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Abril a Junho de 1944
Abril a Junho de 1944

 

 

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RELATOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Abril a Junho de 1944

 

                  

 

O Prelúdio da Invasão

 

Impondo-se a todo o panorama da guerra, na primavera de 1944 destacava-se a iminência da invasão aliada da Europa. Este formidável empreendimento, que mesmo em sua fase potencial já exercia profunda influência na situação estratégica geral, estava a ponto de tornar-se realidade. Sua efetivação introduziria novo e poderoso elemento no conflito europeu - a criação de uma terceira frente terrestre contra a Alemanha, pelas forças combinadas da Inglaterra e dos Estados Unidos. Seria o passo final para completar o agrupamento estratégico de um poder concentrado que se aproximava cada ver mais do território alemão. Sua realização transformaria toda a natureza da ofensiva aérea, ligando-a diretamente com as operações terrestres, e traria importantes repercussões sobre as ofensivas coordenadas na Rússia e na Itália.

 

A aproximação da invasão caracterizou-se não somente pela fase final dos preparativos militares, como também pela intensificação da atividade na esfera política. A vigorosa campanha iniciada pela diplomacia aliada tinha importantes repercussões militares. Como preliminar para medir forças com os exércitos alemães no ocidente, era preciso fazer todo o possível para colocar tais forças em situação de máxima desvantagem. O bloqueio que restringia as importações vitais, o ataque aéreo que destruía a produção existente e as instalações de transporte, deviam ser completados pelo aperto do cerco destinado a isolar a Alemanha dentro do continente europeu. Tanto quanto possível, o Reich deveria ficar reduzido a seus próprios recursos em homens e abastecimentos. Por meio da pressão e da persuasão, os Aliados procuravam cortar o auxilio material que a Alemanha ainda era capaz de obter dos poucos países que permaneciam neutros, e afastar os satélites menores cujos territórios e exércitos permaneciam como os baluartes externos do Reich.

 

No segundo desses dois objetivos os Aliadas tiveram pouco êxito. Os laços que ligavam as pequenas nações da Europa oriental à Alemanha se tinham tornado estreitos demais, e o perigo de qualquer tentativa para cortá-los era demasiado evidente, para que os satélites do Reich se aventurassem a enfrentá-lo. Era também perigoso prender-se à Alemanha. Mas os perigos decorrentes dessa atitude residiam no futuro, mesmo que o tempo se tornasse cada vez mais curto, e havia sempre a possibilidade da generosidade aliada, que poderia aceitar seu arrependimento no último minuto. Além disso, nem todos os satélites do Reich estavam convencidos de que a misericórdia aliada fosse necessária. Em muitos círculos persistia a crença obstinada de que a Alemanha continuaria a resistir militarmente e que não reconheceria a derrota como inevitável. Acima de tudo, os nazistas ainda estavam em situação de tomar prontas medidas para esmagar qualquer tentativa de defecção. As contra-medidas aliadas, provavelmente, seriam menos rápidas; e mesmo na melhor hipótese seriam de efeito duvidoso, podendo expor o país a sofrer as devastações da guerra em seu próprio solo.

 

A este respeito a Itália oferecia um edificante exemplo, de modo algum encorajador. Como precedente, era causa de grandes preocupações tanto para a Alemanha como para seus satélites, embora por motivos muito diferentes. As repetidas declarações alemães de que um fato semelhante jamais se repetiria, mostrava claramente o quanto o Reich e seus satélites achavam grave o golpe causado pela rendição italiana. Não havia dúvidas que qualquer tentativa por parte de um país pequeno de tomar a mesma atitude seria impedida pela pronta ação da Alemanha. Era esse um fato que os satélites tinham de levar sempre em conta. Mesmo a perspectiva que, por meio do engano e do sigilo, pudessem abandonar os nazistas era coisa que lhes causava pouco consolo. A rendição de Badoglio não trouxera nem paz, nem liberdade para a Itália; ao contrário, fizera apertar mais ainda a mão de ferro alemã e transformara o país num campo de batalha. Isso aconteceria em qualquer caso depois do desembarque aliado; mas a ação de Badoglio não conseguira evitar nenhuma das provações, e pouco fez para encorajar outros países a trilhar o mesmo caminho, ainda que os exércitos aliados estivessem às suas portas.

 

Diante de tal dilema, os satélites preferiam ficar com o diabo de casa a aceitar outros desconhecidos. Na melhor das hipóteses reconheciam que sua escolha era limitada e pouco atraente. Um editorial do Izyestia assim resumia a questão: "Ou ser completamente ocupados sem resistência pelos alemães, com a inevitável perspectiva de fazer de seus territórios teatros de guerra e em última análise partilhar o destino da Alemanha, ou romper com a Alemanha, aderir aos países democráticos, levantando-se firme e decididamente em defesa de sua soberania e de sua própria existência como estado." Mas isso era um quadro incompleto. Não havia nenhuma garantia de que, unindo-se às democracias, os pequenos estados seriam poupados da ocupação imediata dos exércitos alemães, ou da devastação da guerra. Parecia que esse seria o seu destino em qualquer caso. Era na esperança de ganhar pelo menos mais um pouco de tempo que os satélites continuavam a manter se ao lado da Alemanha num esforço para adiar o pior dos males e, se possível, evitá-lo inteiramente.

 

A Resistência dos Países Satélites

 

O caso da Finlândia era um exemplo particularmente esclarecedor de como pesavam tais considerações. A Finlândia, dentre todos os associados da Alemanha, foi o único que realizou esforços diretos e oficiais para conseguir uma base aceitável para uma paz em separado. Agiu neste sentido convencida de que era inteiramente livre para fazer sua escolha. Qualquer que fosse a atitude da Alemanha no caso dos finlandeses abandonarem a guerra - e este era um fator da máxima importância que precisava ser levado em conta - a decisão final. dependia da Finlândia. Quando ela terminou rejeitando os termos que lhe foram oferecidos, sua ação não foi o resultado de uma pressão a que não pudesse fugir, mas de um julgamento livre, baseado em todos os fatores existentes - julgamento a que chegou depois de completo exame por parte do ministro finlandês, sustentado por esmagadora maioria do Parlamento.

 

A decisão foi tomada em face de condições que pareciam claramente favoráveis à paz. A campanha de inverno russa, no norte, que libertou Leningrado e repeliu os alemães para os Países Bálticos, deixou a Finlândia exposta a todo o peso do ataque soviético. A indignação russa por ter a Finlândia se juntado aos alemães em seu assalto contra a União Soviética, e ainda pela participação finlandesa no prolongado bombardeio de Leningrado, oferecia pouca esperança de um tratamento suave nas mãos de Moscou. Entretanto, em realidade, a atitude russa foi moderada e restrita. Considerações práticas aconselhavam um esforço no sentido de libertar seu flanco norte por meio de métodos diplomáticos que deixassem livres forças consideráveis, as quais poderiam ser mais utilmente empregadas noutra parte qualquer. Os termos apresentados não eram os de uma rendição incondicional, e sua rejeição, para continuar uma luta dura e quase suicida, trouxe alguma luz sobre a cega obstinação da política finlandesa.

 

As negociações foram abertas em Estocolmo, em meados de fevereiro, por iniciativa da Finlândia. Os termos apresentados pela Rússia, em resposta, exigiam a restauração das fronteiras de 1940, a liberdade de todos os civis e prisioneiros de guerra, a ruptura de relações da Finlândia com a Alemanha, e o internamento das tropas e dos navios alemães. A possibilidade de que os finlandeses pudessem considerar a última exigência superior às suas forças era prevista com uma proposta russa de enviar auxílio militar se tal fosse necessário. Três outros pontos - desmobilização finlandesa, reparações e situação de Petsamo - ficavam reservados para debate ulterior.

 

Houve forte pressão externa sobre a Finlândia para que aceitasse essas condições. A Inglaterra e os Estados Unidos advertiram-na das conseqüências de uma rejeição. O presidente Roosevelt e o rei Gustavo fizeram apelos diretos aos finlandeses para que aproveitassem esta oportunidade de sair da guerra. A Suécia ofereceu auxílio, propondo-se a alimentar a Finlândia se ela decidisse romper com a Alemanha. Os russos acompanharam sua oferta de paz com tangíveis demonstrações da alternativa restante sob a forma de uma série de devastadores ataques aéreos contra Helsingfors. Nenhuma dessas medidas trouxe os resultados desejados. Os finlandeses resistiram às exigências relativamente ao internamento da guarnição alemã e à entrega das prisioneiros de guerra, e objetaram sobre a insegurança que pairava quanto à determinação final de suas fronteiras. Seus esforços no sentido de conseguir modificações tiveram como resposta a exigência russa de que os termos fossem aceitos como preliminar para qualquer discussão ulterior. Depois de um mês de manobras políticas, o governo finlandês conseguiu o apoio parlamentar para continuar a resistência, e as condições russas foram formalmente rejeitadas a 17 de março.

 

O fato da questão não ter parado aí revelou a paciência russa. Em fins de março um enviado finlandês chegou a Moscou, onde conseguiu obter certos esclarecimentos e modificações relativamente à internação de tropas alemães e sobre a questão das reparações, bem como uma oferta de entregar Hangoe aos finlandeses no caso de que as condições restantes, inclusive a cessão de Petsamo, fossem aceitas. Mas os finlandeses ainda julgaram que a aceitação do acordo iria pôr em perigo sua futura independência. Rejeitaram a oferta russa e permaneceram obstinadamente à espera do veredicto das armas. Quando o golpe foi desfechado, em junho, esmagando a linha Mannerheim, capturando Viipuri e repelindo as defesas orientais, houve sinais de inquietação entre os finlandeses moderados. Mas as tentativas para formar um novo governo com elementos mais razoáveis não tiveram resultado. O primeiro ministro apelou para que se lutasse até o fim. Ribbentrop chegou a Helsingfors com uma ilusória oferta de auxilio militar, que se concretizou sob a forma de um pequeno número de tropas de terceira categoria. A Finlândia terminava assim de lançar-se inteiramente nos braços da Alemanha; e se no momento os russos não aproveitaram seus êxitos para desfechar o golpe de misericórdia foi menos pelo fato de que esperassem qualquer mudança de pensar nos dirigentes finlandeses do que por estarem com suas energias voltadas para outros empreendimentos de maior vulto e mais decisivos. O curso das negociações finlandesas era observado com ansiedade por outros satélites da Alemanha. Se a Finlândia conseguisse livrar-se da guerra, isso viria encorajar grandemente idênticos esforços de outros países do sudeste da Europa. Mesmo o fracasso das conversações de paz não removia a tendência desses pequenos estados de agirem conforme as imposições da guerra, nem tampouco diminuía a preocupação com que a Alemanha observava os sinais de fraqueza.

 

Essa preocupação da Alemanha se concentrava particularmente sobre a Hungria. O governo desse país mostrava uma crescente tendência para separar sua política e seus interesses próprios da política alemã, pelo menos aparentemente. O ressentimento da Hungria a respeito da partilha da Transilvânia, e o conseqüente antagonismo com a Romênia parecia não haver diminuído. O entusiasmo inicial pela cruzada de Hitler contra o bolchevismo mostrava ir em acentuado declínio. Isso foi particularmente evidente depois da selvagem matança sofrida pelas divisões húngaras em Voronezh, no começo de 1943. Havia contínuos esforços para assegurar o regresso das restantes divisões que se encontravam na Rússia e na Polônia, e um novo pedido neste sentido foi o que motivou a visita do almirante Horthy a Hitler, a 18 de março.

 

Esta missão foi levada a efeito numa ocasião inoportuna. Os exércitos russos acabavam de cruzar o Bug e avançavam rapidamente em direção ao Dniester. A invasão da Romênia era iminente, e a lealdade da Bulgária era já bastante duvidosa. Se os nazistas quisessem manter sua estrutura política no sudeste europeu, deviam estar em condições de agir prontamente e impedir pela força qualquer defecção. Em tais circunstâncias a garantia do controle alemão sobre a Hungria era de importância vital. Esse país era o corredor ao longo do Danúbio pelo qual as forças e os abastecimentos alemães podiam ser levados para leste, a fim de manter a frente contra a Rússia ou impor a vontade dos nazistas ao seu satélite. Se tal corredor fosse fechado, a principal ligação com a Romênia e a Bulgária seria quebrada, e se levantaria uma barreira no flanco norte da Iugoslávia e dos Bálcãs, e a zona alemã de manobras contra uma ameaça pelo leste diminuiria seriamente.

 

Longe de aceitar as solicitações de Horthy, Hitler insistiu em medidas mais vigorosas por parte da Hungria e em novos compromissos de completa colaboração militar no sentido de manter a muralha oriental. A evidente relutância de Horthy foi o suficiente para pôr fim abruptamente a qualquer contemporização. Ele ainda estava conferenciando com Hitler, e já as tropas alemães se encontravam em marcha para, na madrugada de 19 de março, iniciarem a ocupação da Hungria. O governo resignou prontamente mas a eficácia de tal atitude como gesto de protesto foi em grande parte anulada pelo fato de que cinco membros do antigo ministério aderiram imediatamente ao gabinete títere organizado sob controle nazista. Foram noticiados choques esporádicos entre tropas alemães e húngaras, mas não houve resistência organizada. Horthy curvou-se aos acontecimentos e se manteve como regente. De um golpe, a Hungria passou de aliada a prisioneira de Hitler, e uma ameaçadora lacuna nas defesas orientais foi fechada pelo avanço alemão. Um jornal alemão assim resumiu as motivos da medida:

 

"A ocupação da Hungria por tropas alemães e a mudança da direção política do país somente pode ser apreciada da forma seguinte: Não se trata apenas de garantir a frente dos Cárpatos, os abastecimentos de boca, as ferrovias da Romênia, ou a utilização de todo o exército húngaro na luta contra o bolchevismo, mas também, e isso não é menos importante, de impedir que Stalin e Churchill sejam capazes de, por um "processo de congelamento", como se diz, inutilizar trechos importantes da muralha européia. Não é preciso dizer que não permitiremos que um novo regime Badoglio se levante na Hungria ou em qualquer outra parte da Europa".

 

Um dos efeitos dessa medida foi o de ainda mais apertar a mão de ferro alemã sobre a Romênia e a Bulgária, cujas vacilações já haviam sido reveladas através de sondagens de paz junto aos Aliadas. Seus líderes foram, por sua vez, convocados à presença de Hitler para serem chamados mais diretamente à ordem. As zonas militares avançadas e os serviços essenciais na Romênia já se achavam inteiramente sob o controle alemão. A completa rendição da Bulgária foi tornada manifesta no começo de junho com a formação de um gabinete mais do que nunca submisso a Berlim. Os esforços aliados para impedir esta submissão não tiveram êxito. Oferecimentos de condições de paz à Romênia ficaram sem resposta. As enérgicas notas russas à Bulgária para que cessasse o auxílio à Alemanha também não deram qualquer resultado positivo. A 12 de maio uma declaração conjunta dos Aliados advertiu todos os satélites, inclusive a Finlândia, das conseqüências de sua atitude. Mas os pequenos países satélites já haviam feito sua escolha e esta era virtualmente irrevogável. Haviam decidido ficar com Hitler, e nada, a não ser a invasão, iria fazê-los mudar de atitude.

 

Pressão sobre os Neutros

 

O bloco territorial controlado pela Alemanha permanecia, assim, estrategicamente intacto, podendo ser quebrado somente por meios militares. Em contraste com seu fracasso nesse terreno, a diplomacia aliada conseguiu importantes êxitos no que dizia respeito à estrutura da economia de guerra alemã, onde esta ultrapassava os limites territoriais dos países satélites. Na periferia da Europa encontravam-se países neutros que eram menos diretamente sujeitos à dominação alemã do que as satélites dentro da esfera militar nazista, países, portanto, muito mais acessíveis à pressão aliada. Era possível, por meio de uma ação firme, diminuir os recursos e as facilidades que esses países vinham até então colocando à disposição da Alemanha em detrimento da eficácia do bloqueio aliado.

 

O resultante ataque diplomático foi concentrado sobre um objetivo primordial - a diminuição do abastecimento de ligas metálicas, tão necessárias à produção alemã dos armamentos de aço. A não ser pela conquista militar, era impossível impedir completamente tal exportação. Sem contar com os recursos próprios da Alemanha, vários países satélites e conquistados eram importantes fontes de cromo, níquel e molibdeno. Mas a captura, pelos russos, dos depósitos de manganês em torno de Nikopol fez diminuir grandemente a produção alemã desse elemento essencial na fabricação do aço. Fora do alcance do controle direto da Alemanha, encontravam-se fontes de cromo, metal de tanta importância para a blindagem, e de tungstênio, tão valioso para a fabricação de projéteis perfuradores, de ferramentas para máquinas e de equipamento de rádio. Dispondo-se a eliminar tais abastecimentos, os Aliados davam um passo avante na estratégia do bloqueio, que cortava as importações de além mar, e na estratégia da ofensiva aérea, que atingia as bases da produção do Reich. Privar a Alemanha de tal matéria-prima básica era desferir um golpe nas próprias raízes da produção militar germânica, e justamente num de seus pontos mais vulneráveis.

 

Um dos resultados dessa nova atitude foi a mudança de caráter nas negociações entre a Turquia e os Aliados. Durante o começo do ano a tênue perspectiva de uma entrada da Turquia na guerra era ainda mantida através de uma série de discussões de Estado Maior começadas com a conferência do Cairo, e que duraram até fevereiro. Qualquer ilusão que permanecesse a respeito da atitude turca foi finalmente dissipada por essas conversações. Da mesma forma que seus vizinhos balcânicos, a Turquia se apegava a um conceito exagerado do poderio militar alemão. Apresentou pedidos de armas numa escala que lhe permitiria enfrentar uma invasão da máxima envergadura. Os Aliados sustentavam o ponto de vista de que o perigo de tal acontecimento já havia passado e que seria loucura desviar para uma zona relativamente segura quantidades consideráveis de armamentos para os quais eles tinham emprego imediato noutra parte. Mesmo a remessa de abastecimentos que estava sendo feita, que os turcos julgavam inadequada, parecia agora excessiva aos Aliados, a menos que o material viesse a ser empregado. Com a contínua recusa dos turcos de entrar na guerra ou mesmo de permitir o uso de bases em seu território, os Aliados decidiram cessar o auxílio, e a 2 de março foi anunciado que não seriam mais enviadas armamentos à Turquia.

 

Durante todo o tempo das discussões, a Turquia continuou a protestar firme lealdade à sua aliança com a Inglaterra. Tais afirmações dificilmente pareciam harmonizar com uma política que, não apenas negava ajuda ativa aos Aliados, mas também, sob o disfarce de não beligerância, prestava considerável auxílio a seus inimigos. A aliança formal com a Inglaterra não havia impedido a realização de extensos negócios entre a Turquia e a Alemanha. A máquina de guerra nazista era alimentada pelas exportações turcas de lã, algodão e cromo. Os Aliados, não conseguindo obter ajuda militar da Turquia, procuraram ao menos restringir o auxílio econômico que seu aliado nominal estava prestando ao inimigo.

 

De todos os produtos em questão, era o cromo o mais importante. Das exportações turcas, que subiam a pouco mais de 100.000 toneladas, 56.000 foram enviadas para a Alemanha em 1943. Apesar de ser isso uma quantidade considerável, havia sinais de que os embarques estavam em rápido aumento no fim do ano. As grandes exigências que pesavam sobre a navegação aliada impediam que fosse destacada para a Turquia a tonelagem necessária a manter o antigo nível de comércio com aquele país. A Alemanha aproveitou a oportunidade para absorver virtualmente toda a produção turca durante o ano seguinte.

 

Os Aliados exerceram forte pressão para impedir que tal sucedesse. A cessação dos embarques de armas foi seguida de insistentes pedidos para restrições das exportações de cromo. Churchill, em sua áspera crítica da política turca a 24 de maio, deixou compreender que seriam achados modos de compensar a Turquia pelos sacrifícios a que fosse arrastada. Uma atuação ao mesmo tempo firme e compreensiva alcançou o fim desejado. A 20 de abril, foi anunciado que as exportações de cromo seriam suspensas imediatamente, esperando-se que isso constituísse um prelúdio para a restrição de outras matérias-primas. O êxito aliado neste terreno preparou o caminho para a nova exigência de que o uso dos Dardanelos fosse negado aos navios alemães, os quais, passando através do estreito disfarçados em mercantes, eram na realidade empregados como vasos de guerra. Também aí os turcos cederam. A 16 de junho proibiram a passagem de navios armados pelo estreito e deram ordens para a captura dos navios alemães que procurassem sonegar seu verdadeiro carregamento. Por fim a adesão formal da Turquia aos Aliados adquiria expressão por meio de medidas positivas.

 

A cessação da exportação de cromo turco privava a Alemanha de cerca da metade de seus abastecimentos, mas a deixava ainda controlando importantes depósitos nos Bálcãs. A respeito do minério de volfrâmio, a matéria prima do tungstênio, sua situação era mais vulnerável. Quase tudo o que recebia vinha da península ibérica, fornecendo a Espanha um terço e Portugal o restante.

 

Os Aliados tinham poucos motivos para esperar qualquer favor da Espanha do general Franco. Ao contrário, tinham já uma longa lista de queixas contra esse país, além do ressentimento geral causado pelos repetidos votos de adesão de Franco a Hitler, anseios sonoros nos últimos tempos. A permanência de tropas espanholas na frente russa, apesar do anúncio oficial da retirada da Divisão Azul, a presteza da Espanha em atuar como via de contrabando para a Alemanha, enfraquecendo assim o bloqueio aliado, o uso de pontos vantajosos pelos agentes da espionagem alemã, eram fatos que havia muito prejudicavam as Aliados. A situação se agravara recentemente pela relutância em entregar os navios italianos que se encontravam nos portos espanhóis, e pela abertura de um crédito de 400 milhões de pesetas à Alemanha à guisa de pagamento pelo auxílio prestado durante a guerra civil. Esta última atitude, em particular, contribuiu a precipitar a decisão aliada de adotar uma atitude mais enérgica, para a qual já havia tantas razões.

