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A VELA NÚMERO 13 / Lobsang Rampa
A VELA NÚMERO 13 / Lobsang Rampa

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A VELA NÚMERO 13

 

Bem, pareceu-me ser um título apro­priado, derivado do que estou procurando fazer. Estou pro­curando "acender uma vela", o que é muito melhor do que "amaldiçoar a escuridão". Este é o meu décimo terceiro livro, que espero seja a minha Décima Terceira Vela.

Ao leitor poderá parecer tratar-se de uma vela muito pequena, talvez uma dessas velinhas de bolo de aniversário. No entanto, nunca tive um bolo de qualquer tipo com velas — nem mesmo tive, jamais, um bolo de aniversário! — e agora, com minha dieta de alimentos sem açúcar e de baixo teor de gordura, com um máximo de mil calorias, é tarde demais para que me preocupe com isso.

Assim, perdoem-me; vamos fingir que se trata mesmo da "VELA N° 13", ainda que tão pequena como a velinha do bolo de aniversário de uma boneca.

 

 

 

A Sra. Martha MacGoohoogly caminhou decididamente até à porta da cozinha, levando apertado na mão, gorda como um presunto, um recorte de jornal já meio amarfanhado. Do lado de fora, no ressequido pátio coberto de capim que servia como "jardim dos fundos", ela parou e olhou em torno, como um touro reprodutor na época de acasalamento esperando vis­lumbrar algum rival. Satisfeita ou desapontada de que não houvesse rivais à vista, encaminhou-se apressadamente até à cerca quebrada que definia os limites do pátio.

Prazenteiramente acomodando seu busto mais do que farto em um moirão carunchoso, fechou os olhos e abriu a boca.

— Ei, Maud! berrou na direção dos jardins vizinhos, sua voz ecoando e se refletindo de encontro ao muro da fá­brica próxima. — Ei, Maud, onde "tá" você? Fechando a boca e abrindo os olhos aguardou o resultado.

Da direção da casa seguinte à imediatamente vizinha che­gou o barulho de um prato caindo no chão e se espatifando, para logo em seguida a porta daquela casa abrir-se e uma mulher baixinha e magricela debruçar-se para o lado de fora, agitadamente enxugando as mãos no avental rasgado.

Bem? — resmungou ela mal-humorada. — Que é que você quer?

Ei, Maud, você viu isto? — gritou Martha, agitando ao mesmo tempo, por cima da cabeça, o recorte de jornal.

Como posso saber se já vi, se nem sei o que é? — retorquiu Maud. — Pode ser que sim ou que não, não sei. Afinal o que é isso? Um outro escândalo sexual?

A Sra. Martha MacGoohoogly remexeu no bolso do avental, dele tirando uns óculos grandes de armação de chifre, copiosamente ornamentados com pequenas pedras. Limpou os óculos com todo o cuidado na barra da própria saia, antes de colocá-los nos olhos, e ajeitou os cabelos por cima das ore­lhas. Em seguida, assoando o nariz ruidosamente na manga, gritou:

—            É do Domínio, que o meu sobrinho mandou para mim.

—            Domínio? Que loja é essa? Alguma liquidação? — quis saber Maud, pela primeira vez demonstrando interesse.

Martha fungou, de raiva e desgosto.

—            Não! — respondeu, exasperada. — Você não sabe de nada? Domínio, sabe, é o Canadá. Domínio do Canadá. Meu sobrinho mandou isto para mim. Espere um momento. Vou até aí.

Retirando o busto de cima da cerca e tornando a enfiar os óculos no bolso do avental, apressou-se a atravessar o rús­tico jardim e chegar à trilha que passava pelos fundos. Maud suspirou com resignação e vagarosamente foi ao seu encontro.

—            Olhe só! — gritou Martha ao se encontrarem na tri­lha junto ao portão do jardim do lote vazio entre suas duas casas. — Olhe só a besteira que estão dizendo aqui. Alma? Tal coisa não existe. Quando você morre esta MORTA, e acabou — BOLAS! — Com o rosto afogueado, Martha bran­dia o recorte de jornal em baixo do nariz longo e fino de Maud, e disse zangadamente: — Como eles conseguem livrar­-se disso não sei. Quando alguém morre, é como o apagar de uma vela e nada mais. Meu pobre marido — que Deus guarde sua alma — sempre dizia, antes de morrer, que seria para ele um grande alívio saber que morto jamais tornaria a se encon­trar com os seus antigos sócios. — Fungou para si mesma à simples idéia.

Maud O'Haggis mantinha os olhos baixos, o olhar caído ao lado do próprio nariz, e esperava pacientemente que sua amiga parasse de falar. Finalmente, aproveitou-se de uma oportunidade e perguntou:

—            Mas que artigo é esse que excitou tanto a você? Sem nada dizer, Martha MacGoohoogly passou-lhe o re­corte de jornal que tinha provocado toda a excitação.

—            Não, minha cara — disse ela de súbito, tornando a encontrar palavras novamente. — Você está olhando do lado errado.

Maud virou o recorte e começou tudo de novo, seus lá­bios formando silenciosamente as palavras, à medida que as ia lendo.

—            Bem — disse por fim —, não sei! Martha sorriu em triunfante satisfação.

—            Bem — disse — quando uma coisa dessas é publi­cada, é fogo. Que vamos fazer com isso?

Maud virou e revirou o pedaço de jornal algumas vezes e começou mais uma vez a ler o lado errado, sugerindo em seguida:

Oh! Tenho uma idéia. Helen Hensbaum pode-nos dizer alguma coisa a esse respeito. Ela sabe tudo. Ela lê LIVROS.

Oh! Não SUPORTO aquela mulher — retorquiu Martha. — Sabe o que ela me disse no outro dia? "Beterrabas crescem em sua barriga, Deus me perdoe, Sra. MacGoohoo­gly". Você pode imaginar aquela mulher dizer uma coisa dessas para mim? Uma mulher daquelas. Puf!

—            Mas ela tem cabeça, sabe tudo a respeito destas coi­sas e se nós queremos chegar ao fim disto — agitava violen­tamente o infortunado pedaço de jornal — temos que entrar em seu jogo e amaciá-la. Venha, vamos lá falar com ela.

Martha apontou para baixo na direção da trilha e co­mentou:

—            Lá está ela, pendurando suas roupas de baixo. Peças gozadas, devo dizer. Para ter tanta calcinha de jérsei, deve ter descoberto uma liquidação especial em algum lugar. Para mim, as calças à moda antiga servem melhor. — Levantou a saia para mostrá-las. — Conservam a gente mais quente quando não há nenhum homem por perto, não? — Pôs-se a rir rui­dosamente, enquanto ambas se dirigiam pela trilha na direção de Helen Hensbaum e seus lavados.

No momento exato em que iam entrar no jardim dos Hensbaum uma batida de porta fê-las parar. Do jardim adjacente emergiu um par de Calças Quentes das mais audaciosas. Fascinadas, as duas mulheres ficaram olhando. Vagarosamente subiram os olhos, percorrendo a diminuta blusinha e che­gando até o rosto pintado e desenxabido.

—            Vagabunda! — cochichou Maud O'Haggis. — A velha cidade ainda tem vida.

Permaneceram em silêncio e se viraram enquanto a jovem, metida nas Calças Quentes, passava, equilibrando-se em sapatos de saltos tão altos quanto baixa era sua moral.

—            Faz com que você se sinta velha, não? — indagou Martha MacGoohoogly.

Sem qualquer outra palavra penetraram nos domínios dos Hensbaum, onde encontraram Helen Hensbaum olhando tam­bém a passagem da moça.

—            Desejo-lhe o melhor dos dias, Sra. Hensbaum — cumprimentou Martha. Vejo que a senhora tem visões aqui de seu lado da trilha, não?

Martha soltou uma gargalhada com sua própria observa­ção. Helen Hensbaum fungou ainda mais ferozmente enquanto continuava a olhar para o fim da trilha.

Puxa! Que tipo! exclamou ela. Já devia estar morta no túmulo da mãe dela. A Sra. Hensbaum suspirou e se esticou na direção do varal onde pendurava a roupa, demonstrando que de fato usava calcinhas de jérsei.

Sra. Hensbaum começou Maud —, sabemos que a senhora lê muito e sabe tudo a respeito de determinadas coisas, e por isso viemos aqui para nos aconselharmos com a senhora.

Maud parou e Helen Hensbaum sorriu enquanto falava:

—            Bem, senhoras, entrem, e lhes oferecerei uma xícara de chá nesta manhã fria. Vai-nos fazer bem descansarmos um pouco.

Helen Hensbaum voltou-se e conduziu-as até dentro de sua bem arrumada casa, conhecida no local como a "Pequena Alemanha", por sua limpeza e arrumação.

A chaleira estava no fogo e o chá fervia desprendendo vapor. A Sra. Hensbaum fez correr um prato com biscoitos e perguntou em seguida:

—            Bem, no que posso ser útil?

Maud fez um gesto na direção de Martha e disse:

—            Ela recebeu uma história curiosa do Canadá ou de qualquer outro lugar aí de fora. Não sei o que podemos fazer com isso. ELA vai-lhe contar.

Martha empertigou-se antes de falar.

—            É isto aqui, olhe só, que acabo de receber de meu sobrinho. Ele andou tendo uns problemas com uma mulher casada e se mandou para um lugar chamado Montreal, lá no Domínio. Escreve de vez em quando. Acaba de mandar esta carta. Não acredito nessas coisas.

Martha estendeu para a Sra. Hensbaum o amarfanhado recorte de jornal, agora já bem mais amassado.

A Sra. Helen Hensbaum pegou delicadamente o que res­tava do recorte e o estendeu sobre uma folha limpa de papel.

Ach, então! exclamou ela, esquecendo-se de seu excelente inglês. Ist gut, não?

Quer ler e interpretar isso para nós e dar sua opi­nião? pediu Maud.

A Sra. Hensbaum pigarreou para limpar a garganta, to­mou um gole de chá e começou:

—            É do Montreal Star, estou vendo. Segunda-feira, 31 de maio de 1971. Hmmm. INTERESSANTE. Já estive nessa cidade. Fez uma pausa e prosseguiu, lendo:

"Viu-se a si mesmo saindo de seu corpo. Vítima de ataque cardíaco descreve o sentimento da morte. Canadian Press. Toronto. Um cidadão de Toronto, que sofreu um ataque do coração no ano passado, diz que viu a si mesmo saindo de seu corpo e teve sensações tranqüilas e estranhas durante o período crítico em que seu coração esteve parado.

"B. Leslie Sharp, de 68 anos, declarou que durante o período em que o seu coração não esteve batendo pôde obser­var a si mesmo cara a cara.

"O Sr. Sharp relata sua experiência no último número da Revista da Associação Médica Canadense, em parte de um relatório dos Drs. R. L. MacMillan e K. W. G. Brown, co-diretores do setor de coronárias do Hospital Geral de Toronto.

"No relatório os médicos dizem: Talvez seja a concepção de a alma deixando o corpo.

"O Sr. Sharp foi levado para o hospital depois que o médico da família diagnosticou como ataque cardíaco uma dor em seu braço esquerdo.

"Na manhã seguinte, diz o Sr. Sharp que se lembra de ter olhado para o seu relógio enquanto se encontrava deitado na cama ligado aos fios de um cardiógrafo e a tubos endovenosos.

"Nesse momento soltei um suspiro profundo, muito pro­fundo e a minha cabeça pendeu para o lado direito. Pensei comigo mesmo: Por que minha cabeça pendeu para a direita? Eu não a movi... devo ter adormecido.

"Em seguida vi-me olhando para o meu próprio corpo, da cintura para cima, cara a cara, como se eu estivesse olhan­do do canto inferior esquerdo de um espelho. Quase imediatamente vi a mim mesmo saindo de meu corpo, passando atra­vés de minha cabeça e de meus ombros. Não vi meus membros inferiores.

O corpo que saía de dentro de mim não estava exata­mente na forma de vapor, ainda que parecesse, expandira-se muito suavemente logo que se encontrou fora de mim, conti­nuou o Sr. Sharp.

Subitamente me senti sentado em um objeto muito pe­queno viajando a grande velocidade, subindo na direção de um pesado céu cinza-azulado a um ângulo de 45 graus.

Em baixo de mim, para a esquerda, percebi uma subs­tância nebulosa, de um branco puro, também se deslocando para cima em uma direção que se cruzaria com a minha rota.

Era perfeitamente regular quanto à forma, mas cheia de buracos como uma esponja.

Minha sensação seguinte foi a de que me achava flutuan­do em uma brilhante luz amarelo-pálida — uma sensação deliciosa.

Continuei a flutuar, gozando de sensação mais linda e mais tranqüila.

Em seguida senti como que marteladas em meu lado esquerdo. De fato não provocaram dor, mas me abalaram tanto que senti dificuldade em manter meu equilíbrio. Comecei a contá-las e cheguei até seis, quando perguntei em voz alta: O que me estão fazendo? E abri meus olhos.

O Sr. Sharp diz que reconheceu os médicos e as enfer­meiras em volta de sua cama, os quais lhe disseram que ele havia sofrido uma parada cardíaca e tinha sido desfibrilado...recebido choques provocados por pulsações elétricas, para que seu coração começasse a bater normalmente.

"Os médicos comentaram ser fora do comum o fato de uma vítima de insulto cardíaco lembrar-se de fatos com ele relacionados sendo normal que houvesse um período de amné­sia abrangendo algumas horas antes e depois do ataque."

—            Bem!!! — exclamou Helen Hensbaum quando con­cluiu sua leitura e se recostou para olhar para as duas mulheres que se encontravam a sua frente. — MUITO INTERESSAN­TE! — ressaltou.

Martha MacGoohoogly fez uma careta de prazer e auto-satisfação, certa de que havia mostrado à "estrangeira" algo que ela nunca vira anteriormente.

—            Muito bom, não? — disse, sorrindo. — Do tipo das histórias de fantasmas, não?

Helen Hensbaum sorriu de forma um tanto enigmática e perguntou:

—            A senhora acha essa história extraordinária, não? Julga que se trata de... como a senhora disse?... histórias de fantasmas? Não, senhoras, é um fato comum. Olhem aqui, vou-lhes mostrar.

Levantou-se e conduziu as vizinhas até uma outra sala, onde havia livros em uma estante muito elegante. Mais livros do que Martha jamais vira antes em uma casa qualquer.

Helen Hensbaum aproximou-se da estante e pegou alguns livros.

—            Olhem aqui — disse ela, folheando as páginas como quem afaga velhos e queridos amigos. — Olhem só... aqui tem tudo isso e mais ainda. A Verdade. A Verdade que nos é dada a conhecer por um homem que foi julgado e perseguido por revelar a Verdade. E agora, simplesmente porque algum jornalista idiota escreve um artigo, as pessoas podem acreditar que seja verdade.

A Sra. Martha MacGoohoogly examinou curiosamente os títulos A Terceira Visão, O Médico de Lhasa.

—            O que é isso? — perguntou, antes de ler o restante dos títulos. Em seguida voltou-se e exclamou: — A senhora não acredita nessas coisas, não é mesmo? Tudo isso é ficção!

Helen Hensbaum soltou uma gargalhada.

—            Ficção? — conseguiu dizer finalmente. — FICÇÃO? Estudei todos esses livros e sei que dizem a verdade. Desde que li Você e a Eternidade, posso também viajar pelo astral.

Martha parecia perplexa. Pobre moça, está misturando alemão com inglês, pensou com seus botões. Viagem pelo astral? Que será isso? Uma nova empresa aérea ou coisa semelhante? Maud limitava-se a olhar, de boca aberta. Tudo aquilo estava muito além de sua capacidade. Tudo o que queria ler era o "Suplemento de Domingo" contendo todos os últimos crimes sexuais.

Essa viagem pela astral, astril ou o que quer que seja, o que é isso? — perguntou Martha. — O que é que há de real nisso? Será que meu velho, que já morreu — Deus guarde sua alma — poderia chegar até mim e me dizer onde escondeu o dinheiro antes de bater as botas?

Sim, eu lhe garanto. SIM, ISSO PODERIA SER FEITO, se houvesse uma razão genuína. Se fosse para o bem de outras pessoas — sim.

Bolas, bolinhas, bolotas — explodiu uma aturdida Martha. — Agora terei medo de dormir esta noite, pois o meu marido poderá vir assustar-me — e tentar dormir comigo no­vamente. — Sacudiu a cabeça tristemente e murmurou: — Ele sempre foi grande numa cama!

Helen Hensbaum serviu mais chá. Martha MacGoohoo­gly tocou nos livros.

—            Sra. Hensbaum, não me emprestaria um desses livros? — perguntou.

A Sra. Hensbaum sorriu.

—            Não — respondeu. — Nunca empresto meus livros porque um autor tem que viver da miserável soma que lhe pagam, chamada royalty, sete por cento, creio eu. Se eu em­presto meus livros, estou privando o autor de seu meio de vida. — Ficou em silêncio durante alguns momentos, exclamando em seguida. — Mas tenho uma solução — aventou. — Vou comprar uma coleção e oferecer-lhe de presente e, assim, a senhora poderá ler a Verdade pessoalmente. Está bem?

Martha sacudiu a cabeça em dúvida.

—            Bem, não sei — disse. — Não sei. Não me agrada a idéia de depois de termos tratado de um cadáver, arrumando-o e acomodando-o em seu caixão e enterrando-o, o morto possa voltar como um fantasma e nos assombrar.

Maud que se estava sentindo marginalizada, achou que tinha chegado a hora de dizer alguma coisa.

Sim — interveio hesitantemente. — Quando o despachamos pela chaminé de um forno crematório, em uma nuvem de fumaça oleosa, bem, isso deve ser o fim de tudo!

Mas olhe aqui — interrompeu Martha, olhando de esguelha para Maud. — Se, como a senhora diz, existe vida depois da morte, POR QUE NÃO HÁ PROVAS? As pessoas morrem e depois não se tem mais notícias delas. Morrem... Se continuassem a viver, entrariam em contato conosco... Deus me perdoe!

A Sra. Hensbaum permaneceu sentada em silêncio por alguns instantes antes de levantar-se e se dirigir até uma pe­quena escrivaninha.

—            Olhem — disse ela, voltando com uma fotografia nas mãos. — Olhem isto aqui. É uma fotografia de meu irmão gêmeo. Ele está na Sibéria, como prisioneiro dos russos. Sabemos que está vivo por informação da Cruz Vermelha Suíça. Mesmo assim, não podemos receber qualquer mensagem dele. Sou sua gêmea e sei que ele está vivo.

Martha sentou-se e olhou a fotografia, virando-a e revirando-a nas mãos.

—            Minha mãe está na Alemanha, na Alemanha Orien­tal. Também está viva, mas não nos podemos comunicar. Seja como for, essas duas pessoas ainda estão neste mundo, ainda estão conosco! Vamos admitir que a senhora tenha um amigo, digamos, na Austrália, a quem deseja telefonar. Mesmo que a senhora saiba o número do telefone dele, terá que levar em conta e diferença de horário, terá que se utilizar de algum instrumento elétrico ou mecânico. Apesar de tudo isso, poderá não conseguir falar com o seu amigo. Talvez ele esteja traba­lhando, talvez se esteja divertindo. Tudo isso apenas do outro lado do mundo. Pense então nas dificuldades de telefonar para o outro lado DESTA vida!

Martha pôs-se a rir.

Oh, minha cara, oh, minha cara! Sra. Hensbaum, a senhora é um número! Deu uma risada. Telefonar para o outro lado da vida.

Ei, esperem um momento! exclamou de repente Maud, em grande excitação. Sim, claro, aí está alguma coi­sa! Meu filho está trabalhando em eletrônica na BBC e esteve-me falando sabem como os rapazes costumam falar sobre um velhote que inventou um telefone desses e que fun­cionou. Micro-freqüência ou alguma coisa parecida, mas tudo foi posto de lado. Acho que a Igreja entrou em cena.

A Sra. Hensbaum sorriu sua aprovação para Maud e acrescentou:

Sim, isso é perfeitamente verdadeiro. O autor de quem lhes falei conhece muita coisa sobre este assunto. O invento não foi adiante por falta de dinheiro para o seu desenvolvi­mento. Eu acredito. Mas, seja como for, chegam mensagens. Não existe a morte.

Bem, então prove o que está dizendo exclamou Martha, rudemente.

Não posso provar nada assim, sem mais nem menos — replicou a Sra. Hensbaum delicadamente — mas encare as coisas da seguinte maneira: pegue um pedaço de gelo e suponha que ele representa o corpo. O gelo se dissolve, o que equivale ao corpo se decompondo, e temos então a água, que é a mesma coisa que a alma saindo do corpo.

Bobagens! — exclamou Martha. — A água nós po­demos ver, mas mostre-nos a alma!

D. Martha, a senhora não me deixou concluir o que eu estava dizendo — respondeu a Sra. Hensbaum. — A água se evaporará transformando-se em vapor invisível, o que representa o estágio da vida depois da morte.

Maud estava ficando nervosa porque a conversa a deixa­va para trás. Após alguns momentos de hesitação, disse:

Suponho, Sra. Hensbaum, que se quisermos entrar em contato com os Mortos Queridos, vamos a uma sessão espírita, onde nos porão em contato com os espíritos, não é?

Oh, não, minha cara! — protestou Martha, rindo-se, zelosamente guardando sua posição. — Se o que você quer é espírito, vá a um bar e tome um uísque. A velha Sra. Knickerwhacker é tida como uma boa médium, mas também gosta desse outro tipo de espírito. Já esteve em alguma sessão espí­rita, Sra. Hensbaum?

Helen Hensbaum sacudiu a cabeça com tristeza.

-— Não, senhoras — respondeu ela. — Não vou a ses­sões espíritas. Não acredito nelas. Muitas pessoas que vão, no entanto, são crentes de fato, mas — oh! — são tão mistificadas. — A Sra. Hensbaum consultou o relógio e, alarmada, se pôs de pé. — Mein Heber Gott! — exclamou. — O almoço de meu marido já devia estar pronto — Recobrando a compostura, continuou mais calmamente. — Se estão interessadas, voltem aqui esta tarde, às três horas, e conversaremos um pouco mais, mas agora tenho que voltar às minhas obrigações domésticas.

Martha e Maud levantaram-se e se encaminharam para a porta.

—            Sim disse Martha, falando pelas duas, ainda que não lhe tivessem pedido. Voltaremos às três horas, como a senhora sugeriu.

Juntas atravessaram o quintal e tomaram a trilha dos fun­dos do terreno. Martha só falou uma vez, quando se estavam despedindo uma da outra.

—            Bem, não sei observou ela não sei mesmo. Mas, vamo-nos encontrar às dez para as três. Até logo! — Voltou-se e entrou em sua porta, enquanto Maud caminhava um pouco mais até sua residência.

Na casa da Sra. Hensbaum, esta se movimentava com o ímpeto da controlada eficiência germânica, murmurando pala­vras estranhas para si mesma, enquanto pratos e talheres saíam de suas mãos para encontrarem seus lugares exatos sobre a mesa, como se ela fosse uma garçonete de alto salário de algum cabaré de Berlim. Quando o portão da frente rangeu e o ritmo cadenciado dos passos do marido chegou até à porta tudo estava pronto o almoço estava servido.

O sol já tinha ultrapassado o seu zénite e descambava no céu para o poente quando Maud emergiu da porta de sua casa e se dirigiu desembaraçadamente para a casa de sua amiga. Era uma surpreendente aparição em um vestido de flores estampadas, rescendendo fortemente a uma loja de liquidações perto de Wapping Steps.

—            Martha! chamou ela ao chegar à porta do jardim. Martha abriu a porta e pestanejou, estonteada, para Maud.

—            Meu Deus! exclamou com voz de horror. Ovos fritos e pôr do sol, não?

Maud sorriu.

—            Sua saia está muito justa, Martha comentou ela. Está delineando sua combinação e as suas calças. Afinal

de contas, quem é você para estar falando?

Na verdade, Martha era também uma visão! Seu costu­me de duas peças — saia e casaco — de cor cinza-pérola es­tava quase indecentemente justo. Um estudante de anatomia não teria dificuldade em identificar as diferentes "linhas bási­cas", inclusive a línea alba. Os saltos de seus sapatos eram tão altos que ela precisava escorar-se e a altura fora do comum dava-lhe uma tendência de arrebitar o traseiro e rebolar-se. Com os consideráveis dotes de sua "leiteria", tinha ela neces­sidade de adotar uma postura notável — semelhante a um soldado americano em dia de parada.

Juntas desfilaram pela senda e entraram no quintal dos Hensbaum. A Sra. Hensbaum abriu a porta à primeira batida e as fez entrar.

Meu Deus, Sra. Hensbaum! — exclamou Maud, um tanto surpreendida, quando entraram no "gabinete". — Será que a senhora está no negócio de venda de livros?

Oh, não, D. Maud — sorriu a dama alemã. — Ima­ginei que estariam muito interessadas nas ciências psíquicas e, deste modo, comprei uma coleção desses livros de Rampa para dar de presente a cada uma.

Puxa! murmurou Martha, folheando um dos livros. — Que velhote de aspecto estranho, não? Será que ele tem mesmo um gato saindo de sua cabeça como aparece aqui?

A Sra. Hensbaum riu-se abertamente, seu rosto ficando afogueado.

—            Ach, não — protestou ela. — Os editores tomam grandes liberdades com as capas dos livros e o autor não é ouvido sobre o assunto. Esperem, vou mostrar-lhes... — e subiu correndo as escadas para voltar em seguida um tanto sem respiração, trazendo uma pequena fotografia. Este é o autor. Escrevi para ele e, quando respondeu, mandou-me esta foto que guardo como um tesouro.

— Mas, Sra. Hensbaum — começou Martha, um tanto exaltada, quando se sentaram para conversar. — Sra. Hensbaum, a senhora não tem PROVA de coisa nenhuma. Tudo isso é FICÇÃO.

—            D. Martha respondeu a Sra. Hensbaum. A senhora está enganada. Há prova, mas prova que tem que ser experimentada, tem que ser vivida. Meu irmão está nas mãos dos russos. Falei com uma amiga minha a Srta. Rhoda Carr, e lhe disse que ele havia-me visitado no astral e me contara que se encontrava em uma prisão chamada Dnepropetrovsk. Meu irmão me disse que era um grande complexo penitenciá­rio na Sibéria. Eu nunca havia ouvido falar dessa prisão. Rhoda Carr não disse nada naquela ocasião, mas algumas semanas mais tarde me escreveu e confirmou o fato. Rhoda tem liga­ções com uma certa organização e estava em condições de fazer investigações na Rússia, através de amigos não revela­dos. Interessantemente, porém, ela me disse que muitas pes­soas foram capazes de lhe contar coisas sobre seus parentes na Rússia e tudo, disse ela, por meios ocultos.

Maud estava sentada de boca aberta, mas empertigou-se e falou:

Minha mãe me disse que foi uma vez a uma sessão espírita onde lhe falaram coisas muito certas. Tudo que dis­seram a ela veio a ser verdade. Por que a senhora diz que essas sessões espíritas não são boas, Sra. Hensbaum?

Não, eu não disse que TODAS elas não eram boas. Disse que não acreditava nelas. Do outro lado da morte há criaturas malévolas que podem ler os pensamentos das pes­soas e se divertirem a sua custa. Essas criaturas lêem os pen­samentos e então enviam mensagens fazendo-se passar por algum Guia Indiano ou por algum Morto Querido. Em sua maior parte, as mensagens são tolas e sem significado, mas algumas vezes, acidentalmente, ALGO aparece que é razoa­velmente correto.

—            Elas devem ficar um pouco coradas quando lêem os MEUS pensamentos — brincou Martha. Nunca fui uma moça pudica.

A Sra. Hensbaum sorriu e continuou.

As pessoas são levadas a muitos enganos por aqueles que já partiram. Por lá há muito trabalho a ser feito e eles não andam por aí esperando — ansiosos — para responderem a perguntas bobas. ELES TÊM SUAS TAREFAS A CUM­PRIR. D. Maud, a senhora gosta de receber um telefonema idiota quando tem muitas coisas para fazer e pouco tempo disponível? A SENHORA, D. Martha, tem prazer em ficar con­versando bobagens na porta quando está atrasada para o bingo?

Ela tem razão, sabe? — observou Martha. — Mas a senhora falou sobre Guias Indianos. Já ouvi falar neles. Por que têm que ser indianos?

D. Martha, não dê atenção a essas lendas — respon­deu a Sra. Hensbaum. — As pessoas imaginam guias india­nos, guias tibetanos, etc., etc., etc. Pense no seguinte: aqui, nesta vida, pode-se encarar o indiano, o tibetano ou o chinês como pobres nativos amarelos e sem privilégios, indignos de um segundo pensamento. Como, então, podemos aceitá-los como gênios psíquicos tão logo passam para o Outro Lado? Não. Muitas pessoas mal informadas adotam os guias indianos porque é mais misterioso. Na realidade, o ÚNICO guia de uma pessoa é... ela mesma.

Ah! Sua conversa vai além de nossa percepção, Sra. Hensbaum. A senhora nos deixou perdidas entre suas palavras.

A Sra. Hensbaum riu-se e respondeu:

Se é assim, então o primeiro livro que devem ler tal­vez seja A Terceira Visão.

E se eu tiver coragem para tanto, posso voltar aqui e tornar a falar com a senhora? — perguntou Maud O'Haggis.


 

—            Claro que sim, terei muito prazer replicou a Sra. Hensbaum, hospitaleiramente. Por que não combinamos encontrarmos aqui, a esta mesma hora, dentro de uma semana?

Assim, pouco depois, as duas senhoras se encontravam novamente percorrendo a trilha, cada uma delas carregando a pilha de livros com que a Sra. Hensbaum as presenteara.

Gostaria de que ela tivesse falado um pouco mais so­bre o que acontece quando morremos comentou Maud com seriedade.

Ah, você não demorará muito a saber, pela sua cara respondeu Martha.

As lâmpadas permaneceram acesas por muito tempo nas residências dos MacGoohoogly e dos O'Haggis; noite alta, a luz ainda se filtrava através das persianas do quarto de dor­mir de Martha. Por vezes, uma lufada de vento afastava as pesadas cortinas verdes da sala de estar de Maud, revelando-a acomodada em uma poltrona alta, um livro firme em suas mãos.

Um ônibus tardio passou conduzindo de volta a seus lares os faxineiros da noite. A distância ouviu-se o trepidante e majestático ruído de um trem, os vagões de carga sacudindo-se e chocando-se de encontro uns com os outros em um pátio de manobras. O choro lamentoso de uma sirene rompeu os ares. Polícia ou ambulância, pouco importava a Maud, profunda­mente imersa em seu livro. Do relógio da Prefeitura chegavam as batidas de horas, indicando que a manhã se encontrava avançando. Finalmente a luz do quarto de Martha se apagou. Não tardou muito, também, que desaparecesse a luz da sala de estar de Maud e, por breves momentos, um clarão surgisse e brilhasse em seu quarto de dormir.

Os ruídos do leiteiro fazendo a entrega matinal do leite perturbaram a cena pacífica. Logo chegaram os varredores das ruas com seus carros barulhentos e os seus clangores metálicos. Os ônibus paravam para que os primeiros trabalhadores pudessem embarcar a fim de serem levados, bocejantes, para o serviço. Em inúmeras chaminés a fumaça começou a apa­recer. Portas abriam-se e tornavam a fechar-se ruidosamente, à medida que as pessoas saíam para a luta cotidiana com o horário e com os trens.

Finalmente as persianas vermelhas do quarto de Martha se abriram com tal violência que os puxadores ficaram dan­çando. Martha, com expressão de surpresa e incompreensão, olhava sem ver um mundo descuidado. Seu cabelo encacheado dava-lhe um aspecto de desmazelo e agressividade, ao mesmo tempo que uma enorme camisola de flanela acentuava-lhe o tamanho e as formas mais do que amplas.

Mais tarde, na casa dos O'Haggis, a porta se abriu len­tamente e um braço se esticou para apanhar a garrafa de leite no degrau da escada. Depois de um longo intervalo a porta tornou a se abrir e Maud apareceu enfiada em um casacão de listras. Fatigadamente, sacudiu dois tapetes, bocejou violentamente e tornou a sumir no interior de sua casa.

Um gato solitário surgiu de algum canto escuro e olhou com cuidado em torno antes de aventurar-se a sair serena­mente para a rua. Exatamente no meio da rua o gato parou, sentou-se e fez sua toalete focinho, orelhas, patas e cauda, antes de desaparecer por outra passagem escura, à procura de sua primeira refeição.

 

Timón! TIMÓN! chamou uma voz aguda e cheia de medo, com aquela entonação irritante que aflige uma pes­soa e põe os nervos de pé. Timon, ACORDA, seu pai está morrendo. Lentamente o jovem retornou das profundezas da completa inconsciência. Lentamente lutou para afastar as névoas do sono, tentando descerrar pálpebras pesadas. Timon, você TEM que acordar. SEU PAI ESTÁ MORRENDO! Uma mão agarrou-o pelos cabelos e o sacudiu violentamente. Timon abriu os olhos. De súbito percebeu um ruído desagradável e estranho, "como um iaque esganado", pensou ele. Curioso, sentou-se e, virando a cabeça para os lados, pro­curou enxergar na escuridão do minúsculo quarto.

Em uma pequena prateleira havia um prato de pedra so­bre o qual um pedaço de manteiga boiava em sua própria gordura derretida. Grosseiramente enfiada na manteiga não desmanchada, uma tira rústica de fazenda fazia as vezes de pavio. No momento aquele pavio crepitava, aumentando e diminuindo o seu brilho, lançando sombras oscilantes nas pare­des que lhe ficavam por trás. Uma rajada de vento fez com que o pavio se torcesse momentaneamente, chispando e cre­pitando, com a chama já fraca diminuindo ainda mais. Em seguida, de novo impregnado por sua parcial imersão, tornou a brilhar projetando através do quarto enfurnados dedos de fuligem.

TIMON! Seu pai está morrendo e você tem que ir correndo chamar o Lama — gritou a mãe em desespero. Len­tamente, ainda tonto de sono, Timon ergueu-se em seus relu­tantes pés e vestiu: sua única roupa. O ruído desagradável acelerou-se, diminuiu e retomou o ritmo monótono e enervan­te. Timon se aproximou do vulto ao lado da qual sua mãe se encontrava acocorada. Olhando para baixo com olhos atemo­rizados, Timon sentiu-se paralisado de horror à vista do rosto de seu pai, tornado ainda mais fantasmagórico pela bruxuleante lâmpada de manteiga. O pai estava azul, e com um aspecto frio e rígido. Azul com o início do ataque cardíaco. Tenso com os indícios do rigor mortis, mesmo ainda em vida.

Timon —- disse a mãe — você tem que ir correndo chamar o Lama, ou seu pai morrerá sem ter quem o guie. Depressa, DEPRESSA!

Voltando-se, Timon encaminhou-se rapidamente para a porta. Lá fora as estrelas brilhavam, firmes e frias, na escuridão que precede as madrugadas, a hora em que o Homem está mais propenso a falhar e a titubear. O vento cortante, tornado mais frio pela neblina pendente das abas da monta­nha, redemoinhava, deslocando pedrinhas e levantando nuvens de poeira fina.

O menino, de uns dez anos de idade, aprumava-se e tremia, esforçando-se por enxergar através da escuridão, uma escuridão apenas fracamente aliviada pelo distante brilho das estrelas. Não havia lua, aquela era a época errada do mês. As montanhas erguiam-se duras e negras apenas com um traço purpurino mostrando onde elas terminavam e o céu começava. De um ponto onde uma vaga mancha cor de púrpura caía sobre o rio que mal se entrevia, um pontinho diminuto de luz amarelada parecia mais brilhante pela completa escuridão. Rápido, o menino se pôs em movimento, correndo, saltando, tropeçando nas pedras em sua ansiedade irresistível para che­car ao santuário daquela luz.

Seixos nus resvalavam e machucavam seus pés descalços. Pedrinhas redondas, remanescentes, talvez, de algum antigo Jeito marinho, deslocavam-se traiçoeiramente a suas passadas. Pedras grandes projetavam-se alarmantemente através da escuridão que preceda a madrugada e o feriam ao chocar-se contra elas em sua corrida inspirada pelo medo.

A distância chamava-o a débil luz. Atrás dele seu pai morria, sem um Lama para guiar os trôpegos passos de sua alma. Apressou-se. Logo sua respiração se tornou ofegante na procura do ar leve da montanha. Logo sentiu doer-lhe o lado direito, com a agonia das pontadas que afligem todos os que se esforçam demasiado em uma corrida. A dor se tornou o som harmônico marcante de sua vida. Com ânsias de vômito e soluçando enquanto lutava por conseguir mais ar, foi obrigado a diminuir seu ritmo, passando para um trote rápido e depois, por alguns passos, a um caminhar tropeçante.

A luz acenava, um raio de esperança em um oceano sem esperanças. O que seria deles agora, pensava. Como viveriam? Como comeriam? Quem tomaria conta deles, quem os protegeria? O coração batia-lhe violentamente, até que sentiu medo que saltasse de dentro de seu peito arfante. O suor escorria-lhe do corpo, tornando-se rapidamente gelado ao contacto com o frígido ar. Sua única roupa estava rasgada, proporcionando escassa proteção contra os elementos. Eles eram pobres, de­sesperadamente pobres, e provavelmente se-lo-íam ainda mais com a falta do pai, que sustentava a casa.

A luz continuava a chamá-lo, um refúgio em um oceano de medo. Chamando, bruxuleando, abaixando-se e de novo alteando-se, como que lembrando ao solitário menino que a vida de seu pai estava-se apagando, mas tornaria a brilhar novamente além dos confins deste mundo difícil. Pôs-se nova­mente em marcha frenética, juntando os cotovelos ao lado do corpo, correndo de boca aberta, apelando para todos os mús­culos no afã de poupar os fugidios segundos.

A luz se tornou maior, como uma estrela que lhe desse as boas-vindas. A seu lado, o rio Feliz corria, gargalhando com as pedrinhas que arrancara das terras montanhosas onde nascera. O rio brilhava como prata ao débil clarão das estrelas. A sua frente o menino já conseguia discernir o vulto mais negro de uma lamaseria, aninhada entre o rio e as faldas da montanha.

De súbito, bem a sua frente, surgiu um vulto.

—            Quem está circulando em torno e nossos muros? — indagou uma voz profunda de velho. — Ah! E o que traz: você a nossa porta a esta hora da manhã? — continuou a voz. — Timon, olhando através de pálpebras inchadas pelas lágrimas viu um velho monge curvado a sua frente. — Oh! Você está ferido... entre e cuidarei de você — prosseguiu a voz. Lentamente o velho voltou-se e se encaminhou, na frente de Timon, até a pequena lamaseria. Timon pestanejou à re­pentina luz de alguma pequena lamparina de manteiga — bri­lhante, de fato, depois da escuridão do lado de fora.

O ar parecia carregado com o cheiro do incenso. Timon permaneceu calado durante um momento, mas logo transmitiu sua mensagem.

—            Meu pai está MORRENDO e minha mãe me disse que viesse depressa para conseguir auxílio a fim de que ele possa ser guiado em sua jornada. Ele está MORRENDO!

O pobre menino se deixou cair ao chão, cobrindo com as mãos os olhos lacrimosos. O velho monge afastou-se e não se passou muito tempo antes que pudesse ser ouvido em uma conversação murmurada em um outro cômodo. Timon sentou-se, ainda chorando, em um arroubo de medo e de desconsolo.


Dentro em pouco foi despertado por uma voz nova:

—            Meu filho! Meu filho! Ah, é o pequeno Timon, sim, eu conheço você, meu rapaz. Timon, respeitosamente, inclinou-se e em seguida, devagar, se pôs de pé, enxugando os olhos com uma ponta de sua vestimenta e, dessa forma, espalhando por todo o seu rosto a poeira úmida da estrada. — Conte-me, meu rapaz disse o Lama em quem o menino reconhecia tal dignidade. Mais uma vez Timon fez o seu relato e, ao completá-lo, o Lama disse: Venha, nós iremos juntos

—            vou-lhe ceder um pônei. Antes, porém, tome este chá e coma um pouco de tsampa, pois você deve estar cansado e o dia será longo e cansativo.

O velho monge trouxe a comida e Timon sentou-se no chão para comê-la, enquanto o Lama se afastava para fazer seus preparativos. Em pouco ouviu-se o ruído de cavalos e o Lama tornou a entrar na sala.

—            Ah, você já acabou. Ótimo, vamos embora disse e voltou-se, enquanto Timon o seguia.

Agora, na crista mais distante da montanha que limita a Planície de Lhasa surgiam as primeiras réstias de luz dou­rada, anunciando o nascimento de um novo dia. De súbito um raio de luz brilhou através de uma alta passagem na montanha e, por um momento, tocou a casa dos pais de Timon, na extremidade longínqua da estrada.

—            Até os dias morrem, meu rapaz observou o Lama mas dentro de algumas horas eles renascem como um nova dia. O mesmo acontece com as coisas vivas.

Três pôneis se encontravam inquietos à porta, aos inse­guros cuidados de um acólito pouco mais velho do que Timon.

—            Temos que montar nessas coisas sussurrou o jo­vem acólito para Timon. — Cubra-lhe os olhos com as mãos se ele não ficar parado. E acrescentou com tristeza se ele não se aquietar com isso, pule em cima dele.

O Lama montou rapidamente. O jovem acólito ajudou Timon e em seguida, com um salto de desespero, montou em seu próprio cavalo, e afastou-se atrás dos outros dois, já quase desaparecendo na escuridão que ainda cobria a terra.

Raios dourados de luz espalhavam-se sobre os topos das montanhas enquanto a orla mais lata do sol ia surgindo no horizonte, a leste. O orvalho congelado no ar frígido refletia miríades de cores e tonalidades dos prismas de gelo. Sombras gigantescas percorriam a terra à medida que a escuridão da noite era afastada pelo dia que inexoravelmente se aproximava. Os três solitários viajantes, meros punhados de pó na imensi­dão da terra nua, cavalgavam através do terreno pedregoso, evitando os rochedos e os buracos com mais facilidade à luz cada vez mais forte.

Dentro em pouco era possível perceber-se uma figura so­litária de pé ao lado da casa desolada, uma mulher, procuran­do fazer sombra sobre os próprios olhos, angustiosamente perscrutando o caminho. Esperava por um auxílio que parecia tardar tanto. Os três continuavam a cavalgar, escolhendo caminho cuidadosamente por entre as rochas quebradas.

— Não sei como você conseguiu sair-se tão bem, rapaz — observou o Lama para Timon. — Deve ter sido uma jor­nada assustadora.

O pobre Timon, porém, estava por demais amedrontado e cansado para responder. Agora mesmo cochilava, balançando-se no dorso do pônei. Os três cavalgavam em silêncio.

A mulher, à porta, permanecia esfregando as mãos e meneando a cabeça em um gesto meio envergonhado de respeito. O Lama apeou de sua montada e aproximou-se da aflita mu­lher. O jovem acólito escorregou de sua sela e foi ajudar Timon, mas era tarde. O menino havia saltado assim que o cavalo parara.

Lama Sagrado — falou a mulher com voz trêmula —, meu marido já quase partiu. Conservei-o consciente, mas temia que o senhor chegasse demasiado tarde. Oh! Que faremos?

Venha, mostre-me o caminho — determinou o Lama, acompanhando a mulher quando esta se voltou e caminhou a sua frente. A casa estava escura. Oleados tapavam os buracos nas paredes, pois aí não havia vidraças e aqueles panos, trazidos da distante Índia, serviam para substituí-las, filtrando um estranho tipo de luz e rescendendo uma fragrância peculiar. A fragrância era resultante do óleo ressequido misturado com a fuligem que evolava da sempre incandescente lamparina de manteiga.

O assoalho era de terra batida e as paredes compostas de grandes pedras ajustadas umas às outras, as fendas preenchidas por esterco de iaque. Uma fogueira pequena, cujo com­bustível era também o esterco de iaque, crepitava no centro da sala, seu fumo se evolando e, por fim, escapando por um buraco no teto, aberto com essa finalidade.

Ao pé da parede do lado oposto à entrada via-se uma trouxa que, à primeira vista, podia ser tomada por um amon­toado de trapos posto de lado, mas a ilusão era desfeita pelos sons que dela provinham. Os sons ofegantes e lamentosos de um homem lutando por manter o ar dentro de seu corpo, os sons de um homem em agonia. O Lama caminhou em sua direção e perscrutou, através da tristeza que tudo invadia, aque­le que jazia deitado no chão, um homem idoso e magro, mar­cado pelas asperezas da vida, um homem que havia vivido de acordo com todas as crenças de seus ancestrais, sem ter um único pensamento de coisas para si próprio.

Agora, ali se encontrava ofegante, o rosto azulado pela falta de oxigênio. Ali estava ele expelindo a própria vida, lu­tando por manter alguma tênue consciência, pois a crença tradicional, da qual participava, era de que sua passagem para o outro mundo seria facilitada pela orientação de um experimentado Lama.

O homem levantou os olhos e uma expressão de prazer um olhar fugaz perpassou rapidamente por aquelas fei­ções cadavéricas ao perceber que o Lama se achava presente.

O Lama se abaixou por trás do homem agonizante e colocou as mãos em suas têmporas, emitindo palavras de tranqüilização. Atrás dele o jovem acólito preparava apressada­mente os queimadores de incenso, que retirara de um pacote. Em seguida, tirando do bolso isca e pederneira, habilidosa­mente conseguiu pôr fogo na isca, soprando-a até surgir a chama, de forma a que o incenso pudesse ser queimado quan­do fosse necessário.

Não seria ele quem iria cometer o desrespeitoso sistema de tocar o incenso com a lamparina de manteiga agora derre­tida, o que representaria falta de consideração pelo incenso, falta de respeito pelo ritual. Iria pôr fogo no incenso da forma ritual, pois ele, esse esperançoso rapaz, tinha ambições de ser também um Lama.

O Lama, sentado na posição de lótus ao lado do homem quase moribundo deitadc no chão, fez um sinal para o acóli­to, que então acendeu o primeiro bastão de incenso, apenas encostando a chama em sua extremidade; em seguida, quando esta ficou vermelha, retirou a brasa, deixando o bastão ardendo. O Lama modificou ligeiramente a posição de suas mãos na cabeça do homem e disse: "Ó espírito pronto para partir de seu envólucro de matéria, acendemos o primeiro bastão de incenso para que vossa atenção possa ser atraída, para que possais ser guiado, para que possais seguir um caminho fácil através dos perigos que vossa imaginação errante colocará a vossa frente".

Uma estranha paz se fez presente nas feições do homem agonizante. Estava agora perlado de suor, uma tênue camada de umidade, a perspiração da morte que se aproximava. O Lama pegou-lhe a cabeça firmemente e fez um discreto sinal para o acólito. O jovem inclinou-se para a frente e, acendendo o segundo bastão de incenso, retirou a brasa, deixando-o a arder.

