-la quando, supostamente, tudo pertencia ao passado. Antigamente, ao terminar um relacionamento, sempre ficava contente. Normalmente, os rompimentos eram amigáveis, invariavelmente adoçados com presentes elaborados, selecionados para abrandar a culpa. Nunca sentira essa necessidade incontrolável de revidar e infringir dor.

— Eu odeio você.

Por um momento ele achou que tinha entendido mal.

— Talvez. Mas queira ou não, também me deseja, e isso é algo com o qual será difícil conviver.

Viu quando ela recuou, e de repente desejou que ela tivesse vestido qualquer coisa, menos a camisa dele. Era como se debochasse dele. Aquelas pernas gloriosas de fora, a camisa desabotoada revelando os seios fartos. Ela tinha um corpo desenhado para deixar um homem louco.

Ela o tinha deixado enlouquecido.

Ele a olhou sentindo a atmosfera pesada, esperando que ela reagisse. Não tinha sido sempre assim? Brigas e discussões? Ele estava acostumado com mulheres que concordavam todo o tempo, e Stasia nunca agira assim. Ela o desafiara. O deixara furioso tanto quanto o excitara.

Mas essa noite era como se o espírito de luta tivesse se extinguido.

Estava parada perto da piscina, vestindo a camisa dele, com uma aparência muito jovem e perdida.

— Não vim para brigar.

Passou a mão na linda cabeleira vermelha, em um gesto que conhecia bem. Parecia cansada e insegura como nunca a tinha visto.

— Ouvi um barulho e quis verificar quem era. E quando o vi quis saber notícias de Chiara. Você disse que ia ficar no hospital.

Sua voz soava entediada. Estranhamente isenta de emoção.

— Alguma mudança?

— Nenhuma.

Tomou consciência de que desde que Stasia tinha aparecido no terraço não tinha sequer pensado na irmã.

Que tipo de homem era ele? pensou amargo.

Enojado consigo próprio, afastou-se e caminhou para a vila, extenuado pela tensão das últimas duas semanas. Não tinha dormido uma única noite inteira, e a mente, normalmente acurada, definitivamente via o mundo desfocado.

Jogou-se no sofá mais próximo e fechou os olhos. Nunca tinha se sentido tão fora de controle e, decididamente, concluiu que esse sentimento não era agradável.

O perfume leve, sutil, excitava-lhe os sentidos. Virou-se para olhá-la, com a intenção de aplacar-lhe a preocupação e mandá-la de volta para a cama com poucas frias palavras.

Mas algo nos incríveis olhos verdes deixou-o silencioso.

— Deve ser terrível — disse baixinho — e talvez esteja na hora de admitir que também tem sentimentos. Todos se apóiam em você. O que esquecem é que você também precisa de alguém em quem se apoiar.

Desejou que ela retirasse a mão do ombro dele. O toque gentil dos dedos parecia enviar sinais para todas as partes másculas, e percebeu o quanto sentia falta de seu toque.

Reprimiu um gemido e tentou manter a libido sob controle.

— Estou apenas cansado. Estive no hospital por mais de duas semanas...

— Demonstrando o quanto é forte. Tomando decisões por todos. Tem que pensar em si mesmo. Em suas necessidades.

Dissera a coisa errada. No momento, apenas uma necessidade ocupava-lhe a mente e, ao levantar os olhos, lembrou-se de como essa mulher conhecia-lhe as necessidades.

Desejo mútuo, perigoso e destrutivo, incendiava os dois, e ele lutou contra a vontade de mergulhar o rosto em seu pescoço e saborear a carne macia. Ela era toda feminina. Sua feminilidade mexia com o macho que havia nele, e de súbito a desejou com tal ímpeto que parecia ser consumido pelo fogo.

Não ficou claro quem tomou a iniciativa. Não ficou claro quando o toque consolador no braço dele transformou-se em algo totalmente diferente. Sexual. De um jeito ou de outro, em um momento estavam separados, depois em uma intimidade tamanha que agitava todos os sentidos, e no seguinte ele colou a boca na sua — quente e voraz, consumindo-a, impedindo-a de respirar ou de protestar.

Ou talvez não tenha havido protesto. Ele sentiu os braços envolverem-lhe o pescoço, reagiu com um violento arrepio às unhas que lhe arranhavam as costas. Era primitivo e básico, uma expressão de desejo sexual que tomava conta de ambos.

Precisando exercer o domínio, deitou-a no sofá, satisfazendo o desejo, o animal insaciável que o devorava desde que ela havia aberto a porta da casa e o olhado com aqueles diabólicos olhos verdes que pareciam dizer "não mexa comigo". Esqueceu a preocupação, a exaustão mental e física. Esqueceu tudo, exceto a força brutal da libido e o fato de estar com a única mulher com quem desejava estar.

Sem abandonar-lhe a boca, habilmente lidou com os botões da camisa que vestia. A camisa dele. Ou era dela agora? A mente estava turva. Certamente, era seu cheiro. Esse perfume sutil, floral, feminino que excitava-lhe o olfato e outros sentidos. Aquele perfume era totalmente Stasia.

Colocou a mão em seus seios; o gemido de prazer que ela emitiu aumentou-lhe a pressão na virilha. Afastou a boca para os olhos deliciarem-se diante da brancura macia da pele, ainda mais branca em contraste com o bronzeado dele, o que sempre o fascinara. Fragilidade versus força. Brancura inglesa versus azeitonado mediterrâneo. Mulher tenra versus macho viril.

Inclinou a cabeça para os mamilos rosados eriçados, tentadores, implorantes, sugando-os no calor úmido da boca, lambendo até senti-la arquear os quadris e enfiar-lhe os dedos nos cabelos. Perdido em um festim sensual, recusou-se a soltá-la, e ouviu-a sussurrar seu nome e voltar a arquear o corpo quando a língua lambeu com habilidade deixando-a mais e mais excitada.

E ele a conhecia tão bem.

Sabia como tocá-la e deixá-la fora de si.

Por um momento, ele era o mestre, tinha o controle. Depois sentiu os dedos na toalha despindo-o, seguido de uma brisa na pele. Lembrou-se de que ela também o conhecia. E ela usou esse conhecimento quando segurou-o com a mão e assumiu o controle.

O toque fez com que ele gemesse, prova involuntária da constatação do que essa mulher fazia com ele. Do jeito como se entrosavam. Tinha sido assim desde o primeiro encontro. Quando começavam não conseguiam parar, a paixão mútua os deixava descontrolados. Mas o tempo não lhes pertencia e, como de hábito, o telefone se interpôs entre eles — aquele pequeno e aparentemente inocente aparelho que sempre parecia criar lacunas quando estavam juntos.

Eles congelaram. A intimidade voltara a ser tão natural e, agora, parecia tão chocante e inapropriada.

Com uma praga, Rico deu um pulo e alcançou a toalha prendendo-a antes de atender o telefone impacientemente.

 

— Ela acordou? Sophie esforçou-se por sentar-se, os cabelos desalinhados formando uma cortina no rosto ruborizado e mortificado. Como pôde se comportar assim? Todo o corpo gemia de frustração sexual e profunda humilhação.

Ela não pretendia segui-lo, mas o tinha visto atirado no sofá parecendo tão exausto... Mas devia saber que isso não era seguro.

Um toque.

Um toque e tinha sucumbido como uma patética fã que nunca seria. Não tinha orgulho? Força de vontade? Nenhum sentimento de autopreservação? O jeito de lidar com Riccardo Crisanti era não permitir acesso ilimitado a seu corpo.

Mas estar de volta à vila, onde tinham sido felizes, deixara-a vulnerável. Lacrimejante. Fraca e patética. E quando o viu, glorioso em sua nudez, um homem desenhado para tentar as mulheres, foi impossível manter a cara emburrada.

— Ela recobrou a consciência há cinco minutos.

— A voz não escondia a tensão, e suspeitou que não se tratasse de preocupação com a irmã. Não era cega. Podia ver o orgulhoso volume por baixo da toalha. Sabia que ainda estava palpitando de desejo.

Como ela.

A frustração sexual era tão aguda que teve vontade de gritar.

Ele a olhou, o maxilar duro.

— Precisamos voltar para o hospital — os olhos percorreram-lhe os seios, marcados de vermelho pela barba. Virou-se como se não suportasse a lembrança da própria fraqueza. — Cubra-se.

— Vá para o inferno! — A voz saiu rouca. Tentava abotoar a camisa com dedos trêmulos. — Não vou permitir que você me culpe!

Como ousava olhá-la assim quando ele era tão responsável quanto ela?

— Você veio aqui vestindo apenas uma camisa.

— E você estava nu!

— Talvez você pense que ao me oferecer sexo vou ficar mais suscetível ao perdão.

Oferecer sexo?

— Não preciso de seu perdão, mas talvez você precise do meu. Desapareça!

Olharam-se, nenhum dos dois preparados para assumir a responsabilidade pela incapacidade de estarem juntos e não fazerem amor. Ambos recusando o fato de que a química sexual entre eles tinha uma força tão poderosa que fugia ao controle, a atração entre eles tão natural quanto respirar.

— Com prazer.

Uma veia pulsava-lhe no pescoço, os olhos sombrios quando discou um número e ordenou que trouxessem o carro.

— Vista-se. Vamos sair em cinco minutos.

Com essas palavras saiu da sala, possibilitando-a ver os ombros bronzeados e as pernas compridas e musculosas.

Por um momento, permaneceu sentada olhando-o, desprezando-se por desejar que ele voltasse para ela e terminasse o que começara.

Deu um gemido e resistiu à tentação de chutar o sofá.

Nesse momento específico não sabia quem odiava mais. Rico, por perder o frio autocontrole sempre que se aproximava dela, ou ela mesma por desejá-lo tanto quanto ele obviamente a desejava.

Seu único consolo era que Rico odiava perder o controle quase tanto quanto ela. E se ela estava sofrendo, sem dúvida, ele também sofria.

Nesse momento, ela realmente queria que ele sofresse. Se ele sentisse um décimo da agonia que ela sentia, isso satisfaria seu senso de justiça.

Segurou a camisa e voltou silenciosamente para o quarto onde, feito tola, arriscou um olhar no espelho. Foi um erro. Seu reflexo a olhou debochado. Não viu a mulher que queria ver. Queria se ver tranqüila e suave. Em vez disso, viu uma mulher selvagem e libertina. O cabelo cor de fogo caía-lhe pelo rosto em desalinho, cabelos que — era evidente! — tinham sido desarrumados por um macho desenfreado. A pele branca e sensível mostrava evidências de investidas sexuais por ela correspondidas, mordida por mordida, lambida por lambida.

Ai meu Deus!

Cobriu os lábios inchados com os dedos trêmulos.

Não deveria ter vindo.

Era uma mulher forte, independente, com personalidade e uma carreira bem-sucedida, mas Rico era como uma droga poderosa. Não podia ficar perto dele sem desejá-lo, e desprezava-se pela própria fraqueza.

Eram tão diferentes quanto o Norte do Sul, mas mesmo assim não resistia.

Nunca ia esquecê-lo, a não ser que se distanciasse.

E agora que Chiara despertara, era isso que faria.

Ia visitar a adolescente, conversaria, e depois voltaria para a Inglaterra onde encontraria uma casa com um teto tão baixo que Rico não poderia a ela ter acesso sem sofrer um dano físico.

Quando o carro voou para o hospital, Rico sentou em absoluto silêncio, a mente e o corpo latejando pela tensão sexual não satisfeita, o que não colaborava em nada com seu humor.

Não conseguia olhá-la.

Não conseguia encarar os sinais visíveis de sua falta de controle. Quando a puxara em estado de desespero, não pensou no futuro imediato. No fato de que sua pele delicada mostraria as marcas várias horas depois de ser tocada.

A pele sensível sempre exercera fascínio para um homem cuja pele adquiria um tom de bronze ao ser exposta ao sol. Em contraste, sua pele, em contato com o sol, tornava-se rosada e as sardas aumentavam. Adorando-lhe a brancura, tinha se imbuído de um espírito protetor, comprando uma seleção de chapéus que protegessem o rosto do inclemente sol da Itália.

Mas essa noite só pensara na própria satisfação. Agora, refletiu aborrecido, pagaria o preço por essa exibição de auto-indulgência masculina.

Em menos de dez minutos encontrariam a família e teria que enfrentar os olhares horrorizados e interrogativos da mãe.

Perguntas que não podia responder.

Não fazia idéia do motivo de ter agido com tamanho descontrole. Em todos outros campos se considerava um homem disciplinado. Aprendera os benefícios do auto-controle bem cedo. Mas com Stasia voltava a agir guiado pelos hormônios, como um adolescente obcecado por sexo. Infelizmente, a mente não funcionava. No caso dele era a libido que comandava o cérebro.

Era apenas o estresse, justificou-se. Apenas o desejo de relaxar da constante pressão dos últimos dias. Não significava nada. Era humano, afinal de contas.

Era culpa dele preferir relaxar na horizontal?

Olhou pela janela e rangeu os dentes, ciente de que ela estava sentada a poucos centímetros, os cabelos cacheados presos em desalinho, o corpo curvilíneo escondido pelo vestido de linho pêssego.

Mas não importava se estava vestida ou nua.

A energia sexual entre eles era mais forte do que os dois, e quanto antes a mandasse de volta para a Inglaterra, deixando qualquer contato para os advogados, mais seguro seria para ambos.

Deixaria que ela visitasse Chiara, caso sua presença apressasse a recuperação, e depois mandaria que a levassem direto para o avião dele.

E se asseguraria de que o motor já estivesse ligado.

A família inteira estava ao lado de Chiara, e Stasia sentiu o coração disparar. Depois do encontro tempestuoso com Rico sentia-se mais vulnerável do que nunca, e estava ciente de que apesar dos esforços para esconder as marcas com maquilagem, elas estavam visíveis.

Queria ser tragada pela terra.

Mais ainda ao encontrar o olhar escandalizado da ex-sogra.

— Então... vocês voltaram. — A voz era seca. Os olhos perceberam o rubor de Stasia e pousaram na boca machucada antes de desviar o olhar para o filho com indisfarçável descrença.

Indiferente à opinião dos outros, Rico encarou o olhar de reprovação da mãe com frieza e pegou a mão de Stasia, desafiando abertamente quem o contestasse. Caminhou para perto da cama, sem deixar dúvidas de quem era o dono da situação.

Pateticamente agradecida pelo gesto de proteção, embora soubesse que não tinha significado especial, Stasia segurou a mão como se fosse uma tábua de salvação.

A mãe deu um passo atrás com respeito, mas lançou um olhar tão aflito para Stasia que a jovem sentiu um nó na garganta. O que fizera para merecer esse olhar? Nada. A não ser casar-se com um bilionário. Aparentemente, fora o suficiente para ganhar o rótulo de "caçadora de dotes".

— Chiara — a voz de Rico demonstrava preocupação ao se curvar para beijar a irmã.

Os olhos da menina abriram, e olhou para o irmão sem expressão. Depois abriu um tênue sorriso.

— Rico.

A voz era quase inaudível, mas a família inteira suspirou aliviada. A mãe abraçou a filha e a avó jogou-se na cadeira e pegou-lhe a mão, lágrimas escorrendo pela face enrugada.

— Ela voltou para nós.

O que parecia o sinal para Stasia sair.

Soltou a mão de Rico e encaminhou-se para a porta.

Não era necessária ali. Não fazia parte da família; nunca fizera. Hora de ir para casa.

Mas Chiara estava dizendo outra coisa, a voz tão baixinha que Rico teve que se aproximar ainda mais.

Ele procurou Stasia, já na porta, preparando-se para sair.

— Espere. — A voz estava emocionada. — Ela quer falar com você.

Por um instante pensou ter ouvido mal. Por que diabos Chiara queria falar com ela agora que recobrara a consciência? Sussurrar seu nome em um estado de semicoma era uma coisa, mas isso era totalmente diferente.

Consciente de que toda a família a olhava, engoliu a seco e tirou a mão da maçaneta.

Afinal, o que Chiara poderia dizer de novo? O que poderia fazer para magoá-la que já não tivesse feito?

Sentindo o coração disparar, andou em direção à cama, cada passo exigindo um enorme esforço.

Rico afastou-se, e ela olhou para Chiara, notando que a escoriação na testa parecia ainda mais lívida.

— Oi, Chiara. Estou feliz por ter acordado. Estávamos preocupados.

— Stasia — Chiara deu um sorriso carinhoso e os olhos fecharam-se. — Linda Stasia. Quando eu melhorar, podemos fazer compras? Você sempre está tão maravilhosa. Quero que me ensine a vestir-me como você.

Um silêncio incrédulo reinou na sala onde todos estavam reunidos em volta da cama.

Stasia ficou rígida, sem saber como responder. Ela e Rico tinham vivido separados a maior parte do ano passado. Por que Chiaria diria algo assim, a não ser que estivesse tentando dar-lhe uma facada no momento em que recuperava a consciência? Analisou o rosto de Chiara, buscando sinais do deboche e sarcasmo que tão bem conhecia, mas não os encontrou.

Chiara abriu os olhos, tentando interpretar o silêncio. Parecia desconcertada. Como se percebesse que algo estava errado.

— Qual o problema? O q-que foi que eu disse?

— Nada, mia piccola. — Rico a reconfortou. — Como está se sentindo?

Chiara piscou.

— Estou com dor de cabeça. E não entendo porque estão todos aqui. O que aconteceu?

— Você não se lembra do acidente? Chiara sacudiu a cabeça ligeiramente:

— Não. Só me lembro que você estava em lua-de-mel. — Deu um sorriso vacilante. — E você ficou zangado porque apareci sem ser convidada e perturbei, o romance dos dois. Ainda está zangado comigo ou já me perdoou?

Rico parecia ter virado uma estátua. Parada do lado dele, Stasia sentiu-lhe a tensão e ouviu o resmungo de preocupação da mãe do outro lado da cama. Fez uns cálculos mentais e chegou à conclusão de que o incidente ao qual Chiara se referia tinha ocorrido há quase um ano e meio. O início da lua-de-mel.

Antes que eles tivessem tempo de reconhecer as diferenças inconciliáveis que os separavam.

Então, o que isso significava? Chiara continuava pregando peças?

O sorriso de Chiara esmoreceu e ela olhou os dois, percebendo algo na atmosfera.

— Rico? Ainda está zangado comigo?

— Não, piccola, não estou. — Os olhos de Rico deslizaram pelo rosto da irmã, como se buscasse indícios. — Mas isso é a última coisa de que se lembra? De ter chegado quando eu e Stasia estávamos em lua-de-mel?

Chiara concordou.

— Por quê? Rico sorriu.

— Por nada. — A voz era firme e reconfortante, e não demonstrava a preocupação que obviamente sentia. — Preciso voltar a conversar com os médicos. Tente descansar. Não se preocupe com nada.

Os médicos cercaram a cama a pedido de Rico, e a família recolheu-se, preparada para outra tensa espera.

Não esperaram muito. Em minutos, Rico foi chamado de volta e voltou em seguida para a sala de espera, parecendo mais estressado do que Stasia se lembrava de jamais tê-lo visto.

— Os médicos disseram que está com amnésia. Perda de memória. — Os olhos procuraram a mãe quando falou, checando a reação diante da notícia.

Aparentemente é comum. Ela não pode lembrar-se de nada desde o dia em que apareceu na vila, quando eu e Stasia — silenciou e depois continuou, parecendo fazer um esforço considerável — estávamos em lua-de-mel.

Stasia corou.

Lembrava-se tão bem daquele dia.

Tinham ido à praia, nadado e feito amor sem parar. Quando finalmente voltaram à vila, ainda abraçados, Chiara estava na piscina.

Rico ficou furioso, e Stasia interveio, embora muito desapontada ao perceber que tinham companhia.

No final, Rico autorizou Chiara a ficar durante o fim de semana, despachando-a para a escola com um sermão.

Stasia deixou escapar um suspiro, tomando consciência de que essa era a última lembrança de Chiara. Então estava perdendo uma parte substancial...

Chocada com essa nova complicação, a mãe despencou na cadeira, um olhar aterrorizado.