 

As primeiras medidas foram tomadas no fim de janeiro, quando os Estados Unidos impuseram um embargo temporário sobre os embarques de petróleo para a Espanha. Tais embarques estavam, havia muito, rigorosamente racionados segundo as necessidades espanholas, num esforço para impedir que qualquer parte dos mesmos fosse entregue à Alemanha. Sua completa cessação significaria apertar mais os parafusos do inadequado sistema de transportes espanhol. A finalidade de tal medida era, do ponto de vista geral, conseguir um acordo a respeito de várias questões pendentes, e, em particular, obrigar a Espanha a diminuir suas exportações de volfrâmio para a Alemanha. Durante o ano anterior os nazistas tinham conseguido 1.000 toneladas desse material, incluindo a encomenda final de 300 toneladas recém-entregues. Se a Espanha pudesse ser induzida a suspender tais embarques, melhorariam as perspectivas de que Portugal a seguisse; e nesse caso a Alemanha perderia a fonte de nove décimos de suas ligas metálicas mais importantes.

 

A Espanha cedia lenta e relutantemente. Depois de 1o de fevereiro não foi praticamente enviado volfrâmio, mas somente a 2 de março é que foi anunciado um acordo geral. Em troca de embarques de petróleo a Espanha se curvou a aceitar as principais exigências aliadas. O consulado alemão em Tanger devia ser fechado, e os agentes alemães expulsos do solo espanhol. Todos os navios mercantes italianos, cuja situação estava sendo discutida, deviam ser entregues, exceto dois, cuja posse era no momento objeto de arbitragem. Os remanescentes da Divisão Azul deviam ser retirados da Rússia. Acima de tudo, a Espanha devia restringir sua exportação de volfrâmio para a Alemanha a 20 toneladas durante os próximos dois meses, e a 40 toneladas por mês durante o resto do ano. Os Aliados tinham bem fundadas razões para acreditar que nesse último período as facilidades de transporte da Alemanha estariam tão reduzidas que não seria possível nem mesmo retirar esta quota. Entrementes a pressão sobre Portugal recebia novo impulso em vista desse êxito; e a 5 de junho esse país concordou em cortar todas as exportações de volfrâmio para a Alemanha e bloquear a produção existente.

 

Os Estados Unidos gostariam de ter obrigado a Espanha a embargar completamente a remessa de volfrâmio. O acordo moderado era o resultado de uma transigência com o ponto de vista britânico. Esse país, ao contrário dos Estados Unidos, dependia da Espanha para importantes abastecimentos, tais como laranjas, mercúrio e minério de ferro, e temia assumir uma atitude por demais intransigente. Mas afora essas considerações tangíveis, levantava-se a suspeita de que certos elementos do governo britânico olhavam o regime de Franco com considerável simpatia, e temiam pôr em perigo a estabilidade do caudilho espanhol por meio de medidas que pudessem aumentar as dificuldades internas do país. Tal ponto de vista recebeu infelizmente apoio no discurso de Churchill de 24 de maio, em que, depois de atacar o fascismo italiano que antigamente elogiara, falou em termos calorosos do governo de Franco e expressou sua gratidão pela não-intervenção espanhola na fase crítica da operação norte-africana.

 

A expressão de tais sentimentos foi um choque para os liberais, não somente na Inglaterra mas também nos Estados Unidos. Isso não foi atenuado pela afirmação de Churchill, quando desafiado a mostrar a diferença entre o fascismo na Itália e o correlativo sistema na Espanha, de que "existe uma enorme diferença entre um homem que nos ataca e um homem que nos deixa em paz". Sob um aspecto, a analogia não era correta. Franco não permanecera alheio e imparcial diante dos acontecimentos. Teria empunhado de bom grado a espada recebida das mãos de Hitler e Mussolini, se pudesse atacar as democracias pelas costas sem temer um contra-ataque. Se por fim refreou sua intenção de entrar na guerra ao lado da Alemanha, foi simplesmente porque não podia lançar uma Espanha exausta e dividida em mais uma aventura guerreira. Mas, além disso, havia o fato de que a atitude de uma pessoa com relação à ditadura de Franco constituía a pedra de toque de suas mais profundas convicções a respeito da natureza da sociedade civil e do bem-estar social. A revolta de Franco trazia em ponto menor os elementos básicos do conflito que pouco depois abrangera o mundo todo. A guerra espanhola era o começo da agressão fascista em grande escala e fornecera o campo de experiências necessárias para as armas que deveriam pouco depois voltar-se contra as democracias. Franco vencera com o auxílio de Hitler e MussoIini, e sua vitória era um triunfo crucial de odiosos princípios que as Nações Unidas estavam dispostas a derrotar. Foi significativo o fato de que o Presidente Roosevelt aproveitou a ocasião, poucos dias depois do discurso de Churchill, para expressar mais uma vez seu desagrado com respeito à política espanhola. O governo americano não podia eximir-se da culpa de haver pronunciado, no passado, palavras suaves a respeito de Franco, ou mesmo de haver tomado medidas que constituíam um apoio positivo para estabilizar sua posição. Se agora mudava o tom de suas palavras, era por motivos práticos e imediatos, e a mudança era tanto mais fácil quando poucos eram as interesses americanos em jogo na Espanha. Mas a mudança era de qualquer modo encorajadora, e acentuava o pesar de que o primeiro ministro da Inglaterra, com todo o peso de seu cargo, viesse deliberadamente, e sem qualquer indício de necessidade, expressar sua gratidão a um inimigo confesso e implacável da liberdade.

 

Nesses esforços para afastar da Alemanha os países neutros, o caso da Suécia se apresentava muito complexo. Sua posição geográfica condicionava seriamente a liberdade de sua política com relação aos vários beligerantes. A ocupação alemã da Noruega e da Dinamarca, e o resultante controle do estreito de Skaggerak, significava virtualmente o corte das comunicações comerciais entre a Suécia e os Aliados. Havia poucas medidas diretas e concretas por meio das quais estes pudessem esperar exercer uma pressão tão eficaz como a que fôra possível exercer sobre a Turquia e a Espanha. Ao contrário, a Suécia dependia da Alemanha no tocante a uma grande quantidade de importações vitais de carvão e de borracha sintética, bem como da aquiescência alemã para o que restava do comércio sueco de além-mar. Uma afronta a esse poderoso vizinho poderia ter sérias conseqüências econômicas e talvez mesmo levar á invasão militar.

 

Apesar de tudo, a Suécia representava uma lacuna no anel em torno da Alemanha, lacuna que muito preocupava os Aliados. Neste caso sua atenção voltava-se menos diretamente para as exportações suecas tais como madeiras e minério de ferro, embora fossem importantes, do que para a venda de esferas de rolamento para a Alemanha. A produção de esferas de rolamento era uma das falhas da indústria de guerra alemã e contra a qual os Aliados haviam desfechado golpes particularmente decisivos. Os ataques aéreos contra Schweinfurt, onde estava concentrada a metade da produção alemã, completados por ataques contra as fábricas de Turim e Parns, tinham diminuído seriamente a produção alemã de esferas de rolamento. O êxito, entretanto, fôra alcançado com um elevado custo em homens e aviões, e os Aliados não tinham intenção de vê-lo anulado, permitindo que a Alemanha desfrutasse de completa liberdade para utilizar a produção sueca que era protegida pela neutralidade do país.

 

Os suecos negavam vigorosamente que a Alemanha pudesse compensar suas perdas por meio da produção sueca. Ao contrário, foi concluído um novo acordo comercial, no começo do ano e após árduas discussões, pelo qual se estabelecia uma diminuição das exportações de esferas de rolamento, sob a alegação de que a Alemanha não conseguira manter devidamente a escala de suas exportações para a Suécia. Mas os Aliados não ficaram satisfeitos. Durante os meses que se seguiram exerceram forte pressão diplomática sobre o governo sueco e sobre os principais fabricantes de esferas de rolamento. Em maio, chegaram à Suécia enviados aliados a fim de realizar negociações diretas com os funcionários da Companhia SKF de Esferas de Rolamento. Somente depois da invasão da Normandia obtiveram-se resultados definitivos, mas a 13 de junho anunciou-se finalmente que fôra acordada uma nova e considerável redução das exportações para a Alemanha. Embora não fossem revelados detalhes, tornou-se claro que isto atenuaria grandemente as dificuldades já impostas à Alemanha pela ofensiva aérea aliada às fontes de sua produção.

 

Além dessas medidas específicas para a restrição do comércio neutro, a iminência da invasão acarretou nova interferência sem precedentes no tradicional direito dos neutros. A importância do máximo sigilo na fase final dos preparativos era evidente. O conhecimento por parte da Alemanha da data e do lugar da invasão poderia levar a um desastroso fracasso de todo empreendimento. Já em fevereiro a preocupação com que os Aliados encaravam a presença de representantes do Eixo em lugares tão próximos como Dublin foram expressas numa nota dos Estados Unidos ao governo do Estado Livre da Irlanda, exigindo a imediata expulsão dos representantes alemães e japoneses. Diante da recusa do Eire de agir, foram tomadas medidas para restringir os canais ordinários de contato entre a Inglaterra e o sul da Irlanda. As viagens diretas foram proibidas a 12 de março, as comunicações telefônicas cortadas nos primeiros dias de abril, e outras medidas seguiram-se com a finalidade de impedir a transmissão de qualquer comunicação através da fronteira com a Irlanda ou pelos canais oficiais. A 17 de abril foram anunciadas medidas mais gerais e drásticas. O direito de enviar correios ou de transmitir mensagens em código foram retirados não somente de todas as legações estrangeiras em Londres mas mesmo das embaixadas, com exceção das embaixadas dos Estados Unidos e da União Soviética. Dez dias depois o processo de isolar completamente a base da invasão foi tornado ainda mais rigoroso com a proibição de viajar para fora da Inglaterra, a não ser com autorização muito especial. É digno de nota o fato que tal interferência nas imunidades diplomáticas, que violava tradições internacionais estabelecidas havia séculos, ocasionou bem poucos protestos sérios. Sua finalidade e justificação eram evidentes, e as medidas foram aceitas como precauções necessárias, no interesse do ousado empreendimento que deveria ser em breve iniciado.

 

O Primeiro Golpe na Itália

 

Durante longos meses, desde a captura de Nápoles, as finalidades básicas da campanha italiana haviam sido em parte obscurecidas pela relativa falta de conquistas territoriais. O inverno se caracterizou por uma série de fracassos aliados no sentido de conseguir certos objetivos imediatos - avançar rapidamente pela costa adriática, expulsar os alemães de Cassino, romper o impasse por meio do desembarque em Anzio. Se a conquista da Itália fosse encarada como um fim em si mesma, os alemães teriam todos os motivos para considerar a campanha como uma vitória defensiva.

 

De um ponto de vista mais amplo esta impressão era consideravelmente modificada. A libertação era menos um fim estratégico em si do que um meio de atingir outra finalidade diversa. A Itália não era um campo de batalha onde se pudesse decidir o destino da Alemanha. Era, antes, um teatro de guerra em que operações divisionistas poderiam dar auxílio de primeira importância para garantir a decisão final noutras frentes. A absorção de forças alemãs nessa região iria desfalcar as reservas disponíveis para o uso contra a Rússia, no leste. A destruição de qualquer parte considerável dessas forças seria uma contribuição inestimável para o desgaste que privaria a Alemanha dos efetivas necessários para enfrentar a prova final. A relação da campanha italiana com o problema do potencial da guerra alemão se evidenciava cada vez mais como característica primordial das operações naquele teatro de guerra. Segundo tal aspecto, os Aliados podiam afirmar terem conseguido um êxito valioso, embora limitado. As baixas infligidas aos alemães quase atingiram um número igual aos efetivos engajados, e foram conseguidas ao preço de perdas consideráveis. Churchill revelou, a 6 de junho, que a luta pela cabeça-de-ponte de Anzio havia custado aos Aliados 20.000 homens contra aproximadamente 25.000 alemães. Mas os Aliados haviam obrigado os alemães a comprometer um número considerável de tropas de primeira linha. Se essas fossem fixadas ao terreno - e, ainda mais, se fossem destruídas - o efeito poderia ser diretamente sentido em outras zonas principais do conflito.

 

Entretanto, mesmo com tais objetivos finais, a conquista de território era ainda um dos meios mais importantes de alcançar aqueles fins. Esses objetivos não poderiam ser completamente atingidos se os Aliados se mantivessem numa frente estática diante de fortes posições montanhosas. A expulsão dos alemães de suas atuais defesas, e sua destruição ou envolvimento num tipo mais móvel de guerra, estavam entre as necessidades mais fundamentais. Um avanço para o norte, ao longo da península, obrigaria os alemães a recuar para linhas menos favoráveis que exigiriam grandes forças para sua defesa eficaz. Se os nazistas pudessem ser empurrados para o vale do Pó, teriam de enfrentar o dilema de empregar ainda maiores reservas ou então de bater em retirada para os Alpes, expondo os flancos dos Bálcãs e do sul da França. Uma força aliada diante do passo do Brenner seria um elo poderoso entre as grandes operações ofensivas no leste e no oeste, forjando um arco que se fecharia sobre o último reduto da resistência alemã.

 

A campanha italiana era assim parte integrante de amplas e complexas operações que deveriam vibrar o golpe final na Alemanha. O isolamento em que a campanha parecia estar mergulhada chegava ao fim. Sua influência potencial sobre operações mais amplas transformara-se em realidade pela complexidade dos preparativos para a invasão ocidental, e seu papel na estratégia geral era agora bem claro. "Nós tivemos, na Itália", disse o general Alexander na véspera da ofensiva", a honra de desferir o primeiro golpe. Vamos destruir os exércitos alemães na Itália."

 

Para esta tarefa os Aliados haviam organizado forças esmagadoras. Algumas divisões de veteranos haviam sido retiradas para irem combater no oeste, mas outras foram enviadas para a península, a fim de aumentar os efetivos combinados do 5o e do 8o Exércitos para cerca de meio milhão de homens. Para dar maior poderio ao golpe maciço que se seguiria, fôra realizado amplo reagrupamento. Na frente principal, as unidades americanas que serviam com o 5o Exército, haviam sido transferidas de Cassino para o flanco esquerdo, ao longo da costa. As divisões inglesas por elas substituídas ao longo do curso inferior do Garigliano foram anexadas ao 8° Exército, que tomou a seu cargo o setor de Cassino. Do flanco adriático, que ficou mantido com forças relativamente leves, outras divisões do 8° Exército foram transferidas através dos Apeninos, em vista das dificuldades criadas pelas escassas e más estradas e pelas condições de tempo do começo da primavera. Entre a última parte de março e o princípio de maio, toda a complicada série de movimentos foi realizada sem interferência do inimigo.

 

A coordenação demonstrada por este episódio forneceu uma ilustração do grau de unidade a que tinham chegado as forças aliadas na Itália. Seus componentes, altamente heterogêneos, haviam sido reunidos mim corpo único. Lado a lado com as divisões do Reino Unido, encontravam-se unidades de várias partes do Império - indianos, neozelandeses, tropas canadenses que lutavam pela primeira vez, uma divisão sul-africana recentemente transferida para aquele teatro de operações. Uma divisão polonesa fazia parte do 8° Exército. Um corpo francês, que incluía tropas nativas da África do Norte, formava a ala direita do 5O Exército. A parte do 5o Exército que mantinha a cabeça-de-ponte de Anzio era ainda composta tanto de tropas inglesas como americanas. O alto espírito militar já demonstrado pelo general Alexander em unir forças tão distintas durante as operações africanas tornara-se agora evidente na Itália. As tropas de várias nacionalidades sob seu comando se haviam transformado numa máquina coesa. O 5o e o 8° Exércitos eram pouco mais do que nominalmente diferentes para a realização das operações. Desde Anzio até Ortona, a integração das forças aliadas era completa e sua direção encontrava-se sob um comando unificado.

 

Enfrentando os Aliados, havia dois exércitos alemães, o 10o, ao longo da frente principal, e 14o, no oeste, enfrentando a cabeça-de-ponte. Seu efetivo total não era fácil de calcular naquela data. Os alemães usavam agora unidades de combate com efetivos regimentais a fim de aumentar a mobilidade e a flexibilidade da defesa, e sua identificação como parte de uma divisão determinada não significava obrigatoriamente que a referida divisão estivesse engajada completamente na operação. Levando isso em consideração, os Aliados calculavam que, no começo da ofensiva, havia 17 divisões alemães em linha, a metade das quais no setor de Cassino, para oeste da costa. Outras 6 divisões, na Itália do norte, estavam parcialmente mobilizadas pelas guerrilhas e pelas atividades dos grupos de resistência. Mesmo num cálculo moderado, era provável que as forças terrestres alemães estivessem superadas numericamente na proporção de 2 a 1, sendo maiormente superadas pelo equipamento pesado aliado, inclusive tanques e artilharia.

 

A inferioridade alemã no ar era mais evidente ainda. A Luftwaffe guardava seus desfalcados efetivos para a defesa de objetivos estratégicos vitais, e pouco lhe sobrava para o teatro de guerra italiano ou mesmo para a proteção de suas comunicações de retaguarda. Enquanto uma parte considerável dos bombardeiros aliados no Mediterrâneo se concentrava agora contra os centros ferroviários e petrolíferos dos Bálcãs, havia ainda certo número desses aparelhos para levarem poderosos ataques contra as linhas de comunicação inimigas ao longo da península. Desde a última parte de março, as estradas de ferro foram objeto de intensos ataques. Na véspera da ofensiva noticiou-se que todos os quadros ferroviários de manobras ao sul de Florença haviam sido postos fora de funcionamento, e que o tráfego através do passo do Brenner estava temporariamente interrompido por um bombardeio contra o viaduto de Aviso, a 13 de maio. Os alemães eram obrigados a empregar cada vez mais as estradas de rodagem, e o tráfego era implacavelmente castigado quando as colunas se aventuravam a mover-se de dia. Os canais de abastecimento alemães atrás das linhas não havia sido completamente cortado, mas estavam enormemente prejudicados quando o golpe na frente italiana foi desfechado. E sobre a frente propriamente dita os Aliados tinham tal supremacia aérea que praticamente o inimigo não ousava enfrentá-los no ar.

 

A Ruptura de Cassino

 

A ofensiva foi iniciada na noite de 11 de maio, às 23 horas, uma hora antes do nascer da lua. O marechal Kesselring, num comunicado oficial, reconheceu o seu poderio e precisão. Acentuou a intensidade sem precedentes do bombardeio preparatório, o amplo uso de cortinas de fumaça para esconder os movimentos, o poderio da proteção da aviação de caça aliada, que permitia aos aviões de observação aliados dirigir o tiro da artilharia "sem a mais leve interferência, como se estivessem em manobras", e a absoluta coordenação com que o assalto foi desfechado e mantido. "É digno de nota o fato de que os pontos fortes foram novamente ultrapassados o mais largamente possível" - declarou o marechal alemão, acrescentando: "Nessas ocasiões o inimigo penetrava geralmente através de um terreno montanhoso, considerado anteriormente intransponível... Os feitos dos tanques e dos veículos motorizados inimigos foram realmente notáveis, particularmente no terreno montanhoso."

 

O ataque foi concentrado atrás de quatro pontas de lança principais. Ao norte de Cassino, os poloneses atacaram as elevações em torno de monte Cassino, que durante tanto tempo constituíra uma barreira. Abaixo da cidade, forças inglesas e canadenses arremeteram através do Rápido em direção ao vale de Liri. A sua esquerda, os franceses lançaram-se para a difícil região das montanhas de Aurunci, enquanto que no setor costeiro os americanos avançaram além do Garigliano, em direção a Formia e a Itri.

 

As honras, durante os primeiros dias de combate, couberam aos franceses. Com um élan irresistível, assaltaram as elevações que se antepunham ao avanço. Na noite de 12 de maio haviam capturado Monte Faito, cortado uma importante estrada lateral de Formia a Cassino, e assaltado a cidade chave de Castelforte. No dia seguinte, as elevações de Monte Majo estavam em suas mãos. Seu avanço limpou de alemães as principais alturas que dominavam o vale de Liri pelo sul, cravou uma cunha na linha Gustav, e facilitou grandemente a tarefa dos americanos no setor costeiro bem como do 8° Exército ao sul de Cassino.

 

O setor de Cassino era o pivô de toda a ofensiva. Contra esse poderoso obstáculo, que durante tanto tempo barrara seu progresso, os Aliados desfecharam novo e maciço ataque. Passando da tática de ataques frontais para a de envolvimento, lançaram duas tenazes destinadas a flanquear Cassino e cortar a Via Casilina atrás de Cassino. No norte, os poloneses fizeram uma vigorosa tentativa para avançar para oeste e romper a barreira montanhosa acima da estrada, enquanto ao sul o esforço principal do 8o Exército foi empenhado num ataque através do rio Rápido.

 

Foi este avanço pelo sul que constituiu a maior ameaça à posição alemã. No norte, os poloneses conquistaram algum terreno no ímpeto do primeiro ataque, mas foram detidos pelos jovens e fanáticos nazistas da 1a Divisão de Pára-quedistas, aferradas a posições escarpadas e altamente defensáveis. Neste setor, os alemães lançaram prontamente reforços e desfecharam contra-ataques que recuperaram algum terreno perdido. Uma encarniçada luta se alastrou pela Serra Fantasma e pelas elevações em torno de Monte Cairo. Os poloneses tiveram seu avanço barrado, mas sua contínua pressão fixou ao terreno importantes forças alemães, enquanto os ingleses ao sul avançavam em direção ao vale de Liri.

Tratava-se de uma zona que, embora ainda restrita, oferecia certa margem para o emprego de forças relativamente grandes e para o uso de tanques em apoio das mesmas. Havia maiores possibilidades de esmagar as defesas pelo puro peso do ataque do que por manobras através do emaranhado de morros e serras ao sul da cidade. Mesmo assim era um empreendimento formidável. O vale não tinha mais de 16 km de largura, e em toda sua extensão era dominado por elevações de ambos os lados. De todas essas posições, os alemães podiam controlar a zona do vale e suas vias de acesso, colocando-as sob o fogo direto da artilharia, e a limpeza das alturas do sul, pelos franceses, na primeira fase do avanço, foi assim de grande importância no começo da ofensiva.

