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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ABORRECENTE, NÃO - SOU ADOLESCENTE / V.L.Marinzeck
ABORRECENTE, NÃO - SOU ADOLESCENTE / V.L.Marinzeck

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

ABORRECENTE, NÃO - SOU ADOLESCENTE

 

Camila bateu com força a porta do quarto, deitou na sua cama e exclamou raivosa:

"Vou chorar até me desmanchar em lágrimas, como diz vovó!"

E o choro veio.

"Por que será que vovó às vezes é tão chata? Ainda bem que é só às vezes, gosto tanto dela!"       — Resmungou de novo.

Camila achava sua avó Esmeralda o  máximo. Mas ela não podia vê-la chorando que falava: “Menina, um dia você vai desmanchar de tanto chorar". "Ora, bolas, só choro quando tenho razão ou porque não me dão razão. E melhor chorar mesmo, ninguém me entende!"

— Ca — gritou seu irmão Leonardo -, a Bia está no telefone. Você vai atender?

— Claro que vou, seu pirralho!

Pulou da cama, abriu a porta e o irmão estava lá, parado. Olhou-a aborrecido e resmungou:

— Faço o favor de lhe chamar e você me ofende. 

A garota preferiu não discutir com o irmão para não deixar Bia esperando ao telefone. Apenas murmurou:

— Está bem, desculpe-me!

Ele virou as costas e afastou-se. Camila gostava do irmão, ele era dois anos mais novo, mas o  achava tão imaturo! Era peralta, vivia aprontando, mas era amoroso. Se pelo menos ele não mexesse tanto em suas coisas e não lhe aborrecesse com suas peraltices e malcriações... Esqueceu que queria chorar. Ana Beatriz, sua amiga Bia, tinha ido a uma festa e certamente tinha novidades para lhe contar.

Já estava conversando havia tempo quando Rejane, a empregada, veio lhe dizer:

— Camila, dona Lúcia telefonou na vizinha e pediu para que você desligasse o telefone que ela quer lhe falar.

"Mais esta — pensou. — Não posso fazer nada nesta casa!"

Ainda ficou uns minutos, não dava para desligar, Bia ainda tinha de contar como foi o final da festa.

Despediram-se e ela ficou perto do telefone, esperando. Tocou, era sua mãe.

— Camila, por favor, queria ligar aí e não conseguia! Não vou almoçar em casa, diga a Rejane para fazer o de costume. Volto à noite. Cuide de seu irmão e juízo!

Camila foi dar o recado. Leonardo estava vendo televisão e, ao escutar, comentou:

— Coitada da mamãe, trabalha muito! Será, Ca,  que papai conseguirá pagar a mensalidade do nosso inglês? Também não quero sair do judô.

— É, Léo, a situação financeira está difícil, espero que mamãe não perca o emprego.

Camila suspirou. "Bem, agora que tudo está calmo, poderei ir chorar de novo. Chorar? Não estou mais com vontade. Por que estava chorando mesmo? Ah, sim, papai não me deixou ir á festa numa república, que é uma casa em que moram só estudantes. Estou revoltada. Além de um 'não', tenho de escutar: 'Camila, minha filha, você é muito nova para ir nessas festas, lá vão garotos mais velhos'. "Mais velhos! Não sou criança! – Resmungou com raiva. — Injustiça não me deixarem ir em nada, ou quase nada!" Mas, pensando bem, já não estava com vontade de ir mais, depois que Bia lhe falou: "Na festa, ontem, me chamaram de pirralha, um garoto me disse que a festa era para adultos, não vou mais nessas festas e não irei na de hoje. Cristiano nem me olhou e ficou com uma menina". Bia estava ofendida e com razão. Nem ela queria mais ir à tal festa, que gerara tanta discussão em casa.

— Que feriado escolar chato! — Resmungou.

— Por que tudo para você é chato? – Indagou Léo. — Para mim não é. Vou depois do almoço à casa do Fabiano, vamos jogar bola. Seria bom se eles inventassem mais feriados escolares, mais reuniões, assim teríamos mais folga.

— E acabaríamos sem aprender – replicou Camila. — Bem, vou ver se algumas amigas vêm aqui em casa.

Mariana, sua melhor amiga, e Sara vieram à tarde e conversaram animadas.

— Gostava das festas de família, era bom encontrar com os primos e fazer bagunça, mas agora não acho graça — falou Sara.

— Pois eu gosto. Não tenho muitos primos, só dois, somos amigos e ficamos conversando. Acho reuniões familiares importantes, é gostoso sermos unidos e saber que podemos contar com eles — falou Mariana.

— Eu prefiro festa de amigos, com muita gente que não conheço — expressou Camila. – Mas não gosto de me sentir deslocada. Queria ir numa festa vestida com uma roupa maravilhosa que chamasse a atenção de todos.

— Se muitas pessoas me olharem, fico envergonhada — sorriu Mariana.

— Pois eu gosto de ser alvo de atenção! — exclamou Camila.

— Olhem quem fala, logo você, Ca, que é tímida! — falou rindo Mariana.

— Era, não sou mais — defendeu-se a garota.

E cada uma imaginou a festa de seus sonhos, e a tarde passou depressa. A noite sua mãe chegou cansada e ainda foi fazer algumas tarefas, guardar roupas, preparar o lanche. Depois de lancharem, Léo ligou a televisão, mas sua mãe desligou. Camila trocou um  olhar  com o irmão, vinha bronca.

— Trabalho o dia inteiro, estou cansada, chego em casa e vocês dois, que nem aula tiveram, não  foram capazes de fazer nada para me ajudar. Léo, você comeu na sala, por que não limpou o que sujou? Você, Camila, por que não guardou para mim as roupas que Rejane passou? Vocês já estão grandes e devem ter responsabilidades.

— Sou grande para muitas coisas e criança para  outras. Não agüento mais isso! — Resmungou Camila.

— É verdade! — Disse a mãe. — Você é criança para certas coisas e bem grandinha para outras. Questão de ponto de vista. Para mim você já deve ter algumas responsabilidades, como me ajudar e entender que ainda não tem idade para ir a certos lugares. Mas o assunto não tem nada a ver com idade, mas com telefone. Quero lhe pedir, Camila, que não o use tanto. Queria lhe dar um recado, tento, tento e nada. Que nervoso! Tenho de ligar para a vizinha para pedir que você desligue para que eu consiga falar.

— Foi a Bia quem ligou — defendeu-se Camila.

— Filha, telefone foi feito para recados, deve ser rápida ao usá-lo. Vocês se encontram todos os dias, já conversam tanto! Não quero mais você horas nesse telefone. Não quero!

O pai, Osmar, chegou também cansado e escutou o final da conversa. Após, os cumprimentou e falou:

— A conta de telefone está alta, vou descontar da sua mesada, Camila. É melhor usá-lo menos.

— Não sou eu, o Léo também fala muito -acusou a garota.

— Eu não! — Defendeu-se Leonardo.

— Bem, é melhor entrarmos num acordo. Vamos todos usar menos o telefone — falou a mãe.

Lúcia foi com Osmar até a cozinha. Camila sentou-se no sofá, aborrecida.

— Ca — disse Léo -, é melhor cooperarmos. Se não fizermos economia, adeus aulas de inglês.

— Isso não! — Exclamou ela, pensando no "gato" do Rogério, que estudava na sua sala.

— Coitados, papai e mamãe trabalham muito — suspirou o menino.

— É... Mas você, pirralho, não cumpriu a sua parte. Olha a bagunça que fez!

Léo levantou-se e começou a arrumar a sala. Camila pensou: "Meu irmão tem razão, papai e mamãe trabalham, se esforçam para nos dar o melhor. Devo cooperar!"

Seus avós, os pais de Lúcia, chegaram: o avô Basilo e a avó Matilde. Era dia de fazer o Evangelho no Lar e eles vinham sempre para participar. Reuniram-se na sala. Léo assistia a  um programa, achou ruim, mas nada disse.Quando eram crianças, a mãe lia para eles O Evangelho da meninada*. Agora, com eles adolescentes, liam e estudavam o Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec.

 

* O Evangelho da meninada, Eliseu Rigonatti, Ed. Pensamento (N.A.).

 

Todos gostavam, após conversavam por minutos, trocando idéias sobre os problemas de cada um.

Depois da leitura do Evangelho e comentários, a avó ou Leonardo sempre liam algo que achavam bonito ou interessante. Naquela noite, vó Matilde leu do livro Sinal verde [1] o capítulo Perante os Amigos. Camila gostou muito, parecia que era para ela as frases: "O amigo é uma bênção que nos cabe cultivar no clima da gratidão". "Se Jesus nos recomendou amar os inimigos, imaginemos com que imenso amor nos compete amar aqueles que nos oferecem o coração."

— Eu — disse Léo — continuo com o mesmo problema, Ricardo me persegue. Estou evitando brigar com ele, estou mesmo, mas ele é briguento, mandão, já bateu em diversos garotos na escola e está me provocando. Sei que posso enfrentá-lo, luto judô, mas como me foi recomendado, evito.

— Isso, filho — disse o pai -, demonstramos ser o mais forte quando conseguimos superar a agressividade. Continue evitando esse garoto.

— Eu quero pedir aos bons espíritos que me ajudem a não perder o emprego. A situação na empresa está difícil, rogo para Jesus orientá-los

— disse Lúcia.

Camila olhou para a mãe, que estava preocupada, pois, se fosse demitida, iriam passar por dificuldades financeiras. Pediu com fervor a Jesus para que os orientasse.

Vó Matilde orou em voz alta:

— Jesus, permita que os bons espíritos estejam conosco nos orientando para o bem, e que nós os escutemos e tenhamos força para repelir as más influências, seja de encarnados ou desencarnados. Neste momento que estamos juntos, possamos receber fluidos benéficos da natureza. Vamos repelir tudo de ruim que temos em nós, receber gratos as boas coisas e tudo fazer para permanecermos com as energias positivas. Agradecemos a Deus, a Jesus, pelos espíritos bons e protetores, e que o Pai nos abençoe.

A reunião acabou, Osmar levantou-se, foi para  a cozinha e começou a trabalhar.

 

— Trouxe serviço para casa, papai? – Indagou Camila.

— Não, filha, estou fazendo um acerto nas contas a pagar de nossa casa.

A garota olhou a conta do telefone e se envergonhou, estava alta.

Lenita, uma amiga de sua mãe, chegou. Morava perto, veio buscar um livro emprestado e ficou conversando com Lúcia na varanda. Camila, mesmo sabendo que era errado, ao ouvir falar seu nome parou no hall para escutar.

— Lenita — disse Lúcia -, você que teve filhos adolescentes, me diga: quando eles entram nesta fase, quais são os sintomas?

— Você diz sintomas como se fosse doença — riu Lenita. — Não é! Mas sim uma fase bonita da vida da gente.

— Alguns dizem ser aborrecência — expressou Lúcia. — É que quero entender Camila para ajudá-la.

— Nessa idade, uns mais novos, outros com alguns anos mais, passam por uma transformação, saem da fase infantil para a mocidade. E você faz muito bem em tentar entendê-los. Tive cinco filhos, um perto do outro, e cheguei à conclusão de que tudo deve ser visto com maturidade. Uns gostam de ficar muito tempo tomando banho, outros não gostam de fazê-lo. As meninas, talvez mais sensíveis, choram muito e à toa e gostam de se trancar no quarto. Alguns resolvem comer muito ou fazer perigosos regimes. Quase todos se julgam não-amados e incompreendidos. Aquele "ninguém me entende" é muito repetido. De fato, para muitas coisas são grandes; para outras, novos e imaturos.

— Que fazer? — Perguntou Lúcia.

— Continuar como sempre, tentando orientá-los, às vezes sendo firme e pondo limites. Com os meus não dei muita importância quando eles queriam fazer algo como crianças, mas prestei atenção para que não fizessem coisas antes da hora. Certamente obriguei a tomar banho e impliquei com os demorados. Muitos nessa fase são desajeitados, crescem rápido e parecem não saber lidar com seu tamanho, são estabanados, mas precisam prestar atenção para não derrubarem a casa. Lúcia, o que pode nos preocupar são os que querem emoções perigosas. Aja como sempre, com carinho, proteção, cuidado e energia. Tudo isso é amor e esse afeto é o que nos sustenta sempre.

Camila sentiu-se envergonhada por estar escutando e afastou-se devagar. Resolveu ligar para Mariana. Tinha de contar a alguém o que escutara. Prometeu a si mesma que seria rápida.

— Oi, Ma! Você sente sua mãe preocupada com você?

— Mamãe está preocupada demais, tem muitos problemas, mas acho que não é comigo. Não faço nada para isso — respondeu Mariana.

— É que.... — Camila narrou à amiga o queescutou.

— Isso é bom, é sinal de que sua mãe quer o melhor para você e está tentando compreendê-la.

 — Pais têm cada uma. Ora querem nos entender, ora nos chamam de aborrecentes. – acrescentou Camila.

— Será que não exageramos e aborrecemos mesmo? — Indagou Mariana.

— É, até pode ser. — Camila lembrou da bronca por usar muito o telefone e tratou de se despedir.

— Ma, amanhã a gente se fala. Tchau!

Foi para seu quarto e se pôs a pensar: "Mamãe quer me ajudar, quer me entender, ela me ama e isso é bom. Mas eu não estou fazendo nada, está tudo certo comigo".

Foi dormir, no dia seguinte teria de levantar cedo.

 

Encontrou as amigas na escola.

— Fale da festa, Bia — pediu Mariana.

Bia falou um pouco sem entusiasmo. Todas já sabiam o que ocorrera na festa.

— Já nos contou tudo por telefone — falou Sara.

— Acho que estamos falando muito ao telefone — disse Camila.

— Minha mãe está implicando — falou Mariana.

— A minha também — confessou Beatriz. – E com razão, ontem fiquei horas ao telefone.

— Falando da festa! — Suspirou Mariana.

— Não posso nem lembrar que parece que vejo aquele garoto metido a dizer: "Pirralha, o que faz aqui esta menininha?" — Lamentou Beatriz, sentida.

— Que chato! Festa de criança é uma babaquice, e os mais velhos nos repelem — queixou-se Camila.

— A solução é nos reunirmos com a turma de nossa idade — opinou Mariana.

Foram para a sala de aula. Camila tinha de prestar bastante atenção, estava com notas baixas em matemática. Queria recuperar, não queria repetir a série. Se isso acontecesse se se separaria das colegas, amigas de anos. Resolveu estudar .

A tarde Mariana foi à sua casa.

— Ca, estou chateada, aborrecida, triste...

— O que aconteceu?

— Você não conta para ninguém? Acho que meu pai arrumou outra mulher e quer se separar de  minha mãe. — Mariana começou a chorar.

— Calma, Ma, não faça drama – aconselhou Camila. — Fale com seu pai, peça a ele para pensar melhor.

— Já fiz e sobrou para mim. Papai ficou nervoso e exigiu que eu não me intrometesse. Mamãe disse que  não quer que eu interceda por ela e que é para eu não me meter onde não sou chamada.

— Fique quieta, Ma, deixe que eles resolvam. Cuide de você!

— Não é fácil, eu os amo e quero-os juntos! — Choramingou Mariana.

— Nem sempre os pais ficam juntos, irá continuar a  amá-los e eles a você. Logo estará moça, formada e irá trabalhar, casar, sei lá, e sairá de

casa. Procure não aumentar a discórdia, ore bastante, vibre por eles com amor e não se aflija, quem sabe eles resolvem ficar juntos? Casamento é complicado!

— Não entendo — expressou Mariana -, na semana passada fui ao casamento de uma prima, os noivos estavam tão apaixonados e felizes! Mamãe falou que quase todos os casamentos são assim, os dois enamorados e alegres. Que todos deveriam se casar com mais idade, ela e papai se casaram muito jovens. Que quando são mais maduros, sabem melhor o que fazem. Eu não sei o que acontece, o tempo passa e muitas uniões acabam.

— Que bom seria se todos os casados fossem felizes para sempre e o amor durasse — suspirou

Camila.

Mudaram de assunto.

À tarde Léo chegou em casa machucado. Brigou. Camila, resmungando, foi ajudá-lo.

— Mamãe irá ficar brava com você. Brigar é feio! A mãe chegou e levou um susto.

— Leonardo, o que aconteceu?

— Ricardo. Mamãe, por favor, me deixe explicar. Ricardo estava chantageando alguns meninos, pedia dinheiro para não bater neles. Fez isso com Guilherme, o coitado está com o pai desempregado e tinha só o dinheiro do livro que ia comprar. Guilherme está adoentado, ele é franzino. Não deu, interferi. Ricardo me deu um tapa no rosto, então briguei com ele. Quando viram que eu levava a melhor, alguns garotos interferiram e o surraram. Tive que interferir novamente, acabamos todos na diretoria. Sem medo. falamos ao senhor Farias o que ocorria. Ele nos repreendeu, deveríamos ter contado o que acontecia para ele. Fomos dispensados e Ricardo ficou, acho que irão conversar com os pais dele. Guilherme me agradeceu, e os meninos me chamaram de corajoso.

— Léo — disse Lúcia, suspirando -, é bom defender o fraco do forte. Só que não agiu certo brigando. Creio que eu deveria ter ido na escola. Por favor, filho, não brigue mais, prometo a você que intercederei se houver uma próxima vez. Fique longe de Ricardo. Vá se lavar, passarei remédio depois do banho.

"Léo é o máximo" — pensou Camila, e disse:

— É isso aí, garoto! Só que tome cuidado com ele, poderá querer se vingar.

Arrependeu-se de ter falado ao notar que a mãe preocupou-se.

— Vou amanhã a sua escola — disse ela.