— É permanente?

Rico deu de ombros, parecendo mais siciliano que nunca.

— Não podem dizer. É bem provável que recobre a memória, mas ninguém sabe quando. A curto prazo a prioridade é a recuperação física. Estão bastante satisfeitos com o progresso. Se tudo correr bem, poderá ir para casa em poucos dias, o que parece um milagre.

A mãe sorriu aliviada, retorcendo as mãos.

— Você vai levá-la para sua vila? Rico acenou.

— Ela precisa de uma atmosfera serena. A vila é o local ideal. Vou providenciar um afastamento do trabalho para ficar de olho nela.

— Eu vou junto — disse a mãe imediatamente, mas Rico sacudiu a cabeça.

— Não há necessidade. Ela precisa ficar o mais quieta possível. Será bem melhor se a senhora ficar em casa e for visitá-la de vez em quando.

A mãe concordou relutante.

— Se você acha melhor.

Como de hábito, obedeceu a Rico, assim como toda a família.

Quando percebeu a total dependência para cada decisão, ficou atônita, e depois profundamente irritada. Nenhuma das mulheres da família era capaz de pensar e agir por conta própria, sem a permissão dele?

Stasia olhou o relógio; em breve amanheceria.

— Bem, minha presença não é mais necessária — disse calma, os olhos dirigindo-se a Rico, tentando segurar o desejo de se jogar em cima dele. Tentando não pensar que provavelmente essa era a última vez que o veria. De agora em diante seria através dos advogados.

A realidade a deixou deprimida.

— Receio não ser tão simples. — A expressão de Rico era amarga, como se lidasse com uma questão desagradável. — Infelizmente a memória de Chiara está estacionada naquele ponto há dezoito meses quando estávamos em lua-de-mel. Ela pensa que temos um casamento feliz.

Stasia suspirou. O fato não lhe passara desapercebido.

— Então, suponho que vai precisar contar que estamos separados há um ano. — Mas não foi o motivo da separação. Só ela e Chiara sabiam a verdade, e Chiara perdera a memória. — Vai precisar contar a verdade.

Que escolha tinham? Em algum ponto, Chiara iria pedir uma explicação por eles não morarem juntos.

— Nesse caso, a verdade não é uma opção. — Ele parecia um homem imprensado entre um rochedo e um abismo. — Os médicos insistem que ela tem que permanecer calma. Não pode ser submetida a nenhum estresse.

Então, o que exatamente sugeria? Stasia deu uma risada que não demonstrava o menor humor.

— Ambos sabemos que Chiara não ficou devastada pelo fracasso de nosso casamento. Não vamos fazer joguinhos. Ela ficou felicíssima quando nosso casamento fracassou. Recordar a verdade com certeza não vai lhe causar mal.

A ex-sogra emitiu um protesto, mas nem Stasia nem Rico se deram ao trabalho de olhá-la.

Era como se só os dois estivessem na sala, em confronto.

— Infelizmente para nós, Chiara está vivendo uma etapa diferente de nosso relacionamento — Rico murmurou, e a linguagem corporal dele sugeria achar a situação tão difícil quanto ela. — Não voltaremos a discutir isso. Dio, não acha que já temos estresse suficiente sem retomarmos as mágoas do passado?

O coração começou a acelerar.

— Então o que está sugerindo?

Irritada ao extremo, Stasia não conseguia esconder o sarcasmo da voz.

— Quer que a gente brinque de família feliz? Quer botar de volta o anel de casamento no meu dedo?

Fez-se um longo silêncio. Rico soltou um suspiro profundo.

— Se é essa a condição, então quero.

 

Stasia olhou-o estupefata. Essa era a única resposta que não esperava. Finalmente recuperou a voz.

— Você não pode estar falando sério.

— Dio, acha que eu ia brincar com algo tão sério? Meus advogados terminaram toda a documentação necessária para o divórcio. Você acha que quero prolongar isso?

Se tencionava magoá-la, conseguira.

Até a mãe olhou, assustada com a falta de tato.

Rico disse um palavrão e passou a mão na nuca.

— Isso não estava previsto, e peço desculpas — murmurou, e Stasia jogou a cabeça para trás, o cabelo brilhando como um farol sob as luzes fosforescentes do hospital.

— Desculpas por quê? Por ser você mesmo? — Preferia morrer a demonstrar o efeito que ainda exercia sobre ela. — Mas acho que sua reação só prova que a sugestão é totalmente ridícula. Você pode colocar a aliança de volta em meu dedo, mas nunca vamos nos comportar como duas pessoas que se amam. É uma proposta absolutamente ridícula.

Com uma expressão desgostosa, Rico virou-se para família.

— Chiara vai gostar de ter companhia.

Não ordenou que se fossem, mas a intenção era clara. Queria conversar com Stasia a sós, sem platéia.

Partiram como cordeirinhos.

Stasia as viu partir incrédula. Os olhos faiscavam.

— Sabe qual é seu problema?

— Não — respondeu Rico com olhos tão debochados quanto os dela. —, mas tenho certeza de que está prestes a me dizer.

Ela ignorou os sinais indicativos da perda de humor.

— Nunca ouviu um "não". Vai vivendo, sempre no poder, tomando decisões, atropelando os obstáculos como um touro. Bem, tenho novidades: — arfou, tentando liberar o ar preso nos pulmões — não sou uma das patéticas fãs que o rodeiam, apenas esperando que lhes conceda um pingo de atenção. Não sou uma dessas mulheres irritantes e bem-educadas que dizem "sim" todo o tempo.

Ele caminhou tão rápido que ela não teve tempo de recuar.

— Ambos sabemos que eu posso fazer com que diga "sim" à hora que eu quiser, cara mia.

— Não me chame assim.

Consciente de que ele era bem mais alto que ela, recuou. Arrependeu-se ao ver o arquear irônico das sobrancelhas.

— Com medo, Stasia? — Aproximou-se mais, o movimento deliberadamente provocativo. — Ou está se afastando, pois não se acha capaz de resistir?

Ele era tão arrogante. Tão irritantemente seguro e de si.

— Não tenho medo. Simplesmente, não gosto de homens que usam a força para intimidar as mulheres. E um golpe baixo.

Ele riu jogando a cabeça para trás. Um riso ameaçador que mexeu com suas entranhas, aumentando o nível de tensão.

— Você espera que acredite que a intimido? Você, com sua língua afiada e esses olhos faiscantes que me desafiam todo tempo? Diga uma coisa de que tem medo. Só uma!

Stasia engoliu a seco. Seus próprios sentimentos.

Temia os sentimentos que nutria por ele. Eram totalmente incongruentes com o tipo de pessoa que era. Ou a pessoa que acreditava ser. Não era pegajosa. Infelizmente, desde que conhecera Rico, fizera a dolorosa descoberta de que tinha características que desconhecia. Uma sensualidade que ele tinha despertado como um mestre. E tinha vontade de agarrá-lo. Agarrar-se e nunca soltá-lo.

— Isso não leva a lugar nenhum.

Passou a língua nos lábios secos e, imediatamente, arrependeu-se do gesto quando o olhar dele dirigiu-se a sua boca. O olhar era tão familiar quanto a insidiosa sensação do estômago revirado que se seguiu. Rejeitou o sentimento na hora.

— Mas está provado que não podemos ficar no mesmo aposento sem termos vontade de nos matarmos. A não ser que Chiara tenha perdido a intuição junto com a memória, não há chance de a convencermos de que nosso relacionamento é genuíno. Vou me despedir dela e partir.

— Você não vai a lugar nenhum — disse delicadamente — e se está preocupada achando que não podemos convencer Chiara de nossa paixão, deixe-me ajudá-la.

Ela devia ter percebido o que estava por vir. Devia ter percebido as intenções dele. Mas o cérebro estava nebuloso, e pensar parecia uma tarefa impossível. Mais ainda quando a mão dele envolveu-lhe a cintura e a boca aproximou-se com a segurança de um homem convencido de sua própria sexualidade e de que ela o correspondia.

Os beijos foram tão delicados quanto breves. Ele assumiu o controle e afastou-lhe os lábios com uma língua provocante que a penetrou, e a exploração prometia mais do que dava. E, como ele pretendia, deixou-a em fogo.

Ele a excitou ainda mais, a tal ponto que ela esqueceu tudo. Esqueceu onde estavam. Esqueceu que estavam de pé em uma sala de espera impessoal iluminada com luzes ofuscantes. Esqueceu as diferenças entre eles, o fato de que aparentemente nada tinham em comum, exceto quando estavam entre os lençóis.

Só estava consciente dele. O roçar do pêlo da barba contra sua pele sensível, a lambida sugestiva e o volume da masculinidade pressionando o ardor de sua pélvis. A excitação sexual aumentou e vibrou por todo seu corpo. Os braços envolveram-lhe o pescoço, puxando-o para mais perto.

E, então, ele parou.

Com uma calma irritante, levantou a cabeça dando um passo atrás, os olhos frios, totalmente isentos de emoção.

— Acho que isso é o suficiente para provar que posso ser bastante convincente quando quero.

Ela oscilou, tonta, odiando-o por ser tão controlado quando ela estava desvairada.

Os olhos perceberam sua expressão aturdida demonstrando uma crescente insolência.

— Você prefere acreditar que não precisa de mim, Stasia, mas sabemos que vai estar a minha disposição sempre que eu quiser, então não perca seu tempo.

O barulho da bofetada ressoou na sala.

— Você é um filho-da-mãe convencido e nojento — disse trêmula, apertando a mão contra o peito, chocada pela inusitada violência que a invadira. Nunca esbofeteara ninguém. — E não vou ficar aqui nem mais um segundo. Dê instruções a seu piloto para levar-me para casa.

— Você não vai para casa.

O rosto dele trazia a marca de sua mão e os olhos negros faiscavam.

— Você me pediu para vir quando Chiara estava em coma. Bem, agora ela acordou e você não precisa mais de mim.

Ele contraiu os maxilares.

— Já expliquei por que preciso de você.

— Para ser sua prostituta? Acho que não, Rico. Há milhões de mulheres querendo ocupar esse lugar. Pegue uma delas.

— Quero que seja minha mulher até que Chiara recupere a memória — murmurou, enfiando as mãos nos bolsos, como se tivesse medo do que poderia fazer com elas se permanecessem livres. — Mas você não se sai bem nesse papel, não é? Dei tudo para você. Tinha um estilo de vida de sonho, mas quando voltei para casa depois de um dia exaustivo de trabalho, esperando encontrar minha mulher à espera, você havia saído.

— Saí duas vezes! Também tinha negócios.

— Com que propósito? — O dar de ombros traía a total incompreensão quanto a sua personalidade. —. Você não precisava de dinheiro. Tinha acesso a uma fortuna. Tinha tudo que uma mulher pode querer.

Exceto amor.

Levantou as mãos em um gesto de exasperação.

— Dinheiro, dinheiro! A vida não se resume a dinheiro, Rico. Existem outras coisas importantes, como independência e opinião própria. Gosto do meu trabalho. Preciso saber que sou boa, ter meu valor reconhecido.

— Você era boa na minha cama, e isso é o que contava para mim.

Ficou ruborizada e afastou os olhos com uma exclamação de desprezo.

— Você é tão primário. Não queria uma esposa. Queria uma amante.

— Já tive duas amantes antes de me casar — disse frio, o tom de voz aborrecido, sempre a encarando. — Por que ia querer uma terceira?

O rosto de Stasia empalideceu. E ela tinha se casado com esse homem! Se apaixonado por ele... Tinha sido tola em acreditar que seria correspondida. Rico não sabia o que era o amor. Não era capaz de se relacionar com uma mulher emocionalmente. Só fisicamente. Era insaciável sexualmente. Ouvira boatos de que ele tinha uma amante em Roma e uma em Paris, mas preferira não dar ouvidos. Rico era louco por sexo, e não esperava que vivesse como um monge.

— Como sempre, nossas conversas não levam a lugar nenhum — disse seca, pegando a bolsa na cadeira e pendurando-a no ombro. — Estou indo embora, e não pode me impedir. Se não me deixar usar seu avião, comprarei uma passagem.

Estava tão desesperada que alugaria um avião se fosse a única opção de escapar.

— O único lugar para onde vai é de volta para a vila para fingir que somos uma família feliz.

— Não faço parte de seu quadro de funcionários nem sou mais membro de sua família, logo não obedeço ordens — retrucou sarcástica.

— Você nunca obedeceu, mas vai fazer o que eu digo.

— E como pretende me forçar? — Inclinou a cabeça para o lado, a expressão desafiadora. — Vai me acorrentar? Algemar?

— Não preciso recorrer a meios tão brutais. Basta instruir o banco a cobrar o empréstimo feito à loja de antigüidades de sua mãe. Basta um telefonema. Só um.

Seguiu-se um longo silêncio, interrompido pela respiração pesada de Stasia. Quando finalmente falou, a voz não estava nada controlada.

— Não pode fazer isso. Nem devia ter conhecimento disso. — Recusava-se a acreditar que ele dizia a verdade. — O empréstimo não tem nada a ver com você.

Ele parecia entediado.

— Agora quem está sendo ingênua? Como acha que o banco concordou tão rápido em conceder o empréstimo?

— Não foi tão fácil. Apresentamos uma planilha de negócios...

— O empréstimo foi concedido porque concordei em ser fiador.

— Não é verdade. — Meu Deus, fazei com que isso não seja verdade! — Você está mentindo.

— Ligue para o banco.

A mente examinava todas as possibilidades, os fatos.

— Mas eu pedi o empréstimo no nome da minha mãe. Não mencionei você.

— Você era minha mulher. Um cara importante do banco reconheceu seu nome nos papéis. Depois disso, ficaram muito satisfeitos em ajudá-la.

Horrorizada, Stasia lembrou-se de como o pessoal do banco tinha mudado a atitude, de intransigentes a obsequiosos. Na época, achou que tinham considerado seu negócio promissor. Sua ingenuidade era irritante.

Como pôde ser tão estúpida? Como não suspeitou que a relação com Rico estava por trás da súbita mudança de atitude? Não tinha visto isso acontecer um milhão de vezes? A maneira como as pessoas o bajulavam, fazendo qualquer coisa para ganhar-lhe a aprovação.

— Não.

Fechou os olhos, desejando que fosse mentira, mas sabendo que não era. Suas pernas ficaram trêmulas e sentiu-se mal.

— Nunca quis isso. Nunca quis tirar nada de você. — Ou se tornaria a pessoa que a família dele julgava ser. Uma interesseira.

O pensamento a atemorizava. Queria conseguir as coisas por mérito. Nunca se interessou pelo dinheiro de Rico. Só pelo homem.

Olhou-o, sem compreender.

— Por quê? — perguntou com voz embargada. —-Por que fez isso? Nem estávamos juntos...

O rosto bonito estava inexpressivo.

— Pode chamar de compensação. Pagamento por serviços prestados.

Virou o rosto para que ele não visse o sofrimento. Pagamento. Ele via tudo em termos de dinheiro, incluindo o relacionamento. E essa atitude explicava o motivo, durante o casamento, de, sentir-se como amante. Nunca como esposa. Cobriu-a de presentes e jóias extravagantes, como se o dinheiro pudesse compensar as carências. Era a única moeda que compreendia.

— Estou falando sério, Stasia. Ou você fica e finge ser uma esposa apaixonada até que eu decida que Chiara está bem, ou acabo com seu negócio. Eu posso e vou fazê-lo.

Olhou-o com desprezo.

— Não posso acreditar que seja tão baixo.

— Sua opinião é irrelevante. — Ele agia friamente, e ela apertou os dedos para impedir-se de voltar a esbofeteá-lo.

— Se fizer algo para ferir minha mãe...

— A decisão está em suas mãos. Concorde em continuar sendo minha mulher pelo tempo que for preciso, e o empréstimo está garantido. Quando finalmente o divórcio sair, o negócio será seu.

Engoliu a seco, tomada por desdém, ao considerar a posição em que a colocava. Não lhe deixava escolha.

— Você é cruel...

— Quando quero algo, corro atrás até conseguir. Se isso é ser cruel, então sou cruel. — Deu de ombros para demonstrar como se importava pouco com a acusação, e ela virou-se com desprezo, sabendo que aplicara essa filosofia quando a conquistara.

A queria e estava preparado para fazer o que fosse preciso para tê-la.

— Por que está agindo assim? — A voz não passava de um sussurro. — Nosso casamento foi um desastre. Por que ia me querer de volta?

Não tiveram contato por mais de um ano. Não fazia sentido exigir isso dela.

— Eu não quero você de volta. Mas Chiara precisa de um ambiente estável. Até recobrar a memória, precisa ser protegida. E nosso casamento não foi um desastre. — Os olhos faiscavam. — Mas você era muito teimosa para deixar que o casamento funcionasse, muito independente para aceitar que casamento é parceria. E não vou punir Chiara pelo seu fracasso. Não quero que saiba que nosso relacionamento acabou.

Por um momento, Stasia apenas o olhou, atônita com a acusação. Ele estava dizendo a ela que casamento era parceria? Que ela era teimosa? Quando todas as tentativas de fazer o casamento funcionar tinham partido dela?

— Não posso acreditar que esteja fazendo isso comigo. Com você.

Porque isso também o devia magoar.

Pôde ler o desgosto em cada ângulo de seus traços, na maneira como mantinha o corpo a uma distância segura. Como se ela fosse contagiosa.

Stasia olhou-o desprotegida. Sem dúvida, fora assim que se tornara um homem de negócios de sucesso. Como o mais perigoso predador, buscava a fraqueza da presa e depois a usava para atingir seus objetivos. Como pôde se apaixonar por um homem assim? Como pôde ser tão cega? Como pôde pensar que esse homem seria capaz de uma emoção tão delicada quanto o amor?

— Não é uma solução prática. Preciso trabalhar.

— Pode trabalhar da vila, mas não pode viajar. Tudo que a afastar da Sicília vai ficar em espera até que as condições de Chiara nos permitam revelar a verdade.

Pensou em discutir, mas como podia se a felicidade da mãe dependia de sua obediência? Ele a deixava sem escolha. Não se tratava do relacionamento deles, mas da necessidade que tinha de controlar.

— Está bem. — Mal pôde pronunciar as palavras — Mas não espere que eu goste de você por isso.

— Como as coisas mudam... — Não afastou o olhar, e o sarcasmo a atingiu. — Lembro-me de um tempo quando você costumava ligar para meu celular de hora em hora, implorando que eu voltasse para casa e fizesse amor com você.

Era uma lembrança cruel de como tinha sido sincera. Honesta. Nunca tivera medo de demonstrar o que sentia, embora ele nunca revelasse nada dos sentimentos.

Ele não compartilhava os mesmos sentimentos. Como podia expressar o que não sentia?

Ergueu o rosto, tentando agarrar-se ao pouco que restava de orgulho.

— Nunca implorei.

— Ah, você implorou com essa voz sexy e rouca, e quando eu chegava já estava nua na cama. Esperando por mim. Me desejando.

Stasia fechou os olhos, odiando o quadro que pintava. O quadro de uma mulher pegajosa, dependente, o tipo de mulher que jurara não ser. E essa era uma das razões do fracasso do casamento, é claro. Nunca se sentiu confortável com a mulher em que se transformava quando estava com esse homem.

— Sem dúvida me lembro da espera — disse fria, fazendo um esforço supremo para se mostrar segura. — Lembro dos dias e semanas sem fim esperando você voltar de mais uma viagem de negócios. Sentada sozinha e entediada.

— Tão entediada que arranjou um amante?

— Não foi isso que aconteceu.

— Então como explica um homem nu em nosso quarto?

Um silêncio tenso reinou.

Nunca conversaram sobre o que acontecera. Enraivecida pela acusação, e furiosa com o fim do relacionamento, ela simplesmente virará as costas, esperando que ele a seguisse e pedisse uma explicação. Ele não o fez.

Levantou uma sobrancelha.

— Finalmente, você quer conversar sobre o assunto? Um ano depois do ocorrido? Não acha que é um pouco tarde?

Ele preferiu ignorar o sarcasmo, mas o rosto ficou vermelho.