 

Essa vantagem dos alemães permitiu-lhes transformar o pequeno rio Rápido num poderoso baluarte defensivo. Embora estreito, o rio era por demais correntoso e profundo para ser cruzado pelas tropas atacantes. Era impossível construir pontes diante da observação e do fogo de artilharia dos alemães. As tropas tinham de atravessar em pequenos botes e escalar as escarpadas margens opostas sob o fogo concentrado de metralhadoras e morteiros. Cobrindo o vale mais adiante, encontrava-se um profundo sistema de pontos fortificados e obstáculos antitanques, protegido por extensos campos de minas e arame farpado. Logo que a primeira onda assegurava um ponto de apoio, os engenheiros carregavam, sob o fogo, os instrumentos e petrechos necessários, e os reforços, inclusive tanques, eram também passados para a outra margem.

 

A força e a resolução do ataque venceram estes obstáculos iniciais. Atacando numa frente de 8 km, o 8° Exército apoderou-se de um ponto de apoio através do Rápido, e a 13 de maio avançara 1,5 km além do rio. Duas pontes foram construídas através do curso d'água durante o primeiro dia, e embora fossem repetidas vezes danificadas tanto pelo fogo de artilharia como pelo tráfego, foram suficientemente reparadas de modo a possibilitar o rápido reforço da cabeça-de-ponte, e dentro de poucos dias a construção de outras pontes fizera com que outros caminhos fossem aproveitados. A penetração inicial foi rapidamente aprofundada, apesar da dura resistência e dos repetidos contra-ataques. Tropas indianas, apoiadas por tanques canadenses, capturaram a aldeia de Sant'Angelo, cujas casas haviam sido transformadas num labirinto de fortificações, eliminando um dos baluartes da linha Gustavo e ganhando o controle da rede de estradas que atravessaram o vale de Liri. Com grande vigor, o ataque avançou durante dois dias, cortando a estrada entre Pignatoro e Cassino e ampliando a cabeça-de-ponte para uma profundidade de 3 km.

 

A localidade de Pignatoro foi capturada por um ataque envolvente, na noite de 15 de maio. Com sua queda, a linha Gustav, já levada de vencida mais ao sul, cessou virtualmente de existir, e Cassino ficou em situação quase insustentável. Os nazistas combatiam ainda encarniçadamente para manter o que restava de suas defesas ao sul da cidade, enquanto o grosso da guarnição era retirado. Mas o assalto decisivo estava agora em curso, ao terem os poloneses desfechado novos ataques ao norte, enquanto as pontas de lança inglesas arremetiam pelo sul, cortando a Via Casilina. A 18 de maio os alemães foram expulsos das ruínas de Cassino perdendo 1.500 prisioneiros, que eram os últimos defensores. O principal obstáculo contra o qual os Aliados haviam esbarrado durante tanto tempo tinha finalmente sido levado de vencida, e toda a linha Gustav ao sul dos Apeninos estava agora em mãos dos Aliados.

 

O Avanço para Roma

 

A primeira fase do avanço fôra assim completada depois de uma semana de duros combates. As defesas iniciais alemães haviam sido espatifadas e os Aliados tinham quebrado as barreiras que guarneciam a Via Casilina. Mas ainda restavam formidáveis obstáculos para serem superados antes de abrir-se o caminho para Roma. Nos últimos três meses, os nazistas tinham estado trabalhando ativamente na construção de novas defesas, conhecidas pelo nome de linha Adolf Hitler, que cobriam as estradas acima da Via Casilina e do Vale Liri-Sacco. Ligando-se à linha Gustav no Monte Cairo, a linha Hitler corria por Piedimonte e Aquino e cobria a importante rodovia que levava a Pontecorvo e Pico, continuando para a costa, através de Fondi, até as vizinhanças de Terracina. Seus flancos eram guarnecidos por poderosas posições montanhosas. Seu setor central, através do vale do Liri; completava os obstáculos naturais formados por cursos d'água com um fosso antitanque de 20 km de comprimento e fortins de aço e concreto protegidos por campos de minas e redes de arame farpado. Os Aliados tinham de realizar mais um grande esforço para abrir o caminho de Roma.

 

Quando Cassino caiu, entretanto, a linha Hitler já estava ameaçada. Os alemães, que negavam agora haver qualquer linha defensiva com tal nome, mostravam suas dúvidas a respeito da estabilidade da mesma, mudando apressadamente seu nome para "D de Dora". Enquanto o 8° Exército estava absorvido numa dura luta pela posse de Cassino, o 5o Exército avançara, sem diminuir seu ímpeto, entre o vale do Liri e a costa. No começo do avanço os americanos encontraram forte oposição em torno da aldeia de Santa Maria Infante. Um combate de 60 horas resultou na derrota da resistência alemã; e enquanto o flanco esquerdo americano avançava ao longo da costa em direção a Formia, a ala direita fazia ligação com os franceses, que haviam a esse tempo, capturado Ausônia e estavam fazendo pressão sobre Spigno. A 17 de maio, tanto Spiqno como Castellonorato haviam sido tomadas e o 5o Exército avançava rapidamente em todo o setor através da linha Gustav.

 

Durante os dias seguintes os postos avançados da linha Adolf Hitler foram por sua vez dominados. A 18 de maio, quando caiu Cassino, os americanos capturaram Formia e os franceses expulsaram o inimigo do importante centro rodoviário de Espéria. Continuando seu avanço, os franceses expulsaram os alemães das elevações dominantes de Monte Faggeto e Monte d'Oro.

 

Tropas americanas capturaram Gaeta e avançaram através de Itri, ao longo da Via Ápia. A 22 de maio todo o setor sul da linha Hitler estava em perigo. O 5o Exército havia irrompido pelas montanhas de Aurunci e avançado pelas planícies mais adiante. As pontas de lança da casta combatiam nos arredores de Terracina, onde uma penetração inicial fôra repelida por meio de um contra-ataque. A captura de Fondi deu aos Aliados a posse de um importante centro rodoviário junto à linha Hitler. Uma ponta de lança francesa capturara Sant' Oliva e ameaçava as defesas principais. No flanco norte, os poloneses desfechavam resolutos ataques contra Monte Cairo e Piedimonte. No vale do Liri, todos os postos avançados da linha Hitler haviam sido capturados, e o 8° Exército se concentrava diante da posição chave que cobria Pontecorvo e Aquino.

 

A 23 de maio, a segunda fase da ofensiva foi aberta com um esforço concentrado para destroçar todas as tropas alemães ao sul de Roma. Na frente principal foi lançado um ataque geral contra a linha Hitler em toda a sua extensão. No flanco ocidental da cabeça-de-ponte de Anzio, que se mantivera quieta durante a primeira fase, passou a agir violentamente. E o duplo assalto ameaçava as forças alemães de cerco e aniquilamento.

 

A operação de Anzio, após quatro meses de desapontamentos e de atraso, pagava agora seus dividendos. Nesta restrita zona os Aliados haviam concentrado aproximadamente 150.000 homens, inclusive poderosas forças blindadas. Sob a coberta de tremendo bombardeio de artilharia e aviação, essas tropas desfecharam então dois maciços ataques contra o anel alemão que as prendia. No flanco esquerdo, os ingleses atacaram para o norte contra o setor que se estendia desde Aprilia até o mar; e no centro, o corpo de exército americano lançou um duplo ataque em direção a Cisterna e à Via Ápia.

 

Em três dias de encarniçados combates foram despedaçadas as defesas alemães. Os ingleses, cuja primeira investida os levou através do arroio Moletta, tiveram sua progressão retardada pelas defesas alemães nas elevações de Albano. Entrementes o avanço americano em direção a noroeste era coroado de completo êxito. Os nazistas lutavam tenazmente em Cisterna, mas o ataque cortou a rodovia de ambos os lados, e um assalto convergente por meio de tanques e infantaria expulsou a guarnição da cidade a 25 de maio. A linha de defesa alemã foi rompida, e através da brecha as forças americanas avançaram rapidamente em direção a Velletri e a Valmontone.

 

Nesta ocasião os exércitos alemães estavam em posição quase desesperada. Enquanto eram atacadas as defesas que guardavam seus flancos, sua frente principal estava sendo simultaneamente destroçada por um poderoso assalto contra a linha Hitler. Estando toda esta linha sob pressão, o setor vital que cobria o vale do Liri era atacado pelo corpo de exército canadense. A 23, uma larga cunha foi cravada ao norte de Pontecorvo. No dia seguinte a ruptura ficou completa, e poderosas forças moto-mecanizadas foram lançadas na batalha, abrindo caminho em direção ao rio Melfa. A linha Hitler desmoronava-se agora rapidamente. O bastião de Pico caíra em poder dos franceses na noite de 22 de maio. Ao norte, os Aliados venceram uma obstinada resistência e capturaram Piedimonte e Aquino. No flanco sul, os americanos expulsaram os alemães de Terracina e avançaram ao longo da Via Ápia. A 25 de maio suas patrulhas fizeram contato com as patrulhas das forças que se encontravam na cabeça-de-ponte de Anzio. Era um acontecimento que simbolizava a realização de esperanças havia muito adiadas e a ampliação do êxito da segunda fase da ofensiva. A frente aliada era agora contínua, e entre suas duas pontas de lança principais havia um largo bolsão em que o grosso do 10o e do 14o Exércitos alemães enfrentavam sério perigo de serem cercados.

 

Seu salvamento dependia da habilidade dos alemães de reterem o controle da Via Casilina. Para isso deviam manter firmemente Valmontone em seu poder, e assegurar uma linha nas elevações de Albano, através de Velletri. Uma ruptura nesta linha resultaria no flanqueamento de suas principais forças e na abertura de uma via de penetração direta para Roma pelo sul. Era igualmente necessário impedir que o 8° Exército irrompesse ao longo da Via Casilina, e retardar sua progressão pelo vale do Sacco, enquanto a frente ao sul de Valmontone recuava e as forças ao sul de Via Casilina eram retiradas de seu perigoso saliente.

 

Os alemães lutaram encarniçadamente para proteger suas vias de retirada. Aferraram-se obstinadamente às localidades de Velletri e Valmontone, enfrentando forte pressão, registrando-se ferozes combates no setor costeiro das elevações de Albano. Mas esta linha se encontrava sob pressão cada vez maior à medida que os Aliados abriam caminho para o norte, ao longo da estrada de Anzio, e ameaçavam os pontos poderosamente fortificados de Campoleone e Lanuvio. Mais para leste, os americanos aprofundaram seu saliente com a captura de Artena, a 27 de maio, aumentando a ameaça a Valmontone. Simultaneamente os alemães eram repelidos por meio de ataques frontais do 8° Exército, que avançava resolutamente. Pontas de lança canadenses irromperam através do rio Melfa depois da ruptura da linha Hitler. Um esforço alemão para manter uma linha retardadora ao longo da Via Casilina, entre Ceprano e Arce, foi desfeito pela captura de Ceprano, a 27 de maio. Arce caiu dois dias mais tarde, após obstinada resistência. A 31 de maio a queda de Frosinone privou os alemães da junção de duas estradas principais e complicou ainda mais a tarefa de retirar-se.

 

A este tempo as principais vias de retirada estavam todas seriamente ameaçadas. Ao sul de Velletri o 5o Exército mantinha completo controle da Via Ápia e da ferrovia paralela. A partir de Artena, a Via Casilina encontrava-se sob o fogo da artilharia. No flanco oriental, um súbito ataque por parte das tropas neozelandesas, através das montanhas em direção a Sora, punha em perigo a estrada e a ferrovia que levavam para o norte, partindo de Arce para Avezzano. Com a queda de Frosinone os alemães ficaram em grande parte dependendo de estradas secundárias para sua fuga.

 

A 31 de maio foram liquidadas as esperanças alemães de estabilizar a frente. Os americanos cravaram uma cunha entre Velletri e Valmontone, e então, por meio de uma manobra noturna de surpresa, lançaram-se atrás de Velletri, apoderando-se das elevações acima da cidade. Este êxito significava a condenação de toda a posição alemã. A 2 de junho os Aliados atacaram Velletri e Valmontone. Toda a linha ao longo das elevações de Albano foram destroçadas; e no dia seguinte o 5o e o 8° Exércitos fizeram contato na Via Casilina para fechar o cerco aos nazistas que ainda se encontravam ao sul da estrada.

 

O caminho para Roma estava aberto. A captura de Velletri e Valmontone quebrou a última linha possível de defesa ao sul da cidade. Não haveria motivo algum para defender a cidade de Roma, já agora aberta a um movimento de flanco pelo leste. O êxito da tática aliada preservara a capital italiana de tornar-se um campo de batalha, e todo o mundo civilizado recebeu o fato com alívio. Os alemães estavam agora interessados em manter Roma como um caminho de retirada para suas forças derrotadas. Houve tenazes combates retardadores contra a ponta de lança aliada que avançava de Valmontone. As retaguardas alemães combatiam nos próprios subúrbios de Roma; mas sua resistência foi vencida, e ao cair da tarde de 4 de junho os Aliados entraram na cidade - a primeira capital européia libertada da dominação nazista.

 

Para o Norte, até o Arno

 

A conquista de Roma marcou uma nova fase nos acontecimentos tanto políticas como militares. Desde a rendição italiana, os Aliados haviam estado enfrentando problemas semelhantes aos que haviam encontrado na África do Norte. O colapso do fascismo trazia uma grave ameaça de deslocamento de populações nas zonas libertadas. Nas cidades recém capturadas o serviço de abastecimento de gêneros alimentícios apresentava uma crise imediata no intervalo entre o colapso do sistema fascista de racionamento e o estabelecimento de um sistema eficaz de abastecimento e distribuição por parte dos Aliados. A escassez de mercadorias, a política de troca dos Aliados, os gastos com as tropas aliadas, a fixação do valor de troca da lira a menos de 100 por dólar - eram medidas que tinham sérios efeitos inflacionários. O mercado negro florescia apesar dos esforços para controlar os preços, os salários da classe média eram desesperadamente baixos, e a população urbana em geral era seriamente afetada pela resultante escassez de artigos essenciais.

 

Tal situação econômica agravou as controvérsias políticas que surgiram imediatamente após a invasão aliada. Tanto na Itália como nas democracias apareceram imediatamente as críticas à lentidão com que o governo militar aliado removia os fascistas dos postos de administração. As autoridades argumentavam que um expurgo imediato viria afastar todos os funcionários com preparo e experiência, e que era preciso tempo para encontrarem-se italianos capazes e merecedores de confiança, e que fossem ao mesmo tempo anti-fascistas. Sua preocupação imediata era impedir o colapso completo da administração civil, mas este método despertou amplas suspeitas de que certos chefes aliados locais achavam que as fascistas eram mais convenientes do que os democratas ou radicais.

 

Estes pontos de vista contraditórios se faziam sentir com particular violência em torno do próprio governo italiano. A controvérsia levantada em conseqüência do tratamento aliado para com Darlan foi renovada com a atitude aliada para com Badoglio e o rei. Também neste caso o motivo inicial era a preservação da continuidade e da estabilidade, a fim de que os Aliados pudessem concentrar suas energias nas operações militares. Mas o conservadorismo da Inglaterra e dos Estados Unidos em relação ao futuro político da Europa, ilustrado em particular modo pela simpatia declarada de Churchill para com os monarcas da Grécia e da Iugoslávia, cujos súditos, aliás, mostravam inclinação para dispensar seus futuros serviços, tornou mais forte a impressão de que os Aliados estavam menos interessados em encorajar uma ressurreição democrática do que em manter as instituições tradicionais dos países libertados.

 

Contra tal processo de agir levantaram-se vigorosas protestos na própria Itália. A queda do fascismo trouxe um renascimento da vida política e uma agitação no sentido de uma imediata democratização do governo. Seis partidos políticos apareceram e uniram-se num Comitê Nacional de Libertação, cujas exigências iniciais abrangiam não somente a renúncia de Badoglio e o afastamento do rei, mas também a abolição completa da monarquia. Tanto Badoglio como a Casa de Savoia - afirmavam - se haviam irremediavelmente comprometido por sua longa e íntima associação com o fascismo, e somente o seu afastamento completo poderia restaurar a liberdade da democracia italiana.

 

A resistência do Governo a tais exigências tinha o apoio dos Aliados, que sentiam que uma mudança tão drástica era pelo menos prematura. Somente uma parte da Itália fôra libertada, e esta parte era a mais empobrecida e a de menos consciência política. Não havia garantia de que os sentimentos expressos coincidiriam com as das províncias mais avançadas do norte, ou que velhos dirigentes como o conde Sforza ou o professor Croce pudessem falar pelas novas forças que se mostravam agora ativas no movimento subterrâneo na zona ocupada pelos alemães. Havia também certa preocupação a respeito da possibilidade de que um novo ministério pudesse se recusar a reconhecer os termos do armistício assinado por Badoglio. Evitar mudanças drásticas, pelo menos até que Roma fosse conquistada, tornou-se um ponto cardial da política aliada.

 

Nesta base foi gradualmente conseguido um compromisso temporário. Badoglio, embora apoiado no poder pelos Aliados, foi compelido a ampliar seu ministério com a inclusão de representantes dos novos partidos. Seus primeiros gestos neste sentido foram repelidos francamente. Em março, entretanto, essa rigidez de atitude havia sido modificada. Um fator que contribuiu para isso foi a decisão da Rússia de trocar representantes diretos com o governo de Badoglio, a isso seguindo-se a opinião comunista de colaboração com o ministério existente. Os partidos moderados foram encorajados a adotar essa linha quando tanto o rei como Badoglio prometeram publicamente que se retirariam logo que Roma fosse libertada. Na última parte de abril, as vários partidos chegaram a um acordo, e foi formado um governo de coalizão tendo Badoglio como primeiro ministro.

 

Isso, entretanto, foi considerado pelos participantes como um expediente temporário. Com a entrada dos Aliados em Roma chegou a ocasião para uma mudança mais sensível. A 5 de junho, o rei, embora mantendo o título, entregou o exercício ativo do poder ao príncipe Umberto como tenente-general. Ao mesmo tempo Badoglio resignou formalmente e foi formado um novo gabinete sob a chefia de Ivanoe Bonomi. Não era bem isso que havia sido planeado, pois se esperava que Badoglio formasse o novo governo e que permanecesse como primeiro ministro. Ao invés disso deixou se ficar completamente ignorado, e mesmo a pressão aliada não conseguiu fazer com que mantivesse um posto dentro do gabinete. Houve novas complicações a respeito da recusa do novo primeiro ministro de prestar juramento de Lealdade a Vitor Emanuel; mas depois de uma quinzena de incerteza as dificuldades foram em parte superadas, e a Itália entrou em nova fase de seu avanço para a democracia.

 

Entrementes a entrada em Roma não trouxe qualquer pausa à ofensiva. Os Aliados continuaram sua perseguição ao norte do Tibre com toda a velocidade que podiam desenvolver. Os exércitos alemães que fugiam diante deles não estavam longe de desintegrar-se. Embora os Aliados não tivessem noticiado grandes desenvolvimentos de tropas, suas profundas penetrações nas defesas alemães haviam dizimado as for,ações mais expostas. O 5o Exército capturara mais de 15.000 prisioneiros; o 8° Exército outros 6.000. Cálculos não oficiais estimavam em 60.000 o número de baixas alemães desde que começara o avanço. O 14o Exército alemão havia sido tão desfalcado que cessou momentaneamente de ser uma organização de combate. O 10o Exército sofrera pesadamente e algumas de suas melhores unidades virtualmente desapareceram. Na confusão da retirada, grandes partes dos dois exércitos foram dispersos em pequenos grupos que fugiam para o norte com todos os meios de que dispunham. Quando as forças invasoras atacaram no oeste, os exércitos alemães no sul encontravam-se numa completa debandada.

 

A nova grande posição defensiva encontrava-se a 240 km além de Roma, na região montanhosa ao norte do Arno. Aí os alemães haviam estado trabalhando ativamente na construção da linha Gótica, a última barreira eficaz antes do vale do Pó e das planícies da Lombardia. A missão de Kesselring era em primeiro lugar desengajar os restos de suas tropas derrotadas, e em segundo lugar organizar destacamentos de retaguarda suficientemente fortes para oferecer uma resistência retardadora que ganhasse tempo para que suas forças se reagrupassem em suas novas posições defensivas.

 

Seus esforços foram em grande parte coroados de êxito. A rapidez da retirada dos alemães permitiu-lhes evitar a perseguição muito de perto na zona ao norte de Roma. Embora os Aliados avançassem até 40 km em um só dia, achavam difícil manter contato com o inimigo em fuga. Enquanto a frente principal recuava rapidamente, as forças alemães ao longo do Adriático batiam em retirada de forma mais controlada e metódica. Kesselring ganhou um pouco de tempo, que aproveitou para restaurar em parte a ordem de suas tropas derrotadas e para trazer reforços do norte. Uma semana depois da evacuação de Roma, os alemães fizeram sua primeira tentativa de resistência firmando-se de ambos os lados do lado de Bolsena, ao longo do terreno montanhoso que cobria Orbetello, Orvieto e Terni. Esta linha improvisada foi levada de vencida após três dias de luta; e enquanto o avanço aliado ganhava novamente velocidade, uma força francesa desembarcava, a 17 de junho, na ilha de Elba, e três dias depois completava a sua conquista, no flanco marítimo da ofensiva. Apesar de tudo, a breve resistência em torno do lago de Bolsena prenunciava um fortalecimento geral da resistência alemã. As reservas vindas do norte haviam reforçado suas tropas desfalcadas, e vários dias de chuva retardaram a progressão aliada e deram aos alemães ainda mais tempo para organizar novas defesas. A 22 de junho estes haviam estabelecido fortes posições em torno do lago Trasimeno e desferiam violentos contra-ataques. A luta nesse setor foi a mais dura desde a queda de Roma; mas nos setores próximos à costa as pontas de lança continuaram a fazer progressos, e a leste, acima de Perugia, as defesas nazistas foram rompidas a 25 de junho. Mais uma vez os alemães foram obrigados a uma retirada geral, e os Aliados avançaram em direção a Siena e a Arezzo, enquanto nos flancos costeiros aproximavam-se cada vez mais dos portos de Livorno e Ancona.

 

Mas chegara ao fim o período de avanço rápido e fácil. Atrás de sua resistência de retaguarda, os alemães haviam organizado poderosas posições nas elevações ao sul do vale do Arno. A ponta de lança costeira capturou Cecina a 2 de julho, mas acima desse ponto seu progresso em direção a Livorno foi reduzido a passo de caranguejo. Para o interior, ao longo da vale de Era, outra ponta de lança do 5o Exército era detida por forte oposição alemã. A histórica cidade de Siena foi entregue sem luta, poupando assim seus inestimáveis tesouros de arte; mas além desse ponto, os alemães detiveram uma coluna francesa em Poggibonsi. No centro, o 8° Exército encontrou uma resistência igualmente forte além do lago Trasimeno em direção ao importante entroncamento rodoviário de Arezzo, e seu flanco costeiro encontrou crescente resistência ao aproximar-se de Ancona.

 

Sob poderosa e constante pressão, os alemães cederam vagarosamente. A 12 de julho os americanos, ao longo da costa e no vale do Era, irromperam através das defesas que os detinham havia uma semana. Dois dias depois os franceses tomaram Poggibonsi, e o 5o Exército avançou através das piores posições montanhosas ao sul do Arno. O ataque britânico em Arezzo rompeu a defesa nazista a 15 de julho e expulsou os alemães daquele importante centro de comunicações, e aproveitou o êxito por meio de uma poderosa travessia do curso médio do Arno. Toda a linha alemã recuou mais uma vez. Ancona caiu a 18 de julho. No dia seguinte Livorno e suas instalações portuárias, avariadas pelas destruições alemães, caíam em poder dos Aliados. O 5o Exército avançou, capturando os subúrbios meridionais de Pisa e limpando de inimigos a margem sul do Arno, desde a costa até Florença. Em direção a essa cidade convergiam os dois exércitos aliados. Na última parte de julho os alemães haviam sido expulsos dos portos avançados da linha Gótica, e os Aliados se concentravam para um assalto decisivo que deveria limpar de nazistas a península italiana.

 

A Ofensiva Aérea Aumenta de Intensidade

 

À medida que se aproximava a data da invasão, a preparação aérea no oeste se tornava cada vez mais complexa e urgente. O prolongado bombardeio da indústria de guerra alemã, nos três últimos anos, havia estabelecido os elementos básicos e necessários para a realização da fase final. A mais recente concentração contra a indústria aeronáutica em particular era uma contribuição vital para a supremacia aérea, que era absolutamente essencial para o êxito da operação. O ataque passava agora pelas fases que conduziam ao objetivo final. Tendo martelado as fontes das quais a Alemanha podia tirar seus futuros suprimentos de armas e equipamento, os Aliados voltaram-se para a tarefa de impedir que as abastecimentos já existentes alcançassem as zonas críticas. A destruição das principais vias de transporte alemães era o próximo passo; e além desse, estava a fase final - o assalto às defesas imediatas contra o ataque anfíbio que devia ser desfechado.

 

O programa envolvia muito mais do que um simples processo de completar um estágio e passar para o próximo. Os feitos da aviação raramente eram decisivos. Embora a indústria alemã pudesse ser seriamente danificada, não podia ser totalmente destruída pelas forças de que se dispunha e dentro do tempo previsto. Mesmo a destruição efetiva podia ser contrabalançada pelos trabalhos de reparo e reconstrução. A devastação do Ruhr permitira aos Aliados deixarem essa região de lado por seis meses e concentrar seus ataques sobre outros objetivos. Mas em março de 1944 o Ruhr estava novamente produzindo, e o reinício de ataques pesados era necessário para impedir sua reconstrução. Nenhuma pausa poderia ser dada à indústria aeronáutica alemã, cuja complexa organização e ampla dispersão em pequenas fábricas tornava possível o reinício da produção num tempo relativamente curto. A notável eficiência da organização alemã dos serviços ferroviários tornava ainda mais difícil desmantelar as principais vias de transporte senão por curto espaço de tempo. Mesmo assim aproximava-se o dia em que a maior parte da aviação aliada teria de ser retirada desses objetivos para apoiar a invasão, e para fazer frente ao perigo das bombas voadoras alemães. Nessa ocasião o assalto estratégico deveria ter alcançado um estágio que tornasse possível manter as vantagens conquistadas, empregando para isso apenas uma parte do efetivo da aviação de bombardeio aliada, e manter a produção de guerra alemã e os transportes reduzidos a um nível que não permitisse atender às exigências táticas da defensiva.

 

Durante todo o mês de abril, em particular, os Aliados enfrentavam assim a necessidade de manter um equilíbrio muito delicado em suas atividades aéreas. A data da invasão ainda não era suficientemente aproximada para permitir a suspensão dos golpes sobre a indústria de guerra alemã, embora fosse suficientemente iminente para exigir uma atenção cada vez maior sobre outros objetivos. A batalha contra a Luftwaffe devia ser continuada numa escala que haveria pelo menos de impedir que a mesma se restabelecesse dos tremendos golpes de fevereiro e março. Ao mesmo tempo, o peso da ofensiva contra os pontos ferroviários mais importantes aumentava à medida que os bombardeiros pesados iniciaram uma campanha sistemática, acompanhada de uma firme intensificação das atividades de forças mais ligeiras contra o sistema de transporte do norte da França e dos Países Baixos e contra as defesas aéreas avançadas dos alemães na zona de invasão.

 

Essas atividades grandemente diversas foram possibilitadas pelo contínuo aumento das forças disponíveis, que se refletia no número crescente de aviões empregados e no peso cada vez maior da tonelagem de bombas empregada. As operações diurnas e noturnas dos bombardeiros pesados haviam deixado de limitar-se a um simples ataque de saturação. Era impossível enviar poderosas forças contra múltiplos objetivos e manter ao mesmo tempo um ataque contínuo sobre a Europa ocupada pelos nazistas, com uma média de 10.000 toneladas de bombas por dia. Na noite de 18 de abril os bombardeiros pesados da RAF atacaram quatro centros ferroviários, com um total de 4.480 toneladas de bombas; e isso foi excedido, com uma tonelagem de 5.040, na noite de 20 de abril, em ataques que incluíram um reide de 1.800 toneladas sobre Colônia. As 2.200 toneladas arremessadas sobre Essen, na noite de 26 de abril, foram seguidas, num ataque efetuados, 24 horas depois, por 3.500 toneladas contra Friedrichshafen e três objetivos menores. Os golpes isolados que as forças diurnas desferiam eram menos pesados, mas igualmente freqüentes e até alcançavam áreas mais extensas, não sendo seus totais diários inferiores aos dos grandes ataques noturnos. Os totais mensais de todas as forças que atacavam a Europa alemã, que haviam sido de 60.400 durante março, subiram para 81.400 em abril e 133.700 em maio. A esse tempo, as forças médias e leves estavam lançando uma tonelagem mensal que excedia o volume despejado por todas as forças no ano anterior.

 

A 8 de abril as forças aéreas na Inglaterra e na Itália começaram um intenso ataque que durou quase sem interrupção até o dia da invasão. Um longo período de condições meteorológicas favoráveis contribuiu grandemente para a continuidade da ofensiva. Houve uma pausa forçada em meados de abril, e outra em meados de maio, mas ambas foram breves e esses dois meses, em geral, ofereceram as melhores condições de vôo durante os últimos dez anos. Em abril a RAF foi empregada em 15 grandes missões noturnas e es bombardeiros pesados americanos levantaram vôo em vinte dias. Maio foi ainda melhor, e as forças estratégicas estiveram em ação durante 27 noites e 25 dias. Mesmo quando os grandes bombardeiros foram obrigados pelo mau tempo a ficar no solo, as forças mais leves mantiveram o ataque, e os bombardeiros com base na Itália puderam freqüentemente atacar nos dias em que os aviões com base na Inglaterra não podiam decolar. Durante todo este período vital dificilmente houve um dia em que a Europa ocupada pelo Eixo tivesse um momento de descanso.

 

Durante o mês de abril o contínuo assalto contra a Luftwaffe foi em grande parte uma tarefa das forças diurnas. Bombardeiros americanos partidos da Inglaterra agiam desde Brunswick até Marienburg e de Stuttgart até Gdynia, incluindo suas operações dois pesados ataques a Berlim, em 18 e 29 de abril. Forças da zona do Mediterrâneo atacaram fábricas de aviões na zona de Jiena, bem como importantes objetivos nos Bálcãs e no norte da Itália. Durante o mês, 29 fábricas de artigos para aviação da Alemanha foram alvo de ataques aéreos. Juntamente com esses golpes contra a capacidade de substituição do material aeronáutico, foram desfechados outros contra as forças de caça existentes. Foram destruídos aviões no solo por meio de amplos ataques sobre as bases aéreas alemães, e no ar, quando as caças eram levados à batalha  sobre os objetivos estratégicos vitais. Houve forte oposição em Steyr em 2 de abril, em Brunswick a 8, em Oschersleben e Bernburgo a 11, em Munique a 24 de abril. O ataque a Berlim em 29 de abril custou aos Aliados 63 bombardeiros e 14 caças contra 88 aviões alemães que foram derrubados. Durante o mês de abril as forças americanas perderam 537 bombardeiros e 191 caças, mas os ingleses afirmaram haver abatido 1.282 aparelhos alemães e destruído no solo pelo menos 450. Em maio houve menos intensidade no ataque a fábricas de material aeronáutico, mas os centros ferroviários e os depósitos de petróleo foram objetivos que os alemães procuraram defender a todo custo, e Berlim, Brunswick e Leipzig foram teatro de ferozes combates aéreos. Durante o mês, os americanos perderam 716 aviões, inclusive 481 bombardeiros, e afirmaram ter destruído um total de 1.268 aviões alemães. Tais cifras mostravam que a Luftwaffe estava ainda em condições de desferir poderosos golpes; mas eram limitados a ocasiões bem escolhidas e seu custo era quase igual à capacidade de substituição a que estava agora reduzida a castigada indústria aeronáutica alemã.

 

A significação dessas profundas incursões tornou-se perfeitamente evidente ao ser desfechada a invasão. Embora a Alemanha mantivesse u:na considerável força de caça a custa do abandono da defesa de todos os seus centros, com exceção daqueles de importância mais vital, seus recursos eram tão precárias que lhe diminuíam seriamente a eficácia. O reconhecimento de que fora aberta uma grande lacuna no sistema alemão de produção aeronáutica, e que não se poderia mais contar com um contínuo fluxo de reservas, era um fator que restringia poderosamente as forças de primeira linha. Desta forma, uma das principais armas de que a Alemanha dependia perdera sua eficácia, ou talvez mesmo fôra colocada fora de ação. A produção de armas para as forças terrestres tinha também sofrido danos de vária extensão. Decorria um intervalo de seis meses ou mais entre a destruição de uma fábrica de armamentos e seus efeitos sobre o abastecimento de material na frente de batalha; mas os resultados da ofensiva aérea durante o verão e o outono de 1943 seriam sentidos na França e na Rússia durante as campanhas seguintes. Do que se precisava agora, além de continuar os esforços para reduzir ainda mais a produção, era intensificar os ataques contra as vias de comunicação por onde eram levados para a linha de frente as armamentos disponíveis. Uma das principais características no preparo da invasão foi a campanha tendente a aniquilar o sistema de comunicações que poderia dar flexibilidade à defesa e permitir que o equipamento e as reservas pudessem ser concentrados prontamente no ponto em que o perigo fosse mais imediato.

 

As grandes zonas industriais do norte da França e da Alemanha ocidental eram servidas por uma complexa rede de ferrovias. O desenvolvimento desse sistema fôra influído por considerações tanto militares quanto econômicas. Em nenhuma outra região do mundo os motivos estratégicos haviam pesado tanto na escolha das principais vias de transporte. Durante todo um século, a Alemanha e a França haviam estado constantemente preocupadas em criar facilidades para a rápida concentração de suas forças nas fronteiras em caso de guerra; e entre o Sena e o Elba uma série de linhas ferroviárias havia sido construída, dirigindo-se todas para os principais pontos de travessia do Reno.

 

Nas circunstâncias do momento, o principal interesse dos Aliados estava nas linhas que, procedentes dos centros militares e produtores da Alemanha, dirigiam-se para a costa do canal e para a zona tributária. Duas principais redes ferroviárias, ambas saindo da região de Hanover e Brunswick, forneciam as rotas mais diretas para esse setor da muralha do Atlântico. Uma delas atravessava a Bélgica, por Antuérpia e Gand, para Lille. A segunda, ainda mais importante, atravessava o Ruhr, para Duesseldorf e Colônia, e daí para Paris, através de Aachen (Aix-la-Chapelle) , Liège e Namur. Era essa a espinha dorsal de todo o sistema que atravessava o noroeste da França, e do qual saíam numerosas linhas com muitos ramais que se prolongavam lateralmente em direção à zona costeira. Mais para o interior, mas também muito importantes como rotas de abastecimento, havia as linhas paralelas de Coblença e Mogúncia, que ofereciam numerosas ligações partidas da linha tronco de Frankfurt, através de Manhheim e Karlsruhe, para a fronteira suíça. Abaixo de Paris, a principal ferrovia que, partindo do sul passava por Lyon, e as outras linhas que atravessavam o Loire em Orleãs e Tours, eram vias de comunicação pelas quais os reforças podiam ser rapidamente trazidos do sul da França. Finalmente Paris, de onde irradiavam as principais linhas ferroviárias, era o ponto focal para a distribuição do tráfego de toda a região.

 

Durante um tempo considerável este sistema esteve sob o ataque de forças leves, sofrendo assaltos ocasionais de bombardeiros pesados, que se dirigiam especialmente contra os entroncamentos. Desde o começo do ano tais ataques haviam aumentado de intensidade. Isso fez crescer ainda mais a tensão do sistema de transporte militar da Alemanha, mas havia pouca evidência de qualquer interrupção prolongada no tráfego. A dificuldade que tinha sido experimentada na Itália, no bloqueio das linhas de abastecimento por meio do ataque ,aéreo, mesmo onde tais linhas eram poucas e altamente vulneráveis, dava bem a idéia da magnitude da tarefa contra uma rede grandemente desenvolvida que oferecia múltiplas variantes. Não havia esperança de pôr fora de ação o sistema inteiro, especialmente levando em conta o fato de que somente os ataques repetidos contra objetivos individuais é que poderiam impedir a rápida reconstrução dos pontos avariados. Na melhor das hipóteses o ataque aéreo poderia impedir a eficácia dos movimentos do tráfego e reduzi-los a menos do que seria necessário para satisfazer inteiramente as necessidades militares.

 

Em conseqüência disso, a estratégia do engarrafamento, que fôra desenvolvida durante a ofensiva contra a produção de guerra alemã, foi agora aplicada às comunicações. Entroncamentos e quadros de manobras eram pontos vulneráveis na sistema ferroviário. As avarias de uma única linha poderiam ser reparadas num espaço de tempo relativamente curto. Era mais difícil reconstruir um grande quadro de manobras, com suas numerosas linhas e desvios; e era do funcionamento de tais quadros de manobras, como pontos distribuidores do tráfego, que dependia a máxima eficiência. Privados de suas instalações, os alemães achariam muito mais difícil manter elevado o rendimento do tráfego ou utilizar os meios mais diretos e rápidos para o transporte de tropas e abastecimentos.

 

A primeira fase do ataque coube principalmente aos bombardeiros pesados noturnos. Durante todo o mês de abril o grosso de suas atividades foi dirigido contra as centros ferroviários na Alemanha ocidental e contra o norte e o centro da França. Os ataques espalharam-se por um grande arco de Hanover até Lyon, com intensidade particular na zona que se estendia desde a costa do canal para a linha entre Colônia e Paris, mas com pesados golpes em centros como Brunswick, Osnabrueck, Karlsruhe, Mannheim e Tours. Enquanto Tours era um dos cinco principais objetivos nas pesadas operações da noite de 10 de abril, os outros quatro - Tergnier, Laon, Aulnoye e Ghent - situavam-se todos entre o Sena e o Reno. Os ataques ainda mais pesados na noite de 18 caíram sobre três entroncamentos na zona de Paris e em Rouen; e os ataques mais poderosos, duas noites depois, dos quais Colônia suportou o maior peso, caíram também sobre Ottignies, perto de Bruxelas, sobre Lens, e em La Chapelle, nos arredores de Paris.

 

A concentração do bombardeio noturno sobre o norte da França e da Bélgica e das zonas do Ruhr-Renânia foi ainda mais acentuada durante o mês de maio, quando bombardeiros diurnos pesados, que durante o mês anterior haviam realizado numerosos ataques contra centros ferroviários, desviaram efetivos muito maiores para assaltar esses objetivos. A 11 de maio, na operação mais pesada de até então contra esse tipo de objetivo, os Liberators atacaram três quadros ferroviários de manobras na França oriental, e as Fortalezas Voadoras atacaram Saarguemines e Luxemburgo, além de cinco pontas na Bélgica, de Mulhouse para Bruxelas. No dia 27 concentraram-se sobre os centros ferroviários ao longo do curso médio do Reno, inclusive Mannheim, Karlsruhe e Saarbruecken, bem como sobre três outros objetivas nessa região. Outros ataques durante o mês de maio atingiram uma área desde Paris até Berlim e Kiel; e na última parte do mês os bombardeiros pesados com base na Itália haviam estendido seu raio de ação de modo a atacar Lyon e outras objetivos no sul.

 

Durante todo esse período as forças leves se mantiveram ativas em seus ataques, que eram mais extensas que concentrados. Durante o dia as forças táticas, além dos ataques a outros tipos de objetivos, dirigiam golpes contra as linhas que ligavam Paris à costa do canal. Durante a noite poderosas forças de Mosquitos davam especial atenção aos objetivos na Alemanha, variando seus ataques entre os centras recentemente atingidos pelos bombardeiros noturnos pesados e outros centros que haviam sido anteriormente atacados e que já não estavam colocados tão alto na lista dos objetivas preferidos. Desta forma, enquanto cidades como Colônia e Dortmund foram periodicamente objetivos de grandes ataques, houve também repetidos assaltos contra Hamburgo, Berlim e Ludwigshafen, que eram agora objetivos menos freqüentemente atingidas.

 

Havia ainda outro tipo de ataque. Apesar da precisão maior dos bombardeiros diurnos, que completavam a destruição em massa causada pelos bombardeiros noturnos - alguns dos quais lançavam agora bombas de 6 toneladas com notável grau de precisão - importantes pontos ainda escapavam à destruição, havendo certas partes importantes do sistema de transporte que continuavam sendo bons objetivos. Era aí que os sabotadores representavam um papel inestimável. As atividades do movimento subterrâneo francês eram cuidadosamente combinadas com as dos bombardeiros. O descarrilamento das trens de tropas e de munição, os ataques contra locomotivas e material rodante carregado, a destruição de sinaleiras e mesmo a mudança de endereços para perturbar os embarques, eram atividades que os patriotas realizavam com êxito, e que aumentavam a confusão causada pelos ataques aéreos.

 

No ataque de longo raio de ação contra as transportes alemães, dois aspectos eram considerados de importância potencial. Um deles era a intensificação dos ataques contra o tráfego marítimo alemão. A medida que aumentavam as dificuldades do transporte ferroviário, o transporte por água tornava-se sempre mais essencial. Nos últimos dois anos os Aliados vinham dando cada vez maior atenção ao esforço de estrangular as linhas da navegação costeira alemã. Além dos ataques aos comboios, tanto por parte da aviação como da marinha, o trabalho de lançamento de minas aumentava de freqüência e extensão, e foi consideravelmente expandido durante a primeira metade de 1944, a um ponto tal que absorvia um décimo dos efetivos das forças do comando de bombardeio inglês. Era impossível estimar com precisão o efeito geral dessa forma de ataques, mas um episódio mostrará a eficácia de tais métodos, sob certas condições. Na noite de 12 de maio, uma esquadrilha de Mosquitos, numa ousada operação a baixa altura e numa noite de luar, lançou minas no canal de Kiel. O resultado foi o trancamento desta artéria vital durante 10 dias, numa ocasião em que o tráfego estava em seu ponto mais alto; e o Ministério do Ar calculou que pelo menos um milhão de toneladas de abastecimentos em caminho para a frente de invasão foram seriamente retardadas por esse ataque.

 

O segundo aspecto era a nova ofensiva contra a produção de petróleo. Desde o começo da guerra, o petróleo era considerado um das pontos vulneráveis da Alemanha. Os primeiros ataques contra as refinarias haviam sido encarados com grandes esperanças; e o fracasso alemão em apoderar-se dos campos petrolíferos de Baku era considerado em certos círculos como o prelúdio de um próximo colapso. Tais esperanças não foram realizadas, parte devido às drásticas restrições impostas à vida civil, parte devido ao desenvolvimento da produção de petróleo sintético. Em 1944 a produção alemã de combustível líquido sintético era avaliada aproximadamente em cinco milhões de toneladas, representando cerca de um terço de todos os recursos alemães. Outro terço vinha dos campos petrolíferos da Romênia, e o restante dos poços menos importantes da Galícia, Áustria e Hungria.

 

Mesmo assim, aceitando-se os cálculos aliados, a situação alemã com respeito à gasolina e aos lubrificantes era ainda decididamente fraca. Calculava-se que as forças armadas absorviam 90% da produção existente, deixando para fins civis o mínimo possível. A vasta expansão do bombardeio aliado durante os últimos dois anos, a extrema precisão conseguida, tanto pelo bombardeio noturno como pelo diurno, o grande alcance das operações resultante da utilização de bases italianas, tornaram possível ataques mais completos e devastadores às fontes da produção alemã de petróleo. Os resultados do ataque contra Ploesti, em agosto de 1943, encorajaram a opinião de que as refinarias de petróleo eram um alvo conveniente. Um ataque coroado de êxito contra esses objetivos teria os mais amplos efeitos. A máquina de guerra alemã sofreria pelos ataques contra os depósitos de petróleo dos tanques e da aviação, cuja produção já fôra tão seriamente atingida, e viria auxiliar a campanha contra as comunicações pela diminuição dos recursos do transporte motorizado numa ocasião em que os estragos nas ferrovias estavam obrigando os alemães a desviar grande parte de seu tráfego para as estradas.

 

Os ataques contra as refinarias de petróleo haviam sido uma das características da ofensiva geral contra a indústria de guerra alemã. As batalhas de Berlim e Hamburgo, o ataque à produção aeronáutica, a crescente atividade dos aviões com base na Itália, tudo colaborava para o mesmo fim. As refinarias de petróleo receberam cada vez maior atenção durante a primeira parte de 1944, até que, em meados de maio, houve sinais de que esses objetivos passavam a ter completa prioridade. Mesmo quando os bombardeiros pesados estavam engajados tanto na campanha contra o sistema ferroviário como contra as fábricas de aviões, fizeram o possível para iniciar um amplo ataque contra a produção petrolífera alemã. Os bombardeiros procedentes da Itália intensificaram seus ataques à Ploesti durante o mês de maio, deixando apenas uma refinaria em atividade, e mesmo esta foi atacada no começo de junho. As refinarias e depósitos na Áustria, na Hungria e na Romênia eram metodicamente visadas. Bombardeiros diurnos, saídos da Inglaterra, inauguraram uma nova fase da campanha, com um ataque contra quatro refinarias em Leipzig, a 12 de maio, enfrentando feroz oposição. Durante a última parte do mês variaram sua atividade entre assaltos a centros ferroviários e ataques periódicos contra as refinarias de petróleo da Polônia e da Alemanha oriental. No mês de junho verificou-se uma intensificação da campanha, passando a tomar parte nela os bombardeiros noturnos, desmentindo assim as esperanças nazistas de que o desencadeamento da invasão na frente ocidental obrigasse os Aliados a abandonar o bombardeio estratégico. O ataque a Gelsenkirchen, na noite de 12 de junho, foi seguido por uma série de pesados reides diurnos e noturnos dirigidos contra os principais centros de produção de petróleo. A 20 deste mês uma frota de mais de 1.500 aviões pesadas de bombardeio diurno, numa das maiores operações desse tipo, atacou 12 refinarias no norte da Alemanha e na Polônia. No dia seguinte um ataque contra Berlim, efetuado por mais de 1.000 aparelhos, marcou uma nova fase no desenvolvimento da técnica de mudar base de partida. Ao invés de voltar à Inglaterra, os aviões voaram para as bases russas, e a 26 atacaram os campos petrolíferas da Polônia e continuaram a viagem para a Itália, de onde, completando o circuito, voltaram para a Inglaterra poucos dias depois. Isso mostrava até que ponto era completo o cerco aéreo em que os Aliadas mantinham a Alemanha.

 

Os resultados da campanha contra os abastecimentos de petróleo da Alemanha eram considerados altamente satisfatórios pelos Aliados. No começo de julho, 55 refinarias e fábricas de petróleo sintético responsáveis por quase quatro quintos da produção disponível da Alemanha tinham sido seriamente avariadas. A produção em Ploesti baixou para pouco mais de um quarto do normal. A produção de abastecimentos sintéticos foi cortada pela metade, e a extração de fontes naturais sofreu quase outro tanto. Fontes oficiais inglesas afirmaram que os ataques de maio haviam reduzido de 25% a produção total do Eixo, e que tal perda aumentara para 40% em conseqüência dos bombardeios de junho. Neste nível, estava abaixo das necessidades das forças armadas alemães.

 

Tais resultados não eram necessariamente permanentes. Os Aliados haviam aprendido por experiência que uma refinaria avariada poderia ser colocada novamente em condições de produzir em poucas semanas, e seria preciso continuar a campanha para manter o baixo nível da produção. Também os resultados não seriam sentidos imediatamente nas frentes de batalha. O intervalo exercia nesse caso a mesma influência que no caso de qualquer produção industrial. Os alemães haviam acumulado estoques de petróleo suficientes para vários meses, e era ainda possível fazer certas restrições nos gastos civis e mesmo nos gastos militares. O efeito real, da mesma forma que na campanha contra a produção aeronáutica, estava em destruir as fontes de onde as reservas pudessem ser retiradas, e obrigar os alemães a lançar mão das reservas em depósito para enfrentar as necessidades normais. Os golpes acarretavam novas dificuldades ao Reich e podiam ser um fator que contribuiria para sua queda final, mas não havia ainda qualquer certeza de que seriam um elemento decisivo na determinação do colapso da Alemanha.

 

Todas essas atividades estratégicas tinham como ambiente geral a crescente intensidade da ofensiva tática. Três forças distintas haviam sido agora agrupadas numa única organização denominada Força Aérea Expedicionária Aliada, sob o comando de Sir Trafford Leigh-Mallory. Enquanto uma dessas forças tinha como missão principal a defesa aérea da Inglaterra, as duas outras a 2a Força Tática da RAF e a 9a Força Aérea dos Estados Unidos eram armas ofensivas, cujo equipamento, variando dos caças aos bombardeiros médios, lhes dava grande raio de ação e flexibilidade tática, ao mesmo tempo que poder de ataque.

 

Durante vários meses os bombardeiros pesadas estiveram também tomando parte importante nos ataques à zona do canal. No começo de maio seus efetivos foram empregados de modo mais definido nas operações ofensivas táticas. Na noite de 3 de maio os grandes bombardeiros da RAF pela primeira vez concentraram seus golpes contra as guarnições costeiras inimigas, atacando um depósito de tanques e caminhões em Mailly, um centro de equipamento aeronáutico em Montdidier e um depósito de munições em Châteaudun. Três noites depois, enquanto os golpes mais pesados eram desfechados contra Mantes e Ludwzgshafen, dois depósitos de munição na França eram igualmente atingidos. A 9 de maio as Fortalezas Voadoras e os Liberators tomaram parte nas operações contra objetivas táticos, atacando três quadros ferroviários de manobra e sete aeródromos, num dia em que 4.000 aviões de todos os tipos eram empregados contra a área da invasão. O desenvolvimento do assalto foi detido temporariamente pelo mau tempo, entre 12 e 18 de maio; mas seu reinício completo no dia 20 demonstrou o peso crescente do ataque das forças médias e leves, bem como das forças pesadas. Todos os tipos de avião com base na Inglaterra tomaram parte numa operação em que foram empregados cerca de 5.000 aparelhos que atacaram 19 junções ferroviárias e 8 aeródromos, bem como numerosos outros objetivos. No dia seguinte, uma força sem precedentes de caças e caças-bombardeiros exerceu a maior parte da atividade, atacando desde a Bretanha até o nordeste da Alemanha, numa vasta operação contra os aeródromos e o transporte militar. Essas operações estabeleceram a escala da ofensiva durante a última parte de maio, quando por dias sucessivos eram empregados 6.000 aviões e 8.000 toneladas de bombas eram lançadas sobre a Alemanha e a Europa ocupada.

 

O objetivo final da ofensiva era nada menos do que uma vasta neutralização de todas as instalações militares alemães que serviam a zona de invasão, desde as ferrovias até as defesas de costa. Um total de 99 objetivos específicos estava destinado a destruição ou neutralização antes de ser desfechada a invasão. A medida que aumentavam os danos nas estradas de ferro, as rodovias e as pontes recebiam maior atenção. Já a 3 de maio fôra anunciado que os quadros de manobras importantes num trecho de 160 km de Colônia para o golfo de Biscaia haviam sido avariados e que o tráfego pesado já não podia mais ser mantido ao longo dessa zona. A pausa dos bombardeios em meados de maio deu aos alemães uma oportunidade de reparar certos estragos, mas o reinício dos ataques desfez a vantagem. A 23 de maio a estação de rádio de Paris lamentava-se de que todo o sistema ferroviário francês estava em situação caótica e que o sistema hidroelétrico fôra destruído pelos sabotadores. O tráfego era ainda mantido por meio de reparações de emergência e pela diminuição do trânsito de civis, mas as avarias causadas nos depósitos e nos entroncamentos impediam as operações normais das linhas. As principais rodovias estavam sob persistentes ataques e as principais pontes, particularmente as que atravessavam o Sena, eram objetivos diários. No momento da invasão os alemães tinham virtualmente sido expulsos das estradas de primeira classe no noroeste, 50 das 82 junções ferroviárias escaladas haviam sido postas fora de ação, 26 das 29 principais pontes entre Paris e o mar haviam sido tornadas inúteis para o tráfego, e uma séria lacuna havia sido aberta em todo o sistema de comunicações entre o norte e o sul da França.

 

Outras instalações defensivas receberam tratamento semelhante. Aeródromos na zona costeira foram pesadamente atacados, num esforço para afastar as defesas de caças. Atrás dessa zona, pesados e repetidos ataques foram levados a efeito contra os campos de pouso em torno de Paris, e contra outros aeródromos, num amplo arco desde a Holanda até a França central, completado por ataques às principais bases da Alemanha ocidental. Estações elétricas, depósitos de munições, depósitos de material de transporte contavam-se entre os objetivos dos bombardeiros leves e médios. Torres de controle, centros de radio-localização e instalações de defesa anti-aérea eram grandemente atacadas. Aviões de caça e bombardeiros leves atacavam as defesas e concentrações de tropas ao longo da costa, inclusive sobre os pontas que já haviam sido visitados pelos aparelhos pesados da RAF em fins de maio e começo de junho.

 

O começo de junho trouxe a fase final, na véspera da invasão. Uma devastadora série de ataques, dirigidos especialmente contra a zona Calais-Boulogne, escondia o ponto real do ataque e fixava as forças alemães. Ataques concentrados caíram sobre 16 dos principais centros ferroviários, formando um arco que cobria a zona da invasão. A RAF, ria noite de 5 de junho, atacou as defesas costeiras, num assalto maciço, preliminar das formidáveis e contínuas operações que deviam cobrir o desembarque no dia seguinte.

 

A Invasão da Normandia

 

No começo de junho estava completa a preparação para o grande ataque. Na Itália os alemães fugiam desabaladamente ao norte de Roma, e as divisões que lhes restavam naquela frente podiam ficar fora do cálculo das forçais disponíveis para fortalecer a resistência no oeste. Na Rússia, grandes exércitos estavam em posição para desfecharem os golpes esmagadores que despedaçariam toda a frente desde o Báltico até os Cárpatos. Na Inglaterra haviam sido terminados os preparativos finais. As forças invasoras e os abastecimentos indispensáveis para sustentá-las estavam reunidos e prontos. A necessária concentração de navios atulhava os portos. A supremacia aérea aliada fôra estabelecida de modo completo sobre a zona de invasão e a tarefa de amolecer as defesas inimigas e as comunicações terrestres já fôra completada. E, sendo favorável a condição das marés durante a primeira semana de junho, chegara o momento da invasão.

 

O único fator restante era o tempo. Mesmo sob as melhores condições, o desembarque do outro lado do canal era, segundo as palavras de Eisenhower, "cheio de perigos e dificuldades maiores do que quaisquer outras já enfrentados por um exército invasor". Um período de tempestades no canal imporia obstáculos que poderiam ser desastrosas pára todo o empreendimento. No momento crítico a previsão do tempo era muito incerta. O plano original do ataque para o dia 5 de junho foi adiado quando o barômetro começou a cair. As previsões apresentadas aos comandantes às 4 da madrugada desse dia indicavam uma melhoria durante os dois próximos dias, mas as perspectivas eram ainda bastante duvidosas, capazes de causar alguma hesitação. Atacar seria correr um risco que poderia resultar na perda de todo o empreendimento. Mas a alternativa era um novo adiamento para o próximo período favorável, à espera do qual poderia perder-se um mês inteiro de tempo de verão, favorável à guerra de movimento. As perspectivas eram de que a travessia seria praticável apesar do forte vento no canal, que contudo não impedia e eficácia do apoio aéreo; as condições para as tropas aerotransportadas eram relativamente boas. Eisenhower decidiu correr o risco. Foram dadas ordens que puseram em movimento a grande operação militar, que bem mereceu o elogio de Stalin: "A história da guerra não registra nenhum empreendimento tão amplo em sua concepção, tão grandioso em sua escala, tão perfeito na sua execução."

 

Durante toda a noite uma armada de 4.000 navios se movimentou para as praias da Normandia. Uma frota aliada de cerca de 600 navios de guerra, dois terços dos quais eram ingleses, tinha a missão de proteger a passagem do canal e levar o comboio em segurança através dos campos de minas que guarneciam a costa francesa. A última operação foi realizada por 200 caça-minas apesar do mar agitado, da mudança das marés e do constante risco de serem percebidos pelo inimigo. Ao clarear do dia haviam sido abertas e marcados numerosos canais, facilitando o caminho em direção às praias onde havia ainda uma série de obstáculos que ficariam a cargo dos engenheiros.

 

O êxito desta operação inicial e de importância vital bem demonstrava a completa supremacia do poderio naval aliado. Ainda mais notável foi a segurança dada à força invasora contra a interferência alemã durante os momentos críticos da travessia do estreito. Os ataques de submarinos e lanchas torpedeiras, que estavam previstos, não se concretizaram. Foram tentados alguns ataques, repelidos com relativa facilidade. A atividade alemã aumentou durante os dias seguintes; mas quando, nas primeiras horas de 9 de junho, um grupo de quatro destróieres foi localizado pelas forças navais, essas belonaves inimigas foram atacadas e postas em fuga com a perda de duas delas e avarias nas restantes. Tentativas de incursões por parte de embarcações mais leves, durante o mesmo período, foram também frustradas. As perdas anunciadas a 13 de julho eram de seis destróieres aliados e oito navios menores, mas somente um único transporte de tropas foi afundado, e ainda assim praticamente sem perda de vidas. Desde a data da invasão uma vasta torrente de homens e abastecimentos atravessou o canal, sob a constante e eficaz proteção da força naval anglo-americana.

 

Este feito magnífico, por outro lado, foi possibilitado pela supremacia aliada. Atrás da expedição havia uma força de primeira linha de 11.000 aviões de todos os tipos, para fornecer completa cobertura aérea tanto para as forças navais como terrestres. O declínio da Luftwaffe foi dramaticamente evidenciado pelo fato de não ter conseguido desfechar um ataque amplo contra a expedição antes que esta tivesse chegado até as praias. Poucos objetivos mais tentadores já haviam sido apresentados aos bombardeiros do que os portos ingleses atulhados de barcos, nas vésperas da invasão, ou do que os navios que enchiam o estreito no dia D. Essa era a fase em que a operação era mais vulnerável ao ataque aéreo. Mas a bazófia de Goering de que "a invasão deve ser repelida mesmo que a Luftwaffe tenha de perecer", não tinha sentido. Nenhuma tentativa foi feita para deter a expedição ou frustrar o desembarque por meio de bombardeios em massa. A destruição do sistema alemão de rádio-localização privou os nazistas de todos os instrumentos de descoberta aérea. Mesmo o reconhecimento aéreo nazista perdeu a eficácia. As concentrações preparatórias foram sem dúvida conhecidas pelo inimigo, mas o desencadeamento da operação e a direção do golpe parece terem escapado à atenção dos aviadores, que deveriam ser os olhos sempre alertas dos defensores alemães do canal.

 

A situação desesperada da outrora poderosa aviação alemã foi evidenciada pelo recurso às bombas voadoras como sua principal arma de represália. Ainda que terrível sob muitos aspectos, especialmente em conseqüência de seu longo raio de ação, esta arma era entretanto completamente ineficaz como meio para derrotar a invasão ou para dificultar seriamente seu progresso. Foi somente na noite de 15 de junho, depois que a invasão já se achava em andamento havia dez dias, que o primeiro ataque de bombas voadoras foi desfechado sobre Londres. Demasiado tarde para ter qualquer efeito decisivo sobre as operações militares, este novo método de bombardeio era ainda por demais imperfeito nesta fase de seu desenvolvimento para poder ser eficaz contra objetivos militares. Faltava-lhe mesmo a relativa precisão que poderia ser conseguida por meio do rádio-controle. Esta falta de precisão tornava seu emprego adequado somente contra zonas tão extensas como Londres; e Londres, que suportou firmemente a blitz alemã quando eram pequeníssimas as esperanças de vitória, não iria permitir que esse novo ataque viesse quebrar-lhe o moral agora que a vitória estava tão próxima.

 

Este era o fato fundamental que anulava todas as esperanças que os nazistas haviam depositado em sua nova invenção. Dentro de tais limites, entretanto, os efeitos da bomba voadora estavam longe de ser insignificantes. Em sua forma atual não poderia ser um substituto ao ataque acurado por parte dos bombardeiros que a Alemanha não estava mais em situação de utilizar, e que eram os únicas que poderiam ter algum efeito na luta contra a invasão. Apesar disso, a bomba voadora podia ter certa eficácia contra Londres como centro industrial e de comunicações, cujo funcionamento era importante para finalidades militares. A defesa contra as bombas voadoras era, sob certas aspectos, mais difícil que contra os aviões pilotados. Acarretava a diversão de forças muito consideráveis da aviação aliada para derrubar as máquinas que se aproximavam e para bombardear as bases, de lançamento. Os Aliados ainda podiam destinar certo número de aviões para o bombardeio estratégico, mas este poderia ser muito mais pesado se não houvesse a necessidade de atacar as plataformas de lançamento das bombas voadoras. A gravidade do ataque com as bombas voadoras - ataques de inquietação - era aumentada pelo fato de que era independente de considerações tais como a escuridão ou o mau tempo, e seu volume era condicionado somente pela capacidade dos alemães de produzirem bombas e plataformas de lançamento em quantidade suficiente. Além disso, a bomba voadora ainda estava numa fase experimental, e se poderiam esperar novos aperfeiçoamentos que melhorassem sua velocidade, alcance e precisão, bem como seu poder explosivo. Churchill afirmou que os ataques contra as plataformas de lançamento que estavam sendo preparadas e contra as estações experimentais, como a de Peenemunde, tinham atrasado de seis meses a ofensiva das bombas voadoras. Se isso era exato, constituiu um êxito notável, pois significava que o ataque começou tarde demais para servir à sua finalidade básica, ao invés de passar por um período preliminar que tivesse tornado possível o seu aperfeiçoamento, transformando a bomba voadora numa arma muito mais perigosa quando a invasão se verificasse.

 

O ataque aliado contra o continente europeu começou depois da meia-noite de 6 de junho, com operações de tropas aerotransportadas, numa escala sem precedentes. Tropas pára-quedistas, seguidas pouco depois por unidades transportadas em planadores, foram lançadas em locais escolhidos sobre uma vasta área. Parte de sua finalidade era confundir o inimigo quanto ao verdadeiro ponto de ataque, fixar suas tropas em outros setores, e dificultar suas comunicações com as praias de invasão. Os alemães anunciaram consideráveis desembarques em todo o litoral, desde a embocadura do Sena até a extremidade da península de Cherburgo, e para o interior até Argentan. Muitas dessas unidades atacando fora da principal zona de assalto, eram elementos a serem sacrificados no trabalho de diversão e obstrução, tão importante durante a fase inicial da luta para manter um ponto de apoio.

 

Atrás dessas principais praias pelo menos três divisões aerotransportadas atacaram profundamente para o interior das defesas inimigas. A 6a Divisão inglesa aerotransportada capturou um ponto de apoio a leste do rio Orne, imediatamente ao norte de Caen. A 101a divisão americana desceu na zona de Carentan-Isigny, e a 82a divisão americana atacou nas vizinhanças de St. Mère Eglise, através da estrada de Carentan a Cherburgo. Sobre essas forças recaía a tarefa não somente de destruir às pontes que pudessem ser utilizadas pelos alemães, mas de capturar e manter as pontes e outras posições úteis aos Aliados. Mais próximo da costa, outras formações atacaram núcleos de artilharia e de defesa que guarneciam as praias. Os defensores da linha de frente viram-se imediatamente tomados de assalto tanto pela frente como pela retaguarda, enquanto sua ação era dificultada por fortes destacamentos aliados interpostos entre suas principais comunicações. As forças aerotransportadas, poderosamente reforçadas durante os dois dias seguintes, repeliram ataques intensos e conseguiram finalmente estabelecer ligações com as tropas que lutavam para abrir caminho para o interior.

 

 

A Batalha do Litoral

 

A força assaltante, ao comando do general Montgomery, era o 21o Grupo de Exércitos, composto de dois exércitos. À esquerda, o 2.° Exército inglês, a que fôra juntada a 3a Divisão canadense, incluía veteranos como as do 8° Exército de Montgomery, a 50a Divisão de Northumberland, a 51a Divisão de Highlanders, e a 7a Divisão de Tanques. Esta força recebeu como zona de ação uma série de trechos de praia, desde a embocadura do Orne até Port-en-Bessin. A direita, o 1o Exército americano, que incluía também unidades veteranas da Tunísia e da Itália, atacou em duas principais praias de cada lado do estuário do Vire, na extremidade oriental da península de Cherburgo.

 

Os desembarques foram cobertos por um maciço bombardeio tanto de mar como do ar. Começando pouco antes da meia noite, vagas de bombardeiros pesados, num total de 1.300 aviões, despejaram 5.000 toneladas de explosivos nas defesas costeiras, enquanto forças mais leves atacavam as estradas e pontes atrás da zona de invasão. Com o clarear do dia o ataque ficou a cargo de uma força igualmente poderosa de bombardeiros americanos, e as forças táticas atacaram posições, concentrações de tropas e aeródromos. Durante todo o dia a Luftwaffe não deu sinal de vida. Uma cobertura aérea quase perfeita foi mantida sobre as praias bem como sobre o canal, e tal feito, juntamente com a cortina protetora que a marinha mantinha contra a interferência pelo mar, tornou possível o emprego ousado da frota para dar apoio de artilharia ao desembarque. Não somente os destróieres, mas também cruzadores e couraçados - três americanos e meia dúzia de ingleses estavam presentes nessas águas limitadas, enfrentando o perigo das baterias de costa bem como dos bombardeiros e submarinos. Seus canhões pesados esmagaram as plataformas fortificadas de artilharia que haviam resistido ao bombardeio aéreo. E, à medida que continuavam as operações, os couraçados puderam aproximar-se mais da costa e dar apoio imediato aos desembarques que encontravam dificuldades.

 

A primeira vaga de assalto partiu à.s 6.30, em pleno dia. Uma maré crescente, que ainda não havia coberto as praias, expunha muitas das minas e obstáculos e facilitava o trabalho dos engenheiros na limpeza do caminho para a praia. Nem todas as dificuldades foram vencidas. Um forte vento tornou difícil aos botes de assalto manterem abertos os itinerários de penetração, e alguns foram destruídos pelas minas ou ficaram presos aos obstáculos submersos que impediam a aproximação às praias. Botes de assalto e tanques anfíbios foram perdidas na arrebentação das ondas, e outros foram atingidos pelo fogo das defesas de costa que ainda estavam em ação. Mesmo assim, tais perdas foram muito menos numerosas do que se poderia razoavelmente esperar, e uma grande parte da força atacante conseguiu abrir caminho até a praia.

 

Na praia havia também outros obstáculos. Os campos de minas se estendiam para o interior numa largura de mil metros. Pesadas redes de arame farpado estendiam-se entre as dunas. Quebra-mares de concreto e altos penedos dominavam algumas praias, e as entradas estavam bloqueadas por outras barreiras de arame e concreto. No terreno elevado perto da praia foram construídos complicados sistemas de trincheiras, reforçadas por fortins e casamatas e posições de tiro de concreto, e desses pontos fortes um sistema de tiro cuidadosamente demarcado cobria todos os metros de terreno com um fogo cruzado de morteiros e metralhadoras, apoiados pela artilharia de campanha. Essa era a primeira parede da muralha do Atlântico, e não era uma linha sólida, mas uma série de pontos fortificados destinados a absorver o primeiro choque e dizimar grande parte dos assaltantes.

 

O êxito do ataque a essas formidáveis defesas variou de praia para praia. Onde as principais plataformas de tiro haviam sido postas fora de ação pelo bombardeio preparatório, ou tomadas logo de início pelos pára-quedistas ou pelos comandos, as tropas de desembarque capturaram os primeiros objetivos com relativa facilidade. As forças da guarnição costeira variavam de qualidade, e incluíam mesmo convocados das populações subjugadas que tinham pouco entusiasmo por essa resistência final. No flanco direito, o desembarque americano ao sul de QuinèviIle encontrou apenas uma resistência moderada. Em geral isso se verificou no setor britânico, embora uma força canadense tivesse sido fixada ao terreno durante cinco horas pelo fogo de morteiros e metralhadoras, sendo incapaz de progredir até que o couraçado Arkansas e dois cruzadores franceses se aproximaram para esmagar pelo fogo os alemães situados numa elevação a 800 m para o interior. A situação mais crítica desenvolveu-se no centro, onde tropas americanas haviam desembarcado a leste do estuário do Vire. Aí os alemães estavam colocados no alto dos penedos em que tinham sido construídas poderosas plataformas de tiro. Muitas dessas haviam escapado à destruição, e daí uma saraivada de projéteis cobria a praia. A defesa era fortalecida pela presença de uma nova divisão de boa qualidade recentemente trazida para aquele setor, e que realizava exercícios contra a invasão no momento em que foi atacada. O mar agitado dificultou o desembarque. Os canhões alemães abriram fogo contra os navios de desembarque no momento em que estes baixavam suas rampas, despejando uma chuva mortal dentro dos navios abertos. Os homens que alcançavam as praias eram obrigados a meter-se em abrigos individuais para defender-se de um mortífero fogo cruzado. No fim do dia tinham avançado apenas uma centena de metros, e sua posição era extremamente precária. A coragem obstinada das tropas de apoio, ajudadas por uma poderosa ação das forças de mar e do ar, salvou a situação, e no segundo dia também este ponto de apoio estava garantido.

 

Quarenta e oito horas depois do desembarque, era evidente que a primeira fase havia sido completada com êxito brilhante. As sete divisões que os Aliados lançaram à praia na primeira vaga aumentavam rapidamente. A crosta das defesas costeiras tinha sido perfurada, e as praias capturadas estavam aumentando de área, tornando-se uma faixa contínua do litoral. Simultaneamente, foram lançadas para o interior pontas de lança para aprofundar e consolidar a cabeça-de-ponte. Apesar do mau tempo ter voltado no segundo dia, continuou o fluxo de reforços e abastecimentos, e a aviação aliada manteve a Luftwaffe em cheque e continuou sua destruição das comunicações alemães. A 7 de junho forças canadenses e inglesas haviam tomado Bayeux e lutavam nos arrabaldes de Caen. A 9 as forças americanas tomaram o controle de St. Mère Eglise e se plantaram a cavaleiro de uma das principais rodovias que conduzia a Cherburgo. No dia seguinte caiu Isigny, e as colunas dos dois setores americanos convergiram para Carentan.

 

Consolidação da Cabeça-de-Ponte

 

Tornou-se desde logo evidente a amplitude do plano de operações aliado. A zona escolhida encontrava-se entre o Sena e o Loire e incluía as penínsulas de Cotentin e da Bretanha, com os portos de Cherburgo e Brest. Essa zona estreitava-se, tornando-se como que uma cunha entre Paris e Orleães, com os vértices sobre o canal Sena-Loire. Esses cursos d'água ofereciam proteção aos flancos da ofensiva, à medida que esta se expandia, e davam à aviação a possibilidade de fechar a zona de batalha dentro de seus limites. Durante todo o período após o desembarque, os aviadores aliados mantiveram seu incessante martelar nas pontes sobre o Loire e o Sena e sobre as ferrovias que alimentavam a zona da invasão. Forças táticas de grande raio de ação atacavam as estradas quase sem cessar, de tal modo que os alemães dificilmente se aventuravam a deslocar-se de dia. Completando o assalto aéreo, havia o trabalho dos guerrilheiros franceses que desencadearam uma bem planeada campanha de sabotagem contra as estradas de ferro no interior, impedindo o movimento das tropas e abastecimentos e iniciando insurreições de guerrilheiros na parte central e meridional da França, que ocupavam várias divisões de tropas policiais alemães. Se tais esforços ainda não conseguiam bloquear a vinda de reforços alemães para a Normandia, dificultavam sua rapidez, e com isso a rapidez com que Rommel poderia concentrar suas reservas para o contra-ataque.

 

Pana seu êxito completo o plano aliado dependia da rapidez da penetração. Os desembarques foram realizados num setor costeiro menos poderosamente guarnecido do que Passo-de-Calais, e avançaram entre os portos fortemente defendidos de Havre e Cherburgo. Isso tornou mais fácil a conquista do primeiro ponto de apoio, mas também acarretou certas desvantagens. Até que pudessem ser improvisados portos, os invasores dependiam dos abastecimentos e reforços que conseguissem desembarcar nas praias. Tinham os Aliados a certeza de que o terreno baixo e coberto de bosques que formava a base da península de Cherburgo seria inundado de tropas alemães a fim de retardar a penetração para o interior. A região da Normandia, com seus campos separados por profundas fossas e outros obstáculos, oferecia poucas oportunidades para rápidas e poderosas penetrações por parte das forças blindadas ou mecanizadas, e fornecia posições já preparadas para uma ação retardadora. Mesmo assim, a surpresa tática conseguida pelos desembarques iniciais devia ser seguida por uma rápida exploração para que se pudesse avaliar dos resultadas.

 

A tarefa principal das forças nazistas era impedir tal exploração, e em segundo lugar esmagar a invasão em suais fases iniciais por meio de uma contra-ofensiva decisiva. Para isso dispunham de cerca de 60 divisões na França e nos Países Baixos, sob o comando do marechal von Rundstedt. A maior parte desta força permanecia na costa do canal da Mancha, com o marechal Rommel como comandante imediato das forças encarregadas de repelir a invasão. A concentração mais poderosa encontrava-se na área cujo centro era Calais. Aí o 15o Exército alemão mantinha guarda, com 10 das suas 25 divisões postadas numa linha ao longo das praias e dos portos. Entre o Sena e o Loire o 7o Exército guarnecia a verdadeira zona da invasão com 7 de suas divisões ao longo da praia. Atrás dessas guarnições costeiras permaneciam as reservas móveis, incluindo pelo menos 9 divisões mecanizadas, onde havia muitas unidades da Guarda de Elite, composta de jovens e fanáticos nazistas, cujo ardor combativo os colocava entre as melhores tropas de que dispunha agora o exército alemão.

 

O emprego eficaz dessas forças era perturbado por desentendimentos a respeito dos aspectos fundamentais da estratégia a ser aplicada. Rommel era partidário de uma resistência completa à invasão. Advogava uma poderosa resistência nas praias de desembarque seguida por contra-golpe rápido e esmagador que repelisse os Aliados para o mar. Calculava que a decisão poderia ser obtida contra a primeira tentativa aliada antes que os invasores pudessem desfechar novos ataques. Von Rundstedt, cuja reputação como estrategista ofuscava o gênio de Rommel como tático, estudava as possibilidades sob um ponto de vista mais amplo. Preocupava-o a idéia de que uma poderosa finta aliada pudesse desviar o grosso de suas forças disponíveis abrindo caminho para um grande esforço aliado em outro ponto que pudesse ficar assim exposto pela retirada das reservas. Advogava uma cuidadosa ação retardadora, baseada em dispositivos escalonados em profundidade que contivessem os primeiros desembarques aliados e ainda mantivessem poderosas forças alemães em reserva até que fosse percebida a direção do principal golpe aliado.

 

Se os métodos de Rommel derrotariam ou não a invasão é assunto de especulações. Como superior, von Rundstedt pôde fazer prevalecer seus pontos de vista, com grande vantagem para os Aliados. A precaução e a retardamento que caracterizaram a estratégia defensiva alemã deu ao desembarque da Normandia a possibilidade de crescer e fortificar-se. A fraqueza básica de qualquer dos dois planos residia simplesmente no fato fundamental de que os alemães não tinham reservas suficientes para desferir um golpe decisivo contra o primeiro desembarque e manter ainda forças em condições de enfrentar outros desembarques que se seguissem. Mesmo quando se tornou evidente a importância da operação da Normandia, os Aliados continuaram a manter a ameaça de um novo e mais poderoso esforço contra o inimigo. Esta ameaça imobilizou o 15o Exército alemão e impediu o seu emprego num período crítico, quando a situação era fluida e antes da cabeça-de-ponte da Normandia ser bastante profunda e sólida para resistir a um ataque em grande escala.

 

Em conseqüência disso, os Aliados puderam manter a iniciativa durante toda a operação. Rommel jamais conseguiu concentrar as forças superiores necessárias para um golpe decisivo. Em realidade já havia demasiados pedidos urgentes de reservas alemães para que pudessem ser enviados grandes efetivas para a Normandia. A derrocada na Itália, a crescente ameaça na frente russa, que se transformaria em breve numa tempestade que varreria tudo que encontrasse pela frente, o persistente temor de novos ataques em outros pontos no ocidente ou no Mediterrâneo, absorviam todas as forças disponíveis. A resistência à invasão fôra um elemento fundamental da grande estratégia alemã. Em sua capacidade para repelir o ataque no oeste residia a última oportunidade dos nazistas de evitar o desastre. O Volkischer Beobachter admitiu francamente que o fracasso deste objetivo significaria simplesmente o fim. Mesmo com todo o seu destino dependendo do resultado, os alemães não puderam, no momento decisivo, correr o risco de enfraquecer qualquer outra frente a fim de procurar manter seu objetivo supremo. Este fato por si só era a prova mais alta da eficácia da coordenação aliada.

 

Em conseqüência, Rommel ficava dependendo quase inteiramente de suas reservas táticas, completadas por umas poucas divisões retiradas de setores vizinhos. Mesmo sua capacidade de lançar essas forças prontamente em ação ficou seriamente dificultada pela confusão causada às comunicações. Em vista de tais dificuldades, Rommel não agiu com a rapidez conveniente. No fim da primeira semana as forças que enfrentavam os Aliados haviam sido duplicadas, passando a um total de aproximadamente 15 divisões. Mas a esse tempo os Aliados colocaram na zona de invasão 20 ou mais divisões, e essa margem de superioridade cresceu rapidamente durante as semanas seguintes. Rommel foi capaz de desfechar fortes contra-ataques locais em pontos escolhidos, mas nunca pôde, diante da incessante pressão aliada, passar à contra-ofensiva geral.

 

Rommel. entretanto, conseguiu impor aos Aliados certo atraso que os impossibilitou de atingir rapidamente numerosos objetivos-chave. Embora as defesas das praias fossem quebradas nas primeiras 24 horas, havia pela frente ainda outras ramificações da muralha do Atlântico, e a resistência encontrada deu à defesa um tempo valioso. Lançando ao combate as forças que se encontravam à mão, Rommel logrou limitar consideravelmente a penetração aliada. As esperanças de se apoderarem de Caen e St. Lô e cortar a península de Cherburgo antes que os alemães pudessem refazer-se do primeiro choque, viram-se condenadas ao fracasso. O ímpeto inicial do ataque foi detido a poucos quilômetros para o interior, e os aliados tiveram de se comprometer numa série de combates locais em seu esforço para ampliar e fortalecer sua cabeça-de-ponte, enquanto simultaneamente estavam ocupados em trazer mais tropas que tornassem possível a realização de operações maciças logo que fossem conquistadas as necessárias posições avançadas.

 

A 12 de junho os Aliados mantinham uma faixa contínua de costa de 100 km de comprimento, com uma profundidade que variava até 30 km. Enquanto aumentavam seus esforços para aprofundar a penetração na direção de Caen e St. Lô, atacavam simultaneamente numa tentativa para cortar a península de Cherburgo. Nesta última zona as tropas americanas encontraram dura oposição das guarnições locais no pontos-chave. Carentan, o centro de comunicações de importância fundamental, na base da península, foi tomada depois de encarniçados combates e mantida apesar de fortes contra-ataques. Os esforços para estender o flanco direito em direção a Cherburgo encontraram grande resistência. Foi somente a 15 de junho que conquistaram o pequeno porto de Quinèville. Montebourg foi tomada e perdida várias vezes. Os esforços para ultrapassá-la através de Valognes tiveram pouco êxito, e ao sul desse ponto uma coluna procedente de St. Mère Eglise encontrou grandes dificuldades em sua tentativa de avançar a oeste de St. Sauveur-le-Vicomte.

 

A Captura de Cherburgo

 

Na segunda semana, entretanto, a firme pressão aliada se fez sentir. Os principais esforços de Rommel estavam voltados para a tarefa de conter os Aliados antes de Caen e St. Lô. Diante da escolha entre este objetivo e uma tentativa para salvar Cherburgo - e o fato de que tivesse de fazer tal escolha já era um importante sinal dos limitados recursos de que Rommel dispunha o primeiro objetivo era mais vital. Não havia tropas que pudessem ser desviadas para a península de Cherburgo, cujas guarnições foram deixadas para oferecer a resistência mais firme que pudessem com as forças de que dispunham, diante de três pontas de lança que os americanos estavam atirando para frente nas regiões de Carentan, St. Mère Eglise e Montebourg.

 

Foi a coluna central que rompeu finalmente as defesas. A 16 de junho abriu caminho, a viva força, para o interior de St. Sauveur e cortou a principal ferrovia para Cherburgo. Houve ainda encarniçada luta a oeste da cidade, mas dois dias depois a coluna americana alcançou o mar em Barneville. Fôra aberto um corredor através da península; e enquanto um lado do mesmo avançava para o sul, em direção a La Haye du Puits, o outro avançava para o norte, para aproximar-se da fortaleza de Cherburgo.

 

Os alemães punham agora suas esperanças na capacidade da guarnição de Cherburgo para resistir a um longo sítio que impusesse novo retardo aos Aliados. Em torno do porto havia poderosas fortificações, e tropas do interior das posições próximas travavam uma encarniçada ação retardadora ao se retirarem em direção à cidade. As defesas de Cherburgo estavam construídas para enfrentar um assalto por mar; e embora os fortes de Octeville e Roule reforçassem a defesa pelo lado terrestre, as vias de acesso pelo sul, em geral, estavam cobertas de fortificações improvisadas que formavam a parte mais vulnerável do perímetro.

 

A 21 de junho o sítio aliado estava completo. Foi feito um pedido formal de rendição para a manhã seguinte; e quando o mesmo não teve resposta, foi desfechado o ataque contra as fortificações. Um tremendo ataque aéreo, que começou pouco depois do meio-dia de 22, foi seguido por um maciço bombardeio de artilharia, e às 14 horas a infantaria se lançou ao ataque. No dia 24 foi aberta uma cunha nas defesas do sul, depois de encarniçada luta. No dia seguinte verificou-se o clímax. Enquanto os navios de guerra martelavam a guarnição pelo mar, três colunas assaltavam a cidade pelo leste, sul e oeste, ultrapassando muitos dos restantes pontos fortes e convergindo sobre o porto. Remanescentes da guarnição ofereceram uma última resistência no arsenal junto ao porto, mas a 26 de junho a maior parte da cidade estava em poder dos Aliados e somente alguns poucos ninhos de resistência faltavam ser liquidados. Houve ainda alguma luta com as forças alemães que se retiravam para a extremidade noroeste da península; mas a 1o de julho foram dominadas. Toda a zona, e com ela 35.000 prisioneiros, caíram em mãos dos Aliados.

 

A conquista de Cherburgo foi um acontecimento de primeira ordem. Os Aliados possuíam agora um grande porto, cuja utilização aumentava grandemente a rapidez e o volume dos abastecimentos que podiam ser postos na zona de invasão. Até então os Aliados, para se suprirem, haviam dependido inteiramente das praias, com a conseqüente dificuldade de desembarque do material pesado e relativo perigo de interrupção pelo mau tempo. Em contraste com as condições favoráveis que haviam prevalecido durante os meses anteriores, era esse o pior mês de junho que se deparava em mais de um quarto de século. O mau tempo retardou, em várias ocasiões, o desembarque de homens e material, particularmente pelo dia 20, quando uma ventania nordeste durante quatro dias revolveu o mar. A situação não seria solucionada imediatamente com a tomada de Cherburgo, pois as destruições haviam sido extensas e eficazes, ao ponto do almirante responsável pelas mesmas receber uma condecoração de Hitler. Mas o fato de que o porto ficaria em breve em condições de ser utilizado aumentava as boas perspectivas aliadas; e a força organizada nesse ínterim, pelo uso de portos pré-fabricados, constituiu um magnífico tributo à eficácia da organização aliada e à dedicação e energia das homens encarregados daquele trabalho.

 

A Luta pelo Espaço de Manobra

 

O êxito em Cherburgo fôra auxiliado diretamente pelas operações que entrementes estavam em curso nos outros setores. Conquanto não se registrassem fatos espetaculares na frente britânica, o encarniçamento da luta e a aguda preocupação dos alemães para impedir qualquer avanço, haviam fixado a maior parte dos efetivos de Rommel e permitido que o ataque sobre Cherburgo fosse levado a bom termo sem interferência de novos reforços alemães.

 

A capital normanda e o centro de comunicações de Caen eram o pivô dessas operações. Os Aliados haviam nutrido a esperança de capturar esta cidade no curso de seu primeiro ataque para o interior. A 6a Divisão de pára-quedistas estabeleceu uma cabeça-de-ponte a leste do rio Orne e imediatamente ao norte de Caen, e se aferrou a ela, repelindo fortes ataques até que as tropas que se encontravam nas praias pudessem abrir caminho. Foi um acontecimento de real importância, que deu aos Aliados um valioso ponto de apoio nos subúrbios da cidade, sem contudo determinar a sua captura imediata. Rommel via em Caen a chave de toda a situação. Retendo a cidade, manteria uma base de onde poderia lançar um contra-ataque ao flanco esquerdo aliado. Sua perda daria aos Aliados uma cunha de onde poderiam irromper para nordeste, em direção ao Sena, ou para leste, em direção a Paris. Para impedir isto, os alemães agiram com rapidez e vigor. Na noite de 6 de junho elementos da 21a Divisão blindada foram mandados enfrentar o ataque anglo-canadense e detê-lo nas proximidades de Caen. Novas reservas foram trazidas à zona de batalha, e o grosso das mesmas concentrou-se para a defesa desse ponto nevrálgico.

 

Mais a oeste, no setor americano, St. Lô representava uma posição de importância comparável, embora numa escala menor. Uma ruptura nesse ponto não constituiria uma ameaça imediata para o Sena e para os importantes centros de Le Havre e Rouen, nem abriria um caminho tão curto para Paris como o de Caen. Mesmo assim, o fato de que permanecia no entroncamento das principais rodovias desta zona fazia de St. Lô um dos pilares do sistema alemão de defesa na base da península de Cherburgo, e sua perda enfraqueceria a solidez da linha por meio da qual Rommel procurava fechar a cabeça-de-ponte aliada.

 

Em seus esforços para estabilizar este cordão, os alemães tinham a ajuda do terreno. A região coberta de bosques, com suas pequenas clareiras e limitada visibilidade, tornava quase :impossível empregar unidades blindadas em massa para tentar uma ruptura. O mau tempo diminuía ainda mais a visibilidade e a mobilidade, dificultando seriamente o apoio por parte dos bombardeiros pesados. Mesmo quando um bombardeio maciço de aviação e artilharia preparava o caminho para uma penetração das defesas iniciais alemães, outra linha de defesa barrava o caminho algumas milhas mais adiante. Os alemães estavam poderosamente entrincheirados nos pontos-chave, defendidos por casamatas de concreto protegidas por campos de minas e redes de arame. Poderosas unidades anti-tanques, juntamente com forças blindadas, barravam o caminho às investidas dos tanques aliados e reduziam o progresso à velocidade com que a infantaria era capaz de limpar tais posições defensivas. Até que os Aliados pudessem ultrapassar a região dos bosques e desdobrar-se completamente no terreno aberto, iniciando realmente a utilização das unidades mecanizadas, não se poderia esperar uma vitória rápida.

 

Em conseqüência, durante o primeiro mês após o desembarque, Montgomery travou luta com o fim de assegurar-se o espaço suficiente para manobrar. Os limites em que se encontrava confinado davam-lhe poucas possibilidades para empregar todos os seus efetivos num golpe concentrado. Sua tática era a de experimentar os pontos fracos das defesas adversárias, conservar o inimigo em inferioridade por meio de golpes sucessivos e rápidos, cansar os efetivos de Rommel e conquistar gradualmente as posições de onde pudesse ser lançado um ataque decisivo. Este tipo de operações constituía uma dura prova de habilidade e paciência. Montgomery estava na situação de um boxeador que se tivesse atracado num corpo a corpo e pudesse apenas desferir no adversário golpes curtos até conseguir desvencilhar-se. Quando um ataque encontrava firme resistência, o chefe aliado cessava o esforço que poderia ser custoso, e preparava logo o ataque em outro ponto. Com tal processo de combate, a conquista de terreno somente poderia ser medida em metros. Mas um dos efeitos de tal método era que Rommel se via obrigado a empregar todas as suas forças disponíveis para deter a rápida sucessão de golpes e repelir uma penetração mais profunda. A defesa foi fixada e em grande parte privada de mobilidade, e os alemães não tiveram jamais um momento de trégua durante o qual pudessem reunir seus efetivos para uma contra-ofensiva.

 

Apesar de tudo, foi preciso um mês de constante pressão para solapar as defesas de Caen. O primeiro ataque direto pelos ingleses e canadenses foi repelido e seguido de um forte contra-ataque alemão. Montgomery lançou imediatamente uma nova ponta de lança mais a oeste, através de Tilly-sur-Seulles, em direção a Villers-Borage. Quando esta, por seu turno, foi detida, depois de haver Tilly mudado de mão várias vezes durante a luta, intentou-se novo esforço, desta vez com o objetivo de flanquear Caen pelo norte. Este foi barrado e repelido em Troarn a 13 de junho; mas no mesmo dia outro ponto perigoso foi aberto quando os tanques ingleses, apoiados pela infantaria americana, atacaram o flanco alemão a oeste de Villers-Bocage e, antes que fossem detidos, cravaram uma cunha através de Caumont.

 

Nas duas semanas seguintes, os combates na frente do 2o Exército continuaram movimentados mas indecisivos. A força de pressão inglesa e canadense contribuía para absorver a melhor parte das forças de Rommel, e particularmente seus elementos blindados. A 26 de junho foi noticiado que os alemães possuíam quatro divisões de tanques e três de infantaria no setor desde Troarn até Caumont, e as tarefas em que Rommel estava empenhado nesse setor contribuíam para a liberdade com que as forças americanas durante este período levavam avante seu avanço com êxito sobre Cherburgo.

 

A queda de Cherburgo foi imediatamente seguida por uma tentativa para tomar Caen por meio de um movimento de cerco. A 27 de junho um ataque pelo sudoeste lançou um saliente através do Odon, em direção a Orne, e ameaçou as principais comunicações da cidade. No dia seguinte, ataques convergentes eram também lançados do norte e do nordeste. O resultado foi desapontador. O mau tempo dificultava o avanço e impedia o pleno apoio da aviação. A esse tempo Rommel havia aumentado suas forças no setor oriental para sete divisões de tanques e quatro de infantaria, e a encarniçada resistência nazista barrou os ataques para o norte e ameaçou os flancos do saliente de Odon com poderosos ataques blindados. A 30 de junho o esforço de flanqueamento foi suspenso. Mas, embora não tivesse conseguido capturar Caen, tornara a posição alemã mais precária, aumentando a ameaça pelo sudoeste. O saliente de Odon manteve-se firme contra todos os esforços para eliminá-lo, e a 3 de julho os contra-ataques alemães foram por sua vez detidos.

 

Quase imediatamente foi reiniciado o esforço aliado. A 4 de julho os canadenses atacaram ao longo da estrada de Bayeux, capturando a aldeia de Carpiquet, um dos principais bastiões defensivos a oeste de Caen. Ao mesmo tempo forças do flanco esquerdo do saliente de Odon lançaram um ataque convergente que ameaçou os alemães no setor intermediário. Os alemães contra-atacaram selvagemente, expulsando os canadenses do aeródromo além de Carpiquet e detendo o avanço britânico. Mas as defesas estavam agora ao ponto de romper-se, e Montgomery reuniu suas forças para um golpe final. Na noite de 7 de julho uma poderosa força de bombardeiros pesados atacou violentamente as defesas ao norte da cidade. Nas primeiras horas do dia seguinte a artilharia deu início a um tremendo bombardeio, ao qual se juntaram os canhões dos navios de guerra. A 8 de julho, forças britânicas avançaram pelas desmanteladas defesas ao norte da cidade. A seguir os canadenses atacaram de Carpiquet para oeste, e no outro dia as duas forças uniram se no interior da cidade. Embora os alemães ainda se aferrassem aos subúrbios situados na outra margem do Orne e combatessem tenazmente para impedir o avanço aliado para o sul, a localidade de Caen foi finalmente capturada pelos Aliados.

 

Esta vitória, como a de Cherburgo, foi grandemente auxiliada pelas operações em outras frentes. Apesar das mais poderosas forças alemães se haverem concentrado para a defesa de Caen, o resultado da batalha mostrou que as mesmas não eram suficientes. Além disso, a pressão que as forças americanas mantinham mais a oeste não permitia que as tropas alemães fossem reforçadas. Mais de nove divisões estavam agora empenhadas no setor americano, e nenhuma delas poderia ser desviada para apoiar o flanco oriental.

 

A tática de mudança de objetivos, que mantinha desequilibrado o dispositivo de Rommel e impedia qualquer importante transferência de tropas de um ponto para outro, caracterizava os setores americanos e ingleses da frente. A primeira ameaça foi o avanço para o sul partido das cabeças-de-ponte e que a 12 de julho expulsou os nazistas de Carentan e capturou a floresta de Cerisy, a pouca distância a nordeste de St. Lô. Com o isolamento da península de Cherburgo, a maior parte da frente se prolongou para oeste, e as forças na parte inferior do corredor avançaram de três direções sobre a junção ferroviária de La Haye du Puits. Fizeram apenas pequenos progressos enquanto o assalto sobre Cherburgo ainda estava em curso, mas com a liquidação da resistência na península, o 1o Exército pôde voltar todos as seus esforças contra a principal linha alemã.

 

A 3 de julho os americanos começaram a exercer forte pressão, para um avanço através do terreno alagado acima de La Haye. Dois dias depois, forças avançadas conseguiram penetrar na cidade mas foram expulsas. Uma encarniçada batalha travou-se até 9 de julho antes que a posse de La Haye estivesse finalmente assegurada. Neste ínterim, entretanto, a luta se alastrara a outros pontos. Uma ponta de lança atacou através de St. Jean de Daye e em direção a St. Lô pelo norte. Entre St. Jean e La Haye, outras colunas avançaram em direção a Periers. Todo o flanco nazista foi repelido vagarosamente para uma linha que corria de Lessay para St. Lô, através de Periers, Em meados de julho o primeiro desses dois pontos achava-se sob crescente pressão, e um arco foi gradualmente traçado em torno de St. Lô, do norte para sudeste. Aí, como em Caen, a crescente pressão mostrou-se forte demais para os defensores. A 17 de julho as tropas abriram caminho para os arrabaldes pelo leste, enquanto outras se aproximavam pelo norte e noroeste, e no dia seguinte os americanos estavam completamente de posse da cidade.

 

Entretanto, a captura de Caen e St. Lô, embora de vital importância, não determinou a ruptura imediata da defesa. Uma poderosa barreira da muralha alemã fechava ainda o caminho. Enquanto as forças britânicas avançavam lentamente em direção a St. Lô, os ingleses mantinham forte pressão em torno de Caen, fixando as forças alemães nesse setor e lutando para ganhar um ponto de apoio maior de onde pudessem lançar-se para as planícies mais adiante. Seu progresso foi retardado por encarniçados combates. Os esforços iniciais para alargar a cabeça-de-ponte a leste do Orne, acima de Caen, não tiveram êxito. O assalto transferiu-se para sudoeste com um ataque partido da cabeça-de-ponte no Odon, numa frente de 10 km, na noite de 15 de julho. Isso resultou num avanço de 3 a 5 km mas foi detido em Evrery e Noyers, e contra-ataques subseqüentes reconquistaram algum terreno.

 

Apesar de tudo, esse último ataque preparou o caminho para um esforço mais maciço e resoluto que atraiu uma parte considerável das forças blindadas alemães que se encontravam nas proximidades de Caen. A 18 de julho, dia em que caiu St. Lô, foi realizado um grande esforço para romper o impasse. Um bombardeio aéreo sem precedentes, que durou quatro horas e em que foi lançado um dilúvio de 7.000 toneladas de bombas, seguiu-se de um terrível martelamento de artilharia, a que se juntaram os canhões de couraçados e monitores. Com esse apoio, os ingleses e canadenses, com poderosas forças blindadas, atacaram para leste e sudeste. O êxito inicial do ataque levantou esperanças de que estava muito próxima uma ruptura. Os canadenses expulsaram os alemães de seu último ponto de apoio no subúrbio de Vaucelles, na localidade de Caen. A primeira linha de defesa nazista foi esmagada, e as forças blindadas inglesas abriram caminho para leste até Troarn e para sudeste em direção à aldeia de Vimont. Mas poderosas defesas alemães, incluindo uma poderosa linha antitanque, impôs mais uma vez uma parada abrupta, e novas chuvaradas aumentaram as dificuldades com que se defrontava a ofensiva. O avanço foi detido depois de uma progressão de 8 km. O perímetro em torno de Caen fôra aumentado e conquistadas várias posições de importância. Mas as forças inglesas haviam sido contidas antes de alcançarem o terreno aberto, e os americanos haviam sido momentaneamente detidos logo ao sul de St. Lô e numa linha acima de Periers e Lessay.

 

À primeira vista parecia que nesta fase Rommel havia conquistado um êxito importante. Os Aliados viam frustradas suas esperanças de uma decisão rápida na zona costeira que pudesse abrir caminho para uma ofensiva em larga escala, e haviam sido mantidos durante seis semanas numa estreita zona que lhes impedia de aplicar todas as suas forças. Entretanto, mesmo do ponto de vista alemão, tal apreciação estava longe de ser exata. Embora a cabeça-de-ponte tivesse sido momentaneamente contida, a barreira fôra seriamente abalada, e a possibilidade de um contra-golpe decisivo que derrotasse a tentativa de invasão já passara havia muito. A retirada de von Rundstedt e sua substituição por von Kluge nos primeiros dias de julho, embora atribuída oficialmente a motivos de saúde, era a manifestação do descontentamento pelo fracasso na realização do seu principal objetivo, que era o de repelir o desembarque aliado. Mesmo assim, a mudança não trouxe nenhuma transformação fundamental na tática e não foi tomada qualquer medida efetiva para restabelecer a situação, que piorava cada vez mais no que se referia à defesa.

 

Com efeito, a façanha de Rommel consistiu somente em impor um período de atraso, e mesmo isso teve seu preço. A pressão incessante dos Aliada enfraquecera as defesas alemães, deixando-as quase no ponto de ruptura. Somente lançando grandes forças de reserva poderiam os nazistas consolidar suas posições, mas os alemães não dispunham de tais reservas. As forças originais à disposição de Rommel haviam sido gastas por seus desesperados esforços para deter os Aliados. As baixas aliadas, até 20 de julho, somavam a 115.665. Mas haviam capturado 60.000 prisioneiros. O total das perdas alemães - que o general Montgomery avaliava em 156.000 - eram sem dúvida superiores às dos Aliados. Em particular, o constante emprego de tanques por parte de Rommel, em pequenos grupos com finalidade de resistência e contra-ataques, resultou num sério desgaste de suas forças blindadas. Foi noticiado que até 24 de julho as forças inglesas e canadenses haviam posto fora de ação 593 tanques inimigos, e que o total das perdas de tanques de Rommel fôra calculado na metade de seu efetivo original. Em contraste com a dificuldade alemã em encontrar reservas para cobrir tais perdas, a força aliada na Normandia continuou a crescer durante todo o período. O aumento se manifestou na reorganização que deu origem ao primeiro Exército canadense, com unidades inglesas e uma divisão polonesa de tanques acrescentada às forças canadenses, e no aparecimento do 3o Exército americano em seu flanco direito. Na última semana de julho os Aliados haviam concentrado forças para um golpe tremendo e conquistado pontos de partida de onde a ofensiva pudesse ser efetivamente desfechada. Sua força irresistível romperia a muralha das defesas alemães e se lançaria para diante como uma avalanche que tudo esmaga em seu caminho.

 

O Extremo Oriente

 

Toda previsão de que o tremendo esforço determinado pela invasão da Europa ocidental impusesse qualquer pausa no progresso das operações no Pacífico foi logo desmentida pelos acontecimentos. A coordenação conseguida em grau cada vez mais elevado no teatro da guerra europeu estendeu-se também ao Extremo Oriente. Apesar de estarem concentrando febrilmente suas tropas para um assalto final e esmagador contra a Alemanha nazista, os Aliados possuíam ainda elementos militares para exercer uma pressão cada vez maior contra o Japão, e para prosseguir, em escala cada vez mais ampla o esmagamento de suas defesas externas. Isso os colocaria em situação de desfechar a ofensiva decisiva contra as principais posições nipônicas uma vez conseguida a vitória na Europa.

 

Uma indicação da crescente força aliada foi o aparecimento de dois poderosos instrumentos de ataque em meados de 1944. O primeiro deles foi o bombardeiro pesado denominado Super-Fortaleza Voadora, juntamente com a organização que o acompanhava. O B-29 era 50% maior que a Fortaleza Voadora e possuía duas vezes mais força. Era construído de modo a combinar numa amplitude sem precedentes o raio de ação, velocidade e a capacidade de transporte. Embora a sua carga de bombas não excedesse de muito a dos Lancaster, seu maior raio de ação e sua capacidade como bombardeiro diurno de grande altitude faziam dele uma arma que, naquele estágio da guerra, era única em seu gênero.

 

Para manejar esses aviões foi criada a 20a Força Aérea, com regulamentos próprios, o que acentuava a importância do novo instrumento de guerra aérea. Era aquela força considerada como um destacamento especial, cujo teatro de ação era todo o mundo. Ao invés de ser destinada a uma região específica ou subordinada a um comando especial, foi colocada diretamente sob o controle do Estado Maior Combinado, para receber qualquer missão na região em que suas qualidades específicas fossem mais bem aproveitadas.

 

O fato de que a nova arma fizesse seu aparecimento no teatro de guerra do Pacífico, no qual a distância era o principal problema e onde a metrópole inimiga ficara até então fora do alcance eficaz do bombardeio, prenunciava importantes acontecimentos. Organizada no começo de abril, seus primeiros vôos foram seguidos de um ataque de experiência contra Bangkok, a 5 de junho, que constituiu um prelúdio de sua entrada em operações de grande envergadura. A 15 de junho desferiu seu maior golpe com um ataque noturno contra as importantes fábricas de aço de Yawata, na ilha japonesa de Kyushu. Na noite de 7 de julho atacou novamente Yawata, bem como a base naval de Sasebo e objetivos industriais em Tobata. Seus primeiros ataques diurnos foram contra o centro industrial de Anshan, na Mandchúria, e contra o porto de Tangku, na China ocupada, a 29 de julho. A 10 de agosto uma força voltou ao Japão, atacando Nagasaki, enquanto outra atacava o centro petrolífero de Palembang, na Sumatra.

 

Ficou evidenciado por essas incursões preliminares que a importância da nova arma residia muito mais em suas possibilidades do que em sua atual capacidade. Suas operações tinham ainda um caráter experimental. Sua potência e a freqüência de seus golpes eram limitadas pelas condições em que a nova força era obrigada a operar. Suas bases, muito para o interior da China, tiveram de ser penosamente construídas por multidões de cules e careciam de muitas das instalações necessárias para o máximo de eficiência da operação. O dificultoso problema de transportar abastecimentos adequados para a China pela rota aérea, que era a única disponível, aumentava ainda mais as sérias restrições existentes. Parecia evidente que a nova força ainda não estava madura  para ser empregada na luta aérea mais intensa da Europa, podendo se esperar que fosse pequena sua parte na fase final da guerra contra a Alemanha. Sua força seria concentrada principalmente contra o Japão, e mesmo aí teria um papel limitado, embora de grande importância. Não se poderia esperar que os grandes bombardeiros, unicamente eles, pudessem submeter o Japão a um tipo de bombardeio aéreo tão devastador como o experimentado pela Alemanha. Seriam precisos aviões menores, em grande número, para realizar ataques em massa e contínuos, e somente a reabertura da China e a reconquista de grande parte da zona ocupada forneceriam as bases e as linhas de abastecimento de que tais operações dependiam. Entrementes, porém, os grandes bombardeiros haviam anulado a barreira da distância e destruído a margem de tempo que poderia ser dada ao Japão contra um ataque direto, e haviam aberto o caminho para os ataques que apressariam o dia em que as forças aliadas pudessem aproximar-se da metrópole inimiga.

 

Mais imediata em sua eficácia, foi o aparecimento de uma outra força ofensiva que lançou uma luz esclarecedora na evolução do poder naval no Pacífico. Enquanto os recursos navais haviam aumentado rapidamente, o ímpeto crescente da ofensiva contra as posições insulares japonesas tornou possível o emprego desses recursos numa concentração maior e ao mesmo tempo com desdobrada flexibilidade. A conquista virtual das Salomão, o firme avanço para oeste na Nova Guiné, a eliminação prática de Rabaul como base japonesa, transformaram toda a situação naval naquele teatro de guerra. As poderosas forças navais sob o comando do almirante Halsey, que haviam sido necessárias para apoiar a campanha das Salomão, podiam ser dispensadas para outras atividades. A retirada da frota japonesa para os mares interiores, e sua renúncia virtual a qualquer interferência nas atividades da frota aliada após a perda de Guadalcanal, significava que forças de grande envergadura não estavam mais amarradas à tarefa de guarnecer e bloquear as ilhas em que estavam em curso operações terrestres. O arco protetor foi lançado muito mais adiante, em zonas ainda nominalmente sob o controle do Japão. O tipo de dispersão a que a marinha fôra obrigada durante a fase defensiva podia ser abandonado; e se os golpes ofensivos que estavam sendo desferidos eram largamente dispersos, eram não obstantes uma expressão direta de um poderio coordenado e concentrado.

 

Estas condições novas resultaram em um reagrupamento das forças navais americanas no Pacífico. O comando do Pacífico sul desapareceu praticamente. O almirante Halsey foi nomeado para o teatro de guerra do Pacífico central como comandante da 3a Frota, que, juntamente com a 5a Frota sob o comando do almirante Spruance, se encontrava sob o comando supremo do almirante Nimitz. E, como unidade especial presentemente adida à 5a Frota, foi organizado o Destacamento n° 58, em fins de 1943.

 

Este destacamento era uma arma ofensiva formidável. Sob certos aspectos era equivalente ao "punho" blindado que aparecera na guerra terrestre. Tinha o propósito específico de desferir poderosos e profundos golpes na área inimiga, dispondo de suficiente força para enfrentar qualquer oposição que pudesse encontrar, além da mobilidade que o tornava em grande parte um elemento autônomo. Possuía vários novos e rápidos couraçados, com o necessário complemento de cruzadores e destróieres. Como parte de sua organização levava navios de abastecimento, por meio dos quais podia reabastecer-se de mantimentos e combustível no meio do oceano. Mas, ao contrário das forças blindadas de terra, o destacamento n° 58 levava consigo sua própria força aérea, que constituía o verdadeiro coração de sua estrutura. Uns vinte dos maiores e mais novos porta-aviões formavam o núcleo em torno do qual a força estava organizada, dando-lhe uma cobertura aérea sob a qual poderia aventurar-se impunemente dentro da zona de alcance das defesas terrestres inimigas, e um poder ofensivo de longo raio de ação que colocava quase todas as bases exteriores japonesas dentro de uma distância de ataque. Tal força poderia ser dividida em secções para atacar simultaneamente ao longo de um arco de milhares de milhas ou desfechar uma rápida sucessão de golpes sobre um objetivo após o outro, ou concentrar todo seu poderio para cobrir um desembarque ou repelir um esforço naval de envergadura por parte dos japoneses. Mesmo assim, representava apenas uma parte de todo o efetivo que a marinha podia lançar ao ataque, cujas pontas de lança penetravam rapidamente para oeste, em direção ao coração do império japonês. No Pacífico central um braço do avanço alongava-se a uma distância de ataque do próprio Japão, enquanto mais ao sul um avanço paralelo levava os Aliados para a extremidade ocidental da Nova Guiné, colocando as Filipinas dentro de seu raio de ação, e ameaçando as comunicações do Japão com seu recém conquistado império no sul.

 

Avanço na Nova Guiné

 

No começo de abril o duplo ataque através das Salomão e ao longo da costa nordeste da Nova Guiné havia transformado toda a situação aliada no Pacífico sul. O bastião avançado dos japoneses no arquipélago de Bismarck fôra esmagado. Embora as guarnições japonesas ainda se aferrassem a Rabaul e Kavieng, tais posições não tinham mais importância. O bloqueio naval e o bombardeio aéreo os tornaram sem importância e eliminaram suas possibilidades de ameaça ao flanco da ofensiva aliada. A neutralização desses pontos, a expansão aliada de ambos os lados do estreito de Vitiaz, a captura das ilhas do almirantado e Emirau, expulsaram os japoneses do mar de Bismarck e cortaram a cadeia de abastecimentos que apoiava suas posições ao longo da costa norte da Nova Guiné. Os Aliados haviam irrompido para o mar alto que agora separava essas posições das bases insulares no Pacífico central.

 

A cena estava agora preparada para uma estreita coordenação entre as forças aliadas nos dois principais setores. A aviação e a marinha, tanto no centro como no sudoeste do Pacífico, tinham a missão de neutralizar as bases japonesas num amplo arco, como preparação para o próximo avanço. Aviões com base terrestre, das forças do general MacArthur, atacavam os aeródromos japoneses desde Wewak até Holândia e se estendiam até Truk e as bases adjacentes, nas Carolinas. Do Pacífico central, tanto os aviões com bases terrestres como os aparelhos dos porta-aviões atacavam persistentemente a cadeia de ilhas que se estendia para oeste de Ponape a Palau. Em março se tornara claro que a principal frota japonesa abandonara, pelo menos de momento, essas bases, inclusive o baluarte de Truk. Os ataques aliados reduziram sua eficácia como bases aéreas de onde as guarnições da Nova Guiné pudessem ser protegidas e reforçadas, e que pudessem servir como estações na rota de abastecimentos para a Holândia, Wewak e Madang. Com efeito, foi traçado um cordão em torno das águas ao norte de Nova Guiné, e dentro dessa região os Aliados tinham agora uma liberdade de movimentos que tornava possível o desencadeamento de operações ainda mais vastas.

 

Nessas operações, a integração dos dois principais teatros de guerra se tornara mais evidente do que em qualquer outra ocasião. Uma força anfíbia do sudoeste do Pacífico atacou para oeste sob a proteção de poderosas forças navais do comando do Pacífico central. Partindo de um ponto ao norte das ilhas do Almirantado, esta poderosa concentração tomou a direção de Palau, rumando então subitamente para o sul, em direção à Nova Guiné. A 22 de abril duas divisões de tropas americanas foram desembarcadas de ambos os lados de Holândia, mais de 400 milhas além do ponto previamente alcançado pela ponta de lança costeira; e simultaneamente uma força menor desembarcou em Aitape, em Holândia e Wewak.

 

A invasão encontrou uma oposição surpreendentemente fraca. Calculou-se que os japoneses tivessem 15.000 homens em Holândia, esperando-se portanto encarniçados combates. Mas o agravamento da situação na Nova Guiné levou a guarnição japonesa a procurar diminuir suas perdas reduzindo suas guarnições. Nos princípios de março começou uma evacuação gradual para a extremidade ocidental da ilha. Quando se deram os desembarques aliados, a evacuação ainda não tinha sido completada, mas uma grande parte da guarnição de Holândia fôra retirada e os invasores tiveram apenas de enfrentar uma resistência de retaguarda. Cinco dias depois, as tropas americanas tinham completado um movimento de pinças que lhes deu o controle de todos os três aeródromos em Holândia, e isso à custa de um número pequeníssimo de baixas. A 9 de maio foi comunicado que as perdas americanas alcançavam a 28 mortos e 183 feridos, anunciando-se que 871 japoneses haviam sido mortos a 183 capturados. Em Aitape a oposição foi ainda mais fraca; e de ambos os pontos as forças terrestres irradiaram-se em perseguição aos destacamentos inimigos que haviam retirado para a selva ou para dar combate aos que fugiam pela estrada costeira.

 

A operação isolou consideráveis forças japonesas que ainda permaneciam em Wewak. Essa base sofreu pesado ataque aéreo que anulou toda a sua possível eficácia, e a guarnição não teve escape, imprensada entre o comando aliado dos mares e as forças terrestres de ambos os lados. Enquanto esses ataques anfíbios cortavam o caminho para oeste, tropas australianas continuavam seu avanço, lento e sem lances espetaculares, ao longo da costa. Capturaram Madang a 25 de abril, vencendo uma fraca oposição de retaguarda, e tomaram Alexishafen no dia seguinte. Em fins de junho encontravam-se a 110 km de Wewak, tendo avançado 130 km em quatro semanas, e seu firme progresso significava que uma armadilha se fechava de modo vagaroso mas firme sobre o inimigo.

 

Enfrentando esta situação, os japoneses em Wewak reagiram da mesma maneira que a guarnição isolada em Bougainville. Por três meses permaneceram quietos e irresolutos enquanto os Aliados consolidavam e aumentavam a zona sob seu controle. Quando se tornou evidente que não poderiam esperar reforços ou socorro, lançaram-se a um ataque cego e desesperado contra o inimigo. A 11 de julho investiram violentamente contra as posições americanas a leste de Aitape, e avançaram vários quilômetros antes que sua ponta de lança fosse isolada e a posição estabilizada. Era um empreendimento sem esperanças, porque mesmo no caso de conseguirem uma ruptura, os japoneses continuariam isolados pela força mais poderosa que se encontravam em Holândia. Tudo o que lhes restava era a possibilidade de aniquilar alguns de seus inimigos à custa de esforços suicidas, esforços esses que mantiveram durante o mês seguinte, enquanto a pressão sobre eles se tornava cada vez mais forte.

 

Entrementes a captura de Holândia foi seguida por uma rápida sucessão de operações que virtualmente completaram a campanha aliada na Nova Guiné. Dos aeródromos recém-capturados, a aviação levantava vôo para preparar o caminho para a nova fase por meio de ataques sucessivos contra as ilhas de Wadke e de Schouten, enquanto incessantes ataques continuavam a ser dirigidos contra as bases do Pacífico central. A 17 de maio um novo desembarque se verificou a 130 km além de Holândia, na costa oposta de Wadke, e no dia seguinte forças americanas desembarcaram também nessa ilha. Um esforço encarniçado e suicida por parte da defesa foi rapidamente vencido, e dentro de dois dias a ilha e seu aeródromo estavam completamente em mãos dos Aliados. Houve ainda uma resistência forte em terra, mas a 24 de maio uma força de desembarque capturara a pista de aterrissagem de Maffin, que era seu objetivo principal em direção ao aeroporto principal. Durante algum tempo a situação se manteve crítica, mas os reforços permitiram aos invasores repelir os contra-ataques japoneses, e um movimento de flanco por um terreno elevado no interior isolou o aeródromo de Mokmer, capturando-o a 7 de junho. Houve longos e encarniçados combates antes que os dois restantes campos fossem tomados a 20 de junho, depois de um pesado assalto que contornou o flanco japonês ao longo da costa sul da ilha. Mesmo então a resistência continuou até a última parte de julho, mas aí também constituiu um esforço inútil da parte dos japoneses. A captura dos aeródromos deu aos invasores a posse de seus objetivos essenciais, e a conquista da ilha próxima de Noemfoor, a 12 de julho, eliminou outros campos de pouso de onde se poderia oferecer certo apoio à guarnição de Biak.

 

A 30 de julho, as forças americanas realizaram outro salto de 200 milhas, chegando até a extremidade ocidental da ilha. Esta operação foi considerada por um porta-voz aliado como parte final da campanha da Nova Guiné. O desembarque foi efetuado na área de Sansaport, na península de Vogelkop, e nas ilhas adjacentes à mesma, ultrapassando e isolando a base japonesa de Manokwari, que possuía uma guarnição de 15.000 homens. Somente Sarong, a 60 milhas para sudoeste, permanecia além do ponto máximo do avanço, e o ataque aéreo já reduzira sua importância a tal significação que a ilha podia quase ser ignorada. Apesar dos bolsões de tropas japonesas que permaneciam na ilha, o controle efetivo da costa norte da Nova Guiné estava agora em mãos dos Aliados, e desta posição novos e mais graves perigos podiam ameaçar as linhas vitais do império japonês.

 

O Avanço nas Marianas

 

Uma ameaça ainda maior surgira então no Pacífico central. O alcance sempre mais extenso da aviação e da marinha, que dera tanta proteção ao flanco do avanço na Nova Guiné, havia também limpado o caminho para uma longa arremetida para oeste, partida das ilhas Marshall, recentemente conquistadas. Reduzindo a eficácia de bases como Ponape e Truk, o perigo ao flanco sul de tal avanço bem como o avanço costeiro na Nova Guiné diminuiu grandemente, e a ponta de lança americana foi capaz de avançar mais de 1.100 milhas num único movimento que a levou quase a meio caminho desde as ilhas Marshall até as Filipinas.

 

O objetivo eram as ilhas Marianas. No coração desse arquipélago achava-se a ilha de Saipan, um centro de atividades aéreas e uma das principais bases navais na zona ao norte de Truk e Palau. Outras ilhas tais como Pagan, Rota e Guam tinham instalações de aviação e importantes ancoradouros.

 

Quase sem fazer pausa, as forças de MacArthur deram o novo salto para as ilhas de Schouten, cerca de 200 milhas para oeste. O desembarque na ilha de Biak, onde havia três aeródromos, efetuou-se a 27 de maio. A falta inicial de oposição foi neste caso enganadora. Mantendo o grosso de seus efetivos até que as tropas americanas avançassem para o terreno acidentado além das praias, os japoneses atacaram selvagemente as colunas expostas que marchavam uma das principais barreiras que guardavam os mares entre o Japão e as Filipinas, e sua perda abriria uma brecha no próprio coração da zona de segurança japonesa.

 

Na fase preparatória registraram-se amplas atividades por parte dos bombardeiros e dos navios de guerra, atividades destinadas a eliminar qualquer ameaça ao flanco da novo avanço e atacar as bases de onde poderia ser enviado auxílio para as Marianas depois de iniciada a invasão. Repetidos bombardeios de Truk, Ponape e Satawan foram completados em fins de abril por um ataque de três dias por um destacamento naval a essas bases. Embora bombardeios isolados sobre tais objetivos chegassem até a 60 toneladas, a persistência dos ataques - que se haviam tornado diários em começo de junho - mantinham efetivamente em cheque os pontos fortes japoneses nas Carolinas. Entrementes uma série de golpes foi desfechada contra o arco das posições japonesas além das Marianas. Destacamentos navais atacaram a ilha de Marcus a 19 e 20 de maio, e a ilha de Wake foi atacada a 23. No dia da invasão de Saipan, forças de porta-aviões atacaram ousadamente as ilhas de Bonin e Volcano, os principais pontos de passagem a meio caminho entre as Marianas e o Japão. Muito a sudoeste de Saipan, a ilha de Palau foi repetidas vezes alvo de ataques nas vésperas da invasão, e a ilha mais próxima de Yap recebeu seu primeiro ataque justamente antes do desembarque.

 

No começo de maio, aviões com bases terrestres começaram o amolecimento preliminar das defesas de Saipan e das ilhas adjacentes. A 10 de junho uma poderosa força naval, incluindo couraçados e porta-aviões, iniciou um intenso bombardeio de Saipan, com a simultânea neutralização de Pagan, ao norte, e de Tinian, Rota e Guam, ao sul. A 14 de junho, uma força de três divisões desembarcou na extremidade sudoeste da ilha, estabeleceu cabeças-de-ponte, enfrentando forte oposição, e começou a abrir caminho para o interior.

 

Os japoneses combatiam encarniçadamente. A guarnição, de mais de 20.000 homens, era grandemente superada em número pela força invasora, mas o terreno acidentado favorecia a defesa. Penedos de rocha calcárea, semeadas de cavernas que ofereciam proteção a atiradores isolados, eram intercaladas de vales entre cordilheiras. O inimigo oferecia uma resistência fanática e sem quartel, e os americanos encontraram-se envolvidos numa luta tão selvagem como até então não fôra travada no Pacífico.

 

O encarniçamento da defesa mostrava a importância que o Japão atribuía à posse das Marianas. Ainda mais importante era o fato de que a invasão determinou o aparecimento de uma poderosa força naval japonesa, pela primeira vez depois de um ano. A 14 de junho os navios de guerra que apoiavam a invasão viram-se atacados por aviões torpedeiros, que foram repelidos sem causarem danos aos vasos de guerra americanos. Tais aviões parece terem vindo de bases de hidroaviões; mas quatro dias depois foi feita uma tentativa mais séria, e o fato de que desta vez os aviões haviam partido de porta-aviões indicava a aproximação de uma força naval japonesa e fazia nascer a esperança de que a principal frota nipônica havia decidido aceitar o desafio apresentado pelo avanço americano.

 

Tais esperanças, porém, não se concretizaram. Um fato que indicava a perturbação e a incerteza dos japoneses era que, apesar de julgarem necessário realizar um esforço no sentido de socorrer Saipan, não tomaram qualquer medida que os levasse ao risco de uma batalha naval decisiva. O destacamento naval nipônico era mais forte do que seria possível aos japoneses razoavelmente arriscarem, mas era, apesar disso, fraco demais para a missão que deveria cumprir. Tinha pelo menos quatro navios grandes e meia dúzia de porta-aviões, mas a qualidade em ambos os casos não era homogênea, como indicava a presença de velhos cruzadores da classe do Kongo postos novamente em serviço, e porta-aviões da classe do Hayatalza, antigos navios de passageiros. Contra a poderosa força de cobertura que o comando americano, na esperança de um encontro de grande envergadura, havia concentrado nas Marianas, somente um golpe de surpresa que resultasse num êxito espetacular desde o começo poderia levar os japoneses a cumprir sua missão.

 

Era realmente o que seu comandante esperava. Embora ainda afastado de seu objetivo, lançou seus aviões a um raio de ação extremo, enquanto outros aparelhos, partidas dos aeródromos das Marianas, entravam em ação simultaneamente. Os aparelhos dos porta-aviões, carecendo de combustível suficiente para voltar a seus navios de partida, contavam aterrissar nos aeródromos de Guam e Rota, para reabastecer-se e voltar. Esperavam os japoneses que o prolongado bombardeio em que as forças navais americanas se haviam engajado esgotasse seu combustível e sua munição, deixando-as enfraquecidas e vulneráveis a um ataque em massa. Logo que o assalto houvesse destruído ou repelido as belonaves de cobertura, os japoneses poderiam avançar para reforçar a guarnição de Saipan e aniquilar as forças terrestres invasoras.

 

Tais cálculos, nascidos de um otimismo desesperado, foram completamente desmentidos pelos fatos. O efetivo e o poder das forças americanas e a eficácia de seu sistema de abastecimento significava que estava em situação de enfrentar o ataque que o reconhecimento informara ser provável. Porta-aviões e couraçados rumaram para Guam e Rota e inutilizaram os campos de pouso em que esperavam aterrissar os aviões japoneses. O ataque contra a frota foi enfrentado por poderoso fogo antiaéreo e por enxames de aviões de caça partidos dos porta-aviões americanos. A batalha de um dia, em que onda após onda de aviões japoneses eram lançados ao ataque, resultou num desastre absoluto para os atacantes. Durante toda a operação, incluindo as ataques aos aeródromos, foram destruídos 402 aviões japoneses. O destacamento naval japonês ficou privado de sua aviação, e tais perdas, acrescentadas a cerca de 300 aviões previamente destruídas, liquidaram praticamente a aviação japonesa nas Marianas. As baixas americanas foram de 27 aviões, além de avarias em um couraçado e dois porta-aviões.

 

A noite caiu antes que os últimos aviões americanos voltassem para os porta-aviões; mas logo que esses regressaram, o Destacamento n° 58 deslocou-se a toda velocidade em perseguição da frota japonesa, que a esse tempo estava em plena retirada para oeste. Nas últimas horas da tarde seguinte, os aviões americanos localizaram por fim sua presa a meio caminho entre Saipan e Luzon. Restando apenas um breve período de claridade, e com o inimigo a uma distância que correspondia ao máximo do raio de ação dos aviões, os aparelhos americanos de bombardeio e aviões-torpedeiros foram imediatamente lançados ao ataque, na esperança de que os navios japoneses pudessem ser retardados, permitindo que as belonaves americanas se aproximassem.

 

Essa possibilidade de um golpe final e decisivo não se realizou. O retardo inevitável dos porta-aviões quando tomavam posição em relação ao vento para que os aparelhos pudessem pousar, permitiu aos japoneses aumentar a margem de distância durante a noite e escapar através do canal entre Formosa e as Filipinas. Mas durante o breve período do ataque aéreo a força japonesa sofreu um rude golpe. Um porta-aviões, pelo menos, foi afundado. Dois porta-aviões leves e dois pesados foram seriamente avariados. Soube-se mais tarde, também, do impacto de torpedo num outro porta-aviões, durante a noite anterior. Um destróier foi afundado; três cruzadores e três destróieres foram atingidos; e de cinco navios-tanque que auxiliavam o destacamento, dois foram afundados e três avariados. Esses resultados foram conseguidos ao preço de 95 aviões americanos, muitos deles forçados a descer no mar ao terminar o combustível; e desses, a maior parte das guarnições foi salva no dia seguinte.

 

Esta vitória, que desfalcou mais uma vez a marinha japonesa, selou também o destino das Marianas. A esse tempo a ofensiva terrestre prosseguia vigorosamente. A 19 de junho os americanos tinham capturado o principal aeródromo de Saipan e avançado através da ilha, de oeste para Leste, para ganhar o controle do terço restante. Durante as duas semanas seguintes, uma contínua pressão empurrou os japoneses firmemente para o estreito corredor da parte norte da ilha. A 6 de julho os remanescentes da guarnição, amontoados num último ponto de apoio na extremidade de Saipan, desfecharam um ataque desesperado e suicida que cravou uma cunha das linhas americanas mas que não conseguiu rompê-las. Foi o esforço final da defesa. A 8 de julho as. forças americanas controlavam completamente a ilha. As três divisões engajadas na batalha tiveram baixas num total de 16.463, inclusive 3.049 mortos. O que mostrava mais ainda o caráter duro da luta foi o fato de que 20.720 cadáveres japoneses foram enterrados pelas tropas americanas até 25 de julho, enquanto que o número de prisioneiros era 1.707.

 

Dominada a ilha de Saipan, a ocupação das principais posições restantes nas Marianas se processou rapidamente. A 20 de julho, depois de 17 dias de bombardeio e canhoneio, Guam foi invadida; e três dias depois os vencedores de Saipan passaram-se para a ilha vizinha de Tinian. Esta última foi dominada após duas semanas de combates relativamente reduzidos, mas houve duras lutas em Guam antes de completar-se a conquista. Parece que os japoneses esperavam o desembarque na costa oriental. Ao invés disso, duas divisões de infantaria e mais uma brigada de fuzileiros navais atacaram a costa ocidental, com uma parte da força atacando a península de Orote pelos dois lados e o restante estabelecendo uma cabeça-de-ponte na extremidade sudoeste da ilha. Houve forte luta na península, mas em fins de julho a resistência foi esmagada, e o aeródromo de Orote bem como o porto de Apra caíram em poder dos americanos. O grosso da guarnição abandonou então a parte sul da ilha e concentrou-se na península de nordeste para um último finca-pé. Houve a costumeira resistência desesperada e suicida, mas a 9 de agosto foi dominada, e os Estados Unidos estavam completamente de posse das ilhas, com exceção de grupos de resistência que continuaram ainda a perturbar por algumas semanas.

 

Os quatro meses a partir de meados de abril tinham registrado um alarmante agravamento da situação estratégica japonesa. Toda a estrutura de suas defesas insulares no Pacífico central tinha ruído. Truk fôra eficazmente ultrapassada e neutralizada. Uma larga cunha fôra cravada na zona defendida pela linha de defesas insulares. Os bastiões de Bonin e Palau eram alvo de arrasador ataque. Ao sul, a ponta de lança da Nova Guiné ameaçava Mindanao, a ilha mais meridional do arquipélago filipino, e o ponto de passagem, Halmahera, já havia sido neutralizado por um ataque aéreo. "O inimigo não pode mais operar nesta zona, nem por mar nem no ar, além da linha Halmahera-Filipinas, que é a principal cobertura defensiva do império japonês no sudoeste do Pacífico. Caída esta linha, todas as suas conquistas na China ficarão ameaçadas e em grave perigo de serem flanqueadas." Eis o que dizia um triunfante comunicado de 1o de agosto. A ponta de lança setentrional nas Marianas apresentava possibilidades igualmente sérias. Desta base poderiam os americanos estabelecer contato com as forças da Nova Guiné, num movimento de pinças contra as Filipinas, ou atacar para noroeste para as Bonin, situadas a 600 milhas de Tóquio, ou avançar diretamente para oeste sobre a costa da China. Vários desses movimentos poderiam ser empreendidos simultaneamente, e num avanço com êxito em qualquer direção levaria os Aliados às portas da principal cidadela do império japonês.

 

Os líderes japoneses estavam plenamente cônscios da gravidade da situação. A coincidência de dois fatos significativos, os bombardeios contra o Japão e o fracasso em manter as Marianas, foi causa de um rude abalo na estrutura do governo e do Alto Comando, durante os últimos dias de julho, acarretando a demissão do general Tojo do cargo de primeiro ministro e chefe do Estado Maior, bem como a demissão do almirante Shimada como ministro da marinha e chefe do Estado Maior naval. Tais mudanças implicavam antes no reconhecimento dos fracassos sofridos do que em possíveis mudanças políticas, pois o mesmo grupo militarista continuava no poder. Um fato mais concreto, e do ponto de vista aliado muito mais sério, era a nova e importante ofensiva que se encontrava agora em pleno desenvolvimento na China. Com o avanço no Pacífico processando-se aos saltos, e com as operações iniciais na Birmânia fazendo progressos definidos no sentido da reabertura das comunicações pelo oeste, as perspectivas de estabelecerem finalmente bases ofensivas na China se tornava assunto de imediata preocupação para os Aliados. Para contornar a ameaça enquanto ainda era remota, os japoneses iniciaram, em meados de abril, um intenso esforço para conquistar a zona do sudeste da China, sobre a qual ainda não haviam conseguido estender seu controle. Um poderoso ataque foi lançado ao sul do rio Amarelo para o interior de Honan, e foi seguido pouco depois por um golpe para o norte, partido de Cantão. O objetivo era claramente apoderar-se do controle da ferrovia Cantão-Hankow-Pequim; e a extensão de seu domínio sobre a zona entre o rio Amarelo e o Yangtse foi seguida de um avanço rumo ao sul, para o interior de Huna, em direção à cidade estratégica de Channsha. Os chineses, mal equipados e a braços com dificuldades internas, resistiram valentemente nos pontos-chaves. Repeliram os ataques durante três semanas em Loyan, e em torno de Heniang a luta durou cerca de dois meses, até que a guarnição foi finalmente dominada. Mas, embora a lentidão do avanço japonês mostrasse claramente suas deficiências militares, o progresso de qualquer modo fortalecera sua posição defensiva para o dia em que todo o poderio aliado fosse lançado no conflito do Extremo Oriente, e a luta entrasse em sua fase final e decisiva.

                                                                                      

 

                      

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