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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A VINGANÇA DO GREGO / Jennie Lucas
A VINGANÇA DO GREGO / Jennie Lucas

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Nevava tão copiosamente que Anna Rostoff mal conseguia ver pelo pára-brisas. Estacionou o carro diante do palácio e puxou o travão de mão. Estivera prestes a sofrer um acidente em duas ocasiões, mas voltava com provisões e, o que era mais importante, com o medicamento para o seu bebé.

Colocou o saco num braço e subiu na escuridão os degraus cobertos de neve. Estavam a poupar electricidade para poderem comprar comida e fraldas, portanto não havia nenhuma luz na casa. Apenas a lua iluminava o bosque russo.

"Conseguiremos", disse Anna para si. Embora apenas estivessem em Abril e a Primavera demorasse a chegar, ainda restavam velas e lenha. Assim que arranjasse trabalho como tradutora, poderia começar uma nova vida com o seu bebé de quatro meses e a sua irmã mais nova. Depois da tortura dos meses anteriores, finalmente começava a ver uma luz ao fundo do túnel.

Um calafrio percorreu-lhe as costas ao colocar a chave na fechadura. A porta estava aberta. Sustendo a respiração, empurrou-a e entrou no hall. A luz de uma vela

iluminava a penumbra e um golpe de vento empurrou flocos de neve para o interior.

- Natalie? - a sua voz ecoou no corredor. Como resposta, ouviu um grito sufocado.

Anna deixou cair o saco e correu para as traseiras. Uma figura recortava-se contra o fogo da lareira. Nikos! Anna olhou, aterrorizada, para o berço vazio.

- Levaram o menino, Anna - choramingou Natalie, olhando para ela com uma expressão assustada por detrás dos seus óculos grossos. Alguns guarda-costas corpulentos ladeavam-na. Natalie tentou levantar-se da cadeira que ocupava, mas um dos homens de Nikos impediu-a.

- Chegaram quando estava a dormir. O seu choro acordou-me e tentei pará-los, mas...

 

 

 

 

Misha! Para onde o teriam levado? O seu menino, o seu bebé. Tê-lo-iam tirado da Rússia? Desesperada, Anna virou-se para o homem que amara há tempos atrás.

A expressão do seu rosto provocava medo. O homem com que se rira em Nova Iorque e em Las Vegas desaparecera. No seu lugar, tinha diante de si outro, frio e cruel.

Inclusive na penumbra, Anna pôde apreciar a sua pele morena e o seu cabelo escuro. O nariz que lhe tinham partido na infância continuava a ser a única imperfeição no seu rosto de beleza clássica. Continuava tão bonito como sempre, mas sofrera uma transformação. Os seus ombros e os seus braços pareciam mais musculados, como se tivesse dedicado os últimos meses a lutar com os seus adversários. As suas maçãs do rosto pareciam mais marcadas do que nunca e os seus olhos azuis, frios e distantes. Ao olhar para eles, Anna sentiu que mergulhava num oceano gelado.

No passado, amara aquele homem com loucura. Naquele momento, odiava-o. Traíra-a e com os seus beijos e as suas palavras sedutoras conseguira que se traísse a si mesma.

- Olá, Anna! - a sua voz soou grave e ameaçadora. Ela foi até ele e agarrou-o pelas lapelas.

- O que fizeste com o meu filho? Ele segurou-a pelos pulsos.

- A partir de agora, deixa de estar à tua responsabilidade.

- Devolve-mo. -Não!

Anna tentou soltar-se. Há algum tempo, o seu corpo ardia assim que ele lhe tocava, mas já não. Deixara de ser assim ao descobrir o tipo de homem que era.

- Misha! - gritou Anna, desesperada. Nikos agarrou-a com força e puxou-a para si.

- O meu filho deve estar comigo.

Anna esperava ouvir aquelas palavras. Voltou a contorcer-se e, daquela vez, Nikos largou-a. Ela apoiou-se numa mesa para não perder o equilíbrio. Devia manter-se forte, tinha de preservar o seu filho.

Os seus esforços foram inúteis e uma lágrima caiu pela sua face. Anna secou-a bruscamente e olhou para Nikos com uma expressão altiva.

- Não podes fazer-me isto!

- Posso e quero fazê-lo. Na noite em que fugiste com ele como uma ladra, perdeste o direito de ser mãe dele.

Anna levou as mãos à boca. Nikos tinha o poder e o dinheiro necessários para conseguir fazer com que nunca mais visse o seu filho. Fora uma estúpida ao fugir e o seu pesadelo acabava de se tornar realidade: o seu filho cresceria sem ela, em Las Vegas, com um milionário cruel e a sua nova amante.

- Desculpa, Anna - gemeu Natalie, atrás de si. Juro-te que tentei impedi-los.

- Calma, Natalie - consolou-a Anna. Mas não havia consolo possível. Já nada poderia correr bem.

Ouviu uma porta bater com força, o que a sobressaltou. Um terceiro guarda-costas entrou e deixou uma bandeja sobre a mesa. Nikos aproximou-se e serviu-se de chá numa chávena de porcelana que pertencera à avó de Anna. Esta observou-a e pensou que, nas mãos de Nikos, parecia ainda mais frágil e quebradiça do que o habitual. Aquela chávena representava uma metáfora da realidade: Nikos podia destruir o que quisesse.

- Estou aqui há duas semanas - disse ela, com amargura. - Porque demoraste tanto?

- Ordenei aos meus homens para que esperassem até tu e o menino estarem afastados, para evitar que cometesses alguma tolice - disse ele, olhando fixamente para ela.

- Fui uma estúpida - murmurou ela.

- Demoraste quatro meses a aperceber-te?

Anna nem sequer lhe prestou atenção. A maior estupidez que cometera fora ir para o antigo palácio do seu tetravô, achando, ingenuamente, que Nikos não iria procurá-la ali. Embora hipotecado, era a única posse familiar que lhes restava e Natalie estava a restaurar os frescos com a esperança de encontrar um comprador e conseguir pagar as dívidas.

Mas aquele esforço era tão inútil como pretender fugir de Nikos Stavrakis e dos seus guarda-costas.

Mesmo que conseguisse telefonar à polícia, quando aparecesse, Nikos já estaria longe. Isso se não tivesse subornado todos aqueles que poderiam ajudá-la. O seu poder e o seu dinheiro colocavam-no acima da lei.

Portanto, só lhe restava uma opção: suplicar.

- Por favor! - sussurrou. Respirou fundo e levantou a voz. - Nikos, por favor, não leves o meu filho. Se o fizeres, morrerei.

Ele lançou uma gargalhada sarcástica.

- Isso seria uma vantagem. Anna lançou-lhe um olhar furioso.

- És um canalha sem coração!

- Sem coração, eu? - repetiu ele. Atirou a chávena para o fogo, que se partiu em pedacinhos. Anna recuou, atemorizada. - Deixaste que acreditasse que tu e o meu filho tinham morrido! Voltei de Nova Iorque e já não estavam em casa. Sabes quanto tempo esperei por uma carta a pedir um resgate ou que encontrassem os vossos cadáveres? Sete dias. Deixaste que passassem sete malditos dias antes de me deixares saber que estavam vivos!

Anna sentiu que ficava sem fôlego.

- Tu traíste-me e causaste a morte do meu pai! Achavas que não descobriria?

Nikos semicerrou os seus olhos escuros.

- O teu pai tomou as suas próprias decisões. Tal como tu. Vou levar o meu filho.

- Não, por favor! - os olhos de Anna encheram-se de lágrimas. Puxou a manga de Nikos. - Não podes fazê-lo. Ainda estou a dar-lhe peito. Pensa no que aconteceria a Misha se perdesse a sua mãe...

Uma sombra atravessou o rosto de Nikos e Anna mordeu a língua ao aperceber-se de que acabava de revelar que não cumprira a promessa que lhe fizera em relação ao nome do seu filho.

De repente, Nikos mostrou os dentes num sorriso gelado.

- Estás enganada, zoe mou. Não pretendo afastá-lo de ti.

Anna emocionou-se tanto que esteve prestes a dar-lhe um abraço.

- Obrigada! Cheguei a achar que... Nikos deu um passo para ela.

- Porque penso levar-te comigo.

Aquele devia ter sido um momento triunfal e, no entanto, Nikos só se sentia furioso. Andava há quatro meses a sonhar vingar-se de Anna. Fazer justiça.

E a justiça que acabava de conseguir fê-lo sorrir com amargura. Levando Anna para Las Vegas, teria de a ver todos os dias e isso transformar-se-ia numa tortura para ele.

Inicialmente, pensara levar só o seu filho. Mas, assim que o vira, sentira um amor profundo por ele e soubera que nunca poderia fazer nada que o prejudicasse.

Durante quatro meses, odiara Anna, mas o seu filho precisava dela e magoá-la era magoar o seu filho. Formavam um só.

Praguejou e semicerrou os olhos. Anna perdera peso. Sob a gabardina entreaberta, podia ver o perfil dos seus seios apertados numa camisola justa e a curva das suas ancas numas calças de ganga justas. À volta dos seus olhos azul-esverdeados viam-se rugas de cansaço e preocupação que antes não tinha. A secretária imaculada desaparecera e, no seu lugar, estava diante de si uma mulher com o cabelo escuro, solto e despenteado, sexy...

Anna respirou fundo lentamente e olhou, suplicante, para ele. Continuava a ser a mulher mais bonita que já vira na sua vida. A sua herança aristocrática notava-se na estrutura óssea da sua cara e em cada um dos seus movimentos.

No passado, ele admirara a sua capacidade, a sua dignidade e a sua elegância. Como sua secretária executiva, fora o seu canal de comunicação com funcionários, empregados, vendedores e investidores, chegando a tomar decisões em seu nome. Projectava perfeitamente a imagem dele e da sua cadeia internacional de hotéis de luxo. Ainda sentia falta da sua presença de secretária eficaz e calma, capaz de resolver qualquer problema.

Por isso, arrependia-se de ter ido para a cama com ela.

E ainda o enfurecia mais que a atracção que sentia por ela não tivesse diminuído minimamente.

Misha. Tratar-se-ia de um diminutivo russo de Michael?

Anna prometera-lhe pôr o nome do seu avô paterno, mas, como era de esperar, também lhe mentira nisso. Era tão mentirosa como o seu pai.

- Ordenarei a Cooper que arrume as tuas coisas -

disse, cortante.

- Não devíamos esperar que a tempestade passasse?

- Não. Temos correntes e condutores experientes. Anna olhou para o berço vazio com desolação.

- Ganhaste. Vou contigo - disse, calmamente. Claro que ganhara. Ele ganhava sempre. Mesmo à custa de pagar um preço do qual poderia arrepender-se.

- Vamos - resmungou.

Avançou para a porta, mas a voz de Anna fê-lo parar.

- E Natalie? Não posso deixá-la sozinha.

- Porquê? - perguntou a sua irmã.

Nikos virou-se com um sorriso sarcástico nos lábios. Acharia Anna que podia ditar as condições da sua rendição? Pretendia que acolhesse duas mulheres Rostoff em sua casa?

- Não vou com ele para lado nenhum e muito menos depois do que fez ao nosso pai! - acrescentou a jovem, dirigindo-se exclusivamente à sua irmã.

Anna ignorou-a.

- Olha à tua volta, Nikos. Como vês, não temos dinheiro. Estava à procura de emprego como tradutora para nos sustentar. Não posso abandonar a minha irmã.

- Tenho vinte e dois anos e posso cuidar de mim! Anna virou-se para ela.

- Mal falas russo e só percebes de Arte. Nem a mamã nem eu podemos dar-te dinheiro. O que vais comer? Pincéis?

Os olhos de Natalie encheram-se de lágrimas.

- Se falássemos com Vitya, talvez ele...

- Nem pensar! - gritou Anna.

Nikos perguntou-se quem seria aquele Vitya. Outro aristocrata arruinado como o pai de Anna? Ela contara-lhe como o seu pai as sustentara graças à caridade dos seus amigos ricos. Aquela era a razão pela qual falava fluentemente francês, russo, espanhol e italiano. Embora tudo aquilo tivesse acontecido antes de Alexander Rostoff se transformar num vigarista.

"Aristocratas!", pensou Nikos, com desdém. Anna preferira raptar o seu filho e andar a saltar de um pobre apartamento para outro, em vez de viver na sua confortável casa de Las Vegas, na de Nova Iorque ou na villa de Santorini.

Nikos olhou à sua volta. A parte de trás do palácio fora transformada num apartamento austero durante a época dos sovietes.

- Como consentiste que o meu filho vivesse aqui? perguntou, subitamente indignado. - Que tipo de mãe és?

Anna esbugalhou os olhos, enquanto se agarrava às costas altas de uma cadeira.

- Mantive a casa quente e...

- Quente? - Nikos dirigiu o olhar para a lareira e para as velas hesitantes que iluminavam a sala.

Anna franziu o sobrolho.

- Fiz o máximo que pude.

Nikos fez uma expressão de desdém. Naquele momento, entrou Cooper, o seu braço direito e chefe de segurança, e fez-lhe um sinal com a cabeça.

Nikos olhou para o seu relógio antes de dizer:

- As tuas coisas estão no carro. Vens ou preferes que as deixemos na neve?

- Primeiro, temos de fazer as malas de Natalie...

- Será que não me expliquei com clareza suficiente? Não vou levar a tua irmã connosco. Considera-te sortuda por te levar.

Anna cruzou os braços e levantou o queixo num gesto que Nikos conhecia bem. Significava que estava disposta a discutir até ter de a arrastar para fora do palácio.

- Muito bem. Se preferires, fica disse, virando-se para a porta e fazendo um sinal aos guarda-costas para que o seguissem. - Podes visitar-nos no Natal.

Tal como esperava, Anna parou-o, agarrando-lhe no braço.

- Espera! Sabes que irei contigo, mas não posso abandonar Natalie.

Nikos tentou soltar-se. Ao olhar para Anna, viu que tinha os olhos cheios de lágrimas. Porque é que as mulheres tinham a capacidade de chorar de cada vez que queriam alguma coisa? Com ele, não serviriam de nada...

- Talvez tu tenhas de ir com ele, Anna, mas eu não disse Natalie, desafiadora.

Nikos olhou para ela. Lutara como uma leoa paraproteger o seu sobrinho, mas naquele momento parecia apenas uma menina indefesa.

Por um instante, sentiu algo parecido com culpa, mas afastou aquele sentimento, dizendo para si que não era responsável por os Rostoff estarem arruinados.

Durante os cinco anos em que Anna fora sua secretária, ganhara bem. Visto que, ao contrário da sua actual secretária, nunca mostrara nenhum interesse por roupa ou objectos caros, não conseguia compreender no que teria gastado o dinheiro.

Olhou para Natalie. Ela também não parecia apreciadora do luxo. Usava uma camisola larga e uma bata por cima. Olhava para o fogo com uma expressão abatida, contemplando os pedacinhos da chávena que ele partira alguns minutos antes.

Nikos apertou os dentes e fez um sinal a Cooper, que se aproximou imediatamente dele.

-Sim?

- Encarrega-te de que a jovem tenha dinheiro suficiente para ficar aqui ou para voltar para Nova Iorque, se quiser - baixando a voz, acrescentou: - E procura uma chávena para substituir a que parti, custe o que custar.

Cooper assentiu ao estilo militar e Nikos virou-se para Anna.

- Satisfeita?

Anna levantou a cabeça. Nem mesmo conseguindo o que exigira abandonava a sua atitude irritada.

- Como posso saber que vais cumprir a tua palavra? Aquela pergunta enfureceu Nikos. Ele cumpria sempre as suas promessas. E, no entanto, Anna atrevia-se a insinuar que não era de confiança.

Sentiu tal ódio por ela que, durante uma fracção de segundo, pensou em deixá-la para trás. Mas pensar no seu filho fê-lo reconsiderar.

Apertou os dentes e disse:

- Telefonas à tua irmã quando chegarmos a Las Vegas.

- Está bem - Anna foi até à sua irmã, pálida. - Promete-me que aceitarás a ajuda dele, Natalie, por favor.

Natalie hesitou e, por um instante, Nikos pensou que recusaria.

- Está bem - disse, finalmente, com uma expressão severa. - Afinal de contas, só estarei a recuperar parte do que roubou ao papá.

O que raios Anna lhe teria contado? Aquela não era a ocasião adequada para descobrir. Fizera o possível para esconder a verdade a Anna, mas era evidente que chegara o momento de parar de a proteger e de lhe mostrar o homem que era. Tinha a certeza de que desfrutaria.

Anna pagaria pelos seus crimes assim que chegassem a Las Vegas. Em privado.

"Sim", prometeu-se, esboçando um sorriso. "Pagará por tudo o que fez."

Anna fez a viagem do aeroporto de Las Vegas até à propriedade de Nikos no deserto numa nebulosa.

Em apenas uma noite, deixara para trás a escuridão e o Inverno. Mas, se estava desconcertada, não era só pela intensidade da luz nem pelo azul resistente do céu, nem pelos matagais de urze que ladeavam a estrada privada, nem pelo calor que lhe golpeara o rosto, mas porque tudo permanecia tal como o deixara.

- Olá, menina! - cumprimentou-a a governanta, quando entraram no grande hall.

- Bem-vinda, menina! - cumprimentou uma criada, sorrindo timidamente para o bebé que Anna trazia nos braços.

Assim que o carro atravessara o gradeamento, o mordomo e um regimento de criados tinham vindo receber Nikos. Naquele momento, avançava com eles pela luxuosa fortaleza a que chamava o seu lar, à frente de Anna, a assinar papéis e a dar ordens. A bagagem de Anna desaparecera nas mãos de um criado e esta perguntava-se para onde a teria levado. Para o quarto de hóspedes? Para uma masmorra?

Para o quarto de Nikos?

A ideia fê-la estremecer. Isso era impossível.

Durante os meses de gravidez, aquele quarto transformara-se na sua casa. Adormecera nua nos braços de Nikos nas noites quentes. Beijara-o com toda a sua alma. Sonhara com o seu anel de noivado, rezando para que a relação durasse.

Chegara a achar que, se Nikos a abandonasse, morreria. Mas, por fim, fora ela quem partira.

Assim que Nikos descobrira que estava grávida, despedira-a. Anna passara de sua assistente de confiança a uma prisioneira numa jaula de ouro. Nikos obrigara-a a descansar, apesar de a sua gravidez não apresentar nenhuma complicação, e dera o emprego que ela adorava a uma linda loira sem formação. Depois, ordenara aos empregados que bloqueassem os telefonemas da sua mãe e da sua irmã. E, por fim, nos últimos meses recusara-se a tocar-lhe, para acabar por a abandonar e ir viver com a sua secretária Lindsey num apartamento de luxo.

Tudo aquilo devia ter sido suficiente para Anna partir, mas só o fez quando encontrou os papéis que provavam que Nikos levara, deliberadamente, à falência do negócio têxtil do seu pai.

Anna apertou os punhos. A sua fuga fora um acto de defesa pessoal.

Mas o tempo passara e estavam de volta. Enquanto atravessavam a galeria com os retratos de família, conseguiu cheirar as flores do deserto. A Primavera chegava cedo no sul do Nevada e costumava ser muito breve. O vento e o sol penetravam pelas grandes janelas e faziam oscilar as cortinas. Os passos de Anna ecoavam enquanto seguia Nikos e os seus homens.

Mas havia uma mulher entre eles. A loira perfeita que a substituíra no escritório de Nikos e na sua cama.

Anna viu como Lindsey se inclinava para Nikos com uma expressão de ansiedade, enquanto lhe tocava no braço, e teve de pestanejar com força para ignorar a pontada de dor que sentiu ao ver que continuavam juntos.

Nikos estava tão bonito como sempre. Tomara banho no avião e usava umas calças pretas e uma camisa branca que realçava a sua pele bronzeada. Destacava-se entre os outros, não só por ser o mais alto, mas também pelo ar de poder que transmitia.

Sempre o admirara. Tanto que, mesmo depois do que passara, Anna olhava para ele e sentia uma pressão no peito. Não lhe custava recordar os anos que tinham trabalhado juntos e como, mesmo sabendo da sua arrogância, sempre o considerara sincero e honesto. Ao contrário do seu anterior chefe, Victor, nunca tentara seduzi-la. Durante cinco anos, preocupara-se em ensinar-lhe o negócio e chegara a ter em consideração os seus conselhos e opiniões. Pelo menos até à noite, há treze meses, em que se apresentara diante da sua porta e tudo mudara entre eles.

Aquele trabalho significara tudo para ela. Fizera-a sentir-se forte e valorizada pela primeira vez na sua vida. Não era lógico que se apaixonasse pelo seu chefe, mesmo sabendo que era um Don Juan

Nikos virou-se para olhar para ela, como se sentisse os seus olhos cravados nele.

- Imagino que saibas que te odeia.

Anna levantou o olhar para Lindsey, que estava ao seu lado. Usava um fato elegante e observava-a com o sobrolho franzido. As suas pernas morenas e longas pareciam intermináveis sobre uns saltos altos.

Em comparação com ela, vestida com a mesma t-shirt e calças de ganga do dia anterior, e o cabelo despenteado, Anna sentiu-se suja e envelhecida, cansada de andar de um lado para o outro à procura de emprego para sustentar o seu filho.

Não era de estranhar que Nikos preferisse Lindsey, tão jovem e tão bonita. E sabê-lo, por mais que odiasse Nikos, continuava a causar-lhe dor.

- É-me indiferente que me odeie Anna rodou a aliança do seu tetravô no dedo com nervosismo. Recusava-se a que Lindsey notasse o quão vulnerável se sentia e o medo que tinha de que lhe arrebatasse tudo aquilo que lhe importava. Nikos já era dela. Chegaria a sê-lo Misha?

Lindsey levantou uma das suas sobrancelhas perfeitas numa expressão de incredulidade.

- Achas que Nikos quer que voltes para ele? Anna afastou o cabelo da testa do seu filho.

- Não tenho nenhum interesse em voltar para ele. Só estou aqui pelo meu filho. Nikos pode ir para o inferno!

A jovem dedicou-lhe um sorriso que lhe pôs os cabelos em pé.

- Custa-me acreditar - disse, franzindo o sobrolho.

- Deves saber que Nikos está comigo e garanto-te que o mantenho muito satisfeito. Não demoraremos a casar-nos.

Anna lançou um olhar ao seu dedo anelar e quase sentiu pena dela, ao ver que não usava anel de noivado.

- Pediu-te em casamento? -Não, mas...

- Então é melhor não te enganares - disse Anna. Nikos não é o tipo de homem que se casa.

Lindsey parou de repente e agarrou-a pelo pulso.

- Ouve-me, rameira - sussurrou, - Nikos é meu! Não penses que podes voltar com o teu cãozinho e...

Detrás de Lindsey, chegou a voz de Nikos:

- Que agradável! Estão a pôr a conversa em dia sobre o escritório? - perguntou, com sarcasmo.

Lindsey virou-se, corada, para ele.

- Não, só... - balbuciou.

Anna reprimiu um sorriso de satisfação perante o desconforto da loira, porém a sua alegria viu-se toldada quando Nikos se aproximou dela e estendeu a mão para o saco que tinha ao ombro.

- Dá cá isso.

- Porquê? - aquele saco continha as fraldas de Misha e tudo o que lhes fora imprescindível nos últimos meses.

- Porque o meu filho precisa dele - Nikos tirou-lho do ombro. Ao fazê-lo, roçou-lhe com a mão e uma corrente eléctrica, que lhe paralisou o coração durante uma fracção de segundo, percorreu Anna.

Quando recuperou, viu com horror, que Nikos lhe tirava Misha dos braços e o entregava, juntamente com o saco, a Lindsey.

- Não! - gritou Anna, a plenos pulmões.

Nikos olhou fixamente para ela, como se lhe apontasse uma arma.

- Grita o que quiseres. Estou desejoso que me dês uma desculpa para te expulsar de minha casa - disse, com frieza.

Anna abriu e fechou a boca.

- Sabia que acreditarias em mim - disse Nikos. E virando-se para Lindsey, continuou: - Leva o meu filho para o quarto dele. Eu vou já.

Lindsey lançou um olhar triunfante a Anna.

Com prazer - disse a jovem com o sorriso de uma hiena.

Ao passar junto de Nikos, este beijou a testa do seu filho.

- Bem-vindo a casa, meu filho - disse, com doçura.

Depois, Anna viu, com horror, como o seu doce menino se afastava nos braços de Lindsey, em direcção ao quarto de Misha, e perguntou-se se Nikos teria destruído os frescos que Natalie pintara e os móveis de antiquário com os quais ela o decorara. Com o coração apertado, disse para si que talvez Nikos tivesse pedido a Lindsey que o redecorasse com móveis de catálogo.

Por mais que tivesse odiado ter de andar a fugir de um lado para o outro, preferia-o à tortura que representava estar naquela casa povoada de lembranças. E o mais cruel de tudo era ter de ver Nikos, o homem que, ingenuamente, respeitara e amara.

- Não gostas de Lindsey, pois não? - perguntou Nikos, observando-a.

-Não.

- Porquê?

Anna não estava disposta a admitir que, apesar de tudo, ainda sentia algo por ele.

- Tu sabes. Depois de me despedires, recebi inúmeras chamadas de gerentes e vendedores a dizerem que ela não os deixava falar contigo ou que não te passava as mensagens que deixavam. Os erros dela devem ter custado vários milhares de dólares à empresa. Por causa dela, atrasou-se a licença de bebidas alcoólicas.

Nikos apertou os lábios.

- Mas disseste que as queixas cessaram.

- Sim - replicou Anna. - Quando deste ordem para não me passarem nenhuma chamada.

- Fi-lo para teu próprio bem. As chamadas perturbavam-te e não era bom para o bebé.

- A minha mãe e a minha irmã precisavam de mim. O meu pai tinha acabado de morrer!

- A tua mãe e a tua irmã têm de aprender a resolver os seus próprios problemas e a não dependerem de ti. Tu tinhas uma nova família com que te ocupar.

Anna endireitou os ombros. Recusava-se a voltar a ter aquela discussão com Nikos.

- Tal como tu agora tens uma nova secretária para cuidar de ti. Como é a resolver os teus problemas? Aprendeu a escrever à máquina?

Nikos apertou os dentes.

- Vejo que sentes curiosidade pelas suas habilidades.

Anna não tinha dúvida nenhuma de que tipo de habilidades Lindsey possuía. A discussão com Nikos, o facto de lhe ter tirado o bebé, a emoção que sentira quando lhe roçara... De repente, sentia-se esgotada, exausta, prestes a perder o controlo. Não descansava há meses. Esfregou os olhos.

- Está bem - disse. - Acho que Lindsey é malvada e superficial. Nunca deixaria Misha ao seu cuidado. O facto de ocupar a tua cama não a transforma na pessoa ideal para cuidar do nosso filho.

Nikos arqueou um sobrolho.

- Tens a certeza? No entanto, tu cuidaste dele precisamente porque durante algum tempo ocupaste a minha cama.

Os seus olhares encontraram-se e isso bastou para que Anna sentisse que a temperatura do seu corpo aumentava. Um estremecimento percorreu-a e uma gota de suor rolou entre os seus seios, como se Nikos lhe tivesse tocado novamente, como se a tivesse beijado e a tivesse encurralado contra a parede com o seu corpo.

Um olhar bastava para lhe cortar a respiração.

Nikos desviou a vista e Anna recuperou o fôlego.

- Como de costume - resmungou ele, - enganas-te. Lindsey é só a minha secretária.

Também Anna fora só a sua secretária durante muito tempo.

- Sim, pois! - respondeu, céptica.

- E apesar de todas as suas falhas - Nikos olhou para ela com severidade, - pelo menos ela é leal, ao contrário de ti.

- Eu nunca...

- Nunca o quê? Nunca enganaste um guarda-costas para que te levasse ao médico e pudesses fugir pela porta das traseiras? Nunca prometeste chamar Andreas ao meu filho? Eu fiz o possível para cuidar de ti, Anna. Nunca mais terias de trabalhar nem preocupares-te com nada. Só te pedi que fosses leal a mim e ao filho que esperávamos. Era pedir demasiado?

O seu olhar de ódio queimou Anna como ácido. A tensão dos seus músculos via-se através da camisa.

Anna corou. No dia do parto, em Mineápolis, rodeada de estranhos, pensara no seu tetravô, Mikhail Ivanovich Rostov, que, embora tivesse nascido príncipe, tivera de fugir em criança da Rússia para começar uma nova vida num país distante e parecera-lhe apropriado pôr-lhe o seu nome ao seu filho. Mas, quaisquer que fossem as suas razões, Nikos tinha razão: quebrara a sua promessa.

- Lamento em relação ao nome - balbuciou.

- Só em relação ao nome? - Nikos aproximou-se dela numa atitude ameaçadora.

Anna recuou, atemorizada.

- Mas tu perdeste o direito de escolher o seu nome as suas costas chocaram contra a parede. Não tinha escapatória, - quando...

- Quando o quê? - exigiu saber Nikos a apenas alguns centímetros dela.

Quando arruinara o seu pai.

Quando arranjara uma nova amante. Quando lhe partira o coração.

- Alguma vez me amaste? - perguntou Anna, num sussurro.

Nikos agarrou-lhe os pulsos com força e ela susteve a respiração.

- Atreves-te a perguntar-me isso agora? - balbuciou. Um ruído atrás de si fê-la virar-se. Três criadas avançavam pelo corredor e observavam, com surpresa, como o senhor da casa apertava Anna contra a parede numa atitude que podia ser mais sexual do que ameaçadora.

