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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AGONIA E ÊXTASE / Diana Palmer
AGONIA E ÊXTASE / Diana Palmer

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

AGONIA E ÊXTASE

 

A fazenda nos arredores de Houston, Texas, impressio­nava pela extensão. Era delimitada por cercas brancas, al­gumas discretamente eletrifiçadas, de modo a manter con­finado o valioso gado da raça Santa Gertrudis que Cord Romero criava.

No rebanho existia um touro especial, poupado no fim de uma tourada na Espanha pelo pai de Cord, Mejias Romero, por ironia um dos mais famosos "matadores" do país, até sua morte prematura nos Estados Unidos. Depois de crescer e amealhar seu próprio dinheiro, Cord viajara ao rancho de seu primo mais velho, na Andaluzia, e despachara o touro de navio para o Texas. Ele chamava de Hijito, "filhinho", o animal que, apesar de velho, ainda era todo músculos. Por incrível que parecesse, Hijito seguia o dono pelo pasto como um cachorro de estimação.

O grande touro bufou e pateou quando viu Maggie Barton saindo do táxi com sua mala, do lado oposto da cerca. A jovem dedicou-lhe um rápido olhar, enquanto pagava ao motorista. Apressara-se em vir do Marrocos numa cansativa sucessão de voos, translados, atrasos e cancelamentos. Três dias em trânsito, e Maggie se agoniara ao saber que Cord, superando o renitente silêncio, tinha perguntado por ela a um amigo comum, Eb Scott, solicitando que viesse vê-lo.

Mercenário profissional e seu irmão de criação, Cord, en­fim, talvez tivesse percebido que gostava dela um pouco!

 

Com a pulsação acelerada, Maggie acionou a campainha da porta, na ampla varanda provida de cadeiras de balan­ço, samambaias e vasos de flores por toda parte.

Passos rápidos se fizeram ouvir no interior da residência contra o piso de madeira. Maggie retirou do rosto a mecha de cabelos negros que lhe cobria os ansiosos olhos verdes. O som das passadas, porém, não lembravam Cord. Ele pos­suía uma elegância natura! em seus movimentos, suaves mas viris. Os ruídos vindos da sala eram curtos, sincopados, e mais pareciam o andar de uma mulher.

O coração de Maggie ficou pesado. Haveria ali uma na­morada, noiva ou amante da qual ela não tinha conhecimen­to? Teria interpretado mal o recado de Eb Scott para voltar ao Texas?

A porta se abriu, e uma delicada jovem loira, de não mais de dezoito ou dezenove anos e íris claras, a examinou com interesse.

— Sim? — perguntou, cortês.

— Vim ver Cord. — Maggie atribuía seu nervosismo aos longos voos e à diferença de fuso horário. Nem mesmo co­gitou se apresentar.

— Desculpe-me, mas ele não está atendendo ninguém ainda. Sofreu um acidente.

— Isso eu sei. — Sorriu. — Diga-lhe que é Maggie, por favor.

A garota produziu um esgar.

— Ele ficará bravo comigo se eu deixar você entrar. Avi­sou que não queria ver ninguém. Sinto muito.

A irritabilidade decorrente da viagem colaborou para que Maggie perdesse a calma.

— Ouça, estou viajando há três dias. Cord? — gritou para dentro. — Cord!

A loira guardou uma pausa durante a qual se esmerou em caretas, mas logo uma voz masculina soou.

— Deixe-a entrar, June!

A moça se afastou de imediato e deu passagem à visitan­te. A entonação de Cord fora um tanto dura, para descon­forto de Maggie, que deixou a mala na varanda e entrou, sob intensa curiosidade de June.

Na espaçosa sala, Cord estava de pé ao Sado da lareira, e a simples visão dele aqueceu o sangue de Maggie. Alto e esguio, rinha uma esbeltem que poderia enganar quem não reparasse nos sólidos músculos e na expressão selvagem de quem não temia nada neste mundo.

Pouco tempo antes, Cord trabalhara como soldado da fortuna, um mercenário profissional, e trazia algumas cica­trizes. Era muito bonito, com a pele bronzeada e os cabelos muito pretos, com uma única e leve onda. Olhos grandes e escuros, que se abriram mais quando Maggie se acercou. Exccto pelos ferimentos vermelhos na face, perto da pálpe­bra, ele parecia bastante normal. Fitou-a como se pudesse vê-la. Ridículo! A bomba que Cord tentara desativar estou­rara junto a seu rosto. Segundo Eb Scott, ele ficara cego.

Foi com insistência que Maggie o observou. Aquele ho­mem era o amor de sua vida. Nunca houvera outro em seu coração. E era espantoso que Cord não o tivesse notado, nos dezoito anos em que partilharam os dias. Nem mesmo o breve e trágico casamento dele pudera alterar tais sentimen­tos. Como ele, Maggie era viúva, mas não chorava por seu marido da maneira como Cord pranteava Patrícia.

Com vontade própria, seu olhar recaiu na boca ampla e bem desenhada. Lembrava-se — e como! — do gosto dela em seus lábios, no meio da escuridão. Tinha sido o paraíso ser estreitada e beijada por Cord, após anos de angustiante espera. Muito cedo, porém, o prazer tomou-se dor. Cord não sabia que Maggie era virgem, e na ocasião estava embria­gado demais para notar. A conjunção camal ocorreu pouco depois de a esposa dete ter cometido suicídio, e na mesma noite em que a mãe adotiva de ambos morrera.

— Como vai? — Maggie arriscou, hesitante. Houve um sorriso frio, uma tensão visível no queixo.

— Uma bomba estourou em meu nariz quatro dias atrás. Como acha que posso estar? — foi a resposta sarcástica.

Embora educado, Cord não se mostrava acolhedor. Adeus às fantasias. Não precisava dela, nem a queria por perto. Como nos velhos tempos. E Maggie viajara três dias para vê-lo. Que piada!

— Muito me admira que uma bomba o tenha atingido. O Homem de Aço é imune a balas, bombas, e sobretudo a mim.

Impassível, ele reagiu sem raiva.

— Foi bom você ter vindo, e tão depressa.

Ela não entendeu o comentário irônico. Pelo jeito, Cord contava com uma visita rápida de quem estava, dias antes, no Marrocos.

— Eb Scott me telefonou e disse que você estava machu­cado. Avisou que... — Vacilante, Maggie omitiu o que ou­vira, mas riu para camuflar suas emoções. — ...precisava de mim como enfermeira. Engraçado, não?

— Hilariante. — Cord a encarou, sem rir.

Com indisfarçada tristeza, Maggie sentiu o velho e co­nhecido sarcasmo dele.

— Esse nosso Eb é mesmo um trapalhão. Parece que já tem quem cuide de você, Cord. Qual é o nome mesmo? June?

— É isso. Tenho June. Ela está aqui desde que voltei para casa. June é tudo de que preciso. É meiga, de bom coração e cuida muito bem de mim.

— Também é bonita.

— Não é mesmo? Bonita, esperta e boa cozinheira. E é loira — acrescentou, num tom gélido que provocou arre­pios coluna abaixo em Maggie.

 

Na realidade, não havia o que estranhar. Cord era fã de loiras, como sua falecida mulher, Patrícia. E ele a amara muito.

Maggie atritou os dedos na correia da bolsa que lhe pen­dia do ombro. Percebeu de repente como estava cansada. Aeroportos, embarques e desembarques, coleta de bagagem, táxis desconfortáveis, tudo para chegar a Houston, agonia­da com o estado de saúde de Cord. Para quê? O amigo Eb devia ter lhe dito a verdade, que Cord ainda não a queria em sua vida, mesmo ferido.

— Bem, o que você falou me coloca em meu devido lu­gar. Não sou loira, mas fiquei contente por ver que ainda está firme e de pé, Cord. Lamento muito sobre sua visão.

— O que há com minha visão?

— Eb falou que você ficou cego.

— Temporariamente. Não é uma condição permanente. Já posso enxergar bem, e o oftalmologista aposta numa com­pleta recuperação.

Maggie exultou de alegria. Ele podia enxergar?

Céus, então, estivera o tempo todo examinando sua figura e as expressões faciais que ela não se preocupara em escon­der! Sobreveio o desconforto, ao saber que Cord havia sido capaz de perceber a tristeza e a agonia em seu semblante.

— Sério? Que ótima notícia! — Forçou um sorriso con­vincente, caindo em si.

Sua face teria de estar sempre alegre e radiante na frente de Cord, como que esculpida, embora jamais pudesse dizer que aquele era um momento de festa.

— Não é mesmo?

Maggie tomou a segurar a tira da bolsa, sentindo fraque­za nos joelhos e embaraço por ter vindo correndo a Houston, cuidar dele, abandonando seu trabalho e tudo o mais. Mas Cord nem necessitava dela, nem a queria ali. Agora, estava sem emprego, sem lar para viver, e só contava com algu­mas economias para superar o prazo até restabelecer sua rotina. Por que não aprendia?!

A limitada cortesia de Cord mais lembrava hostilidade.

— Agradeço por ter vindo, Maggie. Lamento que tenha de voltar tão depressa. Permita-me acompanhá-la até a porta.

Maggie arqueou as sobrancelhas.

— Não se incomode. Entendi muito bem a mensagem: não sou bem-vinda. Tudo bem, deixarei as marcas de meus passos na trilha da saída. June poderá apagá-las mais tarde.

— Você brinca com qualquer coisa.

— É melhor do que chorar, Cord. Preciso pôr a cabeça no lugar, para começar. Não entendo por que me preocupei com você.

— Nem eu — concordou, com leve ressentimento. — Um dia perdido é um dólar não ganho.

Frase enigmática, mas ela estava frustrada demais para questioná-la.

— Não precisa debochar — Maggie asseverou. — Já es­tou indo. Na verdade, pretendo arranjar trabalho e organi­zar minha vida de modo que você nunca mais me veja.

— Seria uma inenarrável alegria. — Cord colocou vene­no nas palavras, fitando-a com insistência. — Darei uma festa.

Mostrava-se cruel, como se estivesse furioso com Maggie por algum motivo. Talvez sua simples presença o tirasse do sério. Nesse ponto, nada de novo.

Ela conseguiu rir. Tivera anos para aperfeiçoar sua camu­flagem emocional. Daí o risco de dar a Cord um sinal de afeto. Ele não hesitaria em cravar-lhe um punhal nas cos­tas. Eram velhos adversários.

— Não me convide, Cord. Por que não se aposenta en­quanto ainda tem uma cabeça em cima do pescoço?

Ele não respondeu. Maggie deu de ombros e suspirou.

— Talvez já exista alguém procurando por meus serviços. Vou verificar na central de computadores do aeroporto.

Um longo e último olhar, e ela teve a sensação de que nunca mais veria aquele bonito rosto. Recordou um velho ditado sobre castigo divino, que se referia a mostrar à víti­ma o paraíso, antes de condená-la ao inferno. No caso, in­ferno era o outro nome da realidade. Maggie conhecera o ato de fazer amor com Cord, uma única vez, e jamais es­quecera a delícia que fora, apesar da dor física, do constran­gimento e da posterior fúria do parceiro. Agora, a rejeição era mais palpável, e ainda tinha de disfarçar o mal-estar. Não era fácil.

— Obrigado por pensar em cuidar de mim, Maggie.

— Quando quiser. Pode me telefonar da próxima vez que precisar de enfermeira. Mas, por favor, diga a Eb que o sen­so de humor dele é indecente.

— Diga você mesma — retrucou. — Chegou a ser noiva dele, não?

"Só porque não pude ter você, e seu casamento acabou comigo". Maggie nada falou, claro. Fez um aceno, girou nos calcanhares e rumou para a saída.

Mal cruzara a soleira quando Cord a chamou, um tanto rouco:

— Maggie!

Ela não hesitou nem um segundo. Estava com raiva de si mesma pela estupidez de ter viajado dias em busca de um homem que não retribuía seus sentimentos. A zanga se es­tendia a Eb Scott, por ter dito que Cord perguntara por ela e, mais, que estava cego.

No hall, June se mostrava perplexa, embora sensível à mágoa que Maggie procurava esconder com valentia.

— Você está bem? — ela murmurou.

 

Maggie não encontrou o que responder. June constituía o novo alvo amoroso de Cord, e ela não suportava olhar para a garota. Sussurrou um agradecimento, com um meneio de cabeça, e continuou andando.

Passou pela porta e fechou-a atrás de si. A despeito do chamado fremente, Cord não a seguira. Talvez se sentisse culpado pelo tratamento que lhe dispensara. Isso não con­dizia com seu senso de hospitalidade, mas ela sabia, com base no passado, que ele na certa não traíra sua consciên­cia. Para compensar, Maggie nada mais desejava do que cravar as unhas nas faces de Eb Scott. O ex-noivo estava casado e feliz, e mesmo não tendo telefonado por maldade, lhe causara transtorno e infelicidade, Por quê?

Na varanda, por um momento, Maggie tentou se recom­por. Houston ficava a uns vinte minutos da fazenda, mas ela havia dispensado o táxi, certa de ganhar hospedagem na casa de Cord. Gargalhou por tamanha ingenuidade.

Fitando a estrada, lembrou-se do que todos diziam: ca­minhar era um ótimo exercício. Por sorte, calçava ténis, e não sapatos de salto, que combinariam melhor com seu ter-ninho cinzento. No trajeto a pé até Houston, poderia pen­sar bastante em sua idiotice.

— O bom e velho Cord nem sequer me ofereceu uma carona...

A mala, bastante pesada, era dotada de rodinhas e puxa­dor, mas ao ganhar a rodovia Maggie experimentou o ab­surdo da situação. Sorriu, complacente. Nem mesmo conta­va com um cavalo para levá-la.

— Vamos em frente! — conformou-se.

Ao lado da lareira, Cord Romero cismava, com june a observá-lo.

— Ela parecia preocupada com você, Cord.

— Lógico. São vinte minutos desde Houston, e ela não conseguiu chegar antes. Quanta preocupação!

— Mas trouxe uma... —June queria falar-lhe da mala que Maggie deixara na varanda.

Cord ergueu a mão ampla e falou com firmeza:

— Fique quieta. Não quero ouvir nada sobre ela. Tra­ga-me uma xícara de café, sim? Depois, mande Red Davis entrar.

— Sim, senhor.

— Diga que desejo falar com ele, quando terminar de cuidar das novas reses que chegaram.

Davis era o principal capatiz da fazenda.

— Sim, senhor — a jovem repetiu, antes de sair. Sozinho, Cord amaldiçoou a si mesmo. Por semanas e meses, não vira Maggie. Era como se ela tivesse desapareci­do da face da terra. Chegara a ir ao antigo apartamento dela, na cidade, e desistira de esperar após cinco minutos de to­ques de campainha. Também não respondera ao maldito telefone, e Cord não suportava admitir que sentia saudade, nem que Maggie tardara quatro dias para vir vê-lo.

A vida dos dois estava entrelaçada desde que Cord con­tava dezesseis anos, e ela, oito. Então, foram adotados por Amy Barton, uma senhora da sociedade cuja irmã trabalha­va num centro de recuperação para jovens. Ainda criança, Cord perdera os pais num incêndio em Houston. Maggie ficara órfã de mãe na mesma época, fora abandonada pelo padrasto, e ambos acabaram recolhidos ao orfanato juvenil. Sem filhos e solitária, a sra. Barton, num gesto impulsivo, decidira assumir a criação dos dois. Mais tarde, adotara Maggie legalmente.

Aos dezoito anos, Cord tivera problemas com a lei, e Maggie lhe servira de apoio. Com dez anos, revelara-se madura em seus conselhos e lealdade ao irmão de criação.

 

Em vez de zangar-se, a sra. Barton ria do instinto protetor da menina. Encantara-se com a maneira como Maggie se­gurava a mão de Cord durante a audiência com o juiz, murmurando que tudo sairia bem. Sempre tomara conta dele.

Quando do suicídio da mulher de Cord, Patrícia, Maggie não saiu do lado dele no inquérito e no funeral. Também o confortou por ocasião do falecimento da sra. Barton.

Cord mal conseguia pensar naquela noite, uma das pio­res lembranças que guardava consigo. Contemplou sem ver o pasto, onde Hijito ruminava. Assumiu uma expressão de dor ao rememorar os traços de Maggie, que ali estivera minutos antes. A vida dela também não fora um mar de rosas. Pouco sabia de sua infância ou por que fora despre­zada pelo padrasto. A sra. Barton se recusava a discutir o tema, e Maggie o evitava desde que se conhecia por gente.

Inexplicável também era o casamento dela, menos de um mês após a morte da mãe de criação. Conhecia por alto o noivo, e a união não fora nada feliz. O marido era um ban­queiro rico, vinte anos mais velho e divorciado.

Cord ouvira que Maggie sofrera uma espécie de acidente em casa, e ainda estava no hospital, quando o marido fale­cera num desastre de automóvel. Cord viera da África para vê-la, encontrando-a tão debilitada que nem pudera ir ao sepultamento do marido. Ninguém lhe contara os motivos da internação, mas estava claro que Maggie não queria Cord por perto. Recusara-se a falar com ele, até a vê-lo por al­guns instantes.

Embora magoado, Cord sabia por quê. Na noite do fale­cimento da sra. Barton, ele levara Maggie para deitar-se. Ficara embriagado, uma das duas únicas vezes em que be­bera demais. Forçara a situação e machucara Maggie, que para sua surpresa era virgem, forçando-a a fazer sexo.

 

Cord não se recordava bem do que tinha acontecido, apenas das lágrimas, dos soluços e da constatação de que ela não era a mulher experiente que ele imaginara. Num curioso processo psicológico, a raiva que Cord sentiu de si mesmo transferiu-se para ela, como se Maggie o tivesse seduzido. Em seu íntimo, porém, estavam presentes a an­gústia da parceira, o corpo trémulo envolto no lençol, as pálpebras cerradas para não ver o vigoroso corpo nu que se inclinava sobre ela e a possuía à força.

Pouco se viram desde então. Maggie não escondia o des­conforto com a presença dele. Depois de enviuvar, retoma­ra o nome de solteira e se atirara ao trabalho. Graças a boas relações no mundo financeiro, tornara-se vice-presidente de uma firma de investimentos e evitara um reencontro com Cord, algo que ele devia apreciar.

Cord também tinha evitado Maggie por anos, mesmo antes da morte de Amy Barton. Mas ela ignorava que ele se casara com Patrícia no vão esforço de superar sua inexpli­cável obsessão pela irmã de criação. Além disso, conhecia o perigo do amor e a agonia da perda. A mãe americana e o pai espanhol, que adorava, tinham morrido num incêndio, e muito cedo aprendera a controlar as emoções. O suicídio de Patrícia completara sua miséria, e o falecimento da sra. Barton fora a última gota. Tudo e todos que Cord havia amado foram tirados dele. Era mais fácil, mais sábio, parar de cultivar sentimentos profundos.

Seu estágio no Departamento de Polícia de Houston, in­terrompido pela filiação ao exército durante a Guerra do Golfo, na chamada Operação Tempestade do Deserto, dera-lhe um gosto pelo perigo que o levou a fazer investigações secretas e prestar serviços avulsos para o FBI, a polícia fe­deral americana. Após o suicídio de Patrícia, pelo qual sen­tiu-se culpado por razões desconhecidas, Cord tomara-se uma espécie de mercenário profissional, especialista em demolições e implosões. Até que em Miami seus instintos o salvaram da morte, na explosão de uma bomba armada por inimigos.

Maggie não sabia de nada disso, e não havia razão para contar-lhe. Viera vê-lo tarde demais, talvez despreocupada com seu estado de saúde. Todavia, Cord estava certo de que seu maior adversário agiria de novo. Não se deixaria sur­preender uma segunda vez.

Com um suspiro, lamentou o tratamento dispensado a Maggie. Era ele, afinal, o responsável pela mágoa dela, pela indiferença que a trouxera para seu lado quatro dias depois do ocorrido. Teria demorado menos, caso ainda se preocu­passe com seu bem-estar? De qualquer modo, mostrara-se ansiosa para vê-lo, e Cord riu da própria tolice. Ferira Maggie com sua frieza glacial, afastando-a de si diversas vezes, e agora se ressentia por ela não se solidarizar com seu ferimen­to. Apenas colhia o que plantara. Não era culpa dela.

Vulnerável por um momento, Cord pronunciou o nome dela diante da janela e tentou encontrar as palavras certas para um pedido de desculpas. O orgulho, porém, o impe­diu de segui-la após sentir-se ignorado. Maggie fora embo­ra, e decerto nunca voltaria. Era o que ele merecia.

Maggie achava-sc a meio caminho, na estrada pavimen­tada, quando o som de uma picape encobriu o de seus pas­sos. O veículo não passou por ela, e sim parou ao lado de uma cerca branca, com a porta do passageiro aberta.

Red Davis, o capataz da fazenda, inclinou-se para ela, exibindo um rosto amigável, de olhos azuis. Mostrou os cabelos ruivos ao tirar o chapéu de palha e sorriu.

— Está muito quente para andar até Houston, carregan­do uma mala. Entre, que eu a levo.

O imprevisto gesto de bondade a fez hesitar por um ins­tante.

— Não foi Cord quem o mandou, foi? — Não daria um passo para dentro do veículo, nesse caso.

— Não, não foi. O patrão não sabia que você trazia baga­gem, e eu nunca lhe contaria — Red jurou com um brilho nas pupilas.

— Está bem, então, Obrigada. — Maggie riu da situação e tomou assento ao lado de Davis, fechando a porta e aper­tando o cinto de segurança.

Ele acionou o motor e voltou à rodovia.

— Parece que você não veio da cidade.

— Não se preocupe, Red. Não tem importância.

— Mas trouxe uma mala. Por quê?

— Você é uma praga, Red Davis!

— Mas os inseticidas não me afetam. — Sorriu largo. — Vamos, Maggie, diga a tio Red por que está voltando, com esse peso nas mãos.

— É que eu vim do Marrocos — respondeu, por fim, amistosa. — Vim direto. Tsto é, com muitos traslados e atra­sos. Fiquei sem dormir por trinta e seis horas. Esperava encontrar Cord desesperado e cego, mas bastou um minuto para ele me chutar para fora da casa. Nada mudou, como nos velhos tempos.

— O que você fazia tão longe, no Marrocos?

— Tirei férias antes de assumir um novo emprego em Qawi, no setor financeiro. — Balançou a cabeça. — Agora não tenho emprego, nem lugar para viver, nem nada. Só uma mala pesada. Se não fosse tão tola, não teria perdido a cabeça desse modo.

— Cord não lhe ofereceu hospedagem? — Davis horrori­zou-se.

— Nem sabe que eu estava no Marrocos. Não contei que ia me mudar de Houston. Não que ele se incomodasse. — Recostou-se no banco c fechou os olhos. — Eu precisava parar de bater a cabeça contra um muro de pedras.

A velada referência aos sentimentos que cultivava por seu irmão de criação era proposital. Red Davis não chegava a ser amigo próximo de Cord, mas reconhecia o amor des­prezado quando via um. Teve pena da bonita e forte mu­lher, que parecia pender de um cadafalso. Ponderou por que o patrão não enxergava o quanto Maggie gostava dele, por que se mantinha indiferente a ela, desde que conhecera os dois.

— Além disso — ela acrescentou —, agora Cord tem June para cuidar dele, não?

Davis lançou-lhe um olhar estranho.

— Não da maneira como você pode estar pensando.

— Como assim? — Maggie indagou com aceso interesse.

— June é a filha de Darren Travis, o chefe dos vaqueiros que cuidam do gado Santa Gertrudis. Foi trabalhar na casa e cozinhar para Cord, porque a empregada efetiva se casou e saiu por uns tempos. June namora um policial de Houston, e morre de medo de Cord, como a maioria das pessoas. Ele não é o melhor patrão do mundo.

Maggie ficou confusa.

— Mas ele disse... insinuou que havia um envolvimento com June.

Ao volante, Red Davis fez que não, com ênfase.

— Pela posição do pai no rancho, June foi forçada a acei­tar o serviço, mas vive reclamando que Cord é um terror. Ficou admirada que tivesse conseguido alguém para se casar.

— Todos ficamos.

O casamento de Cord a ferira demais, após um namoro relâmpago. Maggie quisera morrer quando ele chegou, tra­zendo Patrícia pelo braço. A mãe, Amy Barton, ficara tão aturdida quanto ela. Cord não parecia um homem destina­do a casar-se.

— Ele não teve namorada por muitos anos — Davis confidenciou. — Saía de vez em quando, para se divertir, mas nunca voltava tarde. Engraçado, pois é um homem atraente, na faixa dos trinta anos, rico e com uma profissão charmosa. Seria normal haver um bando de mulheres atrás dele, mas Cord é uma espécie de recluso.

— Talvez a profissão fosse o problema. — Maggie relan­ceou-lhe um olhar. — Nenhuma mulher quer ficar viúva cedo.

— Ao contrário, acho que o perigo é que as atrai.

— Nem a todas. — Reprimiu um bocejo de cansaço. — Eu preferiria me casar com um balconista de lanchonete a um perito em bombas. Com todo o terrorismo mundial em ascensão... Hambúrguer e fritas não explodem.

Maggie mantivera um noivado rápido com Eb Scott, de­pois que Cord desposara Patrícia. Admitia agora que se tra­tara de um acordo entre amigos, uma fútil tentativa de cha­mar a atenção de Cord. Ela e Eb nunca sentiram nenhum tipo de atração um pelo outro, o que explicava a inocência de Maggie. No fundo, nunca fora capaz de pensar em ne­nhum homem, execto Cord, na prática de intimidades se­xuais. Tudo acontecera, porém, da pior maneira possível, e agora misturava a ideia de prazer físico à da dor e descon­forto. Então, por que não conseguia tirar Cord da cabeça e do coração?

— Você o conhece há muito tempo, não, Maggie?

— Desde que eu tinha oito anos, e ele, dezesseis. Aquela história de irmãos brigando feito cão e gato não é tão equi­vocada assim. Mesmo quando se trata de irmãos de criação.

— Sério? — Davis indagou, mais para si mesmo. — Verdade.

 

Maggie não ouviu mais nada, pois recostou-se no banco e adormeceu, caindo na bênção do esquecimento.

Não era um longo trajeto, e para Maggie pareceu que acabara que deixar a fazenda, quando Davis a acordou com um toque na mão. Ela abriu os olhos para ver que tinham alcançado os limites de Houston.

— Aqui estamos. Tem alguma ideia de aonde deseja ir? Aeroporto?

— Não. Um hotel barato e confortável. Preciso economi­zar dinheiro até conseguir outro emprego.

— Deveria ter falado mais francamente com Cord.

— Oh, não! Não é responsabilidade dele. Vim apenas para tomar conta de Cord. Engraçado, não? Ele nunca precisou de ninguém. — Fitou pela janela com os olhos bem secos. Não era do tipo chorão, e sim uma mulher forte e indepen­dente. As adversidades da existência a tinham fortalecido.

No entanto, o cansaço e a sonolência fizeram-na sentir a rejeição de Cord com anormal intensidade. Seníia-se frágil naquele momento, e não queria que Red Davis o percebesse.

O capataz murmurou um xingamento contra Cord, mas Maggie não mordeu a isca.

— Não está certo deixar você a pé, com bagagem e tudo, sem saber para onde iria.

— Não se atreva a lhe falar da mala, Davis.

— Tudo bem... Ouça, há um bom hotel no centro, onde minha mãe costumava ficar quando vinha me ver. Você vai gostar.

— Certo, então me deixe lá. Acho que poderia dormir por uma semana.

— Não duvido.

— Amanhã estarei melhor e começarei a procurar empre­go nos jornais.

 

Davis parou, contornou a picape e se encarregou da mala, acompanhando Maggie até a recepção.

— Pronto, querida. Bem, foi um dia difícil. Descanse bas­tante.

— Tenho tido vários dias difíceis, Red. Mas vou sobrevi­ver. Quando penso em Cord, tenho vontade de voltar e esganá-lo. — Encarou o capataz. — Obrigada pela carona. Foi uma grande gentileza.

— Não por isso.

Davis passou a mala ao atendente, pensando que nunca havia sido tão cavalheiro na vida. E Cord Romero tinha a petulância de desprezar aquela garota! Devia estar louco.

Maggie preencheu a ficha às pressas, trancou a porta do quarto e trocou de roupa. Deitada, cerrou os olhos com for­ça a fim de exorcizar a imagem de Cord Romero. Minutos depois, adormeceu.

Depois de tomar café, Cord acionou seu computador. Ficara algum tempo fora da fazenda e precisava tomar ten­to do andamento dos negócios. Muitas vezes se pergunta­va por que não vendia a propriedade, com todo o valioso gado, e se mudava para um apartamento na cidade. Mora­va sozinho, não pretendia casar-se de novo e tudo seria menos complicado se juntasse seus pertences numa mala, como fizera por boa parte de sua idade adulta, com exceção do breve período de casado.

Entretanto, amava seu rebanho e o par de cavalos anda-luzes, que também trouxera do sul da Espanha.

Recostou-se no espaldar a fim de prestar atenção ao monitor, mas seus pensamentos foram tomados por Maggie. Quando a vira entrar, com seus grandes e vivos olhos ver­des, sentira-se alegre, afetuoso. Bastou a primeira palavra, porém, e a felicidade momentânea se eclipsara em dúvida e na dor das lembranças ruins.

 

Não lhe foi difícil reconhecer o amor incondicional de Maggie por ele. De certo modo, sabia disso fazia muito tem­po, mas resolvera ignorá-lo. Maggie crescera, noivara com seu melhor amigo, mas se casara com outro. Viúva, sua vida por certo fora marcada mais por espinhos do que por rosas. E ele só lhe oferecera mágoa e dor em troca de tantos anos de lealdade e afeição.

Quando Maggie partiu, Cord acreditou que teria paz. Mas a soiidão o devorou até torná-lo insensível. No passado re­cente, muito mais do que uma bomba seria necessária para feri-lo.

Nas últimas semanas, sem motivo aparente, ela o tinha evitado por completo. Fora doloroso. Quase por diversão, Cord aceitou uma missão em Miami, e esteve a um passo de morrer pelas mãos de um velho inimigo, cujas ações Cord investigava. Uma bomba fora plantada em seu caminho, e ele caíra na armadilha. Só porque pensava mais em Maggie do que no trabalho.

E então ela viera vê-lo! Cord sabia que Eb Scott mantinha contato e a avisaria. De modo irracional, desconhecendo que Maggie estava longe, no Marrocos, esperava que viesse sem tardança. A demora o angustiara, além de irritá-lo.

Cord se acostumara com Maggie durante os anos jovens, sempre rindo e fazendo-o rir, seguro de si. Sempre estivera por perto, tomando conta, esperando um carinho da parte dele.

Amaldiçoou a si mesmo e passou a mão pelos espessos cabelos negros. Maggie, por fim, desistira dele. Concluíra que nunca lhe daria mais do que sarcasmo e indiferença. Sairia do caminho dele e o tiraria do seu. Isso era o que fe­ria mais, depois de dias de espera para vê-la.

Bem, se ele a rejeitara pela última vez, de nada servia sentar-se e contar o prejuízo. Não podia culpá-la por não se incomodar, quando seu lugar na vida dele sempre tinha sido remoto, apenas tolerado. Descartável. Cord não conseguia recordar uma única vez em que correspondera à afeição de Maggie- Nem mesmo agradecera o conforto recebido quan­do da morte de Patrícia, ou de seu acidente com a bomba, ou de outros problemas. Por que não lhe tomara a delicada mão entre seus dedos grandes e a impedira de partir?

Maggie era uma rocha de segurança em tempos duros, mas Cord não percebera como sua simples presença o acal­mava. Agora, esse consolo estava para sempre perdido, e o vazio interior já parecia impossível de preencher.

Forçou-se a se concentrar na tela do computador, feliz por ainda poder enxergar. Com a nova perda sofrida, não tinha por que festejar a sorte de não estar cego, no entanto. Ain­da não.

De repente, fechou a página aberta no monitor e acessou a internet. Queria descobrir algo sobre as atividades ilegais que haviam justificado o ataque em Miami. Com um sorriso sa­tisfeito, abriu o site de uma agência governamental e exami­nou os registros de um tal Raul Gruber, que tinha conexões na Costa do Marfim, na África, em Madri e Amsterdã.

Não era pouco trabalho. E também lhe servia de distração.

 

APÓS UMA NOITE quase insone, Cord sentou-se para tomar o desjejum. Havia verificado com o pai de June, na véspera, os registros de engorda do gado e os valores das vendas. Tinha chamado Red Davis no alojamento, para discutir um problema com o equipamento de irrigação do pasto, mas soubera por um vaqueiro que ele saíra para um encontro, como de hábito.

Cord imaginou como um homem falastrão e arrogante como Davis conseguia tantas namoradas. Sua vida social, em comparação, andava estagnada, mas por sua própria culpa. Não se dava tempo para diversão.

A porta dos fundos se abriu quando Cord terminava o desjejum. Davis entrou bocejando, de chapéu na mão, a mostrar seus cabelos ruivos, e muito asseado em sua calça jeans e camisa xadrez de mangas arregaçadas. Com vinte e sete anos, era anos mais jovem do que Cord, mas às vezes parecia ainda mais moço. Questão de vivência, não de ida­de, Cord se comprazeu em pensar. Se ele fosse um carro usado, não passaria de sucata.

— Soube que procurou por mim na noite passada, patrão — Davis foi dizendo, enquanto ocupava uma cadeira. — Desculpe-me, tive um encontro.

— Como sempre — resmungou Cord, engolindo seu café.

— E bom colher o trigo quando há sol. Um dia, ficarei velho e decrépito como você.

 

— É assim que me trata? — Curvou a boca, com amargor. — justo quando decidi lhe dar um aumento!

— Isso só vai piorar o assédio das garotas. — Davis sor­riu, satisfeito.

— Nem pense nisso. Temos problemas com o sistema de irrigação, de novo. Quero que chame o técnico e cobre um serviço decente, não apenas remendos.

— Foi o que eu lhe disse da última vez.

— Então, peça para a firma mandar outro. O equipamen­to ainda está na garantia. Não deviam vender, se não fun­ciona direito. E o conserto é para amanhã. Certo?

— Certo, patrão. Farei o possível. Mas acho que precisa­rá de um advogado para exigir seus direitos de cliente. Pa­rece que aquela empresa emprega robôs.

— Você estudou computação — Cord conteve um sorri­so. — Programe os técnicos.

— Muito bem. — Davis meneou a cabeça, mas não se levantou. Ficou olhando para Cord, vacilante.

— Alguma coisa o incomoda?

— Sim. Algo que prometi não lhe contar, mas não resisto.

— E o que é?

— Maggie Barton trouxe uma mala. Veio direto do aero­porto. Estava no Marrocos, e por isso levou três dias para chegar aqui, exausta.

— No Marrocos? Por quê? — Cord lembrou-se do trata­mento dado à irmã de criação e ficou desolado.

— Ela ia começar num emprego novo e tirou férias com uma amiga. Veio correndo ver você. — O olhar de Davis se tornou acusador. — Imagine que estava voltando a pé para Houston, carregando a bagagem, quando eu passei pela estrada e lhe dei carona.

Cord sentiu uma forte acidez no estômago. A expressão que lhe tomou a face não foi a que gostaria de exibir a Davis.

— Para onde a levou?

— Ao Hotel Estrela, no centro.

— Bem, devo lhe agradecer...

— Sem dúvida. — Davis se ergueu. — Vou tratar da ir­rigação.

— Faça isso. — Cord nem sequer acompanhou a saída do capataz, revivendo aqueles poucos minutos passados com Maggie.

Não havia confessado sua mágoa por ela ter demorado a vir, crendo que estava cm Houston. Mas Maggie transpuse­ra meio mundo para chegar e cuidar dele. Com sua incom­preensão, deixara-a magoada e com raiva. Era improvável que tornasse a encontrá-la, e isso machucava seu coração.

A mais triste conclusão era que Maggie assumira um tra­balho muito longe dali. Cord a procurara em seu apartamen­to, duas semanas atrás, sem encontrá-la. Agora sabia por quê. Ela havia saído do país. Parecia ter desistido de lutar por sua atenção e, de fato, ele nem sentira sua partida. Or­gulhosa como era, Maggie devia estar muito ferida. Jamais suplicaria por seu interesse, após tantos anos de indiferen­ça. Não fosse por Eb Scott, nada mais saberia sobre ela. Maggie se fora para sempre.

Conhecer a verdade não resolvia o problema, apenas o complicava. Cord ponderou que tinha sido generoso de sua parte deixá-la ir, fazendo-a crer que estava envolvido com June. No entanto, por vergonha de si mesmo, relutou em analisar assim os fatos.

A única atitude certa a tomar seria ir atrás de Maggie, pedir desculpas e dizer como a julgara mal. Então, se ela viajasse de volta, ao menos não haveria uma adaga afiada entre eles.

Cord foi levado à cidade por um dos empregados, usan­do óculos escuros para manter a ficção sobre sua cegueira.

 

Obteve o número do quarto de Maggie na recepção do ho­tel, a pretexto de telefonar mais tarde. Esgueirou-se, porém, até o elevador e depois abriu a porta da suíte, seguro de seu domínio nas técnicas de espionagem.

Encontrou-a dormindo na ampla cama de casal, mas no­tou que se movia a intervalos. Apesar do calor reinante, cobrira-se com uma manta, como se fosse inverno. Costu­me de juventude, quando em sua casa a sra. Barton não dispensava o ar condicionado no verão. Curioso como ele não havia percebido isso antes.

Adormecida, Maggie parecia mais jovem, e Cord recor­dou-se da primeira vez em que a vira, aos oito anos. Agar­rava-se a um ursinho de pelúcia, não sorria e aparentava ter visto o próprio inferno. Escondera-se atrás da mãe de adoçào e olhava para Cord como se fosse o demónio.

Levou semanas para se aproximarem. Maggie, claro, apre­ciava a sra. Barton, mas não ficava à vontade com rapazes ou homens feitos. Coisas da idade, Cord ponderara, na oca­sião. No entanto, à medida que crescia, Maggie transformou Cord em sua fonte de estabilidade. Apoiava-se nele enquan­to se eximia de qualquer atividade social. Tornou-se pos­sessiva, não obstante a diferença de idade. Quando aos dezoito anos Cord quase foi para a cadeia, tinha sido Maggie, mais do que a sra. Barton, tomada de histeria, quem o confortara até a superação de tudo.

Na época, contava apenas dez e já possuía uma maturi­dade surpreendente. Era introvertida por natureza, mas parecia saber que Cord necessitava de alguém brilhante e alegre perto dele. Assim, desenvolveu um senso de humor que contagiou o irmão de criação. Podia-se dizer que Cord aprendera a rir com ela.

Examinou o rosto pálido de Maggie, enterrado no traves­seiro, e ponderou por que sempre a tratara como uma estranha. Alternando-se entre hostil e sarcástico, nunca fora acolhedor. Talvez, concluiu, receasse o fato de ela conhecê-lo tão bem, quase melhor do que a mãe adotiva. Conhccia-o no íntimo, tanto que sabia que ele tinha pesadelos sobre a noite em que os pais morreram no incêndio de um hotel.

Maggic também não ignorava que o suicídio de Patrícia o assombrava. Sabia que, quanto mais irónico, mais Cord disfarçava suas feridas profundas. Nada escapava a Maggie.

Em compensação, ela escondia de Cord todas as suas emoções. Ele desconhecia quase tudo o que se referia a Maggie. Chegara ã casa da fazenda triste e assustada, cheia de manias e terrores. Dispensava relacionamentos sociais, mas com o passar dos anos se casara com Evans, um ho­mem mais velho, que mal conhecia, e que talvez para sua sorte morrera em poucas semanas.

Nunca falava do marido. Era séria como um juiz de di­reito e só pensava em trabalho. O rápido noivado com o amigo Eb Scott, muito antes do casamento com Evans, não suavizara suas atitudes. Para Cord, porém, não fazia senti­do a distância considerável que Maggie passara a manter deEb.

Parecia tão frágil, deitada daquela maneira... Mesmo dor­mindo, parecia atormentada, não apenas exaurida. Bem, vir do Marrocos e ser recebida como fora explicava tudo para Cord. E ele nem perguntara de que modo ela voltaria do rancho para a cidade. Grosseiro demais, mesmo para alguém como ele.

Após hesitar por um instante, Cord avançou e tocou o braço dela, projetado para fora do lençol.

Maggie sonhava. Passeava num campo florido sob o sol. A distância, um homem ria, estendendo os braços para ela. Era alto, de cabelos pretos. Correu para ele, tão depressa quanto pôde, mas nunca conseguia vencer a distância. O homem a olhava de longe, como um gato cercando um rato desesperado.

"Cord...", ela pensou. Era Cord, e a provocava como sem­pre fazia. Podia ouvir-lhe a voz, tão clara como se estivesse no quarto ao lado dela.

Sentiu a mão sendo tocada e resmungou em protesto. Não queria acordar, pois perderia a visão de Cord.

— Maggie!

Ela arfou e ergueu as pálpebras. Não era um sonho. Sen­tado à beira da cama, Cord inclinava-se com a mão livre apoiada no travesseiro.

Ele estudou o rosto sem maquiagem, emoldurado por longas madeixas negras, e notou que Maggie vestia pijama. Admirava-se por ela se trajar de modo convencional quan­do ia trabalhar e usar qualquer coisa para dormir. Nunca dormia nua ou de lingerie, assim como, adolescente, jamais usara vestidos longos, decotados e sensuais, mesmo em fes­tas familiares comandadas pela mãe deles. Mais uma vez, Cord admirou-se de nunca ter percebido esse detalhe.

Maggie olhou para ele, assustada.

— O que está fazendo aqui?

— Bancando o espantalho.

— Como assim?

Cord ergueu os ombros vigorosos. Não gostava de assu­mir seus erros, mas devia honestidade a Maggie.

— Eu não sabia que você tinha vindo do Marrocos. Achei que estava bem aqui, em Houston, por isso me aborreci com os quatro dias que me fez esperar.

Era estranho que, em vez da habitual hostilidade, Cord apresentasse explicações. Ele nunca pedia desculpas ou dava sinais de arrependimento. Por isso, o coração de Maggie se acelerou.

— Acho que ainda estou dormindo e sonhando — cia comentou, para a perfeita compreensão dele.

 

— É pena. — Sorriu com ambiguidade. — É raríssimo eu me desculpar.

— Você não pediu a Eb para que eu viesse, certo?

Ele odiou admiti-lo, mas detestava mentir. Enfrentou o olhar cínico de Maggie.

— Não.

— Eu já desconfiava. — O comentário foi mais franco ainda.

— E essa história de trabalhar no fim do mundo?

— Foi uma fuga da rotina. Eu precisava de uma mudan­ça, de um pouco de aventura.

— E perdeu o emprego por minha causa. — Cord arqueou as sobrancelhas.

— Não se preocupe. Há empregos em toda parte para uma especialista em investimentos. Encontrarei alguma posição, de preferência numa empresa multinacional que me permita trabalhar fora.

— Por que quer tanto deixar o país? — Ele se irritou.

— O que existe aqui para mim? Já tenho vinte e seis, Cord. E hora de tomar providencias, tendo em vista o resto de meus dias. Se tenho de trabalhar, prefiro um lugar exótico e excitante.

— E por que tem de trabalhar? Amy Barton nos deixou a fazenda e um pouco de dinheiro. E você é viúva de um banqueiro milionário.

O semblante de Maggie se endureceu.

— Não fiquei com nada. Nem propriedades, nem ações, nem dinheiro. Nada!

— Por que não? — Cord ficou muito surpreso. Maggie baixou os olhos e os fechou sob uma cortina de mágoa, que preferia não demonstrar a Cord.

— Evans me custou o que eu tinha de mais precioso na vida.

 

Declaração enigmática, que Cord não entendeu.

— Ninguém a forçou a casar-se com ele.

"É o que você pensa." Maggie agarrou o lençol com as duas mãos e ergueu-o até o queixo.

— Dividi tudo entre as duas ex-mulheres dele. — O quê?! — O assombro quase fez Cord rir.

—- É o que ouviu. Achei que mereciam mais do que eu, por terem vivido mais tempo com Evans. Ele não tinha fi­lhos ou outros parentes vivos.

Aquele casamento sempre intrigara Cord, embora jamais o mencionasse a Maggie. Sem motivo aparente, o matrimó­nio havia produzido um estrago e tanto na estrutura emo­cional dele. Não era óbvio a todos, mas Cord também pos­suía sua porção de sensibilidade.

— Não foi uma união feliz, suponho.

— Não. — Ela o encarou. — E não direi mais nada. Re­mexer o passado não resolve coisa alguma.

Cord observou as feições contraídas de Maggie.

— Eu também pensava assim, mas é o passado que plas­ma o futuro. Nunca superei a perda de Patrícia.

— Sei disso.

— O que quer dizer? — Ele reagiu ao tom estranho.

— Você não era nenhum conquistador, naqueles dias.

Cord não soube se se orgulhava ou se deprimia. Era ver­dade que não namorava nem levava vida de playboy, mas na entonação de Maggie isso soava como recriminação.

— Você pouco conhece desse lado de minha vida. E con­tinuará sem conhecer.

Um breve e incrédulo olhar cobriu a expressão de Maggie. Haviam dormido juntos, por uma só vez, e não fora nada bom. Nesse particular, ela o tinha na conta de um bruto.

— Pensando melhor... — balbuciou constrangido, Cord. Maggie ergueu a mão, simulando um protesto.

 

— Continuo afirmando que lembrar o passado não muda nada.

Cord soltou um longo e profundo suspiro.

— Eu magoei você.

Maggie enrubesceu. Não pretendia cair na armadilha daquela conversa.

— Deixe estar, Cord. Aconteceu há anos. Agora temos outros assuntos em que pensar. Se não se importa em sair um pouco, queria me vestir.

— Você tem vinte e seis anos e é viúva. E eu conheço cada pedacinho seu. Portanto, pare de agir como uma virgenzinha!

Ela rilhou os dentes, cheia de raiva.

— Não faz ideia de como eu odeio aquela noite! — disse, com rancor. Desejava muito feri-lo.

Cord ergueu-se e notou como Maggie se protegia com o lençol, de maneira a impedir que ele olhasse seu corpo.

— Notou que eu estava bêbado? Se não, jamais a teria tocado.

— Também bebi naquela noite, Cord. Se não, nunca dei­xaria que me tocasse.

— Bem, nesse ponto está tudo claro. Sinto muito pelo que houve. — O remorso soou sincero, pois Cord estalou os dedos, nervoso.

— Duas desculpas em um só dia... Sem dúvida, está ten­tando ganhar o céu, enquanto pode.

Cord achou graça do comentário.

— Tem todo o direito de pensar assim. — Voltou-se para fitar Maggie, como se necessitasse reconciliar sua lembran­ça dela com a realidade. — Você tinha oito anos quando veio morar com a sra. Barton, o que significa que fez parte de minha vida por dezoito anos. É bastante tempo, e eu só lhe dei hostilidade. E no minuto em que precisei, veio corren­do me ver. Por quê?

