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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A VINGANÇA DE UM MARIDO / Lynne Graham
A VINGANÇA DE UM MARIDO / Lynne Graham

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A VINGANÇA DE UM MARIDO

 

Darcy Fielding tinha que se casar se não queria perder a casa familiar. Para isso, decidiu pôr um anúncio para encontrar um marido. No entanto, estava a ponto de sofrer as conseqüências de uma noite de paixão que teve lugar tempo atrás...

Gianluca Raffacani tinha conseguido dar por fim com a misteriosa beleza que o seduziu, roubou-lhe e depois desapareceu. Aquela mulher tinha posto um anúncio para encontrar marido, e era a oportunidade perfeita para vingar-se. Não obstante, Luca se topou com algo totalmente inesperado...

 

UMA esbelta e frágil beleza num vestido de noite verde prateado. Pele transparente, cabeleira de vibrantes cabelos castanho avermelhados de tom Ticiano e olhos verdes sob uma máscara de sedução. Voz débil e profunda, o suficientemente profunda como para chamar o atendimento, mas mais doce do que o mel...

- Sem nomes... nada de convencionalismos - disse ela. - Não quero saber de nomes - adicionou quando ele tratou de apresentar-se - Depois desta noite não voltarei a ver-te, assim que, para que?

Nenhuma mulher tinha dito nunca algo assim a Gianluca Raffacani. Nenhuma mulher tinha pretendido dele simplesmente uma aventura de uma noite, e o desconcerto que aquilo lhe produziu foi profundo. No entanto o ardor dela na cama pareceu contradizer aquelas palavras... até que à manhã seguinte ele acordou e compreendeu que sua misteriosa amante tinha desaparecido levando-se consigo o anel Adorata. Luca, singelamente, não pôde dar crédito ao fato de que uma trapaceira sem escrúpulos lhe tivesse saqueado com tão insultante facilidade.

As recordações daquela desastrosa noite em Veneza, três anos atrás, seguiam corroendo-lhe por dentro como uma ferida aberta cheia de sal. Luca observou o documento fechado e etiquetado com o nome de Darcy Fielding sobre sua mesa do escritório. Resistiu-se a abri-lo apressadamente com a impaciência de um adolescente e esperou com a autodisciplina que o caracterizava como reputado homem de negócios nas finanças. Levava muito tempo esperando aquele momento, podia esperar um pouco mais.

 - Crês que acertaste desta vez? - estás seguro? - perguntou.

Apesar de estar orgulhoso do sucesso de sua investigação, apesar de estar convicto de que tinha dado por fim com a garota, Benito vacilou. A mulher à que tinha seguido a pista encaixava perfeitamente com cada um dos detalhes que lhe tinha proporcionado seu chefe, mas não podia compreender como Luca, um homem tremendamente sofisticado, podia ter passado uma louca noite de paixão com a garota da fotografia...

- Só estarei seguro quando a reconhecer, senhor - admitiu tenso.

- Tens dúvidas, Benito? - inquiriu Luca Raffacani suspirando algo desesperado e abrindo a pasta para examinar a fotografia.

Luca franziu o cenho e sua mandíbula se tensionou como o granito. Benito empalideceu crendo que tinha voltado a equivocar-se. A mulher da fotografia usava umas calças sujas, botas de borracha, barrete de chuva e uma jaqueta velha com uma rachadura numa manga. Não era uma beleza sedutora.

 - Talvez me tenha precipitado...

 - Ela cortou o cabelo... - o interrompeu Luca. - Quer dizer que... é a mesma mulher? - Se tinha vestido assim para uma baile de  disfarces?

- A senhorita Fielding estava dando de comer às galinhas quando tiraram a foto - explicou Benito - Foi a melhor fotografia que puderam fazer-lhe, não sai muito de casa.

 - As... galinhas? - repetiu Luca divertido, sem deixar de examinar a fotografia - Sim, é ela, sem dúvida é ela... é a ladra profissional que me enganou!

Darcy Fielding lhe tinha roubado o Adorata, um anel medieval, uma peça de museu, uma herança irreparável. Os Raffacani eram príncipes desde a Idade Média, e para celebrar o nascimento de  seu primeiro filho tinham por costume presentear a sua mulher um magnífico anel com um rubi. Não obstante, apesar de ser uma rica herança de família e uma jóia de considerável valor, Luca não tinha informado o roubo à polícia. Aquilo tinha deixado atônito a Benito, que com o tempo tinha ido compreendendo...

 Segundo os rumores, aquele ano, durante a noite do baile anual de  máscaras do Palazzo d'Oro, tinham ocorrido uma série de fatos muito estranhos. Para começar o anfitrião tinha desaparecido, e se era verdade que Gianluca Raffacani tinha saído para seduzir a uma ladra com um romântico passeio de gôndola por Veneza ao luar não era de estranhar que não tivesse informado à polícia. Nenhum homem teria confessado abertamente semelhante erro de juízo e estupidez.

Apesar das recompensas oferecidas o anel não tinha aparecido. O mais provável era do que o ladrão o tivesse vendido na Inglaterra, que o tivesse adquirido algum colecionador rico que não tivesse perguntado por sua procedência. 

Benito ficou profundamente desiludido ao descobrir que Darcy Fielding não era nada mais que uma ladra.

- Fala-me sobre ela... - rogou o chefe fechando inesperadamente a pasta.

- Darcy Fielding vive numa casa grande e antiga que pertenceu a  sua família durante gerações - informou Benito, - mas sua situação financeira é muito calamitosa. A casa tem uma forte hipoteca, e ela é a única responsável pelos pagamentos...

 - Quem lhe concedeu essa hipoteca? - inquiriu Luca.

Benito o informou de que a hipoteca tinha sido concedida dez anos atrás e de que estava nas mãos de uma seguradora.

- Compra-a - ordenou Luca. - Continue.

- É uma pessoa respeitada nos arredores, mas encontramos à antiga governanta da casa, e está disposta a lavar os trapos sujos.

Os brilhantes olhos de Luca se entrecerraram, e sua sensual boca se franziu. De repente voltou a abrir o documento com uma expressão de desgosto e examinou a fotografia com renovada fascinação. Os cabelos da mulher da foto, sugeriam um corte de cabelo ao rapé e descuidado em lugar de um trabalho de salão de beleza. Tinha um aspecto desregrado, de completo abandono, mas o brilho de sua pele perfeita e a e fascinante mirada de seus olhos resultava inconfundível. Luca estava absorto. De repente se deu conta de que não tinha escutado em absoluto o relatório de Benito.

- …e se a dama o consegue, herdará algo bem como um milhão de  libras esterlinas - concluiu Benito.

- Conseguir o que? - inquiriu Luca.

- A última senhora Leeward tinha três possíveis afilhadas herdeiras, mas as três são endiabradas - conjecturou Benito. Quando chegou o momento de dispor de seus bens em sua última vontade não tinha quem escolher. Uma vivia com um homem casado, a outra era mãe solteira e a terceira ia por idêntico caminho... nenhuma das três usava um anel de casada, nem tinha esperanças de  usá-lo nunca.

 - Me perdi - admitiu Luca impaciente.

 - A rica madrinha de Darcy Fielding deixou tudo para suas três afilhadas com a condição de que se casassem no prazo de um ano.

 - E Darcy é uma dessas afilhadas que descreveste - concluiu Luca tenso. - Qual delas?

 - A mãe solteira - respondeu Benito.

 - Quando nasceu seu filho? - inquiriu Luca imóvel, surpreso.

 - Sete meses depois da viagem a Veneza. A criança tem algo mais de dois anos.

Luca ficou olhando para o nada, tratando de manter-se imperturbável, mas era impossível. Cristo!... de maneira que ela estava gestante de outro homem quando fizeram amor. Aquilo não era senão outra injúria mais. Fosse o que fosse o que ela valorizasse mais em sua vida o arrebataria, lhe ensinaria o que significa sentir-se enganado e humilhado, lhe faria exatamente o mesmo que lhe  tinha feito ela.

- Quanto à identidade do pai... - continuou Benito irônico... - não se sabe. Segundo parece as pessoas do lugar crêem que a criança é do noivo, que a deixou plantada diante do altar. A seus olhos esse homem é um rato de esgoto. No entanto a governanta tem outra versão. Assegura que o noivo não estava na Inglaterra quando o menino foi concebido, e diz que a abandonou porque se deu conta de  que o bebê não podia ser seu.

Luca assimilou aquela informação em completo silêncio.

 - No entanto não creio que a dama permaneça solteira bem mais tempo - adicionou Benito. - Não com um milhão de libras esterlinas no meio. Na página seis do relatório verá o que suspeito que está fazendo para tratar do que fazer com o dinheiro...

Luca deu uma olhada no relatório.

- O que? - exigiu saber Luca examinando o anúncio de jornal e a direção adjunta na página seis da pasta.

 - Suspeito que Darcy Fielding pôs um discreto anúncio para encontrar um marido para ter que satisfazer as condições do testamento.

 - Um anúncio? - repetiu Luca incrédulo.

Precisa-se homem solteiro, calmo, domesticado e de bons modos, sem compromissos e entre 25 e 50 anos, para um emprego no campo, onde terá que se mudar. Trata-se de um trabalho a curto prazo para o que se garante a mais absoluta confidencialidade. Abster-se de piadas, por favor.

 - Mas isto não é para um marido... é para adquirir um cachorro domesticado! - gritou Luca estarrecido.

 

- VOU TER que pôr o anúncio outra vez - comentou Darcy dirigindo-se a  Karen enquanto limpava a vasta quadra de um só ocupante.

 - E daí o que foi feito de teus dois únicos candidatos, o jardineiro e o servente?

 - Ontem os chamei para conceder uma entrevista.

 - Na qual planejavas soltar-lhes por fim que o trabalho consistia em  casar-se contigo - suspirou Karen. - Deus, não me agradaria ter que passar por isso!

 - Bem, pois já vês, segundo parece eu também não vou ter que passar por isso. Um tinha encontrado trabalho, e o outro tinha se mudado sem deixar seu endereço. Não deveria de ter-me agoniado tanto pela escolha.

 - Que escolha? Mas se só te responderam cinco pessoas! Dois com obscenidades, e outro num tom tão misterioso como suspeito. O anúncio era demasiado vadio em certo sentido, e ao mesmo tempo excessivamente revelador. Como diabos se te ocorreu pôr isso de  «domesticado e de bons modos»? Quero dizer que não estás precisamente em posição de escolher. Bem, apesar de tudo não posso dizer que o lamente - admitiu Karen abertamente.

 - Karen! ...  - exclamou Darcy.

 - Escuta, me dar arrepios só de pensar que vais estar só em casa com um estranho! - exclamou a morena com ansiedade. - E de todo modo, como também não dizes abertamente que o que procuras é um marido temporário, que possibilidades tens de que qualquer um dos homens que responderem o anúncio aceite?

 - Aposto que algum aceitará se lhe oferecer dinheiro suficiente. Preciso de minha herança, Karen, e não me importa o que tenha que fazer para consegui-la. Não me importa se tenho que me casar com o Corcunda de Notre Dame para satisfazer as condições do testamento - admitiu Darcy honesta. - Esta casa pertenceu a minha família durante mais de quatrocentos anos!   

- Sim, mas está se derrubando diante de teu nariz e está acabando contigo, Darcy. Teu pai não tinha direito a deixar-te este ônus sobre as costas. Se ele não tivesse deixado Fielding's Folly em  semelhante estado financeiro tu não te verias agora nesta situação.

Darcy inclinou a cabeça. Seus olhos verdes expressavam resolução.

 - Karen... tenho duas mãos para trabalhar, e enquanto tiver forças, Folly passará para as mãos de Zia. 

Darcy contemplou sua filha de dois anos com orgulho e satisfação. Sentada num ensolarado rincão do jardim a menina vestia uma de  suas bonecas preferidas. Zia tinha sorte, pensou. Não tinha herdado o cabelo cor cenoura de sua mãe, nem seus olhos míopes ou seu nariz. Tinha uns preciosos cachos negros e traços finos e esbeltos, era surpreendentemente linda e feminina para sua idade. Em resumo, ia ser tudo o que sua mãe tinha almejado sempre ser... Não seria a feia das festas, não seria descarada nem pouco atraente nem seus traços seriam tão simples como para não chamar a atenção. Nem nunca se sentiria tão humilhada como para enfiar-se à cama de um estranho só para demonstrar que era capaz de atrair um homem. Aquela dolorosa recordação fez empalidecer Darcy, que olhou para o outro lado com um vergonhoso sentimento de culpa perguntando-se como explicaria a sua filha as vergonhosas circunstâncias de seu nascimento.

Zia lhe perguntaria algum dia o nome de seu pai. E aí que lhe diria Darcy? Que não o sabia, que não o tinha perguntado. Que não tinha querido sabê-lo. Mais ainda, que poderia cruzar-se com ele pela rua sem reconhecê-lo porque aquele dia não usava as lentes e, portanto, não tinha nem idéia de que aspecto tinha. Mas tinha os olhos escuros, o cabelo negro e uma voz maravilhosa...

Aquelas recordações se agruparam em sua mente fazendo-a perder toda confiança em si mesma. Tinha-se comportado como uma qualquer com o primeiro playboy com quem tinha topado.

 - Bem, então suponho que voltamos ao ponto de partida no que diz respeito ao tema de encontrar marido... - concluiu Karen tirando um envelope do bolso da calça. - Toma, abre-o. Creio que é outra solicitação, ainda que um pouco tardia. Chegou esta manhã de  Londres.

Karen tinha aceitado que Darcy utilizasse seu nome e endereço. Ela precisava preservar sua intimidade. Todas as cartas eram enviadas à casa dos guardas que Karen tinha comprado dentro dos limites da propriedade de Darcy. Esta sabia que se arriscava ao pôr um anúncio para encontrar marido, mas não tinha alternativa. Se a descobrissem a acusariam de trapacear no cumprimento das condições do testamento e a excluiriam da herança mas, que outra coisa podia fazer? Era responsabilidade sua assegurar-se de que Fielding's Folly passasse para mãos de futuras gerações, não podia falhar à palavra que tinha dado a seu pai no leito de morte. Tinha se comprometido a conservar Folly custasse o que custasse. Como ia permitir que quatrocentos anos de história familiar acabassem com ela?

E, o que era ainda mais importante, só quando conseguisse a herança estaria em posição de voltar a contratar todo o pessoal que se tinha visto forçada a demitir depois da morte de seu pai. Saber que aquela pobre e fiel gente se via em semelhante situação pela incompetência financeira de seu pai lhe pesava sobre a consciência. Darcy rasgou o envelope e leu a curta carta.

- Não é britânico... e tem experiência como conselheiro financeiro...

- O mais provável é de que seja um empregado de um banco - comentou Karen sem deixar-se impressionar.

- Oferece referências, que é mais do que fizeram outros - anunciou Darcy esperançosa. - E só tem trinta e um anos.

- De que nacionalidade é?

- Não o diz - respondeu Darcy incapaz de decifrar a assinatura, levantando a cabeça. - Só diz que não tem nenhuma doença, que está solteiro e que um emprego temporário com alojamento lhe iria bem neste momento...

- Assim que está desempregado e acaba de romper com sua noiva.

- Se não estivesse desempregado nem disposto a mudar-se não teria respondido, Karen - assinalou Darcy. - Parece-me razoável. Não sabe de que tipo de emprego se trata, assim que não informa sobre si mesmo mais do que o básico.

Cinco dias mais tarde, enquanto andava pelo pequeno salão da casinha de guardas de Karen, Darcy levantou os óculos sobre a ponta do nariz e alisou a saia, nervosa.

O candidato chegaria em matéria de minutos. Ainda não tinha tido oportunidade de falar com ele. Não lhe tinha deixado nenhum número de telefone, de maneira que se tinha visto obrigada a  responder por correio a Londres e, nervosa ante a idéia de dar-lhe ela seu número, tinha feito uma citação pedindo-lhe que lhe  escrevesse a data que lhe convinha. Ele tinha escrito uma breve nota confirmando que iria, e Darcy tinha podido adivinhar por fim pela assinatura que seu nome de era Lucas, um nome muito inglês. Não obstante o sobrenome lhe seguia resultando indecifrável.

Darcy escutou um ruído de moto na rua e reprimiu sua impaciência. Lucas chegava tarde, talvez não aparecesse. Um minuto mais tarde a porta principal se abriu. Karen assomou a cabeça no salão cheia de  excitação.

 - Acaba de chegar um tipo em uma moto... é um pedaço de homem perfeito. Parou e tirou o capacete. Tem que ser Lucas... Darcy, é lindíssimo.

 - Veio de moto? - a interrompeu Darcy atônita.

 - Sim, pesada. A que não te atreves a  perguntar-lhe se quer casar-se contigo por um salário?

Mas Darcy sabia que não tinha alternativa. Tinha que perguntar. E rogava para que ele aceitasse. Não dispunha de tempo para pôr outro anúncio, estava com a espada contra a cabeça. O dia anterior tinha recebido uma carta sobre a hipoteca de Fielding's Folly. AMEAÇAVAM-NA em ficar com a casa, e como no banco estava ao descoberto não queriam emprestar-lhe mais dinheiro.

Darcy fez uma careta ao ouvir a campainha. Karen correu para abrir. Darcy se colocou junto à chaminé. Assim que Lucas era lindo. Os homens lindos sempre tinham um enorme ego, reflexionou. Ela só desejava um homem normal e comum, alguém que não se metesse em  suas coisas.

- Signorina Darcy? - escutou a distância uma voz surpresa e educada.

 - Não... eh... ela.. ela... está-o esperando - gaguejou Karen.

Darcy piscou. Aquela voz lhe tinha soado familiar. De repente compreendeu por que. Lucas era italiano!

Era seu lírico acento, não sua voz, o que tinha acordado suas recordações.

Um homem tremendamente alto, moreno e masculino, com óculos de  sol e roupa de couro negra de motoqueiro acabava de entrar a  grandes passos no salão. Darcy abriu a boca atônita. 

O couro negro acentuava uns ombros já por si largos, uns quadris estreitos e umas poderosas e longas coxas. Aquela roupa justa mal deixava espaço à imaginação, e os óculos de sol prestavam a seu rosto uma intimidante defeituosa de expressão. No entanto... no entanto Darcy o olhou e pensou que aquele homem compartilhava algo mais do que o sotaque com o pai de Zia, ao que se parecia.

«E daí?», perguntou uma voz irritada em seu interior. Singelamente era o segundo italiano moreno a que conhecia. O sofisticado homem que a tinha deixado grávida não era dos que se punham roupa justa. Se ela não tivesse se sentido culpada por seu modo de comportar-se em Veneza, a voz de Lucas nunca a teria amedrontado.

- Por favor, peço-lhe que me desculpe se não tiro os óculos, fere-me a luz - informou o italiano com voz calma.

- Não quer sentar-se? - lhe ofereceu Darcy.

- Se me permite que o diga... você me olha de um modo estranho - assinalou o italiano enquanto se sentava com graça no sofá frente a  ela. - Lhe recordo alguém, senhorita?

 - Em absoluto - assegurou ela pouco convicta. - Ademais temo de que fui incapaz de ler seu nome na assinatura... qual é seu nome completo?

 - Deixemos em Luca, no momento. O anúncio sugeria que o emprego era de natureza pouco habitual, e me agradaria conhecer mais detalhes antes de continuar. Depois de tudo você também não me disse seu nome real.

- Como diz? - exigiu saber Darcy surpreendida.

- Antes de vir aqui estive fazendo averiguações. Seu sobrenome é Fielding, não Darcy, e não vive você nesta casinha, senão na enorme mansão que há no final do caminho - respondeu com frieza. – Você tomou bastante cuidado para ocultar sua identidade e, naturalmente, isso me inquieta.

Darcy se levantou do assento incapaz de ocultar sua surpresa e irritação.

 - Me tem estado pesquisando?

 - Creio que há pouca luz aqui... - comentou o italiano tirando os óculos lentamente e escrutinando-lhe com uma intensa curiosidade e expectativa.

Darcy se encontrou de repente observando uns brilhantes olhos negros de longas pestanas. Era o tipo de olhos que causavam admiração. Belos, brilhantes e escuros como a noite, impenetráveis, profundos e insondáveis. Com óculos aquele italiano era bem parecido, mas sem eles era terrivelmente belo e atraente. Apesar de estar sem se barbear.

Darcy se pôs tensa e deu um passo atrás instantaneamente. Sua retirada, não obstante, viu-se detida pelo cadeirão sobre o que se tinha sentado. Sentia uma repentina cócegas no estômago, uma cócegas de excitação que cedo se transformou em vergonha. Darcy se ruborizou e se afastou evitando o cadeirão, tratando de manter-se longe dele.

 - Signorina Fielding...

 - Escute, não tinha você direito a pesquisar-me... - contestou Darcy cruzando os braços. - Eu lhe garantia sua intimidade no anúncio, não podia você fazer o mesmo?

 - Não sem ter ao menos uma idéia sobre onde estava me metendo. Nos negócios é habitual fazer averiguações antes de uma entrevista.

Darcy afastou a mirada dele. Uma onda de antipatia a invadiu, mas controlou seu irado temperamento. Possivelmente tudo se devesse ao fato de que aquele homem lhe trazia à memória velhas recordações. Depois de todo a proposta que ia fazer-lhe era uma proposta de negócios. Talvez aquele tal Luca se achasse muito inteligente, mas era um tonto. 

Só um estúpido se apresentaria a uma entrevista vestido de anjo infernal e sem barbear. Assessor financeiro? Nem em sonhos. Não era o suficientemente sério.

Encorajando-se por essa idéia e reprovando a si mesma por ter-se, sentido intimidada por algo tão superficial e de tão pouca importância como o aspecto dele, Darcy voltou a sentar-se e enlaçou as mãos sobre o colo.

 - Bem, vamos direto ao ponto...

Um silêncio pesado reinou na habitação. Luca se sentou descontraído e a observou. Darcy apertou os dentes e continuou:

 - Tinha uma boa razão para manter o anonimato. Mas antes de que lhe explique essa razão quero comentar-lhe certos detalhes. Se você aceitar ocupar o emprego que lhe ofereço lhe pagarei bem, apesar de que não requer trabalho algum...

- Como não requer trabalho?

 - Não, em absoluto - confirmou ela. - Enquanto viver você em  minha casa todo seu tempo será seu, e ao final, supondo que tenha cumprido satisfatoriamente, receberá você uma generosa gratificação.

 - Então, de que se trata? - inquiriu Luca. - Quer você que faça algo ilegal?

 - Por suposto que não - contestou Darcy. - Trata-se de que aceite  casar-se comigo para um período de seis meses.

 - A... casar-me com você? - repetiu Luca franzindo o cenho incrédulo. - O emprego que oferece consiste em... casar-se com você?

- Sim. É muito sigiloso. Preciso de um homem que esteja disposto a  passar por uma cerimônia nupcial e que se comporte como um marido durante seis meses - explicou Darcy com aspecto gélido, como qualquer mulher coibida que se visse obrigada a falar sobre algo indecente.

 - E por que?

 - Por que? Isso é assunto meu. Não creio que precise você dessa informação para tomar uma decisão - respondeu Darcy incômoda.

 - Não compreendo... poderia explicar-me outra vez, senhorita?

Depois não se podia dizer que aquele italiano tivesse grande agilidade mental. No entanto já tinha passado o pior, e o tipo não tinha saído fugindo. Ademais, por que ia fazê-lo? 

Se era solteiro podia ganhar muito dinheiro sem grande esforço. Darcy repetiu a oferta e, convicta de que o tema monetário seria o melhor estímulo, mencionou o salário mensal mais o bônus extra, que pagaria por adiantado, por manter a discrição quando seus caminhos se separassem.

O italiano assentiu lentamente uma e outra vez, com o cenho franzido e a vista fixa no tapete. Darcy pensou que talvez o molestasse a luz e tratou de acalmar-se diante aquela torpe reação. Talvez estivesse desconcertado diante uma oferta à que não sabia como responder.

 - Por certo que precisaria de referências - continuou Darcy.

 - Pois me é impossível dar-lhe nenhuma referência como marido...

 - Me refiro a referências sobre seu bom caráter - explicou ela seca.

- E se o que desejava era um marido, por que não pôs você um anúncio na seção de ofertas pessoais?

 - Porque nesse caso tivesse recebido respostas de homens genuinamente interessados em relações prolongadas e sinceras - suspirou Darcy. - Era mais inteligente dirigir a petição como se tratasse de um emprego...

 - Calmo... domesticado... de bons modos.

 - Não quero a alguém que se meta em minha vida nem que deseje que eu o espere tudo dele, Diria você que é uma pessoa independente?

 - Sim.

- Bem, então, que lhe parece? - perguntou Darcy impulsiva.

 - Não sei o que pensar, não esperava este tipo de oferta - contestou o italiano com amabilidade. - Nunca, nenhuma mulher, tinha-me pedido antes que me casasse com ela.

 - Eu não estou falando de um casamento propriamente dito, é evidente que depois de seis meses nos divorciaremos. E, por  verdade, terá você que se comprometer a assinar um acordo pré matrimonial - adicionou Darcy tratando de evitar que nenhum estranho pudesse reclamar-lhe legitimamente nenhuma parte da herança que receberia. - Isso é inegociável.

- Creio que precisaria de uma soma de dinheiro importante para privar-me de minha liberdade - objetou Luca pondo-se de pé.

 - Isso não é problema - o interrompeu Darcy com convicção. Se por  fim contava com um candidato disposto a considerar sua oferta o dinheiro não tinha importância. - Estou disposta a discutir esse tema, e inclusive a dobrar a quantidade final se você estiver de  acordo.

Era estranho, mas aquela oferta não pareceu obter a resposta impulsiva que Darcy esperava.

 - Eu pensarei um pouco, estaremos em contato.

 - E as referências?

 - Eu as trarei se decidir aceitar a... proposta - contestou Luca com olhos dourados e iluminados.

Talvez se divertia com o desespero que via por nela?

 - Preciso com urgência de uma resposta, não tenho tempo a perder.

- Lhe darei minha resposta amanhã... - respondeu Luca caminhando a  grandes passos para a porta para deter-se diante dela e dizer:   Surpreende-me que não tenha você nenhum amigo para interpretar esse papel.

 - Dadas as circunstâncias prefiro a um estranho.

 - Um estranho... compreendo - contestou Luca com voz de seda.

 

ENTÃO, que impressão te causou Luca? - quis saber Karen minutos mais tarde.

- Não se chama Lucas, senão Luca. Minha impressão? repetiu Darcy franzindo o cenho distraída. - Isso é o mais raro, que na  realidade não tenho nem idéia. Primeiro me pareceu que era só físico e nada inteligente, e então saltou com um comentário agudo. E depois não soltou mais nada interessante.

 - E não te acusou de tê-lo feito vir com falsas pretensões? Não riu de tua oferta nem te perguntou se estavas de brincadeira? - perguntou Karen confusa.

 - Demorava muito em reagir - respondeu Darcy reflexiva, - suas reações eram muito formais, de negócios. Isso me facilitou as coisas, não me senti tão violentada como pensava.

- Só tu serias capaz de propor-lhe um assunto assim a um tipo tão atraente como Luca sem reagir de um modo pessoal.

- Esse tipo de homens me deixam fria - comentou Darcy ruborizando-se ao recordar suas excitadas respostas.

 - Impossível... fala sério?

- Karen... 

 - Esquece-o... conheço-te, sei quando mentes.

 - Está bem, dei-me conta de que era bonito.

 - Bonito? - repetiu Karen incrédula.

 - Bem, espetacularmente bonito. Satisfeita?

- Sim. Tua indiferença me preocupava. Ao menos agora sei que segues viva.

 - Pois com meu aspecto o melhor seria seguir indiferente, creia-me.

Karen apertou os lábios e pensou em todas as pessoas que rodeavam a Darcy e que lhe tinham feito crer que não valia nada. Seu frio e crítico pai, sua sarcástica e superficial madrasta... isso para não mencionar à série de garotos que a tinham recusado e maltratado durante a adolescência. Deixá-la plantada no altar e abandonada a  sua sorte com um bebê era a gota que transbordava no copo.

E, como resultado, Darcy se vestia como um espantalho e mal fazia esforços por manter uma vida social. Estava-se convertendo numa reclusa, ainda que o verdadeiro era que com tanto trabalho na casa mal tinha tempo para o lazer. Qualquer um em seu lugar se teria rendido, mas Darcy não. Darcy morreria de fome antes de ver Folly num leilão.

 - Me molesta terrivelmente quando falas assim - disse Karen com sinceridade. - Se te comprasses um pouco de roupa e te tomasses um pouco de interesse por teu...

 - E para que vou preocupar-me quando sou feliz assim? - perguntou Darcy visivelmente afetada pelo giro que tinha tomado a conversa. - Já é hora de que vá procurar Zia.

Darcy esteve refletindo. Não podia deixar de recordar o seu ex noivo, Richard, confessando no último momento, diante do altar, que se tinha apaixonado da dama de honra, de sua melhor amiga. E para o cúmulo Maxie, uma verdadeira beleza, tinha-o recusado ali mesmo.

Imediatamente depois ocorreu o caso de Veneza. Essa história tinha terminado também numa severa humilhação para Darcy. Tinha tentado a ser Cinderela por uma noite, mas à manhã seguinte tinha esperado no Portão de a Guerra durante uma eternidade. Todo aquele dia tinha decorrido numa espécie de surdez adolescente até que ao final tinha compreendido que o Príncipe Super Feliz não ia aparecer.

Por suposto outra mulher, menos crédula e mais experiente, tivesse compreendido desde o princípio que aquela romântica sugestão equivalia ao típico «te ligarei». Só ela era incapaz de reconhecê-lo. Sim, era mais feliz ignorando os homens. E se Luca decidisse aceitar sua oferta conseguiria o que se propunha e se desfaria dele quanto antes.

Darcy suava e respirava pesadamente. Deteve-se a tomar alento. A caldeira da cozinha jamais tinha lenha suficiente. Suspirou e se agachou trabalhosamente a pôr os troncos de madeira no carrinho de mão.

 - Darcy ... ?

Ao ouvir aquele timbre de voz e aquele acento Darcy se sobressaltou e se deu a volta. Luca estava de pé a escassos metros. Seus olhos verdes ficaram fincados nele, em sua figura masculina, em seus largos ombros, em seus escorridos quadris, em suas longuíssimas pernas. Tinha-se barbeado. De uma só olhada se apreciava toda sua gloriosa beleza. Darcy ficou muda, incapaz de  controlar-se. A seus pômulos altos e marcados seguiam um nariz reto e clássico e uns lábios perfeitos. Sua pele tinha o resplendor dos países de climas cálidos.

- Aconteceu algo?

 - Me assustaste... - se ruborizou.

Darcy afastou a vista e baixou os olhos observando então que seus dois cocker espanhol estavam sentados em silêncio junto ao visitante. Humpf e Bert nunca deixavam de ladrar quando se acercava, algum estranho. No entanto, em lugar disso, ambos cachorros o olhavam como esperando uma ordem.

 - Não te esperava - comentou Darcy bruscamente - Chamei várias vezes à porta principal... Não terás tu cortado só toda essa lenha, verdade? - Darcy assentiu consciente da incredulidade daqueles olhos negros. - E não há nenhum homem nesta casa?

 - Não, eu sou o mais parecido a um homem... mas não é nenhuma novidade - sussurrou Darcy. - Pensei que chamarias por telefone.

- Chamei, mas não atendestes.

 - Sim, estou quase o tempo todo fora - explicou Darcy tirando-se as luvas. - Vamos.

Darcy tomou uns tantos de lenhas e lhe ensinou o caminho, conduzindo-o por um longo e escuro corredor cheio de portas. Aquelas eram portas de estadias que tinham deixado de utilizar-se, mas quanto conseguisse seu objetivo e abrisse a casa ao público todas as habitações veriam de novo a luz. Entrou na enorme cozinha e se ajoelhou junto à caldeira começando para jogar as lenhas dentro.

 - Vieste de Londres?

 - Não, ontem à noite fiquei em Penzance.

