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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A VINGANÇA DE CATAMOUNT / Albert Bonneau
A VINGANÇA DE CATAMOUNT / Albert Bonneau

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

O "rodéo,, de Houston (1)
- Hello boy!... Tens mas é que levar o cavalo para a cavalariça!... É para ali, para a esquerda! Aqui, é o parque dos automóveis!...
Catamount agradeceu ao polícia, com um aceno; este era um irlandês alto, desempenado, correcto e afável, como todos os polícias norte-americanos. Falou ao cavalo,  e encaminhou-o com uma certa dificuldade, por entre a multidão, que já se aglomerava naquele local:
(1) Festival equestre e taurino, característico de certos estados da América do Norte e de algumas repúblicas da América Central.

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- Vamos, King!... É só mais um bocadinho!... Estamos mesmo a chegar!
O cavalo a que o homem dirigia estas palavras ia por tal forma coberto de espuma que tinha com certeza efectuado um longo percurso: era um lindo animal. As botas  e os chaparejos do cavaleiro estavam também cobertas de espessa camada de poeira...
Catamount avançava a passo, debaixo dum sol que escaldava; os motoristas, que esperavam junto dos veículos de toda a espécie, auto-carros de dimensões impressionantes,
pequenos Ford, Chevrolet, limousines sumptuosas de marcas estranjeiras, fitavam atentamente o cavaleiro, com a sua pontinha de ironia. Nesta época de intenso progresso,
em que o motor reina como um senhor absoluto, aquele perfil de cavaleiro tinha um ar um tanto antiquado. Porém, Catamount pouco se importava com a curiosidade de
que era alvo; as tiras de tela, estendidas ao longo da calçada alcatroada, as numerosas bandeiras estreladas que se agitavam ao vento, demonstravam que o culto do
cavalo permanecia ainda intacto no Texas. Por todos os lados, cabeças de potros e ferraduras figuravam nos cartazes multicores; a cada instante, ao prosseguir o
seu caminho, o ranger (1) podia ler, ao lado dos habituais Welcome! (2) palavras que indicavam o género de
(1) Componente de um grupo de tropas montadas rurais.
(2) Bemvindo!
festa que se ia celebrar naquele mesmo dia, naquela cidade do Texas Meridional, bastante próxima do Golfo do México: "rodéo de Houston".
O " rodéo "!... Aquela festa equestre, que se celebrava todos os anos, no mês de Junho, em Houston, atraíra à vizinhança imediata da cidade, e aos arredores do enorme
estádio, onde deviam efectivar-se as provas, uma multidão considerável; ninguém se podia mexer, tanta era a gente! Grupos de cavaleiros, vindos dos ranchos da região,
passavam a galope agitavam os sombreros para a multidão; alguns levavam na garupa lindas raparigas, trajadas a rigor; uma fila ininterrupta de automóveis desfilava
sem cessar, e o barulho ensurdecedor dos klaxons, das buzinas e das sereias, provocava uma agitação infernal, misturada de invectivas, ditos de espírito, e gargalhadas.
Catamount continuava a guiar o cavalo com mão firme; acabava de avistar, a pouca distância, a bandeirola que indicava o local das cavalariças. A-pesar-da sua habitual
serenidade, a multidão importunava-o por tal forma, que quási chegava a perder a paciência; de si para si murmurava: "Estou a ver que não consigo falar com o xerife
antes de começar o "rodéo"!..." O Major devia ter-se lembrado que hoje era dia de festa!... Mas, a calma de-pressa lhe voltava; seguia agora ao longo do imenso cercado
onde os espectadores do "rodéo" deviam deixar os cavalos. Já uns cinquenta cavaleiros aguardavam junto da barreira.
alguns haviam desaparelhado os cavalos, e as selas alinhavam-se em número impressionante ao longo do cercado; três latagões, vestidos de cinzento, e todos eles com
grandes sombreros mexicanos, distribuíam senhas com os números e recebiam o preço estipulado pela guarda de cada montada.
Catamount saltou lesto abaixo da sela e pôs-se logo a afagar o fiel quadrúpede. À roda dele, cowpunchers (1) e cattlemen (2) dos arredores faziam prognósticos sobre
o resultado das provas que se iam efectuar...
- Para mim, opinava um deles, desta vez ainda é o Imperador do "rodéo" quem ganha a partida!... Tem uma coudelaria magnífica e os seus cowpunchers valem os melhores
profissionais! Os cavaleiros dele não têm rivais para domar potros!...
No entanto, nem todos estavam de acordo, e, em breve, uma voz grossa ripostava:
- Há muito bluff em tudo isto!... O Imperador do "rodéo" é um dos cattlemen mais ricos e mais poderosos de Houston; no entanto, a-pesar-de fazer uma enorme publicidade,
espero que os homens dele não "abichem" todos os prémios!... Também há "ases" nos outros ranchos, graças a Deus!... Talvez que Everett Mainrod sofra alguma amarga
decepção...
(1) O mesmo que cowboy.
(2) Criadores de gado.
Os olhos de Catamount abriram-se muito, ao ouvir pronunciar o nome de Everett Mainrod. É que o ranchman (1) não lhe era desconhecido; entretanto, como um dos guardas
o interpelasse e convidasse a franquear a barreira do cercado, o ranger obedeceu-lhe e deixou os cowpunchers, que para lá ficaram a discutir.
Daí a dez minutos, depois de haver dessedentado King, que ficou junto dos outros cavalos, Catamount saía do cercado. Ninguém lhe prestara a menor atenção. O ranger,
que acabava de acender um cigarro, avançava agora em direcção ao estádio, cuja enorme massa se destacava no azul do céu, a menos de meia milha... mais para além
ficava Houston com os seus gasómetros, frigoríficos, e depósitos de cereais.
De momento, ninguém pensava senão no estádio. A multidão dos espectadores avançava em ondas enormes pela estrada principal; era com uma certa dificuldade que os
numerosos polícias, encarregados do serviço de ordem, conseguiam canalizar aquela maré humana. Catamount seguia plàcidamente a longa fila. Deixara já a calçada reservada
aos automóveis e aos cavaleiros. Sem dizer palavra, ia levado pela multidão, de onde partiam constantemente gritos e gargalhadas... Por todos os lados, nas discussões
que se travavam, ouvia sempre pronunciar o mesmo nome,
(1) Proprietário de rancho.
que há pouco despertara a sua atenção, o nome de Everett Mainrod, o Imperador do "rodéo", que parecia ser a pessoa mais popular em todo o distrito de Houston.
Em menos de um quarto de hora, Catamount chegava à entrada do estádio. Junto das bilheteiras, a aglomeração era medonha; havia gente de toda a parte, de todo o Texas
e mesmo dos Estados vizinhos, que se comprimia e interpelava... a maioria trajava à moda dos cowboys do Far West: chaparejos de coiro, cinturão de armas, camisa
de flanela, stetson (1) de abas largas; apenas se diferençavam pelas cores diversas dos lenços de seda que traziam ao pescoço. Entre a multidão observavam-se alguns
homens com o trajo mexicano, sombreros ornamentados com vidrilhos e pregos de ouro ou de prata. Espessas nuvens de poeira elevavam-se por cima daqueles milhares
de seres, a quem o estádio parecia atrair como se fosse um íman gigantesco, antes de os engulir por todas as portas. Vendedores de gelados, chocolates, de pastéis
e de laranjas circulavam por entre os grupos e procuravam impingir as suas mercadorias; havia um preto que vendia garrafas de gasosa, e todos à uma disputavam a refrescante bebida.
Catamount, após uma longa pausa, conseguiu
(1) Chapéu de feltro mole, de abas largas, designado pelo nome do primeiro fabricante.
chegar à bilheteira, dificilmente guardada por quatro polícias; pagou cinco dólares por um lugar de primeira fila. No meio duma indescritível confusão, numa atmosfera
de estufa, penetrou no interior do estádio. Quando chegou ao alto da escada, que dava acesso às bancadas, cerrou os olhos deslumbrado por tanta luz. O sol incendiava
literalmente o vasto anfiteatro, onde se alinhavam já milhares de espectadores. Depois de levar alguns encontrões, o ranger conseguiu chegar à extremidade norte
da arena, onde estava ainda vazio um lugar de primeira fila. Sentou-se apressadamente, e depois passou a mão pela testa que estava encharcada em suor. Mal acabava
de se instalar, ouviu uma voz que à sua direita lhe dizia:
- Belo tempo para um "rodéo", old fellow!... Catamount a princípio não respondeu, julgando que aquelas palavras se dirigiam a outra pessoa, mas a voz insistiu:
- Creio que não perdemos o nosso dinheiro! A festa deve ser magnífica!...
Catamount voltou-se, então, e viu junto de si um homemzinho moreno, vestido com um fato de flanela branca, e que tinha na cabeça um panamá enfeitado com uma soberba
fita roxa. Na gravata, que era da mesma côr, arvorava um alfinete em forma de ferradura. O homem parecia possuído duma irresistível vontade de falar; falou de tudo,
do estado do tempo, da política do Presidente, da última votação do Congresso, mas o ranger
só lhe respondia por monossílabos. O olhar dele percorria a vasta pista do estádio e farejava, com uma certa satisfação, um belo cheiro a cavalo e a cavalariça que
de vez em quando a brisa lhe trazia; quanto este cheiro era mais suportável e agradável do que o cheiro a gasolina, que empestava todas as estradas que iam dar a
Houston, por muitas milhas em redor... Aqui, pelo menos, o cavalo reconquistava o seu lugar de honra... Não era certamente a primeira vez que Catamount assistia
a um "rodéo"... Vira já outros, quer em Dallas, quer em Abilene, o feudo incontestado dos "barões" do gado, e ainda também em Santo António; entretanto, o homem
do fato branco parecia interessado em todos os preparativos. Indicava-lhe, na extremidade oposta do estádio, as várias "gaiolas" de onde sairiam os potros e os touros.
Por cima delas, uma tribuna, de onde o juiz do campo dirigiria o espectáculo. A tribuna estava ornamentada com bandeiras norte-americanas. À roda da pista havia
mastros enormes onde tinham colocado alto-falantes, que anunciariam ao público as fases do espectáculo. Sobre a direita, um relógio enorme dominava o estádio. A
uma pequena distância das "gaiolas ", um grupo de uns cinquenta cowboys, com fatos novos, aguardava o início do espectáculo; eram os primeiros concorrentes, e entre
eles Catamount conseguiu distinguir algumas mulheres. As provas não eram inteiramente masculinas, e as cow-girls do Estado do Texas, e da região de Houston,
iriam também demonstrar, uma vez mais, que a coragem, a destreza e o sangue-frio não eram apenas predicados masculinos. Havia cavaleiros que andavam de um lado para
o outro: pertenciam ao pessoal do "rodéo"; eram vigilantes qualificados e ajuramentados, "papagaios", ou auxiliares destinados a coadjuvarem os concorrentes durante
as provas.
Catamount sentiu que o homemzinho moreno lhe puxara pela manga da camisa; irritado, ia a responder que não estava para o aturar, quando ouviu que o chamava:
- Olhe o Imperador do " rodéo", old boyl...
- O Imperador do "rodéo"?repetiu Catamount, no tom de quem não sabe de quem se trata...
- Como?... Então você não conhece Everett Mainrod?... Mas, então donde vem você?... De Keokuk, naturalmente...
O espectador acompanhava estas últimas palavras com um risinho seco; Keokuk é um lugar que goza da reputação de ver nascer gente de acanhadas faculdades mentais.
No entanto o ranger não se mostrou ofendido com a observação que escapara espontaneamente ao seu vizinho.
- Venho simplesmente de El Paso, respondeu êle.
- E mesmo em El Paso, você ouviu certamente falar de Everett Mainrod?... É uma das grandes notabilidades de todo o Texas!,.. Os animais dele têm grande reputação
em toda a América!...
Catamount conhecia há muito, de nome, o Imperador do "rodéo", mas deixava falar o seu interlocutor; é que agora a conversa começava a ter interesse para êle.
- Já que você não conhece o Imperador do "rodéo", vou-lho mostrar, insistiu o homemzinho moreno, e apontava com o dedo para lhe indicar um cavaleiro que caracolava
na pista do estádio, emquanto vigiava activamente os últimos preparativos, e respondia com extrema afabilidade às aclamações nutridas que lhe dirigiam de todos os
lados das bancadas.
Everett Mainrod era um cavaleiro garboso montava um esplêndido alazão. Um belo stetson, de abas decoradas com medalhas de prata, protegia-lhe, dos ardores do sol,
o rosto de traços enérgicos. De vez em quando tirava o chapéu para saudar os seus admiradores e o ranger podia então estudar-lhe à vontade a fisionomia.
O Imperador do "rodéo" poderia ter quarenta anos, quando muito; a sua espessa cabeleira negra de azeviche, que êle deixava crescer à Buffalo Bill, a cara rapada,
de perfil regular os olhos sonhadores eram outros tantos trunfos que lhe permitiam recolher os aplausos dos espectadores e sobretudo os sorrisos das encantadoras
espectadoras. Everett Mainrod teria dado, de facto, um magnífico actor de cinema, pois era essencialmente fotogénico; de momento pousava com complacência perante
as câmaras dos repórteres fotográficos e dos homens de cinema, que
haviam acorrido em grande número para relatarem nos seus jornais, e fazerem reviver nos écrans, as peripécias sensacionais do "rodéo " de Houston, um dos mais frequentados
de todos os que se realizavam nos Estados-Unidos da América do Norte.
A sela e o arreio do alazão valiam com certeza alguns milhares de dólares, o coiro era ricamente trabalhado e incrustado de botões maciços de ouro; da sela pendia
um laço.
- Olhem-me para aquele garbo, prosseguia o homemzinho do fato branco, com a voz trémula de admiração... Em todo o Texas não há cavaleiro mais elegante!...
Catamount declarou que era absolutamente da opinião do vizinho. Everett Mainrod estava admirável com a sua camisa vermelha de "crepe de Chíne"; um foulard verde
negligentemente atado enrolava-se-lhe à roda do pescoço; em torno da cintura, um verdadeiro arsenal, como nos tempos heróicos do Far West, de cada um dos lados das
ancas pendiam-lhes coldres de revólveres Colt, calibre 45. Chaparejos de pele branca cobriam-lhe as calças, e a completar a vistosa indumentária, belas esporas cravejadas
de pedras preciosas...
- É extraordinário! prosseguia o homemzinho do fato branco, e inclinava-se para o ranger... Pregunto a mim mesmo como é que este Everett Mainrod pode levar vida
tão faustosa? Rockfeller, ao pé dele, com a vida pacata e retirada que leva,
dir-se-ia um pobre de pedir. Bem sei que os cavalos dele se vendem em toda a América a preços elevados, mas, mesmo assim, é preciso que disponha de uma fortuna enorme
para atirar dinheiro pela janela fora desta maneira!... É êle quem financia todas as manifestações equestres e, especialmente o " rodéo " a que vamos assistir...
Há quem diga que joga somas enormes nos círculos mais afamados do Texas!... Como se lhe não bastasse o título de Imperador do "rodéo", chamam-lhe também o Rei do
Poker!. Não há que dizer-lhe, é um "ás" em toda a linha!...
-- O senhor tem toda a razão, replicou Catamount, tipos deste género não existem em todo o mundo uma dúzia deles...
- Sobretudo depois da crise! Mas, que quere, há gente extraordinariamente favorecida pela sorte!... Everett Mainrod pertence ao número! Já por mais de vinte vezes
o julgaram falido, e outras tantas se recompôs com uma dextreza prodigiosa!... Nestes tempos de marasmo e de gangsters, Mainrod constitua absolutamente uma excepção!...
A palavra gangsters acicatou a atenção do ranger que agora já incitava o vizinho a dar à língua:
- Você falou em gangsters, aventurou-se êle a dizer... Por acaso haverá malandros dessa espécie aqui em Houston?... Ouvi falar numa certa quadrilha de salteadores
de bancos que operava aqui na região...
- Afinal de contas você preocupa-se mais com os casos de polícia do que com a reputação do Imperador do "rodéo"!... Você tem razão, há um tempo a esta parte que
têm sido assaltadas e roubadas as sucursais dos grandes bancos, com uma audácia espantosa! A semana passada foi em Eagle Lake; depois, voltou-se a falar deles em
Crockett, Palestina e Beanmont!... A polícia anda furiosa e o xerife não sabe o que há de fazer à vida dele, pois receia a todo o momento uma intervenção armada
dos bandidos...
- Mas, quem é o xerife de Houston? preguntou o ranger fitando à socapa o seu interlocutor.
- É um tal Nick Wedder... não inventou a pólvora, mas é um homem honesto... Dizem mesmo que se entende muito bem com Everett Mainrod a quem deve em parte a eleição...
- Cá estão gasosas e chocolates gelados!... Uma voz nasalada interrompeu os dois homens.
Era uma vendedeira sardenta que apregoava refrescos.
- Você quere tomar uma gasosa? preguntou Catamount ao vizinho.
- Com muito prazer, faz um calor horrível!...
O ranger meteu uma moeda na mão da vendedeira e agarrou nas duas garrafas; os dois homens desrolharam-as e absorveram imediatamente o conteúdo. O homemzinho do fato
branco deu um estalido com a língua, e limpou os beiços à manga do casaco; a seguir, apontou
para uma cavaleira que acabava de aparecer junto das gaiolas:
- Depois do pai, a filha!... Uma verdadeira beleza!...
Catamount ergueu a cabeça admirado:
- Filha, de quem ?
- Ora essa, a filha de Mainrod... Helena, a mais rica herdeira de todo o Texas!...
II
Palhaçada que acaba mal
O ranger deixou cair a garrafa de gasosa sobre a bancada e olhou imediatamente na direcção que o companheiro lhe indicava. Avistou logo uma rapariga que trajava
elegantemente à maneira das cowgirls e se aproximava do grupo dos concorrentes.
- Olhe-me para eles!... Até parecem abelhas à roda do cortiço!... comentou o homem do fato branco. Não lhe faltam admiradores! Também o caso não é para menos, é
mesmo um torrãozinho de açúcar!...
O aparecimento da cowgirl provocara sensação, entre os competidores do "rodéo" que aguardavam, impacientes, junto das "gaiolas"; todos à uma queriam ser o primeiro
a cumprimentar a rapariga. Sorridente, trocou com eles rápidos apertos de mão; na mão esquerda enluvada, agitava febrilmente uma reata.
- Não é nada vaidosa, a bela Helena Mainrod!
explicou o vizinho do ranger... Fala sempre a todos com o mesmo modo, quer seja um humilde cowpuncher, ou o mais poderoso "barão" do gado de Texas!...
Catamount continuava a observar a rapariga com a maior atenção. Ficara muito agradavelmente impressionado, logo à primeira vista. Helena era encantadora e o trajo
que usava mais fazia realçar ainda a sua beleza excepcional: um enorme stetson, que lhe cobria a opulenta cabeleira castanha, punhos e rebordos da saia, ornados
de franjas, à maneira indiana, luvas cinzentas, ornamentadas cada uma delas com uma estrela vermelha, protegiam as suas mãos nervosas; as botas, de coiro vermelho,
não tinham esporas.
- Você vai ver que a rapariga não se atrapalha !...
E o homemzito, que já confiara a Catamount que se chamava Bing Stevens, não cessava de elogiar as qualidades excepcionais da única herdeira do Imperador do "rodéo".
Catamount apenas lhe respondia por acenos; verificava que o aparecimento de Helena despertara viva curiosidade em todas as bancadas; todos apontavam para a linda
cowgirl, que continuava a conversar com os concorrentes sem parecer notar a admiração e a simpatia de que era alvo por parte daqueles milhares de espectadores.
Um zumbido ensurdecedor elevava-se agora daquele formigueiro humano; depois, súbitamente,
ouviu-se nos ares o roncar de motores. Era uma esquadrilha de sete aviões que se elevava nos ares. Os olhares dos espectadores convergiram sobre os aeroplanos que
voavam em flecha
- Atenção, gritou a voz sonora do locutor, transmitida pelos cinquenta alto-falantes colocados em redor da pista, vai começar o grande " rodéo " de Houston!...
Os aeroplanos desenharam lá no alto, expelindo fumos azues, uma ferradura gigantesca; este reclamo aéreo foi acolhido pela multidão com entusiasmo frenético, depois,
como os aviões se houvessem afastado, todas as atenções se concentraram outra vez sobre a pista. Agrupavam-se concorrentes e cavaleiros que deviam participar e coadjuvar
nas provas, iam desfilar no estádio, com uma fanfarra à frente.
O tambor-mor, um homem de avantajada estatura, estava magnífico no seu dólman brandeburguês, com um enorme shako de pluma escarlate, e brandia o bastão de enorme
castão de cobre. Atrás dele, marcando passo, prestes a iniciarem a marcha, uns cinquenta músicos, com o mesmo uniforme azul pálido, e dolmans brandeburgueses de
grandes alamares; usavam calças enormes, brancas, com vivos de astrakan acastanhada, e deixavam ver apenas pouco mais do que uma mão travessa das polainas cuidadosamente
abotoadas.
Durante alguns instantes, semelhante a um
general que atravessa pela frente das suas tropas, antes de lhes passar revista, Everett Mainrod, seguido de perto pelos juízes, auxiliares e restante pessoal do
"rodéo", atravessou o estádio, a todo o galope do seu fogoso alazão, e sempre saudado pelas aclamações entusiásticas dos espectadores ; depois a fanfarra, que começara
a tocar, amortecia os hurrás da assistência. O tambor-mor acabava de atirar o seu bastão a uma altura prodigiosa, e acolhia-o, agora, com um gesto largo. Imediatamente
os músicos se puseram em marcha, e atacaram os primeiros compassos do Star Spangled Banner (1).
Então, perante as aclamações delirantes da multidão, de pé nas bancadas, trezentos cavaleiros, homens e mulheres, desfilaram pela arena numa ordem irrepreensível;
de todas as bandas se elevavam clamores, as equipas de alguns ranchos animavam os seus campeões; as mulheres atiravam flores sobre os intrépidos centauros, que às
vezes conseguiam apanhá-las no ar, e as colocavam na botoeira, como mascote.
Terminado o hino nacional e o desfile, iniciaram-se as provas. Em primeiro lugar, uma demonstração de "laço", executada pelos campeões do Texas. Com uma agilidade
incrível, os cowboys, alinhados em número de vinte ao longo do estádio, agitavam os nós corredios, executavam os mais
(1) Hino nacional norte-americano.
caprichosos desenhos, e entregavam-se às mais desconsertantes fantasias. Três árbitros vigiavam-os atentamente e, a pouco e pouco, uns após outros, os concorrentes
iam sendo eliminados; apenas restava agora um, no centro do estádio, um enorme latagão do Kentuck.., o qual multiplicava as mais arrebatadoras variações com o laço...
Foi êle quem ganhou o primeiro prémio.
Pela sua ordem, o locutor foi anunciando as outras provas: lide de vacas bravas, corrida de cavalos selvagens, ferra de potros... Uns após outros os animais saíam
das gaiolas, até onde os cavaleiros do "rodéo" os conduziam em boa ordem... Logo que lhes abriam as portas, os animais selvagens atiravam-se pela arena fora, como
se fossem lançados por uma catapulta, levando com eles, num galope doido, os cavaleiros, que procuravam desesperadamente atirar a terra.
O entusiasmo da multidão atingia agora o delírio, todos agitavam os chapéus e incitavam copiosamente os concorrentes; incansável o mesmo grito ecoava de lés a lés,
por todas as bancadas:
- Ride it cowboy!... (1)
Os cavaleiros rolavam no chão, tornavam a erguer-se, mas alguns acabavam por abandonar as montadas, porque o seu estado físico já lhes não permitia prosseguirem
na prova. Então, os
(1) Anda, monta-o, cowboy!
cavalos eram recolhidos pelos "papagaios"... Outros centauros, porém, encontravam meio de se distinguir. Pareciam aparafusados ao selim: por mais que os potros fizessem
não conseguiam cuspi-los. E os animais cediam vencidos pela robustez e destreza dos cavaleiros.
De vez em quando, um acidente mais ou menos grave, vinha decuplicar a emoção dos espectadores... Um potro, um pouco mais fogoso, conseguia atirar com o cavaleiro
de encontro à trincheira, e lá ficava este com algumas costelas partidas; outros, sacudidos brusca e inesperadamente, saltavam aparatosamente pela cabeça do cavalo.
Os maqueiros acorriam lestos a todos os pontos onde os seus serviços se tornavam necessários; logo a seguir outros concorrentes apareciam em frente das "gaiolas",
para jogar audaciosamente a vida.
Catamount não pronunciava palavra; quanto mais exuberante Stevens se mostrava, mais reservado aquele se manifestava; as suas pupilas iluminavam-se às vezes; admirava,
como conhecedor que era, os melhores cavaleiros.
Terminada esta parte do espectáculo, o locutor anunciou:
- Vamos agora assistir à corrida das cow-girls!...
Um movimento de simpatia, seguido de aclamações satisfeitas, acolhera a declaração. Já em número de vinte as cavaleiras se alinhavam em fileira, na extremidade oposta
do estádio.
- Aposto vinte dólares em como quem ganha a fita côr de rosa é Helena Mainrod! gritou Stevens, e deu uma palmada amigável no ombro
do ranger...
- Eu, não aposto nada, replicou Catamount...
- Você é um finório!... Não aposta porque sabe que perdia!... insistiu o homemzito. Há um ano a esta parte que em todos os "rodéos", em Dallas, Abilene, e San António,
é Helena Mainrod quem sempre "abicha" os primeiros prémios!... Tenho a certeza que desta vez vai acontecer a mesma coisa...
Todos os prognósticos pareciam igualmente favoráveis à linda amazona; nas várias bancadas enumeravam os nomes das outras concorrentes. O espectáculo atraente do
grupo contrastava bastante com o los rudes cowboys, a maioria dos quais estacionava ainda junto das gaiolas...
Ouviu-se uma breve detonação, e a seguir a este tiro disparado pelo juiz de campo, as vinte concorrentes largaram. A princípio Helena ia misturada no grupo. Seguia
apenas em terceiro lugar.
- É a táctica dela... explicou Stevens. Faz sempre assim. Não se fie nisso... À terceira volta da arena, distanciar-se-á das outras concorrentes; à quinta, irá à
cabeça e, na décima e daí por diante já ninguém terá dúvidas de que será ela quem ganhará a fita côr de rosa!...
O prognóstico do homemzito teve cabal realização. Ao fim da décima volta, triunfante, Helena
deteve-se em frente da tribuna do júri! O governador do Texas, que presidia na tribuna de honra, mandou-lhe entregar um soberbo ramo de orquídeas, emquanto os espectadores
manifestavam a alegria de que estavam possuídos, atirando à arena flores, chapéus, lenços e até laranjas e sacos de caramelos.
Depois de haver fixado o laço côr de rosa no frontal do cavalo, Helena voltou-se na sela; levou graciosamente a mão aos lábios e atirou beijos aos seus admiradores.
Por várias vezes teve de repetir o gesto, até que se deixou escorregar da sela; de todos os lados, mãos numerosas se estendiam para ela.
Se Catamount se encontrasse nesse momento junto das "gaiolas" ficaria surpreendido com as calorosas felicitações que dirigiam à vencedora; mas, esta última correspondia
maquinalmente aos novos testemunhos de admiração, que de todos os lados lhe eram prodigalizados... O sorriso gracioso que afixara, esmorecia a pouco e pouco, e o
olhar dela percorria cheio de ansiedade o grupo que a cercava, como que a procurar alguém.
De-pressa a fisionomia da rapariga se desanuviou: acabava de descobrir a pessoa a quem procurava: um rapaz louro que minutos antes ganhara um prémio na prova dos
potros. Libertando-se dos que a circundavam, dirigiu-se a êle, e apertou-lhe a mão.
- Bravo, Helena, foi uma prova admirável!...
- Deveria retribuir-te o cumprimento, Mike! ripostou a amazona. No entanto, permite-me que te censure... Foste muito imprudente... Por duas vezes julguei que ias
esmigalhar a cabeça!...
Os cowboys faziam má cara; é que todos tinham ciúmes do feliz mortal que conseguia despertar, daquela forma, o interesse de Helena Mainrod. Um deles, até, com cara
de fuinha, não conseguia dissimular o seu desapontamento.
- Não pensa senão nesse Mike Gilbert, resmungou, inclinando-se para o vizinho, um mocetão de cabelo encarniçado.
O interpelado contentou-se em encolher os
ombros.
- É que sem dúvida se agradou do Mike Gilbert... respondeu-lhe. Além disso, é um rapaz ousado e que prestou muito boas provas... Faziam um lindo par, não acha, Irving
People?... Parece que uma tal perspectiva não agradava lá muito a este último, porque replicou, com uma careta:
- Mike Gilbert não tem cinco réis de seu!... A propriedade dele, a "Barra Z", está crivada de hipotecas!...
- Mas, a culpa não foi dele... Era o pai, Nick Gilbert, que jogava desenfreadamente, principalmente depois da morte da mulher, que lhe causou um desgosto enorme...
Emquanto a Mike, estou convencido de que há de fazer carreira...
Tem coragem, iniciativa... Não lhe dou três anos para êle desempenhar a casa!...
Irving People sorriu, mas com um sorriso amarelo:
- Você é muito optimista!...
- Digo o que penso, e mais nada... Naturalmente Helena é também da mesma opinião!... Tenho a impressão que simpatiza cada vez mais com Gilbert!...
- Mas, Helena é ainda uma criança!... O pai, não deixará de a chamar à ordem!... Se não fosse estar ocupado com o "rodéo" não deixaria, com certeza, de intervir!...
- Que diabo, Irving, parece que você está com ciúmes!...
Este não pôde deixar de estremecer, ao ouvir aquelas palavras do seu interlocutor, Conway Boss, um dos mais ricos criadores de gado de Houston.
-Você, Boss, está a brincar com certeza!
- Não senhor! Falo a sério. Só quem fôr cego é que não vê que você gosta da pequena!... De resto isso não tinha nada de extraordinário: você, Irving, tem belos rendimentos,
de maneira que pode aspirar à mão da filha do Imperador do "rodéo"!
- Deixemo-nos de asneiras, Boss!... Irving People dominava muito mal o despeito
de que se encontrava possuído; não tirava os olhos de cima dos dois jovens, muito entretidos a conversar. O criador de gado ia a prosseguir na conversa com o vizinho,
quando se voltou
de-repente: um riso inextinguível sacudia todos os espectadores.
- Que será?... preguntou Irving.
- Você preocupa-se demasiadamente com Gilbert e Helena, de maneira que nem dá com o que se passa à sua roda!... Olhe: é o inimitável Josué que entra na arena!...
Irving People conseguiu dominar o mau humor que o invadia.
As gargalhadas redobravam, vindas de todos os lados das bancadas. Não tardou que o criador de gado não compreendesse a razão daquela hilariedade geral. Um preto,
completamente vestido de branco, avançava na arena.
Não havia ninguém em Houston que não conhecesse o Josué... Todos lhe perdoavam a côr da pele, devido à graça que tinha.
O palhaço avançava a bambolear-se, à maneira de Charlie Chaplin, e dava de vez em quando um pequeno salto muito cómico, que provocava o riso em toda a assistência;
depois, "bruscamente, com a ponta do sapato munido de polaina branca, aplicava um pontapé na própria nuca, e atirava com o chapéu para o meio da arena.
- Hello! Josué! Wonderful!... O preto sorria, e descobria uma dupla fileira de admiráveis dentes brancos; emquanto a música executava um endiabrado charleston, punha-se
a dançar! O homem parecia feito de borracha.
Do seu lugar, Catamount seguia as acrobacias
do preto, cuja exibição constituía para êle uma completa novidade. Todavia, não compartilhava do entusiasmo transbordante do homemzinho pequeno :
- Então, Você não se ri? preguntou-lhe Stevens.
- Sim, o preto é divertido, limitou-se a comentar o ranger; mas acho descabido um número destes aqui, isto é para um music-hall e não para um "rodéo"!...
- Bem se vê que Você não conhece o Josué! replicou o homem pequeno. Paciência!... Você irá ver!... O preto brinca com um touro furioso absolutamente como se fosse
um carneiro!... Isto é apenas um prelúdio!...
E como o ranger não desse resposta, Stevens insistiu:
- Veja! Josué aproxima-se das "gaiolas"... um dos "papagaios" entrega-lhe agora uma vara larga.
- Para que serve aquela vara tão comprida?...
- Para saltar por cima do touro, quando este avançar sobre êle. É uma sorte muito vulgar no sul da França... Aqui, estamos pouco habituados a vê-la. Josué executa-a
com grande habilidade!... Você vai ver os saltos magníficos que êle dá!... Olhe, aí vem o touro!... Que magnífico bicho!...
Catamount aquiesceu com um grunhido surdo. De-facto, um magnífico ruminante acabava de fazer irrupção na arena; tinha o pêlo negro muito luzidio,
os olhos chispavam fogo, os chifres, compridos e afiados, dirigiam-se ameaçadores para o alto; o touro, a princípio, estacou, e percorreu com um olhar receoso aquela
turba multa que o acolhia com gritos e invectivas.
O sol cegava o animal; durante instantes ficou a uns vinte passos do refúgio de onde acabava de surgir. Por prudência, os cowpunchers e os outros cavaleiros, ainda
há pouco na arena, tinham-se eclipsado.
Josué aproxima-se: ligeiro como um silfo, magnífico na sua casaca branca, executa gestos largos e solta gritinhos estridentes, esforçando-se por excitar o touro.
Não teve que esperar muito; o animal, irritado, precipita-se para o palhaço, de cabeça baixa.
Um frémito percorre a assistência. Josué não se mexera; com as duas mãos agarradas à vara, aguardava o momento propício para formar o salto. O animal aproximava-se
cada vez mais; as mulheres gritavam. Dir-se-ia que, dum momento para o outro, o pobre bobo seria estripado ou esmagado pelo seu perigoso adversário. Mas, nada disso
acontecia!
... Com uma rapidez fulminante, Josué tomou balanço. No próprio momento em que o touro chegava junto dele, executou, com o auxílio da vara, um salto largo, e foi
cair a dois passos à rectaguarda do touro.
O animal deteve-se interdito; o desaparecimento do adversário parecia desconcertá-lo, para
maior gáudio dos espectadores. Josué encetou outra vez uma dança mirabolante, pontuada de contorsões e esgares. Atirava com a vara ao ar, e depois apanhava-a, com
a mesma destreza com que o tambor-mor o bastão.
Por três vezes o touro arremeteu enfurecido pela obstinação e pelos gritos do palhaço; outras tantas este efectuou os seus magníficos saltos. Ia a efectuar o quarto
salto quando de-repente, de todos os lados, partiram gritos de pavor; no momento em que o preto tomava balanço para saltar por cima do touro, a vara partiu-se em
dois pedaços. O preto rolou pelo solo, e foi parar a pouca distância da trincheira, e mesmo por baixo da bancada onde se encontravam Catamount e Stevens.
Então, apavorados, todos os espectadores se ergueram.
Josué parecia irremediavelmente perdido; o animal preparava-se para arremeter. Como o palhaço queria estar só na arena para executar os seus números, ninguém podia
desviar as atenções do animal. Era apenas uma questão de instantes, e o desgraçado iria sucumbir estripado pela fera exasperada. De todos os lados partiam gritos.
Os "papagaios" apareciam já junto das "gaiolas" e precipitavam-se para Josué, mas a distância era grande e a fera não esperava!...
De-repente, rompem aplausos! Era um espectador das bancadas da primeira fila que saltava lestamente a trincheira e avançava para o touro...
III
Popularidade incómoda
Era Catamount quem assim intervinha para salvar o pobre Josué da perigosíssima situação em que se encontrava. Atirara-se para a frente, animado apenas do desejo
de socorrer um semelhante em perigo, sem quaisquer considerações de raça ou situação.
- Desgraçado!... Que vai você fazer?... exclamara Bing Stevens, fora de si.
Catamount nem sequer pensou em responder-lhe. Saltava já a trincheira. No próprio momento em que o touro ia carregar sobre o preto estatelado no meio da arena, avançou
para a fera, de mãos estendidas; antes que o touro pudesse aperceber-se da sua presença, agarrou-o pelos chifres, depois "pegou-o" com toda a arte, esforçando-se
por deter o avanço do animal.
De todos os lados partiam gritos. Ninguém esperava aquela brusca intervenção, mas o ranger pouco ou nada se preocupava com o interesse 33 -
angustiado que despertara entre aqueles milhares de espectadores. Com o rosto contraído, as maxilas cerradas, as veias da testa dilatadas quási que a rebentarem,
afrontava corajosamente o touro, o qual estacara e abandonara o preto e procurava agora libertar-se daquele antagonista imprevisto.
Então, na extremidade da arena desenrolou-se encarniçada luta; o animal procurava desenvencilhar os chifres e atacar o ranger, mas este aguentava-se muito bem; as
suas mãos crispadas dir-se-iam duas garras fincadas no pescoço da fera, que parecia meio sufocada. A três passos daquele ponto, Josué erguia-se apressadamente, e,
sem olhar para trás, saltava precipitadamente a trincheira e corria a refugiar-se em lugar seguro.
Os "papagaios" e mais alguns auxiliares do "rodéo" acompanhados de espectadores benévolos acorriam, mas verificaram que de momento nada podiam fazer. Catamount continuava
a ver se dominava a fera.