— Viu o que você fez? — Indagou Leonardo. — Deixou mamãe preocupada.

— Não me fale assim! Não é porque deu uma de valente na escola que tenho medo de você! — Respondeu Camila, em tom alto.

— Rebelde sem causa! Vá arrumar uma causa! — Exaltou-se o garoto.

— Que causa? — Perguntou Camila, enfezada.

— Sei lá, quem tem de arrumar é você. Garota chata!

— Parem com isso e já! — Ordenou a mãe.

Leonardo foi para o banheiro e Camila para seu quarto.

"Rebelde? — Foi procurar no dicionário, para ver se encontrava outros significados além daquele que conhecia. — Que se revolta, teimoso, indomável, etc. Será que sou isso?"

Sua avó Esmeralda, a mãe de seu pai, que era viúva, estava sempre dizendo isso a ela e o pirralho do irmão repetia. Sua avó não era ruim, ao contrário, muito boa, estava sempre auxiliando seus pais, ajudando sua mãe, que sempre trabalhou fora. Eles ficavam muito na casa dela. E a avó lhes dava muitos presentes.

"Não quero ser rebelde! Se pelo menos achasse uma causa para responder: Sou por isso! Mas por quê? Para ser independente? Para fazer o que com a independência? Xii, parece que vejo d. Pedro I gritar: 'Independência ou morte.' Mas liberdade para quê? Até que seria bom, mas... É melhor eu pensar até achar uma causa. E se não achar? Então é melhor não ser rebelde..."

Ainda bem que encontrou Raquel ao ir para a aula de inglês. Foram conversando.

— E aí, Ca, o Rogério tem lhe falado?

— Que nada! Ele é tímido ou não está mesmo interessado em mim — respondeu Camila.

— Já lhe disse, fale você com ele ou esqueça-o — aconselhou Raquel.

— Não tenho coragem, acho que é melhor esquecê-lo. Se as finanças não melhorarem lá em casa, sairei do inglês e eu só o vejo nesta escola.

— Puxa, conversa com ele! Animo garota! — Motivou Raquel, se despedindo.

Camila, ao entrar na escola, viu Rogério parado lendo recados no quadro de avisos. Aproximou-se, sentiu as pernas trêmulas, resolveu seguir os conselhos da amiga. Quase engasgou ao falar:

— Oi, Rogério! Você fez a lição número trinta e sete? É difícil, não acha?

— Oi, Camila! Tudo bem? Fiz, acho que vou acertar todas. Só tive dificuldade em uma questão do exercício, mas meu pai me ajudou.

Um garoto, amigo dele, o chamou e ele saiu sem  se despedir. Camila suspirou: "Acho que estou  mesmo apaixonada!" E como sempre a aula de inglês passou rápido e ele só se despediu dela com um tchau. "Poderia ter conversado mais comigo se não fosse aquele garoto chamá-lo. Bem, mas Já é alguma coisa, vou contar para a Bel."

Em casa, telefonou para a amiga, que não estava. Pensou em ligar para as outras meninas do tipo, mas lembrou da bronca da mãe e desistiu. “ Amanhã falo tudo a elas." Aguardou ansiosa o dia seguinte.

O Centro Espírita que freqüentavam era muito organizado. No sábado à noite, às seis e meia, havia encontro de pais e evangelização infantil para os filhos em três séries: os pequeninos, até cinco anos, na primeira classe; de seis a oito na segunda; e de nove a onze na terceira, embora alguns de onze fossem para a Mocidade,que também era dividida em duas classes, de doze a quinze anos e outra para os mais velhos.

Leonardo estava na terceira fase do Infantil e Camila na primeira da Mocidade. Eles gostavam muito, como também seus pais iam com prazer.  Reuniam-se para ouvir palestras ou para conversar sobre problemas comuns e isso os ajudava muito.

Mirna, uma mãe que freqüentava o grupo, que era também psicóloga e espírita estudiosa, estava conversando com os pais, orientando-os principalmente em como resolver os problemas com os filhos.

Lúcia comentou um dia, quando voltavam do Centro Espírita para casa:

— Mirna é boa profissional e pessoa, ela tem nos  dito para não descontar nos filhos nossas ansiedades e preocupações. Recomenda-nos a repartir com vocês nossos problemas e é o que vou fazer. Estou com medo e preocupada. Trabalho há doze anos nessa firma. Lá tenho amigos, gosto dos patrões, mas a empresa não está bem e tememos que venha a fechar. Certamente, se isso acontecer, iremos passar por dificuldades. Estou triste também pelos donos, lutam valentemente para que isso não aconteça, e pelos colegas, são pessoas que precisam...

— Mamãe, você arrumará outro emprego – animou-a Leonardo.

— Não está fácil! — Lúcia suspirou. – Estou dizendo isso a vocês para que me entendam. Se

Eu ficar nervosa, me compreendam. Não quero descontar em vocês...

— Lúcia — falou Osmar -, peço-lhe para não se preocupar tanto, daremos um jeito. Vamos cooperar, não é crianças?

— Hum! — Resmungou Camila, que não gostava que a chamassem de criança. Sorriu, entendeu que para os pais ia ser criança por muito tempo.

— Eu vou! — Exclamou Leonardo. — Não vou deixar mais a sala suja, vou fazer tudo bem-feito, estudar mais e não brigar.

— Falando em brigar, como está Ricardo? — Perguntou Lúcia.

— Quieto! — Respondeu Leonardo. — O bom nisso tudo é que me tornei grande amigo de Guilherme. Ele é legal. Sabem que o pai dele arrumou emprego?

 

Na quarta-feira sua mãe chegou com a triste notícia: a empresa em que ela trabalhava fechou, os donos indenizaram todos e as portas foram fechadas.

Rejane inquietou-se:

— Puxa, dona Lúcia, que ruim, como uma coisa puxa outra! Certamente também ficarei sem emprego.

— Rejane, por enquanto tudo fica como está. Vou procurar outro trabalho.

Camila trancou-se no quarto. Teve medo. Ficou apreensiva e pensou: "Vou me desmanchar em lágrimas". Mas não o fez. Pensou na sua avó Esmeralda, que lhe dizia: "Só chorar não resolve". Teve pena de sua mãe, era tão dedicada ao emprego. Também se entristeceu pelos colegas dela, conhecia muitos deles, eram pessoas agradáveis e alguns estavam com mais idade, não seria fácil para eles. "Mamãe está triste — concluiu. — Quando sou eu que fico assim, ela vem me agradar, quer saber o que se passa para me ajudar. Será que não devo fazer o mesmo? Acho que todos gostam de agrados".

Lúcia estava em seu quarto, no escuro, e Camila bateu na porta.

— Mamãe, posso entrar?

— Sim. O que quer? — Respondeu Lúcia.

Camila entrou, a mãe estava sentada numa poltrona, chorando. A garota ajoelhou perto,  encostou a cabeça no colo dela.

— Não chore, mamãe!

— Estou desabafando! É triste o que aconteceu, lutamos para evitar a falência, todos estão desgostosos, tristes e apreensivos.

— O papai está empregado... — Consolou a mocinha.

— Graças a Deus! Filha, Geraldo e Sônia, que trabalhavam lá havia vinte anos, estão agora desempregados e Helena, a filha deles, está doente, com câncer.

Camila teve vontade de pedir novamente para a mãe não chorar, como dizia a sua avó a ela, porém percebeu a diferença, ela fazia por motivos tolos e sua mãe tinha sérios. Admirou-a, não chorava por ela, mas pelos amigos, colegas que ficariam desempregados, e pelos donos, que certamente estariam em situação pior. Levantou, abraçou a mãe, passou as mãos pelos seus cabelos e disse com sinceridade:

— Mamãe, não fique triste assim. Amo você!

— Obrigada, filha! Agora me deixe sozinha, preciso pensar um pouco.

Camila saiu. Lúcia se pôs a pensar na atitude da filha e sorriu. Às vezes tinha dificuldade em lidar com os filhos, Mirna estava ajudando-a como a outros pais. Teve ímpeto, quando ela bateu na porta, gritar para que não a enchesse, para que a deixasse em paz. Mas ainda bem que seguiu o conselho de Mirna, foi tão bom receber o beijo, o apoio da filha. "E — concluiu -, quando não sabemos lidar com certas situações, é bom se aconselhar com outros".

O pai os reuniu à noite.

— Filhos, espero que compreendam nossas dificuldades. Lúcia e eu decidimos diminuir as despesas para que não venhamos a nos endividar. Sinto muito, mas teremos de tirá-los do inglês e Leonardo do judô.

Os dois ficaram tristes, nada falaram, entenderam. Camila foi para o quarto aborrecida. Não veria mais o Rogério, chorou até dormir.

Na quinta-feira foi sua última aula. Não se despediu de ninguém, se o fizesse iria chorar. Olhou para o Rogério, tão lindo!

Sentiu-se infeliz, mas não falou nada para os pais, para não entristecê-los mais ainda.

Leonardo foi à sua última aula de judô e chegou em casa eufórico.

— O que aconteceu, Léo? Pensei que voltaria arrasado. Não foi hoje sua última aula de judô?  — Conversei com meu professor, falei a ele toda a verdade, ele pensou um momento e me propôs: "Léo, seria uma pena você deixar o judô, gosta tanto. Não cobrarei sua mensalidade e poderá treinar como sempre, até que tudo se normalize em sua casa. Só que você passará a me ajudar duas vezes por semana com as aulas dos meninos pequenos. Aceita?" Concordei na hora. Espero, mamãe, que não se oponha, não atrapalhará em nada, ainda mais que saí do inglês.

— Está bem, filho — concordou Lúcia.

“Léo se virou — pensou Camila. — Bom, pelo menos vai continuar no judô. Ah, se eu arrumasse um modo de continuar no inglês... Já sinto saudade do Rogério".

No sábado seguinte, no encontro no Centro Espírita, Lúcia contou aos outros pais seu problema e lhe foi oferecido um trabalho temporário numa clínica. Seria atendente, ficaria no lugar de duas funcionárias que tirariam férias, seria por um mês e meio.

— Vejam que bom — disse Lúcia quando estavam indo embora -, começarei na outra semana, na segunda-feira. Estou pensando em fazer um curdo de computação à noite, quero estar mais preparada para competir no mercado de trabalho.

"QUE bom ver mamãe mais animada!" – Pensou Camila.

Neide e Apolo, um casal muito simpático que havia anos se dedicava a instruir, orientar sobre a Doutrina Espírita, resolveu convidar Mirna, a psicóloga, para que uma vez por mês fosse à reunião conversar com a Mocidade, um sábado com a primeira turma e no outro com a outra classe.

Na primeira aula, os jovens ficaram um pouco inibidos, conversaram sobre alguns problemas.

— Em casa não me deixam falar — queixou-se Rodrigo. — Meu irmão mais velho diz que eu só abro a boca para falar besteira.

— Também sinto falta de atenção, quero chegar em casa e falar o que me aconteceu, são importantes para mim, mas não querem me  ouvir — falou Marô.

— O ser humano gosta mais de falar do que ouvir  — esclareceu Mirna tranqüilamente. – Para todos nós o que nos acontece é importante, e para os outros nem tanto. Vocês devem entender que com todos de casa acontecem fatos. Se o pai chegar cansado e estiver com problemas, apreendam que quer descansar, ficar quieto, ler o jornal para se distrair. E a mãe, se trabalha fora, muitas vezes tem muito que fazer em casa ou também está exausta. Não devem chatear-se, não é  falta de atenção ou amor, é cansaço, problemas. Assim, quando eles não estão a fim de conversar, falem o mais importante.

— Minha mãe reclama que eu só vejo problemas ou dou problemas — queixou-se Luiza.

— Tente entendê-la, Luiza. Será que essas reclamações não têm um pouco de verdade? Será que você, garota, está se comportando devidamente? Procure não ser problema e nem dar preocupações. Vocês passam por um período muito bonito, são jovens, sadios, inteligentes e lindos.

O encontro foi muito interessante. Camila saiu com Mirella, que também era colega de classe na escola.

— Ca, me acho feia, sem graça, quase que falei para Mirna, mas fiquei com vergonha. Mamãe me diz que é besteira, que sou bonita, mas sei que não. Meus seios são grandes e...

— Acho que foi uma ótima idéia da dona Neide e do senhor Apolo nos dar um dia para que juntos  resolvamos nossos problemas. Se não falou hoje, fale da próxima vez. Também estou com um problema: todas as minhas amigas já ficaram menstruadas e eu não...

Separaram-se. Camila ficou à noite pensando no Rogério. Não o viu mais. Queria muito encontrar com ele, mas não sabia nem seu telefone. Resolveu dormir.

Na segunda-feira, no recreio, Mirella se queixou:

— Sou tão feia! Só visto camisetas para tentar esconder meus seios, são grandes e horríveis.

Cada uma reclamou de uma coisa e Beatriz teve uma idéia.

— Não vamos ter a aula de ciências, a professora Leonor irá faltar. Em vez de ficarmos fazendo a lição na classe, por que não pedir para conversar com a Sílvia, que trabalha na diretoria da escola? Ela é tão atenciosa e boazinha!

Aplaudiram a idéia e com permissão lá se foram. Sílvia, muito simpática, escutou-as sorrindo e esclareceu:

— Nada de complexo! Todos nós temos nossos valores. Você, Mirella, não tem seios grandes, é que eles se desenvolveram primeiro que o das amigas. São normais e, se forem um pouco maiores, lembro-a das diversidades, somos diferentes. Que chato se tudo ou todos fossem iguais! A beleza está na diferença. Nessa idade umas se desenvolvem primeiro que as outras. Sara tem os seios pequenos, mas quando desenvolver, talvez fiquem maiores que os seus, Mirella. E você, Camila, não se preocupe, a primeira menstruação não tem idade certa para vir. Depende de muitos fatores, para algumas meninas ela vem mais cedo; para outras, mais tarde. Tudo normal!

Depois de muitas perguntas e respostas esclarecedoras, sentiram-se aliviadas e resolveram deixar de lado os complexos, principalmente porque entenderam que eram normais.

Ao saírem cruzaram com um grupo de garotos. Parecia, pelas suas expressões, que eles tinham problemas parecidos.

— Eles também têm seus complexos – cochichou Beatriz.

— É só não os alimentar, como disse Sílvia, que eles morrem de fome. Temos de olhar de frente nossos complexos e resolver que eles não nos incomodarão mais e eliminá-los. O meu vai morrer, decretei sua morte neste instante. Não vou alimentá-lo. Acabou! Sou normal! Que alívio — Exclamou Camila.

— Mesmo se não fosse normal, deveria eliminá-los complexos só prejudica. No meu prédio tem uma menina que é paraplégica, anda na cadeira de rodas. Será que ela tem complexo? – comentou Sara.

— Ela até que tem motivos — falou Beatriz. – Será heroína se lutar contra eles e vencer. Se uns conseguem matar o complexo, ela também pode. É melhor viver sem eles. Como disse Sílvia, se você o alimenta, se fica pensando o que os outros podem achar, só sofre. Deve dar valor ao que você é e não à opinião que outros podem ter de nós. O importante é se achar capaz e ampliar essa capacidade.

— Você entendeu direitinho o que Sílvia nos disse — Camila falou sorrindo.

— Não quero ser uma pessoa que acata fácil a opinião dos outros. Mas como mamãe diz, sábio é aquele que analisa e acolhe as experiências boas de outras pessoas — expressou Beatriz.

— E Sílvia é estudada, entende, explicou muito bem. Gostei! — Exclamou Mirella.

Camila e Leonardo estavam cooperando em casa. A garota estava preocupada com suas notas de matemática. "Que matéria chata!" — pensava. Conversou com sua professora de matemática e acharam uma solução.

— Camila, queria fazer um curso na parte da tarde e não tenho com quem deixar meus dois filhos pequenos, eles ficam com minha mãe pela manhã para que eu possa dar aulas, mas à tarde ela trabalha. Esse curso é muito importante para mim, são duas semanas. Pago-lhe a passagem do ônibus e após o curso darei aulas a você também em minha casa, até que se recupere. Aceita ficar com eles para mim?

A garota entusiasmou-se, conversou com a mãe, esta permitiu.

Foi puxado. Camila saía da escola, corria até sua casa, almoçava e pegava o ônibus, chegava na casa de dona Cecília quando esta já estava saindo.

Os dois garotos, um de quatro e outro de três anos, eram bonzinhos. A casa da professora era simples, a mocinha entendeu que sua mestra também tinha dificuldades financeiras. Não só ficou com os garotos como fez alguns serviços e brincou muito com os meninos. Deu certo, dona Cecília fez o curso e após deu aulas para ela, que entendeu as dificuldades e até achou que se enganara, a matemática não era chata.

Para seu alívio, recuperou as notas, já não ia ficar de recuperação em nenhuma matéria. E como lhe fez bem ter resolvido sozinha esse problema!

Aconteceu o segundo encontro com Mirna, a psicóloga, e foi emocionante. Ela indagou:

— Qual é o maior problema que vocês têm com os pais? Ou melhor: Qual é a maior preocupação deles em relação a vocês?

Foram ditas algumas: gravidez, medo das más companhias, reprovação na escola; e todos foram unânimes: drogas.

