Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
RELATOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Agonia da Alemanha, Agonia do Japão
Maio a 2 de Setembro de 1945
Tschuikov recebe a oferta de capitulação
Suicídio de Goebbels. Bormann empreende fuga
Últimos combates. O General Wedding capitula
Doenitz, chefe de Estado. Esmagamento da Alemanha
4 de maio; os exércitos do Norte capitulam em Lüneburg
7 e 9 de maio: capitulações de Reims e de Berlim
Fim do governo de Flensburgo. Doenitz preso
Retorno de MacArthur. Batalha das Filipinas
Nimitz decide combater em Iwo Jima
Okinawa é invadida no dia da Páscoa
Os kamikases impotentes
Um problema: o preço da invasão do Japão
Potsdam: Churchill perde o poder. Desacordo dos Grandes
Alamogordo, 16 de julho: a primeira bomba A
O 6 de agosto às 8h13 sobre Hiroxima
8 de agosto: a Rússia declara guerra ao Japão
9 de agosto: o dramático conselho supremo de Tóquio
15 de agosto: o imperador opta pela capitulação
2 de setembro, 9h25, na ponte do Missouri: o fim
Finale
O oficial russo que ataca Berlim é o mesmo que defendeu Stalingrado, o General-de-Exército W. I. Tschuikov. Ele instalou seu PC no Schulenburgring, n° 3, nos arredores de Tempelhof.
Informam-no, a 30 de abril, por volta de meia-noite, de que um coronel alemão acabou de apresentar-se com uma bandeira branca, perto do Landwehrkanal, e pergunta em que lugar o General Krebs, chefe do Estado-Maior-Geral da Wehrmacht, poderia atravessar as linhas para realizar uma missão junto ao comandante soviético. Tschuikov dá ciência disso ao Marechal Zhukov, que o autoriza a receber o emissário inimigo.
Krebs chega ao Shulenburgring às 4 horas da manhã com o coronel Von Duvfing, o tenente intérprete Neilandis, SS letão, e um soldado que traz uma bandeira branca. Os quatro homens estão esgotados pela caminhada feita no inferno de Berlim. Krebs solicita uma conferência a Tschuikov; este responde que só pode ouvir o parlamentar em reunião de seu estado-maior.
A mensagem que lhe trago - decide declarar Krebs - é de importância capital. Nossas tropas de nada sabem ainda. Ontem, à tarde, Adolf Hitler suicidou-se”. O russo (provavelmente fingindo) não se altera: “Eu já sabia”. E acrescenta, de imediato: “V.Exa vem trazer a capitulação geral e incondicional? Válida para todos os aliados?
Perturbado, Krebs interrompe o intérprete e se lança num discurso em russo. Vem, diz, solicitar simplesmente um armistício local. Não tem qualquer poder para capitular em nome da Alemanha. O sucessor do Fuhrer é o Grande-Almirante Doenitz, que se encontra no Schleswig-Holstein: somente ele pode tomar uma decisão global. E apressa-se em acrescentar que, pessoalmente, não tem qualquer consideração pelas potências ocidentais, democracias decadentes, sobre as quais o nacional-socialismo tem o mesmo julgamento que o comunismo. Conhece a União Soviética, tendo sido adido militar junto a Moscou. Sempre deplorou a guerra russo-alemã, nascida de um funesto mal-entendido. É também o ponto de vista de Goebbels e de Bormann, que esperam na Chancelaria, o resultado de sua missão...
Tschuikov interrompe essa profissão de fé: “Preciso apenas de um sim ou de um não. Capitula, sim ou não?”. Krebs parece consternado. Indaga se pode mandar o coronel Duvfing à Chancelaria, para consultar Bormann e Goebbels. O russo o permite. Mas a luta continua sem tréguas.
Quando Duvfing se põe a caminho, amanhece. A luta prossegue. O pesadelo continua. A palavra não é demasiado forte. Todas as informações das últimas horas de Berlim são idênticas e todas são inexpressivas em sua capacidade de atingir o nível do horror que tentam descrever. Mortos por toda parte, montões de mortos de ambos os sexos e de todas as idades. Feridos por todos os cantos, suplicando que os matem. Sempre uma chuva de cinzas, abóbadas de chamas, multidão de pessoas vagando no meio das explosões, as salvas dos “órgãos de Stalin” levantando nuvens de fragmentos, a passagem ruidosa dos caças-bombardeiros, cortes marciais no canto das ruas, enforcamento nas ruínas - e, no meio desse pandemônio, grupos de homens e de meninos lutando como demônios.
Quantos são? Provavelmente, bem poucos. As divisões do 56o Pz K, principalmente a dos voluntários estrangeiros, reduziam-se a algumas centenas, ou mesmo a algumas dezenas de homens. A Nordland contava 1.500 homens no início do cerco, quando combatia em Neukölln; seu chefe, o Brigadefuhrer Ziegler, reencontra 80 ao redor da Porta de Brandeburgo. A Carlos Magno, que defende o bunker de Hitler, não teve jamais em Berlim senão um batalhão de 300 homens, sob a ordem do Hauptsturmfuhrer Fenet. O Volkssturm, unidades improvisadas, deixou de representar força efetiva, por falta de Panzerfäuste, de cartuchos ou de ânimo. Os grupos intrépidos da Hitlerjugend foram dizimados. Calcula-se que havia, no início da batalha de Berlim, cerca de 90.000 combatentes alemães de todas as denominações. Não devem restar mais de 10.000, mas a bravura e a destreza os multiplicaram.
Charlottemburg resiste ainda. A luta continua no Kurfürstendam. A igreja da guarnição e o Hotel Eden ruíram, mas, do outro lado da Budapesterstrasse, o Zoológico é defendido encarniçadamente pela Divisão Müncheberg. Ao lado, o Hochbunker troa sem descanso. No bairro governamental, os russos ocuparam o Ministério da Aeronáutica e isolaram a Chancelaria, mas somente avançam passo a passo. Já não se trata, em suma, de um combate coordenado. O PC central da Bendlerstrasse não mais funciona. As ordens já não chegam aos diferentes setores. Cada grupo luta por sua própria conta, com a pura energia do desespero.
Para voltar às linhas alemães, Duvfing segue pela Budapestestrasse. Neilandis e dois oficiais russos o acompanham. Reconhecendo uniformes alemães sob a bandeira branca, os granadeiros da Divisão Müncheberg gritam: “Traidores!”. E atiram. Neilandis é ferido, os dois russos são mortos, Duvfing é salvo pela intervenção de um oficial alemão, que manda cessar fogo. Ele encontra um telefone, põe-se em comunicação com Goebbels, que lhe ordena voltar a Tschuikov e trazer Krebs para que faça pessoalmente seu relatório.
Rápidas assim contadas, estas coisas se desenrolam lentamente. É meio-dia quando Duvfing, de uniforme rasgado, chega ao Schulenburgring. O primeiro dia de maio é tão magnífico, que o sol chega, em alguns lugares, a traspassar a nuvem de fuligem que cobre Berlim. Krebs tentou entabular conversações com os russos, lembrando que o Primeiro de Maio é a festa comum do Terceiro Reich e da União Soviética. Ninguém lhe respondeu.
Os enclausurados do bunker esperavam o retorno de Krebs com impaciência devoradora. A morte de Hitler fora seguida de uma luz de esperança. Sob as ruínas da Chancelaria, sob o cadáver de seu Fuhrer, os extremistas do nacional-socialismo estão prontos a proclamar sua conversão ao bolchevismo. Goebbels e Bormann pensam em lançar um apelo ao povo alemão para que retorne à aliança russa concluída e denunciada por Hitler.
O relatório de Krebs desfaz essa nova quimera. Goebbels deixa escapar uma exclamação de desespero - “Das ist das Ende!”(É o fim!) - ao saber que os russos recusam qualquer espécie de conversação, exigem uma capitulação pura, simples, imediata e total. O General Weidling declara que é preciso curvar-se. De início, Goebbels protesta com veemência; depois, resigna-se, num silêncio melancólico, desliga-se da vida. Weidling afasta-se do bunker para seu último posto de comando, na Vosstrasse, ao lado da Chancelaria. Ainda dispõe de um posto de transmissão, com o qual tentará retomar contato com Tschuikov.
Bormann deseja viver: prepara uma saída noturna, evasão dos ocupantes do bunker. Goebbels quer morrer. As cenas que marcaram o suicídio de Hitler e de Eva Braun se repetem com menos cerimonial. A família despede-se de seus companheiros; depois é servida às seis crianças uma beberagem envenenada, preparada pelo médico do bunker. A seguir, Magda e Joseph sobem a escadaria do jardim da Chancelaria, levando como uma imagem um retrato do Fuhrer num quadro de prata. Dois SS de tocaia os batem, de acordo com a senha combinada. Os corpos, borrifados de gasolina, queimam superficialmente, bem pouco para os tornar irreconhecíveis.
São 19h30 nesse momento. Três homens decidiram permanecer no bunker e fazer saltar os miolos no instante em que entrarem os russos: Schelde, chefe da guarda de Hitler, o General Krebs e o General Burgdorf, este inteiramente bêbedo. Os demais, homens e mulheres, saem em pequenos grupos, com o defensor da Chancelaria, o SS Brigadefuhrer Möhnke. O plano traçado por Bormann consiste em atingir a estação da Wilhelmstrasse, pelas garagens subterrâneas da Chancelaria, depois atravessar a Spree, para escapar em direção a noroeste. Muitos dos que participam dessa tentativa não abandonaram o bunker desde o início do cerco: ficam completamente sufocados ao emergir no meio da cidade em chamas.
Alguns escaparão, sobreviverão para fornecer testemunhos preciosos sobre os últimos momentos de Hitler. Os mais favorecidos como o motorista Kempka e as três secretárias, Frau Christian, Frau Junge, Fräulein Krüger, conseguirão atingir a Alemanha ocidental. Outros, como o Almirante Voss e o camareiro Linge, farão grande circuito pelos cárceres soviéticos, onde serão submetidos a pressões extraordinárias para garantir que Hitler continua vivo. Outros tombarão nas ruínas de Berlim. Outros finalmente, desaparecerão sem deixar sinais. Martin Bormann é um destes. Ele foi morto provavelmente pelas três horas da madrugada, ao mesmo tempo que o Secretário de Estado Naumann, na Friederichstrasse, pela explosão de um carro perto do qual passava. Kempka viu-o desaparecer numa chama resplandecente e o chefe das juventudes hitleristas de Berlim, Axmann, afirma que o reconheceu no chão, morto ou agonizante. Esses testemunhos não serão julgados suficientes para anular a ação pública. Bormann será condenado à morte, à revelia, em Nuremberg.
Enquanto esses naufrágios individuais se perdem na grande agonia de Berlim, o posto de transmissão da Vosstrasse lança repetidamente um apelo: “Fala o 56o Corpo Blindado alemão. Pedimos uma trégua imediata. Nossos parlamentares se apresentarão no Potsdamerbrücke meia hora depois da meia-noite. Sinal de reconhecimento: uma bandeira branca sobre um findo de luz vermelha. Rogamos resposta. Esperamos...” O coronel Von Duvfing torna a partir pela quarta vez sob a bandeira branca e, às 5 horas da manhã, conduz ao último PC do comandante de Berlim um carro blindado soviético. Weidling nele toma lugar com os generais Wetasch e Schmidt-Dankwart. O carro da capitulação corre riscos ao atravessar, perto do Anhalter Bahnholf, grupos de jovens combatentes ainda bem equipados que vociferam à sua passagem. A notícia da morte de Hitler começa a espalhar-se pelos abrigos e pelas posições de combates. Deixa indiferente a grande massa, abatida pelo excesso de sofrimentos e de terror, mas encontra incredulidade perigosa dos fanáticos, que protestam contra o derrotismo e a traição.
No Schulenburgring, Weidling assina com mão trêmula o ato de capitulação de Berlim. É conduzido, depois, a uma sala da Johannisthal, onde deve aceitar a repetição da cerimônia e proceder à leitura de uma proclamação em que acusa Hitler de ter deixado ao desamparo, “im Stich”, os que por ele combateram até o final.
Ainda não é completamente o fim. Uma saída desesperada se organiza. Uma multidão de combatentes recusando a capitulação, reúne-se em Charlottenburg. Coberto de sangue, com a mão na tipóia, o comandante da Divisão Müncheberg, Mummert, forma uma coluna, que lança sobre a ponte de Spandau. A ponte é transposta num rush irresistível. Uma massa humana precipita-se sob o fogo da artilharia russa: soldados de todas as formações da Wehrmacht, civis carregando crianças e puxando velhos. Eles passam, verdadeiramente falando, sobre uma papa de carne humana. O nome que sustentou a resistência de Berlim, Wenck, reapareceu em todos os lábios. É a ele que buscam alcançar, indo na direção de Potsdam.
Em Spandau, desenrolam-se encarniçados combates ao redor da cidadela ocupada pelos russos. Os desesperados passam a noite na cidade avermelhada pelo incêndio de Berlim. No dia seguinte, 3 de maio, a situação torna-se trágica. Mummert é morto. Os combatentes são embaraçados pelas hordas de refugiados que morrem de fome. Apesar de tudo avançam, atingem a sede da guarnição de Döberitz. Os aviões e os tanques os massacram. Apenas elementos isolados conseguirão reunir-se ao exército de Wenck.
Em Berlim, cessa o fragor da batalha. O Hochbunker do Zoológico, último reduto da capital, silencia. Multidões pálidas saem dos abrigos, estupefatas por estarem vivas. É espantoso o que vêem. A vastidão das ruínas e maior do que tudo o que o furor dos homens já perpetrou. Milhares de berlinenses estão soterrados sob o cadáver ainda fumegante de sua cidade. A sorte dos vivos pode invejar o repouso dos mortos. Tudo o que fazia o homem social está desfeito. Todas as mulheres entregues à sanha dos vencedores. Os bens são destruídos ou destinados ao confisco. O ministro soviético da indústria, Ivan Serov, chega para organizar pessoalmente o transporte das fábricas berlinenses para a URSS. A desmontagem começou quando ainda se lutava, algumas vezes à luz dos faróis. Trata-se antes de um massacre. De 75 a 91% das diversas indústrias berlinenses serão devastadas, atingindo o saque um valor superior a 4 bilhões de marcos, mas é quase apenas sucata o que chegará à Rússia.
As capitulações do Terceiro Reich
Por pouco o Grande-Almirante Doenitz não foi capturado em seu confortável QG de Bernau, ao norte de Berlim. Ele se fiava numa promessa de Keitel: uma ofensiva, que não teve êxito ao fim do terceiro dia. Na noite de 19 de abril, tomado de um pressentimento, Doenitz ordenou aos seus oficiais estupefatos a evacuação das posições. Uma hora depois, o Oberkommando der Marine estava em marcha. Outra hora depois, os tanques russos chegavam a Bernau.
O novo PC instala-se em Plön, entre Lübeck e Kiel. É aí que o Almirante Doenitz assume o comando da Alemanha do Norte, com o Marechal Busch sob suas ordens, como comandante das forças terrestres. Ele recebe notícias espantosas e sente pesarem sobre seus ombros dramáticas responsabilidades.
A primeira surpresa - a menor - é o rebaixamento de Goering. A segunda é um radiograma de Bormann denunciando a traição, as negociações clandestinas de Himmler. “O Fuhrer - concluiu Bormann - espera que V.Exa agirá imediata e inflexivelmente contra todos os traidores”.