Não era a primeira vez que o ranger tinha que afrontar um touro. Noutros tempos, no decurso da sua vida aventurosa, trabalhara em ranchos que pertenciam a equipas
que participavam nos "rodéos". O balldodging, ou arte de lutar com os touros, não tinha segredos para êle. Agora, sem ligar importância aos aplausos e gritos com
que pretendiam animá-lo, retezava os músculos e apertava cada vez mais o pescoço do touro. Com o focinho a escorrer baba, os olhos estoirados, o animal esforçava-se
desesperadamente
por se libertar daquele verdadeiro torquinete que o estrangulava.
Passaram três minutos durante os quais o touro procurou novas maneiras de se libertar do adversário; soltou um gemido surdo e carregou, arrastando com êle o corpo
do ranger, que rastejava na arena, mas não lhe largava o pescoço. Sentia que o animal cedia, a pouco e pouco. Mais um momento e a vitória seria do ranger!
Um silêncio impressionante sucedia agora ao ruído ensurdecedor de há pouco; todos os olhares se concentravam em Catamount, que parecia formar um todo com o animal.
Este número, que não figurava no programa, obtinha um êxito superior ainda ao de todos os outros. Dois dos auxiliares de Everett Mainrod estavam impacientes por
intervir; a voz de Catamount ordenava-lhes:
- Para trás!... Avenho-me muito bem com êle!...
O ranger, cujo rosto estava inundado de suor, podia verificar que a resistência do touro fraquejava; por duas vezes conseguiu arrastá-lo ainda pela arena, mas depois
soltou um berro de impotência, e um tremor agitou-lhe todo o corpo.
Então Catamount resolveu-se a terminar aquêle corps-à-corps. Num último esforço, apertou com quanta força tinha o pescoço do monstro, o qual caíu vencido.
Imediatamente uma tempestade de aplausos
se desencadeou no estádio. Impassível, o ranger abandonava finalmente o animal, o qual, já sem procurar atacá-lo, se levantava pesadamente do solo e fugia para o
meio da arena.
- Magnífico!... Magnífico!...
Everett Mainrod, de mão estendida, acorria apressadamente a felicitar Catamount. Desde o início do combate que não cessara de admirar a coragem e a destreza que
aquele desconhecido manifestava; logo atrás dele uns trinta cowpun-chers se aproximavam, de chapéu na mão e soltando hurrás entusiásticos.
Catamount esboçou um gesto de indiferença. Baixou-se, agarrou no chapéu, e dirigia-se já para o seu lugar junto de Stevens, que de lá lhe fazia gestos entusiastas,
quando sentiu que o agarravam pelo braço:
- Tão de-pressa, não!... Você, também, é excessivamente modesto!... Permita que o organizador do "rodéo" lhe diga quanto...
Catamount interrompeu Everett Mainrod, que acabava de pronunciar aquelas palavras:
- Quere fazer-me um favor?...
- Ora essa, imediatamente, respondeu o pai de Helena um tanto perplexo.
- Pois bem, peço-lhe para que façam de conta que nada se passou!
O Imperador do "rodéo" esboçou um gesto de surpresa:
- Parece-me que você não compreendeu ainda a façanha que acaba de praticar?...
- Socorri um pobre diabo que estava em perigo, e mais nada! retorquiu o ranger. Qualquer outra pessoa teria feito o mesmo; fui eu o primeiro, e eis tudo!
- Sim, mas os outros eram milhares, e ninguém teve coragem para saltar a trincheira, objectou Mainrod, sorridente.
-Suplico-lhe, não insista, replicou Catamount, era até um grande favor que me fazia!...
- Mas, pelo menos diga-nos o seu nome... Gostaria de ficar a conhecer um homem da sua têmpera!.. . Conheço bem os homens, e até hoje não encontrei nenhum que...
- Por amor de Deus!... Não falemos mais nisso!
"O ranger esforçava-se por se escapulir à multidão cada vez mais compacta, que o cercava, e lhe cortava a retirada em direcção às bancadas. Josué, refeito da emoção,
queria também agradecer ao seu salvador. Catamount furtava-se como podia às manifestações do público, que eram cada vez mais vibrantes. As mulheres lançavam flores
sobre êle. Nem Helena Mainrod, nem os centauros haviam disfrutado tão calorosas ovações, depois das magníficas provas que tinham prestado.
Everett Mainrod continuava a insistir para saber o nome do herói, quando, de-repente, de entre a multidão, se ergueu uma voz que bradou:
- Conheço esse homem!... Sou de El Paso!...
É o famoso Catamount, um dos rangers do Major Morley!...
- Catamount!... Mas, não é possível?...
O nome voava agora de boca em boca e as aclamações redobravam. Muitos conheciam, com efeito, a reputação do célebre ranger, cujos feitos não tinham conta; os mais
curiosos punham-se de pé nas bancadas, para verem o ranger, como se êle fosse um animal raro. Daí a pouco os auto-falantes repetiram as palavras seguintes, que o
locutor proferia:
- O corajoso desconhecido que acabam de ver lutar com o touro, é o famoso ranger Catamount !...
E as ovações recrudesciam; em todas as bancadas os stetsons agitavam-se no ar. Reclamava-se a presença do herói, com insistência.
No meio daquela agitação o ranger estava furioso; protestava, mas, em vão; o homem de El Paso, que era um dos delegados do xerife da localidade, mantinha a sua declaração.
- É singular!... exclamava o Imperador do "rodéo", parece que lhe não agrada nada ter sido reconhecido, sr. Catamount.
O ranger não respondeu; mas o seu vizinho não se enganara: ficara furioso por ter sido reconhecido. Encontrava-se em Houston, em missão secreta, e o seu chefe, o
Major Morley, recomendara-lhe, com insistência, que observasse o mais rigoroso incógnito. A pedido do xerife de Houston, muito preocupado com os frequentes assaltos
aos bancos, o Major Morley, comandante dos Texas-Rangers, enviara-lhe o seu melhor auxiliar.
"Para um homem que pretendia passar despercebido, esta não está má", murmurava Catamount de si para si! "Já estou queimado, e mesmo logo após as primeiras horas
da minha chegada a Houston!"
A-pesar-da sua má vontade, o ranger teve que distribuir muitas centenas de apertos de mão; depois os cowboys ergueram-no em triunfo. Por mais que protestasse levaram-no,
assim, à roda da pista, seguidos pur Josué, que não cessava de bradar:
- Catamount!... É o famoso Catamount!... Hurra pelo meu salvador!...
A música associou-se também, e começou a tocar uma marcha triunfal. O tambor-mor conduzia os seus homens, e tomou a dianteira do cortejo, que começava a formar-se...
Levado por aquela maré humana, Catamount de-pressa compreendeu que de nada lhe valeria tentar resistir mais; o cortejo triunfal prosseguia, e os que o levavam aos
ombros pareciam apostados em não o largar, emquanto não houvessem dado a volta completa ao estádio.
- Hurra por Catamount!... Glória ao vencedor !...
Atordoado por estas vibrantes aclamações, e pelo crepitar incessante dos aplausos, o ranger acenava para a multidão e tentava sorrir. Esta manifestação espontânea
desconcertava-o e enfurecia-o.
Ordinariamente os seus triunfos eram mais discretos; só o facto de pensar que a sua presença passaria a ser conhecida de toda a gente, e que se tornaria, durante
o tempo que permanecesse em Houston, o ponto de mira de todos os olhares, lhe fazia perder todas as esperanças sobre o possível êxito da sua missão.
"Que vão para o diabo e mais todas as manifestações!" resmungava êle, emquanto o faziam dar a volta à arena. "Vejo-me obrigado a voltar para El Paso, depois de haver
feito uma figura de urso!... O Major há de chamar-me imbecil, e terá toda a razão..."
No entanto, depois de ter reflectido melhor, o ranger compreendeu que não poderia ter procedido de outra forma. Correra em socorro do pobre preto, levado por uma
força irresistível. Mostrara mais uma vez o seu habitual desprezo do perigo, e o seu constante espírito de sacrifício; infelizmente, desta vez, o seu acto tinha
sido presenciado por toda a gente... por todos aqueles milhares de espectadores...
Por fim, o cortejo deteve-se ao chegar junto das "gaiolas". Catamount pôde finalmente tomar contacto com o solo. Em torno dele, a multidão comprimia-se cada vez
mais. Era um delírio. Os jornalistas disparavam os obturadores dos aparelhos fotográficos, e um operador de cinema exigia-lhe que pronunciasse algumas palavras ao micro.
- Por amor de Deus, sr. Mainrod, suplicava
o ranger, voltando-se para o Imperador do "rodéo", de pé, junto dele, consiga que me deixem
em paz!
É a única coisa que lhe peço!.
-"Venha até ao meu camarote, replicou imediatamente Everett Mainrod. Espero que aí ninguém o irá massar! Tenha paciência!... Acharei maneira de libertá-lo de todos
estes importunos!
Catamount esboçou um gesto de grande enfado; então o pai de Helena retorquiu-lhe:
- Que quere?... É o preço da glória!...
- Você não poderá, decentemente subtrair-se às ovações dessa boa gente, que está absolutamente electrizada pela sua atitude!...
Catamount começava já a desesperar quando, bruscamente, se fêz ouvir a voz sonora do locutor:
- Tratem de evacuar a arena!... As provas do "rodéo" vão prosseguir!...
Mais não foi preciso para levar os admiradores entusiastas do ranger a baterem em retirada; o público retomou precipitadamente os seus lugares ; em menos de cinco
minutos tudo entrou na ordem, e o herói pôde dirigir-se para o camarote de Mainrod.
Mal lá chegou ouviu uma voz de mulher que lhe dizia:
- Os meus parabéns, sr. Catamount! O seu feito foi magnífico!... Já lhe conhecia a reputação, mas tive enorme prazer em conhecê-lo pessoalmente!
O ranger voltou-se; reconhecera imediatamente
a rapariga que acabava de lhe dirigir estas palavras. Era Helena Mainrod. Vestida ainda de cow-girl, estendia-lhe a mão gentilmente.
- Apresento-lhe a minha filha, sr. Catamount!... Este trocou um rápido aperto de mão com a
cavaleira.
- Miss Mainrod não é para mim uma desconhecida... Tive já o prazer, ainda há pouco, de observar que é uma amazona de primeira categoria!...
O olhar da rapariga detinha-se a apreciar o ranger; considerava-lhe o rosto glabro, queimado pelo sol, e o nariz ligeiramente recurvado; mas, sobretudo, o que mais
a impressionava, em Catamount, eram aqueles olhos de aço.
- Em que estado o deixou aquele maldito animal! exclamou ela, e apontava-lhe o fato todo rasgado e coberto de poeira.
- Poderia também apresentar-me a mim?... Era um homem que estava perto de Helena. Everett Mainrod, a quem êle se dirigia, apressou-se a apresentá-lo: Irving People,
meu vizinho e meu amigo!...
- E que espera ainda ser mais alguma coisa! replicou o apresentado, olhando com um sorriso de bom entendedor para Helena.
Dir-se-ia que a filha do Imperador do "rodéo" não ouvira estas palavras; entretinha-se a olhar para um grupo de concorrentes que se encontrava junto das "gaiolas",
e nem sequer desviou a vista. Um sorriso furtivo iluminou-lhe o rosto
ao reconhecer Mike Gilbert ocupado a enrolar o laço e a prendê-lo à sela do cavalo. Este ia de facto tomar parte no próximo número, um roping-contest, ou prova de
laço com cavalos selvagens.
Catamount apertou apressadamente a mão que
Irving People lhe estendia; notou, no entanto, que este olhava insistentemente para Helena. E que uma vez mais surpreendera o extraordinário interesse da filha do
Imperador do "rodéo" por Mike Gilbert. No entanto, para não manifestar o seu despeito, esforçou-se por sorrir e dirigiu algumas palavras de elogio ao ranger.
- Há de desculpar-me, sr. Catamount, declarou então Everett Mainrod; na minha qualidade de organizador tenho que vigiar as últimas provas. Encontrar-nos-emos de
aqui a pouco.
- É que... não sei se poderei demorar-me...
- Não pense nisso!... Conto absolutamente consigo!...
O tom do Imperador do "rodéo" era por tal forma enérgico que o ranger não insistiu. Compreendia que Everett não o deixaria partir; por isso, resignado, sentou-se
à direita de Helena, emquanto Irving People, instalado um pouco mais à rectaguarda, dissimulava com certa dificuldade o desapontamento que nele provocava o interesse
da linda rapariga por Mike Gilbert.
De novo se fizeram ouvir os acordes sonoros da fanfarra: a música começava a tocar a abertura da Cármen; as bancadas ficaram silenciosas
e Catamount notou com alívio que as atenções se desviavam, agora, dele, para se concentrarem no espectáculo.
O ranger estava encantado com esta oportuna diversão; pesava-lhe de mais o papel de herói; contudo não conseguia deixar de pensar na manifestação de que fora alvo.
"Teria sido melhor não haver entrado no estádio, dizia, de si para si, bastante pensativo, "Poderia prever um acidente tão estúpido?... Agora o que hei de fazer?
Telefonar para El Paso e pedir instruções ao Major?"
Catamount compreendia que o projectado inquérito se tornava particularmente delicado, agora que em Houston todos sabiam da sua presença! Não tardaria muito que os
jornais, ainda húmidos da tinta de imprensa, apregoassem a todos a façanha, estampando-lhe o retrato na primeira página, além dos vários instantâneos tirados no
estádio...
" Este caso foi verdadeiramente estúpido!..." continuava o ranger no seu solilóquio. "Nunca me vi obrigado a trabalhar em tão desastradas condições!... A quadrilha,
que eu esperava colher de surpresa, está já ao corrente de todos os meus actos e gestos... Estou a ver que dentro de vinte-e-quatro horas me será impossível continuar
a permanecer em Houston!..."
- Que tem, sr. Catamount?... parece que não está satisfeito!...
Helena notara a atitude preocupada do seu
vizinho, mas o ranger, que não queria deixar adivinhar as suas preocupações de-pressa reagiu:
-Não tenho nada, Miss Mamrod!... Pelo contrário, estou encantado.. •
Catamount sentia uma instintiva simpatia pela rapariga. A simplicidade graciosa e a modéstia do seu porte, o encanto que emanava da sua voz e da sua fisionomia,
tudo isso o conquistara logo ao primeiro momento. Helena prosseguia:
- Vai assistir a notáveis exercícios de laço... Recomendo-lhe especialmente um dos concorrentes, Mike Gilbert; vê aquele rapaz vestido de cowboy, montado num cavalo
baio?...
- Vejo, sim... respondeu Catamount.
O ranger, que observava de soslaio a sua interlocutora, surpreendeu o leve rubor que lhe coloria as faces, quando falava de Mike. Bom fisionomista, Catamount compreendera
que o ousado cavaleiro não era indiferente à filha do imperador do "rodéo". Helena devia formular votos ardentes pela vitória do garboso cattleman.
Os outros concorrentes montavam também a cavalo; depois de todos haverem montado e alinhado, em número de doze, ouviu-se um tiro de pistola. A este sinal abriram-se
simultaneamente as portas das doze "gaiolas", e de cada uma delas saiu um cavalo selvagem.
Começara a prova; cada um dos cavaleiros havia escolhido o animal que pretendia laçar. Iniciou-se uma encarniçada perseguição, sob os olhares vigilantes do juiz
de campo e dos árbitros.
Uns após outros todos os cavalos acabaram por ser laçados.
- Na realidade, o seu favorito distingue-se! observou Catamount... Não cometeu a menor falta e laçou magistralmente o potro que estava a cargo dele!...
Os olhos da rapariga brilharam. Era o melhor cumprimento que o ranger lhe podia dirigir.
- Mike Gilbert é um dos nossos melhores campeões!.-. murmurou a jovem.
O sorriso, que nesse momento se desenhava no rosto de Helena, ter-se-ia por certo desvanecido se ela se houvesse voltado e visse a expressão de ódio feroz que contraía
a cara de fuinha de Irving People. Durante todo o tempo que a prova durara, o cattleman dissimulara, com extrema dificuldade, o vivo despeito que lhe causava a indiferença
que a rapariga lhe manifestava, e a simpatia que não cessava de prodigalizar àquele cavaleiro sem fortuna. Os lábios muito finos de People contorceram-se:
"Paciência! disse de si para si. O último a rir-se é quem melhor se ri!..."
E, furioso, cerrava os punhos, emquanto de todos os lados nutridas aclamações acolhiam a decisão do árbitro pela qual era conferido o primeiro prémio ao seu detestado rival.
O assalto ao National Bank
O "rodéo" de Houston terminara em apoteose; a brilhante manifestação hípica encerrara-se com um impressionante desfile. Agora, já os espectadores abandonavam apressadamente
as bancadas, e se comprimiam junto das portas de saída. Nenhum deles dera por mal empregado o seu dinheiro: o dia fora fértil em incidentes de toda a espécie. Havia
muitos que procuravam descobrir onde se encontrava Catamount, a-fim-de contemplarem mais uma vez o herói, mas, este não esperara pelo fim do espectáculo; desejoso
de se furtar aos seus incómodos admiradores, eclipsara-se discretamente, emquanto Helena conversava com Mike, no camarote de Everett Mainrod.
- O meu pai não vai ficar nada contente em o não encontrar, declarara a rapariga, e ameaçava o ranger com a mão. Você prometeu-lhe que esperava por êle...
- Voltaremos a encontrar-nos daqui a pouco, desejo apenas furtar-me aos aplausos impertinentes da multidão, replicou Catamount, e, acrescentou, é que além disso,
tenho que ir tratar de um assunto pessoal, mas, não me demoro.
- Então, está bem, ficamos entendidos, dou-lhe liberdade, mas apenas provisória, não se esqueça!... Dentro de uma hora contamos consigo no escritório do estádio,
está bem?...
- Entendido!...
O ranger escapuliu-se rapidamente pela escada que ia dar às galerias, que cercavam o estádio. Queria furtar-se, tanto quanto possível, aos seus admiradores, que
se lhe tornavam cada vez mais enfadonhos; como houvesse descoberto um cantinho deserto, puxou por um cigarro e pôs-se a fumar; nisto descobriu um vulto, à sua esquerda.
- Ah! não o reconhecia agora, sr. People, murmurou o ranger, que acabara de descobrir junto dêle o cattleman despeitado. Também não esperou pelo fim?...
- É que para mim isto já não oferece novidade!. .. Os "rodéos" são todos iguais... Além disso tinha empenho em falar consigo...
Catamount esforçou-se por sorrir, para dissimular a contrariedade que sentia. Precisava de falar com o xerife e de telefonar ao seu chefe, para El Paso; no entanto
não via forma de se descartar de Irving People de uma maneira decente. Além disso, o cattleman tomara-lhe o braço e seguia agora ao lado dêle:
-Estou satisfeitíssimo por ter tido a oportunidade de travar hoje relações consigo sr Catamount!. .. Precisava de me abrir com alguém... Espero que esteja disposto
a aturar-me...
-Lastimo muito ter que lho dizer, mas estou com pressa... respondeu o ranger.
- Por maior que seja a pressa com que está, com certeza que poderá dispor de cinco minutos, para conversarmos, pelo menos emquanto vamos andando... Depois disso
prometo-lhe não o importunar mais!..,
- Está bem, concedo-lhe os cinco minutos!... replicou Catamount resignado.
Os dois homens chegavam agora à porta principal; dentro em pouco encontravam-se fora do estádio. Então, sem largar o braço do ranger, Irving People insinuou:
- Não observou nada de particular quando há pouco nos encontrávamos no camarote?...
- Não compreendo o sentido da sua pregunta, replicou o ranger.
- Não notou a solicitude de Mike Gilbert junto de Miss Mainrod?...
- Sim! mas isso é tudo quanto há de mais natural. Miss Mainrod é uma rapariga encantadora e uma amazona exímia!... Mike Gilbert não foi o único a aclamá-la com entusiasmo
quando ela há pouco ganhou o primeiro prémio na prova de cowgirls!...
- Oiça, sr. Catamount, sei que está habituado a tratar de assuntos particularmente delicados.
A sua presença em Houston faz-me pensar em qualquer missão difícil, talvez um inquérito?... Catamount franzira o sobrolho; a indiscreção do seu interlocutor irritava-o, mas Irving People previu a tempo a resposta que iria receber:
- Bem sei, sr. Catamount, que me vai chamar indiscreto, mas, que quere? Assim que o vi, pensei logo: "Há certas coisas que não poderei deixar de lhe confiar..."
Não ignora, por certo, que nesta região se têm dado, ultimamente, imensos; assaltos à mão armada A audácia dos bandidos é perfeitamente desconcertante, têm pilhado
bancos, apoderam-se de somas consideráveis...
- De-facto,ouvi falar em tudo isso...
O ranger sentia-se cada vez mais perplexo. Desde o princípio da conversa, o seu interlocutor parecia ter adivinhado a natureza exacta da missão que lhe fora confiada
pelo Major Morley. Catamount continuava, no entanto, a afectar uma grande indiferença; junto dele, Irving People procurava insinuar-se cada vez mais no seu espírito:
- Pois bem! Estou convencido que Mike Gilbert lhe poderá fornecer pormenores importantes sobre esses assaltos!...
- Repare que formula acusações de extrema gravidade?...
- Bem sei... Mas, emfim, é preciso que se faça luz sobre tais casos; esse malandrim não poderá continuar a fazer pouco de todos!...
- Essas informações devia tê-las prestado, não a mim, mas ao xerife de Houston, objectou
Só êle poderá verificar o fundamento das suas acusações contra Mike Gilbert... No entanto, estou convencido de que possue provas irrefutáveis da culpabilidade do
seu feliz rival, para assim falar?...
- Infelizmente... provas não tenho nenhumas! replicou Irving People, enraivecido. Se as tivesse, há muito que o miserável estaria desmascarado. .. No entanto existem
certos factos, os quais, devidamente correlacionados, nos levam a conclusões perturbantes...
- Lembre-se de que simples suspeitas não fazem prova, observou-lhe o ranger. Admiro-me que viesse abordar um assunto tão escabroso junto de uma pessoa a quem fala
hoje pela primeira vez!... Nada tenho com esse assunto, repito-lhe. Se alguma coisa tem a declarar dirija-se ao
xerife.
- Sei que se tem ocupado de missões particularmente espinhosas... O xerife nunca quis acreditar no que lhe dizia. No entanto os factos estão bem patentes... O pai
de Mike morreu completamente arruinado... As propriedades estão todas hipotecadas... E, caso muitíssimo extraordinário, Mike tem comprado nos últimos tempos centenas
de cabeças do melhor gado nos principais mercados do Texas... Ora, onde é que consegue todo esse dinheiro?...
- É que naturalmente encontrou alguém que lho emprestasse...
- Deixe-me rir!... Nestes tempos de crise
não há quem empreste um cêntimo a Mike Gilbert!... Todos sabem que tão de-pressa não seriam reembolsados!... Acredite-me, o dinheiro que êle desbarata vem da pilhagem
dos bancos... Além disso a insistência com que persegue Miss Mainrod, leva-me a pensar que premedita qualquer golpe contra o Imperador do "rodéo", o qual, conforme
não desconhece, é imensamente rico!...
- Oiça, sr. People, tudo isso é muito interessante, mas não passa de simples hipótese... Além disso, os cinco minutos que lhe concedera, já lá vão há muito. Tenho
muita pena, mas não posso demorar-me mais tempo junto de si!...
- Preciso, no entanto de tornar a falar-lhe... Espero poder apresentar-lhe provas flagrantes...
- Dirija-se ao xerife, que eu não tenho nada com isso. Nem mesmo sei se amanhã me encontrarei ainda em Houston... Adeus, sr. People!...
O tom sacudido do ranger convenceu Irving de que era inútil insistir mais tempo. Estendeu-lhe a mão, mas Catamount fêz de conta que não notou o gesto; a passo rápido
dirigiu-se à casa do xerife, que ficava junto do jardim público, e que se avistava a pequena distância... Irving, completamente desapontado, seguiu o ranger com
o olhar...
- Por que diabo me falou êle assim ?... preguntava Catamount de si para si, à medida que se afastava. Teria, por acaso, adivinhado as razões que me trouxeram a Houston?...
Decididamente,
desta vez tudo se complica... Pelo menos os princípios não podiam ser piores!... Já toda a gente sabe que me encontro aqui, menos o xerife... E era a êle a quem
eu carecia de falar em primeiro lugar!...
Por mais que tentasse não conseguia esquecera impressão desagradável que Irving People lhe provocara. Por fim encolheu os ombros e sorriu-se:
"O homem está apaixonado pela filha do Imperador do "rodéo", comentava o ranger, de si para si. Como a linda Helena faz olhos meigos a Mike Gilbert, procura por
todos os meios afastar um rival que, à primeira vista, pelo menos, me pareceu muito mais simpático!... Mas, pregunto a mim mesmo, que motivo o teria levado, a falar-me
no caso do assalto aos bancos?..."
O ranger, que chegara junto da casa do xerife, de-pressa deixou de pensar nas insinuações de Irving. À porta do xerife estacionavam alguns automóveis e bastantes
motocicletas. À primeira vista aquele cenário dava a impressão de uma actividade febril; havia polícias que entravam e que saíam, com ar preocupado e apressado;
ninguém prestava a menor atenção a Catamount, o qual seguia agora ao longo do corredor em cujas paredes se viam afixados editais e outros avisos legais de toda a
espécie.
Encontrou finalmente um guarda, que estacionava na extremidade do corredor; o ranger avançou para êle e preguntou-lhe:
- Desejava falar ao xerife Nick Wedder!...
- O xerife hoje não tem tempo a perder..
- Desculpe!... Mas é que eu tenho grande urgência em lhe falar... venho da parte do Major Morley comandante dos Texas-Rangers de El Paso... e à medida que pronunciava
estas palavras, Catamount abriu um pouco o colete e mostrou a insígnia das suas funções. Este simples gesto actuou sobre o polícia como uma varinha mágica.
- Ah!... Então o caso muda de figura!... E dirigiu-se a uma porta que ficava à direita preparando-se para introduzir o ranger no gabinete do xerife.
- Quem está aí?... Já disse que agora não posso receber ninguém! vociferou o xerife.
Catamount notou alguns homens agrupados à roda duma secretária. O xerife preparava-se para telefonar.
- Desejo falar ao xerife!...
- Sou eu! respondeu o homem que estava ao telefone. Mas não vê que vou telefonar?... Quem lhe deu licença para entrar?...
- Sou Catamount, dos Texas-Rangers! Esta simples declaração produziu o efeito dum raio que houvesse caído sobre o xerife e os homens que o rodeavam.
- Seguimos para lá imediatamente, respondeu o xerife à pessoa que lhe falava do outro lado do fio. Depois colocou o receptor no descanso antes que Catamount falasse,
disse-lhe:
- Chegou mesmo a-propósito!... Vai prestar-nos um excelente serviço!...
Como o ranger manifestasse uma certa admiração, Nick Wedder apressou-se em pô-lo ao corrente.
- É que acaba de se passar uma ocorrência horrível. Aproveitando-se do facto das ruas se encontrarem desertas, vIsto que quási toda a população da cidade assistia
ao "rodeo" os bandidos assaltaram e roubaram a sucursal do National Bank... Há três vítimas... Os bandidos iam munidos de pistola metralhadora... Mas agora não é
o momento de falar!... Temos todos de seguir para lá!...
Catamount tornara-se subitamente muito pálido. Esta notícia sensacional de-pressa lhe fizera esquecer os incidentes que acabavam de se desenrolar no estádio, e a
indecisão em que se debatia, sobre qual deveria ser a sua atitude. No meio de uma confusão indescritível, todos abandonavam o gabinete, seguidos pelo xerife. Saltaram
para três Ford que os esperavam junto do passeio, e largaram a toda a velocidade até à sucursal do National Bank.
Catamount instalara-se junto do xerife. Nick Wedder manifestava uma agitação profunda, e não cessava de manifestar a sua indignação contra os misteriosos bandidos
que infestavam aquela região.
- É inacreditável!. .. Aproveitaram muito bem o tempo... Emquanto a polícia estava toda no estádio, e não chegava para assegurar o serviço de ordem!... Há também
outra coisa que
não percebo. A razão por que o National Bank estava aberto?...
- Mas, ó xerife, lembre-se que hoje é quinta-feira, e não domingo! observou o ranger. Além disso, a afluência de visitantes, por ocasião de "rodéo", podia permitir
que muitos clientes dos arredores aproveitassem a oportunidade de efectuar os seus depósitos na sucursal do grande estabelecimento de crédito!...
- Isso, é uma coisa que depois veremos!... Aproximamo-nos... Seja como fôr, o que é certo é que você nos foi enviado pela Providência!...
Não podia chegar mais a-propósito!...
Era a primeira vez que Nick Wedder se encontrava em presença de Catamount, mas já de longa data conhecia a reputação do célebre ranger; sabia que aquele homem de
olhos claros não recuava diante dos maiores perigos e que zombava das dificuldades por forma que chegava a parecer sobrenatural. O xerife estava agora mais calmo;
de princípio perdera a cabeça, mas começava a convencer-se de que os bandidos não dei xariam de ser castigados.
Os dois homens cessaram de discutir: o Ford acabava de parar em frente da sucursal do National Bank. Assim que pôs o pé no passeio, Catamount logo viu que qualquer
coisa de anormal se passara. Curiosos acorriam e estacionavam cada vez em maior número, em frente do edifício e era com dificuldade que o cordão de polícia conseguia
contê-los.
-Ainda bem que chegaram, Xerife!... Foi horrível!...
Quem assim se exprimia era um homemzinho vestido com um fato cinzento, que aparecera a recebê-los à porta do banco; trazia um braço ao peito. Chama-se Warren Beresford,
era o director da sucursal do banco.
- Então como foi isso? atreveu-se a preguntar Nick Wedder. O senhor dispunha de bastante pessoal e os acontecimentos recentes, a que foi dada a maior .publicidade,
deviam tê-lo levado a tomar pelo menos as mais elementares precauções !...
- Estávamos preparados, isso é um facto, respondeu o director da sucursal do banco, mas os bandidos manobraram com uma perícia diabólica... Três dos meus colaboradores
pagaram com a vida a defesa dos interesses do banco; foram eles Marson, o caixa, e Powel e Carp, dois empregados já antigos... Olhe para o estado em que ficaram
as paredes!... Estão literalmente crivadas de balas!...
Catamount e os outros homens puderam observar, com efeito, que a fachada do National Bank se encontrava num estado lastimoso; as janelas pareciam crivos, e os estores
pendiam todos rotos. Um cheiro asfixiante notava-se logo à entrada.
- Isto cheira a éter!... resmungou Catamount.
Warren Beresford considerava, com admiração, aquele desconhecido, que vestia como um cowpuncher, e discutia com o xerife em tom de igualdade; o rosto do director da sucursal do banco iluminou-se quando Nick Wedder anunciou
- Apresento-lhe o ranger Catamount, que acaba de nos chegar de El Paso!...
Este, a primeira pregunta que fêz ao director do banco, foi se haviam mexido em qualquer coisa depois da retirada dos bandidos.
- Absolutamente em nada... Excepção feita dos nossos três infelizes empregados, aos quais tentámos, em vão, prestar socorro... Temos também mais dois empregados
em estado grave. À medida que ia falando, Warren Beresford ia introduzindo os polícias no banco. Na atmosfera pairava um cheiro intenso a éter. O ranger olhava para
todos os lados; o aspecto do salão era horrível; junto das escrevaninhas havia folhas de papel espalhadas pelo chão; as cadeiras e as escrevaninhas estavam viradas
de pernas ao ar; perto do postigo da caixa uma poça de sangue indicava o local onde o pobre Marson fora abatido; um pouco mais longe jazia no chão a Remington da
dactilógrafa. Todas as gavetas haviam sido abertas e revistadas; dois cofres, escancarados e esvaziados do conteúdo.
As vítimas jaziam a um dos cantos, estendidas em cima de bancos; um médico, chamado a toda a pressa, verificara os três óbitos e ocupava-se em ligar a perna à secretária-dactilógra
fa, a qual lhe fora atravessada por uma bala; o guarda-livros estava encostado à parede e tinha a cabeça
envolta em ligaduras; três outros empregados Todos indemnes, imobilizados pelo terror, como se houvessem despertado de um horroroso pesadelo.
- Antes que possamos iniciar o nosso inquérito declarou o xerife, precisamos de conhecer, com a maior exactidão possível, a forma como se desenrolou o assalto!...
Warren Beresford, a quem a emoção e a fadiga haviam obrigado a sentar-se, não esperou mais para expor o caso em todos os pormenores.
Era um pouco menos de quatro horas da tarde, o banco estava deserto. Nem um único cliente, e ninguém mais, à excepção dos dez empregados. De manhã houvera muitos
depósitos e por isso se procedia activamente aos numerosos lançamentos. Todos trabalhavam, à excepção do groom, que fitava, cheio de melancolia, os letreiros que
anunciavam o "rodéo", a que não podia assistir. O pobre rapaz, todos os seus sonhos eram ser cowboy. Fora o primeiro a notar dois automóveis que pararam, quási sem
fazer ruído, junto do passeio. Imediatamente todos os empregados do banco olharam surpreendidos para a porta, pois era muito extraordinário ver chegar clientes àquela
hora, quando o "rodéo" estava no auge.
Warren Beresford e os empregados não tiveram tempo de formular o mais leve comentário. Sentiu-se um crepitar sinistro, e os vidros das portas e janelas foram pelos
ares. Uma saraivada de balas, dirigida sobre o balcão, atingia mortalmente
o caixa e mais dois empregados. Apressadamente, o director e os outros empregados atiraram-se ao chão, e puxaram pelos revólveres de que estavam armados, dispostos
a responder a ataque, quando uma nuvem de fumo opaco invadiu o salão; no ambiente espalhou-se um cheiro intenso a éter. Os vapores deletérios impediram-os de reagir;
pouco depois, homens armados de máscaras anti-gás avançaram sobre eles; entretanto o pessoal do banco, que ainda estava vivo perdia os sentidos. Então, os assaltantes
levara tudo o que quiseram e puderam.
- Vejam, concluía Warren Beresford, e mostrava as gavetas vazias, os cofres arrombados Fizeram um lindo trabalho!...
Catamount e os companheiros escutaram, sem uma interrupção, o relato do director do National Bank; quando este último terminou, o ranger não pôde deixar de objectar:
- O que me admira é que ninguém tenha ouvido o crepitar da metralhadora!... Em menos de dois minutos, os transeuntes poderiam correr em socorro dos senhores!...
- É que os bandidos souberam escolher a ocasião. O bairro estava deserto; apenas uma longa fila de automóveis se alinhava do outro lado da rua. Todos os habitantes
assistiam ao "rodéo"!... O aspecto da rua já tinha mudado porém: uma multidão cada vez mais densa apreciava, agora, os prejuízos causados pelos assaltantes. Alguns
comentavam animadamente o drama
que acabara de se desenrolar, e a polícia tinha grande trabalho em manter um simulacro de ordem e em assegurar a passagem livre.
-Devem ser os mesmos!... comentou o xerife dirigindo-se a Catamount. Atacam sempre com Pistola metralhadora e servem-se de vapores deletérios, o que torna impossível
toda e qualquer resistência da parte das vítimas!...
Catamount ia pedir mais explicações quando se ouviu, lá fora, uma voz forte que dominava os rumores da multidão.
- Deixem-me passar!... Preciso de falar com a maior urgência ao xerife e ao director do banco!...
V
A indignação de Everett Mainrod
Catamount ergueu a cabeça e olhou na direcção da porta. Reconhecia aquela voz; avistou, de-facto, Everett Mainrod, que irrompia pela sala dentro, não sem sacudir
violentamente dois polícias que pretendiam opor-se-lhe à entrada.
- Então que história é essa, sr. Beresford?; acabam de me informar que o banco foi assaltado e roubado!...
O Imperador do "rodéo" não prestava a mínima atenção ao ranger, ao xerife, e ao pessoal auxiliar deste último; dir-se-ia que só o director da sucursal do banco o
interessava; foi direito a Warren Beresford, que se deixara cair numa poltrona. O infeliz director bancário esboçou um gesto vago, mas Everett Mainrod agarrou-o
por um dos punhos e sacudiu-o com violência:
- Vamos, responda-me, que, foi então que se
passou?... Creio que o susto o não fêz perder a fala?...
Warren Beresford limitou-se a estender o braço e a apontar ao recém-chegado o estado de devastação em que a sala se encontrava. O Imperador do "rodéo" considerou
durante algum tempo, com certa comoção, os cadáveres estendidos sobre os bancos, e os cofres esvaziados; depois, voltou-se para Beresford, e disse-lhe:
- E os vinte mil dólares que esta manhã lhe confiei para a minha conta de depósito, antes de partir para o estádio? ... Que foi feito deles?...
- Ficaram cuidadosamente guardados no cofre nº 3, sr. Mainrod, replicou-lhe Beresford, com voz velada. Veja o estado em que os malditos deixaram esse cofre!...
O Imperador do "rodéo" saltou rapidamente o balcão e dirigiu-se ao cofre a que o director se referira; pôde certificar-se que os bandidos o haviam esvaziado de todo
o conteúdo: as notas de banco e as moedas de ouro que lá se encontravam, tudo havia desaparecido; via-se ainda, junto do cofre, o maçarico oxídrico que os criminosos
tinham utilizado para o abrirem... Os outros cofres encontravam-se igualmente arrombados.