 

_ Simples hábito, talvez. E um apetite masoquista por ser destratada. — Exibiu um sorriso amargo.

Cord tornou a rir, com as pupilas brilhantes mostrando maldade. Mas as feições eram tão bonitas que Maggie não se desviou. Devia ter sido assim com Patrícia. Talvez Cord tivesse tido momentos felizes com outra mulher, no correr dos anos. Todavia, somente sorria para Maggie quando pro­vocado. Era cansativa essa luta por chamar-lhe a atenção.

— Não precisa pedir desculpas, Cord. Estou acostumada com seu mau humor.

Ele enrugou a fronte, sentindo que ela não lhe pedia nada e, mais, desconhecia muito de seu passado.

— Pode ficar na fazenda enquanto procura trabalho — ofereceu, um tanto sem jeito, para surpresa dela.

Apesar do coração acelerado, Maggie evitou encará-lo.

— Não, obrigada. Estou bem, aqui. Para Cord, a recusa foi inesperada.

— Tem medo de que eu perca a cabeça de novo, em mais uma noite chuvosa?

— Não seria de estranhar. Eu me sentiria mais segura no alojamento dos caubóis.

— Só estava brincando. — Ele fez uma careta.

— Mas eu não.

Cord retesou o maxilar.

— Você não me conhece, Maggie.

Foi a vez dela de rir. Sentou-se e ajeitou as mechas que lhe cobriam o rosto.

— Minha cabeça ainda dói. Não estou habituada a viajar tantas horas.

— Bem, você está sob o efeito do fuso horário. — Cord era experiente em voos internacionais. — Não devia ter dormido logo que chegou, e sim ter esperado até de noite.

— Tive um dia difícil.

 

Ele enfiou as mãos nos bolsos de sua calça caqui e respi­rou fundo. Os olhos de Maggie passearam pelos ferimentos e cicatrizes do rosto de Cord.

— Foi um milagre você não ter perdido a visão — ela falou, com suavidade.

— Sim, foi. Mas não tornei público que ainda enxergo. Daí os óculos escuros. Um de meus homens me trouxe de cami­nhonete e me deixou na recepção, só para manter a farsa.

Cord não explicou o motivo, porém. Brincou com o mo­lho de chaves guardado no bolso, fazendo barulho.

— É melhor se cuidar, enquanto estiver na cidade. Te­nho certeza de que meu inimigo me vigia, para que não interfira de novo em seus negócios sujos. Se souber que estou bem, atacará de novo.

— E por que acha que eu também corro perigo?

— Você é da família. Ele não a conhece, mas pode desco­bri-la. Penso que esta envolvido com gente aqui de Houston.

— Fez muitos inimigos nos últimos tempos, pelo visto, não é? De qualquer modo, ninguém me viu como parte da família.

Contemplativo, Cord estreitou os olhos na direção dela.

— Não sei o que dizer sobre isso.

— Será que andou falando de mim entre dois goles de café? — Não se menospreze, Maggie.

O olhar que ela dirigiu a Cord desencadeou toda a dor de sua existência. Às vezes, Maggie não podia suportar suas memórias. E demonstrou isso com uma amargura e tensão que Cord notou, com a respiração pesada.

O semblante dela refletia a reação que o corpo queria negar. Nesse sentido, nada mudara. Maggie odiava recor­dar sua noite de amor — não menos do que ele próprio —, mas era atraída com força para Cord, como sempre. Con­fortava-o saber disso.

— Nunca mais brinque comigo — ela exigiu, com firme­za, embora os olhos revelassem a ira que sentia da própria atração por ele.

Era terrível tê-lo tão perto e ver suas lindas feições, suas formas vigorosas.

Cord lia todas essas respostas com precisão, o que lhe alimentava o orgulho viril. Inclinou-se na direção de Maggie e espalmou a mão sobre o queixo, deixando que o polegar tocasse os lábios suaves.

Com a outra mão nos cabelos sedosos, ele a trouxe para junto de si. Os seios ficaram apertados contra seu tórax, sobre a fina camisa de algodão que usava. Gentil, Cord aca­riciou-lhe o pescoço, acendendo no olhar um brilho de de­sejo sem esperança. Sua boca pousou de leve na dela, en­louquecendo-a de desejo.

— O que a faz imaginar que estou brincando? — ele murmurou.

Os dedos de Maggie apertaram os ombros de Cord. En­tão, abraçou-o, vulnerável, e as bocas se encontrando num conta to intenso. Ele cheirava a café, mas o principal era o aroma picante de seu peito, parcialmente visível sob o bo­tão aberto da camisa, assim como os pêlos encaracolados que o cobriam.

Maggie se lembrou, com volúpia, de como seus seios nus certa vez tinham atritado aquela pele quente. Até mesmo a dor e a vergonha daquela ocasião ficaram ofuscados sob a reação instintiva. Nada podia fazer, quando Cord a tocava, pois se derretia. Pertencia a ele, desde os oito anos. E Cord sabia disso. Sempre soubera.

Seus dedos tremeram sobre o rosto dele, depois correram pela onda que lhe definia o penteado. O gesto lhe dava cer­ta segurança, não obstante a costumeira hostilidade. Era o primeiro e único homem em que conseguia confiar.

Sobreveio um beijo marcado pelo desespero. Os lábios só se liberaram do contato íntimo depois de terem saboreado tudo o que podiam. Maggie sentiu a febre da excitação em Cord, mas não a compreendeu. No fundo, ele não a queria. Nunca quisera, apesar de parecer às vezes atormentado pela luxúria.

Cord recuou, afastou-se e a fitou com paixão.

— Eu sempre a machuco quando a toco. Acha que não sei? Sem conseguir tirar os olhos dele, Maggie balbuciou a

resposta:

— Também sei que você não tem nada para me dar. — Sorriu, triste. — Mas parece que já não importa.

Cord a abraçou com firmeza e pousou a boca em seus cabelos. Respirou fundo e sentiu que a raiva c a infelicida­de dos últimos anos se atenuaram. Deixou o rosto pousar sobre as sedosas mechas e cerrou as pálpebras. Era como estar de volta em casa.

Maggie também o estreitou, desfrutando seu calor e ten­tando ignorar, com valentia, a paixão que a engolfava. Isso lhe dava conforto, assim como a ele.

Cord não era uma pessoa emotiva e escondia seus senti­mentos com extremo cuidado. Maggie sabia disso muito bem, pois não era diferente dele. Sempre que as pessoas se aproximavam havia a possibilidade de magoarem-na. Ela e Cord haviam aprendido a lição: tornaram-se cautelosos quanto a envolvimentos.

— Adoro cabelos compridos numa mulher. — Cord não esperou que Maggie respondesse, pois sabia que os manti­nha assim por causa dele. — Vamos falar com franqueza. Acho que somos veneno um para o outro, por isso é me­lhor você recomeçar a vida longe daqui.

— Sem sombra de dúvida. — Fez um afago na têmpora de Cord. — Mas quem tomará conta de você?

O suspiro dele foi audível, os braços penderam sem peso ao longo do corpo, libertando Maggie.

— Não preciso de ninguém para cuidar de mim!

A trégua estava terminada. Assim mesmo, de um estalo. O sorriso melancólico de Maggie acompanhou a caminha­da de Cord para a saída. Talvez não o visse nunca mais.

— Não quero saber de restrições ou qualquer outra coisa que passe por amor. — O sarcasmo azedou suas palavras. — Apenas por descargo, é bom que fique sabendo disso, para o caso de ficar comigo por muito tempo.

— June já foi avisada também? — Maggie o encarava com malícia.

— Não é de sua conta. — Cord a fitou com rancor, de­pois caiu em si. — Perdão. Esqueci que fui em quem inva­diu seu quarto e fez alguns avanços sobre você. Pode sosse­gar, eu já vou embora.

— Tinha notado...

Deslocando-se para a porta, Cord lembrou-se do facíno­ra Gruber. Quase perdera a visão, senão a vida, numa vin­gança cruel. Gruber tinha contatos em Houston, e Maggie estava só e vulnerável.

— Ainda quero que me acompanhe e se hospede na fa­zenda.

— Poupe seu fôlego, Cord. Não irei.

— Se alguma coisa lhe acontecer...

Ele estava tomado de um medo que ela talvez não com­preendesse. Ou, pelo contrário, entendia de um jeito todo próprio: se algo de ruim lhe acontecesse, Cord não teria mais ninguém no mundo.

— Se eu for, sua vida não vai se complicar?

— Não é nada disso.

— Acho que é, sim, Cord, só que não gosta de admitir. Se eu me sentir ameaçada, a qualquer momento, chamarei a polícia local. Também pretendo encontrar um emprego logo e sumir do Texas. — Jogou a cabeleira para trás. — Pode contar com um cartão de Natal.

A pose sedutora e o que ouviu de Maggie enfureceram Cord, mas ela julgava não haver perigo em provocá-lo, da­dos todos os antecedentes de sua história.

Maggie abriu a camisa do pijama, mostrando o pescoço esguio, o colo perfeito e um vislumbre dos seios.

— Quer me violentar de novo, antes de ir? — indagou, sarcástica, de olhar lascivo. — Posso chamar o serviço de quarto e pedir um preservativo.

— Maldita! — Enfurecido, Cord lhe deu as costas e se foi, sem se virar.

Maggie pestanejou diversas vezes ao vê-lo partir. Desco­brira-se capaz de tirá-lo do equilíbrio, daquela maneira pro­vocante. Isso a envaideceu, por acreditar que a falecida Patrícia nunca o excitara assim. Seria, porém, a única arma existente em seu arsenal?

Era tudo um blefe, naturalmente. Maggie estremeceu dos pés à cabeça ao pensar no que sucederia se Cord a tomasse a sério e a derrubasse na cama.

 

A VISITA DE CORD deixou Maggie transtornada. Alguns mi­nutos lhe foram necessários para reanimar-se, tomar banho e vestir-se.

No restaurante do Hotel Estrela, fez uma refeição leve e depois copiou, do catálogo telefónico, os endereços de di­versas agências de emprego.

Acabava de sair do terceiro escritório de sua lista, sem resultados práticos, quando esbarrou em uma morena alta, que havia virado a esquina sem ser notada.

— Oh, desculpe-me! — Maggie exclamou, fitando a mu­lher. — Estava distraída.

Hesitou, pois a outra lhe parecia familiar, e acabou sor­rindo amistosa para ela.

— Você não é Kit Deverei!? Conheci você e seu marido num seminário sobre investimentos, um ano atrás. Vimo-nos em outros simpósios, também. Sou Maggie Barton, caso não recorde.

— Claro! — A mulher vibrou com o reconhecimento. — A irmã de criação de Cord Romero.

A reação de Maggie, defensiva, foi menos entusiástica.

— Culpa minha, pois estava com pressa, Maggie. Meu chefe é Dane Lassiter, da Agência de Detetives Lassiter, aqui mesmo ao lado. Ele conhece Cord desde que abriu o escritório.

— Sim, ouvi algumas referências a ele, no tempo em que nos falávamos. — Maggie baixou os cílios, constrangida.

— Vocês não se dão bem? Ora, nesse caso, perdão por ter mencionado Cord. Mas o que está fazendo, saindo do pré­dio de uma agência de empregos? Você não é vke-presi-dente da Corretora de Investimentos Kemp?

— Era. — Maggie meneou a cabeça. — Deixei a firma para assumir um novo emprego em Qawi, mas não funcionou. Agora, estou desempregada.

— Incrível! Logan tem uma vaga em sua empresa de in­vestimentos. Na realidade, o sócio o largou para trabalhar no Canadá, e sei que ele não está dando conta do recado sozinho. Apareça lá, depressa. Logan quer que eu me trans­fira e faça pesquisa de mercado para ele, mas o problema é que adoro trabalhar com Lassiter. Você irá? Por favor...

Maggie riu, deliciada com o imprevisto. Logan era o marido de Kit, e eles tinham um filho pequeno, Bryce, que era cuidado por uma babá muito bem remunerada.

— Se Logan tem uma vaga, gostaria de fazer uma entre­vista. Na verdade, pensava num cargo fora do país, mas talvez possa aceitar o emprego, enquanto seu marido pro­cura por uma funcionária permanente.

— Vai dar certo. — Kit sorriu. — Garanto!

A primeira vista, Logan Deverell parecia gordo. Mera impressão, pois era corpulento, alto e musculoso. Sem dú­vida, amava sua mulher, e era plenamente correspondido.

— Você é a resposta para minhas preces, Maggie — ele afirmou, durante a entrevista.

O escritório, decorado à antiga com móveis de carvalho, era repleto de fotos de família, de Kit e do filho deles, com dois anos de idade.

— Tom Walker rompeu nossa sociedade, e meu novo sócio me abandonou para se instalar no Canadá, onde a esposa tem parentes. Esperam o primeiro filho e, para ele, foi um bom arranjo. Mas para mim...

 

— Ficarei feliz se puder ser útil, Logan. Desisti de um ótimo emprego na África e corri para Houston, porque ouvi dizer que Cord Romero estava cego. — Suspirou e exibiu um sorriso franco. — Ainda espero encontrar uma posição no exterior.

—- Pode demorar. Enquanto isso, que tal trabalhar para mim? Terá sua própria sala, pois adquirimos o escritório ao lado. Lassiter e sua equipe ocupam todo o terceiro an­dar. Acredito que em breve compraremos juntos o prédio inteiro. Para alugar uma parte, é claro. O negócio se paga­rá sozinho.

— Bom investimento. — Maggie admirou o tino comer­cial do novo chefe, e Logan esboçou um sorriso largo.

Falaram de deveres, de salário, e ela ficou contente pelo fato de o novo chefe concordar em deixar o período de con­trato em aberto. Maggie não queria mesmo ficar em Houston. Morar perto de Cord era deprimente, agora mais do que nunca. Desejava cuidar de si mesma, em vez de passar a vida sofrendo por alguém que não se incomodava com ela.

No entanto, apenas por alguns segundos, no hotel, os olhos dele tinham flamejado de desejo. Queria-a com ardor. Mas isso não era suficiente para Maggie, que ansiava pelo amor de Cord, mesmo sabendo que nunca o teria. Almeja­va o corpo e a alma daquele homem, seus braços a enlaçá-la de forma confortadora, repleta de carinho. Bastaria isso para que abrisse mão de qualquer luxo, vaidade ou coloca­ção profissional.

Todavia, pelo jeito, Cord pensava em viver e morrer so­zinho. Maggie, não. Talvez ainda encontrasse o companhei­ro ideal. Podia ser até que insistisse mais um pouco com Cord. Tudo era possível, mesmo com o passado triste que pesava sobre ambos.

 

Maggie começou a trabalhar com Logan Deverell na manhã seguinte. Os meses passados no exterior tornaram sua rotina um tanto complexa. Tinha de se atualizar com o mercado de ações, os fundos de investimentos e a política financeira que reinava no Texas.

Logan a ajudou bastante, sobretudo porque contava com um supercomputador que comportava todos os dados ne­cessários. O chefe era gentil e diplomático — sorte de Kit —, e fazia questão de apregoar tais qualidades.

No quinto dia, Maggie e Kit saíram para almoçar, junto com Tess, a mulher de Dane Lassiter. O casal tinha duas crianças, que Tess encarava como milagres, já que os médi­cos a haviam desiludido da esperança de ter filhos. Como resolveram investir no amor, na coragem e na paciência, foram premiados com uma família bonita e unida.

Maggie encontrou-se com Dane Lassiter no mesmo dia, na volta do almoço. Antigo patrulheiro do Texas, era forte e moreno, não se poderia dizer que era bonito, mas impositivo pela autoridade e autoconfiança. Também pas­sara pela polícia de Houston, na qual juntara experiência para abrir uma agência de investigações. Um de seus ho­mens e Cord haviam trabalhado juntos na corporação, como oficiais graduados.

Ao retornarem ao escritório de Logan, Kit informou Maggie de que Lassiter vinha se ocupando de uma arrisca­da missão: desbaratar uma quadrilha internacional que co­locava imigrantes clandestinos em navios de carga destina­dos aos Estados Unidos. Não parecia, mas era uma ativida-de muitíssimo lucrativa, que incluía a remessa de crianças para trabalho escravo nas fazendas e minas de carvão. Pior ainda, a filial de Amsterdã vendia menores para pornografia infantil. Hmbora inexistissem provas, RauL Gruber era dado como chefe supremo da organização.

— Você não está brincando? — Maggie estranhou aquele tipo de crime. — Estamos no século XXI!

— Eu sei — disse Kit, muito triste. — Mas muitos fatos

horripilantes continuam acontecendo no mundo. E a im­prensa quase nunca fala do trabalho forçado infantil. Essas crianças só têm algum alívio quando se ferem gravemente e ficam mutiladas.

— É uma barbaridade!

— Concordo. Por isso estou contente de que Dane traba­lhe no caso, em coordenação com a Interpol, o Serviço de Imigração e outras agências governamentais. Parece que a praga se espalhou pelo país, e um dos núcleos está em Miami. Dane dz que o acidente com Cord não foi casual, e sim uma vingança dos malfeitores. Ele está atrás deles, atra­vés do FBI, e conhece fatos que seus inimigos querem calar.

O coração de Maggie saltou dentro do peito.

— Cord mencionou que eu deveria tomar cuidado, que um velho inimigo dele poderia me tomar como alvo. Na hora, não dei atenção ao aviso.

— Pois deveria, Maggie. Você pode dar a Cord detalhes da investigação de Dane e seus agentes, para ajudá-lo. Até que o tal Gruber seja apanhado, é preciso bastante cautela, além de paciência.

— Creio que não chegarei a ver Cord, para informá-lo, Kit. Não estamos nos falando, como já lhe disse.

— Sinto muito. De verdade.

— Se houver algo mais que eu possa fazer, conte comigo. Minha vida anda tão aborrecida que bancar a detetive será excitante.

Kit não reprimiu o riso.

— Se você soubesse o quanto é arriscado, não diria isso. — Consultou o relógio. — Bem, vou pensar a respeito. Agora, estamos atrasadas para trabalhar. Se eu não a vir até lá, bom fim de semana. Logan está satisfeito com você, mas acho que já sabe disso.

— Sempre é bom ouvir. — Maggie ficou encantada. — Meu segredo é que gosto muito de meu trabalho. Pena que não será permanente.

— E o que é permanente nesta vida?

De retorno ao hotel, Maggie encontrou um recado: ligar para Cord. A hesitação, claro, foi enorme. Não desejava ir­ritar-se em novos encontros com o irmão de criação, ainda mais agora, que sabia dos perigos em que andava metido e que se estendiam, de maneira indireta, a ela. Por isso mes­mo, contudo, imaginou que ele corria algum risco e, nervo­sa, discou para a fazenda.

— Queria convidá-la para jantar comigo hoje — Cord foi logo dizendo, para total surpresa de Maggie.

— É mesmo um convite ou uma ordem real?

— Um convite. Teremos sua sobremesa preferida: torta de cereja.

Ela pestanejou e em seguida suspirou, afastando o fone para não ser ouvida.

— Está bem, aceito. — Tinha fome, e a oferta da sobre­mesa era irresistível. — Vou tomar um táxi e...

— Nada disso. Eu passo por aí e a pego. Quinze minutos. Maggie desligou antes de se arrepender.

Escovou os cabelos, retocou a maquiagem e trocou o ter-ninho de executiva por um conjunto de jeans e malha de algodão. Por via das dúvidas, colocou nos ombros um ca­saco cinzento. Sem ser refinada, a roupa lhe caía bem e de­lineava seu corpo de modo sugestivo.

Enquanto esperava por Cord, rememorou o alerta dado por Kit sobre Gruber e sua organização criminosa, e acima de tudo o detalhe da pornografia infantil, que a enfurecia. Como podia haver pessoas que exploravam a inocência para fins sexuais, para auferir lucro? Era revoltante.

pontual, Cord bateu em sua porta quinze minutos depois do telefonema. Ao fazê-lo entrar, Maggie reparou na calça bege, na camisa esporte listrada e na jaqueta de couro mar­rom. Ele estava elegante e muito bonito.

— Ainda bem que já está pronta. — Sem demora, guiou-a até o elevador. No saguão, saiu antes dela, e admirou sua presença. — Vamos comer uma deliciosa comida mexica­na, com chili e milho.

— E torta de cereja.

— Amy fazia dessas tortas para seus aniversários — Cord recordou. — Era das poucas vezes em que você sorria. Para gracejar, nossa mãe dizia que você jamais suportaria uma festa de casamento.

— E de fato nunca suportei. O meu foi discreto, em casa. Quanto a sorrir... — Tinham sido anos de dor e amargura. — Minha mãe biológica morreu de pneumonia, e meu pa­drasto me abandonou sem dizer adeus.

— E você só tinha oito anos! — A revelação era uma novidade para Cord.

Estaria Maggie, enfim, disposta a falar mais sobre si?

— Não, tinha seis.

— E onde ficou até que Amy a adotasse?

— Num orfanato.

Sentindo que Maggie não se sentia pressionada ao falar, Cord decidiu que podia dispensar a cautela ao perguntar. Afinal, havia muitas questões que queria fazer. Mas então ela se fechou como uma flor da madrugada.

Ao assumir o volante do veloz carro esporte, ele já se conformara com o fato de Maggie não se dispor a respon­der a mais nenhuma indagação sobre seu passado. Seu olhar sombrio dizia isso.

 

— Como vai indo a procura de emprego, Maggie?

— Já estou trabalhando, na firma de investimentos de Logan Deverell. Mas é temporário. A mulher dele, Kit, tra­balha na Agência de Detctives Lassiter, no mesmo prédio. Ambos dizem que você conhece Dane Lassiter.

— Sim, conheço. — Cord ainda não ligara o motor, e olhou para Maggie, passando o braço pelo encosto do ban­co do passageiro. — Lassiter está metido com assuntos pe­rigosos. Não gosto da ideia de você estar tão perto dele.

— Ora, por favor! Não ligo a mínima para o que você gosta ou não. — Um sorriso altivo amenizou a agressão.

A expressão de Cord se fechou, acentuada pelas sobran­celhas quase unidas acima do nariz.

— Estou falando sério, Maggie. Lassiter e a mulher dele estiveram envolvidos num tiroteio, no próprio escritório deles.

— Eu apenas trabalho no mesmo prédio. Sou consultora de investimentos, não detetive. Embora uma mudança de carreira fosse tentadora, no momento — acrescentou, para irritá-lo.

Cord estava reagindo com exagero, e tinha consciência disso. A situação de Maggie o afetara mais do que imagina­ra a princípio. Se ela fosse embora do país, ele sofreria. Se ficasse...

Formulou uma frase sob medida:

— Ficar em Houston c perigoso para sua segurança. Ela já sabia, graças a Kit, mas não deu o braço a torcer.

— Tenho vinte e seis anos e sei cuidar de mim. — Tentou se manter alheia ao toque de Cord em seus cabelos, mas o olhar dele foi intimidante, pleno de mistério.

— Não passa de uma garota ingénua, isso sim. Ignora como o mundo pode ser cruel, cheio de terríveis segredos.

— Não é possível, Cord. Acredita mesmo nessa bobagem?

 

Para ele, Maggie também guardava segredos. Imaginou como poderiam ser reveladores, já que nunca haviam sido confidentes. Emocionalmente, tinham vivido à parte um do outro, e pela primeira vez Cord lamentou o fato. Maggie era a única pessoa no mundo que se incomodava com ele. E Cord resistia ao contato mais estreito, por medo da perda. Só que esse era o caminho mais curto para perdê-la. Depois disso, estaria sozinho com suas lembranças, sua tristeza, sua solidão.

— Parece aborrecido...

— É que você me faz lembrar nosso tempo com Amy, meu problema com a lei, o suicídio de Patrícia, a doença e morte de nossa mãe de criação.

— Resumindo, tudo de ruim.

— Nem tudo. — Encarou-a com firmeza. — Sobraram algumas coisas boas. Piqueniques, festas, o dia em que você me deu um trenzinho em miniatura. E foi difícil para Amy comprar, porque na época tinha poucas economias. Passa­mos horas no tapete, brincando.

Maggie sorria.

— Também montamos os prédios em pequena escala que vieram junto com o trem. Você tinha deixado a faculdade para entrar na polícia de Houston. Amy ficou inconformada, assim como eu.

— As duas pensavam que eu morreria baleado na pri­meira semana.

— Devíamos ter avaliado melhor. Você sempre foi cui­dadoso e metódico.

— Exceto uma vez. — Os olhos dele se estreitaram. — Na noite em que Amy morreu.

Maggie afastou a cabeça, sentindo incómodo nos cabelos presos entre os dedos sensuais de Cord.

— Faz muito tempo - murmurou.

— Você fez sexo com seu marido?

Ela levou um susto. A questão era inacreditável, de tão rude. Mas Cord continuou a fitá-la com rigidez e desgosto, por um longo momento.

— Se quer minha opinião, não acredito que o tenha feito. No processo de divórcio, a segunda mulher de Evans o acu­sou de ser impotente e tirânico. O miserável fingia ser in­válido, mas nada havia de errado com ele, exceto o alcoo­lismo e o temperamento violento.

— Como sabe? — Maggie empalideceu.

— Estive no tribunal e pesquisei os arquivos. Apesar de banqueiro bem-sucedido, Evans tinha toda uma história de detenções por embriaguez e de abuso doméstico. Não sabia disso quando se casou com ele? O canalha bateu em você?

Com os lábios trêmulos, Maggie desviou a vista para a janelinha. O carro continuava parado. Ameaçou sair, mas Cord a impediu, travando a porta. A posição dele, o peito sobre seu busto, a fizeram vibrar. Tão próximo estava que Maggie poderia medir o comprimento dos cílios em torno das íris negras. Foi capaz de sentir o hálito de café e o aro­ma gostoso das roupas de Cord.

— Nunca entendi por que você se casou, Maggie. Vocês dois nada tinham em comum, e Evans era vinte anos mais velho. Também foi muito rápido, só um mês depois que Amy morreu. O dinheiro influiu? Ele era rico.

— Por favor, Cord, não quero falar disso.

Cord sentiu a mão dela empurrando-o, mas ignorou.

— Disse-me que Evans lhe custou algo precioso. O quê?

Cord agira como um bruto ao possuí-la, mas isso não che­gou a reduzir a fome de Maggie por ele. Teria ele percebido?

Sim. Cord ouviu-lhe a respiração apressada e notou os batimentos cardíacos acelerados no colo, que arfava. Em­bora frios, os dedos lhe agarravam a camisa. Ela o desejava, não havia dúvida.

 

— Aqui estamos de novo — ele sussurrou, com o pole­gar traçando a linha dos lábios dela, que se abriram com sensualidade, desfrutando a carícia.

Maggie suspirou com discrição, ciente de que ele ouvira o som abafado. Animado, Cord encostou o rosto no dela, substituindo os dedos.

Maggie ainda era perfeita, do ponto de vista físico, men­tal e emocional. Cord se sentiu como que atraído por um imã poderoso, embora detestasse a constatação.

—Cord... — Maggie se reclinou sobre o rosto dele e aca­riciou os espessos cabelos negros até deter-se na orelha, numa tortura deliciosa que tanto era dada como recebida.

A respiração quente de ambos acrescentava volúpia à situação. Ela ansiava por ter os lábios dele em sua boca e enlouquecê-la de prazer!

Cord veio para mais perto e pressionou o busto farto com seu tórax viril. Pôde sentir os mamilos rígidos sob o tecido da roupa. Sob o efeito do aroma que Cord exalava, Maggie entreabriu a boca, aproximando-a da dele. Cord precisava apenas abraçá-la e beijá-la. Precisava!

Naquele instante, um seda estacionou ao lado do dele e três homens saíram, lançando olhares maliciosos para o casal. A interferência quebrou o encanto que crescia entre Maggie e Cord. Ele, então, ligou o motor e saiu, veloz, do estacionamento do hotel, sem olhar para os intrusos.

As mãos de Maggie tremiam. A vontade era de gritar, de atirar objetos. Pela segunda vez, deixara-o atormentá-la daquele jeito.

E protestara? Lógico que não. Ao contrário, experimen­tara os sentidos vibrando a cada toque de Cord. Recrimi­nou-se por ter tão pouco autocontrole.

Cord dirigiu em silencio, sem olhá-la, até chegarem à fazenda. Maggie estava bem composta por fora, porém arrasada no intimo. O mesmo ocorria com ele. E nenhum dos dois podia culpar o outro. Sofriam sob a magia de uma atra-ção incontrolável.

— Não se preocupe demais, Maggie. Temos passado muito tempo juntos.

— June não vai estranhar?

De soslaio, ele a observou pela primeira vez durante o trajeto.

— Ela está namorando um policial, de quem o pai gosta, mas acha que é cedo demais para se casarem. June, claro, não concorda. — Cord mudou de tom. — Olhe, fiquei bra­vo com você porque achei que tinha demorado muito para vir me ver e saber se eu estava mesmo cego.

Não era uma explicação convincente, porém ela fez que compreendeu. Cord usara june para causar-lhe ciúme, mas isso aconteceria de qualquer modo. Por outro lado, ele ad­mitia que fora grosseiro, piorando ainda mais a tempestade daquele relacionamento.

Maggie prestou atenção à longa trilha com cercas bran­cas pintadas dos dois lados.

— É incrível como nunca consigo explicar nada a você.

— Funciona em ambas as direções — ela constatou, áci­da, atentando para o touro Hijito, que acompanhava o veí­culo de dentro do pasto. — Temos uma espécie de rapidez mental muito grande.

— Acho que sim. Paranormalídade?

— Um dia descobriremos.

A conversa, apesar de cordial, era seca e fria.

— Quando? Depois que você deixar o país?

— Já lhe disse, Cord. Com minha idade, quero um pouco de aventura enquanto posso.

— Aventura? Essa não! Tipo Pancho Villa ou Genghis Khan?

— Você é que se daria bem com eles.

— Por que não se muda para cá, comigo? Aprender a cuidar do gado talvez preencha seu senso de aventura. E poderíamos brincar com o trenzinho, nas horas vagas. Sa­bia que montei um quarto inteiro para o comboio, estações, túneis e montanhas? Tenho até caixas-d'água em miniatura que funcionam.

Maggie apertou a bolsa, odiando a alusão ao brinquedo e o convite para morar com Cord. Será que ele ainda a to­mava por uma garotinha?

Cord desligou o carro bem à frente da porta da casa.

— No fundo, você me quer, Maggie. E eu te quero. Nós dois sabemos disso, só hesitamos em admitir. Fez uma ideia errada de mim, quando estava bêbado e a forcei. Nunca cometerei o mesmo erro de novo. Estará segura aqui.

— Escolhe bem as palavras. Segura contra seu velho inimigo, você quer dizer.

— Contra ele e contra mim, Maggie. Não tenha medo de se arriscar.

Ela riu, cândida.

— Tenho tido medo de você por anos a fio, entre alguns ataques de atração sensual. Ainda não conheço a cura para isso, mas encontrarei. Longe daqui, talvez.

Foi uma confissão em regra, que nem mesmo Cord espe­rava ouvir. Com as mãos pousadas no volante, ele a estu­dou, melancólico.

Longe daqui implica nos separarmos. Para sempre, quem sabe.

Confusa e pouco à vontade, Maggie franziu a testa.

Não diga isso, Cord. Não me faça pensar que necessi­ta de mim. Nunca precisou, nem precisará. É o que provam minhas lembranças.

— Nossas vidas estão interligadas. Não pode romper um laço de dezoito anos dessa maneira, Maggie. Alguns casa­mentos não duram nem uma fração disso.

A menção a "casamento" a congelou. Desviou o rosto.

— Não pretendi insultá-la com más recordações. — Cord não entendera a reação dela. — Seu marido foi cruel com você. Tem toda razão em não querer lembrar.

— O motivo é outro, Cord. Casamentos felizes são uma Io teria.

— Dane Lassiter concordaria? E sua amiga Kit?

— Eles tiveram sorte.

— E por que você não pode ter?

— Jamais tornarei a me casar. — Apertou a bolsa com mais força, vendo que ele vacilava, à procura do que dizer.

— Não quer ter filhos, Maggie?

Aquilo a fez encará-lo. Mas a angústia, a dor, o assombro presentes em seus olhos o assustaram.

Ela abriu a porta sem aviso e saiu.

Cord a seguiu, determinado a consolá-la na medida do possível, quando Red Davis o interceptou.

— O equipamento de irrigação está funcionando como uma beleza, chefe. — O capataz sorria, feliz. — Consegui a promessa de uma inspeção semanal, por uns tempos.

— Bom trabalho.

— Obrigado. Como vai, Maggie? — Davis acenou para ela, que rumava para a varanda, e os olhos de Cord o fuzi­laram.

— Eu não o pago para flertar com minha irmã de criação! Davis se encolheu todo, fez meia-volta e rumou para o

pasto.

Maggie admirou-se com aquela estranha manifestação de posse. Se fosse verdade, e não uma exibição de prepotên­cia, significaria um milagre.

 

Cord entrou na sala, onde ela já deixara a bolsa e o casa­co e rumou para a sala de jantar. Quatro lugares estavam arrumados à mesa. Um senhor de cabelos brancos ocupava uma das cadeiras, enquanto June terminava de colocar os

pratos.

— Olá — ela cumprimentou Maggie. — Espero que gos­te de comida mexicana.

— Adoro. Mas confesso que estou mais interessada na torta de cereja.

June achou graça.

— Bem, sou famosa por minha torta. Se quiser, pode acom­panhá-la com sorvete de baunilha. Feito em casa também.

Maggie suspirou, com a boca cheia d'ãgua. "Acho que morri e estou no paraíso!"

 

ALÉM DE SABOREAR a refeição, Maggie simpatizou com o pai de June, um vaqueiro veterano com muitas histórias para contar. Uma delas envolvia a doma de um potrinho Mustang, numa fazenda a oeste do Texas. A selvagem cria­tura havia pulado a cerca do curral, com ele no lombo, no momento exato em que a mulher do patrão passava pela trilha, com seu Cadillac conversível, novo em folha. Segun­dos depois, o animal estava instalado no banco de trás do carro, arruinando o estofamento de couro.

— E o que o senhor fez?! — indagou Maggie, encantada.

— Corri para casa, recolhi minhas coisas e peguei meu caminhão, certo de que seria demitido ou coisa pior. Mais tarde, quando trabalhava em San António, soube que a mulher era uma megera, e o casal havia se separado.

— Então, foi bom o senhor ter fugido, papai.

— Com certeza, filha. Eu tinha só dezoito anos e, depois disso, nunca precisei de fugir de nada. Logo me tornei ca­pataz, como Red Davis é agora.

Os olhos de Cord brilharam.

— Davis é um sujeito maçante. Se não fosse tão bom com o equipamento de irrigação, já estaria longe daqui.

Darren Travis, o velho chefe dos vaqueiros, balançou a cabeça.

— Red também é bom com cavalos. E não se esqueça de que convenceu aquele repórter de jornal que você nada ti­nha que ver com o FBI.

— Menos mal eu não ter precisado usar meus punhos para expulsar o jornalista.

— Sim, claro — concordou Travis.

Maggie se deliciava com a torta de cereja, ouvindo a con­versa sob o olhar curioso de June, que também não parava de fitar Cord com carinho. Ela notou, Cord, não.

Teria ele dito a verdade sobre o relacionamento com June? O pai dela dava pouca atenção a isso, o que não deixava de ser estranho.

— Cord contou que você é viúva. — Travis sorria, com algum ceticismo. — Seu marido, Bart Evans, era de Houston?

— Sim. — Maggie ficou rígida na cadeira.

— Papai! — June censurou-o, prevendo problemas. O homem não se importou.

— Espero não estar me intrometendo, mas eu o conhe­cia. For isso perguntei. Foi quando Evans vivia com sua segunda mulher. — Suspirou e empunhou a colher, alheio ao desconforto que causava a Maggie. — Chamava-se Dana, e era uma excelente criatura, meiga c bonita. — A face de Travis se endureceu. — Evans a internou no hospital.

— Por quê? O que ele fez? — Cord quis saber.

Travis franziu a testa, percebendo, enfim, que estava sen­do inconveniente.

— Sinto muito. Não pensei que...

— Por que Evans chegou a mandar a mulher para o hos­pital? — Cord insistiu.

Travis fitou Maggie, como se lhe pedisse socorro. Ela já tinha perdido o apetite.

— Bart deu-lhe uma surra depois que ela queimou o jan­tar. E não foi a primeira vez, como Dana resolveu denun­ciar. Evans negou, claro, e pediu desculpas a Dana, mas foi detido mesmo assim por abuso doméstico. A meu ver, sujeitos que agridem mulheres não conseguem parar. Acaba­ram se divorciando e, meses depois, ela sofreu um derrame que a deixou semiparalítica. Teve de viver com a assistên­cia de uma enfermeira, enquanto Evans, pagando um bom advogado, saiu da cadeia com a acusação anulada.

Cord sentiu um frio na boca do estômago. Suspeitava que Maggie não escapara a sanha do marido. Fitou-a com raiva, porque ela não lhe tinha contado nada.

— Sei que agora Dana vive num asilo de luxo — disse Maggie, com inocência.

— Você sabe?

— Quando meu marido morreu, dividi suas proprieda­des entre as duas esposas anteriores. Dana passou a ter mais que o suficiente para ser bem cuidada pelo resto de seus dias e contratar os melhores neurologistas. Ela já consegue falar, e está recuperando os movimentos, lendo e escreven­do. Não sei se Dana se lembra do senhor, sr. Travis, mas por certo gostaria de uma visita. Ela não tem família.

Humilhado, Cord constatou que Maggie contara mais coisas sobre si a um velho vaqueiro do que a ele. Era sur­preendente, se não irritante.

— Você a visitou? Maggie fez que sim.

— Vou vê-la com frequência. Com uma parte dos fundos que Dana recebeu, criamos uma associação de assistência às mulheres vítimas de abuso.

— Grande ideia! — Travis empolgou-se. — Você é uma vencedora, Maggie.

— Foi uma maneira de amenizar os erros de Evans, que no fundo não era má pessoa. Ele só perdia a cabeça quando bebia. — Deu de ombros. — Depois, o alcoolismo o levou às drogas pesadas. Era um autodestrutivo contumaz.

— Um assassino em potencial, isso sim — interveio Cord com frio rancor.

Maggie não olhou na direção dele, evitando que notasse que não concordava.

— Acho que sim — Travis o apoiou. — Dana relatou para mim que a Primeira mulher de Evans apanhou tanto que quase ficou paralítica. Abandonou-o e mudou-se para ou­tro Estado.

— Eu a encontrei na Flórida — Maggie revelou, sorrin­do — Ela trabalha como voluntária numa casa de repou­so para Idosos e tem planos para abrir uma quadra de bas­quete no local. Não pode correr, mas ainda consegue encestar.

Todos riram, embora a reação de Cord fosse menos es­pontânea. Conhecera uma faceta de Maggie que ela nunca deixara transparecer. Havia praticado o bem permanecen­do no anonimato, enquanto Cord sempre imaginara que ela vivia da herança do marido. Ao contrário, precisava trabalhar para comer, uma vez que Amy Barton, sem ser rica, fizera investimentos desastrosos. Talvez por isso mesmo Maggie tivesse escolhido uma carreira no setor financeiro.

A partir daquele momento, Cord compreendeu como a irmà de criação era uma pessoa desprendida. As proprie­dades deixadas por Bart Evans valiam uma fortuna, e Maggie fora capaz de abrir mão de tudo, ouvindo antes de mais nada o coração.

— As duas ex-esposas de Evans até que se deram bem. — Travis se dirigia a Maggie. —Mas você não guardou nada para si. Por quê?

— Não queria nada de Evans.

— Deve ter más recordações, então. Maggie não respondeu.

Algo explodiu dentro de Cord. Ele usou o guardanapo com impaciência e ergueu-se da mesa, carregando Maggie consigo.

 

— Mais tarde, você repete sua torta de cereja. Quero lhei falar. — Conduziu-a ao escritório. — Por que sempre tenho de saber de você através de terceiros? Podia ter me contado que aquele rato a espancou. Eu o faria lamber o chão que você pisa!

— Vindo de onde? Da África? Do Oriente Médio? Da América Central? E como eu o encontraria? Como contaria alguma coisa, se você me odiava?

"Deus do céu!" A consciência de Cord o devolveu ao dia do sepultamento de Amy Barton, à violência que ele pró­prio praticara contra Maggie.

— Eb saberia onde me achar — falou, à guisa de desculpa.

— Sei lidar com meus problemas, Cord, quer você queira, quer não. — Apoiou-se no espaldar de uma poltrona de couro. — Já tinha iniciado o processo de divórcio quando Evans sofreu o acidente fatal. Assinei os papéis no hospi­tal. — Calou-se, mas era tarde demais.

— No hospital? — As feições de Cord mostraram as­sombro.

— Está certo. — Maggie mordiscou o lábio. — Eu fui sua terceira vítima, mas uma única vez. E ele soube, logo de­pois de me agredir, que eu iria até o fim para puni-lo. Cha­mei meu advogado e a polícia, depois liguei para Eb.

— Por que Eb e não eu?!

A resposta era simples: porque Eb saberia onde achar Cord, que era quem Maggie queria naquele momento de dor e mágoa. Mas Eb demorou para ligar de volta, e àquela al­tura ela já havia recuperado o bom senso. Preferia que Cord não soubesse de nada, visto que o episódio tivera reduzi­das consequências. Maggie temera que Cord conhecesse a verdade. De nada serviria, naquele momento, a não ser para magoá-lo e atrapalhar seu serviço.

— Por tudo o que tinha ouvido, Evans temia você. Penso que foi por isso que ele saiu de carro em velocidade ex­cessiva.

— Continue.

— Ele pegou seu automóvel logo que a ambulância che­gou para me socorrer. Estava terrivelmente bêbado. Bateu num poste e morreu.

— Nenhuma grande perda para a humanidade. E duran­te todo esse tempo, você não me contou nada.

— Passado é passado. Você enfrentou suficientes tragé­dias para que eu acrescentasse mais uma à lista. Com tudo o que me aconteceu, convenci-me de que era adulta e res­ponsável por mim mesma.

— Seria mesmo? A realidade não é que eu estava tão voltado para mim mesmo e não me incomodava com você?

— Sou apenas a menina que Amy Barton recolheu no orfanato e adotou. Não temos parentesco. Você não tem obrigações para comigo.

Aquilo magoou Cord no fundo do coração. Não podia imaginar Maggie sendo espancada, a ponto de ir parar no hospital, por um bêbado detestável, e sem ninguém para protegê-la. Odiou Bart Evans e desejou voltar no tempo para dar-lhe uma lição, enquanto vivo. Também desejou ter sido menos egoísta e se interessado pelo destino de Maggie, mesmo fora de Houston. Falhara com ela. E não era a pri­meira vez.

— Ele jamais tocaria em você se eu estivesse por perto. Maggie baixou o olhar. Cord seria capaz de matar Evans, pois, à sua maneira, não era menos violento.

— Bem, tudo isso me curou da mania de me casar.

— Que desperdício!

Maggie o olhou, surpresa, mas em vez de sorrir ele pare­cia triste.

 

— Você viveu num inferno, e eu não conheço nem meta­de dele.

Maggie corou.

— Não confia a mim seus segredos — Cord se queixou, enrugando a fronte.

— Nem você os seus, e suponho que haja muitos. Muito bem, agora quero mais torta de cereja.

Cord a agarrou pela cintura quando ela passou rumo à porta.

— Espere um pouco. Evans deve ter tido um motivo para bater em você, não importa o quanto estivesse bêbado. Qual foi?

A pulsação de Maggie disparou. Ainda podia enxergar o semblante furioso do marido, ultrajado e pronto para aca­bar com sua vida. Cord era o responsável por ela não ser virgem. E Bart Evans avisara que iria eliminar o problema batendo a cabeça dela na mesa de mármore da sala. Maggie lutou e resistiu, mas acabou sentindo uma dor agonizante quando bateu na mesa. Ameaçava Evans dizendo que Cord a vingaria, mas o brutamontes já estava alterado demais para se lembrar de quem se tratava. Ainda assim, discou para o número da emergência e pediu uma ambulância. Choran­do, Maggie foi conduzida ao hospital, enquanto Evans ar­rumava sua mala e entrava em seu veloz automóvel para sair da cidade. A pretendida fuga acabou em morte. Maggie tinha seu próprio desgosto para encarar.

— Parece que as lembranças estão acabando com você, Maggie. Fale comigo. Conte-me.

Com os olhos tristes, ela balançou a cabeça.

— Tudo acabou.

Ele pousou a mão no ombro dela, acariciou a pele e ob­servou sua reação.

 

— Você gosta quando eu a toco — Cord murmurou, sua— Não entendo como não notei antes, durante tantos anos. Talvez não quisesse notar.

Ela puxou a mão dele do lugar, dando a entender que não pretendia se aproveitar da boa sensação.

— Deixarei o país muito em breve, Cord. Você não preci­sa se preocupar.

— Ficarei completamente só. E você também.

— Sempre estive sozinha. Acho que já me acostumei. Agora, deixe-me ir.

Cord tornou-lhe as mãos e pressionou-as contra o peito. Depois, guiou-as até seu pescoço, fazendo enlaçá-lo. Ela estremeceu e tentou escapar, mas os braços de Cord a cap­turaram e estreitaram.

— Não vá, Maggie. Chegou a hora de entrarmos num

acordo.

— Dispenso acordos. Só quero sair.

Agitado, ele estava ciente de sua excitação. Ela também, pois afastava o ventre do contato sensual.

— Por que tem medo de mim?

— Tenho medo de qualquer homem que chegue tão per­to de meu corpo, sobretudo você. E sabe muito bem por quê! — As lágrimas brilharam nos olhos de Maggie. — Por fa­vor, deixe-me ir!

Cord permitiu que ela recuasse até uma distância consi­derada decente, mas não permitiria que saísse de uma vez.

— Depois daquela maldita noite, você se tornou arredia aos homens. Nunca vestiu roupas que mostrassem um pou­co de suas formas. Passou a trajar-se como uma senhora para dormir, mais recatada do que Amy Barton. E seu único flerte toi com Eb Scott. Apenas para me irritar, creio.

Nunca entendi por que você queria tanto viajar comigo; se tinha acabado de voltar ao país e a sua casa.

Cord alcançou o rosto dela com os dedos e o acariciou.

— Era um impulso, Maggie. Pretendia ver se você mu­dava de comportamento, longe do rancho. Mudou, mas não da maneira como eu esperava. Ficou ainda mais tensa e nervosa. Agora compreendo.

— Não, não compreende!

Inclinando-se, Cord pousou a boca nas pálpebras dela numa e noutra, obrigando-a a fechá-las. Mais uma vez Maggie tremeu ante o corpo masculino, que se acercava.

Cord a beijou na testa, depois correu a língua por suas faces, até voltar aos olhos cerrados. Foi o carinho mais ter­no que Maggie experimentou até então. Admirada, subme­teu-se aos gestos dele, quando a submissão era a última coisa que tinha em mente.

— Adoro cabelos longos. — Cord afagava suas madei­xas. — E você sabe disso.

