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ACORRENTADAS / Blake Pierce
ACORRENTADAS / Blake Pierce

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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O capitão Jimmy Cole tinha acabado de contar aos seus passageiros uma antiga história de fantasmas do rio Hudson. Era uma história das boas sobre um assassino com um machado e um casaco comprido e negro, perfeita para uma noite de nevoeiro como aquela. Reclinou-se na cadeira, repousando por um momento os frágeis joelhos e pensou na reforma pela milionésima vez. Conhecia o Hudson como a palma das suas mãos mas, mais dia, menos dia, até um pequeno barco de pesca como o Suzy se tornaria numa responsabilidade demasiado grande para ele.
Terminada a faina naquela noite, manobrou a embarcação rumo a terra e, ao encaminhar-se firmemente para o cais de Reedsport, um dos passageiros chamou-o, arrancando-o aos seus devaneios.
“Ei, Capitão – aquilo ali não é o seu fantasma?”
Jimmy nem se deu ao trabalho de olhar. Os seus quatro passageiros – dois jovens casais de férias – estavam a cair de bêbedos. Não havia a mínima dúvida de que um dos homens estava apenas a tentar assustar as mulheres.
Mas então uma das mulheres acrescentou: “Também estou a ver. Não é estranho?”
Jimmy voltou-se para os seus passageiros. Raios partam os bêbedos. Era a última vez que trabalhava àquela hora da noite.
E então, o outro homem apontou.
“Está ali,” Disse.
A mulher tapou os olhos.
“Oh, nem consigo olhar!” Exclamou com um riso nervoso e constrangido.
Jimmy, exasperado e percebendo que não lhe iam dar descanso, virou-se finalmente e olhou para onde o homem estava a apontar.
Algo lhe chamou realmente a atenção num espaço entre as árvores que se avistavam na orla do rio. Reluzia e tinha uma forma vagamente humana. Fosse o que fosse, parecia flutuar acima do chão. Mas estava muito longe para se ver com nitidez.
Antes de Jimmy ter tempo de agarrar nos binóculos, o objeto desapareceu atrás das árvores na margem.
A verdade era que Jimmy também tinha bebido algumas cervejas, embora tal não constituísse um problema para ele. Conhecia bem o rio. E gostava do que fazia. Gostava especialmente de estar no Hudson àquela hora da noite quando as águas estavam calmas e pacíficas. Poucas coisas naquele local podiam abalar a sua tranquilidade.
Abrandou e manobrou o Suzy cuidadosamente de encontro aos protetores do cais. Orgulhoso da acostagem suave, desligou o motor e amarrou o barco ao cais.
Os passageiros saíram do barco aos trambolhões e a rir destemperadamente. Cambalearam do cais para terra firme e dirigiram-se para o Bed & Breakfast em que estavam hospedados. Jimmy estava contente por terem pago adiantado.
Mas não conseguia parar de pensar no objeto estranho que detetara. Estava bem para lá da linha da costa e não era possível vê-lo de onde se encontrava. Quem ou o que seria?
Incomodado, sabia que não ia sossegar enquanto não desvendasse aquele mistério. Ele era assim mesmo.
Jimmy suspirou audivelmente, aborrecido, e começou a caminhar pela margem do rio, seguindo a linha de comboio que bordejava as águas do rio. Aquela linha estivera ativa há cem anos atrás, na altura em que Reedsport era essencialmente constituída por bordéis e casas de jogo. Agora, era apenas mais uma relíquia de uma era passada.
Jimmy conseguiu finalmente contornar uma curva, aproximando-se de um velho armazém próximo da linha. Emanava uma luz difusa do edifício, mas ainda assim suficiente para conseguir ver uma luminosa forma humana que parecia flutuar ao vento. A forma estava suspensa de uma das traves de um poste de energia.
Quando se aproximou, viu com nitidez algo que lhe provocou um calafrio. A forma era de facto humana, apesar de não dar mostras de qualquer sinal de vida. O corpo estava de costas para ele, envolto num qualquer tipo de tecido e completamente embrulhado em pesadas correntes que cintilavam à luz.
Oh, meu Deus, outra vez não.
Jimmy não conseguiu evitar lembrar-se de um crime macabro que abalara a região há alguns anos atrás.
Jimmy dirigiu-se ao outro lado do corpo sentindo os frágeis joelhos a vacilar. Aproximou-se o suficiente para conseguir ver o rosto de quem ali estava pendurado e quando o contemplou, quase caiu na linha em estado de choque. Reconheceu-a. Era uma mulher que vivia na cidade, uma enfermeira, uma amiga de longa data. A garganta estava cortada e a boca aberta sem vida estava amordaçada por uma corrente que envolvia a cabeça.
Jimmy arquejou de dor perante aquele horror.
O assassino estava de volta.

 

 

 


 

 

 


CAPÍTULO 1


A Agente Especial Riley Page estacou, observando a cena em estado de choque. A mão cheia de pedras na sua cama não deveria ali estar. Alguém tinha arrombado a sua casa e tinha-os colocado ali. Alguém que lhe queria fazer mal.

Compreendeu de imediato que as pedras eram uma mensagem e que o portador da mensagem era um velho inimigo. Dizia-lhe que, afinal, ela não o tinha morto.

O Peterson está vivo.

O mero pensamento provocou-lhe um tremor que percorreu todo o seu corpo.

Há muito que suspeitava dessa possibilidade e agora tinha a certeza absoluta. Pior, ele tinha estado dentro da sua casa. A simples ideia nauseava-a a ponto de lhe apetecer vomitar. Ainda estaria ali?

Agora respirava com dificuldade, dominada pelo medo. Riley sabia que os seus recursos físicos eram limitados. Precisamente naquele dia, tinha sobrevivido a um perigoso confronto com um assassino sádico, e ainda tinha a cabeça ligada e o corpo repleto de hematomas. Estaria preparada para o enfrentar se ele estivesse dentro da sua casa?

Riley retirou imediatamente a arma do coldre. Com as mãos a tremer, dirigiu-se ao roupeiro e abriu-o. Ninguém estava ali. Confirmou debaixo da cama. Ali também não estava ninguém.

Riley parou e forçou-se a pensar com clareza. Tinha estado no quarto desde que tinha chegado a casa? Sim, porque tinha colocado o coldre por cima do armário ao lado da porta. Mas não tinha ligado a luz e não tinha olhado para o interior. Tinha-se circunscrito ao umbral da porta e a colocar a arma em cima do armário antes de sair. Tinha vestido o pijama na casa de banho.

Teria o seu inimigo estado na casa todo aquele tempo? Depois de chegarem a casa, ela e April tinham conversado e visto televisão até tarde. Depois April fora para a cama. Só alguém muito furtivo e ardiloso conseguiria ficar escondido numa casa minúscula como a dela. Mas era uma possibilidade que ela não podia descartar.

E então um novo medo se apoderou dela.

April!

Riley agarrou na lanterna que guardava na mesa-de-cabeceira. Com a arma em riste na mão direita e a lanterna na mão esquerda, saiu do quarto e ligou a luz do corredor. A casa parecia adormecida. Dirigiu-se rapidamente ao quarto de April e escancarou a porta. O quarto estava mergulhado em escuridão. Riley ligou a luz do teto.

A filha estava na cama.

“O que foi, Mãe?” Perguntou April, semicerrando os olhos surpreendida.

Riley entrou no quarto.

“Não saias da cama,” Disse. “Fica sossegada onde estás.”

“Estás-me a assustar,” Disse April com a voz a tremer.

Não havia problema. Também ela estava com muito medo e a filha tinha todas as razões para sentir medo como ela. Dirigiu-se ao roupeiro de April, apontou a lanterna para o seu interior e viu que ninguém se encontrava lá dentro. Também não havia ninguém debaixo da cama da April.

O que fazer de seguida? Tinha que percorrer cada canto e recanto da casa.

Riley sabia o que o seu parceiro Bill Jeffreys teria dito.

Raios Riley, pede ajuda.

A sua tendência de longa data de fazer tudo sozinha, sempre tinha enfurecido o Bill. Só que desta vez ia seguir o seu conselho. Com a April em casa, Riley não ia correr riscos.

“Veste um robe e calça-te,” Disse à filha. “Mas ainda não saias do quarto.”

Riley voltou ao seu quarto e pegou no telefone, pousado em cima da mesa-de-cabeceira. Pressionou a ligação automática para falar com a Unidade de Análise Comportamental. Mal ouviu uma voz do outro lado, sussurrou, “Daqui fala Agente Especial Riley Page. Alguém entrou na minha casa e ainda pode estar cá. Preciso que alguém cá venha rapidamente.” Pensou durante um segundo e depois acrescentou, “E enviem uma equipa de análise de provas.”

“Vamos já para aí,” Responderam do outro lado da linha.

Riley desligou a chamada e regressou ao corredor. Com exceção dos dois quartos e do corredor, a casa continuava mergulhada na escuridão. Ele podia estar em qualquer lugar, à espreita, à espera de desferir um ataque. Este homem já a tinha apanhado desprevenida uma vez e quase tinha morrido às suas mãos.

Riley moveu-se sorrateiramente pela casa, ligando as luzes à medida que avançava com a arma pronta para qualquer eventualidade. Apontou a lanterna para o interior de todos os roupeiros e para todos os cantos penumbrosos.

Finalmente, olhou para o teto do corredor. A portinhola acima dela conduzia ao sótão, escondendo uma escada de puxar nas suas entranhas. Atrever-se-ia a subir lá acima e espreitar?

Naquele preciso momento, Riley ouviu as sirenes da polícia. Soltou um profundo suspiro de alívio ao ouvir aquele som. Apercebeu-se que a agência tinha chamado a polícia local, considerando a distância de mais de meia hora da sede da UAC.

Dirigiu-se ao seu quarto, calçou uns sapatos e vestiu um roupão de banho, regressando depois ao quarto de April.

“Vem comigo,” Disse. “Fica perto de mim.”

Ainda segurando na arma, Riley envolveu com o seu braço esquerdo os ombros de April. A pobre criança tremia de medo. Riley levou April para a porta de entrada, abrindo-a ao mesmo tempo que vários polícias de uniforme se apressavam em direção à casa.

O polícia responsável aproximou-se da casa com a arma em riste.

“Qual é o problema?” Perguntou.

“Alguém esteve na minha casa,” Respondeu Riley. “Ainda pode lá estar.”

O polícia contemplou, inquieto, a arma que Riley empunhava.

“Sou do FBI,” Tranquilizou-o Riley. “Os agentes da UAC devem estar a chegar. Já revistei a casa, exceto o sótão.” Disse, apontando na sua direção. “Há uma porta no teto por cima do corredor.”

O polícia chamou, “Bowers, Wright, venham cá e revistem o sótão. Os outros revistam lá fora, atrás e à frente da casa.”

Bowers e Wright foram diretamente para o corredor e puxaram a escada para subirem até ao sótão. Ambos empunhavam as suas armas. Um esperou no fundo da escada, enquanto o outro subia e apontava uma lanterna em todas as direções. Dali a momentos, o homem desapareceu no interior do sótão.

E logo depois uma voz ressoou, anuncinado, “Não está aqui ninguém.”

Riley queria sentir-se aliviada. Mas a verdade era que desejava que Peterson estivesse ali em cima. Seria preso ali naquele momento, ou ainda melhor, alvejado, morto. E tinha a certeza de que não estaria nem atrás, nem à frente da casa.

“Tem uma cave?” Perguntou o polícia responsável.

“Não, só uma pequena arrecadação,” Respondeu Riley.

O polícia vociferou lá para fora, “Benson, Pratt, vejam debaixo da casa.”

April ainda estava desesperadamente agarrada à mãe.

“O que é que se passa, Mãe?” Perguntou.

Riley hesitou. Durante anos, evitara contar a April a verdade crua do seu trabalho. Contudo, recentemente compreendera que tinha sido excessivamente protetora. Então, contara a April o traumático cativeiro sofrido às mãos de Peterson, ou pelo menos, o que considerou suportável para ela. Também partilhara com ela as dúvidas quanto à morte do homem.

Mas o que diria agora a April? Não sabia ao certo.

Antes de Riley se decidir, April disse, “É o Peterson, não é?”

Riley abraçou a filha com força. Anuiu, tentando esconder o arrepio que lhe trespassou o corpo.

“Ele ainda está vivo.”


CAPÍTULO 2


Uma hora mais tarde, a casa de Riley estava repleta de pessoas de uniforme e agentes do FBI. Agentes federais armados até aos dentes e uma equipa de análise de provas estavam a trabalhar com a polícia.

“Embala essas pedras na cama,” Ordenou Craig Huang. “Têm que ser examinados para se detetarem impressões digitais ou ADN.”

Inicialmente, Riley não ficara muito satisfeita por ver que Huang era o agente encarregue de analisar o sucedido em sua casa. Ele era muito jovem e a anterior experiência de trabalho com ele não tinha corrido da melhor forma. Mas agora via que dava ordens sólidas e organizava a cena de forma eficiente. Huang estava a amadurecer.

A equipa de análise de provas já estava a trabalhar, percorrendo cada recanto da casa à procura de impressões digitais. Outros agentes tinham desaparecido na escuridão atrás da casa, tentando detetar marcas de veículos ou algum rasto na floresta. Agora que tudo parecia orientado, Huang levou Riley até à cozinha. Sentaram-se à mesa e April juntou-se a eles, ainda combalida.

“O que achas?” Perguntou Huang a Riley. “Há alguma hipótese de ainda o encontrarmos?”

Riley suspirou, desanimada.

“Não, temo que já não seja possível. Deve ter estado aqui no início da noite, antes de eu e a minha filha chegarmos a casa.”

Naquele preciso momento, uma agente envergando um fato Kevlar, surgiu vinda das traseiras da casa. Tinha cabelo escuro, olhos negros, tez morena e aparentava ser ainda mais nova do que Huang.

“Agente Huang, descobri uma coisa,” Anunciou. “Arranhões na fechadura da porta das traseiras. Parece que alguém a abriu.”

“Bom trabalho, Vargas,” Disse Huang. “Agora sabemos como entrou. Pode ficar com a Riley e a filha por um momento?”

O rosto da jovem mulher acendeu-se de satisfação.

“Claro que sim,” Respondeu.

Sentou-se à mesa e Huang saiu da cozinha para se juntar aos outros.

“Agente Paige, sou a Agente María de la Luz Vargas Ramírez.” Depois, disse sorrindo. “Eu sei, é um bocado complicado. É uma característica Mexicana. Tratam-me por Lucy Vargas.”

“Estou contente por estar aqui, Agente Vargas,” Transmitiu-lhe Riley.

“Trate-me só por Lucy.”

A jovem mulher permaneceu silenciosa durante algum tempo, limitando-se a olhar para Riley. Por fim, disse, “Agente Paige, espero não estar a pisar o risco ao dizer isto, mas... É um verdadeiro prazer conhecê-la. Sigo o seu trabalho desde que comecei o curso. Tudo o que fez é simplesmente incrível.”

“Obrigada,” Agradeceu Riley.

Lucy sorriu com admiração. “Quero dizer, a forma como resolveu o caso Peterson – toda a história é surpreendente.”

Riley abanou a cabeça.

“Quem me dera que as coisas fossem assim tão simples,” Declarou. “Ele não está morto. Foi ele quem entrou hoje na minha casa.”

Lucy fitou-a, atordoada.

“Mas toda a gente diz...” Começou Lucy.

Riley interrompeu-a.

“Mais alguém pensava que ele estava vivo. Marie, a mulher que salvei. Ela tinha a certeza que ele ainda andava por aí a provocá-la. Ela...”

De súbito, Riley parou, recordando dolorosamente o corpo de Marie pendurado no seu próprio quarto.

“Ela suicidou-se,” Rematou Riley.

Lucy parecia horrorizada e surpreendida em simultâneo. “Lamento,” Disse.

Naquele momento, Riley ouviu uma voz familiar dirigir-se a ela.

“Riley? Estás bem?”

Virou-se e viu Bill Jeffreys de pé na soleira da porta da cozinha, com um ar ansioso. A UAC devia tê-lo alertado sobre o sucedido e fora até lá por sua conta e risco.

“Estou bem, Bill,” Respondeu. “E a April também. Senta-te.”

Bill sentou-a à mesa com Riley, April e Lucy. Lucy fitava-o, aparentemente deslumbrada por conhecer o antigo parceiro de Riley, outra lenda do FBI.

Huang voltou à cozinha.

“Não está ninguém na casa ou fora dela,” Informou Riley. “O meu pessoal reuniu todas as provas que encontraram. Dizem que não é muito para se chegar a alguma conclusão. Terão que ser os técnicos do laboratório a determinar se é material sustentável ou não.”

“Já temia isso,” Sentenciou Riley.

“Parece-me que já terminámos por esta noite,” Disse Huang. E saiu da cozinha para dar as últimas ordens aos agentes.

Riley virou-se para a filha.

“April, esta noite vais ficar na casa do teu pai.”

Os olhos de April abriram-se muito.

“Não te vou deixar aqui,” Disse April. “E não quero ficar com o pai.”

“Tens que ficar,” Forçou Riley. “Aqui podes não estar segura.”

“Mas Mãe...”

Riley interrompeu-a. “April, há coisas que ainda não te contei sobre este homem. Coisas terríveis. Estás segura com o teu pai. Vou-te buscar amanhã depois das aulas.”

Antes de April protestar mais uma vez, Lucy falou.

“A tua mãe tem razão, April. Confia no que te digo. Aliás, encara-o como uma ordem minha. Vou escolher dois agentes para te levarem a casa do teu pai. Agente Paige, com sua autorização, posso ligar ao seu ex-marido e contar-lhe o que se passa.”

Riley ficou surpreendida com a oferta de Lucy. Mas também ficou satisfeita. De forma quase estranha, Lucy parecia compreender que aquela seria uma chamada estranha para ela realizar. O Ryan levaria aquelas notícias indubitavelmente mais a sério se transmitidas por qualquer outra pessoa que não Riley. Lucy também tinha lidado com April da melhor forma.

Lucy não só tinha detetado a fechadura forçada, como também tinha demonstrado empatia, uma excelente qualidade num agente da UAC muitas vezes ocultada pelo stress do trabalho.

Esta mulher é boa, Pensou Riley.

“Vamos lá,” Disse Lucy a April. “Vamos ligar ao teu pai.”

April olhou fixa e friamente para Riley. Ainda assim, levantou-se e seguiu Lucy até à sala de estar onde fizeram a chamada,

Riley e Bill ficaram sozinhos na mesa da cozinha. Apesar de parecer que nada mais havia a fazer, parecia correcto a Riley, Bill estar ali. Tinham trabalhado juntos durante vários anos e ela sempre os encarara como um par compatível – ambos estavam na casa dos quarenta com brancas a despontar do cabelo preto. Ambos eram dedicados aos seus trabalhos e ambos haviam tido casamentos problemáticos. O Bill era de constituição e temperamento sólidos.

“Era o Peterson,” Atirou Riley. “Ele esteve aqui.”

Bill não disse nada. Parecia não estar muito convencido.

“Não acreditas em mim?” Perguntou Riley. “Tinha pedras na minha cama. Ele deve tê-los colocado lá. Não podiam lá ter ido parar de outra forma.”

Bill abanou a cabeça.

“Riley, tenho a certeza que alguém entrou em tua casa,” Disse. “Não imaginaste isso. Mas o Peterson? Duvido muito.”

Riley começou a sentir invadir-se por uma onda de fúria crescente.

“Bill, ouve-me. Uma noite, ouvi ruídos à porta, olhei lá para fora e vi pedras. A Marie ouviu alguém a atirar pedras à janela do quarto. Quem mais podia ser?”

Bill suspirou e abanou a cabeça.

“Riley, estás cansada,” Afirmou. “ E quando estás cansada e tens uma ideia fixa na cabeça, é fácil acreditares em quase tudo. Pode acontecer a qualquer um.”

Riley tentou conter as lágrimas. Outrora, Bill teria confiado nos seus instintos sem sequer duvidar. Mas esse tempo já lá ia. E ela sabia porquê. Há algumas noites, ela tinha-lhe telefonado bêbeda e sugerira que tomassem medidas em relação à sua mútua atração, iniciando um caso. Tinha sido horrível e ela sabia-o, Não voltara a beber desde então. Mesmo assim, as coisas não se tinham endireitado entre ela e Bill desde então.

“Eu sei o que é que se passa, Bill,” Disse ela. “É por causa daquele estúpido telefonema. Já não confias em mim."

Agora a voz de Bill estalou de fúria.

“Raios, Riley, só estou a tentar ser realista.”

Riley não aguentou mais. “Vai-te embora, Bill.”

“Mas Riley...”

“Acredita em mim ou não acredites em mim. Escolhe. Mas neste momento, só quero que te vás embora.”

Resignado, Bill levantou-se e foi-se embora.

Pela soleira da porta da cozinha, Riley conseguia ver que quase todos tinham abandonado a casa, incluindo April. Lucy regressou à cozinha.

“O agente Huang vai deixar alguns agentes aqui,” Disse. “Vão vigiar a casa a partir de um carro durante a noite. Não me parece ser boa ideia que fique sozinha aqui dentro. Não me importo de ficar.”

Riley sentou-se e pensou por um momento. O que ela queria – o que ela precisava naquele exato instante – era que alguém acreditasse que o Peterson não estava morto. Duvidava até de conseguir convencer Lucy disso. Parecia um caso perdido.

“Eu fico bem, Lucy,” Disse Riley.

Lucy assentiu e saiu da cozinha. Riley ainda ouviu o som dos últimos agentes a sair da casa e a fechar a porta atrás deles. Riley levantou-se e confirmou se as portas de trás e da frente estavam trancadas. Colocou duas cadeiras encostadas à porta de trás. Se alguém tentasse arrombá-la, as cadeiras dariam sinal.

Depois dirigiu-se à sala de estar e olhou em seu redor. A casa parecia estranhamente luminosa com todas as luzes brilhando incandescentes.

Devia desligar algumas, Pensou.

Mas ao tentar alcançar o interruptor da sala de estar, os dedos congelaram. Não as conseguia desligar. Estava paralisada de terror.

Riley sabia que Peterson estava novamente no seu encalce.


CAPÍTULO 3


Riley hesitou por um momento ao entrar no edifício da UAC, não estava certa de estar preparada para encarar quem quer que fosse naquele dia. Não pregara olho a noite toda e estava exausta. A sensação de terror que a mantivera acordada a noite toda esgotara toda a sua adrenalina. Agora, apenas se sentia esvaziada.

Riley respirou fundo.

A única saída é enfrentar os medos.

Reuniu toda a sua determinação e caminhou na direção do labirinto buliçoso de agentes do FBI, especialistas e pessoal de apoio. Há medida que desbravava caminho, rostos familiares desviaram os olhares dos computadores na sua direção. A maioria sorriu por vê-la e vários dirigiram-lhe gestos de incentivo. Aos poucos, Riley sentiu-se feliz por se ter decidido entrar. Precisava de alguma coisa que a fizesse sentir-se melhor.

“Isso é que foi com o Dolly Killer,” Atirou um jovem agente.

Riley demorou alguns segundos a compreender a que é que ele se referia. Depois percebeu que “Dolly Killer” devia ser a alcunha de Dirk Monroe, o psicopata que tinha abatido. O nome fazia todo o sentido.

Riley também reparou que alguns dos rostos a encaravam de forma mais prudente. Não havia dúvidas de que tinham sabido do incidente ocorrido em sua casa a noite passada já que toda uma equipa tinha acorrido à sua chamada desesperada a solicitar apoio. Provavelmente pensam que não estou no meu juízo perfeito, Pensou. Tanto quanto sabia, mais ninguém no Bureau acreditava que o Peterson ainda pudesse estar vivo.

Riley parou junto à secretária de Sam Flores, um técnico de laboratório com óculos de aros pretos que trabalhava arduamente em frente ao computador.

“Que notícias tens para mim, Sam?” Perguntou Riley.

Sam desviou o olhar do monitor e ergueu-o para ela.

“Referes-te ao assalto a tua casa, certo? Estou agora mesmo a ver alguns relatórios preliminares. Não há muito por onde pegar. Os tipos do laboratório não conseguiram sacar nada das pedras. Nem ADN, nem fibras, nem impressões digitais.”

Riley suspirou, desalentada.

“Avisa-me se derem com alguma coisa,” Disse, dando uma palmadinha nas costas de Flores.

“Não contaria muito com isso,” Rematou Flores.

Riley permaneceu na área partilhada por agentes seniores. Quando passou junto aos gabinetes envidraçados, viu que Bill não estava lá. Na verdade, era um alívio, mas Riley também sabia que mais tarde ou mais cedo teria que esclarecer as recentes situações mal resolvidas entre eles.

Mal entrou no seu gabinete simples e bem organizado, Riley de imediato reparou que tinha uma mensagem no telefone. Era de Mike Devins, o psiquiatra forense de D.C. que por vezes consultava em casos da UAC. Há vários anos que ele lhe transmitia importantes perceções, não só relacionadas com os casos que Riley tinha em mãos. Mike também a ajudara a enfrentar as crises de Stress Pós-Traumático depois de Peterson a ter capturado e torturado. Riley sabia que ele estava a ligar para ver como ela estava, algo que fazia habitualmente.

Estava prestes a devolver-lhe a chamada quando a figura maciça do Agente Especial Brent Meredith surgiu na soleira da porta do seu gabinete. As feições negras e angulares do comandante da unidade sugeriam uma personalidade dura e inquebrantável. Riley ficou aliviada por vê-lo, tranquilizada, como sempre, pela sua presença.

“Bem-vinda, Agente Paige,” Disse.

Riley levantou-se para lhe apertar a mão. “Obrigado, Agente Meredith.”

“Ouvi dizer que teve outra pequena aventura a noite passada. Espero que esteja bem.”

“Estou bem, obrigado.”

Meredith fitou-a com sincera preocupação e Riley sabia que ele estava a avaliar a sua capacidade para retomar o trabalho.

“Vamos tomar um café?” Perguntou.

“Obrigado, mas tenho aqui uns ficheiros em que tenho que trabalhar. Fica para outra vez.”

Meredith assentiu e não disse mais nada. Riley sabia que ele estava à espera que ela falasse. Não havia dúvidas de que ele já sabia da sua crença de que Peterson tinha sido o intruso. Estava a dar-lhe uma oportunidade de dar a sua opinião. Mas ela tinha a certeza de que Meredith não estaria mais propenso do que os outros a acreditar na sua teoria sobre Peterson.

“Bem, é melhor eu ir andando,” Disse. “Quando quiser tomar um café ou almoçar, avise.”

“Assim farei.”

Meredith estacou e virou-se para Riley.

Lenta e cuidadosamente, disse, “Tenha cuidado, Agente Paige.”

Pareceu a Riley detetar um significado profundo naquelas palavras. Não há muito tempo, outro superior da agência tinha-a suspenso por subordinação. Tinha acabado por ser reintegrada, mas a sua posição ali dentro ainda parecia ser frágil. Reley pressentiu que Meredith lhe dava um aviso amigável. Não queria que ela cometesse um ato que a colocasse em xeque. E levantar poeira sobre Peterson, podia trazer problemas com aqueles que haviam dado o caso por encerrado.

Mal se encontrou sozinha, Riley procurou e retirou o grosso ficheiro do caso Peterson. Abriu-o em cima da secretária e percorreu-o, avivando a memória sobre as características do seu inimigo. Não encontrou nada que fosse muito útil.

A verdade era que o homem permanecia um enigma. Nem sequer havia qualquer registo da sua existência até Bill e Riley o terem apanhado. Peterson até podia nem ser o seu nome verdadeiro e tinham encontrado vários nomes próprios supostamente ligados a ele.

Ao folhear o ficheiro, Riley encontrou fotos das suas vítimas, mulheres que haviam sido encontradas em campas rasas. Todas apresentavam cicatrizes de queimaduras e a causa das mortes fora o estrangulamento. Riley estremeceu ao lembrar-se das mãos grandes e poderosas que a haviam apanhado e aprisionado como um animal.

Ninguém sabia ao certo quantas mulheres ele tinha assassinado. Ainda podia haver muitos corpos perdidos algures. E até Marie e Riley serem capturadas e terem sobrevivido para contar, ninguém sabia o quanto ele gostava de atormentar as mulheres no escuro com um maçarico de gás propano. E mais ninguém estava disposto a acreditar que Peterson ainda estava vivo.

Tudo isto estava a deitá-la abaixo. Riley era conhecida pela sua capacidade de entrar nas mentes dos assassinos – uma aptidão que por vezes a assustava. Ainda assim, nunca conseguira entrar na mente de Peterson. E mesmo agora, sentia que o compreendia menos do que nunca.

Riley nunca o encarou como um psicopata organizado. O facto de abandonar as vítimas em campas rasas, sugeria o contrário. Não era um perfeccionista. Ainda assim, era suficientemente meticuloso para não deixar pistas. O homem era um verdadeiro paradoxo.

Lembrou-se de algo que Marie lhe tinha dito pouco antes de se suicidar...

“Talvez ele seja como um fantasma, Riley. Talvez seja o que aconteceu quando rebentaste com ele. Mataste-lhe o corpo, mas não lhe mataste o mal.”

Ele não era um fantasma, Riley sabia que não. Ela tinha a certeza – mais do que nunca – de que ele andava à solta e que ela era o seu próximo alvo. É claro que, no que a ela dizia respeito, ele bem podia ser um fantasma. Para além dela, mais ninguém acreditava que ele existia.

“Onde estás tu, sacana?” Sussurrou.

Não sabia e não tinha forma de o saber. Estava completamente bloqueada. Não tinha escolha senão deixar as coisas como estavam por agora. Encerrou o ficheiro e colocou-o novamente no lugar.

Nessa altura, o telefone do gabinete tocou. Viu que a chamada provinha de uma linha partilhada por todos os agentes especiais. Era uma linha que a central telefónica da UAC utilizava para encaminhar chamadas destinadas aos agentes. A norma ditava que o agente que atendesse tal chamada em primeiro lugar, ficaria com o caso.

Riley olhou em redor para os outros gabinetes. Ninguém parecia estar disponível naquele momento. Os outros agentes estavam todos na pausa ou a trabalhar em casos no terreno. Riley atendeu o telefone.

“Agente Especial Riley Paige. Em que posso ajudar?”

A voz do outro lado da linha parecia preocupada.

“Agente Paige, fala Raymond Alford, Chefe da Polícia de Reedsport, Nova Iorque. Temos problemas por cá. Era possível falarmos por vídeo chamada? Talvez conseguisse explicar melhor. E tenho algumas fotos que deveria ver.”

Riley sentiu a sua curiosidade ser espicaçada. “Claro,” Disse e deu o seu contacto a Alford. Alguns momentos depois, já falava com ele olhos nos olhos. Era um homem esguio e careca aparentando já alguma idade. Naquele momento, apresentava uma expressão ansiosa e cansada.

“Tivemos um homicídio aqui a noite passada,” Relatou Alford. “Uma coisa bastante feia. Deixe-me mostrar-lhe.”

Surgiu uma fotografia no ecrã de Riley. Mostrava o que aparentava ser o corpo de uma mulher pendurado de uma corrente sobre uma linha de comboio. O corpo estava envolto num amontoado de correntes e parecia estar vestido de forma estranha.

“O que é que a vítima tem vestido?” Perguntou Riley.

“Um colete-de-forças,” Respondeu Alford.

Riley ficou sobressaltada. Olhando para a foto com mais atenção, conseguia ver que assim era. Depois a imagem desapareceu e Riley deu por si a olhar novamente para Alford.

“Chefe Alford, compreendo a sua preocupação. Mas o que é que o leva a pensar que este caso é apropriado para a Unidade de Análise Comportamental?”

“Porque a mesma coisa aconteceu muito perto daqui há cinco anos atrás,” Respondeu Alford.

Uma imagem com outro corpo de mulher apareceu no ecrã. Também ela estava toda acorrentada e presa por um colete-de-forças.

“Naquela altura foi uma funcionária prisional em part-time, Marla Blainey. O MO foi idêntico, mas em vez de ser pendurada, foi atirada para a margem do rio.”

O rosto de Alford voltou a aparecer.

“Desta vez a vítima foi Rosemary Pickens, uma enfermeira da cidade,” Informou. “Não ocorre um motivo a ninguém, para nenhuma das mulheres. Ambas eram pessoas queridas.”

Alford afundou-se na cadeira e abanou a cabeça.

“Agente Paige, eu e o meu pessoal estamos a apalpar terreno para nós desconhecido. Esta nova morte tem que se enquadrar numa série ou numa cópia. O problema é que nenhuma dessas hipóteses faz sentido. Não costumamos ter esse tipo de problema em Reedsport. Esta é apenas uma pequena cidade turística junto ao rio Hudson com uma população de cerca de sete mil habitantes. Por vezes temos que intervir numa escaramuça ou pescar um turista do rio. E isso é tudo o que de mais negativo se passa por aqui.”

Riley pensou naquilo. Parecia mesmo um caso para a UAC. Ela devia encaminhar Alford diretamente para Meredith.

Mas Riley relanceou o gabinete de Meredith e viu que ainda não tinha regressado. Podia falar com ele sobre o assunto mais tarde. Entretanto, talvez pudesse ajudar um pouco.

“Quais as causas das mortes?” Perguntou.

“Gargantas cortadas, ambas.”

Riley tentou não mostrar a sua surpresa. O estrangulamento e golpe grosseiro eram mais comuns do que o corte.

Parecia ser um assassino muito invulgar. Ainda assim, era o tipo de psicopata que Riley conhecia bem. Especializara-se exatamente em casos como aquele. Seria uma pena não poder aplicar os seus conhecimentos àquele caso. À luz do seu trauma recente, não lhe atribuiriam o caso.

“Já desceram o corpo?” Perguntou Riley.

“Ainda não,” Respondeu Alford. “Ainda está aqui pendurada.”

“Então não desçam. Deixem-no aí por agora. Esperem até os nossos agentes chegarem.”

Alford não pareceu agradado.

“Agente Paige, isso vai ser difícil. Está mesmo ao lado das linhas de comboio e pode ser visto do rio. E a cidade não precisa deste tipo de publicidade. A pressão para o descer é imensa.”

“Deixe-o,” Disse Riley. “Sei que não é fácil, mas é importante. Não vai demorar muito tempo. Teremos agentes aí ainda esta tarde.”

Alford assentiu, concordado em silêncio.

“Tem mais fotos da última vítima?” Perguntou Riley. “Imagens mais detalhadas?”

“Claro, vou mostrar-lhas.”

Riley observou uma série de fotos pormenorizadas do corpo. Os polícias locais tinham feito um bom trabalho. As fotos mostravam quão apertadas e elaboradamente envoltas no corpo estavam as correntes.

Finalmente, surgiu uma imagem aproximada do rosto da vítima.

Riley sentiu um sobressalto no coração. Os olhos da vítima estavam inchados e a boca estava amordaçada com uma corrente. Mas não foi isso que chocou Riley.

A mulher era muito parecida com Marie. Era mais velha e mais pesada, mas ainda assim, Marie ficaria muito parecida com aquela mulher se tivesse vivido mais uma década. Aquela imagem fora um soco no estômago de Riley. Era como se Marie lhe estivesse a pedir ajuda, a exigir que ela apanhasse aquele assassino.

Sabia que tinha que ficar com aquele caso.


CAPÍTULO 4


Peterson circulava, nem muito devagar, nem muito depressa, sentindo-se bem por ter a rapariga novamente debaixo de olho. Tinha-a finalmente encontrado. Ali estava ela, a filha de Riley, sozinha, a ir para a escola, sem lhe passar pela cabeça que ele a perseguia, sem lhe passar pela cabeça que ele estava prestes a matá-la.

Enquanto a observava, ela parou repentinamente e virou-se, como se pressentisse que estava a ser vigiada. Estacou e ali ficou, indecisa. Alguns estudantes passaram por ela e entraram no edifício.

Peterson encostou o carro na berma, esperando pelo seu próximo passo.

Não que a rapariga lhe interessasse particularmente. A mãe é que era o verdadeiro alvo da sua vingança. A mãe que o havia contrariado de forma inominável e que tinha que pagar por isso. De certa forma, já tinha pago, afinal, ele levara Marie Sayles a suicidar-se. Mas agora chegara a altura de lhe arrancar dos braços a pessoa mais importante da sua vida.

Para seu contentamento, a rapariga começou a voltar para trás e a afastar-se da escola. Aparentemente, decidira hoje não ir às aulas. O seu coração bateu com mais intensidade – ele queria atacar. Mas não podia. Ainda não. Tinha que ser paciente. Havia outras pessoas na rua.

Peterson arrancou e circulou no espaço de um quarteirão, forçando-se a ser paciente. Reprimiu um sorriso, antevendo a alegria iminente. Com aquilo que reservara para a sua filha, Riley ia sofrer de uma forma inimaginável. Apesar de ainda ser desengonçada e estranha, a miúda era muito parecida com a mãe. E isso só tornava tudo ainda mais agradável.

Enquanto conduzia, reparou que a miúda caminhava vigorosamente. Parou na curva e observou-a durante alguns momentos até se aperceber que se encaminhava para fora da cidade. Se ia para casa sozinha, então este poderia ser o momento ideal para levar o seu plano avante.

Com o coração a bater descompassadamente, querendo saborear a antecipação, Peterson conduziu mais um quarteirão.

Ele sabia que era necessário saber adiar certos prazeres, esperar até chegar o momento certo. A recompensa adiada tornava tudo mais agradável. Sabia-o graças a muitos anos de deliciosa e vagarosa crueldade posta em prática.

Há tanto por que esperar, Pensou, satisfeito.

Quando deu a volta e a viu novamente, Peterson riu-se. Estava a pedir boleia! Deus estava do seu lado naquele dia. Era óbvio que estava destinado a matá-la.

Parou o carro ao lado dela e dirigiu-lhe o seu mais agradável sorriso.

“Queres uma boleia?”

A miúda lançou-lhe um sorriso aberto. “Obrigado. Isso seria ótimo.”

“Para onde vais?” Perguntou.

“Vivo logo a seguir à cidade.”

A miúda disse-lhe a morada.

Peterson disse, “Fica a caminho. Entra.”

A miúda sentou-se no banco da frente. Observou, ainda mais satisfeito, que ela até tinha os olhos cor de avelã da mãe.

Peterson carregou no trinco para trancar as portas e as janelas. No meio do ruído difuso do ar condicionado, a rapariga nem se apercebeu de nada.


*


April sentiu um agradável fluxo de adrenalina ao colocar o cinto de segurança. Nunca tinha pedido boleia na vida. A mãe teria um ataque se descobrisse.

É claro que era algo que convinha à mãe. Fora desprezível deixá-la dormir em casa do pai a noite passada – tudo por causa da ideia maluca de que o Peterson tinha estado em sua casa. Não era verdade e April sabia-o. Os dois agentes que a tinham levado a casa do pai tinham-no dito. Por aquilo que comentaram entre eles, quase parecia que toda a agência achava que a mãe estava um bocado passada da cabeça.

O homem perguntou, “Então o que te traz a Fredericksburg?”

April virou-se e olhou para ele. Era um tipo de aspeto agradável com um maxilar saliente, cabelo desgrenhado e pera. Sorria.

“Escola,” Disse April.

“Um curso de verão?” Perguntou o homem.

“Sim,” Respondeu April. De certeza que não lhe ia dizer que decidira faltar às aulas. Não que parecesse alguém que não compreenderia. Parecia muito fixe. Talvez até lhe agradasse ajudá-la a desafiar a autoridade parental. Ainda assim, era melhor não arriscar.

O sorriso do homem tornou-se desconfiado.

“E o que pensa a tua mãe sobre pedir boleia?” Perguntou.

April corou de vergonha.

“Oh, ela não se importa,” Respondeu.

O homem soltou uma risadinha. Não era um som muito agradável. E April lembrou-se de algo. Ele perguntara o que a mãe pensava, não o que os pais pensavam. O que o levara a formular a pergunta daquela forma?

O trânsito era intenso perto da escola àquela hora da manhã. Ia demorar algum tempo a chegar a casa. April esperava que o homem não fosse demasiado conversador. Aquilo podia tornar-se estranho.

Após algum tempo de silêncio, April começou a sentir-se desconfortável. O homem já não sorria e a sua expressão pareceu-lhe sombria. Reparou que todas as portas estavam trancadas. Sub-repticiamente, tocou no botão da janela do lado do passageiro. Não se mexia.

O carro parou atrás de uma fila de carros que aguardavam pelo semáforo verde. O homem fciou na fila para virar à esquerda e, de repente, April sentiu uma súbita explosão de ansiedade apoderar-se dela.

“Hum... temos que ir por aqui,” Disse.

O homem nada disse. Será que não a tinha ouvido? Incompreensivelmente, não tivera a coragem de repetir o que dissera. Para além disso, talvez ele quisesse seguir por um caminho diferente. Mas não, ela não percebia como é que a levaria a casa seguindo naquela direção.

April começou a pensar no que devia fazer. Deveria gritar por socorro? Alguém a ouviria? E se o homem não tivesse ouvido o que ela tinha dito? E não lhe quisesse fazer mal? Seria tremendamente embaraçoso.

E foi então que April viu alguém conhecido a caminhar descontraidamente no passeio com a mochila pendurada no ombro. Era Brian, o seu “namorado”. Bateu audivelmente no vidro.

Suspirou de alívio quando Brian olhou e a viu.

“Queres uma boleia?” Perguntou a Brian através do vidro.

Brian sorriu e assentiu.

“Oh, é o meu namorado,” Disse April. “Podemos parar e dar-lhe boleia, por favor? De qualquer das formas, ia para a minha casa.”

Era mentira. April não fazia a mínima ideia para onde ia Brian. O homem franziu as sobrancelhas e resmoneou qualquer coisa. Não estava contente com aquela situação. Iria parar? O coração de April batia a um ritmo diabólico.

Brian falava ao telemóvel no passeio. Mas estava a olhar diretamente para o carro e April estava certa de que conseguia ver o condutor nitidamente. Estava contente por ter uma potencial testemunha no caso do homem ter em mente algo ilícito.

O homem estudou Brian, viu-o falar ao telemóvel e viu-o a olhar para ele.

Sem dizer uma palavra, o homem destrancou as portas. April fez sinal a Brian para entrar no banco detrás, ele abriu a porta e entrou. Fechou a porta no preciso momento em que a luz verde se acendeu e a fila de carros começou novamente a circular.

“Obrigado pela boleia,” Agradeceu Brian.

O homem não proferiu uma palavra, permanecendo de cenho franzido.

“Este senhor está a levar-nos para minha casa, Brian,” Informou April.

“Fantástico,” Respondeu Brian.

Agora April sentia-se segura. Se o homem realmente tivesse más intenções, de certeza que não os levaria a ambos. De certeza que os levaria diretamente para casa da mãe.

Refletindo antecipadamente, April pensou se deveria contar à mãe sobre o homem e as suas suspeitas. Mas não, isso significaria revelar que faltara às aulas e pedira boleia. A mãe castigava-a de vez.

Além disso, pensou, o condutor não podia ser Peterson.

Peterson era um assassino psicopata, não um homem normal a conduzir um carro.

E afinal de contas, Peterson estava morto.


CAPÍTULO 5


A expressão rígida e sombria de Brent Meredith indicava a Riley que ele não gostara nada do seu pedido.

“É um caso para mim,” Disse Riley. “Tenho mais experiência que qualquer outro com este tipo de assassino em série pervertido.”

Acabara de descrever a chamada recebida de Reedsport.

Após um longo silêncio, Meredith finalmente suspirou.

“Autorizada,” Anunciou, relutantemente.

Riley libertou um suspiro de alívio.

“Obrigado,” Agradeceu.

“Não me agradeça,” Rosnou Meredith. “Faço isto indo contra o senso comum. Só o permito porque tem as capacidades necessárias para lidar com este caso. A sua experiência com este tipo de assassino é única. Vou atribuir-lhe um parceiro.”

Riley sentiu um abanão de desânimo. Sabia que trabalhar com Bill não era uma boa opção neste momento, mas imaginou se Meredith sabia o porquê da tensão existente entre os parceiros de longa data. Pensou que o mais provável era Bill ter dito a Meredith que queria ficar mais perto de casa.

“Mas...” Principiou Riley.

“Não há mas,” Sentenciou Meredith. “E nada de artifícios de loba solitária. Não é inteligente e vai contra todas as regras. Quase morria mais do que uma vez. Regras são regras. E eu já estou a quebrar algumas neste momento ao não deixá-la de baixa depois dos recentes incidentes.”

“Sim, senhor,” Concordou Riley ordeiramente.

Meredith esfregou o queixo, obviamente considerando todas as opções que se lhe apresentavam. Acabou por dizer, “A agente Vargas vai consigo.”

“Lucy Vargas?” Perguntou Riley.

Meredith limitou-se a assentir. Riley não gostou muito da ideia.

“Ela fazia parte da equipa que esteve na minha casa ontem à noite,” Disse Riley. “Parece ser muito profissional e eu gostei dela, mas é uma novata. Estou habituada a trabalhar com alguém mais experiente.”

Meredith sorriu abertamente. “As notas dela na academia eram as mais altas. É certo que é jovem, mas é raro alguém sair diretamente da academia para a UAC. Ela é boa a esse ponto. Está pronta para ter uma experiência no terreno.”

Riley sabia que não tinha escolha.

Meredith prosseguiu, “Quando pode ir?”

Riley fez um cálculo mental. Em primeiro lugar, tinha que falar com a filha. E que mais? Não tinha o kit de viagem no gabinete. Tinha que ir até Fredericksburg, parar em casa, assegurar-se que April ficava em casa do pai e depois regressar a Quantico.

“Dê-me três horas,” Concluiu.

“Vou pedir um avião,” Disse Meredith. “Vou avisar o chefe da polícia de Reedsport que temos uma equipa a caminho. Esteja na pista daqui a exatamente três horas. Se se atrasar, vai ser o inferno na terra.”

Riley levantou-se nervosamente da cadeira.

“Compreendo,” Disse. Quase lhe agradeceu novamente, mas rapidamente se lembrou de que não o devia fazer. Saiu do gabinete sem proferir mais uma palavra.


*


Riley chegou a casa em meia hora, estacionou o carro e voou na direção da porta de entrada. Tinha que pegar no kit de viagem, numa pequena mala que tinha sempre pronta com produtos de higiene pessoal, num roupão e numa muda de roupa. Tinha que ser rápida e ir para a cidade onde explicaria tudo à April e a Ryan. Não ansiava por aquele momento, mas tinha que ter a certeza que April ficava segura.

Quando introduziu a chave na fechadura, reparou que já estava destrancada. Sabia que a tinha trancado quando saíra. Trancava-a sempre. Subitamente, todos os sentidos de Riley ficaram alerta. Sacou a arma e entrou em casa.

Ao movimentar-se furtivamente no seu interior, espreitando casa canto e recanto, apercebeu-se de um ruído longo e contínuo. Parecia vir do exterior da casa. Era música – música muito ruidosa.

Mas que raio?

Ainda na expectativa de encontrar um intruso, passou pela cozinha. A porta das traseiras estava parcialmente aberta e uma música pop soava vinda lá de fora. Sentiu um aroma familiar.

“Oh, meu Deus, não outra vez,” Disse para si própria.

Repôs a arma no coldre e dirigiu-se ao exterior da casa. E é claro que ali estava April, sentada na mesa de piquenique com um rapaz magricela da sua idade. A música vinha de dois pequenos altifalantes colocados em cima da mesa.

Ao ver a mãe, os olhos de April acenderam-se de pânico. Escondeu o charro debaixo da mesa para o apagar na mão, na esperança de o fazer desaparecer.

“Não te dês ao trabalho de o esconder,” Disse Riley, dirigindo-se à mesa. “Sei o que estás a fazer.”

Mal se conseguia fazer ouvir por causa da música. Desligou o leitor.

“Mãe, isto não é o que parece,” Disse April.

“Isto é exatamente aquilo que parece,” Disparou Riley. “Dá-me o resto.”

Revirando os olhos, April deu-lhe um saco de plástico com uma pequena porção de erva lá dentro.

“Pensei que estivesses a trabalhar,” Disse April, como se aquela afirmação explicasse alguma coisa.

Riley não sabia se devia sentir-se mais zangada ou desiludida. Esta era a segunda vez que apanhava April a fumar erva. Mas as coisas tinham melhorado entre elas e pensou que isso fosse coisa do passado.

Riley fitou o rapaz.

“Este é o Brian,” Apresentou April. “É um amigo da escola.”

Com um sorriso vago e olhos vítreos, o rapaz estendeu a mão a Riley.

“Prazer em conhecê-la, Ms. Paige,” Disse.

Riley manteve as mãos imóveis.

“O que é que estás aqui a fazer?” Perguntou Riley a April.

“Eu vivo aqui,” Respondeu April com um encolher de ombros.

“Sabes bem o que quero dizer. Devias estar na casa do teu pai.”