Doenitz não é uma cabeça política. Deixou-se levar pela influência de Hitler, mas não gosta nem de Bormann, nem de Goebbels, nem de Himmler. Todavia, hesita. Ao invés de se fixar neste “imediata e inflexivelmente”, solicita uma entrevista ao acusado e aceita o encontro que lhe é concedido no Quartel dos SS de Lübeck. Ele escapa são e salvo, com grande ajuda de seus colaboradores. Himmler afirmou sua fidelidade incondicional ao Fuhrer e sustentou que estava sendo o objeto de intrigas.
Nova mensagem assinada por Bormann chega a Plön. Comunica a Doenitz que o Fuhrer o designou seu sucessor, em lugar do ex-Reichsmarschall Goering. Chegar-lhe-ão poderes por escrito. “Mas desde já, cabe-lhe tomar todas as medidas determinadas pela situação...” O despacho não esclarece se Hitler foi morto ou renuncia a sua funções, abdicando no desastre, como Guilherme II, em 1918.
O primeiro a ser informado é Himmler. Convocado a Plön, chega com seis oficiais SS armados. Doenitz recebe-o de revólver sobre a mesa. À leitura do telegrama de Bormann, Himmler empalidece de ira. “Espero - diz acremente - que V.Exa me permita ser a segunda pessoa de seu Estado”. A Alemanha desmorona, os homens do nacional-socialismo são todos marcados para fins infames, e contudo eles lutam pelo poder com um encarniçamento - e uma encenação - de gangsters.
A morte de Hitler foi confirmada no dia seguinte, 1o de maio, às 7h40, por um novo telegrama de Berlim. A ambigüidade, todavia, ainda não se dissipou completamente. É o seguinte o texto: “Testamento em vigor. Alcançá-lo-ei logo que puder. Até lá aconselho retardar a divulgação pública. Bormann”. Este ainda se apega à ambição, manobra, prepara seu futuro!
Doenitz recusa o conselho contido no telegrama. A proclamação que ele irradia fala de um Hitler morto em seu posto de combate, lutando até o último alento contra o bolchevismo. Todavia, quando recebe um novo - e último - telegrama da Chancelaria, resumindo-lhe o testamento e indicando a lista de seus principais colaboradores, resolve não tomá-lo em consideração. O Chanceler será o Ministro das Finanças Schewerin von Krosigk, rolha flutuando sobre todas as ondas. Alfred Speer não tem pasta ministerial, mas se mantém ao lado do Grande-Almirante como uma eminência-parda. Convence-o a mandar prender Bormann e Goebbels, se estes chegarem a sair de Berlim.
A 1o de maio, o grupo de exércitos de Montgomery, estacionado, havia 10 dias, diante de Bremen e Hamburgo, retoma repentinamente o avanço. Atravessa o Elba e invade o Oeste de Mecklemburgo. Doenitz deixa Plön, recua até Mürwik, perto de Flensburgo, na fronteira dinamarquesa. O OKW instala-se a seu lado, depois de uma viagem dramática pelos caminhos da derrota. A intoxicação hitlerista permaneceu tão forte em Keitel e Jodl, que eles saúdam a súbita ofensiva britânica, vendo nela a marcha de aproximação das hostilidades que vão irromper entre os ocidentais e os soviéticos. Hitler sustentou até o fim que o prolongamento, aparentemente sem esperança, da resistência alemã tinha como sentido um Zeitgewinn, um ganho de tempo, permitindo esperar a reversão das alianças. Seus dois comandantes supunham ver realizar-se a profecia.
Em Flensburgo, Doenitz dita a seu ajudante-de-campo, o capitão-de-corveta Ludde Neurath, um resumo da herança que lhe coube. Na Itália, o grupo de exércitos de Vietinghoff acaba de capitular, entregando aos Aliados perto de um milhão de prisioneiros. Na Alemanha do Norte, Berlim foi perdida e todos os exércitos em campanha se aproximam da desagregação. Na Alemanha do Sul a situação é quase a mesma. O 3o Exército americano completa a conquista da Saxônia. Munique foi tomada há dez dias pelo 7o Exército americano. Tendo conquistado a Floresta Negra e tomando Stuttgart, o 1o Exército francês atinge o lago de Constança. A Luftwaffe está quase anulada e, no pouco que resta da Alemanha, a produção de guerra está praticamente paralisada pelo esgotamento das matérias primas e pela desorganização total dos transportes.
É fora da Alemanha que a Alemanha continua forte. O grupo de exércitos de Blaskowitz conserva a maior parte da Holanda, compreendidas Amsterdã e Roterdã. Na França, os Aliados franquearam a embocadura do Gironde (destruindo Royan), mas Dunquerque, Calais, Bologne, Lorient, Saint-Nazaire, La Rochelle, bem como as ilhas anglo-normandas, ainda são mantidas por fortes guarnições. No Mediterrâneo, a Alemanha conserva possessões tão distantes como Rodes e Creta. Na Europa Central, o grupo de exército de Löhr mantém o Norte dos Bálcãs, o grupo de exércitos de Schörner ainda domina toda a Tchecoslováquia. Três milhões de soldados alemães continuam em armas do cabo Norte ao mar Egeu, enquanto o próprio Reich está perdido!
Os refugiados agravam esta situação tão singular. São milhões, ninguém sabe quantos - talvez 5, talvez 10 ou mais. Muitos foram alcançados pelo avanço russo ou recobertos pelo avanço anglo-americano, mas sua densidade não deixa de aumentar no território cada vez mais reduzido conservado pelas armas do Reich. As perdas e sofrimentos dos alemães são espantosos. A retomada da ofensiva britânica é acompanhada do bombardeio de todas as estradas da Alemanha do Norte, que provoca uma hecatombe de civis. Estes bastam, aliás, para neutralizar essas estradas metralhadas. Os próprios oficiais de estado-maior já não conseguem ultrapassar a onda humana, quando se dirigem para o Leste, nem se livrar dela, quando sua missão os chama para o Oeste. O prosseguimento da luta em tais condições é tão-somente um cruel, um criminoso absurdo.
Chegando a essa conclusão, Doenitz examina a alternativa em que se encontra. O inimigo proclama, desde a Conferência de Casablanca, que exigirá uma capitulação incondicional. Não mais deixa ignorar, desde a Conferência de Quebec, que pretende efetuar a dissolução total do Estado Alemão. Alimenta, por isso mesmo, a tentação de recusar à capitulação que ele exige, de se abandonar pura e simplesmente, entre suas mãos, como um corpo morto. Não apenas o Exército alemão, mas a própria Alemanha prisioneira de guerra, inerte sob o peso dos vencedores...
O Grande-Almirante repele esta solução de desespero. Tem esperanças de que o extremo rigor da posição aliada continuará teórico, e que ele sobrenadará pessoalmente como o chefe de um governo indispensável. Capitulará, portanto, mas tentará fazê-lo com discernimento: o mínimo de capitulação em relação ao russos; o máximo de capitulação para os ingleses e americanos.
Os acontecimentos, contudo, se antecipam. Desfaz-se o aparelho centralizado do comando. A capitulação de Vietinghoff, na Itália, representa a primeira de uma série. Por toda parte, os exércitos alemães renunciam por si mesmos à luta, tentam constituir-se prisioneiros dos ocidentais.
Sem condições de prosseguir a marcha para Berlim, Wenck coloca-se na defensiva em Havel. A 2 de maio, é alcançado pelo 9o Exército por um caminho doloroso, desde o Óder, através das massas inimigas. O último pensamento estratégico de Hitler fora o de reunir os dois exércitos para esmagar os russos contra o muros de Berlim. Mas Hitler está morto e o exército de Busse reduz-se a uma trintena de milhares de esqueletos, que, tendo perdido até a força de temer o cativeiro soviético, se deixam cair de esgotamento. Wenck organiza um transporte ferroviário para evacuá-los em direção a oeste, e coloca-se diante do problema suspenso na noite de 22 de abril pela chegada de Keitel a seu QG: como fazer passar às linhas americanas o maior número de militares e civis?
A 4 de maio, o General Barão Von Edelsheim, comandante do 48o Corpo Blindado, atravessa o Elba, sob a bandeira branca. Leva as propostas de Wenck: rendição do 9o e do 12o Exércitos aos americanos; abertura do Elba aos feridos, aos militares desarmados, aos fugitivos civis, enfim aos combatentes que protegerão o êxodo o maior tempo possível contra a ofensiva soviética. Conduzido a Stendal, ao QG do 9o Exército americano, o barão recebe uma acolhida cortês, e todas as suas propostas são aceitas com exceção de uma única: os civis não poderão atravessar o Elba! Muitos vem da Prússia Oriental, da Silésia, das províncias polonesas reanexadas pelo Terceiro Reich. Puseram-se a caminho no meio das tormentas de neve, marcharam 1.000 km, tiveram milhares de mortos, deixara atrás de si milhares de cadáveres. Resta-lhes apenas atravessar o Elba para encontrar inimigos que consideram que a guerra não suprime todas as leis da humanidade. Mas o Elba é declarado intransponível por decreto americano!
Wenck reenvia Edelsheim a Stendal. A súplica que ele transmite é ouvida com incredulidade. Os oficiais americanos não compreendem por que tantos milhares de civis querem afastar-se ainda mais de seus lares, já tão distantes, quando as hostilidades estão a ponto de terminar. Recusam-se a ouvir a narrativa das atrocidades russas. Imaginam uma manobra alemã para dividir os Aliados. De resto, as instruções do SHAEF são claras. A capitulação das unidades inimigas deve ser exclusivamente o caráter de rendição militar local. O comandante do 9o Exército considera que exorbitaria seus poderes e que reconheceria indiretamente a barbaria russa se abrisse sua frente aos refugiados.
É forçoso inclinar-se. A capitulação é assinada. Os feridos, os militares desarmados e o pessoal dos serviços começam a transpor o Elba, enquanto a 48a Pz e o 20o Corpo formam uma cabeça-de-ponte nas proximidades de Tangermünde. Às margens do rio, milhares de refugiados se acumulam. O canhão soviético troa muito perto. A aviação russa metralha os acampamentos. Muitos se atiram a nado, sobre pranchas, em tonéis, mas na maior parte são repelidos pelo fogo. No dia 7, os combatentes começam a passar por sua vez. Wenck atravessa ao cair da noite, num barco perseguido pelas balas de uma metralhadora russa. Aproximadamente 100.000 soldados e alguns milhares de refugiados trazidos por eles alcançam assim o Ocidente. O desespero apodera-se dos que ficam. Famílias inteiras suicidam-se ou, tentando, apesar de tudo, atravessar o rio, desaparecem nas ondas. Ao norte do exército de Wenck combate o grupo de exércitos que traz ainda o nome de Wiechsel: 3o Pz e o 21o Exército. Em verdade, como na França em 1940, as palavras majestosas de exército e de grupo de exército perderam o sentido. O comandante provisório do grupo, General Von Tippelkirsch, não consegue ultrapassar a maré de refugiados para ir ver onde se encontram suas grandes unidades. Decide capitular, apresenta-se pessoalmente como parlamentar, consegue chegar ao comandante da 81a US Airbone, gavin. Como Simpson, este aceita os soldados e recusa civis. Todas as súplicas são inúteis. Longas colunas de Feldgrauen marcham para um cativeiro relativamente suaves. As mulheres e as crianças ficam em seu desespero.
Doenitz pessoalmente entrou em conversações com os vencedores. Na noite de 2 de maio, durante sua fuga em direção a Flensburgo, deteve-se na ponte de Levensauer, no canal de Kiel, para atribuir ao comandante-chefe da Kriegsmarine, Almirante Von Friedeburg, a missão de render-se a Montgomery. Ele deve apresentar a capitulação de todos os exércitos alemães da Alemanha do Norte e solicita-lhe ajuda para aliviar a miséria dos refugiados.
A viagem de Friedeburg vinga todos os plenipotenciários da derrota que, desde 1938, tiveram de depor aos pés de Hitler a submissão de suas nações. O General Kinzel, chefe do Estado-Maior do Marechal Busch, e o próprio chefe de seu estado-maior, Contra-Almirante Wagner, acompanham-no, bem como um major Friedel. As estradas estão bloqueadas pelos refugiados, atravancadas de coisas abandonadas, constantemente ensangüentadas pela aviação aliada. Nas ruínas de Hamburgo, o Gauleiter Kauffmann prende os parlamentares e fala em mandar fuzilá-los. Só no fim da manhã eles conseguem chegar à mata de Lüneburgo, onde se encontra o PC ambulante de Montgomery. Este desce de seu carro-alojamento. Os alemães saúdam sobre as dobras da Union Jack, que balança alegremente na brisa. Monty aponta-os com gesto indiferente: “Quem são esses? Que desejam?” Momento supremo... Solicitada a capitulação, Montgomery repele-a. Os exércitos que se rendem a ele combatiam contra os russos: que se rendam aos russos. Friedeburg responde que nenhum soldado obedecerá à ordem de depor as armas diante deles - não por questão de honra, mas unicamente porque o cativeiro sob os russos significa sujeitar-se a tratamento mais bárbaro que a morte. Em vez de responder, Montgomery manda entrar Friedeburg no carro-alojamento e mostra-lhe seus mapas. Ao redor de um fragmento da Alemanha, forças gigantescas dispõem-se para a ofensiva. O almirante alemão prorrompe em soluços. A hora do almoço fornece o anticlímax. Montgomery manda servir os alemães numa barraca à parte. Friedeburg salga com suas lágrimas a comida inglesa. A entrevista prossegue na grande barraca do Comando, sempre no meio dos mapas inexoráveis. Monty formula uma contraproposta. Sugere a capitulação imediata de todas as forças alemães terrestres, aéreas e navais que se encontram nos flancos oeste e norte de seu grupo de exércitos, isto é, na Holanda, nas ilhas da Frisa, em Heligoland, no Schleswig-Holstein, na Dinamarca. Sob estas condições, todos os soldados alemães que se apresentarem aos postos avançados britânicos, individualmente ou em grupos, serão tratados como prisioneiros de guerra. Quanto aos refugiados, Montgomery reitera que não pode oficialmente autorizá-los a atravessar suas linhas. Mas promete estudar os meios de reduzir-lhes os sofrimentos. “Não sou - diz ele - um homem desumano...” E o demonstra, mandando suspender os bombardeios aéreos, sem esperar a assinatura da capitulação.
Friedeburg responde que não tem poderes necessários para fazer capitular as forças alemães da Holanda e da Dinamarca. Acerta-se que ele vá obtê-los em Flensburgo. O Almirante Wagner e o General Kinzel permanecerão no QG inglês. A data-limite fixada para a assinatura é o dia seguinte, 4 de maio, às 18 horas.
Enquanto isso, importantes deliberações foram tomadas em Flensburgo. Doenitz convocou as principais autoridades civis e militares dos territórios ainda ocupados pela Wehrmacht. Seyss-Inquart veio da Holanda; Terboven e o General Boehm, da Noruega; o Dr. Best e o General Lindemann, da Dinamarca; o General Foertsch, chefe do Estado-Maior do Grupo Norte, da Curlândia; o Reichsprotektor Franz e o General Von Natzmer, chefe do Estado-Maior do Grupo Centro, da Tchecoslováquia. Todos concordaram em que a situação é desesperadora. Seyss-Inquart revela que já determinou conversações, e Franz informa que negocia com os políticos burgueses de Praga para que tomem o poder e chamem as tropas americanas. Natzmer, todavia, declara que não pode responder pelo seu chefe, o Marechal Schörner, capa de querer defender-se, até o último alento, no quadrilátero boêmio.