—            Ó espírito pronto para partir para a Maior Realidade, a Verdadeira Vida além desta, soou vossa hora de alívio. Es­tai preparado para manter vossa consciência fixada firmemente sobre mim quando sairdes daqui de vosso corpo atual, pois tenho muito a dizer-vos. Prestai atenção.

O Lama deslocou-se um pouco para a frente e colocou os dedos cruzados bem no topo da cabeça do homem. A respiração estentórea do moribundo era irregular e agitada. Seu peito subia e descia. De repente produziu um curto e agudo arquejo, quase uma tosse, e seu corpo arqueou-se para cima, até ficar apoiado apenas pela parte de trás da cabeça e pelos calcanhares. Por um período de tempo que pareceu intermi­nável, permaneceu nessa posição, um arco rígido de carne e osso. Então, de súbito, o corpo contorceu-se, contorceu-se para cima, de tal modo que ficou talvez uns cinco centímetros afas­tado do chão. Em seguida cedeu, dobrando-se como uma saca de trigo parcialmente vazia que tivesse sido atirada para o lado displicentemente. Uma última golfada desesperante de ar escapou de seus pulmões, o corpo retorceu-se e imobilizou-se, embora no seu interior se ouvisse o borbulhar de fluidos, o roncar de órgãos, o estalar de juntas.

O Lama tornou a acenar para o acólito que se achava esperando e que imediatamente acendeu o terceiro bastão de incenso e o deixou arder, apagando a chama no terceiro incensor.

—            Espírito agora libertado do corpo sofredor, prestai atenção antes de empreenderdes vossa jornada, pois, por vosso errôneo conhecimento, por vossos erros e pensamentos, vós criastes ciladas que poderão prejudicar o conforto desta viagem. Prestai atenção, pois devo descer a detalhes sobre os passos que deveis dar e o Caminho que tendes que seguir. Prestai atenção.

Fora do diminuto quartinho o vento da manhã estava surgindo enquanto o débil calor dos raios do sol, esgueirando-se por sobre a crista da montanha, começava a espantar o frio da longa noite e, com esses primeiros raios de sol e o ainda tênue calor, correntes de ar se elevavam da terra fria e desfaziam pequenos redemoinhos de pó que rodopiavam e batiam de en­contro ao oleado que cobria as aberturas do quarto, até parecer à assustada mulher, que a tudo observava do portal, que eram demônios a agitar-se e procurando chegar até o seu marido, que agora jazia morto a sua frente.

A mulher refletiu sobre a enormidade do fato. Num mo­mento estava casada com um homem vivo, um homem que du­rante anos a sustentara, um homem que lhe dera toda a segu­rança que jamais poderia ter em sua vida, mas, no momento seguinte, ele estava morto, morto, estendido a sua frente no chão de terra de seu quarto. Imaginou o que lhe aconteceria de agora em diante. Nada tinha, a não ser um filho dema­siado novo para trabalhar, demasiado novo para ganhar a vida, e ela sofrendo de uma doença que freqüentemente se abate sobre as mulheres a quem falta assistência por ocasião do nascimento dos filhos. Ela se havia arrastado durante tantos anos quantos eram a idade de seu filho.

O Lama, ajoelhando-se ao lado do corpo que jazia no chão, fechou os olhos do cadáver e colocou pedrinhas por cima das pálpebras cerradas para mantê-las assim. Passou uma bandagem por baixo do queixo e amarrou as extremidades por cima da cabeça, para ajustar a mandíbula caída, de forma a que a boca se mantivesse fechada. Então, a um sinal seu, o quarto bastão de incenso foi aceso e cuidadosamente colocado no incensor. Agora eram quatro os bastões que ardiam e a fumaça que produziam evolava-se para cima, quase como se tivesse sido desenhada com giz cinza-azulado, tão retilíneas eram as colunas de fumo no quarto quase sem ar e sem viragem. O Lama tornou a falar:

Ó espírito que deixastes o corpo a nossa frente, o quar­to bastão de incenso foi aceso para atrair vossa atenção e manter-vos aqui enquanto eu falo, enquanto vos esclareço sobre as coisas que ireis encontrar. Ó espírito prestes a peregrinar, atentai às minhas palavras para que vossa peregrinação seja orientada.

O Lama olhou com tristeza para o cadáver, lembrando-se do treinamento que recebera. Ele era telepático, clarividente, podia ver a aura do corpo humano, aquela chama estranha e colorida multicolorida que redemoinhava e dava voltas em torno do ser vivo. Agora, enquanto olhava o corpo sem vida, podia perceber que aquela chama se achava quase extinta. Havia, ao invés das cores do arco-íris e muitas outras, ape­nas um evanescente cinza-azulado que ia ficando mais escuro. Mas, emanando do corpo, o cinza-azulado subia até uns dois pés acima do cadáver. Aí, havia ativo movimento, violento movimento, como inúmeros vaga-lumes dardejando ao acaso, vaga-lumes que haviam sido treinados como soldados e que se esforçavam por encontrarem seus predeterminados lugares. As-pequenas partículas de luz se movimentavam, giravam e se cru­zavam e, à frente dos olhos do Lama, perante sua terceira visão, não tardou a aparecer uma réplica do cadáver, mas como um homem vivo, um jovem. Ainda era um vulto tênue, flutuando despido a pouco mais de meio metro acima do cadáver. O vulto ergueu-se, caiu ligeiramente, talvez uns cinco ou oito cen­tímetros de uma feita. Ergueu-se e caiu, retomou sua posição, ergueu-se e caiu e, durante todo o tempo, os detalhes vinham-se tornando mais claros, o tênue vulto se enchia e se tornava mais substancial.

O Lama sentou-se e esperou enquanto a luz cinza-azulada do corpo sem vida se tornava mais escura, ao mesmo tempo que a luz multicolorida que modelava o corpo acima ia ficando mais forte, mais substancial, mais vívida. De repente houve um súbito aumento de volume e um movimento brusco e o corpo do "espírito" inclinou-se, com a cabeça para cima e os pés para baixo. A ligeira ligação existente entre a matéria e o espírito vivo se desfez, ficando o espírito completo e com vida independente do corpo em que até se abrigava. Imediatamente o cheiro da morte se fez sentir no diminuto quartinho, o odor peculiar e estranho de um corpo que começa a entrar em de­composição, odor desagradável que com freqüência penetra na­rinas acima, chegando à altura dos olhos.

O jovem acólito, sentado por trás dos bastões de incenso que ardiam, pôs-se de pé cuidadosamente e foi até à porta aberta. Inclinando-se cerimoniosamente à frente da viúva re­cente e de seu filho Timon, conduziu-a com delicadeza para fora do quarto e fechou a porta com firmeza. De pé, com as costas a porta, parou por um instante para dizer, sussurrando para si mesmo: "Puxa! Que cheiro!" Suavemente, encami­nhou-se até o oleado que cobria a abertura da janela e o afas­tou para um lado, a fim de permitir a entrada de ar fresco. Uma golfada de areia entrou pela abertura, fazendo-o espirrar e tossir.

— FECHE ESSA JANELA! — ordenou o Lama em voz controlada, mas firme. Com os olhos quase fechados o acólito procurava encontrar o agora drapejante oleado, conseguindo por fim recolocá-lo de novo em sua moldura. "Bem, pelo menos consegui um pouco de ar fresco, melhor do que ESTE FEDOR!", pensou consigo mesmo, antes de voltar para o seu lugar e tornar a sentar-se por trás dos quatro bastões de incenso que ardiam.

O corpo jazia inerte no chão. Dele emanava o borbulhar de fluidos que interrompiam o seu fluxo e encontravam os seus próprios níveis. Dele partiam também os roncos e ruídos de órgãos que deixavam de viver, pois um corpo não morre instan­taneamente, e sim por estágio, órgão por órgão. Primeiro se produz a morte dos centros mais elevados do cérebro e depois, em ordenada procissão, outros órgãos, privados das ordens do cérebro, cessam de funcionar, deixam de produzir as secreções ou de filtrar as substâncias necessárias à continuação do com­plexo mecanismo a que se dá o nome de corpo.

À medida que a força da vida se retira, ela deixa os limi­tes do corpo e os seus conjuntos externos, congregando-se em uma massa informe logo acima do corpo. Essa massa paira por atração magnética enquanto ainda existe alguma vida, enquanto existe ainda algum fluxo de partículas de vida se sepa­rando de seu até então hospedeiro. Com o tempo, enquanto mais e mais órgãos vão abandonando sua força vital, a tênue forma que flutua sobre o corpo-matéria vai adquirindo seme­lhança cada vez maior com esse corpo. Finalmente, quando a semelhança for completa, a atração magnética terá cessado e o "corpo-espírito" partirá em sua viagem seguinte.

Já então o espírito se achava completo e preso ao corpo apenas pelo mais frágil dos fios. Ele flutuava e o espírito propriamente dito encontrava-se confuso e aterrorizado. Ter nasci­do para a vida na Terra era uma experiência traumática. Isso significava morrer para uma outra forma de existência. Morrer na Terra significava que o corpo-espírito estava nascendo de novo em um outro mundo, no mundo dos espíritos ou em um mundo deles. Agora a forma pairava, flutuava mais alto, descia, flutuava e aguardava as instruções do Lama telepático, uma das pessoas cuja vida era devotada a ajudar aqueles que esti­vessem deixando a Terra.

O Lama observava cuidadosamente, usando sua sensibili­dade telepática para avaliar a capacidade do espírito recém-libertado e a sua terceira visão para de fato ver a forma que tomava. Por fim, quebrou o silêncio com instruções telepáticas.

— Ó espírito recém-libertado — disse o Lama —, atentai aos meus pensamentos, pois assim à vossa passagem poderá ser facilitada. Atentai às instruções que darei, para que o vosso caminho seja suavizado, pois milhões já o trilharam antes de vós e milhões mais vos seguirão.

A entidade flutuante, pouco antes um homem da Terra razoavelmente atentou, agitou-se ligeiramente. Um matiz escuro esverdeado tingiu-lhe as formas. Uma débil agitação percorreu-a toda, mas em seguida ela reverteu à inércia. Já havia indica­ções, embora mal definidas, de que essa entidade se encon­trava agora nos vergéis do despertar da coma da passagem da morte na Terra para o nascimento no plano espiritual.

O Lama observava, estudando, avaliando, estimando. Por fim tornou a falar, de novo telepáticamente, dizendo:

—            Ó espírito recém-libertado dos limites da matéria, escutai-me. Um quinto bastão de incenso será queimado para atrair vossa errante atenção de modo que possais ser guiado.

O jovem acólito encontrava-se pensando no problema de como sair para brincar. O tempo era ideal para empinar papagaios. Outros estavam lá fora por que não ele? Por que tinha ele...agora porém voltara a prestar atenção e um quinto bastão de incenso foi rapidamente posto a queimar, soprando a brasa com uma tal energia que no bastão de um vermelho brilhando prontamente a chama surgiu de novo.

A fumaça evolava para cima e envolvia com tênues dedos o vulto espiritual suavemente ondulado que pairava acima do corpo sem vida. O jovem acólito retomou seus pensamentos a respeito do empinar de papagaios. Um fio preso um pouco mais para trás, raciocinava ele, proporcionaria no ar um maior ângulo de ataque e permitiria uma subida mais rápida. Mas, se assim fosse...seus pensamentos foram de novo interrompidos pelas palavras do Lama.

—            Ó espírito libertado falou o Lama, em voz alta —, vossa alma deve ficar alerta. Por muito tempo estivestes imerso nas superstições do ignorante. Trago-vos conhecimentos. O sexto bastão de incenso será queimado para vos trazer conhecimentos que deveis receber antes de iniciardes vossa viagem.

O acólito, na escuridão, procurava freneticamente, no chão de terra, o bastão que acabara de deixar cair, e soltou uma exclamação que NÂO era ensinada na lamaseria quando seus dedos esbarraram na risca ardente e, logo atrás dela, no bastão ainda intacto. Acendeu-o apressadamente e firmou-o no incensor.

O Lama olhou-o desaprovadoramente e continuou suas instruções ao Espírito que Partia.

—            Vossa vida, desde o berço até o túmulo, tem sido emaranhada pela superstição e pelos falsos temores. Sabei que muitas das coisas em que acreditais não têm fundamento. Sabei que muitos dos perigos que temeis são fruto de vossa própria imaginação. O sétimo bastão de incenso será aceso para que fi­queis preso aqui e possais ser convenientemente preparado para a jornada que tendes pela frente.

O acólito estava pronto, o incenso foi posto para queimar e fumegar, e o Lama continuou sua exortação e instruções.

—            Nada somos senão fantoches daquele que está Mais Alto, postos na Terra para que Ele possa experimentar as coisas deste Planeta. Sentimos, embora obscuramente, nossos direitos inatos, nossas associações eternas e, por pensar obscuramente imaginamos, tememos, racionalizamos.

O Lama parou de falar e observou a figura nebulosa que tinha à frente. Observou e percebeu o gradual despertar, o crescente surgimento de interesse. Percebeu o pânico e a incer­teza, sentiu a medida do aterrorizante impacto provocado pelo rompimento com lugares e coisas familiares. Percebeu e com­preendeu.

A forma-espírita inclinou-se e agitou-se. O Lama dirigiu-se a ela.

—            Dizei-me o que estais pensando. Devo receber esses pensamentos se emergirdes do estupor do choque. PENSAI que sois capaz de falar comigo.

O espírito-forma pulsou e agitou-se; as agitações percorre­ram toda sua extensão e em seguida, como o primeiro e débil pipilar de um pássaro que acaba de sair do ovo, ouviu-se o lamento de uma alma assustada.

—            Estou perdido na imensidão — disse ela — e tenho medo de todos os perigos que me cercam. Tenho medo dos que me vão arrastar para o inferno, para que eu queime ou fique gelado por toda a eternidade.

O Lama sorriu com simpatia e disse em seguida:

Espírito atemorizado por nada. Escutai-me. Prestai atenção a mim, para que eu vos possa guiar e dar-vos consolo.

Eu o estou escutando, Lama Sagrado — replicou a forma-espírito — e prestarei atenção às suas palavras.

O Lama fez um sinal com a cabeça para o jovem acólito, que, compreendendo, pegou mais um bastão de incenso.

Ó Espírito atemorizado — continuou o Lama —, o oitavo bastão de incenso será aceso para que possais ser guiado.

O acólito, rapidamente, chegou a isca fumegante ao in­censo e, satisfeito com o resultado, colocou o bastão firmemen­te no incensor, deixando uma vaga apenas a ser preenchida.

—            O homem na Terra — disse o Lama — é um ente irracional dado a acreditar naquilo que não é, em vez de naquilo que é. O homem é grandemente voltado para a superstição e para as falsas crenças. Vós, espíritos, temeis perigos que vos cercam. No entanto, não existem perigos, salvo aqueles que a vossa imaginação criou e que desaparecerão como uma lufada de fumo' tomada pelo vento, se reconhecerdes a verdade. A vossa volta existem dementais formas sem cérebro que refle­tirão tão-somente os vossos pensamentos de terror, como as águas paradas de um poço refletirão as vossas formas se vos debruçardes sobre ele. São elementos sem cérebro, nada mais que criaturas do momento, como os pensamentos de um homem embriagado. Não tenhais medo, não há nada que vos possa fazer mal.

A forma-espírito choramingou de terror e disse, telepáticamente:

—            Mas estou vendo demônios, estou vendo monstros barulhentos que estendem suas garras em minha direção. Eles vão-me devorar. Vejo as feições daqueles a quem enganei em vida e que voltam agora para exigir retribuição.

O Lama, no entanto, ergueu as mãos em bênção e disse:

—            Espírito, prestai atenção a mim. Olhai firmemente para o pior de vossos imaginários torturadores. Olhai-o seria­mente e pensai com convicção que ele desapareceu. Visualizai-o desaparecendo em uma lufada de fumo e ele desaparecerá dessa forma, pois existe somente em vossa febril imaginação. Pensai, agora, ordeno-vos!

O espírito-forma alçou-se e agitou-se. Suas cores percor­reram toda a gama do espectro e, em seguida, pronunciou telepáticamente o grito triunfante:

—            ELE SUMIU... ELES DESAPARECERAM! A forma-espírito agitou-se, expandiu-se e contraiu-se, ex­pandiu-se e contraiu-se exatamente como um homem da Terra ofegando após um grande esforço.

—            Nada há a temer, a não ser o próprio medo — obser­vou o Lama. — Se não temerdes a coisa nenhuma, então NADA poderá fazer-vos mal. Dir-vos-ei agora o que vem em seguida e vós devereis prosseguir no próximo estágio de vossa jornada na direção da Luz.

O espírito-forma, agora, brilhava com novas cores, mos­trava sua confiança e a cessação do medo. Esperava, agora, para saber o que tinha pela frente.

—            Está chegada a hora — prosseguiu o Lama — para que continueis vossa jornada. Quando eu vos liberar, sentireis uma forte compulsão para alar-vos no espaço. Não resistais a essa compulsão. As correntes da Vida irão conduzir-vos através de rodopiantes nuvens de cerração. Hórridas faces vos es­preitarão através das trevas, mas não tenhais medo — a vossas ordens elas desaparecerão. Conservai vossos pensamentos pu­ros e vossa mente calma. Não tardará a que chegueis a um relvado verde, onde sentireis a alegria de viver. Atendentes amistosos virão a vosso encontro e vos darão as boas-vindas. Não tenhais medo. Correspondei a eles, pois aí não encon­trareis quem vos possa fazer mal.

A forma-espírito agitou-se suavemente, como se estivesse meditando sobre todas essas observações. O Lama continuou:

—            Logo em seguida esses atendentes vos escoltarão até a Mansão das Lembranças, repositório de todo o conhecimento, onde todos os atos, bons ou maus, praticados por uma pessoa, são registrados. Na Mansão das Lembranças entrareis e, sozinho, vereis toda vossa vida — como foi e como deveria ter sido. Vós e somente vós julgareis o êxito ou o fracasso dos vossos empreendimentos. Não há outros julgamentos, não há inferno, salvo aquele que vossa consciência culpada vos imporá.. Não há perdição eterna nem suplício. Se houverdes falhado em vossa vida, só vós e tão somente vós, podereis decidir-vos a voltar mais tarde à vida da Terra e fazer uma outra tentativa.

O Lama parou e fez um gesto na direção do acólito, que empunhou o último bastão de incenso.

—            Oh espírito já orientado — disse o Lama — prossegui vossa jornada. Ide em paz. Prossegui sabendo que nada ten­des a temer, a não ser o próprio medo. PROSSEGUI!

Vagarosamente a forma-espírito levantou-se, parou por um momento enquanto dava uma última olhada em torno do quar­to e em seguida atravessou o teto, desaparecendo da vista humana. O Lama e o acólito puseram-se de pé, empacotaram seu equipamento e saíram do quarto.

Mais tarde, quando o sol já atingia o zênite, uma figura maltrapilha aproximou-se da pequena casinha e entrou. Não demorou a sair novamente, carregando nas costas o corpo coberto, os remanescentes mortais do pai de Timon. Caminhou pela trilha pedregosa, conduzindo o corpo para o local onde ele seria desmembrado e espedaçado, de modo que as aves do ar, os abutres, pudessem alimentar-se com os despojos e, com o passar do tempo, devolvessem os restos modificados do corpo à Mãe Terra.

 

—            Ha! Ha! Ha!

O quarto agitou-se com a risada gostosa. O rapaz magro, sentado todo encolhido, com as costas voltadas para quem gargalhara, torceu-se como se tivesse sido atingido por um tiro.

—            Ei, Juss! explodiu a voz. Você leu ISTO aqui?

O Sr. Justin Towne cobriu cuidadosamente o membro por­tátil que estivera tão meigamente acariciando, e se pôs de pé.

—            Leu o quê? perguntou, contrariado.

O Sr. Dennis Dollywogga sorriu amplamente enquanto agitava um livro em cima da cabeça.

—            Oh, rapaz! exclamou ele. Este cara pensa que todos nós, homos, estamos doentes! Ele acha que temos pro­blemas glandulares, que somos todos uma mistura de homens e mulheres. Ha! Ha! Ha!

Justin atravessou o quarto e pegou o livro do amigo. Es­tava aberto na página 99, onde o ímpeto de um êxtase de hilaridade havia forçado a encadernação. Dennis espiou por cima do ombro do amigo e estendeu um dedo longo e afilado para indicar uma certa passagem.

— Aí! — disse ele. — Começa Al. Leia, Juss, o cara deve ser de fato maluco.

Encaminhou-se até uma poltrona e deixou-se cair nela, com um dos braços passado descuidadamente em suas costas. Justin limpou as lentes de seus óculos, tornou a colocá-los no nariz e, enfiando o lenço de volta na bainha de sua manga, pegou o livro e leu:

"No lufa-lufa de deixar o mundo do astral para penetrar nesse mundo que chamamos de Terra, ocorrem inúmeras confusões. Nascer é uma experiência traumatizante, é algo muito violento, e um mecanismo delicado pode ser facilmente danifi­cado. Por exemplo, um bebê está prestes a nascer e sua mãe, durante toda a gravidez, descuidou-se com relação ao que comia e ao que fazia, de forma que o bebê não recebeu o que se po­deria chamar de energia química equilibrada. Ao bebê podem faltar elementos químicos e, assim, o desenvolvimento de certas glândulas pode ter sido impedido. O bebê, digamos, ia nascer como menina, mas, devido à falta de determinadas substâncias, nasceu, na verdade, como menino, um menino com inclinação de menina.

"Os pais podem perceber que o que têm é uma coisinha efeminada e, por um excesso de indulgência ou outra qualquer razão, deixam o fato de lado, procurando incutir no menino, de uma forma ou de outra, um sentimento qualquer que o torne mais masculino, mas isso não dá certo: se as glândulas estão erradas, não importa que tipo de acessórios sejam postos na sua frente, o menino continuará a ser uma menina em corpo de menino.

"Na puberdade, o rapaz poderá não se desenvolver satisfatoriamente, ou, mais uma vez, poderá desenvolver-se aparen­temente. Na escola ele bem que poderá aparecer como um membro da fraternidade dos desmunhecados, mas o pobre ra­paz não tem como evitá-lo.

"Quando atinge a situação de homem, ele verificará que não pode fazer as coisas que vêm naturalmente; ao contrário, ele anda atrás de rapazes de homens. É claro que procede assim porque todos os seus desejos são os desejos de uma mulher. A psique, em si mesma, é feminina, mas, devido a um infeliz conjunto de circunstâncias, foi equipada com um instru­mental masculino, que não pode ser de muita utilidade, mas que ainda ali se encontra!

"O macho, então, se torna aquilo a que vulgarmente se dá o nome de "fresco" e tem tendências homossexuais. Quanto mais feminina for a psique, mais fortes serão as tendências homossexuais.

"Se uma mulher tem uma psique masculina, ela então não se interessará por homens e, sim, por mulheres, porque sua psique, mais perto de seu Superego do que o corpo físico, envia mensagens para o Superego, que manda de volta uma espécie de comando, 'Ocupe-se, faça o que tem a fazer. A pobre psi­que masculina é obviamente repelida pelo pensamento de fazer o que tem que fazer com um homem e, assim, todo o interesse é centralizado em uma mulher, de modo que o que se tem é o espetáculo de uma mulher fazendo amor com outra mulher, aquilo a que chamamos de lesbianismo, devido a uma certa ilha do litoral grego, usada para aquele tipo de coisa.

"É totalmente inútil condenar homossexuais, pois eles não são vilões, devendo, ao contrário, ser classificados como pessoas doentes, pessoas que têm distúrbios glandulares e, se a medicina e os médicos tivessem os miolos com que nasceram, procura­riam fazer alguma coisa com relação a esses distúrbios.

"Após minhas últimas experiências pessoais, estou mais do que convencido de que os médicos ocidentais são um punhado de sabidões preocupados apenas em fazer dinheiro fácil. Minhas próprias experiências são imensamente deploráveis, mas, de qualquer modo, não estamos agora discutindo o meu caso e sim o dos homossexuais.

"Se uma lésbica (mulher) ou um homossexual (homem) conseguem encontrar um médico compreensivo, então poder-lhe-ão ser receitados extratos glandulares que certamente melhorarão bastante suas condições e tornarão a vida suportável, mas, infelizmente, hoje em dia, com a presente geração de médicos que parecem preocupar-se somente com fazer dinheiro, bem... será preciso andar muito para que se encontre um bom médico. No entanto, é inútil condenar-se um homossexual, pois a falta não é dele ou dela. Os homossexuais são pessoas muito infelizes e confusas, pois não sabem o que lhes acon­teceu e não podem evitar, afinal de contas, o mais forte dos impulsos conhecidos pelos homens e pelas mulheres — o im­pulso da reprodução.

"Os espremedores de cabeças, conhecidos como psicólo­gos, não ajudam muito realmente, porque levam anos para fazer o que as pessoas médias fariam em uns poucos dias. Se for explicado claramente aos homossexuais que eles têm um distúrbio glandular, eles poderão normalmente ajustar-se. Seja como for, as leis estão sendo emendadas para conter provisões sobre tais casos, em lugar de sujeitá-los a feroz perseguição e até prisão pelo que, na verdade, é uma doença.

"Há várias formas de ajudar tais pessoas. A primeira é que uma pessoa mais velha e muito compreensiva, que tenha grande afeição pelo doente, deveria explicar precisamente o que aconteceu. A segunda é igual à primeira, acrescentando-se que ao doente deve ser dado algum remédio que elimine o impulso sexual. O terceiro... bem, mais uma vez o assunto deve ser explicado e um médico capacitado poderá dar hormô­nios ou injeções de testosterona, o que poderá ser decisivo em ajudar o corpo nesse problema de ajustamento sexual.

"A coisa vital é que nunca, nunca, se deve condenar um homossexual, pois a culpa não é sua, e ele estará sendo penalizado por algo que não fez, estará sendo castigado por alguma falha da natureza; talvez sua mãe tenha usado o tipo errado de alimento, talvez a mãe e a criança fossem quimicamente in­compatíveis. No entanto, seja qual for a maneira pela qual se encare o problema, os homossexuais somente poderão ser ajudados por compreensão e afeição verdadeiras e, possivel­mente, por uma judiciosa administração de medicamentos".

Que livro é esse? — perguntou Justin ao terminar a leitura, fechando-o e lendo o que estava na capa. "Lobsang Rampa, A CHAMA SAGRADA". Ele alimentaria a chama se nos atacasse — foi o seu amargo comentário.

O que você pensa disso, Juss? — quis saber Dennis, hesitantemente. — Você acha que há alguma coisa nisso, ou é simplesmente alguém alardeando seu ódio contra nós? O que é que você pensa, hein Juss?

Justin passou a língua cuidadosamente no lábio superior onde não cresceria um bigode, e respondeu em tom de voz um tanto agudo:

—            Bem, esse cara não é um ex-monge ou qualquer coisa assim? De qualquer modo, não deve saber mesmo a diferença entre um homem e uma mulher.

Sentaram-se juntos no sofá, folheando as páginas do livro.

Muitas outras coisas que ele escreve aqui, porém, fa­zem sentido — comentou Justin Towne.

Como então é possível que ele esteja assim tão errado a nosso respeito? — interpôs Dennis Dollywogga. Ocorreu-lhe, então, um pensamento positivamente brilhante e ele brilhou como o sol que estivesse surgindo no horizonte e sorriu: — "Por que você não escreve para ele, Juss, e lhe diz que ele está errado? Espere aí, o endereço dele é dado aí no livro? Não? Então, creio que sua correspondência deve ser feita através do editor. Vamos fazer isso, não Juss?

Assim, veio a ocorrer com o passar do tempo, como se diz nas rodas mais elevadas, que o autor, Rampa, recebeu uma carta de um cavalheiro que insistia que ele, Rampa, ignorava a primeira coisa a respeito dos homossexuais. O autor considerou devidamente os horríveis avisos sobre sua sanidade men­tal, capacidade de percepção, etc. e enviou um convite ao seu correspondente. "Confesso que conheço pouco sobre QUAIS­QUER atividades sexuais", escreveu o autor, "mas mantenho, ainda, a precisão de minhas observações. No entanto", conti­nuava a carta, "o senhor me dá a SUA opinião sobre o homos­sexualismo e, se o meu editor tiver nervos bastante fortes e um bom coração, ele permitirá que eu publique sua carta ou artigo em meu décimo terceiro livro".

Duas cabeças se ajuntaram. Quatro olhos examinaram a carta que acabara de ser entregue.

—            Meu Deus! — suspirou Dennis Dollywogga, admirado.

—            O velho nos passou a bola de volta. O que faremos agora?

Justin Towne prendeu a respiração e encolheu o estômago.

—            O que faremos? — perguntou ele com voz trêmula.

—            Ora, você escreverá uma resposta, é isso o que faremos. Você que começou esse negócio.

Por algum tempo reinou o silêncio entre eles. Em seguida, saíram ambos, dirigindo-se ao que deveria ter sido o seu serviço, mas que, na realidade, não passou de uma sessão de raciocínio cerebral, por conta do tempo do patrão.

Os ponteiros do relógio arrastavam-se vagarosamente no mostrador. Finalmente chegou a hora de largar o trabalho e voltar para o "macio". Dennis foi o primeiro a chegar a casa, logo seguido por Justin.

—            Juss — falou Dennis enquanto mastigava o último pe­daço de seu sanduíche de carne picada. — Juss, você é o crânio desta nossa organização e eu sou o músculo. Você é que deve escrever alguma coisa. Meu Deus, estive pensando nisso o dia inteiro e não consegui arrancar coisa nenhuma da ca­chola.

Foi assim que Justin se sentou e, em uma máquina de escrever, redigiu uma resposta. Dennis leu-a cuidadosamente até o fim.

—            MA-RA-VI-LHO-SA! — comentou, encantado. — Isto é que é!

Com todo cuidado dobraram as várias páginas e Dennis saiu para colocar a carta no correio.

O serviço postal do Canadá jamais estabelecerá um re­corde de velocidade devido às greves, manifestações de rua, operações-tartaruga e outros retardos, mas antes da carta criar bolor o autor recebeu-a em sua caixa postal, juntamente com sessenta e nove outras que lhe chegaram no mesmo dia. Fi­nalmente ele chegou àquele pacotinho. Abrindo o envelope, retirou as páginas de seu interior e leu.

—            Hummm — disse por fim (se é que "hummm" pode ser considerado como palavra). — Bem, vou publicar tudo, carta e artigo, porque as pessoas terão a obra toda diretamente da boca de quem a produziu.

Mais tarde o autor, Rampa, tornou a ler a carta e o artigo. Voltando-se para Miss Cleópatra, a siamesa, observou:

—            Bem, Clee, em minha opinião isso justifica COMPLETAMENTE o que escrevi antes. O que é que você acha?

Miss Cleópatra tinha outras coisas na cabeça, como ali­mentar-se, por exemplo, e o autor preparou carta e artigo para serem encaminhados ao editor.   Ei-los:

"Caro Sr. Rampa,

"Estou quebrando uma de minhas regras, por assim dizer, ao encaminhar um trabalho inacabado. O que estou querendo dizer com isto é ser a primeira coisa que me veio à cabeça. Não é exatamente o que eu gostaria de dizer, mas, por alguma razão, parece-me importante que lhe seja remetida assim mesmo. Quando o senhor perceber que escrevo incorretamente e que minha gramática é muito fraca, poderá pôr tudo de lado, desapontado, mas eu não o culparei nem ficarei zangado com isso.

"Nem sempre conseguirei expressar bem aquilo que estou tentando dizer e, se tivesse tempo, revisaria o que escrevi e tornaria a escrever tantas vezes quantas fossem necessárias para fazer o melhor que eu pudesse, mas acredito que seja de alguma utilidade assim mesmo como está.

"As várias coisas que eu gostaria de dizer são: os homossexuais, em sua maioria, não são as coisinhas delicadas que se vêem nas ruas, nem são os indivíduos sobre os quais escre­vem os psicanalistas e os médicos, pois aqueles são os emocionalmente perturbados.

"Sendo um aventureiro, trabalhei em cidades e nas fazen­das, tomei parte em alguns rodeios, etc., etc., e conheço homossexuais em todos os campos que são tão normais como uma torta de framboesas, por assim dizer. Assim, podem ser muito masculinos, podem pensar e agir como homens e NÃO pensam nem agem como mulheres nem têm nenhuma das características femininas que tantos heterossexuais julgam que eles têm.

"Eu gostaria de acentuar, para os homossexuais, o papel importante que eles poderiam desempenhar neste mundo, se se esquecessem de suas nádegas e deixassem de sentir pena de si mesmos. Não acredito em coisas como a ‘Liberação Licenciosa', coisas a cujo respeito, como todos os jovens de hoje, eles pen­sam que têm que fazer um grande alarde, mas, unicamente, ir adiante e trabalhar bem, com as ferramentas de que são dota­dos seus próprios talentos, etc.

"Também procurei destacar que, em meu próprio caso, venho de uma família normal, muito boa, onde não havia desa­venças que pudessem ter-me perturbado emocionalmente e onde ninguém realmente pensa ou suspeita que eu seja "fresco" a não ser que eu mesmo o diga...Não me envergonho disso nem um pouco, pois na minha opinião tal coisa não diz respeito a ninguém, mais do que ser eu um democrata ou um re­publicano, um cristão ou um hotentote...Sei também que sou mais feliz do que muita gente, pois todo mundo imediatamente deseja abrir-se comigo e eu, deste modo, tenho aprendido muito, mujto mesmo, a respeito dos sentimentos das pessoas.

"De qualquer modo, apenas para uma questão de regis­tro... O senhor pode usar este artigo no todo ou em parte, como quiser, pode corrigi-lo, modificá-lo, revisá-lo ou fazer supressões a seu gosto, ou jogá-lo fora se achar que não tem utilidade, e eu não ficarei zangado. Se deseja um nome, use "Justin" e se, por alguma casualidade (pois eu mesmo não estou gostando do artigo), o senhor desejar utilizar-se de ALGUMA PARTE DELE E SE PRECISAR (desculpe-me pelas letras maiúsculas) indicar-me alguém para uma consulta de opinião honesta, a favor ou contra, não me importaria de me corresponder com essa pessoa, mas, como não disponho de uma caixa postal, seria preferível que eu tivesse uma oportuni­dade de escrever primeiro para esse interessado. Sempre parece que, não por minha culpa, mas devido a uma predestinação, as pessoas de repente me conhecem e era como se eu ali esti­vesse para ajudá-las... Agora mesmo estou ajudando inúme­ras pessoas, mas não da minha espécie, por assim dizer.

"Bem, penso que é tudo a esse respeito... Eu gostaria, um dia, de escrever um livro sobre a minha própria vida (como gostariam milhares de outras pessoas), porque talvez isso estimulasse outros a tentarem com mais afinco, mas talvez o faça quando estiver mais velho. No momento, encontro-me muito ocupado em organizar meu trabalho, minha casa, e fazendo uma porção de coisas interessantes (jardinagem, por exemplo, é uma distração para mim), temos uma propriedade pequena no campo com muita vida silvestre e muito o que fazer, e que eu gostaria de que o senhor pudesse conhecer, pois penso que o senhor iria gostar.

"Espero que tudo esteja correndo bem para o senhor e para os seus projetos.

Sinceramente, JUSTIN

"Todo mundo concordará que as características dos indi­viduos variam tanto, de um para outro, como as estrelas do céu ou os seixos de uma praia. Concorda-se, creio eu, que é isso que faz o mundo aquilo que ele é, que faz homens grandes e pequenos, faz com que as nações surjam e desapareçam, e que atrai ou repele duas pessoas. Para bem da clareza, concordemos em que a palavra 'características' inclua todos os traços individuais, humores, forças e fraquezas, defeitos, dons e, de um modo geral, a soma total de tudo o que faz um indivíduo diferente do outro. Algumas dessas características nascem conosco, seja porque as desenvolvemos em vidas anteriores ou porque as escolhemos como necessárias para nos ajudar nesta vida a nos tornarmos uma pessoa mais completa. Assim, algu­mas dessas características foram também desenvolvidas nesta existência.

"As sociedades, em diferentes épocas e em diferentes lu­gares, consideram que essas características são boas ou más, uma, uma qualidade ou um defeito, ou apenas demasiado comuns para serem consideradas, dependendo das opiniões e das necessidades particulares daquelas particulares sociedades. Não vamos, no entanto, tratar de sociedades particulares, mas abordar os ensinamentos de todas as grandes religiões, isto é, que cada homem vem ao mundo expressamente para aprender e experimentar coisas específicas, que vem ao mundo tendo deliberadamente escolhido as características de que individual­mente necessita para se desenvolver. Isso, então, faz com que encaremos todos os homens com maior compreensão, com mais tolerância, e faz ressaltar o significado da expressão "Não jul­gueis para não serdes julgados". Isto não quer dizer que a vida do homem seja completamente predestinada, pois o seu livre arbítrio excede o poder de suas "características indivi­duais" como direito de berço e, deste modo, ele pode escolher, ao seu arbítrio, utilizar-se bem ou mal de seu direito inato.

"Das inúmeras características que o homem possui, normalmente parecem mais fortes as de natureza emocional. Essas características incluem, parcialmente, aquilo do que gosta e do que não gosta, seus desejos, seus amores, etc. Dentre elas, seus amores, ou o envolvimento emocional produzido por seus amores ou por seus ódios, e aqueles que o cercam, desem­penham um papel extremamente importante em seu desenvolvi­mento em todas as fases de seu crescimento. Por exemplo, um homem pode amar a um tal ponto o trabalho que escolheu, que todas as demais experiências da vida são postas de lado. Ou um homem poderá amar sua família de tal forma que sacrifi­cará o próprio desenvolvimento para assegurar-lhe todos os seus desejos e necessidades. Do mesmo modo, o ódio de um homem pode ser de tal extensão que ele despenderá todas as suas energias para eliminar aquilo que odeia, esquecendo-se completamente de tudo quanto pretendia fazer. Isto é particu­larmente verdadeiro em seus amores e seus ódios por outro indivíduo e, quando essas características emocionais se unem à mais destruidora de todas, ojnedo, pode ter lugar uma devas­tação total, perder-se o raciocínio e ocorrer um completo co­lapso. Por exemplo, um enamorado repentinamente descobre que a sua eleita tem um outro amado que parece estar ganhan­do a batalha; seu amor pela dama se torna de súbito ainda mais intenso, seu medo de perdê-la faz aumentar ainda mais sua aversão pelo rival e, se ele puder, talvez chegue ao ponto de esquecer-se da batalha para a conquista do que ama e con­centrar-se unicamente na eliminação de seu competidor, por meio de calúnias, velhacarias, ou muitos outros métodos mais drásticos. Ou, poderá alimentar e despender todas as suas energias em sentir pena de si mesmo, embora não sem voltar seus temores e ódios secretamente contra o rival, mas, mais uma vez, isto absorve tanto suas energias que, com freqüência, seu trabalho sofrerá, sua saúde, sua felicidade e geralmente todo o seu crescimento sofrerão também.

"Então, essas características, amor e medo, e suas contra­partes, ódio, e compreensão (pois nenhum homem pode ter medo daquilo que compreende inteiramente), são, no homem, as características mais fortes de todas. Nunca são elas mais fortes do que nas crenças religiosas, nas convicções políticas e nos amores pessoais de alguém. Culturas, governos, cidades, comunidades e pequenos grupos são todos controlados e gover­nados por suas atitudes com relação a essas predominantes características.

"Vamos considerar algo que é muito íntimo e importante para quase todo e qualquer ser humano. Seu amor individual por outrem e seus efeitos em outras pessoas. "O amor é cego", "Quem ama o feio bonito lhe parece" e "O amor tudo conquista" são, todas, afirmativas muito válidas... John e Mary se gostam e se casam contra a vontade de suas famílias e toda uma vida de miséria e antagonismo pode ser criada para qual­quer membro de ambas as famílias. Não nos vamos, porém, preocupar com indivíduos e sim com uma diferença universal e mais dramática. Vamos examinar a diferença entre o hete­rossexual e o homossexual. O heterossexual (homem ou mu­lher) é nascido em um mundo que parece funcionar pela aguda necessidade de um comportamento heterossexual... É bas­tante óbvio que seja essa a linha normal para a procriação, etc. Deste modo, o heterossexual não pode avaliar o raciocínio de um homossexual. Alguns são de opinião que o homossexual é um degenerado, alguém desprezível que não pode controlar seus próprios desejos; outros acham que são doentes, etc... Há centenas de livros escritos sobre esse assunto, em sua maior parte por psiquiatras que pensam que os homossexuais deviam ter os seus cérebro reduzidos, ou por médicos que acham que os seus encanamentos deviam ser substituídos ou que auxílio médico lhes deveria ser prestado para MODIFICÁ-LOS; alguns outros livros foram escritos por homossexuais, procurando desesperadamente auto-defender e tirar alguma coisa de suas vidas, algumas vezes vidas infelizes. Lamentavelmente, já que os sentimentos da maioria dos desinformados heterossexuais estão à flor da pele, não pode ser feita uma lista de quem é quem no mundo homossexual...No entanto, para qualquer pessoa informada, é uma lista muito longa. Como todos os grupos de pessoas, podemos subdividir e classificar os homossexuais em três grupos principais, um dos quais descrito em "A Chama Sagrada" como sendo o daqueles que, por acidente no nascimento, se tranformaram naquilo que são. O segundo grupo é o daqueles que após o nascimento sofreram fortes pro­blemas emocionais e se voltaram para a homossexualidade para resolverem esses problemas. É sobre esses dois grupos que os psiquiatras e os médicos escrevem. Esses dois grupos são muito pequenos em proporção ao terceiro e mais importante deles. Este terceiro grupo inclui todos os indivíduos que, possivelmen­te, não poderiam aprender tudo o que têm que aprender sem que fossem homossexuais. Em outras palavras, escolhem vir à Terra como homossexuais.

"Antes de entrarmos nesse grupo, vamos em primeiro lugar, lembrar-nos de que existem no mundo milhões de homossexuais...Homens e mulheres...Algumas das pessoas mais notáveis foram homossexuais...A pessoa média, no entanto, não faz idéia de que tantos de seus amigos, heróis e líderes não pensam da mesma maneira que ela. Em algumas cidades do Ocidente, a porcentagem chega a dez por cento. Alguns levantamentos registram índices ainda mais altos. Nas áreas rurais esses índices parecem menores, normalmente por­que o homossexual, rapaz ou moça, tem que encontrar alguém de seu próprio tipo e, como nas pequenas comunidades as pessoas sabem de tudo sobre todos, é exigir muito que alguém permaneça em um território hostil. A pessoa média pensa que pode assinalar um homossexual a qualquer tempo e em qual­quer lugar, mas isto não é verdadeiro, até mesmo entre homos­sexuais. Há milhares de homens e mulheres felizes no casa­mento, com filhos excelentes, e que são homossexuais e que podem ou não "agir" ativamente, como os psiquiatras gostam de dizer. Também é falso que um homossexual não possa fazer amor com uma pessoa do sexo oposto. (Sempre há algumas exceções para todas as regras.) O homossexual não tem rela­ções sexuais com pessoas do sexo oposto normalmente porque não há atração nem interesse; sentem-se mais como irmãos e irmãs com relação ao outro sexo...ou apenas como amigos. Poucos são os homossexuais que não tenham feito amor com o sexo oposto, pois durante o crescimento eles passam por grandes dificuldades em aceitar o fato de que são o que são porque o escolheram e, assim, sentem necessário provar a si mesmos que, se o quisessem, poderiam; além disso, querem provar também que estão certos e que, fisicamente, pode ser divertido, mas sem aquela "certeza" emocional, é um erro e uma perda de tempo, como será perda de tempo jogar futebol, se não se gosta desse esporte. Os homossexuais, em sua maioria, são pessoas muito sensíveis, que NORMALMENTE TÊM UM FORTE SENSO de moralidade e não pularão de uma cama para outra (exceto quando jovens, o que se aplica também ao mundo heterossexual)... Vivem em uma eterna busca por um amante permanente...e, uma vez achado, suas vidas não diferem das do mundo heterossexual.

"Por que iria alguém escolher nascer como homossexual? Porque, diferentemente de qualquer dos outros grupos, determinadas coisas podem ser aprendidas. Se alguém escolhe nascer negro em um país de brancos, ou branco em uma comunidade de negros, poderá aprender o que se sente estando em um grupo minoritário, e conhecer e sentir coisas tais como não ocorreria se fosse um da massa naquele grupo. Assim sucede também com os homossexuais, com a diferença de que estes têm um conjunto de problemas inteiramente diferentes a resol­ver...Por exemplo, o homossexual pode ser preso unicamen­te por ser ele mesmo (em alguns lugares), pode perder o em­prego, ser posto para fora da cidade e submetido a uma série enorme de cenas desconfortáveis por um mundo heterossexual muito pouco esclarecido. O pouco esclarecido mundo hete­rossexual acha que está certo, porque, para ele, tal pessoa está contra as leis dos homens e de Deus... Deixem-me, porém, declarar aqui, muito positivamente o seguinte: (1) se foi von­tade de Deus que uma tal pessoa assim fosse, como pode esse fato ser contrário a Sua Lei? (2) Contrariamente ao que pensa a maioria das pessoas, HOMEM ALGUM poderá vir a se trans­formar em homossexual se não for homossexual. De fato, qualquer homem ou qualquer mulher poderá tentar de tudo... poderá até participar durante um curto período de tempo, haja vista os punguistas e as prostitutas que fazem qualquer coisa por dinheiro, mas não é desses que estamos falando... Mãe ou pai algum precisa temer que seu filho ou filha se transforme subitamente em algo diferente... Vivo há muito tempo e minha vida é a de um homossexual, grande parte da qual convivendo com jovens com esse mesmo problema. Voltarei a isso, porém, mais tarde... Nunca, no entanto, vi uma conversão feliz ou permanente entre eles. Se a "mágica" que atrai um ser huma­no a outro ser humano não estiver presente, ninguém poderá fazer com que apareça. Se fosse possível, quase não haveria homossexuais no mundo, porque o inferno por que passam durante seu desenvolvimento é tão intenso que dariam qual­quer coisa para que essa mágica aparecesse. Em tudo há, en­tretanto, um lado muito mais feliz, pois o homossexual pode conhecer, desenvolver e realizar coisas que, possivelmente, não poderia aprender de outra maneira.

"Para o homossexual médio, uma vez aceito por si mesmo à luz correta, o maior presente que pode receber é a compreensão... Durante toda sua vida de experiências, ele desenvolveu uma forte sensibilidade aos sentimentos alheios e, normalmente, o homossexual, homem ou mulher, possui um intenso sentido de moral, devido à tremenda busca íntima necessária para acei­tar-se a si mesmo sob tais condições. O homossexual é capaz de proporcionar grande dose de bem a este mundo, pois apren­deu a necessidade de ser discreto, a necessidade de ser verda­deiro, a necessidade de dispor de uma mente alerta, a capacida­de de avaliar as pessoas rápida e precisamente e a capacidade de estimar uma situação imediatamente. Afinal de contas, toda sua vida está na dependência dessas capacidades. Desta forma, grandes líderes, guerreiros, comerciantes, médicos e todos os setores deste mundo foram auxiliados pelas virtudes dos homos­sexuais. O homossexual dispõe, normalmente, de uma grande capacidade artística e estética, em cujo caso se tornam escritores, músicos e artistas. São usualmente pessoas simpáticas, dotadas de forte amor humano e deste modo, como um todo, prestam grande conforto.