— Ele sabia como você era na cama? Totalmente insaciável? Não é possível que um jovem patético como ele fosse capaz de satisfazer seu apetite sexual.

Stasia empalideceu. Só com ele. Ele era o único homem que a deixava assim. Mas afinal ele sempre lhe creditara mais experiência do que tinha. Na noite em que descobriu que era virgem ficou tão chocado que quase pediu desculpas, o que seria uma atitude nova para Rico, um homem que nunca pedia desculpas.

— Madre de Dio, por que estamos falando sobre isso? Preciso de ar ou vou fazer algo de que me arrependerei depois.

Com um último olhar assassino que não deixava dúvida sobre o estado em que se encontrava, saiu batendo a porta.

 

Chiara foi liberada do hospital dois dias depois sob a condição de repousar.

Stasia sabia que devia ficar satisfeita com a recuperação da adolescente, mas o nível de ansiedade aumentou ainda mais.

Ela e Chiara tinham passado muito tempo juntas quando vivia em Roma com Rico, e a experiência foi estressante. Sabia que Chiara odiava a vila na Sicília por achá-la isolada. Como iam conseguir conviver durante semanas?

Mas Chiara parecia outra pessoa.

No momento em que chegou à vila, estava ansiosa por agradar, determinada a não causar aborrecimentos e encantada com a vista do terraço.

— Você acha que vou poder nadar no mar? — perguntou, olhando para a praia privada, para o oceano brilhando sob o sol do verão.

— Tente primeiro a piscina — avisou Rico, estendendo-lhe um chapéu e apontando uma espreguiçadeira. — Sente-se e Maria vai trazer uma bebida. E deve tentar dormir. Preciso dar uns telefonemas. Se precisar de algo, peça a Stasia. Vejo você no jantar. — Afagou a cabeça da irmã com um gesto carinhoso e afastou-se.

— Ele sempre foi para mim mais um pai do que um irmão — murmurou, e Stasia olhou-a desconfiada. Sabia que, no passado, Chiara odiara essa atitude.

Stasia tentou dar uma resposta neutra.

— Ele a ama muito.

Felizmente, Chiara caiu dormindo e a tarde passou rápido. Stasia deu uma caminhada pelo pomar que circundava a vila, lutando contra as memórias da primeira vez que Rico a trouxera ao lugar. Tinha se apaixonado pela ilha, sua história, cultura e a beleza incontestável da paisagem. Tão excitada como uma turista, fez com que Rico a levasse aos mais famosos lugares turísticos e visitaram templos gregos magníficos, catedrais normandas e palácios barrocos até que o calor e a multidão os conduzisse à privacidade da vila e a prazeres mais íntimos. Mas aqueles dias felizes tinham-lhe dado a chance de saber o que significava ser siciliano. E sabia que ele se orgulhava disso.

Perdida nos pensamentos, Stasia pegou uma laranja e voltou para o terraço fresco, coberto pelas videiras. Chiara ainda dormia, e Stasia estirou-se em uma espreguiçadeira, concentrada no caderno de anotações, desfrutando a brisa do mar.

Quando Chiara acordou era hora de vestir-se para o jantar.

Recolhendo-se ao santuário do quarto onde ficara durante a permanência de Chiara no hospital, Stasia não encontrou seus pertences.

Imediatamente saiu e encontrou a governanta de Rico.

— Seus pertences foram colocados na suíte principal, signora — disse em tom grave.

Por que Rico teria feito isso?

Dirigiu-se à suíte principal e entrou sem bater, justamente quando Rico saía do banho, o maravilhoso corpo bronzeado respingado de água, enxugando os cabelos.

Stasia perdeu a respiração.

Os olhos se deliciaram observando os ombros largos e os bíceps desenvolvidos. Segurou o desejo quando os olhos percorreram o peitoral trabalhado. O pêlo escuro parecia intensificar a masculinidade, e levava a fêmea faminta a descer os olhos para o estômago liso e até sua assombrosa virilidade.

Sentiu-se desfalecer, mas não podia tirar os olhos dele.

A reação a seu olhar foi instantânea e escandalosa, mas ele não mostrou nenhum embaraço ao expor a excitação. Em vez de usar a toalha para demonstrar recato, jogou-a para o lado, os olhos fixos no rosto de Stasia.

— Bem, acho que se minha irmãzinha nos vir agora, não teremos dificuldade em convencê-la de que estamos juntos — disse irônico.

Stasia sentiu como se tivesse sido esbofeteada, irritada por ficar tão mexida. Ela olhou. Ai meu Deus, olhava e olhava. Afastou-se ruborizada. Ele soltou uma gargalhada.

— Acho que é tarde para fingirmos indiferença — constatou, andando em sua direção, gloriosamente nu. — o fato de você ainda fazer isso comigo, mesmo sabendo o que sei sobre você, demonstra como é sedutora, cara mia. A voz sugeria não estar satisfeito ao constatar que ela ainda mexia com ele.

Manteve os olhos afastados, e colocou as mãos para trás para que ele não visse que tremiam.

— Maria disse que minhas coisas foram trazidas para cá. — O quarto parecia abafado. — Me pergunto o porquê.

— O que você acha? — Foi para o quarto de vestir e vestiu uma camiseta.

Stasia fechou os olhos, desejando desesperada-mente que ele não tivesse começado a se vestir pela parte de cima.

Mas que diferença faziam as roupas? pensou indefesa. Quem disse que "a roupa faz o monge" não conhecia Rico. No caso dele era "o monge faz a roupa." Ele fazia com que a camiseta mais simples virasse artigo de luxo, embora não se preocupasse com a aparência. Comprava o melhor que havia, mas esquecia-se delas. Seu estilo sofisticado era mais por acidente e perfeição física do que por estilo.

Com ar debochado, pegou uma cueca de seda e vestiu-a, os olhos mantendo-se nos dela, desafiando-a.

— Achei que o motivo era óbvio.— Depois vestiu a calça. Stasia esperou que a alta freqüência da excitação sexual desaparecesse, mas parecia não encontrar alívio. O corpo inteiro estava em brasa.

Era só por que não fazia sexo há um ano, disse a si mesma, virando-se em direção à porta, tentando ignorar o calor que tomava conta de sua pélvis.

— Volto depois.

— É claro que sim. A partir de hoje vai dormir aqui. Dormir, se vestir — tudo que um casal normal faz no quarto.

— Você espera que eu divida o quarto com você?

— É óbvio.

— Não há a menor chance de dormir com você.

Não podia estar falando sério.

Ele atravessou o quarto decidido.

— Então, vou ligar para o banco. — Tirou o fone do gancho, e ela ficou paralisada.

— Não! — O tom era agudo e colocou a mão na testa como se tentasse raciocinar.

— Não faça isso. Coloque o telefone no gancho.

O coração palpitava, enquanto considerava as opções. Novamente, ele não lhe deixava escolha. Mas como ia conseguir dividir o quarto com ele?

Seria o pior tipo de tortura. Ele colocou o fone no gancho.

— De agora em diante, esse é seu quarto. O quarto de Chiara fica a duas portas. Se não dormir aqui, ela vai saber.

— Não vou dormir na mesma cama que você! Ele olhou de relance o relógio, ignorando sua afirmativa.

— O jantar será servido em dez minutos. Você não vai mudar de roupa?

Olhou-o por um momento, e foi para a sala de vestir batendo a porta.

Stasia demorou-se, prolongando o momento em que teria que voltar para o quarto. O quarto de Rico.

— Vai ser ótimo ficar em casa com vocês dois — disse Chiara contente, servindo-se de azeitonas. — Mas me sinto culpada, forçando-os a ficar aqui. Sei que deve estar louco para voltar para Roma.

Stasia pulou quando Rico colocou a mão na dela.

— Por acaso, essa é a ocasião perfeita para passar mais tempo com Stasia. — Olhos negros aveludados acariciaram os seus. — Tenho sido negligente por trabalhar muito e pretendo redimir-me. — Ele levou-lhe a mão aos lábios; o olhar, pura promessa sensual.

Para seu horror, Stasia sentiu o coração pesado. Essas eram palavras que deveria ter dito quando estavam casados. Não agora, tarde demais e apenas para benefício da irmã.

Chiara simplesmente sorriu, sem perceber a alta voltagem na sala.

— Bem, prometo que não vou atrapalhar dessa vez. Podem ser tão românticos quanto quiserem. Nem vão perceber minha presença.

Romântico?

Excessivamente perturbada, Stasia retirou a mão e deixou cair o garfo.

— Desculpem... estou um pouco cansada. Acho que vou cedo para a cama. — Ignorou o olhar reprovador de Rico e levantou-se. — Espero que tenha uma boa noite. Vejo você no café-da-manhã.

Saiu da sala, procurando refúgio no quarto. Se tivesse uma chave trancaria a porta, mas não tinha e sabia que era apenas uma questão de tempo até que Rico chegasse.

Ele entrou no quarto logo em seguida, com expressão zangada.

— Melhor se esforçar em sua atuação ou vou dar aquele telefonema.

Ela sentou-se na beirada da cama, sentindo-se ligeiramente mal.

— Diferentemente de você, tenho dificuldade em viver uma mentira. Preciso aprender.

— Então aprenda rápido — avisou — ou o negócio vai por água abaixo.

— Estou tentando.

— Você chama tentar ficar sentada em silêncio durante todo o jantar? Só olhava o prato. O que aconteceu com seus olhares apaixonados?

— Estou me esforçando.

— Então se esforce e rápido. A partir de hoje quero que converse como sempre fez. Silêncio não é sua marca, como ambos sabemos. Quero que sorria e se comporte como se não pudesse manter as mãos afastadas de mim, cara mia.

— Mesmo que seja para estrangulá-lo?

Os olhos faiscaram com a chama antiga e os olhos dele brilharam apreciando a resposta.

— Guarde isso para o quarto — sugeriu com sorriso predatório. — Em público, quero que me toque como uma amante.

Ela o olhou enojada.

— Mas não quero tocá-lo como uma amante.

— Mentira, e sabemos disso — disse suave, pegando a barra da camiseta com o propósito de atormentá-la.

Tirou a camiseta revelando um torso bronzeado de causar inveja a um deus grego.

— Podemos odiar o fato, mas a verdade é que eu e você nunca conseguimos manter as mãos afastadas um do outro. Talvez precise lembrá-la.

Tentou sair da cama, mas ele aproximou-se com agilidade, passando-lhe um braço pela cintura e impedindo-a de escapar.

— Me deixe. Isso não faz parte de nosso acordo. — O coração batia tão forte que achou que ia explodir, e colocou-lhe as duas mãos no peito para afastá-lo. Foi um erro. No instante em que seus dedos fizeram contato com o pêlo do peito e a pele sedosa, quis agarrá-lo. Tentou desesperadamente desvencilhar-se, mas ele estava muito perto. Muito tentador. A cabeça girava.

Fazia tanto tempo. Tanto tempo que ele não a segurava. Tanto tempo que não sentia aquele cheirai másculo tão atraente.

Assim permaneceram por um tempo, envenenados; pela insana tensão sexual. E depois a boca aproximou-se da sua.

Era pura possessão. Demonstrando sua intenção, aí língua imediatamente forçou a passagem, experimentando-lhe o interior da boca com uma precisão e habilidade que a deixou trêmula, como ele sabia que aconteceria. Ele sempre soube como conseguir o que queria.

As mãos passaram da cintura para as nádegas e a puxou contra o corpo em um gesto primitivo, levando sua pélvis em chamas contra o volume da excitação. E a manteve aprisionada. Macho contra fêmea. Apertava-lhe os músculos do ombro, a boca aprisionada. Ele ainda a mantinha presa. Para deixá-la ciente do efeito que exercia sobre ele.

Ela não conseguiu mais se conter. O fogo era tão intenso que ela precisava apagá-lo. Ele era o única que poderia fazê-lo. Nada mais importava.

Gemeu. Ele a deitou de costas e veio por cima, removendo o resto das roupas com tanta agilidade que ela só percebeu quando sentiu o toque delicioso do corpo nu contra o seu.

Os olhos fixos nos dela, ele a despiu rapidamente e afastou-lhe as pernas olhando excitado.

Protestou encabulada, mas ele ignorou-a, levando a mão de seus seios macios para os pêlos encaracolados que escondiam sua feminilidade. Mas ele não permitia que ela se escondesse. Os olhos fixos nos dela aumentavam a intimidade, enquanto os dedos exploravam-lhe a parte mais sensível com precisão erótica.

A sensação era deliciosa.

Tão deliciosa que quando ele riu triunfante, ela nem escutou. E se tivesse escutado, não se importaria. Estava totalmente concentrada no que ele fazia com seu corpo.

Cerrou os olhos e mexeu-se contra a mão, reagindo apenas às sensações que ele despertava em seu corpo que correspondia a cada toque.

Quando abriu os olhos ele a mirava, testemunha da entrega total a seu toque de mestre.

O clímax foi tão intenso que ela enfiou-lhe as unhas nos ombros e gritou o nome dele. Ele abaixou a cabeça e beijou-a sofregamente, engolindo os gemidos e o arfar. Os dedos permaneceram em suas entranhas, explorando-lhe o corpo trêmulo.

Quando o último palpitar de prazer extinguiu-se, levantou a cabeça, mas mesmo assim não retirou a mão, os olhos ligeiramente sarcásticos enquanto examinava-lhe o rosto afogueado e a boca entreaberta.

— Você foi a mulher mais fogosa com quem fui para a cama — disse provocante, sem se preocupar em esconder a ereção. — Não me admira que tenha tido um caso. Sempre adorou transar, e a deixei sozinha muito tempo.

Era um comentário cruel, especialmente por ela não estar mental ou fisicamente preparada para responder. A intensidade de seu clímax a deixara entorpecida e fraca, mas o corpo ainda exigia mais, e ela não se moveu, pois seria um convite para mais carícias de seus longos e experientes dedos.

— Ele não fez isso com você? — A voz era áspera, e os dedos moveram-se com tal habilidade que a fizeram gemer e arquear as costas. — Ele sabia o que a excitava? Houve outros ou só ele?

Ela fechou os olhos e moveu os quadris, tentando afastar-se dele, mas ele a aprisionara com o peso.

— Rico, não! Você não está falando sério. Nem eu nem você queremos isso.

— Acho que acabamos de provar o que quero — disse, lambendo-lhe o mamilo. — Hora de esclarecer o que eu quero. E o que quero, minha querida esposa, é você.

Tentou empurrá-lo, mas os dedos estavam mergulhados nela, e a língua no seio enviava choques elétricos no corpo excitado.

Finalmente, conseguiu falar.

— Você não me quer...

— Não? — perguntou irônico, e pressionou-lhe a ereção contra a perna. — Por mais irritante que seja, infelizmente, cérebro e corpo nem sempre funcionam em sintonia.

— Você acha que dormi com outros homens...

— Como disse, nem sempre cérebro e corpo funcionam em sintonia. Saber que você é uma vadia não parece curar meu problema. E nesse exato momento pouco me importa seu passado. Só tenho que esquecer que outros desfrutaram do que costumava ser exclusivamente meu. Não sou daqueles que sabem dividir, mas estou tentando.

Mais ferida do que incrédula, ela devolveu-lhe o insulto.

— Se sou uma vadia, então o que você é?

— Um homem desesperado? — Ele rolou para baixo dela com um grunhido, a boca unindo-se a sua com uma violência que os impediu de falar. A excitação chegou a um ponto de ebulição que explodiu com força perigosa, devorando-os, arrastando-os.

Dessa vez, não houve sedução gradual.

A sedução tivera início no momento em que ele chegara a sua casa, e o tempo de gentileza já havia terminado.

Ele não hesitou. Não lhe deu tempo para preparar-se. Escorregou a mão por baixo de suas nádegas, ajeitou-a e a tomou com uma investida vigorosa, quase brutal, fazendo com que ela gritasse de dor e êxtase. Ele era tão grande — ela tinha esquecido como era grande — e, por um momento, precisou relembrar que seu corpo poderia acomodar esse corpo, como o fizera várias vezes.

Ele fez uma pausa, o suor brilhando na pele bronzeada, depois murmurou algo em italiano, e a penetrou mais fundo, como um homem tomado por algo além da luxúria. Sexo primitivo. Dominada pela possessão física, Stasia enfiou-lhe as unhas nos ombros e entrelaçou as pernas nele, aceitando com prazer as exigências do corpo dele.

— Não importa com quem esteve antes, agora é minha.

Investiu novamente, como para reforçar a declaração, e a voz carregava uma nota triunfante, mas ela só reagia às sensações físicas consumindo-lhe o corpo. Ela curvou-se, oferecendo mais, o movimento uma resposta instintiva da fêmea ao macho viril e potente.

— Rico — sussurrou, oferecendo a boca. Ele hesitou por um segundo. Aceitou o convite, em um beijo quente e envolvente do qual não havia como escapar. Tomou seu corpo em uma escalada sensual, de tirar o fôlego. Mas acima de tudo tomou seu coração, e quando finalmente compartilharam a explosão do clímax ela o manteve apertado, consciente de que nunca poderia deixar de amá-lo.

Fechou os olhos e o manteve junto a si, sentindo-lhe as batidas do coração, o calor da pele e a respiração contra a pele sensível do pescoço.

O peso poderia incomodá-la, mas não incomodou. Pelo contrário, era reconfortante. Fazia muito que não ficava embaixo dele. Fechou os olhos e o abraçou, perguntando-se como ia seguir adiante quando esse era o único lugar em que queria ficar.

O único homem com quem queria estar.

Quando finalmente ele deitou-se a seu lado e cobriu os olhos com o braço, ela se sentiu lesada.

Arriscou um olhar e, imediatamente, arrependeu-se do impulso.

Se havia um homem atormentado, ali estava um.

Se esperava palavras meigas e a gentileza que normalmente acompanham tamanha explosão de paixão, estava fadada ao desapontamento. Não havia gentileza. Nenhum prolongamento da intimidade compartilhada. Apenas uma aura de auto-recriminação. Era óbvio que se sentia culpado por ter cedido aos próprios impulsos.

Sem uma palavra ou olhar, ele levantou-se e foi para o banheiro, fechando a porta.

E ela deixou as lágrimas correrem.

Era simbólica aquela porta fechada. Simbolizava as barreiras que Rico colocava entre ele e as mulheres. E ela não era diferente das outras. Podia ter se casado com ela, mas só oferecia o corpo. Ela tinha escolhido amar um homem que se mantinha fechado. Não tinha sido nada além de uma amante com aliança. Sexo legalizado.

Ouviu o som do chuveiro e imaginou a água caindo nos cabelos negros sedosos, limpando a evidência do encontro tórrido. Saber que ele sentia necessidade de lavar-se a magoava. Saber que nunca seria capaz de se livrar dos sentimentos que nutria por ele tornava a dor quase insuportável.

Rapidamente, virou para o lado, encolheu-se e cobriu-se com gesto protetor. Ela o amava com uma intensidade que nunca seria correspondida. Teria que lidar com isso.

Dio, ele não queria que isso tivesse acontecido.

Ainda excitado e se desprezando pela fraqueza, Rico ficou debaixo do chuveiro, deixando que a água gelada esfriasse-lhe a carne. Os olhos estavam fechados, os ombros apoiados nos ladrilhos enquanto tentava limpar a culpa e a vergonha.

Tinha sido bruto.

Não importava que ela tivesse se contorcido e gemido de prazer. A constatação de ter perdido o controle não lhe fazia bem. Na verdade, saber que provavelmente a tinha machucado o atemorizava. Mesmo que ela tivesse agido mal, nenhuma mulher merecia isso.

Consciente de que a água gelada não suavizaria a culpa, ou o latejar insistente de certas partes do corpo, desligou a água e pegou uma toalha.

Por que agira assim?

Talvez fosse uma questão de orgulho, meditou. Ela o deixara, então queria mostrar-lhe que ele era mais homem que qualquer de seus amantes. Que ninguém conhecia seu corpo como ele.

Não tinha nada a ver com orgulho. Simplesmente, não podia imaginar outro homem tocando-a.