 - Assim que, que decidiste? - perguntou Darcy tensa, sem atrever-se sequer a olhá-lo.

 - Que sim, minha resposta é sim - murmurou ele com ênfase.

As lágrimas quase se lhe saltaram dos olhos. Darcy piscou e fechou a porta da caldeira inesperadamente. Sentia-se tão aliviada que inclusive se emocionou. Era como se tivesse tirado um enorme peso de cima dela. Levantou-se, voltou-se sorrindo e disse:

 - Estupendo... é estupendo. Queres um café?

Luca a olhou sem mover um só músculo. Era uma reação estranha. Darcy engoliu.

 - Bem... por que não? - contestou ele ao fim inexpressivo.

Darcy preparou a chaleira de água e o olhou de relance no tenso silêncio. Não compreendia de onde provia aquela tensão entre os dois, mas de repente pensou que aquele silêncio talvez tivesse relação com seu ego masculino ofendido.

 - Suponho que não é este o trabalho que tivesses desejado, mas te  prometo que não lamentarás tê-lo aceitado. Quanto tempo levas  desempregado?

 - Desempregado? - repetiu ele com os músculos tensos.

 - Oh... sinto muito, tinha suposto que...

 - Nunca tinha estado desempregado na Inglaterra.

 - Ah! - assentiu Darcy devagar. - E então... quanto tempo levas aqui?

 - O suficiente...

Darcy escrutinou o rosto moreno de altos pômulos. Luca devia de  sentir-se violento por seu fracasso no mercado trabalhista, concluiu Darcy. Tivesse devido de fazer-lhe a pergunta com mais delicadeza. A verdade era que nunca tinha tido grande tato. Na primeira entrevista estava tão nervosa que nem tão sequer lhe tinha ocorrido pensar que Luca devia de estar desesperado por  encontrar trabalho. Mais ainda, sua roupa, ainda que de pele, estava gasta e rasgada.

De repente uma onda de simpatia a inundou. Darcy sabia muito bem o que significava estar afundado e manter as aparências.

 - Te darei a metade do primeiro salário adiantado - disse Darcy. Luca a olhou atônito. - Provavelmente pensarás que sou demasiado confiada, mas no geral acredito no que vejo nas pessoas. Ademais também não tenho outra alternativa mais que confiar em ti. Se ao final aceitar outro emprego e recusar o meu me causarás um grave prejuízo - admitiu honesta. - Como tomas o café?

 - Só... com dois torrões de açúcar.

Darcy preparou um prato com massas. Deixou as xícaras sobre a mesa, sentou-se e pegou um bloco de notas e um lápis.

 - Será melhor que me dê os detalhes, não crês? Qual é teu sobrenome?

Se fez uma pausa, uma pausa longa e tensa enquanto Luca se deixava literalmente cair sobre o assento frente a ela.

 - Raffacani... - respirou.

 - Vais ter que soletrar-me.

Luca o fez. Darcy se inclinou laboriosa sobre o bloco de notas.

 - E Luca... é teu único nome? É que tenho que o saber, pelo pároco.

 - Gianluca... Gianluca Fabrizio.

 - Soletra.

Darcy anotou depois a data de nascimento. Raffacani. Por que tinha a sensação de que tinha ouvido aquele nome antes? Sacudiu a cabeça. Devia de ser um sobrenome tão comum na Itália como Smith na Inglaterra.

- Bem, me porei em contato com meu advogado, o senhor Stevens. Tem o escritório em Penzance, assim que podes ir ali e assinar o acordo pré matrimonial quando quiser. E as referências das que me falaste?

Luca tirou um envelope de um bolso. Darcy tratou por todos os meios de adotar uma atitude fria. Na realidade não desejava outra coisa que saltar e dançar de alegria. Tomou os documentos. Eram dois, mas estavam em italiano.

 - Bem, ficarei com isto e o estudarei... - comentou Darcy recordando os dicionários da biblioteca, - mas estou segura de que não terá nenhum problema.

 - Quando queres que se celebre o casamento? - inquiriu Luca Raffacani.

 - Espero que dentro de três semanas. Será um casamento discreto, mas como meu pai morreu este ano a  ninguém lhe  estranhará. Não quero convidar muita gente.

- Não vais convidar muita gente?

 - Na realidade... bom, na realidade não tinha planejado convidar a  ninguém - admitiu ao fim pondo-se em pé. - Te  ensinarei tua habitação para quando te mudes aqui, queres?

Luca se pôs em pé mais descontraído e Darcy ficou olhando-o fascinada sem poder evitá-lo. Tinha graça em cada um de seus movimentos, estilo. Chamava a atenção. Era uma pessoa contida, com uma tremenda segurança em si mesma. E muito reservado. Não dava nenhuma amostra do que sentia. Talvez tivesse preferido a uma pessoa extravertida que não deixasse de fazer-lhe perguntas? Darcy abandonou a cozinha e tratou de pensar em coisas mais importantes.

 - A que te referias ao dizer que eras o mais parecido a um homem por aqui? - inquiriu Luca enquanto subiam as escadas.

 - Meu pai queria um filho, não uma filha... ao menos não a uma filha como eu - explicou Darcy comparando-se com sua irmã Nina, a filha da segunda esposa de seu pai pela que este tinha sentido admiração.

 - E tua mãe?

 - Morreu quando tinha seis anos, mal a recordo - lhe confiou Darcy. - Meu pai voltou a casar-se mais tarde. Estava desesperado por  conseguir um herdeiro, mas temo que não o conseguiu.

Darcy abriu a porta de um enorme e escuro dormitório dominado por uma cama com dossel de estilo Isabelino.

 - Esta será teu quarto. Essa é a porta do banheiro, mas temo que teremos que o compartilhar, porque não há outro deste lado da casa.

Luca examinou o dormitório e Darcy ficou olhando-o. Tinha um perfil masculino e duro. Uma leve cócegas de excitação sexual a percorreu. Luca se deslizou pela estadia com a graça de um leopardo dirigindo-se para a janela para olhar. Os raios de sol se refletiram em seu cabelo negro. De repente se voltou, e seus olhos negros reluziram dourados descansando fixos e inquisitivos sobre ela.

Tinha voltado a pegá-la olhando-o. Darcy se ruborizou. Estava surpreendida de sua própria reação física, não podia compreender que tipo de loucura se tinha apoderado dela. Deu-se a volta e saiu ao corredor. Quando ele a atingiu, Darcy se dirigiu às escadas.

- Temo que em Folly não há muitas comodidades, e no povoado... bom, há pouco que fazer... - vacilou antes de continuar. - O que trato de dizer-te é que se precisas sair para divertir-se eu o compreendo...

 - A divertir-me? - repetiu Luca surpreso, como se nunca tivesse pensado nisso.

 - Eu sempre digo o que penso - explicou Darcy. - Eu vivo muito calma aqui, mas por suposto não espero que tu faças o mesmo. - Estou segura de que quererás ir a Londres a...

 - Para divertir-me? - voltou a perguntar Luca seco.

Apesar do incômodo que sentia, Darcy soltou uma gargalhada e disse:

 - Aqui não podes trazer a  nenhuma mulher..

 - Não há nenhuma mulher em minha vida - a interromper Luca apertando os dentes.

 - Agora possivelmente não - concedeu Darcy perguntando-se que diabos lhe ocorria para reagir daquele modo, como se o tivesse xingado, - mas sejamos realistas, te aborrecerás. As pessoas de  cidade...

Uns olhos brilhantes se fincaram nela de repente.

 - Por minha parte não terá nenhuma necessidade de semelhante comportamento, te asseguro - afirmou ele cortante.

Estavam baixando as escadas quando uma diminuta figura com leggings vermelhos e camiseta amarela apareceu no vestíbulo.

 - Mame! exclamou Zia.

Luca ficou imóvel. Darcy interpretou seu silêncio como surpresa e tomou a sua filha nos braços.

 - É minha filha Zia... creio, que não a mencionei antes.

Luca levantou um ombro uma centésima num elegante gesto. Tivesse mostrado o mesmo interesse de ter-lhe apresentado a um gato.

 - Alguma coisa mais? - perguntou Luca impaciente.

Darcy negou. Minutos mais tarde tinha preparado o cheque prometido. Luca o dobrou e o meteu no bolso.

 - Te mandarei uma nota quanto souber a data do casamento, mas não creio que precise ver-te antes. Luca escreveu um número de  telefone no bloco de notas e o entregou a ela.

 - Se precisar contatar comigo deixa uma mensagem neste número.

 

Quinze dias mais tarde Darcy abriu a porta principal de sua casa e ficou geada ao ver a seus visitantes.

 - Já era hora ! - se queixou Margo Fielding, seguida de sua filha Nina, enquanto passava por diante de Darcy deixando um halo de  caro perfume a seu passo.

Incômoda ante a inesperada visita de sua madrasta e de sua irmã, Darcy observou entrar às duas loiras sentindo que lhe afundava o coração. Não as tinha visto desde o funeral de seu pai, depois de  mudar-se elas de Folly desejosas de desfrutar das comodidades da cidade. A descoberta de que Darcy não estava obrigada a vender a mansão para repartir os benefícios com elas tinha rarefeito umas relações já por si tensas. Morton Fielding, o pai de Darcy, tinha deixado grandiosos bens a sua viúva, mas Margo não parecia satisfeita.

 - Não crês que deverias ter-me dito que ias casar-te? - exigiu saber Margo. - Podes imaginar-te como me senti quando um amigo me chamou para perguntar-me com quem te casavas e eu tive que lhe confessar que não o sabia?

Darcy se perguntou como se teria inteirado. A mulher do pároco era uma fofoqueira, e Margo seguia tendo amigas na comunidade.

 - Eu sinto muito, te teria informado depois do casamento...

- Por  suposto, quando tudo tivesse terminado. Estás morta de medo de  que teu noivo te deixe plantada no altar igual a Richard!

Darcy se ruborizou, mas, foi incapaz de dizer nada.

 - Justo quando pensava que por fim entravas em razão e aceitavas vender esta monstruosa casa vais e decides casar-te - a censurou Margo ressentida. - Vais apresentar-nos a teu noivo, ao menos?

 - Pois quando o leva tão em segredo... aposto que é um completo imprestável, um desses servidores públicos inúteis... - sugeriu Nina com desdém e esnobismo.

 - Não estarás gestante outra vez, verdade? - inquiriu Margo. - Todo mundo vai pensar isso. Pois me nego a que minhas amizades creiam que sou uma madrasta malvada, terás que organizar um casamento fantástico e assistir à festa que darei para ti!

 - Temo que não tenho dinheiro - respondeu Darcy tensa.

 - E ele? - interveio Nina imediatamente.

Darcy se ruborizou e olhou para outro lado.

 - Está sem um centavo, o que supunha - concluiu Margo trocando uma mirada satisfeita e aliviada com sua filha. - Suponho que o terás informado de que quando isto quebrar nós teremos direito a  uma parte.

 - Não tenho planejado que isto se quebre - respirou Darcy.

 - Estou louca por conhecê-lo - riu Nina. - Como se chama?

 - Luca...

- Que classe de nome é esse? - exigiu saber - sua madrasta.

 - É italiano - admitiu Darcy.

 - Um imigrante? - inquiriu Nina rindo, como se aquilo fora a coisa mais engraçada que já tivesse ouvido. - Espero que não se case contigo só para conseguir um passaporte!

 - Vou dar uma festa para ti em Truro este fim de semana - anunciou Margo dando-se ares de grandeza, - não quero que as pessoas pensem que não fiz tudo que estava em minha mão pela filha de meu último marido.

 - És muito amável - sussurrou Darcy depois de uma pausa, - mas...

 - Não há pesos que valham, Darcy. Todo mundo sabe que és uma excêntrica, mas não vou permitir que me ponhas em ridículo. Espero vocês a sexta-feira, e veja como vais vestido. E se é tão desastroso como tu diz que mantenha a boca fechada.

E, depois de dizer aquilo, Margo cruzou o vestíbulo com toda pressa. Darcy a seguiu.

 - Mas é que Luca... Luca tem planos para essa noite! - mentiu desesperada.

 - O sábado, então - concedeu Margo.

Darcy selou os lábios. Como podia negar-se a ir à festa com seu suposto noivo sem que suspeitassem que tinha algo errado em sua relação? Nunca deveria ter mantido as coisas tão em segredo, se tivesse deixado se ver pela cidade com ele. Não podia permitir-se o luxo de levantar suspeitas.

 - Me alegro muito de que tenhas encontrado a  um homem por fim - sorriu desafiante Nina lançando-lhe uma mirada de lástima e superioridade. - Como ele ganha a vida?

Darcy vacilou. Não podia confessar que Luca não tinha trabalho.

 - Ele... trabalha num banco.

 - Ah, um empregado, que encanto ! O amor chegou através do balcão!

Irritada e molesta pela atitude de sua madrasta, que voltava a  reduzi-la a uma mera insignificância, Darcy as viu subir em sua BMW e marchar-se sem mais a dizer.

 

 - Mas Luca, não recebeste nenhuma de minhas mensagens? Dou-me  conta de que te aviso com muito pouco tempo de antecedência, mas para valer que preciso que venhas a essa festa em Truro para celebrar.. er.. nosso compromisso - afirmou Darcy em tom de desculpa falando pela quarta vez com a secretária eletrônica. - É uma emergência, quer pôr-te em contato comigo, por favor?

 - Esse te largou com o cheque! - exclamou Karen. - De todo modo não compreendo como aceitaste ir a essa festa, Darcy. Margo e Nina estão tramando algo. Nunca fizeram nada por ti, e se Luca falha essas duas bruxas vão rir a tuas custas.

- Ainda faltam dois dias, ele chamará - sussurrou Darcy negando-se a perder toda esperança.

 - Mas Darcy! ...  É evidente que não está em casa, e se está, te está ignorando de propósito...

 - Eu não creio que Luca seja assim - objetou Darcy.

Por fim aquela noite o telefone soou. Darcy correu para atender.

 - Sim?

 - Sou eu Luca... recebi tuas mensagens... todas.

 - Oh, graças a Deus! - Estava começando a pensar que ia ter que dar alguma desculpa a minha madrasta! Creio que se tivesse posto furiosa. Nunca nos demos muito bem, asseguro-te que não tenho nenhuma vontade de ir a  essa festa, mas é um gesto bonito por sua vez, não crês?

 - Pois temo que temos um problema - explicou Uca. - Telefono-te da Itália.

 - Da Itália? - piscou Darcy atônita. - Itália?

- Mas farei tudo que estiver em minha mão para chegar a tempo - assegurou Luca com calma.

Darcy respirou pesadamente. Que direito tinha ela a interrompê-lo em seu tempo livre? Tinha-lhe dito que não o precisaria até o dia do casamento, e naturalmente Luca tinha utilizado o dinheiro que lhe  tinha dado para ir a Itália para despedir-se de sua família.

 - Deus meu, que desastre! - comentou Darcy cansada e tensa, depois de várias noites sem dormir. - Escuta, crês que chegarás a  tempo?

 - Por mais que o desejasse seria impossível chegar antes das nove da noite... mas se queres podemos nos reunir ali - Incômoda diante da idéia de aparecer só, Darcy se negou de imediato. - Então desculpa-te pelos dois. Irei te buscar o mais cedo possível.

 - Te agradeço muito... Escuta, se queres, podes ficar em minha casa no sábado a noite - ofereceu ela sinceramente comovida ante sua generosidade. - Te farei a cama.

 - És muito amável, Darcy.

 

ZIA ia passar a noite com Karen. Darcy a deixou e voltou nervosa a  Folly para esperar a chegada de nada mais entrar. Se viu refletida no espelho do vestíbulo. De repente desejou ter mais dinheiro e ter comprado um vestido de noite. Usava um velho vestido marrom, ligeiramente largo nos quadris, que lhe ficava até embaixo dos joelhos. O decote, desenhado especialmente para dissimular a escassez de seus peitos, estava passado de moda. Estava mais cômoda com calças, nunca tinha tido demasiado tino na hora de  escolher um vestuário que lhe assentasse bem e dissimulasse sua miúda figura.

No fundo do armário seguia pendurado o vestido verde de noite, o que Maxie lhe tinha presenteado três anos antes com sapatos e bolsa a jogo. Maxie tinha deixado de ser sua amiga, e ela não tinha voltado a olhar o vestido desde a viagem a Veneza. Não precisava recordar aquela explosiva noite de paixão nos braços de um estranho. Não obstante nunca se tinha sentido capaz de desfazer-se do vestido que, milagrosamente, tinha-lhe feito crer por uma noite na ilusão de sua beleza.

O sino da porta soou rasgando o silêncio e acordando a Darcy de  um passado ainda doloroso. Abriu a pesada porta e ficou boquiaberta. Luca levava uma elegante terno de etiqueta. Era incrível porque não se tinha atrevido a perguntar-lhe se tinha algum. E no entanto estava ali, orgulhoso e confiante, com uma mão no bolso. Seu aspecto era tão sofisticado e atraente que Darcy sentiu que se lhe cortava o alento.

 - Deus, mas se alugaste um traje! - sussurrou. - Crês que vou demasiado bem vestido? - Não, não, claro que não - respondeu Darcy ruborizando-se, compreendendo que ele a examinava. De repente se fixou no Porsche estacionado junto ao velho Land Rover. - De onde diabos tiraste esse carro?

 - É de aluguel.

Darcy sacudiu a cabeça. Era uma loucura aparecer com esse carro e fingir uma situação financeira impossível. Margo lhes faria milhares de perguntas e descobriria a verdade num abrir e fechar de olhos. E então Luca, que evidentemente tinha alugado o carro em  benefício seu, coisa que não podia deixar de emocioná-la, acabaria por molestar-se.

 - Me encantaria ir no Porsche, mas creio que é mais inteligente que vamos no Land Rover - comentou desiludida.

 - Deu meu... estás de brincadeira, não é verdade? - inquiriu Luca incrédulo. - Mas se é um traste!

Darcy abriu a porta do Land Rover.

 - Sei de que estou falando, Luca - advertiu Darcy. - Se aparecermos com o Porsche minha madrasta  interpretará tudo ao revés e crerá que estás podre de dinheiro. E se mentirmos acabaremos mau. Há que se misturar com as pessoas, não chamar a atenção e instigar o mexerico. E esse carro deve valer ao menos trinta mil...

- Setenta mil...

 - Setenta mil libras? - o interrompeu Darcy incrédula. – E mais um pouco - adicionou Luca.

 - Oxalá tivesse eu um amigo disposto a emprestar-me um carro como esse!  - Estacionaremos longe - prometeu Darcy olhando o relógio e subindo ao assento do motorista. - Te deixaria conduzir, mas este carro é muito particular.

 - Isto é ridículo - objetou Luca sentando-se arredio ao lado dela.

Darcy olhou de relance seu perfil e decidiu que quando se enfadava resultava mais humano. Porque definitivamente estava enfadado, coisa que não lhe importava. Era só uma questão de Porsches e egos masculinos. Até ela era capaz de compreendê-lo.

- Creia-me, bastante revoada vais causar já esta noite. - Tens muito bom aspecto...

 - Fala sério? - inquiriu Luca com singeleza.

 - Oh, vamos, deixa de falsa modéstia! Aposto que és um conquistador.

 - És muito franca.

 - Mas se parece que vens de rodar uma película. Crês que poderás fingir que estás interessado por mim? Não... não, não contestes - adicionou Darcy rindo inibida. - Asseguro-te que não há ninguém, mais perspicaz que Margo ou Nina, e depois não esperam a alguém como você.

 - Pois quem esperam?

 - Um tipo qualquer, alguém aborrecedor que trabalhe num banco.

 - E de onde tiraste a idéia de que as pessoas que trabalham nos bancos são aborrecedoras? 

- O banqueiro que atende a mim poderia aborrecer a toda Grã-Bretanha. Cada vez que entro em seu escritório atua como se fosse lhe roubar. É um pessimista. Quando me diz quanto dinheiro lhes devo me lê até o último centavo...

 - Deves dinheiro?

 - Não é tão terrível como parece. Quando nos casarmos lhe darei uma boa notícia... ao menos isso espero que pense, preciso que me dê um pouco de rédea solta - contestou Darcy olhando-o de relance. - Não te preocupes, se ocorrer algo sempre posso vender algo.  - Fiz um trato contigo, não vou falhar.

 - Estou impressionado. Conta-me, pensaste já em alguma história que sirva de base para esta noite? - inquiriu Luca satírico.

- Base?

 - Onde e como nos conhecemos, etc...

 - Por suposto - respondeu Darcy surpresa. - Diremos que nos conhecemos em Londres. Eu levo um ano sem ir por lá, mas eles não sabem. Quero dar-lhes a impressão de que foi um desses romances repentinos, assim quando nos divorciemos ninguém estranhará.

 - Vejo que usas um anel.

 - É emprestado, igual que o Porsche. Não podemos fingir um compromisso sem anel.

 - E não crês que deverias de contar-me alguns detalhes sobre tua família? Eu só tenho uma irmã pequena - revelou Uca. - É estudante.

 - Ah... sim. Minha madrasta, Margo, casou-se primeiro com um homem de negócios muito rico que tinha um pé na tumba. Tiveram uma filha, Nina, que é modelo - começou Darcy, a dizer. - Margo se casou depois com meu pai por sua posição social. Meu pai só desejava ter um filho. Papai sempre andava mal de dinheiro, mas Margo e Nina sabiam como espremer um limão seco. Ele foi extremamente generoso com elas... e essa é uma das razões por que a propriedade se encontra agora em semelhante estado financeiro... Eu herdei a casa com hipoteca e tudo.

 - Bom resumo - comentou Luca.

 - Margo e Nina são umas esnobes. Passam o verão em Truro e o resto do ano em Londres. A Margo eu não lhe agrado; a  ela lhe  encanta celebrar festas, e sempre tem muitos presentes que virão.

 - E tu não?

 - Por Deus, não! Não poderia permitir-me o luxo sendo mãe solteira.

 - Creio que ao menos deveria de saber o nome do pai, não crês? - recalcou Luca.

O silêncio que se fez então no carro estava carregado de  eletricidade. Darcy acelerou e se agarrou ao volante.

 - Nesse ponto temo que não vou satisfazer nunca a curiosidade de  ninguém - respondeu tensa.

Depois dessas palavras os dois permaneceram em silêncio o resto do caminho. Darcy estacionou o veículo a certa distância da casa de  sua madrasta.

 - Me parece que vai ter mais gente da que esperava a julgar pelos carros estacionados. Se alguém te faz demasiadas perguntas finge que não dominas o inglês - advertiu ela nervosa.

 - Creio que me arranjarei bem - a tranqüilizou Luca pondo uma mão sobre suas costas.

Sob a fina tela de seu vestido Darcy sentiu que tremia. Ele inclinou sua cabeça morena até pôr-se a seu nível e ela inalou uma débil fragrância de limão. Então, respirando mal, os olhos de Darcy se encontraram com uma mirada brilhante e negra que a sobressaltou e a fez estremecer-se.

 - Per meraviglia... - respirou Luca impaciente. - Poderias tratar de  sorrir fingindo que estás contente? E deixa de encolher-te de  ombros desse modo. Caminha com as costas retas!

Darcy, ruborizada, teria respondido se não tivesse aberto a porta então a governanta de Margo.

Fizeram uma grande entrada. Margo e Nina estavam no vestíbulo batendo um papo com um grupo de pessoas. As miradas de ambas voaram para Darcy para transladar-se de imediato para o imponente homem a seu lado. Seus olhos ficaram singelamente fincados nele, atônitos. 

De repente Darcy sorriu divertida. Luca era mais do que apresentável. Era uma doce surpresa perceber como tinha surpreendido a ambas mulheres depois de suas críticas constantes. Luca a fez entrar.

 - Darcy... Luca - saudou Margo afetadamente.

Depois de esperar inutilmente a que Darcy fizesse as apresentações, Luca alongou uma mão e murmurou com calma:

 - Luca Raffacani, senhora Fielding... Estou encantado de conhecê-la.

 - Chama-me Margo, por favor.

Nina permaneceu imóvel com seu diminuto vestido e seu sorriso forçado nos lábios. Seus olhos azuis não deixavam de observar ao homem que acabava de entrar como se fosse de sua propriedade.

 - Me surpreende... não te pareces em nada a Richard - assinalou. Estava convencida de que serias enérgico e extrovertido, a Darcy lhe agradam os tipos assim.

 - Richard? - inquiriu Luca.

 - Oh, Deus! Espero não ter cometido uma indiscrição - murmurou Nina fingindo um desmaio. – Sinto muito, mas naturalmente supus que saberias que Darcy já tinha estado comprometida...

 - E a deixaram plantada no altar. Foi terrível. É por isso que nos alegramos tanto de vê-los juntos - adicionou Margo.

Darcy se ruborizou e intimidou como se tivesse ficado nua em  público, incapaz de olhar para Luca nem de observar como se tomava a humilhação. Sua madrasta aproveitou o desconcerto para pôr uma mão sobre o braço de Luca e interpor-se entre os dois.

 - Oh, deixa-me ver teu anel! - comentou Nina.

Darcy estendeu a mão. Então se escutou um coro de falsas felicitações. Entraram no abarrotado salão. As pessoas, elegantemente vestida, batiam um papo. Margo se voltou para assinalar confidencialmente a Luca: - Estou desejando que Darcy se case e esqueça desse montão de tijolos velhos pelos que sente tanto afeto. Que pensas tu de Fielding's Folly, Luca?

 - É a casa de Darcy, e evidentemente tem um interesse histórico inegável...

 - Mas é uma fonte constante de gastos, uma responsabilidade demasiado grande, na realidade. Cedo o descobrirás - assegurou Margo. - A preocupação levou a meu pobre marido à tumba, sempre ocorre igual com essas velhas famílias. Muito terreno e poucos fundos. Morton era quase tão renitente como Darcy, mas não creio que nunca sonhasse com que sua filha ia levar as coisas tão longe com tal propósito de conservar a propriedade...

 - Não me parece que este seja o lugar adequado para discutir isso - a interrompeu Darcy tensa.

 - Tenho que dizer o que penso, querida, e ele é agora parte da família - assinalou a madrasta. - Depois de tudo o único que me preocupa é seu futuro, e Luca tem direito de saber onde está se metendo. Sem dúvida tu lhe deste tua versão de cor- de- rosa, e isso não é justo...

- Em absoluto, tenho um excelente entendimento de como estão as coisas com relação à propriedade - assegurou Luca com um calmo sorriso enquanto se soltava de Margo e alongava um braço para Darcy para acercá-la a ele como se não pudesse suportar a distância.

 - É verdade, trabalhas em temas financeiros - comentou Nina divertida. - Não posso crer que sejas um empregado do banco...

 - Não. Mas Darcy... que contaste a tua família? - lhe repreendeu Luca rindo divertido. - Tinha tanta pressão no trabalho que finalmente, optei por tomar-me o que vocês chamariam aqui, no Reino Unido, um ano sabático. E se ainda fosse pouco tive a sorte de  conhecer Darcy.

 - Como diabos vocês se conheceram?

 - Não sei se deveria contá-lo... - respondeu Luca meio caçoando.

 - Calma, és livre para contar - o animou Darcy atônita diante da  facilidade com que Luca manejava a sua madrasta e sua irmã.

Com ela, no entanto, tinha-se mostrado muito reservado. Mas por que a surpreendia? Luca tinha a duas adoráveis e belas mulheres que o escutavam admiradas. Era natural que batesse um papo abertamente com elas e que não se aborrecesse ou impacientasse como com elas.

 - Está bem. Aconteceu em Londres. Ela bateu em meu carro então saiu e se pôs a gritar. E é que a mim me encantam as mulheres com temperamento ! - riu Luca enquanto Darcy levantava a cabeça atônita. - Vais tão depressa quando estais no volante, verdade, cara mia? Primeiro senti desejos de estrangulá-la, e depois de beijá-la...

 - E qual das duas coisas fizeste? - soltou Darcy.

 - Algumas coisas devemos  manter em privado... - contestou Luca num murmúrio sugestivo e sensual enquanto acariciava sua bochecha com um dedo.

Darcy levantou a vista ruborizado. Todo seu corpo acordou àquela singela carícia, excitando-se ao reconhecer seu poder masculino.

 - E pensar que sempre tinha acreditado que minha irmã era tímida...  - resmungou Nina fascinada e invejosa.

 - Isso me custa crê-lo quando é a mãe de uma travessa menina - comentou Margo. - Te agrada as crianças, Luca?

 - As adoro! - respondeu ele com fervor.

 - Que encanto! - exclamou Margo irônica depois de ter soltado sua última reserva de veneno e ver que não o afetava em absoluto. - Te  apresentarei a meus convidados, Luca. Não sejas tão possessiva, Darcy. Deixa ao pobre homem em paz um momento!

Darcy soltou a manga de Luca. Nem sequer se tinha dado conta de  que o agarrava. Desorientada, observou como Luca tomava um copo de champanhe que lhe oferecia um garçom.

Contemplou suas mãos morenas, os longos dedos de bem cuidadas unhas. Recordou a suavidade de seu dedo contra sua bochecha, os estremecimentos que a tinham percorrido sob o hipnotizante contato de sua mão nas costas. E por um décimo de segundo, enquanto seus olhos se encontravam com a mirada negra e dourada dele, não teve ninguém mais em toda a sala para ela.

 - Não te estás esforçando muito, não crês? - perguntou Luca ao ouvido mais tarde.

 - Nunca desafio a Margo se posso evitá-lo - sussurrou ela em  resposta. - Sempre arremete contra mim recordando-me os momentos mais humilhantes de minha vida, aprendi a lição faz muito tempo.

 - É estranho... não tens aspecto de ser uma pessoa que se deixe xingar.

 - Desculpa - respondeu Darcy molesta apressando-se a sair da abarrotada habitação.

- Não vais retê-lo durante demasiado tempo - pressagiou então uma voz feminina que Darcy escutou ao entrar em outro cômodo. - Não posso compreender o que ele vê em ti, mas cedo descobrirá que não foi mais do que uma alucinação.

Darcy deu a volta e enfrentou a sua irmã.

 - O tempo nos tirará essas dúvidas.

 - Luca não é teu tipo - soltou Nina ressentida. - Quanto tempo crês que podes mantê-lo afastado das demais mulheres? Ademais, não parece tão pobre. Entendo de roupas, e o que ele veste não prove da caridade.

 - A Luca lhe agrada vestir-se bem - contestou Darcy encolhendo-se de ombros.

- Um pavão depois do rastro de uma aborrecedora e insignificante pavoa? Cedo começará a procurar um entretenimento melhor. Não sei, se há um pouco e estou convicta agora que o vi é de que está fazendo um duplo jogo. Trata de conseguir um passaporte inglês porque, se não, para que ia casar-se contigo?

Para que? - perguntou-se Darcy em silêncio enquanto Nina abandonava o cômodo. Como se ririam Margo e Nina se descobrissem que tinha contratado a Luca. As palavras de sua irmã eram certeiras. Em circunstâncias normais um homem como Luca nunca se teria interessado nela.

 - Darcy... - a chamou Luca a certa distância, sorrindo e luzindo seus sensuais lábios. - Perguntava-me onde estavas.

Luca sabia fingir. E por Deus que o fazia bem, esteve pensando Darcy durante o resto da festa. Luca se manteve junto a ela, arrastou-a a intervir na conversa e lhe prestou toda sua atenção. E Darcy começou a prestar-lhe também todo seu atendimento. Em  vão tratou de recordar sua imagem de pobre diabo com a roupa rasgada. Luca Raffacani era um camaleão. Com terno de etiqueta assumia outra personalidade.

De repente via nele a um homem com um assombroso nível de  sofisticação e um comportamento absolutamente natural num círculo social elegante. Era muito hábil desviando-se de perguntas excessivamente pessoais. Frio como o gelo extremamente inteligente... astuto, inclusive. Era evidente que outras pessoas estavam tão impressionadas como  Darcy.

Luca era o centro das atenções. Longe de passar despercebido se destacava entre as pessoas.

À uma da madrugada Luca a levou ao salão, onde dançavam vários casais, e se queixou:

 - Estás incrivelmente calada.