- Com mil raios!... Isto não pode ficar assim!... resmungou Everett Mainrod. Vou queixar-me ao Conselho de Administração do banco!... Vinte mil dólares, não é brincadeira
nenhuma!...
- Oiça, sr. Mainrod, de nada servem as suas; recriminações... Os bandidos agora já estão longe, com certeza!... Souberam aproveitar-se das circunstâncias; mas, tranquilize-se,
avisarei sem demora todos os outros xerifes e estou certo que não tardarão a ser apanhados...
Quem assim falava era Nick Wedder, o xerife; mas, as palavras do agente da autoridade, em vez de acalmarem mais exasperavam ainda o Imperador do "rodéo". Este encolheu
ironicamente os ombros:
- Começo a arrepender-me de ter votado em si nas últimas eleições, sabe Wedder?... Não tem revelado grande sagacidade no exercício das suas funções!... Quantos crimes
imunes, desde que você foi empossado!... Creio que os assaltos precedentes deveriam tê-lo posto de sobreaviso!
- Bem sabe que o efectivo de que dispunha, no dia do "rodéo", era mais do que insuficiente, sr. Mainrod! protestou o xerife. O senhor mesmo me exigiu trezentos polícias
para assegurarem o serviço de ordem no estádio... Ora, em Houston não dispomos de mais do que quarenta polícias, como muito bem deve saber...
- Era pedi-los aos outros distritos!...
- Foi o que fiz, mas, a-pesar-disso, não pudemos satisfazer as suas exigências... Mesmo assim o serviço de segurança dentro da cidade teve de ser muitíssimo deficiente,
durante todo o tempo que a festa durou!...
-Já vê que, quando se organiza um "rodéo"", é indispensável apresentar uma coisa em condições!... Temos que sustentar a nossa reputação... Dallas, Abilene, El Paso,
San António rivalizam connosco... Precisávamos de demonstrar a todas essas cidades que Houston era capaz de as ultrapassar!...
- Sim, mas nessas condições não vejo motivo para se queixar do deficiente serviço de ordem na cidade, durante as festas! Já vê que a polícia não tem o dom da ubiquidade!
Estas razões não conseguiam acalmar a indignação do pai de Helena:
- No entanto Wedder, você, na qualidade de xerife, tinha obrigação de estar prevenido para toda e qualquer eventualidade... A sua negligência é flagrante!... Resultado:
os salteadores de bancos levaram a efeito mais uma das suas ignóbeis façanhas, e eu fiquei sem os meus vinte mil dólares!...
- Não vale a pena berrar tanto, sr. Mainrod! protestou por seu turno Warren Beresford. Quem foi roubado não foi o senhor mas sim o National Bank... O senhor depositou
na nossa sucursal de Houston, esta manhã, vinte mil dólares em notas, isso é um facto, e rigorosamente exacto; fui eu próprio quem lhe passou recibo pela importância.
Nessas condições não perderá nem um cêntimo... O National Bank é responsável pelos fundos confiados à sua guarda... Se alguém tinha o direito de protestar era eu
e não o senhor.
Naturalmente, após este caso, perco o meu lugar, e isso sem a mínima responsabilidade... Demais a mais sou casado e tenho três filhos...
Parece que estes argumentos acalmaram o Imperador do "rodéo"; no entanto daí a pouco voltava a manifestar a sua indignação:
- E lembrar-me eu que os bandidos continuarão à solta e em condições de repetirem as suas façanhas!...
- Permita-me que lhe diga, sr. Mainrod, interveio o xerife, que desta vez os bandidos não levarão a melhor... Disponho de vários trunfos e sei como os hei de jogar!...
Nick Wedder estendeu o braço e apontou para o ranger:
- Catamount, que nos foi enviado pelo Major Morley, vai certamente ocupar-se do caso e não tardará em deitar a mão aos criminosos. Tem resolvido já casos muito mais
intrincados e difíceis ...
- Ah! então foi esse o motivo que o trouxe a Houston, sr. Catamount, e eu a julgar que viera apenas para assistir ao "rodéo"! Tão indignado estava que nem havia
pensado em si. Agora concordo com Wedder... Se vai entrar em acção, não demorará muito que os bandidos não sejam capturados...
E o Imperador do "rodéo" apertava a mão do ranger com tanta força que quási a esmagava. Catamount de-pressa se escapou àquele cumprimento excessivamente efusivo,
e observou:
- Todas estas discussões, que parece quererem enternizar-se, não servem senão para nos fazer perder tempo!.... Vamos mas é quanto antes reconstituir, o melhor possível,
o ataque ao banco, e, se ainda fôr praticável, tirar as impressões digitais dos cofres, e das gavetas... Vou proceder imediatamente ao interrogatório dos
empregados....
- Não receia que com o tempo que vai perder nesses interrogatórios os bandidos vão afastar-se do local do crime por forma a ser difícil agarrá-los? preguntou Everett
Mainrod
ao ranger.
- Não sou da sua opinião, replicou Catamount ; em primeiro lugar, quem nos garante que os criminosos abandonaram Houston? Muitas vezes os criminosos se refugiam
no local do crime, e quantas nas barbas da própria autoridade? Além disso o xerife vai telefonar a todos os colegas e com as estradas e caminhos guardados será difícil
conseguirem escapar-se. O sr. Mainrod esquece-se de que antes de vir para aqui procedi a estudos minuciosos sobre a técnica criminal destes bandidos. E digo destes
porque são certamente os mesmos. A táctica é sempre igual: ataque à pistola metralhadora, vapores deletérios para inutilizar a resistência das vítimas... No entanto
há uma particularidade que sobretudo atraiu a minha atenção...
- Qual foi ela?...
- É que até agora os bandidos nunca intentaram
atravessar a fronteira, para procurarem no México a segurança completa. Têm operado sempre no Estado do Texas... Ora veja: Columbus-Richmont, Brenhatn, Cleveland...
A observação do ranger causou grande sensação em todos os circunstantes; posto isto prosseguiu:
- Não acham o caso bastante extraordinário?... As quatro cidades que acabo de lhes citar ficam todas muito próximas de Houston. Após cada uma das agressões, os automóveis
dos ladrões, que não trazem número, não foram nunca encontrados em qualquer das estradas que vão para Oalveston e para a costa, nem em nenhuma das que conduzem ao
interior do Estado. No entanto os jornais dizem que imediatamente a seguir aos vários atentados todas as estradas foram batidas com o maior rigor. O próprio Major
Morley me confirmou este facto...
- Sendo assim, quais foram as suas deduções?. .. atreveu-se a preguntar Mainrod.
- Simplesmente que o bando se acoita na região...
O xerife procurou rebater as conclusões do ranger:
- A sua insinuação não tem base, sr. Catamount!... Se o refúgio deles estivesse no meu distrito já há muito que os teria descoberto ...
- Wedder tem razão, interveio o Imperador do "rodéo", sem deixar ao xerife oportunidade
de concluir a frase... O distrito de Houston não
é assim tão grande...
- Isso é um facto, mas nada prova; quem sabe se os salteadores de bancos não disporão de elementos de acção muito mais poderosos do que aqueles que lhes imaginamos.?!...
- A que meios quere referir-se?... insistiu Everett, muito intrigado com as palavras do ranger.
Catamount esboçou um gesto vago:
- Não lho posso dizer bem claramente... Por certo, sr. Mainrod, não ignora que vivemos num tempo em que políticos tarados não hesitam em concluir alianças secretas
com os piores bandidos... Por meio de ameaças, chantagens, e também de grossas "luvas", os criminosos mais procurados pela polícia conseguem encontrar, quer entre
os próprios que os perseguem, quer entre a multidão de altos funcionários e de políticos, alguém que os proteja e se torne aliado deles mediante certas vantagens
palpáveis que lhe não fazem perder a popularidade e não lhe comprometem a honorabilidade...
- Parece-me que o seu raciocínio é excessivamente arrojado, sr. Catamount, observou Nick Wedder. Por acaso essa alusão aplicar-se-á...
- Descanse, xerife, que o caso não se entende consigo!... apressou-se a declarar o ranger. Quis apenas lembrar-lhes a causa do frequente inêxito dos agentes da autoridade,
de que o senhor é um dos elementos mais qualificados... Mas, cá estamos nós outra vez a perder tempo...
Deteve com um gesto o Imperador do "rodéo", que pretendia apresentar novas objecções ao seu ponto de vista:
- O seu lugar não é aqui, sr. Mainrod; após as tranquilizadoras declarações que o sr. Warren Beresford acaba de lhe fazer pode dormir descansado que não perde os
seus vinte mil dólares...
A exasperação que o Imperador do "rodéo" manifestava ao dar entrada no banco encontrava-se agora completamente apaziguada; Nick Wedder dirigia ao ranger um olhar
de reconhecimento, por este ter sabido encontrar meio de afastar dali aquele importuno.
- Vou deixá-lo, sr. Catamount, mas antes disso queria pedir-lhe um favor, disse Everett Mainrod...
- Às suas ordens!...
- Naturalmente este caso irá obrigá-lo a demorar-se em Houston mais tempo do que contava. .. Peço-lhe o favor de aceitar ser meu hóspede durante esse tempo! Não
só terei o prazer de o ficar a conhecer melhor, como poderei pôr à sua disposição todos os meios necessários para lhe facilitarem a sua missão: os meus automóveis,
os meus cavalos, todo o meu pessoal, se assim o quiser, ficarão à sua disposição!...
O ranger não respondeu logo. Parecia embaraçado perante tanta generosidade.
- Não sei bem se deva aceitar, sr. Mainrod. O seu rancho não fica precisamente em Houston,
e o inquérito que vou iniciar exigirá a minha presença quási constante na cidade...
- Mas, o meu rancho, a "Estrela Dourada", dista apenas cinco milhas de Houston, e com o meu Ford o trajecto não demora mais do que cinco minutos... Além disso disponho
de um telefone, o que lhe permitirá estar em relações constantes com o xerife... Poderá entrar e sair quando quiser... A minha casa fica à sua inteira e completa
disposição...
Everett Mainrod insistia. O ranger não parecia ainda bem convencido, então Mainrod aproximou-se dele e disse-lhe quási ao ouvido:
- A minha filha Helena ficaria tão contente se aceitasse o meu convite!...
Este último argumento não pôde deixar de convencer Catamount:
- Está bem, seja, aceito!... Mas, não conte comigo no seu rancho senão lá para a noite... Tenho ainda muita coisa a tratar com o xerife!... Além disso, é possível
que Nick Wedder receba qualquer telefonema a avisá-lo de que os dois automóveis com os bandidos foram assinalados a muitas milhas de Houston... Lembre-se de que
estamos em pé de guerra!...
- É naturalíssimo... mas fica entendido que a menos que recebamos contra-ordens pelo telefone esperá-lo-emos esta noite.
- Allright!
- Quere que lhe mande o meu Ford?...
- É inútil, trouxe comigo o meu cavalo, o
meu fiel King... Êle me levará até ao seu rancho... Que quere, continuo preso a hábitos vélhos!... Prefiro o cavalo à motocicleta e até mesmo ao democrático automóvel!...
Gostos ; não se discutem, não é assim?...
- Helena vai ficar contentíssima!... Então, até logo!... Contamos absolutamente consigo!... Deve ter coisas interessantíssimas para nos dizer!...
- Não pense nisso!... Arriscar-se-ia a um desapontamento, replicou sorridente o ranger. Esquece-se de que não sou nada comunicativo !...
Everett, depois de trocar rápidos apertos de mão com Catamount, Wedder e Beresford, saiu do banco e desapareceu por entre a multidão de curiosos que estacionavam
à porta.
- Deixe-me felicitá-lo, declarou então o xerife, o senhor conseguiu domar a fera!... São terríveis as cóleras do Imperador do "rodéo". Eu e o sr. Beresford teríamos
passado um mau quarto de hora se não tem sido a sua intervenção...
- Por amor de Deus, xerife, falemos de outro assunto!... Sobretudo, basta de divagações, mãos à obra quanto antes, que esta investigação não é brincadeira nenhuma!...
A-pesar-do caso ser difícil não desespero de chegar rapidamente a uma conclusão, desde que não percamos tempo!...
Era tal o tom de convicção do ranger que tanto o director da sucursal do banco como o xerife ficaram profundamente impressionados.
- Então temn alguma pista? preguntou o director da sucursal do banco.
- Nenhuma!... O problema permanece sem solução, por emquanto... mas, tenho grande vontade em o resolver, e aposto que o resolverei, ou eu não me chame Catamount
Durante as horas que se seguiram e até ao pôr do sol, o xerife e os seus auxiliares procederam a diligências na sede do banco. O médico legista viera examinar os
cadáveres das vítimas; uma verdadeira nuvem de jornalistas invadia a sede da sucursal do banco; de vez em quando os relâmpagos de magnésio obrigavam os circunstantes
a pestanejar. Na atmosfera havia ainda um pesado cheiro a éter. Com ânsia febril, e sem sequer se lembrar do ferimento que sofrera, Beresford, o director da sucursal
do National Bank, procedia ao inventário dos valores roubados. O caso era sério, e o roubo bastante mais avultado do que a princípio se supusera. Mais de duzentos
mil dólares haviam desaparecido das caixas e cofres do banco.
- Deve ter sido o roubo mais importante cometido por estes miseráveis, declarava Warren Beresford ao inspector do National Bank, enviado a toda a pressa da sede
logo que ali houvera conhecimento do assalto.
Fora em vão que Catamount pretendera obter quaisquer esclarecimentos sobre os dois veículos que conduziam os bandidos. Ninguém sabia de nada. A cidade em peso se
deslocara até ao estádio,
nesse dia milhares de automóveis haviam entrado e saído de Houston.
Nessa mesma tarde Nick Wedder recebeu; inúmeros telefonemas dos xerifes dos distritos circunvizinhos e nenhum deles dera fé dos tais automóveis, nem dos seus passageiros.
Todos os automóveis haviam sido revistados à saída da cidade e muitos passageiros interrogados, mas todos eram estranhos ao roubo. Em Oalveston tinham mesmo montado
um serviço de rigorosa vigilância junto do porto, mas também esta vigilância resultara inútil.
Às oito horas da noite Nick Wedder começara a desesperar.
- Nada, nem o mais ténue fio da meada!... Decididamente estou em crer que estes bandidos mais uma vez se nos vão escapar!...
- Paciência! disse então Catamount, que ainda nem um momento perdera a calma. Lembre-se que mal principiámos!... Devemos ter muito trabalho mas estou certo de que
havemos de descobrir os tais bandidos fantasmas!...
O ranger exprimia-se com tamanha segurança que o xerife quási que ganhava ânimo. Quando Catamount ia a despedir-se dele, agarrou-o pelo braço:
- Então não se há de ir assim embora sem mais nem menos; vamos daí até ao "Camaleão tomar qualquer coisa!...
VI
Josué volta à cena
O ranger aceitou com aprazimento o convite do xerife; daí a dez minutos os dois homens penetravam num bar situado numa das ruas principais de Houston. Começava a
fazer-se a noite; dentro do estabelecimento era enorme a afluência de gente que se comprimia nos salões profusamente iluminados.
Não havia uma única mesa vazia; alguns dos circunstantes reconheceram logo Catamount; todos queriam ceder-lhe o lugar e felicitavam-o calorosamente pela proeza praticada
no estádio. Delicadamente o ranger agradecia e declinava os convites que lhe eram feitos. Arrependia-se já de se ter ido meter no bar. Todos olhavam para êle, todos
o apontavam; tal popularidade em vez de o lisongear só o vexava e aborrecia. Em todas as mesas o assunto das conversas era o recente assalto à sucursal do National
Bank. A presença do xerife
junto do ranger explicava a razão por que êste último se encontrava em Houston.
Catamount com o sobrecenho carregado inclinava-se para Nick Wedder e preparava-se para o convidar a irem para outro sítio, quando, bruscamente, se deteve: o seu
olhar acabava de se fixar numa sala contígua.
Várias mesas de jogo se alinhavam nessa sala envolvidos por nuvens de fumo opaco, cattlemet, e cowpunchers jogavam o poker e o monte. En frente de cada um dos parceiros
viam-se grossos maços de notas. De vez em quando ouviam-si pragas e invectivas, mas a calma rapidamente se restabelecia.
Muitas vezes já o ranger assistira a cenas se melhantes; no entanto detivera-se agora a observar o jogo. O xerife, imóvel ao lado dele, notara que a fisionomia deste
se concentrava.
- Que há? preguntou-lhe.
Catamount deu-lhe uma cotovelada para lhe significar que era melhor calar-se, depois, com um sinal, pediu-lhe para esperar um instante Nick Wedder viu-o afastar-se,
meter-se entre as mesas, e por fim parar no meio de um grupo que seguia interessado as fases do jogo.
O ranger inclinava-se ligeiramente, e o seiu olhar fixava-se sobre um dos parceiros cuja presença naquele local ferira muito particularmente a sua atenção.
Catamount não estava equivocado, reconhecia o indivíduo em questão por o ter visto algumas
horas antes, durante o "rodéo". Sim, não havia dúvida, era Mike Gilbert, o feliz apaixonado de Helena Mainrod. Tão absorvido estava com o poker que nem deu pela
aproximação do ranger; com mão febril colocava sobre a mesa as notas, as quais tirava de uma carteira amarela.
Mike parecia apenas interessado nas cartas; o demónio do jogo apoderara-se por completo dele; semi-oculto por alguns cowpunchers interessados no jogo, o ranger observava
com atenção o cattleman, notava-lhe o tremor dos dedos, os traços fisionómicos alterados, e o seu interesse aumentava à medida que ouvia os comentários dos circunstantes:
- Onde é que o Gilbert terá ido arranjar tanto dinheiro?... Há mais de uma hora que está a jogar e já perdeu alguns milhares de dólares...
- Nunca o vi assim!... Não sei para que teima, a sorte hoje não quere nada com êle!... Santo Deus! lá perdeu mais cinco notas!...
- É bem sabido que, tal pai, tal filho!... O pai era um jogador incorrigível e o filho segue-lhe as pisadas...
- Mas, onde teria êle ido arranjar tanto dinheiro?... Se bem contei, os parceiros já lhe levaram para cima de treze mil dólares!...
- Mas, êle ganhou um prémio há pouco, no "rodéo"...
- Sim, mas o prémio não ultrapassava dez mil dólares!...
Estes comentários dos cowpunchers interessavam sobremaneira Catamount. Acudiam-lhe agora ao espírito as sugestões de Irving People. Inicialmente o ranger considerara-as
como calúnias de uma alma rancorosa movida pelo despeito; mas agora, aquela insistência em não abandonar a mesa do jogo, as perdas consideráveis que suportava e
que provocavam tanta admiração entre os espectadores, tudo isso constituía motivo para intrigar Catamount, a-pesar-da simpatia que sentira pelo ousado cavaleiro
logo à primeira vez que o vira.
O ranger preparava-se para voltar para junto do xerife, que continuava a esperá-lo à entrada da sala de jogo, quando sentiu que alguém lhe agarrava a manga da camisa.
Surpreendido, voltou-se: junto dele estava Irving People, que fitava com um sorriso sarcástico:
- Então, sr. Catamount, qual de nós tinha razão ?
Catamount não sabia se Irving People já ali se encontrava antes dele ter chegado; o cattleman arrastou-o para um canto discreto.
- Sabe que o director da sucursal do banco tomara nota dos números das notas que tinha em cofre e em caixa?
- É natural que tenha usado dessa elementar precaução!
- Nessas condições precisamos de obter uma das notas do maço que Gilberto tem em frente dele... Quem sabe se ela não terá o número de
alguma das notas roubadas!... Se assim fosse o seu inquérito não seria difícil!
A princípio o ranger ficou algo perturbado com a sugestão de Irving People, que coincidia com os primeiros pensamentos que tivera ao ver a maneira como Mike desbaratava
dinheiro! Mas, a torpe insistência de People revoltava-o.
- Estou-lhe infinitamente grato pelo auxílio que me quere prestar, mas sei muito bem o que tenho a fazer...
- Será possível?...
O ranger pôde surpreender nesse momento o leve estremecimento que contraía a fisionomia do seu interlocutor! mas Irving de-pressa recuperou o sangue-frio.
- Então não quere certificar-se... principiou êle.
O cattleman não concluiu a frase; um dos parceiros de Mike Gilbert acabara de levantar-se da mesa, cedera o lugar a outro cowpuncher e contava as notas que ganhara.
Catamount aproximou-se dele e disse-lhe:
- Desculpe-me, mas, seria capaz de me confiar uma dessas notas durante alguns instantes?
O homem ficou algo atónito com um tal pedido; no entanto acedeu sem hesitação; então o ranger puxou de um pequeno caderno em que assentara os números das notas que
haviam sido roubadas. Procurou durante alguns instantes e depois devolveu-a ao homem:
- Muito obrigado, já vi o que queria!...
O jogador recuperou a nota, e foi por ali fora a encolher os ombros e a pronunciar palavras ininteligíveis.
- Não há dúvida! declarou então Catamount, para Irving, o homem deve ter ficado a pensar que sou idiota!... Mas tranqúilize-se, sr. People... A nota não tinha o
número de nenhuma das que foram roubadas...
O cattleman, furioso, cerrou os punhos; e como o ranger se dirigia para a porta, junto da qual o aguardava o xerife, resignou-se a segui-lo.
- Convido-o e mais ao xerife, a tomarem qualquer coisa no bar, disse Irving People, que procurava fazer desaparecer a má impressão provocada pelas suas suspeitas
sem fundamento.
Catamount, a-pesar-de tudo, aceitou o convite, e,. como Nick Wedder lhe começasse a fazer algumas preguntas, interrompeu-o:
- Nada de novo, xerife... De mais a mais, não são horas de estarmos a tratar de um assunto desses... Cada coisa no seu lugar e a seu tempo!
Os três homens sentaram-se ao balcão; os clientes, que eram ali numerosos, afastaram-se um poucochinho para lhes dar lugar; todos olhavam para o ranger, cuja presença
naquele local despertara grande curiosidade.
Catamount deplorava as circunstâncias que acompanhavam o início do seu inquérito; telefonara já para El Paso, ao Major Morley, e explicara-lhe tudo. Este, ao ter
conhecimento do novo
assalto a um banco, ordenara-lhe que ficasse e prosseguisse no inquérito, adaptando-se o melhor possível às circunstâncias.
Agora Catamount bebia um cocktail acompanhado pelo xerife e por Irving People. Conversavam em assuntos mais ou menos indiferentes, quando o ranger olhou para o relógio,
e, ao ver as horas, disse:
- Não posso demorar-me mais!... Tenho que seguir para o rancho de Everett Mainrod...
- Então, preguntou Nick Wedder, é caso arrumado?... Sempre- aceitou a hospitalidade do Imperador do "rodéo"?...
Estas palavras pareciam despertar um profundo interesse em Irving People:
- Ah! Vai para o "Estrela Dourada"?
- Evidentemente! replicou o xerife, não percebo o motivo da sua admiração...
- Não, não estou nada admirado! Acho até muito bem, protestou o cattleman. Quero mesmo oferecer-lhe o meu automóvel, sr. Catamount, para o levar até lá... O meu
rancho "Barra 25" fica perto do " Estrela Dourada "...
- Agradeço-lhe muito, sr. People. Mas, tenho o meu cavalo guardado nas cavalariças do estádio e o animal deve já estar a pensar que me demoro muito!
- Sabe o caminho para o "Estrela Dourada"? insistiu Irving.
- Não me será difícil encontrá-lo... Wedder indicou-me o itinerário na carta...
Catamount bebeu à pressa o resto do cocktail, e despediu-se rapidamente dos seus dois companheiros que ficaram no "Camaleão".
O ranger teve ainda que apertar a mão a muitos dos seus admiradores, que se aglomeravam no salão; agora seguia ao longo do passeio, e, a passo rápido, afastava-se
do bar em direcção ao estádio. As ruas encontravam-se desertas, mas os saloons e os bars regorgitavam de fregueses.
Catamount, absorto nas suas reflexões, pouca ou nenhuma atenção prestava aos grupos com os quais se cruzava. Avistava já a massa sombria do estádio e apressava-se
em direcção a êle quando um vulto se aproximou dele:
- Ora viva, sr. Catamount!... Até que emfim consigo encontrá-lo!... Há quanto tempo andava à sua procura!
O ranger estacara bruscamente ao ouvir a voz que o interpelava. Preparava-se para se libertar do importuno que àquela hora o vinha ainda maçar. Porém, à luz de um
revérbero reconhecera rapidamente o seu interpelante. Era Josué, o palhaço preto a quem salvara a vida.
- Já estava convencido de que me seria impossível encontrá-lo para lhe exprimir a minha profunda gratidão...
O preto envergava um elegante fato cinzento" trazia um chapéu de palha de imaculada brancura, calçava luvas côr de canário, e na mão direita segurava uma bengala
de castão de prata.
- Tenho muito prazer em tornar a vê-lo,
retorquiu-lhe Catamount, mas creia que não tem nada que me agradecer... Apenas cumpri o meu dever!...
Josué abanou a cabeça:
- Não sou da sua opinião!... A maioria dos outros espectadores deixariam que o touro me pisasse a pés, até dar cabo de mim, sem se importarem com isso... Já vê,
para eles não passo de um preto!...
- Fariam muito mal, respondeu Catamount, e apertou com vigor a mão que Josué lhe estendia. Para mim a côr da epiderme nada faz ao caso. Porventura não é você um
homem como os outros?
A fisionomia do preto resplandecia ao ouvir as palavras de Catamount,
- Sr. Catamount, nem sabe a alegria que me dão as suas palavras. Estou tão pouco habituado a que me tratem assim!...
Josué exprimia-se correctamente em inglês; além disso tinha mesmo uma certa distinção que contrastava com a simplicidade do ranger.
- Já sabe, se um dia precisar do Josué, êle está às suas ordens para o que fôr preciso!...
- Muito obrigado, replicou o ranger, que começava a perder a paciência. Agora, estou com muita pressa... Tenho que ir à "Estrela Dourada". ..
O preto soltou uma exclamação de alegria:
- Vai até ao rancho de Everett Mainrod? Óptimo, admirável!... Sigo também o mesmo
caminho; a minha casa fica situada na estrada; que conduz ao rancho... Se não vê nisso qualquer inconveniente, acompanhá-lo-ei durante uma boa parte do caminho...
- Ora essa, mas com muito prazer! Devo no entanto preveni-lo que tenho antes disso de ir buscar o meu cavalo que ficou a guardar nas, cavalariças do estádio... Que
diabo farão ali aqueles dois tipos?...
Ao pronunciar estas palavras o ranger apontava ao seu companheiro dois vultos que se avistavam a pequena distância.
- Dir-se-ia que nos espreitam!...
Josué olhou para o sítio que Catamount lhe indicava, mas largou uma grande gargalhada:
- Talvez que nos espreitassem, mas que se atrevam a avançar para nós que não levam a melhor!... Veja, batem prudentemente em retirada!...
- É possível que sejam quaisquer larápios... Catamount de-pressa esqueceu a presença e a
atitude "suspeita dos dois desconhecidos; estugou o passo e dirigiu-se para as cavalariças do estádio, de onde voltava daí a pouco com o seu King.
- Que lindo animal! exclamou Josué. Catamount afagou a crina do cavalo e disse:
- Eu e o King somos inseparáveis!... Desde o dia em que o capturei numa manada de cavalos selvagens, temos compartilhado de muitas alegrias e de muitos perigos!...
Daí a pouco os três puseram-se a caminho;
Catamount segurava o animal pelas rédeas e seguia a pé ao lado do palhaço.
- Ora aqui está o caminho que passa ao "Estrela Dourada"; é a estrada que vai para Brefiliam!...
O ranger tomou então a direcção que lhe indicava o companheiro. A estrada era quási rectilínea e ladeada por pequenas casas recentemente construídas.
- Este bairro tem-se desenvolvido muito nos últimos tempos, explicava o preto. Há três anos não havia aqui uma única casa... Agora são às dezenas e têm todas elas
o seu pequenino jardim... Vivo numa delas... fica ali!...
Catamount prestava pouca atenção às palavras do vizinho. Acabava justamente de se voltar para trás. A menos de cinquenta passos, à retaguarda, avistara de novo os
dois vultos que pouco antes tanto o haviam intrigado.
VII
Um automóvel misterioso
- Desta vez, murmurou o ranger, não podemos ter dúvidas. Os cavalheiros espreitam-me!...
Os desconhecidos estacaram também e encostaram-se a um muro.
- Pode segurar-me o cavalo durante alguns instantes? disse Catamount para o preto... Preciso de me certificar das intenções daqueles tipos!...
- Tome cautela! respondeu-lhe Josué. Olhe que pode ser assaltado!...
O ranger levou a mão ao cinto e puxou imediatamente pelo Colt.
- Tranqúilize-se, tenho aqui boa resposta para esses canalhas, se se atreverem a atacar-me... Não creio, porém, que cheguem a esse ponto!... Ora veja como batem
em retirada!...
De-facto, os dois importunos haviam surpreendido as intenções do ranger, porque, após uma ligeira hesitação, fizeram meia volta, e desapareceram
entre o negrume da noite em direcção ao estádio.
- Boa viagem, exclamou o palhaço preto, e soltou um suspiro de satisfação. Este bairro é agradável, mas, de noite, nem por isso é muito bem frequentado!...
Catamount não respondeu. Tinha com efeito a impressão de que aqueles dois indivíduos não eram salteadores vulgares. Deviam vir-lhe na peugada desde que saíra do
"Camaleão".
- Vamos lá! disse o ranger, depois de haver pegado nas rédeas do King qiu confiara a Josué. Os dois homens prosseguiram no seu caminho, e não tornaram a avistar
os vultos suspeitos. A estrada estava deserta. Apenas de vez em quando algum automóvel passava como uma
tromba.
- Daqui a dez minutos estamos em frente da minha casa. Não se decide a fazer-me uma pequena visita... Marta, a minha mulher, gostaria tanto de o conhecer!... E depois
ficava também a conhecer os meus três filhos... Absa-lão, David e Séfora! É extraordinário como eles são parecidos com o pai... Absalão, o mais velho, só gosta de
romances de aventuras, e todos os seus sonhos são vir a ser cowboy... Ficou doido quando soube que o pai havia sido salvo pelo Catamount em carne e osso!...
- Gostaria muito de conhecer a sua família, replicou o ranger, mas isso tem de ficar para mais tarde. Everett Mainrod espera-me no "Estrela
Dourada"... Deve mesmo estar já muito admirado por eu não ter aparecido!...
- Mainrod bem sabe que não está em Houston para se divertir e que o inquérito a que procede pode retê-lo na cidade até muito mais tarde do que imaginava.
Afastadas as apreensões de que momentos antes se achara possuído, e como verificasse uma vez mais que deixara de ser seguido, o ranger decidiu-se a formular algumas
preguntas ao preto, sobre pormenores que podiam ser-lhe úteis no decurso das investigações:
- Ora diga-me, meu caro amigo, qual é a sua opinião acerca do Imperador do "rodéo"?...
- Everett Mainrod?... Mas que hei de eu dizer-lhe? Todos sabem que é o grande magnate de Houston... A imensa fortuna de que dispõe permite-lhe subvencionar dispensários,
dotar a cidade com campos de desporto e bairros de casas baratas. Nada se faz sem êle... Viu ainda hoje no estádio como sabe organizar as coisas... É extraordinário,
nunca se viu um homem desbaratar dinheiro com tanta serenidade... É verdade que trabalha imenso e que vende os melhores cavalos de toda a América e a preço de fogo...
- E a filha?...
- Miss Helena?... É a Providência de Houston, o raio de sol da cidade!... Conheço muita gente que daria a vida por ela, se assim fosse preciso. Como vai viver para
o "Estrela Dourada"
poderá apreciar-lhe devidamente as qualidades.
- Por certo que Miss Mainrod terá um verdadeiro batalhão de pretendentes?...
- Acho que um batalhão é pouco!...
Catamount conhecia já estes pormenores, mas queria certificar-se se coincidiam exactamente com o que anteriormente lhe haviam dito.
- E Irving People, conhece-o?... O preto fêz uma careta:
- Ah! esse se caísse no Colorado eu não ia lá buscá-lo!... Não gosto nada dele!... Além de ser muito mau para os pretos, é muito agarrado. Tem uma fortuna enorme,
mas em Houston ninguém gosta dele... É um dos pretendentes de Miss Mainrod, mas, parece-me que perde tempo e feitio!...
- No entanto seria a união de duas fortunas... Everett Mainrod não poderia deixar de dar o seu assentimento a um tal projecto...
- Bem se vê que não conhece o Imperador do "rodéo", replicou Josué sorridente. É dedicadíssimo pela filha e apenas pensa em lhe fazer todas as vontades. Everett
Mainrod não exercerá a mais pequena pressão sobre a filha no que diz respeito ao casamento.
- E julga que lhe permitirá que despose um rapaz sem fortuna?
- Tudo quanto dele conheço leva-me a pensar que sim!... Além disso, a fortuna do Imperador do "rodéo" é por tal forma considerável
que a filha não precisa de escolher um homem rico...
- Míss Mainrod terá já manifestado quaisquer preferências?
Esta pregunta do ranger causava sérios embaraços ao preto.
- Julga que essas questões puramente sentimentais possam ter qualquer valor para o seu inquérito ?
- Estou absolutamente convencido que sim... Um dos pontos que neste momento mais me importa esclarecer é a natureza das relações de Miss Mainrod com Mike Gilbert!
replicou o ranger em tom de grande convicção.
Josué ficou perplexo quando ouviu Catamount fazer referência a Mike Gilbert.
- Pelo que vejo o senhor já sabe tudo, de maneira que nada tenho a acrescentar...
- Não sei nada, replicou o ranger... São apenas suposições minhas... Durante o final do "rodéo" estive sentado junto de Helena Mainrod e pude verificar que ela manifestava
um grande interesse por Mike Gilbert. Por isso concluí que este lhe não era indiferente.
- Dou-lhe os meus parabéns!... O senhor é esplêndido psicólogo!... Diz-se, de-facto, que o Mike está apaixonado pela filha de Mainrod, e que a esta não desagradaria
casar-se com o Mike, que de resto é um amigo de infância... Mas, o pai de Gilbert era um jogador desenfreado.. Derreteu no pano verde toda a sua fortuna, que
era considerável, de maneira que Mike tem de se ocupar em desempenhar o rancho, antes de efectivar o seu belo sonho...
- Julga que o Imperador do "rodéo" sancionaria esse enlace?
- Por que não?... Everett Mainrod é um self made man... Quando era rapaz comeu o pão que o diabo amassou. Foi muito novo para a América do Sul, para uma mina no
Chile... Trouxe de lá uma fortuna considerável, que desde então parece inesgotável. Descobriu com certeza algum filão.
Catamount à medida que caminhava com o cavalo à rédea ia fixando atentamente todos os pormenores que Josué lhe relatava.
- Agora passemos ao xerife? preguntou Catamount após uma curta pausa.
Josué largou uma gargalhada:
- O que penso a respeito dele? Mas, o que hei de eu pensar, senão o que pensa toda a gente em Houston. Nick Wedder é um pobre diabo que não foi por certo guindado
à situação que ocupa, nem pelas qualidades que possue, nem pela inteligência. .. Ora aí está um que deve imenso ao Imperador do "rodéo"!... Se não tem sido Everett
Mainrod nunca êle haveria ganho a eleição... Mas, manda quem pode e o adversário de Wedder foi derrotado... A minha opinião é que nunca tivemos um xerife tão desastrado...
Agora o senhor julgará por si... Olhe, quere ver? e o preto punha-se a contar pelos dedos os insucessos do xerife:
- Nula repressão do banditismo no distrito... Os ataques à mão armada são constantes... Os salteadores de bancos têm gozado até agora da mais escandalosa impunidade...
Todas as investigações do xerife ficam emperradas logo aos primeiros passos... Se o senhor cá não estivesse já se poderia vaticinar que nunca ninguém conseguiria
descobrir os assaltantes do banco.. Nick Wedder dá-me a impressão de andar jogar à cabra-cega com os bandidos...
- No entanto, Wedder dispõe de auxiliares em número mais do que suficiente, e cuja iniciativa pode contrabalançar em certa medida a competência do xerife...
--Os auxiliares de Wedder!... Ora deixe-me rir... Não valem nada, absolutamente nada, talvez ainda piores do que êle!...
Os dois homens caminhavam sempre enquanto conversavam. De vez em quando afastavam-se um pouco mais para a direita, a-fim-de deixarem passar um automóvel...
- E os tais tipos que parecia irem na sua peugada, nunca mais os avistou? preguntou então o preto.
- Desapareceram, volatilizaram-se!... replicou Catamount.
- É que desistiram de tomar mais amplo conhecimento consigo!...
- Naturalmente!...
Josué apontava agora com a bengala. À luz indecisa dos candeeiros eléctricos, Catamoun
apercebeu uma engraçada vivenda com seu jardim. Ao longo do passeio via-se uma vedação toda pintada de branco.
- Olhe, ali é que fica a minha casa, e lá está o jardim. Sou eu mesmo quem o rega e cultiva... Os meus rapazes ajudam-me também nessa tarefa... Gostam imenso...
-E foi assim a arriscar a vida que conseguiu juntar dinheiro para comprar a casa?