April não respondeu. Riley olhou para o relógio. Já não tinha muito tempo. Tinha que resolver aquela situação rapidamente.

April parecia estar envergonhada. Não estava preparada para aquele tipo de confronto.

“Esta manhã, fui da casa do pai para a escola,” Disse. “Encontrei o Brian à entrada da escola. Decidimos baldar-nos hoje. Não faz mal se me baldar de vez em quando. Já domino aquilo. O teste final é só na sexta-feira.”

Brian soltou um riso nervoso, ilógico.

“Pois é, a April está mesmo bem naquela disciplina, Ms. Paige,” Disse. “Ela é fantástica.”

“Como chegaste aqui?” Perguntou Riley.

April desviou o olhar. Riley adivinhou sem dificuldades porque é que ela estava relutante em dizer-lhe a verdade.

“Oh, meu Deus, vocês pediram boleia até aqui, não foi?” Perguntou Riley.

“O condutor era um tipo fixe, muito calado,” Disse April. “O Brian esteve sempre comigo. Estivemos seguros.”

Riley debateu-se com todas as suas forças para se manter calma.

“Como sabes que estavam seguros? April, nunca deves aceitar boleia de estranhos. E porque quiseste vir para aqui depois do susto de ontem à noite? Isso foi uma tolice pegada. E se o Peterson ainda andasse por aqui?”

April sorriu como se fosse a dona da verdade.

“Então, mãe. Preocupas-te demasiado. Os outros agentes dizem isso. Ouvi dois deles a falar – os que me levaram a casa do pai ontem à noite. Disseram que o Peterson estava mesmo morto e que tu não eras capaz de aceitar a realidade. Disseram que aquelas pedras tinham sido uma partida.”

Riley estava prestes a explodir. Só queria deitar as mãos àqueles agentes. Tinham uma grande lata em contrariar Riley em frente da filha. Pensou em pedir os seus nomes a April, mas decidiu não o fazer.

“Ouve-me, April,” Disse Riley. “Tenho que sair da cidade por uns dias em trabalho. Tenho que me ir embora agora. Vou levar-te para casa do teu pai. Preciso que fiques lá."

“Porque é que não posso ir contigo?” Perguntou April.

Riley pensou como é que os adolescentes podiam ser tão estúpidos em relação a algumas coisas.

“Porque tens que terminar este curso,” Disse. “tens que o fazer ou vais ficar atrasada na escola. O Inglês é um requisito e tu estragaste tudo sem razão aparente. Para além disso, estou a trabalhar. Nem sempre é seguro estar ao pé de mim quando estou a trabalhar. Já devias saber isso.”

April ficou calada.

“Vem para dentro,” Disse Riley. “Só temos alguns minutos. Tenho que reunir algumas coisas e tu também. Depois levo-te para casa do teu pai.”

Virando-se para Brian, Riley acrescentou, “E a ti, vou-te levar a casa.”

“Posso pedir boleia,” Disse Brian.

Riley limitou-se a fitá-lo com ferocidade.

“Ok,” Disse Brian, parecendo algo intimidado. Ele e April levantaram-se e seguiram Riley em direção à casa.

“Vão e entrem no carro,” Disse. Os miúdos saíram obedientemente de casa.

Trancou a porta das traseiras e percorreu todas as divisões, certificando-se de que todas as janelas estavam bem fechadas.

No seu quarto, pegou na mala de viagem e confirmou de que tinha lá dentro tudo aquilo de que precisava. Ao sair, olhou nervosamente para a cama como se as pedras ainda lá estivessem. Por um momento, pensou porque é que se ia por a caminho de outro estado em vez de ficar ali para tentar encontrar o assassino que a atormentava.

Acima de tudo, aquela proeza da April tinha-a assustado. Ficaria a filha segura em Fredericksburg? Outrora pensara que sim, mas agora tinha as suas dúvidas.

Ainda assim, não podia fazer nada para alterar o rumo dos acontecimentos. Tinha-lhe sido atribuído um novo caso e tinha que partir. Ao caminhar na direção do carro, olhou para a floresta densa e sombria, como se procurasse sinais do Peterson.

Mas não havia.


CAPÍTULO 6


Riley relanceou o relógio do carro enquanto levava os miúdos para uma zona sofisticada de Fredericksburg e estremeceu ao perceber que tinha tão pouco tempo. As palavras de Meredith martelavam-lhe na cabeça.

Se se atrasar, vai ser o inferno na terra.

Talvez chegasse à pista a tempo. Planeara parar em casa e pegar na mala, mas as coisas tinham-se complicado. Pensou se deveria telefonar a Meredith e informá-lo de que assuntos familiares a estavam a atrasar. Decidiu que não. O chefe já se mostrara suficientemente relutante. Não podia esperar qualquer condescendência da sua parte.

Felizmente, a casa do Brian ficava a caminho da casa de Ryan. Quando Riley parou em frente a um imenso relvado, disse, “Devia entrar e contar aos teus pais o que se passou.”

“Não estão em casa,” Disse Brian encolhendo os ombros. “O pai foi-se de vez e a minha mãe não para muito em casa.”

Saiu do carro, depois virou-se e disse, “Obrigado pela boleia.” Enquanto se encaminhava para casa, Riley pensou que tipo de pais deixavam um miúdo assim por sua conta. Não sabiam o tipo de problemas em que os adolescentes se podiam meter?

Mas talvez a mãe não tenha muita escolha, pensou Riley, miseravelmente. Quem sou eu para julgar quem quer que seja?

Mal Brian entrou em casa, Riley arrancou. April não dissera nada durante toda a viagem e também parecia não estar com disposição para falar naquele momento. Riley não sabia se aquele silêncio era de amuo ou embaraço. Apercebeu-se que havia muita coisa que não sabia acerca da sua própria filha.

Riley estava aborrecida tanto com ela própria como com April. Ainda ontem pareciam estar a entender-se melhor. Pensou que April começava a compreender as pressões a que um agente do FBI estava sujeito. Mas depois Riley insistira que April fosse para casa do pai na noite anterior e hoje April rebelara-se contra isso.

Riley lembrou a si mesma que devia ser muito mais compreensiva. Também ela tinha sempre sido um pouco rebelde. E Riley sabia o que era perder uma mãe e ter um pai distante. April tinha medo que o mesmo lhe acontecesse.

Ela teme por mim, Percebeu Riley. Nos últimos meses, April tinha visto a mãe a suportar feridas físicas e psicológicas. Depois do susto da noite anterior, era evidente que April estava muito preocupada. Riley lembrou a si mesma que tinha que estar mais atenta aos sentimentos da filha. Qualquer pessoa de qualquer idade teria dificuldade em lidar com as complicações da vida de Riley.

Riley parou em frente da casa que outrora partilhara com Ryan. Era uma casa ampla e bonita com um pórtico na porta lateral ou porte-cochère como Ryan lhe chamava. Agora Riley preferia estacionar na rua e não na entrada.

Nunca se sentira em casa ali. De alguma forma, viver num bairro suburbano respeitável nunca lhe agradara. O casamento, a casa, o bairro, tudo representara tantas expectativas que ela nunca se julgara capaz de preencher.

Com o passar dos anos, Riley percebera que era melhor no seu trabalho do que alguma vez seria a viver uma vida normal. Por fim, deixara o casamento, a casa e o bairro, e isso tornou-a mais determinada em ir ao encontro das expectativas de ser a mãe de uma filha adolescente.

Quando April estava prestes a abrir a porta do carro, Riley disse, “Espera.”

April voltou-se e olhou para ela de forma expectante.

E Riley disse, compassivamente, “Eu percebo. Eu compreendo.”

April fitou-a com uma expressão de espanto. Por um segundo, parecia estar à beira das lágrimas. Riley ficou quase tão surpreendida como a filha. Não sabia o que lhe tinha dado. Só sabia que não era o momento de sermões parentais, mesmo que tivesse tempo para proferir um, coisa que na verdade não tinha. No seu íntimo também tinha a certeza que tinha dito as palavras certas.

Riley e April saíram do carro e caminharam lado a lado em direção à casa. Não sabia se Ryan estaria ou não em casa. Não queria discutir com ele e já tinha decidido não lhe contar nada acerca do incidente com a marijuana. Sabia que devia, mas não havia tempo para lidar com as reações que provocaria naquele momento. De qualquer das formas, teria que lhe explicar que estaria fora durante alguns dias.

Gabriela, a mulher guatemalteca robusta e de meia-idade que cuidava da casa da família há anos, cumprimentou Riley e April à porta. Os olhos de Gabriela, muito abertos, demonstravam preocupação.

“Hija, onde estiveste?” Perguntou com o seu sotaque carregado.

“Desculpa Gabriela,” Disse April docilmente.

Gabriela olhou com atenção para o rosto de April. Riley viu pela sua expressão que percebera que April tinha fumado erva.

“Tonta!” Atirou Gabriela asperamente.

“Lo siento mucho,” Disse April, parecendo genuinamente arrependida.

“Vente Conmigo,” Disse Gabriela. Ao afastar April, voltou-se e lançou a Riley um olhar de amarga desaprovação.

Riley encolheu sob aquele olhar. Gabriela era uma das poucas pessoas no mundo que realmente a assustava. A mulher também tinha uma forma magnífica de lidar com April e naquele momento, parecia estar a cuidar melhor de April do que ela própria.

Riley perguntou a Gabriela, “O Ryan está em casa?”

Virando-se, replicou, “Sí.” Depois dirigiu a voz para o interior da casa, “Señor Paige, a sua filha voltou.”

Ryan surgiu no corredor, vestido e penteado para sair. Parecia surpreendido por ver Riley.

“O que é que estás a fazer aqui?” Perguntou. “Onde estava a April?”

“Estava em minha casa.”

“O quê? Depois de tudo o que aconteceu a noite passada, levaste-a para casa?”

Riley exasperou-se.

“Não a levei a lado nenhum,” Disse. “Pergunta-lhe se quiseres saber como lá foi parar. Não posso evitar o facto de ela não querer viver contigo. Só tu podes resolver isso.”

“Isto é culpa tua, Riley. Deixaste que ela ficasse completamente fora de controlo.”

Por um milésimo de segundo, Riley ficou furiosa. Mas a fúria acabou por dar lugar a um sentimento de impotência, à sensação de que ele podia ter razão. Não era justo, mas ele sabia despoletar aqueles sentimentos nela.

Riley respirou profunda e longamente, e disse, “Vou estar fora da cidade durante uns dias. Tenho um caso em Nova Iorque. A April tem que ficar cá e vai ter que se portar bem. Explica, por favor, a situação à Gabriela.”

“Explica tu a situação à Gabriela,” Disparou Ryan. “Neste momento, tenho uma reunião com um cliente.”

“E eu neste momento tenho que apanhar um avião.”

Ficaram a olhar um para o outro durante alguns segundos. A discussão tinha chegado a um impasse. Ao olhá-lo nos olhos, Riley lembrou-se que já o amara. E ele também. Mas isso fora na altura em que eram jovens e pobres, antes de ele se tornar num advogado de sucesso e ela numa agente do FBI.

Não se conseguiu impedir de reparar que ele ainda era um homem muito atraente. Tinha muito trabalho para manter aquela aparência e passava muitas horas no ginásio. Riley também sabia bem que ele tinha muitas mulheres na sua vida. Isso era parte do problema – gozava demasiado a sua liberdade de homem solteiro para se preocupar em ser pai.

Não que eu me esteja a sair melhor, Pensou Riley.

Então Ryan disse, “É sempre o trabalho.”

Riley sufocou a raiva. Já tinham falado imensas vezes sobre aquele assunto. O trabalho dela era demasiado perigoso e demasiado trivial. O trabalho dele era o mais importante, porque ele ganhava muito mais dinheiro e porque alegava que fazia a diferença no palco do mundo. Como se tratar de processos de clientes ricos fosse mais importante do que a interminável missão de Riley contra o mal.

Mas ela não se podia deixar arrastar para esta velha discussão de sempre naquele momento. Nenhum deles ganhara o que quer que fosse com isso.

“Falamos quando eu voltar,” Disse Riley.

Virou-se e saiu da casa. Ouviu Ryan fechar a porta atrás de si.

Riley entrou no carro e arrancou. Tinha menos de uma hora para estar em Quantico. Tinha a cabeça a andar à roda. Tantas coisas estavam a acontecer tão rapidamente. Ainda há pouco tinha decidido agarrar-se a um novo caso. Agora interrogava-se se era a atitude certa. Não só April estava a ter dificuldades em lidar com tudo, como tinha a certeza de que Peterson estava de volta.

Mas de certa forma, fazia todo o sentido. Desde que April ficasse com o pai, estaria a salvo das garras do Peterson. E Peterson não ia matar mais ninguém na ausência de Riley. Por muito intrigada que ele a deixasse, Riley tinha uma certeza. Ela era o seu único alvo. Ela e mais ninguém era a sua próxima vítima cobiçada. E ia saber bem estar longe dele durante algum tempo.

Também fez questão de se lembrar de uma dura lição que aprendera no decorrer do seu último caso. Não querer carregar às costas todo o mal do mundo ao mesmo tempo. Tudo se resumia a um simples lema: um monstro de cada vez.

E naquele momento, ela estava no encalço de um assassino particularmente cruel. Um homem que acabara de conhecer, iria atacar novamente muito em breve.


CAPÍTULO 7


O homem começou a espalhar grandes correntes numa comprida mesa de trabalho na cave. Estava escuro lá fora, mas todos aqueles elos de aço inoxidável eram luminosos e brilhantes sob o fulgor do difuso candeeiro.

Puxou uma das correntes ficando visível todo o seu comprimento. O intenso ruído despoletava-lhe as terríveis memórias de ser algemado, preso e torturado com correntes semelhantes àquelas. Mas era como continuava a dizer a si próprio. Tenho que enfrentar os meus medos.

E para o fazer, tinha que provar que dominava as correntes. No passado, demasiadas vezes as correntes o tinham dominado a ele.

Era uma pena que alguém tivesse que sofrer à custa daquilo. Durante cinco anos, julgara que era uma coisa do passado. Tinha sido uma grande ajuda a igreja contratá-lo como guarda-noturno. Gostava do trabalho, sentia-se orgulhoso da autoridade que podia exercer. Gostava de se sentir forte e útil.

Mas no mês anterior, tinham-no dispensado daquele trabalho. Precisavam de alguém com conhecimentos de segurança, disseram, e melhores credenciais – alguém maior e mais forte. Tinham prometido mantê-lo a trabalhar no jardim. Ainda teria dinheiro suficiente para pagar a renda daquela casa minúscula.

Contudo, a perda daquele emprego, a perda da autoridade que lhe conferia, abalara-o, fê-lo sentir-se indefeso. E aquela necessidade libertou-se novamente – aquele desespero de não estar indefeso, aquela frenética necessidade de dominar as correntes para que não o dominassem a ele outra vez. Já tentara ultrapassar o impulso, como se fosse possível deixar a sua escuridão interior ali abandonada naquela cave. Da última vez, fora até ao centro de Reedsport na esperança de lhe fugir, mas não conseguiu.

E não sabia porquê. Ele era um homem bom com um bom coração e gostava de ajudar as pessoas. Mas mais tarde ou mais cedo, a sua bondade virava-se contra ele. Quando tinha ajudado aquela mulher, aquela enfermeira a carregar sacos de compras para o carro em Reedsport, ela tinha-lhe sorrido e dito, “Mas que menino bonito!”

Estremeceu ao recordar o sorriso e aquelas palavras.

“Mas que menino bonito!”

A mãe sorria-lhe e dizia-lhe coisas como aquela, mesmo quando mantinha a corrente curta para não chegar à comida ou ver o mundo lá fora. E também as freiras tinham sorrido e dito coisas como aquela quando o espreitavam pela pequena abertura quadrada da porta da sua pequena prisão.

“Mas que menino bonito!”

Ele sabia que nem toda a gente era cruel. A maior parte das pessoas queria o seu bem, sobretudo as pessoas desta pequena cidade onde vivia há tanto tempo. Até gostavam dele. Mas porque é que toda a gente o encarava como uma criança – e uma criança deficiente, já agora? Ele tinha vinte e sete anos, e sabia que era extraordinariamente inteligente. A sua cabeça estava repleta de pensamentos brilhantes e raramente se deparava com um problema que não conseguisse resolver.

Mas é claro que sabia porque é que as pessoas o olhavam daquela forma. Era porque mal conseguia falar. Tinha gaguejado toda a vida e nem tentava falar, apesar de compreender tudo o que as outras pessoas diziam.

E era pequeno e fraco, e atarracado e infantil, como aqueles que tinham nascido com alguma espécie de defeito congénito. Aprisionada naquele crânio parcamente moldado, estava uma mente admirável, frustrada no seu desejo de fazer coisas fantásticas no mundo. Mas ninguém sabia disso. Ninguém mesmo. Nem mesmo os médicos do hospital psiquiátrico.

Era irónico.

As pessoas julgavam que ele não conhecia palavras como irónico. Mas sabia.

Agora encontrava-se a manipular nervosamente um botão na mão. Tinha-o retirado da blusa da enfermeira quando a pendurara. Lembrando-se dela, olhou para o berço onde a mantivera acorrentada durante mais de uma semana. Queria poder falar com ela, explicar-lhe que não queria ser cruel e que o problema tinha sido ela ser muito parecida com a mãe e com as freiras, sobretudo com aquele uniforme de enfermeira vestido.

Vê-la com aquele uniforme tinha-o deixado confuso. Tinha acontecido o mesmo com a outra mulher há cinco anos atrás, a guarda prisional. De alguma forma, ambas as mulheres tinham-se fundido na sua mente com a figura da mãe e das freiras e os funcionários hospitalares. Tinha travado uma batalha inglória simplesmente para as distinguir.

Era um alívio ter acabado com ela. Era uma tremenda responsabilidade mantê-la ali atada, dar-lhe água, ouvir os lamentos que a corrente usada para a amordaçar não filtrava. Só retirava a mordaça para lhe colocar uma palhinha na boca para beber água de vez em quando. Depois ela tentava gritar.

Se ao menos lhe tivesse conseguido explicar que não devia gritar, que havia vizinhos do outro lado da rua que não a podiam ouvir. Se ao menos lhe pudesse ter dito, talvez ela tivesse compreendido. Mas ele não conseguia explicar, não com o seu desesperado gaguejo. Em vez disso, ameaçava-a silenciosamente com uma navalha afiada. Passado algum tempo, mesmo a ameaça já não resultava e teve que lhe cortar a garganta.

Depois levara-a novamente para Reedsport e pendurara-a daquela forma, para que todos a vissem. Não sabia bem porquê. Talvez fosse um aviso. Se ao menos as pessoas pudessem compreender. Se compreendessem, ele não teria que ser tão cruel.

Talvez também fosse uma forma de dizer ao mundo o quanto lamentava tudo aquilo.

Porque ele lamentava. Iria amanhã à florista e compraria flores – um pequeno bouquet barato – para a família. Não podia falar com a florista, mas podia escrever algumas indicações simples. O presente seria anónimo. E se conseguisse encontrar um bom lugar onde se esconder, ficaria perto da sepultura quando a enterrassem, curvando a cabeça como qualquer outra pessoa que a chorasse nquela ocasião.

Puxou outra corrente esticada na sua mesa de trabalho, cerrando as pontas o máximo que conseguia, aplicando toda a sua força nessa tarefa, silenciando o seu chocalhar. Mas bem no fundo, ele sabia que aquilo não era suficiente para dominar as correntes. Para as dominar, tinha que as usar novamente. E usaria um dos coletes de força que ainda tinha consigo. Alguém tinha que sofrer, como ele sofrera.

Mais alguém teria que agonizar e morrer.


CAPÍTULO 8


Assim que Riley e Lucy saíram do avião do FBI, um jovem polícia de uniforme acorreu na sua direção.

“Estou mesmo feliz por vos ver,” Disse ele. “O Chefe Alford está à beira de um ataque de nervos. Se ninguém tirar o corpo da Rosemary daquele lugar o mais rapidamente possível, o mais certo é ter um ataque cardíaco. Os jornalistas já estão em cima do acontecimento. Chamo-me Tim Boyden.”

O coração de Riley sobressaltou-se quando soube que a comunicação social já se encontrava na cena do crime. Aquilo não augurava nada de bom.

“Posso ajudar-vos a levar alguma coisa?” Perguntou Boyden.

“Não é preciso,” Respondeu Riley. Ela e Lucy apenas transportavam um par de pequenas malas.

Boyden apontou para o outro lado da pista.

“O carro está já ali,” Disse.

Os três dirigiram-se apressadamente para o carro. Riley sentou-se no banco da frente do passageiro e Lucy no banco de trás.

“Estamos a apenas alguns minutos da cidade,” Disse Boyden quando arrancou. “Nem acredito que isto está a acontecer. Coitada da Rosemary. Todos gostavam muito dela. Estava sempre a ajudar as pessoas. Quando desapareceu há algumas semanas atrás, todos tememos o pior. Mas nunca imaginámos...”

A voz de Boyden silenciou-se e ele abanou a cabeça em sinal de horrorizada descrença.

Lucy inclinou-se para a frente.

“Sabemos que já tiveram um crime como este anteriormente,” Disse.

“Sim, quando ainda frequentava o liceu,” Confirmou Boyden. “Mas não foi aqui em Reedsport. Foi perto de Eubanks, mais a sul do rio. Um corpo acorrentado tal como o de Rosemary. Também vestido com um colete-de-forças. O chefe tem razão? Estamos a lidar com um assassino em série?”

“Ainda não sabemos,” Afirmou Riley.

A verdade era que ela pensava que o chefe devia ter razão. Mas o jovem polícia já parecia estar suficientemente incomodado. Não valia a pena alarmá-lo ainda mais.

“Não acredito,” Disse Boyden, abanando novamente a cabeça. “Uma pequena e simpática cidadezinha como a nossa. Uma senhora simpática como a Rosemary. Não acredito.”

Quando entraram na cidade, Riley viu algumas carrinhas com equipas de notícias de TV na rua principal. Um helicóptero com o logótipo de um canal de televisão sobrevoava a cidade.

Boyden conduziu até uma barricada onde um pequeno amontoado de jornalistas se tinha reunido. Um polícia acenou para o carro passar. Alguns segundos mais tarde, Boyden parou o carro ao lado da linha de comboio. Ali estava o corpo, pendurado num poste de energia. Vários polícias de uniforme estavam a apenas alguns metros de distância.

Ao sair do carro, Riley reconheceu o Chefe Raymond Alford que se encaminhava na sua direção. Não parecia nada contente.

“Espero que tenha uma excelente razão para termos mantido o corpo aqui pendurado,” Disparou. “Isto está a ser um pesadelo. O Presidente da Câmara ameaçou demitir-me.”

Riley e Lucy seguiram-no em direção ao corpo. No lusco-fusco do fim de tarde, parecia ainda mais estranho a Riley do que lhe parecera nas fotos vistas no computador. As correntes de aço inoxidável faiscavam à luz.

“Presumo que criou um cordão de segurança na cena,” Disse Riley a Alford.

“Fizemos o melhor que podíamos,” Declarou Alford. “Barricámos a área o suficiente para que ninguém conseguisse ver o corpo a não ser do rio. Desviámos as rotas dos comboios, o que está a gerar atrasos e agitação. Deve ter sido por causa disso que o canal de notícias de Albany descobriu que algo de errado se passava. Tenho a certeza que não souberam de nada pelo meu pessoal.”

Enquanto Alford falava, a sua voz foi abafada pelo helicóptero de TV que circulava diretamente por cima deles. Desistiu de falar. Riley conseguia ler-lhe nos lábios as obscenidades que proferia ao mesmo tempo que olhava para o helicóptero que se afastou num movimento circular, sem ganhar altitude. Era óbvio que o piloto pretendia regressar.

Alford pegou no telemóvel. Quando alguém o atendeu do outro lado da linha, gritou, “Eu disse para manterem o raio do helicóptero afastado deste local. Agora digam ao piloto que aquilo tem que estar a quinhentos pés de altitude. É a lei.”

Pela expressão de Alford, Riley depreendeu que a pessoa do outro lado da linha lhe estava a oferecer alguma resistência.

Por fim, Alford disse, “Se não tiram aquele pássaro daqui agora, os vossos jornalistas não vão estar presentes na conferência de imprensa que vou dar esta tarde.”

O seu rosto descontraiu um pouco. Olhou para cima e esperou. Passados alguns momentos, o helicóptero ganhou uma altitude mais razoável. O ruído do motor ainda preenchia o ar com um zumbido agudo e constante.

“Meu Deus, espero que isto não volte a acontecer,” Resmungou Alford. “Talvez quando retirarmos o corpo, já não haja aqui nada que lhes interesse. Ainda assim, a curto prazo, penso que há uma vantagem no meio disto tudo. Os hotéis e B&Bs estão a ter mais clientela. Os restaurantes também – os jornalistas têm que comer. Mas a longo prazo? É mau se afugentar os turistas de Reedsport.”

“Fizeram um bom trabalho mantendo-os afastados da cena do crime,” Disse Riley.

“Isso já é alguma coisa,” Declarou Alford. “Venha daí, vamos acabar com isto.”

Alford conduziu Riley e Lucy para mais perto do corpo suspenso. O corpo estava preso a um arnês de correntes improvisado e enrolado a toda a volta. O arnês estava amarrado a uma corda que se ligava através de uma roldana de aço a uma trave alta. O resto da corda descia para o chão num ângulo acentuado.

Agora Riley conseguia ver o rosto da mulher. Mais uma vez foi atingida pela enorme semelhança com Marie – a mesma dor silenciosa e angústia que o seu rosto apresentava após se ter enforcado. Os olhos inchados e a corrente que lhe amordaçava a boca tornou tudo ainda mais perturbador.

Riley olhou para a sua nova parceira para ver como estava a reagir. Para sua surpresa, Lucy já estava a tirar notas.

“É a primeira vez que estás numa cena de crime?” Perguntou-lhe Riley.

Lucy limitou-se a assentir com a cabeça enquanto escrevia e observava. Na perspetiva de Riley, parecia estar a encarar muito bem a brutalidade da situação. Por aquela altura, muitos novatos já estariam a vomitar atrás dos arbustos.

Em contraste, Alford parecia estar decididamente de estômago embrulhado. Mesmo depois de todas aquelas horas, ainda não se habituara. Riley esperava, para seu bem, que nunca tivesse que se habituar.

“Ainda não cheira muito,” Disse Alford.

“Ainda não,” Concordou Riley. “Ainda está em estado de autólise, sobretudo colapso interno das células. Não é suficiente para acelerar o processo de putrefação. O corpo ainda não começou a derreter por dentro. É nessa altura que o cheiro se começa a notar.”

Alford parecia cada vez mais pálido.

“E o rigor mortis?” Perguntou Lucy.

“Tenho a certeza que a rigidez é completa,” Disse Riley. “Provavelmente ficará assim durante mais doze horas.”

Lucy continuava a não parecer nada impressionada, prosseguindo com o apontamento de notas.

“Têm alguma teoria sobre como o assassino a colocou lá em cima?” Perguntou Lucy a Alford.

“Temos,” Respondeu Alford. “Ele subiu e atou a roldana no local. Depois puxou o corpo. Pode ver como está fixo.”

Alford apontou para uma série de pesos de ferro deitados junto à linha. A corda estava atada através de buracos nos pesos, atados cuidadosamente para não se soltarem. Aquele tipo de peso era o que se encontrava em máquinas de pesos num ginásio.

Lucy agachou-se e observou os pesos com mais atenção.

“Há aqui pesos suficientes para contrabalançar completamente o corpo,” Disse Lucy. “É estranho que tenha trazido todas estas estas coisas pesadas. Era de pensar que se limitasse a atar a corda diretamente ao poste.”

“O que é que isso te diz?” Perguntou Riley.

Lucy pensou por um momento.

“É pequeno e não muito forte,” Disse Lucy. “A roldana não lhe dava suficiente alavancagem. Precisava dos pesos para o ajudar.”

“Muito bem,” Disse Riley. Depois apontou para o lado oposto da linha do comboio. Numa pequena faixa, a marca parcial de um pneu guinava do pavimento para a terra. “E podes ver que trouxe o carro para muito perto. Tinha que o fazer. Não conseguia arrastar o corpo por uma longa distância sozinho.”

Riley examinou o solo junto ao poste de energia e descobriu reentrâncias fundas na terra.

“Parece que utilizou uma escada,” Disse.

“Sim e nós encontrámos a escada,” Disse Alford. “Venha, vou mostrar-lhe.”

Alford conduziu Riley e Lucy até um armazém curtido feito de chapa ondulada. Havia uma fechadura partida pendurada do ferrolho da porta.

“Podem ver como entrou cá dentro,” Disse Alford. “Foi fácil. Um torquês foi o suficiente. Este armazém não é muito utilizado, só armazena a longo prazo, por isso não é muito seguro.”

Alford abriu a porta e ligou as luzes florescentes do teto. O lugar estava praticamente vazio, com exceção de umas caixas repletas de teias de aranha. Alford apontou na direção de uma grande escada encostada na parede ao lado da porta.

“Ali está a escada,” Disse. “Encontrámos terra fresca na sua base. Talvez seja daqui e o assassino soubesse que a encontrava aqui. Entrou, levou-a lá para fora e subiu para atar a roldana no local. Quando colocou o corpo onde queria, arrastou a escada de volta para aqui. Depois foi-se embora.”

“Talvez tenha obtido a roldana também do armazém,” Sugeriu Lucy.

“A entrada do armazém está iluminada à noite,” Disse Alford. “Por isso podemos dizer que é ousado e aposto que é rápido, apesar de não ser muito forte.”

Naquele momento, ouviu-se um estampido ruidoso vindo do exterior.

“Mas que raio?” Gritou Alford.

Riley soube de imediato que era um tiro.


CAPÍTULO 9


Alford sacou a arma e saiu disparado do armazém. Riley e Lucy seguiram-no de armas nas mãos. Lá fora, algo rondava o poste onde o corpo estava pendurado. Emitia um zumbido contínuo.

O jovem polícia Boyden tinha a arma em riste. Tinha acabado de disparar para o pequeno drone que rodeava o corpo e preparava-se para disparar outro tiro.

“Boyden, larga essa arma já!” Gritou Alford, colocando a sua arma no coldre.

Boyden voltou-se para Alford surpreendido. Quando guardou a arma, o drone ganhou altitude e voou para longe.

O chefe estava a fervilhar.

“Que raio pensavas que estavas a fazer a disparar a arma daquela maneira?” Rosnou a Boyden.

“Estava a proteger a cena do crime,” Disse Boyden. “O mais certo é ser algum blogger a tirar fotos.”

“Provavelmente,” Disse Alford. “E gosto disso tanto quanto tu. Mas é ilegal disparar contra essas coisas. Para além disso, isto é uma área habitacional. Devias sabê-lo melhor que ninguém.”

Boyden baixou a cabeça, embaraçado.

“Peço desculpa,” Disse.

Alford virou-se para Riley.

“Raio de drones!” Disse. “Odeio mesmo o século XXI. Agente Paige, diga-me por favor que já podemos retirar o corpo do local.”

“Tem mais fotos para além daquelas que eu vi?” Perguntou Riley.

“Montes delas, mostrando cada ínfimo detalhe,” Informou Alford. “Pode vê-las no meu gabinete.”

Riley assentiu. “Já vi o que tinha a ver aqui. E vocês fizeram um bom trabalho mantendo a cena sob controlo. Pode mandar retirar o corpo.”

Alford disse a Boyden, “Chama o médico-legista. Diz-lhe que já pode parar de não fazer nada.”

“Certo, Chefe,” Disse Boyden, pegando no telemóvel.

“Vamos lá,” Disse Alford a Riley e Lucy, encaminhado-as para o seu carro. Quando já estavam a caminho, um polícia fez sinal para que o carro passasse a barricada na direção da rua principal.

Riley ficou atenta ao caminho. O assassino teria trazido o seu carro por este mesmo caminho que tanto Boyden como Alford usavam. Não havia outro para o local entre o armazém e as linhas do comboio. Parecia provável que alguém pudesse ter visto o carro do assassino, apesar de não terem considerado o avistamento anormal.

O Departamento de polícia de Reedsport ficava num pequeno edifício de tijolos na rua principal da cidade. Alford, Riley e Lucy entraram e sentaram-se no gabinete do chefe.

Alford colocou um calhamaço de ficheiros em cima da secretária.

“Aqui está tudo o que tenho,” Declarou. “ O ficheiro completo do caso de há cinco anos e tudo o que conseguimos reunir do homicídio de ontem à noite.”

Riley e Lucy pegaram cada uma num ficheiro e começaram a percorrê-los. A atenção de Riley estava concentrada nas fotos do primeiro caso.

A idade de ambas as mulheres era semelhante. A primeira trabalhava numa prisão, o que a colocava num certo grau de risco para um possível crime. Mas a segunda, era uma vítima com um nível de risco baixo. E não havia nenhuma indicação de qualquer uma delas frequentasse bares ou outros lugares que as tornassem particularmente vulneráveis. Em ambos os casos, as pessoas que as conheciam descreviam-nas como amigáveis, prestativas e convencionais. E ainda assim, havia algum fator que atraíra o assassino a estas mulheres em particular.

“Fizeram algum progresso no homicídio de Marla Blainey?” Perguntou Riley a Alford.

“Estava sob a jurisdição da polícia de Eubanks. Capitão Lawson. Mas trabalhámos juntos no caso e não descobrimos nada de relevante. As correntes eram normais. O assassino podia tê-las comprado em qualquer loja de ferragens.”

Lucy debruçou-se para Riley para observar as mesmas fotos.

“Mas a verdade é que ele comprou muitas,” Disse Lucy. “Era de esperar que algum funcionário se lembrasse de alguém que tivesse comprado tantas correntes.”

Alford concordou.

“Pois, isso foi exatamente o que pensámos na altura. Mas entrámos em contacto com todas as lojas de ferragens da região e nenhum dos funcionários se lembrava de uma venda tão pouco normal. Deve ter comprado poucas de cada vez, aqui e ali, para não atrair muita atenção. Quando cometeu o crime já devia ter uma pilha delas à mão de semear. Se calhar ainda tem.”

Riley observou atentamente o colete-de-forças que a mulher envergava. Parecia igual ao que envolvia a vítima da noite anterior.

“E o colete-de-forças?” Perguntou Riley.

Alford encolheu os ombros. “Era de supor que uma coisa dessas fosse fácil de localizar, mas não conseguimos nada. É uma coisa normal nos hospitais psiquiátricos. Percorremos todos os hospitais do estado, incluindo um bem próximo e ninguém deu pela falta de coletes-de-forças.”

Instalou-se o silêncio enquanto Riley e Lucy continuavam a vasculhar os relatórios e as fotos. Os corpos tinham sido deixados a uma distância de 16 Km um do outro. Tal indicava que o assassino não devia viver muito longe de ambos os locais. Mas o corpo da primeira mulher tinha sido deixado na margem do rio. Nos cinco anos que separavam ambos os crimes, a atitude do assassino tinha mudado.

“Então, o que acham deste tipo?” Perguntou Alford. “Porquê usar o colete-de-forças e todas as correntes? Não parece um excesso?”

Riley pensou por um momento.

“Não na sua cabeça,” Disse. “Está tudo relacionado com poder. Ele quer restringir as vítimas não só fisicamente, mas também simbolicamente. O assassino quer deixar isso bem claro.”

“Mas porquê mulheres?” Perguntou Lucy. “Se ele quer fragilizar as vítimas, não seria mais dramático se fossem homens?”

“É uma questão interessante,” Respondeu Riley. Recordou-se da cena do crime, na forma como o corpo tinha sido contrabalançado de forma tão cuidadosa.

“Lembra-te que ele não é muito forte,” Declarou Riley. “ Trata-se em parte de uma questão de escolher os alvos mais fáceis. Mulheres de meia-idade como estas dão menos luta. Mas talvez também representem algo na sua mente. Elas não foram escolhidas como indivíduos, mas como mulheres – e o que quer que as mulheres representam para ele.”

Alford soltou um grunhido cínico.

“Então pensa que não foi nada pessoal,” Disse Alford. “Estas mulheres não fizeram nada para serem apanhadas e mortas. O assassino nem pensou que elas o merecessem especialmente.”

“Geralmente é assim que estas coisas se processam,” Afirmou Riley. “No meu último caso, o assassino perseguia mulheres que compravam bonecas. Não queria saber quem elas eram. Tudo o que importava era o facto de vê-las a comprar uma boneca.”

Mais um momento de silêncio. Alford olhou para o relógio.

“Tenho uma conferência de imprensa daqui a meia hora,” Disse. “Há mais alguma coisa que devamos discutir até lá?”

Riley disse, “Bem, quanto mais cedo eu e a Agente Vargas entrevistarmos a família da vítima melhor. Se possível, ainda esta noite.”

Alford franziu o sobrolho, preocupado.

“Não me parece possível,” Disse. “O marido morreu jovem, há uns quinze anos atrás. Só tem dois filhos adultos, um filho e uma filha, ambos com as suas próprias famílias. Vivem na cidade. O meu pessoal entrevistou-os durante todo o dia. Estão exaustos e desolados. O melhor é deixarmos mais entrevistas para amanhã.”

Riley reparou que Lucy estava prestes a objetar, por isso impediu-a de o fazer com um gesto silencioso. Era inteligente da parte de Lucy querer falar com a família imediatamente. Mas Riley também tinha a consciência que não convinha fazer ondas com a polícia local, sobretudo se pareciam tão competentes como Alford e a sua equipa.

“Compreendo,” Disse Riley. “Deixemos então para amanhã de manhã. E a família da primeira vítima?”

“Penso que ainda haverá parentes em Eubanks,” Disse Alford. “Vou confirmar. Mas não apressemos nada porque o assassino também não está com pressa. O último crime foi há cinco anos e não é provável que ataque novamente em breve. Vamos fazer as coisas com tempo para as fazermos bem feitas.”

Alford levantou-se.

“É melhor preparar-me para a conferência de imprensa,” Disse. “Vocês querem estar presentes? Têm algum tipo de declaração a fazer?”

Riley refletiu por uns segundos.

“Não, não me parece,” Disse. “É melhor o FBI manter-se na sombra para já. Não queremos que o assassino pense que está a ter muita publicidade. É mais provável que se mostre se pensar que não lhe estão a dar a devida atenção. Neste momento, é melhor ser o chefe a dar a cara.”

“Nesse caso, podem instalar-se,” Disse Alford. “Reservei dois quartos num B&B local para vocês. Também têm um carro à vossa disposição à porta.”

Entregou a Riley o formulário de reserva e as chaves do carro. Ela e Lucy saíram da esquadra.


*


Mais tarde nessa noite, Riley sentou-se à janela contemplando a rua principal de Reedsport. A noite já tinha caído e as luzes começavam a acender-se. O ar da noite estava quente e agradável, e reinava a tranquilidade, sem jornalistas à vista.

Alford tinha reservado para Riley e Lucy dois adoráveis quartos no segundo andar do B&B. As proprietárias tinham servido um jantar delicioso. Depois, Riley e Lucy passaram cerca de uma hora na sala principal do piso térreo a delinear planos para o dia seguinte.

Reedsport era realmente uma cidade pitoresca e encantadora. Noutras circunstâncias, seria um lugar muito agradável para passar umas férias. Mas agora Riley pusera de lado o crime da noite anterior e centrava a sua atenção em preocupações mais familiares.

Só agora pensara em Peterson. Ele andava lá fora e ela sabia-o, mas ninguém acreditava nessa possibilidade. Fora sensato da parte dela deixar as coisas daquela forma? Devia ter sido mais persuasiva na tentativa de convencer alguém?

Arrepiava-a pensar que dois assassinos – Peterson e quem quer que tivesse morto aquelas duas mulheres – estavam naquele preciso momento a tratar das suas vidas à vontade. Quantos mais estavam à solta, algures no estado, algures no país? Porque é que a nossa sociedade estava maculada por estes hediondos seres humanos?

O que poderiam estar a fazer? Estariam a conspirar isolados algures ou estariam confortavelmente na companhia dos amigos e da família – pessoas inocentes que não faziam ideia do mal que acolhiam no seu âmago?

Riley não tinha forma de o saber. Mas o seu trabalho era descobrir.

Deu por si a pensar de forma ansiosa em April. Não se sentira bem em deixá-la com o pai. Mas que mais podia fazer? Riley sabia que mesmo que não tivesse este caso, outro surgiria em breve. Ela estava demasiado envolvida no trabalho para lidar com uma adolescente rebelde. Não estava tempo suficiente em casa.

Riley pegou no telemóvel e enviou um SMS.

Olá April. Como estás?

A resposta chegou alguns segundos mais tarde.

Estou bem mãe. E tu? Já resolveste o caso?

Riley demorou alguns segundos a perceber que April se referia ao novo caso.

Ainda não, Escreveu.

April respondeu, Vais resolvê-lo não tarda nada.

Riley sorriu daquele voto de confiança.

Digitou, Queres falar? Posso ligar-te.

Esperou alguns segundos pela resposta de April.

Agora não. Estou bem.

Riley não sabia exatamente o que é que aquilo significava. Ficou um pouco desiludida.

Ok, Escreveu. Boa noite. Amo-te.

Acabada a conversa, ficou ali sentada a olhar para a noite profunda. Sorriu com melancolia ao lembrar-se da pergunta de April...

“Já resolveste o caso?”

“O” podia significar tantas coisas na vida de Riley. E ela sentiu-se muito, muito distante de resolver qualquer uma delas.

Riley olhou novamente para a noite. Ao observar a rua principal, imaginou o assassino a conduzir pela cidade até à linha ferroviária. Tinha sido um ato ousado. Mas não tão ousado como o tempo demorado para pendurar o corpo num poste de energia onde se poderia denunciar, revelar à luz do armazém.

Essa parte do seu MO tinha mudado radicalmente nos últimos cinco anos: de atirar descuidadamente um corpo até pendurar este para o mundo o ver. Não lhe parecia que fosse particularmente organizado, mas estava a tornar-se mais obsessivo. Algo devia ter mudado na sua vida. Mas o quê?

Riley sabia que este tipo de ousadia representava muitas vezes um desejo crescente de publicidade, fama. Não havia dúvida de que era o caso do último assassino que apanhara. Mas não parecia tratar-se disso neste. Algo dizia a Riley que este assassino não só era pequeno e bastante frágil, mas também modesto e até humilde.

Ele não gostava de matar; Riley tinha quase a certeza disso. E não era o desejo de fama que o empurrava para este novo nível de ousadia. Era o simples desespero. Talvez até o remorso, um desejo inconsciente de ser apanhado.

Riley sabia por experiência própria que os assassinos eram sempre mais perigosos quando se voltavam para si mesmos.

Riley lembrou-se de uma coisa que o Chefe Alford dissera nesse dia.

“O assassino não tem pressa.”

Mas Riley tinha a certeza de que o chefe estava errado.


CAPÍTULO 10


Riley teve pena do médico-legista, um homem de meia-idade e excesso de peso, quando espalhou as fotos na secretária do Chefe Alford. Elas mostravam cada detalhe horripilante da autópsia de Rosemary Pickens. O médico-legista, Ben Tooley, parecia ligeiramente enojado. Estava indubitavelmente mais habituado a examinar corpos de pessoas que haviam morrido de enfartes e ataques cardíacos. Parecia não ter dormido tranquilamente.

Já era de manhã e Riley sentia-se notavelmente repousada. A cama onde dormira era macia e confortável, e nem pesadelos, nem intrusos reais tinham perturbado o seu sono. Precisava desesperadamente de uma noite como aquela. Lucy e o Chefe Alford também pareciam alertas – mas o médico-legista era outra história.

“Isto é tão grave como o homicídio da Marla Blainey há cinco anos atrás,” Disse Tooley. “Talvez pior. Pensei que depois daquilo, não tivéssemos que lidar mais com este tipo de coisa horrível. Parece que me enganei.”

Tooley mostrou ao grupo um close-up da nuca da mulher. Estava visível uma ferida grande e profunda, e o cabelo à volta estava embebido em sangue.

“Foi-lhe infligido um golpe contundente no osso parietal esquerdo,” Informou. “Foi com força suficiente para rachar ligeiramente o crânio. Provavelmente causou concussão, talvez até um pequeno período de inconsciência.”

“Que tipo de objeto foi utilizado?” Perguntou Riley.

“A julgar pelo cabelo puxado e arranhões, diria que foi um golpe proveniente de uma corrente pesada. Marla Blainey tinha o mesmo tipo de ferimento praticamente no mesmo local.”

Alford abanou a cabeça. “Este tipo é só correntes,” Disse. “Os jornalistas já lhe chamam o ‘assassino das correntes.’”

Lucy apontou para alguns close-ups do abdómen da mulher.

“Pensa que ela foi espancada ao longo de vários dias?” Perguntou. “Aquelas equimoses têm mau aspeto.”

“Têm mesmo mau aspeto, mas não são de espancamento,” Advertiu Tooley. “Tem contusões como aquela por estar acorrentada com tanta força. Entre as correntes e o colete-de-forças apertado, a verdade é que ela passou muito tempo em sofrimento. O mesmo aconteceu com Marla Blainey.”

O grupo silenciou-se por alguns instantes, refletindo no significado desta informação.

Por fim, Lucy disse, “Sabemos que ele é pequeno e não muito forte – e estamos a partir do princípio que é um ‘ele’. Por isso o mais certo é ter subjugado cada uma das mulheres com um golpe certeiro na cabeça. Enquanto estavam cambaleantes ou inconscientes, ele meti-as na bagageira do carro.”

Riley assentiu aprovadoramente. Parecia-lhe um bom palpite.

“Então, como foi tratada durante o cativeiro?” Perguntou Alford.

Tooley remexeu nas fotos para encontrar imagens do corpo dissecado.

“Muito mal,” Informou. “Não encontrei praticamente nada no estômago, nem nos intestinos. Deve tê-la mantido viva só com água. Mas não devia estar a tentar matá-la à fome. Isso levaria muito mais tempo. Talvez só estivesse a tentar enfraquecê-la. E mais uma vez, com Marla Blainey foi igual. As gargantas cortadas foram os golpes decisivos e fatais.”

Mais uma vez, o silêncio inundou o gabinete. Havia pouco mais a dizer, mas muito em que pensar. A cabeça de Riley estava repleta de perguntas sem resposta. Porque é que o assassino mantivera estas mulheres cativas? Os motivos habituais não se aplicavam a esta situação. Ele não as torturara nem violara. Se a sua intenção sempre fora matá-las, porque demorara a fazê-lo? Precisava de tempo para ganhar coragem para concretizar o ato?

Era óbvio, pensou Riley, que o assassino estava obcecado em deixar as suas vítimas indefesas. Isso dava-lhe algum tipo de satisfação. Provavelmente sofrera o mesmo género de desamparo, talvez na infância. Também suspeitava que não alimentava as vítimas por outras razões que não apenas a de as enfraquecer. Será que também ele passara fome num ou noutro momento da sua vida?

Riley reprimiu um suspiro. Havia tantas perguntas por responder. Entretanto, havia muito trabalho a fazer.


*


Duas horas mais tarde, Riley conduzia o carro alugado por Alford pelo rio Hudson com Lucy a seu lado. Estavam a caminho de Eubanks, a cidade onde Marla Blainey tinha vivido e onde fora assassinada. Tinham acabado de sair da casa de Rosemary Pickens onde tinham entrevistado os seus dois filhos.

Riley reviu na sua mente o encontro com eles. Não tinha sido muito produtivo e os desolados irmão e irmã não tinham dado qualquer informação sólida. Não faziam a mínima ideia porque é que a sua mãe, uma alma sempre gentil e útil, teria sido escolhida para vítima de um crime tão brutal.

Ainda assim, Riley estava contente por ter deixado grande parte das perguntas a cargo de Lucy. Ficara mais uma vez impressionada com o trabalho da parceira, sobretudo pela sua capacidade de lidar com pessoas que estavam a passar por uma situação de choque e luto. De forma delicada, Lucy tinha conseguido que os irmãos falassem sobre a mãe.

Graças à postura compreensiva de Lucy, começava a formar-se um retrato cada vez mais claro de Rosemary Pickens. Fora uma mulher carinhosa, espirituosa e generosa de quem a família e todos em Reedsport sentiriam a falta. Riley sabia o quão importante era desenvolver aquele tipo de compreensão acerca de uma vítima de homicídio. Não havia dúvida de que Lucy estava a fazer um bom trabalho até ao momento.

Enquanto conduzia pela estrada de duas faixas que bordejava o amplo rio Hudson, Riley apercebeu-se do pouco que sabia acerca da talentosa jovem agente sentada a seu lado. Lucy parecia estar embrenhada nos seus pensamentos, indubitavelmente a pensar nos poucos factos de que dispunham até ao momento.

“Conta-me coisas sobre ti, Lucy,” Pediu Riley.

“Como por exemplo?” Perguntou Lucy, olhando surpreendida para Riley.

Riley encolheu os ombros. “Bem, presumo que não sejas casada. Tens namorado?”