 - Te surpreende? - inquiriu Darcy dando um passo atrás e levantando a vista. À escassa luz da noite seu rosto moreno tinha um aspecto quase sinistro. Seus olhos brilhantes se fincavam nela como raios laser. - És como o doutor Jekyll e Hyde. Sinto como se não te conhecesse em absoluto...

 - E não me conheces - interveio Luca.

 - E no entanto aqui também não terminas de encaixar - murmurou Darcy indecisa, pensando em voz alta. – Se destacas demais.

 - Isso é produto de tua imaginação - assegurou Luca rindo enquanto a tomava em seus braços.

Luca posou a palma da mão na base de suas costas e a atraiu para si. Seus peitos roçaram a camisa dele. Uma corrente de calor começou a percorrê-la enquanto seus mamilos se tensionavam e se faziam proeminentes. Darcy tratou de endireitar-se incômoda.

 - Relaxa-te - urgiu ele. - Margo está nos olhando. Supõe-se que somos noivos, não estranhos...

A indefinível fragrância de Luca a envolvia. Nítida, cálida, muito masculina. Darcy se estremeceu e tratou de relaxar os tensos músculos, de esquecer sua timidez enquanto seguia  consciente de cada um dos movimentos dele. Desejava afundar-se em sua masculinidade, mas resistia. E ao fazê-lo perdeu o passo. Para compensá-lo ele a atraiu ainda mais para ele.

 - Não danço muito bem - sussurrou ela mortificada, a modo de  desculpa.

 - Deus meu... és como o ar em meus braços! - a contradisse ele.

E era verdadeiro. Em seus braços era como o ar, sentia-se absorvida pela graça e o ritmo natural com que ele se movia pela pista. Era como voar, pensou sonhadora. Aquela idéia não podia senão recordar-lhe a um conto de fadas, à noite em que dançou num alto balcão junto ao Grande Canal de Veneza. Sem passos em falso, sem incomodidades, nem sequer tinha feito falta a conversa, só a felicidade de balançar-se em perfeita sincronia com a música.

- Danças como num sonho - sussurrou ela sem alento um instante depois, de que terminasse a música.

De repente não queria acordar daquele sonho, tinha-se acoplado a  cada um dos músculos do corpo dele. De algum modo o tinha rodeado com os braços pelo pescoço, e seus dedos brincavam deliciosamente com o sedoso cabelo negro. Darcy levantou a vista. Seus olhos eram enormes poços verdes de confusão. E os dele, negros, resultavam alucinantes. Inclusive meio fechados, ocultos depois de espessas pestanas negras, tinham um impacto direto, selvagem e sensual sobre ela.

Darcy sentiu que o alento lhe falhava ao ver como ele inclinava a cabeça. E seguia atônita quando Luca, de fato, beijou-a. Ele a fez abrir os lábios com os seus e tomou sua doce boca com uma segurança terminante e selvagem que a deixou gelada, que imobilizou todos os átomos de seu corpo com magnífica eficácia. Darcy soltou seus cabelos negros e se abraçou a ele, estreitou-se contra ele e se manteve firme, com os pés vagamente sobre a terra, in-consciente de sua existência.

Uma onda de calor invadiu seu corpo faminto, inchou seus peitos, enervou seus mamilos e enviou uma corrente de sangue inquietante entre suas pernas. Enquanto a língua de Luca percorria cada recôncavo de sua boca procurando os pontos mais sensíveis, uma crua excitação de alta intensidade começou a percorrê-la convencendo-a de que estava a  ponto de pegar fogo.

Luca separou os quadris de Darcy dos dele, observou sua expressão e lhe dirigiu uma mirada curiosamente dura e divertida. 

 - Já é hora de que nos marchemos - disse com voz pesada. - Creio que interpretamos nosso papel com plena satisfação.

Luca a fez girar-se sob seu possessivo braço e a guiou fora da pista. Darcy sofria um choque. Sentia como se não lhe respondessem as pernas, tratava de respirar com normalidade. Depois daquele apaixonado beijo sua mente era uma pura confusão. Poderosas e loucas idéias contraditórias a possuíam, e a pior de todas elas era a convicção de que Luca e o pai de Zia eram o mesmo homem.

Como podia estar tão revirada? A resposta era fácil. Luca beijava igual que o pai de Zia. Era pura força de sedução. Suave como o cristal, rápido e certeiro. Sentia-se afundada ante a indefectível forma em que se tinha rendido, surda por completo a tudo por causa da sensação de familiaridade, da paranóica idéia de que aquilo já o tinha vivido... déjá vu...

Porque seu amante veneziano não sabia nada dela, jamais teria podido descobrir seu paradeiro nem sua identidade. Seu secretismo aquela noite tinha, sido algo mais do que um jogo, Darcy tinha sentido um sincero medo que a verdade pudesse romper a magia. Depois de tudo ele se tinha sentido atraído para uma mulher que nem sequer existia, e sua falta de interesse num contato posterior era evidente: Darcy tinha estado esperando-o no Portão do a Guerra no dia seguinte.

Não obstante só ele e Luca tinham sabido causar nela esse efeito, acordando uma luxúria instantânea e sem vergonha que punha em  marcha a cada uma de suas terminações nervosas e hormônios sem o menor controle nem freio moral. Darcy respirou fundo.

Talvez os italianos aprendessem a beijar assim em sua juventude, talvez ela resultasse provocante a seus olhos. Ou talvez o fato de  viver como uma freira, sem prestar a menor atenção as suas necessidades físicas, fazia dela uma presa fácil para homens experimentes.

Mas o que era a técnica, a experiência, sem química? Resultava patético tratar de negar que se sentia louca e perigosamente atraída por Luca Raffacani, porque o que seu orgulho se negava a  admitir o confessava seu corpo com mortificante prontidão.

Luca agradeceu a Margo sua festa e esta olhou a sua enteada com frieza. Nina observava a cena e sua irmã como se acabasse de ser testemunha do brutal assalto de um pobre homem por parte de  uma mulher selvagem e sexualmente faminta. Darcy se despediu brevemente.

O ar da noite golpeou seu rosto como se tratasse de água fria. «Interpretamos nosso papel a plena satisfação», tinha dito ele. Aquela recordação era como uma bofetada.

Por suposto, aquele beijo não tinha sido senão parte da farsa. Luca tinha estado fingindo. Fingir que se sentia atraído para ela, que estava apaixonado dela, a ponto de casar-se com ela. Ele teria adivinhado? Teria suspeitado Luca, ainda que tivesse sido só por um instante, que ela não tinha estado fingindo? Quantas coisas podiam adivinhar-se com um simples beijo? Sua resposta física tinha sido demasiado entusiasta, e isso a mortificava.

- Tudo foi bem - comentou Luca satisfeito.

 - Sim, tens estado perfeito - conveio Darcy tratando de aparentar naturalidade.  E o beijo foi o arremate perfeito. Creio que poderias fazer fortuna como gigolô! - exclamou com um sorriso forçado.

 - Diga outra vez...

Darcy se deteve e soltou outra risada pouco convincente. - Bem, tem tudo nesse sentido - continuou de bom humor. - Boa aparência, encanto, estilo... até técnica em matéria de beijos. Se eu tivesse sido uma mulher rica e solitária me teria sentido arrebatada no ato.

Uma poderosa mão agarrou Darcy sem prévio aviso forçando-a a  voltar-se e a enfrentar-se a ele. Atônita, contemplou seus olhos dourados e irados.

 - Porca miséria! - gritou Luca molesto. - Me estás comparando com um gigolô?

Acovardada diante semelhante reação, Darcy o observou. E então compreendeu. Recordou o aspecto econômico do acordo ao que tinham chegado e caiu na conta de sua falta de tato.

 - Oh, não, não, nunca pensei que... isto é, no fundo nunca pensei que...

 - Que me vendesse por dinheiro? - terminou Luca a frase por ela com um tom de voz cru e incisivo que demonstrava sua severidade.

 - Eu sinto muito, Luca... para valer, só tratava de ser divertida...

 - Tem... tem! - soltou ele. - Dá-me as chaves do carro.

 - Que ... ?

 - Tu bebeste champanhe demais.

Só tinha tomado um copo, no entanto, sua falta de tato a obrigou a  mostrar-se condescendente e a ceder. Luca se sentou no lugar do motorista.

 - Precisarás que te guie.

 - Recordação perfeitamente o caminho, e não diriges bem.

Darcy deixou passar aquele comentário. Dirigia depressa, era verdade. Em três dias se casariam. Pela primeira vez sentia certo alívio ao saber que não seria senão uma farsa. Luca não tinha nenhum senso de humor, e sim tinha em mudança má caráter. Mirou de relance seu perfil... Deus, seguia resultando terrivelmente lindo!

Darcy afastou a vista dele envergonhada de sua própria reação. Sentia em seu interior uma pecaminosa excitação. Luca lhe  recordava ao pai de Zia... isso era tudo. Onde estava o problema? Sacudiu a cabeça e olhou as mãos tensas sobre o colo, mas apesar de tentar não conseguiu afastar de si aquela corrente de calor...

 

Três anos atrás, ao mudar Richard de opinião, Darcy tinha decidido aproveitar ela só a viagem de lua- de- mel. Por suposto tinha sido um desastre. Cega ante as gloriosas vistas tinha vagado por Veneza como uma borboleta enquanto tratava de superar a dor que o  rejeição de Richard lhe tinha produzido. E, de repente, uma manhã, tinha sido testemunha da chegada de uma barca de remos à Piazza San Marco com dois amantes. Ela tinha atirado uma carta que tinha ido parar aos pés de Darcy enquanto os amantes se afastavam por  caminhos opostos. Aquela carta era um convite a um baile de máscaras num dos mais maravilhosos palácios do Grand Canal.

Dois dias depois Darcy se rebelava contra sua própria chatice e solidão. Comprou uma máscara e pôs seu maravilhoso vestido verde de noite. Sentia-se transformada, excitantemente diferente, feminina. Naqueles dias não usava lentes de contato, e como os óculos não combinam com a cabeleira decidiu tirá-los e enfrentar-se a sua miopia. Ademais estava resfriada, devido ao que tinha tomado uma forte dose de medicamentos. Por desgraça não leu a bula que assinalava a intolerância que produzia o medicamento ao álcool.

Ao chegar e ver o vasto palácio de luzes douradas se pôs nervosa, mas os convidados que chegaram depois dela a obrigaram a seguir adiante. Subiu pelas enormes escadas de mármore e entrou no extraordinário salão coberto de espelhos e repleto de gente extraordinariamente vestida e cheias de jóias. Em qualquer momento alguém se daria conta de que era um penetra.

Depois de perambular de um lado a outro tratando de não levantar suspeita, deslizou-se lentamente por trás de umas cortinas e saiu a  um balcão. Afastada da multidão e a bom arrecado contemplou as pessoas dançando e batendo um papo.

Quando um homem mascarado de jaqueta branca saiu para o balcão com uma bandeja e um único copo para oferecer-lhe uma bebida em  italiano, Darcy supôs que se tratava de um garçom.

 - Grazie - tinha respondido fingindo que tinha saído para tomar o ar depois da bagunça do baile, tomando o copo. Mas aquele homem voltou a falar. - Não falo italiano...

 - Era espanhol - disse então ele em inglês. - Pensei que eras espanhola. Esse vestido com essa cor tão viva é precioso - Darcy permaneceu em silêncio e se encolheu de ombros sem prestar-lhe atenção. - Parece que estás só. - E estava - indicou ela. - E me agradava.

O homem deixou a bandeja sobre a balaustrada e inclinou a cabeça morena. Seus traços eram imprecisos àquela distância, Darcy só via claramente a jaqueta branca.

 - És uma pessoa difícil.

 - Não pretendia ser difícil, senão antipática. Direta e grosseira.

 - E isso é uma desculpa? - inquiriu ele.

 - Não, deixava clara minha posição. É não tens mais bebidas para oferecer por aí?

O homem ficou imóvel, inexpressivo, e de repente se jogou a rir lançando sensuais gargalhadas que a fizeram estremecer-se.

 - Por enquanto não.

 - Não sei de que rir, eu não estou tão contente - comentou ela.

 - Eu te porei de bom humor.

 - Por que me porás de bom humor? Nem sequer dizes que o tenta-rás - recalcou ela em voz alta.                                                     

- Estás muito seguro de ti mesmo.

 - E tu não?

Naquele instante Darcy sentiu que sua confiança em si mesma falhava. Jogou a cabeça para trás com desesperado orgulho e contestou num murmúrio:

 - Sempre... sempre.

O homem deu um passo adiante e então a suave luz dos candelabros da sala recaiu sobre seu rosto mostrando-lhe a Darcy umas feições duras e atraentes, um cabelo negro e uns olhos escuros e brilhantes. Seu coração deu um tombo.

 - Dança comigo - urgiu ele baixinho.

Darcy riu afagada. Só ela podia colar-se numa festa de máscaras da alta sociedade para acabar sendo abordada por um dos garçons.

 - Não tens medo de que alguém te veja e percas teu emprego?

 - Não se ficarmos aqui...

 - Mas só uma dança, depois me marcharei.

- É que a festa não merece tua aprovação? - inquiriu ele enquanto a tomava nos seus braços com tal sutileza e suavidade que Darcy se encontrou de repente mexida como se fosse uma peça de cristal.

 - Tanta formalidade é sofocante, esta noite me agrada algo diferente - sussurrou ela com sinceridade. - Na realidade me agrada fazer o selvagem...

 - Pois não deixes que eu te iniba - murmurou ele. Darcy se pôs a rir.      - Com quem vieste?

 - Com ninguém... não fui convidada - confessou ela. – Não fostes convidada?

 - Parece que te estranha...

 - Sim, aqui costuma ter fortes medidas de segurança. - Não se entra ao mesmo tempo que um grupo de gente que requer uma atenciosa cerimônia.

 - Mas terás convite, não?

 - Sim, o convite caiu a meus pés na Piazza San Marco. Uma bonita morena o atirou. Pensei que me tinhas pedido que dançássemos - se queixou Darcy. - Ou é que talvez estás planejando jogar-me daqui?

 - No momento não - lhe confiou ele estreitando-a mais perto e olhando-a aos olhos. - És uma mulher muito pouco convencional.

 - Sim, sou - concordou Darcy contente, tomando-se a modo de afago.

 - Como te chamas?

 - Sem nomes... nada de convencionalismos - suspirou ela. - Os barcos vêm e vão, já sabes...

 - E se quisesse assaltar..

 - Não pode ser. Eu não sou meu nome... meu nome nem sequer foi escolhido para mim - respondeu Darcy reprimindo sua amargura, pois seu nome de batismo era masculino.

- Esta noite queria ser outra pessoa.

 - Isso é pouco habitual. Inclusive algo irritante - respirou ele.

 - Sou uma mulher muito segura de mim mesma, muito. E uma mulher assim sempre resulta irritante - respondeu divertida, livre no anonimato para ser o que desejasse.

E assim dançaram sobre o Grand Canal enquanto as luzes brilhavam nos olhos de Darcy e ela os fechou e se deixou levar por um maravilhoso sonho...

 

UM JORRO de juramentos em italiano acordaram a Darcy de suas sedutoras recordações. Abriu os olhos e voltou ao presente. O Land Rover estava parado com as luzes acesas no meio de uma estreita carreteira.

 - Que... onde? - começou a  perguntar confusa. - Fincamos – explicou Luca abrindo a porta. - Pois tenho a roda de reposição no ateliê! – O que? -  não tens roda de reposição?

 - Não - respondeu ela saindo à chuva e dando-lhe um pontapé à roda furada. - Estamos bastante longe, não é verdade? E assim não vamos chegar a casa. Onde diabos estamos?

 - É possível que me tenha confundido de caminho na escuridão.

Isso era evidente tendo em conta que estavam numa estrada cortada.

- Nos perdemos, não é verdade? - Luca a olhou em silêncio. Darcy suspirou. - Será melhor que comecemos a caminhar..

 - Caminhar? - repetiu ele escandalizado ante a idéia. - E que outra coisa podemos fazer? Quanto tempo faz que deixaste a estrada principal?

 - Um momento, mas há uma granja muito perto daqui.

 - E daí? - gritou Darcy. - Não podemos tirar essa pobre gente da cama as duas da manhã a não ser que se trate de uma emergência.

 - Mas isto é uma emergência!

 - Eu não vou acordar a toda uma família só para pedir-lhes que me deixem usar o telefone. Ademais, a quem queres que chame?

 - A qualquer organização automobilística - repôs Luca com paciência.

 - Não pertenço a  nenhuma. - A uma oficina mecânica então.

 - Tens idéia do que me pode custar isso? - grunhiu Darcy horrorizada. - A roda não vale nem com muito o que me cobrariam. Qualquer oficina por aqui se encarregará dele amanhã pela manhã. Me cobrarão a gasolina e o tempo que demorem em arrumá-lo...

 - Pois eu não penso passar a noite no carro.

 - Crês que deitar-te junto às cabras será mais cômodo? - perguntou Darcy sem poder resistir-se, escutando o ruído de  animais acercando-se.

 - Passamos por um cruzamento faz um quilômetro mais ou menos, e tinha um hotel - indicou Luca fazendo-se cargo da situação e rebuscando pelo carro. - Tens lanterna?

 - Temo que não - admitiu ela.

Luca não assimilava de bom humor as pequenas incomodidades da vida, não se parecia nem remotamente ao encantador e tolerante homem que tinha conhecido em Veneza. Como se lhe tinha ocorrido compará-los era algo que, nesse preciso instante, lhe escapava. Ambos caminharam.

- Deveria ter prestado atenção ao caminho - assinalou Darcy arrancando um ramo de oliveira.

 - Esses «se tivesse feito isto» me exasperam - contestou Luca.

A chuva molhou os braços nus de Darcy, que fechou a boca. Luca se tirou a casaco e o pôs nos ombros dela.

 - Oh, não, não sejas tonto - gritou Darcy violenta.  - Eu sou muito dura.

 - Insisto...

 - Não, não, para valer... tu vem de um clima cálido... tens um risco maior de ficar resfriado.

- Pelo amor de Deus...! - Luca a envolveu no casaco que ainda conservava seu calor e sua fragrância e adicionou - Pronto e cala!

Um espontâneo sorriso iluminou o rosto de Darcy na escuridão. Começou a caminhar e sentiu o braço de Luca sobre seus ombros, mas em lugar de afastar-se o deixou. Era surpreendente o bem que aquele gesto a fazia sentir-se. Luca tinha excelentes modos, e era natural que se tivesse irritado porque não levasse roda de reposição. O hotel estava as escuras. Darcy subiu as escadas do alpendre.

 - Para valer te parece bem que os acordemos?

Luca deu um passo adiante sem vacilar.

 - Seria capaz de acordar até um morto para tomar um brandy e um banho quente.

A luz do alpendre se acendeu. Um homem de meia idade, de pijama, saiu. Darcy escutou o tilintar do dinheiro. De imediato o homem abriu a corrente de segurança e se converteu num amável anfitrião. Mostrou-lhes um quarto no final das escadas e lhes levou um brandy.

 - Quanto dinheiro lhe deste? - exigiu saber Darcy fascinada.

 - O suficiente para compensá-lo - contestou Luca examinando o quarto e o banheiro com que se comunicava.

 - É bastante acolhedor.

Darcy tirou o casaco e contemplou a Luca, com a camisa molhada colada ao torso. Não podia afastar a vista dele, do triângulo de  pêlo de seu musculoso peito. Seu rosto ardeu quando ele deu a volta e a viu.

 - Dá-me uma moeda - pediu ela de repente.

Luca franziu o cenho curioso e se tirou uma moeda do bolso.

 - Para que?

Darcy a arrebatou e se apressou a perguntar:

 - Jogaremos a sortes na cama.

 - Como dizes?

 - Cara ou coroa?

 - Deus ... !

 - Cara! - escolheu ela impaciente atirando a moeda. CAÇOU-A ao vôo, destapou-a e suspirou. - Ficas com a cama, mas eu levo a colcha. Te importa se me banho primeiro? Não demoro nada.

Darcy se apressou ao banho sem esperar resposta. Entrou e fechou a porta satisfeita. Nos momentos embaraçosos o truque consistia em lançar-se a toda pressa. Se não tivesse andado curta de dinheiro teria pedido outra habitação mas, a que molestar-se quando mal ficavam umas horas de sonho? Era muito pouco provável que Luca sucumbisse a um repentino ataque de luxúria e tratasse de  fazer nada... não teria tanta sorte, pensou rindo sofocadamente.

Darcy se despiu e entrou no chuveiro. Em cinco minutos tinha saído e se estava secando. Voltou a pôr-se o sutiã e as calcinhas e pendurou o vestido molhado do trilho do chuveiro.

Abriu a porta. A habitação estava vazia. Darcy a cruzou, recolheu a colcha e um travesseiro e se acomodou no tapete. Dez minutos mais tarde apareceu Luca.

 - Accidenti... isto não é um colégio maior - soltou exasperado. - Compartilharemos a cama como dois adultos.

 - Me encontro perfeitamente bem aqui, graças - Luca disse algo em  italiano de mau humor. - Dormi em lugares piores, assim que deixa de armar confusão - sussurrou ela. - Sou mais dura do que tu...

- E o que supõe que significa isso?

Darcy tirou a cabeça da colcha e o olhou ansiosa. Seus olhos colidiram com uns olhos negros brilhantes que a olharam perspicazes. Darcy sentiu que lhe encolhia o estômago e lhe secava a boca, que sua respiração se acelerava.

 - Por que não vais dar-te um banho e tomar esse brandy? - sugeriu tencionada desviando-se do tema de conversa.

Luca era verdadeiramente lindo. Darcy escutou como se desvestia. Tivesse desejado olhar. Ao fechar-se a porta do banho fez uma careta. Estava febril, excitada e envergonhada de si mesma. Luca era uma pessoa decente, e aquela noite tinha feito um verdadeiro esforço por ela. No entanto ela se comportava como uma estúpida escolar e reagia como se Luca fosse simplesmente um objeto sexual. Talvez não desprezava ela aos homens que viam desse modo às mulheres? - Por suposto que sim. Aquela noite voltava a experimentar as mesmas sensações elétricas e apaixonadas de  então. Darcy mordeu o lábio inferior e mediu sua debilidade, seu anseio físico. Não era de estranhar que se tivesse jogado a tremer, não era de estranhar que tivesse imaginado algo mais do que um singelo parecido físico e de nacionalidade entre Luca e o pai de Zia. Naquele assunto não tinha nenhum mistério: sua poderosa resposta física as dois homens tinha sido a fonte de toda similitude. A porta do banheiro se abriu e Luca saiu.

 - Darcy... Vá para a cama - ordenou ele seco.

Darcy ignorou, o convite, aterrorizada ante a idéia de que ele pudesse notar seu estado de excitação.

 - Ainda não te dei as graças adequadamente pelo feito desta noite disse desejosa de mudar de assunto. - Comportaste-te como um ator de primeira.

 - Grazie... queres tomar um brandy?

 - Não, graças.

Depois do tintineo de um copo Darcy escutou o ruído de lençóis e o rugir do colchão. A luz se apagou.

 - Sabes? Quando te disse que eras um perfeito gigolô só tratava de provocar-te - assegurou ela.

 - Tratarei de recordá-lo.

Encorajada por aquela aparente nova tolerância Darcy continuou:

- Suponho que te devo uma explicação... - Darcy se pôs séria. Sentia que ele merecia sua sinceridade. - Quando era menina Fielding's Folly se mantinha por si mesmo, mas depois que meu pai se casou com Margo, e a ela lhe agradava viver muito bem. Assim que meu pai hipotecou a casa em lugar de reduzir gastos. Eu me inteirei de que a propriedade estava hipotecada faz só um par de anos, quando Folly precisou de reparações no telhado e não tinha dinheiro.

 - E tua madrasta não podia ajudar-te?

 - Não. Ela tratou de convencer a meu pai de que a vendesse, e eu me assustei para valer - lhe confiou Darcy. - Mas então tivemos um golpe de sorte. Eu tinha uma peça de joalheria de muito valor e acabamos vendendo-a...

 - Uma peça de joalheria? - repetiu Luca baixinho.

 - Sim, um anel. Meu pai se tinha esquecido de sua existência, mas nos deram por ele uma verdadeira fortuna - explicou Darcy orgulhosa.

 - Que curioso! E o vendestes abertamente?

- Não, foi uma venda privada. - Eu então acreditava que a propriedade estava a bom arrecado, não soube quão séria que era a situação até que meu pai morreu. Ele nunca me contou nada. Eu faria qualquer coisa para que minha família conservasse Folly.

 - Eu compreendo.

 - Por  isso, faz uns meses, quando morreu minha madrinha, eu esperava que nos deixasse dinheiro...

 - É natural - concedeu Luca assentando-a a seguir falando.

 - Somos três afilhadas... Maxie, Polly e eu - enumerou Darcy com voz pastosa. - No entanto, quando se leu o testamento, ficamos de  pedra. Nancy nos deixava seus bens na condição de que nos casássemos no prazo de um ano.

 - Que coisa mais rara!

- E é por isso que preciso de ti... para herdar - explicou Darcy começando a sentir a dureza do solo através do tapete e a colcha. - Suponho que me considerarás uma interesseira e calculista...

 - Não, o que acredito é que és muito valente confiando em mim - respondeu Luca amável.

 - Este solo está... bastante duro - admitiu ao fim.

 - Pois te tomas com uma tremenda desportividade - assinalou Luca desde sua cômoda cama. - Admiro para valer essa qualidade numa mulher!

 - Em sério? - sussurrou Darcy surpresa.

 - Por suposto. És tão democrática!  Nem prantos nem lágrimas femininas para exigir um tratamento especial - recalcou Luca com aprovação. - Perdeste a aposta e te tomas em sério, como um homem.

 - Suponho que sim - assentiu Darcy.

Aquele não parecia o momento mais adequado para sugerir-lhe do que mudassem de lugar. No entanto uma chama de satisfação ardia orgulhosa no peito de Darcy. Ao menos Luca a respeitava.

- Boa noite, Darcy.

- Boa noite, Luca.

 

Darcy se acordou sobressaltada e encontrou a Luca de pé, olhando-a, completamente vestido. Piscou confusa. Era tremendamente alto, moreno e lindo.

 - O Land Rover está lá fora - informou ele.

 - Lá fora? Mas... como? - perguntou ela sentando-se e agarrando-se à colcha enquanto todos os músculos de seu corpo se queixavam de  dor.

 - Chamei à oficina mais próxima, mostraram-se muito dispostos a  ajudar. Te verei lá embaixo para tomar café da manhã concluiu Luca.

Eram mais das nove. Darcy se apressou a entrar no banheiro e olhou seu reflexo desesperada. 

Durante a noite seus rebeldes cabelos se tinham revolto, e por  mais que tentasse não conseguia pô-los em seu lugar. Dez minutos mais tarde descia com o vestido de noite do dia anterior e a sensação de estar feita um desastre. Acercou-se à mesa de Luca, de imagem perfeita e imaculada, e se sentou.

Ele lia um jornal. Não tinha pressa por chamar sua atenção. De repente viu uma fotografia na primeira página.

 - Dá-me esse jornal! – gritou. - Por favor!

Luca a olhou sem compreender. Darcy lhe tirou o jornal sem mais preâmbulos e o deixou sobre a mesa.

 - Se casou ! - gritou incrédula. - Página quatro...

- Quem se casou?

 - Maxie Kendall, uma das herdeiras de Nancy.

 - Te ganhou, chegou antes que tu à meta, não? - inquiriu Luca.

 - Angelos Petronides... oh, Deus meu, queres dar uma olhada ao pedaço de mansão que há detrás na foto? Não só conseguiu encontrar marido, senão que em cima parece que está louco por ela.  Tem que ser alugado!

- Angelos Petronides... sim, alugado - confirmou Luca seco.

 - É só uma intuição! - insistiu Darcy com sinceridade, jogando a um lado o ofensivo jornal.

 - Ciúmes?, inveja?

Darcy voltou a vista para ele com uma expressão de reprovação.

 - Oh... não... é só que... para ela é tudo sempre tão singelo... Maxie é... tão linda! Éramos amigas íntimas quando Richard se apaixonou dela, essa foi a razão pela que ele e eu não nos casamos - explicou Darcy tensa.

Depois daquela conversa ambos permaneceram em silêncio o resto do café da manhã. Darcy se sentia violentada e xingada. Enciumada? Invejosa? De caminho a Folly esteve pensando nisso. Não... Luca a tinha mal interpretado.

Maxie, como dama de honra, tinha-se ficado em Folly durante uma semana. A glamurosa modelo tinha aceitado as atenções e cortesias do noivo como parte do jogo, respondendo a elas com sorrisos. Richard, singelamente, tinha-se mostrado embelezado.  

E Darcy se tinha posto ingenuamente contente ao ver que ambos se davam bem. Mas no dia do casamento, ante de ir pro altar, Richard se tinha voltado para Darcy para confessar:

- Não posso seguir com isto... apaixonei-me por Maxie.

- De que diabos estás falando? - exigiu saber Maxie furiosa. - Mas se tu a mim nem sequer me agradas!

Então Darcy não pôde resistir mais. Tivesse suportado melhor que Richard a deixasse plantada no altar se ao menos Maxie lhe tivesse correspondido, mas a falta de interesse de Maxie era o fim. Os dois, Darcy e Richard, tinham sido humilhados.

Darcy tinha perdoado a Richard fazia tempo, considerava-o um amigo. Mas não tinha sido tão generosa com Maxie, compreendia de repente. A  ela lhe tinha jogado toda a culpa. Só nesse momento compreendia que, naquele tempo, Maxie não era mais do que uma atordoada adolescente. Talvez tivesse sido injusta com ela, refletiu. Irritada ante aquela idéia Darcy saiu do Land Rover.

 - Te dás conta de que não disseste uma só palavra desde o café da manhã? - inquiriu Luca inexpressivo.

 - Estava pensando em Richard - respondeu Darcy à defensiva.

O rubor acentuou ainda mais os pômulos de Luca, e seus músculos se tencionaram. OBSERVOU-A com os olhos entrecerrados e uma expressão fria e Darcy se sobressaltou.

 - Que ocorre?

 - Que ia ocorrer?

 - Não o sei, mas... Deus, devo-te dinheiro por esta noite...

 - Te apresentarei a fatura - assegurou Luca irônico. - Graças... te  farei um cheque - respondeu Darcy. - Quando pensaste mudar-te?

 - No dia de nosso casamento.

 - E a que hora virás? - insistiu ela.

 - Estarei a tempo na igreja - contestou Luca esboçando um perigoso e sensual sorriso. - Calma, não falharei.

Darcy o observou caminhar até o Porsche inquieta ante a idéia de  que Luca pudesse ler seus pensamentos com tanta facilidade. Como podia ser tão sexy? Ao abrir a porta do carro voltou a vista e a pegou contemplando-o.

 - Por verdadeiro - murmurou Luca com voz de seda, - se me esqueceu comentar-te o impressionado que estou pelo acordo pré matrimonial que assinei no outro dia. Parece-me justo que os dois deixe-mos o casamento com o mesmo com o que o iniciamos.

 - Igualdade sexual - sussurrou Darcy incapaz de afastar a vista de  seu brilhante cabelo negro.

Conhecia o tato sedoso desse cabelo. Sentir seu apoio na festa, frente a Nina e Margo, tinha sido importante para Darcy.

 - Pois estou de acordo - informou Luca com um sorriso sensual de  aprovação.

Apesar da distância, aquele fascinante sorriso tinha o poder de  fazê-la estremecer.

 

 - Te dás conta das vezes que mencionaste o nome de Luca nos últimos dias? - inquiriu Karen.

 - Luca é central em meus planos, amanhã nos casamos - assinalou Darcy enquanto agarrava sua filha e lhe dava um beijo. - Boa noite, querida.

A menina sussurrou uma resposta sonolenta e se afundou sob a colcha. Darcy apagou a luz da mesinha e saiu para o corredor.

 - Me dá medo que esse tipo de homem chegue a agradar-te demais - explicou Karen.

 - Creio que já sou demasiado madura para isso, Karen.