A mulher dele.

Apesar do banho gelado, gotas de suor brilhavam na sobrancelha, e ele soltou um nome feio, reconhecendo o sentimento devastador.

Um ciúme primitivo de macho.

Mas ela não mais lhe pertencia.

Tinha partido, e ele a deixara ir-se, tão consumido pelas próprias emoções que nem chegara a considerar outra atitude.

Por isso concordara de imediato com a recomendação do médico de trazer Stasia? Teria inconscientemente desejado a chance de tomar outra atitude?

Respirou profundamente e olhou o reflexo no espelho. Do momento em que Chiara murmurava o nome de Stasia, soubera que isso ia acontecer. Nunca houve a menor chance de ficarem perto sem que a química entrasse em ação.

Lembrou-se do primeiro encontro. Ele a tinha levado para jantar em seu palazzo de Roma, e ela passara a noite dizendo que não ficaria, tentando convencer ambos de que passaria a noite sozinha no quarto de hotel. Mas seu protesto era tão pouco convincente... O destino fora selado no momento em que os olhos se encontraram no foyer de mármore da sede da Crisanti Corporation. A vibração entre eles era um sinal de que sexo era inevitável, e apenas aumentava a excitação e a expectativa.

E no momento em que descobriu que era virgem, decidiu que não a deixaria escapar. Queria tê-la a seu lado. E para consegui-lo ofereceu a única coisa que jamais oferecera a outra mulher.

Casamento.

Deu-lhe tudo que ela podia desejar e, mesmo assim, aparentemente, não fora o suficiente.

Até a noite passada acreditava não haver retorno. Agora não tinha tanta certeza. Deu uma risada cínica. O que era a prova de sua tolice. Mesmo sabendo quem ela era, não podia desvencilhar-se.

Jogou água gelada no rosto e voltou a olhar-se no espelho, a expressão subitamente fria. Então por que estava se enganando? Stasia era uma mulher linda, e ainda era sua mulher. O sexo era fantástico e, apesar de suas negativas, era óbvio que ela o desejava com tanto fervor quanto ele a desejava. Então, não havia razão lógica para que não pudessem dar prazer um ao outro fisicamente.

Não era esse o relacionamento ideal? Sem vazias declarações de amor. Sem envolvimento emocional. Apenas sexo sem compromisso entre duas pessoas que se completavam.

Quando Chiara recuperasse a memória, ele se afastaria dela sem olhar para Irás.

Tendo conseguido encarar os fatos de forma a que não mais precisasse justificar o desempenho na cama, começou a se barbear.

 

Quando Stasia acordou no dia seguinte, a cama estava vazia e era evidente, pelo travesseiro intocado, que dormira sozinha. O sofá estreito no canto do quarto mostrava sinais de ocupação. O grau de repulsa devia ser grande para levar Rico a preferir passar uma noite desconfortável a dormir na própria cama.

Obviamente, não queria ficar perto dela.

O que esperava? Ser acordada com um beijo apaixonado?

Difícil.

A noite passada não envolvia amor.

Rico era um cara muito ligado em sexo. Não ia abrir mão da satisfação física simplesmente por que tinha a infelicidade de estar preso na vila com aquela que seria em breve sua ex-mulher.

Botou as pernas para fora da cama, registrou a pouco familiar dor no corpo com um sorriso amargo, e foi para o chuveiro. O longo banho que ele tomara a noite passada tinha obviamente funcionado para ele. Talvez, ela devesse tentar o mesmo tratamento.

Relutando em encará-lo e não levando a menor fé em sua habilidade de fingir como ele o exigira, demorou a vestir-se, na esperança de que, ao terminar, Rico já tivesse terminado o café-da-manhã e desaparecido no escritório.

Não teve sorte.

Ele estava no terraço. Parecia ter dormido umas dez horas, e não tirado um cochilo no sofá que, definitivamente, não fora projetado para oferecer conforto a alguém com aquela estrutura.

Retardou o momento de encontrá-lo, caminhando para a árvore frutífera mais próxima. Parou, perdida em pensamentos tão doces quanto dolorosos, e pegou uma laranja. Sempre ficara encantada com a noção de que podia pegar o café-da-manhã direto da árvore. E Rico sempre debochara de seus gostos tão simples.

Tinha gostos simples. Mas nem ele nem a família os compreendia.

Chiara conversava com o irmão. Abriu um sorriso ao vê-la.

— Você dormiu bastante. Devia estar cansada. — Passou o café, e os olhos estreitaram-se. — Você pegou muito sol ontem? Sua pele está vermelha em torno do pescoço.

Ciente de que Rico a olhava, Stasia pegou um prato e uma faca.

— Minha pele é sensível. — Chiara corou entendendo a mensagem.

— Ah, eu não... — ruborizada, a adolescente desviou o olhar para o mar. — Hoje vai fazer muito calor, acho que vou à praia.

— Então leve Gio com você. Não deve ficar sozinha. Fique na sombra e não se demore muito.

Ansiosa por escapar do cenário de seu faux pas, Chiara murmurou algo, ficou ainda mais vermelha e apressou-se em direção à vila.

Stasia olhou-a, descascando a laranja com movimentos hábeis.

— Bem, acho que sua irmã está convencida agora

— disse, deixando cair a casca no prato e cortando a laranja em gomos. — Está satisfeito? Tudo funcionou como planejado.

— Não exatamente, lamento por ontem à noite...

— Ah, com certeza. — Lutou para manter a voz calma. — Me tocar não fazia parte do plano, certo?

Ele ficou tenso.

— Stasia...

— Você realmente acha que não percebi como se sentiu depois que fizemos amor? — Apesar do esforço, a voz tremia. — Você se odiou. Odiou-se por perder o controle do qual tanto se orgulha, odiou-se por tocar em alguém como eu.

Ele suspirou.

— Não é verdade.

Os olhos se encontraram, a respiração ficou presa e, de repente, ela se lembrava de cada momento da noite anterior. O calor. O poder da masculinidade. Excitação sexual nua e crua.

Ele também se lembrava.

— Vamos apenas combinar que não tornará a acontecer.

Fixou o olhar no prato, achando que jamais voltaria a ter fome. Mesmo uma laranja fresca perdera o encanto.

— A não ser que pretenda convidar Chiara para dividir nosso quarto, não faz sentido. Portanto, poupe-me do arrependimento.

— Não me arrependo de ter feito amor com você — disse, o sotaque siciliano bastante pronunciado, o que não era normal. — A verdade é que eu e você não podemos ficar juntos sem tirarmos a roupa. Não faça papel de vítima. Você queria tanto quanto eu.

Teve vontade de negar. Queria apagar o olhar convencido do rosto dele. Mas como poderia? Quando tinha enfiado-lhe as unhas nas costas e implorado por mais? Se não podia nem se convencer, como iria convencê-lo?

Usou o ataque como defesa.

— Você realmente se acha o melhor amante do mundo, não é?

Ele não hesitou, os olhos negros faiscando.

— Se levar em conta sua reação ontem à noite, a resposta é sim.

Sacudiu os ombros, e ela passou a língua nos lábios secos, perguntando-se se aprenderia a exercer controle sobre o corpo. Com certeza, devia haver um jeito de tornar-se indiferente. Olhou-o desafiante.

-— Então, de que se arrepende?

— De tê-la machucado. — A voz saía macia como veludo. — Fui rude e peço desculpas.

Ele a pegou de surpresa. Atônita, não conseguiu fazer o comentário afiado que tinha na ponta da língua. Nunca ele pedira desculpas antes. Era a pessoa mais segura que conhecia, um traço que lhe garantira sucesso profissional. Quando negociava, esperava que os outros perdessem o sangue-frio...

De súbito, sentiu-se encabulada, o que era ridículo considerando as intimidades da noite anterior.

— Você não me machucou.

— Ótimo. Mas se não a machuquei é porque você estava tão alucinada quanto eu. — O sorriso desapareceu e os olhos tornaram-se frios. — Como explica isso, minha linda esposa? Seu amante não a tem saciado?

— Vá para o inferno!

Levantou-se bruscamente, derrubando a cadeira. Furiosa por ele ter transformado o que fora um ato de amor em algo sórdido e puramente físico.

— Você. trabalhava todo o tempo. Só vinha em casa para sexo, e no final nem era com tanta freqüência. Você emprega milhares de pessoas. Precisa aprender a delegar tarefas...

Virou-se, mas a mão dele pegou-lhe o pulso como uma garra, impedindo-a de escapar. O coração batia assustado, e ela enfrentou um olhar cheio de raiva. Não devia ter dito aquilo.

— Quando eu precisar de conselhos sobre como conduzir meus negócios, pedirei a você. E quando precisar de conselhos sobre como manter uma esposa satisfeita, perguntarei a você também. — A voz era equilibrada, mas o maxilar traía a fúria. — A verdade é que não a mantive suficientemente ocupada na cama. É justo avisá-la de que enquanto estiver aqui, você vai ficar cansada até para andar, quanto mais para olhar outro homem, cara mia.

— Rico...

Ele ignorou-lhe o protesto emocionado, a expressão revelando determinação quando a pegou no colo e a levou de volta para o quarto.

— Pelo amor de Deus... — Debateu-se por alguns segundos, mas o corpo começou a amolecer. Bastava ele olhá-la e estava perdida. Sentiu a familiar onda de desejo, o corpo inteiro sensível.

Colocou-a na cama, e prendeu-a para que não escapasse.

— Você queria que eu lhe desse mais atenção. — A voz estava abafada. Ela gritou quando a língua lambeu-lhe o pescoço em direção da orelha — Agora vai ter.

— Rico... isso é só fingimento...

— Não — murmurou. Despiu-a com habilidade, afastando-lhe as pernas para sua boca voraz.

Gritou quando o toque experiente da língua enviou-lhe ondas de sensações pelo corpo. Ele a explorava sem piedade, com intimidade, até que ela se entregou ao êxtase, o corpo e a mente fora de controle.

Quando finalmente penetrou-lhe o corpo trêmulo, soltou um gemido baixo, e ele parou. Gotas de suor salpicavam-lhe os traços bronzeados, a respiração também descompassada.

— Isso parece fingimento?

Percebendo que ela era incapaz de responder, mergulhou mais fundo, os movimentos lentos e deliberados. Se a noite anterior tinha sido desvairada, essa era mais vagarosa e controlada, mas não menos devastadora.

— Isso parece fingimento, Stasia?

Ele escorregou a mão por baixo de suas nádegas e a penetrou, mais e mais fundo, em um ir e vir como se fosse sair até ela soltar um gemido de protesto e agarrá-lo, puxando-o para dentro. Mas dessa vez ele estava no controle. E a possuiu como um mestre, deixando-a enlouquecida, fazendo-a atingir o orgasmo uma vez e mais outra. E, finalmente, na quarta vez, preocupou-se com o próprio prazer, penetrando-a repetidas vezes até ela sentir o corpo poderoso estremecer e a seiva inundá-la. Murmurou-lhe o nome, apertou-a contra ele e, inacreditavelmente, seu próprio corpo explodiu em um outro orgasmo. Ele sentiu. Penetrou-a novamente mais e mais fundo até ele próprio atingir o orgasmo.

Finalmente ele deitou-se, afastando-se e cobrindo os olhos com o braço. Stasia arriscou um olhar.

Como se lesse seus pensamentos, e decidido a minimizar o que acabavam de compartilhar, abriu os olhos e bocejou.

— Melhor descansar — avisou, levantando-se satisfeito como um gato selvagem após ter aniquilado uma vítima — para estar recuperada mais tarde.

Mais tarde?

Atordoada, tentou argumentar.

— Não podemos continuar fazendo isso, Rico...

— Podemos — disse com a mesma segurança que caracterizava cada gesto. — Afinal de contas, ainda somos casados.

Ponto final. Para ele, sexo e casamento eram sinônimos. Simples. O fato de haver um enorme abismo emocional entre eles não estava em questão. O fato de acreditar ser ela capaz do mais detestável episódio de infidelidade também não estava em questão. Tinha decidido que queria fazer amor com ela, então tudo bem. Estava preparado para convenientemente esquecer tudo, de forma a satisfazer o desenfreado desejo. Era como se os problemas deles fossem irrelevantes. E talvez, para Rico, fossem.

Era obviamente boa de cama, e isso era tudo que queria dela. Stasia olhou para o teto sem compreender. Homens e mulheres eram mesmo tão diferentes? Poderia experimentar esse nível de intimidade física com ela, e não sentir nada?

Cobriu os olhos com os braços para não ver o magnífico corpo nu. Seu corpo inteiro estava palpitante e exausto e, ainda assim, se ele quisesse fazer amor, o aceitaria de bom grado. E como se odiava por isso! Queria ser capaz de ficar deitada imóvel e parecer indiferente.

Mas parecia que quando se tratava de Rico, tornava-se insaciável.

Levou alguns segundos para perceber que ele terminara o banho e vestira shorts e uma camiseta folgada.

Parecia saciado e extremamente satisfeito.

— Vamos encontrar Chiara na praia. Você pode andar, ou preciso levá-la no colo?

Levantou-se apressada.

— Preciso de um banho.

Queria parecer fria, mas foi difícil quando ele lançou aquele olhar penetrante que sempre achava tão perturbador e erótico.

— Então se apresse. Não quero deixá-la sozinha.

— Ela está cercada de guarda-costas — comentou Stasia, enquanto ia pela segunda vez nesta manhã para o chuveiro. — Definitivamente, não está só.

— Não é a mesma coisa. Seguiu-a e recostou-se na porta do banheiro.

— Não vou tomar banho com você olhando.

— Tarde demais para ficar envergonhada, não acha? — debochou, os olhos percorrendo-lhe os seios e as pernas com evidente apreciação. — Conheço cada centímetro de seu corpo.

Ela encarou-o.

— Você definitivamente não me conhece, Rico.

— Sei exatamente como tocá-la para deixá-la pegando fogo.

Ela caminhou na direção dele e empurrou-o ligeiramente: o suficiente para que ele desse um passo atrás e ela fechasse a porta.

— Isso é físico, Rico. Emocionalmente, não sabe nada de mim. Encontro Chiara na praia em cinco minutos.

Fechou a porta.

 

Quando pisou na areia ficou surpresa ao encontrar Rico estirado perto de Chiara em uma parte da praia onde ainda fazia sombra.

Não sabia que ele pretendia demorar-se.

— Não vai trabalhar? — Sentou-se na outra extremidade da larga toalha. Infelizmente, era o único pedaço onde batia sol.

— Idiota... — o tom era rude e puxou-a pela mão. — Você sabe como se queima com facilidade. Cinco minutos nesse calor e vai ficar torrada, cara mia. Fique na sombra.

A preocupação e o olhar carinhoso eram mais do que podia suportar, e precisou lembrar-se de que era tudo teatro. Consolando-se com o fato de que ele ia trabalhar a qualquer instante, mudou-se para a sombra, embora isso a conduzisse para mais perto dele.

Ela concentrou-se em Chiara.

— Como está se sentindo?

— Muito bem. Só um pouco de dor de cabeça. — A garota tirou os olhos da revista e deu um sorriso triste. — E, aparentemente, não consigo me lembrar de nada do que aconteceu desde a sua lua-de-mel. Conto com você para preencher as lacunas.

— Apenas viva o presente — avisou Rico, pegando um protetor solar. Começou a espalhar o creme nas costas de Stasia, massageando-a em movimentos sedutores.

As mãos dele conheciam tão bem seu corpo.

Stasia segurou um gemido. Há menos de uma hora ele estava deitado totalmente saciado na cama. E ainda assim parecia que não era o suficiente...

— Agora sei porque perdi a memória. — Chiara riu, virando-se de braços e cobrindo os olhos fingindo horror. — Deve ter sido a visão de vocês dois durante a lua-de-mel. Se ainda se comportam assim depois de um ano e meio, deviam ser absolutamente in-controláveis quando se casaram. Vocês conseguem sair da cama?

— Chiara!

As sobrancelhas de Rico franziram-se em desaprovação, e o tom de voz era severo. Subitamente ele se tornara o irmão mais velho.

— Você não vai falar desse jeito.

— Não sou mais criança. Conheço a vida. Se não conhecesse, aí sim você devia se preocupar — anunciou docemente.

Stasia ficou atônita. Pela primeira vez, Chiara enfrentava o irmão.

— Fico preocupado de qualquer maneira — disse Rico estendendo a mão e acariciando o cabelo da irmã. — Sou seu irmão. E sempre me senti responsável por você.

Chiara sorriu.

— Você agora tem uma mulher com quem se preocupar. — Bocejou. — Mas por que vocês ainda não têm filhos?

Talvez pela primeira vez na vida Rico ficou sem resposta. O silêncio prolongou-se. Stasia respondeu:

— É culpa minha — disse serena, pegando a mão de Rico. Se ia ter que representar, que o fizesse bem. — Eu tinha uma carreira, você sabe. Uma carreira que adorava e que envolvia muitas viagens. Não quis ter logo um filho. Decidimos esperar.

Não era mentira, embora não fosse exatamente verdade. A verdade é que nunca discutiram esse assunto. Nunca falaram sobre crianças. Assim como nunca discutiram nada importante. Apenas se casaram por impulso.

Rico relaxou e apertou sua mão em um gesto de aprovação e gratidão. Obviamente, tinha achado boa a justificativa.

— Estou surpresa por ele ter concordado em esperar — disse Chiara lentamente, virando-se de lado e olhando-os com um olhar brincalhão. — Posso ter perdido parcialmente a memória, mas sei que meu irmão é o macho primitivo original. Quer que a mulher produza várias miniaturas dele. Não se engane: está apenas ganhando tempo. Vai engravidá-la a qualquer momento.

Ai, meu Deus...

Stasia ficou ruborizada. Rico fechou a cara.

— Chega, Chiara. — As palavras eram dirigidas à irmã, mas os olhos observadores estavam voltados para Stasia. — Está com muito calor?

— Não — balançou a cabeça e conseguiu sorrir. Não estava com calor. Estava em pânico. Nenhum dos dois pensara em preservativos...

Sentindo-se desconfortável, fez rápidos cálculos mentais e chegou à conclusão de que era pouco provável ficar grávida. Seria muito azar. Ou sorte. Apesar de tudo que acontecera entre eles, ela não conseguia deixar de sentir-se entusiasmada e excitada diante da possibilidade de ter um bebê de Rico. Apesar do fato do relacionamento deles não ter futuro...

Como era tola!

Chiara passava óleo de bronzear nos braços.

— Você disse que não quis filhos porque tinha uma carreira. Não tem mais?

Stasia tentou esquecer a perspectiva de estar grávida.

— Não pinto mais murais. Apenas quadros, quase sempre sob encomenda. Logo, não preciso mais viajar tanto, e algumas vezes ... — Interrompeu-se a tempo, percebendo assustada que quase dissera que ajudava a mãe na loja de antiguidades. Percebendo o quão perto chegara de revelar a verdade, Stasia mordeu os lábios e completou a frase: —... gosto de ficar à toa pela casa.

O que não estava longe da verdade. Desde que retornara da Itália não tivera energia para fazer muita coisa. Sua casa era seu santuário.

— Gostaria de pintar — disse Chiara deitando-se de costas. — Soa tão relaxante.

— Pode ser, mas às vezes é frustrante. Quando um quadro não sai como planejei, é estressante.

— Gostaria de aprender a pintar, usar as cores. Você me ensina?

Stasia fitou Chiara atônita.

— Qual o problema? Você parece surpresa. Eu odiava pintar, ou algo assim?

Ciente de que Rico a olhava entre os olhos semi-cerrados, Stasia se dominou.

— Não sei — disse com sinceridade. — Nunca falamos sobre isso.

Chiara apoiou-se no cotovelo.

— Então o que eu gostava de fazer?

Stasia olhou-a desconcertada, tentando formular uma resposta apropriada. A verdade definitivamente não era apropriada. Afinal, decidiu ser vaga.

— Você era uma típica adolescente. Gostava de roupas e dos amigos...

— Amigos. — Chiara franziu o rosto interrogativamente. — Eu tinha namorado?