“De momento não,” Respondeu Lucy.

“E no futuro?”

Lucy ficou pensativa por alguns segundos.

“Não sei, Riley,” Disse, por fim. “Acho que não estou destinada a ligações a longo prazo. Sempre que tento imaginar a vida com um marido e filhos, a minha cabeça fica oca. Acredita em mim, essa atitude não se coaduna com o protótipo da família Mexicana-Americana. Alguns dos meus irmãos e irmãs já têm filhos. Os meus pais esperam o mesmo de mim. Tenho medo que fiquem desiludidos. Mas que posso fazer?”

Lucy calou-se novamente. Depois disse, “É que eu já amo tanto este trabalho. Há tanta coisa boa a fazer. Quero dar-lhe tudo o que tenho, fazer realmente a diferença no mundo. Não sei como teria tempo para outras coisas – nem mesmo uma relação. Isto parece-te egoísta?”

Riley sorriu tristemente.

“De maneira nenhuma,” Disse.

Em contraste, Riley tinha que pensar nas suas próprias escolhas. Ela tentara ter tudo – um casamento, uma família, um emprego exigente. Teria sido egoísta? Se tivesse começado com as prioridades de Lucy, podia ter sido melhor?

Mas então não teria a April, Pensou. E a April... a April valia o esforço extra. Ela amava a filha acima de tudo e esperava não ter falhado na sua educação.

Poucos minutos depois entraram em Eubanks. A cidade era maior que Reedsport, mas mesmo assim não foi difícil encontrar a modesta mas agradável casa de dois pisos. Dois homens estavam sentados numa cadeira de baloiço no alpendre. Levantaram-se quando Riley e Lucy saíram do carro e se encaminharam para o edifício. Um homem robusto de uniforme aparentando a idade de Riley adiantou-se para as cumprimentar.

“Sou Dwight Slater, o chefe aqui em Eubanks,” Apresentou-se.

Riley e Lucy apresentaram-se por sua vez. O outro homem era alto e tinha um rosto sólido e amigável.

“Este é o Craig Blainey, o viúvo de Marla,” Disse Slater.

Blainey saudou Riley e Lucy com um aperto de mão.

“Sentem-se e fiquem à vontade,” Disse com uma voz surpreendentemente profunda e agradável. Ocorreu a Riley que daria um ótimo pregador.

Slater e Blainey voltaram a sentar-se na cadeira de baloiço, e Riley e Lucy sentaram-se numas cadeiras voltadas para eles.

Riley começou a falar.

“Senhor Blainey, pode parecer estranho eu dizer isto passado tanto tempo, mas lamento a sua perda. E também lamento ter que desenterrar memórias que adivinho serem dolorosas. Vamos tentar ser breves.”

Blainey acenou com a cabeça.

“Agradeço,” Disse. “Mas devem demorar o tempo que precisarem. Soube que houve outro homicídio em Reedsport e lamento que tenha ocorrido. Mas se estiver ao meu alcance fazer ou dizer alguma coisa que pare este monstro, só me vai fazer bem à alma.”

Riley segurou num bloco de notas e começou a escrever. Reparou que Lucy fez o mesmo.

“Qual a sua ocupação, senhor Blainey?” Perguntou.

“Sou proprietário de uma loja de ferragens. Pertence à família há várias gerações. Mas essa tradição vai terminar comigo.” Disse, sorrindo melancolicamente. “Os meus filhos não estão interessados em continuar o negócio da família. Não que me possa queixar, estão a sair-se muito bem. A Jill está a estudar na Universidade de Buffalo e o Alex trabalha numa rádio em Long Island.”

A sua voz denotava orgulho.

Riley assentiu na direção de Lucy, um sinal silencioso para avançar e fazer as suas perguntas.

“Tem mais familiares aqui em Eubanks?” Perguntou Lucy.

“O meu irmão e a minha irmã viviam cá e têm filhos. Mas depois do que aconteceu à Marla...”

Blainey parou por um momento para controlar um acesso de emoção.

“Bem, esta cidade nunca mais foi igual depois disso. A recordação era simplesmente demasiado horrível. Tinham que sair daqui. A Amy e a família foram para Filadélfia, e o Baxter e a família mudaram-se para o Maine.”

Blainey encolheu os ombros e abanou a cabeça.

“Não sei porquê, mas não senti a mesma necessidade. Senti que ainda pertencia mais a este lugar por alguma razão. Talvez porque sou o tipo de pessoa que gosta mais de se lembrar dos bons tempos do que dos maus. E eu e a Marla passámos bons tempos aqui.”

Blainey fixou o espaço com uma expressão triste, perdido nas suas memórias. Lucy falou suavemente para o fazer regressar ao presente.

“Sei que a sua mulher era guarda prisional,” Disse.

“É verdade. Na penitenciária masculina do outro lado do rio.”

Riley percebeu que Lucy se esforçava por ser o mais delicada possível na formulação da sua próxima pergunta.

“Senhor Blainey, tendo em consideração que ser guarda prisional é um emprego duro, mesmo para um homem,” Disse Lucy. “Para uma mulher, pode ser brutal. E quer seja homem ou mulher, é quase impossível não fazer inimigos. Alguns desses inimigos podem ser pessoas muito más que não ficam presas para sempre.”

Blainey suspirou e abanou a cabeça, ainda a sorrir tristemente.

“Sei onde quer chegar,” Declarou. “Foi o mesmo há cinco anos atrás. A polícia de Albany queria saber se ela tinha feito inimigos lá. Tinham a certeza de que o assassino tinha que ser um antigo recluso com um ressentimento pessoal.”

Dwight Slater olhou para Lucy e Riley.

“Eu conhecia a Marla Blainey muito bem,” Disse Slater. “Ela e o Craig são como família para mim. E acreditem quando lhes digo que a Marla não era a guarda prisional típica. Penso que sabem a que estereótipo me refiro – sádico, cruel, corrupto. A verdade é que muitas pessoas não sabiam o que pensar a seu respeito.”

Blainey acenou em concordância e levantou-se da cadeira.

“Venham até cá dentro,” Disse. “Vou mostrar-vos algumas coisas.”

Riley, Lucy e Salter seguiram-no até uma sala de estar impecável e confortável. Blainey convidou-os a sentarem-se e a estarem à vontade. Havia imensas fotografias de família nas paredes – piqueniques, cerimónias de graduação, nascimentos, casamentos, fotos de escola. Era fácil perceber que Craig Blainey se tinha rodeado das suas melhores recordações.

Quando Blainey abriu uma secretária e começou a vasculhar o seu conteúdo, os olhos de Riley repousaram numa fotografia de Marla Blainey vestida com o seu uniforme de guarda prisional. Era uma mulher alta como o marido com um rosto igualmente sólido e determinado. Ainda assim, Marla tinha um sorriso que preenchia aquela sala mesmo cinco anos após a sua horrível morte.

Quando Blainey encontrou aquilo que procurava, entregou a Riley e a Lucy duas cartas escritas à mão. Um simples relancear pelas cartas foi suficiente para surpreender Riley.

Eram mensagens de agradecimento de antigos reclusos da prisão onde Marla havia trabalhado. Os homens tinham-lhe escrito para lhe agradecer a bondade que tinha demonstrado durante o seu período de reclusão – uma palavra de incentivo, algo para lerem, um conselho útil. Os homens tinham obviamente deitado para trás das costas as suas vidas de crime e sentiam que deviam pelo menos parte do seu sucesso no mundo exterior a Marla.

Blainey falou enquanto elas liam as cartas.

“Não quero dar a entender que a Marla tinha um trabalho fácil ou que toda a gente gostava dela. Ela passava o dia todo rodeada por pessoas más – mentirosos e manipuladores, a grande maioria. Não se deixava arrastar para amizades inapropriadas. Ela era guarda prisional e é claro que alguns dos reclusos não precisavam dela para nada, e até a odiavam. Mesmo assim, penso que nunca fez qualquer inimigo real, mesmo ali.”

Enquanto Blainey falava, Dwight Slater olhava em redor da sala, desfrutando do seu próprio quinhão de memórias. Disse, “Falo com o Diretor ocasionalmente e ele continua a dizer que ela fez ali mais bem do que qualquer assistente social. E era assim com toda a gente.”

Riley olhou para Lucy e viu a surpresa também estampada no seu rosto. Quem imaginaria que uma guarda prisional seria alguém tão querido? E porque é que alguém escolhera matá-la de uma forma tão hedionda?

O sorriso hospitaleiro de Blainey alargou-se.

“Bem, tenho a certeza de que terão mais perguntas,” Disse. “Querem beber alguma coisa? Talvez um chá gelado? Acabei de o preparar há pouco.”

“Isso era ótimo,” Disse Riley.

“Sim, obrigado,” Disse Lucy.

Riley assentiu mas a sua mente já estava noutro lugar. Começava a detetar avanços familiares no seu subconsciente. Sabia que a sua capacidade de entrar na mente de um assassino era rara e também sabia que geralmente tinha razão quando lhe ocorria alguma coisa.

Isso significava que havia algo mais que ela precisa de ver.

Algo importante.


CAPÍTULO 11


Pouco depois, Riley e Lucy estavam de regresso ao carro, seguindo logo atrás de Slater. Como sempre acontecia quando se aproximava de uma cena de crime, Riley notou os seus sentidos ficarem mais alerta.

Não tinha sido fácil convencer Slater a levá-las até ali. No que lhe dizia respeito, não havia nada para ver, sobretudo depois de todos aqueles anos. Mesmo assim, Riley estava ansiosa por ver o local onde o corpo de Marla Blainey tinha sido despejado e encontrado. Ela sabia que as fotografias não lhe conseguiam transmitir o que os locais reais por vezes conseguiam.

A uma curta distância da cidade, a estrada de duas faixas atravessava a linha de caminho-de-ferro e continuava pela borda do rio. Slater parou à beira da estrada. Riley parou logo atrás dele.

“Penso que estava aqui,” Disse Slater, saindo do carro. “É difícil lembrarmo-nos depois de tantos anos.”

“Deixe-me olhar outra vez para as fotos,” Pediu Riley.

Slater entregou-lhe o dossier com todas as fotos da cena do crime de Blainey. Riley perscrutou as árvores à beira da estrada. A margem inclinava-se acentuadamente na direção da borda do rio que se encontrava a apenas cinco metros de distância.

Riley comparou o local a uma foto do corpo tirada a partir da estrada. A vegetação rasteira tinha mudado com o passar dos anos e por um momento parecera difícil encontrar qualquer semelhança entre a foto e o local real.

Na foto, era visível que o corpo de Marla, acorrentado e envergando um colete-de-forças, se encontrava num monte junto ao tronco caído de uma árvore. Riley avançou para a erva alta ao lado da estrada. E ali estava o mesmo tronco de árvore junto à borda da água.

“Tem razão, este é o lugar,” Disse a Slater. “Como pensa que o assassino levou o corpo até lá abaixo?”

Slater encolheu os ombros. “Não há muito a dizer,” Declarou. “Trouxe o carro até aqui. Depois rolou o corpo lá para baixo. A erva e a vegetação estavam amassados.”

Slater apontou para a foto que Riley segurava na mão.

“Consegue ver uma pequena marca de pneu ali,” Disse. “Talvez uma carrinha, mas não conseguimos localizar o veículo. Ninguém deu conta do corpo durante vários dias, só foi localizado quando alguém reparou nos moscardos a circularem a área.”

Ao comparar a foto com a cena do crime real, Riley reparou que se encontrava no exato local onde o assassino despejara o corpo. Olhou para a inclinação durante um longo momento, assimilando a cena. Começou por imaginar o corpo acorrentado e envolto num colete-de-forças rebolando pelo barranco abaixo. Depois reparou que Lucy estava a fitá-la atentamente. Pareceu-lhe estranho. Devolveu o olhar a Lucy.

“Oh, desculpa olhar-te desta forma,” Desculpou-se Lucy um pouco envergonhada. “É só porque... Bem, ouvi dizer que tens instintos pouco habituais quando estás na cena de um crime. Dizem que consegues entrar na cabeça de um assassino, sentir o que ele sente, ver o que ele vê, perceber exatamente aquilo em que ele estava a pensar.”

Riley não sabia o que dizer. Aquilo realmente acontecia com frequência, ficar profundamente absorvida nas cenas de crime. E a sua capacidade para identificar a perspetiva de um assassino às vezes perturbava-a até a ela. Era apenas a sua forma de fazer as coisas, mas Lucy fazia aquilo parecer quase uma habilidade lendária. Fez com que Riley se sentisse desconfortável e autoconsciente.

De qualquer das formas, não estava a receber quaisquer vibrações no local onde se encontrava, nenhum fio dos pensamentos do assassino lhe chegava. Não sabia se devia atribuir aquilo ao facto de o lugar ser demasiado normal ou porque outras pessoas a estavam a observar.

“Segura nisto um instante,” Disse a Lucy, entregando-lhe o dossier.

Então Riley desceu o barranco, deixando Lucy e Slater surpreendidos.

“Tenha cuidado,” Aconselhou Slater.

“Queres que também vá?” Perguntou Lucy.

“Não, estou bem,” Respondeu Riley. “Fica aí.”

O barranco era mais íngreme e traiçoeiro do que parecia da estrada. Tropeçou em arbustos e ramos, arranhando-se na descida. A descida acentuada serviu também para lhe lembrar que ainda se ressentia dos seus recentes ferimentos. Músculos que somente há pouco pareciam recuperar, começaram subitamente a doer outra vez.

Por fim, chegou ao fundo do barranco. Ficou ao lado do tronco caído, a apenas um metro da borda da água. E era isto – o lugar onde o corpo de Marla tinha caído e permanecido até ser encontrado. O silêncio foi interrompido pelo ruído de uma lancha a rasgar o rio muito próximo do local. Pequenas ondas suaves embateram contra o tronco e depois morreram até se transformarem em silêncio.

Pensando na foto, Riley imaginou o corpo de Marla a seus pés. Conseguia vê-lo com clareza. Também se apercebeu que se não fosse o tronco, muito provavelmente o corpo teria rebolado até ao rio. Apenas ficara ali preso por acidente. A movimentar-se na escuridão, o mais certo era o assassino nem se ter apercebido que o corpo não tinha penetrado na água.

A julgar pelo barranco, Riley calculou que naquele local o rio tinha muita profundidade. Mais pesado graças às correntes, o corpo poderia ter-se afundado sem deixar rasto. Podia nunca ter sido encontrado.

Por fim, começou a sentir um formigar de compreensão. O corpo desta mulher, tal como o lugar em si, não significava nada para o assassino. Podia ser descoberto ou poderia não ser – não tinha qualquer importância para ele. As correntes e o colete-de-forças eram a ligação entre ele e a sua vítima. Estavam habituados a atormentar as mulheres e tinham algum significado especial para o assassino. Não se destinavam a exibição pública.

Algo drástico sucedera entre os dois crimes. Agora o assassino queria desesperadamente que todos vissem o horror pleno do seu feito. Com a segunda vítima, ele tentava comunicar algo que não lhe interessara da primeira vez.

Riley considerava que o mais provável era aquilo indicar que o assassino ia acelerar. O que quer que o movesse, estava mais forte agora. O que quer que tivesse conseguido controlar durante cinco anos, empurrava-o agora de forma mais premente e resoluta para mostrar ao mundo a sua dor.

Naquele momento, o telefone de Riley tocou. Tirou-o do bolso e ficou surpreendida ao ver que se tratava de um SMS de April.

Dizia apenas, Olá mãe.

Riley sentiu-se profundamente alarmada com a incongruência. Ali estava ela, no exato lugar onde um corpo tinha sido abandonado, a receber uma mensagem da filha que tantas vezes não queria saber dela. Deveria explicar-lhe que aquele não era o momento mais apropriado para trocarem mensagens?

Olá April, Respondeu. O que se passa?

A resposta surgiu rapidamente...

A escola acaba amanhã. Tenho o meu último exame de manhã.

Riley escreveu, Estás preparada?

Nã sei, Respondeu April.

Riley suspirou. A conversa com a filha perdera já todo o sentido.

Mas então April escreveu:

Quero conversar.

O coração de Riley inundou-se de uma emoção inesperada.

Eu também, Digitou. Podes esperar até voltar para o meu quarto?

A mensagem seguinte de April apanhou-a completamente desprevenida.

Não ao telefone. Aqui mesmo. Vem para casa e vamos conversar.


CAPÍTULO 12


Riley parou na plataforma Amtrack. Ainda tinha dúvidas quanto ao que estava a fazer, apesar de ela a Lucy terem falado sobre isso mais do que uma vez. Ambas tinham a certeza de que mais nada iria acontecer ali em Reedsport. O assassino das correntes tinha atacado em duas cidades distintas e se voltasse a matar, o mais provével era suceder noutro local qualquer.

“Ainda não estou bem certa disto, Lucy,” Disse Riley. “Não costumo deixar um caso ainda a decorrer.”

“Tudo bem,” Respondeu Lucy algo exasperadamente. “Eu sei o que fazer. Entrevistar quem puder. Ir ao funeral, caso ele lá esteja. Verificar quem envia flores.”

Naquele momento, o revisor gritou, “Todos a bordo!”

Riley disse, “Se acontecer alguma importante acontecer, volto logo.”

“Vai,” Disse Lucy com firmeza.

“Obrigada,” Respondeu Riley.

O pequeno jato da UAC que as tinha trazido a Reedsport, tinha partido logo após a sua chegada, por isso, não era uma opção viável naquele momento. Lucy tinha-se oferecido para levar Riley a Albany para apanhar um avião para casa, mas Riley tinha escolhido ir de comboio. Levá-la-ia diretamente a Quantico, apenas com um transbordo em Nova Iorque. A viagem iria dar-lhe a oportunidade de passar os olhos pelos ficheiros e avaliar a mente de um assassino.

Subiu para a espaçosa carruagem de classe executiva e ocupou o seu lugar. Tinha duas grandes cadeiras por sua conta, dando-lhe espaço para estar à vontade. Olhou pela janela quando o comboio arrancou. Não viu Lucy. Riley sabia que ela tinha voltado diretamente para o trabalho.

Reclinou a cadeira e começou a descontrair. A vibração firme, suave e amigável do comboio, ajudou Riley a iniciar o processamento de informação com a sua habitual capacidade mental. Para começar, havia a questão do porquê o assassino não ter alimentado as vítimas. É claro que pretendia enfraquecê-las. Mas também lhe parecia que o assassino já tinha passado fome no passado e se sentia impelido a infligir o mesmo sofrimento aos outros.

Mas agora algo mais lhe ocorria. Alimentar as mulheres, seria reconhecer a sua humanidade e ao fazê-lo, correria o risco de sentir empatia por elas. Apenas lhe serviam como objetos, como símbolos do que sofrera ou o enfurecera no passado.

Riley respirou profundamente. Sim, começava a sentir-se ligada a ele – muito mais do que sentira em qualquer dos locais do crime.

Ele é humano, Pensou. Ele é demasiado humano.

Ele não era um qualquer sociopata frio e insensível. Ele era alguém capaz de sentir empatia e até de ser bondoso. E essas eram as qualidades que ele mais temia em si próprio, porque podiam muito bem ser a sua perdição.

Riley fechou os olhos. Conseguia sentir o imenso esforço empreendido por ele para suprimir as suas qualidades humanas. E fraco como era, durante quanto tempo mais conseguiria ele lidar com a tensão e o esforço de ser um assassino? Tudo o que sabia é que não tinha escolha.

Algo mais começou a fazer sentido a Riley. A chocante escalada do seu mais recente crime, com o corpo pendurado para que todos pudessem ver, não era apenas uma tentativa de chocar o mundo. Também era para seu próprio benefício. Ele tinha uma grande necessidade de convencer todos, incluindo ele próprio, que era bem mais selvagem do que aparentava ser.

Riley sabia que à medida que o seu desespero crescia, também os crimes se tornariam mais absurdamente cruéis. Ele não podia permitir-se a ele próprio apresentar a mais ínfima réstia de misericórdia ou humanidade. Tinha que dar o seu melhor para se transformar num monstro, transpondo até as suas próprias expetativas.

O rolar constante do comboio estava a exercer em Riley um agradável efeito hipnótico. Riley não se apercebera que estava cansada, mas agora compreendia que estivera sob considerável tensão nos últimos dias. Fechou os olhos.


Quando Riley se aninhou no espaço húmido, a porta da sua prisão abriu-se e um feixe de chamas iluminou a escuridão. A luz branca cegou-a por um momento. A chama de gás propano fora a única coisa que vira naquele lugar horrível – à parte as aparições de Peterson.

Agora, o rosto do seu carrasco tomava forma novamente ao atormentá-la com a chama ciciante, forçando-a a afastar-se do seu calor extremo. Ela não conseguia discernir com exatidão o seu aspeto, mas a sua presença tornava-se cada vez mais familiar.

“Bem-vinda a casa,” Disse Peterson, alegremente.

“Isto não é a minha casa,” Respondeu Riley.

“É a única casa que mereces.”

Riley desejava conseguir afastar a chama e virá-la contra ele. Mas os seus movimentos eram demasiado hábeis e rápidos. Tudo o que conseguia fazer era baixar-se e afastar-se, tentando fugir à chama.

“Vou-te matar,” Disse Riley, em tom de desafio. “Quero que saibas isso.”

Peterson riu sombriamente.

“Bem-vinda a casa,” Disse novamente.


Riley acordou com o grito do revisor...

“Estação Penn!”

Era altura de mudar de comboio.


*


Ao conduzir para Fredericksburg naquela noite, Riley não parava de repetir para si própria: um monstro de casa vez.

O sonho com Peterson tinha-a abalado bastante, deixando-a perturbada no resto da viagem até Quantico. Mesmo assim, tinha conseguido adiantar algum trabalho. Tinha feito alguma pesquisa no seu portátil graças ao serviço de wi-fi do comboio, tendo-se ocupado intensamente das cópias de documentos e fotos do caso que tinha em sua posse. Tinha enviado por e-mail um relatório a Brent Meredith. Não tinha que passar pela UAC, por isso decidira ir diretamente para casa de Ryan onde April esperava por ela.

Riley lembrava a si própria que os monstros assumiam diversas formas. Naquele momento, queria focar-se num tipo de monstro diferente – a monstruosidade em que a sua vida pessoal se transformara. Talvez houvesse esperança em dominar este, de o modelar de forma a assumir uma forma mais agradável. Após muitos desgostos e rebeldia, April queria agora conversar com ela. Era um sinal positivo. Desta vez, Riley não ia desiludir a filha.

Para além disso, Riley estava bem consciente que tinha que efetuar algumas mudanças sérias na sua vida. Não valia a pena esperar por uma pausa entre casos. Raramente havia pausas e dificilmente haveria uma no futuro mais próximo.

Em primeiro lugar, devia mudar-se da sua pequena casa. O assalto de Peterson provara que era demasiado isolada e vulnerável. Quando a alugara, ela e Ryan tinham acabado de se separar e sentia-se financeiramente insegura. Aquele lugar fora de Fredericksburg era o que podia pagar e tinha servido para se afastar da sua antiga vida.

Mas o divórcio seria uma realidade em breve e Ryan concordara em pagar a pensão de alimentos da filha, ao contrário das contribuições erráticas que até agora lhe chegavam. Tinha-se tornado generoso, uma qualidade que Riley reconhecera como uma forma de ele se libertar de quaisquer outras responsabilidades no que dizia respeito à filha.

Para Riley, não havia problema. Ela podia ser feliz tendo a guarda total de April e ela queria desesperadamente ser uma boa mãe. Só tinha que descobrir como gerir as suas próprias responsabilidades melhor do que no passado.

Olhando pela janela do carro, Riley viu que conduzia entre filas de atraentes casas. Quando o rendimento suplementar se tornasse constante e previsível, podia pensar seriamente em arranjar uma nova casa para viver, talvez até comprar algo adequado na cidade. Seria bom ter vizinhos e a localização seria conveniente para a escola de April. E Fredericksburg era suficientemente grande para não ter que se preocupar em cruzar-se com Ryan.

A perspetiva de criar April sozinha trouxe-lhe à mente outra questão. Riley não podia fugir ao facto de que passava muito tempo longe de casa. Precisava de alguém que a ajudasse a tomar conta da sua filha.

Gabriela era a escolha óbvia. Ela e April gostavam muito uma da outra, e April não colocaria qualquer objeção em tê-la por perto.

Será que Gabriela concordaria em mudar-se se tivesse um quarto e casa de banho só para si? Ou pelo menos ficar lá em casa quando Riley estivesse fora durante alguns dias? Riley tomou nota mental para discutir isso com Gabriela logo que surgisse a oportunidade.

Quando Riley chegou ao seu destino, estacionou o carro em frente à casa. Quando saiu do carro e caminhou para a porta da entrada, tocou à campainha como de costume desde que se mudara. Gabriela veio à porta com um olhar ansioso.

“Señora Riley!” Exclamou. “Sabe onde está a April?”


CAPÍTULO 13


O choque sacudiu o corpo de Riley.

“A April não está cá?!” Perguntou.

“Esteve, mas agora não está,” Disse Gabriela. “Vente! Entre!”

Riley entrou e Gabriela fechou a porta.

“Ela estava em casa quando fui à tienda buscar compras,” Explicou Gabriela. “Quando voltei, já não estava cá. Disse ao Señor Ryan e ele disse-me para não me preocupar. Mas mesmo assim fico preocupada. Não disse que ia sair. Não percebo.”

A preocupação de Riley aumentou.

“Onde está o Ryan?” Perguntou.

“A jantar.”

Gabriela conduziu Riley à sala de jantar. Ryan estava sentado à mesa, a comer e a falar ao telemóvel em simultâneo. Outro lugar estava colocado na mesa, mas não tinha sido utilizado. Gabriela começou a levantar a mesa nervosamente.

“Está tudo bem,” Disse Ryan a quem quer que estivesse do outro lado da linha – um cliente, supôs Riley. “Estarei aí às nove. Trataremos de tudo esta noite.”

Terminou a chamada e olhou para Riley surpreendido.

“Não te esperava hoje,” Disse. “Pensava que tinhas um caso em Nova Iorque. Como está a correr?”

“Onde está a April?” Perguntou Riley.

“Como é que eu hei-de saber?” Respondeu Ryan com um encolher de ombros aborrecido. “Está com uma das telhas dela. Sai a ti, não a mim. Achas que me diz alguma coisa?”

Riley ignorou o tom acusatório do ex-marido.

“Onde estiveste hoje?” Perguntou Riley.

“Não que tenha que te dizer o que fiz,” Respondeu Ryan. “Mas estive lá em cima o dia todo a trabalhar no meu gabinete. Não saí de casa desde manhã. Mal saí do gabinete. Estive ocupado.”

“A April regressou da escola?”

Ryan terminou a refeição e pousou o guardanapo.

“Sim, e discutimos. Nem me perguntes porquê. Eu próprio não percebi. Mandei-a para o quarto e disse-lhe para não sair de lá enquanto não estivesse pronta para pedir desculpa. Pensava que lá estava até a Gabriela ir ao meu gabinete e ter-me dito que não estava em casa.”

Ryan levantou-se e começou a afastar-se.

“Tenho que me preparar para ir ter com um cliente,” Disse. “É muito mais importante do que isto, acredita em mim – sobretudo porque esperas que eu seja generoso com a pensão. Sinceramente, não percebo porque é que tu e a Gabriela estão em pânico. A miúda foi arejar e volta quando lhe apetecer.”

Riley colocou-se à frente de Ryan, bloqueando-lhe a passagem.

“Ela não foi arejar,” Disse Riley. “Ela disse que queria conversar comigo e eu enviei-lhe uma mensagem a dizer que ia regressar. Ela estava à minha espera. Ela não teria saído de casa.”

“Bem, aparentemente foi exatamente isso que ela fez,” Declarou Ryan. “Se calhar está em tua casa neste momento.”

Riley foi acometida por uma súbita esperança. Seria possível April ter pensado que se encontrariam em casa? Estaria a filha à sua espera em casa?

Riley pegou no telemóvel e ligou para o seu número fixo. Ouviu a sua gravação no atendedor de chamadas e após o sinal disse, “April, se estás aí, atende. Voltei para estar contigo.”

Não houve resposta.

Depois tentou ligar para o telemóvel de April. Quando ouviu a mensagem de voz de April, não conseguiu evitar gritar. “April, se estás aí atende. Onde estás? Estou assustada, liga-me agora.”

Riley terminou a chamada e ficou de pé a olhar absorta para o telemóvel na mão.

“Ela vai ligar quando lhe apetecer,” Disse Ryan. “Agora, se não te importas...”

Tentou empurrar Riley, mas ela não lhe deu passagem.

“Não vais a lado nenhum,” Disse Riley.

“Tenho que ir ter com um cliente, Riley.”

A voz de Riley tremia de fúria e medo mal contidos.

“Também é tua filha,” Declarou.

Riley voltou-se e viu Gabriela parada à porta da cozinha, abalada e horrorizada.

“Gabriela, a que horas saiu para ir às compras?” Perguntou Riley.

“Penso que por voltas das três,” Respondeu Gabriela. “A porta do quarto da April estava aberta e ela estava lá dentro. Quando regressei, já não estava em casa e dei conhecimento ao Señor Ryan.”

Riley virou-se novamente para Ryan. A sua expressão ainda era de despreocupação. Riley não compreendia como é que ele não tinha a noção da gravidade da situação.

“Alguém tocou à porta esta tarde?” Perguntou Riley.

“Não sei. Como já disse, estive todo o dia no meu gabinete,” Disse Ryan.

“Pensa, Ryan. Ouviste a campainha hoje?”

Ryan pensou por um momento.

“Penso que tocou uma vez à tarde. Sim, ouvi um carro parar e depois a campainha tocar. Foi depois de mandar a April para o quarto. Estou certo que a Gabriela foi ver quem era.”

Riley voltou-se para a empregada.

“Gabriela, foste abrir a porta a alguém hoje?”

“Não ouvi a campainha todo o dia.”

Riley agora estremeceu alarmada. Voltou-se para Ryan.

“A Gabriela não foi à porta,” Disse-lhe ferozmente. “Estava na rua a fazer compras. A April foi à porta e desapareceu desde essa altura. Neste momento, já pode estar desparecida há quatro horas. A Gabriela avisou-te e tu não quiseste saber.”

Ryan começava agora a ficar preocupado.

“Ouve, estás a fazer uma tempestade num copo de água,” Disse. “Se calhar era o namorado. Deve ter vindo até cá e ela foi com ele. Quando voltar vou castigá-la a sério. Já o devias ter feito há muito tempo.”

Riley lembrou-se do momento em que apanhara April e o namorado a fumar erva no quintal.

“Já conheceste o namorado dela?” Disparou Riley. “Chama-se Brian e tem catorze ou quinze anos. Não conduz. Não era ele e não era nenhum dos seus amigos. Ela não tem amigos que conduzam. Meu Deus, Ryan, será que não sabes nada acerca da tua filha?”

Riley não esperou pela resposta. Empurrou Ryan para passar e dirigiu-se ao quarto de April. Ryan e Gabriela seguiram-na. Como Gabriela tinha dito, a porta do quarto estava aberta. O quarto apresentava a confusão de sempre.

Mais uma vez Riley ligou para o telemóvel de April. Desta vez, o seu coração quase parou quando lhe pareceu ouvir um zumbido na cama.

Afastou algumas roupas espalhadas em cima da cama e aí sim, o coração caiu-lhe aos pés.

Estava ali.

Riley pegou no telemóvel que vibrava e olhou horrorizada para ele.

April não tinha o telemóvel consigo.

E isso apenas podia ter um significado.

April fora levada.


CAPÍTULO 14


April encolheu-se ao ouvir os passos do homem por cima de si. Andava de um lado para o outro no chão de madeira a menos de trinta centímetros da sua cabeça, rindo para si próprio, de vez em quando rindo a bandeiras despregadas. Lutou para evitar gritar. O homem dissera-lhe que a matava se gritasse e ela tinha a certeza de que ele o faria.

April sabia que o homem que caminhava era Peterson. Tinha que ser ele. Como todos os outros, April duvidara da convicção da mãe de que Peterson ainda estava vivo. Ela tinha querido acreditar que o assassino que tinha capturado a mãe estava morto. Mas a verdade é que estava vivo e agora tinha-a capturado a ela.

Recordava-se com horror do pouco que a mãe lhe tinha contado a respeito dele, sobre como a tinha tratado enquanto prisioneira. Mas April estava ainda mais aterrorizada pelo que a mãe não lhe tinha contado. April tinha a certeza de que a mãe lhe tinha ocultado a verdade para lhe poupar sofrimento. Fazia sempre isso, mas agora April temia descobrir os horrores que lhe haviam sido escondidos.

Depois de várias horas em cativeiro, April ainda não fazia a mínima ideia do local onde se encontrava. Quando Peterson a arrastara para fora da carrinha, ela avistara uma pequena casa com uma grande varanda. Mas quando tempo estivera naquela carrinha? A que distância de casa se encontrava?

Quando ele a arrancara da mala, tirara a mordaça de fita adesiva da sua boca e ela tivera medo de gritar. Depois carregou-a no ombro para a casa, atirou-a para o chão, colocou uma barreira e deixou-a lá, amarrada nos pés e nas mãos. Ela tinha esperneado e torcido em pânico, mas as algemas de plástico eram sólidas.

Quando conseguiu parar de tremer, observou a sua prisão. O chão era de treliça de madeira. Ele tinha retirado uma parte para a colocar nesta jaula e recolacara tudo no lugar. April pensou que a treliça era feita de madeira frágil, mas não se atrevia a dar-lhe um pontapé. Não agora com Peterson a caminhar mesmo por cima dela.

April contorceu-se no minúsculo espaço. Conseguia sentar-se mas não conseguia colocar-se de pé. Inclinou-se contra a fundação da casa. Estava escuro debaixo do chão, mas percebia-se que ainda era de dia lá fora. Pelo que lhe era dado ver pelos intervalos da treliça, a casa parecia estar isolada. A terra à volta era nua, com exceção de algumas árvores raras. Nâo conseguia ver sinal de outras casas e não fazia ideia a que distância se encontrava de outro ser-humano.

O som dos seus passos e do seu riso estavam a tornar-se enlouquecedores.

Como é que pude ser tão estúpida? Pensou. Mas também tinha a noção de que a sua estupidez tinha começado mais cedo naquele mesmo dia. Ela tinha facilitado a sua própria captura. Quando ele se aproximara da porta de entrada da casa do pai, ela reconhecera-o de imediato. Era o condutor que lhe dera boleia a ela e a Brian alguns dias antes. Agora compreendia que ele a elegera como alvo há muito.

Quando viu a arma na sua mão, tentou fechar a porta da frente. Mas ele fora rápido, segurando-lhe no pulso e forçando-o dolorosamente atrás das costas. Manteve o braço dela preso e a arma encostada às costas enquanto caminhava no passeio. Por um momento, April estacara de medo, não para resistir. O homem ficara alarmado e fincou um pé num canteiro.

Será que alguém vai ver a pegada? Perguntou-se April. Será que alguém sequer sabe que eu desapareci?

Talvez pudesse ter aproveitado aquele momento e... Ter feito o quê? Atacado o homem? Tentado tirar-lhe a arma? Era uma piada pensar que ela o poderia ter dominado.

Continuou a passar em revista tudo o que acontecera. O carro de Peterson estava parado ao lado da casa do pai. Era um carro mais recente e sofisticado do que aquele em que lhe dera boleia. A mala já estava aberta quando encaminhou April para ela.

Estremeceu só de pensar o que ele fizera de seguida. Ainda a apontar-lhe uma arma, obrigou-a a amordaçar-se a si própria com fita adesiva e a atar os seus próprios pulsos com algemas de plástico. A indignidade daquilo tornava o horror ainda mais insuportável.

Agora sentia-se vagamente envergonhada.

Não devia ter colaborado, Pensou. Fui uma cobarde.

Mas o que aconteceria se ela tivesse recusado atar-se e amordaçar-se? O mais certo era Peterson a ter morto logo ali. O pai, tão absorvido no trabalho, tão perdido no seu pequenino mundo, poderia nem ouvir o tiro. Seria a pobre da Gabriela a encontrar o seu corpo quando voltasse das compras.

Lutara quando ele atara os seus tornozelos. Depois disso, ficara completamente indefesa.

Agora doía-lhe o corpo todo da viagem acidentada na mala e da luta que empreendera para se soltar. Também tinha fome e estava cansada. Lutara contra os gritos e soluços que sentia querer subirem-lhe pela garganta. Ela sabia que Peterson a mataria se fizesse o que quer que fosse para atrair a atenção. E ela não podia desperdiçar energias. Tinha que permanecer alerta, estar atenta, não perder a mais ínfima das oportunidades.

De repente, ocorreu-lhe algo – algo semelhante a esperança. A mãe estaria de volta naquele dia. Até já poderia estar em Fredericksburg. Se assim fosse, ela saberia que April estava desaparecida.

Peterson agora ria-se mais alto e o bater dos seus pés soava a uma estranha dança. April não se conseguiu manter mais tempo calada.

“A minha mãe vai-me encontrar!” Gritou. “E quando me encontrar, vai-te matar!”

Os sons por cima de April cessaram. Por um momento, o silêncio dominou o espaço. Depois surgiu outra risadinha calma.

“Tenho a certeza de que ela virá à tua procura,” Disse ele. “Estou a contar com isso.”

O som das suas passadas alterou-se. Desta vez, descia os degraus do alpendre. Ela estremeceu com medo. Depois ele soltou um pedaço de treliça e olhou pela abertura. Entrou, olhou maliciosamente para April, segurando algum tipo de cilindro de metal nas mãos.

O que era? Um extintor? O que fazia ele com um extintor nas mãos?

De repente, surgiu uma chama branca. Agora ela sabia de que se tratava. Era um maçarico de gás propano. A mãe tinha mencionado o maçarico. Mas não tinha dito a April o que ele lhe tinha feito com aquilo.

“Vem cá, coisa linda,” Disse Peterson.

Rastejou até ela, ondeando a chama à sua frente. Ela inclinou-se mais para trás.

“Vem cá e eu derreto-te essas algemas,” Disse ele.

April não conseguia mexer-se. Estava paralisada pelo medo.

“Estás com medo da chama?” Perguntou. “A tua mãe também tinha. Bem. Espera só até estares bem e com fome. Talvez então fiques mais corajosa. Logo vemos.”

April pressionou a boca contra os punhos cerrados para se impedir de gritar.

Peterson desligou o maçarico e saiu, fechando a abertura atrás dele. April ouvira-o a regressar ao piso de cima. Ouvira-o a entrar em casa e a fechar a porta.

Deveria gritar naquele momento? Não, era demasiado perigoso e além disso, tinha a certeza de que ninguém a iria ouvir.

Apercebeu-se que começava a escurecer lá fora. Como seria depois da luz desaparecer? O que é que ele lhe faria? Um medo avassalador apoderou-se dela.

Mãe, Rezou em silêncio. Peço-te. És tudo o que tenho neste mundo. Encontra-me.


CAPÍTULO 15


Riley fitou o telefone que vibrava na sua mão e soube que os seus piores receios se tinham concretizado.

“Então, esqueceu-se de levar o telemóvel,” Disse Ryan.

“Ela não se esqueceu. Ela não vai para lado nenhum sem ele. Ela anda sempre praticamente colada ao raio da coisa.”

Ryan olhou vagamente para ela. Riley percebeu que ele começava a aperceber-se da horrível verdade da situação. Voltou a empurrá-lo para passar e foi para o piso inferior. Quando se dirigia para a porta de entrada, olhou para a sala de estar à procura de qualquer coisa de invulgar ou que estivesse deslocada. Nada lhe chamou a atenção.

Foi para o exterior da casa e seguiu na direção do pórtico onde tinha o carro estacionado. Reparou que a garagem atrás da casa estava fechada. Ninguém podia ver que o carro de Ryan lá estava. Ninguém poderia partir do princípio de que ele estivera em casa hoje.

Um cenário começava a tomar forma na cabeça de Riley. Quando Gabriela saíra para ir às compras, alguém que estivesse a vigiar a casa, pensaria que April estaria sozinha, com Ryan tão isolado no gabinete e tão focado no seu trabalho.

Então, o que teria ocorrido se April tivesse ido à porta e se encontrasse frente a frente com um desconhecido?

E se o desconhecido tivesse uma arma?

Riley seguiu os seus passos de regresso a casa. Ao olhar em redor, algo de diferente chamou a sua atenção. Era uma marca de bota no canteiro, logo à beira do passeio. Era demasiado grande para ser do pé de Ryan e muito menos do de Gabriela, e acima de tudo, era uma marca demasiado recente.

Alguém se desequilibrara, tropeçara e deixara uma marca na terra.

Riley sentiu a respiração pesada e ofegante. Por um momento, suspendeu a respiração. Quem quer que ali tivesse estado, possuía o descaramento de raptar uma adolescente em plena luz do dia. E ela sabia quem era essa pessoa.

Ryan e Gabriela estavam nos degraus.

“Chama o 112,” Gritou a Ryan. “Diz-lhes que a nossa filha foi raptada.”

Ryan não conseguia articular uma palavra que fosse. O seu rosto estava envolto num choque silencioso.

“Já!” Gritou Riley.

Sobressaltado, Ryan assentiu. Apressou-se a correr para casa, seguido de perto por Gabriela.

Riley pegou no seu telemóvel, pensando a quem deveria ligar primeiro. A hotline da UAC era eficiente em caso de emergência. Ainda assim, Riley estava renitente em ligar para esse número. Naquela altura, o FBI estava pejado de rumores acerca da obsessão de Riley quanto a Peterson – uma crença em que mais ninguém acreditava. E se ninguém a ouvisse?

Em alternativa, ligou para o número pessoal de Brent Meredith. Para seu alívio, ele atendeu de imediato.

“Riley?” Atendeu. “Algum problema?”

“Preciso da sua ajuda,” Disse. “A minha filha foi raptada.”

“A April?” Disse Meredith, perplexo. “Tem a certeza?”

Riley gemeu audivelmente. Meredith sempre fora, para além de Bill, o seu único aliado na agência. O que aconteceria se ele considerasse que se tratava de um mero caso de típico comportamento adolescente?

“Tenho a certeza,” Disse Riley. “É o Peterson. Ele levou-a. Tem que acreditar em mim.”

Seguiu-se um breve silêncio na linha.

“Eu acredito em si, Agente Paige,” Disse finalmente Meredith. “Quando é que isso aconteceu? Quando é que ela foi levada?”

Subitamente, Riley sentiu-se desorientada, confundida pelo seu próprio pânico.

“É... Estou...” Gaguejou Riley. “Estou na minha antiga casa em Fredericksburg, na casa do meu ex-marido. Ela foi levada daqui. A dada altura esta tarde.”

“Alguém já ligou para o 112?”

“O Ryan ligou agora mesmo.”

O tom da voz de Meredith era baixo e tranquilizante.

“Ótimo. Fique aí. Não faça nada. Vou reunir toda a informação que tivermos sobre o Peterson a caminho daí. Vou enviar alguns agentes ao local imediatamente. Fique sossegada.”

“Assim farei,” Disse Riley, a conter um soluço. “Obrigado.”

A chamada terminou e Riley regressou à casa. Ryan estava de pé junto à lareira, a contemplar o espaço entorpecido. A pobre da Gabriela estava sentada no sofá a soluçar desamparadamente.

“Es mi culpa, es mi culpa,” Dizia Gabriela repetidamente enquanto chorava descontroladamente.

“Não é não, Gabriela,” Disse Riley. Sentou-se ao seu lado e segurou-lhe na mão. “A culpa não é sua. Não poderia prever.”

Ryan olhou amargamente para Riley.

“A culpa é tua,” Disse.

Riley teve que sufocar a sua fúria. Ela sabia bem o que queria dizer.

“Podes ter a certeza de que a culpa é minha. A culpa é minha por ter pensado que te podia confiar a April. A culpa é minha por pensar que te preocupas com ela ou com quem quer que seja.”

Mas Riley guardou esses pensamentos para si própria. Não era momento para recriminações, apesar de justificadas. Demasiado estava em jogo para dar rédea solta à sua fúria. Naquele momento, tinha que agir de forma fria e objetiva.

Caminhou pela sala, a pensar no que Meredith estaria a fazer naquele momento. Colocando-se no seu lugar, ela sabia que uma das primeiras coisas que ele pediria era uma fotografia de Peterson. Seriam necessárias muitas cópias para distribuir. A polícia ia precisar delas para perguntar porta a porta se tinham visto aquele homem.

Mas Peterson era, no final de contas, uma figura difusa com um passado desconhecido. A única foto dele de que Riley tinha conhecimento, era uma foto tirada quando tinha sido preso por um crime menor há alguns anos atrás. Iniciara um incêndio numa loja de conveniência.

Ela tinha essa foto no seu telemóvel e ainda a guardava. Já tinha ajudado Riley e Bill a encontrar Peterson. Mas seria útil naquele momento? A própria Riley mal o avistara durante o seu cativeiro e tinha a certeza de que ele mudara a sua aparência.

Naquele momento, ouviu as sirenes da polícia a aproximarem-se. Riley sabia que andariam pela vizinhança para confirmar se alguém vira aquele homem na casa de Ryan ou se tinha reparado no seu carro. Apesar das casas não estarem próximas, várias conseguiam avistar a parte da frente da casa de Ryan. Alguém ali tinha que ajudar – uma testemunha ocular que o tivesse visto e o pudesse identificar.

Quem? Pensou Riley.

Subitamente, a resposta chegou-lhe. Pegou no telemóvel de April. O número estava ali, Riley tinha a certeza. Devia ser fácil de encontrar.

Se ao menos conseguisse que as minhas mãos parassem de tremer, Pensou Riley.


CAPÍTULO 16


As mãos de Riley suavam quando bateu à porta. Ela esperava e rezava para que descobrisse o que precisava de saber ali.

Seis minutos antes, tinha percorrido freneticamente os números de telefone do telemóvel de April até encontrar aquele que procurava. O número de Brian, o rapaz que apanhara a fumar erva com April. Ligara-lhe e dissera-lhe que ia ao seu encontro. Nem se dera ao trabalho de explicar porquê.

Uma mulher alta e elegante abrira a porta. Parecia ter feito um grande esforço para não parecer mãe de um filho adolescente.

Riley mostrou o distintivo à mulher.

“Sou a Agente Riley Paige,” Disse.

Não sabia bem o que dizer de seguida. Era uma situação verdadeiramente estranha – uma agente do FBI a investigar o desaparecimento da sua própria filha.

A mulher libertou Riley da incómoda explicação.

“Entre,” Disse nervosamente. “Sou Carol, mãe do Brian. Ele disse-me que vinha.”

Riley seguiu a mulher para uma sala de estar espaçosa e elegante onde Brian já estava à espera. Ao sentar-se, Riley notou quão pequeno o rapaz franzino parecia sentado naquela enorme cadeira de braços. Mal parecia o mesmo rapaz pedrado mas engraçado que encontrara a fumar com a April.

Parecia assustado. Sem dúvida que pensava que Riley estava ali para informar a mãe da situação ocorrida no outro dia.

Deve mesmo ter medo, Pensou Riley. Mas o seu próprio medo era tão abrasador que não desejava sujeitar mais ninguém a esse desnecessário trauma.

A mãe do rapaz postou-se atrás da cadeira. Também ela parecia assustada.

“Algum problema com o Brian?” Perguntou.

Por um momento, Riley sentiu-se mais uma vez com dificuldade em dizer o que quer que fosse. É claro que sabia que Brian nada tinha a ver com o rapto de April. Mesmo assim, eles tinham andado de boleia juntos. E a verdade era que Riley estava zangada. Recordou firmemente a ela própria que tinha que manter os sentimentos de parte. Tirou o seu bloco de notas.

“Brian,” Disse, olhando-o nos olhos, “A April foi raptada.”

Os olhos do rapaz abriram-se muito e ficou pálido. Riley compreendeu porquê. Há apenas um segundo atrás, a pior coisa que ele podia imaginar era ter sarilhos por fumar erva. Agora o seu medo escalara para um nível completamente diferente.

“Quem é a April?” Perguntou Carol.

“É... É a minha namorada,” Gaguejou o rapaz nervosamente.

“Ah,” Disse Carol, parecendo perplexa.

“E é minha filha,” Acrescentou Riley, sabendo perfeitamente como aquelas palavras deviam soar estranhas na atual circunstância.

Por um momento, quase pareceu que a mulher estava à beira do desmaio. Caminhou debilmente para outra cadeira e sentou-se.

“Lamento muito,” Desabafou. “Que terrível.”

Também Riley sentiu uma súbita onda de emoção a apoderar-se dela. Era fúria e medo, tudo misturado. Por um momento, temeu desconjuntar-se ali mesmo. Porque é que se deixara arrastar para aquela situação? Porque é que não tinha esperado que outro agente estivesse disponível para ali estar – alguém cujos nervos não estivessem crus e expostos?