 - Isso é o que mais me preocupa. Estás pagando a Luca para que interprete seu papel, é alugado, ou como queiras chamá-lo. - Não podes permitir-te o luxo de apaixonar-se por ele.

 - Mas não vou apaixonar-me por ele!

 - E então ... por que não deixas de falar de sua incrível atuação na festa?

 - Porque esteve genial.

 - Isso para não mencionar seus perfeitos modos e a variedade de  temas sobre os que se pode conversar com ele... - adicionou Karen imitando-a.

 - Por isso estou impressionada... - replicou Darcy encolhendo-se de  ombros com olhos evasivos.

 - Darcy... os últimos dois anos o passaste muito mau, ainda és muito vulnerável - comentou Karen incômoda. - Estou segura de que Luca é uma jóia, mas ainda não o conheces o suficiente como para confiar nele. De fato pode ser que esteja pensando que és uma presa fácil com a casa e a herança.

 - Sabe que estou endividada até as sobrancelhas - a contradisse Darcy.

As palavras de Karen, não obstante, deram-lhe que pensar aquela noite. Era tão evidente que se sentia atraída por Luca? Seria igualmente evidente para ele? A idéia a inquietava.

De todo modo Karen exagerava. Depois de sua viagem a Veneza tinha voltado com o coração rompido e uma tremenda confusão.  

 Apaixonar-se por um estranho numa só noite tinha sido uma dura lição, seu orgulho e seu coração tinham demorado bastante tempo em recuperar-se. E não tinha a menor, intenção de deixar que a atração por Luca se convertesse em algo mais.

Em seu dia aquele tinha sido um vestido caro e de desenho. O traje de noiva de seda de Darcy recolhia seus ombros e pendurava de  seus quadris até meia perna com preciosos pares de encaixe. Tinha pertencido a sua mãe e, por mais incômoda ou estúpida que se sentisse, Darcy pensava que tinha que aparentar uma cerimônia para valer.

Aquela mesma tarde tinha uma importante citação com seu banqueiro. Com sorte, depois de explicar-lhe os termos do testamento, o persuadiria de que Folly era um bom investimento. E com o dinheiro que lhe emprestasse contrataria de novo o pessoal mais necessário na propriedade. A vida voltaria à normalidade.

- Muito linda, mame - comentou Zia entusiasmada. - Estou linda eu?

 - Muito linda - sorriu Darcy.

Karen as levou à igreja. Darcy se pôs a tremer ao ver à multidão congregada muito próximo. Reconhecia todas as caras. Eram seus empregados de Folly, gente à que conhecia de  toda a vida. A antiga  governanta se acercou a ela e lhe deu um ramo de flores.

 - Todos nos sentimos muito felizes por você, senhorita Fielding.

Outras vozes se levantaram para unir-se à felicitação, e Darcy olhou os rostos com os olhos cheios de lágrimas. Piscou comovida, sentindo-se culpado por estar fingindo, e entrou na igreja.

Luca voltou a cabeça desde o altar. Seus olhos permaneceram fixos sobre ela, aparentemente surpreso. Ela o olhou de cima abaixo. Usava um extraordinário traje cinza que o fazia mais atraente e sofisticado que nunca. Tinha sobre ela um impacto tão forte que Darcy quase se esqueceu de respirar. Tinha algo que...

Tinha um desconhecido junto a ele. Parecia tenso, e afastou a vista dela quando Darcy o olhou. A cerimônia começou. Só quando Luca a tomou da mão e lhe pôs o anel se deu conta Darcy de que se tinha esquecido por completo desse detalhe. Mas se sentiu aliviada ao ver que ele sim o tinha lembrado.

 - Graças... - murmurou enquanto ele o punha.

Quando concluiu o serviço assinaram no registo. Karen e o outro homem, ao que Luca chamou Benito, assinaram como testemunhas. Uma vez findas as formalidades Darcy se esfregou os olhos tirando-se acidentalmente uma das lentes. Ajoelhou-se a procurá-la enquanto exclamava:

 - Não se mova, perdi uma lente!

Luca se agachou e a recolheu do solo, mas a guardou no bolso. Sabia que não podia pô-la ali mesmo.

 - Relaxa, já a encontrei...

Darcy levantou a cabeça surpresa ante tanta rapidez, e ao mesmo tempo Luca se inclinou para ela para ajudá-la a levantar-se. Enfocou seu rosto com o olho míope, sem lente, e fechou o outro tratando de vê-lo. E então, durante uma décima de segundo, os traços de  Luca se difundiram e fizeram imprecisos. Aquela imprecisão de seu rosto lhe era familiar. Darcy ficou gelada e incrédula. Luca era seu amante veneziano. Um forte choque a sacudiu ao reconhecê-lo, sentiu um nó no estômago.

- És... tu? - começou a dizer gaguejando.

Darcy não deixava de olhar para Luca cheia de estupor. A cabeça lhe dava voltas. Por fim ele se fez por completo impreciso. Luca a tomou em seus braços ao desmaiar-se.

 

- RESPIRA fundo... - ordenou Luca sereno.

Por fim o ar chegava de novo a seus pulmões. Darcy abriu os olhos. Estava sentada num duro banco de madeira.

 - Veja? - comentou Karen tranqüilizando a Zia, - mamãe está bem. Trabalha demais.

Ao levantar a cabeça Darcy recordou tudo. Mirou Luca boquiaberta, duvidando ainda de seus sentidos. Os olhos negros dele a observavam divertidos e calmos. Uma e outra vez a confusão e a sensação de familiaridade a punham frenética.

 - É impossível que sejas... não podes ser! - gritou de repente sem importar-lhe a presença dos demais.

 - Calma, Darcy - aconselhou Karen, ignorante da situação. - Tu Desmaiaste e estás confusa, isso é tudo. Escuta, ficarei com Zia até que te encontres melhor. - Deverias tombar-te um momento.

- Irei ver-te depois para saber como estás.

Darcy, imersa ainda em seu próprio mundo, balançou a cabeça com medo. Luca Raffacani não podia ser o homem com quem tinha passado uma noite em Veneza, era impossível que se tratasse do mesmo. No entanto, era ele. Não fazia sentido, aquilo ia além da loucura, mas segundo parecia suas repetidas sensações de  familiaridade tinham uma base real.

 - Podes pôr-te de pé? - inquiriu Luca.

 - Estou bem.... sério - sussurrou Darcy pouco convicta.

Darcy se pôs em pé e sentiu que tinha as pernas de trapo. Estreitou-lhe a mão ao pároco e ficou olhando de novo a Luca com uma espécie de fascinação. Então soube que nunca mais voltaria a  sentir-se bem. Sentia como se tivesse perdido a cabeça no instante mesmo em que o tinha reconhecido.

- O carro está lá fora, senhor - interveio Benito.

Senhor?, perguntou-se Darcy. Benito a olhou com lástima, com essa pena que se sente por alguém doente quando não tinham esperanças. Que diabos estava ocorrendo? Quem era Gianluca Fabrizio Raffacani? Fosse quem fosse acabava de fazê-lo seu marido.

 - Acalma-te -  urgiu Luca enquanto saíam da igreja e começavam a  receber as felicitações das pessoas.

 - Mas é que te reconheci... - respondeu ela trêmula.

 - Queres dizer que por fim recordaste o rosto de um dos inumeráveis amantes com que passaste uma noite? - murmurou Luca com voz de seda, fazendo-a estremecer-se diante aquele reproche. - E crês que devo de sentir-me afagado por isso?

Aquela fria confirmação a alertou ainda mais. No fundo ainda esperava que Luca lhe perguntasse de que estava falando.

- Não compreendes - começou a dizer tratando de defender-se, confusa ainda. - Aquela noite mal podia ver-te, não via teu rosto com detalhe... eras um borrão... estavas... diferente.

 - Sim, suponho que te dá igual depenar a um pássaro que a outro - respondeu Luca com amargo cinismo, pondo uma mão sobre suas costas e fazendo-a tremer.

Depenar a um pássaro? Darcy não compreendia essa resposta mais do que compreendia a situação em geral. Ao sair da igreja se fixou na limusine estacionada. Entrou no luxuoso veículo e viu a Benito no volante. A barreira de cristal entre os assentos estava a meio baixo, não dispunham de intimidade.

Darcy respirou fundo. Doía-lhe a cabeça e sua confusão era inesgotável. Em sua desorientação tratou de recordar a toda força a imagem do Luca que tinha começado a conhecer para esquecer a do homem que a tinha se apaixonado em Veneza, a do rato que a tinha alucinado para depois abandoná-la. Voltou a olhar para Luca. Estava irritante, perigosamente calmo.

Em poucos minutos a limusine chegou a Folly. Darcy saiu do carro com o coração acelerado. Abriu a porta com mãos nervosas e entrou. Deu-se a volta e olhou a Luca, de pé junto à chaminé. Ela estava tensa. Tratava de parecer calma e confiada, mas estava tensa.

 - Não posso crer que isto seja uma simples coincidência... - comentou.

 - Muito inteligente - respondeu Luca observando-a com satisfação.

 - Como é possível que tenhas descoberto quem sou ou...onde vivo?

 - Nenhum problema é insuperável com um pouco de tenacidade. Levou-me tempo, mas ao final te encontrei.

 - Então me tens estado seguindo a pista... mas... por que? – perguntou Darcy sem ocultar sua incredulidade. - Por que diabos ias fazer uma coisa assim?

 - Não te faças de tonta - advertiu Luca depreciativo.

Darcy sacudiu a cabeça e apoiou os braços sobre o respaldo de tapeçaria de uma cadeira.

 - Vieste à entrevista disfarçado... deves de estar louco para ter chegado tão longe...

 - Não... mas me dava medo que me reconhecesses.

Darcy não podia deixar de olhar a Luca, era uma necessidade compulsiva. No entanto a expressão de seu rosto não revelava nada.

 - Por que fizeste isto? Que está acontecendo? É impossível que estejas sem emprego.

- Não... qual foi o termo que utilizaste a proposta de tua amiga Maxie? Estou «alugado» - admitiu Luca irritado. - Mas não vais tirar vantagem disso, te asseguro.

 - Não compreendo... - Darcy levou as mãos às têmporas. - Começa a  doer-me a cabeça.

 - Pois quando terminar contigo a dor de cabeça será um de teus problemas menores.

 - Que se supõe que significa isso? Pelo amor de Deus! ... me estás ameaçando? - gritou Darcy soltando a cadeira e dando um passo adiante.

- Não, creio que só estou desfrutando de meu enorme poder. Nunca me tinha sentido assim com nenhuma mulher - sussurrou Luca pensativo. - E desde depois não vou compadecer-te.

 - Estás tratando de me assustar...

 - Te assustas facilmente? - inquiriu Luca demonstrando um completo autocontrole.

 - Não estás se comportando como o homem ao que conheci em  Veneza! - o condenou Darcy trêmula.

 - Nem tu também não és a mesma mulher! Ainda que ela sairá à luz a qualquer momento... Tenho a maravilhosa convicção de que durante os próximos seis meses receberei de ti tudo aquilo que deseje - comentou Luca com olhos brilhantes e escuros, cruéis e divertidos. - Meus desejos serão ordens para ti, nada te parecerá demasiado esforço. Eu estalarei os dedos e tu correrás a...

Darcy tratou de engolir, mas não pôde. O pesadelo vivente de sua confusão crescia e crescia. Em parte acreditava que tudo era uma farsa, mas no fundo estava terrivelmente impressionada pelo tom de voz de Luca, por sua frieza, por suas arrogantes ameaças.

 - Que estás tratando de dizer-me?

 - Te direi algo para que vás saboreando-o: pensa no que aconteceria, se decido sair por essa porta e terminar com nosso casamento, tu perderás tudo o que possuis - soltou Luca com tal frieza que suas palavras a gelaram até o choque.

O silêncio, rompido só pelo relógio de parede, interpôs-se entre ambos tão palpável como uma delgada folha de cristal.

 - Não... não...  - Darcy perdeu toda sua cor. Por fim compreendia o peso daquela ameaça. - Não podes fazer-me isto!

- Creio que cedo vais descobrir que posso fazer o que quiser contigo... - contestou Luca acercando-se a ela com naturalidade e alongando uma mão para agarrá-la e atirar pouco a pouco dela.

 - Basta... solta-me! - gritou Darcy com o coração acelerado pelo pânico, incapaz de respirar ou de prever um comportamento semelhante em Luca.

 - Essa não é forma de tratar a um marido - a censurou ele indolente enquanto - baixava a mão por suas costas e a mantinha a  escassos centímetros dele para observá-la. - Especialmente a um marido que tem tão altas esperanças postas em ti. - Todas essas tolices de atirar a moeda e de dormir no chão... como se fosses uma virgem inocente! - Não foram mais do que uma perda de tempo.

- Recordo perfeitamente como me empurravas à cama e como me rasgavas a camisa às poucas horas depois de me conhecer.

Enquanto o rico e suave timbre da voz de Luca se adentrava em  seus ouvidos fazendo-a estremecer-se, Darcy abriu imensamente os olhos e recordou o abandono com que se tinha comportado aquela noite em Veneza. E se pôs a tremer.

 - Eras selvagem - adicionou Luca saboreando cada palavra com voz rouca. - Pode ser que tenha sido a amante mais cara que tivesse tido, mas essa noite de sexo foi inesquecível.

Cara? Darcy seguia incapaz de concentrar-se. Levantou a vista e se viu agarrada pelos olhos de Luca como se ela fosse uma borboleta e ele a fincasse com um alfinete. Só que o alfinete era a humilhação. Luca levantou uma mão e acariciou com um dedo seu lábio inferior fazendo-a estremecer enquanto seus olhos brilhavam observando-a de perto. Desconcertada, Darcy sentiu que uma chispa se acendia em seu corpo.

- Me fizeste abrasar-me vivo... - sussurrou Luca hipnotizado. - E vais voltar a fazê-lo outra vez... uma e outra vez, até que deixe de  desejá-la... ficou isso claro?

Não, Darcy não compreendia nada. Tinham ocorrido demasiadas coi-sas e tudo demasiado depressa, e ademais num momento pouco adequado. Estava diante o altar, contente e firmemente convencida de que por fim ia arrumar seus problemas quando de repente tudo tinha vindo abaixo. E desde então não tinha feito outra coisa que tratar de sobreviver a cada instante.

 - Quem és... por que me estás fazendo isto? - exigiu saber Darcy uma vez mais, sem tratar de ocultar sua confusão.

 - Não é estranho o que ocorre com o passar do tempo? - assinalou Luca. - O que uma vez não quiseste saber agora estás ansiosa por  descobri-lo...

 - Não podes fazer-me isto... Não podes ameaçar-me assim!... Não  permitirei! - jurou Darcy veemente.

- Não? Observa - advertiu Luca conferindo seu relógio de ouro. - Agora mesmo te sugiro que procures teu passaporte e comeces a  fazer a mala.

 - Meu passaporte... a mala? - repetiu ela.

 - Surpresa, cara - sorriu mordaz Luca com olhos brilhantes e gélidos. - Dentro de poucas horas um helicóptero nos recolherá e nos levará ao aeroporto. - Vamos a Veneza. - Quero voltar para casa.

Darcy deu um passo atrás. Seus olhos verdes ardiam de raiva.

 - A Veneza? Mas ficastes louco? Não vou a  Itália contigo!

Os lábios de Luca esboçaram um sorriso cínico.

- Repensa isso, Darcy. Se me marcho desta casa sem ti não voltarei, e então tu perderás toda esperança de conseguir a herança.

 - És um bastardo...  - sussurrou Darcy começando a compreender.

Era evidente que Luca sabia mais do que ela, ingenuamente, tinha-lhe contado. Conhecia exatamente as condições do testamento. Um casamento de menos de seis meses não se consideraria válido.

 - Me surpreende ouvir-te dizer essa palavra em particular tendo em conta as condições em que nasceu tua filha.

Darcy se pôs tensa. Sentia-se incômoda, culpada. Zia... de repente sua mente começou a funcionar e recordou o laço que unia àquele homem com sua filha. Ele era seu pai. O rubor da ira deu passo a  uma tremenda palidez. Zia era filha de Luca, mas ele não parecia suspeitá-lo apesar de conhecer em detalhe, segundo parecia, cada aspecto de sua vida.

- E por verdade - murmurou Luca baixinho. – Quando fores a casa de Karen pegar a tua filha tenta lembrar-te da cláusula de confidencialidade do acordo pré matrimonial que ambos assinamos. Se lhe falas sobre isto eu falarei com o advogado que leva o testamento de Nancy.

 - Não posso crer que me esteja acontecendo isto... - contestou Darcy com voz trêmula.

E era verdade. Era uma boneca nas mãos de Luca, estava atada de  pés e mãos. Sua casa, sua segurança, seu futuro e o de sua filha dependiam por inteiro de que Luca mantivesse seu acordo. Se se separassem, ainda que só fosse um dia antes dos seis meses, ela perderia tudo aquilo pelo que tão duramente tinha lutado. Luca tomou uma de suas mãos e lhe pôs algo na palma.

 - Tua lente... talvez se mudasses de lentes verias o mundo com mais clareza.

 - És um cretino..

- E quando te tenhas despojado desse vestido de noiva que, ainda que pareça estranho, assenta-te melhor do que qualquer das coisas com as que te vi ultimamente, quererás, por favor, escavar um pouco no armário e procurar algo decente que pôr para a viagem?

 - Não vou ir a Itália contigo... não vou a nenhuma parte... Tenho muitas responsabilidades aqui! - gritou Darcy. - Esta é minha casa, não podes obrigar-me a abandoná-la.

 - Não, não posso obrigar-te a fazer nada - admitiu Luca baixinho, - a escolha é tua.

A ira se apoderou então de Darcy, que fechou os punhos cheia de  frustração.

 - Me estás fazendo chantagem... de que escolha falas?

Luca a observou sem responder. Irritada, Darcy se voltou e subiu as escadas até seu quarto. Estava terrivelmente confusa, as idéias vinham aceleradas em sua cabeça. Que pensaria Luca se descobrisse que tinham concebido a sua filha juntos em Veneza? Não tinha nenhuma pressa por descobri-lo. Talvez não supunha isso outro poder mais sobre ela? E por que diabos lhe teria posto a  sua filha Zia o nome de Veneza? Talvez a coincidência lhe resultava remota a todo mundo exceto a ela, que era uma estúpida e uma sentimental?

Que diabos tratava de conseguir Luca? E sobretudo por que? Seu comportamento não fazia sentido. De fato sua incapacidade para compreender por que Luca Raffacani tinha tramado tão diabólicamente esse modo de introduzir-se em sua vida e destroçá-la era o que mais a aterrorizava. Luca sabia muitas coisas dela, mas ela mal sabia nada dele, e sua ignorância não era nenhuma bênção.

Então teve uma idéia e se pôs em marcha. Tomou o telefone junto à cama e discou o número de Richard.

 - Richard... sou Darcy...

 - Tudo bom, velha amiga? Que raro que chames, precisamente estava...

- Richard, recordas que uma vez me disseste que na Internet se pode encontrar quase qualquer tipo de informação? - o interrompeu Darcy sem mais cerimônias. - Poderias tratar de averiguar algo para mim e mandar-me a informação por fax?

 - Claro, que classe de informação desejas? - Qualquer coisa que possas averiguar sobre um italiano chamado... Gianluca Raffacani.

- Esse nome me soa familiar - comentou Richard ausente. – Pergunto-me se estará metido nas carreiras de cavalos...

 - Te  agradecerei qualquer coisa que possas mandar-me, mas não diga a  ninguém que eu tenho estado perguntando - advertiu nervosa.

 - Calma. aconteceu algo ruim? - inquiriu Richard. - Pareces preocupada. De onde conheces a esse tipo? Quem é?

 - Isso é o que trato de averiguar. - Te chamarei... graças, Richard - contestou Darcy pendurando o fone.

Darcy examinou a foto de Richard perto de sua cama. Precisava descobrir quem era Luca para poder lutar contra ele. E de nenhum modo iria a Itália. Não podia abandonar Folly. Alguém tinha que dar de comer às galinhas e A Nero, seu velho cavalo. E cuidar dos cachorros. Darcy tirou o vestido e se pôs uma calça e uma malha velha. Não podia suportar a idéia de deixar sua casa.

Mas se não o fizesse perderia Folly para sempre. Para sempre. Darcy deixou cair os ombros sentindo a derrota. A curto prazo, que outra escolha tinha aparte de seguir o jogo de Luca? E isso significava ir a  Itália com Zia. Darcy tirou um par de malas e as encheu com roupa sua e de sua filha. Então alguém chamou caladamente à porta. Era Benito. Tinha na mão os papéis do fax.

 - Isto estava na máquina que há na livraria, signora.

Darcy ficou desconcertada ao ver na primeira página a fotografia de Luca, que Benito não tinha podido evitar ver.

 - Trabalhas para Luca?

 - Sim, signora. Sou seu ajudante executivo.

Darcy fechou a porta. Perguntava-se se Luca teria censurado pessoalmente a informação que lhe tinha mandado Richard ou se, pelo contrário, seus esforços o divertiriam. Estendeu os papéis sobre a cama.

E começou a  ler. Tinha um artigo titulado Assassinato por um bilhão de dólares em Wall Street. Era de três meses atrás. Descrevia a Luca como a um magnata das finanças, um brilhante conhecedor dos mercados do mundo que tinha nascido rico e que cada dia o era mais. Sua fortuna pessoal se estimava enquanto tinha que contar uma e outra vez para crê-lo. E era esse o tipo que tinha tomado dela um cheque por adiantado?

Luca era um piolho, pior do que um piolho. Uma bactéria. Não tinha honra, decência, vergonha nem escrúpulos. Darcy continuou lendo. O artigo fazia referência a sua reputação de mulherengo, a suas rudes práticas comerciais, a sua natureza implacável, a sua falta de  sentimentos. Eram tantos os ataques que Darcy decidiu que era melhor não seguir lendo porque, quase com toda probabilidade, aquilo era um exagero e uma mentira.

Nunca nenhum Fielding tinha fugido nem se tinha rendido, recordou Darcy. No entanto todos seus problemas eram econômicos, e Luca provavelmente saberia muito disso. Estava afundada, sentia-se destroçada por ter lhe confessado que tinha uma hipoteca.

Por mais que o artigo exagerasse era evidente que Luca era um imemorável estrategista em temas financeiros. Era rico, temido e invejado, e sem dúvida tinha um enorme poder e influência. Um fenômeno? Darcy examinou a fotografia. Seu aspecto de homem proibido e severo era completamente diferente daquele homem do que se tinha apaixonado loucamente em Veneza... e era tão terrível, tão inquietantemente parecido ao homem com o que acabava de  casar-se...

Não tinha nada no artigo que sugerisse que estava louco ou que lhe  desse por ter saídas peculiares ou fora de  tom. Não tinha adiantado nada com o artigo, nem um só passo, seguia sem compreender os motivos pelos que Luca desejava castigá-la. De que queria vingar-se? Que tinha feito ela? Tinha passado uma só noite com ele e, no entanto, por algum motivo, Luca tinha percorrido um longo caminho até dar com ela e atá-la a  um casamento que nunca tinha pretendido ser senão uma farsa. E com isso conseguiria controlar cada um de seus movimentos durante seis meses. O preço da derrota seria aquilo que mais queria.

Darcy se esforçou, muito a seu pesar, por recordar aquela noite em  Veneza. Sua explosiva resposta ao primeiro beijo de Luca a tinha assombrado inclusive a ela. Em matéria de segundos voltou ao passado, se perdeu nele como se para valer cresse que recordá-lo pudesse ser de algum consolo...

 - Acabo de dizer-te que só dançarei uma música, depois irei embora - disse tratando de soltar-se dele.

Richard nunca a tinha feito sentir-se assim. Pela primeira vez, nesse preciso instante, Darcy compreendia por que tinha fracassado sua relação com ele. Nenhum dos dois tinha feito o mínimo esforço por compartilhar a cama antes do dia do casamento. Richard tinha alegado que podia esperar. Ele seu tinha sido um amor sem a chispa da paixão, uma amizade carente de sentimentos profundos, uma relação que ambos tinham confundido com o amor.

 - E por que tens que ir embora? - exigiu saber Luca.

 - Porque não pertenço a  este lugar..

 - Te vais correndo, assustada? - inquiriu Luca soltando uma gargalhada.

 - Não estou assustada. Estou...

 - Estás comprometida com alguém?

Darcy recordou a traição de  Richard e o orgulho e a raiva iluminou sua mirada.

- Eu não acredito em compromissos!

 - Se isso fora verdade - comentou Luca sem deixar-se impressionar por sua resposta. - Segundo minha experiência as mulheres desejam e esperam, em última instância, um compromisso, digam o que digam ao princípio.

Darcy o olhou irritada. Tinha estado a ponto de adquirir o mais importante compromisso do que um homem pode ter com uma mulher, mas ao final tudo tinha saído mau. Por isso já não acreditava no valor das promessas. - Mas eu não sou como as demais... é que ainda não te deste conta?

Darcy deu um passo atrás e se soltou, mas Luca alongou uma mão e a agarrou firmemente para evitar que se marchasse.

 - Ou estás amargurada ou... és extremamente inteligente.

 - Não, só sou franca... e me aborreço facilmente.

 - Não quando eu te beijo...

 - Tu és quem deixou de fazê-lo!

 - Estávamos atraindo demais a atenção - sorriu ele. - Não me agradam as exibições públicas.

- Então és demasiado cauteloso e convencional para mim – respondeu Darcy disposta a lutar.

Luca, igual que um homem primitivo disposto a reagir diante um desafio, a fez prisioneira em seus braços e beijou sua boca com incrível firmeza, com paixão. Quando se soltou, Darcy sentiu que lhe  tremiam os lábios, que cada um de seus sentidos vibrava de excitação e que boiava de orgulho ante seu próprio poder feminino de provocação.

 - Isso me agradou... agradou-me muito, mas apesar de tudo vou embora.

 - Não podes...

 - Não? Observa... - respondeu Darcy girando sobre seus calcanhares e dirigindo-se para as portas abertas do salão, dese-josa de que ele a seguisse.

 - Se te marchas agora jamais voltarás a me ver...

- O mesmo te digo - murmurou ela brincalhona. De repente recordou que ele era garçom. Ou não? Não estava segura. - És garçom? - perguntou fazendo uma pausa. - Porque se o és este jogo não é justo.

 - Que desejarias tu que eu fosse? - Não caçoe.

 - Então sim queres voltar a ver-me. Por suposto que não sou garçom - replicou Luca impaciente.

Darcy sorriu. De modo que tinha recolhido a bandeja só para acercar-se a ela. Aquilo a impressionava. E a afagava.

 - Então és um convidado, mas não usas máscara.

 - Sou..

 - Tu morres de vontades por dizer-me não é verdade? Pois não quero saber. Depois desta noite não voltarei a ver-te jamais. De que serviria?

 - Pode que te surpreendesse...

 - Não o creio... vais seguir-me ao sair daqui?

 - Não - respondeu Luca com frieza.

 - Muito bem... perfeito. Tenho vontade de estar com alguém, mas estou segura de que encontrarei a mais gente por  aí.... ainda que me agradas... ao menos me agrada tua forma de beijar - admitiu Darcy abertamente.

 - Primeiro te comportas como uma mulher adulta, e depois como uma colegial.

Os olhos de Darcy arderam mortificados. - Tratou de marchar-se mas ele a reteve e a atraiu para si enquanto dizia num sussurro e com voz indulgente:

 - Diga-me, que é o que te agradaria fazer esta noite que não podes fazer aqui?

 - Passear numa gôndola ao luar...

 - Não é meu estilo - repôs Luca com um gesto depreciativo, - isso é coisa de turistas.

 - Eu sou uma turista - replicou ela soltando-se. - Desafio-te.

 - Eu arrumarei tudo para ir passear amanhã... - Demasiado tarde.

 - Então, lamentavelmente, chegamos a um ponto morto.

 - Pois és tu quem sai perdendo - replicou Darcy voltando de novo para o salão de baile.

Ela caminhou lentamente para as portas esperando que Luca a atingisse, mas ele não o fez. Então Darcy se perguntou por que estaria jogando àquele perigoso jogo e se voltaria a  encontrar, alguma vez em sua vida, a  um homem que pudesse derreter seus ossos e seu cérebro com um só beijo.

E, reflexionando sobre isso, seus passos se fizeram mais lentos. Darcy olhou para trás em direção a Luca, e ficou gelada ao descobrir que não podia distinguí-lo entre os convidados. Tinha-o perdido.

 - A chantagem não faz efeito em mim - comentou então uma voz já familiar perto dela, - mas essa mirada de pânico sim.

 - Não era pânico...

 - É aterrorizador sentir-se assim, não é verdade, cara?

 - Não sei que queres dizer.

 - Oh, sim, sim o sabes. Seja franca, prefiro-o.

 - Que opinas das aventuras amorosas de uma só noite?

Luca ficou imóvel. Um silêncio espesso reinou entre eles.

- Não sou partidário - respondeu ele seco. - E espero que tu também não o sejas.

 - E da virgindade?

 - Me deixa totalmente frio.

 - Muito bem, então não faças perguntas e eu não te contarei mentiras. Que te parece essa regra?.

 - Me parece que com tantas limitações cedo te aborrecerás - afirmou Luca com suprema confiança.

Não obstante Darcy sabia que não seria assim. As respostas sinceras poriam de relevo uma realidade da que ela desejava escapar. Sentia que tinha decepcionado sempre a todo mundo: primeiro ao ser menina desde seu nascimento, depois ao negar-se inclusive a possibilidade de continuar com sua educação, e finalmente ao ficar plantada no altar, fato que tinha servido para coroar todos aqueles fracassos expondo a sua família, para a que tão importantes eram as aparências, à vergonha pública. Não tinha o menor desejo de suscitar a compaixão de ninguém.

Em matéria de minutos Luca a guiou para a enorme escadaria. Compreendendo então que ela tinha ganhado e que abandonavam o baile, Darcy se pôs de ponta dos pés para beijá-lo no abarrotado salão, sentindo-se generosa em sua vitória. No entanto, ao escutar apitos e comentários ao seu redor se jogou atrás, atônita diante sua própria audácia. Se ruborizou, e ele riu.

 - Te comportas de um modo tão natural comigo! - respirou ele apreciativo. - Como se me conhecesses de toda a vida.

Uma gôndola com uma rica cabine enfeitada de bordados e cheia de  almofadas de veludo os esperava na saída. E o que seguiu foi mágico. Luca não só lhe mostrou a vista, como também lhe contou histórias que a enfeitiçaram: a do Palazzo Mocenigo, onde viveu Lorde Byron e desde onde uma de seus amantes se arrojou ao esvaziamento, a da cela desde onde tratou de escapar Casanova, encarcerado por dívidas, a do Rialto, por onde passeava o Shylok de Shakespeare, etc..., etc...

Sua preciosa voz foi tornando-se rouca enquanto Darcy sorria hipnotizada pelo romantismo das histórias, sentindo o profundo amor e orgulho de Luca diante sua cidade natal, erguendo-se para beijá-lo e encontrar-se com aqueles olhos negros que lhe davam uma confiança em si mesma que jamais tinha sentido. Finalmente se detiveram num silencioso e pequeno canal e um garçom lhes serviu champanhe e morangos.

 - És uma fraude, cara minha - sorriu Luca zombador. - Disseste que não desejavas um romance, mas te deleitas em cada um dos detalhes da viagem.

 - Não sou uma fraude. É que talvez não se pode desfrutar de uma só noite perfeita sem laços, ataduras, nem arrependimentos?

 - Faremos uma aposta, assim teremos algo seguro - murmurou Luca - Passe o que passe esta noite nos encontraremos amanhã às três no Portão do a Guerra.

 - O amanhã não existe para nós - respondeu ela sem dar-lhe importância, sem ocorrer-se sequer que ele pudesse compreendê-la melhor do que se compreendia ela, sem pensar que desejaria voltar com ele justo no mesmo instante em que se separassem. - Leva-me para casa - adicionou então impaciente, incapaz de seguir exibindo-se em público por mais tempo.