"Conseqüentemente, com todas essas virtudes mais o fato de que, se o desejarem, são indetestáveis, podem andar por este mundo como qualquer pessoa, praticando o bem, tão desimpedidos, talvez, como possa ser um homem nascido com um defeito físico ou mental, que às vezes leva as pessoas a evitá-lo. Assim, se o homossexual o desejar, poderá marcar inúmeros pontos durante seu desenvolvimento.

"Para registro, também, o fato de que o índice criminal entre homossexuais é muito baixo. Eles são tolerantes e não inclinados à violência física, sendo extremamente raro ouvir-se falar de violações no mundo homossexual... sedução, talvez, mas mesmo assim raramente com relação ao mundo heterosse­xual, principalmente porque o homossexual tem uma grande ne­cessidade de amar e de ser amado, o que não pode ser obtido através de violação ou de sedução não desejada. Em tudo e por tudo, o homossexual não é o vilão que tantos dos mal informados heterossexuais julgam. Freqüentemente isso ocorre porque não lhes é possível entender como pode uma pessoa amar uma outra de seu próprio sexo. Mas, coloquemos as coisas do seguinte modo: em algumas encarnações é necessário nascer mulher para saber de determinadas coisas e, da vez se­guinte, essa mesma pessoa poderá nascer homem. Assim, o que vale é a pessoa e não o corpo físico que ela ocupa. Ê certo que todos os sentidos físicos possam, ordinariamente, atrair o sexo oposto, de modo que a população do mundo não chegue a uma berrante redução, mas, do mesmo modo, somos normalmente atraídos por pessoas que são um complemento de nossa personalidade e que, percebemos, vão-nos ajudar ao longo do caminho da vida, e a quem, por nossa vez, podemos ajudar ao longo desse mesmo caminho...Assim é o homos­sexual.

"Talvez, se eu lhe falasse ligeiramente um pouco a meu próprio respeito, lhe fosse possível mais prontamente compre­ender esse ponto.

"Nasci em uma pequena cidade da Califórnia, filho de pais ideais. Éramos muito pobres, na verdade, mas uma admi­rável mãe e um leal cristão nunca nos permitiram que pen­sássemos ou nos sentíssemos "pobres". Nós éramos ricos e tí­nhamos muita sorte, pois, afinal de contas, quem mais, quan­do chovia, podia navegar em barcos à vela em sua própria sala de estar enquanto a mãe lia empolgantes histórias maríti­mas? Quem mais tinha pais que podiam sair uma noite qual­quer com suas espingardas e, em cerca de uma hora, voltar para casa com um coelho fresquinho em lugar de ter que comer carne comum comprada em um açougue? Nós, os três, éramos crianças felizes e de sorte. Criados em uma escola missionária (co-educacional), a vontade mais profunda de minha mãe era que um de nós seguisse uma ordem religiosa. Quando cheguei aos cinco anos de idade, percebi que eu e meu irmão pensáva­mos diferentemente quanto ao valor das meninas. Nos anos que se seguiram, senti que não havia nada mais atraente e agradável do que estar na companhia de rapazes ou de homens, ficando eu extasiado com a beleza física masculina, e tomei como base, mesmo àquela idade, observar os rapazes, o que significava ser um deles (o que queria dizer participar de suas atividades e me unir a eles); sempre percebi, porém, que as minhas razões para gostar deles eram diferentes das razões deles para gostar de mim, pois, para eles, eu era apenas um companheiro, enquanto eles, para mim, eram algo muito espe­cial, embora não tivesse muita certeza por quê... Eu podia compreender as meninas dando em cima deles, mas tinha pena delas, pois jamais poderiam ser um rapaz como eu e, ao mesmo tempo, ser um deles. Nunca desejei ser uma menina. Natural­mente que, como jovens, tínhamos lá as nossas brincadeiras, depois que aprendemos que havia mais coisas do que as que originalmente a vista alcançava. Mais uma vez eu sabia que era diferente, pelo modo pelo qual eu me sentia a tal respeito. Mesmo então, eu ficava chocado ao perceber que para o outro rapaz a experiência não tinha significação alguma... pois, para mim, era tão espiritual como a Igreja. Isso me aborrecia porque as queridas freiras e a religião ensinavam que tudo isso era na verdade muito errado e eu ofertava missas, orações, velas/Sacrifícios e toda a sorte de coisas, implorando para que eu fosse como todo o mundo era. Não porque eu o desejasse, mas eram tantas as pessoas que me diziam estar errado... Não em tantas palavras, entenda, pois eu sabia que não ousa­ria dizer-lhes como realmente me sentia. Sempre procurei ouvir, o que me permitia entendê-los melhor, e eu sabia. ..

"Aos treze anos fui aceito em um mosteiro onde, eu espe­rava, poderia dar a minha mãe a satisfação de me tornar monge; no entanto, sabia que não estava sendo correto e saí depois de um ano e meio. Estava então por minha própria conta, pois minha família me fez saber que não me poderia sustentar. Estávamos na Depressão. O fato significava que eu não teria que freqüentar a escola, a não ser que o desejasse, pois teria que trabalhar e, é claro, sendo um rapaz normalmente saudável, eu não desejava ir para escola (de qualquer modo nunca fui bom aluno). Parti para uma cidade grande a fim de fazer minha fortuna; eu seria marinheiro e viajaria pelos sete mares; cheguei mesmo a fazer parte da tripulação de um petroleiro, mas ò senso comum (ou o medo) me fez cair fora antes de o navio zarpar, e durante algum tempo permaneci no Arizona para combater índios e homens maus. Eu gostava de cavalos e sabia lidar com eles, de modo que seria bom em um grupo armado, mas a idéia de caçar homens de quem eu poderia gostar me afastou dessa aventura. Sendo aventureiro, eu estava constan­temente em movimento, procurando algum amigo especial e buscando novas descobertas. Quando cheguei aos dezesseis anos, tinha aprendido três coisas muito importantes. Em pri­meiro lugar, que todo mundo homens, mulheres e crian­ças eram atraídos por mim de todas as formas. Além disso, todo mundo confiava em mim e se abria comigo, sendo eu um posto de escuta e um conselheiro de quase todas as pessoas que encontrava. Isso me levou a quase todas as trilhas da vida e meus amigos eram (alguns ainda são) ricos e pobres, criminosos e sacerdotes.

"Em segundo lugar, fiquei sabendo que eu era homos­sexual e procurei forçar-me a mim mesmo em uma vida hete­rossexual, mas sempre me pareceu algo sujo, enquanto que com os de minha própria espécie era alguma coisa tão espiri­tual e boa quanto se podia desejar.

"Em terceiro lugar, aprendi a sorte e a grande obrigação que eu tinha para com os outros, porque eu era seguro, forte, normal e aventureiro e precisavam de mim. Isto, no entanto, criava um sério problema. Criava obrigações para as quais eu não estava preparado, obrigações com relação aos sentimentos das outras pessoas. Aprendi que eu, como qualquer outra pessoa, podia magoar muito a outrem, se não tivesse cuidado. Constatei, também, que muitos rapazes, aproximadamente da minha idade, lutavam contra o homossexualismo tão fortemente que estavam ficando completamente confusos, alguns ingressando no crime para provarem ser homens, alguns ce­dendo e agindo como meninas, outros se enterrando em seus próprios covis. Percebi que podia ajudá-los de alguma forma. O único modo que eu conhecia era me fazer amigo de tantas pessoas quantas viesse a conhecer e deixar que essas pessoas pedissem auxílio; tendo alguma afinidade com as favelas, passava grande parte do tempo nos salões de bilhares de baixa classe e em outros pontos de reunião. Mas eu necessitava igualmen­te da estabilidade dos mais ricos e passava algum tempo, tam­bém, "na cidade". Meu trabalho relacionava-se com a foto­grafia e as artes para ganhar a vida, embora qualquer serviço que aparecesse fosse interessante, particularmente se eu nunca o houvesse tentado antes. Veio a guerra e me alistei na Ma­rinha. Após minha baixa, trabalhei em acampamentos de jo­vens e em reformatórios, mas nada disso tinha o mesmo efeito produzido quando, por acidente, encontrava alguém que real­mente necessitava de mim... Deixe-me dizer, também, que houve muito mais heterossexuais em minha vida do que ho­mossexuais e nunca deixei que eles soubessem de meus senti­mentos, não porque me envergonhasse deles, mas porque mui­tos perderiam sua confiança em mim por não compreender esses sentimentos.

"Ao se iniciar a década de cinqüenta eu estava com trinta anos e havia muito tempo vinha pensando que era tempo de tratar de minha própria vida... o que queria dizer cursar uma universidade, mas, como eu não tinha ginásio, decidi ir para a Europa, onde poderia aprender o que quisesse sem ter necessidade de diploma ginasial, sendo então obrigado a seguir todos os outros cursos que nossas escolas exigem de quem é estranho a profissão que escolheu. Economizei quatrocentos dólares e parti para a Europa, onde passei quase dez anos, verificando que lá existiam inúmeras pessoas que necessitavam de mim como amigo, ainda que eu não fosse um bom lin­güista. De volta ao meu país, no início da década de sessenta, encontrei-me morando num famoso distrito rico; creio que foi aí que aprendi mais e em menos tempo... Dentro em breve esse bairro veio a transformar-se de um lugar onde procurar a juventude significava encontrar a verdade, em um outro, onde os jovens vinham para se esconder da vida... Nos pri­meiros anos, porém, aprendi muita coisa e minha idade e mi­nha experiência ajudaram muitas outras pessoas. Eu tinha um apartamento grande e fiz dele um lar para quem não tinha nenhum. Assim, conheci toda sorte de tipos durante aquele período de três anos. Estou agora com cinqüenta anos e tra­balhando em um mundo de pessoas inteiramente diferentes, mas creio que os resultados finais serão os mesmos.

JUSTIN

 

O autor, sentado em seu escritório, sorriu, um sorriso de grande compreensão. Não era, realmente, um "escritório", mas uma desconfortável cama de metal, sem molas. Uma dessas coisas que sobem e descem a toque de um botão e, quando a cama está no ponto mais alto, a eletricidade é cortada em algum lugar. Era, porém, o único escritório que o autor pos­suía. Sentado em seu escritório do jeito que era sorria de intenso prazer.

O Sr. Harold Wilson, ex-primeiro-ministro da Inglaterra, de acordo com o que fora dito pelo rádio canadense, teria falado algo sobre a imprensa. Suas observações seriam de que, se a imprensa soubesse de um caso, deturpá-lo-ia, e se não conseguisse tomar conhecimento do fato, inventaria um.

EXATAMENTE!

Era isso o que o autor vinha dizendo havia anos uma voz solitária gritando em pleno deserto. A imprensa, na opi­nião do autor, é tola! Sempre ficava imaginando onde teria a imprensa ido buscar a idéia de que era algo "especial". Não faz muito tempo, os boateiros era atirados no riacho das vilas. Atualmente, se uma pessoa tem queda para sujeiras, vai para a imprensa.

Como repórter. O autor, tendo a amarga experiência com a imprensa, acredita piamente que esse bando seja a força mais maléfica que hoje existe na face da Terra, responsável por guerra e por greves. No entanto, a verdade a respeito da imprensa não é popular com os editores e, assim, como não há oposição, essa erva daninha floresce desimpedidamente.

O autor, sentado em seu escritório — a antes menciona­da cama —, contemplava aquilo que o rodeava. Uma enseba­da mesa de cabeceira comprada de centésima mão em algum hospital local, uma velha e batida máquina de escrever japonesa e um velho autor ainda mais batido, este último se des­manchando nas costuras.

Cerca de setenta cartas enchiam a cama. Fat Taddy, a siamesa, espojava-se entre elas, com freqüência rolando em cima, de costas, e sacudindo as pernas no ar. "Camarões, ca­marões", resmungava ela, "por que não temos camarões, hem? É isso o que quero saber!" A linda Cleópatra, sua irmã, sen­tada ao lado do autor, permanecia com os braços cruzados e um sorriso enigmático no rosto.

— Patrão! — disse ela de súbito, levantando-se e sa­cudindo de seu assento um imaginário floco de poeira. — Patrão, por que o senhor não senta na cadeira de rodas e não saímos para espiar os navios? Está chato aqui, não?

Exatamente do lado de fora da janela o navio polonês Stefan Batory estava-se preparando para zarpar. A Blue Peter — a bandeira azul com o quadrado branco no centro — aca­bava de ser hasteada e começava a se reunir uma multidão, como sempre acontece quando um navio de passageiros está para zarpar. Durante alguns instantes o autor sentiu-se tenta­do. "Ora, por que não?", pensou ele. A Virtude, porém, tor­nou a triunfar — além disso, começava a sentir dores nova­mente — e, assim, respondeu:

— Não, Cleo, temos que trabalhar, temos que encher o papel com algumas palavras, a fim de pagarmos esses cama­rões que continuam a perambular por aí.

Miss Cleo bocejou, pulou para o chão com leveza e reti­rou-se. Miss Taddy, depois de um último rolar e sacudir de pernas, seguiu-a.

O autor deu um suspiro que quase fez voar as cartas todas de cima da cama e apanhou um punhado delas. Uma das cartas caiu aberta. "Como é possível", explodia quem a escreveu, "que o senhor OUSE DIZER que não responderá a cartas, a não ser que venha junto o dinheiro para os selos? O senhor não sabe que quem gasta seu tempo e seu dinheiro em lhe escrever está-lhe concedendo uma honra? O senhor tem OBRIGAÇÃO de responder a todas as cartas e prestar todas as informações que lhe pedem!"

"Ora, ora!", pensou o autor. "Alguém vai ter uma sur­presa". A máquina de escrever era velha, estalava as juntas quando muito solicitada, mas a figura do autor não era exata­mente a de um silfo, ainda que tivesse diminuído de suas du­zentas e oitenta e poucas libras de peso, sendo duzentas e quinze seu limite mínimo, mesmo quando com uma dieta de mil calorias diárias. O problema era sua barriga muito grande, ou seus braços demasiado curtos. Secretária? Não, senhor, não, madame. Nenhuma secretária, pois somente os autores que escrevem pornografias ganham o suficiente para pagar uma secretária.

Assim, o autor empunhou a velha máquina de escrever, tristemente, e colocou aquele destroço sobre seus joelhos. "Prezada Srta. Buggsbottom", iam matraqueando as teclas, "sua bondosa carta foi recebida, mas não BEM recebida. Permita-me que me valha da oportunidade para esclarecê-la ou elucidá-la, como dizem os americanos? Minha correspondên­cia aumenta, Srta. Buggsbottom, o que também acontece com as tarifas postais. Só o custo em tempo e em material é atual­mente calculado em MAIS de três dólares para remeter uma simples página de papel. Contrariamente à sua hipótese, não ganho um dólar em cada livro vendido. Recebo de sete a dez por cento sobre o preço de venda mais baixo no país onde o livro é editado".

O autor fungou e se irritou, indignado. "Dessa porcenta­gem eu posso ter que pagar aos primeiros editores a metade não me pergunte por quê! Há ainda outras comissões a serem pagas, perdas na conversão de moedas, e IMPOSTOS. Deste modo, a senhora realmente não sabe nada sobre o que escreveu. Ah, sim, o autor tem também que COMER, como a senhora sabe!"

Ra'ab apareceu.

—            A correspondência já chegou disse ela. Hoje vieram só sessenta e três. Devem estar retidas por aí, em al­gum lugar.

O destroçado autor lembrou-se de uma outra carta que guardara. Mexeu na primeira pilha e pegou uma folha cor de laranja vistosa, com umas flores incríveis impressas em toda a volta.

—            Ah! exclamou ele. Aqui está. Desdobran-do-a, leu: "O senhor diz que é um monge. Como é possível, então, que haja uma Sra. Monge, hem? Como pode explicar uma coisa dessas?"

O pobre autor tornou a suspirar de exasperação. "Como são curiosas as pessoas!", pensou ele, mas a resposta, a má­quina, poderia ajudar alguém. Senhoras e senhores: alguma vez já ouviram falar de um convento de freiras onde há um padre? Já ouviram falar de uma comunidade onde um homem pode viver com uma mulher, com mulheres? Eles nem sempre estarão fazendo as coisas que os libidinosos imaginam que estejam fazendo. Já ouviram falar de uma prisão (por exemplo) que tenha uma enfermeira? Por falar nisso, já ouviram falar de uma enfermeira da noite em uma enfermaria de homens?

Vamos, vamos! Nas melhores comunidades os homens e as mulheres não estão A TODO MOMENTO atirando-se juntos em cima da cama. Oh, muito mau, muito mau. Que idéias têm as pessoas!

O mesmo Estimado Correspondente (Estimado devia ser invertido!) continuava escrevendo "e por que o senhor usa barba? Será para esconder uma boca engraçada ou algo assim?". O Grande Público, porém, ficaria admirado se soubesse as tolices que escrevem as partes componentes do Grande Público. Eis um excerto real... não, o texto integral de uma carta recebida de uma determinada pessoa. É absolutamente verdadeira e está inalterada: "Prezado Senhor, eu devo ser LIVRE, livre para viver minha própria vida sem ser man­dado por outras pessoas. Devo ser LIVRE, ou minha alma perecerá. Mande-me um milhão de dólares pela volta do Cor­reio. (Assinado...)PS. Agradeço antecipadamente".

O autor, tendo feito essa cópia a máquina do original, ficou virando a carta nas mãos, para lá e para cá. Algumas das cartas eram...GOZADAS. Tornou a suspirar, provavel­mente devido ao ar parado e poluído da cidade, e atirou a carta no depósito do lixo. Bah! "O senhor pode dizer isso nova­mente", resmungou Fat Taddy ao entrar. Mas a vida e as car­tas continuam. Mais coisa a respeito de homossexuais? Que furor! Algumas pessoas, que se opõem a eles, estragariam por completo sua alegria com suas afiadas facas. Mas eis aqui alguma coisa mais a respeito do sexo feminino.

O bar subterrâneo, na área mais perigosa do Soho, em Londres, onde QUALQUER COISA pode acontecer, estava quase vazio. O atendente do bar, com cara de malfeitor, encontrava-se apoiado na parede oposta de seus domínios, pali­tando os dentes preguiçosamente e sem pensar em coisa alguma em particular. Na extremidade do balcão estavam sentadas duas pessoas, em bancos altos, sussurrando em voz baixa sobre assuntos torpes assuntos que não iam acima da cintura.

Lotta Buli era a síntese da mulher emasculada, faltando-lhe apenas certos acessórios essências para que fosse um ho­mem completo. Tinha o cabelo cortado curto, quase à maneira militar, seu rosto duro seria uma dádiva para um sargento-mor em um acesso de fúria. Seus trajes eram o mais unissex dos unissexes, e sua voz tão cheia quanto o apito de um navio nas docas de Londres. Ela lançava olhares de proprietária sobre a moça que tinha a sua frente.

Rosie Hipps era completamente feminina, macia e frívola, e dificilmente teria algum pensamento em sua insípida cabeça loura. Com os olhos azuis e os cachos de uma boneca de louça, dava a impressão de recatada inocência. Rosie Hipps era curva, tão curva quanto Lotta Buli era angulosa. Rosie colo­cou delicadamente um cigarro em uma longa piteira; Lotta mastigava a ponta de um charutinho.

Um freguês entrou no bar e ficou alguns instantes olhan­do em volta. Vislumbrando Rosie Hipps, encaminhou-se em sua direção, mas mudou de rumo abruptamente, a meio ca­minho, ao perceber o olhar feroz de Lotta Buli. Discretamen­te, dirigiu-se para onde se encontrava o atendente do bar, ago­ra erecto e limpando os vidros.

Deixe em paz aquela boneca — sussurrou o atenden­te do bar — ou o macho dela vai querer briga. É uma fera essa tal Lotta Buli. O que quer tomar?

Homens! Só pensam nisso! — resmungou Lotta. — Mato o homem que se aproximar de mim da forma errada. Mulheres são minha especialidade, mais limpas. Mais limpas. Você já esteve com algum homem, Rosie?

Rosie sorriu, depois riu-se abertamente de seus pensa­mentos íntimos.

—            Vamos a algum outro lugar — disse ela. — Aqui não é próprio para conversas. — Esvaziaram seus copos rapidamente e saíram para a rua. — Vamos pegar um táxi — su­geriu.

Um gesto rápido com a mão e Lotta Buli fez com que um táxi londrino fizesse uma volta completa na rua e viesse parar ao lado delas. O motorista observou-as entrar, abaixou a bandeira do relógio e acenou afirmativamente com a cabeça quando Lotta lhe deu o endereço, uma obscura rua em Paddington, bem por trás do Hospital. O tráfego estava calmo — para Londres —, àquela hora da noite. O pessoal dos escritó­rios já tinha ido para casa, as lojas estavam fechadas e era ainda muito cedo para as multidões que se dirigem aos teatros e cinemas. O táxi avançava, evitando os pesados ônibus ver­melhos, passando pelos familiares veículos da Green Line, também em suas apressadas viagens de ida e volta à zona rural além da cidade.

O táxi virou uma esquina e parou suavemente. Lotta Buli consultou o taxímetro e remexeu em sua bolsa antes de pagar.

—            Muito obrigado, senhor — agradeceu o motorista, — boa viagem.

Com a familiaridade que a longa prática traz, engrenou a marcha e se afastou pela estrada, em busca da corrida seguinte.

Lotta Buli pôs-se a caminhar estólidamente ao longo da calçada. Rosie Hipps seguiu-a, tropeçante, em saltos tão altos que todas as coisas se sacudiam e rebolavam nos lugares apropriados. Homens diversos, de todas as idades, vagueando pela rua, voltavam a cabeça e assobiavam apreciativamente, provo­cando olhares gelados de Lotta.

A chave girou na fechadura e com um snick quase inau­dível a porta se abriu. Lotta tateou em busca do comutador e a saleta de entrada se inundou de luz. Entraram e a porta se fechou às suas costas.

—            Ah! — suspirou Rosie Hipps, deixando-se cair prazenteiramente em uma cadeira baixa e tirando os sapatos. — Meus pés estão-me matando!

Lotta foi até à cozinha e ligou a chaleira elétrica.

—            O que quero é um chá — disse ela. — Estou seca como um osso.

O chá estava quente e os bolinhos saborosos. Sentaram-se juntas no sofá antigo, com uma mesinha baixa a sua frente.

Rosie, você vai-me falar a respeito desse seu primeiro homem — disse Lotta, esticando uma perna e afastando a mesa. Ajeitou os pés descalços no sofá e puxou Rosie para perto. Rosie riu e disse:

A coisa mais horrorosa, de fato. Foi há uns anos atrás. Na época eu não sabia a diferença entre um rapaz e uma moça. Nem sabia que havia uma diferença. Mamãe era muito rigorosa. Naquele tempo eu freqüentava a escola do­minical — tinha meus dezesseis anos, creio. O professor era um homem moço, de uns vinte anos de idade. Mostrava-se amistoso e eu me sentia cortejada. Tinha também um pequeno Vauxhall, o que me fazia julgá-lo bem na vida.

Interrompeu-se para acender um cigarro e lançar no ar uma nuvem de fumaça.

—            Muitas vezes, depois da escola dominical, ele queria levar-me para casa, mas mamãe era tão rigorosa que sempre eu dizia que não. Por isso, ele me sugeriu que eu fosse em seu carro e saltasse no fim da rua. Concordei e entrei no Vauxhall. Tudo muito bonito, o carro também. Bem, levou-me para casa diversas vezes e, de uma feita, parou no Parque. Nessa oca­sião morávamos em Wandsworth. Parecia que ele estava tendo problemas com sua respiração ou qualquer coisa assim; eu não entendia nada do que ele estava falando, mas como suas mãos estavam-se mexendo tanto, pensei que estivesse querendo bri­gar ou algo semelhante... pobre tola era eu então. Foi quan­do um policial a cavalo virou uma esquina e o rapaz engrenou a marcha e demos o fora como coelhos assustados.

Rosie brincou com o cigarro que tinha na mão e o apagou no cinzeiro. Fez-se silêncio por alguns instantes, finalmente quebrado por Lotta Buli, dizendo:

—            Bem, e depois?

Rosie soltou um suspiro tão profundo que quase caiu do sofá, e continuou.

—            Mamãe era tão pudica... Não havia homens na casa. Papai morrera em um acidente logo depois que nasci. Eu não tinha parente algum do sexo masculino, nem bichi­nhos... nada. As traquinadas de pássaros e abelhas nada significavam para mim. Oh, sem dúvida que nós, garotas, na escola, brincávamos juntas, como as garotas fazem. Explorá­vamos todas as avenidas, como dizem os políticos, mas rapa­zes... não. Havia muitos rumores a respeito deles, mas as observações estavam muito além de minha compreensão. Eu sabia que havia cristãos e que havia judeus, mas pensava que a diferença entre rapazes e moças era mais ou menos a mes­ma coisa, freqüentando diferentes igrejas, diferentes escolas ou algo assim.

Rosie parou para acender outro cigarro, tossindo bastan­te ao aspirar a fumaça em um momento errado. Lotta Buli empertigou-se para servir-se a si mesma mais uma xícara de chá e sorveu a bebida quente de um grande gole. Recostou-se e pôs o braço por trás de Rosie.

Sim? — indagou, correndo suas mãos para cima e para baixo, como se estivesse tocando um violino.

Bem, como você pode esperar que eu fale, fazendo uma coisa dessas? — perguntou Rosie. — Espere até que eu tenha contado, se é que você quer ouvir, ou prefere que seu docinho ponha alguma música ou algo assim?

Lotta tornou a passar o braço em torno da cintura de Rosie, e disse:

Oh, lá vem você novamente com suas coisas. Con­tinue!

Bem — prosseguiu Rosie — não o vi absolutamente até à aula dominical seguinte. Ele olhou para mim um pouco assustado e sussurrou: "Você contou a sua mãe?" Claro que respondi que não, que não contava tudo para ela. Ele pareceu aliviado e prosseguiu a nos ensinar a Boa Palavra. Em segui­da, disse que um homem da Campanha da Esperança desejava conversar conosco porque nós deveríamos assinar o Compromisso de sermos abstêmios ou algo assim. Para mim não sig­nificava coisa alguma, pois nunca provara álcool.

Do lado de fora ouviu-se um forte estrondo, quando dois carros se chocaram, com um som metálico dissonante. Lotta Buli deu um pulo tão violento que a pobre Rosie foi jogada ao chão. Lotta correu até à janela e espiou a cena lá embaixo, pedestres se juntando, os dois motoristas xingando-se com im­propérios e, em seguida...a polícia.

—            POLÍCIA! ridicularizou Lotta. Nunca pude suportar a polícia. Eles estragam tudo. Vem, Rosie, continue.

Retomaram o lugar no sofá apropriadamente conheci­do como berço do amor e Rosie prosseguiu.

—            Após a escola dominical eu estava indo para casa quan­do ele parou o carro a meu lado e abriu a porta. Entrei e ele partiu, fomos até Putney, onde ficamos sentados no carro, à margem do rio. Claro que havia muita gente em volta e nós ficamos só sentados e conversando. Ele disse uma porção de coisas que eu não entendia... naquela época! Ele disse que eu era uma tola em fazer apenas o que minha mãe me dizia. "Vamos juntos a Maidenhead no próximo domingo", disse ele. "Diga a sua mãe que vai sair com uma amiga. Conheço um lugar onde poderemos nos divertir". Eu respondi que ia pensar sobre o assunto e ele me levou para casa depois de com­binarmos que nos encontraríamos na sexta-feira, depois das aulas.

"Durante toda aquela semana mamãe foi um perfeito ani­mal. "O que há com você, Rosie?" perguntava ela a toda hora. Na escola tudo saiu errado. Minha amiga, Molly Coddle, de repente passou a me odiar uma dessas coisas que acontecem com as garotas, sabe? e a vida estava completamen­te miserável. Eu era uma das monitoras e a Diretora brigou comigo por eu não ter relatado coisas que nem mesmo vi. Quando eu disse que não tinha visto nada, ela falou que eu não tinha capacidade para ser monitora. Oh, que semana es­túpida!

A pobre Rosie parou e suspirou de indignação à volta das lembranças em borbotões.

—            Depois a Diretora me perguntou se eu tinha algum problema ou qualquer coisa assim. Eu disse que não, que ela é que estava-me causando problemas; ela ficou vermelha e dis­se que contaria a minha mãe meus modos insolentes. Oh, meu Deus! Pensei então que tudo já tinha passado. A semana, porém, se arrastava, se arrastava mesmo.

Lotta Buli sorriu com simpatia.

Vamos tomar alguma coisa, hem, Rosie? pergun­tou ela, levantando-se e encaminhando-se até o bar embutido em um dos cantos da sala. O que você quer tomar? Uís­que? Gim tônico? Vodca?

Não. Hoje estou comum, dê-me uma Watneys respondeu Rosie. Todas as minhas esperanças estão agora na cerveja, que é o que quero beber.

Continuaram sentadas no sofá, Lotta com um uísque com gelo e Rosie com sua cerveja.

Puxa! Sua estória está-me interessando exclamou Lotta. — Quer-me contar o resto?

Então, na sexta-feira pela manhã, antes de ir para o colégio prosseguiu Rosie mamãe recebeu uma carta da Diretora — a velha besta e mamãe ia ficando de um ver­melho horrível à média que ha. "Rosie", berrou mamãe quan­do acabou de ler (deve ter sido um colosso!) "Rosie, espere só até você voltar do colégio. Vou-lhe dar uma surra que vai arrancar o couro de suas costas, sua...sua..."Ficou sem fôlego e gaguejante e a voz lhe faltou. Fugi. No colégio, naquele dia, só tive problemas do começo ao fim; todo o mundo estava brigando comigo.

Rosie fez uma pausa para tomar um gole e reconstituir suas lembranças.

—            Ele estava esperando logo depois do portão da es­cola. Puxa! Como fiquei feliz em vê-lo! Corri até o carro e me atirei lá dentro. Ele arrancou rapidamente e fomos esta­cionar lá adiante — naquela pracinha que você conhece — onde lhe contei tudo o que tinha acontecido. Disse a ele que estava com medo de voltar para casa. "Vou-lhe dizer o que deve ser feito", disse ele por fim. "Você vai escrever um bi­lhete para sua mãe e vamos arranjar um menino para entre­gá-lo a ela. Diga que vai passar a noite com sua amiga Molly Coddle". Arranquei uma folha de meu caderno de exercícios e escrevi o recado.

Lotta acenou com a cabeça avidamente.

Logo em seguida ele arranjou um garoto de bicicleta para entregar o bilhete e tomamos a estrada na direção de Maidenhead. Nas orlas existem esses lugares gostosos, você sabe, cabinas. Há lá, também, um restaurante. Ele alugou um quarto para nós e fomos em seguida comer alguma coisa. Já era tempo mesmo, pois estava com uma fome terrível. Mamãe estava tão furiosa comigo que cheguei a me esquecer de tomar o café da manhã, só para cair fora de casa. Não se pode comer quando uma outra pessoa nos está atazanando. Quanto a refeição do colégio, você sabe como são! São algo para ser esquecido o mais depressa que se possa. — Rosie balançou a cabeça e franziu o, nariz só em lembrar-se.

É mesmo — concordou Lotta Buli com azedume — mas você devia ver o que nos davam no Reformatorio! Mas, continue!

Então eu estava verdadeiramente faminta — retomou Rosie Hipps. — Comi o mais que pude, enquanto ele continuava falando, embora eu não escutasse, pois estava ocupada com a comida. Parecia que ele queria umas certas brincadei­ras. Oh! Que importância tem isso? pensei comigo mesma. É a mesma coisa que eu e Molly Coddle fazemos juntas. E se ele for diferente de mim de algum modo estranho? Não pode um cristão orar com um judeu? Oh, como eu era tola e igno­rante!

Rosie recostou-se no sofá e riu com tristeza àquela recordação. Tomou um gole da cerveja e reiniciou a narrativa.

—            Bem, eu tinha muito o que comer e muito o que beber — chá, você sabe; olhei em torno procurando o toalete de senhoras, não encontrei e sugeri que fôssemos para o quarto. Atravessamos o local de estacionamento, e entramos no quarto que ele tinha alugado. A porta do banheiro estava aberta e eu disse que ia até lá. Bem, demorei bastante, com uma coisa e outra, mas finalmente acabei, apaguei a luz e voltei para o quarto.

Rosie parou e soltou uma gargalhada curta e dura. Lotta Buli permanecia sentada, com a boca ligeiramente aberta. Tomando um gole, Rosie recomeçou o que estava contando.

—            Voltei-me e lá estava ele. Meu Deus, nunca tinha tido um choque tão grande antes — lá estava ele, nu como no dia em que nasceu. Mas, meu Deus! Ele era coberto de pêlos e havia uma coisa terrível e protuberante que se destacava de seu corpo. "Ele tem um câncer", pensei comigo mesma; ele se encaminhou em minha direção e eu escorreguei para o chão, assustada. Devo ter batido com a cabeça em alguma quina de cadeira ou qualquer outra coisa, porque desmaiei de fato.

Lotta Buli ofegava de emoção e seus olhos começavam a se mostrar selvagens.

Rosie Hipps continuou.

—            Após o que pareceu ser um tempo muito longo co­mecei de novo a perceber as coisas. Parecia que tinha em cima de mim um peso enorme. "Oh, meu Deus!" pensei ainda meio estonteada. "Um elefante sentou-se em cima de mim". Abri meus olhos e soltei um grito de terror. Ele estava em cima de mim e eu, também, me encontrava completamente despida. Meu Deus, ele estava-me machucando. Em seguida, o que foi pior, ele saiu de cima de mim, deixou-se cair de joe­lhos e começou a rezar com afinco. Logo depois ouvimos o ruído de pés correndo, uma chave foi enfiada na fechadura e dois homens entraram no quarto. E, para me cobrir, tinha so­mente o rubor da vergonha!

Lotta Buli recostou-se no sofá, com os olhos abertos ape­nas parcialmente, provavelmente visualizando a cena. Mas Rosie prosseguiu.

Um dos homens me olhou, de alto a baixo, e per­guntou: "Ouvimos o seu grito, senhorita. Ele a estava violen­tando?". Sem qualquer outra palavra, ambos se atiraram em cima do professor da escola dominical e bateram nele de todo o jeito. Ele se limitava a berrar sua orações. "É melhor ves­tir-se, senhorita", disse um dos homens. "Vamos chamar a polícia". Oh, meu Deus, pensei, o que será que vai acontecer agora? Apressei-me a pôr minha roupa e fiquei assustada ao ver que havia bastante sangue em minhas pernas, mas eu ti­nha que me vestir.

O que aconteceu depois, chamaram a polícia? quis saber Lotta Buli.

Claro que sim! respondeu Rosie. Chamaram pelo telefone, um carro da polícia não demorou a chegar e, logo atrás dele, um cara qualquer da imprensa. Olhou para mim e lambeu os beiços enquanto abria sua caderneta de no­tas. Um policial impediu-o. "Deixe a moça", disse o policial. "Talvez ela seja de menor idade". Assim, o cara da imprensa voltou suas atenções para o professor da escola dominical, que se mantinha de pé, pelado como uma banana descascada. Os homens não haviam permitido que ele se vestisse até que a polícia chegasse. Agora, porém, eu sabia a diferença entre um homem e uma mulher!"

Lá fora um jornaleiro gritava: "Extra! O crime do sé­culo! Extra!"

É isso o que eles fazem — observou Lotta Buli. — A imprensa pega um incidentezinho sem importância e o transforma em um grande caso. Mas, o que aconteceu em seguida?

Bem — disse Rosie Hipps — a polícia perguntou uma porção de coisas. Meu Deus! Que blá-blá-blá! Fizeram uma série de perguntas, quiseram saber se eu fora para o quarto por minha livre vontade. Eu disse que sim, mas não sabia, então, o que eles queriam. Eu disse que não sabia da diferença entre um homem e uma mulher. Riram-se como uns bêbados quando eu disse isso e o cara da imprensa rabis­cou febrilmente alguma coisa. "Agora eu sei", acrescentei, e o cara rabiscou novamente. De repente o professorzinho se soltou e caiu de joelhos, pondo-se a despejar suas orações aos borbotões. Depois, Deus do céu, ele se pôs de pé e me acusou de tê-lo levado para lá! Nunca me senti tão humilhada em toda a minha vida.

Eles levaram você para a Delegacia? — perguntou Lotta Buli.

Sim, levaram. Fui posta no carro da polícia, ao lado do motorista, e o outro policial e o professor da escola domi­nical entraram para o banco de trás e fomos todos para a De­legacia de Maidenhead. A imprensa atrás. Agora já eram sete os caras. Na Delegacia, fizeram-me entrar em uma sala e um médico e uma mulher da Polícia me mandaram tirar toda a minha roupa. Abriram minhas pernas — meu Deus! como me sentia envergonhada! — e me examinaram. O médico as­sinalou marcas, machucadelas e tudo isso e a mulher ia ano­tando. Em seguida, o médico enfiou um tubo em mim e disse que estava somente colhendo algum material para ver se eu tinha sido violentada. Meu Deus! O que mais teria pensado ele que me teria acontecido?

Rosie se interrompeu e apanhou o copo que Lotta torna­ra a encher. Depois de um bom gole, como que para afogar más recordações, ela continuou.

—            Após o que me pareceu serem horas e mais horas, um homem e uma mulher da polícia me levaram para minha mãe. Mamãe estava branca e espumava de raiva. Sacudia na mão um jornal onde se lia um título em letras garrafais: "Estudante de ginásio arruína destacado professor de escola do­minical". Mamãe estava lívida. Lívida mesmo. Ela disse à polícia que me levasse para onde quisesse, que ela não queria mais nada comigo — a porta bateu com estrondo. Os dois policiais se entreolharam. A mulher me levou de volta para o carro da polícia enquanto o homem batia na porta.

Rosie parou para acender um cigarro e prosseguiu. Finalmente o policial voltou e me disse que minha mãe tinha fechado a porta para mim para sempre. Olhou-me com pena e disse que teriam que me levar para um Lar do Exército de Salvação para Moças Rebeldes — eu! Assim, para encurtar uma história muito comprida, fui acomodada para passar a noite naquele terrível prédio que você conhece tão bem.

Lotta Buli fungou.

—            Claro que conheço! observou ela, acidamente. — Foi lá que fiquei sabendo a respeito dos pássaros e das abelhas e descobri que urinol não é para se sentar em cima. Mas conte o resto a seu respeito.

Rosie Hipps pareceu satisfeita com o continuado interes­se de Lotta e prosseguiu seu caso.

—            Naquela noite eu aprendi tudo sobre a vida. Aprendi tudo sobre sexo. Meu Deus! Algumas daquelas garotas eram malucas, malucas mesmo! As coisas que elas faziam umas com as outras. Seja como for, até mesmo aquela interminável noite do inferno passou e, pela manhã, me serviram o café — que eu não consegui tomar — para em seguida me levarem perante o tribunal e não era o Buckingham Palace!

Rosie permaneceu em silêncio durante alguns momentos, reunindo seus amargos pensamentos e em seguida, acendendo outro cigarro, retomou a sua narrativa.

—            A policial que me acompanhou tratou-me como se eu fosse uma criminosa perigosa. Foi estúpida comigo. Disse a ela que eu era a vítima. "Cale a boca!" replicou ela. Bem, após uma longa espera, fizeram-me entrar na sala do Tribunal. Oh! Como era terrível! A imprensa lá estava; minha mãe, sentada, olhando para mim, furiosa; trouxeram o professor da escola dominical e o colocaram no banco dos réus. Tive que contar tudo. Alguns dos homens ofegavam quando me per­guntaram se eu tinha ido com ele voluntariamente. Respondi que sim, mas que não sabia o que ele queria. Todos riram. Oh! Mesmo agora é-me difícil lembrar-me de tudo isso.

Rosie parou e enxugou os olhos com um minúsculo lenço de renda.

—            De qualquer modo — continuou ela — eles disse­ram que eu tinha mais de dezesseis anos e era responsável, e um jornalista, que andara fazendo um artigo sobre nossa es­cola, apressou-se a declarar que me vira correr para o carro e me atirar para dentro dele. Não foi usada força, disse ele. Assim, soltaram o professor da escola dominical, avisando-o de que se portasse bem no futuro. Meu Deus! Sem dúvida, ele saiu correndo do tribunal!

Rosie parou e apagou o toco do cigarro, bebendo um gole de cerveja em seguida.

—            Caíram então em cima de mim — retomou ela. — Eu era má, ingrata, perversa. Até minha pobre e sofredora mãe viúva, que trabalhara e se desgastara durante dezesseis anos por minha causa, tinha adoecido por minha culpa, me pusera para fora de casa, me rejeitara e não queria mais nada comigo. Assim, o Tribunal tinha que fazer alguma coisa para salvar minha alma. Então um funcionário qualquer, encar­regado de fiscalizar os beneficiados pela lei ou algo semelhan­te, ergueu-se e disse alguma coisa. O velhote, durante todo o tempo mexendo e remexendo na sua caixa de óculos, consul­tou um ou dois livros e disse que eu teria que ir para uma Escola para Moças Rebeldes durante dois anos.

Lotta Buli acenou com a cabeça em muda simpatia. Rosie continuou.

Bem, isso acabou comigo. Eu não tinha feito coisa nenhuma. Contei-lhes, então, o que acontecera o mais calmamente que me foi possível, pois queria que o relato fosse bem claro. O velho disse que eu era uma moça muito rude e muito ingrata. "O caso seguinte", determinou ele, e fui levada para uma cela. Uma pessoa qualquer empurrou um sanduíche em minha trêmula mão, enquanto uma outra me passava uma caneca de chá frio. Claro que não toquei em nenhuma dessas coisas.

O mesmo que quando me apanharam comentou Lotta Buli, — mas, prossiga.

Rosie respirou fundo e continuou.

—            Então apareceu uma mulher que disse que eu não poderia ir para a escola naquele dia e que eu teria que passar a noite na Prisão de Holloway. Imagine só, eu em Holloway, sem ter feito coisa alguma. Mas me levaram, em uma maria-preta. Foi TERRÍVEL. Nunca me senti tão-só em toda mi­nha vida. Parou e tremeu, dizendo depois, simplesmente: Foi isso o que aconteceu comigo.

Lotta Buli mexeu em uma almofada e um livro caiu ao chão com um ruído abafado. Esticou o longo braço e apanhou o livro. Rosie olhou a capa do livro e sorriu interessada.

—            É um livro muito bom disse Lotta. Espere um momento. Folheou as páginas. Leia aqui. Tem muita coisa a respeito de homossexuais e de lésbicas. Você devia ler. Eu concordo com tudo o que está escrito aí.

Rosie Hipps riu com considerável emoção.

—            Ler isto? Já li todos os livros que ele escreveu e sei que são todos verdadeiros. Sabe, escrevi para ele.

Lotta Buli soltou uma gargalhada.

—            Ah, espere aí! — disse ela. — Ele é o mais eremita de todos os eremitas. Como você poderia ter vindo a co­nhecê-lo?

Rosie sorriu, um sorriso discreto, e falou.

—            Ele me ajudou muito. Ajudou-me quando eu pensei que ia ficar maluca. Foi assim que o conheci! — procurou alguma coisa dentro da bolsa, donde, finalmente, tirou uma carta. — Isso é dele — disse Rosie, passando a carta para Lotta.

Lotta leu e balançou a cabeça, em aprovação.

Como é ele realmente? — perguntou Lotta.

Oh, um bocado quadrado — respondeu Rosie. — Não bebe nem fuma. Mulheres, para ele, não passam de um conceito abstrato. O que está bem — continuou ela — por­que seu apetite sexual não vai além do pudim de arroz frio da semana passada. Não, ele é de opinião que, se as mulheres permanecessem em casa tomando conta dos filhos, o mundo seria um lugar melhor. Você sabe, tudo no seu lugarzinho certo.

Lotta Buli franziu o cenho, concentrando-se.

—            Nada de mulher, hem? Será que ele é um de nós — homossexual?

Rosie Hipps recostou-se no sofá e riu até lhe chegarem lágrimas aos olhos.

—            Deus do céu, não! — exclamou ela. — Você com­preendeu tudo errado. De qualquer modo — acrescentou com tristeza — o pobre homem está agora entalado entre sua cama e sua cadeira de rodas.

—            Puxa! Eu gostaria de conhecê-lo! — falou Lotta.

Não tenha esperanças — retrucou Rosie. — Ele não se avista mais com ninguém. Alguns jornalistas ajuntaram um punhado de mentiras a respeito dele e deturparam tudo o que disse ou fez. Ele acha, agora, que a imprensa é a maior força do mal que existe neste mundo. Eu sei que a imprensa foi a causadora de minha ida para a Escola de Correção — acrescentou reflexivamente.

Bem — disse Lotta, pondo-se de pé. — Acho que devemos descer até o Expresso.

 

A chuva fraca caía suavemente, como se estivesse sendo despejada sobre a terra por uma bondosa Deusa das Mercês, trazendo vida renascente a uma árida região. A delicada precipitação de água, tão suave quanto o orvalho, hesitava e on­dulava, como que incerta com relação ao seu destino, até que, ao tocar o solo seco, produzia um débil sussurro antes de que a umidade desaparecesse nas profundezas da terra. No solo, pequeninas raízes retorciam-se à confusa percepção do toque do líquido, remexiam-se e avidamente absorviam a água que lhes trazia a vida. Como se tocados por uma miraculosa vara de condão, os primeiros e pequeninos brotos verdes apare­ceram na superfície da terra. Um tênue revestimento verde que crescia e se adensava à medida que a chuva aumentava.

Já agora a chuva se havia transformado em uma torren­te de água. Grandes gotas caíam e levantavam pequenos sal­picos de terra, manchando de lama as plantinhas recém-nas­cidas. Aqui e ali começaram a aparecer pequeninos botões. Nessa desolada região a Natureza estava preparada para mudar rapidamente, para fazer aparecer a vegetação aos pri­meiros vestígios de umidade. Diminutos insetos iam apressa­damente de uma planta para outra e saltavam de pedrinha em pedrinha.

De uma depressão próxima no solo partiu um débil e estranho silvo, seguido por um burburinho e ruídos de seixos rolando. Não tardaram a surgir as águas crescentes de um fi­lete, carregando a escória de um solo impermeável, insetos afogados e os detritos secos de uma área havia muito tempo sem água.