Desejou que Bill ali estivesse. Ou Lucy. Lucy seria o tipo de presença de que ela precisava naquele momento – calma, inteligente e compreensiva. Devia ser Lucy a colocar aquelas perguntas e não Riley.

Mas nada mais podia fazer naquele momento. E não havia tempo a perder. Da sua própria experiência, Riley sabia muito bem aquilo por que April estava a passar. Mas não sabia quanto tempo mais é que April ia viver.

Brian e a mãe fitavam-na. Após algum tempo, Carol perguntou trémula, “Mas o que é que o Brian... O que tem o meu filho a ver com isso?”

Riley engoliu com dificuldade e tentou falar com um a voz firme.

“Brian, tu e a April apanharam boleia para a minha casa no outro dia. Penso que o homem que vos deu boleia levou a April.”

“Oh meu Deus,” Disse o rapaz.

“Tens que me dizer tudo o que te lembrares sobre aquele dia. Que carro era?”

Brian tentou lembrar-se.

“Penso que era um Ford. Sim, um Focus, já para o velho. Talvez de 2010.”

“De que cor?”

“Cinzento. Estava muito usado. Tinha uma grande amolgadela na porta do passageiro.”

Riley conseguiu respirar mais facilmente ao apontar a informação que Brian lhe transmitia. O que quer que pensasse do rapaz, uma coisa era óbvia: ele queria ajudar. Mas a pergunta mais importante vinha a seguir. Pegou no seu telemóvel e procurou a foto de Peterson. Olhou para ela sem a mostrar a Brian.

“Qual era o aspeto do homem?” Perguntou.

“Era um homem grande. Não gordo, mas alto e... largo, parece-me.”

Riley sentiu-se ainda animada. Apesar de não ter conseguido ver Peterson com nitidez durante o seu cativeiro, lembrava-se de ele ter uma presença imponente. A foto indicava que ele tinha mais de 1,82 m.

“Isso é bom,” Disse Riley. “Continua.”

“Tinha um cabelo meio despenteado,” Continuou Brian. “E tinha uma pera no queixo. Mas não parecia que se tinha esquecido de barbear. Era assim mais uma coisa da moda.”

Riley comparou a descrição que Brian fizera à foto. Nela, Peterson tinha cabelo curto e estava barbeado. Recordava-o sem pera. Riley tinha razão ao pensar que Peterson tinha mudado o seu aspeto.

O rapaz esforçava-se para se lembrar de mais pormenores.

“E a forma do rosto?” Perguntou Riley.

“Ah, sim, lembro-me que tinha um queixo grande e quadrado.”

Riley recordava-se do queixo proeminente do homem, como sobressaía na luz proveniente do maçarico de gás propano. O mesmo queixo era visível na foto que tinha no telemóvel.

Pensou fugazmente em mostrar a foto a Brian para confirmar se reconhecia o homem. Mas rapidamente desistiu da ideia. Já não tinha a mínima dúvida de que o condutor era Peterson. Mas também sabia que ainda tinha que convencer os colegas na UAC. Para conseguir isso, seria melhor se Brian descrevesse o condutor de memória. Não podia parecer que Riley o tinha influenciado.

Riley voltou-se para a mãe do rapaz.

“Carol, preciso que você e o Brian venham comigo à esquadra de polícia,” Disse.

Os lábios da mulher tremiam e a voz estava trémula.

“É preciso ligar a um advogado?” Perguntou.

“Não é nada disso,” Disse Riley. “O Brian não está metido em nenhum sarilho. Apenas preciso que ele faça uma descrição a um retratista. Ele é um excelente observador e será muito útil.”

Carol pareceu aliviada.

“Então vamos,” Disse. “Ficamos contentes por ajudar naquilo que pudermos.”

Riley estava grata pela sua vontade em ajudar. Iria deixá-los entregues a um retratista da polícia.

Depois teria que ir à UAC e obter aquilo de que precisava para apanhar o Peterson e matá-lo.


CAPÍTULO 17


A Unidade de Análise Comportamental do FBI fervilhava de atividade com agentes a tentar localizar April. Agora todos sabiam que Riley sempre tivera razão. Peterson ainda estava vivo e continuava a constituir uma ameaça. O panfleto tinha eliminado qualquer réstia de ceticismo e alguns dos agentes pareciam até envergonhados como Riley julgava que deveriam estar.

A foto de Peterson e o esboço feito a partir da descrição de Brian encontravam-se lado a lado no panfleto. Ambas mostravam um homem de aspeto normal que não se destacaria da multidão, não fosse pela sua envergadura e queixo proeminente. A semelhança entre o esboço e a foto era inegável.

Riley desejava sentir-se vingada. Mas em vez disso, sentia-se absolutamente miserável.

Meredith entrou no seu gabinete, denotando sincera preocupação.

“Como se está a aguentar?” Perguntou a Riley.

Riley engoliu em seco. Não podia chorar. Tinha que se controlar.

“Sinto-me tão culpada,” Disse. “Faz sentido?”

“Não,” Respondeu Meredith. “Mas também nada faz sentido numa altura destas.”

Riley concordou. Meredith tinha toda a razão. Ela devia sabê-lo melhor do que ninguém. Mas depois de todos os anos passados como agente no terreno, nunca se encontrara naquela posição. Fora ameaçada, mas apenas observara aquele tipo de terror do exterior. Estas emoções eram completamente novas para ela.

“Tem novidades?” Perguntou Riley.

Meredith suspirou. “Nada de especial,” Disse. “Temos polícias a baterem a todas as portas do bairro do seu ex-marido com o panfleto. Até agora, ninguém reconheceu o Peterson.”

“E o carro?” Perguntou Riley.

“A polícia de Fredericksburg localizou o carro que o miúdo descreveu. O Peterson tinha-o roubado. Foi encontrado abandonado não muito tempo depois de dar boleia aos miúdos. Um vizinho do outro lado da rua disse que tinha reparado num Cadillac preto estacionado na entrada da casa do seu ex-marido. Provavelmente também foi roubado e estamos a tentar saber mais sobre este novo dado. Mas o vizinho não viu mais nada de relevante.”

O coração de Riley estava suspenso de cada palavra proferida por Meredith, mas não ouviu muito que a pudesse animar.

Meredith olhou para Riley por um momento e depois disse, “Não há nada que possa fazer aqui agora. Receio não conseguir convencê-la a ir para casa descansar.”

Riley abanou a cabeça.

“Ainda é cedo,” Disse.

Para além disso, sabia que não ia conseguir dormir até a April ser encontrada. E a UAC também não dormiria até o conseguir.

“Ok,” Disse Meredith. “Quando soubermos mais alguma coisa, informo-a.”

E saiu do gabinete de Riley. Riley olhou novamente para o panfleto. Lembrou-se da escolha de palavras de Meredith. Ele tinha dito “Quando soubermos mais alguma coisa.” Não tinha dito se. Riley tentou confortar-se com isso. É claro que ela sabia que Meredith tinha escolhido as palavras cuidadosamente. Será que ele tinha esperança de que a April fosse encontrada viva?

E foi então que ouviu uma voz familiar vinda da porta do seu gabinete.

“Riley.”

Virou-se e viu Bill.

“Já soube o que se passou,” Disse Bill.

Os olhos plenos de preocupação de Bill não mostravam qualquer resquício de fúria ou ressentimento. Fosse o que fosse que tivesse ocorrido de menos positivo entre eles recentemente, Riley sabia que desaparecera por completo perante a tragédia que viviam naquele momento.

Riley fez uma última tentativa para controlar as suas emoções. Mas foi então que lhe ocorreu que já não precisava de o fazer. O seu amigo estava de volta – um amigo que a compreendia melhor do que qualquer outra pessoa no mundo.

As lágrimas iromperam abundantemente e Riley lançou-se nos braços de Bill.

“Bill, estás aqui, estás aqui.”

Soluçava descontroladamente enquanto Bill a embalava suavemente nos braços.


*


Bill conduzia o SUV. No banco do passageiro a seu lado, Riley carregava no colo uma shotgun Remington. Tinha solicitado a arma na UAC antes de partirem para D.C.

“Lembra-te que isso é uma arma SWAT,” Disse Bill. “O mais certo é entrevistarmos civis durante algum tempo.”

“Vou deixá-la no SUV por agora,” Respondeu Riley.

Bill sabia que tinha feito bem em ir ter com ela. A sua melhor amiga estava emocionalmente abalada e a precisar da sua presença. Abandonar a parceria que os unia num momento tão difícil, teria sido errado. Ele estava consciente que partir naquela noite podia significar o fim do seu frágil casamento, mas não podia deixar Riley partir sem ele.

Ela era brilhante, mas também podia ser imprudente. Estivera tão próxima de ser morta quando atacara sozinha no seu último caso e ele não podia permitir que isso voltasse a acontecer.

“Fala comigo,” Disse Bill. “Sobre o Peterson. Descobriste mais alguma coisa desde que o apanhámos?”

“Ele está a mudar Bill,” Disse Riley.

“Como?”

“É difícil explicar com exatidão.”

Após um breve silêncio, Bill falou novamente. “Riley, detesto ter que te pedir para te lembrares. Mas pensa nas coisas que ele te disse quando te capturou. Alguma coisa relevante de que te recordes?”

“Ele disse-me uma vez, ‘Não fazes o meu género,’” Recordou-se Riley.

“Hmm, ok, não fazias o género dele,” Disse Bill. “Disse mais alguma coisa?”

“Sim, disse qualquer coisa do tipo, ‘Mas gosto de ti de qualquer das formas. Estás a abrir os meus horizontes.’”

“O que achas que ele queria dizer com isso?”

“Há tanta coisa que não sabemos a respeito dele,” Disse Riley. “Ninguém sabe ao certo quantas mulheres ele torturou e matou. As únicas de que temos conhecimento são as últimas encontradas em campas rasas. O mais provável é haver mais que ninguém descobriu.”

“Certo,” Disse Bill. “E as mulheres que encontrámos eram obviamente ricas. A primeira era casada com um psiquiatra. A segunda com um editor de jornal. A terceira era casada com um investidor do ramo imobiliário. A quarta com um tubarão de uma grande empresa. Por último, a Marie, uma advogada de Georgetown. É óbvio que isto começou como uma coisa de classe. Possivelmente vem de uma família pobre e ressentia-se disso. Tinha sobretudo ressentimentos contra mulheres endinheiradas.”

Riley concordou. “Fazia-o sentir-se fragilizado,” Disse. “Então lançou-se numa cruzada de vingança, escolhendo mulheres que representavam tudo aquilo que ele odiava. Também eram mulheres que não estavam ao alcance de um homem da sua condição social. Talvez a sua primeira vítima fosse uma mulher rica que tivesse rejeitado os seus avanços românticos. Talvez tivesse fantasiado que era um revolucionário por conta própria. A sua raiva tinha uma componente sexual, apesar da violação nunca ter feito parte do seu MO.”

“Estás a fazer uma abordagem completamente nova,” Disse Bill. “Continua.”

“E tornou-se muito bom naquilo que fazia,” Continuou Riley. “A julgar pelas fotos que temos dele, ele será o tipo de sujeito que se mistura em qualquer lugar. E o último carro que roubou é um Cadillac. Com as roupas e adereços certos, conseguirá fazer-se passar por rico. Pode ter convivido com as mulheres, até andado ou dormido com algumas delas. O que interessava era aquilo que elas representavam – o tipo de riqueza e privilégio pelo qual se sentia enganado.”

Bill emitiu o habitual som de quando algo lhe ocorria.

“Riley, é isso,” Disse. “Tu não fazes o género dele – não és uma profissional rica, nem uma dona de casa casada com alguém rico, não és o tipo de troféu que ele procurara até então. Mas mesmo assim gostava de ti. E isso apanhou-o de surpresa. Ele percebeu que aquela coisa da classe já não lhe interessava. Ele não era um cavaleiro solitário a lutar em prol dos oprimidos. Ele fazia o que fazia por puro sadismo – pela alegria de infligir dor e terror.”

“É isso mesmo, Bill,” Disse Riley. “Ele não é um assassino em série normal. Ele pode mudar. É adaptável. Por isso tem sido tão difícil apanhá-lo.”

“Esperemos que isso esteja prestes a mudar,” Sentenciou Bill.

Naquele preciso momento, chegaram ao seu destino – um bloco de casas arruinadas. Estava escuro no decrépito bairro e ainda mais porque a iluminação pública tinha luzes desligadas. Tudo o que restava da casa onde Peterson detivera Riley era um terreno vazio. A explosão tinha destruído a casa que Peterson ocupara. As duas casas vazias dos lados tinham sido de tal forma danificadas que haviam sido de imediato demolidas.

Bill parou o SUV e estacionou. Disse, “Queres chamar a polícia de D.C.? Podem cobrir mais terreno, fazendo perguntas às pessoas.”

“Não,” Respondeu Riley. “Se a busca se tornar tão óbvia, ele vai assustar-se e desaparece. Vamos fazer isto sozinhos durante algum tempo. Temos duas chaves de carro por isso podemos separar-nos. Tu vais para leste e eu para oeste.”

“Ok,” Concordou Bill. “Mas ligas-me se alguma coisa acontecer, qualquer coisa.”

Observou Riley a dirigir-se para o terreno vazio onde tinha estado refém de Peterson. Bill sabia que Riley tinha que defrontar os seus demónios ali.

Bill dirigiu-se para o fundo da rua, determinado em encontrar alguma pista, alguma resposta que indicasse onde é que Peterson tinha a filha de Riley. E Bill sabia que se encontrasse o homem primeiro, ele próprio mataria o monstro.


CAPÍTULO 18


Riley viu Bill a afastar-se. Voltou-se para o SUV, sentindo-se relutante em deixar a Remington ali. Mas carregar uma shotgun consigo àquela hora da noite, atrairia o tipo de atenção que não desejava. Naquele momento, o plano era procurar, não destruir.

Pelo menos não para já, Pensou Riley.

Agora era o momento de recuar a um ponto negro da sua memória, um lugar em que percebera o quão pouco sabia a respeito de Peterson.

Caminhou pelo terreno vazio. Tinha ali regressado apenas uma vez desde o seu cativeiro e fuga. E fora em plena luz do dia. Mas estava certa na altura de que descobrira o lugar que procurava. Agora seguia os mesmos passos que seguira nesse dia. Passado pouco tempo o seu instinto indicou-lhe que estava lá, em cima do exato local.

Inspirou pesadamente o ar da noite. Sim, era ali. Não havia a mais ligeira dúvida. Debaixo dos seus pés estava o local onde encontrara Marie num espaço escuro e sombrio. Ali fora capturada no momento em que libertava Marie. Ali sofrera dias de dor, tortura e humilhação.

Um sentimento de raiva apoderou-se dela. Parecia vir do chão e propagar-se pelos dedos e pés, subindo pelos tornozelos e pernas até ao abdómen e braços com o peito e cabeça prestes a rebentar. Por um momento, a casa parecia ter assumido uma presença real à sua volta.

Se ao menos ainda aqui estivesse, Pensou. Se ao menos ele estivesse aqui.

Com que prazer faria o que fizera então – espancá-lo até ficar inconsciente, abrir os tanques de gás propano, atirar um fósforo lá para dentro e ver a casa a arder e explodir.

Se ao menos pudesse ser a sua vida a estar em jogo e não a de April.

Ao virar-se na direção da rua, viu um vagabundo que parecia estar familiarizado com aquela parte da cidade. Abordou o homem e mostrou-lhe o panfleto.

“Viu este homem?” Perguntou.

O vagabundo respondeu sem hesitar.

“Sim, vi-o muitas vezes. É o tipo destas fotos – um tipo alto com um queixo grande. Vem cá quase todos os dias. Ainda esta manhã cá esteve. Eu estava ali sentado do outro lado da rua. Caminhava por aqui como sempre faz, parou no passeio mais ou menos no local onde você está, a olhar para o terreno. E depois foi para onde a senhora estava. Faz sempre isso. Fica ali a olhar para o chão, como você fez. Também diz qualquer coisa, mas nunca estou suficientemente perto para ouvir.”

Riley mal conseguia conter a excitação.

“Ele vem cá de carro?” Perguntou Riley.

O vagabundo coçou a cabeça. “Não que eu saiba.” Apontou para oeste. “Hoje seguiu naquela direção. Fico sempre a vê-lo ir embora porque me parece estranho. Vira sempre numa das ruas laterais. Talvez tenha um carro estacionado por perto ou talvez não. Não sei.”

“Obrigado, muito obrigado,” Agradeceu Riley. Colocou uma mão na sua mala para agarrar na carteira. Não era um procedimento muito profissional dar dinheiro a uma testemunha útil, mas ela não conseguia evitar. Deu ao homem uma nota de vinte dólares.

“Muito obrigado,” Disse o vagabundo. E afastou-se do local com o seu carrinho de compras.

Era tudo o que Riley podia fazer para evitar hiperventilar. Respirou fundo. Ele estivera mesmo ali. Talvez estivesse próximo agora. Talvez até vivesse por perto. Talvez estivesse próxima de encontrar April.


*


Após várias horas a caminhar sem parar, Riley ainda não encontrara nada. Absolutamente nada. Tinha calcorreado todas as ruas até Georgetown, abordando todas as pessoas que encontrava. Algumas pessoas reconheciam o homem do panfleto e duas até disseram que o tinham visto recentemente a conduzir um Cadillac. Mas ninguém com quem falara sabia onde ele estava.

Esperava que Bill se estivesse a sair melhor onde quer que estivesse naquele momento, mas duvidava.

O Peterson levou a melhor sobre mim, Pensou em desespero, virando-se para regressar ao SUV. Estou a fazer tudo mal.

Tornando tudo ainda mais difícil, começou a cair uma chuva miudinha. Dali a poucos segundos, transformou-se numa chuva persistente. Estava ensopada até aos ossos muito antes de chegar ao SUV. Ficara aliviada por ver que um bar mais à frente ainda estava aberto. Entrou e sentou-se ao balcão.

Enquanto o empregado do bar estava ocupado a atender outro cliente, Riley pensou no que ia pedir. Álcool estava fora de questão. Parara de beber desde que fizera aquela chamada ao Bill que quase destruira a sua relação. Aquele não era o momento para recomeçar.

Ou era?

Os olhos de Riley percorreram as filas de garrafas alinhadas contra o espelho no bar. O seu olhar pousou nas garrafas de bourbon. Era tão, mas tão fácil imaginar o sentimento reconfortante de uma golada áspera e quente a escorrer-lhe pela garganta abaixo. Também era fácil imaginar beber um, outro e mais outro...

E porque não, afinal de contas? Fizera tudo o que estava ao seu alcance. A situação era desesperante, pelo menos naquele preciso momento. Um pouco de whiskey era exatamente aquilo de que ela precisava para relaxar, de dar algum alívio aos seus nervos abalados.

O empregado do bar colocou-se à sua frente.

“O que vai beber?” Perguntou.

Riley não respondeu.

“Última hipótese daqui a cinco minutos,” Disse o empregado.

Riley pensou naquilo. Dali a cinco minutos podia estar a beber muito whiskey. Ainda assim, ela resistia. A April estava não sabia onde, nas garras de um monstro. O que é que ela pensava que estava a fazer sequer a pensar em tomar uma bebida?

Um homem alto de aspeto rude inclinou-se no bar ao lado de Riley. Estava demasiado perto para o seu gosto.

“Então, senhorita,” Disse. “O que vai querer? Eu pago.”

A última coisa de que precisava naquele momento era de um idiota a atirar-se a ela.

“Eu não bebo,” Disse num tom de voz duro.

Sentiu-se aliviada com o som das suas próprias palavras. Estava dito e Riley sentia-se bem com a sua decisão.

O homem riu. “Não diga que não gosta antes de experimentar,” Disse.

Riley sorriu afetadamente. Quem é que aquele tipo pensava que ela era? Será que pensava que ela nunca tinha bebido na vida? Talvez à fraca luz do lugar ele não conseguisse ver-lhe o rosto cansado. Ou talvez estivesse demasiado bêbedo para ver como devia de ser.

“Dê-me uma soda,” Pediu Riley.

O empregado do bar encolheu os ombros na direção do homem. “A senhora quer uma soda,” Disse. Abriu o frigorífico de aço inoxidável, tirou uma garrafa e abriu-a.

“Faz como entenderes, puta,” Disse o homem.

Uma fúria cresceu dentro de Riley.

“O que é que disse?” Perguntou.

Mas o homem já se afastava dela em direção à porta. Chamou um amigo que estava sozinho numa mesa.

“Bora Red. Vão fechar.”

O amigo levantou-se e os dois homens saíram do bar.

A tentar combater a sua raiva, Riley pagou a soda. Bebeu-a de um gole diretamente da garrafa. Deixou uns trocos de gorjeta.

“Obrigado,” Disse ao empregado. O bar estava vazio e ela fora a última a sair. Quando saiu porta fora, ficou aliviada por ver que a chuva tinha parado. Mas a noite ainda estava escura e sombria, e devia voltar a chover em breve.

Quando a porta do bar se fechou atrás dela, sentiu uma mão forte a prender-lhe o braço e ouviu uma áspera voz familiar.

“Olá, senhorita.”

Riley voltou-se para encarar o homem lascivo. Sentiu a raiva a borbulhar dentro de si.

“Peço desculpa pelo pequeno arrufo que tivemos lá dentro,” Disse o homem. “Que dizes se nos beijarmos e fizermos as pazes? Depois logo se vê o que acontece.”

Riley recuou, mas outro braço envolveu-lhe o pescoço por trás. O amigo do homem também lá estava à espera.

“Não faças barulho e pode ser que não te magoes demasiado,” Disse o homem atrás dela.

Todo o corpo de Riley se retesou de pura fúria. Era uma fúria irracional – fúria contra assassinos, raptores e tipos como aqueles que pensavam que podiam fazer o que quisessem.

Bateu com o cotovelo no plexo solar do homem atrás dela e o joelho foi diretamente contra os testículos do outro. Ambos os homens se contorceram com dores. Sacou da sua Glock e acenou-a. Mas não os queria matar. Só queria espancá-los até ficarem inertes numa poça de sangue, tal como fizera ao Peterson quando escapara das suas garras.

Deslizou a pistola no rosto do homem que primeiro a tinha abordado. Depois deu meia-volta e deu um murro na cara do outro homem. Ela sentiu e ouviu a cana do nariz do homem partir-se.

Depois disso, tudo surgiu de forma natural, uma profundamente satisfatória sequência de pontapés e socos. Quando parou, ambos os homens estavam caídos no passeio, gemendo de dor.

Riley, incapaz de parar o seu fluxo de raiva, o seu desejo de vingança, inclinou-se e encostou a sua Glock à cabeça do primeiro homem. Retirou a patilha de segurança com um clique.

O homem olhou para cima com os olhos dilatados de terror e, de repente, urinou nas calças.

“Por favor,” Lamuriou-se. “Não me mate.”

Era patético.

Riley sabia que era ilegal o que estava a fazer, apontar uma arma a um civil desarmado; ela sabia que era imoral também, apesar do que ele tinha feito. Estava a ir longe demais.

No entanto, não conseguia parar. E ajoelhou-se, sentiu a mão a tremer de raiva e por um momento, pensou que o iria matar. Tentou impedir-se, mas travava-se dentro dela uma batalha épica. Havia demasiados demónios e poucas saídas.

Por fim, Riley colocou a Glock no coldre, sentindo a sua fúria desvanecer. Devia prender aqueles tipos? Não, demoraria demasiado tempo e tinha coisas mais importantes a fazer.

“Se volto a ver a vossa cara,” Murmurou. “Mato-vos.”

Ali ficou de pé e os homens desataram a fugir horrorizados, não olhando nunca para trás.


CAPÍTULO 19


Riley estava outra vez aninhada no escuro. Conseguia sentir o odor a mofo do lugar, sentir a terra debaixo dela. Mas desta vez estava pronta. Agarrava com força na Remington. Estava carregada e pronta a disparar.

“Mostra-te, seu filho da puta,” Rosnou Riley.

Estava tão escuro que não conseguia ver nada, nem mesmo a sua arma. Mas no momento em que viu a luz daquela chama, só o queria matar.

Foi então ouviu aquela risadinha familiar.

“Achas que te vou facilitar a vida?”

De imediato apontou a arma na direção da voz, mas de repente o som surgiu de uma outra direção.

“Não é fácil ver-me sem o meu maçarico, não é?”

Ela apontou a arma para essa nova direção mas agora a voz vinha diretamente detrás dela.

“Desiste,” Disse Peterson. “Estou a ficar cada vez melhor nisto.”

Agora a voz estava à direita dela.

“E estou a divertir-me imenso.”

Agora ouviu-a à esquerda.

“Nunca vais chegar a ela a tempo.”

Ergueu a arma e disparou.


Riley acordou ao som da voz de Bill.

“Toma alguma coisa para comeres.”

Riley abriu os olhos, ainda a estremecer do pesadelo. Estava deitada no banco de trás do SUV. Bill estava sentado com um saco de papel e dois copos de café fumegante nas mãos.

Riley lembrava-se – a longa e fútil procura, fazer perguntas que não levavam a lado nenhum e a luta à saída do bar. Tinha voltado para o SUV para se deitar. Só queria dormir um pouco.

“Que horas são?” Perguntou.

“Quatro,” Respondeu Bill.

Riley sentou-se e viu que agora o SUV estava parado num pequeno parque de estacionamento.

“Porque é que me deixaste dormir?”

Bill vasculhou o conteúdo do saco.

“Já não havia ninguém com quem falar – pelo menos ninguém sóbrio. De qualquer das formas, parecia que tinhas tido ação suficiente para uma noite. Eu também dormi um pouco. Quando acordei, vim até esta loja de conveniência em que estive a noite passada. Está sempre aberta.”

Bill entregou-lhe um copo de café e uma sanduíche.

“Obrigado,” Disse Riley, grata por Bill não lhe fazer perguntas. Não queria falar sobre a sua tentação de beber, nem sobre como pulverizara aqueles dois tipos. Desembrulhou a sanduíche. Era de ovo e salsicha. Riley trincou-a com sofreguidão, estava esfomeada.

“Tenho boas notícias,” Disse Bill. “O tipo da caixa no restaurante mudou desde que lá estive pela primeira vez. O novo tipo disse-me que tinha visto o Peterson. Pensa que ele trabalha numa mercearia de bairro aqui perto.”

Riley bebeu um último gole de café.

“De que é que estamos à espera?”

Riley entrou na loja para ir à casa de banho. Quando saiu, ela e Bill caminharam alguns quarteirões até chegarem à pequena mercearia. Parecia um negócio familiar. Havia luzes no interior, mas Riley ficou desiludida ao perceber que a loja só abria às nove. Depois olhou pelo painel de vidro fosco da porta e detetou movimento lá dentro. Alguém se inclinava sobre uma caixa e tirava coisas lá de dentro.

Riley bateu à porta com força. Uma mulher pequena de tez morena levantou-se e olhou para ela, depois continuou a colocar a mercadoria na prateleira. Devia ser a proprietária a encher as prateleiras antes de abrir. Riley bateu novamente à porta, segurando o distintivo contra a janela. A mulher acorreu à porta e olhou para a identificação.

“FBI,” Gritou Riley. “Abra a porta.”

A mulher destrancou a porta, olhou para Bill e Riley e finalmente deixou-os entrar.

“Sou a Agente Especial Riley Paige e este é o meu parceiro, o Agente Especial Bill Jeffreys. Estamos à procura de um suspeito de homicídio.”

Bill mostrou-lhe o panfleto.

“Viu este homem?” Perguntou.

“Parece...” Principiou por dizer, olhando para as fotos. Encarou Riley. “Parece-me um homem que trabalhou aqui até há umas semanas atrás. Mas porque é que estão à procura dele?”

Riley disse, “É procurado por rapto e homicídio.”

A mulher parecia chocada. “Sempre foi muito agradável por aqui,” Disse, sorrindo como se se estivesse a lembrar de alguma coisa. “Conseguia ser muito encantador.”

Bill advertiu-a, “Este homem é muito perigoso. Não o deixe aproximar-se de si nunca mais.”

A mulher ficou mais séria. Apontou na direção da foto. “Mas este não era o seu nome. Era Bruce. Deixe-me ver...”

Levou Bill e Riley até ao balcão e consultou o computador à procura de informação. “Sim, Bruce Staunton.”

A mulher olhou para Riley e Bill ansiosamente.

“Dizem que é suspeito de homicídio?”

“Temo bem que sim,” Disse Riley. “Precisamos que nos diga qualquer coisa que nos permita encontrá-lo. Tem a morada dele?”

A mulher procurou novamente no computador.

“Sim, mas está desatualizada. Vivia aqui perto. Dissera que se acabara de mudar e queria trabalhar mais perto de casa. Foi por isso que se despediu.”

Riley reprimiu um grunhido de desilusão.

“Não deixou qualquer morada de encaminhamento? Perguntou Riley.

“Ou onde estaria a trabalhar?” Perguntou Bill.

“Não, mas disse que ia para Nordeste. Disse que planeava ficar mais próximo do rio.”

Riley sabia que Washington D.C. estava dividida em quatro quadrantes geográficos. Eles estavam agora a Noroeste, por isso o distrito Nordeste de que a mulher estava a falar devia ser logo a este dali. Mas era uma área grande.

“Que rio?” Perguntou Bill.

“O Anacostia. Nunca lá estive, mas sei que é nesse distrito.”

A mulher mostrou um mapa no computador.

“Vejam,” Disse, apontando para onde suspeitava que ficasse. “Pelo que ele disse, era para onde iria. Algures por aqui, no Nordeste e do outro lado do rio.”

Riley agradeceu à mulher que destrancou a porta e os deixou sair.

“Posso estar enganada,” Disse a mulher. “Pode não ser o homem da foto.”

“É ele mesmo,” Disse Bill. “Não o deixe entrar se voltar. Chame a polícia.”

Ela assentiu e fechou a porta.

Riley já regressava para o local onde tinham estacionado o carro. Bill apanhou-a e disse. “Vou passar esse nome, pode ser que surja algo.”

Quando chegaram ao SUV, Riley sentou-se no lugar do condutor enquanto Bill começou a ligar para a UAC. Passados alguns momentos, Bill olhou para Riley com uma expressão de surpresa.

“Um homem chamado Bruce Staunton alterou recentemente a morada,” Disse Bill.

“Onde é a nova?”

Alguns segundos depois Bill disse, “É na área que a mulher da mercearia referiu.”

“Então vamos.” Riley ligou o carro.

“Não tão depressa,” Disse Bill. “Há qualquer coisa de errado. Isto foi demasiado fácil. O Peterson é esperto. Ele sabia que íamos fazer perguntas sobre ele. E mesmo assim, disse à patroa que se ia mudar e até se deu ao trabalho de alterar a morada para o encontrarmos? O que depreendes disto?”

Riley não respondeu. Fez marcha atrás no SUV e saiu do lugar de estacionamento. Depois ficou virada para a rua.

“Tu dizes para onde, eu conduzo.”

Bill tinha razão e ela sabia. O Peterson tinha dado a informação à mulher por uma de duas razões. Ou a queria afastar ou a queria atrair a uma armadilha.

Riley esperava que a estivesse a atrair para uma armadilha. Estaria mais do que preparada para tratar dele.


CAPÍTULO 20


“Vire à esquerda daqui a quinze metros,” Dizia a voz de mulher do GPS.

Quando Bill ligou as luzes, Riley sentiu-se estranhamente confortada pela voz. A ideia de que alguém sabia para onde iam, aliviou-a um pouco do medo e pavor que dela se apoderavam.

Tentara descobrir o caminho com um mapa antes de se fazerem à estrada. Normalmente tinha jeito para decifrar mapas, mas a sua cabeça estava demasiado carregada de imagens terríveis de April em cativeiro e de Peterson a atormentá-la com o seu maçarico de gás propano. Não conseguia pensar com clareza, não conseguia delinear um trajeto viável. Bill tinha insistido em usar o GPS e agora aquela voz amigável estava a tratar de tudo.

Logo depois de virarem, o SUV atravessou uma ponte sobre o rio. Agora já estavam no nordeste.

“Estamos perto,” Disse Bill.

Mas perto do quê? Perguntou-se Riley.

Ainda estava muito escuro no exterior e a chuva caía agora pesada e firmemente. Não fazia ideia de como April estava, mas sabia que salvá-la não ia ser fácil. Pensou mais uma vez se ela e Bill não deviam chamar uma equipa SWAT. Ainda não sabiam se a morada que tinham obtido do suposto Bruce Staunton estava correta. Além disso, se estivesse, o melhor era não terem um pequeno exército a tumultuar o local. Podia ser o fim de April.

Se ainda não estivesse morta.

O mero pensamento era insuportável. Riley tinha que o afastar da sua cabeça. Não podia ser verdade. Ela não deixaria que fosse.

“Vire à direita. Chegou ao seu destino.”

“Raios,” Murmurou Bill.

Riley partilhava a sua desilusão. Não era uma casa, só uma loja de conveniência aberta toda a noite. A brilhante luz que irradiava do interior contrastava com a escuridão chuvosa do exterior. Bill estacionou o SUV e ambos saíram do veículo de guarda-chuvas abertos.

“Penso que não é um falhanço total,” Disse Riley. “Não é provável que nos tenha dado uma morada aleatória se não tivesse permanecido na área. Ele não está aqui, tenho a certeza. Mas acredito que já esteve. E penso que está na região. Ele gosta de gozar com as pessoas. Ele gosta de nos dar a entender que não tem medo de nós e que é mais inteligente que nós. Apesar de ter dado a morada, não é aqui que vive, mas perto daqui.”

Bill suspirou.

“Pelo menos está aberto,” Disse Bill. “Vamos entrar e fazer algumas perguntas.”

“Entra tu primeiro,” Disse Riley. “Quero dar uma olhadela aqui fora.”

“Ok,” Anuiu Bill. E entrou na loja.

Riley permaneceu no parque de estacionamento analisando a área. Viu que estavam num bairro de famílias de classe média com pequenas casas coladas umas às outras. Do outro lado da rua, o quarteirão era exclusivamente composto por casas em fila. Algumas casas estavam iluminadas àquela hora. Riley imaginou que quem trabalhava se preparava para ir para o trabalho.

Onde e como é que Peterson mantinha April numa área tão densamente habitada? Um bairro onde provavelmente todos se conheciam?

Isto não me soa bem, Pensou.

Ainda assim, os seus mais profundos instintos diziam-lhe que Peterson não os tinha enganado ao levá-los até ali – não completamente. Talvez fosse apenas um pensamento ilusório, mas Riley tinha a certeza de que Peterson tinha montado uma armadilha para ela e que ela se estava a aproximar cada vez mais de encontrar o seu covil. No final de contas, ele desejava confrontá-la.

Bill saiu da loja, a patinhar em poças de água ao caminhar na direção de Riley.

“O tipo da loja acha que reconhece a cara,” Disse. “Ele pensa que o viu num estaleiro de obras junto ao rio.”

Riley sentiu-se esperançada.

“Vamos até lá.”

Voltaram para o SUV.

“O tipo diz que esta rua leva-nos lá,” Acrescentou Bill.

À medida que avançavam, Riley ficou mais alerta. Aquela área parecia menos habitada e mais promissora. Devia ser fácil avistar uma casa abandonada – um lugar isolado onde ninguém pudesse ouvir os gritos de socorro desesperados de uma mulher.

Quando alcançaram a vedação que circundava o estaleiro, Riley disse, “Pára aqui.”

Bill parou o carro e saíram, abrindo os guarda-chuvas. Um grande sinal na vedação indicava a construção de um novo complexo de apartamentos. Apenas se vislumbravam algumas casas desabitadas por perto. A área lembrava a Riley o terreno onde ela própria estivera presa. Sentiu o coração acelerar.

“Penso que estamos perto,” Disse a Bill. “Isto aqui é muito mais isolado.”

Bill assentiu. “Não sei Riley. Parece assim à noite, mas olha para todo este equipamento. De dia estes terrenos devem estar repletos de trabalhadores de construção. Consegues ver algum lugar onde o Peterson possa estar escondido?”

Riley olhou em seu redor. Aquela parte do local estava iluminada, mas não conseguia ver ninguém por ali.

“Tem que haver um guarda-noturno algures por aqui,” Disse Bill. “Talvez nos possa ajudar.” Declarou. “Vamos dar a volta, pode ser que o encontremos do outro lado.”

Naquele exato momento, Riley ouviu algo semelhante a vozes de crianças. Era um som assustador àquela hora, no escuro e à chuva. Virou-se e viu um grupo de miúdos debaixo de um toldo no estaleiro.

“Vai lá,” Disse Riley a Bill. “Eu vou falar com estes miúdos.”

Bill afastou-se e Riley abordou o grupo de adolescentes. Eram sete, um grupo bem variado composto por negros e brancos, rapazes e raparigas. Tentavam parecer-se com gangsters e patifes na forma como se vestiam e como fumavam cigarros. Também detetou o cheiro a erva.

Riley retirou o panfleto com as fotos de Peterson da mala. Mostrou-o aos miúdos quando se aproximou.

“Algum de vocês já viu este homem?” Perguntou.

Um dos miúdos pavoneou-se na sua direção. Parecia ser o mais velho e parecia considerar-se o líder do grupo. Riley reparou que fez um sinal silencioso ao miúdo maior que começou a andar à sua volta. Riley sabia que tinha que estar atenta àquele matulão.

“E quem és tu, uma mulher polícia?” Perguntou o miúdo mais velho.

Riley mostrou o distintivo.

“Bem me parecia,” Disse o rapaz com uma careta. “O que te faz pensar que vamos falar com uma chui?”

“Uma rapariga inocente desapareceu,” Disse Riley. “Está presa próxima daqui por um psicopata. Provavelmente está a ser torturada. Vai ser morta em breve se não a encontrarmos.”

Aproximou a foto do miúdo que a abordara.

“Viste-o?” Perguntou Riley.

O rapaz escarneceu outra vez. “Se tivesse, porque é que havia de te dizer?”

“O melhor é não falares com ela dessa maneira, Mayshon,” Disse uma rapariga negra mais nova. “Provavelmente não está sozinha.”

O rapaz riu acidamente.

“E depois?” Disse. “Não fizemos nada de errado.”

Riley reparou que o rapaz fez um ligeiro aceno com a cabeça e soube de imediato que era um sinal para o rapaz maior que estava atrás dela.

Riley girou e apanhou o rapaz maior pelo pulso no exato momento em que erguia uma faca na sua direção. Agarrou-lhe no braço e torceu-o com força enquanto o puxava para trás das costas. Sabia que o podia partir facilmente.

E contudo, apesar do quanto ele a poderia ter magoado, ela não o queria magoar. Ele era grande e forte, mas ainda era um miúdo.

Ele largou a faca e gemeu de agonia, contorcendo-se, incapaz de se libertar.

Os outros miúdos ficaram especados de olhos muito abertos, a observar a cena em pânico e surpreendidos.

“Eu não ia fazer nada!” Gritou o miúdo grande. “Não me parta o braço!”

Riley estava em brasa. Só pensava no que aquele miúdo podia ter feito a outra pessoa que não tivesse os atributos dela.

“Podia prender-te por isso,” Disse-lhe Riley ao ouvido. “Por muito, muito tempo.”

O miúdo gemeu enquanto os outros dispersavam. Alguns limitaram-se a fugir.

“Peço desculpa, senhora!” Gemeu. “Nunca mais volto a fazer o mesmo.”

Riley finalmente suspirou e libertou-o. Tinha que lembrar-se a si própria de que este não era o inimigo que ela perseguia – e que em algumas ocasiões, a misericórdia era a maior dádiva que se podia conceder a alguém. Tinha que a conceder enquanto podia porque não sabia se lhe restaria alguma para o homem que tinha raptado a filha.

Quando libertou o rapaz, ele correu e fugiu, e Riley baixou-se e apanhou a faca. Riley olhou para o líder, o único que tinha restado e que parecia demasiado assustado para fugir.

“Desaparece da minha vista,” Rosnou Riley.

O rapaz finalmente fugiu.

Quando Riley viu que se tinham ido embora, guardou a faca. Ouviu um ruído e ficou surpreendida ao ver que a rapariga que tinha falado tinha ficado para trás. Emergiu das sombras e fitou Riley com uma expressão de assombro.

“Isso foi fixe,” Disse. “Nunca tinha visto uma mulher a fazer uma coisa dessas. Não lhes ligue, são uns anormais. Quem é essa rapariga de que falava?”

“É a minha filha,” Disse Riley. “Tem catorze anos.”

Riley percebeu que as suas palavras a tinham tocado. Imaginou que a rapariga teria a idade de April.

“Eu vi-o – o homem das fotos,” Disse. “Acho que vive aqui perto.”

Apontou.

“Por ali, depois das construções, quase ao pé do rio. Não é longe. É uma casa pequena, a única ali. Da última vez que o vi, conduzia um grande Cadillac.”

O coração de Riley começou a bater descompassadamente. Começou a caminhar naquela direção.

“Vem,” Disse à rapariga. “Mostra-me.”

Mas a miúda não se mexeu.

“Nã-ã,” Disse. “Fico aqui. A última vez que me aproximei daquele lugar, apontou-me uma arma.”

Sem dizer mais uma palavra, começou a caminhar na direção da paragem de autocarro. Parou a meio do caminho e virou-se para Riley.

“É um filho da puta mau,” Gritou.

“Eu sei,” Sussurrou Riley para si.

Voltou ao SUV para pegar numa lanterna e na Remington. Tinha a certeza que ia precisar dela.


CAPÍTULO 21


Pode até não ter que me matar, Pensou April. Talvez eu morra de qualquer das formas.

A escuridão era total debaixo do chão de madeira. A chuva batia no assoalho acima dela e pingava pelas frinchas. Chovia há horas e o chão debaixo dela transformara-se em lama. Apesar de ser uma quente noite de Agosto, estava ensopada e tremia. Para além de que estava com muita fome e sede.

Depois da noite cair, Peterson tinha-se esgueirado para perto dela várias vezes, a segurar um prato de comida enquanto acenava o maçarico de gás propano para a avisar de que não se podia aproximar. Rira-se cruelmente das suas inúteis tentativas para apanhar comida com os seus dois pulsos presos.

Agora sabia exatamente o tipo de tortura que a mãe tinha suportado sob o seu jugo. Mas a mãe tinha fugido. Conseguiria ela fazer o mesmo?

Pelo menos a chuva mantinha-o afastado por agora. Tinha estado em casa durante algum tempo e April não o tinha ouvido. Talvez estivesse a dormir. Talvez agora fosse a sua oportunidade de tentar fugir.

As mãos e pés de April estavam dormentes outra vez das algemas de plástico. Como fizera muitas vezes antes, esfregou e torceu os tornozelos e pulsos para que o sangue circulasse. Após um momento de agudo e frio formigueiro, começou a sentir novamente a presença dos membros dormentes.

Rebolou na lama em direção ao quadrado de treliça que ele abria e fechava sempre. Não conseguia ver no escuro, mas sabia exatamente onde estava – num canto do piso distante da casa.

Empurrou a treliça com os pés. Era demasiado sólida naquele local. Peterson devia ter ganchos e parufusos a prendê-la. Não ia conseguir retirá-los de dentro, não com as mãos presas.

Ainda incapaz de ver o que quer que fosse, rebolou para a casa até embater contra uma fundação de cimento. Pensou que a treliça seria mais frágil onde estava aplicada contra a casa. Tateou as suas arestas, na tentativa de descobrir exatamente onde estava pregada a um grosso poste de madeira ao lado da casa. Depois esticou-se e empurrou o canto superior com os pés.

Suspirou quando sentiu a treliça ceder ligeiramente. Era mais solta ali!

Empurrou novamente. Não se mexeu muito, mas April ouviu um som distinto de madeira a chiar. Ficou paralisada de medo. Peterson conseguiria ouvi-la na casa? Como poderia não a ouvir? No estado de exaustão e medo em que se encontrava, o ruído parecia-lhe quase ensurdecedor.

O que é que ele faria se ouvisse e descobrisse que ela estava a tentar fugir? Fosse o que fosse, não podia ser muito pior do que planeara fazer-lhe.

Permaneceu imóvel e apurou o ouvido. Não ouviu passos. Talvez ele não tivesse ouvido nada.

De qualquer das formas, agora teria que ser mais silenciosa. Pressionou aquele canto com as pontas dos pulsos, devagar e cuidadosamente, esperando conseguir empurrar os pregos aos poucos. Sentia um ligeiro movimento a cada empurrão. Depois um prego soltou-se completamente.

Ela continuou a empurrar e os outros pregos também se soltaram, um de cada vez. A cada empurrão emitiam alarmantes ruídos. Não havia forma de o fazer silenciosamente.

Finalmente, toda a secção quadrada de treliça cedeu e caiu no chão. Agora já conseguia sair – se ele não tivesse ouvido o último estrondo. Mas para onde iria e como?

Rastejando na lama como uma lagarta, juntando os joelhos e mãos e esticando-os para fora, conseguiu esgaravatar o caminho até ao exterior. Conseguiu passar no pedaço de treliça sem se magoar pelos pregos. Dali, a cada movimento o seu rosto embatia no chão, raspando na relva lamacenta. Pensou que a sua cara estaria a sangrar – e os pulsos e tornozelos também. Mas não havia nada que pudesse fazer.

Quando saiu completamente da sua prisão, sentou-se e olhou à sua volta. Tudo estava sossegado e chovia com intensidade. Apenas uma luz a brilhar de uma janela refletia o cromado do grande carro negro estacionado a alguns metros de distância. No quintal mais próximo, apenas avistava alguns arbustos. Conseguia vislumbrar a sombra de algumas árvores um pouco mais ao longe, mas não via nada para lá das árvores – nem ruas, nem janelas iluminadas. Não havia sinal de carros a circular em qualquer direção.

Um soluço subiu-lhe à garganta. Estava sozinha e não sabia como obteria ajuda. Cerrou os dentes e reprimiu o choro. Pensou na mãe e tentou imaginar o que ela faria, mas a sua imaginação não encontrava respostas fáceis.

Mas a mãe não desistiria. Essa era a única coisa de que tinha a certeza. A mãe nunca desistia de um problema. Na verdade, ocorreu-lhe que a mãe nunca tinha desistido dela.

April sabia que tinha que se afastar o suficiente para encontrar alguém que a ajudasse. Alguém que pudesse ligar à mãe, que trouxesse uma equipa SWAT para destruir o monstro e libertar April. Por um momento, imaginou inúmeras armas a disparar, resolvendo a situação de uma vez por todas.

Mas não havia nenhuma equipa SWAT à mão e ela tinha que continuar a afastar-se. Não interessava para onde ia, desde que fosse para longe daquela casa, para longe de Peterson.

Decidiu que era mais fácil, mais rápido e menos doloroso rebolar por isso, deitou-se e começou a rebolar.

E foi então que uma luz brilhante perfurou a escuridão. April ficou paralisada e viu que a luz da entrada da casa se tinha ligado. A porta abriu-se e Peterson saiu. O coração de April batia descontroladamente.

Ouviu-me, Pensou. Mas o homem não estava a olhar como se estivesse à sua procura.

Espalmou-se contra o chão, tentando ficar o mais invisível possível. Mas como não podia ele vê-la? Apenas alguns arbustos podiam escudá-la do olhar do psicopata.

Contudo, a noite estava muito escura e ainda chovia. Ela mal respirava quando ele desceu os degraus.

Para sua surpresa, passou ao lado dela, a poucos metros de distância. Entrou no carro, ligou as luzes e deu à chave. Por um momento, April ousou ter esperança. Se ele se fosse embora, dava-lhe tempo para fugir.

Mas então abriu novamente a porta do carro e saiu. Fechou a porta. April estava sufocada de medo. Talvez a tivesse visto. Não, voltara diretamente para casa. Aparentemente tinha-se esquecido de alguma coisa.

Ocorreu a April um novo plano de fuga. Peterson deixara o carro a funcionar.

Se ao menos ela conseguisse roubá-lo e ir-se embora! Mas como é que conseguiria fazer isso? Estava de pés e mãos atados.

Mas tinha que tentar. Rebolou até chegar ao carro. Depois ergueu-se e abriu a porta do condutor. Sentou-se no assento e ficou por momentos a observar o pára-brisas inundado de água da chuva. De repente, aquela parecia-lhe uma ideia completamente louca. Não só estava atada, como nunca tinha conduzido um carro na vida. Nem sequer sabia como ligar o limpa pára-brisas.

Mas não tinha escolha. Peterson regressaria a qualquer momento. Não era completamente ignorante no que dizia respeito a carros.

“Tu consegues fazer isto,” Disse para si mesma.

Conseguiu soltar o travão de mão e colocar o carro em andamento. Para seu espanto, começou a avançar de imediato. Travou com os dois pés atados e o carro parou abruptamente.

Como é que vou fazer isto? Pensou.

Colocou as mãos atadas em cima do volante, na esperança de ver suficientemente bem para evitar obstáculos. Depois tirou os pés do travão e carregou no acelerador. O carro avançou e continuou a andar.