Fez um gesto com a cabeça e as criadas desapareceram. Com um gemido, agarrou Anna por uma mão e obrigou-a a atravessar a porta mais próxima, que dava para a biblioteca. Fechou a porta energicamente atrás de si e o som ecoou no tecto alto.

Os olhos de Nikos brilhavam com uma estranha intensidade.

- Queres, realmente, saber se te amava?

Anna abanou a cabeça, atemorizada pelo que ia ouvir. Daria qualquer coisa para ter mordido a língua.

- Não tem importância.

- Claro que tem. Para ti.

- Esquece a pergunta - Anna tentou, desesperadamente, desviar a atenção de Nikos para outro assunto, demonstrar que não lhe importava, mas não conseguiu articular palavra.

- Não, nunca te amei, Anna. Disse-te, desde o início, que não era capaz de estar só com uma mulher. Mesmo que tivesses merecido esse tipo de compromisso... que, obviamente, não merecias...

Anna sentiu-se atravessada pela dor, mas levantou o queixo para discutir.

- Eu fui leal quando nenhuma outra mulher teria sido. Mantiveste-me prisioneira. Despediste-me do trabalho que adorava. Devia ter-te deixado quando me substituíste por Lindsey. Mas só o fiz quando descobri o que tinhas feito ao meu pai.

- Ah, sim, o santo do teu pai! - Nikos deixou escapar uma gargalhada desdenhosa. - O que demonstravam os papéis que encontraste, Anna? Que retirei da empresa dele todos os recursos que lhe tinha proporcionado?

- Sim, precisamente quando mais precisava. Finalmente, as coisas estavam a correr bem, estava a conseguir gerir a empresa, mas quando precisou de uma injecção de capital para abrir uma nova fábrica na China...

- Se retirei o dinheiro foi porque descobri que o teu pai me tinha enganado, apropriando-se, fraudulentamente, de milhões de dólares. A fábrica da China não passava de uma fachada, Anna. Tinha despedido todos os trabalhadores de Nova Iorque. Usou o meu investimento para comprar carros de luxo e casas, e para pagar as dívidas de jogo que tinha contraído com Victor Sinistyn.

- Não! - Anna sentiu que Nikos lhe espetava um punhal. - Não é possível.

Mas conforme falava, recordou o comportamento estranho do seu pai nos últimos tempos. Parara de a pressionar para que se casasse com Victor e começara a gastar grandes quantias, comprando um Ferrari, diamantes para a sua mulher e o antigo palácio da Rússia. Insistia que queria recuperar o estatuto dos Rostoff e demonstrar que eram os melhores.

- Se não te contei, nem o denunciei, foi por querer proteger-te - continuou Nikos. - Cancelei os créditos todos e notifiquei os bancos de que não me responsabilizava pelas suas dívidas. Se me tivesse pedido o dinheiro, eu mesmo lho teria dado. Mas roubou-me e tive de o deter.

Anna virou a cabeça para um globo terrestre de ouro e esmalte. Com o olhar ausente, fê-lo virar, pousou o dedo sobre São Petersburgo e pensou no quanto gostaria de continuar ali, no frio e na escuridão do palácio decrépito. Desejou, com todas as suas forças, que Nikos não a tivesse arrastado novamente para o seu mundo de opulência. A Rússia parecia um lugar aprazível em comparação com aquele inferno.

- Levaste-o à bancarrota e isso matou-o - Anna fechou os olhos para conter as lágrimas.

- Era um homem fraco e covarde, capaz de abandonar a sua família Anna sentiu os dedos de Nikos a colocarem-lhe uma madeixa de cabelo atrás da orelha. Depois, pousou a mão sobre o seu ombro. - Não posso continuar a esconder-te a verdade. Tu roubaste-me, tal como ele.

Anna tentou controlar o tremor que sentia, cravando as unhas na palma da mão para não chorar.

- Odeio-te! - murmurou.

- Fico contente - disse ele e apertou o ombro de Anna com força. - Eu também te odeio.

- Larga-me.

Arrastando-a até à parede, Nikos percorreu-lhe o braço nu com a mão.

- Não penses que aceitei que voltasses comigo sem pedir nada em troca.

Anna sentiu medo. Inclusive odiando-o como o odiava, desejava deslizar as suas mãos pelas costas de Nikos, afundar os dedos no seu cabelo e saborear a doçura dos seus lábios.

Com todo o corpo em tensão, conseguiu olhar para ele como se não sentisse nada.

- Não és um suserano. Não podes trancar-me numa masmorra e torturar-me.

Nikos acariciou-lhe delicadamente a face com as costas da mão.

- Talvez não tenha masmorras, mas posso encerrar-te no meu quarto - depois de uma pausa, acrescentou, insinuante: - E garanto-te que não haverias de querer fugir.

Anna susteve a respiração e um calafrio percorreu-a de cima a baixo. Nikos ofereceu-lhe um sorriso desdenhoso.

-A sério que gostarias? - perguntou, arrogante, acariciando-lhe a orelha com o seu fôlego. - Quererias voltar a ir para a cama comigo? Ou teria de te prender à cama e recordar-te como costumávamos divertir-nos juntos?

Anna odiou-se por não ter conseguido fazer com que o seu corpo esquecesse o que Nikos referia e por continuar a desejá-lo.

- Eu não gosto de ti disse, com a respiração entrecortada. Mas o seu corpo contradisse as suas palavras, colando-se ao de Nikos por vontade própria.

- Veremos.

Nikos inclinou a cabeça e, instintivamente, Anna fechou os olhos, humedeceu os lábios e levantou o rosto. Conseguia sentir o fôlego quente de Nikos e cheirar a fragrância do sabonete que usava; um cheiro que não teria sido capaz de descrever, mas que fazia desejá-lo com todas as suas forças.

Mas Nikos não tinha pressa e os segundos que demorou para roçar nos lábios de Anna transformaram-se numa tortura. Quando, finalmente, a beijou, o mundo começou a andar às voltas e Anna sentiu que lhe tremiam as pernas. Esperara que Nikos a beijasse voraz e agressivamente, mas fê-lo com uma delicadeza deliciosa, tal como a beijara da primeira vez, na noite em que se apresentara na sua casa, num estado de confusão atribulada.

O beijo tornou-se mais profundo e Nikos afundou os dedos no cabelo de Anna. Ela agarrou-se a ele, devolvendo-lho com uma paixão crescente.

Nikos apertou-a contra a parede, beijou-lhe o pescoço e murmurou-lhe palavras afectuosas em grego. Anna deixou escapar um suspiro de prazer ao percorrer o seu cabelo escuro e ondulado.

Sem aviso prévio, Nikos largou-a bruscamente. Anna olhou, perplexa, para ele. Ele acariciou-lhe lentamente o interior do pulso enquanto cravava nela um olhar frio e distante.

- Odeias-me o suficiente para raptares o meu filho comentou. - Mas és capaz de me beijar assim.

Depois, deixou cair o braço de Anna e afastou-se dela como se sentisse nojo. Mais uma vez, rejeitava-a.

Anna sentiu-se morrer de humilhação, ao aperceber-se de que Nikos era demasiado forte para utilizar a força física com ela. Bastava que lhe desse a oportunidade de se trair para que ela deixasse cair todas as suas defesas.

Respirou fundo para tentar recuperar a compostura.

- Não passou de um beijo. Não significou nada. Apanhaste-me de surpresa, foi só isso.

- Talvez não tenha significado nada para mim, mas para ti... - Nikos olhou para ela com ironia. - Anna, sou o teu dono. Já está na altura de aceitares que és minha em todos os sentidos.

Anna apertou os punhos.

- Não se pode possuir uma pessoa.

Nikos foi para a janela e a sua silhueta recortou-se contra a luz exterior.

- És minha. E vou fazer-te sofrer por me teres traído. Anna tinha a certeza de que sentia o que dizia e não tinha a menor dúvida de como ia fazê-la sofrer: aumentaria o seu desejo e depois partir-lhe-ia o coração, proporcionar-lhe-ia tal prazer na cama que acabaria por lhe destruir a alma.

Envenená-la-ia de amor.

Um soluço escapou da sua garganta.

- Desfruta do tempo que te resta com o teu filho disse Nikos, aproximando-se da porta. E, antes de sair, concluiu, - porque o resto dos teus dias e das tuas noites pertencem-me.

Vingança!

Nikos foi para a ala leste da casa com um sorriso brincalhão nos lábios que despertou a lembrança de Anna a derreter-se nos seus braços. Podia fazer dela o que quisesse. Com aquele beijo, descobrira tudo o que precisava.

Anna continuava a desejá-lo.

E esse seria o seu calcanhar de Aquiles.

Fazê-la sofrer seria muito mais fácil do que imaginara. De facto, já começara ao contar-lhe a verdade sobre o seu pai. Se Anna não queria que a protegesse, deixaria de o fazer.

Veria como se contorcia e ofegava como uma borboleta encurralada. Contemplaria, sem piedade, a dor nos seus olhos, até o seu coração ficar despedaçado.

Talvez, assim, Anna conseguisse compreender o que o fizera sentir ao roubar-lhe o seu filho. Ele, sim, precisava da sua protecção e do seu amor.

- Estive à tua espera - ouviu Lindsey dizer-lhe do hall, - mas, ao ver que não vinhas, deixei o bebé com a ama.

Nikos virou-se e viu-a apoiada contra a parede numa atitude sensual.

- Não pude vir antes - disse, cortante.

- Não interessa - Lindsey deslizou a mão pela sua coxa morena, apenas coberta pela mini-saia que usava, e sorriu. - Prefiro encontrar-te a sós.

Nikos respirou fundo. Não estava com humor para aguentar outra das tentativas trôpegas de sedução de Lindsey.

- Dei-te o dia livre - disse, secamente. - As negociações para a OPA de Singapura podem esperar.

- Essa não foi a razão por que vim ter contigo. Claro que não. Ao contrário de Anna, Lindsey era trôpega e ineficaz. Devia tê-la despedido há muito tempo, mas fazê-lo teria significado admitir que cometera um erro.

- O que queres, Lindsey? - perguntou, perspicaz. Ela brincou com a prega da sua saia para se certificar de que Nikos via que usava um cinto de ligas.

- A pergunta é, o que queres tu, Nikos?

Lindsey nunca se insinuara tão abertamente. Talvez, há tempos atrás, tivesse aceitado a proposta para esquecer a sua dor, mas a experiência com Anna ensinara-lhe que o sexo podia provocar uma ressaca pior do que a de tequilla com uísque.

- Vai para o escritório do casino e espera que eu telefone - disse, passando ao longe.

Encontrou o seu filho nos braços da ama roliça, uma mulher escocesa que contratara pela sua experiência excepcional com filhos de famílias abastadas.

- Bom dia, senhora Burbridge.

- Bom dia, senhor - disse ela, oferecendo-lhe o bebé.

- Pegue no seu filho.

Subitamente, Nikos sentiu pânico, ao aperceber-se de que nunca segurara num bebé ao colo e que não sabia como o fazer.

Com estupidez, agarrou-o pelas axilas.

- Senhor, coloque-o num braço e aconchegue-o no seu corpo - explicou a ama.

Nikos tentou em vão. O bebé olhou para ele com lábios trémulos e, de repente, pôs-se a chorar.

Não parece que tenha muito jeito - disse Nikos, sentindo um suor frio.

- Não se ofenda, senhor - disse a senhora Burbridge.

- Está cansado e com sono. Só precisa de comer. A sua mãe está disponível ou tenho de preparar um biberão?

Nikos mal conseguia ouvi-la por cima dos gritos do seu filho. Sentia-se o pior pai do mundo.

- Voltarei quando estiver menos cansado - disse, precipitadamente, enquanto devolvia o bebé à ama com a intenção de fugir.

Mas, ao virar-se, descobriu Anna à porta, a olhar à sua volta com uma expressão surpreendida.

- Não mudaste o quarto! - exclamou. Depois, pegou no menino e embalou-o. Os soluços depressa se transformaram em gemidos suaves, enquanto Anna olhava para as árvores e animais pintados nas paredes.

- Tinha a certeza de que tinhas pedido a Lindsey que o redecorasse.

Lindsey? Nikos olhou, desconcertado, para ela. Como haveria Lindsey de decorar a casa, se mal conseguia escrever as suas cartas?

- Porque haveria de fazer isso? - perguntou, incomodado. - Teria sido uma perda de tempo.

Na verdade, adorava aquele quarto. Sobretudo pela maneira como o rosto de Anna se iluminara enquanto trabalhara nele. Mas isso fazia parte do passado.

Não voltara lá desde a noite em que Cooper lhe anunciara que Anua desaparecera. Até a polícia mencionar a possibilidade de ela ter partido por vontade própria, estivera convencido de que a tinham raptado.

A sua primeira reacção fora dar um murro ao agente. Apesar das suas discussões com Anna, sempre confiara nela.

E Anna traíra-o.

- Portanto, a senhora é a mãe? Eu sou a senhora Burbridge, a ama. Muito prazer em conhecê-la, senhora Stavrakis.

- Não sou a senhora Sta... Ama? - Anna olhou para Nikos, desconcertada. -Acha-lo necessário? Posso cuidar de Misha sozinha.

Nikos olhou para o bebé. Embora o nome continuasse a irritá-lo, a verdade era que ele também já pensava no seu filho como Michael. Mudá-lo para Andreas seria uma estupidez. Como tantas outras coisas, já não fazia sentido.

- Lamento, senhora Burbridge, mas não vamos precisar dos seus serviços - disse Anna.

- A senhora Burbridge fica - disse Nikos, lançando um olhar cintilante a Anna, - visto que não sei até quando estarás nesta casa.

A que te referes? - exigiu saber Anna. - Permanecerei aqui até Misha crescer - depois de uma pausa, acrescentou: - A não ser que queiras dar-me a custódia partilhada.

A simples menção daquela possibilidade fez Nikos estremecer, mas escondeu a sua irritação com um sorriso.

- A tua presença aqui depende da minha vontade e das necessidades do meu filho. No dia em que deixar de precisar de ti, expulsar-te-ei. Talvez quando acabares de o amamentar.

Teve a satisfação de ver que Anna empalidecia. Também o fez a senhora Burbridge, que se aproximou silenciosamente da porta.

- Agora que ambos estão com o vosso filho e que têm tantas coisas para falar - balbuciou, - vou fazer um chá. Se me dão licença...

Nikos mal se apercebeu de que partira.

- Não podes expulsar-me - disse Anna. - É o meu filho e tenho direitos.

- Tens sorte por não estares na prisão. Não sabes o quanto gostaria de te pôr nas mãos dos meus advogados e de os ver a acabar contigo.

- Porque não o fazes?

- Porque, agora, o meu filho precisa de ti - Nikos aproximou-se de Anna numa atitude ameaçadora. - Entretanto, dá-me a mínima desculpa e expulso-te.

- Não podes afastar-me do meu filho!

- Tens a certeza? - perguntou Nikos, despoticamente. - Tu e a tua família aristocrática acham que o mundo gira à vossa volta. Os outros não interessam, pois não?

- Isso não é verdade.

- És uma má influência para o meu filho. És filha de um ladrão e és uma ladra. Na tua família, são todos uns parasitas. O teu pai não passava de um vigarista imaturo, cuja principal preocupação era ele mesmo, nem sequer eram aqueles que amava.

Nikos calou-se bruscamente, consciente de que já não falava do pai de Anna. E ela sabia. Desde a noite em que tinham concebido Michael e fora estúpido ao ponto de lhe abrir o seu coração, Anna conhecia os seus medos e fraquezas. Por isso, odiava-a.

A dor e a confusão que sentira perante a descoberta que fizera sobre o seu pai tinham sido a causa pela qual procurara a secretária perfeita, a que encontrava sempre solução para tudo. O que não imaginara era que acabaria por ir para a cama com ela. Por muito bonita que fosse, nunca o teria feito se estivesse no seu perfeito juízo. Anna era demasiado valiosa no seu trabalho e na sua vida para cometer uma estupidez como aquela. Mas a busca de consolo conduzira-o à cama dela. E a paz acabara para ele desde que tinham concebido Michael.

O seu filho choramingou e Anna aproximou-o mais do seu corpo.

- Tens fome, pequenino? - timidamente, Anna levantou os olhos para Níkos e disse: - Tenho de lhe dar de mamar, importas-te?

Nikos olhou, desafiante, para ela e sentou-se numa poltrona.

- Absolutamente - disse, com firmeza. Anna olhou, perplexa, para ele.

- Achas que vou fazê-lo diante de ti?

- Porque não? -Estás louco!

- O que se passa? Tens medo? - perguntou Nikos, arqueando um sobrolho com desdém. Recorda-te que vi tudo o que tens para mostrar.

Embora não mentisse, não dizia totalmente a verdade. A mulher que tinha diante de si, com o cabelo solto e despenteado, não tinha nada a ver com a secretária rígida e imaculada com a qual trabalhara durante anos. Inclusive com a t-shirt larga que usava, notava-se que os seus seios tinham aumentado. Nikos recordava-os bem. Acariciara-os e beijara-os. Levara Anna ao clímax, mais de uma vez, sugando-os apenas... Não era de estranhar que se perguntasse o que sentiria ao acariciá-los com o seu novo volume.

E só de pensar nisso, sentiu que o seu sexo endurecia.

Anna estava ali para ser torturada, não para se transformar numa tortura. Não a desejava. Não a desejava. Não a desejava.

- Está bem, fica. É-me indiferente - disse Anna, com um ar altivo, embora a expressão do seu rosto a traísse.

Remexeu no saco até tirar uma pequena manta. Ao fazê-lo, caiu a rodar um frasco de medicamentos.

Nikos agarrou-o.

- O que é isto?

- Um analgésico. Estão a nascer-lhe os dentes disse Anna. Com os dedos trôpegos, tapou o bebé e o seu peito com a manta, antes de levantar a t-shirt. Os gemidos do menino cessaram e, no seu lugar, produziu-se um silêncio aprazível, só alterado pelo murmúrio dos lábios a sugar o mamilo.

A cena não devia ser erótica, mas foi para Nikos. Apertou os lábios, ao recordar como Anna tremera quando a encurralara contra a parede na biblioteca, como se fundira nos seus braços quando a beijara.

Aquela imagem levou-o a outras do passado, aos momentos que passara junto dela depois de saber da sua gravidez, a fazerem amor tão apaixonadamente que a cama estivera prestes a pegar fogo em mais de uma ocasião. E na cozinha e na sala de reuniões. Contra a parede do pátio num dia chuvoso, na parte de trás do helicóptero no dia em que voavam para o Grand Canyon...

Naquele instante, Anna olhou para ele com uma expressão fria e distante, como se se sentisse superior a ele. O sangue aristocrático que corria pelas suas veias remontava a milhares de anos. Era tetraneta de uma princesa russa, uma fantasia de gelo e fogo. Nikos nunca conhecera ninguém como ela.

E ao observá-la naquele momento, enquanto dava de mamar ao seu filho, tomou uma decisão firme: ela merecia sofrer, mas isso não significava que ele também tivesse de sofrer.

Naquela noite, tê-la-ia na sua cama.

 

Anna sentiu que lhe ardiam as faces, ao sentir-se observada por Nikos enquanto dava de mamar ao seu filho. Custava-lhe acreditar que, no passado, tivesse sonhado com aquela cena inúmeras vezes. Todavia, no seu sonho, Nikos amava-a e os três formavam uma família feliz.

Naquele instante, aquele sonho deixava-lhe um sabor amargo na boca. Era possível que Nikos não tivesse arruinado premeditadamente o seu pai, mas mantivera as suas manobras em segredo.

Se lhe tivesse contado, poderia ter pensado em como ajudar o seu pai e evitar a depressão em que caíra, que o levara a beber e, finalmente, à morte.

No entanto, em vez de lhe contar, Nikos quisera isolá-la do mundo exterior como se fosse uma boneca de porcelana. A partir do instante em que soubera que estava grávida, parecia ter perdido toda a confiança nela.

Felizmente, depressa perdera a esperança de que Nikos chegasse a amá-la. Conhecia-o bem e sabia que nunca nenhuma mulher lhe importara o suficiente para pensar numa relação estável.

Mas fugir também não fora uma atitude inteligente. Arrastara o seu filho recém-nascido de Las Vegas para Paris, passando por Espanha, alojando-se em apartamentos impessoais e baratos. Nem sequer no antigo palácio do seu tetravô tinham contado com as comodidades mínimas.

Aquela não era vida para um bebé. Nikos tinha razão ao criticá-la. Misha devia ter uma vida confortável e segura, e merecia passar tempo com um pai que o amava.

Contudo como poderia conciliar aquilo com a sua própria sobrevivência? Nikos fora muito claro. Pretendia destruí-la. Os olhares de ódio que lhe dirigia davam-lhe medo. Não podia ficar ali, deixando-se seduzir até o seu coração ficar destroçado.

Amaldiçoou-se. No ano anterior, abrira a porta da sua alma a Nikos. Deveria ter-lhe fechado a porta no nariz, ter feito as malas e fugido para Nova Iorque.

Mas então, Misha não teria nascido... Portanto, devia esquecer o passado e os erros que cometera. A única coisa que importava era o seu filho. E não estava disposta a deixar que crescesse naquela casa fria com um homem sem coração.

No entanto, sentia-se demasiado insignificante e vulnerável para enfrentar um homem tão poderoso na sua própria fortaleza. Nikos tinha dinheiro, contactos e uma grande vantagem sobre ela: a crueldade. Que armas poderia usar contra ele? A sua família estava arruinada. Tinha o coração ferido...

Que poder tinha uma mãe frágil num mundo hostil?

Finalmente, teve uma ideia. Uma ideia que a espantou e que, para além disso, era potencialmente perigosa.

Nikos tocou-lhe no joelho, sobressaltando-a.

- Temos de falar esta noite. A sós - disse ele. - A senhora Burbridge cuidará de Michael - dedicou-lhe um sorriso sibilino. - Jantaremos e falaremos sobre o futuro.

Anna não teve dificuldade em imaginar que tipo de conversa Nikos tinha em mente. Referia-se a uma sessão completa de sedução à qual não seria capaz de resistir, embora soubesse que Nikos só albergava ódio por ela.

Pigarreou.

- Eu adoraria, mas receio que tenha outros planos. Nikos arqueou um sobrolho.

- Planos? Com quem?

Anna balançou-se furiosamente.

- Com um homem. Nikos sorriu com desdém.

- Conheço-o?

Anna franziu o sobrolho. Não fazia sentido continuar aquela frase.

- Quero passar as noites todas com o meu filho.

Michael não se importará que os seus pais passem tempo juntos. Garanto-te que a senhora Burbridge é de confiança.

- Chamaste-lhe Michael.

- Não é o nome dele?

- Aceita-lo?

Anna viu um brilho de raiva nos olhos de Nikos.

- Por acaso tenho escolha? - perguntou, com uma calma aparente.

- Sabes que lamento.

- Esquece. Falemos desta noite. Queres que Cavaleri nos sirva o jantar ao lado da piscina, sob a luz das estrelas?

Claro, a piscina, o lugar onde tinham feito amor diversas vezes, durante os breves meses de felicidade, se é que podia chamar-se isso ao que não passara de uma ilusão.

- Não, obrigada - disse Anna. - Disseram que choverá.

- Preferes jantar no UHermitage?

Anna susteve a respiração. Nikos referia-se ao resort no qual tantas horas de trabalho investira, mas cujo resultado final não pudera ver. Era o projecto que tinham realizado juntos, no qual Nikos, apesar de ela não ter nenhuma formação como arquitecta ou designer, aceitara todas as suas sugestões.

Como queiras - disse, escondendo a sua emoção por detrás de uma indiferença forçada. - Mas quando Misha estiver a dormir, quero ficar sozinha no meu quarto e tomar um banho.

Nikos dedicou-lhe um sorriso malicioso.

- Que boa ideia! Irei ter contigo.

- Encontrarás a porta fechada à chave.

- Anna, esta é a minha casa. Achas, realmente, que podes proibir-me de alguma coisa?

Anna respirou fundo. Era óbvio que Nikos tinha razão. Era o dono da casa e tinha a chave de todos os quartos. Ou seria capaz de deitar a porta abaixo.

Mas não precisaria de usar a violência. Bastaria beijá-la e cairia rendida aos seus pés, com a vontade alienada, incapaz de se opor aos desejos dele.

Victor, o Inominável, aparecia na sua mente como a única escapatória. E embora se repetisse que era demasiado perigoso, a verdade era que o seu antigo chefe tinha ligações em Las Vegas e na Rússia comparáveis às de Nikos. Os dois homens odiavam-se desde que Nikos conseguira fazer com que abandonasse o seu cargo junto de Victor. Se este continuasse apaixonado por ela, estaria disposto a ajudá-la... Mas a que preço?

Anna estava entre a espada e a parede. Fizesse o que fizesse, estava convencida de que acabaria por sofrer.

Olhou para Nikos de soslaio. Emanava uma aura assustadora de poder. Não. Entrar em contacto com Victor seria demasiado perigoso.

Com delicadeza, retirou Misha do seu peito e baixou a t-shirt.

- Adormeceu - murmurou. E colocou-o no berço. Nikos aproximou-se e os dois contemplaram o bebé por alguns instantes. O bebé tinha os braços levantados por cima da cabeça e as suas pestanas projectavam sombra sobre as suas faces rosadas. - É tão lindo! - exclamou Anna, num sussurro.

- Sim - replicou Nikos.

Anna sentiu uma pontada de culpa por o ter separado do seu filho.

- Nikos, devo pedir-te desculpa - disse, respirando fundo. - Não devia ter levado Misha daqui.

- Claro que não - disse ele, em voz baixa. Anna humedeceu os lábios.

- E desculpa por te ter culpado pela morte do meu pai - disse, precipitadamente. - Só ele foi responsável por ter bebido até se matar. Mesmo assim, eu gostaria que me tivesses avisado para poder ajudá-lo - suspirou.

- Creio que ambos cometemos vários erros.

Nikos dirigiu-lhe um olhar frio.

- O meu único erro foi tentar cuidar de ti.

Anna abandonou a sua atitude conciliadora e deixou-se levar pelo rancor.

- Entendo - replicou, afastando-se do berço para não perturbar o seu filho. - A tua ideia de cuidar de mim era substituir-me por outra quando ainda estava grávida?

Nikos aproximou-se dela, apertando os punhos.

- Do que estás a falar? Estás a inventar histórias para usares no caso de irmos a tribunal? Nunca pensei que pudesses descer tão baixo.

Anna não acreditava que Nikos negasse o óbvio.

- E Lindsey? Ela mesma me contou que eram amantes - Anna fixou o olhar na parede. - Com a desculpa de que precisava de ajuda no trabalho, costumava vir ver-me, mas agora tenho a certeza de que só queria atormentar-me com os pormenores da vossa relação.

Produziu-se um silêncio carregado de tensão.

- Lindsey disse-te que éramos amantes? - perguntou Nikos, finalmente.

- Contou-me tudo - Anna sentiu que a emoção lhe apertava a garganta. - A frequência com que faziam amor, a certeza de que a pedirias que se casasse contigo.

- É mentira!

- Eu sei que é mentira. Lindsey não tem consciência de que tu nunca te casarás - Anna deixou escapar uma gargalhada sarcástica. - Quase me dá pena. Tal como a todas as mulheres da tua vida, acabarás por abandoná-la.

Nikos adoptou uma calma tensa. -Achas que eu te abandonei?

- Imagino que já não te parecesse sexy. Nos últimos três meses, nem sequer me tocavas. E, finalmente, deixaste de dormir comigo. Preferiste substituir-me por uma mulher mais jovem e magra.

Nikos olhou para ela com as narinas abertas e os olhos semicerrados.

- Achas, realmente, isso de mim? Depois de todos os anos que trabalhámos juntos, pensas que seria capaz de abandonar a mulher que esperava um filho meu?

Anna preferiu ignorar as boas lembranças: os dias de trabalho e de diversão. As noites sob as estrelas, juntos na cama...

Assentiu em silêncio.

- Raios partam! É bem sabido que ter relações sexuais no último trimestre pode antecipar o parto.

- Eu estava muito bem! - exclamou Anna. - Mas tu mantiveste-me prisioneira nove meses. Ao princípio, pensava que estavas preocupado por causa do menino. Depois, apercebi-me de que querias isolar-me da minha família e do trabalho, fazer-me sentir frágil e vulnerável. Depois, substituíste-me por uma nova amante. Podes dizer o que quiseres sobre o parto, mas a verdade é que já não me desejavas.

- Anna, sabes que isso não...

- Eu dava-te tudo e tu partiste-me o coração! Anna olhou para o seu filho, enquanto tentava conter as lágrimas. - Deixa-me, Nikos. Nisso és um especialista.

Nikos agarrou-a pelos ombros e obrigou-a a virar-se para ele.

- Não posso acreditar no que estás a dizer. Lindsey foi a razão pela qual raptaste o meu filho e me fizeste passar por um pesadelo de quatro meses?

Anna sentiu o calor do corpo dele e as mãos de Nikos pressionarem-lhe os ombros. Instintivamente, pousou o olhar nos lábios de Nikos e ficou sem fôlego.

- Porque não admites que Lindsey é tua amante? Nikos aproximou-se até lhe falar ao ouvido.

Bolas, Anna! sussurrou. E largou-a bruscamente enquanto ia para a porta. - Voltarei à hora do jantar - sem olhar para trás, concluiu antes de sair: - Está pronta.