As nuvens baixaram ainda mais. As monções indianas, esbarrando no Himalaia, desfaziam-se em torrentes de água que se despejavam de nuvens ameaçadoras e pesadamente car­regadas. Havia clarões de relâmpagos e as trovoadas explodiam e ecoavam contra os flancos da montanha. Aqui e ali raios se chocavam de encontro a cumes proeminentes, esmagando-os e explodindo em uma nuvem de pó e de pedras que se despe­javam pelas encostas íngremes até irem bater com estrondo, lá embaixo, na terra ensopada. Uma pedra destacou-se e caiu em uma poça d’água estrondosamente, esmagando plantas e respingando lama sobre as rochas.

O rio, em plena enchente, transbordou e fez inverter o fluxo de seus tributários. Os salgueiros viram as águas subir mais alto em seus troncos. Os pássaros se reuniram amedron­tados no topo das árvores, demasiado molhados para voarem e temendo o fim do mundo. A chuva caía. As poças d’água se transformaram em lagos. Os lagos se transformaram em mares. Trovões explodiam e ecoavam pelos vales, com os ecos inter­mináveis e absurdos repetidos milhares de vezes, produzindo um barulho ensurdecedor.

O dia raiou e se tornou tão escuro como uma noite sem lua. A chuva caía como que em lençóis sólidos. Não mais existia o curso discernível de um rio, pois agora toda a terra parecia coberto por uma turbulenta camada de água. Levan­tou-se um vento ululante que açoitou a superfície da água pro­duzindo branca espuma. O sibilar do vento se tornou mais alto e se transformou em uivos agudos que espicaçavam os nervos e davam a impressão de almas em tormento. Surgiu um clarão vívido, como se o sol tivesse explodido, desabou um trovão devastador e, em seguida, a chuva parou como se uma torneira tivesse sido fechada. Um raio de sol atravessou a escuridão, foi momentaneamente obscurecido, mas logo as nuvens cederam e se afastaram, deixando que a luz do dia brilhasse novamente sobre o mundo inundado.

Espalhados nos pontos mais altos, onde a terra apresen­tava ainda alguns vestígios de firmeza, aqui e ali escuras mas­sas acinzentadas de proporções volumosas repentinamente se elevaram sobre sólidas patas e se transformaram em monolíticos iaques, de cujos pelos ensopados escorriam filetes de água pelos amplos dorsos. Sacudiram-se letárgicamente, fazen­do saltar em torno salpicos de água. Satisfeitos em se virem livre de toda a água que os incomodava, meteram o focinho no terreno mais seco, em sua interminável busca de alimentos.

Debaixo do precário abrigo proporcionado pela protu­berância de uma enorme pedra chegaram ruídos de vozes ex­citadas. Gradualmente foram aparecendo vultos, resmungando, imprecações contra a inclemência do tempo. Resmungando, despiram-se de suas roupas ensopadas pela água, torceram-nas para secá-las e tornaram a vesti-las. Logo, um tênue vapor começou a levantar-se dos homens e animais, à medida que iam secando ao crescente calor do dia.

Um jovem destacou-se do grupo e atravessou correndo o terreno, passando da melhor maneira que lhe era possível de um para outro trecho seco. A seus calcanhares um cão latia e cabriolava. Com gritos e latidos o par fez com que os iaques se dirigissem para onde se encontravam os outros e em seguida, depois de consegui-lo, homem e cão foram adiante para tocar os cavalos agrupados contra uma distante parede de pedra.

Uma trilha rústica conduzia, por entre rochas caídas, até uma clareira aberta no sopé da montanha, de onde se desvia­va e serpenteava em ascensão por uns cem metros, terminando em uma prateleira rochosa sobre a qual cresciam arbustos dispersos de uns dois metros de altura. Atrás desse mato a face rochosa cedia lugar a uma abertura, entrada para uma caverna bastante grande que finalmente levava até túneis de um vulcão extinto de longa data.

Uma mancha colorida, não, duas manchas coloridas, apareciam aos olhos de um cuidadoso observador. À boca da caverna se encontravam sentados um lama e seu acólito, ambos secos e tranqüilos, ambos olhando para a imensa Planície de Lhasa, a observar o rápido baixar das águas que até então cobriam a terra. O inesperado desaparecimento das nuvens tinha deixado a atmosfera ainda mais clara do que o comum e o par admirava o familiar panorama.

Lá de longe as extremidades douradas dos telhados da Potala emitiam ofuscantes raios de luz quando o sol se refletia nas suas inúmeras facetas e ângulos. A frente do edifício, pin­tada recentemente, brilhava com o ocre, enquanto as Bandei­ras das Orações drapejavam e se agitavam ao forte vento. Os edifícios da Escola de Medicina, na Montanha do Ferro, pareciam estranhamente limpos e novos, enquanto as casas da aldeia de Shö reluziam brilhantemente.

O lago e o Templo da Serpente podiam ser vistos clara­mente e os salgueiros nas águas sacudiam suas copas como se em muda concordância. Esmaecidos pontos coloridos mostravam que os monges e os lamas estavam-se dirigindo para suas ocupações habituais. Uma terceira linha de peregrinos podia ser percebida caminhando ao longo da estrada interior do Circuito de Peregrinação, em sua jornada de Ato de Fé da Catedral de Lhasa até a Potala e de volta à Catedral. Por­tão do Ocidente brilhava à luz do sol, e um punhado de mer­cadores podia ser visto passando entre o Pargo Kaling e o pe­queno mosteiro do outro lado.

Lá embaixo, no sopé da montanha, os mercadores haviam conseguido colocar a carga em seus iaques e montarem a cavalo. Agora, com muitos gritos e pilhérias, venciam vagarosa­mente o caminho até o passo que lhes permitiria descer a montanha, até às terras baixas do Tibete e da China. Vagaro­samente o mugido dos iaques, o latido dos cães e a gritaria dos homens foram desaparecendo e a paz e o silêncio reinaram uma vez mais.

O lama e o acólito examinavam a cena que tinham ante os olhos. A distância, à esquerda do Chakpori, podia ser visto o barqueiro em sua embarcação de couro inflado. Freneticamente, ele mergulhava a vara longa que tinha nas mãos, pro­curando alcançar o fundo do leito e evitar ser arrastado na crista intumescida do rio transbordante. Desesperadamente ele tateou o fundo, esticando-se. A embarcação fugiu-lhe de bai­xo, deu uma sacudidela de lado e avançou, deixando o bar­queiro lutando e se afogando nas águas da enchente. A em­barcação, mais leve agora, ganhou velocidade, ajudada pelas águas rápidas e pelo vento forte. A longa vara flutuava pre­guiçosamente no raso que, ironicamente, se encontrava tão perto, enquanto o barqueiro flutuava de rosto para baixo, além dela.

Lá no alto os abutres voluteavam buscando alimento, voltando os olhos penetrantes para qualquer ser humano ou animal em dificuldades. Um deles, tentativamente, arremeteu contra o barqueiro afogado, afastando-se no último momento, mas observando mais de perto. Não percebendo qualquer movimento, a ave lançou-se novamente contra o homem, pousan­do sobre as costas do morto. Alisando as penas com o bico durante uns momentos, a ave olhou em torno desafiadora-mente, antes de se pôr a trabalhar na parte de trás da cabeça do barqueiro.

Amanhã disse o lama, dirigindo-se ao acólito viajaremos para as terras baixas e visitaremos nossos amigos. Hoje descansaremos e espaireceremos, o que será uma oportunidade para nós de conservar-nos nossas energias. A jor­nada será longa e árdua. Vejo que alguns gravetos arrastados pela correnteza ficaram presos na base daquelas pedras. — Levantou-se e indicou uma direção. Você vai até lá e os apanha, enquanto eu preparo algum chá e tsampa. Sorriu ligeiramente e observou: Depois disso, vou dar a você alguns exercícios básicos sobre repouso e respiração. Em am­bos esses assuntos, você é notoriamente deficiente. Por enquanto, reúna a lenha.

Voltou-se e entrou na caverna. O pequeno acólito se pôs de pé num salto e apanhou um pedaço de corda caído a um lado. Enrolou-a em torno da cintura e sobre o ombro — co­locando-se em grave perigo de enforcar-se — e começou a descer a trilha que levava ao fundo do vale. Prestes a con­tornar uma grande pedra, parou subitamente. Lá estava uma grande ave pousada, limpando suas penas com o bico e secando-as, pois se haviam encharcado pela chuva recente.

O pequeno acólito permaneceu parado, meditando sobre o que faria; se esperasse até que a ave escondesse a cabeça em baixo da asa, ele poderia arremeter para a frente e dar-lhe um pontapé no traseiro com o que se divertiria enor­memente! No entanto, se ele rastejasse sobre o estômago, po­deria agarrar a ave pelo pé. A primeira idéia era, obviamente, a melhor. Avançou, prendendo a respiração polegada por polegada, até se achatar de encontro à face da pedra.

A ave coçou-se, limpou as penas com o bico e abriu as asas. Então, satisfeito por não poder estar mais limpo do que se encontrava, instalou-se confortavelmente sobre a pedra e enfiou a cabeça em baixo de uma das asas. Extasiado, o rapaz investiu para a frente mas tropeçou em uma pedra caída e se projetou no chão. A ave, despertada de forma tão súbita pelo medo, reagiu como reagem as aves: emitiu um mefítico "presente" sobre o rosto do pequeno acólito e em seguida ergueu-se pesadamente no ar. O rapazinho esfregava desesperadamen­te os olhos, que repentinamente tinham ficado colados. Da entrada da caverna lá em cima ouviu-se uma risada tranqüila.

Finalmente o acólito conseguiu livrar-se da massa pega­josa e fedorenta que lhe colava os olhos e correu para uma pequena poça d’água que se formara em uma cavidade das rochas. Ali, relutantemente, mergulhou o rosto na água gelada e se lavou até sentir-se razoavelmente limpo. Lá de cima che­gou a exortação:

— Não se esqueça da lenha!

O rapaz deu um pulo, pois tinha-se esquecido de tudo. Voltando-se, pôs-se a descer novamente a trilha coberta pelos seixos, mas a tentação está sempre à espreita dos rapazinhos.

Sobre uma rocha grande e lisa se equilibrava uma imen­sa pedra. Por algum capricho da natureza ela havia caído em uma tal posição que o equilíbrio era perfeito. Nesse momento ela oscilava para trás e para a frente. O jovem acólito ale­grou-se e se aproximou da pedra. Colocando suas mãos de encontro a uma das faces da pedra, empurrou com força, des­cansou enquanto a pedra oscilou para trás, tornou a empurrar com força e assim, gradualmente, foi obtendo uma oscilação cada vez maior. Finalmente a pedra oscilou até um ponto além do seu centro de gravidade e caiu, com um estrondo que abalou o solo. O rapaz sorriu de satisfação e voltou na direção da entrada da caverna.

À meio do caminho deu um salto de medo ao receber uma severa mensagem telepática, que quase lhe arrebentou o crânio. "Lenha", determinava a mensagem. "Lenha! Lenha!" Voltando em seus calcanhares, pôs-se a correr pela trilha novamente, com "Lenha!... Lenha!" martelando em sua cabeça.

Finalmente reuniu uma quantidade grande de gravetos. O jovem acólito fez um feixe com os que reunira e passou uma extremidade da corda em volta de toda a pilha. A outra extremidade ele enrolou em torno da cintura e, arrastando-se e se esforçando, conseguiu levar a lenha até à boca da caverna. Lá o esperava o lama um tanto impaciente, e o acólito ajudou a cortar os gravetos de forma adequada para o fogo, que ime­diatamente crepitou.

—            Sua postura é deplorável disse o lama e temos que fazer alguma coisa a esse respeito, senão acabará como essas pessoas do Ocidente que conheci quando visitei a Índia. Antes de iniciarmos os nossos exercícios respiratórios, vou en­sinar a você um outro exercício que é o mais aplicável à pre­sente ocasião.

O Lama sorriu ao dizer ao rapazinho que se pusesse de pé.

—            Este exercício é maravilhosamente revigorante para aqueles que passam sentados a maior parte do tempo disse ele. É um exercício muito bom para reduzir a gordura abdominal. Tem o interessante nome de "exercício do lenhador", porque seus movimentos simulam os benefícios a serem obtidos quando se racha lenha. Agora, fique firme!" o lama assegurou-se de que o rapaz assumira uma posição erec­ta. Imagine que você está rachando lenha, imagine que tem nas mãos um machado muito pesado, um desses machados bons, muito bons, que acabam de ser trazidos pelos mer­cadores de Darjeeling. Agora permaneça firme, muito firme, mantendo os pés bem separados. Junte as mãos firmemente, como se estivesse empunhando o cabo de um pesado machado. Imagine que a lâmina do machado está repousando no chão, tome uma respiração profunda e levante as mãos de modo que o machado imaginário ultrapasse a sua cabeça, bem alto, até que o seu corpo tenha ido para o outro extremo e não mais esteja inclinado para trás e sim para a frente.

"Você tem que manter presente que está empunhando um machado muito pesado e, assim, deixe que seus músculos simulem essa hipótese — a de que você está erguendo um machado muito pesado. Então, com esse machado pesado acima da cabeça, prenda a respiração por um momento, em seguida respire vigorosamente pela boca e abata o machado imaginário em um movimento muito forte como se você estivesse cortando um tronco grande, enorme. Você, é claro, não interromperá o movimento com o impacto do machado na ma­deira e, assim, deixe que seus braços continuem, passando por entre as suas pernas, e atinjam um ponto em que suas mãos fiquem em linha com os seus pés. Você deve conservar seus braços distendidos e sua coluna reta. Repita esse exercício vá­rias vezes — agora, vá praticar, meu rapaz, com vigor pelo menos igual ao que você usou para deslocar aquela pedra.

O jovem se entregou à prática do exercício até que fi­nalmente ficou ofegante e resmungando com o esforço.

Oh, Lama Sagrado! — disse, mal podendo respirar. — Sem dúvida, exercícios como este poderão até matar uma pessoa se ela não estiver com boa saúde. Estou quase des­maiando!

Meu caro rapaz! — exclamou o lama, um pouco exasperado. — Um exercício como esse só pode fazer bem, exceto no caso de alguém que tenha o coração debilitado ou para mulheres que tenham alguma doença feminina. Duvido de que o seu coração esteja fraco, mas do jeito que você se queixa e resfolega, parece até uma mulher velha e corre o risco de sentir o aparecimento das desordens femininas a que me refiro. Vamos, continue o exercício.

O jovem deixou-se cair, acocorando-se no chão, coçando os pés. O lama, que permanecera de pé na borda da pedra, olhando para o Vale de Lhasa, voltou-se de repente e perguntou:

—            Por que está tão encolhido? Está doente? Está com alguma dor?

O jovem acólito pareceu não entender durante um mo­mento, mas replicou em seguida:

—            Doente? Quem? Eu estou doente? Eu?

O lama riu e se encaminhou na direção do rapaz, di­zendo:

—            Sim, doente! Você! Você está sentado aí como uma velha sofrendo de joanetes ou de calos. Você está sentado aí como uma velha ao lado das tendas do mercado ouvindo as bisbilhotices dos mercadores. Os seus pés estão-lhe causando problemas? — o lama ajoelhou-se e examinou os pés do ra­paz; depois, satisfeito em não ter encontrado nada errado, tornou a pôr-se de pé. — Levante-se, rapaz! — comandou ele. — Vou-lhe ensinar a descansar os pés. Creio que você os cansou ao assustar aquela pobre ave e em deslocar aquela pedra que certamente não lhe estava causando mal algum. Por isso é que os seus pés agora estão doendo. Vou-lhe mostrar como podem ficar descansados.

O lama tomou o rapaz pelos ombros e certificou-se de que ele assumia uma posição ereta.

—            Agora — disse ele — isto permitirá uma melhor circulação do sangue. Você deve apoiar-se num pé só, primeiro no pé esquerdo. Em seguida levante o pé direito, sacudindo-o do tornozelo para baixo, não a perna toda, lembre-se, é dos pés que você está tratando. Sacuda-o. Mantenha sua perna rígida e sacuda o pé valentemente do tornozelo para baixo. Sacuda durante uns três minutos, até que comece a formigar. Isso ajudará quando você estiver com os pés gelados. Será de utilidade também depois de uma longa caminhada ou quando você tiver permanecido de pé durante muito tempo. Ajudará quando você estiver derrubando pedras oscilantes. — O lama sorriu por um momento, antes de prosseguir. — Sempre faça os exercícios de pés descalços. Há muita coisa a lucrar por se ter os pés realmente em contato com o solo. O pobre rapaz resmungou e exclamou:

—            Oh, Lama Sagrado, sinto-me muito mais cansado fi­cando assim de pé, e estes exercícios todos fizeram com que meu corpo doa de cansaço. Não posso descansar um pouco?

O lama sorriu discretamente e disse:

Você de fato se meteu em umas armadilhas, não é mesmo? Cansou-se, fazendo coisas que não deveria ter feito e, assim, se eu lhe mostrar as coisas que deve fazer, você po­derá evitar de cansar-se fazendo as coisas que não deve fazer. Vamos, então, tirar o cansaço da parte superior de seu corpo pelo exercício muito elementar a que os chineses dão o nome de Relaxamento do Tronco.              

Mas, Sagrado Lama, — protestou o rapaz um tanto desanimado, — pensei que fôssemos fazer exercícios respiratórios e não esta coisa horrorosa.

O lama sacudiu a cabeça desaprovadoramente.

Rapaz — disse ele, — esses exercícios são apenas preparativos para os exercícios respiratórios. Agora preste atenção a mim, porque este exercício seria melhor conhecido como uma série de quatro exercícios. Destina-se a auxiliar o seu pescoço, depois os seus ombros, em seguida o centro de suas costas e, finalmente, todo o seu corpo, desde onde as suas pernas se articulam a ele até o local em que a cabeça se une ao pescoço.

Em primeiro lugar tome esta posição... — O lama se abaixou e afastou um do outro os pés do rapaz, uns sessenta centímetros. — Sempre fique com os pés ligeiramente separados e deixe que sua cabeça caia para a frente como se não houvesse ação de seus músculos. Com a cabeça pendendo livre faça-a girar lentamente, uma vez, no sentido do ponteiro dos relógios. Seus braços ficarão caídos e soltos. Depois deixe novamente a cabeça pender inerte para a frente, mas desta vez permita que seus ombros caiam também, como se não tivessem músculos. Sua cabeça está caída e solta, seus ombros estão caídos e seus braços estão também pendendo livremente. Faça, então, com que os seus ombros descrevam um movi­mento circular no sentido dos ponteiros do relógio, mas sua cabeça e seus braços permanecerão inertes, sem movimento. Depois faça o mesmo no sentido oposto ao dos ponteiros do relógio.

O pobre e desventurado rapaz, a própria imagem de uma sucumbida miséria, entregou-se aos exercícios. Quando acabou, sentia-se de fato sem forças, mas o lama não tardou a chamar sua atenção, dizendo:

—            Agora ponha o tórax para fora e faça com que toda a parte superior do seu tronco execute este movimento cir­cular. Faça a rotação de toda a parte superior de seu corpo, tudo da cintura para cima. Após fazer o movimento em uma direção, repita-o na direção oposta.

O rapaz lá continuava, com os pés ligeiramente separa­dos e parecendo tão desanimado que dava a impressão de que, a qualquer momento, ia cair de cara no chão. Em pri­meiro lugar, sua cabeça e seus ombros rodaram em uma di­reção, depois, vagarosamente, na outra.

—            Agora observou o lama você terá que separar um pouco mais os pés, a fim de obter um apoio bastante fir­me; em seguida, deixe tudo da cintura para cima inteiramente livre e então, dobrando a cintura, descreva um círculo amplo, tão amplo quanto você consiga fazer sem cair. Descreva o círculo amplo no sentido dos ponteiros do relógio, de modo que você vai correr algum risco de se desequilibrar. Continue a descrever esses círculos, cada vez em menor amplitude, até que, por um momento, você esteja completamente imóvel. Então, comece a descrever novamente o movimento na direção oposta, fazendo cada vez maior a amplitude dos círculos, até que novamente se encontre em perigo de perder o equilí­brio. Então, repita o exercício mais uma vez e, depois disso, deixe que seus ombros façam uma rotação e uma contra-rotação. Depois de fazer isso uma vez, deixe que sua cabeça descreva um movimento de rotação e um de contra-rotação. Vamos! — disse o lama. — Não está, de fato, sentindo-se um pouco melhor?

O jovem acólito olhou para o lama cautelosamente.

—            Sim, Sagrado Lama. Devo admitir que me sinto bem melhor, mas tenho certeza de que me sentiria ainda mais se pudesse descansar um pouco depois disso, pois, como o senhor disse, temos a nossa frente, amanhã, uma jornada longa e difícil e temo que esses exercícios me cansem desnecessa­riamente.

O lama riu e disse:

—            Bem, agora não faremos mais exercícios, mas du­rante a nossa viagem para as terras baixas você terá que apren­der mais alguns, a respeito da respiração, pois nossas viagens são alguma coisa mais do que mero cobrir de distâncias; temos, também, que cobrir conhecimentos. Quanto mais aprender agora, menos você terá para aprender mais tarde, até que chegue ao ponto de compreender que, quanto mais aprende, mais há o que ser aprendido. Mas, por agora, você está liberado.

Assim, o jovem acólito repentinamente recuperou toda sua energia e saiu correndo pela trilha, em busca de qualquer aventura que se apresentasse ante seus olhos. O lama tornou a sentar-se à borda do rochedo, voltando a admirar o bem-amado Vale de Lhasa, onde nessa ocasião mesmo o sol começava a se pôr, projetando sombras alongadas na terra cer­cada pelos penhascos.

As sombras se tornaram de uma tonalidade purpurina mais profunda e cruzavam ainda mais rapidamente o fundo escuro do Vale. A parede ocidental da montanha já estava em completa sombra, mostrando apenas, aqui e ali, vagos pontos luminosos que apareciam como distantes luzes bruxuleantes. A luz brilhava como que em cacos dourados lá na Potala, lar do Mais Alto. Por trás da Montanha de Ferro, o rio Feliz reluzia como um caminho iluminado em um abismo escuro.

De repente, porém, o sol desapareceu por trás das mon­tanhas e a escuridão da noite cresceu sobre a terra como cres­cem as águas em épocas de enchentes. A encosta leste da montanha afundou mais profundamente na noite que se apro­ximava. Cedo nada mais havia senão a noite purpurina com o vento brando impelindo, mesmo a essa distância, uns traços de incenso e de manteiga rançosa.

Milhares de metros acima, os picos mais altos das mon­tanhas refletiam um último lampejo do sol. Uma linha dou­rada, como uma flamejante bandeira, correu pela crista das montanhas, demorando-se mais tempo nos pontos mais altos, até que mesmo essa Unha se extinguiu na escuridão universal. O tempo corria. As criaturas da noite entregaram-se ao seu trabalho. Um pássaro noturno cantou e, depois de um período longo, outro canto respondeu lá de longe. Um camundongo solitário guinchou, seguido por um tumulto e guinchos agudos que rapidamente cessaram.

A noite avançava. As estrelas mostravam todo o seu bri­lho no límpido ar frio. Em cores brilhantes, nunca vistas das terras mais baixas, pareciam piscar e tremelizir, como se en­gajadas em algum misterioso empreendimento, muito além da compreensão dos mortais. Lentamente, uma fantasmagórica radiância prateada ofuscou o horizonte distante e majestosamente surgiu à vista uma saliente lua, com as montanhas e crateras destacando-se mesmo aos olhos desprovidos de apa­relhos.

Suavemente a luminosidade se derramou sobre o Vale, brilhando nos picos brancos e gelados e emitindo salpicos brilhantes de incandescência do topo dos telhados da Potala. O rio Feliz se transformou em prata fundida e as águas do lago dos salgueiros se tornaram um espelho perfeito. O luar se ampliava, projetando em perfeito relevo o vulto imóvel do lama sentado perto do mato na borda do penhasco. Um tateante dedo de luz inseriu-se pela entrada da caverna para revelar o corpo inclinado do jovem acólito dormindo o sono de que apenas gozam as crianças.

De uma grande distância chegou o ruído de um rochedo caindo, seguido após alguns momentos pelo esmagador trovão provocado pelas grandes pedras ao se chocarem contra o solo, depois de permanecerem dezenas de milhares de anos em um mesmo local. Ouviram-se também os gritos assustados de alguns pássaros, que subitamente teriam encontrado uma razão para alarme no tremor da terra.

A noite caminhava. Majestosa, a lua navegava no céu" e foi desaparecendo langorosamente por trás do abrigo proporcionado pela cadeia de montanhas. Timidamente, as estrelas foram desaparecendo à aproximação da luz de um novo dia. O céu se inundou de cores. Faixas de luz se estenderam de horizonte a horizonte, tornando-se cada vez mais brilhantes. Aves noturnas lamentavam-se sonolentamente e buscavam seus abrigos do dia em fendas seguras nas encostas da mon­tanha. As criaturas da noite preparavam-se para dormir mais outro dia.

O vento da noite desapareceu; por um apreciável espaço de tempo fez-se um silêncio de morte, mas em seguida soprou uma brisa leve na direção oposta e as criaturas do dia se animaram. O pequeno acólito sentou-se repentinamente, esfregou os olhos e correu para fora. Um novo dia tinha surgido.

Era uma coisa simples quebrar o jejum da noite. Café, almoço, chá, jantar, chamemos as refeições como quisermos, entre os sacerdotes do Tibete elas eram sempre invariáveis. Chá e tsampa. O mais rústico, o mais tosco de todos os chás, preparado especialmente em tabletes, vindos da China. Quanto ao tsampa... bem, não havia outro alimento.  Estes alimen­tos, chá e tsampa, proporcionavam tudo o que é necessário para a manutenção da vida e da saúde.

A primeira refeição cedo estava terminada. O lama vol­tou-se para o acólito e perguntou:

—            Qual é a nossa próxima tarefa?

O acólito baixou os olhos esperançosamente e disse:

—            Não devemos descansar um pouco, Honorável Lama? Sei onde se encontra um ninho de abutres cheio de ovos. Devemos ir vê-los?

O lama suspirou.

—            Não — respondeu. Temos que pensar naqueles que virão depois de nós. Temos que limpar a caverna, temos que nos certificar de que esteja recoberta com areia limpa, veri­ficar que esteja bem suprida de lenha, pois os próximos viajan­tes que aqui chegarem poderão estar em aguda necessidade de fogo e de calor. Devemos lembrar-nos de como teríamos gostado de encontrar lenha e, assim, vamos fazer aquilo que gos­taríamos de ter encontrado.

O menino saiu e tornou a descer a íngreme trilha, dando pontapés nas pedras ao acaso, à medida que caminhava — até que atingiu uma que não estava solta, mas, sim, mergu­lhada profundamente na terra. Por alguns minutos ficou pu­lando em uma perna só, soltando gritos estranhos e segurando o pé injuriado com as duas mãos. Algo, porém atraiu sua atenção: uma pena que veio flutuando lá de cima do céu. Na excitação de ver a pena grande de um abutre, esqueceu-se do pé e se pôs a correr atrás do fragmento que caía. Era apenas uma pena velha e suja, levada pelo vento e, assim, jogou-a fora e continuou a jornada interrompida em busca de lenha.

Finalmente a caverna foi limpa com ramos secos e sua parede mais afastada serviu de apoio à lenha armazenada para ser de pronto uso do próximo viajante. Então, sentados jun­tos na borda do penhasco, o lama falou:

—            Você terá que aprender a respirar. Sua respiração é barulhenta como o bater de asa de um abutre à brisa. Como é, vamo-nos sentar para os seus exercícios respiratórios?

O jovem acólito imediatamente ficou atento e se sentou, rápido, na mais exagerada posição de loto. Pôs as palmas das mãos no colo e em seu rosto surgiu uma expressão vazia e gelada, enquanto algo peculiar acontecia com seus olhos, como se ele estivesse procurando algum ponto imaginário situado alguns centímetros acima e a sua frente.

O lama riu abertamente.

—            Não, não se sente desse modo absolutamente — disse ele. — A respiração é uma coisa natural. Você deverá sentar-se ou permanecer de pé em alguma posição conveniente e confortável. Inúmeras pessoas sofrem de uma espécie de demência quando pensam em exercícios respiratórios. Pensam que têm que adotar as mais extraordinárias e artificiais posições; julgam que o respirar não pode trazer benefícios, a não ser que seja exercitado com considerável rigidez. Meu rapaz — continuou o lama — sente-se ou permaneça de pé da forma que lhe for mais confortável. Você poderá sentar-se rete­sado, mas deve — e isto é verdadeiramente, o que importa — manter sua coluna tão erecta quanto for confortavelmente possível. A maneira mais fácil é imaginar que a sua coluna vertebral é um poste fincado no chão, enquanto todo o resto do seu corpo drapeja livremente em torno a ela. Conserve a coluna reta e assim não se sentirá cansado.

O lama já estava sentado, erecto, com as mãos cruzadas no colo. Olhou para o jovem acólito e disse:

—            Descanse, descanse, você deve descansar. Você não está sendo submetido à tortura, nem está servindo de modelo para uma de nossas figuras de manteiga. Você está apren­dendo a respirar. Descanse, fique sentado naturalmente, com sua coluna ereta.

Acenou com a cabeça em aprovação, quando o rapaz se sentou mais à vontade. Em seguida falou:

—            Ah, assim está melhor, muito melhor. Agora inspire lentamente. Deixe que o ar encha a parte inferior de seus pulmões do mesmo modo que a escuridão da noite que se aproxima cobre a parte inferior de nosso vale. Depois deixe que o ar suba para encher a parte média e a parte superior de seus pulmões. Você pode sentir esse processo. Faça-o, porém, sem arrancos.

O Lama parou, sorriu e continuou:

—            Quando as sombras da noite anunciam o fim do dia, elas, em primeiro lugar, se arrastam pelo chão, depois a escu­ridão cresce, constantemente, suavemente, regularmente, sem mudança de ritmo, sem arrancos. É assim que você deve respirar. Do mesmo modo que as sombras crescem e a escuridão cobre o nosso vale à noite, o ar deve penetrar e encher os seus pulmões. No entanto, à medida que o ar entra nos seus pulmões, força suas costelas para fora; finja que o dia está quente e que suas roupas estão coladas em você. Afaste suas roupas de seus flancos. Bem, faça com que suas costelas se afastem dessa forma e você verificará que pode inspirar cada vez mais ar.

O lama observou, atento, se o rapaz estava cumprindo suas instruções exatamente, e, em seguida, satisfeito de que assim fosse, continuou:

—            Você pode sentir as batidas de seu coração e assim, nesta primeira vez, deixe que o ar penetre em seus pulmões durante quatro boas batidas do coração. Você verificará que o seu corpo se expande durante o período de inspiração do ar e se contrai quando você expira. Você deve exagerar um pouco a expressão e a contração naturais.

O lama, de repente, falou rispidamente:

—            Não, não, rapaz! Decididamente não! Você tem que manter a boca fechada enquanto está praticando essa respiração... Será que você está querendo caçar uma mosca ou qual­quer coisa assim?

O rapaz fechou a boca com uma batida audível, e o lama continuou:

—            A finalidade deste exercício é fazer com que o ar pe­netre pelas suas narinas e circule pelas áreas de seu corpo aonde deva chegar e, em seguida, seja novamente expelido pelas narinas. Quando eu quiser que você respire pela boca, eu lhe direi. Em primeiro lugar, porém, até que você seja mais eficiente neste tipo de respiração, é necessário que prati­que durante uns quinze minutos, tempo que mais tarde subirá para cerca de meia hora.

O rapazinho sentou-se e respirou, enquanto o lama delicadamente erguia a mão para servir de indicação quanto ao correto ritmo de respiração para o jovem acólito.

Finalmente o lama disse:

—            Bem, basta por agora. Temos que tratar de nossas obrigações.

Pôs-se de pé e sacudiu de suas vestes alguns grãos de areia. O rapaz também se pôs de pé, imitando o que fizera o lama. Juntos, examinaram a caverna, a fim de se certifica­rem de que nada havia sido esquecido. Juntos, desceram a trilha até o fundo do vale. No fundo do vale, o lama arrumou algumas pedras para indicar o caminho para a caverna lá em cima. Em seguida, voltando-se para o rapaz, falou:

—            Vá e apanhe os cavalos.

Taciturnamente o acólito se afastou procurando indícios dos pequenos pôneis. Por fim, subindo a uma grande pedra, vislumbrou-os a um quarto de milha de distância. Cuidadosamente, deslocou-se de pedra em pedra, até chegar a alguns metros de distância dos animais.

Os cavalos olharam um para o outro antes de se voltarem na direção do jovem acólito. Quando o rapaz se encaminhou para eles, os animais se afastaram exatamente na mesma andadura. O rapaz mudou de direção e procurou correr na frente dos cavalos. Os dois animais, imperturbavelmente, aumentaram de velocidade e mantiveram a distância exata. Já então o rapaz estava sentindo calor e ofegava. Os cavalos — o rapaz tinha certeza de que assim fosse — estavam, ambos, fazendo-lhe caretas.

Por fim, o jovem acólito achou que já fizera o bastante. Voltou ao local onde ainda se encontrava o lama.

—            Oh, Honorável Lama — falou ele em irritação frus­trada os cavalos não me deixam pegá-los. Estão zombando de mim.

O lama encarou o pobre rapaz e um sorriso divertido ergueu os cantos de sua boca.

—            É assim? — perguntou suavemente. — Vamos ver, então, se eles fazem o mesmo comigo.

Foi até à clareira e bateu palmas. Os dois animais ti­nham voltado a pastar, mas levantaram as cabeças com as orelhas em pé. O lama tornou a bater palmas e chamou pelos cavalos. Os cavalos olharam um para o outro e depois nova­mente para o lama. Tornaram a olhar um para o outro e logo em seguida ambos se puseram a trotar na direção do lama. O lama se aproximou deles e os afagou e colocou seu próprio fardo em cima do maior dos dois animais.

O cavalo menor olhou para o pequeno acólito e se afas­tou quando o rapaz se aproximou. Finalmente o rapaz se pôs a correr atrás do cavalo, que fugia dele deslocando-se em círculo. O lama, cansado com a brincadeira, falou severamente com o cavalo, que imediatamente parou e se tornou dócil. O rapaz se encaminhou para o pônei, tendo todo o cuidado para não se aproximar de suas patas traseiras e colocou seu fardo por cima do pescoço do animal.

O lama fez um sinal afirmativo com a cabeça e montou seu cavalo, permanecendo parado. O rapaz deu um salto incrivelmente grande para pegar sua montada desprevenida, mas o cavalo deslocou-se ligeiramente e o rapaz passou por cima dele, indo aterrar ruidosamente na areia.

O lama avançou com um suspiro de resignação, dizendo:

—            Oh, meu caro! Oh meu caro! Nossa diversão de todos os dias..., mas estamos com pressa. — Inclinou-se, ergueu o rapaz e colocou-o sem qualquer cerimônia no dorso do pequeno animal. — Vamos! — ordenou ele. — Já perdemos bastante tempo. Temos que nos movimentar ou perderemos mais um dia.

Os cavalos começaram a se deslocar no terreno, evitando as pedras. O lama ia ligeiramente à frente. O rapaz se es­forçava por acompanhá-lo. Não era muito eficiente em andai a cavalo e nunca o seria, mas fazia o melhor que podia.      

Lá iam eles, o lama montado confortavelmente erecto, incansável, imperturbável. O menino, no cavalo menor, parecia desengonçado como uma saca de cevada, mas, ao contrá­rio de uma saca de cevada, a cada momento ia ficando mais dolorido. Finalmente, após umas três ou quatro horas de marcha, o lama parou e disse:

—            Vamos descansar um pouco. Pode apear.

O pequeno acólito limitou-se a deixar de se agarrar à crina do cavalo e escorregou para o chão, num salto pouco digno. O animal afastou-se lateralmente alguns metros.

 

Na borda do Vale de Lhasa, onde a batida trilha mergu­lha profundamente na direção das sufocantes terras baixas e, finalmente, da China, o lama e o pequeno acólito descansaram na terra dura. A poucos metros de distância, os cavalos can­sados vagueavam à procura da relva esparsa. Lá no alto um pássaro grande planava, em círculos preguiçosos. O rapazinho observava-o com pouco interesse; o que realmente o interes­sava eram as dores e machucadelas que sofria sempre que montava a cavalo. Agora se encontrava reclinado, de rosto para baixo, voltando a cabeça para o lado de tempos em tem­pos, para observar o pássaro lá em cima. Não tardou a cochilar e a dormir em seguida.

Também em outras partes do mundo pessoas descansa­vam. Em uma fábrica de rádios na parte ocidental do mundo, os operários estavam em um de seus inúmeros "descansos" da monotonia da existência na fábrica. Rusty Nales, o carpin­teiro da oficina, repentinamente explodiu em uma gargalhada e atirou no chão uma brochura de capa azul, desprezivelmente.

Esse cara deve ser MALUCO exclamou ele. Meu Deus! Quanta besteira as pessoas encontram em um livro!

—            Que é que há com você, homem? — perguntou suavemente o judeuzinho moreno, Isadore Shutt, parando e apa­nhando o injurioso livro. Rusty Nales cuspiu o seu desprezo e limpou a boca com as costas da mão.

—            Ahhh! — explodiu ele. — Tudo isto é besteira.

Ivan Austin, o motorista do caminhão, tirou o livro da mão de Isadore Shutt e olhou o título.

—            A Chama Sagrada, de Lobsang Rampa. Oh, esse aí! -exclamou com desgosto. — Não acredita nele, acredita? - perguntou, sem se dirigir a ninguém em particular, e acrescentou. O cara é maluco... isto é o que ele é, maluco!

Shirley May, a telefonista, bufou indignada.

—            Isso é o que você está pensando! — disse iradamente. Você não tem cabeça para saber de coisa melhor, Bigmoutrl.

A moça deu de ombros e encarou zangada o pobre Ivan Austin.

—            Ah, você, sua sem-vergonha — gritou ele exasperado, —, você mesma não acredita nesse, nesse... — ficou procu­rando a palavra — ... nesse vagabundo, não é, pois o cara é um...!

A porta abriu-se e uma das datilógrafas, Candy Hayter, entrou bamboleante.

Como vocês gritam — observou ela —, mas eu sei da verdade sobre esses livros. O autor foi acusado, julgado e condenado pela pútrida imprensa, sem que lhe fosse dada qualquer chance de defender-se. Esta é a imprensa que vocês têm, e trouxas como vocês — olhou para os pobres Rusty Nales e Ivan Austin — são tão estúpidos que engolem o anzol, a chumbada e a linha dos jornalistas. Bá!

Sim, madame, está bem — interveio Bill Collector, do Departamento de Contabilidade, — mas escute só o que escreve este sujeito maluco. — Remexeu no livro, limpou os óculos e correu os olhos em torno de seus ouvintes, antes de ler:

"A Chama Sagrada", por Lobsang Rampa, página 23. Último parágrafo. "É absolutamente possível construir um aparelho que seja capaz de permitir comunicações telefônicas com o mundo do astral. Na verdade, isso já foi feito..." —, Sua voz cessou e fez-se um momento de silêncio, quebrado por Ivan Austin, dizendo:

Estão vendo o que quero dizer? Está MALUCO... o cara devia estar cheio de drogas quando escreveu uma coisa dessas.

Ernest Truman, chefe do Departamento de Pesquisas, limpou os lábios. Em seguida, pôs-se de pé e se encaminhou para o seu escritório, de onde voltou segundos mais tarde, tra­zendo uma revista aberta em uma certa página.

—            Agora vou tomar parte na discussão — anunciou ele.

—            Escutem os trechos que vou ler de uma revista britânica das mais influentes.

Parou e examinou a página que tinha a sua frente. A porta tornou a abrir-se e o Gerente de Produção, R.U. Crisp, entrou.

—            O que se está passando? — perguntou bruscamente.

—            Vocês estão pensando que eu estou pagando para uma Reunião de Mães? Mexam-se, aviem-se, vamos voltar ao trabalho!  Rápido... vamos... rápido!

—            Sr. Crisp! — exclamou Ernest Truman. — Um mi­nuto, senhor, no interesse do progresso do desenvolvimento técnico com o qual poderemos mais tarde nos ver envolvidos; eu gostaria de ler para esta gente aqui e para o senhor alguns parágrafos.

R.U. Crisp pensou durante alguns momentos e chegou a uma firme decisão.

—            OK — disse ele. — Conheço como é sincera sua von­tade de educar a todos nós e, assim, vou chamar minha secre­tária, Alice May Cling, e ela fará um relatório literal sobre o assunto.

A secretária Cling foi trazida às pressas com a moça da cantina, Sherry Wines. Havia uma absorta atenção quando Ernest Truman começou a falar. Afinal de contas, todos estavam sendo pagos para ouvi-lo e isso era muito mais fácil do que montar rádios.

— Têm denegrido e duvidado do autor Rampa, por ousar sugerir o que é, de fato, uma possibilidade científica — iniciou Ernest Truman. — Ele tem sido submetido a inúmeras zombarias por suas sugestões e positivas declarações. Agora — Truman sacudiu a revista —, agora, a eminente revista do rádio britânico, a Wireless World, de junho de 1971, publica um artigo na página 312 sob o título de "Comunicação Ele­trônica com os Mortos?". Vou ler alguns trechos para vocês, mas, se quiserem ler todo o artigo, procurem este número.

Parou, olhou através dos óculos, assuou o nariz e pigar­reou. Em seguida, continuou a leitura:

"Os comentários de Free Grid a respeito de ondas metamorfoseadas (ver página 212 do número de abril) fizeram-me lembrar de um curioso incidente que me aconteceu há alguns anos e para o qual nunca consegui encontrar uma explicação racional. Quando eu tinha uns quatorze anos de idade encontrei, atirado em um canto, um rádio antigo, do tipo que em 1920, segundo creio, era conhecido como "det-21.f.".

"Reconstituí essa peça de museu e, como eu era curioso a respeito de suas possibilidades DX, durante as folgas esco­lares tornou-se habitual, para mim, pôr o despertador para me acordar às duas horas da manhã e procurar, usando fones de ouvido, estações americanas.

"Chegamos agora à parte curiosa. Por duas ou três oca­siões durante várias semanas, depois de eu ter removido a antena enrolada, para mudar o comprimento da onda (o que significava que a antena ficava praticamente em circuito aberto), uma voz estridente cortou o silêncio com umas poucas palavras; era claramente uma fala, mas tão destorcida que não podia ser identificado o que estava sendo dito.

Somente umas poucas palavras eram pronunciadas de cada vez, embora eu me lembre de ter esperado por mais de uma hora na esperança de ouvir mais algumas coisa, mas sem êxito. As estações da Europa, em sua maioria, já tinham encerrado suas transmissões a tais horas, eu estava muito afastado de qualquer transmissor comercial de alta potência e não havia amadores operando na área.

"Tinha-me esquecido de tudo isso até que a hipótese de Free Grid fez com que voltasse à minha lembrança. Então, na curiosa maneira em que as coisas acontecem, esbarrei com um livro recentemente publicado, "Abrindo Caminho", o qual recomendo fortemente à atenção dos leitores. O autor afirma que um gravador comum, se for ligado e entregue a seus próprios mecanismos, pode, ao ser posto para tocar o que gravou, reproduzir vozes de pessoas que já morreram.

"Bem, há umas poucas palavras que são mais excitantes do que "espiritualismo", despertando manifestações pró e contra a sua simples menção. Assim, se o leitor for contra e der consigo mesmo resmungando "mais blá-blá-blá sobre vi­brações e ectoplasmas", refreie sua montada e fique comigo uns minutos mais.

"No momento, pessoalmente, não estou comprometido. Sei tão somente aquilo que eu li. O autor Dr. Raudive, não é um homem de eletrônica, mas, aparentemente, registrou cerca de setenta e duas mil dessas vozes, uma seleção das quais foi gravada em um disco de gramofone e se encontra à venda para o público em geral. Do nosso ponto de vista, o mais impor­tante é que ele solicitou um punhado de opiniões independen­tes, inclusive as de engenheiros eletrônicos e físicos altamente qualificados, todos os quais verificaram que há vozes gravadas na fita, embora nem todos estejam convencidos de que sejam vozes de pessoas já falecidas. Ninguém foi capaz de oferecer qualquer teoria que relacione as leis naturais conhecidas com o fenômeno. Os engenheiros eletrônicos realizaram experiên­cias para a produção dessas misteriosas vozes com seus pró­prios aparelhos e fizeram gravações em vários circuitos de seu desenho (nesse livro há alguns diagramas) que oferecem me­lhoras relativamente à aparelhagem original do Dr. Raudive. Incidentalmente, é sugerido que o videotape pode proporcionar um meio para um posterior trabalho de desenvolvimento.

"... Quanto aos produtos finais, são descritos como vozes que se identificam a si mesmas, chamam nossos nomes, dizem-nos coisas que fazem sentido (ou nos intrigam algumas vezes); essas vozes não se originam acusticamente e os nomes que dão são os de pessoas que sabemos terem vivido nesta terra. As vozes estão gravadas em uma fita que pode ser ouvida e en­tendida por qualquer pessoa. Os físicos não têm explicação para o fenômeno, do mesmo modo que os psicologistas. Tes­tes científicos demonstraram (num aparelho Faraday, por exemplo) que essas vozes se originam de fora e não do expe­rimentador e não são sujeitas a auto-sugestão nem à telepatia. Filólogos examinaram o fenômeno e testemunham que, em­bora audíveis e compreensíveis, as vozes não são formadas por meios acústicos; têm o dobro da velocidade da fala humana e são de um ritmo peculiar e idêntico nos 72.000 exemplos examinados". (O grifo é meu).

"Parece também que as frases têm caráter telegráfico e, quando quem faz a experiência é multilingue, a linguagem pode ser poliglota — talvez uma palavra em sueco, uma outra em alemão, a seguinte em inglês, e assim por diante. Como nas mensagens pretensamente emanadas de fontes psíquicas convencionais, a tônica parece ser a identificação de parentes e amigos que já faleceram.

"A sinceridade do livro parece acima de qualquer suspeita e as quase duzentas páginas de apêndices dão muitos detalhes técnicos da aparelhagem empregada, como também as hipóteses relacionadas com a causa do fenômeno.

"...Entre as teorias apresentadas estão as que envolvem a relatividade e a antimatéria.

"...Uma coisa é certa: o problema da origem dessas "vozes" está exigindo investigações. Sei, tanto quanto o leitor, que essas coisas todas parecem impossíveis. Como podem palavras emanar de um microfone silente? Não se esqueçam, porém, de que em 1901 era teoricamente impossível que as ondas de rádio cruzassem o Atlântico, porque ninguém sabia da existência da ionosfera. Do mesmo modo, existe, sem dú­vida, uma série de coisas sobre eletrônica de que, até agora, nada sabemos".