Samuel, o Samuca, pediu para falar, ele era extrovertido, louro, com sardas pelo rosto, muito agradável e bonito. A turma quietou-se e ele disse:

— Pedi opinião para minha mãe e achamos juntos que seria interessante eu contar a vocês minha experiência, a triste... Fui convidado para ir numa festinha. Não era do pessoal da minha turma, era de uns garotos da escola e não os conhecia direito. Mas eles são de causar inveja, vestem-se na moda, são alegres, não ligam para o estudo, e eu tolamente desejei ser como eles. A festa seria na casa da Mércia, pois seus pais estavam viajando. Os convidados contribuíam com uma quantia em dinheiro e a festa seria um sucesso. Mas, sabendo que meus pais não iam deixar, resolvi mentir, disse a mamãe que ia no aniversário de Lu, um amigo de infância, e que ia dormir na casa dele. E lá fui eu para a festa. Caco me apresentou a outros que eu não conhecia. Não tinha muita gente, havia algumas meninas, som alto e bebidas e, de repente, drogas, cigarros de maconha e cocaína.

"'Nunca usou? Cara, você é um bobo, não sabe o que está perdendo! Eí, o carinha aqui nunca provou.' Caco riu alto. A turma me cercou, me examinando, e uma garota zombou: 'Por que veio aqui? Há sempre a primeira vez. Vamos dar a você para que experimente'. Riram, eu me apavorei e uma outra menina se aproximou: 'Não se apavore, garoto, você está entre amigos. É uma honra começar conosco. Se estiver com medo, caia fora ou fique e conhecerá o que é bom!'

"Falavam, falavam, eu não sabia o que fazer, no íntimo uma vozinha me pedia: 'Cai fora, Samuca! Vá embora!' E eles me motivando.                   

 Uma garota me beijou e disse: 'Toma! Toma!'"

Samuel fez uma pausa e enxugou umas lágrimas. O silêncio era total, todos da classe olhavam para ele, que continuou a falar:

— E eu experimentei, aspirei o pó branco, a cocaína. Que sensação estranha! Nunca senti uma uma euforia como aquela, me tornei outro. Para mim tudo estava liberado, não tinha obstáculo, tudo lindo, dancei, ri, me senti livre, achando que poderia até voar. Até que uma das garotas sentiu-se mal, apagou, como diziam, desmaiou no meio da sala, ficou caída no chão. E eu achando tudo certo e maravilhoso. Ainda bem que um dos convidados, que embora menor de idade estava com o carro dos pais, disse: "A festa acabou, desligue o som, cada um para sua casa, vou levar esta garota para um pronto-socorro. Se ela morrer aqui, Mércia  terá problemas. Paro o carro na porta do hospital e largo-a lá, eles que cuidem dela; depois, ela que se vire, quem mandou se exceder?"

"Caco me puxou, me vi na rua rindo sem parar e cada um foi para um lado, andei e parei num jardim, sentei num banco, não tinha sono e ria muito. Foi me dando vertigem, enjôo e vomitei muito. Melhorei, resolvi ir para casa. Toquei a campainha muitas vezes. Mamãe, quando me viu, abriu a porta assustada. 'O que aconteceu, Samuel?' Me esforcei para falar, não conseguia coordenar os pensamentos, tentei inventar uma desculpa: 'E que briguei com o Lu e...' 'Você está bem? Bebeu? Usou drogas?' — Indagou papai, falando a palavra drogas baixinho. Olhei para eles e ri. 'Você não está bem.' – Falou papai. 'Vamos levá-lo ao pronto-socorro!' – Expressou mamãe. 'Não, creio que não é preciso. Vou colocá-lo no chuveiro, a pulsação está normal' – disse papai. Me deram um banho e me colocaram na cama. Meus pais ficaram comigo, não dormi, comecei a ter visões estranhas, às vezes caía de um precipício, em outras seres monstruosos acercavam-se de mim, tive anseios e me apavorei. Melhorei horas depois, me acalmei e dormi. Quando acordei, tomei outro banho, mamãe pediu que me alimentasse, depois os dois me chamaram para uma conversa na sala. 'Conte tudo, Samuel — pediu mamãe. — Telefonei para o Lu, ele me disse que não teve festa na casa dele e que nem o viu'. Tive vontade de chorar e o fiz. Me envergonhei, e foi depois de minutos que consegui falar e lhes contei tudo. Mamãe chorou, papai se entristeceu e disse: 'Filho!' Aí chorei mais. Conversamos por horas, queriam saber se eu tinha motivos para fazer o que fiz. Creio que não se têm motivos, só desculpas, e eu nem isso tinha. 'Vou tirá-lo desse colégio' — disse mamãe. 'Não, Samuel tem de enfrentar o problema' — decidiu meu pai.

"Errei, entendi que bobeei e meus pais perderam a confiança em mim. Aceitei as consequências. Não saio mais sozinho, se vou a algum lugar meus pais me levam e buscam. Estou indo a uma psicóloga, não tenho mais mesada e até que prove o contrário, não sou digno de confiança."

Samuel suspirou e Marcelo indagou:

— Samuca, como se sente depois dessa experiência?

— Um perfeito idiota! Não, idiota é um doente. Um bobo! Sei lá. Vou fazer quatorze anos e já me meti numa fria. Não deveria ter ido nessa festa, me arrependo bastante, e lá, vendo o que acontecia, deveria ter ido embora. Souberam mexer com meu orgulho e eu caí na deles. Embora atualmente esteja mais difícil forçar alguém a se drogar, as pessoas oferecem drogas normalmente. Papai telefonou para o hospital para se informar sobre a garota; ela quase entrou em coma por uma overdose. Depois telefonou para o tio de Mércia, informando o que aconteceu, e este chamou os pais dela. Passei a evitar essa turma. Caco que me procurou, mas fui sincero com ele: “Caco, não quero isso para mim, por favor".

Io gostou?" — Perguntou ele. "Não quero!" — respondi. Houve insistência tentadora. Tenho sido firme, não quero. Entristeço toda vez que me lembro de mamãe chorando e papai preocupado, não deveria ter feito isso. Sabem por que estou falando isso a vocês? Porque minha experiência com a droga foi um aprendizado. Creio que seria um candidato a ser um viciado, um dependente. Sabem por quê? Porque gostei. Sim, me senti bem, embora depois tenha sido horrível ver aquelas figuras grotescas, o enjôo. Por isso que muitos não recusam a segunda, a terceira e pensam: paro quando quiser. Mas não é bem assim. Vicia-se e é difícil sair porque a maioria gosta, como eu, embora compreendi que é melhor ter alegrias com o que é verdadeiro e duradouro. Tenho sonhos, sempre os tive. Quero ser engenheiro, casar, ter filhos, mas será que isso aconteceria se me tornasse um viciado? Não, isso não vale a

Pena. Sabem o que concluí também? Que com o efeito  da droga, para mim tudo era normal. Ainda bem que não fiz algo errado, porque ia me doer muito. Com ela me tornei um bobo alegre, alegria falsa, passageira. Meu pai me levou num lugar onde garotos se drogam, muitos já não se importam nem com a higiene, outros parecem transformados, soube de que muitos deles roubam, se prostituem para ter dinheiro. São todos infelizes. Vi-os, emocionei-me e chorei. Muito triste! Não quero isso para mim.

— Samuel, você repetiria isso tudo? — Perguntou Mima.

— Não! Não quero ser um dependente. Quero realizar meus sonhos. E sabem por que falo isso

a vocês? Para que não caiam nessa. Poderia dizer só as coisas ruins. Mas sabemos que se fosse só ruim, por que muitos as usam? Como diz meu pai, a droga é envolvente, parece linda e maravilhosa externamente, mas é terrível, horroroso o seu efeito, internamente. Só os tolos se envolvem. Não experimentem. Ninguém precisa disso! Nada que é falso dura.

— Estamos na hora — disse Mima. – Agradeço a você, Samuel, pela sua coragem. E não caia em outra, garoto, seja forte!

Camila foi para casa chocada, comentou por dias o que escutou. E passou a ser mais esperta. Nada de se envolver em situações de risco.

A direção do Centro Espírita resolveu promover palestras sobre o assunto para os pais, para as crianças e reuniram as duas classes da Mocidade. Foram convidados médicos, psicólogos, pessoas que trabalham em grupos de apoio a drogados. Foi muito proveitoso. Ficaram todos sabendo o que era droga, como era usada, seus perigos, sensações, etc. Camila impressionou-se com os dados estatísticos de desencarnes, sequelas e tantos acontecimentos ruins que envolvem um dependente químico.

Muito se falou sobre drogas na Mocidade. Marcelo comentou:

— Sabe que cheguei à conclusão de que tem muito a ver esse estudo com a religião?

— Você está gostando, Marcelo? Por que chegou a esta conclusão? — Perguntou Neide, a coordenador.

Marcelo sorriu ao responder:

— Se o Espiritismo nos recomenda a compreensão e o estudo para progredir, evoluir, deve dar metas de bem viver. Reconheço que as drogas são uma ameaça à integridade do ser humano. Acho que um drogado não consegue entender bem nenhuma religião, e como é melhor prevenir que remediar... Nosso Centro Espírita está de parabéns, aprendi muito nessas palestras, nessas conversas informativas, sinto-me apto pelo conhecimento a evitar situações de risco e nunca experimentá-las, e até aconselhar outros a não fazê-lo.

 

— O objetivo da Mocidade Espírita – expressou Neide tranqüilamente — é ensinar a Doutrina aos jovens, e temos feito isso. Mas vimos a necessidade de orientá-los em outros assuntos do interesse de vocês. É bom fazer isso em grupo e com pessoas que sabem orientar. Todas as religiões deveriam orientar seus jovens. Só dizer que não pode, que não presta, é vago; falar e provar o porquê esclarece, e aqui usamos a verdade. O falso prazer não conduz a nada, por nada devemos nos envolver em situações de risco que nos trarão sofrimentos. Vimos nesse estudo extra muitas situações vexatórias, perigosas, como também as dificuldades que pode passar o indivíduo dependente se desencarnar viciado. E inteligente não procurar ações que nos trarão reação de dor. Quem quer falar quais são as drogas mais conhecidas e usadas?

Samuel pediu para falar.

— Cocaína é uma substância extraída das folhas de uma planta, é um estimulante, deixando o usuário mais excitado. Pode ser aspirada, injetada ou fumada, que é o crack. Ela diminui o apetite, causa insônia, dores de cabeça, náuseas, vômitos e muitas outras coisas, e a pessoa viciada, além disso, pode ter delírios, tremores, convulsões, e pode ocorrer parada cardíaca e respiratória.

"O crack, como já disse, é a cocaína fumada e é a mais perigosa forma da coca. Ela age diretamente  nos neurônios, aumenta a pressão arterial, levando ao risco de enfarte e derrame. É muito perigosa e tem matado muito aqui no Brasil. Vicia rápido, o efeito passa depressa, levando a pessoa a usá-la cada vez mais.

“Também conheço a maconha, que é fumada, levando também ao vício e quase sempre seu usuário procura outras drogas. Há a heroína, a cola de sapateiro. Todas perigosas e danosas." – Não podemos esquecer — disse Marô – do álcool e do cigarro, que são também muito prejudiciais à saúde e à sociedade. O álcool tem sido a causa de acontecimentos desastrosos.

— Muito bem, Marô, sua opinião foi boa. Mas agora me respondam: Por que vocês não usam drogas?

As respostas foram diversas.

— Porque sei que fazem mal.

— NÃO sou tolo, se me vício estou arruinado.

— Sou livre e não quero ser escravo de nenhum vício.

— Elas podem nos envolver com o falso prazer e depois acabar com a gente.

— Sorte minha que não tomo drogas, e ao ver pessoas, às vezes amigos, usando-as, penso que se não fizer nada por medo de ser chamada de careta será covardia, porque careta é aquele que tacha os outros. E agora, com esses ensinamentos, me sinto mais confiante para falar com eles e pedir que parem ou que pensem melhor no assunto. — disse Luiza.

— Quando decidi não usar drogas é porque tenho auto-estima, segurança e gosto de viver — falou Camila, empolgada.

— O bom disso tudo — opinou Rodrigo — é que compreendi que um drogado não consegue atinar a complicação em que se meteu e que a desintoxicação pode ser dolorosa e demorada.

— Todos que decidem se drogar deveriam saber dos perigos que correm. Creio que é a falta de informação que leva muitos a entrar nessa encrenca.

Neide se deu por satisfeita, a turma assimilou bem o assunto.

Na escola, Camila conversou com as amigas sobre as drogas.

— É de arrepiar, mas ouvi dizer que uma garota da oitava série saiu com um rapaz e que encontraram com sua turma. Ela fala que foi obrigada, ninguém sabe, mas tomou drogas e foi estuprada. Foi uma confusão. A família dela ainda achou que errara por ter saído escondida e com um cara que não sabia bem quem era. Foi um horror, a polícia a achou com pouca roupa e toda machucada — falou Roberta.

— Que deprimente! Vamos mudar de assunto!

— Pediu Camila.

— Ah, não! — Exclamou Sara. — Vou contar a vocês o que aconteceu com minha vizinha. A garota sempre foi rebelde, não queria estudar e se envolveu com pessoas que se drogam. Coitada da mãe dela, é viúva e faz tudo pela filha! Isso já vem acontecendo há tempo, é internada, sai e fica boazinha uns tempos, arruma confusão de novo, e a mãe sempre acudindo. Para ter dinheiro se prostituiu. Mas, numa internação, conheceu um garoto que também estava tentando se livrar das drogas e começaram a namorar, pareciam apaixonados.Ela foi passar uns dias na casa dele, quando sairam do hospital. Os pais ficaram esperançosos, confiantes, pensavam que um ajudaria o outro. Mas, num final de semana, o garoto foi à casa dela. A mãe, coitada, fez tudo para agradá-lo, os dois saíram e voltaram drogados. Ele ficou agressivo, prendeu a mãe e ela em casa, bateu nelas, riscou-as com a faca, deu tanto na garota que ela ficou toda marcada, uma vizinha chamou os pais dele, que vieram buscá-lo. Ele estava péssimo, levaram-no para o hospital. Os pais dele falaram que a droga o faz ficar agressivo e que ele já tinha tentado matar a mãe com um revólver, atirou, mas ainda bem que pegou no braço. Acabou a história de amor. A menina está assustada, machucada, quieta e com medo. Essa vizinha, a mãe da garota, se queixa de que não receber apoio e que a filha não tem amigos bons. Mas, como mamãe diz, é difícil quem não se envolve com drogas sair com ela, e minha mãe não quer que eu lhe tenha amizade, acha que não tenho maturidade para estar em situação de risco, e eu concordo! Sabem como comentam, posso ser tachada de  garota de programa ou de drogada.

— É difícil! — Exclamou Camila. — Que situação!

A garota precisando de apoio e é tão complicado lhe dar. Se pelo menos tivesse certeza de que realmente não quer mais se drogar... É um caminho perigoso o de quem se mete com tóxico.

— De difícil retorno. Entrar é fácil, mas para sair é preciso muita vontade e ajuda — falou Mariana.

— Por isso, garotas, devemos ser prudentes. Se somos candidatas a ser felizes, não vamos nos envolver com esses venenos. Nada de tóxicos! — Entusiasmou-se Camila.

— Nada! — Repetiram.

E há muitas histórias, fatos ocorridos por todo lado, e nenhuma com final feliz. Tóxico é veneno

que não só corrói o corpo mas prejudica também o espírito.

Venceu o contrato de Lúcia no seu trabalho temporário, e outra amiga arrumou outro emprego também por tempo limitado e com a remuneração menor. Era num bazar de objetos usados, seria por vinte e um dias, sem folga.

— Vou aceitar — disse Lúcia -, não quero parar e nem ter de dispensar Rejane.

Mas, nesse tempo, a avó Esmeralda ficou doente, a família se preocupou, gostavam dela, estava sempre ajudando todos, cuidou muito dos netos, principalmente de Camila e Leonardo, que moravam perto. Era mãe de Osmar e tinha mais dois filhos, mas todos trabalhavam fora.

Quando venceu o período de trabalho de Lúcia, ela resolveu não procurar outro e cuidar da sogra.

Como já fazia algum tempo que a mãe de Camila recebeu o dinheiro da indenização, se reuniram para ver o que fariam com ele.

— Troque de carro, mamãe — pediu Camila.

— Compre um novo — opinou Leonardo.

— Não, meus filhos, isso é imprudência, é melhor guardar. Se demorar a encontrar outro emprego, esse dinheiro servirá para completar o orçamento. Depois temos dona Esmeralda doente, talvez venhamos a precisar — falou Lúcia.

— Obrigado, querida — emocionou-se Osmar.

— Estou preocupado com mamãe. Sou grato a você por querer cuidar dela.

— Ela já nos ajudou tanto... Depois é sua mãe, avó das crianças, e sempre foi tão boa. Faço com prazer.

Dona Esmeralda piorou, Lúcia ficava muito na casa dela, às vezes até dormia lá. Foram vinte e sete dias corridos e preocupantes. Camila chorava, não queria que a avó desencarnasse. Mas, pondo em prática o que aprendera, orava com fé pedindo o melhor para ela.

— Queria que vovó sarasse — choramingou a garota.

Seu pai a abraçou e consolou:

— Todos nós, filha, temos um tempo para estar encarnados. Mamãe aproveitou bem esse tempo e ela não teme a desencarnação. Se sarar será maravilhoso para nós, que desfrutaremos mais de sua companhia, mas se desencarnar, temos de entender que a vida continuará para ela. No plano espiritual estará sadia e feliz.

Dona Esmeralda foi internada na U.T.I. de um hospital  por três dias e desencarnou. Foi uma desencarnação tranqüila, como tinha sido sua vida.

Camila achou o velório deprimente, sua tia Iolanda, que não era espírita, chorou muito. A garota também teve vontade de chorar, mas preferiu orar junto de seus pais para a avó, querendo que estivesse tranqüila, pudesse ser socorrida e desejando que fosse para uma colônia linda, encontrasse com seu avô e vivessem os dois no plano espiritual felizes e em paz, porque ela merecia.

Em casa, após o enterro, Camila chorou.

— Não chore, filha — consolou o pai. – Afetos só se ausentam, minha mãe sempre nos amou e continuará a nos amar. E nossa prece e saudade devem ser para ela incentivo para a continuação da vida após o desenlace.

—   Pessoas que têm afinidades espirituais não têm distância a separá-las. O universo é pequeno para os que se amam — expressou Leonardo.

— Que beleza! É sua essa frase? – Indagou Camila.

— Claro que não! Li em algum livro – respondeu o irmão.

— Ah, sim, deveria saber — falou a garota.

— Minha irmã, o importante é colocar em prática o que lemos de interessante e bom – falou Leonardo.

À noite os tios vieram à casa de Camila, para resolver o que fazer com os pertences da avó. Osmar e Lúcia falaram sobre a Doutrina Espírita para consolar tia Iolanda. Osmar comentou:

— A vida não acaba com a morte do corpo físico, nosso espírito sobrevive, não perde a individualidade. Mamãe nos queria muito e continuará nos amando. Sempre quis nos ver bem e esse sentimento não mudará, irá querer que continuemos alegres e sem problemas, não iria querer que sua desencarnação seja para nós uma dificuldade ou um sofrimento.

 — Onde está mamãe? — Perguntou Iolanda.

— Mamãe certamente está com papai — respondeu Osmar. Eles se queriam muito. Pela sua vivência só pode ter ido para uma linda colônia, deve estar saudável, alegre e feliz. Por isso não devemos preocupá-la com lamentações. Porque, ligada a nós, sentirá nosso choro, aflições. Mas, se enviarmos a ela pensamentos de incentivo e carinho, a deixaremos bem mais alegre.

Como iam resolver as questões financeiras, as crianças e os jovens foram para a varanda.

— Como a morte é triste! — Exclamou Lucila. Vou sentir falta da vovó. Mas já pensou se fosse minha mãe? Que horror! Na semana passada, uma menina da minha classe perdeu a mãe.

— Não diga perdeu, Lucila — corrigiu Léo. — Minguém perde ninguém. A mãe dela desencarnou, isto é, o espírito deixou o corpo físico pela morte deste. Entendeu? Foi viver em outro lugar, já que contínua a existir, porque ninguém acaba. E, deve ser triste! Mãe é a nossa defesa, é muito em nossas vidas. Não é fácil passar por isso. Mas a vida...

— Já sei, continua — completou Lucila. — A mãe foi viver lá e a filha continua a viver aqui. Eu não saberia viver sem minha mãe...

— É porque você é muito nova — falou Mário

— Léo, você sentiria? — Perguntou Lucila.

— Claro que sim! Até adulto sente falta da mãe.

Quando alguém ainda criança fica sem ela, acho que deve ser para aprender a dar valor à mãe — respondeu Leonardo.

— Dramático! Muito sofrimento! – Exclamou Lucila.

— Muitas pessoas passam por isso e sobrevivem. A vida ensina! — Argumentou Camila.

A garota achou que a conversa era para crianças, resolveu nada mais comentar e só escutar, mas concordou, a morte do corpo físico faz muitos sofrerem, a ausência do ser amado dói. A desencarnação é uma mudança de vida e entender essa mudança se torna mais fácil para quem vai para o plano espiritual do que para os ficam.

— A reunião dos adultos acabou e os familiares resolveram que iriam vender a casa de d. Esmeralda e doar seus pertences. Foram embora, e Osmar comentou:

— Foi o melhor, não é bom a casa ficar fechada. E o que não serve mais servirá para outros. Venderemos a casa e repartiremos tudo igualmente.

— Que fará com o dinheiro, papai? – Indagou Leonardo.

— Vou quitar as prestações da nossa casa, será uma despesa a menos — respondeu Osmar.

— Que bom que não teve brigas — falou Lúcia. —  É triste ver irmãos brigarem por herança.

— Será que há pessoas que brigam por isso? — Indagou Leonardo.

— Há, filho. Por herança, por bobeira, briga se tanto... — Lamentou o pai.

— Que tristeza para o desencarnado saber que seus entes queridos brigam por isso! – Suspirou Camila.

— É por isso que peço a vocês dois para não brigarem, para se amarem e serem amigos por toda a vida — disse a mãe.

Camila olhou para Leonardo e sorriram. Se amavam, mas era tão difícil não brigar. Mas podiam tentar.

Lúcia começou a procurar emprego, não estava fácil, recortava anúncios dos jornais, andava muito, e nada. Fez o curso de computação junto com Osmar. Às vezes chegava nervosa e gritava, Camila fazia de tudo para não incomodá-la, mas ela implicava mesmo era com o filho, este não tinha modos, sujava a sala com a mania de comer vendo televisão. O garoto estava torcendo para a mãe arrumar um emprego e lhe dar folga.

Leonardo estava triste e comentou com a turma dele, colegas de classe. Percebeu que cada um tinha um problema, trocaram idéias e resolveram procurar Sílvia, a moça simpática que trabalhava na diretoria, que os atendeu com atenção.

— Sílvia, sou pequeno, tenho medo de não crescer. Minha irmã, na minha idade, era alta — queixou-se Ismael.

— Meninas quase sempre crescem mais novas — respondeu Sílvia. — O crescimento não é igual para todos: para uns é mais lento; para outros, mais acelerado, depende de muitos fatores. Você é muito jovem, crescerá até os dezenove anos. Também há o fator hereditário, uns são mais altos que outros. Isso é bom porque a diversidade entre as pessoas nos ensina a respeitar o próximo, apesar das diferenças. Você, Ismael, crescerá mais caso se alimente adequadamente. Deve comer alimentos ricos em vitaminas, cálcio e fazer exercícios. Você estudou isso em ciências. Mas você, pela sua idade, está dentro da normalidade. Não se chateie por isso.

— Sílvia, não arrumo namorada, as meninas não gostam de mim. Sou feio! — Falou Stefano.

— Não acho você feio, é bonito, e tenho bom gosto! — Falou rindo a moça. — Será que está na idade de namorar? Creio que há coisas melhores para fazer no momento, para aproveitar essa fase maravilhosa, curtir os amigos, estudar e fazer esporte, exercícios.

 

— Sílvia, mamãe está com problemas, não arruma emprego e desconta em mim — queixou-se Leonardo.

— Por que você não colabora um pouco? Não é motivos para ela se exaltar. Seja obediente e paciente. Você mesmo reconhece que ela está com dificuldades — disse Sílvia carinhosamente. — Não está fácil minha vida — lamentou Júlio. – Se quero brincar, já sou mocinho; se quero sair à noite, sou criança. Depois, não agüento mais as gozações, que ando esquisito, falo fino ou, às vezes, grosso.

— Isso passa, Júlio. E que sua voz está mudando de tom, isso é comum. Não ligue para as gozações, ria e caçoe você também, não conseguindo aborrecê-lo, pararão de fazê-las. Isso acontece porque você está deixando de ser menino para ser um jovem. Os adultos deveriam entender melhor essa fase por que passam, porque eles também já o fizeram. Não dê importância a isso, não sofra por bobagens, tudo isso passa rapidinho.

— Tenho medo de me aproximar de uma garota, pela qual estou apaixonado. Ela é mais velha e nem  me percebe. Tenho vontade de chorar, só que homem não chora — lamentou Renato.

Sílvia sorriu e esclareceu:

— Chorar é próprio do ser humano, é besteira dizer que homem não chora. Mas devemos ter motivos, para  chorar, senão ficamos muito chorões e isso não  dá certo. Renato, nos apaixonamos muito durante a vida. Nesta idade o fazemos muitas vezes. E uma garota mais velha é quase certo que não  irá se interessar por você. Não se aborreça por isso, há tantas garotas lindas da sua idade.

— Mas eu quero essa! — Afirmou Renato.

— Acredito! — Exclamou Sílvia. — Mas não será por muito tempo. Mudamos muito de gosto, opiniões, isso é normal e na idade de vocês é sadio.

Conversaram por mais alguns minutos e depois saíram contentes.

— É bom escutar alguém mais velho que a gente e  que nos entenda — suspirou Leonardo.

— Só não gostei do que ela me disse sobre minha paixão. Queria mesmo que Sílvia aconselhasse o que fazer para conquistá-la — expressou Renato.

— Você iria mesmo namorá-la se ela quisesse? – Perguntou Júlio.

— Claro que sim! Bem, não sei... — Renato ficou em dúvida.

— É melhor você, Renato, prestar mais atenção em Telminha, esta sim está interessada em você — falou Leonardo.

— É muito novinha! — Renato fez careta.

— Está vendo? Sua amada também pode pensar isso de você — opinou Júlio.

E não passou muito tempo, Renato estava interessado em outra, também mais velha que ele. Não é que Sílvia tinha razão? Certamente iria ter muitas paixões...

Leonardo se esforçou para ficar mais organizado e tentou não enervar a mãe.

Na escola deram opiniões para Camila, tentando ajudá-la.

— Por que você não faz uma promessa para que sua mãe arrume emprego? — Perguntou Roberta, uma colega de classe.

— Promessa?! — Indagou Camila, espantada.

— Sim. Você pede uma graça em troca de fazer algo. Fique um mês sem lanchar se sua mãe arrumar emprego — respondeu Roberta.

— Isso não é chantagem? — Perguntou Camila.

— Claro que não! Você só está pedindo — insistiu Roberta.

Camila sorriu e respondeu para as amigas tentando esclarecer:

— Não, Roberta, prefiro orar, rogar e pedir a Deus, aos bons espíritos que ajudem orientando

para que aconteça o melhor. Não gosto quando me pedem para fazer algo para retribuir depois. Se eu não gosto, imagino que quem ajuda também não fica satisfeito. Não gosto de troca de favores. O que irá importar a quem me ajudou se eu ficar ou não sem lanchar? A não ser que eu doe o dinheiro do lanche. Mas prefiro dar sem intenção,se faço é porque quero, porque gosto de ajudar.

— Cada um pensa de um modo. Eu alcanço muitas coisas fazendo promessas — falou Roberta.

— Acho que só vou lhe emprestar o caderno se você ficar sem comer o dia todo — disse Camila.

— Por que isso? Está louca? — Espantou-se Roberta.

— Brincadeira! Empresto meu caderno a você e não  precisa fazer nada em troca. Só um "obrigado” está bom — sorriu Camila.

— Entendi — suspirou Roberta. — Você acha que promessa é isso? É... parece que tem razão.

— Não sei como vocês conseguem ficar tranqüilas  creditando que espíritos, almas de mortos, estão por perto e não têm medo. Eu tenho e arrepio só de falar — comentou Mariana.  — Não estamos perto uma da outra? – Respondeu Camila — Aqui há pessoas boas e más e quando morrem continuam sendo boas ou más. Pessoas bondosas nos ajudam, seja aqui, como nós, no corpo físico,  ou sem ele. Você, Mariana, será um dia desencarnada,  continuará vivendo sem o corpo material e não irá querer que os outros tenham medo de você.

      — Quando morrer quero ir para o céu e ficar  quieta por lá, como também que todos que morrem fiquem também – expressou Mariana.

— Quere não é poder – respondeu  Camila. — Mas se você quer ir para um bom lugar quando  seu corpo morrer, viva no bem para merecer.

O assunto terminou quando tocou o  sinal, e entraram na classe.

Mãe, gosto muito de Mariana, é muito boa amiga, mas é fanática por sua religião — comentou Camila.

— Não fale assim, minha filha, todas as religiões que nos recomendam fazer o bem e evitar o mal são boas.

— Não dá para compreender, ela acredita em muitas coisas que nem mesmo entende...

— Ela pode ter a mesma opinião de você. Não a critique e nem devem se desentender por isso. Religiões nos mostram o caminho, mas somos nós que temos de caminhar. Se Deus permite que haja muitas religiões, os homens também devem aceitar, somos todos irmãos, filhos do mesmo Pai – expressou Lúcia.

— Ou mãe — disse Camila.

Lúcia riu e concordou:

— Por que não? Deus é Pai e Mãe. O importante é fazermos o bem para sermos um dia bons.

 

Foi uma  alegria, Lúcia chegou eufórica.

— Consegui um emprego! Vou ganhar até mais que no anterior e creio que vou gostar muito. A firma é grande e o prédio muito bonito.

— Graças a Deus! — Exclamou Rejane. – Não corro mais o risco de perder o meu emprego, Que bom!

Naquela noite fizeram uma oração em conjunto, agradecendo a grande ajuda recebida. Lúcia leu o Evangelho, capítulo 28, "Preces em Geral. Ação de graças por um favor obtido".

Todos ficaram contentes, e Camila telefonou para Mariana falando da boa novidade.

— Ma, mamãe arrumou emprego!

— Que bom! Não precisará fazer mais tanta economia. Se melhorou aí para vocês, aqui em casa não está nada bom. Papai e mamãe estão brigando muito.

— Que chato! — Exclamou Camila, sentida.

— Acho que vão acabar se separando. Não queria isso! Débora, minha irmã, diz que entende, mas eu e Rafael estamos sofrendo.

— Ma, temos amigos de pais separados e estão todos bem.

— Mas eu os quero juntos.

Camila não soube o que falar à amiga. Quando desligou, comentou com a mãe.

— Minha filha, é melhor você animá-la. Não tem muito o que dizer. Seria ideal que ninguém brigasse e que todos os casais se esforçassem para viver em harmonia. Quando um casal briga muito, a separação é, às vezes, o melhor caminho, porque na verdade já estão separados. Não deve ser bom para ninguém e todos sofrem por isso. Mas os filhos devem querer o bem dos pais. E, às vezes, ficar juntos só por ficar ou por causa dos filhos não é a melhor solução.

Camila ficou pensando sobre o assunto. Também não gostaria que os pais se separassem, mas seria capaz de entendê-los e tudo fazer para não ser ou se tornar um problema para eles.

E realmente o pai de Mariana saiu de casa, foi morar sozinho num apartamento, ela e os irmãos ficaram com a mãe. Mariana chorou muito, vinha à casa da amiga e se queixava.

Camila tentava consolá-la, distraí-la e ela foi se conformando.

— Ainda bem que mamãe teve um aumento, e Débora arrumou um emprego de meio período. Teremos que administrar bem o dinheiro, Papai dá a pensão, mas ele tem agora mais despesas. Queria arrumar um emprego, mas mamãe não quer, diz que por enquanto não precisa — lamentou Mariana.

Lúcia chegou em casa triste.

— Hoje soube que meus amigos, que trabalhavam comigo, Sônia e Geraldo, ainda não arrumaram emprego, e a filha está muito doente, necessita de remédios e alimentos especiais. A mãe de Sônia veio morar com eles e alugaram o apartamento dela para ter mais uma renda. Estão numa situação ruim, já gastaram todo o dinheiro da indenização, não tinham muito no fundo de garantia, usaram para comprar o apartamento.

Lúcia não gastara o dinheiro da indenização, por prudência, temendo ficar mais tempo desempregada e que viessem a precisar. Estavam agora fazendo planos de trocar o carro por outro mais novo. O casal se olhou, eles se entendiam. Osmar falou:

— Acho que nosso carro está bom e sua troca ficar para mais tarde.

— Osmar... Posso então? — Indagou Lúcia.

— Pode. Empreste o dinheiro para eles.

— E se eles não o devolverem? – Perguntou Leonardo.

— Empreste, Lúcia, e diga a eles para não se preocuparem com o pagamento, e se não puderem fazê-lo... — Sorriu Osmar.

— Vocês são ótimos! Maravilhosos! – Exclamou Camila.

— Ficaremos sem o carro novo... – Resmungou Leonardo.

— Mas ajudaremos uns amigos, isso nos dará melhores alegrias — expressou o pai.

E lá se foi o casal, à noite, visitá-los. Lúcia depois contou aos filhos que Sônia chorou e eles prometeram devolvê-lo quando pudessem.

O casal se empenhou para arrumar um emprego pelo menos para Geraldo, porque Helena, a filha doente, estava necessitando de muitos cuidados, atenção, e Sônia queria estar ao lado dela. O médico não dava muitas esperanças.

Na reunião de pais, no sábado à noite, Lúcia e Osmar comentaram o problema dos amigos.

Resolveram que a assistência social do Centro, doaria cesta básica para eles. A mãe de Marô, Hermínia, que possuía um comércio de frutas e verduras, se comprometeu a mandar para eles, toda semana, seus produtos. Todos se empenharam para arrumar um emprego para Geraldo. E conseguiram. César, pai de Rodrigo, conseguiu com seu cunhado, que tinha uma construtora, um emprego para ele.

Geraldo foi pessoalmente agradecer numa reunião e ficou, gostou, sentiu-se bem e pediu que a equipe que visita enfermos fosse ver sua filha.

Helena gostou, tinha vinte e três anos, estava havia três anos doente e ficava muito no leito.Pediu livros emprestados e passou a ler, e quando recebia a visita da equipe indagava aquilo que não tinha conseguido entender. Ficou mais tranqüila, não reclamava, e quando Lúcia voltou para visitá-la, sentiu até que estava mais alegre.

Meses depois desencarnou, Lúcia e Osmar foram ao enterro e disseram que ela estava com expressão tranqüila, mas muito magra, e que sofreu muito.

No sábado seguinte, Sônia e Geraldo foram agradecer o auxílio e disseram que não precisavam mais de ajuda. E que embora não tivessem filhos para freqüentar a Evangelização ou a Mocidade, eles gostariam de ir às reuniões. E Sônia chorando, contou:                        

— Achei em cima da mesinha de cabeceira de Helena este livro com um bilhete dentro. "Mamãe e papai. Dona Solange, que me visita com a equipe do Centro, me deu de presente este livro. Gostei muito e até sonhei que tia Cecília me mostrou o lugar em que vou morar com ela. É um local muito lindo, uma colônia espiritual. Tenho a certeza de que não foi só sonho. Leiam este livro e me imaginem vivendo como a garota que o narra. Amo vocês, e este amor pode ser sentido mesmo sem a minha presença. Beijos, Helena."

Sônia mostrou o livro: Violetas na janela e esclareceu:

 — Cecília é irmã de Geraldo. Faleceu já faz algum tempo.

Todos se emocionaram.

Lúcia contou para os filhos, e Léo expressou:

— É bom desencarnar e saber o que iremos encontrar do lado de lá. Eu quero ficar com meus avós. Não gostaria que chorassem por mim ou que sentissem pena. Acho que ajudei a vovó e tentaria auxiliar qualquer um de vocês que partisse para o outro plano.

— Você tem razão, filho — disse Osmar. — A falta física é dolorosa, a saudade machuca, mas com compreensão e aceitação tudo fica mais fácil.

"Que conversa chata é esta de morte – pensou  Camila. — Mas todos nós morreremos e é melhor acreditar que a desencarnação não nos separa.  Que consolo é pensar que aqueles que amamos vivem em outro lugar e que nos reencontraremos um dia".

Na volta de uma reunião do Centro Espírita, ao passar por um barzinho, viram Marcelo, sobrinho de Osmar de quatorze anos, bêbado. Osmar parou o carro, desceu.

— Marcelo, o que está havendo?

— Oi, tio! Estou bem!

— Que nada! Marcelão tomou todas! – Disse um amigo dele, bêbado também.

— Venha, entre no carro, levarei você à sua casa — ordenou Osmar.

— Não precisa! Não vou! — Resmungou o primo.

— Vai sim! — Afirmou Osmar.

-Não quero que ele venha aqui atrás, pode vomitar. Que cheiro ruim! — Reclamou Leonardo.

— Se ele vomitar em mim, bato nele! – Disse Camila, com nojo.

Lúcia passou para trás e Osmar colocou Marcelo no banco da frente. O garoto parecia ter concordado, depois não quis. O pai dos meninos colocou o cinto e ordenou:

— Quieto, Marcelo! Sente aí, vou levá-lo à sua casa.

O garoto ficou resmungando baixinho.

Osmar o levou até à casa de seu irmão e narrou o acontecimento rapidamente.

— Xi, ainda ficou o cheiro da bebida! – Reclamou Camila. — Por que será que Marcelo bebeu assim?

— Não sei — respondeu Lúcia. — Lauro ficou nervoso, irá dar um banho nele e um café forte. Certamente deverão conversar com ele e fazê-lo entender que a bebida alcoólica é muito prejudicial nessa idade, e também em todas. Faz muito mal  à saúde se embriagar.

— li no jornal que é pela bebida que acontecem muitas desavenças, brigas de vizinhos, na família e até assassinatos — falou Camila.

— É verdade, filha — orientou Osmar. — A bebida é causa de grandes desentendimentos, é um veneno para o indivíduo que se embebeda sempre.

— Sem falar nos acidentes que causa. Já pensaram se algum bêbado como Marcelo dirigisse um carro? Poderia ocorrer um acidente e colocaria em risco não só a vida dele, mas de muitos outros — disse Leonardo.

Camila, no outro dia, comentou com as amigas.

— Mas por que Marcelo bebeu tanto assim?

Perguntou Mariana.

— Não sei ... — Respondeu Camila.

— Espero que não faça mais isso, acho-o tão bonito! — Suspirou Sara.

— Foi só por farra, exagerou por não saber quando parar — defendeu Beatriz.

— Às vezes se começa por farra e acaba só viciando. Tenho um vizinho que bebe muito, é um horror, eu tenho medo dele. Ao vê-lo chegar cambaleando, corro, entro em casa e fecho , a porta. Lá de casa escuto-o falar com aquela voz

mole e desagradável. Isso quando não xinga, querendo bater em todo mundo. Na semana passada a mãe dele o internou num hospital, irá fazer um tratamento, e a mulher dele disse que não irá querê-lo se continuar a se embriagar — falou Sara.

— A bebida desgraça a vida de muitas pessoas — lamentou Mariana.

— O álcool faz muito mal e é ruim, gosto de tomar refrigerantes — comentou Camila.

Passados uns dias, Leonardo telefonou para Marcelo.

— O que deu em você para beber daquele jeito? — Perguntou ele, curioso.

— Encontrei com amigos, eles foram embora e fiquei conversando com Fábio. Ele me convidou para ir com ele a um bar, fui, ele comprou uma bebida para ele e outra para mim. Fomos bebendo e fiquei como você viu.

— E seus pais?

— A Mamãe até chorou, papai me colocou de castigo. Pior que no sábado tinha uma festa que queria ir — queixou-se Marcelo.

— Primo, você estava ridículo, vê se não bebe mais. Se tivesse uma filmadora teria filmado, e  você iria se envergonhar. Da próxima vez vou filmá-lo.

— Não haverá próxima vez. Vomitei tanto que nem posso pensar em bebida alcoólica. Que enjôo! — Queixou-se Marcelo.

— Vê se não entra em conversa de certos amigos. Isso prova que você não tem personalidade, faz o que os outros sugerem — gozou Leonardo.

— Chega, Léo, já ouvi muito dos meus pais e avós.

— Desculpe-me e tchau. — Leonardo desligou.

Leonardo comentou com os amigos.

— Beber é legal! Qualquer dia vou beber também

— disse Marcos.

— Ora, Marcos, ficar bêbado não tem nada de bonito! Não faça isso! — Expressou Júlio.

— Meu primo bebeu, brigou e apanhou muito. Minha tia precisou levá-lo ao hospital. Tomou injeção, tomou ponto na testa e no braço. Ele jura que nunca mais irá beber — comentou Renato.

— Lembra do Dezinho do Penico? Ele bebeu e fez xixi na roupa e todos até hoje o chamam de Penico. Aquele deu vexame! — Riu Júlio.

— Acho que somos muito novos para nos embedar — opinou Renato.

— Bebida pode viciar e só faz estragos. Não quero beber. Não gosto. E não tenho vergonha de pedir refrigerante — expressou Leonardo.

— Pensando bem, acho que também não vou beber — sorriu Marcos.

— Vocês já perceberam que sempre sofremos pressão? Ou você é novo para fazer isso ou velho para aquilo. Beber é coisa de adulto, mais não deveria ser para idade nenhuma. Se numa festa um adulto bebe, tudo bem. Se nós bebermos somos crianças, rebeldes, temos crise de aborrecência. Tenho uma raiva quando falam que aborreço... — queixou-se Renato.

— Tente entender os adultos, você será logo um deles — falou Leonardo.

— Não quero! Eles complicam demais — respondeu Renato.

— Por falar em complicação, a prova de português foi difícil, vocês não acham? — Perguntou Júlio.                                                                     

Mudaram o assunto para a prova. A bebida não é nem para jovens nem para adultos. Pense que o álcool prejudica muito não só a quem bebe, mas também sempre prejudica os que o cercam. Vicia, e dependente de álcool sofre e faz sofrer. E nossas aspirações devem ser de sermos livres de vícios, sermos felizes e fazer os outros também.

Com as finanças normalizadas, Camila e Leonardo voltaram às aulas de inglês. A mocinha o fez contente, gostava muito de estudar idiomas. Leonardo nem tanto, teria que deixar de ajudar seu professor de judô, voltou a pagar a mensalidade e ficou só com sua aula. Camila abraçou as colegas, só que iria ficar em outra classe por ter perdido o semestre. Viu Rogério, este a cumprimentou. Observou: "Como pude estar apaixonada por ele? Só podia ser coisa de criança. E até bonitinho, mas tão sem graça".

Ao encontrar com as amigas, Beatriz logo perguntou:

— E o Rogério, você o viu?

— Sim... e não achei mais nada de especial nele — murmurou Camila.

— Você se decepcionou, acho que fantasiou, como diz mamãe. Criou um Rogério na sua cabeça, uma ilusão — falou Mariana.

— Acho que foi isso mesmo. É melhor! Não quero namorar agora, acho que namoro atrapalha minha liberdade — expressou Camila.

— Ora, Ca, você não acha mais ele interessante, mas pode se interessar por Tiago. Ele é lindo! — Opinou Beatriz.

Riram.

Na reunião da Mocidade, Camila comentou o fato ocorrido com seu primo sem falar de detalhes, preferiu dizer que garotos estavam se embriagando, e Neide aproveitou para esclarecer.

— Vícios nos deixam cativos, presos, condicionados a certos atos. Tantos se gabam de que bebem, fumam, entre outras coisas por serem livres. Está certo fazer o que quisermos, se pensarmos que temos nosso livre-arbítrio para escolher. Realmente, podemos fazer tudo, mas nem tudo nos convém. Ao nos tornarmos dependentes de algo, seja o que for, já não somos livres, estamos presos à causa da dependência. Quem bebe e não consegue parar é um escravo da bebida, portanto, não é livre. Participei de uma reunião de dependentes do álcool e quase todos afirmaram que começaram e continuaram a beber por influência de amigos, colegas, companheiros de farras e bares. Todos também afirmaram terem sido fracos e covardes por não terem tido coragem de recusar o convite, por não terem suportado a pressão. Acredito, porém acho que muitos queriam, é fácil dar desculpas para nossas fraquezas e colocar a culpa em outros. E vocês podem ter essas sessões, podem escutar: "Vá, não faz mal, não seja bobo, está com medo, é criança" e tantas outras coisas que podem ser até ofensivas. Se não estão conscientes, firmes, às vezes acabam por fazer até o que não querem. Isso é ruim. Deixar-se envolver pelas opiniões alheias é comprovar que não tem as próprias. E sabem por que eles estavam nessa instituição? Todos queriam ajuda para se livrar do vício que os havia arruinado.  Muitos tinham perdido tudo: emprego,saúde e família.

— O álcool vicia como as drogas? — Quis saber Samuel.

— O álcool vicia. Nem todos os que bebem se tornam  dependentes, mas é bom não arriscar. Quem comete um erro grave por estar bêbado é considerado culpado? — Perguntou Marô.

— Sim, é. Embora na espiritualidade não exista regra geral, cada caso é um caso. Mas o ato existe e as conseqüências também. Soube que um senhor bêbado, ao dirigir um carro, atropelou quatro pessoas e duas delas vieram a desencarnar: uma criança, cujos pais ficaram desesperados, e um  homem, pai de família, que tinha três filhos pequenos. Quanto sofrimento causou ele por sua imprudência ao dirigir embriagado!

 — E quem bebe pode ainda provocar sua própria  morte, não é? — Indagou Camila.

— Sim — respondeu Neide, esclarecendo. – Ao fazer uso de algo que nos prejudica a saúde, estamos abreviando nossa existência encarnada, como também sofremos as consequências dessa agressão ao nosso corpo. Adoece o fígado, estômago, são muitos os órgãos prejudicados.

— Ter vícios é muito ruim... — Expressou Laís.

— É realmente ruim, por isso, meus jovens, não arrisquem nem na primeira vez. Não se tornem escravos, sejam livres, a vida é bela e não precisam de nada disso — falou Neide.

— Conheço um garoto, — falou Luiza — ele tem agora uns quinze anos, mas já está se drogando

há algum tempo. Seus familiares dizem que começou bebendo cerveja, passou para a pinga. Ontem eu estava em frente à minha casa, quando ele passou, parou e ficamos conversando. Perguntei a ele o porquê de fumar crack. Ele respondeu: "As outras drogas são mais caras". "Você não sabe que o crack é uma das drogas mais nocivas e que mata?" — Perguntei. "Não me importo, acho que já estou meio morto." Ele sorriu. "Não tem medo?" "Não." Porém ele parou de rir e seus olhos se encheram de lágrimas, abaixou a cabeça. "Não consigo parar..." Aí, minhã mãe, vendo-nos, me chamou e ordenou que eu entrasse. "Está vendo? — Disse ele. — Sou visto como um ser nocivo, acham que prejudico quem se aproxima de mim ou que vou oferecer drogas". "Não vai?"— Indaguei. — "Bem, se você quiser experimentar, eu posso arranjar. Mas dê o dinheiro para comprar uma para você e outra para mim, porque estou aflito para fumar." Não deixei  nem ele terminar, falei tchau e entrei. Fiquei  com dó e orei muito por ele. Até que ele é bonito.  Bem, não daquele jeito que está, mas se tomar um bom banho, trocar de roupa, dar uma ajeitada nos cabelos, ficará lindo. Mamãe me pediu para não conversar mais com ele. Vou obedecer. Mas pensei: não será discriminação?

Neide respondeu, explicando:

— Se quisermos ajudar alguém, temos que saber como fazer. A ajuda em certos casos é fácil, em outros requer conhecimento do assunto. É muito difícil ajudar quando o necessitado não quer receber o auxílio. Você, ao ver esse garoto, achou que ele é necessitado de um tratamento, para ele a necessidade é outra, é de usar a droga. No caso dele a ajuda tem de ser especializada. Não há preconceito ou discriminação em evitar algo que pode prejudicar ou ser perigoso. Sabemos de tantos atos bárbaros cometidos por imprudentes que se viciam. E vocês, que não sabem lidar com essas situações, é melhor não se envolverem enquanto o indivíduo não quiser a ajuda para deixar de ser dependente. Assim mesmo, cautela, e não façam nada escondido de seus pais. É melhor vocês, jovens, pensarem nisso, ver a parte ruim de um viciado, tanto em tóxico como no álcool, pensar para não entrar nessa de dependência.

Sempre se tem muito que falar sobre o assunto, vícios. Neide finalizou:

— Há muitos grupos de apoio, associações, clínicas especializadas em ajudar dependentes químicos, e como estas instituições tem ajudado. A luta para desintoxicar é de cada um e a ajuda se faz necessária. Evitem a bebida não porque são jovens, mas porque ela faz mal, prejudica e pode torná-los dependentes. Prevenir é melhor que vencer o vício.

A reunião foi de muito proveito porque o assunto era do interesse de todos.

Estavam conversando na casa de Camila, Marina, Raquel, Beatriz e Laurinha, que foram passar lá a tarde de domingo.

— Minha prima está no maior sufoco – falou Laurinha. — Ela acha que está grávida. Tem dezesseis anos e o namorado dezessete.

— Mas não faz muito tempo que eles namoram. Que bobeira! — Expressou Beatriz.

— Ela está com muito medo. Não sabe o que faz. Com certeza irá abortar — falou Laurinha.

— Que maldade! Matar um ser vivo – comentou Camila.

— É, mas não é fácil ser mãe solteira e tão jovem — defendeu Laurinha.

— Ela deveria saber disso quando foi transar com o namorado — falou Mariana. – Também acho um crime abortar e entendo a dificuldade de ter um filho tão jovem. Por isso, não querendo para mim nem uma coisa nem outra, nada de sexo. Namoro só se for para ficar entre

beijinhos. E se o garoto insistir, tchauzinho. Como mamãe diz, é melhor ficar só do que com um filho na barriga.

— Vocês sabem que minha avó, a que mora conosco, ou melhor, nós que moramos com ela, teve uma linda história de amor — suspirou Raquel. — Minha mãe é filha única e cuida da vovô com todo carinho, tanto que meu irmão diz que ela ama mais minha avó, sua mãe, do que a nós, os filhos. Mamãe ri e afirma amar a todos, mas é pela mãe que devemos ter um amor maior, porque foi ela que nos deu a oportunidade de estarmos aqui. Vovó teve uma vida diferente. Ela estava noiva, ia casar, ficou grávida e, num acidente, meu avô morreu, deixando-a desesperada, pois o amava demais. Seus familiares queriam que ela abortasse, até arrumaram um médico para fazer o aborto. Mas vovó não quis, achava e ainda acha que o aborto é um erro, preferiu assumir, mas não foi fácil. Foi discriminada, muitos membros da família a tacharam de leviana. Teve de arrumar um emprego para se manter, foi a vergonha da família. Teve minha mãe e as duas sempre foram amigas, e parece que os laços de carinho se fortaleceram com as dificuldades. Minha avó, mãe de meu pai, não queria que ele casasse com mamãe, por ela ser filha de mãe solteira. Vejam vocês como sofreram preconceito! Vovó nunca mais amou outro homem, disse que muitas vezes foi abordada para uma aventura, por ser mãe solteira. Não se envolveu com ninguém e diz que ama meu avô até hoje. Que amor lindo! E quando perguntam se ela se arrepende de ter tido minha mãe, vovó diz que não e que continua sendo contra o aborto. Fala que minha mãe foi o presente que Deus deu a ela e que teria sido muito infeliz se tivesse recusado esse presente. Lá em casa somos contra o aborto, por isso mamãe nos alerta:  se não querem filhos, não os façam, não transem. Sejam responsáveis! Fala isso não só para  mim, mas para meu irmão, porque se acontecer com ele, terá de assumir.

— Queria ter um amor como de sua avó, eterno! — exclamou Laurinha.

— Eu também! Só que quero encontrar daqui a alguns  anos — falou Camila.

— Por quê? — Perguntou Raquel.

— Tenho muitas coisas importantes para fazer antes  de me apaixonar, não quero namorar agora. – respondeu a garota.

 As amigas foram embora, e Camila ficou pensando  na prima de Laurinha.

Devia ser bem difícil decidir ser mãe tão jovem,  assumir a criança, deixar de fazer muitas coisas.  Como sair? Ir a festas? Cuidar de nenê é tão trabalhoso! Lembrou de uma prima de sua mãe, casou aos dezessete anos, grávida, e o marido  tinha dezoito anos. Vivem muito mal, brigam muito e já se separaram muitas vezes, mas acabam voltando. Queixam-se os dois de que se privaram de muitas coisas: sonhos, estudos, passeios, etc. E o filhinho deles é lindo! Sua mãe gosta de citar o exemplo dela para mostrar que tudo tem seu tempo certo. Mas o aborto é um erro que sempre deixa seqüelas, arrependimento, fica uma marca. E no caso dela, sendo espírita, sabendo que o aborto impede um espírito de reencarnar, é mais grave.            

— Eu não faria aborto, mas também não quero ter um filho agora. Então, é melhor não transar, não arriscar – murmurou

— O que você tem, Camila? Está preocupada? — Indagou sua mãe.

— A prima de Laurinha acha que está grávida, e se estiver talvez aborte. Desde que fiquei tomando conta, nas férias passadas, da Marcelinha, acho que criança dá muito trabalho, não é fácil ser mãe.

— Também não é difícil! E prazeroso quando se ama. Camila, sabe que somos contra o aborto. Se você um dia ficar grávida, terá de assumir mesmo. É bom que pense nisso antes de transar. Tudo tem o momento certo. Amei ter vocês, foi trabalhoso, mas me deu muita alegria. Foi planejado, já estávamos casados, queríamos vocês e foi, é, tão bom tê-los! Acho corajosas as pessoas quando, por um deslize, engravidam e assumem filhos quando são jovens e solteiras, errado é abortar. E sempre que se assume, dá-se um jeito. Talvez não seja a situação idealizada, mas a que melhor convém. Lembre, Camila, tudo tem o momento certo.

Leonardo entrou na sala com um amigo, ficaram escutando. Flavinho era mais velho, morava perto e costumavam jogar juntos vídeo game. Comentou, entrando na conversa:

— Tem razão, tia Lúcia. Eu não quero dar moleza e ser pai agora. Estou precisando de um pai e não de ser um. — Riram. Flavinho era órfão de pai, morava com a mãe e a irmã mais velha.

— Iria ser um transtorno para mim, não iria deixar deixar a garota numa enrascada feita a dois, assumir seria, talvez, adiar ou me privar dos meus sonhos de ser um grande engenheiro civil, como foi meu pai. Sendo assim, é melhor ter responsabilidade no namoro. Entendo que para a menina é mais difícil, gravidez, parto, amamentação, mas o garoto deve assumir.

Foram jogar.

Camila pensou mais um pouco, desejou o melhor para a prima de Laurinha e suspirou aliviada por não estar na situação dela. Concordou com a mãe. "Para tudo dar certo é necessário prudência, esperar o momento adequado."

Sorriu alegre.

Reuniram-se para um trabalho na casa de Camila, acabaram e ficaram conversando.

— Queria ser linda, ser artista de televisão! – exclamou Raquel.

— Eu queria ter roupas caras e bonitas, estar sempre bem vestida. Chamar a atenção! – expressou Mariana.

— Eu queria ter um iate, viajar pelo mundo com meu namorado, que teria de ser lindo, gentil, maravilhoso... — Suspirou Camila.

— Quero casar e ter filhos, um casal, mas umas crianças bem educadas e boazinhas — disse Roberta.

— Como você? — Indagou Mariana.

 — Um pouquinho melhores — respondeu Roberta rindo.

E ficaram falando de seus sonhos. Lúcia entrava no emprego bem cedo, às sete horas, tinha uma hora para o almoço, fazia as refeições na firma e voltava para casa às dezessete horas.

CHEGOU e cumprimentou as garotas sorrindo.

— Tia Lúcia, estamos falando dos nossos sonhos, planos para o futuro. Não acha que tenho jeito para aeromoça? — Falou Mariana, rindo.

— Tem — respondeu Lúcia. — Sem dúvida, será uma bela comissária de bordo.

— Vamos ser de tudo, mas muito importantes — falou Camila, alegre.

— Espero que também tenham planejado serem pessoas boas, honestas, trabalhadeiras, úteis —  disse sorrindo Lúcia.

As garotas se olharam.

— Não, não pensamos — respondeu Mariana com sinceridade. — Estamos só sonhando. Tia, acha errado sonhar?

— Não, é bom sonhar, desde que os sonhos não interfiram na nossa vida. Mas é bom incluir nos nossos sonhos fazer o bem para outros e para nós mesmo. Estudando, aprendendo, ajudando no que for possível, estaremos fazendo o bem a nós mesmos. Vou fazer pipoca para vocês.

Nisso Leonardo chegou com uns amigos, tinham ido jogar futebol num clube perto, o treino acabou mais cedo. Enturmaram-se.

— Sabe, Léo — disse Camila -, estou pensando em ser comissária de bordo. O que você acha?

— Muito bom! Mas você vai precisar falar outras línguas. Pensando bem, talvez seja uma boa idéia eu ser piloto de aviões — respondeu o irmão.

— Eu quero trabalhar num navio bem grande, viajar pelo mundo pelo mar — disse Pedro.

— Que gosto! Não acho boa idéia. Mas por que não entra na Marinha? — Indagou Roberta.

— Não quero ser soldado, marinheiro. Não sei ainda como, mas quero trabalhar num navio — respondeu Pedro.

— Acho que a gente quer ser, mas não sabe como. Isso é sonhar sem colocar os pés no chão. Ao querer algo tem que haver metas para conseguir — falou Camila.

— Eu prefiro casar com uma moça linda e rica — expressou Mateus.

— Que horror! Vai ser sustentado por mulher! — Gozou Leonardo.

— Claro que não! Vou trabalhar, tomar conta dela e do dinheiro!

Riram.

— Kel, Você deveria ser modelo! É sim, você é alta, loira, olhos azuis, tem tipo. Já pensou a gente ler nas revistas: "Raquel, a grande modelo”? — Falou Pedro.

— Não é que Pedro tem razão! — Opinou Roberta. — Você, Kel, tem jeito. Acho que seu nome artístico deveria ser Kel, é melhor que Raquel.

— Mas para isso você tem de emagrecer — falou Mariana.

— E muito, tornar-se magrela — disse Camila.

— Vocês têm razão, Kel tem tipo, altura, só falta ficar magra — concluiu Mateus.

Comendo pipoca e tomando refrigerante, conversaram, riram, tudo servia para que dessem risadas.

 — Pedro, sua mãe veio buscá-lo — avisou Lúcia. Se tivesse dezoito anos, iria dirigindo — queixou-se Pedro.

— Só que não teria carro! — Comentou Leonardo. Um por um foram embora. Lúcia gostava que se reunissem em sua casa, faziam bagunça, mas era muito bom ouvi-los, alegravam o ambiente.

— Tia — pediu Mariana -, deixa a Camila ir comigo lá em casa? Quero mostrar a ela o vestido novo que papai me deu. Mamãe vem me buscar e depois você a busca.

— Está bem, vou apanhá-la na sua casa, às oito. As duas chegaram à casa de Mariana. Débora estava  sentada no sofá com aspecto cansado, disse somente um oi. O irmão, Rafael, estava de

castigo por ter agredido um colega na escola.

— Venha cá, vamos para o meu quarto. Aqui está o vestido.

Mariana ficou triste, a alegria de antes desaparecer.

— Ma, não fique aborrecida...

— É sempre assim, Ca, mamãe está sempre preocupada e triste, às vezes desconta na gente seu mau humor. Débora só reclama, está sempre cansada, e Rafael está desobediente, rebelde e briguento. Fico muito no quarto e eles dizem que estou em crise de aborrecência. Mamãe me pediu para entendê-la e ajudá-la.

-Ma, faça isso, ajude-os. Tenha mais paciência com Rafael e evite discutir com Débora. Entenda que não está sendo fácil para sua irmã estudar e trabalhar, é natural que esteja cansada. Ajude-a arrumando sua cama, suas roupas. Dê carinho e atenção ao Rafael, deve estar sentindo falta de seu pai, é mais novo, talvez se você conversasse mais com ele o ajudasse.

— E eu? — Perguntou Mariana.

— Se você der, receberá. Ma, você é tão boa e compreensiva com as amigas, tente ser assim com os seus familiares. Auxilie sua mãe, ela trabalha muito. Não espere que ela mande, faça. Você receberá em troca um lar mais harmonioso se colaborar para isso.

— Será, Ca?

— Com certeza! Sua mãe, após lhe buscar, foi lavar roupa. Vamos ajudá-la lavando a louça. Conversando, num instante deixaremos tudo em ordem.

Logo as duas deixaram a cozinha limpa.

— Que bom, Mariana arrumou tudo! — Disse a mãe da menina, Marília.

— A senhora está cansada? — Indagou Mariana.

— Se estou! Meu chefe está sempre de mau humor.

— Fica de bom humor que anula o mau humor dele — disse Camila.

Marília a olhou, pensou e respondeu:

— Talvez você tenha razão, creio que esteja mais mal-humorada do que ele.

Camila despediu-se e Mariana a agradeceu.

— Obrigada, Ca, vou me esforçar para ajudar todos aqui em casa.

Camila, no caminho, comentou com sua mãe.

— Isso, filha, me orgulho de você! Incentive sempre Mariana, estão passando por uma fase difícil, mas tudo se encaixará. Sempre que lhe for possível ajude com bons conselhos suas amigas. E nos harmonizando em casa que conseguiremos melhorar o mundo.

Riram...

 

Raquel foi emagrecendo. As amigas comentaram.

 

— Kel, você não lancha mais? — Indagou Mariana.

— Estou de regime — respondeu a garota.

— Para quê? Já está tão magra! Será que quer mesmo ser modelo? — Perguntou Camila.

— Estou pensando... Perto de casa tem um agente e estou a fim de procurá-lo, mas não pôs só ir gorda.

— Kel, será isso mesmo que quer? Seus pais sabem? — Quis saber Camila.

— Irão saber — respondeu Raquel.

— Modelo é uma profissão muito bonita, mas de muito sacrifício, tem de trabalhar muito. Precisa ter vocação mesmo. Mas cuidado com regime, você pode adoecer — falou Camila.

— Modelos são magríssimas — respondeu Raquel.

-Muitas são magras mesmo, outras fazem regime, comem de tudo, mas balanceado. Li isso numa revista — comentou Sara.

— Bobagem, é só parar de comer que a gente emagrece — falou Raquel.

— Você já não está muito magra? – Indagou Camila.

— Claro que não! — Respondeu a garota.

Em casa, Lúcia conversou com Camila.

— Filha, hoje Nancy, a mãe de Raquel, me telefonou. Disse que está preocupada com ela porque está fazendo regime, ou melhor, parou de comer.

— Ela quer ser modelo — falou Camila e se arrependeu, não queria entregar a amiga. — Por favor, mamãe, não conte para tia Nancy, Kel ficará aborrecida comigo e com razão.

— Camila, também fiquei preocupada com sua amiga. Fazer regime nessa idade deve ser somente evitar excessos, gorduras e diminuir doces, fazer exercícios, e não parar de comer. É preocupante, existe uma doença, anorexia nervosa, em que a pessoa acha-se gorda, para de se alimentar. É perigoso, já morreram pessoas jovens por isso.

-Tem também aquela que a princesa teve, em que  a pessoa come e vomita — lembrou Camila.

— Bulimia. É também preocupante. É necessário tratamento e o apoio de todos. Não estou dizendo que Raquel esteja doente, mas pode ficar se continuar assim. Vamos ajudá-la? Falarei a Nancy da decisão de Raquel ser modelo, pedirei para que não diga que foi você. Telefone para suas colegas e juntas digam a Raquel para parar com esse perigoso regime.

Camila, como gostava de telefonar, foi rápida.

— Ro, você não acha que a Kel está muito magra? Poderá ficar doente. Acha? Vamos ajudá-la...

— Sara, Kel está exagerando no regime. Mamãe disse que ela pode adoecer, vamos alertá-la?

— Ma, Kel está muito magra! Acha também? Pode ficar doente. Vamos falar com ela?

Ficou até a hora de dormir falando ao telefone. Todas decidiram falar com a amiga.

Coincidiu de a professora faltar e não terem a primeira aula. Ficaram no pátio conversando.

Camila puxou o assunto.

— Kel, você está muito magra. Será uma ótima modelo, acho que pode até engordar uns quilos.

— Prestando atenção, você exagerou no regime, está muito magra — falou Mariana.

— Vocês também? Hoje mesmo a fofoqueira da minha vizinha me perguntou se estou doente — falou Raquel.

— Está? — Perguntou Roberta. — Não me olhe feio, estou só querendo ajudar. Você está doente? Há uma doença que a pessoa se acha gorda, para de comer e morre.

— Ro! — Exclamaram as meninas.

— Desculpe-me...

— Não aguento mais isso! — Quase gritou Raquel. — Meus pais estão me atormentando. Não tenho direito de fazer o que quero com meu corpo. Lá em casa está intolerável! Todos implicam comigo. Mamãe pega o chinelo e me vigia no almoço. Como ou apanho. É medieval!

— Kel, talvez eles tenham razão. Não conversaram com você? Estão preocupados. É natural, são seus pais — falou Camila, tentando acalmá-la.

Quietaram por instantes.

— Kel — expressou Sara -, você era mais bonita antes, meu irmão até comentou. Acho que você está magra até para modelo. Parece desnutrida!

— Você está sendo grosseira, Sara – disse Raquel.

— Não é minha intenção, só estou dizendo o que acho. Você era mais bonita antes – repetiu Sara.

Raquel enxugou umas lágrimas.

— Mamãe me levou ao médico, um especialista em dietas. Ele disse uma porção de bobagens. Que estou muito magra, bem abaixo do meu peso. Me deu uma tabela para controlar o peso e disse que tenho de recuperar uns seis quilos pelo menos. Pediu alguns exames. Mas não faço! Estou revoltada! Aquele médico não entende nada!

— Kel, pare com isso! Eu estou gordinha, por isso vou entrar em uma academia. Não paro de comer, tenho fome. Você não tem? — Falou Sara preocupada.

— Não, bem, tenho, mas minha força de vontade é maior — respondeu Raquel.

— Kel, existe uma doença... — Camila ia completar.

— Já sei! Não estou doente! — Interrompeu a mocinha.

— Quem está afirma que não e até morre! — Exclamou Roberta.

— Ro! — Camila a repreendeu com o olhar.

— Pare de fazer regime, Kel! Não estamos falando para chatear você e nem por inveja. Poderá ser modelo sendo mais gordinha – falou Mariana.

— E sabem mais? Meus pais não querem que eu seja modelo — choramingou Raquel.

— Acho que eles não a querem doente! Volte a se alimentar, faça o controle do médico — pediu Camila.

Raquel chorou e afirmou:

— Estou chorando de raiva, nem minhas amigas me entendem!

Foi por causa da persistência dos pais, da ajuda das amigas que Raquel percebeu a imprudência e voltou a se alimentar. Sua mãe a levou num psicólogo. Não desistiu de ser modelo, aprendeu a balancear a alimentação. Chegou até a tirar fotos, desfilou algumas vezes, depois desistiu.

— Acho que quero estudar, dedicar meu tempo para ser médica. É muito cansativo fotografar. Ainda bem que não cheguei a adoecer, anorexicia é grave e meu psicólogo me mostrou até fotos de pessoas doentes. Antes do meu horário ia uma mocinha que tinha bulimia, vomitava sem querer. Disse que começou provocando o vômito e depois não conseguia parar. Fiquei com pena dela, até chorou ao me contar. Disse que por três vezes foi internada para tomar soro e sangue por via intravenosa.

— Escapou de boa, hein, Kel! – Exclamou Roberta.

— Aprendi a não me exceder. É a famosa frase: "Tudo que passa do normal é anormal!"

— Grande, Kel! — Disse Sara, sorrindo. – O importante é ser feliz, gorda ou magra.

— Com disciplina alimentar, nem gorda nem magra, de preferência com as medidas certas — sorriu Camila.

Encontraram-se para conversar. Foram à casa de Mariana e combinaram ir ao shopping no sábado à tarde. Lúcia se propôs a levá-las e buscá-las.

— Quero ir naquela loja que tem calças importadas — falou Roberta.

— Eu quero comer pastel — disse Sara.

— Comer... Vocês viram ontem, no noticiário da TV, aquelas pessoas fugindo da guerra? — Perguntou Camila.

— Vi, fiquei com muita pena – expressou Mariana.

— Eu chorei! Não agüentei ver aquelas crianças com fome — disse Beatriz, emocionada.

— Que tristeza! — Exclamou Camila. – Fugir de seu país, deixar suas casas, se aventurar com fome e frio para não morrer.

Roberta suspirou:

— Vi numa revista duas crianças feridas, uma chorava e parecia sentir muitas dores. Acho que eles não têm anestésico. Fiquei pensando, onde está Deus nessa história? Onde está o Pai amoroso que deixa criancinhas sofrerem assim? Famílias separadas, pessoas aparentemente boas passarem por tudo isso. Que injustiça!

— Não entendo — expressou Sara. — Meu pai disse que não sou nada para questionar isso. Deus sabe o que faz! Mas por que eu não posso saber ou entender? Se fossem criminosos, maus, que passassem por isso; continuaria com pena, mas até entenderia. Mas são pessoas comuns, que trabalhavam, tinham famílias, e depois há crianças! O que podem ter feito as crianças de mau? Também não compreendo ao saber de crianças trabalhando pesado nas lavouras, em lugares difíceis ou passando fome, e aqui mesmo, no Brasil. Oro pedindo perdão, se for pecado, por achar que Deus, às vezes, não faz as coisas certas.

Olharam para Camila, sabiam que ela era espírita e queriam sua opinião. Ela falou, tentando explicar às amigas:

— Deus é justo e devemos entender o certo, para não pensar errado. Sabem que sou espírita e acredito na reencarnação. Funciona assim: somos espíritos eternos, nascemos e morremos muitas vezes e continuamos sendo nós mesmos. Nada de castigos sem fim ou gozos ociosos. Deus não castiga e nem premia. Para que entendam, vou dar um exemplo. Se uma pessoa vive setenta anos, morre, nós falamos desencarna, o espírito deixa o corpo físico e passa a viver na erraticidade, no plano espiritual. Se ele foi bom, merecerá ir para lugares agradáveis. Se não foi, para locais feios. Terão ambos, bons e maus, novas oportunidades: o bom de melhorar, ser útil, continuar seu progresso; o mau de reparar seus erros. Recusando-se a fazê-lo pelo amor, a dor vem para alertá-lo. Em vez de o mau ficar no inferno para sempre, ele terá novas oportunidades.

— Você quer dizer que a criancinha que vi ferida está pagando o que fez em outra existência? — Indagou Roberta.

— Existe uma lei no universo que é a de ação e reação. Fazemos uma ação que pode ser boa ou má, a reação vem... Vocês lembram que vimos aquele garoto cego? É triste pensar que Deus o fez assim por acaso, porque quis — falou Camila

— Você tem razão, já pensou se Deus estives se de mau humor quando me criou e tivesse me feito toda defeituosa? Raciocinando dessa forma, se tenho meu corpo perfeito, foi porque fiz jus a isso e se continuar fazendo por merecer, na próxima o terei também. Camila, você sabe o que foi no passado? — Indagou Roberta, curiosa.

— Não, Deus é mais justo do que você pensa. Se ele nos dá um recomeço, é melhor que esqueçamos todo o passado. Há pessoas que lembram, eu não — respondeu Camila.

— Se aquele garoto cego errou e por isso nasceu sem a visão, não precisamos ter dó dele — concluiu Roberta.

— Ro, não é assim. Temos de entender que Deus é justo e muito bom. Vamos supor, só supor, porque para a mesma reação pode ter havido muitas ações diferentes, que aquele menino cego tenha, na existência anterior, se suicidado, dando um tiro na cabeça, destruindo por livre vontade um corpo sadio que recebeu para viver encarnado. Iria para o inferno! Mas em vez da eternidade, sofreu por um tempo e voltou, reencarnou, seu espírito voltou em outro corpo em formação, num feto, e Deus o fez deficiente para ele dar valor ao corpo sadio. Mas, compreendendo isso, devemos nos apiedar, ajudar a todos, por que quem entre nós está isento de erros? É ajudando que se é ajudado — Camila falou atenta, querendo esclarecer as amigas.

— Por falar em suicídio, me dá até arrepios quando penso que já tive vontade de morrer — suspirou Raquel.

— Já pensou que, em vez de estar aqui agora, linda e maravilhosa, estaria lá no inferno, ou, como disse Camila, o que me parece coerente, iria reencarnar, nascer num corpo todo feio, talvez num local difícil, na seca, para aprender a dar valor a tudo o que tem agora? — Falou Roberta.

— Ainda bem que papai não tem armas em casa — suspirou Raquel, aliviada. — Se ele tivesse... Estava com tanta raiva aquele dia, tão chateada que pensei em morrer para que meus pais sofressem. Como não achei nada que pudesse me matar, fui dormir. Sonhei com Nossa Senhora ou outra alma boa que quis me ajudar e que me pediu para não fazer isso. Acordei chorando, mamãe e papai vieram me consolar. Me senti amada e dei graças a Deus por não ter me suicidado. Agora entendo, se tivesse feito, seria eu a pessoa que mais sofreria. E aquela raiva, tristeza, passou...

— Sofre muito, Kel, quem comete esse ato. E as conseqüências são por muito tempo. Todos nós temos problemas, mas passam... – Camila disse, sorrindo.

Quietaram por momentos, Sara falou, mudando de assunto:

— A mãe da Janaína telefonou ontem para a minha pedindo para que eu voltasse a ter amizade com ela.

— Vocês eram muito amigas, depois ela ficou estranha, se afastou de todos — comentou Roberta.

— A mãe dela — continuou Sara contando — disse que Janaína estava com depressão, que está fazendo tratamento e sem amigos. Fiquei sentida com ela, foi me desprezando, me evitando, e eu não lhe fiz nada. Um dia, no banheiro da escola, tentei conversar com ela. Não tendo mais o que dizer, falei: "Parece que vai chover". E Janaína me respondeu alto e enfezada: "Não, sua boba, essas nuvens são só para esconder o sol". As outras meninas que estavam lá riram, fiquei furiosa e não conversei mais com ela. Sei que não foi inteligente meu comentário, mas já prestaram atenção como falamos o óbvio? Janaína não precisava me responder daquele jeito.

— É verdade, todos estamos com calor e chega um e diz: "Que calor, hein? Está quente!" — Mariana falou, rindo.

— Coitada da Janaína! Que tal irmos conversar com ela agora? Mora num apartamento aqui perto — sugeriu Camila.

— Se está doente... Depressão faz a pessoa sofrer bastante, acho que podemos ir — concordou Mariana.

— Se ela me responder com grosseria, serei mal-educada, não ficarei quieta escutando desaforo — avisou Sara.

Foram ao apartamento dela, Janaína as recebeu com alegria.

— Sabem — disse -, estive doente. Queria que me desculpassem, acho que fui grosseira e...

Começou a chorar, bastou isso para que Sara a abraçasse.

— Janaína, senti sua falta. Por que não me disse o que estava acontecendo com você? Claro que desculpamos. Sábado iremos ao shopping, não quer ir conosco?

— Não sei, se.... — Falou Janaína.

— Claro que sim — respondeu Sara. — Vamos, você precisa se distrair para sair dessa mais depressa.

Combinaram, contentes, os detalhes do passeio e após cada uma foi para sua casa. Quando Lúcia chegou em casa, Camila comentou:

— Mãe, Janaína está com depressão. Agora entendo por que ela ficou estranha, afastou-se dos amigos e começou a tirar notas baixas. Está fazendo tratamento com remédios e com psicólogo. E eu que pensei que depressão fosse doença de adultos...

— Camila, infelizmente depressão não escolhe idade. Há jovens e crianças deprimidas, e, por pensar como você, muitos pais acham que é fase, período, até manha. Não é nada grave, mas é preciso cuidados e atenção. Fizeram bem em visitá-la, tentem se aproximar dela, a entendam, ela precisa se distrair, passear e ter os amigos de volta.

— O médico falou que ela ficará bem, mas que terá de tomar remédios por muito tempo ainda. Fiquei com dó dela, principalmente porque a tachamos de enjoada e orgulhosa. Sabe, mamãe, hoje, ao comentarmos sobre guerra, falei às minhas amigas sobre reencarnação. Foi bom!

— Por isso que é bom, Camila, ler e aprender, para quando tiver oportunidade esclarecer.

Camila concordou contente.

No bairro só se comentava o crime bárbaro. Senhor Carlos, dono de um bar, foi morto a tiros por dois jovens, um de quinze e o outro de dezessete anos. Os garotos foram presos e levados para uma instituição. Fizeram isso para roubar, e tudo indicava que seria para comprar droga. A família do senhor Carlos estava inconsolável, ele deixou duas filhas pequenas.

— Acho que jovens acima de treze anos deveriam ser responsabilizados legalmente pelos crimes que cometem, como os adultos — disse Osmar.

— E os jovens dessa idade deveriam ser obrigados a freqüentar a escola — opinou Lúcia. — Se posso dar opinião, as armas deveriam ser proibidas. Ninguém deveria tê-las – falou Leonardo.

— Ontem mesmo — falou Osmar -, um colega do trabalho disse que teria matado um homem por uma discussão no trânsito. O outro motorista o fechou, e ele, por isso, quase atropelou uma senhora na calçada. Ficou muito nervoso e deu graças a Deus por não possuir uma arma, porque, segundo ele, se tivesse teria se tornado um criminoso.

— O pessoal do bairro vai fazer uma passeata no domingo de manhã, pelas ruas, em favor da paz. Eu quero ir — disse Camila.

— Vamos, sim — decidiu Osmar. — É bom participar de campanhas por uma vida melhor.

E no domingo foram os quatro, oraram, cantaram, se confraternizaram. A viúva e os pais do senhor Carlos participaram. Foi bom para todos.

À tarde, após um telefonema, Camila foi para seu quarto e começou a chorar. Lúcia foi ver o que estava acontecendo.

— Me deixa! — Resmungou a garota.

— Não fale assim! Estou preocupada com você e quero ajudar. Você não quer me contar o que aconteceu? Se não quiser, tudo bem, saio do quarto.

— É Mariana... Aquela Kel, que raiva!

— Que foi? Por que está tão nervosa? — Perguntou Lúcia.

— Falei a Kel que Mariana tinha ido na festa com uma roupa feia, e ela, fofoqueira, foi falar para ela. Agora Ma está com raiva de mim. E Kel ainda disse à Ma que eu falei que ela não arruma namorado por se vestir daquele jeito e que estava com a roupa da irmã — Camila chorou alto.

— Entenda, Camila, que fofoca é terrível! Você disse algo e Raquel aumentou, ou não aumentou? Você também falou o resto?

— Falei! Como sou infeliz! Por que fui falar isso? Gosto tanto da Ma, é minha melhor amiga.

— Realmente você não deveria ter dito isso. Certas observações não se fazem nem sobre um desconhecido. A família da Mariana está atravessando um período difícil, foi maldade sua falar dela assim. Se ela colocou a roupa da irmã foi porque queria variar ou achou que ficou bom. É melhor para ela não arrumar namorado no momento, é muito nova e terá muito tempo para isso — falou Lúcia.

— Não fale assim, me sinto pior ainda! Hoje cedo fui à passeata da paz e à tarde já arrumei brigas — lamentou Camila.

— É, filha, comece a entender. A paz começa com nós mesmos, depois com o próximo mais próximo, com amigos e colegas para finalmente abranger a todos. Vamos, não fique triste, isso não resolve. Mariana tem razão de estar magoada, mas são amigas e isso passará. Telefone a ela, diga que não falou por maldade, foi uma observação boba e que se arrependeu, peça desculpas.

— É difícil! — Falou Camila, suspirando.

— Foi mais fácil fazer a fofoca? Ser maledicente? — Indagou a mãe.

— Por que é mais fácil fazer do que consertar?

— As vezes nos envolvemos em situações que não sabemos controlar. É necessário aprender a falar para não nos envolver em fatos que nos aborrecem. Vá, telefone para Mariana e depois para Raquel, dizendo que não falou por mal, que você refletiu e que não pensa daquele jeito.

— Acho que não vou! — Murmurou a mocinha.

— Se você está chorando é porque se arrependeu. Não servirá de nada seu arrependimento se não tentar consertar seu erro – respondeu a mãe.

— Será que tem conserto?

— Por isso é que devemos pensar antes de fazer, às vezes é difícil consertar. Se os dois rapazes se arrependeram de ter atirado no senhor Carlos, não terão como remediar de imediato, não trarão de volta a vida útil de um pai de família, pessoa honesta e trabalhadeira. A ação deles foi grave, a sua não, mas, se está chateada, com medo de perder a amizade, e sabemos que está errada, o melhor é reparar.

— Também fiquei chateada com Mirella, que falou para Flávia, que me contou, que eu pego no pé do Tiago e que ele não quer nada comigo. Nem gosto dele! Ela foi maldosa e estou brigada com ela — disse Camila.

— Filha, você foi vítima de uma fofoca e nem assim aprendeu, fez outra! — Falou Lúcia.

— Foi pior ter feito, dói mais! – Choramingou a garota.

— Claro! Sentimos mais quando ofendemos alguém do que quando somos ofendidos. Aproveite também para telefonar para Mirella. Ontem ouvi Leonardo chamá-la para atender um telefonema dela e você não quis.

— Vou fazer o que você me aconselha, mas se levar de novo uma bronca de Ma...

— Vai escutar, pelo menos fez sua parte — disse a mãe.

— Vou começar com Mirella, será mais fácil.

Camila foi fazer as ligações.

— Oi, Mirella, você telefonou ontem... Está bem... Desculpo... Mas não gosto do Tiago. Amanhã conversaremos. Tchau.

— Oi, Kel, quero lhe dizer que o que falei de Ma não é verdade. Foi uma brincadeira boba... Ma estava bonita! ... Você falou para ela? Que pena!... Também acho que devemos parar com esse diz que me diz... Não quero saber! Tchau! Encheu-se de coragem e ligou para Mariana.

— Oi, Ma. Estou sentida, até chorei... Não choro à toa... É que fiz uma brincadeira com a Kel, mas já desmenti. Ela não deveria ter lhe contado... Não penso nada disso de você, você é muito bonita, minha melhor amiga e gosto de você!

As duas choraram.

— Tudo bem, Ma? Você me desculpa? Você é maravilhosa! Obrigada!... Não tem importância, não quero nem saber. Tchau.

— Tudo bem? — Perguntou Lúcia.

— Tudo! Só que Ma me falou que disse a Kel algumas bobeiras sobre mim porque estava com raiva. O que será que ela disse?

— Camila! Chega! Fofoca parece um bola que desce a ladeira, só pára quando firmes a pegamos.

Agora que está tudo bem, esqueça! E aprenda a falar menos, não passar assuntos desagradáveis para frente para não magoar ninguém.

— Tem razão, vou seguir seus conselhos! — Suspirou a garota. — Ainda bem que Ma não ficou brigada comigo, iria sentir muito a perda da amizade dela.

E Camila prestou mais atenção para não fazer fofoca e nem participar de comentários maldosos.

Não agüento mais estas horríveis espinhas! — Falou Leonardo, nervoso, chegando em casa.

Camila estava com Mariana na sala ouvindo música.

— Calma, Léo, são só algumas! – Consolou Mariana.

— Não seja boazinha comigo! Estou com o rosto cheio.

— O que aconteceu? — Perguntou Camila. – Faz tempo que está com espinhas e não achava ruim.

— É que aquela metida da Juliana não quer namorar comigo porque tenho espinhas.

— Metida mesmo! Será que ela não sabe que essas espinhas somem? — Expressou Mariana.

— E que não pega? Ridículo! Não ligue! — Defendeu Camila.

Leonardo foi para seu quarto chateado.

Mariana comentou com Camila.

— Acne é terrível! Comecei a ter muitas espinhas no ano passado, papai me levou a um dermatologista, fiz o tratamento e melhorei. Agora só tenho uma ou outra.

À tarde, quando a mãe chegou, Camila contou a ela e finalizou:

— Mamãe, acho que Léo está com muitas espinhas. Coitado! Poderia levá-lo ao médico e fazer um tratamento.

Lúcia foi conversar com o filho e percebeu que ele estava chateado.

— Léo, vou marcar uma consulta para você, vou levá-lo a um dermatologista.

— Acha que preciso mesmo?

— É melhor! Acne não é grave e dá muito nos jovens, mas, se o incomoda, devemos solucionar o problema.

— Leco diz que fazer tratamento de pele é para meninas.

— Bobagem deste Leco e sua se pensar assim — interferiu Camila. — Fique sabendo que os meninos devem se cuidar. Você deve ir! Não seja burro!

— Veja como fala comigo! Você não manda em mim — Falou Leonardo em voz alta.

— Chega! Nada de discussão! Léo vai porque é o melhor! — Interferiu Lúcia.

Dois dias depois foram e Leonardo veio eufórico.

— A médica disse que logo irei ficar livre daqueles pontinhos horríveis no rosto.

E ficou mais contente quando Juliana ligou para ele.

— Você está namorando Juliana? – Indagou Camila.

— Não, mas ela me explicou que só não namora comigo porque seus pais não querem que ela se envolva com ninguém por ser muito nova, mas nada impede de sermos amigos e conversar por aí. Juliana é muito especial! — Empolgou-se Leonardo.

— Não é mais metida?

— Nunca foi! Vou a casa dela amanhã à tarde assistir a um filme e comer pipoca. Vamos numa turminha.

Lúcia sorriu aliviada ao escutá-los, e Camila,ao vê-la, falou:

— Mãe, acho que sei para que vou estudar!

— Sim! Para quê?

— Direito. Quero ser advogada!

— Muito bem! — Exclamou Lúcia.

— Você não ia trabalhar com aviões? — Perguntou Leonardo.

— Mudei de idéia! Quero defender as pessoas num tribunal!

— Mãe, você queria ter sido outra coisa? — Indagou Leonardo.

— Que jeito errado de perguntar. Outra coisa? O que, seu pirralho? Um bicho? — Falou Camila, rindo.

— Oh! — Respondeu Lúcia, antes que começasse outra discussão. — Se tivesse tido oportunidade de ter estudado, queria ter sido arquiteta. Mas estou contente fazendo o que faço.

— Você está contente com tudo! — Falou Leonardo.

— Filho, devemos amar o trabalho e fazer o que nos compete com prazer — respondeu a mãe.

— Eu quero fazer engenharia de computação. Gosto muito de computadores — falou Leonardo.

— Sabem o que o Pedro quer ser? Mergulhador. Só que parece que é muito difícil viver com o que ganha um mergulhador.

— Mamãe, por que é tão difícil escolher uma profissão? — Indagou Camila.

— É realmente conflitante. Há pessoas que sempre quiseram ter uma profissão, outras gostam de muitas, outros nem tanto. E, às vezes, não se tem escolha, a situação nos coloca numa profissão. Espero que vocês possam escolher, mas se não tiverem oportunidade, que façam do melhor modo possível que lhe couber. Todas as profissões são úteis e proveitosas a nós mesmos, quando lhe damos valor.

À tarde, Camila foi com as amigas visitar Eduarda, uma colega de classe que havia feito uma cirurgia no nariz. Conversaram, animadas.

— Duda, está doendo muito? – Perguntou Mariana.

— Está! Que idéia infeliz! Deveria ter ficado quieta com o meu narigão!

— Você não tinha o nariz assim tão feio! — Expressou Roberta.

— Horroroso! Mas graças a Deus o pior já passou.

As garotas foram embora com dó da amiga.

— Está inchado! Duda foi corajosa! — Exclamou Mariana.

— Ela tinha mesmo o nariz grande e um pouco torto. Se ficar bonito, terá valido a pena — falou Camila.

Dias depois, Eduarda foi à aula. Estava ainda com o nariz inchado e vermelho e ainda resmungava.

— Queria tanto fazer a plástica, enchi meus pais até que eles concordaram, depois reclamei tanto que mamãe ficou brava comigo. Estou mais feia, todos me olham, queria faltar mais alguns dias da escola, mas papai não deixou.

Dias depois, Eduarda estava com o nariz lindo. Camila comentou o fato em casa, e sua mãe opinou:

— Quando temos de fato algo que nos incomoda, devemos, se pudermos, corrigir. Eduarda não tinha o nariz bonito, mas também não era assim tão feio. Uma cirurgia requer sempre cuidados e não deve ser feita sem necessidade.

— Com isso, a resposta para que eu faça uma cirurgia diminuindo meus lábios é não! — Expressou Camila.

— Seus lábios não têm nada de errado – disse a mãe.

Camila foi chorar. Depois de bons minutos perdidos em lágrimas, levantou e foi examinar-se no espelho. Fez uma expressão com a boca para ver como ficaria com lábios finos.

Ficou esquisito!

"É, acho que tenho uma boca bonita!"

Esqueceu o assunto.

 

No Evangelho realizado com a família reunida, Lúcia leu um texto muito bonito, o Sermão da Montanha, e Leonardo pediu para falar.

— Sabem o que descobri esta semana? E tão fantástico que quero repartir com vocês. E sobre Allan Kardec. Vocês sabiam que ele foi um grande estudioso?

Todos sabiam, mas ficaram em silêncio, escutando, queriam compartilhar do entusiasmo do garoto, que após um intervalo continuou:

— Allan Kardec se chamava Hippolyte Léon Denizard Rivail, encarnou na França em 1804 e viveu nesse país até desencarnar, em 1869. Foi professor, um grande educador, escreveu livros sobre aritmética e gramática, livros adotados pela Universidade da França, considerada, na época, um dos países de maior cultura. Ele falava vários idiomas. Foi um sábio! Depois, já espírita, para não haver confusão com os livros editados anteriormente, adotou o nome com o qual codificou a Doutrina Espírita. E sabem o que mais? A reencarnação é um fato que muitos povos acreditavam desde a Antigüidade. Na Bíblia há referência sobre esse assunto. Não é incrível?

— E sim, Léo — disse a avó. — E o que mais admiro nesse professor, no senhor Hippolyte, é que não foi fácil enfrentar a sociedade para fazer esse belo trabalho. Lendo o livro Obras Póstumas, entendemos o quanto ele trabalhou, estudou e persistiu para nos deixar esses ensinamentos.

A reunião foi, como sempre, de grande interesse e Leonardo pegou na estante o livro citado pela avó para ler.

Reuniram-se à tarde na área da casa da Camila e ficaram conversando.

— Eu queria fazer uma tatuagem no braço. Acho muito bonito, mas em casa foi um rebuliço. Meus pais não querem, e com essa lei que proíbe que se faça tatuagem em menores, eu não tenho como fazer e também não tenho dinheiro. Assim, adeus tatuagem! — Falou Pedro.

— Gosto de tatuagem — disse Mariana -, mas não sou capaz de fazer. Se me arrepender depois, será difícil tirá-la. E existe uma certa cisma ao ver uma pessoa tatuada: será drogado? De alguma gangue?

— Isso é preconceito — expressou Raquel. – Eu também gostaria de ter uma na nuca, mas também receio por não poder tirar. E se eu enjoar?

— Insisti em casa, brigamos e eles foram taxativos: não e pronto! Não entendem nada! — Falou Pedro, aborrecido.

— Pois eu acho que os pais entendem muito. Só não conseguem entender a nós, os filhos — disse Mateus, rindo. — É questão de ponto de vista, acho bonito tatuagem, piercing, e eles não. Perguntei ao meu pai se ele achava tatuagem bonito quando tinha minha idade, respondeu que sim. Aí fiquei pensando: e se eu fizer e quando ficar mais velho mudar de gosto?

— Eu não mudo — afirmou Pedro. — Gosto, acho lindo!

— Não muda, não? Dias atrás você gostava de andar de bicicleta, agora prefere carro; gostava de Lucy, agora a acha feia — Leonardo falou rindo.

— É verdade, mas de tatuagem vou gostar sempre — falou Pedro.

— E de piercing, vocês gostam? – Perguntou Mariana. — Geovana colocou um na barriga. Me dá arrepio ao pensar que poderá ser puxado.

— Ficou bonito, mas não tenho coragem, nunca o colocaria, acho que dói. Lembra do Ricardo? Tinha um na sobrancelha, queria me namorar, papai disse que o poria para correr, não quer candidato a genro com esses brincos – falou Camila.

— Você não quis namorá-lo por isso? — Indagou Pedro.

— Não. Não quero namorar agora, não estou interessada em me envolver com ninguém e também não ia muito com a conversa dele — respondeu Camila.

— Papai, que é dentista, me afirmou que Piercing na língua prejudica os dentes e pode acumular sujeira, se não for bem limpo — disse Mateus.

— Se mamãe deixasse, eu colocaria um na barriga e outro na sobrancelha. Se eu não mudar de idéia, farei quando trabalhar e tiver meu dinheiro — opinou Raquel.

— Foi isso que meu pai me disse. Mas irá demorar tanto! Enquanto isso, fico frustrado. O corpo é meu, deveria ser livre para fazer o que quero! — Lamentou Pedro.

— Mas o dinheiro não é — disse Camila. — Depois, Pedro, seu corpo é da natureza e você é responsável por ele e deve mantê-lo sadio. Não se chateie assim com seus pais, eles querem o melhor para você. Me responda: com quem você pode sempre contar, quem o ama realmente? Eu também me acho, às vezes, incompreendida, e depois de pensar melhor, percebo que eles têm razão, embora suas idéias, muitas vezes, não condizem com o que penso. Mas mudo tanto de opinião.

— Você tem razão, Camila. Acho que não vou encontrar ninguém que me ame mais do que meus pais — concordou Pedro. — E vou esquecer, por enquanto, esse assunto de tatuagem. Quero

ir viajar com minha tia, mas depois, quando voltar, vou pedir de novo. Quero tanto!

Riram e passaram a conversar animados sobre filmes. Ficaram a tarde toda juntos.

Mirella brigou com o namorado. Estava muito triste e só falava nisso. No intervalo na escola, reuniram-se no pátio.

— Mi, esqueça o Serginho e vamos falar de outra coisa — disse Raquel.

— Estou enchendo vocês, não é? – Murmurou Mirella.

— Esse assunto cansou, mas é melhor para você esquecê-lo logo, já que ele está namorando outra. Por isso que não quero namorar, é bem chato sofrer por um garoto — disse Raquel.

— Às vezes penso que mamãe tem razão ao dizer que no momento é melhor curtir as amigas, estudar, passear e deixar para namorar quando tiver mais idade — expressou Camila.

-Mi, pare de choramingar, Serginho não merece. Cadê a Sara? Ficou no banheiro? — Indagou Mariana.

— Está fumando de novo. Prefere engolir fumaças a conversar conosco — falou Camila.

Sara se reuniu a elas chupando bala.

— Querem? — Ofereceu a garota. — Chupo para não deixar cheiro na boca. Por enquanto não quero que mamãe desconfie, ela fuma mas não quer que eu o faça.

— Sara, por que você está fumando? — Perguntou Camila.

— É gostoso, deveriam experimentar — respondeu Sara.

— Já o fiz e não achei graça — opinou Camila.

— Tente de novo — insistiu Sara.

— Para quê? Para me viciar? Desculpe-me, mas nem acho bonito e nem quero isso para mim — falou Camila.

— Não gosto nem do cheiro. Sara, sua mãe pode adoecer por fumar, muitas pessoas ficam doentes por causa do fumo — opinou Mariana.

— Que nada, isso não acontece, mamãe é sadia. Não é verdade o que falam do cigarro. Tacharam ele de o vilão das doenças! — Sorriu Sara.

— Está provado que o cigarro faz mal. Há pesquisas sérias de cientistas comprovando – falou Mariana.

— Vocês estão sendo desagradáveis. Não me aborreçam! Não vou incomodá-las com a fumaça. Fumo e pronto! Ninguém tem nada com isso.

      Sara se levantou e saiu.

— Sara ficou brava. Acho que não deveríamos ter dito nada — lamentou Mariana.

— Por que não devemos falar o que pensamos? Não queríamos ofendê-la. Pelo menos a alertamos. Mamãe me deu para ler uma pesquisa que saiu no jornal, dizendo que o fumo faz muito mal aos jovens e quem começa a fumar com pouca idade sofre mais doenças quando adulto. E se vicia mais na adolescência — falou Camila.

— São bem babacas as propagandas mostrando pessoas fazendo proezas em lugares lindos e fumando. Deveriam mostrar hospitais com pessoas que ficaram doentes por causa do fumo — disse Raquel.

— Aí ninguém fumaria — Mirella falou, rindo.

— Seria uma propaganda real — falou Mariana.

— Minha mãe é dentista e no mês passado atendeu um senhor que se queixou de dor nos dentes. Ela detectou um tumor, aconselhou-o a ir ao médico e não deu outra: câncer na boca — falou Mirella.

— Ele fumava? — Indagou Mariana.

— Ainda fuma. Mesmo correndo risco de vida, diz que não consegue largar o cigarro – suspirou Mirella.

— Nosso professor de história tem os dentes muito feios, são amarelados pela fumaça do cigarro. Ele fuma muito. Não gosto de chegar perto dele, o cheiro é forte e desagradável. Imagine como está o pulmão dele, se os dentes ele lava, escova, e o pulmão não! — Comentou Raquel.

— E ele deve saber disso, se viciou e não consegue largar, não tem força de vontade – falou Mariana.

— Deve ser mesmo difícil largar, então o melhor é não começar! Sabendo disso, eu vou ficar longe do cigarro — afirmou Camila.

O intervalo terminou e voltaram às aulas.

Lúcia comentou que Sônia conseguiu um emprego, lhe pagou a metade da dívida. Agora sim, trocariam de carro por outro mais novo. Animados, falaram sobre isso por horas, alegres, dando palpites. É tão gostoso fazer planos!

Lúcia deu aos filhos um livro sobre educação sexual. Ela comprou, leu, pediu aos filhos que lessem e perguntassem se tivessem dúvidas.

Camila e Leonardo leram e tiveram poucas perguntas. Lúcia, como a maioria dos pais, se sentiu acanhada para falar com os filhos sobre sexo, preferiu dar o livro.

— Mamãe, posso emprestá-lo às minhas amigas?

— Claro!

Camila emprestou e comentaram sobre o assunto. Entenderam que devem saber corretamente sobre sexo para não fazerem algo do qual venham a se arrepender. É melhor ter responsabilidade para viver bem e sadiamente.

À noite, Camila e Leonardo iam à festa de Mirella, era seu aniversário, e quase no horário de ir o garoto disse que tinha de fazer um trabalho para entregar no dia seguinte.

— Por que, meu filho, você deixou para fazer o trabalho na última hora? — Perguntou a mãe.

— Farei quando voltar — respondeu o garoto.

— Será tarde e você estará com sono. Teve a semana toda para fazê-lo e não fez. Agora, você não irá à festa, ficará fazendo o trabalho — disse Lúcia.

— Mamãe, por favor... — Resmungou Leonardo.

— Você tem de ter responsabilidade! Ficará e fará o trabalho, assim aprenderá a repartir seu tempo. — Lúcia foi taxativa.

A mãe saiu da sala e Leonardo se queixou à irmã:

— Mamãe está sendo injusta!

— Léo, você sabia da festa, sabia do trabalho, passou a tarde toda vendo televisão. Mamãe não está sendo injusta. Você é que tem de aprender a fazer o que lhe compete no tempo certo.

— Mamãe põe limites demais — falou o garoto.

— Não acho que seja demais, põe limites sim, e isso é bom! Tenho a certeza de que ela faz isso porque nos ama. Quem não ama não se importa — afirmou Camila, convicta.

— Tem razão! Embora chateado, farei o trabalho e da próxima vez não deixarei para a última hora.

Camila foi para a festa, e Leonardo entendeu que quem ama cuida, se preocupa com seus afetos. Que seu castigo fora merecido. Sentiu-se protegido e isso era, é, bom.

Na mocidade, Mirna, a psicóloga, foi novamente presidir uma reunião, preferindo conversar, tirando dúvidas. Pediu que falassem o que sentiam e o que achavam que os outros pensavam deles.

— Sou um pouco feia, acho que os outros me acham chata... — Disse Luiza timidamente.

— Que nada, você é o máximo! Eu não a acho chata, e, para mim, você é bonita – defendeu Márcio Luís.

— Por que você pensa que os outros a acham chata? — Perguntou Mima.

— Lá em casa eles estão sempre falando que sou. — Luiza gaguejou.

— Creio que falam por falar, que eles não acham isso. Você é inteligente e está se modificando, tornando-se uma mocinha. Ficará muito bonita — expressou Mima com sinceridade.

— Por que os pais estão sempre nos chamando disso ou daquilo, principalmente quando não querem argumentar com a gente? Sempre que quero ir fundo numa discussão, me mandam calar a boca — falou Henrique.

— Na minha opinião, os pais deveriam dar mais atenção e conversar com os filhos. Mas vocês também devem entender que eles tem, às vezes, problemas sérios e que nem sempre estão a fim de ouvir... — disse Mima.

— Papos, conversas, que eles dizem ou pensam ser bobeiras — interferiu Marcela.

— Eu quero dizer que sou muito estudiosa e que me chateio quando me chamam de CDF — lamentou Dora. — Mas meus pais se orgulham de mim.

— Que bom que seus pais estão contentes com você! Dora, você deve continuar estudando, se assim gostar e se lhe fizer bem. Creio que vocês, sendo espíritas, entendem que devemos dar valor às oportunidades, e estudar é uma delas e das grandes! Devemos aprender sempre. E nossa vida tende a ser mais fácil se temos estudo. Não se aborreça com comentários.

— Ninguém consegue agradar a todos, não é? — Indagou Márcio Luís.

— De fato, não! Se estamos contentes conosco é o que basta — respondeu Mima.

 — Mas aí é que está, não estou contente comigo. A começar pelo meu nome, que é o das minhas avós. Nada mais antigo... — Lamentou Maria Rosa.

— Avós são muito importantes em nossa vida, pois são os pais dos nossos pais. Não lastime seu nome, não é feio. E a turma lhe chama de Marô, muito original, combina com você — disse a psicóloga, a sorrir.

— Eu gosto. Achava que esse era o seu nome — disse Murilo.

— E, acho que eu também gosto – expressou Marô.

— Eu sou tímida e.... — Falou em voz baixa Isabela.

— Timidez tem de controlar, Isa. Eu também era e tratei de sair dessa — animou-a Mateus.

Muitos palpites foram dados. Mirna, às vezes, interferia, percebendo que os jovens estão sempre prontos a ajudar um ao outro.

— Acho ruim quando acham que, só porque sou jovem, fico aborrecendo a todos, que vivo nas nuvens, que sou rebelde sem causa, que não sei o que quero, só porque mudo de opinião — falou Marília.

-Também estou cansada de escutar que só chateio e que estou sempre chorando — opinou Luiza.

— E com os meninos não é diferente. Escuto sempre: "homem não chora, pare com isso, já não tem idade para fazer"... É perseguição! — Lamentou Rodrigo.

— Claro que não! Adolescência é uma fase muito linda, é a preparação para se tornar adulto. Isso

passa, tenham paciência — esclareceu Mima.

— É isso que me preocupa: me tornar adulto.

Espero que eu não me torne um adulto chato e certinho — falou Samuel.

— Eu quero que chegue logo a fase adulta, para que eu não seja mais visto como criança — disse Rodrigo.

— E você, Camila? Não fala nada? — Perguntou Mirna.

— Acho que sou normal. — Todos riram e ela continuou: — Não me acho com nada de errado e a opinião dos outros não interfere na minha vida. Gosto de mim!

— Bravo! Se não nos amarmos, não iremos amar o próximo como a nós mesmos. E vocês têm tempo para ir acertando, mudando para ficarem cada vez menos chateados consigo e se esforçando para serem pessoas boas, simples e úteis.

— Valeu, Mirna! Gostei! Acho que de hoje em diante vou gostar mais de mim e me dar mais valor — disse Samuel, rindo.

— Vocês — expressou Mirna — são maravilhosos, nada está errado, tudo é normal na fase que estão atravessando. E todos os momentos de nossa vida são importantes.

Márcio Luís levantou-se, foi na frente, fez uma expressão séria e disse:

— Aborrecente, não. Sou adolescente!

Palmas, risos, eram felizes.



 

[1]* Sinal verde, André Luiz, psicografado por Francisco C. Xavier.

 

                                                                                            Vera Lúcia Marinzeck

 

 

                      

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