À meia-noite, Friedeburg reaparece, pálido de fadiga. O exame das condições que ele traz continua diante de Keitel, Jodl e Schwerin. A obrigação de entregar intactos os navios detém um momento o Grande-Almirante, depois ele cede, dá a Friedeburg os poderes para assinar a capitulação de todos os exércitos do Norte. Pede-lhe que prossiga, depois, sua missão até Reims, para oferecer aos americanos uma rendição semelhante dos demais exércitos.
Às 18 horas do dia 4 de maio, Friedeburg apresenta-se novamente à caravana de Montgomery. Este lhe faz uma única pergunta: “Sim ou não?” “Very dejected”, diz Montgomery; o alemão responde: “Sim”. Vinte minutos depois, diante dos correspondentes de imprensa, fotógrafos, cinegrafistas, microfones de rádio, ele apõe sua assinatura no ato de capitulação. Um avião inglês leva-o de volta a Flensburgo, de onde, na manhã seguinte, uma avião alemão levanta vôo, para conduzi-lo a Reims.
O tempo mudou. Friedeburg teve de pousar em Bruxelas seguindo de automóvel para Reims, onde chega ao fim da tarde, acompanhado do General Kinzel e de um coronel Poleck. A acolhida que recebe de Bedell Smith faz-lhe esperar a mesma compreensão tácita de Montgomery. A ilusão desfaz-se quando Smith retorna, depois de ter conferenciado com Eisenhower. Os termos são de um rigor implacável. A capitulação deve ser assinada por todos os exércitos alemães, e do mesmo modo para os russos como para os ocidentais. Desde o momento em que entrar em vigor, os soldados alemães se tornarão prisioneiros no local onde se encontrem, sem direito de fazer qualquer movimento, sob pena de se colocarem fora das leis da guerra. Friedeburg invoca as concessões que obteve de Montgomery, mas Smith responde que se tratava, em Lüneburguer Heide, de uma capitulação estratégica, enquanto em Reims se trata de uma capitulação global. Não diz que Ike ficou violentamente contrariado com a atitude de Montgomery. “Ele esteve pensativo durante todo o almoço - disse seu ajudante-de-campo naval, Butler - perguntando-se em que situação ficaria ao aceitar uma capitulação que os russos se recusassem a reconhecer...”
Intimado de novo a dizer sim ou não, Friedeburg consegue o envio de um relatório a Flensburgo. Kinzel parte e presta contas. Doenitz decide enviar Jodl para uma suprema tentativa. A escolha não é muito diplomática, mas Jodl tem fibra. Francis de Guingand, que o conduz ao PC estratégico de Montgomery a Reims, nota sua calma imperturbável e confessa-se inquieto por encontrar-se no mesmo avião com o homem que foi a alma danada de Hitler. Jodl mostra-se aliás tão impotente quanto Friedeburg. Tentando ganhar tempo, propõe que a capitulação se realize em duas etapas: uma etapa durante a qual os movimentos de tropas continuarão autorizados e outra em que serão proibidos. Eisenhower manda-lhe responder que, se a assinatura alemã ainda se faz esperar, dará ordens para fechar completamente ocidental e de atirar sobre qualquer soldado alemão, mesmo desarmado, que venha-se render.
Esgotaram-se todos os recursos. À meia-noite, Jodl telegrafa a Flensburgo que não vê outra saída: a assinatura ou o caos. A resposta de Keitel chega-lhe à 1h30: “Plenos poderes são conferidos a V.Exa. para assinar pelo Grande-Almirante Doenitz”.
O salão da Escola Profissional foi preparado para esse momento solene: a capitulação da Alemanha depois de 68 meses de hostilidades. Repentinamente, é dada ordem para retirar os refletores e os gravadores. Os 16 correspondentes trazidos de Paris num C-47 são avisados de que devem assistir (em caráter confidencial) ao acontecimento para o qual foram convocados. A capitulação da Alemanha aos Aliados deve ser clandestina. Eisenhower resolve não comparecer ao ato. A cerimônia é presidida por Bedell Smith, tendo à direita o almirante inglês Harold Burrough e à esquerda o general russo Ivan Susloparoff, modesto chefe de um destacamento de ligação. Dois aviadores, um americano e um inglês, Karl Spaatz e J.M. Robb, o general inglês Frederick Morgan, finalmente o general francês François Sevez, este convidado no último instante, completam o lado aliado da mesa. Em frente, Jodl, Friedeburg e o Major-General Wilhelm Oxenius, enviado para representar a Luftwaffe. Foi tudo liquidado em alguns minutos, depois de uma declaração de Jodl dizendo que o povo alemão apelava para a generosidade dos vencedores. A conclusão da assinatura de Reims é uma nova capitulação diante de Stalin. Sua cólera parece ter mergulhado o SHAEF num estado de pânico. Rapidamente, combina-se que a verdadeira cerimônia será realizada dois dias depois, em Berlim, no meio dos exércitos soviéticos vitoriosos. Apesar de tudo, o mundo ocidental foi informado dos fatos, graças à coragem cívica do corresponde da Associated Press, Edmund Kennedy, que protestou contra a proibição ignominiosa e frustrou a censura. Mas foi preciso evitar que o Generalíssimo do Ocidente, Dwight Eisenhower, se precipitasse para Berlim, a fim de desempenhar o segundo papel, atrás do Marechal Zhukov. “O Estado-Maior de Ike - disse Butler - interpreta a exigência soviética como um ato de propaganda. O Primeiro Ministro já havia manifestado sua oposição. Ike cedeu a custo. Ele desejava ver Berlim e encontrar os russos...”
Berlim continua a arder. As ruínas são sacudidas pelas explosões dos depósitos de munições ou de bombas aliadas a que o incêndio dá a segunda oportunidade. Os aviões de transporte conduzindo as delegações ocidentais foram submetidos a formalidades minuciosas, e escoltados por caças soviéticos até o aeroporto de Tempelhof, juncado de ruínas da batalha. Por mais preparado que estejam os ocidentais, o sobrevôo da capital destruída os transtorna. Os russos, por motivos que só eles sabem, evitam fazê-los atravessar os quarteirões do Centro e os conduzem, por um longo circuito, até Karlshorst, subúrbio distante relativamente poupado. A população foi convidada a desaparecer do percurso; o trânsito é dirigido por mulheres de calças curtas, manejando, com destreza de autômatos, bandeirolas vermelhas e amarelas, e as tropas postadas nos cruzamentos tem bom aspecto. De Lattre, cuja chegada não era esperada nem desejada, parece ter tomado outro itinerário. É o único a falar das “filas miseráveis e intermináveis de mulheres, crianças e velhos desnorteados, munidos dos recipientes mais estranhos para recolher um pouco de água nas fontes públicas e nos hidrômetros”. Observa também os contrastes do Exército Vermelho, das unidades blindadas de uniformes perfeitos e, “mais adiante, comboios de longas e estreitas carroças empoleiradas sobre rodas muito altas e que conduzem soldados mal vestidos, com gorros de astracã e velhas cobertas atiradas sobre os ombros”...
A participação do general francês na cerimônia foi cercada de sérias dificuldades. Depois de haver conquistado a Floresta Negra, seu exército contornou o lago de Constança, penetrou na Áustria, tomou Bregens e Feldkirch, no caminho de Brenner. De Lattre encontra-se em Lindau quando recebe do General De Gaulle ordem de “participar da assinatura do ato solene da capitulação de Berlim”. O SHAEF concorda, fornece o avião, mas os russos começam a levantar dificuldades. De Lattre e seus companheiros, coronel Demetz e capitão Bondoux, vêem-se como três palhaços numa sala comum, e imediatamente, procuram em vão chegar até o Marechal Zhukov. Ignora-se em que condições e em vista de que considerações Moscou abrandou repentinamente sua atitude. Estabelecera-se que a capitulação seria concluída pelo Marechal Zhukov e pelo Marechal-do-Ar Tedder; este, representante de Eisenhower. O general americano Spaatz e De Lattre assinaram como testemunhas. O amor-próprio francês foi salvo.
No dia 9 de maio, pouco depois da meia-noite, a sessão foi aberta no salão nobre da Escola de Suboficiais de Karlhorst. Dez minutos depois da meia-noite, Zhukov manda introduzir no recinto a delegação alemã. Doenitz designou para chefiá-la o Marechal Keitel. Este entra numa atitude que as testemunhas qualificarão de arrogante, mas na qual cabe ver a inflexibilidade respeitável de um soldado realizando o mais doloroso dos atos de abnegação. Em saudação, ele ergue seu bastão de marechal, mas não recebe resposta. A seu lado toma lugar o Almirante Friedeburg, cadavérico, e o Coronel-General Stumpf, representante do Marechal Von Greim, que, ferido em Berlim, está recolhido a um hospital bávaro. Atrás, alinham-se seis oficiais “verdadeiramente magníficos - diz o oficial Bondoux - trazendo todos a cruz de cavaleiro, com espada, e que permanecem imóveis, mordendo os lábios para não chorar”... Imagem comovedora de um valoroso exército vencido.
É lido o acordo. A delegação alemã reconhece a rendição incondicional de todas as forças armadas alemães - a qual, segundo os termos de Reims, já entrara em vigor na véspera, às 23h01. Keitel solicita prazo de 24 horas para notificar os exércitos. Zhukov responde que o pedido já fora rejeitado. Trocam-se as assinaturas. Keitel torna a saudar com o bastão de comandante. Os vencedores permanecem sentados. Os vencidos se retiram.
Alguns dias mais tarde, o Almirante Friedeburg envenena-se. O General Kinzel estoura os miolos. Himmler, depois de ter girado em torno de Doenitz, ainda alimentando vagas intrigas, acaba por entregar-se a um posto inglês, mas, no momento em que começa a revista pessoal, parte entre os dentes uma pastilha de cianeto e tomba morto. Greim também se envenena. Outros, que se incluíam entre os mais fanáticos, tentam sobreviver. O Gauleiter Hanke, que decretou a defesa de Breslau “até o último homem e até a última mulher”, foge da cidade agonizante num Fieseler Storch. O Gauleiter Koch escapa de Pillau a bordo de um quebra-gelo, que transformara em “arca de Noé” particular, e ganha a costa dinamarquesa. Perdem-se ambos no caos da Alemanha derrotada.
Na Curlândia, tudo o que pode navegar abandona os portos de Libau e de Windau durante o dia 8 de maio, repatriando-se 28.000 homens, elevando-se a 2.204.722 o número de militares e civis arrancados dos bolsões do Leste pela Marinha alemã, mas deixando prisioneiros 230.000 soldados. Nos Bálcãs, os 400.000 soldados do Grupo de Exércitos Löhr tem de render-se aos guerrilheiros de Tito, que lhes infligem vinganças cruéis. Na Áustria, o Grupo de Exércitos Rendulic, com efetivo de 600.000, conseguiu entregar-se aos americanos.
Na Tchecoslováquia, Praga rebelou-se a 6 de maio. Patton encontra-se em Pilsen, a 80 km da capital. Solicita autorização para atacar e, sem esperá-la, antecipa a remessa de um destacamento blindado. Bradley intervém. Praga, como Viena e Berlim, é reserva de caça soviética. É chamado o destacamento que já atingira Praga.
O socorro que chega aos insurretos é de natureza inesperada. Hitler decidira à tarde, permitir a constituição de um exército Vlassov. Apenas uma divisão pôde ser equipada. Ela chega a Praga, sob o comando do general ucraniano Bunitchenko e, ao invés de reprimi-la adere à insurreição. Vêem-se uniformes alemães combater outros uniformes alemães. O próprio Vlassov acorre, após o esmagamento da guarnição alemã, e conduz cerca de 100.000 soldados às linhas americanas. Patton determina que eles sejam tratados como prisioneiros de guerra. Depois, serão entregues aos russos, com Vlassov à frente.
Schörner comunica a capitulação a seu QG de Josephstadt, nos montes Sudetos. Possui sob suas ordens três exércitos intactos, o 3o, o 17o e o 4o Pz, totalizando 1.200.000 homens. Algum tempo antes da investida de Berlim, ele fora a Hitler, com o objetivo de levá-lo ao quadrilátero boêmio, prometendo-lhe uma defesa desesperada. Garantiria também sua comitiva. Sabendo que tudo estava terminado, ele veste trajes civis, guarda no bolso suas condecorações de brilhantes, e escapa em seu Fieseler para a Baviera, sua terra natal, onde preparou um refúgio com provisões para um ano. Denunciado por guerrilheiros, é preso pelos americanos, que o entregam aos russos. Estes o libertarão ao fim de alguns anos, com honras que vão até uma recepção em Berlim Oriental, dada por Walter Ulbricht. Bem poucos soldados escaparão dos campos russos; a maioria não retornará jamais.
O fantasma do governo de Flensburgo divide os Aliados. Churchill vê nele “um instrumento útil”, e deseja conservá-lo. Eisenhower alarma-se com as disposições anti-soviéticas de Doenitz, que claramente faz passar para o Ocidente os cientistas alemães procurados pelos russos - e destinados a se tornarem cidadãos americanos. Keitel é o primeiro a ser detido; depois, a 22 de maio, o Grande-Almirante é convocado a ir, com Jodl e seus colaboradores, a bordo do Patria, que serve, no porto de Flensburgo, de sede à missão de controle interaliada. Enviado pelo SHAEF, o general americano Rooks manda encarcerá-los. O Grande-Almirante e seus oficiais são obrigados a baixar as calças para a revista pessoal.
Humilhação simbólica. A Alemanha não foi apenas vencida. Perdeu completamente a existência política e mesmo toda a natureza jurídica. Não foi apenas vencida, foi, no sentido exato do termo, aniquilada.
Reconquista de Manila; tomada de Iwo Jima; o Japão em apuros
Terminou a guerra na Europa. A guerra na Ásia continua. Em princípios de 1945, a situação do Japão permanece impressionante no mapa. Os japoneses retinham, então, imensas faixas do continente asiático: a Coréia, a Manchúria, todo o Norte da China e importantes áreas costeiras no Sul, a Indochina francesa, a Malásia, a Tailândia e metade da Birmânia. Na Ásia insular, possuíam ainda a totalidade das Índias Holandesas e, nas Filipinas, apenas uma ilha importante, Leyte, lhe havia sido tomada. Além dela, o balanço das conquistas perdidas reduz-se à Nova Guiné, às ilhas Salomão, Marshall, Gilbert e Marianas e a uma faixa da Birmânia. Tendo de abandonar alguns postos avançados, o Japão passou da ofensiva à defensiva, mas, três anos após sua entrada na guerra, o império que desde então havia edificado permanecia substancialmente intacto.
A 9 de janeiro, reinicia-se a ofensiva americana. MacArthur teve ainda ganho de causa. O Almirante King desejava deixar para trás as Filipinas, a fim de atacar diretamente Formosa. Contra essas razões estratégicas MacArthur desdobrou de novo seus argumentos sentimentais e políticos: “A ocupação total do arquipélago das Filipinas é um dever nacional e uma necessidade política. Abrir mão de alguma ou de todas as ilhas seria destruir a honra e o prestígio americanos em todo o Extremo Oriente, senão no resto do mundo”. Os almirantes Leahy e Nimitz apegaram-se a essa tese. Foi determinada a invasão de Luzon, ilha principal das Filipinas.
