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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A VALSA DOS NOIVOS / Alexandra Scott
A VALSA DOS NOIVOS / Alexandra Scott

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A VALSA DOS NOIVOS

 

Os olhos de um violeta intenso pestane­jaram por uma fração de segundo. O ros­to se voltou para o lado num gesto que poderia ser interpretado como uma negação. Mas eram os lábios curvados num sorriso tentador que mais deixavam transparecer o que se passava com Janet.

As cortinas esvoaçavam à brisa que entrava pela janela. Uma luz dourada iluminava o quarto e atingia os cabelos escuros e sedosos que se espalhavam sobre o travesseiro. Contudo, apesar de anunciar um lindo dia, a brisa não foi bem-vinda por Janet, pois ela es­condeu o rosto sob o lençol, recusando-se a despertar daquele sonho que sempre a perseguia e pelo qual ansiava todas as noites.

O problema era que ele surgia apenas ao amanhe­cer, provavelmente porque esse havia sido o horário especial deles. O momento em que ambos estavam descansados e que maior prazer sentiam em dar e receber amor.

O corpo de Patrick estava ali, ao seu lado. Ela olhou para o rosto tranquilo, envolvido pelo sono, e estendeu os braços. Queria que ele acordasse abraçado a ela. Mal podia esperar pelo instante em que os olhares e lábios se encontrariam em mais uma perfeita comunhão.

Mas a realidade substituiu abruptamente o sonho, e o sonho se transformou em um suspiro amargo e profundo.

Janet precisou se forçar a abrir os olhos, não para Patrick, mas para a luz daquele novo dia.

Droga. Droga. Droga.

Escondeu os olhos com as mãos e respirou várias vezes a fim de recuperar o controle. Permaneceu dei­tada por mais alguns instantes com a expressão vazia e o corpo imóvel. Fora uma tola. Justamente quando estava perto de conseguir o que mais queria da vida, pusera tudo a perder.

Irritada consigo mesma, levantou-se bruscamente da cama, dirigiu-se à janela e ajeitou a cortina.

Havia aprendido uma dura lição ao longo dos anos: a de que a autopiedade era um desgaste inútil. Se ela se permitisse parar no meio do caminho, jamais se libertaria e acabaria relutante com relação aos homens em caráter permanente.

Não permitiria tampouco que a decepção interfe­risse em sua aparência física. Precisava se preparar não apenas para mais um dia de trabalho, mas tam­bém para uma noite de festa: a recepção anual dos membros do Parlamento Europeu que estavam lota­dos em Strasbourg.

Era estranho. Estava contando os dias para o evento se realizar. Agora, não tinha certeza se queria ir, Sua única certeza era de que precisava tomar um banho, talvez frio. Ou fazer qualquer outra coisa que a aju­dasse a recuperar os sentidos.

Beleza, opulência e luxo inacreditáveis: essas foram as primeiras e contínuas impressões que ela teve ao subir a escada em caracol, com a mão apoiada no braço de seu chefe, Kyle.

Sua mente funcionava como o flash de uma câmera, tentando registrar todos os detalhes desde os lustres de cristal até os corrimãos que pareciam feitos de ouro maciço, passando pelas estátuas clássicas dispostas nos nichos em penumbra.

Em meio aos objetos de arte, ela quase não reco­nheceu sua própria figura através do espelho.

Pela primeira vez, desde que gastara a maior parte de seu salário na compra do vestido que estava usando, sentiu que empregara bem o dinheiro. Seria impossí­vel, afinal de contas, penetrar naquele mundo de conto de fadas com uma roupa escolhida nas gôndolas de uma loja de departamentos.

Por sorte se deixara convencer pela insistência da vendedora. A cor e o tecido eram perfeitos. Em várias nuances de azul, o vestido de seda realçava o violeta de seus olhos, enquanto o colete de veludo bordado com miçangas e lantejoulas podia competir com o brilho das jóias usadas pelo grande número de mu­lheres presentes.

Sua maior reserva era quanto ao novo estilo de pen­teado: uma cascata de cachos. Contudo, o que antes lhe parecera exagerado, agora estava à altura do glamour do local e da ocasião.

No geral, ela não se sentia autêntica. A sofisticação não combinava com sua simplicidade. Assim mesmo endireitou os ombros e ergueu o queixo ao atravessar a soleira da porta que levava ao salão de recepção.

O primeiro olhar que atraiu ajudou-a a se firmar sobre os pés. Sir Alan Barclay, afinal, um homem sem­pre tão distante e sisudo, estava lhe sorrindo.

Ela o cumprimentou com cortesia e estava pensando em retribuir o sorriso quando sentiu o fôlego lhe faltar e a razão tentar abandoná-la.

Devia estar sonhando. Não havia outra explicação.

Janet, acho que você ainda não conhece Patrick Cavour — Kyle comentou. — Ele está em Strasbourg há apenas uma semana.

Menos do que isso — Patrick corrigiu. — Estou em Strasbourg há três dias.

Era a primeira vez que ela ouvia aquela voz com o indisfarçável sotaque irlandês em anos. Aquela voz grave e máscula que a deixava fraca de desejo, que provocava arrepios ao longo de sua coluna.

Nada havia mudado. A sensação de frio no estô­mago e a pressão em seu diafragma continuavam fortes como antes.

—        Quero lhe apresentar Janet Gregory — Kyle anunciou e apoiou o braço em seu ombro de modo casual. — A melhor assistente que alguém pode desejar.

Ela não entendeu o que seu chefe disse a seguir. E entendeu menos ainda o porquê de ela e Patrick es­tarem sozinhos no outro momento.

Você está muito bem, Janet — ele a elogiou antes que ela pudesse pensar em algo para quebrar o silêncio.

Obrigada. Você também.

O que era lamentável. Teria sido muito mais fácil encontrar um homem que não lhe parecesse tão atraen­te quanto as lembranças que deixara.

Pessoas simples como ela eram facilmente cativadas ou intimidadas por homens como Patrick Cavour que tinham o privilégio de pertencer a famílias grandes, ricas e poderosas.

A imagem da mansão dos Cavour voltou-lhe à mente. Ela fazia lembrar o cenário do filme ...E o Vento Levou. Por dentro, o luxo discreto e de bom gosto; por fora os jardins, os cachorros amigáveis e os estábulos re­pletos de cavalos de raça.

Quanto tempo... — ele começou a dizer e ela o interrompeu, consumida pelo medo de sua própria fraqueza.

Sim. Foi em Oxford, não? Que nos encontramos pela última vez, quero dizer — ela acrescentou com um sorriso falso e trémulo, obtido a duras penas.

Pelo modo brusco com que a expressão de Patrick mudou, Janet percebeu que o havia pego de surpresa.

Perdoe-me — ele murmurou e o tom de sua voz fez com que ela gaguejasse.

            Você está me pedindo perdão?

O desdém que adivinhou naqueles olhos escuros lhe provocou uma reação inesperada. De repente queria desafiar Patrick.

            Por estar encarando-a — ele completou. — Você me lembra alguém que conheci... intimamente.

Os últimos resquícios de controle se esvaíram e Ja­net sentiu o rosto arder. As unhas se cravaram nas palmas das mãos. Foi necessário reunir todas suas forças para responder com um sorriso condescendente. Um sorriso comparável ao de uma duquesa ao menos importante dos lacaios. Um sorriso que poderia lhe ter custado muito, mas que a compensara com uma sensação de triunfo por uma fração de segundo.

Pelo resto da noite, que lhe pareceu interminável, foi impossível evitá-lo. Talvez, ela tentou se enganar, por Patrick ser um homem muito alto. Cada vez que erguia a cabeça, lá estava ele. E sempre rodeado por um séquito de mulheres que pareciam ter saído de capas de revistas. Uma espanhola em especial, que se chamava Inês, parecia não ter olhos para mais ninguém.

Janet tomou um gole de seu drinque como se esti­vesse prestes a morrer de sede. Queria que Patrick não fosse tão bonito e que ela pudesse parar de fitá-lo.

Ele tinha a pele morena, os olhos quase pretos e amendoados como se algum ancestral longínquo per­tencesse à raça oriental.

Não herdara aquele traço de seus pais, ela sabia. Conhecera-os num memorável fim de semana em County Wicklow, local onde Patrick havia nascido e onde os pais ainda residiam.

Quando Patrick sorria, seu charme se tornava ainda mais irresistível. Mas ele não estava sorrindo para ela naquele momento, e sim para uma outra mulher.

Janet precisou engolir para umedecer a garganta e tentar se convencer de que não era o ciúme que estava fazendo seu coração disparar e o sangue afluir ao rosto.

O momento, porém, em que a situação realmente lhe fugiu ao controle foi aquele em que se viu sentada no banco de passageiros do carro de Patrick, enquanto ele a levava para seu apartamento.

Devido à demora do carro que viria buscá-la e tam­bém a Kyle e Anna, sua secretária, e a impossibilidade de conseguir um táxi, Janet não tivera alternativa. Ainda mais depois que um vizinho de Kyle e de Anna lhes ofereceu uma carona.

Não se preocupem comigo — Janet insistira. —Mais cedo ou mais tarde acabará surgindo um táxi.

Não a deixaremos aqui, sozinha, a esta hora da noite, Janet — Kyle retrucara. — Daremos um jeito.

E ele dera. Dirigira-se a Patrick Cavour e lhe per­guntara se faria a gentileza de levá-la para casa.

—        Obrigada — Janet agradeceu ao mesmo tempo em que Patrick lhe abriu a porta. — Boa noite.

Ela imaginou que a despedida seca fosse suficiente para dispensá-lo, mas Patrick seguiu ao seu lado em direção à entrada do prédio.

—        Faço questão de deixá-la em segurança.

O ruído dos saltos sobre o piso de granito deveria ter sido uma indicação de que ela estava insegura quanto ao que dizer quando chegasse ao apartamento.

As palavras só lhe vieram à mente no momento em que introduziu a chave na fechadura.

—        Se quiser um café...

Um olhar irónico interrompeu-a.

Devo me dirigir à lanchonete da esquina que fica aberta as vinte e quatro horas?

O que eu queria dizer é que poderia preparar uma xícara em poucos minutos, se você quiser...

Foi um sorriso incrédulo que a deteve dessa vez.

—        É uma pena mas eu não tenho tempo. — Patrick consultou seu relógio de pulso. — Espero que não re­pare se eu recusar o convite, mas devo partir para Nova York daqui a duas horas e ainda tenho de voltar para meu hotel e trocar de roupa.

Janet não respondeu. Patrick estava erguendo o bra­ço e se apoiando contra a parede. Olhava para sua boca como se quisesse que ela adivinhasse sua intenção de beijá-la.       

Uma vontade imensa de desafiá-lo a deixou imóvel. Beijos, afinal, aconteciam a todo instante e não signi­ficavam nada. Aprendera isso havia muito tempo. Aprendera também que romance e Janet Gregory eram duas coisas que não combinavam. E o fato de ter sido Patrick o homem que lhe ensinara tudo o que sabia sobre o assunto não significava que tivesse de rever suas lições. A oportunidade, inclusive, parecia muito bem-vinda. Ela queria ver a cara dele quando desco­brisse que não a afetava mais.

—        Boa noite, srta. Gregory.

Patrick se afastou tão inesperadamente que ela co­gitou se teria pensado em voz alta.

O que disse?

Boa noite. Eu preciso ir. Não adianta tentar me deter.

Ela lhe endereçou seu mais brilhante sorriso. O que mais lhe restava fazer?

—        Boa noite e obrigada.

Esperava que Patrick não tivesse notado seu desa­pontamento. Ele havia sido tudo para ela um dia, afi­nal. E todas as mulheres que conhecia teriam se sen­tido da mesma forma: ansiosas pela oportunidade de beijá-lo e de serem beijadas.

Quem poderia culpá-las? Patrick era um homem que vibrava masculinidade e charme. Com os fios prateados lhe tingindo as têmporas parecia-lhe ainda mais bonito.

Ele começou a se afastar, mas se virou e lhe provocou um sobressalto.

—        A propósito, eu retiro o que disse na festa. Reconheço agora que me enganei. Você não é nada pa­recida com a garota de quem falei.

A intenção de feri-la era óbvia. Mas não fora ela quem fornecera a arma? Dessa forma, forçou-se a en­cará-lo com frieza e impassividade para que ele não adivinhasse o quanto a magoara.

Ela o viu desaparecer pela porta do elevador. Em seguida, correu para seu quarto por puro instinto, pois não conseguia enxergar nada através das lágri­mas, e se atirou sobre a cama sem se importar com seu lindo vestido.

Chorou até esgotar todas as lágrimas. Levantou-se, então, e lavou o rosto e os olhos vermelhos. Depois se despiu e colocou uma camisola.

Os pensamentos a torturavam no silêncio do quarto. Havia vivido uma mentira durante anos. Bastara um breve encontro para descobrir que nada mudara. Pa-trick era e sempre seria seu único amor até o fim de sua vida. O primeiro e o último. Por mais que a cons­tatação doesse não adiantava negá-la.

Conhecera-o em Oxford, no último semestre da fa­culdade. Por culpa sua. Era incrível que seus caminhos não tivessem cruzado antes. Mas, por ter ganho uma bolsa de estudos, ela se vira sob tanta pressão no sen­tido de se formar com notas altas, que não tivera tempo para comparecer às inúmeras reuniões sociais que aconteciam principalmente nos finais de semana.

A festa do vigésimo-primeiro aniversário de Deborah Fleetham, contudo, seria um evento imperdível até para ela. E foi nessa ocasião que encontrou Patrick pela primeira vez.

A atração foi mútua e imediata.

—        Fale-me sobre você — ele pedira naquele tom de voz imperativo e sexy que ela aprendera a conhe­cer tão bem.

            Não há muito o que contar. Janet Gregory, vinte anos, estudante de inglês e história.

Na época, Janet conduzia um programa de pergun­tas e respostas voltado ao público juvenil, mas não mencionou o fato.

De onde você é, Janet Gregory? — Patrick continuara, ao mesmo tempo em que pegava dois copos de vinho numa bandeja e lhe estendia um. — Quais são seus planos para o futuro?

Ainda não sei — ela respondera com um movimento de ombros. — Nasci em um vilarejo em Gloucester. Meu pai é o vigário local. — Ela se deteve e tomou um gole. Não costumava beber e agora sentia falta de um pouco mais de traquejo social. Sentia-se como uma adolescente. — Agora fale-me sobre você. Sei apenas seu nome e nada mais.

Nasci em County Wicklow. Depois de me formar no colégio, ingressei na universidade de Harvard e cursei Direito. Trabalhei numa firma de advocacia em Washington e agora estou aqui para realizar uma pesquisa e para satisfazer meu pai. Ele se orgulha muito de ter estudado nesta universidade há trinta anos.

Janet se lembrava de ter sorrido ao ouvir o relato e de ter comparado Patrick com seu pai. Ambos eram mui­to seguros de si e pareciam tender para os estudos aca­démicos. Seu pai, ao menos, vivia mergulhado em ma­nuscritos antigos e obscuros. Sua ocupação o absorvia tanto que ele chegava a se esquecer de que tinha uma filha. E a esposa, talvez movida pelo tédio ou por causa da negligência com que era tratada, aproveitava-se de sua precária saúde para fazer chantagens.

Em certo momento Patrick Cavour segurou-a pelo cotovelo e conduziu-a a um local mais isolado.

—        Janet, onde você se escondeu nos últimos meses enquanto eu a procurava?

Ele não lhe deu tempo para responder. Olhou in­tensamente no fundo de seus olhos, inclinou a cabeça e beijou-a.

O impacto foi devastador ao primeiro contacto. A partir daquele beijo, cada minuto longe um do outro se tornou uma agonia. Assim, quando Pa-trick propôs que morassem juntos, ela não precisou pensar duas vezes. O que lhe parecia arriscado e irracional antes de conhecê-lo, passara a ser algo completamente natural.

No dia em que realizaram a cerimónia íntima de compromisso, sem nenhuma testemunha, e juraram dedicarem suas vidas um ao outro, ela, ao menos, o fez com convicção.

Trocaram presentes que Janet considerou como sím­bolos do amor que os unia.

Patrick lhe deu uma corrente vitoriana de prata com um pendente de cristal em formato de lágrima.

Mais tarde, ela se perguntaria sobre o significado daquele presente. No momento de recebê-lo havia sen­tido uma imensa alegria. Nunca fora uma pessoa su­persticiosa. Mas que ele também poderia ter sido um mau presságio, um aviso sobre o que o relacionamento lhe traria, não podia negar.

Lembrava-se daquele dia, há cinco anos, como se ele tivesse acontecido na véspera. Ela estava se exa­minando ao espelho, satisfeita com o caimento do ves­tido azul que usaria na cerimónia íntima, quando Pa­trick surgiu às suas costas, alto e distinto. Ele usava um terno escuro e formal e uma camisa branca que realçava o moreno de sua pele.

No instante em que seus olhos se encontraram, o coração de Janet aumentou de ritmo. Patrick lhe se­gurou o pescoço com uma das mãos e a fez virar de frente para ele. Beijou-a longamente. Um instante de­pois, ela sentiu o contato frio do metal em sua pele, mirou-se novamente no espelho e viu a jóia.

Obrigada — agradeceu e beijou o cristal. — Obri­gada, Patrick. É uma jóia linda.

Esse cristal é o símbolo do meu amor. — Ele pronunciou as palavras firmes de compromisso em tom brincalhão. — Será que estou conseguindo lhe trans­mitir o que sinto?

Ela fez um sinal afirmativo com a cabeça, emocio­nada demais com a declaração para responder ime­diatamente com palavras.

—        Acho... acho que sim.

A intensidade e a impaciência do beijo que trocaram foi uma demonstração mais clara da necessidade e de­pendência mútua.

Saíram para jantar num hotel no campo. Preten­diam comemorar a ocasião com música e dança tam­bém, mas permaneceram na boate do hotel o tempo suficiente para uma seleção apenas. Não conseguiram prolongar a espera.

Voltaram para o apartamento de Patrick e ele a carregou no colo no momento de entrarem.

O tempo que viveu ao lado dele foi idílico. Cada instante foi mágico e apaixonado. Havia romance e riso, interesses comuns e amizade.

Seu presente para ele foi um livro de poemas de amor em primeira edição, que encontrou num dos sebos de Oxford. Patrick o recebeu com veneração. Seus de­dos tocaram a capa de couro desbotada e as letras douradas e gastas como se tivesse em suas mãos o mais raro dos tesouros.

Ela perdeu a conta das vezes em que riram juntos e que ele a fez corar, dizendo que os presentes trocados eram as únicas coisas que usavam na cama.

Agora, com os olhos ardendo de tanto chorar, ela via todas aquelas cenas divertidas e românticas des­filarem em sua mente. Parecia estar ouvindo, também, os sonetos que liam um para o outro.

Haviam feito tantas coisas juntos. Haviam sonhado tanto. Sonharam, inclusive, com um casamento formal na igreja onde ela havia sido batizada, rodeados por amigos e parentes.

Foi por isso que a dificuldade de acreditar que tudo havia acabado entre eles se tornou tão grande.

A lembrança do último dia de amargas recrimina­ções havia ficado gravada em sua alma para sempre.

Depois de ser procurada por um dos melhores pro­fessores da faculdade, Janet entrou no apartamento ansiosa para contar a notícia a Patrick. Ele estava desligando o telefone no momento em que ela abriu a porta. Seu rosto se iluminou ao vê-la como de cos­tume. Ela se lembrava inclusive da roupa que ele estava vestindo. Uma calça de brim cinza e uma ca­misa xadrez.

Tenho boas notícias, querida — ele anunciou e abriu os braços para recebê-la.

Oh, Patrick Eu também.

Ela correu para os braços dele e lhe ofereceu a boca.

Eu espero. Conte você primeiro.

Querem que eu vá para Ashala por três anos para desenvolver uma pesquisa.

Janet franziu o cenho, incapaz de entender.

O que disse?

Você ficou surpresa, é claro. Eu já esperava por esse chamado, mas não quis lhe dizer enquanto não tivesse certeza.

Os braços de Patrick estavam ao redor da cintura de Janet e ele apoiava o queixo sobre o alto de sua cabeça.

—Ashala? Onde fica isso? — Ela se afastou e encarou-o.

Em Bangladesh.

Bangladesh? — Ela repetiu, tomada de pânico e indignação. — Você sempre disse que desenvolveria seu trabalho em Londres ou Dublin!

Sim, mas essa oportunidade é imperdível. Ban­gladesh deverá vir em primeiro lugar.

Ela havia ficado completamente atónita. A possibi­lidade lhe parecera incrível.

Devo entender que estão com falta de advogados capacitados naquela parte do mundo? Ora, Patrick, pelo amor de Deus!

Não pretendo trabalhar lá como advogado. Irei como administrador de uma instituição de caridade. Eles estão precisando de toda ajuda que puderem receber.

Mas, por quê, Patrick? — Janet indagou, aflita para que ele mudasse de ideia. — Não consigo entender.

Ela pôs-se a andar de um lado para o outro com os braços cruzados sobre o peito. Patrick não procurou detê-la.

Porque eu sinto que devo dar minha contribuição ao mundo. Agora você entende?

Não, sinto muito.

Esqueceu-se das vezes em que teceu comentários sobre a pessoa privilegiada que eu sou por ter nascido em uma família rica e poderosa? Você vive fazendo pequenas piadas a esse respeito.

Simples brincadeiras — Janet tentou se justificar.

Brincadeiras com um fundo de verdade — Patrick acrescentou. — Eu reconheço que tive sorte na vida. É por isso que decidi que chegou minha vez de ajudar os menos afortunados.

Há muito a ser feito neste país também desde que você tenha uma consciência social.

Não estamos falando sobre uma consciência social. Estamos falando sobre uma região do mundo onde a necessidade é real, desesperada. Bangladesh é um os países mais pobres do nosso planeta.

E quanto a mim? — A voz de Janet soou rouca devido às lágrimas contidas.

Oh, sua tolinha — Patrick murmurou e sua expressão voltou a ser alegre e carinhosa. Ele cobriu a distância que os separava em dois grandes passos e abraçou-a. — Não me diga que estava imaginando...? Sim, claro que sim. Eu não me expliquei bem. Não pensou que eu pretendia deixá-la aqui, pensou? Quero que vá comigo para Bangladesh.

Por alguns minutos ela continuou apoiada no peito dele, ouvindo as batidas de seu coração, sonhando e fingindo que a sugestão era viável. Então, quase sem fôlego, afastou-se.

—        Eu não tenho a menor intenção de ir a Bangladesh. Patrick deixou os braços caírem ao longo do corpo como se de repente estivesse muito cansado. Em vez de responder, encarou-a.

Incapaz de suportar o peso daquele olhar, Janet vi­rou o rosto.

—        Você não quer me acompanhar? — ele indagou e aguardou um instante para continuar: — Seria uma oportunidade maravilhosa para nós se pudéssemos tra­balhar juntos. Eu não fui o único, afinal de contas, a nascer privilegiado. Temos uma vida aqui que o povo de lá não consegue nem sequer imaginar.

Patrick falou num tom autoritário, quase paternal, como se tivesse certeza de que ela acabaria concor­dando com sua proposta. Em vez de responder, con­tudo, Janet se dirigiu ao quarto e começou a guardar as roupas que havia passado. Sentia o olhar de Pa­trick em suas costas, mas não podia correr o risco de se virar e fitá-lo. Tinha medo de vacilar em sua decisão.

Não irei com você, Patrick — declarou, ainda virada de costas. — Mesmo que quisesse não poderia deixar minha mãe. Você sabe como o estado de saúde dela é precário.

Oh, sim — ele ironizou.

Para você é muito fácil — Janet retrucou, ciente de que seu argumento era muito frágil. Ambos sabiam que as doenças de sua mãe eram imaginárias em gran­de parte, se não totalmente, pois os sintomas de uma desapareciam por completo quando ela pensava que estava com outra.

Sua mãe tem seu pai. Seria diferente se ela mo­rasse sozinha — Patrick comentou.