O rosto bonito de Rico alterou-se.

— Não. Sempre fui muito severo a esse respeito. Muitas de suas amigas freqüentavam boates, bebiam e ficavam de pegação. Felizmente, não era assim que você gostava de passar as noites.

Stasia olhou para o mar, tomando cuidado para que sua expressão nada revelasse. A conversa tinha ido para um campo perigoso.

Chiara se sentou e envolveu os joelhos com os braços, os olhos fixos no rosto do irmão.

— Então como passava minhas noites? Rico deu de ombros.

— Basicamente estudando. Algumas vezes você se juntava a nós para o jantar.

Stasia manteve os olhos fixos no horizonte. E algumas vezes tinha tamanhas explosões de raiva que passava a noite trancada no quarto. E nas noites em que o irmão estava fora ia escondida a boates, ou convidava amigos para a casa. Amigos inadequados. Amigos que Rico baniria da convivência da irmã só de olhá-los.

O celular tocou e Rico levantou-se praguejando. Lançou um olhar de desculpas às duas.

— Tenho que atender. Volto em um minuto. Afastou-se e, pela primeira vez, Stasia reparou os guarda-costas posicionados em cada canto da praia, conscientes da missão de assegurar que nenhum turista ou paparazzi invadisse as terras dos Crisantis.

— Fale mais. — Chiara pegou a garrafa d' água. — Agora que ele se afastou pode me contar a verdade.

A boca de Stasia ficou seca.

— Sobre o quê?

— Bem, posso ter perdido a memória, mas o que Rico acaba de dizer não parece correto — murmurou Chiara, esfregando a testa com os dedos. — Queria que minha cabeça parasse de doer. Queria que essa nuvem clareasse. É como se as respostas todas estivessem aqui, mas escondidas.

— Talvez devêssemos voltar para a vila — sugeriu, mas Chiara recusou.

— A dor de cabeça está presente não importa onde eu esteja. — Olhou o mar e respirou fundo. — Gosto daqui.

Stasia olhou-a, incapaz de esconder a surpresa.

— É mesmo? Fico feliz.

— Eu não gostava, não é?

Stasia hesitou e depois sacudiu a cabeça.

— Você costumava dizer que era monótono. Mas está mais velha agora e...

— Menos chata? — O tom de Chiara era seco. — Eu tinha namorados e ele não sabia. Posso ver em seu rosto.

Stasia ficou paralisada. Devia contar a verdade? Que tinha sido um dos namorados dela que Rico havia descoberto aquela noite? Que Chiara tinha sido a responsável por destruir o casamento já desestruturado?

Não. Claro que não. Chiara devia ser protegida de choques e, de qualquer maneira, de que adiantaria a verdade agora? Tarde demais. O relacionamento deles tinha chegado ao fim.

Tudo que importava era ajudar na recuperação de Chiara para poder voltar à Inglaterra o quanto antes.

— Não acho que o passado seja relevante — disse, finalmente, oferecendo um sorriso reconfortante. — Acho que o presente é que conta.

Chiara a olhou por um momento, deu um suspiro e deitou-se.

— Tenho esse nevoeiro em volta do cérebro. Sei que as respostas encontram-se em algum lugar, mas não estão ao alcance.

O que aconteceria quando finalmente recuperasse a memória? questionou-se.

Rico voltou nesse instante, e refestelou-se perto delas.

— Por que não está trabalhando? — perguntou Chiara, e os olhos de Rico brilharam zombeteiros ao repousar em Stasia.

— Estou aprendendo a delegar — disse pausada-mente, e ela não conseguiu reprimir o sorriso.

— Desse jeito, o próximo passo será discutir seus sentimentos.

— Melhor manter as expectativas em um nível razoável, cara mia. — Inclinou-se e deu-lhe um beijo meigo nos lábios. — Ainda sou um homem, e homens, especialmente os sicilianos, não conhecem fraquezas.

Ela sabia que ele era um homem. Não precisava ser lembrada. Com seus ombros largos, o peito musculoso e o sombreado da barba, Rico só podia ser um homem. Um homem incrivelmente sexy.

— Você quer dizer que não pode demonstrar fraqueza — corrigiu, na tentativa de tornar mais leve a atmosfera que parecia pulsar com uma tensão sexual tão intensa que chegava a ser palpável.

— Deve ser nossa culpa — disse Chiara bocejando. — Rico é o único homem da casa desde os 15 anos. Todas nós nos apoiamos nele. Esperávamos que fosse forte e tivesse resposta para tudo. Se eu tivesse visto Rico vulnerável, entraria em pânico.

Stasia permaneceu sentada em silêncio, digerindo as palavras de Chiara. Nunca tinha pensado a respeito. Claro que ele mencionara a morte do pai quando era jovem. E é claro que observou que ele era o cabeça da família. Mas tinha assumido que seguiam as tradições sicilianas. Nunca tinha considerado o peso que devia representar para ele assumir tamanha responsabilidade tão jovem. Como mulheres adultas podiam depender de um menino de 15 anos?

 

Espiou-o, o olhar curioso, querendo lhe fazer todo tipo de perguntas que nunca fizera. Como, por exemplo, saber a sensação de ser visto como homem quando era um menino. E quem tomava conta dele enquanto ele tomava conta de todo mundo?

Quando se encontraram pela. primeira vez, acusara-o de ser muito sério. Mas isso era uma surpresa?

Em um impulso levantou-se e deu-lhe um sorriso desafiante.

— Quer nadar?

Sem esperar pela resposta, mergulhou na água gelada.

Ele a seguiu.

Ela deu um gritinho ao contato da água gelada. Ele riu e a pegou pela cintura.

— Não me afogue — implorou, segurando-o e tentando manter o equilíbrio. — Está tão fria.

Na verdade, a água exercia um delicioso efeito refrescante, mas se sentia como uma criança apavorada diante da possibilidade de afundarem sua cabeça n'água.

— O verão está começando. Em breve, o mar vai estar mais aquecido. E não esqueça que parece mais fria porque o sol está muito quente. Se ficar agachada, não vai sentir frio.

Os olhos dele brilhavam. Ela soltou outro grito, e tentou se desvencilhar. Mas ela não era páreo para ele. Com um movimento ágil, suspendeu-a enquanto ela o agarrava e implorava que não a deixasse cair.

Ao voltar à superfície, atirou-se contra ele que caiu de costas rindo, e em seguida ela também ria.

— Hum... acho que bebi metade do oceano. Chega!

— Você se rende?

— Nunca. — Fitou-o sorridente. — Vou esperar até que você esteja distraído para atacá-lo.

— É verdade? — O sotaque siciliano tornara-se bastante pronunciado. Ela sentiu o coração palpitar quando ele veio em sua direção.

— Não! Rico, de novo não. Vou me sentir mal se beber mais água. -— Tentou afastar-se, mas as pernas estavam pesadas, e ele a pegou com facilidade.

Mas dessa vez não lhe deu um caldo. Apertou-a contra o peito e a olhou, os cílios escuros e espessos escondendo-lhe a expressão.

Sua mente voltou a uma época que ela vinha tentando esquecer.

— Isso me lembra nossa lua-de-mel — disse Rico, como se lesse sua mente.

— Não Rico...

Não fazia sentido reviver o passado. Estavam ali esperando a recuperação de Chiara. Não tinha dúvidas de que essa demonstração era puro teatro.

— Faz tempo que não a vejo rir assim. — Ele afastou-lhe o cabelo da testa. — Quando encontrei você, estava sempre risonha.

Sentindo o calor do corpo contra o seu, os dedos em seus cabelos, Stasia ficou sem ar.

— Quando o encontrei, você também costumava rir. Em nossa lua-de-mel, você riu.

E ninguém estava olhando. Ele acariciou-lhe o rosto.

— O que aconteceu?

— É a mim que pergunta por que paramos de rir? Foi depois de nossa ida para Roma. Você estava trabalhando. Eu também. Ambos estressados...

— Se você não insistisse em trabalhar, o estresse seria menor...

— Não enche, Rico! Não vamos recomeçar! Eu queria trabalhar. Você sabia. Preciso pintar — disse, soltando-se.

— Nunca tentei impedi-la de pintar.

— Mas nunca me encorajou. Não queria que apreciassem meu trabalho, que eu tivesse uma carreira.

— Você não precisava de uma carreira. Como você mesma afirmou, nossa vida era muito estressante. Sua insistência em ter uma carreira só a tornava mais tensa.

— E por que eu deveria fazer todas concessões? Sempre pensou só em você, no que precisava. E o que eu precisava? Eu precisava de uma ocupação. Não me sinto bem sentada como uma peça decorativa esperando que você chegue em casa quando estiver a fim de sexo.

Ele ficou tenso.

— Não era assim.

— Era exatamente assim. Você se casou comigo, Rico. Sabia a pessoa que eu era. E, ainda assim, ao nos casarmos esperava que eu me transformasse em outra pessoa. Esperava que eu me encaixasse no modelo da perfeita esposa italiana.

— Não é verdade. Dei-lhe tudo de que precisava. Sua vida devia ser perfeita. — Respirou fundo. — Nosso casamento devia ser perfeito.

Ela o olhou frustrada.

— Eu não precisava de coisas materiais, mas você não percebia, pois só pensa em você.

Ele lançou-lhe um olhar de pura incompreensão masculina.

— Qual ó sentido de se casar com um bilionário e trabalhar?

— Para um cara excepcionalmente brilhante, você pode ser um bocado idiota... — Prendeu as mãos para não esbofeteá-lo. — Não trabalho apenas por dinheiro, como saberia se de vez em quando conversasse comigo, em vez de simplesmente tirar minha roupa sempre que nos encontramos.

Ele a olhava perplexo, e não sabia o que dizer. Ela olhou em volta e deu um sorriso irônico.

— Você se dá conta do ridículo da situação? Nunca conversamos antes e, de repente, o fazemos no mar, quando é tarde demais. — Olhou para a areia e viu Chiara levantar-se. — Ela vai saber que estamos discutindo se não tomarmos cuidado. Melhor voltarmos.

Sem esperar resposta, saiu da água e deitou-se na areia.

Não queria mais falar sobre isso. Para quê? Ambos sabiam que o casamento terminara. E quando Chiara recobrasse a memória, ela e Rico seguiriam caminhos distintos.

E se essa simples idéia a torturava, teria que se acostumar com o fato.

 

Rico andava de um lado a outro do escritório, lutando com sentimentos que não conseguia compreender.

Estava acontecendo de novo.

Em poucos dias, ela voltara a enfeitiçá-lo. Não bastava tê-la na cama todas as noites, queria-a em tempo integral.

Ignorando a vista espetacular, Rico olhava pela janela, lembrando-se da conversa na praia.

Não era um homem introspectivo, preso ao passado. Se o passado não podia ser mudado, para que discutir? Por que desde aquela conversa, não conseguia concentrar-se?

Como ela podia acusá-lo de egoísmo?

Trabalhou desesperadamente para dar segurança e uma vida de fausto à família. Tinha-se entregado por inteiro ao casamento. Deu-se de corpo e alma, sem ser correspondido.

Concluindo que mulheres são indecifráveis, parou e olhou o jardim, esforçando-se por ver seu casamento sob outro ângulo.

Do ângulo dela.

Teria sido cego a suas necessidades? Era verdade que o relacionamento deles mudara desde que chegaram a Roma. Ele percebeu a mudança, mas não se deteve para pensar o que havia ocorrido. Até agora.

Rememorou fatos, concluindo, pela primeira vez, que passava a maior parte do tempo no trabalho, e que possivelmente tinha dado pouca atenção à mulher. Achava que Stasia seria como todas as outras namoradas, absolutamente felizes em passar os dias fazendo compras com seu cartão de crédito. Em vez disso, sempre a encontrava vagando pelos salões de mármore do palazzo a esperá-lo. Até que cansou e começou a trabalhar. E muitas foram as ocasiões em que não a encontrava ao chegar em casa.

Cerrou os dentes, lembrando-se da reação negativa ao vê-la correr atrás dos próprios negócios. Mas ele não era propriamente um cara moderninho, não é?

O que ela pensava? Que não era capaz de cuidar dela? Que não tinha capacidade de sustentar a própria família?

Passou a mão pela nuca ao lembrar-se daquela noite quando chegou em casa sem avisar e encontrou-a no quarto com um homem nu.

O quarto deles.

Rico sentiu o suor brotando-lhe na testa, e os músculos retesando-se, em uma reação instintiva de auto-preservação. Não, definitivamente, em algumas áreas, ele não era um homem moderno.

Entretanto, em outras...

Fez uma pequena pausa, olhou em volta do estúdio e pegou o telefone.

Chiara não apareceu para jantar com eles.

— Ela está com dor de cabeça — justificou Stasia assim que Rico surgiu no terraço trajando uma calça esporte e camisa aberta. Stasia olhou-o de relance e fixou o olhar na vista do terraço. Olhar para Rico era caminho certo para a autodestruição, pois sabia muito bem que as coisas não terminariam por aí. Acabariam se tocando, e, antes que percebesse, estaria envolvida dos pés à cabeça. Não somente vendo e tocando, mas provando, cheirando e ouvindo. Os momentos de alegria que tivera com ele tinham chegado ao fim.

— Vinho? — Sem esperar pela resposta, encheu os copos.

— Chiara está doente? Preciso chamar o médico? Stasia sacudiu a cabeça e empurrou um pouco a cadeira para trás. Ele estava muito perto.

— Ela passou muito tempo acordada hoje. Amanhã precisará tirar uma sesta.

Ele fez um sinal de aprovação e serviu-se de algumas azeitonas, encostando-se na cadeira enquanto um dos empregados servia a entrada.

— Ela está com a aparência um pouco melhor. Stasia não conseguia concentrar-se. Ele lhe tirava a atenção. Tinha que se sentar tão perto? O que estava querendo, se Chiara nem estava aqui para presenciar a cena?

Sem condição de agüentar a tensão cada vez maior, levantou-se, com a respiração ofegante e o pulso acelerado.

— Estou meio sem fome. Vou pintar na praia... Com mão firme, ele segurou-lhe o pulso.

— Sente-se. Está na hora de conversarmos. E você devia comer. Esta mozarela está ótima. Tem um gosto muito delicado. Meu primo mantém um dos melhores rebanhos de búfalos. O leite é muito gorduroso para ser bebido, mas produz o melhor dos queijos. Experimente.

Ela não queria comer nem conversar, mas a expressão dele lhe dizia não ter outra opção. Sentou-se e pegou o garfo.

— Para que conversar, se Chiara nem está por perto?

— Não é sobre Chiara — disse, soltando-lhe o punho e segurando o garfo. — É sobre nós. Quero falar de nosso casamento. Estar de novo na Sicília fez-me rememorar como era no início.

Tinha a voz um pouco áspera, e ela deduziu que também estava deprimido. Sabia que ele tinha passado por uma experiência tão dolorosa quanto ela.

Ela tomou um gole de vinho.

— Nós devíamos saber que não duraria para sempre.

Olhou-a fundo nos olhos.

— Por que não?

— Porque não era pra valer. Quando nos encontramos, não dividimos nada além de nossos corpos. — As lembranças faziam-na suar. — Ficávamos o tempo inteiro na cama.

— Nem sempre na cama, cara mia — provocou-a. Percebeu-lhe o rubor nas faces. Parecia divertir-se com a situação. — Algumas vezes foi no chão. Em outras, no sofá. Na praia. Muitas vezes nós...

— Está bem — interrompeu-o bruscamente, repelindo as imagens. — Você sabe do que estou falando. No começo, só havia sexo em nossa relação. Não perdíamos tempo tentando nos conhecer. Quando voltamos para Roma, vimos como éramos de verdade.

Completos desconhecidos. E nunca chegamos a nos conhecer. Você estava sempre viajando.

— Eu diminuí drasticamente as viagens ao exterior. Enquanto durou nosso casamento, dormi em casa mais do que nos dez anos anteriores.

— Era sexo, Rico — disse secamente. — Você sempre vinha para casa em busca de sexo, dificilmente para jantar ou conversar. Sabia que em certos dias a gente nem se falava?

Ele engoliu a seco.

— Eu trabalhava o dia inteiro, tinha muitos negócios.

— Tem certeza? — Ela brincava com o copo de vinho. — Ou tinha medo da intimidade?

Seguiu-se um longo e inquietante silêncio.

— Nós tínhamos intimidade.

— Sexo de novo — murmurou, tomando um gole de vinho para criar coragem. — Você não dividia nada comigo além do corpo e da conta bancária.

— Eu lhe dava tudo.

— Dava-me presentes. Sempre dinheiro. Para você, tudo se reduzia a dinheiro.

— Porque sei o que a falta de dinheiro faz com uma família. — Sua voz tornou-se repentinamente ríspida, e ela encarou-o, perturbada com aquele tom de voz.

— Dinheiro não é tudo.

— Tente dizer isto a uma mulher que perdeu o marido e os meios de alimentar os dois filhos. Tente dizer isto a uma família à beira da fome, prestes a perder o teto em cima de suas cabeças.

Era tão raro que Rico se expressasse com tanta veemência que ela silenciou, chocada com aquela' inusitada manifestação apaixonada.

Instintivamente, sabia que ele se referia à mãe. Ela não queria comentar, pois tinha receio que ele recuasse, como sempre fizera no passado quando ela perguntava sobre sua infância e a morte do pai.

— Você a sustentava.

Ele devolveu-lhe um olhar impaciente.

— Eu tinha quinze anos. Não estava propriamente em condições de prover o sustento que ela precisava.

— Estendeu a mão para pegar o copo de vinho, sorvendo-o com voracidade antes de devolvê-lo à mesa.

— Não gosto de tocar nesse assunto e depois desta noite não voltará a ser trazido à tona. Mas antes de desprezar com tanta facilidade a importância do dinheiro, deveria saber como é não tê-lo.

Parecia frio e distante. Ela sentou-se imóvel, com receio de falar algo naquele momento crítico.

— Não tínhamos comida. Para que eu comesse, minha mãe não comia e, por isso, não tinha como amamentar minha irmã recém-nascida. O leite secou.

— Botou as mãos na cabeça e fechou os olhos, como se tentasse afastar a imagem de sofrimento tão cruel.

— Minha irmã chorava a noite inteira de fome, e minha mãe a acompanhava. Comecei a recusar a comida para que minha mãe pudesse comer sem culpa.

Stasia engoliu a seco.

— Rico...

— Você tem noção? — Socou a mesa e olhou-a orgulhoso. —Você tem idéia do que é passar fome? Fome de verdade!

Ela fez um sinal com a cabeça, sem condição de responder. Ele deu um sorriso constrangido.

— Pois bem, cara mia, eu tenho. Minha mãe também. — Olhou a comida no prato, a lembrança vivida de que lhe fora negada a mais básica necessidade dos seres humanos. — Foi certamente a fome que impulsionou minha vontade de vencer.

A expressão era tão patética que desejou afagá-lo, oferecer-lhe algum conforto, porém intuiu que seu gesto poderia ser considerado um insulto ao orgulho siciliano.

— Procurei meu vizinho, pai de Gio. Pedi-lhe trabalho. Precisava de dinheiro para alimentar a família. Ele mal tinha para sua família, mas deu-me o que pôde. Em troca, trabalhei para ele, embora não tivesse muito o que fazer. Mas ele sabia o significado de ser siciliano e honrado. Sabia que eu precisava fazer alguma coisa para ganhar dinheiro. Como sabia que um dia eu o recompensaria por isto.

Stasia sentiu um nó na garganta. A imagem de Rico ainda menino, determinado a sustentar a mãe e o bebê, emocionou-a.

— E Gio ainda está com você. Rico tomou outro gole de vinho.

— Nossa ligação transcende a amizade. Minha família deve tudo à família dele. Sem a ajuda do pai dele, teríamos morrido de fome.

Mas Rico encontrara a solução. Natural que julgasse o dinheiro tão importante. Sabia como era enfrentar a pobreza e a fome.

Subitamente sentiu vergonha. Era fácil desprezar o dinheiro quando sempre se teve o suficiente.

— E você pagou essa dívida ao pai de Gio.