Como seria normal, Cord segurou-lhe a cabeça por trás, com firmeza. Nada mais foi necessário para pôr Maggie em brasa, plena de fome insatisfeita. Como não era válida a noite em que ele a forçara, ela vibrava antecipando as sen­sações que Cord poderia lhe propiciar.

A memória a traiu, porém, e Maggie se afastou de novo.

Cord entendeu o olhar assustado de Maggie.

— Sobre aquela noite... eu estava embriagado. Nenhum homem deveria tocar uma mulher nessas condições. Magoei você, porque perdi o controle, mas sei que não fui brutal. Será que não pode compreender? Nunca vai me perdoar? O desejo sexual de um homem independe da razão. Eie sente um impulso mais forte que o da mulher, sobretudo se for a primeira vez dela.

Maggie corou um pouco, mas não desviou a vista.

— Seu corpo não me rejeitou, lembra? Você estava tensa, constrangida, e eu fui rápido demais. Foi estranho que, embora inocente, não tivesse reagido como uma virgem...

 

Maggie odiou escutar a louvação de sua discreta volúpia.

Cord, por sua vez, suspeitava que ela não fosse mais vir-que tivesse sido sexualmente abusada quando crian­ça Isso explicaria muito de seu temor.

Ela se deixou tombar nos braços dele, cortando aquela linha de pensamentos.

— Não, não quero isso. — Cord a afastou de si, embora o semblante revelasse outra intenção. — Devia ter beijado você anos atrás, quando éramos mais jovens e não tínha­mos tantos problemas.

Maggie esperou, sem fôlego, que ele mudasse de ideia e prosseguisse com as carícias. Então, aconteceu. A boca de Cord pousou, lenta e firme, em seus lábios entreabertos.

Não foi como antes. Ela sentiu toda a textura da pele a saborear, provocar, abrasar. Ficou quieta e parada desfru­tando o mais possível.

Em seguida, o polegar de Cord trabalhou no canto da boca de Maggie, testando-lhe a suavidade até um novo e cari­nhoso beijo. Ele forçou o lábio inferior dela para baixo e sorriu ao ver que, por fim, ela abria a boca de forma recep­tiva pela primeira vez.

— Assim mesmo, assim! — estimulou-a, respirando rá­pido quando molhou os lábios e a beijou com mais sensua­lidade. — Deixe-me entrar aí.

Maggie sentiu a língua dele entre os dentes, abrindo pas­sagem com movimentos voluptuosos. Mas foram as pala­vras, doces e lúbricas, que causaram-lhe um efeito inespe­rado. O calor a invadiu, as defesas caíram. Maggie arqueou-se para ele, de boca aberta, retribuindo por instinto os mo­vimentos sedutores da língua.

Quando as mãos de Cord lhe agarraram os quadris, ela experimentou ta! excitação que não protestou contra a in­timidade. Era sensacional sentir que ele a desejava tanto assim.

 

Naquela noite terrível, não existira essa lenta e inebriante cumplicidade, que agora a fazia querer os beijos de Cord em seu corpo, as mãos em sua pele nua.

Tanta luxúria a espantou. Maggie não conhecera direito o desejo da carne, com exceçào de alguns breves momentos com Cord. Agora, vivia uma aventura completa dos senti­dos, um banquete em matéria de sensualidade.

Os dedos dele levantaram a camiseta de Maggie para apalpar os seios. Sabia mover as mãos depressa e apertar os mamilos antes de cobrir-lhe o colo com o peito musculoso e roubar mais um longo beijo.

Depois disso, porém, ela recuou, confusa.

As feições de Cord eram duras, o maxilar estava tenso na expectativa do contato íntimo.

— Gostei disso — ele disse, com a voz rouca. Tirou a camisa e lançou-a para longe, sem reparar onde caía. En­tão, conduziu as mãos dela para seu peito nu. Tremeu e vibrou com o jogo amoroso. — Não tema nada. Jamais tor­naria a magoá-la.

Maggie teve certeza disso, pela ternura do toque de Cord, pelo delicado carinho que ele lhe proporcionava com os lábios. Recusou-se a pensar no passado ou no futuro. Se aquilo era tudo o que poderia ter com Cord, ela o teria.

Ergueu-se na ponta dos pés para unir seu ventre ao dele. Cord a ajudou, erguendo-a, e as partes íntimas se colaram com irrefreável vontade.

Ela mal percebeu que Cord a tomava no colo e levava para o sofá do escritório, onde a estendeu. Reclinou-se sobre Maggie, a boca debaixo da camiseta, as mãos no fecho e no zíper da calça. Ele suspirou e estremeceu ao lamber os sua­ves mamilos. Sem sutiã, Maggie teve um pouco de medo e baixou a camiseta para o lugar.

Cord não ficou bravo. Apenas sorriu. Inclinou-se outra vez, colhendo a boca de Maggie em beijos molhados, e então teve aberto o caminho para os seios dela. Devia haver algo que ela devia fazer em retribuição, mas não sabia bem o quê. Queria a língua dele mais embaixo, cobrindo-lhe a intimidade que fremia e ansiava por esse toque.

Cord produziu um riso abafado sobre o colo dela. Maggie não percebera que tinha falado alto e fraquejado diante da virilidade dele.

— Você está me deixando louco, querida.

Maggie gemeu, controlada. Poderia ter gritado com o prazer que sentiu. Não acreditava que era humanamente possível experimentar tais sensações. Era inimaginável, so­bretudo levando em conta seu passado.

Segundos depois, Cord elevou a cabeça e contemplou os olhos injetados de Maggie.

— Quer mais?

— Sim! — exclamou, acima de qualquer orgulho ou em­baraço. — Oh, Cord, por favor...

Ele a beijou com carinho, o coração aquecido pela respos­ta. Já parecia não haver lugar para o passado, quando ela fora tão magoada.

— Faço qualquer coisa por você, Maggie. Qualquer coisa! Rápido, Cord se livrou de todas as suas roupas e das dela.

Com o caminho livre, desfrutou outra vez os mamilos sen­síveis e foi descendo, bem devagar, com intenso deleite. Os detalhes o fascinavam, e ele também gemeu de satisfação. Depois que a língua alcançou o ponto certo, o grito deliciado de Maggie não tardou. Cord perguntou se era bom, antes de procurar-lhe a boca outra vez. Agora, além de usar muito bem a língua, Maggie arqueou-se toda para se enros­car em Cord e excitá-lo.

— Não posso mais — ele avisou, colocando-se entre as pernas dela.

 

Os braços dela o prenderam como tenazes. Até os cabelos recendiam a sexo. Cord estava perdido!

Ele sentiu então um demorado tremor cm Maggie, uma arremetida sem alvo entre gemidos, c percebeu o que acon­tecia. Resmungou alto e retirou-se dela, colocando as pernas para fora do sofá. Esfregou o rosto entre as mãos, frustrado.

Maggie também se sentou, tocando com cautela as costas dele.

— Cord...

— Não me toque! — Ele se esquivou enquanto podia. Trémulo, caminhou até o móvel do bar e serviu-se de uísque puro. Enquanto isso, Maggie recuperava as roupas, horrorizada com seu comportamento egoísta. Já podia ou­vir vozes antigas, acusadoras, humilhantes. Ela não era melhor do que uma amante despudorada.

Levantou-se e correu para a porta, enquanto Cord se re­cuperava do episódio graças à bebida forte.

No corredor, Maggie viu que esquecera sua bolsa, mas não tinha importância. Não voltaria para apanhá-la. Insta­lou-se numa cadeira de balanço da varanda, esperando que ninguém tivesse ouvido o que se passara no escritório.

Estava arrasada! Como encarar Cord outra vez?

Pensava nisso quando a porta se abriu e ele se aproxi­mou. Parou ao vê-la sentada, balançando as pernas como uma garotinha inconsequente.

Mas eram pernas longas, fortes, de mulher. Cobertas por jeans e botas de couro lustrosas. Maggie permaneceu olhando para os próprios pés, sem coragem de olhá-lo. Estava envergonhada. E agora ele tinha um motivo real para odiá-la.

 

O RESSENTIMENTO e a mágoa que Maggie esperava de Cord não vieram. Ele sentou-se a seu lado na varanda e passou o braço por seu ombro, observando-a até que ela ergueu a face, envergonhada, e o encarou. Nos olhos deles, Maggie não viu raiva ou humilhação, apenas compreensão e bondade.

— Temos de conversar bastante sobre preferências ínti­mas. — Ele esboçou um sorriso malicioso.

Maggie enrubesceu muito, mas não se desviou.

— Você não cometeu nenhum pecado, minha querida. Quer parar de agir como uma criança travessa?

Maggie sentiu as lágrimas deslizando pelas faces. Con­trolou-se quando percebeu que Cord a enlaçava com força, ao mesmo tempo que lhe afagava seus cabelos. Então, os soluços cessaram.

— Não tenho um lenço comigo — ele informou, usando a mão para secar-lhe o pranto.

— Eu também não.

Maggie se lembrou de procurar no bolso da calça e en­controu um lenço de papel, que colocara ali pela manhã. Muito previdente, pensou com amargura.

Cord pôs a cadeira de balanço em movimento, fazendo-a sentir-se uma menina mimada. Justo por isso, Maggie pediu que ele parasse. Recordou-se dos tempos felizes, quando Amy Barton ainda vivia.

—Não sei por que achei que você já tinha experiência amorosa. — Cord olhava para o gado que ocupava o pasto.

— Minha vida particular não é de sua conta.

— Então, por que me deixou despi-la e fazer o que fiz? Ela bateu no peito dele com o punho frágil, que Cord segurou, pressionando a mão contra o tórax rijo. Suspirou e mostrou feições tão relaxadas como Maggie nunca vira.

— Tenho de voltar à cidade, Cord.

— E a sobremesa? Não vai repetir a torta de cereja com sorvete caseiro de baunilha? Basta enxugar os olhos.

Ela sabia do que ele falava. Decerto seus olhos estavam vermelhos e inchados, como sempre acontecia quando chorava.

Cord começava a traçar um retrato de Maggie que não guardava semelhança com a mulher que conhecia ou acre­ditava conhecer. Segundo imaginava, devia haver algum episódio sexual no passado dela, nada agradável. Talvez na infância, nos dois anos em que tinha ficado aos cuidados do padrasto. Ele mesmo recriminou a forma como a tratara, em sua única noite de amor.

— Você ainda monta?

— Faz muito tempo que não cavalgo.

— Pode ser que tenha até melhorado seu desempenho. Venha amanhã e poderemos cavalgar juntos, bem cedo.

Maggie preferiria, pela manhã, estar dormindo a sono solto. Era mais fácil negar um pedido de Cord quando ele mostrava raiva. Agora, achava-se diante das opções de fu­gir de novo ou iniciar um real relacionamento sexual com ele. Não se julgava pronta para a segunda. Talvez jamais acontecesse.

Cord se ressentiu da falta de resposta a seu convite e do olhar preocupado dela. Ergueu-lhe o rosto para contemplá-lo diretamente.

— Nunca irei seduzir você, Maggie. É uma promessa. Os lábios dela tremeram, os cílios baixaram outra vez.

Cord forçou a posição para abraçá-la na cadeira de balanço e correr os dedos pelos longos cabelos. Frágil e vulnerável, assim era Maggie. Mais do que ele um dia sonhara que fos­se. Tornava-se chocante imaginá-la submissa a um homem, ainda mais a ele.

Cord lhe beijou a testa, os cabelos e a têmpora, fazendo a cadeira mover-se em um ritmo regular. O rebanho já deixa­va o pasto, sob o latido dos cães. O som era confortador, naquele fim de tarde. A noite caía depressa, grifos e pássa­ros entoavam seus cantos e o aroma de jasmim preenchia o ar úmido.

— Ainda existem vaga-lumes por aqui! — Maggie obser­vava os insetos voadores e a luz brilhante que produziam.

— Lembra-se de quando pegávamos alguns num jarro e eles ficavam cintilando no escuro?

— Achava mais bonito quando voavam livres. — Intro­duziu os dedos na camisa de Cord, pois não resistia à pro­ximidade dele. Podia arrepender-se depois, mas por um momento sentiria felicidade.

Cord movimentou a mão de modo a agarrar-lhe os de­dos e encostou de novo a cabeça nos cabelos suaves, que o encantavam.

— Acho que nós nunca nos sentamos aqui assim, desse jeito, abraça d inhos.

— Quando eu tinha nove anos — ela recordou. — O gato do vizinho, aquele de quem podaram as garras, mordeu meu braço. Eu gritei e chorei, e você me balançou nesta cadeira até Amy chegar.

— Tinha esquecido.

— Claro. Não foi importante.

No fundo, era, já que se lembrava do episódio. Quantas vezes, Cord pensou, ele não fora indiferente às feridas dela, externas ou não? Começavam a despertar nele novos senti­mentos para com Maggie, em especial depois do que ocor­rera no escritório.

 

— Podemos galopar um pouco amanhã — Cord insistiu, vendo que ela hesitava.

— Tenho uma pilha de documentos para preparar. Mas obrigada, da mesma forma.

— É uma pena que você recuse meus convites. Está evi­tando me ver e, depois, com sua mudança para o exterior, haverá um longo lapso em nossos encontros.

— Talvez sim — confessou, vendo que era inútil mentir.

— Fugir não é a solução, Maggie.

— Não serei sua amante, caso a ideia tenha lhe ocorrido.

— Não, não me ocorreu — retrucou com igual frieza. — Sei que alguma coisa séria lhe aconteceu. Algo traumático, do qual você nem consegue falar. Eu devia ter sido mais perspicaz e nunca tocá-la sem sua anuência, como naquela noite. Fico doente só de imaginar o dano que lhe causei.

Maggie arqueou as sobrancelhas. Não esperava lamenta­ções ou desculpas, não de Cord, que nunca agia como se estivesse desgostoso. Na verdade, ele é que a culpara pela sórdida confusão.

Como se lesse sua mente, Cord observou:

— Sim, eu sei. Sei que coloquei a culpa em você. Só que hoje me odeio por isso. Não suporto pensar no que fiz, e justo para alguém que sempre me deu atenção e carinho.

— Você nunca disse isso antes.

— Como poderia? — Deu de ombros. — O orgulho é um grande obstáculo, e tive minha parte. Foi duro ser uma crian­ça de origem hispânica numa cidade norte-americana. Des­prezada e discriminada.

— Não me lembro disso.

— Você mal notou que eu era estrangeiro. Aliás, era fluente em espanhol e nunca me contou onde aprendeu a língua.

— Com minha mãe. Minha avó era de Sonora, México, e minha bisavó lutou com as forças revolucionárias de Pancho Villa, durante a Revolução Mexicana. Existe uma foto dela com uma cartucheira no peito e carregando uma carabina. Cord mostrou-se agradavelmente surpreso. Descobrira pelo menos um ponto em comum entre eles.

— Um tio de meu pai também lutou com Villa — ele rememorou. — O filho dele, meu primo, ainda cria touros de raça da Andaluzia.

— O que sei é que você era maduro para sua idade, des­de que cheguei aqui, e nunca demonstrou medo de nada.

— Você também não. — Cord sorriu. — Exceto de gatos mordedores.

— E de cobras.

— Era uma criança estranha... — Ele percorreu com o dedo a linha de suas sobrancelhas. — Parecia mais velha do que sua idade real. E não gostar de meninos. Exceto de mim.

— Você estava à mão e sempre me protegeu!

— E você fez o mesmo. Eu não apreciava muito isso, na época, porque parecia possessiva demais.

Maggie estudou o botão aberto da camisa dele, junto ao pescoço.

— Passava segurança para mim, Cord. Na verdade, a única segurança que eu tinha. Sentia-me bem a seu lado, como se ninguém pudesse me magoar enquanto estivesse por perto.

— Daí eu me casei com Patrícia e você se envolveu com aquele artista um pouco estrábico.

— Ele era gay, um dos melhores amigos que tive. Ensi­nou-me a encarar a vida com outros valores. — Franziu a testa, triste. — Coitado... contraiu Aids, e ninguém mais chegou perto dele. Eu o visitei na enfermaria diversas ve­zes, até que piorou e morreu.

Os dedos de Cord subiram pelas costas de Maggie.

— Você me fez sentir vergonha...

— Por quê?

— Por se dar tanto, Maggie. Admito que me falta tanta generosidade de espírito. Lutei muito para ter alguma coi­sa. Meu pai era um toureiro, como sabe, mas mesmo na Espanha as touradas estão em decadência.

— O que eu acho ótimo. A prática das touradas é uma verdadeira crueldade, uma carnificina. Quer saber? Sempre torço pelo touro, e não tenho nenhum dó quando o tourei­ro leva a pior. Lamento que seu pai tivesse essa profissão.

— Concordo plenamente. De qualquer modo, senti não ter morrido com meus pais, naquele incêndio. Não tinha por que ou por quem viver. Não havia ninguém responsável por mim e só não fui deportado porque minha mãe era ameri­cana. Acabei como menor infrator, mas então Amy me le­vou para casa. Lá, conheci uma menina que falava um belo espanhol, quando eu me recusava a me expressar em ingíês. Houve um problema com drogas, mas você segurou minha mão, sorriu para o juiz e o convenceu de que cuidaria bem de mim. Incrível um rapaz de dezoito anos ser confortado por uma garota de dez.

— Eu era mesmo madura para minha idade.

— Ainda é. — Cord estreitou com força a mão dela. — Existe um laço forte entre nós. Sempre soube disso, mesmo quando me ressentia e tentava ignorá-lo. — Mirou dentro dos olhos de Maggie. — Já não é possível ignorar, depois do que nos aconteceu hoje.

Ela escapou dele e ergueu-se, quase sem fôlego.

— Por favor, não quero mais fazer... falar disso.

Cord colocou-se à frente de Maggie, a silhueta recortada no gradil da varanda pelo pôr-de-sol espetacular, feito de vermelhos, dourados e laranja.

— Espere um pouco, Maggie. Não estou pedindo nada de você.

— Tenho medo de sexo, Cord. E sórdido, sujo e... Chocado, Cord cobriu os lábios dela com dois dedos.

— Maggie! Fazer amor, praticar sexo c uma linda expres­são do que um homem e uma mulher sentem um pelo ou­tro. Não tem nada de sórdido. Se eu a fiz sentir assim, que Deus me perdoe!

Cord não disfarçou seu desconforto emocional, e Maggie se soltou dele.

— Nada de culpa, Cord. O que houve naquela noite foi uma... infelicidade. Também tinha bebido, e devo ter feito algo que o fez pensar que eu queria sexo. Lamento muito. Se estivesse sóbria, talvez não o provocasse.

Ele mostrou-se ainda mais aturdido. Maggie parecia ta­citurna, embora muito honesta.

— Mas você não tem por que se odiar, como eu.

— Foi horrível, horrível — ela murmurou, olhando o vazio.

Fsse olhar o desarmou. Cord não conseguia imaginar o que tornava Maggie arredia à intimidade física. Ela assegu­rava que não era por causa dele. Por que, então? Cord pro­meteu a si mesmo que iria descobrir.

Enquanto isso, pensava em recomeçar o namoro com ela. O breve interlúdio no escritório lhe garantia que Maggie era uma mulher sensualíssima. E Cord, que se furtava aos con-tatos íntimos, desejou como nunca aquela mulher para si.

— Se não quer cavalgar amanhã, que tal um cinema em Houston, na semana que vem?

— Não é uma boa ideia. Hoje foi uma exceção, um im­previsto, que não deve mais se repetir.

— Você tem medo, é isso. E eu não vou desistir com faci­lidade. Podemos ser amigos, para começar, se prefere as­sim. Confirmo tudo o que eu já lhe disse. — As pupilas de Cord brilhavam de emoção. — Dar-lhe-ei tudo o que qui­ser, Maggie. Tudo!

Ela se arrepiou diante da promessa. A voz dele era tão suave que a envolvia em encantamento. Mas ainda não confiava nele. Era cedo demais. Deslocou-se para a porta da sala, alegando que queria mais torta de cereja.

— Só um minuto. — Cord chegou mais perto, para exa­minar o rosto dela à luz discreta. Sorrindo, tocou-lhe a boca.

— Pode ir, mas não quero que os Travis pensem que a fiz chorar.

— Não está zangado comigo, pelo modo como agi há pouco? Eu me senti... suja.

Ele cerrou as pálpebras e fitou o teto, contrariado.

— Nunca! — assegurou, olhando-a com uma sombra de decepção. — Quero evitar qualquer outro trauma. Por isso, podemos esperar o momento certo para um envolvimento total. Somos pessoas diferentes, agora. Fiquei espantado com seu casamento e envergonhado com o que lhe fiz. As coisas entre nós não precisam ser tão... físicas.

— Por que decidiu isso?

— Porque sim, Maggie. Quero que saiba que eu nunca...

— Fez uma pausa enfática. — ...nunca desejei tanto uma mulher.

Ela entrou, levando consigo o eco daquela afirmação. Não se tratava de desilusão, mas de desejo. Violento desejo. Sen­tia-o também.

— É normal? — disse Maggie, sem perceber que pensara alto.

— Normal o quê? — Cord se voltou.

— Querer alguém como eu o quero.

— Já quis tanto um homem que isso se transformasse em tortura?

— Só você.

Ele permaneceu quieto. Tinha a sensação de que recebe­ra um soco. Então, Maggie viu que o peito de Cord arfava num ritmo excitado. Surpreendeu-se com o olhar quente, quase abrasador, que exibia.

— Bem — ela disfarçou a comoção —.. vou pegar mais torta e uma xícara de café.

Cord a acompanhou e prendeu sua mão antes que abris­se a geladeira.

— Desculpe-me, Maggie, mas preciso saber de um deta­lhe fundamental, de uma questão que me atormenta. Você teve outro homem, além de mim?

Ela engoliu em seco, com dificuldade. Ambos pareciam estar dispostos a não mentir.

— Não desse modo — afirmou, com dignidade.

Para sua surpresa, Cord a soltou, como se a resposta o tivesse abalado. E tinha.

Maggie serviu-se da sobremesa e do café, e após um mi­nuto Cord fez-lhe companhia à mesa, calado e submisso.

Os dois foram polidos e amáveis um com o outro, enquan­to consumiam a bebida, mas parecia que a intensidade an­terior se desvanecera. Evitaram assuntos pessoais e troca­ram sorrisos numa conversa banal, até que Cord levou Maggie de volta ao hotel.

Na chegada, apesar dos protestos dela, ele a conduziu até a entrada da suíte.

— É muito tarde para você andar por esses corredores sozinha — foi a desculpa que lhe deu. — Com alguns anos de atraso, reconheço, passarei a tomar conta de você.

— Não precisa mudar de hábitos. — Ela o fitou, curiosa. — Não ficarei muito tempo na cidade. Só até encontrar um novo emprego no exterior.

As feições de Cord endureceram entre esgares de decepção.

— E aí diremos adeus para sempre? Maggie não conseguiu encará-lo.

— É melhor ficarmos longe um do outro, Cord. Na ver­dade, envenenei sua vida, e nenhum de nós está ansiando por um relacionamento permanente. O que não exclui, cla­ro, casos breves e intensos.

 

Ele riu sem humor.

— Só pode ser uma piada. Você, tendo um caso com al­guém, mesmo comigo!

— Por quê? — Estudou-o com atenção, ao passar o car­tão magnético para abrir a porta.

— Você teria mais ressacas do que imagina — disse, com suavidade. — Teria de contar com um homem paciente para suportá-las.

— Algo de que ninguém nunca o acusou — rebateu, ácida.

— Não sei. — Ele apertou os lábios. — Pensei que hoje tinha acontecido uma coisa boa entre nós.

Maggie entendeu o significado da alusão e ficou nervo­sa. Cord estava sorrindo!

Pela primeira vez, Cord fez um julgamento positivo da figura esguia de Maggie.

— Você tem um belo corpo. Tudo no lugar. Os seios, então...

— Pare de falar de meus seios! — exclamou, dobrando, defensiva, os braços sobre o colo.

— Sim, é melhor que se cuide, garota.

Ela sentiu o calor da volúpia lhe invadindo cada célula, de tal modo que Cord percebeu.

— Vejo que sabe do que estou falando...

— Não sei!

O olhar de Cord se concentrou ainda mais nos lábios cheios dela.

— Adoraria lhe dar um beijo de boa-noite, Maggie. Mas acho que não sairia mais daqui, hoje, se o fizesse.

Ela não conseguiu formular uma resposta à altura. Cord derrubava todas as suas defesas, quando falava naquele tom aveludado.

Evidente que ele conhecia esse seu dom. Preferiu sorrir a avançar para Maggie.

— Já ihe disse que não iria pressioná-la. Mas saiba que a desejo muito.

— Por favor!

— É recíproco, não? Você pode ter-me sempre que qui­ser. Na cama, no sofá, no chão da cozinha, não importa onde. Mas precisará ser uma decisão sua, e em seus próprios ter­mos. De agora em diante, não a tocarei, a menos que me permita.

— Eu... não estou compreendendo.

Avançando, Cord tocou a face dela, mudando o olhar para calmo e suave.

— Passei parte de minha vida trabalhando pela lei. Re­conheço uma criança sexualmente abusada quando vejo uma. Mesmo que demore um pouco.

Maggie franziu a testa.

— Mas não precisa ter vergonha disso, querida. Uma criança é um ser indefeso.

As lágrimas brotaram, abundantes, deixando Maggie atordoada. Ela viu as paredes do quarto girando ao ritmo de suas próprias e aterradoras lembranças.

— Cord... — E desmaiou.

Quando voltou a si, Maggie estava deitada e coberta. Cord, sentado a seu lado, segurava um copo d'água, e com a outra mão lhe roçava a testa, como se medisse a febre. Pelos lábios secos, ele forçou alguns goles. Depois, ajudou-a a sentar-se e afagou-lhe os cabelos, como se isso lhe de­volvesse a plena respiração e consciência.

— Desculpe-me, Maggie. Devia ter ficado calado. Maggie respirou fundo, lutando pela sanidade. Cord não

fazia ideia das recordações que suscitara. Não eram simples ou diretas, como se ela pudesse assumir o que lhe havia acontecido durante a infância.

— Está se sentindo melhor?

Maggie forçou um sorriso. De qualquer modo, não era culpa dele, por desconhecer seu passado. Fizera suposições, como tanta gente, sem uma pista real sobre a depravação que alguns homens podem praticar em busca de prazer.

— Tudo bem, Cord. Tive uma semana difícil. Tantos voos me deixaram debilitada, com o sono atrasado.

Preocupado, Cord não se convenceu.

— Volte ã fazenda comigo, Maggie. June pode cuidar de você.

— Não compreende, não é? Foi há muito tempo. Já supe­rei tudo, de verdade.

— Claro, querida. É por isso que desmaiou.

Maggie pestanejou, para manter os olhos bem abertos. Conhecia Cord fazia dezoito anos. Ele nunca a chamara de "querida". E nesse dia fizera isso várias vezes.

— Por que não me conta seu ponto fraco? Talvez eu pos­sa fazer algo.

— Não vai funcionar, Cord.

— Está bem.

Maggie corou, quando os olhos dele a examinaram com candura.

— Pensarei no assunto, até voltar, na próxima semana. Tenho a quarta ou a quinta livres. Vamos ao cinema e a um restaurante.

— Cord? — Ela se mostrou ansiosa.

— Repito, não vou tocá-la. Cinema e restaurante. E só.

— E se eu viajar a trabalho, logo depois disso? Só torna­rei as coisas piores.

— Para você ou para mim?

— Certo. Para mim. — Censurou-se pelo fato de Cord saber o que ela sentia por ele. — Não me torture.

Cord vacilou, pois Maggie parecia muito atormentada. Apesar da palavra dada, tomou-lhe a mão entre as suas e esfregou-as com força para aquecê-las. O polegar percorreu os dedos finos, até as unhas bem cuidadas.

— Tem todo o direito de pensar assim, querida. Não a culpo. Mas, por favor, não me expulse de vez de sua vida, Maggie. — Seu olhar ficou sombrio. — Concordo com uma boa amizade, se for isso o que você deseja.

Observação surpreendente, tanto que Maggie não chegou a acreditar nela. Notava a fome sensual que Cord manti­nha, e era irónico imaginar que pudessem conviver como amigos quando queriam fazer amor.

— Acha que podemos voltar a ser simples irmãos?

—Como se fôssemos de verdade? — Cord se ergueu, depositando o copo d'água na mesinha-de-cabeceira. — Se é o que você quer, tudo bem. Mas esteja bem certa, Maggie, tenha total certeza. Existem muitas mulheres no mundo que me aceitariam como amante.

Era uma declaração ferina, e Maggie foi em busca de mais um gole d'água. Nada falou, humilhada. Palavras apenas a sufocariam. Sabia ter recebido um ultimato. Era o velho jogo dos homens, afinal, mas não queria mais brincar.

— Não vai dizer nada? — Cord a desafiou.

Mais um gole d'água, um hausto de ar à procura de fôlego. Cord se afastou e saiu batendo a porta. Um segundo de­pois, voltou a abri-la.

— Mantenha essa maldita porta trancada! — esbravejou. — Já lhe disse que meus inimigos podem resolver torná-la um alvo de vingança. Não se distraia.

— Está bem.

Ele esperou que ela se aproximasse, com visível impaciên­cia. Seu corpo doía, nos pontos mais sensíveis, à simples visão de Maggie.

— Você já me revelou o que pensa. Um corpo de mulher não é difícil de achar. Mesmo que seja pago. É barato.

 

— Comentário cruel e improcedente, garota.

Maggie deu de ombros, já recuperada e bastante segura de si.

— Sempre me falou que eu não queria nada com você, muito menos sexo. — Sorriu, zombeteira. — Você é feliz por ter uma fila de garotas esperando. Entendi bem, não se preocupe.

Cord a olhou como se quisesse socar a parede até der­rubá-la.

— Não, não entendeu nada.

— Boa noite, Cord.

Com isso, ele não teve nada a fazer se não ganhar o corre­dor para ir embora. Num impulso, ainda voltou-se para Maggie, certo de que ela havia desfalecido porque mencio­nara seu passado. Nele deviam existir horrores ocultos. E Cord a pressionava, quando prometera não fazê-lo. Falava com a frustração, não o sentimento. Encarou-a com amargura.

— Sei que digo mentiras, Maggie. Faço promessas que não consigo cumprir. Também não dormirei sossegado, depois de como me comportei hoje. — Suspirou, como que conformado. — Tranque a porta.

— Já sei, obrigada.

Maggie contemplou Cord de costas, até que chegasse ao elevador. Ao apertar o botão, ele olhou para trás e a viu, de olhos fixos, arregalados. Hesitou ao imaginar que Maggie ainda o queria de volta ao quarto. De bom grado esquece­ria o elevador e correria em sua direção.

Esse mero pensamento, porém, foi assustador. Ela não estava pronta para ele, de modo algum. Não aceitaria um beijo apaixonado e uma relação sexual selvagem, depois de tudo o que Cord fizera e dissera.

Ouviu que Maggie se trancava na suíte e só então usou o ascensor, com o coração indomável saltando no peito.

 

Maggie DORMIU MUITO mal no fim de semana. Apresen­tou-se sonolenta e com olheiras na segunda de manhã, no escritório. Na hora do banho, antes de sair, ficou impres­sionada ao se mirar no espelho e notar uma vívida marca vermelha num dos seios, além de outras mordidas e evi­dências de um tórrido interlúdio amoroso com Cord.

Ninguém podia ver, claro, mas bastava-ihe a memória, desperta durante boa parte das noites, para lamentar o epi­sódio. Após anos de sonhos fúteis, a realidade lhe surgia de supetão. Dessa vez, Cord estava sóbrio e decerto não a havia machucado. Tinha sido gentil ao correr a boca por seu corpo, de uma maneira que ela mal podia imaginar, em compara­ção ao violento e doloroso ato anterior, na noite do faleci­mento de Amy Barton. Talvez não fosse nenhuma vanta­gem, pois Cord se revelara um amante maravilhoso, e ago­ra Maggie sabia o que estava perdendo ao se esquivar de um relacionamento com ele e procurar emprego no exterior.

No entanto, que bem lhe faria ficar? Como autodefesa, Cord ficara furioso ao ouvir que ela queria distância. Maggie nada podia esperar dele, apesar de sua nova atitude. Cord abominava o casamento, ela não. Levada pelo orgulho, mentira, mas adoraria casar-se com Cord e ser mãe dos fi­lhos dele. Também em defesa própria, e por injunções do trabalho, decidiu não pensar mais nisso e na tristeza que lhe acarretava.

 

Maggie atendeu a dois clientes e, graças aos céus, mos­trou-se astuta o suficiente para fazê-los investir um bom dinheiro na Agência Logan. Mais tarde, Kit a convidou para almoçar, portando uma máquina fotográfica.

— Para que isso, Kit?

A amiga sorriu com brio e elegância.

— Vamos comer num restaurante próximo daqui, e há um sujeito que anda nos vigiando, com um companheiro. Espero apanhá-los e fotografá-los, pois ainda não sabemos quem são, nem suas conexões.

— Grande ideia! Mas não é perigoso? Seu marido sabe?

— Não e não. — Kit fez uma careta charmosa. — E nada de lhe contar! Lassiter anda muito ocupado, portanto, to­mei essa missão para mim. Se Logan não souber, não ficará magoado.

— Posso imaginá-lo correndo pela rua atrás de nós, com uma filmadora. Não seria engraçado?

— Sim, mas positivo também. Esse malfeitor precisa ser detido. Consegue imaginar crianças sendo compradas e vendidas no mercado internacional clandestino? Eu perco a cabeça quando imagino que isso poderia acontecer com meu filho, Bryce.

Maggie entendeu muito bem o que Kit sentia. Comeram um filé alto com salada, duas portas abaixo de uma agência de empregos dotada de simpática fachada.

— Acha que este é mesmo o quartel-gcneral dos crimi­nosos? Nossa, é elegante!

— Claro que sim. E não só no Texas. Eles têm ligações na Flórida e em Nova York. Mas Lassiter diz que todas estão autorizadas e funcionam legalmente. — Kit riu da ironia da expressão. — Essa Feira de Empregos aí em frente tem la­ços internacionais, e de algum modo Gruber os controla.

— Que mundo é esse em que vivemos?!

 

Acabavam de tomar café e pagar a conta quando Kit, olhando pela janela envidraçada, detectou os suspeitos an­dando na calçada.

— Lá estão! Mas irão embora antes que eu possa armar minha câmera.

— Não, não vão. Venha correndo para a janela, com a maquina.

Dois homens, um baixo e calvo, outro alto e bem pentea­do com gel, conversavam na esquina, num idioma que pa­recia ser o espanhol.

— Jake! — E Maggie lançou-se sobre o rapaz alto, com um grande sorriso. — Que bom vê-lo de novo, após tanto tempo!

Em seguida, ela arregalou os olhos e assumiu um ar embaraçado.

— Oh, desculpe-me pela confusão! Pensei que o conhe­cia como meu colega de negócios, Jake. Por favor, me per­doe. — E voltou-se, caminhando rápido, esperando que Kit tivesse feito sua parte.

Retomou para dentro do restaurante e viu a amiga à vi­draça. Kit sorria, satisfeita.

— Eu os peguei na foto! Você é um génio!

— Foi divertido. Acho que tenho dons naturais de dete-tive. Já sabe quem são eles?

— O mais baixo é um que já estamos investigando. Cha­ma-se Alvarez Adams. O outro parece ser o próprio Raul Gruber. Ele mantém contato com a Feira de Empregos, tra­balha muito fora dos Estados Unidos e tem diversos sócios, num verdadeiro empreendimento global. E excitante pen­sar que fotografamos um criminoso quase invisível. Lassiter tem contatos com os departamentos federais de repressão ao crime organizado, e agora podemos passar-lhes informa­ções fundamentais.

 

— Espero que o governo consiga fechar a operação ilegal.

— Eu também, Maggie. Mas, se aquele homem não for Gruber, as chances diminuem. Adams, na verdade, ê café pequeno na organização.

— Ficaram me observando quando voltei? — Maggie lem­brou-se do perigo para o qual Cord a alertara.

— O homem alto olhou bastante, mas é lógico que não a reconheceu. Devia estar admirando suas pernas.

O coração de Maggie disparou. Se Gruber tentara matar Cord, o que não faria com ela? Será que Cord sabia das li­gações do facínora com uma agência de empregos no cen­tro de Houston?

Nada revelou a Kit sobre seus temores. Não havia razão para alarmar a amiga, nem seu marido. Mas Maggie não se arrependia de nada. Sentiu-se importante, fazendo algo valioso em benefício da lei. Além disso, ao abordar os sus­peitos, sofrera a famosa descarga de adrenalina nas veias. Não era de admirar que Cord não conseguisse deixar suas atividades...

Maggie atravessou o dia aturdida, certa de que não queria mais passar o resto de seus dias aconselhando pessoas a in­vestir em ações. Talvez Lassiter pudesse contratá-la também.

No entanto, a ação praticada com Kit lhe pesava no pei­to. Começou a perceber como Gruber podia ser perigoso. Se suspeitasse que ela o estivera espionando, não pensaria duas vezes para tornar-se violento.

Assim, quando voltou ao hotel, telefonou para Cord, na fazenda. Ele não estava, assim ela deixou recado. Depois, sentou-se, descalça, na pequena sala, com short e camiseta, a fim de conferir arquivos em seu laptop.

Duas horas transcorreram, lestas, até que a batida na porta lhe captou a atenção. A caminho, notou que tinha fome e nem havia se lembrado de algo para o jantar. Ao olho má­gico, identificou Cord, de jeans e botas, camisa xadrez e chapéu de caubói.

O uniforme a surpreendeu tanto quanto sua presença, pois apenas pedira para ele ligar.

— Queria lhe dizer que...

Maggie foi interrompida pela ação rápida e imprevista de Cord, que a agarrou e beijou com vontade. Esquecendo o que pretendia falar, ela deixou-se beijar, deleitada com o toque quente nos lábios sensíveis. Cord não estrava sendo insistente, nem atrevido, mas delicado e sensual. Maggie vibrou nos braços dele.

— Então? — Cord recuou c ergueu a cabeça. — O que queria me dizer?

— Você me apareceu aqui como um autêntico vaqueiro.

— Eu sou um vaqueiro por natureza. Era só isso o que pretendia falar?

Maggie recuperou o fôlego e riu, constrangida.

— Não consigo raciocinar, depois desse beijo.

— Fico envaidecido. — Umedeceu os lábios com a lín­gua. — Quer mais?

— Não agora.

Cord a conduziu para o sofá, onde a fez sentar-se.

— Pelo menos é uma promessa. O que está fazendo?

— Trabalhando no computador portátil, carregando da­dos. Até me esqueci do tempo.

— Imagino. Vista algo bonito e vamos devorar um chur­rasco.

— Se está pensando em mim como sobremesa...

— Juro que isso nem me passou pela cabeça. Mas por que me ligou?

Maggie ajeitou os cabelos, nervosa.

— Ia lhe contar sobre o homem que eu e Kit vimos na hora do almoço, junto com Alvarez Adams.

Todo e qualquer humor abandonou Cord. Ele ficou seríssimo, e Maggie teve uma visão de como era quando trabalhava em suas funções secretas.

— Como você conhece Adams e onde o viu?

— Kit o reconheceu a partir das investigações de Lassiter. Fomos almoçar num restaurante perto de onde ele traba­lha, aquela agência chamada Feira de Empregos. — Conti­nuou curiosa quanto à expressão facial de Cord. — Havia um homem alto com ele, na calçada. Cabelos pretos e uma cicatriz perto da boca.

— Gruber! Meu Deus! Ele está em Houston?

Maggie guardou uma pausa ante o nome que se tornava familiar.

— Ele a viu, Maggie?

— Era o que eu estava tentando ihe dizer. Kit levou uma câmera e quis tirar uma foto, da janela do restaurante. Eu saí e fingi que o conhecia, para ele não ir embora. Os dois não sabem que foram fotografados.

— Sua boba! Raul Gruber é quem plantou a bomba que me atingiu. Tentou me matar, e não é nada idiota. Já deve estar sabendo quem você é e o que sua amiga lunática fez. Ambas correm perigo!

— Devo telefonar para Kit?

— Não, deve fazer as malas. Não pode ficar em Houston depois disso. Além de sua identidade, Gruber já deve saber onde você está. Arrume suas coisas, Maggie. Agora. Kit é a esposa de Logan Deverell, não é?

— Sim, mas...

— Eu me encarrego de ligar para ele. As malas, por fa­vor. Vou pedir que fechem sua conta.

Maggie vacilou, considerando exagerada a reação de Cord. Era uma mulher moderna, inteligente, e lera alguns livros de espionagem.

 

— O que está esperando?! Uma bala pela vidraça? Não estou brincando, Maggie. Aquele homem mata crianças, não hesitará em liquidar uma moça teimosa.

— Espere um pouco e me escute! — Desafiou-o, com as mãos na cintura.

Exasperado demais para ser cortês, Cord agarrou Maggie e levou-a até a porta, que fechou com um pontapé. Ela se debatia para voltar, mas ele a carregou no colo para o sa­guão e colocou dentro do elevador.

— Cord! — gritou, envergonhada pela roupa informal que usava, e atraiu a atenção do casal idoso dentro do ascensor.

— Ela está sob cuidados médicos — Cord explicou a eles, para o horror de Maggie. — Não consegue andar.

— Que lástima,.. — lamentou o senhor grisalho, trocan­do olhares com a mulher. — Sei como se sente.

— Exercícios podem ajudar — aconselhou a senhora idosa. Um minuto depois, descalça e furiosa, Maggie foi insta­lada no banco da picape de Cord.

— Voltarei para pegar algumas roupas e seu laptop.

— Não tem a chave, tolinho! — Maggie riu, divertindo-se, apesar da gravidade da situação.

— Como acha que entrei em seu quarto, na manhã se­guinte a sua ida à fazenda?

— Espião! Arrombador!

— Pode contar com isso, garota. Sou profissional e tenho habilidades que você desconhece. Fique bem firme aí. Só levará um minuto. Dois, por causa da conta.

Maggie esfregou as mãos. Discutir não levaria a nada. Chegaria ao rancho de Cord com aquelas roupas e sem sa­patos. Torceu para que todos a vissem, cheios de malícia, condenando Cord.

Aconteceu de não haver nem um trabalhador, nem mes­mo June, no caminho. Com discrição, Cord instalou Maggie no amplo quarto ao lado do seu, depositando na cama a grande mala e alguns pacotes.

Decorado em tons de rosa e azul, com o leito provido de dossel, o aposento despertou a zombaria de Maggie.

— Quem decorou isto aqui?

— Eu mesmo.

Ela imaginou para quem Cord teria preparado aquele quarto, já que comprara a fazenda após a morte de sua mulher, Patrícia.

— Bem, gosto das cortinas, pelo menos, e da mobília em estilo provcnçal. — Então, ela tomou consciência dos fatos. — Por que preparou um quarto especialmente para mim?

— Insanidade temporária. Consultei uma psicóloga na sexta-feira, se quer saber.

Descrente, Maggie não conseguia desviar os olhos dele.

— Por que está tão espantada? — Ele se aproximou. — Sabe que faz parte de minha vida. Sempre sonhei que aca­baria passando alguns dias ou um fim de semana aqui.

— Não me lembro de ter ouvido isso. Você não me deu nenhuma pista.

Os dedos dele alcançaram os ombros suaves da irmã de criação.

— E duro, para mim, manter alguma pessoa próxima — Cord confessou, relutante, sem encará-la. — Perdi meus pais, minha mulher, depois Amy Barton... Não tenho boas lem­branças em termos de dar afeto.

Ele ia dizer "amor", mas a palavra lhe pareceu excessiva. Maggie compreenderia. Também tinha experiência quando o assunto era desilusões e quebra de confiança.

Devagar, ela procurou os olhos dele, julgando-os mais fundos do que o normal sob as espessas sobrancelhas. Al­gumas rugas já se formavam no rosto bonito, ao lado da boca.

 

— Sei como é, Cord. Exceto que as pessoas o deixaram por causa de circunstâncias que não podiam controlar, [vlesmo Patrícia. Em minha vida, os que eram próximos a mim me traíram.

— Quem fez isso?

— Todos, acho. — Maggie se lembrou do marido, Bart Evans, e seu horrível comportamento, com altíssimo custo para ela. — Jamais confiarei em um homem de novo.

— Não pode me contar o que houve? — insistiu, tocando o rosto dela.

— Seria cruel.

— Para mim? Por quê? Como?

Maggie abriu a mala e mexeu em alguma peças de roupa. — Vou vestir algo diferente.

— Você está bem assim, garanto. Está em casa. Ela deu de ombros, mas sentiu-se agradecida.

— Só uso short quando estou sozinha.

— Quem a molestou, Maggie?

Ela deixou cair o jeans que segurava. Cord foi à porta para fechá-la, atento à privacidade de ambos, e se virou para fitar Maggie.

— Foi seu padrasto?

Ela apenas enrugou a testa.

— Fez terapia?

— Prefiro não falar sobre isso.

Cord avançou. Seus dedos gentis a acalmaram.

— A psicóloga de quem falei é muito educada e honesta. Creio que gostará dela. É o tipo de pessoa com quem se pode falar com franqueza. Ela iria ajudar você.

— Acredita nisso?

— Quer terminar sua vida sem uma família, sem filhos? — Não sei se ainda posso ser mãe.

— Por quê?

— As pancadas que levei quando Bart me bateu foram... devastadoras. Caí sobre uma mesa de mármore, que que­brou com o impacto. Um de meus ovários ficou danifica­do, e o outro... Os médicos disseram que poderia ser difícil engravidar.

Aturdido, Cord pensou em maneiras e meios de consolar Maggie. Crianças e vida familiar, até então, nunca tinham sido uma prioridade para ele. Estava satisfeito com sua tendência para o celibato. Seu tipo de trabalho o predispunha a isso.

Nada impediu, porém, que se sentisse ferido, desgosto­so, sem esperança. O sentimento predominante era o de inadequação. Imaginou os longos e solitários anos de Maggie, usando o trabalho como substituto para o amor, o companheirismo, a família. Terrível desperdício.

— Falaram que seria difícil, mas não impossível. — Seu corpo inteiro tornou-se rijo, e Cord teve uma ereção. Aca­bou rindo.

— O que é tão engraçado?

— Fiquei excitado pensando em ter filhos com você. Maggie se afastou dele. Cord suspirou e enfiou as mãos nos bolsos, para evitar tocá-la.

— Veja bem, é um desafio. E eu adoro desafios.

— Eu deveria mudar de vida...

— Aí está algo que eu gostaria de ver — ele emendou, sem sorrir. — Sua pele tem a delicadeza de uma pérola. Você inteira é uma pétala de rosa, aveludada e deliciosa. Tem a aura de uma flor.

Com explícita vontade, Cord examinou os cabelos, a face, o corpo de Maggie.

— Conheci algumas mulheres... Não muitas, mas o sufi­ciente para apreciar você. Ultrapassa todas, Maggie, em todos os sentidos. Se eu tivesse um ideal de feminilidade, seria você.