Você não entende. Não é filho único como eu. Mas nada disso vem ao caso porque eu não irei a Ban­gladesh. Em primeiro lugar porque estou certa de que seria um estorvo para você. Em segundo porque você não está nem um pouco interessado na notícia que eu disse que tinha para lhe dar.

Desculpe. Eu estava acabando de pensar nisso.

Eu lhe contei, não contei, que o dr. Acheson estava vendo algo para mim? Bem, ele conseguiu. Trata-se de uma vaga para pesquisas em Westminster. O emprego é meu, se eu quiser. É claro que respondi que sim, que era exatamente o que eu tanto esperava.

A expressão de Patrick mudou por completo.

—        E se eu implorar para que vá comigo? E se eu lhe disser que não será o mesmo sem você, que se trata de uma experiência que devemos compartilhar? Que será algo de que nos lembraremos para o resto de nossas vidas, e que é uma oportunidade muito mais valiosa do que uma pesquisa na Casa dos Comuns?

O silêncio que caiu sobre eles pareceu se estender ao infinito. Ambos estavam zangados, decepcionados, certos de que o outro era o errado, determinados a não ceder em sua decisão.

Quando Janet finalmente falou, não fez nenhum es­forço para esconder sua mágoa:

—        Acho que já dissemos tudo o que havia para ser dito, não? O que para mim significa muito, para você não é nada. Você não teria demonstrado desprezo maior se eu tivesse lhe contado que havia arrumado um emprego de caixa num supermercado. — Ela respirou fundo. — Muito bem. Você vai para Bangladesh, já que faz tanta questão, e fica em paz com sua consciência. Apenas não espere que eu fique à sua espera enquanto satisfaz suas ambições.

Ao se lembrar, mais tarde, das palavras que usou, Janet sentiu vergonha e arrependimento. Não queria ofendê-lo. E não era o tipo de mulher que fizera parecer.

— Não está insinuando que meus planos envolvem algo que reverterá em meu próprio proveito, está? — Patrick indagou com um olhar desconfiado. — O motivo que me levou a convidá-la a partilhar de mi­nha vida foi o amor, Janet. Jamais me divertiria à sua custa. Você não poderia ter se enganado mais a meu respeito, se foi isso que pensou. Mas agora não importa mais.

Ele saiu do quarto.

O silêncio foi quebrado apenas pelas batidas do coração de Janet e pelo estrondo com que ele fechou a porta.

Por alguns instantes ela não teve forças para se mover. Depois desabou sobre uma cadeira e chorou.

O destino não poderia ter sido mais cruel. Naquela mesma tarde, sua mãe lhe telefonou num tom de re­signação muito mais assustador do que os comentários dramáticos aos quais se acostumara desde criança. Dessa vez ela teria de se submeter a um exame ime­diato por causa de um gânglio que havia surgido em seu pescoço.

— Daria para você vir para casa por alguns dias, Janet, e fazer companhia a seu pai enquanto eu estiver no hospital?

Janet não hesitou. Seus pais estavam precisando muito de seu apoio.

O que não conseguiu entender, mais tarde, foi a razão de ter contado o fato com tanta arrogância a Patrick. Talvez porque não conseguisse perdoá-lo por preferir ir a Bangladesh a ficar com ela.

No segundo dia de hospitalização, enquanto Janet estava em Great Whencote, o resultado da biópsia foi negativo. Tratava-se de um tumor benigno e a extir­pação não precisaria ser feita com urgência. A cirurgia foi marcada para trinta dias depois.

—        Graças a Deus! — o pai exclamou ao desligar e sorriu para a filha, algo incomum entre seus há­bitos. — Eu estava tão preocupado. — Ele atravessou a sala e apertou os ombros de Janet numa outra demonstração rara de emoção. — Nada a impede, agora, de retornar para Oxford e para o rapaz por quem está apaixonada.

Não foi possível controlar o afluxo de sangue que lhe subiu ao rosto.

Eu não tenho pressa, pai. Ficarei com vocês en­quanto precisarem de mim.

Bem, o que estou tentando lhe dizer é que com o resultado do exame eu me sinto muito aliviado e que entendo que você não pode ficar faltando às aulas indefinidamente. Não há mais razão para isso. Sua mãe e eu nos arranjaremos sem problemas agora que temos certeza de que não há nada de grave com sua saúde. — Ele hesitou por um instante. — Você sabe como sua mãe costuma agir com respeito a assuntos de doenças. A verdade é que ela não nasceu para ser esposa de um pastor. Bem, mas isso não vem ao caso. O que eu quero, Janet, é que fique tranquila e que não largue tudo o que estiver fazendo sempre que ela se queixar de alguma dor. Viva sua própria vida. Não se sacrifique por nós. Entende o que estou dizendo?

Sim, acho que sim — Janet respondeu. O pai não havia usado a palavra hipocondríaca, mas ambos sabiam que se tratava exatamente disso. Obedecendo a um súbito impulso, ela o abraçou e beijou. — Obrigada, papai. Mas prometa que me chamará se surgir algo realmente sério. De qualquer forma, eu ficarei mais alguns dias com vocês.

Janet tomou essa decisão deliberadamente. Ela e Patrick precisavam de tempo para esfriarem as cabe­ças. Talvez fosse bom para ambos se tivessem a opor­tunidade se sentir saudade. No caso de Patrick, o tem­po lhe daria condições de refletir na injustiça de sua decisão e no quanto ela afetaria suas vidas.

Mais tarde, Janet ficaria perplexa com a certeza com que tomara sua própria decisão. No fundo não deveria ter acreditado que Patrick fosse em frente e a deixasse para ir a Bangladesh.

Mas, por mais incrível que pudesse parecer, a con­versa que tiveram antes de ela ir à casa dos pais sig­nificou o fim do relacionamento.

Naquele instante, deitada em sua cama, Janet se virava de um lado para o outro, inquieta, na tentativa de expulsar da mente a agonia que a invadira na época.

Havia rezado muito para que Patrick voltasse para ela e lhe dissesse que mudara de ideia. Conforme os dias passavam, contudo, suas convicções ficaram pro­fundamente abaladas.

O emprego em Londres começou a perder um pouco do atrativo original. Bastaria uma palavra, um gesto de Patrick para que isso acontecesse.

Ela voltou para Oxford com o coração esperançoso e a mente fervilhando com uma série de planos alter­nativos para o futuro de ambos. Ao chegar ao aparta­mento, porém, encontrou apenas um bilhete dizendo que ela não precisaria ter pressa em se mudar. Patrick havia pago antecipadamente três meses de aluguel. Desculpava-se por não ter podido esperá-la. Tivera de ir a County Wicklow para se despedir dos pais e de lá seguiria para Nova York onde apanharia o avião que o levaria a seu destino. Por fim escrevera que jamais esqueceria os momentos felizes que viveram juntos. Foram palavras quase formais que acabaram de destrui-la, pois não davam nenhuma indicação de que ele estava sofrendo como ela.

Por duas vezes, o orgulho em frangalhos, Janet tirou o fone do gancho para chamá-lo. Por duas vezes reco­locou o fone no gancho. Faltou-lhe coragem em ambas as vezes. Não conseguia levar em frente as exigências do instinto e pedir que Patrick a levasse consigo. Que­ria dizer que não importava onde iriam viver desde que estivessem juntos. Mas estaria mentindo. Nunca, nem por um minuto, quisera ir a Bangladesh.

Quando, por fim, achou que estava pronta para falar com ele, discou o número da casa de seus pais. Foi Grainne, a irmã, quem atendeu e disse que lamentava mas que Patrick havia partido algumas horas antes e que já estava a caminho dos Estados Unidos.

A única saída, Janet pensou, seria descobrir o novo endereço dele e escrever. Não seria o mesmo que par­tirem juntos, mas, talvez pudessem se encontrar dali a alguns meses. Assim teria chance de aliar ambos os projetos: seu emprego na Casa dos Comuns e a ajuda aos necessitados de Bangladesh.

Um período de independência talvez fosse bom para ela. Ao menos poderia saber se era capaz de vencer sozinha e de não se sentir humilhada.

A carta estava pronta para ser enviada e teria sido colocada no correio se não fosse por um encontro casual num supermercado com Deborah Fleetham.

Deborah lhe contou, com muito entusiasmo, sobre uma de suas amigas que havia trabalhado como en­fermeira no hospital John Radcliffe.

— Você deve se lembrar de Gillian. Ela esteve na minha festa de vinte e um anos. Ela é alta e loira. Está, agora, em Nova York com Patrick Cavour fa­zendo um curso de preparação para o trabalho que irão desenvolver em Bangladesh. É tão excitante e ro­mântico, não acha?

Deborah, é claro, não ouviu a opinião de Janet a respeito. Ela havia se lembrado de um compromisso urgente e deixara o supermercado sem comprar nada.

Janet estava preparada para sentir saudade e ar­rependimento pela decisão que havia tomado, mas não para o choque que a revelação lhe causou e que lhe afetou a saúde.

A experiência havia sido terrível e ela não tinha a menor intenção de repeti-la.

 

Quando uma pasta de couro quase se cho­cou contra seu rosto no momento em que se preparava para dormir, Janet olhou para cima, irritada com a intromissão no que considerava seu es­paço. Notou uma figura alta guardando algo no por-ta-bagagem e tornou a olhar para baixo. As iniciais na pasta marrom, no banco ao lado, meramente con­firmaram a mensagem que seu cérebro se recusava a admitir.

—        O que está fazendo aqui? — perguntou em altos brados, numa demonstração de absoluta falta de controle.

—        O mesmo que você, eu acho — Patrick respondeu sem se abalar. Pior que isso. Ela tinha certeza de que havia desaprovação em seu olhar ou até mesmo desprezo. Fosse o que fosse, sua vontade de gritar au­mentou ainda mais.

No momento em que Patrick se inclinou para afi­velar o cinto de segurança, ela sentiu o leve perfume de colónia penetrar por suas narinas.

Lágrimas assomaram a seus olhos. Era o mesmo perfume. Era como se os anos não houvessem passado.

Quando deu por si, estava com a respiração suspen­sa, fascinada por aquela pele ainda mais morena em comparação com o punho imaculadamente branco da camisa e com o relógio de ouro.

—Foram os negócios que me chamaram a Paris —ele continuou, arrancando-a de seus devaneios.

Oh, não! Janet fechou os olhos. Não podia ser!

—- E, é claro que o fato de você estar sentado ao meu lado é uma mera coincidência — ela insinuou com a voz muito doce carregada de sarcasmo.

—        Não, não é — Patrick respondeu baixinho, para que ninguém pudesse ouvi-los. — Eu tive de subornar a Air France. Não foi fácil.

Ela havia sido forçada a aproximar o ouvido dos lábios dele para poder ouvir. As palavras, contudo, a fizeram recuar ferida e humilhada.

Mas seria um erro fazer o jogo dele. Por isso, ela sorriu. Precisava ter cuidado.

Virou o rosto para a janela e fingiu interesse na decolagem. Em seguida, fechou os olhos e rezou para que o alívio chegasse em forma de sono.

—        Quer beber alguma coisa?

Ela abriu os olhos, furiosa. E teria reagido com maus modos se não visse a aeromoça à espera de uma resposta.

Como? Oh, não, obrigada.

Ora, vamos. Acompanhe-me. Mostre que não tem a intenção de continuar fingindo que não se lembra de mim. Afinal, não faz tanto tempo assim que nós...

Está bem — ela o interrompeu, obedecendo às sugestões do bom senso. A aeromoça não precisava saber do que existira entre eles. Além disso, depois de refletir sobre seu comportamento na outra noite, sentira-se muito infantil. — Admito que o reconhecide imediato. Você não mudou.

Exceto que parecia ainda mais bonito, se isso fosse possível.

—        Obrigado — Patrick agradeceu. — Será que isso significa que podemos conversar?

Sem responder, Janet abriu a bolsa para pagar pelo vinho que Patrick estava pedindo à aeromoça.

—        Eu ofereci a bebida — ele declarou. — E ela não me custará nada. Todas as despesas serão relacionadas em meu relatório de viagem.

—        Até aquelas que você faz com mulheres? Patrick lhe endereçou um olhar de impaciência, mas manteve o controle.

—        Se faz muita questão, concordo que pague da próxima vez.

"Não haverá uma próxima vez", Janet pensou en­quanto saboreava um gole do vinho branco.

Em sua posição deve estar acostumado a esse tipo de despesas, eu suponho.

Minha posição? — Patrick se virou como se ela o tivesse agredido. Seu olhar fez com que o coração de Janet aumentasse de ritmo. — Por que não me diz o que pensa que seja minha posição?

O silêncio se estendeu por um longo tempo até Janet admitir que não tinha a menor ideia. O pânico do reen­contro a impedira de raciocinar e de se comportar como uma pessoa normal. Talvez tivesse feito o comentário por causa de uma conversa que ouvira no escritório e de uma ou duas dicas por parte de Kyle de que ele estava representando uma grande empresa irlandesa em Strasbourg.

Eu não sei. Suponho que esteja trabalhando como consultor legal ou algo no género.

Realmente estou, mas não para uma empresa comercial nem para o Governo.

Para quem, então?

Para uma das maiores instituições mundiais de caridade.

Janet engoliu em seco.

Devo concluir que continua trabalhando como voluntário?

Não. Eu consegui uma licença internacional para o exercício de minha profissão durante o tempo em que estive fora. Estou trabalhando como advogado.

Não foi possível disfarçar o desapontamento que a inundou. No fundo ela estava nutrindo a esperança de que Patrick houvesse voltado por sua causa. Que tolice! Era óbvio que não. Sua volta à Europa pren­dia-se a motivos de trabalho e a sua ligação com o instituto.

A interrupção para o café foi muito bem-vinda em­bora nem ela nem Patrick aceitassem a bebida.

Gostou do vinho? — ele lhe perguntou assim que a aeromoça se afastou.

Sim, é muito bom — ela respondeu mecanicamente, pois ainda estava pensando na informação que ele lhe dera. — Se agora está podendo exercer sua profissão em âmbito internacional, onde fixou residência?

Aqui mesmo em Paris. — Ele apontou para as luzes da cidade sobre a qual sobrevoavam. — Faz dezoito meses que me mudei para cá. E você? Está vindo a Paris a negócios ou por prazer?

Ambos. — Ela terminou de beber o vinho enquanto cogitava até que ponto deveria colocá-lo a par de sua vida. — A partir de agora viajarei para cá com frequência. Meu tempo será igualmente dividido entre Paris e Strasbourg. No início eu relutei em assumir tantas responsabilidades adicionais, mas agora estou gostando do desafio. Kyle ficou muito contente com minha resposta. Eu terei um flat da empresa à minha disposição sempre que vier a Paris. Além disso, um trabalho como esse conta muito em qualquer currículo. Se um dia eu decidir mudar de emprego, esse tipo de experiência resultará a meu favor.

Está pensando nesses termos?

Não. — Ela reforçou a resposta com um movimento negativo de cabeça. — Mas há ocasiões em que o cenário se torna monótono, se é que eu usei a palavra certa.

Humm.

A resposta não dizia nada, mas ao menos ele não usara o famoso "eu não avisei"?

Sua vida deve ser bem movimentada — ele continuou em seguida.

Bem, poderia ser pior. — Janet achou que devia defender seu chefe de alguma forma. — Kyle concordou que eu tivesse uma secretária. Anna me ajuda muito com o serviço de rotina.

E quanto ao prazer?

Como? — ela indagou, constrangida ao sentir o rosto afogueado.

Disse que aliou os negócios ao prazer nesta via­ gem. Estou perguntando sobre o prazer.

Oh! — ela exclamou, aliviada com a explicação. — Uma amiga minha se mudou para cá quando se casou. Nós dividimos um apartamento por alguns meses quando eu fui para Strasbourg. Ela teve um bebé. Estou ansiosa por vê-la e conhecer seu marido e seu filho. Aposto que precisaremos de horas para colocar os assuntos em dia.

O avião havia acabado de aterrissar e eles se le­vantaram para apanhar a bagagem de mão.

Depois de descerem, foi automático que dividissem um carrinho e que caminhassem juntos para o setor de alfândega.

—        Alguém virá buscá-la?

Os olhos escuros a examinaram da cabeça aos pés.

Por um instante ela teve uma reação infantil mas que a satisfez. Sabia que estava elegante com a calça azul-marinho, blusa de seda branca em estilo cossaco e um casaco de cashmere inglês com aplicações em camurça.

Não podia acusá-lo de estar encarando-a. Fazia o mesmo com ele.

Patrick era o tipo de homem que atraía todas as mulheres. Era o arquétipo do advogado bem-sucedido. Quando o conhecera, acostumara-se a vê-lo em roupas esportivas. Em trajes formais, contudo, ele se mostrava igualmente à vontade. Ao contrário de Kyle, Patrick era a elegância em pessoa.

Teria reparado em sua mudança de penteado? Antes ela usava os cabelos soltos. Agora se acostumara a prendê-lo nas laterais com pentes de tartaruga e prata que haviam pertencido a sua bisavó.

Ao se dar conta de que havia se perdido em remi­niscências, Janet balançou a cabeça.

Desculpe. Eu me distraí. Não, ninguém virá me buscar.

Então eu a levo.

Foi uma afirmação ou quase uma ordem. Em outra ocasião ela certamente teria protestado, mas estava muito cansada. Nem sempre era fácil conseguir um táxi de imediato e não havia razão para ela recusar uma carona.

Alguns minutos mais tarde, confortavelmente ins­talada no banco traseiro do carro, ela tentou focalizar sua atenção no boné do motorista. Em vão. Não con­seguia parar de olhar nem de pensar no homem que estava sentado ao seu lado.

Paris. No instante em que ela colocou os pés no aeroporto a mágica do lugar simplesmente invadiu-a. Mesmo com ele. Ou... ela se deteve para olhar o pa­vimento ensolarado, sem vê-lo... especialmente por es­tar com ele.

Enquanto o carro seguia pelo Champs-Elysées, Janet pensou que o cenário não poderia ser mais romântico. Isto é, ele seria romântico se estivesse percorrendo-o ao lado de Patrick em outros tempos. No presente, a palavra mais adequada para descrevê-lo seria tortura.

Aonde quer que olhasse, a imagem que captava era de casais de namorados que não se importavam que o mundo soubesse o que sentiam um pelo outro.

Um casal, em particular, obrigou-a a sufocar um suspiro. Não conseguiu suportar o sorriso fascinado do rapaz e o modo com que tocou os lábios da garota com as pontas dos dedos, traçando seu contorno.

Tentou enxergar o lado cómico da situação, mas foi derrotada pela batalha entre suas próprias emoções. Estava tão perdida em seus pensamentos que nem sequer ouviu o que Patrick lhe disse.

—        O que foi? — perguntou ríspida, quase agressiva.

Queria que Patrick percebesse que não estava dis­posta a tratá-lo nem ser tratada como se fossem velhos amigos. Encarou-o com firmeza. Obviamente se arre­pendeu. A expressão que leu nos olhos dele a deixou chocada. Era de raiva, talvez de ódio. Em seguida se tornou vazia como se ele houvesse colocado uma tela em branco a sua frente.

Mais uma vez ela se aconselhou a ter cuidado e se comportar com uma calma que estava longe de sentir.

Desculpe. Estava a quilómetros de distância.

Eu perguntei o que você tem feito desde... desde que nos vimos pela última vez.

Está se referindo ao nosso encontro da semana passada? — Janet tentou transformar a pergunta numa espécie de piada, mas não deu certo.

Você sabe que não se trata disso.

Era evidente que Patrick não estava disposto a brin­cadeiras, mas ela não podia se arriscar a um novo envolvimento.

Bem, em primeiro lugar trabalhei com pesquisas. Depois com publicidade. Não era exatamente o que eu queria após os estudos que fiz. Então, há dois anos, Kyle me ofereceu um emprego e eu aceitei. Como sabe, estou com ele até agora.

Quer dizer que não se arrepende de nada?

Absolutamente. — Mesmo que estivesse arrependida, Patrick seria a última pessoa no mundo a quem ela se confessaria. — Adoro meu trabalho e Kyle é um ótimo chefe. Exigente, mas uma pessoa formidável.E a oportunidade que me deu de trabalhar fora é uma vantagem adicional.

Sem dúvida — Patrick concordou num tom seco, que fez com que Janet desejasse examinar seu rosto.

Você parece surpreso.

Um pouco, talvez.

Por quê? Não é comum, hoje em dia, as pessoas procurarem empregos melhores e mais interessantes fora?

Admito que sim, mas no seu caso... — Ele se deteve e lhe fez uma outra pergunta que nada tinha a ver com o que estavam falando. — Como vão seus pais?

Um intenso rubor cobriu as faces de Janet.

Eles estão bem.

Continuam morando em Great Whencote?

Sim.

Janet torceu para que Patrick não indagasse sobre sua mãe em particular.

Sua mãe também, eu imagino.

Sim, ela está bem. Acho que nunca esteve melhor. No momento está visitando sua irmã na Nova Zelândia.

Ah.

Foi um simples comentário, mas o tom dava margem a uma série de interpretações e nada, Janet decidiu, nada a induziria a se desculpar em nome da mãe. Patrick não era do tipo que sentia pena da fraqueza alheia. Fa­mílias como a dele, fortes e poderosas em todos os sen­tidos, não eram capazes de entender. Sua mãe tinha o direito de tirar férias e passar algum tempo com parentes que quase nunca via. Por outro lado, não era realmente em sua mãe que ele estava interessado; Patrick queria apenas lembrá-la do motivo que a levara a se recusar a acompanhá-lo a Bangladesh.

Em vez de se desculpar, contudo, que era o que ele queria, Janet decidiu optar pelo ataque. Mencionaria o nome Gillian Place sem, é claro, demonstrar o ciúme que vinha corroendo-a durante todos aqueles anos.

Antes que pudesse formular uma pergunta pertinente, Patrick se inclinou para o motorista e lhe disse algo num francês tão fluente que ela precisou se con­centrar para entender.

—        Obrigada, mas não é necessário — ela tentou mudar a ordem que ele dera ao motorista, mas ele nem sequer quis ouvi-la.

—        Bobagem. Faço questão de deixá-la em segurança. Alguns minutos depois Patrick desceu do carro e apanhou a bagagem. Em seguida bateu a porta e dis­pensou o motorista.

—        Eu disse a ele que não precisava me esperar. Irei a pé. Meu apartamento não fica longe daqui e estou querendo esticar as pernas.

Quando deu por si, Janet estava entrando no apart-hotel, sendo guiada até a recepção e depois ao elevador.

Sou perfeitamente capaz de pedir minha própria chave, sabia? — ela protestou. — Mesmo em francês.

Não tenho a menor dúvida — Patrick respondeu com um sorriso que a pegou de surpresa. — Desculpe. Eu faço isso sem perceber. Minha mãe sempre dizia que sou autoritário demais.

Tirano seria uma palavra mais adequada para descrevê-lo.

Apesar da repreensão, Janet estava se sentindo mais calma diante dessa atitude. A verdade é que ela tam­bém não se portara com muita fineza desde que se encontraram no avião. Após tantos anos, poderia ao menos ter perguntado sobre os pais dele.

Como vão as coisas em County Wicklow?

Tudo bem. Muitas mudanças. — Eles chegaram diante da porta do apartamento e Patrick lhe estendeu a chave. — Não vou entrar, obrigado. Mas...

Ela ergueu os olhos, esperando encontrar um sinal de zombaria.

—        Eu não tinha a menor intenção de convidá-lo — disse.

Ele continuou como se ela não tivesse falado.

—        Minha família ainda pergunta sobre você. Se quiser saber as novidades eu poderei passar aqui mais tarde. Aceita jantar comigo?

Deus! Como ela permitira, apesar de toda determi­nação, que a situação chegasse a esse ponto? Deveria ter adivinhado o que Patrick tinha em mente.

—        Não, obrigada. Tenho um compromisso esta noite. A resposta foi acompanhada por um movimento de cabeça. Os cabelos longos e escuros flutuaram sobre seus ombros e impediram que ela visse a sombra que desceu sobre os olhos dele.

Talvez uma outra ocasião.

Talvez.

Ela mal ouviu o boa-noite que ele lhe dirigiu antes de se encaminhar para o elevador. As portas já esta­vam fechando quando se lembrou de que não havia agradecido pela carona.

Uma batida forte e impaciente à porta fez seu co­ração disparar no peito, alguns minutos depois.

Correu para abri-la.

Oh, Kyle. — O desapontamento foi instantâneo e a voz quase inaudível. — Não o esperava. Pensei que estivesse a caminho de Strasbourg.

Queria lhe entregar isto. — O chefe estendeu uma pasta que ela apanhou sem o menor entusiasmo. —            Achei que a ajudaria na reunião de amanhã.

Anna está com você?

Sim. No carro. Acabei de encontrar Patrick Cavour no saguão.

Ele me deu uma carona do aeroporto. Por acaso estávamos no mesmo vôo.

Que coincidência! — Kyle exclamou, mas sem demonstrar muito interesse, o que foi um alívio para ela. — Bem, eu preciso me apressar ou perderei o avião —  ele afirmou após consultar seu relógio de pulso. —Obrigado, Janet, por me emprestar Anna por alguns dias. Ela tem me ajudado muito.

Otimo para ambos, então. Tenho certeza de que ela adorou essa chance de vir a Paris.

Tchau, Janet. Até a volta.

Como? Oh, sim. Tchau, Kyle, e boa viagem.

Sozinha no apartamento, Janet se colocou junto à ja­nela e olhou a cidade iluminada sem vê-la. Os pensa­mentos sobre Kyle, Anna e sobre as razões que a levaram a Paris foram instantaneamente bloqueados por uma avassaladora sensação de perda, difícil de explicar.

O que mais a perturbava era o fato de essa sensação estar ligada ao convite para jantar feito por um homem ligado ao seu passado. Um passado que ela enterrara com muito esforço e sofrimento.

Mas se o passado estava enterrado, qual a razão de uma recusa tão definitiva? A pergunta ricocheteava por sua mente de um modo desesperador. Acabara de receber uma chance de provar a si mesma que seus sentimentos por Patrick estavam sob controle e jogara essa chance fora. Pior ainda. Com sua resposta dera a impressão de que qualquer convite subsequente seria recusado da mesma forma.

Patrick poderia entender sua reação como falta de confiança em si mesma. Isso seria humilhante. O certo teria sido ela jantar com ele, conversar de modo fino e educado e indagar sobre sua família. Em suma: deveria ter reagido como se tivesse acabado de encontrar um velho amigo. Teria sido o melhor meio de apagar de uma vez por todas o que acontecera entre eles no passado e talvez expulsar de sua mente o nome que vinha as­sombrando-a durante todos aqueles anos: Gillian Place.

Era fácil imaginar a cena no restaurante. Ele a con­duziria a uma mesa, se sentariam de frente um para o outro, tomariam vinho e ela relaxaria. Então se in­clinaria para a frente, apoiaria os cotovelos sobre a mesa e o queixo sobre os dedos entrelaçados. A per­gunta sairia com naturalidade de seus lábios.

—        Como vai aquela moça? Como é mesmo seu nome?

Ela é enfermeira, eu acho. Amiga de Debbie. Oh, sim. Consegui me lembrar. Gillian Place. Como ela se saiu em Bangladesh?

Janet jamais vira Patrick corar, mas que ele ficaria sem ação com a pergunta, ela tinha certeza.

Podia vê-lo com os olhos baixos, se demorando a mexer o café enquanto procurava as palavras para responder:

—        Então você sabia sobre Gillian.

Ela tomaria um gole do café e faria um movimento afirmativo com a cabeça.

—        Sabia. Debbie me contou que vocês partiram juntos para Bangladesh. Espero que ela tenha sido uma boa enfermeira e uma boa companheira para você em todos os sentidos.

Droga. De que adiantava imaginar a situação? Zan­gada consigo mesma, Janet se afastou da janela. Ja­mais conseguiria se manter serena se o nome daquela garota fosse mencionado. Provavelmente desabaria em lágrimas e teria de correr para a toalete com a desculpa de uma súbita crise alérgica.

Não. Sua decisão fora correta. Recusava-se a se ar­repender por não ter aceito o convite para jantar. Sua vida era boa e melhorava a cada dia. No momento a única coisa que queria era tomar um banho, comer algo gostoso, deitar-se e ler.

As lágrimas se misturaram à água quente do chuveiro.

 

Assim que terminou de se vestir, Janet molhou para sua imagem ao espelho e de­cidiu que não poderia sair com aquela aparência hor­rível. Abriu seu estojo de maquilagem e pôs-se a afu­gentar a sombra de depressão que caíra sobre si e que tinha tudo a ver com o encontro com Patrick, com a noite maldormida e com o cansaço provocado por uma reunião maçante ao extremo.

Tentara se distrair antes de voltar para o aparta­mento, perambulando por algumas das ruas mais gla-mourosas do mundo. Nem sequer as vitrines repletas de roupas das grifes mais caras e famosas conseguiram curar sua melancolia.

Naquele momento, contudo, em que estava prestes a sair para uma visita que lhe prometia apenas prazer, ela sentiu-se embalar pela esperança de estar entrando no caminho da recuperação. Além disso era difícil per­manecer deprimida quando o espelho lhe enviava si­nais tão animadores.

Vestira sua saia favorita e estava estreando uma blusa maravilhosa.

Holly havia dito que o traje para a reunião seria informal. Dessa forma, a roupa que escolhera seria mais do que adequada. Talvez a quantidade de pul­seiras fosse um pouco exagerada, mas resolveu usá-las assim mesmo.

Recuou dois passos e se examinou criticamente. Fal­tava apenas escovar os cabelos, aplicar o batom e bor­rifar o perfume. Depois estaria pronta para conhecer Paul Santorini I e II. Sem esquecer os presentes, é claro: um lindo urso de pelúcia com roupa vermelha para o bebé, uma caixa de chocolates para Holly e um litro de uísque para Paul.

Ela não é tão linda quanto lhe falei? — Após apresentar o marido e a melhor amiga e agradecer pelos presentes, Holly puxou-os pelas mãos e condu­ziu-os à ampla e elegante sala de estar.

Sem dúvida — Paul respondeu ao mesmo tempo em que apanhava uma bandeja com três copos e servia o vinho branco e gelado.

Acha que a descrevi bem? — Holly continuou. — Ela não mudou nada.

E quanto a você? Será que Janet está pensando o mesmo sobre você não ter mudado?

Como poderia? Eu não engordei quase dez quilos nesses anos? — Holly suspirou. — E o preço da feli­cidade e da maternidade.

Sinto muito, mas não posso concordar com você nesse ponto — Paul respondeu, sério. — Eu também tive um bebé, sou abençoadamente feliz, e não engordei nenhuma grama.

A esposa lhe atirou uma almofada mas errou o alvo.

Por falar em bebés, aposto que Janet está ansiosa para conhecer o nosso.

Pensei que fosse me torturar até o final da noite com a espera — Janet respondeu com mais tato do que sinceridade.

Por enquanto só poderá espiá-lo de longe, mas garanto que ele sempre acorda por volta das dez — Holly comentou.

Depois de alguns minutos de contemplação sobre o berço, Janet tocou a face delicada do bebé, olhou para a amiga e disse:

—        Estou feliz com sua felicidade, Holly.

A amiga fez um sinal afirmativo com a cabeça.

Tive sorte. Às vezes sinto-me tão feliz que não consigo acreditar. Principalmente quando me lembro do que aconteceu em Strasbourg. — Ela se referiu a um romance desastroso de dois anos antes. — Foi uma total perda de tempo.

Sim, você teve sorte em encontrar um homem como Paul. — Janet olhou ao redor. — Sua casa é linda.

Ela foi um achado. E um reduto internacional, digamos. Temos vários vizinhos americanos, o que é ótimo para Paul, e muitos europeus de diversas procedências. — A campainha tocou naquele instante e elas ouviram os passos de Paul em direção à porta.

— Esqueci de avisá-la, mas convidamos um de nossos vizinhos para jantar conosco. Deve ser ele. Vamos vol­tar para a sala?

Holly apagou a luz e segurou a amiga pelo cotovelo enquanto se dirigiam ao murmúrio de vozes e ao ti­lintar de copos.

De repente, uma risada fez Janet parar.

Venha, querida — Holly chamou, sorridente. — Você nunca foi tímida, que eu saiba.

Claro que não — Janet respondeu, sem poder controlar o sistema de alarme que soou em sua mente.

Então venha conhecer Patrick. Tenho certeza de que gostarão um do outro.

De alguma forma, apesar da fraqueza que se apoderou de suas pernas, Janet conseguiu seguir em frente.

Bastou olhar para Patrick para ela adivinhar que o encontro era tão inesperado para ele quanto para ela. Mas não deu para perceber se ele havia ficado contente ou irritado com a coincidência. Como todos os advogados, Patrick sabia se manter impassível quando isso lhe convinha.

Não imaginava que fôssemos nos encontrar tão depressa — ele declarou com os olhos pousados sobre seu rosto pálido, e o copo erguido em sua direção.

Nem eu — ela concordou e sorriu. Se podia ser chamado de sorriso o esgar produzido pelo tremor de seus lábios. — Nós pegamos o mesmo vôo de Strasbourg para Paris — ela explicou a Holly.

Quer dizer que vocês já se conhecem? — Os an­fitriões pareceram desapontados com a notícia.

Sim. Eu estive em Strasbourg na semana passada e nos conhecemos lá. E ontem, por acaso, viajamos no mesmo avião.

"Ao menos", Janet pensou, "ele quer encurtar o tem­po em que nos conhecemos tanto quanto eu."

Acabei de ver Paul Santorini II — Janet declarou, desesperada para mudar de assunto. — Ele é um bebé encantador. Confesso que sou obrigada a concordar com a mamãe coruja.

Reconheço que minha esposa se excede em elogios. Peço que a desculpem. — Paul brincou ao mesmo tempo em que abraçava Holly pela cintura. — A propósito — ele piscou para ela —, posso saber quando pretende matar nossa fome? Eu estou faminto e aposto que Ja­net e Patrick concordam comigo.

—        Está tudo pronto. Basta vocês me seguirem e começarem a comer.

Embora Janet estivesse sentada de frente para Pa­trick, a última posição que teria escolhido, não precisou se sentir constrangida. Os dois homens, afinal, não pararam de discutir sobre carros durante o jantar in­teiro. Não que isso ajudasse muito. Ela só tinha olhos para Patrick. Mesmo quando estava olhando para Hol­ly e-falando com ela, era Patrick quem via.

Com um blazer de tweed, que dependurou no encosto da cadeira, calça preta, camisa de seda verde-escura e uma exótica gravata cor-de-rosa, ele estava lindo demais. No momento seguinte, Janet sentiu todos os olhares fixos em seu rosto. Sua vontade era desaparecer de vergonha. Principalmente porque não sabia o que es­peravam que dissesse pois não prestara nenhuma atenção à conversa.

Acho que Janet está muito satisfeita com a vida que tem levado. Ao menos foi essa a impressão que tive quando nos falamos no avião — Patrick comentou numa óbvia tentativa de ajudá-la. E isso deveria lhe ter despertado um sentimento de gratidão, não de ressentimento. — Não creio que ela tenha a menor intenção de mudar de emprego. Na minha opinião, Paul, você está perdendo seu tempo.

Estava pensando realmente em me oferecer um emprego, Paul? — Janet indagou.

Não, eu não me atreveria a isso depois do que Holly me contou sobre o excelente relacionamento entre você e seu chefe. Apenas cogitei que a maior parte das pessoas gosta de mudar de cenário uma vez ou outra, especialmente aquelas que não estão presas a laços familiares.

Era uma oportunidade boa demais para ser desper­diçada, Janet pensou.

Bem, eu tive problemas nesse sentido uma vez e precisei ficar na Inglaterra, mas agora está tudo bem comigo e com minha família. Quanto a mudar de emprego, não penso nisso por enquanto. Não consigo imaginar nada mais atraente do que trabalhar em Strasbourg e Paris ao mesmo tempo.

Por falar em bons empregos — Holly os inter­rompeu para servir a sobremesa —, não creio que você esteja sabendo, Janet, ou talvez esteja. Afinal de contas, eu não fazia a menor ideia de que você e Patrick se conheciam, mas ele já trabalhou num país distante. Onde foi mesmo, Patrick? Na índia?

—        Em Bangladesh para ser exato. Num lugar chamado Ashala. — Patrick respondeu a Holly, olhando para Janet, e notando, sem dúvida, o rubor que tingiu suas faces. — Não creio que Janet tenha ouvido falar a respeito.

Eu não ouvi — Holly respondeu sem notar o clima de irritação que se formou entre os convidados. — Você ouviu, Janet?

O que disse? — Janet indagou, distraída. — Des­culpe, Holly.

Já ouviu falar nesse lugar que Patrick mencio­nou? Ashala?

Acho que sim, mas não me lembro muito bem. Conte-nos a respeito, Patrick. Deve ter sido muito interessante.

Após o desafio, Holly e Paul deixaram de existir dentro da sala.

—        Foi a experiência mais gratificante de minha vida. Lá, as pessoas aprendem a dar valor a tudo que consideram insignificante. Elas aprendem que o pouco que dão aos menos afortunados pode representar a diferença entre a vida e a morte. — Patrick parou de falar por um instante e saboreou uma colherada do mousse de chocolate que Holly havia servido. — Eu cheguei em Ashala em meio à época das tormentas. Nas poucas semanas de minha permanência, convivi com inundações que destruíram casas e quase todos os pertences de uma comunidade. No dia em que as águas baixaram, eles saíram para tentar recuperar o que pudessem. Sem queixumes, sem lamúrias. A vida para eles é uma batalha constante com a natureza e com a pobreza.

Por uma fração de segundo Janet o viu despido até a cintura, as pernas mergulhadas nas águas barrentas, tentando ajudar aquele povo.

Por sorte Holly tornou a falar e arrancou-a de seus devaneios antes que seu comportamento começasse a chamar a atenção.

—        Era isso que eu deveria ter feito quando terminei a faculdade. Agora, com uma família para criar, é tarde demais. Admiro muito você, Patrick, por ter tido a coragem e a iniciativa.

Holly não podia imaginar o quanto aquelas palavras lhe doíam, e o que Patrick respondeu a seguir quase a fez perder o fôlego.

Não mereço seus elogios. Na verdade, todos que fizeram parte daquele projeto foram unânimes em di­zer que nós fomos os que mais ganhamos.

Você falou no plural — Janet comentou com um fio de voz, mais arrependida do que nunca por não tê-lo seguido. — Quantas pessoas foram a Bangladesh naquela missão?

Doze, incluindo a equipe médica — ele respondeu, mais uma vez atento às suas reações. — E alguns elementos adicionais, principalmente estudantes em férias que passavam alguns dias conosco e logo partiam.

Janet estava tentando encontrar um jeito de mencio­nar Gillian Place mas não sabia como. Queria muito ver como Patrick reagiria quando descobrisse que ela havia sido informada sobre sua acompanhante. Mas as pala­vras que brotaram de sua garganta foram outras:

Deve ter sido difícil acomodar tantas pessoas...

Em que sentido? — Patrick ergueu uma so­brancelha como se não entendesse a que ela estava se referindo.

Janet se arrependeu por ter se envolvido no assunto. Não queria que Holly e Paul imaginassem que ela es­tava desconfiada de que havia outros interesses sob a alegação de caridade. Não queria que Patrick pensasse isso a seu respeito. Principalmente ele. Mas agora que havia começado a falar, iria até o fim.

Tantas pessoas acostumadas a um bom padrão de vida, eu quis dizer. Não foi difícil encontrar aco­modação e alimentação adequadas?

Não tivemos nenhum problema nesse sentido —Patrick respondeu. — A organização a que pertencemos cuida para que todos os voluntários recebam acomodações semelhantes às dos nativos, e que ninguém passe fome, se é a isso que se refere. Quando alguém adoece e o tratamento local é insuficiente, providen­cia-se a remoção e o regresso para o país de origem ou para a cidade mais próxima que tenha recursos médicos e hospitalares para recebê-lo.

—        Bem, acho que não poderiam agir de outra ma­neira nas circunstâncias — Janet disse, sem jeito.

Sua tentativa de sorrir foi frustrada pelo comentário que Patrick fez a seguir:

—        O maior choque que levamos foi no momento da chegada. Ninguém estava preparado para ver tanta beleza. Nossas mentes estavam programadas para enfrentar um cenário de sujeira e miséria. Quando desembarcamos, "porém, o sol estava se pondo em Ashala. Um halo dourado envolvia o rio numa atmosfera de paz e tranquilidade que tocou nossos corações.

Mesmo a frieza com que Patrick a encarava não conseguia diminuir a melancolia e o arrependimento que a envolveram. Ela podia ter vivido aquele momento com ele, visto a vida através de olhos diferentes...

Depois, infelizmente, as coisas mudaram. — Patrick fitou-a como se ela tivesse culpa. — As inunda­ções, os problemas...

Deve ter sido horrível — Paul murmurou.

Por incrível que pareça aconteceu tão rápido que não tivemos tempo para pensar. Em primeiro lugar, os homens procuraram levar as crianças, idosos e mulheres para terrenos mais elevados. As famílias vivem, em geral, às margens dos rios. Depois, quando as águas voltam ao normal, elas voltam para tentar recuperar o que perderam. São muito simples e ignorantes, mas não temem o trabalho. Um dia acabarão vencendo a pobreza e as enfermidades por si mesmos, não pela pouca ajuda que recebem do Ocidente. E este é o final da história.

Obrigado por nos contar, Patrick. Deve ter sido uma experiência gratificante em todos os sentidos — Paul agradeceu.

—        Bem, confesso que ela nos faz enxergar as prioridades e muda nossas perspectivas. As coisas pequenas que antes nos pareciam tão importantes perdem o significado.

Janet entendia que o ataque era pessoal embora Patrick não estivesse olhando em sua direção enquanto falava. E ela se perdeu em seus pensamentos a tal ponto que não percebeu que estava sendo esperada para mudarem de sala.

Enquanto servia o café, Holly pediu que o marido providenciasse os licores.

Como eu disse à mesa — Holly continuou falando —, sinto-me frustrada por não ter feito algo nesse sentido alguns anos atrás. Você também já trabalhou como voluntária, não é, Janet?

Eu? — Janet pestanejou, novamente corada ao sentir os olhos escuros e inquisitivos fixos em seu rosto. — Não, claro que não.

Mas Holly, mesmo ocupada em colocar o creme no café de Patrick, não se calou.

—        Claro que sim. Lembra-se daquele Natal em que a turma toda combinou de esquiar, mas você não foi porque tinha se comprometido a ajudar os pobres em St. Martin-in-the-Fields?

Ora, aquilo não foi nada — Janet respondeu, aliviada com o oferecimento de Paul. — Não, obrigada. O vinho estava delicioso e eu abusei. Nunca tomo mais de um copo e hoje cheguei a dois.

Lembro-me também de que você levou um carregamento de suprimentos para a Roménia — Holly continuou para aumentar o constrangimento de Janet.

—        Não foi nada de importante — Janet murmurou. Não queria que Patrick pensasse que fizera aquilo por causa dele.

Para seu alívio, Paul parecia querer mudar de assunto.

Bem, esta é uma ocasião muito especial. Afinal, Holly e você não se encontravam há muito tempo e são amigas desde...

O que Paul está tentando dizer é que nós que­ remos lhe pedir um favor especial, Janet.

Janet olhou para o marido da amiga enquanto ele terminava de servir os drinques. Como o silêncio se prolongasse um pouco mais do que o esperado, ela tentou brincar:

Não vai me dizer que favor especial é esse antes que eu morra de curiosidade?

E um favor realmente especial — Holly afirmou numa demonstração de que continuava a fazer mistério dos mais simples acontecimentos, como antes de se casar.

—        Se estiver ao meu alcance, eu o farei com o maior prazer — Janet respondeu com o pressentimento de que a chamariam para cuidar do bebé durante um final de semana para que os pais pudessem fazer uma pequena lua-de-mel. Certamente concordaria se o pe­dido fosse esse. Desde, é claro, que ficasse entendido que ela não tinha nenhuma experiência com crianças. — E não precisa se preocupar com minha recusa em beber mais. A não ser, é claro, que o que vocês têm a me pedir seja algo muito escabroso.

Paul riu.

Eu não diria escabroso, mas trata-se de um com­promisso para uma vida inteira.

Oh, céus! Estou começando a ficar assustada! —Janet tornou a brincar, ainda sem entender.

Paul e eu — Holly segurou a mão do marido —ficaríamos muito contentes se você aceitasse ser a ma­ drinha de Pauli.

Madrinha? — A ideia a surpreendeu tanto que seu rosto corou de prazer.

Por favor, diga que aceita — Holly implorou. —O batizado será daqui a duas semanas.

Lógico que aceito. Sinto-me honrada com o convite.

Oh, obrigada, Janet. Eu não queria outra pessoa para madrinha de Pauli. Sinto-me tão grata a vocês dois. Oh, acho que esqueci de lhe dizer. Patrick será o padrinho.

Janet perdeu o fôlego. Patrick, como sempre, se li­mitou a erguer uma sobrancelha, sem revelar o que estava pensando.

—        Eu informarei os detalhes sobre a cerimónia daqui a um ou dois dias. Oh, é uma pena que você tenha tanto trabalho pela frente. Seria tão bom se pudéssemos nos ver com mais frequência enquanto você está em Paris.

Por volta das onze horas, quando o bebé não dava sinal de querer acordar, apesar das promessas feitas por sua mãe de que isso não demoraria a acontecer, Janet decidiu que estava exausta demais para se dei­xar convencer a esperar.

Patrick consultou seu relógio de pulso e se levantou.

—        Está realmente ficando tarde. Eu também vou. Só espero que o bebé não resolva acordar justamente quando vocês se deitarem.

Antes que o casal respondesse e que Janet pudesse pedir licença para telefonar e chamar um táxi, Patrick continuou:

—        Eu levarei Janet até um ponto de táxi. Acho que será mais rápido do que chamar um por telefone.

Seria uma grosseria e uma infantilidade recusar. Ao menos diante de Holly e de Paul. Assim, ela só se permitiu demonstrar o quanto estava irritada, após os agradecimentos e beijos de despedida. Não disse uma palavra enquanto se dirigiam ao elevador. Só mu­dou de atitude quando notou, através de uma janela, que havia começado a chover.

—        Parece que vem uma tempestade por aí a julgar pelos trovões — Patrick comentou ao mesmo tempo em que a olhava dos pés à cabeça. — E você não está vestida nem calçada para enfrentar um temporal.

Janet olhou para as próprias sandálias sem perceber que havia parado de respirar. Seu coração batia tão forte que seria impossível ele não ouvir. De repente, suas mãos queriam tocá-lo. O desejo era tanto que precisou cruzar os braços.

O elevador parou e ela olhou imediatamente para o painel.

O que houve? Nós ainda não chegamos ao térreo!

Não. Este é meu andar. Vou buscar um guarda-chuva e uma capa para você.

Sua força de vontade não deveria ser tão grande quanto ela imaginava pois viu-se seguindo-o pelo cor­redor e observando seus movimentos enquanto intro­duzia a chave na fechadura e abria a porta.

O apartamento dele era tranquilo e aconchegante. Uma sensação de segurança e bem-estar envolveu Janet. Os tapetes eram macios sob seus pés, a luz dos abajures era suave. Havia algumas aquarelas nas paredes e mú­sica ambiente. Os acordes eram envolventes, sensuais. O compositor certamente era Rachmaninov.

Não poderia explicar o que estava sentindo, exceto que seu sangue parecia ter se transformado em fogo líquido.

—        Janet.

Mais do que um chamado, foi um suspiro em seu ouvido. Ela se virou lentamente e ergueu os olhos. Mas antes de encontrar os olhos dele, ficou presa à sua boca.

O suspiro se repetiu junto a seu pescoço e ela fechou os olhos. Dor e prazer se mesclavam. Ela estava mer­gulhando outra vez nas sensações provocadas por aqueles dedos em sua pele. Sensações embriagadoras, maravilhosas. As mesmas de antes.

Abriu os olhos para se certificar de que não estava sonhando. Se quisesse, bastaria erguer os braços e tocá-lo também.

—        Janet.

Não havia dúvida. Quem mais poderia sussurrar seu nome com tanta intensidade? Quem?

Estremeceu ao sentir as mãos de Patrick deslizarem por seus braços, apertarem suavemente os pulsos e depois erguerem suas mãos para beijar-lhes as palmas.

E aquela boca... Um gemido escapou de seus lábios quando ele roçou-os com os dele. Ela estava à beira de perder o controle total sobre sua vontade. Não. Ela já havia perdido o controle.

No momento em que Patrick atraiu-a de encontro a seu corpo, ela se rendeu completamente. Segurou o rosto dele com ambas as mãos e entreabriu os lábios, colocando um fim na tortura do simples roçar.

—        Janet?

A respiração dele estava mais rápida e os olhos mais escuros ao repetir seu nome. Ele a fitava com uma ex­pressão quase desesperada, como se estivesse tentando gravar sua imagem para sempre em sua memória.

E ela, esquecida da prudência, correspondeu ao olhar e também o chamou:

—        Patrick.

O tempo pareceu parar.

Ele a carregou nos braços em direção ao quarto. Em vez de deitá-la, deixou seu corpo suspenso em íntimo contacto com o dele e os pés a poucos centí­metros do chão.

—        Tem certeza? — ele indagou com um tom de tanta preocupação e ternura que ela não conseguiu responder. Chegou a tentar, mas sua voz não a obedeceu. As mãos se elevaram, como se tivessem vida própria, e se puseram a desabotoar a camisa, a acariciar a trilha de pêlos pretos e crespos e o peito arfante. Por fim, ela pressionou o rosto contra a pele quente e ex­plorou-a com os lábios.

As mãos de Patrick percorriam toda a extensão de sua coluna fazendo-a estremecer. No momento em que lhe tirou a blusa delicadamente, ela soube que não

havia mais volta. A excitação provocada pelo atrito dos corpos em frenético movimento a fez gemer.

Com os olhos fechados, Janet deixou-se envolver pela magia das sensações. Fazia tanto tempo. Ela havia esquecido... Isto é, havia expulsado aquelas lembranças deliberadamente de sua memória.

Patrick.

Janet. Você não pode imaginar...

As palavras se perderam, o mundo deixou de existir. Os sentidos estavam submergindo numa onda de puro prazer ao som do romântico prelúdio russo que unia as duas almas.

 

Quando acordou e se viu nua sob o lençol, num quarto estranho em penumbra, Ja­net olhou, assustada, para as paredes e tentou iden­tificar o local. Pouco a pouco seu cérebro voltou a fun­cionar e a lhe enviar sinais de reconhecimento. Ao se lembrar do que havia acontecido ficou imóvel. Em se­guida mordeu o lábio para calar um protesto e virou a cabeça para o lado. Patrick se moveu no sono exa-tamente naquele instante e teria abraçado-a caso ela não se afastasse.

Observou-o quase sem respirar. Ele dormia tran­quilo. O peito subia e descia lentamente.

A excitação voltou a dominá-la ao se lembrar das ca­rícias que Patrick lhe fizera, e de como ele parecera sentir prazer com seu toque. Ainda podia ouvir seus gemidos. E o calor que as recordações lhe causavam era um indício de que o reverso também era verdadeiro. Cada vez que Patrick a acariciara, gemera de desejo e arqueara o corpo na pressa desesperada de se entregar.

Uma pressa que se revelou mútua, ao menos da primeira vez. Mais tarde, Patrick a levara ao ápice da glória com seus beijos e jogos mais lentos de sedução. No primeiro momento, contudo, nenhum dos dois pu­dera esperar.

Só de pensar no que acontecera entre ambos, Janet sentiu as pernas amolecerem. Com um suspiro, fechou novamente os olhos e tocou-se numa tentativa de re­viver os momentos que Patrick lhe proporcionara.

A raiva brotou inesperadamente. Não deveria ter acontecido e ela não sabia explicar por que acontecera. Era algo completamente fora de propósito. Quando saí­ra do apartamento de Holly estava em pleno controle de suas ações e até um pouco irritada pelo fato de sua amiga e o marido terem escolhido para padrinho de Pauli justamente o homem que ela queria banir de seus pensamentos.

Fora isso, Janet nunca havia suspeitado do quanto estava vulnerável. Entrara no apartamento de Patrick segura de si. Afinal eles iriam apenas apanhar um guarda-chuva e uma capa antes de pegarem um táxi que a levaria até o apart-hotel.

Bastara um aperto de mãos e um olhar mais profundo para ela ser tragada num redemoinho de emoções.

Estava mortificada, arrependida. Tantos anos de abstinência sexual e ela nunca cometera um único des­lize. O que lhe dera?

A culpa cabia à música. Sempre fora apaixonada por aquela peça de Rachmaninov. E também ao modo com que Patrick a fitara, muito insistente e sensual. A conclusão a que Janet chegou foi a de que tudo havia sido muito esquisito. E sórdido. Patrick deveria ter descoberto que ela era a outra convidada para o jantar na casa de Holly. Eles deviam ter mencionado seu nome ou contado alguma coisa sobre ela que le­varam Patrick a saber antecipadamente sobre sua pre­sença. A armadilha, portanto, fora preparada com todo o cuidado e requinte. E ela caíra.

Levantou-se com um único e rápido movimento, mas silencioso o suficiente para que pudesse recolher suas roupas sem que ele acordasse. Examinou a cama e o chão para se certificar de que não havia esquecido nenhuma peça. A simples ideia de Patrick perseguin-do-a com uma peça íntima nas mãos...

Olhou para ele pela última vez. Seus instintos pri­mitivos gritavam para que abandonasse seus princí­pios e recordasse os momentos de prazer. Ela ergueu a cabeça, saiu do quarto e se vestiu no banheiro. Antes de ir embora escreveu um pequeno bilhete e deixou-o sobre a mesa.

Poucos minutos depois estava descendo de um táxi diante do prédio onde passaria a residir quando viesse a Paris e pedindo ao motorista que retornasse em uma hora a fim de levá-la para o lado oposto da cidade onde compareceria a sua primeira reunião internacional.

Somente depois de tomar um banho e se vestir de forma impecável embora séria e de se ver dentro do táxi atravessando a cidade, Janet sentiu-se relativa­mente segura.

Patrick. certamente ficaria furioso quando acordasse e encontrasse o bilhete.

Jamais havia se sentido tão deprimida em sua vida, ela pensou no momento em que o táxi passou pela Place de Ia Republique. Nem mesmo quando Patrick partira para Bangladesh com Gillian Place.

As palavras de Holly, na noite anterior, em um dos momentos em que ambas estavam sozinhas na cozinha, sobre Patrick ter sofrido um grande golpe na vida, e que ela esperava que Janet pudesse ajudá-lo a se dis­trair, voltaram à sua mente com um forte impacto.

"Parece que o problema aconteceu quando ele estava fora do país, trabalhando em seu projeto de amparo aos pobres."

De acordo com a informação de Holly o problema só poderia ter sido um. Gillian Place. Algo dera errado entre eles e Gillian o abandonara. E ela, em sua es­túpida fraqueza, se portara de forma igualmente im­perdoável na noite anterior.

Mais tarde, Janet não conseguiu se lembrar de quase nada do que lhe acontecera aquele dia. Se não fosse pelo relatório da reunião providenciado pela secretária, e pelo cartão, que guardara, com o nome de um capitão da Marinha Real Britânica, não acreditaria que hou­vesse feito alguma coisa.

Passaram-se três dias até vir à sua mente a imagem do homem loiro que a convidara para jantar com tanta insistência que, diante de sua desculpa de estar exaus­ta, acabou escrevendo o número de telefone do hotel em que estava hospedado no verso do cartão de visita, caso ela se visse livre alguma noite.

No final da tarde, quando chegou ao apartamento, Janet se sentou e fechou os olhos. Viu-se incapaz de expulsar da mente as cenas íntimas vividas com Pa-trick. A lembrança do instante em que ele estendeu o braço em sua direção e que ela o evitou, encheu-a de remorso.

Seu corpo, de repente, estava ansioso por reviver aqueles momentos de prazer e suprema felicidade. Tal­vez tivesse errado em fugir.

Não. Abriu os olhos com determinação. Não queria se entregar àquelas ideias traiçoeiras. Por outro lado, seria traição admitir que Patrick e ela continuavam tão compatíveis em questões de sexo como antes? Ou melhor, ela confessou a si mesma. O prazer alcançado na noite anterior, tanto por ele quanto por ela, fora além de qual­quer sonho. Por um motivo apenas. Um motivo óbvio. A verdade era que um deles se tornara mais experiente, enquanto que o outro... O outro que era ela permanecera sozinha, incapaz de superar o trauma.

Ela era a tola. Precisara completar vinte e cinco anos para chegar à brilhante conclusão de que se ne­gara o conforto de relacionamentos casuais tão enco­rajados pelas amigas. Enquanto ele...

"Bem", Janet sorriu consigo mesma, "vivendo e aprendendo."

Numa súbita mudança de atitude, ela se debruçou para a frente e pediu para que o motorista parasse na pequena loja de delicatessen que ficava próxima a seu apartamento.

Comeria algo delicioso, assistiria a algum bom pro­grama na televisão e dormiria cedo. Esse seria seu tratamento como acontecera tantas outras vezes.

Meia hora depois, depositou a baguete e o patê sobre a mesa da cozinha. Em seguida colocou uma chaleira de água para ferver, tirou os sapatos e estava se di­rigindo ao quarto quando uma batida à porta fez seu coração bater mais depressa.

Que tolice a sua! Patrick já devia ter esquecido seu endereço. Deveria ser Anna. Mas Anna estava viajando com Kyle.

Abriu a porta e parou como se a visão a tivesse transformado em pedra.

—        Janet — ele murmurou e ela não conseguiu perceber de imediato a tensão e a palidez que lhe cobriam o rosto. — Posso entrar?

A hesitação de um homem sempre tão positivo como Patrick Cavour a fez voltar a si.

—        Sim, é claro.

O frio do choque logo deu lugar a uma sensação insuportável de calor. Aos poucos, porém, ela foi se recompondo. Nesse instante, a primeira coisa que fez foi calçar os sapatos

A dor havia se instalado novamente em seu peito. Aguda, horrível. Ela precisou reunir muita coragem para fingir que estava calma.

Eu acabei de chegar. Por pouco não me encontraria.

Eu sei disso. Estava a sua espera.

O quê?

Você ouviu.

Não tinha esse direito — Janet protestou. — Pensei que...

Patrick havia se colocado sob o foco de luz do abajur. Ela nunca o havia visto tão zangado.

—        Pensou o quê? — Patrick tirou um pedaço de papel do bolso, que ela reconheceu instantaneamente, e agitou-o ante seus olhos. — Que eu aceitaria isto como despedida?

Não — ela respondeu com um fio de voz, mas ainda tentando demonstrar pouco-caso. — Acreditei que você fosse concordar com o que eu escrevi. Que a noite passada foi muito agradável, mas nada mais do que um impulso de momento. — Ela se virou e deu um passo em direção à cozinha. — Toma um café? Acabei de colocar água para ferver.

Não — ele respondeu com voz de quem estava lutando para se controlar. — Não quero nenhum café.

Nesse instante ele deixou todos os esforços de lado.

Se quisesse café, teria entrado no bar da esquina. Quando os olhares se cruzaram foi difícil julgar quem estava mais zangado. Ela porque Patrick se atre­vera a lembrá-la das cenas de amor da noite anterior. Ele por outras razões mais complexas. O inegável era que ambos pareciam lançar fagulhas com os olhos.

Eu estou aqui — ele disse entre os dentes —para descobrir qual sua desculpa para o modo ofensivo com que me tratou.

Minha razão — ela retrucou —, não minha desculpa, está descrita nessa carta que você tem em sua mão. Creio que fui perfeitamente clara.

Oh, sim, ela é muito clara. Curta e grossa. "Sinto muito sobre ontem à noite, Patrick." — Ele se deteve e encarou-a de um modo que a fez corar. — "Foi um erro terrível. Tenho certeza de que concordará comigo. Resolvi ir embora e nos poupar o constrangimento. Até qualquer dia."

Depois de um minuto de reflexão Janet conseguiu entender Patrick ao menos um pouco. Suas palavras soaram como uma dispensa. Algo que nenhum homem admitia com brandura, principalmente se ele fosse como Patrick Cavour.

—        Sim, como você disse, o recado foi claro. Mas eu não acredito em uma palavra que você escreveu.

Seguiu-se um longo silêncio.

Por que não me diz a verdade, Janet? — ele pediu, por fim, num tom de voz mais suave.

Não. Você não quer saber a verdade. Não gostaria de conhecê-la — ela respondeu. Estava com medo da reação dele e principalmente de si própria. Por trás da expressão impassível, reconhecia a turbulência das emoções. Patrick estava respirando fundo. Seu orgulho havia sido muito ferido.

Por que você fugiu, Janet?

Eu não fugi. Eu quis sair de seu apartamento porque estava envergonhada. — Ela mordeu o lábio para se conter, mas as lágrimas não a imitaram.

Envergonhada? Mas, por quê?

Era óbvio que Patrick não esperava por aquele tipo de resposta. Nem ela esperara dizê-la.

—        Oh, Patrick. — Ela jamais descobriria como pudera encontrar o tom perfeito de voz. Uma mistura de condescendência e aflição. — Você acredita em mim se lhe disser que nunca fui promíscua? Que nunca vivi mais de um relacionamento de cada vez? Foi por isso que senti tanta vergonha pelo que aconteceu ontem à noite. Foi injusto. Com você, comigo, com todos nós...

A mentira soou genuína até aos seus próprios ouvidos.

Vergonha? — Patrick tornou a repetir, incrédulo.

Sim. É difícil para mim. Entendo que deve ser difícil para você também.

Patrick lhe pareceu muito pálido, de repente.

Quem é ele? Quem é seu amante invisível que não deve ser traído?

Você não tem o direito de me fazer essa pergunta. Eu nunca lhe perguntei sobre a sua. — Ela mordeu o lábio para não dizer o nome da mulher responsável pela perda de seu amor.

Patrick cerrou os punhos e baixou a cabeça. Em seguida ergueu-a e se dirigiu à porta. Antes de abri-la, virou-se para ela com raiva.

—        Já lhe ocorreu, Janet, que existe uma chance de você ter ficado grávida?

A súbita frieza daquelas palavras ditas com desprezo e um prazer quase sádico tiveram o efeito de uma bomba.

—        Não — ela respondeu, os olhos demonstrando o choque que a possibilidade lhe provocava. — Não — ela repetiu, chorando.

Ele prosseguiu como se ela não o tivesse interrompido.

—        Se você descobrir que está esperando um filho meu, eu quero saber. Mais do que isso. Eu exijo que me conte.

Ela havia passado o dia inteiro com esse medo pai­rando sobre sua cabeça, mas não admitiria a verdade.

Essa possibilidade não existe. Não sou tão tola e irresponsável quanto pensa.

Eu tenho uma opinião formada nesse tipo de situação. Quero deixar bem claro que não concordarei com você se resolver se livrar...

Deveria ter considerado a possibilidade antes, nesse caso. Dessa forma não teria sido necessário atravessar Paris para me fazer ameaças.

E isso que pensa? — ele falou com tanta tristeza que ela sentiu uma pontada de remorso. — Não era essa minha intenção. Você está certa. Deveríamos ter pensado antes nas possíveis consequências. O proble­ma foi que eu não havia planejado o que aconteceu.

—        Como pode esperar que eu acredite? — Janet acusou. Ele a fitou por um longo momento com o cenho fran­zido. Depois fez um movimento lento com a cabeça.

Talvez porque é a pura verdade.

Você deve pensar que eu sou uma tola. Uma completa idiota.

Janet se abraçou e olhou pela janela embora nada visse.

—        Não — ele respondeu com uma calma que exerceu o efeito de um insulto em Janet. — Eu sempre a con­siderei uma mulher muito inteligente e racional.

—        Uma tola com relação a... — ela se deteve abruptamente antes de dizer "você". Em vez disso completou com a palavra "homens".

Não poderia ter escolhido uma frase mais errada e absurda. Acabara mentindo sobre seu estilo de vida.

Você ainda não me explicou o que quis dizer com eu ter planejado o que houve.

Ora, é claro que não.

O sarcasmo era a única arma que Janet podia dispor naquele momento. Ele lhe dava um certo alívio. Queria que Patrick tivesse certeza de que não era tão tola assim, e que enxergara claramente suas manobras.

Se ela não tivesse sucumbido às emoções e à neces­sidade física, a noite anterior jamais teria acontecido. Ela teria fechado os ouvidos à música no momento em que seus pés tocaram o tapete.

—        A penumbra, a música doce e erótica. Insiste em me dizer que foi tudo uma mera coincidência?

A expressão de Patrick era inescrutável.

—        Você tem uma mente diabólica — ele disse com uma pequena risada. — Como pôde mudar tanto? Ou fui eu que me enganei? — A voz de Patrick quase desapareceu ao murmurar as últimas palavras e depois voltou a soar alta e implacável: — Você acha que eu sabia sobre sua presença no jantar? Ou pensa que eu teria levado para meu apartamento qualquer que fosse a mulher convidada por Paul e Holly?

Holly deve ter mencionado meu nome.

Ela poderia ter feito isso, mas não fez. Para sua informação eu não havia recebido nenhum convite formal para o jantar. Quando cheguei em casa, encontrei a mensagem de Paul no meu fax. Acredite ou não, meu primeiro impulso foi recusar, pois estava com uma pilha de trabalho para fazer. Parece que foi uma pena eu não segui-lo. Quanto à luz e à música você também interpretou mal. Todos os apartamentos contam com dispositivos de segurança e com comandos automáticos : de luz e som ambientes. Basta abrir a porta. E a me-1 lodia doce e erótica não foi de minha escolha. Alguns i condóminos preferem manter o botão do som desligado : uma vez que a luz é suficiente para acionar o alarme. ; Eu gosto de ouvir música assim que chego. Se você não ouviu música quando entrou no apartamento de Holly é porque ela deve pertencer ao grupo dos que optam pelo silêncio.

Ambos permaneceram imóveis, os olhares presos um j ao outro.

— Concordo com você em um ponto — Patrick con- ] tinuou com um suspiro. — Eu não deveria ter vindo. Tampouco deveria ter feito perguntas sobre sua vida pessoal. Peço que me desculpe. — Ele se virou, mas parou antes de abrir a porta. — Quanto à garota que mencionei a você, estou começando a duvidar que ela j tenha realmente existido.

Depois que a porta se fechou, Janet permaneceu olhando para a madeira por um longo tempo. As palavras finais de Patrick não paravam de se repetir em sua mente. Elas haviam atingido fundo. Patrick falara como se também tivesse sofrido durante os anos de separação. Mas ela sabia que isso não era possível. Ou era?

Pela primeira vez surgiu uma dúvida quanto a sua posição. Se ela estivesse menos preocupada em proteger seu orgulho, se tivesse sido menos sarcástica, menos de­terminada a esconder a solidão em que vivia, talvez...? Mas havia Gillian Place. Por mais que quisesse que as coisas tivessem sido diferentes na noite anterior e há poucos momentos, ela jamais perdoaria a traição. Por falar em perdão, não era isso que as pessoas nos ensinavam desde crianças? A perdoar? Quem não tinha uma fraqueza, afinal?

Teria jogado fora a oportunidade perfeita para de­monstrar que era boa e generosa? Mas até o ponto de perdoar uma traição? O pensamento a fez voltar à noite anterior.

As cenas que se repetiram em sua mente foram uma ilustração do que estava faltando em sua vida. A so­lidão não estava lhe fazendo bem. Nunca fizera. Sen­tira-se tão feliz com Patrick. Por que não criava cora­gem e usava Patrick Cavour como poderia usar qual­quer outro homem? E ser usada por ele. Não era tola o bastante para ignorar esse aspecto de um relacio­namento com bases puramente físicas.

Afinal, por que deveria se contentar com uma noite e com um homem quando podia ter quantos quisesse? Deveria ter ouvido e visto isso num filme.

O problema era que não estava vivendo uma ficção. Depois de rever Patrick, fazer amor com ele, e brigar com ele também, não se sentia livre para manter uma vida emocional apenas sua. Continuava ligada a ele como antes. Até mais. Muito mais.

A noite anterior fora uma prova de que nunca o esquecera. Agora estava se vendo obrigada a lamentar a oportunidade perdida. O orgulho não a aqueceria à noite. A verdade era que ela havia acabado de desco­brir, com cinco anos de atraso, que vivera a felicidade total e não soubera conservá-la.

 

Janet escovou vigorosamente os dentes e se mirou ao espelho. Não entendia por que não conseguia sentir alívio. Nem por que estava tão abatida sob o turbante de toalha.

Esfregou os cabelos recém-lavados e secou-os com o auxílio de um secador. Era estranho. Qualquer um diria que estava desapontada por não estar grávida.

Incrível. Deveria ser a primeira mulher solteira a sentir-se assim. Quase enlouquecera de preocupação durante os três dias que se seguiram à horrível briga com Patrick. Imaginara o momento em que teria de contar aos pais e ao chefe sobre seu estado.

Conhecia algumas mulheres que haviam se tornado mães sem se casarem e sempre as apoiara, mas nunca se vira em igual situação, sem um marido ao seu lado.

Droga! Não queria um marido qualquer. Queria ape­nas um homem. Um homem que não podia ter. Isso explicava as olheiras escuras, a palidez.

E se procurasse Patrick e lhe dissesse que, apesar de sua certeza inicial, realmente estava esperando um filho dele?

Não que nutrisse alguma esperança de que Patrick a pedisse em casamento. Lógico que não. Mesmo que eles ainda estivessem morando juntos, ela jamais teria esperado, e muito menos pedido, que Patrick legali­zasse sua situação.

O mais provável era que ele lhe prometesse apoio. Patrick era um homem muito decente e correto. As­sumiria toda a responsabilidade e todas as despesas.

Lágrimas inesperadas surgiram nos olhos de Janet. Ela piscou várias vezes para expulsá-las. Teria um imenso prazer em recusar a ajuda dele. Diria que tinha capacidade e condições para criar seu filho sozinha e que apenas o estava informando sobre a existência do bebé porque ele insistira em saber.

Janet se distraiu por um momento ao pentear os cabelos. Eles haviam reagido bem ao novo xampu. Pa­reciam flutuar sobre seus ombros.

Com um suspiro, ela tirou o penhoar e abriu o ar­mário. Não sabia o que vestir. Estava pensando em sair e jantar. O acontecimento, afinal, merecia uma comemoração. Uma pena que não tivesse companhia.

Quando o telefone tocou, ela deu um pulo. Estava com os nervos em frangalhos e reconhecia isso.

Alô? Oh, Kyle! Não esperava sua ligação. Algo errado?

Nada, querida. Precisei vir a Paris inesperadamente e estou com a noite livre. Quero dizer, mais ou menos livre. Meu vôo está marcado para a meia-noite. Será que você me daria o prazer de sua companhia? Indicaram-me um novo lugar e me garantiram que vale a pena conhecê-lo. Como você sabe, eu detesto comer sozinho. Então, o que me diz?

Oh, Kyle — Janet hesitou. — Eu estou tão cansada.

Prometo deixá-la em casa no máximo às onze horas. O lugar que tenho em mente é um velho moinho à beira do rio. A noite está linda. E você poderia me colocar a par do que tem acontecido nos últimos dias.

Se você não se importa, prefiro lhe contar as novidades durante o expediente, e gostaria de me dei­tar muito antes das onze horas, mas...

Ela sabia que estava precisando se distrair, pois em seu presente estado de humor nada seria pior do passar a noite em sua própria companhia.

Eu a levarei para casa a hora que quiser — Kyle insistiu, quando notou a hesitação.

Promete também que não falará apenas sobre negócios?

—        Prometo. Passarei para buscá-la daqui a meia hora Ela se arrumou e se maquilou enquanto se perguntava a razão por ter cedido com tanta facilidade.

Depois de entrarem no pequeno e elegante restau rante, contudo, e de tomarem um coquetel de Campari, Janet agradeceu mentalmente a Kyle por ter insistido em levá-la para jantar.

Era um alívio não estar sozinha e seu chefe era o tipo de companhia que não lhe inspirava cuidados. Ao lado dele podia ser ela mesma. Davam-se bem profis­sionalmente e também como amigos. Se alguma vez ele chegara a pensar que o relacionamento poderia se tornar mais íntimo, abandonara a ideia imediatamente após receber a mensagem de que ela não estava inte­ressada em homens casados.

Um outro ponto favorável à melhora de seu humor fora a escolha do restaurante. Por ele ser fino e ele­gante, ela tivera de se preocupar um pouco mais com sua aparência. E uma roupa bonita sempre ajudava a elevar o moral.

Kyle, ao menos, parecera aprovar sua escolha quan­do ela lhe abriu a porta.

Assim está bem melhor! Confesso que estava co­meçando a me preocupar com você.

Bobagem.

Ela admitia que havia ficado irritada com o comen­tário, mas sabia que Kyle estava certo. O resultado das noites insones estava evidente em seu rosto. Não fossem algumas pinceladas de blush para devolver a cor às suas faces e um toque de base sobre as olheiras a fim de disfarçá-las, e ele não a teria elogiado.

O restaurante estava surpreendentemente lotado para uma noite de quarta-feira. Havia apenas uma mesa vaga, de quatro lugares, mas o maitre permitiu que eles a ocupassem.

Ao receber o menu e verificar os pratos, Janet des­cobriu que estava faminta.

Adorei este lugar, Kyle. Quem o indicou?

Não me lembro, mas deve ter sido alguém em Strasbourg. Você sabe como aquele pessoal sempre está a fim de uma boa comida.

Para ser franca, eu acabei de descobrir que também estou muito interessada.

O garçom se aproximou naquele instante e ambos fizeram seus pedidos. Ao ficarem novamente a sós, Janet perguntou:

Como vai Anna?

Anna? — Por uma fração de segundo, Kyle pareceu constrangido com a pergunta embora ela tivesse sido feita em tom casual. — Acho que bem.

Eu não a conheço a nível pessoal. Confesso que não sei o que ela costuma fazer em suas horas livres. Nunca nos encontramos fora do trabalho.

As entradas foram servidas e o assunto esquecido.

A comida está deliciosa — Janet elogiou.

Ainda bem que gostou. Depois dos elogios que ouvi sobre este lugar, seria uma decepção se não fôs­semos bem servidos.

Os pratos principais foram trazidos e eles estavam começando a saboreá-los quando Kyle olhou por cima dos ombros de Janet com uma expressão surpresa.

—Olá, Inês — ele cumprimentou de modo que teria parecido natural, se ela não o conhecesse bem.

Janet não se virou para trás de imediato, mas tinha certeza de que a mulher em questão era a mesma que fora vista em companhia de Kyle por muitos colegas seus e também por ela. No momento em que a figura de Inês surgiu à sua frente, Janet esboçou um sorriso para cumprimentá-la. Mas ele ficou congelado em seus lábios quando seus olhos foram atraídos para o homem que a segurava pelo braço de modo galante.

Sem que percebesse, seus dedos começaram a brin­car, inquietos, com as contas azuis de seu colar.

Patrick estava lindo. O terno escuro realçava sua altura e seus ombros fortes e largos. Jamais esqueceria o momento em que o vira montado em seu garanhão negro como um deus mitológico. Naquele mesmo dia ele a carregara em sua sela e lhe mostrara as colinas e o vale de County Wicklow. E lhe fizera amor sobre a relva macia num recanto secreto...

Ela deixou o garfo cair e se assustou com o ruído. Em seguida deu um sorriso a Kyle, na tentativa de se des­culpar. Não podia se permitir esse tipo de pensamentos. Era loucura. Se alguém pudesse ler sua mente...

Forçou-se a retornar ao presente e a controlar as ondas de calor. Não queria que percebessem seu cons­trangimento. Mas foi impossível manter a calma quan­do notou a movimentação do garçom no sentido de acomodar o casal na mesma mesa.

— Espero que nos desculpem a intromissão — Inês murmurou ao mesmo tempo em que se sentava ao lado de Janet. — Não entendo o que aconteceu. Eu mesma fiz a reserva para uma mesa há uma semana.

Janet se forçou a sorrir. Não podia acreditar. Quan­do ela e Patrick se encontraram e fizeram amor, o jantar já havia sido combinado.

A comida que antes lhe parecera divina agora não passava por sua garganta. O melhor, portanto, era esquecê-la, e tentar se distrair.

Inês era a essência do bom gosto. O vestido em seda vermelho-escuro realçava sua figura voluptuosa. Os traços latinos eram coroados por cabelos pretos e bri­lhantes que ela usava presos num estilo que combinava com seu tipo exótico.

Janet não havia notado o quanto estava encarando Inês até que se deu conta do modo com que Patrick a fitava. Seus olhos refletiam desaprovação. Moviam-se constantemente entre ela e Kyle.

Foi então que ela entendeu. Patrick estava pensando que ela e Kyle... Uma raiva insana invadiu-a. Como ele se atrevia a pensar que ela escolheria justamente seu chefe, um homem casado cuja reputação deixava muito a desejar?

E ele? Por acaso não estava acompanhando uma mulher de reputação também duvidosa?

Por outro lado, não era essa a impressão que ela tentara dar a Patrick na última vez que o vira? De que, então, estava se queixando? Se ela tivesse pla­nejado o encontro, o resultado não seria melhor.

O garçom trouxe o menu e eles se puseram a exa­miná-lo. A espanhola se inclinou para Patrick e colocou a mão cheia de anéis e unhas pintadas de vermelho sobre seu braço. Quando cochichou algo em seu ouvido e ele riu, Janet pensou que morreria de ciúme.

Foi um alívio ouvir a voz de Kyle, embora a obser­vação estivesse sendo feita a Patrick.

Parece que a causa será sua. Estamos todos muito impressionados com o modo com que você expôs o problema ao comité.

Espero que sim, embora a causa não seja minha, e sim da empresa para a qual trabalho.

Você está sendo modesto — Inês afirmou com um grande sorriso. — Kyle está a par de seu projeto humanitário, mas eu não creio que Janet saiba do que estamos falando.

Para alívio de Janet, Kyle falou em seu lugar.

Sim, eu estou. Confesso que o tipo de trabalho realizado por Patrick é raro em nossos círculos. Mas parece que ele o ajudou a alcançar o sucesso. O tempo que passou no Oriente não prejudicou sua carreira. Ao contrário.

Você acertou — Patrick admitiu. — Eu saí ganhando em todos os sentidos ao abraçar aquela causa, cinco anos atrás.

A partir daquele momento, Janet não conseguiu mais prestar atenção à conversa. Ouviu algumas pa­lavras soltas, vez por outra. "Uma experiência mag­nífica". "A maior oportunidade cultural de minha vida". Mas durante quase todo o tempo, ela se viu perdida em seus próprios devaneios.

Foi trazida de volta à realidade quando Kyle pousou sua mão sobre a dela num gesto quase paternal.

Estou negligenciando você, querida? Posso lhe oferecer alguma coisa? Uma sobremesa? Queijos? Disseram-me que a torta de maçã é imperdível.

Não, obrigada, Kyle. O jantar foi excelente e...

Dois cafés — ele disse ao garçom que esperava para anotar o pedido, e depois a Inês e Patrick: — Eu prometi que a levaria para casa antes das onze.

Para casa? — Inês indagou, curiosa.

Para o fLat — Kyle se corrigiu. — Como os negócios se expandiram e eu tenho vindo a Paris com frequência, resolvi alugar um fLat. Sai mais barato do que pagar as contas astronómicas de hospedagem em hotéis.

Janet estava prestes a explicar que eles nunca fi­cariam juntos no mesmo apartamento, pois se reveza­riam nas viagens, quando o garçom chegou com o café.

Apressou-se a tomá-lo. Queria ir embora o mais rápido que pudesse. Assim, apanhou a bolsa e olhou para o chefe que, felizmente, entendeu a sugestão e se levantou.

—        Vocês nos dão licença? Antes de levar Janet, quero lhe mostrar a lua sobre o Sena.

O que Kyle tinha em mente? Janet fitou-o com raiva. Estaria tentando insinuar a Patrick e a Inês que eles...?

—        Nesse caso, espero que tenha trazido uma luneta — Inês respondeu com ironia. — Ou não verá nada.

Kyle balançou a cabeça e riu.

—        Você é muito realista, Inês. Mas Janet é uma mulher romântica e confia em mim. — Ele e Inês se fitaram de um modo significativo. — Por favor, não a desiluda.

No minuto seguinte, ela e Kyle estavam caminhando em direção ao rio. Ele, depois de lhe pedir permissão, acendeu um charuto.

Patrick é um homem muito astuto — Kyle mur­murou. — Parece saber o que deseja da vida.

Tem de saber. Ele se preparou para isso — Janet retrucou antes que pudesse raciocinar.

Ah! — Kyle colocou um braço sobre seu ombro.

—        Então você sabe algo sobre ele. Engraçado. Na noite em que os apresentei, tive a impressão de que não se conheciam.

Fazia muito tempo que não nos víamos.

Nem você nem ele são pessoas fáceis de esquecer —         Kyle a interrompeu. Em seguida fitou-a atentamen­te. — Eu estou enganado ou você enrubesceu, Janet?

Claro que não — ela mentiu. — E que... Você está certo. Eu conheço Patrick Cavour. Superficialmen­te, ao menos.

Não foi a ideia que me ocorreu. Eu lhe garanto que senti fortes vibrações entre vocês.

Bem, eu o conheci há um longo tempo. Estava estudando em Oxford e ele apareceu por lá para fazer umas pesquisas.

Então...? — Kyle insistiu.

Então nada. Eu soube que ele havia se formado em Direito em Harvard e trabalhado num escritório de advocacia nos Estados Unidos.

E estranho. Tudo indica que Patrick Cavour é um homem muito bem-sucedido em seu país. O que será que o trouxe à Europa?

Não poderia lhe dizer.

Ela estava sendo sincera. Quantas vezes formulara a mesma pergunta? Quantas noites passara em claro tentando adivinhar a resposta? Chegara a cogitar se Patrick não teria procurado descobrir onde ela estava trabalhando e seguido-a. Mas como ele se mostrara tão perplexo quanto ela na noite da recepção, não adiantava tentar se enganar.

Talvez Inês possa lhe dar maiores informações — Janet continuou, mordaz. — Eles me pareceram muito íntimos.

Não sei. — Kyle deu de ombros e tragou profundamente a fumaça. — Eu já os surpreendi juntos em Strasbourg. Mas a cidade é tão pequena que é normal encontrarmos todos seus habitantes cada vez que saí­mos de casa.

Sim, mas nós estamos em Paris — Janet retrucou cada vez mais intrigada. — Quem foi que lhe indicou este lugar, Kyle? Tente se lembrar.

Tenho quase certeza de que foi Charles Sebastien. Nós estávamos num grupo. E isso! Inês também estava presente. O mistério foi solucionado.

Talvez — Janet continuou em dúvida. --- Preciso me lembrar de perguntar a ela da próxima vez que a encontrar.

Boa ideia — Kyle respondeu e apagou o charuto. Em seguida conduziu-a ao estacionamento. — Ela con­firmará o que eu disse, se é tão importante para você.

A noite balsâmica e a paisagem idílica exerceram um efeito calmante sobre os nervos tensos de Janet. Embora não houvesse lua, as luzes dispostas de ambos os lados do rio produziam lindos reflexos nas águas. Havia recantos em penumbra em meios às árvores pró­prios para os namorados. Era uma pena que Kyle não fosse seu tipo. Mas mesmo que ele lhe agradasse, nun­ca o aceitaria. Além de ser casado, Kyle não se com­parava a Patrick.

Mas, ao menos, não se sentia ameaçada com sua proximidade. Kyle se preocupava com ela. Kyle a tra­tava de modo quase paternal. Não se afastou, portanto, quando ele tornou a colocar o braço em seu ombro enquanto contemplavam o rio. Em vez disso, apoiou-se nele com um suspiro.

Você está triste, Janet. Tenho notado isso há al­gum tempo.

Não é nada, Kyle.

O modo terno com que ele lhe falou a fez liberar um soluço.

Ele esperou que ela se acalmasse. Em seguida, se­gurou-a pelo queixo e ergueu-lhe o rosto.

Um homem, não é? Não sabe que nenhum de nós vale isso? Acredite. Falo com conhecimento de causa.

Sinto muito, Kyle. — Janet abriu a bolsa e pegou um lenço. — Ainda bem que não há lua esta noite. Eu poderia tê-la culpado.

Mas, se não há lua...

Esqueça o que eu disse. — Ela forçou um sorriso. — Prometo a você que meu trabalho não será afetado.

Para colocar um fim no assunto, Janet obedeceu ao instinto e deu um beijo no rosto de Kyle, sem pensar em qual poderia ser sua reação.

Foi precisamente a reação que ela deveria ter es­perado. E aquela que Patrick Cavour pôde observar ao lado de sua acompanhante.

Kyle atraiu-a de encontro ao peito e ela, mais por necessidade do que por paixão, permitiu-se ficar jun­to a ele por alguns instantes. Sentia-se fraca e um pouco tonta.

Quando ergueu a cabeça, mais segura de si, seus olhos encontraram os de Patrick a alguns metros de distância.

Apesar da penumbra foi fácil adivinhar o que ele estava pensando a seu respeito. Ela havia sido julgada e condenada.

Virou para o outro lado e sorriu consigo mesma. Os casais estavam trocados. Era com Patrick que deveria estar, não com Kyle. E Kyle certamente queria estar com Inês.

Um leve som vindo da água lhe chamou a atenção. Patrick deveria ter jogado uma pedra no rio, pois ela havia criado reflexos na superfície. Olhou para ele. Mas antes que pudesse pensar no que fazer, Patrick se afastou ao lado de Inês, que lhe falava com grande entusiasmo.

A noite, Janet pensou angustiada enquanto cami­nhava para o carro de Kyle, parecia um simbolismo sobre seu relacionamento com Patrick. Uma ilusão.

 

Não seria necessário comprar uma roupa nova para o batizado. Seu armário es­tava cheio de saias, blusas e vestidos que usara ape­nas umas poucas vezes. Talvez devesse pensar ape­nas num chapéu. Isso seria compreensível. A ceri­mónia aconteceria em Paris e haveria muitos convi­dados importantes.

— Não! — Janet exclamou com os olhos marejados de lágrimas. — Não! Eu não estou preocupada em im­pressionar Patrick Cavour!

Por mais que tentasse se enganar, não conseguia. Quanto mais repetia a si mesma que o interesse por sua aparência não tinha nada a ver com Patrick, mais certeza ela tinha de que estava faltando com a verdade.

Escolheu um chapéu preto forrado em seda que lhe pareceu sensual e irresistível. O conjunto de saia e blazer amarelo forte com debruns em seda preta, como o chapéu, era sensacional. Não costumava vestir essas cores, mas o modelo era extremamente chique.

Não possuía nenhuma outra saia tão curta em seu guarda-roupa. Tampouco usava luvas. Mas naquele dia ela faria uma exceção.

Fazia tempo que não se sentia tão satisfeita com sua imagem. A última vez fora na noite em que se arrumara para ir à recepção em Strasbourg.

Examinou bem seu reflexo no espelho e confirmou os resultados da maquilagem. Estavam suaves e ca­prichados. Havia aplicado um toque de batom e uma fina camada de pó. Apenas os olhos estavam um pouco mais carregados de rímel e sombra.

Por fim, ela borrifou algumas gotas de perfume, ajeitou o chapéu sobre a cabeça e desceu para apanhar o táxi.

No apartamento de Holly foi apresentada a uma porção de amigos e parentes do casal. Apertou todas as mãos com um sorriso nos lábios, mas, interiormente, estava arrependida por não ter insistido em seu plano original e se encontrado com Holly e com Paul na igre­ja. Teria sida muito mais simples para todos. Agora ela teria de ir no carro de alguém...

—        Janet, espero que não se importe, mas eu pedique Patrick a levasse à igreja.

Ela quase derrubou o café que a amiga havia aca­bado de lhe servir.

Mas, Holly!

Tudo bem. Garanto a você que ele não se importa de levá-la. Patrick é um doce. Jamais nega um favor. Oh, Janet, será que eu não esqueci nada? Lembre-me de lhe entregar Pauli quando nos aproximarmos da pia batismal, está bem?

Janet estava com os pensamentos muito longe. O que menos a preocupava naquele instante eram os ri­tuais da cerimónia.

Vinha procurando se manter calma havia dias. Hol­ly, entretanto, parecia determinada a lhe criar proble­mas. Era difícil perdoar tanta insistência e deslealdade de alguém que sempre considerara uma grande amiga. Será que Holly não conseguia enxergar a ameaça que pairava sobre sua vida?

—        Bem, se você não tem nenhuma dúvida — Holly continuou —, é melhor irmos logo para a igreja. Seria horrível se chegássemos atrasados. Vou dar um tele­fonema a Patrick e dizer a ele que você está pronta.

Janet decidiu esperá-lo no corredor para economi­zar tempo. Enquanto o elevador não chegava, apro­veitou para andar de um lado para o outro e tentar relaxar, o que era muito difícil com tantas lembran­ças teimando em assaltá-la. Fazia duas semanas que encontrara Patrick naquele mesmo prédio e que se deitara em seus braços...

O ruído das máquinas do elevador provocou-lhe uma sensação de frio no estômago. As pernas bambearam e a cabeça rodopiou. Estava fraca demais para suportar o peso daquele chapéu ridículo.

Quando a porta se abriu e Patrick veio ao seu en­contro, seu coração quase parou de bater. Tomada de pânico, não foi capaz de fazer outra coisa senão enca­rá-lo. E admirá-lo.

Patrick estava usando um terno cinza-escuro, im­pecável, como era de esperar devido à formalidade do evento. A camisa era branca e a gravata xadrez bem miúdo nas cores branca e preta. Na lapela havia um botão de rosa igual ao que ele havia usado aquela noite em Oxford.

Para disfarçar o atrevimento de um exame tão longo, Janet tentou sorrir e brincar:

—        Desculpe o abuso. Parece que você foi nomeado meu motorista particular. Deve estar cansado de representar esse papel.

Não houve resposta. Nem sequer algumas palavras decoradas como mandava a cortesia. Ele se limitou a erguer uma sobrancelha num atitude que ela inter­pretou como uma acusação por sua hipocrisia.

Patrick esticou os braços e ajeitou as abotoaduras. Foi o bastante para ela ser invadida por um louco desejo de tocar aqueles pulsos morenos e aquelas mãos.

—        Está na hora. Se não nos apressarmos, acabare­mos nos atrasando.

Ele fez um gesto para que ela entrasse no elevador que os conduziu, em silêncio, até a garagem.

O percurso também foi feito em silêncio, embora ela não pudesse se queixar de falta de etiqueta. Patrick lhe abriu a porta e ajudou-a a afivelar o cinto, sem dar a impressão de ter notado que sua saia havia su­bido bem acima dos joelhos.

Fizeram um comentário rápido sobre o trânsito que sempre era mais tranquilo nas manhãs de domingo. E outro sobre o tipo de carro que ele havia comprado.

Em poucos minutos estavam subindo os degraus da igreja.

A partir do instante em que Patrick segurou seu braço, quando galgaram os degraus, Janet não conse­guiu pensar em mais nada. Nem em prestar atenção à cerimónia, embora ninguém precisasse conduzi-la ou repreendê-la nos procedimentos.

Mesmo no instante em que o pequeno Pauli foi co­locado em seu colo era Patrick quem ela via cada vez que erguia os olhos. Seu coração batia com tanta força que ela temeu ser notada por toda a congregação. A emoção lhe roubava a capacidade de respirar. Receava que a qualquer momento fosse vacilar e cair.

Olhou para Patrick, dessa vez, como se lhe pedisse socorro. E ele deveria ter entendido a mensagem pois sua expressão suavizou e ajudou-a no instante em que o pastor lhe dirigiu as perguntas de praxe.

Em seguida foi ele quem precisou responder as per­guntas. Pauli foi transferido de seu colo para o dele pela mãe. Ninguém poderia imaginar que Patrick ti­vesse tanto jeito para segurar um bebé.

Quando sua voz ecoou firme e segura pela igreja, fazendo as mesmas promessas que ela, Janet sentiu que corava.

Um de seus sonhos estava sendo realizado, embora a criança não lhes pertencesse. Mas ela se permitiu, por alguns instantes, imaginar que estavam na adorável casa dos pais dele, cercados por amigos e paren­tes, celebrando o batismo de seu filho.

Dor e alegria se misturaram quando Patrick devol­veu Pauli à Holly e ela foi obrigada a voltar à realidade.

Ela e Patrick retornaram ao banco e compartilharam do mesmo livro de orações. Ele acompanhou a cerimó­nia até o fim com sua voz firme e melodiosa. Ela pro­curou fazer o mesmo, embora sua voz soasse fraca e trémula, sem nenhuma convicção.

Foi um alívio chegar ao apartamento onde um bufe os esperava. Seria mais fácil suportar as horas que se seguiriam. Não estariam a sós, mas entre uma porção de convidados. Ela estaria livre para conversar e rir e para conhecer outras pessoas. Assim como ele.

Por sorte havia muitos homens dispostos a ajudá-la nesse sentido. Um deles, em particular, um colega de faculdade de Paul, insistiu para que trocassem seus números de telefone, embora ela não houvesse lhe dado qualquer esperança no sentido de saírem juntos.

Essa falta de interesse certamente estava ligada ao que se passava do outro lado da sala. Patrick, como sempre acontecia, estava na companhia das duas mu­lheres mais bonitas da festa.

Com uma taça de champanhe na mão, os olhos fixos nele, ela se pôs a vagar pela sala trocando uma ou outra palavra com os demais presentes. Seu objetivo era chegar o mais perto possível de Patrick para ouvir o que estavam conversando.

A mais alta e mais bonita, com cabelos ruivos, tinha um sotaque americano. A outra, menos vistosa, cujo sotaque ela não conseguiu adivinhar, foi a que lhe provocou mais ciúme pois era o tipo de mulher que ele admirava. O trio pôs-se a rir naquele instante e ela não pôde evitar um olhar de censura que ele in­terceptou de imediato.

Não esperava por uma reação da parte dele. Prin­cipalmente no sentido de encabulá-la.

—Não fique aí parada, Janet. Junte-se a nós. Esta é uma prima de Paul e esta uma amiga de Los Angeles.

Mal elas haviam se apresentado, Patrick foi chama­do por um outro grupo de amigos, e Janet se viu so­zinha entre as duas mulheres.

Você o conhece bem? — a ruiva lhe perguntou, sem parar de olhar na direção dele, assim como ela.

Não posso dizer que o conheço exatamente bem, mas já faz alguns anos que fomos apresentados.

Ele é um homem e tanto, não? — a ruiva comentou e foi obrigada a se calar porque outras pessoas se juntaram a elas naquele instante.

Assim que viu uma chance, Janet pediu licença e se afastou. Mas não conseguiu se divertir por mais que tentasse. Mesmo de costas para Patrick, sua mente es­tava voltada para ele. Virou-se em determinado instante e surpreendeu-o novamente às voltas com a ruiva.

A imagem dos dois numa cama a deixou cega de ciúme.

Saiu da sala com passos rápidos. Acabaria enlou­quecendo se insistisse nessa autoflagelação. Patrick era livre para fazer o que quisesse. Ela não tinha mais nada a ver com sua vida. Ele que se deitasse com Inês ou com qualquer ruiva americana. Não se importava.

Não conseguiu se manter afastada do centro da ani­mação por muito tempo, pois Holly veio a sua procura.

—        Chegou a hora de cortarmos o bolo e eu tenho certeza de que Paul mencionará você em seu discurso.

Sorrisos e mais sorrisos foram distribuídos em agradecimento aos brindes. Houve um momento em que ela e Patrick precisaram posar para o fotógrafo, como padrinhos que eram. A única forma que ela encontrou de se manter firme foi fixando um ponto na parede, por cima do ombro de Patrick, sem olhar nos olhos dele.

No final, terminada a sessão de fotos e formalidades, ela se retirou abruptamente e se refugiou no quarto do bebé até ouvir os convidados se despedirem.

Estava saindo do quarto quando Holly veio ao seu encontro.

Não é incrível! Ele se recusa a acordar para a madrinha. — Janet sorriu. — Espero poder brincar um pouco com ele amanhã.

Oh, querida, você já vai? Ainda e cedo.

Não lhe prometi que voltaria amanhã de manhã? Esqueceu que meu avião parte apenas no final da tarde? Além disso, você ainda tem de dar atenção a alguns parentes, se não estou enganada.

Paul chegou naquele instante.

—        Será que ouvi bem? Você voltará amanhã e as duas conversarão a sós? Confesso que já estou lamentando a reunião importante que me fará ir ao escritório às nove e trinta. Aposto que os assuntos serão muito interessantes.

Janet e Holly sorriram e responderam juntas:

—        Nossos assuntos sempre são interessantes!

No minuto seguinte Holly e Janet estavam se des­pedindo com um beijinho nas faces.

Obrigada, Janet. Foi uma cerimónia inesquecível. Você estava linda e fez tudo direitinho. — Ela olhou para o marido. — Aliás, nós não poderíamos ter esco­lhido padrinhos mais bonitos, não?

Confesso que prefiro a madrinha — Paul brincou. — O chapéu que ela estava usando foi a coqueluche da festa.

—        Oh, o chapéu! Eu o esqueci no quarto de Pauli. Dessa vez Janet conseguiu ver o bebé acordado. Depois que Holly o alimentou, pôde segurá-lo no colo.

Levou-o para a sala enquanto Holly se ocupava com outra coisa e descobriu, pela primeira vez em sua vida, que tinha jeito com crianças.

Pauli ria para ela quando o tocava no rosto delicado. E agitava as mãozinhas na tentativa de lhe puxar os cabelos. Estava com ele apoiado em seu ombro, acariciando suas costas, quando sentiu-se atraída por um par de olhos.

Por um momento ela ficou como que paralisada. As emoções dominaram seus sentidos. Algo nos olhos de Patrick aumentava sua dor. Havia algo que a impul­sionava a correr para os braços dele, e pedir que ele a ajudasse.

—        Oh, Janet, desculpe. — Holly se aproximou e tirou Pauli de seu colo. — Não devia tê-lo deixado tanto tempo aos seus cuidados. Você me disse que que­ ria ir embora.

Holly acompanhou-a até a porta onde Paul, é claro, se despedia de Patrick e, como sempre, havia provi­denciado para que ele lhe desse uma carona.

—        Não brigue comigo, Janet — Paul declarou. —Foi ele quem se ofereceu para levá-la.

Holly entrou na brincadeira.

—        Janet acredita que nós estamos forçando-o a levá-la. Imagine! Como se qualquer homem normal não adorasse ter esse tipo de chance!

Constrangida e aborrecida demais para responder, Janet se manteve calada até entrarem no elevador.

Eu agradeceria se me deixasse na recepção para eu chamar um táxi. Não há razão para você tirar no­vamente seu carro da garagem.

Se é assim que prefere, está bem.

Ela ficou chocada com a resposta. Não esperava que Patrick cedesse tão facilmente ao argumento. Em nome da boa educação, ao menos, ele poderia ter insistido.

—        Mas talvez fosse melhor se ligasse do meu apartamento. O porteiro costuma tirar um cochilo a essa hora.

Ela o seguiu ao longo do corredor e acompanhou seu movimento de tirar o fone do gancho. Depois, en­quanto ele discava, pousou os olhos distraidamente sobre uma aquarela, e não notou que a ligação não havia sido completada.

—        Há uma mancha branca em seu blazer. — Patrick estava caminhando em sua direção e ela sentiu o fôlego lhe faltar. Se ele a tocasse, não poderia garantir qual seria sua reação. — Se quiser, posso tentar retirá-la.

Ele a fez virar de costas e mostrou a mancha pelo espelho.

—        Parece leite.

Deveria ter acontecido no instante em que segurara o bebé sobre o ombro.

Se tirar o casaco, eu limpo a mancha para você.

Obrigada.

Janet desabotoou o blazer e entregou-o com timidez. Talvez fosse por causa do decote que estava se sentindo tão vulnerável. Mas não daria a menor demonstração a Patrick. Acompanhou-o, portanto, até a cozinha e esperou até que ele esfregasse a mancha com um pano limpo e úmido.

—        Está pronto. Pode vesti-lo. Tive o cuidado de não umedecê-lo demais para não lhe causar um reumatismo.

Ela sorriu enquanto vestia novamente o casaco e o abotoava com dedos trémulos. Era um alívio que não precisasse se preocupar em tomar uma decisão. Patrick não parecia inclinado a procurá-la. Por outro lado...

—        Ah, eu estava me esquecendo.

Ele a deixou na cozinha e ela seguiu-o até o hall. Não teve coragem de entrar em seu quarto.

Quando saiu, Patrick estava com um colar de contas azuis em uma das mãos.

—        Acho que é seu.

Patrick falou sério, em tom quase de acusação.

Sim, obrigada — ela agradeceu, corada. — Dei por falta dele quando cheguei no apartamento.

Encontrei-o ao lado de sua cadeira, no restaurante.

É uma simples bijuteria, mas gosto dela. Estou contente em tê-la de volta.

Não se importa de sair com homens casados? — Patrick indagou abruptamente.

Como disse? — ela perguntou com o cenho franzido, na tentativa de ganhar tempo.

Eu não pensei que você gostasse de sair com homens casados.

E se eu gostar? Isso, por acaso, lhe diz respeito? — ela retrucou, com raiva.

Apenas no sentido de que eu esperava outro com­portamento de sua parte.

Acontece que Kyle Lessor é meu chefe e me convidou para jantar com ele. Fim da história. Será que eu não tenho o direito de encontrar um amigo sem atrair comentários maldosos?

Quem sempre atrai comentários por causa de sua reputação é Kyle. Pelo que eu sei, ele se esforça por conquistar todas as mulheres disponíveis em seu escritório.

Como se atreve a falar assim comigo? Não sou uma dessas mulheres que você chama de "disponíveis". Você nunca, aliás, fala sobre os homens nesse sentido. Por quê? Porque eles estão sempre disponíveis?

Alguns, sem dúvida — ele respondeu. Estava tão zangado quanto ela, embora se controlasse mais. — Pelo que ouvi falar sobre seu chefe, ele é um grande paquerador.

Eu o conheço muito bem e...

Era exatamente o que eu temia.

Você não tem o direito de temer! — Janet o interrompeu. — O que eu queria dizer era que o conheço no sentido profissional e pessoal, não no sentido em que sua amiga Inês, por exemplo, deve conhecê-lo. Por que não a interroga a respeito?

O que está insinuando?

Que correram boatos sobre eles dois estarem de caso há algum tempo.

Estou surpreso em saber que você dá ouvido a fofocas.

Num lugar como Strasbourg todos sabem tudo.

E, pelo que acabou de dizer, você também não é avesso a esse tipo de conversa.

Ela já estava arrependida de sua explosão antes mesmo de terminá-la. Patrick poderia enxergar nas entrelinhas. Além disso, não acreditava realmente que ele estivesse namorando Inês.

Esse comportamento não combina com você, Janet.

Não? — Se ela estivesse em outro lugar, com outra pessoa, teria chorado até cansar. Mas jamais demonstraria sua fraqueza diante de Patrick. — Pode não combinar comigo, mas me diverte.

Acho difícil de acreditar, conhecendo-a como uma vez conheci.

Ela se lembraria, mais tarde, de que sua risada soara barata e degradante.

Aquilo aconteceu numa outra vida, Patrick. Talvez eu tenha mudado. Talvez nós dois tenhamos mu­dado mais do que desejamos admitir.

Você provavelmente está certa.

Claro que estou. — As lágrimas ameaçavam inundar-lhe os olhos. Ela não teve alternativa senão atacá-lo. — As pessoas mudam. As vezes para pior, como no meu caso. Nem todos conseguem permanecer ingénuos e doces como você.

—        Não creio que os outros possam me descrever como ingénuo. Quanto a você, espero que não tenha lhe dado a impressão de que considero pior em todos os sentidos.

Ela percebeu que o fitava com os olhos mais abertos.

—        Acho que você se transformou de uma linda garota numa mulher deslumbrante. Não creio que exista algum homem sobre a face da Terra que consiga esque­cê-la, e que não queira fazer amor com você.

Ela continuou encarando-o como se estivesse hipno­tizada. As primeiras palavras haviam aquecido seu coração e começado a derreter a couraça de que se revestira. Mas o que ele disse depois a colocou mais uma vez na defensiva.

—        Que pena, não?

Ele franziu o cenho e ela não pôde evitar uma breve sensação de triunfo.

Parece que você já se decidiu.

Sim — ela respondeu e se virou para apanhar a bolsa e o chapéu que havia deixado sobre uma poltrona. — Assim como você. Se puder me fazer o favor de chamar um táxi, eu ficarei aguardando na portaria.

 

Foi ótimo dispor de algumas horas livres antes de pegar o avião de volta para Strasbourg. Janet aproveitou para voltar ao aparta­mento de Holly, ver seu afilhado mais uma vez e con­vidar a amiga para sair. Seria uma boa oportunidade de conversarem a sós e colocarem todos os assuntos em dia, finalmente.

Não havia nada como dar um passeio pelas ruas de Paris e admirar as magníficas vitrines ao lado da me­lhor amiga para aliviar as tensões.

Naquele instante, Holly puxou a cadeira e se inclinou para a frente sobre a mesa do salão de chá do hotel.

Não sabe como eu ansiava por lhe contar tudo. Se alguém tivesse dito, naquela época, que eu viria a conhecer outro homem e que me casaria com ele, eu não acreditaria. Você sabe disso. Quando Mark e eu nos separamos, em Strasbourg, eu jurei que nunca mais me envolveria com outro homem.

Você teve sorte em conhecer Paul — Janet mur­murou. — E ele também teve sorte em conhecê-la.

Holly sorriu, complacente.

E quanto a você, Janet? Confesso que não esperava que ainda continuasse no mesmo velho emprego. Desculpe a franqueza, mas sinto que você não está tão bem quanto finge estar. Nunca a vi tão desanimada.

Eu estou bem — Janet mentiu ao mesmo tempo em que se servia de outra xícara de chá e espiava pela janela. Mas nem a beleza do casal de cisnes que atravessava o pequeno lago na frente do hotel conseguiu interessá-la. — Deve ser o cansaço. Ando trabalhando muito. Houve um problema no escritório recentemente.

Não com Kyle, eu espero. Se ele está tentando conquistá-la outra vez...

Não, não é nada relacionado a Kyle — Janet se apressou a esclarecer. Sua preocupação era que a amiga interpretasse mal seu rubor. Não entendia por que corava com tanta facilidade. — Ele desistiu de me fazer convites para sair logo nos primeiros dias, quando per­cebeu que estava perdendo seu tempo.

Holly, obviamente, não ficou satisfeita com a expli­cação pois continuou insistindo no assunto.

Eu me lembro muito bem o que significa esse tipo de situação. Ninguém melhor do que eu conhece o sofrimento que um relacionamento com um homem casado pode trazer.

No meu caso, juro que meu chefe está inocente. Ao menos no que diz respeito a mim.

Bem, se você garante, eu acredito. Com relutância. Mas que tipo de problema, então, você está enfrentando?

Tenho trabalhado excessivamente desde que Kyle resolveu expandir os negócios. Confesso que estou começando a me arrepender por ter permitido que ele me convencesse a ser sua assistente. Não sei se aguentarei viver em duas cidades ao mesmo tempo. Não precisarei me trancar num quarto de hotel, é claro, pois ele insiste que seu apartamento será todo meu sempre que eu vier a Paris, mas...

Você pode ficar comigo e com Paul também. Nós temos um quarto de hóspedes e ele está à sua disposição.

Oh, não! — Janet exclamou com tanta ênfase que Holly pestanejou. — Eu agradeço muito, mas não quero impor minha presença a vocês. O problema não é exatamente de acomodação. O apartamento de Kyle é muito bom e agradável.

— Então é o excesso de trabalho. Talvez Kyle esteja esperando demais de você. Parece que resolveu passar todos os assuntos técnicos e monótonos para a assis­tente enquanto ele se preocupa apenas em recolher o dinheiro. Converse com ele. Será uma pena se você tiver de desistir do emprego justamente agora quando eu teria a oportunidade de vê-la com mais frequência. Senti muito sua falta depois que me mudei de Stras-bourg. Não encontrei nenhum outro ombro amigo para chorar minhas mágoas. — Holly sorriu e depois fez uma careta ao olhar para o relógio. — Nossa, como o tempo voou! Preciso voltar para casa. Marie deve estar preocupada. Ela cuida bem de Pauli, mas ele ainda é muito pequeno e eu gosto de ficar por perto.

Eu também me esqueci das horas. Ainda não arrumei as malas. Se não voltar logo para o apartamento, acabarei perdendo o vôo. Quando voltar a Paris, eu lhe telefono. Prometo não demorar.

Obrigada, Janet, mais uma vez. Adorei ter você como madrinha de meu filho.

E eu adorei que me convidasse.

Em Strasbourg, nas três semanas que se seguiram, Janet mergulhou no trabalho com uma dedicação fa­nática. E o fato de Anna estar ausente contribuiu ainda mais para que ela se distraísse entre pilhas de papéis à espera de serem arquivados.

Preocupada com o desaparecimento da secretária, sem prévio aviso, Janet telefonou para o endereço dela, onde lhe informaram que Anna precisara viajar ur­gentemente para Londres.

Sem notícias sobre a data de sua volta, Janet pro­curou Kyle e consultou-o sobre a possibilidade de con­tratação de uma temporária, mas ele mal pareceu ouvi-la. Dava a impressão de estar perdido num mundo particular e não muito feliz. Sem dúvida tinha outros problemas para resolver. Assuntos mais importantes que os dela. Restava-lhe, portanto, esperar que Anna retornasse tão inesperadamente quanto partira.

O fim de semana chegou para seu alívio. Ela estava aguardando a visita de Helen, uma velha amiga, com muito carinho. Preparou um peixe como prato principal e também um bolo de queijo que parecia estar delicioso. Arrumou a mesa com capricho. Estendeu a toalha nova de linho e colocou no centro uma vela cor-de-rosa em meio a um arranjo de flores. O efeito era digno de uma capa de revista, Janet pensou.

Sem mais o que fazer exceto esperar a amiga, Janet decidiu tomar um banho. Estava se dirigindo ao chu­veiro quando lembrou-se de que não havia colocado a garrafa de vinho na geladeira.

A campainha soou enquanto secava os cabelos. Ain­da era cedo. Devia ter se enganado. Na dúvida, des­ligou o secador e esperou. A campainha tornou a soar. Ela olhou para o relógio sobre a mesa de cabeceira. Não podia ser Helen. Mais um toque. Quem quer que fosse não parecia ter muita paciência.

A súbita suspeita deixou-a em pânico. Mas não podia ser Patrick. Claro que não.

Amarrou o penhoar na cintura e caminhou até a porta. Abriu uma fresta. Quando constatou que sua suspeita havia sido confirmada, tentou fechá-la novamente. — Não faça isso!

Foi uma ordem, não um pedido. E desnecessária, pois ela não teria ousado ir até o fim da ameaça. Seria uma tolice impedir que Patrick entrasse. Ela não tinha o que temer e não devia perder a oportunidade de provar isso a ele e a si própria.

Com um gesto de resignação, dirigiu-se à sala de estar e foi até a janela. Levou alguns minutos para encontrar coragem e olhar para ele. Mas antes que pudesse abrir a boca e perguntar o que o trouxera a seu apartamento, perdeu-se naqueles olhos.

Patrick era o homem mais bonito que já conhecera. Suas roupas eram as mais elegantes. Estava usando uma calça cinza, um suéter branco, casaco de tweed dois tons mais escuro do que a calça e sapatos pretos.

O modo com que se colocara, com as mãos nos bolsos, dava a impressão de segurança, de conforto. Mas bas­tava examinar seus olhos para descobrir o quanto ele estava tenso e zangado.

Os lábios estavam apertados e as sobrancelhas fran­zidas. A forma com que a fitava beirava o desprezo.

Ela não tinha mais nada a ver com Patrick. Não se importava absolutamente com ele. Mas a injustiça do ataque a magoou a ponto de trazer lágrimas a seus olhos.

De repente, Janet voltou a si. Não podia permitir que Patrick invadisse sua casa e a tratasse daquele jeito como se ela fosse culpada.

—        Não vai dizer nada? — indagou, sarcástica. — Não creio que tenha se dado ao trabalho de vir aqui apenas pelo prazer de me olhar.

Ele não parecia ter pressa de falar, mas quando se dirigiu a ela foi com uma rispidez que jamais ou­vira antes.

—        Estou tentando me convencer de que estou diante da mesma garota. Aquela que eu conheci, ou pensei ter conhecido, em Oxford.

A angústia a dominou. Sentiu falta de ar. Seu peito doía. Todas as forças pareciam tê-la abandonado. Foi com imensa dificuldade que ela substituiu a fraqueza pelo cinismo.

—        Acho que você está se repetindo.

Patrick suspirou como se estivesse muito cansado.

—        O que aconteceu? Por que você mudou tanto? Você está diferente demais. Eu notei isso assim que a vi. Só não imaginei que as mudanças fossem tão profundas.

Como Patrick podia lhe fazer esse tipo de pergun­ta? Ele, justamente ele? Era tão difícil adivinhar? Fora ele o motivo de sua transformação. Como se atrevia a procurá-la e deixá-la ainda mais vulnerável do que antes?

Antes que Patrick pudesse perceber o que estava se passando em sua mente e em seu coração, Janet se armou:

Será que você poderia ser breve? Estou esperando alguém esta noite.

Eu já percebi. — Ele olhou para a mesa arrumada para duas pessoas e depois para o quarto. Através da porta aberta dava para ver as roupas estendidas sobre a cama. — Um jantar íntimo e tranquilo, não? Não pre­cisa se preocupar. Não é minha intenção importuná-los. Mas, você não acha que a maioria das pessoas condena esse tipo de relacionamento, mesmo nos dias atuais?

Janet ouviu aquelas palavras em silêncio. Não me­recia ouvir acusações daquele tipo. Teve vontade de contra-atacar, mas Patrick passou as mãos pelos ca­belos do mesmo jeito que costumava fazer antes e que ela tanto gostava. Sentiu que a raiva estava se es­vaindo diante daquele gesto e quase o desculpou, mas ele prosseguiu:

Eu desejaria nunca tê-la reencontrado. Teria sido melhor conviver com minhas ilusões. O milagre não teria se transformado em pesadelo, ao menos.

Espere um minuto — ela pediu, confusa. Havia uma implicação no que Patrick acabara de dizer que ela não entendia e que precisava ser esclarecida.

Espere você um minuto — ele retrucou ríspido, como se o controle finalmente o tivesse abandonado. Deu um passo em sua direção e agarrou-a pelos braços com força. — Será que não consegue enxergar por si mesma? Pense em seus pais! O que eles irão pensar quando descobrirem?

O decote do penhoar se abriu e resvalou para trás de modo que um dos ombros ficou exposto. Ela não percebeu. Estava com os olhos fixos no rosto de Patrick, sentindo seu perfume, tentando não ceder ao desejo de desistir da luta.

—        Não tenho a menor ideia do que você está falando — ela declarou e soltou-se antes que o toque daqueles dedos em seus braços minasse sua deter­ minação em resistir.

Nesse instante, percebeu o ombro desnudo e cobriu-o. Em seguida ergueu o queixo e olhou para Patrick com desafio.

Se esta é a hora da verdade, devo dizer que você é muito atrevido em vir ao meu apartamento, sem ser convidado, para me acusar de Deus sabe lá o quê, quando não temos mais nada a ver um com o outro.

Eu me acho no direito de expressar minha opinião por causa do que houve entre nós no passado.

Porque você me seduziu? É isso que está que­ rendo dizer?

Janet não saberia explicar como encontrou coragem para enfrentá-lo. Porém, agora que começara a falar, não se deteria diante de nada.

—        Foi assim que você considerou?

A voz de Patrick soou estranha. Ele parecia muito sentido. Sua reação chegou a lhe provocar uma espécie de arrependimento pela escolha da palavra. Pensou em se desculpar, inclusive, mas ele não lhe deu chance.

Para mim significou algo muito diferente. Mas talvez você tenha razão em seu ponto de vista. Eu era bem mais velho e fui o primeiro homem em sua vida. Pensei que tivesse sido importante para você. Agora vejo que errei. Se soubesse, se tivesse a menor ideia de que acabaríamos assim...?

O que esperava? — Janet gritou de indignação. — Que o que aconteceu entre nós lhe daria o direito perpétuo de interferir em minha vida? Ainda não disse por que veio aqui. Acusa-me o tempo todo sem me dar a chance de entender o porquê de suas agressões. Mas não me disse nada sobre o que tem feito desde Oxford. Espera que eu pense que levou uma vida pura e casta durante todos esses anos? Vai me dizer que não teve uma série de amantes a começar por Gillian Place? E já que teve a impertinência de mencionar meus pais, o que seus próprios pais pensam da vida que você está levando? Ou você acha que apenas os homens têm o direito de fazer esse tipo de pergunta?

—        Ao menos eu não ando com mulheres casadas! — Patrick se defendeu, acusando-a ao mesmo tempo.

Ela havia se sentido tão satisfeita por um momento em pensar que estava em controle da situação que demorou alguns instantes para entender a importância daquelas palavras.

É incrível! Realmente incrível! — ela tornou a gritar. — Com que base você chegou a essa conclusão? Por que prefere acreditar sempre no pior em relação às pessoas? Julga-se superior aos demais?

Você não negou.

De que adiantaria negar se você tem tanta certeza? Além disso — ela acrescentou à beira da histeria —, não é da sua conta.

Ele balançou a cabeça como se ela tivesse acabado de confessar o que ele já sabia.

E claro. Entendo sua posição. Você é obrigada a negar a verdade. Se for esperta, talvez consiga evitar o inevitável por um certo tempo. Eu deveria ter percebido tudo na primeira noite em Paris, mas não foi o que aconteceu. Provavelmente porque eu não queria enxergar diante do meu nariz. Mas agora está ficando tarde, Janet. Amanhã ou depois, no máximo, a verdade será de conhecimento geral.

Do que você está falando? — ela indagou, cada vez mais confusa e triste. Realmente havia se aberto um abismo entre eles. Encontrava-se no limite de sua resistência. Se Patrick não fosse embora logo, acabaria sendo obrigada a se apoiar na mesa para não lhe dar a satisfação de vê-la desmaiar.

Ela havia se colocado de costas e ele se aproximou por trás. Fechou os olhos e contou até dez. Então vi-rou-se com uma calma fingida e ouviu a respiração acelerada.

Enquanto se encaravam, ele ergueu os braços como se quisesse apertar os dela outra vez. Mas, para sua surpresa, Patrick estendeu a mão para a mesa e pegou algo. Ou tentou pegar, pois o objeto ou o que quer que fosse caiu.

Patrick se abaixou e apanhou o objeto. Em seguida tornou a olhar fixamente para ela e mostrou um cartão.

—        Capitão James Brereton, Marinha Real. É amigo seu?

Havia acusação na pergunta e uma implicação que a fez corar de raiva.

Importa-se? — Janet estendeu a mão com frieza para que Patrick lhe devolvesse o cartão. Ela o havia encontrado um dia daqueles no bolso de uma roupa e pensara em jogá-lo no lixo. Depois o esquecera.

Você ainda não respondeu minha pergunta.

Não estou no banco dos réus.

Ele é casado?

Não tenho a menor ideia.

A verdade era que ela nem sequer se lembrava da fisionomia do homem.

—        Esperta! — Patrick exclamou com um sorriso amargo e irónico. — Assim você pode alegar total ignorância.

Ela não se daria ao trabalho de responder a uma observação tão injusta. Tudo o que queria era que Pa­trick a deixasse em paz.

Eu avisei que estava esperando visita.

E eu lhe disse que não pretendia atrapalhar seu romântico jantar a dois. Só mais uma coisa. Quando tudo vier à tona, lembre-se de que eu a avisei.

Não me esquecerei — ela respondeu como se estivesse se dirigindo a uma criança. — Embora não faça a menor ideia do que você está falando. Garanto que lhe darei todo o crédito. Quanto ao aviso, é claro — ela acrescentou. — Agora, quer fazer o favor de ir embora? Deus, o que ela fizera para merecer isso? Mais um minuto e não suportaria continuar bancando a forte.

Lembre-se. Você tem idade e experiência suficientes para saber que os homens casados, por mais infelizes que digam ser com suas esposas, raramente estão disponíveis. Quando tudo parece bem, eles redescobrem as vantagens da vida de casado, a segurança, o conforto. Nesse instante correm novamente para as esposas e para os filhos.

Saia! — Não adiantava. Patrick havia colocado aquela ideia na cabeça e nada o faria afastá-la. —Saia da minha casa e da minha vida!

Estou saindo. Vejo agora que errei em vir. — Ele riu. —É incrível como o orgulho ferido pode afetar até o mais equilibrado dos homens. Não que minha relação com você tenha sido equilibrada. Louca, perturbadora, seriam palavras mais apropriadas. Mas, em Paris, você disse que havia sentido vergonha. Se não fosse por isso, tudo poderia ter sido tão diferente.

Patrick suspirou e se encaminhou para a porta.

—        Confesso, Janet, que aquele foi o golpe mais dolorido. Principalmente depois do que eu vim a saber a seu respeito.

Antes de abrir a porta, ele se virou mais uma vez e disse:

—        Agora vou lhe falar como advogado. Prepare-se para enfrentar uma situação muito difícil. Quando o caso se tornar público você descobrirá que não é tão forte como imagina. O que diz respeito apenas a um homem e uma mulher torna-se escandaloso e humilhante ao ser comentado entre as pessoas. Os negócios de Kyle envolvem política e o Palácio do Governo está fervilhando de especulações. Logo a imprensa estará par e será o fim. Eu gostaria de poder ajudar, mas duvido que seja possível. Se eu fosse dono de uma ilha, teria prazer em emprestá-la a você, mas... — Patrick deu de ombros. — Espero que no final você descubra que valeu a pena. — Ele a segurou pelo queixo e olhou em seus olhos por um longo tempo. — Adeus, meu amor.

Ela deveria ter sonhado com as últimas palavras que ele sussurrou ao fechar a porta. Ençostou-se à parede e descobriu que estava tremendo. É claro. Es­tava vestida apenas com um penhoar. Bastaria ligar o aquecedor e vestir uma roupa e o tremor cederia.

Helen chegou e elas jantaram. O frio e o mal-estar persistiam. Preocupada, Helen ajudou-a a se deitar e só foi embora depois de lhe preparar uma xícara de chá bem quente e lhe dar uma aspirina.

— Promete me ligar se precisar de ajuda? Você deve ter apanhado o vírus da gripe.

Sozinha, no escuro, Janet pensou que os sinto­mas não eram de gripe. O mais provável era que estivesse sofrendo um colapso nervoso após cinco anos de incubação.

 

O mal havia sido corretamente diagnos­ticado, Janet descobriu no dia seguinte depois de consultar um médico. E ela teria de se afastar do trabalho para se tratar.

Sinto muito, Kyle, por ter de abandoná-lo num momento como este em que já estamos sem Anna para nos ajudar, mas eu realmente preciso de uma licença.

Como? Desculpe, Janet, o que foi que disse?

A falta de interesse de seu chefe foi a gota d'água. A auto-estima em baixa achou vazão nas lágrimas.

—        Eu não estou bem. Infelizmente preciso me afas­tar do trabalho. Eu...

Um soluço a deteve e fez com que Kyle, pela primeira vez, olhasse para ela.

Sim, é claro, já que é preciso. Quanto tempo você disse que pretende se ausentar?

Ainda não sei.

Era muito cedo para ela desistir de tudo por que lutara durante anos. Mais tarde, quando estivesse mais calma, pensaria se a melhor solução seria real­mente mudar de emprego e de cidade. Paris era pe­quena demais para abrigar duas pessoas chamadas Janet e Patrick.

—        No mínimo duas semanas — ela respondeu, por fim. Mas sabia que poderia ficar afastada por um pe­ríodo bem maior.

Você estava mesmo precisando de um descanso — Kyle afirmou, voltando a se portar como o chefe e amigo que ela aprendera a conhecer. — Ainda não havia tirado férias este ano. E eu já comentei que você tem andado muito triste.

Espero que você consiga contornar a situação. Se quiser, posso ligar para uma agência antes de pegar meu avião para Londres e pedir uma tempo­ rária para ajudá-lo.

Não, não é preciso. Acabei de me decidir a fechar o escritório por alguns dias. Estamos num período cal­mo do ano. Não se preocupe. Promete?

Prometo — ela respondeu sem dificuldade. Afinal havia perdido todos seus interesses: no trabalho, no chefe, na situação da Europa.

Você me manterá informado sobre sua saúde? — Ele sorriu, mas ela notou o quanto isso lhe custou. — Não posso perdê-la, sabia?

—        Ligarei assim que puder.

A chegada de Janet no vicariato de Great Whencote, o lugar onde nascera e onde passara a maior parte de sua vida, coincidiu com o pôr-do-sol.

Assim que sentiu a paz e a beleza envolverem seu corpo e seu espírito, ela soube que havia tomado a decisão certa. Se havia um refúgio na Terra, especial para a cura de uma alma ferida, era a zona rural de Gloucestershire.

Sua mãe deve chegar na semana que vem — o pai lhe contou enquanto preparava sanduíches de quei­jo para o lanche.

Na semana que vem? — Janet repetiu, surpresa. — Ela não disse, em sua última carta, que ficaria mais um mês na Nova Zelândia?

—        Esse era o plano — David Gregory confirmou com um sorriso quase malicioso —, mas ela está com muita saudade de casa. Estranho, não? Eu sempre achei que sua mãe detestava morar aqui. Talvez tenha me enganado. Ou então a separação fez bem para nós. Eu senti muito a falta dela e lhe direi isso.     

Não se esqueça de dizer. Todos nós gostamos de ouvir que somos amados.          

Espero que o tempo melhore até ela chegar. Tem feito muito frio. Hoje foi o dia mais quente da estação. Por falar nisso, por que não aproveita e tira mais uma soneca na rede? Muito repouso e uma boa alimentação fazem maravilhas. Você já está com melhor aparência. Quando chegou, na estação, eu fiquei preocupado com sua palidez e com suas olheiras.

Eu sei. — Janet se levantou e recolheu os pratos e xícaras usados na frugal refeição. — Pensou que teria de hospedar um panda em sua casa. Aqueles foram os sinais deixados pelo vírus de que lhe falei. A propósito, acho que seguirei seu conselho. Nada como uma rede e um livro para atrair o sono. Preciso apro­veitar enquanto posso.

Enquanto você descansa, vou ler o jornal no escritório. Ah, Janet, será que você pode me ajudar?

O pai abriu o jornal do dia anterior na seção de palavras cruzadas e saiu em busca de uma caneta. Enquanto o esperava, Janet passou os olhos rapida­mente pelas manchetes. Num canto da última página um nome lhe chamou a atenção. Com o coração aos saltos, leu:

"A sra. Kay Lessor, esposa de um dos membros do Parlamento Europeu, sr. Kyle Lessor, está requerendo o divórcio. A sra. Lessor pretende acusar a secretária, srta. Arma Craig no processo."

Janet se deixou cair sobre uma cadeira. Não podia acreditar. Kyle e Arma. Sua secretária era uma moça tímida, apagada. Seria verdade? Se fosse, como nunca percebera?

O pai voltou com seu cachimbo que começou a encher de tabaco. Ao ver a filha com o jornal, perguntou?

Teve sorte com as palavras-cruzadas?

Não, acho que não lhe serei de grande valia.

Não tem importância. Bem, se precisar de mim estarei no escritório. Agora trate de voltar para o jardim e tomar um pouco de sol. Ainda está faltando cor nessas faces.

Ainda em choque, Janet pegou seu livro e se enca­minhou para a parte do jardim onde a rede havia sido colocada. Ela se encontrava no mesmo lugar desde que era criança. Entre duas macieiras. Lembrava-se de que se referiam a elas como "pomar".

Deitou-se com uma das pernas para fora, sem se importar que uma das sandálias houvesse caído.

Kyle. De certa forma ela já esperava por esse tipo de notícia. Mas Anna?

O céu estava muito azul por entre as folhas. O jardim estava repleto de margaridas, abelhas e bor­boletas. Mas apesar da paz e da beleza, os pensa­mentos ricocheteavam por sua mente. As peças do quebra-cabeça começaram a se encaixar. Estava ven­do Patrick Cavour a sua frente, acusando-a. Pela primeira vez conseguia entender suas insinuações e advertências. Patrick havia acreditado que ela tinha um caso com seu chefe. Como pudera? Kyle? Justa­mente Kyle?

Ela quis rir, mas foi um soluço que lhe escapou da garganta.

Patrick acreditara que fosse amante de Kyle, o ho­mem que tentara conquistá-la em seu primeiro mês de trabalho em Strasbourg, é verdade, mas que desis­tira desse propósito com dignidade e que nunca mais insistira, talvez porque procurara outra para substi­tuí-la quase que de imediato.

Kyle. Será que Patrick não sabia que ela era amiga de Kay Lessor? Como pudera pensar que fosse o tipo de mulher que...? Além de tudo, Kyle era bem mais baixo do que ela.

Céus! Se ao menos Patrick tivesse sido direto em vez de se preocupar tanto com conselhos e olhares de reprovação.

Por mais determinada que estivesse em esquecer, Ja-net sentiu as lágrimas escorrerem pelo rosto. Procurou um lenço no bolso da saia de brim desbotado e descobriu que estava sem nenhum. Não teve alternativa senão secar as lágrimas com as mangas da camiseta.

Não pensaria mais no assunto. Já havia perdido muitos anos de sua vida. Faria um relaxamento a fim de aliviar a angústia que lhe apertava o peito e leria algumas páginas de seu livro.

Abriu-o no lugar marcado, fungou, procurou se con­centrar na leitura em vez de pensar em seus tolos sentimentos.

Com um suspiro, colocou o livro de lado. Teria muito tempo para ler mais tarde. Estava muito cansada.

Fechou os olhos. Sua respiração foi se tornando mais lenta, pouco a pouco. O sono começou a afastar a an­gústia da realidade. Um sono muito leve que não lhe permitiu o esquecimento total. Era capaz de sentir a luz do dia ir diminuindo. Mas lhe bastava o conforto do silêncio. Tinha certeza de que acabaria esquecendo todas as incompreensíveis acusações de Patrick.

Uma dor aguda no estômago a contradisse e ela gemeu. Tudo o que sofrera no passado não era nada em comparação com o que estava sentindo no presente.

—        Pode me perdoar, Janet?

A voz parecia tão próxima, tão real, apesar de existir apenas em sua imaginação. E soou muito triste também.

Ela não podia se recusar a perdoar Patrick. Não ali, onde tudo era possível.

—        Sim, eu posso perdoá-lo. — Seus lábios se moveram com o pensamento. Afinal, de que lhe adiantaram todos os anos de arrependimento? Que conforto eles lhe trouxeram?

Seu coração quase parou de bater quando sentiu algo tocar em seu pé. Depois ele foi colocado de volta à rede e acariciado com ternura. O sangue começou a circular mais rápido em suas veias. Ela queria se re­fugiar outra vez nos sonhos, onde sentia-se mais se­gura. Mas a carícia continuou e foi impossível conser­var os olhos fechados.

Por um longo tempo nenhum dos dois disse uma pa­lavra. Ela por medo de que a visão desaparecesse do mesmo modo que surgira; ele, talvez, porque sentisse que era suficiente olhar para ela naquele momento.

Foi a intensidade e o calor com que aqueles olhos escuros a fitavam que a fizeram lembrar do quanto deveria estar horrível.

Passou uma das mãos pelos cabelos, depois pelo ros­to sem maquilagem. O pânico se instalou quando Janet percebeu que estava usando uma saia dos tempos de colégio. Precisava se levantar e se arrumar.

Não. — Ele a fez deitar novamente. — Fique aqui. Por favor. Eu só quero olhar para você.

Patrick. Por um momento eu pensei que estivesse sonhando, tendo uma alucinação.

Ele sorriu.

Teve medo de piscar e descobrir que eu havia desaparecido? Ou que tivesse me transformado num sapo?

Não — ela se apressou a negar. — Eu não sei.

—        O que sentiu, Janet?

Ele continuava acariciando-lhe o pé com movimentos circulares que provocavam sensações devastadoras.

—        Surpresa, eu acho. — Ela se forçou a afastar os olhos da figura dele. — Patrick, eu não quero mais brigas. Não aguento mais. Estou aqui para tentar esquecer.

Patrick balançou a cabeça.

—        Eu mereço o que você está dizendo. Quanto a brigarmos, também concordo que já basta.

Ela sentia-se estranhamente dividida entre uma ale­gria esfuziante e o mais negro desespero. Não podia ceder a nenhum. Devia se contentar com o fato de Patrick estar ali e de não estar vendo acusações em seus olhos.

—        Pode me perdoar, Janet? — ele tornou a perguntar. — Você me disse que sim há alguns minutos. Foi minha imaginação ou realidade?

Ela se lembrou do sonho. Tudo começara com aquela pergunta.

—        Não posso dizer que a culpa foi sua — ele prosseguiu. — Não costumo me desculpar pelo que fiz. Como advogado deveria ter aprendido a não julgar apenas pelas evidências circunstanciais. Fui um tolo em chegar a conclusões tão erradas.

Patrick ergueu as mãos e olhou ao seu redor.

—        Aqui, neste recanto de paz, eu me pergunto como pude chegar às conclusões que cheguei. — Ele tornou a fitá-la com tanta intensidade que a fez sentir um arrepio. — Ciúme é a resposta.

O sangue desapareceu do rosto de Janet. Como Pa­trick pudera imaginar que ela...? Um soluço escapou de seus lábios. Lágrimas deslizaram pelo rosto.

Não chore, por favor. Não suportaria fazê-la sofrer mais. — Ele estendeu a mão e mergulhou-a entre os cabelos de Janet. — Antes eu iria embora e desistiria de interferir em sua vida. Não consigo compreender como pude pensar que havia algo entre você e Kyle.

E também entre mim e aquele outro homem. — O nome se recusou a vir à sua mente. — Da Marinha.

Ela teve um instante de prazer em vê-lo envergonhado.

—        Eu já lhe disse. Estava fora de mim de ciúme. Você estava mais linda do que nunca. Quase enlouqueci ao imaginá-la nos braços deles. Sabia que não tinha direitos sobre você, mas meus sentimentos não aceitavam essa ideia. Eu não queria que você perten­cesse a eles nem a ninguém. Odeio Kyle. Odeio ainda mais o homem sobre quem você me falou. Ele pode ser solteiro e a pessoa mais respeitada e honesta da Europa, que eu continuarei odiando-o.

Patrick? — Ela o fitou, perplexa.

Sim. Parece loucura, não? Eu mesmo estou surpreso com a força dos meus sentimentos. Sempre me julguei um homem racional e civilizado, mas fui obri­gado a rever esse conceito.

Ela continuava sem entender. Patrick ainda parecia estar lhe falando em outro idioma.

—        Eu ainda não consegui compreender você. O que está dizendo? Tem algo a ver com James Brereton?

Foi a vez de ele fitá-la sem entender.

—        Estou me referindo ao capitão da Marinha — ela explicou. — Aquele que você acrescentou à minha lista de amantes.

A expressão de Patrick era de culpa e de constrangimento.

—        Eu mereço que me trate assim e não me queixo. Mas você realmente mencionou que havia um homem especial em sua vida, naquela noite, em meu apartamento.

O rubor cobriu o rosto de Janet e ele notou.

—        Dói tanto assim falar sobre ele? Você me disse que estava envergonhada pelo que havia feito comigo.

Ela estava começando a entender, agora, o que antes lhe parecera tão confuso. Mas ainda assim não ousava se entregar à esperança. Mesmo que tudo o que Patrick estava dizendo apontasse apenas numa direção.

Houvera desentendimentos em excesso entre eles. Ela não podia ter pressa. Mas era difícil continuar se controlando quando estava diante do único homem que queria em sua vida. Não importava que ele tivesse tido Gillian Place e outras mulheres. O passado era passado. O presente estava ali. Bastava estender o braço e tocá-lo.

—        Eu menti para você — ela confessou com os olhos brilhantes de emoção. — Talvez este seja o momento de você me perdoar.

Se Janet estivesse menos envolvida em suas pró­prias emoções, menos preocupada com os tremores de seu corpo, veria que Patrick também estava lutando para manter o controle.

—        Continue, Janet. Sei que não fez nada de tão terrível, nada que requeira meu perdão.

Aquele dia em Paris depois que... — Ela se deteve, corada. — Quandn eu disse que estava envolvida com outro homem, não era verdade. Não havia ninguém. Mas você estava ansioso por acreditar nisso.

Lembra-se o porquê, Janet? Pergunte a você mesma. — Ele levou ambas as mãos ao rosto. — Por que mentiu, em nome de Deus? É isso que não consigo entender.

Ela demorou um minuto para responder.

—        Porque eu queria que você sofresse como eu havia sofrido. Por todos os anos de separação. Por meu orgulho. Tente entender. Eu havia jurado a mim mesma que não queria mais nenhum homem em minha vida. Havia conseguido me convencer a duras penas que tinha domínio sobre meu destino. De repente — ela se deteve e estalou os dedos —, acordei em sua cama. Ali estava eu, uma mulher de vinte e cinco anos de idade, experiente, cometendo os mesmos erros de quando era uma jovem estudante. Não acha que eu tinha razão em sentir vergonha?

Ele permaneceu calado, olhando-a de um jeito que a deixou novamente tensa.

Não acha?

Experiente? — Depois de tudo o que ela contara, como Patrick podia se apegar a uma simples e indis­creta palavra? — Foi o que você acabou de dizer, e isso poderia significar muita coisa.

A raiva invadiu-a. Patrick estava lhe fazendo as mesmas perguntas da última vez.

Se está querendo saber sobre minha vida sexual, desista. Eu não direi nada. Não até que você me conte sobre a sua. Não posso acreditar que tenha se conservado casto desde Oxford.

Quase.

Ela fitou-o com os olhos cheios de suspeita.

—        O que disse?

Eu disse quase. Simples. Você perguntou e eu respondi. Gostaria de dizer que lamento não poder dar uma outra resposta, mas...

Mas você morou na Califórnia.

Washington — Patrick a corrigiu. — Estados Unidos. Eu adoro meu país. Apesar do que você vê nos filmes, não vivemos apenas de sexo e de drogas.

A suspeita aumentou nos olhos de Janet. Ela podia estar vivendo em tempos modernos, mas não aceitava a vida sexual liberada.

Eu só tive um parceiro em minha vida — afirmou mais uma vez para evitar outros desentendimentos.

Janet.

Aquela voz tão doce, tão suave, era um convite a mais lágrimas, mas ela não queria mais chorar. Bas­tava a miséria dos anos passados e se as carícias que Patrick estava lhe fazendo nos cabelos, nas faces, no pescoço, significavam alguma coisa, ele estava tão can­sado quanto ela de sofrer.

—        Como fomos tolos — ele murmurou. — Eu por pensar absurdos a seu respeito, e você por mentir. Naquela noite eu havia me decidido a lhe fazer uma proposta. Assim que acordássemos eu...

—        Oh, Patrick.

Naquele instante a felicidade explodiu dentro de Janet.

Não precisa dizer mais nada. Eu entendi. — Ela segurou as mãos dele, exultante. — Você quer que voltemos a viver juntos como em Oxford.

Não. — Ele negou com tanta veemência que Janet recuou, apreensiva. Estava tão sério que ela sentiu como se tivesse subido às alturas apenas para que a queda fosse mais terrível. — Não — Patrick repetiu com menos ênfase. — Não quero voltar ao passado. Isso é a última coisa no mundo que eu quero.

 

Séculos pareceram passar enquanto Patrick e Janet se olhavam, embora o reló­gio apontasse somente alguns segundos. Janet sentiu os lábios tremerem e apertou-os para que Patrick não adivinhasse como ela estava se sentindo. Não queria chorar na frente dele mesmo que lhe dissesse que nun­ca mais se veriam.

—        Janet. — Ele deu um suspiro de impaciência, segurou-lhe o rosto entre as mãos e roçou os lábios com o polegar sem se dar conta do efeito que a carícia produzia. — O que está pensando? Será que ainda não entendeu? O que eu estou querendo dizer é que morar com você apenas é muito pouco.

As emoções ameaçavam crescer dentro dela. Janet prendeu o fôlego. Não se atrevia a estimular suas frá­geis esperanças e aspirações. Era perigoso demais.

—        Janet, minha querida. Eu errei muito há cinco anos por não pedir que você se comprometesse comigo. — Ele sorriu com amargura. — Isto é, o compromisso existia, mas apenas entre nós. Não pretendo repetir o erro. Dessa vez eu quero mais. Não será apenas uma questão de tê-la em minha cama, embora eu não con­siga pensar em outra coisa a maior parte do tempo. Não. Dessa vez eu quero que seja permanente e reconhecido pelo mundo inteiro. Dessa vez eu quero ter você como minha esposa. Quero formar uma família.

Janet olhava-o emudecida pelo turbilhão de imagens que lhe vinham à mente.

—        Será que você também me quer para seu ma­rido? Concorda em se casar comigo o quanto antes? Confesso que amanhã já representaria uma longa espera para mim.

Era o mesmo Patrick Cavour que ela conhecera, con­fiante e seguro de si. Ele a fitava como se não tivesse a menor dúvida de qual seria sua resposta.

Oh, Patrick! — ela exclamou, quase chorando, para em seguida fitá-la com ar de censura.

Janet? — Patrick chamou-a em tom preocupado, certamente surpreso com sua reação.

Patrick Cavour, como pôde? Como pôde me pedir em casamento quando estou parecendo uma bruxa?

—        Ela mostrou as roupas. — Tenho esta saia desde meus dezessete anos. E a camiseta está toda amassada. Enquanto você...

Como sempre Patrick estava impecável. Vestia uma calça esporte escura, camisa xadrez de mangas longas enroladas de forma a exibir os pulsos morenos, gravata verde-escura e sapatos muito bem engraxados.

Ele pôs-se a rir.

—        Se preferir, dou um jeito de arrumar uma muda de roupa com algum mendigo, mas antes quero ouvir sua resposta. Tire-me do limbo em que me encontro e diga que se casa comigo.

Ela enlaçou-o pelo pescoço e atraiu o rosto dele para junto do seu.

É claro que sim. Eu te amo. Simplesmente não tenho escolha. Mas realmente preferia que tivesse feito a proposta em outra ocasião, quando eu estivesse mais bonita para você.

Você está sempre linda para mim, não importa a roupa que esteja vestindo. Ou que não esteja vestindo —        ele sussurrou. — Naquela noite em Paris eu acordei bem cedo. Fiquei olhando para você um longo tempo.

Quase acordei-a para pedir que se casasse comigo. De­pois fiquei pensando que não seria adequado fazer o pedido quando estávamos na cama. E você dormia tão profundamente. Parecia um anjo.

Janet não podia acreditar em tanta felicidade. Suas mãos queriam tocá-lo. Fazia tanto tempo.

—        Olhe, se você não parar — Patrick segurou-lhe as mãos —, acabaremos numa posição tão inadequada quanto daquela noite. Além disso, eu não me atreveria a fazer amor com você numa rede. — Ele olhou para a árvore e sorriu. — Principalmente porque duvido que ela suportaria nosso peso e eu não sinto a menor vontade de entrar na igreja de muletas ou engessado. Para não mencionar o flagrante que seu pai poderia nos dar. Não quero que o vigário deste condado pense que eu estou me casando com a filha dele pelo motivo errado.

Janet deu uma pequena risada.

Meu pai! Quase me esqueci dele. Diga-me. Qual foi sua reação ao vê-lo?

Acho que ficou surpreso. Pensei que fosse bater a porta e chamar a polícia quando me viu. Mas eu devia estar com um jeito tão desesperado que ele ficou com pena.

Duvido.

Seu pai não perdeu a calma nem por um minuto. Ele me ouviu e disse onde eu poderia encontrá-la. Ah, e afirmou que lembrava de mim apesar de sua imensa galeria de admiradores.

Não pensei que meu pai tivesse uma memória tão boa.

Patrick abraçou-a pela cintura naquele instante e as brincadeiras foram esquecidas.

Quando você disse que queria se casar comigo o mais rápido possível, o que tinha em mente? — ela indagou.

Amanhã? — Patrick perguntou, esperançoso, e sorriu quando Janet negou com um movimento de ca­beça. — Na próxima semana?

Impossível. Minha mãe estará voltando da Nova Zelândia.

Concordo. Não podemos nos casar sem que nossos pais estejam presentes. Quero que eles sintam-se felizes por nós e junto de nós. Mas eu insisto em mar­carmos uma data.

Está falando sério?

Lógico. Cinco anos de espera é muito até para o mais paciente dos homens. Você nunca esteve nos Es­tados Unidos, esteve?

Não, por quê?

Eu preciso estar em Nova York daqui a três semanas. Se conseguirmos nos casar nesse prazo, poderíamos viajar juntos. Eu conheço um lugar perfeito para passarmos nossa lua-de-mel. Um chalé em Vermont onde ficaríamos completamente sozinhos.

Três semanas? — Ela balançou a cabeça. Era incrível como os homens não faziam ideia do tempo e trabalho que envolviam os preparativos para um casamento. — E impossível, Patrick. Não seria o tipo de cerimónia que nossas famílias esperam.

O casamento será nosso, não de sua família nem da minha. Em vez de mandarmos confeccionar os convites, poderemos telefonar aos amigos, comunicando a data, a hora e o local. Você pode sair e comprar o vestido. Eu cuido do champanhe e do caviar.

Eu detesto caviar — Janet retrucou e finalmente saiu da rede. — Sabia que você é um maluco? — Ela o abraçou pelo pescoço e ambos puseram-se a rir. De­pois trocaram um longo e apaixonado beijo.

Reconheço que sim. Sou maluco por você. Sempre fui. E agora vou lhe fazer outra proposta. Se quiser entrar" e colocar aquele vestido que estava usando na recepção, eu a levarei para jantar e repetirei meu pedido de casamento. Era isso que eu havia planejado aquela noite em Paris quando estava deitado com você.

Sinto muito — Janet respondeu com um suspiro. — Eu vim para cá para me recuperar de um mal de coração partido e não trouxe nenhum vestido de festa.

Quer dizer que deixou aquele vestido em seu apar­tamento em Strasbourg?

Exatamente. Mas trouxe comigo um vestido de algodão apresentável que usei apenas uma vez.

É uma pena. Eu ainda estou vendo você naquele vestido azul magnífico. Quando se virou para mim, quase caí de joelhos. Pensei que estivesse tendo uma alucinação. Você estava linda. Será que seria pedir demais você usá-lo em nosso casamento?

—        O vestido é azul, Patrick! Eu gostaria de usar um vestido de noiva tradicional. Não precisaria ser branco. Creme, talvez, ou marfim. Ou branco mesmo. Ninguém precisaria saber que eu não sou mais...

Patrick colocou um dedo sobre seus lábios para que se calasse.

—        Você é. Mais do que qualquer outra mulher que conheço. E se é para amenizar sua consciência, embora seja a última coisa que eu queira no mundo, proponho sermos extremamente decorosos até colocarmos as alianças em nossos dedos.

Um beijo impediu-a de responder.

Bem, se você parar de fazer isso, talvez tenhamos uma chance — ela brincou. — Agora, que tal procurarmos meu pai e contarmos a novidade? Afinal ele é o vigário e precisa nos dizer quais os dias que estão disponíveis para nosso casamento. Quanto a sairmos para jantar, é melhor deixar para uma outra noite. Preparei um assado razoável que dará para três. Além disso, precisamos começar a dar os telefonemas. Minha mãe está na Nova Zelândia e você precisa contar a seus pais. O que será que eles irão dizer?

Posso lhe dar a resposta agora. "Por que demorou tanto a se decidir?" Todos perguntam sempre sobre você. Meu irmão vive me chamando de tolo porque a deixei escapar.

Espero que esteja me dizendo a verdade. Vamos? — Ela puxou-o pela mão. — Papai deve estar morrendo de curiosidade. — No meio do caminho, porém, Janet se deteve e se virou para Patrick. — Obrigada por medar tanta alegria. Sinto-me como se estivesse sonhando. Há menos de duas horas sentia-me a pessoa mais infeliz do mundo. Você apareceu, então, como num pas­se de mágica, e tudo mudou.

Janet. — Patrick a fez deitar a cabeça em seu ombro. — Eu gostaria de poder apagar todos os sofrimentos que lhe causei. Será que você se sente melhor se eu lhe prometer que a compensarei de tudo pelo resto de nossas vidas?

—        Não haverá mais nenhuma Gillian Place? Dessa vez, Patrick franziu o cenho.

—        Você mencionou esse nome antes. Eu não dei muita importância naquele momento. Lembrei-me disso há alguns dias. Ela era uma enfermeira e estava inscrita para o projeto Ashala, mas acabou sendo transferida para outro projeto no sul da índia. Ouvi falar que ela se casou com um dos médicos da equipe. Você a conhece?

Janet sentiu o sangue fugir de seu rosto.

Eu pensei...

Em que você pensou, Janet?

Todos aqueles anos... Não era possível que ela ti­vesse se enganado tanto.

Eu encontrei Debbie Fleetham um dia em Oxford. Não vai negar que a conhece, vai?

Claro que não. Por que deveria? — Patrick re­trucou de forma tão natural que ela sentiu vergonha.

Debbie me contou que sua amiga Gillian estava em Nova York com Patrick Cavour e que ambos iriam juntos para Bangladesh. Eu quase morri quando ela sorriu e disse que seria muito romântico.

Você acreditou?

Sim. Acho que eu estava vulnerável demais. Não conseguia raciocinar com lógica.

Eu entendo. Sei o que isso significa. Quanto a Gillian Place, talvez tenhamos viajado no mesmo avião. Não tenho certeza. Não sei como ela é e aposto que a recíproca é verdadeira.

De acordo com Debbie, ela era uma loira fenomenal.

Ah, mas havia tantas que se encaixavam nessa descrição.

Janet o censurou com o olhar.

Tudo bem, desde que elas tenham permanecido em seu passado.

Debbie deveria estar tentando se vingar. Antes de eu conhecer você na festa de aniversário dela, saí­mos em turma uma ou duas vezes.

Eu não imaginei que ela tivesse me procurado por ciúme de você.

Em matéria de ciúme acho que somos peritos. E por falar nisso, espero que não marque mais nenhum jantar íntimo com paqueradores como seu chefe.

íntimo? Com você por perto? De qualquer modo, Patrick, todos nossos encontros foram puramente pla­tónicos. Eu já lhe disse isso várias vezes.

O abraço que ele lhe deu às margens no rio não me pareceu nada platónico.

Não foi o que você pensou. Ele estava apenas me consolando porque percebeu minha tristeza.

Consolando a ele mesmo, você quer dizer.

Talvez. Afinal você estava com Inês.

Ele sabia o motivo de sua tristeza? — Patrick continuou como se ela não tivesse falado.

Eu nunca lhe disse, mas acho que ele adivinhou. Tratou-me com um carinho especial aquela noite ao perceber o quanto eu me sentia infeliz. Por sua causa. Como podia me sentir diferente com você junto a outra mulher?

Inês é minha prima.

Conte outra — Janet resmungou.

Como eu estava dizendo, encontrei Inês pela primeira vez naquela recepção em que você me tratou com tanto desdém. Enquanto você parecia estar com tanta dificuldade em encontrar um lugar para mim em sua lista de amantes, Inês mostrou-se muito inte­ressada em...

Aposto que sim.

Daria para você parar de me interromper? Inês ficou muito interessada em meu nome.

Eu repito que entendo o interesse dela.

De repente os dois se olharam e tornaram a rir.

—        A mãe de Inês também é uma Cavour.

Janet fez cara de quem estava levando o assunto muito a sério.

—        Então existe uma chance de um dos antepassados dela ter sido um dos conquistadores da América e ter vindo jjarar em County Wicklow?

—        E mais do que provável — Patrick concordou. Tudo o que diziam parecia engraçado. De repente, tudo era motivo para riso. Era tão bom voltar a sentir alegria, a pensar num futuro com Patrick.

Foi com esforço que Janet tentou se concentrar no que ele estava dizendo.

Inês é uma mulher atraente.

Oh, sim, muitos homens são da mesma opinião.

Acontece que eu sempre preferi você.

Diga-me, Patrick, você sabia que eu estava mo­rando em Strasbourg quando me encontrou?

Não. — Ele falou com tanta firmeza que ela se chamou de tola por ter nutrido esse tipo de esperança. — Mas acho que tenho procurado você todos esses anos, sem saber. Em cada festa, em cada local, eu tentava encontrá-la. Quando ouvia uma voz parecida com a sua, virava-me esperançoso. No fundo, acho que nunca aceitei a ideia de que não tornaríamos a nos ver. Em Ashala perdi o contato com a maioria de nossos amigos. Não tive mais notícias suas. Imaginava que pudesse ter se casado e não quis atrapalhar sua vida. Naquele instante, Patrick abraçou-a. Quando tornou a falar, sua expressão pareceu levemente culpada.

—        Tenho uma confissão a fazer. Aquele vôo para Paris não foi realmente uma coincidência. Cruzei com Kyle no aeroporto e algo que ele me disse me deixou de antenas ligadas. A partir desse ponto não foi difícil descobrir em que companhia tinha sido feita sua reserva. E eu precisei convencer a funcionária no guichê de apresentação a me colocar na poltrona ao lado da sua. Talvez não devesse ter me empenhado tanto. Você mal falou comigo.

Janet sorriu, corada.

Eu não podia imaginar...

Recusou meu convite para jantar como se eu tivesse uma doença contagiosa. Depois, quando eu estava saindo do elevador, encontrei Kyle a caminho do seu apartamento. Agora me diga se continua surpresa que eu tenha chegado à conclusões erradas!

Continuo — Janet respondeu nas pontas dos pés e beijou-o na boca. — Mas como você pediu desculpa pelas acusações injustas, eu me decidi a perdoá-lo. Além disso, você não podia saber que Anna estava aguardando-o discretamente num táxi.

Agradeço sua generosidade. Mas por falar em apartamento, como pretende fazer? Imagino que queira voltar para Strasbourg e apanhar suas coisas.

Ou isso ou você desiste do seu. Muitas pessoas viajam diariamente para ir ao trabalho.

Patrick sorriu antes de responder.

—        Acontece que meu trabalho envolve viagens para vários países do mundo e eu gostaria que você me acompanhasse sempre que possível. Ao menos no início. O significado era tão claro que Janet sentiu uma onda de calor subir por seu corpo.

Eu pensei que pudesse continuar em meu em­prego por mais algum tempo. Muitas mulheres traba­lham, hoje em dia, depois de casadas.

De jeito nenhum. — Patrick foi categórico. — Não custei tanto a encontrá-la e a convencê-la a ficar comigo para me satisfazer com um meio-casamento. Ganho o suficiente para vivermos com razoável conforto, e se você quiser ocupar suas horas livres, quando as tiver, há muitas instituições que adorariam contar com alguém com suas habilidades.

Então é isso. Devo desistir de meu emprego para passar suas camisas.

Uma ocupação muito mais compensadora, não acha? — Ele deu uma piscada. — Além disso, você sabe o que eu penso sobre a maioria dos políticos.

Para ser franca, acho que concordo com você. Eu nunca consegui descobrir o que houve com todos os relatórios e discursos imaculados que preparei para uma porção deles.

Minha pobre querida. Que experiência dura para um primeiro emprego. — Ele beijou-a rapidamente. — Você teria se sentido muito mais satisfeita se tivesse ido comigo a Ashala. Ajudar crianças carentes e ensinar noções básicas de higiene pode não pagar um salário tão alto, mas vale muito mais a pena, eu garanto. Principalmente quando poderíamos ter ficado juntos.

Uma sombra desceu sobre o rosto de Janet.

Sim. Quando penso que eu o teria seguido se não fosse por aquele encontro casual com Debbie Fleetham, sinto-me péssima. Eu havia me decidido a engolir meu orgulho e pedir que você encontrasse um lugar para mim.

Orgulho. — Patrick suspirou. — Eu sei o que é sso. Eu deveria tê-la levado comigo a força quando ião concordou em ir voluntariamente. Estou disposto a fazer isso agora caso você tente mudar de ideia.

— Esqueça. — Janet apoiou o rosto no peito dele, nas em seguida se afastou. — Céus. Acabo de ver papai espiando pela janela da cozinha. E melhor conversarmos a ele de uma vez. Espero que o choque não seja muito grande.

Quando entraram na cozinha com os olhos brilhando :omo pedras preciosas e os dedos entrelaçados, embora íle demonstrasse surpresa e alegria, Janet teve a im­pressão de que a notícia não causou o impacto que ela esperava.

 

A noiva se deteve diante do portal da igre-k.ja em estilo normando que se encontra­va fechado segundo a tradição. Havia crianças de am­bos os lados com moedas nas mãos. As moedas foram trocadas entre eles. Em seguida, uma das meninas abriu o portão no cumprimento do ritual.

Obrigada, Caroline — Janet agradeceu e a me­nina que a conhecia desde bebé sorriu, fascinada.

Você está linda, Janet.

Sou obrigado a concordar com Caroline — o pai disse enquanto esperava que a filha erguesse a barrado vestido para subir pelo caminho de pedra que levava à igreja. — Nunca vi uma noiva tão linda em minha vida.

Aposto que todos os pais dizem isso às filhas — Janet brincou para esconder as emoções, e apertou o braço do pai num gesto que indicava que o entendimento entre eles havia melhorado muito. — Não que eu esteja me queixando. Estou contente por ter sido você a me conduzir ao altar. Não teria sido o mesmo se eu precisasse me casar pelo braço de outro homem.

O arquidiácono concordou em celebrar seu casamento em meu lugar. Ou melhor, ele fez questão. Afinal é seu padrinho. E eu estou muito contente em ser apenas seu pai neste momento. Sabe o quanto sua mãe e eu estamos satisfeitos com seu casamento com Patrick, não é? Vocês parecem ter nascido um para o outro. Nós chegamos a essa conclusão desde a primeira vez que o vimos. Pensamos que fossem se casar na­quela época. Mas nos enganamos. Talvez vocês fossem jovens demais ainda.

Poucos dias eram tão perfeitos no outono. Aquele foi um. O vilarejo estava maravilhoso. A igreja cons­truída em meio às árvores que exibiam várias tonali­dades de amarelo, verde e vermelho parecia ter saído de um conto de fadas.

As três damas de honra esperavam diante da porta: Grainne, a irmã de Patrick, e as duas gémeas de oito anos, filhas de uma prima de Janet. Estavam encan­tadoras em seus vestidos de seda creme enfeitados com pequenos buques de flores.

A sra. Gray, zeladora da igreja e responsável pela organização de todos os eventos da comunidade, deu o sinal e a organista começou a tocar a Marcha Nupcial de Wagner.

Nesse instante, Janet Gregory deu início à curta caminhada que a transformaria na sra. Janet Cavour.

Patrick estava no altar esperando-a mais atraente do que nunca. Ao seu lado, não tão alto, mas quase tão bonito, encontrava-se o irmão dele, Fergal.

Os dois primeiros bancos estavam lotados. De um lado com os Cavour, do outro com os Gregory. Seria impossível não notar o chapéu de sua mãe, um modelo cor-de-rosa imenso que Janet ajudara a escolher.

O entusiasmo de sua mãe quanto aos preparativos apressados foi uma surpresa. Ela não parecia tão bem havia anos. Antes estava sempre desanimada. Para o casamento da filha, entretanto, fez questão de entrar em todas as lojas e ajudar a escolher o vestido de noiva, não desistindo até encontrar o mo­delo perfeito.

O vestido era realmente deslumbrante. Confeccionado em seda creme, bordado em pérolas, com saia ampla, corpete justo e mangas curtas bufantes, parecia um sonho.

Janet teve-uma restrição inicial contra o véu, pois ela e Patrick planejavam uma cerimónia simples e ma­tinal, mas foi atendida por uma vendedora hábil que a fez experimentá-lo apenas para ter noção do efeito. Depois disso, é claro, não foi preciso nenhum esforço adicional para convencê-la a usá-lo.

Uma cascata de tule de seda que realçava o estilo do penteado e que parecia criar um halo ao seu redor devido ao efeito produzido pela luz do sol através dos vitrais.

Nas mãos, ela carregava o buque que Patrick man­dara que lhe entregassem pela manhã, feito de deli­cados botões de rosa cor de pêssego.

Ela estava quase chegando ao altar. Seu pai se preparava para entregá-la ao noivo. Patrick se virou para ela e o perfume de sua colónia envolveu-a. Seus olhos se encontraram e ela sentiu o coração bater mais depressa como sempre acontecia quando estava perto dele.

Seus olhos se encheram de lágrimas de emoção, os lábios se entreabriram num sorriso.

Ele exibia um botão de rosa na lapela, igual aos de seu buque. Por um momento seu olhar recaiu sobre os lábios de Janet, depois baixou para a pele alva e macia sobre a qual Janet colocara a linda corrente de prata que ele lhe dera há quase seis anos, com uma lágrima de cristal.

Os olhos voltaram a se fixar no rosto de Janet com um sorriso secreto. De mãos dadas, eles ouviram o arquidiácono.

O almoço havia terminado assim como os discursos feitos pelos felizes convidados. Um grupo de mulheres limpou as mesas e o bolo foi cortado em meio aos brindes.

A pequena orquestra tocava sem cessar. Os convidados circulavam ao redor da pista de dança em número cada vez maior.

—        Acho que estão esperando por nós — Patrick sussurrou ao ouvido da esposa, tirou delicadamente a taça de champanhe de sua mão, e segurou-a pelo cotovelo.

Janet olhou para Holly e se desculpou. Havia es­quecido completamente o que falavam.

—        Tenho certeza de que Holly entenderá — Patrick murmurou para que ambas o ouvissem. — Afinal, daqui a algumas semanas ela poderá conversar com você o tempo que quiser, já que seremos vizinhos.

—        Sim, abram o baile. Os convidados estão esperando — Holly respondeu. — Mas não pensem que vão conseguir escapar de mim. Como puderam me manter no escuro? Justamente eu que ajudei na reaproximação? Vou querer que me contem tudo quando voltarem da lua-de-mel.

Paul se juntou a eles naquele momento e convidou a esposa para dançar também.

Diante da orquestra, Patrick e Janet esqueceram-se do mundo. Ele rodeou-lhe a cintura com ambas as mãos. Ela apoiou os braços em seus ombros.

Lembra-se de mim? — Ele sorriu. — Sou o rapaz que a esperou por quase seis anos.

Eu me lembro — ela respondeu. — Sou a garota que o esperou por cinco anos, oito meses e seis dias.

A orquestra tocou uma valsa de Strauss e os con­vidados puseram-se a acompanhar a música com pal­mas. Um ou dois casais começaram a dançar ao redor dos noivos. Em poucos instantes eles foram totalmente cercados, mas estavam tão fascinados um pelo outro que não notaram.

Tarde da noite, os noivos ainda estavam diante de uma orquestra, mas em outro local: um pequeno hotel nos arredores de Oxford.

—Você se lembrou! — Janet exclamou quando Patrick a conduziu através dos portões. — Ele continua igual. Até mesmo a orquestra não mudou, eu poderia jurar.

Patrick abraçou-a pela cintura.

—        Mas eu não a trouxe aqui para dançar. Estou pensando em afastá-la das multidões, se é que você me entende. — Ele a puxou pela mão e os dois subiram a escada. — Encomendei uma garrafa de champanhe e um jantar leve. Depois...

Ela esperou que o marido fechasse a porta.

Depois? — insistiu. — O que pretende fazer?

Perguntar se você tem fome.

Janet negou com um movimento de cabeça.

Não de comida.

Sede?

Não de vinho.

—        Pensei que você tivesse mais pudor.

Ela tornou a negar e sorriu.

Mais tarde, sentada na cama, Janet descobriu que estava com fome e também com sede. Deu uma mor­dida no sanduíche de salmão defumado e tomou um gole do vinho branco gelado. Em seguida tornou a se deitar.

—        Eu poderia me acostumar facilmente a essa vida — confessou.

Patrick se inclinou e beijou-a.

—        Não faça isso, está bem?

Ela olhou para o corpo forte e másculo coberto ape­nas com uma toalha enrolada na cintura e tocou-o, provocante.

—        O que está querendo dizer?

O marido pegou sua mão e beijou-a.

—        Quero dizer que além de trazê-la aqui onde tudo começou, eu tenho outros planos que não incluem todo este luxo.

Não estou entendendo. Pensei que fôssemos para Nova York, e depois para Vermont.

Oh, sim. E poderá esperar o mesmo luxo nesses lugares. Estou me referindo ao que virá mais tarde.

Pressentindo os mesmos desentendimentos que Pa­trick gostava de provocar com sua linguagem metafó­rica, Janet devolveu seu copo à mesa de cabeceira, ajoelhou-se na cama e segurou as mãos do marido.

Por favor, explique.

Antes quero preveni-la de que não terei condições de lhe contar se continuar fazendo isso. Serei obrigado a agir.

Oh! — Ela ajeitou o decote da camisola. — Assim está melhor?

—        Muito melhor — ele respondeu. — Sabe que sempre lamentei o fato de não termos ido juntos a Ashala, não é? Pois bem, o que me diria se eu tivesse de voltar para lá?

Ashala? — Janet arregalou os olhos.

Hum.... O que você diria?

Que eu gostaria de ver o sol se pondo sobre o Ganges. Desde que estivesse com você, é claro.

Obrigado. Mas não creio que tenha mencionado o Ganges. Janet, eu prometo que será apenas por alguns dias. Quando parti, eles me fizeram prometer que lhes apresentaria minha esposa algum dia. Eu prometi. Como não pensava em me casar, foi fácil.

Tem certeza de que não se importa?

Tenho. Eu faço questão de ir com você.

Não sabe o alívio que sinto ao ouvir isso. Acho que ainda não me recuperei do choque de sua primeira recusa. Não pode fazer ideia do que aquilo causou a meu ego.

Eu nunca vi nada de errado com seu ego — Janet caçoou. E quando Patrick ameaçou agarrá-la, correu para a frente do espelho. Estava usando uma camisola de renda quase transparente. — Como prefere me ver? Assim ou com meu vestido de noiva?

Patrick se aproximou e se colocou por trás dela. Afas­tou gentilmente a alça da camisola e começou a lhe beijar o ombro e o pescoço.

Acho que cada um em sua hora. Já imaginou se tivesse entrado na igreja assim? Eu certamente teria ficado constrangido.

E agora? — Ela se virou e foi imediatamente aprisionada. — Sabe o que eu faria se você estivesse me esperando no altar apenas com essa toalha?

Patrick olhou para ela e eles sorriram. O controle de Janet acabou por completo. No instante seguinte seu marido a estava carregando de volta para a cama.

—        Então? — ele insistiu com a boca bem perto da dela. — O que você teria feito? Mostre para mim.

Janet mergulhou os dedos entre os cabelos dele. De­pois seus lábios se entreabriram e as respirações se misturaram.

—        Você teria coragem? — Patrick perguntou arfante como se tivesse corrido. — Diante de toda congregação?

Oh, não. — Ela negou com veemência e seus cabelos se espalharam pelos travesseiros. — Eu teria pedido licença ao arquidiácono por uns minutos.

Não seria suficiente — Patrick respondeu, abraçando-a e atraindo-a de encontro a seu próprio corpo. — Nós precisaremos de todo o tempo até o fim de nossas vidas.

 

                                                                                Alexandra Scott  

 

                      

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