 - Em que hotel te alojas?

 - A tua casa...

 - Tomaremos café da manhã juntos...

 - Não tenho fome.

 - Não sabes nada de mim - disse ele então olhando-a fixamente.

 - Sei que desejo estar contigo... e sei que tu desejas estar comigo... que mais preciso saber?

Uma aguda  dor apertou  os músculos  de  Darcy ao recordar aquela estúpida  pergunta  que a  devolvia  de imediato  ao presente, no que reinava a insegurança  e a frustração.  Naqueles momentos era inca-paz de esquecer as últimas horas decorridas em Veneza. Atormentava-a pensar que se tinha mostrado mais incansável mais provo-cante e mais caprichosa do que o tivesse desejado.

A porta se abriu sem prévio aviso. Surpresa, Darcy se levantou da cama. Luca observou suas calças com um sensual sorriso e voltou a  fechar a fechar a porta.

 - Sempre pensei que era impossível encontrar uma mulher que não tivesse vaidade, mas o destino te trouxe a mim. Agora sei que não.

 - E o que supõe que significa isso? - inquiriu Darcy na defensiva.

 - Já o descobrirás. A preguiça no terreno da vaidade não resulta proveitosa - contestou Luca prestando atenção então a uma foto emoldurada no meio do silêncio. - Dormes com uma foto de Richard Carlton junto a tua cama?

- E por que não? Ainda somos bons amigos - admitiu Darcy sem compreender que pudesse ter nada de mau nisso, preocupada por  outros problemas. - Luca, não sei que é o que está passando aqui.

- Esta situação é... uma loucura, - sinto-me como... como Alice no país das maravilhas.

 - Me deixas atônito. - Sempre tinha ouvido dizer que Alice tinha cachos loiros e usava um bonito vestido. - Creio que o parecido está unicamente em tua mente.

 - Agora és tu que está de brincadeira. - Creio que te comportas como uma louco recém saído de um manicômio...

 - Teu ponto de vista é tremendamente prosaico - contestou Luca -. És incapaz de compreender a idéia da vingança porque para ti nada mais é do que uma perda de tempo e um gasto de energia. - Eu também sou prático, mas te advirto, tenho muita imaginação, e sou incapaz de viver com a derrota. - Não me teria servido de nada avisar à polícia para que seguisse a tua pista, isso não me teria trazido nenhuma satisfação...

- À polícia? - repetiu Darcy atônita.

 - Te fazes muito bem a inocente, e eu compreendo. Estavas longe de casa, sentias-te segura pensando que eu nunca te identificaria, que eu nunca te seguiria, que nunca serias castigada por tua falta de honestidade...

 - Não tenho a menor idéia do que estás falando! Que falta de  honestidade?

 - Mas erraste em teus cálculos... não me agrada o papel de vítima - declarou Luca. - Agora chegou a hora de saborear essa experiência. Essas prosaicas artimanhas não vão servir-te de nada.

 - Sou bem mais forte do que tu pensas! - Contra-atacou Darcy decidida a defender-se. - Por que não me dizes a que te referes com isso da polícia e de minha suposta falta de honestidade?

 - Para que desperdiçar meu tempo? Prefiro esperar que te canses de fingir e decidas confessar.

- Não posso confessar o que não fiz! - objetou Darcy veemente.

Luca ignorou seu protesto, levantou as folhas de fax e dirigiu a vista para a parte superior, na que estava escrito o nome do reme-tente.

 - É de Carlton. Assim que é com Carlton com quem te puseste em  contato, não?

 - Não disse nada a Richard, só queria saber quem eras na  realidade. Não é de estranhar tendo em conta que me casei contigo e que tu não me disseste nem uma só palavra que seja verdade.

 - Não obstante tu esperavas impaciente para casar-te comigo - lhe  recordou Luca irônico. - E eu, que nunca tinha sentido o menor desejo de perder minha liberdade, senti a mesma urgência que tu de ver nossas relações bem ordenadas legalmente.

 - Sim, porque pensas que agora já me tens onde querias.

Luca a olhou com dureza e intensidade, com mirada arrogante e cabeça altiva. Seus olhos brilhavam como diamantes desafiantes.

- Carlton ainda é teu amante, não é verdade?

 - Isso não é assunto teu. De fato, ainda que tivesse um amante para cada dia da semana, seguiria sem ser assunto teu.

 - Não?

 - Não!

Luca se irritava cada vez mais, mas Darcy se mostrava indiferente a suas ameaças.

 - A mera suspeita de uma possível infidelidade de tua parte seria causa suficiente de separação. Não vê? Por mais que trate de se explicar com palavras singelas segues sem entender. Não podes permitir-te o luxo de se opor a um marido de que precisas conservar.

 - Esse preço é demasiadamente alto para...

 - Mas é que tem que ser alto - a interrompeu Uca.

 - Como então eu iria me divertir?

Os olhos de Darcy brilharam de raiva. Luca sorriu provocante. E então Darcy perdeu a cabeça. Incapaz de controlar seu temperamento deu um passo adiante e levantou uma mão para esbofetear aquele odioso rosto. Luca a deteve com uma gargalhada rouca. Abraçou-a pelo torso, levantou-a e a jogou sobre a cama caindo ele a seu lado.

 

ATÔNITA  e sem alento, Darcy sentiu que Luca a agarrava nas duas mãos e a fazia prisioneira. Então sussurrou:

 - Que crês que estás fazendo?

 - Neste preciso instante não creio em nada - lhe confiou Luca com olhos de ouro líquido entrecerrados, observando seus cabelos, - só me perguntava até onde te cresceria o cabelo em seis meses. Tu deixarás crescer para mim, assim como farás muitas outras coisas...

 - Nem em sonhos!

Uns olhos confiantes a olharam brilhantes. Luca inclinou lentamente o corpo sobre o dela. De repente uma corrente elétrica de excitação sexual invadiu Darcy. Aquela sensação a decidiu definitiva-mente a afastar-se dele. Mas Luca a agarrou com violência.

 - Acalma-te... não quero te machucar.

 - Não é esta a melhor posição para dizer-me isso!

- A violência física também é motivo de separação - a informou Luca indolente.

 - Quero fazer-te dano! - gritou ela furiosa.

 - Sim, mas teu corpo se interpõe entre ti e esse desejo - comentou Luca perspicaz. - Será interessante ver quanto vais agüentar antes de render-te. Vais fazer de prostituta em minha cama só para conservar esta casa... ainda que o que já fizeste uma vez será fácil repeti-lo uma segunda.

 - Te equivocas, não vou dormir contigo... Nunca voltarei a dormir contigo! - gritou Darcy tratando selvagemente de soltar-se.

Mas Luca tinha rápidos reflexos. Suspirou ante sua obstinação e a agarrou pelos ombros antes de que pudesse mover-se, forçando-a a  permanecer em seus braços.

 - Por suposto que sim - repôs ele com olhos brilhantes.

- Não! - jurou Darcy.

Luca a envolveu então com todo seu corpo, ajudando-se de seu peso para devolvê-la de novo ao colchão. O calor daquele enorme corpo a embargou até a paralisia. Por um momento Darcy se esqueceu inclusive de lutar. E de respirar.

Então ele inclinou a cabeça e saboreou sua boca diretamente, voraz. Os lábios de Darcy arderam, suas coxas tremeram. Elevou a vista para ele. Tinha a mente em branco, mas seu coração batia como se estivesse lutando por sua vida. Tinha as pupilas dilatadas, a respiração rápida e entrecortada: tinha topado com o desafio sexual de sua mirada. Era como se Luca tivesse apagado o interruptor de sua própria autodisciplina e controle. Deus, adorava quando Luca a olhava desse modo...

Darcy sentiu que se derretia em seu interior, estava aterrorizada diante sua própria excitação. Seus peitos se incharam dentro da roupa, seus mamilos se ergueram tensos. Luca se moveu e Darcy sentiu sua masculinidade ereta contra o ventre. Estremeceu-se, e suas costas se arqueou enquanto seu corpo se rendia úmido e cálido. Nenhum dos dois escutou os suaves golpes da porta.

Os olhos de Luca arderam dourados e cheios de satisfação. Então lambeu seus lábios abertos com a ponta da língua provocando-a, tentando-a enquanto o calor de seu corpo a embargava, fazendo-a prisioneira de sua intimidade. Cada átomo do corpo de Darcy esperava com ânsia o seguinte movimento, seu sensível e úmido interior almejava a penetração.

- Luta contra mim... - ordenou Luca com voz rouca.- Depois do que tive que te perseguir uma vitória fácil me defraudaria.

De novo escutaram golpes na porta. Darcy se sobressaltou e, tratando de soltar-se, elevou um joelho golpeando acidentalmente a parte mais delicada da anatomia de Luca. Ele se jogou atrás dolo-rido e incrédulo, e Darcy gritou:

- Oh... maldita seja, sinto muito!

Então se levantou da cama como bêbada e se dirigiu para a porta.

- Luca está com você, signora? - inquiriu Benito. - Chegou o helicóptero.

Darcy escutou um rosnado amortecido a suas costas e contestou, tratando de ocultá-lo:

- Não, não sei onde está... mas não podemos sair ainda. Tenho que dar de comer às galinhas.

- Galinhas... - repetiu Benito assentindo e fechando a porta.

- Te encontras bem, Luca? - perguntou Darcy afastando diplomaticamente a mirada dele. 

Luca jurou entre dentes algo em italiano. - Te trarei um copo de  água. - Foi um acidente, para valer...

- Zorra ! ...  - gritou ele.

Darcy ficou imóvel. O silêncio caiu sobre eles.

 - Te verei mais tarde, agora tenho coisas que fazer.

 - Nós vamos a Veneza! - exclamou ele com crueldade.

Só então recordou Darcy sua citação no banco. Olhou o relógio e saiu correndo. Meia hora mais tarde, depois de limpar o estábulo de  Nero, Darcy se atreveu a entrar no galinheiro. Henrietta, a galinha que sempre considerava hostis aos humanos, olhou-a severa.

- Por favor, Henrietta, hoje não - rogou Darcy enchendo as pressa um cesto de ovos enquanto sua mente voltava de novo para Luca.

Estava confusa e desesperada ante as emoções que a embargavam. Sabia que ele tinha começado a agradar-lhe antes de conhecer sua verdadeira identidade, que inclusive tinha começado a confiar nele. Tinha admirado sua atuação na festa de Margo, sua forma de  protegê-la, tinha-se deleitado com as miradas invejosas de outras mulheres. Era patético. Sentia-se afundada, desesperada e destroçada, incapaz de compreender o que sentia ou pensava.

E quanto a seu corpo... Ao recordar o beijo na cama e a excitação que a tinha embargado, Darcy odiou a si mesma. Luca a tinha humilhado com sua própria debilidade. Tinham-se mudado as tomadas, e ele tinha optado pela vingança. Talvez não tenha acreditado nela naquela noite, três anos atrás, que o sexo era uma experiência da que só podia derivar-se prazer?

Talvez não tenha sido amargamente consciente aquela noite em  Veneza de que era virgem, não se tinha rebelado contra sua própria imagem? Não tinha desejado por todos os meios sentir-se poderosa e sexualmente atraente? Não a tinha tentado a idéia de desinibir-se longe de casa? E não tinha sabido, desde o primeiro momento, desde que Luca a beijou apaixonadamente derretendo seus ossos, que desejava estar com ele na cama para apagar a frustrante e estéril experiência de sua relação com Richard?

E o que era pior ainda, não se tinha arrojado aos pés de Luca recusando insistentemente todas suas tentativas por afrouxar a marcha daquela nova relação? A combinação do champanhe com os medicamentos a tinham desinibido, mas não podia seguir utilizando o álcool como desculpa. As imagens e a recordação de como tinha tratado a Luca aquela noite em Veneza a assaltavam.

Durante todo aquele tempo não tinha permitido a si mesma recordar com detalhe o que lhe tinha feito Luca nem uma só vez. Tinha-se sentido como à beira de um abismo, de uma paixão alentada pela idéia de que seu sofisticado e bonito amante ardia em  desejos de possuí-la. E durante toda a noite tinha tratado de  ocultar-lhe o fato de que era seu primeiro amante... - tinha sido capaz de tudo contanto que ele não se inteirasse.

Enquanto Darcy sofria mortificada pelas recordações, Henrietta lhe bicou na mão estendida. Ela deu um passo atrás, e os cachorros começaram a ladrar-lhe nos calcanhares.

 - Senta zitto - ordenou uma voz.

Darcy se deu a volta sobressaltada e com o rosto ruborizado. De  pé, atraente e elegante, estava Luca. Ela, no entanto, imaginou-o nu em toda sua perfeição, sobre uma cama. 

Longe estava ele de suspeitar que lhe tinha inspirado algo bem mais perigoso do que um mero desejo. Luca teria começado a rir ao  sabê-lo.

Adoece de repente diante sua própria estupidez, Darcy girou a cabeça sob sua atenciosa mirada de olhos inteligentes e negros. Humpf e Bert ladravam aos pés de Luca, que não deixava de observá-la. Tinha os calças sujas, a malha coberta de palhas.

 - Tens exatamente dez minutos para mudar-te e subir ao helicóptero - a informou ele.

 - Impossível - protestou Darcy com mirada evasiva. - Tenho que ir ao banco...

 - Por quê? Planejas um roubo? Se eu fosse teu banqueiro não te adiantaria nem um só níquel nem ainda que me assaltasses. Nada de  bancos, temos que chegar ao aeroporto.

 - Mas não posso faltar a essa entrevista...

Ao passar Darcy diante de Luca, ele a pegou no braço.

 - Mas estás sangrando... que diabos te aconteceu?

 - Não é nada. É Henrietta que sempre me ataca.

 - Henrietta?

 - A rainha do galinheiro, que é muito orgulhosa. Deveria de torcer-lhe o pescoço, mas se revoltaria contra mim e me picaria. Na  realidade me agrada - admitiu Darcy, - tem personalidade - Luca a olhou sem compreender. Darcy, aproveitando sua distração, soltou-se e saiu correndo. - Voltarei cedo... te prometo.

Demorou dez minutos em pôr-se um traje. Ignorou o helicóptero parado no jardim da frente e subiu no Land Rover.

Duas horas mais tarde, ao voltar do banco, Darcy arrumou tudo para que um granjeiro local cuidasse de Nero. Depois se acercou a  casa de Karen e lhe pediu que cuidasse dos cachorros, que desse de  comer às galinhas e que desse uma olhada na casa.

Zia se atirou nos braços de sua mãe. Darcy examinou seus límpidos olhos escuros, sua pele dourada e seus cachos de ébano. E sentiu que se lhe encolhia o estômago. Desde o nariz, pequena e clássica, até as sobrancelhas, era a viva imagem de seu pai.

 - Benito veio procurar-te duas vezes... Que é isso de que te vais para Itália?

 - Não me perguntes - advertiu Darcy. - Venho do banco, e me disseram que não apostam em mim.

 - Isso já te tinha dito eu. São uns miseráveis, não apostariam nem a  que amanhã vai sair o sol - contestou Karen.

 - Diz que dentro de seis meses, quando herdar para valer, tudo será diferente - continuou Darcy recordando que Luca lhe tinha prognosticado exatamente o mesmo. - Eu sinto muito... mas diga-me, de onde saíram essa limusine e esse helicóptero?

 - São de Luca.

 - Então ele é rico. Que estranho! É ao revés que o resto das pessoas, que sempre trata de aparentar mais do que é. Então, tinha razão Nina? se casou contigo para obter o passaporte? E qual o motivo de tanto segredo? Não será um criminoso internacional, não? - Darcy não respondeu. Tivesse sido fácil desfazer-se dele se tivesse sido um criminoso. No entanto a idéia de perdê-lo a punha enferma. - Darcy?

 - Tinha uma cláusula confidencial em nosso acordo pré matrimonial. Me agradaria poder contar-te, mas é impossível - mentiu Darcy. - Podes cuidar de Folly enquanto estou fora?

 - Por suposto. Eh, não te ponhas assim, Darcy... seis meses passam rápido.

No entanto podia perder Folly antes de que decorresse esse tempo, estava atrasada com os pagamentos da hipoteca. Darcy se conduziu até a casa. Luca assomou a cabeça pela porta principal. Alto, moreno e rígido, olhava-a com dureza.

- Tens idéia de que horas são?

Zia deu um passo atrás assustada. Darcy, em mudança, aquelas boas vindas não a afetou.

 - Calma, vais devagar - respondeu Darcy. - Se queres paz já podes ir admirando suas meias.

 - Como dizes? - perguntou Luca.

 - As meias de  Zia... - explicou Darcy.

Mas sua filha era renitente, - não estava acostumada a que a ignorassem. Na realidade nada a molestava mais.

 - Viste o bonitos que são minhas meias? - perguntou Zia algo agressiva olhando para Luca.

 - Não, não o vi - gritou Luca.

Aquela resposta era impossível de mal interpretar. Zia abriu enormemente os olhos e se pôs a chorar. Darcy correu a consolá-la.

 - És cruel, é só uma menina... e pensar que tenho que viajar até a Itália com um homem que trata assim a minha filha!

 - Eu sinto muito... é que não estou acostumado a tratar com crianças - se lamentou Luca.

- Homem mau! - chorou Zia nos braços de sua mãe. - Não faças caso, querida - Poderias usar-me ao contrário alguma vez... - sugeriu Luca.

 - Não, ela saberia que estou mentindo - respondeu Darcy subindo ao helicóptero.

 

 - Está dormindo? - inquiriu Luca num sussurro assomando a cabeça pelo compartimento privado do avião para observar um vulto imóvel sobre o divã.

Darcy saiu de ponta de pé da cabine com o rosto fatigado. Nunca em sua vida tinha feito uma viagem tão má. Zia se tinha sentido mal durante todo o trajeto do helicóptero, e a longa espera no aeroporto não tinha melhorado as coisas. A menina tinha chorado e tinha tido uma birra devido ao cansaço. Luca estava assustado. - Não costuma comportar-se assim - sussurrou Darcy pela décima vez.

Luca se afundou no assento ignorando suas palavras, mas de repente se inclinou para frente.

 - Se acordará antes de que aterrizemos?

- Quem sabe... - contestou Darcy. - Não está acostumada a  encontrar-se mal, agrada-lhe sua rotina diária, ter coisas familiares a seu redor – explicou. - Aqui tudo era estranho para ela, ainda por cima lhe demos comida rara quando tinha fome...

 - Essa foi definitivamente a gota que transbordou o copo - recordou Luca. - Ainda posso ouvi-la. Per meraviglia... que temperamento! Não tinha nem idéia de que uma menina tão pequena pudesse ser tão rebelde. E a vergonha que me fez passar!                              - Bem, já basta! - gritou Darcy sentando-se frente a ele.

 - Deixa que te diga algo: não é fácil quando uma menina grita em  público que és mau e todo mundo te olha. E quem lhe meteu essa idéia na cabeça? Há que ter a paciência de um santo!

Darcy fechou os olhos. Um policial, alertado diante os gritos, tinha-se acercado a eles e tinha exigido a Luca que se identificasse. E depois um fotógrafo tinha se aproximado deles. O flash tinha assustado a Zia. Darcy não tinha caído na conta de que Luca podia ser o objetivo da imprensa, mas ao fim ele tinha sabido manejar o assunto. Talvez não tivesse tido a paciência de um santo, mas tinha tratado de ajudar.

 - De todo modo a culpa é minha. Quando te exigi que nos marchássemos não levei em conta à menina. Era demasiadamente tarde para viajar com ela, mas como era nossa noite de casamentos... - lhe recordou Luca.

Darcy tirou os sapatos e dobrou as pernas. Não tinha energias nem para rir diante um comentário como aquele. Luca, em mudança, não parecia nem cansado nem tenso, ainda que seu aspecto já não era imaculado. Tinha soltado o nó da gravata e desabotoado o primeiro botão da camisa. Estava devastadoramente atraente.

- Tenho direito de saber por que me estás fazendo isto, Luca.

- Mas que é o que te fiz? Comprometi-me a casar-me contigo e o cumpri.

- Luca, por favor! - Odeio esses jogos! Se tivesse tido tempo e um pouco de paz... se não me tivesses ameaçado... não teria consentido em sair de viagem assim, de improviso.

- Eu planejei tudo assim - confessou Luca com calma. - Tens que me contar por que me estás fazendo isto. Se não o fazes te vou a...

- Sim? Que vais fazer-me? - a interrompeu Luca. - Voar só para a  Inglaterra e aceitar que perdeste a casa que tanto queres?

- Insinuaste que fiz algo desonesto aquela noite em Veneza, e isso é falso.

- Roubar é um crime, está previsto na lei. E quando o roubo se une ademais ao engano deliberado resulta odioso e ofensivo - explicou Luca.

- Espera um momento... - sussurrou Darcy. - Me estás acusando de  roubo?

- Meus convidados noturnos não costumam utilizar as janelas para sair - respondeu Luca seco. - Nada mais soaria o alarme.

Darcy recordou então sua forma de abandonar o apartamento. Tinha-se escapulido do dormitório enquanto ele dormia e ao ouvir o timbre de alarme tinha escalado pela janela para sair da casa morta de pânico. Logo tinha corrido pela estreita avenida a toda velocidade.

 - Pelo amor de Deus! Eu queria marchar-me sem fazer ruído, mas não podia abrir a porta!

 - Não sem o código de segurança, - admitiu Lucas. Só se teria aberto sem o código em caso de incêndio. Surpreendeu-me que um ladrão tão engenhoso, capaz de saltar-se todos os sistemas de  segurança e de abrir uma caixa forte, não pudesse em mudança sair da casa em silêncio.

 - Abrir a caixa forte? - repetiu Darcy com olhos enormemente abertos.

- Foi um sucesso sem igual. Depois da experiência noturna, claro.

 - Mas se eu nunca roubei nada em minha vida! ... Não poderia! Abrir uma caixa forte... nem sequer saberia por onde começar! - exclamou Darcy inocente e incrédula.

Luca escrutinou seu rosto e moveu sua arrogante cabeça num gesto de admiração.

 - És ainda mais convincente do que eu esperava.

 - Tens que acreditar em mim! - continuou Darcy pondo-se em pé. - Pelo amor de Deus, se alguém te roubou nesse dia não fui eu!

 - Não, foi um grave erro da minha parte meter o ladrão em minha casa facilitando-lhe a tarefa - comentou Luca com frieza, com a mandíbula tensa. - Em certo sentido tens razão, não foste tu. Tu ias disfarçada...

 - Disfarçada?

 - Fizeste um grande esforço aquela noite para aparentar que valias um milhão de dólares, tinhas que interpretar teu papel.

 - Luca...

 - Deu um jeito de entrar na festa e te esforçaste para não chamar a atenção - continuou ele sério. - Negaste a identificar-te e te  asseguraste de que a levasse a minha casa... depois de tudo, com tantos empregados ao teu redor, era impossível roubar nada no Palazzo d'Oro, não?

 - Eu não fiz nada disso, me ouves por favor? Não fui eu!

Luca a olhou divertido, irritado.

 - Mas se me confessaste que tinhas vendido o anel! Talvez o esqueceste?

Darcy piscou confusa e voltou a tomar assento.

 

- É QUE não recordas a estúpida confissão do hotel? - inquiriu Luca depreciativo -. Admitiste que a venda de  um antigo anel tinha sido o que tinha financiado a reparação do telhado da casa de  tua família, e desde depois bem pudesse ter evitado que a perdêsseis também.

 - Foi um anel o que te roubaram? - perguntou Darcy começando a  compreender. - Isso nada mais é do que uma estúpida coincidência, o anel que vendeu meu pai tinha pertencido à família desde sempre.

 - Queres dizer que alguém rouba o Adorata e uns meses mais tarde tua família encontra por acaso outro anel ancestral? - perguntou Luca cético. - Não há outro anel! E desde depois, tendo em conta teu estado financeiro, fizestes uma má venda.

- Nunca na vida tinha ouvido falar desse... Ardor... ou como seja que o chames. Nem nunca me vi envolvida em nenhum roubo - assegurou Darcy.

 - Foste muito inteligente esperando tanto tempo antes de vender e assegurando-te de que a venda se realizasse em privado. Agora espero que sigas sendo-o e compreendas que estás com a espada contra a cabeça. Quero que me dê o nome do comprador, e já podes ir rezando para que resolva o assunto e recupere o anel sem a intervenção da polícia.

 - Não vendi teu anel, te juro! - protestou Darcy aterrorizada ao ver que Luca nem sequer a escutava. - Não sei quem o comprou, meu pai levou o assunto ele só. - Era muito orgulhoso, e não queria que ninguém se inteirasse de que andava mal de dinheiro...

 - Por que desperdiçar o tempo escutando essas mentiras? – objetou Luca com dureza e desprezo. - Detesto aos mentirosos.

- E te asseguro que antes de que desapareças de minha vida vais dizer-me onde está esse anel... ou senão serás tu quem sairá perdendo.

Então Darcy compreendeu que, dissesse o que dissesse, sempre sairia perdendo. Luca a tinha ameaçado de milhares de formas, e a última de suas acusações, a de ladra, paralisava-a. Sentia-se enganada.

 - É que não o encontras mágico? - perguntou Luca enquanto navegavam desde o aeroporto de Marco Polo até o centro da cidade.

Darcy levantou a vista sobre o Grand Canal. As luzes dos antigos edifícios iluminavam a escuridão. Aquilo era como viajar por um quadro. Darcy supunha que iam para o apartamento, mas quando o barco se deteve no Palazzo d'Oro, com sua esplêndida fachada renascentista, ficou de pedra.

 - Por que nos detemos aqui?

 - É onde vivo - contestou Luca.

 - Mas não pode ser!... -  gaguejou ela.

Luca tomou Zia em seus braços e subiu à pequena calçada cheia de pilares e arcos. À entrada do Palazzo uma mulher com um avental os esperava.

 - Quem é essa?

 - A babá da filha de minha irmã Ilaria. Ela cuidará de Zia.

 - Mas eu... - Luca a urgiu a entrar. O espetacular vestíbulo tinha o teto cheio de frescos. Darcy ficou imóvel. - Não é possível que vivas aqui...

 - Sim, meus antepassados mandaram construir o Palazzo d'Oro - dois enormes cachorros baixaram a fabulosa escada ladrando seguidos de outro servente. - Santo céu! - exclamou Luca dando-lhes uma ordem para que calassem.

Os cachorros baixaram a fila desiludidos e o servente os pegou.

- Como se chamam? - perguntou Darcy. - Aristide e Zou Zou são de  minha irmã. - São preciosos, disse Darcy.

 - Não, não o são. São indisciplinados e estúpidos. Ilaria os deixa aqui quando se vai.

O servente agarrou as coleiras dos cachorros e s os levou.

 - Tens fome? - perguntou então Luca.

 - Não poderia comer nem ainda que com isso salvasse minha vida,

 - Então te mostrarei tua habitação.

 - Se é verdade que esta é tua casa - sussurrou Darcy subindo as escadas -... isso significa que tu eras o anfitrião daquela festa.

 - Sim, não me permitiste dizer-te quem era, e como o baile se prolongaria até o amanhecer não podia trazer-te aqui a  passar a noite. Tinha um apartamento que tinha comprado enquanto se levavam a cabo as obras de renovação no palácio, por isso fui ali.

 - Há tantas coisas de ti que não sei...

 - Pois agora tens o tempo todo do mundo para descobri-las - assinalou Luca.

 - Creio que já não quero descobrir nada mais.

- Bem, esta não foi o mais feliz dos casamentos - concedeu Luca -, mas estou seguro de que saberás superar um começo difícil. Depois de tudo, cara minha, eu estou preparado para mostrar-me generoso.

 - Generoso?

 - Te deixarei herdar esse milhão se tu me satisfazeres em tudo. Não sou um completo bastardo, ainda que tenha gente que o creia. É verdade que por meu coração não corre sangue, mas sempre sou escrupulosamente justo em meus tratos.

 - Isso é um fato? - perguntou Darcy sem ânimo de discutir.

Luca abriu uma das portas de um longo corredor. Era um dormitório com um luxuoso mobiliário. Comparado com Folly aquele palácio oferecia toda classe de comodidades.

 - Cedo trarão tua bagagem.

 - Quero ver Zia - objetou Darcy. - Onde está?

 - No dormitório infantil, mas qualquer mãe se tivesse sentido feliz de que alguém a relevasse ao cuidado de sua filha em sua noite de  casamentos.

 - Mas o que é isso da «noite de casamentos» da que não deixas de  falar? - inquiriu Darcy.

Luca sorriu lenta e sensualmente. Seus olhos dourados brilharam intensos sob as negras pestanas.

 - Não és tão inocente. Pode que sejas muitas coisas, mas também és a mulher de um Raffacani, e esta noite farás honra a uma tradição ancestral e compartilharás a cama comigo. Deverias de  felicitar-te. Só a recordação daquela noite apaixonada conseguiu convencer-me de casar contigo. A perspectiva de seis meses de  sexo foi fundamental na hora de tomar uma decisão.

 - Eu imagino - sussurrou Darcy.

Luca via tudo em termos de perdas e ganhos. Três anos atrás tinha sofrido uma terrível perda da qual a fazia culpada, e planejava vingar-se e convertê-la em ganho com ela entre os lençóis. Era insólito, mas para um homem que tinha tido tudo sem o menor esforço o desafio era o que mais almejava.

Tão excitante lhe tinha resultado na cama? Verdade era que se tinha mostrado imaginativa, que tinha sido uma noite excepcional: romântica, de amarga rebeldia e enfebrecido desejo combinado com champanhe. Aquela noite tinha feito realidade uma fantasia que jamais voltaria a experimentar, mas tinha sobrevivido a ela para lamentar cada segundo de seu comportamento.

 - Te darei uma hora para que te reponhas e refletes sobre o fato de que um casamento não consumado não é um casamento aos olhos da lei.

 - De que estás falando?

 - É que não sabes que o sexo faz parte do contrato matrimonial e que sua falta é motivo de separação? - Darcy abriu a boca atônita. –Como vê, não sou um completo bastardo. Um completo bastardo te  tivesse deixado na ignorância e tivesse alegado falta de consumação depois de seis meses.

Luca saiu da habitação. Estava convencido de que a tinha exata-mente onde desejava, refletiu Darcy. Mas estava destinado a  descobrir que o esperava uma longa luta daqui por diante. Darcy era por natureza lutadora.

Ladra. Luca acreditava que era uma ladra. Estava convencido de  que lhe tinha roubado esse estúpido anel. E, a dizer verdade, se tinha sido roubado aquela mesma noite não era de estranhar. Ela  tinha entrado na festa, tinha-se negado a dizer-lhe seu nome e  tinha escapulido de sua casa ao amanhecer. Tinha boas razões para crê-lo.

No entanto todos aqueles fatos só tinham servido para despistá-lo. Era evidente que só estava em lugar inadequado no momento inadequado. Não obstante Luca não era dos que duvidavam. Ao invés, apreciava-se de sua lógica e do poder de seu raciocínio. Por isso mesmo tinha acreditado em sua culpa durante três anos. Depois de  tanto tempo era impossível encontrar nem à jóia nem ao ladrão. Mas a culpa era de Luca, não sua.

Enquanto o único que podia fazer era demonstrar-lhe que o anel que tinha vendido seu pai não era o seu. Precisava de uma prova. Teria guardado seu pai algum registro da venda? Prisioneira em Veneza não podia fazer nenhuma averiguação.

Uma hora mais tarde Luca entrou de novo no dormitório e se deteve em seco a escassos passos da cama. Os roncos dos cachorros o alertaram da presença de, ao menos, um animal na cama. Darcy estava dormindo junto a Zia. E desde então não tinha lugar para o noivo.

Luca respirou fundo e saiu. Tinha aprendido bem a lição de que sucedia quando se molestava a uma criança.

Às seis e meia da manhã os cachorros acordaram a Darcy. Depois de  lavar-se com água fria desceu de camisola à cozinha. Ali sobres-saltou a um criado tomando o café da manhã. Deu de comer e beber aos cachorros e fez questão de preparar ela mesma o café da manhã.