- Nem por isso é uma vida muito trabalhosa!... A minha especialidade é salto de vara... Descobri essa habilidade por ocasião de uma
viagem a França... Decidi-me a adaptá-la aos "rodéos" que durante todo o ano se sucedem no Texas... Everett Mainrod, o organizador dessas Manifestações desportivas
paga bem... Assim eu e a Marta conseguimos juntar a quantia necessária para nos tornarmos proprietários... E acabámos com a caravana de rodas dos tempos antigos...
Agora temos a nossa casa e o nosso jardim... E, bem entendido, é a si que devo o poder voltar ainda mais uma vez ao meu lar... Esteja certo de que nunca mais o esquecerei.
- A mim? protestou Catamount.
- Pois, naturalmente... Parece-me que tem fraca memória!... Se não houvesse sido a sua corajosa intervenção, a estas horas estava na morgue.
- Outra vez? Não lhe pedi já para nunca mais me falar nisso?...
Catamount deteve-se junto de um candeeiro e olhou para o relógio de pulso:
- Ó diabo! exclamou êle. Dez horas e cinco ! No "Estrela Dourada" devem já estar convencidos de que me perdi no caminho!. . . De-pressa!... Temos de nos separar!...
- Deite-se no meio do chão, por amor de Deus!...
Antes que o ranger pudesse fazer qualquer pregunta ao companheiro, este último estendeu-se ao comprido no passeio, sendo logo imitado por Catamount.
Um automóvel avançava a toda a velocidade e os faróis iluminavam em cheio a parte do passeio onde se encontravam os dois homens e cavalo.
Ouviu-se o crepitar sinistro de uma metralhadora, o qual dominava mesmo o ruído do motor...
Catamount que compreendera o perigo, fêz-se o mais pequeno possível!... As balas ricocheteavam no solo e durante alguns instantes uma verdadeira saraivada de projécteis
sibilou em torno dos dois companheiros; depois, o automóvel desapareceu no negrume da noite.
Durante alguns instantes, Catamount ficou interdito; Josué colocara-se em frente dele. O bom do preto quisera protegê-lo das balas assassinas. Quando se ergueu do
solo, o ranger observou que o palhaço tinha uma certa dificuldade em se levantar. Uma mancha escura tingia-lhe o casaco na altura da espádua direita.
- Você está ferido? preguntou Catamount.
O preto limitou-se a sorrir:
- Descanse... Não é nada... Foi uma ameixa dos tais cavalheiros que me arranhou o ombro.
O ranger insistia e queria examinar o ferimento de Josué, mas este último preguntava:
- E você não tem nada?.. -.
- Absolutamente nada!... Os bandidos erraram o alvo!...
- Se é assim, o melhor que tem a fazer é não se importar comigo e tratar do seu cavalo... O pobre animal deve ter apanhado uma boa conta.
Um relincho doloroso retiniu junto do passeio e interrompeu a conversa dos dois homens.
- Santo Deus! exclamou Catamount, mataram o meu pobre King!"..
O ataque dos misteriosos automobilistas fora tão súbito que nem lhe dera tempo de pensar no cavalo. Via agora que êle jazia sobre o asfalto, banhado num mar de sangue.
A angústia que dominava o ranger era intensíssima. Ajoelhou junto do animal e com um lenço tentou estancar-lhe o sangue que corria em borbotões.
Na casa de Josué acenderam-se as luzes. Atraídos pelas descargas, Marta e os três filhos do palhaço preto apareciam no alpendre.
- És tu, Josué ? preguntava a preta ao reconhecer o vulto do marido.
De aí a pouco Marta encontrava-se junto do ferido. As três crianças corriam também para êle,
mas, assim que viram sangue, começaram a soltar gritos lancinantes e a clamar por socorro. Às janelas das outras casas aparecia gente; alguns vultos corriam pelo
passeio em direcção ao ferido. Catamount, esse continuava ajoelhado junto do seu cavalo branco. O infeliz animal apanhara cinco tiros.
- Está perdido! balbuciou o ranger... Mataram-mo!... Miseráveis! Hei de fazer-lhes pagar caro o seu crime abjecto!...
VIII
A morte de King
De todos os lados se erguiam exclamações ou se faziam preguntas acerca do acidente. À excepção da preta e dos filhos, ninguém mais ouvira o ruído da metralhadora.
Para a maior parte da gente este ruído confundira-se no ronronar forte do motor. Todos formavam círculo à roda de Catamount, o qual mergulhara em profunda tristeza
ao certificar-se da morte do belo companheiro de tantas horas alegres e de tantos transes difíceis... Agora a cabeça do animal repousava nos joelhos do ranger.
- Afinal de contas, o que é que sucedeu?...
- Não é preciso ser bruxo para o adivinhar... Foi o cavalo que foi atropelado por um automóvel!...
-Más o outro homem... O preto!... Olhem!... Está a deitar sangue!... É que está ferido, também!
Marta, sem se importar com o outro homem
nem com o cavalo, apenas se disvelava junto do marido ferido; às preguntas que os curiosos lhe faziam, a preta apenas respondia por frases breves, emquanto tentava
vedar o sangue que corria do ombro de Josué:
- Por amor de Deus... Uma bacia com água!... Foram os gangsters!... Fizeram fogo com uma metralhadora... Ouvi muito bem!...
E Absalão, o mais velho dos filhos de Josué, um homemzinho de dez anos, estendia o braço e apontava para os sinais dos projécteis marcados no passeio.
- Olhem, os sinais das balas!...
Todos maçavam o preto com preguntas, mas êle procurava afastar os curiosos...
- Já lhes disse, não tenho nada!... Catamount continuava agarrado ao King, e a
sua desolação era bem manifesta:
- King!... meu velho King!... Hei de vingar a tua morte!...
Então o ranger permaneceu imóvel durant alguns segundos. Parecia-lhe que tudo lhe andava à roda e que acabara de ser fulminado por um raio. O ruído de um motor,
seguido do som de uma voz rude, veio arrancá-lo às suas reflexões:
- Então, que é isso?... Porque é que obstrui o caminho?... Foi vítima de algum acidente?...
Catamount pôs-se de pé; junto dele desenhava-se o vulto de um agente da polícia motorizada encarregada de providenciar sobre a segurança das estradas.
- Você chegou um bocado tarde, meu amigo, respondeu o ranger, esforçando-se por conservar-se calmo. Foi pena que não houvesse conseguido evitar esta agressão. Só
por um triz é que não vem encontrar aqui três cadáveres!...
- Mas que história é essa ?...
O recém-chegado olhava agora para o cottage de Josué; um grupo cercava o preto, o qual explicava as circunstâncias em que se produzira o ataque do automóvel misterioso.
Logo o polícia foi ter com êle e o submeteu a um interrogatório, ao qual o preto respondeu de muito boa vontade.
- Não poderá dizer-me o número do automóvel? preguntou o polícia, quando Josué terminou o seu depoimento.
O palhaço encolheu os ombros com o ar de um certo desdém:
-O número? Ora, essa está boa!... Houve mesmo tempo para isso!... As balas choviam à nossa roda. Apenas tivemos uma preocupação: salvar a pele!...
- Este caso é bastante grave, declarou o motociclista, e pôs-se a coçar a cabeça para ver se esgaravatava uma solução.
Depois, voltou-se para Catamount e declarou-lhe:
-Vou telefonar para o matadouro, porque o senhor não pode deixar aí o cadáver desse animal. O ranger deu um pulo:
- Para o matadouro! Você não está bom!...
E como o polícia insistisse, assumindo um tom mais imperativo, Catamount ripostou:
- Ser-lhe-ia mais fácil passar por cima do meu cadáver do que tocar no meu King!
E juntando o gesto à palavra o ranger puxou pelo Colt...
- Tome cuidado!... Olhe que pode ser processado por ameaças a um agente da autoridade em exercício das suas funções!...
- Chut!... Você deve-me respeito e obediência ...
Com um gesto brusco, Catamount descobriu o colete e mostrou ao motociclista aparvalhado a insígnia dos rangers.
-Por que é que me não disse logo, resmungou o polícia, um tanto encavacado.
- Ouça, mister Catamount, disse Josué, já que não pode ir para o "Estrela Dourada" fica em minha casa!
- O quê! exclamou Marta... Este senhor é mister Catamount, aquele que te salvou a vida no estádio?... Tudo isto me fêz tanta impressão que até me esqueci de lhe
agradecer...
Já a boa mulher tomava o ranger pelo braço procurando levá-lo para casa, mas Catamount recusava-se e apontava para o cadáver do King:
- Desejo ficar junto dele... Não estou ferido, não preciso de nada!...
O polícia dispunha-se a fazer novas preguntas ao ranger, quando, de-repente apareceu um sumptuoso automóvel, que parecia dirigir-se para Houston.
Os faróis iluminavam agora o ponto onde jazia o cavalo branco, e o carro parou...
A portinhola abriu-se bruscamente, e o homem que guiava o carro desceu para o passeio.
- O sr. Everett Mainrod! exclamou o polícia ao reconhecer o recém-chegado.
O Imperador do "rodéo" não respondeu; acabava de descobrir a dois passos do passeio Catamount todo coberto de poeira e de sangue.
- Que é que lhe aconteceu, sr. Catamount? A sua demora começava a inquietar-nos...
- E fui eu que pedi a meu pai para virmos ao seu encontro!...
Helena aparecia por sua vez e dirigia-se ao ranger, mas este continuava mudo. Parecia que se recusava obstinadamente a aceitar a triste realidade.
- Vamos, explique-se!... O que foi que aconteceu?. ..
- O seu cavalo foi atropelado por um automóvel?
- Não, miss Mainrod, o meu cavalo foi assassinado !...
- Assassinado ?...
As poucas palavras que o ranger acabava de pronunciar pareciam intrigar consideravelmente a rapariga; ela detinha-se agora junto do cadáver do animal...
- Vamos, explique-se! insistiu o Imperador do "rodéo", inclinando-se para Catamount.
- Sabiam que eu devia ir esta noite a sua
casa, e conheciam o itinerário que havia de seguir, declarou o ranger, e assim tentaram pura e simplesmente suprimir-me!...
- Não é possível!... Quem teria interesse em...
- Quem?... Parece-me que se esquece do misterioso assalto à sucursal do National Bank
- O quê?... Pensa que possa haver qualquer relação...
- Não penso, sr. Mainrod, tenho a certeza!...
Catamount recuperava a sua plena lucidez . Recordava em todos os pormenores o que se havia passado desde a sua chegada à cidade . Não esquecera sobretudo como fora
seguido e espiado ao aproximar-se do estádio... Os homens que lhe seguiam os passos deviam estar intimamente ligados aos bandidos que assaltaram o banco.
- Se não fosse a iniciativa e a decisão do bom do Josué, prosseguiu o ranger, tinha levado a melhor...
E, considerando o cadáver de King, Catamount acrescentou, com um suspiro desolado:
- Afinal de contas talvez que tivesse sido melhor!... O que vou eu fazer sem o meu King!...
Helena conservava-se imóvel junto do pai. As declarações do ranger provocaram nela uma profunda emoção.
- Em todo o caso, interveio o polícia, não
podemos deixar eternamente o cadáver do cavalo no meio da estrada.
- Tranquilize-se, interrompeu o Imperador do "rodéo"... Vou dar aos meus homens as ordens convenientes... Sr. Catamount, enterraremos o seu velho companheiro no
território do meu rancho!...
- Não sei como lhe hei de agradecer...
- Não tem nada que me agradecer!... Eu é que tenho que lhe agradecer e de lhe pedir desculpa ... Imagina lá como eu ficaria se o senhor tivesse sido assassinado
quando se dirigia para o "Estrela Dourada"!...
Everett Mainrod voltava-se agora para Josué e entregou-lhe uma nota de banco que tirou da carteira:
- Toma, que é para te tratares!... Salvaste o sr. Catamount e assim prestaste-me um grande serviço!
O palhaço preto confundia-se em agradecimentos. Helena então voltou-se para o pai e apontando-lhe Catamount disse:
- Nós não podemos deixar assim o sr. Catamount!... precisamos de o levar imediatamente para o rancho!... Deve ter grande necessidade de descansar!...
Como o ranger apontasse para o cadáver do cavalo, o Imperador do "rodéo" observou-lhe:
- Descanse!... Dentro de alguns minutos enviaremos do "Estrela Dourada" uma equipe que se encarregará de levar para lá o cadáver
do seu cavalo!... Entretanto suba comigo para o automóvel!...
Helena tomou o ranger pelo braço e entrou com êle para o carro. O Imperador do "rodéo" sentou-se ao volante, e o carro pôs-se em marcha. Indiferente a tudo, o ranger
ia profundamente abatido. Helena tentou dizer-lhe algumas palavras de consolação, mas deteve-se interdita... junto dela, o ranger tinha a cabeça apoiada nas mãos.
Lágrimas grossas corriam ao longo do seu rosto tisnado pelo sol, e o seu corpo parecia sacudido por ligeiros sobressaltos. E Helena Mamrod, atónita, assistia a uma
coisa que nunca ninguém, antes dela, fora capaz de contemplar...
Catamount chorava!
IX
Mesquita
Em menos de cinco minutos, o possante auto do Imperador do "rodéo", depois de haver abandonado a estrada, penetrou pela avenida rectilínia que vai até às edificações
do rancho. O "Estrela Dourada" distinguia-se das explorações similares, tão numerosas no Texas, porque Everett Mainrod fizera construir o edifício principal em estilo
renascença. Esta evocação do século xvi, no coração do Texas, não deixava de causar admiração entre as numerosas pessoas que iam visitar o rancho.
Mas, Catamount, nessa noite, apenas prestou uma medíocre atenção ao edifício. O ranger sentia-se ainda amarfanhado pelo desgosto atroz que nele causara a morte de
King; no entanto fazia tudo por se dominar. Ao apear-se junto do vestíbulo do edifício principal do rancho, o seu rosto não assinalava o desgosto profundíssimo de
que estava possuído.
- Esteja à sua vontade. As emoções porque acaba de passar devem tê-lo abatido muito; precisa por isso de tomar quanto antes qualquer alimento.
Everett Mainrod ao chegar à porta da sala de jantar afastou-se para deixar passar o seu hóspede. Na mesa coberta com uma toalha de renda finamente trabalhada e alvinitente
de brancura, viam-se apenas três pratos. As pratas e os cristais, dispostos harmoniosamente pelo chefe de mesa do "Estrela Dourada", reflectiam os milhares de luzes
do lustre eléctrico.
- Meu Deus!... não sei se deva...
Catamount, que avançara alguns passos na sala, detinha-se agora e observava embaraçado o seu fato roto e ensanguentado. O estado lamentável em que se encontrava
formava um contraste flagrante com o luxo da sala. Sem dúvida Everett Mainrod surpreendeu a hesitação que se apoderava dele, pois se apressou a declarar:
- Entre!... Entre!... somos só os três...
- No entanto parece-me que seria melhor mandar-me para a mesa dos seus cowpunchers... Não estou habituado a tanto luxo!...
- Ora essa! exclamou Helena. De resto vou levá-lo imediatamente ao seu quarto... Poderá lavar-se e arranjar-se...
- Vou dar ordem para porem um fato à sua disposição...
E como o ranger esboçasse um gesto embaraçado, o Imperador do "rodéo" acentuou:
- Tranqúilize-se que lhe arranjarei um fato te cavaleiro e não um smoking!
Maquinalmente, Catamount subiu a escada atrás da rapariga, que procurava animá-lo sorrindo-se. O ranger agradeceu com uma vénia, mas o seu pensamento estava noutro
sítio, junto do dedicado quadrúpede que naquela mesma manhã efectuara a sua última cavalgada.
- Vê, tenho ali um Millet e um Gainsborough!...
Everett Mainrod, que acompanhava Catamount, apontava para os quadros ricamente emmoldurados que adornavam as paredes ao longo da escada. O ranger não respondia,
aqueles nomes de pintores eram-lhe desconhecidos e ignorava absolutamente o valor das obras primas que o Imperador do "rodéo" adquirira a peso de dólares. Além disso
ia sempre com receio de que as suas esporas rasgassem a tapeçaria que cobria os degraus da escada. - Aqui é o seu quarto!... O ranger penetrava agora no quarto que
lhe fora reservado; em qualquer outra ocasião deter-se-ia para gabar o luxo da instalação: quarto de toillette e de. banho anexos, dotados dos últimos aperfeiçoamentos,
iam permitir-lhe proceder às necessárias abluções.
- Arranje-se à sua vontade, que nós esperamo-lo na sala de jantar.
Dez minutos depois, Catamount ia juntar-se aos seus amáveis hospedeiros. Helena sorria de
satisfação ao verificar a mudança que se operara no ranger.
- Faça favor de se sentar entre nós dois, sr. Catamount!...
Pouco à vontade dentro do fato novo, o ranger apressou-se a obedecer. O chefe de mesa avançou logo com o primeiro prato; Catamount serviu-se, mas não se sentia bem;
receava parecer ridículo aos olhos da rapariga que o observava com a maior atenção.
- Que pensa do caso do National Bank?...
Foi Everett Mainrod quem, tomando a palavra, veio dissipar de certo modo o embaraço que se apoderara do ranger.
- Que hei de eu pensar? replicou êle.. . O inquérito ainda mal começou...
- E não possue nenhum indício?...
- Absolutamente nenhum!...
- No entanto parece-me que os criminosos podiam ter deixado alguns indícios que permitissem identificá-los, impressões digitais, por exemplo, nas portas dos cofres
que conseguiram forçar com tão diabólica habilidade...
- Não são nenhuns noviços na arte, sr. Mainrod, souberam tomar todas as precauções e por isso se muniram de luvas. Foi tudo minuciosamente preparado, até mesmo a
hora escolhida para o assalto, justamente quando toda a gente se encontrava no estádio, e a cidade sem policiamento.
- Referenciar um automóvel em Houston, em
dia de "rodéo", sr. Mainrod, replicou Catamount com um sorriso, é a mesma coisa que procurar uma agulha num palheiro!... Dadas essas circunstâncias, a prisão dos
culpados parece-me extraordinariamente problemática!...
- Então não tem observação nenhuma a comunicar-nos?...
Helena e o pai julgaram que o ranger iria falar, mas este limitou-se a esboçar um gesto
vago:
- Desculpem-me por me mostrar tão discreto, mas, sempre que inicio um inquérito, tenho o hábito de guardar para mim determinadas observações as quais, de resto,
podem vir a não se confirmar... Nunca me refiro a elas, por sistema !...
- Nem mesmo aos seus amigos?...
- Nem mesmo aos meus amigos!...
O Imperador do "rodéo" compreendeu que seria inútil insistir.
- Pois bem, felicito-o pela sua discreção!... Quantos no seu lugar o que quereriam seria dar
à língua!...
Abordaram outros assuntos. Falou-se em "rodéos", domesticação de potros, criação de longhorns. Catamount respondia com facilidade; no entanto Helena observava que
êle falava, mas o seu espírito estava ocupado com outro qualquer assunto; naturalmente evocava as peripécias dramáticas daquela noite, e a morte do seu fiel King.
Foi em vão que ela tentou surpreender na físionomia
de Catamount o menor traço de fraqueza, o ranger tornara-se outra vez no homem de aço que sempre fora... Quando, no fim do jantar, o chefe de mesa, veio informar
que o furgão com o cadáver do cavalo acabara de chegar ao rancho, limitou-se a dizer:
- Se não vêem nisso qualquer inconveniente, eu mesmo procederei amanhã de madrugada ao enterro do King!...
- Faça como quiser, e disponha do meu pessoal tal como se fosse seu, respondeu o Imperador do "rodéo".
Agora, se me permitem, vou retirar-me para o meu quarto.
- Helena irá indicar-lhe o caminho, se já se esqueceu.,.
- Obrigado, muito obrigado... Mas, não me será difícil encontrá-lo!...
--E fica decidido que habitará aqui no rancho emquanto estiver em Houston...
Catamount trocou rápidos apertos de mão com o Imperador do "rodéo", e com a filha, depois dirigiu-se rapidamente para a escada que conduzia ao quarto tão amavelmente
posto à sua disposição. Entretanto, Everett Mainrod escolhia um charuto que acendia vagarosamente, e Helena mergulhava na leitura de um jornal de modas.,.
O ranger fechou a porta do quarto, sentou-se numa cadeira e soltou um profundo suspiro. Depois de rememorar os acontecimentos daquele
dia agitado, Catamount deitou-se e adormeceu profundamente até cerca das cinco horas da manhã.
A essa hora levantou-se. Ouvia já no pátio os gritos dos cowpunchers que partiam em grupos para vigiar o gado do Imperador do "rodéo".
Mal acabara de descer a escada, viu Helena. Sorridente, a jovem acorreu ao seu encontro:
- Então passou bem a noite, sr. Catamount?...
- Admiravelmente, respondeu o ranger e apertou a mão da sua amável hospedeira. Agora vou tratar de enterrar o meu pobre King...
- Espere um pouco e antes disso venha tomar connosco o seu almoço! Já está tudo preparado na sala!
Catamount teve de resignar-se a aceitar o convite, e, alguns minutos depois atacava um prato de eggs and bacon, junto de Everett Mainrod e da filha.
Depois de trocarem algumas frases banais, os dois homens abordaram um novo assunto. O Imperador do "rodéo" surpreendera, com efeito, a expressão de profunda melancolia
que se estampava na fisionomia do seu hóspede, por isso atreveu-se a preguntar-lhe:
- Gostava muito do seu cavalo, não é verdade?
- Era a única grande amizade que me restava neste mundo, o único sêr ao qual consagrava um profundo afecto!...
- Compreendo o seu desgosto... Há animais a que nos afeiçoamos mais ainda que a um sêr humano!...
- Que os que mo assassinaram se acautelem! Não descansarei emquanto não forem abatidos como cães!... Mais lhes teria valido que eu houvesse sucumbido com o meu King!...
Ao pronunciar aquelas palavras, a expressão de Catamount metia medo. Helena ficou muito impressionada; tanto ela como o pai compreendiam que aquilo não eram ameaças
vãs; o ranger não descansaria emquanto não vingasse a morte do cavalo. O almoço terminou num silêncio opressivo. Everett Mainrod trocava com Helena frequentes olhares
e a expressão compadecida da fisionomia do argentário indicava que êle sentia uma profunda simpatia pelo seu convidado. Por fim, Helena convidou Catamount a segui-la;
e lá foram os dois até ao pátio. A rapariga discutiu com alguns cowpunchers, que aguardavam ali e que observavam o ranger cheios de curiosidade.
- Vai abrir-se uma cova junto do corral, anunciou Helena.
E logo os cowpunchers, coadjuvados pelo ranger, procederam à abertura da cova e ao enterramento do cavalo. Terminado êle, Catamount ficou algum tempo a olhar o ponto
onde repousava o seu fiel companheiro. Tão absorto estava que estremeceu quando Helena apoiou uma das suas mãos no braço dele. Esta murmurou-lhe:
- Siga-me!
Catamount voltou-se meio atordoado. Mas, a jovem insistia tanto que não teve remédio senão acompanhá-la.
- Mas, afinal de contas, que quere de mim, miss Mainrod?
- Reservo-lhe uma surpresa!...
- Uma surpresa?...
O ranger e a sua companheira aproximavam-se das vedações pintadas de branco que cercavam o corral; havia ali bem uma centena de cavalos, todos eles animais magníficos.
Catamount abandonando por momentos as suas apreensões examinava alguns dos animais como conhecedor que era: ia ainda interrogar a filha do Imperador do "rodéo",
mas esta esboçou um sorriso aliciador e convidou-o a esperar um momento por ela:
- Espere um pouco, é só um instantinho... Volto já!...
Catamount, cada vez mais intrigado, resolveu-se a obedecer; viu Helena agarrar num laço, que estava enrolado e dependurado à entrada do corral, depois, deliberadamente,
após ter aberto e tornado a fechar a barreira, a rapariga aventurou-se através do cercado.
- Hello, Fire!... Hello, Pinto!...
À medida que caminhava, Helena dirigia a palavra aos animais com que se cruzava, os quais se não amedrontavam com a visita. Conhecia-os de longa data e já os montara
a todos.
Daí a pouco Catamount viu a rapariga ir direita a um alazão, que se encontrava um pouco afastado dos outros cavalos. O animal erguera bruscamente a cabeça; de orelhas
arrebitadas, observava a recém-chegada, e parecia mais assustado
do que os outros. No entanto, a atitude do fogoso animal não embaraçava a herdeira do Imperador do "rodéo". Subitamente atirou com o laço ao pescoço do animal, e
laçou-o com a maestria de um cowboy. O cavalo tentou escapar-se-lhe, mas ela dominou-o e aproximou-se dele.
Ao contacto da mão enluvada, o alazão estremeceu, mas aquietou-se ao ouvir a voz da dona:
- Então, Mesquita, que é isso?...
Daí a três minutos Helena trazia o cavalo até junto de Catamount, que continuava, imóvel como uma estátua, junto da barreira do corral.
- Os meus cumprimentos, miss Mainrod! portou-se como uma cowgirl consumada!...
- O senhor exagera!... Fique sabendo que já domei três potros!...
O ranger ia felicitá-la mais uma vez mas ela tapou-lhe a boca:
- Deixemo-nos de cumprimentos, sr. Catamount! Tratemos mas é de coisas sérias!... Permita-me que lhe apresente Mesquita, o meu mais fogoso pensionista, de três anos
de idade, capturado há três meses nas margens do Rio Grande!...
- Muito prazer!...
- Gostaria imenso que o aceitasse!...
- Como ? aceitá-lo ?...
- Sim, sim!... Era essa a surpresa que lhe reservava!...
O ranger ia protestar, mas a rapariga insistiu:
- Então, sr. Catamount, não vai por certo recusar... Um ranger não pode passar sem um cavalo... Bem sei que o seu King é insubstituível... Mas, para que haveria
de estar a inquietar-se em arranjar aqui em Houston outro cavalo? por isso tenho muito prazer em lhe oferecer este, em testemunho da admiração e da simpatia que
me inspira!...
A insistência de Helena comovia profundamente o ranger.
- Além disso, não se esqueça de que foi para prestar um serviço a meu pai que perdeu o seu cavalo... Não perdeu meu pai vinte mil dólares no assalto ao National
Bank ?... Não lhe deveríamos nós a si uma espécie de compensação...
A voz de Helena parecia triunfar, a pouco e pouco, das hesitações do seu interlocutor. No entanto, êle continuava interdito.
- Vamos, aceite!... Ficaria satisfeitíssima!... E o meu pai também!...
- Nessas condições aceito o Mesquita, replicou o ranger. Mas lembro-lhe de que é excessiva a sua generosidade, miss Mainrod!...
- Meu pai, que conhece de cavalos como ninguém, prosseguiu Helena, tem-me sempre dito que o Mesquita é um animal excepcional... E, eu não duvido. Não tarda que não
sejam dois bons amigos!... Veja, olhe que êle já simpatiza consigo!...
O alazão passava a cabeça por cima da barreira; Catamount estendeu a mão na direcção dele, e o animal recuou.
- Ordinariamente mostra-se mais arisco. Há de convir que ambos são feitos para se entenderem!..; Então, fica entendido que aceita a minha surpresa ?
Catamount levou a mão ao bolso interior do colete e pôs a rebuscar na algibeira falsa. Não tardou que tirasse de lá um saquinho de desenhos multicores.
- É um saco que me deu em tempos um feiticeiro yaqai, a quem prestei um pequeno serviço... Parece que traz felicidade... Gostaria de poder dar-lhe neste momento
qualquer coisa de maior valor...
- Mas, estou encantada! respondeu Helena, e agarrou o saquinho, pondo-se a examiná-lo com a maior atenção. É encantador, sabe?... Creia que nunca me separarei dele!...
O ranger e a rapariga teriam continuado ainda mais tempo a conversar, mas, de-repente, Mesquita empinou-se e procurou escapar-se. Ouvia-se agora, cada vez mais próximo,
o ruído de um motor; numa volta da estrada, que ficava próxima, apareceu um Ford, guiado por um homem que tanto Catamount como a rapariga reconheceram logo à primeira vista:
- Irving People! murmurou Helena, cuja expressão se ensombrou subitamente. Que quererá êle?...
O automóvel passava a pequena distância do corral, mas naturalmente Irving não deu pela rapariga, pois continuou a afastar-se em direcção ao
rancho; daí a pouco o automóvel desaparecia por entre os hangares.
- O sr. People deve ser uma das mais frequentes visitas cá do rancho, não é assim? preguntou Catamount.
Helena esboçou um gesto vago...
- Não é por falta de vontade que o sr. People não vem mais frequentes vezes ao "Estrela Dourada", mas é que êle sabe muito bem que não gosto nada dele!... Meu pai
compartilha absolutamente da minha opinião!
- Mas, o sr. People é um vizinho muito rico? arriscou o ranger. Durante as poucas horas que passei em Houston ouvi mais de uma vez associar os vossos dois nomes...
- É verdade, de vez em quando põem-se a arranjar-me casamentos, e como dizem que o sr. People é rico, tratam de me casar com êle... Mas daí à realidade vai uma distância
incomensurável ... Além disso, não serei capaz de me casar a não ser por amor... O sr. People, a-pesar da sua assiduidade e das suas boas palavras, não passa para
mim de um indiferente!...
A despeito da calma que a rapariga pretendia manifestar, o ranger notava que a presença de Irving People no "Estrela Dourada" parecia preocupá-la enormemente. Quando
sairam do corral Helena ia tão absorta que quási nem respondia ao que Catamount lhe dizia.
X
Pai e Filha
Helena esperou ainda bastante em companhia de Catamount; levou o ranger até à arrecadação do correame; procurava a sela que os cowpunchers deviam ter levado para
ali, pois Catamount queria experimentar o cavalo. Por várias vezes êle notou o nervosismo da rapariga; de vez em quando ia até à janela para ver se o Ford de Irving
People ainda permanecia no pátio.
- Se isto assim continua, prepara-se naturalmente para dormir cá!... Já cá está há mais de uma hora!...
- Vá até ao rancho e talvez consiga saber os motivos que cá o trouxeram!...
- Deus me livre!... protestou a rapariga. Então, não queria mais nada?... Ter que lhe apertar a mão e ouvir-lhe os cumprimentos idiotas?... Isso não!... Prefiro
esperar que êle se vá embora!...
- Atenção, êle aí está!...
Catamount inclinava-se para a janela e apontava para Irving, que descia naquele momento a escada da casa de habitação. Depois, já junto do automóvel, circunvagava
o olhar em redor como que a procurar alguém.
- Naturalmente não se queria ir embora sem a ver, lembrou o ranger.
- Livra!... Não faltava mais nada!...
- Em todo o caso parece muito satisfeito com o resultado da visita que fêz a seu pai!... Naturalmente conseguiu qualquer bom negócio, pois tem um aspecto radiante.
.. .Finalmente instala-se ao volante e prepara-se para arrancar!...
Mal Catamount acabara de pronunciar estas palavras ouviu-se o ruído do motor e o Ford começou a afastar-se do "Estrela Dourada".
Helena soltou um suspiro de satisfação ao ver desaparecer o automóvel de Irving People.
- Boa viagem, murmurou ela, ao passo que esboçava um gesto irónico, dirigido ao visitante.
Mas, a rapariga teve de interromper-se. Ouvia-se uma voz que chamava por ela, e que parecia partir do rancho:
- Helena, Helena!... Onde estás tu?
- Meu pai! murmurou ela. Que poderá êle
querer-me?
Helena franziu o sobrolho; pensava sem dúvida se haveria alguma relação entre a visita de People e aquele apelo de seu pai.
No entanto, a rapariga apressou-se a sair da
arrecadação. Acabava de avistar Everett Mainrodj que aparecia no alpendre da casa e que a chamava, cada vez com maior insistência; por isso si apressou a ir ter
com êle.
Do seu refúgio, que ainda não abandonara, Catamount viu Helena afastar-se rapidamente em direcção à casa, e a seguir penetrar nela, acompanhada pelo Imperador do
"rodéo".
Catamount ficou preocupado e pensativo. Simpatizara com Helena, assim que a vira; por isso aquela pressa que Mainrod manifestava, imediatamente após a entrevista
com Irving People, causava-lhe a mais profunda apreensão.
Emquanto o ranger ficava assim absorto em profundas reflexões, a rapariga seguia o Imperador do "rodéo ".
- Que há, meu pai? preguntou ela intrigada.
- Já vais saber...
E, como Helena se dirigisse para a sala de jantar, Everett agarrou-a pela manga da blusa:
- Vamos antes para o meu escritório onde estaremos ao abrigo dos ouvidos indiscretos...
- Santo Deus!... Como pareces preocupado!... Poderei saber ernfim o que se passa?...
Sem responder, Everett afastou-se para deixar passar a filha. Alarmada, Helena estacou a meio do aposento!
- Senta-te, ordenou o Imperador do "rodéo", e fechou cuidadosamente a porta.
A rapariga obedeceu. A expressão preocupada que se desenhava no rosto do pai inquietava-a.
- Santo Deus! terá acontecido alguma desgraça?
- Escuta Helena, começou o Imperador do lrodéo", em voz surda, és verdadeiramente amiga de teu pai?...
- Ó pai, mas que pregunta! protestou a rapariga.
- Desculpa-me filha!... Compreendo o teu espanto, mas era absolutamente indispensável que te fizesse essa pregunta, antes da conversa importantíssima que vou ter
contigo, e que vai talvez decidir do teu futuro...
- Que vai decidir do meu futuro? repetiu a rapariga. Na verdade, pai, cada vez percebo menos!...
Então, Everett Mainrod prosseguiu:
- Ouve, Helena, tu vais fazer-me justiça... Emquanto a fortuna nos foi propícia, fui o escravo dos teus caprichos, e substituí sempre o melhor que pude a tua querida
mãi... Não tinha o tacto de uma mãi, bem entendido, mas hás de convir que nunca te faltaram nem ternura, nem afecto, nem apoio...
- Sim! Tens sido para mim um pai, como não pode haver melhor! limitou-se a responder a rapariga, cuja voz tremia, agora.
Everett Mainrod parecia possuído de uma profunda agitação. Com mão trémula acendera um charuto que mordiscava nervosamente. Parecia querer evitar o olhar da filha.
- Compartilhámos de todas as alegrias e tristezas da vida, prosseguiu o Imperador do "rodéo", após uma curta pausa. Se eu te pedisse
para fazeres por mim um sacrifício... serias capaz disso?...
- Explica-te, meu pai... Estás a falar-me por enigmas, e eu, francamente, não te percebo. Estou tão pouco habituada a ouvir-te falar assim... De que se trata? Bem
sabes que estarei disposta a fazer por ti tudo o que a razão e o afecto me ditarem!...
- Aprecio como ninguém as tuas magníficas qualidades de coração... Deste-me o que a existência me reservou de melhor... Tens sido o rouxinolzinho, a soberana incontestada
do rancho, que iluminas com as graças da tua bondade e do teu encanto... Concordarás em que não tenho sido para ti um pai severo, e que te tenho dado uma liberdade
que raras raparigas da tua idade usufruem... Já vários partidos se te têm apresentado, com sólidas garantias de fortuna e de felicidade.., Recusaste-os e sempre
me inclinei diante da tua decisão... Bem sabes que mais aprecio num homem a energia do que a fortuna... Self-made man, sei apreciar aqueles que edificam corajosamente
a sua vida...
- De-facto tens-me dito isso muitas vezes...
- Está bem, mas desta vez sou obrigado a falar-te de uma forma diferente... Que farias se soubesses que teu pai se debate numa situação gravíssima de que só tu poderias
salvá-lo?...
- Dir-te-ia que havia de fazer todo o possível para te ajudar... Espero no entanto que assim não seja... Ainda ontem te regosijavas na
minha frente dos belos negócios que acabavas de efectuar nos mercados de Abilene e de Dallas...
- Minha querida filha, estava a representar uma comédia! Nunca a minha situação financeira foi tão crítica... Escuta-me, querida... Estamos à beira do abismo!...
- Não é possível, pai!... Então o "Estrela Dourada" dá assim a impressão de uma falência?- .. Tudo marcha às mil maravilhas, a equipe de cowpunchers nunca foi tão
numerosa... Os nossos cavaleiros triunfaram no "rodéo" de Houston... Emquanto aos vinte mil dólares que te roubaram no National Bank, tu mesmo me disseste que o
banco é que era responsável e que tu não perdias nada!
- Ah! isso é um incidente de pequena monta, replicou Everett Mainrod; mas, é preciso que tu fiques a saber a verdade, por mais desagradável que ela possa ser para
mim... Helena, especulei, joguei na Bolsa, e perdi!...
Um sorriso incrédulo aflorou aos lábios da
rapariga.
- Tu especulaste, pai?... Oh! não é possível!... Pois tu tantas vezes me dizias que te repugnava embrenhares-te em especulações arriscadas?... O exemplo de alguns
dos nossos vizinhos inspirava-te até uma justa repugnância...
- Sim, mas mentia-te... Há três meses que envolvi toda a minha fortuna num negócio que me foi apresentado como magnífico, as minas de cobre de Salinas... Acabo de
receber um aviso
pelo telefone a comunicar-me que estou arruinado!... Sim, estamos arruinados, a menos que...
- A menos que, o quê? preguntou Helena, arquejante.
- A menos que não obtenha um apoio poderoso!... Esse apoio depende apenas de ti que eu o consiga!...
- Vamos, pai, fala com franqueza! Vais-me pedir para eu dar o "sim" ao pedido de casamento que o sr. People acaba de te fazer?...
O Imperador do "rodéo" deu um salto: ficara estupefacto com aquelas palavras da filha.