Através da chuva, conseguia ver formas de árvores a surgir. Guinando freneticamente, conseguiu evitar bater. Não fazia ideia para onde se estava a dirigir.

Em poucos segundos, passara as árvores e avançava num campo aberto. Continuou a carregar no acelerador para o carro continuar a avançar.

Num ressalto mais duro, a porta do condutor abriu-se. Não a tinha fechado suficientemente bem, mas podia alcançá-la e fechá-la novamente. Não tinha o cinto de segurança e estava em perigo de ser atirada para fora do veículo ao ressaltar na terra dura.

Um ressalto fez com que carregasse com demasiada força no acelerador e o carro lançou-se para a frente. Por um momento, parecia estar suspenso no ar. Depois embateu no chão e deslizou para a frente. Os faróis permitiram-lhe ver uma grande árvore à sua frente, mas já era tarde de mais para travar. Quando o carro embateu na árvore, o airbag abriu-se à sua frente, protegendo-a.

April ficou atordoada por um momento e sentiu o sabor do sangue nos lábios. Percebeu que o motor do carro já não trabalhava e fumo saía debaixo do capô esmagado. Um farol ainda brilhava à frente. Saiu do carro mas caiu, rebolou por uma encosta abaixo e caiu na água. Conseguiu sentar-se e olhar à sua volta.

Percebeu que estava na borda do rio. Através da chuva, apercebeu-se da existência de luzes na margem oposta. Não parecia muito longe, mas quão profunda era a água?


*


Raio da miúda! Pensou Peterson quando avançava pela chuva. Tinha uma lanterna numa mão e uma arma noutra.

A lanterna é que fora a culpada. Há apenas alguns momentos atrás, entrara no carro e estava pronto para sair. Já era altura de abandonar aquele carro e roubar outro. Talvez algo que desse menos nas vistas. Uma noite chuvosa como aquela era perfeita para fazer as duas coisas sem ser notado.

E além disso, a rapariga estava completamente indefesa, reduzida a uma poça molhada de medo informe debaixo do piso de madeira.

Mas pouco antes de meter a primeira lembrou-se que ia precisar de uma lanterna. Abrira o porta-luvas e vira que não a tinha deixado lá. Estava em casa. Praguejou. Gostava de pensar em si próprio como alguém mais organizado.

Apressou-se de volta a casa, ainda despreocupado e sem pressas. Quando encontrou a lanterna ligou-a e apercebeu-se que as pilhas estavam gastas. Teve que procurar novas pilhas numa gaveta da cozinha e mal as tinha colocado na lanterna quando ouviu o ruído de um carro.

Saiu disparado de casa a tempo de ver um carro a ziguezaguear por entre as árvores próximas e a desaparecer no meio da escuridão.

Mal podia acreditar no que estava a acontecer. Com a lanterna a iluminar o local, percebeu que um pedaço de treliça estava partida e abandonada na lama. Foi aí que compreendeu que a miúda tinha fugido e levado o carro.

Muito parecida com a mãe, Pensou. Demasiado parecida com a mãe.

Mas ter-se-ia ela soltado das algemas de plástico? Se tinha, saberia conduzir? Era demasiado jovem para ter carta de condução, mas talvez tivesse aprendido. Se sim, podia ir a caminho de qualquer lugar.

Mas ao seguir as marcas de pneu frescas e lamacentas, duvidou. A sua condução era errática, como se não conseguisse controlar o veículo. Não, mesmo que conseguisse conduzir ainda estava atada. Não podia ir longe. Devia ter estampado o carro num instante. Bastava-lhe seguir o rasto. Apanhá-la-ia não tardava nada.

Peterson estava zangado e frustrado. Tinha estragado tudo. A mãe estaria possivelmente naquele momento a localizá-los e podia chegar a qualquer momento. Ele contara com isso. Esperara tornar a morte da miúda dramática e dolorosa – uma punição adequada para a mulher que o tinha contrariado. Ela ficaria tão destroçada com o horror e a culpa que imploraria para que ele a matasse também. E ele teria todo o gosto em fazer-lhe a vontade.

Mas agora tudo estava descontrolado e caótico. E ele odiava isso.

Quando viu o carro danificado mais à frente, só desejou que a rapariga não tivesse morrido no acidente. Colocou o dedo no gatilho da arma.

Acabaram-se os jogos, Decidiu. Chegou a altura de a matar.


CAPÍTULO 22


De pé fora do SUV, Riley retirou a shotgunn Remington da caixa e pendurou a arma ao ombro. O peso da Remington soube-lhe bem. Depois tirou a Glock, verificou-a e colocou-a novamente no coldre. Pegou numa lanterna e colocou-a no bolso do casaco. A rua ali estava bem iluminada, mas podia vir a precisar dela.

Apesar de ainda estar a chover, atirou o guarda-chuva para dentro do carro. Queria ter ambas as mãos livres para o que pudesse acontecer de seguida. Não se importava de ficar molhada.

Estou pronta, Pensou, cerrando os dentes e fechando a porta do SUV com força.

Olhou em redor, mas não viu Bill que se tinha dirigido para o outro lado do estaleiro na esperança de encontrar um guarda-noturno. Riley não podia esperar por nada nem por ninguém naquele momento, mas tinha que o avisar sobre o que se estava a passar.

Pegou no telemóvel e escreveu uma mensagem.

“Sei onde ele está. A oeste daqui. Despacha-te.”

Depois começou a pensar se Bill chegaria a tempo. Podia nem conseguir ler a mensagem de imediato se estivesse a falar com o guarda-noturno. Acrescentou outra mensagem.

“Casa isolada junto ao rio.”

Caminhou apressadamente à chuva deixando o estaleiro para trás. A estrada terminava num amplo campo aberto com árvores espalhadas aqui e ali. Ela sabia que encontraria o rio seguindo sempre em frente, mas ainda não o conseguia ver.

A única luz que avistava provinha de uma pequena casa do outro lado da estrada. Era ali. Ali era o covil de Peterson. Por aquilo que a rapariga lhe dissera há alguns minutos, não havia a mínima dúvida. Aproximou-se da casa cautelosamente com a Glock agora na mão.

Numa situação normal, o seu próximo passo seria bater à porta e anunciar que era do FBI, mas ali nada era normal. Peterson tinha a April algures. Antes de Riley o defrontar, precisava de descobrir onde estava a filha e libertá-la.

Aproximou-se ainda mais da entrada da casa e olhou para as suas fundações. Pensando na sua própria experiência, era expetável que Peterson tivesse a vítima num espaço exíguo debaixo da casa. Mas o que via era apenas uma fundação baixa de cimento sem qualquer abertura. Pensou que talvez pudesse haver um acesso por outro lado.

Riley moveu-se silenciosamente à volta da casa até encontrar uma varanda de madeira.

Tem que estar aqui por baixo, Pensou Riley.

Mas foi então que os seus olhos pousaram num pedaço partido de treliça no chão, mostrando uma abertura no local. Debruçou-se e usou a lanterna para espreitar o interior. Ninguém estava ali, apesar de ser percetíevl que o chão lamacento estava remexido. Alguém estivera ali recentemente. Tinha que ter sido April.

Mas onde estava ela? Tinha fugido ou o Peterson tinha-a tirado dali, planeando livrar-se dela?

A pulsação de Riley estava descontrolada. Já não se preocupando em ser vista ou ouvida, apressou-se na direção da varanda iluminada e da janela. Não conseguia ver ninguém lá dentro. Depois tentou a porta. Estava trancada. Partiu o vidro, destrancou-a e abriu-a, entrando na casa.

Com a Glock pronta para qualquer eventualidade, Riley começou a explorar a casa. Não demorou muito tempo. Depois de verificar que tinha um quarto, uma casa de banho, uma sala de estar e uma cozinha, percebeu que a casa estava vazia. Mas com as luzes ligadas, parecia que Peterson tinha saído apressadamente. Porquê?

Abriu a porta das traseiras e voltou à varanda. A chuva era mais leve agora. Apontando a lanterna para o quintal, viu algo novo – marcas de pneus profundas ziguezagueando para longe da casa em direção ao campo aberto. Dirigindo-se ao lugar onde as marcas se encontravam, viu pegadas de botas em cima de algumas dessas marcas. Parecia que alguém, provavelmente o Peterson, tinha seguido o carro a pé.

O que é que isto significa? Perguntou Riley a si mesma. O que poderia ter acontecido?

Mas não podia ficar ali inerte a tentar compreender o que teria sucedido. Colocou a Glock no coldre e tirou a shotgun do ombro, segurando-a com o braço direito. Se estava prestes a defrontar Peterson, esta era a sua arma de eleição. Mesmo estando escuro, se tivesse uma ideia por muito difusa que fosse do local ele se encontrava, não teria dúvidas em disparar e atingi-lo.

Caminhou apressadamente ao longo do rasto lamacento de marcas mescladas. Atravessavam o campo erraticamente como se para evitar bater nas poucas árvores ali existentes.

Por fim, viu uma luz mais à frente. Ao aproximar-se, viu que era o único farolim que restava do Cadillac que tinha embatido contra uma árvore. A porta do lado do condutor estava aberta e não havia ninguém no interior do veículo.

O farolim apontava para a borda do rio. Tinha chegado ao rio. Na margem mais à sua frente, alguém acenava uma lanterna. Desligou a sua própria lanterna e pô-la no bolso.

Depois ouviu a voz soluçante de April.

“Por favor, por favor!”

“Demasiado tarde, espertalhona,” Sibilou uma voz familiar de homem. “Deixa-te de pieguices!”

“April!” Gritou Riley.

O nome saiu-lhe antes de sequer ter tempo para pensar. Fora um erro. Tinha acabado de anunciar a Peterson a sua presença. O fator surpresa já não estava do seu lado.

Riley avançou e quase tropeçou numa descida acentuada logo atrás da árvore. Segurou-se e a luz proveniente do carro, permitiu-lhe ver Peterson com clareza. Estava com os pés mergulhados no rio. A poucos metros de distância dele, April estava parcialmente submersa na água, atada de mãos e pés.

Riley compreendeu que Peterson também a conseguia ver. Carregando a shotgun, desceu cuidadosamente a encosta na sua direção. Ele ergueu uma pistola e apontou-a a April.

Ali estava ela, a poucos metros do homem que lhe assombrara os sonhos não conseguindo evitar que o coração batesse ensurdecedoramente.

“Nem penses,” Disse Peterson. “Um passo e acabou-se,”

Se ela tocasse na shotgun, Peterson mataria April antes de ela conseguir disparar.

“Baixa a arma,” Ordenou.

Riley engoliu em seco. Não podia fazer mais nada. A vida de April estava em jogo.

Deteve-se e colocou a shotgun no chão à beira da água.

Então Peterson imediatamente apontou a arma a ela e premiu o gatilho.

Riley preparou-se para o impacto.

Mas nada aconteceu. A arma de Peterson estava encravada ou descarregada.

Riley sabia que tinha apenas uma fração de segundo para agir.

Pegou na faca que tinha tirado ao miúdo. Abriu-a e atirou-se às águas pouco profundas do rio na sua direção.

Apontou ao plexo solar – aquele lugar macio onde atingi-lo seria mais fácil. Mas escorregou no rio lamacento e a lâmina penetrou entre duas costelas. E lá ficou.

Peterson rosnou de dor e afastou-se. A faca estava cravada no seu peito, escorregando das mãos de Riley.

De repente, Peterson impulsionou-se de novo para a frente antes de Riley conseguir reequilibrar-se e escorregou na lama. Caiu de costas na água gélida.

Um momento mais tarde, antes de o conseguir alcançar, viu as suas enormes mãos a envolverem-lhe o pescoço e sentiu a cabeça a ser empurrada para debaixo de água.

Riley sentiu o seu mundo desaparecer. Sem conseguir respirar, esperneou e pontapeou, sentindo a vida a abandoná-la. Que coisa horrível, pensou, morrer aqui, neste rio, ser estrangulada a poucos passos da minha filha.

Pensar na filha fê-la não desistir. April. Riley não ia permitir que Peterson a matasse ali. Porque a sua morte significaria a morte de April.

Riley redobrou esforços, lutando como um peixe selvagem, até conseguir finalmente erguer um joelho por entre as pernas de Peterson. Fora um golpe suficientemente poderoso para deitar qualquer outro homem por terra.

Mas para sua surpresa, Peterson nem se mexeu. A sua força afrouxou por um momento, mas depois começou a apertar com o dobro da força.

Riley sabia que ia morrer ali. Dera o melhor de si e não fora suficiente para acabar com aquele monstro.

De repente, Riley viu uma figura a movimentar-se com rapidez por cima de si; a sua visão estava obscurecida pela água que corria e de início pensou se seria um anjo que se aproximava para a levar.

Mas depois percebeu o que era: April. Tinha encontrado a shotgun de Riley e segurava-a de forma estranha entre os pulsos atados. Só conseguia agarrar no cano. Riley constatou com espanto que April, apesar de ter os pés atados e não conseguir andar, se aproximava de Peterson rastejando. Quando se aproximou o suficiente, ergueu a shotgun o mais alto que conseguiu e baixou-a com força.

Um ruído audível até debaixo de água chegou a Riley quando o cano da shotgun embateu na têmpora de Peterson com uma força surpreendente.

E pela primeira vez, Peterson libertou o seu pescoço, tropeçando para trás.

Riley sentou-se de imediato, respirando golfadas de ar. Limpou a água dos olhos a tempo de ver Peterson recuar, agarrando a cabeça com uma expressão de raiva e dor, até por fim cair de joelhos. April ficou ali, parecendo pasmada com o que tinha acabado de fazer e olhando em pânico para a shotgun inerte no leito do rio. Devia ter escorregado das suas mãos. E Riley viu horrorizada a corrente a alcançá-la e a levá-la para longe.

Peterson soltou o rugido de um animal ferido quando atacou April. Atirou-a ao chão, virou-a e agarrou-lhe no cabelo por trás. Com ambas as mãos, empurrou-lhe a cabeça para debaixo de água. April não conseguia levantar a cabeça, à mercê daquela força bruta e Riley sabia que se não interviesse, dali a momentos a filha estaria morta.

Ultrapassando o choque, Riley ergueu-se olhando para o leito do rio. Agarrou numa pedra e atirou-se a Peterson com uma fúria de mãe.

Riley sentiu o contacto da pedra na cabeça do monstro. Bateu com força suficiente para o tirar de cima de April que agora procurava respirar. Riley ficara aliviada por ver que a filha ainda estava viva.

E agora Riley não podia dar a Peterson a hipótese de recuperar. Saltou para cima dele antes que se conseguisse levantar.

Ele vacilou, exibindo uma fração da força que demonstrara há poucos segundos atrás, fraco, olhos perdidos, encarando-a vagamente quando Riley se atirou para cima dele. Riley ergueu a pedra com ambas as mãos e manteve-a imóvel, tremendo. Ali estava ele, em carne e osso, o demónio que a assolara todas aquelas noites.

Sorriu para ela, um sorriso demoníaco.

“Não vais fazê-lo,” Disse, com sangue a escorrer pela boca. “Se o fizeres vais ficar marcada para sempre.”

Riley respirou fundo e lembrou-se de todas as torturas a que a tinha sujeito a ela e a todas as outras mulheres, da tortura à filha – e então libertou todo o seu ódio e baixou a pedra com toda a força que tinha. Era como libertar os seus demónios pessoais, como libertar um peso que carregava às costas.

O rio ficou rubro de sangue e Peterson ali ficou de olhos abertos, sem vida, com a água ondulante a cobrir-lhe o rosto. Desta vez, estava mesmo morto.

“Mãe,” Disse April.

Riley permanecia ajoelhada em cima de Peterson, sem a noção do tempo decorrido. Voltou-se e viu April a seu lado. Ela chorava, segurando-a na mão.

“Mão,” Disse. “Ele está morto.”

Riley olhou para Peterson e mal conseguia acreditar.

Está morto.

Momentos depois apareceu Bill. Abrandou quando se aproximava, baixando a arma lentamente, olhando para a cena com descrença e horror, demasiado estarrecido para proferir uma palavra sequer.

Atrás dele, Riley vislumbrou rastos laranja no céu. Já não faltava muito para o sol raiar. E no entanto, não parecia possível que o sol voltasse a nascer neste mundo.

E contudo nasceu, nasceu mesmo.


CAPÍTULO 23


A multidão que acorrera ao funeral já dispersava quando Lucy reparou num homem jovem, baixo e magro, com uma postura bastante suspeita. Acabara de voltar costas ao túmulo e a expressão do seu rosto não demonstrava luto ou sofrimento. De cabeça baixa, mãos nos bolsos, até parecia estar a sorrir.

É ele, Pensou Lucy, excitada pela mera possibilidade. Tem que ser ele.

Permaneceu queda a observá-lo, vendo-o passar a apenas alguns metros de distância. O que lhe via no rosto era definitivamente um sorriso. Este homem estava a exultar, não a sofrer, Lucy tinha a certeza. Virou-se e começou a segui-lo.

De trás, podia ver os seus ombros a estremecerem ligeiramente – devido ao riso, não ao choro, sem dúvida. Deu passos mais largos para o apanhar, pensando cuidadosamente na forma como o ia confrontar. Pensou que o melhor era ser direta – identificar-se como agente do FBI e exigir respostas à suas perguntas. Se ele tentasse fugir, não iria muito longe – não com a polícia local ali em alerta máximo. Tirou o distintivo e desatou a correr.

Naquele exato momento, um casal de meia-idade dirigiu-se ao homem.

“Hugh!” Disse o homem mais velho.

“Como te estás a aguentar?” Perguntou por sua vez a mulher.

O homem mais novo virou-se para o casal, ainda a sorrir.

“Estou bem,” Disse. “Eu sei que é estranho, mas não consigo parar de pensar em como a tia Rosemary conseguia ser divertida. Lembram-se como ela costumava...”

A voz diluiu-se à medida que ele e o casal se afastavam de Lucy. Depois Lucy conseguiu vê-los a rir tristemente da história que o jovem tinha contado.

Guardou o distintivo. Fora um falso alarme. O homem mais jovem estava a sorrir com a recordação das memórias felizes que as pessoas costumam partilhar nos funerais. Estava feliz por não ter feito uma cena que a ridicularizaria.

“Vai ao funeral,” Dissera-lhe Riley. “Este pode ser do tipo que sente remorsos. Pode lá estar.” Mas se o assassino lá tivesse estado, ela não o tinha detetado. Voltou-se, olhando para a cena atrás de si.

A manhã estava solarenga e agradável. Os parentes mais próximos de Rosemary Pickens ainda estavam reunidos debaixo da tenda azul junto ao túmulo, aceitando condolências de inúmeros amigos e familiares. Outras pessoas afastavam-se em grupos.

Lucy apercebeu-se que tinha calculado mal as coisas. Numa cidade tão pequena, era de esperar um funeral pequeno, íntimo e, consequentemente, seria fácil detetar alguém que parecesse estranho ou deslocado. Mas enganara-se. Não tinha a noção da quantidade de pessoas que compareceriam. Reedsport era não só uma cidade onde todos se conheciam, mas também um lugar onde parecia que todos se preocupavam uns com os outros.

Regressou à tenda, olhando os montes de flores que cobriam e rodeavam o caixão. Cada planta ou bouquet teria que ser analisado na esperança de se encontrar um nome de um estranho que pudesse ter assassinado a mulher.

Felizmente, a polícia local recolheria os dados sobre as encomendas enviadas de fora. Mas Lucy queria percorrer pessoalmente as floristas locais e questioná-las sobre as suas entregas. Estava prestes a abandonar o túmulo quando reparou num jovem de pé ao lado do caixão – outro homem baixo e de fraca constituição que parecia ali estar sozinho. Tinha um aspeto singelo, um nariz largo e sobrancelhas pesadas.

Será que é ele? Questionou-se Lucy. Dirigiu-se a ele.

Mas quando se aproximou o suficiente, viu lágrimas a correrem-lhe pelo rosto e a cara angustiada própria de um desgosto genuíno. Quando virou as costas ao caixão, retirou um lenço do bolso, assoou o nariz e limpou as lágrimas. Quando ergueu o olhar e viu Lucy, conseguiu sorrir solidariamente. Acenou-lhe e depois afastou-se. Lucy teve a certeza de que não podia ser a pessoa que procuravam. A sua dor era demasiado pungente, demasiado sincera.

Foi acometida por uma ponta de desilusão. Ainda não tinha feito nenhum progresso desde que Riley partira. Os locais ansiavam por ajudar, mas ninguém lhe tinha dado qualquer informação útil. Tinha seguido a pista de pormenores que as pessoas julgavam importantes – estranhos na cidade, veículos desconhecidos – mas eram todos becos sem saída.

Lucy tinha a certeza de que Riley diria que eliminar suspeitos e possibilidades era uma parte importante do seu trabalho.

Mas não é lá muito entusiasmante, Pensou Lucy.


*


Nessa mesma manhã, Lucy foi a três floristas da cidade. Nas duas primeiras, tinham perguntado por estranhos que tivessem comprado flores para o funeral, mas não tinha resultado em nada. As floristas conheciam todos os seus clientes.

Quando entrou na terceira loja, a mesma pareceu-lhe muito idêntica às que tinha visitado anteriormente – bem abastecida de flores e algo desarrumada depois de um dia de intenso negócio. Mas nos outros lugares, Lucy não tinha detetado qualquer satisfação pela subida das vendas. Aquelas floristas conheciam Rosemary Pickens e lamentavam a sua morte.

Uma mulher mais velha limpava uma agora vazia caixa de refrigeração.

“É a proprietária da loja?” Perguntou Lucy.

“Sim,” Respondeu a mulher com uma voz cansada.

Lucy mostrou o seu distintivo.

“Sou a Agente Especial Lucy Vargas,” Disse. “Estou a investigar o homicídio de Rosemary Pickens. Gostaria de lhe fazer algumas perguntas.”

“Claro,” Respondeu a mulher. “Como posso ajudá-la?”

“Estamos a tentar cobrir todas as hipóteses,” Disse Lucy. “Lembra-se de algo estranho relacionado com alguém que aqui tenha comprado flores para o funeral? Alguém pouco familiar, por exemplo.”

A mulher pensou durante alguns segundos.

“Houve um jovem que eu não reconheci,” Disse. “E havia qualquer coisa de estranho. Deixe-me pensar.”

Esfregou a testa com a mão.

“Um dia tão triste,” Declarou. “Estava tudo tão cheio esta manhã e eu corria de um lado para o outro. Até nem teria reparado nele mas destacou-se porque... sim, já me lembro. Gaguejava horrivelmente. Quase não conseguia falar.”

A mulher levou Lucy até ao balcão principal.

“Quando aqui chegou, já não havia quase nada na loja,” Disse a mulher. “Era-lhe tão difícil falar que escreveu. Venha, eu mostro-lhe.”

A mulher entregou a Lucy um dos cartões da loja. Nas costas do cartão, via-se escrito numa caligrafia impecavel e cuidada...

“Dê-me por favor algumas margaridas.”

A mulher disse, “Felizmente ainda tinha algumas margaridas por isso vendi-as a ele.”

Lucy tirou o bloco de notas para anotar a informação.

“Pode descrevê-lo?” Perguntou.

A mulher franziu o sobrolho, fazendo um esforço para se lembrar.

“Não consigo,” Disse. “Só me lembro de que era jovem e não muito alto. E claro, do gaguejar.”

“Tente, por favor,” Pediu Lucy.

A mulher pensou durante mais algum tempo.

“Peço desculpa, mas tive tantos clientes hoje que não lhe prestei muita atenção. E também não sou grande coisa a memorizar rostos. Só me lembro que ele não conseguia dizer o que queria dizer por isso dei-lhe um cartão e uma caneta para escrever.”

Lucy conseguiu ocultar a sua desilusão.

“Queria levar o cartão,” Disse. “Pode fornecer algum tipo de prova.”

A florista entregou-lhe o cartão, pedindo desculpa por não ter sido mais útil. Lucy agradeceu-lhe e saiu da loja, guardando o cartão na mala. Colocou-o no bloco de notas enquanto se encaminhava para o carro estacionado a alguns quarteirões de distância.

Agora sentia-se mais motivada. Parecia bastante provável que o comprador das margaridas fosse o assassino. O cartão podia conter impressões digitais e a caligrafia podia revelar alguma coisa. E é claro que agora sabia algo mais.

Ele gagueja, Pensou. Pelo menos é algo em que se pode trabalhar.

Tinha estacionado o carro a alguns quarteirões de distância. Enquanto caminhava nessa direção, pegou no telemóvel. Queria ligar a Riley para lhe contar os últimos desenvolvimentos e pedir-lhe a opinião.

Quando chegou à esquina e virou para atravessar a rua, sobressaltou-se ao ver uma carrinha branca a circular muito próximo dela. O sol refletido no vidro escondia o rosto do condutor. Lucy parou na curva para o deixar passar.

De repente, a carrinha acelerou brusca e velozmente.

Alarmada, Lucy tirou uma foto com o telemóvel.

O que se passa com aquele? Pensou. A carrinha deu uma última curva e desapareceu.

Lucy pensou em ligar à polícia local e fazer queixa daquele condutor imprudente. Mas refletiu melhor e afastou essa possibilidade considerando que a carrinha não tinha provocado estragos. Até podia nem ter circulado tão depressa. Lucy é que se tinha assustado com a repentina aceleração da viatura.

Quando atravessou a rua e chegou ao carro, sentou-se e fez a chamada para a UAC.

“Daqui Agente Especial Lucy Vargas,” Disse a uma rececionista. “Estou a trabalhar no caso de um assassino em série em Reedsport, Nova Iorque. Ligue-me por favor ao gabinete da Agente Riley Paige,” Solicitou.

“A Agente Paige não está na UAC neste momento.”

“Não há problema,” Disse Lucy. “Ligo-lhe para o telemóvel pessoal.”

De repente, voz da mulher assumiu um tom diferente.

“Não faça isso Agente Vargas,” Disse. “A Agente Paige não deve ser incomodada.”

“O que é que se passa?” Perguntou Lucy. “A Riley foi ferida?”

“Lamento, mas não estou autorizada a revelar mais nada.”

“Estamos a trabalhar juntas num caso. Tenho que saber se ela está bem,”

“Aguarde um momento.”

Após um breve silêncio, a voz de Brent Meredith surgiu do outro lado da linha.

“Agente Vargas?”

“Sim. A Riley está bem?”

“Ela está bem. A filha foi raptada, mas já acabou.”

“A April raptada? Meu Deus!”

“Enontraram-na. A Agente Paige e o Agente Jeffreys vêm a caminho com a miúda.”

Lucy estava sem palavras. “Está bem,” Disse. “Obrigado por me dizer.”

“Será informada de tudo mais tarde. Mais alguma coisa?”

“Eu...” Lucy tentou lembrar-se do motivo pelo qual tinha telefonado. “Tenho algo que pode ser uma prova neste caso.”

“Vou pô-la em contacto com o laboratório de peritagem.”

“Obrigado,”

Lucy estava distraída enquanto falava com o técnico do laboratório. “Tenho um cartão com a caligrafia do suspeito,” Disse. “Possivelmente com impressões digitais. Vou levá-lo agora à polícia local. Vão verificar se há impressões e eu envio-vos aquilo que eles encontrarem.”

“Mais alguma coisa?” Perguntou o técnico.

“É possível que o suspeito seja gago,” Disse Lucy.

O técnico do laboratório disse que tomaria nota desse facto e a chamada terminou.

Lucy colocou o telemóvel novamente na mala sem que se voltasse a lembrar da foto que acabara de tirar.


CAPÍTULO 24


Quando o condutror da carrinha fez a curva e desapareceu, a pilha de correntes no lugar do passageiro tilintou ruidosamente.

“Calem-se!” Disse às correntes.

Mas então passou por cima de um buraco na estrada e as correntes voltaram a chocalhar. Não havia dúvidas de que as correntes estavam a tentar chamar a sua atenção. Estavam a exigir que as dominasse – ou então elas provariam a sua dominância sobre ele, mantendo-o cativo como as correntes o tinham mantido quando era criança.

“Sejam pacientes,” Pediu.

Obrigou-se a abrandar. Não fazia sentido ser apanhado por causa de uma transgressão de trânsito. Tinha que sair de Reedsport sem ser notado.

Mas ele sabia que as correntes estavam furiosas. Elas contavam que ele lhes levasse a agente do FBI. Pensavam que ele a atacaria ali na rua. Mas ela virara-se e vira-o a segui-la na carrinha. Não tinha havido a oportunidade para a atacar de supresa e ele tinha a certeza de que ela tinha uma arma.

“Ela não era a mulher certa,” Disse.

A estrada estava esburaca e as correntes continuaram a tilintar.

“Eu sei que ela é autoridade,” Continuou. “Eu vi o distintivo do FBI quando o mostrou no funeral. Mas não estava a usar um uniforme. E nós gostamos de ver um uniforme.”

O chocalhar das correntes continuava a soar zangado.

“Era demasiado jovem,” Explicou. “Não era nada parecida com as mulheres que escolhemos antes.”

Conduziu com muito cuidado no caminho que lhe restava para sair da cidade.

“Teria sido uma loucura levar outra mulher nesta cidade pequena,” Disse às correntes. “Vamos para norte até Albany. Há montes de uniformes por lá. Montes de mulheres com a idade e o tipo certo. Vou encontrar alguém de quem gostem.”

As correntes silenciaram-se durante algum tempo e julgara que o seu argumento era convincente. Ao conduzir na direção de Albany, evitou a interestadual e teve o cuidado de não execeder o limite de velocidade. Explicou às correntes que não queria atrair atenções. Mesmo assim, elas tilintavam suavamente de vez em quando, lembrando-o que estavam ali e que não estavam satisfeitas com ele.

Tinha perdido o controlo em Reedsport e não podia voltar a fazê-lo.

“Vou encontrar outra,” Prometeu vezes sem conta às correntes. “Em breve vou encontrar alguém.”


CAPÍTULO 25


“Acabei de ler o seu relatório, Agente Paige,” Disse o Agente Especial Meredith mal Riley entrou no seu gabinete. “Parabéns.” Apertou-lhe a mão e acrescentou, “Já agora, está com um aspeto de fugir.”

Riley sorriu vagamente e sentou-se. Meredith tinha razão em ambos os casos. Ela merecia ser congratulada por finalmente ter conseguido apanhar Peterson. Também se sentia com um aspeto de fugir apesar de tentar não o transparecer em demasia. Tinha passado as últimas duas horas a tentar recompor-se.

O Bill tinha dado conhecimento da morte de Peterson à UAC e à polícia de D.C. Tinha embrulhado as encharcadas, lamacentas e emocionalmente abaladas Riley e April em cobertores e conduzido diretamente para Quantico. Riley e April estiveram abraçadas durante toda a viagem, chorando com desesperado alívio.

Riley tinha levado April para a clínica da UAC para tratarem dos muitos arranhões e cortes, nenhum deles grave. Tinham tomado banho ali e vestido roupa lavada que a jovem Agente Emily Creighton lhes tinha providenciado. April estava na área de pausa e Riley tinha passado as últimas duas horas a escrever o seu relatório final sobre o caso Peterson.

O Agente Meredith leu o relatório de Riley.

“Estou impressionado,” Disse Meredith. “Um trabalho incrível.”

“Obrigado,” Disse Riley. “Mas ele tinha a minha filha. Não havia hipótese de se safar desta.” Depois acrescentou. “Quando é que posso voltar para Nova Iorque?”

Meredith riu. “Não tão depressa. Não vai a lado nenhum.”

Riley ficou surpreendida. “Porque não?”

“Já se olhou ao espelho? Está exausta e com toda a razão. Precisa de descansar. Além disso, a sua presença não é precisa lá. O caso não avança.”

“Não há pistas?” Perguntou Riley.

Meredith encolheu os ombros. “Não suficientes para avançar. A Agente Vargas encontrou um cartão de florista que pode conter a caligrafia do assassino. Mas para lá das impressões digitais da florista e de Vargas, só havia uma impressão parcial que não conseguimos identificar. A Vargas não está a progredir por lá e o mais provável é que a mandemos regressar.”

Meredith recostou-se na cadeira.

“Para além disso,” Disse, “os locais estão a fazer um bom trabalho e se surgirem novas pistas em Reedsport, informam-nos. O mais certo é o assassino estar agora numa área completamente diferente. Infelizmente, podemos não saber onde até acontecer o próximo ataque.”

Riley sentiu-se estranhamente desanimada.

Começou a protestar. “Mas..”

“Vai ficar de baixa, Agente Paige. Considere isto uma ordem.”

Meredith inclinou-se para a frente e olhou para Riley com preocupação.

“Tem uma filha que precisa da sua atenção neste momento,” Disse. “Via-a na área de pausa. É lá que deve estar agora.”

Rilley agradeceu a Meredith mais uma vez e saiu do gabinete. Voltou para a área de pausa onde April bebia um refrigerante e olhava para o vazio. Riley sofria pela filha.

Sentou-se ao lado dela e pegou-lhe na mão.

“Desculpa,” Disse pela milionésima vez.

April engoliu em seco e disse, “Ele disse que eu era uma assassina.”

Riley apertou a mão de April com força.

“Ele era o assassino,” Disse firmemente. “E nós acabámos com ele. As duas. Tu estiveste bem, nunca te esqueças disso.”

Uma lágrima rolou no rosto de April.

“Não me faças ficar com o pai esta noite,” Disse. “Não me deixes lá ficar nunca mais.”

Riley ficou sobressaltada por isso ter passado pela cabeça de April. Mas pensando melhor, fazia sentido. Tinha telefonado a Ryan quando chegaram a Quantico. Contara-lhe o que acontecera, embora sem os detalhes mais impressionantes. Parecera chocado, depois aliviado, e depois não muito interessado.

Não, April não precisava de Ryan naquele momento.

“Vamos para casa,” Disse Riley.

“Não,” Disse April. “Ainda não. Ali também não.”

Riley compreendia aquela reação bem demais. A sua casa fora o lugar onde Peterson as perseguira. Riley também não estava desejosa de voltar para lá. Percebeu que era uma boa altura para falar sobre aquilo em que andava a pensar há algum tempo.

“April, tenho andado a pensar em mudarmo-nos,” Disse.

April olhou para ela com um súbito interesse.

Riley continuou, “Penso que consigo comprar uma casa em Fredericksburg. Assim não ficávamos tão isoladas. E ficavas mais perto da escola e dos teus amigos.”

O corpo de April descontraiu-se percetivelmente.

“E andei a pensar,” Acrescentou April, “que talvez a Gabriela podia ir viver connosco. Ainda não lhe disse nada.”

April sorriu. Parecia a Riley que não via aquele sorriso há muito tempo.

“Eu falo com ela,” Disse April. “Ela vai querer. Eu sei que sim.”

Riley apertou a mão da filha e também sorriu. Sentiu uma onda de alívio quanto à resolução de um dos problemas de longa data. E agora estava de baixa por isso podiam passar algum tempo juntas. Mas onde? Estavam ambas exaustas e precisavam de descansar.

Depois ocorreu-lhe.

“April,” Disse, “Vamos para Nova Iorque. Vamos divertir-nos por alguns dias.”

O rosto de April iluminou-se ainda mais.

“A sério? Nova Ioque? Estás a falar a sério?”

“Sim. Agora mesmo. O Bill pode levar-nos ao aeroporto. Não precisamos de voltar para casa. Vamos.”

“Mas o que é que vou vestir?” Perguntou April, olhando para as calças de ganga e camisola que Emily Creighton lhe tinha emprestado.

Rikey riu com vontade perante aquela típica pergunta de adolescente.

“Não te preocupes com a roupa,” Disse. “Compramos aquilo de que precisarmos lá. Vamos esbanjar. Ficamos num bom quarto de hotel e assistimos a alguns espetáculos.”

“Mas podemos dar-nos a esse luxo?” Perguntou April.

Riley encolheu os ombros. “Não, mas é para compensar todas as férias que não tivemos. Vou à conta-poupança, nós merecemos.”

April riu-se.

“Isso parece-me ótimo, mãe!”

O riso de April era o mais belo som que Riley jamais ouvira na vida.


*


Nessa mesma tarde, Riley e April apearam-se de um táxi em frente a um hotel de Manhattan. A expressão de April era de assombro ao observar o trânsito e os arranha-céus que a rodeavam. Fez bem a Riley ver aquela expressão no rosto de April.

“Oh, mãe!” Disse April. “Por onde começamos?”

Riley riu. “Antes de mais nada,” Disse. “Acho que precisamos de ir fazer umas compras. Queres ver o nosso quarto primeiro?”

“Podemos ir já às compras?” Pediu April. “Estas coisas que a Emily me emprestou são um bocado embaraçosas.”

“Deixa-me pensar,” Disse Riley. “Já não venho cá há algum tempo.”

O hotel estava a apenas alguns quarteirões de Central Park. Riley levou April pela Sétima Avenida em direção a Times Square. Lembrava-se de algumas lojas na midtown que não praticavam preços impossíveis.

Na sua primeira paragem, April comprou leggings e uma camisola. Riley comprou um fato que desafiava o seu orçamento mas, no final de contas, tinha que se vestir decentemente na cidade. Na sua paragem seguinte, Riley teve que conter o fôlego ao ver April num vestido. A filha estava a tornar-se numa jovem mulher, já não era uma criança.

“Por favor, mãe,” Pediu April. “Adoro-o.”

O vestido era realmente muito bonito e assentava-lhe muito bem. Compraram-no e terminaram o afã de compras com sapatos e malas.

Por fim, estavam de regresso ao hotel, carregadas com sacos e a rir alegremente. Fizeram o check-in e subiram no elevador até ao décimo segundo andar.

Ao pendurarem as roupas, Riley percebeu que April estava cansada. Não era para admirar, depois de tudo aquilo por que tinha passado.

“Acho que devemos ficar por aqui esta noite,” Disse Riley. “Pedimos que nos tragam o jantar ao quarto e passeamos amanhã.”

“Acho que sim,” Disse April. E foi para a casa de banho.

Riley olhou pela janela do quarto. O quarto tinha uma bela vista sobre a cidade. Começou a fazer alguns planos de cabeça. Talvez pudessem ir a uma matiné da Broadway amanhã. Ia confirmar o que estava em cartaz.

Riley suspirou. Quando é que parara de fazer férias com a filha? Quando é que se esquecera de se divertir? Quando April era pequena, ela e Ryan levavam-na de férias. Tinham ido a Chincoteague para ver os póneis selvagens e a resorts nas montanhas.

Mas mais recentemente? Nem por isso. Há vários anos, tirara alguns dias quando a April tivera uma pausa de verão e Ryan estava demasiado ocupado para ir onde quer que fosse. Então ela e April tinham alugado um apartamento em Virginia Beach. Nunca mais fizera nada semelhante.

Ela sabia que April sempre sonhara ir a Nova Iorque. Mas não sabia se esta viagem seria para April um sonho tornado realidade. Passara por um mau bocado. O entusiasmo de ali estar e das compras esgotar-se-ia em breve.

Quando April saiu da casa de banho, sentou-se na borda de uma das camas. Estava novamente com aquele olhar distante e perturbado.

“Mãe,” Disse tranquilamente. “Não consigo olhar para o espelho.”

Riley sentou-se e colocou o braço à volta dos ombros de April.

“Sei o que é isso,” Disse.

Não precisava de perguntar a April porque é que se sentia assim. O rosto da pobre miúda ainda patenteava cortes e nódoas negras. Só de olhar para ele era suficiente para se recordar do horrível trauma que sofrera às mãos de Peterson.

April encostou a cabeça ao ombro de Riley.

“Amanhã faço anos,” Disse April.

Riley ficou desfeita. Tinha-se esquecido, obviamente.

“Desculpa,” Disse.

“Não, não quero que te sintas assim,” Disse April. “Acabaste de me comprar montes de coisas. Não é por isso que te estou a dizer. O problema é que amanhã faço anos e...”

April soluçou uma única vez.

“E não quero saber,” Disse. “Não quero saber de nada.”

“Sei como é que te sentes,” Disse Riley.

“Eu sei que sabes.”

Ficaram ali sentadas em silêncio por algum tempo. Como a vida tinha mudado nos últimos dias! Uma das maiores frustrações de Riley enquanto mãe sempre fora fazer April entender o seu trabalho – porque é que era tão obcecada por ele, a sua importância e o seu perigo.

Agora April compreendia perfeitamente. E Riley desejou do fundo do coração que não compreendesse.

Agora era a vez de Riley ir à casa de banho. Mas hesitou. Lembrou-se de algo que Meredith dissera...

“Já se olhou ao espelho?”

Tal como a filha, Riley estava renitente em olhar para o espelho. Sabia o que era provável lá encontrar – os rostos das inúmeras vítimas e dos seus carrascos. E no seu próprio rosto, veria algo que não queria ver.

Veria o rosto de uma mulher que não tinha o direito de ter uma vida normal e feliz, que era uma idiota em pensar que poderia criar uma filha neste mundo terrível. Ainda havia muitos monstros à solta.

No recanto mais fundo da sua alma, Riley sempre sentira que era sua obrigação pará-los, fossem quem fossem, estivessem onde estivessem. E apesar de tudo o que Meredith dissera, ela não conseguia parar de pensar no monstro que ainda estava à solta no estado de Nova Iorque.


CAPÍTULO 26


O homem estava a cabecear, quase a adormecer quando as correntes no banco do passageiro começaram a resmungar novamente. A carrinha estava estacionada no parque de estacionamento de um centro comercial em Albany. As correntes não estavam bem a tilintar, mas ele conseguia ouvi-las a resmonear. E sabia que se estavam a queixar. Era por causa da mulher do FBI – aquela que ele não tinha levado.

“Quantas vezes tenho que vos dizer que ela não era a pessoa certa?” Disparou. “Se a tivesse levado, vocês não ficariam felizes. Iam perguntar-me porque é que não era mais velha, porque é que não usava uniforme, porque é que não tinha feito o que era suposto fazer. Não iam gostar.”

As correntes acalmaram-se um pouco, mas mesmo assim não pararam de resmungar. Não o surpreendia que ele e as correntes estivessem às cabeçadas naquele momento. Estavam juntos na carrinha há mais de vinte e quatro horas. Era natural que já não se suportassem.

Após o incidente de ontem com a mulher, não foi direto para Albany e fez deste parque de estacionamento a sua base. Mais tarde ou mais cedo, a vítima certa passaria por ali. Mas o dia passou-se e nada aconteceu. Depois de o centro comercial fechar nessa noite, mudou a carrinha para uma rua lateral próxima e dormiu. Regressaria ao parque de estacionamento logo de manhã cedo.

Agora escurecia e ele pensava se teria que passar outra noite ali. As correntes tornar-se-iam mais impacientes, disso não havia dúvidas. Não sabia quanto mais tempo tempo aguentaria aquilo.

Também ele estava cansado e impaciente. Mas a paciência e a vigilância eram fundamentais. Tirou uma barra de cereais do porta-luvas e começou a comê-la. Não era muito mas tinha que bastar para se alimentar e ter energia. Não podia sair da carrinha e ir comprar alguma coisa para comer. As correntes não permitiam. E é claro que estavam certas. Se ele deixasse o seu posto, nem que fosse por breves instantes, podia perder a vítima perfeita.

Àquela hora havia mais pessoas a sair do centro comercial do que a entrar. Eram sobretudo casais jovens e sem filhos, e famílias com miúdos. Não viu ninguém que se aproximasse do ideal que tanto ele como as correntes procuravam.

Ainda assim, a barra de cereais animou-o. Sentiu-se melhor com tudo. A sério, tinha tudo o que precisava na vida. Estava especialmente agradado com a sua carrinha. Tinha-a trazido para cá há vários anos e era conveniente nesta altura. Era suficientemente grande para que lá pudesse dormir quando precisasse e era prática para transportar as mulheres. Tinha compreendido rapidamente que as mulheres também podiam dormir ali – o princípio do seu último sono.

E nunca se tinha arrependido de deixar a sua antiga casa. Tinha sido o cenário de demasiados horrores de infância. Partira sozinho perfeitamente feliz até encontrar uma nova cidade onde assentar.

Tinha dezoito anos. Gostara da sua primeira casa e as pessoas eram bondosas com ele. Durante vários anos vivera ali tranquilamente e não fizera mal a ninguém. Mas isso tinha mudado há cinco anos quando matara a sua primeira vítima.

Trincando o último pedaço da barra, pensou no que teria corrido mal. Nunca quisera fazer mal ou matar quem quer que fosse. Ainda agora não queria.

Talvez não devesse ter roubado aqueles coletes-de-forças quando o libertaram do hospital psiquiátrico. Mas a verdade é que tivera um irresistível pressentimento de que algum dia precisaria deles. E as correntes que acumulara ao longo dos anos insistiam para que as guardasse.

Mas o que é que ia acontecer agora? Se não encontrasse outra mulher, as correntes iam apoderar-se dele, manietá-lo, fechar a porta para que não conseguisse fugir, torná-lo tão indefeso como quando era criança. Precisava de encontrar uma terceira vítima rapidamente.

De repente, as correntes murmuraram, dizendo-lhe para estar atento. E de facto, duas mulheres saíam do centro comercial – ambas envergando uniformes de enfermeira. Uma era esguia e demasiado jovem. Mas a outra era robusta e de meia-idade, exatamente o tipo de mulher que procurava.

Observou as duas a dirigirem-se para um carro estacionado na fila seguinte àquela em que se encontrava. A mulher de que precisava ia conduzir o carro. Ligou a ignição da carrinha e seguiu-o.

Ao seguir o carro até um bairro suburbano, soube que algo não batia certo. Mesmo que conseguisse apanhar a mulher robusta, não a podia levar. O problema era muito simples.

Eu não as escolhia. Elas é que me escolhiam a mim.

Da primeira vez há cinco anos atrás, aquela pobre mulher em Eubanks tinha-o provocado quando ele apanhara uns trocos que ela tinha deixado cair na loja.

“Que menino bonito!” Dissera.

Aquelas palavras e aquele tom – tão condescendente, como se ele fosse atrasado mental. Atingiu-o de forma insuportável, recordando-o da mãe e das freiras.

Acontecera o mesmo com a mulher de Reedsport.

“Que menino bonito!” Disse quando o ajudou com as compras.

Ambas as mulheres tinham selado os seus destinos com aquelas palavras bem-intencionadas. Mas aquela mulher não lhe dissera nada. Sem esse ímpeto, essa provocação, não podia agir.

E se ele não agisse, ficaria à mercê das correntes.

O carro que seguira parou em frente a uma casa. A mulher mais jovem saíra, acenou à outra e dirigiu-se casa. A outra mulher retomou a marcha e ele continuou a segui-la. Ainda não fazia ideia de como iria agir.

Mas agora as correntes conversavam com ele, explicando-lhe tudo. De alguma forma, ele teria que a provocar para que ela o provocasse. E as correntes tinham ideias muito definidas em como deveria fazê-lo. Era necessário um sentido de oportunidade perfeito e as correntes não estavam nada convencidas de que ele estivesse à altura da tarefa. Decidiu provar que estavam enganadas.

Agora seguia a mulher numa estrada que atravessava um parque. Não viu ninguém ali. Parecia o local perfeito para agir.

“Aqui?” Perguntou às correntes.

As correntes tagarelaram em concordância.

Mais à frente, no limite do parque, avistava-se um semáforo. A luz estava verde, mas as correntes garantiram-lhe que estava prestes a mudar. Ultrapassou cuidadosamente o carro da mulher e conduziu à sua frente. A luz ficou amarela e ele acelerou um pouco como se quisesse passar antes que ficasse vermelho.

Depois pisou no travão com toda a força e o carro da mulher bateu nas traseiras da carrinha com um estrondo. A colisão não foi suficientemente forte para causar grandes estragos, mas serviu o seu intento.

Calmamente, o homem saiu do carro. A mulher parou o seu a alguns metros de distância da carrinha e saiu com semblante carregado. Foi até às traseiras da carrinha e inspecionou o estrago de ambos os carros. Quando a mulher se aproximou, ele tentou explicar-lhe o que tinha sucedido e desculpar-se.

“Eu... Eu...Eu...” Gaguejou.

De repente o rosto da mulher encheu-se de simpatia.

“Oh, coitado!” Dissera. “É claro que a culpa foi minha. Vou buscar os meus dados do seguro.”

Voltou para o carro e abriu o porta-luvas.

Ele sentiu exatamente o ímpeto de agressão e raiva de que precisava.

“Oh, coitado!” Dissera a mulher.

Quem pensava ela que ele era, um bebé?

Abriu as traseiras da carrinha e retirou um conjunto pesado de correntes. Depois ficou à espera, a segurar nas correntes com uma mão atrás das costas. Quando a mulher reapareceu, voltou a apontar para o pára-choques traseiro como se lhe quisesse chamar a atenção para mais algum dano.

“O que é?” Perguntou a mulher.