Ao voltar ao dormitório encontrou Zia ainda dormindo e sucumbiu à idéia de deitar-se de novo para acalentar e acordar pouco a pouco a  sua filha, mas enquanto o fazia caiu dormindo.

A segunda vez que se acordou se esticou na cama e, ao recordar que já se tinha levantado antes, sentiu-se culpada e se perguntou que hora seria.

 - São as nove e quatro, cara minha - respondeu uma voz profunda à pergunta que devia de ter feito em voz alta sem dar-se conta.

A voz soou tão alarmantemente próxima que Darcy abriu os olhos surpresa e se girou na cama para comprovar quem era seu acompanhante.

 - Deus meu... as nove e quatro? - Onde está Zia?

 - Tomando café da manhã em seu quarto. Luca, recém barbeado, observou com um sorriso zombador o rosto atônito de Darcy apoiando a cabeça sobre uma mão. Darcy viu seus ombros nus sob os lençóis. Era evidente que não usava nada.

 - Esta cama está mais concorrida que o Rialto em temporada alta - assinalou ele.

- Zia precisava de mim, precisava estar comigo. Estava demasiadamente nervosa para dormir numa cama estranha - se apressou Darcy a informar com o coração acelerado enquanto observava seus olhos de ouro líquido e seu atraente rosto.

 - E os cachorros também te precisavam?

 - Luca, não deixavam de ladrar e de arranhar a porta! Era patético...

 - Me pergunto se deveria de ter-me atirado em cima dos quatro. Poderia ter fingido que era um lobo - sugeriu Luca aproveitando-se de sua confusão para alongar um braço e fazê-la prisioneira de tal modo que não pudesse retirar-se a uma esquina. - Se o tivesse feito tu terias tido uma desculpa para prender-me à cama outra vez?

Darcy se pôs completamente ruborizada. «Outra vez». Aquela única palavra era como uma bomba, um ônus de profundidade arrojada ao banco de sua memória para criar nele o máximo caos. E o pior de  tudo era do que Luca estava exagerando. Aquela noite só tinha prendido uma de suas mãos com a gravata antes de pôr-se a rir a  gargalhadas sem poder evitá-lo.

 - Eu, que nunca antes tinha renunciado na cama a meu autocontrole, senti-me maravilhosamente surpreendido por tua criatividade... - continuou Luca.

 - Estava bêbada!

 - Sim, e apaixonadamente decidida a fazer realidade todos teus sonhos, já me disseste - lhe recordou inclinando-se para ela e desabotoando-lhe o primeiro botão sem que Darcy se desse conta. - Também me disseste que era teu amante ideal... e tu, inegavelmente, foste a minha. Eu não tinha sonhos nem fantasias, mas aquela noite desfrutei de algo que nem sequer sabia que estava perdendo. Nenhuma mulher conseguiu satisfazer-me na cama desde então.

- Não estás falando sério - sussurrou Darcy hipnotizada pelo brilho de seus olhos dourados.

 - Sim, e essa é a razão pela que estás aqui - lhe confessou Luca com voz rouca.

- Quero saber por que te acho tão atormentadoramente atraente quando minha inteligência me diz que estás cheia de defeitos.

 - Cheia de defeitos?

 - Não te importa teu aspecto, vais desarrumada, mal vestida e descuidada. Cortas lenha e dormes com cachorros na cama. Mas, por mais estranho que pareça, tenho que confessar que nenhum desses hábitos consegue esfriar meu desejo - admitiu Luca inclinando a cabeça e afastando para um lado a camisola para beijar a delicada pele de seu pescoço.

 - Que estás fazendo? - imobilizado de repente por um ardente calor, Darcy olhou para Luca enquanto este levantava a cabeça. -Não voltes a fazer isso - sussurrou debilmente, sem o tom de  ordem que requeria a ocasião. - Faz-me sentir-me rara, e temos que falar sobre coisas sérias...

 - Que classe de coisas? - inquiriu Luca com voz espessa.

 - Para começar desse estúpido anel... - Não.

 - Eu não o roubei, Luca. - Deverias estar procurando a quem o fez! - a mirada dele se fez severa, mas Darcy continuou: - Nunca faria nada assim, e quanto chegar em casa te mostrarei que o anel que meu pai vendeu não era o teu.

 - Que esperas obter com essas mentiras? - exigiu saber Luca impaciente. - Sei que foste tu, é impossível que fosse alguma outra pessoa! - Até um idiota se daria conta com menos evidências das que eu tenho!

 - Só são evidências circunstanciais, Luca... nada concreto.

 - Não há nada que discutir enquanto te negues a admitir a verdade - replicou Luca escrutinando seu rosto ruborizado com expressão de frustração. - Depois, fria e deliberadamente, afastou-lhe os ca-chos da testa e adicionou: - Agora o único que quero é fazer-te amor apaixonadamente.

- Não!

Luca deixou escorregar um dedo pela tensa linha de seus lábios e a observou estremecer-se ao contato.

 - Nem ainda que para valer desejes fazê-lo? - Não o desejo!

Darcy o olhou. De repente estava sem alento, sentia ligeiros tremores de excitação. Sentia-se vergonhosamente consciente de sua potência masculina, do devastador efeito que tinha sobre seu corpo. Tinha os peitos pesados e cheios, os mamilos tensos e duros.

 - Não quero! – repetiu. - Pensas que sou uma ladra!

 - E possivelmente essa seja a parte mais perigosa de teu atrativo - sorriu Luca tentador.

Darcy franziu o cenho desconcertada ante a idéia. E, fazendo caso omisso de suas palavras, Luca se inclinou e a beijou. Saqueou sua boca como um guerreiro num campo de batalha lutando a  vida ou morte. Darcy se sacudiu como se tivesse fogos artificiais em seu interior. As cálidas, luxuriosas investidas de sua língua a eletrificavam. Darcy respondeu a sua paixão sem reprimir-se, nada lhe importava exceto o fato de que ele seguisse assaltando-a.

Luca se sentou sobre a cama com um movimento indolente levando  Darcy com ele. Retirou-lhe a camisola dos ombros e acariciou seus braços nus liberando suas mãos para que pudesse acariciar sua sedoso e negro cabelo. Então soltou sua boca e baixou a vista para contemplar a curva de seus peitos e a cume de seus mamilos.

 - És tão perfeita - disse saboreando-a com voz rouca. Perfeita? Impossível, reflexionou Darcy enquanto observava curvar-se sua mão sobre sua carne trêmula no vibrante silêncio. Ela reprimiu um gemido e fechou os olhos com força para sentir as ondas de in-tensa sensação que a embargavam com cada uma das experientes carícias que ele lhe fazia nos seios. Darcy se estremeceu, o coração lhe batia surdo nos ouvidos...

- Deus... sempre fazes exatamente o que mais me excita... - disse Luca respirando com força.

Luca empurrou apaixonadamente Darcy sobre o travesseiro e fechou a boca em torno do objeto de sua tentação. Enquanto beijava os avultados bicos com um erotismo inconsciente, Darcy jogou a cabeça para trás. Todos seus músculos estavam tensos, um leve mas insistente gemido saía de sua garganta. Com cada carícia Luca acendia ainda mais o fogo que ardia entre suas pernas.

Darcy se agarrou aos cabelos de Luca atraindo-o para si, urgindo-o desesperadamente a que continuasse. Um gemido de impaciência escapou de seus lábios ao abandonar ele seus seios e levantar-lhe as pernas para liberá-la da camisola.

 - Beija-me - sussurrou ela enfebrecida.

 - Me desejas? - perguntou Luca observando sua mirada escurecida e seu anseio. - Quanto me desejas?

 - Luca... - sussurrou ela em tom de súplica, tremendo de neces-sidade.

 - Te encontro incrivelmente sexy, cara minha.

Luca se elevou sobre ela e deslizou uma musculosa e peluda perna entre as de Darcy, posando um apaixonado beijo em sua boca. Ela não podia pensar, a paixão a dominava por completo. Seu corpo vibrava sob o dele, uma corrente de desejo ardia no mesmo coração de seu interior. Darcy sentiu a promessa de seu membro masculino pulsando contra seu quadril e se sacudiu contra ele instintivamente para assentá-lo. Então Luca se afastou dela com os olhos escure-cidos pelo desejo.

 - És demasiado impaciente... o prazer é ainda maior quando tens que esperar para obter o que desejas. Ademais, não me fizeste esperar tu aquela noite? - uma tentadora mão se deslizou pelo ventre de Darcy enquanto Luca escutava atenciosamente seus gemidos. - De fato a verdade é que me levaste ao clímax justo quan-do menos o esperava.

Darcy se perdeu instantaneamente nas imagens que suscitavam suas palavras. Luca tinha permanecido impotente em sua escravatura, tinha sido levado a esse estado de satisfação na contramão de sua vontade e, desconcertado e reagindo de repente com a segurança de sua masculina dominação, tinha conduzido a ela a um desejo selvagem. Ela se tinha levantado então para procurar sua boca e tinha aberto seus lábios esperando a invasão de sua língua. Luca se tinha estremecido violentamente contra ela, tinha perdido o controle enquanto a beijava com a ferocidade da paixão.

A mão de Luca deslizou pelos úmidos cachos castanho-avermelhados  que coroavam o morro entre suas pernas, descobriu o suave cetim de sua carne sob o pêlo. Levada por uma necessidade que anulava toda inibição, Darcy sentiu que suas costas se arqueava, que seu corpo se abria a ele num terrível anseio que a fazia gemer e retorcer-se, implorar desesperada no meio de um tormento de  excitação.

- Quando me respondes assim não posso pensar em outra coisa mais do que em afundar-me em cheio dentro de ti - gemeu Luca deslizando-se entre suas coxas.

A cálida e poderosa investida de sua penetração roubou de Darcy o alento. Nunca se tinha sentido melhor. Todo seu ser estava centrado em sentir Luca dentro dela enchendo-a e tentando-lhe um prazer tão intenso que tivesse preferido morrer antes de que ele parasse

 - Me disseste que era absolutamente brilhante nisto - lhe  recordou Luca olhando-a com uma mistura de luxúria e bom humor enquanto a penetrava cada vez mais profundamente e observava seus olhos fechar-se numa onda de excitação elétrica. - «Deus, és incrivelmente bom nisto... », disseste. - E parecias surpresa. - E eu me perguntava se depois escreverias em alguma lista a pontuação que tinha obtido...

 - Cala-te! - gemeu Darcy.

 - Isso também o disseste.

Darcy ficou olhando-o. Estava num ponto culminante, disposta a  matá-lo se deixava de mover-se. Luca soltou uma gargalhada. Ele sabia como se sentia. E sua própria luta por manter o controle se refletia na tensão de sua mandíbula, no suor de sua pele morena e em seu tom de voz. Luca se afundou mais profundamente em seu corpo com um gemido amortecido de satisfação. O coração de  Darcy esteve a ponto de estourar devido a sua frenética resposta.

Sem pensá-lo, abraçou-se a ele enquanto se levava com selvagem vigor. Sua libertação foi como uma explosão. Fincou as unhas nas costas dele e sentiu o paroxismo do prazer. Luca gritou seu nome e se sacudiu dentro dela, perdido num mundo de sensações físicas tanto como Darcy.

Um silêncio sobrenatural reinou depois. Luca se soltou dos braços de Darcy e procurou um lugar mais fresco na cama. Darcy ficou olhando fixamente para abaixo. Tinha-se sentido recusada antes inclusive de que seu desejo fosse por completo saciado.

Por fim tinha dormido com ele. Talvez o tinha feito para evitar que o casamento fosse anulado? Por reter Folly? Ou tinha aceitado simplesmente porque não tinha tido a suficiente força de vontade para resistir-se?

Darcy virou a cabeça e observou Luca. Ele lhe devolveu a mirada com um belo rosto inexpressivo. Então ela sentiu que se lhe fazia um nó no estômago e desejou ardentemente crer que tinha sacrificado seu corpo em favor de Folly. Isso tivesse sido moralmente indecente, mas ao menos seu orgulho tivesse permanecido intacto.

Era pior seguir vivendo com o convencimento do que tinha feito amor com Luca porque o encontrava irresistível, ainda apesar de  que o odiasse. O problema era que, para sua desgraça, essa era a verdade. Teria sido uma covardia tratar de negá-lo.

Mas era igualmente uma covardia ficar tombado na presença do inimigo e deixar-se afogar pela derrota. Darcy se sentia menos mil vezes covarde diante da imagem de si mesma perdendo o controle em seus braços que diante a de Luca contemplando o tumulto interior no que se via sumida. Essa lhe parecia bem mais vergonhosa.

 - Bem - comentou Darcy com singeleza, sentando-se e pondo-se em  ação com ar decidido, - e agora que já nos tiramos isso de cima, passemos a falar de negócios.

 - Negócios? - repetiu Luca desconcertado.

 

SIM, negócios - confirmou Darcy calmamente.

- Tu e eu não temos nenhum negócio sobre o que discutir.

- É nisso  que te equivocas - assegurou Darcy. - Tal e como te apressaste tu a assinalar ontem, Folly está à beira da bancarrota. Eu só me casei contigo porque imaginei que meu banqueiro me daria crédito quanto lhe explicasse os termos do testamento, mas... negou-se - Luca a observou com fascinação sob suas espessas pestanas de ébano. - Assim que não só não vou poder voltar a  contratar o pessoal de Folly, senão que inclusive posso perder a casa no prazo destes seis meses.

- Uma pergunta - a interrompeu Luca. - Te ocorreu mencionar-lhe meu nome a teu banqueiro?

- E para que ia mencionar teu nome? - contestou Darcy impaciente. - Contei-lhe que me tinha casado e que meu marido não tinha nada a ver com minhas propriedades.

- Tua sinceridade é impressionante, mas nem sempre resulta inteligente - recalcou Luca reflexivo. - Duvido muito que tenhas que se preocupar com um desalojo. É pouco provável se só vais um tanto atrasada nos pagamentos da hipoteca.

- Não estou de acordo contigo, ultimamente recebi um monte de cartas terríveis. Céus, até me dá medo abrir a caixa postal. - admitiu Darcy.

- E diga-me, não será que estás tratando de pedir-me um empréstimo do modo mais intrincado e enrevesado do que te ocorreu?

- De onde diabos tiraste essa idéia? Não tocaria nem em um centavo teu por nada desse mundo! - replicou ela indignada. - Não obstante preciso voltar para casa para ir visitar ao resto das instituições financeiras do lugar. - Preciso encontrar alguém que queira ajudar-me e que esteja disposto a investir em Folly.

  - Isso o dizes em brincadeira, não é verdade? - inquiriu Luca observando-a incrédulo.

 - Por suposto que não! - Por que ia caçoar tratando-se de algo tão sério?

Luca se incorporou sentando-se sobre a cama e deixando que o lençol escorregasse por seu torso nu.

- Mas será que ficaste louca? - grunhiu agressivo, acovardando-a.- Eu sou um homem extremamente rico. Talvez pretendes arrastar meu nome pelo lodo suplicando um empréstimo? É que queres converter-me no motivo de riso de todos? - Accidenti...! - jurou Luca tirando o lençol para sair da cama e olhá-la com dureza. - Já vejo que me fiz com um inimigo digno de mim! - És uma zorra astuta! - Como te atrevas a pôr um pé numa dessas instituições financeiras? - Se fizer isso de novo te jogo fora de minha vida de imediato!

Uma inimiga digna dele? Aquele era um elogio que não se tinha ganhado, reflexionou Darcy distraída na contemplação do corpo de Luca enquanto caminhava de um lado a outro. Era verdadeiramente atraente. Cabelo negro, maravilhosos e vibrantes olhos, largos ombros, poderoso peito, quadris estreitos e longas, longas pernas. E tudo isso dentro de uma pele dourada enfeitada com intrigantes e encaracolado pêlo negro. Pura masculinidade.

Darcy afastou a vista ruborizada, envergonhada. Estava tão excitada que nem sequer podia concentrar-se em discutir com ele. Aquilo era irritante.

 - Está bem - continuou Luca respondendo a seu silêncio como se fosse uma provocação. - Vou fazer um trato contigo. Eu me farei cargo temporariamente de tuas faturas.

Irritada diante de tão inesperada e incômoda sugestão, Darcy se voltou para ele.

 - De nenhum modo! - Por que ias fazer isso?

 - Não é que queira... mas prefiro abrir uma conta bancária e pô-la a  tua disposição. - Porca miséria! Ainda não se esfriaram os lençóis e já estás roubando-me outra vez!

A mente de Luca era complexa, refletiu Darcy surpreendida ante a lógica de seus raciocínios. Era terrivelmente desconfiado. Acredita sinceramente que tinha tratado de fazer-lhe chantagem.

 - Não quero teu asqueroso dinheiro... já te disse.

 - Deus meu... pois não vais mais pedi-lo em nenhuma outra parte!

 - Isso não é justo - protestou Darcy.

 - E quem te disse que ia ser justo? - Tu... - respondeu Darcy baixinho.

Luca ficou sorvete. Um silêncio elétrico reinou no quarto.

 - De repente sinto uma terrível necessidade de paz, da paz que se respira no escritório - contestou por fim Luca entrando no banheiro batendo a porta. De maneira que Luca tinha temperamento. De repente a porta voltou a abrir-se. - É que não podes pensar em  outra coisa que não seja a casa, inclusive na cama?

A porta voltou a fechar-se. Darcy estava assombrada. Luca se mostrava tremendamente apaixonado quando por fim se fazia caco sua fria fachada. Até com bater de portas! Mas sabia que ela lhe  tinha ganhado a partida, refletiu começando a esboçar um sorriso.

Mas que lhe ocorria? Por que tinha aquelas loucas idéias? Por que a atemorizava a idéia de que Luca quisesse abandoná-la? Como era que não a fazia feliz? Darcy olhou a cadeira sobre a que tinha deixado sua roupa no dia anterior. Estava vazia. Franziu o cenho e observou que tinha desaparecido também a mala. Dirigiu-se ao armário e abriu as portas. Estava repleto de roupa masculina. De  frente tinha outro armário cheio de roupa feminina desconhecida. Pôs-se a camisola e chamou à porta do banheiro. Não teve resposta. Abriu a porta. Luca estava no chuveiro.

 - Onde está minha roupa?

A torneira do chuveiro se fechou. Luca abriu as portas do painel.

 - Me desfiz dela - anunciou pondo-se a toalha e passando uma mão nervosa pelo cabelo.

 - Por que te desfizeste dela?

 - Uma decisão drástica, eu sei, mas não foi um grande sacrifício, não crês? - inquiriu Luca olhando-a em expectativa. - Porque desde então precisas de saber como se vestir. Porca miséria ! - exclamou observando que Darcy se punha pálida. - Já sei, foi uma falta de  tato, mas pensei que o mais fácil era apresentar-te um vestuário novo completo. Tua roupa está no armário, não tens nem que ir as  compras.

Os olhos de Darcy se umedeceram pelas lágrimas. Nunca se tinha sentido tão mortificada. Um membro do sexo oposto lhe estava dizendo que estava horrível com sua roupa e que não sabia vestir-se.

 - Como podes fazer-me uma coisa assim?

 - Mas se era uma surpresa... um presente... qualquer mulher estaria super feliz!

 - Porco insensível ! - chorou Darcy arrojando-se sobre a cama.

O colchão cedeu ao peso de Luca sentando-se junto a ela.

 - Tens um belo rosto e uma extraordinária e esbelta figura... mas te vestes muito mau - explicou Luca respirando entrecortadamente.

Darcy se sentiu humilhada ante uma mentira tão descarada. Sabia perfeitamente que não era bonita. Raivosa, levantou uma mão para esbofeteá-lo.

 - Não... muitas... mulheres... - sussurrou Luca sem alento, como se estivesse aprendendo uma dura lição.

Depois tocou a marca da bofetada sobre a bochecha. Darcy se sentiu culpada.

 - Eu sinto muito... não deveria ter feito isso - sussurrou ela com voz trêmula. - Mas me provocaste, estava pedindo a gritos... Vê-te!

 - Não te compreendo...

 - Te odeio... entendes isso?

Darcy se afastou dele. Sentia-se tão dolorida que tivesse desejado poder gritar de dor. Cruzou os braços sobre o peito e se retorceu afastando-se de Luca quando este foi pôr uma mão sobre seu ombro. Ele fez uma última tentativa por pegar sua mão e ela se afastou.

 - E pensar que me agradavas antes de saber quem eras! - gritou desagradada. - Confiava em ti ! - Deus, que gosto tenho com os homens!

 - Mas já não conseguiste o que querias de mim? - inquiriu Luca irritado. - Prometi meu apoio financeiro durante nosso casamento, acabaram-se teus problemas.

Darcy o contemplou com amargura.

 - Eu não sou um objeto que tu possas comprar com dinheiro.

 - E se não o és... que estás fazendo em minha cama?

Para aquela pergunta não tinha resposta. Não podia explicar-se nem sequer a si mesma, e muito menos a ele. Mas o fato de que Luca lhe  jogasse sua rendição sexual na cara a fazia retorcer-se de raiva.

Darcy o escutou em completo silêncio enquanto se vestia. Luca se fez notar de novo acercando-se e detendo-se a uns passos da cama. Vestido com um elegante traje cinza estava esplêndido, mas também frio e remoto... parecia capaz de comer-se a seus devedores de cinco em cinco. No entanto Darcy sabia que seu cabelo era como a seda entre os dedos, que seu sorriso era como o calor do sol depois do inverno, que sua voz era como o mel fundindo seu corpo.

 - Não é bem como esperava que fossem as coisas entre nós. - Eu... sou uma pessoa civilizada... muito civilizada - afirmou Uca. - Supõe-se que neste momento mal prestamos atenção às coisas, que nós estamos passando muito bem na cama. Diga-me quem comprou o Adorata e acabemos com essa complicação. Se o fazes é possível que ainda tenha paz.

 - Já te disse que não roubei esse anel - sussurrou Darcy.

 - Não suporto que me mintas mais uma vez, seguimos estando num ponto morto.

 - Não posso crer que sejas o mesmo homem que conheci faz três anos... não posso crer que rimos e dançamos e que fosses tão romântico e cálido e..

 - E tão estúpido? Tão ridículo? Depois de tudo não fui capaz de  proteger-me de uma pequena ladra como tu.

Darcy se estremeceu, mas tratou de pôr-se no lugar de Luca e de  pensar em como devia ter se sentido. E pela primeira vez compreendeu sua amargura ao descobrir que a mulher à que tinha levado a sua cama lhe tinha roubado. Luca era orgulhoso, e aquilo o tinha ferido onde mais doía.

 - Luca... eu...

- Tu foste muito inteligente, mas não o suficiente - murmurou ele. - Eu tinha vinte e oito anos, e nunca tinha sentido grande coisa por  nenhuma mulher. Mas contigo senti algo especial...

- Ao... algo especial?

- Terias obtido bem mais de mim se tivesses ficado. 

- Não o creio, essa noite eu voltei a ser Cinderela - assinalou Darcy.

- Cinderela deixou o sapato, não abriu a caixa forte.

- Mas não foi real... refiro-me ao tempo em que passamos juntos - continuou Darcy esperançosa por suas palavras. - Tu disseste o que tinha que dizer, e eu sucumbi... Bem, talvez algo mais do que sucumbir. Sim, suponho que fui mais ativa do que isso, mas tu não tinhas intenção de voltar a me ver... - se encolheu de ombros, inca-paz de sustentar sua mirada - Quero dizer... é evidente que não tinhas nenhuma intenção de aparecer no Portão do a Guerra no dia seguinte.

 - Ainda o recordas? - perguntou Luca surpreso.

Darcy tinha esperado na ponte durante horas, tivesse podido jogar-se a chorar só de pensá-lo. Se alguma vez tinha existido a possibilidade de que Luca fosse se não tivesse desvanecido ao descobrir o roubo do anel. Assim que tudo era culpa dele. Todo seu sofrimento tinha sido por causa de Luca. - Mas por que se lhe  ocorria pensar isso? Era impossível que ele a achasse formosa, por  mais que aquela noite lhe tivesse dito que o era.

- Meu cabelo é de um vermelho acendido - assinalou Darcy com calma.

 - É difícil que uma coisa assim passe despercebida, mas não é vermelho, é castanho-avermelhado, e tivesse preferido vê-lo mais com freqüência.

 - Mas pelo menos tens que te ter dado conta de que tenho o nariz demasiado... chato.

 - A palavra exata é retroussé. É pouco comum, proporciona-lhe distinção a tua cara... Mas por que estou falando disto contigo? - perguntou Luca caminhando a grandes passos para a porta. - Até depois.

A habitação lhe resultou vazia e aborrecedora sem a enervante presença de Luca, mas Darcy não se moveu. Luca chamava esbelta à figura que os demais qualificavam de magra demais, e tinha um gosto estranho. Mas não ia-o dizer. De maneira que Luca, para ela era o mais parecido a uma fantasia de perfeição masculina, excitava-se com as ruivas magras e de nariz chato. Aquilo era tudo uma revelação.

Luca não lhe tinha feito amor para vingar-se. Não, tinha desejado verdadeiramente fazer-lhe amor. Não tinha nada de falso em seu desejo, e tudo o que tinha dito na cama devia de ser verdadeiro... mas, seria também verdade aquilo de que nenhuma mulher tinha conseguido satisfazê-lo?

Algo especial... por que de repente se sentia tão generosa à hora de  perdoar? Por que sua mente permanecia como num mar de  nevoeiro? Darcy recordou o odioso anel roubado. Solucionado esse problema, como se comportaria Luca com ela? E como se sentiria se soubesse que Zia era sua?

Ainda era cedo. Em seis meses podiam acontecer muitas coisas. Contar-lhe que aquela noite tinha concebido uma filha podia ser como um murro, e não desejava utilizar a Zia como arma. Arrojada numa briga. Na realidade não tinha intenção de contar-lhe que Zia era sua a não ser que seu casamento começasse a funcionar. Para que?

Tinha problemas mais urgentes que considerar: Folly. Se veria finalmente obrigada a vender alguma das peças do mobiliário de  estilo Tudor?

Uma hora mais tarde, vestida com um ajustado traje e sapatos de  salto, Darcy se inclinou para levantar  Zia em seus braços e sentiu a chegada da inspiração. Tinha uma revista de fofoca sobre uma cadeira. Talvez não se pagavam grandes somas por reportagens sobre a vida privada das pessoas ricas e famosas? Quanto podiam valer a reportagem e as fotos da noiva de Gianlucca Raffacani? Darcy vacilou. Luca tinha dito que a infidelidade e o abandono eram causa de divórcio, mas não tinha mencionado a publicidade...

 

DEPOIS de escutar um grande tumulto Darcy se levantou do sofá e abriu a porta que comunicava o salão com o vestíbulo. Luca acabava de voltar do escritório e os cachorros saíam para recebê-lo. Ele subiu as escadas sem vê-la com um presente sob o braço.

Darcy o seguiu, mas não pôde alcançá-lo por culpa dos saltos. Ficou perplexa ao ver que passava diante da porta de seu dormitório e se dirigia ao quarto de Zia. Quando chegou a menina tinha rasgado o papel de presente e contemplava o novo brinquedo admirada. - É uma bonequinha! - gritou abraçando a caixa com força. - Preciosa bonequinha!

- Queres que a tire da caixa? - perguntou Luca. 

Zia lhe deu a caixa e Uca tirou a boneca. - Olha, mame!

Luca se deu a volta e Darcy se ruborizou. Depois, tentando mostrar-se natural, acercou-se a sua filha e disse:

- Agradeceste a Luca, Zia?

- Um beijo? - se apressou a sugerir Zia abraçando fortemente a  Luca e posando um enorme beijo em sua bochecha.

- Ontem começamos mau, assim que se impunha oferecer-lhe a paz - comentou Luca.

- Foste muito amável - concedeu Darcy.

- Eu posso ser muito amável, bela mia – contra atacou Luca com voz rouca.

As miradas de ambos se encontraram e, sem saber como, Darcy soube que Luca estava pensando no sexo. Um sexto sentido a avisou e a arrojou na mais absoluta confusão. Sua pele começou a esquentar-se, de repente sentiu que se afogava e que o coração lhe dava um tombo. Não podia afastar a vista daqueles alucinantes olhos de ouro, seu impacto a fazia cambalear-se. Sentia-se mareada, insegura e muito, muito excitada. Darcy deixou que a ponta de sua língua percorresse o lábio inferior seco num movimento nervoso. A atenciosa mirada de Luca não se afastou do sensual lábio. Algo em seu interior se retorceu e tensionou muito abaixo em seu ventre, uma resposta sexual tão poderosa que a aterrorizou.

 - Não tenho muito tempo, minha irmã vem jantar conosco - advertiu Luca caminhando a grandes passos para a porta. - Preciso banhar-me e mudar de roupa.

 - Boa noite, Luca - se despediu a menina.

Luca fez uma pausa antes de sair para comentar:

 - Quando está de bom humor é realmente uma menina encantadora, verdade? Eu mal tive relação com minha irmã Ilaria quando ela tinha sua idade, estava interno no colégio. E sempre lamentarei não ter estado mais perto dela.

Vinte minutos mais tarde, depois de deitar a Zia e ler-lhe um conto, Darcy se dirigiu a seu dormitório. Luca estava a ponto de pendurar o telefone. Só se tinha tirado o terno e a gravata.

 - Estás fantástica com esse vestido, e sabes por que? Porque é de  teu tamanho. Não te está nem longo nem largo.

 - Margo sempre me ajudava a escolher minha roupa, sempre dizia que tinha que ocultar as deficiências de corpo - lhe confiou Darcy.

 - Não tens nenhuma deficiência, estás perfeitamente proporcionada para tua estatura.

No entanto sua escassas curvas e curta estatura tinham sido deficiências para sua madrasta, de figura alta e feminina. Margo lhe  tinha reprovado a cor de seu cabelo, fazendo questão de que se vestisse com tons aborrecedores. Crescer com a crítica constante de sua madrasta e os ares de superioridade de sua irmã tinha sido difícil. Darcy tinha aprendido a comparar-se continuamente com elas, e essa repetida comparação era a causa de sua falta de  confiança.

No entanto Luca era sincero. Sua valorização física e sexual se refletia em sua mirada intencionada e em seus olhos escurecidos. Darcy observou com distraída admiração a figura longa e poderosa de Luca. Estremeceu-se ao notar sua excitação sexual masculina, impossível de ocultar nas estreiteza das calças. Se ruborizou, sentiu-se poderosa e feminina...

 - Luca... - sussurrou com voz trêmula.

Mais tarde Darcy não pôde recordar quem se tinha acercado a  quem. Só recordava a forma em que ele tinha franzido o cenho, o brilho de seus olhos dourados entrecerrados e o fato de que de repente estava entre seus braços. Luca abriu seus lábios e invadiu sua boca com a língua aprofundando, girando, saboreando-a com rapidez, com impaciência. Aquela admissão aberta e sincera de seu desejo acabou com todas suas defesas. Darcy se sacudiu violentamente sob aquele beijo devorador. Luca a fazia sentir-se possuída, dominada, débil e precisada.

- Não deveria de ter-te deixado... tenho estado todo o dia de mau humor - lhe confiou Luca escrutinando seu rosto. Desejo-te tanto...

- Sim, eu também... - reconheceu Darcy.

Sentia-se exatamente igual a ele, e era demasiadamente óbvio como para negá-lo. O coração lhe batia acelerado, todo seu corpo tremia de excitação.

- Não posso esperar.. estou sofrendo uma agonia - gemeu Luca.

Uma mão lhe apertou as costas pondo-a em contato direto com as poderosas pernas dele. Luca reprimiu um gemido, beijou suas têmporas, percorreu com os dedos seu cabelo e atirou dela para unir de novo suas bocas. Mas Darcy não conseguia colar-se a ele o suficiente. Luca deslizou uma mão por baixo de sua saia e levantou uma perna metendo-a no mesmo centro de seu ser. A cálida umidade depois da barreira de sua roupa delatava sua resposta. A excitação que lhe tentava aquele experiente contato a fazia ofegar e gemer.

 - Luca... por favor.