Maggie não soube como reagir aos elogios, que a emba­raçavam, mesmo provocando orgulho. Na boca de Cord, contudo, eles talvez não passassem de brincadeiras. Ou não fora seu mais persistente inimigo, durante anos?

— Você só está com pena de mim, Cord. Por isso me fa­lou tantas coisas bonitas.

— Por que eu teria pena?

Porque ela conhecia muito bem a piedade. Era uma ve­lha e íntima amiga. Muitas pessoas, apiedadas, tentam agra­dar alguém, de modo a eliminar o trauma. Nada conseguem, além de dizer palavras vazias.

— São tantos segredos, Maggie... Também não confia em mim, não é?

— Nada pessoal.

— E se eu for amável e cuidadoso e não pressionar você, poderei ganhar sua confiança?

— O que esperaria em troca?

Foi quando Cord se deu conta de que teria uma longa batalha pela frente e que a vitória não viria numa só noite. Continuava ansioso por possuir Maggie, e pela primeira vez teve um sentimento de pressa. Meneou a cabeça, revelando desesperança.

— Já fiz trinta e quatro anos, Maggie. Tenho vivido em ritmo acelerado, sem parar para pensar. Fiz coisas de que não me orgulho, muitas delas apenas por dinheiro. Mas esse caso de Gruber me transformou. Agora, quero acabar com os crimes dele, e não por ganhos financeiros. Se eu tivesse um filho de oito ou nove anos e soubesse que ele trabalha­va como escravo numa mina de carvão ou num campo de cacau...

— Campo de cacau?

— As crianças menores são vendidas pelos pais africa­nos ou asiáticos, por onze ou doze dólares, porque não vêem nenhum futuro para elas, a não ser trabalhar numa multi­nacional em outro país. São espancadas quando não se apli­cam e não recebem um centavo pelo trabalho.

—- Meu Deus! Como podem acontecer coisas assim num mundo civilizado?!

— Aí é que está. A civilização não c para todos. — Cord exalou um longo suspiro. — Gruber organizou as coisas para as empresas que aceitam agir na ilegalidade, pois elas cor­tam os custos e incrementam os malditos lucros.

—- É uma indecéncia!

— Covardia. Falta de piedade. Sim, é tudo isso. De vez em quando, a televisão mostra reportagens sobre trabalho infantil escravo, mas ainda é uma versão amenizada. Não exibem as mutilações das crianças, sem dedos ou até sem pernas, nem a fome que sentem. Gruber também movimenta milhões com a prostituição infantil, explorando garotas carentes como es­cravas sexuais. Imagine uma menina de doze anos num bordel, submissa aos caprichos de homens depravados.

Maggie não conseguiu imaginar. Fechou os olhos, horro­rizada.

— Gruber tem de ser detido, Cord.

— Claro que sim, mas você não precisa se envolver nis­so. Espionando com Kit, expôs-se a um grande perigo, e não posso deixá-la se arriscar. Falarei com Lassiter amanhã, e faremos planos. Sei mais sobre Gruber do que ele, e dividi­rei as informações.

— Você também corre risco! — Arregalou os olhos, com medo.

— Mas eu gosto disso e tenho treinamento. Você é que sempre temeu por mim. Por que não vi isso antes?

— Porque não quis. Sempre evitou aceitar seus próprios sentimentos.

— Você também.

Para Maggie, foi impossível contestar.

— As pessoas nos magoam, quando permitimos que che-imem perto demais — ela murmurou, triste.

Cord mais uma vez se acercou e acariciou com o polegar a boca de Maggie,

— Foi o que eu fiz, não? Não imagina como lamento aque­la noite. Por muitos anos sonhei com como seria maravi­lhoso fazer amor com você, com todo o carinho, a noite toda. Quando apareceu a oportunidade, estraguei tudo com mi­nha brutalidade.

Maggie considerou o que poderia dizer, já que a resposta era dolorosa.

— Talvez você não soubesse que estava me magoando tanto. — Omitiu que tinha perfeito conhecimento do que acontece entre um homem e uma mulher na cama, nem que esperava sexo fácil e agradável com Cord.

— Você não estava pronta para mim. Não consegui excitá-la o suficiente para não doer.

— Acha que foi isso que aconteceu? Como seria se você estivesse sóbrio?

— Diferente e melhor.

— Não me machucaria?

— Talvez um pouco — Cord foi honesto. Tomou as mãos de Maggie nas suas. — A primeira vez se torna um pouco desconfortável para a mulher, se ela não está pronta, ou seja, lubrificada. A pressa, o álcool, tudo contribuiu para causar dor cm nosso contato.

— Ah! — Ela fingiu espanto, embora já conhecesse a lição. Os dedos quentes de Cord se entrelaçaram nos dela, trans­mitindo uma docilidade única.

— E ainda havia uma barreira física no caminho.

Ela mal suportava a recordação. Não queria falar sobre isso. Cord pareceu compreender e beijou-lhe as pálpebras, com veneração.

 

— Não a estou acusando de nada. Sei que você era vir­gem na época, Maggie.

— Como?

— Porque tudo o que eu fazia a chocava. E porque mos­trou desconforto até o fim.

Ela corou e baixou o rosto.

— Eu tinha medo.

— Medo da dor.

— Não, Cord. Do prazer que poderia experimentar. Es­tava me entregando pouco a pouco, e temi explodir.

Cord tomou-a nos braços e apertou com força. Pôde ou­vir os batimentos do coração de Maggie, firmes e rápidos, dentro do peito. Murmurou algo inaudível e estreitou-a ain­da mais.

— O que há de errado?

— Ao menos, você sentiu algo, querida. Maggie flexionou os dedos na nuca de Cord.

— Se eu não tivesse resistido, o que aconteceria?

— Você nunca teve um orgasmo normal, nunca chegou ao clímax?

Ela o apertou contra si. Sabia o que ele queria dizer, mes­mo não tendo experiência no assunto.

— Não — confessou após alguns segundos, excluindo o episódio no escritório dele.

A boca de Cord pousou na face dela, deixando sentir os lábios quentes e ávidos enquanto ele a beijava com crescen­te vigor.

— Suponha... — Cord apenas sussurrou — ...que você me deixe proporcionar-lhe um.

O coração de Maggie latejou mais forte. As mãos dele prenderam suas nádegas e as puxaram contra sua virilha, tal como já ocorrera no escritório e na varanda. O corpo dela reagiu, ardendo de curiosidade e luxúria.

 

Cord já levava os dedos a seu busto, pressionando-lhe os seios, mas ela não protestou. Além de curiosa, sentia-se excitada. E viva.

Cord introduziu uma das pernas entre as dela e começou um movimento lento, enlouquccedor, que Maggie seguiu por instinto.

— Posso lhe dar o céu, minha doce Maggie. Deixe.

O beijo quente e úmido lhe provocou arrepios e gemidos, antecipando as sensações de prazer total.

— Diga "sim", Maggie. Sim?

Ela bem que gostaria de pronunciar a palavra definitiva. Não conseguiu, porém. A sensação dominante era de que Cord a desprezaria se concordasse. Ganharia seu escárnio, como antes. De qualquer modo, em inexplicável contradi­ção, Maggie nào queria que ele parasse com suas carícias.

Gemendo, afastou a boca apenas para respirar, só para obter o fôlego necessário para dizer aquilo que lhe abriria as portas do paraíso, que fariam dela uma mulher total. Mulher de Cord!

Mas uma batida forte e cruel feriu a porta. Atordoados, ambos se separaram, infelizes com a frustração do desejo, mas satisfeitos com a longa e promissora reação dos sentidos.

— Quem é? — Cord perguntou, de mau humor.

— E June. Desculpe-me por perturbá-lo, sr. Romero, mas há um certo Dane Lassiter ao telefone, querendo falar ur­gente com o senhor.

 

CoRD TINHA AS MÃOS trémulas quando atendeu ao telefo­ne na sala.

— Romero falando — disse, com a voz embargada, o que não era de admirar. Havia quase seduzido Maggie, quando prometera não fazê-lo.

— Lassiter — veio a resposta, grave e profunda. — Aca­bo de receber uma chamada de Logan Deverell, a respeito de urna foto que a mulher dele e Maggie tiraram, numa espécie de conspiração. Maggie lhe contou?

— Sim.

— E sabe quem é o homem ao lado de Alvarez Adams?

— Sei muito bem. É Raul Gruber, traficante de menores para trabalho escravo, que agora anda agindo pela África Ocidental e América Central. Foi ele quem tentou me ma­tar por meio de uma bomba camuflada, que quase me dei­xa cego. Maggie corre riscos, por isso a estou protegendo aqui na fazenda.

Um breve silêncio.

— Entendo.

— Você não sabia, Lassiter?

— Conheço Adams, que investigo há uns quatro meses. Sei das atividades criminosas de Gruber, e minhas informa­ções sobre a Feira de Empregos ligam essa agência a ele. Mas não lhe conhecia o rosto, e queria confirmar se você é capaz de identificá-lo na foto.

— Claro que posso. Gruber é um assassino desalmado, capaz de matar crianças. Ele fez meu grupo de idiota, numa tentativa de golpe na África. Perdemos alguns colegas, lu­tando contra revolucionários adolescentes que portavam fuzis automáticos. Depois disso, sumiu do país e perdemos a pista dele.

— É como descascar uma cebola. Quando você pensa que terminou, sempre há mais uma camada.

— Quero lhe falar pessoalmente, Lassiter. Tenho fontes de informação que talvez você desconheça. Posso lhe dar Alvarez Adams e creio que Gruber também.

— E eu os quero? — Lassiter pareceu divertir-se. — Mas adoraria denunciá-los a uma agência federal. Meu cliente, nesse caso, não é generoso. Sua família gostaria de receber a cabeça de Adams numa bandeja.

— De quem se trata? — Cord achou estranho o comen­tário.

— Não posso lhe adiantar muito. Adams esteve envolvi­do no sequestro e morte de dois jovens na América Central. Quando se viu cercado pelas autoridades, numa pequena cidade, Gruber mandou raptá-los e executá-los. Um paren­te rico dos rapazes está me financiando, mas acho que visa­ram a pessoa errada. Adams não tem registro de mortes. Gruber, sim.

— Parece não haver dúvida. Tenho ligações com um se­nador que quer ver Gruber eliminado, tanto quanto eu.

— Bons contatos os seus! — Lassiter gracejou.

— Até melhores do que esse — Cord se gabou —, incluin­do um ministro estrangeiro. Eu lhe passarei todos os dados que puder.

— Compreendo por que Logan está preocupado com sua mulher. Ele não tem informações sobre Gruber, mas sabe que Adams é perigoso. Ficou louco da vida com Kit, que prometeu não tirar mais nenhuma fotografia de quem quer que seja.

— Maggie também é impulsiva. Nem sempre raciocina antes de agir. As duas formam uma bela dupla, especialista em nos dar dor de cabeça.

— A diferença é que Kit tem um filho de dois anos. Não pode colocá-lo em perigo. Bem, estarei no escritório a ma­nhã toda. Que tal oito e meia?

— Está bem para mim. Deixarei Maggie no trabalho dela. — Cord hesitou. — Ouça, não gosto da ideia de que ela volte a trabalhar com Logan, mas não desejo outro confronto. Tive de trazê-la à força do hotel para cá.

— Tenho dois agentes mais ou menos disponíveis, que olharão por ela, fique sossegado. Maggie estará segura den­tro do prédio.

— Não subestime Gruber — Cord respondeu, tenso. — Eu fiz isso e quase me custou a vida.

— Ora, todos aprendemos com os erros, quando eles não nos matam. Oito e meia, então.

— Certo.

Após desligar, Cord traçou uni quadro da situação de Maggie. Não desejava ser superprotetor, mas também não a deixaria ao alcance de Gruber para um rapto. Além disso, o criminoso não vacilaria em matá-la, enquanto ela parecia não medir a dimensão do risco que corria. Oculto, sem apa­recer, Cord manteria o olho nela.

Quando June serviu o jantar, Maggie apareceu de jeans e malha de mangas curtas, sem maquiagem e com os ca­belos presos num rabo-de-cavalo. Parecia mais jovem e despreocupada.

Cord observou com discrição Maggie descrever para June um novo tecido que havia descoberto e que cairia muito bem numa saia. Ao que tudo indicava, as duas mulheres esta­vam se entendendo, o que alegrou Cord. Antes, o pensa­mento de que June fosse sua amante só lhe trouxera abor­recimentos.

Notou ainda que Maggie relutava em olhá-lo. Nenhum dos Travis, pai e filha, sabiam por que ela viera instalar-se ito rancho. Cord teria de contar-lhes. Precisava de mais al­guém para auxiliá-lo a vigiar Maggie, sobretudo quando não estivesse por perto.

— Quero que avise Davis também — ele resumiu mais tarde, quando pôs o pai de June a par da situação. — Se eu não estiver aqui, os dois precisam prestar atenção e manter o lugar seguro. Esse Gruber, de quem lhe falei, dificilmente atacará se souber que estou na propriedade, mas nada pos­so garantir se eu não estiver.

— Estou contente porque está aqui, Maggie, onde todos podemos tomar conta de você. — June mostrou-se angus­tiada.

Maggie, desconfortável.

— Bem, ela não veio por vontade própria. — Cord aper­tou os lábios. — Tive de agarrá-la e trazê-la no ombro, gri­tando e chutando.

— Pelo amor de Deus! — Maggie explodiu. — E o que disse àquele casal idoso no elevador!

— A mentira a impediu de voltar a pé pelas escadas, não?

— Amy Barton deveria vê-lo agora. — Meneou a cabeça em desaprovação.

— Garanto que nossa mãe estaria rindo. — Os olhos de Cord brilharam, e ele riu.

June ficou feliz. Fazia tempo que não via Cord rir, ainda mais depois que Maggie voltara a sua vida. Diante dela e do pai, ele sempre parecia intimidado, sério demais. Importava-se apenas com o trabalho e, de vez em quando, homens de aparência rude entravam e saíam da casa, em horários estranhos. Isso punha June tensa quase sempre. Mas agora, com Maggie, Cord estava diferente, menos duro e frio. O que será que a visitante teria feito para mudá-lo assim?

— Descalça e de short! — ela reclamou entre dois goles de café. — Se algum de meus clientes me visse!

— Você comprou um problema que não pode resolver sozinha, Maggie. Mas estava encantadora naquele elevador.

Maggie ficou perturbada, porque não conseguiu replicar à altura. Limitou-se a terminar seu café.

Vendo tevê na sala, Maggie continuava confusa.

— Cord, acha mesmo que Gruber virá atrás de nós dois?

— Não acho. Tenho certeza. — Apesar de sorrir, Cord foi quase ríspido. — Vou me encontrar com Lassiter de manhã e combinar algumas estratégias. Deixarei você cm seu es­critório. Irei com Davis apanhá-la no fim do expediente.

Maggie ensaiou um protesto, abrindo a boca para falar. Desistiu, porém, já que se tratava de um assunto restrito a Cord. Ele já convivia com perigo, ameaças, violência. Nin­guém melhor para lidar com Gruber.

— Não reclamarei, porque você é bom no que faz.

— Obrigado.

— Não estou sendo gentil. Falo com sinceridade.

— Sente-se segura comigo? — Os olhos de Cord reagi­ram, procurando os dela.

— Não sei se iria tão longe. — Maggie esboçou um sorri­so irónico.

— Ah! Agora sim, está me lisonjeando. — Com o contro­le remoto, Cord mudou de canal, sintonizando um antigo filme policial do qual ambos gostavam muito, cm anos pas­sados. — Lembra-se dele?

 

— Sim! —- ela se empolgou. — Eu o via bem aqui, senta­da a seu lado, nas raras ocasiões em que você vinha para casa, nos fins de semana.

— Ainda o vejo. Tenho a fita.

— Eu também — confessou, sorrindo, tímida.

— Pelo menos encontramos uma lembrança boa para nós dois.

Na confortável cama do quarto preparado para ela, Maggie dormiu como um anjo pela primeira vez em meses. Mal acreditava que Cord cuidava dela, sobretudo com as dificuldades e más experiências que vivera fazia pouco.

Tudo mudara. Existia entre eles uma nova ternura, que chegava a assombrá-la. Sentiu-se em casa, de verdade, e Cord se extremava em gentilezas. A despeito da turbulenta atração física que os unia, ainda conseguiam ver televisão como amigos ou discutir política e as novidades dos jornais. Pareciam ter mais em comum, naqueles dias, do que em todos os anos anteriores.

Cord não a tocara de novo. Limitava-se, ao acompanhá-la até a porta dos aposentos, a afagar-lhe de leve os cabelos, agora mantidos presos, e entrava sorridente, satisfeito, em sua própria suíte.

Alvo de atenções e carinho, Maggie chegou a crer que, fossem quais fossem as consequências, eles vivenciavam um período de ouro em seu relacionamento.

Vestida num discreto conjunto azul-marinho, Maggie veio tomar café trazendo a bolsa numa das mãos e seu laptop na outra. Cord trajava calça caqui, com grandes bolsos laterais, camiseta de gola careca e jaqueta de couro. Transmitia po­der e sensualidade. Maggie conteve a vontade de abraçá-lo com força, até sentir os músculos do peito largo.

 

— Você está muito bem, Maggie. Muito bonita e profis­sional.

— Devo cuidar de minha imagem como mulher de negó­cios — rebateu, contente.

— Gosto mais de sua imagem em short. — Sorriu ainda mais, sabendo que a provocava.

Ela se serviu de ovos com bacon, enquanto preparava a resposta.

— Não preciso ser sexy para arranjar clientes.

— Não foi o que insinuei.

— Já soube de mulheres que usam o sexo para fechar negócios.

— Não você. Nunca! Afinal, nem mesmo usa roupas que lhe acentuam as linhas do corpo. Caminha como uma exe­cutiva. Não flerta, nem provoca. — Cord suspirou, franzin­do a testa. — É uma boa imagem de mulher de negócios, sem dúvida, mas não precisava esconder tanto a sua sen­sualidade.

— Meu ramo de atividades o requer.

— Uma mulher não se toma um homem por usar terni-nho e blusa com gravata, meu anjo. É uma das visões mais híbridas, mais desagradáveis que já tive. Já imaginou um executivo de saia e blusa florida? A feminilidade, ao con­trário do que pensa, pode ajudá-la na carreira, Maggie. E me levou dezoito anos até que conseguisse concluir isso.

Ela não sabia mais como conduzir a conversação. Cord entrava em assuntos pessoais, e por isso incómodos. Tinha o dom de interrogar, talvez trazido de sua profissão, e tam­bém conhecia as pessoas só de olhá-las. Não quis servir-lhe de cobaia e, por sorte, ele mudou de conversa:

— Logan ficou furioso com Kit, por causa da foto.

— Acho que foi mais por causa do menino deles. Ela fez algo potencialmente perigoso para Bryce.

 

— Não é só isso. Nesta família, eu é que corro os riscos. Por isso lhe peço para continuar vendendo ações e deixar o trabalho de detetive para os peritos.

Cord tinha razão, embora Maggie não o admitisse. Foi feminista no comentário:.

— Bem, vamos manter as frágeis mulheres longe da li­nha de fogo.

— Frágeis o diabo! — protestou, mas com imprevisto bom humor. — Você é o tipo exato de companheira que eu gosta­ria de ter num tiroteio. Tem nervos de aço e não foge nunca.

Surpresa, ela o fitou com evidente curiosidade.

— Não estamos num tiroteio de verdade, e sim numa ação clandestina de espionagem, querida. Pelo que sei, você não usa armas. Gruber, quando precisa, contrata pistoleiros. Seriam precisos dúzias de mercenários, colegas meus, para manter a fazenda segura.

— Como? — Ela se fez de desentendida. O assunto to­mava proporções que jamais teria imaginado.

— Pronta para sair? — Cord consultou o relógio.

— Sim, quando quiser.

Apanhou a bolsa e o computador portátil da cadeira onde estavam e seguiu Cord para a saída. Ele fez uma pausa para falar com June, decerto alertando-a para manter tudo bem trancado e as janelas fechadas. Colocou seus óculos escuros quando alcançou a varanda.

Na garagem, um caubói vestido de preto manuseava uma espécie de aparelho eletrònico no carro esporte de Cord. Ao lado, um cão pastor alemão farejava tudo. O homem me­neou a cabeça, com aprovação, mas não disse nada.

— Obrigado, Wilson — murmurou Cord. O outro apenas acenou.

— O que ele estava fazendo? — Maggie ocupou o banco do passageiro.

 

— Checando a presença de nitratos.

— Fertilizantes?

— Mais ou menos — Cord anuiu, divertido.

— Não me faça de boba. Já vi esse aparelho em aeropor­tos. Com certeza, não procuravam por fertilizantes agrícolas.

— Você é demais para mim, querida. Wilson e o cachor­ro procuravam uma bomba.

Ela respirou fundo. Depois, caiu em silêncio.

— Não vou esconder mais nada — alertou Cord. — Você é crescida c pode suportar a realidade. Grubcr é o tipo de sujeito que poria uma bomba no automóvel ou em qualquer outro lugar, sem se importar em matar gente inocente. De agora em diante, temos de verificar tudo, e em especial a casa. Tanto explosivos quanto aparelhos de escuta telefónica.

O perigo surgiu real diante de Maggie. Lembrou-se da bomba que quase levara Cord e examinou os ferimentos de seu rosto bronzeado. Não o desfiguravam, mas lhe davam um ar de bandoleiro.

— Admito que tenho sido ingénua.

— É natural. Não está habituada a essas coisas, como eu estou. — Cord ajeitou no nariz os óculos escuros. — Por isso, vamos fazer de conta que estou cego, e você dirige.

— Confia em mim como motorista? Trocaram de banco, e ela empunhou as chaves.

— Terei de aprender a confiar. E não só como piloto de carro esporte.

Com relutância, Maggie assumiu o volante.

Para ela, foi delicioso dirigir o veloz automóvel de Cord. Gostaria de ter um, mas suas economias nunca eram sufi­cientes para um gasto de luxo. Era irónico, porém, condu­zir aquele que sempre fora capaz de cuidar de si mesmo e dos outros a seu redor. Contudo, a farsa da cegueira sem dúvida poderia ajudá-lo a apanhar Gruber.

 

Ao parar, antes de entrar na rodovia principal, Maggie estudou-lhe o perfil incisivo e concluiu que jamais pensara muito sobre o trabalho do irmão de criação. Por longo tem­po, tinham levado vidas separadas, e não o vira ainda em ação.

Por meio de Eb Scott, conseguia informações sobre um ou outro caso que Cord investigava. Lembrava-se de um tiro que o atingira, antes do suicídio de Patrícia. Maggie é que ficara de vigília no hospital, dia e noite, até que ele saísse da unidade de terapia intensiva. Tentara comunicar-se com Patrícia, mas, como o telefone não respondia, Maggie assu­mira que ela estava viajando. Não encontrara ninguém ca­paz de lhe dizer o que ocorrera de fato, e a tragédia só se revelou depois que Cord deixou o hospital e achou o corpo inerte da esposa. Foi algo que o transformou por completo. Depois disso, ele saiu do FBI e dedicou-se a serviços free-ance, aqueles que outros mercenários recusavam, e envol­viam o desmonte de bombas.

Cord pressentiu o conflito interior de Maggie.

— Não gosta do que faço para viver, certo?

— Não — ela foi honesta e adotou uma expressão estóica.

— Não pretendo desistir. Questão de adrenalina, sabe? Quanto maior o perigo, maior a boa sensação.

— Já percebi. — Sorriu com amargor. — É que você não tem família para cuidar.

— Por que diz isso?

— Não consigo vê-lo, com mulher e filhos, desativando bombas em algum lugar do mundo. Nenhuma companheira suportaria esse tipo de pressão. Nenhum casamento duraria.

Ele se manteve calado durante uma parada no sinal de trânsito.

— Jamais pensei em meu trabalho por esse ângulo,Maggie.

 

— Tudo bem, enquanto você só tem a si mesmo com que se preocupar. Pode fazer o que quiser, sem considerar a reação dos outros.

Os olhos de Cord se estreitaram ao fixar a face angustia­da de Maggie. Era óbvio que não falava só por falar. Estava rígida de nervosismo, as mãos apertando o volante com desproporcional firmeza. Chegava a encostar as unhas nas palmas, ferindo-as.

Ocorreu a Cord que ela sabia mais do que ele imaginava a respeito dos riscos que enfrentava, e que se preocupava com sua segurança. Inverteu as posições e meditou em como se comportaria se fosse Maggie a trabalhar com bombas e quadrilhas internacionais. Para seu espanto, sentiu-se mal, cheio de aflição.

Ela pisou demais no acelerador, provocando solavancos no carro. Cord balançou no banco, sem equilíbrio apesar do cinto de segurança.

— Perdão.

Cord nunca fazia movimentos que não fossem graciosos. Devia estar pensando em alguma coisa deprimente. Patrí­cia, na certa, concluiu Maggie. Pobre Patrícia, que o havia amado tanto...

Na chegada ao prédio da Lassiter-Deverell, Cord escol­tou Maggie até o elevador, com o cuidado de verificar para todos os lados. Os óculos lhe escondiam os olhos, e ele ne­cessitava ser guiado por ela. Nada falou até alcançarem o andar do escritório. Estava cismado, para desconforto de Maggie.

— Obrigada por me trazer — ela quebrou a quietude diante da porta com uma placa metálica que anunciava a Deverell Investimentos.

Cord tocou-lhe o rosto, num afago.

— Eu é que agradeço, por você me fazer ver como influ­encio outras pessoas com minhas açòes.

— Concordamos em que não precisaria se preocupar com isso, Cord.

— Chegou a ter insónia, nestes anos todos, preocupada comigo? — Ele estava um tanto pálido.

— Teria de consultar minha agenda... — gracejou. Cord pousou um dedo nos lábios de Maggie.

— Gostaria que você usasse batom vermelho. Se eu a beijasse, todos veriam a marca.

A contragosto, o coração de Maggie acelerou muito.

— Quer tomar um café antes de seu encontro, Cord?

— Se você também me acompanhar... — O toque do indi­cador na boca de Maggie despertou em Cord a vontade de beijá-la ali mesmo, na entrada do escritório. Sentiu a respira­ção arfante, como sempre acontecia quando se excitava.

Mas resistiu ao impulso e retirou o dedo. Pareceu mais imponente do que nunca ao confidenciar:

— Com o que tenho no banco, poderia me aposentar dessa história de bombas e demolições. Já deixou de ser divertido, e eu gosto de criar gado de raça.

— Estamos voltando ao mesmo tema de antes. Eu lhe ofereci café.

Cord dirigiu um sorriso a Maggie com genuíno calor humano, o que tornou seus olhos suaves e a boca ainda mais sexy.

— Você está elegante com os cabelos presos, mas eu os prefiro soltos, caindo sobre seus ombros.

— Aqui eu trabalho, Cord. Não posso distrair os clientes com detalhes sensuais. Seria bastante complicado fugir de um assédio explícito.

— Comigo não precisa se incomodar.

— Você é especial. — Ela deu de ombros.

 

O sorriso se apagou da face de Cord, e o olhar ficou som­brio, como se o comentário o tivesse atingido num ponto sensível.

— Você, sim, é que é especial.

— Pare — Maggie pediu, a fim de evitar mais problemas. — Está me fazendo corar.

Sem aviso, Cord se inclinou e roubou-lhe um beijo.

— Não saia do escritório, a menos que haja alguém com você. Espere-me aqui no fim do dia. Davis me trará de car­ro, já que continuarei me fingindo de cego. Qualquer coisa estranha que aconteça, avise Lassiter ou me telefone. Ou então...

— Ou então?

— ...levo você de volta agora mesmo. — Através dos ócu­los escuros, ele fixou o olhar em Maggie. — Considerando o estado em que me encontro, pode não ser uma boa ideia.

— A que se refere?

Cord baixou o olhar para sua virilha e encostou-a no ventre de Maggie. Gesto pouco cavalheiresco, mas que ele não pôde evitar.

Ela reteve o riso, já que a alternativa seria esbofetear Cord.

— Terá de entrar em abstinência forçada, meu caro.

— Como sabe que me abstenho? Bastante ofendida, encarou-o com raiva.

— Nada tenho que ver com sua vida particular. Por mim, pode ter quantas mulheres quiser, a partir de nossa faxineira.

Para Maggie ficou evidente de que Cord se divertia com sua zanga. Por isso, se voltou, resmungando, e deu com Logan Deverell esperando à soleira, muito curioso.

— O que houve com a faxineira? Perdeu mais alguns dentes?

Para alívio de Maggie, o patrão só ouvira o final da con­versa.

 

— Apresente-me a ela — Cord sussurrou só para Maggie. — Mulheres experientes me empolgam.

Mais uma vez, Maggie conteve a risada, pois não queria avivar ainda mais a curiosidade de Logan.

A secretária de Dane Lassiter levou Cord à sala do inves­tigador. Moreno de olhos escuros, ele ergueu-se da mesa e aproximou-se do amigo mancando, para um aperto de mãos.

— Como vê — disse Lassiter, seco —, tive a minha parte em matéria de danos físicos. Distraí-me durante um tiroteio, quando era patrulheiro do Texas, e levei dois tiros na perna esquerda. Fui aposentado por invalidez, mas hoje sei que isso foi a melhor coisa que me aconteceu.

Lassiter sorriu com brandura, e Cord tirou os óculos es­curos. Ali não havia necessidade de fingir cegueira.

— Minha parte está marcada na face, Lassiter. Tenho sorte por estar vivo e, acima de tudo, por manter a visão.

Com discrição, Lassiter examinou as lesões nas faces de Cord.

— Não pensou em mudar de ramo? Lidar com bombas é suicídio.

— Minha mulher se suicidou — ele lembrou sem rancor. — Creio que já foi punição suficiente para mim.

Lassiter lhe dirigiu um olhar solidário e voltou para trás da escrivaninha. No tampo, coberto de vidro, havia fotos de uma mulher loira e um garoto de seus oito anos, junto com outra, de uma menina um pouco mais nova. O inves­tigador notou a curiosidade de Cord.

— Minha mulher e meus filhos — informou, com orgu­lho. — Tess e eu fomos orientados a não ter descendentes. Ela quase morreu no primeiro parto. No entanto, nunca se sabe o que o destino guarda para nós, não é mesmo?

 

Cord assimilou a emoção contida na entonação do cole­ga. Por certo, a paternidade de Lassiter tinha sido um cami­nho difícil, percorrido com coragem, e agora ele parecia muitíssimo feliz.

— Os dois pequenos querem ser detetives. — Suspirou, com um travo de desgosto. — E minha mulher está na rua, junto com um de meus agentes operacionais. Pode? Conse­guiram grampear os telefones da Feira de Empregos e jura­ram gravar as conversas de Gruber.

Lassiter fitou Cord, que lutava para não rir.

— Dizem que o casamento e os filhos assentam a cabeça de uma mulher. Bobagem!

Cord desistiu de controlar-se e explodiu numa sonora gargalhada. Era o que valiam suas ilusões.

 

LASSITER NÃO ENTENDEU por que Cord ria, e o fitou es­pantado.

— Como conseguiram grampear o escritório da agência? — ele perguntou ao homem mais velho, que se sentou.

— Fingindo-se de exterminadoras de insetos. — A custo Lassiter reprimia a irritação.

— E posso saber por que a agência pediu esse serviço?

— Por que não? -— Lassiter empolgou-se. — Tess e Morrow compraram baratas e ratos num fornecedor de laboratórios, puseram numa caixa c os soltaram às escondidas dentro da Feira de Empregos, quando só estava a faxineira, depois do expediente. Interceptaram a chamada para a firma dedeti-zadora e fizeram o serviço sem levantar suspeitas. Gruber e Adams, no máximo, devem ter estranhado um pouco o cheiro da sala.

— Bem, eu diria que foi inovador. E corajoso. Baratas e

ratos!

— Tess vem se tornando uma boa detetive — Lassiter elogiou —, embora me preocupe o mau exemplo dado a nossos garotos. Eles já conseguiram gravar uma conversa da professora com o namorado. Por sorte, apanhei a fita antes que houvesse maiores consequências. Estão rindo até hoje, os diabinhos.

— Pelo jeito, formarão uma dupla formidável, no futuro.

— Então, o que tem a me dizer sobre Gruber?

 

Cord tirou um fino envelope dobrado de dentro de seu paletó e colocou-o na mesa.

— São documentos, fotos e dados confidenciais sobre Gruber e outro elemento chamado Stillwell, nominalmente o presidente da Global Empreendimentos. Essa é a multi­nacional fundada, segundo acredito, como fachada para as atividades ilegais do grupo. Tem ligações diretas com Gruber, mas até hoje ninguém conseguiu provar. Se conse­guirmos isso, será uma façanha. A empresa é conhecida por recrutar crianças para trabalho escravo, com grandes lucros, e a Feira de Negócios cuida de parte do suprimento de mao-de-obra infantil. Esteve sob recente investigação na África. Eu mesmo a espionava quando Gruber descobriu e plantou uma bomba em Miami, para estourar minha cabeça.

— Não existe um registro de nomes dos diretores, na Junta Comercial?

— Também poderia ser pura fachada, mas um de meus homens trabalhou no assunto. Um desses diretores mora em Amsterdã e foi acusado, mas não condenado, por explorar pornografia e prostituição infantil. Há outro, espanhol, que vive no Marrocos, ligado ao lenocínio. Pena que sempre tenham algum laranja para manter as aparências e escapar da lei. Podemos chegar a Gruber se cavarmos o suficiente dentro do poço.

— Como obteve registros da CIA e da Interpol, se é que posso perguntar? — Lassiter mostrou admiração ao manu­sear os papéis.

— Não pode.

— Estamos fazendo algo ilegal, Cord?

— Não. Eu mesmo tive dúvidas, quando comecei. Fique sossegado.

Lassiter voltou aos documentos, e o deslumbramento se manteve.

 

— Isto é interessante... Alvarez Adams tem laços finan­ceiros com a Global, mas Feira de Hmpregos, não. Sabe mais algum detalhe sobre isso?

— Apenas o que está escrito aí. Esse é um tipo de pesqui­sa difíci), mesmo para especialistas, agora que estamos na era eletrônica.

— Eu também não saberia interceptar computadores, mas um antigo agente meu trabalha para o FBI, fora de Wash­ington, e um colega dele investiga as plantações de cacau na Costa do Marfim, assim como minas de cobre e fazen­das de gado na América do Sul. Já é fato conhecido que milhares de crianças trabalham ali, sem pagamento, quase sem comida. O problema é que, embora os países envolvi­dos queiram cooperar, eles não têm recursos para combater uma multinacional que lida com bilhões.

— Essa é a chave da situação, Lassiter: dinheiro. Tudo se resume a muito dinheiro.

— Mundo triste, não? — Lassiter refletiu. — Mas não podemos sentir piedade dessas crianças enquanto mulhe­res latino-americanas entram clandestinas nos Estados Uni­dos para viver como prostitutas. Em geral, elas são engana­das por cafetões com promessas de bom emprego e vida decente. Nunca imaginei a enorme dimensão do problema, até que passei a investigar Adams. Tsso me vira o estôma­go. Esse pessoal tem de ser detido.

— E será, Lassiter. Só não podemos atacar sozinhos uma organização tão poderosa. Precisamos de retaguarda oficial, além de uma boa força de trabalho recrutada nas agências do governo.

Lassiter sorriu. De uma gaveta, tirou uma pasta que pas­sou a Cord.

— Você ainda não viu isto, camarada.

 

Intrigado, Cord a abriu c assoviou de espanto. Tratava-se de uma lista das conexões com que Lassiter podia contar.

— E eu que pensava que tinha bons contatos!

— Nem todos são contatos efetivos, apenas colaborado­res em potencial. Vê o nome no fim da lista?

— Está certo e o reconheço. — Balançou a cabeça, con­vencido. — Tenho mesmo um primo que trabalha com ex­portação e importação em Tânger. Antes de procurar saber de meus parentes, achava que só tinha um primo mais ve­lho em Andaluzia, perto de Málaga.

— Você perdeu seus pais aqui em Houston, não?

— Sim, no incêndio de um velho hotel. Não existiam fa­miliares próximos, embora eu tenha a cidadania america­na por causa de minha mãe. De fato — acrescentou, tristo­nho —, não fosse por Amy Barton, não sei o que teria sido de mim.

— Não me recordo do incêndio em si, mas li a esse res­peito. Os jornais deram pouca cobertura na época, pois o fato coincidiu com um escândalo sexual em Houston, en­volvendo dois pedófilos. Foram condenados à prisão per­pétua, mas um deles acabou assassinado dentro do presí­dio. E um mundo perverso, repito.

— Sim, mas...

Antes que Cord pudesse completar a frase, uma mulher elegante, de cabelos loiros, entrou na sala exibindo uma fita cassete na mão, como um trofeu.

— Dane, adivinhe o que nós conseguimos!

A expressão de Lassiter se tornou estranha. O ar inteli­gente foi eclipsado por uma expressão atormentada. Quase saltou da cadeira e avançou para Tess, esquecendo-se por completo de seu defeito físico na perna.

— Sua louca, teimosa! — O vocabulário terminou aí, pois a mulher avançou para o marido, e ambos se beijaram com violência e paixão.

 

Cord ficou sem fôlego e estranhou aquela explosão emo­cional num homem que parecia gélido e controlado como Lassiter.

Depois do beijo, Tess, por fim, notou Cord na sala e con­cedeu-lhe um sorriso amistoso. Lassiter não a deixou ir embora. Ainda a enlaçava pela cintura quando comentou:

— Baratas, ratos, grampos telefónicos! Pelo amor de Deus!

— Estou muitíssimo bem, querido. — Tess Lassiter afa­gou os cabelos negros do marido. — Morrow me ajudou o tempo todo. Você o roubou do FBI. Ele é muito bom.

— Maldito Morrow! — Por incrível que parecesse, o ve­terano investigador continuava com raiva, como se a espo­sa se tivesse exposto a uma metralhadora.

— Nunca corri perigo, Dane. — Ela sorriu de novo. — Nunca fiquei sozinha em toda a operação.

Lassiter, então, percebeu a realidade e voltou a beijá-la.

Cord sentiu-se como um voyeur diante dos dois. Sabia que estavam casados fazia nove anos, mas ainda existia muita atração e afeto entre eles. Era quase tangível.

Lassiter tornou para trás da mesa, conduzindo Tess pela mão. Sentou-se e deixou-a a seu lado, segurando seu ombro.

— Desculpe-me, querida. Você correu riscos, sim. Não quero mais saber de Morrow.

— Morrow é simpático, Dane, e tudo o que fez foi por minha causa. Para ele, receber ordens da patroa era como ouvi-las de você. — Então, dirigiu-se a Cord, rindo. — Acho que não é preciso mais me apresentar.

— Este é Cord Romero — Lassiter fez as vezes do anfi­trião. — E Tess é a fonte de minha úlcera.

— Ah, você é o irmão de Maggie Barton! Cord retesou os músculos faciais.

— Irmão de criação. Amy Barton nos criou, mas não há parentesco entre nós.

 

— Perdão — Tess corou um pouco. — Maggie nunca me explicou.

Era irritante ouvir isso. Maggie merecia uma lição.

— Entào... — Lassiter interpelou Tcss, ante a expressão angustiada de Cord. — ...o que há nessa fita que justifique minha preocupação por você?

Ela sorriu, orgulhosa, antes de responder:

— Uma pista que pode ligar Gruber àquela empresa multinacional para a qual Adams trabalha. Está bem aí, gravado com voz própria. O presidente da empresa se cha­ma Stillwell, e também está na gravação.

Lassiter não pôde deixar de rir.

— Meu tormento, minha vida! — murmurou, olhando para cima, com a face brilhante.

Tess se inclinou e beijou-lhe a fronte.

— Também amo vocc, meu querido. Bem, agora vou to­mar café. Não seja duro com Morrow. Ele foi muito prestativo.

— Falaremos disso mais tarde. Quer alguma coisa, Cord?

— Obrigado, eu e Maggie já tomamos um café completo. O investigador tirou uma nota de dinheiro do bolso e

passou-a a Tess.

— Mais nenhum problema hoje, hein?

— Eu pretendia vigiar Adams quando ele fosse ao banco....

— Fora!

Tess torceu o nariz para Lassiter e contemplou-o com um olhar que poderia ferver água fria. O homem fechou a por­ta e levou cerca de um minuto para voltar à realidade do encontro com Cord.

— É serio que estão casados há nove anos, Lassiter?

— Quase. Para ser franco, parecem nove dias. — Exalou um suspiro. — Vamos ouvir a fita.

Ele preparou o gravador, e Cord se aproximou mais. A imagem de Lassiter c Tess, em explícita excitação mútua, continuava a persegui-lo. Jamais lhe ocorrera que um lon­go casamento pudesse mau ter-se tão vivo, compatível com uma calorosa relação de amor e paixão. Fora um choque em suas opiniões racionais.

Teve de concentrar-se no som quando a fita começou a rodar. Ouviu sem muito empenho, conhecedor que era do conteúdo, até que algo lhe chamou a atenção: a voz de al­guém que Adams identificava como Stillwell. Lassiter parou a reprodução.

— Esse então é o presidente e chefe visível da Global Empreendimentos. Se tiver escritórios em nosso país, as agências oficiais gostarão de saber. Ele tem sede no Marro­cos, e os esforços do governo local para denunciá-lo por exploração infantil foram em vão. Poder e dinheiro dão imunidade num continente onde a renda anual por habi­tante não chega a trezentos dólares.

O investigador fez um esgar e falou algo que Cord já sabia:

— Alguns pais vendem seus filhos, sem perceber o que estão fazendo. A empresa lhes dá dinheiro adiantado pelo trabalho das crianças, e ainda diz que elas vão ficar ricas no exterior. Quando percebem o que ocorreu com os garotos, é tarde demais. A maioria nem pode mais ser localizada.

Na gravação, que Lassiter religou, Adams contava que uma jovem o havia abordado, e a seu companheiro, na cal­çada da Feira de Empregos, no dia anterior. Conseguira identificá-la como a irmã de criação de um velho inimigo, chamado Cord Romero.

Cord trocou um olhar preocupado com Lassiter. Na sequência, o presidente Stillwell informava aos demais que a Interpol o vinha investigando, mas que tinha certeza que nada descobririam de ilegal. O tom era sinistro.

 

Chegou a vez de Gruber falar. Cord reconheceu-lhe a voz e avisou Lassiter. Gruber mencionava a vigilância que a agência de Lassiter mantinha sobre Adams. Disse que tinha observado uma segunda mulher, de cabelos também negros, na janela do restaurante, com uma máquina fotográfica. Pela descrição, Adams soube se tratar de Kit Deverell, uma agen­te a serviço de Lassiter. Ouviu-se um xingamento pesado.

Segundo Gruber, um de seus comparsas estava encarre­gado de dar fim a Cord Romero, porque ele ajudava as agên­cias governamentais a investigar a imigração ilegal para os Estados Unidos. Uma bomba, plantada em Miami, Cord não conseguira desativar. Mas, infelizmente, não fora atingido a ponto de morrer. Ficara cego, e mesmo assim exigia cui­dados especiais, porque era um profissional muito compe­tente. Não seria má ideia, Gruber acrescentou, sequestrar Maggie Barton, fazendo Romero pensar duas vezes antes de prosseguir em suas ações. Ele conhecia alguém capaz de tratar disso.

Cord quase saltou do assento ao registrar a ameaça.

— Eu não tinha antecipado essa possibilidade, Cord.

— Mas não deixa de ter lógica. Se Gruber mandar alguém atrás de Maggie, recrutarei todos os mercenários que conhe­ço para dar segurança a ela. Suponha que eu tire Maggie do país, enquanto você reforça as investigações sobre Adams. Eles ficarão confusos e assustados. Adams poderá achar que errou em sua identificação e baixar a guarda.

Lassiter passou os dedos entre os cabelos, com os olhos brilhando.

— Sabemos que Gruber tem conexões em Tânger e Ams-terdã, assim como em Madri. — Cord apertou os lábios, raciocinando rápido. — Ele acredita que estou cego e, por isso, fora de combate. Pode imaginar que Maggie esteja cuidando de mim e até desistir de seus planos de assassinato. Suponha que eu vá visitar meu velho primo na Espa­nha, com Maggie.

— Acho que isso vai expor vocês a um perigo ainda maior.

— Mas também Gruber pode ser afetado, se ele e Adams relaxarem, achando que estou tora de seu caminho. Não sabem que temos essa fita, que os liga a Stillwell. Enfim, terei mais liberdade para retraçar as conexões de Gruber na Eu­ropa e na África. Usarei óculos escuros, e Maggie me con­duzirá pelo braço, em público. Se Gruber nos seguir, não pensará que sou capaz de fazer alguma coisa contra ele. Enquanto isso, gostaria que você concentrasse sua espiona­gem na Feira de Empregos e na Global da Costa do Mar­fim. Fará isso?

— Gostei do plano... Entrar sem ser notado no campo inimigo e atacar quando ele menos espera...

— Exato. Além disso, posso convocar velhos companhei­ros que adorariam pôr as mãos em Gruber. Todos têm al­guma cicatriz provocada por ele. Fora dos Estados Unidos, as coisas se tornarão mais fáceis. Tenho bons contatos, en­quanto Gruber não contaria com muita cooperação para agir.

— Pode funcionar, Cord, meu velho. Mas não deixa de ser muito perigoso. E se Maggie não quiser ir?

Cord não ponderara sobre essa possibilidade, e arqueou as sobrancelhas.

— Você não conhece Maggie, Dane. Ela tem um forte espírito de aventura, gosta de correr riscos. O que não sig­nifica que permitirei que se meta em encrencas.

— Uma mulher especial, sem sombra de dúvida.

— Muito. E boa companheira debaixo de fogo cruzado.

— Mantenha contato.

— Pode apostar.

Cord recolocou os óculos escuros e sentou-se na sala de espera, até que Red Davis aparecesse com a picape para levá-

 

Io de volta ao rancho. Apreciou ser visto por todos os que entravam ou saíam.

Em seu escritório, Lassiter resolver explorar a fita cassete e descobrir mais alguma coisa. O que escutou lhe causou um nó na garganta.

— Não podemos visar Lassiter, e Cord tem muitos con-tatos — dizia Stiliwell. — Mas há um outro elemento im­portante nessa história: Maggie Barton. Sei de detalhes so­bre ela que vocês não conhecem. Tenho vídeos e fotogra­fias. Foi difícil consegui-los, mas esse material a deterá. A garota tem um passado que quer manter escondido. Se con­tarmos a ela o que temos, impedirá Romero de nos aborre­cer. Garanto que ele cessará as investigações, e estaremos seguros.

— Tem certeza? — Gruber perguntava, incrédulo.

— Só sei de uma coisa que poderá deter Romero: uma bala na cabeça. Mesmo cego, o cretino é perigoso. E se Lassiter se associar a ele? Romero sabe muito sobre mim. Demais, até. Mas deve ter algum afeto pela irmã de cria­ção. Podemos assustá-la, e a moça se encarregará de parar Romero.