- Mas, como... Quem to disse?... Helena sorriu com amargura.
- Não é preciso ser bruxo para o adivinhar, meu pai! Quando há pouco avistei o automóvel do sr. People compreendi logo que andava mouro na costa. Devo confessar-te,
porém, que estava longe de supor do que se tratava... Mas, as tuas reticências, o embaraço que tinhas em me explicar as coisas, logo me fizeram adivinhar do que
se tratava... Falemos com franqueza... Irving People veio propor-te um negócio...
"Dê-me a sua filha e eu salvo-o; senão arranje-se!... "
- Não foi bem assim! protestou o Imperador do "rodéo", agora mais embaraçado do que nunca...
- Foi mais ou menos assim... Mas, o que o sr. People exige é a minha mão, não é?
Everett Mainrod disse que sim com a cabeça.
Então a rapariga começou a caminhar no apostilo de um lado para o outro; tinha as faces afogueadas.
- E passou-te pela cabeça que me prestasse a uma chantagem dessa natureza? Fica sabendo: detesto Irving People!... Nunca me resignaria a ser mulher dele!...
O Imperador do "rodéo", cada vez mais enterrado na poltrona, continuava a mordiscar o charuto. Já esperava esta reacção da parte de Helena; no entanto esforçava-se
por atenuar o péssimo efeito produzido pelas suas palavras:
- Escuta cá, Helena, hás de fazer-me essa justiça. .. Até hoje nunca fui para ti um tirano!...
- Que importa, se agora me queres ligar para toda a vida a um homem que detesto...
Everett ia ainda a prosseguir, mas a rapariga cortou-lhe a palavra:
- Não, não é possível!... Tu escondes-me qualquer coisa!... Essas minas de cobre de Salinas, de que hoje me falas pela primeira vez, não devem passar de um pretexto!...
Há qualquer coisa de mais grave, de mais terrível!... Conheço-te bem, meu pai!... Sei quanto és corajoso perante a adversidade!...
- Disse-te a verdade, replicou num berro o Imperador do "rodéo".
Helena aproximara-se do pai e esforçava-se por convencê-lo do que era razoável:
- Pois bem, admitamos que estamos arruinados, mas não haverá maneira de refazermos a
nossa vida? Tu, pai, estás ainda novo! Emquanto a mim, posso trabalhar, o trabalho não me mete medo... Se fôr preciso domarei potros!...
- Bem se vê que és uma criança, murmurou Everett. Até agora tens feito o que tens querido, como um cavalo selvagem... Julgas que os teus simples desejos se poderão
transformar em realidades... Mas a vida é muito mais complicada do que tu podes supor!... Esperava outra coisa de ti!...
Helena imobilizava-se, hesitante. Parecia que lhe custava imenso ter de opor ao seu interlocutor novos argumentos; no entanto não havia outro remédio e, com voz
que procurava tornar o mais calma possível, declarou:
- Há ainda uma outra coisa que é preciso que tu saibas, e que hesitava ainda em te confiar, pai...
- Então, fala!...
- É que amo outra pessoa!...
- O quê, tu amas alguém?...
- Sim, mas da fortuna da pessoa que amo não podemos esperar qualquer apoio financeiro, apresso-me a dizer-to, para que não possas ter ilusões a esse respeito. O
homem que escolhi tem como única fortuna a sua energia, a sua vontade, e o seu admirável sangue frio, sangue frio que nunca o abandona, mesmo em situações bem mais
terríveis do que aquela em que actualmente nos debatemos!...
- Naturalmente... Eu Mão devia esperar!...
Vais falar-me de Mike Gilbert... esse pobretana, cuja vida é bastante equívoca.
"Saberás por acaso que joga desenfreadamente em todas as tavolagens do distrito?... Há mesmo quem não hesite em atribuir-lhe cumplicidade nos recentes assaltos aos
bancos,..
- Mas, isso não é verdade!... Mike não é nenhum bandido!... Mike é incapaz de praticar qualquer má acção!...
- É inútil persistires mais tempo na defesa de Mike Gilbert, declarou o Imperador do "rodéo". Tenho a minha opinião feita sobre êle. Era então esse maroto que pretendias
desposar?... Se ainda me propusesses Alexander Benson, que em tempos me pediu a tua mão, e que tu obstinadamente recusaste, ou Steve Gardner, mas Mike Gilbert, filho
de um jogador incorrigível, e que segue as pisadas do pai! Se a nossa situação presente não fosse bastante trágica, esse teu capricho era até para dar vontade de
rir!...
- Chama-lhe capricho, chama-lhe o que quiseres, mas, o que te digo é que nunca falei tanto a sério, meu pai... Repito-te mais uma vez, ou me caso com êle ou não
me caso com mais ninguém !...
- Mas, isso é uma loucura!... Vamos, filha, julgo que tens bom coração, e que te não recusarás a salvar teu pai...
- Não é indispensável para salvar meu pai, que me submeta às condições do sr. People!... A menos que tu não tenhas disposto de mim e
lhe hajas prometido qualquer coisa em meu nome...
A rapariga olhava agora muito fixamente para o pai, mas este procurava disfarçar a extraordinária agitação que o possuía.
- Em resumo, prosseguiu Helena, continuo sem perceber nada; ainda há pouco te mostravas despreocupado, alegre, feliz mesmo. Chega essa ave agoirenta, e logo tudo
muda: estamos arruinados, desgraçados, e para salvar a situação torna-se indispensável que eu consinta num sacrifício repugnante! Deves confessar que é desconcertante,
e quási inverosímil, esta mudança tão rápida... Vamos, pai, existe uma outra razão, uma razão que hesitas em confiar-me!... As minas de cobre de Salinas não passam
de um pretexto!
- As coisas são tal como te digo!... Temos de terminar com esta cena dolorosa, há mais de um quarto de hora que discutimos sem conseguirmos chegar a uma solução;
sabes que sou o homem das realizações imediatas e que até hoje tenho acabado sempre por fazer vergar aqueles que se opõem aos meus desejos...
- Então, é uma ameaça?...
- Por emquanto ainda não, é apenas uma advertência!... Espero que reflectirás em tudo quanto acabo de te dizer... Amanhã tenho um encontro marcado em Houston, com
Irving People... Preciso de lhe levar a tua resposta!...
- Não esperes que mude de opinião! Amo Mike Gilbert e só com êle casarei!... De-resto,
talvez que haja outra solução para a tua vida sem eu ter de casar com Irving People...
- Não, não há outra que não seja a aceitação pura e simples da proposta de Irving People!...
Helena, profundamente perturbada pela insistência do pai, compreendia que seria perigoso prolongar mais aquela discussão. Dirigiu-se para a porta e dispunha-se a
sair do aposento, quando Everett Mainrod a deteve:
- E sobretudo nem uma palavra a ninguém sobre esta conversa; é assunto para ficar exclusivamente entre nós...
- Não vejo que espécie de interesse poderia eu ter em pôr os outros ao corrente de uma cena tão desagradável...
- Bem entendido que se não trata do nosso pessoal, mas do ranger... Já observei que gostas muito da companhia dele...
- Devo recordar-te que foste tu mesmo, pai, quem me chamou a atenção para êle e que me disseste que o achavas muito simpático!...
- Sim, é uma pessoa muito simpática. Mas, o ranger está aqui no desempenho de uma missão policial e não para te servir de confidente!...
Helena nem respondeu, bem compreendia que o estado de espírito do pai lhe não permitia levar a melhor em qualquer discussão entabolada naquele momento. Como Philm
Bensey, o maioral do rancho, acabava de bater à porta e pedia licença para entrar, Helena aproveitou a ocasião para sair do escritório do pai.
XI
O estrangulador
"Anda qualquer coisa no ar!..."
A Catamount não havia passado despercebida a súbita mudança de atitude que se operara em Helena Mainrod; quanto antes se mostrava alegre e comunicativa, agora parecia
querer manter a maior reserva.
"Não é impressão minha; não há dúvida nenhuma: ela procura evitar-me", murmurava de si para si o ranger, ao apear-se do alazão.
Porém Helena, que naquele momento atravessava, quási a correr, o pátio, ao dar pela presença de Catamount voltou-se para lhe falar, no entanto num tom que parecia
hesitante; vencido um inexplicável nervosismo, disse ao ranger:
- Então, sr. Catamount, está satisfeito com o Mesquita?...
- Só se eu fosse excessivamente exigente, é que o não estaria, replicou Catamount, ao passo que apertava muito cordialmente a mão que a
filha do Imperador do "rodéo" lhe estendiaé É um animal admirável!...
- Tão bom como o seu King?...
- Ainda asssim, não! respondeu êle com um sorriso triste. King era um destes animais insubstituíveis. .. Isto não impede, porémm, que lhe não esteja infinitamente
reconhecido pela magnífica oferta que me fêz...
- Não fale mais nisso, sr. Catamount. Falemos de outra coisa: diga-me, está satisfeito com o caminho que as investigações levam?
- Não conhece aquele provérbio, miss Mainrod : a justiça é coxa, e por isso caminha a passo lento!... Creio que nunca, como agora, me tenho recordado tanta vez deste
aforismo popular. Bem sei que têm aqui um xerife cuja sagacidade e iniciativa deixam muitíssimo a desejar!... Já vê que, com êle, os bandidos levam sempre a melhor...
Na verdade não consigo perceber como seu pai favoreceu a eleição de uma tal nulidade!...
- Estou certa que meu pai procederá de maneira diferente nas próximas eleições; enganou-se com Nick Wedder, mas, felizmente, já o reconheceu!...
- Sim, mas entretanto criminosos da pior espécie põem em perigo a segurança e os haveres de todos os cidadãos pacíficos do distrito! Nem lhes vale a pena incomodarem-se!
Wedder anda meio doido, dispersa os delegados dele em todas as direcções, sem qualquer motivo sério, crê encontrar novas pistas a todo o momento,
de-repente, sem motivo plausível, abandona diligências encetadas, quem sabe se na boa direcção, emfim, uma completa desorientação!...
E Catamount resumiu rapidamente o que fizera em Houston durante aquele dia: interrogatórios sem resultado, discussões inúteis, e a inanidade dos esforços dispendidos
pelo xerife e auxiliares; tudo isso contribuira para desalentar o ranger e pusera-o de muito mau humor.
Emquanto levava o alazão à rédea, até ao corral, Catamount atreveu-se a fazer também uma pregunta à rapariga:
- E do seu lado, miss Mainrod, não há nada de novo?...
- Eu, não! replicou Helena, e buscava dissimular o melhor possível o profundo embaraço que se apoderava dela. Por que me faz essa pregunta?...
- Se assim lhe falo, é por que, desde que vim para o "Estrela Dourada", tenho observado em si uma grande mudança. Além de fisicamente abatida, noto-lhe uma expressão
absorta e preocupada que lhe não conhecia... Estará por acaso doente, ou haverá qualquer coisa que a faça sofrer ?...
- Não, não, garanto-lhe!... É impressão sua... não tenho nada!...
Helena disfarçava mal a comoção... quando o ranger entrou no corral para tirar o arreio ao animal, Helena pretextou um assunto urgente de que tinha a tratar, e afastou-se.
É que receava
muito o olhar penetrante e inteligente de
Catamount.
Este voltou sozinho para o rancho; sem se preocupar com Helena, dava agora, mentalmente, o balanço aos acontecimentos do dia, cuja esterilidade o aborrecia imenso.
"Se o Major aqui estivesse, dizia êle de si para si, não deixaria por certo de se insurgir contra os métodos incoerentes e estúpidos de Nick Wedder. Encalhou tudo,
e não vejo maneira de conseguirmos descobrir os salteadores do National Bank... Ver-nos-emos chegados ao extremo de ter de aguardar novo crime para se colherem quaisquer
indícios interessantes... Hei de voltar assim a El Paso, com cara de
tolo?...
O ranger insurgiu-se ao considerar uma tal perspectiva. Em primeiro lugar prometera ao Major descobrir o chefe da quadrilha e exterminá-la; depois, neste caso mais
do que em qualquer outro, tinha o máximo interesse em ir até ao fim; não prometera vingar a morte do King, cobardemente abatido pelos automobilistas misteriosos?...
À medida que ia andando a caminho do edifício principal do rancho, onde devia jantar com o Imperador do "rodéo" e com a filha deste, Catamount abandonava-se a profundas
reflexões. Considerava todas as possibilidades de descobrir os criminosos. A-pesar-do fiasco das investigações policiais, recusava-se a supor que
o caso seria arquivado dentro em pouco, pela incapacidade de Nick Wedder e dos xerifes dos distritos vizinhos.
Os dois automóveis não haviam sido assinalados em parte alguma no dia do atentado; assim o ranger persuadia-se, cada vez mais, que o refúgio dos criminosos não ficava
longe. Bastava para isso o facto dos criminosos terem voltado a agir na mesma noite, na tentativa frustrada de o abaterem. Nick Wedder, por mais que esquadrinhasse
em todo o distrito, nada havia descoberto.
No entanto, os olhos de Catamount iluminaram-se subitamente. Havia ainda uma esperança, embora ténue, e para êle arriscada.
"Tentaram desembaraçar-se de mim, monologava o ranger; naturalmente, voltarão à carga, e hão de esforçar-se ainda por me liquidar... É a única probabilidade que
me resta de descobrir uma pista!... Os patifes convenceram-se de que sou um adversário perigoso, e o desejo de me suprimirem poderá levá-los a cometerem qualquer
imprudência grave que me permita confundi-los!... "
Catamount esperou ainda algum tempo na sala de fumo anexa à sala de jantar, antes que chegassem o Imperador do "rodéo" e a filha; quando estes apareceram, apenas
com alguns minutos de intervalo, o ranger folheava distraidamente um magazine.
- Então, sr. Catamount, que há de novo?... Everett Mainrod avançava para o ranger de mão
estendida, e este erguera-se do fauteuil onde estava sentado; ao vê-lo, tão prazenteiro e calmo, ninguém suspeitaria daquela cena violenta com a filha na noite anterior.
- Os resultados até agora obtidos parecem-me bastante desconcertantes, declarou Catamount" justamente na altura em que Helena dava entrada na sala; no entanto ainda
não perdi a esperança de chegar a um resultado...
- Mas, descobriu alguma pista?,.. preguntou o imperador do "rodéo"...
- Por emquanto não lhe posso dizer nada de positivo. Dê-me ainda mais alguns dias.
- Tenho a maior esperança no êxito dos seus esforços. Seja qual fôr o tempo que as investigações demorarem, a minha casa continuará sempre à sua inteira disposição!
replicou Mainrod.
A entrada do chefe de mesa veio interromper o diálogo dos dois homens; precedidos por Helena, dirigiram-se para a mesa que, como sempre, foi sumptuosamente servida.
Durante o jantar falou-se de muita coisa, excepto do caso da sucursal do National Bank. Everett Mainrod expunha ao seu convidado, com grande cópia de pormenores
e citações, os graves prejuísos que a crise trouxera à sua exploração agrícola. Emquanto êle falava, Helena permanecia silenciosa e cabisbaixa.
Sem deixar de fazer honra aos pratos excelentes preparados pelo cozinheiro francês do rancho, Catamount observava, no entanto, o ar vago e
absorto da rapariga. De vez em quando o Imperador do "rodéo" endireitava-se ligeiramente carregava o sobrolho, e olhava para ela de uma certa maneira. Helena, então,
procurava sorrir. Mas, por mais que fizesse não conseguia dissimular a tristeza que a invadira.
Às onze horas, Catamount refugiou-se no seu quarto, onde se dispunha a passar a terceira noite. A atitude de pai e filha tinham-no intrigado; no entanto de-pressa
passou a outra ordem de reflexões.
"A-final-de contas, são negócios íntimos, com que nada tenho! Vamos mas é a reparar as forças... Quem sabe o que o dia de amanhã nos reservará?..."
O ranger, que acabava de tirar o colarinho e a tira, aproximou-se da janela. A atmosfera estava quente, abafadiça, a-pesar-da hora avançada da noite. Catamount dispunha-se
a deixar a janela aberta, mas, lembrou-se da conveniência de tomar certas precauções elementares. A primeira tentativa contra êle, fracassara; não era porém motivo
para se convencer de que os seus adversários haviam abandonado toda e qualquer idea de se desembaraçarem dele.
"Em suma, o melhor será que recomecem quanto antes... Aborrece-me sobremaneira este jogo de cabra-cega!..."
À medida que se ia despindo, Catamount, que se decidira a tornar a fechar a janela, percorria todo o quarto com o olhar. Parecia-lhe que as
duas cadeiras e o fauteuil se não encontravam no mesmo sitio.
"É que, naturalmente, quem fêz a cama lhes deu disposição diferente!... disse o ranger de si para si. Vamos lá a ver se a porta está bem fechada..."
Foi até à porta, deu a volta à chave, e tornou para junto do leito. Depois pendurou nas costas da cama o cinto de armas, mas colocou sobre a mesa de cabeceira, e
bem ao alcance da mão, os dois Colts. Já mais do que uma vez, durante a sua vida aventurosa, essa precaução lhe salvara a vida.
Finalmente, depois de tirar as botas e as meias, Catamount estendeu-se em cima da cama e deu volta ao comutador. O quarto ficou assim mergulhado na mais completa
obscuridade.
Passaram alguns minutos; o ranger, naquele
leito tão fofo começava a ser invadido por um agradabilíssimo torpor; espreguiçou-se, e ia a fechar os olhos e a abandonar-se ao sono, quando, de-repente, sentou-se
na cama, e pôs-se à escuta. Pareceu-lhe que ouvira, ali muito perto, um estalido insólito.
Em alguns instantes, a mão do ranger tateou -na obscuridade e acariciou a coronha de marfim de um dos seus Colts; depois agarrou na arma e apertou-a na mão crispada.
O ruído intempestivo parecera-lhe de mau augúrio.
Desde muito novo que Catamount tinha o ouvido educado por forma a captar o mais insignificante
ruído; nesse ponto assemelhava-se aos índios. Imóvel, meio-sentado na cama, tão quêdo que dir-se-ia que procurava comprimir as pulsações do próprio coração, aguardava
novo ruído que viesse confirmar-lhe as suspeitas. Sobre o rancho pesava àquela hora um silêncio impressionante. Já há bastante tempo que Helena e o pai tinham recolhido
aos respectivos quartos, situados na outra extremidade do corredor.
Passou uma meia-hora; apenas se ouvia o tic-tac do relógio. Catamount começava já a julgar-se vítima de uma ilusão, quando, bruscamente, se produziu um ruído semelhante
ao de qualquer coisa que rasteja.
"Desta vez não há engano!... pensou o ranger. Não estou sozinho neste quarto!... "
Catamount deitara-se numa cama Luiz XIII, de grandes dimensões. Até àquela altura, todo entregue às suas reflexões nem sequer se lembrara de espreitar debaixo da
cama; agora, aguardava, de revólver aperrado, pronto para toda e qualquer eventualidade.
O primeiro pensamento que lhe ocorreu foi acender imediatamente a luz e proceder às indispensáveis investigações; no entanto dominou a impaciência de que se encontrava
possuído: o ruído do rastejar era cada vez mais nítido. Preferia esperar e apanhar em flagrante o desconhecido que pretendia surpreendê-lo.
Passaram ainda alguns segundos. Catamount estava exasperado. Um estalido, quási imperceptível,
anunciava a Catamount que o homem, o qual naturalmente se encontrava escondido debaixo da cama, se aproximava da mesa de cabeceira, para depois, içando-se no rebordo do leito, chegaraté êle.
O ranger, permanecia imóvel; começou mesmo, para afastar quaisquer suspeitas, a respirar profundamente; uma ligeira pressão fê-lo compreender que o homem se preparava
para lhe cair em cima.
Chegara o momento de actuar. Com fulminante rapidez, Catamount sentou-se na cama; com a mão esquerda dava volta ao comutador, e com a direita apontava o revólver
ao peito do intruso.
- Mãos no ar!
Um grunhido surdo respondeu a esta intimativa. Atordoado pela luz, o homem imobilizava-se junto à cabeceira do ranger; um grande cache-nez dissimulava-lhe a fisionomia.
Catamount reparou que o agressor tinha na mão direita uma corda de seda, e que na mão esquerda segurava uma lâmpada eléctrica de bolso, provavelmente com a intenção
de a acender justamente no momento em que o ranger se lhe adiantou.
- Então, meu malandro, o que tu querias era estrangular-me?... Pois dou-te os meus cumprimentos pela idea!...
A atitude do indivíduo não podia, com efeito, deixar subsistir quaisquer dúvidas sobre as intenções que o animavam.
Agora, erguia as mãos em atitude de súplica, ao passo que murmurava palavras incompreensíveis.
Rapidamente, mas mantendo sempre o adversário em respeito, Catamount saltou abaixo da cama. Com a mão que tinha livre arrancou o cache-nez do bandido. Apareceu-lhe
um rosto pálido, emmoldurado por uma barbicha loira...
- Não estou mais adiantado!... murmurou Catamount. E a primeira vez que tenho a honra de me encontrar na presença deste gentleman! Vamos, anda, responde-me!... Que
vieste fazer aqui?...
Como resposta o homem apenas baixou os olhos.
-A corda que trazes denuncia claramente quais as tuas intenções, meu canalha!... prosseguiu o ranger, apontando o cano do revólver ao peito do agressor. Vamos, fala!...
Por que queres estrangular-me?... Quem foi que te mandou? Como conseguiste penetrar neste quarto?...
Mas, o homem, a-pesar-da ameaça que sobre êle impendia, não parecia decidido a entrar no caminho da confissão.
Catamount fêz menção de desfechar a arma e o miserável perturbou-se.
- Por amor de Deus, não dispare!... Vou contar-lhe tudo... Não fui eu!... Deram-me essa ordem...
Mais morto do que vivo, o homem parecia decidido a falar. Não teve, porém, ocasião de o
fazer: alguém batia violentamente à porta do quarto.
- Quem é? preguntou Catamount. Quem está aí?
- Sou eu, Mainrod! Abra a porta!... Ouvi ruído de luta no seu quarto: Que aconteceu?
- Espere um instante, que eu vou já abrir... Recuando até à porta, conservando sempre o revólver apontado ao visitante nocturno, o ranger abriu-a. Então apareceu o Imperador do "rodéo". Everett Mainrod vinha em trajos menores; envergara à pressa sobre
o pijama umas calças e um casaco. Durante alguns instantes deteve-se ao ver Catamount e o homem de cache-nez verde, frente a frente.
- Que quere isto dizer, sr. Catamount?
- Isto quere apenas dizer, sr. Mainrod, que este cavalheiro pretendia aproveitar-se do meu sono para me estrangular com toda a limpeza! Conhecê-lo-á por acaso?
O Imperador do "rodéo" olhou fixamente para o intruso, e, depois, disse que não com a cabeça.
- É a primeira vez que vejo este patife!... Mas como diabo conseguiu êle meter-se aqui sem despertar suspeitas?...
Catamount ia explicar como o miserável havia conseguido esconder-se debaixo da cama antes de êle recolher ao quarto; voltou-se ligeiramente para designar o ponto
onde a agressão se produzira, quando, de-repente, soltou uma exclamação de surpresa: aproveitando-se destes poucos segundos
de distracção, o desconhecido, que até então observara uma atitude humilde e submissa, baixou a cabeça e com quanta força tinha deu-lhe uma "marrada" no peito.
O ranger cambaleou; quis endireitar-se mas os pés embaraçaram-se no tapete o qual escorregou no chão encerado.
- Com mil raios!... Cuidado, sr. Mainrod!... Olhe que êle foge!...
Catamount não teve ensejo de proseguir nos seus apelos. Ouviu-se uma detonação. No momento em que o bandido procurava safar-se pela porta por que Mainrod havia entrado,
este puxou pelo Colt e desfechou.
O miserável, atingido por uma bala na nuca, rolou no chão. Catamount e Mainrod ajoelharam para ver se o homem estava morto. No corredor ouvia-se agora o ruído de
vozes e de exclamações: acordados em sobressalto pela detonação, os criados acorriam a saber o que era passado; não tardou muito que Helena aparecesse também.
- Santo Deus!... Que foi que aconteceu?... preguntou a rapariga assim que viu o cadáver.
O ranger e Mainrod não responderam; acabavam de verificar que a morte do intruso fora fulminante: a bala do Imperador do "rodéo" entrara-lhe pela nuca e atravessara-lhe
o cérebro. Um ténue fio de sangue corria ao longo do pescoço do bandido.
- Não fará mais mal a ninguém!... exclamou Everett Mainrod.
Catamount abanou a cabeça; um tal desfecho não lhe sorria mesmo nada.
- Que sensaboria!... murmurou êle. Mas o Imperador do "rodéo" protestou:
- Sensaboria?... porquê?,.. Francamente não o percebo!... Você sempre tem cada uma!... Se calhar vai pôr-se a chorar por esse malandro que o queria estrangular!...
- Desengane-se, sr. Mainrod, o motivo não é esse!..- É que no próprio momento em que o senhor entrou, êle preparava-se para fazer declarações. .. Quem sabe se essas
declarações me não levariam à descoberta da pista dos assaltantes do Mational Bank e dos meus agressores!...
Mainrod concordou em que não havia considerado essa hipótese. O cadáver foi transportado para uma das arrecadações, e depois disso todos recolheram aos seus aposentos.
O resto da noite decorreu calmo e silencioso.
XII
Novo atentado
Na manhã seguinte, era ainda muito cedo, e já Catamount se encontrava no gabinete do xerife, em Houston. Discutia acaloradamente com êle. Everett Mainrod e três
cowpunchers haviam insistido em acompanhá-lo. Num camião, embrulhado num oleado, seguira, também, para lá, o cadáver do bandido, que tentara estrangular o ranger.
- Conhece este homem, xerife?... preguntava agora o Imperador do "rodéo" ao passo que afastava o oleado, para mostrar o rosto do cadáver, que os dois cowpunchers
haviam estendido sobre um banco.
- Valha-me Deus, ainda mais complicações!... balbuciava o lamentável representante da autoridade. Maldita a hora em que aspirei a ser xerife, parece que tudo isto
estava guardado para mim. Não tive ainda um momento de descanso!...
Catamount não se pôde conter e replicou-lhe:
- Pois isso é muito simples, o remédio é
apresentar, quanto antes, a sua demissão a quem de direito... Estou certo de que em Houston não faltam homens enérgicos, capazes de se desempenharem cabalmente da
missão que tão espinhosa lhe parece!...
- Nick Wedder perde logo a cabeça à primeira dificuldade!... comentou Everett Mainrod, o qual estava, também, indignado com a incapacidade do seu protegido. Vamos,
trate de recuperar o sangue frio, e responda à minha pregunta: Conhece este bandido ? Não se esqueça que a sua resposta poderá ser de um interesse primacial para
o prosseguimento do inquérito, que iniciaram há três dias, e que talvez possa estar aqui a chave do enigma!...
Everett Mainrod insistia sobre estas suas últimas palavras; esforçava-se por dar a entender ao xerife que atribuía ao acidente daquela noite uma grande importância,
Nick Wedder inclinou-se sobre o cadáver e examinou-o com escrupulosa atenção.
- Parece-me que já vi este tipo... disse, com uma certa hesitação.
- Então, onde foi? vamos, xerife, seja mais explícito!...
A voz do Imperador do "rodéo" tornava-se agora mais imperativa ainda. As tergiversações e hesitações do agente da autoridade irritavam-no sobremaneira.
Por fim Wedder sacudiu negativamente a cabeça:
- Enganei-me!... Não, não o conheço, nunca o vi!
- Está bem, nunca o viu... É muito possível, mas, entre as fotografias que lhe são transmitidas pelos outros xerifes, nos retratos dos malfeitores cuja captura lhe
é pedida, talvez nós conseguíssemos estabelecer a identidade deste tipo! lembrou Everett Mainrod...
- É muito fácil!...
Nick Wedder foi ao ficheiro onde procurava febrilmente qualquer fotografia que tivesse semelhanças com o cadáver. Entretanto, Everett Mainrod, cada vez mais impaciente,
olhava para Catamount, como que a intimar-lhe a sua enérgica intervenção junto daquele xerife incompetente.
- Um pouco de calma, sr. Mainrod! declarou o ranger. Vamos examinar as fotografias... A sua idea foi muito boa, de-facto!...
O xerife estendia sobre a secretária uma grande pochette de cartão onde se encontravam classificadas as fotografias dos indivíduos que eram activamente procurados
pela polícia.
Depois de examinar mais de cento-e-setenta-e-três fotografias, Catamount não conseguiu encontrar a do morto...
- A-final aconteceu como eu esperava... O bandido levará o segredo para a cova... Foi um elemento que se perdeu, mas isso não é razão para que o inquérito não prossiga!...
É verdade, e como vamos nós a respeito do inquérito, xerife?. .. Nada de novo?...
- Infelizmente, nada de novo!... Não se verificou ainda qualquer nova agressão!...
Catamount teve um sorriso amarelo:
- De-facto, é bem triste que tenhamos de esperar que se produza um novo assalto para podermos conseguir quaisquer elementos e convicção!... Em vez de proteger os
cidadãos pacíficos, parece que desejaríamos justamente a produção de casos que temos a obrigação de procurar evitar!... Estranha concepção do papel e da acção da
polícia!. . • Digo-lhe muito francamente, xerife, tenho assistido ao espectáculo de desorganização, em muitos outros inquéritos onde tenho sido chamado a intervir,
mas o que aqui se está a passar, excede tudo!
Nick Wedder baixava a cabeça, vexado com as críticas justas, mas acerbas, do ranger. Não sabia como responder; êle próprio tinha a consciência da sua incapacidade.
O Imperador do "rodéo" veio libertar o xerife daquela situação embaraçosa:
- Como não há nada de novo, creio que é inútil a sua presença em Houston, disse êle, voltando-se para Catamount. Venha daí até ao rancho !...
O ranger não pôde escusar-se ao convite de Everett Mainrod; daí a alguns minutos, tomava o caminho do "Estrela Dourada" montado no seu alazão. O Imperador do "rodéo"
e os três cow-punchers precediam-no no Ford e de-pressa desapareciam numa curva da estrada.
Catamount ao passar pela villa de Josué deteve-se para saber notícias do preto. Este, já quási restabelecido, entretinha-se a regar um canteiro de azáleas em frente
da porta de entrada. Depois de inquirir da saúde de toda a família, teve de adiar mais uma vez o convite do Josué e da Marta para se demorar algum tempo em casa
deles. Absalão, o filho de Josué, não seria ainda daquela vez que ouviria as histórias de cowboys por que estava ansioso.
Novamente Catamount se pôs a caminho seguindo sempre a magnífica estrada, muito bem macadamizada e quási rectilínea, que ia dar ao rancho. De vez em quando era obrigado
a segurar com punho enérgico o alazão, que se empinava à passagem dos automóveis.
O ranger, sempre entregue aos seus pensamentos, prestava apenas uma medíocre atenção à paisagem. De ambos os lados do caminho erguiam-se pequenas elevações de terreno
que lhe escondiam a vista das edificações do rancho; no entanto, um poste indicador deu-lhe a conhecer que ia penetrar no território do rancho. A algumas centenas
de passos havia um pequeno bosque que tinha de atravessar antes de penetrar na avenida, muito bem cuidada, que dava acesso ao edifício central do rancho, em estilo
Renascença, habitado pelo Imperador do "rodéo".
O caminho estava deserto naquele momento; apenas um pequeno Ford se encontrava parado na estrada. A presença do carro naquele lugar
não deixou de intrigar o ranger, o qual procurava em vão descobrir quem o conduzia; mas, nem por isso se deteve a examinar o veículo. Naturalmente o automóvel pertencia
a alguém que se embrenhara pelo bosque à procura de cogumelos, muito abundantes naquele sítio.
Catamount encorajava Mesquita, falando-lhe, quando subitamente se ouviu uma detonação.
A princípio, Catamount julgou que fora um dos pneus do Ford que rebentara, mas de-pressa mudou de opinião: uma bala roçou-lhe pela testa...
- Ah! o caso muda de figura!... Atiram sobre mim!
Assustado, o alazão pôs-se a recuar. Este recuo salvou o cavaleiro de uma morte certa. Metodicamente, o atirador invisível, que se emboscara por detrás dos taludes,
continuava a descarregar o revólver sobre o ranger. Um quarto projéctil atravessou-lhe a aba do stetson, que rolou ao meio do chão. "Ainda não foi desta, canalha!...
Agora também tens de te haver comigo!...
Catamount apeara-se do cavalo, e estendera-se ao comprido sobre o tapete de relva que orlava a estrada; durante alguns instantes aguardou de revólver em punho, depois,
disparou por três vezes na direcção de onde partiam as detonações. Esta resposta incitou o agressor a pôr-se em guarda, pois daí em diante nada mais se ouviu. Os
pássaros, que haviam suspendido os cantos, voltavam a cantar. A pequena distância
Mesquita pastava tranquilamente na berma da estrada.
Passaram três minutos. O ranger esperava, sempre deitado sobre a relva, com o dedo no gatilho do Colt. Dois automóveis que passaram como uma tromba não lhe desviaram
a atenção; não despregava os olhos da direcção onde deveria estar emboscado o agressor; por mais que pusesse o ouvido à escuta não conseguia descobrir nada.
Dentro em pouco o ranger começava a perder a paciência; iria embrenhar-se pelo bosque em busca do seu adversário? Pensou em o fazer mas de-pressa se lembrou no que
essa táctica teria de arriscado. No entanto aventurou-se ainda a descoberto durante uns cinco passos. O atirador, que se encontraria a uma distância que não podia
ser grande, iria por certo tomá-lo como alvo. O resultado dessa manobra era bem fácil de calcular: Catamount tinha novas probabilidades contra dez de sucumbir antes
de descobrir o inimigo. O ranger piscou maliciosamente os olhos; o seu olhar poisava agora no Ford, parado a poucos passos de distância. Era fora de dúvida que o
carro devia pertencer ao homem que tentara assassiná-lo. Iria portanto esforçar-se por se meter dentro do carro. Para isso deslizaria ao longo do fosso até chegar
ao automóvel; depois, escondido dentro do carro, aguardaria a chegada da pessoa a quem êle pertencia.
Daí a cinco minutos Catamount acocorava-se
junto do automóvel e dissimulava-se o melhor que podia; conservava sempre o Colt aperrado, prestes a apontá-lo sobre o proprietário do carro, assim que este se lembrasse
de tentar pô-lo em marcha.
Com uma certa impaciência o ranger observava o seu relógio de pulso... Cinco minutos!... Dez minutos!... Um quarto de hora!... Vinte minutos!... Meia hora!... Decididamente
aquela espera prolongava-se, dir-se-ia que o atirador invisível suspeitava da armadilha do ranger; talvez que se houvesse decidido a bater em retirada a pé e a abandonar
o automóvel?...
Catamount convencia-se de que aquele ataque tinha com certeza relação com o da noite precedente, e isso demonstrava que os seus adversários se encarniçavam em o
exterminar.
"Desta vez não arredo pé e hei de por força apanhar o bandido que me atacou..."
O ranger pôs-se à escuta; estremeceu; pareceu-lhe surpreender ali perto, no bosque, uma certa agitação da folhagem. Sem fazer o mais pequeno movimento aguardou os
acontecimentos.
O ruído, a princípio quási imperceptível, era agora bem nítido. Catamount não se enganava. O homem que se escondera no bosque, decidia-se a sair do refúgio e dirigia-se
para o carro.
Durante alguns instantes o ranger admirou-se da falta de precauções do agressor; caminhava apressadamente sem se importar com o ruído que provocava. Dir-se-ia que
havia já esquecido o
cavaleiro contra o qual dirigira um tão encarniçado ataque.
No entanto Catamount não se demorou muito tempo em conjecturas; o coração batia-lhe cada vez mais apressadamente, à medida que ouvia aproximar-se o adversário, cuja
figura ainda não distinguia, pois caminhava oculto pela vegetação; fazendo-se cada vez mais pequeno, o ranger aguardava sempre por detrás do Ford; um sorriso de
satisfação aflorava-lhe aos lábios. Estava tudo a correr o melhor possível: o atirador misterioso ia cair na ratoeira. Por força que sob a ameaça do Colt entraria
no capítulo das confissões.
Catamount imaginava já a captura de um dos componentes da quadrilha, a descoberta de uma boa pista, a aproximação de um combate decisivo, durante o qual a força
seria a única lei. Do seu esconderijo, via finalmente o vulto do proprietário do automóvel desenhar-se por detrás dos taludes e das árvores. Ainda uns vinte passos
e êle estaria na estrada.
O ranger aguardava o momento de entrar em acção; com a mão esquerda tateava o bolso a-fim-de ver se ainda lá tinha um par de algemas; finalmente, com o Colt bem
aperrado, preparava-se para saltar sobre o adversário.
O desconhecido aproximava-se sem sequer suspeitar da presença de Catamount; ia tão seguro de si que até ia a assobiar um tango. Saltava já o fosso e preparava-se
para subir para
o Ford, quando, de-repente, o ranger lhe saiu detrás do carro e apontando-lhe o revólver gritou-lhe:
- Mãos ao ar!... E sobretudo nem a mais pequena tentativa de resistência, ou então disparo !...
O recém-chegado estacou imediatamente, sem perceber nada do que se estava a passar.
A estupefacção de Catamount, quando verificou de quem se tratava, não foi menor:
- Como! raios!... exclamou êle. Mike Gilbert!...