Luca a colocou sobre a cama e se inclinou sobre ela com ambas mãos aos lados de sua cabeça. Então voltou a afundar a língua em sua boca arrancando-lhe um grito de rendição. Imediatamente encontrou o zíper de seu vestido e o baixou, despindo-a com mãos impacientes. Depois ficou quieto e seus olhos contemplaram reverentes as curvas de seus seios, o sedoso cabelo avermelhado e o morro entre suas pernas.

- És formosa, bela mia... como pudeste duvidá-lo nunca? - perguntou Luca imóvel sobre ela, começando a tirar-se a roupa.

Uma vez mais Luca se inclinou sobre Darcy gloriosamente excitado. Abraçou seus peitos e acariciou seus sensíveis bicos com os lábios e a língua, e depois percorreu com ela o tentador caminho de seu estômago e ventre abrindo-lhe as pernas para começar uma exploração mais íntima. Darcy se sobressaltou, mas estava demasiadamente tensa e excitada para detê-lo. Luca a dominava por  completo, empurrava-a tal estado de desesperado anseio e retorcimento que se sentia impotente.

Luca voltou a levantar-se com a respiração entrecortada. Afundou a língua entre seus lábios vermelhos num sexy beijo e jogou atrás suas pernas com mãos torpes. Sua própria excitação era palpável. Seus olhos dourados a assaltavam. Luca vacilou no momento crucial, mas Darcy estava preparada para a dura e cálida penetração.

 - Deus meu... nem eu mesmo me conheço quando me ponho assim! - gemeu ele. - Sinto-me selvagem... mas não quero fazer-te dano.

 - Não o farás...

 - Mas tu és bem mais pequena do que eu.

 - Me encanta quando te pões selvagem - sussurrou Darcy enfebrecida.

Luca fechou os olhos e a penetrou com força, soltando tal corrente elétrica de sensações que Darcy gemeu seu nome como uma bênção. Retirou-se e voltou a penetrá-la de novo com firmeza, com tanto ritmo que o efeito foi demolidor. Todo seu ser estava centrado no explosivo prazer que criava dentro dela. Os corações de ambos batiam ao uníssono, e Darcy gritou no momento do êxtase para entrar em colapso depois.

Estiveram tombados juntos num doce abraço. Luca retirou seu peso dela, mas a reteve possessivamente pressionando os lábios contra seu pescoço, prolongando o momento para saborear o sal de sua pele e acariciar suas costas.

 - Foi incrível... o paraíso, cara mia - suspirou Luca admirado e satisfeito. - Nunca tinha me sentido tão bem.

- A que hora vem tua irmã?

Luca se pôs tenso, olhou seu relógio de pulso e se soltou.

 - Porca miséria... Ilaria deve estar para chegar! - Darcy não se moveu. - Darcy...

 - Sim? - sussurrou ela com um tímido sorriso, observando-o com um sentimento cálido em seu coração.

 - Podemos compartilhar o chuveiro - sugeriu Luca segurando em sua mão e levando-a ao banheiro.

 - Mas não me secará o cabelo! - exclamou ela sem deixar de  observá-lo, tratando desesperadamente de averiguar por que se sentia tão feliz.

 - Te brilham os olhos - afirmou ele escrutinando-lhe com uma doce mirada e tomando-a em seus braços com força sob o chuveiro. - Suponho que estarás tomando a pílula...

 - Não.

 - Mas eu não utilizei nada para proteger-te. Santo céu... como pude ser tão descuidado?

Darcy se pôs tensa. Como podia ter-se descuidado tanto uma segunda vez? O resultado, na primeira ocasião, tinha sido Zia. Tinha acreditado estupidamente que os comprimidos que tinha estado tomando e que só tinha deixado de ingerir depois do fiasco com Richard a protegeriam. Mas naturalmente não tinha sido assim. Por  culpa de sua ignorância.

 - O risco é escasso - sussurrou ela evitando sua mirada.

 - Isso o sabes tu melhor do que eu.

Mas Luca se equivocava. Os ciclos lhe causavam tão escassas incomodidades que não se molestava nem sequer em tomar nota das datas. Não tinha nem idéia de em que parte do ciclo se encontrava, mas sim tinha fé na fertilidade de Luca. Imaginar que estava de  novo gestante... era estranho, mas a idéia não a alarmava. Na realidade sonhava com uma versão dele em pequeno. Uma sensação de enorme calor irradiou então de seu peito. De repente aquela reação a surpreendeu.

 - Que ocorre? - perguntou Luca.

Darcy saiu do chuveiro para evitar sua mirada. Agarrou a toalha e se refugiou no quarto. Aquilo não podia ser amor. Não podia ser, repetia-se em silêncio. Era só o resultado de  sua imaturidade, do passado. Karen tinha razão: tinha passado demasiado tempo só. Construir castelos românticos no ar a propósito de Luca era uma estupidez. Já o tinha feito numa ocasião, e tinha aprendido a lição. Era demasiado sensata como para repeti-lo.

Luca se sentia milagrosamente atraído por ela, mas concluir por  isso que podia albergar algum sentimento para ela era uma tolice. Ele mesmo o tinha dito essa manhã: tratava-se singelamente de  passá-lo bem na cama. De repente se sentia feliz de tê-lo esbofeteado.

- Conta-me algo sobre tua irmã - o convidou Darcy ao deixar o dormitório. Parecerá estranho se não sei nada dela.

 - Meus pais morreram num acidente de aviação quando Ilaria tinha oito anos. Minha tia se converteu em nosso guardião legal. Eu só tinha dezenove. Emilia era viúva e não tinha filhos, e em seguida quis fazer o papel de mãe para minha irmã, mas era muito possessiva. Fez-me muito difícil manter um contato regular com Ilaria.

 - Isso foi egoísta por sua vez.

 - Também se negou a compartilhar comigo a custódia de Ilaria quando por fim pude oferecer-lhe um lar. Era uma guardiã muito liberal, mimou-a demasiado e a botou a perder. Quando Ilaria atingiu a adolescência se fez muito difícil tratá-la, e Emilia creu ver nela ingratidão. Então começou a vê-la como um ônus, e me exigiu que me responsabilizasse dela para mudar-se para Nova York.

- Deus...!

- Ilaria se afundou, sentiu-se recusada, e se rebelou contra mim. Passamos uma má temporada - admitiu Luca encolhendo-se de ombros. - Agora tem vinte um anos, e mal estou em contato com ela. Quanto cumpriu os dezoito exigiu um apartamento.

 - Eu sinto muito- o compadeceu Darcy pondo uma mão sobre seu ombro. - Eu sempre pensei que as piores feridas são as que nos causa nossa própria família, sempre somos mais vulneráveis quando se trata de nossa carne e sangue.

 - Estás pensando em teu pai?

 - É difícil não o fazer. Passei-me a vida desejando ser alguém a  seus olhos, lutando por ganhar respeito - admitiu Darcy.

 - Isso acontece a todo mundo.

Luca fixou seu atenção sobre a mão de Darcy, em seu ombro, e ela se apressou a retirá-la. A proximidade que ele desejava na cama parecia fora de lugar.

- Mas eu tratava de conseguir algo que nunca consegui. Não creio que meu pai me olhasse sem nunca lamentar o fato de que não fosse o menino que desejava... mas só conseguiu que eu o tentasse com mais afinco.

 - E foi essa a razão pela que roubaste o Adorata? - perguntou Luca estreitando sua mão. - Querias salvar à família fingindo que o tinhas encontrado?

Darcy empalideceu. Aquilo a tinha pego de improviso. FERIA-A aquela absurda suspeita. Uma vez mais tinha esquecido a verdadeira relação que tinha entre eles, tinha exposto a si mesma a um ataque com inocência e candura.

 - Seguro que lhe mentiste. Pode ser que ele fosse agressivo e dominante, mas tinha a reputação de ser um homem correto e honesto. Lhe disseste que o tinhas comprado numa loja de antigüidades? - insistiu Luca sem arrepender-se.

Então uma porta se abriu. Darcy e Luca se voltaram. Uma bela e esbelta morena de sutil expressão os observava.

- Não tenho intenção de passar a velada esperando, Luca - disse Ilaria com sarcasmo. - Por que se molestastes em convidar-me?

 - Esperava que estivesses ansiosa por conhecer a Darcy. Sinto muito ter-te feito esperar - murmurou Luca.

 - E por que não me brindaste a oportunidade de conhecê-la antes de casar-vos? riu Ilaria.

 - Te deixei umas mensagens no telefone, mas não me devolveste os telefonemas – contra atacou Luca com calma.

A combinação de agressividade e dor que emanava de Ilaria era surpreendente, mas a verdade era que seu irmão maior se tinha casado com uma completa estranha. Nessas circunstâncias era natural sua hostilidade, pensou Darcy que, saltando-se de Luca, acercou-se a ela.

- Tens todo o direito do mundo de estar furiosa, e não sei como explicar-te por que...

 - Por que nos casamos tão apressadamente - terminou a frase Luca por ela enquanto abria a porta da sala de jantar. Os candelabros iluminavam a mesa. - Não há muito que dizer.

-  Pois não te imagino fazendo nada apressadamente sem uma boa razão, Luca - continuou Ilaria

-  É por que ela está grávida?

Darcy ficou gelada. Luca lhe afastou a cadeira e ela tomou assento. Ele disse umas quantas palavras de reprovação em italiano a sua irmã e Darcy os olhou. Ilaria tinha pretendido xingá-la, mas estava mais perto da verdade do que nenhum dos dois pudesse imaginar. Luca se tinha posto numa situação difícil com aquele casamento por  sua causa, e desejava ajudá-lo a minimizar o efeito que isso pudesse ter em sua já difícil relação com sua irmã.

 - Nos casamos assim porque meu pai acabava de morrer - explicou de repente Darcy. - Tenho que admitir que fomos muito impulsivos...

 - Impulsivo? Luca? - repetiu Ilaria depreciativa. - A quem crês que vais enganar? Ele nunca faz um só movimento que não esteja perfeitamente calculado!

 - Neste caso o fez - insistiu Darcy com calma, - mas fomos muito egoístas ao não contar a nossas famílias.

 - Tua família também não foi? - voltou a perguntar a jovem atônita e ao mesmo tempo aliviada de sabê-lo. - E então, onde vos  conhecestes? E quando?

 - É uma longa história... - começou a dizer Luca.

Darcy se apressou a interrompê-lo. Contar a verdade, ou ao menos toda a que pudesse, era o mais inteligente dadas as circunstâncias. Era melhor do que contar uma história sobre seus carros chocando em Londres. Ilaria era irmã de Luca, e o conhecia bem.

 - Conheci teu irmão faz quase três anos num baile de máscaras que se celebrou aqui - confessou Darcy com um ansioso sorriso nos lábios.

O efeito que teve aquela singela explicação deixou a Darcy de  pedra. A sua esquerda, Luca soltou um suspiro irado e a olhou exasperado. A sua direita, Ilaria se pôs terrivelmente tensa, abriu a boca e a olhou sem pronunciar uma palavra, pálida e com os olhos enormemente abertos.

 - Parece que tenho...

 - Tens dado uma mancada- Luca completou a frase por ela.

De repente foi a loucura. Darcy caiu na conta de que Ilaria devia de  saber do roubo, de maneira que se fazia bem mais difícil dar-lhe uma explicação. Então Ilaria se pôs em pé, mas em lugar de  prestar-lhe a ela toda sua atenção não deixou de olhar a seu irmão. E começou a vociferar histericamente em italiano. Luca a olhou atônito, sem compreender, e se levantou da mesa.

 - Costure c'e che non vai... que ocorre?

Finalmente Ilaria se jogou a chorar evitando os braços consoladores de seu irmão, continuou falando em italiano e saiu. Mas Luca, em  lugar de seguí-la, ficou sorvete. Levantou as mãos, estendeu-as e as deixou cair de novo. Darcy se apressou a acercar-se.

 - Que lhe aconteceu?

O tenso perfil de Luca se delineava contra as sombras e as luzes do refeitório. Ele respirou fundo, trêmulo. Voltou a mirada sem vê-la, e disse:

 - Disse que... disse que... - começou a dizer. - Disse que? – perguntou Darcy impaciente, escutando os gritos histéricos de  Ilaria no salão.

- Disse que foi ela quem roubou o Adorata - conseguiu dizer por  fim Luca sacudindo a cabeça com incredulidade.

- Oh... oh, Deus meu! - sussurrou Darcy trêmula, incapaz de dizer nada mais.

Ilaria chorava desconsoladamente no salão. Darcy tratou de  abraçá-la, mas ela a afastou falando-lhe agressivamente em  italiano.

 - Eu sinto muito, mas sempre fui um desastre com as línguas - se desculpou Darcy tomando-a do queixo. - Sei que estás triste, mas, por favor, trata de acalmar-te.

 - Como vou acalmar-me? Luca não me perdoará nunca! - gritou Ilaria atirando-se no sofá.

Darcy se sentou junto a ela e a deixou desafogar-se. Mas quanto Luca entrou no salão se levantou.

 - Escuta... os deixarei a sós...

 - Não! - gritou Ilaria agarrando-a de repente da mão. - Fica-te...

 - Sim fica... porque se não vou matá-la! - sussurrou Luca.

-  Te estás portando tão mau como ela!- o condenou Darcy enquanto Ilaria voltava a jogar-se a chorar.

-  Falando-lhe assim não vais conseguir nada.

- Sei muito bem como conseguir um pouco dela - contestou Luca dando-lhe depois uma ordem a sua irmã em italiano.

- Eu sinto... eu sinto muito! - se desculpou Ilaria engolindo e falando entrecortadamente. - Entrou-me pânico ao compreender que Darcy era a mulher à que conheceste a noite do baile, e como te  tinhas casado com ela pensei que... que me tinhas trazido aqui para obrigar-me a confessar.

 - Teu irmão nunca teria feito uma coisa assim - assegurou Darcy com calma.

Luca a olhou com curiosidade, com uma expressão quase de dor, e depois se voltou para sua irmã para perguntar:

 - Como o fizeste?

 - Se supunha que aquela noite não ias estar no apartamento. Eu precisava de dinheiro, mas tu se tinhas negado a dar-me mais... negaste-te inclusive a deixar-me ver Pietro... Estava tão enfadada contigo! Ia fugir-me com ele, mas precisávamos de dinheiro...

- Tinhas dezessete anos! - a interrompeu Uca, - só tratava de  proteger-te de ti mesma: Se não fosses uma rica herdeira esse tipo não teria parado nem para olhar-te!

 - Deixa que o conte ela - interveio Darcy.

 - Tinha... as chaves do apartamento. E conhecia a clave de  segurança. Um dia que vim comer aqui tu abriste a caixa forte, e eu te observei desde o vestíbulo - sussurrou Ilaria envergonhada. - Pensei que teria dinheiro na caixa...

 - Pois tiveste má sorte.

 - O único que tinha era o... Adorata - continuou plana com voz trêmula. - E como estava tão furiosa o roubei. Disse a  mim mesma que tinha direito a fazê-lo se precisava, mas quando se o mostrei a  Pietro ele.... jogou-se a rir. Disse que não era tão tonto como para vender um famoso anel roubado, que a Interpol o perseguiria... assim que decidi devolver o anel na manhã seguinte.

- Isso foi muito oportuno - comentou Darcy alentadora.

- Mas não serviu de nada. Tu voltaste ao apartamento aquela noite e ficaste nele... encontraste aberta a caixa forte e viste que tinham roubado o anel... Era demasiado tarde!

 - Que fizeste com o anel? - exigiu saber Luca.

- Está a salvo - se apressou Ilaria a assegurar. - Está no depósito do banco, com as jóias de mamãe.

Luca fechou os olhos momentaneamente e depois gritou: - Porca miséria !... E todo este tempo ! ...  

 - Se tivesses chamado à polícia te teria dito a verdade, mas quando me dei conta de que culpavas do roubo à mulher com quem saíste da festa... - Ilaria olhou envergonhada para Darcy. - Isto é..

 - A mim... sim, é verdade - a interrompeu Darcy com as bochechas ardentes.

- Bem, para mim tu não eras uma pessoa de carne e osso, não me importava a quem culpasse Luca contanto que não suspeitasse de  mim - confessou Ilaria.

Darcy ficou olhando o tapete e sentindo como a mortificação a embargava. De repente Luca se jogou a rir.

 - Veja que sorte teria se Darcy desaparecesse para sempre!

 - Creio que precisas falar - sugeriu Darcy desejando desaparecer, com um trêmulo sorriso.

Pobre Luca. E pobre Ilaria. Devia de ter sido terrível para ela viver com aquele segredo durante tanto tempo. Aquilo não tinha sido mais do que um momento de debilidade, uma rebelião de juventude alentada por um desesperado amor que tinha acabado por ocorrer. Seu coração cada vez mais triste conforme passava o tempo. Porque isso era o que produzia o sentimento de culpa: te corroía. Não era de estranhar que Ilaria recusasse a companhia de Luca: temia enfrentar-se ao que tinha feito. Nada mais compreender do que se seu irmão tinha casado com a mulher a quem acreditava ser uma ladra tinha chegado à conclusão de que Luca sabia a verdade. Depois de tudo, como ia seu irmão casar-se com ela?

Por fim Luca recuperaria o anel. Como podia crer que um simples objeto podia valer tanto sofrimento? E como se sentiria com respeito a ela, sabendo que a tinha feito mau juízo? Estava destroçado, seu aspecto tinha sido o de uma pessoa destroçada. Sua própria irmã!

Darcy suspirou. Talvez tivessem paz por fim. Naturalmente, ele teria que lhe pedir perdão. Darcy sentiu que começava a animar-se. Foi ver Zia e vagou escada abaixo de novo para o refeitório. Sentou-se à mesa com renovado apetite e reflexionou. Não, não se faria de rogar. Luca já o estava passando bastante mau. Devia mostrar-se justa. Afinal de contas todas as evidências tinham apontado para ela. Estava na metade do primeiro prato quando apareceu Luca.

 - Santo céu...!, como podes comer num momento como este? - perguntou incrédulo.

 - Tinha fome... sinto ser tão prosaica - sussurrou Darcy. - Onde está Ilaria?

 - A convenci para que fique esta noite. Sinto muito o...

 - O que? - perguntou Darcy deixando de lado o prato.

 - Como que o que? - repetiu Luca. - É que não estás furiosa com Ilaria?

 - Deus, não... estava tão desagradada ! - É muito imatura para sua idade, muito... bom, emotiva.

 - Mas essa não é desculpa, não crês? Deves de estar furiosa comigo.

 - Bem, sim, estava quando começou toda esta história de  estupidez...

 - Estupidez?

Darcy se pôs em pé. Tivesse desejado poder correr a seus braços e dissipar seu mau humor, mas seu aspecto era demasiado remoto. Era como se Luca tivesse perdido tudo o que possuía e no entanto estivesse disposto a estrangular ao primeiro que o dissesse ou mostrasse lástima.

- Sempre soube que não tinha sido eu quem tinha roubado o anel - assinalou Darcy amável, - e me alegro terrivelmente de que tudo se tenha esclarecido. Compreendo que estivesses convicto de que tinha sido eu, depois de tudo... tu não me conhecias, não é verdade?

Luca a olhou como se ela lhe tivesse dado um pontapé no estômago e depois afastou a cara para outro lado.

 - Não... não te conhecia - confessou com voz quase rouca.

Darcy o observou engolir convulsivamente. Sentia-se terrivelmente impotente, rezava por ter a coragem e a segurança suficientes para cruzar o enorme abismo que, notava, começava a abrir-se entre eles dois. No entanto não podia fazer nada mais que sentir a frustração. Se o abraçava destroçaria sua frágil relação. Era demasiado orgulhoso.

 - Falaremos mais tarde - sugeriu Luca tratando de aparentar naturalidade. - Precisas estar só um momento.

Era ele quem precisava estar só, pensou Darcy interpretando as palavras de Luca sem nenhuma dificuldade. Ia abandoná-la. Mas que tinha feito de mau? Tinha tratado de mostrar-se justa, honesta e razoável ao máximo e, no entanto, Luca se afastava dela mais e mais...

 - Diga-me... terias preferido que gritasse e brigássemos?

 - Já não há nada por que brigar - contestou Luca sem sombra de  ironia.

 Darcy sem conseguir dormir, levantou-se com um suspiro ao mesmo tempo em que o relógio dava meia-noite.

Foi então quando escutou pisadas no vestíbulo. Ao abrir a porta do salão se pôs tensa. Por um décimo de segundo Luca ficou imóvel ao vê-la, lendo astutamente em seus olhos a tensão de uma só olhada.

 - Queres beber algo? - murmurou baixinho enquanto voltava a fechar a porta.

 - Um brandy...

Darcy o observou acercar-se ao móvel das bebidas. Seus movimentos eram fluídos, pura poesia. Já não parecia destroçado, ainda que o verdadeiro era que não esperava que seguisse nesse lamentável estado de ânimo durante muito tempo. Luca era duro, era um sobrevivente, e os sobreviventes sempre sabiam como encaixar os murros.

Darcy, em mudança, devia de ter nascido sob o signo de uma má estrela. Que destino tinha decidido que se visse envolta até o pescoço nos dois maiores erros que Luca tinha cometido em  sua vida? Era cruel. Luca nunca perdoaria a si mesmo de todo, e nunca pensaria nela sem sentir-se culpado. Darcy era como um albatroz em sua vida, um presságio de mau agouro: quanto se acercava as coisas começavam a ir-lhe mau. Se Luca era como o resto dos homens aos que tinha conhecido cedo se irritaria, ao vê-la pelo simples fato de recordar-lhe os piores momentos de sua vida. Luca lhe estendeu o copo com uma expressão sombria.

- Cheguei a certas conclusões - Darcy deu um trago expectante, atemorizada. - Estes últimos dias devem ter sido traumáticos para ti. Olhando atrás não é possível justificar nada do que fiz. O único que posso dizer-te é que desde o instante em que me acordei só no apartamento, com a caixa forte aberta e sem o anel, comecei a  desenvolver uma necessidade obsessiva por encontrar-te e acertar as contas contigo...

 - Acreditou que te tinha posto em ridículo.

 - Sim... e era algo novo para mim. Tenho que confessar que estava disposto a fazer qualquer coisa para conseguir meu objetivo - admitiu Luca. Se Ilaria não tivesse confessado seguiria crendo que era culpada, e como era impossível que me ajudasses a recuperar o anel no final teria acabado por... por fazer-te perder Fielding's Folly.

 - Não... - negou Darcy pálida, - não o terias feito.

Luca sacudiu a cabeça sem deixar de olhar seu rosto de incredulidade.

- Darcy, tu és uma pessoa melhor do que eu o fui... nunca o teria feito. Quando me casei contigo já tinha em minha mão o futuro de  Folly.

 - Que queres di... dizer? - gaguejou Darcy.

Luca tirou um documento do bolso e o abriu.

 - Comprei a empresa que concedeu a hipoteca sobre Folly a teu pai. Este é o documento. Está em dia com os pagamentos. Terias podido forçar-te a falar em qualquer momento durante esses seis meses apelando ao poder que me concede esta dívida sobre ti - explicou baixinho. - Tão fácil como tirar-lhe um caramelo de uma criança.

 - Que... que compraste a empresa?

Ao ver o horror que aquela confissão lhe produzia Luca empalideceu também.

 - Tinha que contar-te, quero ser completamente sincero contigo. Tens direito a saber de tudo.

 - Não creio que queira saber de tudo... como pode alguém cair tão baixo? - sussurrou trêmula.

 - Desejaria poder dizer que não sei o que me passou... mas - sim eu sei - murmurou Uca. - Meu ego era incapaz de viver com o ridículo ao que acreditava me tinhas exposto aquela noite. Tinha o poder de  vingar-me, e essa era minha intenção quando respondi a teu anúncio.

Darcy assentiu, demasiado aterrorizada como para olhá-lo. Sentia-se como se fosse uma marionete.

 - Não eram muito boas intenções... agora... envergonho-me. Lutaste valentemente para sobreviver contra o vento e a maré.

Darcy voltou a cabeça. Sentia-se morrer interiormente, mas por  fim compreendia que lhe ocorria, não podia seguir ignorando-o. Tinha-se apaixonado por ele. Por que, se não, como ia fazer-lhe Luca tanto dano? Afastou-se torpemente dele e se deixou cair sobre o sofá.

 - Eu dormir contigo - sussurrou tremendo de repente.

 - Creio definitivamente que não devemos tocar nesse tema precisamente agora - se apressou Luca a interrompê-la sem vacilar - Sinto que me afundo mais rapidamente do que uma pedra. O que agora quero é... o que preciso é... emendar meu comportamento para contigo quanto me seja possível.

 - Te odeio... - afirmou Darcy.

E era verdade. Odiava-o porque não a amava, porque a tinha posto em ridículo, porque a tinha feito sentir-se como uma estúpida e, por  último, ainda que não em menor medida, porque não podia suportar a idéia de ter que se sobrepor uma segunda vez ao amor que sentia por ele.

 - Posso viver com isso.

 - Quero ir para casa.

 - Por suposto. - O avião está a tua disposição. - Quando queres marchar-te?

 - Agora...

 - Não creio que seja muito bom acordar a Zia e tirá-la da cama - objetou Luca. Darcy continuava olhando ao solo meio aturdida. - Grita-me, bate-me se isso te faz sentir melhor. Não sei o que fazer quando ficas tão calada!

 - Eu irei embora na primeira hora da manhã.

 - Quando queres que eu vá para lá? - perguntou Luca. Pela primeira vez durante um bom momento Darcy levantou a vista e ficou olhando-o. Mas não disse nada. - Temos que estar juntos durante os próximos seis meses, não o terás esquecido, não é verdade?

Sim, tinha-o esquecido. Luca atingiu suas mãos fortemente agarradas e conseguiu ir soltando dedo a dedo até que por fim pôde pegar suas mãos.

- Prometo cumprir com nosso acordo - continuou ele. - Passe o que passar não te defraudarei.

- Não poderia suportá-lo! - exclamou Darcy saltando-se as mãos num gesto de repúdio.

- Tratei de explicar-te o quanto eu lamento...

- Não creio que tu sejas capaz de sentir arrependimento... - o condenou de repente Darcy. - És escorregadio, maquiavélico... e eu não posso suportar nenhuma dessas duas coisas. Só há duas coisas que te comovem neste mundo: o dinheiro e o sexo.

 - Uma vez teve uma coisa que me comoveu mais, bem mais.

 - O que?, a vingança? - perguntou Darcy pondo-se em pé com um sorriso zombador, incapaz de suportar o fato de tê-lo perto. - Deus, deveria de sentir-me afagada!  Crês para valer que esse estúpido anel valia a pena?

 - Não... - respondeu ele com calma.

 - Queres saber o mais engraçado? Aquela noite me apaixonei por ti, só que não o soube até bem mais tarde. Cheguei inclusive a  procurar o caminho de volta a tua casa, mas não o encontrei. Veja que sorte eu tive!  Me terias prendido por ladra antes de cruzar a porta!

Luca ficou perplexo diante aquela revelação. Darcy não tinha tido intenção de contar, mas voltou para ele a cabeça orgulhosa e o olhou sem piscar.

 - Então foste ao Portão do a Guerra! - respirou ele abruptamente, incapaz de reagir diante a surpresa. - Não... por favor, diga-me que não foste!

 - Sim, enquanto tu lhe davas voltas e mais voltas em tua caixa forte aberta! - respondeu Darcy caminhando até a porta. - Não te  atrevas a aparecer por Folly durante umas boas semanas!

 - Conseguirás levantar suspeitas, supõe-se que estamos recém casados.

- Luca... creio que não compreendes - o informou Darcy raivosa. - É evidente que uma lua- de- mel que dura menos de três dias é um desastre. Ademais um marido alcoólico e ausente é causa suficiente de fracasso matrimonial. Mais ainda, quando vinhas a casa todo mundo verá o inútil que és, assim que ninguém se estranhará de que me separe aos seis meses.

 

DARCY fechou a revista agradecida pensando em que Luca não poderia vê-la. Afinal de contas estava na Itália, e os homens nunca liam esse tipo de publicações. O cheque recebido por contar todas aquelas mentiras sobre o feliz que era em seu casamento e o maravilhoso que era seu marido a compensava da vergonha que sentia. Com aquele dinheiro se poria em dia nos pagamentos da hipoteca e arrumaria o Land Rover.

Fazia duas semanas e três dias que não via Luca e cada dia, cada minuto, tinha-o sentido falta. Luca a perseguia. Tê-lo perto, ainda que a tivesse ignorado, tivesse sido melhor. Almejava estar com ele. E estava molesta e envergonhada por sentir esse anseio por um homem que tinha entrado em sua vida com o único objeto de fazer-lhe dano.

Impassível diante qualquer indireta, correto e atrativo até o final, Luca as tinha levado ao aeroporto. Zia se tinha jogado a chorar ao compreender que ele não as acompanhava. Ao abraçar à menina ele tinha esboçado uma expressão satisfeita. O efeito daquelas duas cabeças morenas juntas sobre Darcy tinha sido muito diferente.

O quanto se pareciam pai e filha era assombroso. E Zia tinha direito de saber quem era seu pai. Ademais, Luca também tinha seus direitos, por mais que não tivesse pressa por exercê-los. Se não o dizia a Luca algum dia Zia lhe exigiria uma justificativa. Seu orgulho ferido, seu ardente desejo de evitar uma confissão e seu pessimismo quanto a como ia tomar-se Luca a notícia não era razão suficiente para guardar silêncio.

Richard a tinha chamado por telefone avisando de que visitaria Folly com sua noiva durante o fim de semana. Chegou na sexta-feira, justo quando Darcy saía de casa com Zia.

 - Se você sair afogarei minhas penas em álcool, te advirto. Deram-me o fora - explicou afundando-se no sofá.

Richard tinha debilidade pelas loiras, mas parecia incapaz de retê-las. Darcy lhe deu uma palmadinha nas costas e contestou:

- Zia tem uma festa, e eu me ofereci para ficar e ajudar. Estaremos fora um momento, assim que se não queres ficar-te só chama a Karen.

 - É uma lástima que Karen não seja loira - se lamentou Richard tirando uma garrafa de whisky de uma bolsa. - Nenhuma das mulheres que conheço é loira.

- E isso não te diz nada isso?

 - Deveria ter-me casado contigo, provavelmente tivesse sido feliz.

 - Richard... deixa essa garrafa e vá a casa de Karen. - Não vou contar-lhe que me deixaram plantado... riria de mim.

Darcy em mudança sim passou para ver Karen e contar-lhe de  Richard antes de ir à festa. Não voltou para casa até as sete, e para então Zia estava esgotada e desejando ir para cama. Depois de  deitar a sua filha Darcy olhou a garrafa de whisky meio vazia.

 - Tão mal te encontras?

 - Pior.

 - Bem, então vá para cama tu também. Vamos, levanta!

Darcy o ajudou a subir as escadas e o guiou até o dormitório que tinha junto ao dela. Richard caiu sobre o colchão.

 - Conheci teu marido... desde quando tens marido?

 - A meu marido? - repetiu Darcy atônita.

 Não foi muito amável - lhe confiou Richard em tom de segredo, tomando-a pela mão -... tratou de bater-me... e teria acabado mau se eu não tivesse caído antes.

Richard tinha que estar sonhando, pensou Darcy. No entanto justo nesse instante se escutou uma voz vinda da porta:

 - Não é agradável?

Darcy se assustou tanto que soltou a Richard e se voltou.

 - De onde saíste? Levo mais de uma hora em casa!

 - Fui dar uma volta, cheguei quando tu estavas fora - explicou Luca.

Devia de estar horrível, refletiu Darcy agoniada. Se soubesse que Luca estava na Inglaterra teria se arrumado. Não para atraí-lo, senão para evitar que pensasse que ia feita um monstro. Afinal de contas tinha orgulho, ainda que ferido.

Luca, em mudança, estava estupendo. Darcy deixou que sua mirada vagasse por seu semblante. A boca lhe secou, o coração se  acelerou.

 - Carlton não vai ficar aqui para passar a noite! - exclamou Luca

 - Fala italiano perfeitamente! - interveio então Richard sem saber o que dizia.