Quando ela se curvou para observar mais de perto, o homem arremeteu as correntes contra a sua nuca. Ela ficou completamente inconsciente, caindo de cabeça. Tudo o que tinha de fazer era levantar-lhe as pernas para a carrinha e fechar as portas traseiras.

Ao sair dali, as correntes estavam silenciosas e ele sabia porquê. Estavam algo surpreendidas. Não estavam à espera que ele conseguisse executar a tarefa de forma tão ousada e eficiente. Tinham-no subestimado. E ele tinha provado que as dominava – pelo menos por agora.


*


Chegou a sua casa cerca de uma hora mais tarde. Estacionou a carrinha ao lado da casa e fez marcha atrás para a porta da cave. Depois saiu, dirigiu-se à parte de trás da carrinha e abriu as portas.

Lá estava ela, deitada, completamente inerte com uma poça de sangue em torno da cabeça. Debruçou-se para se certificar que ela ainda respirava. Felizmente, respirava. As correntes queriam que ela estivesse viva, pelo menos por agora.

Tinha parado à beira da estrada à saída de Albany para lhe colocar o colete-de-forças. Mais tarde ou mais cedo, recuperaria a consciência e as correntes acharam por bem que lhe fosse colocado logo o colete-de-forças.

Agora vinha a parte difícil de a levar até à cave. A mulher era ligeiramente mais pesada do que as outras e ele não era mais forte. Puxou-a até cair da carrinha e depois puxou-a mais um pouco até chegar à porta da cave. Abriu a porta e empurrou-a lá para dentro.

À medida que a rolava pelo chão de cimento, ela emitiu um gemido e depois calou-se novamente. Já tinha o berço pronto. De forma desajeitada, puxou o tronco da mulher para cima dele, e depois as pernas.

Daquele momento em diante, tudo era muito mais fácil. Começou a embrulhar as correntes à volta dela, prendendo-a com força ao berço. As correntes riam de satisfação. Estavam bem satisfeitas com o seu trabalho.

Quando parou de embrulhar, ouviu-a falar.

“Onde estou?” Perguntou, começando a recuperar a consciência. “Oh, meu Deus, onde estou? O que é que se passa?”

Mandou-a calar. Se ao menos conseguisse falar, explicava-lhe que não devia falar. Naquele lugar, apenas as correntes estavam autorizadas a falar.

Mas mandá-la calar não resultou.

“Onde estou?” Perguntou numa voz apagada e com o terror a crescer. “Alguém me ajude.”

Colocou-lhe um trapo na boca e depois amordaçou-a com um corrente à volta da cabeça. Ela continuou a contorcer-se e a gemer. Os olhos muito abertos estavam fixos no outro lado da sala. Ele seguiu o seu olhar e viu que ela olhava para o pequeno altar que ele erguera.

Um quadro estava em cima de uma mesa encostada à parede. Na mesa colocara respeitosamente sapatos, um distintivo de guarda prisional, um uniforme de enfermeira e uma placa de identificação, alguns botões e outros objetos que pertenciam às outras duas mulheres. No quadro estavam expostos obituários, apostilas de funeral e fotos que tirara das flores que deixara nos túmulos das vítimas.

Ficou feliz por ela olhar para lá. Poderia dar-lhe algum conforto. De certeza que compreendia que também ela ali seria recordada quando chegasse o momento. Uma lágrima assomou-lhe aos olhos e pensou na forma como chorara aquelas duas mulheres – e como podia chorar esta.

Mas a mulher gemia insistentemente sobre a mordaça. Ela não compreendia. Era enfurecedor. Ia tudo acontecer outra vez da mesma forma. Tinha soltado um pouco as correntes e removido o tecido para lhe dar um pouco de água e ela gritara incontrolavelmente.

Talvez conseguisse fazer com que esta compreendesse. Tirou a navalha do bolso, abriu-a e encostou-a à garganta da mulher, mandando-a calar-se novamente. De certeza que compreenderia que ele não lhe queria cortar a garganta e que a escolha era sua. Só tinha que ficar calada.

O gemido acalmou um pouco. Mesmo assim, ainda viu um vestígio de desafio nos seus olhos. Não era bom. Mais tarde ou mais cedo, também esta iria gritar e ele não teria alternativa senão matá-la.

E como da última vez, iria pendurá-la onde todos a pudessem ver. O aviso era absolutamente necessário. O mundo tinha que saber. O mundo tinha que compreender. Tinha que ser dito ao mundo para o deixar em paz. Ainda não sabia como ou onde a colocaria. As correntes dir-lhe-iam o que fazer.

Era assim que sempre acontecia. Matar as mulheres nunca era uma intenção. Mas mais cedo ou mais tarde as correntes não lhe dariam outra hipótese. Era um facto da vida e ele nunca o conseguiria contrariar.


CAPÍTULO 27


A mensagem chegou no terceiro dia da sua estada em Nova Iorque enquanto Riley e April estavam sentadas na praça de alimentação do Museu de História Natural. Estavam a comer cachorros quentes com vários tipos de recheio. Riley sobressaltou-se ao ver que o telemóvel tinha uma mensagem de Lucy.

“Desculpa incomodar-te nas férias. Liga se puderes.”

Riley ficou imediatamente intrigada.

“O que foi, mãe?” Perguntou April.

“É a Lucy – quero dizer, a Agente Vargas. Conheceste-a quando nos entraram em casa.”

April pareceu intrigada. Riley não via aquela expressão de sincero interesse no rosto de April desde que tinham chegado à Big Apple.

Andavam a fazer todas as coisas que os turistas faziam – visitar a Estátua da Liberdade, ir ao topo do Empire State Building e ir a uma matiné na Broadway. Ainda abalada pelos acontecimentos recentes, o entusiasmo inicial de April desvanecera.

Riley não a podia censurar. A verdade era que pensava que aquela viagem tinha sido uma má ideia.

“O que é que ela quer?” Perguntou April.

“Quer que lhe ligue,” Disse Riley. “Pode esperar.”

“Porquê esperar?” Perguntou April com um encolher de ombros.

Era uma boa pergunta. Lucy não estava a incomodar nada. Riley ligou-lhe.

“Riley!” Lucy quase gritou ao atender a chamada. “Como estou contente por falar contigo!”

“O que é que se passa?”

“Temos outra vítima,” Disse Lucy.

O coração de Riley acelerou. Ela tinha um palpite de que o assassino ia atacar outra vez mais tarde ou mais cedo. Às vezes não gostava nada de ter razão.

“Estou em Albany,” Explicou Lucy. “Uma mulher daqui desapareceu do carro, Uma enfermeira. Vestida com uniforme, tal como a anterior.”

O interesse de Riley aumentou ainda mais. Aquilo confirmava um padrão definitivo – uma guarda prisional e agora duas enfermeiras, todas mulheres vestidas de uniforme.

“Tens a certeza que é o nosso homem?” Perguntou Riley.

“Sim, os nossos agentes no terreno também têm a certeza. A polícia encontrou uma pequena quantidade de correntes no chão. Sabiam do assassino das correntes por isso fizeram um relatório ao FBI e os agentes entraram em contacto comigo em Reedsport. É claro que as correntes podiam ser uma mera coincidência mas....”

“Mas as correntes apontavam para o nosso psicopata,” Concluiu Riley, respirando fundo. Depois reparou que April a observava e ouvia apreensivamente a conversa.

“Porque é que querias falar comigo?” Perguntou Riley.

Lucy não respondeu de imediato e Riley sentiu que Lucy se preparava para lhe pedir um favor.

“Riley, liguei para Quantico,” Disse Lucy. “O Agente Meredith disse que enviavam alguém para ser meu parceiro, ainda não sei quem. E é óbvio que já estou a trabalhar com o agente no terreno aqui, mas...”

Calou-se por momentos.

“Não, é uma loucura,” Acabou por dizer. “Estás de férias. Nem te devia ter incomodado.”

“Diz-me,” Pediu Riley.

Outra pausa se seguiu.

“Enviem quem enviarem, o mais provável é ser eu a chefiar a investigação porque já estou no caso. Não tenho a certeza se estou pronta para assumir essa responsabilidade. Já me estou a sentir um pouco perdida. Estava a pensar se podias vir até cá e...”

Lucy parou novamente, mas nem precisou de terminar a frase. Riley compreendeu perfeitamente que Lucy queria que ela assumisse novamente o comando da investigação.

“Não sei Lucy,” Disse Riley. “O Meredith fez questão que eu ficasse de baixa.”

“Eu compreendo,” Disse Lucy. “Eu sabia que era uma loucura. Desculpa incomodar-te.”

“Não, espera, não desligues,” Disse Riley.

Outro momento de silêncio. Riley pensou no que diria a seguir.

“Eu já te ligo,” Disse finalmente.

“Ok,” Respondeu Lucy.

E terminaram a chamada.

“O que foi aquilo?” Perguntou April.

“Houve outro rapto no estado de Nova Iorque,” Respondeu Riley. “A Lucy quer que eu volte e trabalhe novamente no caso.”

Os olhos de April abriram-se muito.

“Então o que vais fazer?” Perguntou.

“Estou a pensar que devia voltar,” Disse Riley. “Teria que apanhar o próximo comboio para Albany.”

April pareceu assustada.

“Oh não, mãe,” Disse. “Nem penses. Vais-me mandar para ficar com o pai. Eu não vou para lá.”

Riley suspirou. April tinha razão. Mas quais eram as alternativas?

Então April disse, “Porque é que não vou contigo?”

Estava a sorrir. Riley gostou de ver novamente o seu sorriso.

“Talvez pudesse ajudar,” Acrescentou April.

“Nem penses,” Disse Riley. “Se viesses, tinhas que ficar trancada no quarto do hotel e não quero ouvir queixas a esse respeito.”

April pensou durante alguns segundos.

“Ok,” Disse. “Mas acho bem que o hotel tenha uma piscina. E tenho que comprar um fato de banho. Ainda estou de férias, mesmo que tu já não estejas.” April calou-se por um momento e depois acrescentou, “Prometo que te deixo trabalhar. Não vou atrapalhar.”

“Está combinado,” Disse Riley. Ligou para Lucy para lhe dizer que se ia por a caminho.


*


Cerca de quatro horas mais tade, Riley já estava em Albany num carro conduzido por Lucy. Tinham acabado de deixar April num confortável quarto de hotel que Lucy tinha reservado. Tinha ligação com o quarto onde estava Lucy. Riley e April tinham conseguido comprar um fato de banho ali mesmo no hotel e tinha deixado a filha satisfeita a nadar na piscina. Era bom saber que April estava num lugar seguro.

Lucy conduziu-as até um parque e depois parou próximo de uma zona delimitada por fitas onde um carro vazio se encontrava no meio da estrada. Dois polícias de Albany estavam junto ao mesmo. Aquela parte do parque também estava delimitada com fita de cena de crime.

“Aqui estamos,” Disse Lucy. “Pedi-lhes para deixarem tudo no lugar até tu chegares.”

Saíram do carro para inspecionar a cena. Riley pôde ver que a parte da frente do carro abandonado estava danificada, mas não demasiado. Não tinha sido um acidente em alta velocidade. A porta do condutor ainda estava aberta.

“O nome dela é Carla Liston,” Disse Lucy. “Ia para casa depois de terminar o turno no hospital e de fazer umas compras com uma amiga, Myra Cortese, também enfermeira. Liston deixara Cortese em casa antes de chegar a este local.”

Lucy apontou para o piso à frente do carro.

“Aqui está uma marca de derrapagem,” Disse. “E alguns estilhaços de vidro na estrada, mas são do farolim.”

Riley dobrou-se e inspecionou os danos no carro. “Mandem analisar estas marcas brancas,” Disse. “De certeza que são do veículo do assassino e ajudarão na identificação. Isto também significa que ele tem um pára-choques traseiro danificado.”

Lucy disse, “O veículo do raptor deve ter parado repentinamente no semáforo. Penso que o fez deliberadamente para que ela lhe batesse por trás. Atacou-a quando ela saiu do carro para verificar os danos.”

Riley anuiu.

“E temos a certeza que ele é pequeno e tem um aspeto nada ameaçador,” Acrescentou Riley. “Por isso ela não teve medo dele quando o viu. Tens algo de novo em termos de perfil?”

“Sim,” Disse Lucy. “Penso que gagueja. Obtive essa informação da florista que se lembrava de um estranho que não lhe conseguia dizer o que queria comprar para o funeral.”

“Bom trabalho,” Disse Riley. “Isso pode ser uma pista importante.”

Olhou mais atentamente para a frente do carro da mulher.

“O dano concentra-se mais na parte superior do que seria de esperar num carro de tamanho normal. Isso significa que era provavelmente uma carrinha ou camião. O mais certo é utilizar uma carrinha. E as correntes que os polícias encontraram?”

Lucy tirou uma fotografia a cores da capa que tinha consigo e mostrou-a a Riley. A foto tinha sido tirada quando as correntes ainda se encontravam no pavimento. Eram pequenas, do tipo utilizado para trancar uma porta.

“Não é o tipo de corrente que ele usou para atar as vítimas,” Disse Lucy. “Achas que a deixou como mensagem?”

“Não me parece,” Disse Riley. “Ele faz valer o seu ponto de vista quando pendura a vítima. Penso que esta caiu das traseiras da carrinha sem que ele reparasse. O mais certo é ter vários tipos de corrente na carrinha.”

“Mas porquê?” Perguntou Lucy. “Quero dizer, à parte o ataque às vítimas?”

Riley não respondeu. Era uma boa pergunta e muito importante. O que quer que movesse este assassino, não estava claro na sua mente. Queria ouvir outra opinião.

“Vou fazer uma chamada,” Disse Riley.

Foi até à vedação do parque e sentou-se. Depois ligou a Mike Nevins. O seu amigo psiquiatra forense tinha uma ampla experiência com vários tipos de assassinos e outros criminosos. O FBI ligava-lhe com frequência como consultor em casos difíceis.

Quando ele atendeu a chamada Riley disse, “Mike, preciso da tua ajuda. Estou em Albany a trabalhar no caso do assassino das correntes. Ele raptou outra mulher.”

“Pensava que estavas de baixa,” Disse Mike.

Riley suspirou. Não queria falar sobre isso com Mike. Ele não aprovaria o facto de ter contrariado as ordens de Meredith.

“Bem, estava, mas já não estou. Não faças muitas perguntas sobre isso, ok? Presumo que estás familiarizado com o caso?”

“Sim, tenho-o acompanhado. Ele cometeu dois homicídios. De ambas as vezes as mulheres foram encontradas com coletes-de-força e envolvidas em correntes.”

“Exato,” Disse Riley, “E estavam envolvidas em mais correntes do que as necessárias para imobilizar alguém. Até as envolve na boca da vítima. Parece estar obcecado com correntes de todos os tipos. Deve colecioná-las para onde quer que vá. Deus sabe quantas terá em casa. Parece que as correntes são uma espécie de fetiche.”

Riley levantou-se e começou a caminhar.

“O que se passa é que não percebo,” Disse. “Porquê correntes? Porque não outra coisa qualquer? E porque é que as utiliza por cima do colete-de-forças? É por isso que quero que dês a tua opinião.”

Um longo silêncio se instalou.

Por fim, Mike disse, “Podem ocorrer-me algumas razões plausíveis, mas nesta altura seriam pura especulação. Mas conheço alguém com quem devias falar – só que tens que o visitar na prisão de Sing Sing.”


CAPÍTULO 28


Um guarda acompanhou Riley até uma pequena sala com paredes bege e uma janela com grades. Numa das paredes estava um espelho que era obviamente uma janela de observação com acesso ao outro lado. O guarda olhou para Riley com ar inquisitivo e ela disse, “Tudo bem,”. Ele saiu e fechou a porta atrás de si.

O prisioneiro, envergando um fato-macaco verde-escuro, já se encontrava sentado à espera na mesa. E sorria para Riley.

Riley não sabia como devia interpretar aquele sorriso. Mas sem dúvida que era o sorriso de um assassino a cumprir pena de prisão perpétua. Sentou-se na cadeira do outro lado da mesa à sua frente.

Shane Hatcher era um Afro-Americano robusto. Mike Nevins dissera a Riley que ele tinha cinquenta e cinco anos mas que parecia mais jovem. Riley depreendeu que cuidava bem de si e utilizava o equipamento de treino de Sing Sing.

“Então, você deve ser a Agente Riley Paige,” Disse Hatcher. “O Mike Nevins contou-me algumas coisas a seu respeito.”

“Espero que coisas boas,” Disse Riley.

Hatcher não respondeu e o seu sorriso tornou-se um pouco mais inescrutável.

Usava pequenos óculos de leitura empoleirados na ponta do nariz. No entanto, não lhe davam um ar intelectual. O seu rosto era demasiado duro para o parecer.

No dia anterior, Mike dissera a Riley que devia falar com Hatcher e ela tinha de imediato marcado uma visita para aquela manhã. Conduzira duas horas de Albany até ao Centro Correcional de Sing Sing sozinha porque Lucy estava à espera da chegada do novo parceiro.

“Gosto do velho Mike,” Disse Hatcher. “Entrou em contacto comigo depois de ler um dos meus artigos. Publiquei em algumas revistas. Estudei muito aqui. Sobretudo criminologia. Tornei-me numa espécie de perito. Ganhei algum respeito na área. Acredito que partilhar algo com o mundo, é uma espécie de expiação.”

Debruçou-se para Riley e acrescentou com uma nota de confidencialidade, “Mudei muito. Não sou o miúdo que aqui entrou.” Após um breve silêncio, acrescentou, “Mas na verdade ninguém fica igual aqui dentro por muito tempo.”

Riley sabia que era verdade, mas não sabia bem em que sentido. Este homem estava em Sing Sing há muito tempo. Já estaria reabilitado, pronto para ser reintegrado na sociedade? Nenhuma comissão de indultos colocara a hipótese em várias décadas. Não, havia uma razão pela qual Shane Hatcher ainda estava atrás das grades. E também havia uma razão por que tinha sobrevivido. Podia ser um melhor ser humano do que o miúdo que ali entrara, mas também era mais astuto – talvez mais desonesto. O que podia constituir um maior perigo.

Olhou para Riley atentamente, aparentemente a avaliá-la.

“Porque é que devo falar consigo?” Perguntou. “Quero dizer, o que é que recebo em troca?”

Não era uma pergunta completamente inesperada. Antes de ir para Sing Sing, Riley pensara se devia levar consigo algum contrabando – um maço de cigarros ou uma pequena garrafa de whiskey. Os prisioneiros queriam sempre alguma coisa dos visitantes e Hatcher não seria exceção.

“O que tem em mente?” Perguntou Riley cautelosamente.

Hatcher tamborilou na mesa.

“Bem, digo-lhe o que quer saber, desde que me diga algo em troca quando terminarmos. Algo que não quer que as pessoas saibam. Algo que não quer que mais ninguém saiba.”

Riley tentou ocultar o seu desconforto. Isto podia ser complicado. O mais certo era querer que ela lhe contasse qualquer coisa que pudesse usar como vantagem ou mesmo chantagem

Mas o que realmente a surpreendeu foi não lhe pedir o favor adiantadamente, antes de falar com ela, É claro que Riley podia recusar.

Ou poderia alinhar? Tê-la-ia avaliado corretamente como alguém em cuja palavra podia confiar?

“De acordo,” Disse Riley.

“Então vamos começar,” Disse Hatcher.

Riley decidiu ir direta ao assunto.

“O Mike disse-me que sabe muito sobre correntes,” Disse.

O sorriso de Hatcher esmoreceu um pouco.

“Sim, chamavam-se ‘Shane the Chain’ quando fazia parte de um gang. Lutei muito com correntes, era uma espécie de imagem de marca. Isso tornou-me em alguém temido por isso subi rápido nas fileiras. E matei algumas pessoas com essas correntes. Não queira saber quantas. Afinal de contas, eu era um guerreiro da rua.”

O seu rosto assumiu uma expressão distante como se tivesse entrado no incómodo mundo das memórias.

“Havia um polícia,” Disse. “Ele jurou que me apanhava e eu jurei que o matava se tentasse. Bem, chegou o dia e eu pulverizei-o com um conjunto de correntes. Não restou muito dele quando terminei. Foi um funeral de caixão fechado.”

Os olhos cerraram-se.

“Esqueci-me de referir que deixei o corpo dele no alpendre da casa dele para que a mulher e os filhos o encontrassem. Foi aí que fui apanhado. E foi assim que aqui vim parar. Porque ainda cá estou.”

Riley estava alarmada com a calma com que contava a historia, como se estivesse a falar de outra pessoa. Estudou a sua expressão, procurando algum vestígio de arrependimento, mas não conseguiu detetá-lo. A sua história tornava óbvio o motivo pelo qual não lhe tinha sido concedido o indulto.

Hatcher Continuou. “O Mike falou-me acerca do assassino em série que procuram. Como prende as mulheres com correntes, as tortura e deixa os corpos todos envolvidos em correntes e coletes-de-forças.”

“Pois é,” Disse Riley. “Ele está obcecado com correntes. Parece colecioná-las, todo o tipo de correntes.”

“Consigo perceber porquê,” Disse Hatcher. “As correntes dão uma sensação de poder. Para mim, começaram como uma forma de intimidar. Nunca tive a intenção de matar ninguém. Mas tornaram-se num vício. Comecei a gostar delas. E matar, bem, sabia bem e não queria parar. Aquelas correntes levavam-me mesmo ao limite, de um miúdo sem futuro a um monstro sedento de sangue.”

Hatcher coçou o queixo pensativamnete.

“Que tipo de prova física tem?” Perguntou. “Quero dizer, à parte o seu interesse por correntes e coletes-de-força?”

Riley pensou por um momento.

“A minha parceira encontrou um cartão que pode conter uma amostra da sua caligrafia,” Disse. E mostrou-lhe uma foto do cartão. Hatcher segurou-a e olhou-a, ajustando os óculos de leitura à cana do nariz.

“Presumo que verificaram se tinha impressões digitais,” Declarou.

“Sim, apenas uma impressão parcial e sem resultados.”

Hatcher voltou a ajustar os óculos para observar com mais atenção.

“O que é que os peritos em caligrafia da UAC disseram?” Perguntou.

“Ainda não nos disseram nada.”

Hatcher parecia estar cada vez mais fascinado pelo cartão.

E então disse lenta e hesitantemente, “Há qualquer coisa nesta caligrafia. Não sei bem o quê...”

Depois estalou os dedos.

“Sim, já sei o que é. Parece mesmo a caligrafia de David Berkowitz. Já ouviu falar no ‘Filho de Sam’, não já?”

“Claro,” Respondeu Riley.

Tinha estudado sobre David Berkowitz na academia. Era uma assassino em série psicótico que matara seis pessoas e ferirara sete em meados dos anos 70. Antes de ser apanhado, tinha deixado cartas com a assinatura “Filho de Sam”. E o nome ficara.

Riley também sabia que Berkowitz tinha cumprido pena em Sing Sing. Pensou se Hatcher o teria conhecido. Teria sido uma relação fascinante.

Hatcher apontou para alguns pormenores da caligrafia.

“São as mesmas letras verticais,” Disse. “Também parece tensa e rígida como a de Berkowitz. Aposto que o seu homem tem muito em comum com ele.”

“Por exemplo?” Perguntou Riley.

Hatcher recostou-se na cadeira.

“Bem, o Berkowitz tinha sido entregue para adoção quando era bebé. Cresceu a sentir-se abandonado. Tinha um verdadeiro ‘problema materno’.”

Hatcher pensou um pouco mais.

“Começa a fazer sentido,” Disse. “O Berkowitz não tinha nada a ver com correntes, mas conheço alguns que tinham. Falei com eles sobre isso. Uma das coisas que a maior parte dos amantes de correntes têm em comum é o trauma de infância, talvez o abandono. Foram maltratados com correntes quando eram crianças, foram espancados com elas, presos com elas. Estiveram indefesos por isso procuram o poder nas correntes.”

Hatcher estava a ficar mais entusiasmado. Era óbvio que gostava de falar com outra pessoa, sobretudo alguém que pudesse esclarecer.

Continuou, “É claro que as correntes nunca lhe vão dar aquela sensação de poder porque as correntes o fizeram sentir-se impotente. Mas tenho a certeza de que sabe qual é a definição de Einstein para a loucura.”

Riley anuiu. “Disse que era fazer uma coisa vezes sem conta e esperar um resultado diferente.”

“Esse não é o meu perfil porque eu não sou um psicopata,” Disse Hatcher. “Mas se estivéssemos a falar de um verdadeiro assassino em série, nesse caso...”

Hatcher olhou Riley olhos nos olhos.

Disse, “Penso que o melhor é procurar em orfanatos. Procure por alguém que foi abandonado e preso. Alguém que tenha sido torturado.”

Hatcher colocou os nós dos dedos em cima da mesa.

“Posso ajudá-la em mais alguma coisa?” Perguntou.

Riley estava mais do que satisfeita.

“Não, penso que é suficiente,” Disse.

“Então o que é que não quer que as pessoas saibam a seu respeito?” Perguntou Hatcher.

Durante alguns momentos Riley não falou. Vacilou. Agora era o momento em que podia simplesmente levantar-se e ir embora, não cumprindo a sua parte do acordo. Afinal de contas, o homem não constituía nenhuma ameaça para ela. Nunca saíria daquele lugar.

Mas os seus olhos estavam presos aos seus. A sua vontade era extremamente forte e ele compreendi-a de uma forma desconfortável. Ele sabia que ela não ia deixar de cumprir o acordo. Mesmo não sabendo porquê, nunca o faria.

Mas o que é que lhe poderia dizer que lhe desse mais poder sobre ela do que aquele que já tinha?

“Sou uma péssima mãe,” Disse.

Hatcher abanou a cabeça e riu amargamente.

“Vai ter que fazer melhor do que isso,” Disse. “Não quero saber uma coisa que todos que a conhecem já sabem. Até eu depreendi isso.”

Riley sentiu um arrepio. Era bem possível que ele tivesse percebido isso a respeito dela. Pensou em silêncio durante mais alguns segundos.

Por fim, disse, “Disse-me que gostava de matar com correntes. Eu conheço a sensação.”

“Não me diga?” Disse, parecendo intrigado.

“Há alguns dias matei um homem com uma pedra,” Contou. “Bati-lhe na cabeça vezes sem conta. E a verdade é que não me arrependo nada. Na verdade, desejava poder fazê-lo novamente.”

Ele sorriu, aparentemente satisfeito com a resposta.

“E agora se não se importa, vou-me embora,” Disse Riley.

Mal as palavras lhe saíram da boca, perguntou a si própria, Porque é que lhe estou a pedir autorização?

Ele tinha realmente uma imensa força de vontade.

“Só mais uma coisa,” Disse Hatcher. “Queria uma resposta honesta a uma pergunta simples. Acha que um homem como eu merece viver?”

Riley sentiu formar-se um sorriso no seu próprio rosto.

“Não,” Disse.

Hatcher riu sombriamnete e levantou-se da cadeira.

“Venha visitar-me quando quiser,” Disse. Depois com um encolher de ombros e uma piscadela de olho acrescentou, “Estarei por cá.”


*


Depois da conversa com Hatcher, Riley voltou para o carro para regressar a Albany. Antes de ligar o carro, falou com Lucy. Contou-lhe o que Hatcher tinha dito e pediu-lhe para que a equipa da UAC investigasse orfanatos, casas de acolhimento e serviços de adoção e os ligasse a problemas de fala, sobretudo gaguez.

“Queres dizer investigar lugares que tivessem sido acusados de uso excessivo de repressão?” Perguntou Lucy.

“Sim, mas devem ver as coisas na outra perspetiva também, registos de crianças que tenham sido reprimidas. Sobretudo com correntes. Devem cruzar referências de tudo isso com o que projetámos como sendo a provável idade e constituição física do assassino das correntes. Ainda não sabemos exatamente o que procuramos, mas é um começo.”

“Ok, mais alguma coisa?”

“Devem cruzar referências com tudo o que esteja relacionado com correntes.”

Lucy concordou e desligou. Riley esperava que a busca da UAC fosse mais útil do que as entrevistas realizadas com a família da vítima e colegas de trabalho. A família da mulher estava emocionalmente devastada e em grave estado de negação. Recusavam-se a acreditar que ela tinha sido raptada. Talvez tivesse ficado ferida no acidente, insistiam, e andasse a deambular algures. Ainda assim, estavam ansiosos para que a polícia e o FBI tratassem de tudo. Para a encontrarem e trazerem para casa.

A enfermeira que tinha sido deixado em casa pela vítima tentara ser útil. Tinha descrito o que tinham feito no centro comercial depois de saírem do trabalho, mas parava frequentemente e corrigia a história, colocando os acontecimentos numa ordem diferente.

“Peço desculpa,” Dissera chorando. “Eu sei que me devia lembrar de mais coisas. Só nos estávamos a divertir a fazer compras depois do trabalho. Tudo estava tão normal.”

Riley pedira à inconsolável mulher para ligar se se lembrasse de mais alguma coisa, nem que fosse um pormenor insignificante. Mas não parecia provável que isso pudesse suceder.

Riley sentia-se sombria a caminho de Albany. Mas esperava que a UAC já tivesse alguma informação útil quando chegasse ao seu destino.


*


Menos de duas horas depois, Riley entrava no edifício do FBI de Albany. Quando viu quem lá estava com Lucy, parou de imediato. Era Bill Jeffreys. Virou-se mesmo a tempo de ver Riley.

“O que é que estás aqui a fazer?” Perguntou ele.

“O que é que tu estás aqui a fazer?” Devolveu Riley.

“O Meredith mandou-me para ajudar a Agente Vargas,” Disse. “Eu sei que ele não te enviou. Devias estar de baixa. Ele disse-me que era uma ordem.”

Lucy parecia mortificada.

“Oh não,” Disse. “A culpa é toda minha.”

“Não, não é Lucy,” Disse Riley cansada. “A decisão foi minha.”

Bill parecia não acreditar no que via.

“Riley, o que é que pensas que estás a fazer? Já foste despedida uma vez, queres ser despedida outra vez? E depois de tudo o que passaste com a tua filha, achas que estás num estado de espirito próprio para regressares ao trabalho?”

“Não há nada de errado com o meu estado de espírito,” Replicou Riley.

Bill abanou a cabeça. “E a April?” Perguntou. “Onde é que ela está?”

“Está aqui em Albany,” Respondeu Riley. “Está a salvo Bill, e vai continuar assim.”

Lucy tentou intrometer-se entre Riley e Bill. Disse, “Agente Jeffreys, assumo a total responsabilidade, eu é que lhe pedi para vir.”

Antes de Bill conseguir responder, uma voz hesitante surgiu próxima.

“Hum, Agente Paige...”

Riley e os companheiros voltaram-se. Um tímido jovem técnico acabara de entrar na área.

“Penso que temos algumas pistas,” Disse.


CAPÍTULO 29


O ambiente não estava pacífico na sala de reuniões. Bill estava claramente desagradado com a presença de Riley em Albany. Ele e Lucy sentaram-se de um lado da mesa, a percorrer uma lista de possíveis suspeitos. À sua frente estava Riley não perdendo pitada de cada item que escrutinavam.

Paul Nooney, o técnico que os interrompera há pouco, estava próximo, a folhear a sua lista de possíveis suspeitos. Tinha o portátil aberto e fazia buscas intermitentes.

“E este?” Perguntava Bill, passando uma folha de papel a Lucy.

“Não me parece,” Disse Lucy. “Este tipo resistiu à detenção e foram precisos três polícias para o imobilizar. Não procuramos alguém tão forte.”

Riley puxou a folha de papel para a conseguir ver e limitou-se a assentir com a cabeça.

“Ei, aqui está um,” Disse Nooney. “Chama-se Wayne Turner e vive em Walcott. Tem vinte e oito anos, tem 1,68 m e pesa 52 Kg. De acordo com o que aqui temos, tem um ligeiro gaguejar. É órfão e passou algum tempo num orfanato antes de ser adotado. Há sete meses foi preso por atacar uma mulher no exterior de um cinema. É o único delito que tem, mas ainda assim...”

O interesse de Riley aumentou.

“Consegues saber mais alguma coisa a seu respeito?” Perguntou.

Nooney fez uma busca no portátil. “Empregou-se recentemente numa empresa de ferragens,” Informou. Olhando para os outros acrescentou, “Isso significa que teria acesso a muitas correntes. Também significa que viaja bastante pelo vale do rio.”

Bill olhou para Lucy e disse, “Parece alguém que devemos visitar.”

Lucy anuiu e ela e Bill levantaram-se. Riley também se levantou.

“Tu não,” Disse Bill a Riley. “Não estás consignada a este caso. Volta para o teu hotel e passa algum tempo com a April. Ela precisa da tua atenção.”

Riley sentiu-se bloqueda. Estava implícito o “e nós não”. Ela sabia que Bill tinha razão. A April estava bem, mas de certeza que ia gostar de ter companhia.

Depois Lucy disse, “Vou voltar para o hotel. Posso trabalhar a partir de lá e vejo a April.”

Riley e Bill olharam boquiabertos para Lucy.

Lucy encolheu os ombros e disse, “Ouçam, não sei o que é que se passa entre vocês, mas resolvam o que têm a resolver. E eu só vou atrapalhar. Vão. Façam o vosso trabalho.”

Bill olhou para Riley. Depois rosnou, “Ok, vamos.”


*


No decorrer da viagem de meia hora entre Albany e Walcott, Riley tentou conversar com Bill várias vezes. Mas não correu muito bem. Tentou pedir desculpa uma ou duas vezes por ter vindo para Albany contra as ordens de Meredith. Também sugeriu que talvez devessem conversar sobre algumas das origens da tensão entre eles, incluindo a chamada que Riley fizera embriagada.

Mas Bill não queria falar sobre nada. Isso preocupava Riley. A sua atitude taciturna não se coadunava com uma entrevista a um potencial suspeito.

Bill estacionou o carro em frente a uma pequena casa branca – uma pequena casa de aspeto normal numa cidade normal. Mas Riley pensou que era exatamente o tipo de lugar onde o assassino das correntes poderia viver.

Dirigiram-se à porta e bateram. Um indivíduo com um surpreendente rosto juvenil veio à porta. Era baixo e extremamente magro.

Por um segundo, Riley quase perguntou, “O teu pai está em casa?” Mas impediu-se a tempo.

“É Wayne Turner,” Perguntou.

“S-sim, p-porquê?” Gaguejou o homem nervosamente.

Bill mostrou o distintivo e disse, “Somos os Agentes Jeffreys e Paige, FBI. Gostaríamos de entrar e fazer-lhe algumas perguntas.”

“N-não percebo.”

“Nós explicamos tudo,” Disse Bill. “Deixe-nos entrar.”

Wayne Turner conduziu-os a uma sala de estar arrumada e modestamente decorada. Com um gesto silencioso, convidou Bill e Riley a sentarem-se,

Turner respirou fundo para controlar o seu discurso. Depois disse, muito lentamente, muito suavemente, “Peço desculpa pelo gaguejar. Acontece quando estou nervoso. Fiz muita terapia e geralmente consigo controlá-lo.”

Bill disse, “Pode dizer-nos onde esteve na passada quarta-feira à noite, entre o por do sol e a meia-noite?”

Turner parecia desconfortável, mas conseguiu controlar o discurso. “Estava a conduzir entre Dudley e aqui. Fui visitar os meus pais por lá.”

“Alguém pode confirmar o seu paradeiro nesse período?” Perguntou Bill.

“N-não no período a que se r-referem,” Disse Turner, com a ansiedade a crescer. “D-deixei a casa dos meus pais cerca das oito. Só c-cheguei a casa quase à meia-noite. É-é uma longa viagem.”

A expressão de Bill denotava uma desconfiança crescente.

Perguntou, “E no domingo à noite? Entre as oito e as dez?”

Os olhos de Turner demonstraram inquietação.

“Domingo? E-estava em c-casa,” Disse.

“Sozinho?” Perguntou Bill.

“S-sim.”

Riley percebeu que Turner começava a entrar em pânico. Mas isso não significava necessariamente que aquele fosse o homem que procuravam. Riley tinha visto pessoas completamanete inocentes a ficar assustadas com perguntas daquelas. Ela sabia que a entrevista correria melhor se ela e Bill não o colocassem na defensiva. Decidiu que devia fazer as perguntas.

“Soubemos que tem um novo emprego, “ Disse Riley, de forma afável. “Parabéns. Pode falar-nos um pouco sobre ele?”

Agora Turner parecia confuso, mas também um pouco lisonjeado. Consegui falar mais tranquilamente.

“Comecei a trabalhar para a Decatur Brothers Hardware. Um retalhista. Sou um representante de vendas. Vou viajar muito. Gosto de andar de um lado para o outro.”

“E antes deste trabalho?” Perguntou Riley.

Turner baixou a cabeça. Percebera que tocara num assunto que o incomodava.

“T-tive dificuldade em encontrar trabalho durante algum tempo,” Disse. “N-não é fácil quando se tem um problema de fala. Pode a-acontecer no momento errado.”

“Espero que este novo emprego dê certo,” Disse Riley.

“Obrigada.”

Bill intrometeu-se, “Sabemos que foi preso há alguns meses atrás. Pode falar-nos sobre isso?”

Pela reação de Turner, Riley percebeu que Bill tocara num assunto ainda mais sensível do que as dificuldades em arranjar emprego. Esperava que não boicotasse a entrevista.

“Ah, i-isso,” Disse Turner, parecendo bastante envergonhado. “Uma mulher p-passou à minha f-frente numa fila para o c-cinema. R-reclamei. Ela g-gozou com o meu gaguejar.”

Abanou a cabeça.

“Não s-sei o que é me d-deu,” Disse. “B-bati-lhe. Nunca tinha f-feito nada assim.”

Riley estudou a sua expressão. Podia estar a dizer a verdade ou podia estar a mentir. Não tinha a certeza.

Disse, “Sr. Turner, espero que não se importe que lhe pergunte isto. Foi adotado, não foi?”

Turner assentiu.

“Disse que foi visitar os seus pais a Dudley, “ Disse Riley.

Turner assumiu um cuidadoso controlo da voz. “Vou lá todas as semanas.” Disse.

“Dá-se bem com os seus pais?” Perguntou Riley.

“Ah, sim,” Respondeu. “Sempre foram bons para mim.”

Riley parou e depois disse, “Esteve num orfanato antes de ser adotado, não esteve?”

Turner assentiu novamente.

Na voz mais suave possível, Riley perguntou, “Foi maltratado lá?”

Turner olhou diretamente para os seus olhos e falou com irrepreensível calma.

“Não gostava de estar lá,” Disse. “Preferia não falar do assunto.”

Riley ficou ligeiramente sobressaltada pela sua súbita serenidade.

Depois Turner perguntou, “Sou suspeito de alguma espécie de crime?”

“Estamos a investigar dois homicídios e um rapto,” Disse Bill.

Riley conteve um suspiro. A resposta de Bill não era minimamente graciosa. Mesmo assim, Turner parecia notavelmente imperturbado.

“Não matei, não magoei nem raptei ninguém, “ Disse Turner. “E agora se não se importam já estou farto de responder a perguntas. Se quiserem fazer mais perguntas vou querer ter o meu advogado presente.”

Bill estava prestes a dizer mais alguma coisa, mas Riley silenciou-o com um gesto.

Turner levantou-se da cadeira e caminhou para a sua secretária. Vasculhou alguns cartões, depois pegou num deles e entregou-o a Riley.

“Aqui está o cartão do meu advogado,” Disse. “Entrem por favor em contacto com ele se tiverem mais perguntas a fazer.”

Riley sorriu educadamente e disse, “Nós compreendemos Sr. Turner. Obrigado pelo tempo que nos dispensou.”

Bill e Riley saíram da casa e entraram no carro.

Quando Bill começou a conduzir disse, “Viste como o discurso dele se alterou? Mal gaguejou na parte final. O que te pareceu?”

Riley não respondeu. A verdade é que não sabia o que havia de pensar sobre aquilo. A mudança de comportamento de Turner podia muito bem ser a caraterísticas de um psicopata. Por outro lado, um homem que passara uma vida inteira a lidar com o problema de fala de Turner, teria certamente desenvolvido várias estratégias para o ultrapassar. Talvez aquilo que tinham acabado de ver demonstrasse quão forte ele era no fundo.

Ao pensar naquilo, Riley mexia no cartão que Turner lhe entregara. De repente, algo lhe ocorreu.

“Bill, ele não é o homem que procuramos,” Disse Riley.

“Porque não?”

“Lembras-te do cartão de que a Lucy te falou? Aquele que a florista lhe deu?”

Bill anuiu. “Sim, aquele que tem a provável caligrafia do assassino.”

“Foi assim que ele comprou as flores,” Disse Riley. “Escreveu. O Wayne Turner não teria feito isso. Ele teria falado com a florista mesmo que fosse difícil. Seria uma questão de orgulho para ele. O homem que procuramos não é assim. Ele mal consegue falar, de acordo com o que a florista disse. Algumas pessoas até poderão pensar que é mudo ou atrasado mental.”

Bill assentiu e acrescentou, “E não conseguiria arranjar um emprego como representante de vendas.”

Naquele momento, o telemóvel de Riley tocou. Era Lucy.

“Riley, algum progesso por aí?”

“Não,” Disse Riley. “Não era o nosso homem. Estamos a regressar.”

“Ah, ainda bem,” Disse Lucy, parecendo entusiasmada. “Venham para Albany o mais rapidamente possível.”

Riley foi acometida por uma onda de pânico.

“Aconteceu alguma coisa à April?” Perguntou.

“Não, a April está ótima,” Disse Lucy. “Estou no gabinete de campo. Pedi a uma das empregadas da limpeza do hotel para ficar de olho nela. Dei-lhe uma boa gorjeta. A April está bem com esta senhora.”

Riley suspirou de alívio. Lucy devia ter encontrado uma mulher Hispânica, alguém que fizesse April lembrar-se de Gabriela. Decisão acertada.

“Então o que é que se passa?” Perguntou Riley.

“A Myra Cortese vem ao gabinete,” Disse Lucy. “É a outra enfermeira que estava com a vítima que foi raptada. Diz que se lembra de algumas coisas.”


CAPÍTULO 30


Afinal talvez tenhamos sorte, pensou Riley. Talvez a enfermeira se tivesse lembrado de algo que lhes permitisse ter uma ideia de onde começar a procurar Carla Liston. Talvez encontrassem este estranho assassino das correntes antes de assassinar a mulher que tinha em seu poder.

Quando ela e Bill chegaram ao gabinete de campo, Lucy e Myra Cortese já estavam à sua espera na sala de reuniões. A mulher elegante e de cabelo escuro não se encontrava agora com o uniforme de enfermeira vestido. Parecia cansada. Sem dúvida que não dormira muito desde que a amiga desaparecera. Mas também parecia ansiosa por ajudar.

“Peço desculpa por não vos ter conseguido ajudar mais da última vez que falámos,” Disse Myra quando Bill e Riley se sentaram à mesa. “Estava despedaçada. Estava em choque. Não conseguia pensar em nada com clareza. Agora penso recordar-me de mais coisas. Pelo menos parece que algumas memórias começam a surgir.”

“Agradecemos a sua ajuda,” Disse Bill. “Tudo aquilo de que se lembre pode ser uma grande ajuda.”

Riley percebeu que Bill estava preparado para fazer algumas perguntas. Riley abanou-lhe a cabeça e gesticulou discretamente em direção a Lucy. Riley preferia que Lucy emprestasse a sua sensibilidade e habilidade a esta entrevista. Bill percebeu a mensagem, anuiu e não disse nada.

“Não sei bem por onde começar,” Disse Myra. “Lembro-me de pormenores mas não sei quais importam. Achei que devia vir e tentar novamente.”

“Tudo bem,” Disse Lucy. “Vamos conversando. Comecemos pelo centro comercial. Você e Carla estavam a fazer compras depois de terem saído do trabalho e...”

“Na verdade não foi bem assim,” Explicou Myra. “Não estávamos mesmo a fazer compras. Há um pequeno café de que gostamos no centro comercial. Vamos lá quase todos os dias depois de fecharmos a clínica. Parámos ali para tomar um cappuccino e conversar sobre tudo menos trabalho.”

Riley sentiu-se esperançada. Conseguia perceber pelo tom de voz de Myra de que estava mais assertiva do que na última entrevista.

“Muito bem,” Disse Lucy. “Espero que não se importe se lhe fizermos algumas das perguntas que colocámos da outra vez.”

“De maneira nenhuma.”

Lucy olhava para ela com uma expressão paciente e agradável.

“No café, reparou em algo estranho?” Perguntou Lucy. “Alguém que se destacasse? Algum funcionário ou cliente?”

Myra parou para pensar.

“Não,” Respondeu. “Jenna era a empregada habitual. E não havia muita gente no café. Havia um casal idoso numa mesa próxima. E uma mulher que eu e a Carla conhecemos estava noutra mesa, uma boa amiga. Um casal jovem... um grupo de raparigas... penso que não estava lá mais ninguém.”

“A que horas saíram?” Perguntou Lucy.

“Penso que perto das nove,” Disse Myra. Saímos do centro comercial para o parque de estacionamento. Não era muito longe.”

Lucy deu uma palmadinha na mão da mulher.

“No caminho pelo centro comercial lembra-se de algo relevante?” Perguntou Lucy.

Myra fechou os olhos.

“Havia um homem,” Disse. “Era alto, pesado, ruivo e tinha barba. Olhou para mim. Pensei que se estivesse a atirar a mim e não gostei.”

Riley considerou aquele pormenor encorajador. Era evidente que o homem que ela descrevia não encaixava no perfil que procuravam, mas se tivesse olhado bem para o assassino, podia lembrar-se dele e descrevê-lo.

“Muito bem,” Disse Lucy. “E quando entraram?”

“Só havia – pessoas, a maior parte delas a dirigirem-se aos seus carros como nós. Havia muitos adolescentes. Ninguém se destacava.”

Os olhos da mulher ainda estavam fechados. Lucy não a pressionou com mais perguntas durante alguns segundos. Riley perecebeu porquê. Era melhor permitir que a mulher recuperasse as memórias, as deixasse voltar lentamente à superfície.

“E veículos?” Perguntou Lucy por fim. “Nomeie aqueles de que se recordar.”

“Bem, estávamos estacionadas ao lado de um carro desportivo.” Parou novamente e depois continuou, “Havia uma pickup à frente do carro da Carla. Tinha uma pequena caravana. Havia um grande SUV do lado oposto ao nosso.”

Riley começou a tirar notas. Não era possível que o assassino conduzisse um SUV ou uma caravana.

Depois Myra disse,”Oh, lembro-me de uma carrinha branca. Saiu exatamente quando nós saímos. Era uma carrinha de entregas, daquelas sem vidros nas laterais.”

Lucy encolheu a mão, parecia chocada.

“Oh meu Deus,” Disse Lucy.

Riley ficou sobressaltada com a súbita perda de compostura de Lucy. Myra abriu os olhos, também surpreendida.

“É importante?” Perguntou. “Sabe, penso que vi novamente uma carrinha branca quando a Carla parou para me deixar. Não sei se era a mesma.”

Lucy procurava o seu telemóvel. Depois mostrou uma foto a Myra.

“Parecia-se com esta?” Perguntou.

“Sim, parecia,” Respondeu Myra. “Tenho a certeza que a do centro comercial se parecia com essa.”

Lucy empalideceu e começou a tremer.

“Myra, está a ser uma grande ajuda,” Disse com a voz tremente. “Pode esperar aqui um momento enquanto falo a sós com os meus colegas?”

“Claro,” Disse Myra.

Lucy levantou-se e Riley e Bill seguiram-na para o exterior da sala.

“Meu Deus,” Disse Lucy. “Acho que lixei tudo.”

“O que foi?” Perguntou Riley.

Lucy andava de um lado para o outro.

“Em Reedsport, depois do funeral de Rosemary Pickens, eu estava a caminhar na rua e uma carrinha branca aproximou-se de mim. Demasiado, pensei na altura.”

Mostrou a Bill e Riley a foto que tinha no telemóvel.

“Depois acelerou e desapareceu e eu tirei esta foto. Não pensei mais nisto – até agora. Devia ser ele. Perdi-o. Deixei-o fugir.”

Riley sentiu uma ponta de desilusão. Tinha sido a primeira coisa estúpida que vira Lucy fazer. Mas Bill parecia não encarar as coisas da mesma forma.

“Calma,” Disse a Lucy. “Ainda não temos a certeza se a carrinha que viste era aquela de que Myra se lembra. Há montes de carrinhas brancas por aí. Pode ter sido apenas uma coincidência.”

Riley duvidava. A julgar pela sua expressão angustiada, também Lucy.

“Tenho que resolver isto,” Disse Lucy. “Tenho que endireitar as coisas. Tenho que falar com o Paul, o técnico. Ele pode entrar em contacto com o centro comercial, verificar as fotos da segurança.”