— Pode tentar. — Gruber não parecia convencido. — Mas, se não funcionar, entrarei com meus métodos.

Nada mais de interessante havia na gravação, e Lassiter desligou o aparelho. Ponderou na sequência dos aconteci­mentos enquanto dividia bolo e café com Tess. Embora ousada, sua mulher não faria mais nada que pudesse abor­recer o marido. Outro dia, talvez...

Ela voltou para seu canto, e Lassiter desceu até a agência de Logan Deverell, para falar com Maggie.

Maggie Barton se despedia de um cliente quando Lassiter entrou e pediu para falar-lhe em particular. Preocupada,fechou a porta, enquanto a secretária de Logan não escon­dia a curiosidade.

— Aconteceu algo com Cord, sr. Lassiter?

— Não, está tudo bem com ele. Mas temos uma conversa que foi gravada no escritório de Alvarez Adams. Um de seus comparsas alega que tem um material potencialmente da­noso a você: videoteipes, fotos...

Maggie empalideceu a ponto de ficar quase da cor da parede. Lassiter a ajudou a sentar-se c procurou algo para abaná-la. Amaldiçoou Stillwell, em silêncio. Esperava que estivesse mentindo, mas era óbvio que não estava.

— Cord ouviu? — Maggie esfregou o rosto entre as mãos tremulas.

— Não. Já havia saído de minha sala.

Ela engoliu em seco e, agora, a face não se mostrava bran­ca, e sim vermelha sob um fluxo radical de sangue.

— Nunca revelo dados pessoais, Maggie, nem mesmo a Tess. Trato esses assuntos em absoluto sigilo. Qualquer coi­sa que me diga, não sairá desta sala.

Já era alguma coisa, um consolo. Maggie entendeu por que Kit Deverell gostava tanto daquele homem taciturno. Hesitou por um minuto, antes de admitir:

— Sei das fotos e da fita de vídeo de que está falando — ela disse, num fio de voz. — Podem destruir minha vida. Eu morreria se Cord soubesse da existência desse material.

— E tão grave assim?

— Você não é capaz de imaginar o quanto.

— Conte-me.

Maggie jamais esperara ter de contar a alguém. Muito menos — quem diria? — a Dane Lassiter. A agonia do pas­sado queimava dentro dela. Era como uma chaleira ferven­do. Mas, afinal, poderia ser bom revelar o que tinha aconte­cido, sobretudo a um ouvinte educado como o investigador,

 

Dane escutou tudo com atenção e, no fim do relato, pare­cia muito pálido. Nada comentou, porém, nem exibiu des­gosto ou compaixão.

— Cord não sabe, Maggie?

— Amy nunca ihe contou. — Maggie meneou a cabeça. —- Eu tentei, uma vez, mas não consegui. Mudaria tudo entre nós. Ele poderia me odiar.

— Por quê?! Deus do céu, nào foi sua culpa!

— É o que se poderia alegar. — Ela exibiu um triste esgar. — Todos olhariam para mim como se eu fosse suja.

— Cord não faria nada disso. Ele é capaz até de matar alguém, mas nunca você.

Maggie baixou os olhos e ficou encarando o chão.

— Esse é um perigo que não desejo correr, sr. Lassiter — afirmou, ansiosa. — Cord tem um velho ressentimento de mim. Até há pouco, ele me considerava uma pedra em seu sapato. Desde que voltei do Marrocos, mostrou-se gentil, e não posso perder seu respeito.

O veterano investigador poderia dizer que isso não ocor­reria, mas o que fazer se ela estava tão aterrorizada? O medo se estampava em seu semblante, em seus olhos arregalados.

— Bem, não contarei nada. Mas há algo importante que deve saber, Maggie. Gruber está convencido de que Cord tem de ser morto, e você serviria de caminho para uma emboscada, já outro malfeitor, Stillwell, cré que a chanta­gem sobre você, com as fitas, funcionará melhor.

— E o que posso fazer? — Estava à beira das lágrimas.

— Sozinha, nada. Mas Cord tem um plano para tirá-la do país e deve expô-lo a você. Não entre em pânico. Gruber é um rato, mas não é invulnerável.

Aquela altura, Maggie já não ouvia direito. Só pensava nas informações que os inimigos de Cord tinham sobre ela e que nunca poderiam ser barradas.

 

— Essas provas que Stillwell possui podem ser elimina­das — garantiu Lassiter, em contradição com os pensamen­tos dela. — Nada tenho a ver com o caso, oficialmente, mas alguns amigos se disporiam a ajudar.

— Ótimo! — murmurou, irónica. — Poderíamos anun­ciar a perda do material pelos jornais!

— Não seria assim. Conheço alguns segredos de pessoas influentes. Seria uma troca de gentilezas, depois de alguns contatos importantes. Deixe tudo isso comigo, Maggie. É por esse motivo que estou neste negócio de espionagem.

O pranto enfim banhou as faces de Maggie, mas ela era orgulhosa demais para deixar que Lassiter visse. Elevou o queixo e girou o corpo, a fim de escondê-las.

— Obrigada, sr. Lassiter.

— Você devia fazer algum ripo de terapia.

Hla ignorou o comentário, por bem-intencionado que fosse.

— Agradeço que tenha revelado para mim tudo o que descobriu. Não contará a Cord?

— Tem minha palavra de honra. Entretanto, não o subes­time. Se Cord se sentir ameaçado por Gruber, reagirá com toda a violência.

— Ele faz um trabalho perigoso, e sei que é competente. Apenas não gosto de considerar os pormenores.

— Acredite, Romero é formidável, e você está segura com ele.

— Sei disso. — Sorriu para Lassiter pela primeira vez, após secar as lágrimas, discreta. — Gostaria de me dar um emprego? Posso aprender depressa o negócio, e até a atirar. Julgo-me melhor como detetive do que como corretora de investimentos. E fico muito bem numa daquelas capas com­pridas de espião.

Embora espantado com o pedido, Lassiter se alegrou por ver que Maggie se recuperara tão depressa da adversidade.

 

— Vou pensar a respeito, Maggie. Enquanto isso, farei o possível e o impossível para reunir provas contra a Feira de Empregos e a Global Empreendimentos.

Ela não verbalizou o que lhe ia no íntimo: a exposição dos criminosos levaria direto a sua própria exposição. Eles eram o tipo de gente que faria tudo para vingar-se, e Maggie estava vulnerável. No entanto, agradeceu a Lassiter, como um convite para que saísse.

— Todos temos segredos que não gostaríamos de revelar — ele comentou, tranquilo. — Informação c a moeda dos chantagistas, em especial nas altas camadas da sociedade, onde se pensa apenas no lucro, e não na dor que causam.

— É verdade.

— Não se preocupe com os arquivos de Stillwell — Lassiter insistiu. — Porem, acho que será uma vantagem para você contar tudo a Cord.

— Isso exigiria mais coragem do que tenho, devo con­fessar.

Nesse momento, Lassiter sentiu compaixão por Maggie. Gostaria de fazer muito mais do que podia. Desejava adian­tar o que Cord tinha em mente, com a viagem à Espanha, mas julgou que ela não demoraria a saber. Ao despedir-se e sair, o investigador já ponderava sobre uma maneira de surrupiar os documentos do escritório de Stillwell.

Maggie ainda não tinha sentido a agonia de um contato direto com os inimigos de Cord, mas então um telefonema a fez estremecer.

— Você é esperta — afirmou a voz ao telefone, assim que ela se identificou. —- Por isso mesmo, tire Romero da joga­da. Temos um vídeo interessante seu, em posições... diga­mos... comprometedoras. Como Romero reagirá se vir a fita? Você é repugnante, srta. Barton!

— Maldito canalha! Covarde!

 

— Não desafie a sorte, garota. Faça Romero desistir de espionar a Feira de Empregos. E depressa. Ou vai se arre­pender de aparecer nos jornais e na televisão.

Desligaram.

Maggie saiu de sua mesa como um zumbi. Entrou no banheiro, travou a porta e vomitou.

No fim do dia, menos nervosa, ela se forçou a considerar a ameaça mais branda do que era. Pensamento positivo, prometeu a si mesma. Também considerou, agora com hor­ror, as vítimas da Feira de Negócios e da Global Empreen­dimentos. Com maior pavor, todavia, imaginou o amado rosto de Cord quando ele visse os videoteipes. A hostilida­de do passado voltaria inteira, mais intensa, e não suporta­ria sofrer novas rejeições.

Foi-lhe penoso fingir calma quando Cord veio apanhá-la no fim da tarde, usando óculos escuros e com Davis ao volante da picape. Haveria maneira de contar-lhe as amea­ças recebidas? A menção de Cord a tirá-la do país não era convincente. Podia ser perseguida mundo afora, sob o de­safio de ver revelados seus segredos.

— Você está circunspecta demais — Cord observou, quan­do Davis estacionou na garagem e retomou seu trabalho normal.

— É que tive um dia difícil. — Ela forçou o sorriso. — Não se preocupe. Por acaso pretende ir comigo ao Taiti e virar um vagabundo de praia?

— É muito quente, lá. Nós vamos para a Espanha.

— Espanha?!

Cord enlaçou-a pelo ombro e fitou-a nos olhos.

— Sério. Gruber fez ameaças veladas a nós dois. — Ele preferiu não revelar como sabia disso, desconhecendo que ela havia conversado com Lassiter. Cord não compreendeu por que Maggie empalidecera. — Quero tirar Grubcr de circulação, com a ajuda de Lassiter. Se ele se descuidar, te­remos uma chance. E, se deixarmos o país, Adams, Gruber e Stillwell crerão que ficaram livres da pressão. O que fare­mos é visitar meu primo mais velho, na Andaluzia.

— Gruber não seguiria você até a Espanha?

— Sou um homem cego! — disse, com cinismo. — Que perigo posso trazer para ele?

— E apenas uma suposição.

— Sempre existe a possibilidade de algum risco, mas posso protegê-la. Tenho alguns bons amigos por lá, que sabem trabalhar a distância. Em todo caso, estará mais se­gura fora do que dentro dos Estados Unidos.

Maggie se eximiu de pensar no assunto. Dedicava seu esforço mental a guardar os temores no fundo da consciên­cia. Não podia negar que Cord lhe oferecia aventura c, além disso, sua própria companhia. Seria a oportunidade de par­tilhar com ele um sentimento vivo e marcante, tantas ve­zes adiado. Se acontecesse o pior — um atentado fatal —, pelo menos Maggie teria vivenciado todo o amor de que era capaz.

Do mesmo modo, se ela morresse, ele nunca saberia a verdade sobre ela. A perspectiva tornou-se excitante.

— Já estou me vendo com uma arma e uma capa de espia. — Maggie esboçou um sorriso radiante. — Quase pedi para o sr. Lassiter me empregar, mas a viagem parece mais rica em aventura. Chame a Interpol, e ela surge do nada. Por acaso o equipamento inclui aqueles comprimidos de cianeto, para suicídio repentino?

Cord deu risada, deliciado com a coragem, o bom humor e a elegância de Maggie. Admirava-a mais do que qualquer mulher que conhecia. Acariciou-lhe a face com a mão vi­brante.

— Só o que terá consigo é um mercenário ferida e uma pistola .45.

— Não tão ferido assim... — Ela avançou para ele e tirou-lhe os óculos, tocando sua pele com as feridas quase cicatri­zadas. — E com muita sorte!

Cord a olhou com desesperança, traído pela saudade de novos contatos íntimos. Pareceu-lhe que a Maggie ocorria o mesmo.

— Sim, senhora, com muita sorte!

Hesitante, ela continuava perdida em suas cismas.

— Cord, você está planejando apenas uma visita a seu primo espanhol?

Ele coçou o nariz.

— Não se incomode com isso, agora. Para todos os efei­tos, estaremos saindo para as férias de um cego. Você será meus olhos. Nossos inimigos acharão que conseguiram nos intimidar. Ou seja, daremos a Gruber um pouco de corda, para ele se enforcar nela.

 

Maggie PREPAROU uma mala pequena, com rodinhas, pen­sando em ganhar agilidade numa escapada heróica com Cord. Não se questionou por que ele, que nunca fugia de uma boa encrenca, estava tão ansioso para cessar a investi­gação sobre o homem que quase o havia matado.

A viagem, no entanto, a livraria do medo de Adams e seus associados. Estariam ambos em paz na Espanha, ainda que por tempo limitado.

Naquele momento, a Feira de Empregos e os arquivos ameaçadores de Stillwell poderiam ficar para trás. Maggie estaria a salvo de represálias e, quase como um efeito colateral, surgiu a fantasia de conviver com Cord e tornar-se parte de sua vida. Dispunha-se, sem receio, a dividir com ele a caçada, o perigo, a excitação. Quanto mais durassem, mais valeria a pena!

Com roupa esporte e os fartos cabelos pretos bem pen­teados, Cord entrou na sala e estranhou a única peça de bagagem, cujos rodízios Maggie experimentava.

— Só uma?

—- Não tenho tanta roupa para levar, Cord. Porém, sepa­rei algumas jóias de minha mãe e fotos de meus parentes.

Antes, ele nunca considerara a escassez das lembranças materiais de Maggie. Estava na mesma situação, ou pior. Tudo o que os pais tinham se queimara no incêndio. Resta­va-lhe o primo espanhol, que talvez conservasse alguns retratos de família. Logo saberia ao certo.

— Não herdou nada da bisavó que lutou com Pancho Villa? — ele a provocou.

Maggie fez que não, sem querer revelar que todas as poucas posses dos familiares, na época, haviam sido con­fiscadas pelas autoridades mexicanas, que mudavam a cada momento. Nunca quisera saber o destino de sua velha casa c nunca reclamara sua posse.

Cord achou curioso que ela mantivesse uma estranha atitude quanto a bens materiais. Não acumulava objetos, inúteis ou não. Em comparação a outras mulheres, vivia de forma quase espartana.

— Se tivermos filhos, cies mal contarão com a roupa do corpo.

Maggie se forçou a não reagir ao comentário de Cord, que a feriu. Até mesmo sorriu.

— Fale por si próprio. Meus filhos terão do bom e do melhor.

— Tem mesmo planos para pôr algumas crianças no mundo?

— Os mesmos que você tem para começar sua própria família com alguém — retrucou, irritada. — E que Deus ajude sua mulher, que ficará cm casa rezando para você não estourar a cabeça.

Cord não respondeu com bom humor, como Maggie es­perava. Pareceu muito sóbrio naquele momento:

— Se eu me casar novamente, ficarei na fazenda, cuidan­do de meu gado Santa Gertrudis. Talvez aceite algum tra­balho eventual de consultoria para ações de antiterrorismo.

— É esperar para ver...

— Não está a par, Maggie, mas meu trabalho perigoso talvez seja uma autopunição para o suicídio de Patrícia. De qualquer modo, senti-me culpado.

 

Ela não soube o que dizer. Cord havia amado Patrícia, que correspondera a seu sentimento. Maggie desconhecia, na prática, esses assuntos de amor recíproco. Nunca vivera nenhum.

— O casamento é um risco, mesmo quando o casa) se ama — filosofou, lembrando-se com tristeza de seu próprio matrimónio. — Não se pode ter pressa, a meu ver.

Uma inesperada onda de ciúme invadiu Cord. Maggie se casara depressa demais, e com um homem sádico. E então?

— Vamos? — ela propôs, rumando para a porta.

Com deleite, experimentou as mãos quentes e vigorosas de Cord cm seus ombros, retendo-a. Pôde sentir a respira­ção dele no rosto.

— Se eu apenas soubesse o que seu marido banqueiro estava fazendo com você...

— Teria se incomodado? Nunca se importou que eu ficas­se fora de seu caminho. Chegou a me dizer isso, não lembra?

Ele fechou os olhos, ante a recordação desagradável. Havia falado uma porção de coisas, algumas insultantes, sem querer. Agora se envergonhava, desgostoso consigo próprio.

— Perdão, Maggie. Sinto muito.

— Vamos chamar a imprensa? Mais um ponto para Cord Romero.

— Não sou muito bom em pedir desculpas — ele se jus­tificou.

— Mas não precisa ser. Você nunca está errado! — Ela sorriu com maldade. — Agora, vamos?

— Há algum incêndio por aqui? Cord não tinha pressa. Maggie livrou-se das mãos dele.

— Acho que os maus relacionamentos são como espelhos quebrados. Podemos colar e restaurar, mas a imagem nunca mais será a mesma. — Mostrava-se serena demais. — Você não gosta de mim de fato, Cord. Gruber lhe fez amea­ças, e está me protegendo, porque é seu trabalho. Mas, de­pois que o perigo passar, tudo voltará à mesma. Talvez você me tolere, à margem de sua existência. Nada mais. E eu quero a liberdade, quero um recomeço. Preciso me livrar do passado.

— Pois fugir dele não resolve nada.

— Resolve sim, Cord.

As feições dele estavam transfiguradas por uma infelici­dade real. A dela não foi menor quando se lembrou das fi­tas que Stillwell possuía. Seus sonhos estavam acabados.

Cord não compreendeu sua atitude. A relação dos dois vinha crescendo em intimidade, física e emocional, desde o flerte dele com a morte. Só que, pelo jeito, Maggie dava passos gigantescos para trás, logo quando ele se abria para ela.

— Por que não vive um dia após o outro, Maggie? Ela riu, sem achar graça nenhuma.

— Não adianta. Nada mais adianta. Por favor, pode­mos ir?

— Ainda preciso de uma palavrinha com June.

— Nesse caso, levarei minha mala para fora e...

— Não fará isso. Wilson foi ao celeiro, com alguns va­queiros, e o pai de June e Red Davis estão fora. Não há nin­guém no pátio. Temos de esperar.

— Certo, Cord. — Sentou-se no sofá e fez menção de aguardar com paciência.

— Não vai discutir comigo? — ele se surpreendeu.

— Ainda não tenho uma arma.

— Pode desistir, se espera que eu lhe dê uma. Anos atrás, quando quis ensiná-la a atirar com um rifle, você quase acertou meu pé.

Já naquela época, a proximidade de Cord tirava a con­centração de Maggie. Todo seu corpo reagia a ele, com ar­doroso desejo. Claro que não iria contar-lhe isso.

— Você não me falou que o rifle era tão pesado, nem que dava um tranco para trás — ela se defendeu. — Agora, posso atirar com mais segurança.

Também não contou que havia aprendido a lidar com pistolas. Eb Scott lhe tinha ensinado, durante seu breve noivado.

— Você foi noiva de um soldado profissional, Maggie. Eb deve ter lhe dado lições de tiro.

— Ele estava ocupado salvando o planeta, como diziam

— zombou.

— Nunca lamentou não ter se casado com ele?

— Éramos ótimos amigos. — Maggie meneou a cabeça.

— Nada mais do que isso.

— Então, por que pretenderam se casar?

"Porque você se casou com Patrícia!", queria dizer. Cord havia entrado na sala de Amy Barton trazendo a pequena loira pela mão, ignorando a presença de Maggie e anuncian­do que estavam casados. Ele enlaçava a mulher pelos om­bros e ambos sorriam, contentes. Maggie simulara um sor­riso incompatível com seu coração partido. Agora podia sorrir à vontade, mas não revelaria a Cord seus sentimen­tos naquela ocasião.

— Eb era maçante — confidenciou vagamente.

Cord a fitou com insistência, por um minuto, antes de ir à cozinha à procura de Jnne. Isso deu a Maggie tempo sufi­ciente para recompor-se.

Em outra situação, Cord voaria para a Espanha em seu bimotor, usado no trabalho da fazenda e em reuniões de negócios. Dessa vez, a farsa de sua cegueira o impedia De pilotar. Assim, Red Davis Foi convocado para levá-los ao Aeroporto de Houston.

— Estamos seguros, Cord? — Maggie quis saber, assim que o avião decolou.

— Ate certo ponto, sim.

Viajavam para Madri de primeira classe, algo que Maggie não previra. Por falta de recursos, sempre voava na classe económica.

No compartimento, havia espaço e luxo,, com a desvan­tagem de mantê-la um pouco afastada de Cord na poltro­na. Tiveram de mudar de aeronave em Nova jersey e, com o longo vôo em perspectiva, Maggie poderia dormir bas­tante. Não conseguiu, porém. Aceitava água toda vez que a comissária de bordo oferecia. Andava pelo corredor, esti­cando as pernas. Ouvia música nos fones de ouvido, desin­teressada do filme açucarado que passava.

Pelo visto, Cord também não se atraiu, porque plugou o computador portátil na tomada e acessou a internet, mos­trando que não queria conversar com Maggie. Como ele ocupava o assento à janela, ela podia levantar-se e caminhar sem incomodá-lo. Enfim, no instante em que fechou os olhos, caiu no sono.

Cord a despertou quando pousavam no Aeroporto de Barajas, em Madri. Maggie levou alguns segundos para re­compor a situação real e, na parada dos motores, apanhou sua mala no bagageiro. Cord fez o mesmo, com sua baga­gem também provida de rodinhas, e teve tempo de abri-la para guardar o laptop.

No saguão, Maggie olhou em torno, viu muitos passagei­ros em trajes muçulmanos e lembrou-se de sua viagem ao Marrocos. Era curioso o contraste das longas roupas e dos véus das mulheres com os jeans e as camisetas usados pe­los turistas jovens. Descobriu que podia ler os cartazes e avisos sem dificuldade. Esse domínio do idioma espanhol lhe trouxe amargas lembranças dos primeiros anos na fa­zenda, ao lado de Cord, que também conhecia a língua. Em anos recentes, doía-lhe tão só ouvi-la.

— Ainda fala o espanhol? — Assim ele rompeu o pro­longado silêncio.

— Não falo há anos.

— Desde que você cresceu — Cord corrigiu. — Você ti­nha um sotaque interessante, meio mexicano.

— Ainda tenho, acho.

— As pessoas eram tolerantes. Imagine ouvir um russo falando castelhano.

Ela riu, sob a expressão acolhedora de Cord.

— Assim está melhor, Maggie. Não sei se era medo, mas você esteve distante durante os dois voos.

— Medo ou não, eu não precisava de encorajamento.

— Não, mesmo? — Cord estudou os arredores, atento, como se procurasse alguém. — Telefonei para meu primo, que se ofereceu para mandar um homem nos pegar aqui, no aeroporto. Eu recusei e disse que preferia alugar um carro. Não gosto da ideia de um desconhecido nos apanhar. Pode ser qualquer um, inclusive um inimigo.

— Existe um serviço de aluguel de carros aqui?

— Sim, existe em toda parte. Venha comigo. Passaram pelo controle de passaportes e, sem demora,

Cord dirigiu-se ao guichê apropriado, onde preencheu for­mulários e recebeu as chaves de um automóvel que brilha­va de tão novo. Saíram depressa ao encontro do alto verão que abrasava a cidade.

— Meu primo Jorge vive ao norte de Málaga. Foi onde Picasso nasceu. Jorge possui uma enorme fazenda, onde cria animais de raça. Na Andaluzia, as fazendas de gado são chamadas de ganaderías. Um antigo Romero, sem parentes­co comigo, foi o pai da moderna tourada. O problema é que Jorge c solteiro, já maduro, c quando morrer a propriedade terá de ser vendida.

— É uma pena...

— A vida continua, eis a questão — disse Cord sem mostrar sentimento. — Você gostará dele, Maggie, que tem histórias incríveis para contar, sobretudo do tempo em que meu pai era um "matador".

— Você precisa me contar isso direito.

— Se ainda não sabe, a Andaluzia é a pátria do flamenco. A dança veio dos ciganos, mas o estilo varia conforme o lugar. Também há ruínas romanas por lá — Cord acrescen­tou, com um sorriso. — Perto, fica a Costa do Sol, paraíso de milionários. Distante da costa, está Gibraltar, ainda uma possessão britânica, e logo depois vem o Marrocos. Mais especificamente, Tânger.

— Adoro Tânger. Gostaria muito de vê-la de novo.

— Talvez tenha uma chance, mais adiante.

— Você terá algum problema em dirigir? A mão de dire-çào por aqui é a comum ou a inglesa?

— Dirigimos pela direita, aqui e em Gibraltar. Claro que os turistas ingleses estranham muito, e há acidentes demais em Gibraltar.

Maggie ficou aliviada, segura ao lado de Cord quando ele removeu os óculos escuros e ligou o automóvel. Não disse, mas pensou que a melhor parte da viagem até Málaga estava na companhia dele.

O campo andaluz era singular, dotado de oliveiras, cipres­tes e velhos castelos desabitados. Os pastos impressionavam pelo tamanho e estavam repletos de cavalos e vacas. Não havia muito tráfego na rodovia, o que deixou Maggie ainda mais tranquila.

Chegaram por fim a um portão de ferro com o nome "Romero" pintado em branco. Cord desceu do veículo para abri-lo, depois avançou pela trilha bem cuidada. Em minu­tos, viram a elegante casa com arcos que lembrava as estru­turas de adobe que Maggie vira no Texas. A fachada era branca, e o telhado, vermelho. Dois cachorros mansos e peludos estavam sentados na varanda, ladeando um homem de cabelos grisalhos que se apoiava numa bengala.

— O primo Jorge c sobrinho de meu avó toureiro — in­formou Cord, parando o veículo. — Figura elegante, não?

— Lembra um aristocrata — Maggie comentou, enquan­to o dono do lugar descia os degraus para cumprimentar os recém-chegados.

Depois de apresentado, Jorge tomou a mão de Maggie e pousou os lábios nela, com um meneio.

— É um grande prazer conhecer a mulher mais impor­tante da vida de meu primo — disse Jorge, sorrindo, num inglês claudicante.

Maggie riu, mas não do sotaque ou do floreio do espa­nhol.

— Sou apenas a irmã de criação de Cord, mas o prazer é recíproco.

— Entrem, por favor — falou o primo, com um olhar estranho. — Preparei dois quartos para vocês. — Hesitou e ergueu as sobrancelhas. — Ou costumam dividir o mesmo aposento?

Dessa vez, Maggie gargalhou, o que encabulou Jorge.

— O dia chegará — murmurou Maggie, sem ousar olhar para Cord.

— Como dizem, não sou um homem moderno... — Jorge se explicou.

 

— Não há problema. — Maggie segurou-lhe o braço. — Eu também não sou.

Dentro da casa, Cord guardou os óculos que segurava.

— Ando disfarçado, primo. Fui ferido por uma bomba, e o homem que fez isto... — Apontou para as marcas verme­lhas no rosto. — ...pode tentar de novo. Na verdade, vim me esconder aqui.

— Precisa me contar tudo! — Jorge esfregou as mãos. — Á violência não me é estranha, você sabe.

O interior da residência de Jorge Romero era imaculado, como que saído das páginas de uma revista. Mármore no piso, com aspecto envelhecido e nobre. Mobília em carva­lho maciço, sofás com revestimentos de couro. O teto enta­lhado de madeira era uma obra de arte. De resto, tapetes persas e cortinas de seda completavam a decoração.

— Linda casa!

— Um solteirão como eu tem bastante tempo para cui­dar dos detalhes, Maggie. Perdi minha noiva durante a guerra civil. Era uma linda jovem, cujo sorriso iluminava meu coração. E nele nunca houve lugar para outra.

— Lamento muito. —- Maggie demonstrou simpatia hu­mana e, ao mesmo tempo, admiração pela fidelidade do velho rancheiro. Aquilo era amor genuíno, sem dúvida.

— Todos nós temos desilusões durante a vida — ele pon­derou. — A minha não foi menos traumática que a de mui­ta gente que conheço.

Jorge ofereceu-lhe lugar no sofá menor.

— Pedirei a Marisa para nos trazer chocolate quente. Você gosta?

— Adoro, Jorge.

— Isso é bom. Tomamos chocolate na Espanha tanto quanto vocês consomem café na América. Também gosto muito.

 

— Seu primo c um amor — Maggic disse a Cord quando Jorge se dirigiu à cozinha.

— Ele também simpatizou muito com você. Esse lugar que lhe deu era o preferido da noiva, quando Jorge a estava cortejando.

— Fico orgulhosa!

— E que tal se ficássemos no mesmo quarto? — O tom da proposta foi sereno, apesar da ofegante respiração.

— Não!

— Sei que não me deixará entrar em seus aposentos, Maggie, mas tenho meus recursos de espião. Uma chave-mestra.

— Você disse que... — Ela colocou as mãos em garra.

— Eu menti! — Cord recuou um pouco. — Estou perden­do a cabeça por você, garota.

Maggie não entendeu o que se passava com Cord. Seus olhos verdes o seguiram até a janela, de onde ele olhou a extensa propriedade.

Quando Jorge retornou, o atrevimento de Cord se per­deu entre a conversa agradável, pontuada por goles de de­licioso chocolate servido em porcelana chinesa.

Por algum motivo, Jorge não possuía televisão. Naquela noite, todos ocuparam as cadeiras de ferro da varanda, ou­vindo os mugidos do gado a distância.

— Isso é maravilhoso! — Maggie se empolgou, cerrando as pálpebras. — E como a fazenda de Cord, no fim da tarde.

— Você vive com ele? — Jorge ficou curioso.

— Não. Só estou hospedada por algum tempo. É compli­cado explicar.

— Ela não quer contar que também está sendo ameaçada pelo assassino a que me referi, primo. E um malfeitor que explora o trabalho escravo de crianças, e estamos nos calca­nhares dele.

Jorge franziu o cenho. Inclinou-se para a frente e sua face magra coloriu-sc do amarelo das lâmpadas internas.

— Conheço três homens que lutaram comigo no Exército Republicano Espanhol. Estão velhos, mas a sua disposição.

— Obrigado. — Cord sorriu. — Por enquanto, não será necessário. Trouxe alguns colaboradores comigo — acres­centou, para espanto de Maggie. — Você os verá acampa­dos em seu pasto ou atrás do celeiro. Espero que não se incomode.

— Incomodar-me? Será uma aventura no melhor estilo.

— Vacilou de repente. — Mas e a adorável jovem aqui?

— Irá para as trincheiras comigo, como Luíza fez com você.

Jorge e Cord trocaram um olhar que estava acima da com­preensão de Maggie, mas que a fez sentir-se acalorada.

— O que proponho, com sua permissão, primo, é deixar um homem aqui dentro, disfarçado como eu próprio. Você fingirá ter viajado para Tânger com Maggie, para lhe mos­trar essa parte do mundo. Aceita?

— Levo uma vida maçante e descomplicada —- confessou Jorge, com um novo brilho nas pupilas. — Não imagina como me faz bem você propor uma aventura desse quilate.

— Não vou deixar você! — Maggie exclamou, aborrecida.

— Eu também não. — O coração de Cord ficou mais leve.

— Viajarei disfarçado, como Jorge.

—- Para se fazer passar por mim, precisará ter cabelos brancos e caminhar com uma bengala.

— Um de meus homens é maquiador de teatro, com gran­de experiência. Nem meus pais me reconheceriam, depois de ele trabalhar em meu rosto.

 

Jorge pareceu tristonho por um momento.

— Lembro-me bem de seus pais, primo Cord. Seu pai ti­nha mágica nas mãos e no corpo. Não se igualava a Sanchez, mas também era excelente toureiro.

— Sanchez Romero foi meu avô — Cord explicou a Maggie.

— Sim, e eu tenho os cartazes de suas maiores touradas.

Jorge abriu uma cómoda e tirou um póster tipicamente espanhol, anunciando uma corrida de touros. Sanchez Ro­mero era o grande destaque, numa final do campeonato nacional em Madri. Também alcançou um retrato em preto-e-branco do famoso "matador".

— Ele tinha um porte magnífico — Maggie elogiou, a contragosto. Admirava a elegância dos toureiros, mas abo­minava as touradas.

— O momento mais impressionante era quando ele se erguia nos pés e aplicava no touro o espadim. Ficava no li­mite da barreira, provocando o animal. O traje de Sanchez brilhava ao sol e a multidão vibrava. Acho uma grande bobagem dizer que alguém pudesse ter horror à estocada final.

Um invisível horror foi a reação de Maggie ao imaginar a cena. Viu que Jorge a observava com proposital atenção.

— Tive um tio que morreu num rodeio — ela disse, an­gustiada. — Não consigo gostar de esportes perigosos. Tra­zem sempre o risco de morte, embora haja pessoas que morrem do coração vendo um jogo de futebol.

— Vai querer que eu fique preso dentro de casa, durante sua ausência, Cord? — O homem idoso retomou o curso principal da conversa.

— E longe de seus amigos.

— Compreendo. Vou ficar exposto em seu lugar. — Jor­ge sorriu, com amargura.

— Nada disso. Estará em absoluta segurança. Alguns de raeus homens permanecerão aqui, vigiando. Outros dnis estarão comigo e com Maggie, também a descoberto.

— Você é uma moça corajosa, Maggie.

— Eu também tinha uma vida tediosa, Jorge. Até que comprei uma daquelas capas compridas de espião e passei a agir — mentiu, lançando um olhar matreiro para Cord.

Ele sorriu com evidente satisfação, O coração dela disparou de emoção.

 

Maggie ouviu CORD discorrer sobre os planos para a via­gem a Tânger no dia seguinte. Eles seguiriam com o Mercedes de Jorge até a balsa e atravessariam para o Mar­rocos de carro. Em Tânger, ficariam na casa de um sobri­nho distante de Jorge Romero: Ahmed, um berbere que possuía um pequeno negócio de importação e exportação.

Não se tratava de turismo, pelo menos enquanto Gruber e seus comparsas estivessem no encalço dos dois. Cord te­ria de trabalhar rápido organizando os planos de colabora­ção entre todos os envolvidos. A ideia era dar a impressão de que Cord recuperava a saúde, em visita a parentes, ao mesmo tempo que Maggie aproveitava a ocasião para co­nhecer a cidade. Se Gruber verificasse, Cord lembrou, des­cobriria que Jorge tinha mesmo familiares em Tânger. E assim Maggie e Cord, disfarçado como Jorge, estariam a salvo de maiores suspeitas.

Ela procurou não se inquietar com a farsa, mas em vão. Não receava por si, c sim por Cord, caso Gruber adivinhas­se suas intenções. Tânger abrigava a sede da Global Em­preendimentos. Se Gruber desconfiasse de que Cord anda­va atrás de provas, a vida do casal não valeria mais nada.

Apesar da presença oculta dos amigos de Cord, Maggie tinha suas reservas. Tornando-se parte da conspiração, ela sem dúvida estaria exposta à divulgação pública de seus sombrios segredos. Recordou-se do conselho de Lassiter

para contar tudo a Cord, mas ainda não era chegada a hora, em seu entender.

Sem surpresa, Maggie teve pesadelos naquela noite. A tensão dos últimos dias e a ameaça de chantagem trouxe­ram horríveis lembranças de seu passado. Soluçava sem parar quando sentiu dois braços fortes que a erguiam para um peito cálido e viril. Continuou suspirando, aninhada ali, com o nariz enterrado nos pêlos do tórax de Cord.

— Calma, calma, minha pequena. Você está segura, nin­guém vai machucá-la.

Aos poucos, Maggie tomou consciência de que havia acor­dado. O aroma agradável da colónia de Cord o confirmou, junto com a boa sensação de correr uma das mãos por seus cabelos.

Ele a segurava com força e, mesmo assim, o gesto era relaxante, o que não impediu que o nervosismo voltasse. De olhos abertos, percebeu que dormira com a luz de cabecei­ra ligada. A porta, pelo menos, estava fechada.

Maggie sentou-se na cama. Sabia que a camisola de algo­dão com lacinhos a tornava atraente. Cord também ocupou o canto do leito, enrolado numa toalha.

— Fique tranquila, não vou tirar — ele declarou, com suavidade.

Era incrível, mas ela ainda não ficava à vontade com Cord naquele tipo de situação, com nenhum homem. Concluiu que suas inibições e o pavor da intimidade tinham, nada mais, nada menos, arruinado sua existência.

Cord repôs no lugar os cabelos que teimavam em cobrir a testa de Maggie.

— Não acha que já é tempo de me contar a verdade, Maggie? Toda ela?

Maggie mordiscou o lábio inferior.

— Prefiro morrer. — Disfarçou a angústia com um riso leve.

 

— Por quê?

— Assuntos dolorosos devem ser esquecidos.

Ela sentiu tensão nas mãos dele contra sua pele c notou o olhar sombrio.

— Estive consultando a internet — informou como se se tratasse de uma banalidade.

— E daí?

—Não está curiosa do que vi?

Um lampejo de pavor cintilou em suas pupilas. Com cer­teza, Cord não poderia ter acessado arquivos protegidos por senhas.

— Nem sei como lhe dizer. — Os dedos cálidos lhe envol­veram o pescoço. — Lassiter mencionou algo, durante nossa conversa, sobre um caso criminal que ocorreu em Houston no dia em que meus pais morreram no incêndio. — Cord pro­curou observar os olhos de Maggie. — Não sei por que, co­mecei a pensar no assunto. Abri alguns velhos arquivos, usan­do senhas guardadas por muito tempo, e descobri...

Hesitou ao perceber que o horror no semblante de Maggie crescia.

Ela tentou se desviar, aterrorizada com a hipótese de Cord ter visto textos ou fotos e ter tomado conhecimento dos fa­tos. Soluçou, lutando para livrar-se dos dedos dele. Mas Cord era mais forte, e a forçou a deitar-se, empurrando-a, gentil mas firme. Colocou-se por cima dela, pressionando-lhe o busto.

— Devia ter me contado anos atrás, Maggie. Deus! Quan­do percebi o que eu tinha feito com você! — Respirou fun­do, e os braços se distenderam. — Coloquei-a no inferno, machuquei você, fiz com que tivesse medo do sexo, tanto que teve de me esconder a verdade. Não há perdão para meu comportamento. Mas como eu podia saber? Você e seus malditos segredos!

— Amy não me via assim.

— Amy? — Cord recuou. — Ela havia morrido quando você se casou com Evans — disse Cord, num aparente mal-entendido.

Maggie arregalou os olhos. Também não entendera o que ele queria dizer, mas as feições de Cord se cobriram de som­bra e tristeza.

— Nós fizemos um filho, na noite em que Amy morreu — ele falou com relutância. — Evans lhe causou um aborto quando a atirou sobre a mesa de mármore, embriagado. Eu poderia matá-lo, se tivesse sabido!

Maggie ergueu o tronco e enlaçou Cord, trazendo-o para junto de si. Havia outra coisa grave, que ele ignorava. Es­condeu o rosto no vão do ombro dele e sentiu que as lágri­mas o molhavam.

— Eu nunca teria lhe contado — murmurou, com a voz embargada. — Nunca quis que você soubesse, pois o ma­goaria muito.

Cord resmungou antes de procurar com a boca a face úmida e distribuir beijos ternos por toda a pele dela. Dei­xou que o corpo grande tombasse sobre o de Maggie, aper­tando-a sob as cobertas. Sussurrou algo que ela não com­preendeu, e sua perna vigorosa se insinuou entre as de Maggie, através da camisola de algodão.

Em outras circunstâncias, Maggie se intimidaria com esse movimento. Ficaria nervosa, arredia, hesitante. Mas Cord, naquele minuto, estava dividindo com ela uma profunda infelicidade. Agora ele já sabia, e por isso o sofrimento pa­recia mais suportável.

— Oh, Cord... — Maggie se acomodou na estrutura sen­sual das formas dele.

Assim abraçados, sentiram uma forte cumplicidade.

 

— Eu queria seu bebê — ela disse ao ouvido dele. — Mas Bart Evans me bateu e bateu! Sangrei em cima da mesa, sem ar para respirar. Disse-lhe que tinha contado da gravidez a você, e ele nunca mais teve sossego cm sua vida desgraça­da. Falei que jamais dormiria com ele, ainda que fosse o último homem do mundo. — Engoliu em seco. — Se não o matei, eu o ajudei a matar-se. Aí está algo que vou carregar pelo resto de meus dias.

— Maldito! — Cord reagiu, chocado. — Se Evans não ti­vesse morrido naquele acidente, ou se suicidado, como você sugere, eu o teria liquidado com minhas próprias mãos.

— Ele era um alcoólatra irrecuperável, mas disfarçou o vícto muito bem antes do casamento. Depois, desconfiei que estava grávida de você, mas temi lhe contar.

— Fui cruel com você. Um verdadeiro demónio. Maggie esfregou o rosto contra o dele, amorosa.

— Você ficou chocado ao ver que eu ainda era virgem, no dia em que Amy Barton morreu. Tudo bem.

— Não, não está tudo bem, porque houve consequências.

— Nós dois bebemos e estávamos altos. Não adianta você se culpar, porque isso não muda nada.

— Você passou por tudo isso sozinha!

— Ia telefonar para Eb. — Afagou os cabelos de Cord.

— Sim, lembro-me de você ter mencionado isso. — O tom foi frio.

— Queria que Eb entrasse em contato com você, a fim de amenizar as coisas. Então, soube do desastre que matou meu marido e desisti de ligar.

As mãos grandes de Cord deslizaram devagar pelas cur­vas de Maggie. A boca pousou em seu pescoço, provocan­do arrepios.

— Devia ter ido de imediato, logo que soube que você estava no hospital. Só não sabia por qual motivo. Na realidade, fui ate lá, mas você já tinha ido para casa. Tão abala­da que nem quis olhar para mim.

— Nada veria de bom. — Maggie o beijou abaixo da ore­lha. — E contar-lhe o episódio com meu marido só o deixa­ria transtornado.

A partir do contato com o corpo quente de Maggie, Cord fez um som típico de prazer discreto. Animou-se e procu­rou o colo dela, até encontrar com os lábios os seios sob a roupa, que mordiscou.

— Eu merecia ficar transtornado.

Maggie sorriu da própria excitação. Era inebriante ser es­treitada por Cord com tanta proximidade, com tanta avidez.

— Nunca o magoaria de propósito, querido..,

— Gostaria de poder dizer o mesmo.

Os dedos dela brincavam com a cabeleira de Cord, sen­tindo todo o deleite de estar com ele e tocá-lo. Então Maggie estremeceu de tensão. O temor que sempre a acompanhava viu-se substituído por um senso de irrealidade. Sem que se desse conta, as coxas e os ventres se encontraram, e ela es­fregou a perna contra Cord. Foi um movimento leve, mas, para seu espanto, a excitação dele tornou-se sensível.

— E melhor você não repetir isso, garota.

— Desculpe-me.

— Preferia estar num hotel com você.

— Por quê?

— Chamaria o serviço de quarto e pediria um preserva­tivo.

Riram juntos, e Maggie aproveitou a falta de defesa de Cord para correr os lábios por seu rosto. O calafrio foi ine­vitável.

— Gosto de ver como você reage — ela disse, num tom convidativo.

— Quero possuir você, Maggie.

 

Ela suspirou. Mal podia acreditar que Cord tivesse fala­do algo tão audacioso e, ao mesmo tempo, tão excitante. Ele retribuiu as carícias e logo alcançou a boca suave como pé­talas de flor.

Maggie se agitou, ardendo de lascívia e declarando, ator­doada, como aquele afago era bom. Depois, Cord usou a boca e a língua para explorar as formas femininas, manten­do um padrão a princípio uniforme, depois cada vez mais intenso.

— Deixe-me tirar sua camisola e lhe mostrar como isto pode ser maravilhoso.

— É curioso... Agora você pede primeiro.

— Só para você, garanto. O que temos aqui? Botões ou zíper?

Cord achou graça do próprio senso de humor, desabo­toando a roupa de Maggie. Os olhares se encontraram e, con­tagiada, ela deu risada também. Facilitou-lhe o trabalho descobrindo o colo e mostrando metade de um seio, com o mamilo endurecido. Esperou a reação dele, com os lábios entreabertos. Num impulso, olhou para baixo. A toalha de Cord havia caído ao chão, mas eles estavam abraçados, de modo que ela nada pôde ver.

— Quer olhar? — ele propôs, com inequívoco orgulho. Afastou-se um pouco para se exibir.

— Você está mesmo excitado!

Mais do que a anatomia masculina, Maggie admirou o fato de que já não tinha medo de Cord.

— Excitado, faminto, louco de vontade de você! Se me deixar fazer tudo em meu ritmo, prometo não machucá-la. — As palavras soaram esquisitas em meio à sucessão de carícias. — Eu te quero muito.

— Não tomo nada, Cord. Quero dizer... a pílula.

Os dedos dele testaram a rigidez dos mamilos, e a boca desceu para o ventre, entre suspiros.

— Também não tenho nada para usar. Seremos irrespon­sáveis. Vai ser delicioso! — Os olhos dele brilharam. O sor­riso foi aliciante.

A expressão de Maggie, por sua vez, mostrava uma lúbrica curiosidade. Nunca alcançara prazer com homem algum. Mesmo com Cord, o encontro íntimo tinha sido des­confortável e atemorizante. Agora, entretanto, já não tinha temores ou inibições. A ternura que ele demonstrara, na­queles últimos dias, a transformara. Talvez Cord tivesse mudado também, já que não fazia pressões ou exigências.

— Seu primo Jorge não gostará disso.

Ele apenas esboçou um sorriso. Com olhos experientes, notou que Maggie se arqueava e ofegava, ã espera de ação. Cord terminou de despi-la, apreciando a visão que teve, e então disse, cheio de mistério:

— Sente-se.

Cord puxou para fora a camisola de Maggie, que foi fa­zer companhia à toalha dele no chão. Ela usava calcinha de algodão, que Cord também removeu entre provocantes pausas feitas com a boca. Não houve protestos diante de sua súbita nudez.

Os lábios pousaram sem demora no ventre plano, enquan­to as mãos lhe apertavam os quadris, atritando a pele sedo­sa, e logo identificaram o caminho para suas partes mais sensíveis, num toque que ela jamais experimentara em sua vida adulta. O contato redespertou em Maggie terríveis lem­branças, mas o impacto do deleite foi maior e fez com que abrisse as pernas. O desejo se refletiu em seus semblante quando fitou Cord, que lhe posicionou o corpo para se per­mitir plena liberdade.

— Isto é só o começo — ele afirmou quando ela se mo­veu, ansiosa pelo toque ritmado da mão. — Vou levá-la perto do auge e só depois a penetrarei bem fundo.

Ela suspirou, sem palavras para exprimir a satisfação que experimentava. Suas unhas se cravaram nas costas de Cord.

— É uma delícia, Cord...

— Toque-me também — pediu, rouco.

De início, a mão de Maggie explorou com timidez a viri­lha dele, produzindo um afago estranho, mas o imemorial instinto a guiou, fazendo com que descobrisse o modo ex-to de agradá-lo.

— Nunca pensei... que seria assim. — Ela arfou, manipu­lando Cord com imprevista sabedoria e evidente volúpia.

Ambos trabalharam cada vez mais depressa com os de­dos, na busca de alturas quase inacessíveis de luxúria.

— Adoro tocá-la.

Os seios de Maggie eram firmes e arredondados, com as coroas vermelhas e rígidas. As pernas prendiam Cord pe­los quadris, e o rosto se elevava em busca de sua boca. Ele lhe elogiou os mamilos, pequenos e perfeitos. Mas ela qua­se não escutava mais nada, apreciando a virilidade de Cord e torcendo para que ele não parasse com o jogo das mãos.