 

Ernest Truman chegou ao fim de sua leitura. Vagarosa­mente fechou a revista, tirou os óculos e limpou a testa com um lenço grande e branco. Depois, tornou a colocar os óculos no nariz e correu os olhos em torno, para ver o efeito que sua leitura produzira.

Durante alguns momentos só havia caras estupefactas a sua volta. Ivan Austin estava de boca aberta. Alice May Cling agarrava-se ao braço de sua amiga. Rusty Nales emi­tiu uma expiração profunda e uma observação também pro­funda:

Meu Deus!  Quem diria?

Eva Brick, a garota que empacotava as válvulas de vidro, sorriu compreensivamente quando se voltou para sua amiga Ivy Vovrd e disse:

—            Bem, bem! Lobsang Rampa, então, provou mais uma vez que estava certo. Estou satisfeita!

R.U. Crisp, no entanto, tinha a última palavra.

—            Vamos trabalhar, amigos, que já se divertiram bas­tante. Vamos trabalhar. Isso VALE DINHEIRO!

Assim, sozinhos ou aos pares, todos voltaram a suas obrigações, tão vagarosamente quanto possível, enquanto discu­tiam o assunto o mais rapidamente possível.

O descanso também chegara a um fim na borda do Vale de Lhasa, de onde a trilha descia na direção das terras baixas, e onde o lama e o seu acólito estavam-se pondo de pé como medida preparatória para continuarem sua viagem montados nos relutantes cavalos.

Mais uma vez os animais se puseram a fugir do rapaz e, de fato, a zombar dele, conservando-se, com precisão, na me­dida exata para ficarem fora de seu alcance, furtando-se a suas mais enérgicas investidas para tentar agarrá-los. Finalmente o lama, mais uma vez, encaminhou-se para os animais, que se aproximaram dele tão docilmente quanto possível. Novamente o lama e o acólito montaram e, agarrados a seus fardos, cavalgaram descendo a trilha.

O lama cavalgava à frente. Talvez uns cinqüenta metros a sua retaguarda, vinha o acólito, favorecido pela sorte de o seu cavalo desejar seguir o amigo, já que o acólito tinha pouco controle sobre sua montaria. A jornada, no entanto, continuava por entre as rochas que se elevavam como torres, por baixo das bordas de precipícios imensos. Gradualmente foram-se aproximando do rio Feliz. Ali este era conhecido como rio Yaluzangbujiang, mas depois de sair do Tibete e descre­ver uma curva fechada através das montanhas, transformar-se-ia no caudaloso Brahmaputra que, crescendo em volume e em correnteza, ia-se despejar na Baía de Bengala, tornando-se um dos mais importantes rios da Índia. Ali, era um rio alegre, tendo três de suas cabeceiras no Tibete, todas elas se juntan­do em Lhasa, no Vale de Lhasa, onde recebia inúmeros tribu­tários. Inumeráveis nascentes surgiam no sopé da Montanha de Ferro e da Potala e formavam o Lago do Templo da Ser­pente e o Arroio do Salgueiro e os pântanos, para depois, vagarosamente, desaguarem no rio Feliz. Agora, nos trechos baixos além do Vale de Lhasa, o rio estava-se tornando mais largo, mais forte.

O lama e o acólito continuaram sua jornada, três dias, talvez quatro — perde-se a conta dos dias em uma terra onde o tempo não importa, onde não existem relógios, onde não há nada a não ser as passagens do Sol e as fases da Lua para indicar os dias e os meses.

Os viajantes passaram dos platôs montanhosos mais altos para as terras baixas, onde os pés de rododendros atingem tamanho imenso e o desabrochar das flores é uma massa de cores flamejantes; cada botão é do tamanho de um bom re­polho e os pés dos rododentros se firmam, atingindo, eles mesmos, mais de cinco metros de altura. Ali, também, havia muitas e muitas plantas e árvores diferentes. Havia vapor, uma espécie de neblina no ar, calor, pois o ar, ali, ficava como que aprisionado em um desfiladeiro rochoso, numa profunda fenda. De um dos lados a face rochosa, de outro, à direita, a torrente, atroadora e barulhenta ao vencer as gargantas e se projetar de centenas de metros da borda das rochas, caindo sobre as profundas poças lá embaixo.

Aqui e ali o lama e o acólito tinham que cruzar, recruzar e tornar a cruzar o rio por pontes precariamente colocadas, feitas de travessões suspensos em cipós ou hastes longas de plantas trepadeiras, hastes tão flexíveis como cordas e com a mesma resistência das plantas de sua origem. A cada vez os animais tinham que ter vendados os olhos e ser puxados cuidadosamente através da ponte, pois nenhum cavalo cruzaria uma estrutura tão perigosa quanto essas passagens temporá­rias.

O jovem acólito atravessou bamboleando uma das pontes, esfregando lamentosamente sua parte mais à retaguarda.

Oh, Honorável Lama exclamou ele depois de cavalgar todos estes dias, compreendo bem por que os mercadores que vão até a Índia voltam com um andar tão peculiar.

Finalmente, três ou quatro dias mais tarde, com sua ce­vada esgotada e sofrendo as garras da fome, chegaram à vista de uma pequena lamaseria, abrigada em um profundo vale. Na parte de trás, uma queda d’água se projetava ruidosamente da borda de um penhasco e contornava a pequena lamaseria, prosseguindo em sua interminável viagem para a Baía de Bengala.

Em frente da lamaseria, cerca de cinqüenta ou sessenta monges encontravam-se reunidos, olhando para cima, fazendo sombra com as mãos sobre os olhos. Por fim, quando o lama de elevada estatura chegou-lhe ao alcance da vista, seus rostos se abriram em sorrisos de boas-vindas; o abade da lamaseria adiantou-se com gritos de prazer. Os monges seguraram os cavalos e ajudaram o lama e seu acólito a desmontarem.

Ali o jovem acólito mostrava-se muito senhor de si, pois não era ele um dos acólitos da Potala, na Sagrada Lhasa? Não pertencia à elite das eleites? Não estava acompanhando o Grande Lama Venerável que vinha trazer instruções àquela lamaseria? Então, É CLARO, ele era digno do maior respeito, era digno do respeito devido a um jovem lama, pelo menos. Assim, exultante, andava de cá para lá, até que, subitamente, se lembrou de que tinha fome.

O abade se encontrava conversando animadamente com o lama, o lama do mais alto centro do ensino lamaico. Então, repentinamente, todo o grupo se movimentou em uma só onda para dentro da lamaseria, onde havia chá quente e tsampa. O jovem acólito tomou um vigoroso gole de chá e julgou que o mundo tinha chegado ao fim. Tossiu e cuspiu, esparraman­do a bebida por todos os lados.

Oh, Lama Sagrado! exclamou, aterrorizado. Acuda-me, depressa!

O lama se aproximou do acólito rapidamente e disse:

— Não tenha medo, nada aconteceu a você. Lembre-se de que aqui estamos muito mais baixo e, assim, o chá quente, aqui, é mais quente. Como já tentei dizer-lhe, o ponto de ebulição da água em Lhasa, comparado com o ponto de ebu­lição aqui, é muito frio. Aqui você tem que esperar um pouco e não tomar o chá tão rapidamente. Agora beba de novo, que a temperatura já estará mais baixa.

Sorrindo, depois desse conselho, o lama voltou a sua con­versa com o abade e com alguns dos lamas locais. O acólito, sentindo-se um tanto tolo, desajeitadamente pegou na tigela de chá, desta feita sorvendo a bebida com cuidado. Sim, fora de dúvida que estava quente, mais quente do que qualquer outra coisa que jamais provara, mas era reconfortante. Em seguida, voltou sua atenção para o tsampa, que também estava quente, o primeiro tsampa quente que provava em toda a sua vida.

As trombetas, porém, já soavam, já se ouvia o som dos búzios. Nuvens de incenso eram suavemente impelidas pela porta e das proximidades chegou o som profundo de vozes quando os monges e os lamas deram início às celebrações no­turnas a que o Alto Lama e o acólito deviam agora compa­recer.

Naquela noite houve muita conversa sobre o que se pas­sava em Lhasa, sobre as novidades que traziam da Índia os mercadores, transmitindo-as aos monges, que as passavam aos lamas e, ainda, conversa com os lamas e os acólitos dessa pequena lamaseria. Houve histórias sobre plantadores de chá de Assam, contos de mercadores de Bhutan e, é claro, os inevitáveis informes sobre os chineses, suas vilanias, sua traição e como, nos anos que se seguiriam, eles invadiriam toda aquela terra. A conversação prosseguia interminavelmente. Ali o sol se punha cedo e profunda monotonia cobria essa escura fenda do vale.

Durante a noite, havia ali muito mais barulho, com mais pássaros, mais animais do que nas proximidades de Lhasa. Estavam em terras baixas e o acólito tinha grande dificuldade em respirar, achando o ar demasiado úmido e denso. Sentia-se afogado no ar e caminhava inquietamente, julgando impossível conciliar o sono dentro dos limites de dormitório comu­nal dos monges.

Do lado de fora, a céu aberto, o agradável perfume das flores era impelido suavemente pela brisa fresca da noite. Ouviam-se as vozes dos animais, e aves da noite passavam voando, sombras escuras contra um céu escuro. A sua es­querda o rio Feliz galgava a borda de uma pedra e se preci­pitava em uma cascata de neblina e de espuma branca, des­locando pedras e seixos em sua pressa de chegar até o mar. O rapazinho sentou-se a uma pedra à beira da queda d’água e pensou em todas as coisas que lhe tinham acontecido, sua vida em Chakpori, sua vida na Potala, e agora, no dia seguinte, lembrou-se, teria que receber aulas de seu bem-amado lama sobre respiração.

De repente a noite se tornou ainda mais escura, o vento ficou frio e, por ser úmido, parecia chegar até aos ossos. Tre­mendo, o rapazinho se pôs de pé e apressou-se a voltar para a lamaseria para dormir.

A luz do novo dia era muito mais lenta em atingir essa pequena lamaseria escondida no vale abrigado, limitado de ambos os lados por rochas que se projetavam como torres, den­samente, revestidas por uma vegetação subtropical — pois nesse vale, com sua atmosfera encarcerada, as temperaturas se elevam rapidamente; os raios luminosos do sol ficavam cortados até quase a metade da manhã, e pairava em tudo uma melancolia fumegante.

Muito acima da cabeça o céu era de uma translúcida luminosidade: a luz do dia recém-nascido. As estrelas não mais brilhavam, não mais havia os raios da Lua no poente. Tudo brilhava, mas mesmo assim, nesse vale, o jovem acólito sen­tia-se oprimido, sufocado, afogado no ar. Levantou-se e saiu do dormitório para céu aberto, indo para fora no que, para ele, era a luz cinza do dia. Cinza que se filtrava através da neblina ou cerração. Cinza acentuada pelos salpicos da queda d’água que, devido ao embaciamento, não apresentava nenhum arco-íris cintilante.

O jovem acólito sentiu-se sozinho em um mundo adormecido. Pensou como eram preguiçosos aí, nesse refúgio calmo da religião. Foi sentar-se ao lado da queda d’água. Ali ficou refletindo sobre algumas das coisas que havia aprendido na Potala e em Chakpori, lembrou-se de algumas das coisas que já aprendera a respeito de respiração. Lembrou-se, também, de que naquele dia havia mais o que aprender sobre respira­ção e, naquele momento, resolveu fazer alguns exercícios respi­ratórios.

Sentou-se firmemente com a coluna erecta, e pôs-se a inspirar e expirar profundamente. Inspirava e expirava profundamente. Trabalhou com afinco, realmente. De repente sentiu que estava fora de seu corpo, experimentou uma sensa­ção inteiramente peculiar. A próxima coisa de que se aperce­beu foi que estava deitado no chão, com o Alto Lama debru­çado sobre ele.

—            Rapaz — disse o lama — esqueceu-se do que lhe ensinei? Aqui, lembre-se, o ar é mais denso do que aquele a que você está acostumado. Você não sabe que estava fa­zendo esforço e se embriagou com demasiado oxigênio?

O lama borrifou água fria no rosto do jovem acólito, fa­zendo-o estremecer de horror. Agora teria que enxugar-se!

—            Eu o avisei — disse o Lama — de que no início não se deve respirar profundamente. Mesmo que pareça ser benéfico, não exagere. Por certo você estava-se exercitando em um ar mais pesado e realmente se esforçava, pois eu o vi lá da janela! Seus pulmões murchavam e inflavam como foles. Bem, cheguei mesmo a tempo, senão você teria caído no abis­mo e, então, eu não teria ninguém comigo para divertir os cavalos, ponha-se de pé e voltemos à lamaseria.

O lama abaixou-se e ajudou o rapaz a levantar-se. Jun­tos voltaram para o mosteiro. O rapaz sentiu-se imensamente melhor à vista do chá e do tsampa já preparados. Ficou ainda mais alegre à visão de algumas outras coisas, umas espécies de frutas que lhe eram desconhecidas.

—            Oh! — exclamou para um outro rapaz a seu lado. — Em Lhasa, não temos nada assim. Só temos chá e tsampa, nada mais do que isso.

O outro rapaz sorriu para ele e respondeu: —            Oh, as coisas aqui não são assim tão más. — E cheio de si: — Os camponeses trazem essas coisas aqui para nós, sabe? Vamos e damos uma bênção uma ou duas vezes e conseguimos algumas frutas ou legumes. Isso melhora o eterno tsampa. Pessoalmente, prefiro estar aqui do que em Lhasa, porque as condições são muito mais suaves.

Sentaram-se no chão, de pernas cruzadas, em frente de mesinhas pequenas e, pegando suas tigelas, serviram-se de chá e de tsampa. Durante algum tempo tudo era silêncio, com exceção da voz do leitor que, de uma posição elevada que permitia visão de toda a sala das refeições, lia as Obras Sagradas durante as refeições, pois não era considerado adequado que os monges prestassem atenção demasiada a seus alimentos.

Cuidado como vai comer essas frutas — sussurrou o rapaz a quem o jovem acólito se dirigira anteriormente. — Se você comer demasiadamente, não se admire com o que acontecer em sua barriga. Não é o engolir que provoca os problemas, são os efeitos posteriores.

—            Oh! fez o jovem acólito, bastante desanimado. Ora só! Já comi cinco delas. Estou achando que se passa algo estranho em minha barriga.

O rapaz que lhe havia dado o aviso achou graça, servindo-se a si mesmo de mais uma fruta.

Finalmente todos tinham acabado de comer e o leitor terminara a leitura. O abade se pôs de pé e disse que nessa ocasião o Grande e Honorável Lama de Lhasa, do Santo dos Santos, a Pótala, tinha vindo especialmente para dar lições de respiração e de saúde e qualquer um que tivesse problemas de saúde era convidado a tratar de seus problemas com o lama de Lhasa. Todos se retiraram do refeitório e se deslocaram para o interior do Templo propriamente, onde havia mais es­paço.

O lama convidou-os a sentar-se confortavelmente. Os rapazinhos sentaram-se à frente, em seguida os jovens mon­ges e, à retaguarda, os lamas, todos em fileiras regulares.

Durante algum tempo o lama deu as instruções básicas, dizendo em seguida:-

—            Devo ressaltar, novamente, que não é absolutamente necessário que vocês se sentem na Posição de Lótus ou em qualquer posição que seja desconfortável. Durante todo o tempo vocês deverão permanecer em uma posição cômoda, em que a coluna se mantenha erecta, pois somente assim poderão obter o máximo benefício. Lembrem-se também de que durante o dia vocês devem sentar-se com as palmas das mãos para cima, de modo que possam absorver as boas influências do Sol o dia inteiro, mas, quando fizerem esses exercícios após o pôr do sol, mantenham as palmas das mãos voltadas para baixo, porque se encontram então sob a influência da Lua.

"Agora, porém, vamos repetir que vocês terão de encon­trar suas pulsações. Coloquem os dedos no punho esquerdo, de modo a contar as batidas, a fim de que possam assinalar durante quanto tempo podem inspirar ou expirar. A média será um, dois, três, quatro (inspirar), um dois, três, quatro (expirar). Digam isso para si mesmos umas seis ou sete vezes em voz alta e guardem ritmo firmemente em suas cabeças, de modo que, quando não estiverem tomando as pulsações sejam, mesmo assim, capazes de sentir o ritmo das batidas. Isso exi­girá algum tempo de prática, mas depois que se tiverem exer­citado durante uns dias verificarão que podem perceber o ritmo das pulsações por uma vibração no interior de seus corpos, não sendo mais necessário tomar o pulso.

"Em primeiro lugar, inspirem, sempre, é claro, com a boca fechada. Inspirem profundamente, até contarem quatro. É vital que a respiração seja completamente suave, sem quaisquer arrancos. Os iniciantes tendem a prender a respiração até contarem quatro, mas isso é prejudicial; eles devem inspirar suavemente enquanto contam até quatro mentalmente. Então, quando tiverem contado até quatro, terão o pulmão cheio de ar e então, em seguida, expirem contando novamente até quatro pulsações. Façam isso durante algum tempo e após alguns dias vocês serão capazes de inspirar em mais do que quatro pulsações, talvez até seis ou oito. Nunca, porém, de­vem forçar-se a si mesmos, façam sempre o que estiver dentro de suas possibilidades.

O lama olhou em torno e estudou os rapazinhos, os mon­ges e os lamas, todos sentados, todos com as palmas das mãos voltadas para cima, todos respirando em seus ritmos particula­res. O lama acenou sua satisfação e ergueu a mão para que cessassem o exercício.

— Agora — disse ele — passaremos para a fase seguin­te deste exercício, em que faremos exatamente o que fizeram até aqui, com a diferença de que, após a inspiração, deverão prender a respiração. Em primeiro lugar, então, vamos ins­pirar durante quatro batidas do coração. Em seguida, mante­rão a respiração presa durante duas batidas e, depois, exala­rão durante outras quatro batidas. A finalidade deste exercí­cio particular, desta maneira particular de respirar, é purificar o sangue. Também ajuda a melhorar as condições gerais do estômago e do fígado. Quando conduzido adequadamente, reforça o sistema nervoso. Lembrem-se, ainda, de que a nossa base é quatro-dois-quatro. Isso, no entanto, é meramente uma média e vocês não se devem escravizar a ela. A média poderá ser, facilmente, seis-três-seis ou cinco-três-cinco. Deve ser exatamente a que for mais apropriada e que não exija esforço excessivo da parte de vocês.

O lama permaneceu observando enquanto todos inspira­vam, enchendo o pulmão de ar, prendendo a respiração, e tornando a soltar o ar. Observou-os repetir o exercício dez, vinte, vinte e cinco vezes. Então, novamente acenando com a cabeça em sinal de aprovação, ergueu a mão.

— Agora daremos um passo à frente. Particularmente entre os mais jovens vi que alguns não têm boa postura. Vocês, homens e rapazes, simplesmente ficam relaxados. Isso não traz boa saúde. Quando caminham, devem fazê-lo no ritmo das bati­das de seus corações e de sua respiração. Vamo-nos exercitar da seguinte forma: em primeiro lugar permaneçam erectos, sem se inclinarem para a frente nem se deixarem pender para trás — erectos, com os pés juntos e a coluna reta. Agora expirem ao máximo, procurando eliminar todo o ar que têm nos pul­mões. Em seguida, comecem a caminhar e no mesmo mo­mento inspirem de fato profundamente. Simultaneamente ado­tem um passo ritmado e vagaroso. Vocês caminharão em com­passo com suas batidas de coração. Vão fazer uma inspiração durante quatro pulsações. Enquanto isso, caminharão quatro passos. Em seguida, vocês terão que dar mais quatro passos durante quatro pulsações, tempo que levarão expirando. Façam isso durante cinco consecutivos conjuntos de quatro, mas lem­brem-se, com particular carinho, de que a respiração deve ser absolutamente suave e praticada em ritmo com os passos de vocês; isso significa que não devem bombear o ar em quatro passadas e que devem inspirar tão suavemente quanto possam.

O Grão-Lama de Lhasa disfarçou um sorriso de diverti­mento enquanto observava os rapazes, monges e lamas deslo­cando-se e procurando praticar os exercícios respiratórios. Sa­tisfeito de que estivessem fazendo o exercício corretamente, falou:

—            Lembremo-nos, — agora, de que existem vários sis­temas respiratórios e que devemos respirar de um modo tal que nos permita realizar determinadas tarefas, pois respirar é algo mais do que encher nossos pulmões de ar. A respiração correta deve refrescar-nos e pode, verdadeiramente, pôr nossos órgãos em sintonia. O sistema respiratório que estive apresen­tando a vocês é conhecido como o sistema respiratório comple­to. É um sistema que purifica o sangue, auxilia o estômago e outros órgãos. Também ajuda a dominar os resfriados. O lama adiantou-se e olhou em volta para alguns que funga­vam, continuando: Aqui, nas terras baixas do Tibete, os resfriados são freqüentes e parece que pouca coisa tem sido feita para resolvê-los. No entanto, usando esse correto siste­ma respiratório que estive ensinando a vocês, poderão dominar os resfriados. Vamos passar a um outro sistema em que man­terão o ar nos pulmões durante mais tempo do que o normal. Sentem-se, por favor, mantendo as colunas erectas, mas com o restante do corpo relaxado.

O lama esperou enquanto os homens se preparavam novamente, ajeitando os robes e sentando-se com as palmas das mãos voltadas para cima. Em seguida, continuou:

—            Em primeiro lugar, vocês devem fazer uma respiração completa isto é, o que vêm fazendo até agora. Em seguida, manterão o ar nos pulmões por tanto tempo quanto possível sem demasiado esforço. Após isso, expirem através da boca aberta, vigorosamente, como se o ar lhes fosse desagradável, como se estivessem procurando expeli-lo tão violentamente quanto possível. Vamos então praticar novamente; comecem inspirando durante quatro batidas. Em seguida, retenham o ar que tiverem inspirado durante tanto tempo quanto pude­rem, sem desconforto. Depois expirem, exalando o ar tão vigorosamente quanto puderem, de boca aberta. Vocês verificarão, se fizerem esse exercício algumas vezes, que a sua saúde melhorará decididamente.

O lama ficou observando seus pupilos, assegurando-se de que estavam praticando corretamente. Vendo que um homem idoso ia ficando azulado, apressou-se a se aproximar dele e disse:

Meu irmão, você está-se esforçando demais. Todos esses exercícios devem ser feitos de forma natural, à vontade. Não deve ser feito esforço, não deve ser forçada a sua prática. Respirar é natural e, se você estiver forçando ou esforçando-se demasiadamente, não estará obtendo bons efeitos da respira­ção. Você, meu irmão, está usando um ritmo errado. Está-se esforçando por inspirar mais ar do que seus velhos pulmões podem conter. Tenha cuidado, proceda sem esforço, à vonta­de, e sentir-se-á melhor.

Assim, durante a manhã, os rapazes, os monges e os la­mas praticaram exercícios respiratórios. Por fim, para deleite do jovem acólito, as lições terminaram e ele e os outros fica­ram livres para sair de novo para o campo aberto, onde o sol do meio-dia inundava agora o vale, iluminando a monotonia e, infelizmente, aumentando o calor. Insetos zumbiam deslocando-se daqui para ali, enquanto o jovem acólito pulava de um lado para outro ao ser atacado por insetos que não conhe­cia, nas partes mais vulneráveis de sua anatomia.

 

Lady St. John de Tawfe-Nause, da Mansão de Hellísa-poppi, encontrava-se sentada em solitária grandeza à cabeceira da imensa mesa de sua sala de almoço. Brincava fastidiosa­mente com a fina fatia de torrada de pão de centeio que tinha a sua frente. Delicadamente levou uma taça de chá aos lábios bem modelados, mas em seguida, num impulso, pô-la no pires e se dirigiu apressadamente para sua bem decorada escrivani­nha. Selecionando uma folha de papel branca, ornada com o brasão de um famoso ancestral normando (chamado Guil­laume), que consistia de um ameaçador cuco de cabeça pelada (o símbolo fora adotado porque Guillaume era meio "cuco" e se atirava às coisas de cabeça descoberta), Lady St. John começou a escrever com uma caneta tirada de um dos lacaios do Duque de Wellington que por sua vez a arrancara de uma taverna da Rua Fleet.

Então o senhor é o autor de "A Terceira Visão" escre­veu ela. "Desejo conhecê-lo. Encontre-me em meu clube e certifique-se de que está usando civilizado traje ocidental. Tenho minha posição a zelar..."

Bertie E. Cutzem, um dos principais cirurgiões da Ingla­terra, membro das mais ilustres associações, Amigo Disto e Daquilo, bon vivant, clubista e advogado dos privilégios para as Classes Privilegiadas, estava sentado em seu escritório, com queixo apoiado na mão. Por fim, após prolongada cogitação, pegou uma folha de papel de carta ostentando discreto mono­grama e começou:

"Acabo de ler A Terceira Visão" — escreveu ele, — "e sei que tudo o que o senhor escreveu é verdade. Meu filho dispõe de notáveis poderes ocultos e sabe, por outras fontes, que o senhor escreve a verdade. Gostaria de conhecê-lo, mas, por favor, devolva-me esta carta, pois os meus colegas troça­riam de mim..."

O próspero produtor cinematográfico da Califórnia estava sentado em seu monumental escritório, cercado pelo seu harém quase desnudo. Sylva Skreen era agora um nome familiar. Anos antes, ele tinha vindo da Grécia para os Estados Unidos e, como graxa fervente, fugia dos dias "quentes" que tivera na Grécia. A polícia desejava pô-lo em um "refrigerador". Assim, partiu para a América e desembarcou em S. Francisco, com a calça furada e furos nas solas dos sapatos. Sua alma também não se achava em muito boas condições.

Agora, o Grande Homem, Sylva Skreen, sentado em seu escritório, tentava escrever uma carta sem que sua secretária a datilografasse. Preguiçosamente, permanecia sentado, torcendo entre os dedos sua caneta de sólida pena de ouro, ornada de diamantes e ostentando um grande rubi na extremidade oposta ao bico da pena. O rosto contorcido, lutava com o seu inglês fragmentário, quebrado, negativo. Finalmente, quan­do o suspense já se tornava doloroso, esticou a mão, pegou uma folha de papel vistoso e pôs-se a escrever.

Na realidade, a carta exigia a presença do autor de Ter­ceira Visão, de modo que o Grande Deus Grego da Tela de

Seda pudesse conhecer sua sorte e, talvez, tê-la melhorada. Anexou o dinheiro para a resposta por via aérea. Com extrema dificuldade preencheu um cheque e o colocou no envelope. Um empregado apressou-se a pôr a carta no correio.

Sylva Skreen permanecia em seu escritório, resmungan­do. A dor o atacava em seu livro de bolso. "Q que foi que eu fiz?", reclamava ele. "Ela gastou meu dinheiro. Banquei o trouxa. Não faz mal, vou ser sabido daqui em diante". Er­gueu a barriga volumosa de modo a apoiá-la sobre a mesa e apressou-se a chamar a secretária.

— Para o autor de A Terceira Visão, — ditou ele. "O senhor tem o meu dinheiro. O senhor eu não quero. Meu dinheiro eu quero. Se o senhor não devolver meu dinheiro rapidamente, direi à imprensa que o senhor tomou meu dinheiro. Devolva meu dinheiro rapidamente, hã?"

Um funcionário voou à velocidade máxima para apressar o envio da carta para o autor. Finalmente, com o passar do tempo — pois os correios são muito vagarosos — Sylva Skreen, o Grego, pôde esfregar suas mãos gordurosas no dinheiro que lhe foi devolvido.

No distante Uruguai, o autor de muitos livros recebeu uma carta de Seattle, nos Estados Unidos. "Disseram-me que o senhor deseja voltar para os Estados Unidos", — estava es­crito nessa carta de um homem muito rico — "mas que não tem dinheiro para pagar sua passagem. Então, vou-lhe fazer uma proposta muito boa. Pagarei sua passagem até Seattle e o manterei pelo resto da vida. O senhor disporá de um quar­to e de alimentação. Não lhe serão necessárias muitas roupas. Em retribuição, o senhor deverá dar-me tudo que tem e, legalmente, passar-me todos os direitos sobre seus livros. Eu venderei seus livros e, com os royalties, o manterei". O autor proferiu uma palavra não mencionável, de um modo não mencionável sobre a não mencionável pessoa.

A porta ressoou a uma batida vigorosa. Seguiu-se outra batida, por não ter sido a porta aberta imediatamente. Pés apressados, o barulho da porta se abrindo.

—            Eu estar com pressa, não? — falou uma voz grossa e gutural. — Querro verr senhorr Lama. Deixe-me entrar, sim?

O som de vozes aumentou, bem como o volume de uma delas.

—            Minha amiga dizer vai lá, vai. Dizer lá você querr verr Lama já estou aqui, vai esperrar. Diga ele Vilhemina Cherman estarr aqui, sim?

Meia-noite em Montreal. Do outro lado as luzes dos arranha-céus de Drapeau's Dream refletiam-se nas águas pa­radas do porto. Ancorados e imóveis, os navios aguardavam plácidamente a chegada de um novo dia. Para a esquerda, onde as Docas de Windmill permitem a atracação de rebocado­res, as águas se agitaram quando uma pequena embarcação começou a se deslocar ao encontro de um cargueiro que che­gava. No topo do edifício mais alto um raio rotativo estendia dedos tateantes na direção do céu escuro. Um avião a jato cruzou, zumbindo, os céus da cidade, saindo dos limites do Aeroporto Internacional.

Meia-noite em Montreal. A casa estava imersa no sono. Sono que repentinamente foi interrompido pelo insistente to­car da campainha da porta. Roupas foram vestidas rapida­mente e a porta foi aberta. Somente uma necessidade imperiosa poderia provocar um tão longo toque de campainha a tal hora, não?

—            Rampa? — indagou uma voz ríspida franco-canadense. — O Dr. Rampa mora aqui? — Dois homenzarrões en­traram e se puseram a olhar em torno. — Polícia. Delegacia de Fraudes — disse um deles, finalmente.

—            Quem é o Dr. Rampa? O que é que ele faz? Onde está ele? — perguntou o outro. Perguntas, perguntas, pergun­tas. Mas, finalmente, uma contra-pergunta:

—            O que os senhores querem? Por que vieram aqui?

Os dois policiais se entreolharam inexpressivamente. O mais graduado dos dois, sem mesmo pedir permissão, dirigiu-se até o telefone e discou um número. Seguiu-se uma rápida e explosiva troca de palavras na versão franco-canadense do idioma francês. Finalmente o fone foi recolocado no gancho e o policial mais graduado falou:

—            Disseram-nos para vir aqui, chamaram nosso carro-patrulha. Não nos disseram por quê. Agora o Superintendente informou que um homem ligou para lá, do Alabama, e pediu para dizer ao Dr. Rampa que o chamasse com urgência. É urgente. Faça a ligação imediatamente!"

Desajeitados, os dois policiais permaneciam de pé, olhan­do um para o outro. Descansavam o peso do corpo ora numa perna, ora na outra. Finalmente o mais graduado falou:

—            Nós vamos embora e o senhor telefona imediatamen­te, está bem?

Voltaram-se e saíram, apressados. Não tardou a chegar o barulho do seu carro arrancando e zunindo estrada afora, ultrapassando muito os limites de velocidade permitidos legal­mente. Em seguida soou a campainha do telefone.

—            Aqui é o Superintendente da Polícia. Já telefonou??? O homem disse que era urgente, uma questão de vida ou morte.

Ouviu-se um clique quando o telefone foi desligado.

A carta chegou juntamente com cerca de setenta outras. O envelope era de um verde-malva violento, com flores incríveis na frente e atrás. O papel, uma vez desdobrado, apresen­tava a mesma coloração horrenda, piorado pelos ramalhetes de flores que lhe ornamentavam toda a borda. "Deus é

Amor!", proclamava uma flâmula no topo da folha de papel. O autor franziu o nariz ao cheiro que daí se exalava. O "perfume" usado devia provir de um gambá morto após uma re­feição, pensou ele.

A carta dizia: "Eu sou a Tia Macassar, leio Sortes e Pratico Muito o Bem. (Cinco pratas por pergunta ou uma Oferta Amorosa maior). Li os seus livros e quero que o se­nhor seja o meu Guia. Isso dará força aos meus anúncios. Mande-me uma carta concordando, com urgência, pois quero anunciá-lo".

"Rampa se transformou em comerciante", resumia a car­ta. "Sei que o senhor é falso porque faz comércio e obtém dinheiro". O pobre e destroçado autor jazia deitado na cama e procurou analisar essa carta; estariam querendo dizer que todas as pessoas que se empenhavam em negócios eram fal­sas? Ou o quê? "Oh, bem", pensou ele, "vou tornar isso claro em meu próximo livro".

Senhoras e cavalheiros, crianças, gatos de todo tipo. Ou­çam esta afirmativa, proclamação e declaração. Eu terça-feira Lobsang Rampa, usando meu próprio e legal nome, meu único nome, declaro o seguinte: Não tenho interesses comerciais. Não estou engajado em negócios de qualquer espécie, exceto os de autor. Não endosso nenhum incenso, nenhuma firma de remessas pelo correio, coisa nenhuma. Certas pessoas estão usando nomes tais como Terceira Visão, mas eu escrevi um livro com esse nome e não criei nenhuma firma de remessas pelo correio. Firma que eu não endosso.

Senhoras e senhores, crianças, gatos de todo tipo. Não tenho discípulos, alunos, seguidores, representantes, pupilos, interesses ou quaisquer agentes, outros que não os meus agentes literários. Tampouco escrevi qualquer livro que tenha sido "recusado por editores devido aos seus ensinamentos proibidos". Alguém deve estar tentando separá-lo de seu dinheiro conseguido com esforço. (Eu gostaria de poder fazê-lo!). Já o avisei disso".

O autor permanecia deitado, meditando sobre as dificul­dades de ser autor. "O senhor não deve empregar a palavra miserável", escreveu alguém. "É uma palavra feia". "O senhor não deve usar eu", escreveu um outro. "Isso faz com que os seus leitores se identifiquem muito com o senhor. Isso é ruim!". "O senhor não deve dizer que é "O Velho", reclama um ter­ceiro. "Não gosto de ler isso". As cartas prosseguem nesse mesmo diapasão. Assim, o autor (quem mais?) permanecia deitado, ponderando sobre o passado e preocupando-se, inde­vidamente talvez, sobre o futuro. Se faltar a saúde, se faltar isto, se faltar aquilo...

A porta se abriu e uma bonita forma peluda saltou cám leveza para a cama onde o autor se encontrava deitado, pen­sando no passado.

—            Ei, Guv! disse ela em sua melhor Voz Telepática de Gatos Siamês. E o livro que você deveria estar escre­vendo? Meu Deus! Você nunca o terá terminado se continuar pensando nessas bobagens, os Amigos de Penas. Esqueça-os! — ordenou ela com seriedade.

Fat Taddy entrou e sentou-se num vagabundo raio de sol.

—            Comida? perguntou ela. Alguém falou em co­mida?

O autor sorriu e respondeu: "Bem, gatos, temos que acabar esse livro e responder a algumas dessas perguntas que chegam aos montes. Perguntas, perguntas, perguntas! Come­cemos!"

Esticou a mão para pegar a máquina de escrever com o "i" saliente e puxou-a para perto. Ora, onde está a primeira pergunta?

A dificuldade está em que, assim como pessoas geram outras pessoas, também perguntas geram outras perguntas.

Quanto mais perguntas são respondidas, mais perguntas parecem surgir. Eis aqui uma que parece ter confundido muita gente: "O que é Superego? Por que o Superego me faz so­frer tanto? Como posso eu ter que sofrer, quando não sei por que devo sofrer? Isso não faz sentido, destrói minha fé na religião. Destrói minha fé em um Deus. Como pode o senhor explicar-me isto?"

O autor permanecia deitado e contemplava um navio que passava. Mais uma vez um navio estava chegando, trazendo toda sorte de coisas do Japão, mas isso nada tinha a ver com o livro, tinha? O autor, relutantemente, voltou as costas e se pôs a trabalhar de novo.

Sim, é claro que tal pergunta pode ser respondida, mas, antes de mais nada, temos que concordar sobre certos termos de referência; pensem no que seria tentar discutir com um peixe nas profundezas do oceano sobre os pensamentos e rea­ções de astronautas em órbita em torno da Lua. Como pode­remos explicar a um peixe que sempre viveu no fundo do mar como é a vida na superfície das águas? Como poderíamos explicar a vida em Londres, Montreal, Tóquio ou mesmo em Nova York, onde já existem tantos peixes curiosos? Mas, além disso, como poderíamos explicar ao nosso peixe das profun­dezas oceânicas o que acontece com uma nave espacial ao circular em torno do Lua? Seria impossível, não é mesmo? Vamos então fazer uma hipótese, imaginar algo diferente.

Imaginemos que o Superego não é mais Superego é ape­nas uma inteligência. Assim, teremos uma porção de inteli­gências flutuando em algum lugar; então, uma delas decide que quer conhecer algo, que quer experimentar algo diferente do pensamento puro. Por pensamento "puro" deve ser compreendido que o pensamento é uma coisa sem substância e que não está relacionada com puro ou impuro no seu sentido moral.

Essa particular inteligência, então, sente os estímulos da ambição. Quer conhecer as coisas, quer saber o que são as coisas na Terra, será a décima terceira vela mais quente do que a décima segunda? E, afinal de contas, o que é "quente"? O que é uma vela? A inteligência decide verificá-lo e, assim, procura um corpo. Esqueça, por agora, que a inteligência terá que ter nascido primeiro, mas essa inteligência consegue fixar-se dentro de um crânio, uma espessa caixa óssea em que ela flutua em um líquido especial que a livra de sofrer choques mecânicos, que a conserva úmida e que ajuda a alimen­tá-la. Aí temos essa inteligência em sua caixa óssea. Uma inteligência, porém, não sofre sensações, isto é, se um cirur­gião tem que fazer uma operação em um cérebro, faz uma anestesia local, dessensibilizando a pele e a carne em volta dele, e em seguida produz uma incisão quase ao redor de toda a cabeça. Depois é utilizada uma serra para abrir a parte su­perior do crânio, que poderá então ter sua pele removida, da mesma forma que se tira a casca de um ovo cozido. É impor­tante lembrar-se de que se sente dor apenas na pele, na carne e nos ossos. A inteligência não é sensível à dor. Então, quan­do, por assim dizer, o cirurgião tiver tirado a tampa, ele pode mexer, perfurar, cortar a inteligência, sem que qualquer anes­tésico seja usado.

Nossa inteligência é como o Superego. Não tem sensa­ções próprias. Vamos voltar a ele, a inteligência dentro do crâ­nio, inteligência que está querendo obter experiência. Deve­mos ter em mente, no entanto, que estamos usando o símile da inteligência para substituir o Superego que, sendo algo multidimensional, é mais difícil de ser compreendido.

A inteligência quer saber a respeito de sensações. A inteligência é cega, é muda, não pode sentir cheiro, não tem sentidos. Desse modo, fazemos uma porção de fantoches. Um par de fantoches é lançado sob a forma de olhos, os olhos se abrem e a inteligência recebe impressões através dos olhos.

Como todos nós sabemos, uma criança recém-nascida não pode compreender o que significam impressões. Um bebê recém-nascido manuseia desajeitadamente as coisas e obviamen­te não compreende o que está vendo, mas, com a experiência, as impressões recebidas através dos olhos significam alguma coisa para a inteligência.

Isso, porém, poderia ser melhorado. Queremos mais do que um quadro geral. Podemos ver uma coisa, mas o que é ela? Tem cheiro, tem som? Outros fantoches são instalados, e a eles chamamos os ouvidos. Os ouvidos captam vibrações de uma freqüência mais baixa do que as que os olhos podem perceber. Ainda assim, são vibrações, do mesmo modo que a vista recebe vibrações. Então os ouvidos percebem vibra­ções e, com a prática, a inteligência pode compreender que essas vibrações têm algum significado, podem ser música agra­dável, podem ser música desagradável, podem significar a pa­lavra, uma forma de comunicação.

Bem, tendo uma coisa sido vista e ouvida, terá ela chei­ro? A melhor maneira é lançar fantoches que constituam um órgão olfativo. Então o pobre e desgraçado Superego, ao qual estamos dando o nome de inteligência, pode por vezes desejar que não haja o sentido do olfato, dependendo do tipo de essência que a mulher esteja usando.

Para ir mais além — como é uma coisa quanto à sua consistência? Nós não conhecemos o significado de termos tais como "duro" e "mole", a não ser que tenhamos o sentido do teto, assim o Superego ou, neste caso, a inteligência, instala mais fantoches: braços, mãos, dedos. Temos, dentre os dedos, um a que se chama polegar, e que serve para podermos pegar uma coisa pequena. Temos dedos que podemos correr sobre um objeto, a fim de ver se é facilmente comprimível ou, se não é comprimível, saber se é duro ou se é mole. Sabemos se é afiado ou cego através de nossos dedos.

Algumas vezes um objeto poderá ferir. Tocamos um objeto e ele nos produz uma sensação desagradável. Talvez esteja quente, talvez frio, talvez agudo, talvez rombo. Essas sensações criam dor e a dor nos avisa que, no futuro, devemos ter cuidado com essas coisas. Por que insultar nossos dedos, po­rém, ou insultar a Deus, somente porque eles estão desempenhando sua finalidade, a finalidade de sentir?

Um pedreiro pode ficar com os dedos grossos de colocar tijolos. Um cirurgião pode ficar com os dedos muito sensíveis devido à necessária delicadeza de toque requerida em sua atividade. Colocar tijolos magoaria os dedos do cirurgião, mas a cirurgia seria uma atividade difícil para o pedreiro, porque seus dedos ter-se-iam tornado grosseiros pela colocação dos tijolos.      

Todos os órgãos têm que experimentar, têm que sofrer. O ouvido poderá chocar-se por um ruído muito alto, o nariz pode ofender-se com um cheiro particularmente desagradável, mas esses órgãos são construídos de forma a resistir a tais choques. Quando queimamos um dedo... bem, o dedo cica­triza e, da próxima vez, já sabemos melhor.

Nosso cérebro registra todas as informações. O arquivo ocupa nove décimos de nosso subconsciente. Nosso sistema nervoso involuntário reagirá a informações que nos são supri­das pelo subconsciente para evitar que incorramos em algum grande perigo. Por exemplo, se você procurar caminhar no topo de um edifício alto, sentirá medo, que é a forma pela qual o subconsciente comunica ao sistema nervoso involun­tário que ele deverá instilar secreção no sangue e fazer com que se recue.

Este é o sentido físico comum, mas, pense, em uma ou­tra dimensão muito mais elevada, como o Superego é incapaz de receber qualquer conhecimento da Terra sem colocar fantoches neste planeta. Esses fantoches são seres humanos, seres humanos que podem queimar-se, ferir-se, aturdir-se, tudo en­fim que pode acontecer a um ser humano, e todas as impres­sões e sensações são passadas ao Superego através do Cordão de Prata, quase que da mesma maneira segundo a qual im­pressões são recebidas pelos dedos e pelos polegares e trans­mitidas por meio de nervos os nervos sensoriais para o cérebro.

Nós, então, estaremos justificados em nos considerarmos uma extensão do Superego, que é tão altamente rarefeito, está tão bem isolado, tão altamente evoluído, que tem que depen­der de nós para a obtenção de impressões do que acontece na Terra. Se fazemos algo errado, então, metaforicamente, recebemos um pontapé no traseiro. Não é um Deus diabólico que nos está afligindo, julgando, tentando. É a nossa própria e crassa estupidez. Ou, talvez, alguém toque em uma coisa e verifique que ela fere, de maneira que a toca novamente e verifica que ela fere, e, então, torna a tocá-la para verificar como o ferimento pode ser curado ou superado. E, então, talvez torne a coisa a ser tocada para se verificar se o assunto já foi finalmente controlado.

Você poderá saber de uma pessoa que esteja sofrendo muita dor e você o espectador pode pensar que não seja razoável que tal pessoa esteja sofrendo tanto, ou poderá julgar que a referida pessoa esteja pagando um carma excessivamente duro, que ela deve ter tido uma vida anterior dia­bólica. Tudo isso você poderá estar considerando. Mas estará enganado. Como você pode saber se a pessoa não estará su­portando a dor e sofrendo a fim de verificar como a dor e o sofrimento podem ser eliminados por aqueles que vierem depois? Não julgue que haja sempre um pagamento do carma. Talvez se trate de acumular, possivelmente, um bom carma.

Existe um Deus, um Deus generoso, um Deus justiceiro. Mas, é claro, Deus não é como um ser humano, e é inútil tentar compreender o que é Deus, quando as pessoas, em sua maioria, não podem sequer compreender o seu próprio Superego. Assim como você não pode compreender o seu Superego, não pode, também, compreender o Deus de seu Superego.

Eis aqui uma pergunta que já foi respondida em outros livros anteriores, mas que ainda me chega com regularidade, de fato com uma monótona regularidade:

As pessoas desejam saber a respeito de seu guia, de seu mestre, de seu guardador, de seu anjo da guarda, etc. Alguém escreve e diz: "Oh, tenho um índio velho como guia. Gostaria de poder vê-lo. Sei que é um índio pele-vermelha por ser tão sábio. Como eu poderia vê-lo?"

Bem, vamos ver se deixamos isso claro uma vez por todas; ninguém tem índios de pele vermelha, de pele negra, de pele branca, ou tibetanos, mortos ou vivos, como guias. De fato, não haveria tibetanos em número suficiente, por exemplo, para satisfazer a todos. É como se todo o mundo dissesse "Oh, eu fui Cleópatra em minha última vida!". Não há nisso qualquer palavra de verdade. De fato, o chamado guia é apenas o Superego, que realmente é o nosso guia. É como sentar-se em um carro; você é o Superego do carro. Você pisa no pedal e, se tiver sorte e o automóvel não for um carro americano desses novos, ele arrancará. Você pisa em um outro pedal e o carro pára, e se você acionar uma certa coisa e observar o que está fazendo não esbarrará em nada. No entanto, ninguém mais, a não ser você está dirigindo o carro. Do mesmo modo você controla a si mesmo, a você e ao seu Superego.

Muita gente pensa que aqueles que já passaram pela Terra estão borbulhantes de entusiasmo para sentar-se ao lado de alguém e orientar essa pessoa através de todos os dias de sua vida, evitando que ela caia ao lado da estrada, dizendo-lhe o que fazer e tudo mais. Mas pense em você mesmo: você tem vizinhos, talvez se dê com eles, talvez não, mas de qual­quer modo chegou a ocasião de você mudar-se para outro lado do mundo. Se você está na Inglaterra, vai mudar-se para a Austrália. Se está na América do Norte, vai-se mudar, digamos, para a Sibéria. Bem, você se muda, está ocupado com sua mudança, ocupado em se instalar em seu novo endereço, preocupado com o seu trabalho no novo destino, ocupado no estabelecimento de novos contatos. Você de fato se detém para telefonar para Tom, Dick, Harry, Mary, Martha, Mathilda, ou lá que nome tenham? Você sabe que não. Você esqueceu tudo a respeito deles. O mesmo se passa com os seres do Outro Lado.