*


Pouco depois de terem agradecido a Myra Cortese pela sua ajuda e deixarem-na ir para casa, Riley, Bill e Lucy encontravam-se no laboratório, à espera do que Paul Nooney conseguisse desencantar. Para já, sabiam que a carrinha da foto de Lucy era uma Ford com cerca de dez anos. Não tinha letras nas partes laterais nem qualquer outro tipo de identificação, apesar da pintura já ter conhecido melhores dias.

Agora o técnico informático estava à procura das imagens da câmara de segurança para uma identificação.

“Já está,” Disse Paul. “Vejam.”

Riley juntou-se a Bill e Lucy atrás de Paul. Sem dúvida que a câmara tinha apanhado as traseiras de uma carrinha Ford branca a sair do parque de estacionamento.

“Como é que podemos ter a certeza de que é o mesmo veículo?” Perguntou Bill.

Lucy colocou a foto que tinha no telemóvel ao lado da imagem no computador.

“Aqui podem ver que a pintura está arranhada no mesmo sítio. Não há dúvida de que é a mesma carrinha. Fiz mesmo asneira. Mas pelo menos temos um plano claro da matrícula. É uma matrícula da Pensilvânia. Paul, quanto tempo demoras a localizar o proprietário?”

“Dá-me só um minuto,” Disse Paul e voltou ao trabalho.

Riley pegu em Bill pelo braço e afastaram-se um pouco de Lucy.

“Estou tão desiludida com ela Bill,” Disse Riley com a voz sumida para Lucy não ouvir. “Pensava que era melhor.”

“Vá lá Riley,” Disse Bill. “Não me digas que não fizeste a tua dose de asneiras quando eras novata. Podes ter a certeza que eu fiz. E mesmo que tenha falhado, não falhou completamente. Acabou por juntar as peças no fim.”

Riley sabia que Bill tinha razão. Tinha quase sempre razão e às vezes isso aborrecia-a. Virou-se e viu que Lucy estava com um aspeto miserável.

Riley aproximou-se dela e disse, “Não faz mal.”

“Faz sim,” Ripostou Lucy.

E naquele preciso momento, Paul chamou-os.

“Cá está. Deixem-me mostrar-vos.”

Reuniram-se todos atrás de Paul e olharam por cima do seu ombro. A foto de segurança ainda estava no ecrã, ao lado de alguns documentos da DGV.

“O registo está caducado,” Disse. “Expirou há anos. O autocolante com a data na foto parece atual, mas suspeito que seja falsificado. O nome e morada do registo também aparece em cartas de condução. Ainda está no mesmo local. Chama-se Walter Sattler e ainda vive em Hoxeyville, Pensilvânia. Fica logo do outro lado da fronteira do estado, a umas duas horas de distância.”

A foto da carta de condução mostrava um rosto magro e arrapazado. O homem tinha 1,70 m de altura e trinta e três anos.

“Tem que ser ele,” Disse Bill. “Vamos pedir um mandato e apanhá-lo.”

Riley anuiu.

“Ainda podemos ir a tempo de salvar Carla.”


CAPÍTULO 31


Riley pensou que talvez aquele longo dia terminasse bem afinal. Começando com a viagem a Sing Sing, as peças que tinham conseguido juntar apontavam para aquela morada em Hoxeyville, Pensilvânia. Ela e Bill aproximaram-se cautelosamente da casa.

Tinha demorado mais do que esperavam conseguir um mandato de busca e a viagem demorara duas horas, por isso já era muito tarde e estava muito escuro. O modesto bairro de classe trabalhadora parecia agradável e pacífico. Apesar de não se verem luzes nem dentro, nem fora de casa, a rua estava bem iluminada. Riley conseguia ver que a casa tinha janelas de cave – o lugar ideal para manter alguém cativo. Apesar de não estar nenhum veículo estacionado perto da casa, havia uma garagem fechada. A carrinha estaria provavelmente lá dentro.

“Armas?” Perguntou Riley silenciosamente, preparando-se para sacar a sua Glock. Pensaram que a prisioneira tinha mais hipóteses de sobreviver se não irrompessem por lá adentro com uma equipa SWAT.

“Ainda não,” Disse Bill. “Com sorte, nem vamos precisar delas. Ele não é um atirador e não é muito forte.”

Ao encaminharem-se para o alpendre, Riley esperou que Bill tivesse razão. A verdade era que não tinha lidado com muitos assassinos que não resistissem. E a maior parte estava armado.

Bill tocou à campainha e bateu na porta da frente. Ninguém apareceu e Bill bateu outra vez.

“FBI,” Gritou Bill. “É aqui que mora Walter Sattler? Temos um mandato.”

Mais uma vez ninguém apareceu, mas pareceu a Riley ter ouvido um movimento atrás da porta. Instintivamnete, sacou a arma apesar da relutância de Bill em usar armas.

De repente, a porta abriu-se. Um homem pequeno de pijama estava à porta a apontar-lhes uma shotgun. Riley apontou-lhe a Glock à cara.

“Largue a arma,” Disse Bill, sacando a sua própria arma.

“Calma,” Disse o homem, apontando o cano da arma ora para Riley, ora para Bill. “Tenham calma. Eu não quero problemas. Só quero ver os vossos distintivos.”

Com as mãos livres, Bill e Riley mostraram os distintivos. O homem baixou a arma.

“Largue a arma,” Repetiu Bill.

“Ok. Raios.” O homem colocou a arma no chão. Riley apanhou-a.

“Mãos na cabeça,” Disse Bill.

O homem obedeceu. “Estou a cooperar,” Disse. “O que é que se passa?”

O coração de Riley quase parou quando o ouviu falar.

Ele fala perfeitamente bem, Pensou. O homem parecia nervoso como qualquer pessoa estaria naquela situação, mas não havia qualquer vestígio de gaguez.

Ainda assim, reconheceu o homem da fotografia da carta de condução. Este era mesmo Walter Sattler. Tinha que haver uma razão para as pistas apontarem para ele.

Estariam a lidar com dois criminosos a trabalhar em equipa?

Mas não, isso não encaixava.

Riley preparava-se para colocar a arma no coldre quando uma voz de mulher chamou a sua atenção.

“Walter, o que é que se passa? Chamo o 112?”

A mulher estava de pé no topo das escadas em camisa de noite. Tinha rolos no cabelo.

“Não, não é preciso, Peg,” Disse Walter Sattler. “É o FBI. Não sei o que querem. Vê só se os miúdos não estão assustados. Volta para a cama. Eu trato disto.”

A mulher voltou para cima. Sattler tinha as mãos perfeitamente visíveis.

Bill revistou-o rapidamente para confirmar se não tinha mais armas em sua posse. Não descobrindo mais nada, colocou a sua arma no coldre, mas Riley manteve a dela a postos para qualquer eventualidade.

“Temos um mandato de busca para revistar a casa,” Disse Bill, exibindo o documento.

“E se eu não quiser que a revistem?” Perguntou Sattler.

Riley respondeu, “Pode tratar disso mais tarde com o seu advogado.” E virando-se para Bill disse, “A base parece o local mais provável.”

Bill entrou pela casa adentro e desapareceu.

“De que é que se trata?” Perguntou Sattler a Riley. “De que é que estão à procura, afinal?”

“É proprietário de uma carrinha Ford branca?”

Sattler parecia completamente apanhado de surpresa.

“O quê? Não! Temos uma Nissan. Está na garagem. Não tenho uma Ford desde...”

E a sua voz sumiu-se. Parecia ter-se lembrado de algo. Entretanto, Bill tinha regressado da cave.

“Nada suspeito na cave,” Informou Bill. “Vou ao sótão?”

“Não,” Disse Riley. “Espera alguns minutos.”

Com mulher e filhos no andar de cima, Riley sabia que não era provável que a mulher desaparecida ali estivesse. Parecia bastante óbvio que Sattler não tinha ninguém preso, pelo menos não naquela casa.

O comportamento de Sattler era agora muito mais dócil.

“Ouça, houve um mal-entendido,” Disse o homem. “Sente-se. Penso que consigo resolver isto.”

Riley e Bill sentaram-se com ele na sala.

“Falem-me mais dessa carrinha Ford que procuram,” Disse Sattler.

“Vou mostrar-lha,” Disse Riley.

No telemóvel, mostrou a Sattler a foto que Lucy tirara juntamente com a foto de segurança.

“Raios,” Rugiu Sattler. “Pensava que nunca mais ia ouvir falar dessa carrinha.”

“Explique-se, por favor,” Incentivou-o Riley.

Sattler respirou longa e profundamente.

“Ouçam, o tipo que procuram não sou eu,” Disse. “Estão à procura do meu primo, Eugene Fisk. Não o vejo há anos. O que é que ele fez?”

“É suspeito de dois homicídios e um rapto,” Informou Bill.

Sattler ficou boquiaberto de choque.

Riley perguntou, “Como é que ele ficou com a sua carrinha?”

“Dei-lha há nove anos,” Disse Sattler. “Queria tanto que se fosse embora que nem me dei ao trabalho de tratar dos documentos. Entreguei-lhe as chaves e disse, ‘Desaparece daqui e nunca mais me apareças à frente.’ E foi o que ele fez.”

A cabeça de Sattler pendeu num mea culpa.

“Sei que não foi a coisa mais certa,” Disse. “Às vezes penso nisso. Mas se conhecessem o Eugene... Bem, só queria que ele desaparecesse da minha vida de vez.”

Sattler olhou para o outro lado da sala com uma expressão de vergonha e arrependimento.

“O que nos pode dizer sobre ele?” Perguntou Riley.

“O Eugene era filho da irmã da minha mãe,” Disse Sattler. “Ela chamava-se Sherry Fisk. Nunca a conheci. Toda a família – os meus pais incluídos – encaravam-na como lixo que vivia em caravanas. Há quem diga que era maluca.”

Sattler parou o seu relato por um momento.

“Ninguém sabia quem era o pai do Eugene,” Disse. “E eu nunca conheci verdadeiramente o Eugene – não enquanto criança. A mãe foi assassinada quando eu era adolescente. Penso que o Eugene tinha dez anos. Nunca soube dos pormenores, como tinha acontecido. Era um daqueles segredos de família de que ninguém queria falar. Nunca apanharam o assassino.”

Riley tirava notas.

“O que aconteceu ao Eugene quando a mão foi morta?” Perguntou Riley.

“Penso que esteve numa família adotiva,” Disse Sattler. “Meteu-se em algum tipo de sarilho e acabou internado devido a problemas mentais.”

Sattler parou novamente.

“Deixaram-no sair quando tinha dezoito anos. Eu tinha vinte e tal anos, casado, a começar a vida. Como disse, nunca o tinha conhecido quando éramos miúdos. Mas de repente, agia como se tivéssemos sido sempre chegados. E era...”

Sattler abanou a cabeça.

“Bem, era estranho, é tudo. Mal conseguia falar. Era tão mau que às vezes escrevia notas em vez de falar. E não tinha meios de subsistência. Estava sempre a pedir-me dinheiro, a rondar para lhe darmos comida. Não era apenas esquisito. Era assustador. Era quase uma perseguição. Tinha esse sentimento quando ele estava por perto...”

A voz sumiu-se novamente.

“De qualquer das formas,” Disse. “foi aí que lhe dei a carrinha e disse-lhe para nunca mais aparecer.”

Riley pensou naquilo durante um bocado. Talvez houvesse alguém em Hoxeyville que lhes pudesse dizer algo mais sobre Eugene Fisk.

“Os seus pais estão vivos?” Perguntou a Sattler.

“Não. Sou o último da minha família. Com exceção do Eugene.”

“Onde é que o Eugene esteve internado?”

“No Centro Psiquiátrico de Hoxeyville, aqui mesmo na cidade.”

Riley imaginou que aquela seria a sua próxima paragem. Certamente que ali saberiam mais pormenores. Mas talvez conseguisse saber algo mais de Sattler.

“Tem fotos do seu primo? Perguntou.

“Nenhuma que mostre o seu aspeto atual,” Disse Sattler. “Mas acho que tenho uma antiga...”

Levantou-se da cadeira e abriu uma gaveta. Vasculhou até encontrar uma foto que entregou a Riley.

“Esta foi tirada quando éramos miúdos,” Disse. “Guardei-a porque não era habitual estarmos juntos.”

Enquanto Bill colocava as últimas perguntas, Riley olhou para a foto. Mostrava dois rapazes. O mais alto era Sattler. O mais baixo era uma criança de aspeto estranho e com traços algo exagerados.

Ainda assim, Riley não conseguiu evitar pensar...

Que sorriso doce ele tem!

Não conseguia imaginar o que teria transformado aquela criança sorridente num assassino em série.


CAPÍTULO 32


Carla não tinha noção de há quanto tempo estava acorrentada naquela cave. As janelas altas nas paredes de cimento estavam cobertas com cartão, impedindo a entrada de luz exterior. Quando a luz do teto estava apagada, como naquele momento, ficava completamente às escuras.

Sabia que tinha fome, que estava suja e que tinha dores horríveis. Não comera nada desde que chegara àquele local. Por vezes, o monstruoso homenzinho afrouxava um pouco as correntes na boca e dava-lhe um pouco de água e era tudo.

Há muito que deixara de se sentir incomodada com o seu prório fedor. A dignidade já não lhe interessava, mas sim a sobrevivência.

Mas até àquele momento, a fuga não lhe parecia possível.

Tinha-a prendido com uma corrente quando a capturara em Albany. Agora que o delírio provocado pelo ferimento tinha passado, estava atordoada e desorientada com as dores e a fome. Dormia ou desmaiava de vez em quando, depois acordava sem saber onde estava ou o que tinha acontecido.

Mas conseguia sempre regressar à sua horripilante realidade. A clarividência era fundamental. Não havia saída, tinha certeza. Debateu-se um pouco na escuridão, contorcendo o corpo para trás e para a frente. Fizera aquilo todo o dia sempre que ele não estava ali. Amarrara as correntes a ela e ao berço, mas parecia não estarem muito apertadas. Aos poucos, senti-as a soltarem-se.

Naquele momento, parecia-lhe estarem suficientemente lassas para tentar libertar-se. O colete-de-forças era outro problema, mas lidaria com ele mais tarde.

Começando pelos ombros, agitou-se e contorceu-se para que as correntes escorregassem.

Mas foi então que ouviu passos. Provavelmente, ele estaria a caminho da cave. Agora não era o momento para lutar com as correntes. Deixou o seu corpo exausto amolecer.

Ouviu a porta abrir-se no topo do lanço de escadas que conduziam da casa à cave. Depois ficou cega pela luz do teto. Fechou os olhos, fingindo dormir. Ouviu o som dos seus passos a descer as escadas.

Dali a poucos segundos, ouviu a sua respiração ao inclinar-se sobre ela. Sentia que ele tocava nas correntes. Como sempre fazia. Começou a sussurrar-lhes – um sussurro tão ténue que ela não conseguia perceber o que dizia. Era como se ela não estivesse ali e as correntes fossem a única coisa viva naquela cave.

Como enfermeira, lidara no passado com doentes psicóticos. Aquele homem estava gravemente afetado mentalmente e ela sabia-o bem. Frequentemnete ia para a sua mesa de trabalho e esticava outras correntes que ali guardava. Conversava longamente com elas, às vezes discutindo, outras vezes jurando-lhes lealdade, outras assegurando-lhes que tudo estava a correr como planeado.

Quando tentava dizer-lhe alguma coisa, era sempre impedido por um indindável gaguejo. Mas com as correntes conseguia sempre comunicar sem problemas.

Ela respirava lenta e regularmente como se estivesse a dormir. Passado algum tempo, ouviu passos a subir as escadas e a entrar na casa. Ouviu a porta da frente a abrir e a fechar. Abriu os olhos. Estava escuro como breu novamente.

Ficou à escuta mais atentamente. Não ouviu mais passos acima de si. Isso devia querer dizer que ele tinha saído. Às vezes desaparecia durante várias horas e era isso que ela esperava tivesse sucedido agora.

Todo o seu corpo gritava de dor ao começar a contorcer-se novamente. Qual traça lutando para sair de um casulo, ela conseguiu que as correntes escorregassem pelo seu abdómen. Passados alguns segundos estava livre de correntes da cintura para cima.

Lutando contra o colete-de-forças conseguiu sentar-se. Por momentos ficou tonta e quase desmaiou, mas rapidamente recuperou e abanou e contorceu as pernas até as correntes escorregarem pelos tornozelos. Ergueu os joelhos e libertou-os.

Estava sentada à beira do berço, ainda presa ao colete-de-forças. Agora chegara o momento de lidar com esse problema. Desde que ali chegara que pensava na forma de se libertar dele. Estava inconsciente quando ele a prendera com ele, mas devia tê-lo feito apressadamente porque não estava muito apertado.

Lembrou-se de ter visto um mágico na televisão a demonstrar como se libertar de um colete-de-forças. Recordou tudo o que o que tinha visto nesssa altura.

Eu posso fazer aquilo, Pensou. Eu vou fazer aquilo.

Primeiro relaxou e exalou, tornando o corpo o mais pequeno possível. O colete-de-forças ficou mais lasso. Depois balançou um braço na direção do ombro oposto. Daquela posição, não era difícil levantar o braço e puxar a alça que a prendia sobre a cabeça e a frente do corpo. Levantou o cinto da manga até ao rosto, depois abriu-o com os dentes. Depois repetiu a operação no outro braço.

Agora tinha as mãos completamente livres. Era fácil desatar os restantes cintos, levantar-se e libertar-se do colete-de-forças.

Mas já livre, a dor era maior do que nunca e caiu no berço. Os músculos não eram utilizados há vários dias e estavam a agonizar, e havia partes do seu corpo dormentes devido à falta de circulação de sangue.

Agitou-se e depois reuniu toda a sua força de vontade e obrigou-se a erguer-se novamente. Sabia que havia uma porta na cave que conduzia ao exterior. Também havia uma escada que conduzia à casa. O homem que a tinha presa entrara por ambos os lugares.

Apalpando com as mãos e os pés, encontrou uma saída para a porta das traseiras. Tateou até encontrar a maçaneta da porta. Rodou-a. A porta não se abriu. Apalpou a maçaneta e percebeu que não a poderia abrir sem uma chave.

Durante alguns momentos, Carla quase pensou em desistir. Para sair daquela cave teria que subir à casa. Finalmente reuniu coragem para o fazer. Na verdade, não tinha outra opção.

A cave estava completamente às escuras, mas ainda assim tinha uma ideia de como chegar às escadas. Deambulou até encontrar o corrimão e o primeiro degrau. Passo a passo, moveu-se o mais silenciosamente possível para cima. Quando alcançou a porta no topo das escadas, não estava trancada.

Carla empurrou a porta e entrou na casa do assassino. A sala de estar exígua e sombria estava silenciosa. O assassino não devia estar em casa.

A fraqueza de Carla quase a atraiçoou naquela altura. Não comia há vários dias e foi acometida por uma tontura. Mas conseguiu reunir a determinação necessária e mover-se pela pequena sala até à porta da frente.

Quando abriu a porta, olhou lá para fora para a fraca luz do dia. Não sabia dizer se era manhã ou tarde. Uma carrinha branca estava estacionada à porta – a mesma carrinha que o homem utilizara para a capturar. Para além disso, viu outra casa a uma curta distância ao fundo da rua.

É para lá que tenho de ir, Disse a si própria.

Mas ao mover-se naquela direção, o pequeno homem de pesadelo apareceu do outro lado da carrinha. Devia andar por ali e agora surgira mesmo a tempo de a ver. Segurava um monte de correntes pesadas numa das mãos quando os seus olhos se encontraram. Ela abriu a boca e tentou gritar, mas nenhum som saiu.

Virou-se para dentro de casa e tentou fechar a porta para manter o homem lá fora, mas ele era demasiado rápido e alcançou-a sem dificuldade.

Agora Carla apelou a todas as suas energias. Apesar das dores e tonturas, pegou no que encontrou para lhe atirar. Virou uma pequena mesa no seu caminho. Ele contornou a mesa e atirou-se sem piedade na sua direção.

Ela recuou até à pequena cozinha e apanhou uma frigideira pesada que estava na bancada. Deu-lhe uma pancada com força na cabeça e ele caiu de joelhos.

Carla observou-o e mediu-o de alto a baixo, compreendendo, chocada, que ela era mais robusta do que ele. Ele era um homem extremamente frágil.

Carla nunca tinha magoado ninguém na vida, mas agora sentia-se dominada por um instinto animal primário. Sentiu o corpo inundado de raiva e saltou para cima do seu raptor. Imobilizou-o no chão e ficou surpreendida ao perceber que era mais forte do que ele. Aterrou em cima dele e levantou os punhos, esmurrando-o na cara vezes sem conta.

O assassino tentou reagir, mas não conseguia. Em vez disso, gemeu como um rapazinho.

Por fim, parou de se mexer, a cara numa massa sanguinolenta.

Carla olhou para baixo espantada. Sentiu a sala rodopiar e quando se afastou, percebeu como estava fraca e tonta.

Saiu de cima dele, não querendo tocar-lhe ou sequer estar perto dele. Cuspiu-lhe na cara, pisou-o e caminhou na direção da porta sentindo um imenso alívio.

De repente, Carla não conseguia respirar. Não percebia o que se estava a passar até o ouvir atrás dela e sentir correntes à volta do pescoço. Ela lutou e contorceu-se para se libertar, mas desta vez ele era mais forte.

E dali a poucos segundos, tudo ficou completamente negro.


*


Eugene arrastou a mulher pelo pescoço para a porta da cave. Estava inconsciente e era pesada, e caiu nos degraus. Quando olhou com atenção, percebeu que a mulher estava morta. Partira-lhe o percoço ao arrastá-la daquela forma.

“Oh, não,” Lamentou-se.

Lágrimas de sofrimento e pânico inundaram-lhe os olhos. Não era desta forma que as coisas deviam ter acontecido. Ele esperava mantê-la viva pelo menos durante mais uma semana.

Abriu a porta das traseiras, ligou a luz da cave e empurrou o corpo pelas escadas abaixo. Viu as correntes que a haviam preso no berço. Estavam zangadas com ele. Ele sabia que estavam. Tinha-as desapontado.

Pensou que talvez as conseguisse apaziguar com um gesto familiar – fazendo o que tinha feito para matar as outras mulheres. Então pegou na navalha e cortou-lhe a garganta. Mas não valia a pena. Não podia fingir que fizera o que as correntes exigiam.

Agora teria que a levar para o lugar onde a capturara, exibindo-a para que o mundo pudesse ver. Depois disso, precisava de encontrar uma nova vítima rapidamente. As correntes fariam da sua vida um inferno até a encontrar.


CAPÍTULO 33


Fazer o check-in no hotel criara uma estranha tensã entre eles.

“Querem quartos separados?” Perguntou a mulher da receção.

Bill virara-se para Riley como se estivesse à espera da sua resposta. Ela não tinha reagido, por isso ele disse à mulher, “Sim.”

Já era manhã e eles já se encontravam na estrada. Riley pensava no que teria acontecido se tivesse feito um sinal de aprovação naquele momento crítico. Como teria sido a noite passada?

Esta manhã não discutiam aquele assunto nem outro qualquer. Mal tinham trocado uma palavra ao pequeno-almoço no hotel. Mal tinham falado enquanto se encaminhavam para o Centro Psiquiátrico de Hoxeyville onde Eugene Fisk tinha passado grande parte da sua vida.

Riley tinha ligado nessa manhã para o hospital. Ficara surpreendida pelo facto de o médico que tratara de Eugene se mostrar disponível para falar com eles. Geralmente os médicos evitavam este tipo de entrevista devido à confidencialidade das relações entre médico e paciente. Por alguma razão, o Dr. Joseph Lombard não parecia estar muito preocupado com isso e ela estava ansiosa por perceber porquê.

Calma, Pensou ao ver o edifício do hospital. Agora não é altura para pensar na situação de ontem à noite.

No final de contas, Bill estava desesperadmente a tentar remendar as coisas com Maggie e Riley tinha uma grande quantidade de assuntos pessoais com que se preocupar. Também tinham trabalho a fazer e o seu anteriormente sólido relacionamento já estava abalado.

Ainda assim, Riley não conseguia evitar pensar na sugestão embriagada que fizera a Bill ao telefone, aquela que tinha praticamente destruído a sua amizade. Será que ele tinha realmente ficado ofendido com ela ou tinha ficado com medo? Com medo de que algo acontecesse entre eles mais cedo ou mais tarde? Ainda pairaria no ar essa possibilidade?

Olhou de lado para Bill. Parecia o bem disciplinado agente do FBI com o seu cabelo negro cuidadosamente penteado. Na verdade, tinha feito um esforço ainda maior do que o habitual para parecer profissional. Nem sempre usava fato e gravata. Naquele momento, parecia completamente concentrado na condução, mas ela não conseguia deixar de pensar se ele se estaria a fazer as mesmas perguntas. O seu rosto rígido não lhe dava quaisquer pistas.

Quando Bill estacionou o carro no parque dos visitantes, Riley afastou todos esses pensamentos. Caminharam para o hospital, anunciaram a sua chegada e foram encaminhados para o gabinete do Dr. Lombard.

O médico, um homem alto com cerca de sessenta anos, levantou-se da secretária para ir ao seu encontro.

“Agentes Paige e Jeffreys, presumo,” Disse. “Sentem-se por favor.”

Bill e Riley sentaram-se nas cadeiras dispostas em frente da secretária do médico. Por um momento, o médico ficou em pé a fitá-los com uma expressão ansiosa.

“Disseram que queriam falar comigo sobre Eugene Fisk,” Disse. “Esteve sob os nossos cuidados há cerca de dez anos atrás.”

O médico sentou-se e continuou. “Quando ligou mencionou que estava na Pensilvânia à procura de informações sobre um homicídio ocorrido em Nova Iorque. Referiu correntes, coletes-de-forças, gargantas cortadas. E disse que há outra pessoa cativa? Horrível.”

Parou de falar por um momento.

“O Sr. Fisk é suspeito?” Perguntou.

“É o nosso único suspeito,” Respondeu Bill.

O Dr. Lombard não reagiu, mas a sua expressão era de grande preocupação.

Riley disse, “Dr. Lombard, como lhe referi, é urgente obtermos informações. Apreciamos a sua amabilidade em falar connosco sobre o Sr. Fisk sem um mandato.”

“Sim, estou certo que não é habitual,” Respondeu Lombard. “Mas a lei da Pensilvania é bastante específica sobre essa questão. Apenas estou proibido de transmitir informação médica que ‘denigra’ o carácter do meu paciente.”

O Dr. Lombard olhou de forma significativa para Riley e depois para Bill.

“Vou fazer os possíveis para não pisar o risco,” Disse.

Riley compreendeu. O médico estava ansioso por cooperar. Mas não ia ser uma entrevista típica. O que ficaria por dizer, seria tão importante como o que seria dito. Riley sabia que tinha que estar atenta a pistas não verbalizadas.

O médico abriu um ficheiro.

“Tenho estes registos aqui,” Disse, olhando para o conteúdo. “Foi aqui admitido há dezasseis anos. Tinha onze anos. Era órfão e vivera numa casa adotiva coletiva que acabara de arder. Estava... bastante traumatizado depois daquilo.”

O médico parou. Riley detetou que deixava muito por dizer.

Disse, “Sabemos que esteve sob o seu cuidado até aos dezoito anos.”

“É verdade,” Disse Lombard. “Quando aqui chegou, mal conseguia comunicar. Mantinha-se encolhido e ignorava todos os que tentavam falar com ele. Mas melhorou paulatinamente. Saiu da sua concha.”

O médico levantou o sobrolho, recordando.

“Tinha um terrível problema ao nível do discurso,” Disse. “Nunca se conseguiu libertar dele, mesmo depois de começara a melhorar. Tenho a certeza que o tinha desde a infância. Conseguia falar comigo só um pouco. Mas era com frequência que escrevia o que queria dizer em vez de tentar falar.”

Lombard inclinou-se para trás na cadeira.

“Fez progressos lentos, mas excelentes,” Disse. “Ou assim pensei. Aprendeu muito enquanto cá esteve. Aprendeu a jardinar, a usar um computador, teve algumas aulas. Tinha uma boa natureza, era generoso e bondoso. Nunca foi agressivo. Todos gostavam dele – os outros doentes, o pessoal. Eu gostava dele.”

Pegou numa fotografia do ficheiro e mostrou-a. O adolescente tinha um sorriso caloroso, mas Riley considerou os olhos algo vazios.

O médico continuou, mas um tom de arrependimento começou a apoderar-se da sua voz.

“Parecia mais do que preparado para enfrentar o mundo exterior. Soltámo-lo. Tentámos acompanhar o seu paradeiro e atividades. Mas desapareceu completamente. Fiquei preocupado. Foi há nove anos atrás.”

A voz do médico sumiu-se. Riley sabia que tinha de o persuadir a dar mais informações.

Disse, “Dr. Lombard, vamos fazer-lhe algumas perguntas. Se puder responder, agradeço-lhe que o faça. Se não puder, não diga nada. Parece-lhe bem?”

“Parece-me bem,” Disse o médico.

Riley olhou para Bill. Ele anuiu. Riley via que ele compreendia esta tática e estava pronto a alinhar.

“Dr. Lombard,” Principiou Riley, “quando a casa de acolhimento de Eugene ardeu, suspeitou-se de fogo posto?”

O médico olhou fixamente e não disse nada.

Bill interviu, “Alguém morreu no acidente?”

Mais uma vez o médico não disse nada.

Riley perguntou, “Alguém foi assassinado?”

O médico olhou para ela sem proferir uma palavra.

Por fim disse, “ Penso que é tudo o que lhe posso dizer.”

Bill disse, “Talvez consiga ajudar em mais uma coisa. A casa de acolhimento foi reconstruída? Está a funcionar neste momento?”

“Está,” Respondeu Lombard. “Eu dou-vos a morada.”

Lombard escreveu a morada e entregou-a a Bill.

Riley olhou novamente para a foto de Eugene Fisk. “Pode dar-nos uma cópia disto?” Perguntou.

“Pode ficar com essa. Imprimo outra para o ficheiro.”

Bill e Riley agradeceram-lhe pela ajuda e saíram do gabinete.

“Aquilo é que foi informação,” Disse Bill ao dirigirem-se para o carro. “Vamos já para a casa de acolhimento.”

Riley disse, “Enquanto conduzes, vou ligar para o Sam Flores em Quantico. Quero que procure novas histórias sobre o que realmente aconteceu no orfanato.”


*


A Casa de Acolhimento de St. Genesius ficava em Bowerbank, Pensilvânia, a cerca de meia hora de Hoxeyville. Enquanto Bill conduzia, Riley recebeu um artigo de jornal de Sam Flores. O que leu, arrepiou-a.

Há dezasseis anos, a casa de acolhimento ardera completamente. Suspeitava-se de fogo posto. O corpo de um rapaz de doze anos, Etahn Holbrook, fora encontrado nas ruínas fumegantes. O artigo não especificava a causa da morte.

“Aquele pobre miúdo pode ter sido a primeira vítima de Eugene,” Disse Riley depois de concluir a leitura do artigo a Bill.

“Jesus,” Murmurou Bill. “Começou antes da adolescência? Estamos a lidar com que tipo de monstro?”

Riley lembrou-se do silêncio empedernido do Dr. Lombard quando lhe perguntara se alguém tinha sido assassinado. Pensou na criança sorridente que vira na fotografia de Walter Sattler. Quão cedo se convertera aquela criança num assassino?

Quando Bill estacionou o carro, Riley observou que a casa de acolhimento estava alojada num edifício impecável e moderno. À frente no exterior havia um parque infantil com equipamento colorido. Ali estavam várias crianças a brincar alegremente.

Duas freiras sorridentes vestidas de cinzento olhavam pelas crianças. Riley e Bill abordaram a que estava mais próxima.

“Desculpe, Irmã,” Disse Riley. “Pode levar-nos ao diretor?”

“Sou eu,” Disse a freira. “Sou a Irmã Cecilia Berry. Em que vos posso ajudar?”

Riley ficou surpreendida por parecer tão jovem. Não parecia possível que estivesse à frente da instituição por aquela altura. Riley pensou nas informações que conseguiriam obter.

Riley e Bill exibiram os distintivos.

“Somos os Agentes Jeffreys e Paige,” Disse Bill. “Gostávamos de lhe fazer algumas perguntas.”

O sorriso da Irmã Cecilia desvaneceu-se. Ficou pálida. Olhou em redor como que certificando-se de que ninguém estava a olhar.

“Venham comigo, por favor,” Disse. Chamou outra freira para se encarregar da supervisão do parque infantil.

Riley e Bill entraram com ela no edifício. A caminho do gabinete da freira, Riley reparou que o edifício estava organizado como um dormitório. Ao fundo de um corredor, viu filas de quartos, muitos com as portas abertas. Algumas freiras com aspeto simpático estavam a olhar pelas crianças, parando de falar à medida que eles passavam. Música, conversas e risos podiam ser ouvidos.

Por aquilo que lhe era dado ver, Riley considerou que a Casa de Acolhimento de St. Genesius era um lugar acolhedor.

Então porque é que esta mulher demonstra tamanho desconforto? Pensou Riley.

Riley e Bill sentaram-se no gabinete da Irmã Cecilia. Mas a Irmã não se sentou. Caminhava agitadamente de um lado para o outro.

“Não sei porque é que estão aqui,” Disse. “Não tivemos queixas desde que estas novas instalações abriram. Temos advogados a tratar dos casos antigos. Se entrarem em contatcto com o DHS, vão informá-los que passámos na inspeção com um resultado perfeito. Vou mostrar-vos o último relatório.”

Começou a abrir uma gaveta de ficheiros.

“Irmã Cecilia, penso que não está a compreender a natureza da nossa visita,” Disse Bill.

Riley acrescentou, “Estamos aqui para lhe perguntar sobre uma criança que aqui esteve há dezasseis anos. Eugene Fisk. Estamos a tentar encontrá-lo. Está a ser sujeito a uma investigação de homicídio.”

“Oh,” Disse a Irmã com surpresa e sentou-se atrás da secretária.

“Desculpem o meu engano, por favor,” Disse. “Estamos a tentar esquecer o passado. Penso que conseguem compreender.”

A verdade era que Riley não compreendia e tinha a certeza de que Bill também não.

“O que nos pode dizer sobre Eugene Fisk?” Perguntou Riley.

A Irmã Cecilia parecia cansada.

“O que é que já sabem?” Perguntou.

Bill disse, “Sabemos que foi transferido para um hospital psiquiátrico depois do antigo edifício arder. Um rapaz morreu no incêndio – Ethan Holbrook. Estamos aqui para saber mais sobre o que aconteceu.”

“Isso foi antes do meu tempo, claro,” Disse a Irmã Cecilia, levantando-se e regressando à gaveta dos ficheiros. “Mas conheço bem a história de Eugene.”

“Foi uma história terrível,” Disse, abrindo o ficheiro e olhando para o seu conteúdo. “A maior parte das freiras acreditava que tinha sido Eugene a iniciar o fogo. Até pensavam que tinha morto o Ethan. Nunca se conseguiu provar nada.”

“Porque é que ele mataria outra criança?” Perguntou Riley.

Voltando ao velho ficheiro, a Irmã Cecilia explicou, “Parece que Ethan Holbrook era um horrível brigão e era particularmente mau com Eugene. O Eugene era pequeno, fraco e estranho. E tinha um tremendo impedimento de fala. Ethan atormetava-o e gozava com ele.”

“Porque é que as freiras não pararam com isso?” Perguntou Riley.

A Irmã Cecilia calou-se.

“Tenho a sensação de que há algo que não nos quer dizer,” Disse Riley.

Lenta e relutantemente, a Irmã disse, “Na verdade, há muita coisa que preferia não vos dizer. Não é propriamente um segredo. Aliás, não é segredo nenhum. Podem encontrar os registos do tribunal e velhos artigos. É só porque é horrível remexer no passado e detestaria que isto voltasse a ser notícia. Com a ajuda do Senhor, conseguimos ultrapassar tudo. Apenas fazemos boas ações aqui. É a pura verdade.”

“Temos a certeza de que assim é,” Disse Riley. “Mas seria de grande ajuda se nos contasse.”

A Irmão Cecilia não disse nada durante alguns momentos. Depois continuou, “Após o incêndio, quando a casa estava a começar a ser reconstruída, a verdade começou a vir ao de cima. A diretora de então era a Irmã Veronica Orlando. Gerira a casa durante mais de uma década. Ela e as suas freiras eram implacáveis. Encorajavam as crianças a maltratarem-se. E ela e as outras freiras puniam horrivelmente as crianças pelas mais pequenas coisas – como espirrar ou urinar na cama.”

Riley estava chocada com a expressão triste estampada no rosto da Irmã Cecilia. Conseguia perceber que a Irmã Cecilia estava a dar o seu melhor para redimir aquela casa do seu horrível passado. Mesmo assim, a pobre mulher não conseguia deixar de se sentir assombrada pelo passado herdado e pelo qual não tinha qualquer responsabilidade.

“Irmã Cecilia,” Perguntou Riley num tom meigo, “alguma dessas punições envolviam correntes?”

“Se me pergunta se os miúdos eram acorrentados, não,” Disse. “Mas a Irmã Veronica e as suas freiras prendiam-nos às vezes colocando correntes nas portas.”

A Irmã Cecilia inclinou a cabeça inquisitivamente.

“Mas é interessante que me perguntem por correntes,” Disse, olhando novamente para o ficheiro. “O Eugene chegou a esta casa quando tinha dez anos. Tinha sido encontrado com uma grilheta num dos tornozelos, acorrentado a um poste em casa. Estava esfomeado e não falava.”

“Onde estava a mãe?” Perguntou Bill.

“Tinha sido assassinada. O corpo foi encontrado na casa, em frente à criança e ele deve ter visto tudo. O assassino nunca foi descoberto.”

“Como é que ela foi assassinada?” Perguntou Riley.

“A garganta foi cortada,” Disse a Irmã Cecilia. “A navalha que a matara foi encontrada lá também, jogada no chão junto ao corpo. Mas não encontraram quaisquer impressões digitais.”

Depois a freira olhou pela janela, ainda com aquela mesma expressão de assombro.

“Os jornais não o mencionaram,” Disse ela, “mas essa também foi a causa da morte de Ethan Holbrook.”


CAPÍTULO 34


Riley foi acordada com Lucy a irromper pela porta do quarto.

“Liga a televisão!” Gritou Lucy.

Riley sentou-se. “O que é?” Perguntou. Viu que já era manhã. Ela e Bill tinham regressado de Albany na última noite. Na outra cama, April disse sonolentamente, “O que é que se passa?”

“Vou ligar a televisão,” Disse Lucy. Encontrou o comando e ligou-a. As primeiras palavras que Riley ouviu foram as do apresentador.

“Devemos avisar os nossos telespetadores que algumas das imagens que vão ver podem chocar os mais sensíveis.”

Riley viu de imediato que o apresentador tinha razão. A primeira imagem mostrava um corpo acorrentado a oscilar num ramo de árvore. Misericordiosamente o corpo estava virado de costas para a câmara.

O apresentador continuou, “Uma mulher foi brutalmente assassinada a noite passada e o corpo abandonado no Curtis Park em Albany. Parece tratar-se do último crime da série de ‘homicídios das correntes’ que aterrorizaram a área do Rio Hudson no decorrer dos útimos cinco anos. A identidade da vítima ainda não foi revelada...”

“Não,” Disse Riley. “Não pode ser. Ainda não.”

O ramo da árvore pendia sobre uma estrada e parecia o mesmo parque onde Carla Liston tinha sido raptada. O corpo pendente só podia ser de Carla Liston. Mas era demasiado cedo. Só a tinha levado há alguns dias.

Enquanto o apresentador continuava a falar, a câmara mostrou uma pequena multidão de curiosos que se juntara fora da área do crime. A situação era o pesadelo de qualquer investigador.

Agora o repórter na cena do crime falava com o homem que tinha descoberto o corpo algumas horas antes.

“Estava a conduzir no parque a caminho do trabalho,” Dizia o homem. “Quando o vi, quase estampei o carro. Depois pensei que fosse um boneco pendurado por algum engraçadinho. Mas depois olhei melhor e...”

Naquele momento, alguém bateu à porta do quarto. Enquanto Riley olhava para a televisão, Lucy foi à porta e deixou Bill entrar.

Disse, “Acabei de receber uma chamada de Harvey Dewhurst, o responsável do gabinete de Albany. Está a endoidecer. Aquele tipo chamou a imprensa antes de chamar a polícia.”

Bill continuou, “Quando a polícia soube, depreenderam logo que era o nosso caso e ligaram para o gabinete de campo. Mas na altura em que Dewhurst e os seus lá chegaram, a imprensa estava por todo o lado. E os curiosos também começaram a chegar.”

“Temos que ir para lá,” Disse Lucy.

Riley já estava fora da cama, à procura de roupa para vestir. Levou as coisas para a casa de banho e vestiu-se apressadamente. Não havia tempo para o pequeno-almoço. Talvez conseguissem pegar num café quando passassem pela sala de pequenos-almoços.

Quando saiu, Bill e Lucy já estavam na porta à espera.

“Temos que ir, April,” Disse Riley à filha. “Todos. Fica aqui sossegada.”

“É o vosso trabalho,” Respondeu April. “Vão, eu fico bem.”


*


Durante a viagem até ao Curtis Park, Riley ainda estava a tentar orientar ideias quanto ao que tinha acontecido.

“Não percebo o que se está a passar,” Disse. “Ele está a quebrar o seu próprio MO. É suposto ele manter estas vítimas cativas durante mais tempo. Durante semanas. Porque é que a matou tão rapidamente?”

Uma onda de desmotivação arrebatou-a.

“Pensava que teríamos mais tempo para encontrar Carla Liston,” Acrescentou com tristeza.

“Fizemos tudo o que estava ao nosso alcance,” Disse Lucy do banco de trás.

Bill não dizia nada. Riley sabia que ele sentia o mesmo. Tantos anos depois a trabalharem juntos e nem sequer estavam ainda habituados a perder uma vítima. Era especialmente duro quando sentiam que estavam tão perto de apanhar o assassino.

Quando chegaram ao parque, Riley viu que as carrinhas das equipas de televisão estavam misturadas com veículos da polícia. A multidão fora da zona restrita era maior e as pessoas tiravam fotografias com os seus telemóveis. Ela e Lucy seguiram Bill à medida que ele rompia pela fita que demarcava a área. Mostraram os distintivos a dois polícias que estavam a dar o seu melhor para controlar a área.

Depois os três caminharam pela estrada na direção do local onde o corpo ainda estava pendurado à vista de todos. Riley conseguia agora ver que a vítima estava vestida com um colete-de-forças como tinha sucedido com as anteriores. E tal como sucedera com Rosemary Pickens em Reedsport, tinha sido pendurada a uma corda ligada a uma roldana.

Riley parou e observou, abalada pela audacidade da exibição. Eugene Fisk devia ali ter parado a carrinha antes do nascer do sol, trepou ao ramo, colocou a roldana no local, depois desceu e elevou o corpo de Carla Liston.

E tudo sem ser visto, Pensou Riley. Ele tinha não só sido ousado, como também tinha tido sorte.

Não se tratava de um armazém abandonado à beira de uma linha de caminho-de-ferro, mas uma estrada bastante frequentada que atravessava o parque da cidade. Com qualquer outro assassino em série, Riley partiria do princípio que ele se estava a tornar mais descarado, a gozar com as autoridades. Mas ela sabia que Eugene Fisk era um tipo de criatura diferente. O mais certo era tratar-se de um gesto de puro desespero. Mais uma vez pensou o que se estaria a passar na cabeça daquele maníaco.

O Agente Especial Harvey Dewhurst caminhou na sua direção. Era um homem de meia-idade e excesso de peso e naquele momento aparentava estar ansioso, com o rosto vermelho e a transpirar. Também estava zangado como o raio.

“Odeio quando estas merdas acontecem,” Disse Dewhurst. “Vocês lá por Quantico é que são os peritos. Digam-me o que devemos fazer para controlar os danos causados.”

“Antes de mais nada, o melhor é descerem-na,” Disse Bill.

Riley concordou. Ela pedira ao Chefe Alford para deixar o corpo de Rosemary Pickens pendurado antes de chegar à cena do crime, mas neste caso a situação era diferente. A polícia de Reedsport controlara melhor toda a cena do crime. Aqui, demasiadas fotos já tinham sido tiradas ao corpo. E ela e o resto do FBI no local já tinham visto tudo com atenção.

Dewhurst virou-se para o polícia local responsável.

“Diga ao seu pessoal para a descerem,” Disse. “E diga ao médico-legista para começar a trabalhar no corpo já.” Olhou em redor e acrescentou, “E tirem-me estes metediços daqui. Coloquem as fitas onde podem tirar fotos e abram alas para que o médico-legista consiga entrar com a carrinha.”

O polícia apressou-se a cumprir as ordens de Dewhurst.

“E agora?” Perguntou Dewhurst.

Riley pensou por um momento.

“Mais vale tirarmos partido da imprensa,” Disse. “Digam às estações de televisão que estamos à procura de uma carrinha de entregas Ford branca. Um pára-choques da frente está danificado e tem matrícula da Pensilvânia. A Agente Vargas pode fornecer-lhes uma foto da carrinha. Certifique-se que o público a vê.”

Depois Riley retirou da sua mala a fotografia de Eugene que o psiquiatra lhe tinha entregado.

“Nesta fotografia o suspeito era adolescente,” Explicou Riley. “Neste momento ele tem vinte a sete anos. Levem esta foto para o gabinete de campo e submetam-na ao programa de progressão de idade. Devemos conseguir obter uma boa imagem de como ele é neste momento. Depois certifiquem-se que chega à TV e à Internet.”

Pensou durante mais um momento e disse, “Não mencionem que o perpetrador sofre de gaguez. Isso irá ajudar a filtrar as chamadas.”

Naquele momento o médico-legista chamou Dewhurst, “É melhor verem uma coisa.” Ele encontrava-se ajoelhado junto ao corpo que já se encontrava no chão.

Riley, Bill e Lucy seguiram Dewhurst para ver o que o médico-legista indicava. Os olhos da mulher estavam abertos e o rosto denotava uma expressão de terror. O médico-legista apontou para a garganta.

“A garganta foi cortada,” Disse, “e creio que foi assim que matou as outras vítimas. Mas vejam. Não houve muito sangramento.”

Virou-se e encarou-os. “Não foi a causa da morte. Desta vez, primeiro o pescoço foi partido.”

Bill olhou para Riley surpreendido.

“Outra alteração no MO,” Disse-lhe. “O que é se passa com este tipo?”

“Não sei porque é que ele está a mudar tão rapidamente,” Disse Riley. “Não parece o tipo de assassino que mudasse. Mas sei a quem devemos recorrer.”


CAPÍTULO 35


Riley encontrava-se mais uma vez em Sing Sing. Esperava que fosse uma decisão acertada. Bill estava com ela, apesar de a ter acompanhado algo relutantemente, insistindo que se tratava de um desvio à investigação. Mas no fundo, Riley sentia que Shane Hatcher teria algo de importante a dizer sobre aquilo.

“Espero que saibas o que estás a fazer,” Resmungou Bill quando o guarda os conduziu à sala de visitas – a mesma sala bege onde Riley se encontrara com Shane Hatcher há poucos dias.

Mal se sentaram na mesa, Hatcher foi conduzido à sala por dois guardas. Sentou-se à sua frente e durante um interminável momento olhou para Bill por cima dos seus óculos de leitura. Depois voltou-se para Riley.

“Vejo que desta vez trouxe um amigo consigo,” Comentou.

“Este é o Agente Especial Bill Jeffreys de Quantico,” Disse Riley. “Veio para Albany para se juntar à investigação.”

Hatcher lá estava sentado com aquele sorriso inescrutável já familiar no rosto rígido. Mais uma vez olhou para Bill da forma que tinha observado Riley da última vez – medindo-o, imaginando o que o movia.

Riley sabia que apesar de – ou talvez por esse motivo – estar preso há muito tempo, Hatcher era um observador astucioso da natureza humana. Pensou no que estaria a pensar sobre Bill naquele momento.

“Não precisam de me dizer porque é que estão aqui,” Disse Hatcher. “Vi tudo na televisão. Uma cena e tanto. Calculei que regressaria.”

Abanou a cabeça desaprovadoramente.

“Todos aqueles abutres lá fora – jornalistas, curiosos, executivos de TV enlouquecidos por cotas. Não é de endoidecer uma pessoa? Uma coisa boa deste lugar é que não temos que lidar com esse tipo de barbaridade. Claro que também temos os nossos tipos de barbaridade, mas realmente, eu prefiro-a. É como digo a toda a gente aqui, a liberdade é sobrestimada. E acreditam em mim? Nunca.”

Riley ouviu Bill a bufar. Ela própria achava um pouco estranho ouvir este tipo de moralismo da parte de alguém que matara várias pessoas. Mas lembrou-se a si própria que Shane Hatcher não era um monstro qualquer. Pensou que mesmo que tivesse que falar com ele todos os dias durante vários anos, ele conseguiria sempre surpreendê-la – e talvez também assustá-la.