O conquistador de Cingapura, Yamashita, defende-a. Suas forças elevam-se, no total, a uma dezena de divisões, isto é, 262.000 homens. O bloqueio naval e aéreo torna as provisões extremamente difíceis. Em dezembro, nenhum comboio conseguiu entrar na baía de Manila. A ração diária dos soldados foi reduzida de 1.4 kg de arroz a menos de ½ kg. Os filipinos suportam privações ainda mais severas e, nos campos de concentração, os europeus prisioneiros, militares ou civis, morrem de inanição.
O plano americano de reconquista baseia-se no plano de conquista japonês. O 4o Exército dos EUA, do General Walter Krueger, desembarca na mesma baía de Lingayen, que, a 22 de dezembro de 1941, viu surgir as tropas japonesas do General Homma. A baía constitui a extremidade marítima do grande vale que monopoliza a riqueza e reúne as vias de comunicação. Como os japoneses em seu tempo, programaram os americanos, no Sul de Manila, um ataque suplementar confiado ao 8o Exército, do Tenente-general Robert Eichelberger.
O desembarque na baía de Lingayen não encontra grandes dificuldades. Embora os americanos os tenham imitado, os japoneses são inteiramente surpreendidos. Os ataques dos kamikazes destroem alguns navios, mas cessam rapidamente, não por falta de voluntários, mas de aparelhos. Desde o dia 9, à noite, 100.000 homens do 1o e 14o corpos foram postos em terra e a cabeça-de-ponte é contínua. No decorrer dos dias seguintes, a ofensiva depara com linhas de defesa cada vez mais fortes. MacArthur contava estar em Manila 15 dias depois do desembarque principal. A 27 de janeiro, acaba de tomar apenas o aeródromo de Clarkfield, a meio caminho.
A 31 de janeiro, o desembarque secundário é realizado na baía de Nacugbu. A resistência japonesa é desprezível e, através de uma região montanhosa, a 11a Divisão Aerotransportada progride velozmente em direção à Manila. Quando atinge a orla meridional, o 14o Corpo se apresenta pelo lado oposto e uma incursão do 8o Regimento de Cavalaria livra os 3.500 prisioneiros da Universidade de Santo Tomás, apenas menos esqueléticos que os mártires de Buchenwald. Depois da tomada de Clarkfield, a resistência japonesa fraquejou repentinamente e os americanos puderam avançar rapidamente para a capital.
Permanecendo disponível seu 9o Corpo, MacArthur joga-o contra a península de Bataan, a fim de apressar a abertura da baía de Manila. O exército americano volta aos funestos campos de batalha de 1942, aos desfiladeiros que não conseguiram defender, às encostas cobertas de matas do monte Natib, nas quais sofreram a superioridade dos guerreiros amarelos embriagados pelas vitórias. As condições mudaram prodigiosamente. Ao poderio, à variedade das armas, juntam-se uma capacidade combativa e uma flexibilidade de organização que transformam o jovem exército americano num formidável instrumento de combate. O novo desembarque não custa um só homem. A península de Bataan é rapidamente isolada. O 9o Corpo faz junção com a direita do 14o Corpo, cujo flanco esquerdo é protegido, pelo 1o Corpo, contra a massa principal do inimigo, o Grupo Shobu, que ocupa as montanhas do Norte da ilha. Manila está totalmente cercada.
Fortes laços sentimentais prendem MacArthur a Manila. “Meu pai venceu aí, minha mãe aí morreu, cortejei aí minha mulher, meu filho nasceu aí...” Ele premeditou tomar a ilha intacta. Proibiu a aviação e a artilharia de bombardeá-la. Yamashita, por sua vez, resolveu não defendê-la, em vista de seu perímetro excessivamente extenso. Mas o Exército e a Marinha japonesa são dois rivais. O Almirante Okoshi recusa-se a aceitar a decisão do general-chefe e ordena ao Almirante Iwabushi disputar Manila palmo a palmo.
Trava-se a batalha. A parte da cidade situada ao norte de Passig é conquistada com relativa facilidade, mas os quarteirões situados ao sul do rio exigem uma luta encarniçada. Duas divisões americanas, a 37a e a 1a de Cavalaria, esmagam um a um os ninhos de resistência: o Estádio Rizel, o Parque Harrison, a Municipalidade, o Correio Central, o Hotel Manila. MacArthur assiste à tomada deste último e vê as chamas devorarem o alpendre - ainda guarnecido por seus livros e por seus móveis - onde ele tantas vezes meditou contemplando a baía luminosa. Os últimos marinheiros do Almirante Iwabushi entrincheiraram-se na cidade colonial Intra Muros, atrás do baluarte espanhol do século XVIII. MacArthur nega ainda aos seus generais a autorização para arrasar esse reduto com a ajuda de um ataque aéreo, mas teve de autorizar o emprego do canhão; uma preparação de artilharia de cinco dias reduz Intra Muros a escombros. O assalto é realizado por escalada, a 23 de fevereiro. Os últimos japoneses são eliminados a 3 de março. Os americanos tiveram 1.010 mortos e 5.565 feridos. Manila é um campo de ruínas.
Nessa data, a península de Bataan foi varrida. O rochedo de Corregidor foi tomado pela conjunção de uma descida de pára-quedistas e de uma operação anfíbia. Topside e seu extenso quartel, onde MacArthur estabelecera domicílio durante o cerco de 1941, são conquistados com grande luta. O túnel de Malinte Hill, de onde milhares de americanos saíram de braços levantados, foi bloqueado pelos dois extremos. Mas os japoneses não se rendem. Uma terrível explosão subterrânea, lançando torrentes de chamas pelas duas saídas, anuncia o suicídio de seus defensores. A 26 de fevereiro, o arsenal subterrâneo de Michey Point explode por sua vez, cobrindo Corregidor de destroços. Toda resistência organizada chega ao fim. Numa guarnição de 4.000 homens, os americanos fizeram apenas 20 prisioneiros.
No dia seguinte, 27, MacArthur instala Osmena no quase poupado Palácio Presidencial de Malaccanan: ele prorrompe em lágrimas no meio de suas palavras. Grande parte de Luzon e certo número de ilhas, entre as quais Mindanao, estão ainda ocupadas pelos japoneses; porém, a formidável campanha desejada por MacArthur, mais como um marechal das Filipinas do que como um general do Estados Unidos, está fundamentalmente terminada. Não ficou demonstrado que ela tenha desempenhado na derrota do Japão um papel proporcional à sua amplidão e a seu custo. Ao contrário, sua justificativa indireta pode encontrar-se no fato de que, depois da guerra, somente a República das Filipinas, em todo o Sudeste Asiático, permaneceu fiel à amizade americana e aos princípios da democracia. Enquanto MacArthur reconquista as Filipinas, a aviação dos EUA prossegue o bombardeio do Japão, e a Marinha americana desenvolve a estratégia dos atóis. Estão ligadas as duas coisas. Cada ilha conquistada no caminho de Tóquio permite aos aviadores infligir golpes cada vez mais concentrados e seguros.
Com bases nas Marianas, os B-29 da 2a Força Aérea estão apenas a 1.000 milhas do Japão. Os reides multiplicam-se e intensificam-se contra as instalações militares e os estabelecimentos industriais. Aumenta a tentação de incendiar as cidades japonesas, madeira e papel. Todavia, faz-se sentir a necessidade de uma base avançada para dar às superfortalezas-voadoras uma escolta de caças e para recolher, de retorno, os aviões danificados.
Não é ampla a escolha. Entre as Marianas e Honxu existe um arquipélago, uma extensa cadeia de pequenas ilhas, que os japoneses denominam Nampo Shoto. Somente duas servem para o estabelecimento de uma base aérea: Xixijima, no grupo das ilhas Bonin, e Iwo Jima, no grupo das ilhas Vulcano. O Almirante Nimitz escolhe esta última, ligeiramente menor, porém, pouco menos acidentada. O desembarque ocorre a 19 de fevereiro. Duas divisões de Marines, a 5a à esquerda e a 4a à direita, lançam-se à ofensiva numa manhã radiosa e em perfeita ordem. A aviação naval e terrestre trabalhara durante semanas para enfraquecer as defesas; mas recusou-se ao general comandante do Corpo Expedicionário, Holland Smith, a semana de preparação de artilharia que ele pedira, e os porta-aviões do Almirante Halsey saem para uma incursão-monstro contra Honxu, em vez de cooperar na invasão de Iwo Jima. Reina o otimismo. Cota-se tomar a ilha em quatro dias.
Seu nome, Iwo Jima, significa ilha sulfurosa. É escarpada. Com uma extensão de 8 km, por 4 de largura, é constituída de rochas vulcânicas e coberta de espessa camada de cinzas negras. Seu longo perfil lembra uma sela. A extremidade sul é um pequeno vulcão de 173.5 metros, quase extinto, o monte Suribachi. A extremidade norte é formada por um grupo de colinas, pelas quais sobem rolos de fumaça, e cujo solo é tão abrasador que é quase impossível cavá-lo. No centro, o terreno é menos acidentado. Os japoneses construíram aí dois campos de aviação e iniciaram um terceiro.
Não reina entendimento entre os defensores. Marinheiros e soldados discutem. Uma cólica, que parece ligada à natureza sulfurosa da ilha, põe de lado centenas de homens. Falta água potável. Kuribayashi fez evacuar os 1.200 habitantes e demoliu a única localidade, Motoyama, para obter alguns materiais de construção. Desistiu de defender as praias e, desejando resistir o mais tempo possível, organizou a defesa em torno das dias extremidades da ilha. As cavernas naturais foram preparadas, ligadas por túneis aos observatórios e aos locais de combate. A guarnição constitui-se de aproximadamente 21.000 homens, pertencentes, na maioria, à 106a Divisão de Infantaria. Kuribayashi lamenta a deficiência de parte de suas tropas e especialmente o treinamento imperfeito de seus artilheiros. A ilha foi atravessada e o monte Suribachi isolado desde o primeiro dia. No decorrer dos dias seguintes, o 28o Regimento de Marines, galga, metro a metro, as encostas acantiladas do vulcão, limpando cada caverna com lança-chamas. A 23 de fevereiro, 40 marines, conduzidos pelo Tenente Harold Schrier, atingem o topo e, içando a bandeira estrelada, fornecem à iconografia da Segunda Guerra Mundial um de seus mais célebres documentos. Mas é preciso que esse gesto simbólico consagre a conquista de Iwo Jima. Kuribayashi concentrou o grosso de suas forças nas colinas do Sul. Prossegue uma luta selvagem.
As dificuldades são imensas. O solo movediço torna tudo difícil, desde o descarregamento do material até o rastejo dos soldados de infantaria. Chegando como reforço, a 3a Divisão do Marine Corps aumenta a ocupação das praias e intensificam-se as perdas. Cada abrigo japonês só é conquistado depois de morto seu último defensor. Uma posição como a colina 362 A é uma imensa toca de raposas, cujos corredores devem ser fechados sobre os obstinados que aí se enfurnam. Na segunda semana de março, os japoneses sobreviventes, cerca de 1.500, são encurralados num minúsculo bolsão, próximo ao pico de Kitano. Iwo Jima é oficialmente declarada “segura”, mas um último grupo de aproximadamente 500 homens resiste ainda num desfiladeiro selvagem, no meio das fumaças sulfurosas que saem do solo. A perícia americana triunfa com a ajuda de minas cuja explosão abala toda a ilha. Jamais se pôde saber como foi morto o herói desta defesa épica, Kuribayashi.
Pereceram 23.703 japoneses, para 216 feitos prisioneiros. Os Marines perderam 278 oficiais e 5.653 homens mortos ou desaparecidos. A Marinha de Guerra acrescenta, a estes 881 vítimas e o porta-aviões Saratoga, danificado por um kamikaze. Os poucos quilômetros quadrados de Iwo Jima custam quase tanto sangue quanto Luzon - argumento de que se servem os jornais de Hearst para pedir que se dê a MacArthur o comando de todo o Pacífico, “porque ele salva a vida de seus próprios homens”.
Durante a feroz batalha, a aviação estratégica inflige ao Japão um golpe terrível. Em 9 de março, 334 B-29 decolam das Marianas carregados de 2.000 toneladas de bombas incendiárias. Os quarteirões de Tóquio que as recebem possuíam cerca de 55.000 habitantes por km², e a superfície dos tetos atinge a metade da área total. Um mar de chamas, atiçado por um tufão, traga esse aglomerado de construções frágeis e a humanidade que elas abrigam. São destruídas 267.711 casas; há 83.793 mortos. Multidões atiraram-se nos canais e morreram escaldadas. Sobrevoando o braseiro, mordendo seu grande charuto, o chefe da hecatombe, o General Curtis Le May, disse: “Reconduziremos o Japão à Idade da Pedra”. As fotografias tiradas nos dias seguintes mostram imensas manchas enegrecidas, correspondentes aos quarteirões carbonizados. De 44 bombardeiros atingidos pela DCA apenas 14 não regressaram. As tripulações de 5 destes foram salvas no mar, o que reduz a 45 vidas americanas o custo do ataque.
Os golpes multiplicam-se. Os exércitos de MacArthur aceleram a reconquista das Filipinas. O exército de Lorde Mountbatten aproxima-se de Rangum. O esquadrão aéreo de Le May projeta estender a todas as cidades japonesas o tratamento infligido a Tóquio. E, antes mesmo que a batalha de Iwo Jima tenha chegado ao fim, a frota e o exército do Almirante Nimitz atacam o arquipélago Riuquiú, ante-sala do Japão.
O arquipélago, Nansei Shoto em japonês, constitui-se de uma cadeia de cerca de 150 ilhas, da costa oriental de Formosa ao extremo sul de Quiuxiú. A ilha principal, Okinawa, com uma centena de quilômetros de extensão por 12 km de largura, situa-se no centro, a 800 milhas de Tóquio. É montanhosa, tropical, fértil, superpovoada pelo agrupamento da população indígena e de intensa imigração japonesa. A densidade humana atinge, no Sul da ilha, 6.000 habitantes por km². Os estados-maiores consideram que as condições de combate serão semelhantes às que seriam de esperar em caso de desembarque no Japão.
A invasão de Okinawa ultrapassa todas as operações anteriores, no Pacífico. Apesar da fúria de Le May, que requer para ele a corte marcial, Nimitz exige que mesmo os B-29 suspendam seus reides incendiários sobre o Japão, para participar da neutralização das bases inimigas. Os nadadores de guerra são utilizados em grande escala. Os japoneses contavam com seus elementos suicidas, equivalentes naval dos kamikases: os americanos liquidaram 350 destes, desembarcando de surpresa no grupo de ilhas Kerama, a oeste de Okinawa. As forças terrestres foram agrupadas num 10o Exército, sob as ordens do Tenente-General Simon Bolivar Buckner. Filho de um general sulista da guerra da Secessão, chefe rigoroso, ele refreou seu ódio durante muito tempo no Alasca, longe dos campos de batalha principais, caçando o urso de Kodiak como derivativo para seu furor de combater. A campanha de Okinawa que traz uma compensação. Foi-lhe confiado o 3o Corpo Anfíbio, composto das 1a, 2a e 6a Divisões de Marines, e o 24o Corpo, composto das 7a, 27a, 77a e 96a Divisões do Exército. Uma oitava divisão, a 81a, ficou de reserva em Numéia.