— Não pare — conseguiu dizer, enquanto Cord satisfa­zia sua ânsia de ser beijada.

Depois, Cord balançou a cabeça, confirmando que não iria parar. Para ele, era incrível que Maggie se oferecesse, nua e vibrátil, sem mais nenhum traço de vergonha. As carícias dele se tornaram mais ousadas.

— Eu me excito quando você me pede para tocá-la. Está gostando?

— E muito bom...

— Será ainda melhor, eu prometo.

Cord não cessava de manipular a intimidade dela.

Com a cabeça jogada para trás, Maggie não se mexia. Assim, Cord acabou por se deitar sobre ela, estimulando-a a afastar mais ainda as pernas sob a pressão c o ritmo dos dedos.

Ela gemeu, deliciada, ante a penetração, sentindo ondas crescentes de prazer.

— Agora vou levá-la ao limite, querida. Não pense em nada, apenas relaxe. Deixe-me possuí-la inteira, Maggie.

O suspiro que exalou confundiu-se com um gemido de prazerosa antecipação. Agitou-se sob um turbilhão de gozo que chegava a ser intimidante. Mas apertou Cord dentro de si, num encaixe perfeito, até ser convulsionada por uma crescente sensação de êxtase.

— Deus! — murmurou Cord, sem timidez mas com ad­miração pelo desempenho de Maggie, que o aceitava por completo e se acomodava a ele como um todo, tornado único.

Ele a fitou direto nas pupilas dilatadas e pediu que ela também o olhasse.

O pedido veio atrasado, pois a voz de Cord irrompeu dentro do explosivo clímax que o fez estremecer. A respira­ção parecia ter cessado. Ele só fazia sofrer espasmos suces­sivos, rilhando os dentes.

— Deus! É como morrer! Não, como viver plenamente! Maggie querida!

A reação masculina foi tão vigorosa, entre convulsões, que Maggie ficou temerosa por Cord. Quando a preocupação passou, sem tardança, foi a vez dela de entrar em espasmos ainda maiores. Admirada com o que seus sentidos eram capazes de lhe proporcionar, segurou a própria cabeça com ambas as mãos, como se esta pudesse sair voando se deixa­da livre. Gemia e soluçava com ritmo, de acordo com as contrações do corpo esguio e abrasado.

— Cord?

— Não pude parar, não pude. Você é sensacional!

— Meu querido! — Ela sentiu-se tomada de meiguice pelo homem que explodira de paixão em seus braços, provocan­do igual ou maior comoção.

 

Notou a respiração dele voltar ao normal e aninhou-se contra Cord, sentindo que pertencia àquele homem. Cerrou as pálpebras para saborear melhor o encanto do momento. Os corpos estavam colados como um só, e ela esperou a calmaria de Cord para soltar-se dele. Nunca se sentira tão próxima, tão íntima de alguém.

Em silêncio, Cord tornou a acariciá-la com a mão e selou a boca trémula com um beijo ardoroso, Estimulada, Maggie lhe aplicou beijos devoradores por todos os lugares, ajudan­do-o a relaxar mas também aproveitando a sensação suave do contato após o auge.

Enquanto isso, Cord deslizava os dedos por seu colo, ventre e pernas, até que começou a rir.

— O que é tão engraçado? — ela se admirou.

— Um dia, lhe contarei. — E a beijou, agora de modo suave, enquanto Maggie batia as mãos nos ombros dele, protestando.

Cord estava suado. Desabou para o lado de Maggie, ain­da em contato com sua pele, c sentiu que ela continuava aberta para ele. Com o pé, Maggie lhe atritou a virilha, como se soubesse que havia um resto de prazer a ser desfrutado. Trouxe-o para si, elevando as pernas, chamando pelo par­ceiro com a repetição obsessiva de seu nome.

Cord se moveu, posicionou-se sobre Maggie, incentivado pelo chamado da paixão. O rosto se avermelhou de desejo.

— Vou possuí-la de novo — avisou, notando que a exci­tação retornava. — Sinta tudo o que puder sentir!

— Eu quero você, Cord! Quero vê-lo explodindo dentro de mim!

Cord quase enlouqueceu ante a expectativa de um novo clímax, que não previra, e estreitou Maggie contra si, inician­do os movimentos sensuais como se nada pudesse deté-los.

— Cord! Faça um filho em mim!

 

Essas palavras aprofundaram a relação para um territó­rio inexplorado. Sem estranhar, Cord viu-se estimulado a alcançar um ponto novo nas profundezas de Maggie. Por isso, os gritos e sussurros da primeira vez se transforma­ram em murmúrios cheios de carinho, beirando o silêncio total. O ruído dos lençóis e do colchão é que se tornou de súbito audível em meio ao influxo de emoção.

Maggie sentiu todas as células pulsando por inteiro. A volúpia ganhava um sentido maior, e o mundo parecia gi­rar fora do eixo. Seu calor interno aumentou diante do novo jorro de prazer de Cord.

Em seguida, soltou todo o peso sobre Maggie, e dessa vez ficou aninhado no colo dela, suspirando e gemendo. Logo depois, beijou-lhe os olhos, agradecido e satisfeito.

— Você sabe o que é um orgasmo, minha querida?

— Acho que acabei de ter um ou dois. — Ela riu, conten­te como nunca.

— Mesmo? — Ele apertou as pernas contra as dela.

— Mesmo.

— Nunca tive uma experiência igual, com nenhuma mulher. — Aspirou o ar profundamente, refazendo-se. — Você me pediu para engravidá-la, lembra?

Maggie corou, embaraçada, fitando Cord, insegura.

— Bem, já é tarde para me arrepender, não? — Sorriu, bem-humorada, e perseguiu com os lábios a orelha de Cord.

— E se você ficar mesmo grávida?

— O mundo não vai acabar.

— Para ser sincero, não estou preocupado, Maggie. — Cord a estudou com curiosidade.

— Claro, você tem seu estilo de vida. — Recebeu um novo beijo nas pálpebras cerradas.

— É que precisamos encarar um problema de cada vez. Gruber é nossa prioridade, no momento.

 

— Gruber! Tinha me esquecido do miserável.

— Nao é possível!

— Não se aborreça. Quantos amantes na face da terra, como nós, chegaram ao prazer até beirar a inconsciência?

— Olhe, não vamos nos comparar a ninguém. Agora separados, eles se entreolharam.

— Jamais esperava sentir nada disso, Cord.

— Pense nesta noite como uma aula de educação sexual — ele a provocou.

— É estranho —- Maggie tentava explicar. — Sei tudo sobre você, e ao mesmo tempo nada. Tivemos um belo momento íntimo, mas sua alma ainda é um mistério para mim.

— Eu diria que o sexo é satisfatório por si só. Não exige um grande conhecimento interior.

— Foi apenas sexo? — Maggie franziu a testa, de repente angustiada.

— Foi amor, no sentido mais puro do termo. — Cord tocou-lhe os seios. — Pensei em engravidar você, mesmo antes que me pedisse. É o tipo da coisa que me excita. Em geral, não sou tão... potente.

Com as feições relaxadas, Maggie examinou o rosto de Cord. Ele lhe pareceu confuso.

— Foi muito tempo de espera para você, não? — ela quis saber.

— Acha que a abstinência sexual pode produzir uma cena como a que tivemos, meu bem?

— Não sei. Pode?

Cord não deu resposta. Saiu da cama e procurou a toalha caída no tapete, junto com a camisola e a calcinha de Maggie. Entregou-as quase sem olhá-la.

— Algo errado, Cord?

Ele amarrou a toalha nos quadris.

 

— Não planejei isto. — Cord continuava um pouco per­turbado. — Entrei aqui para consolá-la, depois do que des­cobri sobre o bebê. Jamais tiraria vantagem do pesadelo que você estava tendo.

Maggie cobriu o busto como lhe foi possível e observou-o. —- Sei disso, Cord. Não se preocupe.

— Imagina que eu encontrei mais coisas, além da histó­ria de Evans bater em você até provocar um aborto, não é? — Trémulo, ele estreitou os olhos para ela. — Pois não en­contrei. Que outro segredo está escondendo de mim, Maggie?

 

Macgie RETEVE O FÔLEGO, e Cord analisava suas reações à torturante questão que fizera.

— Depois do que acaba de acontecer, não deveria haver nenhum segredo entre nós, pequeno ou grande.

Ela não escondeu a angústia que a assaltou. Gostaria de confiar nele, mas qualquer revelação se tornava mais atemorizante agora que tinham partilhado tanta ternura e cumplicidade física. Contando o segredo, Maggíe se senti­ria, de algum modo, suja e indigna.

Cord pôde ver o tormento estampado em suas faces e recuou. Havia descoberto o aborto provocado que ela so­frera. Com o tempo, conheceria o restante. Não podia ser nada menos do que terrível, pela maneira como Maggie agia.

— Quer tomar um banho? — Ele avançou com as mãos prontas para retirar, pela cabeça, a camisola dela. — Juntos.

— Seu primo Jorge...

— Ele é homem, minha querida. Sabe o que o desejo é capaz de provocar.

— Tal como você — observou, mostrando certo descon­forto.

Cord aproveitou a proximidade para afagar o rosto de Maggie com as mãos macias.

— Quando eu era mais jovem, antes de me casar com Patrícia, tive minha ânsia de aventuras com garotas fáceis. Mas cresci, e mesmo que ainda tivesse curiosidade, nunca a usaria para satisfazê-la. Dá para entender?

 

Maggie mordiscou o lábio, triste sem compreender por quê.

— Tenho pouca experiência nesses assuntos — falou, ten­tando fazer-se clara sem se comprometer com a verdade. — Hoje foi uma espécie de primeira lição, como você mesmo disse.

— Para mim também, meu anjo. Nunca experimentei nada igual. Quero ser seu amigo. Quero que me escute, to­que e vibre, mesmo quando o contato se torna um pouco violento. — Os olhos de Cord revelavam intenso calor hu­mano. — O que aconteceu foi fora do comum. Um homem precisa de tempo, depois da primeira vez, para voltar a ser potente. Com você, consegui repetir a dose sem pausa para respirar.

— E antes de mim? — O rosto de Maggie se iluminou, na suposição de que havia pegado Cord numa armadilha.

— Droga! — Ele gargalhou, para espanto dela. — Não, nunca me aconteceu antes. Satisfeita?

Maggie se encolheu toda, notando que Cord seguia seus mínimos movimentos.

— Muito — confessou, com firmeza.

Cord respirou fundo, ajeitou a toalha em tomo da cintu­ra e preparou-se para ir ao banheiro.

— Já vou indo, Maggie. Se não esta cansada depois de tudo isso, eu estou. Quero um banho e uma boa noite de sono. Logo farei quarenta anos e terei de comprar uma bengala.

Maggie riu, deliciada.

— E eu preciso de uma capa longa e de uma arma. Cui­darei dos tiroteios para você.

O semblante dela se tornara radiante, e a excitação mistu­rada com a doçura conferia um brilho especial às pupilas.

— Você me tirou o fôlego, hoje, sabia?

Confusa, Maggie não assimilou por inteiro o teor dessa afirmação. Cord tornou a rir. Conhecia Maggie por tantos anos e, até aquela noite, na verdade não sabia nada dela. Tinham gerado um filho juntos, que ele jamais vira. Agora poderiam ter outro, se dependesse da vontade de Maggie, e Cord se sentiu envolvido mais do que nunca com a irmã de criação. Todas as dores e penas de suas vidas os haviam aproximado. Talvez por isso, pela via do sofrimento, é que a relação entre eles poderia ter se estreitado, fazendo-os dividir suas dores.

— O que está pensando, Cord?

— Que eu e você estamos mais próximos do que a maio­ria dos mortais. E não me refiro somente à cama. — Passou a mão pelo queixo. — Partilhamos alguns episódios dolo­rosos em nossas existências, e isso criou um laço forte. Eu nunca o admiti isso, até saber do bebê que você perdeu.

— Eu devia ter lhe contado...

Cord meneou a cabeça, procurando convencer Maggie de que entendia sua posição no episódio.

— Deveria, sim, querida. Mas compreendo que não te­nha conseguido fazê-lo. E a culpa é toda minha. Eu é que a induzi a esse sentimento de vergonha e autopiedade. — Cord amenizou ainda mais a entonação: —Jamais farei isso outra vez. E se você engravidar de novo, hoje ou outro dia, não precisará esconder isso de mim. Não permitirei.

— Pode ser que nunca mais possa engravidar. Cord reagiu arqueando as sobrancelhas.

— Está prestando atenção ao que diz? Tenho um esper­ma poderoso — gracejou, para animá-la. — Na história do mundo, nunca houve um reprodutor assim. E você pensa que não pode engravidar de mim! Tolice!

Maggie riu, como ele esperava. Os olhos recuperaram o brilho. Ela adorava o modo como os cantos da boca de Cord se erguiam quando sorria. Não resistiu à vontade de beijá-lo.

— Você deveria dormir também, garota. Podemos ter dias duros pela frente.

— Eu sei. — Fitou-o com curiosidade.

— Algo a incomoda?

— Não. — Maggie deu de ombros e sorriu, tímida.

— Não acredito. Pode ir falando, mocinha.

— Lassiter garantiu que me daria um emprego na agên­cia de investigações, se eu o quisesse.

Na pausa que se seguiu, Maggie brincou com os botões da camisola, incapaz de encará-lo.

— Certo — ele falou, por fim. — Quando tudo isso ter­minar, veremos. A firma de Lassiter é um bom lugar para se começar. Mas só depois de nossos filhos crescerem um pouco. Quando pequenos, precisarão da mãe e do pai a seu lado, para terem uma sólida formação. Então, você poderá voltar a trabalhar fora.

Poderia ser uma ducha fria nas intenções de Maggie. Contudo, ela se mostrou maravilhada. Cord falava de um futuro em comum, algo que jamais ocorrera antes.

— Não me olhe como se eu fosse o único responsável! Quem é que me pediu para fazer um filho?

— Pare com isso! — Maggie continuava rindo.

— Gosto de crianças e quero ensiná-las a serem boas fazendeiras. Só não as deixaremos brincar de espiões, com fios, rádios portáteis e parafernálias do género. — Cord se lembrou do que Lassiter comentara sobre seus filhos. — Acho que Dane está cometendo um grande equívoco com seus garotos. Nós não vamos repeti-lo.

Maggie, sorridente, se convenceu de que tudo aquilo era um sonho. Nem ela ficaria grávida nem Cord se fixaria den­tro de casa, como um pacato homem do campo. O quadro esboçado, todavia, era adorável: viver com ele, ter filhos dele, dividir a existência num lar aconchegante.

 

Tudo fantasia, porém. Ainda que deixasse de ser, havia entre eles o sórdido passado, que destruiria a possível feli­cidade. Se Cord o conhecesse, nunca mais a tocaria ou gos­taria de vê-la.

O pensamento a afligiu, apesar do sorriso matreira que manteve. Maggie estava determinada a impedir que Cord percebesse como seu sonho era impossível. Mesmo que ele não soubesse mais do que já sabia, a simples existência de um segredo nas mãos de Stillweíl comprometia tudo. O facínora possuía documentos e videoteipes, que, embora protegidos por senhas, poderiam vir à tona na primeira oportunidade.

E se ela própria fosse atrás de Stillwcll, depois de Cord lhe ensinar os princípios do jogo da espionagem?

— Você parece estar planejando alguma coisa, meu bem.

— E estou.

Cord veio para mais perto, abraçou e beijou Maggie.

— Pensamento delicioso, querida! Gosto quando você se veste de rosa.

— Pois espere e verá.

— Considerando nosso atual estado, só nos resta espe­rar. Durma bem, Maggie.

— Você também. — Ela usou o mesmo tom suave dele.

Depois que Cord saiu, Maggie tomou uma ducha e ves­tiu uma camisola fresca, adotando uma pausa para refazer a cama.

Preocupava-a o fato de que a empregada de Jorge, diante da desordem dos lençóis, descobrisse o que se passara ali. Envergonhou-se um pouco da sabedoria sexual de Cord, embora, depois daquela noite, a quisesse sempre para si.

A sobriedade reinou à mesa do desjejum. Cord conser­vou o olhar caloroso ao cumprimentar Maggie, mas havia com ele dois homens estranhos, Um vestia uma rica bata muçulmana de seda listrada. O outro, de traços latinos, usava um terno convencional.

— Este é Bojo — Cord apresentou o de aparência árabe e rosto quase todo oculto par barba e bigode. — E este é Rodrigo.

O latino, bastante atraente, sorriu com simpatia.

— Operações secretas — ela comentou, balançando a cabeça. — Mal posso esperar para ver o que o trabalho de campo envolve.

Talvez por educação, todos riram, incluindo Cord e Jorge.

— Eu disse a vocês que ela era especial. — Cord sorriu para Maggie. — Envolve balas zunindo pelo ar, querida.

— Deixe-me participar, Cord.

— Há outras prioridades. — Ele estreitou os olhos e re­sumiu os planos para seus colegas. — Peter e Don ficarão na casa, para proteger Jorge e manter tudo em segurança. Rodrigo será meu motorista na viagem, e Bojo que me des­culpe, mas terá de nos servir de guia mais uma vez.

Bojo sorriu, complacente, assentindo.

— Se perguntar a Sua Alteza, o xeque de Qawi, ele lhe dará as melhores referências a meu respeito.

— Sua palavra basta, claro. — Cord, então, fitou Maggie. — Micha Steele lidera um grupo de mercenários, do qual Bojo, é o vice-comandante. Já trabalhei com eles.

De certo modo, Maggie espantou-se por Cord partilhar com ela esse tipo de informação. Ele em nada se parecia com um malfeitor ou, ao melhor, com um justiceiro.

— Sem segredos, lembra? — Cord a provocou e se virou para Jorge. — Você estará seguro aqui. Peter não deixará nada sair errado.

O primo Jorge não precisava de confirmação, pois já con­cordava com tudo, deliciado por ver a mão de Cord sobre a de Maggie.

 

— Ainda tenho meu velho rifle, primo. E boa pontaria! Os vaqueiros a meu serviço também sabem apertar um ga­tilho, pois a maioria serviu no exército. Podem sossegar, estarei bem. Minha preocupação é com vocês quatro. — Jorge falou cm geral, mas se fixou em Maggie.

— Sinto-me em ótimas mãos. — Maggie fez um afago no ombro dele.

— A mais segura pessoa de todas — Cord acrescentou com gentileza, erguendo a mão de Maggie até seus lábios, para um beijo doce. — Agora, vamos cuidar da logística e dos preparativos.

Havia armas de fogo, lógico, e Maggie estava disposta a ter um treinamento com elas. Parecia irreal, mas eles iriam enfrentar alguns dos mais perigosos bandidos do planeta. Uma empresa milionária como a Global estaria armada até os dentes, e Gruber não hesitaria em matar qualquer um que representasse uma ameaça. Portanto, quando Cord ensinou Maggie a carregar uma pistola automática .45, ela prestou a máxima atenção.

No meio de um pasto deserto, um alvo de madeira fora plantado para treinamento. O segredo do tiro certeiro era mirar o alvo sem fechar os dois olhos ao mesmo tempo.

— Relaxe. — Cord guiou a mão dela com a sua. — Ainda não se trata do inimigo.

Maggie se reclinou para trás, com um suspiro.

— Não consigo me concentrar — murmurou, sentindo o calor de Cord a suas costas, até os quadris. — Na verdade, quero fazer amor,

Surpreso, ele deu risada.

— Eu também. — Deu-lhe um beijo na nuca, que estava acessível. — Mas temos uma missão. Sem sexo.

— Como numa concentração de jogadores profissionais?

 

— Também vale para mercenários. Você acaba de se in­tegrar a um grupo deles, portanto, fique atenta.

— Mais tarde, então...

— Mais tarde — ele ecoou, entendendo que a hora da cima viria depois. Prendeu o pulso dela com firmeza, mi­rando o alvo, mas tremeu e a fez errar.

-— Cord! — Maggie o censurou.

— Está bem. Eu atrapalhei.

Ela tomou a iniciativa de treinar sozinha, e Cord se ad­mirou dos disparos certeiros.

-— Nunca lhe contei, mas Eb Scott me ensinou a atirar.

— De qualquer modo, você é uma boa aluna. Em tudo...

— Ora! — ela se queixou de novo, acalorada. Os olhares se cruzaram.

— Eu não devia falar isso agora, mas sou apaixonada por você. Desde os doze anos de idade, creio.

Ele franziu o cenho, assombrado com a declaração.

— Eb pode lhe dizer que eu ficava nervosa e quebrava as coisas porque não suportava que ele trabalhasse como merce­nário — prosseguiu, com imprevista coragem. — Mas a ver­dadeira razão é que não aguentava que ele me tocasse. — Sorriu com amargura. — Só pensava cm você, só queria você.

Cord beijou Maggie com paixão, os corpos colados ao ar livre, sob o calor da manhã. Chegou a levantá-la pela cintu­ra, e por alguns segundos sentiram-se livres, sozinhos no mundo, tomados por forças maiores do que sua capacidade de resistência. O tempo passou, em meio ao cálido fervor que os unia.

— Espero que saiba se defender, pois atacar é uma se­gunda opção. — Cord viu Bojo se aproximando e, mais do tjLic depressa, separou-se de Maggie.

— A pistola? — Bojo pediu, olhando a mão de Maggie que continuara rodeando a nuca de Cord.

 

— Claro... — Eía pigarreou e passou a arma da maneira correta, com a coronha voltada para Bojo.

— Você conhece segurança. — O homem sorriu maldo­samente. — Sem dúvida, esta vai ser a missão secreta mais interessante de minha vida.

Durante um intervalo nos treinamentos, Cord levou Maggie ao celeiro e ao amplo curral que o circundava. Ges­ticulou para as colinas, onde o gado pastava a distância.

— São os touros que Jorge cria para as arenas. São pou­cos, hoje em dia, mas houve época em que ele considerava sua atividade quase como uma religião, uma religião em torno da arte das corridas. Note que eu disse arte, não es­porte. Meu avô, por exemplo, parecia um artista quando parava após as fintas, com o touro exausto e quase hipnoti­zado por ele, e então se preparava para enterrar o espadim na testa do animal. Era como um deus no centro da arena, com a roupa brilhando ao sol c sem mover um único mús­culo da face. — Cord suspirou ante a lembrança. — A rou­pa é chamada de traje de luzes, por causa das lantejoulas. E um touro valente era poupado da morte, se assim a plateia pedisse. O que você faria se me visse numa arena, com ape­nas minha capa e minha coragem para me proteger de chi­fres pontiagudos como lanças?

Por certo, Cord não esperava resposta, e Maggie estre­meceu debaixo do sol forte. Ele a enlaçou pela cintura e estreitou-a contra si. Julgava confortá-la contra algum fan­tasma do passado, do qual ela ainda não conseguira se li­vrar. Acariciou-lhe a nuca com suavidade.

— Pois minha mãe e minha avó conviveram com essa agonia durante quase toda a vida. Mamãe era uma ameri­cana corajosa, mas ficava branca toda vez que papai parti­cipava de uma tourada. — Cord fitou Míiggic. — Acho que eu não poderia fazer isso com você.

 

A pressão dos braços dele aumentou. Cord agora se sen­tia pertencer a Maggie. Ela adivinhava isso, ainda que ele não admitisse. Seu coração saltava, com alegria. Abraçou-se a ele, entre passos miúdos, e fechou os olhos fruindo a quentura de seu amado. Assim ouviu os batimentos cardía­cos de Cord c, com um sorriso, afastou o pensamento dos perigos que a aguardavam, para continuar escutando as histórias sobre touradas, muito embora as odiasse.

Foi um daqueles momentos em que a vida parece sus­pensa, etérea, a felicidade pendente como uma gota de chu­va em uma folha trémula. O que quer que acontecesse, Maggie se lembraria desse dia para sempre.

Naquela tarde, todos puseram diversos disfarces, com exceção de Bojo e Maggie. Cord comprara uma peruca que era idêntica à cabeleira branca de Jorge. Também vestiu um de seus ternos de corte antigo, que serviu, porque ambos tinham a mesma altura. Jorge lhe passou uma bonita ben­gala, que o auxiliava a driblar a artrite.

Rodrigo continuava elegante no uniforme de motorista. Com os óculos escuros que colocou, Bojo ficou com quase nenhum traço visível, sobretudo quando cobria a cabeça com o capuz de sua bata muçulmana.

Maggie também pôs óculos de sol, depois de optar por calça branca e prender os cabeios para trás. Insegura, agar­rou-se ao braço de Cord, que por último colocou os óculos e o chapéu que Jorge sempre usava.

Ele conduziu Maggie até o carro e, minutos depois, esta­vam todos percorrendo a rodovia pavimentada até a Costa do Sol e Gibraltar, e então tomando a balsa que os levaria a Tânger.

Após passarem duas vezes pelo controle de passaportes — uma na chegada a Gibraltar, outra na entrada do Marrocos —, Rodrigo enveredou pela estrada de Tânger, com Bojo a seu lado e os outros dois no banco de trás.

Não era a primeira visão que Maggie tinha do exótico lugar. Poucas semanas antes, estivera lá com a amiga Grctchen Brannon. Perdera contato com Gretchen, mas es­perava que o emprego do qual ela abrira mão em Qawi ti­vesse servido para a colega. Como os demais, preocupava-se em não cometer deslizes e manter a farsa sobre a ceguei­ra de Cord. Graças aos céus, não tivera oportunidade de contar nada a Grctchen, conhecida por falar muito.

Maggie relanceou o olhar para Cord a seu lado, no banco traseiro, e teve uma boa ideia de como ele se pareceria quan­do chegasse à idade avançada. A imagem não a incomodou. Ao contrário, motivou-a mais ainda a amá-lo, independen­te de tudo o mais.

No entanto, se seus pecados fossem descobertos, Cord nunca mais a desejaria junto a si. Tsso era certo. Por esse motivo, estava resolvida a se dedicar à operação clandesti­na em andamento, aprender tudo o que pudesse, e então pedir emprego a Lassiter como detetive particular, quando tudo aquilo estivesse terminado. Talvez lhe fosse penoso continuar em Houston, se os fatos viessem à tona. Mas a agência de Lassiter se achava em expansão, e haveria ou­tras cidades para trabalhar. Longe de Cord.

Chegaram a uma pequena e bonita viUa, com um portão de ferro que lembrava a entrada da propriedade de Jorge, na Espanha. Havia flores por todo lado, cercando a trilha de cascalho que levava a um agradável sobrado branco, com telhado de ardósia e muita madeira na varanda, nas portas e janelas.

No pátio, um pequeno chafariz produzia música a partir da água que caía. O conjunto todo era muitíssimo elegante e, como em toda Tânger, a atmosfera recendia a almíscar.

 

Um jovem alto e garboso veio receber os visitantes.

— Tio Jorge! — Ele tomou nas suas as mãos de Cord. — Que bom que veio nos ver! E esta deve ser Maggie, de quem me falou, que acompanhou o pobre Cord à Espanha. Sejam bem-vindos!

— Grato pela hospitalidade, Ahmed — disse Cord, for­çando a voz para parecer grave, de maneira que os servi­çais da casa pudessem ouvi-lo sem estranhar o tom mais jovem. — Cord achou que seria bom para Maggie ver um pouco de Tânger, enquanto descansa um dia ou dois.

Então, apresentou os outros:

— Meu motorista, Rodrigo, e nosso guia, Bojo.

— Todos são bem-vindos, é evidente! — exclamou Ahmcd. — Vou lhes mostrar os quartos. Carmen! — Ao mesmo tempo, abria a porta principal do sobrado, que dava numa espaçosa sala de tábuas corridas, paredes brancas e mobília antiga, com cortinas de brocado.

Uma jovem e bonita mulher, carregando um bebê no colo, entrou e cumprimentou todos, com efusividade.

— Estes são Carmen e nosso filho, Mohammed. Ela adiou uma visita à casa da irmã só para conhecê-los, antes de partir.

A conversa caiu no convencional, mas para Maggie era óbvio por que a esposa e o herdeiro de Ahmed estavam deixando a residência. Ficariam fora da linha de tiro, se houvesse problemas.

Carmen foi escoltada pelo marido até uma limusine que a esperava. Ele acenou em adeus, enquanto um casal de criados, ambos pequenos e escuros, e pela aparência não-muçulmanos, surgiram para se pôr à disposição dos visi­tantes e levá-los aos respectivos aposentos.

Escada acima, Maggie notou que ficaria no quarto ao lado do de Cord e Rodrigo. Bojo se instalaria na parte de baixo.

 

Ela se frustrou com esse arranjo, pois só pensava em cair nos braços de Cord assim que a noite chegasse.

Ao almoço leve seguiu-se uma tarde preguiçosa, em que todos se acomodaram em torno do chafariz. Ahmed avisou que teria de dar uma passada rápida em seu escritório de exportação e importação. Deixou os visitantes ao cuidado dos criados, que desconheciam a farsa montada, e por isso Cord e Maggie teriam de ser muito cuidadosos.

Mais tarde, quando Ahmed voltou, o jantar foi servido, e as pessoas se retiraram. Cord entrou às escondidas no quarto de Maggie, a fim de preveni-la sobre conversas reveladoras com os serviçais.

— Não podemos confiar em ninguém, Maggie, o que independe de credenciais. Esta cidade ainda é conhecida pelas intrigas internacionais. Os hotéis estão repletos de gente estranha. Enfim, Ahmed também parece não confiar em seus empregados.

Ela lhe acariciou o braço sobre a camisa branca.

— Quer dizer que não podemos dormir juntos...

— Você não lamenta mais do que eu. — Cord afagou-lhe o rosto quente. — Durante a viagem, só pensava nisso. — Inclinou-se para beijá-la. — E não é só sexo, você sabe.

-— Eu entendo. — Sentia a necessidade de estar com ele o tempo todo. Buscou seus olhos escuros, e os dedos lhe to­caram a face. — Sinto-me estranha hoje. Odeio ficar separa­da de você.

Cord deu-lhe mais um beijo na boca.

— É natural, quando se trata de amantes. Ou mesmo quando são apenas emoções e sensações que se tomam ir­resistíveis. Vibro sempre que a vejo. Para ser franco, eu a derrubaria nessa cama, caso não fôssemos chamar a aten­ção. — Sorriu, desconsolado.

 

Maggie se apertou contra ele, mas não demais, para evi­tar uma provocação invencível. Suspirou e pousou a cabe­ça no peito largo.

— Queria pelo menos abraçar você assim.

Cord a estreitou, com o baixo-ventre já abrasado pelo contato. O efeito na libido foi imediato.

— Temos de parar, minha querida. Já imaginou um dos criados espiando e pensando em por que uma bela jovem como você beijaria um homem com a aparência de seu avó?

— Por que não? Se o avô for sexy...

Ele riu e, com um último beijo, virou-se para sair.

— Mantenha as duas portas trancadas, a da entrada c a da sacada. — Cord colocou na mão de Maggie um pequeno dispositivo circular. — Aqui está. É um aparelho de escuta, disfarçado como botão. Deixe-o na mesa-de-cabeceira. Se algo acontecer, fale alto.

— Não estou armada.

— Nem estará, durante a noite. Certa vez, quase acertei Bojo quando ele entrou em meu quarto sem aviso. As ar­mas são um perigo.

— Tudo bem, compreendo. — Maggie fez uma careta, que desapareceu quando Cord lhe apertou o queixo e estudou sua fisionomia.

— Você é adorável.

— Você também, Cord.

— Deus do céu... vou dormir com Rodrigo!

— Meu Deus! — ela gracejou.

— Ainda vai me matar de vontade, sua danadinha.

— Não brinque com isso. — Ergueu a cabeça com alti­vez, como quando tinha dez anos, e ele, dezoito, e estava com problemas na Justiça. — Seremos cuidadosos, está bem? Temos a vida toda pela frente.

 

Cord produziu um inevitável esgar quando olhou para ela. Experimentava uma pouco bem-vinda sensação de que poderia perde-la, e isso lhe causava um grande medo. Fei­tas as contas, Maggie era tudo o que ele tinha no mundo. Lutou pelo autocontrole.

— Não sou imprudente, querida. Mesmo quando corro riscos, eles são bem pesados e calculados. Por favor, Maggie, faça exatamente o que eu lhe pedir, sem hesitação.

— Não foi sempre assim? — desafiou-o, sorrindo.

— Bem, não vamos falar disso esta noite, Durma tranquila e feche tudo.

— Certo, patrão.

— Se eu não a conhecesse um pouco, diria que você é prestativa e submissa...

Ela soltou um palavrão.

Cord fingiu-se de horrorizado e saiu, fechando a porta atrás de si.

 

No DIA SEGUINTE, Cord e Maggie foram passear a pé em torno da villa, ele ainda disfarçado. Bojo e Ahmed tomaram o carro rumo à cidade. Também alegaram um passeio, mas era óbvio que uma missão secreta estava em andamento.

Quando Bojo retomou, já bastante tarde, apresentou-se de imediato a Cord, que descansava em seu quarto. Rodrigo tirava roupas de um armário para uma cadeira, com a aju­da de um jovem serviçal.

— Ahmed me pediu para você ir auxiliá-lo a escolher trajes para a noite — disse Bojo, para livrar-se do criado, sem lhe dar possibilidade de recusa.

— Si, senor. — E o rapazinho deixou o cómodo, com um olhar de suspeita.

Sem demora, Cord sentou-se no leito e piscou para Bojo, que tirou um pequeno aparelho eletrônico do bolso da djeilaba, a bata muçulmana, e começou a vasculhar o quar­to. A desconfiança foi confirmada quando encontrou dois grampos para escuta clandestina, um atrás da mesinha-de-cabeceira, outro no banheiro. Haviam sido bem camuflados, de modo que ninguém percebesse sua presença.

Cord se enfureceu, e Bojo, mais curioso do que zangado, pensava em quem poderia ter feito o serviço de espiona­gem. Rodrigo experimentou o paletó que segurava e pas­sou a gesticular. Bojo nada compreendeu, mas Cord sabia que Rodrigo dominava a linguagem dos sinais, usada por surdos-mudos, que se revelara uma ferramenta muito útil em suas atividades.

Utilizando o mesmo recurso, Cord informou a Rodrigo que, naquela noite, ele e Maggie tentariam entrar nos escri­tórios da Global Empreendimentos, situados no prédio bai­xo ao lado de um fino restaurante, no qual jantariam com Ahmed, para despistar. Rodrigo também iria, levando uma maleta com dispositivos de escuta.

Naquele instante, porém, ele e Bojo deviam completar sua tarefa dentro da residência, procurando aparelhos nos apo­sentos de Maggie e em outros.

Encontraram um minúsculo microfone, preso no estrado da cama dela. Feito isso, Rodrigo voltou a falar em espa­nhol precário sobre o jantar, e perguntou o que "Jorge" gostaria de vestir. Bojo continuou meneando a cabeça, com ceticismo.

Maggie surpreendeu-se com o pedido de Rodrigo para ir ao quarto de "Jorge". Acatou a ordem sem questionar e, logo que fechou a porta atrás de si, encontrou Cord em calça preta de smoking e camisa branca de seda. Detalhe: um coldre de couro, cuja alça lhe passava pelo ombro, continha a mesma pistola .45 que ela conhecia dos treinamentos de tiro.

Cord não sorria, muito menos parecia um amante cheio de expectativa. Estava taciturno, a expressão quase hostil. Maggie teve uma boa imagem dele em meio a uma missão, e arrepiou-se tanto quanto pela visão da arma.

Muito tenso e alerta, os músculos dele se ressaltavam sob a camisa branca, e o olhar irradiava um magnetismo quase selvagem. Sem dúvida, a temperatura corporal e a pressão sanguínea deviam estar acima do normal.

Cord caminhou com passos leves e tirou Maggie da fren­te da janela do closet. Passou-lhe um vestido longo e preto que combinava com sua própria roupa e esperou que se trocasse. Bem-humorada, Maggie não pôde deixar de rir da situação. Ela, no quarto de Cord, quase nua, e ele do outro lado da porta interna, aguardando. Ele abriu quando sen­tiu o momento propício e, com ar ausente, ajeitou os cabe­los que cobriam os ombros dela. O silêncio era o que mais chamava a atenção, além do olhar admirado com que ela foi brindada por Bojo e Rodrigo.

Balançando a gravata borboleta no ar, Cord afastou os outros homens dali. No fundo, vibrava com sua expressão de entusiasmo diante da figura elegante de Maggie.

Ela sorriu-lhe, mas Cord continuava sóbrio ao colocar a peruca branca.

— Por favor, pode me ajudar com a gravata? Perdão, mas preciso ouvir as novidades. Mania de velho. — Um pouco mais descontraído, ligou o rádio.

— Claro, primo Jorge. — Maggie se aproximou do apa­relho, que transmitia em espanhol.

— Eu colocarei isto. Você precisa levar este microfone debaixo do vestido. Ou das longas luvas, se preferir.

— Fantástico! — ela provocou, baixando o vestido e mostrando mais da metade do sutiã sob ele. Olhou para Cord, desafiadora, vendo que ele já havia arrumado a gra­vata com absoluta perfeição.

— Não podemos nos demorar muito — Cord continuava a disfarçar —, pois venho me cansando muito rápido. E Cord sentirá nossa falta, nas condições em que se encontra.

— Achei admirável que ele tivesse nos deixado vir a Tânger, sem reclamar.

— Meu primo queria que você conhecesse a cidade por um ângulo que os turistas não costumam ver.

— Estou adorando!

— Eu também. — Ele arqueou as sobrancelhas.

 

Uma batida na porta, c Cord deu ordem para o jovem serviçal entrar. Ele trazia para Maggie uma linda mantilha preta, que cia preferiu levar na mão.

— Faz frio à noite — comentou o rapaz. — Mais alguma coisa, senhor?

— Não, obrigado. — Cord mostrou-se polido. — A gra­vata está no lugar?

— Claro, sem dúvida. Vão a uma ceia?

— Não tão tarde. Será apenas um jantar de cerimónia.

— Certo. Que tenham uma boa noite. — Após se incli­nar, o criado se foi.

Cord puxou Maggie para perto, de modo a poder sussur­rar em seu ouvido.

— Ele está ansioso. Só espera nossa saída para mexer em toda a bagagem.

— Não encontrará nada de especial, garanto.

— Termine de escovar os cachos e me espere na sala.

— Claro, sem dúvida, senhor — ela imitou o criado, bcm-humorada. — Já estou a caminho.

Pouco mais tarde, o curto trajeto de táxi não lhes deu tempo de conversar. Além disso, com um motorista desco­nhecido, era melhor manter total discrição.

Dentro do restaurante, porém, onde viram Bojo checando a mesa reservada para eles, puderam falar sem problemas.

— Logo depois de fazermos o pedido — Cord instruía Ahmed e Bojo —, Maggie me convidará para um passeio no jardim, para vermos as flores c a famosa fonte local. Pediremos um prato de carneiro que leva no mínimo qua­renta minutos para ser preparado. Isso nos dará tempo para entrar pela janela da Global, bem ao lado, usando as infor­mações que Bojo nos passou.

— E quanto ao cofre? — o muçulmano quis saber.

 

— Se eu não conseguir abri-lo... — Cord riu. — ...é por­que estou no negócio errado.

— Desculpe-me — Bojo murmurou.

— Há guardas de segurança na calçada — completou Cord. — Mas um deles teve cólicas e foi substituído.

Pela expressão, a equipe de Cord não estava inocente do mal-estar repentino do guarda.

— O substituto é nosso homem, e distrairá os demais. Preciso de você, Maggie, porque é magra o suficiente para passar pelo duto de ar condicionado que leva ao escritório. Seria impossível entrar pela porta da frente, embora não seja controlada eletronicamente.

— Bojo também é magro.

— Sim, mas a ausência dele seria notada. A sua, não. Quem suspeitaria de você como agente secreto?

— É verdade. — Os olhos dela brilharam.

— Vamos sincronizar nossos relógios. Atentem para os segundos, que são importantíssimos.

Todos procederam ao acerto dos ponteiros, enquanto o garçom surgia para instalá-los à mesa, perto da porta larga que dava acesso ao jardim.

Maggie viu Bojo tirar do bolso uma colorida nota de di­nheiro marroquino e passá-la às mãos do serviçal.

A conversa girou em torno da disputa do Marrocos com a Espanha, devido à imigração ilegal. Não era difícil alguém passar pelo estreito de Gibraltar rumo ã península Ibérica.

— E outro exemplo de tráfico de trabalho escravo — ob­servou Ahmed. — Os contrabandistas recebem dinheiro para atravessá-los, mas não lhes dão trabalho. Assim, mui­tas mulheres e crianças acabam caindo na prostituição. Há uma ligação com Amstcrdã, nos becos dos bairros boémios, e nosso governo fracassou em deter o processo.

 

— Dinheiro e poder são adversários formidáveis. — Cord parecia desolado. — Vi esse sistema funcionando em mui­tos lugares, sobretudo na África.

— Foi na África que alguns de nossos amigos se confron­taram com Gruber. — Bojo ficou sombrio. — Por meio de denúncias falsas, ele conseguiu que fossem atacados por forças do governo. Muitos morreram.

— O cretino ainda pagará por isso, Bojo. E por outros pecados.

— De acordo. — Bojo sorriu, sem humor.

Surgiu o maxixe, que anotou o sofisticado prato de carne de carneiro, sob exclamações de entusiasmo de Maggie. Logo em seguida, Cord apontou com a cabeça para o jar­dim, louvando as belezas do lugar.

Maggie riu e tomou-!he o braço, saindo para o ar livre. Um pouco adiante, entre os arbustos, Cord tirou sua grava­ta borboleta e o paletó, lançando-os ao chão.

— Deixaremos nossas roupas aqui. Você consegue correr com esses sapatos?

— Os saltos são baixos e o solado é de borracha — ela esclareceu, deixando o xale cair sobre o paletó de Cord. — Darei um jeito.

— Otimo.

Cord removeu a faixa de seda preta do smoking, e assim permitiu que Maggie visse, com assombro, o cinturão re­pleto de bolsas e pequenos recipientes com instrumentos ou ferramentas especiais, típicos de um espião. Além do coldre com a pistola .45, havia outra arma sob o braço oposto: um punhal de bom tamanho em sua bainha de couro.

Maggie procurou não reagir com antecedência à pers­pectiva de um confronto sangrento. Esperava ficar à mar­gem de qualquer tiroteio, mas com suficiente coragem para não deixar Cord sozinho.

 

Algumas breves passadas os puseram defronte ao pré­dio da Global, uma construção de três andares sem preten­são ou imponência. Parecia-se mais com uma loja de varie­dades, um bazar no estilo dos que Maggie vira com sua amiga Crctchen.

— Lugar modesto — ela sussurrou às costas de Cord.

— Uma teia de aranha também é, à primeira vista. Não fale.

—- Certo.

Sentindo-se invisíveis, rodearam o edifício. Na porta de trás, havia alarmes cm profusão, que Cord bloqueou com um pequeno dispositivo eletrônico. Passada a porta, existia outra, de aço, com muitas travas.

Cord conduziu Maggie para uma pequena cozinha, en­tão deserta. Usando uma cadeira, alcançou a grade do sis­tema de ar condicionado, que removeu com presteza, de­positando-a no chão. Abraçou Maggie.

— Você entra por aí, até a próxima grade. — Levantou-a para a cadeira e suspendeu-a o mais que pôde. — Cuidado para não fazer barulho. Já me viu agir. Não há parafusos, e as grades são apenas encaixadas. Não as deixe cair! Depois de tirar a última, entre e desça pela escada, até onde estou. Destrave a tranca para mim. Acha que pode conseguir?

— Posso — assegurou, embora o coração estivesse acele­rado. — Em algum lugar deve haver homens armados, não é, Cord?

— Sim. É o risco que você corre. Se não quiser, ainda... Ela pós dois dedos sobre a boca de Cord, a fim de calá-lo.

— Temo por você, não por mim. Não foi à toa que fiz artes marciais. Sei escalar, sei pular, sei fazer o que me pede.

— Não duvido, Maggie. Só que é sempre mais fácil pla­nejar do que executar.

— Pare de se afligir. Lá vou eu!

 

Maggic se agarrou às bordas do duro e, com um impul­so, ganhou seu interior. Na verdade, embora forte e bem disposta, estava havia meses sem treinamento físico. No último segundo antes de desaparecer, tirou os sapatos, lan­çou-os para Cord e ainda fez um sinal de positivo com o polegar.

Já não podia ser vista, mas sem dúvida devia estar se arrastando pelas instalações internas.

Era escuro e frio dentro do duto. Maggie torcia para que os guardas não notassem a mudança no fluxo de ar, causa­da por um corpo que o bloqueava. Movia-se com rapidez, de acordo com o roteiro decorado no mapa, parando ape­nas para remover as grades.

Seu pulso quase parou quando, em determinado ponto, encontrou duas delas em diferentes direções. "E agora?!"

Na cozinha, empunhando a pistola, Cord procurava ou­vir algum dos movimentos de Maggie. Um facho de luz entrava pela janela, e ele retirou a cadeira do lugar, a fim de não deixar nenhuma evidência da ação. Do lado de fora, havia um guarda, e não era o substituto que Cord pagara para ter.

Próximo da janela, o homem ligou sua lanterna e apon­tou-a para dentro. Parecia suspeitar de algo errado. Cord se colou à parede e rezou para que Maggie não escolhesse aquele exato momento para destravar a porta por dentro. Se fosse assim, haveria uma troca de tiros e nenhum objeti-vo maior teria sido alcançado.

Engatilhou a arma e, no cano, atarraxou o silenciador que sempre carregava. Na pior das hipóteses, calaria o guarda com um tiro através da janela. Se o sujeito entrasse, seria mais fácil eliminá-lo, embora o silêncio fosse condição im­portante para derrubar o império de Cruber.

 

Dentro do duto, Maggie teve de tomar uma decisão difí­cil. Fechou os olhos, tentando lembrar-se do traçado que tanto estudara com Cord. As mãos tremiam sob o efeito do medo e da confusão. Então, recordou. O corredor sombrio continuava em frente, mas o caminho para a porta estava a sua esquerda, e esse era o duto correto.

Trabalhou na grade com cuidado para não deixá-la cair e produzir um ruído surdo de metal. Por sorte, a peça era nova e saiu dos encaixes com facilidade. Maggie a segurou com as duas mãos e posicionou-a de lado, de modo a simplificar as coisas, caso precisasse repô-la no lugar.

Dali pôde ver o piso de linóleo, menos de três metros abaixo. Pulou como um gato e, quase sem parar a fim de tomar fôlego, venceu os lances de escada até o térreo. Mais do que ouvir, pressentiu a presença de Cord do outro lado da porta de aço. Examinou com o tato as travas redondas mas simples, que abriu sem dificuldade. No entanto, na hora em que segurou a pesada maçaneta para abri-la, um lampejo de intuição fez Maggie estacar. Pareceu-lhe ter escutado seu nome, num chamado de alerta. Por isso, esperou, quieta.

Na cozinha, Cord apertava a pistola entre as mãos, hesi­tando em atirar pela janela, se isso se tornasse necessário.