Anna ficou a olhar para a porta, trémula. Não tinha dúvidas do que Nikos pretendia: que o esperasse em roupa interior, com dois copos de champanhe. Estava tão seguro de si que não duvidava de conseguir transformar o seu ódio em desejo.

Porém estava muito enganado.

Anna pousou uma mão no berço do seu filho enquanto as ideias buliam na sua cabeça. Por muito perigoso que pudesse ser, tinha de entrar em contacto com Victor para que a ajudasse a fugir. Não podia arriscar-se a chegar a acreditar em Nikos quando dizia que Lindsey e ele não eram amantes. Desejava demasiado que não mentisse. E continuar junto dele acabaria por matá-la.

Naquela mesma noite, iria ao clube de Victor e suplicar-lhe-ia que a ajudasse. Em troca, oferecer-se-ia para voltar a trabalhar para ele, quebrando assim a promessa que fizera há tempos atrás. Faria qualquer coisa, excepto tornar-se amante. Com a sua protecção, Nikos deixaria de a considerar uma presa fácil.

Apertou os punhos ao recordar a arrogância com que lhe ordenara que o esperasse naquela noite.

O que Nikos não sabia era que o esperava a surpresa mais desagradável da sua vida.

Nikos serviu-se de um bourbon no seu escritório no quarto andar do UHermitage e, agitando-o no copo, apoiou-se na secretária e contemplou a vista que tinha da janela. O sol do deserto iluminava as palmeiras e a arquitectura peculiar da cidade. Pela alameda, passeavam turistas com máquinas fotográficas, recém-casados felizes e bêbedos e jogadores.

Bebeu um gole, mas o bourbon não lhe soube a nada. Contemplou o líquido cor de âmbar, deixou o copo sobre a mesa e apoiou a cabeça nas mãos.

Finalmente, compreendia.

Até àquele momento, achara que a fuga de Anna estava relacionada com a sua obsessão por protegê-la. Despedira-a porque se recusava a que a mãe do seu filho tivesse de trabalhar. Bloqueara-lhe os telefonemas porque, com frequência, encontrava-a a resolver questões de trabalho ou os inúmeros e absurdos problemas da sua mãe ou da sua irmã. Porque não aceitara que a sua prioridade devia ser o seu filho? Porque não o deixara assumir a responsabilidade de tudo, aceitando que protegesse a sua nova e frágil família?

Talvez devesse ter-lhe falado do empréstimo que o seu pai lhe pedira, mas Alexander Rostoff suplicara-lhe que o mantivesse em segredo. Com o tempo, quando soubera do desfalque, decidira não dar a notícia a Anna, que já estava grávida.

No entanto nunca considerara a possibilidade de Anna achar que abandonara a sua cama porque a substituíra por outra. Achara-a tão bonita no terceiro trimestre da gravidez, tão voluptuosa e sensual, que, consciente de que não conseguiria resistir à tentação de lhe tocar e depois de ter lido num livro sobre o perigo de antecipar o parto, decidira instalar-se num apartamento solitário e não do L'Hermitage.

Agira assim por ela e pelo seu filho.

Como era possível que Anna o tivesse interpretado como uma rejeição?

Ao deixá-la, renunciara ao maior prazer da sua vida. Anna nem sequer acreditara nele quando lhe explicara as suas razões. Como haveria de acreditar, se Lindsey a enganara?

Furioso, percorreu o escritório com passos largos até chegar à grande janela da qual podia ver o casino. Apoiando-se no vidro, contemplou a grande sala de estilo russo, com o seu tecto alto, colunas esbeltas e altas, e imensos lustres.

Entre as Slot Machines e as mesas de roleta, viu Lindsey, que se aproximava do elevador dos empregados. Na mão, trazia um saco de uma loja selecta de lingerie. Em vez de ir trabalhar directamente, tal como lhe ordenara, arranjara tempo para ir às compras.

Como não haveria de sentir a falta de Anna?

Anna, a secretária perfeita. Anna, capaz de lhe ler o pensamento. Anna, com capacidade para resolver problemas mesmo antes de aparecerem.

Conhecera-a em Nova Iorque, quando Victor Sinistyn lhe contara a ideia absurda de fazer um hotel-casino baseado no Elvis. A reunião fora uma total perda de tempo. As salas de entretenimento Stavrakis eram conhecidas pela sua elegância e distinção, e Nikos nunca se envolveria num projecto tão vulgar.

Não lhe passara despercebida a assistente de Victor, com o seu ar eficiente e aristocrático. Naquela época, precisava de alguém que pudesse gerir o dia-a-dia da sua empresa, uma mulher inteligente e discreta que não se deixasse intimidar por ninguém, nem sequer por ele.

Anna Rostoff satisfizera todas as suas expectativas e ainda mais. Ao roubá-la a Victor Sinistyn, arranjara um inimigo, mas não se importara. Durante cinco anos, Anna e ele tinham trabalhado juntos, viajando pelo mundo todo. Anna nunca se queixara, nem cometera nenhum erro. E fora compensada adequadamente.

Quando Nikos descobrira que enviava o seu salário quase todo para a sua mãe e para a sua irmã, aumentara-lhe o salário para quantias astronómicas.

Então, tinha consciência de que Anna lhe era indispensável.

- Já cheguei - chegou-lhe a voz de Lindsey da porta.

- Mesmo a tempo disse ele, virando-se com um sorriso sibilino.

- De quê? - perguntou ela com os olhos brilhantes, enquanto estendia a mão para acariciar a face de Nikos.

Ele impediu-a, segurando-lhe no pulso.

- Pára já, Lindsey! Não vai acontecer.

O desejo de possuir uma mulher era muito intenso, mas a mulher que desejava não era a que tinha diante de si, mas a que estava em sua casa, a odiá-lo.

Sem se alterar, Lindsey acariciou-lhe a coxa.

- Porque achas que aceitei este trabalho estúpido? Se tu quisesses, deixava-te louco. Satisfazia-te de tal maneira que esquecerias aquela...

Nikos interrompeu-a bruscamente.

- Disseste a Anna que éramos amantes quando ela estava grávida. Quero ouvir-te dizê-lo.

- Está bem - Lindsey abandonou a atitude sedutora e o seu rosto adquiriu a dureza de uma mulher fria e calculista. - Fi-lo para o teu bem.

Nikos aproximou-se da secretária e carregou num botão. Dois guarda-costas apresentaram-se imediatamente.

- Por favor, escoltem a menina Miller para fora do casino - disse, friamente. - O seu trabalho está terminado.

Ela empalideceu.

- O quê?

- Encontrarás um cheque generoso em teu nome no escritório da administração.

- Estás a brincar?

- Por cada minuto que te atrasares, direi a Margaret para subtrair mil dólares da quantia.

Lindsey soprou, sonoramente.

- Está bem! - deu meia volta. Ao chegar à porta, virou-se para Nikos. Não te deixou por minha causa. Nem mesmo estando grávida pensaste em casar-te com ela. És patético!

Nikos abanou a cabeça, dizendo para si que devia tê-la despedido há muito tempo. Achou que o que ecoava nos seus ouvidos era a porta que Lindsey batera com força, até que se apercebeu de que o telefone estava a tocar.

- Sim? - atendeu.

- Tenho de lhe dar uma má notícia, chefe - disse Cooper.

- Passa-se algo com Michael? - perguntou Nikos, com o coração apertado.

- O menino está perfeitamente, mas Anna foi-se embora. Levou o Maserati.

Nikos esbugalhou os olhos. Anna fora-se embora quase de noite, deixando o menino e levando o seu carro preferido?

- Para onde foi?

- Isso é que não vai gostar de ouvir - disse Cooper. Depois de uma pausa, acrescentou: - Está no clube de Victor Sinistyn há dez minutos.

- Porque demoraste tanto tempo para me telefonar?

- Senhor, não deve ir sem escolta. Enviei-lhe...

- Posso, perfeitamente, ir sozinho!

Nikos desligou e correu para a porta. No estacionamento, escolheu uma mota e atravessou Las Vegas a toda a velocidade.

A rua Fremont, apesar da iluminação, era um lugar sórdido onde iam os jogadores empedernidos, longe dos hotéis selectos e das famílias decentes.

Victor Sinistyn transformara o seu casino numa discoteca. Fora do Girls Girls Girls, formava-se uma fila de jovens com pouca roupa, que esperavam para beber e dançar.

Nikos saltou da mota e deu as chaves ao porteiro, que o reconheceu imediatamente.

Não vem com guarda-costas, senhor Stavrakis?

- Onde está o teu chefe? - perguntou Nikos. Mas em vez de esperar por uma resposta, passou ao longe.

No interior, as luzes coloridas atravessavam a escuridão ao ritmo da música. O local era um antigo armazém reabilitado. Parecia uma caverna de tectos altos, o ar estava quente e húmido, e cheirava a pele e sexo.

De repente, viu-a. Vestia um top minúsculo e umas calças de ganga de cintura descaída que lhe davam o aspecto de estar praticamente nua. Dançava com Victor e ele não parava de lhe sorrir, enquanto deslizava as mãos pela sua cintura numa atitude possessiva. Anna sorria-lhe, tensa. Recuou, ao ritmo da música, moveu-se sensualmente, dobrando os joelhos e inclinando o corpo para trás, até que os seus seios pareceram prestes a sair da t-shirt.

Mas a Victor olhar não parecia suficiente. Agarrando-a pelos ombros, aproximou-se dela até as suas barrigas estarem em contacto e inclinou-se para a frente, para lhe acariciar a orelha com o nariz. Embora Anna não tivesse protestado, Nikos achou ver no seu rosto uma expressão de desconforto, como se lhe faltasse o ar. Porque consentia que aquele homem a tratasse assim?

Nikos viu que a mão do russo se aproximava dos seios de Anna. Deixando escapar um gemido, abriu caminho por entre as pessoas. Na sua mente só havia uma ideia: se Sinistyn continuasse a tocar em Anna, matá-lo-ia no seu próprio clube.

 

- Já dançámos - disse Anna, tentando afastar-se. Podemos falar?

- A música não acabou - disse Victor, puxando-a para si.

Aquele era o receio de Anna, que a música nunca acabasse. Cada vez que Victor lhe tocava, ficava com os cabelos em pé.

- Victor, preciso que me faças um favor de vida ou de morte.

- Se é assim, devias tentar agradar-me - disse Victor, sorrindo e esfregando-se contra ela.

Na penumbra sulcada pelas luzes coloridas, Anna pensou que era bonito. Era por isso que a sua irmã sentia um fraco por ele desde pequena. Era uma pena que tivesse uma alma tão perturbada. Anna tinha muita consciência de estar a brincar com o fogo. Queria fugir, mas não sabia para onde, portanto teria de confiar que não seria capaz de lhe fazer mal. Conhecia-o desde os dezoito anos, quando montara um negócio com o seu pai e a contratara como secretária. Durante os cinco anos em que trabalhara com ele, tivera de se defender das suas insinuações constantes, mas, naquele instante, era a única pessoa a quem podia recorrer para não ficar à mercê de Nikos.

- Victor...

- Chama-me Vitya, como no passado. Natalie costumava chamá-lo assim, não ela.

- Victor, por favor, se pudéssemos...

Uma mão segurou, com firmeza, no pulso de Anna e puxou-a.

- Larga-a, Sinistyn - disse Nikos.

- Stavrakis - Victor semicerrou os olhos, enquanto rodeava a cintura de Anna com o braço e a apertava com força. - És muito atrevido, ao achares que podes entrar no meu clube e dar ordens. Sai já daqui!

- Vais expulsar-me tu ou um dos teus valentões? perguntou Nikos, com ironia. - Ambos sabemos que tu não tens a coragem necessária.

Victor sorriu e olhou à sua volta. Anna viu vários guarda-costas aproximarem-se.

- Não vejo Cooper a acompanhar-te - disse Victor, encorajado. - Não devias ter deixado os teus cães em casa, grego de...

Anna interpôs-se entre ambos. Achara que Nikos esperaria pelo seu guarda-costas antes de ir à sua procura e que teria tempo de resolver os seus assuntos com Victor. Ao aparecer tão depressa, arruinara os seus planos.

- Por favor, larga-me! - pediu a Victor. - Tenho um assunto para resolver com Nikos. Depois, falarei contigo.

Por um instante, Victor pareceu disposto a apagar o sorriso de Nikos com um murro, mas acabou por encolher os ombros.

- Como queiras, loobemaya. Até logo - disse. E abandonou a pista de dança.

Nikos esteve prestes a dedicar-lhe um comentário sarcástico, mas Anna adivinhou as suas intenções e, agarrando-lhe nas mãos, obrigou-o a olhar para ela.

- O que estás a fazer aqui?

- A questão é o que tu fazes aqui, a dançar com ele e vestida dessa maneira? - perguntou Nikos, apertando os dentes.

- Visto-me como...

Nikos não esperou que Anna acabasse.

- Ouve-me bem: não vais voltar a ver Victor Sinistyn, compreendido?

- Não. Tu não és meu marido. Não és...

Nikos arrastou-a para fora do clube. Estava uma noite fria. Anna respirou fundo para acalmar a sua fúria, enquanto Nikos recuperava as chaves da sua mota. Esperava que o seu plano tivesse resultado. Tinha de resultar. Victor Sinistyn era a ameaça que brandiria perante Nikos para que lhe outorgasse a custódia partilhada. Só assim voltaria a ser livre.

Nikos atirou uma moeda ao empregado e subiu para a mota. Por um instante, Anna contemplou os seus braços musculados, o seu peito largo e o rabo firme nas calças de ganga de marca.

- Sobe! - ordenou Nikos, cortante.

Anna obedeceu lentamente e deu um gritinho quando Nikos arrancou a toda a velocidade sem aviso prévio. Ela apertou o seu corpo contra o dele. Os seus seios roçavam nas costas de Nikos e sentiu que lhe endureciam os mamilos. Para não cair, agarrou-se com firmeza à cintura de Nikos.

- Proíbo-te de voltares àquele clube! - ordenou ele, com a voz abafada pelo ruído do motor.

Farei o que tiver vontade.

- Promete-me agora mesmo ou juro-te que volto e que o incendeio.

Anna sentiu os músculos do estômago de Nikos ficarem tensos sob as suas mãos e isso bastou para que perdesse a capacidade de pensar. Não lhe custaria nada aceder ao seu pedido. Afinal de contas, não tinha o menor interesse em voltar àquele clube, nem de voltar a ser tocada por Victor na pista de dança.

Se tivesse de voltar a vê-lo, marcaria numa biblioteca.

- Está bem - disse, finalmente. - Prometo. Nikos relaxou levemente.

Muito bem - resmungou.

Alguns minutos mais tarde, chegavam ao UHermitage. Como os hotéis parisienses e venezianos que havia na mesma rua, a arquitectura do UHermitage era imponente. O desenho era inspirado nos palácios do século XIX de São Petersburgo, mas a parte central era constituída por uma reprodução da catedral de São Basílio, da Praça Vermelha, com as suas características cúpulas em forma de bolbo.

Nikos atirou as chaves ao porteiro e, agarrando na mão de Anna, entrou com ela para que visse concluído o projecto que consumira os últimos quatro anos do seu trabalho em equipa. Anna levantou os olhos ao entrar na sala central do casino. Sobre as ombreiras das portas elevavam-se arcos altos de estilo russo, com anjos em cada vértice. A abóbada reproduzia o céu estrelado de uma noite fria de Inverno.

- É lindo! - sussurrou Anna.

- Espera até veres o resto - disse Nikos, dedicando-lhe um sorriso enorme que lhe cortou a respiração.

Por um dos lados, acederam ao centro comercial, que consistia na réplica exacta de várias ruas de Moscovo. As montras, as luzes e o som dos pássaros transportaram Anna para uma cidade russa de conto de fadas.

- É como um sonho! - apertou a mão de Nikos. Tornaste o nosso sonho realidade.

Nikos olhou fixamente para ela e abanou a cabeça.

- Fizemo-lo juntos, Anna. Não conseguiria ter criado o L'Hermitage sem ti.

Anna pestanejou para conter as lágrimas que lhe encheram os olhos ao saber que Nikos apreciava o trabalho e o entusiasmo que pusera naquele projecto. Nikos olhou para ela nos olhos e acrescentou:

- Senti a tua falta.

Anna sentiu que lhe parava o coração e a realidade circundante ficou imersa numa nebulosa. Seria verdade que, apenas ao vê-la uma vez com Victor, Nikos se apercebera de que sentia a falta dela, de que precisava dela...? Ou, quem sabe, de que a amava?

Não podia ser. Não pronunciaria as palavras que afloravam à sua boca.

- Sentiste a minha falta? - balbuciou.

- Claro que sim! - assentiu ele. - Nenhuma secretária foi tão boa como tu.

- Ah! - Anna sentiu uma desilusão profunda que lhe apertou a garganta. Virou-se para contemplar o edifício que ficava atrás de si. - Matryoshka! - murmurou, referindo-se às impressionantes abóbadas de madeira do restaurante que imitavam uma catedral em miniatura.

Anna precisava de mudar de assunto antes que Nikos lhe lesse o pensamento, antes que o seu rosto reflectisse a desilusão de ter sido estúpida ao ponto de achar que ele sentia algo por ela.

- Espera até veres o interior - disse Nikos, puxando-a com suavidade. - Sentir-te-ás como no palácio do Terem.

O maitre ocupava a sua posição diante de uma mesa, a rever a lista de reservas.

- Queremos a mesa junto da janela - disse Nikos.

- Essa mesa está reservada para os próximos quatro meses - replicou o maítre, sem se incomodar em levantar os olhos. - Não temos nenhuma mesa livre, não a teríamos mesmo que o senhor fosse o rei de...

O homem levantou a cabeça com um sorriso lento. Ao ver Nikos, ficou de boca aberta e começou a tossir.

- Um momento, senhor - disse, precipitadamente. Teremos a mesa preparada para si e para a sua encantadora acompanhante.

Dois minutos mais tarde, Nikos e Anna sentavam-se na melhor mesa do restaurante. Anna olhou à sua volta. O interior do Matryoshka imitava o estilo russo do século XVII. Tinha tectos baixos de estuque decorados com frescos de plantas trepadeiras e nichos com arcos trabalhados, iluminados com velas e tochas.

Quando o empregado chegou, Nikos pediu sem esperar para a consultar.

- Comeremos salmão com caviar e molho de champanhe - disse. - E um uísque.

- Espere! - pediu Anna, pousando a mão sobre o braço do empregado. - Eu quero frango Kiev e um kulich de sobremesa disse, referindo-se ao característico bolo nórdico de frutos secos. Olhou para Nikos com uma expressão desafiadora e acrescentou: - E água com gás. Não traga uísque para mim, obrigada.

O empregado esperou, hesitante, ao reparar na tensão entre os dois clientes, até que Nikos o dispensou com um movimento de cabeça.

- Não tinha pedido o uísque para ti - explicou Nikos, quando o jovem se foi embora. - Sei que estás a amamentar.

- Mesmo que não estivesse, não queria uísque, nem caviar - disse ela, fazendo uma careta de asco.

- Uma russa que não gosta de caviar? - Nikos sorriu-lhe com frieza. - Também não gostas de vodka?

- Eu não gosto que peças por mim. Não sou uma menina.

- Pretendia tratar-te como a uma dama - disse ele, com displicência, enquanto se recostava na cadeira.

- Por isso, achas que podes dizer-me com quem devo relacionar-me?

- Sinistyn não te convém - replicou Nikos. - Usar-te-á e depois prescindirá de ti.

Anna olhou para ele com raiva.

- Queres ser o único a poder fazer isso?

Nikos esperou que o empregado deixasse as bebidas na mesa antes de responder com uma expressão tensa: Não pretenderás comparar-me com...

- Esquece! - interrompeu-o Anna. - Conheço Victor desde os dezoito anos. Os nossos pais eram amigos. Fui secretária dele durante cinco anos, portanto conheço-o melhor do que tu.

Por isso mesmo, sabia que Nikos tinha razão, mas não estava disposta a admiti-lo.

Nikos apertou os punhos sobre a mesa.

- Até que ponto o conheces?

Anna inclinou a cabeça e olhou fixamente para ele.

- Pediu-me, várias vezes, em casamento.

Nikos apertou os dentes enquanto fixava o olhar no seu copo.

- Ah, sim?

- Sempre rejeitei, mas, talvez, um dia, mude de opinião. Não estou disposta a que me ameaces, tirando-me o meu filho. E se, para o evitar, tiver de me casar com Victor... - Anna deixou a frase inacabada.

Nikos pestanejou lentamente. Quando olhou para Anna, esta viu que, pela primeira vez desde que tinham voltado a encontrar-se, olhava para ela como uma rival, em vez de como uma vítima.

- O que queres? - perguntou, com frieza.

- Sabes perfeitamente: a liberdade.

- Não vou deixar que voltes a afastar-me de Michael.

- Vais enfrentar uma longa batalha pela sua custódia. Se Victor e eu te levarmos a tribunal, sairá em todos os jornais.

- É isso que queres? - perguntou Nikos, desconcertado. - Pretendes lutar pelo nosso filho como se fosse um saque para repartir?

- Claro que não! - Anna não tinha a menor intenção de começar uma relação com Victor e de o tornar padrasto de Misha, mas esperava que Nikos não se apercebesse de que não passava de bluff. - Não quero pedir ajuda a Victor, mas não me deixas outra opção.

Depois de uma longa pausa, Nikos deixou, bruscamente, o guardanapo sobre a mesa.

- Está bem. Ganhaste.

Levantou-se e Anna, perplexa, seguiu-o com o olhar até sair do restaurante.

Ganhara? Nikos ia dar-lhe a custódia e deixar que partisse de Las Vegas? Ia devolver-lhe a vida?

Custava-lhe acreditar que, dentro de alguns dias, poderia estar de volta a Nova Iorque, à procura de emprego. Sabia que não encontraria nada tão apetecível como o seu emprego na Stavrakis, mas, pelo menos, recuperaria alguma da sua dignidade, sustentando o seu filho nas condições que merecia. Pouparia o dinheiro da pensão de alimentos que Nikos lhe desse para o futuro de Misha. Assim, demonstraria que era independente de Nikos. Já não poderia exercer o seu poder sobre ela. E para o demonstrar, iria para a outra ponta do país.

Chegou o jantar e Anna provou o seu frango. Estava delicioso. Depois, observou com o olhar perdido uma das tochas que iluminavam a sala de jantar. Custava-lhe acreditar que tudo tivesse sido tão simples. Sentia-se quase desiludida por Nikos ter acedido ao seu pedido com tanta celeridade.

- Está a gostar da comida? - perguntou-lhe um empregado, enchendo-lhe o copo com água. - Parece contente.

- Estou.

- Está apaixonada? Eu também - antes de Anna o elucidar, o jovem inclinou-se sobre a mesa e confessou-lhe: - Esta noite, vou pedir à minha namorada que se case comigo.

- Isso é maravilhoso!

- O que se passou? - perguntou o empregado, ao reparar no prato de Nikos. - O senhor Stavrakis não gostou do salmão?

- Recebeu uma chamada - mentiu Anna. E passou-lhe o seu prato vazio. Se o de Nikos não tivesse caviar, também teria comido o dele.

- Trar-lhe-ei a sobremesa - disse o empregado, com um sorriso de cumplicidade. - Vou pedir uma fatia especial para si. Hoje, toda a gente deve divertir-se.

Ao começar o bolo, Anna sentiu que lhe doía o peito. Misha devia ter fome. Se Nikos não voltasse, teria de ir ao clube buscar o Maserati.

- Deseja mais alguma coisa? perguntou o empregado.

- A conta, por favor.

- Desculpe, mas o senhor Stavrakis encarregar-se-á disso. Se lhe cobrasse, perderia o meu emprego.

Anna suspirou, aliviada. O Matryoshka era muito caro e, já que Nikos a abandonara a meio da noite, deixá-lo-ia pagar sem protestar.

Estava prestes a deixar a mesa quando Nikos se sentou à frente dela.

O que fazes aqui? perguntou, irritada.

Nikos franziu o sobrolho ao ver o espaço do seu prato vazio.

- E o meu jantar?

- Pedi para o levarem. O frango estava delicioso Anna abanou a cabeça. - Obrigada por me deixares plantada. Mantive uma agradável conversa com o empregado. Está apaixonado e hoje vai declarar-se - acrescentou, animadamente.

- A ti? - perguntou ele, com ironia.

Anna deixou escapar uma gargalhada de sarcasmo.

- Sim, a mim. Todos os homens se declaram a mim. Nikos bebeu um gole de uísque. Entretanto, com uma expressão displicente, deixou cair uma pequena caixa azul-clara sobre a mesa e disse:

- Aí tens.

Franzindo o sobrolho, Anna abriu-a. Lá dentro, sobre o fundo de veludo preto, havia um grande diamante engastado num anel de platina. A pedra cintilou ao reflectir as luzes à sua volta. Anna contemplou-a, admirada. Era tão grande que era quase vulgar.

Engoliu em seco e levantou o olhar.

- O que é isto? Um truque?

- Nada de truques - disse ele. - Casamo-nos esta noite.

Anna sentiu que o seu coração acelerava. Nikos queria casar-se com ela. Sempre sonhara com aquele momento. Inclusive sendo a sua secretária e vendo como uma amante era substituída pela seguinte, albergara a esperança de chegar a ser a mulher que acabaria por domá-lo.

- Põe-o - disse Nikos.

Mas não se tratou da súplica de um amante, mas de uma ordem fria e carente de qualquer emoção. E com ela a felicidade que Anna sentira desapareceu.

Nikos não queria casar-se com ela. Queria ser o seu dono.

Era assim que pretendia que Victor deixasse de ser uma ameaça. Em vez de negociar com ela a custódia partilhada de Misha, preferia comprá-la com um anel.

- Por quem me tomas? - perguntou Anna, em voz baixa.

- Pela minha mulher - disse ele, olhando fixamente para ela. - Tu sabes: para te ter e te proteger...

Anna ficou muda. Nikos queimava-a com o olhar, como se estivesse a pensar em arrancar-lhe a roupa e fazer amor com ela ali mesmo, sobre a mesa, com o restaurante todo a ver.

Era evidente que continuava decidido a seduzi-la e a fazê-la pagar com sexo o que lhe fizera. Casando-se com ela, só pretendia aumentar o seu poder.

"E porque não", sussurrou-lhe uma voz interior. Porque não entregar-se a ele, tornar-se a sua mulher oficial. Talvez, um dia, o ódio de Nikos se transformasse em...

"Não!" Devia manter a cabeça no lugar. Mesmo que Nikos lhe perdoasse, ela não lhe perdoaria. Nikos não a amava. Nem sequer confiava nela o suficiente para a deixar tomar as suas próprias decisões.

Dizia querer protegê-la, mas o que queria era encerrá-la numa torre de marfim.

- Não! - sussurrou. Nikos franziu o sobrolho. O que disseste?

Anna tremeu, consciente de que o enfurecera. Todavia não cederia, não se venderia pela vã ilusão de que, um dia, Nikos conseguiria amá-la e respeitá-la.

- Disse que não fechou a caixa e devolveu-lha. Lamento, Nikos. Não estou à venda.

Nikos olhou para ela sem acreditar nas suas palavras.

- Mas estou a dar-te o que querias... Estou a pedir-te para que sejas a minha mulher.

- Que generoso! Era o que queria quando estava apaixonada por ti, mas já não estou - Anna deixou a caixa sobre a mesa. - Agora só quero recuperar a minha liberdade.

Recostou-se na cadeira enquanto puxava o seu cabelo para trás. Nikos olhou à sua volta com a convicção de que todos os homens olhavam para ela e apreciavam a sua pele de seda, o seu cabelo a cair em cascata sobre os seus ombros nus, os seus olhos cor de turquesa em forma de amêndoa, que olhavam para ele com expressão desafiadora... O top que usava mal lhe cobria os seios e as calças de ganga deixavam à vista a sua barriga lisa. Estava espectacular e nunca a desejara tanto como naquele instante!

- Anna, sabes perfeitamente que acabarás por te casar comigo - disse.

- A morte e os impostos são as únicas duas coisas inevitáveis nesta vida - disse ela, com ironia. - O casamento não.

- Eu também não tenho um interesse especial em casar-me contigo. Mas a felicidade do meu filho significa muito para mim.

Nikos viu que Anna apertava os lábios. Aquilo era o que queria, que compreendesse o quanto Michael lhe importava.

Mas havia mais qualquer coisa no seu pedido. Ver Anna a dançar com Sinistyn despertara nele um sentimento que não conseguia definir. A única coisa que tinha clara era que Anna só podia pertencer a ele. Para isso, tinha de a tornar sua, marcá-la com um sinal que mostrasse ao mundo inteiro que a possuía.

Não conseguira tirar aquela ideia da cabeça desde que tinham saído do clube. Enquanto percorriam o casino, não parara de pensar em quão simples seria casar-se com ela. Afinal de contas, estavam em Las Vegas. E tinha a certeza de que, assim que Anna tivesse a sua aliança, seria fiel aos seus votos. Acabar-se-iam as discussões e as traições, as ameaças de tornar pública a luta pela custódia de Michael. Era a solução perfeita. O que não considerara fora a possibilidade de Anna o rejeitar.

- Casar-te-ás comigo pelo bem do nosso filho. -Nunca!

Nikos passou a mão pelo cabelo com uma expressão de desespero. Não fora assim que imaginara. Estava habituado a que os seus empregados cumprissem as suas ordens e a que as suas amantes agissem da mesma maneira.

- Serás rica. Mais rica do que alguma vez sonhaste

- assinalou. - Dar-te-ei tudo.

Anna deixou escapar uma gargalhada cínica.

- Achas, realmente, que isso me importa? Se assim fosse, ter-me-ia casado há muito tempo.

- Referes-te a Victor Sinistyn?

- Exactamente! - depois de uma pausa, Anna acrescentou: - Ainda estou a tempo de o aceitar.

Nikos apertou os punhos até os nós dos dedos ficarem brancos. Recordou a maneira como Anna dançara com Sinistyn, deixando que ele lhe tocasse enquanto balançava as ancas provocantemente, e sentiu náuseas.

Não conseguia suportar que outro homem lhe tocasse. Não deixaria que voltasse a acontecer. Nunca mais. Como poderia consentir que Anna se entregasse a um homem como Victor Sinistyn? Como poderia permitir que se tornasse o padrasto do seu filho? Só havia uma maneira de o evitar. Tinha de conseguir fazer com que Anna acedesse a casar-se com ele. Tinha de a convencer.

- Porque não dás o anel a Lindsey? - perguntou Anna, com uma doçura fingida, enquanto se levantava.

- Tenho a certeza de que ficará encantada por se casar contigo. Agora, se me dás licença, tenho de ir para casa para alimentar o meu filho.

Para casa.

Nikos teve uma visão de Anna na sua cama e relaxou. A cama fora o lugar onde sempre se tinham entendido na perfeição. Quando chegassem a casa, tomá-la-ia nos seus braços e Anna não conseguiria negar-lhe nada.

- Eu levo-te - disse.

Mas deixei o teu carro em...

- Não interessa. A maneira mais rápida de chegar é de mota - arqueou um sobrolho. - A não ser que tenhas medo de estar tão colada a mim.

Anna inclinou a cabeça para trás com um desdém forçado que não enganou Nikos.

- Não digas tolices!

- Está bem - Nikos levantou-se e estendeu-lhe a mão. -Vamos!

Anna hesitou alguns segundos antes de a aceitar. Nikos sentiu-a delicada e fria na sua.

- Está bem - disse Anna, finalmente. - Leva-me. "Nem imaginas até onde", pensou ele.

Anna parou-o.

- E o anel? - perguntou, olhando para a mesa. Vais deixá-lo aí?

Nikos encolheu os ombros. Visto que a jóia não lhe servira para nada, era-lhe indiferente. Naquele momento, só lhe interessava a pele de Anna, tocar-lhe e acariciá-la.

- Está tudo bem, senhor Stavrakis? - perguntou atrás de si o empregado, nervoso. - Espero que não tenha nenhuma queixa do jantar.

Nikos olhou para o jovem que atendera Anna. Tinha as mãos ocupadas com uma pilha de pratos sujos e parecia assustado.

- Tem a gorjeta na mesa - replicou, com brusquidão.

Depois, deu meia volta e saiu com Anna do restaurante. Atrás, ouviu-se um grito abafado e o ruído de pratos a partirem-se ao caírem no chão, mas Nikos não esperou para receber o agradecimento. O seu único pensamento era chegar a sua casa com Anna e arrastá-la até à sua cama.

Passados alguns segundos, avançavam a toda a velocidade pela auto-estrada. Uma lua cheia enorme projectava sombras sobre os arbustos de urze e as montanhas distantes. Anna agarrava-se a Nikos com força. O vento fazia voar o seu cabelo e arrepiava-a. Mas a razão pela qual tremia era outra, muito diferente. Sabia o que Nikos pensava, porque o lera nos seus olhos e na forma possessiva como lhe agarrara na mão para a conduzir para fora do casino. Pensava fazer amor com ela até a fazer perder o bom-senso, até que aceitasse casar-se com ele.

Sentiu que a sua testa se perlava de suor, mas o vento fresco secou-o imediatamente. Assustava-a confirmar o quanto o desejava, o esforço que teria de fazer para resistir. Se conseguisse...

Seria tão fácil aceder a ir para a cama com ele. A tudo.

Haveria alguém que vencesse Nikos? Seria possível?

Tremeu.

- Tens frio, querida? - perguntou Nikos, com uma voz aveludada, quando parava a mota na sua garagem de dez lugares. Estendendo-lhe a mão, ajudou-a a descer e acariciou-lhe o interior do pulso, enquanto a puxava para si. - Já aqueces.

Anna recuou.

- Tenho de dar de mamar a Misha - disse, antes de sair precipitadamente.

Para sua surpresa, Nikos não a seguiu. Mais tarde, ao fechar cuidadosamente a porta, atrás da qual deixava o seu filho adormecido e satisfeito, e enquanto se congratulava por ter superado mais um dia, a voz de Nikos sobressaltou-a atrás de si.

- Não devia ter dito que és uma má mãe. Não é verdade.

Anna virou-se e viu-o na penumbra do patamar, iluminado pela lua.

- Nikos! - exclamou, olhando para o chão.

Ele aproximou-se e puxou-lhe o cabelo para trás.

- Desculpa por o ter dito. És muito boa com ele. Anna sabia que a sua doçura fazia parte do plano para a render à sua vontade. E estava a ter sucesso. Andava há tanto tempo à espera de ouvir aquelas palavras dabocadeNikos...!

Mordendo o lábio, olhou de soslaio para a porta do quarto que a governanta lhe atribuíra. Embora estivesse a alguns passos, assim que Nikos lhe agarrou nas mãos pareceu estar a uma distância enorme.

- És tão bonita...! - exclamou ele, enquanto lhe acariciava a face. - E tão apaixonada por debaixo dessa aparência de secretária rigorosa. Pensar que demorei tanto tempo para me dar conta...

Anna tremeu. Tinha de fugir. Estava prestes a dar-se por vencida. Engoliu em seco e tentou puxar um assunto que os fizesse discutir.

- Onde está Lindsey esta noite?

- Não faço ideia. Despedi-a.

- O quê?

- Nunca fomos amantes, Anna. Mentiu-te com a esperança de chegar a sê-lo um dia, mas não era o meu tipo.

- Qual é o teu tipo? - perguntou Anna, fracamente, esforçando-se para esconder o desconcerto que a notícia sobre Lindsey lhe causara.

Nikos dedicou-lhe um sorriso arrebatador.

- Uma mulher arrogante de origem russa, com o cabelo escuro, olhos de gato e boca sensual - inclinou-se para a frente e sussurrou-lhe ao ouvido: - Lembro-me muito bem do sabor da tua pele, doce e aromático, Anna.

Ela tentou não recordar e ignorar as sensações que a voz de Nikos despertava quando lhe falava daquela maneira.

- É verdade que Lindsey não era tua amante?

- Desde a primeira noite em que tu e eu fomos para a cama, não houve outra mulher - Nikos passou-lhe o dedo pelos lábios. - És a mãe do meu filho, Anna. Preciso de ti na minha casa e na minha cama.

Anna mal conseguia pensar. Ansiava tanto acreditar nele.

- Deves ser a minha esposa - Nikos beijou-lhe a testa e depois a face. - É o nosso destino.

- Mas... - balbuciou Anna. - Não te amo - conseguiu dizer, embora receasse que o coração lhe saísse pela boca.

- Prova-me sussurrou ele, apertando-a nos seus braços e deslizando lentamente a mão pelas suas costas.

- A sério que não - disse ela, sem nenhuma convicção.

Nikos encostou-a contra a parede, entre uma grande planta e uma estátua grega.

- Tens a certeza?

Anna só conseguia sentir a dor que estava a causar-lhe reprimir o impulso de lhe tocar. Apertou as palmas contra a parede enquanto Nikos entrelaçava os dedos no seu cabelo e lhe acariciava o lóbulo da orelha. Depois, a pele delicada do pescoço.

- Consigo sempre o que quero e nunca desejei tanto uma mulher como te desejo.

Inclinou a cabeça e beijou-a delicadamente. Anna pousou as mãos no seu peito para resistir, enquanto tentava recordar quão cruel fora com ela.

"Não vou ceder. Desta vez, vou..."

Mas nem sequer tentando com todas as suas forças, conseguia dominar o seu corpo. Inclinou a cabeça para trás, entregando-se ao beijo de Nikos, enquanto o seu raciocínio e o seu bom-senso a abandonavam para serem substituídos pelo desejo de se entregar.

- Não! - gritou, enquanto o empurrava.

Tentou correr para o seu quarto, mas Nikos bloqueou-lhe a passagem. Anna cambaleou sobre os seus saltos altos, tirou-os e correu para o hall. Nikos seguiu-a com a ferocidade de um lobo a encurralar um cordeiro. Anna conseguiu alcançar a saída e fugiu, batendo a porta com força.

No exterior, amontoavam-se grandes nuvens escuras no céu e cheirava a chuva. Alguns raios prateados da lua projectavam-se sobre o pátio. Descalça, Anna correu pelo chão de mosaico, contornando a piscina para as sombras escuras das palmeiras.

Nikos alcançou-a à frente da fonte marroquina e apanhou-a por trás.

- Preciso de ti, Anna - sussurrou-lhe ao ouvido, apertando-a contra si. - E tu precisas de mim. Não o negues.

Beijou-lhe o pescoço, enquanto pousava as suas mãos sobre os seios de Anna, apertando-os dentro do sutiã.

Ela susteve a respiração e virou-se. Assim que olhou para Nikos, as palavras iradas que passavam pela sua cabeça ficaram sufocadas. O seu rosto estava ainda mais masculino do que o habitual devido à barba incipiente do fim do dia. De calças de ganga e t-shirt, não parecia um magnata, mas um motorista, perigoso e diabólico; um diabo na cama.

Nikos tinha razão: desejava-o. E poderia chegar a amá-lo com tanta facilidade...

- Não posso - disse, com a respiração entrecortada.

- Não podes? - Nikos apertou-a com força. Anna não conseguiu manter a sua determinação.

- Não posso continuar a lutar contra ti - disse, sem conseguir evitar por mais tempo que a verdade escapasse da sua boca.

Nikos esboçou um sorriso sensual, enquanto a puxava para si pela nuca e a beijava vorazmente. Ela devolveu-lhe o beijo com igual ferocidade. Estava há tanto tempo privada do toque de Nikos que pensou que, se parasse de a beijar, morreria. Queria possuí-lo com a mesma intensidade e raiva com que ele possuíra a sua alma.

Pressionou as mãos contra as suas costas para o aproximar ainda mais, mas não lhe bastou. Colocou as mãos entre os dois corpos e apalpou os seus abdominais musculados. Ouviu Nikos suspirar enquanto ela explorava o seu peito. Sempre estivera em forma, mas tinha os músculos mais marcados do que no passado. De repente, sentiu algo que não soube identificar.

- O que é isto? - perguntou, tirando-lhe a t-shirt sem que Nikos oferecesse resistência.

Anna percorreu com o dedo uma marca profunda na sua clavícula.

- Tens cicatrizes novas - murmurou. Nikos encolheu os ombros.

- Para libertar um pouco de agressividade, pratiquei muito boxe na tua ausência.

- Lamento.

- Eu não. Já não preciso que ninguém lute por mim. "Ao contrário de muitos outros homens ricos", pensou Anna, aturdida. "Como Victor."

Nikos apertou-lhe os seios até ameaçarem fugir do top. Depois, colocou a mão por dentro e massajou-os, enquanto ocultava o seu rosto entre eles. A sua barba áspera, em contraste com a pele sensível de Anna, fez com que esta estremecesse. Então, Nikos levantou a cabeça, percorrendo com a língua o decote e o pescoço de Anna. Ao chegar ao seu ombro, mordiscou-o, causando-lhe uma mistura de dor e de prazer.

Anna gemeu e arqueou-se para ele. Nikos aprisionou-a contra o muro ladrilhado do pátio. Anna semicerrou os olhos e percebeu, numa nebulosa, o brilho da lua sobre os ladrilhos e o murmúrio da fonte.

Não podia deixar-se levar.

Não conseguia recuperar o controlo de si mesma.

Aturdida, procurou o apoio da parede. Nikos agarrou-a pela cintura e puxou-a para si, pressionando-a contra o seu peito nu. As suas pernas entrelaçaram-se e Anna sentiu a sua barriga em contacto com a dele. Nikos beijou-a apaixonadamente enquanto entrelaçava os dedos no seu cabelo. Depois, deslizou as mãos pelas suas coxas e Anna irritou-se por não ter vestido uma saia.

Nikos segurou-a pelas nádegas e levantou-a do chão, para que lhe rodeasse a cintura com as pernas. Anna pôde sentir quão duro e firme estava, e quis que a possuísse ali mesmo, contra a parede, sem que lhe desse tempo para pensar.

- Meu Deus, desejo-te tanto! - exclamou ele, num sussurro. - Não consegui pensar noutras mulheres durante o ano todo. Só em ti.

Anna respirou fundo para poder articular palavra.

- Possui-me - disse, por fim. Já não havia volta atrás. Acabava de admitir o que os dois sabiam: ela desejava Nikos tanto como ele a ela. Sentiu que lhe ardiam as faces e acrescentou: - Mas, por favor, tem cuidado. O médico disse-me que, da primeira vez que tivesse relações depois de ter o menino, estaria tão sensível como se fosse virgem e que poderia doer-me.

Nikos afastou-se bruscamente dela e lançou-lhe um olhar ardente.

Eu nunca te faria mal, agapi mou. Naquele instante, Anna acreditou.

- Eu sei.

Mas o rosto de Nikos denotava inquietação.

Anna apercebeu-se de que se continha para não lhe fazer mal. Ainda lhe importava. E sabê-lo fê-la sentir um poder sobre ele do qual não tivera consciência até àquele instante.

Sorriu e percorreu as feições marcadas de Nikos com os seus dedos. Tinha o rosto de um guerreiro, feroz e poderoso, aterrador e belo.

Mas, por muito poderoso que fosse, ela não o era menos.

Apoiando-se nos ombros de Nikos, desceu as pernas, inclinou-se para trás e abriu o top. A lua arrancou brilhos nacarados à sua pele, antes de desaparecer por detrás das nuvens ameaçadoras.

Anna manteve-se direita e digna diante de Nikos. Era a primeira vez que agia com tanta audácia. Durante a sua relação, fora sempre ele quem tomara a iniciativa. Nervosa pela sua ousadia, Anna olhou para Nikos nos olhos.

Ele deixou escapar um gemido e fê-la recuar contra a parede. Sentir o seu peito contra a pele nua também não foi o suficiente para Anna. Continuava a querer mais.

Nikos segurou-lhe os dois pulsos com uma mão e levantou-os acima da cabeça, enquanto lhe beijava o pescoço e deslizava a sua outra mão entre as suas pernas.

Anna esqueceu o receio de sentir dor. Ansiava senti-lo no seu interior. Por cima deles, ouvia-se o vento ulular e começaram a cair as primeiras gotas de chuva. O seu cabelo caiu como uma cascata quando inclinou a cabeça para trás. Devorada pelo desejo, mal conseguia respirar.

- Esquece o que disse - pediu, ofegante. - Não sejas cuidadoso. Não me faças esperar. Possui-me agora mesmo.

Nikos esboçou um sorriso, enquanto a acariciava através das calças.

- Queres que te possua aqui, contra a parede?

- Sim. E é-me indiferente quem possa ver-nos Anna só sabia que, se Nikos continuasse a tocar-lhe, atingiria o clímax.

Mas Nikos não fez menção de lhe tirar as calças, limitando-se a continuar a esfregar-se contra ela e a devorar-lhe a boca.

- Pára! - exclamou Anna, ofegante. Retirou-lhe a mão e aproximou as suas da braguilha de Nikos. Quero sentir-te dentro...

- Não - Nikos segurou-lhe as mãos. - Espera. Ouviu-se um trovão e a chuva começou a repicar

com força no chão do pátio. O vento varria o deserto em rajadas, sacudindo as palmeiras.

- Desejo-te, mas... - Nikos pestanejou como se tentasse limpar uma neblina dos seus olhos. - Isto é um erro. Quando voltar a fazer amor contigo, será numa cama...

Anna sorriu.

- O meu quarto fica...

- E depois de te tornar minha esposa - concluiu Nikos. Observaram-se em silêncio sob a chuva. Anna teve,

subitamente, consciência de que estava seminua e de que a água da chuva escorria pelos seus seios. Acabava de se entregar nos braços de Nikos e, mais uma vez, ele rejeitava-a. As faces, arderam-lhe de vergonha.

- Se esperas que me case contigo, podes dar-te por vencido - replicou, sentindo que se acumulavam lágrimas de raiva nos seus olhos.

Nikos só pretendera demonstrar o seu poder e ela caíra na armadilha. Agachou-se para apanhar o seu top do chão, que estava encharcado. Enquanto o ajustava, tremiam-lhe os dentes.

- Ser tua amante esteve prestes a matar-me. Nunca me casarei contigo, Nikos. Nunca!

Mal vislumbrava o rosto de Nikos na penumbra, mas a sua voz chegou-lhe profunda e ameaçadora, dizendo:

- Isso é o que veremos!

Na manhã seguinte, Nikos respondeu com um resmungo à saudação animada da sua governanta quando lhe trouxe o pequeno-almoço. Nikos pousou os olhos nos jornais com um olhar ausente e amaldiçoou-se por ter sido tão estúpido.

Não pregara olho durante a noite toda e o único culpado era ele.

Apesar de a paciência não ser uma das suas características, deixara Anna no pátio e fora sozinho para o seu quarto.

Praguejou entredentes. Se tivesse feito amor com Anna, podia ter-se libertado da obsessão que o dominava. Bebeu um gole de café. Precisaria de mais de uma chávena para passar o dia. Precisava de encontrar uma substituta para Lindsey. As negociações com Singapura tinham alcançado um ponto crítico e a única coisa que lhe importava era como arrastar Anna para a sua cama. Estava indignado consigo mesmo. A sua atitude era intolerável.

Mas o pior de tudo era que não fazia ideia de como convencer Anna a tornar-se sua esposa. Porque lhe custava tanto entender que era a melhor solução para todos?

Ele já tinha feito tudo o que estava ao seu alcance: conversara com ela, despedira Lindsey, comprara-lhe um anel de dois mil dólares e oferecera-lhe a sua fortuna e o seu apelido... mas Anna atirara-lho à cara.

Nem sequer seduzi-la servira de nada. Nunca tivera tão pouco sucesso numa negociação. O que mais podia oferecer?

- Mais torradas, senhor Stavrakis?

Nikos resmungou mais uma vez em jeito de resposta. A governanta, habituada ao seu humor inconstante, acrescentou num tom animado:

- É verdade, obrigada por ter contratado a senhora Burbridge. Dá-se muito bem com o resto dos empregados. E devo dizer, se me permitir, que tem um filho encantador.

- Obrigado - resmungou Nikos. E pegou no jornal que tinha mais à mão para dar a conversa por terminada.

Quando a governanta saiu, provou a comida, largou o jornal e decidiu ir à procura de Anna.

Encontrou-a na piscina e pôde observá-la alguns segundos antes que ela o visse. Estava na água, com Michael. O bebé ria-se e chapinhava, enquanto ela o deslizava pela superfície. Depois, pegou-o ao colo e começou a apontar à sua volta:

- Aquilo são palmeiras. E aquilo, uma fonte. O céu e a água são azuis, vês? Hoje vai estar muito calor sorrindo, acrescentou: - Já viste como é tudo tão diferente do velho palácio do teu tetravô, Misha?

Nikos teve inveja do quão cómoda estava com o bebé. Pelo contrário, ele sentiu-se um estranho a observar uma família feliz. Não podia consenti-lo. O seu filho transformara-se no símbolo de um novo começo de vida. Tinha a oportunidade de ser o pai que ele nunca tivera. Porque teriam corrido tão mal as coisas?

Aquelas reflexões, que deviam ter-lhe recordado o ódio que sentia por Anna, só o fizeram sentir inveja e nostalgia. Anna não estava a fazer nada de especial, só brincava com o seu bebé, mas era óbvio que estava a divertir-se porque adorava estar com o seu filho.

Cometera um erro ao achar que podia afastá-la de Misha. Por outro lado, não o teria conseguido, mesmo que fosse suficientemente cruel para o fazer. Anna teria lutado com unhas e dentes. Quando amava, era a pessoa mais leal e devota que conhecia.

Nikos esbugalhou os olhos.

Seria assim que conseguiria fazer com que Anna se casasse com ele. Não com jóias, nem com dinheiro, nem sequer com sexo. Com amor. O amor era a razão da sua existência.

Tinha de conseguir fazer com que Anna se apaixonasse por ele tão profundamente que não só acedesse a casar-se com ele como também passasse o resto da sua vida a esforçar-se para conseguir que ele a amasse.

Algo que se encarregaria de nunca fazer. Não era assim tão estúpido. Amá-la debilitá-lo-ia numa altura da sua vida em que precisava de manter toda a sua força. Como poderia proteger a sua família se não tivesse a cabeça no lugar? Nunca conseguira amar ninguém nem nunca o faria.

Mas que Anna o amasse era outra coisa.

Se o conseguisse, tinha a certeza de que seria leal para o resto da sua vida. Dessa maneira, Misha teria sempre uma mãe devota e estaria protegido de padrastos indesejáveis, como Sinistyn.

Não lhe custaria muito fazer com que ela se apaixonasse. Ela mesma reconhecera tê-lo amado há tempos atrás. Só tinha de repetir as circunstâncias do passado para que voltasse a amá-lo. Mas, acima de tudo, tinha de conseguir fazer com que nunca desconfiasse da verdade. Tinha de a fazer acreditar que estava a apaixonar-se por vontade própria e não por ele estar a manipulá-la.

Semicerrou os olhos ao vê-la a rir-se e a chapinhar na água com Misha. Que arma poderia utilizar para a convencer a passarem tempo juntos?

E se lhe pedisse para voltar a ser sua secretária durante alguns dias?

Seria apenas algo temporário e a verdade era que Anna poderia ser uma grande ajuda para escolher uma nova secretária. Até poderia ajudá-lo nas negociações em Singapura. Bastaria uma semana. Utilizaria todos os seus encantos, diria algumas tolices sobre os seus sentimentos, convidá-la-ia para jantar... até Anna se entregar de corpo e alma.

E que corpo! Estava irresistível num biquini minúsculo da mesma cor dos seus olhos. No passado, nunca usara nada parecido, nem sequer quando eram amantes. Nunca expunha o seu corpo sensual, nem agia com sedução. Não precisava. Mesmo com o cabelo apanhado num coque e com roupa que a tapava dos pés à cabeça, sem deixar entrever as suas curvas, deixara-o louco.

Quem era aquela sereia que a substituíra? Biquinis, tops justos e calças de ganga cintadas... Teria mudado tanto?

Anna olhou para o sol e saiu da piscina. Deitou-se numa espreguiçadeira e colocou Misha sobre a sua barriga para lhe pôr creme protector. Depois, esticou-se para uma cadeira onde tinha um chapéu de aba larga. Com o movimento, viu-se o seu busto bem formado.

Nikos estava tão abstraído a observá-la, que a senhora Burbridge esteve prestes a tropeçar nele ao entrar no pátio.

- Desculpe, senhor.

- A culpa foi minha, senhora Burbridge. Não a ouvi entrar - disse ele.

- Ia perguntar à senhora Stav... à menina Rostoff...

- balbuciou a senhora Burbridge, corando. - Vou perguntar à menina se quer que fique com o menino. Como não dormiu durante a noite toda, pensei que talvez queira descansar um pouco.

- Não dormiu bem?

- O quarto dela fica junto do meu e ouvi-a levantar-se várias vezes. Pressuponho que se deva nojet lag.

Portanto, Anna dormira tão mal como ele. E tinha a certeza de que a razão era muito diferente da sugerida pela senhora Burbridge. Nikos sorriu com satisfação. Antes de a semana acabar, a senhora Burbridge não teria problemas com o apelido de Anna, porque se teria tornado a senhora Stavrakis.

Anna acabava de voltar para a água quando viu a senhora Burbridge, mas o que a deixou com pele de galinha foi ver o homem que estava atrás dela e que a observava como se quisesse atravessá-la com o olhar.

- Quer que cuide do menino, menina Rostoff? Pensei que gostaria de descansar um pouco.

Anna intuiu que seria uma ideia de Nikos. Queria ficar a sós com ela para a seduzir e convencê-la a casar-se com ele.

Nunca!

Anna deu meia volta, cobrindo o menino com os seus braços como se a senhora Burbridge fosse arrebatar-lho.

- Não, obrigada. Estou bem.

Pressupôs que Nikos lhe exigiria que entregasse Misha, mas, para sua surpresa, ouviu-o dizer:

- Vê-se que não precisa de descansar, senhora Burbridge.

Anna ouviu a senhora Burbridge sair e esperou que Nikos a acompanhasse. Mas, mais uma vez, enganou-se. Ao olhar para trás, descobriu-o na beira da piscina, a observá-la com uma expressão inescrutável. A sua presença era como uma nuvem a encobrir o sol. Fez com que Anna ficasse tensa ao recordar o pouco que faltara na noite anterior para que se entregasse a ele, o quanto desejara senti-lo no seu interior. O conflito entre a raiva e o desejo mantivera-a acordada. Por duas vezes, estivera prestes a ir ao quarto de Nikos. Se não o fizera, fora graças ao seu instinto de sobrevivência.

- Queres alguma coisa? - perguntou, dirigindo-lhe o olhar de superioridade que a sua mãe costumava usar com os empregados dos seus amigos, quando tratavam a sua família com insolência por considerarem que viviam da caridade.

Até Anna fazer dezoito anos e o seu pai ter mudado a família para Nova Iorque, para se associar a Victor, a sua vida fora dominada pela insegurança e pela humilhação.

Depois, Victor começara a exercer o seu poder sobre ela. Por isso, jurara nunca depender de ninguém. Preferia morrer de fome a perder a dignidade.

Ou fora o que pensara até ser mãe. Já não tinha assim tanta certeza. Que importância tinha o seu orgulho comparado com a segurança e o bem-estar do seu filho?

- O que queres? - perguntou, novamente, irritada. Em vez de responder, Nikos sentou-se na beira da piscina, com as pernas cruzadas numa atitude juvenil.

- Quero que me ensines a ser pai. Anna olhou, boquiaberta, para ele.

- O que queres dizer?

Nikos olhou para Misha.

- Sabes que nunca tive um pai a sério, portanto não tive um bom modelo. Não sei como agir. Até tenho medo de lhe pegar ao colo.

Anna esperou que acrescentasse que ela era a culpada por lho ter arrebatado e não o ter deixado passar os primeiros meses da sua vida com ele, mas, em vez disso, Nikos repetiu com doçura:

- Quero que me ensines a ser pai.

Anna tinha a certeza de que devia ser um truque, mas não conseguia adivinhar em que consistia. Humedeceu os lábios com nervosismo enquanto observava o seu bebé. Misha precisava de um pai. E embora ela também não tivesse muita experiência, como poderia negar o pedido de Nikos?

- Posso tentar - disse, hesitante.

- Concordas?

- Quando começamos?

- Agora.

Está bem. Veste o fato-de-banho.

- Demoraria demasiado - de um só movimento, Nikos tirou a t-shirt e os sapatos. Depois, olhou para Anna com uma expressão que deixava entrever as suas intenções.

- Não estás a falar a sério!

- Anna, sabes que falo sempre a sério - disse ele. E saltou para a piscina com as calças vestidas.

Anna virou-se para proteger o seu filho dos salpicos. Quando Nikos emergiu da água, tinha o cabelo colado à cara e ria-se às gargalhadas.

Anna tremeu ao ouvir o som da sua gargalhada. Não a ouvia há tanto tempo... A gargalhada de Nikos era sonora e embriagadora, como o bom vinho grego, contagiante.

Nikos nadou para a parte menos profunda até ter pé e conseguir andar para Anna, afastando a água como se fosse um deus grego. O seu peito musculado brilhava sob o sol e as gotas de água deslizavam pelos seus peitorais. Anna mordiscou o lábio quando Nikos se apoiou no seu ombro e, com a outra mão, acariciou com delicadeza a cabeça de Misha.

- Ensinas-me a segurá-lo?

Anna pôs-lhe Misha delicadamente entre os braços, indicando-lhe que o encostasse ao peito.

- Olá! - cumprimentou-o Nikos, olhando para o bebé. - Sei que nunca tiveste um pai e eu sou-o pela primeira vez. Aprenderemos juntos.

Com cuidado, agachou-se na água até que o bebé começou a rir-se e a chapinhar. Nikos riu-se com ele e beijou-o.

- Estarei sempre ao teu lado, Michael - sussurrou-lhe, suficientemente alto para que Anna pudesse ouvi-lo.

Anna observou a cena com o coração apertado. Se até então se considerara em perigo, a partir daquele momento a sua situação era crítica. Ao ver Nikos a segurar o seu filho com tanta ternura, descobriu nele o que sempre desejara. Um homem forte que não receava ser brincalhão.

Aquele era o pai que queria para o seu filho.

O marido com o qual sempre sonhara.

Tentou afastar aqueles pensamentos. Disse para si que não era o verdadeiro Nikos. Pretendia enganá-la, deslumbrá-la para poder vingar-se dela. Não pararia enquanto não a destruísse de corpo e alma.

Passou a manhã à espera que Nikos recuperasse a sua verdadeira natureza, arrogante e fria. Mas a transformação não se produziu.

Pareciam uma família feliz e a experiência deixou-a aturdida. Perturbada.

Quando deixou a piscina para ir alimentar e mudar a fralda de Misha, Nikos seguiu-a. As suas calças deixavam um carreiro de água.

Anna sorriu.

- Lamento pelas tuas calças.

- Eu, não - Nikos sorriu por sua vez. Parecia tão relaxado, tão contente... Não recordava alguma vez tê-lo visto assim. - Além disso, tenho muitas. Há anos que não me divertia tanto. Senti-me como um menino.

Anna riu-se.

- Se é assim, da próxima vez talvez tome banho vestida.

- Não, por favor - disse Nikos, com malícia. - Prefiro-te de biquini.

A maneira de olhar para ela fez com que Anna sentisse que ardia.

- Pelo contrário, não gostaste nada do conjunto que vesti ontem à noite.

- Porque o vestiste para outro homem.

Anna tinha a certeza de que Nikos acrescentaria alguma ameaça, exigindo-lhe que não voltasse a ver Sinistyn, mas limitou-se a continuar a andar para a casa.

- Vou vestir algo menos molhado - disse, piscando-lhe o olho. - Quando Michael adormecer, vai ter ao escritório, por favor. Quero fazer-te uma proposta.

Uma proposta? Anna agradeceu aos céus enquanto levava o bebé para o seu quarto. O comportamento de Nikos estava a começar a desconcertá-la e tranquilizou-a saber que voltaria a pressioná-la e a mostrar uma atitude intransigente. Ou que tentaria beijá-la para que se desse por vencida. Não lhe custava enfrentar aquele tipo de comportamento. Dava-lhe muito mais medo o novo Nikos, divertido e transbordante de ternura.

Entrou no escritório, disposta a dar luta. De facto, estava tão preparada que esperava com ansiedade que Nikos a tomasse nos seus braços para lhe demonstrar que era capaz de resistir às suas tentativas de a seduzir.

Contudo Nikos não fez menção de lhe tocar. Numa das pontas da secretária enorme havia um almoço leve. Nikos estava sentado na outra, rodeado de papéis e pastas.

Levantou a cabeça ao ouvir Anna entrar, sorriu e fez um gesto com o queixo para a comida.

- Pedi à governanta que trouxesse algo para comermos. Pressupus que terias fome.

- E tens razão - disse Anna, indo directamente para as sandes e para a bandeja de queijos. Dar de mamar deixava-a sedenta e com fome. Bebeu um grande copo de água e esperou, mas Nikos continuou a trabalhar.

Anna pigarreou para chamar a sua atenção e ele olhou para ela como se se tivesse esquecido de que estava ali.

- Porque querias ver-me? - perguntou ela, cada vez mais desconcertada. - Disseste que querias propor-me qualquer coisa.

- Ah, sim! Preciso da tua ajuda. Estou a fechar um negócio para abrir um casino em Singapura e, como despedi Lindsey, não tenho secretária executiva.

Anna sentiu que o coração lhe dava um salto de alegria. Nikos queria que voltasse a trabalhar para ele! Tentou dominar o seu entusiasmo.

- E Margaret ou Clementine não podem ajudar-te?

- Preciso delas no escritório de Nova Iorque. Tenho de contratar alguém como assistente pessoal, para que me acompanhe a Singapura dentro de dez dias. Preciso da tua ajuda.

O coração de Anna acelerou. Voltar a trabalhar na Stavrakis Resorts seria um sonho tornado realidade e perguntou-se se o seu filho gostaria de viajar.

- Está bem - disse, com um falso tom de resignação. - Já que precisas de mim...

- Esperava que dissesses que sim - Nikos deslizou um papel para ela sobre a secretária.

Desconcertada, Anna viu que era um currículo.

- O que é isso? - perguntou.

- A primeira candidata para ocupar o teu lugar disse Nikos, esboçando um sorriso quente.

 

Anna sentiu-se como se acabassem de lhe dar um murro no estômago.

- Para me substituir? - devolveu, bruscamente, o currículo a Nikos. - Porque haveria de te ajudar a substituíres-me? Este trabalho era a minha vida. Não vou mexer um dedo para o dar a outra.

- Já imaginava - disse Nikos. E passou-lhe outro documento. - Convencer-te-ia com isto?

Anna agarrou-o, franzindo o sobrolho.

- Se achas que outro currículo vai... - mas, ao ler as primeiras palavras, calou-se e deixou-se cair sobre uma cadeira. - É um acordo para a custódia de Misha - disse, atónita.

- É verdade - confirmou Nikos.

Anna folheou, com ansiedade, as páginas do documento, antes de voltar a olhar para Nikos. Vais concordar com a custódia partilhada?

- Considera-o um incentivo.

- O que queres em troca? - perguntou Anna, com perspicácia.

- Assinarei o documento se me ajudares a encontrar uma secretária executiva no prazo de dez dias.

Anna olhou, fixamente, para ele.

- É só isso?

Nikos encolheu os ombros com resignação.

- Estou desesperado. Preciso de resolver o problema antes de ir para Singapura.

Anna não acreditava no que ouvia. Era demasiado bom para acreditar.

- Disseste que te vingarias de mim por te ter traído.

- Tal como te disse ontem, aprendi a valorizar o amor e a atenção que dedicas ao meu filho.

Anna não era assim tão inocente.

- Estás a esconder-me qualquer coisa.

- Porque és tão incrédula? - perguntou Nikos, fechando o computador. - Obviamente, prometerás não voltar para Victor Sinistyn.

Anna deixou escapar uma gargalhada. Finalmente, entendia tudo. O seu plano surtira efeito. Estava prestes a dizer que lhe era indiferente nunca mais ver Victor no resto da sua vida quando lhe ocorreu que, no caso de Nikos mudar de ideias em relação à custódia, o seu único trunfo era, precisamente, ameaçá-lo com Victor.

- Não acho que seja assim tão fácil - disse, inclinando a cabeça. - Victor é difícil de esquecer.

Embora Nikos tentasse manter uma expressão imperturbável, Anna percebeu um brilho resistente no seu olhar.

- Como queiras. Tu decides.

- Se mantenho a minha amizade com Victor?

- Se queres a custódia do teu filho.

- Claro que sim - disse Anna. E surpreendida pela sua própria ousadia, acrescentou: - Mas vais ter de me oferecer mais do que uma assinatura num documento para que renuncie àquele que talvez seja o amor da minha vida.

Os olhos de Nikos brilhavam como dois tições brilhantes.

- O que queres? - exigiu saber.

- É compreensível que precises de uma nova secretária para que me substitua. Eu também queria ter outro chefe. Proporciona-me uma excelente carta de recomendação para que possa arranjar emprego em Nova Iorque.

- Não acedi a que leves o nosso filho para Nova Iorque.

- É-te indiferente. Tu estarás em Singapura...

- E tu não terás de trabalhar para o resto da tua vida interrompeu Nikos, sem ouvir Anna. - Eu dar-te-ei todo o dinheiro de que precisares para criares o nosso filho. Não me ofendas.

- Não sei em que te ofendo por querer trabalhar...

- O teu trabalho agora é cuidar do nosso filho.

- Também é o teu e não vi que tenhas posto a Stavrakis Resorts à venda.

- A empresa é o legado que deixarei ao meu filho disse Nikos. - Eu não posso deixar de trabalhar.

- Eu também não.

- Sustentar-te-ei e a Michael durante o resto das vossas vidas. Protegerei o que é meu. Não precisas de recear nada.

- E também vais sustentar a minha mãe e a minha irmã?

Nikos olhou para ela com desconfiança.

- Porque perguntas? Estão em apuros? Anna não queria falar do assunto.

- Agradeço-te a oferta, Nikos, mas não quero depender de ti para o resto da minha vida - disse, com uma expressão irritada.

Nikos tamborilou os dedos sobre a secretária.

- Então, preferes que uma ama cuide de Michael enquanto tu trabalhas como secretária?

- Insinuas que o meu trabalho é menos importante do que o teu? - Anna contra-atacou com outra pergunta.

- Não insinuo. Afirmo-o. Na minha empresa, há milhares de empregados que dependem do salário que lhes dou. No teu caso, não creio que acontecesse nada por o mundo perder uma dactilógrafa.

- Sabes que o meu trabalho não se reduz a isso! exclamou Anna, fora de si.

- Nada do que faças no teu trabalho poderá ser mais importante do que... - Nikos calou-se bruscamente, recostou-se e sorriu com frieza. - Anna, não temos de discutir isto agora. Primeiro, tenho de encontrar uma substituta.

- Eu quero discuti-lo agora - disse ela, furiosa. Nikos ficou em silêncio. Depois, suspirou.

- Está bem. Arranja-me uma nova secretária e dar-te-ei a carta de recomendação, se é o que queres. Deus sabe que a mereces.

- Embora não passe de uma dactilógrafa?

- Sabes que não era o que queria dizer - explicou Nikos, franzindo o sobrolho. - Deixa-me explicar.

Anna olhou, surpreendida, para ele. Nikos nunca dava explicações, só ordens.

- Estou a ouvir-te - disse.

Nikos penteou o cabelo com os dedos, enquanto olhava pela janela. Lá fora, um jardineiro cortava a relva, uma extensa mancha verde entre a cor parda das montanhas e o azul intenso do céu.

- Em pequeno, mal via a minha mãe. Chegou a ter três empregos para termos um tecto. Quando tive idade suficiente para a ajudar economicamente, morreu. Recordo-a como uma figura pálida com o coração partido

- olhou para Anna. - Não quero que o meu filho ou tu tenham uma vida assim. Sei que desconfias das minhas ofertas e entendo-te, mas rogo-te para que me deixes dar uma infância feliz a Michael.

Anna engoliu em seco. Não era fácil rejeitar uma súplica como aquela. E ainda menos ignorar a pressão que sentia no peito. Ela também não queria deixar o seu filho durante o dia todo, enquanto ia trabalhar, mas não lhe restava outra opção. Ou trabalhava ou teria de mendigar dinheiro a Nikos durante o resto da sua vida.

Mas talvez não tivesse de ser assim.

Era absurdo pensar daquela maneira. Já confiara em Nikos uma vez e despedira-a, abandonara-a e enganara-a.

"Não te enganou", disse-lhe uma voz interior. "E embora o tenha feito de forma muito primitiva, o que pretendia era proteger-te e a Misha."

Anna decidiu ignorar aquela voz. Não podia abrandar e voltar a sentir amor por Nikos, por muito que este a olhasse com uma atitude suplicante ou contemplasse o seu filho com ternura. Não voltaria a apaixonar-se por ele, por muito maravilhoso que aparentasse ser.

Para afastar aqueles pensamentos, arrebatou a Nikos o currículo que ainda segurava entre os dedos.

- Esta é a primeira candidata que pensavas entrevistar?

- Sim, pareceu-me que...

Anna deu uma olhadela ao texto e, praticamente, saltou da sua cadeira.

- Estás louco? Não tem experiência! A carta de recomendação que inclui é de um clube de alterne.

- Queria manter um espírito aberto - disse ele, à defesa. A tua carta de recomendação era assinada por Victor Sinistyn e foste a melhor secretária que tive.

- Mas esta cometeu três erros de ortografia. Até Lindsey teria feito melhor - Anna amachucou o papel.

- Não vale a pena entrevistá-la, a não ser que queiras uma bailarina exótica.

- Está bem - resmungou Nikos. - Rejeito-a. Talvez o teu amigo Victor possa dar-lhe um emprego.

Nikos estendeu a mão para que lhe desse o papel. Quando os seus dedos se roçaram, Anna sentiu um estremecimento eléctrico enquanto Nikos olhava para ela. Anna achou que a tomaria nos seus braços e a beijaria até a fazer perder os sentidos.

Nikos suspirou profundamente e ambos se inclinaram para a frente, sobre a secretária, em câmara lenta.

Subitamente, bateram à porta e, sem transição, ouviu-se que alguém a abria.

- Desculpe, senhor. Menina.

Anna virou-se e corou, ao ver uma empregada na soleira.

- Dei ordens muito estritas para não ser incomodado quando estou no escritório - disse Nikos.

- Eu sei, senhor. Mas, se me dá licença, vim procurar a menina Rostoff. A sua irmã está aqui. Parece muito agitada e ameaçou chamar a polícia e dizer que a menina está aqui contra sua vontade.

- Largue-me! - Anna ouviu a sua irmã gritar. - Saia da frente! Anna? Anna?

Natalie entrou no escritório, dando um empurrão à empregada. O seu vestido estava enrugado e sujo. Ao ver Anna sentada à frente de Nikos numa atitude relaxada, parou de repente e lançou-lhe um olhar furioso.

- Parece mentira...! - exclamou. - Não sabes o que está a acontecer? Telefonei-te um monte de vezes e tu não atendeste. Pensava que estavas metida numa confusão, que te mantinham prisioneira. E, em vez disso, encontro-te a conversar relaxadamente com o homem que chamavas o teu pior inimigo.

- Dá-nos licença - disse Anna, precipitadamente, enquanto agarrava na mão da sua irmã e a tirava do escritório, antes que repetisse todos os insultos que a ouvira dedicar a Nikos. Não podia arriscar-se a quebrar o frágil equilíbrio que tinham atingido. E, muito menos, quando estava prestes a aceder dar-lhe a custódia partilhada de Misha.

Entrou com Natalie no seu quarto e fechou a porta.

- Voltaste para ele, não foi? - perguntou Natalie, com amargura. - Depois de tudo o que nos fez, de ter arruinado o nosso pai, de te ter abandonado e enganado, de te ter despedido quando ficaste grávida... Devias denunciá-lo!

- Natalie, não vou denunciar o pai do meu filho.

- Porquê, se é um monstro? Anna respirou fundo.

- Porque me apercebi de que interpretei mal algumas das coisas que fez e agora sei que o que te contei sobre a empresa do papá não era verdade.

- O que queres dizer?

Anna olhou para a sua jovem e idealista irmã, e não foi capaz de lhe contar o que o seu pai fizera.

- Houve algumas complicações das quais eu não soube nada naquela altura. Nikos não arruinou o papá, mas tentou salvar a sua empresa. Infelizmente, o papá cometeu alguns erros.

Natalie observou-a antes de acrescentar:

- Se Nikos não é assim tão má pessoa, porque decidiste casar-te com Victor e voltar para a Rússia?

- O quê?

- Não sabes do que falo? - a sua irmã mais nova, habitualmente tão inocente e crédula, soltou uma gargalhada amarga. - Não, claro que não! E eu deixei dez mensagens no teu telefone. Victor Sinistyn comprou o palácio do nosso tetravô esta manhã. A mamã vendeu-lho por menos de metade do seu valor e já gastou o dinheiro em roupa. Victor vai destruir o palácio e construir um edifício novo para ti.

- Para mim? Do que estás a falar?

- Sempre pensei que Vitya era forte e bonito. Mesmo depois de ter acabado tão bruscamente a sociedade com o papá, continuei a pensar que era bom. Cheguei ontem para lhe suplicar que não tocasse no palácio, convencida de que me ouviria - Natalie abanou a cabeça, - mas limitou-se a rir-se. Disse que o ar de Las Vegas estava cada vez mais poluído e que tinha de construir o novo edifício o mais depressa possível, para que tu e ele pudessem mudar-se para lá assim que se casassem.

- É mentira! - exclamou Anna. - Nem sequer se declarou a mim!

- Vê-se que pensa que não é necessário. Há alguma razão para que pense dessa maneira?

Anna atravessou o tapete azul grosso que cobria metade do quarto.

- Só o vi uma vez desde que voltei e a única razão foi...! - olhou para um lado e para o outro, como se receasse que Nikos pudesse estar a ouvir, escondido num canto. Pensei que a minha relação com ele me serviria para negociar com Nikos a custódia de Misha e obter a liberdade.

Natalie esbugalhou os olhos.

- E pediste ajuda a Vitya? Ao vê-lo no clube, apercebi-me do tipo de homem que é na realidade. Não é nosso amigo. Se fosse, não teria emprestado dinheiro aos nossos pais cobrando-lhes juros tão altos. Antes, achava que tentava ajudar-nos, mas agora sei que só se associou ao nosso pai para estar perto de ti. Quando tu foste trabalhar com Nikos, dissolveu a sociedade e começou a emprestar dinheiro ao papá para o obrigar a depender dele - Natalie respirou fundo. - Acho que tentava afundar a família para conseguir fazer com que te casasses com ele.

- Não é possível! - exclamou Anna.

Era verdade que Victor insistira para que se casasse com ele e, inclusive, utilizara a influência do seu pai para o conseguir, mas custava-lhe acreditar que tivesse decidido magoar deliberadamente a sua família. Tê-lo-ia feito?

- Só assim se entende o seu comportamento - continuou Natalie. - Porque achas que continua a emprestar dinheiro à mamã quando sabe que não conseguiremos devolver-lho?

Anna esfregou a testa com uma expressão preocupada.

- Não sei, mas descobrirei. Eu encarregar-me-ei de tudo, Natalie. Acalma-te. Assim que conseguir a custódia de Misha, arranjarei um emprego em Nova Iorque e...

- Achas que quer que lhe devolvas o dinheiro? Natalie interrompeu-a, olhando para ela como se a visse pela primeira vez. - Se achas que é isso que quer, és tão ingénua como a mamã, que, por outro lado, aceita o seu dinheiro porque acha que acabarás por te casar com ele. E pressuponho que o farás. Não és sempre a que se sacrifica? Acabarás por premiá-lo, depois de ter destruído a tua família para conseguir ficar contigo.

- Isso são só especulações!

- Tens a certeza? - Natalie abanou a cabeça. - Vê se amadureces e vês a realidade tal como é.

A sua irmã mais nova dizia-lhe para amadurecer?

- Claro que vejo a realidade. Natalie voltou a interrompê-la.

- Toda a vida te considerei uma santa porque te sacrificavas por todos nós. Quando disse que queria aprender contabilidade, para ajudar economicamente a família, insististe para que tirasse Belas Artes...

- Sabia que a arte era a tua paixão! - protestou Anna.

- É possível - disse Natalie, com sarcasmo, - mas serve de pouco quando se precisa de ganhar dinheiro. A verdade era que não querias a minha ajuda. Sempre quiseste ser a única a poder fazer alguma coisa e nunca estiveste disposta a depender de ninguém.

- Tentava fazer o melhor para ti!

- Se é assim, porque não enfrentaste Victor há anos, para lhe dizeres que te deixasse em paz, em vez de ires trabalhar para outro? Porque ficaste grávida de Nikos para depois saíres a fugir? Estás sempre disposta a defender os outros, mas, quando se trata de ti, só sabes fugir.

Anna olhou para ela. Custava-lhe respirar.

- Natalie, por favor... - murmurou. Natalie olhou para ela com frieza.

- Queres ser forte? Muito bem. Agora estás metida numa boa confusão com Victor e com Nikos. Sai dela. Mas não te enganes, achando que tomas as decisões para o nosso bem. A única coisa que fizeste foi piorar as coisas. Muito obrigada.

Dando meia volta, encaminhou-se para a porta.

- Natalie! - Anna segurou-a pelo pulso. - Não partas assim, por favor!

- Larga-me! - pediu Natalie, com frieza. E Anna obedeceu.

Depois de Natalie partir, Anna sentou-se lentamente na cama, tentando assimilar o ataque feroz da sua irmã. Natalie fora a pessoa da sua família com a qual sempre pudera contar. Quando batera à sua porta na Rússia, em vez de a interrogar, limitara-se a abrir-lhe os braços e a deixá-la chorar no seu ombro. Lutara contra os guarda-costas de Nikos para evitar que lhe arrebatassem Misha...

Anna deixou o quarto com o coração apertado e, sem se aperceber, foi ao escritório de Nikos em busca de consolo. Mas, quando chegou, a porta estava fechada e ficou diante dela com o olhar extraviado. Talvez, se Nikos a tomasse nos seus braços e lhe dissesse que tudo correria bem, conseguisse acreditar nele. E talvez aquela não passasse de outra prova da ingenuidade de que a sua irmã acabava de a acusar.

Natalie teria razão? Teria sido a causa das desgraças da sua família e enganar-se-ia ao achar que tentava encontrar soluções?

Era verdade que nunca enfrentara Victor. Nunca lhe dissera que a deixasse em paz. E quando já não conseguira suportar as suas constantes insinuações, fugira do seu lado para ir trabalhar com Nikos.

E quanto a Nikos... Mesmo conhecendo as suas falhas, apaixonara-se por ele. Devia ter tido mais cuidado. Como fora capaz de ficar grávida de um homem que nem era o seu marido, nem sequer a amava?

Depois de alguns minutos, deu meia volta e dirigiu-se para o quarto de Misha, que continuava a dormir no seu berço. Pegou nele delicadamente e embalou-o nos braços, sentada numa cadeira de baloiço. Olhou pela janela com os olhos cheios de lágrimas e contemplou a piscina onde, por um breve instante, naquela manhã se sentira parte de uma família feliz.

Como poderia resolver tudo o que fizera de errado?

Como podia corrigir os seus erros?

Em primeiro lugar, devia pedir ajuda. Natalie tinha razão. Fechou os olhos enquanto se balançava. Chegara o momento de enfrentar a realidade. Misha não devia sofrer as consequências por a sua mãe não ter sido capaz de estar perto do seu pai. Por muito que quisesse voltar para Nova Iorque, não devia fazê-lo. Devia viver suficientemente perto de Nikos para que pudessem criá-lo juntos. Era o mínimo que podia fazer por Misha.

Mas não se casaria com Nikos. Não podia ser sua mulher e entregar-se a um homem que não a amava. Partilharia a educação de Misha com ele. Mais nada. Ela precisava de uma casa própria, de uma vida própria. De um emprego.

Abriu os olhos de repente e endireitou-se. Conseguiria que Nikos voltasse a contratá-la.

Era a solução perfeita. Poderiam viajar juntos, de maneira que Misha estaria com o seu pai e com a sua mãe. Além disso, Nikos pagar-lhe-ia um salário que não conseguiria em nenhum outro sítio. Tanto que, inclusive, poderia ir pagando a dívida que a sua família contraíra com Victor.

Não lhe seria fácil estar diariamente com Nikos, nem vê-lo sair com outras mulheres, mas acabaria por se habituar. Assumiria a responsabilidade das decisões que tomava.

Misha suspirou e, abrindo os olhos, sorriu para Anna. Ela devolveu-lhe o sorriso.

Só faltava convencer Nikos a contratá-la e todos os seus problemas se iriam resolvendo. Não seria simples, mas, por outro lado, Nikos pedira-lhe ajuda com a selecção das candidatas. Anna sorriu para si. Fingiria estar a ver os currículos enquanto ia assumindo as tarefas de secretária executiva. Demonstraria a Nikos que podia trabalhar e continuar a ser uma boa mãe.

- O que tem esta de mal? - perguntou Nikos, exasperado. - Carmen Ortega tem trinta anos de experiência em grandes empresas!

- Em empresas com accionistas - disse Anna, com doçura, enquanto atirava o currículo para o cesto de papéis. - Está habituada a lidar com muitos chefes, em vez de com um. Não te serviria.

Nikos não a entendia. Andavam há nove dias a ver os currículos e Anna punha defeitos em todos. Mas como lhe pedira que o ajudasse, tinha de continuar a farsa até conseguir que se apaixonasse por ele.

Estava a ser mais difícil do que imaginara inicialmente.

O seu plano original era conquistá-la com jantares românticos, presentes e passeios. Mas Anna transformara todas as oportunidades em horas de trabalho, tomando notas e fazendo perguntas sobre os novos projectos da empresa.

No dia em que lhe dera um ramo de flores e uma caixa de bombons, agradecera-lhe por se lembrar que era o Dia da Secretária. Como haveria de se lembrar de um dia tão estúpido, se é que realmente existia?

Os passeios com Michael pelo deserto e no UHermitage eram muito agradáveis. Nikos passeara com o seu filho ao colo e, ao chegar ao hall do hotel, sussurrara cheio de orgulho:

- Um dia, tudo isto será teu.

Mas, embora Anna parecesse contente por estar a aprender a ser um bom pai, não parecia suficientemente entusiasmada para cair rendida aos seus pés.

Pelo menos, todos aqueles dias tinham conduzido a uma grande melhoria no seu escritório. As pilhas de papéis tinham sido arquivadas e as suas reuniões tinham sido reorganizadas de maneira a que o seu horário fosse muito mais razoável. Em nove dias, Anna conseguira substituir a inépcia de Lindsey por eficácia e bom-senso.

Nikos deslizou a cadeira pelo seu escritório, pensando que não lhe custaria habituar-se a tudo aquilo. Depois, parou de repente ao aperceber-se de que não podia permiti-lo. Quando se cumprisse o prazo de dez dias, Anna voltaria a ser exclusivamente mãe. O seu lugar era em casa, a cuidar do seu filho, rodeada de luxo e comodidades.

A verdade era que fora agradável trabalhar em casa, em vez de ir para os escritórios do casino. Passara muito mais tempo com Anna e com Michael. Anna continuava a dar-lhe de mamar e o menino passava as tardes com eles, no escritório. Naquele momento, estava no seu quarto, a dormir a sesta, mas, até há alguns minutos, estivera a brincar num tapete no chão, a bater nalguns brinquedos pendurados e a rir-se às gargalhadas. Ao recordá-lo, Nikos esboçou um sorriso.

Abanou a cabeça, admoestando-se pelos maus hábitos que estava a adquirir. Não podia trabalhar as suas dezasseis horas habituais se fosse constantemente distraído pelas gargalhadas do seu filho e a presença atraente de Anna. Tinha de se manter fiel ao plano original. Anna deixaria de fazer de secretária e encontraria alguém para a substituir.

O problema era que tinha de partir no dia seguinte e só lhe restava uma noite para conquistar Anna antes de partir para Singapura. Chegara o momento de ser criativo. Não lhe restava outro remédio senão puxar o assunto dos sentimentos. Não fazia ideia de como se fazia, mas improvisaria. Falar-lhe-ia da sua infância. As mulheres não adoravam histórias tristes de pobreza e infortúnio?

- O que estás a fazer? - perguntou, ao ver Anna de cócoras, ao lado do cesto de papéis. O seu rabo perfeito, enfiado numa saia justa, fez com que a sua imaginação disparasse automaticamente.

- A apanhar um papel - disse Anna, pegando num currículo amachucado. Ao fazê-lo, viu outro papel atrás do cesto dos papéis e Nikos ficou tenso ao aperceber-se de que descobrira o envelope azul que deitara fora naquela manhã.

Anna sentou-se sobre os calcanhares e leu-o.

- Tem um selo grego - Nikos pegou noutro currículo. - Leste este?

Anna não se deixou distrair.

- Quando recebeste esta carta? - perguntou, levantando o envelope na mão.

- Ontem - respondeu Nikos.

Anna afastou uma madeixa de cabelo da cara.

- Não a abriste. -E?

- Não vais lê-la?

- É óbvio que a minha resposta foi atirá-la para o cesto dos papéis.

- Mas se a viúva do teu pai te escreve para se reconciliar...

- Não preciso de me reconciliar com ninguém disse Nikos, cortante. - O meu pai não significava nada para mim e agora está morto. Porque haveria de querer relacionar-me com a viúva dele? Se ela quiser, pode escrever-me. Mas eu também tenho o direito de deitar fora as suas cartas sem as ler, sem que tu me aconselhes.

Recordava, perfeitamente, a primeira carta que recebera daquela mulher da Grécia. Era para o informar da morte do seu pai e de que herdara uma parte do seu negócio de transporte marítimo. O negócio que, já em adulto, Nikos tentara levar à falência. Também lhe dizia que o seu pai era o investidor anónimo que lhe proporcionara os fundos para criar a Stavrakis Resorts.

Mesmo assim, Nikos recusara-a a ir ao funeral ou a conhecer os seus meios-irmãos. Também rejeitara as acções da empresa. Não quisera ter nada a ver com a família que fora mais importante para o seu pai do que ele e a sua mãe.

Todavia o que mais o perturbara fora o afecto que a carta daquela mulher emanava. A confusão e a dor tinham-no conduzido a casa de Anna em busca de consolo... E tinham concebido Michael.

Anna olhava para ele como se pudesse ler o seu pensamento.

- Como podes continuar a odiar o teu pai, sabendo que te ajudou?

- Se soubesse que era o investidor que me permitiu construir o meu primeiro hotel, teria rejeitado o capital.

-Mas...

Quando seduziu a minha mãe, era um homem casado e, assim que soube que estava grávida, mandou-a para Nova Iorque. Não significa nada para mim.

- Mas a tua madrasta...

- Não voltes a chamá-la assim.

- A viúva do teu pai explicou-te que a tua mãe tinha rejeitado a pensão que o teu pai queria pagar-lhe.

Assim era. Nikos recordava que a mulher grega lhe contara na carta que o seu pai sempre o amara, que tentara visitá-lo e sustentá-lo, mas que a sua mãe rejeitara qualquer ajuda. Inclusive, dissera que fora ela quem tomara a decisão de partir para Nova Iorque e que o seu pai ficara destruído quando ela se fora embora. Dissera que a sua mãe nunca o deixara ver o seu filho, apesar de ele ter continuado a insistir durante o resto da sua vida.

Nikos não sabia em quem acreditar, mas optara pela sua mãe. Visto que ela cuidara dele, devia ser-lhe leal.

Portanto, não estava disposto a ler mais cartas. O passado estava morto e não queria ressuscitá-lo.

Infelizmente, Anna, que olhava para ele com os lábios apertados, tinha uma opinião diferente.

- Vou lê-la - disse, com determinação. Nikos segurou-lhe na mão.

- Será que não queres resolver os problemas da minha família para ignorares os da tua?

Anna hesitou.

- O que queres dizer?

- Porque veio a tua irmã? E não me respondas com evasivas.

Anna puxou o braço para se soltar, mas Nikos segurou-a com firmeza.

- Não aconteceu nada - resmungou Anna. - Foi só uma discussão familiar.

- Tem alguma coisa a ver com Victor Sinistyn? Anna libertou-se dele com uma violência que o desconcertou.

- Não te metas onde não és chamado! Não preciso da tua compaixão, nem da tua ajuda! Posso encarregar-me sozinha... - Anna pegou num abre-cartas e meteu-o na lapela do envelope com tanta brusquidão, que deslizou e lhe cortou a mão. Deu um grito e levantou a mão ensanguentada.

- Deixa-me ver - disse Nikos.

Anna olhou para o outro lado para esconder as lágrimas.

Nikos agarrou-lhe na mão e examinou-lhe a ferida. O sangue sujou-lhe o punho da camisa.

- Não parece que precises de pontos - fizera feridas suficientes na época em que obsessivamente praticava boxe para poder julgar. - É melhor lavarmos a ferida para que não infecte.

Conduziu-a até à casa de banho e pôs-lhe a mão sob o jorro de água. Depois, secou-a delicadamente e tirou um anti-séptico de um armário.

- Isto talvez arda um pouco - avisou-a.

Anna fechou os olhos. Nikos segurou-lhe os dedos para a obrigar a esticar a mão e sentiu uma pontada no coração ao saber que, embora fosse para o seu bem, estava a fazer-lhe mal.

Quando acabou, pôs-lhe um penso rápido.

- Já está! - exclamou. Anna abriu os olhos.

- Obrigada - disse e fez menção de se ir embora, porém Nikos parou-a.

- Anna, diz-me porque Sinistyn tem poder sobre ti.

- Isso não é verdade.

- Mentes mal.

- Não quero a tua caridade, nem a tua ajuda - disse Anna. - É um assunto familiar privado.

Mas enquanto falava, Nikos podia ver os sinais que contradiziam as suas palavras: o tremor do queixo, a agitação nervosa das suas pestanas...

- A não ser que afecte o meu filho. Anna esbugalhou os olhos.

- Achas que poria Misha em perigo?

Nikos olhou para ela em silêncio, até que Anna corou. Era melhor assim. Ocasionalmente, devia recordar-lhe os meses durante os quais arrastara Michael de um apartamento frio e vazio para outro.

- Vai para o inferno! - exclamou Anna. E saiu. Nikos alcançou-a antes que chegasse à porta do escritório.

- Conta-me ou arrancá-lo-ei a Sinistyn ao murro. Ou posso pedir a Cooper que localize Natalie. Não pode ter ido muito longe.

- Não, por favor, não! - Anna deixou-se cair na cadeira mais próxima e, com um suspiro de resignação, acrescentou: - Está bem. Eu digo-te. Devemos-lhe dinheiro.

- Quanto?

Anna respirou fundo. Não se atrevia a olhar para a cara de Nikos.

- Chegaram a ser seis milhões, mas agora são quatro - deixou escapar uma gargalhada nervosa. Apoiando os cotovelos nos joelhos, massajou as têmporas. - Cobra-nos trinta e cinco por cento de juros diários. Foi por isso que fomos para o palácio do nosso tetravô. Pensávamos arranjá-lo e vendê-lo. Mas torná-lo habitável requer um investimento milionário.

- Devias ter-me pedido o dinheiro.

- Achas que me venderia por um palácio? -Anna!

- Obrigada pela tua generosa oferta, mas já encontrámos comprador.

- Para ti ou para o palácio? - perguntou Nikos, para a provocar. Preferia vê-la furiosa do que com o olhar perdido e a expressão abatida que tinha naquele momento. Mas Anna nem sequer reagiu.

- Pressuponho que para os dois - disse, com um fio de voz. - Victor comprou o palácio à minha mãe por dois milhões. Pelo menos, assim, a dívida diminui. Vai destruí-lo e construir uma casa como presente de casamento para mim.

- O quê? - explodiu Nikos.

- Victor quer tornar-me dele há anos - massajando a nuca, Anna levantou-se e continuou a falar enquanto caminhava pela sala. - Emprestou dinheiro à família com a certeza de que chegaria um momento em que não conseguiríamos pagar-lhe. Acho que era assim que pretendia... encurralar-me.

Nikos estava furioso. Olhou para Anna e exclamou:

-Vou matá-lo!

Anna abanou a cabeça.

- Não. Vou falar com ele, para lhe dizer que não o amo e que não vou casar-me com ele. Mas, se quiseres, há algo que podes fazer para me ajudares.

- O quê? - perguntou Nikos, aliviado pelas palavras de Anna a respeito de Victor.

Ela olhou para ele com uma expressão suplicante.

- Contratar-me como tua secretária para que possa pagar a dívida familiar.

- Disse-te que a pagarei - replicou Nikos.

- Por favor, contrata-me! - rogou-lhe Anna. Nikos gostaria de a tomar nos seus braços e acalmá-la, todavia limitou-se a segurar-lhe na mão.

- Juro-te pela minha vida que cuidarei de ti e da tua família.

- Só quero um emprego - Anna humedeceu os lábios. Aqueles lábios voluptuosos que eram feitos para beijar. Nikos não conseguia desviar o olhar deles, enquanto se perguntava como conseguira não a beijar durante aqueles dias todos. Tentou concentrar-se no que Anna lhe dizia: - Trabalharei em casa para poder cuidar de Misha. E tu alegrar-te-ás de voltar a contar comigo.

Não! - respondeu Nikos, zangando-se consigo mesmo pelo quão tentador lhe era ceder perante a pressão de Anna. - Não quero que sejas minha secretária, quero que sejas minha esposa.

- Nikos, por favor! - Anna cruzou os braços e, ao fazê-lo, empurrou os seus seios para cima, apertando-os contra a camisa branca fina que vestia. - Preciso tanto...

Ele também. Sem qualquer palavra, Nikos tomou-a nos seus braços e beijou-a.

 

Anna não conseguiu nem quis pará-lo. Nikos beijou-a apaixonadamente, enquanto lhe acariciava o pescoço e ela sentiu que todo o corpo relaxava. Por um instante, achou que todos os seus problemas tinham desaparecido, que tinha segurança nos braços de Nikos, que ele a protegeria, que a amava...

A língua de Nikos explorou a sua boca, entrelaçando-se com a dela. Anna apoiou-se nele com um suspiro de bem-estar.

- Anna... - sussurrou Nikos, acariciando-a com a sua respiração. - O teu lugar é ao meu lado, para sempre.

Encostou-a contra a secretária, enquanto deixava um rasto de beijos no seu pescoço. Depois, afundou os dedos no seu cabelo para lhe tirar os ganchos com que apanhara o cabelo naquele dia. Anna pousou a mão sobre os seus ombros poderosos para manter o equilíbrio. Nikos colocou os dedos por dentro da cintura da saia dela para lhe tirar a camisa e ela susteve a respiração ao sentir que acariciava a pele do seu estômago.

Sem aviso prévio, Nikos pô-la sobre a secretária, afastando com o seu corpo os papéis que a ocupavam, e pegou-lhe nas pernas para as entrelaçar na cintura. Através das suas calças finas, Anna podia sentir o quanto a desejava. Tanto como ela a ele. Mas tinha medo de confiar em Nikos, de se entregar a ele. E se se atrevesse a depender dele e acabasse por a destruir?

Não podia deixar-se levar pelo desejo. Se acedesse a ser sua mulher, a sua relação acabaria em tragédia. Não podia comprometer-se com um homem que não a amava!

Nikos afastou-se dela para olhar para a cara dela.

- Estás a tremer - murmurou.

Como desculpa, Anna apontou para os papéis e para os portáteis que estavam sobre a secretária.

- Não podemos fazer isto - disse, ofegante. - Temos demasiado...

Com um resmungo, Nikos limpou a secretária com a mão e inclinou-se sobre Anna, até que a deitou sobre a superfície de madeira.

-Aqui e agora!

-Nikos...

Nikos pressionou o seu corpo contra o dela e, olhando para ela a apenas alguns centímetros, com os olhos como duas brasas, murmurou:

- Diz-me que não queres. Diz-me que não me desejas.

Anna humedeceu os lábios para tentar articular aquelas palavras, mas não foi capaz de mentir.

Fechou os olhos e deixou que Nikos lhe desabotoasse lentamente a camisa, enquanto ia beijando cada milímetro de pele que ficava a descoberto, até que acabou de lha tirar. Inconscientemente, deixando-se levar, Anna sussurrou:

- Por favor! Nikos parou.

- Por favor, o quê?

"Por favor, despacha-te." "Por favor, faz amor comigo." "Por favor, ama-me."

- Espera! - pediu Anna, ofegante.

Para sua surpresa, Nikos obedeceu e afastou as mãos do seu corpo. Ela abriu os olhos e viu que se endireitara sobre um cotovelo e a observava com uma expressão que nunca tinha visto no seu rosto. Ou sim. Pelo menos, numa ocasião: na noite em que tinham concebido Misha. Nikos Stavrakis, o milionário imperturbável, olhava para ela com ternura e vulnerabilidade, como se só ela tivesse o poder de lhe fazer mal. Ou de o salvar.

- O que se passa, zoe mou! - perguntou, num sussurro.

- Tenho medo - disse Anna, com a respiração entrecortada.

- De quê?

- De que me magoes - murmurou ela.

Um sorriso curvou os lábios de Nikos, enquanto lhe acariciava a face com delicadeza.

- Eu nunca te faria mal, agapi mou. Nunca - e, naquele instante, Anna teve a certeza de que Nikos não mentia. Depois, ele acrescentou: - Prometo-te que terei cuidado. Juro-te pela minha vida - com um movimento rápido, tirou-lhe a saia e exclamou com admiração. És tão bonita...!

Anna estendeu as mãos para ele e desabotoou-lhe a camisa. Ao contrário de Nikos, os seus dedos moviam-se com torpor. Tremiam-lhe tanto que, depois de lutar com o último botão, optou por puxar o tecido até o rasgar.

- Acabaste de estragar a minha camisa preferida brincou Nikos.

- Escolheste um mau dia para a vestires - murmurou ela.

Deixando escapar um gemido rouco, Nikos inclinou-se sobre ela, acariciando-lhe os seios por debaixo da renda do sutiã, até a deixar sem fôlego. Em seguida, abriu-lhe o sutiã e atirou-o para o chão.

- Linda! - exclamou mais uma vez, cobrindo os seus seios com as mãos.

Anna arqueou-se contra ele para o sentir mais perto e Nikos baixou a cabeça para a acariciar com a língua. Quando parou bruscamente, Anna, desconcertada, olhou para baixo e viu que de um dos seus mamilos escorria um fio de leite. Por um instante, pensou que era uma situação embaraçosa, mas, em seguida, disse para si que estar a amamentar não era nada de que tivesse de se envergonhar. A única coisa...

Olhando para ela, Nikos arqueou um sobrolho antes de voltar a baixar a cabeça e passar a língua pelo seu outro mamilo. Anna gemeu de prazer e susteve a respiração ao sentir que Nikos deslizava para baixo, até que a sua cabeça alcançou o seu sexo.

Com movimentos lentos e sensuais, acariciou-lhe com a língua o ponto mais íntimo do seu corpo. Com cada carícia, a sua língua parecia alcançar cada uma das suas terminações nervosas, deixando-a trémula e numa tensão expectante.

Anna entrelaçou os dedos no cabelo de Nikos, enquanto mantinha o olhar fixo no tecto, consciente de que devia fazê-lo parar, mas não conseguiu fazê-lo. Estava nua no escritório, deitada sobre a secretária, com as pernas estendidas, e o seu chefe, o Don Juan que todas as mulheres desejavam, estava a acariciá-la com a língua até a levar ao limite.

E atingiu-o. Ouviu um grito abafado e apercebeu-se de que escapara da sua garganta. Durante vários segundos, só foi capaz de se concentrar em respirar. Nikos tomou-a nos seus braços e apertou-a contra si, enquanto lhe dedicava palavras afectuosas. Anna apercebeu-se de que ele nem sequer estava nu, mas podia sentir o seu sexo firme e duro a pressioná-la através das calças.

Porque não tentava fazer amor com ela?

Anna começou a acariciá-lo através da roupa, mas ele segurou-lhe a mão.

- Casa-te comigo, Anna - disse, olhando fixamente para ela. - Sê a minha mulher.

"Sim, sim."

- Não posso - disse Anna. Como resposta, Nikos afastou-se dela. - Podemos criar o nosso filho juntos, mas não posso casar-me contigo, Nikos. Não correria bem.

- É o que tu dizes desviando o olhar, Nikos começou a abotoar a camisa.

Anna endireitou-se, ainda numa nebulosa.

- Não entendes que nunca seríamos felizes juntos?

- Não. Só vejo uma mulher mal-educada que está decidida a desperdiçar a sua felicidade.

- Tu não me amas e... - começou a dizer ela, rezando para que ele a contradissesse.

Mas, em vez disso, Nikos interrompeu-a para dizer:

- Nem tu a mim - a expressão do seu rosto, tão doce e quente até há alguns segundos, era fria e distante. Mas ambos amamos o nosso filho. Estou a tentar fazer o melhor para ele e gostaria que agisses da mesma maneira.

- É o que faço! - exclamou Anna, indignada. Nikos acabou de abotoar a camisa.

- O que fiz para que me odeies tanto, Anna? Só tentei cuidar de ti. Alguém tem de assumir a responsabilidade de cuidar da família que criámos, sobretudo porque te parece indiferente.

- Sabes que isso não é verdade! Nikos sorriu com amargura.

- Vou ver Sinistyn e esclarecer as coisas de uma vez por todas, antes que consiga tornar-se o padrasto do meu filho. Ao contrário de ti, eu não tenho nenhum problema em enfrentá-lo. Vê-se que te importa mais do que eu.

- Nikos, não pretendo fazer-te mal. Quero resolver isto sozinha.

- É demasiado tarde.

- O problema não é teu, mas meu. Sou eu quem deve...

- Meu Deus! Não confias em mim, pois não? É indiferente o que faça ou o que diga. Preferes discutir comigo e pores-te a ti e ao nosso filho em perigo a contares comigo - Nikos parou na soleira da porta. - Sempre te admirei, Anna. É uma pena que, como mulher, careças do bom-senso que tens como secretária.

As suas palavras esmagaram Anna. Com o rosto escondido na penumbra, Nikos concluiu:

- Dá uma olhadela aos currículos e arranja-me uma secretária. Quando voltar, quero que me dês um nome. Já me cansei de discutir contigo.

Nikos, sombrio, ia na limusina, a rever os pormenores do negócio de Singapura a caminho do casino.

Perdera o controlo, algo que raramente lhe acontecia.

Anna estava a deixá-lo louco. Acusara-a de se deixar levar pelas emoções, mas estava a acontecer-lhe o mesmo.

Horrorizava-o recordar como lhe gritara. Nada correra como planeara. Gritar-lhe não era a melhor forma de conseguir fazer com que Anna se apaixonasse por ele.

Recostando-se no banco, suspirou e olhou pela janela com o olhar perdido. Estivera prestes a consegui-lo. Ao senti-la estremecer sob as suas carícias, tivera a certeza de que aceitaria a sua proposta. Aquela fora a única razão pela qual se contivera, em vez de a ter arrastado para a sua cama. Se não fizera amor com ela, fora porque só queria fazê-lo quando fosse sua esposa.

Apertou os dentes. Teria de esquecer aqueles escrúpulos estúpidos. Só faltavam vinte e quatro horas e, quando voltasse a seduzi-la, conseguiria as duas coisas: possuí-la e arrancar-lhe a promessa de se casar com ele. Sem lhe dar tempo para se arrepender, levá-la-ia a uma capela daquelas onde se celebram cerimónias de dia e de noite, e obrigá-la-ia a assinar a certidão.

Lançou uma olhadela ao documento que trazia na pasta. Os seus advogados já tinham redigido um acordo pré-nupcial de separação de bens. Mas, mesmo que se separassem, ele sustentá-la-ia para o resto da sua vida. Até se encarregaria da mãe dela, se isso a fizesse feliz. O acordo só tinha um objectivo: reduzir as possibilidades de Anna cair na tentação de o abandonar.

Rodou o pescoço para relaxar e reviu mentalmente o seu plano. Quando acabasse com Sinistyn, seduziria Anna até a fazer perder o bom-senso e conseguir que assinasse a certidão. Depois, iriam ao Registo Civil e dali, a uma capela.

Abriu e fechou os dedos para os desentorpecer. Não conseguia parar de pensar em Anna. Estavam juntos há tantos dias, faziam uma equipa tão boa... Juntos, eram imbatíveis.

"Não!", gritou para si. Tomara uma decisão e agiria de acordo com ela. Contrataria uma nova secretária, casar-se-ia com Anna e manteria a sua vida profissional e a sua vida doméstica separadas. Desfrutaria de Anna de noite, veria o seu filho todos os dias e continuaria a trabalhar dezoito horas diárias no seu escritório. Aquela era a vida que queria ter. A vida que podia controlar.

Mas, para isso, Anna tinha de se casar com ele. Sem isso, tudo o resto ficava paralisado.

Passou a mão pela testa e suspirou. Chegara a altura de jogar o seu último trunfo. No dia seguinte, partia para Singapura. O novo casino transformar-se-ia num bom activo a acrescentar à fortuna do seu filho. Todavia, primeiro, tinha de fechar o acordo com Anna.

Dir-lhe-ia que a amava. Nunca pronunciara aquelas palavras, mas mentiria para conseguir fazer com que vacilasse. De facto, jurara nunca as dizer a ninguém, mas estava disposto a renunciar a parte da sua dignidade para proteger a sua família.

Dir-lhe-ia que a amava e conseguiria que acreditasse. Também conseguiria convencê-la de que podia ser um bom marido, de que merecia o seu amor. E embora tudo fosse uma grande mentira...

Teve uma imagem de Anna na sua cama. Nua, com o cabelo despenteado, a olhar para ele com um sorriso doce e inocente, e abanou a cabeça para a afastar.

Enquanto o seu motorista parava o carro no estacionamento do UHermitage, concentrou-se no encontro que estava prestes a ter com Victor Sinistyn, a quem telefonara para que fosse ao casino.

Não podia culpá-lo por desejar Anna. Qualquer homem a desejaria. Mas Sinistyn fora demasiado longe ao tentar obrigá-la a que se casasse com ele, chantageando-a com a sua família.

Mais uma vez, atravessaram a sua mente diferentes imagens de Anna durante a semana anterior: Anna a rir-se na piscina, a brincar com o menino, a sorrir-lhe. Era tão bonita e tão cheia de vida... Como ousava Sinistyn tentar mantê-la cativa? Como se atrevia a tentar controlá-la através da manipulação e da força, quando não lhe pertencia?

- Chegou a altura de enfrentares alguém do teu tamanho - resmungou, enquanto entrava no escritório.

- Disse alguma coisa, senhor? - perguntou Margaret, a administrativa do casino que o ajudava até encontrar uma nova secretária executiva.

- Avise-me quando Victor Sinistyn chegar.

Fechou a porta do seu escritório e contemplou a cidade pela grande janela que dava para a Alameda de Las Vegas. Depois, ia servir-se de uma bebida, mas ficou parado com a garrafa no ar antes de voltar a deixá-la no seu sítio.

Não estaria ele a agir como Sinistyn ao tentar possuir Anna? Não, não era o mesmo. Sinistyn queria casar-se com Anna para satisfazer um desejo egoísta, enquanto ele só queria proteger o seu filho.

"Mesmo assim", disse-lhe a voz da consciência, "queres que se apaixone pelas tuas falsas promessas. Isso não te torna igualmente desprezível?"

Nikos não quis considerar aquela possibilidade. Tentou concentrar-se no negócio de Singapura, mas não conseguiu e optou por bater no saco de boxe que estava pendurado num canto do escritório. A dor ajudou-o a concentrar-se.

Dois nós dos seus dedos sangravam, quando se dirigiu para a janela da qual conseguia controlar o casino. Olhou para o relógio com uma expressão de impaciência. Sinistyn estava atrasado dois minutos.

De repente, semicerrou os olhos e aguçou a vista.

Sinistyn não estava atrasado. Estava no casino, debaixo do lustre, entre as colunas douradas e os jogadores que apostavam na roleta ou nas Slot Machines.

E não estava sozinho. Dois guarda-costas acompanhavam-no. Mas não era com eles que falava, mas com Anna.

Anna! Vestia a mesma camisa branca e a saia cinzenta de há algumas horas, mas estava ainda mais atraente. O cabelo caía-lhe até aos ombros, os seus lábios voluptuosos, pintados de cor-de-rosa, estavam inchados, como se acabasse de sair da cama. Era a mulher mais sedutora que conhecera na sua vida, uma mistura de inocência e tentação com uma embalagem espectacular.

Nikos praguejou. Anna desobedecera-lhe e fora ter com Sinistyn. Daquela distância, não conseguia ver os seus rostos. O que estaria a dizer Anna? O que dizia ele? Apertou os punhos e dirigiu-se para o elevador.

Quando chegou ao andar do casino, fez um sinal a Cooper para que o seguisse com dois guarda-costas.

Seguido pela sua escolta, avançou entre o ruído das Slot Machines e os jogadores para Anna e Sinistyn. Mal conseguia conter a raiva que sentia.

Porque é que Anna não confiava na sua capacidade para resolver a situação? Porque tinha sempre de tornar tudo tão difícil?

- Sinistyn - disse com frieza, enquanto pousava a mão no ombro do russo. - Vamos falar lá em cima lançou um olhar a Anna e acrescentou: - Vai-te embora!

- Eu fico - disse ela, levantando o queixo com uma expressão desafiante.

Nikos ouviu Sinistyn abafar um risinho cínico e apertou os punhos.

- Deixa-me resolver isto - disse a Anna.

- Trata-se de um problema meu e devo resolvê-lo eu - replicou Anna. E, para horror de Nikos, pousou a mão no braço peludo de Sinistyn e, olhando fixamente para ele nos olhos, disse: - Victor, lamento ter deixado que as coisas chegassem tão longe.

- Já estava na altura de te decidires, loobemaya. Esperei demasiado tempo para que te casasses comigo Victor sorriu com desdém a Nikos e continuou: - Sabia que acabarias por escolher o melhor.

Nikos sentiu náuseas. Seria verdade que Anna confiava mais naquele tipo do que nele?

- Enganas-te - Anna abanou a cabeça. - Foi isso que vim dizer-te. Lamento, Victor, mas não te amo nem nunca te amei. Devia ter-te esclarecido isso há dez anos: nunca me casarei contigo mesmo que a minha família te deva dinheiro. Nunca!

Sinistyn adoptou uma atitude ameaçadora.

- Não sabes o que dizes.

- Compraste o palácio em vão. A minha única relação contigo, a partir deste momento, será de prestamista e devedora.

Uma sombra atravessou o rosto de Sinistyn. Apertou os dentes com raiva.

- Na semana passada, no clube, insinuaste algo muito diferente.

Anna respirou fundo e sustentou-lhe o olhar.

- Precisava da tua ajuda para conseguir a custódia do meu filho. Cometi um erro, mas tu também cometeste, ao emprestares dinheiro aos meus pais com um juro de trinta e cinco por cento, quando dizias ser nosso amigo.

- O teu pai garantiu-me que serias minha. Prometeu convencer-te.

- E tentou, mas eu nunca cedi. Conhecemo-nos há muito tempo, Victor, chegou a hora da verdade: nunca me casarei contigo. Podemos despedir-nos como amigos?

Sinistyn olhou com desdém para a mão que Anna lhe estendeu e, em vez de a apertar, agarrou-a com força pelo braço.

- Esperei por ti - disse num tom ameaçador, - tentei ser amável, mas está claro que só entendes uma língua. Anna, és minha, só minha.

Nikos interpôs-se entre eles e derrubou Sinistyn com um murro.

- Não lhe toques! - gritou Nikos. Queria destruir Victor. Queria matá-lo por ter magoado Anna.

Ouviu-a gritar e virou-se. Os seus homens mal conseguiam conter os homens de Sinistyn. Estava prestes a iniciar-se uma luta com os clientes do casino como testemunhas.

Nikos respirou fundo e afastou-se de Sinistyn.

- Tirem-no daqui! - ordenou a Cooper. Este fez um gesto e apareceu, imediatamente, um batalhão de seguranças. Com um sorriso sarcástico, Cooper apontou para a porta com o braço e disse: - Senhores...!

Um dos guarda-costas de Sinistyn foi ajudar o seu chefe a levantar-se, mas este retirou o braço com brusquidão e levantou-se sozinho.

- Arrepender-te-ás disto, Stavrakis - disse. E depois, olhando para Anna, acrescentou: - Tu também.

Depois, saiu precipitadamente, escoltado pelos seus homens.

- Certificar-me-ei de que não voltam a entrar - disse Cooper ao seu chefe. Depois, dirigindo-se aos curiosos, acrescentou: - O espectáculo acabou, amigos.

- Nikos, desculpa - disse Anna, abraçando-o. - A culpa foi minha. Tinhas razão - continuou, chorosa, enquanto lhe acariciava o cabelo. - Devia ter confiado em ti. Fui covarde e egoísta - soluçando, apoiou o rosto no peito de Nikos. - Fugi de ti quando só pretendias proteger-me. Conseguirás perdoar-me?

Nikos tivera razão a respeito de Victor desde o início. Anna sentia um nó no estômago. Sempre desconfiara dele, mas nunca acreditara que fosse capaz de lhe fazer mal. Natalie também tentara avisá-la, mas não quisera ouvi-la. Nikos estivera sempre certo. Talvez se tivesse enganado nos métodos, mas os seus motivos tinham sido bons. Era forte, leal e honesto, e transformara a sua nova família na sua prioridade. Porque não agira ela da mesma maneira? Porque não tivera a coragem de ficar e lutar, em vez de pensar o pior dele?

- Perdoa-me - disse mais uma vez.

Nikos acariciou-lhe os lábios com uma expressão inescrutável e disse:

- Não há nada para perdoar.

Anna teve, subitamente, consciência do burburinho das pessoas e do ruído das Slot Machines.

Preciso de falar contigo antes de ires para Singapura - sussurrou.

- Vamos para cima - disse Nikos. E, passando-lhe o braço pelos ombros, conduziu-a para o elevador.

Anna pôde sentir o calor do seu corpo e agarrou-se à sua cintura. Estava cansada de sentir frio no seu interior. Nikos deixara claro que já não queria discutir com ela. Tentara, em vão, convencê-lo de que podia ser, ao mesmo tempo, uma boa mãe e uma boa empregada. Mas era demasiado tarde. Nikos não a queria como secretária, só queria que cumprisse o acordo.

Falhara.

Assim que chegassem ao escritório, Nikos exigiria que lhe indicasse o nome de uma secretária, ela dar-lho-ia e ele partiria para Singapura. Não lhe restaria outra alternativa senão fazer as malas e partir para empreender uma nova vida em Nova Iorque.

Uma nova vida em liberdade, mas na qual careceria do que mais desesperadamente desejava: o homem que amava.

Uma vez que o amava, não fazia sentido continuar a negá-lo. No entanto, ele não queria contratá-la e ela não estava disposta a casar-se se não fosse por amor, portanto estava num beco sem saída.

Se a relação tinha de acabar, queria conservar uma última lembrança. Uma noite juntos, a ouvir a gargalhada de Nikos. Uma noite onde agisse com arrojo, sem inibições, a amá-lo com todo o seu coração. Uma noite onde lhe demonstrasse o quanto confiava nele.

Para isso, teria de vencer a resistência de Nikos em fazer amor com ela não sendo sua esposa. Consegui-lo-ia, nem que fosse só por uma noite?

Nunca seduzira um homem e talvez tivesse chegado o momento de o tentar.

Surpreendendo-se com a sua ousadia, acariciou-lhe a cintura por cima da camisa.

- Mudaste de camisa - disse, com atrevimento. Reparou que Nikos sustinha a respiração, ao sentir a carícia dos seus dedos, mas falou com voz neutra.

- Rasguei a que usava antes.

- Lamento - Anna roçou o seu seio contra o lado de Nikos enquanto caminhava e ouviu-o emitir um gemido sufocado.

- O que estás a fazer?

O que achas? perguntou ela, com uma inocência fingida.

Nikos acelerou o passo e, assim que as portas do elevador se fecharam, inclinou-se sobre Anna. Encostando-a contra a parede metálica, beijou-a vorazmente, percorrendo-lhe o corpo com as mãos.

- Enlouqueces-me - sussurrou-lhe ao ouvido. - Desejo-te, Anna. Estou desejoso de te possuir.

- Fico contente - disse ela. Tirou-lhe a camisa das calças e acariciou-lhe o peito. - Desta vez, não vou consentir que me rejeites - acrescentou, provocante. Desabotoou-lhe a camisa com uma destreza que a surpreendeu. Não quero esperar mais. Em vez disso, promete-me que não vais exigir-me que me case contigo.

- Anna - disse ele, com a respiração entrecortada. Ambos sabemos...

- Deixa-o para mais tarde - Anna sabia o que ia dizer e não queria ouvi-lo. Enfrentaria a verdade no dia seguinte, porém, naquela noite, queria parar o tempo. Passariam uma noite perfeita, inesquecível, que se transformaria na melhor lembrança da sua vida. Uma lembrança que invocaria de cada vez que estivesse sozinha e triste, e que a ajudaria a aguentar os momentos difíceis.

Naquela noite, entregar-se-ia plenamente a Nikos. "Amo-te, Nikos, amo-te."

- Disseste alguma coisa? - perguntou ele.

Teria dito aquelas palavras em voz alta? Anna apressou-se a distraí-lo.

- Disse que hoje não se fala de nada - estendeu as mãos para a cintura de Nikos, desapertou-lhe o cinto e, puxando-o, deixou-o cair ao chão.

Depois, acariciou o peito de Nikos, enquanto se colava provocantemente a ele. Com um sorriso atrevido, começou a desabotoar-lhe as calças.

Nikos expirou sonoramente e, agarrando-a pelos pulsos, levantou-lhe os braços por cima da cabeça e segurou-os contra a parede.

- Tens a certeza de que é isto que queres? - perguntou, ofegante. - Aqui, no elevador?

Anna lutou para se soltar. Ansiava sentir a pele nua de Nikos contra a sua.

A campainha do elevador tocou ao parar e as portas abriram-se. Anna sentia-se embriagada de desejo. Nikos pegou nela ao colo e entrou com ela no seu apartamento.

Na sala, apenas havia um sofá vermelho sobre uma carpete branca, da mesma cor das paredes. Nikos levou-a até ao quarto. Carregou num botão e o quarto iluminou-se com uma luz quente e alaranjada. Anna perguntara-se com frequência como seria aquele quarto. Era austero, espartano, quase espectral. O chão era de ladrilhos brancos e sobre ele, diante de uma lareira, havia um tapete branco. No meio, havia uma cama gigantesca.

Nikos começou a beijar Anna e ela fechou os olhos. Esqueceu onde estava, esqueceu tudo. Nikos pousou-a delicadamente sobre a cama e acariciou-lhe o cabelo. Depois, deslizou a mão pela sua face e pelo seu pescoço, até a pousar sobre o seu coração.

- Esta é a tua última oportunidade de mudares de ideias - disse, com voz rouca.

Anna inclinou-se sensualmente para trás e Nikos olhou fixamente para ela, devorando-a com o olhar. Ela contemplou, admirada, o seu peito coberto por pêlos delicados, cujo rasto se perdia sob a cintura das calças. Usava roupa elegante, de marca. O uniforme de um homem rico. No entanto o seu corpo fazia pensar num guerreiro selvagem.

Nikos tirou as calças e ficou de pé diante dela, orgulhoso e altivo, com os músculos em tensão. Anna pôde ver as cicatrizes, as antigas e as novas, e perceber o desejo que emanava de cada poro da sua pele. Também dos seus olhos, que a observavam com uma expressão faminta.

Anna endireitou-se e puxou-o. Nikos inclinou-se sobre ela sem hesitar, aprisionando-a contra o colchão.

- Agapi mou - sussurrou. - Esperei tanto tempo... desejo-te tanto...

Rodeou-lhe a cintura com as suas mãos fortes para lhe desabotoar a saia. Depois, tirou-lhe a camisa. O roçar da roupa e o fôlego de Nikos a acariciar-lhe a pele fizeram Anna enlouquecer. Nikos beijou-a lentamente, descendo pelo seu pescoço, percorrendo os seus seios e a sua barriga, e brincando com a língua no seu umbigo. Anna teve de morder os lábios para que as palavras inomináveis não escapassem da sua garganta.

Nikos endireitou-se e, com as mãos estendidas, acariciou-a por cima do sutiã e das meias até que tremeu sob o seu toque. Nikos inclinou-se novamente sobre ela e Anna, como se receasse afogar-se, agarrou-se a ele com força, ofegante, enquanto Nikos lhe tirava o sutiã. Depois, esfregou-se contra ela, movendo o seu corpo levemente para cima e para baixo, para a acariciar com o seu peito, enquanto a fazia sentir o seu sexo duro entre as pernas e lhe mordiscava o pescoço, o ombro e o lóbulo da orelha. Segurando-a com força, desenhou a linha da sua orelha com a língua, realizando círculos concêntricos, até que com a ponta alcançou o centro e Anna se contorceu, ofegante, entre os seus braços.

Então, Anna virou a cara para ele, segurou-o com firmeza pela nuca e beijou-o apaixonadamente. Depois, afastou-se levemente e olhou fixamente para ele com uma expressão solene.

Tinha de o dizer. Não conseguia conter por mais tempo o que sentia:

- Nikos, amo-te.

 

Nikos ficou paralisado.

- O quê?

- Amo-te - disse Anna, com uma expressão inocente e vulnerável.

Nikos andava há algum tempo a tentar articular aquelas mesmas palavras, mas sem sucesso, as palavras mágicas que lhe dariam poder sobre Anna. Como resistia a mentir, dissera para si que bastaria fazer amor com ela, todavia, naquele instante, soube que devia aproveitar a oportunidade que ela mesma lhe oferecia. Tinha de agir com prontidão. Ou o fazia já ou não poderia fazê-lo.

Imaginou o seu filho com um padrasto como Sinistyn e Anna nos braços de outro homem, e apertou os lábios. Estava disposto a tudo para proteger a sua família. Sacrificaria o que fosse necessário, inclusive a sua honra.

Ao ver que o rosto de Nikos se nublava com uma expressão torturada, Anna apressou-se a dizer:

- Sei que tu não me correspondes e não me importa.

- Eu também te amo - disse Nikos, precipitadamente, como se as palavras fossem uma granada prestes a rebentar-lhe na boca.

- Amas-me? - Anna esbugalhou os olhos.

- Sim - disse ele, com um fio de voz. O rosto de Anna iluminou-se.

- Amas-me? - perguntou, novamente, num sussurro, enquanto os seus olhos se enchiam de lágrimas.

Se Nikos a amasse realmente, a expressão que o rosto de Anna reflectiu teria bastado para apagar qualquer momento de tristeza que pudesse ter, presente ou futuro.

- Nunca tinha... Nem sequer em sonhos... Oh, Nikos! - exclamou Anna, balbuciante.

E beijou-o com uma ternura e uma emoção que Nikos nunca experimentara em toda a sua vida. Ele devolveu-lhe o beijo com paixão, com o desespero de querer esquecer a mentira que acabava de lhe dizer, para apagar o pecado que cometera com o fogo do desejo que Anna despertava nele.

Desejava cada milímetro dela. A sua beleza, a sua inocência e a sua bondade. Beijou-a com toda a honestidade de que a sua alma era capaz e deslizou as mãos pela sua pele delicada, beijando-lhe os lábios, os seios, a ponta dos dedos quando ela estendeu as mãos para o puxar para si.

O estremecimento que a percorria e a maneira como se contorcia sensualmente sob o seu corpo estiveram prestes a fazê-lo rebentar. Apenas a fina barreira de roupa que os separava impediu que a agarrasse pelas ancas e a penetrasse. Deslizou para baixo para lhe beijar o umbigo e colocou os dedos por debaixo do elástico das cuecas para as puxar. Depois, percorreu-lhe o interior das coxas com as mãos, até alcançar a pele sensível do interior do joelho, antes de voltar a subir e retirar-lhe completamente as cuecas. Depois de a despir, pressionou a língua contra o seu ponto mais íntimo e, com movimentos circulares, fê-la contorcer-se e gemer.

- Não...! - gritou Anna, ofegante, tentando obrigá-lo a subir. - Quero sentir-te dentro de mim.

Mas Nikos não teve piedade dela e, em vez de obedecer, colocou-lhe um dedo e depois outro, e moveu-os para dentro, enquanto continuava a acariciá-la com a língua. Anna arqueou-se violentamente e Nikos sentiu o tremor e os estremecimentos que acompanharam o seu clímax.

Consciente de que estava prestes a rebentar, Nikos apoiou-se nos cotovelos e colocou-se sobre Anna. Encontrou a sua feminilidade húmida e fez menção de entrar nela, mas receava magoá-la. Ofegante e receando perder o controlo, obrigou-se a agir com lentidão, mas Anna pegou nas rédeas e, agarrando-o pelas nádegas, empurrou-o com força para que a penetrasse.

Nikos ouviu-a gritar como se lhe doesse e tentou sair, mas o prazer de estar dentro de Anna, depois de tantos meses a desejá-lo, foi mais forte do que a sua força de vontade. Sussurrando o seu nome com doçura, começou a movimentar-se e a beijá-la, dizendo para si que nunca imaginara que o sexo pudesse ser tão maravilhoso.

Quando Nikos a penetrou, sentiu um pouco de dor e perguntou-se se fora sempre tão grande.

Depois, ele beijou-a, acariciando-a até a tirar do relaxamento que a invadira depois de atingir o êxtase e fazendo crescer nela uma excitação pulsante.

"Ama-me", pensou, numa nebulosa. Nikos abriu os olhos e ela pôde ler neles que a adorava.

"Ama-me."

Anna estava louca de felicidade. Já não se afastaria de Nikos e sabê-lo causava-lhe um bem-estar que nunca experimentara em toda a sua vida.

Era a primeira vez que Nikos lhe dizia que a amava.

Era incrível que apenas algumas palavras pudessem mudar o mundo.

Já não havia problemas sem solução, nem milagres impossíveis. Que obstáculo poderia interpor-se no seu caminho se Nikos a amava?

Acariciando-lhe os seios, Nikos moveu-se mais uma vez e Anna sentiu que cada fibra do seu corpo despertava. Queria mais, queria senti-lo melhor. Levantou as ancas e agarrou-se aos ombros de Nikos para se empurrar contra ele, mas afundou-se no colchão fofo.

Com um resmungo de frustração, Nikos levantou-a da cama com cuidado, sem sair dela, esperando que Anna entrelaçasse as pernas na sua cintura. Com alguns passos, alcançou a parede mais próxima, na qual havia uma grande janela da qual se avistava a cidade, e encostou-a contra o vidro. Anna deslizou o olhar pela pele morena de Nikos, iluminada pelo fogo da lareira, e apertou as pernas com força à volta das suas nádegas firmes, enquanto este empurrava com força várias vezes, acompanhando cada impulso com um gemido surdo. Depois, Nikos inclinou-se para a frente para lhe mordiscar o pescoço e Anna sentiu uma espiral ascendente de prazer ainda mais violenta do que a que experimentara alguns minutos antes. Todo o seu corpo começou a estremecer, mal conseguia respirar. Sentiu a explosão de Nikos no seu interior e a sua garganta rasgou-se num grito, enquanto a percorria o prazer mais intenso que já sentira em toda a sua vida.

Então, esgotada e relaxada, apoiou a cabeça no ombro de Nikos, enquanto ele a deitava sobre o tapete, diante da lareira, e sussurrava o seu nome, beijando-a com ternura e apertando-a contra si.

Anna demorou vários minutos a abrir os olhos e, quando o fez, Nikos estava a observá-la.

- Anna... - começou, mas calou-se bruscamente. Ela humedeceu os lábios, perguntando-se se se teria arrependido e se iria confessar-lhe que cometera um erro ao dizer-lhe que a amava. Inclusive, considerou a possibilidade de que não passara de fruto da sua imaginação. Subitamente, sentiu medo. Nikos acariciou-lhe a face.

- Não quero ser como Sinistyn. Responde-me e prometo não voltar a fazer-te esta pergunta - Nikos respirou fundo antes de continuar: - Queres casar-te comigo?

Anna sentiu uma mistura de alegria e alívio.

-Sim.

Nikos celebrou, sonoramente.

- Esta noite? Agora?

Anna sorriu com atrevimento, enquanto brincava com o lóbulo da orelha de Nikos.

- Antes, precisamos de uma certidão e o Registo Civil está fechado.

- Pedirei para que o conservador venha a casa.

- Não. Vamos fazer as coisas bem, por favor.

- Então, amanhã bem cedo - resmungou Nikos. Está bem?

- Está bem - disse Anna, beijando-lhe a face.

- Vais, realmente, casar-te comigo? -Sim!

- Diz outra vez! - ordenou Nikos, apertando-a nos seus braços.

Anna deixou escapar uma gargalhada de felicidade.

- Nikos, vou casar-me contigo.

Nikos abraçou Anna durante a longa e interminável noite, enquanto contemplava a lua percorrer o céu.

Apertava-a com força, ouvindo os suspiros que emitia em sonhos. Era tão doce. Tão crédula.

E ele acabava de a enganar.

"Fiz o que tinha de fazer", disse para si, com ferocidade. Anna seria sua para sempre. Michael teria uma família estável. Conseguira salvar a sua família. Assediara o coração de Anna até conseguir que sucumbisse, como se se tratasse de uma cidade assaltada por um exército.

Mas nunca imaginara que a vitória pudesse ser tão amarga.

Mentira a Anna. E embora tivesse o seu corpo suave e quente ao seu lado, sentia frio. Contemplou a sua linda cara na penumbra. Sorria em sonhos e apertava-se contra ele. Irradiava bem-estar. Tinha a certeza de que, finalmente, a amava. Acreditava que os finais felizes eram possíveis, inclusive com um homem como ele.

Nikos tinha o corpo em tensão. Embora tentasse justificar o seu comportamento, angustiava-o saber que, em breve, Anna descobriria o engano. E descobrir que tinha disponibilidade absoluta da sua conta corrente não lhe serviria como substituto do seu amor. Quereria dele sentimentos que era incapaz de lhe proporcionar, mesmo que tentasse. Aquela não era a sua natureza.

E assim que Anna descobrisse que a enganara, a sua felicidade extinguir-se-ia como a luz de uma vela. A nova luz que a iluminava apagar-se-ia, talvez para sempre.

Ao amanhecer, ouviu ruídos no quarto contíguo, para o qual a senhora Burbridge levara Michael para passar a noite. Assim que se ouviram os primeiros gemidos do bebé, Anna acordou. Lentamente, levantou-se, foi dar-lhe de mamar e voltou para junto de Nikos.

- Nikos? - sussurrou.

Ele concentrou-se em continuar a respirar profundamente para fingir que dormia.

- Obrigada - continuou ela, com um fio de voz. Tenho a família e a casa dos meus sonhos. Não sei o que fiz para merecer tanta felicidade. Obrigada por me amares.

Nikos deu meia volta, afastando-se dela com um nó no estômago. Assim que teve a certeza de que Anna adormecera, levantou-se com uma expressão abatida.

Contemplou Anna, que descansava com uma expressão relaxada, e tomou uma decisão. Olhou para o relógio. Eram quase seis horas. Assim que acordasse, fá-la-ia assinar o acordo pré-nupcial e depois iria ao Registo Civil. Queria casar-se com ela antes do pequeno-almoço.

Todavia, por mais que se dissesse que os seus motivos eram honestos, não conseguia suportar a ideia de se valer da vulnerabilidade e da inocência de Anna para atingir os seus objectivos. Não se sentia capaz de lhe partir o coração e destruir-lhe a vida. Anna Rostoff merecia um homem que a amasse do fundo do coração.

E se esse não era ele, devia deixá-la partir.

Pensou com ironia que escolhera sentir-se culpado no pior momento possível. Lançou um último olhar a Anna e contemplou-a longamente. Tinha o cabelo estendido sobre a almofada, as faces rosadas e os lábios curvavam-se num sorriso doce.

E Nikos soube que via aquela imagem pela última vez.

Anna acordou quando a luz do sol iluminava o quarto e o seu primeiro pensamento foi que se tratava do dia do seu casamento.

Espreguiçou-se com um bocejo agradável. Aperceber-se de que tinha dores musculares fê-la sorrir e corou ao recordar as coisas que Nikos lhe fizera. Embora tivesse precisado de se levantar algumas vezes para cuidar do bebé, descansara maravilhosamente com Nikos abraçado a ela numa atitude protectora.

Contemplou o céu azul do Nebrasca, dizendo para si que não recordava uma felicidade como a que sentia naquele instante. Segura. A salvo. Optimista. Era a primeira vez na sua vida que alguém ia cuidar dela para o seu bem, não por querer algo em troca. E ela, por sua vez, tinha alguém para proteger e amar porque assim o desejava e não por ter a obrigação de o fazer.

Nikos e ela seriam colegas de trabalho e de vida. Juntos, seriam invencíveis. E sabê-lo inebriava-a de alegria. Tanto que lhe apetecia dar saltos de alegria.

Estava ansiosa por beijar Nikos. Onde estava? Na cozinha, a preparar o pequeno-almoço?

A cantarolar, Anna levantou-se e vestiu um robe sobre o corpo nu. Ao sair, encostou o ouvido à porta de Misha, mas só lhe chegou o silêncio mais aprazível.

Sorriu para si. Com um pouco de sorte, Nikos e ela teriam tempo para algo mais do que um beijo antes de o seu filho acordar para tomar o pequeno-almoço.

Chegou ao hall e dali foi para a cozinha, mas estava vazia. As superfícies brancas imaculadas davam a impressão de nunca terem sido usadas. Nikos já devia estar no seu escritório, a trabalhar. Não lhe agradaria que o surpreendesse com um bom café, ovos e torradas?

Depois de explorar os armários vazios, Anna fez uma careta. Mesmo que pusesse a sua imaginação a trabalhar, era impossível fazer um pequeno-almoço com cubos de açúcar, gelo e azeitonas gregas.

Do hall, chegou-lhe o murmúrio de vozes e, seguindo-as, parou diante de uma porta ao fundo de um corredor.

Através da madeira, chegou-lhe a voz abafada de um homem:

- Senhor, permita-me que lhe diga que comete um erro muito grave. Como seu advogado, devo aconselhá-lo a...

- Visto que lhe pago quinhentos dólares por hora, não vou perder tempo com discussões. Já ouvi as suas sugestões. Obrigado pela sua ajuda. Já sabe onde fica a saída.

Anna deu um salto ao reparar que a porta onde se apoiava se abria. Um homem idoso, com um fato escuro, saiu do escritório e olhou para ela com severidade.

- Parabéns, menina! - colocou o chapéu e saiu, batendo a porta com força.

- Anna, estás acordada... - disse Nikos. - Entra. Estava sentado atrás de uma secretária de madeira preta e o seu rosto, meio escondido na penumbra, parecia sombrio. Anna inquietou-se imediatamente.

- Pensava que me chamarias - disse. - Tu sabes, com a história de quereres que nos casássemos cedo lançou um olhar para as suas costas. - Porque estava aqui o teu advogado? Ah, trouxe o acordo pré-nupcial?

Nikos olhou para ela com surpresa.

- Sabias que queria que assinasses um acordo?

- Parecia-me lógico - disse ela, com indiferença, apesar de a decepcionar que Nikos não confiasse nela e achasse que o seu dinheiro lhe importava, ou que pensasse na possibilidade de que queria divorciar-se e aproveitar-se da situação. De repente, pensou nas palavras que Nikos usara e disse: - Disseste que querias que assinasse o acordo? Já não queres?

- Não - disse Nikos, num sussurro. - Já não. Anna pestanejou, enquanto a alegria voltava a ter lugar no seu coração. Nikos chegara à conclusão de que podia confiar nela!

- Nikos! - exclamou. E, atravessando a sala, sentou-se no seu colo e rodeou-lhe o pescoço com os braços. - Não te arrependerás - sussurrou-lhe ao ouvido. Nunca te decepcionarei. Ser-te-ei leal até morrer. Vamos ser tão felizes...

E deu-lhe um longo e sentido beijo.

- Pára, Anna. Pára! - Nikos fê-la endireitar-se e levantou-se, enquanto massajava as têmporas. Não parecia um homem prestes a casar-se. Estava em tensão e o seu rosto transmitia uma mistura de angústia e de raiva. Como um leão com um estilhaço na pata, parecia ferido e perigoso.

- O que se passa? - perguntou ela, com a voz trémula.

Nikos tirou uma pasta da secretária e deu-lha, evitando que os seus dedos se tocassem. Anna tirou os papéis que continha e, assim que viu a primeira página, sentiu que as pernas lhe fraquejavam. Olhou para Nikos com a garganta seca.

- Não... Não compreendo.

- Não há nada para compreender. Dou-te a custódia e proporciono-te uma generosa pensão de alimentos. O suficiente para pagares as dívidas da tua família e sustentares a tua mãe e a tua irmã. Além disso, porei a casa de East Side em teu nome. Quero que o meu filho tenha tudo: uma boa escola, férias no estrangeiro... o que for necessário. Em troca, só peço o direito de o visitar e passar algumas férias com ele.

Anna sentia que a cabeça lhe andava às voltas.

- Mas para que preciso da custódia quando estivermos casados...?

Nikos abanou a cabeça.

- Anna, isso não passou de um conto de fadas para conseguir fazer com que te enfiasses na minha cama.

- Não! - Anna franziu o sobrolho. Tinha a sensação de estar num pesadelo horrível. - Sabes que o terias conseguido de qualquer forma. Foste tu quem insistiu para esperar. Fizeste o possível para me convenceres a casar-me contigo, porque mudaste de ideias? Não faz nenhum sentido.

Nikos sorriu com tristeza.

- Acho que não tenho vocação para marido.

Isso não é verdade! - exclamou Anna. - Claro que sim. Ao longo das últimas semanas, mudaste. Transformaste-te no marido com que sempre sonhei, no pai perfeito para Misha: carinhoso, valente, forte - Anna fechou os olhos e recordou o tempo que tinham passado juntos durante os dias anteriores, a trabalhar, a rir, a brincar com o filho deles. - Estes dias todos...

- Era uma armadilha, Anna. Não percebes? Foi uma farsa. Desejava-te e teria sido capaz de tudo para te tornar minha. Penso que queria vingar-me de ti por me teres abandonado. Mas agora... - Nikos encolheu os ombros - está na altura de acabar. Não quero carregar com a responsabilidade de uma esposa e de um filho durante vinte e quatro horas por dia. Quero ser livre.

- Não é verdade! Estás a mentir!

Nikos segurou Anna pelos pulsos e cravou o olhar nela.

- Conheces-me - disse, com ferocidade. - Sabes como sou. Adoro mulheres bonitas, mas não consigo dedicar-lhes muito tempo. Acreditaste, realmente, que assentaria com uma delas? Contigo?

Anna reagiu como se acabasse de receber um murro e lhe cortasse a respiração.

- Porque dizes isso? - balbuciou, com os olhos cheios de lágrimas.

Por uma fracção de segundo, uma expressão de tristeza atravessou o rosto de Nikos.

- É melhor assim - disse, finalmente. Esquece-me, Anna. Mereces um homem que te ame a sério.

- Mas tu amas-me, tu disseste-me - murmurou ela. Nikos abanou a cabeça e olhou para ela com frieza.

- Menti. Não amo ninguém. Não sei amar.

Aquelas palavras acabaram com o resto de esperança que Anna guardava no peito. Nikos não a amava. Seduzira-a por puro orgulho, para demonstrar que conseguia conquistá-la, para vencer o seu rival. Contudo assim que lhe entregara o seu coração, deixara de lhe interessar.

Acreditar em Nikos fez com que lhe revolvesse o estômago. Deu meia volta.

- Está bem - consolou-a que a sua voz soasse firme. Tentava recordar o plano que elaborara antes de voltar a apaixonar-se por Nikos. - Penso que me mudarei para Nova Iorque e procurarei um emprego.

- Não! - respondeu Nikos, num tom autoritário. Disse-te, centenas de vezes, que não precisarás de voltar a trabalhar.

Anna olhou para ele com uma expressão altiva enquanto cravava as unhas nas mãos para não chorar. Tinha demasiado orgulho para chorar diante dele.

- Não vou aceitar nem um centavo de um homem que não me ama. Voltarei a trabalhar, com ou sem a tua carta de recomendação.

Nikos lançou-lhe um olhar severo, antes de dar meia volta, apertando os dentes.

- Eu não queria que as coisas acabassem assim.

- Como pretendias que acabassem?

Em vez de responder, Nikos olhou para ela com uma expressão sombria e distante.

- Tens razão, se queres voltar a trabalhar, não posso impedir-te - disse, com voz grave. - O máximo que posso pedir-te é que tomes a decisão com cuidado e sei que o farás. Agora que tenho a certeza de que sempre terás em conta o bem-estar de Misha, só quero pedir-te uma coisa: quando te casares, escolhe o melhor pai possível para o nosso filho.

- Achava que já o tinha feito - disse ela, com um fio de voz. As suas emoções tinham-se transformado num redemoinho que não conseguia controlar. Queria abraçar-se a Nikos e suplicar-lhe que não a deixasse.

No entanto era a tetraneta de uma princesa e a mãe de Misha, e tinha de ser forte. Agarrou-se à sua dignidade e ao seu orgulho. Eram a única coisa que lhe restava.

Colocou a mão na mala e estendeu dois papéis a Nikos.

- Toma.

- O que é isso? - perguntou ele, desconfiado.

- Os dois melhores currículos que recebeste para a tua nova secretária executiva. Menti quando te disse que não havia nenhuma suficientemente boa, porque queria que me contratasses. Mas agora que vou partir, não quero que a empresa sofra por minha causa. Importa-me demasiado, tal como tu. Amo-te.

-Anna...

Anna recuou, sem desviar os olhos dele.

- Adeus, Nikos. Boa sorte.

Deu meia volta e partiu, rezando para que Nikos a parasse, mas não o fez.

Foi até ao quarto onde Misha dormia e vestiu a t-shirt e as calças que pedira à senhora Burbridge que colocasse num saco, juntamente com as coisas do bebé. Depois, deu de mamar a Misha e mudou-lhe a fralda.

Saiu para o corredor e esperou alguns segundos com o coração apertado, a olhar para o fundo do corredor, caso Nikos saísse do escritório, a tomasse nos braços e lhe dissesse que fora tudo um tremendo erro. Contudo a porta do escritório permaneceu fechada.

Nem sequer se incomodava em despedir-se. Talvez, naquele preciso momento, estivesse a telefonar para a agência de emprego para falar sobre as candidatas a secretária. Era evidente que não lhe custaria nada substituí-la. Nem no trabalho, nem na cama.

Endireitou-se e, com toda a dignidade de que foi capaz, saiu do apartamento. Há algumas horas, achava ter, finalmente, encontrado o amor e a estabilidade. Mas não choraria, especialmente no casino, onde cada canto era vigiado por câmaras ou pelos homens de Nikos.

Conseguiu conter o choro até pisar o pavimento de Las Vegas Boulevard. Para onde iria? Viu um táxi no passeio em frente, diante de um hotel. Mal conseguia ver através das lágrimas, quando começou a atravessar. Precisamente naquele momento, percebeu a presença de uma carrinha que avançava para ela. Recuou, assustada, consciente de que tinham estado prestes a atropelá-la.

- Precisamente a pessoa que queria ver - disse uma voz fria. Anna levantou os olhos e, aterrorizada, viu que dentro da carrinha viajava Victor com vários dos seus homens. - Não me respondes com uma das tuas acuidades? O que se passa, não és tão corajosa quando estás sozinha? Peguem no miúdo! - ordenou.

Anna gritou e lutou. Tentou fugir, mas foi em vão. Assim que lhe tiraram Misha dos braços, deixou de resistir.

Dez segundos mais tarde, estava na carrinha, maniatada, a caminho do inferno.

- Deixo-te escolher, loobemaya. Depende de ti o que vai acontecer em seguida - disse Victor, com um sorriso sibilino.

Nikos tinha um mau pressentimento.

Serviu-se de um bourbon, mas não o bebeu. Voltou para o escritório, começou a trabalhar e fechou o computador sem ter escrito uma única mensagem. Levantou-se e olhou pela janela. Tinha uma visão nítida da cidade daquela altura. Conseguia avistar o deserto vasto e as montanhas que ficavam mais além. O vazio parecia estender-se até ao infinito.

Sobretudo no seu interior.

"Fiz o correcto ao deixá-la partir", repetiu-se várias vezes.

Porém o nó que tinha no estômago não se desfazia. Tremiam-lhe as pernas como se tivesse corrido uma maratona.

Deixou-se cair numa poltrona que tinha junto da janela e apoiou a cabeça nas mãos.

O silêncio estava a matá-lo. A ausência do choro do seu filho. A sua gargalhada. As canções de embalar de Anna.

Nada. Nem vozes, nem gargalhadas. Apenas um profundo silêncio.

Podia telefonar a qualquer dos seus homens de confiança, a alguns dos seus conhecidos do clube, a qualquer das mulheres com as quais saíra algumas vezes. Em menos de dez minutos, acudiriam e encheriam o seu apartamento de ruído.

Mas não era isso que queria. Queria a sua família.

Queria Anna. A sua secretária, o seu amor, a sua amiga.

"Tinha de renunciar a ela", disse para si, mais uma vez, passando as mãos pelo cabelo com um gesto de desespero. "Não a amo."

- Tem a certeza, senhor? - ouviu perguntar uma voz com sotaque escocês atrás de si.

Nikos sobressaltou-se, ao aperceber-se de que falara em voz alta quando achava estar a pensar. A senhora Burbridge olhava para ele da soleira da porta, de braços cruzados. Uma resposta descortês veio aos lábios de Nikos, todavia, ao ver a expressão doce e maternal da ama, mordeu a língua e disse:

- Claro que tenho.

- Disse-me para vir cuidar do menino, de manhã bem cedo, porque tinha de ir a um casamento, mas ao chegar encontrei a porta aberta e não vejo nem o bebé, nem a noiva. Isso significa que o casamento foi cancelado?

- Foram-se embora - disse Nikos, com tristeza. Sentou-se à secretária e pegou num livro de cheques. O seu trabalho aqui acabou, senhora Burbridge. Lamento tê-la trazido para tão longe para trabalhar apenas algumas semanas. Compensá-la-ei com...

Ela aproximou-se e fechou-lhe o livro de cheques.

- Onde estão Anna e o seu filho, senhor?

- Deixei-os partir - disse ele, apoiando a cabeça nas mãos. - O meu filho merecia uma mãe.

- Mas parecia muito feliz. E a mãe dele também. Porque haveriam de querer ir-se embora?

- Porque Anna merece algo melhor! - rebentou Nikos. - Merece um homem que a ame. Já sofreu o suficiente por mim e pela sua família. Quero que seja feliz.

- E o senhor? Não parece feliz.

Nikos deixou escapar uma gargalhada carregada de amargura.

- Passará. Mas Anna... - Nikos esfregou a nuca. Não podia decepcioná-la. Ela ama-me e casar-se comigo tê-la-ia destruído.

- A felicidade dela significa mais para si do que a sua própria felicidade?

- É a mãe do meu filho. A melhor colega de trabalho que já tive em toda a minha vida. Minha amiga, minha amante. Claro que quero que seja feliz! Não poderia querer outra coisa.

A mulher observou-o com ternura e tristeza.

- Senhor, o que é o amor para si?

Nikos olhou para ela durante alguns segundos. De repente, o seu coração acelerou.

- Meu Deus! - exclamou.

Teria razão a senhora Burbridge? Amaria Anna? Era verdade que não a queria só na sua cama. Gostava da sua companhia e valorizava as suas habilidades como mãe e como secretária, e, acima de tudo, queria que fosse a primeira pessoa a ver de manhã e a última antes de adormecer. Queria ver como o seu rosto se iluminava quando tinha uma boa ideia no trabalho ou quando salpicava o seu filho com água na piscina.

Queria que fosse feliz. Que trabalhasse como sua secretária, se isso a satisfizesse. A sua felicidade era tudo para ele.

O amor era isso?

Sim. Amava-a. Não a merecia, mas, pelo menos, poderia dedicar o resto da sua vida a conseguir fazê-la feliz.

Porque a vida era vazia sem ela. A sua fortuna, o seu império não tinham nenhum valor para ele. Sem ela, aquele apartamento era uma barraca e a sua vida carecia de sentido.

O dinheiro não importava. Só o amor. E a família.

- Bendita seja! - respondeu à senhora Burbridge.

E correu para a porta. Tinha de encontrar Anna e pará-la.

Parou de repente ao encontrar Cooper do outro lado da porta. Estava pálido e tinha o rosto perturbado.

-Chefe...

Naquele instante, Nikos viu que trazia um vulto nos braços. Tratava-se do seu filho, enrolado numa manta, e chorava desconsoladamente.

- Encontrámo-lo à entrada do casino - explicou Cooper. - Sozinho.

Nikos sentiu que o coração lhe parava enquanto pegava no menino ao colo.

- Sozinho?

Cooper assentiu com uma expressão abatida.

- Um dos porteiros diz que viu uma carrinha parar à entrada, deixar o bebé no chão e arrancar a toda a velocidade.

Nikos apertou o seu filho nos seus braços para o tranquilizar, tal como Anna lhe ensinara. O menino deixou de chorar e pareceu reconfortado, mas Nikos estava fora de si.

- Anna jamais se separaria de Misha.

Cooper estendeu-lhe um bilhete e Nikos leu-o precipitadamente.

Nikos,

apercebi-me de que a custódia partilhada não vai resultar. Estou apaixonada por Victor Sinistyn e vou com ele para a América do Sul. Uma vez, disseste que não era uma boa mãe e pressuponho que tinhas razão. Seria demasiado difícil manter o nosso bebé quente e seguro no local para onde vamos. Por favor, não te incomodes em procurar-me. Cuida bem do nosso filho, Anna.

- Chefe? - a voz de Cooper ecoou no hall vazio e metálico dos elevadores. - O que quer que faça?

O coração de Nikos pulsava a toda a velocidade. Anna abandonara-o. Precisamente no momento em que se apercebera de que a amava do fundo do seu coração, ela partia. O seu pior pesadelo acabava de se tornar realidade.

Porém havia qualquer coisa que não encaixava. Apenas uma hora depois de se despedir, Anna decidia abandonar Misha e partilhar a sua vida com Victor Sinistyn?

Podia tratar-se da caligrafia dela, mas aquela carta não continha uma única palavra de verdade.

- Está em perigo - disse, lentamente. - Alguém a obrigou a escrever este bilhete.

- Acha que a raptaram?

- Sinistyn - disse Nikos. Aquele homem deixara claro que desejava Anna e, ao deixá-la sair desprotegida do UHermitage, ele mesmo a entregara numa bandeja de prata. Amaldiçoou-se. - Prepara o avião.

- Está pronto para voar para a Ásia.

- Singapura pode ir para o diabo. A Haverstock que ganhe a OPA! - exclamou Nikos, desistindo de um negócio de um trilião de dólares a favor do seu adversário.

- Onde vamos procurá-la? Na América do Sul? Nikos abanou a cabeça.

- Sinistyn incluiu essa informação para nos despistar. Não. Foram para um lugar privado, um sítio que o meu poder não alcance - Nikos releu a carta com atenção.

Uma vez, disseste que não era uma boa mãe... Seria demasiado difícil manter o nosso bebé quente e seguro no local para onde vamos.

Susteve a respiração. Anna tentava indicar-lhe para onde iam. Nikos dobrou a carta e deu-a a Cooper.

- Vão para a Rússia.

- Deixe-me adivinhar, chefe - disse Cooper, com acritude: - Quer resolver isto sozinho.

Nikos deu o bebé à senhora Burbridge, depois de se despedir com um beijo. Depois, virou-se para Cooper com um olhar cintilante.

- Nem pensar! Quero que todos os homens disponíveis estejam no avião dentro de uma hora! E telefona a Yuri Andropov. Chegou a altura de lhe pedir um favor.

 

Anna remexeu-se, disfarçadamente, na cadeira, tentando soltar a corda com que tinha os pulsos atados, sem chamar a atenção de Victor. Tinha as mãos suadas e quentes do esforço de cortar a corda com o adorno dentado do anel da sua tetravô, mas o resto do seu corpo estava gelado.

Na viagem de carro de São Petersburgo, sentira brevemente a carícia do sol da Primavera, mas a sala do palácio Rostov estava tão fria como de costume. Ao frio exterior acrescentava-se o que lhe provocara ouvir os homens de Victor destruírem os objectos de porcelana da cozinha. Mordeu o lábio enquanto observava Victor pôr uma televisão a preto e branco junto da lareira, ajudado por um dos seus homens.

- Não vai funcionar. Vamos perder o jogo - queixou-se o guarda-costas em russo, enquanto virava a antena.

- Claro que funcionará - replicou Victor, na mesma língua.

Pegou na antena, porém, ao aperceber-se de que não havia corrente eléctrica, deixou-a cair com uma expressão de frustração.

- Vai ajudar com o jantar! - ordenou ao seu homem.

- Porque não cozinha ela? - resmungou o outro, indicando Anna com o queixo. - Devíamos tirar partido dessa mulher.

Victor olhou para Anna com uma expressão que a fez estremecer.

- Não te preocupes. Claro que será de utilidade, mas só para mim. Vai-te embora daqui! Quero ficar a sós com a minha futura esposa.

Ao ver que Victor se aproximava, Anna deixou as mãos paralisadas, para que não visse que uma das cordas, finalmente, começava a desfiar-se.

Rezara, quando tinham passado a fronteira, para que o agente da alfândega a descobrisse, mas os contactos de Victor, juntamente com um suborno oportuno, tinham dado livre-trânsito ao seu avião privado.

Pelo menos, tinha a certeza de que o seu bebé estava a salvo junto de Nikos, a milhares de quilómetros de distância. Comprara a sua liberdade com a carta que Victor a obrigara a escrever. Compreenderia Nikos as pistas que incluíra?

"Talvez nem sequer lhe importe", disse para si, angustiada. Nikos deixara bem claro que a queria o mais longe possível dele e era difícil imaginar uma distância maior do que a que os separava naquele momento.

Victor tirou-lhe a mordaça.

- Grita o quanto quiseres - disse, sarcástico. - Ninguém te ouvirá.

Em vez de gritar, Anna limitou-se a olhar para ele com desdém, enquanto se inclinava para trás para impedir que lhe tocasse.

Victor riu-se e, cruzando os braços, olhou à sua volta.

- O meu palácio precisa de uma remodelação. Não há aquecimento, nem electricidade e só encontrámos chá e batatas na cozinha.

- Espero que morras de fome - disse Anna, com complacência.

- Esse não é o tratamento que um homem espera da sua futura esposa. Ambos precisamos de estar em forma. Vou mandar um dos meus rapazes comprar comida. Quanto ao aquecimento, teremos de o proporcionar um ao outro... mais tarde - olhou para Anna com arrogância e acrescentou: - Queres alguma coisa? Não comes, nem bebes há horas - acariciou o braço de Anna e ela olhou para ele com asco. - Devias comer qualquer coisa.

- Para que me drogues? Não, obrigada.

- Ai, loobemaya - exclamou Victor, com doçura, enquanto brincava com uma madeixa do cabelo de Anna. - Não faria isto tudo se não te adorasse.

- Chamas amor a isto?

- Até a influência de Stavrakis se atenuar e tiveres consciência de que é a mim que amas, tenho de te manter ao meu lado. Só assim conseguirás aperceber-te do quanto me desejas - num tom ameaçador e enquanto lhe fazia uma massagem nos ombros que ia causar-lhe hematomas, acrescentou com uma doçura fingida: Muito em breve, verás.

Anna sacudiu os ombros para se livrar das mãos dele.

- Amo Nikos e sempre o amarei.

Victor puxou a cadeira, fazendo com que o pescoço de Anna se dobrasse para trás. Da cozinha, chegaram gritos abafados, mas ela só conseguia ver a cara sádica de Victor, a alguns milímetros da sua.

- Esquece-o. Esquece o filho dele. Eu dar-te-ei outros. Hoje mesmo, fecundar-te-ei com o meu. Agora, pertences-me. Aprenderás a obedecer-me. Dentro de pouco tempo, desejarás que te toque...

Beijou-a rudemente, tentando transmitir-lhe mais medo do que paixão. E conseguiu-o. Pela primeira vez, Anna teve medo do que pudesse fazer-lhe.

Então, Victor afastou-se dela e sorriu, ao ver o medo reflectido no seu rosto. Lentamente, percorreu-lhe a parte interior da coxa.

- Não tens o direito de... - resmungou ela, sacudindo-se.

- Este é o meu país. Tenho metade da polícia na mão. Aqui, és minha escrava - Victor estendeu a mão para lhe tocar nos seios, mas ela impediu-o, mesmo com os pulsos atados. Victor sorriu de orelha a orelha. Isso, luta! Stavrakis não está aqui para te salvar. Nunca mais voltarás a vê-lo. Nem a ele, nem ao teu lindo filho. Estás nas minhas mãos e...

- Larga-a!

Victor levantou o olhar com uma exclamação. Anna viu Nikos na porta da cozinha e esteve prestes a chorar de alegria. O seu rosto tinha uma expressão que nunca vira antes, tão fria e letal como a pistola que apontava a Sinistyn.

Victor olhou despoticamente para ele.

- Estás morto, Stavrakis. Os meus homens...

- Os teus homens não farão nada. Mal ofereceram resistência. Assim que viram que estavam em minoria, entregaram-se - apontou a pistola à cabeça de Victor. Vê-se que inspiras muito pouca lealdade, Sinistyn.

De um salto, Victor pôs-se atrás de Anna, utilizando o seu corpo como escudo.

- Aproximas-te e mato-a - disse. Rodeou o pescoço de Anna com as mãos e começou a apertar até que esta não conseguiu respirar e começou a nublar-se-lhe a vista.

Nikos dirigiu o cano da pistola para o tecto.

- És um verdadeiro covarde!

- É fácil insultar quando se tem uma arma.

- Larga-a, bolas! - Nikos atirou a pistola para o chão. Depois, endireitou-se com uma expressão de desdém. - Inclusive agora que estou desarmado, duvido que te atrevas a lutar comigo. Sou mais forte, mais rápido, mais inteligente do que...

- Cala-te! - gritou Victor, largando o pescoço de Anna.

Ela respirou fundo, o que a fez tossir.

Victor dirigiu-se para Nikos, agachando-se para agarrar na pistola. Nikos atirou-a para a lareira com um pontapé, enquanto dava um murro na cintura do outro homem. Horrorizada, Anna viu-os lutar enquanto tentava soltar as cordas que a atavam à cadeira. Victor deu uma joelhada no queixo de Nikos, empurrando-lhe o pescoço para trás. Nikos deu-lhe um murro de baixo para cima, com o qual o deitou ao chão.

Com a respiração agitada, Victor gatinhou para trás até chegar à lareira. Agarrou na pistola e, ofegando, levantou-se, agarrando-se à parede.

- Vou matar-te - Victor voltou o olhar para Anna e acrescentou com uma expressão de desvario: - E tu vais ser testemunha. A partir deste momento, a única coisa que poderá perturbar-nos será o seu fantasma - e olhou para Nikos com um sorriso triunfante.

- Não! - gritou Anna, lutando com as cordas, com desespero. Milagrosamente, conseguiu soltar-se e saltou da cadeira para se interpor entre Nikos e Victor no preciso momento em que este apertava o gatilho. Fechou os olhos, à espera de sentir a bala atravessar-lhe o corpo.

Em vez disso, só ouviu um clique suave.

A pistola não estava carregada! Victor sacudiu-a com fúria. Nikos pôs Anna atrás de si para a proteger, enquanto enfrentava Victor.

- Lamento. Parece que me esqueci de a carregar. Com um grito de impotência, Victor atirou-lhe a pistola, mas Nikos esquivou-se. Depois, olhou para Sinistyn com um sobrolho arqueado e uma expressão de arrogância que Anna odiara no passado, mas que conseguira valorizar ao descobrir que era a que punha quando estava decidido a proteger aqueles que amava.

- Luta, Sinistyn - disse Nikos, com frieza. - Luta comigo, sem armas.

Victor praguejou em russo e abanou a cabeça. Olhou para Anna e resmungou as torturas sádicas às quais a submeteria se Nikos não estivesse ali para a proteger.

Anna sentiu que as faces lhe ardiam de espanto. Nikos não compreendia russo, porém, ao ver a reacção de Anna, avançou para Sinistyn com passo firme. Este correu em direcção contrária, mas Nikos alcançou-o, segurou-o pelos ombros e virou-o.

- O quê? Gostas de assustar as mulheres? - deu alguns murros na cara de Victor. - És demasiado covarde para enfrentares alguém do teu tamanho? Luta, maldito! Ou vais deixar que te mate? - Nikos semicerrou os olhos com uma expressão que evidenciava que falava a sério. - Garanto-te que o faria com prazer.

Victor devolveu os golpes, recorrendo a jogo sujo. Tentou dar um murro no sexo de Nikos, mas este aparou o golpe. Victor cambaleou para trás, até chocar contra a lareira. Estendendo a mão, agarrou num atiçador.

- Antes, mato-te eu, porco grego - gritou, ofegante, brandindo o atiçador diante da cara de Nikos.

Nikos parou-o com o braço direito. Anna ouviu o ruído que fez ao partir-lhe o braço e viu que a mão lhe pendia num ângulo estranho. Victor acabava de lhe partir o pulso.

Furiosa, avançou para Victor para se juntar à luta, mas Nikos parou-a com um olhar glacial.

Com a mão esquerda, arrebatou o atiçador a Victor e empurrou-o para o chão. Usando a mesma mão, rodeou-lhe o pescoço e segurou-o com força. Anna observou, com horror, que exercia uma pressão crescente com a qual estava prestes a sufocá-lo.

- O que se sente ao estar-se vulnerável? - gritou Nikos.

- Nikos, larga-o! - suplicou Anna, a soluçar.

- Porquê? Achas que ele te teria deixado partir? perguntou Nikos, sem olhar para a cara dela. - Alguma vez mostrou clemência pelos mais fracos? Porque havia de o deixar viver depois do que te fez?

Anna pousou uma mão sobre os ombros tensos de Nikos.

- Fá-lo por nós. Por favor, meu amor, larga-o para que tu e eu possamos voltar para junto do nosso filho.

Subitamente, Nikos largou o pescoço de Victor e levantou-se. Anna só conseguiu ver a sua cara durante uma fracção de segundo antes de a tomar nos braços e apertá-la com força, mas pareceu-lhe que tinha lágrimas nos olhos.

Apertando-a contra o seu peito, Nikos baixou a cabeça e olhou para ela com ternura.

- Obrigado, agapi mou sussurrou, enquanto lhe acariciava delicadamente a face. - Obrigado por te teres interposto entre mim e a bala. Embora a arma não estivesse carregada, tu não sabias. Salvaste-me a vida. De muitas maneiras.

- Tu adiantaste-te - disse, de repente, uma voz de homem com sotaque russo.

Anna virou-se para a porta e viu um homem de uniforme, acompanhado de um grupo de polícias.

- Perdemos o melhor.

- Não podia esperar, Yuri - Nikos indicou com a cabeça Victor, que continuava no chão, semi-inconsciente.

O homem a quem chamara Yuri sorriu.

- Disseste que precisavas que te fizesse um favor, mas garanto-te que não me importaria de te fazer uns quantos favores desta natureza. Andamos há meses a tentar apanhar Sinistyn. Agora, graças ao teu testemunho e influência, conseguiremos que passe um bom tempo na cadeia - o polícia olhou para o pulso de Nikos com consternação. -Amigo, estás ferido...

- Não é nada.

- Acho que partiu o pulso. Precisamos de um médico - apressou-se a dizer Anna. Depois, olhou com ansiedade para o rosto do homem que amava. - Por favor, Nikos, preciso de ti em perfeito estado.

- Está bem - resmungou ele. - Tragam um médico.

Quando os homens se foram embora, levando Sinistyn, Nikos deixou-se cair numa cadeira e puxou Anna, para que se sentasse no seu colo.

- Anna, antes de os médicos começarem a dar-me remédios, tenho de te dizer uma coisa. Devia ter-to dito há muito tempo, mas fui demasiado estúpido para me aperceber e demasiado teimoso para o admitir... Até a mim mesmo. Amo-te realmente.

-Nikos, amo-te...

- Deixa-me acabar, agora que comecei Nikos respirou fundo antes de continuar: - Foste a minha salvadora. Fui um idiota ao impedir-te de continuares a trabalhar, quando sabia que te fazia feliz. Portanto, se quiseres trabalhar, eu adorarei que o faças. Como minha secretária, minha vice-presidente ou em qualquer coisa de que gostes.

Anna sorriu com malícia, enquanto sentia que os seus olhos se enchiam de lágrimas.

Acho que seria uma directora-executiva fantástica.

- Engraçadinha! - Nikos devolveu-lhe o sorriso. Sempre foste a única pessoa capaz de me enfrentar. Preciso de ti na minha vida para que me mantenhas dentro dos limites.

Anna tomou o seu rosto entre as mãos e sorriu com ternura.

- Onde tu estiveres, eu irei. Desde que estejamos juntos, é-me indiferente onde estejamos, qualquer lugar será o meu lar. Mas, antes, tenho de te perguntar algo que nunca perguntei a ninguém - Nikos chamara-lhe "engraçada", mas precisava de uma dose dupla de coragem para fazer a pergunta que queria fazer-lhe. Respirou fundo. - Nikos, queres casar-te comigo?

Em jeito de resposta, o rosto de Nikos iluminou-se e os seus olhos escuros brilharam de amor.

- Achava que nunca mais me perguntarias isso.

- Já te disse que teríamos feito melhor se nos tivéssemos casado numa capela de Las Vegas - murmurou Anna, quando chegou ao altar.

- E perder isto tudo? Nunca! - sussurrou Nikos, piscando-lhe o olho.

Quando o padre começou a cerimónia que os uniria para sempre, Nikos soube que devia prestar atenção às suas palavras, mas só era capaz de olhar para a sua noiva. Sob um sol grego quente, à beira de uma falésia que se precipitava sobre o mar Egeu, estavam rodeados de flores e de um grupo reduzido de amigos íntimos. Tratava-se de um casamento simples, tal como sabia que Anna queria que fosse.

E, ao olhar para ela naquele instante, soube que nunca seria capaz de lhe negar nada. Os seus olhos cor de turquesa olharam risonhos para ele quando levantou o véu. Usava um vestido branco com um corpete de renda, que a fazia parecer uma dama medieval, e no seu dedo brilhava um diamante engastado numa aliança antiga de ouro. Oferecera-lhe dois dias antes e já se transformara num dos mais apreciados tesouros de Anna.

A felicidade com que lhe agradecera fizera Nikos esquecer-se de que tinha o braço engessado. Ao pensar naquela noite e em todas as que se tinham seguido à sua volta da Rússia, sentiu que lhe aumentava a temperatura. Estava ansioso por dar o seu presente de casamento a Anna: o palácio Rostov, que fora confiscado a Sinistyn pelo estado russo, juntamente com todos os seus bens. Visto que ia passar o resto da sua vida na prisão, já não precisava dele.

Nikos olhou à sua volta, deslizando o olhar pela sua família e amigos, pelo mar e o azul intenso do céu. Justiça. Também aprendera a acreditar nela, tal como no amor e nos finais felizes, depois de uma vida inteira convencido de que só existiam nos contos de fadas.

Não só estavam a celebrar o casamento na vilaoriginária dos seus pais como também, perante a insistência de Anna, convidara a família do seu pai: Eudoxia Dounas e as suas três filhas. Para sua surpresa, todas elas tinham ido juntamente com os seus maridos e filhos, transformando-se na sua nova família. Uma família com irmãos, sobrinhas e sobrinhos. Ainda os conhecia pouco, mas tinham uma vida inteira pela frente para fortalecerem os laços que os uniam.

Junto deles, sentava-se a mãe de Anna que, felizmente, se comportara como uma madrinha perfeita e, inclusive, lhe dera um beliscão na face, dizendo que já estava na altura de se casar com a sua filha.

Anna passara a noite a falar com a sua irmã e expulsara-o do quarto com a desculpa de que dava azar que os noivos se vissem na noite antes do casamento.

Naquele momento, Natalie segurava em Misha ao colo e acompanhava a cerimónia com lágrimas nos olhos.

Era um dia para o reencontro familiar.

Tinha de o admitir. Se organizara aquele casamento, não fora apenas por Anna. Embora essa fosse a desculpa, ele também o desejara, mas, como com tantas outras coisas, custava-lhe reconhecê-lo.

Família.

Lar.

Amor.

Anna pronunciou com doçura as palavras que a tornavam sua esposa. Mais tarde, Nikos não se recordaria de as ter repetido. Só teve a certeza de o ter feito, porque, antes do que esperava e com um forte sotaque grego, o padre os declarou marido e mulher. Depois, Nikos beijou a noiva e, por cima do murmúrio das ondas, ouviu os convidados aplaudirem e Cooper aclamá-los.

Quando apertou Anna nos seus braços, o seu coração batia com tanta força que ameaçava sair-lhe do peito.

Anna afastou-se o suficiente para olhar para a cara dele e, acariciando-lhe a face, sussurrou:

- Não preferes isto a um casamento com Elvis como mestre-de-cerimónias?

Nikos reprimiu um sorriso e forçou uma expressão solene.

- Estou às suas ordens, senhora Stavrakis.

- Às minhas ordens? - Anna fingiu estar a considerar as possibilidades da situação e, depois, inclinou-se para a frente para lhe sussurrar ao ouvido: - Nesse caso, a minha primeira ordem é que me leves para a cama.

- Deixando que os convidados dêem início à recepção sem nós?

Anna sorriu com atrevimento.

- Não creio que sintam a nossa falta.

- Talvez nem sequer se apercebam - disse Nikos. E, sorrindo de orelha a orelha, e perante o espanto divertido dos convidados, pegou em Anna ao colo e começou a andar para a villa.

- Ai, Anna! - exclamou, dando um suspiro antes de a beijar com todo o seu coração. - Vejo que a minha vida ao teu lado vai ser cheia de penúrias.

Rússia

A Rússia é, territorialmente, o maior país do mundo, pois tem a maior área total: 17,045,400 quilómetros quadrados. Em termos populacionais, o país tem a oitava maior população do mundo, com mais de 142 milhões de habitantes, apresentando uma baixa densidade populacional.

A capital da federação é a cidade de Moscovo. Para além da capital, outras cidades importantes são São Petersburgo, Vladivostok, Rostov, Novosibirsk, entre outras. A economia russa é das mais ricas do mundo e em constante crescimento, graças às exportações de petróleo, gás natural, entre outros.

O país possui uma história longa e marcante que influenciou o destino do mundo e serviu de referência a escritores, compositores musicais, e, recentemente, realizadores de cinema. Contudo, existem muitos problemas a serem resolvidos: o crime organizado, a corrupção, a pobreza em certas regiões e a suposta falta de liberdade de expressão.

Ainda assim, é um país que vale a pena conhecer.

História

Foi com a Dinastia dos Romanov (1613) que se iniciou o grande processo de "imperialização" da Rússia. Pedro, o Grande, derrotou a Suécia, forçando o inimigo a ceder partes do seu território e foi na íngria que se formou uma nova capital: São Petersburgo, em homenagem a Pedro, o Grande.

A czarina Catarina, a Grande, continuou o trabalho de Pedro, derrotando a Polónia e anexando a Bielorrússia e a Ucrânia.

Em 1812, Napoleão entra em Moscovo, mas vê-se forçado a abandoná-la, pois os russos tinham preparado uma armadilha a Napoleão. O frio e a falta de recursos foram responsáveis pela morte de noventa por cento das tropas francesas. Durante o regresso de Napoleão, os russos perseguiram-no e dominaram Paris, trazendo para o império as ideias liberais que estavam em marcha em França e na Europa Ocidental.

As sucessivas derrotas em várias guerras e batalhas durante a Primeira Guerra Mundial e o descontentamento geral da população fizeram com que a economia interna começasse a deteriorar-se. A instabilidade e a pobreza originaram a Revolução Bolchevique. Em 1905, um grupo de trabalhadores elaborou um abaixo-assinado ao czar, em São Petersburgo, exigindo melhores condições de trabalho. O movimento foi violentamente reprimido pelas tropas do czar, que mataram a sangue frio vários dos trabalhadores, e a partir dele formaram-se os Sovietes. A revolução de 1917 iniciou-se em Fevereiro daquele ano pelos bolcheviques. O czar é derrubado e termina a era czarista dos Romanov. No mesmo ano, os bolcheviques, liderados por Lenine e Trotsky assumiram o poder e criaram o Partido Comunista, onde foram dados os primeiros passos para a formação da URSS.

A partir de 1945 foram criadas várias barreiras, entre as quais a Cortina de Ferro e o Muro de Berlim. Gorbatchev começa a abertura da Rússia para o mundo através de dois programas: Glasnost (abertura) e Perestroika (reestruturação), de modo a modernizar a economia russa com a abertura das fronteiras para os investidores estrangeiros. leltsin foi eleito directamente primeiro presidente da Rússia na era pós-comunista.

Em 1998, é eleito Vladimir Putin, que actualmente é muito criticado, quer dentro, quer fora da Rússia, por falta de democracia e de liberdade de expressão.

Monumentos

Moscovo é a maior cidade e a capital da Rússia. É conhecida em todo mundo pelos seus monumentos, pela sua universidade de Lomonosov, pela grande quantidade de lojas e centros comerciais, e pelo grande património cultural.

A Praça Vermelha é uma famosa praça em Moscovo, conhecida pelos desfiles militares soviéticos durante a era da União Soviética. A praça separa a cidadela real, conhecida como Kremlin, do bairro histórico de Kitay-gorod. Como grandes ruas de Moscovo partem da praça em várias direcções, prolongando-se em estradas para fora da cidade, a Praça Vermelha pode ser considerada como a praça central de Moscovo e de toda a Rússia. O nome Praça Vermelha não deriva da cor dos tijolos à sua volta, nem da associação da cor vermelha ao Comunismo. Na realidade, o nome surgiu porque a palavra russa (krasnayà) tanto pode significar "vermelho" como "bonito". A palavra foi originalmente empregue (com o sentido de "bonito") à Catedral de São Basílio e, mais tarde, transferida para a praça adjacente.

Pertencente à Igreja Ortodoxa Russa, a Catedral de São Basílio teve a sua construção ordenada pelo czar Ivan, o Terrível, para comemorar a conquista do Cantão de Kazan e, depois de a construção estar terminada, mandou arrancar os olhos do arquitecto para que não pudesse construir outra igual. São Basílio encontra-se no extremo sudeste da Praça Vermelha, precisamente à frente da Torre Spasskaya do Kremlin. Não sendo particularmente grande, é composta por nove pequenas capelas.

São Petersburgo foi a antiga capital do país na época czarista, entre 1712 e 1918. A cidade foi fundada pelo czar Pedro, o Grande, em 1703, como um projecto de urbanização ocidentalizada para servir de modelo no país. Em 1914, a cidade mudou de nome para Petrogrado, pois o sufixo "burgo" é de origem alemã e, na época, a Rússia estava em guerra com a Alemanha ("grad", por seu turno, também significa cidade em russo). Logo em seguida, depois da Revolução Russa, a cidade foi novamente renomeada, desta vez para Leninegrado, em 1924, nome com que permaneceu até

1991, quando foi restaurado o original.

Entre as principais atracções, encontram-se o Palácio de Inverno, a Fortaleza de Petropavlovsk (São Pedro e São Paulo), a Ponte Levadiça, o Peterhof e o Museu do Eremitério, ou Hermitage. O palácio de Inverno faz parte, actualmente, de um complexo de edifícios conhecido como Museu Estatal do Hermitage, o qual acolhe uma das maiores colecções de arte no mundo.

Por tudo isto, os apreciadores da história política deste país, e não só, não podem deixar de visitar esta nação tão peculiar.

 

 

                                                                  Jennie Lucas

 

 

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