Os japoneses defendem energicamente as cercanias de Riuquiú. Um ataque dos kamikazes contra os porta-aviões do Almirante Mitscher transformou o Franklin num montão de ferragens que por um milagre não afunda: o navio, ensangüentado por 724 mortos e 265 feridos, consegue ser rebocado, pôr as máquinas, depois, em movimento e chegar ao Havaí. Dois porta-aviões novos, herdeiros de nomes gloriosos, Wasp e Yorktown, sofrem igualmente avarias. Mas a supremacia naval não pode ser posta em dúvida. Aliás, a frota dos EUA recebe poderoso reforço: 2 couraçados, 4 porta-aviões, 5 cruzadores, 15 destróieres, que a eliminação da esquadra alemã permitiu à Inglaterra enviar ao Pacífico.
A invasão de Okinawa começa no dia de Páscoa, Easter Sunday, 1o de abril. A zona escolhida para o desembarque é o centro da ilha, de um lado e de outro de um pequeno rio denominado Busha. Sob as ordens do Almirante Raymond Turner, 1.213 navios põem em terra a 6a e a 1a Divisões de Marines, a 7a e a 96a Divisões do Exército. Não há qualquer resistência: dir-se-ia não haver inimigos em Okinawa. A ilha é atravessada de um lado a outro desde o primeiro dia e a conquista dos aeródromos de Yontan e de Kadena custa apenas dois mortos. O coronel de um regimento que recebe o batismo de fogo fanfarroneia: “Mandem-me um japonês, vivo ou morto. Meus homens jamais viram isso...”
O comandante da ilha é o General Mitsuru Ushijima, tendo por chefe do Estado-Maior o brilhante Major-General Isamu Cho. Seu pequeno 32o Exército compõe-se da 24a e da 62a Divisões de infantaria; mais a 44a Brigada Independente. Seus efetivos elevam-se a 100.000 homens, dos quais 24.000 fornecidos pela brigada local. Renunciando à defesa da totalidade da ilha, os japoneses concentraram as forças no Sul, ao redor da velha capital, Shuri, e da nova capital, Naha. No Norte, um destacamento guarda a península de Motobu e a ilha de Jima, que a prolonga. O resto, compreendidos os grandes aeródromos de Yontan e de Kadena, foi abandonando.
Manobrando, respectivamente, para norte e para sul, o 3o Corpo Anfíbio e o 24o Corpo dirigem-se para essas duas linhas de resistência através de caminhos estreitos e verdejantes. O bom tempo do dia pascoal não durou. Uma chuva fria e esverdeada inunda Okinawa.
No Japão, o novo desembarque americano produz suas conseqüências. No dia 5 de abril, o Primeiro-Ministro Kurichi Koiso confessa seu fracasso, apresenta ao Imperador Hirohito a renúncia de um gabinete de oito meses, quatro vezes modificado. Os prudentes, o Príncipe Konoye, o Conde Kido, o Almirante Okada e o Barão Hiranuma, fazem designar como novo chefe do governo o Almirante Kantoro Suzuki, de 77 anos, que teve seus primeiros combates na guerra sino-japonesa de 1894. Em 1936, inculpado de crime de moderantismo, foi abatido pelos jovens oficiais insurretos e de tal modo julgado morto, que os assassinos queimaram incenso sobre seu corpo. Assumindo o poder, ele não deixa de pronunciar as palavras rituais: “Levar o Japão até o esmagamento de seus inimigos”. Todavia, o Marquês Matsudeira, secretário particular do conselheiro secreto Conde Kido, faz uma visita a Shiganori Togo, que voltou para o Ministério das Relações Exteriores. “Parece - diz-lhe - que o Imperador examina os meios de terminar a guerra...” O novo chefe da diplomacia japonesa não procura saber mais nada. Foi transmitida a mensagem.
Para salvar Okinawa, o Japão desenvolve um esforço heróico. A 6 de abril, começa uma contra-ofensiva aeronaval: 699 aviões e 355 kamikazes lançam-se contra a esquadra americana. À noite, o total das perdas dos EUA é enorme: 60 navios, dos quais 2 couraçados, afundados; 61 navios danificados, entre os quais vários porta-aviões. Nenhum dos 355 kamikazes regressou; e, das 444 tripulações que tinham feito pacto com a morte, 341 são igualmente dadas como perdidas. Os 121 navios inimigos destruídos ou postos fora de combate são imaginários. O dia custa aos EUA 3 destróieres, 1 LST e 2 transportes de munições, bem como 10 navios danificados nas categorias menores, O Estado-Maior Imperial sonhara que o sol de poria sobre uma esquadra americana dizimada e tomada de pânico. Esperava que a força naval do Almirante Seiichi Ito, surgindo nessa confusão, faria aí uma carnificina. A frota americana está intacta e Ito investe contra um muro.
Ele deixou Tokuyama, no mar Interior, a 6 de abril, às 15 horas. Sua esquadra compõe-se do supercouraçado Yamato, comandado pelo Contra-Almirante Ariga, do cruzador ligeiro Yahagi e de 3 destróieres. Restam à marinha japonesa alguns outros cascos mais ou menos intactos, como os couraçados Ise e Huyga, remanescentes da batalha de Leyte, mas a carência de combustível lhe tira a honra de participar do cortejo heróico e fúnebre. As 2.500 toneladas dos paiós do Yamato não lhe permitem sequer voltar de Okinawa. Ele parte como kamikaze gigante do mar.
Às 8 horas da noite os navios japoneses saem do mar Interior pelo lado ocidental, o estreito de Bongo. No dia 7, às 4 horas da manhã, dobram o cabo de Quiuxiú e preparam um longo gancho para o oeste, a fim de surpreender o inimigo. Foram, porém, percebidos à saída do estreito pelos submarinos Hackleback e Threadfin, e às 6 horas um observador do porta-aviões Essex os reencontra. O Almirante Mitscher ordena ao Almirante Deyo colocar entre a esquadra japonesa e a frota de invasão seus 6 couraçados, 7 cruzadores e 21 destróieres. Ordena ao porta-aviões da Task Force 58, navegando a leste de Okinawa, um bombardeio geral. Várias centenas de bombardeiros e de caças voam em vagas sucessivas contra o inimigo. O Yamato é atingido pela primeira vez, por duas bombas perto do mastro traseiro, às 12h41. Quatro minutos depois, um primeiro torpedo o atinge a bombordo, na dianteira. O navio desenvolve uma velocidade de 22 nós, mas, após um espaço de 15 minutos, 5 torpedos atingem em sucessão rápida o flanco esquerdo do gigante. Às 14h02, 3 novas bombas o atingem a meio-corpo, depois uma rajada de 4 ou 5 torpedos lhe chegam por estibordo. Nenhum navio foi mais solidamente construído do que esta soberba embarcação de 263,2 metros de comprimento e de 72.000 toneladas de deslocamento. Mas os golpes que recebe são excessivamente numerosos. A velocidade cai para 12 nós. O lado de bombordo eleva-se 20 graus. Toda a artilharia foi inutilizada, incluída as peças gigantes, cujo calibre era segredo até para os oficiais de bordo. O Contra-Almirante Ariga manda inundar as máquinas e os fornos de estibordo para tentar nivelar seu couraçado, afogando igualmente no fundo centenas de homens. Quase imobilizado, com uma única hélice ainda girando, o navio continua a adernar sobre o lado esquerdo. Quando o costado alcança 35 graus, o Almirante Ito despede-se de seu estado-maior, tão cerimoniosamente quanto lhe permite a inclinação da ponte de comando, e encerra-se em sua sala. Alguns minutos depois, às 14h23, o Yamato explode num fantástico feixe de chamas. De uma equipagem de 2.767 homens, apenas 23 oficiais e 246 marinheiros serão retirados da água. O Yahagi e quatro destróieres partilham a sorte do navio-capitânia, elevando as perdas japonesas a 3.665 mortos. Os americanos perderam 10 aviões e 12 aviadores.
Nos dias seguintes, prosseguem os ataques maciços de kamikazes. Um novo engenho suicida, o baka, estréia afundando o destróier Mannert Abele. É uma bomba-voadora pilotada, simples planador, levado até próximo de sua vítima sob o ventre de um bimotor Betty e munido de foguetes que aceleram sua velocidade até 800 km/hora. Os reides de bombardeiros convencionais entremeiam-se com essas formas de guerra aérea. Uma trintena de navios americanos são afundados; 350 sofrem avarias, entre estes o grande porta-aviões Enterprise, veterano de toda a guerra no Pacífico. A censura americana teve de desfazer o engano a respeito dos kamikazes. Eles causam uma impressão profunda, alimentam a convicção de que o Japão só poderá ser vencido pela exterminação dos japoneses. E, no entanto, os kamikazes se esgotam! Diante do radar de grande penetração, das patrulhas de caça permanentes, de uma DCA aperfeiçoada, o suicídio útil torna-se difícil. Os golpes atingem sobretudo as embarcações leves, LST, transportes, destróieres. Nenhum grande navio vai ao fundo. O fanatismo patriótico e a honra asseguram o recrutamento dos voluntários da morte, mas, antes dos homens, faltam os aviões. A segunda ofensiva, a 12 de abril, não lança mais que 185 kamikazes; depois, os efetivos se reduzem ainda mais, a ponto de não ultrapassar uma quarentena de aparelhos em cada ataque. Aproximadamente 1.900 kamikazes são sacrificados durante a batalha de Okinawa sem atingir provavelmente os resultados que igual número de pilotos teria obtido. No total, a aviação japonesa perde na batalha de Riuquiú 7.800 aviões, abatidos em combates ou destruídos no solo. É um balanço de derrota.
Em terra, o 3o Corpo Anfíbio atinge, a 4 de abril, o extremo Norte da ilha. Apodera-se a seguir de Ie Xima, onde morre o mais famoso dos correspondentes de guerra, Ernie Pyle. Tendo isolado a península de Motobu, o 3o Corpo aniquila um a um os defensores.
A luta prossegue no Sul. O terreno escarpado, dividido, extremamente fortificado, permite uma defensiva encarniçada, mas Ushijima não se contenta com uma resistência passiva; ambiciona expulsar o inimigo de Okinawa. Em 4 de maio, lança sua 24a Divisão de Infantaria, zelosamente mantida em reserva, numa contra-ofensiva; porém superestimou demasiadamente suas forças e teve de interromper o ataque já no dia seguinte. Os americanos retomam a pressão metódica contra o labirinto de fortificações de campanha construídas ao redor de Ximu. Sob prolongados tiros de artilharia o terreno toma o aspecto lunar dos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial. As chuvas tropicais enchem as trincheiras, expulsam os artilheiros das posições de bateria, inundam os depósitos. Sugar Hill, Half Moon Hill, Wana Ridge, Conical Hill, os cimos de Ximu e, finalmente, Ximu são arrebatados em ataques sistemáticos. A 27 de maio, Ushijima resolve abandonar Naha, mas tranqüiliza Tóquio, dizendo-lhe que seu exército está intacto e que a luta continua sem fraquejamento. A população japonesa participa dela. Os estudantes fornecem um corpo de 1.500 jovens e as estudantes acrescentam 600 moças dispostas a morrer. As privações, a intensificação dos bombardeios sobre uma região superpovoada retiram, aliás, à condição de não-combatente todos os motivos de inveja. Os suicídios coletivos de civis se multiplicam.
Em 4 de junho, o 32o Exército conta ainda 30.000 homens, mas consistem principalmente em soldados dos serviços e milicianos. Quatro quintos das armas pesadas estão perdidos. Os americanos arrasam as cidades, inutilizam as estradas, encurralam os defensores nas cavernas, onde são exterminados com lança-chamas. A 18 de junho, o General Simon Bolivar Bucker é morto, num observatório de artilharia, por um dos últimos obuses japoneses. Quatro dias depois, os americanos ocupam toda a costa. Os japoneses apenas ainda resistem em alguns abrigos esparsos. Num deles, junto da encosta 89, de que o 32o RIUS ocupa a crista, os generais Ushijima e Cho fazem o haraquiri formal. Cho escreve este epitáfio: “Chi Isumo, Tenente-Coronel do Exército Imperial japonês. Idade da partida: 51 anos. Morro sem arrependimento, sem medo, sem desonra e sem dívidas”. Os prisioneiros serão relativamente numerosos, 7.400, tendo alguns grupos ouvido os auto-falantes dos americanos de origem japonesa (niseis), que os exortam a sobreviver. As perdas japonesas elevam-se a 131.000 mortos, dos quais 42.000 civis. As perdas dos US Army e do US Marine Corps atingem a 7.213 mortos. A US Navy acrescenta a estes 4.907 mortos ou desaparecidos, a maior parte vítima dos kamikazes. Esse preço de sangue parece gigantesco para a opinião pública americana, e as críticas levantadas pela campanha de Iwo Jima ressoam de novo.
Iwo Jima e Okinawa apresentam contudo uma pergunta terrível: pelo número de vidas humanas que devoraram, quanto custará a invasão, a derrota final do Japão?
Segundo todas as normas razoáveis, o Japão já está vencido. Sua Marinha está inteiramente destruída. Sua Força Aérea é impotente. O bloqueio esgota os recursos da indústria e faz surgir a ameaça de uma fome monstruosa. A produção de guerra foi reduzida em três quartos. Os B-29 incendeiam sistematicamente as cidades e, com a queda de Iwo Jima e de Okinawa, os bombardeiros médios vão juntar seu peso ao das superfortalezas-voadoras. A capitulação alemã libera forças esmagadoras para o Pacífico. Enfim, a 5 de abril, Moscou denunciou o pacto de neutralidade, presságio da entrada da URSS na guerra.
Entretanto, nada anuncia a resignação do Japão. A capitulação da Alemanha é recebida com tranqüilo despreza pela frouxidão e fraqueza dos ocidentais. Apesar do rompimento do pacto de neutralidade, Togo entabula conversações com o embaixador Jacob Malik, objetivando uma mediação soviética; Moscou, todavia, abstém-se de informar seus aliados sobre o assunto. Eles o conhecem apenas pela decifração de alguns radiogramas interceptados. Exteriormente, o Japão continua determinado a combater dentro do espírito de Tarawa e de Iwo Jima; prefere o extermínio à rendição.
Em junho, realizam-se na Casa Branca várias conferências sobre a guerra do Pacífico. O Almirante Leahy combate a invasão do Japão, sustentando que o bloqueio e o bombardeio devem bastar para induzi-lo a pedir misericórdia. King e Marshall exprimem opinião contrária; e, adotando Truman a opinião destes, são ratificadas as proposições dos Joint Chiefs of Staff. A invasão do Japão se realizará em duas etapas. Quiuxiú, a mais meridional das quatro ilhas japonesas, será invadida a 1o de novembro de 1945: Plano Olympic. Honxu, a principal, será invadida a 1o de março de 1946, mediante um desembarque na baía de Tóquio: Plano Coronet. Iniciam-se os gigantescos preparativos. A escala normanda foi, desta vez, ultrapassada. O 6o e o 10o Exércitos, mais o 1o Exército, vindo da Europa, participarão do desembarque. Reunirão 36 divisões, totalizando 1.532.000 homens. Com a Força Aérea, a Marinha, os serviços, a massa humana que se porá em movimento para esmagar o Japão atingirá 5 milhões de homens. Reafirma-se que é desejável a intervenção da Rússia na Manchúria. Contudo, a ênfase não é a mesma de Ialta. Os Estados Unidos podem encarregar-se sozinhos de liquidar o último inimigo.