As pessoas que passaram por esta Terra não estão mera­mente sentadas nas nuvens tocando harpa e arrancando as penas das asas, etc., etc. Elas têm uma missão a cumprir; dei­xam esta Terra, passam por um período de recuperação e depois se ocupam em alguma outra coisa. Falando francamen­te, elas não têm tempo para serem guias e todas essas ba­boseiras.

Inúmeras, inúmeras vezes, entidades que não são huma­nas interceptarão os pensamentos de um ser humano e, sob certas condições, darão a impressão de serem espíritos-guias.

Consideremos o caso dessas sessões espíritas; temos, aí, um grupo de pessoas que aguardam comunicar-se com aque­les que já passaram. São um grupo de pessoas, todas pensan­do segundo uma mesma linha. Não se trata de uma única pessoa pensando ociosamente, são um grupo de pessoas que vão a algum lugar especial, com alguma finalidade especial, e estão todas, subconscientemente, desejosas de que uma mensagem seja transmitida. Assim, no mundo do astral há formas perambulantes que podem ser formas de pensamento, ou talvez sejam entidades que não foram seres humanos e tal­vez nunca o sejam. São apenas massas de energias responden­do a certos estímulos.

Essas entidades, qualquer que seja sua origem mas que absolutamente não são humanas, vagueiam por aí e não tardam a gravitar em torno de qualquer fonte que as atraia. Se as pessoas estão pensando fortemente em receberem uma mensagem dos mortos, essas entidades então, muito automaticamente serão atraídas para tal grupo, ficarão em torno a ele e estenderão pseudópodes que, é claro, são mãos e dedos feitos de energia, e tocarão um cérebro ou uma parte do cére­bro, ou tocarão um rosto, e a pessoa que receber tal contato estará certa de que está sendo tocada por um espírito, porque os pseudópodes que eles estendem são semelhantes aos pseu­dópodes que se projetam do ectoplasma.

Essas entidades, muitas vezes, são malévolas, e estão muito, muito alertas, como acontece com os macacos. Elas flutuam ao léu, uma espécie de borboletear de cérebro em cé­rebro, e quando se deparam com algum suculento item de informação, que se esteja irradiando de um cérebro, pdtiem causar um sensório, que é, por assim dizer, um genuíno mé­dium. Eles transmitem uma mensagem que uma pessoa, pelo menos, sabe que é verdadeira porque se encontra na consciên­cia dessa pessoa, mas nenhuma das pessoas parece pensar em uma forma-pensamento visitando cérebros. Deve ser tornado claro, muito claro, que nem todas essas manifestações são genuínas.

Todos nós sabemos o que se passa no Dia das Bruxas, quando as crianças se metem em máscaras e fantasias, e fin­gem ser alguma outra coisa. É assim que se comportam essas formas-pensamentos, essas entidades. São, na verdade, coisas de limitada inteligência e, verdadeiramente, parasitas. Alimentar-se-ão com qualquer coisa que acredite nelas.

Sob determinadas condições uma pessoa pode sentir o que acredita serem manifestações. Alguém pode ter certeza de que se trata do espírito da velha Tia Fanny, que rolou três degraus da escada, quebrou a perna e morreu em conseqüên­cia, que ali se encontra avisando-o de que está muito preo­cupada por ter ignorado esse alguém quando ainda se achava na Terra. Bem, na verdade, não é nada disso. A pessoa, na sessão espírita, pode ter inconscientemente transmitido os re­tratos da Tia Fanny e de sua perna quebrada, pensando como a velhota era de mau gênio e, assim, a entidade malévola entrará em sintonia e alterará um pouco as coisas por ali, assegurando-se de que elas sejam inteiramente plausíveis e, então, a Tia Fanny "aparece" como alguém que está triste por ter sido tão antipática com o seu brilhante sobrinho ou sobrinha e que, agora, deseja estar com eles para sempre e protegê-los de todas as coisas.

É de fato surpreendente que os seres humanos, na Terra, desprezem o homem de pele vermelha, zombem dos "indianos" e, algumas vezes, tendam a descrer da autenticidade dos lamas tibetanos, mas, assim que essas pessoas morrem, o escárnio imediatamente se inverte e os mesmos serem julgam que aqueles que foram tão maltratados voltam correndo e se sentam a seu lado, guiando-os através da vida e protegendo-os contra todos os perigos. Bem, na verdade, um outro pensa­mento lhes ocorre. O que todos eles têm, como já foi dito anteriormente, é algum incubo que por ali se encontra, pre­tendendo ser algo diferente.

Seus amigos, do outro lado do globo, quantas vezes en­tram em contato com você? Quantas vezes você os auxilia? Quantas vezes você os auxiliava quando eram seus vizinhos? Agora, pense... uma pessoa sai desta vida e você nem sabia da sua existência quando ela estava nesta Terra; assim, falan­do francamente, por que pensar que repentinamente vai ela tomar tão grande interesse pela sua pessoa? Por que pensar que algum lama tibetano, algum índio de pele vermelha, vai deixar tudo que tem para fazer do Outro Lado e apressar-se em estar com você pelo resto de sua vida? Alguém de quem você provavelmente zombou quando estava na Terra, ou, mais provavelmente, de cuja existência você nem sabia.

Devemos ser lógicos a esse respeito. Muitas pessoas acre­ditam que têm consigo um espírito-guia porque se sentem in­seguras, porque se sentem solitárias, porque têm certeza de que não podem passar sem auxílio. Assim, parcialmente, elas inventam uma figura-pai ou uma figura-mãe que esteja sempre com elas, protegendo-as de suas próprias tolices e da má vontade dos outros.

Outra razão para que acreditem em espíritos-guias é que muitas vezes as pessoas ouvem ou pensam ouvir uma voz misteriosa falando com elas. O que de fato escutam é uma forma de conversação telefônica com seu próprio Superego. Essa co­municação é obtida através do Cordão de Prata. É amplifica­da pelo etéreo e algumas vezes reproduzida como vibração pela aura. Por vezes, também, uma pessoa sente latejar a fronte, bem entre os olhos, mas ligeiramente acima deles. Isso ocorre quando uma conversação está-se processando entre o subconsciente de um ser humano na Terra e o Superego, e um décimo da consciência está procurando escutar, mas não o consegue, e ao invés está obtendo o latejar, que é a mesma coisa que a telefonista informando que a linha está ocupada.

Temos que agir por nós mesmos, todos nós. Está errado unir-se a cultos, grupos e seitas. Quando partimos desta Terra temos que ir por nós mesmos à Mansão das Lembranças. É inútil irmos para onde nos julgaremos a nós mesmos e dizermos para nosso Superego: "Oh, o secretário da Sociedade dos Cachorros-Quentes ainda Mais Quentes me disse que eu não deveria fazer isto ou aquilo". Temos que estar sozinhos e, se o homem tem que evoluir, ele terá que estar só. Se tivermos que nos estabelecer em cultos, grupos e sitas... bem, isso será recuar muitos passos, porque, quando nos unimos a um grupo, a uma seita ou a um culto ou a uma sociedade, teremos então o nosso progresso limitado ao ritmo da pessoa mais vagarosa que lá houver. O individualista, aquele que deseja ir à frente, aquele que é evoluído vai só — sempre.

De passagem, uma interessante carta, recebida há dois dias, informa: "Há quarenta anos sou membro do... e devo confessar que não aprendi tanto em todo esse tempo quanto aprendi em um de seus livros".

 

O Velho Autor se encontrava deitado em sua cama ao lado da janela, olhando o quase deserto porto de Montreal.

Agora não passavam navios tão freqüentemente. Tinha havido tantas greves, roubos e outras coisas desagradáveis que muitas das empresas de navegação estavam evitando o porto de Montreal.         

O Velho Autor ali permanecia observando o bastante es­parso tráfego do rio, mas observando também ò tráfego in­tenso na estrada que levava ao Homem e ao Seu Mundo, um lugar que não tinha desejo de visitar. O sol brilhava e a jovem gatinha, Miss Cleópatra, estava descansando com as pernas dianteiras cruzadas sobre as pernas do Autor.

A gatinha voltou o focinho para o Autor e, sorrindo como o proverbial gato de Cheshire, disse:

Guv, por que será que os humanos não acreditam que os animais possam falar?

Bem, Cleo respondeu o Autor para os huma­nos tudo tem que ser provado, eles têm que tomar as coisas em suas mãozinhas quentes e reduzi-las a peças, de modo que possam dizer: "Bem, isso poderia ter dado certo uma vez, mas agora certamente não". Mas você e eu sabemos que os gatos falam, e, assim, o que interessa o que alguém mais possa pensar?

Miss Cleópatra ficou remoendo a coisa em seu cérebro durante uns momentos, com as orelhas torcidas e enquanto lambia delicadamente uma das patinhas.

—            Guv insistiu ela por que os humanos não per­cebem que são eles que são estúpidos? Todos os animais fa­lam por telepatia. Por que não os seres humanos?

Bem, responder a essa pergunta era algo muito difícil e o Autor sentiu-se bastante reticente para fazê-lo. No en­tanto...

—            Olhe aqui, Cleo falou ele os humanos são di­ferentes porque nunca confiam em coisa alguma. Você sabe que a telepatia existe, eu sei que a telepatia existe, mas se uma outra pessoa não souber disso, por alguma estranha ra­zão, então não há nada que possamos fazer para convencê-la. Entendeu?

O Autor recostou-se na cama e sorriu seu amor para a Gatinha, sua tão constante companhia.

Miss Cleópatra olhou diretamente para ele e pensou de volta: "Oh, mas há um jeito, há um jeito, e você acaba de ler a esse respeito!"

As sobrancelhas do Autor se ergueram tanto que quase que ele conseguiu finalmente ter alguns pelos no alto da ca­beça, o que seria uma considerável mudança após tantos anos de calvície. Mas, então, lembrou-se de um livro que acabara de ler sobre algumas experiências.

Parece que havia dois pesquisadores chamados R. Allen e Beatrice Gardner que estavam trabalhando na Universidade de Nevada. Esses dois pesquisadores, marido e mulher, estavam considerando todos os problemas para ensinar os animais a falarem e sentiam-se intrigados por que seria isso aparentemente impossível. Quanto mais pensavam a esse respeito, mais intrigados ficavam.

É claro que eles, aparentemente, desprezavam a mais obvia das razões, qual seja a de que os animais não dispõem do mecanismo necessário para falarem inglês, espanhol ou francês. Possivelmente eles podem rosnar como alguns alemães de maus bofes, mas de qualquer modo não estamos lidando com alemães, de maus bofes ou não.

Os Gardners — são marido e mulher — seguiram uma diferente linha de abordagem do problema. Eles perceberam que os chimpanzés conseguiam transmitir entre si coisas com significado e, assim, estudaram os chimpanzés durante algum tempo. Chegaram à conclusão de que muitos chimpanzés con­versavam por meio de sinais, como fazem os que nascem surdos.

O casal arranjou um chimpanzé e ao animal foi dada a liberdade da casa, sendo tratado da maneira bastante pare­cida com a que um ser humano seria tratado, ou até mesmo um pouco melhor, pois alguns humanos não tratam muito bem de seus semelhantes, não é mesmo? Mas isso não vem ao caso. O casal tratou de seu chimpanzé como um membro completo da família, teve brinquedos, amor e uma importante coisa extra.

Na presença do animal, os humanos conversavam somen­te por meio de uma linguagem de sinais. Depois de muitos meses, ela conseguia (sim, era uma chimpanzé fêmea) comunicar coisas, sem maiores dificuldades.

O casal ensinou a chimpanzé durante uns dois anos e ela aprendeu sinais para chapéus, sapatos, e todas as espécies de artigos de vestuário, juntamente com muitas, muitas outras palavras. Ela chegou mesmo a ser capaz de comunicar quando queria algo doce ou quando queria tomar alguma coisa. A experiência parece ter sido um considerável sucesso. Não terminou ainda, por certo, mas aos animias falta o necessário equipamento vocal para falar à maneira dos humanos. Possivelmente eles teriam dificuldade em fazer análise ou citar cor­retamente os tempos dos verbos, mas quando os humanos são demasiadamente estúpidos para conversarem por meio da te­lepatia, então, sem dúvida, os animais terão que conversar por meio de sinais. É um fato, um fato demonstrável, que Miss Cleópatra e Miss Tadalinka podem expressar os seus desejos e suas vontades, mesmo para pessoas que não são telepatas. Com o Autor, é claro, há um completo rapport e o Autor e gatos siameses são capazes de conversar com facilidade pos­sivelmente maior do que dois seres humanos não-telepatas.

Miss Tadalinka entrou e perguntou:

—            Vocês dois estão falando de comida?

—            Não, Tads — replicou Miss Cleópatra, — estamos falando a respeito de conversação com seres humanos, e na minha opinião nós temos muita sorte em ter Guv para saber o que queremos, poupando-nos o trabalho de termos que usar linguagem por sinais.

Miss Cleo ergueu os olhos para o Autor e disse:

—            Você devia sair, sabe? Você não sai há semanas. Por que não se senta em sua cadeira e não vai dar um passeio? O dia está calmo, não há muitas pessoas na rua.

O Autor olhou para fora pela janela. O sol brilhava, não havia quase vento; mas olhou para a máquina de escrever e para as páginas em branco. Resmungou uma imprecação ade­quada sobre o papel e a máquina de escrever e passou da cama para a cadeira de rodas, de propulsão elétrica.

Era bastante difícil atravessar o corredor, sair por uma porta e entrar em um elevador quando se precisa das mãos para manejar uma cadeira de propulsão elétrica, mas é pos­sível consegui-lo. O Autor desceu do nono andar para o nível da rua. Ao nível da rua, decidiu passear pelo gramado e sen­tar-se à margem do rio, por alguns momentos.

Deslocou-se pela rua de concreto e desceu a rampa na extremidade que levava ao estacionamento de automóveis.

Cruzando este estacionamento, subiu uma outra pequena ram­pa que conduzia à calçada, calçada esta que se encontrava deserta, bastante deserta. Delicadamente empurrou a alavan­ca para a frente e a cadeira andou para a frente à velocidade de passeio.

Subitamente ouviu o troar de um motor de carro de cor­ridas e um zumbido quando um veículo enorme passou pela mão errada da estrada e uma voz estridente ordenou "Pare!"

O Autor olhou em volta, surpreendido de uma certa for­ma, e enquanto olhava, um sargento de polícia e um detetive saltaram de uma viatura policial enquanto o motorista da viatura ficava debruçado à janelinha de seu lado, com a metade do corpo do lado de fora.

—            Oh, meu Deus! pensou o Autor. O que estará errado agora?

O sargento de polícia e o detetive avançaram e pararam em frente da cadeira de rodas agora imóvel. O sargento baixou os olhos com as mãos nas cadeiras, e perguntou:

—            O senhor é aquele tal autor?

—            Sim foi a resposta.

O sargento olhou para o detetive, que disse abrupta­mente:

—            O senhor não devia andar sozinho. Está com uma cara de quem vai morrer a qualquer momento.

O Autor, compreensivelmente, ficou algo surpreso a essa observação, a um tal cumprimento, e replicou delicadamente:

—            Morrer? Todos nós vamos morrer um dia. Estou mui­to bem. Estou em uma propriedade particular e não estou incomodando ninguém.

O sargento de polícia parecia ainda mais ameaçador quando retrucou zangado:

—            Pouco me importa como vai passando. O que eu disse é que o senhor não vai guiar sozinho. Não está em condições de sair sozinho. Eles me falaram lá apontou para o edifí­cio que lhe foi dado pouco tempo de vida. Não quero que o senhor morra na estrada estando eu de serviço!

O Autor realmente se surpreendeu ante tal tratamento, que simplesmente não podia compreender. É evidente que ele se encontrava doente, de outra maneira não estaria em uma cadeira de rodas, mas esperar que estivesse sempre acompanhado por alguém todas as vezes que saísse...bem, isso era chegar aos limites do fantástico. Havia tarefas domésticas a cumprir, muitas coisas a serem feitas, e o Autor desejava man­ter-se independente. Protestou:

—            Mas estou em uma propriedade privada. O detetive dessa vez explodiu:

—            Pouco se nos dá que o senhor esteja ou não em uma propriedade privada. O senhor está com uma cara de quem vai morrer a qualquer momento. Não estamos preocupados com o senhor e sim com as outras pessoas. Agora volte para lá que nós o acompanharemos.

O sargento pegou nos punhos da cadeira de rodas e com extrema grosseria deu volta a ela, com uma tal violência que o pobre Autor quase foi lançado no chão. Então, dando um empurrão zangado, ordenou:

—            Vamos embora!

Os que passavam pela rodovia esticavam-se para fora dos carros, achando graça no fato de um homem estar tendo problemas com a polícia um homem em uma cadeira de rodas mas, é claro, eram todos espectadores e quando as pessoas se encontram na situação de espectadores tudo é uma sensa­ção. No entanto, sempre foi uma fonte de surpresa para o Autor que, onde quer que se encontrasse andando em sua ca­deira de rodas de propulsão elétrica, houvesse sempre uma horda de sorridentes macacos em grandes carros americanos apupando como se fosse a coisa mais engraçada imaginável. Gostaria de saber o que poderia ter de tão divertido um homem velho e estropiado que procurava viver sua vida sem causar demasiados problemas a outras pessoas.

Mas à cadeira foi aplicado mais um violento empurrão e a grosseira ordem "Vamos andando!" fê-lo acionar o motor novamente e voltar através do estacionamento de automóveis, subir a rampa e galgar a rua particular, seguido pelo zombeteiro detetive. À entrada para o elevador o detetive disse:

—            Bem, se o senhor tornar a sair sozinho, iremos pro­cessá-lo.

O detetive começou a se deslocar na direção do carro da polícia que os tinha seguido e ainda resmungou: — Esse ve­lho idiota deve ter uns oitenta anos!

Assim, o Velho Autor tornou a entrar no elevador, subiu até o nono andar e conduziu a cadeira de rodas de volta para o seu apartamento. Uma outra porta tinha sido fechada. Ago­ra, aparentemente, era-lhe proibido sair sozinho, teria que comportar-se como um macaco preso a uma corrente ou um cão a uma trela, ou algo semelhante. Miss Cleópatra aproximou-se, saltou para o seu colo e disse:

—            São uns tolos vergonhosos estes humanos não é mesmo?

Mas havia trabalho a ser feito, havia livros a escrever, havia cartas a responder e assim o Autor, mentalmente, lan­çou uma moeda para o ar a fim de ver o que faria em primei­ro lugar. As cartas ganharam. A primeira carta do monte era de um jovem brasileiro, um jovem de raro bom senso, um jovem com perguntas equilibradas, muito equilibradas.

Eis aqui a carta que ele escreveu e, depois dela, a res­posta que lhe enviei.

 

"Rio de Janeiro

"Prezado Dr. T. Lobsang Rampa

"Já li todos os seus livros e fiquei muito interessado em estudar com afinco tudo que nos diz. Mas, como todos os estu­dantes têm perguntas, gostaria de que o senhor me respondesse às que eu lhe faço.

"É uma pena que eu não escreva (nem fale) bem o inglês, que ainda estou estudando na escola, e muitas palavras eu as fui encontrar no dicionário. As perguntas são:

"1. Se eu morrer, encontrarei muitas pessoas a quem co­nheci. Vou vê-los como os conheci na Terra. Mas, qual será o meu verdadeiro aspecto se eu já fui inúmeras pessoas em meu círculo de existências? Como me verá uma pessoa que me conheceu em um desses círculos anteriores?

"2. Por que exatamente agora um ancião do Tibete, como o senhor, vem-nos falar sobre todas as coisas (tudo) da sabedoria oriental? Por que exatamente agora?

"3. Como poderei ver o Registro Akáshico no astral?

"4. Qual a melhor posição para meditar? Não posso sen­tar-me na Posição de Lótus nem com a coluna ereta.

"Se o senhor achar que algumas perguntas não devem ser respondidas, não as responda e eu as encontrarei através da meditação (assim espero) do mesmo modo que já encontrei a maior parte delas, apenas pensando eu mesmo.

"O senhor é realmente uma vela na escuridão e eu lhe agradeço por tudo.

"Muito obrigado, Dr. Rampa.

Fabio Serra

 

"Prezado Fabio Serra:

"Oh, adorável! Você me enviou algumas perguntas que merecem a resposta em um livro que estou escrevendo agora e que tem o título de A Décima Terceira Vela.

"Como pretendo usar nesse livro, o que me indaga vou repetir suas perguntas e, em seguida, darei as respostas. As perguntas são:

"1. Se eu morrer, encontrarei muitas pessoas a quem conheci. Eu os verei como os conheci aqui na Terra. Mas, qual será o meu aspecto, não será o que tenho aqui na Terra? Como me reconhecerá uma pessoa que me tenha conhecido anteriormente?

"Bem, a resposta a isto é que, quando você morrer, antes de mais nada deixará esta Terra e irá para onde muitas reli­giões denominam de Purgatório. "Purgatório" nada mais é senão um lugar onde você purgará certas coisas. Imagine que você tenha estado trabalhando no jardim e, possivelmente, está com alguma lama no rosto ou no cabelo (se você tiver cabelos!). Então você decidirá que está na hora de entrar para jantar e, talvez ouvir um pouco de rádio. Então — o que fará em primeiro lugar? — você visita o "Purgatório". Em outras palavras, visitará um lugar onde poderá lavar as mãos, lavar o rosto, e — bem — purgar-se da sujeira e das coisas que não deveriam estar em você.

"Inúmeras religiões traçam quadros aterrorizantes do "Purgatório". Prefiro encará-lo como um quarto de banhos celestial onde você, por assim dizer, lava o seu astral, de modo a que possa aparecer diante de seus amigos com sua integridade territorial intacta. Compreenda que, quando se encontra no astral, você estará mostrando sua aura e, se houver muitas "manchas de sujeira" em sua aura, essas manchas surgirão para aqueles que o olharem. Purgatório é então um lugar do astral onde você é recebido pelos seus amigos e nunca pelos seus ini­migos, pois, quando você passa para o Outro Lado só se po­derá encontrar com aqueles com os quais é compatível. Ao partir desta Terra então, obviamente, você pensa em si mesmo, pensa em sua aparência, como se estivesse nesta Terra e é assim que você se manifesta no astral — exatamente como era nesta Terra. Como as pessoas que encontrará lá desejam ser reconhecidas, elas também aparecerão a você exatamente como você as conheceu aqui na Terra.

"Muitas vezes tem-se a mesma sensação na Terra. Vemos uma pessoa e temos certeza de que essa pessoa tem uma verru­ga no lado esquerdo do rosto, mas alguém poderá dizer "Oh, não, aquela verruga foi removida há um ano atrás". Você verá apenas, em outras palavras, aquilo que desejará ver, o que espera ver, de modo que quando você chega do Outro Lado vê as pessoas que deseja ver e as vê da forma e na cor que es­pera vê-las. Um exemplo simples: suponhamos que você tenha um amigo negro, isto é, uma pessoa que na Terra, quando você a conheceu, era negra. Suponhamos, porém, que, do Outro Lado, essa pessoa fosse branca. Se esse amigo se aproximasse de você, você não o reconheceria, não é mesmo? Então ele se aproxima de você como um negro.

"À medida que você progride no sentido vertical, então a sua aparência se modifica. Do mesmo modo, você poderá considerar um selvagem analfabeto, coberto de pelos e com os den­tes manchados por diferentes frutas silvestres. Se você pegar esse selvagem analfabeto e o lavar e esfregar diversas vezes com água e sabão, se lhe fizer a barba e o cabelo e o vestir com roupas de talhe civilizado, ele terá um aspecto diferente, não é mesmo? Bem, quando você passa para o Outro Lado e progride, veri­ficará, então, que sua aparência está mudando... para melhor.

"A segunda parte da pergunta? Bem, é claro que essa se­nhora sobre quem faz a pergunta o verá, quando você passar para o Outro Lado, da forma que você se imagina que é agora.

Ela o verá como o via na Terra e você a verá como a via na Terra. De outra forma (deixe que eu me repita), você não a reconheceria.

"2. Como um ancião do Tibete como eu, vem dizer aos ocidentais tudo sobre essa sorte de coisas? Por que exatamente agora?"

"Aí está uma pergunta bastante razoável e eu lhe darei uma resposta.

"No passado, inúmeras pessoas visitaram áreas do Oriente e os ocidentais têm a mente muito material. Eles vivem no presente, vivem em meio a pensamentos sobre dinheiro, posses materiais, poder e domínio sobre as outras pessoas. Isso faz parte da cultura ocidental. Bem, quando os ocidentais vão ao Oriente e verificam que muitas das maiores inteligências do Leste estão alojadas em corpos doentes ou deficientes ou vesti­dos em roupas esfarrapadas, não podem compreender que assim seja. Deste modo, tomam os antigos Ensinamentos e, não sendo sua linguagem materna, não tendo nascido nessa cultura, torcem os antigos Ensinamentos para aquilo que eles (os ocidentais) pensam que significam. É assim que muitos tradutores, etc. prestam à humanidade um desserviço, propagando afirmações falazes ao desvirtuar a verdadeira crença re­ligiosa dos outros.

"Eu estava preparado há muito tempo. Foi-me dada a capacidade de entender os ocidentais quando ainda me encon­trava no Oriente. Foi-me dada a capacidade de escrever e de transmitir meus pontos claramente a uma pessoa que seja digna de conhecer as respostas. Sofri mais do que qualquer pessoa •deve ter sofrido, mas isso me deu maior capacidade de intros­pecção, maior gama de expressões, de entendimento, e me tornou compreensivo para com o modo de ver ocidental e capaz de talhar minhas palavras para transmitir ao leitor ocidental o verdadeiro significado esotérico.

"Esta é a Era de Kali, a Era do Rompimento, a Era da Modificação, quando a humanidade verdadeiramente se encon­tra diante de uma encruzilhada, ante o dilema de evoluir ou regredir, enquanto resolve se ascende ou se desce ao nível do chimpanzé. E nesta Era de Kali, eu surgi em uma tentativa de dar alguns conhecimentos e, talvez, influir na decisão dos ho­mens e mulheres do Ocidente quanto a ser melhor estudar e se alçar do que permanecer parado e mergulhar nos despojos do desalento.

"Em sua terceira pergunta você quer saber como poderá ver o Registro Akáshico quando no astral. Eis a resposta:

"Ao penetrar no plano astral depois de ter deixado esta vida, você, é claro, irá à Mansão das Recordações e verá tudo o que lhe aconteceu, não apenas na vida que acaba de deixar, mas também nas outras vidas que viveu anteriormente. Então você decidirá, possivelmente com a assistência de conselheiros, o que deseja fazer para adiantar a sua evolução. Talvez você se decida a ajudar, também, outros que estão vindo da Terra. Nesse caso, será decisivamente vantajoso que você veja o Re­gistro Akáshiso, de modo a que possa ajudar os outros mais genuinamente e, assim, ser-lhe-á dado o poder de ver aquele Registro. Advirto-o, porém, de que ninguém poderá ver esse Registro por mera curiosidade.

"Atualmente há pessoas no Ocidente que anunciam que, mediante uma determinada taxa, poderão viajar pelo astral (completos, com pasta e tudo, creio eu!), consultar o Registro Akáshico e regressar com todas as informações desejadas. Bem, é claro que isso é uma completa inverdade. Elas não con­sultam o Registro Akhásico e duvido mesmo de que jamais consigam penetrar no astral conscientemente. O único espírito por essas pessoas consultado é aquele que vem em garrafas. Assim, repito, você não poderá ver o Registro Akhásico de outra pessoa, a não ser que haja de fato alguma vantagem a ser daí obtida para a OUTRA PESSOA.

"Sua quarta pergunta é, mais uma vez, uma pergunta muito sensata, uma pergunta a que tenho prazer em responder, tantas são as pessoas que a fazem, tantas são as pessoas em dificuldades. Sua pergunta é "Qual a melhor posição para a meditação? Não posso sentar-me na Posição de Lótus e não posso sentar-me com a coluna ereta.

"Precisamente! Deixe-me que lhe diga o seguinte: quan­do você respira, não tem que adotar uma posição especial, não é mesmo? Se você quer ler um livro ou um jornal, não tem que adotar uma posição especial. Quando você quer ler, adota a posição que lhe seja mais confortável. Talvez se sente em uma cadeira de braços, talvez fique deitado. Isso não importa. Quanto mais confortável estiver, mais prazer tira da leitura, mais absorve o que está lendo. O mesmo se aplica à meditação. Agora, leia o que se segue cuidadosamente... Não im­porta absolutamente a maneira de se sentar. Sente-se como quiser. Deite-se, se preferir. Se desejar deitar-se em uma posição encolhida, faça-o. O objetivo único do repouso é que você possa livrar-se de qualquer esforço. Você terá que estar isento de esforço e de distrações se quiser meditar com êxito. Assim... qualquer posição que lhe agrade serve à meditação.

"Aí está. Você obteve suas respostas. Espero que as ache benéficas".

 

O Velho Autor recostou-se com a satisfação de um traba­lho bem executado. "Que quantidade tremenda de erros e incompreensões existe"! pensou ele. Esticou a mão e pegou uma outra carta, desta feita uma vinda do Irã. Uma pergunta em particular é aqui aplicável, qual seja: "Qual o ponto de sono na Posição de Lótus? Além de torturar a carne, que outro bem faz?

Isso é, realmente, um assunto dos mais debatidos. Não importa absolutamente se uma pessoa se senta na Posição de Lótus ou se se deita de costas. O importante é que se sinta! confortavelmente, pois, se não estiver comodamente instalado,, haverá esforços e tensões que distrairão essa pessoa do restante, inclusive da meditação. Vamos examinar este assunto um pouco mais detidamente, está bem?

"No Ocidente, as pessoas sentam-se em cadeiras. Quando vão dormir, repousam sobre uma engenhoca macia que possui molas ou alguma invenção qualquer que deixa porções da ana­tomia afundarem de modo que (para ser maldoso!) se os fun­dilhos da pessoa forem um pouco salientes demais, o colchão macio ou as flexíveis molas permitirão que esses fundilhos se afundem no colchão e, então, o peso ficará mais bem distri­buído. O ponto é que, no mundo ocidental, as pessoas têm um sistema que as satisfaz, é o SEU SISTEMA, o sistema para o qual elas nasceram e, quando um ocidental deseja sentar-se, normalmente o faz em uma espécie qualquer de plataforma sus­tentada por quatro pernas e com um encosto na parte traseira a fim de impedi-lo de cair. Quase que desde o berço, então, é o ocidental condicionado a crer que lhe é necessário ter a colu­na apoiada por alguma coisa mais e, assim, os músculos que normalmente conservariam a coluna erecta se tornam subde­senvolvidos ou atrofiados.

O mesmo se aplica às pernas, às juntas, etc. O ocidental é condicionado para ter suas pernas esticadas até um determinado ângulo, e dobrá-las do joelho para baixo a um determi­nado ângulo; assim, quando em qualquer outra posição, ele se sente naturalmente desconfortável.

Vamos agora considerar o Oriente, o Japão em primeiro lugar. No Japão, antes de entrar em uma casa, as pessoas tiram os sapatos, passam em seguida para uma sala e sentam-se no chão. A única maneira de sentar-se confortavelmente no chão é com as pernas cruzadas, e uma variação dessa posição de pernas cruzadas é que se chama Posição de Lótus.

Através de anos sem conta de desenvolvimento, o japonês verificou que, se agarrar os tornozelos e quase der um nó em suas pernas, obtém muito conforto. Ele ficará projetado para cima em uma base muito sólida, e, como está acostumado a isso desde que nasceu, não sente desconforto, esforço ou des­prazer. Ele verifica, também, que sua coluna está naturalmente erecta. Tem que estar, devido à postura.

Tomemos um japonês que jamais tenha visto utensílios ocidentais anteriormente, coloquemo-lo em uma cadeira ocidental e o pobre-diabo sentir-se-á intensamente desconfortável. A po­sição lhe causará dores e desconforto em todos os melhores lugares e, tão logo o possa fazer decentemente, ele escorregará da cadeira e se sentará no chão, na posição a que está acostu­mado.

Se tomarmos um ocidental e o colocarmos em uma comunidade japonesa de modo a que se sente no chão com as pernas cruzadas, ele sentirá verdadeira agonia. Suas juntas não foram condicionadas a essa particular posição e assim, para começar, ele julga que vai quebrar-se e quando chega a ocasião de le­vantar-se verifica normalmente que não pode fazê-lo. É uma visão deliciosa a de um alemão velho e gordo tentando levan­tar-se depois de ter permanecido sentado de pernas cruzadas. Normalmente ele cai de cara para baixo e consegue salvar-se com as mãos. Em seguida, depois de gemidos pungentes, con­seguirá pôr os joelhos em baixo do corpo de alguma maneira e, com estalidos dolorosos, exclamações guturais e respiração ofegante por-se-á de pé ao mesmo tempo que esfrega as costas e exibe no rosto a mais angustiada das expressões.

No Extremo Oriente, sentar-se com as pernas cruzadas é uma questão rotineira da existência diária. No Ocidente, desenvolveu-se a cultura de fazer dinheiro e de possuir bens ma­teriais. O ocidental pensa mais no dia de "hoje" — pensa mais em dispor de posses na Terra — e, assim, tudo o que repre­senta um símbolo de status passa a ser desejável. Em dias já muito distantes, reis e imperadores, faraós e todo esse tipo de gente sentavam-se em tronos de modo que as pessoas comuns juntavam um pouco de madeira, desbastavam-na conveniente­mente e utilizavam-na como tronos em miniatura ou cadeiras. A Sra. Smith queria uma cadeira melhor do que a Sra. Brown e, assim, pôs um pano no assento, mas a Sra. Jones queria algo ainda melhor; ela era ossuda e vivia sempre sentada nos ossos; por isso, forrou o pano com lã e assim surgiu a primeira cadeira estofada.

No Extremo Oriente, as pessoas não dão assim tanto valor ao dinheiro, não dão tanto valor aos bens materiais. Procuram ao invés disso, estocar tesouros no céu ou local equivalente e se sentem muito contentes em sentar-se no chão. Assim, desde o berço se acostumaram a sentar-se no chão. Suas juntas são mais flexíveis, seus músculos se desenvolveram para esse fim.

Na índia, o Homem Sábio senta-se sob as árvores na Po­sição de Lótus. Tem que ser assim, pobre sujeito, pois não possui nenhuma cadeira e provavelmente nunca ouviu falar de poltronas de molas!

Ocidentais passam e vêem algum velho sentado em baixo de uma árvore, pensam que é um sábio e confundem sua pos­tura com aquisição de sabedoria. Então, aparece algum sujeito estúpido que talvez tenha visto alguma fotografia da Índia ou qualquer outra coisa e resolve escrever um livro sobre Ioga porque ouviu um amigo falar a esse respeito ou porque viu algo na TV (o Autor não tem TV; ele nunca aderiu à crença na Caixa Idiota).

Os autores têm prestado um imensurável mal aos reais ensinamentos metafísicos. Autores, sem o conhecimento real das coisas, têm copiado trabalho alheio, alterando-o um pouco, de modo a não infringirem de fato direitos autorais. Além disso, muitos autores ressentem-se quando surge um recém-vindo que parece realmente saber o que está fazendo através de experiência de primeira mão. Desse modo, os autores — aqueles que copiam sem saber o que estão fazendo — devem assumir a culpa por difundirem uma interpretação completa­mente errada sobre o termo "Ioga" e similares. Muitos desses autores julgam que devem ser mais inteligentes e colocam um Sri em frente de seus nomes. Isto é exatamente a mesma coisa dc alguém, em uma comunidade ocidental, colocar Sr. Se esses autores e poseurs soubessem alguma coisa a este respeito, não seriam tão completamente estúpidos ao ponto de copiarem termos que absolutamente não compreendem.

Inúmeros intérpretes e tradutores tentaram passar para o inglês, para o francês ou para o alemão, livros do Oriente, mas isso é absolutamente perigoso, a não ser que o tradutor tenha um conhecimento seguro de ambas as línguas e dos conceitos metafísicos. Por exemplo, muitos dos conceitos do Ocidente são apenas isso — conceitos. Conceitos são coisas abstratas e não podem ser traduzidos para termos concretos, a não ser por quem tenha vivido em ambas as culturas.

Vamos, então, voltar à Posição de Lótus. A Posição de Lótus nada mais é do que uma postura sentada que um indiano, um japonês ou um tibetano julga cômoda. Ele não se sentiria tão confortável em uma cadeira e, por isso, não usa cadeira. Da mesma forma, um ocidental não pode sentir-se muito bem na Posição de Lótus, porque não é uma posição natural para ele.

Entre o pessoal de circo é bem conhecido o fato de que, quando se deseja que alguém seja um bom acrobata, é necessá­rio que seja treinado desde o nascimento. Os membros devem ser treinados a se flexionarem mais do que o normal, porque o ocidental médio tem uma amplitude muito limitada de movi­mentos ósseos. O oriental, diz-se usualmente, tem as "juntas duplas"; para ser mais exato, os orientais têm mais exercício de movimentos ósseos. É altamente perigoso para um ocidental de meia-idade experimentar alguns dos exercícios que para os orientais são lugar-comum. É inteiramente perigoso para um ocidental procurar sentar-se na Posição de Lótus depois que as juntas, etc., se tornaram rígidas.

A pessoa que enviou esta pergunta lá do Irã fez também uma outra a respeito de Ho Tai como símbolo de Bem Viver.

Bem, é claro que Ho Tai é apenas um exemplo dos Mi­lhares de Budas. No Extremo Oriente, existem conceitos em lugar de termos concretos. As pessoas não veneram ídolos, não adoram a figura de Buda. As imagens agem apenas como um estímulo a certas linhas de pensamento. Por exemplo, um Ho Tai é um velho de aparência agradável, com uma pança gorda, sentado na Posição de Lótus. Isso não significa que você tenha também que se sentar nessa posição de Lótus. Significa apenas que esse velho simpático de pança gorducha não tinha uma cadeira, e mesmo que uma cadeira lhe tivesse sido oferecida, ele não a teria usado porque uma cadeira, para ele, não é confortável. Assim, ele estava sentado na posição mais adequada ao treinamento recebido por sua anatomia pernas cruzadas ou Posição de Lótus.

Ho Tai é, então, apenas um de um grupo de figuras, es­tátuas imagens ou representações das diferentes fases da humanidade. Você poderá dizer que atingir o estado de Buda é possível a todos, não importa que se trate de um rei ou de um homem comum, não importa sua situação na vida, não importa que seja rico ou pobre. Você poderá alcançar o estado de Buda qualquer que seja sua situação na vida. A única coisa que importa é: como você vive? De acordo com o Caminho do Meio, de acordo com a regra segundo a qual deve fazer-se aos outros aquilo que desejamos que nos façam? Se assim é, então você se encontra no caminho para atingir o estado de Buda.

Essa história de Buda é muitas vezes mal interpretada, do mesmo modo que a ioga, o ioguim, etc. O Buda foi Gautama. Gautama era o seu nome. Talvez ajude um pouco se nos referimos a termos cristãos: Jesus era o homem, Jesus era, em uma outra concepção, "o Cristo". Pode-se ser semelhante a Cristo, mas não se pode ser semelhante a Jesus, não é mesmo? Da mesma forma, Buda é um estado, uma hierarquia, um status, o resultado final. Aquele a que Gautama aspirava e para o qual Gautama evoluiu. É, de fato, um estado de evolução, e todas essas diferentes figuras a que inúmeras pessoas mal in­formadas chamam de ídolos, não são ídolos absolutamente. São unicamente representações, unicamente figuras para lem­brar a alguém que, seja austera (o Buda Sereno) ou jovial (o Ho Tai), qualquer pessoa pode atingir o estado de Buda desde que viva de acordo com a verdadeira crença, que é o Caminho do Meio, e o Faça-aos-Outros-o-que-deseja-que-os-outros-lhe-façam.

O Velho Autor reclinou-se exausto com o esforço do trabalho. Sua saúde piorava constantemente, como testemunha o incidente com a polícia quando mais uma porta à liberdade na Terra tinha sido fechada. Agora estava cansado de escrever.

Durante algum tempo ele ligou o velho e bom receptor Eddystone de ondas curtas e ouviu as notícias sobre o mundo, da Índia, da China, do Japão e da Rússia. Parecia que todas as pessoas do mundo diziam coisas más umas para as outras.

Ah! disse ele para Miss Cleópatra. Pelo menos, não temos televisão para ver todos os horrores das cenas de matanças ocidentais e todas aquelas misérias. Não sei por que não conseguimos boas informações pela televisão, em lugar de sexo, sadismo e males associados.

Miss Cleópatra parecia séria. Olhou para baixo antes de começar de novo a lamber-se delicadamente, ainda que estivesse mais limpa do que quase todos os seres humanos conseguiriam sê-lo.

—            Guv disse ela, um tanto acanhada. Guv, você não se esqueceu de alguma coisa?

O Velho Autor entrou em considerável confusão ao se pôr a cogitar sobre o que teria esquecido. Por que Miss Cleópatra estava tão acanhada?

—            Bem, não disse ele finalmente, não creio que me tenha esquecido de coisa alguma, mas se você acha que eu esqueci...bem, diga-me o que é e talvez eu possa fazer algo a respeito.

Miss Cleópatra levantou-se e se aproximou do Autor, sentando-se em cima de seu peito, em sua posição favorita, de maneira que podia sussurrar em seu ouvido.

—            Guv disse ela, você falou anteriormente, neste capítulo, sobre animais que falam e tocou nos chimpanzés. Mas antes você já me havia dito que ninguém deve, jamais, jamais citar o livro de alguma outra pessoa sem dar também o nome completo do autor e o título do livro. Você não se esqueceu disso?

O pobre Autor quase enrubesceu, não fora o enrubescer uma virtude muito além das suas. Inclinou-se para a Gatinha e disse:

—            Sim, Cleo, você está certa. Vou retificar minha omissão imediatamente.

Foi feita a referência ao casal de nome Gardner que ensi­nou a um chimpanzé uma linguagem de sinais. A informação foi obtida nas páginas 170 e 171 do livro intitulado Body Languague, por Julius Fast, editado por M. Evans & Co. Inc., de Nova York.

Miss Cleo se pôs lentamente de pé, bocejou, voltou-se, e delicadamente sacudiu a ponta do rabo enquanto se deslocava por cima do Autor em toda a extensão do corpo deste, indo deitar-se em seus tornozelos. Obviamente ela se sentia profun­damente satisfeita por ter desempenhado seu papel em fazer com que fosse reconhecido o que tinha que ser reconhecido. Tendo cumprido, sua missão, enroscou-se confortavelmente e se pôs a dormir. Freqüentemente seus bigodes agitavam-se e tor­ciam-se com o prazer de seus sonhos puros e inocentes.

 

A mulher velha encontrava-se sentada em baixo da pedra sombria, soluçando sua miséria. Incessantemente se agitava e se atirava no chão duro. Estava com os olhos vermelhos e inchados e seu rosto enrugado tinha estrias de poeira que as lágrimas haviam marcado. A luz do sol, como que de um outro mundo, lançava sombras negras na entrada de sua caverna, grades sombrias que pareciam aprisionar sua alma.

Além da entrada da caverna corria interminavelmente o rio Yalu, descendo das terras altas do Tibete, atravessando a Índia para formar o Ganges sagrado antes de se lançar nos poderosos mares, cada gota de água assemelhando-se a uma alma mergu­lhando na eternidade. As águas rolavam estrepitosamente, sur­gindo por entre paredes de rochas fechadas, atravessando as gargantas e formando riachos profundos, muito profundos, antes de se abrirem e se projetarem tumultuosamente.

A trilha entre a parede da montanha e a turbulenta corrente era suave, bem batida e nivelada pela passagem de pés sem conta durante centenas de anos. O solo avermelhado teria lem­brado a um observador ocidental uma barra de chocolate, tão escuro e macio era ele. As grandes rochas erguiam-se pregui­çosamente aos lados da trilha, vermelho-escuras também, com a tonalidade que têm as rochas ricamente carregadas de miné­rio. De um regato tranqüilo, alimentado por um débil filete de água da encosta da montanha, chegava o brilho de salpicos dourados. Ouro do coração das montanhas.

O homem alto e o rapazinho cavalgavam calmamente ao longo do serpenteante caminho, o qual constantemente se aproximava da parede de pedra. Os pequenos animais que montavam se encontravam cansados, pois naquele dia haviam vencido uma longa distância desde a pequena lamaseria onde agora cintilavam os raios de sol, lá longe para o oeste. O homem, vestido com o manto amarelo de lama, olhava em tor­no, procurando um local conveniente onde acampar.

A entrada de uma caverna aparecia indistintamente atra­vés da cortina formada pelas flores de um rododendro. O lama apontou naquela direção e apeou do cavalo. O cavalo do rapazinho parou atrás do amigo e o jovem acólito, desprevenido, passou por cima da cabeça do animal. Desvencilhando sua trouxa, o lama se encaminhou para a boca da caverna.

A mulher velha resmungava em um êxtase de miséria, balançando-se para trás e para frente.

—            O que a está afligindo, Mãe Velha? — perguntou o lama delicadamente.

Com um grito de terror a mulher velha se pôs de pé, caindo em seguida com o rosto voltado para baixo ao ver que se tratava do lama. Cuidadosamente o lama se abaixou e aju­dou-a a levantar-se.

—            Mãe Velha — disse ele — sente-se a meu lado e diga-me o que a aflige. Talvez eu possa ajudá-la.

O jovem acólito chegou aos tropeções, carregando sua trouxa. Não tendo percebido uma pedra saliente, tropeçou nela e caiu de cara no chão. A mulher velha ergueu a cabeça e explodiu numa inesperada gargalhada. O lama fez sinal ao rapaz para que se afastasse, dizendo:

—            Vamos acampar em outro lugar, cuide dos cavalos. Voltando-se novamente para a velha, falou: — Diga-me, agora, o que tanto a aflige.

A velha juntou as mãos e disse:

—            Oh, Lama Sagrado, escute o que tenho a contar e aju­de-me. Somente o senhor me pode dizer o que devo fazer.

O lama sentou-se ao lado da mulher e sacudiu a cabeça afirmativamente para encorajá-la.

—            Oh, Mãe Velha falou ele talvez eu possa ajudá-la, mas antes você terá que me falar sobre suas dificuldades. Mas...você não é de nosso país, não é mesmo? Você não é do país do chá?

A velha fez que sim com a cabeça e replicou:

—            Sim, nós atravessamos a fronteira e viemos para o Tibete. Nós trabalhávamos em uma plantação de chá, mas não gostávamos de lá porque alguns ocidentais nos tratavam muito mal. Tínhamos que colher muito chá e estavam sempre recla­mando que havia muitos talos junto com as folhas e nós resol­vemos vir para cá e ficar morando à beira da estrada.