— Em termos financeiros, muitas vezes mais. E a lealdade entre as famílias é inquestionável.

Stasia silenciou, abalada pela descoberta do caráter e do passado de Rico. Ficou particularmente sensibilizada pela lealdade à família. E enciumada. Por que nunca recebera essa lealdade incondicional?

— E sua mãe dependia de você para tudo. Posso entender agora. Para eles, você é uma espécie de deus. Mas não tive esse tipo de experiência — disse, com olhar melancólico, pois sabia que ele não entenderia. — Não era dinheiro que eu queria. Queria você. Queria conhecer todos seus segredos, o que o estimulava, o que o fazia rir, e do que tinha medo, o que o movia. E queria que você mostrasse o mesmo interesse por mim.

— Eu casei com você. Presumo que isto confirme o meu interesse — disse secamente,

Ela mal conseguia formular a pergunta.

— Por que se casou comigo?

— Porque você foi minha uma vez, e não havia motivo para que fosse embora —replicou sem pestanejar, em um tom de voz possessivo e indiscutivelmente másculo.

— Mas você deixou que eu fosse embora, Rico. Os dedos tamborilavam em cima da mesa.

— Você me abandonou.

— Você não tentou deter-me. E não veio atrás de mim.

— Você me traiu.

— Eu era inocente.

— Inocentes não fogem.

Ela levantou-se, as pernas trêmulas.

— Eu sentia muita raiva, Rico. Raiva de você, raiva de ... — Silenciou antes que proferisse o nome de Chiara. — Nem acredito que estejamos discutindo disso agora.

— Nem eu.

A voz parecia mais firme. Fez o gesto de passar a mão na nuca, como um homem que enfrenta demônios.

— Você é quem começou o assunto.

— Erro meu. Vamos esquecer, antes que eu faça, ou diga algo de que possa me arrepender.

Stasia não desviou o olhar da mesa. Tinha tantos arrependimentos que não agüentaria mais um. Arrependia-se de ter permitido que um abismo se formasse entre eles, de ter ido embora naquele dia. De não ter ficado para lutar pelo seu homem.

Caminhava a passos largos para despejar-lhe acusações. Porém, até que ponto, poderia mudar a situação? Se conhecesse sobre seu passado, teria mudado de atitude?

Lágrimas despontavam-lhe nos olhos. Ele notou o quanto estava emocionada.

— Isso não! — falou com rudeza, segurando-lhe a nuca e aproximando a boca. — Você é a única mulher que tentou me manipular com lágrimas.

— Não estou chorando — balbuciou contra a boca sedenta. — Nunca choro.

— Durona até o fim.

A língua estava sequiosa, querendo provar, e ambos sabiam aonde isso ia dar.

— Nem tanto. — Deslizou-lhe a mão na nuca, trazendo-o cada vez mais perto. — Gostaria que me tivesse contado tudo isto antes.

— Não falo a respeito disso...

Ela sentiu o calor dos lábios nos seus. Precisava dele. Agora. O futuro não importava.

Não importava que ele ainda achava ter ela sido capaz de fazer algo que nunca tinha feito.

O que importava é que o queria, amava-o. Quando se casaram, queria-o por inteiro. Agora, de tão desesperada se contentaria com o que pudesse obter. Pelo tempo que estivesse disponível. Não importava que tivesse voltado ao velho hábito, como o pior dos viciados.

Ela o queria, não importava o preço.

Sem parar de beijá-la levantou-se, carregando-a nos braços como se fosse uma pluma.

— Ainda bem que nosso quarto fica perto, cara mia — murmurou, enquanto fechava a porta com um chute.

Colocou-a na cama e pulou-lhe em cima, com uma das mãos em seus cabelos enquanto a outra percorria a trilha que subia pela coxa, levantando-lhe a saia.

— Você é macia como seda...

— Quero você.

Ela agarrava-lhe as costas, puxando-lhe a camisa. Uma chama de desejo arrebatador a consumia.

— Eu sei... — disse em tom provocador.

Antes que ela pudesse falar de novo, arrancou-lhe a saia, expondo sua sensualidade ao olhar faminto.

— Não precisa me dizer isto. Você diz que não a conheço, mas sei muito bem de alguns detalhes a seu respeito.

Ela deu um gemido e retorceu-se debaixo dele.

— Não quero esperar nem um segundo.

Desabotoou-lhe os pequeninos botões da blusa, e viu que ela não usava sutiã.

— Dio, você é capaz de enlouquecer um homem. Tão linda...                                                                      

— Agora...

Ela arranhava-lhe as costas, apertando-o quase em desespero. Tentou tirar-lhe as calças, mas estava agitada demais para coordenar os movimentos.                        

— Vem Rico...

Suas bocas uniram-se novamente em um beijo quente e sensual, enquanto ele completava a tarefa que ela não conseguira desempenhar.

De imediato, segurou-o com as mãos, ofegante.              

— Você é tão grande...

— Porque estou quase explodindo — murmurou, beijando-lhe o pescoço e tentando escapar dos dedos, que não paravam de explorá-lo. — Me dê um momento...

— Não.

A evidência de que ele a desejava tão vorazmente alimentava o seu desatino.

— Vem.

— Se você disser "vem" mais uma vez, não respondo pelos meus atos — grunhiu, silenciando-a do modo mais eficiente que conhecia.

Teve uma sensação de vertigem ao ser beijada e, por fim, sentiu o pulsar da ereção de encontro a sua parte mais íntima.

O nível de necessidade e desespero era tão grande que quando ele finalmente penetrou-a com violência, ela gritou-lhe o nome e explodiu em um orgasmo tão arrebatador que mal podia respirar.

Seu corpo pulsava em torno do membro, puxando-o para dentro, com as pernas enlaçadas em seu redor, aprisionando-o.

Seu homem.

Sempre seria seu homem.

— Stasia.

Ele gemeu em resposta à reação dela, aumentando mais ainda as estocadas vorazes que lhe provocaram um orgasmo arrebatador.

Era como se seu corpo tivesse se preparado, durante longos e solitários meses, para recebê-lo. E se preparasse por longos e solitários meses caso ficasse sem tê-lo de novo.

Queria gritar, mas ele mantinha a boca colada a sua.

Mas não poderia durar eternamente.

Tudo era muito intenso, muito ardente e muito essencial.

A forma descontrolada e vibrante como reagia levou-o à loucura. Ela sentiu-lhe a vibração, a força do corpo contra o seu ao penetrá-la mais e mais, até derramar sua essência.

Ela ainda mantinha o corpo colado ao dele. Mesmo quando ele deitou-se de costas, arrastando-a com ele, os corpos suados unidos e os corações batendo em uníssono.

Stasia manteve os olhos fechados, totalmente abalada pelo que acontecera.

Realmente pensou que um dia poderia ter algo igual com outro homem?

Só acontecia com Rico porque ele era o único.

E era uma tola se achava poder esquecê-lo.

 

Como sempre, eleja tinha saído quando acordou.

Talvez fosse melhor assim, refletiu melancolicamente, enquanto se vestia para o café-da-manhã. Acordar próxima ao homem a quem você tinha implorado era humilhante, indigno na melhor das hipóteses. Especialmente quando este homem não a amava e, provavelmente, nunca a tivesse amado.

Nunca tinha se sentido tão sem apetite na vida, mas, lembrando-se de que deveria continuar a representar seu papel para Chiara, foi ao encontro deles.

Ao chegar no terraço, Rico levantou-se e veio ao seu encontro, beijando-lhe carinhosamente a testa.

Seria a maneira perfeita de começar um lindo dia não fosse pelo fato de que a demonstração de afeto explícito devia-se à presença de Chiara.

— Bom-dia.

O tom de voz era rouco e sensual, e ela sentiu um frio no estômago.

— De novo não! Relaxe!

Tinham feito amor quase a noite inteira. Será que ainda lhe restava algum tipo de energia sexual? Ela o fitou indefesa, ciente de que bastava ele entrar no quarto para que ela se desmanchasse.

Ele não precisaria sequer tocá-la.

Em estado de profunda depressão por ter inteira consciência de sua fraqueza, sentou-se à mesa e o coração quase paralisou. A sua frente, uma vasilha cheia de laranjas ainda com folhas.

Ela o olhou, e ele respondeu com um meio sorriso.

— Pensei em poupar sua ida ao pomar. Achei que estava cansada.

Ela enrubesceu e pegou uma laranja, inacreditavelmente tomada pela emoção diante daquele gesto, sem entender seu significado.

— Obrigada.

Conversaram sobre banalidades. Ela conseguiu comer e tomar duas xícaras de café.

Rico estava carinhoso e atencioso.

Sua gentileza só não era pungente porque sabia não ser sincera. Sempre sonhara com esse tipo de relacionamento. Tinha sido assim nas poucas semanas de felicidade, logo depois de se conhecerem. Não podia esquecer que esta mostra de afeição visava a cura de Chiara. Que nada era verdadeiro.

Mas como queria que fosse.

— Vou evitar a praia hoje e passar o dia em casa

— disse Chiara com tristeza, levando a mão à testa.

— Então, talvez possa sugerir uma distração — disse Rico sem pestanejar, levantando-se e indicando que deveriam segui-lo.

Surpresa, Stasia olhou para Chiara, mas esta apenas encolheu os ombros, demonstrando não saber bem o que estava acontecendo.

Rico abriu a porta de um aposento onde Stasia nunca tinha botado os pés, e ficou maravilhada com o que viu.

Parecia uma loja de artigos para artistas plásticos. Uma larga gama de diferentes produtos empilhados nas mesas, ainda empacotados e com etiquetas de preços.

— Ah, Rico...

— Você diz que eu não penso em você, cara mia.

— Pela primeira vez na vida parecia indeciso, como se tentasse adivinhar-lhe a reação. — Bem, agora eu penso. Agora pode trabalhar. E pode ensinar pintura a Chiara.

Stasia olhou à volta, sem fala.

— Eu não desempacotei — disse Rico com expressão cautelosa, esperando por sua reação. — Achei que você ia preferir cuidar disso.

Stasia pegou um tubo de tinta. Era a primeira vez que fazia concessões a sua pintura. — Onde conseguiu isto tudo? Como?

— Liguei para sua mãe — confessou. — Está satisfeita? Este quarto é voltado para o norte. Lembro quando você disse que daria um estúdio perfeito.

De repente, reconheceu o aposento.

— Este era seu escritório...

Deu de ombros. — Prefiro a vista de um dos outros quartos.— Os olhos transmitiam um afeto que a seduziu.

Sentiu uma felicidade arrebatadora ao pensar que fizera isto por ela. A noite passada o transformara.

Ouviu Chiara suspirar. Uma mudança tão grande implicava em planejamento, e Rico nunca fez nada sem um propósito prático.

Neste caso, o propósito era convencer Chiara de que formavam um casal feliz. Que era um marido generoso.

O encanto foi rompido.

— É maravilhoso — disse meio sem jeito. — Muito obrigada.

Ele franziu as sobrancelhas, deu-lhe um olhar penetrante e espiou o relógio.

— Tenho que dar um telefonema importante. Vejo vocês mais tarde.

Puxou Stasia e beijou-lhe os lábios. Foi tanto para relembrar a noite anterior como as que viriam, mas ela não pôde retribuir.

Daria tudo para receber de Rico um estúdio logo que se casaram.

E quanto lhe daria agora para que fizesse tudo isso para ela, sem pensar na cura de Chiara?

Mas se não fosse por Chiara, ela sequer estaria aqui, refletiu. O que, com todo o envolvimento amoroso e os gestos extremados de "amor", deixava-a confusa ao lembrar que nada era verdadeiro. Que a qualquer momento Chiara poderia recobrar a memória, e tudo acabaria em um piscar de olhos.

Rico ainda a olhava e a expressão fria não deixava dúvidas quanto à decepção que sentia por ela ter sido pouco efusiva.

Lembrando o papel que representava, Stasia olhou tudo de novo e forçou um sorriso.

— Está maravilhoso. Obrigada.

Observou-a por um longo tempo, com olhos que nada revelavam.

— Verei vocês duas mais tarde.

Sentindo uma tensão anormal, Rico deixou o quarto sem olhar para trás, e Stasia viu-o partir com um buraco no lugar onde o coração deveria estar.

Porém, Chiara aparentava não notar que havia algo estranho.

— Nunca pensei que veria meu irmão tão louco por alguém — disse com calma, percorrendo o quarto e examinando algumas pinturas. — E, com certeza, nunca achei que ele abrisse mão do escritório de que tanto gostava. Este é o melhor quarto da vila, sabia?

Stasia esboçou um sorriso.

— Tem uma luz natural perfeita.

— Nem parece coisa de meu irmão, não é? Ficar tanto tempo fora do trabalho...

— Realmente — disse. Chiara fez uma careta.

— Estou sendo chata. Fazendo perguntas sem parar. Como se tivesse tentando completar um quebra-cabeça mental.

— Não. — Stasia abriu os braços para dar um abraço na garota. — Eu estou gostando de ficar com você.

Era verdade. A adolescente era outra depois do acidente: ponderada, de natureza dócil. Adeus à garota desaforada e mal-humorada que tornara sua vida tão difícil.

Chiara recuou surpresa.

— Você falou de um jeito... Morei com você em Roma. Não ficávamos juntas?

Stasia ficou tensa, consciente de que inadvertidamente estimulara perguntas que não estava pronta para responder.

— Claro que sim, mas levávamos vidas separadas. Quanto à pintura, o que acha de começarmos as aulas?

Chiara sorriu.

— Vamos lá!

Rico parou diante do quadro, reconhecendo ser uma tela feita por alguém de talento inquestionável.

Passara-se uma semana desde que Chiara recebera alta do hospital, e os três passavam a maior parte do tempo à beira da piscina. Mas notara que sempre que se afastava para atender algum assunto de negócios,

Stasia corria para o estúdio. A curiosidade levou-o a saber como ela ocupava o tempo.

Descobriu outra tela e ficou fascinado. Era impressionante. Sentiu um certo desconforto ao constatar que nunca prestara atenção a sua arte até então. Olhar para ela o ocupava tanto que não perdia tempo em verificar o que estava pintando.

Aproximou-se examinando as ousadas pinceladas, as cores cheias de vida. A pintura era esplendorosa e atraente — como as mulheres.

Sentindo-se um espião, resolveu examinar as outras telas empilhadas, concentrando-se em cada uma delas.

Como colecionador, sabia instintivamente estar diante de algo especial. Como investidor, sabia estar diante de algo lucrativo. Mas como homem, sabia estar diante de algo feito por uma mulher. Sua mulher.

Como pôde supor que ela abriria mão de sua arte? Seria como pedir para deixar de respirar.

Com ar preocupado, encostou de novo os quadros na parede e voltou a olhar a tela na qual ela estava trabalhando no momento. Como achou que tê-lo como marido bastaria para satisfazê-la?

A verdade é que era tão obcecado fisicamente por ela que não se detinha em pensar em sua felicidade. Passava quase o tempo inteiro no trabalho, e não se perguntava o que ela fazia para preencher o tempo. Presumia que almoçava com a família, fazia compras...

Porém ela não chegara a usar o cartão de crédito que ele lhe dera.

Quando ela viajou para a Inglaterra para falar com clientes, ele ficou furioso. Para que servia uma mulher se, ao chegar em casa, a cama estava vazia?

Lidando com a verdade desconcertante de que não colaborara em nada para o sucesso do relacionamento, deteve-se novamente em frente à tela, em uma atitude reflexiva.

Era verdade que não queria que ela trabalhasse. Detestava chegar ao palazzo e não encontrá-la.

O que, em poucas palavras, significava que ou ele era um monstro egoísta e controlador, ou simplesmente não agüentava ficar longe de Stasia...

Certo de que tinha um problema sério, saiu apressadamente do quarto e fechou a porta com firmeza.

Os próximos dias se passaram em uma nuvem de tranqüilidade, e Stasia precisava lembrar com regularidade que aquela situação não era real. Que a qualquer minuto Chiara recobraria a memória, e sua convivência com Rico acabaria.

Mas, por enquanto, tudo estava perfeito.

Durante o dia ela pintava, ia à praia ou à piscina. E, embora soubesse que tudo visava à cura de Chiara, estava adorando o fato de Rico ter-se tornado tão atencioso. Parecia querer conhecê-la melhor. Queria saber cada detalhe de sua vida a partir de sua memória mais remota até o dia em que se conheceram. E se os dias eram dedicados a Chiara, as noites lhes pertenciam.

Fechados em seu mundo particular, faziam amor até caírem de exaustão. Quando acordavam, começavam tudo de novo, e isso era simplesmente ótimo...

Terminava a segunda semana na ilha, e Stasia fazia uns esboços no terraço quando Chiara contorceu o rosto como se sentisse dores.

Stasia preocupou-se.

— Você está bem?

— Minha cabeça está esquisita — não sei o porquê.

— Deite-se um pouco — reagiu Stasia, pegando-a pelo braço e conduzindo-a até a vila. — O médico disse que você precisava de muito repouso. Provavelmente, você não está dormindo o suficiente.

Chiara a acompanhou sem resistência e atirou-se na cama com os olhos fechados.

Preocupada, Stasia tirou-lhe as sandálias e fechou as cortinas.

— Isto deve ajudar. Me chame se precisar. Vou estar no terraço.

Saiu do quarto na ponta dos pés, absolutamente convencida de que sua felicidade duraria enquanto Chiara não se lembrasse do passado.

Mais cedo ou mais tarde, Chiara recobraria a memória, e aquela fachada se desfaria.

Estava certa.

Desfez-se à meia-noite...

 

Foram acordados pelo barulho dos soluços.

— Dio, é Chiara — Rico pulou da cama, pegou um roupão e saiu do quarto seguido por Stasia.

Parecia que um furacão passara pela cama de Chiara. Os lençóis estavam arrancados e ela encontrava-se sentada no chão, trêmula, mergulhada em lágrimas o desespero estampado nos olhos. Parecia atormentada e Rico soltou uma exclamação de preocupação, ajoelhando-se a seu lado. Falou em italiano, era em uma voz mansa e reconfortante, mas a irmã afastou-se dele.                                                                    

— Não me toque! — Ela encolheu-se, lançando-lhe um olhar de acusação cobrindo o rosto com as mãos. — Você mentiu para mim! Os dois mentiram para mim!                                                                        

Rico respirou fundo.

— Chiara, você está aborrecida, mas...

— É claro que estou aborrecida! Tive um sonho terrível e ao acordar me lembrei. De tudo, Rico! Incluindo o fato de que você e Stasia não estão juntos desde o ano passado.

Rico fechou os olhos por um segundo e praguejou.

— Você precisa se acalmar, picolla. Tudo vai ficar bem.

— Não. Você não sabe de nada. — Chiara balançou a cabeça, e os soluços continuaram até Rico finalmente inclinar-se e trazê-la para os braços. Sentou-se na cama segurando-a, enquanto ela soluçava encostada em seu peito nu.

Stasia olhava horrorizada, totalmente paralisada. O que induzira tamanha emoção? Seria simplesmente a recuperação da memória? Subitamente desejou ter lido mais sobre a amnésia.

— Você precisa parar com esse choro — disse Rico, afastando os cabelos escuros do rosto da irmã com carinho. — Assim você vai ficar doente de novo, piccola. Sei que recuperar a memória deve ser um choque.

— O choque não vem da recuperação da memória — sussurrou Chiara, limpando os olhos com as costas da mão como uma criancinha. — Mas do que me lembrei.

Engolindo o choro, levantou a cabeça e olhou para Stasia, desesperada.

Ao fitá-la, Stasia não teve dúvida do que a menina se lembrara, e causava tamanha angústia. Foi como se tivesse levado um banho de água fria.

Na época, tinha esperado algum sinal de remorso, mas não vira nenhuma. Porém, a Chiara que conhecera não era a mesma pessoa que passara a conhecer durante as últimas semanas. E com certeza não queria que ela se sentisse culpada. Era tarde demais para isso. Estava na hora de seguir em frente.

Ciente de que Rico a olhava com expressão curiosa no rosto, Stasia se controlou.