Mas a questão do preço continua aberta. Os chefes de estado-maior calculam que o exército metropolitano japonês tem 26 divisões, num total de 1.800.000 homens. O equipamento, o armamento e os estoques deixam a desejar; porém, sobre o solo sagrado da pátria, deve-se esperar uma luta desesperada. O país não é propício à guerra mecanizada, mas, ao contrário, a uma luta meticulosa, reproduzindo em grande escala os combates de Iwo Jima e Okinawa. As perdas americanas serão forçosamente muito pesadas. Marshall prevê a cifra de 500.000 mortos! Jamais os Estados Unidos conheceram semelhante hecatombe. A Primeira Guerra Mundial deixou-lhes um saldo de 53.000 mortos. O triunfo que obtiveram sobre a Alemanha não lhes chegou a custar 200.000 vidas humanas. Os americanos devem esperar perder o triplo, para consolidar uma vitória virtualmente ganha contra o Japão.
Potsdam e Alamogordo
Enquanto isso, a bomba atômica toma corpo. No início de maio, o General Groves informa Truman do estado de adiantamento dos trabalhos. Little Boy, a bomba de plutônio, estará pronta no início do verão. Fat Man, a bomba de urânio, venceu as imensas dificuldades técnicas apresentadas pelo processo de separação isotópica por difusão gasosa. Uma formação especial de B-29, o 509o Composite Group, comandado pelo Coronel Paul Tibbets, prepara-se, desde o fim de 1944, para lançar bombas postiças com as correspondentes características previstas para os dois engenhos. Stimson, enérgico protagonista do plano da bomba, já constituíra um Target Commitee, encarregado de propor os objetivos mais convenientes. O Comitê apresentou a seguinte lista: 1. Hiroxima (grande porto e cidade militar importante); 2. Kokura (principal arsenal japonês); 3. Niigata (grande porto, refinaria de petróleo, fábrica de alumínio, etc.); 4. Quioto (grande diversidade de indústrias de guerra). Apesar dos protestos de Groves, Stimson riscou Quioto, em razão de seus tesouros artísticos, e substitui-a por Nagasáqui.
Assim, estava tudo preparado para o acontecimento da bomba atômica - enquanto não se sabia ainda se ela não passava de uma quimera. Um problema prejudicial, porém, se apresenta: concebida contra a Alemanha, deverá ser empregada contra o Japão?
Diante dessa transferência de objetivo, surgem os escrúpulos de consciência. “Aos olhos de certo número de cientistas refugiados nos Estados Unidos para escapar às perseguições raciais - escreve o General Groves - Hitler era o inimigo supremo, que devia ser aniquilado por todos os meios. Eles sentiam menor grau de entusiasmo pela destruição do militarismo japonês”. O Dr. Leo Szilard, que insistiu com Einstein para propor a Roosevelt a utilização militar da energia nuclear, foi o primeiro a experimentar a dúvida, e procura meios de fazer Truman também participar dela. Outros, como o Dr. Frank, pensam que a bomba atômica deve ser lançada numa área desabitada, talvez sobre o Fujiama, a fim de que os japoneses tenham uma demonstração de seu poderio e resolvam-se a capitular.
A 9 de maio, a conselho e sob a presidência de Stimson, Truman constitui um Comitê Consultivo encarregado de estudas as conseqüências da nova arma e de emitir sua opinião sobre a oportunidade do emprego contra o Japão. Participaram três cientistas: Karl Compton, presidente do Massachusetts Institut of Technology; Vanevar Bush, presidente do Institut Carnegie, e James Connant, presidente da Universidade de Harvard. Eles próprios se cercam de outros luminares científicos: Arthur Compton, Enrico Fermi, E.O. Lawrence, Oppenheimer, etc. A 1 de junho, o Comitê envia ao Presidente um relatório nestes termos: 1. A bomba atômica deve ser utilizada contra o Japão; 2. Deve ser lançada sem aviso prévio; 3. Deve exercer, sem equívoco, seu poder de destruição. “Os membros do Comitê - disse Truman - concluíam que nenhuma demonstração técnica, como uma explosão numa ilha deserta, seria suscetível de conduzir ao fim da guerra; era necessário lançar a bomba contra um objetivo real”. A única opinião contrária não vinha de um homem de ciência, mas do Secretário-adjunto da Marinha, Ralph Bard.
Em 18 de junho - enquanto as ruas de Washington ecoam de exclamações, saudando o retorno dos heróis de Eisenhower - o problema da bomba atômica é apresentado aos planejadores da estratégia americana. Eles consideram, por unanimidade, que a questão é sobremodo aleatória para entrar em linha de conta nos seus projetos. Leahy reitera seu ceticismo categórico. Os demais vêem na energia nuclear um explosivo como qualquer outro, que tem necessidade de fazer suas provas. Os planos de invasão do Japão, Olympic e Coronet, são confirmados.
Nesse momento, estão em preparativos dois grandes acontecimentos: o teste de bomba atômica e a conferência de Potsdam.
A iniciativa da conferência voltou a Churchill. A 6 de maio - anteriormente, por conseqüência, à capitulação alemã - ele sugere a Truman novo encontro dos Três Grandes. Expõe as razões, numa série de observações de acento angustiado. Sobre a Europa devastada, politicamente anulada, se adensa a sombra da Rússia. A Polônia está “completamente engolfada e enterrada profundamente nas terras ocupadas pelos russos”. A fronteira soviética se estenderá do “Cabo Norte a Isonzo”, englobando os países bálticos, o Leste da Alemanha, toda a Tchecoslováquia, grande parte da Áustria, a Hungria, a Romênia, a Bulgária, a Iugoslávia, talvez a Grécia, “todas as grandes capitais da Europa Central, incluindo Berlim, Viena, Budapeste, Belgrado, Bucareste e Sófia...”. Os exércitos ingleses e americanos ultrapassaram, em seu último avanço, as linhas convencionadas como limite da zona de ocupação: se recuarem, “isto significará um avanço da maré de dominação russa de cerca de 200 km numa frente de 480 ou 640”.
Existem fatos mais graves ainda. O Exército dos EUA vai retirar-se da Europa. O Exército britânico vai ser dissolvido. “Os franceses são fracos e de trato difícil”. Qual será a situação da Europa quando nada mais se equiparar ao Exército russo, vitorioso e colossal? Eis por que ele, Churchill, insiste em que a situação da Europa seja esclarecida “antes de debilitarmos mortalmente o nosso exército ou nos retirarmos para as zonas de ocupação”. É indispensável um encontro com Stalin, seja para chegar a um acordo com a Rússia, seja para traçar disposições das quais ela mostrará as conseqüências necessárias.
Por temperamento, Truman está bastante disposto a entender essa linguagem. Já mandou os russos to hell (ao inferno), cortou rente a Lei de Empréstimos e Arrendamentos e sustentou com Molotov violenta discussão. “Mantenha seus compromissos - retorquiu o americano - e lhe falarão noutro tom”. Em São Francisco, a conferência para a Organização das Nações Unidas gera atritos. Em Washington, multiplicam-se os conselheiros que advertem a Casa Branca contra as intenções soviéticas. É o caso de dois representantes dos Estados Unidos em Moscou, o Embaixador Averell Harriman e o chefe da Missão Militar, General Deane. É também o caso do Subsecretário do Estado, Joseph Grew, que acha inevitável a guerra com a Rússia.
Todavia, o rooseveltismo está fortemente arraigado para ser eliminado em algumas semanas. Truman considera excessiva os alarmas de Churchill, conserva a esperança de levar Stalin à moderação por meio de bons processos políticos e de uma pressão econômica apropriada. Aceita a idéia de uma nova conferência, mas recusa-se a precipitá-la e sobretudo de fazê-la surgir como um confronto do bloco ocidental com a União Soviética. Dois representantes típicos do rooseveltismo são enviados para prepará-la: um, Harry Hopkins, com a missão de procurar junto a Stalin todos os caminhos da conciliação; o outro, Joseph Davies, com a tarefa de moderar e em caso de necessidade, de falar severamente com Churchill.
Para Hopkins, é a sua última viagem antes da morte. Stalin recebe-o amigavelmente, concorda com a conferência, sob a condição de que se realize em Berlim, no meio dos seus exércitos vitoriosos. Mas sete encontros, entre os quais um demorado colóquio, não conseguem aplainar qualquer das dificuldades renascentes desde Ialta. Hopkins volta de Moscou, concluindo: “As palavras não tem o mesmo sentido para os russos e para nós”.
O encontro Churchill-Davies é tormentoso. Davies, industrial milionário, foi o primeiro embaixador dos Estados Unidos em Moscou e sua russofilia resistiu a essa prova comumente fatal: “Fiquei demasiadamente chocado - escreve ele a Truman - de encontrar no Primeiro-Ministro uma atitude tão violenta e tão acerba a respeitos dos russos... uma tal falta de confiança em sua boa-fé... Não pude evitar dizer a Churchill que me admirava não declarasse ela ao mundo que ele e o povo britânico se tinham enganado ao combater Hitler, uma vez que expressava a própria doutrina que Hitler e Goebbels haviam constantemente sustentado”. Davies acrescenta que Churchill é um inglês “first, last and all the time”, e muito mais interessado na preservação do imperialismo britânico que no estabelecimento da paz. É para utilizar as tropas americanas para fins ingleses que ele tenta mantê-las na Europa, contrariamente às intenções de Eisenhower e aos desejos do povo americano.
Davies é portador de uma proposta singular do novo Presidente dos Estados Unidos: um encontro Truman-Stalin em qualquer parte da Europa, para o qual o Primeiro-Ministro britânico seria convidado ao fim de alguns dias. Churchill responde que somente aceitará um encontro tríplice, no qual os interlocutores de Teerã e Ialta estejam em pé de igualdade completa. Truman não insiste.
Berlim está de tal modo destruída, que não é possível realizar aí a Conferência. Os russos instalam as delegações nas mansões intactas de Babelsberge e restauram, em Potsdam, para as sessões plenárias, a residência de verão do ex-Kronprinz imperial Cecilienhof. As hostilidades terminaram, mas as medidas de segurança são ainda mais severas do que em Ialta. Os ingleses e os americanos tem a impressão de encontrar-se num campo de concentração. Como em Ialta, o anfitrião, Joseph Stalin, chega atrasado. Truman trava conhecimento com ele e descobre semelhança com seu antigo chefe de Kansas City, Tom Pendergast. Encontra Churchill, igualmente, pela primeira vez. O Primeiro-Ministro acha-se numa estranha situação política. Alguns dias depois da capitulação da Alemanha, os trabalhistas retiraram-se da coligação governamental. Realizaram-se eleições gerais a 5 de julho, mas a apuração foi adiada para o dia 25, a fim de que o voto dos soldados dispersos pelo mundo inteiro tenha tempo de chegar às circunscrições. O destino político de Winston Churchill encontra-se nas urnas lacradas, que devem revelar seu segredo bem no meio das deliberações de Potsdam. Para que a continuidade destas não seja interrompida, o sucessor eventual, Clement Attlee, acompanhou o Primeiro-Ministro e senta-se ao seu lado. Ninguém sabe qual dos dois ingleses aporá sua assinatura abaixo das decisões da conferência.
Os americanos - alguns americanos - levam um segredo de gravidade diversa daquela que encerram as urnas eleitorais inglesas. Estão em andamento os preparativos para a explosão da primeira bomba atômica.
O polígono da experiência é uma propriedade da Air Force, numa serra deserta do Novo México, junto às montanhas Sangre de Cristo. A localidade mais próxima é a sede do Condado de Otero, uma aldeia de 3.000 habitantes denominada Alamogordo. Foi construída uma torre de aço de 30 metros de altura, sobre a qual se colocou a bomba, unida à cidade secreta de Los Alamos. O explosivo, plutônio, vindo de Hanford, foi cuidadosamente colocado no interior, a 15 de julho, pelo General Thomas Farrell, adjunto do General Groves: “Senti-lhe o calor nas mãos como o de um animal”. A bomba, coberta por um toldo, foi deixada durante a noite sob a guarda do físico Bainbridge e, no alto da torre, de um capitão de metralhadora à mão. O tempo não é favorável. Chove, e o vento sopra em direção da cidade texana de Amarillo, relativamente próxima. Um abrigo de concreto, com numerosos instrumentos de comando, de controle e de medidas foi construído a 10.000 metros da torre. O campo de base está a 18.000 metros e um posto de observação instalado a uns 40 km. Fermi, Bush, Connant, uma quarentena de outros cientistas, um punhado de oficiais e de soldados cercam Groves e Oppenheimer. Alguns estão de tal modo fatigados que dormem na lama.
Na véspera, em Chicago, Leo Szilard reuniu 60 assinaturas de cientistas hostis à utilização da bomba. Em Alamogordo, aposta-se a favor e contra sua detonação. Enrico Fermi, que conseguiu a primeira reação em cadeia, a 2 de dezembro de 1942, declara que a bomba mandará pelos ares o Novo México. Outros crêem que ela abrasará a atmosfera. Outros, ainda, um em dez aproximadamente, predizem que ela não funcionará.
Começa o dia 16 de julho. As primeiras horas escoam numa ansiedade quase insuportável. Às 4h45, Groves e Oppenheimer consultam-se pela décima vez. Parou a chuva. Brilham algumas estrelas. A sondagem meteorológica indica que o vento mudou de direção e que mais nenhuma aglomeração importante se encontra no percurso eventual da nuvem radioativa. Groves ordena o início da contagem regressiva. Cinco minutos antes do fim, deitam-se todos, com o rosto colado ao chão. A explosão ocorre precisamente às 5 horas e 30 minutos. Todas as informações concordam sobre a intensidade indescritível do clarão: “Muitas, muitas vezes mais brilhante que a luz do sol no Novo México ao meio-dia do mais radiante dia de verão”. Todas as descrições concordam igualmente sobre a beleza diabólica dos fenômenos subseqüentes ao clarão prodigioso. “Uma gigantesca bola de fogo... Uma onda amarelo-vivo elevando-se no horizonte completamente violeta... Espirais rosas, púrpuras, furta-cores escurecendo-se em alguns trechos e irradiando-se de novo, como se bolhas de gás incandescente viessem espocar na superfície...”. Contrastando, a onda de choque, que sobreveio 50 segundos mais tarde, pareceu fraca, quase decepcionante. Mas o estrondo que a acompanhou pareceu vir das próprias entranhas da terra, reboando no deserto com uma solenidade dramática.
A torre de aço desapareceu, completamente volatizada. A explosão rebaixou o solo 1.80 metros e vitrificou-o. O clarão foi percebido em Albuquerque, Santa Fé e El Paso, isto é, num raio de cerca de 300 km. Os jornais locais, o correspondente da Associated Press e uma cadeia de rádio mencionaram a terrível deflagração e o comandante da base de Alamogordo publicou a nota, enganosa, de que um depósito de munições explodira acidentalmente. Nada, aliás, transpira nos grandes jornais americanos, nem virá ao conhecimento do mundo exterior.
Em Potsdam, o primeiro a ser informado foi o Secretário da Guerra, Stimson: um telegrama comunica-lhe que a operação teve êxito além de todas as expectativas e que os doutores estão entusiasmados. Dois dias depois, um mensageiro leva um longo relatório ao General Groves, no qual considerações filosóficas, expressões de entusiasmo, descrições poéticas misturam-se à sobriedade da linguagem técnica. À leitura do relatório, Truman fica “imensamente arrogante”. Apenas iniciada, a conferência arrasta-se, tropeça numa indolência que exaspera os ocidentais. Truman acomoda-se à situação com maiores dificuldades que Churchill e começa a jurar que jamais se deixará embarcar em semelhante canoa. Sua bomba dá-lhe repentinamente uma segurança cuja razão as testemunhas ignoram.