XIII
De surpresa em surpresa
O ranger não podia duvidar: possuía uma memória visual extraordinária; recordava-se das fisionomias, embora apenas as houvesse entrevisto. Aquele homem que estava
na frente dele, era Mike Gilbert. Além disso, o rapaz assim que o viu apressou-se a dizer-lhe:
- Ora viva, sr. Catamount!... Acho curiosa essa forma de acolher os amigos!...
O rosto de Mike abria-se num sorriso; depois de ter levantado as mãos ao ar estendia-as agora ao ranger.
Catamount não sabia que atitude tomar.
A-pesar-do espanto que lhe causara a presença de Mike naquele ponto, não esquecia, por outro lado, a agressão de que fora alvo. Por isso, sem abandonar a sua atitude
de desconfiança e sem se dar ao trabalho de corresponder ao gesto amigável do seu interlocutor, declarou em tom seco e breve:
- Teria tido muito prazer em o encontrar em qualquer outro ponto, sr. Gilbert... Mas aqui, devo confessar-lhe que a sua presença me deixou singularmente perplexo!
- Então, diga-me lá porquê?...
- Porque acabo de ser atacado por alguém que estava para aí emboscado e que desfechou sobre mim por quatro vezes!...
- Livra!... Mas então as detonações que ouvimos foram tiros!... balbuciou Mike.
- Que ouvimos, disse você... repetiu o ranger. Então não estava sozinho?
- Desculpe, foi engano!... Eu queria dizer que ouvi!... mas, a sua atitude, a sua presença nestes lugares, tudo isto me desconcerta, e você há de concordar que há
razão para isso!...
Depois olhou para o Colt que o ranger continuava a apontar-lhe, e disse:
- Continua a considerar-me o pior dos bandidos, não é assim, sr. Catamount?... Compreendo. Supõe talvez que fui eu quem...
- Confesso que o caso não é para menos. Os tiros partiram do ponto onde você se encontrava. Só por milagre é que não fui atingido!...
- Dou-lhe a minha palavra de honra, sr. Catamount, que nada tenho de comum com o seu agressor. Apenas lastimo que me tenha julgado capaz de atentar contra a sua
vida!... Ora escute, vou oferecer-lhe um argumento que provará cabalmente a veracidade das minhas afirmações... Aqui estão o meu revólver e o meu cinto de armas;
verificará que o revólver tem todas as cargas e que no cinto não falta nenhum cartucho!...
E Mike Gilbert desembaraçava-se do revólver e das cartucheiras que entregava ao ranger. Este pôde verificar imediatamente a sinceridade de Mike. Lentamente desviou
o revólver e meteu-o no coldre.
- Além disso, insistia Mike, que razão teria eu para lhe querer mal, sr. Catamount?... Sempre tive por si a maior admiração...
- Compreenderá melhor a minha atitude se eu lhe disser que no prazo de quarenta horas já por três vezes atentaram contra a minha vida, sabe, sr. Gilbert?...
- Por três vezes! E não conhece a razão que leva os criminosos a reincidirem nos seus projectos ?...
- Essas razões são bem fáceis de adivinhar... E que eu procuro evitar a repetição de façanhas tais como a do assalto ao National Bank.
- Creia, replicou o rapaz, que estou inteiramente à sua disposição para o ajudar a desmascarar e confundir esses bandidos. Se quiser toda a equipe do meu rancho
ponho-a às suas ordens...
- Muito obrigado pelo seu oferecimento, sr. Gilbert, mas continuo a pensar que não é o número o que permitirá resolver este problema difícil... Creio que sozinho
poderei melhor levar a cabo a missão que me foi confiada pelo meu chefe. Mas, adiante... Aceito perfeitamente
que tenha sido um mal-entendido... Antes de nos separarmos, queria pedir-lhe uma pequena informação...
- Diga!...
- Desculpará a minha indiscreção, mas, para dissipar as últimas dúvidas que possam persistir no meu espírito, gostaria de saber o que veio fazer a este bosque, sr.
Gilbert?,..
O rapaz não pôde reprimir um estremecimento ao ouvir aquelas palavras do ranger. Muito calmo, este último prosseguiu:
- Suponho que não tenha vindo apanhar cogumelos...
Mike Gilbert hesitou durante alguns segundos. Dentro dele travava-se um violento combate.
- Tenho muita pena, sr. Catamount, mas não posso responder à sua pregunta... O motivo da minha presença neste lugar deve permanecer absolutamente secreto,.. Dei
a minha palavra de honra!...
Surpreendido com o sorriso irónico do ranger, Mike apressou-se a acrescentar:
- Pelo que tenho de mais caro no mundo, sr. Catamount, juro-lhe que não fui tido nem havido na agressão infame de que ia sendo vítima... Olhe bem para mim... acredite-me...
tenho a aparência dum impostor?
Mike Gilbert sustentava corajosamente o olhar de aço do ranger, que se fixava sobre êle com insistência. Por fim, Catamount encolheu os ombros e limitou-se a declarar:
- Peço-lhe apenas para ficar à minha disposição, sr. Gilbert!
- Pode ficar descansado!... Tenho a consciência tranquila. E por isso não precisarei de fugir!... Ficarei no meu rancho... Quando precisar de mim não terá mais do
que telefonar-me!...
- Está bem!...
Então Mike Gilbert despediu-se de Catamount e instalou-se no Ford. Daí a alguns instantes afastava-se a toda a velocidade em direcção a Houston.
Catamount permaneceu durante algum tempo pensativo no meio da estrada. Este encontro imprevisto não deixava de o desconsertar. De-facto Mike parecia-lhe sincero,
mas não deixara de notar a perturbação manifestada por êle quando lhe pediu os esclarecimentos...
"Porque não terá querido responder-me?" preguntava Catamount de si para si. "Que estaria êle a fazer no bosque?... E se não foi êle o meu agressor, quem seria o
emboscado?..."
O ranger de-pressa interrompeu as suas reflexões; saltou o fosso, e dirigiu-se resolutamente pelo bosque dentro; hábil pesquisador de pistas, foi sem dificuldade
que referenciou os sinais das pegadas de Mike Gilbert; no entanto o caminho que Mike seguira, tanto à ida como à volta - havia uma dupla fileira de passos - afastava-se
bastante do lugar onde lhe parecia que o agressor se emboscara.
"Decididamente, começo a convencer-me de que Mike foi sincero. Não foi êle quem atirou sobre mim... Mas não compreendo aquela reserva!" À medida que ia monologando,
Catamount esforçava-se por referenciar o ponto exacto onde o atirador se postara; após vinco minutos de pesquisas conseguiu dar com êle. Havia uma outra pista, distante
apenas uns dez metros do talude da estrada, com sinais evidentes de uma permanência mais prolongada.
"Não há êrro possível!" dizia o ranger de si para si. "Houve alguém que aqui esteve ajoelhado durante um certo tempo..." Alguém, que não era Mike Gilbert, estivera
ali ajoelhado durante um certo tempo! A. marca dos dois joelhos ficara profundamente impressa no musgo.
O olhar penetrante do ranger acabava de descobrir um objecto brilhante, sob um molho de mato; afastou-o ligeiramente e agarrou-o.
"Uma cápsula de um cartucho de Colt, calibre 45!...", comentou êle.
E mais adiante descobria outras duas cápsulas. Não havia dúvida, os tiros tinham sido disparados daquele ponto. "Mas, que mau atirador, como êle falhou o alvo, a
tão curta distância", acrescentou o ranger no seu solilóquio.
Catamount examinava minuciosamente os sinais que descobria, depois voltava a reflectir, e punha-se a seguir a pista do misterioso atirador, a qual parecia obliquar
sobre a direita na direcção do "Estrela Dourada".
"Quem sabe, talvez que agarre ainda o malandrote?..."
Mas, de-pressa se convenceu de que tal era impossível; o tempo que se demorara a conversar com Mike Gilbert fora mais do que suficiente para aquele se pôr a bom
recato. Agora devia estar longe.
Como medida de precaução, e na hipótese de novo ataque, Catamount avançava sempre de revólver aperrado. Mas, o silêncio era completo. "Creio que o melhor será seguir
para o rancho; estou aqui a perder o meu tempo!" murmurou o ranger.
Dirigia-se para a estrada, para o ponto onde deixara o Mesquita, quando um ruído inesperado lhe despertou a atenção. A uma pequena distância, no bosque, sentira
o estalar da madeira. E Catamount pôs-se em guarda. Olhou mais atentamente para o ponto de onde partiam os ruídos e avistou dois vultos que caminhavam meio-ocultos
pelas árvores.
"É um homem que conduz o cavalo à rédea e que se prepara para alcançar a estrada", disse de si para si, e avançou mais alguns metros nessa direcção.
Desta vez o ranger convenceu-se de que ia decifrar o enigma. O tal cavaleiro aproximava-se a passo regular; ia mesmo a passar por detrás da árvore junto da qual
Catamount se tinha escondido, quando este soltou uma exclamação de surpresa. Não era um homem que assim avançava
pelo bosque, mas uma mulher cuja silhueta lhe era além disso muito familiar.
"Miss Mainrod!"
Catamount não se equivocara, era de-facto a filha do Imperador do "rodéo". A rapariga levava pela rédea um cavalo preto que tinha entre os olhos uma estrela branca;
era o mesmo corcel que montava no dia do "rodéo". Até esse momento não se apercebera ainda da presença do ranger. Catamount hesitava entre manifestar-se ou permanecer
oculto Mas, a curiosidade era nele muito forte e foi ela que venceu; no momento em que Helena passava perto da árvore, avançou deliberadamente para a rapariga.
Esta, colhida de surpresa, alarmou-se e o seu gesto foi levar a mão ao minúsculo Derringer que trazia à cinta. Porém, mal descobriu de quem se tratava, exclamou
muito admirada:
- O sr. Catamount!... Santo Deus, o que faz aqui ?...
Era como se um raio a houvesse fulminado; os lindos olhos da rapariga não se despregavam do ranger, cuja presença naquele local tão extraordinária emoção lhe causara.
- Poderia fazer-lhe a mesma pregunta, miss Mainrod, replicou êle com calma. Estava bem longe de suspeitar que se encontrava aqui...
- Não estou por acaso dentro do território do rancho do meu pai? replicou a rapariga franzindo o sobrolho.
Helena recuperava o sangue frio que por momentos
a abandonara. Muito direita afectava agora a maior calma.
- Desculpar-me-á quando eu lhe disser que me encontro aqui à procura de um tipo que disparou alguns tiros sobre mim, alegou Catamount. .. Se o "cavalheiro" se não
tem emboscado aqui, nunca eu teria vindo dar este pequeno passeio... Mas, no entanto, a-pesar-de não ter conseguido agarrá-lo, não dou por perdidas as minhas passadas...
Talvez que miss Mainrod consiga prestar-me algumas indicações úteis... É a terceira vez que pretendem desembaraçar-se de mim, e nem ainda desta levaram a melhor...
Deus tem-me poupado milagrosamente!...
Helena estava extraordinariamente pálida.
- O quê, tentaram outra vez assassiná-lo?... Em poucas palavras Catamount relatou-lhe as circunstâncias em que a agressão se produzira; depois, muito habilmente,
para ver se conseguia esclarecer um ponto duvidoso, acrescentou:
- Surpreendi, além disso, pouco depois do atentado, aqui neste ponto, uma pessoa que podia muito bem ter sido o culpado!...
- Surpreendeu alguém? repetiu a rapariga, que parecia haver perdido a calma.
- Sim!... Mike Gilbert!...
- Oh! não foi êle!... Posso jurar-lhe!... Helena exprimira-se com tamanha convicção,
que Catamount quedou-se interdito...
- Então sabe alguma coisa, miss Mainrod?... Explique-se...
A rapariga parecia hesitar; ia confiar-se a Catamount, dizer-lhe o que sabia, explicar-lhe as razões por que se encontrava no bosque; no entanto tinha um certo escrúpulo;
lembrava-se da conversa que tivera com o pai e do aviso que este lhe fizera; não havia necessidade nenhuma de meter o ranger num caso estrictamente pessoal, o qual
não tinha, nem por sombras, qualquer relação com o roubo do National Bank.
- Tenho muita pena, sr. Catamount, mas não lhe posso contar. Mas, acredite-me, julgo que tem confiança em mim... Se alguém atirou sobre si, Mike Gilbert não tem
nada com o caso!...
- O meu maior desejo, miss Mainrod é dar crédito às suas palavras, replicou o ranger, a quem esta súbita reserva da rapariga impressionava muito desagradàvelmente.
De resto, prosseguiu êle, esperava da sua parte um melhor auxílio... Parece-me que não confia em mim?...
A insistência de Catamount não conseguia triunfar da obstinação da rapariga; ela pusera-se outra vez em marcha; o ranger, porém, decidiu-se a acompanhá-la. Após
uma curta pausa, ela recomeçou :
- Seja, Miss Mainrod, proceda como muito bem entender! Estou convencido que nem Mike Gilbert, nem Miss Mainrod nada têm que ver com o atentado, mas, no entanto,
previno-os que estou disposto a defender-me com a maior energia!... Tanto me faz que o meu agressor houvesse sido Gilbert, como qualquer outro, o que é certo é
que êle não tardará em pagar cara a sua perfídia!... Não voltarei para El Paso sem que se faça justiça!...
O ranger surpreendeu o leve estremecimento que crispava os traços fisionómicos da rapariga. Aproximavam-se da orla do bosque e já se avistavam por entre as árvores
as largas tiras alcatroadas da estrada.
- Quero pedir-lhe um favor, sr. Catamount, disse Helena com uma certa hesitação, é de não dizer nada ao meu pai do que se acaba de passar!...
- Nem mesmo dos quatro tiros de revólver?. ..
- Nem mesmo dos quatro tiros de revólver !...
- Mas que singular idea a sua, miss Maínrod! Vamos, diga-me com franqueza, qual é o seu papel em tudo isto?
- Sabê-lo-á dentro de pouco, sr. Catamount; por emquanto circunstâncias independentes da minha vontade exigem que me cale!
O ranger e a rapariga chegavam agora ao fosso situado à beira da estrada, o qual transpuseram rapidamente.
- Cá está o seu Mesquita, disse a rapariga, apontando para o alazão que se encontrava a uma dezena de passos. Se não vê inconveniente voltaremos juntos para o rancho....
Isso evitar-me-á uma explicação incómoda!...
- Como quiser, miss Mainrod... Observo-lhe
apenas que jogo jogo franco... Porque não procede para comigo da mesma forma?...
- A caminho !...
Helena e Catamount montaram rapidamente e dentro de dois minutos, a par um do outro, tomavam o caminho do rancho.
- A-propósito, Miss Manrod, disse Catamount, após alguns minutos de silêncio, tenho uma informação a pedir-lhe... Tranqúilize-se, não diz respeito ao seu amigo Mike
Gilbert!...
Helena ruborizou-se ligeiramente, depois, procurou sorrir:
- Diga, sr. Catamount... Se lhe puder ser útil...
- Conhecia o homem que tentou estrangular-me na noite passada?
A amazona disse que não com a cabeça:
- Nunca o vi... Posso garantír-lhe que não pertencia à equipe do rancho,..
- Pertenceria ao pessoal do sr. People?...
Ao ouvir pronunciar o nome de People, Helena franziu o sobrolho; no entanto, de-pressa se acalmou e respondeu com a maior naturalidade:
- Não conheço os cowpunchers do sr. People! No entanto, não julgo que fosse qualquer dos auxiliares dele. Passam muitas vezes por estes sítios indivíduos estranhos,
em busca de trabalho... O nosso maioral farta-se de receber pedidos... Lembro-me que fosse qualquer desses tipos!...
- Penso também a mesma coisa... No entanto
tenho a impressão que haja sido levado a isso por alguém que tivesse interesse no meu desaparecimento, isto é, por alguém que pertença ao bando dos salteadores de
bancos!...
- Também sou dessa opinião, replicou a rapariga. Fora disso, não vejo mais ninguém na região...
- Que pensa de Irving People?...
A pregunta de Catamount era tão directa, tão imprevista, que a rapariga ficou durante alguns segundos sem saber o que devia responder.
- Já vê, conheço tão mal o sr. People que me não posso pronunciar sobre êle nem sobre a equipe do rancho de que é proprietário... Apenas sei que goza da fama de
ser imensamente rico e que meu pai fêz com êle alguns negócios de cavalos... Mas, por que me faz essa pregunta, sr. Catamount? Tem quaisquer suspeitas acerca do
sr. People?...
- Não suponho nada... Notei apenas que não tinha por êle qualquer simpatia... Devo confessar-lhe que também compartilho desses mesmos sentimentos.
Um relâmpago passou nas pupilas da amazona.
- Olhe, sabe, o sr. People é uma destas pessoas que me é completamente indiferente...
- Mas, admitamos, porém, que o sr. People pedia a sua mão ?
Helena voltou a estremecer e procurava evitar o olhar do ranger. Dar-se-ia o caso que este suspeitasse da situação?...
- Onde quere chegar? preguntou a rapariga bastante aborrecida.
- Não é preciso ser-se grande psicólogo para compreender que o sr. People tem por si a maior admiração, para não dizer mais... No outro dia, no estádio, não tirava
os olhos de si!...
Chegavam nessa altura ao curral do rancho e a rapariga aproveitou a ocasião para mudar de conversa; subitamente avistou o pai, e então gritou para o ranger:
Olhe, ali vem o meu pai!
XIV
O zarolho
Era, de-facto, o Imperador do "rodéo" quem se dirigia para eles; mal se apearam já êle estava junto do ranger e da amazona.
- Então, Helena, por onde tens andado? preguntou Everett Mainrod. Há mais de uma hora que te procuro e ninguém me sabia dizer onde te encontravas.
- Eu e Miss Mainrod fomos dar uma volta pelo pequeno bosque que fica situado no extremo da sua propriedade, replicou Catamount, impassível. O tempo estava tão agradável
que não resistimos à tentação de nos sentarmos à sombra!...
Helena dirigiu ao companheiro um olhar de reconhecimento: as declarações do ranger tiravam-na de certos apuros. No entanto, o Imperador do "rodéo" não parecia lá
muito convencido; olhava ora para o cavaleiro, ora para a filha... Parecia a um tempo surpreendido e desapontado por os ver regressar juntos. Era
fora de dúvida que preferiria encontrar-se sozinho com Helena. Depois da célebre discussão, não tinham voltado a falar; a atitude obstinada da rapariga levava-o
a pensar que ela não aceitaria casar com Irving People. Depois dos cavaleiros terem recolhido os cavalos no corral, Everett Mainrod disse para o ranger:
- Então, nada de novo?
- Absolutamente nada, respondeu Catamount, fleugmático. Calmaria absoluta em todas as frentes!..,
- Esteve com Wedder?...
- Sim, estive, mas nem por isso fiquei mais adiantado; o pobre do xerife mais os seus auxiliares não sabem o que hão de fazer... Parece-me que têm ideas muito peculiares
acerca das funções que exercem... Quere que lhe diga francamente a minha opinião, sr. Mainrod?...
- Diga lá, faça favor!...
- Pois bem, nas próximas eleições veja se se lembra de apresentar um outro candidato!...
- Enganei-me na minha escolha, sempre o julguei mais enérgico, mais desembaraçado!... já quis ver se êle se decidia a pedir a demissão, mas não, não há maneira,
agarra-se ao cargo com unhas e dentes!...
- E entretanto os salteadores de bancos continuam a poder trabalhar à vontade...
Helena seguia os dois homens a alguns passos; pelos olhares que a rapariga lançava furtivamente a Catamount, via-se que a conversa havida pouco
antes entre ela e o ranger a tinha impressionado profundamente.
A-pesar-de tudo, o almoço decorreu com a maior calma; Everett Mainrod e Catamount conversaram sobre coisas que não tinham qualquer relação com o assalto ao National
Bank. Emquanto a Helena, essa permanecia silenciosa; mal tocava na comida.
- Fala, pequena! Estás doente, ou o que é que tens?
O ranger percebeu no tom com que estas palavras foram pronunciadas, e na reserva que Helena continuava a observar, respondendo apenas com monossílabos ininteligíveis
às palavras do pai, que o desentendimento entre os dois persistia, cada vez mais agudo. No entanto, absteve-se de intervir. Depois do café despediu-se e foi até
ao pátio para fumar um cigarro.
Alguns cowpunchers dormitavam sob um alpendre. O ranger foi sentar-se junto de uma fonte que ficava próxima. Aí sempre era um pouco mais fresco, pois o dia era de
grande calor. Estava êle entregue às suas meditações emquanto saboreava o cigarro, quando reparou que alguém o interpelava.
- Olá, sr. Catamount, ainda bem que o encontro! precisava imenso de lhe falar em particular. ..
O ranger, que acabava de esmagar a ponta do cigarro com o tacão da bota, voltou-se. Verificou que quem lhe dirigira a palavra era um dos
cowpunchers, dos que estavam à sombra debaixo do alpendre. O homem, um arganaz mal acabado, com nariz de papagaio, e uma trunfa desgrenhada, aproximara-se dele sem
fazer ruído; um stetson desbotado cobria-lhe a cabeça, defendendo-lhe dos raios de sol o rosto coberto por uma barba já de alguns dias.
Mas, o que mais impressionava no recém-chegado era o olho direito, coberto por pálpebras sanguinolentas, e onde se via uma névoa, branca. Para aumentar ainda mais
a disformidade, tinha o olho esquerdo COM ESTRABISMO divergente. Com este olho, fitava o ranger com singular
fixidez.
- O senhor não me conhece, sr. Catamount... É natural... Nunca tivemos ainda ocasião de falar um com o outro... Sou Philm... Philm, o Zarolho.,. Exerço aqui no rancho
a profissão
de maioral.
- Com muito prazer! respondeu o ranger, e apertou a mão que o homem lhe estendia.
Para falar a verdade, Philm não inspirou a Catamount nenhuma espécie de simpatia.
O ranger preguntava a si mesmo que diabo lhe poderia querer o maioral, quando este lhe agarrou pela manga, e, apontando para os camaradas, disse-lhe em voz baixa:
- É preciso que eles não suspeitem de nada! O que tenho a comunicar-lhe é da maior importância e gravidade !...
O ranger esboçou um gesto de admiração, e,
então, o Zarolho, chegando-se muito para êle, ciciou-lhe ao ouvido:
- Sei quem disparou os tiros que o iam atingindo, na orla do bosque!...
Catamount não pôde reprimir um leve estremecimento. As palavras de Philtn causavam-lhe a maior estupefacção. Afinal de contas havia mais gente no "Estrela Dourada"
que estava ao corrente da agressão? Nem ao almoço falara no caso a Everett Mainrod, não só para fazer a vontade a Helena, mas, ainda, e principalmente, para conservar
uma maior liberdade de acção. Eis porém que aquêle maioral, que êle nunca tinha visto, lhe vinha falar no caso...
- Diga lá, sou todo ouvidos! declarou o ranger.
- Não pode ser já, sr. Catamount... Mas, se quiser esperar até às cinco horas, depois de largar o trabalho poderemos conversar à nossa vontade... Conhece a velha
fábrica de cortumes de Springtirne... Poderemos encontrar-nos nesse ponto?...
- Não sei precisamente onde fica, mas se me indicar o local, não terei dificuldade em lá ir ter.
- Está bem, encontrar-nos-emos lá às cinco horas... Para isso não terá mais do que seguir o caminho nº 7 ao longo do corral; após uma milha de caminho encontrará
um outeiro, junto do qual corre um riacho; um pouco mais adiante, escondida entre as árvores, fica a vélha fábrica de Springtirne... É mesmo aí!... Não falta?...
- Sim, não falto, mas antes disso queria que me dissesse...
- Por emquanto apenas lhe posso dizer uma coisa: é que encontrará lá o homem que disparou sobre si... Arranjei maneira de lhe deitar a mão... Mas, por emquanto,
não me pregunte mais nada!
E, como Catamount se imobilizava ainda, interdito, Philm o Zarolho, acrescentou:
- Esquecia-me de lhe dizer que não precisa de levar o cavalo... Ninguém no "Estrela Dourada" deve suspeitar da sua presença naquele local... Irá a pé... É até um
passeio agradável!...
O ranger ia ainda a dizer qualquer coisa, mas Philm não lhe deu tempo para isso. Ouviu-se um assobio, e um cowpuncher apareceu junto do maioral.
- Às cinco horas, sr. Catamount, e olhe que se não há de arrepender de lá ter ido!...
Catamount afastou-se a pensar: "O que me quererá afinal de contas, este Philm?..."
Catamount prometia a si mesmo exigir do Zarolho todas as explicações necessárias. Não foi sem uma certa impaciência que passou as três horas que o separavam da hora
marcada para o encontro. As tentativas precedentes de assassínio dirigidas contra êle, obrigavam-no a proceder com a maior circunspecção. Suspeitava de nova emboscada,
mas, não era homem para recuar: dissera que ia, iria mesmo!... Quem sabia?...
Talvez que o Zarolho com as suas revelações, verdadeiras ou falsas, lhe permitisse destorcer a meada. Antes de se afastar do rancho, Catamount verificou se os dois
revólveres estavam carregados. Receava qualquer intervenção do Imperador do "rodéo", ou da filha, que o entravassem à última hora. Se lhe aparecesse qualquer convite,
de um ou de outra, não o poderia recusar, pois não lhe convinha explicar os motivos que a isso o levavam. Por felicidade ninguém veio importuná-lo, e os arredores
do rancho estavam desertos; apenas o cozinheiro preparava no pátio três coelhos que deviam servir para o almoço do dia seguinte.
Eram quatro horas quando o ranger tomou o caminho que Philm lhe indicara. De vez em quando afagava a coronha dos revólveres, lembrando-se de qualquer espera pelo
caminho.
Sentiu-se porém mais tranquilo quando chegou às vizinhanças imediatas da antiga fábrica de cortumes; um cheiro forte e característico invadia a atmosfera. O sítio
parecia deserto; apenas se ouvia o murmúrio regular do riacho; como avistasse um tronco de árvore deitado sobre a erva, Catamount sentou-se nele; depois, com um
dos Colts sobre o joelho, esperou que o Zarolho aparecesse.
Não teve de esperar muito tempo. Às cinco horas menos um quarto, ouviu o martelar das ferraduras de um cavalo sobre as lages do caminho. A menos de cem passos, Catamount
avistou um cavaleiro por detrás das árvores. Era Philm!...
Este amarrou rapidamente o cavalo a uma árvore, e depois dirigiu-se a passo rápido para junto do ranger.
- Desculpará tê-lo feito esperar, sr. Catamount?
- Ora essa, chegou antes da hora marcada! Estava um pouco impaciente, mas era porque o senhor expôs a minha paciência a uma rude prova, por me não ter explicado
logo do que se tratava!...
- Não se zangue, sr. Catamout, olhe que não perdeu nada em esperar!...
- Vai um cigarro ?...
- Muito obrigado!...
Philm escolheu um cigarro, depois, emquanto êle o acendia, Catamount, que metera a cigarreira no bolso, disse:
- Espero de si explicações concretas, apoiadas em provas indubitáveis... O senhor disse-me no pátio do rancho que conhecia o autor da agressão desta manhã, mais
ainda, garantiu que o traria à minha presença...
- Sim, senhor!... E é isso mesmo o que vai acontecer... O homem a quem procura e que conseguiu escapar-se à acção da justiça, chama-se Mike Gilbert!...
- Mike Gilbert!...
- Confesse que tinha um pouco essa impressão, sr. Catamount... Não chegou a ameaçar
esse tratante com o seu revólver?... Infelizmente para si, êle achou arte de o "embarrilar"... Acreditou nele e deixou-o fugir... Teve mesmo à sua disposição o homem
que chefia a quadrilha de salteadores de bancos, o abominável patife que o metralhou na outra noite, e o mandatário do estrangulador... Afinal de contas para o deixar
escapar-se!...
O ranger ouvira sem pestanejar aquela tremenda denúncia do Zarolho. E, como este se espantava com a impassibilidade que continuava a observar perante tais declarações,
preguntou com a maior calma:
- Poderá fornecer-me provas de tudo quanto acaba de afirmar?
- Dentro em pouco dar-lhe-ei todas as provas e o senhor ficará edificado!...
- Está bem, mas antes disso preciso que me responda a uma pregunta que lhe vou fazer?...
- Da melhor vontade!...
- Que fazia você no bosque, nessa ocasião ? Já que foi testemunha da agressão de Mike Gilbert contra mim, porque não apareceu no momento oportuno, para o confundir
quando êle estava à minha mercê?
O Zarolho pareceu a princípio um tanto embaraçado com a pregunta; porém respondeu:
- Tenha paciência, daqui a pouco já vai saber tudo... Deixei na gaveta da minha mesa, na fábrica, documentos que não permitirão que subsista qualquer dúvida no seu
espírito!...
- Mas, disse-me que Mike Gilbert deveria aparecer por lá?...
- Gilbert não deixará de aparecer, e vai cair na ratoeira que nós dois lhe armámos... Espero que não se esquecesse de trazer consigo um par de algemas?... Naturalmente
precisaremos delas, conto que o bandido se decida a entrar no caminho das confissões!...
A convicção com que Philm falava não parecia entusiasmar Catamount. Era em vão que o Zarolho procurava adivinhar sob aquela máscara impenetrável quais eram as impressões
do ranger.
- Será melhor não nos demorarmos aqui mais tempo... Poderão surpreender-nos... Venha daí comigo, que terei muito prazer em lhe provar tudo quanto acabo de lhe dizer!...
Philm queria afastar-se para deixar passar Catamount em primeiro lugar, mas o ranger insistiu... A atitude do Zarolho não conseguira tranquilizá-lo, e continuava
a recear uma armadilha. Caminharam lado a lado durante alguns instantes; depois, assim que chegaram junto da casa, Philm estacou.
- Tivemos sorte, já cessaram o trabalho, e assim poderemos conversar mais à vontade até que Mike Gilbert apareça.
O maioral tirou uma chave do bolso, a qual introduziu na fechadura; deu-lhe duas voltas. A porta abriu-se.
- Faz favor de entrar, disse o Zarolho, voltando-se para Catamount.
XV
Dez contra um
A desconfiança de Catamount persistia, e por isso êle disse ao Zarolho:
- Faça favor de passar primeiro!... Philm encolheu os ombros:
- O senhor desconfia de mim; não está certo!...
- Confesse que me pagam para esse efeito, replicou Catamount, com a maior calma. Já por três vezes que tentaram dar-me cabo da pele. Nada me garante que não o tentem
ainda uma quarta vez!...
O gesto de protesto que o Zarolho esboçou não foi suficiente para tranquilizar o ranger; todo o ar do maioral, a insistência dele em só lhe fornecer as provas depois
de o fazer penetrar na fábrica de cortumes, tudo lhe parecia mais do que suspeito. Por isso levou a mão ao Colt de que sabia servir-se com extraordinária rapidez...
Philm tinha já franqueado a porta de entrada;
o cheiro que se exalava do interior da casa era nauseabundo logo à entrada, numa cuba, havia algumas peles que estavam a curtir...
- A fábrica é ainda utilizada de tempos a tempos, mas, em geral, a maior parte do tempo conserva-se fechada meses e meses!...
Catamount não respondeu, e como parecia ainda hesitante em entrar, o Zarolho insistiu:
- Então não entra? Olhe, os papéis de que lhe falei estão alí naquela gaveta!...
Philm estendia a mão e apontava para uma mesa colocada a alguns passos da porta de entrada. O ranger entrou, quando, de-repente, surgiram da sombra vultos que avançaram
para êle.
- Ah! patife, agora é que as vais pagar!... Mas, o ranger não pôde acabar a frase; alguém
deslizou por trás- dele, e fechou a porta, tornando-lhe impossível a retirada. Ao mesmo tempo ouviu-se um brado de satisfação, junto da cuba da curtimenta:
- Agora está-nos nas unhas!...,
- Ainda não!.
Com extraordinária rapidez, o ranger agarrou nos dois revólveres e apontou-os ao grupo; depois, encostado à parede, para evitar qualquer ataque pela retaguarda,
pôs-se a contar os adversários :
- Seis!... Sete!... Oito!... Nove!... Dez!... Decididamente prepararam bem as coisas!... Que grande honra!... Com que então são precisos dez homens para darem cabo
de Catamount!...
E deixem-me dizer-lhes que por emquanto êle ainda está vivo e disposto a vender a pele bem cara!... São muitos, paciência, o número nunca me meteu medo!...
Catamount exprimia-se em voz calma, e não deixava perceber a menor admiração; parecia que já esperava aquela cilada. Um tanto interditos por aquela atitude corajosa,
os adversários do ranger olhavam uns para os outros. Durante curtos instantes teve ensejo de os examinar a todos.
- Coisa estranha!... Vocês pertencem todos ao "Estrela Dourada"!... Os meus parabéns!... Emquanto a ti, Philm, apenas te quero dizer que a tua traição te poderá
custar muito cara... A bem dizer, a minha confiança em ti foi sempre menos de que medíocre, e pouco crédito dei à tua história abracadabrante. Apenas de uma coisa
fiquei convencido, é de que te encontravas no bosque quando se deu o atentado... Dissimulaste-te no bosque, junto da estrada, quando dispararam sobre mim... Ora,
quem disparou foste tu!... O Zarolho largou uma grande gargalhada.
- Não há dúvida que este Catamount tem faro!... Sim, fui eu, e depois?... Agora posso confessá-lo, pois nada receio de ti!... Fica sabendo que te condenámos à morte!...
Daqui é que tu não sairás vivo!... Escapaste das outras vezes, mas desta não escapas tu!...
- Isso é o que nós vamos ver!... Lembrem-se de que não estou só!... Não conseguiram dominar-me logo às primeiras; a minha hesitação embrulhou-lhes
os planos. Vocês são dez, bem sei mas tenho aqui doze balas, e sou bom atirador. Ao mínimo gesto da vossa parte, atiro-lhes como a cães!...
Catamount nem por um instante perdera a calma; a segurança que manifestava parecia impressionar profundamente Philm e os companheiros, os quais tinham todos puxado
pelos revólveres; mas, todos sabiam que o ranger não era homem para hesitar, e que, além disso era de todos o mais rápido atiràdor. Antes que se decidissem a disparar,
Catamount abateria alguns...
Durante instantes reinou no ambiente um silêncio quási que absoluto.
O Zarolho e os outros cowpunchers rodeavam o ranger, mas este não perdia nenhum dos movimentos deles. Como um dos bandidos se houvesse dissimulado por detrás de
um armário, com certeza para alvejar Catamount, ouviu-se imediatamente uma detonação, logo seguida de um grito; com a mão direita atravessada por uma bala, disparada
pelo ranger, o bandido cambaleou e foi apoiar-se a uma mesa junto da cuba de curtimenta.
- Aviso aos amadores! disse simplesmente Catamount. A quem caberá agora a vez?... Tenho aqui com que não deixar ninguém descontente !...
Philm e os companheiros não responderam. O Zarolho estava possuído de uma tremenda excitação. Organizara a cilada, convencido de
que o ranger seria reduzido à impotência logo à chegada à fábrica de cortumes. Os seus acólitos, que aguardavam dissimulados no refúgio, não tinham sido bastante
prontos, agora a situação parecia bastante paradoxal: o ranger não podia sair, a porta estava solidamente barricada por detrás dele, mas continuava armado e continha
em respeito o grupo que o queria liquidar.
- É curioso, vocês pertencem todos ao "Estrela Dourada", prosseguiu o ranger, imperturbável. Os meus cumprimentos! Everett Mainrod vai ficar encantado quando souber
a que agradáveis passatempos se entregam os seus cowpunchers!... Além disso também o xerife terá de vos exigir certas explicações indispensáveis!... O interesse
que vocês todos demonstram pela minha modesta pessoa, prova-me que devem estar muito bem informados sobre o roubo do National Bank, e sobre outros casos semelhantes.
Julgo que vocês poderão também informar-me acerca das circunstâncias que acompanharam, na outra noite, a morte do meu pobre King!... Jurei vingá-lo, impiedosamente!...
Nenhum de vocês escapará ao castigo!...
Um frémito percorreu o grupo. Parecia de facto que naquele momento os papéis se encontravam invertidos, e que todos estavam à mercê do ranger. Philm, porém, foi
o primeiro a tentar reagir:
- Vocês são uma cambada de cobardes!... A deixarem o tipo falar, como se de-facto fosse
o senhor da situação!... Lembrem-se de que felizmente o contrário é que é verdade!...
O Zarolho ia prosseguir na arenga, quando, de-repente, soou nova detonação; ao mesmo tempo sentiu o stetson ir pelos ares, furado de lado a lado por uma bala.
- Apenas te apontei ao chapéu, ilustre Philm!... declarou então Catamount. Na próxima vez visarei duas polegadas mais abaixo, em plena testa!...
O maioral proferiu uma horrível blasfémia; a coragem não era a sua qualidade dominante; especialista em emboscadas e ciladas, acobardava-se quando tinha que se defrontar,
frente a frente, com um adversário resoluto..,
Passaram mais dois minutos; a situação ameaçava eternizar-se, pois nenhum dos cowpunchers se decidia a tomar a iniciativa do ataque. Sempre encostado à parede, Catamount
continuava a apontar os dois Colts sobre o grupo disposto em semi-círculo.
Finalmente um dos cowpunchers, que se encontrava mais próximo da janela, conseguiu fechá-la. Imediatamente a casa ficou mergulhada em completa obscuridade. - Vamos
a êle!...