— Seja o que for que tiver se lembrado faz parte do passado — disse calma e, impulsivamente, inclinou-se para tocar o rosto da jovem. — Acho que deve continuar onde está, e devemos pensar no presente e no futuro.

Os olhos de Chiara encheram-se de lágrimas.

— Mas...

— Precisamos pegar um remédio para a dor de cabeça — disse Stasia com firmeza, pegando os lençóis do chão e esticando-os. — E depois precisamos botá-la de novo na cama. Recuperar a memória deve ser um choque terrível.

Chiara olhou o vazio, ainda sacudida pelos soluços.

— Vocês estavam separados, mas durante os últimos dias têm se comportado como amantes. Isso era para o meu bem? — Havia uma esperança na voz que só Stasia pôde compreender. Ela sabia o que Chiara queria ouvir. Que Rico e Stasia tinham se reconciliado, e que o que ocorrera no passado se tornara irrelevante.

Mas ela não podia lhe oferecer consolo. Rico passou a mão nos cabelos, totalmente descontrolado.

— Os médicos disseram que você não podia ter choques. Quando acordou, no hospital, lembrou-se de ter vindo ao nosso encontro durante a lua-de-mel. Nada além desse ponto. E parecia satisfeita ao ver Stasia. Contar que ela não mais fazia parte de nossas vidas teria sido um choque. Chiara encolheu-se.

— Sinto-me tão-mal...

— Isso é natural — Rico confortou-a. — Você ainda está sofrendo os efeitos da pancada na cabeça.

Somente Stasia suspeitava que Chiara não se referia à condição física.

Tentou mais uma vez tranqüilizar a menina.

— Precisa parar de se preocupar. No momento só sua recuperação importa.

— Como pode dizer isso? — Chiara tremia. Rico levantou-se soltando um palavrão.

— Vou chamar o médico.

— Deixe que eu cuido disso — disse Stasia, dirigindo-se para a porta. Era evidente que sua presença piorava o estado de Chiara, mas, a não ser que contasse a verdade a Rico, não sabia o que fazer. E qual o sentido em contar a verdade agora? Tarde demais para todos.

Deprimida, ligou para o médico e voltou para o quarto onde há menos de uma hora estavam enrascados, os corpos unidos durante o sono.

Pela última vez.

Pegou uma mala.

Não fazia sentido ficar. O motivo para sua permanência deixara de existir, e sua presença lembrava a Chiara o próprio comportamento.

Caiu sentada na beirada da cama e, pela primeira vez em meses, permitiu que a mente retornasse àquela terrível noite.

Rico estava há uma semana em Nova York. Ela dormia quando foi acordada por um barulho...

Era mais de meia-noite, e já tinha ido dormir há duas horas. A julgar pelo movimento no corredor, Chiara tinha voltado a enfiar um homem na casa. Rico proibira terminantemente que ela namorasse.

Stasia, ainda tonta de sono, não sabia como agir. Chiara já a hostilizava. Se aparecesse no corredor e a repreendesse, então a relação entre elas estaria arruinada. Por outro lado, sabia que Rico esperava que ela pelo menos tentasse fazer com que a garota entendesse o ponto de vista dele.

— Você tem 15 anos, e não quero que tenha namorados — Rico tinha-lhe dito com todas as letras apenas uma semana antes. — Concentre-se nos estudos. Vai ter muito tempo para garotos quando ficar mais velha.

— Você não pode me dar ordens!

— Posso. E você tem que me respeitar enquanto morar na minha casa.

A voz de Rico era de uma calma letal, e mesmo Chiara estremeceu, sabendo que não devia provocar o irmão quando ele encontrava-se naquele estado.

— Se eu souber que está aprontando, mando você de volta para a Sicília.

Chiara empalideceu. Adorava Roma, embora Stasia sentisse falta da paz e da beleza da Sicília.

Deitada, lembrando-se da ameaça de Rico, Stasia olhou para a porta do quarto, tentando decidir-se sobre a melhor atitude a tomar. Ainda estava pensando quando a porta abriu e o namorado de Chiara entrou no quarto, completamente nu.

Sem dizer uma palavra, deitou-se a seu lado, cobrindo-lhe a boca com a mão quando ia gritar.

— Desculpe — murmurou. — Por outro lado, você é linda então, talvez, eu não me arrependa. Não me espanta que o grandão tenha se casado com você.

Ele cheirava a álcool. Stasia lutou para se desvencilhar. De repente, as luzes foram acesas e Rico estava parado na porta, bufando de raiva. Chiara estava atrás dele, com uma expressão de orgulho no rosto.

— Oh, Stasia... — A voz tremia convincentemente. — Eu tentei avisá-la...

Os olhos faiscantes de Rico estavam fixos no homem nu.

— Saia da minha casa enquanto pode. Tem dois minutos, e depois vai sair embrulhado em um plástico. — Era óbvio para todos que seu controle pendia por um fio.

O namorado de Chiara não precisou de mais nada para sair. Com um olhar nervoso para o rosto furioso de Rico, deixou a cama em um segundo e correu pelo corredor ainda nu.

O olhar de Rico estava fixo em Stasia, deitada, trêmula devido ao choque.

Como isso tinha acontecido? Em um minuto estava dormindo, e no outro...

Nunca trancava a porta. Nunca achou que havia motivo para fazê-lo. Ele deve ter entrado no quarto dela por acaso.

E depois lembrou-se do que ele dissera sobre ser tão linda, e percebeu que não tinha sido por acaso. Os olhos dirigiram-se a Chiara de pé atrás do irmão, e compreendeu então o que acontecera.

Chiara sabia que se Rico a pegasse com um homem em casa a teria banido para a Sicília, e esse seria um destino pior que a morte para a jovem.

Mas mesmo Chiara não teria descido tão baixo a ponto de esconder o namorado no quarto de outra mulher.

Stasia tentou sentar-se ereta, os olhos ainda fixos em Chiara, esperando que ela contasse a verdade. Contasse a Rico o que realmente tinha acontecido.

Mas ela nada disse. E teve a ousadia de colocar uma mão amiga no ombro do irmão. Ele a afastou com um urro de raiva e deixou o quarto.

Por um momento, Stasia ficou sentada, tremendo. Seu senso natural de justiça prevaleceu. Ela não fizera nada errado! E recusava-se a levar a culpa pelos erros da irmã dele.

Vestiu-se rapidamente e o encontrou no escritório, no andar de baixo, uma garrafa de vinho tinto pela metade ao lado dele.

— Se veio tentar se justificar, está perdendo seu tempo. — Bebeu todo o conteúdo do copo, os olhos escuros faiscando, embora não soubesse afirmar se de raiva ou pela bebida. — Não quero ouvir.

— Nem mesmo a verdade?

Os longos dedos apertaram o copo.

— A verdade é que encontrei minha mulher despida na cama com outro homem. Uma explicação para isso, além da óbvia, precisaria ser extremamente criativa de forma a ter uma chance de me convencer.

Stasia olhou-o sem saída.

Tinha sido julgada e condenada, embora fosse inocente.

— Você não confia em mim. Depois de todos esses meses, de tudo que compartilhamos, você não confia em mim.

— Confio em meus olhos.

— Use a cabeça, Rico.

Ela, que nunca pedia nada a ninguém, implorava. Compreendia que a situação era complicada, insustentável. Contar a verdade implicaria a irmã dele e destruiria a relação deles para sempre, mas deixar que a mentira prevalecesse poderia destruir seu casamento, e não estava preparada para deixar que isso acontecesse.

— Você sabe o quanto o amo. Não canso de repetir. Os olhos dele confrontaram os seus.

— Não cansa de repetir também que se sente só e entediada quando estou trabalhando. Parece que encontrou uma distração, minha linda esposa.

— Não foi isso que aconteceu.

Ele emitiu um som que podia ser classificado em um plano intermediário entre um rosnar e um rugido, o som de um macho possessivo e ciumento.

— Saia enquanto decido o que fazer. Sua recusa em escutá-la a revoltou.

— Enquanto você decide o que fazer? Bem, vou poupá-lo do esforço. Estou decidindo por nós dois. Estou deixando você e esse blefe de relacionamento que ousamos chamar de casamento. Estou cheia de passar os dias esperando que volte para casa. Você não quer uma parceira. Não quer igualdade em uma relação. Quer apenas uma amante que more em sua casa, e não estou preparada para esse papel. Mereço mais.

Sem esperar pela resposta, virou-se abruptamente, retrocedendo ao ouvir o barulho do copo atirado na porta quando ela a bateu.

Os pensamentos voltaram ao presente, e Stasia percebeu que precisava ser prática.

Partiria quieta, sem dizer adeus. Sem sujeitar Chiara a um trauma extra.

E subitamente lhe ocorreu que não precisava de uma mala. Tudo aqui pertencia a uma vida que não era mais sua. Ia partir como tinha chegado — sem nada.

Sem se permitir olhar para a cama desarrumada, cenário do amor que viveram, pegou a bolsa, checou se tinha seu passaporte, e ligou para Gio pedindo para usar o carro. Na esperança de que com tanta atividade na casa, com médicos indo e vindo, ninguém perceberia sua partida, Stasia caminhou para a frente da vila.

Embora o sol tivesse começado a raiar, fazia um calor inacreditável e ela olhou o céu, pensando que seria outro lindo dia.

Um dia em que ela não estaria aqui para aproveitar.

Gio lançou-lhe um olhar inquisidor.

— Você está indo embora?

— Chegou a hora. — Conseguiu dar um sorriso. — Não era para sempre. Nós dois sabemos disso.

Ele franziu o cenho, demonstrando não estar feliz com sua partida.

— O chefe sabe? Acho que você deve...

Não. Essa era a última coisa que queria. Despedidas dolorosas não estavam na lista de suas experiência favoritas. E pela primeira vez entendeu a razão da lealdade de Gio. As famílias estavam ligadas por algo mais forte do que apenas amizade. Uma tinha contribuído para a sobrevivência da outra.

— Preciso ir, Gio. Não precisa se preocupar. Rico sabe.

Confortou-se com o fato de que não estava mentindo. Rico sabia. Tinha deixado claro que a situação duraria até Chiara recuperar a memória.

Stasia entrou no carro, no fundo desejando que Chiara tivesse demorado um pouco mais para ficar curada.

Sentou-se em silêncio enquanto o carro corria, banhado pelo espetacular nascer do dia, em direção ao aeroporto, deleitando-se com a última visão da Sicília.

Sabia que nunca voltaria.

— É fantástico. — Marc olhou o quadro atônito.

— Demorou, mas valeu a espera.

— Surgiu uma viagem imprevista para o exterior

— disse Stasia séria, embrulhando o quadro e ajudando-o a levá-lo para fora do estúdio.

Ela voltara há duas semanas, e estava operando no automático. Acordava diariamente e levava a vida, mas não a vida que conhecia. Desde que deixara a Sicília, a vida tinha perdido o encanto. Sentia-se como uma taça de champanhe abandonada em um casamento.

— Você está prestando atenção? — Mark olhou zangado, e ela voltou ao presente.

— Desculpe. Estava a quilômetros de distância...

— E ele de novo, não é? — Mark parecia irritado enquanto andavam em direção ao carro dele, e Stasia deu um sorriso enviesado.

— Sou um caso perdido. Mark suspirou.

— Bem, nesse caso você vai ficar satisfeita com as novidades.

— Quais?

Ele olhou por cima do seu ombro.

— Tem um carro esporte deslumbrante estragando a suspensão nisso que você chama de estrada. — Ele esticou o pescoço. — Acho que vamos ter companhia. Companhia bilionária siciliana.

Stasia sentiu o coração dar uma guinada. Fazia duas semanas. Duas longas e torturantes semanas durante as quais se angustiara sem saber o que acontecera depois de sua partida. Chiara confessara? Rico finalmente conhecia a verdade? E se fosse assim, iria atrás dela?

Supostamente sim...

Tinha passado cada minuto em um estado de expectativa crescente, e agora estava paralisada, enquanto o carro se aproximava. Mesmo quando Rico saiu de trás do volante, continuou parada.

Ele estava espetacular. Rico nunca parecia pouco à vontade ou deslocado.

Mas ele não a olhava. Olhava Mark com franca hostilidade.

Mark percebeu e voltou para sua caminhonete, claramente intimidado.

— Ok... — Mantinha os olhos em Rico, como se olhasse um predador letal que tivesse escapado da jaula. — Já vou indo.

- Sábia decisão – disse Rico calmo, os olhos negros enviando um alerta que só um tolo não entenderia.

Stasia o olhou irritada.

O que pretendia? Tarde demais para fazer o papel de marido ciumento.

Em outra ocasião teria convidado Mark a ficar só para provocar, mas havia um brilho perigoso nos olhos de Rico... E ela não estava preparada para usar Mark para provocar Rico. Então rapidamente o ajudou a guardar o quadro.

— Espero que gostem, e obrigada Mark.

— Pode contar comigo. É só ligar... — Deu outro olhar desconfiado para Rico.

— Por que o agradecia? — O tom de voz de Rico era frio como o gelo, e Stasia suspirou.

Não estava com disposição para briga, e bastava olhar Rico para saber que ele não estava para brincadeira.

— Por ser um bom amigo. — Na hora soube ter dito a coisa errada.

— Quão amigo? — a boca de Rico estreitou-se, e manchas cobriram sua incrível estrutura óssea. A artista nela o olhava fascinada enquanto a mulher se desmanchava.

— Isso é absolutamente ridículo — murmurou, falando não apenas com ele, mas consigo mesma. — Você está se comportando como um marido ciumento quando não há nada entre nós.

— Você ainda é minha mulher.

— Só no papel.

— Não só no papel.

Ele respirou e passou os longos dedos nos cabelos azuis de tão negros.

— Se voltar a se afastar de mim sem conversar, não me responsabilizo por meus atos. É a segunda vez que faz isso. Não vai haver uma terceira.

Ela olhou-o pasma. Com certeza queria que ela fosse embora.

— Eu...

— Você é uma mulher — disse, parecendo um homem no limite da paciência. — É natural que tenha explosões de raiva. É natural que expresse seus sentimentos. Não é natural que simplesmente vire as costas e vá embora.

A surpresa aumentou.

— Você não demonstra seus sentimentos.

— Sou um homem — retrucou imediatamente. — Não é natural que demonstre meus sentimentos.

— Então devo dizer-lhe tudo que sinto sem receber nada em troca. É isso?

— Não. — Murmurou algo em italiano entre os dentes. — Não é isso. Mas eu costumava saber tudo o que pensava. Era uma das coisas que amava em você. Você era tão pouco complicada. Não fazia jogos. Se estava feliz você dava pulos de alegria e se estivesse zangada atirava coisas. E dizia me amar todo o tempo.

Ele nunca tinha dito nada. Nem uma vez.

— Essa conversa não faz sentido. Fui embora porque achava que nada mais tínhamos a nos dizer. Chiara recuperara a memória. Meu papel havia terminado.

— Não terminou — murmurou, andando em sua direção, parecendo um homem com apenas uma coisa em mente. — Você já deve ter percebido que não tenho intenção de me divorciar. Nunca.

Seu coração perdeu o compasso, e ela lembrou-se do que estava por trás do discurso.

Chiara.

Finalmente, ele sabia a verdade.

Stasia olhou-o, sentindo-se totalmente paralisada. Devia estar felicíssima por ele reconhecer sua inocência, mas em vez disso sentia-se estranhamente apática. O que havia mudado? Nada.

— Não é tão simples, Rico. Você não acreditou em mim. E se Chiara decidisse não confessar, você continuaria não acreditando em mim. Não posso viver com alguém assim. O que vai acontecer da próxima vez que Chiara decidir esconder um dos namorados no meu quarto? Vai confiar em mim, ou vou depender da confissão dos outros? Porque essa não foi uma maneira muito leal de limpar meu nome.

Rico ficou parado sem mover um só músculo. Ela o olhava exasperada.

Qual o problema com ele agora? Estava chocado por ela tocar no assunto? O que esperava? Que fosse um daquele s temas que simplesmente ignoravam? Não se dera conta de que os problemas entre eles não se resumiam àquele incidente?

Ele abriu a boca e voltou a fechá-la, como se lutasse por encontrar as palavras adequadas.

— Repita... — A voz estava estranhamente enrolada, como se não conseguisse expressar-se em inglês.

Stasia franziu o rosto. Rico nunca teve problemas com o inglês. Falava o idioma fluentemente.

— Apenas estava dizendo que o fato de Chiara ter finalmente confessado a verdade não muda nada disse sem rodeios. — Você não confiou em mim. Isso é o que conta.


— É isso? — A pele bronzeada tinha ficado cinzenta, e ela o olhou confusa, sem compreender-lhe a reação. Tudo bem, provavelmente não era o assunto mais confortável, mas fazia parte do passado. Era assim tão difícil para ele falar sobre isso?

— Rico, ambos sabemos que se ela não tivesse contado, você não estaria aqui agora.

Ele piscou os olhos e quando os abriu eles estavam sem expressão.

— Quero ouvir de sua boca o que aconteceu aquela noite.

— Por isso veio aqui? — Sem entender o motivo de insistir no assunto quando Chiara tinha lhe dado todos os detalhes, Stasia o olhou cautelosa. — Por que agora? Na época, você não me perguntou.

— Estou perguntando agora. — A tensão era palpável, e ela não sabia por que ele queria perder mais tempo em um assunto com o qual não conseguia lidar.

— Qual o sentido?

— Por favor.

— Você quer entrar?

Ele olhou a casa como se tivesse esquecido de onde estava.

— Acho que já suportamos feridas suficientes na cabeça da família para que eu caia inconsciente em sua casa ridícula. Vamos andar.

Ela hesitou, e depois fez um gesto em direção à alameda.

— Está bem. Podemos andar aqui.

Os ombros largos estavam tensos, e havia algo na linha dura do maxilar que a deixou preocupada.

— Como está Chiara?

— Se você tivesse ficado, a pergunta seria desnecessária.

— Rico, você não pode estar falando sério! — Olhou-o com um misto de incredulidade e confusão. — Você queria que eu permanecesse lá até Chiara recobrar a memória. Era óbvio para mim que ao recobrar a memória, minha presença tornaria tudo mais difícil. Evidentemente ela lembrou-se de ter sido a gota d'água de nossa separação.

— Evidente. Agora conte-me tudo. Não deixe nada de lado.

E ela o fez.

E gaguejou ao contar o momento em que um estranho deitou-se em sua cama, foi apenas por ter visto o olhar fulminante nos olhos negros.

— Espero que não tenha ficado zangado com Chiara. Ela se arrependeu e acabou confessando.

Ele ficou parado e virou-se para olhá-la, sem um traço de emoção no bonito rosto.

— Ela não confessou. Stasia também parou.

— Mas você disse... — Ela se interrompeu, tentando lembrar-se do que ele dissera. — Você disse que estava aqui porque Chiara tinha contado a verdade.

— Não. Foi você quem disse. Eu não disse nada. Você assumiu que ela tivesse confessado. Como vê, assumiu errado.

Sentindo-se como se tivesse mergulhado nua em um rio congelado, Stasia olhou-o consternada.

— Não...

— Sim. Chiara não me contou nada.

Rico encarou-a, uma sombra de raiva nos olhos, e Stasia deu um gemido de auto-recriminação.

— Não acredito... — Cobriu a boca e balançou a cabeça. — E verdade que Chiara não...? Ai, o que fiz?

— Algo que você e Chiara deveriam ter feito há um ano — disse frio.

— Pensei que ela tivesse... — Stasia sussurrou, arrasada por ter inadvertidamente falado. — Jamais tive a intenção de contar...

— Mesmo se isso salvasse nosso casamento? Soltou um palavrão, primeiro em inglês e depois em sua língua mãe.

Tentando lembrar-se de outra vez em que o tivesse visto tão perto de perder o controle, tentou minimizar a situação.

— Nosso casamento já estava por um triz — disse, sentindo-se angustiada. Tinha imaginado mil situações, mas nenhuma como essa. — O simples fato de você considerar que eu pudesse ter um caso o demonstra.

— Você acha? Se chegasse em casa cedo, sem avisar, e me encontrasse na cama com uma loura deslumbrante, nua, o que pensaria?

Olhou-o muda. A imagem era tão dolorosa que mal conseguia considerá-la.

Ele deu um passo em sua direção, a expressão zangada.

— Vamos lá Stasia, o que você ia pensar?

Seu coração batia forte.

— E-eu... n-não...

— Você acharia que eu estava tendo um caso — lançou, virando-lhe as costas com um som impaciente. A linguagem corporal sugeria um homem no limite. — Ambos somos explosivos, passionais. Pessoas como nós não reagem a situações como essa com a razão. Você pensaria o que eu pensei. Ia achar o mesmo que eu.

Stasia engoliu a seco. Ele teria razão? Iria pensar isso?

— Sejamos honestos, sim, talvez eu pensasse o mesmo. Mas depois que parasse para refletir...

— Refletir? — A voz demonstrava frustração. — Desde quando você me ofereceu a chance da reflexão, Stasia? Quando? Você simplesmente partiu.

— Porque estava zangada por você não acreditar em mim...

Ele deu uma gargalhada.

— E eu estava zangado com você por estar com outro homem em nossa cama. E depois fiquei zangado porque você foi embora sem me dar a chance de descarregar meu ciúme.

Seu rosto tinha perdido toda a cor.

— Mas você assumiu...

— Eu assumi que você estava dormindo com outro homem — interrompeu-a irado. — O que era razoável nas circunstâncias. E depois assumi que o fato de você ter me deixado precipitadamente significava que não queria mais ficar comigo. Que era culpada. O que também era razoável nas circunstâncias.

— Eu tentei chamar você...

— Você foi embora.

— Eu era inocente.

— Você foi embora. Ela lutou para regular a respiração.

— Porque estava zangada com você, não por ser culpada. Não podia compreender como podia pensar que eu seria capaz, depois de tudo que vivemos.

— Na hora era impossível, mas agora, você pode compreender?

Ela mergulhou nas profundezas dos olhos escuros e colocou-se no lugar dele. Se os papéis se invertessem.

— Parecia horrível — concordou, a voz um sussurro.

— Se tivesse ficado, talvez eu chegasse à conclusão certa. Mas do jeito que foi... A emoção tomou conta de tudo. Primeiro eu e depois a minha família.

As pernas de Stasia tremiam tanto que achou que não a sustentariam.

— Mas se não sabia, por que veio aqui hoje? Rico deu um sorriso enviesado.

— Porque você mais uma vez foi embora. E dessa vez decidi segui-la. Se tivesse tomado essa decisão há um ano, talvez estivéssemos em outro lugar. Dio — ele a olhou e depois tomou-a nos braços. — Você está pálida demais. Pensando melhor, vou correr o risco de ferir a cabeça. Você precisa de uma cadeira e eu de um drinque.

— Se estou pálida é porque você está sempre me cobrindo com um chapéu, e não preciso sentar — resmungou, tentando resistir à tentação de afundar o rosto no pescoço dele. — Não sou tão patética...

Ele ignorou-lhe os protestos e caminhou pela alameda segurando-a no colo. Depois de alguns passos, Stasia desistiu de se debater, e enfiou o rosto no pescoço de Rico, sentindo-se muito frágil para resistir. Ele não sabia. Então por que estava aqui? Por que a tinha seguido?

— Então se o fato de estar aqui nada tem a ver com Chiara, por que levou duas semanas para me seguir?

— Porque uma vez na vida minha reação a sua partida foi seguida de um período de calma reflexão, sem a interferência de minha bem-intencionada mas intrometida família — disse, abrindo a porta e inclinando a cabeça para evitar batê-la e cair inconsciente. — E durante esse período considerei um vasto número de coisas.

Ele a sentou na mesa da cozinha e colocou um braço de cada lado para que ela não fugisse.

Sua proximidade causava arrepios. De repente até respirar representava esforço.

— Pensei que quisesse um drinque...

Os olhos dele desceram para sua boca. Ele suspirou e afastou-se.

— Boa idéia. O que temos?

— Vinho. — Pegou uma garrafa de vinho que abrira na noite anterior. — É a única bebida alcoólica na casa. Serve?

Deu um sorriso irônico, pegando a garrafa.

— Não sei. Depende de suas respostas a minhas perguntas. Posso precisar de algo consideravelmente mais forte.

— Que perguntas?

— Sobre Chiara. Ela mordeu o lábio.

— Rico, não posso...

— Você não só pode como vai — afirmou, estendendo-lhe uma taça de vinho e colocando a garrafa na mesa. — A época do tato e da sensibilidade já passou. Agora quero a verdade. Rápido e sem confete, começando pelo número de vezes que minha irmã convidou os namorados para minha casa.

Stasia tomou um gole.

— Com bastante freqüência — murmurou entre os dentes.

— E você não me contou...

— Eu estava em uma situação delicada. Sua irmã sempre me hostilizou. Como eu podia desenvolver um relacionamento com ela se corresse pra você sempre que ela fizesse algo que eu sabia contaria com sua desaprovação?

Os lábios estreitaram-se.

— Então a encorajou...

— Não! — Ela o interrompeu, os olhos faiscando de dor e raiva. — Isso não é justo! Não a encorajei. Conversei com ela. E isso apenas aumentou-lhe o ressentimento.

Rico fechou os olhos, como um homem que não estava preparado para ouvir certas verdades.

— Aquelas boates aonde ia com ela...

Stasia hesitou, ainda relutando em revelar toda a verdade, mas o olhar ameaçador daqueles olhos negros foi suficiente para convencê-la de que a hora da discrição já era.

— Não ia com ela. Eu a segui para tentar persuadi-la a voltar para casa. Se seus espiões trabalhassem direito teriam contado que ela chegou primeiro. Não estávamos juntas.

— Você devia ter contado...

— Quando? Quando eu poderia ter contado? Você nunca estava por perto, Rico. Só via você à noite e, mesmo assim, com as luzes apagadas. Nunca discutimos nosso relacionamento, quanto mais o resto. Fazíamos amor e caíamos dormindo. Final da história.

Ele ficou tenso, tentando digerir o fato de que seu próprio comportamento contribuíra para a situação.

— Era um período particularmente conturbado no escritório...

— É mesmo? — A voz de Stasia era suave, e ele a olhou curioso. — Não tinha idéia. Pensei que fosse normal para você. Não o conhecia o suficiente. Achei que só quisesse passar as noites comigo.

Ele piscou, visivelmente desconfortável com a acusação.

— Não é verdade.

— Mas era o que tínhamos, Rico — disse triste. — E eu não colaborei, hoje percebo. Chiara não foi responsável pelo fim de nosso casamento. Fizemos isso sozinhos. Por não passarmos mais tempo juntos. Meus dias eram solitários e os ocupei com trabalho. E como o via cada vez menos, convenci-me de que você julgava nosso casamento um erro.

— Então, você trabalhava por achar que precisava de uma renda. Depois do que contou sobre seu pai quando estava na Sicília, finalmente compreendi sua necessidade de independência financeira. Mas você precisa compreender que nunca a deixaria sem dinheiro.

— Mas eu não queria seu dinheiro. Compreendo agora porque sustentar sua família é tão importante para você, mas tem que compreender que nunca quis seu dinheiro. Não o quis quando nos casamos e, certamente, não o quis quando nos separamos.

Ele deu uma olhada ao redor, um sorriso pairando nos lábios.

— Estou vendo.

Ela ficou na defensiva.

— Eu gosto. Adoro o campo inglês.

— Minha implicância não é com o campo inglês — disse lentamente, com expressão sarcástica —, mas com a altura dos tetos. Preferia não ter que andar curvado. O que me leva ao outro motivo pelo qual demorei duas semanas para procurá-la.

O coração perdeu um compasso.

— Qual motivo?

Ele deu um suspiro frustrado e murmurou algo entre os dentes.

— Este encontro não está saindo como eu planejara.

— Quais eram seus planos?

— Eu viria aqui, pediria desculpas e você me perdoaria. Depois eu lhe daria um presente e viveríamos felizes para sempre.

Felizes para sempre?

Outro presente. Ainda não compreendera que não queria presentes?

Olhou-o em silêncio, enquanto digeria as palavras. Ela ainda era a mesma mulher. E ele, o mesmo homem. Ou não? Franziu ligeiramente o rosto.

— Você ia pedir desculpas? Mas não sabia sobre Chiara...

— Não ia pedir desculpas por isso. Pediria desculpas por todo o resto. Agora não sei por onde começar.

Ela o olhou hesitante.

— Comece com o que ia dizer antes que eu contasse sobre Chiara.

— Está certo. — Um músculo contraiu-se no rosto bronzeado. — Mas primeiro precisa entender que você era tão diferente das outras mulheres que conheci...

Ela mordeu o lábio.

— Eu era diferente demais...

— Deixe-me terminar. Pedir desculpas não é o meu forte, e se for interrompido posso não conseguir.

Teve que esconder um sorriso. Esse era Rico. Sempre perfeccionista, mesmo na arte do perdão!

— Então vá em frente.

— Eu adorava o fato de você ser diferente e pouco convencional. E agora vejo que afugentei a mulher que você era. Foi como pegar uma flor silvestre e querer criá-la em casa. Não me surpreende que estivesse infeliz. Eu atravessava uma fase excepcionalmente estressante no trabalho, e chegava em casa exausto demais para outra coisa que não fosse cair na cama.

Abriu um sorriso.

— Você tinha energia para algumas coisas... Ele não retribuiu o sorriso.

— Sei disso, e ainda me lembro do que me disse na Sicília. Você estava certa ao dizer que eu a tratava como uma amante. Estou envergonhado, cara mia. Posso entender como se sentia. Mas precisa entender que as mulheres que conheci ficavam satisfeitíssimas em passar o dia usando meu cartão de crédito e as noites me agradecendo. Pensei que você também ficaria feliz.

— A empresa de cartões de crédito deve ter me adorado.

— Você não gastou nada...

— Já lhe disse centenas de vezes que não é seu dinheiro que me interessa. Mas não sabia sobre seu trabalho. Desconhecia estar tão ocupado. E até o dia de nossa conversa na Sicília nunca compreendi por que o trabalho era tão importante para você.

— Nenhuma mulher demonstrou o menor interesse em saber como eu geria meu capital, então presumi que com você seria o mesmo.

— Não passamos tempo suficiente juntos conversando.

— Como você disse com propriedade, dividimos basicamente nossos corpos, nada mais. Aprendi mais sobre você durante as últimas semanas na Sicília do que durante todo o nosso casamento.

— O que aprendeu?

— Que você é uma pessoa afetuosa, carinhosa e generosa. Extremamente generosa. Apesar do mal que minha irmã lhe causou, você a ajudou. Deve ter sido difícil.

— Nem tanto. Ela era jovem... Os olhos dele endureceram.

— Não me venha com desculpas para algo que sabemos não ter desculpas. Falarei com Chiara no momento propício, mas não deve se preocupar.

— Então foi por isso que veio aqui? — Ela mal ousava formular a pergunta. — Para pedir desculpas?

— E para dizer que esqueça o divórcio. Pensei ter deixado isso claro.

— Nada mudou, Rico.

— Tudo mudou — anunciou com sua habitual segurança, pegando-lhe a mão e puxando-a da mesa. — Dessa vez, eu realmente compreendo o que você precisa e vou prová-lo.

O que realmente precisava era de amor. Do amor dele. Mas, como de hábito, amor era a única coisa que ele não mencionara.

— Aonde está indo?

— Mostrar-lhe a outra razão pela qual demorei duas semanas. Estava ocupado. — Parecia muito satisfeito, e ela o seguiu até o carro esporte.

Dirigiram por um trecho curto, e depois ele virou em uma estrada cercada de árvores que percorreram por uma milha até chegar a uma casa.

Ele estacionou o carro e os dois saltaram.

— Você disse que eu não a compreendia, e isso prova o contrário. — Parecia extremamente satisfeito. — Sei que você adora o campo, mas não posso morar em uma casa menor do que um banheiro, então chegamos a um acordo.

Ela retornou-lhe o olhar sem compreender.

— Desculpe? — Seu olhar fixou-se na linda mansão georgiana no final da estrada. — O que tem essa casa a ver conosco?

— É nossa — anunciou, como a coisa mais natural do mundo para alguém com uma conta bancária ilimitada.

— É nossa?

— Isso mesmo. — Ele abriu um sorriso radiante, confiante em si e em sua decisão. — Você gosta do campo. Comprei para você. Agora me diga que não a compreendo.

Enquanto absorvia as palavras fincou os dedos nas palmas das mãos e fechou os olhos. Sentia que ele a olhava. Sentia o peso da expectativa.

— Você está satisfeita?

— Não — respondeu entre dentes, perguntando se existia um homem mais irritante do que ele. Finalmente abriu os olhos e encarou-o. — Se quer saber, estou tentando resistir à tentação de estrangular você.

Olhos incrédulos a fitaram.

— Cosa? Não lhe agrada?

— É claro que sim. É linda. Agradaria a qualquer um.

Ele lhe deu um olhar de pura frustração masculina.

— Então por que ia querer me estrangular?

— Porque apesar do que você pensa, obviamente não me compreende... — A voz estava trêmula de emoção. — Não é sobre a casa, Rico. Não é sobre morar no campo. É sobre compartilhar. Sobre tomar decisões em conjunto. Sobre igualdade. É isso que quero. Não quero que me dê uma casa, por mais maravilhosa que seja; quero que escolhamos uma juntos.

Ele resmungou algo em italiano, e caminhou em direção aos jardins, irritado.

Stasia sentou-se em um canto e soluçou. Eram tão diferentes... Não estranhava que o relacionamento não desse certo. Ele não entendia as coisas básicas sobre ela.

Chorou até não mais ter lágrimas e quando, finalmente, abriu os olhos ele estava de pé a sua frente.

— Simplesmente não acerto com você... Montei um estúdio na Sicília, esperando que você fosse adorar, e você ficou magoada... — disse levantando as mãos em um gesto tipicamente italiano. — Você adora a Inglaterra, o campo. Pensei que a casa seria perfeita. Estou me empenhando tanto em compreendê-la que já virou uma obsessão. Estou delegando tanto trabalho a meus colaboradores que mal me reconheço.

Ela esfregou as bochechas com as costas da mão.

— Rico...

— Talvez você precise entender algo a meu respeito. Não estou acostumado a lidar com mulheres que queiram tomar parte no processo de tomada d decisão. Estou acostumado a mulheres dependentes. Desde que meu pai morreu, tenho decidido por todas as mulheres da família. Elas não respiram sem antes me consultar. Se esperava que você agisse igual era porque não tive experiência nenhuma com o que você descreve. Mas posso aprender.

Ela fungou.

— Por que você ia querer...?

— Porque quero que nosso casamento dê certo e estou preparado para me esforçar em compreender você, mesmo que isso seja uma tarefa árdua. Para nós dois...

— M-mas eu não sou o que espera de uma mulher. — Odiou-se por ser tão desajeitada quando devia ser indiferente e sofisticada. Mas estava na hora de serem honestos. Na hora de parar de fingir e fazer joguinhos.

Ele deu um sorriso amargo.

— Você tem exatamente o que quero em uma mulher.

Ela ficou ruborizada.

— Não estou falando em sexo.

— Nem eu. Acredite ou não, gosto de não saber como me comportar com você. Gosto do fato de comprar uma casa, e você praticamente atirá-la na minha cara.

Ela mordeu o lábio, arrependida.

— É uma casa linda...

— Vou vendê-la e escolheremos outra juntos. Ela olhou a mansão.

— Eu gosto dessa. Eu escolho essa.

Um olhar exasperado brilhou no rosto dele.

— Já disse que você é a mulher mais irritante que encontrei?

Ela o olhou, o coração acelerado.

— Você instruiu seus advogados. Ele passou a mão na nuca.

— Acho que nós dois temos que ser menos inconstantes — isso faz parte da tarefa.

— Fiquei magoada sobre o estúdio porque achei que o preparara pensando em Chiara.

— Eu já tinha parado de pensar em minha irmã — confessou, a tensão visível em cada ângulo do rosto. — Só estava pensando em você. Em mim. E em voltar a suas boas graças.

Seus olhos encheram-se de lágrimas.

— Nunca tinha visto você chorar até pouco tempo e, de repente, parece que você não pára mais...

— Porque você está se empenhando tanto e não adianta — murmurou, perguntando-se por que de repente se tornara uma manteiga derretida.

— O que foi agora? Por que não adianta? Diga o que preciso fazer.

Ela deu um soluço, parecendo uma criança infeliz quando limpou as lágrimas.

— Me amar. Você tem que me amar. Ele a fitou incrédulo.

— Eu tenho que amá-la?

— Isso. — Com a voz trêmula, apontou a casa. — Ela é maravilhosa, o estúdio é maravilhoso, e sei que você está tentando muito, mas a verdade é que eu moraria em um casebre com você, Rico. A única coisa que quero é seu amor. E você nunca entendeu. Essa foi a única coisa que não foi capaz de me dar.

— Espere aí — Ele balançou a cabeça ligeiramente como se precisasse fazê-la funcionar. — Você está dizendo que acha que eu não a amo?

— Eu sei que não.

Ele levantou uma sobrancelha e demorou um minuto para responder.

— Eu gasto uma fortuna comprando uma casa de campo em uma cidade com um péssimo sistema de transporte e uma quantidade considerável de chuva. Abro mão de meu quarto favorito na vila, embora você não pareça muito satisfeita com o gesto. Por que pensaria que não a amo?

— Porque você nunca disse? — Sua voz era um sussurro.

— Eu lhe dei tudo. Isso devia provar que a amava.

— Porque sua maneira de demonstrar amor é dar coisas materiais — disse calma, compreendendo-o melhor do que nunca. — Mas preciso ouvir.

— Eu me programei há tanto tempo para não fazer declarações, que isso se tornou um hábito. Acho que acreditei que se dissesse essas palavras me tornaria vulnerável. Mas não dizê-las não mudou a forma como me sentia. Eu a amo. Desde o primeiro instante. Pensei que soubesse.

Ela o olhou , o coração aos pulos.

— Eu não sabia...

— Então por que aceitou casar-se comigo se achava que não a amava?

— Porque eu o amava por nós dois. Rico suspirou.

— Eu andei atrás de você como nunca fiz antes, e me casei com você. Nunca tinha pedido ninguém em casamento. Se isso não bastava para demonstrar meus sentimentos, então...

— Queria que você dissesse. Ele ficou tenso.

— Nunca dei tantas demonstrações, pelo menos verbalmente.

Ela não conseguia esconder um sorriso.

— Então continue o árduo aprendizado — sugeriu, um convite na voz —, porque para esse relacionamento funcionar, você precisa aprender a falar sobre seus sentimentos.

— Desesperado? Apavorado de medo de perdê-la? Disposto a fazer qualquer coisa para tê-la de volta? Eu a amo. Ti amo, cara mia.

Stasia fechou os olhos experimentando a felicidade absoluta pela primeira vez na vida.

— Diga de novo. Ele a abraçou.

— Em inglês ou em italiano?

— Em italiano — sussurrou, os olhos verdes muito abertos. — Sabe como me sinto sobre os italianos.

— Eu também sei o que acontece quando falo em italiano — provocou-a, conduzindo-a para o carro. — E levando isso em consideração, acho melhor irmos embora antes de corrermos o risco de sermos presos. Dispenso esse tipo de publicidade.

Stasia o seguiu, o corpo palpitando de desejo.

— Aonde vamos?

— Ao lugar mais próximo onde possamos ter privacidade. — Pisou no acelerador. — O que provavelmente é sua casa.

Ela colocou-lhe a mão na coxa rija e sentiu os músculos tensos.

— Pensei que você odiasse minha casa.

— Vou ficar na horizontal — disse com um olhar tentador — então a altura do teto deixará de ser um problema, pelo menos a curto prazo.

— Eu amo você, Rico. A mão dele cobriu a sua.

— Eu também amo você, cara mia. Para sempre.

 

                                                                                Sarah Morgan  

 

                      

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