Sendo a bomba um empreendimento anglo-americano, Churchill recebe comunicação do relatório Groves: faz observar imediatamente que a participação da União Soviética na guerra do Pacífico é menos útil, portanto, completamente indesejável. Apresenta-se o problema a respeito de Stalin: que se lhe deve dizer? Stimson, num memorando ao Presidente, aconselha-o a dosar a quantidade de revelações conforme a atmosfera da conferência. Truman, consequentemente, limita-se a dizer a Stalin que os Estados Unidos descobriram uma nova arma, de extraordinária capacidade destruidora. Stalin não manifesta interesse particular, nem faz uma só pergunta sobre a natureza do engenho. “Espero - limita-se a responder - que a utilize contra os japoneses”. Jamais se soube que tal indiferença se devia ao fato de que Stalin, informado por sua espionagem, já sabia de tudo, ou ao fato de que ele não imaginava a natureza revolucionária do engenho.
A conferência de Potsdam pertence essencialmente à história do pós-guerra. Firma a divisão da Europa, esquartejando a Alemanha entre o mundo livre e o mundo comunista; engendra a aliança defensiva do Atlântico Norte, perpetua a presença das forças americanas na Europa. Sua mais espetacular peripécia foi o desaparecimento do lutador Winston Churchill. Ele deixou Berlim, a 24 de julho, cheio de confiança no veredicto eleitoral. Os trabalhistas tiveram maioria esmagadora. Os conservadores perderam 193 cadeiras. Em sua própria circunscrição, Churchill tivera como adversário apenas um galhofeiro limpador de chaminés, que preconizava a semana de trabalho de um dia. E este obteve mais de 10.000 votos, contra os 27.000 do Primeiro-Ministro. Attlee retorna sozinho a Potsdam, e foi como se a Inglaterra se descolorisse. O próprio Stalin contemplava o pequeno homem grisalho e taciturno com uma surpresa magoada, lamentando sem dúvida o adversário com quem trocara tantos golpes.
A agonia do Japão continua. A batalha de Okinawa terminou a 2 de julho. Mountbatten, depois de ter celebrado em Rangum a reconquista da Birmânia, empreende a da Malásia. Em Bornéu e nas Filipinas, as guarnições japonesas são sistematicamente exterminadas. A 3a Esquadra não mais abandona as águas inimigas e liquida, nos portos e enseadas, os últimos navios de guerra japoneses, os couraçados Ise, Haruna e Huygal; os porta-aviões Amagi, Katsuragi e Ruyho; os cruzadores Tone, Ahoba, Oyodo, Iwette, Izumo e Settsu. Os revides consistem quase unicamente em alguns torpedos humanos ou kaitens. A mais importante de suas vítimas é o destróier de escolta Underhill.
Esses fatos de guerra são eclipsados pelo fenômeno que ultrapassa até o castigo infligido à Alemanha: a destruição do Japão pelo fogo vindo do espaço.
Atacada em pleno dia, Nagóia está em chamas a 14 de maio. Dois dias depois Tóquio é bombardeada com tanta violência quanto a 9 de março. Na noite seguinte, sob um luar resplendente, os B-29 incendeiam o centro da cidade, reduzindo a cinzas o Palácio Imperial. Dois dias após, Iocoama, poupada ate então, arde sem que a população, que foge loucamente, tente ao menos circunscrever o incêndio. A vez de Osaca chega a 1 de junho, depois a de Cobe, depois novamente Osaca, depois Tóquio ainda, depois Cobe, outra vez, e assim sucessivamente. Os reides são todos do mesmo tipo: cerca de 500 B-29 transportando 3.000 toneladas de bombas incendiárias e escoltados por caças P-51, que, não encontrando adversário para abater, metralham as multidões. As perdas não atingem 2% dos efetivos.
No fim de julho, as cinco principais cidades japonesas, Tóquio, Osaca, Nagóia, Cobe e Iocoama, são destruídas em proporções que vão de 40 a 65%. Os principais objetivos industriais, atacados um a um, estão em ruínas. As cidades secundárias são objeto de um programa incendiário especial, efetuando-se reides de 30 a 200 B-29. De 17 de junho a 14 de agosto, são atacadas 60 destas, cuja população varia dos 323.000 habitantes de Fucuoca aos 31.250 de Tsuruga. Muitas são incendiadas numa proporção de 60, 70, 80% de sua área, e uma delas, Toiama (127.860 habitantes), na de 99.5%. Aproxima-se do milhão o número de vítimas. Sobrevêm a fome. A propaganda continua, no mesmo grau, a proclamar a invencibilidade do Japão. Seu raciocínio é o seguinte: será preciso matar-nos a todos para nos vencer; ora, somos 100 milhões e é materialmente impossível, mesmo aos americanos, exterminar 100 milhões de seres humanos. Somos invencíveis; portanto, venceremos!
A este país desesperado, os Estados Unidos desejam oferecer uma chance de sobreviver. A 2 de julho, isto é, antes da explosão de Alamogordo, Stimson envia a Truman uma comunicação em que lhe sugere dirigir ao Japão uma última intimação para depor as armas. No Departamento de Estado, Grew, que foi embaixador em Tóquio, luta com todas as suas forças para que se faça chegar ao conhecimento dos japoneses que os vencedores não exigirão a destruição do trono imperial. A discussão prossegue em Potsdam. Prepara-se um texto no qual é assegurado ao Japão que poderá escolher livremente a forma de governo que desejar. Consegue-se uma fórmula mais explícita: “Isto pode compreender uma monarquia constitucional sob a atual dinastia...”. Fica especificado que a soberania japonesa será limitada às quatro ilhas metropolitanas - Hocaido, Honxu, Xicocu e Quiuxiú - portanto que todas as conquistas do Japão a partir do imperador Meiji serão perdidas. Em contrapartida, e sempre exigindo uma capitulação incondicional e sem demora, os Aliados prometem o repatriamento e a libertação das tropas japonesas, a permanência das indústrias necessárias à vida nacional e uma participação do Japão no comércio mundial. “A alternativa para o Japão é a imediata e total destruição...”
Radiografada a Chiang Kai-chek, a proclamação de Potsdam recebe a sua assinatura. Churchill apõe também a sua, concluindo seu último ato de Primeiro-Ministro de guerra. Os russos, não estando em estado de beligerância com o Japão, não foram consultados. Não escondem sua indignação. De resto, eles não desejavam nem objetivavam um rápido fim da guerra do Pacífico. Calculando que a luta duraria até o outono de 1946, propõem-se a participar dela em grande escala, contam intervir na invasão do arquipélago e, em conseqüência, esperam associar-se à ocupação do Japão. Desejam, em particular, que seja abolida a monarquia e que Hirohito, julgado como criminoso de guerra, seja enforcado.
A proclamação aliada é divulgada a 26 de julho. No mesmo dia, a carcaça de uma bomba atômica, embarcada no cruzador Indianapolis, chega à ilha de Tinian. Sua carga explosiva é o urânio 235, que, contrariamente ao plutônio de Alamogordo, ainda não foi submetida a testes. Uma parte é transportada pelo Indianapolis. A quantidade necessária para completar a massa crítica chega a bordo de um C-54. Em Honolulu, os transportadores da bomba tem grandes dificuldades com as autoridades da base aérea, que, apoiadas nos regulamentos, não admitem que um grande avião atravesse o Pacífico com uma carga de algumas dezenas de quilos e insistem em carregá-lo até completar-lhe a capacidade. Um recurso a Washington os faz abrir mão da exigência, sem refrearem a indignação.
Diante da intimação, o governo japonês se divide. Togo observa que a linguagem com o Japão contrasta com a brutalidade dos termos ditados à Alemanha e que, mantida no texto, a capitulação incondicional é efetivamente abandonada. Assinala que todos os outros caminhos estão fechados. Encarregado de solicitar ao governo soviético acolhida ao Príncipe Konoye, com o objetivo de procurar os meios de restabelecer a paz, o Embaixador Sato não conseguiu ser recebido nem por Stalin nem por Molotov. Cessar imediatamente uma luta sem esperanças e apelar para a compreensão dos Estados Unidos é a única maneira de evitar a “destruição total”, de que foi ameaçado o Japão por ultimato.
O romantismo nacional, porém, se rebela. O chefe da intransigência é o Ministro da Guerra, General Anami. “Capitulação sem condições”- sustenta ele - “é para o Japão um termo não somente inaceitável, mas inconcebível. Os Estados Unidos, de resto, não estão preparados para pagar o aterrador preço de sangue que lhes custaria uma invasão. Amolecerão ainda, concordarão com condições mais favoráveis, se continuarmos a opor-lhes as resoluções de desespero”.
A resposta do Japão é formulada a 29 de julho, por meio de um comunicado da agência de notícias Domei. O governo imperial decide “ignorar” o ultimato. Ignorar não é de todo repelir. Sob o ponto de vista japonês, a fórmula não fecha a porta, atenua a veemência da recusa. Para os Estados Unidos, ao contrário, ela contém uma significação de intransigência, de provocação, quase de desprezo.
De Tinian, chega a Potsdam, via Washington, um relatório: o 509o Grupo compósito da US Air Force está pronto, dependendo das condições meteorológicas, a realizar a missão de que foi encarregado. O comandante da aviação estratégica, Spaatz, recusou-se “a matar talvez 100.000 pessoas mediante simples instruções verbais” e exigiu ordens por escrito. Recebeu-a em 25 de julho, assinada por Stimson e Marshall. Todavia, ainda se trata de ordem preparatória. A ordem de execução somente pode ser dada pelo comandante-chefe das Forças Armadas, o Presidente.
Todas as disposições foram tomadas. Niigata, de pequena extensão, foi riscada da lista dos objetivos. Hiroxima continua em primeiro lugar, seguida de Kokura e de Nagasáqui.. Um B-29 sobrevoará cada uma das três cidades, para confirmar a visibilidade. O transportador da bomba foi batizado de Enola Gay, nome da mãe do piloto, o coronel Tibbets em pessoa. Dois outros B-29 o acompanharão, um cheio de cientistas, outro para eventualmente substituir o Enola Gay, na escala de Iwo Jima. A bomba, de aspecto bastante comum, até feia, mede três metros de comprimento por um e meio de diâmetro, e pesa aproximadamente 4,5 toneladas. A montagem deve ser concluída durante o vôo, pelo capitão-de-mar-e-guerra William Parsons. A bomba será regulada para detonar a 600 metros acima do solo. Ignora-se absolutamente o efeito de uma bomba atômica a tal atitude e naturalmente se o bombardeiro terá tempo de afastar-se suficientemente para não ser desintegrado.
Resta uma tarefa a cumprir: avisar MacArthur, que não foi informado do Projeto Manhattan mais do que o último de seus soldados. Spaatz faz a viagem a Manila, duvidando da acolhida que o espera. Mas o grande Mac recebe sem reação a nova que vai privá-lo da conquista do Japão.
A 5 de agosto, depois de uma longa espera, a ordem de execução - ordem de Truman - chega ao 509o Air Group. No dia 6, à 1h37, os três B-29 de reconhecimento partem de Tinian. O Enola Gay segue-os meia hora depois. Aos nove homens da tripulação regular, reúnem-se Parsons e dois outros técnicos. O vôo noturno realiza-se em condições ideais. Às 6h40, o Enola Gay começa a subir de sua altitude de cruzeiro, 2.745 metros, para a altitude de bombardeio, 9.150 metros. Às 7h09, o B-29 Straight Flush anuncia que o céu está limpo acima de Hiroxima. A cidade aparece às 8h11, muito clara sobre os sete dedos desenhados pelos promontórios de Ota e intacta, tendo sido conservada virgem para o seu batismo atômico. Às 8h13min30seg, Tibbets dá a seu bombardeiro, o Major Tom Ferebee, uma simples ordem: “Agora!”
A bomba deixa o paiol exatamente às 8h15min17seg. Aliviado de 4,5 toneladas, o Enola Gay dá um salto para o céu. A tripulação sabe que devem percorrer 45 segundos antes da explosão e que nesse instante o avião se encontrará a 19 km do “ponto zero”. Cada homem conta: “42... 43... 44...”
Como em Alamogordo, um clarão prodigioso brota do coração da matéria, ofuscando os aviadores atrás de seus óculos de soldadores ao trabalhar com solda autógena. Depois, um imenso cogumelo incandescente eleva-se e expande-se no céu...
Truman está no mar, a bordo do cruzador Augusta. A Conferência de Potsdam terminou melancolicamente, na verificação de que um desacordo histórico está aberto entre os Estados Unidos e a União Soviética. O Presidente nada tinha de bom humor. Na véspera, da Sala de Comando do Augusta, dera ordem de empregar a bomba atômica. Passara a manhã à espera, espreguiçando-se no tombadilho, ouvindo a orquestra de bordo. A seguir, como bom demagogo, foi sentar-se no refeitório do cruzador e participar do almoço com a tripulação. Nisto, chega um ajudante-de-campo com um despacho, anunciando a explosão de Hiroxima: “Resultados precisos bem sucedidos sob todos os aspectos. Efeitos visíveis maiores do que em quaisquer testes”.
Em suas Memórias, Truman solenizará sua reação. Na realidade, ele cacareja de alegria. “Rapazes, nós lhe atiramos no coco um tijolo equivalente a 20.000 toneladas de TNT!”. Os marinheiros explodem em aclamações. Os dramas de consciência, a angústia e os remorsos misturados ao triunfo são uma falsa reconstituição histórica. É verdade que algumas pessoas, entre as quais Eisenhower, protestaram espontaneamente contra o emprego da bomba, considerando que isso não era necessário para pôr o Japão de joelhos. Mas a imensa maioria viu no aparecimento da nova arma simplesmente o fim imediato da guerra, e a conseqüente economia de sangue. Por dedução, os que deploraram seu lançamento contra Hiroxima teriam aclamado seu lançamento contra Berlim.
O rádio espalha a notícia. Antes de embarcar, Truman gravou uma mensagem anunciando que o mundo entrara na era atômica. Por aí e pelos comentários da Rádio de São Francisco é que o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão, Shigenori Togo, soube da natureza do projétil que acabava de ferir seu país. Informa seu colega da Guerra, solicitando-lhe pormenores sobre a explosão. Os militares, porém, são evasivos. Reconhecem simplesmente que os danos sofridos por Hiroxima são muito importantes. O comunicado, que eles esperarão o dia seguinte para divulgar, fala unicamente de um “novo tipo de bomba”, a respeito da qual estão sendo feitas investigações. De Hiroxima restam apenas somente alguns esqueletos de edifícios de concreto. A cidade começava seu dia de trabalho. Seguindo a regra, o alarma não foi dado para os aviões isolados que a sobrevoam. Um clarão aterrador devorou-a, deixando atrás um incêndio colossal, atiçado e propagado em um segundo. Os bondes permaneceram cheios de passageiros calcinados, oprimidos nos bancos, ou amontoados em pé nas plataformas. Um vento de 1.200 km/hora pôs abaixo paredes num raio de 1.500 metros, indo estilhaçar janelas a 12 km do “ponto zero”. Um ciclone de fogo, semelhante aos que centenas de bombardeiros atearam em Dresden, Hamburgo e Tóquio, redemoinhou durante seis horas. Em seguida, verificaram-se nos sobreviventes estranhos fenômenos: vômitos, diarréias de extraordinária intensidade, uma infinidade de pequenas hemorragias na boca e na garganta. Muitas vítimas portadoras desses sintomas agonizam. O balanço, que será levantado depois, acusará 78.150 mortos, 9.284 feridos graves e 13.938 desaparecidos. Não computará os militares, em número de 40.000, cuja metade talvez tenha sido vítima da explosão. O QG do 2o Exército, a sede do Comando Territorial do Oeste, a escola e o hospital dos militares foram destruídos.