Imediatamente, e de comum acordo, agora que se julgavam protegidos pelas trevas, as quais impediam o ranger de poder acertar os seus tiros, os bandidos precipitaram-se
sobre êle; ouviram-se várias detonações, logo seguidas de gritos de dor. Ouviu-se, também, o ruído da queda de
um corpo. Dois dos outros feridos recuaram a gemer.
Mas, desta vez, a táctica dos cowpunchers afírmava-se eficaz. Catamount, agarrado por dez punhos vigorosos, descarregava os revólveres ao acaso.
Outro dos seus antagonistas caiu, mortalmente ferido, mas os restantes não o largavam ; conseguiram que êle perdesse o equilíbrio. Ouviam-se gritos de triunfo:
- Agora é nosso!..,
- Segurem-no bem!... Não o deixem fugir!...
- O maldito é de força, defende-se com coragem !...
Catamount lutava, de-facto, com a energia do desespero; perdera um dos Colts, na refrega, mas segurava bem o outro pelo cano e defendia-se à coronhada; as pragas
e os gritos de dor, que ouvia, provavam-lhe que os golpes que descarregava atingiam o alvo.
Agora, Philm e quatro dos acólitos carregavam com todo o seu peso em cima do ranger. Com os pés e as mãos bem fincadas no solo, o ranger lutava sempre.
- De-pressa!... Tragam cordas!... uivou o Zarolho.
- É melhor não estarmos com tanta complicação, mete-se-lhe uma bala na cabeça e é assunto arrumado!...
- Den tem razão!...
- É inútil continuar a bater-lhe!... Já tem a sua conta!...
De-facto, um dos cowpunchers acabara de vibrar um violento murro na nuca do ranger, e este ficou incapaz de continuar a resistir.
- Abram a janela!... rugiu o maioral. É que não se vê nada!...
Um dos feridos apressou-se a obedecer, e logo um raio de sol iluminou o refúgio. Os bandidos puderam então fazer o balanço da luta: três cadeiras quebradas junto
da cuba da curtimenta; dois cadáveres no meio do chão, um junto da porta, com os braços em cruz, o outro dobrado sobre si mesmo, o rosto contraído pelo sofrimento,
e os olhos muito abertos. Um pouco mais longe, três cowpunchers jaziam no solo bastante maltratados; dois haviam sido feridos na omoplata pelos tiros do ranger,
o outro quebrara uma perna...
- Custou, mas sempre conseguimos agarrá-lo! resmungou o Zarolho, o qual durante a parte decisiva do combate se conservara sempre no segundo plano.
E, depois de uma pausa, prosseguiu:
- Para evitar complicações, o melhor será fazer desaparecer o cadáver. Êle ainda não está morto, mas, com a minha receita, acorda morto, e o cadáver não será descoberto
senão daqui a muitos anos. Não sei se vocês se lembram de que há aqui uma cisterna...
- Ah! já sei! exclamou Den.
- Sim, tornou o Zarolho. Há vinte anos cometeu-se aqui um crime sensacional. O curtidor Bonnery assassinou a mulher e deitou o cadáver na cisterna que fica justamente
por debaixo deste compartimento. O esqueleto só foi descoberto quatro anos mais tarde, depois da morte do criminoso, que foi fulminado por uma embolia!... Pois bem,
vamos dar o mesmo destino ao sr. Catamount. A profundidade é suficiente para um bom mergulho!...
- Mas, observou um dos bandidos, o corpo poderá ser arrastado para o rio que comunica com a cisterna?...
- Não há nada a temer por esse lado, afirmou Phiim. Existe uma grade bastante forte que impedirá o cadáver de ser levado pela corrente...
- Nessas condições está muito bem!... Toca mas é a despacharmo-nos pois lá no rancho podem começar a desconfiar de tão prolongada ausência...
- É inútil preocuparem-se com isso, rapazes!... Sei muito bem o que hei de dizer quando lá chegar!...
- Mesmo para justificar a morte de Joe e de Conway?... Mesmo para explicar o motivo por que Berg, Sam e Miles se encontram feridos?...
- Deixem-me sozinho com o patrão, que arranjarei maneira de me desenrascar!
Dito isto, o Zarolho foi ao meio da casa onde se encontrava uma argola que servia para levantar o alçapão: agarrou-se a ela com as duas mãos
e puxou com quanta força tinha. O alçapão abriu-se com um ruído surdo, e descobriu uma abertura suficientemente ampla para deixar passar o corpo de um homem. Um
cheiro a mofo invadiu o refúgio e misturou-se ao cheiro acre do coiro, que empestava já profundamente a atmosfera.
Den veio para junto de Phiim e durante instantes ambos estiveram a examinar a cisterna. O rio corria lá no fundo. Uma aragem fria e húmida fustigava-lhes o rosto.
Então Den disse para o Philm:
- Fica aqui admiravelmente!... Vamos mas é buscar o fardo!...
Dois dos cowpunchers levantaram o ranger, um segurava-lhe por debaixo dos braços e o outro pelas pernas. Chegaram junto da abertura que dava para a cisterna.
- Oh!... Iça!.., comandava o maioral. Um... dois... três!...
Os dois bandidos precipitaram então na cisterna o corpo do ranger.
Ouviu-se o ruído do corpo ao mergulhar na
água.
- Boa viagem! gritou uma voz roufenha. Dá lá saudades nossas ao sr. Diabo!
Estiveram algum tempo a olhar para a água, mas, nada conseguiram ver. A escuridão era grande, lá no fundo. Fecharam apressadamente a porta do alçapão, pois não queriam
demorar-se mais. Tranquilizados a respeito do ranger, que já
lhes não poderia fazer mal, puseram-se a combinar a táctica que deviam adoptar, antes de regressarem ao rancho.
Porém, se pudessem observar o que se passava com o seu intrépido adversário, os bandidos por certo que iriam muito menos tranquilos. Catamount nunca perdera os sentidos.
Fora apenas um truque. Compreendera que lhe era impossível qualquer resistência, e, por isso, depois de haver levado aquele violento soco na nuca, deixara-se cair
no meio do chão, com os olhos fechados; um ténue fio de sangue escorria-lhe pela comissura dos lábios, o vestuário estava em farrapos, e o rosto tumefacto. Por isso
Philm e os acólitos se convenceram de que êle havia desmaiado. O ranger achara de boa política não os desenganar. De que lhe serviria tentar ainda resistir?
Os dois Colts estavam descarregados, e alem disso haviam-lhos tirado.
Os bandidos tinham-no à sua absoluta discrição; mais valia portanto recorrer à manha.
E Catamount conservara a mais absoluta imobilidade, mas ia sempre prestando a maior atenção às conversas dos seus vencedores. Foi assim que ficou a saber, que a
cisterna, para onde o haviam atirado, comunicava com o rio. Com os olhos fechados e a cabeça levemente inclinada sobre a espádua direita, aguardava sem tremer que
decidissem da sorte dele. Encarara friamente a morte, quando falaram em lhe dar um tiro na cabeça, depois, a esperança voltara-lhe de
novo. Não era a primeira vez que no decorrer da sua arriscada carreira se encontrava em situações angustiosas. Ainda desta vez êle pusera toda a sua confiança em
Deus, que nunca o abandonara.
O ranger, sempre inerte, sentiu-se atirado pelo alçapão. A água fria reanimara-o; assim, depois de ter ido até ao fundo da cisterna, ao voltar à superfície achara
maneira de se aguentar à tona de água. Por felicidade, conservava todos os movimentos livres; no entanto, evitava provocar o menor ruído. Pelo rectângulo do alçapão
via desenharem-se vagamente os bustos dos adversários. Finalmente, soltou um suspiro de satisfação, quando os malandrins se decidiram a tornar a fechar a abertura.
As trevas propícias tinham-no protegido.
Agora Catamount ouvia o martelar pesado dos pés dos cowpunchers que andavam de um lado para o outro, lá em cima; não se preocupou em prestar atenção ao murmúrio
das conversas deles. Antes de mais nada precisava de escapar ao destino horrível que aqueles miseráveis lhe haviam reservado.
As palavras pronunciadas pouco tempo antes por Phil vinham-lhe agora à memória: "Há uma grade bastante sólida que evitará que o cadáver seja arrastado pela corrente".
Catamount pensou de si para si, e com uma certa razão:
"Se a grade é capaz de reter um corpo inerte,
talvez que não seja suficientemente forte para resistir aos esforços de um homem vigoroso que luta para salvar a vida".
O ranger era um óptimo nadador; não tardou muito que não conseguisse descobrir a tal grade. O contacto da água fria dera-lhe maior vigor; tinha a cabeça menos pesada.
No entanto, o fétido da cisterna causava-lhe uma má disposição. A atmosfera tornava-se irrespirável.
Catamount deteve-se durante algum tempo, pois ouvira um ligeiro pluf! que não sabia lá muito bem explicar; era uma enorme ratazana que acabara de mergulhar junto
dele; tranquilizado, prosseguiu nas suas investigações, e daí a pouco, guiado pela luz do luar, chegou junto da famosa grade.
"Vamos lá, creio que não está tudo perdido!"
Durante dez minutos, o ranger, esgotado pelos esforços que acabava de dispender, agarrou-se aos varões da grade. Lá em cima, o ruído dos passos cessara. Sem dúvida,
Phiim e os acólitos haveriam regressado ao rancho.
Então Catamount atacou decisivamente a grade. Os varões eram fortes, mas estavam muito carcomidos pela ferrugem. Depois de repetidos ataques, conseguiu entortar
dois deles e abrir passagem.
A seguir foi transportado pela corrente. Daí a uns três minutos verificou que tinha pé e que o leito do rio, que corria por uma espécie de
corredor subterrâneo, se tornava cada vez menos profundo. Em breve, já completamente esgotado, encostou-se à parede rochosa, a pouca distância da saída da passagem.
"Salvo!... murmurou êle. Agora vou preparar a minha resposta".
XVI
Catamount faz de morto
O ranger não era homem para se deixar esmorecer facilmente. Pelo contrário, parece que as dificuldades que se lhe deparavam mais faziam despertar-lhe as energias.
Durante um bom espaço de tempo, permaneceu agachado na água, a pensar no que haveria de fazer, agora que se encontrava livre dos seus encarniçados inimigos.
"O mais simples, dizia de si para si, seria voltar para o "Estrela Dourada" e denunciar a Everett Mainrod, Philm e os acólitos! Os miseráveis, confundidos, entrariam
na via das confissões e o enigma encontrar-se-ia finalmente resolvido..."
No entanto, Catamount abandonou essa idea:
"Se voltar para o rancho, posso tirar uma desforra daqueles patifes, que tentaram liquidar-me na fábrica de cortumes, mas, acima deles deve haver um chefe... Philm
não me pareceu de envergadura a conduzir com êxito operações tão delicadas... Será um dos braços,
mas não é com certeza a cabeça!... Ora, o que acima de tudo me interessa é atingir a cabeça!... Se volto para o rancho, corro grande risco de nunca mais descobrir
quem é o chefe da organização... Apenas apanharei alguns comparsas. Não é positivamente isso o que pretendo!... "
E, pouco a pouco, Catamount foi pensando numa outra táctica, que lhe parecia muito mais eficaz, e que lhe permitiria, talvez, descobrir o que pretendia. Porque não
faria êle de morto, por alguns dias?... julgando, morto, os bandidos atrever-se-iam mais... Perante nova façanha deles, deitaria então a mão ao maioral, ou a qualquer
dos acólitos e assim mais facilmente chegaria a conhecer a verdade.
"Mais vale proceder assim, continuava a monologar o ranger. Fico aqui até anoitecer bem, depois, protegido pelas trevas, descobrirei qualquer refúgio de onde planearei
as minhas novas operações... É preciso que no "Estrela Dourada" todos me julguem morto... Helena e o pai, tanto como os outros! Creio que será a única forma de levar
a bom êxito os meus planos. Mas, onde é que haverei de me esconder?...
Catamount teve uma idea: "E se aproveitasse para o efeito a casa do Josué? O bom do preto com certeza que ficará radiante e saberá guardar segredo!...
O ranger esperou na galeria subterrânea ainda um certo tempo e depois, logo que ficou bem escuro, aventurou-se fora do refúgio. Avançou
com a maior cautela, pois se lembrou de que Philm ou qualquer dos acólitos rondassem as paragens; além disso, queria evitar deixar sinais da sua passagem, pois os
seus inimigos poderiam assim descobrir que êle se evadira. Por isso Catamount, durante mais de uma milha, seguiu o leito do rio, sempre com água pelo joelho. Depois
como verificasse que o terreno era de natureza rochosa, saltou lestamente para a margem; assim não havia perigo de que lhe descobrissem o rastro. Deu uma grande
volta, e, por fim, chegou à estrada que seguia para Houston. Caminhava discretamente, dissimulando-se o melhor possível com as árvores e moitas que marginavam a
estrada, sempre que passava qualquer automóvel. Era quási meia-noite quando chegou a casa de Josué; então, sem hesitar, subiu os três degraus que davam acesso ao
vestíbulo e resolutamente apoiou o dedo no botão da campainha eléctrica.
O ranger, sempre em guarda, pois receava que tivesse sido seguido, ouviu o ruído de passos precipitados. Aquela campainhada provocara grande alarme em casa do preto.
Uma voz conhecida, era a de Josué, gritava:
- Quem é?...
- Sou eu, Catamount, abra de-pressa!...
- Santo Deus!... O sr. Catamount!...
A porta abriu-se rapidamente. O fugitivo entrou.
- Deus de misericórdia!... Que foi que lhe aconteceu?...
Josué, de pijama branco e com babuchas brancas, também, nos pés, estava muito espantado; perto dele via-se a Marta, a qual brandia um revólver de grosso calibre.
O aspecto lamentável do ranger justificava o espanto dos dois pretos.
Durante a luta encarniçada, que tivera de sustentar na fábrica de cortumes ficara sem o stetson; além disso, trazia o fato todo rasgado e encharcado; o cabelo colava-se-lhe
às fontes, e a testa sangrava devido a uma pancada que Den lhe vibrara com qualquer instrumento contundente.
-Já lhes conto tudo!... Agora do que preciso é de roupa para me mudar. Quando estiver mais apresentável, então conversaremos... Desculpem a minha ousadia, mas ofereceram-me
sempre com tão boa vontade a vossa hospitalidade, que não hesitei em vir incomodá-los a esta hora e em tais circunstâncias. A minha situação é de-facto muito crítica
e não tinha outro sítio onde me conviesse refugiar-me.
O casal apressou-se em satisfazer o pedido do ranger. Absalão, com o irmãozinho mais pequeno e a petiza irmã de ambos, que tinham acordado sobressaltados, apareciam
agora no alto da escada, em camisa de dormir, e descalços. Marta, muito escandalizada com o aparecimento dos petizes, teve de intervir para evitar que o Absalão
começasse logo a pedir ao ranger que lhe contasse as histórias de cowboys por que tanto se interessava.
Daí a dez minutos, sentado defronte de um
prato de presunto com ovos, que a excelente Marta se apressara em ir preparar para o seu hóspede, Catamount narrava por miúdo os incidentes dramáticos que se haviam
desenrolado desde a última vez que se encontrara com o Josué.
- É preciso avisar o xerife logo às primeiras horas da manhã! declarou José, quando o ranger terminou a narrativa. Esses miseráveis precisam de ser desmascarados
e punidos!.
- Desengane-se, amigo Josué, replicou Catamount de muito bom humor; isso seria o maior disparate!... Temos apenas um meio de desmascarar os bandidos, e não estou
disposto a deixá-lo escapar!... Fica entendido entre nós, até nova ordem faz-se de conta que morri!... Peço-lhes para me deixarem estar aqui uns dias, mas, nem nenhum
de vocês nem os petizes deverão dizer a ninguém que me encontro aqui!...
- Faremos tudo o que nos ordenar, sr. Catamount!... respondeu o palhaço. Mesmo se precisar do meu auxílio, estou às suas ordens...
- Aceito, de muito boa vontade, e assim será a você, Josué, que caberá o papel principal!...
O preto abriu muito os olhos; o ranger apressou-se a explicar-lhe o que esperava dele:
- Como será de calcular, o meu desaparecimento vai provocar uma certa sensação, não só no "Estrela Dourada" como em Houston... Por isso desejava que você, Josué,
me servisse de informador. .. Quereria saber, com a maior exactidão, o que se passa no rancho do Imperador do
"rodéow... Poderia você começar, já amanhã, a exercer uma vigilância activa, mas discreta, no rancho ?...
- Estou à sua inteira disposição, sr. Catamount...
- Basta que me diga exactamente o que viu e o que ouviu... Quem sabe?... Talvez que algumas das suas observações me permitam jogar a partida decisiva!...
Josué estava radiante. Delirava com a idea de ser útil a Catamount e de tomar uma parte activa em tão importante diligência.
Deu uma hora no relógio da sala de jantar; Catamount não quis reter por mais tempo os seus hospedeiros. Como Josué insistia por obter mais explicações, o ranger
respondeu-lhe:
- Esteja amanhã de manhã o mais cedo possível nas vizinhanças do rancho; volte cá ao meio-dia e diga-me o que observou.
No dia seguinte, o ranger só acordou às nove horas. Sentia-se bastante magoado e resolveu-se a descansar na cama até que Josué chegasse. Pouco passava do meio-dia
quando este apareceu.
O palhaço parecia muito satisfeito com o resultado do trabalho que efectuara:
- Sabe, sr. Catamount, parece-me que tudo caminha à medida dos seus desejos!... "No Estrela Dourada" anda tudo em reboliço... O seu desaparecimento causou sensação.
Everett Mainrod mandou proceder a investigações ... Até agora, como é natural, não deram
qualquer resultado... Consegui mesmo chegar junto do Imperador do "rodéo", o qual discutia com a filha; esta última parecia muito triste: insistia para que fossem
quanto antes avisar o xerife... Cerca das onze horas montou a cavalo e convenci-me de que iria ela própria participar o caso a Nick Wedder; mas, à volta, tornei
a encontrá-la perto do pequeno bosque. Conversava animadamente com alguém que procurou safar-se assim que me aproximei, mas, não tão rapidamente que eu não pudesse
ver que se tratava de Mike Gilbert.
- Tudo isso é muito interessante!... declarou Catamount, e esboçou um sorriso furtivo. Porém duvido muito que essa entrevista possa ter qualquer relação com o meu
desaparecimento. E foi tudo quanto observou digno de interesse?,..
- Até agora, sim!... Procedi, porém, de forma a não ser notado, e, à-parte Miss Mainrod e Mike Gilbert, creio que ninguém mais deu pela minha presença...
- Está bem! concluiu o ranger. Preciso que daqui a uma hora volte ao "Estrela Dourada". É natural que consiga observar coisas interessantes até ao cair da noite...
Depois de jantar acompanhá-lo-ei e estou convencido de que efectuaremos um excelente trabalho.
- Não lhe parece que será imprudência aventurar-se tão cedo?... objectou o palhaço preto.
- De forma alguma!... De noite todos os gatos são pardos! Ninguém dará pela minha presença.
Além disso, já estou aborrecido desta inactividade! - Tenho pressa de descobrir o chefe da temível organização!... Por mais viva que fosse a impaciência de Catamount,
teve de resignar-se a passar uma boa parte da tarde na companhia da Marta e dos três pequenos.
As horas pareciam-lhe intermináveis, pois não compartilhava da satisfação de Absalão.
- Quando fôr grande, hei de ser ranger!... insistia o pretinho. Pensa que o Major Morley me aceitará?.
- Quando tu fores grande, já o Major Morley estará reformado há muitos anos!...
- Nessas condições apresentar-me-ei ao sucessor dele!... respondeu Absalão sem se desconcertar.
Finalmente Josué apareceu. Contou ao ranger que o xerife e os auxiliares haviam estado no rancho às primeiras horas da tarde; durante três horas procederam ao interrogatório
do pessoal do rancho.
- Como é natural, Wedder não descobriu nenhum indício sério?... objectou Catamount com ironia.
- Nenhum!... Voltou para Houston sem o mais pequeno elemento, e a dizer que ia enviar um relatório ao Major Morley!... Pouco depois Everett Mainrod recebeu uma visita
que me deixou muito intrigado...
- Quem?...
-Irving People!... Esteve mais de uma hora
no escritório do Imperador do "rodéo"; escondi-me por detrás do muro do jardim. Por isso pude registar quási cronomètricamente o tempo que durou a entrevista. A
presença de People no "Estrela Dourada" surpreendeu-me muitíssimo, pois é sabido que êle e Mainrod poucas relações mantinham!...
- Hurra, Josué!... Basta-me esse simples esclarecimento !... Creio que temos na mão o fio da meada!...
- Como é que esta entrevista de Everett Mainrod e Irving People...
- Não suponho nada; tudo o que lhe posso dizer é que estou decidido a ir rondar esta noite, durante algum tempo, o "Estrela Dourada"; na sua companhia, isto, bem
entendido, se você estiver disposto a correr graves riscos para me ajudar a descobrir a verdade?
-Estou absolutamente às suas ordens, sr. Catamount!...
A Recusa de Helena
- Não achas extraordinário que, vivo ou morto, não tivessem ainda encontrado o ranger? preguntava Helena ao pai.
- Ainda não o encontraram, de-facto; começo mesmo a estar seriamente inquieto a respeito dele, tanto mais que uma agressão bastante bizarra se produziu nos limites
do nosso rancho! Imagina tu que uma das nossas equipes, dirigida por Philm, encontrou um pequeno grupo de cavaleiros que tentavam cortar o arame farpado para roubar
gado. Houve combate, de que resultou a morte de dois dos nossos homens, e mais três feridos con certa gravidade.
"Parece que, do outro lado, houve mais vítimas, mas conseguiram escapar-se, e levaram com eles osmortos e os feridos... A nossa equipe não ficou em condições de
os perseguir, e, para cúmulo da pouca sorte, choveu durante toda a
tarde, o que não permitiu, depois, seguirem-lhes o rastro...
Everett Mainrod passeava no aposento, de um lado para o outro; tinha um aspecto acabrunhado que denotava profunda exasperação. Imóvel, junto da janela, Helena parecia
profundamente intrigada com estas últimas declarações.
- Não sabia nada.desse ataque, pai... Não disseste nada ao xerife sobre esse caso?
- Perdão!... Wedder foi posto ao corrente de tudo logo no início do inquérito; mas, como é natural, e segundo o seu hábito, nada descobriu... Desta vez o caso não
pode ficar assim!... Se o inquérito não der nada, dentro de oito dias, convido muito amavelmente Wedder a apresentar a demissão!...
Helena aproximou-se do Imperador do "rodéo" que se sentara agora à secretária:
- E tu pensas, pai, que esses tais cavaleiros foram os autores do desaparecimento de Catamount?...
- Então quem haveria de ser?...
- Meu Deus, sei lá... Talvez os salteadores de bancos... O ranger era para eles um adversário temível; em tais condições nada me admira que houvessem tentado desembaraçar-se
dele!
- Raciocinas como uma criança!... Além disso, o caso não é para mulheres!...
- Quem sabe?... Talvez que as mulheres tenham mais faro do que todos os homens do "Estrela Dourada" reunidos!...
- Que pretendes insinuar?...
Everett Mainrod franzira o sobrolho; fitava agora insistentemente a filha, em frente dele, do doutro lado da secretária. O Imperador do "rodéo" conteve-se durante
alguns segundos, depois, incapaz de resistir mais tempo, explodiu:
- Ouve uma coisa, Helena! Esta comédia não pode prolongar-se mais tempo. Um e outro precisamos de ter uma explicação definitiva!...
A rapariga encolheu os ombros; então, vibrante de cólera, Everett prosseguiu:
- Isto não pode continuar assim, Helena... Vais prometer-me que respondes, sem mentiras nem sofismas, à pregunta que te vou fazer?...
- Fala, pai!... Nada tenho que te ocultar, nem pratiquei qualquer acto que me ficasse mal...
- Onde foste esta manhã, às onze horas?...
- Esta manhã, às onze horas?...
- Sim! esta manhã às onze horas foste ao bosque de Red Bird!...
- Então se já sabias, para que mo preguntaste? Como todas as manhãs, fui dar o meu passeio a cavalo!...
- E como todas as manhãs encontraste-te com alguém na orla do bosque?
- Felicito-te, pai, tens um serviço modelar de espionagem!... E então não te disseram, também, que fui encontrar-me com Mike Gilbert?
- Devias ter vergonha!...
- Vergonha de quê?...
Everett Mainrod teve um acesso de fúria.
E, ameaçador, dirigiu-se à filha:
- Fica sabendo, emquanto eu fôr vivo não desposarás Mike Gilbert!...
Helena enfrentou-o com a maior coragem. Então o Imperador do "rodéo" prosseguiu:
- Escuta, o que te vou dizer é muito grave... Sabes, ao menos, quem é esse Mike Gilbert?...
- Sei que não tem fortuna, mas é trabalhador. Além disso, não duvido da sinceridade dos sentimentos dele; emquanto à sua honestidade, julgo-a acima de toda a suspeita!...
- Desgraçada!... Perdeste o juízo!... Se fosse apenas a questão de fortuna, fecharia os olhos... Sou um self made man e por isso sei que a energia vale mais do que
a fortuna... Na América não temos certos preconceitos estúpidos da Europa. Os motivos que me levam a falar-te assim...
Helena interrompeu-o:
- Essas razões já as conheço; já mas disseste. O que tu queres é casar-me com Irving People. Pois agora sou eu que te digo: emquanto fôr viva, Irving People não
será meu marido!..,
- Ainda mesmo que a vida e a liberdade de Mike Oiibert se encontrem em jogo?...
- Que pretendes insinuar, pai?
Um sorriso irónico roçou pelos lábios de Everett Mainrod:
-Já sabia que acabarias por prestar atenção às minhas palavras. Até aqui hesitei em te dizer toda a atroz verdade, mas, a tua insistência
obriga-me a dizer-te tudo. Mike Gilbert é o chefe do bando de salteadores de bancos!... Foi êle quem preparou e dirigiu o assalto à sucursal do National-Bank!...
- Não é verdade!... Pois êle estava no "rodéo"!...
-Encontrava-se no estádio para se fosse acusado, poder apresentar um "alibi"... entretanto o bando agia!...
- É impossível!...
Helena erguera-se, indignadíssima, em virtude da acusação que Everett Mainrod acabava de formular; mas este vibrante protesto não impediu o Imperador do "rodéo"
de prosseguir:
- Mais ainda, Mike Gilbert encontrava-se à frente do grupo que tentou penetrar no território do rancho; Philm, Den e os outros reconheceram-no!... Deve-me a mim
não ter sido preso pelo xerife... Dei ordens para que, até aviso em contrário, guardem sobre o assunto a maior discrição. ..
- Não é possível, pai, repito-to mais uma vez! Ou Philm e os camaradas dele se enganaram, ou então mentiram!...
- Mentiram! Não seria mau que reflectisses um pouco! Que interesse teriam em acusar Mike Gilbert?... Ainda há pouco Philm me dizia que Mike deveria ter feito desaparecer
o ranger...
- Não há mais nada? Não encontras mais nenhum crime de que o possas acusar?...
A rapariga a nada cedia; tinha a maior confiança
em Mike e julgava-o incapaz dos crimes de que o acusavam.
-Lembra-te, prosseguiu Everett Mainrod, buscando insinuar-se cada vez mais no ânimo da filha, que nos últimos tempos Mike jogava desenfreadamente em todas as tavolagens!...
- Bem sei!... A sorte estava a ser-lhe propícia e êle queria aproveitá-la!... E foi o que lhe aconteceu! Ainda esta manhã me anunciou que os dólares que ganhara
lhe chegavam para pagar todas as dívidas, e que não mais tocaria numa carta... O rancho, actualmente, já não tem nenhuma hipoteca!...
- Lastimo profundamente a tua ingenuidade! Não vês que as explicações de Mike são insustentáveis?... A sorte, o dinheiro, não lhe vieram do jogo, mas dos cofres
fortes que arrombou ou mandou arrombar nos vários bancos assaltados por êle e pelo grupo!...
Por mais acusações que o Imperador do "rodéo" acumulasse contra Mike não conseguia persuadir Helena. Insistiu ainda durante mais algum tempo; depois, vendo que pela
persuasão nada conseguia, entrou na via das ameaças:
- Tens que me obedecer... Vais jurar-me que nunca mais te encontrarás com um homem que está prestes a ser detido e condenado!...
- Não juro uma coisa dessas, pai... Amo Mike Gilbert, repito-te mais uma vez!... Prefiro deixar o "Estrela Dourada" a ter que cortar com êle!...
- Medirás por acaso o alcance das palavras que acabas de proferir?...
- Sim, sei bem o que digo e o que faço!... O Imperador do "rodéo" desconcertado e
exasperado pela teimosia da filha passeava agitadamente dum lado para o outro. Helena, sem lhe dar tempo a que renovasse as insinuações contra Mike, saiu do aposento.
Então o Imperador do "rodéo" estacou no meio da sala, e esboçou um gesto de impotência; sentou-se à secretária - encostou a cabeça às mãos.
Nunca Everett Mainrod sofrera um golpe tão rude. Parecia fulminado. Tudo estava perdido! Abriu uma das gavetas da secretária. Com mão trémula rebuscou entre os papéis
e retirou do fundo da gaveta uma Browning.
"Seria a melhor solução", murmurou.
No entanto, a Idea do suicídio, que por momentos aflorara ao seu espírito, em breve se desvaneceu.
"Com mil raios!... Já tenho idade para ter juízo e para não me deixar assim abater! Estou habituado a lutar sempre até ao fim, seja qual fôr o número, ou a força,
dos meus adversários !... Mike Gilbert ainda não ganhou a partida !"
Everett Mainrod interrompeu-se, pôs de lado a arma e agarrou no receptor do telefone, que retinia com toda a força:
- Está lá?
- Daqui é Irving People, respondeu uma voz que o pai de Helena reconheceu imediatamente.
- Muito prazer em ouvi-lo, sr. People, respondeu Everett com a maior calma.
- É que estou impaciente por saber a resposta, prosseguiu Irving, da outra extremidade do fio.
- Ah! sim, a resposta!...
- Então ainda não falou a Miss Helena?...
- Estivemos agora mesmo a tratar disso...
- E ela aceita?...
O Imperador do "rodéo" hesitou alguns instantes antes de responder. Uma ansiedade atroz contraía-lhe o rosto.
- Julgava ter encontrado argumentos suficientes para convencer a minha filha, sr. People, mas...
- Quere então dizer que ela recusa?...
- Isto é...
- Nada de tergiversações, Mainrod!... Bem sabe o que combinámos... Apenas duas respostas me satisfazem: sim, ou não!...
- Para lhe falar a verdade, a minha filha não me deu ainda a resposta definitiva... Pediu-me tempo para reflectir!...
- É impossível!... Lembre-se do que lhe disse há pouco tempo... Se ela continua a recusar, comunicarei à polícia as cartas que você conhece! Além disso, preciso
de um cheque de vinte mil dólares!
- Sim, sim, o cheque, esse mando-lho... Vou tomar as minhas disposições para o efeito...
- O prometido é devido!... Com os dólares, exijo o consentimento de Miss Helena!... Time is ntoney!...
- Conceda-me ainda vinte-e-quatro horas. Prometo-lhe que desta vez a resposta será afirmativa.
- Está bem! Fica entendido!... Mas, se amanhã, até às oito horas da noite, não receber o cheque e o consentimento de Miss Helena, telefonarei imediatamente a Nick
Weader!...
Everett queria ainda dizer mais qualquer coisa, mas o interlocutor desligara o telefone.
XVIII
Reconhecimento nocturno
-Atenção, Josué!... Não faça barulho!...
Esta recomendação era supérflua; o palhaço preto seguia Catamount como uma sombra; depois de terem saído da casa dos arredores de Houston, afastaram-se sempre da
estrada, a seguir, caminharam por entre o prado, até chegarem à orla do bosque, mais ou menos ao ponto onde o ranger ia sendo vítima da emboscada. Após pouco mais
de uma hora de caminho, atingiram a avenida que ia dar à entrada principal do rancho.
A noite estava esplêndida. No céu, nem a mais pequena nuvem; a via láctea estendia lá no alto o seu véu; um pouco acima da linha das árvores, aparecia o crescente
da lua.
Um silêncio absoluto pesava sobre os edifícios do rancho; apenas, de vez em quando, se ouviam os gritos das aves nocturnas, Josué não podia deixar de estremecer.
Não que fosse cobarde, afrontava
sempre o perigo com serenidade, mas os gritos das corujas e de outras aves nocturnas arrepiavam-no, por uma razão que não conseguia explicar e que tinha, com certeza,
muito de superstição.
Catamount, esse permanecia impassível; de vez em quando levava a mão ao cinto de armas. Antes de partirem para aquele reconhecimento noturno, Josué entregara-lhe
dois Colts.
De momento, o ranger não pensava em servir-se dos revólveres: os se" olhos claros detinham-se na direcção dos edifícios. Dois rectângulos luminosos apareciam ainda
à altura do primeiro andar do edifício principal. Catamount, que conhecia a disposição da casa, de-pressa reconheceu que se tratava do gabinete de trabalho de Mainrod.
- Dez horas e meia e ainda a trabalhar!... Catamount verificou, porém, que a luz acabava
de se apagar.
-E se trepássemos ao muro? lembrou o preto. Até agora não encontrámos nem um gato. Receio bem que a exploração resulte inútil!...
- Chut!...
O ranger levara um dedo aos lábios, a-fim-de intimar o companheiro a que se calasse; a seguir apontou para a esquerda, na direcção da avenida:
- Atenção, é alguém que se aproxima!... De-facto, alguém se aproximava; o martelar
de patas de cavalo, cada vez mais forte, indicava
tratar-se de um cavaleiro. A toda a pressa, Catamount e Josué, que se haviam aventurado até à orla da avenida, refugiaram-se no fosso, e, deitando-se ao comprido,
dissimularam-se o melhor que lhes foi possível.
O cavaleiro encontrava-se agora apenas a uns trinta passos; avançava em direcção ao portal; era mais do que certo que não receava ser surpreendido pois trauteava
uma ária muito em voga; não tardou que o perfil dele se distinguisse à luz do luar; então Catamount não pôde reprimir um estremecimento.
- Phil! murmurou êle ao ouvido do preto, estendido à sua esquerda.
Era de-facto o zarolho; avançava a passo, e, de vez em quando, olhava para o lado.
O primeiro pensamento que acorreu a Catamount foi tomar o passo ao maioral e obrigá-lo a parar; mas, de-pressa mudou de tenções. Por certo que o zarolho devia conhecer
muita coisa; a atitude que assumira na fábrica de cortumes não permitia quaisquer dúvidas a esse respeito; no entanto não seria com certeza o chefe do bando misterioso.
Detê-lo, obrigá-lo a confessar, representaria uma preciosa perda de tempo.
Além disso, Catamount precisava ainda de passar por morto: assim, poderia actuar com maior segurança e eficácia.
O ranger deixou portanto passar o cavaleiro, o qual nem sequer suspeitou do perigo que correra; em menos de dois minutos o zarolho chegou
junto da grade do portão, a seguir saltou do cavalo a baixo, abriu e atravessou a grade, sempre com o animal à rédea.
Imóveis, Catamount e Josué ouviram o zarolho afastar-se ao longo da avenida. Dispunham-se a sair do esconderijo e a tomar o mesmo caminho, quando, subitamente, um
silvo estridulo ecoou do outro lado da vedação. Quási imediatamente ouviu-se uma voz, que mal se distinguia, à distância a que os dois companheiros se encontravam:
- És tu, Phlim?...
O bandido deteve-se e respondeu com voz forte:
- Sim, sou eu, chefe!...
- De-pressa, murmurou Catamount, inclinando-se para o preto, vamos até ao muro!...
Dentro de poucos instantes o ranger e Josué, encostados à vedação, quási que nem respiravam para não serem descobertos, e poderem ouvir as palavras que se trocavam
a uma pequena distância deles.
- Então que trazes de novo?...
- Se me não engano, é para esta noite, chefe!...
- Para esta noite ?... Mas, isso é esplêndido... Vem mesmo a-propósito!
Catamount imobilizara-se, de ouvido à escuta. Parecia-lhe que a voz que respondia ao zarolho lhe não era estranha. No entanto, o interesse sobre o assunto da conversa
predominava naquele momento a qualquer outra consideração.
-Acabo de chegar de Houston, prosseguiu o zarolho.
- E que foi que te disseram ?...
- Primeiro que o desaparecimento daquele maldito provocou uma sensação enorme!...
- Isso era natural!...
- A polícia anda furiosa. O Major Morley telefonou a Nick Wedder tornando-o responsável pelo desaparecimento do subordinado, a quem considerava como o melhor auxiliar!...
- Calculo bem, que, se Morley não estivesse empenhadíssimo em resolver o caso, não nos teria enviado o ilustre Catamount... Felizmente que conseguimos dar cabo dele!...
Se o Major soubesse que o cadáver do ranger flutua na cisterna da fábrica de cortumes!... Mas, ninguém pensará em proceder a investigações lá para aqueles sítios...
Tomei a esse respeito todas as precauções necessárias!...
- E, depois, Wedder, que é o mais completo imbecil, nem por sombras suspeitará das nossas combinações!...
-A esse respeito estou absolutamente tranquilo: o xerife é o rei dos imbecis!...
- Escuta, Phil, a nossa opinião sobre Wedder está há muito firmada!... Passemos portanto a assunto mais interessante. Estás bem certo de que o auto da Federal-Bank
passará no ponto indicado, e com o tal carregamento?...
- Pude proceder ao meu inquérito com a maior tranquilidade! O desaparecimento do ranger
desorientou por tal forma a polícia que a vigilância está reduzida ao mínimo!... Devo ainda dizer que, desde o "rodéo" até hoje, não houve ninguém do nosso grupo
que se tornasse suspeito.
- Parece-te então possível o ataque ao automóvel que transporta os fundos vindos de San António?...
- Não só possível, como até mesmo fácil!... À uma hora da manhã passará em YellowCurve, que é um ponto ideal para a emboscada!...
- Yellow-curve! Admirável!...
Do seu esconderijo, Catamount e Josué não perdiam nem uma palavra daquele extraordinário diálogo. Para o que desse e viesse conservavam os revólveres aperrados;
mas os dois bandidos continuavam a conversar sem sequer poderem pensar que estavam a ser espiados.
- Naturalmente a escolta será numerosa? insistiu o chefe.
- Dois polícias e um agente do Federal-Bank, além do motorista. Parece que vão armados de pistolas-metralhadoras!...
- Isso não vale nada!... São brinquedos, comparados com a nossa metralhadora!... Lembras-te do ataque a Houston?
- O chefe não estava lá porque tinha de entreter outra caça...
- Sim, mas tu contaste-me tudo, por tantas vezes, que é como se lá tivesse estado... Foste admirável... Devia ter-te imitado o exemplo e
não haver falhado miseravelmente o ranger!... Bem sei que foi o cavalo que não me permitiu que lhe acertasse... Foi pouco!... No entanto íamos os dois no automóvel
e não costumamos errar o alvo!...
Os punhos de Catamount cerravam-se nervosamente ao ouvir estas palavras. O diálogo permitia-lhe verificar que se encontrava apenas a alguns metros dos assassinos
do saudoso King. Como sentia ganas de o vingar ali mesmo, sem esperar por outra ocasião! Mas, o desejo de conseguir apanhar a sinistra quadrilha, levou-o a dominar-se...
Além disso, a discussão prosseguia, cada vez mais interessante:
- Desta vez é preciso acertar logo às primeiras, Philm!...
- Sozinhos os dois, poderemos obrigar a parar o auto que vem de San António, abater os que o ocuparem, e apoderarmo-nos dos trinta mil dólares que levam com eles!...
- Trinta mil dólares? Tens bem a certeza disso?...
- Tanto como de que estou na sua presença, chefe!...
- Evidentemente, o caso merece que se corram alguns riscos!...
- Penso que será inútil prevenirmos os outros!... Desta vez é só para repartir por dois!...
- Temos apenas duas horas na nossa frente!... Acredite-me chefe, precisamos de nos dirigir imediatamente
para Yellow-Curve!... Vou levar o meu cavalo até ao corral, e depois trataremos de fazer sair o carro da garagem e montamos-lhe a metralhadora... Uma vez a uma distância
razoável do rancho, poremos o motor em marcha!... Uma curta pausa seguiu estas palavras; depois, Philm acrescentou:
- A estrada descreve uma curva apertada em Yellow-Curve, a qual domina uma ravina profunda... Ser-nos-á fácil barrar a passagem ao carro do Federal-Bank, e, no momento
mesmo em que êle desembocar, em direcção a Houston, as salvas da metralhadora abaterão os seus ocupantes, antes mesmo que consigam saber o que é passado... Além
disso o lugar é deserto... Não teremos qualquer intervenção a recear... Quando o xerife e os seus homens chegarem já nos encontraremos longe!...
- E, depois, já não existe o perigo de Catamount!...
- Está bem, vou até ao corral, e de lá dirigir-me-ei à garagem onde nos encontraremos.
Os dois cúmplices não perderam mais tempo a conversar; do esconderijo onde se haviam metido, Catamount e o preto ouviram-os afastar-se.
- Com mil raios! exclamou o ranger, daria alguma coisa para conhecer a identidade do chefe do bando! Quási que deixaria que me cortassem a cabeça se já não ouvi
aquela voz!...
- Não seria melhor saltarmos para o outro lado do muro? lembrou Josué... Poderíamos
assim surpreender os dois bandidos antes ainda de êles conseguirem retirar o auto da garagem !...
- Isso não era difícil, mas, não era evidentemente a boa solução, replicou sorridente Catamount. Temos que fazer coisa melhor...
Josué abriu a boca muito espantado: por isso o ranger se apressou a comunicar-lhe o plano que havia concebido:
- De-pressa!. . . Precisamos de chegar a Yellow-Curve antes desses dois cavalheiros!...
- A Yellow-Curve?...
- Você conhece o sítio?...
- Perfeitamente!... Fica na estrada de San António... É um sítio ideal para uma emboscada. .. Outrora os grandes salteadores atacavam nesse ponto as diligências
da U. S. Mail...
-E agora pensam em metralhar automóveis ... Vamos lá, Josué... Precisamos de nos despachar... A que distância nos encontramos de Yellow-Curve?
- A cerca de quatro milhas, aproximadamente!.. .
- Isto quere dizer que poderemos chegar lá antes desses cavalheiros, que terão ainda de demorar-se para prepararem minuciosamente a agressão!...
- Não lhe parece melhor não esperar a agressão? Se fosse a si, ia mas era telefonar para Houston e avisava o xerife...
-Avisar o xerife!... Mas antes que êle chegasse
a Yellow-Curve já os bandidos teriam executado a projectada façanha!... , -Então, julga que só nós os dois...
- Ainda que fosse eu sozinho, não recuaria!... Ah! Se calhar você tem medo?...
- Medo, eu!...
O preto ficou todo indignado com a suposição do companheiro; mas, Catamount não tinha tempo a perder em discussões; agarrou-lhe no braço e levou-o até à Avenida;
afastaram-se rapidamente do muro, por detrás do qual acabavam de surpreender a edificante conversa entre Philm e o chefe do bando.
- Vamos jogar uma cartada decisiva, dizia o ranger, à medida que caminhava. Agora, a solução do problema já se não encontra no "Estrela Dourada", mas em Yellow-Curve!...
É melhor você ir adiante, para indicar o caminho!...
Os dois companheiros abandonaram a avenida e meteram-se pelo prado. O preto sabia dum atalho que permitia poupar algumas centenas de passos.
Poucas palavras trocaram pelo caminho, até chegarem à estrada de San António. Josué seguia sempre na frente. De vez em quando parava para se orientar, mas, retomava
rapidamente a marcha. A natureza do solo era cada vez mais rochosa. A lua ia alta.
Por fim, Catamount e o companheiro chegaram a uma vedação de arame farpado. Haviam atingido sem dificuldade de maior os limites meridionais
do "Estrela Dourada"; curvaram-se e passaram sob o arame farpado.
- Estamos perto da estrada de San António, declarou o palhaço preto.
Josué estendia o braço, e apontava a fita estreita da estrada alcatroada, que se avistava a alguma distância. Avançaram mais algumas centenas de metros e o preto
declarou por fim:
-Ali está Yellow-Curve!... E indicava uma brusca viragem da estrada no alto de um precipício.
O ranger pôs-se a assobiar, voltou-se para o companheiro e comentou:
- Com mil raios!... A viragem é perigosa!... Já lhes percebi o jogo: obrigam o automóvel do Federal Bank a parar e depois entra em acção a metralhadora!...
Dir-se-ia que Catamount assistia já à cena trágica elaborada pelos dois bandidos. Durante alguns instantes, estacou, pôs-se a examinar minuciosamente o terreno,
depois, indicou ao companheiro uma espécie de plataforma natural que dominava a estrada um pouco antes da viragem: -Vamos mas é instalarmo-nos ali. É uma posição
maravilhosa para intervirmos oportunamente !...
Josué não respondeu; permanecia bastante céptico sobre os resultados da operação que se preparava. Não ignorava a excepcional destreza do ranger, mas os dois Colts
de que dispunham eram insuficientes para se medirem com o engenho
mortífero de que se serviam Philm e o misterioso chefe do bando. A metralhadora dera provas excelentes por ocasião dos últimos assaltos aos bancos. Catamount, esse
estava absolutamente confiante. Olhou para o relógio e disse:
- Temos ainda dez minutos na nossa frente! É sempre bom chegar em primeiro lugar.
Durante um certo tempo, os dois companheiros estiveram à escuta.
Por fim Catamount endireitou-se e pôs a mão no ombro do preto. Ouvia-se, cada vez mais próximo, o ruído do motor do carro, que vinha na direcção de Houston.
- Eles aí estão!... disse o ranger, com a maior simplicidade.
XIX
A tragédia de Yellow-Curve
À pressa, o ranger e o companheiro deitaram mão aos revólveres; depois, estenderam-se no meio do chão, de barriga para baixo, ligeiramente inclinados sobre o rebordo
da plataforma, e prepararam-se para intervir; daí a pouco, apareciam-lhes, do lado direito da curva, aquêles mesmos faróis que haviam encadeado Catamount na noite
da morte do King.
O automóvel abrandava a marcha, por forma sensível; era fora de dúvida que os passageiros aguardavam a aproximação do carro que vinha de San António, para então
se lançarem a toda a velocidade.
Não tardou muito que Catamount, do seu reduto, não avistasse o perfil afilado da metralhadora e os bustos de dois homens. Procurou ver se conseguia descobrir quem
eram, mas, os bandidos haviam tomado a precaução de tapar a cara com lenços de seda, os quais apenas lhes
deixavam a descoberto os olhos, estes, ainda, dificilmente visíveis sob a aba dos grandes chapéus stetson.
Josué começava a manifestar uma certa impaciência; imaginara a princípio que o ranger iria armar uma emboscada aos bandidos, antes da chegada do carro do Federal-Bank;
mas Catamount continuava na espectativa. Queria que os dois bandidos abrissem primeiro fogo, para depois intervir. A surpresa não seria menor, e os bandidos, assim,
eram apanhados em flagrante. Durante três minutos, o automóvel estacionou mesmo por baixo do observatório, onde se encontravam Catamount e Josué. O carro do banco
estava a demorar-se; naturalmente, Philm e o misterioso chefe do bando preocupavam-se com o caso, pois se lembravam que tivesse havido contra ordem.
Porém, daí a alguns instantes, os dois cúmplices verificavam que um ronronar, cada vez mais forte, se fazia ouvir. Agora, já não eram possíveis as dúvidas: um automóvel
de força avançava em sentido contrário e iria cruzar-se com eles.
Então, os acontecimentos sucederam-se com a rapidez do relâmpago. O carro do Federal-Bank, que varria a estrada com os faróis, aparecia no começo da Yellow-Curve;
alguns metros à frente, vinham, como batedores, dois agentes da polícia motorizada.
Os acontecimentos recentes haviam determinado da parte dos directores de todas as agências
do Texas, a adopção de precauções excepcionais, mas nem por isso Philm e o chefe do bando recuavam.
Decididos a atacar de surpresa, avançaram a toda a velocidade.
Ouviu-se imediatamente o crepitar da metralhadora.
Felizmente as salvas não prosseguiram durante muito tempo; antes que os dois agentes da polícia motorizada e os passageiros do carro do Federal-Bank pudessem compreender
o que se passava, ouviram-se outras detonações. Impassível, de pé sobre o rebordo da plataforma, Catamount acabava de apontar o Colt aos dois pneus das rodas trazeiras
do carro dos bandidos; depois, sem perder o sangue frio, o ranger puxou por seis vezes o gatilho da arma.
imediatamente, sob o olhar horrorizado do preto, o carro que transportava Philm e o chefe do bando, pôs-se a ziguezaguear. Os pneus, que rebentaram mesmo na altura
em que o carro ia a entrar na curva, a toda a velocidade, para barrar a passagem ao outro carro e aos dois motociclistas, voltou-se, girou sobre si mesmo, arrombou
o muro que protegia a estrada, e foi precipitar-se com grande estrépito, no fundo da ravina.
Durante alguns segundos pairou no ambiente um silêncio opressivo. O carro do Federal-Bank parou, e os dois motociclistas fizeram o mesmo. A queda do Ford, que sucedera
às primeiras
rajadas de metralhadora, produzira-se com uma rapidez tal que não sabiam o que haviam de pensar.
Finalmente, ouviram-se gritos, vozes que chamavam, ordens que eram emitidas. Os passageiros do carro apearam-se; as balas, que haviam furado o pára-brisas em nove
sítios, não os haviam atingido, milagrosamente.
Agora, de revólver em punho, no meio da estrada, juntavam-se aos agentes da polícia motorizada, que se tinham dirigido para o ponto onde havia desaparecido o automóvel
dos assaltantes.
Na escuridão, cruzavam-se as preguntas:
- Que diabo foi isto?.. .
- Quem disparou sobre nós?
- Foi mesmo um milagre, ter-se produzido o acidente no momento em que os malandrins nos atacavam! Se não, não dava muito pela nossa pele!...
Porém, os homens do Federal-Bank, em número de cinco, sem contar o motorista, que continuava ao volante, de-pressa se imobilizaram. Acabavam de descobrir dois vultos
suspeitos, que desciam por uma ladeira abrupta, mesmo por cima deles, e que pareciam querer atacá-los.
- Atenção!... Lá estão outros!... gritou um dos motociclistas... É atirar-lhes!... Nada de comiserações!...
- Muito obrigado!... Ora isso é que é gratidão e perspicácia!... Nem sequer perceberam ainda que lhes salvámos a vida!...
Uma voz clara vinha assim interromper o colóquio dos cinco homens. Escalonados ao longo da estrada, de revólver em punho, hesitavam com receio de uma cilada.
Agora um vulto enérgico destacava-se à luz dos faróis do automóvel. Era Catamount que se aproximava impassível, seguido pelo preto, o qual não compartilhava da mesma
serenidade. Os cinco revólveres apontados sobre eles inspiravam-lhe certa apreensão.
- Sou o ranger Catamount, de El Paso! declarou, então, o homem de olhos claros, e estacou junto do indivíduo que parecia o chefe do grupo. Fui eu quem disparou sobre
os pneus do carro dos atacantes, e que provoquei, assim, o acidente que vos poupou a inevitáveis dissabores!. ".
À medida que pronunciava estas palavras, o ranger exibia a placa que trazia no fôrro do colete; a atitude dos cinco homens mudou imediatamente: os canos dos revólveres
abaixaram-se quási que simultaneamente.
- Pat Mailey, inspector ao serviço do Federal-Bank! declarou o desconhecido a quem Catamount se dirigira. Permita-me que, tanto em meu-nome como em nome dos meus
companheiros, lhe agradeça, o mais cordialmente possível, a sua intervenção fulminante!... Espero que haja desculpado a nossa atitude de desconfiança... Os acontecimentos
sucederam-se com tal rapidez, que ficámos desorientados!...
O ranger apertou rapidamente a mão aos cinco homens; depois, com voz calma, explicou como conseguira surpreender os projectos dos dois miseráveis.
- A Providência permitiu-me que interviesse a tempo... Estou muito contente, sr. Mailey!... afirmou Catamount. No entanto, creio que seria conveniente procedermos
a investigações no fundo da ravina... Gostaria muito de conhecer, com exactidão, a identidade do patife que organizava estes ataques. deve ser indubitavelmente,
o principal autor dos roubos e das agressões que se têm sucedido no Texas, nos últimos tempos!...
- Tenho muita pena, mas não posso demorar-me, sr. Catamount! declarou o agente do Federal-Bank. Esperam-nos a todo o momento em Houston, onde vamos entregar o depósito
precioso que o senhor sabe; mas, mal lá cheguemos, regressaremos aqui, com o xerife e reforços importantes. Deixo-lhe, porém um dos meus motociclistas, o agente
Murdock...
Pat Mailey apontava para um latagão, de capacete de coiro, à direita dele.
- Está bem!... replicou Catamount. Vamos encetar imediatamente as nossas pesquisas. Até logo!...
-Até já!...
Os três homens entraram no carro, que seguiu, escoltado agora apenas por um motociclista - Catamount, a meio da estrada, acenava-lhes com a mão, depois seguiu durante alguns segundos o carro que se afastava pela estrada fora. Josué e Murdock aguardavam
impassíveis, atrás dele.
Por fim, o ranger voltou-se; pairava-lhe nos lábios um sorriso furtivo. Tinha motivo para estar satisfeito: não acabava de vingar King, o companheiro fiel, tão cobardemente
assassinado?. .. A conversa de Philm com o misterioso interlocutor, ouvida por êle pouco antes, junto de um dos muros do "Estrela Dourada" não podia deixar-lhe quaisquer
dúvidas a esse respeito: os dois metralhadores que acabavam de cair no abismo, eram os mesmos que haviam dirigido contra êle e contra o cavalo as rajadas mortíferas.
A voz do polícia veio arrancar Catamount às reflexões a que se entregara.
- Vou buscar a lanterna da motocicleta, dizia Murdock. Com ela será menos difícil orientarmo-nos!...
- Está bem!... Mas, entretanto, creio que será indispensável estudar o terreno e referenciar rigorosamente o ponto onde o carro embateu com o muro!...
O ranger encontrava-se agora no ponto onde o carro se virara, e abalroara com o muro, antes de executar o trágico mergulho no fundo da ravina. As marcas dos pneus
destacavam-se, bem nítidas, no rebordo do muro.
Viam-se, na erva, Fitas de cartuchos de metralhadoras e um stetson, que haviam sido projectados fora do carro no momento em que êle embatia de encontro ao muro.
- Foi pena não ter trazido o meu laço! disse Catamount, entre dentes. Assim teremos de efectuar uma descida particularmente difícil...
Os três homens inclinaram-se sobre o abismo; ainda que o céu estivesse claro, não podiam penetrar as trevas que envolviam a maior parte da ravina
Por várias vezes se puseram à escuta, esperando surpreender qualquer apelo, mas o silêncio permanecia inalterável.
- Não há dúvida!... atreveu-se a dizer o preto. Apanharam a sua conta!...
Catamount, Murdock e Josué iniciaram a descida ao abismo, com grave risco de se irem esmagar lá no fundo. Murdock foi o primeiro a aventurar-se; o polícia amarrara
ao punho a lanterna da moto, e, de vez em quando, passeava o feixe luminoso pelo terreno que lhe ficava subjacente.
Continuaram a descer, durante um quarto de hora, sem conseguirem referenciar exactamente o ponto onde caíra o carro.
Começavam já a impacientar-se, quando o feixe luminoso da lanterna iluminou uma forma confusa. Um vulto, um corpo humano, encontrava-se pendurado num arbusto, que
fazia saliência, a pequena distância.
- Aqui está um deles!... murmurou Josué,
ao passo que enxugava à -manga do casaco o rosto todo alagado em suor.
Murdock foi o primeiro a chegar junto do corpo; depois de haver saltado o rebordo do muro apanhara na queda aquele arbusto saliente onde ficara pendurado.
- O maroto apanhou a sua conta! declarou o polícia, emquanto se escarranchava sobre uma saliência da rocha.
- É o Phil! exclamou imediatamente Catamount.
O ranger não se enganava; era de-facto o maioral; o lenço que lhe cobria o rosto descera para o pescoço; um ténue fio de sangue escorria-lhe pela comissura dos lábios.
O relógio, que lhe saltara do bolso, pendia agora da corrente.
- Os auxiliares do xerife encarregar-se-ão, depois, de trazer o cadáver para a estrada, disse o ranger. Por agora vamos mas é ver se conseguimos descobrir o cadáver
do chefe... Estou impaciente por lhe conhecer a identidade!...
Desta vez foi Catamount o primeiro a prosseguir na descida. A dramática aventura que custara a vida ao King estava a atingir o seu termo; de um momento para o outro,
iria conhecer a solução do perturbante enigma e desmascarar o miserável que, há tanto tempo, trazia alarmada toda região.
O trio continuou ainda durante algum tempo a perigosa gimnástica; sem se importar de esfolar as mãos e os joelhos, Catamount continuava sempre
a descer. Às vezes, um pedregulho saía do respectivo alvéolo, e ia precipitar-se no fundo da ravina com grande estrépito.
Ouviram-se apelos por cima das cabeças dos três homens. Eram os reforços anunciados por Pat Mailey, que chegavam, no entanto, sem deixarem de responder aos sinais
que lhes eram dirigidos, o ranger e os dois companheiros prosseguiram incansavelmente nas investigações encetadas. Notavam, agora, um pouco mais abaixo, os restos
do carro.
- Estamos a chegar!... exclamou Catamount. O automóvel está aqui... veio rebentar de encontro a um rochedo!...
Daí a pouco o trio encontrava-se junto dos restos do carro. A carrosseria estava deslocada; durante a queda, as rodas tinham-se destacado do carro; um fumo espesso
elevava-se da carcaça ennegrecida do carro; o reservatório da gasolina rebentara e esta incendiara-se.
- Santo Deus!... resmungou o palhaço preto. Se o chefe ia ao volante, com certeza que ficou grelhado!... Vai ser difícil reconhecê-lo!...
Catamount empalideceu... No momento em que ia resolver o enigma, apresentar-se-ia êste como eternamente insolúvel?...
Agarrado a um rochedo, continuava a pesquisar com o olhar os terrenos em redor. Finalmente, soltou um grito de triunfo. A uns quinze passos, um pouco mais abaixo,
acabava de descobrir o segundo cadáver. Rapidamente, mesmo
em riscos de escorregar e ir precipitar-se no abismo, dirigiu-se para lá.
Agora, o ranger encontrava-se apenas a dois passos do cadáver. O homem jazia junto de um montão de destroços. Dobrado pelo meio, com o crânio aberto, o fato todo
rasgado, as mãos crispadas, como se pretendesse ainda ocultar o rosto, sempre coberto com o cache-nez.
Catamount deixou-se escorregar; levava na mão a lâmpada eléctrica de bolso, ajoelhou junto do cadáver, e ergueu-o por debaixo dos braços. Febrilmente, o ranger desatou
o lenço que mascarava ainda o rosto do chefe da quadrilha de salteadores de bancos. Soltou um grito de espanto quando descobriu o rosto do bandido... Com os olhos
muito abertos, os traços fisionómicos crispados, os lábios petrificados num sorriso demoníaco, Catamount reconhecia Everett Mainrod, o Imperador do "rodéo"!...
XX
A verdade
- Mande entrar o sr. Irving People!...
Catamount, instalado à secretária que fora de Everett Mainrod, e no próprio gabinete de trabalho do antigo imperador do "rodéo", no "Estrela Dourada", dava ordens
ao xerife, chamado a colaborar com êle nas investigações.
O inquérito prosseguia rapidamente, e sem dificuldades de maior; o ranger tomara a iniciativa de todas as operações, e, sem um minuto de repouso, mandava proceder,
por intermédio da polícia e auxiliares, à captura de Den e de todas as pessoas que se encontravam ao serviço de Everett Mainrod. O incidente da fábrica de cortumes
convenceu-o de que todos, ou pelo menos a maioria dos servidores de Mainrod, pertenciam à quadrilha.
Imagina-se, portanto, qual tenha sido o espanto de Den e dos companheiros deste, quando, acordados
em sobressalto, encararam com Catamount sentado à secretária do patrão.
Abriam muito os olhos e quási se julgavam na presença dum fantasma.
O ranger sabia aproveitar-se da perplexidade deles. Fê-los comparecer a todos, uns após os outros, e conseguiu assim obter os esclarecimentos mais completos acerca
da nefasta actividade do bando de salteadores de bancos, e compreender por que haviam conseguido, até então, gozar de uma escandalosa impunidade.
Everett Mainrod soubera assegurar-se da estima e simpatia de todos os habitantes do distrito de Houston.
Nunca a mais pequena suspeita havia roçado por êie. Que vantagem poderia ter o Imperador do "rodéo" em organizar uma quadrilha de malfeitores?... Não era êle imensamente
rico?... Helena não continuava a ser a herdeira mais disputada de toda a região?...
Porém, agora, depois das explicações de Den e de alguns dos auxiliares do rancho, verificava-se, que a fortuna de Everett Mainrod não passava de uma fachada. O pai
de Helena lançara-se em audaciosas especulações de bolsa; além disso, a necessidade que tinha de subvencionar numerosos aliados, de triunfar nas eleições, que tinham
de ser "as suas eleições", o que lhe permitia prover os cargos públicos, senão com cúmplices, pelo menos com imbecis, como Nick Wedder, tudo isto lhe esvaziava vertiginosamente
o cofre
forte, e lhe provocava numerosas brechas no crédito.
Assim, a pouco e pouco, Everett Mainrod preparara aquela associação de malfeitores; numerosos cowpunchers, que lhe deviam grandes favores, viam-se constrangidos
a secundá-lo na execução dos planos sinistros elaborados por êle. Cada nova agressão era organizada por forma tal que o Imperador do "rodéo" e os seus homens podiam
opor indiscutíveis "alibis" que os punham fora de causa.
Assim, no próprio momento em que se produzira o ataque ao National Bank de Houston, o chefe do bando presidia a brilhantes manifestações equestres: a festa, de que
pagava todos os encargos, permitia-lhe desviar as atenções gerais, e atrair as forças da polícia longe do ponto ameaçado.
A chegada de Catamount viera perturbar a criminosa organização; logo de início, Everett Mainrod compreendera o perigo que corria o bando, dada a presença do ranger
em Houston; assim se esforçara por fazê-lo desaparecer.
Todas as tentativas haviam sido planeadas e postas em execução pelos auxiliares dele.
Den e os acólitos, para beneficiarem das atenuantes legais, confessaram, espontaneamente, tudo a Catamount.
Josué, sentado junto do ranger, não cabia na pele, de contente. Tanto o National Bank, como o Federal Bank lhe conferiram prémios pecuniários,
os quais lhe iam permitir, dora-avante, viver desafogadamente, sem o recurso às arriscadas exibições na arena.
Terminados os primeiros interrogatórios, Catamount decidiu-se a ouvir Irving People, e para isso o mandou chamar. Até aquela altura as revelações dos cowpunchers
eram todas concordes em que o vizinho do Imperador do "rodéo" nunca participara activamente em nenhum dos crimes; emquanto a Mike Gilbert, estava fora de causa.
Se o viam frequentes vezes na vizinhança do "Estrela Dourada", o facto explicava-se pelas entrevistas que tinha com Helena.
Ao ranger faltava-lhe apenas resolver uma incógnita: saber, com exactidão, o papel desempenhado por Irving no decurso dos últimos incidentes. As repetidas visitas
do cattleman ao rancho de Everett Mainrod levavam a pensar que êle lhes não fora completamente estranho.
Catamount mergulhara de novo no estudo dos dossiers que acabavam de ser estabelecidos, quando o xerife reapareceu no gabinete, e introduziu írving People.
Ao penetrar no gabinete, o cattleman já não manifestava a sua habitual arrogância; uma ruga de quem está seriamente preocupado franzia-lhe a testa; teve mesmo um
leve sobressalto quando avistou Catamount.
- É inverosímil!... resmungou e apoiou as mãos na escrevaninha. Foi um auxiliar que me veio prevenir... Toda esta história de bandidos é
verdadeiramente grotesca!... Prendem-me a mim, que sou uma pessoa respeitável...
- Sr. People! faça favor de tirar o chapéu! Lembre-se que está na presença da autoridade!...
A voz metálica do ranger pôs um ponto na indignação do recém-chegado. Pronunciou algumas palavras ininteligíveis e retirou apressadamente o stetson.
Sem se perturbar, o ranger acendeu um cigarro.
Procedia lentamente pois parecia muito divertido com a impaciência e o nervosismo do seu interlocutor, Para o persuadir, Catamount dispusera-se a usar de um truque
corrente: mentiria para descobrir a verdade. Olhou fixamente para írving, o qual não sabia que atitude assumir, e que baixava os olhos, perturbado; a seguir, declarou
num tom que não admitia réplica:
- Sei tudo, sr. People!... Não contará por isso que o haja mandado chamar para lhe dar os parabéns!... O seu papel foi verdadeiramente vergonhoso!...
- Por tudo quanto há de mais sagrado lhe juro, protestou írving People, que nunca favoreci os desígnios criminosos de Everett Mainrod!... Pelo contrário, por três
vezes que o adverti de que devia mudar de vida!...
- Ah! então o senhor não desconhecia que era êle o chefe do bando?....
- Soube-o apenas por acaso, há pouco mais de uma semana, por uma carta endereçada a Phil e que me veio parar às mãos...
- A sua obrigação era comunicar imediatamente essa carta à polícia! Porque é que o não fêz?...
Rapidamente, o cattleman, cujo rosto tinha uma palidez de cera, levou a mão ao bolso interior do casaco, e retirou de lá um sobrescrito todo cheio de lama, o qual
entregou ao ranger:
- Pode agora lê-la, sr. Catamount... Encontrei-a na avenida que vai dar ao "Estrela Dourada"!... Everett Mainrod deve tê-la perdido!.
Sem dizer palavra, Catamount apoderou-se da carta em questão e leu-a de um trago.
Tratava-se das recomendações dirigidas pelo Imperador do "rodéo" a Den, então em San António, para que este conseguisse outra planta de um dos principais bancos
da capital do Texas. Everett Mainrod recomendava ao auxiliar a maior prudência, em termos tais que seria impossível duvidar da natureza das suas intenções.
- Volto a fazer-lhe a mesma pregunta, insistiu Catamount cujo olhar inquisitorial incidia de novo sobre o seu interlocutor. Porque não avisou imediatamente a polícia?...
Teria evitado o ataque ao National Bank de Houston que fêz tantas vítimas!...
- Acusar Mainrod seria privar Houston do "rodéo", objectou o cattleman. O senhor bem sabe a importância que têm essas manifestações desportivas para o nosso distrito.
- Não procure inventar razões! replicou o ranger. Os seus motivos eram muito outros.
- Garanto-lhe...
- Jogo franco, sr. People!... Ouvi dizer a alguns dos cowpunchers, aos quais mandei deter, que no rancho se falava muito do seu possível casamento com Miss Mainrod.
Aventava-se muito que as suas sucessivas visitas tinham relações com um arranjo a estabelecer entre o senhor e o Imperador do " rodéo"... Esse arranjo, confesse,
dizia respeito à carta que o senhor ocultou criminosamente. ..
- Mas, sr. Catamount...
- Não lhe disse eu que sabia de tudo? Porque está com evasivas.-.., Deseja que o acuse, imediatamente, de cumplicidade? Escute! Não estou disposto a perder muito
tempo e as suas responsabilidades são bastante grandes, de forma que...
- Espere! Está bem! Confesso que me servi dessa carta para obrigar Everett Mainrod a conceder-me a mão da filha!...
E Irving People expôs-lhe todos os trâmites das agitadas negociações com Everett Mainrod.
Catamount, depois de lhe exprobar o procedimento mandou-o embora, e disse-lhe:
- Pode retirar-se, sr. People... Creio que não voltará a ser incomodado; no entanto, emquanto durar o inquérito, e até que todas as responsabilidades fiquem bem
definidas, peço-lhe para ficar à disposição da justiça!...
O cattleman não se demorou mais tempo no gabinete; tinha pressa de se escapar àqueles olhos de aço, que pareciam ler nele os mais secretos
pensamentos... Abandonou a casa e foi acompanhado até à porta por Nick Wedder.
O êxito recente de Catamount, transformara por completo o xerife. Quanto, antes, parecia indeciso e hesitante, tanto mais êle agora se mostrava apressado e decidido;
no entanto, não tinha ilusões: o simples facto de haver sido eleito graças à influência política do Imperador do "rodéo", e as hesitações com que procedera às investigações
iniciais, por certo lhe trariam como inevitável consequência a demissão.
- Não há mais ninguém para interrogar?...
- Não, sr. Catamount!...
- Para onde levaram o corpo de Everett Mainrod?
- Para o quarto dele, no andar de cima!...
- Está bem!...
Nick Wedder pensava que o ranger iria finalmente repousar um pouco; mas, Catamount levantou-se, e, dirigiu-se para a escada. Daí a pouco encontrava-se na câmara
mortuária.
À luz vacilante de uma tocha, aquele que fora o Imperador do "rodéo" jazia ainda no leito, com o rosto enfaixado. Aos pés da cama via-se apenas um ramo de violetas.
Catamount entrou no bico dos pés. Vinha inclinar-se perante o cadáver do vencido, esquecendo, assim, em presença da morte, que se tratava do assassino do pobre King,
quando surpreendeu alguém que soluçava ali perto; voltou-se imediatamente: era uma mulher, ajoelhada junto do leito. O ranger reconheceu
nela Helena. A rapariga chorava copiosamente.
Parecia não ter dado ainda pela presença de Catamount. A imaginação dela, em delírio, revivia, e evocava as horas atrozes porque acabava de passar.
Primeiro, ao deixar o pai, Helena refugiara-se no quarto dela; a decisão que tomara permanecia bem firme: para não ser mulher de Irving People, dispunha-se a abandonar
o "Estrela Dourada" na manhã seguinte. Não desceu à sala de jantar para a refeição, e permaneceu no quarto entregue às suas reflexões.
Extenuada, adormecera! Não sabia dizer quanto tempo durara o sono Ouviu rumores na casa, que a despertaram. Traziam os cadáveres de Everett Mainrod e de Philm; um
grupo de polícias e de auxiliares, chefiados por Catamount, invadia o rancho.
Então, foi posta ao corrente da triste realidade! A todas as suas angústias, juntavam-se, agora, a dor e a vergonha! Agora, tudo estava perdido! Mike Gilbert não
quereria, com certeza, desposar a filha de um criminoso!...
E Helena recolhera-se à câmara ardente; fora ela quem lavara as feridas sanguinolentas do pai, e quem lhe fizera a toilette fúnebre. Dava provas de tal serenidade
e sangue frio, que chegara a espantar o ranger e os auxiliares.
Agora, porém, operava-se a reacção. A órfã dava livre curso às lágrimas, por tanto tempo
reprimidas. De joelhos, a cabeça apoiada sobre o leito, soluçava profundamente. De súbito, estremeceu: Alguém lhe punha a mão no ombro. Ao mesmo tempo, ouvia murmurarem-lhe
as seguintes palavras:
- Coragem, Miss Mainrod... Creia que a acompanho muito sinceramente na sua dor!...
Helena voltou-se. Era Catamount, que se encontrava, de pé, ao lado dela.
- Como?... É o senhor?...
A infeliz não sabia que atitude assumir. Era admiração, ou horror, o que sentia por aquele audacioso cavaleiro, que viera castigar e desmascarar os criminosos? Aquela
mão, estendida para ela, não era a mesma que provocara a morte horrível do Imperador do "rodéo"?...
No entanto, nela, o sentimento de justiça era profundo. O natural amor que tinha pelo pai, não lhe obliterava a nítida visão da realidade.
Por isso, dominou a repugnância e a hesitação que sentira à primeira vista, e apertou a mão que o ranger lhe estendia.
- Não quero continuar a viver neste rancho... Vou vender tudo, para liquidar as dívidas e para indemnizar as vítimas do meu pai! Infelizmente, os dólares não conseguirão
ressuscitar os mortos... Quando tudo estiver vendido, desaparecerei... Ou entro num convento, ou vou para o Extremo Oriente! Lá se encontram religiosas, as quais,
longe da pátria e dos entes queridos, se esforçam, com um heroísmo sublime,
com um desinteresse admirável, em suavizar todas as misérias, em salvar criancinhas pobres, que, sem elas, sucumbiriam inevitavelmente!..,
- Porque se abandona, assim, ao desespero, Miss Mainrod?... Lembre-se que ama alguém, e que esse alguém lhe corresponde nos mesmos sentimentos!...
Catamount, que conhecia, agora, o romance da rapariga, esforçava-se por lhe atenuar o desespero, e de lhe fazer voltar a coragem que nela destruíra a catástrofe
de Yellow-Curve. No entanto, Helena abanou a cabeça:
- Não tenho ilusões, sr. Catamount... A pessoa a quem se refere deixou de me amar! Sou hoje para êle uma recordação horrorosa!...
- Helena! Proíbo-te que fales assim!...
A rapariga estremeceu e olhou para a porta do quarto. Uma voz amiga acabava de pronunciar aquelas palavras.
- Mike!... balbuciou ela. Tu... Aqui ?... Não é possível!...
Helena estendia a mão: dir-se-ia que pretendia afastar uma visão traiçoeira; mas, não podia duvidar, era bem Mike quem ali se encontrava, e quem lhe abria os braços.
A-pesar-disso, a órfã hesitava ainda:
- Mas, tu naturalmente ainda não sabes de nada?...
-Sei tudo! replicou Mike com um sorriso triste.
- Então, está tudo acabado?... Não podes casar-te com a filha de um criminoso?
- Pelo contrário, está tudo salvo, Helena!"... Junto do cadáver deste desgraçado, que te rodeava de uma afeição tão forte, venho pedir-te que me renoves a promessa
que me fizeste... Não estou só no mundo, não, Helena... Aconteça o que acontecer, terei sempre orgulho em te dar o meu nome!...
Catamount compreendeu que era a ocasião de se retirar. Desceu a escada sem fazer ruído. Lá em baixo encontrou Josué, muito admirado pela demora do ranger.
- Então! que foi isso? preguntou o preto.
- E que tenho agora assunto para uma bela história a contar ao meu amigo Absalão! replicou Catamount, muito satisfeito por ver reflorir um pouco de felicidade junto do leito onde dormia o último sono aquele que fora o Imperador do "rodéo"...

 

 

                                                                                                    Albert Bonneau

 

 

 

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