O guarda, parado em seu lugar, falava com alguém ao telefone celular. A voz era abafada demais para Cord en­tender o que dizia, mas a sensação de ter sido descoberto tornou-se poderosa.

Matar o guarda não resolveria nada, se ele já tivesse re­velado sua presença a mais alguém. Cord imprecou em si­lêncio, amaldiçoando a má sorte, furioso ante a inesperada complicação.

Havia, porém, uma novidade pior. Cord captou, de sos­laio, o movimento da maçaneta e estreitou os lábios, tenso como nunca. Sc Maggie entrasse, com o inevitável ruído de seus gestos, seria de imediato fuzilada pelo guarda, que de tempo em tempo espichava o olhar pela janela. Teria de salvá-la a todo custo. Mas como, se não podia avisá-la para não prosseguir?

A janela, o segurança pareceu hesitar, desconfiado. Fa­lou outra vez ao celular e, de súbito, a luz da lanterna mu­dou de direção. Entre os arbustos, fez-se um som de ramos quebrados quando o homem deixou a calçada defronte do prédio e caminhou em passos preguiçosos para a vegeta­ção. A lanterna voltou a brilhar, naquele rumo.

Cord relaxou os músculos retesados, no mesmo instante em que a maçaneta girou e a face pálida de Maggie mos­trou-se no vão da porta. Ele correu até ela, o mais rápido possível. Canharam juntos a sala seguinte, onde Cord se voltou para Maggie e beijou-a com avidez, pressionando seu corpo com paixão. Ela desconhecia o risco que correra. Cord resolveu não lhe contar.

Estavam numa espécie de saguão e, pelo mapa obtido o escritório de Gruber ficava um lance acima, protegido por vários dispositivos de segurança, inclusive um feixe de raios infravermelhos. Mas Cord sabia como ultrapassá-los.

Depois da porta de aço, só existiam as de madeira, com postigos para a observação de quem chegasse. Como todo grande crápula, Gruber se julgava inatingível. Devia ter seus motivos para pensar assim, mas se esquecera dos dutos de ar condicionado.

Ao subirem os degraus, Cord e Maggie tiveram de se colar à parede. Ouviram passos que morreram logo depois, na direção contrária à do escritório. Cord moveu-se, dessa vez depressa como um raio, puxando Maggie atrás de si.

Ela segurou um farolete portátil enquanto ele trabalhava na fechadura com as finas agulhas que trazia no cinturão.

 

Bastou um minuto, e eles estavam dentro da sala de Gruber, encostando a porta com todo o cuidado.

Cord não duvidava de que o lugar estivesse coberto por dispositivos de escuta e até minicâmeras, além de aparelhos de contra-espionagem. Posicionou Maggie de modo que ela pudesse vigiar a porta e, lançando mão de outro aparelho, descobriu um feixe de raios laser varrendo todo o piso.

Caminhou com cautela entre eles, evitando alguns mais altos, que atingiam qualquer intruso à altura da cabeça. Rodeou a mesa de trabalho de Gruber e chegou ao cofre. Começou a agir.

Era terrificante como, no silêncio que reinava, todo ruído parecesse um estrondo, embora Cord usasse seu acervo de agulhas, limas e pinças com a máxima atenção.

Maggie roeu quase a metade de uma unha. Seria duro explicar, no restaurante, por que estava descalça. Consul­tou o relógio e concluiu que restavam uns dez minutos até que a comida fosse servida. Teriam de voltar em tempo de não despertar suspeitas. Como abrir um cofre, examinar o conteúdo e voltar num período tão curto?

Com o ritmo cardíaco disparado, observou os gestos de Cord, tomada de pavor. Ali residia o lado real das opera­ções de espionagem: angústia e perigo, perigo e angústia.

A perspectiva da morte estava contida em cada gota de suor. Um movimento errado, um ruído acidental, e tudo terminaria. Ela imaginou quantas vezes Cord não teria fei­to o que fazia, e empalideceu.

Maggie não era covarde, mas a espera se tornava insu­portável. Sabia que, em mais alguns minutos, seus múscu­los entrariam cm espasmos de tensão.

Então, a porta do imenso cofre se abriu, e Cord entrou no compartimento, com a lanterninha, procurando algo nas prateleiras.

 

Maggie adoraria ir junto e ver do que se tratava. Acatou, porém, a ordem dele e permaneceu ao lado da porta, aten­ta. Ao longe, no saguão de entrada, escutou passos que se tornavam cada vez mais próximos!

Ignorava como fazer para prevenir Cord. Ele parecia não estar tirando nada do cofre, mas trabalhava rápido, e logo o fechou, bem no instante em que os passos pesados se fize­ram ouvir no corredor. E se fosse o guarda, portando a cha­ve da sala?

Cord olhou para Maggie, que apontava, nervosa, para a entrada. Célere, mas com cautela, ele percorreu de volta o tapete de raios laser e carregou consigo Maggie, para trás de grossas cortinas que chegavam ao piso. Voltou a empu­nhar a pistola, destravada, mantendo-a junto ao peito.

O ruído seguinte foi de uma chave na fechadura. As lu­zes se acenderam. Maggie prendeu a respiração. O mesmo fez Cord.

Segundos depois, as lâmpadas se apagaram, a porta foi fechada, e a chave, retirada. Houve um zumbido de disposi­tivos eletrõnicos sendo religados. Então, a pessoa se afastou.

Cord sorriu para ela, sem nada dizer. Trouxe Maggie para fora das cortinas, guardou a pistola no coldre, agora trava­da, e colou o ouvido à porta. Todo e qualquer barulho de­saparecera.

Esperou alguns segundos e saiu, levando Maggie pelo braço, evitando pisar em determinados pontos do solo. Ela teria de lembrar-se de perguntar por quê.

Chegaram à porta de aço que dava acesso à cozinha. Cord ergueu-a para que ela recolocasse a grade do duto de ar condicionado, depois a seguiu para a saída. Experimentou a maçaneta e descobriu que funcionava, livre das travas.

Consultou o relógio. O novo risco era representado pela porta de saída. O guarda deveria fazer rondas a cada três minutos. Era impossível prever quando ele passaria de novo. Só restava contar com a sorte.

Cord desligou o relógio de energia elétrica, esperou Maggie recolocar os sapatos, manteve-a em posição e, num piscar de olhos, abriu a porta e empurrou-a para fora.

— Corra! — ordenou.

Dispararam ambos pela trilha de arbustos, até chegarem à calçada principal onde ficava o restaurante. Atrás deles, não se ouviram nem passos, nem alarmes.

Cord explodiu em riso diante do esgar de medo de Maggie.

— Foi aterrador! Como você pode fazer isso, dia sim, dia não?

Ele a abraçou com vigor e a beijou com tanta força que quase lhe machucou os lábios. Além de grata pela vida, Maggie ficara sexualmente excitada. O perigo era um óti-mo catalisador de sensações. Desejava Cord naquele instan­te, e a recíproca era verdadeira.

Ele a conduziu para os arbustos, onde haviam deixado as roupas, recuperando-as. Mas, enquanto ela pensava, Cord agia. Esquecido do tempo, encostou-a numa mureta, ergueu-lhe o vestido, tirou qualquer outro obstáculo do caminho e possuiu-a com uma economia de movimentos que lhe rou­bou o fôlego.

— Mais! — Maggie pediu, esfregando a boca na dele. — Mais, Cord!

Maggie mal pôde acreditar que se tratava da mesma mulher de um mês atrás. Apertava Cord pelos ombros, fe­rindo-o com as unhas, mas facilitando as potentes estoca­das que a faziam senti-lo inteiro dentro de si. A sensação se expandia por todo o corpo, provocando suspiros e gemidos contidos, numa onda poderosa de calor que lhe abrasava a carne. Pela posição, um pouco forçada, Cord sentiu uma pontada de dor, mas também muito prazer. Um prazer quente que unia os dois em um só.

Quando veio o clímax, em conjunto, Maggie riu com ele, o suor na testa como prova de satisfação. Cord prosseguia com os golpes sensuais, que em segredo Maggie adoraria prolongar.

— Não — ela disse, a contragosto. — Temos de entrar e jantar.

— E se, cm vez de arroz e carneiro, passássemos direto à sobremesa? — Cord a fitou, descontraído. — Você já me fez pensar que era inibida...

— Não com você. E o perigo, querido. Ele é um potente afrodisíaco. Ou nunca fez isso após uma missão?

— Nos arbustos em frente a um restaurante, cheio de guar­das por perto? Está maluca? Só aconteceu com você, aqui e agora. — Tirou do bolso um pequeno pacote de lenços úmi-dos, perfumados. — Use isto. Senão, o cheiro de um velho e uma jovem, juntos na mesma mesa, vai nos denunciar.

Maggie sorriu ante o espírito previdente dele. Vestiu o xale para cobrir os ombros suados, depois de passar o lenço, e esperou Cord colocar a faixa da cintura, o paletó e a gravata.

Acabou rindo de novo, dessa vez da figura, dele. A peru­ca branca estava fora de lugar, e Maggie ajudou a ajeitá-la. Depois de reaver a bengala, Cord caminhou com passos trôpegos para o restaurante.

— O cofre! — Maggie protestou. — Tanto trabalho, e você não tirou nada dele!

— Não? — ele ironizou, sem explicar nada e omitindo qualquer palavra a esse respeito.

Foram recebidos pelo rnaitre risonho mas preocupado, que gesticulou ao garçom para começar a servir no mesmo instante.

 

— Bem em tempo — disse "Jorge", adotando seu tom cansado. — Passeamos muito pelo jardim, o que nos abriu o apetite.

Para louvor de Maggie, ela não corou, nem engasgou. Só não conseguiu parar de sorrir.

 

Depois de tanta tensão, o retorno à casa de Ahmed teve sabor de anticlímax. Maggie se lembrou de cada momento na companhia de Cord e decidiu que tinha passado no ba-tismo de fogo. Não mais precisava perguntar a ele. A apro­vação e o orgulho estavam visíveis nos olhos de seu amor.

O que incomodava Maggie era o encontro amoroso entre os arbustos. Coisa de momento, e muito satisfatória, mas es­pantara-se com o reduzido domínio sobre suas paixões. Era normal?, perguntou a si mesma, sem meios de obter resposta.

Cord a contemplava de um modo diferente, agora, com certa possessividade. Tudo bem, se Maggie pudesse parar o tempo e impedir que ele conhecesse a verdade sobre seu passado. Pelo menos, aquele curto período de alguns dias poderia ser isolado e cultivado para sempre.

— Deveremos sair de balsa logo pela manhã — disse "Jor­ge", ao se instalar na elegante sala de Ahmed. — É uma pena, mas você sabe, tive de deixar Cord sozinho, em suas condições...

— Compreendo, tio. — Ahmed suspirou. — Foi um pra­zer tê-lo aqui comigo e conhecer Maggie. — Ergueu a mão na direção dela. — A senhorita é excepcional, mademoiselle.

O galanteio não escapou a Maggie nem a Cord.

— E eu adorei conhecer sua cidade, ao menos um pouco, Ahmed. Espero poder voltar com mais tempo. Assim como seu tio Jorge, claro.

Cord apenas sorriu.

 

A balsa deveria zarpar do porto de Tânger logo às oito da manhã. Na realidade, o horário dependia do humor dos operadores. Poderia sair às nove, às dez, enquanto os car­ros e as pessoas se alinhavam no convés.

Muitos ouviam música e conversavam alto. Pelo menos naquela parte do mundo, Maggie ponderou, ninguém tinha pressa.

— Precisa se acalmar, nina — disse "Jorge", apontando para o painel, como a sinalizar que estaria grampeado.

Maggie imprecou, o que começava a se tornar um hábi­to. Nunca ficariam livres de vigilância? Podia entender que Gruber se cercasse de garantias, mas ambos haviam pene­trado com sucesso na fortaleza do criminoso.

O que tinham conseguido de positivo ainda era um mis­tério, mas Cord parecia satisfeito. Frustrada por não ouvi-lo falar com normalidade, imaginava o que ele teria desco­berto sobre Gruber.

— E frustrante — afirmou, e não se referia à balsa parada.

Cord estendeu seu sorriso a Rodrigo e a Bojo, impertur­báveis no banco de trás do veículo, ouvindo uma rádio es­panhola.

— E natural, Maggie. Logo que chegarmos, contaremos a Cord sobre os excitantes acontecimentos em Tânger. Ele é um bom sujeito, não?

— Si — Maggie falou em espanhol, sem pensar.

— Tinha me esquecido de que você fala meu idioma! — Cord provocou-a.

Um pequeno solavanco, e a balsa iniciou seu movimen­to. Maggie, enfim, relaxou.

Cruzaram de volta o Gibraltar e enfrentaram de novo as formalidades na alfândega, cujos funcionários verificaram os passaportes e a bagagem deles.

As horas corriam, mas Maggie já não estava aflita. Ao volante, sentia-se segura à medida que avançavam pela estrada, rumo à fazenda de Jorge Romcro.

Quando por fim estacionaram, Cord, Rodrigo e Bojo sal­taram depressa. Cord trocou algumas palavras inaudíveis com Bojo, e este, tirando do bolso da djelhba um aparelhinho, checou se o painel do automóvel estava livre de interferên­cias indevidas. Depois, na companhia de Rodrigo, dirigiu-se ao alojamento dos vaqueiros, que os esperavam.

Cord e Maggie entraram na residência e depararam com Jorge muito nervoso, caminhando de lá para cá pela sala.

— Correu tudo bem? — perguntou sem delongas, cisma­do com o silêncio deles. — Podem falar à vontade, a casa acabou de passar por um pente-fino. Não há grampos.

— Graças a Deus! — Maggie respirou fundo. — Estou farta de vigilância. Nunca mais me sentirei confortável quan­do estiver sozinha.

— Agora entende como funciona? — Cord ironizou, re­movendo a peruca branca e passando um lenço pela cabeça suada. — Vamos voar para Amsterdã esta tarde. Rodrigo nos deixará no Aeroporto de Málaga.

— Disfarçado? — Jorge quis saber.

— Não. Ou melhor, de certo modo. Usarei óculos escu­ros, e Maggie me guiará. Obrigado por me emprestar sua identidade, primo.

— Encontrou alguma prova?

— Sim. — E Cord nada mais falou.

Maggie ficou sentada com os homens após o jantar, mas apenas um pouco. Tomou um longo banho com sais aro­máticos na sofisticada banheira de hidromassagem. Con­siderou voluptuoso submergir na água tépida, enquanto os finos jatos atingiam seus músculos cansados. Ainda estava preocupada com as perigosas ações desenvolvidas em Tânger. Interrogava a si mesma se tinha talento para espionagem.

A porta do banheiro se abriu e se fechou. Maggie viu Cord tirar a toalha que o envolvia e galgar os degraus para reu­nir-se a ela.

— Mas, Jorge... — ela começou um frágil protesto.

— Já lhe disse, meu primo é homem. — Cord procurou os lábios de Maggie com avidez. Encontrou-a tão faminta quanto ele, eletrizada pelo contato das peles.

Logo, porém, a água principiou a vazar para o piso. Com um resmungo, Cord saiu da banheira e trouxe Maggie con­sigo. O breve atrito de um no outro bastara para que per­desse o autocontrole.

Estendeu algumas toalhas no piso e a fez deitar-se. Se­gundos depois, ele quase a esmagava com sua paixão.

Só os ruídos dos jatos d'água chegavam aos ouvidos de Maggie, que se arqueou no solo tímido e se entregou à ur­gência de Cord, que também era dela. Manteve os olhos abertos, observando o parceiro, enquanto fazia amor. Ado­rava ver os olhos cada vez mais brilhantes de Cord, até o momento crucial da satisfação completa. Adorava, acima de tudo, a confiança que agora os ligava.

Todavia, a musculatura rija de Cord deu sinais de fadiga e arrefeceu. Ele a fitou, um tanto envergonhado, como a pedir desculpas.

— Não posso... não consigo tanto assim.

— Eu também não. — Maggie dobrou o torso para ofere­cer os mamilos à boca amada, e observou-o sugá-los, delei­tando-se.

— Sinto muito. — Cord soltou as mãos de seus quadris. — Não posso...

As pernas dela enlaçaram as costas dele.

 

— Não se preocupe, querido — Maggie murmurou, com convicção.

Naquela situação, a ternura substituiu o clímax amoroso, e os dois corpos entraram juntos em espasmos ritmados de prazer.

Era maravilhoso sentir Cord vibrar, saber que ele podia tirar tanta satisfação de um contato incompleto. A reaçào da natureza não tardou, porém. De novo rijo, Cord possuiu Maggie num surto obsessivo de volúpia. Tanto que ela se assustou ao ver seu olhar selvagem, Cord trémulo ao che­gar ao ápice.

Terminado o espasmo, Cord sorriu. Era difícil, perante uma mulher como Maggie, manter o controle sobre os sen­tidos. Menos mal que ela aprendia, tal como ele, a confiar no parceiro.

— Amar não mata — Cord sussurrou —, mas não pense que...

Ta dizer como aquilo cansava, já que não era mais tão jovem, mas ainda não saíra dela, e os músculos, exaustos, tiveram um último e doce espasmo, que lhe consumiu o resto das energias.

Sob uma onda de pura volúpia, Maggie tornou-se cega e surda a tudo o que não representasse um alívio da tensão. Seu corpo não doía pela dureza do chão úmido, mas pelo amor de Cord.

Meigos e suaves beijos, de olhos fechados, prolongaram o contato. Cord passeava a boca por todos os pontos de Maggie, que reconhecia como sensíveis. Ele parecia orgu­lhoso do prazer que lhe proporcionara.

— Você me faz sentir como o melhor amante do mundo...

— Mas você é.

Cord lhe mordiscou o lóbulo da orelha.

 

— Não, mas você reage a mim como se eu fosse mesmo o mais competente. Não se trata de ligação física, Maggie. E a emoção que produz o deleite.

— Tsso quer dizer que eu te amo.

— E eu te amo do mesmo modo — ele disse com uni tra­ço de vacilação.

Maggie poderia enlouquecer naquele instante. Sabia dis­so. Relaxou os dedos que agarravam com firmeza as náde­gas de Cord.

— Você ainda não sabia? — ele indagou, muito sério. Maggie afagou o rosto adorado, que estava bem acima

dela. Continuava sentindo Cord em pleno ato de posse e entrega. Era incrível como a lascívia entre ambos persistia. Poderosa, invencível.

— Quantas vezes já fizemos isso... — Ele roubou-lhe um beijo delicado. — ...e não nos preocupamos com nenhuma proteção?

— Bem, você sabe que para mim é difícil engravidar.

— Será mais fácil do que imagina, querida. Tudo bem, eu adoro crianças.

Ela ficou confusa. Todo aquele prazer, e nenhuma conse­quência?

— Nós dois adoramos, mas fazer bebês é algo excitante, e não consigo parar de tentar. — Maggie riu da própria explicação. — E uma novidade para mim.

— Ah, é algo novo e excitante, e por isso não adotamos nenhuma proteção?

— Não é mesmo?

— Creio que sim. — Ergueu-se um pouco, a fim de admi­rar a figura dela. — Tenho trinta e quatro anos. Você, vinte e seis. Estamos acostumados um com o outro desde a infância, em todos os pontos que interessam, e agora surgiu esta pai­xão explosiva, que, segundo meus pressentimentos, não vai definhar tão fácil. De fato, estamos nos tornando adeptos da luxúria, da vontade de desfrutar um ao outro.

Sob o protesto dela, Cord se ergueu do chão, mas ficou ajoelhado estudando os detalhes das formas femininas, como se nunca tivesse visto uma mulher nua. Tal atitude em nada constrangia Maggie. Ela gostava de ser observada assim, desde que fosse por Cord.

— No minuto em que voltarmos a Houston, faremos exa­mes de sangue e tiraremos nossa licença de casamento.

Ela sorriu. Aquilo só podia ser parte de uma fantasia. Devia estar sonhando. Como dissera dezenas de vezes, Cord Romero nunca se casaria de novo. E ainda existia, como obstáculo, uma nódoa no passado de Maggie.

— Por que está sorrindo, minha querida?

— Estou sonhando — declarou apenas.

Com um gesto arrogante, Cord afastou as pernas de Maggie e posicionou-a para um novo ato de amor. Sentia-se capaz e preparado.

— Cord... — ela balbuciou ao ouvido dele. — Espere um pouco. E muito cedo.

O olhar de Maggie desmentiu o alerta. Ela estudava o corpo dele com igual dose de encantamento e necessidade.

— Já disse que isso nunca me aconteceu. Você me deixa mais... potente. — Acariciou-lhe as coxas, e as pupilas co­meçaram a se dilatar. — Nunca olhei para uma mulher tão... intimamente.

— E o que vê?

— Vejo você se abrindo para mim, me chamando. Não devia ser mentira, dado o estado de rigidez de Cord.

Era muitíssimo erótico. E inspirador.

Maggie apanhou uma toalha úmida e enxugou o suor. Não notou, mas sentiu quando Cord a invadiu em golpes ritmados, quase violentos. Parecia que ambos queriam se machucar, agradando um ao outro através da dor.

Um segundo depois, ela se sentiu pairando nas nuvens, como um meteoro que, em movimentos agitados, caía num poço luminoso de estrelas.

Cord viu Maggie terminar depressa, antes que ele pró­prio estremecesse, satisfeito. Então, deixou-se desabar so­bre ela, muito quente e pesado entre as toalhas.

Maggie tremia e gritava, até que a exaustão surgiu para lhe aplacar os sentidos. Não se moveu mais e ficou quieta no solo. Os batimentos cardíacos, acelerados, sincronizavam-se com os dele.

Quando arrefeceram, Maggie sentiu Cord tomá-la no colo e carregá-la para a cama. Sua última lembrança da noite foi o frescor dos lençóis, que, no escuro, ele estendeu sobre ela.

Na manhã seguinte, Maggie despertou angustiada. Pro­curou uma posição confortável para cochilar mais um pou­co. Não encontrou. Levantou-se e vestiu-se, sentindo cada toque da roupa de baixo como uma carícia.

Escovava os cabelos quando Cord entrou, trajando calça caqui e uma malha tricotada. As feições estavam serenas, os cabelos, imaculados, em seu penteado de uma só onda. Ele agiu com rapidez, roubou-lhe a escova da mão e passou a trabalhar nos cabelos negros de Maggie.

— Parece aborrecida, meu anjo. Desculpe-me a falta de jeito, mas depois que toco você, não consigo mais parar.

Mirando o espelho da penteadeira, ela se surpreendeu com as desculpas de Cord. Lisos e sem nós, seus cabelos permitiam uma escovação fácil, mesmo para um amador. Ele se inclinou para beijá-los e, tendo arrancado um sorriso de Maggie, retomou seus esforços com a escova. Numa pausa, tirou do bolso um vidrinho de comprimidos para enjoo e o depositou na mão dela.

 

— O que é isso?

— Para o desconforto — ele murmurou, atrapalhado. Maggie ficou horrorizada. Teria Cord solicitado os com­primidos para alguma mulher da casa?

— Nenhum problema, Maggie. Também uso, às vezes. Ela ergueu as sobrancelhas. Aquilo era interessante. Os homens também usavam remédio para indisposição ou ten­são pré-menstrual?

Cord terminou de escovar sua cabeleira, autocomplacente, e devolveu a escova à superfície da penteadeira.

— Bem, agora você sabe. Mas, se a noite passada conti­vesse minhas últimas horas de vida, juro que não teria ne­nhuma queixa.

— O mesmo digo eu. — Ela beijou a palma da mão dele.

— Eu te amo de todo meu coração.

— Também te adoro. Quanto mais a tenho, mais a quero. Por isso, temos de nos casar. Sou um pouco antiquado nes­sa história de ter filhos com pai e mãe presentes.

Outro beijo, e Maggie já começava a crer que poderia en­gravidar de Cord. Excitou-se, em parte por expectativa real, em parte em função da fantasia. O que acontecia não podia ser tão sério assim. No entanto, ela aprendera a amar e acei­tar o amor. Já conseguia ter prazer. Aprendera a sonhar.

— Farei o que quiser, querida — ele murmurou, com sobriedade, imaginando ter visto alegria no rosto de Maggie.

— Ficarei em casa e cuidarei do gado.

Claro, e assim ele a odiaria, bem como ao filho e à vida que levassem. Naquele momento, entretanto Maggie deci­diu que nada custava alimentar um sonho. O risco de al­guém desvendar seu passado era muito grande, sobretudo com Cord envolvido. Ele ficaria desgostoso demais, e ela não desejava que isso ocorresse. Teria de mantê-lo no escu­ro, na ignorância, a todo custo.

 

Estava certa de não poder engravidar, confiante na pala­vra dos médicos. Nesse ponto, fora honesta com ele. Cord não acreditava, o que não fazia a menor diferença. Ela iria envelhecer sozinha, cultuando as recordações dos momen­tos de amor com Cord. Não só de amor, aliás. A adrenalina advinda do perigo e do risco de vida já fazia parte de seu presente, e também lhe dava prazer.

— Por que não está falando comigo, Maggie?

— Isso importa? — ela indagou, contemplando-o, amo­rosa, pelo espelho da penteadeira. — Gosto de ficar olhan­do para você. Para você inteiro, claro.

Ele suspirou. Algo a incomodava, e ela não pretendia contar o que era. Devia, segundo Cord, ser algo mais com­plicado do que o matrimónio com o banqueiro Evans, seu espancamento, seu aborto.

De si para consigo, Cord xingou o responsável por tanta dor e tormento. Agora, oferecia a Maggie um lar e uma fa­mília. Mais do que ela sempre quisera ter. No entanto, algo ainda a retinha, e não era a dificuldade de ficar grávida. O que ela andava lhe escondendo?

Cord decidiu que só havia um modo de saber: ignorar a privacidade de Maggie e cavar mais fundo em seu passa­do. Já que ela não lhe contava, teria de descobrir sozinho.

Bom profissional, Cord não expôs seu objetivo. Apenas sorriu.

— Gosto de olhar para você, amor. Com ou sem roupa. Maggie correspondeu ao sorriso. Por alguns preciosos

minutos, imaginou-se casada com Cord. Se existia alguém na face da terra capaz de transformá-la em outra pessoa, e melhor, era Cord.

O vôo para Amsterdã foi rápido e agradável. Entre gulo­seimas e bebidas servidas a bordo, Cord e Maggie comentaram sobre como a capital holandesa atraía turistas do mundo inteiro, depois de ter se tornado, na década de 60, uma espécie de templo dos hippies. Continuava sendo um lugar avançado em matéria de costumes, e até na relativa liberdade para consumo de drogas.

— Terei de dirigir de novo? — ela indagou assim que desembarcaram no aeroporto.

— Pelo menos eles adotam a mesma mão de direção que a nossa. — Ele riu, bem-disposto. — Mas não, não terá de guiar, anjinho. Tomaremos um táxi até o hotel.

— Onde ficaremos?

— Bem no meio da ação, na praça Dam. Há um palácio do outro lado da rua, um museu de cera e um bar de calça­da, além de lojas finas e do Memorial da Guerra. Alguns passos abaixo, estão os canais.

— Gostaria de vê-los! — exclamou, empolgada.

— Nada contra. Existem passeios de barcos turísticos. O problema é que eu não verei nada. — Cord ajeitou no rosto os óculos escuros. — Você será meus olhos.

Era um piada, ambos sabiam, mas a prudência recomen­dava a manutenção da farsa mesmo no saguão do aeropor­to. Maggie tomou a mão livre dele, que empurrava o carri­nho de bagagens com a outra.

— Serei seus olhos e tudo o mais que você quiser, Cord. Os últimos dias compensaram tudo pelo que passei até o fim de meus dias. Tudo!

Cord disfarçou, mas estremeceu. Ela soava sincera de­mais. Estaria tentando contar-lhe algo?

— Passaporte e alfândega. Como em todo lugar. Siga as placas.

— Estão escritas em holandês!

— Em inglês também, Maggie. Apenas siga.

Após as formalidades, a primeira coisa que Cord fez foi parar no guichè de um banco e trocar dinheiro. Em seguida, do lado de fora, o casal foi saudado por um s.ol forte e luminoso. Como Maggie vira em outros países, os táxis eram todos da marca Mercedes Benz.

— São carros confiáveis, por isso os motoristas de alu­guel os preferem -— Cord comentou, antes de dar o nome do hotel.

O chofer, tentando ser simpático, perguntou algo em in­glês, mas, para espanto de Maggie, Cord falou em holandês.

— Acho que nunca lhe disse que eu falava essa língua estranha. — Ele se virou para Maggie.

— O som é fascinante.

— Tanto a língua como o povo são. Você descobrirá isso em poucos dias. Lógico que sabe que uma parte do territó­rio foi roubada ao mar, através de um sistema de diques.

— Sei, sim. Ou não me considera uma pessoa bem infor­mada? — Maggie olhou-o com ironia. — Admiro como o povo holandês tem de lutar para manter suas terras acima da superfície. De qualquer modo, é uma vida cheia de suspense.

O motorista concordou com um gesto de cabeça e acelerou.

Nas ruas estreitas, cortadas por bondes modernos e ci­clistas, repletas de holandeses e turistas, o táxi demorou muito para chegar ao hotel na praça Dam.

Maggie comentou sobre o superpovoamento das vias públicas, atribuindo-o à alta temporada turística.

— Não, é sempre cheio de gente. — Cord tirou do bolso algumas notas para pagar a corrida.

— É este? — perguntou Maggie, descendo, enquanto o funcionário do hotel vinha cuidar das malas.

Ela ficou menos impressionada com o estabelecimento, apesar do bonito mobiliário em madeira do saguão, do que com os grupos de jovens que cantavam e tocavam violão sentados na praça.

No caminho para os elevadores, estava à vista um deli­cioso salão de chá, com as mesas postas com delicada por­celana chinesa.

— Já é hora do jantar? — ela se animou.

— Não, é hora do chá, sra. Romero — explicou o funcio­nário, surpreso. — Depois de se instalarem no quarto, po­derão descer e experimentar nosso serviço. Também temos um restaurante de primeira classe e um salão separado para o café da manhã.

— Sim, sim. — Cord, impaciente, assinou o registro de hóspedes. — A senhora também deve assinar, sra. Romero — acrescentou, provocando-a.

Maggic sabia que, por trás das lentes escuras, os olhos dele brilhavam. Seria bobagem perguntar se iriam ocupar o mesmo aposento...

 

A SUÍTE OCUPADA por Maggie e Cord possuía uma saleta de trabalho, com telefone, máquina de fax, cofre e um fri-gobar. O dormitório era separado, com cama de casal. A sala de banhos continha um chuveiro moderno com boxe de cris­tal, mas não uma banheira, cuja lembrança para Maggie se tornou desconfortável.

O funcionário do hotel mostrou como tudo funcionava e recebeu uma gorjeta de Cord. Logo em seguida, ele pediu silêncio, com o dedo sobre os lábios, e tirou do bolso o pe­queno aparelho eletrônico que já era familiar a Maggie. Satisfeito, Cord concluiu que o campo estava livre de espio­nagem. Mas depois, ao olhar para o prédio em frente, colo­cou outro dispositivo na mesa, perto do telefone.

— No caso de alguém tentar escutar, só ouvirá estática.

— Mas não existem grampos, certo? — ela perguntou, confusa.

— Um homem no edifício em frente pode apontar para cá um microfone potente, capaz de atravessar vidro e con­creto, e escutar até nossa respiração. Com um sensor infra­vermelho, pode nos ver pelas paredes, isto é, o perfil de nossos corpos desenhado pelo calor. Hoje em dia, tudo isso está disponível no mercado.

— Nunca ouvi falar. — Meneou a cabeça.

— Entretanto, ouvirá, se for trabalhar para Lassiter. — Cord beijou-lhe a testa. — Tenho trabalho com o laptop, mas antes podemos tomar um chá. O que acha?

 

— Ótimo! Sempre li a respeito de chás de gala, mas nun­ca participei de um.

— Então, vamos descobrir como é.

Era delicioso, além de muito elegante. A bebida vinha acompanhada de finos biscoitos, sanduíches salgados e um impressionante sortimento de doces cremosos. Também havia uma apetitosa mistura de frutas e saladas frias, com os mais variados molhos. As toalhas e os guardanapos só podiam ser de linho puro.

Maggie não escondeu seu fascínio com a refeição, o lu­gar e as pessoas. Cord, que a observava através dos óculos escuros, aproveitou para um galanteio:

— Refinado, forte, destemido, apaixonante. Como você.

— Os elogios também se aplicam a você. — Fitou-o, apai­xonada.

— Formamos uma dupla interessante, não?

— Nem diga. — Maggie sorriu, servindo-se de chã.

Mais tarde, no saguão, ela não resistiu às sofisticadas lo­jas de presentes e suvenires. Comprou aquarelas dos canais de Amsterdã, junto com chaveiros e um conjunto de duas canecas de porcelana, estampadas com reproduções de Rembrandt.

— Como turista, sou uma compradora compulsiva — Maggie explicou a Cord. — Mas tenho de ievar alguma lem­brança para os amigos. Em especial para Gretchen, que fi­cou em meu lugar.

— Eu sei. — Cord sorria, confiante. — Houve alguns pro­blemas em sua firma, nos últimos tempos. Em breve, você verá sua amiga Gretchen de um modo que a espantará.

— Nós iremos a Qawi? — quase gritou de entusiasmo.

— Ainda não.

— Ah, conte-me do que se trata! — insistiu.

 

Ele não o fez, nem pediu desculpas por isso. Sugeriu um cochilo no quarto e, quando Maggie adormeceu, abriu o computador portátil e acessou alguns arquivos secretos com tal facilidade que causaria assombro à maioria dos se­res viventes.

Três horas depois, Maggie despertou. Ainda vestido de terno, Cord parecia distante e estranho, sobretudo pelo olhar.

— Dormi demais?

— Devia estar precisando. — Ele balançou a cabeça, ao lado da porta. — Há um restaurante cinco estrelas aqui perto, mas costuma estar cheio. Fiz reservas para as oito.

— Oito! — Para Maggie, era cedo demais para jantar. Nos Estados Unidos, estava acostumada a outros horários.

— Sobra bastante tempo para você se aprontar. Eu a es­perarei na saleta, pois ainda tenho alguns contatos a fazer.

— Cord? Está tudo bem? Alguma coisa aconteceu?

— Alguma coisa — afirmou, enigmático. — Vá se arrumar. E fechou a porta.

Parecia que todo o deleite contido na mútua companhia se apagara como fumaça ao vento. Cord continuava agra­dável e cortês, porém distante como um marciano. Não olha­va direto para Maggie, e estava tenso demais. Pediu uísque, contra seus hábitos, e ela se espantou. Ele não bebeu.

Acompanhou Maggie no pedido de peixe com salada especial. Comeram em silêncio. Ela se levantou, no final, rumo ao balcão das sobremesas, imaginando que um doce acabaria por relaxá-la. Não conseguia atinar com o que pudera aborrecer Cord daquela maneira.

Maggie sabia, por instinto, que ele sofrera algum golpe emocional, de natureza desconhecida. Avaliou se existiria uma segunda mulher na vida dele, ou se a gloriosa intimi­dade dos dois já não o satisfazia, agora que vencera a curio­sidade sobre seu corpo. O pensamento era tão deprimente que, em vez de um doce folhado, Maggie escolheu dois, e os devorou junto com café expresso.

Cord recusou qualquer sobremesa.

A pior surpresa veio quando voltaram ao quarto. Ele ti­rou seus óculos de cego e sugeriu que ela fosse se deitar, porque o dia seguinte seria cheio. Maggie quis saber se ele também não iria para a cama, e a resposta foi um silêncio como que de ofensa.

Confiança perdida, Maggie concluiu, aturdida ao ir para o dormitório sozinha.

Cord não entrou e, na manhã seguinte, ela o encontrou esparramado no sofá, ainda vestido, cabelos desalinhados e cheirando a uísque. Na mesinha, duas pequenas garrafas da bebida, retiradas do frigobar, ao lado de latas de coca-cola e de um copo.

Incomodou-a que ele pudesse beber assim, quando recu­sara uísque no restaurante. Admirou-se com o fato de a discreta bebedeira ter derrubado um homem forte como Cord, que jazia inconsciente no sofá. Alguma coisa de fato ocorrera, e muito grave, mas Maggie ignorava o quê.

Um princípio de compreensão surgiu quando Maggie avistou uma folha na máquina de fax. Vinha de Houston, da agência de Dane Lassiter, e continha só duas sentenças, o suficiente para sobressaltá-la. O papel trazia a data de um julgamento, e ela sabia de quem. O restante do texto dizia: "Cópias confiscadas e destruídas, não há negativos. Infor­mação disponível em seu retorno, caso insista em vê-la".

Sem acordar Cord, Maggie tomou o desjejum sozinha, sentindo-se zonza. De alguma maneira, Lassiter conseguira dados sobre Maggie, reunidos por Stillwell, e os guardava para Cord. Ela poderia antecipar-se e contar tudo para ele. Ou ganhar tempo e desaparecer assim que voltassem à Es­panha. Bastava-lhe a memória.

Maggie julgava que Lassiter não incluíra detalhes sobre o caso, no fax, porque era muito explosivo, e Gruber iria aproveitar-se da situação. Mas e se o bandido já soubesse? Devia saber, porque estivera no escritório, com Adams e Stillwell, quando Lassiter dissera tê-los ouvido na fita gra­vada. Todos os três homens sabiam, isso parecia claro, pu­dessem ou não provar as alegações. A falta de cópias seria um consolo ou elas poderiam ser duplicadas de novo?

A partir desse momento, a vida de Maggie lhe pareceu menos valiosa. Lamentar-se-ia pelo resto de seus dias por não ter encontrado um lugar seguro para esconder-se. Ja­mais deveria ter retornado a Houston, em busca de Cord. Assim que ele fosse informado de tudo — maldito Lassiter! —, estaria sozinha, sem ninguém, sem amor.

Lassiter deveria ter achado uma desculpa para não repas­sar os dados para Cord. Simplesmente vendera-a como mer­cadoria. E ainda se orgulhava de combater o tráfico clan­destino de pessoas! O género humano não merecia mesmo confiança!

Engoliu seu café com creme, mas deixou intocados o pão e outros componentes do desjejum. Seria melhor alimentar-se direito, mas a ansiedade a impedia. Enjoou só de ver o bonito prato de bacon e ovos, acompanhados de croissants. Costumava adorar essa comida. Agora...

Notou um movimento a seu lado e deparou com os olhos sonolentos de Cord.

— Incomoda-se com minha companhia? — ele pergun­tou, num esgar que piorou o conjunto de suas feições.

Maggie deu de ombros, evitando encará-lo.

Antes de descer, ele havia retirado e jogado fora o papel do fax, mas não duvidava de que Maggie o tivesse visto.

 

Serviu-se sozinho, com o auxílio de uma bandeja, e sentou-se a mesma mesa.

— Segredos são perigosos, Maggie. Ela sentiu-se como um rato acuado.

— Não faz mal que você leia o relatório de Lassiter sobre mim. Não me verá nunca mais, depois que voltar a Houston. — A voz tremia, apesar da cuidadosa escolha dos termos.

— É tão importante assim?

A xícara quase escapou dos dedos dela.

— Você não pode queimar os dados encontrados?

— E você não pode me dizer o que eles contêm?

Maggie engoliu em seco, após conseguir depositar a xí­cara sem maiores estragos, a não ser por alguns respingos na mão. Cord apanhou o guardanapo e limpou-a, gentil.

— Não divide nada comigo, não é, Maggie? — queixou-se. — Tive de descobrir sozinho sobre o aborto e os abusos de seu marido. Agora, existe outro segredo que me escon­de, como se não confiasse em mim.

— E verdade. Você ainda suspeita de mim. O que Lassiter disse foi o bastante para que repensasse sua vida comigo. Quer ver o material a todo custo. Quer saber de tudo. Mas para mim, Cord, há segredos que devem ficar enterrados. Há fatos que você nunca deve conhecer.

— Maneira antiquada de falar, não?

— Eu odeio minha vida! — Maggie exclamou, sem se preocupar que outros ouvissem.

— Maggie!

— Falo sério! — Usou o guardanapo e afastou sua cadei­ra. — Nunca devia ter voltado a Houston. Devia ter ficado em Tânger e assumido o emprego em Qawi. E jamais tor­naria a vê-lo!

— Não acho que tem agido como se se sentisse assim. — Cord se concentrou na reação dela, pois conhecia o peso do que ia dizer. — Não na cama, pelo menos.

 

Palavras acusadoras, que tinham o dom de ferir.

— Agi como se espera de um adulto. Eu cresci, você per­cebeu?

Maggie saiu direto para a rua, segurando a bolsa contra o corpo. Cord a alcançaria com facilidade, mas poria a per­der a farsa da cegueira. Valeria a pena?

Ela não levara o passaporte, que fora trancado no cofre do quarto junto com as passagens aéreas. Isso, todavia, não a impediria de fugir de Cord e esconder-se. Segundo o pres­sentimento dele, era o que iria fazer.

Maggie comprou um bilhete para uma volta de barco, o que representava um passeio de duas horas pelos canais de Amsterdã. Cord não a encontraria no meio da multidão de turistas, mesmo que resolvesse segui-la, de óculos escuros ou não. Seria melhor, na opinião dela, que Gruber e seus comparsas a identificassem e, com um tiro, pusessem um fim a sua miséria!

Poderia ser esse o pensamento de uma mulher forte e madura? Maggie riu de si mesma, de sua covardia. Mas estava perdendo Cord, e isso doía, além de prejudicar um raciocínio claro. Ele se afastaria ao conhecer a realidade sobre ela. Talvez fosse mesmo uma mulherzinha à-toa, como ele pensava. A certeza de terminar seduzida e abandonada a oprimiu.

Cord estava furioso, já havia cometido um erro de julga­mento, e na pior hora possível. Contava com agentes em Amsterdã que processavam as informações retiradas do cofre de Gruber. Era espantosa, por exemplo, a extensão da rede de pornografia infantil. Um estúdio fotográfico dista­va poucos quarteirões do hotel, segundo os agentes da Interpol que ajudavam a polícia holandesa. Gruber estava, sem sombra de dúvida, ligado à Global Empreendimentos, e quase todos os dias, nem sempre noticiadas, ocorriam incursões policiais nos redutos da firma, fosse na África ou na América do Sul.

Stillweli ainda estava sob custódia, junto com Adams, e ambos temiam tanto um contato com Lassiter que lhe pro­meteram nunca revelar nada sobre Maggie.

Gruber, no entanto, era um caso diferente. Sem compro­misso com ninguém, poderia desvendar o segredo dela à imprensa, desde que tivesse elementos de prova. Sabia que Cord, ao invadir seu escritório, desmascarara suas opera­ções ilegais. Clamava por vingança.

Durante o desjejum, Cord quisera dizer a Maggie que ela teria de permanecer ao lado dele, por segurança dos dois, até que Gruber fosse encontrado e cumprisse o mandado de prisão provisória. Cometera erros idiotas, porém, e o fax de Lassiter tinha sido um deles. Ocupado com pesquisas na internet, ele pedira notícias ao investigador de Houston, que, estupidamente, não se preocupara em que Maggie visse a mensagem. Outro dano colateral fora lembrar a cumplici­dade deles na cama, o que, em vez de despertar lembranças carinhosas, pusera um punhal no pescoço dela. Maggie ja­mais esqueceria momentos tão traumáticos!

Depois disso, Cord deixara de lado os óculos escuros e andara pelo saguão alheio à possibilidade de ser visto sem o disfarce de cego. Saiu para a rua, até a primeira estação de barcos turísticos. Pressentia que Maggie estaria num deles, e tudo o que precisava fazer era encontrá-la. E rápido. Teclou alguns números em seu celular e falou com alguém.

Descobriu que o estúdio de Gruber tinha sido identifica­do e dois empregados estavam presos. Havia crianças em custódia preventiva. A polícia se concentrava agora em lo­calizar o chefe criminoso.

Gruber devia estar armado. Seria fácil para ele liquidar Maggie e Cord também, se possível. O coração dele se apequenou ao imaginar Maggie ferida ou morta, depois de ser vítima de sua própria crueldade verbal, à noite e pela manhã. Ela não podia imaginar que Cord enfrentava seus próprios fantasmas, que se arrependia do modo como a tra­tara por tantos anos.

Cord lhe dera a impressão de que não gostava dela. Isso porque receava apenas que, no retorno a Houston, Maggie explodisse de tensão nervosa. Diante da eventual descoberta de seu segredo, ela esperava censura, desprezo, raiva. Não era o que Cord almejava lhe dar. Mas como poderia ela saber?

Correu pela margem do canal ao divisar a concentração de barcos preparados para partir. A pulsação acelerava. Amsterdã era uma cidade grande, com muita gente, e Gruber a conhecia em detalhes, além de ter espiões por todo canto. Por sua vez, Cord possuía alguns bons contatos, mas que não podiam ajudá-lo naquelas circunstâncias. Teria de encontrar Maggie antes que Gruber o fizesse!

O excesso de turistas e de barcos ancorados tornava difícil a tarefa de Cord. Qual das barcaças Maggie teria tomado? Lembrou-se de que carregava na carteira uma fotografia dela, aos dezesseis anos, e não estava tão diferente agora.

Correndo pela margem, colidindo com os que embarca­vam, Cord exibia a foto com o braço erguido, até que uma senhora idosa reconheceu o rosto e apontou para um barco que já partia. Hábil em tais situações, Cord ofereceu uma nota de dinheiro ao operador de atracação, que retardou a soltura das cordas o suficiente para que ele saltasse para dentro do barco, usando todo seu porte atlético. A alterna­tiva seria cair nas águas sujas e escuras do canal.

No convés, Maggie dividia uma mesa com dois casais e uma senhora. Uma das duplas, pelo jeito recém-casados, mostrava-se tão entretida no namoro que nem percebeu o primeiro solavanco da barcaça.

Maggie se sentia traída c infeliz. Não trazia uma câmera fotográfica, como os demais, e também não tinha ninguém para tirar um retrato seu. Olhava para as águas, às vezes para a paisagem, incomodada com o barulho das vozes dos passageiros e da discussão em curso na cabina do piloto.

Uma espécie de garçonete lhe ofereceu refrigerantes e, segundos depois, quando acompanhava os movimentos dela, deparou com o desgrenhado Cord Romero no corre­dor de passagem, parecendo furioso.

Com inaceitável ousadia, ele tomou um assento à mesa, enquanto varria o local com o olhar, em busca de sinais de perigo.

— Vá embora!

— Só se eu pular nesse lago fétido e nadar. Ninguém fa­ria isso de boa vontade.

Maggie cruzou os braços, na defensiva. Sentiu-se outra vez como uma criança de oito anos que precisasse ser vigiada. Cord lhe estudou o rosto, tentando não parecer crítico.

— Gruber escapou da polícia local. Deve estar procuran­do por nós, e não é para desejar um bom passeio.

Ela engoliu em seco. Encontravam-se em lugar público, e Cord poderia estar exagerando, a fim de disfarçar sua ira e frustração. Angustiada, não soube o que dizer. Com Gruber ou não, considerava seu futuro aterrador.