“Estava certo em relação a tudo,” Disse Riley. “O perpetrador foi torturado quando era criança. A mãe acorrentava-o, foi criado num orfanato – molestado por outros miúdos e também pelas freiras que deviam tomar conta dele.”

“Que mais descobriram?” Perguntou Hatcher.

“Mata desde criança,” Continuou Riley. “Cortou a garganta da própria mãe quando tinha dez anos. Foi institucionalizado durante vários anos, mas conseguiu convencer toda a gente que estava bem, incluindo o médico. É por isso que está livre neste momento.”

Hatcher anuiu conscientemente.

“Algo está diferente agora, não é?” Perguntou. “Ele mudou o seu modus operandi. É por isso que querem falar comigo.”

Riley viu que Bill se inclinava para a frente e estava mais atento agora. O seu parceiro podia ser desdenhoso, mas não tinha problemas em reconhecer as fontes de informação que lhe pareciam potencialmente valiosas.

“Este tipo está a agir mais rapidamente agora,” Disse Bill. “Ele não está a manter as vítimas vivas durante tanto tempo.”

Riley acrescentou, “E não matou esta última vítima da mesma forma que matou as outras. Cortou-lhe a garganta, mas só quando já estava morta.”

“Qual foi a causa da morte?” Perguntou Hatcher.

“Pescoço partido,” Disse Bill.

Hatcher piscou os olhos com interesse.

“Posso dizer-vos com toda a certeza que ele não teve a intenção de fazer isso. Foi um acidente. O cortar a garganta – é uma parte do seu ritual, não a pode alterar, não deliberadamente. Por isso o fez depois, mas não resultou para ele. Ele está a perder o controlo. Agora vai agir ainda mais rapidamente, vai tentar reganhar o seu equilíbrio. Mas não consegue. Nada resultará para ele. Nada vai correr bem. Vai cometer erros.”

Hatcher parou e pensou por um momento.

“Não subestimem o poder da sua psicose. Ele não faz o que faz para obter algum tipo de vantagem, como dinheiro ou estatuto. Não é uma vingança. E definitivamente não o faz pelo entusiasmo. Este homem é absolutamente conduzido por algo que não compreende. Pode até não querer fazer o que está a fazer.”

Riley percebeu que pensava da mesma forma desde o início.

“Ele sente remorsos,” Disse ela.

“É isso mesmo. Ele sente-se imensamente culpado. E a única forma que lhe ocorre de se absolver de toda aquela culpa é...”

Hatcher gesticulou para Riley concluir o seu pensamento.

“Continuar a matar,” Disse Riley. “Para apaziguar os demónios que o impelem.”

Hatcher anuiu e sorriu. “Miúda esperta. Não faz sentido, mas ele é assim. O seu desespero está a avolumar-se e isso pode dar-vos alguma vantagem. Ele não vai desaparecer, não se vai esconder. Não por muito tempo.”

Hatcher tamborilou com os dedos e acrescentou com um sorriso quase impercetível, “Se o conseguem apanhar antes que volte a matar – bem, isso já depende de vocês. Ainda bem que é o vosso trabalho, não o meu. Outra coisa que não faz parte da vida aqui na Grande Casa.”

De repente, Hatcher gritou, “Guarda, acho que já terminámos.”

Riley ficou sobressaltada. Queria fazer mais algumas perguntas. Era óbvio que Hatcher tinha outros planos e ela sabia que mais valia não contrariá-lo. Além disso, dissera-lhes muito em pouco tempo.

Hatcher acrescentou ainda dirigindo-se a Riley e Bill.

“Mais uma coisa,” Disse tranquilamente. “Pressinto uma tensão existente entre vocês os dois. Ultrapassem isso. Não estou a dizer que foram feitos um para o outro. Se calhar não estão destinados a ficar juntos. Mas podem fazer coisas boas quando estão juntos. E isso interessa mais a longo prazo do que tudo o resto.”

Hatcher olhou para Bill com atenção, depois apontou para a aliança de casamento no seu dedo e disse, “E esqueça tentar consertar as coisas com a sua mulher. Não é possível. Ela nunca vai compreender a vida que escolheu. Ou que o escolheu a si.”

Riley viu a expressão de choque de Bill.

Depois Hatcher virou-se para Riley e disse, “E você. Pare de lutar contra isso.”

Riley esteve quase a perguntar, “Lutar contra o quê?”

Mas não, tinha que ter cuidado em aceitar conselhos pessoais de um assassino. Isso não podia ser saudável.

Nem que ele tivesse razão, Pensou. E o mais certo é ter.

“Oh, e mais uma coisa,” Disse Hatcher. “Vocês os dois são tal e qual todos os polícias e investigadores que já conheci. Não façam o habitual com este tipo.”

E agora a voz de Hatcher assumiu uma certa urgência.

“Ele está ferido onde mais dói – na sua alma. Não há nada mais perigoso do que um animal ferido. Tenham cuidado. Não se desleixem como ele se está a desleixar.”

Hatcher levantou-se da cadeira e sorriu novamente.

“É bem capaz de matar um de vocês antes de dar por terminada a sua missão.”


CAPÍTULO 36


Na manhã seguinte, as palavras de Hatcher ainda ressoavam na cabeça de Riley.

É bem capaz de matar um de vocês antes de dar por terminada a sua missão.

Antes destas palavras, Riley não encarara o assassino das correntes como uma ameaça direta a ela ou outros agentes. As vítimas que procurava, levava e assassinava pertenciam a um tipo específico. Mas ela sabia bem que não devia ignorar o aviso de Hatcher. O homem tinha uma visão fora do comum, aparentemente surgida de anos a estudar o comportamento humano da sua perspetiva especial numa prisão de alta segurança.

Mesmo ali, no ultra seguro gabinete de campo do FBI, pensar naquelas palavras criava uma sensação irracional, mas palpável de perigo. Quase parecia que Eugene Fisk estava entre eles ali e agora, invisível mas pronto para fazer mal àquela gente. Não fazia grande sentido, mas era isso que sentia.

Riley caminhava numa área aberta onde agentes em secretárias atendiam chamadas, recolhiam dicas e pistas. O ar estava repleto de conversas telefónicas. Riley andava de secretária em secretária, a perguntar sobre o progresso de todos – ou ausência de progressos.

Numa das secretárias, um jovem agente terminava uma chamada.

“Então?” Perguntou Riley.

O agente abanou a cabeça.

“Uma adolescente em Searcy tinha a certeza que o nosso homem era o seu tio Joe,” Disse. “Encaixava na descrição. Mas muitos detalhes não encaixavam. Perguntei sobre o gaguejar e ele fala perfeitamente. Mas se o que ela me contou é verdade, o tio Joe é definitivamente um pervertido que devia estar preso. Indiquei-lhe os Serviços Sociais.”

“Continua,” Disse Riley, dando-lhe uma palmadinha no ombro. “Vamos conseguir alguma coisa em breve.”

Olhou para a sala para todos aqueles rostos focados e dedicados, a darem o seu melhor para encontrar Eugene Fisk. Como já era de esperar, centenas de pessoas ligaram para a hotline, muitos suspeitando de um familiar ou vizinho.

Considerando que não havia sido mencionada a gaguez aos meios de comunicação social, perguntar a quem ligava sobre esse pormenor era uma forma fácil de descobrir se a pista era falsa. Quem ligava dizia quase sempre qualquer coisa como, “Bem, não, ele não gagueja, mas é um sacana mau.”

E é evidente que inúmeras pessoas tinham reparado numa carrinha Ford branca ao longo de todo o Vale do Rio Hudson. Essas pistas eram mais difíceis de destrinçar, mas os agentes estavam a dar o seu melhor para filtrar a informação. Lucy também estava a trabalhar naquela sala, ajudandos os agentes de campo a separar pistas plausíveis de informação sem qualquer utilidade. Transmitiam quaisquer pistas credíveis a Bill que era o agente responsável pelo caso.

Decidindo que chegara a altura de ver como ele estava, Riley dirigiu-se ao gabinete temporário onde Bill se encontrava. Quando abriu a porta e espreitou lá para dentro, ele fez um gesto para ela entrar.

“Alguma novidade?” Perguntou Riley ao entrar e sentar-se.

“Nada,” Rosnou Bill. “Até agora já tivemos cinco confissões – tipos que apareceram em cidades diferentes. Nada de relevante.”

Riley suspirou desencorajada. Nos seus melhores dias, ela conseguia entrar na mente de um assassino em série. Mas a mente de um pretenso psicopata permanecia um mistério impenetrável para ela. Em que é que homens daqueles pensariam?

Naquele preciso momento, Lucy espreitou na porta. O seu rosto estava repleto de determinação.

“Temos algo,” Disse, entrando no gabinete. “Receio que seja uma combinação de boa notícia e má notícia.”

Deu a Riley e a Bill cópias de uma impressão.

“São transcrições de três chamadas gravadas,” Explicou Lucy. “São todas de pessoas em Talmadge, uma cidade a meio caminho entre aqui e Reedsport. Cada uma destas pessoas ligou sobre um tipo que se diz chamar Eugene Ossinger. Encaixa perfeitamente na descrição, até na parte do gaguejo.”

Riley percorreu com os olhos as transcrições.

“Vejo que conduz uma carrinha Ford branca,” Disse.

“Pois é,” Disse Lucy. “Não ocorreu a nenhuma das pessoas que ligou apontar a matrícula. A carrinha não está agora no local. Mas duas das pessoas lembraram-se que era uma matrícula da Pensilvânia.”

“Parece ser ele,” Disse Bill. “E as más notícias?”

Lucy sentou ao lado da secretária.

“Também recebemos uma chamada diretamente do departamento de polícia de Talmadge,” Disse. “Uma das pessoas que ligou chamou-os primeiro. Os polícias locais já se deslocaram ao local e uma equipa SWAT também. Eugene Ossinger já não se encontra lá. Ninguém sabe para onde foi.”

Riley recusou-se a sentir-se desiludida.

“É um começo,” Disse. “Vamos para lá imediatamente.”


*


Cerca de meia hora mais tarde, Bill, Lucy e Riley chegaram a Talmadge, uma pequena cidade na margem ocidental do Hudson. Quando Bill parou o carro na morada que lhes tinha sido dada, o local já se encontrava selado e rodeado por polícias locais e membros de uma equipa SWAT. Alguns vizinhos estavam reunidos nas proximidades. Todos pareciam estar à espera dos agentes do FBI que sabiam vir a caminho.

Os três agentes saíram do carro e dirigiram-se à casa. Bill apresentou-se a si e às colegas ao polícia responsável.

“Ele deve ter sabido que fora descoberto,” Disse-lhes um polícia. “Já cá não estava antes de chegarmos.”

“Vamos ver a casa,” Disse Riley. Entraram pela porta da frente rumo a uma sala de estar de pequenas dimensões. O resto da casa incluía um quarto, uma casa de banho rudimentar e uma pequena cozinha. A mobília velha e gasta parecia já ter sido utilizada por inúmeros inquilinos.

Enquanto Riley e Lucy espreitavam cada recanto, Bill disse, “Vou à cave.”

Riley reparou nalguns sinais de uma refrega recente, incluindo um candeeiro partido. De resto, tudo estava razoavelmente arrumado e limpo. O local parecia uma escolha sensata para alguém com um rendimento pouco avultado. Imaginou que Eugene conseguia sobreviver fazendo pequenos trabalhos. O roupeiro do quarto continha algumas roupas esfarrapadas. Riley imaginou que levara o que pudera com ele, apesar de não ter muito de seu.

Ouviu Lucy a chamá-la da cozinha, “No frigorífico só tem um pouco de comida, nada fora do normal.”

Riley saiu do quarto mesmo a tempo de ver Bill regressar da cave.

“É aqui mesmo,” Disse Bill. “Venham ver.”

Riley e Lucy seguiram Bill descendo uns degraus de madeira até um chão de cimento.

Um berço manchado de sangue encontrava-se no meio do exíguo espaço. Não havia dúvidas. Era ali que ele mantinha e atormentava as suas vítimas, provavelmente acorrentadas e presas com colete-de-forças durante todo o seu cativeiro.

Uma estranha calma apoderou-se de Riley. Finalmente estava ali, no coração do mundo do assassino. Estava exatamente onde tinha de estar.

“Dêem-me um minuto a sós,” Pediu a Bill.

Bill assentiu. Claro, ele sabia extatamente o que ela pretendia. E também Lucy. Ambos subiram as escadas e fecharam a porta atrás de si.

Riley olhou para a cena. Uma única luz de teto estava acesa, provavelmente acesa pela polícia local. Viu que as janelas estavam bem cobertas para que, não havendo luz, o compartimento ficasse totalmente às escuras.

Só Deus sabia quantas horas de escuridão total tinham suportado aquelas três mulheres às mãos de Eugene Fisk. Mas o que as mulheres tinham sentido não era tão importante para Riley naquele momento. Aquela era a sua oportunidade de descobrir algo sobre o que o próprio Eugene sentira e pensara, a forma como a sua mente doentia funcionava.

Riley observou um quadro em cima de uma mesa gasta de madeira encostada a uma parede. Parecia tratar-se de uma espécie de santuário. Arrumados em cima da mesa, encontravam-se vários objetos que haviam sem dúvida pertencido às mulheres que trouxera – sapatos, um distintivo, uma placa de identificação, alguns botões. Em exibição no quadro, estavam toda a espécie de recordações – obituários, artigos, fotos que ele tirara dos túmulos.

Riley respirou fundo, tentando assimilar os pensamentos do demónio que assombrara aquele lugar sombrio. Algo começou a tomar forma dentro de si.

Isto é mais do que um santuário, Pensou. É um altar sagrado.

Enquanto as mantinha cativas, as mulheres eram massas de carne, sangue e osso esfomeadas, trémulas e lamentosas. Haviam estado sob o seu desconfortável e precário controlo. Mas ao deixarem este mundo, transformavam-se em espíritos vingadores, como as Fúrias da mitologia Grega.

Fossem quais fossem os objetos que ele deixasse para as acalmar ou as lágrimas de arrependimento que chorasse, tudo era em vão. Ele nunca poderia emendar o sofrimento que lhes causara.

No lado oposto, Riley avistou outra mesa. Um torno enferrujado estava preso ao lado da mesma, um vestígio antigo de quando era utilizada como mesa de trabalho. Uma placa de ferramentas na parede atrás da mesa já tinha outrora contido ferramentas, mas agora estava vazia.

Riley teve a sensação de que também aquela mesa tinha uma história. Dirigiu-se a ela e estudou a sua superfície com atenção, analisando os estranhos padrões de riscos presentes no tampo gasto. Que padrões eram aqueles? O que significavam?

A sua mente foi preenchida com a visão de correntes. Eram marcas de correntes. Tivera pilhas de correntes ali, algumas vezes enroladas e outras vezes completamente esticadas em cima da mesa. Ele sempre as manuseava com a maior das reverências.

Porque também as correntes eram uma espécie de deidade. As correntes dominavam-no desde a infância quando a mãe o acorrentara na sua própria casa e novamente na casa de acolhimento onde as freiras mantinham a porta do seu quarto fechada com elas.

Não conseguira evitar reunir cada vez mais correntes ao longo da sua vida. E aqui, aqui mesmo, era o local onde elas o chamavam, o comandavam, o instruíam. Mas tal como os espíritos das mulheres, elas nunca podiam ser aplacadas, independentemente da devoção com que as servia.

Riley olhou para ambas as mesas. Ambas eram altares e eram as estrelas gémeas que guiavam a sua vida – uma representava um eixo de culpa, vergonha e arrependimento, e a outra a futilidade impotente, sempre a fazer pouco da criança indefesa que ele continuava a ser.

Mas ao contrário da mesa com as fotos e as recordações, a mesa que albergara as correntes estava agora vazia. Que significado é que isso escondia?

Riley inspirou e expirou profundamente, tentando sentir o que Eugene sentia naquele momento.

Era evidente que levara as correntes com ele. Não as podia deixar ali. Sem elas, não teria qualquer objetivo na vida. Apesar de poder odiar o que elas o obrigavam a fazer, davam-lhe a única coisa a que se podia agarrar.

Também sentiu o quão desenraízado e perdido ele se sentia, exilado dos seus altares sagrados. Estava sozinho e mais desesperado do que nunca e as correntes estavam, indubitavelmente, furiosas com ele. Devia estar frenético naquele momento, lutando para recuperar algum equilíbrio.

E naquele momento algo tornou-se claro para Riley. Subiu as escadas e abriu a porta. Bill e Lucy estavam ali à espera que terminasse a sua vigília privada.

“Sei onde é que o podemos encontrar,” Declarou Riley.


CAPÍTULO 37


O cemitério estava silencioso e escuro. Ali, longe da estrada que percorria a propriedade, a única luz existente provinha da lua branca pendurada no céu.

Mas o luar será suficiente, Pensou Riley, plena de confiança.

Espreitava por detrás de um grande anjo de mármore com asas abertas. A escultura estava na encosta logo acima de um grupo de túmulos em baixo. Um desses túmulos estava ainda fresco. Carla Liston tinha sido enterrada nessa manhã.

Ao luar, Riley podia facilmente ver o caminho e conjunto de lápides mais abaixo. Quando ela e Bill chegaram ao local, reparou num grupo de sepulturas à direita circunscritas por uma vedação metálica com espigões afiados. O anjo por trás do qual se escondia via tudo.

Riley não fora ao funeral naquela manhã. Tinha a certeza de que Eugene não estaria lá – não com toda a atenção que recebera dos meios de comunicação social. Bill e Lucy tinham ido para observar a multidão na eventualidade de ele poder estar presente. Myra Cortese e várias outras enfermeiras também tinham estado atentas. Mas Riley estava certa, ele não comparecera.

Em vez de ir ao funeral, Riley passara a manhã no hotel com April. Estavam a dar-se muito bem. Riley sentia que a sua relção estava a ficar mais forte e acreditava sinceramente que daquela vez era a sério e para durar. Pelo menos, pensou, os laços eram suficientemente fortes para sobreviver ao que ainda aí vinha de tumulto adolescente.

Riley reservara as suas energias para aquela noite. E ali estava ela. Bill também vigiava, escondido no meio das árvores ao lado do túmulo de Carla Liston.

Depois daquele momento revelador na cave de Eugene, Riley não tinha a mínima dúvida de que o assassino das correntes apareceria naquele local. Ela sabia que aqueles dois altares sagrados eram tudo o que importava na sua vida. O que deixara para trás, tornava a sua presença ali uma certeza. Tinha simplesmente que encontrar uma fuga para o seu terrivel remorso.

Mas a empreitada devia ser conduzida com descrição. Riley e Bill decidiram ir sozinhos, assegurando-se de que estariam quase invisíveis. Eugene estaria especialmente atento naquele momento. Ele repararia em qualquer detalhe fora do normal.

Mesmo assim, o gabinete de Albany sabia que Riley e Bill lá estariam. Havia muitos agentes em locais estratégicos próximos, todos à espera de avistar Eugene ou a sua carrinha branca. Lucy estava com eles, ajudando a coordenar os seus esforços. Riley tinha a certeza de que ela e Bill detetariam Eugene – e estava igualmente certa de que ele não escaparia.

De repente, ouviu sussurros nas proximidades. Virou-se e viu um casal jovem a rir num caminho. Pareciam dois adolescentes que pensavam ter encontrado o lugar ideal para namorar.

Riley saltou detrás do anjo de mármore e interpelou-os. Segurou no distintivo visível ao luar e colocou dois dedos nos lábios para que não dissessem nada.

O rapaz e a rapariga pareciam assustados. Será que tinham a noção de que Riley estava ali à procura de um assassino? Riley não se importava desde que se fossem embora. E foi isso mesmo que fizeram, virando-se e desaparecendo silenciosamente entre as árvores na direção de onde tinham vindo.

Riley voltou para o seu esconderijo atrás do anjo e apoiou a testa na sua asa, espreitando entre as penas de mármore. Depois daquilo, a noite esteve tranquila durante muito tempo.

E mais uma vez, lembrou-se das palavras de Hatcher...

“Ele está ferido onde mais dói – na sua alma. Não há nada mais perigoso do que um animal ferido.”

Também pensou noutra coisa que o recluso de Sing Sing lhe tinha dito...

“Páre de lutar contra isso.”

Podia referir-se a imensas coisas – a sua obsessão pelo trabalho ou a sua atração por Bill. Provavelmente nunca saberia a que é que ele se referira. E talvez fosse o melhor. De qualquer das formas, não era nem o lugar, nem o momento para pensar nisso.

E naquele preciso instante, detetou um movimento entre as campas. Era a figura de um pequeno homem que acendia ocasionalmente uma lanterna. Sacou a arma e saiu silenciosamente detrás do anjo.

O homem encaminhava-se para o túmulo de Carla Liston. Incidiu a luz da lanterna na lápide, certificando-se do nome nela inscrito. Deixou algumas flores na campa – margaridas, conseguiu ver.

O corpo de Riley foi trespassado por uma onda de adrenalina. O assassino das correntes tinha deixado margaridas no túmulo em Reedsport. Só podia ser ele. Eugene Fisk viera mostrar o seu arrependimento à mulher que assassinara.

O seu rosto não estava visível e Riley desceu a encosta o mais silenciosamente que conseguiu na sua direção. Mesmo assim, deve tê-la ouvido porque se virou e olhou na sua direção, depois virou-se e começou a correr.

Riley correu atrás dele. Resistiu à urgência de chamar Bill. Tinha a certeza de que Bill vira o que se estava a passar e já estava em ação.

Riley seguiu o assassino, deambulando pelo labirinto de lápides e estátuas. Ficou surpreendida pela sua súbita demonstração de agilidade felina. Há muito que adivinhara que Eugene Fisk não era muito forte e teria razão. Mas não tinha antecipado que ele era tão ágil e veloz. Interrogou-se se ele até conseguiria ver melhor no escuro do que ela.

Riley ganhava terreno quando tropeçou numa pequena lápide. Quando recuperou o equilíbrio, já não conseguia ver Eugene Fisk. Ficou completamente parada, a tentar ver e ouvir algo.

Ouviu movimento de um dos lados e quando se virou viu que era Bill que estava a correr atrás dela. Também ele perdera o homem de vista. Estacou.

Tanto Riley como Bill pararam, observando toda a zona. Rapidamente se aperceberam de uma luz a cintilar que revelou a figura de um homem à sua frente. O homem ligara a lanterna para ver o caminho.

Riley e Bill desataram a correr na direção da luz. Ao correr, uma imagem acorreu-lhe ao pensamento. Quando era criança, gostava de apanhar pirilampos seguindo as suas luzes no escuro. Lembrou-se da impossibilidade de apanhar um pirilampo depois de o ver iluminado.

Depois ouviu Bill a praguejar. Tinha ido de encontro à vedação metálica que rodeava um grupo de túmulos. Riley conseguiu parar antes de ela própria ir contra os espigões. Foi por outro lado para contornar a vedação e Bill seguiu na outra direção.

Mas quando chegaram ao lado mais distante das campas vedadas, a figura que perseguiam já não se via. Não havia outro som ou movimento que não os seus.

“Raios,” Murmurou Bill a poucos passos de distância de Riley.

Ligou a Lucy do seu telemóvel para alertar os agentes que o suspeito estava em fuga. Entretanto, Riley continuou a procurar, apontando a lanterna para todo o lado. Quando Bill terminou a chamada, também retomou a busca.

Riley vasculhou por todo o lado – atrás de árvores, estátuas, algumas das lápides maiores e na entrada para um mausoléu. Por fim, o seu caminho convergiu com o de Bill num parque de estacionamento vazio. A mão de Bill estava a sangrar da colisão com a vedação.

“Filho da Puta,” Rosnou. “Não vai longe, não com tantos agentes na cidade.”

Mas Riley tinha uma sensação estranha. A agilidade e rapidez de Eugene tinha-a apanhado completamente de surpresa. Também considerava que ele era demasiado inteligente para ter estacionado a carrinha nas proximidades. Mais uma vez se lembrou de como era difícil apanhar um pirilampo na escuridão.

“Não,” Disse a Bill, recuperando o fôlego. “Perdemo-lo.”


CAPÍTULO 38


Era madrugada e as correntes manifestavam-se. Eugene tinha passado a segunda noite aninhado no lugar do passageiro da sua carrinha com medo de adormecer na parte detrás onde as correntes o podiam dominar. Elas estavam zangadas.

“É o que vos digo,” Disse ele sonolentamente, “não havia mais nada a fazer.”

Mas o falatório continuava. Eugene sabia que não valia a pena tentar explicar-lhes tudo outra vez – que tinha sido identificado e que a polícia iria a sua casa e que tinha de fugir e levar as correntes consigo. De outra forma, ficariam lá sozinhas. E o que lhes aconteceria quando fossem encontradas?

Eugene virou-se, tentando aliviar o corpo cansado. Depois da sua fuga do cemitério na noite passada, doía-lhe o corpo todo. Não fazia ideia de que conseguia correr tão rapidamente ou tanto. E tinha passado por um vasto campo de obstáculos – quintais e vedações até chegar à carrinha. Tivera o cuidado de não a estacionar perto do cemitério.

Tinha conduzido com cautela até Albany, passando pelas ruas e becos menos movimentados, consciente de que a polícia estava à sua procura. Ficara muito aliviado quando conseguira sair da cidade por uma estrada pouco movimentada e parara numa área florestal densa para poder dormir.

Agora Eugene sabia que tinha que voltar à estrada e não sabia para onde iria. E apesar de ter disfarçado a carrinha, ainda estava nervoso perante essa possibilidade. Há alguns anos, compreendendo que este dia chegaria, roubara matrículas de Nova Iorque e encomendara decorações magnéticas. Com grandes flores coloridas em cada lado e pequeno sinais na porta indicando o nome de uma empresa imaginária, esperava passar por um veículo de entrega de flores.

Agarrou no saco de comida que trouxera quando saíra de casa. Apenas lhe restava um donut. Comeu-o lentamente.

“Para onde vou?” Perguntou às correntes.

Mas o seu múrmurio era confuso, com algumas vozes irritáveis dizendo para conduzir para norte, outras para sul e outras ainda a dizerem-lhe para ir para ocidente para Catskills. Nunca vira as correntes tão discordantes entre si. Estavam naquele estado desde que estragara a morte da última mulher, partindo-lhe o pescoço em vez de lhe cortar a garganta como era suposto.

Ele sabia que a culpa era toda sua. Tudo era culpa sua.

Mas tinha que conduzir para algum lado. Ligou a carrinha e começou a sair de entre as árvores. Quando a carrinha se movimentou no chão esburacado, as correntes tilintaram ruidosamente. Eugene virou-se para elas.

“O que é que querem agora?” Perguntou.

Depois surgiu um guinchar ruidoso de pneus e o som da buzina de um carro. Travou com força e parou a carrinha. Devido ao tilintar das correntes, saíra distraidamente para a estrada à frente de um carro em movimento.

Agora o condutor olhava para ele com surpresa e cara de poucos amigos. Eugene desviou a carrinha para a faixa mais distante e continuou o seu caminho.

Tentando manter-se atento, conduziu lentamente ao longo de algumas casas, um restaurante e um posto de correios. Esperava que ninguém na pequena cidade reparasse nele. Quando a estrada ficou novamente ladeada de árvores, descontraiu um pouco.

Mas as correntes estavam novamente agitadas. Queriam alguma coisa. Queriam sempre alguma coisa.

Dali a momentos, viu uma mulher a caminhar na sua direção na berma da estrada. Estava vestida de branco. Parecia um uniforme de empregada. Não era uma enfermeira ou uma guarda como as outras, mas ainda assim...

“Ela?” Perguntou às correntes.

Eugene ouviu um murmúrio de aprovação.

Parou a carrinha na berma, mas deixou o motor a trabalhar. Saiu, dirigiu-se à parte detrás da carrinha e abriu as portas. Pegou numa mão cheia de correntes.

Naquela altura, a mulher passava por ele na beira da estrada.

“Tem algum problema?” Perguntou a mulher, dirigindo-se a ele com um sorriso educado. “Há uma oficina...”

Mas depois a sua expressão congelou de horror. Reconheceu-o. Quando se virava para fugir, Eugene atingiu-lhe a cabeça com as correntes. Ela caiu com um grito de dor e ele agrediu-a novamente. Pegou na mulher inconsciente. Felizmente era suficientemente pequena e leve para ele a conseguir carregar. Arrastou-a para a carrinha e ocupou o lugar do condutor novamente.

“Espero que desta vez fiquem mais satisfeitas,” Disse às correntes.

Mas ao conduzir, uma onda de desespero começou a apoderar-se dele. Como é que poderia lidar com aquela mulher de forma a satisfazer plenamente as correntes? Não tinha um lugar onde a manter presa. Tinha que a matar rapidamente. E onde o poderia fazer? Para onde a levaria agora?

A estrada ainda se espraiava entre árvores. Depois seguia para a direita, conduzia a uma linha ferroviária e acabava numa velha marina. Havia um cais decrépito com dois velhos barcos de pesca ancorados. Uma enorme estrutura de aço enferrujado assomava por sobre o cais.

Quando percebeu de que estrutura se tratava, Eugene riu-se alto. Mal conseguia acreditar na sua sorte. Era um velho guindaste de barcos utilizado para elevar pequenos iates e coloca-los na água. Parecia não ser usado há muito tempo, mas ainda havia uma roldana. Um cabo atravessava a roldana e embatia no chão. Seria fácil pendurar ali a mulher onde seria encontrada pela família e vizinhos.

Era necessária uma ousadia tremenda para fazer tudo aquilo em plena luz do dia.

Melhor, Pensou.

Talvez as correntes ficassem impressionadas.

Para se assegurar de que ninguém o observava, caminhou até ao cais. Tinha que se movimentar com cuidado porque faltavam algumas tábuas e outras estavam muito frágeis. Quando chegou ao cais, virou-se e observou a costa.

Ninguém à vista. Olhou para a água. Alguns barcos flutuavam no Hudson, mas a maior parte deles estava demasiado longe para o ver. Alguém no barco mais próximo acenou-lhe amigavelmente. Eugene respondeu ao aceno e viu o barco a afastar-se. Chamava-se Suzy.

Suzy, Pensou. Como seria estar ali num barco chamado Suzy?

À beira do cais, Eugene foi acometido por uma estranha ânsia. Se ele tivesse um barco e pudesse ir fazer-se à água, as correntes segui-lo-iam? Como o poderiam fazer?

Ali talvez pudesse ser livre. Já não se lembrava da sensação de ser livre.

Dois velhos barcos estavam amarrados ao cais. Ambos flutuavam e pareciam capazes de se fazer ao rio. Conseguiria fazer um dos motores trabalhar e velejar dali para sempre?

Mas depois ouviu um grunhido vindo da carrinha. A mulher estava a recuperar a consciência. Tinha que lhe vestir o colete-de-forças e envolvê-la nas correntes. Depois tinha que terminar a sua horrível missão. As correntes não lhe davam escolha.

Nunca lhe dariam escolha.


CAPÍTULO 39


Riley sentia que algo estava prestes a acontecer. Não sabia porque sentia aquilo. Tinham escolhido a rota com base em algumas escassas informações. Bill ia a conduzir e os três encaminhavam-se para sul de Albany.

Depois da fuga de Eugene Fisk do cemitério no dia anterior, o público respondia aos pedidos de informação com mais chamadas do que nunca. Agentes de campo tinham-se espalhado em todas as direções na tentativa de seguir alguma pista que parecesse remotamente plausível. Tinham ocorrido vários avistamentos nas autoestradas a sul de Albany e Bill, Riley e Lucy tinham decidido ir nessa direção.

“Estamos a que distância de Callaway?” Perguntou Lucy.

Riley virou-se e viu que Lucy olhava para um SMS. Devia ser alguma atualização do gabinete de Albany.

“Acabámos de passar uma saída para Callaway,” Disse Bill.

“Temos que voltar e ir nessa direção,” Disse Lucy.

Sem fazer mais perguntas, Bill abrandou o carro e virou. Lucy explicou então a dica que recebera.

“Um homem de Callaway disse que um tipo maluco saiu de nenhures para o meio da estrada. Era uma carrinha de entregas branca de uma empresa chamada June’s Flowers. O homem viu bem o condutor. Jura que é o nosso homem e que se dirigiu para a velha marina. Todos na cidade foram avisados para não se aproximarem do local.”

O coração de Riley acelerou. Sim, era isso. Tinha a certeza que era isso. O nome da empresa não a surpreendeu. Toda a gente no QG em Albany tinha a certeza que ele já devia ter camuflado a carrinha.

“Lucy, responde à mensagem e diz que vamos a caminho,” Disse Bill, virando no local por onde passara há pouco. “O mais certo é precisarmos de reforços. Riley, vê no GPS para onde vamos.”

Riley olhou para um mapa no telemóvel. Ficou contente com o que viu.

“Estamos na estrada certa,” Disse. “Passa por Callaway e depois vai direta à marina. Termina num cul-de-sac. Se Eugene Fisk foi para lá, esta estrada é a única saída.”

Bill carregou no acelerador e soaram as sirenes.

Abrandou quando entraram em Callaway. Alguns habitantes de olhar ansioso estavam no passeio observando o carro passar. Do outro lado da cidade, a polícia local tinha montado um bloqueio de estrada. Bill mostrou o distintivo do FBI e deixaram-no passar. Acelerou novamente e em poucos minutos, avistaram a marina.

Bill parou o carro e desligou a sirene.

O coração de Riley batia mais depressa. Ali estava, estacionada ao lado de um guindaste ferrugento – uma carrinha branca decorada com flores e ostentando o nome da empresa June’s Flowers. Os três agentes saíram da viatura e dirigiram-se à carrinha. Bill chegou primeiro e abriu a porta das traseiras.

Uma mulher estava encolhida no chão, presa com um colete-de-forças e correntes. Os seus olhos abriram-se e gemeu audivelmente pela corrente que lhe atravessava o rosto e amordaçava a boca.

Está viva, Pensou Riley, aliviada. Tinham chegado a tempo.

Mas não havia sinal de Eugene Fisk.

“Lucy, trata da mulher,” Disse Riley. “Eu e o Bill vamos procurá-lo.”

Riley contornou a carrinha para ver a costa, mas parou ao ouvir a voz de Bill.

“Riley!”

Ela voltou-se e encarou-o. Os seus olhos encontraram os de Riley com uma expressão determinada e solidária.

“Este tipo não é o Peterson,” Disse Bill.

Por um momento, Riley não compreendeu o que é que ele queria dizer.

“O quê?” Perguntou.

Bill estreitou os olhos e disse muito lentamente, “Ele não é o Peterson.”

Num momento de lucidez, Riley compreendeu perfeitamente o que ele queria dizer. O seu uso de força contra Peterson tinha roçado a vingança. Mas o Bureau não tinha levantado ondas – não depois de tudo o que sofrera às mãos de Peterson. Esta situação era diferente. Deviam capturar e entregar Eugene Fisk vivo.

Este tipo de comunicação instantânea era uma das coisas mais valiosas no trabalho com Bill. Sentira a falta disso quando estavam de candeias às avessas.

“Percebo,” Disse-lhe.

Com as armas nas mãos, Riley e Bill circundaram a carrinha. No terreno elevado, ajuntamentos de árvores podiam facilmente esconder o assassino. Riley tinha a certeza que estavam muito próximos. Moveu-se cuidadosamente na direção das árvores para a esquerda. Bill foi para a direita.

Riley percebera que o assassino não estava onde o procurava quando ouviu a voz de Lucy, “Estou a vê-lo!”

Riley virou-se e viu que Lucy se afastava da carrinha. Tinha sacado a arma e corria na direção do cais. O horrível homenzinho estava a apenas alguns metros de distância na velha estrutura.

“Pare!” Gritou Lucy com a arma erguida. “Coloque as mãos onde as veja!”

Eugene parou e virou-se, as mãos levantadas acima da cabeça. Numa das mãos tinha várias correntes.

Riley sacou a sua própria arma e caminhou na sua direção. Sentiu-se aliviada. Isto is acabar facilmente e sem violência. O que acontecera com Peterson não ia acontecer ali.

Lucy entrou no cais, concentrada em Eugene. Mas após alguns passos, uma tábua podre partiu-se debaixo dela e Lucy caiu.

“Raios!”

Eugene moveu-se com a mesma destreza e velocidade que mostrara no cemitério. De imediato se acercou de Lucy e a segurou. Embrulhou a corrente à volta do seu pescoço com uma das mãos. Com a outra mão pegou na navalha que tinha guardada no bolso. Abriu-a e encostou-a à garganta de Lucy. O seu rosto contorceu-se de dor.

Eugene tentava desesperadamente falar.

“Largu... Largu...”

Riley sabia que ele lhe tentava dizer para largar a arma. Mas ela não estava pronta para o fazer.

Lucy gritou de dor quando Eugene a puxou da tábua solta. Obrigou-a a caminhar em frente ao longo do cais de volta à margem. Parecia ter o tornozelo partido.

“Deixe... Deixem-me...”

Riley compreendeu. O assassino das correntes queria levar Lucy para a carrinha como refém e sair dali sem o molestarem.

Ouviu a voz de Bill.

“Calma, calma,” Dizia a Eugene. “Não pode sair daqui. Sabe disso.”

Mas Riley viu que nem ela nem Bill tinham um ponto de tiro viável. O corpo de Lucy era um eficaz escudo.

“Deixe... Deixem-me...” Disse Eugene mais uma vez. Agora estava na margem e recuava para a carrinha com Lucy como refém.

Bill estava ao lado de Riley com a Glock erguida.

Riley tentou avaliar a situação. De uma coisa tinha a certeza. Eugene Fisk não estava a fazer bluff com aquela navalha. Já cortara outras gargantas e fá-lo-ia outra vez se Riley ou Bill agissem de forma impensada.

Shane Hatcher tinha acertado em cheio.

É bem capaz de matar um de vocês antes de dar por terminada a sua missão.

Riley olhou de relance para Bill.

“Baixa a arma Bill,” Disse.

Bill olhou para ela surpreendido. Mas depois baixou a arma.

Riley seguiu o exemplo e colocou a sua própria arma no chão.

“Vou colocar a minha arma no chão, Eugene,” Disse. “Pode libertá-la. Podemos acabar isto pacificamente.”

Mas Eugene abanava a cabeça.

“N...não,” Gaguejou. Ainda estava determiando a fugir com Lucy como refém. Continuou a arrastar Lucy para a carrinha.

Riley olhou-lhe diretamente nos olhos. Ele também a fitou, incapaz de desviar o olhar, como se estivesse hipnotizado. Os seus olhos era pequenos e brilhantes, mas Riley viu neles mundos terríveis – mundos de sofrimento infantil e humilhação adulta, de dor física e psicológica, e insondável autoaversão.

“Ele não é o Peterson,” Tinha dito Bill apenas há alguns minutos atrás.

Agora Riley sabia que Bill tinha mais razão do que imaginara.

Eugene Fisk era o monstro mais digno de pena com que já se deparara. E ela podia transformar isso numa vantagem.

Quando Eugene Fisk recuava arrastando Lucy consigo, Riley caminhou lentamente na mesma direção.

“Sei sobre as tuas correntes, Eugene,” Disse Riley com uma voz solidária. “Eu também as ouço. Não estás sozinho. Não és a única pessoa que as ouve. Eu também as ouço.”

Eugene parou. Agora parecia combalido. Riley estava a chegar a ele. Ela sabia que sim.

Lembrou-se de outra coisa que Shane Hatcher tinha dito.

“Ele está ferido onde mais dói – na sua alma.”

E eu estou a sondar essa ferida, Compreendeu Riley.

“Não ouves o que elas estão a dizer agora, Eugene – as correntes?” Continuou Riley. “Estão a dizer que acabou. Desiludeste-as, falhaste pela última vez e elas não querem mais saber de ti. Acabou. As correntes estão a dizê-lo. Eu ouço-as. E tu também.”

Aqueles pequenos olhos estavam maiores agora. Encheram-se de lágrimas.

“As correntes não querem que leves esta mulher,” Disse Riley. “Ela não é aquilo que elas querem.”

Eugene anuiu.

“Tu sabes o que é que as correntes querem,” Disse Riley.

Eugene assentiu novamente.

Depois cortou a própria garganta com a navalha, profundamente, de um lado ao outro.

Riley ouviu o seu próprio grito ecoar no rio.

Eugene caiu ao chão com a garganta cortada, em total agonia. Lucy estava ensopada no seu sangue, mas estava livre agora. Também ela caiu, mas rebolou para longe do assassino ferido.

Riley tentou socorrer Eugene. As mãos tentando estancar o sangue, tentando conter o sopro último que fugia daquele corpo atormentado. Não valia a pena. Não havia nada que pudesse fazer. Os olhos de Eugene estavam muito abertos, receosos e hesitantes, sumidos. Em poucos segundos, parou de estremecer e Riley soube que estava morto.

Bill estava ao seu lado. Agachou-se e tentou ajudá-la a levantar-se.

“Vamos,” Disse Bill. “Temos que tratar da mulher.”

Mas Riley não se conseguia levantar.

“Matei-o,” Disse.

“Fizeste o que tinhas a fazer,” Disse Bill.

“Não,” Disse Riley. “Eu matei-o.”

Chorou e soluçou enquanto o som das sirenes preenchia o ar.


CAPÍTULO 40


Ao olhar para a sua casa nova, Riley sentiu-se mais livre, mais sortuda e mais rica do que alguma vez fora, mesmo na elegante casa que partilhara com Ryan. Afinal de contas, esta casa, era dela.

Mesmo assim, algo a incomodava.

O que é? Pensou.

Não conseguia perceber.

Sem dúvida que aquela casa superava todas as suas expetativas. O piso principal era aberto com as áreas de estar e de jantar unidas, e um grande terraço nas traseiras. A cozinha era fabulosa, maior do que o necessário, mas Gabriela adorava-a.

E fora o quarto de Gabriela que decidira Riley a comprar a casa. O quarto da cave que se abria para um pequeno quintal traseiro tinha sido convertido naquilo que a agente imobiliária designara de “in-law suite”. Era um quarto com carpete, lareira a gás e uma casa de banho privativa.

Gabriela estava lá naquele momento, a desfazer as malas e a organizar as suascoisas.

April apareceu vinda da cozinha a comer uma sanduíche.

“Como está a ser organizar o teu quarto?” Perguntou Riley.

“É tão grande!” Disse. “É o dobro do tamanho do que tinha! E também o roupeiro!”

Riley sorriu, sentindo-se feliz pela primeira vez em muito tempo. Sentindo-se como uma verdadeira mãe.

“Então já o posso ver?” Perguntou Riley.

“Ainda não. Ainda me falta arrumar mais algumas coisas. Depois vou precisar da tua ajuda para pendurar algumas coisas na parede.”

“Diz-me quando.”

April engoliu o resto da sanduíche e depois disse, “Mãe.”

“Sim.”

“Mãe, adoro isto tudo! Adoro esta casa. Adoro o meu quarto.”

“E eu adoro-te,” Disse Riley, dando-lhe um abraço.

April também a abraçou e depois subiu as escadas.

Riley suspirou de alívio. Não só a filha adorava a casa nova como era outra vez a alegre adolescente que se apagara durante vários meses.

Tivera a sorte de encontrar a casa antes de entrar no mercado graças à dica de um colega. Quantico ficava a apenas trinta minutos de distância e April poderia utilizar transportes públicos – nada de boleias. E não teria que mudar de escola.

Sem dúvida que era um novo começo, o início de uma vida diferente. Estava confiante que seria melhor para ambas. O divórcio concluira-se e Ryan estava a pagar o apoio prometido. Riley e April compreendiam que o seu contacto com Ryan não seria muito frequente. Riley pensou que seria o melhor para todos.

Ryan já tinha uma ligação com uma mulher divorciada de D.C. que o podia sustentar e não ficaria surpreendida se ele se mudasse para Washington mais tarde ou mais cedo.

Sim, Pensou Riley, isto é mais do que bom para nós – April, Gabriela e eu.

Ainda assim, algo a incomodava. Decidiu ignorar. Olhou em seu redor, pensando onde deveria colocar uma nova mobília.

Os seus pensamentos foram interrompidos pela campainha. Quando abriu a porta, deparou-se com Bill.

“Pensei em passar por cá para ver a tua casa nova,” Disse.

Riley percebeu pelo seu sorriso forçado e aspeto cansado que não estava ali só para isso.

“O que é que se passa?” Perguntou.

“Posso entrar?” Perguntou Bill.

“Claro.”

Bill entrou e sentaram-se no sofá.

“A Maggie avançou com o divórcio,” Disse Bill. “Já saí de casa, estou num apartamento perto da UAC.”

“Lamento,” Disse Riley.

Bill abanou a cabeça, confuso e desanimado.

“É só porque tentei que desse certo durante tantos anos,” Disse. “É estranho pensar que acabou. A Maggie e eu éramos estranhos há muito tempo. Mas os miúdos... Não quero ser um estranho para os meus filhos.”

Riley deu-lhe uma plamadinha na mão.

“Não vais ser,” Disse-lhe.

“Não sabes,” Disse Bill.

Riley suspirou. Bill tinha razão. Ela não sabia nada. Havia demasiadas coisas na vida que ela desconhecia.

Bill parecia ansioso para mudar de assunto.

“Este último caso,” Começou, depois abanou a cabeça e suspirou. Percebeu que ainda o assombrava também a ele. De alguma forma, era reconfortante perceber que não era a única a ser assombrada. “Já tínhamos lidado com um tão retorcido?”

Riley pensou por um momento.

“Retorcido? Não, não era bem isso. Mas era o mais ferido.”

“Ferido, retorcido, venha o diabo e escolha,” Disse Bill, abanando a cabeça. “Correntes e coletes-de-forças e uma navalha – é uma nova combinação para mim.”

Riley recordou a sua experiência com a mente do assassino das correntes.

“O Eugene foi o assassino mais relutante que já conheci,” Disse. “Mas ele nunca pararia se não o tivéssemos impedido.”

“E nós impedimo-lo,” Disse Bill. “Somos bons nisso. Juntos, somos muito bons.”


*


Passado um pouco, Bill foi-se embora. Tinha dito que não a queria incomodar agora que tudo lhe estava a correr tão bem. Ela tinha protestado dizendo que ele nunca incomodava e nunca incomodaria, mas foi-se embora na mesma.

Ao vê-lo ir-se embora, pensou no homem profundamente decente que era. Tinha sorte em tê-lo como parceiro e como amigo. O que quer que acontecesse dali para a frente, esperava que nunca colocasse a sua amizade em risco. Já tinham estado muito perto de a perder.

Depois entrou em casa e foi para a varanda das traseiras. Várias casas abaixo, crianças brincavam no quintal. Riley desejara exatamente aquilo – uma vizinhança onde as pessoas vivessem vidas normais de uma forma normal.

O que faltava? O que é que estava errado?

Depois lembrou-se – ainda tinha dificuldade em ver-se ao espelho. Os rostos de todas aquelas vítimas e monstros a encararem-na de frente. E agora também havia o rosto de Eugene, os seus olhos brilhantes cheios de sofrimento, culpa e ódio de si mesmo. Ela compreendia demasiado bem o que estava por detrás daqueles olhos. E por muito horrível que ele fosse, o seu destino ainda a assombrava.

Com Peterson tinha lutado e morto num acesso de instinto primário, de autopreservação, por ela e pela filha.

Com Eugene usara os seus poderes de empatia e compreensão.

Com Eugene tinha usado a sua força mental.

E mais ninguém poderia compreender isso a não ser ela.

Ela sabia que mais monstros espreitavam por esse mundo fora, provavelmente em mais variantes do que ela poderia jamais imaginar. O seu trabalho era pará-los. Mas o que faria da próxima vez que enfrentasse os que atormentavam e destruíam?

Lembrou-se do que Hatcher lhe dissera.

“Páre de lutar contra isso.”

Ainda não sabia o que ele quisera dizer com aquilo, mas começava a pensar que era algo grande, talvez tão enorme como a sua própria vida. E que significado retirar do facto de um assassino compreender coisas a seu respeito que ela própria não compreendia?

O telemóvel interrompeu as suas dúvidas. A chamada era de Brent Meredith. Ela sabia que ele não ligava apenas para saber como estavam as coisas.

O seu coração bateu com mais força. Ele estava a ligar por causa de um novo caso.

Ficou algum tempo a olhar para o telemóvel a tocar. Virou-se, olhou pela janela, para o quarteirão, para a sua nova casa – para todo o lado menos para o telemóvel.

Mas continuava a tocar insistentemente. Era como a sua vida, como a maré de casos que nunca terminavam, sempre a voltar.

Páre de lutar contra isso.

Queria ele dizer lutar contra a necessidade de aceitar um caso? Ou outra coisa? Lutar para ter uma vida? Viver a vida pela primeira vez?

Riley observou o telemóvel a tocar, sem parar.

Desta vez não foi tão rápida a atender.

E não sabia se o voltaria a ser.

 

 

                                                   Blake Pierce         

 

 

 

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