O dia 7 de agosto decorre em confusão. A 8, Togo foi convocado pelo Imperador. O irmão deste, o cientista Príncipe Takamatsu, presidiu uma comissão de físicos que negaram a possibilidade de uma bomba atômica na guerra em curso - mas o desmentido é indiscutível e o soberano concorda em que o prosseguimento da guerra é totalmente impossível. Togo responde-lhe que, tendo terminado a Conferência de Potsdam, espera ansiosamente que o Embaixador Sato seja recebido por Molotov e que o Príncipe Konoye possa viajar para sua missão de negociações. Na mesma noite, chega a notícia impacientemente esperada de Moscou. Molotov, enfim, convocara o Embaixador Sato. Era para notificar-lhe a declaração de guerra da URSS ao Japão!
No dia seguinte, 9 de agosto, sucedem-se as deliberações governamentais. São entrecortadas de informações militares desoladoras; 1.500 aviões da US Navy castigam o Norte de Honxu. Os russos tomaram a ofensiva na Manchúria. Enfim e principalmente uma segunda bomba atômica cai sobre o Japão.
Sob o ponto de vista americano, o reide não se desenvolveu nas condições de perfeição obtidas em Hiroxima. A bomba, com carga de plutônio, era destinada a Kokura, mas as nuvens cobriam a ilha de Quiuxiú e o chefe da expedição, major Sweney, teve de desviar-se para o alvo de substituição, Nagasáqui. A explosão, mais violenta ainda que a de 6 de agosto, por pouco não desagregou o B-29, que, abalado, foi descer, como pôde, em Okinawa. As colinas de Nagasáqui, porém, atenuaram os efeitos da deflagração, reduziram a importância dos danos e o número de vítimas. Depois disso, o arsenal atômico está vazio. Várias semanas decorrerão antes que Hanford e Oak Ridge produzam as quantidades de matéria físsil necessária para novas explosões.
Isso, o governo japonês ignora. O interrogatório de um piloto de B-29 abatido leva-o mesmo a pensar que uma terceira bomba está reservada para Tóquio, no dia 12 de agosto.
Togo interroga os militares: alimentam ainda a menor esperança de vitória? O Almirante Yonai, Ministro da Marinha, responde não, empertigadamente. O General Anami argumenta. A batalha suprema, a do Japão, não se travou, e a possibilidade de lançar ao mar uma invasão não está abolida. Anami declara que concordará, entretanto, em depor as armas, se, além da preservação da monarquia, os Aliados renunciarem à ocupação do Japão, permitindo ao Exército japonês desmobilizar-se por si mesmo, e concordarem em que os criminosos de guerra sejam julgados por tribunais japoneses. O General Umazu, chefe do Estado-Maior do Exército, e o Almirante Toyada, chefe do Estado-Maior da Marinha, adotam as conclusões do Ministro da Guerra.
Pouco antes da meia-noite, o Conselho Supremo reúne-se pela segunda vez no dia, no abrigo imperial. Estatutariamente, compõe-se de seis membros: o Primeiro-Ministro, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, os ministros e chefes de estado-maior da Guerra e da Marinha. Nas circunstâncias, o presidente do Conselho Privado, Barão Hiranuma, foi também convocado. Nenhuma formalidade protocolar, inclusive o fraque dos membros civis, faltou à cerimônia. Uma lua soberba brilha sobre os veneráveis pinheiros poupados pelo incêndio do Palácio Imperial e, excepcionalmente, nenhum alarma soou em Tóquio.
Hirohito preside. Não há exemplo de que tenha intervindo numa deliberação, de que tenha sido outra coisa senão a encarnação muda do poder divino.
As posições, porém, estão congeladas e as forças iguais. Togo, Yonai e Hiranuma aceitam a capitulação. Anami, Umazu e Toyoda recusam-na, apresentando condições de antemão rejeitadas pelos vencedores.
O Primeiro-Ministro, o velho Almirante Suzuki, deixou a discussão prosseguir sem tomar parte. Repentinamente, levanta-se. São 2 horas das manhã do dia 10 de agosto. “Senhores - disse ele - discutimos durante horas, quando a decisão que devemos tomar não pode esperar um minuto. Proponho apelarmos para a inspiração imperial e substituir a nossa decisão pela de Sua Majestade, o Imperador”.
Movimento surpreendente. Suzuki dramatiza-o, prosternando-se diante de Hirohito. Este ordena-lhe que se levante e retome seu lugar. Depois fala. Censura os militares: muitas vezes, prometendo-lhe vitórias e não lhe trouxeram senão resultados decepcionantes. Como teria ele confiança em novas garantias de sua parte, quando a situação se tornou tão desfavorável para o Japão? Está transtornado pelos sofrimentos do seu povo. Ele tem na conta de nada seu destino pessoal e de sua dinastia. Aceita as condições dos Aliados, por mais duras, humilhantes e implacáveis que sejam.
A noite continua a decorrer placidamente em seu banho de lua. No Ministérios dos Negócios Estrangeiros, atrás das janelas camufladas, redige-se o comunicado que será transmitido, nas primeiras horas da manhã, às legações japonesas em Berna e em Estocolmo. Contém a aceitação da Declaração de Potsdam, com uma condição: “Ficando entendido que a referida Declaração não comportará nenhuma exigência com diminuição de prerrogativas de Sua Majestade o Imperador como poder soberano”.
A resposta americana é conhecida no dia 12, às 4 horas da manhã, pelo rádio. É confirmada, algumas horas depois, pelo canal da Legação suíça. A respeito da condição formulada, o Governo dos Estados Unidos fixa sua posição nos seguintes termos: “A partir da capitulação, a autoridade do Imperador ficará subordinada à do Comandante-chefe das Forças Aliadas”. O autor desta fórmula é o novo secretário de Estado, James Byrnes. Constitui um termo médio entre os extremados, como Owen Lattimore, que desejam perseguir o Imperador como criminoso de guerra, e os realistas, como Grew e Leahy, que aceitam pura e simplesmente a manutenção da monarquia. Em Tóquio começa um violento desentendimento. Togo sustenta que a resposta americana é satisfatória e que os japoneses se devem submeter. Hiranuma, invertendo sua posição moderada, sustenta, ao contrário, que é inaceitável a subordinação do soberano a uma autoridade estrangeira, porque destrói a estrutura do Estado japonês. Os partidários da luta a todo transe retomam terreno. Anami dirige um apelo ao Exército, prometendo-lhe a vitória se ele dispuser a todos os sacrifícios para repelir a invasão. Uma excitação extraordinária desponta em alguns corpos de tropas. Suzuki, Togo e Yonai são apontados como traidores e ameaçados de castigos impiedosos.
O Conselho Supremo de 14 de agosto encontra-se no mesmo impasse que o de 9. Termina da mesma maneira. Hiroihito intervém. Compreende, diz, os sentimentos dos patriotas, mas o seu dever, como imperador, é de salvar a nação. É inevitável a aceitação das condições aliadas. Ele se dirigirá pessoalmente ao seu povo, para dizer-lhe, para pedir-lhe que se incline diante do presente, a fim de salvaguardar o futuro.
À noite, estoura a rebelião militar. Um tenente-coronel Hatamaka conduz um grupo de oficiais ao General Mori, comandante da Guarda Imperial, e intima-o a prender os derrotistas. Mori recusa. Uma rajada de metralhadora o abate. Os conjurados ocupam a Rádio de Tóquio, procuram destruir o disco em que o Imperador gravou sua mensagem à nação. Outros incendeiam as residências de Suzuki e de Hiranuma. Soa o alarma, aviões roncam sobre Tóquio, a população apavorada foge em todas as direções. Os rebeldes se agitam, porém não tem mais chefe. Ao reentrar no Conselho Supremo, o General Anami rasgou o ventre e fez com que lhe fosse cortada a cabeça, para expiar a necessidade em que se encontrou de opor-se ao Imperador.
O General Tanaka, comandante-chefe do Exército do Leste, acorre ao quartel da Guarda e, depois de três horas de sermão, leva os soldados à obediência. Tendo cumprido um dever em desacordo com a sua consciência, ele, por sua vez, pratica o haraquiri.
A 15 de agosto, às 16 horas, entre as ruínas das cidades e nas praças das aldeias, todo o Japão se reúne em torno dos auto-falantes. Jamais alguém ouvira a voz do Imperador. Ninguém sabe por que ele convocou todo o seu povo. A maioria pensa que ele vai lançar um apelo para a luta a todo custo. A voz eleva-se, estranha, surda, sufocada. A linguagem formalista, arcaica, é quase ininteligível. Entretanto, o sentido da mensagem não escapa a ninguém. O Imperador deseja a suspensão da guerra, que se aceite o inconcebível, a derrota, a humilhação, a ocupação.
Numerosos japoneses se recusam. Em alguns quartéis, o sangue dos suicidas corre em cascata pelas escadarias. Kamikazes tomam seus aviões e vão afogar-se na baía de Tóquio. Grupos vem prosternar-se em silêncio diante da Ponte Niju Bashi, entrada principal do Palácio imperial, e muitos não se erguem mais, tingem o chão com o próprio sangue. Cenas semelhantes ocorrem em todos os lugares sagrados. Em Tóquio, uma multidão de amotinados se reúne em Atago Yama, onde a união de Izanani e de Izagani gerou o Japão. Os aviadores da base de Atsugi estão em rebelião declarada. Sobrevoam o palácio, em vôos rasantes, atirando panfletos em que insultam os traidores e proclama que a luta continua gyakusai - até o último extremo.
O Almirante Suzuki exonerou-se. Falta tempo para consultar os velhos homens de Estado, que temperam com uma gerontocracia a nervosa e violenta política japonesa. O Imperador toma a decisão de nomear Primeiro-Ministro seu tio, o Príncipe Higashikuri. Outros quatro membros da família imperial são enviados aos exércitos de ultramar, para assegurar sua obediência.
A dinastia se pronuncia pelo “Caminho do Grou sagrado”- pela paz. Ela tem por si o verdadeiro sentimento nacional. O povo japonês aceita morrer - mas prefere viver. Ele vê, pelas ruínas que desmoronam sobre si, que a guerra está perdida. Mede a profundidade da mentira em que o mergulharam afirmando que o Japão era invencível. O romantismo sanguinário de algumas dezenas de milhares de fanáticos é impotente diante da inércia de 100 milhões de seres humanos. A agitação acalma-se. A resignação vence. Prevalece a vida.
A manhã de 2 de setembro é nublada e fria. Às 5 horas, um cortejo deixa a sede provisória do governo, o Palácio Akasaka, que permaneceu de pé no meio de um quarteirão queimado até o solo. O percurso até Iocoama é a travessia de um deserto de cinzas. À entrada do grande porto, reluzem baionetas americanas. Elementos da 11a Airbone chegaram dois dias antes, com o General Eichelberger, precedendo de apenas três horas o comandante-chefe, Douglas MacArthur, designado para receber a capitulação do Japão e para reorientar a história. O próprio governo solicitou que ele não pousasse em Atsugi, onde tanto fanatismo borbulhara tão recentemente. MacArthur passou adiante - e 30.000 soldados japoneses lhe depuseram as armas, desde Atsugi até Iocoama. Ele está agora na baía de Tóquio, a bordo do Missouri, esperando a rendição dos vencidos.
Não foi fácil a composição da delegação. Julgaram impossível que fosse presidida pelo Primeiro-Ministro, parente próximo do Imperador, e várias personalidades civis e militares que preferiam suicidar-se a ter de participar do ato. O novo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Mamoru Shigemitsu, ofereceu-se e, embora tendo combatido a capitulação, o General Umazu obedeceu à ordem de representar as Forças Armadas. Foi-lhe retirado o sabre, do mesmo modo que foram retirados os estandartes das viaturas. Os dois plenipotenciários e os nove diplomatas ou oficiais que os acompanham embarcam, a seguir, num destróier. O céu desanuviou-se. Brilha um sol límpido. A baía de Tóquio está coberta, a perder de vista, de navios aliados embandeirados em arco.
Nas superestruturas do Missouri, centenas de marinheiros estão sentados com as pernas pendentes, sem consideração pela solenidade do momento. Shigemitsu, que perdera uma perna em Xangai, 15 dias antes, sobe penosamente a escada do portaló e avança pela ponte, apoiando-se na bengala. No tombadilho, uma mesa coberta por um pano verde com os documentos da capitulação. Atrás dela, alinham-se as delegações aliadas. A Austrália é representada pelo General Blamey, a Nova Zelândia pelo Vice-Marechal-do-Ar Isitt, o Canadá pelo Coronel Moore-Cosgrave, a China pelo General Hsu Yen-tchang, a Inglaterra pelo Almirante Frazer, a França pelo General Leclerc, os Países Baixos pelo Almirante Helfrich, a URSS pelo General Derevyanko. Apesar de sua intervenção, in extremis, esta última potência não pôde conseguir dos Estados Unidos participação da ocupação do Japão. Não tardará a declarar que seu representante na Comissão Interaliada de Controle é tratado “como um traste” e que considera por isso supérflua a sua presença.
Decorrem cinco longos minutos. Os japoneses devoram suas lágrimas. Aparece MacArthur. É seguido pelo Almirante Nimitz e pelo Almirante Halsey - foi necessária uma difícil arbitragem presidencial para determinar as honras do US Army e da US Navy. Dois vencidos, esqueléticos, em virtude de um longo cativeiro, estão igualmente associados ao triunfo: o inglês Percival, que se rendeu em Cingapura, e o americano Wainwright, em Corregidor.
Não estava previsto qualquer discurso. MacArthur, porém, reservava uma surpresa. Fala. Fala magnificamente. Celebra a paz restaurada. Repudia todo espírito “de desconfiança, malícia ou ódio”, associa os vencedores e os vencidos, “ambos vitoriosos e derrotados”, pedindo-lhes um esforço comum para elevar-se à mais alta dignidade humana. Compromete-se, no que lhe diz respeito: “Como Comandante-Supremo das Forças Aliadas, declaro meu firme propósito, de acordo com a tradição dos países que represento, de proceder com justiça e tolerância no desempenho de minhas responsabilidades”. O vento sopra do alto-mar e sopra do futuro. As bandeiras panejam ao sol. É surpreendente o contraste com as sombrias cerimônias noturnas de Reims e de Berlim, cheias de jactância e de ódio. Segundo as palavras de uma das testemunhas japonesas, o diplomata Kase, a generosa inspiração de MacArthur transformou o Missouri, gigantesca máquina de guerra, “num altar da paz”.
Os japoneses assinam. Assinam os Aliados. São 9h25. Os japoneses retiram-se, saudados no portaló pelo apito do primeiro-mestre e pelo Estado-Maior do Missouri, em guarda.
A Segunda Guerra Mundial terminou em seu 2.194o dia, quase na mesma hora, seis anos depois do início; 61 nações e de 100 a 110 milhões de homens participaram do conflito. As hostilidades desenrolaram-se sobre 22 milhões de km². Foram sacrificadas entre 32 e 53 milhões de vidas humanas. As perdas materiais não foram jamais calculadas com aproximação satisfatória, mas está fora de dúvida que ultrapassam de longe as que foram acumuladas por todos os conflitos anteriores. É uma homenagem à elasticidade da espécie humana que esta prova formidável tenha interrompido apenas por tão poucos anos a marcha da humanidade para o progresso.
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