A mão grande de Cord lhe afagou os cabelos. Em segui­da, deu-lhe um beijo amável, ciente de que não conseguiria animá-la só com esse gesto.

— Vocês também são recém-casados? — A mulher mais velha à mesa encantou-se, com um meneio de aprovação.

— Ainda não, senhora. Mas logo nos casaremos.

 

Maggie não encontrou energia para um protesto. Enca­rou Cord e desejou que ele estivesse falando sério. Contu­do, depois da mensagem encontrada na máquina de fax...

— Não olhe para trás, Maggie. Nós dois temos toda uma vida pela frente. Juntos, eu prometo.

Maggie venceu a tentação de suspirar, sonhadora. Encos­tou-se em Cord, e pendeu a cabeça no ombro dele. Estra­nho, mas Cord estremeceu nesse instante, como se a ação o surpreendesse. De qualquer modo, ela experimentou mais segurança naquela posição. O braço que a rodeou confir­mou essa sensação.

— Andou pensando em tudo o que nos aconteceu nas duas últimas semanas, querida?

— Não compreendo. — Ela pestanejou.

— Eu sei. — Beijou-lhe a testa. — Estamos cada vez mais próximos, querida. Quero me casar com você.

Dessa vez, o suspiro audível chamou a atenção dos ou­tros. Poderia concordar com o pedido, ali mesmo e naquele instante, se não estivesse confusa e com medo.

Cord moveu-se para remexer no bolso e na carteira. Pas­sou a ela um papel dobrado.

— Veja. Dê uma olhada.

Maggie notou primeiro o emblema oficial de uma repar­tição pública. Não precisou ler o resto para concluir que se tratava de uma licença matrimonial.

— Traz os nossos nomes, Cord! Mas a data é antiga...

— Sim, pareceu-me uma boa ideia, na época. Agora, muito mais.

Maggie mordiscou o lábio inferior até doer.

— Não, acho que é bem ruim. — Devolveu a ele o do­cumento e reprimiu as lágrimas. — Você não imagina o que isso poderá fazer com você. Não sabe o que Lassiter tem em seus arquivos nem o que Gruber faria com as informações que tem. Por exemplo, poderia passá-las a um repórter.

 

Cord guardou o papel balançando a cabeça, desconsolado.

— Não importa. Não desistirei. Pertencemos um ao outro!

Maggie cerrou as pálpebras, querendo acreditar nas pa­lavras de Cord. Mas ele ignorava o que Gruber tinha em mãos a respeito de seu passado. A divulgação dos dados mudaria tudo. Antes disso, ela fugiria. Um pedaço de pa­pel não destruiria sua vida. Ou a de Cord.

O súbito estalido de vidro quebrado colocou todos em alerta, seguido de choro e gritos de pavor. Tiros haviam atingido a cabina e dois copos à mesa. Maggie olhou para Cord, muda de espanto.

Em meio ao tumulto, o piloto conseguiu levar o barco para a margem do canal c atracar. Cord observou a cabina, viu o homem encolhido atrás de sua cadeira e compreendeu tudo o que se passava.

— Fique abaixada! — Empurrou Maggie para debaixo da mesa. — E não se mexa!

— O que está acontecendo, Cord?

— É Gruber, a não ser que eu esteja muito enganado. E nós aqui parados, no meio do canal!

— O que vamos fazer?

— Sair daqui enquanto é tempo. Continuem todos abai­xados! — Ele estendeu o conselho aos passageiros vizinhos. — Longe da janela!

Cord disparou pelo corredor do barco, acompanhado por tiros que pipocavam de todos os lados. Ao que tudo indica­va, alguém atirava da ponte próxima ou da margem. O ângulo das balas indicavam um lugar alto.

Maggie arrastou-se atrás de Cord. Corajosa, atreveu-se a erguer a cabeça e olhar pela janeia. Viu um brilho de metal na ponte bem acima deles.

— Cord, ele está na ponte!

Ele alcançou a cabina de comando, colocou o piloto as­sustado no piso e pediu ao guia turístico que cuidasse do homem. Depois, assumiu os controles e conseguiu movi­mentar a embarcação em ziguezague, a fim de dificultar o alvo. O vidro estilhaçado da cabina o impedia de ver bem, por isso Cord acabou de quebrá-lo,, para conseguir enxer­gar adiante.

O truque consistia em posicionar a barcaça exatamente debaixo daquela ponte, num ângulo tal que, conforme Cord se recordava de outros passeios, os passageiros pudessem desembarcar. Vários barcos também estavam chegando ao local e poderiam ajudar.

Cord teve uma ideia: caso conseguisse sair dali, debaixo da ponte, tentaria subir o barranco e chegar ao atirador.

— Maggie! Venha cá, depressa!

Ela correu sem hesitar para a cabina e torceu para que os tiros parassem ou errassem a direção.

— O que quer que eu faça?

— Dirija o barco. Eu vou saltar para fora.

— O quê?! — Maggie se surpreendeu, mas não mais do que quando Cord tirou sua pistola automática .45 do coldre de sob o braço e, passando para o lado, instruiu Maggie quanto aos controles.

Assustada, ela ocupou a cadeira do piloto. Apesar das mãos trémulas, assimilou de imediato as ordens.

— Não queria colocá-la em risco, querida. Mas, se não fizer isso agora, Gruber não vai parar de matar. Entende?

Ela assentiu e o beijou.

— Tome cuidado. Eu te amo.

— Eu também, Maggie. E nada em seu passado vai mu­dar isso.

O beijo tendia a se revigorar, mas Cord tinha pressa.

— Tem de parar em diagonal debaixo da ponte, para que o barco fique todo coberto. Depois que eu descer, continue em frente. Pode fazer isso?

 

— Creio que sim. Por você, farei tudo o que for preciso.

— Não entre em pânico. — Recomendação dispensável, pois Maggie já demonstrava valentia e autoconfiança.

— Por favor, Cord, não deixe que ele o atinja.

— Quem, eu? — Ele sorriu. — Concentre-se agora no tra­balho.

Cord saboreou o olhar dela, antes de voltar-se e correr o mais depressa que podia.

Maggie movimentou o barco, imaginando uma competi­ção fluvial destinada a salvar vidas. Jamais deixaria Cord sem apoio.

 

Cord PULOU DO BARCO para a margem imunda sob a pon­te e subiu os degraus de ferro que levavam ao topo. O cor­po balançava inteiro, mas a mão que segurava a pistola .45 estava firme.

Torcia para que Maggie conseguisse ocultar a embarca­ção antes que Gruber mudasse de tárica. Com alguma sor­te, ele poderia pensar que o barco apenas atravessava o canal sob a ponte e que o piloto, ferido, não iria longe. O princi­pal, nessa ordem de raciocínio, era que Gruber não espera­va um ataque de Cord, e seria pego de surpresa.

Desesperado, em fuga, Gruber não hesitaria em matar seus perseguidores. Ciente disso, Cord preferiu lamentar que não tivesse conversado com franqueza com Maggie e dito o que de fato sabia.

O barulho do motor camuflava bem seus últimos passos na escada de ferro. No meio da ponte, avistou um homem moreno e baixo portando um rifle automático, que aponta­va para baixo.

Cord gritou, em holandês, para que o criminoso jogasse a arma no chão. Como era de esperar, ele se voltou e atirou contra Cord. Ele disparou também, mesmo sentindo a car­ne queimando à altura do ombro, e o criminoso desabou.

Cord não perdeu tempo em examiná-lo. Aquele não era Gruber. Olhando mais à frente, viu um brilho metálico na ponte seguinte. Outro atirador devia estar postado ali.

 

Maggie continuava no canal, fazendo a embarcação ir em frente. Aí residia o perigo. Cord teria de alcançar a outra ponte antes dela. Se ao menos distraísse Gruber, Maggie estaria salva.

Ou então... "Isso mesmo!" Cord retirou o telefone celular do bolso interno do paletó, notando que havia sangue no estojo. Teclou o número dos serviços públicos de emergên­cia. Revelou quem era, explicou o que ocorria e pediu auxí­lio. Mais uma chance, pensou, de impedir que Gruber ati­rasse contra Maggie na ponte seguinte.

Guardou o aparelho e correu, colidindo com grupos de turistas assustados. Além de sangrar no ombro, Cord empu­nhava a pistola, e devia apresentar um aspecto deplorável.

Continuou andando, cambaleando, sentindo o braço cada vez mais dolorido. Rezava para que uma viatura policial viesse em tempo de salvar Maggie. Imaginou, contrito, um tiro da ponte contra a cabine do barco, que logo passaria por ali.

— Gruber! — gritou com toda a força dos pulmões debi­litados.

Por sorte, a voz superou o volume do tráfego e das con­versas. O homem na ponte parou, virou-se para ele, olhou com atenção.

— Aqui estou, Gruber! — Cord berrou, fazendo as lon­gas pernas diminuírem a distância entre eles.

Gruber ria, o canalha, apontando um rifle para a barcaça que se aproximava.

— Maggie! Vire o barco! Pare! — Os gritos na direção do canal eram inúteis, dado o ruído dos motores.

Maggie não o ouviria, mas contra toda a expectativa, a barcaça derivou para o lado. Aos poucos, para desespero de Cord, apresentou a proa para Gruber, que começou a disparar, furioso.

 

Cord não era o alvo preferencial, mas estava dentro da linha de fogo. Ajoelhou-se em meio à ponte c gritou para que os pedestres saíssem do caminho. Mirou Gruber com todo o cuidado, apesar da visão turva, e apertou o gatilho.

Parecia que tudo levava um tempo desproporcional, movendo-se em câmera lenta. A dor no ombro se tornava monstruosa, e Cord já não podia erguer o braço esquerdo. Foi vencido pela náusea. Viu o homem na ponte virar-se em sua direção, devagar, e apontar. Sentiu-se como um animal ferido e caçado. Só que não iria entregar os pontos — e a vida — sem lutar!

A polícia parecia ter chegado de todas as direções. Maggie foi orientada a atracar, e um policial saltou para dentro do barco, usando cordas para prendê-lo aos degraus.

Os paramédicos também surgiram, após o impressionante tiroteio, e Maggie saiu da barcaça perguntando por Cord. Não o via em lugar algum. Um homem estava caído no meio da ponte, mas não podia ser ele. Estaria bem?

Maggie pediu pressa à autoridades. Sensível a seu deses­pero, um guarda a deixou cruzar a linha de isolamento, cercada de curiosos.

Viu Cord apoiado num cotovelo, sangrando no ombro, a pistola ainda presa na mão, imprecando contra tudo e con­tra todos.

— É incrível! Não podem achá-la?

Foi então que ele a viu, e seus ânimos se acalmaram.

— Maggie!

— Cord! — ela gritou antes de se agachar ao lado dele. Tocou-lhe o rosto e foi estreitada com o braço bom de

Cord, que a segurou o mais forte que pôde, apesar do san­gue que já manchava a roupa dela. Maggie colocou-lhe a cabeça sobre a perna, suspirando de alívio.

— Eu não podia vê-la, e não sabia se conseguiria deter Gruber antes que ele atirasse.

 

— Estou bem, meu querido. Ouvi você gritar para eu virar o barco. Graças a Deus, está vivo!

— Estou, sim, mesmo sem saber o que vestir esta noite. Com essa tirada de bom humor, Maggie se lembrou de que

ele sangrava muito e suplicou pela ajuda dos paramédicos.

— Por favor, aqui! Ele está ferido. Vá chamar alguém!

— Isso é muito irregular — resmungou o policial, que tomava conta do local. Apesar disso, falou ao celular algo que Maggie não entendeu.

Ela tomou a mão de Cord entre as suas e segurou forte.

— Não morra! Não se atreva! Não posso viver sem você, está ouvindo?!

Ele fez que sim com a veemência possível naquelas con­dições.

— Querida, tenho coisas piores do que uma bala no om­bro. E doem muito. Mas não vou morrer. Vou, Bojo?

— Acho que não, chefe. — Vindo do nada, Bojo surgiu atrás de Maggie. — Aí está um homem duro de derrubar. Mas, caso venha a morrer, gostaria de ficar com essa pisto­la e o relógio.

Maggie se irritou, mas Cord explodiu em uma gargalhada.

Um jovem policial ajudou a rasgar a camisa de Cord e amarrá-la em torno do ombro, enquanto os enfermeiros não chegavam.

— Não é um ferimento fatal — disse em inglês precário. — A senhora entende?

— Mas... há tanto sangue! — Maggie retrucou, apavorada. Bojo interrompeu o policial, ajoelhou-se e pressionou a

mão sobre o ferimento. A perda de sangue diminuiu.

— Por que não me mata? Vai me poupar de aborrecimen­tos com Maggie — Cord falou, em holandês.

— Porque ela é capaz de apanhar a pistola e me matar também — respondeu Bojo, no mesmo idioma.

 

— O que estão dizendo, vocês dois? O que está fazendo com Cord, Bojo? E de onde surgiu, afinal?

— Só estou pressionando a artéria para deter o sangra-mento, senhorita. E estava aqui desde o começo. Cord nos mantinha espalhados pela cidade, atrás dos asseclas de Gruber. A polícia já deteve todos, se quer saber, e há pro­vas suficientes para condenar Stillwell e Adams em qual­quer tribunal do mundo. O problema agora, para a Justiça, será decidir onde serão julgados. Gruber também não esca­pará, se estiver vivo. — Bojo lançou um olhar frio para uma forma humana caída no chão, mais adiante.

— Bem, ele tem sorte, se sobreviveu. Eu não podia deixá-lo atirar contra Maggie. — Em seguida, Cord soltou um palavrão, mas suportou a pressão de Bojo em seu ombro.

O jovem policial, interessado na conversa, apontou com a cabeça para o meio da ponte.

— Aquele homem não está mais vivo.

— Nenhuma perda, policial -— afirmou Cord. — Nada a lamentar.

O oficial entendeu e, em seguida, abriu caminho para a ambulância se aproximar do ferido. Bojo relutou em tirar a mão, cedendo apenas quando viu o enfermeiro munido de ataduras e o médico preparando uma injeção para dor. Pou­co depois, o furgão branco partiu, com as sirenes ligadas.

Maggie não ficou tranquila com a informação de que o ferimento não era fatal. Cord perdera litros de sangue. No mínimo receberia uma transfusão. Ao mesmo tempo, pen­sou que, se era para viver ao lado dele, teria de fazer alguns cursos de primeiros socorros. Não lhe ocorreu que havia jurado fugir se Cord descobrisse seu passado a partir dos arquivos de Lassiter. Lembrou-se, com maior pertinência, da licença de casamento que ele mostrara, dizendo que gostaria de usá-la. Por que não dar uma chance ao futuro?

 

Horas depois, menos aflita, Maggie estava sentada ao lado do Jeito de Cord no Hospital Central de Amsterdã. A bala fora retirada do ombro dele apenas com anestesia local, o que, segundo o cirurgião, era bom sinal.

Dois policiais, além de Bojo e Rodrigo, montavam guar­da do lado de fora, e Maggie sabia por quê. Poderia haver asseclas de Gruber ainda à solta por ali. Claro que não pou­pariam Cord, se chegassem a ele.

A previsão era de rápida recuperação. Cord receberia alta no dia seguinte, munido de uma ampla provisão de antibi­óticos e sedativos. O lado negativo, para Maggie, era que ele já estaria pronto para bisbilhotar seu passado, sob o in­centivo de Lassiter.

Ela não conseguia passar nem alguns minutos a sós com Cord, por causa das visitas que se sucediam com impres­sionante regularidade. Muitos agentes pertenciam à Interpol, outros ao FBI, os demais nem se identificavam. Resolveu ficar na saia de espera, sob o olhar curioso de Bojo.

Para Bojo, era surpreendente o que uma mulher podia fazer com um homem. Primeiro, Philippe Sabon. Depois, Micha Steele. Agora, Cord Romero. Ele gostaria de contar a Maggie que sua amiga Gretchen havia corrido tanto perigo quanto ela, por estar namorando Sabon justo quando se deu um golpe político em Qawi. A pedido de Cord, Bojo estive­ra lá, para proteger a vida do ex-companheiro. Conseguira embarcar Sabon e Gretchen para os Estados Unidos, e eles estavam seguros. Ao menos por enquanto.

Maggie também examinou Bojo, notando que ele tinha manchas de sangue na bata. Sua iniciativa, decerto, salvara a vida de Cord.

— Ainda não lhe agradeci pelo que fez, Bojo.

— Esqueça. Cord é meu amigo.

 

— Se ele tivesse morrido, eu também não saberia mais como viver.

— Irá descobrir que ele se sente do mesmo modo, caso ainda não saiba. — Bojo sorriu, o que era uma raridade.

Maggie correspondeu ao gesto.

Quando ele saiu, ela fechou os olhos e conseguiu chorar. O terror sobre seu futuro era melhor do que o dos dias que se foram. De algum modo, superaria o medo e a incerteza. Se possível, ao lado de Cord.

Mais duas horas de desfile de visitantes, e Maggie enfim conseguiu ocupar a cadeira dentro do quarto. Cord espera­va que ela risse da ridícula camisola hospitalar que usava. Maggie apenas esboçou um sorriso, porém, e com os olhos úmidos lhe procurou a boca para um beijo confortador. A espera arruinara seu autocontrole.

— Ei! —Cord afagou-lhe a face. —Não vê que estou vivo, tolinha?

— Mas a aparência... — brincou, recompondo-se. — Quer que lhe traga um espelho?

— Não, obrigado. Você é que está bonita. — Entrelaçou os dedos nos dela. — Assim que tiver um tempo, vou com­prar nossas alianças.

O coração de Maggie saltou. Lembrou-se da licença de casamento, talvez já vencida no prazo, mas livre de man­chas de sangue por estar guardada em sua bolsa.

— Nunca me deu sinais de que pretendia se casar, Cord. Na verdade, jurou que nunca se casaria de novo.

— Sofri um sério trauma com Patrícia. Nunca a amei, acredite, e ela sabia disso. Casei-me por uma série de moti­vos, nem todos corretos. E você era jovem demais. Temia não aguentar e seduzi-la, como acabou acontecendo. Depois, tentei protegê-la do mundo e de mim, porque você era o que eu mais amava na vida.

 

Ele fez uma pausa e suspirou fundo.

— Então, Patrícia cometeu suicídio e tive de conviver com o remorso, por não tê-la amado. — Cord colheu a mão de Maggie. — E tenho certeza de que seu marido banqueiro sabia que você não o amava.

— Bart não era uma pessoa digna de amor, e isso sim tenho certeza de que ele sabia. Depois de perder meu bebê, passei a odiá-lo. Mas também senti culpa quando morreu. Evans começou a beber quando jovem e nunca mais pôde superar o vício do álcool.

Cord alisou os dedos dela.

— Tenho muitos desgostos. Sobre o bebe. Sobre seu casa­mento. Sobre a maneira como a tratei depois de tantos anos.

Maggie inverteu a posição das mãos e acariciou a dele.

— Você vive me dizendo para não olhar para trás, queri­do. Quer mesmo se casar comigo?

Com um pouco de dor, Cord fez que sim.

— Quero muito. Mais do que continuar vivendo.

— Mas ainda há detalhes sobre mim que... nunca conse­guirei contar-lhe.

— Calma, uma coisa de cada vez. Que tal férias nas Bahamas? Podemos nos casar lá.

— Podemos?!

— Sim, e o mais rápido possível. Não quero correr o ris­co de que você fuja de mim.

— E os comparsas de Gruber?

— Todos detidos. — Sorriu, satisfeito. — No mundo in­teiro, graças a uma operação internacional. Enfim, estamos seguros.

Maggie suspirou.

— Só em raras ocasiões senti alguma segurança. E já ti­nha decidido viver sem você cuidando de mim, em outra parte do planeta.

 

— Lamento por ter saído do país e colocado um oceano inteiro entre nós, querida. Fiquei arrasado, pois não sabia viver sem você. E só tinha dezesseís anos...

— E quanto aos dados que Lassiter queria lhe mostrar?

— Podemos queimá-los, se isso a deixa mais tranquila.

— Está falando sério?

— Sim, estou.

Os olhos de Maggie se arregalaram, enquanto o coração se tornava tão leve que era capaz de voar. Lembrou-se de outras pessoas envolvidas.

— Ainda há Stillwell e Adams.

— Peixes pequenos. Não abrirão a boca, para não agra­var o processo judicial a que respondem. Com isso, pode dormir tranquila.

— Dormirei quando tudo isso acabar. Não o deixarei sozinho, mesmo que digam que o ferimento não é grave.

Cord estremeceu de emoção. Não discutiu, e Maggie en­tendeu que ele a salvara duas vezes. Teria de esperar muito para poder abraçá-lo?

Cord teve alta na tarde seguinte. De volta ao hotel, Maggie queria desfrutar a suíte que mal tinham aproveitado, desde a chegada.

A equipe de funcionários mostrou-se atenciosa com o ferido, e o casal não sentia falta de nada, nem de ninguém. Apenas de Bojo, que havia saído após uma breve despedi­da, com a promessa de descobrir detalhes dos acontecimen­tos para Cord.

Rodrigo permaneceu à disposição e revelou-se muito útil no traslado do hospital para o hotel. Os outros amigos tam­bém tinham ido embora, e logo Maggie soube por quê. Es­tavam todos envolvidos, junto com as agências governamen­tais, no desmonte da corporação criminosa internacional de Gruber. Os ramos de prostituição infantil e pornografia implicavam muita gente. Falava-se que Stillvvell e Adams seriam extraditados para a Holanda, sede das operações. Os clientes de Lassiter que tiveram seus filhos raptados pode­riam, enfim, dormir em paz.

Dois dias depois, Rodrigo voou para Qawi, ao encontro de Bojo, enquanto Cord e Maggie iam para Nassau, nas Ilhas Bahamas, onde foram casados por um reverendo america­no. Na hora dos votos, Cord fixou o olhar em Maggie e pensou que as linhas paralelas de suas existências, por fim, se tornaram um círculo.

Após três felizes dias de lua-de-mel, tomaram um cru­zeiro para Miami, de onde retornariam a Houston.

Maggie sentiu-se vivendo um conto de fadas. Passava quase o tempo todo beijando Cord, e a única frustração era que, alegando dor no ombro, ele ainda não tinha ido para a cama com ela. De qualquer modo, Maggie pressentia estar no limiar de algo extraordinário.

Na véspera do embarque para Miami, Cord ocupou-se da internet o dia inteiro, enquanto sua mulher passeava c fazia compras. Mas ele a avisou das novidades: Gretchen trocara Qawi pelo Texas e reassumira seu antigo emprego. Também estava casada, e com o próprio xeque Philippe Sabon. Ocor­rera um atentado político, e Gretchen, armada, lutara ao lado do marido no palácio. Maggie custou a acreditar.

— E pensar que eu poderia estar lá, trabalhando — ela murmurou, pousando a cabeça no ombro intacto de Cord. — Imagine o que teria acontecido!

— Você é casada com um americano. Poderia ter saído de lá como Gretchen saiu.

— Até hoje não entendo como você conseguiu a licença de casamento, sem meu conhecimento. Usou sua influên­cia, decerto.

 

— Era algo que eu sempre tive em mente. Não durmo com inocentes.

— Mas eu não era inocente.

— Claro que sim. O único homem que teve fui eu, ainda que aquela primeira experiência tenha sido tão negativa.

— Foi mágica, mesmo assim — emendou, sonhadora. — E apenas seu ombro, não é? Você ainda me quer?

— Quero muito, mas o ferimento dói com os movimentos.

— Certo. É temporário, mas até quando? Cord sorriu, orgulhoso, feliz por ser desejado.

— Quer dizer que sou tão bom assim?

— O que acha? — Riu, maliciosa, e ajeitou os cabelos dele caídos na têmpora.

— Terei de dar um jeito, cm função dos filhos que quere­mos ter.

— Por que tem tanta certeza de que os teremos? — Ela se mostrava menos confiante do que o marido.

— Não sei, mas estou certo disso. Até você engravidar, teremos tempo de nos conhecer melhor. Desde o começo. De novo.

Houston pareceu-lhes ao mesmo tempo familiar e estra­nha. Era como se tivessem estado anos fora, não semanas.

June foi muito acolhedora. Seu pai e Red Davis fizeram questão de vir cumprimentar o novo casal.

Havia telefonemas a retornar, documentos a assinar e pagamentos a fazer. Cord dedicou o dia todo a atualizar a rotina do rancho.

Sentindo-se negligenciada, Maggie andava de lá para cá, sem objetivo. Contava com o próprio quarto desde a pri­meira noite, pois Cord insistira em que ela precisava des­cansar e dormir. Na verdade, abrindo duas portas, Cord criara uma espécie de suíte com dois dormitórios contíguos, separados por uma saleta de estar. Exemplo de boa vonta­de, mas, para Maggie, devia existir um problema maior que o do ombro ferido e que estava tirando o interesse sexual do marido.

Desesperada para comunicar-se com alguém, telefonou para Tess Lassiter e foi visitá-la no escritório da agência, ale­gando de qualquer modo que iria sair para compras. Cord lhe deu a chave do carro, recomendando cuidado. O fantas­ma de Gruber os rondava, ela constatou, quase chorando quando o marido convocou Red Davis para acompanhá-la.

— Não é o prédio de seu antigo emprego? — Davis repa­rou tão logo Maggie estacionou na rua. — O que pretende fazer?

— Nada que você possa contar a Cord — disse, irritada.

— Maridos e mulheres devem viver sem segredos, Maggie.

— Pois diga isso a seu patrão, ora bolas! Vou entrar para visitar Tess Lassiter, e não quero uma palavra sobre isso na fazenda. Está me ouvindo?

— Sim. — Red parecia horrorizado.

— Não me demoro.

— Aqui é zona de estacionamento proibido. Se a polícia vier, terei de dizer que você me obrigou a esperá-la, sob ameaça de morte.

— Está bem. Pode ir até o shopping e tomar aquele café de que tanto gosta. Tenho meu celular. Você trouxe o seu?

Davis mostrou o aparelho, satisfeito por livrar-se de en-rascadas e poder passear um pouco.

— Ótimo. Eu chamo quando quiser ir embora.

Tess Lassiter não ficou à vontade com o pedido de Maggie.

— É material confidencial.

 

— Como assim, confidencial? — Dane Lassiter entrou, carregando sua maleta, e cumprimentou as duas. — Venham para cá. — Abriu a porta de sua sala c sentou-se. — Queri­da, estou faminto. Que tal pedir para mim um enorme san­duíche? Eles não servem nada nas repartições públicas.

— Pobrezinho... — Tess sorria. — Vou ver o que sobrou de bom na padaria. Maggie, quer alguma coisa?

Ela fez que não, e Tess partiu.

Dane reclinou-se na cadeira giratória. Encarou Maggie com olhar sombrio mas firme.

— Você quer saber o que Cord obteve de mim, certo? A percepção de Lassiter a surpreendeu.

— Eu ia tentar descobrir por intermédio de Tess.

— Stillwel e Adams estão presos, colaborando com as autoridades em troca de sentenças mais leves. Acredito que não mais representem uma ameaça para você.

— Isso eu sei, obrigada. Vi o fax que você enviou para Cord cm Amsterdã.

— O fax? Mas eu não revelei nada nele. A questão é que Cord sabe como quebrar senhas de arquivos codificados.

— Quer dizer que... ele sabe? De tudo? — O coração dela quase parou.

— Assim me parece.

Maggie recordou a sincera declaração de Cord, de que a amava sem se importar com seu passado. Não dissera que sabia de tudo porque ela ameaçara fugir dele. E ele, por sua vez, já fugira demais, dos envolvimentos, das emoções, dos compromissos que marcam uma vida.

Sim, Cord a amava, mas o que pensava dela? Como a julgava? Examinou o fino aro de ouro em seu dedo, exem­plo de simplicidade que ela escolhera de propósito. A alian­ça representava um seio para o futuro, uma promessa de apoio mútuo por entre o fogo e a tempestade. Ou o que houvera estaria acima de qualquer conceito de catástrofe?

 

Maggie encarou Lassiter, percebendo que perdera o que ele dizia.

— Não ouviu uma só palavra, certo? Falei que Cord me ligou de urna linha segura e me disse que acabaria pessoal­mente com Stillwell e Adams, e que penduraria Gruber numa forca. Eu ignorava esses instintos homicidas nele, embora tenha me sentido assim quando minha mulher foi baleada, antes de nosso casamento. — Fez uma pausa e ganhou fôle­go: — Cord queria sangue, e levei meia hora tentando dissua­di-lo de uma vingança pessoal, já que a Justiça se encarrega­ria disso. Mas você o conhece. Não sei se seu marido se con­venceu. Veio ferido de Amstcrdã, mas diz que, em todos esses anos, você foi o que lhe aconteceu de melhor.

Bem, as coisas pareciam voltar a seus lugares. A vida de Maggie se tornara um livro aberto, um padrão que ela pa­recia ver por inteiro peia primeira vez. Não confiara em Cord, temerosa do julgamento dele. Poderia tê-la escorra­çado, mas, ao contrário, reafirmara seu amor casando-se com ela. Era um cenário novo, que precisava ser considerado.

— Eu falhei com ele, sr. Lassiter. Nunca avaliei como Cord se sentiria sabendo de meu passado e fingindo não conhe­cê-lo. É tudo uma questão de confiança, não?

Sorridente, Lassiter concordou.

— Estou contente por ver que você, até que enfim, en­tendeu.

— Nada do que se fez, faz ou fará representa alguma diferença, quando duas pessoas se amam de verdade. — Os olhos de Maggie brilharam, cheios de compreensão. — O amor é incondicional.

Nunca mais teria medo, decidiu. Nem mesmo de uma revelação bombástica sobre sua vida pregressa. Cord a amava, c só a opinião dele importava. Simples.

Ansiosa para sair, Maggie quase saltou do assento.

228

— Quando meus filhos crescerem um pouco, gostaria de vir trabalhar para você. Posso?

— Seja bem-vinda desde já. — Lassiter se inclinou, cava­lheiro.

— Sou sua devedora, sr. Lassiter. Obrigada por ter man­tido meu segredo e fazer com que Adams e Stillwell o con­servassem. Acho o senhor maravilhoso!

— Sem me gabar... — Esfregou as mãos. — ...minha mulher é da mesma opinião.

 

Os minutos subsequentes se desenrolaram num turbilhão de atividades. Maggie quase derrubou Tess, na saída do prédio. Agradeceu a ela, abençoou Dane, prometeu telefo­nar sempre. Saltou para dentro do carro assim que Davis, contrariando os códigos de trânsito, apertou o freio com ruído a fim de reduzir a velocidade.

Em casa, ela passou por June como um raio, deixando-a perplexa. Entrou no escritório onde Cord, ao telefone, ne­gociava um touro com algum cliente. Fechou a porta, tré­mula, ansiosa por passar-lhe suas descobertas.

— Perdão, mas você tem de desligar agora! — Maggie ordenou, e começou a tirar a blusa.

— Por quê? — Cord regateou, antes de perceber que ela se desnudava para ele.

Deixou cair o telefone, murmurando que chamaria o clien­te de volta. A essa altura, sem blusa e sem sutiã, Maggie trabalhava no zíper de sua calça.

Mais um pouco, e ela se apresentou totalmente nua para Cord, adorando seu olhar prazeroso. Tomou-o pela mão e guiou-o até o sofá, onde desabou em abandono.

— Então, você me quer ou não, homem?

— Espere só para ver. Trancou a porta?

Maggie elogiou as formas masculinas, vendo-o se des­pir. Não parecia espantado, mas murmurava que não tinha tempo.

 

Entretanto, tirou a sunga e foi por cima dela. Se o braço doía, a boca compensou, à vontade em seus domínios. Mas ele insistia em apartar-lhe as pernas depressa, como se to­mado de um incontrolável desejo.

— Desculpe-me, querida.

Maggie relaxou e o recebeu dentro de si. Depois, entrela­çou as pernas com as dele, procurando prolongar o clímax, que veio rápido, numa posse mais desinibida do que nunca.

Mal pudera acompanhar o ritmo frenético de Cord, e ain­da o sentia tenso, abrasado. Uma onda lasciva a assaltou quando ele, desesperado, a estreitou contra si e invadiu-lhe a boca com a língua. Arfante, entre gemidos, Maggie per­mitiu que Cord extraísse dela as últimas contrações de sa­tisfação.

Depois, Maggie sentiu as mãos vazias quando ele se aco­modou para descansar no sofá.

—- Ainda o sinto pulsar dentro de mim — ela sussurrou, emocionada.

— Também sinto você. Meu Deus! Que explosão! Não imaginava que...

— Eu sei. Também não pensava que o amasse tanto!

Cord tornou a beijá-la, afagando-lhe as costas e pressen­tindo que, em poucos minutos, estaria pronto para repetir a dose.

— Podemos ser felizes juntos, Cord? Ah, eu quero tanto que sim!

Os corpos se atritavam de leve, sem objetivo imediato, o que tornava o contato ainda mais agradável. Por vezes, ela estremecia, e Cord então se julgava o responsável por tudo o que fosse relacionado a Maggie, incluindo o prazer, a paixão, o deslumbramento.

— Meu braço melhorou, sabe? Pode me pegar.

— O quê? Como assim?

 

— Deste jeito, sua pequena puritana. — Cord levou-lhe a mão à virilha, não sem antes percorrer o peito todo a partir do ombro ferido.

Mostrou-lhe os movimentos que mais o agradavam e gemeu, deliciado. Em alguns segundos, a tensão mútua cres­ceu a ponto de Maggie resolver usar a boca. Foi rápido, foi excitante, foi compensador. Por isso, eles riram juntos. Mes­mo porque qualquer diálogo seria dispensável naquele momento incrível.

Maggie estava tão feliz que mal se movia no sofá.

— Não estou me queixando, claro, mas pode me dizer o porquê de tudo isso?

Ela beijou o ombro machucado.

— Questão de confiança — explicou, suave e misteriosa. — Acho que ainda não tinha lhe dado a confiança que merece. Queria lhe mostrar como posso ser uma mulher, sem vergonha de mim, de meu passado, de meu corpo. — Fez uma pausa e suspirou. — É uma glória ser mulher.

— E que mulher! Estou esgotado, sabia? Esgotado! Você vem se tornando um furacão!

— Obrigada.

— O que ouviu de Lassiter, exatamente? Ela sobressaltou-se diante da pergunta.

— Como sabe que fui vé-lo?

— Simples lógica. Você não descansaria enquanto não falasse com ele e soubesse o que me contou.

— Lassiter não lhe contou nada sobre mim.

— Está vendo só?

— Ele, não, mas eu devo fazê-lo. Por mim. Por nós. — Maggie tomou fôlego, o que preocupou Cord. — Quando eu tinha seis anos, minha mãe morreu. Meu padrasto, que não gostava de trabalhar, tinha um amigo com quem bebia cerveja e jogava cartas. Por um ano, fui tolerada em nosso casebre. Depois, meu padrasto disse que me colocaria numa creche, para eu ser adotada. O amigo falou que ele era idio­ta, pois poderia fazer dinheiro comigo. Assim, entraram em contato com um desses depravados que se dedicam à por­nografia infantil. Uma outra menina e dois garotos foram chamados. Tiraram fotos de nós e gravaram filmes.

— Chega! — Cord se agitou e ergueu-se. — Não precisa me contar, nem eu preciso saber disso tudo!

— Sim, precisa. — E Maggie continuou falando, com os lábios trémulos: — Apenas ouça, pois necessito revelar tudo. Fomos forçados a fazer coisas que eu não entendia. Usavam os cintos para nos bater, se não aceitássemos as ordens. Só paravam de espancar quando viam que podiam ficar mar­cas. Adoravam outras formas de castigo, em lugares que ninguém poderia ver.

Ela fechou os olhos, captando a revolta contida de Cord.

— Eu não ia à escola, por isso um inspetor de ensino me procurou no casebre, para saber os motivos. Pela janela, viu câmeras e luzes, além de uma cena completa. E chamou a polícia.

— Graças a Deus!

— Eu estava envergonhada e com medo. Mas a polícia me tratou bem, assim como aos outros menores. Uma ofi­cial cuidou de mim e da segunda menina. Um dia, quando estávamos saindo da casa dela, um vizinho gritou que nós éramos pequenas prostitutas. Nada me doeu tanto, até hoje.

Cord se aproximou para afagar os cabelos de Maggie.

— Termine logo com isso, querida.

— Era uma história escandalosa, e o julgamento de meu padrasto e do amigo teve ampla cobertura na imprensa. Só que, entre os videoteipes que compunham o conjunto de provas, um desapareceu. Aquele que Stillwell e Adams possuíam.

 

— Então, você foi enviada a uma instituição juvenil.

— Sim, por pouco tempo. A psicóloga encarregada acha­va que, por eu ser muito nova, ficaria a salvo de danos emocionais. Mas você nem imagina quantas crianças exis­tiam naquele sistema de recuperação.

— Sim, demais! — Cord beijou-lhe a testa, terno.

— Meu padrasto acabou morrendo numa rebelião no presídio. O outro ainda deve estar por aí.

— Ele morreu de câncer dois anos atrás, ainda cumprin­do pena.

— Oh! Quer dizer que, graças aos céus, ambos já se fo­ram! Como soube disso?

— Consegui acessar os arquivos da polícia e do sistema judiciário, quando estávamos em Amsterdã.

— Então, Lassiter tinha razão! Você sabia de tudo, o tem­po todo, e mesmo assim se casou comigo!

— Claro que sim, sua boba. Eu te amava o suficiente para me preocupar com seu passado. Inclusive porque ele fazia parte de meu trabalho, atrás de Gruber e seus associados. Fiquei triste por você, é lógico, mas garanto que não fez nenhuma diferença em meu amor.

— Não?

— Não. Ainda mais agora. Vou amá-la e cuidar de você pelo resto da vida.

— Acha mesmo que pertencemos um ao outro? — Maggie murmurou, insegura.

— De corpo, alma e coração.

Maggie sentiu-se estranha: relaxada, espantada, feliz.

— Seduzi você? — Maggie sorriu.

Apesar da gravidade do assunto, Cord deu risada.

— Com total mestria. Descobri que sou um homem fácil. Nunca ocorrera a Maggie que a vida a dois pudesse ser tão divertida. Com Cord, a intimidade se confundia com uma aventura.

— Bem, está me passando muita confiança, rapaz. Garan­to que não irá se arrepender.

— Uau!

— Não ficou com raiva de mim?

— Raiva? Por você, sim, não de você. Como ficaria zan­gado com uma criança, enganada e abusada por adultos? Não é contra isso que venho lutando?

— Há gente que não mede consequências para ganhar dinheiro.

— É verdade. Amy Barton devia ter me contado em que condições a tirou do reformatório. Você devia ter me fala­do. E tudo seria bem diferente do que foi.

— Não queria que sentisse pena de mim. Qualquer sen­timento é melhor do que piedade.

— Mas não a teria forçado, naquela noite, se soubesse.

— Bem, agora eu o seduzi. Portanto, estamos quites. Ele riu de novo, meneando a cabeça.

— Estava mais sóbria do que eu, naquela ocasião.

— E você deu a impressão de saber de tudo, em Amsterdã.

— Não sabia como lhe dizer. Estava chocado com a his­tória de seu padrasto e, depois, com seu casamento e abor­to. Perdemos até nosso bebê, com tudo isso.

— Pensei que você estava me rejeitando, justo no momen­to em que eu mais me sentia envolvida. O que houve foi uma quebra de confiança.

— Não em você. Vamos viver muito, Maggie, e sempre nos amaremos.

— Queria muito ter outro filho, Cord. Seu.

— Temos de acreditar em milagres. Eles acontecem, sabia?

— Acha mesmo?

— Sim, acho! Droga, estou com sono...

A insistente batida na porta os acordou.

— Sr. Romero! — Era Davis, gritando. — O senhor está bem? Consegui uma chave, vou entrar!

— Sc entrar, Davis, você estará despedido!

De nada adiantou Cord berrar. Davis girou a maçaneta, entrou na sala e viu uma pilha de roupas no chão, que for­mava uma trilha até o sofá. O olhar furioso de Cord bastou para que Davis recuasse e saísse, antes de levar uma botinada no traseiro.

A cena representaria uma calamidade, se Cord nào esti­vesse com tanto bom humor. Olhou para Maggie, de cabe­ça coberta por uma almofada, e soltou uma sonora garga­lhada. Quando ela se deu conta do que havia acontecido, olhou para a roupa espalhada no piso e acompanhou o marido numa risada livre, leve e solta.

Meses depois, Cord ajudava seus vaqueiros a reunir um grupo de reses no pasto. Conforme o prometido a Maggie, resolvera passar mais tempo no rancho, inclusive para curar em definitivo o ombro baleado.

A cavalo, correu para a trilha de entrada da casa quando viu Maggie chegar de carro, em velocidade excessiva, ar­rancando pedriscos do pavimento cascalhado. Blasfemou, num sussurro, pois Maggie também se apressou na direção dele, que apeou da montaria e recebeu um abraço forte.

— O que esta acontecendo, querida?!

Um beijo ávido lhe roubou o restante das palavras. Cord ficou excitado. Só mesmo Maggie para seduzi-lo perante toda aquela gente.

— Sinta só — ela disse, alegre. — Aqui. —• Levou a mão de Cord até seu ventre. — Tem um bebê aqui dentro, meu amor.

Ele suspirou e afagou-lhe os cabelos, como tanto gostava de fazer.

 

— Você está grávida? — Mais surpreso do que incrédu­lo, Cord respirou fundo.

— Completamente grávida. De três meses. Como não tive enjoos e achava que não podia engravidar, não dei a devi­da atenção à parada do ciclo mensal.

— Nós tivemos ciclos mensais? — gracejou, reforçando o "nós" em torn afetuoso.

— É nosso bebê! — Maggie bateu-lhe no braço. — O mé­dico fez o teste, e eu voltei correndo para lhe dar a notícia.

Sirenes policiais a interromperam.

— Deus! Creio que corri demais na rodovia... Você se incomoda de pagar uma multa?

Dois homens uniformizados da polícia rodoviária conver­saram pouco depois com o casal, e um deles empunhou o talão de multas.

— Ela está esperando nené — Cord tentou uma justifi­cativa.

— Lei é lei, cavalheiro. A senhora poderia ser presa, com ou sem gravidez.

O oficia] mais velho olhou para o pasto, interessado no trabalho dos homens.

— O senhor não me é estranho...

— Claro. Você acabava de ser transferido para a polícia rodoviária quando iniciei um estágio na corporação policial de Houston. — Cord notou as várias tarjas de mérito na camisa dele. — Pelo jeito, fez carreira.

— O senhor também, que eu saiba, mas não em Houston. De qualquer modo, bebês não gostam de excesso de velo­cidade.

— Pode deixar, oficial — Maggie interveio. — Vou ensi­nar meu filho a obedecer às leis de trânsito.

— Filha — Cord a corrigiu. — Vamos ter uma menina.

 

Ninguém poderia saber, pois ainda faltavam algumas semanas para Maggie fazer o exame de ultra-som.

— Quero ver a menina domar touros bravos — o policial brincou. — Espere um pouco! Agora já sei onde o vi: nos jornais, por causa daquele tiroteio em Amsterdã que resul­tou na prisão de traficantes de crianças. A senhora também estava lá, ajudando. Aliás, trabalhei algum tempo para Dane Lassiter, anos atrás.

O olhar de admiração do oficial mais jovem se alternava entre Cord e Maggie. Ela se sentiu como uma heroína e agarrou o braço do marido.

— Se não me multar, prometo citá-lo em minhas memó­rias — disse ela, sem pretensão.

Mas a resposta que recebeu foi gratificante:

— Tudo bem. Com uma história dessas, o livro será um best seller.

— Falei por falar... mas sabe que não é uma má ideia?

Seis meses depois, pronta para dar à luz, Maggie Barton levou seus originais a um editor em Nova York, que de imediato os contratou para publicação.

Quase ao mesmo tempo, nasceu um menino, contra as preferências de Cord por uma garotinha. Na dúvida, am­bos tinham desistido de conhecer com antecedência o sexo da criança. Mas Cord havia feito uma lista de nomes femi­ninos, sem incluir nenhum masculino. Assim que retorna­ram à fazenda, porém, esse problema já estava superado.

— Estou contente por ser seu pai, Jared Mejias Romero.

— Com carinho e orgulho, ele acariciou o rostinho do bebê.

— Mas vamos lhe providenciar uma irmãzinha, para seu papai estragar com mimos.

— Papai pode estragar Jared também. — Maggie sorriu, contente por ter um filho saudável. — Talvez todos estejam errados e um raio caia duas vezes no mesmo lugar. Mesmo que não aconteça, estou radiante com o que conseguimos.

— Eu também. — Cord beijou a mulher e o filho.

Pela janela, viu que lindos bezerros pastavam. Era feve­reiro, fazia frio e a grama crescera alta, apetitosa.

— Minha mulher, uma escritora? Nunca imaginei.

— Sabia que meu editor, após a leitura para apreciação, me antecipou contrato para um segundo livro?

— Bem, e eu continuo criando gado. Já lhe disse que re­cusei uma missão com o FBI e outra que Bojo me propôs, no Oriente Médio?

— Creio que você já teve sua dose de aventura na vida, mas não o vejo descontente aqui na fazenda. Apesar de... — Fez uma pausa. — ...Davis ter me contado que decidiu implantar um chip de identificação em Hijito, para impedir que alguém o roubasse. E também vive rastreando gram­pos dentro de casa.

Cord se afastou, um tanto vexado, enquanto Maggie com­parava seu atual mundo de alegrias com o passado frustran­te. Agora, tinha Cord e um filho dele. Remorsos se reduzi­ram a nuvens no horizonte, que os ventos de primavera e o esplendor do crepúsculo levariam para longe. A existência era mais doce do que qualquer sonho.

Maggie beijou a testa do bebê, preocupada em não acordá-lo. Ouviu as passadas de Cord, de volta à sala. Nunca se sentira tão leve e segura de si.

— Venha ver o pôr-do-sol, querida. Neste final de inver­no, e com tantas nuvens, pensei que ia nevar.

Levando Jared Mejias no colo, Maggie acompanhou o marido à varanda, onde contemplaram o céu rubro.

— Sinai de sorte — ele comentou, beijando a amada. — Está adorável como mãe... Não engordou tanto e ficou mais bonita ainda.

 

— Sorte minha, entào. Para mirn, filhos são mais impor­tantes do que uma boa intriga internacional.

— Eu diria que estamos em posição perfeita para desco­brir isso.

— Para um renegado, você até que parece ser um bom pai de família.

— Usarei o elogio como recomendação, quando entrar para a Legião Estrangeira.

— Tudo bem. Eles aceitam mulheres e crianças? Quando nos inscrevemos?

Cord mirou-lhe as costas, onde um mosquitinho pousa­ra, mas ela se esquivou do golpe de mão com competência. Caiu no riso, ao relembrar que muitos mercenários jamais perdem os velhos hábitos.

Mas, de outro modo, Maggie não teria o homem que tinha.

 

                                                                                Diana Palmer  

 

                      

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