O lama pareceu pensativo antes de perguntar:

—            Mas, diga-me: o que a está afligindo agora?

A mulher velha cruzava e descruzava as mãos, parecendo achar-se na agonia de uma indecisão. Em seguida, disse:

—            Meu marido e meus dois filhos moravam comigo aqui. Estávamo-nos arranjando muito bem, ajudando os mercadores a cruzarem o rio, um pouco aí para baixo, porque nós sabemos exatamente onde se encontram as pedras que permitem a passa­gem, e as tínhamos colocado de um modo tal que os merca­dores melhor pudessem atravessar o rio sem correrem o risco de cair e ser arrastados pela correnteza. Ontem, porém, meu marido e meus dois filhos subiram a encosta do penhasco. Queríamos ovos e as aves estavam botando bem.

A mulher parou e novamente se entregou a uma crise de lamentações. O lama passou o braço em volta de seus ombros para acalmá-la, comprimindo uma das mãos, delicadamente, na base do pescoço da mulher. Imediatamente os seus suspiros cessaram e ela sentou-se, retomando sua narrativa.

—            Já tinham um bom número de ovos, juntando-os em uma bolsa de couro pequena, quando — não sei o que acon­teceu exatamente — parece que meu marido escorregou, uma pedra rolou em baixo dele e ele caiu e rolou a encosta de pedra.

A mulher parou para voltar a soluçar e em seguida, sa­cudindo a cabeça como que para afastar más recordações re­começou.

—            Meu marido virou de cabeça para baixo quando caía e veio bater com ela aqui embaixo. Pobre homem, este sempre foi o seu ponto mais fraco. Foi um ruído horrível... piá!... exatamente assim, piá! Seguiu-se um estrondo como se um feixe de varas estivesse arrebentando.

O lama acenou com a cabeça em solidariedade e, com um gesto, animou a mulher a continuar.

Mas meus filhos, lá em cima do penhasco, estavam passando grandes dificuldades. Um deles procurou tirar a bolsa de ovos da mão do pai e, ao fazê-lo, escorregou também. O segundo filho tentou agarrar os ovos ou o irmão — não sei ao certo — e caiu também, e então houve um deslizar de pedras. Os dois rapazes se despencaram e vieram esborrachar-se aqui embaixo nas pedras, piá, piá, exatamente assim! — Ela explo­diu em uma gargalhada quase histérica, e se passou algum tempo antes que o lama pudesse recompô-la novamente. Finalmente a mulher conseguiu continuar a narrativa.

A maneira como caíram! Isso jamais me sairá da ca­beça. Primeiro foi aquele ruído terrível e, depois, o estouro. Perdi meu marido, meus filhos e até mesmo os ovos se quebra­ram todos. Agora não sei o que vou fazer. Aqui as coisas são tão difíceis...

A mulher parou, fungou e deu um ou dois gritos cheios de angústia. Em seguida, disse:

—            Um mercador que passava me ajudou um pouco a recompô-los, embora fosse muito difícil, pois estavam reduzidos a uma massa informe e poderiam ter sido dobrados como um vestido velho. Provavelmente não havia um só osso inteiro nos corpos. Em seguida, enquanto o mercador e eu permanecíamos aqui, desceu um bando de abutres, deixando-nos horrorizados com a maneira pela qual trabalham. Logo, mais depressa do que se possa pensar, nada restava de meu marido e meus filhos, a não ser os ossos, mais quebrados do que se pode imaginar.

O lama comprimiu delicadamente a nuca da mulher, pois novamente ia ela dar vazão a sua histeria. Delicadamente ele manteve o pescoço da mulher, aplicando-lhe ligeira pressão. A mulher sentou-se erecta e as cores voltaram a seu rosto.

Já me contou o bastante — falou o lama. — Não se esforce demasiadamente.

Não, Lama Sagrado, é melhor que eu tire tudo isso de minha cabeça, se o senhor me escutar.

Está bem, então. Diga-me o que quiser dizer e eu escutarei — respondeu o lama.

O mercador e eu ficamos ali, não sei quanto tempo, olhando horrorizados e amedrontados, enquanto os abutres limpavam os fragmentados ossos. Depois... bem, não podíamos deixar os ossos espalhados em volta da trilha, podíamos? Juntamos todos eles em um cesto e os atiramos dentro do rio. Foram arrastados pela correnteza. Agora não tenho marido, não tenho filhos, nada. Vocês, tibetanos, acreditam nos Cam­pos Sagrados, nós acreditamos em Nirvana, mas estou angus­tiada, estou amedrontada, gostaria também de deixar este mun­do, estou assustada.

O lama suspirou, murmurando em seguida, um pouco para si mesmo:

Sim, todo mundo deseja ir para os Campos Sagrados, mas ninguém quer morrer. Se ao menos as pessoas pudessem lembrar-se de que, embora atravessem o Vale das Sombras da Morte, não sofrerão mal algum se não temerem o mal! — Em seguida, voltando-se para a velha, falou: — Mas, Mãe Velha, você não deixará ainda esta Terra. O que é que você teme tanto?

Viver! — respondeu ela abruptamente. — Viver. Para que viver? Nenhum homem para cuidar de mim. Como vou viver, como vou comer, como pode uma mulher sozinha viver neste país, uma mulher velha, uma mulher velha que homem algum quer mais? O que posso fazer? Gostaria de morrer, mas tenho medo da morte. Não tenho ninguém, não tenho nada. E quando eu morrer... o que acontecerá? Minha reli­gião, que é diferente da sua, nos ensina que quando eu viver em uma outra vida, se é que de fato existe uma outra vida, devo-me unir novamente a minha família, devemos estar juntos novamente. Mas, como poderá ser isso, pois se eu ainda viver muito anos minha família, certamente, terá ido para longe de mim, todos estarão mais velhos. Estou desolada, tenho medo e sei do que tenho medo. Tenho medo de viver e tenho medo de morrer. Tenho medo do que vou encontrar no outro lado da morte. É por não saber que tenho medo. — Impulsivamente, a mulher esticou uma das mãos e agarrou a mão do lama. — Será que o senhor me poderá dizer o que vou encontrar além da morte? — perguntou ela com a voz trêmula. — Po­derá o senhor dizer-me por que não me devo atirar na corren­teza e morrer, como morreram meus filhos, como morreu meu marido? Poderá o senhor dizer-me por que não posso fazer isso e me juntar a eles? Nós éramos pobres, éramos gente humilde, mas, ao nosso modo, éramos felizes juntos. Nunca tivemos o suficiente para comer, mas íamos vivendo. E agora não passo de uma mulher velha e só... sem nada. Por que,. Sagrado Lama, não devo eu acabar com os meus sofrimentos? Por que não ir juntar-me a minha família? Poderá dizer-me por que, Sagrado Lama?

A mulher voltou para o lama um olhar suplicante. O lama: olhou para a mulher, cheio de compaixão, e disse:

—            Sim, Mãe Velha, é bem possível que eu lhe possa pres­tar ajuda por meio de informação. Em primeiro lugar, porém, duvido de que você tenha comido ou bebido hoje. Não é mesmo?

A mulher balançou a cabeça em silêncio. Seus olhos se encheram de lágrimas injetadas de sangue e seus lábios tremiam sob a intensidade da emoção reprimida.

—            Vamos tomar chá com tsampa — disse o lama, — e você se sentirá mais forte, de modo que possamos conversar, e eu lhe direi então coisas que sei serem verdadeiras. — O lama levantou-se e, chegando até à boca da pequena caverna, chamou pelo acólito. — Junte alguns gravetos e faça uma fogueira — determinou lama. — Primeiramente tomaremos chá com tsampa e, depois, você irá até lá dentro falar com a Mãe Velha. Temos que cumprir nossa obrigação e procurar levar a ela o consolo da verdadeira Religião.

O rapazinho se pôs a percorrer as grandes pedras. Não havia falta de lenha por ali e ele desejou que as coisas também fossem assim lá no Vale do Lhasa, a milhares de metros acima. Andou por ali, juntando a madeira mais seca que encontrou no mais satisfatório dos feixes.

Um pouco acima, na borda e uma pedra muito íngreme, o jovem viu algo que excitou seu ávido interesse. Cuidadosamente galgou uns vinte metros talvez e esticou a mão para al­cançar o estranho objeto que lá se encontrava, uma coisa bri­lhante com uns fios pretos presos a ela. Agarrando o objeto, o rapazinho encolheu-se tão horrorizado que escorregou pela superfície da pedra. Em sua mão ele verificou que pegara o tampo do crânio de uma das vítimas. Escorregou pela super­fície da pedra, indo cair em cima de um rododendro que ate­nuou sua queda. Com isso se quebraram também alguns ga­lhos, o que lhe agradou, pois lhe poupou muito trabalho. Exa­minou o objeto que tinha na mão e que não soltara durante a queda. Cabelos escuros, um pouco de pele e logo o tampo ósseo de um crânio. Deixando de lado seus gravetos, o rapa­zinho realmente galopou até à margem do rio e atirou a coisa que tinha na mão bem longe na direção da correnteza. Ma­quinalmente mergulhou as mãos na água para lavá-las e as sacudiu para secá-las enquanto corria de volta à sua madeira.

Com uma grande carga voltou para um ponto perto da boca da caverna e ali arrumou uma pilha bem feita de lenha e um punhado de gravetos. Fez saltar faíscas com uma pedra e um pedaço de ferro, tentando acender a madeira que se ti­nha tornado úmida ao contato de suas mãos ainda molhadas.

À boca da caverna o lama e a mulher velha encontravam-se olhando. O lama sorriu com os resultados alcançados pelo pequeno acólito, mas a mulher velha, o estômago roncando de fome falou:

Tchek, tchek, tchek e apressou-se na direção da fogueira, esquecida de suas mágoas. Era agora a dona de casa completa, pronta para mostrar ao rapazinho como o fogo devia ser aceso. Rapidamente, de seu próprio e escasso suprimento ela tirou alguns gravetos secos e arrancou uma série completa de brilhantes faíscas. Ajoelhando-se, a mulher soprou com bastante afinco, e os gravetos logo se inflamaram, atingindo os galhos que se encontravam agrupados em cima. Radiante de satisfação, a,mulher se apressou a voltar para a caverna a fim de apanhar uma lata que já se encontrava cheia de água.

O jovem acólito olhava para ela aborrecido, imaginando por que seria que as mulheres sempre interferiam com os ho­mens quando eles estavam realizando um trabalho de primeira classe. Por que seria que as mulheres se metiam sempre, colhendo os frutos do trabalho duro de um homem, colhendo todo o crédito, todo o bom carma? Irritado, deu um pontapé numa pedra e tornou a galgar a trilha por entre as rochas para trazer mais uma carga de gravetos. Como não sei o quan­to será essa mulher descuidada com a lenha, pensou ele, o melhor é trazer bastante desta vez.

Quase junto da base da pedra grande e saliente encon­trou uma tigela e uma caixinha de amuleto. Achou também um pedaço de trapo. Reconheceu no que encontrou uma das sagradas armadilhas do diabo. Meditando sobre o assunto com mais atenção, lembrou-se de que algumas dessas armadilhas tinham sido roubadas e então ocorreu-lhe a lenda. Oh, sim, pensou ele, uma das formas pelas quais estão fazendo dinhei­ro é roubando as coisas e contrabandeando-as para a Índia para serem vendidas aos ocidentais como lembranças. Enfiou a tigela, a caixinha de amuleto e o pedaço de tecido na frente de sua túnica e, abrindo bem os braços, agarrou o punhado de madeira e pôs-se a descer precariamente a trilha, incapaz de ver por onde estava caminhando.

A mulher velha achava-se novamente ocupada com a fo­gueira e, como o pobre rapaz imaginara, estava colocando mais lenha, como se dispusesse de um regimento completo de monges para reuni-la para ela e não apenas de um rapazinho. Atirou do lado dela a pilha de madeira que juntara, bastante esperançoso de que a mulher tropeçasse nela e caísse na fogueira, para que ele, então, não tivesse que trabalhar tanto. Depois o rapazinho se encaminhou para perto do lama, mostrando a tigela, a caixa de amuleto e o trapo.

— É meu, é meu, isso pertence a meu marido! — gri­tou a mulher velha, levantando-se tão rapidamente como se estivesse levitando. Investindo sobre o rapazinho, arrancou as coisas de suas mãos e as ficou olhando avidamente. A úni­ca coisa que tenho neste mundo para me lembrar dele.

Assim dizendo, enfiou as coisas por dentro do vestido, no colo, e voltou para junto do fogo, com as lágrimas correndo de seus olhos.

O jovem acólito olhou entristecido para o lama e res­mungou:

—            Espero que ela não deixe cair no tsampa toda aquela porcaria. Nunca gostei de tsampa misturado com coisa nenhuma. O lama afastou-se e tornou a entrar na caverna a fim de disfarçar a hilaridade que ameaçava abalar sua gravidade.

Não tardou a que o lama, o jovem acólito e a mulher velha estivessem sentados, em lugares separados, comendo o tsampa e tomando o chá, pois quem pertence às Ordens Sa­gradas do Tibete prefere, como regra, comer sozinho, ou so­mente em companhia de seus íntimos. A pouca comida aca­bou logo e o lama, o acólito e a mulher velha limparam suas tigelas com areia fina, lavaram-nas no rio e tornaram a guar­dá-las dentro de suas roupas. O lama disse então:

—            Venha, Mãe Velha, vamo-nos sentar ao lado do fogo e ver se podemos conversar e resolver os seus problemas.

O lama adiantou-se e lançou um punhado de gravetos para ativar o fogo. O jovem acólito olhava melancolicamente, pezaroso por ver como a lenha ia sendo consumida rapidamente. O lama levantou os olhos e disse, com um sorriso:

—            Sim, é melhor que tenhamos mais uma ou duas cargas, pois vamos precisar de fogo por aqui. Ande ligeiro!

O rapaz voltou-se e se afastou novamente a fim de ir reunir madeira e tudo mais que aparecesse. O lama e a mu­lher velha começaram a conversar.

—            Mãe Velha disse o lama a sua religião e a mi­nha têm formas diferentes, mas todas as religiões levam à Mansão da mesma maneira. Não importa no que acreditemos, nem como acreditemos, desde que acreditemos, pois uma ver­dadeira religião, com a disciplina mental e espiritual que impõe aos seus seguidores, é a única salvação para o seu povo e para o meu povo. — O lama parou e olhou para a mulher, continuando em seguida: — Então você estava pensando em matar-se, não é mesmo? Bem, isso não é solução, você sabe. Se você puser fim a sua vida, estará cometendo suicídio e isso tão somente aumentará os seus problemas e não dará um fim a eles.

A mulher velha levantou os olhos para olhar para o lama, que era um homem alto e grande, enquanto ela era pequena. Ela olhou para cima com as mãos cruzadas. Esfre­gando as mãos, disse:

Oh, sim. Fale para mim. Sou ignorante, não compre­endo nada, não sei de nada. Mas, sim, eu estive pensando em me matar, atirando-me na correnteza e despedaçando-me de encontro às rochas lá embaixo, do mesmo modo que o meu marido e os filhos se despedaçaram de encontro às pedras.

Suicídio não é a resposta — disse o lama. — Nós viemos a esta Terra com a finalidade de aprender, com a fi­nalidade de desenvolver nosso espírito imortal. Viemos a esta Terra para fazer face a certas condições talvez as dificuldades da pobreza, talvez as grandes tentações que atacam os ricos, pois não vamos pensar que dinheiro e posses dêem a alguém um seguro contra preocupações. O rico também morre, o rico também fica doente, o rico sofre também preocupações e per­seguições e inúmeros problemas e aflições desconhecidos pelos pobres. Viemos a esta Terra e escolhemos onde viemos de acordo com a tarefa que temos a cumprir e, se cometermos suicídio, se nos matarmos, somos uma tigela espedaçada e, se sua tigela se espedaçar, Mãe Velha, como é que você vai comer? Se sua pederneira e seu pedaço de ferro se partirem, não fica fagulha nenhuma com que acender a isca; como en­tão poderá você sobreviver?

A velha sacudia a cabeça em silêncio, como se estivesse em completo acordo, e, assim, o lama continuou:

Nós viemos a esta Terra sabendo antecipadamente quais serão os nossos problemas, sabendo que dificuldades te­remos que enfrentar e, se cometermos suicídio, estaremos en­tão desfazendo arranjos que acertamos para o nosso próprio adiantamento.

Mas, Lama — disse a mulher velha com a agonia do desespero — nós podemos saber no Outro Lado aquilo que estabelecemos, mas aqui na Terra não sabemos e, se nós não sabemos por que estamos aqui, como podemos ser culpados por não fazer aquilo que dissemos que iríamos fazer?

O lama sorriu para a mulher e disse:

—            Oh, esta é uma pergunta muito comum! Todo mundo a faz. Normalmente não sabemos qual a tarefa que pernos a cumprir aqui nesta Terra porque, se o soubéssemos, deveríamos ter que devotar toda a nossa energia ao cumprimento des­sa tarefa, não importa o quanto, com isso, prejudicássemos os outros. Temos que cumprir nossas tarefas e, ao mesmo tem­po, ajudar os outros. Durante todo o tempo temos que viver de acordo com a regra "Faze aos outros o que queres que te façam" e, se no egoísmo de nos apressarmos para completar uma determinada tarefa nós pisarmos nos direitos dos outros, estaremos então acumulando tarefas extras que também tere­mos que cumprir. Assim, é melhor, para a maioria das pes­soas, não saber quais as tarefas que têm a cumprir, não saber por quanto tempo permanecerão nesta Terra.

A conversa foi interrompida por gritos do jovem acólito.

—            Olhem! Olhem! — gritou ele. — Olhem o que en­contrei!

Surgiu à vista rapidamente, trazendo nas mãos uma pe­quena imagem de ouro. O peso parecia considerável e o rapa­zinho carregava o objeto cautelosamente, com medo de deixá-lo cair em cima dos pés.


O lama levantou-se e, ao fazê-lo, olhou casualmente para a mulher velha. O rosto da mulher estava verde-pálido, a boca aberta e os olhos arregalados. Parecia um quadro perfeito de completo terror. O lama tirou a imagem das mãos do rapazinho. Virando-a, viu uma marca em sua base.

—            Ah! — exclamou ele. — É uma das imagens que fo­ram tiradas da pequena lamaseria. Os ladrões bateram lá e esta foi uma das coisas que roubaram. — Voltou-se e encarou a mulher velha, que balbuciava de medo. — Estou vendo, Mãe Velha, que você não sabe de nada a este respeito. Estou vendo que você teve alguma suspeita de que seu marido e seus dois filhos estiveram fazendo algo que não deveriam ter feito. Estou vendo que, apesar das suas suspeitas, você não tem certeza e não tomou parte nisto. Você, de qualquer modo, não será punida pelo que é culpa de outrem.

O lama voltou-se para o acólito e disse:

—            Deve haver mais ouro, deve haver também pedras preciosas. Vamos até onde você encontrou essa imagem e veremos se conseguimos encontrar os demais objetos que ainda estão faltando.

A mulher velha gaguejou, mas finalmente conseguiu pronunciar algumas palavras.

—            Ó Grande e Sagrado Lama, sei que meu marido e meus filhos estiveram fazendo alguma coisa no sopé daquela rocha — apontou ela. — Eu não sabia o que eles estavam fazendo, nem perguntei, mas os vi ali, perto do lugar onde caíram.

O lama concordou com a cabeça e, juntamente com o acólito, se encaminhou para o local. O jovem falou:

—            Foi ah mesmo onde encontrei esta coisa. Estava-se destacando na areia e tirei-a de lá.

Juntos, o lama e o acólito se ajoelharam e com pedras chatas cavaram o solo arenoso. Não tardou a que encontrassem alguma coisa dura e, continuando delicadamente a tirar a areia com os dedos, depararam com uma sacola grande de couro, que para sua satisfação continha pedras preciosas e pequenas pepitas de ouro. Continuaram a cavar juntos e a passar as mãos no solo para ver se alguma coisa lhes tinha escapado. Finalmente o lama deu-se por satisfeito de terem encontrado todos os objetos roubados. Levantaram-se e voltaram para perto da fogueira, ao lado da qual a mulher velha ainda se encontrava sentada.

Amanhã — disse o lama — você deverá levar estes objetos de volta para a lamaseria. Vou-lhe dar uma mensagem escrita para você apresentar ao Abade e ele lhe dará uma quantia em dinheiro como recompensa pela restituição desses objetos. Em minha nota deixarei claro para ele que não foi você quem roubou os objetos. Assim, com a quantia em di­nheiro, você poderá voltar para sua terra de origem, Assam, onde possivelmente tem parentes ou amigos com os quais po­derá morar. Agora, porém, vamos falar sobre os outros pro­blemas que a afligem, pois as coisas do espírito devem ter precedência sobre as da carne.

Sagrado Lama — interveio o jovem acólito. — Não poderíamos tomar um pouco mais de chá enquanto conversam? Todo esse trabalho e essa excitação me deixaram com muita sede. Gostaria de tomar mais chá.

O lama achou graça e fez sinal ao rapaz para que fosse até o rio buscar mais água, e, sim... teriam um pouco mais de chá fresco.

—            Mãe Velha — tornou o lama —, qual é o outro pro­blema que tanto a aflige? Você falou alguma coisa a respeito de ir-se reunir a sua família.

A mulher velha fungou um pouco em sua dor e medo, mas disse em seguida:

Lama Sagrado, perdi meu marido e meus filhos e, embora eles tenham roubado objetos do templo, continuam a ser meu marido e meus filhos e eu gostaria de saber se vou encontrá-los novamente em uma outra vida.

Mas claro! — confirmou o lama. — No entanto, mui­tos equívocos são causados pela maneira segundo a qual os seres humanos pensam que as coisas serão sempre as mesmas. As pessoas não gostam de mudar. Não gostam de nada dife­rente. É diferente no Outro Lado. Aqui, nesta Terra, você teve seu marido e depois seu filho, um bebê. Mais tarde, teve um outro filho. Os bebês cresceram, ficaram meninos, cres­ceram mais e ficaram homens, já não eram os mesmos, ti­nham crescido. Assim é na Terra, porque você veio à Terra e eles vieram à Terra para que todos vocês estivessem juntos. Porém seu filho nesta Terra poderá não ser seu filho na pró­xima vida. Vem-se para a Terra para desempenhar uma fun­ção, realizar um certo papel, cumprir uma determinada tarefa. Aqui você veio como mulher, mas do Outro Lado da vida você poderá ser homem e seu marido poderá ser a mulher.

A mulher velha olhou para o lama, atoleimada. Era cla­ro que não estava entendendo nada. Obviamente tratava-se de alguma coisa além de sua compreensão. O lama percebeu o que se passava e continuou:

—            Em Assam, quando você era moça, viu provavelmen­te uma dessas representações a respeito da fertilidade do solo, a respeito da Mãe Natureza. Os atores eram pessoas a quem você conhecia, mas, quando eles apareciam para representar seus papéis, era como se fossem outras pessoas, pois estavam maquilados e vestidos de modo a parecerem outras pessoas, a parecerem deuses e deusas, e você não podia reconhecer neles quem eles eram verdadeiramente. No pequeno palco, eles representavam por atitudes e mímicas e em seguida desapareciam nos bastidores, para logo depois aparecerem entre vocês, como pessoas a quem bem conheciam. Não eram mais os deu­ses, as deusas ou os demônios da peça, eram, ao invés disso, homens e mulheres que você conhecia bem, seus amigos, seus vizinhos e seus parentes. Assim é aqui nesta Terra. Você está representando um papel, você é uma atriz. Os que vieram como seu marido e como seus filhos são atores também. No fim da peça, no fim de sua vida, você voltará e tornará a ser aquilo que era antes de vir a este estágio que é a Terra, e as pessoas que encontrará do Outro Lado são as pessoas que você ama, pois só pode encontrar-se com as pessoas que se querem en­contrar com você e com as quais você quer encontrar-se. Você só poderá encontrar-se com as pessoas que ama. Você não verá seus filhos como seus bebês e sim como eles realmente são. Mas, mesmo assim, vocês serão como uma família, pois as pes­soas vêm em grupo e o que é um grupo senão uma família?

 

Assim chegou ao fim a semana, como os fins-de-semana chegam sempre. O Velho Autor soltou um suspiro de alívio ao lembrar que nesse dia não haveria correspondência, pois aos sábados, em Montreal, não são feitas entregas de cartas. Assim, enquanto os bem pagos carteiros repousavam em suas residências de campo ou iam pescar em seus barcos, o Velho Autor permanecia deitado na cama, pensando mal-humoradamente sobre todas as perguntas que tinha ainda a responder. Eis uma pergunta que aparecia de tempos em tempos:

"Para mim o mais importante é saber para onde estou indo. O senhor diz que quando uma pessoa nasce é mais ou menos como uma mãe dando à luz um filho, mas permanecen­do ainda a ligação pelo Cordão de Prata. O senhor diz que o Superego são nove décimos do subconsciente do homem, ou, por assim dizer, o homem por trás dos bastidores. Muito bem, se assim é, vamos ao homem. Ele começa limitado ao seu décimo, parcela que permanece no escuro a maior parte de sua vida. O homem morre (executou seu trabalho para o Superego), o Cordão de Prata é cortado e ele está entregue a si mesmo. QUE RECOMPENSA LHE DÁ O SUPEREGO PELOS SEUS ESFORÇOS?"

Bem, está certo, vamos tratar desta pergunta. Sim, esta é uma pergunta que pode ser respondida. Você, porém, deve lembrar-se de que o Superego é o você verdadeiro e é — de acordo com os termos da Terra — cego, surdo e estático, mas, é claro, tão-somente no nível baixo em que se situa esta Terra. O Superego deseja saber como são as coisas aqui na Terra, e deseja sabê-lo rapidamente porque no reino em que o Superego normalmente vive as coisas se movem a um ritmo de milhares de anos ou coisa semelhante, ao invés de um dia. Esta é a razão pela qual em um dos hinos cristãos consta aquele trecho a respeito de um milhar de anos ser como o piscar de um olho. De qualquer modo, o Superego pode ser comparado ao cérebro de um ser humano. O Superego faz com que um ser humano, ou mais do que um ser humano, faça certas coisas e experimente determinadas coisas, etodas as sensações são transmitidas de volta ao Superego — "cérebro" que, então, indiretamente exulta ou sofre com essas sensações.

Temos dificuldades, vocês sabem, porque nesta Terra li­damos apenas com termos de três dimensões, e apenas três dimensões. Assim, como vamos entender conceitos que (deman­dam, talvez, nove dimensões?

Você pergunta que espécie de recompensa o Superego dá ao ser humano por todas as experiências pelas quais tem que passar, mas há uma boa pergunta que pode ser feita à guisa de resposta: Que recompensa você dá aos seus dedos por gi­rarem uma maçaneta e abrirem uma porta para você? Que pagamento você dá a seus pés por levá-lo a uma outra peça da casa ou até seu carro, ou permitir-lhe que suba uma es­cada? Como você paga aos seus olhos por transmitir ao seu cérebro quadros maravilhosos? Lembre-se... se você é o cé­rebro e depende de mãos, pés, nariz e olhos, todos esses ór­gãos dependem de você para sua existência. Se você não exis­tisse, essas mãos, pés, nariz e olhos não existiriam também.

É um esforço completamente cooperativo. Seus dedos acendem um cigarro, mas não se deliciam com o fumo; possivel­mente uma outra parte de "você" o faz, mas, de qualquer modo, quando seus dedos acendem um cigarro, outros órgãos não os recompensam com palavras bondosas ou com presen­tes caros a título de agradecimento. Mas, mesmo que você desejasse recompensar esses órgãos, como o faria? O que po­deria você dar aos dedos que os agradasse e os recompensasse adequadamente? E, se o "você" verdadeiro é o cérebro, como pode o cérebro, que depende desses dedos, funcionar para recompensar esses mesmos dedos? Você faz com que sua mão esquerda dê um presente a sua mão direita e que essa mão direita dê, reciprocamente, um presente à mão esquerda, ou o quê? Tenha sempre em mente que os dedos dependem do cérebro para receberem direção, que os dedos dependem de "você". Assim, não há recompensas, pois, da mesma maneira que os dedos dos pés e das mãos são uma parte de todo o corpo, você também é uma parte do organismo completo que constitui uma extensão do Superego. Aqui nesta Terra você não passa de uma extensão, da mesma forma que você pode enfiar o braço por uma janela e sentir as coisas que estão dentro de um quarto, um quarto que se encontra fora do alcance de sua vista. Assim, aí está você, trabalhando para si mesmo. Tudo que você faça aqui beneficiará o seu Superego e beneficiará também a você, porque vocês são uma mesma coisa, ou parte delas.

A mesma pessoa tem uma outra pergunta que é igual­mente apropriada:

"Se o mesmo homem deve reencarnar, volta ele para o mesmo Superego, ou tem um novo? É ele assim como uma parte permanente do Superego? É o homem subitamente do­tado de outros nove décimos de consciência ou o que acon­tece?"

Respondamos. Bem, na verdade sua pergunta é: O mes­mo corpo ou espírito emana do Superego? Vamos supor que você tenha cortado a mão. Você não arranja uma mão nova, não é mesmo? A mão, ou melhor, o corte cicatriza porque ele é uma parte de você, porque o seu cérebro determina que ele cicatrize, e ele passa pelo processo de fechamento. As pes­soas são entidades completas, de modo que o seu Superego pode determinar que extensões dele venham à Terra e essas extensões os seres humanos são algo assim como os tentáculos de um ostópode; cortem-lhe um tentáculo e ele tor­nará a crescer.

Meu Deus! Quanta confusão existe a respeito desta história de Superego! No entanto, em uma parte anterior deste livro o assunto deve ter sido algo esclarecido. A fim de lançar, possivelmente, um pouco mais de luz, suponhamos que temos uma grande entidade com poderes que no momento nós não conhecemos. Essa entidade tem a capacidade de pensar e de emitir extensões de si mesma sempre que o desejar pseudópodes, como são chamadas. Assim, o nosso Superego, per­manecendo em um mesmo lugar, tem a capacidade de emitir extensões que são enviadas para longe do corpo principal, embora ainda ligadas a ele, e na extremidade das extensões existe um nódulo de consciência que pode aperceber-se das coisas pelo tato, pela vista ou pelo som, nódulos de consciên­cia que simplesmente recebem a diferentes freqüências.

Tudo é vibração. Nada existe a não ser vibração. Se achamos que um objeto está estático é porque ele está mera­mente vibrando a um determinado ritmo. Se uma coisa se move, é porque está vibrando a um ritmo mais rápido. E mes­mo quando uma coisa está morta, ela ainda vibra e na ver­dade se subdivide, à medida que o corpo se decompõe, em diferentes vibrações.

Nós percebemos uma coisa, esteja ela imóvel ou em movimento. Nós a tocamos e a sentimos porque ela emite certas vibrações que podem ser recebidas e interpretadas por um de nossos nódulos sintonizados naquela mesma freqüência ou, em outras palavras, somos sensíveis ao sentido do tato.

Um outro objeto está vibrando muito mais rapidamente. Não podemos senti-lo com os nossos dedos, mas nossos ouvi­dos percebem essas vibrações e damos a isso o nome de som. Ele está vibrando naquela gama de freqüências que um nó­dulo receptor de mais capacidade pode receber como um som alto, um som médio, ou um som baixo. Além dessas freqüên­cias há uma gama de outras que são tão mais altas, que não os podemos tocar, não os podemos ouvir, mas nódulos ainda mais sensíveis, chamados olhos, podem receber essas freqüências ou vibrações e resolvê-las no interior de nosso cérebro, transformando-as em um modelo definido de modo a que te­nhamos um quadro do que o objeto é.

Temos algo semelhante no rádio. Podemos ouvir a faixa AM, que corresponde a uma freqüência ou vibração razoavel­mente grosseira, ou podemos passar às faixas de ondas curtas, que são freqüências mais rápidas que um receptor AM não conseguirá captar. Poderemos também descer (ou será subir?) para as freqüências FM, ou freqüências UHF, onde podemos obter as imagens da televisão. O receptor de rádio para tele­visão não captará ondas curtas ou AM, do mesmo modo que o receptor AM ou de ondas curtas não captará imagens de televisão. Assim, temos um exemplo, tirado da vida diária, de como podemos emitir extensões para receber vibrações a uma freqüência especial. Da mesma forma, o Superego emite nódulos pseudópodes humanos para captar algo que ele deseja conhecer.

Para você é um pensamento horrível. Algo capaz de eriçar-lhe a pele antes de ir para a cama, temos visto como os seres humanos fazem aparelhos para captar ondas curtas, AM ou FM. Supondo que o seu Superego encare esta Terra exatamente como AM, então ele poderá emitir pseudópodes em freqüências mais altas, não? Assim, por vezes, você tem um pesadelo quando o pobre Superego fica com suas linhas cruza­das e você capta impressões de monstros com os olhos a saltar das órbitas etc. Bem, existem coisas assim, você sabe.

O Autor pegou uma outra carta e tremeu. Não dispu­nha de espelhos, mas se houvesse algum disponível, teria obser­vado que o Autor ficou pálido, chocantemente pálido. E por quê? Não será esta uma boa pergunta?

"Tenho uma pergunta que é a seguinte: se um fantoche pode penetrar seja num corpo de homem seja num corpo de mulher, dependendo daquilo que ele quer aprender, por que sempre é tido como certo que a entidade que foi o Dalai Lama sempre se encarnará no corpo de um homem? Certamente que essa entidade necessita de uma troca a fim de apreender as coisas de um modo geral e não puramente de um ponto de vista masculino, e por que uma mulher jamais pode aspirar o mais alto posto do Lamaísmo? No Tibete, onde eu penso que os homens e as mulheres são iguais (ou eram, antes da chegada dos chineses), por que essa discriminação?"

Mais uma vez uma pergunta pode ser parcialmente respondida por outra pergunta. Eis aqui uma pergunta que pode ajudar: quando, em toda a História, a mulher apareceu como um Deus Supremo? Podem vocês, leitores, citar um simples exemplo de uma mulher que tenha sido Deus Supremo? Sim, tem havido deusas, mas "inferiores" aos deuses. O Dalai Lama, de acordo com a crença tibetana, foi um Deus na Ter­ra e, assim, um Deus na Terra ser uma Deusa na Terra não é o bastante. Ele veio com formas masculinas porque as coi­sas que tinha a fazer necessitavam de que ele viesse com for­mas masculinas. Mas, como pode você saber se o Superego do Dalai Lama não possui fantoches femininos por aí aprenden­do outras coisas? Na verdade, ele os possuía. Na verdade, muita coisa tem sido aprendida também do lado feminino.

Este Autor tem um parafuso frouxo a respeito de certas coisas. Uma delas se relaciona com a imprensa mentecapta e outra com denominado Movimento da Libertação das Mulhe­res. Este Autor acredita firmemente que as mulheres têm um papel muito importante na vida, produzindo a população fu­tura. Se, pelo menos, as mulheres parassem de imitar o homem — e elas positivamente tentam macaqueá-las e procuram vestir as calças compridas, esquecendo-se de que não têm corpo para isso — o mundo seria, então, um local me­lhor. Este Autor acredita que as mulheres são as responsáveis pela maior parte dos problemas do mundo, por quererem al­çar-se à "liberdade" como erradamente denominam o que querem, em lugar de aceitarem suas responsabilidades como mães. As mulheres dizem que querem ser iguais, mas não o são elas? O que é mais importante, um cão ou um cavalo? São criaturas diferentes. O homem e a mulher são criaturas dife­rentes, pois o homem nunca deu lugar ao nascimento de um filho sem a ajuda de uma mulher, digamos assim, mas uma mulher pode fazê-lo através da partogênese. Assim, se o Mo­vimento pela Libertação das Mulheres deseja propaganda, por que não apregoar tal fato?

Que maior prova de igualdade ou mesmo de superiori­dade pode haver do que o fato de a mulher ter a tarefa de gerar e preparar a raça futura? A cooperação masculina no assunto toma apenas alguns minutos, enquanto uma mulher... bem, ela tem que criar os filhos até que eles sejam capazes de agir por conta própria, e a maneira pela qual os cria, o exem­plo que ela lhes dá são o que definem a raça futura. Agora, porém, as mulheres querem ir para a fábrica onde podem co­mentar os escândalos, querem ser qualquer coisa exceto acei­tarem a responsabilidade para a qual são tão bem qualificadas pela Natureza. Libertação das Mulheres? Creio que os patrocinadores do Movimento de Libertação das Mulheres deviam levar uma boa surra!

A pergunta continua: por que as mulheres não aspiram nunca o mais alto Lamaísmo? Porque as mulheres não são racionais, aí está, porque as mulheres não podem pensar cla­ramente, aí está. Porque as mulheres deixam suas emoções se dissiparem com razão, aí está. Se as mulheres, pelo menos, deixassem de ser tão tolas e encarassem suas responsabilidades, aí então o mundo inteiro, todo o universo, seria um lugar me­lhor.

As mulheres têm a maior de todas as tarefas: a tarefa de ficar em casa, de constituir um  lar e de servir de exemplo que possa ser seguido pelas gerações vindouras. Será que as mulheres não são suficientemente grandes para realizar sua tarefa?       

Uma outra pergunta: "Qual o melhor incenso?

Isto é algo que não pode ser respondido, pois é a mesma coisa que dizer qual o melhor vestido que se pode usar. Qual o melhor alimento que se pode comer? Só se pode dizer o que é melhor dentre várias coisas quando se sabe qual a fina­lidade a atingir. Em resumo, a fim de que isto não seja uma resposta inteiramente negativa, aqui vão alguns comentários: Você deve experimentar diferentes tipos e diferentes marcas de incenso, a fim de decidir qual o que mais lhe convém, quanr do você está calmo ou irritado, ou quando deseja meditar. Decida qual é o melhor para você nessas ocasiões, e obtenha um bom suprimento desses tipos.

O incenso deve sempre ser usado em bastões grossos. Os bastões finos são praticamente inúteis. É o mesmo que se dá com uma nota musical: se você tira uma nota fina e aguda, ela apenas irrita, apenas exaspera, mas uma nota cheia pode ser pacificadora, suavizante ou estimulante. Assim, nunca se iluda com um bastão fino de incenso. Se o usar, estará gastando seu dinheiro à toa. Os bastões são preferíveis após e a tabletes. Quanto a onde obter o incenso, bem, isto é outro assunto. Mas, por favor, fique bem certo de que não existem coisas tais como "Incenso Rampa". Lobsang Rampa não recomenda nenhum fornecedor em particular, nem recomenda qualquer incenso em particular. Muitas pessoas têm-se saído com anúncios espalhafatosos, "Rampa Isso", "Rampa Aqui­lo", mas Lobsang Rampa não tem nenhum interesse comercial de qualquer espécie. Às vezes, chega um pedido sobre onde obter um certo livro ou outros artigos, e então são dados um nome e um endereço, mas esses são fornecedores comuns, in­teira e completamente desvinculados de Lobsang Rampa. Ou­tras firmas anunciam que são A Terceira Visão Isto ou Aqui­lo, mas uma vez mais deve ser ressaltado, devido a esses anúncios, que Lobsang Rampa não endossa nenhum deles, não recomenda nenhum deles e necessariamente não tem nada a ver com nenhum deles.

—            Oh, oh! fez o Velho Autor.

Miss Cleo sentou-se com as orelhas em pé e os bigodes armados, parecendo a perfeita imagem do alerta e da interrogação. O Velho Autor sorriu para ela e observou.

—            Olhe aqui, Cleo, escute isto. Recebemos uma carta de um jornalista. Ele é um repórter do jornal tal, na cidade tal e algo mais. Ele está muito zangado, Cleo, porque leu um dos livros de Rampa referindo-se aos covardes homens da im­prensa. Ele acha a imprensa uma inspiração de Deus, a im­prensa tem o direito de escrever o que quiser sobre as pes­soas porque está exercendo uma tarefa sagrada. Tarefa sa­grada, você ouviu, Cleo? perguntou o Velho Autor. Este jornalista pede uma declaração positiva de Lobsang Rampa de como a imprensa causa algum mal. A imprensa, diz ele, só faz o bem.

A imprensa poderia ser instrumento de um imenso bem, assim como a televisão também poderia. Ambas, porém, servem de instrumento às mais baixas emoções da humanidade — sadismo, sensualidade, superstição e perversidades variadas. A grande reclamação contra a imprensa é que os jorna­listas imprimem coisas sem terem certeza dos fatos. A imprensa vem a saber de algum boato e, imediatamente, o imprime como fato absoluto, e, se o boato é bom, então a imprensa o torce, porque sensacionalismo e sadismo parecem vender com mais êxito do que qualquer coisa boa.

A imprensa fala sobre sua liberdade — a liberdade de imprensa — mas... e a liberdade dos indivíduos? Se a imprensa deve ter a liberdade de escrever o que quer que queira escrever, então as pessoas sobre as quais ela escreve deviam dispor também de espaço igual nas colunas dos jornais para poderem refutar as mentiras que a imprensa tiver imprimido. Ao invés disso, se alguma tentativa de refutação é feita, a im­prensa retira frases do texto e imprime algo que se torna in­teiramente comprometedor, pois parece emanar da pessoa in­teressada, mas, na verdade, não passa de uma mixórdia de declarações tomadas ao acaso, ou talvez propositadamente, talvez com a diabólica habilidade que somente os repórteres da imprensa parecem possuir.

Muitas pessoas que não se encontram em posição de defender-se são atacadas pela imprensa. Charlie Chaplin, por exemplo, foi atacado, atacado, atacado e tornado a atacar do modo menos razoável pela imprensa. O Príncipe Phillip, ele também foi atacado, sem meios de defender-se. Que dizer da liberdade de imprensa? E a liberdade das pessoas que estão sendo atacadas?

A imprensa provoca guerras e ódio racial. A imprensa publica apenas o que causa sensação e o que exacerba os pro­blemas. Sem a imprensa, é muito provável que a guerra do Vietname não tivesse ocorrido. Não teria havido guerra na Coréia. Sem a imprensa provocando o ódio racial, não teria havido tantos problemas entre seres humanos de diferentes cores e, agora mesmo, o Governo dos Estados Unidos está tendo dificuldades porque a imprensa, contra a vontade do Governo, publicou coisas que deveriam ter sido deixadas quietas.

Todas as pessoas têm alguma coisa que desejam conser­var em caráter privado. Todas as pessoas têm algo que, con­quanto perfeitamente correto no seio da família, pode parecer um tanto "fora" para um observador externo, que não conheça exatamente os fatos e as circunstâncias. Parece ser o mesmo caso com os papéis do Pentágono que a imprensa, agora, está fornecendo como coisas sensacionais. Ela está causando problemas no Canadá, na Inglaterra, na França e em muitos ou­tros países — exatamente porque a imprensa quer uns centavos extras para os seus jornais. Na opinião deste Autor, a imprensa é a força mais maléfica que já existiu neste mundo; na opinião deste Autor, a não ser que a imprensa seja contida, controlada e censurada, ela acabará por controlar o mundo e o levará ao comunismo.

O Velho Autor recostou-se e sorriu para Miss Cleópatra, dizendo:

Bem, Cleo, será que aquele sujeito horrível, aquele repórter do jornal tal da cidade tal, tomará isso a sério? Es­pero que sim. Isto poderia ser um passo para sua salvação, levando-o a deixar seu trabalho com a imprensa e a procurar algo decente em algum outro lugar.

Vamos, porém, deixar a imprensa e tratar de mais algu­mas perguntas. Elas são intermináveis, não? Mas isto mostra que existe uma grande necessidade de alguma fonte na qual as perguntas podem encontrar respostas, ainda que parcialmente.

Eis aqui algumas perguntas chegadas da Inglaterra e suas respostas:

1. "Está errado pôr um animal para dormir quando ele estiver sofrendo de uma doença talvez incurável?"

Como budista, ninguém deve sacrificar vidas, mas há certas coisas que são maiores do que as religiões oficiais, quer seja budismo, cristianismo, judaísmo, hinduísmo, ou qualquer outra, e isto é algo que se pode chamar de uma obrigação do Superego. Na opinião do Autor, é positivamente melhor para o animal ser morto sem dor, se, de acordo com o atual está­gio dos conhecimentos veterinários, o seu estado for incurável.

Se o animal estiver sofrendo de alguma doença e a ciên­cia veterinária não puder aliviar seu sofrimento, será preferí­vel que um veterinário o mate, tão sem dor e tão rapidamente quanto possível. Isto é bondade. Este Autor é muito, muito experiente em matéria de dor, tendo tido muito mais do que seria o seu quinhão razoável e, como tal, teria recebido bem uma outra força estranha que o pudesse pôr permanentemente livre de suas dores.

O suicídio é algo diferente. O suicídio é um erro. O sui­cídio é, na verdade, muito, muito errado e aqueles que estão pensando em suicídio devem, de fato, estar com o equilíbrio de suas mentes perturbado pela dor, pela amargura ou por outras quaisquer circunstâncias que afetem o seu julgamento. A eutanásia não seria suicídio, porque a7 eutanásia se vale do julgamento de uma inteligência madura que não está diretamente envolvida e, assim, não se encontra abalada por emo­ções tensoras, nem por auto-piedade nem pela dor. O suicídio, de acordo com as convicções deste Autor, é um erro irrevo­gável para o qual jamais se deve apelar.

Se um animal está doente, ele deve ser libertado de seu sofrimento. Se um ser humano estiver doente, incuravelmente doente, e for de idade avançada, sendo uma sobrecarga para os outros, deveria então haver uma forma de eutanásia, em que o assunto pudesse ser discutido com aqueles que não têm interesses pessoais.

A pergunta seguinte está relacionada com a anterior. É a seguinte: "Seria possível ter-se um animal de volta durante uma vida humana?"

A resposta é, claro, "sim", se for para o benefício do animal. Assim, se — isto, é claro, não passa de uma hipótese para servir de exemplo e não deve ser levado demasiado a sério — um animal é liberado de seu sofrimento sem ter cum­prido sua tarefa, então será possível que esse mesmo animal deseja voltar na mesma família, como um gatinho ou um cachorrinho, e viver o período de tempo de que foi privado por ser "posto a dormir" a fim de aliviar o seu sofrimento. Isso acontece. Mas, é claro, se um animal se encontra do Outro Lado da vida e se o seu "proprietário" puder viajar no astral, eles poderão encontrar-se, SE AMBOS O DESEJAREM.

A pergunta seguinte: "A forma astral tem aura, ou so­mente a forma física?"

A forma física, a forma básica aqui na Terra, tem uma etérea e uma aura. Ambos são apenas reflexos da forma viva interior. Muitas pessoas não podem ver a aura — a maioria das pessoas não pode vê-la —, porque estão tão acostumadas a ela, como a maioria das pessoas não pode ver o ar em que vivem. Tudo o que podem perceber é fumaça, do que há mui­to para se ver em nossos dias.