 - Cala, dorme-te já! - sussurrou Darcy.

 - Se ele fica eu saio - adicionou Luca.

 - Não sejas estúpido, não te faz nenhum dano! - o defendeu Darcy.

Luca girou sobre seus calcanhares. Darcy correu atrás dele.

- Luca... Aonde vais?

-  Me mandar! - respondeu Luca com olhos brilhantes e enfadados. - Pelo amor de Deus... Não penso dormir sob o mesmo teto que teu amante!

 - Estás louco? - inquiriu por sua vez Darcy, com olhos atônitos. - Richard não é meu amante.

Luca fez um gesto com as mãos e gritou algo em italiano. Darcy engoliu e compreendeu que Luca estava tão furioso que era incapaz de aceitar alguma explicação.

- Está bem, está bem... me livrarei dele - prometeu Darcy desesperada, compreendendo que se não o fizesse Luca se marcharia para não voltar.

Darcy chamou por telefone a Karen e lhe pediu que o alojasse essa noite. Depois levantou a Richard da cama.

 - Vamos dar um passeio, Richard. Deus, pesas uma tonelada!

 - Deixa-me que o carregue - se ofereceu Luca.

Darcy tirou as chaves do carro de Richard de seu bolso e os guiou a  ambos pelas escadas.

 - Aonde o levamos?

 - Ao carro. Mas não lhe faças dano - sussurrou Darcy nervosa.

Darcy se sentou ao volante, e então Richard perguntou:

 - Aonde me levas?

 - Já o verás.

Não tinha valor para contar-se. Karen tinha uma língua muito afiada, e se tinha metido muitas vezes com ele. Deixar-se naquele estado era como entregar-lhe um bebê a um canibal. Karen ouviu o ruído do carro e saiu para ajudar.

 - Karen...? - sussurrou Richard horrorizado.

 - Calmo, Richard, eu cuidarei de ti - o acalmou Karen com voz maternal.

Darcy olhou a sua amiga assombrada.

 - Karen... que ocorre?

 - Tens idéia do tempo que levo esperando uma oportunidade como esta? - sussurrou Karen com olhos brilhantes. - As loiras não te  convêm, Richard.

 - Não - respondeu Richard dando-lhe a razão enquanto caminhava apoiando-se nela.

Darcy voltou a Folly perguntando-se que planejava Karen. Luca a esperava no vestíbulo. Não lhe deu nem um segundo para respirar antes de perguntar:

 - Que estava fazendo aqui esse estúpido bêbado?

- Pelo amor de  Deus, Luca, Richard fica em minha casa com freqüência, e normalmente não costuma beber tanto. Muitas vezes inclusive traz a sua noiva. Não sei de onde te tiraste a idéia de que somos amantes...

 - Faz três anos estiveste a ponto de casar-te com Carlton. Ele te  deixou plantada na igreja! - lhe recordou Luca irado. - Porca miséria! Pretendes fazer-me crer que é só um amor platônico?

 - Sim, pretendo fazer-te crer - respondeu Darcy olhando-o nos olhos.

 - Ainda que seja o pai de tua filha? - insistiu Luca.

 - Te asseguro que Richard não é o pai de Zia.

Um silêncio tenso vibrou no ar. Ansiosa por saber que pensava Luca depois daquela confissão, Darcy murmurou:

 - Nem Richard nem eu nos demos conta do que era que falhava em nossa relação até que nos apaixonamos por outra pessoa. Agora somos amigos. É um garoto amável, carinhoso..

Luca torceu a boca enquanto a escutava com olhos duros e frios e a seguia até o salão.

 - Vamos, dom Perfeito...

 - Não... sempre está contando as mesmas histórias e brincadeiras uma e outra vez

Darcy estava assombrada. Luca não insistia sobre o tema da paternidade de Zia. Seguiria crendo que tinha tido outros homens em sua vida?

 - Mas por que não lhe disseste que estavas casada? Accidenti... Um amigo tão íntimo e nem sequer sabe que existo!

 - Hoje foi o primeiro dia que o vi desde o casamento. - Quando chegaste?

 - Pouco depois das seis. E não pensava encontrar um homem aqui!

Darcy piscou e refletiu. Luca se estava comportando como um marido ciumento e possessivo, e ela estava reagindo como uma mulher recém casada e insegura, desejosa de aplacar a seu marido. Luca, ciumento? Isso era impossível.

 - Te puseste zeloso quando pensaste que Richard era meu amante? - perguntou Darcy.

Luca ficou imóvel e a olhou com os olhos entrecerrados.

- Sou uma pessoa muito zelosa de minha dignidade.

- Tua dignidade?

- É que não te parece razoável que espere que te comportes como uma esposa normal? Não é muito inteligente da tua parte convidar a  Carlton para ficar contigo depois de todo o ocorrido entre vocês dois...

 - Inteligente... - repetiu Darcy pensando no pouco apaixonada que resultava essa palavra.

 - Agora que és minha mulher estás sob o ponto de mira da imprensa, és uma possível presa de fofoca. Não quererás que ninguém suspeite nada mau de nosso casamento tão cedo, verdade?

Darcy assentiu. Luca não estava com ciúmes. Era simplesmente o macho arrogante e orgulhoso de sempre empenhado em  salvaguardar sua imagem. As pessoas riria dele se suspeitasse que sua mulher não lhe era fiel.

 - A propósito, paguei a hipoteca - assinalou Luca com satisfeita naturalidade. Darcy ficou boquiaberta. - Como és tão independente imagino que quererás devolver-me o dinheiro quando receberes a herança, mas pelo menos agora estás livre desse ônus.

 - Mas... Luca... que direito...?

- Ainda não terminei. Também fui falar no teu banco. Já não tens limite de crédito. E não me o arrojes tudo à cara - se apressou a  adicionar Luca. - Não tenho nenhum direito de interferir, eu sei, mas tinha que te ajudar em tudo que pudesse.

Darcy engoliu. Aquilo sim entendia. Luca se sentia culpado, e aquela era sua forma de consertar o dano. Aquela forma de imiscuir-se Luca no terreno econômico a irritava, mas não estava em posição de  recusá-lo.

 - Graças.

 - Me teria agradado poder fazer bem mais, cara mia, mas sabia que não o aceitarias.

 - Te deixaste as asas estacionadas lá fora? - inquiriu Darcy com um sorriso inseguro diante aquele respeitoso comentário.

 - As asas?

 - És meu anjo da guarda.

 - Temia que dissesses que era tua fada madrinha - lhe confiou Luca.

 - Eu pensei nisso, sim - riu Darcy pela primeira vez em semanas.

Então recordou a confissão que tinha que lhe fazer e seu rosto se assombrou. Cedo, disse-se...

Eram mais das oito e meia quando chamaram à porta. Luca estava na biblioteca fazendo uns telefonemas, e Darcy tinha subido a pôr-se um vestido que marcasse sua silhueta. Ao abrir a porta se sobressaltou. Eram Margo e Nina. E ambos a olharam estranhadas de sua nova imagem.

 - É um traje de Galliano? - perguntou Nina invejosa.

 - Um... que?

 - E esses sapatos são de Prada! Muita pressa que se deu em tirar-te teus trapos! - riu Nina. - É perigoso que um homem trate de  mudar a uma mulher.

 - E o verde desentona com teu cabelo avermelhado, Darcy!

 - Mas Darcy não tem o cabelo avermelhado - intercedeu Luca saindo da biblioteca. - É castanho avermelhado, de um tom brilhante e outonal.

Darcy olhou a Luca como uma nadadora a seu colete salva-vidas. Nina e Margo não foram o suficientemente rápidas como para encaixar o golpe.

 - Pensei que estavas na Itália, Luca - sorriu sua madrasta tensa.

 - Sim, e eu creio que essa é a razão pela que viestes - respondeu Luca apoiando-se comodamente sobre a chaminé enquanto as visitantes permaneciam tensas, de pé, sem terminar de compreender que queria dizer. - Que amáveis ao pensar que Darcy precisava de companhia!.

 - Estou segura de que Richard Carlton veio acompanhá-la - comentou Nina inocente.

 - Sim, é um garoto simpático - respondeu Luca calmo, com um sorriso zombador, enquanto Darcy girava a cabeça olhando a uns e outros.

Margo e Nina tinham encontrado um adversário perfeito.

 - Nina e eu estávamos pensando ontem na coincidência que foi Maxie Kendall e Darcy tenham encontrado marido em tão pouco tempo - comentou Margo perspicaz. - Como se chamava a outra afilhada de Nancy Leeward?

 - Polly - sussurrou Darcy. - Por que?

 - Por curiosidade, naturalmente. Essa mulher fez um testamento tão curioso! Suponho que cedo ouviremos dizer que Polly se casou...

 - Eu duvido - soltou Darcy. - Não tinha planos para casar-se quando a vi da última vez.

Nina dirigiu a Luca um enorme sorriso e cruzou as pernas sob seu escasso vestido.

 - Aposto a que não tens nem idéia de que estamos falando, Luca!

 - Pois eu devo confessar que me passou pela cabeça o que Darcy pudesse ter... - interveio Margo.

- Ter-se casado comigo para herdar esse milhão? - sugeriu Luca irônico e seguro. - Sim, por suposto, conheço esse testamento, mas posso assegurar que a última vontade dessa excêntrica madrinha não teve nada que ver com meu desejo de casar-me com Darcy. 

 - Sim - interveio Darcy entrando no jogo, - disso estou segura, Luca tem uma agenda muito apertada.

 - Oh! - respirou Luca a seu ouvido, fazendo-a ruborizar-se.

Margo, não obstante , não cedeu tão facilmente:

 - Não sei como dizê-lo para que não penseis que me intrometo mas... sinceramente, preocupou-me muito quando meus amigos me contaram que tinham visto voltar Darcy só de Veneza depois de só quarenta e oito horas de lua-de-mel...

- Mas mamãe, é que Veneza não pode ser um lugar agradável para Darcy! - exclamou Nina olhando-a significativamente.

- Me encanta Veneza - a contradisse Darcy.

- Já sei porque puseste esse estúpido nome de Venezia em tua filha, mas em seguida deixaste de usá-lo - objetou Margo.

- Venezia? - repetiu Luca de repente.

- Que nome mais tonto! - riu Nina. - A verdade é que Darcy nunca teve nem gosto nem discrição.

Darcy se sentia demasiado mortificada como para olhar na direção de Luca. Tinha os nervos a flor da pele. Teria desejado pôr-lhe a  Nina um saco na cabeça e sufocar suas palavras antes de que revelasse coisas demais.

 - Teu sentido de humor deve de resultar ofensivo muito com freqüência - respondeu Luca frito. - Eu, pelo menos, tenho pouca tolerância para qualquer coisa que moleste a minha mulher.

Nina se ruborizou, e Darcy se tranqüilizou ante o tom protetor de Luca.

 - Sim, Nina, foste um pouco atordoada dizendo isso - conveio Margo. - Mas já passou. Na realidade eu vim para expressar minha preocupação por algo que fez Darcy.

 - Em sério? - inquiriu Darcy apoiando-se em seu marido. - Trouxeste a Luca à festa que dei para vocês e não me disseste nada de seu status financeiro - continuou Margo. - Ademais, por que, sendo assim as coisas, fizeste isto? - adicionou tirando uma revista de sua bolsa e estendendo-a. - É que não há nada que não sejas capaz de fazer por dinheiro? Como pudeste violentar a teu marido assim, Darcy?

Darcy ficou paralisada. Mirou a revista, se ruborizou e quis morrer de vergonha. Margo sacudiu a cabeça e adicionou:

 - Fiquei horrorizada ao saber que Darcy tinha vendido a história de vosso casamento a uma revista de fofoca, Luca.

 - Eu em mudança recordarei algumas das frases que diz Darcy nela como preciosos tesouros - soltou Luca num tom condescendente, alongando uma mão para ela para acalmá-la. - Quando li isso de que sentiu uma «estranheza mística» e um «sentimento íntimo de reconhecimento de sua alma gêmea» nada mais conhecer-me, admirei profundamente sua capacidade para expressar com palavras as sensações e sentimentos que eu mesmo experimentava e não podia descrever.

 - Luca? - sussurrou Darcy trêmula, atônita ante o fato de que ele tivesse lido a reportagem e pudesse inclusive citar textualmente algumas de suas palavras.

Luca, não obstante, parecia incapaz de parar:

 - O que senti realmente foi uma necessidade tão poderosa de  voltar para junto de Darcy que vim voando. Sempre considerarei essa reportagem como uma carta de amor pública de minha mulher.

Margo e Nina ficaram imóveis, sem dizer uma palavra, até que por  fim a última falou:

 - Por suposto me alegro muito de saber que essa entrevista não estragou suas relações, estava muito preocupada...

- Me surpreende - declarou Luca. - Teria que estar cego para não ver que tentas desvalorizar continuamente a minha mulher a meus olhos. Darcy é uma pessoa íntegra, coisa que não entendo sabendo que viveu toda sua vida junto a vocês duas.

 - Como te atreves a falar-me assim?

 - Te ofende que minha mulher possua um bem que pertenceu a sua família durante mais de quatrocentos anos, estás furiosa porque se casou com um homem que vai ajudá-la a conservá-lo. Esperavas que se visse forçada a vender a casa para poder repartir os benefícios - a condenou Luca com desgosto. - É por isso que me atrevo a falar-te assim.

 - Não vou ficar-me aqui para que me xingues - soltou Margo caminhando para a porta.

 - Muito inteligente.

Luca escutou o portão. Atônita, Darcy respirou:

 - Vou ver a Zia...

 - Venezia - murmurou Luca baixinho, agarrando-a pela mão enquanto subia pela escada. - É evidente que escolheste esse nome porque tinha um significado especial para ti. - Fostes feliz aquela noite comigo?

 - S.. sim - gaguejou Darcy.

 - Mas nos conhecemos num momento difícil de tua vida - adicionou Luca selecionando com cuidado suas palavras. - Agora compreendo que perdoasses a Carlton tão generosamente depois de deixar-te plantada no altar. Era evidente que ele não tinha toda a culpa. Tinhas dormido com outra pessoa antes do casamento.

 - Não, isso é falso! - exclamou Darcy ruborizada, detendo-se no corredor.

 - Accidenti! Que sentido tem negá-lo? Pode ser que não o soubesses, mas estavas gestante aquela noite quando dormistes comigo!

 - Não... não  estava! - exclamou Darcy abrindo a porta do dormitório de sua filha. - Outra vez erras o tiro!

- Tinhas que estar gestante! – contra atacou Luca. - Tua filha nasceu sete meses depois.

 - Zia foi prematura. Esteve semanas internada no hospital antes de que pudesse levá-la para casa... - confessou por fim Darcy contendo o alento e pondo-se tencionada antes de girar-se para olhá-lo.

A expressão de Luca era de desconcerto, de profunda confusão. Ficou olhando fixamente a Darcy e perguntou:

 - Foi prematura?

 - Sim, assim que já o sabes - respondeu Darcy com a boca seca e o coração em punho. - E, para ser sinceros, Luca, sempre teve só uma possibilidade.

 - Estás tratando de dizer-me... que Zia é minha? - sussurrou Luca com olhos de ouro à escassa luz do dormitório.

 

Darcy sentiu que lhe falhava a voz justo quando mais precisava, de maneira que assentiu sem afastar a mirada de Luca. Dos olhos dele saíram chispas. Estava atônito. Darcy engoliu e disse ao fim:

 - E não cabe a menor dúvida sobre isso, porque Richard e eu jamais dormimos juntos. Decidimos esperar até depois do casamento.

 - Nunca?

 - Não, e como não nos casamos ao final não dormimos juntos.

 - Isso significa que... que eu fui teu primeiro.. impossível! - soltou Luca apertando os lábios sem deixar de olhá-la.

 - Aquela noite eu não queria que tu o adivinhasses - explicou Darcy ruborizando-se. - Disseste que as mulheres virgens te resultavam muito pouco excitantes.

- Mas nós dois dissemos e fizemos estupidezes aquela noite... por  fortuna Zia não foi uma estupidez mais - riu Luca delatando as emoções que o embargavam e estreitando-a contra si enquanto olhava incansavelmente a sua filha e a Darcy como se não pudesse afastar os olhos de nenhuma das duas. - Pelo amor de Deus... e todo este tempo estava aqui, diante de meu nariz... Ninguém sabia quem era o pai de tua filha, e tu não podias dizê-lo porque... nem sequer sabias seu nome! Ao ver a foto de Carlton e observar que era moreno pensei que era o pai e que tu ainda o amavas. E depois, ao dizer-me que não era assim, nem sequer me ocorreu pensar que pudesse ser minha.

 - Bem, tu não sabias que Zia foi prematura.

 - Queria acordá-la - confessou Luca soltando a Darcy para olhar de  perto a sua filha. - Mas essa é a primeira lição que me ensinaste, não a molestar quando dorme.

 - Dorme como um tronco.

 - Mas onde tinha os olhos? - inquiriu Luca admirado. - Se tem meu nariz...!

 - Tudo o herdou de ti - confirmou Darcy pensativa, sentindo-se abandonada ante a emoção de Luca por sua filha.

Emoção? Não, não era esse sentimento exatamente o que Darcy tinha esperado de Luca, ainda que na realidade nada tinha saído como ela tinha esperado. Luca estava atônito, mas não tinha feito nem um só gesto de desgosto nem expressado o mínimo protesto. Tinha aceitado o fato de que tinha uma filha de bom grau.

- É realmente preciosa! - sussurrou orgulhoso. - Sim, eu também o creio.

- Per meraviglia... sou pai! Será melhor do que chame a meu advogado de imediato...

- Como dizes? A teu advogado?

- Se eu morresse esta mesma noite antes de reconhecê-la como filha minha ficaria sem um centavo!- exclamou Luca caminhando-se para a porta. - Chamarei agora mesmo. É que não vens? - perguntou voltando-se para ela.

Darcy se sentou na biblioteca e o observou chamar por telefone a  seu advogado e a sua irmã.

 - Quero que me o contes tudo - comentou depois sentando-se frente a ela, - desde o momento em que suspeitaste que estavas gestante.

 - Bem, não o suspeitei até que estivesse de cinco meses.

 - Cinco meses!

- Não engordei muito nem tive tonturas nem nada disso. Comia muito e me saiu um pouco de barriga, e depois notei uma estranha sensação, como palpitações. Por isso fui ao médico. Quando me disse que era o bebê se movendo fiquei como uma pedra.

 - Eu imagino - a olhou carinhoso e divertido, levantando-se da cadeira para sentar-se no sofá com ela e tomá-la da mão. - Assim que não te puseste má?

 - Não, gozei de perfeita saúde.

 - E como reagiu tua família?

- Meu pai se portou bastante bem, mas creio que era porque esperava que fosse um menino - admitiu Darcy molesta. - Não lhe  importavam em absoluto a falatório, mas Margo estava bufando. Foi por aí contando que o bebê era de Richard porque, por suposto, soava melhor.

 - E daí que disseste a tua família sobre o pai?

 - A verdade, mais ou menos. Que foi algo que ocorreu... que tinha esquecido teu nome - admitiu envergonhada.

 - Que só deveste sentir-te! - murmurou Luca pesaroso. - Aquela noite, no entanto, tu me deste a entender que estavas protegida.

 - E pensei sinceramente que estava. Não sabia que tinha que se tomar os ditosos comprimidos continuamente para evitar ficar gestante e claro, quanto cheguei em Veneza, joguei os fora.

 - Se não tivesses saído desse modo do apartamento!

 - Terias chamado à polícia.

 - Não, se te tivesses ficado tua inocência não se teria posto em prova. Por que o fizeste? Por que fugistes assim?

- Resulta bastante violento acordar-se pela manhã na cama de um estranho - confessou Darcy com franqueza. - Sentia-me como uma rameira...

 - Tu não sabes nada das rameiras, assim não uses essa palavra – a censurou Luca.

Segundos mais tarde, não obstante, voltava a sorrir e a fazer milhares de perguntas sobre sua filha demonstrando um interesse que Darcy nunca tivesse imaginado. Ao final ele murmurou:

 - Bem... então já não terá o divórcio, cara minha.

Apesar de que aquilo fosse justamente o que Darcy desejava, a declaração de Luca não lhe agradou. Não a fazia pelos motivos corretos, de maneira que se soltou dele e perguntou:

- E por que? Talvez sabes tu algo que eu ignore?

- Temos uma filha, precisa de nós dois. Simplesmente supus que...

- Pois não suponhas nada! Pode que seja importante que Zia tenha um pai, mas a mim me preocupa o que eu preciso!

- Tu precisas de mim - respirou Luca tenso, perdendo todo vislumbre de sorriso.

- Não me olhes assim!

- De que modo?

- Como se fosse um devedor que não te paga ou algo assim... Estás... Estás tratando de procurar meu ponto fraco! - exclamou Darcy compreendendo de repente que iam voltar a discutir e desejando evitá-lo - Escuta, estou muito cansada. Vou para cama.

Darcy olhou a Luca desde o alto das escadas. Estava tenso, olhando pela janela. Seu coração se afundou ao vê-lo. Tudo tinha saído mal desde o momento em que ela tinha posto em questão seu convencimento de que deviam de seguir casados. Por que o tinha feito? Por que, quando era o que ela mais desejava?

Darcy escrutinou seu coração e achou a resposta. Tinha medo de que Luca só quisesse seguir casado com ela por Zia. Tinha-se sentido excluída ao vê-lo contemplá-la admirado, mas tinha que reconhecer que tinha sido uma egoísta. Luca acabava de saber que era pai, e era natural que a observasse embelezado.

Darcy mudou os lençóis, tirou aos cachorros para dormir na cozinha e pôs sua melhor camisola para esperar por Luca. Uma hora mais tarde escutou suas pisadas no corredor. O coração lhe deu um tombo. Mas Luca passou por adiante de sua porta sem abri-la. Ela o ouviu entrar no dormitório do lado.

E se voltou para o travesseiro jurando trêmula. Aquele homem nem sequer se sentia tentado de fazer-lhe amor depois de três semanas de ausência.

 

 - O apartamento é fabuloso - suspirou Karen olhando as vistas desde a cobertura londrina. - E Luca... é o marido perfeito, estou convicta. Saiu sem dizer nem pio para que possas desfrutar a sós da comida com tua melhor amiga. Ainda por cima ainda leva a menina!

 - Sim, é um pai abnegado.

- Num mês transformou tua vida - continuou Karen. - Se até te  traz flores e presentes... Richard não me traz flores, mas me fez um precioso presente de aniversário. E ademais me chama cinco vezes ao dia. Está morto de medo de que o deixe plantado, é incrível.

 - Me alegro de que sejas feliz.

 - Pois não pareces muito contente - respondeu Karen. - Sei que te  passa algo.

Darcy recordou as últimas quatro semanas decorridas. Luca tinha feito questão de consertar e reformar Folly sem mais dilação, e enquanto se tinham mudado para seu apartamento de Londres. No  verão iriam a Veneza, onde residiriam permanentemente.

 - É por que está com outra mulher? - inquiriu Karen.

 - Por suposto que não!

 - Não é violento nem bebe, verdade?

 - Karen, claro que não! Simplesmente... não me ama.

- E é esse o problema? Mas se mandou um helicóptero a  recolher-me para que possa vir comer contigo... da pulo de cada uma de tuas palavras, contemplando-te constantemente... vamos, é capaz de  qualquer coisa para te agradar.

Darcy se encolheu de ombros sem deixar-se impressionar. Dormiam em quartos separadas, e Luca não tinha feito a menor tentativa de  mudar isso. Era como se o sexo não existisse para ele. Darcy não podia deixar de recordar o que uma vez lhe tinha confessado: que provavelmente fosse o fato de que era uma ladra o que lhe  resultava mais perigosamente excitante. Era como se tivesse perdido de repente seu sex-appeal para ele. Aparte disso suas relações iam cada vez melhor.

Darcy se sentia cada vez mais apaixonada. Não obstante não estava segura de que isso fosse bom. Luca se mostrava considerado, amável e alentador. Nunca perdia a paciência, nem sequer quando Zia se punha rebelde. E a levava para jantar constantemente. LEVAVA-A a festas, comportava-se como se estivesse orgulhoso dela e a afagava. Sorria e se ria, mas pela noite ia só para sua cama.

 - Te ocorreu mencionar-lhe que o amas? Eu diria que não resulta demasiado óbvio por tua forma de comportar-te - opinou Karen -. Ou talvez é que não se lhe dê bem dizer-te.

Uma hora mais tarde, depois de Karen ir embora, Zia entrava no dormitório de sua mãe com meias novas. Aqueles dias Zia parecia realmente feliz. Luca entrou imediatamente depois.

 - Passaste bem com Karen?

 - Sim, fantástico... deveria de tê-la convidado eu, mas não pensei que quisesse deixar sua casa agora que tem um romance com Richard.

Só com olhá-lo Darcy sentia que se lhe secava a boca e lhe  acelerava o pulso. Por isso se tinha acostumado a não o olhar diretamente nos olhos. Bastava uma rápida olhada. Se Luca não a desejava o pior que lhe podia acontecer era que suspeitasse de que ela o desejava.

 - Darcy... convidei a Karen com a esperança de que te alegrasses, mas não parece ter feito muito efeito.

 - Não se pode vendar o que não está ferido.

 - É esse um desses estranhos ditos ingleses? - Darcy não respondeu. Nem sequer o olhou. - Sabes de uma coisa, cara minha? Decidi que o tato, a paciência e a delicadeza não funcionam contigo.

 - É provável - concedeu Darcy perguntando-se por que elevava a voz.

 - De fato qualquer homem o suficientemente estúpido como para tratar de ganhar tua confiança acabaria na tumba antes de  conseguí-lo.

 - Ganhar a minha confiança? - repetiu Darcy.

 - E que diabos crês que tenho estado fazendo durante o último mês? - perguntou Luca de repente cheio de frustração.

O tom de voz de Luca a fez voltar-se para olhá-lo. Em seu rosto se refletia a mesma solidão que Darcy via em seu próprio semblante cada manhã. Luca fez um gesto com as mãos e continuou:

 - Primeiro me dás esperanças, e no minuto seguinte me jogas a um lado – grunhiu. - Não preciso que me digas que destrocei nossa relação, levo tempo tratando por todos os meios de arrumá-la... mas tu pareces afastar-te cada vez mais e mais de mim, e não posso suportá-lo quando te amo tanto!

- Que tu... amas-me? - sussurrou Darcy trêmula.

- Me disseste que aquela noite em Veneza te tinhas apaixonado de mim, e isso me deu esperanças.

- E se me amas por que estás dormindo em outra quarto? - exigiu saber Darcy em tom acusador. - Por que nunca me tocas?

- Queria que te desses conta de que te quero para valer – respondeu ele sinceramente sentido.

- Vá uma maneira de demonstrar-se!-  Fui tão desgraçada!

Luca cruzou a distância que os separava de um só passo..

- Estava esperando que tu me desses um sinal... não posso dar nada por certo em nossa relação.

- Se me amas podes dar por certo tudo o que queiras.

Luca se inclinou para beijá-la na boca com um gemido afogado iniciando uma corrente de reações no corpo de Darcy, que se pôs a tremer. ESTREITOU-A com tal força que mal pôde respirar. Segundos mais tarde corria a fechar com o trinco a porta enquanto dizia:

 - Nunca na vida me tinha sentido tão frustrado, cara minha.

 - Nem eu... fui uma estúpida antepondo meu orgulho a tudo o demais, excluindo-te quando precisava de ti em lugar de demonstrar-te.

- Quero-te muito... muito... muito. Deverias de ter-te dado conta.

- Mas se nem sequer me olhavas! - exclamou Luca tomando sua mão para beijá-la. - És uma pícara.

 - Me agrada que os homens façam todo o trabalho. A última vez que foi ao revés tive que sair pela janela com o alarme soando... e ademais acabei gestante - assinalou Darcy em sua defesa.

 - Mas Zia é preciosa, e não é motivo de arrependimento. Ademais, eu me apaixonei loucamente de ti faz três anos.

 - Isso me custa acreditar...

 - Porque não te valorizas o suficiente - exclamou Luca. - Deixaste-me fora de combate. Eras completamente diferente do resto das  mulheres às que tinha conhecido. Aquela noite fiquei dormindo contigo em meus braços totalmente satisfeito...

 - E desde então tudo saiu mau.

- Sim, passei três horríveis anos seguindo-te a pista por todas as partes... não te equivoques, estava completamente obcecado - lhe  confessou Luca. - Nunca admiti o que sentia por ti, nem sequer diante mim mesmo, mas mal podia esperar o dia do casamento... só pensava em dormir contigo.

 - Sim, já me dei conta do importante que era para ti. - Nem sequer sabia que me ocorria - continuou Luca ruborizando-se, - mas estava feliz de voltar a ter-te em minha cama, sob meu teto, agarrada... E então Ilaria confessou o roubo e aquilo me afundou no mais completo fracasso.

- Eu sei - suspirou Darcy.

- Foi então quando compreendi que te amava. Tinha jogado tudo a perder. Não tinha nada a que agarrar-me, só esse estúpido acordo de casamento... para que outra coisa ias precisar de mim?

- Deus, não pensei nisso...

- Por isso decidi que te sentirias mais cômoda se me afastava de ti e te permitia esquecer por uma temporada o bastardo do que eu era - confessou Luca inclinando-se para tomá-la possessivamente em  seus braços e levá-la à cama. - E então Benito me informou da revista. Sei que na realidade não pensas que seja tão maravilhoso, mas naquele momento o li mais de dez vezes...

- E por isso tu o sabias de cor - o interrompeu Darcy deixando cair os sapatos.

Luca lhe desabotoou o vestido e posou os lábios sobre os ombros nus.

- Pensei que se tivesses me odiado realmente, o artigo não teria tido essa estranha nota agridoce, assim me deixei inspirar pela esperança e...

- E uma boa quantidade de ego...

- E tomei o avião - terminou ele a frase. - Quando compreendi que Zia era minha filha me senti extasiado... quero dizer que era outra forma de agarrar-me a ti.

 - Mas o jogaste a perder tudo outra vez dizendo-me que tínhamos que continuar casados por causa de Zia. - Quero muito a minha filha, mas precisava sentir que tu me querias por mim mesma.

 - Fui muito torpe. Pressionei-te demais, fui demasiadamente depressa. Não me atrevia a dizer-te que te amava porque pensei que nunca me acreditarias.

 - Pode ser que sim... Sou mais confiada e crédula do que tu - caçoou Darcy feliz.

Luca tirou uma pequena caixa do bolso da jaqueta e a abriu. Dentro tinha um anel. O rubi refletia a luz intensamente. Darcy conteve o alento.

 - É este, não é verdade?... É o ditoso anel que pensaste que tinha roubado.

 - Sim, o Adorata - sorriu Luca pondo-o no dedo.

 - É realmente precioso - sussurrou Darcy.

 - Segundo a tradição dos Raffacani se o presenteiam a sua mulher no dia do nascimento de seu primeiro filho, do herdeiro, mas como estamos nos anos noventa creio que já é hora de mudar isso.

 - Sim, isso me agrada - respondeu Darcy. - Nada de tolices sexistas nem de que os filhos são mais importantes que as filhas.

 - Até agora não me atrevia a perguntar mas... seria possível que estejas gestante outra vez?

 - Não, a não ser que me tenhas raptado em sonhos. Não, desta vez não, mas talvez mais tarde - concedeu Darcy enredando os dedos em seu cabelo. - Deus, encanta-me poder enredar os dedos assim... estais sempre tão penteado!

 - Não me agradou que dissesses que os banqueiros eram aborrecidos - lhe confiou Luca. - No entanto, depois, na entrevista, disseste que era o homem mais apaixonado que tinhas conhecido.

 - E o és... comigo, com Zia. És muito cálido depois dessa fria fachada.

 - Te disse alguém o sexy que estás com botas de borracha?

 - Agora sim estou convicta de que me queres!

E, depois de exclamar aquilo, Darcy reclamou sua boca e prometeu a si mesma um futuro cheio de bênçãos e felicidade.

 

                                                                                            Lynne Graham

 

 

                      

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