No mundo astral, a aura é muito mais brilhante em vol­ta das figuras astrais, e, quanto maior o grau de evolução de uma figura astral, mais vividamente a aura brilhará, cintilará e ondulará. Portanto, a resposta é "Sim, positivamente há uma aura em volta das figuras astrais. Mas, assim como na Terra muitas pessoas não podem ver a aura, há também os que, no astral inferior, não podem ver a aura astral. Este é um ponto que melhora à medida que os que não vêem evoluem".

Essa pessoa, da Inglaterra, faz perguntas sensatas! São de uma mulher inglesa muito inteligente (você notou, leitor, que estou elogiando uma mulher?). "Seria permissível", co­meça ela, "utilizar informações obtidas do Registro Akáshico para escrever histórias verdadeiras sobre antigas civilizações e biografias corretas de pessoas famosas?"

Não, porque não mereceriam crédito. Só acidentalmente a história antiga se assemelhará à história escrita. A história é escrita, tornada a escrever, ou apagada de acordo com os caprichos dos ditadores, etc. Um exemplo corriqueiro dos dias de hoje é a história da Alemanha Nazista. É bem sabido que a história foi um pouco alterada para que Hitler parecesse ser algo diferente do que realmente era. É também sabido que a história russa foi alterada para satisfazer os ditadores comunistas. Assim, o ponto principal é que, se você escrever a ver­dade tirada do Registro Akáshico, verificará que não terá crédito, por ser ela muito diferente da história oficial do país interessado.

Quanto a biografias, etc... bem, se alguém escrever a verdade, talvez não consiga vê-la publicada e, se for publica­da, haverá normalmente uma comoção tremenda depois disso, porque um jornalista capta um débil boato e sopra a brasa com toda a força até transformá-la em uma tonitruante for­nalha que consome a verdade. Se você quer conhecer a ge­nuína verdade, terá que esperar até ir viver no astral!

Como eu disse, Miss C, a senhora trouxe umas belas perguntas. Vou usar uma outra pergunta das suas. A senhorita deseja saber se "o aborto é sempre errado"?

Na minha opinião, não. Freqüentemente é muito melhor fazer um aborto do que trazer para um mundo superpopulado um pobre ser que não será desejado e que terá uma vida extremamente difícil por culpa que não lhe cabe. Afinal de con­tas, por que deveria ele ser castigado por momentos de des­cuido por parte de seus pais? Se o aborto ocorrer cedo, então uma entidade não se terá ainda apossado do corpo.

Por falar nisso, leitor que reclamou a respeito de tantos "Eu", ao atingir este ponto deste livro eu posso deixar de ser um Velho Autor e ser um Homem Velho, pois, afirmo-lhe, não sou uma "Mulher Velha". De qualquer modo, em meus livros procuro manter o toque pessoal, pois somos todos ami­gos, não é mesmo? Não somos patos empalhados fincados em pedestais. Ponha-se você mesmo em um pedestal e não tardará a ser abatido.

Eis aqui mais uma pergunta sobre alma. "Se a alma dei­xa uma pessoa que se arrebentou por completo, deve a ciência médica procurar manter a pessoa viva unicamente por meios mecânicos?"

Minha opinião pessoal é... não. Quando uma pessoa chega a um tal ponto que a entidade não mais esteja com ela e a vida esteja sendo mantida por meios inteiramente mecâ­nicos, será errado e tolo procurar conservar tal vida. Sob tais condições, os meios mecânicos devem ser interrompidos e deve ser permitido ao corpo que morra. Esta será a maneira mais generosa. Ouve-se tanto, hoje em dia, sobre pessoas absolutamente incuráveis que anseiam por morrer e que são conser­vadas vivas com grandes tubos nelas enfiados e toda a sorte de diabólicas invenções eletrônicas — bem, isto não é vida, isto é morte viva. Por que "não deixá-las "ir para casa"?

"Com a explosão populacional há um aumento de pres­são sobre a vida silvestre e sobre os lugares agrestes do mun­do — tudo isso sobreviverá ou o Homem arruinará essas coi­sas para sempre?"

Muitos animais, pássaros e peixes morrerão e suas espé­cies serão eliminadas para sempre da face da Terra. A huma­nidade é insaciável e voraz. A humanidade não pensa nas criaturas silvestres, pensa apenas em pôr mais dinheiro no bol­so. Enquanto isto está sendo escrito, há um esquema aqui, na cidade de Quebec, de acordo com o qual milhões de acres de terras serão desnudados de suas árvores para aproveitá-las na indústria do papel, pois alguns desses produtos são empregados na impressão de jornais, deles são feitos o couro sintéticoe muitos outros artigos que o Homem agora, por algum mo­tivo, considera indispensáveis a sua existência.

Com a derrubada das árvores, não haverá insetos nem pássaros; nem haverá lugares para os pássaros construírem seus ninhos, nem alimentos para eles, e assim, morrerão de fome. Animais sem abrigo e sem aumento também morrerão de fome.

O homem está cometendo suicídio e arruinando rapida­mente o seu mundo. Com a devastação das árvores haverá modificação nas correntes térmicas. A temperatura das árvores faz com que o ar suba e a chuva caia, e assim, sem árvo­res, haverá uma modificação climática. Em Quebec, poderá haver uma área deserta no local onde as árvores estão sendo derrubadas aos milhões.

As raízes das árvores aprofundam-se no solo e o mantêm unido em uma massa compacta. Quando as árvores são derrubadas e as raízes arrancadas, nada haverá para manter a unidade do solo, os ventos chegarão e levantarão a terra leve no ar, deixando área desertas reminescentes da Tigela de Pó da América.

A humanidade está arruinando o seu mundo devido a sua insaciável ânsia de dinheiro. Se as pessoas vivessem mais natu­ralmente, sem alguns desses compostos sintéticos, seriam mais felizes. Como as coisas são atualmente, com todo o progresso da humanidade, há mais e mais poluição do ar, da água e do espírito e não tardará a chegar o ponto de onde o retorno não será possível, quando a Terra se tornará árida e inabitável. Muitas pessoas em locais elevados fora desta Terra, fora deste mundo, estão empenhadas ativamente em influenciar a huma­nidade de modo a interromper essa insensata destruição da vida silvestre e, dessa forma, ser dada à Natureza uma opor­tunidade de refazer a ecologia que for mais apropriada para que o Homem sobreviva e evolua.

Mas... o que é isto? Um envelope grande de papel par­do contendo um jornal dobrado e uma carta. O Velho Autor olhou para o jornal e o pôs de lado rapidamente, pois se tratava de um jornal no idioma francês, que o Autor não conhece. A carta era em inglês. Dizia que o jornal publicava um artigo de um homem que alegava que Lobsang Rampa se en­contrava doente e tinha-se aposentado e que ele, o autor do artigo, havia assumido as funções de sucessor de Lobsang Rampa. Quem escrevera a carta desejava saber quem era esse sucessor de Lobsang Rampa. Era isso verdade?

Tem havido muita gente que alega ser Lobsang Rampa. No entanto, a respeito desse artigo, em primeiro lugar, não, não tenho sucessores. Não, não tenho alunos, não tenho discípulos. Não tenho ninguém que seja meu "herdeiro". Quan­do eu morrer e deixar esta Terra, devo ter feito tudo que tentei fazer e, se alguém se apresentar como meu herdeiro, meu sucessor, meu representante, sem dúvida alguma será um mentiroso. Deixem-me dizer uma vez mais, em letras maiúsculas: NÃO TENHO SUCESSORES. NÃO HÁ NINGUÉM A QUEM EU TENHA DELEGADO QUALQUER AUTO­RIDADE.

Uma das piores coisas a respeito de ser-se um autor razoavelmente bem conhecido é o número de pessoas que se apresentam dizendo-se ser aquele autor. Por exemplo, não há muito tempo recebi uma carta de uma aeromoça que dizia de sua satisfação em me conhecer em um de seus recentes vôos, mas onde estava a série de livros autografados que eu lhe prometera? Estou confinado a uma cadeira de rodas ou a uma cama. Todos os meus voos são feitos pelo astral, sem aeromoça. Tem havido inúmeras ocasiões em que alguém se faz passar por mim. Por vezes têm sido ofensivos para com as outras pessoas, que me escrevem reclamando de minha atitude. Triste, não? Possivelmente este tipo de coisas poderia ter­minar se todo mundo tivesse carteiras de identidade, pois já me foram debitadas contas e todas essas coisas, sem que eu soubesse absolutamente como se iniciaram. Assim, vocês estão avisados. Agora já devem saber como é que eu sou, embora às vezes eu ache que minha figura nas capas dos livros seja feita por um cego em completa escuridão.

"Agora, Lobsan Rampa, eu gostaria de ter sua opinião a respeito de curas em geral. É aconselhável para alguém que viva no século XX ver-se envolvido em uma coisa dessas? Isto é, os médicos hoje em dia são tão esclarecidos, podem fazer quase tudo, assim, de que precisamos? Tomemos o ho­mem comum de hoje, ele não saberá a respeito de que você estará falando se lhe disser que poderá curar uma dor de ca­beça rapidamente em lugar de tomar uma porção de compri­midos. Ele lhe dirá que você está bom para ir para um sana­tório de doenças mentais. Assim, gostaria de que o senhor me respondesse. Vale a pena usar essa capacidade de cura?

Não, é decididamente inconveniente usar essa denomi­nada capacidade de cura a não ser que se disponha de algum conhecimento médico. Ê possível ter-se uma pessoa sofrendo de uma doença muito terrível e é perfeitamente possível, atra­vés do hipnotismo, desfazer os sintomas. Mas, embora alguém possa desfazer os sintomas, não estará curando a doença, e se a pessoa se sentir doente ou se tornar ainda mais doente e for procurar um médico, bem... os sintomas foram mascarados e o que pode o pobre médico fazer? Não fora os sintomas mascarados e o médico, possivelmente, teria localizado a do­ença com precisão e curado o paciente.

A não ser quando se tenha mesmo conhecimentos médicos e se esteja trabalhando com a ajuda de um profissional da medicina, ninguém deve, nunca, procurar uma dessas curas, pois elas podem ser fatais. O mesmo se aplica a essas proezas atra­vés de preces. Quando um grupo de pessoas se reúne para re­zar por uma certa coisa, se não conhecerem as condições e as circunstâncias precisas, poderão estar invocando a lei do es­forço reverso e tornar as coisas bem piores do que eram antes. Assim, o melhor lema a adotar seria "Arranje-se bem so­zinho".

Meu caro, meu caro, um grupo de pessoas desejando a mesma coisa! Está bem, vamos pensar nisso mais um segun­do, está bem? A pergunta seguinte é: "Por que razão, admitindo-se duas pessoas que sofrem de uma mesma doença, uma pode ser instantaneamente curada e a outra não reage absoluta­mente?"

A resposta, como foi dito acima, é que uma pessoa está tão hipnotizada que os sintomas se desfizeram e você acredita que a pessoa tenha sido curada instantaneamente, enquanto a segunda pessoa não é tão suscetível à sugestão hipnótica e, deste modo, não há modificações. Notem: "sugestão hipnótica", porque a cura, a cura pela fé é, basicamente, de nature­za hipnótica.

Pergunta: "Quando o senhor está curando, ou tentando curar uma outra pessoa, está incutindo uma sugestão hipnóti­ca de que essa pessoa está ficando melhor, mas está também aplicando o excesso de prana de que dispõe, de modo que a passagem desse prana faz com que suas mãos fiquem quentes. Naturalmente o senhor não pode dar a si mesmo o seu pró­prio prana porque já o tem e, assim, de fato, o senhor está invocando a lei do esforço reverso e meramente esgotando sua própria energia e, com isso, suas mãos se tornam frias".

Esse denominado poder de cura é basicamente hipnótico e capaz de proporcionar uma dose aceitável de sugestão a uma pessoa suscetível. O poder de cura, no entanto, é também a posse de uma grande quantidade de energia etérica, a qual chamaremos prana, e quem dispuser dessa energia poderá, se for alguém versado em tais coisas, ser capaz de transmiti-la a outra pessoa. É como ter-se um carro enguiçado em uma manhã fria porque a bateria descarregou. O motor do carro não funcionará porque a carga da bateria é insuficiente para acio­nar o motor de arranco; assim, um outro carro é trazido para perto, e o motorista salta e liga sua própria bateria à bateria descarregada do carro enguiçado. Haverá então um grande fluxo de energia e o motor do carro enguiçado será acionado imediatamente. Isso deve dar uma idéia de como se processa essa transferência de energia.

 

Parece que nós somos bem internacionais. Até agora ti­vemos perguntas da África, da Índia, do Irã e da Inglaterra; por isso mesmo vamos ver uma de mais perto de casa, aqui de Quebec. A pergunta diz respeito a crianças retardadas. "Qual a finalidade de uma criança nascer retardada, aleijada ou cega? Sei que nada é jamais em vão, mas não vejo razão para todas essas crianças retardadas que temos em nossa so­ciedade. Posso estar parecendo cruel, mas, como podem essas pobres almas aprender alguma coisa? Não seria melhor que estivessem mortas?"

Resposta: Algumas dessas crianças retardadas nascem nessas condições porque, antes de virem à Terra, decidida­mente escolheram tal espécie de vida para adquirirem essa es­pécie de expriência. Afinal de contas, como se pode conhecer as reações de uma criança retardada sem que se tenha sido uma delas? E se não se foi uma criança retardada e não se ficou recuperado, como se poderá ajudar as crianças retar­dadas?

Outras crianças retardadas são casos que poderiam obter melhoras muito grandes; esses casos podem ter sido originados por descuidos por ocasião do nascimento ou simplesmente por má orientação, freqüentemente por pais mais idosos. Mas, in­variavelmente, a maior parte dos que pertencem a esta última classe têm uma "ligação débil" com o Superego e, assim, as mensagens não são apropriadamente transmitidas. É claro que existem no mundo muitas pessoas que deveriam ser mandadas "para casa", do mesmo modo que se manda um animal "para casa" quando está obviamente incurável, mas esta é uma des­sas coisas que não podemos fazer porque a opinião pública não está ainda a favor de tal solução. Em teoria, é melhor matar uma pessoa que seja mentalmente retardada — em teo­ria. Na realidade, seria impossível discernir entre aqueles que são incuráveis quanto à finalidade de aprendizagem e aqueles que na verdade não estão colhendo coisa alguma a não ser sofrimento. Há ainda um outro ponto, a saber: uma pessoa que é incurável hoje e, como tal, candidata à eutanásia, po­derá ser curável amanhã ou na próxima semana pelo progres­so científico.

Aqui está uma pergunta ótima, da qual tenho certeza de que vocês gostarão: "Até que ponto se deve perdoar? A Bí­blia diz "Olho por olho e dente por dente", mas isto é desu­mano. Jesus disse que se deve perdoar setenta vezes sete, mas isto é impossível na vida de hoje. Até que ponto se deve to­lerar?"

Bem, a resposta poderá fazer corar algumas senhoras de ambos os sexos, mas tenho uma regra dura sobre o quanto alguém deve suportar. Conheço muito bem o "oferecer a outra face", mas realmente, como sabem, temos somente quatro faces, duas na frente e duas atrás. Depois de todas as quatro terem sido esbofeteadas, é chegada a ocasião de esbofetear em revide — com muito mais força — e interromper o contra-senso de uma vez por todas, pois mostrar-se continuamente manso e pacífico e aceitar todas as judiarias que lhe sejam di­rigidas, é exatamente provar que se é um toleirão e um fraco, completamente indigno de qualquer consideração. Devemos decidir: somos homens ou ratos? Se somos ratos, guinchemos a nossa vontade, mas saiamos do caminho e voltemos ao nos­so esconderijo. Se somos homens — ou humanidade — e ou­tras pessoas passam de certos limites, será uma tolice tolerar mais ainda.

"Dr. Rampa", começava a carta, "o senhor pode olhar no Registro Akáshico e ver como as coisas estão indo. Diga-me, qual é a verdade a respeito de Shakespeare? Era ele mes­mo quem escrevia os seus livros, ou o quê?"

Sim, para aqueles que sabem como usar e como não abu­sar, o Registro Akáshico se encontra à disposição — para fi­nalidades especiais. Realmente, porém, não importa quem Shakespeare foi e porque todo esse mistério, mas aí vão al­guns fatos.

O pobre camponês que seria conhecido mais tarde como Shakespeare possuía uma grande qualidade. Tinha uma "freqüência" inteiramente compatível com uma entidade que ne­cessitava de vir à Terra para cumprir uma tarefa especial e, assim, o rapaz que veio a ser conhecido como Shakespeare foi observado com grande cuidado, observado do mesmo modo que um jardineiro cuidadoso observa o desabrochar das flo­res de uma planta preciosa. No momento apropriado foram feitos os arranjos segundo os quais a entidade que até então ocupava o corpo da pessoa que veio a ser conhecida como Shakespeare, o autor, foi liberada daquilo que para ela se ti­nha tornado um cansativo cativeiro. Ela não queria uma vida de pobreza, uma vida de dificuldades, e, assim, foi fácil con­seguir que a entidade que controlava Shakespeare partisse — renunciasse a seu controle — e passasse para algum outro local.

A entidade que tinha essa tarefa especial a cumprir e que durante período considerável de tempo estivera procurando um veículo adequado, porque seria um desperdício para entidade tão alta ter que descer e nascer novamente, arriscando-se a perder muito conhecimento na traumática experiência de nascimento, essa entidade procurava um anfitrião adequado e criado e, quando chegou a ocasião, o corpo foi desalojado por uma e imediatamente ocupado por outra entidade.

Agora existia um intelecto gigante no corpo do pobre camponês, um intelecto gigante que tinha alguma dificuldade em ajustar-se ao espaço confinado, em ajustar-se às limitadas cir­cunvoluções do cérebro. Assim, durante algum tempo houve um período de estase, durante o qual não se produziu nenhum trabalho criador. Então, a entidade gigante controlando o cor­po do camponês mudou-se para Londres, preparando-se para explorar e se ambientar ao novo corpo e para subjugar sua inépcia.

Com o passar do tempo e à medida que crescia a fami­liaridade com o corpo e com o cérebro, a entidade deu início a sua tarefa, escrevendo clássicos imortais. Mas os escritos eram obviamente impossíveis para um autor que tivesse tido aquela criação aparente. Assim, através dos anos, têm surgido dúvidas, cepticismo e ousadas hipóteses sobre quem foi Shakespeare e quem teria escrito suas obras.

A resposta? A entidade que assumiu o corpo de Shakes­peare escreveu aquelas obras porque essa era a sua tarefa e, tendo-a cumprido, partiu, deixando atrás de si o que para muitos é um enigma, um problema sem solução. Ainda assim, se a humanidade pudesse escutar aqueles que tivessem tido experiências semelhantes, ela também poderia consultar o Re­gistro Akáshico e conhecer alguma coisa a respeito das verdadeiras maravilhas em meio às quais vive.

Eis aqui outra pergunta interessante: "Quando o senhor diz que é preciso ter paciência para viajar no astral, está-se referindo a semanas, meses ou anos? Ou será que o período varia amplamente de acordo com a pessoa interessada, o tempo dedicado à prática e a habilidade latente do indivíduo?"

Na verdade, todos nós viajamos no astral. As pessoas, em sua maior parte, não têm consciência desse fato e quando têm uma experiência da qual mal se lembram pela manhã, põem-na de lado como sonho ou como fruto da imaginação.

Viajar no astral, ou melhor, aprender a viajar no astral, é muito semelhante a aprender a andar de bicicleta. Realmen­te parece quase impossível que uma pessoa aprenda jamais a se equilibrar em duas rodas, quanto mais em coisas de uma roda só...! Bem, qualquer um pode aprender a andar de bi­cicleta ou de monociclo. Qualquer um pode aprender a se equilibrar na corda bamba, mas não há nada predeterminado quanto ao tempo que será necessário para alguém tornar-se eficiente. É apenas uma habilidade. Se você acreditar que pode andar de bicicleta, você poderá fazê-lo. Se você acreditar que pode andar em uma corda bamba ou retesada, conseguirá fa­zê-lo. O mesmo se dá com a viagem astral. Não é possível estabelecer-se uma lista de exercícios ou como começar a via­jar no astral. Como você poderia ensinar a outra pessoa ma­neira de aprender a andar de bicicleta? Como você diria a uma pessoa como aprender a andar de patins? Além, é claro, do conselho óbvio de prender uma almofada no traseiro. Mais uma vez, como seria possível a você ensinar uma pessoa a res­pirar de maneira a que possa viver? Respirar é uma coisa na­tural, apenas o fazemos. Nem sempre temos consciência desse fato, não é mesmo? Só temos consciência de que respiramos quando aparece alguma dificuldade. Também não nos damos conta da viagem astral, ou pelo menos muitos de nós, mas é uma coisa tão fácil como respirar, tão fácil como andar de bicicleta.

A coisa principal é que você se decida a viajar no astral conscientemente. Temos que frisar a palavra conscientemente. Infelizmente a palavra imaginação goza de mau conceito. As pessoas acham que imaginar uma coisa é supor a existência de algo que não existe. Talvez em lugar dessa palavra devês­semos usar a expressão "visualizar". Assim, para iniciar uma viagem astral, você deve ir para a cama — sozinho, é claro, e num quarto onde esteja também só. Você poderá descansar em qualquer posição, desde que se sinta confortável. Pode até repousar na própria cabeça, o que estará bem se se sentir confortável. Mas, se você preferir deitar-se de costas, ou de lado, ou de frente, isto é tudo de que necessita, desde que se sinta confortável. Se se sentir confortável, então é tudo de que necessita.

Então, comodamente deitado, assegure-se de que sua respiração é completa, isto é, vagarosa, profunda e regular, na­tural, confortável, não forçada. Permaneça deitado nessa po­sição durante alguns momentos, reconstituindo seus pensamentos. Então, com a luz apagada, visualize-se a si mesmo como um corpo dentro de outro corpo, visualize-se como um corpo saindo de dentro de um outro corpo exterior, da mesma maneira como você retiraria a mão de dentro de uma luva na qual estivesse metida.

Quando você estiver-se deitando na cama, forme uma imagem mental de seu corpo. Você está de pijama? Visualize esse pijama, com listras, ou desenhos, ou flores. Você está de camisola? Visualize-a exatamente com ela é. Tem lacinhos e rendas em volta do pescoço? Bem, certifique-se de que os visualiza. Ou você é um desses sujeitos endurecidos que dormem pelados como uma banana? Bem, vizualize-se exatamente como você está. Prossiga então com sua visualização imaginando (desculpe, visualizando) sua forma astral como sendo absolutamente idêntica à sua forma exterior. Visualize seu corpo escorregando para fora do corpo carnal e se elevan­do de forma a ficar uns cinco centímetros acima do corpo carnal. Pare aí, concentrando-se em visualizar com o que se parece. Se você é uma moça, então terá cabelos longos, mas isso é um engano porque os rapazes parece que têm também, hoje em dia, cabelos longos. De qualquer modo, se você tem cabelos longos, visualize-os assim. Estão eles tocando a face do corpo carnal? Afaste-os, então, alguns centímetros. Visua­lize aquele corpo como uma criação sólida. Olhe para ele de cima, das extremidades e de baixo, a fim de obter uma imagem completa, uma imagem sólida do corpo. Então, permita a si mesmo sentir satisfação. Você está fora do corpo. Não está sentindo o corpo astral inclinar-se para cima e para baixo li­geiramente? Tenha cuidado, pois, se ele se inclinar demasia­damente você terá um terrível sentimento de queda e se cho­cará novamente de encontro ao seu corpo de carne, com um "impacto" horrível que o porá de novo na cama com um sa­colejo.

Dê-se por satisfeito por enquanto, pensando em seu cor­po, seu corpo astral, flutuando um pouco acima de seu corpo carnal. Então, gradualmente, visualize o corpo astral voltando para dentro do corpo carnal, da mesma maneira que você enfia sua mão em uma luva.

Tente fazer isso uma ou duas noites, de modo que possa conservar a visualização fortemente, e, quando o conseguir, vá adiante.

Você saiu de seu corpo. Você está flutuando logo acima de seu corpo carnal. Pense...aonde você gostaria de ir? Será que você deseja ir ver o Dr. Armand Legge, o médico que fez um relatório tão mau a seu respeito, ou qualquer coi­sa assim? Está bem, você sabe como ele é. Pense nele, pense em você mesmo viajando, pense em você chegando. Se puder fazer isso com facilidade, toque-lhe na nuca. Ele ficará assus­tado e sentirá desconforto e mal-estar. Talvez, porém, seja uma maldade ensinar a você um truque desses.

Você quer pensar em sua namorada? Bem, você pode também ir vê-la, se assim o deseja. Mas lembre-se, se tem maus pensamentos a respeito do que vai ver, verificará que, enquanto não tiver adquirido muita prática, voltará para seu corpo com um vigoroso impacto. O que acontece é o seguin­te: você sai de seu corpo, pensa em ver alguma namorada ou alguém que você gostaria de ter como namorada. Você sabe que é hora de seu banho e quer ver se ela tem verrugas na roupagem com que nasceu. Você consegue ir até lá, mas a aura da moça detecta a sua presença e alerta o seu subconsciente. A consciência da moça pode sentir-se inquieta, ela pode estar olhando por cima do ombro ou qualquer coisa assim, poderá até imaginar que o seu senhorio está olhando pelo buraco da fechadura. Ela não verá a você, mas a aura dela sentirá sua presença e o subconsciente erguer-se-á e lhe dará um golpe tal que você se esquecerá de tudo o que viu e será empurrado de volta para o seu corpo, com um choque muito maior do que jamais poderia imaginar. Somente quando os seus pensamentos forem puros poderá você entrar na intimidade de uma pessoa dessa maneira e, para aqueles que escrevem e perguntam como podem espiar suas namoradas nas ocasiões impróprias... bem, a resposta é: para o seu próprio bem, não o façam. O que conseguirão é um tratamento muito duro.      

Pratique a visualização. É, realmente, uma coisa simples. Quando você puder fazer uma visualização, faça-o, e quanto tempo isso vai durar depende de você, depende de quão rapidamente você apreender a verdade. A verdade é que você viaja pelo astral, mas, devido ao condicionamento da civilização, etc., nem sempre se lembra e, quando se lembra, na maioria das vezes, segue em frente, julgando-a fruto da ima­ginação, um sonho, ou um pensamento ilógico. Tão logo você aceite a viagem ao astral como realidade, poderá sinceramente visualizar uma tal viagem. E, quando você puder sinceramente visualizar uma viagem ao astral, então, acredite-me, poderá fazê-lo porque é algo mais simples do que levantar-se de uma cadeira, mais simples do que pegar um livro. A viagem ao astral é básica, é um direito inato de um ser vivente, não im­porta que seja um cavalo, um macaco, um ser humano ou um gato — todos viajam pelo astral. Mas, quão rapidamente você consegue fazê-lo conscientemente isso depende de você.

Mais curiosidade e mais curiosidade. A pergunta que se segue é: "O senhor diz que no astral as coisas brilham, mas para mim as coisas sempre brilham. Será porque uso óculos?"

Quando no astral, todas as coisas brilham, porque estão plenas de vida, plenas de vitalidade. Se o fizer apropriada­mente, poderá ver em torno de você pequeninas centelhas de luz. Você as vê como se tudo estivesse tomado por um raio de sol. Fora de qualquer dúvida você já terá estado em algu­ma melancólica estação quando um raio de sol penetrou atra­vés de uma janela. Ao raio de sol terá percebido pequeninas faíscas flutuando. Bem, no astral todas as coisas são assim, você está perpetuamente iluminado por um raio de sol e tudo brilha com a vitalidade da vida. É o oposto de encontrar-se em uma cerração. Não importa que alguém seja cego. No astral, terá todos os sentidos. Poderá ouvir, ver, cheirar e sentir. Cem por cento de eficiência de todas as vezes. Então, por que não tentar viajar pelo astral? É fácil e natural. Finalmente, a viagem pelo astral é completamente, completamente segura. Você não poderá ferir-se e, desde que não tenha medo, nenhum mal lhe poderá acontecer. Se tiver medo, esta­rá apenas gastando suas energias. Não há nada, além disso. O único ponto é que, se estiver com medo, estará consumindo suas energias desnecessariamente e... estará diminuindo suas vibrações de tal forma que lhe será difícil permanecer no astral, do mesmo modo que um avião mergulha ao perder a veloci­dade que o impulsiona para a frente. Você não gostaria de mergulhar, não é mesmo? Está bem, então não tenha medo. Não há nada para ter medo!

Assim, as perguntas vão prosseguindo até o infinito, jun­tando as coisas. A velha máquina de escrever continua ge­mendo e as páginas vão saindo... vão saindo, exatamente, porque tudo é pensado, mas com um pouco de prática o bater à máquina se torna rápido. De qualquer maneira, as páginas vão saindo, o que significa que quanto mais páginas houver, menos espaço restará para outras perguntas. Assim, vamos responder apenas a mais uma pergunta neste capítulo. E é uma boa pergunta.

"O senhor nos diz que, quando nos encontramos na Terra, temos apenas um décimo de nossa consciência, mas pelo que li em seus livros parece que somos menos conscientes do que seres que habitam outros planetas; os Jardineiros da Terra, por exemplo, ou estão de posse de cem por cento de sua consciência ou são dotados de poderes maiores do que os habitantes da Terra. Ou será que em seu estado tridimensional eles poderão estar conscientes mais de dez por cento? A inte­ligência e os conhecimentos técnicos dos Jardineiros parecem estar muito além dos nossos, não apenas seu intelecto como também sua compaixão e sua compreensão. Pode-me explicar isso, por favor?"

Sim, claro, nada disso. Nesta Terra, encontramo-nos em um dos mais miseráveis grãos de poeira do Universo. Como sabem, há mais planetas, mais mundos do que os grãos de areia que existem em todas as praias da Terra, ao que poderá ser acrescentada toda a areia que existe no fundo do mar, pois o número de universos foge à compreensão humana. Se você remover um pouco de poeira debaixo de suas unhas e a examinar ao microscópio, verá que são milhares de partículas de pó. Mas, pense em tudo que existe à superfície de seu corpo, pense que não importa como essa "poeira" aparece aos seus olhos, ela ainda assim é formada de molécula básica de car­bono. Assim, um pouquinho de poeira debaixo de uma unha, como você irá imaginar quantas moléculas — quantos mun­dos — há no corpo humano? E, tendo chegado a uma con­clusão quanto a isso, o que dizer de todos os outros corpos humanos, dos corpos dos animais, dos corpos de outros mundos, etc.?

Neste mundo somos um décimo conscientes, mas em outros mundos os seres podem ser várias vezes mais décimos conscientes. Mas, mesmo que sejam um décimo conscientes, podem, mesmo assim, ser muito mais inteligentes do que os habitantes da Terra.

Os Jardineiros da Terra não são apenas seres tridimen­sionais que vivem em algum lugar do espaço, prontos para darem umas palmadas em algum astronauta ou cosmonauta intrometido. Eles estão também em uma diferente dimensão e, é claro, suas habilidades técnicas estão tão acima das dos seres humanos que os seres humanos para eles serão como micróbios particularmente insignificantes existentes em uma particulazinha de poeira particularmente insignificante.

A grande dificuldade está em que nesta Terra temos que viver e lidar com termos expressos em três dimensões; então, como seria possível descrever-se coisas que se passam em nove ou mais dimensões?

Assim, para responder à pergunta: sim, nesta Terra somos apenas um décimo conscientes. E sim, somos menos conscientes do que outros seres que habitam planetas superiores, mesmo que, por acaso, eles sejam também um décimo cons­cientes.

Sim, os Jardineiros da Terra são muito mais conscientes e o são, também, em muito mais dimensões. Eles galgaram seu caminho de ascensão partindo do que somos hoje, e aci­ma deles há seres mais elevados que vêem os Jardineiros da Terra exatamente da mesma maneira que os Jardineiros da Terra nos vêem. Mas, se nós adotamos a lei correta, a lei segundo a qual faremos aos outros o que queremos que nos façam, então nós também poderemos galgar o caminho até o estado dos Jardineiros da Terra e daí em diante. A melhor forma de explicação é adotar-se o lema da R.A.F.: "Até às Estrelas, não Importam Quaisquer que Sejam as Dificuldades".

 

Henrietta Bunn olhou, irritada e carrancuda, para sua amiga.

—            Não posso entender este autor protestou ela. Estou aqui procurando estudar este livro dele e não encontro o índice. Como será que ele espera que tornemos a encontrar alguma coisa... lendo todo o livro?

Sua respiração foi interrompida por uma série de muxo­xos fulminantes à medida que ia folheando as páginas e cerran­do e abrindo as pálpebras.

Sua amiga, Freda Prizner, sorriu indulgentemente.

—            Bem, você sabe, Hen replicou ela eu leio estes livros por prazer. A idéia de estudar me desliga e eu quero alguém que me ligue. Freda suspirou e prosseguiu. Mas você levantou um ponto, menina, pois todos os livros de­vem conter índices, de modo a que você possa ver o que quer evitar.

O pobre Autor gemeu ao se remexer desconfortavelmente em sua cama dura de metal. O que querem as pessoas? pensou. Em primeiro lugar, é um pecado usar demasiadamente a primeira pessoa, eu e afinal de contas não tenho direito a um eu ou dois mais do que a média? Existe A Terceira Visão, vocês sabem! Agora, porém, os Leitores (bênçãos para os seus corações — uma por leitor!) desejam um índice!!! O velho Autor sentiu aumentarem suas dores e tormentos só em pensar nisso.

Incrustada no âmago dos Estados Unidos, onde os búfa­los não mais vagueiam (os alces tomaram seu lugar), uma mu­lher brilhante e talentosa encontrava-se trabalhando com afin­co. Com um marido (ela diz que um basta!) e dois filhos (diz que são filhos demais, pois são meninos!) para tomar conta, ela ainda encontra tempo para folhear um índice. Isto vem das nuvens, não, é de fato, um livro. Veio na sacola do correio. Um pacote. Os dedos trêmulos do Velho Autor desfizeram o pacote com facilidade, pois ele já fora aberto pelas autoridades alfandegárias do Canadá (um costume muito ruim que eles têm). Lá dentro — LÁ DENTRO — sim, vocês já descobriram, HAVIA um índice.

A Sra. Maria Pien é uma mulher brilhante, talentosa e capaz. Mas, ninguém é perfeito; ela tem um defeito. Sua caligrafia é diminuta e o Velho Autor está perdendo a vista rapidamente. Assim, para ler as palavras da Sra. Pien é usada uma possante lente de aumento. A Sra. Pien errou sua vocação: seu trabalho natural seria escrever livros na cabeça de um alfinete.   

Obrigado, Sra. Pien, por seu trabalho altamente apreciado. Obrigado, Miss Sekeeta Siamese Pien, por conservá-la assim.


 

PENSAMENTOS

É melhor acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão.

Quanto mais se aprende, mais se precisa aprender.

Nunca responda às críticas: fazê-lo implica debilitar seu argumento.

Tudo que existe se move.

Sem extremos, de que modo pode haver alguma coisa?

Não é um mal haver extremos: significa apenas que dois pontos estão tão separados entre si como podem estar.

Embora perto a senda correta, longe procura-a a humanidade.

O êxito é a culminação de traba­lho árduo e de preparação exaustiva.

Cem homens podem constituir um acampamento; basta uma mu­lher para construir um lar.

O tempo é a coisa mais valiosa que o homem pode despender.

Se as pessoas planejassem devi­damente as atividades e cumprissem o plano, haveria tempo suficiente para tudo. Esta é a voz da Experiência porque eu pratico o que prego — e com êxito.

Se você não escalar a montanha, não poderá ver a planície. Lembrem-se de que a tartaruga só progride quando estica o pescoço.

Não se pode polir a gema sem atrito nem aperfeiçoar o homem sem provações.

É preciso conservar a boca aber­ta durante muito tempo antes que para ela voe uma perdiz assada.

Se você não acredita nos demais, como pode esperar que acredi­tem em você? Divida o inimigo e poderá domi­ná-lo; permaneça unido em si e poderá derrotar o inimigo di­vidido.

Mantendo puros os pensamentos, excluímos os pensamentos im­puros.

Pode-se pedir compreensão e pedir na prece o poder de ajudar ao próximo, pois, ajudan­do-o, aprende-se, ensinando-se, aprende-se, e salvando-se o próximo, salvamo-nos. É preciso dar antes de receber, dar de si mesmo, dar de sua compaixão e de sua misericórdia. Até que seja capaz de dar-se, o homem não poderá receber. Não se recebe piedade antes de de­monstrar piedade. Não se con­segue compreender sem primeiro ter demonstrado com­preensão para os problemas do próximo.

Os seres humanos — Homem e Mulher — devem tentar conviver exercendo tolerância, pa­ciência e desprendimento.

Retribua o mal com o bem, sem recear homem algum, e sem recear qualquer ação humana, pois ao pagar o mal com o bem, e por fazer o bem em todos os momentos, progredimos para cima e nunca para baixo.

Para o puro, todas as coisas são puras.

Você é aquilo que acredita ser.

Você pode fazer aquilo que acredita poder fazer. Fica quieto e conhecerás o eu interno. Dá, para poderes receber. Aquilo que uma pessoa receia é perseguido por ela. Nós receamos aquilo que não compreendemos.

Quando nos encontramos no ou­tro lado da morte, vivemos em harmonia. A menos que sejas como uma criancinha, não conseguirás o Reino do Céu. Podíamos dizer o mesmo, de forma diferente, afirmando: "Se tiveres a cren­ça de uma criança, não conta­minada pela descrença adulta, poderás ir a qualquer parte, em qualquer momento".

Os sonhos são janelas que dão para outro mundo.

Se você continuar dizendo a si próprio que vai vencer, vencerá, mas vencerá apenas se con­tinuar com sua afirmação de êxito, e não permitir que a dúvida (negadora da fé) se intrometa.

Em todos os momentos devemos cultivar a tranqüilidade íntima, cultivar modos tranqüilos. A essência de tudo quanto apren­demos na Terra é o que faz de nós aquilo que vamos ser na vida seguinte.

Faça a si próprio esta pergunta: "Isto terá importância dentro de cinqüenta ou cem anos?"

Quanto mais bem fizermos aos outros, tanto mais ganharemos para nós próprios.

Se você pensar na paz, terá a paz.

Temos de estar tranqüilos inte­riormente, se quisermos progredir.

Com a serenidade interior e a fé, você pode fazer TUDO!

Se VOCÊ estiver mostrando os efeitos da tensão, isto quer dizer que você não tem a pers­pectiva correta.

Se você trabalhar demais, estará tão preocupado no trabalho que realiza, que não terá tem­po de pensar nos resultados que espera obter.

Será bom recordar repetidas vezes que em qualquer batalha entre a imaginação e a vontade, a primeira sairá sempre vence­dora.

Se você cultivar sua imaginação e a controlar, poderá ter o que bem quiser.

Se você controlar a imaginação, aumentando a fé em sua própria capacidade, conseguirá fa­zer qualquer coisa.

Não existe tal coisa como o "im­possível".

Assim como você pensa, assim você é.

Devemos perdoar aqueles que nos ofenderem, e devemos procurar o perdão daqueles a quem ofendemos. Devíamos-nos sem­pre lembrar de que o meio mais certo de alcançar um bom carma é fazer aos outros o que gostaríamos que fizessem a nós. Aos olhos de Deus todas as cria­turas são iguais, e aos olhos do Grande Deus todas as criaturas são iguais, quer sejam gatos, cavalos — ou que nome lhes demos.

Devemos em todos os momentos, demonstrar grande cuidado, atenção e compreensão para com aqueles que se acham doentes, pesarosos ou atormenta­dos, pois é bem possível que nossa tarefa seja a de demons­trar tal cuidado e tal compreensão.

Um enfermo pode estar muito mais evoluído que você, que se acha com saúde e, ao ajudá-lo, você poderá, na verdade, ajudar-se a si mesmo imensa­mente.

Lamentar indevidamente aqueles que "passaram" causa-lhes dor, faz com que se sintam arrasta­dos para a Terra. Eles são muito parecidos com o homem que foi atirado à água e se sente puxado para o fundo, pelas roupas molhadas e botas pesadas.

Do mesmo modo que devemos fazer aquilo que gostaríamos que fizessem conosco, devía­mos conceder plena tolerância e liberdade a outrem para que creia e adore como essa pes­soa julgar certo. Nós mesmos não gostamos de interferências, e assim sendo compreendamos que a outra pessoa também não a receberá bem.

O fracasso significa que sua de­cisão de fazer isto ou não fazer aquilo não era realmente forte.

O mendigo de hoje poderá ser o príncipe de amanhã, e o prín­cipe de hoje o mendigo de amanhã.

Nem por um só momento, imponha suas opiniões aos outros. Aqueles que falam menos são os que ouvem mais. A mente é como uma esponja que absorve conhecimentos. A paz é a ausência de conflito, interna e externamente.

Este mundo, esta vida, é o In­ferno, o lugar de provas, onde nosso espírito se purifica, pelo sofrimento de aprender a controlar nosso grosseiro corpo carnal.

Pode haver um homem mau em uma lamaseria assim como um santo pode ser encontrado na prisão.

Vimos ao mundo para sofrer, a fim de que nosso espírito pos­sa evoluir. As dificuldades en­sinam, a dor ensina, a bonda­de e a consideração não ensi­nam.

O medo corrói a alma.

A vida segue uma trilha dura e pedregosa, com muitas armadilhas e buracos, mas quem perseverar alcançará o cimo.

A maior força que existe é a ima­ginação.

Deixe sua consciência ser o seu guia.

Nunca desespere, nunca desista, pois o direito prevalecerá.

Você não consegue um homem culto, a menos que esse homem tenha sido disciplinado.

É um fato deplorável que só aprendemos com a dor e o sofrimento. Deve haver amor entre os pais, se quiserem que nasça o me­lhor tipo de criança.

Todo casal poderia viver com êxito, desde que aprendesse essa lição de dar e receber.

Não briguem nem estejam em desacordo um com o outro, pois uma criança absorve as atitudes dos pais. O filho de pais sem bondade torna-se des­tituído dela.

O Mestre sempre vem, quando o estudante está pronto.

O minério de ferro pode achar-se inutilmente torturado na for­nalha, mas quando a lâmina temperada do mais fino aço recorda sua formação, ela sabe que valeu a pena.

Quem ouve mais aprende mais.

Raça, crença e cor da pele não têm importância, pois todos os homens sangram em vermelho.

A imaginação é a maior força sobre a Terra.

Não é bom ficar muito tempo no passado, quando todo o futuro se acha à nossa frente.

É triste que as pessoas conde­nem aquilo que não compreendem.

Há uma lei oculta que diz que não se pode receber sem primeiro dispor-se a dar.

"Que haja luz" significa elevar a alma do homem das trevas, para que ele se aperceba da grandeza de Deus.

A morte na Terra é o nascimen­to no mundo astral.

Tudo depende da SUA atitude, do SEU estado de espírito, porque, assim como pensamos, assim somos.

A Terra é apenas uma mancha de pó que existe durante um piscar de olhos no tempo real.

Todo o homem é uma ilha para si mesmo.

O suicídio não se justifica nunca.

O corpo é apenas um veículo mediante o qual o Eu Supre­mo obtém certa experiência na Terra.

O homem evoluído pode celebrar os seus serviços religiosos den­tro de si mesmo, em qualquer lugar e a qualquer hora sem ter de unir-se a outros como se fossem iaques irracionais.

Quanto maior a espiritualidade do homem, menores os seus bens materiais.

Quem não enxerga está indefeso, completamente à mercê dos outros, à mercê de tudo.

O homem é transitório e fraco. A vida na Terra não passa de ilusão e a realidade maior está além da vida.

As aparências enganam.

Alguns de nós estamos fazendo o máximo em circunstâncias mui­to difíceis e essas dificuldades só servem para nos estimular a fazer mais e subir ainda, pois há sempre lugar no alto! Esta é uma vida de sombra. Se cumprirmos bem nossas tarefas nesta vida, iremos depois viver a verdadeira vida. Sei disso porque vi.

O tempo na Terra é apenas uma cintilação na consciência do tempo cósmico.

Aprenda a passar fome agora. Aprenda a ter resistência ago­ra. Aprenda a ter sempre uma atitude positiva agora porque, durante a sua vida, você co­nhecerá a fome e o sofrimento, que lhe farão constante com­panhia. Há muitas pessoas que procurarão fazer-lhe mal e re­duzi-lo ao nível delas. Só uma atitude positiva — sempre po­sitiva — o fará sobreviver e superar todos os vexames e atribulações que sofrerá inexoravelmente. O tempo de aprender é agora. Enquanto tiver fé, enquanto for positivo, poderá tudo suportar e sair vitorioso dos piores ataques do inimigo.

Não são dados a um homem mais encargos do que ele pode su­portar.

Um dos maiores problemas do mundo consiste no fato de que quase todas as pessoas são ne­gativas.

Se as pessoas sempre pensassem positivamente, não haveria problemas no mundo, porque a atitude negativa é assumida na­turalmente pelas pessoas, aqui, embora dê realmente muito mais trabalho ser negativo.

Esta é a Era de Kali, a Era do Rompimento, a Era da Modificação, quando a humanidade verdadeiramente se encontra diante de uma encruzilhada, ante o dilema de evoluir ou regredir, enquanto resolve se ascende ou se desce ao nível do chimpanzé. E nesta Era de Kali, eu surgi em uma tentati­va de dar alguns conhecimen­tos e, talvez, influir na decisão dos homens e mulheres do Oci­dente quanto a ser melhor es­tudar e se alçar do que per­manecer parado e mergulhar nos despojos do desalento. Temos de agir por nós mesmos. Todos nós. Está errado unir-se a cultos, grupos e seitas. Quan­do partimos desta Terra temos que ir por nós mesmos à Man­são das Lembranças. Temos que estar sozinhos e, se o ho­mem tem que evoluir, ele terá que estar só.

Você poderá alcançar o estado de Buda qualquer que seja sua situação na vida. A única coi­sa que importa é: como você vive? De acordo com o Cami­nho do Meio, de acordo com a regra segundo a qual deve fazer-se aos outros aquilo que desejamos que nos façam? Se assim é, então você se encon­tra no caminho para atingir o estado de Buda.

Viemos a esta Terra com a fina­lidade de aprender, com a finalidade de desenvolver nosso espírito imortal.

Viemos a esta Terra sabendo an­tecipadamente quais serão os nossos problemas, sabendo que dificuldades teremos que enfrentar e, se cometermos sui­cídio, estaremos então desfazendo arranjos que acertamos para o nosso próprio adiantamento.

Tudo que você faça aqui benefi­ciará o seu Superego e beneficiará também a você, porque vocês são uma mesma coisa, ou parte dela.

Sem a imprensa provocando o ódio racial, não teria havido tantos problemas entre seres humanos de diferentes cores.      

Se tiver medo estará apenas gastando suas energias.           

 

FAZE AOS OUTROS O QUE QUERES QUE TE FAÇAM A TI

 

                                                                                            Lobsang Rampa  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades