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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ALEM DO NASCER DO SOL / Mary Balogh
ALEM DO NASCER DO SOL / Mary Balogh

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

“Eu te amarei por toda a minha vida e até mesmo além disso.”
Mesmo aos quinze anos, Jeanne, a filha privilegiada de um imigrante francês monarquista, sabia de quem gostava: do inglês Robert Blake, filho bastardo de um Marquês. No entanto, o seu nascimento questionável o tornava proibido.
Forçados a se separar, ainda eram jovens o suficiente para acreditar no amanhã. Mas com o passar do tempo, esse breve e efêmero flerte em Haddington Hall, se desvaneceu na memória.
Onze anos mais tarde, em Portugal, durante as Guerras Peninsulares, eles se reencontram, como dois espiões trabalhando em lados opostos. Ele agora é um capitão do exército britânico. Ela é a viúva Marquesa das Minas, às vezes usando o nome de Joana da Fonte. No entanto, para apenas um deles se mantém o lampejo do reconhecimento...

A história se passa na mesma época em que acontecem a maioria das outras da autora, começa na Inglaterra, quando o herói e a heroína se encontram pela primeira vez como jovens adolescentes e desfrutam de um doce romance, antes de serem forçados a se separar, ela é a filha de um Conde francês exilado, ele é o filho ilegítimo de um Marquês. Mas, a história, em seguida, se move para Portugal, um número de anos depois. Robert Blake é agora um capitão duro e experiente de um regimento de infantaria, e um espião ocasional sob as ordens diretas do futuro duque de Wellington. Joana da Fonte (ex-Jeanne Morisette) é a viúva de um nobre português e também uma espiã, algo para o qual sua origem francesa faz dela uma excelente candidata.

 

 

 


 

 

 


Capítulo 1

O entretenimento estava em andamento em Haddington Hall, em Sussex, moradia do Marquês de Quesnay, que não poderia exatamente ser chamado de festa, já que não havia dança, e os sons de música e alegria flutuavam das janelas abertas da sala de estar principal. Era um entretenimento, e os convidados não eram muitos, havendo apenas dois hóspedes na casa, naquele momento em particular, para engrossar as fileiras da pequena nobreza local.

Não era uma festa, mas o rapaz sentado fora da vista da casa, no banco em torno da grande fonte de mármore abaixo do terraço, desejou estar lá dentro participando de tudo. Ele queria que a realidade pudesse ser suspensa e que ele pudesse estar lá dançando com ela, a jovem filha dos hóspedes de seu pai, de cabelos e olhos escuros. Ou, pelo menos, olhando para ela e talvez lhe falando, quem sabe lhe buscando um copo de limonada. Ele desejou... oh, ele desejava a lua, como sempre fazia. Um sonhador, isto foi do que sua mãe o chamava frequentemente.

Mas havia duas razões intransponíveis para sua exclusão ao entretenimento: ele tinha apenas dezessete anos de idade, e era filho ilegítimo do Marquês. Esse último fato teve um significado especial para ele, apenas durante o último ano e meio, desde a morte repentina de sua mãe. Através de sua infância e em grande parte dela, parecia uma forma normal de vida ter um pai, que ele e sua mãe visitavam com frequência, mas não vivia com eles, e um pai que tinha uma esposa, na casa grande, onde não havia outras crianças.

Foi apenas no ano e meio desde a morte de sua mãe, que a realidade de sua situação se tornou totalmente evidente para ele. Ele era um rapaz de quinze anos de idade, sem casa, e com um pai que tinha financiado a casa de sua mãe, mas nunca tinha sido uma parte permanente da mesma. Seu pai o levou a viver na casa grande. Mas, ele entendeu sua situação desde que se mudou para lá. Não era um membro da família e a mulher de seu pai, a Marquesa, o odiava e ignorava sua presença, sempre que era forçada a estar com ele. Mas ele não era um dos servos também, é claro.

Foi só no último ano e meio que seu pai começara a falar sobre o seu futuro, e que o menino tinha percebido que a sua ilegitimidade o tornava um negócio complicado. O Marquês lhe iria comprar um posto no exército, quando ele fizesse dezoito anos, ele havia decidido, mas teria que ser com um regimento de linha e não com a cavalaria, certamente não com os guardas. Isso nunca faria, pois as fileiras dos guardas eram preenchidas com os filhos da nobreza e aristocracia superior. Os filhos legítimos.

Ele era o único filho de seu pai, mas ilegítimo.

—Você não está no baile? —Uma voz pouco suave lhe perguntou de repente, e ele olhou para cima, para ver Jeanne Morisette a razão pela qual tanto desejava estar na sala de baile, filha do Conde de Levisse, um imigrante monarquista que tinha fugido da França durante o reinado do terror e vivia na Inglaterra desde então.

Ele sentiu seu coração bater. Nunca tinha estado perto dela antes, nunca tinha trocado uma palavra com ela. Encolheu os ombros. —Eu não quero estar —disse ele. —Não é uma opção, de qualquer maneira.

Ela se sentou ao lado dele, esbelta; em uma luz frágil, não podia ver a cor exata do vestido, os cabelos em uma miríade de cachos sobre a cabeça, seus olhos grandes e luminosos ao luar. —Mas desejava poder estar lá, mesmo assim, —disse ela. —Eu achei que poderia ser autorizada a participar, uma vez que é apenas um entretenimento. Mas Papa disse que não. Ele disse que, quinze anos é muito jovem para estar dançando com os senhores. É cansativo ser jovem, não é?

Ah. Então ela não tinha sido autorizada também, depois de tudo. Ele havia se torturado para nada. Deu de ombros novamente. —Eu não sou tão jovem —disse ele. —Tenho dezessete anos.

Ela suspirou. —Quando tiver dezessete anos —ela disse, —eu vou dançar todas as noites e ir ao teatro e a piqueniques. Vou fazer exatamente o que quiser, quando estiver crescida.

Seu rosto era brilhante e ansioso, e ela era mais bonita do que qualquer outra garota que tinha visto. Ele tinha aproveitado todas as oportunidades durante a semana passada para a vislumbrar. Ela era como uma pequena jóia brilhante, muito além de seu alcance, é claro, mas agradável de se olhar e sonhar.

—Papa vai me levar de volta para a França assim que seja seguro, —disse ela com um suspiro. —Tudo parece estar se acalmando, sob a liderança de Napoleão Bonaparte. Se continuar assim, talvez sejamos capazes de voltar, diz Papa. Ele diz que não há sentido em continuar a sonhar com o regresso de um rei.

—Então, você poderá dançar em Paris —disse ele.

—Sim. —Seus olhos se tornaram brilhantes. —Mas eu queria apenas, o mais rapidamente, estar em Londres. Conheço a Inglaterra melhor do que a França. Eu falo inglês melhor do que falo francês. Preferiria ficar aqui.

Mas havia um traço de sotaque francês em sua voz. Era mais uma característica atraente sobre ela. Ele gostava de ouvir sua conversa.

—Você é o filho do Marquês, não é? —Perguntou ela. —Mas você não tem o seu nome?

—Eu tenho o nome da minha mãe —disse ele. —Ela morreu no último inverno.

—Ah —ela falou, —isso é triste. Minha mãe está morta também, mas eu não me lembro dela. Eu sempre vivi com papai durante o tempo que me lembro. Qual é o seu nome?

—Robert, —disse ele.

—Robert. —Ela deu sua entonação de francês a seu nome e, em seguida, sorriu e disse de novo com a sua pronúncia do inglês. —Robert, dance comigo. Você dança?

—Minha mãe me ensinou —disse ele. —Fora? Como podemos dançar aqui fora?

—Facilmente —respondeu ela, saltando levemente sobre os pés e estendendo a mão magra para ele. —A música está alta o suficiente.

—Mas você vai machucar os pés nas pedras —disse ele, olhando para suas sapatilhas de seda fina, quando ela abriu caminho para o terraço.

Ela riu. —Eu acho, Robert, que você está à procura de desculpas —disse ela. —Acho que sua mãe não o ensinou de verdade, ou que, se o fez, você não aprendeu. Eu acho que talvez você tenha dois pés esquerdos. —Ela riu novamente.

—Isso não é verdade, —disse ele, indignado. —Se você quiser dançar, então dançar nós iremos.

—Isso é uma aceitação muito relutante —ela disse. —Você supostamente deveria estar excitado de dançar comigo, deveria me fazer sentir que não há nada que deseje mais na vida do que dançar comigo. Mas não importa. Vamos dançar.

Ele sabia muito pouco sobre a provocação das mulheres. Era verdade que Mollie Lumsden, uma das criadas de seu pai, muitas vezes se colocava em seu caminho e fazia poses provocantes, mais frequentemente sobre a cama, enquanto ela trabalhava no período da manhã. Era verdade, também, que em certa ocasião, quando ele tentou lhe roubar um beijo, ela mostrou que seus favores não vêm de graça. Mas havia um mundo de diferença entre a Mollie rechonchuda e Jeanne Morisette.

Eles dançaram um minuete, a lua banhando as pedras do terraço com uma luz suave, ambos em silêncio, e se concentrando na música distante e em seus passos, embora sua atenção não estivesse totalmente em apenas essas duas coisas também. Os olhos, estavam em forma de lua delgada, na menina com quem dançava. Sua mão era quente, fina e macia. Ele pensou que a vida nunca poderia ter um momento mais feliz para lhe oferecer.

—Você é muito alto, —disse ela, quando a música chegou ao fim.

Ele estava com quase um metro e oitenta e três de altura. Infelizmente, o seu crescimento tinha sido para cima. Dizer que ele era magro seria subestimar o caso. Odiava se olhar no espelho, queria ser um homem bonito, musculoso, e se perguntava se nunca seria nada mais do que desengonçado e feio.

—E tem um cabelo loiro lindo —disse ela. —Tenho notado você durante toda a semana e gostaria que o meu cabelo fosse como o seu. —Ela riu levemente. —Estou feliz de que não o use curto. Seria um desperdício.

Ele estava deslumbrado. Ainda estava segurando a mão dela levemente na sua.

—Eu devo ir para o meu quarto —disse ela. —Papa teria um ataque se soubesse que eu estava aqui fora.

—Você está bastante segura —disse ele. —Vou providenciar para que nenhum mal lhe aconteça.

—Pode me beijar se você quiser —disse ela. Olhou para ele por debaixo de seus cílios, um quê de malícia em seus olhos que se arregalaram. O que Mollie tinha negado, Jeanne Morisette daria? Mas como ele a poderia beijar? Ele não sabia nada sobre o beijo.

—É claro —disse ela, —se você não quiser, vou voltar para casa. Talvez você esteja com medo. —Ele estava. Medo mortal. —Claro que não tenho medo —disse ele com desdém. E pondo as mãos em sua cintura, baixou a cabeça e a beijou. Beijou como sempre tinha beijado sua mãe na bochecha, embora beijasse Jeanne nos lábios, brevemente e com um som.

Ela era toda suavidade e com um aroma sutil. Suas mãos estavam em seus ombros, seus polegares contra a pele do seu pescoço. Seus olhos escuros o olharam interrogativamente. Ele engoliu em seco, sabendo que seu pomo de Adão revelaria seu nervosismo.

—E é claro que desejo —disse ele, abaixou a cabeça e colou seus lábios nos dela novamente, os mantendo lá por alguns momentos de auto-indulgência, e observando com choque, os efeitos desconhecidos do abraço em seu corpo, a falta de ar, a onda de calor, o aperto na virilha. Ele levantou a cabeça.

—Oh, Robert —disse ela suspirando —você pode fazer ideia de como é cansativo ter quinze anos? Você se lembra de como era? Embora seja completamente diferente para um menino, é claro. Ainda é esperado que me comporte como uma criança, quando eu não sou mais uma. Devo ficar quieta, e acolher a companhia de seu pai e sua mãe... não, a Marquesa não é sua mãe, é? E do meu próprio papa. E ver negada a companhia dos jovens que estão atualmente dançando e que se apreciam na sala de estar. Como vou suportar isso, toda uma semana?

Ele desejou que pudesse arrancar algumas estrelas do céu e as colocar a seus pés, desejou que a música continuasse por uma semana, para que pudesse dançar com ela, a beijar a e ajudar a pôr fim ao tédio de uma estada indesejável.

—Eu estarei aqui também —ele disse com um encolher de ombros, Ela olhou para ele ansiosamente, o topo de sua cabeça atingindo quase seu ombro.

—Sim —disse ela. —Vou roubar tempo para passar com você, Robert. Vai ser divertido, e minha empregada é muito fácil de enganar. Ela é preguiçosa, mas eu nunca me queixo ao papa, porque, às vezes, é uma vantagem ter uma empregada preguiçosa. —Ela riu, com sua risada contagiante. —Você é muito bonito. Vai me levar para as ruínas amanhã? Nós fomos lá há dois dias, mas a Marquesa não me deixou explorar, para que eu não me machucasse. Tudo o que eu podia fazer era olhar e ouvir o seu pai contar a história do antigo castelo.

—Vou levar —disse ele. Mas observou o fato de que ela tinha falado de roubar o tempo para estar com ele. E, claro, ela estava certa. Não era a coisa certa para os dois fazerem. Eles, certamente, nunca deveriam ter se falado ou dançado. Ou beijado. Haveria todo o inferno que enfrentar, se fosse pego a levando para as ruínas. Ele deveria explicar isso a ela de forma mais clara. Mas tinha dezessete anos de idade, e as realidades da vida eram novas para ele. Ainda achava possível lutar contra tudo isso, ou pelo menos ignorar.

—E você? —Ela perguntou ansiosamente, apertando as mãos em seu jovem seio. —Depois do almoço? Eu irei para o meu quarto para um descanso, como a Marquesa está sempre me pedindo para fazer. Onde o devo encontrar?

—Do outro lado dos estábulos —disse ele, apontando. —É quase um quilômetro para as ruínas. Você será capaz de andar tão longe?

—É claro que posso caminhar até lá —disse ela com desdém. —E subir. Quero subir à torre.

—É perigoso —disse ele. —Algumas das escadas desmoronaram.

—Mas você a escalou, não é mesmo? —Disse ela.

—Claro.

—Então a vou escalar também —disse ela. —Se tem uma boa vista do topo?

—Você pode ver a aldeia e além —disse ele.

A música estava tocando uma quadrilha na sala de estar.

—Amanhã —ela resolveu. —Depois do almoço. Por fim, haverá um dia para se esperar. Boa noite, Robert.

Ela estendeu uma mão magra para ele. Ele pegou e percebeu, com alguma confusão, que ela queria lhe dizer para que a beijasse. Ele a levou aos lábios e se sentiu tolo, e lisonjeado, e maravilhoso.

—Boa noite, senhorita Morisette —disse ele.

Ela riu para ele. —Você é um adulador, depois de tudo —disse ela. —Acabou de me fazer sentir com pelo menos dezoito anos de idade. É Jeanne, Robert. Jeanne à maneira francesa e Robert o caminho inglês.

—Boa noite, Jeanne —disse ele, que estava feliz da escuridão esconder sua face corada.

Ela se virou e tropeçou levemente sobre as pedras do terraço e andou para o lado da casa. Ela tinha, ele percebeu, saído pela entrada de serviço e estava voltando da mesma maneira. Ele se perguntou se ela tinha saído apenas para o ar fresco ou se o tinha visto de alguma janela do segundo andar. A janela de seu quarto, com vista para o terraço e para a fonte.

Ele gostaria de acreditar que era sua presença lá fora, que a tinha atraído. Ela o havia chamado de alto, não tinha comentado sobre a sua magreza, apenas sobre sua altura; tinha achado o loiro de seu cabelo lindo e aprovado o fato de que ele gostava de o usar mais longo; o tinha considerado muito bonito e pediu que a beijasse; lhe pediu para a levar às ruínas no dia seguinte e havia dito que, finalmente, haveria um dia a esperar.

Ele já não estava apenas atraído por sua beleza morena e esbelta, percebeu, os sons da música e alegria do salão de baile esquecidos. Estava profundamente, irrevogavelmente, apaixonado por Jeanne Morisette.

 

*


Ela o viu várias vezes desde sua chegada em Haddington Hall, embora não tivesse sido formalmente apresentada a ele, claro. Seu pai tinha explicado a ela que ele era o filho bastardo do marquês e que realmente não era de todo respeitável estar vivendo na casa. “Deve ser muito angustiante para a marquesa,” o pai dela tinha dito, especialmente porque a pobre mulher era aparentemente estéril e tinha sido incapaz de presentear o marquês com quaisquer herdeiros legítimos ou mesmo filhas.

Jeanne não se preocupava com o fato de que ele não deveria estar lá na casa. Ela estava feliz que ele estivesse, e só lamentou que não fosse possível ser abertamente simpática com ele. Não encontrara muitos meninos ou homens jovens durante a sua vida, com uma infância protegida com seu pai, e tendo sido enviada para uma escola onde ela e suas colegas eram mantidas estritamente afastadas do mundo masculino.

Em seu tédio e solidão em Haddington Hall, ela o observava secretamente sempre que tinha uma chance, com mais intensidade da janela de seu quarto. Estava muito apaixonada por sua figura magra e juvenil, e seu cabelo loiro comprido.

Na noite da baile, embora seu pai e a marquesa a tentassem consolar, assegurando que não era realmente um baile, ela ficara mal-humorada na janela de seu quarto e o viu, pela primeira vez no terraço e, em seguida, desapareceu para o outro lado da fonte e não voltou mais. Ele deveria estar sentado no banco de lá. Ela já havia dispensado sua empregada para a noite. Sua respiração ficara rápida e emoção borbulhara nela, conforme sentiu a tentação de se esgueirar pelo piso térreo ao exterior invisível para falar com ele.

Tinha cedido à tentação.

E ficara deslumbrada... não percebera muito bem como era alto ou o quão bonito era seu rosto com o nariz aquilino e queixo firme, e olhos muito sinceros. Ele tinha dezessete anos, um jovem, não o menino que ela tinha imaginado primeiro.

Foi o primeiro homem com quem dançou, com exceção do seu professor de dança na escola, e foi o primeiro homem que a beijou, da primeira vez, da forma que seu pai poderia tê-la beijado, mas da segunda, quando seus lábios permaneceram nos dela, ela sentira algo deliciosamente perverso, diretamente para baixo, até os dedos dos pés.

Estava apaixonada por ele antes que tivesse acabado de correr para o quarto, antes que tivesse fechado a porta atrás dela e se recostado, com os olhos fechados, tentando se lembrar exatamente, o que sua boca tinha sentido. E então abriu os olhos e correu para a janela, se escondendo por trás das pesadas cortinas de veludo, para o ver caminhar para cima e para baixo do terraço. Mas não precisava ter se preocupado, ele não olhara para cima.

Ela estava apaixonada por ele, um deus loiro, alto e esguio, que era tudo aos dezessete anos de idade. E que era a maior atração por ser fruto proibido.

Eles tiveram quatro dias juntos e quatro tardes, quando ela estava devidamente descansando em seu quarto, o que era o que seu pai e o marquês e marquesa sabiam. Foram para o castelo em ruínas no primeiro dia e ele subiu as sinuosas escadas de pedra da torre à sua frente, virando com frequência para lhe apontar um degrau lascado ou desintegrado, onde ela teria que colocar cuidadosamente seus pés. Ela estava mais assustada do que admitiria e quase gritou de terror quando saíram à luz do dia, no andar superior e descobriu que o parapeito estava bastante afastado, de modo que não havia nada para protegê-los contra a queda, aparentemente interminável, para a grama e as ruínas abaixo. Mas ela apenas balançou os cabelos, porque tinha desprezado usar um gorro, e olhou corajosamente para tudo.

—É magnífico —disse ela, estendendo os braços para os lados. —Como maravilhoso deve ter sido, Robert, ser a dama de tal castelo e ter visto das muralhas seu cavaleiro vir andando para casa.

—Depois de uma ausência de sete anos ou mais, sem dúvida —disse ele.

Ela riu. —Que coisa menos romântica para se dizer —disse ela. —De qualquer forma, eu não teria que o deixar ir sozinho. Eu teria ido com ele e compartilhado de todos os desconfortos e perigos da vida militar.

—Você não teria sido capaz de fazer isso —disse ele. —Você é uma mulher.

—Porque não teria sido autorizada? —Ela falou —Ou porque eu não seria capaz de suportar as dificuldades? Não me importaria de ter que dormir no chão duro e tudo isso. E, como não seria permitido, eu cortaria meu cabelo e montaria como um escudeiro de meu cavaleiro. Ninguém sequer saberia que eu era uma mulher. Eu não reclamaria, você vê.

Ele riu, e ela descobriu que os dentes brancos e olhos azuis alegres o tornavam ainda mais bonito na luz do dia, do que tinha parecido sob o luar na noite anterior.

O convidou para a beijar novamente quando eles chegaram ao chão. Na verdade, ela tinha achado a descida uma provação muito maior do que a subida, ficara feliz por achar uma desculpa para se inclinar para trás contra uma parede sólida, e descansar os braços ao longo de seus ombros tranquilizadoramente resistentes. Ele era forte, apesar de sua magreza.

Seus braços deslizaram sobre sua cintura enquanto seus lábios descansaram contra os dela, seus braços se enrolando no pescoço dele. Ela tentou fazer beicinho, seus lábios contra os dele, e sentiu o seu aumento de pressão. Ela estava sendo beijada por um homem, pensou, por um jovem alto e bonito. E estava apaixonada por ele. Era maravilhoso sentir amor.

—Vou ter de voltar —ela falou, —ou eles irão ao meu quarto para ver porque estou dormindo tanto tempo.

—Sim —disse ele, sem nenhuma tentativa de a atrasar. —A levarei de volta aos estábulos.

Nas três tardes seguintes, eles caminharam através dos campos, entre os bosques, ao lado do lago que ficava a um quilômetro de distância da casa, na direção oposta do antigo castelo. O tempo era seu amigo. O sol brilhou todos os dias em um céu azul, e se houve algumas nuvens, eram muito pequenas e brancas, e fofas, que apenas trouxeram breves momentos de sombra bem-vinda. Eles caminharam com os dedos entrelaçados e falaram um com o outro, compartilhando pensamentos e sonhos jamais confiados a alguém antes.

Seu pai lhe queria comprar uma comissão no exército quando tivesse dezoito anos, ele disse a ela. Mas não era uma vida que ele quisesse. Foi enquanto viveu com sua mãe que assumiu que queria viver tranquilamente no campo. Era o tipo de vida que amava. Mas devia fazer alguma coisa. Ele percebeu isso. Não podia continuar vivendo em Haddington Hall indefinidamente, e não era, é claro, o herdeiro de seu pai.

—Mas eu não tenho nenhum desejo de ser um oficial —ele disse a ela. —Eu não acho que teria estômago para matar alguém. —Ela disse a ele que sua mãe era inglesa, que seus avós, o visconde e viscondessa Kingsley, ainda viviam em Yorkshire. Mas o pai dela os tinha permitido visitar apenas duas vezes em todos os anos que estava na Inglaterra. Seu pai queria que ela fosse francesa e viver na França. Mas ela queria ser inglesa e viver na Inglaterra, disse a Robert com um suspiro, não pertencer a dois países, o que tornava a vida complicada.

Ela novamente contara seu sonho de ser velha o suficiente para assistir a bailes e festas, peças de teatro e reuniões e se misturar com outros jovens. Só que o sonho não pareceu tão importante durante esses dias. Estava vivendo um sonho mais maravilhoso do que qualquer outro que tinha tido.

Eles estavam lado a lado em um banco à sombra do lago, no quarto dia à tarde, seus braços um no outro, beijando, sorrindo, se olhando nos olhos. Ele tocou os seios pequenos levemente, e ela sentiu seu rosto em chamas, embora não deixasse de o olhar nos olhos ou fazer qualquer protesto. Sua mão se sentia bem lá. E então ela descansou a mão contra a sua cintura. Ele estava quente através do algodão xadrez.

—Robert —disse ela, —eu te amo.

E ela amava o jeito que ele tinha de sorrir com os olhos antes que chegasse a seus lábios. —Você me ama? —Perguntou a ele. —Me diga o que você sente.

—Eu te amo —disse ele.

—Eu vou me casar com você —disse ela. —Papa não vai gostar, eu sei, mas se ele não der o seu consentimento, eu vou fugir com você.

Ele sorriu lentamente. —Isso nunca acontecerá, Jeanne. Você sabe disso —ele disse gentilmente. —Não vamos estragar esses poucos dias sonhando com o impossível. Vamos os apreciar.

—Pode ser —ela respondeu, envolvendo seu braço em sua cintura magra, se aproximando mais dele. —Oh, ainda não, é claro. Eu sou muito jovem. Mas quando tiver dezessete ou dezoito anos, e não tiver mudado de opinião, Papa vai ver que eu só posso ser feliz com você e ele vai dar o seu consentimento. E se não o fizer, então eu sigo o tambor com você. Vou cavalgar para a guerra com o meu cavaleiro.

—Jeanne —disse ele, beijando sua boca e os olhos, um por um. —Jeanne.

—Digamos que você vai se casar comigo —disse ela. —Digamos que você queira. Você quer se casar comigo, Robert?

—Eu te amarei toda a minha vida e mesmo além disso —disse ele. —Você sempre será meu único amor.

—Mas isso não é o que eu estou pedindo —disse ela.

—Sh. —Ele a beijou novamente. —Temos de voltar para casa. Estamos afastados por mais tempo do que o habitual. Eu não quero você para ser desperdiçada.

—Amanhã —ela disse, sorrindo para ele, que se levantou e estendeu a mão para a ajudar. —Amanhã o vou levar a admitir isso, Robert. Eu sempre consigo o que quero, você sabe.

—Sempre? —Ele perguntou.

—Sempre. —Ela tirou a grama de seu vestido e olhou para ele por debaixo de seus cílios. Estava adoravelmente bonito, com o cabelo despenteado.

—Eu virei para você em um cavalo branco no seu aniversário de dezoito anos, então, —ele falou —e iremos montar no por do sol, não, ao nascer do sol; o nascer do sol seria melhor, e casar e ter uma dúzia de filhos e viver felizes para sempre. Você está satisfeita agora?

Ela ficou na ponta dos pés, beijou sua bochecha, e sorriu deslumbrantemente para ele. —Totalmente —disse ela. —Eu ouvi o que queria ouvir. Eu lhe disse que sempre consigo o que quero, você vê. —Ela riu alegremente. Pensou que nunca havia sido tão feliz em sua vida, embora soubesse que era uma felicidade apenas para o presente. Ela sabia tão bem quanto ele que nunca se casariam, que depois de terminada, a semana seria passado, eles provavelmente nunca iriam se encontrar novamente.

Mas ela sempre o amaria, acreditava com toda a paixão de seus quinze anos. Ele foi seu primeiro amor, e seria o seu último. Nunca amaria outro homem como amava Robert.


Capítulo 2


A felicidade de Jeanne durou um tempo ainda mais curto do que esperava. Esperava por mais três dias. Três breves dias mais fora da eternidade. Mas só lhe foi concedida apenas meia hora a mais. Seu pai estava esperando em seu quarto, quando ela voltou.

—Jeanne? Onde você estava? —Perguntou em francês, que sempre falava quando estavam sozinhos. Ela trocou a sua linguagem. —Andando lá fora —disse ela, sorrindo para ele. —Faz uma bela tarde.

—Sozinha? —Ele perguntou.

Seu sorriso se alargou. —Madge não gosta de caminhar —disse ela. —Eu não insisti para ela me acompanhar.

—Três teria sido uma multidão —disse ele, não retornando seu sorriso. Ela olhou para ele com cautela.

—Ele é um bastardo, Jeanne —seu pai disse severamente. —Ele não deveria sequer ser alojados sob o mesmo teto que pessoas decentes. Eu teria pensado duas vezes antes de aceitar o convite do marquês, se soubesse que você iria ser submetida a tal indignidade. Acredito que ele mantém o menino aqui apenas para insultar sua esposa com sua esterilidade. Você o foi encontrar todas as tardes, enquanto deveria estar 'descansando'?

—Sim —, admitiu ela, desafiadora. —Ele é divertido para estar, Papa, e não há outros jovens aqui para mim. Você não me permitiria participar da assembléia embora eu esteja com quinze anos de idade.

—Será que ele tocou em você? —O pai perguntou, sua voz fria e apertada.

Jeanne podia sentir drenar a cor de suas bochechas, enquanto ela se lembrava dos beijos que tinha compartilhado com Robert em várias ocasiões, e seus toques em seus peitos de tarde.

—Ele já tocou em você? —Seu pai repetiu severamente. —Ele me beijou —ela admitiu.

—Beijou você? Isso é tudo? Diga! —O pai a pegou não muito gentilmente pelo braço.

—Sim —ela disse, se sentindo culpada com a mentira. —Isso é tudo. —Como ela poderia dizer ao pai que Robert havia tocado onde ninguém havia, desde que ela florescera em uma mulher?

Ele lhe chacoalhou pelo braço. —Tola! Madge deve ir embora, eu vejo. Devo encontrar alguém para olhar por sua virtude, já que você mesma não o consegue. Você não percebe como ele deve estar exultante, menina? Você não percebe como ele deve estar rindo com os servos por sua conquista?

Ela balançou a cabeça. —Não, papai —respondeu ela. —Ele me ama. Ele não é assim.

—E eu suponho que você o ama muito e lhe disse —falou ele.

—Sim. —Seu queixo se levantou teimosamente. —E eu disse que vou casar com ele quando fizer dezoito anos. —Seu pai riu asperamente. —Então eu terei que estar em minha sepultura primeiro —disse ele. —Você não se casará com o bastardo de ninguém, Jeanne. Ou qualquer inglês, se eu puder impedir. E se você quer saber a verdade, então eu vou te dizer, que soube de seus movimentos durante as últimas tardes de alguém a quem o bastardo foi se gabar, de suas conquistas e de seus planos para lhe arruinar antes de você sair daqui.

—Não —disse ela. —Você está inventando isso, papai. Isso não é verdade. Robert não faria isso.

—Você me chama de mentiroso, então? —Ele disse friamente. —Ele levaria a sua honra e depois riria na cara da cadela francesa que se achava muito melhor do que ele, foram suas próprias palavras, Jeanne, faladas aos empregados e sem dúvida, a todos os outros também. Suas próprias palavras, a cadela francesa.

—Não. —Ela balançou a cabeça.

—Quem primeiro mencionou o casamento? —O pai perguntou. —Qual de vocês?

—Eu fiz —disse ela. —Eu queria que ele soubesse que eu estava disposta a me casar com ele, não importa o que aconteça.

—E ele concordou? —Perguntou o pai.

—Sim —disse ela. —Eventualmente.

—Ah —disse ele. —Eventualmente. E ele disse que a amava antes de você disse a ele?

—Não —ela disse —mas ele disse imediatamente após mim.

—Jeanne, —disse ele asperamente, —você é uma menina inocente. Amor e casamento não fazem parte dos planos de um homem assim. Apenas vingança contra aqueles mais respeitáveis que ele. Você é —‘a cadela francesa' para ele. Acha que eu nunca irei esquecer ou perdoar essas palavras? Ele não faria parte de sua vida se eu não fosse um convidado na casa de seu pai. Eu vou ter uma palavra com o marquês, porque pessoas respeitáveis não estão seguras em torno de um tal rapaz.

—Não, disse ela. —Por favor, papai, não diga nada. Eu não gostaria de o deixar em apuros.

—Você vai ficar neste quarto —disse o pai. —Eu vou dizer que está indisposta. Não deve sair em nenhuma circunstância, sem a minha permissão. Você me entende?

—Sim, papai —disse ela.

Mas não iria acreditar em qualquer uma dessas coisas que ele tinha dito, ela pensou depois que ele havia saído. Ele havia dito tudo isso para a indispor contra Robert, a quem ele, naturalmente, considerava inelegível. Ela não acreditaria em nada disso. Robert a amava. Robert desejava se casar com ela, mesmo que ele tivesse percebido o tempo todo, como ela, que nunca poderiam se casar. Não iria acreditar no pai.

Mas no silêncio de seu quarto, durante as horas que se seguiram, não podia deixar de lembrar que ele não dissera que a amava, até que ela tinha dito as palavras em primeiro lugar e lhe pediu que dissesse também, e que ele tinha evitado várias vezes dizer que queria se casar com ela, do fato de que seus beijos se tornaram mais prolongados e mais ardentes a cada dia, e que ele havia tocado seus seios naquela tarde.

Até onde ele tinha planejado ir nos três dias restantes antes que ela e seu pai deixassem Haddington Hall? Se tivesse planejado com antecedência, é claro. Ou todas as suas palavras e ações tinham sido espontâneas, como ela acreditara o tempo todo? Mas recordou sua conversa de não pensar em impossibilidades, e aproveitar os dias que restavam para eles. Apreciar? Como?

E essas palavras ficaram presas em sua mente, as palavras pelas quais supostamente a descreveu a um empregado do estábulo. A cadela francesa. Seria possível? Mas teria Papa inventado essas palavras? Ou o empregado o fez, mas diria a seu pai se não fosse verdade?

Dúvida e angústia de jovens surgiram para ela com o sem fim do dia e da noite sem dormir que se seguiu. Principalmente foi juventude. Ela tinha quinze anos, se recordou. Não sabia nada sobre os homens, exceto o que os professores de sua escola tinham sempre enfatizado, sua maldade e sua ânsia de usar a inocência de uma jovem. Papa, por outro lado, tinha vivido em vários países diferentes e tinha sido um diplomata durante anos, antes de fugir para a Inglaterra durante o Terror. Papa sabia muito mais sobre a vida do que ela. E ele a amava. Ele sempre disse a ela, e não tinha nenhuma razão para duvidar dele.

Ela tinha sido feita de boba, porque tinha quinze anos e estava ansiosa para ser uma mulher, ser amada e apreciada.

Robert tinha dezessete anos, um homem já. Como ele deve ter rido dela. Como deve ter desfrutado dos favores gratuitos que ela havia lhe dado. Como ele deve ter estado ansioso para chegar os restantes três dias, quando com a angústia sobre sua separação iminente teria dado mais livremente seus favores. Oh, sim, ele teria querido aqueles dias.

E como ela o odiava!

Talvez tivesse apenas quinze anos, pensou ela, finalmente. Mas tinha decidido crescer em algumas horas e de nunca se apaixonar novamente. Nunca permitiria que qualquer homem tivesse qualquer poder sobre ela novamente. Iria aprender a ter esse poder ela mesma, e como o usar também. Se houvesse mais alguém a ser feito de tolo seriam os homens em sua vida.

 

*


Robert amava o início da manhã. A maioria dos dias, a menos que estivesse chovendo muito, ele cavalgava por milhas, apreciando a sensação de liberdade e solidão. Não gostava de estar na casa, onde havia sempre a chance de ficar cara-a-cara com a mulher de seu pai. Mesmo seu pai o deixava desconfortável, agora que não mais estavam no ambiente familiar da casa de campo de sua mãe, um pouco além dos limites da Haddington Hall. Seu pai já não se parecia com o mesmo papai alegre e indulgente que trazia presentes e brincava com ele, e sentava, por vezes, a falar com ele, enquanto mamãe sentava em seu colo.

Robert estava retornando de sua cavalgada matinal, o dia depois que ele havia beijado Jeanne no lago, e prometido chegar em um cavalo branco no seu décimo oitavo aniversário. Sorriu com a lembrança, embora o sorriso fosse um pouco triste. Haveria apenas três tardes e, em seguida, ele não a veria nunca mais. A iria amar toda a sua vida, mas jamais a veria novamente, uma vez que deixasse Haddington. Seu pai estava falando de voltar para a França quando pudessem, ela tinha dito. E mesmo que não fosse assim, não havia nenhuma possibilidade de um futuro para eles. Absolutamente nenhuma.

Mais uma vez, a realidade de sua situação como um filho ilegítimo pesou. E ainda assim, ele estava crescendo. A realidade tinha que ser enfrentada e aceita. Ele não se revoltava contra o fato.

Havia uma carruagem puxada no terraço em frente da casa, a viu quando se aproximou dos estábulos. Era a carruagem do conde de Levisse. Franziu o cenho quando desceu da sela e chamou um lacaio que passava.

—Os convidados vão a algum lugar? —Perguntou.

—Partindo —disse o lacaio. —O cocheiro estava resmungando sobre isso, Master Robert. Ele gostou da taberna na vila. Mas as ordens foram dadas ontem à noite.

Partindo! Receber a notícia foi como se tivesse levado um chute no estômago, e Robert entregou as rédeas de seu cavalo distraidamente para o lacaio como normalmente, e olhando para além, caminhou na direção do terraço.

Mas parou na esquina da casa. Seu pai e a marquesa estavam fora se despedindo do conde e Jeanne. Ela, vestida com um traje de viagem verde escuro e chapéu, parecia pequena e muito jovem na companhia dos três adultos. E muito bonita. Ele sabia agora que seu cabelo escuro era mais marrom do que preto, que seus olhos escuros eram de cor cinza, e não marrom. Ele sabia muito mais sobre ela do que tinha sabido na noite do baile.

Jeanne!

Mas, embora ficasse imóvel e a alguma distância, viu quando ela se virou em direção à porta aberta da carruagem. Ela hesitou por um momento e, em seguida, correu em direção a ele. Seu pai estendeu a mão para ela, mas depois deixou-a cair para o lado e observou.

Robert não disse nada. Por que perguntar se ela estava saindo? Obviamente, ela estava indo. Ele olhou para ela, angustiado. Até mesmo um adeus privado devia lhes ser negado.

—Robert. —Ela abriu um grande sorriso. —Como estou feliz porque vi você antes de sair. Gostaria de dizer adeus.

Ele engoliu em seco. Ao contrário dela, ele não tinha as costas para os três adultos assistindo e os servos. Se sentia muito exposto à opinião pública.

—Eu quero lhe agradecer por quatro tardes encantadoras e pela dança no terraço —ela disse, sua voz leve e provocante. Olhava para ele por debaixo de suas pestanas.

—Não é necessário, obrigado —disse ele, com dificuldade de soltar as palavras. —Jeanne. —Ele sussurrou seu nome.

—Ah, mas você o fez. —Ela sorriu ofuscante. —Os dias teriam sido muito aborrecidos se eu não tivesse me divertido com você.

Ela estava fora do alcance da voz das pessoas no terraço e de costas para eles. Ela não precisava desempenhar um papel.

—Jeanne —disse ele novamente.

—Por que você está tão triste? —Perguntou ela. —Estamos indo mais cedo, é isso? Mas eu pedi a Papa para me levar de volta a Londres, porque a vida é tão monótona aqui. Oh, Robert, você não está se sentindo triste, não é? Você não levou aqueles beijos sério, e toda aquela conversa tola sobre amor e casamento, não é?

Ele olhou para ela e engoliu em seco novamente.

—Oh, pobre Robert. —Seus olhos caíram para seu pomo de Adão, e ele se sentiu grande e desengonçado novamente. Ela riu alegremente. —Você fez isso, não foi? Quão tolo e caipira é você. Não acha que eu iria levar a sério o amor e considerar o casamento com um bastardo, não é? Não é, Robert?

Ele apenas olhou para ela enquanto seus olhos varriam os dela novamente.

—Oh, pobre Robert —disse ela novamente, e seu riso tilintou sobre ele como vidro quebrado. —Como é divertido. O bastardo e a filha de um conde francês. Daria uma farsa maravilhosa, você não acha? Papa está esperando. Adeus. —Ela estendeu a mão enluvada para ele.

Ele ignorou. Nem sequer viu. Não viu, embora olhasse diretamente nos olhos dela. Só sentiu a dor cegante de uma realidade a que se acreditava crescer acostumado.

Ela deu de ombros e se desviou dele. E dois minutos depois, a carruagem de seu pai a estava levando para longe de Haddington Hall. Robert não se moveu. Ele nem notou a aproximação de um dos servos de seu pai.

—Sua senhoria o espera na biblioteca imediatamente, Master Robert —disse o servo.

Robert olhou para o homem e não respondeu. Mas começou a se mover ao longo do terraço, agora deserto.

 

*


—E então você vê por que eles decidiram encurtar a sua curta visita em três dias —o marquês estava dizendo a seu filho. Ele estava sentado em uma cadeira de couro atrás da mesa de carvalho na biblioteca, um cotovelo sobre o outro braço, os dedos juntos sob o queixo. Seu filho estava em pé diante da mesa. —É uma vergonha para mim e uma decepção para sua senhoria.

Robert não disse nada. Ele olhou fixamente para trás.

—Ela é uma coisinha linda e sedutora —disse o marquês com uma risada. —Eu mal o posso culpar por ter olhos para ela, menino. E ela deve ser uma peça um pouco danada para sair secretamente com você, como fez por várias tardes. Francês, você sabe. Eles são geralmente quentes para segurar. Mas ela não é para gente como você, Robert.

Não, obviamente não. Ele não precisava que lhe dissessem aquilo.

—Você tem dezessete anos —disse o marquês com uma risada. —Está pronto para uma mulher, não é, rapaz? Seria estranho se não estivesse. Não teve uma ainda? Não rola no feno com uma moça disposta? Tenho negligenciado sua educação, ao que parece. Nomeie a garota que quer e eu a vou comprar para você. Mas há limites, Robert. —Ele riu muito. —Não pode aspirar a uma mulher respeitável, você sabe. Não acima de uma certa classe, de qualquer maneira. Você é meu bastardo, depois de tudo, o que não deve ser esquecido, rapaz, apesar de quem eu sou.

Não, ele não iria esquecer.

—Sua mãe era minha amante, não minha esposa —disse o marquês. —Entende a diferença, menino?

—Sim. —Foi uma das poucas palavras que ele tinha falado durante a entrevista.

—Eu a amava —disse o marquês, sua jovialidade o abandonou por um momento. —Ela era uma boa mulher, menino, e você não se esqueça disso, mesmo sendo uma mulher caída.

Ela era sua mãe. Ele a amava também. E nunca duvidou de sua bondade. Ou pensou sobre o fato de que ela não era respeitável.

—Mas eu tinha que casar dentro de minha própria classe —disse o marquês com um encolher de ombros. —E foi assim que você nasceu um bastardo. Meu único filho. O destino pode lhe pregar peças estranhas, não é? Agora, qual é a mulher que você gosta?

—Nenhuma —disse Robert. —Eu não quero uma mulher.

Seu pai jogou a cabeça para trás e riu. —Então você não deve ser meu filho —disse ele. —Sua mãe me mentiu, afinal? Vamos, rapaz, você não está deprimido por um pouco de saia francesa, não é?

—Não —disse Robert.

—Bem. —Seu pai deu de ombros. —Quando estiver precisando de uma mulher, rapaz, venha e me diga. Embora seja um rapaz bastante bonito, talvez precise de um pouco de carne em seus ossos antes. Quem sabe possa seduzir sua própria meretriz no feno. Você é um menino inquieto, não é? Fora a equitação você anda por todas as horas do dia.

—Eu gosto do ar livre —disse Robert.

—Talvez você precise de mais para o ocupar —disse o marquês. —Ou, quem sabe, eu devesse comprar essa comissão para você antes de seu aniversário de dezoito anos. O que me diz? Sua senhoria ficaria feliz o suficiente de se livrar de você. —Ele riu novamente. —Lhe ver, é uma censura constante para ela. E ninguém seria capaz de dizer que eu não tenha sido generoso com meu bastardo, não é?

—Não senhor.

—Nunca me esquivei da responsabilidade para com você, rapaz —disse o pai, de coração. —Mesmo que seja tão diferente de mim como poderia. É uma boa coisa que sua mãe lhe desse seus cabelos loiros ondulados e olhos azuis, não é? Mas eu nunca o neguei, Robert, e não vou fazer isso agora. Você pode se gabar para todo o seu regimento que o marquês de Quesnay é seu pai. Eu não vou tentar lhe impor o silêncio.

Robert não disse nada.

—Corra, então —disse o marquês. —É melhor ficar em seu quarto, ah, o resto de hoje e os próximos três dias. Prometi a sua senhoria que o iria punir severamente por sua presunção em levantar os olhos para uma senhorita. As esposas devem ser aduladas, Robert. Parece uma questão pequena para mim, embora você deva aprender para o seu próprio bem a manter a sua estação em sua meretriz. Acho que eu tinha que lhe deixar a pão e água também. Sim, isso vai agradar a sua senhoria. Vou dizer a ela que golpeei você também. Ela não vai saber a verdade, já que é pouco provável que vá ao seu quarto para verificar as provas por si mesma. —Ele riu muito. —Pode ir, então. Vou fazer algo sobre essa comissão o mais rápido possível.

—Sim, senhor —disse Robert, e se afastou.


*


Naquela mesma noite, Robert embalou alguns pertences, não mais do que poderia levar em um pequeno pacote, e deixou tanto o seu quarto quanto sua casa, para buscar seu próprio caminho no mundo.

Dois dias depois, em uma cidade a menos de vinte milhas de distância de Haddington Hall, ele ouviu as convicções de um sargento de recrutamento e se alistou como soldado raso no regimento de infantaria Nonagésimo Quinto, os Rifles.

Três meses se passaram antes que seu pai o descobrisse. Foi menos de uma semana antes de que os novos recrutas do regimento, soldado raso Robert Blake entre eles, estivessem embarcando para o serviço na Índia.

Robert recusou os apelos do marquês para que fosse autorizado a comprar uma comissão para seu filho. Ele se despediu de seu pai com um rosto endurecido, nenhuma emoção visível.

Se era um ninguém, e claramente era, então preferia entrar na vida adulta sem uma etiqueta. Não filho do Marquês de Quesnay. Não era bastardo. Ele era o soldado raso Robert Blake do Nonagésimo Quinto. Isso era tudo. Iria fazer o seu próprio caminho no mundo, se houvesse uma maneira de ser feito por seus próprios esforços ou não.

E conhecia seu lugar no mundo para o resto de sua vida. Seu lugar era na parte inferior da linha de um regimento de infantaria como um soldado raso.

A partir de agora, ele decidiu, não precisava de nenhum homem ou mulher, apenas de si mesmo. Seria um sucesso ou um fracasso na vida sozinho, sem ajuda e sem vínculos emocionais.

Nunca iria amar de novo, decidiu. O amor tinha morrido com sua mãe e com sua inocência.


Portugal e Espanha, 1810

 

 


Capítulo 3


Ninguém no salão de baile da casa de Lisboa do Conde de Angeja teria imaginado que havia uma guerra em andamento. Ninguém teria sabido que as tropas britânicas enviadas a Portugal sob o comando de Sir Arthur Wellesley, para defender o país da ocupação pelas forças de Napoleão Bonaparte, e para ajudar a libertar a Espanha da sua dominação, fossem empurradas numa retirada ignominiosa no verão anterior, apesar da sua magnífica vitória sobre os franceses em Talavera, na estrada para Madrid.

Ninguém, também, teria imaginado que se acreditava em Portugal e Inglaterra, que, uma vez que a campanha de verão de 1810 começasse e os exércitos franceses estacionados além da fronteira com a Espanha, finalmente fizessem o avanço esperado, o exército do Visconde Wellington, Sir Arthur, tinha adquirido o novo título como recompensa por Talavera, seria empurrado para o mar, deixando Lisboa à mercê do inimigo.

Ninguém teria imaginado isso, apesar do fato de que os vestidos de seda alegremente coloridos das senhoras estarem bastante ofuscados pelo esplendor dos deslumbrantes uniformes militares da maioria dos senhores. Por um lado, a maior parte das divisões inglesas e exércitos portugueses não estavam estacionados em Lisboa ou em qualquer lugar perto dela. Estavam nas colinas do centro de Portugal, aguardando o ataque esperado ao longo da estrada norte de Lisboa, depois do forte espanhol de Ciudad Rodrigo e o forte português de Almeida. Apenas uma parte relativamente pequena do destacamento tinha sido alocado mais perto de Lisboa, com a possibilidade de que os franceses escolhessem a estrada sul, passando o formidável forte espanhol de Badajoz e o português de Elvas.

Por outro lado, o clima geral dos dançarinos e foliões, senhores e senhoras, da mesma forma era feliz e despreocupado. Guerra e a possibilidade de um desastre pareciam tópicos longínquos na mente de alguém. Talvez muitos dos senhores se regozijassem no fato de estarem vivos. Embora alguns dos funcionários e todos os militares que tinham recebido convites para o baile fossem oficiais e estarem em Lisboa em negócios legítimos, muitos deles eram convalescentes dos hospitais militares de lá. Alguns eram bastante espertos para permanecer convalescendo durante o tempo que pudessem. Outros se irritavam por estar de volta aos seus regimentos, ao mundo onde o dever não era para leigos.

Esse homem era o único que estava em um canto sombreado do salão de baile, um copo de vinho na mão, um olhar em seu rosto que poderia parecer moroso para um observador desinformado, mas era na verdade apenas desconfortável. Ele odiava esses entretenimentos e tinha sido arrastado protestando a este, por companheiros que se recusaram a aceitar rindo um não como resposta. Sentia-se totalmente fora de sua profundidade, fora do seu meio. Embora o salão estivesse lotado para além do conforto e, seu canto fosse relativamente isolado, sentia-se bem visível. Ele olhava determinado e desafiadoramente de vez em quando, como que para confrontar aqueles que estavam olhando para ele, apenas para descobrir que não havia ninguém.

Eram os homens a quem olhava. Tivesse ele olhado para as senhoras, poderia ter achado várias que de fato estavam lhe estendendo olhares secretos, mesmo que a boa criação o proibisse de olhar. Ele era o tipo de homem a quem as mulheres olhavam duas vezes, apesar de que seria difícil, talvez, explicar por quê.

Seu uniforme era sem dúvida o menos bonito no baile. Não tinha nenhum dos complementos brilhantes de ouro ou laço de prata, que abundavam nos uniformes dos outros. Nem sequer tinha a vantagem de ser escarlate. Era verde escuro e sem adornos. Embora impecável e cuidadosamente escovado, tinha visto melhores dias. A maioria dos homens não se dignaria a ser enterrado nele, o Major John Campion lhe havia dito mais cedo, com uma gargalhada e um tapa amigável nas costas.

—Mas todos nós sabemos que cavalos selvagens não o iriam separar dele, Bob —ele acrescentou. —Vocês atiradores são todos iguais, tão sangrentamente orgulhosos de seu regimento que ainda preferem o rebaixamento em vez de pedir transferência para outro.

Era o homem dentro do casaco verde, o que parecia, então, a atração. Era alto, de ombros largos, musculoso, nem uma gama de gordura extra no corpo. E ainda assim não era um homem obviamente bonito. Seu cabelo ondulado loiro, talvez a sua melhor característica, estava cortado rente. Seu rosto era duro e parecia que raramente sorria, a linha da mandíbula pronunciada e teimosa. Seu nariz aquilino tinha sido quebrado em algum momento de sua vida e já não era bastante simples. Uma cicatriz antiga de batalha começava no meio de uma bochecha, subia sobre a ponte do nariz, e terminava apenas onde a outra face começava. Seu rosto era bronzeado, os olhos azuis eram espantosamente pálidos em contraste.

Não era um homem bonito, talvez. Era algo melhor do que isso, a mulher com quem partilhou os meses tediosos em Lisboa lhe havia dito, várias semanas antes, apoiada em um cotovelo na cama ao lado dele, enquanto traçava a linha de sua mandíbula com um dedo longo. Ele era irresistivelmente atraente.

Capitão Robert Blake tinha rido e estendido a mão e um braço poderoso para trazer sua cabeça para baixo da dele.

—Se é mais disso que quer, Beatriz —ele dissera a ela em sua própria língua —você só tem que pedir. A bajulação é desnecessária.

A dança tinha terminado, e o capitão deu um passo mais para trás para as sombras. Mas não foi deixado com seus próprios pensamentos. Três dos oficiais do hospital, que tinham insistido para que assistisse a este e vários outros entretenimentos ao longo das últimas semanas, quando ele já não estava acamado por seus ferimentos, foram cair em cima dele, o tenente João Freire dos atiradores portugueses, os Caçadores, com uma jovem de cabelos encaracolados em seu braço.

—Bob —disse ele, —por que você não dança? Nem me diga que você não pode. —Capitão Blake deu de ombros.

—Sophia quer dançar com você —disse o tenente. —Não é, meu amor?

Ele sorriu para a menina, que olhava fixamente para ele e para o capitão Blake.

—Seria bom se você falasse português para a pobre moça —disse o major Campion. —Eu suponho que ela não fale uma palavra de inglês, João.

O tenente continuou a sorrir para ela. —Ela é quente para mim —, disse ele, ainda com forte sotaque inglês. —Agora, se eu a pudesse separar de sua acompanhante e de sua mãe e seu pai, talvez... —Ele levantou a mão da menina em seus lábios. —Você quer dançar com ela, Bob? Eu ouso dizer que não será permitida a próxima.

—Não —disse o capitão brevemente.

—Bob, Bob —Capitão Lorde Ravenhill disse com um suspiro, chegando com o dedo polegar para suavizar as bordas externas do seu bigode, —o que é que vamos fazer com você? Você não tem nenhuma das graças sociais.

—E nunca almejei qualquer uma delas —Capitão Blake disse, irritado, apesar do fato de que sabia que a provocação de seus amigos era para ser bem-humorada.

—Se você pudesse dançar, assim como luta —disse o major, —o resto de nós poderia ir de volta para nossas camas enquanto as senhoras se reuniriam com você, Bob. De soldado raso a capitão foram quantos anos?

—Um pouco mais de dez —disse o capitão, se deslocando desconfortavelmente em seus pés. Ele, particularmente, não gostava de ser lembrado de que tinha dado o passo quase intransponível das fileiras a uma comissão, sem o auxílio de qualquer influência ou compra. Era mais fácil, tinha achado, desde que foi promovido de sargento a tenente na Índia por bravura excepcional, o que tornou possível a promoção, do que viver com o fato de que seu lugar estava agora com os oficiais em vez dos homens alistados. Socialmente ele não pertencia. —Tive a sorte. Aconteceu de eu estar no lugar certo na hora certa.

Lorde Ravenhill lhe deu um tapa nas costas e gritou com risos. —Você tem estado em mais lugares certos, às vezes mais certos do que qualquer outra pessoa no exército, se ouvi os fatos corretamente —disse ele. —Sai da esquina, Bob. Há pessoas aqui que, sem dúvida, ficariam fascinadas de conversar com um verdadeiro herói. Deixe que o apresente a alguns deles.

—Eu estou indo para casa —disse o capitão Blake.

—Casa sendo o hospital ou os braços da deliciosa Beatriz? —Perguntou o Lorde. —Não, realmente, Bob, não vai fazer isso, meu velho. A marquesa é esperada hoje à noite. Ela tem estado em Lisboa já há alguns dias. Se você acha sua Beatriz linda, deve ficar e contemplar a beleza verdadeira.

—A marquesa? —Capitão Blake franziu o cenho. —Quem no inferno ela é?

—No céu, meu rapaz, no céu —Lorde Ravenhill disse, beijando dois dedos. —A Marquesa das Minas, o brinde de Lisboa. As ruas estão espalhadas com seus admiradores, mortos por um de seus olhares escuros. E você pergunta: —Quem no inferno é ela? Fique e você vai ver por si mesmo.

—Eu estou saindo —o capitão disse com firmeza. —Concordei com uma hora e já estou aqui há uma hora e dez minutos. —Ele bebeu o vinho que permanecia em seu copo.

—Tarde demais, Bob —o major disse com uma risada. —Esse zumbido extra e a comoção na porta é o sinal de que ela chegou. Um olhar o vai enraizar no local por mais uma hora e dez minutos, no mínimo, tem a minha palavra sobre isso.

—E como —Tenente Freire disse em inglês, sorrindo agradavelmente para a garota em seu braço —eu que terei que me desfazer desta carga para que possa cair aos pés da marquesa e render minha homenagem?

—Você a pode devolver a sua acompanhante e suspirar com o decoro que não permite que dance o próximo conjunto de danças com ela —disse o major.

—Ah —disse o tenente, —é claro. Venha minha querida, —ele disse para a menina em português —Eu a vou devolver a sua acompanhante. Não seria, infelizmente, eu a manchar a reputação de tão delicada flor por se manter comigo um momento mais. Mas a memória desta meia hora vai me sustentar durante uma noite solitária.

Lorde Ravenhill bufou. —Seria um bom castigo se a menina fosse uma estudante secreta de línguas, —disse. —Suponho que ele estava se despedindo da menina com protestos de amor eterno. Foi, Bob?

—Algo assim —disse o capitão.

Mas sua atenção tinha sido distraída. Ravenhill não tinha exagerado muito, de qualquer maneira. Era como se as multidões se separassem e a Rainha de Portugal ou da Inglaterra tivesse entrado na sala. Não que todo o barulho ou atividade houvesse cessado. Conversas continuaram e os homens escolhiam suas parceiras para o próximo conjunto de danças. Mas de alguma forma o foco de atenção geral de repente se centrou na recém-chegada.

Ela vestia simplesmente um vestido branco. E seu cabelo, escuro e brilhante, e ainda assim um tom mais claro do que a maioria das mulheres portuguesas, não estava elaborado. Foi penteado para trás de seu rosto suavemente, com cachos na parte de trás de sua cabeça e orelhas. As luvas, leque e sandálias eram todos brancos. Foi difícil, à primeira vista entender por que sua presença levantou tanta atenção. Mas havia várias razões, ele percebeu, conforme a continuou a observar em quase toda a extensão do grande salão de baile.

Ela estava toda de branco. Em meio às cores ricas e gloriosos dos uniformes dos cavalheiros e menor brilho dos vestidos das damas, ela era tão surpreendentemente notável como o primeiro floco de neve do inverno. E o contraste de seu cabelo escuro e a cremosidade de sua pele não era muito visível nos ombros e peito perfeito, o que deixava a brancura de sua roupa ainda mais deslumbrante.

Ele não poderia dizer se seu rosto era bonito, estava muito longe. Mas ela tinha uma figura requintada, magra, curvada ricamente em todos os lugares certos; era o tipo de figura que poderia fazer escravo a um homem, sem sequer um olhar para o rosto acima dela.

Mas não era apenas sua aparência ou sua figura que representavam a quantidade desproporcional de atenção masculina que ela estava atraindo. Havia outras mulheres na sala que eram, talvez, quase tão bonitas, quase, se não completamente. O capitão Blake a olhou com os olhos apertados. Havia uma presença nela, um sentimento de orgulho no queixo erguido e a curva de sua coluna vertebral, uma expectativa de homenagem.

E homenagem era o que lhe estavam fazendo. Havia grandes quantidades de regimentos escarlate e rendas de ouro sobre ela, prestando atendimento, tomando seu xale, lhe buscando um copo de vinho ou champanhe, pegando sua mão e a beijando, recebendo uma batida no braço de seu leque branco.

—Uma boa coisa passar a eternidade no inferno, em troca de uma noite, apenas uma noite, hein? —Disse Lorde Ravenhill, lembrando ao capitão Blake que ele estava olhando para a mulher e que não tinha ido embora, depois de tudo.

—Eu ouso dizer que o corpo entre os lençóis na escuridão, daria mais prazer do que o de uma prostituta disposta —disse ele, observando o sorriso de uma mulher como ela e a pequena corte que se reuniu à sua volta, ignorando o fato de que a dança começava novamente.

Tanto o major como o lorde Ravenhill riram. —Eu não acho que você acredite ser melhor do que qualquer um de nós, Bob —o major Campion disse. —Apenas o pensamento de minha mão nessa pequena é suficiente para me enviar em busca de um balde de água fria. Alguém viu um em qualquer lugar?

A marquesa estava olhando sobre ela enquanto sua corte esperava sua participação. Blake sentiu um ressentimento irracional crescendo nele. Ela era tudo o que era requintado e caro, e fora do seu alcance. Não que ele ansiasse muito mais do que podia ter. Poderia ter tido muito mais do que queria. Poderia ter começado sua carreira militar nas fileiras dos oficiais, em vez de ter que abrir seu caminho da maneira mais difícil e quase impossível. Ele poderia ser um tenente-coronel agora. E poderia ter sido conhecido como o filho do Marquês de Quesnay. O filho ilegítimo, era verdade, mas ainda assim o filho. O único filho.

Nunca lamentara o que fizera, ter provado a vida de um soldado e descoberto que afinal lhe convinha admiravelmente, porque não tinha nenhum desejo de viver a vida suave de um aristocrata. Não ansiava por dinheiro, mas seria bom, dado que o governo inglês era notoriamente lento em enviar os recursos para pagar seus soldados. Se sentia incômodo que não pudesse pagar os uniformes elegantes que viu no salão de baile. Nem sequer se preocupava que não pudesse comprar botas melhores que as que estava calçando.

Estava satisfeito com sua posição na vida, e com os incidentes dela. Exceto às vezes. Oh, só às vezes, quando via algo além de seu alcance, algo como a Marquesa das Minas, então sentia o despertar de inveja e ciúme, e até mesmo ódio. Odiava a mulher, quando seu olhar o varreu do outro lado do salão e se voltou novamente, como se ela tivesse notado no mesmo momento a estranheza de sua aparência pobre.

Ele odiava porque ela era bonita e privilegiada, e cara. Porque ela era a Marquesa das Minas, um grande título para uma pequena senhora. E porque ele a queria.

Se virou bruscamente para seu superior, que ao contrário de Lorde Ravenhill não tinha ido escolher outra parceira de dança.

—Eu estou saindo, senhor —disse ele. —Cumpri minha hora e muito mais.

O superior sorriu. —E verá o cirurgião novamente amanhã, sem dúvida —disse ele —o ameaçando com tortura e morte, e pior, se ele não fosse mandado de volta para o seu regimento. Quando é que você irá aprender a relaxar, Bob, e aproveitar o momento?

—Vou aproveitar o momento quando vir a cara feia do meu sargento e ouvir as saudações profanas dos homens de meu regimento —disse o capitão Blake. —Sinto falta deles. Boa noite.

O superior sacudiu a cabeça e riu novamente. —Só não se esqueça de agradecer a ele antes de partir —disse ele. —Ao cirurgião, quero dizer. Você ficou por um fio da morte por um longo tempo.

—Isso me foi dito —disse o capitão. —Me lembro do velho cirurgião me dizendo que era uma vergonha que peito e ombro não pudessem ser amputados. Se a bala tivesse entrado no meu braço em vez de acima do meu coração, ele disse, a poderia tirar num piscar de olhos e toda a inflamação e o resto teria sido evitado. Eu acredito que estava ainda muito fraco no momento para cuspir em seu olho. —Ele se virou para contornar a ponta do salão com passos decididos. Não olhou para a marquesa ou os soldados em torno dela enquanto se aproximava.

Mas um dos últimos, o major Hanbridge, um oficial de engenharia com quem o capitão tinha se encontrado algumas vezes, se afastou do grupo e colocou uma mão coberta de renda em seu braço.

—Você não está se esgueirando, está Bob? —Perguntou. —A pergunta é tola, é claro. Certamente está escapando. A única maravilha é que você veio. Foi arrastado pelos calcanhares? —Ele sorriu.

—Fui convidado, senhor —disse o capitão Blake. —Mas tenho outro compromisso.

O major Hanbridge ergueu as sobrancelhas. —Um bom, eu não tenho nenhuma dúvida —disse ele. —A marquesa deseja ser apresentada a você.

—A mim? —Respondeu estupidamente. —Eu acho que deve haver algum engano.

Mas os oficiais em volta da marquesa se retiraram para um lado e ela se virou para olhar para ele. —Ela está cansada de atender apenas homens fingindo ser soldados —o major Hanbridge disse com outro sorriso. —Quer conhecer um real. Capitão Robert Blake, Joana. Um herói de boa-fé, eu lhe garanto. A cicatriz é real, assim como as outras que você não pode ver, todas elas cortesia de vários soldados franceses. Bob, posso lhe apresentar Joana da Fonte, a Marquesa das Minas?

Ele se sentiu como um menino desajeitado e desejou, mais do que qualquer coisa, ter ficado em seu canto seguro; mas inclinou a cabeça bruscamente e então percebeu que deveria ter sido mais cortês, mesmo que com tantos espectadores interessados, sem dúvida, fizesse um completo idiota de si mesmo. Ele pegou a mão enluvada que ela ofereceu e a apertou uma vez, contente por ter passado da idade de corar. Obviamente, deveria ter levado a mão aos lábios.

—Senhora? —Ele disse, olhando para seu rosto pela primeira vez. Era tão linda e tão perfeita quanto o resto de sua pessoa. Seus olhos eram grandes e escuros, mas cinzas, e não marrons como ele esperava, e grosso cílios.

—Capitão Blake. —Sua voz era baixa e doce. —Você foi ferido em Talavera? —Seu inglês era impecável e apenas ligeiramente acentuado.

—Não, senhora —disse ele. —Meu regimento chegou lá um dia mais tarde, depois de uma marcha forçada. Receio não ter sido herói daquela batalha; fui ferido em uma ação de retaguarda, durante a retirada que se seguiu.

—Ah —disse ela.

—Ele faz parecer bastante ignóbil, não é? —Disse o major Hanbridge. —Tiro nas costas enquanto ele estava fugindo? Isso aconteceu quando tentava atrasar um ataque surpresa em uma ponte quase sozinho, até que seus colegas soldados e superiores pudessem, de qualquer forma, trazer todo o seu regimento e outros mais em auxílio. Vários batalhões poderiam ter sido aniquilados se tivesse corrido de susto, como qualquer mortal normal teria feito.

—Ah —disse ela, —você é um verdadeiro herói depois de tudo, então, capitão.

Como se poderia responder a esse comentário? Ele mudou seu peso de um pé para o outro.

—Você estava de saída —disse ela. —Não o quero deter. Convidei alguns amigos para uma recepção na minha casa, duas noites a partir de hoje. Você vai participar?

—Obrigado, minha senhora —disse ele —mas estou esperando para ser autorizado a voltar para a frente dentro de uma semana. Estou bem recuperado dos ferimentos.

—Fico feliz em ouvir isso —disse ela. —Mas não estará nos deixando dentro de dois dias, não é? Vou esperar você.

Ele se curvou um pouco mais profundamente do que tinha feito antes, e ela se virou para fazer algum comentário a um coronel dos dragões, que tinha pairado ao seu lado desde a sua chegada. Ele foi demitido, o capitão Blake assumiu. Ele deixou o salão e a casa, sem mais delongas.

Ele a tinha visto do outro lado da sala há certamente quinze minutos, pensou. Claro, a distância tinha sido grande e a multidão amontoada. Mas, mesmo depois de ter estado perto dela e de a ter olhado no rosto, não a reconheceu imediatamente. Estava tão mudada, uma mulher madura e segura. Só reconheceu gradualmente algo em seus gestos e expressões faciais, talvez.

Ela não o tinha reconhecido. Falou com ele como a um estranho, um que ela assumiu ter vindo prestar homenagem a sua beleza. Um estranho a quem ela havia convidado para um entretenimento e que não tinha intenção de participar, sob a suposição de que ele ficaria muito ansioso para se juntar a sua corte de admiradores devotados.

Joana da Fonte, Major Hanbridge a tinha chamado. Jeanne Morisette quando ele tinha conhecido ela.

Jesus, pensou enquanto caminhava para uma parte menos nobre de Lisboa, onde Beatriz o aguardava. Doce Jesus, ela era francesa!


*


Joana da Fonte, a Marquesa das Minas, bateu no braço do coronel Wyman com seu leque. —Outra taça de champanhe, por favor, Duncan —disse ela. E se virou para outro de seus admiradores e o convidou —Você pode dançar o próximo conjunto comigo, Michael. —Houve um coro de protestos de uma meia dúzia de vozes masculinas.

—Injusto, Joana —disse um jovem. —Eu fiz questão de estar na porta, a fim de ser o primeiro a lhe pedir.

—Você deve esperar a sua vez, William —disse ela. —Michael teve a prudência de me chamar esta tarde.

Os protestos recuaram em lamentação e olhares de reprovação para o tenente astuto que se tinha dado uma vantagem desleal, de uma forma que todos eles gostariam de ter pensado.

Ele viria, pensou Joana. Tinha parecido inesperadamente relutante, era verdade, e ela seria capaz de apostar que, naquele momento particular, ele estava convencido de que não viria. Mas ele o faria. Ela sabia o suficiente sobre os homens para reconhecer aquele olhar especial em seus olhos.

Ele não era nada como ela esperava; apesar de ter sido avisada de que era um soldado, em vez de um oficial, por vezes havia uma distinção entre os dois termos, ela sabia. Mas mesmo assim esperava um soldado cavalheiro, não um homem duro numa guerra dura, com o tempo refletido no rosto e olhos espantosamente azuis. Parecia totalmente despreocupado com o quase desalinho de sua jaqueta verde.

E, no entanto, ela pensou, batendo com o pé o tempo da música, e permitindo que sua mente vagasse como fazia com frequência, para longe da conversa superficial e um tanto tola fluindo em volta dela, senhores e soldados à parte, o capitão Robert Blake parecia todo um homem.

Ela não tinha encontrado muitos homens em sua vida, pensou, embora estivesse cercada agora, como normalmente ficava quando estava em sociedade, por machos. Claro, havia Duarte e seu bando, mas eles eram uma questão diferente.

Ela tinha tido a sensação em seu primeiro olhar mais atento sobre o capitão Robert Blake, de que já o tinha visto antes. Não seria surpreendente. Encontrara um grande número de oficiais britânicos antes. Mas não teria esquecido tal homem, pensou. Não teria esquecido tanto o desalinho de sua aparência como a dureza do seu rosto e figura. Ou a atratividade exaltada do rosto. Não, ela não o tinha encontrado antes.

Ela flutuava uma mão descuidada para o coronel, quando ele voltou com o champanhe. —Você pode segurá-la para mim, por favor, Duncan —disse ela, —enquanto eu danço com Michael?

—O que ele disse? —O jovem Bristow solicitou sua mão quando eu não estava aqui a discutir, Joana? Eu o vou chamar amanhã ao amanhecer.

—Duelistas são banidos para sempre da minha presença —disse ela descuidadamente, colocando uma mão enluvada levemente sobre a longa manga escarlate do tenente. —Tome cuidado, Duncan.

—Vai ser um prazer e um privilégio segurar sua taça até que retorne —disse o coronel Wyman, se curvando elegantemente sem derramar uma gota do líquido.

Ele havia subido das fileiras, ela tinha ouvido desde que chegou a Lisboa. Isso lhe tinha sido dito antes. Deveria realmente ser um homem corajoso. Não muitos homens alistados se tornavam oficiais. Foi uma sorte que ela o tivesse encontrado com tanta facilidade, sem ter que fazer qualquer movimento para isso. Procurava jaquetas verdes há três dias. Não eram muitos em Lisboa, a maioria dos atiradores estava sendo posicionada com o resto da divisão de infantaria na foz do rio, perto da fronteira entre Espanha e Portugal central, protegendo o exército de ataque repentino, e impedindo os franceses de obter alguma informação sobre o que estava acontecendo em Portugal.

Foi uma sorte que ele tivesse estado no baile. Sua atenção tinha sido atraída inicialmente para a jaqueta verde, e só depois para o homem dentro dela. Ele parecia um candidato improvável à primeira vista. Mas talvez não. Um homem com facilidade para línguas não era, necessariamente, um erudito fino, místico, certamente não, pois era um capitão do famoso do Nonagésimo Quinto Rifles. E esse homem, ela sabia, tinha feito um trabalho de reconhecimento antes. Ele deveria ser um homem de alguma ousadia.

Sim, ela tinha pensado, ele poderia possivelmente ser o seu homem. E investigações discretas tinham delineado as informações que ela esperava de Jack Hanbridge.

Ele viria, pensou novamente, sorrindo para Michael Bristow quando começaram a dançar. Lembrou do jeito áspero de suas maneiras, a hostilidade franca em sua voz, a esmagadora masculinidade de sua pessoa.

E lembrou de seus olhos, olhos azuis num olhar de consciência. Uma consciência sem vontade, ela tinha certeza. Ele não tinha olhado para ela com apreciação aberta. Não fez nenhuma tentativa de flertar com ela, e nunca o faria, suspeitava. Mas a consciência tinha estado lá mesmo assim. E ela tinha ficado mais intrigada do que tinha estado com toda a bajulação e adulação de seus pares mais elegantes.

Sim, ele viria.


Capítulo 4


Joana da Fonte, a Marquesa das Minas, não tinha nenhum negócio particular em Lisboa, além da oportunidade de estar lá para se familiarizar com o capitão Robert Blake em seu ambiente, mais até do que teria sido o caso se tivesse ficado em Viseu, até que ele viesse. E quando ela tinha sugerido seu plano a Arthur Wellesley, Visconde Wellington, ele achara uma boa ideia.

—Você vai, naturalmente o encontrar aqui, eventualmente, Joana —ele disse quando falara com ele em Viseu. —Vou tratar disso. Mas será importante que você o comece a conhecer muito bem.

—Mas o conhecer aqui levaria tempo, Arthur —ela disse. —E o tempo é uma mercadoria que não há em abundância?

Ela tinha formulado suas palavras como uma pergunta. Mas poderia muito bem se ter poupado o fôlego, pensara filosoficamente. O Visconde Wellington era sempre charmosamente atento e galante para com as senhoras, como ele não era aparentemente para os homens sob seu comando, mas manteve seu próprio conselho mais do que qualquer outro homem que ela tinha conhecido. Ele podia, por necessidade, ter de divulgar informações secretas para os numerosos espiões e oficiais de reconhecimento que eram essenciais para o sucesso de suas campanhas em Portugal e Espanha, mas não contava um segredo se não o tinha que fazer, ou antes que o tivesse de fazer.

Assim, embora Joana soubesse que logo estaria trabalhando com o capitão Blake, sem que ele soubesse, em Salamanca, Espanha, atrás das linhas inimigas, na atual sede do exército francês, não tinha a menor ideia do que exatamente era sua tarefa, ou a dela também. Era mais irritante que intrigante.

—Você vê, Joana —o Visconde Wellington tinha dito, sorrindo para ela e se desculpando —talvez, depois de tudo, o capitão Blake vá achar inadequada ou não querer a tarefa que tenho em mente para ele. Ou talvez seu ferimento ainda não tenha cicatrizado bem o suficiente, embora tenha passado um inverno inteiro e primavera no hospital em Lisboa. E talvez você mude de ideia sobre voltar para o perigo de Salamanca.

Ela abriu a boca para protestar, mas ele levantou a mão, impaciente.

—Deixe-me colocar isso de uma maneira diferente —ele disse com outro sorriso. —Talvez, desta vez eu tenha sucesso a persuadindo a não voltar.

—Você sabe que eu iria mesmo que você não tivesse nenhuma utilidade para mim —ela disse. —Sinto que Wyman me está cortejando a sério. —Ele olhou para ela atentamente.

Ela tinha acenado com a mão descuidadamente. —E meia dúzia de outros homens também, se lhes dei o menor incentivo —ela disse. —As condições em tempo de guerra são muito lisonjeiras para a estima de uma mulher, Arthur. Assim, muitos homens e poucas mulheres elegíveis são um chamariz.

—Você está sendo muito modesta, Joana —ele tinha dito. —Muito modesta.

E assim, ela veio todo o caminho até Lisboa para conhecer o capitão Blake, a quem tinha encontrado uma vez, muito brevemente, na saída do baile de Angeja. E sabia que ele a tinha achado atraente mas que não tinha gostado da sensação, e tinha resolvido não a ver novamente. Ela conhecia o bastante sobre os homens para saber exatamente o que passou por sua mente, durante esse curto encontro.

E o homem pareceu ficar fora das ruas de Lisboa, pensou com um suspiro de frustração, enquanto passeava ao lado do rio na tarde seguinte ao baile, girando um guarda-sol branco acima de sua cabeça, e com luvas brancas nas mãos, esperando a poeira não sujar muito visivelmente a bainha de seu vestido branco. Sua mão livre descansou levemente no braço do coronel Wyman, e depois ela riu alegremente de alguma observação que um tenente tinha feito. Cinco oficiais a acompanhavam na caminhada.

Mas não viu o capitão Blake por toda a tarde. Foi muito cansativo, pensou Joana. Ela poderia muito bem ter ficado em Viseu. Mas ele viria para a sua recepção na noite seguinte. Ela tinha certeza.

—Devo lhes transmitir uma advertência, Joana? —O coronel Wyman perguntou a ela, a voz um murmúrio contra sua orelha. —Devo ter você para mim por um tempo?

Ela sorriu para ele. —Mas eu não poderia suportar ser rude, Duncan —disse ela. —Ou ter alguém sendo rude em meu nome. E é uma tarde tão agradável para um passeio com companhia. —Ela girou a sombrinha novamente. O coronel tinha proposto casamento para ela pela segunda vez, na noite anterior. E ela estava inclinada a aceitar. Oh, sim, ela queria aceitar, tudo bem. O pensamento de estar na Inglaterra, onde sua mãe tinha crescido e onde ela passara muitos anos felizes, apesar do amparo de seu pai, era como o pensamento do céu. Seria o auge da alegria se casar com um lorde inglês e passar o resto de sua vida onde ela pertencia.

Joana sorriu e inadvertidamente atraiu um rubor às faces de um jovem tenente, que tinha pisado fora do caminho para permitir que ela e sua comitiva passassem, olhando para ela todo o tempo e só agora se lembrando de saudar seus oficiais superiores. Ela era uma estranha para falar sobre pertencer, pois não pertencia a lugar algum.

Sua mãe era inglesa e se casara com um nobre português, antes de ficar viúva e se casar novamente. Joana tinha dois meios-irmãos e uma meia-irmã em Portugal. Teve, ela se corrigiu. Apenas Duarte foi deixado com vida. Seu pai era francês e atualmente estava de volta à França, um diplomata novamente, em Viena, naquele momento em particular. Ela tinha sido enviada de volta a Portugal, após o retorno da Inglaterra. Tinha sido uma breve estadia, durante a qual Joana se casara com Luís, o Marquês das Minas. Fora um casamento político, ele tinha quarenta e oito contra os seus dezenove anos, e eles nunca tinham particularmente gostado um do outro. Mas ele achou prudente se aliar a um dos cidadãos poderosos da França, e seu pai achara se ela tivesse laços com outro país que não a França, esta se mostraria magnânima aos seus amigos. Ele jamais incentivara seus laços com a Inglaterra e seus avós de lá. Joana suspeitava que seus pais não se haviam separado no melhores termos.

Ela e seu marquês tinham seguido mais ou menos caminhos separados, até que realizaram às claras em 1807, quando ele tinha fugido de Portugal com a família real, com a aproximação de um exército invasor francês, liderado pelo Marechal Junot. Ele tinha morrido de febre durante a viagem para o Brasil, deixando Joana livre. Ela poderia ter ido com ele, se não tivesse se afastado de Lisboa no momento, como tantas vezes fazia, visitando amigos em Coimbra.

E assim, aonde ela pertencia? Joana perguntou a si mesma, enquanto falava e flertava com quatro oficiais britânicos e um português, tudo de uma vez, e ainda dava alguns olhares preferenciais e sorria para o coronel, com quem ela poderia se casar um dia, se o destino sorrisse para ela. À França? Mas o pai dela não estava lá, e não fora muito feliz, mesmo quando ele estava, sendo agora um país que mal reconhecia e um dos quais ela secretamente reprovava. À Inglaterra? Mas ambos os avós estavam mortos e ela nunca tinha visto sua tia e tio, irmã e irmão de sua mãe. A Portugal? Mas seu marido estava morto, bem como o mais velho de seus meios-irmãos e Maria, sua meia-irmã. Apenas Duarte fora embora e ela apenas o conseguiu ver algumas vezes, não tão frequentemente como desejava.

Além disso, Portugal era um país perigoso para se estar naquele momento em particular. Os franceses tinham estado lá e os britânicos os haviam expulsado. Mas os franceses conseguiriam voltar, e em breve. Apesar da grande vitória em Talavera no verão anterior, ninguém tinha grande esperança de que os ingleses seriam capazes de enfrentar uma outra batalha naquele ano. Era apenas uma questão de tempo, antes que os franceses invadissem e os pusessem em retirada, até que o resto de seu exército fosse conduzido direto para o mar, para a Inglaterra. O destino dos portugueses não pesaria quando isso acontecesse.

Sua escolha mais sábia, apesar de sua identidade francesa, Joana pensava, seria a de aceitar a proposta de Duncan, o que a mandaria para a segurança da Inglaterra, sem demora.

Só que ela não poderia ir para a Inglaterra ainda. Ela pertencia a Portugal até que certas questões tivessem sido resolvidas. Muito pouca gente sabia que ela era metade inglesa. Achavam que fosse portuguesa. E ela fomentara a crença. Até mesmo seu nome, o nome que sua mãe tinha dado a ela, e que seu pai tinha mudado mais tarde para o francês, era português. E, felizmente, ela parecia quase portuguesa, embora seu cabelo pudesse ser mais escuro e os olhos de uma cor diferente.

Sim, ela pertencia a Portugal. Porque foi em Portugal, durante a invasão francesa, quando ela tinha ficado com seu irmão e irmã, e esposa e filho de seu irmão, que ela tinha sido testemunha horrorizada e aterrorizada da chegada do exército francês na aldeia e na sede de sua família. Ficara no sótão, à procura de um par de sapatos mais adequados para caminhar pelo campo, do que os que tinha trazido com ela. E olhou para baixo, através de uma fenda no alçapão mal ajustado, como soldados esmagavam e destruíam com suas baionetas tudo o que não era comestível, ou com que não valesse a pena encher suas sacolas. Enquanto quatro deles se revezavam violentando Maria, antes que um deles a trespassasse completamente com sua baioneta, a um sinal de um oficial. E como outro tiro matou Miguel à queima-roupa, enquanto corria para dentro de casa para defender sua família. Ela não tinha testemunhado o abate, em outra sala, da esposa e filho de Miguel.

Duarte estava longe da aldeia no momento. Ele tinha encontrado Joana ainda encolhida no sótão, seis horas depois de os franceses terem partido.

Sim, ela pertencia a Portugal. Porque ela tinha visto os soldados franceses e, em particular, o oficial que tinha tomado o primeiro turno com Maria, e depois ficado na porta observando tudo o que acontecia, com um meio-sorriso nos lábios. Joana o tinha visto. Seu rosto ficaria marcado em alguma parte do seu cérebro, logo atrás de seus olhos. Ela o iria reconhecer em qualquer lugar, a qualquer hora e em qualquer disfarce.

Não podia sair de Portugal ou da Espanha, até que tivesse visto aquele rosto novamente; até que tivessem matado o homem a quem o rosto pertencia. Ela o faria, Duarte sempre lhe assegurara. Poderia fazer a identificação, e ele iria fazer a matança. Eles eram, afinal, seu irmão e irmã, e a família de seu irmão. E Duarte era agora o líder de um grupo de homens com poder jurídico, uma organização semi-militar de combatentes, partidários de perseguir os franceses em todas as colinas, e ao longo de cada estrada solitária, matar onde e sempre que podiam.

Duarte iria matar o oficial francês, e talvez fosse justo que ela lho permitisse fazer. Mas não queria, porque isso era algo que ela faria por si mesma, algo que ela tinha que fazer. Só esperava que o homem não tivesse morrido em batalha, antes que o pudesse encontrar. Mas se recusou a pensar nessa possibilidade tão deprimente. O iria rever novamente, um dia.

E tinha uma vantagem que Duarte não tinha. Uma vantagem que quase ninguém em Portugal tinha. Ela era meio francesa. Tinha feito um casamento político com um nobre português, agora, infelizmente, falecido. Tanto quanto qualquer francês sabia, ela era uma filha fiel da Revolução, uma súdita leal ao imperador Napoleão.

Por isso não raras vezes visitava a Espanha, onde quer que o francês passasse a ser recebido. Ultimamente, as visitas tinham sido a Salamanca. E, portanto, aí residia sua utilidade para o Visconde Wellington e sua vontade de confiar nela, apesar do fato de que ela era meio francesa. E, portanto, sua recusa a deixar que a convencesse a não fazer nada tão perigoso quanto ir atrás das linhas inimigas, a fim de espionar para ele.

E, consequentemente, a sua vontade de ir para lá novamente e agir, não só neste momento, como normalmente faria, mas com a união misteriosa com o capitão Robert Blake, que não sabia nada sobre ela, exceto que era a muito frágil, paqueradora e impotente Marquesa das Minas. Um de seus disfarces.

Não só não estava claro onde ela pertencia, Joana pensava com tristeza. Não estava ainda claro o que ela era. Às vezes, não tinha certeza de si mesma.

—Você está estranhamente quieta e séria, Joana —disse o coronel, olhando para seu rosto.

Ela sorriu para ele e bateu em seu braço com a mão enluvada. —Eu estava apenas pensando —ela disse —como é triste que a tarde deva chegar a um fim. Esse tempo bonito e uma companhia deliciosa. Sim, obrigada —disse a um jovem tenente satisfeito e surpreso, lhe entregando a sombrinha e o vendo a fechar com dedos desajeitados. —O sol já não está tão forte como antes. Eu o quero sentir contra o meu rosto.

Em vez de se sentir um tolo por estar carregando uma coisa tão feminina como uma sombrinha de senhora em um passeio público, o tenente olhou em volta com alguma pena dos companheiros, cujas mãos estavam vazias de tal sinal do favor da senhora.

 

*


Durante a manhã do mesmo dia, o cirurgião disse ao capitão Blake que ele poderia voltar para seu regimento em uma semana, se absolutamente insistisse. Seria melhor, é claro, ele aconselhou seu paciente, convalescer durante o verão e esquecer sobre a campanha desse ano. Afinal, tinha sido gravemente ferido e tinha pairado à beira da morte por vários meses, o que era efeito do ferimento e da febre que tinha tido depois.

—É claro —acrescentou ele, olhando para o rosto endurecido pela guerra do alto veterano que estava à sua frente —eu poderia muito bem guardar meu fôlego para esfriar o meu chá, não?

O capitão sorriu inesperadamente. —Sim, senhor —disse ele.

—Bem, mais uma semana —o cirurgião disse abruptamente. —Venha me ver em seguida, e eu o liberarei, desde que não haja recaída.

Mas o capitão Blake foi liberado mais cedo do que isso, para seu alívio. No dia seguinte, um oficial da equipe de Viseu, no centro de Portugal, lhe trouxe uma mensagem verbal da sede.

—Capitão Blake? —Ele respondeu, quando o outro se juntou a ele na sala de recepção do hospital. —Sim, claro. Eu vi você antes, não? Espero que se tenha recuperado de seus ferimentos?

—Bem o suficiente para estar subindo paredes e marchar sobre os tetos para fazer exercício —disse o capitão. —Existe alguma ação na frente?

O oficial ignorou a pergunta. —Você deve se apresentar na sede dentro de uma semana para obter mais instruções —disse ele. —Desde que esteja bem o suficiente, é claro.

—Bem o suficiente! —O capitão fez das palavras uma exclamação. —Eu poderia lutar dois duelos antes do café da manhã, e me perguntar o que teria para comer em uma manhã tão maçante. Quem quer me ver na sede?

O oficial olhou para ele sem entender. —Quem quer ver alguém na sede? —Disse.

O capitão levantou as sobrancelhas. —O Beau? —Perguntou. —Wellington?

—Dentro de uma semana —disse o oficial. —Você deve saber muito bem, capitão, que quando o comandante-em-chefe expressa um desejo de falar com uma pessoa, logo que possível, ele quer dizer ontem ou de preferência no dia anterior.

—Vou estar lá na primeira luz da amanhã. —O oficial sorriu.

—Provavelmente não tão cedo. —O oficial fez uma careta. —Irá escoltar a Marquesa das Minas. Você a conhece? Isso o obrigará a atrasar porque tem uma dama para escoltar, e sua senhoria quer que você vá a Viseu sem demora. Mas ambas as ordens vêm dele, assim faça a sua própria interpretação.

Capitão Blake olhou fixamente para o outro homem. —Eu devo escoltar a marquesa para Viseu? —Perguntou. —Para o perigo e não para fora? Mas por que eu? Por que o Beau pediu uma coisa dessas? Será que os portugueses colocaram alguma pressão para que aja de babá para todas as suas damas maiores e mais indefesas?

O oficial deu de ombros. —Não é para mim que deve perguntar por que —disse ele. —Apenas se certifique de mostrar o seu rosto dentro de uma semana, capitão, e que a senhora seja entregue em segurança em Viseu. Eu tenho outras coisas para fazer.

Blake ficou sozinho na sala, carrancudo, depois de ter sido deixado sozinho. Que diabo! Ele era solicitado na sede? Não na frente, onde a Divisão Ligeira estava vigiando ao longo da linha do Côa? Havia algum trabalho especial para ele fazer? Seu humor acelerou a possibilidade. Ele tinha sido usado para reconhecimento ocasional ou trabalho especial de missão ao longo dos anos, tanto na Índia como em Portugal. Seu talento com as línguas foi o grande responsável. Sempre fora capaz de pegar uma linguagem facilmente, mesmo em menino, quando sua mãe lhe ensinara o francês e o italiano. Ele odiava estar em um país e não saber o idioma. E assim, depois de dez anos de viagens com os exércitos britânicos, ele era poliglota.

Mais de uma vez lhe tinham oferecido uma posição permanente com a agora equipe de reconhecimento de Wellesley, agora Lorde Wellington, com os homens que penetravam os territórios inimigos, levando ou trazendo de volta informações sobre posicionamentos e movimentos de tropas. Ele se sentira tentado. A pura emoção e perigo envolvido o atraíam. Mas ele pertencia a seu regimento. Nunca se sentira tanto em casa como quando estava conduzindo seu próprio regimento de rifles, na linha de combate à frente da infantaria.

Mas, ocasionalmente, ele gostava de uma missão especial. E seria especialmente bem-vinda uma agora, depois de meses de dor e fraqueza, e puro tédio em um hospital de Lisboa, longe dos homens que tinha chegado a pensar que eram quase como sua própria família. Talvez seu retorno à ativa fosse mais emocionante até mesmo do que previra.

Mas seu cenho se aprofundou quando se lembrou da sua outra ordem. A pedido do Visconde Wellington, devia escoltar a Marquesa das Minas até Viseu. Apenas um momento antes ele havia se convencido a resistir à tentação de assistir sua recepção naquela noite. E quando tivera a esperança de que poderia ir embora e nunca mais ter que ver ou pensar nela novamente.

Jeanne Morisette. Ele não conseguia mais sentir o sofrimento e a dor do menino que tinha sido quase onze anos antes. Seria tolice a odiar por causa das palavras cruéis e sem coração, que ela tinha dito quando era uma menina de quinze anos. Ele não a odiava. Mas a tinha visto novamente durante seu breve encontro no baile, a beleza e o encanto, e essa outra coisa a que não iria colocar um nome, que atraía homens como abelhas pelas flores. E ele tinha percebido a provocação nela, o que lhe permitia manter todos os homens pendurados, ansiando por apenas um sorriso ou algum favor.

E ele sabia que poderia facilmente se tornar um desses homens, se não prestasse atenção a si mesmo. Que destino mais humilhante poderia haver na vida, do que se tornar o cãozinho de uma provocadora bonita e sem coração?

Ele não faria isso. Não a iria ver novamente, tinha decidido.

E, claro, havia o fato de que ela era francesa. Ele se perguntou se alguém sabia. Lorde Ravenhill tinha sido capaz de lhe dizer apenas que ela havia sido casada com o Marquês das Minas, um homem altamente favorecido pela família real portuguesa e que tinha fugido com eles.

O fato de que ela era francesa tinha algum significado? Ele se perguntou. Seu pai tinha afinal sido um imigrante monarquista na Inglaterra. Talvez nunca tivesse voltado para a França. O capitão Blake não sabia. Além disso, sua mãe tinha sido uma inglesa, se ele se lembrava corretamente. Sua nacionalidade podia não ser de qualquer importância. Mas ela tinha mudado de nome. Agora era Joana, não Jeanne. Queria disfarçar uma verdade que preferia esconder?

E ainda o Beau tinha decretado que o capitão Blake a escoltasse para Viseu, uma viagem de vários dias para uma mulher viajando de carro, de qualquer maneira.

Inferno e danação! Capitão Blake pensou com raiva súbita. Ele encheu a sala vazia com alguns outros juramentos mais satisfatórios. Mas isso não mudava nada. Devia passar os próximos dias dançando, em atenção a uma mulher que preferia nunca mais voltar a ver. Por vários dias estaria sendo submetido a sua beleza e seu charme, e a algo mais de que ele tinha muito medo a que pudesse não ser capaz de resistir, se ela decidisse lançar sobre ele.

Seria melhor aparecer em sua recepção, afinal de contas, ele supôs, a fim de fazer alguns arranjos para o dia seguinte. Se perguntou se ela já tinha sido informado das boas novas, e como se sentiria sobre ter que aceitar a sua escolta.

Provavelmente nada. Ela o iria tratar, como tratava a qualquer homem, como seu servo, que lhe devia serviço e homenagem, porque era seu direito. Ele se irritou porque essa escolta provavelmente não significaria nada mais do que isso para ela.

E isso o irritou ainda mais, porque importava para ele, diabos!

 

*


Sim, ele certamente viria para a sua recepção agora, Joana pensou com alguma satisfação. Embora haja um pouco de aborrecimento, muito, após o mensageiro de Lorde Wellington o tenha deixado. Ela teria gostado de descobrir se ele teria vindo de qualquer maneira, o que estava quase convencida de que faria. E ela o tentaria persuadir para que a acompanhasse de volta para Viseu. Teria sido um desafio de que poderia ter desfrutado.

Mas Arthur não tinha deixado nada ao acaso, ou às artimanhas de uma mulher. Ele simplesmente tinha enviado uma ordem ao capitão Blake.

Bem, pelo menos, pensou Joana, ele viria. E ela fez uma pausa no ato de colocar perfume atrás de uma orelha. Tinha um propósito em travar esse conhecimento, o convidando para a sua recepção, quando na verdade, ele era a razão para a recepção e para que desejasse passar alguns dias em sua companhia na estrada para Viseu. Certamente não se importaria pelo modo como foi convencido a ajudar com seus planos. Se importaria?

Ele não era, afinal, um de seus inúmeros admiradores. Que nada! O homem, ela se lembrava de sua altura, do uniforme quase gasto, inábil em suas maneiras, seu rosto marcado por cicatrizes de batalha, seus olhos azuis e diretos quase hostis, seu cabelo loiro cortado rente à cabeça, não era o tipo de homem com quem ela iria pensar em flertar.

E ainda assim, sendo muito diferente de seu tipo usual de pretendente, sua total diferença de Luís, era em si um desafio. Deu de ombros e se levantou. Isso não era um pensamento a ser perseguido.

Mas, aguardava com expectativa a noite, olhou para si mesma com olhos críticos, mais uma vez. Não gostava especialmente da Marquesa das Minas. Se achava insípida, em vez de graciosa. Um pouco como suas roupas, todas eram brancas, sempre brancas. Ela não tinha certeza se decidiu vestir a marquesa de branco, aliviada que o ano de luto tivesse chegado ao fim. Talvez o contraste com o preto? Talvez a imagem de frágil indefesa que desejava que a marquesa projetasse?

No entanto, sempre usava branco como a marquesa. Foi talvez uma bênção, pensou com um sorriso particularmente compartilhado apenas com o espelho, que não fosse apenas ou sempre a Marquesa das Minas.

Mas talvez o tédio de sua vida não fosse inteiramente culpa dela também, pensou Joana. Talvez todos os homens que a adoravam fossem mais culpados. O desafio estava na adoração? Que prazer havia nos elogios sempre tão constantes e generosos? Que tipo de orgulho tinha para aceitar homenagem, sempre homenagem?

Às vezes, ela ansiava por mais. Seus olhos vidrados, e olhou para o espelho sem ver a si mesma. O que é que ela ansiava? Amor? O amor era para os jovens, para jovens que não sabiam nada da vida. O amor era para a memória e nostalgia agridoce. O amor não podia viver na idade adulta, assim como jovens amantes, às vezes, também não. E por isso deveria fazer com que permanecessem as homenagens, mas que frequentemente a entediavam.

Olhou com culpa para sua imagem. Certamente deveria haver milhares de mulheres que achariam que o céu lhes tinha vindo, se tivessem apenas uma pequena fração do culto que a marquesa achava tedioso. Mas, às vezes, ansiava por um homem que não a iria tratar como uma boneca frágil, como um anjo escapado do céu.

Talvez o capitão Robert Blake fosse se revelar esse homem, então, pensou esperançosamente. Talvez ele não sucumbisse aos seus encantos. Talvez a olhasse com desagrado, e até mesmo desprezo. Talvez fosse totalmente indiferente a ela, apesar de que seu olhar não tinha parecido assim, no baile do conde.

Talvez houvesse algum desafio nos dias, ou até semanas adiante, enquanto ela estava presa ao disfarce da Marquesa das Minas.

Joana se afastou do espelho e desceu as escadas, para encarar a recepção como uma mola renovadora nessa etapa.


Capítulo 5


Ele veio tarde. Ela riu e falou, e bebeu e comeu com seus convidados, exteriormente muito feliz, como estava acostumada. O nível e a qualidade do ruído em volta dela lhe assegurava que a recepção era um grande sucesso, que seria comentado nos próximos dias. Mas, por dentro ela fervia. Como ele ousava chegar tarde! E talvez, depois de tudo, era o que ele queria desde o começo, apenas chegar em algum momento na manhã seguinte, esperando que ela estivesse de pé na porta de seu pátio cercada por sua bagagem, humildemente aguardando a sua chegada e escolta.

Como ele ousava! Ela estava furiosa com ele, e bateu no braço de um capitão de artilharia com seu leque branco, sorrindo para ele, o olhando por baixo dos cílios, pedindo para não ser impertinente. O homem corou e ficou satisfeito. Era tão fácil agradar os homens...

E então ele estava lá, de pé, na porta do salão, alto e desconfortável, como se estivesse participando de seu próprio funeral. Mesmo do outro lado da sala, ela podia ver o casaco gasto, o cabelo ainda mais curto do que se lembrava, o nariz torto, a cicatriz cortando através dele até a outra bochecha. E se perguntou por que tinha pensado tanto nele nos últimos dois dias. Não era um homem bonito. Talvez antes que a guerra tivesse deixado sua marca em seu rosto, tivesse sido, mas não mais. Mas então, é claro, ele provavelmente não seria tal homem, esmagadoramente atraente, antes de seus anos como um soldado, também.

A marquesa virou a cabeça para que seus olhos pudessem se encontrar e informou ao capitão de artilharia surpreso e encantado, que a poderia acompanhar às mesas e fazer um prato para ela. Sorriu para ele, e enlaçou uma mão de luva branca em seu braço. O capitão Robert Blake, pensou, que a procurasse. Ela não o iria procurar.

E, no entanto, quando uma hora se tinha passado e ele ainda estava perto da porta, tendo falado apenas brevemente com alguns dos outros oficiais, Joana foi forçada a encontrar uma desculpa para passar por ele no braço do coronel Wyman e o perceber com um levantamento das sobrancelhas.

—Ah, capitão Blake —disse ela, puxando o coronel a um impasse. —Você veio. Estou satisfeita.

Baixou a cabeça para ela bruscamente, enquanto ela se perguntava se ele sabia alguma coisa sobre maneiras corteses. Provavelmente não. Tinha subido das fileiras. Talvez fosse o filho de um comerciante na Inglaterra, ou um vagabundo, ou um prisioneiro. Talvez viesse das favelas de alguma cidade, e tivesse se alistado apenas por uma questão de sobrevivência, pessoal ou da espécie. Se alistar como soldado raso quase não lhe trouxera uma garantia de segurança. Em todo o caso, ele não poderia ser um cavalheiro.

E ela sorriu para si por seu desconforto, e desejou que o pudesse acrescentar. Queria que estivessem dançando, para que ela o pudesse atrair para a pista, para revelar o seu constrangimento e sua ignorância dos passos. E, ao mesmo tempo, ficou maravilhada com a maldade de seus próprios pensamentos. O que o homem fez com ela para que o quisesse humilhar?

Talvez fosse porque a olhou de forma muito direta, com aqueles olhos azuis, que não eram muito hostis, mas que também não eram muito amigáveis. Ou talvez fosse porque tinha vergonha do fato de ele mexer com seus sentidos como nenhum homem, certamente não Luís, nunca tinha feito antes.

Ela tinha vergonha do fato de ter encontrado um homem que tinha vindo das fileiras, um ninguém, sexualmente atraente.

—Duncan. —Ela soltou o braço do coronel e lhe bateu com o leque. —Eu o vou deixar por um tempo. Tenho negócios a discutir com o capitão Blake.

—Negócios, Joana? —O coronel olhou para ela e para o atirador com alguma surpresa.

—Capitão Blake foi designado para me escoltar até Viseu, —disse ela. —Estaremos deixando a cidade amanhã. Eu esqueci de dizer?

—Amanhã? —Disse. —Mas você está aqui há menos de uma semana, Joana.

—Minha tia está doente de novo —disse ela com um suspiro —e tem me chamado. É cansativo, mas ela é minha tia, você sabe, e foi muito boa para mim no passado.

O coronel a olhou como se fosse, alegremente, afogar sua tia no meio do Oceano Atlântico, se pudesse.

—Mas por que o capitão Blake? —Ele perguntou. —Você sabe que só tinha que dizer uma palavra, Joana, e eu teria arranjado para a levar eu mesmo.

—Eu sei. —Ela tocou seu braço novamente. E se sentia culpada por saber que estava feliz por ser o capitão, e não Duncan, que a acompanharia até Viseu. Duncan era, afinal, o seu bilhete para o céu, seu passaporte para uma vida na Inglaterra. E ela gostava dele. —Mas você tem seus deveres aqui e o capitão Blake vai para Viseu, de qualquer maneira. Além disso, Arthur arranjou tudo.

—Wellington? —O coronel franziu a testa.

—E quem vai contrariar suas ordens? —Ela disse com um encolher de ombros. —É tudo muito cansativo; mas vou voltar logo que puder para Lisboa e para esta sala. Terei um pouco de champanhe esperando por mim?

Ele se curvou e olhou com alguma hostilidade ao capitão Blake, que tinha ficado em silêncio os observando o tempo todo.

—Capitão? Devemos ir a algum lugar mais silencioso? —Ela passou por ele e abriu o caminho para o escritório. Ele, é claro, a seguiu, e talvez estivesse mais confortável ao ser tratado quase como um servo. Mas ela não podia resistir a o envergonhar. Olhou para ele com as sobrancelhas ligeiramente levantadas, esperou o tempo suficiente para vê-lo endurecer com a incerteza, e, em seguida, levantou a mão. —Seu braço?

Ele o levantou bruscamente, para que ela pudesse colocar sua mão levemente ao longo dele. Ela se surpreendeu com a dureza de rocha de seus músculos, que podia sentir, mesmo colocando pouca pressão em sua manga. Havia esperado que eles tivessem sido atenuados pela lesão e longa convalescença, e estariam mais macios. A manga, ela notou, não estava muito gasta no pulso.

O levou para o escritório e fechou a porta atrás dela. E não tocou para chamar sua acompanhante. Matilda ficaria brava com ela, mas saberia o suficiente, para não ralhar demais. O quarto abria para um pequeno pátio privativo, iluminado por uma lua quase cheia. Mas as portas de vidro estavam fechadas, sendo uma noite fria para o final de junho.

—Eu vim para perguntar quando você estará pronta para sair na parte da manhã, minha senhora —disse ele. Nada sobre a sua conveniência ou a honra de a acompanhar. Sem reverência cortês ou sorrisos agradecidos. Apenas essa expressão em seus olhos, que ela vira há duas noites no baile.

Novamente, quando olhou para ele, teve a sensação de o ter conhecido antes. Só que não era isso, ela percebeu com um sobressalto. Era que ele lembrava... Não, deveria ser o cabelo loiro, olhos azuis, outra coisa indefinível, porque realmente não era parecido com ele em tudo. Mas, talvez, não teria havido uma verdadeira semelhança se o outro tivesse vivido, se ele não tivesse morrido antes de seu décimo oitavo aniversário.

—Só por essa razão? —Perguntou ela. —Não porque eu o convidei para vir e porque esta é a ocasião social para estar presente esta noite? Há muitos oficiais britânicos e portugueses decepcionados porque não receberam convite.

Ele olhou para ela em silêncio, sua expressão insondável.

—O que eu posso lhe oferecer para beber, capitão? —Ela perguntou, cruzando a sala para um aparador. —Nada, minha senhora —disse ele. —Obrigado —acrescentou quase como uma reflexão tardia. —Limonada? —Seus olhos zombavam dele.

—Não, obrigado, senhora.

Ela se afastou do aparador sem também preparar nada para si mesma. —Tão cedo quanto quiser, capitão —disse ela. —Ao alvorecer?

—Não será muito cedo para você? —Ele perguntou.

Ela sorriu fugazmente. —Provavelmente será tarde —disse ela. —Eu vou, sem dúvida, deixar tudo arrumado para minha partida. Qualquer coisa depois disso, depois que eu tenha tido um pouco de descanso, sem dúvida seria tarde demais. Ao amanhecer será adequado, capitão.

Ele se curvou e pareceu como se fosse se despedir, se pudesse encontrar uma maneira de o fazer graciosamente. Mas ela não estava pronta para o dispensar ainda.

—Você tem conhecimento de muitos idiomas, capitão? —Disse ela.

Ele pareceu surpreso. —Gosto de ser capaz de me comunicar com as pessoas, quando estou em um país estrangeiro —disse ele. —Como você sabe disso?

—Eu tenho muita prática, capitão —disse ela, —de saber algo de meus servos... e meus acompanhantes. Seu conhecimento das línguas indianas lhe permitiu fazer algum trabalho de espionagem para o governo britânico na Índia, e você fez alguns também aqui, há dois anos, quando Lorde Wellington chegou em Portugal. Deve ser uma vida fascinante.

Ele parecia desconfortável. —Meu lugar é com o meu regimento, do Nonagésimo Quinto Rifles, senhora —disse ele. —Os conduzir contra a cavalaria e infantaria inimigas é uma vida fascinante.

—Ah, sim —ela disse —você é um simples soldado no coração, ao que parece. E você era um daqueles atiradores, capitão, antes de lhe ser dada uma espada. —Ela olhou para o sabre de cavalaria curvo, na lateral de sua cintura e, de alguma forma, não se surpreendeu ao notar que ele brilhava e não exibia nenhum dos desalinhos de seu uniforme.

—E ainda sou, minha senhora —disse ele. —Eu ainda levo um rifle para a batalha, assim como a minha espada.

—Ah —disse ela, —assim, que você ainda gosta de favelados, capitão.

Ela observou seus lábios apertarem e seu queixo já firme e tenso.

—E você se sente capaz de me proteger durante a longa viagem daqui para Viseu? —Perguntou ela.

—Não há perigo, senhora. —Isso era desprezo em sua voz? Ela imaginou. —Os franceses estão ainda do outro lado da fronteira, na Espanha. Todas as forças da Inglaterra e Portugal, que são as melhores tropas na Europa, estarão entre você e o perigo.

—Sem mencionar os Ordenanza —disse ela.

—A milícia portuguesa? —Disse. —Sim, eles fazem um bom trabalho, senhora, de assediar os franceses e os mandar de volta, assim como os guerrilheiros espanhóis. Vai estar bastante segura. E eu a vou proteger de todos os perigos inerentes da estrada.

—Tenho certeza que você vai, capitão —disse ela. Sorriu para si. É evidente que o homem estava menos do que satisfeito por uma atribuição que uma dúzia ou mais funcionários que conhecia teriam matado para conseguir. —Como eu poderia não me sentir segura sob os cuidados de um homem, que praticamente sozinho, conteve os franceses que teriam destruído as forças britânicas durante a retirada para La Coruña, sob o generalato de Sir John Moore, mais de um ano atrás, e que fez algo muito semelhante apenas no ano passado, durante a retirada de Talavera?

Ele mudou seu peso de um pé para o outro e olhou cautelosamente para ela. —Eu faço o que for preciso para proteger a vida dos meus companheiros, minha senhora —disse ele, —e para destruir o inimigo. É o meu trabalho.

—E que você faz muito bem, por tudo o que se conta —disse ela. —Você gosta de matar, capitão Blake?

—Ninguém gosta de matar, minha senhora —disse ele. —É algo que, como soldado, é preciso fazer. É gratificante matar o inimigo durante a batalha, nunca agradável.

—Ah —disse ela. —Interessante. Então, se eu for ameaçada durante nossa viagem para Viseu, capitão, você mataria por mim, se necessário, mas não gostaria de me fazer um serviço como esse?

Ele não respondeu imediatamente, e seus olhos zombavam dele. Como ele poderia responder a verdade, sem parecer deselegante?

—Eu faria isso, minha senhora, porque seria meu dever a proteger —disse ele. —Farei o meu dever. Você não precisa ter medo.

—Dever —disse ela com um suspiro. —Não seria um prazer me proteger?

Aquele olhar estava lá em seus olhos novamente, por um momento, o que poderia acelerar sua respiração, o que a desafiou para o quebrar, fazer dele apenas mais um seguidor facilmente manipulado e abjeto, como muitos dos homens, e em seguida, proceder como se estivesse embriagado e feliz em seu salão. O olhar que a deixou esperando que ele não pudesse ser quebrado. Mas se foi em um flash.

—Eu gosto do meu trabalho, minha senhora —disse ele. —Para mim dever é prazer.

Ela quase riu. O capitão Robert Blake poderia não ser um cavalheiro, mas ele daria um político admirável ou diplomata. Foi uma resposta magistral.

—Você está me impedindo de socializar com meus convidados, capitão —disse ela, a fim de se vingar um pouco do único homem a vencer o seu jogo do flerte, mesmo, é claro, que ele não estivesse flertando.

Ele a olhou imediatamente desconfortável, novamente. —Vou me despedir então, senhora —ele disse, —e voltar para cá amanhã de madrugada.

—Você não vai ficar mais tempo? —Ela perguntou, passando por ele até a porta e fazendo uma pausa, para perceber que ela esperava que a abrisse. —Precisa do seu sono de beleza, capitão?

Ele notou que estava esperando e caminhou em direção a ela. Para abrir a porta chegou a passar por ela, que tinha deliberadamente se colocado em tal posição que ele quase podia tocar seu peito com a mão. Ele não respondeu a pergunta dela, e ela, mentalmente, marcou um ponto para si mesma.

—Mas é claro —ela disse, —se você vai para me proteger de todos os perigos da estrada, deve estar alerta. Está dispensado, capitão.

Ela o assistiu sair, antes de entrar novamente no salão, de onde os sons de alegria ruidosa sinalizavam que o estágio mais avançado da festa tinha começado, desde que a deixaram. Ele se curvou bruscamente, e caminhou até a porta de entrada para o pátio principal, mal parando tempo suficiente para um servo a abrir para ele. Não havia dito nada mais para ela, além de um boa noite seca e não olhou para trás.

Joana sorriu da ironia de sua decepção. Mas então, ela o iria ver novamente ao amanhecer, se lembrou. E suspeitava que estaria tão segura com ele nos próximos dias, como estaria se todo um esquadrão da cavalaria pesada rodeasse sua carruagem. Como se ela precisasse de sua proteção ou da de qualquer outra pessoa. Querido Arthur. Às vezes, ele conseguia ser bastante divertido. Mas, é claro que o propósito de sua viagem em companhia do capitão Blake não era apenas para a proteger, ela se lembrou.

A Marquesa das Minas voltou para a porta do salão e se preparou para ser sociável.

 

*


Ele chegou ao palácio da marquesa quando a madrugada era pouco mais que uma sugestão no céu ao leste. Estava de mau-humor, tão somente porque ele sabia que apenas um pequeno fato o separava da exultação. Tinha recebido alta do hospital e dos cuidados do cirurgião, e estava se sentindo em forma, depois de meses de convalescença e semanas de exercício privado e esgrima. Estava saindo de Lisboa e indo para as montanhas selvagens mais ao norte, em direção a maior parte dos exércitos britânicos e portugueses. Logo poderia se juntar ao seu regimento no Côa, com a certeza de que, em breve, a campanha de verão francesa iria começar, e ele estaria nas linhas da frente, ou seria enviado em uma missão desafiadora por Wellington, e sentir toda a alegria de estar em perigo, apenas com sua força e sua inteligência para o manter vivo.

Poderia estar exultante. Mas não estava pelo simples fato de uma pequena senhora, com quem ele iria passar a próxima semana. Teria certamente que levar toda uma semana para chegar a Viseu, embora pudesse conseguir chegar muito mais cedo se estivesse sozinho. E Wellington queria conversar com ele o mais depressa possível, o oficial mensageiro havia dito no dia anterior. Mas Wellington também tinha ordenado que escoltasse a Marquesa das Minas. Lorde Wellington, é claro, cuidava sempre dos sentimentos de seus anfitriões portugueses, embora estivesse lá arriscando sua vida e as vidas de milhares de ingleses a fim de salvar suas peles.

Ela provavelmente ainda estava na cama, pensou o capitão Blake, esperando que assim fosse, na esperança de que tivesse um motivo definido para desculpar seu humor. Sua recepção não durou toda a noite. A casa estava em silêncio. Ele teria, sem dúvida, que esperar enquanto a senhora saía da cama e se vestia, e estivesse pronta para enfrentar o mundo e o café da manhã. E depois, provavelmente seria bom almoçar antes de se porem a caminho. Teriam sorte de estar bem longe de Lisboa antes do escurecer. Teria sorte se chegasse a Viseu dentro de duas semanas.

Capitão Blake tinha reclamado até imperar o mau-humor, num ressentimento ativo contra o destino que lhe tinha feito de babá. Bateu não muito gentilmente na porta externa do pátio do palácio. Provavelmente seus criados teriam de ser despertados, antes que, por sua vez, a pudessem despertar.

Mas a porta se abriu quase imediatamente, e tudo era agitação e atividade no pátio. Uma carruagem com painéis brancos, parecendo mais com uma carruagem de coroação de reis e não com uma que vai viajar pelas estradas e colinas de Portugal, estava com suas portas abertas revelando estofamentos de um dourado luxuoso. Os quatro cavalos, que estavam, obedientemente, em seus lugares, ainda assim bufavam e mexiam as oito patas no chão, em sua impaciência para estar se movendo, eram todos brancos com plumas de ouro puro e fitas douradas, entrançadas em suas crinas.

O capitão Blake fez uma careta, enquanto cavalgava seu cavalo para o pátio. Jesus, pensou, ele iria parecer um mestre de cerimônias de um maldito circo. Acenou para os servos e à mulher gorda vestida de preto, que estava organizando o carregamento de uma pequena valise em cima de vários baús amarrados atrás do carro.

—Bom dia —disse bruscamente na sua própria língua.

E então percebeu que tinha feito não só aos servos uma injustiça em sua mente, mas à marquesa também. Ela estava em pé na soleira da porta, viu logo que tinha conduzido seu cavalo para um lugar onde a carruagem não obstruía sua visão, parecendo tão brilhante e fresca, como se fosse o meio da manhã e não tivesse nada que fazer toda a noite, a não ser dormir. Ela virou a cabeça e sorriu para ele.

Ele sentiu uma crescente familiaridade produzida por alguma coisa na região do estômago. E a hostilidade, igualmente familiar. Ela estava vestida como sempre, de branco, do chapéu usado em um ângulo desenvolto, sua grande, ondulante pena macia sobre sua orelha e tocando seu queixo, para as botas de couro branco flexíveis e delicadas, espiando por baixo do traje de viagem. A única parte de seu vestuário que não era branca era o bordado de ouro em sua jaqueta esverdeada e as franjas de ouro em suas dragonas.

Ela parecia tão frágil como uma única pena de cisne, e tão bonita quanto... Bem, ele tinha sido levado de volta à mente poética como uma outra vez. Mas não mais. Ela não podia estar mais inadequadamente vestida para uma viagem acidentada, como se tivesse deliberadamente estudado para isso. Cristo, levariam um mês.

Ela era tudo de requintado, caro e trivial. E uma vez ele a segurou e a beijou e acreditou em seus protestos de amor. Pobre rapaz tolo, olhou para trás, com o antigo sentimento de auto-piedade, como se tivesse sido alguém completamente diferente. Era difícil acreditar que aquele menino tinha sido ele, e que aquela vida tinha sido sua. Que vida de privilégio e degradação.

Ele desceu da sela e descobriu que seus rins estavam doendo por Jeanne Morisette, como ela havia se tornado em quase onze anos. Apertou os dentes em auto-desprezo.

—Bom dia, capitão. —Mesmo sua voz era sedutora em baixa frequência ainda que clara. Ele não conseguia se lembrar da voz de Jeanne. —Eu achei que talvez você tivesse dormido demais.

E zombando. Ela o havia ridicularizado na noite anterior e ele se sentiu como um menino torto e desajeitado, com medo de dizer ou fazer a coisa errada, se sentindo um pouco como o touro enfurecido numa loja de porcelana.

—Bom dia, senhora —disse ele, ainda mais cortante do que tinha sido com os seus servos, alguns momentos antes. —Você está pronta para sair?

—Como você vê. —Ela estendeu as mãos enluvadas para os lados e sorriu para ele. —Eu tenho meu carro, meus cavalos e minha bagagem. E agora, deve me proteger de todos os perigos da estrada. —Ela lançou um sorriso para ele de cílios baixos. —E Matilda para me proteger de você. —Ela indicou a senhora gorda de preto.

—Está bastante segura comigo, minha senhora —disse ele, —eu lhe garanto.

Por um momento, não teve certeza do por que ela estendeu a mão fina para ele. Mas, antes que pudesse fazer um completo idiota de si mesmo por a segurar e beijar, se sentiu quente e desconfortável ao perceber que estava prestes a fazer isso, entendeu então, que a senhora queria ajuda para subir em sua carruagem.

Pegou sua mão e olhou para ela, quando a levou até a porta aberta da carruagem. A mão estava quase perdida em sua própria, era pequena e esbelta. E quente. Ela o queimou através da luva branca, de modo que a queria roubar. Mas Joana estava falando.

—Eu acho, capitão, —ela disse, —que me escoltar para Viseu é apenas uma pequena parte do seu trabalho?

—Senhora? —Perguntou.

—Eu não imagino que Arthur o tenha dirigido para me acompanhar apenas por causa de sua saúde —disse ela. —Você é muito valioso para o exército, para ser desperdiçado em um dever tão trivial, não é?

Inferno e condenação, ele pensou, por que Wellington não atribuiu essa tarefa para um homem nascido e criado com galhardia? Ele estava ciente de que ela lhe dera uma deixa, para com reverência e sorriso afetado, lhe desmontar com discursos bonitos. Ela estava implorando para ser lisonjeada e adorada.

—Estou me reunindo ao meu regimento, senhora —disse ele. —Estou satisfeito por poder ser de alguma utilidade para você.

—Por favor. —Seus olhos riram dele quando ela parou no pé da escada da carruagem. —Mas o seu regimento não é de Viseu, capitão. Não estão a maioria dos atiradores assistindo a fronteira?

—Eu acredito que sim, senhora —disse ele.

—Talvez você vá para Viseu, porque Arthur está lá, então —disse ela. —O Visconde Wellington, quero dizer. Talvez ele tenha alguma... missão especial para você? —Era uma pergunta.

Foi de repente, que lembrou forçado que ela era francesa, e dragava sua mente por algumas palavras bonitas. Ele não estava pronto para ser interrogado por uma linda e ardilosa mulher, especialmente uma que era meio francesa.

—Talvez ele o faça, senhora —respondeu, se inclinando sobre sua mão. —E talvez essa missão especial esteja finalizada quando eu a entregar sã e salva a seus amigos em Viseu.

—Ah. —Ela riu abertamente. —Eu entendo, capitão. Mas disse muito bem. Até onde nós vamos hoje?

—Eu pensei que talvez até Montachique —respondeu.

—Montachique? —Ela levantou as sobrancelhas. —Nós poderíamos ir até lá para um passeio à tarde, capitão. Eu estava apenas esperando que você não fosse mais longe do que Torres Vedras. Tenho amigos lá.

Se sentiu um pouco realizada quando ele lhe entregou no carro e a observou se sentar ao lado da acompanhante gorda. Uma pomba ao lado de um falcão. Um anjo ao lado do diabo. E ele lhes via crescer penas nos cérebros. A menos que suas palavras fossem mera bravata, talvez, depois de tudo, ela estava disposta a viajar, e não estaria sempre pedindo paradas ao longo do caminho.

—Muito bem, minha senhora —disse ele. —Torres Vedras será, esta noite. Você vai me informar se precisar parar antes disso, e eu tomarei outras providências.

Ela olhou para ele e riu, um som de pura diversão.

E ele ficou aliviado sobre uma outra coisa também, pensou enquanto fechava a porta do carro, um passo à frente para conferir por um momento com o cocheiro, e montou em seu cavalo novamente. Ela tinha amigos com quem poderia ficar em Torres Vedras. Ele não iria, então, pelo menos para a primeira noite, ter que adquirir seus quartos em uma pousada.

Sua carranca retornou, conforme seguia a carruagem branca de conto de fadas, em seu lento progresso para fora, através da arcada do pátio e para as ruas de Lisboa.


Capítulo 6

 

—Ah —Joana disse, se inclinando no estofamento, e olhando para fora através da janela da carruagem —uma real despedida, Matilda. Você acha que o capitão Blake está irritado? Tive a nítida impressão de que ele estava menos do que satisfeito com a visão de minha carruagem branca e os cavalos. Ele não espera nada menos que problemas e atrasos, simplesmente porque são brancos. Você acha que ele me desaprova?

Mas a sua companheira não foi dada nenhuma chance de responder. A marquesa estava baixando a janela sorrindo e estendendo a mão.

—Duncan —disse ela. —Você veio para me ver a caminho. E Jack. —Ela tirou a mão da do coronel Wyman e a esticou ao Major Hanbridge. —Como é maravilhoso.

Capitão Blake, ela viu com alguma satisfação, fez cara feia para a necessidade de diminuir a velocidade dos cavalos ao passo, antes mesmo de terem deixado Lisboa.

—Só tenho tempo para andar uma curta distância com você, Joana —disse o coronel. —Mais tarde, talvez. Hanbridge, o cão de sorte, a acompanhará todo o caminho para Torres Vedras.

—Será que vai? —Disse ela. —O que tem em Torres Vedras, Jack?

Ele encolheu os ombros. —Negócios sem importância, Joana —disse ele. —Um mero incômodo, exceto que me dá a oportunidade de andar ao lado de seu carro.

—Ah —disse ela, —assuntos militares. Eu entendo. Duncan, devo dar ao meu cocheiro o sinal para seguir em frente. Capitão Blake está olhando severo e sem graça. —Ela virou seu sorriso mais encantador para sua escolta oficial. Ele não sorriu de volta.

—E assim, —ela disse para Matilda, se sentando no sofá de novo, —o tédio da viagem será aliviado, pelo menos por um tempo.

E, normalmente, era uma viagem tediosa, ao longo de uma estrada sinuosa, de colinas e montanhas. Mas ela não tinha intenção de fazer essa viagem tão sem graça a Viseu, em mais do que uma semana. Já tinha planejado. Agora, seu plano era certamente de sucesso.

E assim, quando eles pararam para o almoço, suspirou e pareceu melancólica. —Os homens são tão afortunados, —disse ela, —porque não são obrigados a viajar para todos os lugares em carruagens abafadas. Como eu adoraria estar a cavalo, sentindo o ar fresco contra o meu rosto, cheirando os laranjais e as vinhas. Que lindo seria andar sobre a passagem de Montachique. —Ela descansou seu cotovelo na mesa e segurou o queixo na mão, olhando ao longe.

—Se eu tivesse tido a percepção de trazer sela feminina comigo —Jack Hanbridge disse galantemente, —você poderia ter montado meu cavalo, Joana, enquanto eu ia em sua carruagem.

Ela sorriu, deslumbrantemente, para ele.

—A levarei junto de mim, Joana, —Lorde Wyman disse, —de modo que você possa andar sobre a passagem.

—Como você é doce, Duncan, —disse ela, tocando os dedos rapidamente na parte de trás da sua mão. —Mas não tem tempo para andar sobre a passagem. Você tem que voltar para Lisboa.

—Eu queria não precisar de o fazer —disse ele. E então se virou para o membro silencioso do grupo, como ela tinha imaginado que seria. —A deve levar com você, Blake.

Ele não estava satisfeito. Ela podia ver isso. Não ia tornar fácil flertar, um pensamento que ela achou estimulante. Olhou para ele e seus olhos riram dele. A melancolia se foi.

—Você estaria mais confortável em sua carruagem, madame —disse ele.

—Mas o conforto pode ser tedioso —disse ela.

—Então está decidido. —Lorde Wyman disse rapidamente. —Eu devo estar no meu caminho, Joana, embora odeie a deixar.

E assim, apenas dez minutos depois, Joana teve as coisas a sua maneira, como sempre fazia, embora ninguém parecia particularmente satisfeito com isso, exceto ela. Duncan estava abatido por ter que se despedir dela, Matilda estava sentada na carruagem, numa desaprovação silenciosa, Jack estava se repreendendo como um bobo por não ter pensado e sugerido que a levasse diante dele, e o capitão Blake estava apenas parecendo descontente.

—Você me deseja o diabo —ela disse a ele, —de modo que poderia cavalgar sem demora, para se juntar ao seu regimento precioso, capitão. Embora eu não acredite que seja o seu destino, não é?

Mas ele não estava resolvido sobre este ponto, ela descobriu com aprovação. Nenhum homem que era um espião experiente deveria cair no tipo de armadilha que ela estava tentando definir para ele.

Ela gostava da sensação de andar juntos em sua sela, suas coxas poderosamente musculosas a cada lado dela, seus braços circulando seu corpo vagamente, enquanto ele segurava as rédeas. Mas a atenção não era toda sobre o homem com quem ela andava. Ela sentiu tudo sobre ele, mas travava uma conversa brilhante com Jack Hanbridge, uma vez que o capitão Blake não tinha nada de conversador.

—Oh —disse ela, quando eles estavam entre os rochedos da passagem de Montachique e ela podia ver abaixo, —os laranjais estão todos negros. —Ela tinha chegado a Lisboa pela estrada de Mafra, na semana anterior.

—Um incêndio, acredito —disse o major Hanbridge.

—Mas em mais de um pomar, Jack? —Perguntou ela. —Ah —disse ele. —Um incendiário, suponho.

—Que estranho —disse ela, e começou a olhar em volta com interesse renovado. Os penhascos rochosos da passagem eram selvagens e atingiam o pico. E, no entanto alguns deles tinham a aparência de uma suavidade quase artificial, particularmente aqueles que desciam para a estrada. E alguns parecia quase como se tivessem sido estabilizados no topo.

—Se pode ficar no topo e atirar pedras para baixo sobre os pobres viajantes, —ela disse rindo, —sem qualquer medo de ser pego. As rochas ao lado da estrada são sólidas.

—Elas são, —disse o Major Hanbridge. —Peculiaridade da natureza, Joana. Mas você não precisa temer. Eu não ouvi falar de bandidos nesta área. Talvez devamos aumentar nosso ritmo, Bob. Tempestades têm o hábito de abater a passagem inesperadamente.

Joana riu. —Não há uma nuvem no céu, Jack.

Mas o capitão Blake, obedientemente, cutucou seu cavalo a um ritmo ligeiramente mais rápido. Ele também havia dado uma boa olhada. E ela olhou para o rosto dele para o encontrar sobre Jack Hanbridge, de olhos estreitos e astutos.

—Vamos parar no próximo ponto conveniente, senhor —disse ele, —para que a marquesa possa retomar o seu lugar na carruagem.

Joana não disse nada. Ela tinha um pouco de habilidade em observar com cuidado. Poderia reconhecer peculiaridades de relance. Mais importante, poderia detectar a atmosfera com alguma facilidade. Jack queria que eles atravessassem a passagem, sem mais demoras, e o capitão Blake tinha pego a mensagem exatamente como ela tinha, e se fez imediatamente obediente a um oficial superior. Ela olhou mais uma vez para os laranjais enegrecidos por cima do ombro, para os lados lisos, de pura rocha. E sentiu um arrepio interior. De medo?

De excitação? Ela não tinha certeza de qual.

Joana viajou o resto do caminho para Torres Vedras, em sua carruagem. O major Hanbridge se despediu dela, e o capitão Blake foi a uma estalagem, depois que ela ficou segura na casa de seus amigos.

Passou uma noite agradável, embora eles tivessem, essencialmente, apenas preocupações para falar. O velho castelo mouro e a capela de São Vicente, de pé sobre as torres gêmeas das colinas que deram o nome à vila, estavam fortificadas por grupos de camponeses, assim como outras cidades ao redor. Mas como poderiam fortalecer um velho castelo e um mosteiro contra o poder dos exércitos franceses de Lisboa, se as forças britânicas e portuguesas não o poderiam fazer? Tudo estaria terminado antes que o Verão findasse. Os franceses estariam de volta a Lisboa, e os ingleses seriam empurrados para o mar. Era piedade ajudar os portugueses que estavam no caminho dos exércitos franceses, vindos de Salamanca a Lisboa.

Foi tudo muito deprimente. Joana tinha o hábito de confiar no Visconde Wellington, como ela disse aos seus amigos. Mas havia, é claro, o máximo que um homem poderia fazer.

E ela pensou no incendiário dos pomares de laranjais enegrecidos, e nas estranhas rochas, normalmente escarpadas, com as laterais lisas ao lado da estrada, através da passagem de Montachique, e então, no Major Hanbridge ter medo de uma tempestade em um dia perfeitamente claro, e no estranho fato de que ele, um oficial de engenharia, tivesse negócios em Torres Vedras. E ela pensou no olhar penetrante que o capitão Blake tinha fixado nele.

Talvez houvesse alguma coisa, pensou. Talvez a situação não fosse afinal tão desesperada como parecia. Mas ela manteve seu conselho. Como o capitão Blake, ela também poderia se recusar a ser manipulada, quando parecia talvez mais sensato permanecer em silêncio.

 

*


Eles chegaram a Óbidos no dia seguinte; poderiam ter viajado mais, mas a marquesa tinha uma casa lá. Além disso, pensou o capitão Blake, ela provavelmente estava cansada, depois de dois dias de viagem, embora, sendo sincero, ela não tinha reclamado e sempre tinha conseguido parecer tranquila e bonita, toda vez que ele a ajudava a descer da carruagem, e mesmo após esse passeio empoeirado sobre a passagem. Ela sempre tinha um sorriso para ele. E o branco de suas roupas tinha permanecido imaculado de sujidade ou das manchas acidentais de viagens.

A vila medieval de Óbidos subia majestosamente acima das vinhas circundantes, suas paredes cor de ferrugem encimadas por telhados multicoloridos de suas casas brancas e pelo castelo quadrado. Blake não tinha visto a cidade antes. Era triste pensar o que o destino reservava para acontecer ali, se os franceses, de fato, conseguissem pressionar até aqui, em Portugal. E ainda os sinais de que o povo, e talvez mais do que apenas as pessoas, também, se ele tivesse interpretado corretamente o aparecimento de agitação da passagem de Montachique, e Hanbridge, enquanto cavalgavam através dela, se preparavam para se defender, o que tinha sido tão evidente entre Lisboa e Torres Vedras no dia anterior, estava ausente aqui. A cidade se aquecia sonolenta no sol de fim de tarde, como se seus habitantes nunca tivessem ouvido falar da guerra, como se o seu castelo tivesse sido construído apenas para ser pitoresco...

As ruas da cidade eram estreitas, íngremes e sinuosas. A carruagem da marquesa se movia lentamente, até que virou bruscamente, para passar através da porta em arco do pátio de uma casa branca alegre, que dava para a rua. O capitão Blake seguiu, claro, abaixando a cabeça sob o arco, que não era, afinal, tão baixo quanto parecia. Ele desmontou e esperou para ajudar a senhora a descer da carruagem.

—Capitão —ela disse, colocando a branca mão enluvada na sua, enquanto a ajudava a descer. Ela parecia tão fresca e alegre como estava quando tinham deixado Torres Vedras naquela manhã. —Bem-vindo a Óbidos. Você deve ficar aqui esta noite.

Ele se encolheu com o pensamento. Nunca estaria confortável naquele lugar, obviamente, uma casa ricamente decorada, e ainda mais sob o mesmo teto que a marquesa.

—Obrigado, minha senhora —disse ele, se movendo para um lado para que o cocheiro ajudasse sua companheira da carruagem, e ela andava para dentro da casa —mas não seria apropriado. Vou encontrar uma pousada.

—E passar metade da noite lutando contra pulgas e outros parasitas? —Ela disse com um encolher de ombros. —Mas a escolha é sua. Venha para o jantar, pelo menos. Você realmente deve. Eu só tenho Matilda para jantar como companhia, e nós já dissemos tudo o que era para ser dito uma à outra, ao longo dos anos. Você deve vir e nos entreter com sua conversa, capitão. —Seus olhos zombavam dele, com uma expressão que já estava se tornando familiar.

E ela lhe tinha em desvantagem novamente, ele percebeu. Qualquer cavalheiro de seu conhecimento, sem dúvida, tinha todo um arsenal de desculpas que pudesse ser usado em tal ocasião. Ele não tinha nenhum desejo de jantar com a marquesa e seu silêncio foi a resposta de desaprovação. E é claro que ele não tinha histórias para partilhar com elas. Ela sabia disso muito bem. E ele não tinha dúvidas de que essa era a razão pela qual o havia convidado. Parecia ter prazer em lhe olhar como um grande boi mudo. Mas ele não poderia pensar em uma única desculpa.

—Obrigado, minha senhora. —Ele assentiu e se virou para seu cavalo. Mas um pensamento lhe ocorreu, e ele se voltou novamente. —Posso a acompanhar até a casa?

Ela sorriu lentamente. Gostava de observar o seu não saber o que era boa etiqueta. —Acredito que eu posso andar sozinha entre aqui e a casa sem ser atacada por bandidos ou pior, capitão —disse ela. —Até mais tarde, então. Venha cedo, em uma hora. Nenhum momento depois. Eu odeio ficar esperando.

Blake se curvou desajeitadamente e se virou. E sentiu seus olhos sobre ele, enquanto montava e guiava seu cavalo em frente pelo pátio, através da porta de saída para a rua íngreme e estreita.

Joana o observou ir e sorriu para si mesma. Qualquer outro homem que ela conhecia teria aproveitado todas as oportunidades possíveis que se apresentaram nos últimos dois dias. Ele teria montado no carro e amarrado o cavalo atrás, ou, pelo menos, montado ao lado da carruagem, a encorajando a dirigir com a janela abaixada. A teria levado diante dele, em seu cavalo, mais vezes do que a que tinha sido forçado. Teria tentado conseguir um convite de seus amigos em Torres Vedras. Teria pulado de alegria pela chance de ficar aqui em sua casa, esta noite. Não a teria olhado como se estivesse se afogando em areia movediça, quando ela o convidou para jantar.

Mas o capitão Blake não era qualquer outro homem, infelizmente. Oh, e felizmente também, pensou ela, seu sorriso crescendo mais divertido. Ela poderia ter salvo a si mesma do trabalho de vir todo o caminho até Viseu e de retornar com sua escolta, por tudo o que tinha feito até agora. Haveria, uma mulher ou um homem, mais moroso, mais silencioso, ou um mais atraente? Ela ia ter que fazer algo muito positivo, e muito rápido, se o valor desta viagem tediosa era para ser aproveitado. Caminhou propositadamente para a casa.

—Matilda —chamou a sua acompanhante, que estava agitada sobre as suas malas no hall, —deixe isso para os servos. Você está afastada. Total e completamente. Eu não me esqueci, você vê, que tem uma irmã em Óbidos e que a vê muito pouco. Está dispensada para a visitar agora, sem demora, e não deve voltar antes de amanhã de madrugada, momento em que, eu não tenho nenhuma dúvida, o capitão Blake vai entrar no pátio pronto para sair.

Matilda argumentou. Sua senhoria precisaria ter água quente para um banho, e refrescos. E seria impróprio para ela passar a noite sozinha em casa, com apenas os funcionários. Além...

—Além de nada —disse Joana, acenando com a mão e desconsiderado o que ia dizer. —Vou ter o meu banho e refrescos, se você estiver aqui ou não, Matilda. E eu seria uma companhia muito aborrecida para você esta noite, já que estou cansada e pretendo me recolher mais cedo, com um livro. Então vá. Pode ir. Agora. —Ela sorriu seu mais encantador sorriso, sentindo apenas uma pontada de culpa, quando Matilda a cobriu de gratidão e foi. Afinal, ela não era uma menina precisando de acompanhantes onde quer que fosse.

Mesmo assim, pensou enquanto se encaminhava para o quarto, ansiosa por um banho, nunca tinha entretido um homem sozinha antes. Com exceção de Luís, é claro, mas isso não contava. Sempre tinha considerado que não havia segurança demais. O problema com o capitão Blake era que, se houvesse qualquer outra pessoa presente, além dela e dele, ele seria susceptível de desaparecer no mobiliário. Ele não seria capaz de fazer isso com ela sozinha. Ela não permitiria.

Sorriu com a perspectiva. E se sentiu um pouco sem fôlego de apreensão. Não tinha certeza de que o capitão pudesse ser levado a se comportar de maneira previsível, em uma determinada situação. Mas então, talvez ela não o desejasse fazer.

*


Não havia nenhum sinal de qualquer jantar ou sua acompanhante, quando voltou para a vila um pouco mais de uma hora depois de se despedir dela. Somente a marquesa, vestida inevitavelmente de branco, vestido macio fluindo, seu casaco bordado com fio de prata, uma capa ao lado. Ela estava no salão baixo da casa, olhando para uma pintura. Sorriu para ele.

—Ah, capitão —disse ela, —você está atrasado. Deliberadamente? É muito cedo para jantar, e o clima é muito bom para ser desperdiçado. E Óbidos é uma bonita cidade para não ser visitada. Poderia me levar para andar, por favor.

—Onde está a sua acompanhante? —Perguntou.

—Provavelmente falando sem parar com sua irmã, uma sobrinha ou um sobrinho em cada joelho —disse ela. —Eu não sei. Não sou sua guardiã. E não faça cara feia para mim, capitão, como se eu fosse uma estudante impertinente a ponto de escapar de sua acompanhante. Estou segura com você, não é? Arthur o recomendou.

Ele endureceu. —Estará segura comigo, minha senhora —disse ele.

—Oh, você se incomoda. —Ela riu levemente. —Devemos ir? Eu o vou levar para cima das muralhas da cidade. Há um caminho de vigia, que se estende à direita em torno delas. E os íngremes degraus de pedra, que conduzem a ele. Espero que se tenha recuperado o suficiente de seus ferimentos para não ficar muito ofegante.

Ela tinha a intenção de o encantar. Isso ficou muito claro para ele. Sorriu para ele, conversava, e se agarrou a seu braço enquanto caminhavam. Por razões próprias, ela estava tentando fazer dele sua mais recente conquista. Talvez fosse necessário que essa mulher fizesse de cada homem seu escravo. Olhou em volta e tentou ignorar a consciência da pequena fêmea, delicadamente perfumada ao seu lado. E desejava ter trazido Beatriz com ele. Ela queria vir, seguir o exército como tantas mulheres faziam. Ele tinha dito que não, porque ele era o capitão Blake, e não o soldado Blake. Mas desejava agora ter dito sim.

O caminho de vigia lhes deu uma vista magnífica, da cidade e para fora, através da paisagem circundante.

Ela tirou o braço do dele e os colocou ao longo da parede exterior, olhando para longe. Parecia tão delicada como uma menina, parecida com aquela que tinha jogado os braços no topo do castelo em ruínas, na terra de seu pai, e virado o rosto para o vento. Mas quando virou a cabeça para olhar para ele agora, se lembrou novamente, que ela era agora uma mulher, com todo o fascínio de uma mulher.

—Você sabia —, ela disse, —que séculos e séculos atrás, quando Dom Dinis estava passando por aqui com sua jovem esposa e ela admirava como essas muralhas retorcem como fita sobre as casas brancas dentro delas, ele lhe deu a cidade de presente? E a partir desse momento, Óbidos foi sempre o presente de casamento dado às rainhas portuguesas? Você sabia? —Ela riu. —E você se sente enriquecido por este conhecimento?

—A história é sempre interessante, —disse ele, observando a brisa soprar as fitas de sua touca.

—Não acha que é uma história maravilhosamente romântica? —Perguntou ela. —Você daria esse presente para a mulher que ama, capitão?

—Com o pagamento de um capitão, —respondeu ele, —eu não poderia dar nada tão generoso.

—Ah —ela disse, —mas você iria querer? O que você daria à mulher a quem você ama?

Ela ainda estava olhando para ele por cima do ombro, os olhos o varrendo com a intenção de o tornar desconfortável, e foi bem sucedida. Ele deu alguns passos para a frente e estava ao lado dela na parede. Olhou para fora para o sol baixando.

—Um pedaço de fita real, talvez —disse ele.

Ela riu suavemente. —Só fita? —Perguntou. —Talvez você não a ame o suficiente.

—A fita estaria sob o queixo, quando ela usasse a touca, e amarrada em uma curva debaixo da orelha —disse ele. —Uma parte de mim estaria bem perto dela. —Ele não pensava no amor há um longo tempo...

—Oh, muito bem dito, —disse ela. —Você se redimiu.

—Ou uma estrela talvez —disse ele. —Talvez todo um aglomerado de estrelas. Elas são livres e luminosas, e estariam sempre lá para ela.

—Ela é uma mulher afortunada —disse ela, olhando para de lado para seu rosto. —Ela é Beatriz? —Ele olhou para ela, assustado.

—Eu lhe disse que gosto de saber algo sobre os homens que são meus servos ou acompanhantes —disse ela. —Você a ama?

—Ela é, ou foi, minha amante —disse ele, rigidamente.

—Ah. —Ela riu suavemente e caíram em silêncio, observando a água da Lagoa de Óbidos abaixo deles e o mar à distância. E a cada dia mais lindo, o pôr do sol mais além.

Era um cenário que a maioria dos homens mataria para ver a sós com ela, Joana pensou com um sorriso irônico. E ainda assim, ela sentia que não o compartilharia com outro homem, que o teria arruinado com discursos de corte e adoração abjeta. E, certamente, o capitão Blake não poderia ser acusado de adoração abjeta por ela. Então, virou a cabeça e olhou para ele. Suas feições eram afiadas pela luz do sol poente. Parecia quase relaxado.

E ela sentiu uma súbita pontada de nostalgia, atingindo uma lembrança em sua mente. Uma torre. Muralhas. Vento e sol. Um menino sonhador, gentil, bonito, a quem ela tinha beijado quando desceu da torre.

Robert.

E, no entanto as paredes de Óbidos não eram nada como aquele velho castelo em Haddington Hall, e o capitão Blake não era nada como Robert, exceto que eles compartilhavam um determinado nome e, exceto que eles tinham o mesmo cabelo e coloração dos olhos. E algo indefinível que escapou de sua mente consciente. Será que aquele Robert e este Robert se pareceriam de qualquer outra forma, se tivesse vivido? Será que Robert teria crescido tão amplamente e musculoso? E que seu rosto teria crescido tão forte e disciplinado? Ele teria se tornar um herói militar? Tinha certeza de que a resposta para todas essas perguntas é não. Robert temia que lhe fosse comprada uma comissão. Ele pensava ser impossível matar alguém.

Talvez, pensou ela, fosse assim que ele tivesse morrido. E, ainda por um momento, sentiu a afluência do antigo sofrimento pelo primeiro e único homem que havia amado, pela menina que tinha sido, com sua crença no felizes para sempre depois. Por um sonho antigo.

Ela estava olhando para o capitão Blake. Percebeu o fato somente quando ele virou a cabeça e olhou firmemente de volta para ela. Seus cotovelos estavam quase tocando na parede. Ela podia quase sentir o calor de seu corpo.

—Você não ama um pôr do sol, capitão? —Perguntou. —Talvez seja um outro presente que você possa dar a sua senhora.

—Acho que não —disse ele, sem tirar os olhos dela. —A beleza de um pôr do sol é enganosa. Ela é seguida pelo escuro. Um nascer do sol, talvez. Eu lhe daria o nascer do sol e o que está além do nascer do sol. Luz e calor, e vida. E amor.

—Ah —disse ela, e seu peito ainda doía com a tristeza inexplicável que sentiu, quando ele a fez lembrar de Robert. —Então temos de ver o sol nascer juntos em algum momento, capitão.

Ela tinha aperfeiçoado a arte do flerte, longas eras antes. Mas ela percebeu a sinceridade de suas palavras apenas quando ouviu seu eco. Estranhamente, ela não tinha a intenção de as dizer dessa forma, embora o tivesse trazido para as muralhas com o único propósito de flertar com ele.

—Talvez —disse ele, ainda olhando para ela, o que a fez sentir falta de ar, quase assustada. Ela não se sentia muito no controle, agora.

—Talvez? —Ela disse, rindo. —Perdeu sua chance, capitão, deveria declarar que iria mover céus e terra para me trazer nesse dia. Você está com fome? Vamos voltar para casa para o jantar.

Ela tomou-lhe o braço e começou a falar com ânimo leve e sem cessar, enquanto eles faziam seu caminho para baixo, com passos lentos, para a cidade e de volta para sua casa.


Capítulo 7


Ele deu um suspiro de alívio quando entraram na villa da marquesa. Pelo menos, agora eles estariam com sua acompanhante, e, conquanto a conversa não seria fácil, pelo menos a tensão não existiria mais. Ele se sentiu pronto para explodir com ela nas muralhas da cidade. Robert havia se irritado com a consciência dela, o desejo por ela, e o desprezo por suas próprias reações, porque, à sua própria maneira, Joana era tão deliberadamente sedutora. E se sentiu um pouco fora de si novamente. Ele esperava que, de repente, Lorde Wellington queimasse em algum canto particularmente quente do inferno, por lhe dar esta tarefa particular.

—Chame Matilda —ela disse a um servo, tomando o braço do capitão e o levando na direção da sala de jantar.

Mas o servo tossiu delicadamente. Matilda, ao que parecia, não havia retornado para a villa.

—Como provocação! —A marquesa franziu a testa. —Ela se esqueceu da passagem do tempo, garanto. É sempre assim quando visita sua irmã. Eu ouso dizer que não devemos fixar os olhos nela até amanhã. —Ela suspirou. —Uma acompanhante pode ser muito irritante, capitão Blake. Ela não é completamente empregada e não gosta que a repreenda. Teremos de jantar tête-à-tête.

Ele poderia ter suspeitado que ela maquinava algo assim, se não tivesse notado, quando entrou na sala de jantar, que a mesa tinha sido posta para três.

—Vou voltar para a minha pousada, senhora —disse ele.

Mas ela riu dele e lhe disse para não ser cansativo; e antes que percebesse, estavam sentados à mesa e bebiam do vinho, enquanto ela o observava, com o queixo na mão. E então, ele teve a dolorosa sensação de ter cometido uma violação da etiqueta, levantando o copo antes que ela o fizesse. E abaixou o dele.

—Eu estou com fome —ela disse, —e me recuso a manter um monólogo durante todo o jantar. Você deve participar da conversa, capitão Blake.

Não havia nada mais que a certeza de língua presa para ele. E pegou a taça novamente.

Ela observou como seus empregados colocavam a comida na mesa. Se recusou a dizer outra palavra por um tempo. Ela queria ver quanto tempo passaria antes que ele pudesse pensar em algo para dizer. E Joana deixou que seus olhos vagueassem sobre o rosto dele, se perguntando o que é que fazia dele um homem tão atraente. Seu cabelo loiro cortado rente? Ela preferia os homens com cabelos longos demais. O nariz torto e a cicatriz muito visível? Sem isso, poderia ser muito bonito. A pele bronzeada, talvez? Os olhos azuis claros? O conhecimento de que ele tinha matado, que era um herói militar? A consciência de que era de um mundo muito abaixo do dela?

Finalmente, ela sentiu a tensão de novo, como tinha acontecido nas muralhas da cidade. Mas não deveria sentir esta tensão. Apenas os cavalheiros a quem abordava foram feitos para sentir isso.

—Me fale sobre você —disse ela. —Onde nasceu? Quem era seu pai? Como foi a sua infância? Por que você se alistou? Fale, capitão.

—Eu me alistei —disse ele, —porque parecia a coisa certa a fazer no momento em que fiz isso. No geral, nunca me arrependi.

Ele não tinha respondido às suas três primeiras questões, ela pensou. Mas era o que tinha aprendido a esperar do capitão Blake. Diferentemente da maioria dos homens que conhecia, não gostava de falar sobre si mesmo. Ou sobre qualquer outra coisa, de qualquer assunto, isso parecia.

E assim, apesar de tudo, ela fez mais do que falar enquanto comiam. Ou como escolhia a comida, para ser mais exata. Seu apetite não era, em geral, afetado pela companhia com quem ela comia. Mas esta noite o foi. Estava consciente de cada bocado que levantou a sua boca, e de cada bocado que ele levou para a dele. E estava consciente de cada gole.

Seus dedos eram longos e magros, dedos de um artista, ela pensou. Mas suas unhas eram cortadas e mantidas limpas, unhas de um soldado. Ela se perguntou como essas mãos e dedos se sentiriam sobre suas costas nuas, mas reprimiu o pensamento.

O ar estava bastante crepitante com a tensão.

E o capitão tentou comer como se estivesse jantando com seus companheiros ou homens, mas descobriu que não podia se livrar da noção de que ela observava cada movimento seu, enquanto ele observava os dela. E quando tentou pensar em algum tópico com o qual sustentar a conversa, sua mente estava em branco e suas únicas contribuições foram respostas a perguntas. Ela tinha o hábito, enquanto falava, de se inclinar para a frente, para que seus seios quase roçassem a borda da mesa. Parecia que a sua temperatura subia um grau cada vez que isso acontecia, e foi grande a frequência. E ela tinha essa maneira de olhar para ele, que já tinha notado antes, seus olhos lhe varrendo por debaixo de suas pestanas.

Se amaldiçoou por não ter sido firme ao se assegurar de voltar para sua pousada, quando soube que sua acompanhante não tinha retornado. E se perguntou por quanto tempo devia se manter à mesa, antes que pudesse decentemente se levantar e se desculpar. Ele não tinha ideia de qual era a forma adequada em tais circunstâncias. Talvez não houvesse forma adequada em um tête-à-tête desse tipo. Era tudo altamente impróprio.

A sala de jantar pulsava relativamente, com a tensão.

—Vamos nos mudar para a sala de estar —disse ela finalmente, sorrindo para ele. —Se tiver terminado de comer, é claro.

—Sim, obrigado, senhora —ele disse, colocando, feliz, o guardanapo ao lado de seu prato e ficando de pé. —Mas devo ir. Devemos sair no início de amanhã cedo.

Ela permitiu lhe puxar a cadeira para trás, para se levantar. E o alívio de fazer isso, de não ter de se sentar mais sozinha com ele à mesa, era enorme. Mas não o podia deixar ir. Por alguma obstinação insensata, se recusava a deixar que fizesse o que sabia que devia fazer, mas sim, o que ela queria fazer, não o deixar ir.

—Não é mesmo tarde, capitão Blake —disse ela, lhe tomando o braço. —E eu vou ficar terrivelmente aborrecida, se for forçada a passar o resto da noite sozinha. Você não vai me condenar à solidão e tédio, não é? —Ela sorriu, e olhou para ele por debaixo de seus cílios, de uma maneira que sabia dirigir a homens selvagem. E estava mais consciente, do que nunca estivera antes, de quão grande ele era, e como seus ombros eram largos e bem musculoso. E houve uma onda de medo de que estava brincando com fogo. Ela ignorou o sentimento.

Ele não resistiu mais. Ela estava quase desapontada que ele não o fizesse. Tinha esperado que ele insistisse para sair. Eles deviam conversar, pensou. Eles deviam preencher o silêncio.

—Que idiomas você fala? —Ela lhe perguntou, enquanto o levava para a sala de estar. —Eu sei que fala vários. Sei que foi enviado em muitas missões de reconhecimento, por isto.

—Várias línguas indianas —disse ele. —E algumas européias também.

Ela deixou o braço dele e caminhou pela sala, afofando algumas almofadas e reposicionando ornamentos. Ele ainda estava de pé, apenas para dentro da porta da sala, com os pés ligeiramente afastados, as mãos cruzadas atrás.

—Por que não vem se sentar e me contar sobre algumas de suas missões de espionagem —disse ela. —Diga-me algo sobre as que tem realizado na Península. —Ela deu um tapinha nas costas do um sofá e sentiu seu coração batendo contra as costelas.

—É melhor eu ir, senhora —disse ele.

Ele tinha sentido mais do que ela tinha. Era impossível, ela pensou, que ele não sentisse a tensão entre eles, como ela.

—Você não gosta do tema? —Perguntou a ele. —Então vamos escolher outra coisa. Vou lhe falar sobre Luís, e da vida na corte antes da ida para o Brasil. Há muitas histórias divertidas com as quais eu o posso entreter. Venha e se sente.

—Eu tenho que ir —disse ele.

Uma voz interior lhe disse para o deixar ir. Ela estava indo muito mais fundo, insistindo muito, mais do que nunca tinha feito antes. Flerte tinha sido sempre um jogo divertido, um pouco chato, antes disso. E muito seguro. Deixe que vá, aquela voz interior lhe disse novamente. Mas se ela o deixasse ir, seria como admitir a derrota. Ela não podia, até que o mandasse embora. Atravessou a sala em direção a ele, com um sorriso nos lábios.

Viu que ela vinha. E ficou lá, se sentindo como um menino bobo, querendo se despedir, desejando desesperadamente ter ido embora, e não sabendo bem como realizar uma tarefa tão aparentemente, simples. Ele cerrou os dentes, em vez de lhe dizer, mais uma vez, que deveria ir. Qualquer outro homem que ela pudesse ter escolhido como acompanhante, teria sabido como pedir sua licença, ele pensou.

Ela parou quando estavam se olhando quase de igual para igual, os delicados sapatos brancos quase tocando as pesadas botas pretas polidas. O topo da cabeça dela ficava apenas abaixo do nível do queixo dele, o cabelo escuro suave sobre o alto da cabeça, com um conjunto de cachos atrás. Ela usava um perfume almiscarado macio, que tinha notado enquanto estavam fora.

—Você não tem medo, não é, capitão? —Perguntou a ele, os longos cílios se elevando para permitir que os olhos viajassem para cima de seu queixo, para olhar em seus olhos. Havia uma sugestão de riso e uma pitada de algo mais em seus olhos.

Ele engoliu em seco e desejava poder ter controlado a ação. Estava morrendo de medo. Nunca tinha estado em tal situação, com qualquer mulher que não fosse uma prostituta e sua para a compra. Não tinha experiência no controle de si mesmo, em tais situações. Nunca houve a necessidade. E, em seguida, uma de suas mãos pequenas, por uma vez sem luva, de pele branca e lisa, se levantou de modo que um dedo pudesse traçar a linha da costura sob o ombro do casaco.

—Quase tênue —disse ela.

—Ele tem visto muito serviço. —O calor de seu dedo queimando ao longo de sua clavícula.

—Uma mulher terá que consertá-lo para você em breve —ela falou.

—Sim.

Seus olhos se moveram para cima novamente, passando pelo queixo, demorando sobre a boca, fazendo uma pausa na cicatriz em seu nariz, olhando plenamente em seus olhos. —Você está com medo? —Sua voz era baixa, quase um sussurro.

O estilo do seu vestido, caindo em pregas suaves por debaixo de seu seio para o chão, o fazia parecer leve e fino. No entanto, ela estava ainda mais magra na realidade. Suas mãos quase se uniam em torno da cintura dela, já que sua memória afiada tinha uma impressão semelhante, da época em que ela tinha quinze anos.

Ele estendeu as mãos para baixo por trás de sua cintura e a trouxe contra ele, enquanto ela se arqueava para trás a partir da cintura, e colocou as mãos em seus ombros, o olhou nos olhos com uma expressão no rosto de quase uma carranca. Ela era toda luz, quente feminilidade, macia. Ele deslizou as mãos para cima, até que os seus seios lhe tocaram o casaco, achatada contra ele a observava, e sentia sua suavidade contra a dureza de seus músculos do peito.

Jesus, ele pensou, e o sangue pulsou através dele como uma batida de martelo. Senhor Deus no céu. Mas ela era muito pequena. Pelo jeito que eles estavam, ela era muito pequena. Ele se inclinou na altura dos joelhos, levantando-a contra ele de modo que seus pés quase deixaram o chão.

E ela sabia que tinha cometido um erro. Ela sabia que tinha levado o flerte longe demais. O medo que teve no primeiro momento em que tinha posto os olhos sobre este homem estava nela. Tinha perdido o controle. Ele a tinha levantado para que todo o seu peso e todo o equilíbrio estivessem à sua mercê. Se ele a deixasse de repente, ela cairia. E ele a ergueu o suficiente para que ela pudesse sentir contra seu ventre o inchaço duro de seu desejo por ela.

Eles haviam se levado para além da área do próprio flerte, para conhecer o domínio de sua paixão. E ela não tinha nenhuma experiência, absolutamente nenhuma, nem mesmo em seu casamento sobre a paixão. Olhou em seus olhos azuis claros, agora queimando com o fogo da paixão, e ela o sentia com cada parte de seu corpo e cada nervo dele. Ele estava todo duro, em sua magnífica masculinidade.

E ela estava apavorada. Aterrorizada com ele: o abraço que ele tinha começado era um abraço que levava apenas a um lugar e a um final. Era um abraço com toda a intenção de ser levado até a conclusão. E com medo de si mesma: seu corpo foi se deliciando com as sensações e na posse dele, e sua mente estava querendo se render.

Seria tão bom, ela pensou. Sabia que seria bom. Seria apagar talvez, as memórias nauseantes de seu leito conjugal. Ela queria mais do que qualquer coisa se render. Seus olhos se fecharam e os lábios entreabriram enquanto sua cabeça baixava até a dela. Queria saber o que ele faria com ela. Queria saber o que um homem viril, apaixonado faria com a mulher que ele desejava.

Sua boca desceu ampla sobre a dela, por um momento, ela abriu os olhos em estado de choque. Sua língua delineou seus lábios até que ela sentiu uma dor lancinante afiada e profunda em seu ventre, e então ele mergulhou quente, duro e profundo em sua boca. Ela engasgou e o puxou ainda mais profundo.

E o terror estava de volta, passada a curiosidade e a tentação, empurrando seu caminho. Ela não tinha nenhum controle sobre a situação. Sabia que era uma questão de poucos minutos, talvez menos, antes que fosse rebaixada para o chão e as saias levantadas e seu corpo penetrado. Teria se rendido ao controle de um homem, um homem que não conseguia entender. Um enigma. Alguém com quem era apenas para trabalhar.

Mordeu a língua.

Quando ele puxou a cabeça para trás, ela sorriu para ele e lutou contra o terror, a falta de ar e os joelhos trêmulos. —Por quê, capitão —disse ela, —não foi um pouco extravagante para um beijo de boa-noite?

—Por quê, você cadela! —Ele a surpreendeu dizendo, dando um passo para trás e franzindo o cenho ferozmente para ela. O terror se enrolou em um punho dentro dela. Levantou as sobrancelhas. —Eu não ouvi isso, capitão Blake —disse ela.

—A surdez é temporária, ouso dizer. Você decidiu não ficar e ir para a porta?

—Sua cadela! —Ele disse de novo, não tomando o exemplo dela para restaurar uma medida de civilidade para seus negócios. Seus olhos se estreitaram sobre ela. —Você enviou a sua companheira, a afastando deliberadamente, não é? Você não tinha a intenção de ter um trio para o jantar, não é? Você não precisa de uma acompanhante, senhora. Você precisa de um domador de animais.

Ela sorriu para ele. —Infelizmente, a surdez foi apenas temporária —disse ela. —Mas eu vou te perdoar, capitão. Parece que você interpretou inteiramente mal a situação. Eu fico grata por sua escolta. Pretendia mostrar minha gratidão. Me perdoe, mas eu não quis dizer mais nada.

Seus calcanhares clicaram juntos e em seu rosto estavam novamente todas as linhas duras, seus olhos de aço. Era o rosto de um soldado, um que devia levar apreensão para o coração de qualquer soldado inimigo, infeliz o suficiente para olhar para ele no campo de batalha.

—Boa noite, minha senhora —disse ele. —Voltarei ao amanhecer se estiver bem para a senhora. —Ao que ela respondeu sorrindo: —Eu vou estar pronta, capitão. Boa noite.

Ele se virou, e saiu sem dizer uma palavra. Um cavalheiro teria pedido desculpas, tanto pelas liberdades que havia tomado, como pela linguagem vulgar que, imperdoavelmente, havia dirigido a ela. Mas o capitão Blake não era, naturalmente, um cavalheiro. E ela não podia dizer que sentia muito por ele não lhe ter pedido. Teria se sentido ainda mais culpada do que já estava se ele tivesse.

E o capitão Blake, caminhando do pátio da villa até a colina para sua pousada, amaldiçoou furiosamente, sob a respiração forte, e a condenou ao inferno. Sua língua latejava e houve cortes na parte de trás, que estariam doloridos por dias.

A cadela! Ele não poderia pensar em nenhuma outra palavra que a descrevesse. Ela o levou toda a noite, apenas para que pudesse lhe fazer de tolo e depois rir na cara dele no final, quando, apesar de todos os seus esforços, ele não conseguiu resistir a ela. Mas era um jogo perigoso, este que ela jogou. Ele teria sido a pessoa a rir se não tivesse sido capaz de parar, apesar da língua mordida.

Se sentiu um tolo prêmio. Por ter tido sua língua mordida! Nunca mais seria capaz de olhar nos olhos dela, sem se lembrar de como ela tinha criado sua humilhação.

Duas vezes. Por duas vezes ele tinha sido feito de bobo por uma mulher, e pela mesma mulher duas vezes, Jeanne Morisette e Joana da Fonte, Marquesa das Minas. Em qualquer língua, ela era um problema, e uma vez que tivesse sido entregue com segurança em Viseu, uma tarefa que ele iria completar tão rápida e tão impessoalmente quanto fosse possível, não teria nada mais que ver com ela.

Não que ele tivesse a oportunidade de fazer mais, é claro. Um capitão que tinha sido um soldado raso e a viúva de um marquês português e filha de um conde francês.

Como ela uma vez se expressou? Ele parou do lado de fora de sua pousada e franziu a testa para o chão a seus pés. O bastardo e a filha de um conde francês. Sim, ele acreditava que tinham sido estas suas palavras exatas.

Bem, ele tinha acabado de aprender sua lição. A partir de agora iria limitar suas atenções inteiramente às Beatrizes deste mundo. Beatriz podia tirar dinheiro por serviços prestados, mas pelo menos ela era aberta e honesta sobre o que fazia. Não seduzia um homem à loucura e, em seguida, afirmava, com os olhos largos e sorriso doce, que ela apenas queria oferecer um beijo de boa-noite como gratidão. Beatriz sabia dar, bem como receber. E o que ela dava era a si mesma, doce e ampla para seu prazer e seu conforto.

Ele estava arrependido, de coração, que não a tivesse trazido, depois de tudo. Teria dado todo o pobre conteúdo da sua bolsa, naquele momento, para ser capaz de a levar até seu quarto e se enterrar nela.

Maldição! Mas ela era bonita, pensou. E quente, esbelta e bem torneada. E saborosa. Mas não foi em Beatriz que ele pensou por muito mais tempo.


Capítulo 8


A jornada durou mais três dias. Eles ficaram em Leiria uma noite. Joana escolheu dormir em um convento, em companhia de Matilda, e em Coimbra no outro dia, ela tinha amigos, com quem ficou. Antes da terceira noite se fechar sobre eles, chegaram finalmente na cidade de Viseu, no alto de um platô de tirar o fôlego, suas muralhas e as suas igrejas e a catedral lhe dando uma beleza própria.

O capitão Blake nunca tinha estado tão feliz em sua vida por chegar a um destino. Em três dias, ele mal havia trocado uma palavra com a marquesa. E ainda assim, ela sorriu para ele, como de costume, os olhos talvez rindo dele, pois nunca soube se ela zombava dele ou não. E continuou a ser sua tarefa a colocar dentro e fora da carruagem. Mas durante esses três dias, ele estava mais consciente da magreza de sua mão e a leveza de seu corpo, e do perfume sutil, que tinha notado pela primeira vez dentro de sua casa em Óbidos.

Foram dias durante os quais desejava estar livre dela, de volta com o exército. Lamentou a intimação para Viseu. Queria voltar com sua companhia novamente, aliviando o tenente Reid do comando, que tinha sido dele durante o inverno. Queria ter estado com mulheres, e com uma mulher em particular, por um tempo. Queria se concentrar em seu trabalho. Era final de junho. Os franceses certamente iriam fazer seu movimento em breve. Era incrível que tivessem esperado tanto tempo. Certamente haveria uma grande batalha campal, antes que muitas mais semanas se passassem.

A tia de Joana vivia na praça da catedral da cidade, uma área considerável de casas nobres, incluindo o Palácio Episcopal. Ele desmontou pela última vez para tirar a marquesa da carruagem.

—Capitão Blake. —Ela colocou a mão enluvada na dele e lhe sorriu brilhantemente. —Chegamos com segurança, depois de tudo. Eu com certeza vou informar a Arthur, que me protegeu contra todos os perigos da estrada.

Havia zombaria definitivamente em sua voz. Não tinha havido perigos para além do que ele próprio tinha colocado. E ela mesma se tinha protegido contra isso. Sua língua ainda doía quando bebia qualquer coisa quente.

Ele se inclinou sobre a mão quando seus pés tocaram o chão. —Espero que a viagem não tenha sido muito desconfortável ou tediosa para você, minha senhora —disse ele.

—Como poderia ser —disse ela, e riu em voz alta, —quando eu tinha a sua conversa para desfrutar, capitão Blake?

Ele foi dispensado? Ou será que ela esperava que a acompanhasse para dentro de casa? Pela milésima vez, ele se ressentia terrivelmente da falta de conhecimento das sutilezas do comportamento educado.

—Eu não vou mantê-lo —disse ela. —Você deve estar ansioso para voltar para a sede e encontrar o seu passe. Temo que seja tarde demais para falar com o general hoje, apesar de tudo. Bom dia, capitão. —Ela tinha deixado a mão na dele.

—Adeus, senhora —disse ele. E fez o que pensava e esperava que se esperava dele. Levou a mão dela aos lábios. E olhou para seu rosto quando fez isso, para encontrar seus olhos em suas mãos e seus lábios em despedida. Senhor, ele poderia provar de sua doçura ainda e sentir a nitidez de seus dentes perfeitos. —Sua tia terá o prazer de a ter segura.

Ela sorriu e levantou os olhos para ele. —Nunca diga adeus, capitão —disse ela. —Parece tão final. Eu o intimo para que nos encontremos de novo. —E, finalmente, ela retirou a mão da dele e sinalizou, dessa forma completamente imperceptível em que as senhoras eram peritas, como dizendo que ele estava dispensado.

Virou para trás na sela, se voltou para a saudar, e sentiu todo o alívio que podia sentir, como quando se está sendo libertado de uma cela de prisão e certo da execução. Não esperava, pensou fervorosamente em reação a suas palavras finais. Deus, ele não esperava.

 

*


O exército francês destinado à invasão de Portugal, Exército de Portugal, como Napoleão Bonaparte gostava de chamar, ainda estava estacionado sobre Salamanca, o capitão Blake tinha ouvido de colegas policiais em seu boleto na noite anterior. Aos cinquenta e dois anos de idade, o Marechal André Massena tinha acabado de assumir seu comando. A maior parte dos exércitos britânicos e portugueses, sob o comando do Visconde Wellington, ainda estavam amontoados no centro de Portugal aguardando a esperada invasão do leste. A Divisão Ligeira ainda estava patrulhando o rio Côa, protegendo contra qualquer surpresa o avanço francês, e impedindo qualquer inteligência de sair à francesa.

Nada tinha mudado muito, embora já fosse o início do verão. O capitão Blake estava passeado em uma ante-sala na sede, na manhã após sua chegada a Viseu e desejou estar no Côa com o regimento. Não haveria perigo, a emoção, a sensação de estar em um lugar importante, em um momento importante. Ele esperava ser enviado para lá, que este desvio para Viseu fosse apenas com a finalidade de pegar papéis ou uma mensagem para o general Crawford, encarregado da divisão.

Ele foi mantido esperando por duas horas antes de um oficial de pessoal o chamar para a presença do comandante-em-chefe.

O capitão Blake sempre era atingido por duas impressões contraditórias relativamente ao Visconde Wellington. Uma era quão comum e despretensioso ele aparecia à primeira vista. Não usava uniforme militar, mas quase sempre estava vestido com roupas simples, bastante monótono. A outra, era como comandando a presença que ele tinha, uma vez passada a primeira impressão. Seu rosto era severo, com seu nariz adunco, lábios finos e olhos atraentes. E ainda uma explicação por toda a atenção voltada para ele sempre que estava presente, não era em seu rosto ou a sua altura, ele era uma pessoa magra. Era mais no homem interior.

—Ah, capitão Blake —disse ele, olhando para cima dos papéis espalhados sobre a superfície da mesa e reconhecendo a saudação do outro com um aceno de cabeça. —Você veio, finalmente, não é?

—Tão rápido quanto eu podia, senhor —disse o capitão Blake.

—E ainda assim o meu mensageiro voltou com o relatório ontem de manhã —disse o visconde, franzindo a testa.

O capitão Blake engoliu a sua indignação. —Eu fui direcionado para escoltar a Marquesa das Minas, senhor, —lembrou ao general.

—Ah. Joana. —Wellington posicionou a pena de escrita para baixo. —Uma senhora agradável, você não concorda? —O capitão Blake inclinou a cabeça, assumindo que a pergunta era retórica.

—Como está seu francês? —Perguntou o visconde. —O meu próprio é indiferente.

—Eu tanto posso compreender como me fazer entender, creio eu, —disse ao comandante.

—E o seu espanhol? —Mas o general acenou com a mão desconsiderando. —Não, esqueça essa pergunta. Eu sei que seu espanhol é para ser fluente. Eu preciso que você vá a Salamanca, para mim.

O capitão Blake parou e se forçou a se abster de qualquer reação ou de repetir o nome da cidade espanhola. Explicações sem dúvida seriam dadas.

—Direto para a cova do leão ou o ninho de vespas, por assim dizer —disse Lorde Wellington. —Está para ser capturado, capitão Blake. Se certifique de usar seu uniforme. Como você está, sem dúvida, ciente, os franceses tratam seus prisioneiros de guerra com cortesia, como fazemos com os nossos. Eles tratam os prisioneiros sem uniforme com uma barbárie, que nos deixam curiosos para, saber se eles podem ser uma nação civilizada, depois de tudo.

Foi mais difícil desta vez evitar as sobrancelhas erguidas. Sua tarefa era entrar no campo inimigo e se permitir ser capturado?

—Você não vai apenas andar até a cidade e entregar sua espada, é claro —disse o general, como se tivesse lido os pensamentos dele. —Você vai estar se comunicando com um bando de guerrilheiros espanhóis de Antonio Bécquer, você pode obter os detalhes mais tarde com meu secretário. E você vai ser muito relutante em ser capturado. Vai ter papéis cuidadosamente escondidos com a sua pessoa, mas não com cuidado suficiente, é claro.

O capitão Blake olhou e escutou. Ele sabia que as perguntas e comentários eram desnecessários neste momento.

—Sente, capitão —disse o visconde, se levantando. —Eu vou explicar a situação para você. Basta dizer que eu não gosto de divulgar informações importantes para uma única pessoa mais do que é necessário. Muito poucas pessoas, mesmo entre os meus oficiais superiores, sabem o que estou prestes a lhe dizer. E antes de eu fazer isso, eu preciso lhe perguntar. Você está disposto a realizar esta missão para mim? Não preciso lhe recordar que há perigo envolvido e que todas essas missões são voluntárias.

—Estou disposto, senhor —o capitão Blake disse, embora não tivesse certeza de estar ansioso. Cativeiro? A humilhação de perder sua espada para os franceses? E o tédio, talvez a degradação, de um encarceramento demorado?

—Isto é, então, para os seus ouvidos somente, capitão —disse o general. —Não deve ser repetido, mesmo sob o stress da tortura, que eu não antecipo ser o seu destino, desde que use o seu uniforme, é claro. Você notou alguma atividade incomum, quando viajou para o norte?

O capitão Blake pensava. —Muito pouco, senhor. —Disse ele, pensando do mal-estar da Passagem Montachique e no major Hanbridge lá. Mas isso não tinha sido literalmente atividade. —Grandes bandos de camponeses parecem ter se agitado em algumas fortificações ao norte de Lisboa, perto de Torres Vedras, mas seus esforços parecem ser inúteis e patéticos. Eu não vi nenhuma evidência de atividade militar.

—Ah, —Lorde Wellington disse, —suas palavras me agradam. Meus oficiais de engenharia são inteligentes em mais de uma maneira, parece. No outono passado, capitão Blake, dei ordens para uma cadeia e três correntes concêntricas de fortificações, numerosas e bastante inexpugnáveis, a ser construídas ao norte de Lisboa, a mais central deve passar por Torres Vedras, do oceano para o Rio Tejo. Antigos castelos, igrejas e torres estão sendo utilizados, montanhas estão a ser reformuladas, eu não posso entrar em detalhes. Essas defesas estão quase prontas. A principal, que com meus oficiais de engenharia, será o que venho chamando de as Linhas de Torres Vedras. Quando terminarem, e defendida por um exército de tamanho moderado, elas vão ser bastante intransponíveis. Qualquer exército vindo do norte pode ser revidado a partir de Lisboa, indefinidamente. Não tenho a intenção, você vê, que meu exército seja empurrado para dentro do mar. Vamos manter o nosso único ponto de apoio no continente da Europa, e eventualmente, teremos a força para mordiscar peça por peça, no império de Napoleão Bonaparte. No momento nós simplesmente, não temos a força numérica para avançar.

Capitão Blake ouviu fascinado, mas não disse nada.

—Quando Massena trouxer seu exército para Portugal, —disse o visconde —como ele certamente vai fazer em breve, uma vez que tem subjugado Ciudad Rodrigo e Almeida, ele vai marchar uma longa distância através das colinas, muito longe de suas linhas de abastecimento. E vai encontrar pouco conforto neste país. Os habitantes serão incentivados a se retirar diante dele, queimando todos os alimentos e suprimentos que não podem levar com eles. Ele não vai estar muito preocupado, acreditando firmemente que em breve será capaz de abastecer suas tropas nas lojas do tesouro de Lisboa. Quando atingir as Linhas de Torres Vedras, capitão, ele terá a escolha entre uma retirada difícil no final do ano com um exército faminto pela metade, e uma perfuração sem sentido, na esperança de rebentar o seu caminho através das linhas e chegar a Lisboa. A destruição de uma grande parte de seu exército deve estar certa.

O Visconde Wellington, que tinha estado andando pela sala, voltou para sua mesa e se sentou, olhando para o capitão Blake.

—Só uma coisa pode estragar o meu plano —disse ele, —e isso é Massena não fazer o que eu espero que ele faça. Ele poderia, é claro, marchar sobre Lisboa a partir do sul, e nós temos linhas de defesa ao sul do Tejo também, embora elas não sejam tão formidáveis. Mas eu não espero que ele vá para o sul. Irá, creio eu, agir previsivelmente, sob uma condição. Uma condição absolutamente essencial. A existência das Linhas de Torres Vedras devem permanecer um segredo total. Mesmo os meus homens vão acreditar que estão indo para a aniquilação quando eles recuarem em Lisboa. Vão me amaldiçoar redondamente, capitão Blake.

—Sim, senhor, —o capitão Blake disse, e viu seu comandante-em-chefe sorrindo artificialmente. Graças a Deus, ele estava pensando, que o Major Hanbridge lhes tinha apressado na passagem, antes que as perguntas da marquesa se tornassem mais aguçadas.

—Meu exército tem feito um excelente trabalho de vedar a fronteira para a inteligência francesa —disse Lorde Wellington. —O próprio posicionamento do exército francês mostra que eles não sabem o que terão de enfrentar. Mas as coisas vão vazar, capitão. Três detalhes têm me perturbado um pouco nas últimas semanas. Minha própria inteligência me informou que pequenos grupos de homens de Massena estão verificando a rota do sul. E alguns dos nossos amigos espanhóis me informaram que os franceses têm em suas mãos algum papel cuja descrição parece muito com um diagrama sem marcação das Linhas de Torres Vedras. Eles estão começando a suspeitar da verdade? Essa é a pergunta que eu tenho feito. E em terceiro lugar, eles ainda não se moveram, embora seja quase julho. É evidente que algo está errado, algo os perturba. Mais uma vez, é que eles suspeitam da verdade? Será que, afinal de contas, balançam para o sul?

Ele colocou os cotovelos nos braços da cadeira e juntou os dedos. Olhou pensativo para o capitão Blake.

—Você tem que ser pego com um diagrama das linhas com você, capitão —disse o general. —Um diagrama enganoso, é claro, para convencer os nossos amigos que os estamos esperando do sul e temos defesas muito instáveis de fato no norte. Caberá a você convencer os oficiais franceses que irão lhe interrogar, que o papel é autêntico. Caberá a você os convencer de que é plausível ter um papel tão importante em sua pessoa, quando estará viajando para a Espanha. Você vai discutir o assunto com a minha secretária e relatar de volta para mim amanhã. Espero que esteja em seu caminho dentro de dois ou três dias. Você entende a sua missão?

—É para me certificar a todo o custo que o exército francês venha por aqui, senhor —disse o capitão Blake.

—Que eles não permaneçam onde estão, nem sigam para o sul —completou o Visconde Wellington.

—Sim, senhor —disse o capitão. —Eu entendo.

—Você, naturalmente, vai ter dúvidas depois de ter pensado sobre tudo o que lhe tenho dito, —disse o general. —Tem alguma agora, capitão?

O capitão Blake lambeu os lábios. —Devo ser um prisioneiro hostil, senhor? —Perguntou. —Ou tenho de dar a minha liberdade condicional, se me for oferecida a chance?

—Oh, sua liberdade condicional, por todos os meios, —disse Lorde Wellington. —Eu não gostaria que o seu cativeiro se torne de alguma forma desconfortável, capitão.

—O senhor não iria querer que eu tentasse escapar, então, senhor? —Perguntou o capitão Blake.

—Certamente não, se sua liberdade condicional lhe for dada e seus captores fizerem sua parte o tratando com cortesia —disse o visconde com as sobrancelhas levantadas. —Você vai ser trocado por um prisioneiro francês de igual categoria no devido tempo, capitão Blake. Há mais alguma pergunta?

—Nenhuma no momento, senhor —disse o capitão Blake. Seu coração se sentia como se estivesse em suas botas. Depois de meses de encarceramento em um hospital em Lisboa, ele estava para ter um breve vislumbre de liberdade, apenas para a perder novamente e deliberadamente, e não sabia por quanto tempo. Enquanto sua companhia, seu regimento e seu exército se preparava para a batalha, ele seria um prisioneiro de seu inimigo. E uma vez que sua liberdade condicional fosse dada, a honra não teria sequer lhe permitido tentar escapar.

—Se uma troca é feita em breve —disse o general, —ou se você se encontrar libertado por qualquer outra razão, capitão, vou esperar que nos ajude em nossa causa a persuadir os habitantes do campo para queimar tudo que ficar para trás deles, e recuar com o nosso exército. Essa tarefa terá precedência sobre se reunir ao seu regimento.

—Sim, senhor, —disse o capitão Blake, mas seu espírito não foi levantado. Era improvável que houvesse qualquer troca de prisioneiros antes de a campanha do verão acabar. Ele levantou e fez uma saudação elegante.

—E, capitão, —o visconde disse antes que ele saísse da sala, —você recebeu ou vai receber um convite para um baile que está sendo dado pela Condessa de Soveral, amanhã à noite. Ela é a tia da marquesa, você sabe. Eu acredito que a senhora deseja expressar sua gratidão a você, por acompanhar a sobrinha com segurança desde de Lisboa. Assuntos cansativas, estes. Mas temos de manter relações amigáveis com nosso país de acolhimento. Eu espero que você vá participar.

—Sim, senhor, —o capitão Blake disse, e saiu da sala, uma vez que parecia não haver mais nada a ser dito. E se houvesse um lugar mais baixo do que as botas para o seu coração estar, pensou, então era onde ele estava. Ele ia ter que ver a mulher sangrenta novamente, e em seu território, um baile em que era inteiramente provável que o comandante-em-chefe estivesse presente. E ele seria capaz de apostar que ela tinha ficado pessoalmente conivente com o convite e apenas para que pudesse testemunhar seu embaraço e desconforto total. Provavelmente jamais passou pela cabeça da tia lhe agradecer.

Inferno, ele pensou. Inferno e danação! Ele deveria ter seguido o conselho do cirurgião e pedido baixa por doença durante o verão.

 

*


—Eu peço desculpas por trazê-la para uma sala que oferece tão pouco conforto para uma senhora, —o Visconde Wellington disse mais tarde no mesmo dia. —Mas parecia mais seguro para falar sobre questões delicadas aqui em vez de na casa da condessa.

Joana riu. —Mas você esquece, Arthur, que eu nem sempre sou uma senhora —disse ela, —e, ocasionalmente, tenho muito menos conforto do que esta sala proporciona. Por isso, estou a fazer um inimigo mortal do capitão Blake, estou? Não vai ser difícil, eu acho. Ele não gosta muito de mim, nem me aprova.

O visconde olhou para ela e franziu a testa. —Ele a tratou com descortesia? —Perguntou. —Eu o devia ter enforcado.

Ela riu novamente. —Oh, não, não —disse ela. —Ele não se comportou mal. Mas eu estava La Marquesa no meu melhor, você vê. Você me disse que eu o devia conhecer, e assumi que isso significava que devia flertar com ele. Flertei. Mas temo que o seu capitão é feito de material rígido. Ele não aprova flertes, não que dissesse isso. —Joana sorriu outra vez com tristeza ao lembrar de ser chamada de cadela.

—Este é um assunto muito delicado e perigoso, Joana —disse Lorde Wellington. —Eu já estive com ele agonizante. Mas parece que é a única ideia que poderia funcionar. O capitão Blake deve estar carregando o plano real para as Linhas de Torres Vedras.

—Mas é para ser selado e não é para ele perceber a verdade —disse ela.

—Ele é um bom homem —disse o visconde. —Provou isso em muitas ocasiões. Mas não sei se ele acrescenta habilidades de atuação entre suas outras. Vai ser melhor, eu decidi, se ele não estiver agindo. É claro que ele vai negar que os papéis são reais quando forem descobertos e ele os vir. E os franceses vão suspeitar que ele blefou, mas vão ter medo do blefe em si. Eles não vão saber muito bem o que acreditar. E será aí que você entra, Joana.

—Eu vou convencê-los de que o capitão Blake é o espião mais altamente qualificado —disse ela, —e que ele deliberadamente se deixou capturar, para os confundir, a fim de os fazer acreditar por suas negativas, que as defesas reais estão no norte. Eu entendo, Arthur. Assim, mesmo quando ele perceber que eu estou, sem querer, ajudando sua causa, ele vai me odiar como ele odiaria veneno. Delicioso!

—Você não tem que fazer isso, Joana, —Lorde Wellington disse com uma careta. —Eu ainda posso ter uma chance em que quase acredito, que é a de que os franceses não têm nenhuma ideia de uma possível armadilha esperando por eles. Odeio ver você se colocar em perigo. É Wyman ainda especial em suas atenções? O lugar muito mais seguro para você, neste momento, seria a Inglaterra.

—O lugar mais seguro para Maria e Miguel teria sido a Inglaterra também —disse ela, tanto sua expressão como sua voz mudados. —Não, o trabalho será feito, Arthur. Os franceses virão desta forma e vão acreditar que eles têm passagem livre para Lisboa. Talvez, em algum momento no futuro, eu vou ter a chance de pedir desculpas a seu pobre capitão. E que pedaços de informação útil e inútil eu posso levar comigo para Salamanca?

—Oh. —Lorde Wellington acenou com a mão no ar. —Você pode lhes dizer que estou aqui, Joana. Eles, sem dúvida, vão suspeitar, tanto mesmo se não sabem com certeza. Você pode dizer que estou pronto para o voo com as forças estacionadas no norte, para ajudar a repelir a invasão pela rota do sul, mas que não me atrevo a deixar aqui, ainda por medo de que eles podem vir desta maneira. É esta informação suficiente?

—Oh, Arthur, posso lhes dizer sobre o camponês patético que tenta fortalecer a Torres Vedras? —Perguntou a ele, sorrindo. —Eles pareciam patéticos, você sabe, um pouco como uma pequena pessoa de pé no meio de um rio na cheia, tentando segurar as águas. Os franceses vão se deliciar com a minha descrição. Eu o devo fazer muito bem. E isso vai fazer que o blefe do capitão Blake parecesse muito mais ridículo.

—Por todos os meios —disse ele. —Você os vai entreter, Joana.

—E talvez, por este tempo, haverá novas tropas, os novos oficiais em Salamanca —disse ela com um suspiro. —Talvez ele vá estar lá neste momento. Eu vivo por este dia.

O comandante-em-chefe olhou para ela pensativo. —Se ele estiver, Joana —, disse ele, —será um trabalho para o seu irmão. Você não deve tentar o enfrentar.

Ela sorriu brilhantemente para ele. —Uma vez que eu tenha traído o pobre capitão Blake, minha tarefa está feita? —Perguntou ela.

—Só mais uma coisa se isso pode ser arranjado —disse ele. —A ele vai, sem dúvida, ser oferecida a liberdade condicional, que foi instruído a lhe dar. Mas ele é um jovem inquieto e será muito infeliz, se não puder passar, pelo menos, uma parte do verão entre seus atiradores amados. Além disso, preciso de alguns homens em uniformes, com um conhecimento da língua portuguesa, para persuadir essas pessoas pobres a deixar suas casas e destruir tudo atrás deles. Se você puder encontrar qualquer caminho para a sua liberdade condicional, para ser quebrada sem perda de honra para ele, Joana...

Ela levantou as sobrancelhas. —Ah, um desafio —disse ela. —Realizando o impossível. Vou ver o que posso fazer, Arthur. E então a marquesa pode desaparecer por um tempo?

Ele franziu a testa. —As colinas serão perigosas com os franceses vindo através delas, Joana —disse ele. —Eles não são gentis com partidários capturados, você sabe. E nós nunca seremos capazes de os persuadir de que o Ordenanza Português é um tipo de organização militar, e que seus membros têm, portanto, direito a ser tratados como soldados. Eu preferiria que você voltasse para Lisboa, com toda a velocidade, como a marquesa.

Ela sorriu. —Mas eu não pretendo ser capturada, —disse ela. —E eu vou explodir em mil pedaços, se não puder ser livre por, ao menos, algumas semanas.

—Eu não tenho poder sobre você em tudo, é claro —disse Lorde Wellington. —Mas não se esqueça de proclamar sua cidadania francesa em alto e bom som, se você for pega, Joana. Não que seja provável que será acreditado, é claro, a menos que tenha a sorte de ser tomada por alguém que você conheça.

Ela ficou de pé e estendeu a mão para ele. —Você estará no baile amanhã à noite? —Perguntou ela. —A Madrinha de Duarte vai ficar desapontada se você não for. Minha tia. —Ela sorriu. —Eu tenho tantas tias.

—Eu não perderia isso —disse ele, pegando sua mão e se curvando sobre ela. —Eu instruí o capitão Blake a participar.

—Ah —disse ela. —Por isso, estou a trabalhar mesmo durante um baile, não estou? Temo que ele vá temer a noite, mais do que ir para a batalha. Quem é ele, Arthur? O que era ele antes de se alistar?

—Ele é um dos meus oficiais —disse ele, com o rosto completamente impassível. —O passado não tem significado para mim, Joana.

—Ah. —Ela riu. —Um tapa nos dedos. Eu merecia. Mas é claro, estou mais intrigada do que nunca. Terei de provocar a informação no próprio capitão. Presumo que o flerte seria o melhor tratamento amanhã à noite?

O visconde sorriu. —Eu não acredito que precise lhe ensinar o seu trabalho, Joana —disse ele. —Até amanhã à noite, então.

—Vou olhar para a frente —disse ela.

Mas quando o oficial lhe entregou em sua carruagem, poucos minutos depois, ela não tinha certeza de que o faria. Ela iria vê-lo novamente e ter a chance de flertar com ele de novo, o que em si representava um desafio interessante. O capitão Blake não era bom para o flerte, talvez, mas ela suspeitava que ele fosse realmente muito bom, para o que ela nunca tinha permitido seguir ao flerte. Embora o tivesse quase permitido com ele. Se lembrou de forma intensa do abraço terrível em Óbidos, terrível, porque ela quase perdeu o controle, tanto da situação quanto de si mesma. E ainda sentia um pesar vergonhoso, por haver permitido os assuntos prosseguirem, pelo menos, um passo adiante. Embora soubesse com o instinto de uma mulher, certamente, com nada que ela tinha aprendido durante seu casamento que um passo adiante teria levado ao ponto de não retorno. E então, talvez, ela tivesse estado perdida para sempre.

O iria ver novamente na noite seguinte. E iria flertar com ele. E então, em Salamanca, o iria trair, rir dele, fazer dele um tolo, o alvo do humor francês. E teria que lhe dar uma saída honrosa para sua liberdade condicional, a promessa dada de não tentar escapar. Ela já tinha uma ideia. Seria a única viável. E seria mais uma coisa para lhe desgostar dela, para ele a odiar.

Joana suspirou. Não queria que o capitão Robert Blake a odiasse. Mas esse era um pensamento tolo. Havia uma guerra a ser travada, e a iria combater, de qualquer maneira que ela pudesse contribuir. Iria lutar contra os franceses, embora ela própria fosse meio francesa, embora seu pai fosse francês e vivesse em Viena, trabalhando para o governo francês. Iria lutar contra os franceses, porque um francês merecia morrer em suas mãos.

Não importava que um oficial inglês viesse a lhe odiar, mesmo que ele não o fosse fazer já. Ela o queria ajudar a cumprir sua missão, embora ele não a fosse realizar. E o estaria ajudando a fugir, para que ele pudesse voltar ao seu regimento e se matar na próxima batalha campestre.

Talvez em algum momento no futuro, ela seria capaz de explicar a ele. Mas se não o fizesse, não importava. Ele era apenas um soldado e ela outro.


Capítulo 9


—Ah sim. Capitão Blake —A Condessa de Soveral, pelo menos, parecia aliviada que ele tinha falado com ela em sua própria língua. Mas ela sorriu vagamente para ele, o acolheu em sua casa e sua festa, e se virou educadamente para cumprimentar os próximos recém-chegados.

O capitão Blake teria sorrido se a coisa toda não o tivesse feito se sentir tão danado e desconfortável. Longe de esbanjar gratidão, por ter trazido a sobrinha com segurança todo o caminho de Lisboa, a condessa tinha parecido não saber quem diabos ele era.

Era um pouco como uma repetição da festa de Angeja, em Lisboa, exceto que havia menos cantos escuros em que se derreter e, também, que ele se sentia menos livre de se retirar depois de um tempo decente. Supôs que deveria esperar até o fim, ou, se com sorte, até que tivesse sido notado suficientemente, tanto pela marquesa como por Beau, e só então poderia fazer a sua fuga.

Ele preferia estar rastejando sobre Salamanca, à espera de ser capturado, pensou, quando entrou no salão de baile tentando parecer casual e discreto. Preferia estar indo para a batalha, à frente das linhas de infantaria com seus batedores, à espera de um combatente inimigo para o pegar fora. Preferiria estar em qualquer outro lugar, menos onde estava.

Não era difícil de detectar a Marquesa das Minas, ou pelo menos o lugar onde ela estava. Era denso e repleto de oficiais, que ostentavam os uniformes mais lindos e as posições mais luxuosas de prata, ouro e rendas.

—Bob! —Uma voz alegre o saudou, quando se movia para o outro lado do salão. —Aí está você. Soube que estava na cidade.

Ele se virou e sorriu com algum alívio ao capitão Rowlandson da Quadragésima Terceira, cujo banguelo sorriso era bem-vindo em um mar de rostos geralmente desconhecidos.

—Ned —disse ele, —o que você está fazendo aqui?

—Mensageiro menino —o outro disse. —Cheguei na noite passada. No meu caminho na primeira luz da amanhã. Tive que vir esta noite, no entanto, para pagar os meus respeitos à marquesa. Ou, provavelmente, não pagar meus respeitos, na verdade. Culto de longe —é mais parecido com isso. Você foi designado para a acompanhar para cá, de Lisboa, eu ouvi. Cachorro sortudo! Me fale sobre isso.

—Viajamos rápido, —Blake disse com uma risada. —Eu estava apenas há um dia, depois de chegar aqui, do que teria estado no meu próprio recorde. O que está acontecendo no Côa?

—Johnny está tentando se esgueirar, querendo passar, e a divisão o segurando de volta —disse o capitão Rowlandson. —Crawford está em seu elemento. Espera grande heroísmo, quando o impulso vier realmente. Ele gosta de pensar que é mais eficaz do que todo o sangrento exército junto. Faz uma vida interessante e provavelmente suma, apesar de tudo. Você sobreviveu, então, Bob? Houve uma aposta sobre isto, mas ninguém seria capaz de apostar que você não o faria. Teimoso demais, metade a morrer só porque uma bala perdida não acertou seu coração por uma polegada, Reid disse, e ele não quer dever a sua capitania só porque você morreu, de qualquer maneira. Você vai voltar comigo?

Capitão Blake fez uma careta. —Eu tenho alguns negócios aqui primeiro —disse ele. —Material tedioso. Poupar alguns de lutar por mim, embora, Ned. Não tome toda a glória para si mesmo.

Capitão Rowlandson riu gostosamente. —Eu quero dançar com a beleza de cabelos escuros, pouca altura, olhos verdes —disse ele. —Do outro lado da sala, Bob. Você a vê? Eu vi os olhos, pelo menos, três vezes na última meia hora e não acho que é uma coincidência. Talvez ela goste de cabelo vermelho, hem? É uma desvantagem não ter nenhum conhecimento de português, apesar de tudo. Venha falar com ela como acompanhante para mim?

Capitão Blake teria realmente preferido não, uma vez que a beleza em questão estava sentada bem perto de onde a marquesa estava de pé, rindo e flertando, com uma corte que era certamente maior do que a de Lisboa. Às vezes, ele pensou, seguindo o capitão Rowlandson, ele lamentava sua facilidade com as línguas.

O assunto foi logo resolvido, a garota alta e seu acompanhante parecendo apenas ter muito prazer em aceitar a oferta de parceria de um oficial britânico, apesar do fato de eles não falarem uma só palavra de inglês entre eles. Capitão Blake se afastou do acompanhante com uma curva, quando o casal deu um passo para o centro, para a dança que estava prestes a começar.

A marquesa estava de branco, ele descobriu sem surpresa, quando não pôde resistir olhar seu caminho. O vestido brilhava com fio de prata. Seu cabelo escuro estava mais severamente puxado, para trás de seu rosto do que o habitual. O estilo suave brilhava à luz das velas. A cascata de cachos na parte de trás de sua cabeça era mais suave, mais completa do que o habitual.

E então ele lamentou a tentação de olhar, e até mesmo olhar. Ele chamou sua atenção e inclinou a cabeça com alguma confusão. Mas antes que pudesse desviar o olhar, ela levantou seu leque de penas brancas em seus lábios e seus olhos riram dele por cima. Seria grosseiro retirar seus olhos e ir embora. E, no entanto, mesmo sem ter que olhar para baixo, ele sabia que o seu casaco verde cuidadosamente escovado e as botas cuidadosamente polidas pareciam mais do que gastos, em contraste com os uniformes lindos em torno dela. Respirou fundo e caminhou em direção a ela.

—Capitão Blake —ela disse, e baixou seu leque sorrindo totalmente para ele —você está atrasado e cada um desses senhores está pronto e ansioso para dar um tapa com uma luva na sua cara, e o chamar para fora por ter reservado a primeira dança comigo.

—Ninguém merece dançar com você, quando não se dignou a lhe buscar até que a música quase tenha começando, Joana —um capitão da Guarda disse, olhando para o capitão Blake com desdém, misturado a diversão. —Você deve enviar o companheiro para o seu lugar, com algumas palavras afiadas.

—O que, Joana? —Um tenente-coronel da Legião alemã do Rei disse com uma bem-humorada risada. —Todos nós fomos depostos por um mero capitão dos Rifles malditos, implorando perdão para o meu alemão. Todos eles se acham a elite só porque eles são os melhores atiradores no exército. Blake, não é? O herói do recuo do último verão de Talavera? Bem, se você tem que dançar com um atirador, Joana, ele poderia muito bem estar como um herói, eu suponho.

Ela colocou a mão no braço do capitão, sorrindo para o grupo decepcionado de admiradores. —Você chegou atrasado, capitão —disse ela, rindo para ele, quando já estavam na pista de dança. —Você dança, pelo caminho?

—Eu o faço, minha senhora —disse ele. Não sorriu de volta para ela. Nunca tinha dançado em um grande baile, e não tinha vontade de dançar com ela, sabendo que a metade dos olhos masculinos na sala estaria sobre eles. E ele não gostava de ser manobrado e se sentir como um fantoche em uma corda novamente.

—Você vê como eu estou lhe agradecendo por ser o meu acompanhante? —Disse ela. —Estou lhe concedendo a primeira dança da noite, capitão, antes mesmo que pudesse pedir por ela. Você tem alguma ideia de quantos homens perdi?

—Eu provavelmente poderia dar um palpite, minha senhora —disse ele. Mas a música começou naquele momento e os salvou de mais conversa por um tempo quando eles se movimentaram para uma quadrilha.

—Ah —, disse ela depois de alguns minutos —você sabe a dança, e muito bem também. Você deve ter tido um bom professor.

—A minha mãe —disse ele.

Ela sorriu. —Ela gostava de dançar? —Perguntou ela. —Ela dançou muito?

—Comigo, sim —respondeu. —E, ocasionalmente, com o meu pai.

Ele deveria ser muito jovem. Podia se lembrar de assistir em delírio, quando eles realizaram os passos de danças da corte e os mais rápidos, enquanto sua mãe cantarolava a música e seu pai ria. Ele podia se lembrar de puxar a saia da mãe e calças de seu pai, até que um ou outro o havia levantado e continuou a dança. Aqueles foram os dias em que ele tinha considerado a sua vida familiar normal e feliz.

Tinha sido feliz.

—Capitão Blake —a marquesa disse: —você está me negligenciando. Você se retirou para algum sonho. Será que eles dançavam em eventos da sociedade? E são ambos passado? Você perdeu o seu pai, bem como a sua mãe?

Ele olhou para ela e se perguntou se ela não o tinha reconhecido. Será que ele tinha mudado tão completamente em onze anos? Ou significara tão pouco para que ela, que o havia esquecido assim que a carruagem de seu pai a levou para fora da vista de Haddington Hall? Ela não tinha mudado muito, exceto que a menina brilhante com seus sonhos de crescer e aproveitar a vida tinha amadurecido para a mulher coquete, que talvez tenha demais na vida para pensar na felicidade. Ele se perguntou se dentre todos os amantes que ela deveria ter tido, ela já amara. Ele se perguntou se ela tinha amado o marido.

Não que o amor importava muito para ele também, é claro. —Não que eu saiba —disse ele.

Ela suspirou. —Eu deveria ter aprendido até agora —ela disse, —que você vai responder apenas uma pergunta de cada vez, capitão. Eu deveria ter lembrado de perguntar apenas uma de cada vez. Você ama sua mãe?

—Ela era a âncora da minha felicidade, e a segurança de como eu cresci —disse ele.

—E seu pai ficou tão profundamente aflito depois que ela morreu, que tudo desmoronou? —Disse ela. —Foi por isso que você se alistou no exército?

—Eu me alistei —disse ele, —porque queria o desafio de fazer o meu próprio caminho na vida.

Ela suspirou novamente e então riu. —Eu fiz isso de novo —disse ela. —Fiz duas perguntas e tive a menos importante respondida. Sou uma pessoa curiosa, capitão. E, geralmente, é fácil descobrir tudo o que há para saber sobre os homens. Fazendo uma única pergunta, eles irão discorrer ansiosamente, sua história de vida. Posso entender por que você é um espião. Ah, e lá está Arthur. Estou tão feliz que ele veio. Minha tia teria se considerado sempre um fracasso social se ele tivesse esquecido de dar uma aparição. Já falou com ele desde a nossa chegada?

—Eu tenho trocado algumas cortesias com ele, minha senhora —disse ele.

Ela o favoreceu com o mais brilhante sorriso encantador. —Oh, capitão, —disse ela, —Eu vou apostar que você trocou um pouco mais do que isso. É difícil falar e dançar ao mesmo tempo, não é?

Isso foi. Ela era a luz em seus pés e de olhos brilhantes e bonito. E ela usava o mesmo perfume que ele tinha notado em Óbidos. A noite que haviam passado, parecia agora, um pouco como o sonho e o pesadelo, tudo em um. A sensação dela, pequena e quente e bem torneada em seus braços, o cheiro dela, o gosto de sua boca, o desejo que tinha queimado nele, a maravilha de sua resposta. E o final doloroso do abraço, e seu riso e provocação, e o conhecimento de que ela deve ter olhado para ele, sabendo que era tão vulnerável a seu charme como qualquer um de seus inúmeros admiradores.

—Você deve reservar um outro conjunto de danças comigo, capitão —disse ela, com os olhos rindo com o brilho da provocação familiar. —Imediatamente depois do jantar? Sim, isso ainda não me foi pedido. Eu não permito danças reservadas tão antes do tempo, você sabe, porque eu nunca sei com quem vou querer dançar. Mas no seu caso, vou abrir uma exceção. E nós não vamos dançar, mas sair em um dos pátios de minha tia, que é mais privado do que o pátio principal? Muito bem, então, vou me arriscar sem arrastar Matilda lá para fora também. Matilda odeia o ar livre à noite. Eu gosto de sua sugestão, capitão. Por essa hora da noite eu vou estar cansada de dançar e pronta para algum ar fresco. Obrigada. Eu aceito. —Ela riu alegremente.

—Será que qualquer homem jamais disse não para você? —Perguntou. Ele não estava retornando seu sorriso.

Ela olhou para cima, como se estivesse pensando. —Não —disse ela. —Nenhum homem fez. Você está planejando ser o primeiro, capitão? Que cansativo. Você não vai dançar comigo novamente ou sair ao pátio comigo? Vou ter de encontrar um canto em que fazer beicinho. Ou melhor ainda, eu devo plantar os pés aqui, voar em uma paixão e ter um ajuste dos vapores. Será?

—Tenho a sensação —disse ele, —que se eu decidir pagar para ver seu blefe, eu deveria achar que não era blefe de todo. Estou certo?

Seus olhos dançaram com alegria. —Ah, capitão, —disse ela, —onde estaria a diversão da situação, se eu fosse responder a essa pergunta? Você deve jogar covardemente e voltar para mim depois do jantar, ou você deve arriscar as consequências. O que é que vai ser?

Por um momento de descuido, ele sorriu de volta para ela. —Se fosse uma arma que estava apontando para minha cabeça —disse ele, —que pode ou não pode estar carregada, eu acho que vou pagar por seu blefe, senhora, e o risco de ter o meu cérebro explodido. Mas os gritos de uma senhora, eu não acho que poderia enfrentar. Posso reservar a dança após o jantar? E você talvez prefira passear lá fora do que dançar?

—Sim e sim, senhor, —disse ela. —Que tipo você é. É a música chegando ao fim? Que triste. Eu queria fazer mais perguntas sobre sua mãe. —Ela suspirou.

—Mas, infelizmente a música está chegando ao fim —disse ele.

—Capitão Blake —disse ela, —quando você sorri, ou dá um sorriso, eu acho que seria o termo mais apropriado, você é mais bonito do que qualquer outro homem na sala, apesar do fato de que alguém não definiu seu nariz bastante simples, depois de ter sido quebrado e apesar do fato de que alguém tentou esculpir um caminho através de suas bochechas e nariz com algum instrumento afiado e teve um sucesso considerável fazendo.

Ela riu alegremente para sua expressão. Como é que se responde a essas palavras?

—Eu tenho dezenas de perguntas sobre aquelas velhas feridas também, —ela disse quando a música terminou e ele a acompanhou de volta para o lado do salão onde sua corte já estava se reunindo. —Não nos faltará assunto para uma conversa, depois do jantar.

Ele se inclinou sobre a mão dela, sentindo as costas endurecer ao se dar conta que, pelo menos uma dúzia de pares de olhos o observava, e se retirou para o outro lado da sala, onde amaldiçoou sua sorte. Tendo dançado com ela, e sentido os olhos do Visconde Wellington sobre eles, enquanto dançavam, ele agora deveria ser capaz de se retirar com a consciência limpa, e se concentrar nos dias difíceis pela frente, para limpar sua mente de uma mulher que, apesar de seus esforços contra, tinha tentado o usar como um brinquedo, desde o seu primeiro encontro em Lisboa.

Em vez disso, ele teve que esperar por pelo menos duas horas, até que chegasse o momento de passear com ela no pátio interno de sua tia, sem sua acompanhante. O próprio pensamento o fazia se maldizer e preparar seu corpo para a dor.

 

*


O Verão estava sobre eles. Era uma noite quente, e o pátio da condessa estava tranquilo e protegido de qualquer brisa que pudesse haver. Havia árvores para oferecer frescor para o calor de dia, e flores para adicionar sua fragrância, até mesmo à noite.

—Como foi inteligente de sua parte sugerir que passeássemos por aqui, —disse Joana, o braço apoiado no do capitão Blake. —É abençoadamente fresco e silencioso. —Ela fechou os olhos e respirou fundo o ar fresco.

—Extremamente inteligente, —ele disse, —considerando o fato de que eu não sabia de sua existência.

Ela riu. Estava se sentindo tanto alegre como triste. Exultante porque ia ficar sozinha com ele por meia hora, com toda a sua seriedade e incomunicabilidade, o que o tornava mais fascinante do que qualquer um dos inúmeros cavalheiros no salão de baile, que teriam dado um braço direito para o privilégio de tomar o seu lugar. E triste, porque o deveria enganar e porque ela não poderia estar o bastante com ele.

Sua tristeza e as razões para isso a incomodavam.

—Eu acho —ela disse, —que vamos passear em silêncio aqui, se eu não recitar uma série de perguntas. Você conversou com Arthur, não é mesmo? Ele tem uma tarefa para você?

—Eu irei voltar ao meu regimento amanhã, senhora —disse ele, —com mensagens para o general Craufurd. —Ela olhou para ele e riu.

—O herói da retirada de Talavera e ocasionalmente, oficial de reconhecimento para o comandante-em-chefe —ela disse, —que fez seu caminho para Viseu meramente para entregar uma senhora com segurança para o seio de sua tia, e levar as cartas de um general para outro, como um garoto de recados? Sou eu boba para acreditar, capitão?

—Francamente, minha senhora —disse ele um tanto rigidamente, —não me importa o que você acredita.

—Oh, não mesmo? —Ela tirou o braço do dele e parou de andar, a fim de o olhar no rosto. E lhe sorriu. —Você realmente não se importa? Dezenas de homens sim. Deve ser diferente em que mais, também? Será que é o único que não se importa se eu estou viva ou morta?

—Você ampliou o significado das minhas palavras, —disse ele. —Eu não disse isso.

—Então você se importa? —Ela correu um dedo por seu braço, para baixo, da manga do cotovelo ao pulso.

—Está jogando com as palavras —falou ele. —E eu não tenho nenhuma habilidade. Suas perguntas pressupõem respostas, mas se eu as der, posso ser levado a dizer o que eu não desejo.

—Ah —disse ela, e suspirou. —Você vai sair amanhã, capitão? Não vai se arrepender de nunca me ver novamente?

Ele a olhou nos olhos e não disse nada. E ela sabia que ele tinha acabado de lhe dar mais uma razão para sua fascinação para com ele. Ele não se permitiria ser levado na conversa, como outros homens. Ela não o podia fazer dizer o que queria que dissesse.

—Nunca é muito tempo, —disse ela, colocando a mão de leve em sua manga.

Ele olhou para a mão dela. —Você não deve flertar comigo —disse. —Nós não habitamos o mesmo mundo ou jogamos os mesmos jogos, senhora. Socialmente falando, sou um ninguém, como eu já disse antes, e você é uma alguém. Eu sou perigoso para se flertar, como você deve ter aprendido em uma ocasião anterior. Não sei nem as regras, nem os limites do jogo.

Ele estava certo. Uma parte dela estava aterrorizada. Mas outra parte estava animada, além da medida. Lembrou da sensação de desamparo, e da tentação de se render quando ele a levantou contra si, até que apenas os dedos dos pés descansavam no chão. Lembrou do sabor de sua língua profundamente afundada em sua boca. E ela sabia que havia perigo, não o de que da próxima vez ele não fosse parar, mas o perigo de que, da próxima vez, ela não o impediria.

—Quem falou em flertar? —Respondeu. Suas próximas palavras a surpreenderam. Elas não foram planejadas. —Eu queria que você não estivesse indo. Eu não estou pronta para dizer adeus.

A mão dela ainda estava descansando levemente em seu braço. Ela podia sentir os músculos tensos. —Robert —ela disse suavemente. —É um nome lindo. Eu conheci outro Robert uma vez. —Havia uma faísca de algo em seus olhos, quando olharam fixamente de volta para o dela.

—Ele era um menino doce e gentil —ela disse, —bem diferente de você. Só que ele tinha o cabelo loiro, que ele usava mais comprido, e os olhos azuis, que sonhavam e sorriam. Ele morreu. —Seu braço sob sua mão quase tremia com a tensão. Ah, Robert, —ela continuou, —você não joga limpo. Você me avisa para não flertar, mas que escolha eu tenho, quando você apenas fica lá e não vai fazer nenhum movimento? Nós temos que voltar para o salão de baile e dizer um adeus civilizado, e nunca mais nos ver ou pensar numa outra vez?

—Por que você deseja ver ou pensar em mim depois de hoje à noite? —, Robert perguntou.

—Por quê? —Ela olhou em seus olhos e deu de ombros. —Talvez porque você seja diferente. Talvez porque você tem sido o único homem, por um longo tempo, que não me quer. E ainda assim você me queria em Óbidos, não foi?

Ela o observou engolir na escuridão. E se sentia estranhamente, quase a ponto de chorar. Ela o iria ver novamente. Ele não sabia disso, mas ela sim, e não queria que isso acontecesse, não dessa forma. Droga, Arthur e seus esquemas tortuosos. Por que Robert não podia ter tudo explicado a ele? Por que não poderiam suas próprias habilidades de atuação ser postas à prova? Por que ela sempre tinha que jogar de namoradeira eterna? E com o último homem na Terra com quem queria flertar?

Ela suspirou. —Esta não foi uma boa ideia, não é? —Disse. —Será melhor que retornemos para o salão de baile. Há senhores suficientes lá, esperando para dançar comigo, me buscar bebidas ou para segurar meu leque, enquanto eu ajusto uma prega do vestido. Não preciso estar aqui, tentando conversa com um homem silencioso ou tentando persuadir uma estátua de mármore que me beije. Está frio. —Ela estremeceu. —Não está frio?

—Não. —Suas mãos estavam em seus braços nus, grandes e fortes, e quentes, se movendo para cima e para baixo. —Não, não está frio. —E a puxou contra ele, passando os braços calorosamente sobre ela. Ela virou a cabeça e descansou a bochecha contra seu coração e fechou os olhos. E uma mão alisou suavemente o topo de sua cabeça. —E não, eu não quero sair amanhã, sabendo que nunca mais a irei ver. Mas é um pensamento tolo. Somos de mundos diferentes, ma... senhora.

—Joana —ela sussurrou. —Joana. Robert —disse ela, e seus olhos estavam cheios de lágrimas e sua garganta apertada por elas. —Me perdoe. —Mas como poderia pedir perdão antecipadamente sem lhe dizer tudo? Ela estava perdendo o controle novamente. Ela nunca perdeu o controle. Isso foi o que a fez tão boa em seu trabalho auto-imposto, e o que lhe deu o comando da sua própria vida e destino.

—Por quê? —Ela sentiu seu rosto contra o topo de sua cabeça.

—Por Óbidos. —Ela levantou a cabeça e sorriu para ele, esperando que, à luz da noite, seus olhos parecessem apenas brilhantes. —Eu tenho me comportado de maneira abominável.

Ele sorriu lentamente para ela. —Óbidos não deveria ter acontecido —disse ele. —Isso, não deveria estar acontecendo.

—O quê? —Ela olhou em seus olhos, suas mãos se espalhando em toda a vasta extensão de seu peito. —O que não deveria estar acontecendo?

—Isto —disse ele, e então beijou sua testa, têmporas, os olhos e as bochechas. E ele olhou profundamente em seus olhos, quando sua boca pairou perto da dela.

—Mas está —disse ela, então.

—Mas está. —Ele fechou o fosso entre a boca, beijando-a suavemente e de boca aberta.

Ela moveu as mãos até seus ombros e pescoço, e depois, deixou que uma delas brincasse com seu cabelo curto. E ela arqueou o corpo contra o dele, querendo sentir seu comprimento musculoso com cada parte dela. E queria que ele chegasse mais e mais perto ainda. Ela queria sentir a sua língua, mas ele não faria nada, além de lhe lamber os lábios. Claro, ela o tinha magoado em Óbidos.

Ela experimentou, tocando seus lábios com sua própria língua, a empurrando para além e acima, atrás de seu lábio superior. Ela empurrou a língua para seus dentes, e sentiu seus braços se apertando sobre ela de repente, enquanto ele a sugava para dentro, e ela gemia de medo misturado com desejo.

—Robert. —Ela jogou a cabeça para trás, os olhos fechados, conforme sua boca se moveu para baixo da sua garganta e sua mão empurrou seu vestido de um ombro e depois por seu braço, expondo um seio. E, em seguida, a palma da mão foi contra seu mamilo, o rodeando, e seus dedos se encontraram para lhe acariciar a carne macia. Sua boca se abriu em um grito silencioso e, em seguida, os dedos dela entrelaçaram em seu cabelo, enquanto ele tomou a ponta endurecida de seu peito em sua boca e chupou, dançando sua língua através dele.

E ela percebeu naquele momento, que para todo o conhecimento e experiência que teve de assuntos sensuais, ela ainda podia ser virgem, o que não era. E sabia por que temeu e ficou fascinada por este homem, desde que o tinha fixado pela primeira vez.

E então seu rosto estava levantado novamente, seus olhos olhando de volta para os dela, e ele estava ajeitando o vestido de volta sobre seu peito e ombro.

—Um beijo de despedida —disse ele. —Sem dúvida, que você teria mais de um outro homem, mas você não se lembraria do prazer que deu a si mesma, em um momento de paixão, com um homem que nem sequer é um cavalheiro.

E quando ele terminou de falar ela se sentia cega, pela mágoa das suposições sobre sua moralidade, pressupostos que ela mesma tinha promovido pelo papel que desempenhou. E sofria com a decepção, com a insatisfação não só puramente física, mas sim, emocional também.

Ela sorriu. —Um beijo? —Disse ela. —Você chama isso de beijo, Robert? Foi bastante impertinente, não foi? Talvez eu o devesse denunciar à minha tia. Ou para Arthur.

—E eles vão querer saber como eu descobri um lugar secreto e convenientemente abandonado —disse ele. —Talvez seria mais sensato não dizer nada.

—Talvez seja o faça. —Ela continuou a sorrir.

—Adeus, então, —ele disse rapidamente, se endireitando e arrumando suas mangas. —Vou pedir licença agora.

—Você vai? —Perguntou ela. —Beijar e correr, Robert? Que falta de cavalheirismo o seu. O mínimo que pode fazer é se lamentar em um canto pelo resto da noite, olhando como um infeliz apaixonado.

—Isso não faz meu estilo —disse ele, sorrindo para ela brevemente, o que fez com que seus joelhos parecessem de geléia, mais uma vez. —Eu posso ser silencioso e taciturno, e bastante rude, mas definitivamente não posso parecer um infeliz apaixonado. Sou incapaz de uma emoção também. Além disso, eu devo deixar a cidade amanhã e preciso dormir um pouco.

—Ah. —Ela colocou uma das mãos contra seu peito e, na ponta dos pés, acariciou seu queixo com a outra mão. —Cuide de si mesmo, Robert. Não vá se deixar matar.

—Me foi dito, nesta mesma noite, que eu sou teimoso demais para morrer —disse ele, capturando uma de suas mão na dele e trazendo a palma contra sua boca. —Não se preocupe comigo, Joana. E se esqueça de mim. Eu não valho um outro pensamento para você.

—Você está certo. —Ela suspirou. —Tantos novos oficiais que chegam aqui todos os dias, e cada um mais bonito do que o último. É o suficiente para fazer uma senhora desejar que as guerras nunca cheguem a um fim. —Ela riu levemente. —Me acompanhe de volta para o salão de baile, Robert, e então você pode empreender a sua fuga. —Ela colocou a mão em sua manga.

A multidão tinha se derramado para fora do salão e eles se viram cercados por pessoas, muito antes de ele a deixar em suas portas abertas. Ela abriu um grande sorriso para ele.

—Au revoir, então —disse ela, retirando a mão de sua manga. —Eu não vou dizer adeus, Robert, porque realmente não acredito em despedidas. Nós vamos nos encontrar de novo, creio eu, e talvez mais cedo do que você pensa. E há pelo menos meia dúzia de oficiais a menos de cinquenta passos de distância, todos encarando você, todos com espadas e mãos coçando. Eu acredito que você me manteve afastada por mais tempo do que o certo, capitão. Que vergonha! —Ela bateu no braço dele acentuadamente, com o leque.

E ela foi andando para longe, sem lhe dar chance de responder. E não olhou para trás para ver se ele estava lá na porta olhando para ela, ou se saiu correndo, sem olhar para trás.

Ela sentiu, pensou, enquanto acenava para um dos admiradores, antes até de olhar para sua face e se decidir dançar, que poderia se sentar no meio da pista de dança e uivar com o desespero.

Assim mesmo, como se tivesse caído de amor pelo capitão Robert Blake, ou algo igualmente tolo e ridículo.


Capítulo 10

 

Apesar de sua determinação para se concentrar em sua missão, para colocar tudo para fora de sua mente, exceto Salamanca e o que ele enfrentaria, o capitão Blake descobriu, enquanto viajava nas colinas de volta para o oeste, para conhecer o líder do Ordenanza, Duarte Ribeiro, que o guiaria até à fronteira espanhola, que poderia fazer tal coisa.

Havia duas razões, uma trivial em sua própria mente, a outra, um peso pesado.

A razão trivial era Joana da Fonte, a Marquesa das Minas; ele tentou pensar nela por seu título completo, não apenas como Joana; tentou se distanciar dela; tentou não se lembrar de como ela se parecia mover além do mero flerte naquela última noite, com um carinho real; ele não tentou acreditar que ela, de qualquer forma, gostava dele.

Era uma namoradeira realizada, por sua própria admissão; ele foi um dos poucos homens a não cair por seus encantos; ela talvez tivesse sido forçada por sua natureza a usar os outros, para além das suas usuais táticas; ela tinha sido forçada a tentar o que era muito parecido com sinceridade. Às vezes ele se sentia culpado por suspeitar dela, por usar apenas uma outra forma de flerte; e, às vezes, ele se deixava enganar, para saber se ela tinha sido sincera.

Ele pensou em todas as perguntas que ela tinha feito, na forma como havia tentado descobrir mais sobre ele e sobre o motivo de sua convocação na sede. E nesses momentos, ele se lembrava que ela era meio francesa, e se perguntava se o comandante-em-chefe sabia desse fato, e se, de qualquer maneira, era significativo. Afinal de contas, ela também era meio-inglesa e tinha sido casada com um nobre português.

Ele a queria tirar de sua mente, mas sempre que não estava conscientemente pensando em outra coisa lá estava ela, em seus pensamentos e em seus sonhos e emoções, em seu sangue. Houve momentos em que ele se arrependeu, ao lembrar do abraço final, quando sentiu sua rendição, não a ter tentado possuir. E, talvez assim, se livrar da lembrança dela de uma vez por todas.

Odiava ansiar pelo que não podia ser tido, odiava a si mesmo por querer algo fora de seu alcance, por esquecer quem e o que era.

E depois havia o peso e o fardo em sua mente, que lhe permitiu que a esquecesse por minutos e até mesmo horas, o caminho que ele pegava voluntariamente para o perigo e, talvez, a morte, em que o esperava a humilhação da captura e a difícil tarefa de convencer seus captores, de que o papel selado em seu calcanhar era um diagrama autêntico das defesas britânicas de Lisboa. Que possivelmente muitos meses cansativos se passariam antes que fosse trocado por um oficial francês prisioneiro.

Durante seus quase onze anos no exército ouvira falar de seu pai três vezes. Ele havia escrito de volta apenas uma, com condolências pela morte da esposa de seu pai, quase oito anos antes. Outra carta o tinha encontrado em Viseu, poucos minutos antes de que planejasse sair, uma velha carta que tinha vindo para a sede, enviada para a Divisão Ligeira no Côa, reenviada de volta para o redirecionamento, e finalmente para o hospital em Lisboa. Mas alguém tinha tido a presença de espírito de saber que ele estava em Viseu.

Não era de seu pai. Era do advogado de seu pai, o informando que, segundo a última vontade do pai de Will, a ele tinha sido deixada uma propriedade de tamanho moderado em Berkshire e uma fortuna considerável. Parecia que outra carta o informando da morte de seu pai deveria ter se extraviado. A maior parte das propriedade e fortuna, é claro, tinham ido para o herdeiro de seu pai, um primo de segundo grau e o novo Marquês de Quesnay.

Seu pai estava morto, e não havia porque lamentar agora a amargura e desilusão que o levaram a romper todas as relações com ele. Tinha se mantido afastado, porque quando tudo foi dito e feito, ele apenas era para o pai um filho bastardo, que se sentia magnânimo.

Ele não lamentava a ruptura. Não teria seguido ao longo da vida com o fardo de ser uma humilhação para ele, com o conhecimento de que devia tudo à generosidade do homem que era o pai. Como se não tivesse o direito aos cuidados de seu pai. Como se esses cuidados fossem um privilégio, quando se nasceu no lado errado.

E, no entanto, pensou enquanto se arrastava em seu caminho solitário pelas colinas, seguindo a rota delineada na sede, havia as memórias que enchiam sua mente agora, de que ele estava realmente sozinho no mundo. Memórias de felicidade de sua mãe e de sua beleza, nos dias em que seu pai era esperado.

Memórias dos dois, suas mãos cruzadas ou os braços entrelaçados sobre a cintura um do outro, brilhando na companhia um do outro e sorrindo, sempre sorrindo para ele. Memórias de seu pai o levantando acima de sua cabeça e o jogando para o céu, enquanto sua mãe gritava impotente e sua infância ria.

Memórias de amor. E de inocência. De uma época em que não parecera estranho para ele que seu pai, o amante de sua mãe, não vivesse com eles, mas na casa grande com sua esposa. De um momento em que não sabia que esse único fato faria toda a diferença no mundo para ele. Quando não tinha percebido que iria se tornar algo como um caso de caridade para seu pai.

E agora seu pai estava morto e ele próprio era, de algum modo, um cavalheiro. Pelo menos tinha a propriedade e a riqueza o configurando como um cavalheiro. Ele tinha a riqueza para comprar suas promoções, se assim o escolhesse, em vez de ter que esperar pelas vagas causadas, mais frequentemente, com a morte em batalha.

Ele tinha a posição e a riqueza talvez...

Não! Ele tinha decidido anos atrás que a vida era para ser vivida em paz, se fosse para lhe trazer qualquer sentimento de satisfação e contentamento. Não havia espaço em sua vida para uma mulher. Nela não havia espaço para as correntes de amor.

Decididamente não lamentava por seu pai. Seria hipócrita o fazer. Mas lamentou a perda de muito tempo atrás, da infância e da inocência e da felicidade sem nuvens. Sofria pela criança que tinha sido e o homem que poderia ter sido.

Ele tinha sido um menino doce e gentil, ela dissera, descrevendo o outro Robert que ela tinha conhecido. Um menino com olhos que sorriam e sonhavam. Sim, mesmo quando a inocência já havia se desvanecido rapidamente. Ele sentiu pesar pelo menino que tinha sido, o menino que ela parecia acreditar que tinha morrido.

E ele se lembrava de como ela tinha chamado uma vez o menino doce e gentil de bastardo, e de como o zombou. E tentou novamente, e constantemente, a tirar de sua mente e seu coração.

 

*


Duarte Ribeiro tinha deixado suas terras e sua casa, no sul devastado pelo exército de Junot em seu avanço para Lisboa, três anos antes. Inquilinos e amigos camponeses tinham restaurado a terra, ouvira e até mesmo o vira em visitas fugazes ocasionais. Mas ele não iria para casa até que os franceses, que odiavam, tivessem sido finalmente expulsos, e para sempre, de sua terra natal.

Ele não podia contar o número de franceses que tinha matado com suas próprias mãos durante os últimos três anos. Não conseguia sequer estimar o número de mortos por seu bando, de quase quarenta homens, e algumas mulheres. Mas isso nunca foi suficiente; nunca seria o suficiente para o satisfazer pela morte de seu irmão e sua família, e o estupro brutal e morte de sua irmã, não os sentia vingados; nunca seria o suficiente para o fazer se perdoar por não ter estado em casa naquele dia; e nunca o suficiente para satisfazer o povo de seu bando por queixas semelhantes.

Duarte Ribeiro vivia agora, quando estava em algum lugar por um período de tempo, na aldeia de Mortágua, nas acidentadas colinas a leste do Bussaco. Ele tinha estado lá, com o exército britânico, durante a maior parte da primavera tendo feito um trabalho eficaz de manter os retardatários franceses fora de Portugal. Seus homens estavam inclinados a resmungar sobre a inatividade.

E, no entanto, a excitação e antecipação estavam crescendo. Os franceses viriam em breve, todos sentiam, se pudessem passar os fortes de Ciudad Rodrigo e Almeida, e se o Visconde Wellington não tivesse apoiado com sucesso as guarnições dos fortes. E mesmo que eles conseguissem, os franceses estariam em solo português quando atacassem Almeida. E uma vez em solo português, seria um jogo justo para o Ordenanza.

Duarte estava na porta da casa de pedra branca, a que atualmente chamava de casa, de braços cruzados, assistindo Carlota Mendes, sua mulher, sentada em um banco no exterior, no sol de fim de tarde, amamentando seu novo filho em um dos seios bem torneados e amplo. Seu cabelo preto pendurado solto e apelativamente despenteado sobre os ombros.

—Será que ele virá hoje, que você acha? —Ela perguntou, olhando para ele por alguns instantes.

—Hoje, amanhã —disse ele. —Em algum momento ele virá. Vai ser bom ter algo para fazer. Estou ficando impaciente.

—Eu sei. —Ela fez uma careta. —E assim, eu vou ficar aqui com a maioria das outras mulheres e crianças. Este pequeno deveria ter esperado até que as guerras estivessem mais tranquilas —Ela olhou com carinho para seu filho.

—Bem, —Duarte falou, —vêm os bebês, que passamos o último verão fazendo com grande entusiasmo, quando não estávamos perturbando os nossos hóspedes não convidados, Carlota. Saiba isso para o futuro.

Ela lançou-lhe um sorriso largo antes de tirar o bebê de seu peito e levantar sua forma sonolenta contra o ombro. Ela bateu as costas dele, suavemente. —Nós —disse ela. —Nós dois. Mas eu é que devo ficar agora no tédio, sem combates, em casa, em vez de vingar minha mãe e os assassinos do pai.

O pai de Carlota tinha sido um médico respeitado, morto com sua esposa, depois de cuidar de um oficial francês ferido, que os tinha condenado a morrer, de qualquer maneira. Carlota estava fora de casa, tinha ido ficar com seu irmão e cunhada na época.

—Eu não vou ficar fora por muito tempo, —disse ele. —Simplesmente tenho que guiar esse soldado britânico até à fronteira e o colocar na guarda de Bécquer e seus homens. Parece que o inglês tem alguma missão secreta na Espanha, cão de sorte.

—Você vê? —Disse Carlota, guiando o mamilo de seu outro peito para a boca desejosa de seu filho. —Você teria ido para longe de mim pelo resto do verão, se tivesse tido a chance.

Ele estendeu um dedo e acariciou atrás de sua cabeça, ao longo de seu cabelo. —Não é assim —disse ele suavemente. —Eu não ficaria separado de você por um único dia, se não fosse necessário, Carlota. Mas a Miguel deve ser dado um lar acolhedor e seguro. E eu não teria você no meio do perigo, agora que é a mãe do meu filho.

—Oh, —ela disse, eriçada de indignação —mas está tudo certo o pai do meu filho estar lá?

—Sim —ele disse calmamente. —Nosso filho deve ter um país apropriado para viver e crescer pacificamente, Carlota.

Ela levou a mão para tocar a cabecinha do filho no cabelo, e olhou para cima, sorrindo para o marido.

Ele acenou com a cabeça para a rua estreita e levantou o ombro do batente da porta. —Eu acredito que Francisco e Teófilo tenham encontrado o nosso homem e o estão trazendo —disse ele. Um soldado britânico alto e loiro, vestindo verde, estava caminhando ao longo da rua entre os dois amigos, a espada curvada ao seu lado e a faixa vermelha o identificando como um oficial, o rifle pendurado no ombro sugerindo que também era um homem de luta.

—Aqui está ele, —disse Teófilo Costa, seu sorriso muito branco, em um rosto bronzeado pelo sol. —E não se perdeu entre as colinas uma vez sequer. Talvez seu nariz torto seja responsável por seu sucesso.

—A maioria do ingleses se perde, se não podem andar em linha reta. —Ele estava falando em voz alta e alegre português. E se virou para o capitão Blake, migrando para o inglês com forte sotaque. —Duarte Ribeiro, senhor. O líder do nosso grupo.

—Obrigado, —o capitão Blake disse em português. —Acredito que tenha mais a ver com cuidado, dadas as orientações, e a concentração para as seguir.

Francisco Braga, Duarte, e Carlota explodiram em gargalhadas à custa de seu amigo desconfiado.

—Mas é um nariz muito bonito, no entanto, —disse Teófilo, se juntando ao riso.

—Você conheceu estes dois —disse Duarte. —Esta é Carlota Mendes e nosso filho, Miguel. —Ele observou os olhos vacilantes do inglês ao peito exposto de Carlota e se acalmou novamente. O inglês era prudente, lembrou. E se lembrou de sua mãe, sempre uma senhora, mesmo com aquele bruto do segundo marido dela. —Venha para dentro, capitão Blake. Você deve estar pronto para algumas bebidas. Amanhã, vamos partir para a fronteira e você pode relaxar. Poderá contar com guias nativos, em vez da forma do seu nariz, para chegar lá com segurança.

Teófilo bateu no lado da cabeça com a palma da sua mão. —Será que nunca vão esquecer? —Perguntou.

—Você tem um bloco de madeira como cérebro, Teófilo, —Carlota disse, se levantando e colocando o peito dentro do vestido novamente. —Será que um inglês seria enviados para a Espanha em uma missão especial, se não soubesse o português e espanhol? Eu apostaria o comprimento do meu cabelo que ele também fala francês.

—Você está certa, senhora, —o capitão Blake disse com uma risada, colocando cuidadosamente seu rifle a salvo quando entrou na casa, checando em um bolso dentro de seu casaco. —Antes que eu esqueça, Ribeiro. Você tem uma carta; foram enviadas suas instruções já, creio eu, mas também tenho uma carta selada para você.

Duarte pegou e olhou curiosamente para ela. Ele não reconheceu a caligrafia. Abriu, enquanto Carlota deitava o bebê e se ocupou em cortar queijo, pão e encher copos com vinho. Ele permaneceu em pé, enquanto os outros se sentaram, e leu a carta rapidamente. Era de sua meia-irmã. Ela deveria ter pedido a alguém para escrever na parte externa.

E pedia para dar ao capitão Blake toda a assistência, ele leu. Mas não deveria revelar sua relação ao capitão. Ela estaria vindo para Mortágua, dentro de uma semana após a recepção da presente carta. Será que ele já estaria de volta da fronteira até então? Ele não deveria se preocupar com o envio de alguém ao seu encontro. Ela viria da forma habitual. Precisava de sua ajuda em algum negócio delicado.

—Alguns negócios delicados —era a maneira habitual de Joana se referir a suas viagens para a Espanha, indo para os franceses, em busca do assassino de Maria e Miguel. Ele odiava que se colocasse em tal perigo, mas não havia nada que pudesse fazer sobre isso. Ela não era mesmo sua irmã completa para tomar as ordens dele, e mesmo se fosse, suspeitou que Joana estaria além de seu controle, a menos que estivesse disposto a amarrar suas mãos e pés.

E agora ela estava indo novamente, parecia. E vindo ali primeiro —da maneira usual. —Isso significava que poderia chegar sozinha e vestida como uma camponêsa, disposta e ansiosa para participar em todas as atividades do bando, por quanto tempo pudesse ficar. E o mais condenável é que ela era boa nisso. A delicada Marquesa das Minas tornava-se praticamente irreconhecível na imprudente e sem medo Joana Ribeiro.

Duarte cerrou os dentes. A mulher diabólica! Ela era tudo que lhe tinha sido deixado no mundo. Não. Ele dobrou a carta nas dobras originais. A vida não era mais tão simples. Assediar e matar os franceses já não era um simples jogo de vingança. Era um negócio sério de sobrevivência, uma questão de um homem fazendo todo o necessário, até mesmo matar, a fim de proteger sua mulher e seu filho e a pátria em que viviam. Agora havia Carlota e Miguel, mais perto dele até do que Joana, e quanto mais cedo pudessem encontrar um padre, melhor, é o que ele gostaria.

—Duarte? Más notícias? —Carlota tocou em seu braço, enquanto os outros três homens o olhavam da mesa.

—Não. Nem um pouco —disse ele, colocando a carta no bolso. —Então, capitão Blake, quando é que os ingleses vão deixar passar os franceses para que possamos ter a nossa parte deles também? —Ele se sentou à mesa e pegou seu copo de vinho.

 

*


Foi tudo assustadoramente fácil. Até mesmo os planos mais cuidadosamente feitos tinham o hábito de ir mal. Mas não este. Aconteceu exatamente como foi concebido para acontecer.

Duarte Ribeiro, Francisco Braga, e Teófilo Costa eram companheiros alegres e o levaram para a fronteira, diretamente para o acampamento temporário do líder guerrilheiro espanhol, com uma segurança que sugeria uma longa familiaridade com as colinas escarpadas e as fendas de ravinas profundas.

Todos os três guias apertaram a mão dele, depois de ter sido recebido pelos espanhóis, e lhe desejando sorte em sua missão. Eles não sabiam qual era e não o tinham questionado. Entendiam as regras da guerra melhor do que a Marquesa das Minas, refletiu, achando impossível não pensar nela com frequência.

—Boa sorte —disse Duarte para ele. —Eu espero, por nossa boa sorte, que nos encontremos novamente. Foram enviadas instruções sobre como o conduzir de volta? —Foi o mais próximo que mostrou a curiosidade que devia sentir.

—Não —o capitão Blake sorriu, dessa vez com tristeza. —Eu vou encontrar meu próprio caminho. Talvez meu nariz vá ajudar.

—Se alguém não o quebrar na direção oposta —disse Teófilo, e todos riram.

O capitão Blake os viu ir com pesar. Ele se sentiu muito sozinho, só com estranhos, na fronteira de outro país, território inimigo.

Como os portugueses, os espanhóis sabiam apenas a parte de sua missão que precisavam saber. A deles era uma tarefa perigosa. Eles o tinham que levar para baixo das colinas escarpadas da fronteira, para as colinas perto de Salamanca. Lá estavam eles, fazendo sua presença conhecida, para que os franceses viessem em busca deles. Todos, exceto um deles, o capitão Blake, tinham que evitar a captura.

Se eles falhassem, teriam um terrível destino. Não teriam o cativeiro honroso concedido aos soldados inimigos seriam executados, após um intervalo adequado de tortura.

—Mas, señor, —Antonio Bécquer, uma grande montanha de homem, com braços e pernas como troncos de árvores, lhe disse com um sorriso e um encolher de ombros, quando o capitão Blake expressou sua preocupação —nós fazemos o mesmo aos nossos prisioneiros franceses, você vê. E temos muitos mais deles para nos trazer prazer, do qualquer um de nós. Guerra é guerra na Espanha. Não é o jogo que vocês soldados jogam.

O capitão se encontrou desejando, pela primeira vez em sua carreira, que seu uniforme fosse o vermelho inconfundivelmente britânico. Não que ele evitasse uma boa luta. Na verdade, ele gostaria de ter uma para afastar as teias de aranha de um inverno de inatividade. Era a ideia de não lutar que estava o enchendo de temores.

—Estaremos perto da cidade em vez de nas colinas, porque alguns dos homens precisam ser atraídos para fora da cidade, para ouvir sobre mim. —O capitão Blake disse, muito antes de eles se aproximarem de Salamanca, quando estavam revendo seus planos. —Isso irá explicar por que sou louco o suficiente, para me aventurar tão perto de piquetes franceses. É possível? É provável que alguns de seus homens estivessem em Salamanca, quando foi ocupada pelos franceses?

—Señor. —Antonio olhou para seus homens, e todos riram com a pergunta. —Somos espanhóis. Este é o nosso país. Estamos em todos os lugares.

—Um pensamento incômodo para os franceses —disse o capitão Blake.

—Pretendemos que o seja. —O espanhol sorriu. —Nós consideraríamos uma vergonha pessoal, permitir que um único francês tenha uma boa noite de sono em solo espanhol. Não que sejamos hostis, é claro.

—Por isso é possível —disse o capitão Blake. —E eles vão saber isso?

—Eles todos têm um amigo, ou um amigo de um amigo, que teve a garganta cortada misteriosamente no meio da noite —disse Antonio.

O capitão Blake estremeceu interiormente e se sentiu grato que os britânicos fossem amigos dos espanhóis. E assim, aconteceu como o planejado. Tinha que acontecer durante a noite perigosa, todos concordaram, quando o francês pode não ser capaz de ver o uniforme do seu cativo imediatamente, mas não por muito tempo. Eles não estariam ansiosos para matar um guerrilheiro com muita facilidade.

—Embora o que seus generais estavam pensando, enviando você aqui simplesmente para ser capturado, eu não sei —disse Antonio com um encolher de ombros expressivo. —Você é um assassino, señor? Mas até mesmo o seu uniforme não vai te salvar da morte depois de ter matado. É Massena que você vai matar? Se ele estiver em sua cama, se certifique de que é ele antes de matar, e não sua amante. Ela vai a toda parte com ele, você sabia? E é oficialmente listada como sua ajudante de campo? Ah, esses franceses. Tanta ajuda que precisam...

Seus homens todos riram gostosamente.

—Dizem que ele ainda está em Salamanca, mesmo que o ano já esteja avançado —um dos homens disse, —porque está muito ocupado em sua cama e não pensando em se ocupar com o resto.

Outra explosão de risos.

Eles estavam em pé na noite em questão, fazendo ruídos desajeitados perto de um piquete, o que enojou Antonio com sua falta de sutileza.

—Vai ser um duro golpe para o meu orgulho, señor —ele tinha dito no dia anterior, —se os franceses acreditarem que eu iria trair minha presença para eles de uma forma tão estúpida.

O capitão Blake sabia como ele se sentia. O tornozelo virou debaixo dele quando fugiu com o resto, e então tropeçou em sua espada e caiu pesadamente, amaldiçoando redondamente em inglês, a fim de que os piquetes passassem por ele e nem sequer o notassem entre as árvores na margem sul do Rio Douro, a cem metros da velha ponte romana que teria que atravessar para a cidade.

E então ele teve que cambalear de pé, com as mãos erguidas acima da cabeça, quando um garoto francês amedrontado encostou uma baioneta em seu peito e outro tomou seu rifle, o batendo, brusca e dolorosamente, contra o lado da sua cabeça, e o chutando com força na canela da perna ferida.

—Ele é um soldado —disse o garoto, seus olhos se abriram quando alguém veio correndo com uma lanterna. —Britânico. Um oficial.

O soldado que lhe tinha batido e chutado se tornou consideravelmente mais respeitoso. —Devemos levar sua espada? —Perguntou o garoto em francês. —Tenha cuidado para que ele não pegue a sua baioneta e você se transforme nele. Os outros também eram britânicos? Eles estão invadindo?

Se Blake dissesse, —Boo! —Pensou, o garoto teria virado e corrido.

—Vou entregar minha espada a um oficial do seu exército —disse ele com altivez —não a um soldado raso. Me leve até um.

Mas a comoção da busca dos espanhóis em fuga e de sua captura trouxe um oficial, um capitão, da escuridão. Ele dirigiu a lanterna para fazer brilhar sua luz mais plenamente.

—Capitão? —Perguntou. Seus olhos se desviaram para baixo no uniforme. —Um atirador? Sempre nossos maiores inimigos, e nossos alvos principais na batalha. Vou aceitar a sua espada, senhor, e o levar através da ponte. Será uma honra ter um atirador como nosso prisioneiro.

O capitão Blake viu o oficial francês soltar o cinto da espada, a ergueu com a bainha do seu lado e a tirar para fora. Ele meio que esperava que o homem fosse pedir a um dos soldados para o levasse, mas ele mesmo o fez.

—Obrigado, senhor —disse ele. —Capitão Antoine Dupuis ao seu serviço. E a quem tenho a honra de acompanhar? —Ele indicou a ponte com uma mão estendida, e o capitão Blake se moveu em direção a ela.

—Capitão Robert Blake dos Nonagésimo Quinto Rifles —disse ele, que não acreditava que pudesse haver um sentimento de maior humilhação. Ele sentiu, ao ser removida a espada, como se a estivesse tirando à vista dos soldados franceses. Ele se sentia nu agora, sem o peso de sua espada ao seu lado.


Capítulo 11


Joana fez a parada de costume, no Convento de Bussaco, no alto das colinas a oeste de Mortágua. Ela e Matilda eram sempre bem-vindas para passar uma noite lá. Na verdade, as freiras mantinham uma pequena mala dela, para que sua mudança de pessoa pudesse ser feita com o mínimo de barulho.

E assim, a Marquesa das Minas chegou com alguma pompa de Viseu no início da noite, sorrindo graciosamente para o cocheiro quando ela saiu do carro branco e dourado, e mais deslumbrantemente à madre superiora, que a cumprimentou dentro de portas. Ela comeu um jantar tranquilo com as freiras e se juntou a elas para a oração da noite, se recolhendo tarde para o pequeno aposento que compartilhou com sua companheira.

Na manhã seguinte, uma Matilda lenta se sentou ao café da manhã, sem a marquesa, e se retirou para o pequeno aposento onde arrumou as roupas brancas com cuidado e preparou outras de cores diferentes. A marquesa em si mesma não estava à vista. Mas a pequena mala estava vazia, e um dos lacaios que as tinha acompanhado durante o transporte, estava faltando.

Longe, ao longo do caminho rochoso para Mortágua, o lacaio se arrastava atrás de uma jovem camponesa, vestida com um vestido de algodão azul desbotado, sandálias nos seus pés, cabelo escuro caído em uma nuvem ondulada sobre o rosto e abaixo dos ombros. Seu único ornamento parecia ser uma faca em seu cinto e uma espingarda velha pendurada no ombro.

Foi apenas a presença silenciosa de José por trás dela que impediu Matilda e Duarte de declarar guerra aberta sobre ela, Joana pensou, enquanto andava a passos largos, eufórica pela sensação de liberdade que a manhã trouxe, lhe exigindo exercer o máximo de seu auto-controle para não pular de alegria, e gritar aos montes sua felicidade. José poderia pensar que ela estava fora de si, se fizesse qualquer uma dessas coisas.

Realmente não precisava de José. Ela tinha seu mosquete, embora mosquetes fossem notoriamente fracos para bater qualquer alvo definido. Pensou, com inveja, no rifle do capitão Blake. E ela tinha a faca para se defender contra qualquer pessoa que passasse pelo mosquete. Qualquer um que passasse, sem dúvida, passaria também por José. Mas, muitos homens, e demasiadas mulheres, tinham a tendência cansativa de acreditar que uma mulher estaria perfeitamente segura desde que tivesse algum macho pairando sobre ela. E José era um homem grande o suficiente para satisfazer Matilda e Duarte.

—Nós estamos lá, —disse ela, se virando para o servo silencioso, quando eles se aproximaram de Mortágua. —Você pode ir visitar seus amigos, José.

Ela se aproximou da casa de seu irmão com passos acelerados. Ainda não tinha visto o bebê. A última vez que tinha estado nas colinas, Carlota estava enorme pela criança, e preocupada com o fato de Duarte haver invocado a lei do bando e a imposto, o que a proibia de sair com os outros membros. Ela não era sua esposa, Carlota tinha discutido. Ele não podia lhe dar ordens. Ela iria se quisesse. Morreria se tivesse que ficar em casa com as mulheres e crianças.

Mas ele poderia lhe dar ordens, Duarte disse, parecendo muito bonito e muito formidável, com os pés separados, encarando sua mulher grávida. Ele era o líder do bando do qual ela era membro, e se ele dizia que era para ficar, então ela iria ficar, ou enfrentar medidas disciplinares de todo o bando.

Além disso, ele tinha adicionado, com voz e expressão amolecidas, e Joana sentiu um flash inesperado e inusitado de inveja da outra mulher, que estava para ser a mãe de seu filho e iria fazer o que ele pedia, por ela própria e pela segurança do bebê.

Joana bateu de leve na porta aberta da casa do irmão e olhou para dentro, imaginando se Duarte havia vencido sua guerra particular, ou se Carlota tinha sido demais para ele. E se perguntou se Duarte não estava de volta da fronteira, ainda. O pensamento fez seu estômago dar uma guinada desconfortável.

Ela tinha tentado, com muita dificuldade, não pensar em Robert desde que deixara Viseu, ou pelo menos pensar nele apenas de forma puramente impessoal, como parte do trabalho que estavam realizando em conjunto. Achou difícil pensar nele como capitão Blake, não como Robert, e tentou, com dificuldade também, esquecer que queria que ele fizesse amor com ela no baile em Viseu, e de como se sentira decepcionada durante toda a noite depois de o haver deixado, porque ele tinha mostrado maior contenção, ou menos vontade do que ela.

Ela então se esforçou para reprimir as imagens que vislumbrou, de restos sangrentos e mutilados, em algum lugar fora de Salamanca.

—Carlota? —Chamou vendo o movimento do outro lado da sala quando a porta se abriu, embora um raio de sol momentaneamente a cegasse. —Carlota? E o bebê? Oh, ele é lindo! Tem o cabelo preto. Assim como Duarte. —Ela riu. —E você, é claro.

Talvez fosse melhor, que Duarte não retornasse de sua viagem para a fronteira até duas horas mais tarde. Muito tempo tinha que ser dado, rindo, abraçando e admirando o bebê, que dormia o tempo todo, enquanto era passado de uma mulher para a outra.

—E vocês dois vão se casar? —Perguntou Joana.

Carlota fez uma careta. —Ah, esse homem —disse ela. —Agora que meu corpo já voltou ao normal, depois de produzir uma criança, estou sendo tratada como uma mulher. Nada além de uma casa e crianças, segurança e tédio, Joana. Se eu pudesse voltar ao verão passado faria as coisas um pouco diferentes, talvez, lhe negar algumas vezes, o deixar ofegante outras tantas. Mas vai. —Ela riu. —Eu teria que me privar também, e contido um pouco da minha própria respiração ofegante. E estaria sem Miguel. Eu não posso imaginar a vida sem Miguel. Sim, Duarte está falando de sacerdotes e casamentos, e batismos e tudo isso. Um homem típico.

Quando seu irmão chegou em casa, Joana descobriu que durante os primeiros minutos ela parecia, e muito bem, ser invisível. Carlota correu para seus braços e o abraçou sem dizer nada, enquanto ela o banhava com perguntas e repreensões, e notícias do bebê.

—E Joana está aqui —disse ela. —Outra mulher para você intimidar. Não havia soldados franceses perto da fronteira?

—Joana? —Ele falou feliz, finalmente liberando Carlota para atravessar a sala. Se curvou para beijar sua bochecha e alisar o cabelo do bebê, que dormia em seu colo. —Você está fazendo amizade com Miguel? Ah, é bom estar em casa novamente. Você deveria estar em Viseu, ou Lisboa. Não é seguro estar aqui, agora. A campanha de verão está prestes a começar.

—Ele está seguro? —Perguntou ela rapidamente. —Ele partiu sem nenhum dano? —Ela mordeu o lábio. De onde essas palavras vieram? Não as tinha planejado de forma alguma. —O capitão Blake —disse ela. —Estamos trabalhando em conjunto. Ele ainda não sabe disso, mas estamos.

Sentou-se à mesa devagar e olhou fixamente para ela. —Por que eu tenho um pressentimento terrível de perigo, Joana? —Perguntou. —O que quer dizer, —trabalhando juntos? —Você está indo para Salamanca, suponho? É onde ele está indo? Você está planejando fazer mais lá do que tentar detectar um rosto que procurou por três anos, além de absorver todos os pedaços de informação que apareçam no seu caminho? É um trabalho ativo desta vez?

—Sim —ela disse, com a voz um pouco ofegante. —Eu não posso lhe dar detalhes, Duarte. Estou sob as ordens do Visconde Wellington, como também o capitão Blake. Mas...

—Sob as ordens? —As sobrancelhas de Duarte se juntaram e ele bateu na mesa com o punho, com o que o bebê pulou, e abriu os olhos para franzir a testa a Joana. —O homem está usando mulheres inocentes agora, para fazer o seu trabalho? É assim que o inglês faz as coisas, Joana?

—Somos meio-ingleses, —ela lembrou. —E você deve saber que Arthur é tão disposto como você, para me envolver nessa guerra. Mas, quando ele soube que eu iria de qualquer maneira, e não sou facilmente manipulada por homens, então ele concordou em fazer uso dos meus talentos. —Ela fez uma careta. —Eles parecem ser, principalmente, talentos para flertar. Eu sou uma namoradeira terrível, Duarte. Os oficiais em Lisboa e Viseu parecem um rebanho sobre mim. Eu poderia me casar dez vezes, a cada semana.

—Virá um, eventualmente —ele disse, —que não vai ser manipulado por você, Joana. Então vamos ver o fim de seu flerte e também este absurdo de se colocar em perigo.

—Não é um absurdo, —ela respondeu. —Vou ver aquele rosto um dia, Duarte, eu sei disso. E a longa espera vai valer a pena. Finalmente Miguel, sua esposa e filho, e Maria serão capazes de descansar em paz.

Ele suspirou. —Mas se você o vir, por algum milagre, Joana —falou ele então, —não deve ir atrás dele sozinha. Você o deve enviar para mim. Promete?

—Vou ver, —disse ela, vagamente. —Será que ele chegou em segurança, Duarte?

—Ele sendo Blake, desta vez? —Perguntou. —Eu o conduzi a Bécquer na fronteira, como combinado. Não sabia que o seu destino era Salamanca. Direto entre os franceses. —Ele franziu a testa. —Está todo mundo louco?

—Eu preciso de você, Duarte, —disse ela. —Mas vai ser muito perigoso para você.

Ele bufou, e Carlota ficou em silêncio aos pés dela e levou o bebê agitado dos braços de Joana. —O tempo virá, —disse Joana, —pelo menos eu espero, quando o capitão Blake terá de ser resgatado de Salamanca. Quando isso acontecer, eu não acredito que vai ser fácil para ele escapar sem ajuda. —Duarte coçou atrás do pescoço e olhou para Carlota.

—Os franceses lhe darão a liberdade condicional, você entende —disse Joana. —Ele vai ter uma liberdade considerável, mas será honrado demais para fugir. Vou ter que ver para ele, uma maneira de o liberar de sua palavra.

—De que forma? —Perguntou Carlota. —Homens definem tal coisa por honra, Joana.

—Se for maltratado —respondeu Joana, —talvez, até preso de novo e, em seguida, os franceses quebrarem a sua parte no negócio. Mas pode acontecer, também, dele não estar livre, ou não ter a força necessária para fazer isso sozinho. E eu acho que devo ser tomada como refém ao mesmo tempo, Duarte. Os franceses estarão um pouco mais cautelosos atrás de você, se souberem que me tem como refém. E também devem descobrir que dezenas deles estão suspirando de amor por mim. Além disso, vou precisar fugir antes que descubram que os traí, ou que pensem que seja incrivelmente estúpida. Meu orgulho espera que seja o primeiro.

—Você não gostaria de se explicar, não é? —Perguntou o irmão. —Não —disse ela. —Não, eu não faria.

—Então, ele estava indo para Salamanca, sabendo que seria capturado? —Perguntou.

—Sim. —Ela respirou fundo. —Se eles não o matarem primeiro e fizerem perguntas depois, o que é muito provável. Eu não saberei até que chegue lá. Você acha que eles iriam atirar, em vez de tomar um prisioneiro, Duarte?

—Joana —ele perguntou, ao invés de lhe responder, a olhando bem de perto, —este homem significa algo para você?

—Apenas como um colega —ela respondeu. E franziu a testa. —Embora ele não saiba o que eu sou para ele. Ele vai me odiar terrivelmente, quando acreditar que eu estou aliada aos franceses. Mas não o poderia avisar ou pedir desculpas antecipadamente. É tudo parte do plano de Arthur, sabe?

—Ele é um homem muito bonito —disse Carlota. —O cabelo loiro, e aqueles olhos azuis... E os ombros largos...

—Ei, ei! —Disse Duarte.

Carlota lhe lançou um olhar atrevido. —É claro —disse ela, —a guerra estragou o que deve, ao mesmo tempo, ter sido um rosto lindo.

—E fez dele um homem maravilhosamente atraente, em vez disso, —Joana disse distraidamente, roendo no lado de um dedo.

Duarte e Carlota trocaram um olhar sobre sua cabeça.

—Você vai fazer isso? —Perguntou Joana, os olhos focando novamente sua cabeça também. —Se eu enviar Matilda para casa, eu acho que uma irmã dela terá de morrer de repente, ou algo parecido, se você vier. Eu não posso prever exatamente quando será, portanto, não pode programar uma data definida. Mas vou enviar Matilda. Você vai fazer isso?

—Para Salamanca, e realmente em Salamanca? —Disse. —Parece que é suicídio para mim, Joana. Também, maravilhosamente desafiador. Vou ter que procurar Bécquer novamente. Ele provavelmente gostará menos do que os franceses, que eu invada seu território sem licença.

—Mas você vai fazer isso? —Perguntou novamente.

—Ele vai fazer isso —Carlota disse com raiva —e eu vou ficar em casa para varrer o chão, e brincar com o bebê, como a boa esposa que ele quer fazer de mim. Ele vai fazer isso, Joana. Oh, o que eu não daria para ter a chance de ir também.

—Obrigada. —Joana respirou fundo, em sinal de alívio. —Eu tenho que sair amanhã, cedo. Não vale a pena mudar de pessoa e sair daqui, não é? Mas como eu poderia resistir, mesmo um só dia, de liberdade gloriosa? Estou começando quase a odiar a Marquesa das Minas.

—Eu também, —seu irmão disse fervorosamente. —Ela me dá muitas noites sem dormir. Mas, em seguida, Joana Ribeiro me dá muito também.

—Este será provavelmente o fim da marquesa, —disse ela. —Ela vai logo perder sua utilidade. Vou ter que encontrar alguém para ser, para o resto da minha vida. —Ela suspirou. —Mas apenas quero ver aquele rosto em primeiro lugar.

—Tenha cuidado, —disse seu irmão, com o cenho franzido. —Isso soa muito perigoso, Joana. Suponho que não a posso persuadir a mudar de ideia?

Ela sorriu para ele.

—Eu não penso assim. —Disse ela. —Seja cuidadoso.

—Se divirta, Joana, —disse Carlota. —Se divirta enquanto pode.

—Oh, —disse Joana, e seu sorriso se iluminou, —eu pretendo. Sim, eu pretendo.

 

*


—Sente-se, por favor, capitão Blake, —O coronel Marcel Leroux disse, depois de se apresentar e aos outros ocupantes da sala, exceto os dois sargentos silenciosos, que montavam guarda em cada lado da porta.

O general Charles Valéry, um homem alto, magro, um cavalheiro aristocrático, o estava olhando, mas ficaria mais em casa em um salão de baile do que em um campo de batalha, pensou o capitão Blake. Ele ficou na frente de uma janela, no lado oposto da sala, permitindo que o coronel conduzisse o interrogatório. O capitão Henri Dionne era pequeno, mas solidamente constituído. Parecia poder ser útil com sua espada. O capitão Antoine Dupuis, que ele havia conhecido na noite anterior. O coronel Leroux era um homem alto e bonito, com cabelos e olhos escuros e bigode, um homem das senhoras, o capitão Blake pensava. Ele sentou.

—Eu confio que o resto da sua noite foi confortável? —Perguntou o coronel. —Foi evidentemente necessário o colocar sob guarda.

—Muito confortável, obrigado, —respondeu o capitão Blake.

—Você fala francês, monsieur? —Perguntou o coronel. —Se não o fizer, eu tenho um intérprete à mão porque o general Valéry pode entender o que você diz.

—Falo francês, —o capitão Blake disse, mudando para esse idioma. —Mas temo que tenha muito pouco a dizer.

—Mas você nos perdoará se nós o questionarmos de qualquer maneira —disse o coronel. —Por que um oficial do famoso regimento dos Rifles —o Nonagésimo Quinto, não é? —Estava dentro de Salamanca na noite passada?

O capitão Blake deu de ombros e tocou a contusão na têmpora direita, seu olho direito estava um pouco vermelho. —Me perdi no caminho, —disse ele. —Eu podia jurar que estava me aproximando de Lisboa.

—Ah, capitão, —disse o coronel, quando o general se virou para olhar para fora da janela, as mãos batendo em uma tatuagem em suas costas. —Essas palavras são indignas de você. Os seus companheiros, que todos escaparam, lamento dizer, eram partidários espanhóis?

—O são? —Respondeu Blake. —Então foi por isso que não entendi uma palavra do que estavam tagarelando.

O coronel chegou a seus pés. —Por que você veio aqui, capitão? —Perguntou. —Você é um dos oficiais de aferição britânicos? Um espião, em linguagem mais simples?

—Bom Deus, —respondeu o capitão Blake. —Eu? Porque tomei um rumo errado em algum lugar nas montanhas? Você já percebeu como elas parecem todas iguais? Não, talvez não. Talvez você não conheça Portugal.

—Parece tolo, —disse o coronel, —para os britânicos, enviar um oficial de reconhecimento tão perto de Salamanca, quando eles devem saber que a maior parte das nossas forças e nossa sede está aqui. E muito imprudente para partidários chegar tão perto.

—Eu não poderia estar mais de acordo, —disse o capitão Blake. —Eu não teria chegado a bater à porta, se soubesse na de quem eu estava batendo, acredite. E ouso dizer que esses guerrilheiros teriam ficado no seu, ah, próprio país, se tivessem sabido que o poderio da França estava aqui.

—A menos que houvesse alguém aqui dentro com quem você precisasse se comunicar, —O capitão Dionne disse, falando pela primeira vez.

—Bem, —explicou o capitão Blake —Eu ouvi que há alguns bordéis excelentes em Salamanca. Mas não pareço muito bonito para as prostitutas, no momento, não é? —Ele indicou seu olho.

—Nós estamos perdendo nosso tempo, coronel —disse o general, sem se afastar da janela. —Você não esteve na Península desde a chegada dos soldados britânicos. Eles não são tão facilmente intimidados como alguns dos nossos vizinhos europeus. É uma pena que ele tenha vindo de uniforme. Teríamos informação em vez de imprudência, se ele não estivesse fardado.

O coronel deu de ombros se desculpando pelo capitão Blake. —Você é um oficial e um cavalheiro, e deve ser tratado como tal, —disse ele. —Queremos lhe conceder toda a honra e cortesia, capitão. Mas devemos, naturalmente, fazer perguntas. Tem papéis com você?

—Não, —disse o capitão. —Eu deixei para trás todas as cartas de amor que tenho recebido da Inglaterra. Seria embaraçoso as ter lidas por qualquer outra pessoa.

—Você não tem papéis de jeito nenhum? —Perguntou o coronel rispidamente.

Capitão Blake pensou por um momento. —Absolutamente nenhum, —disse ele. —Eu sinto muitíssimo. Você precisa de algo para ler?

—Vamos, é claro, lhe oferecer a liberdade condicional —disse o coronel Leroux. —Nós o preferimos entreter, como um oficial respeitado, um inimigo respeitado, capitão, do que prender você, como faria a um cão. Mas primeiro, receio que o devemos revistar. É uma indignidade da qual poderia ser poupado, se entregasse quaisquer documentos que tenha em sua pessoa.

—Senhor, —o capitão Blake lhe respondeu, então, —se eu tivesse antecipado sua oferta, coronel, eu teria guardado algum pedaço de papel no bolso, para que o pudesse mostrar agora, e manter minha dignidade. Ai de mim, que não tive a ideia.

—Eu o vou conduzir a uma ante-sala com um dos sargentos, para a pesquisa, se quiser, senhor, —o capitão Dupuis ofereceu.

—Aqui —disse o general, ainda sem se virar da janela. —Ele será revistado aqui. E agora.

—Ah, lamentavelmente, monsieu, —o coronel disse, —Eu o devo revistar e você vai cooperar e remover os artigos de sua roupa um de cada vez, por favor? Ou devo dar a tarefa a um dos sargentos?

Capitão Blake se virou e olhou para as figuras silenciosas que ladeavam a porta. —Um deles não é o soldado desajeitado que me atingiu no olho, com o meu próprio rifle, na noite passada, não é? —Perguntou. —Isso foi um pouco doloroso, como suponho que era para ser. Não, não se incomode, coronel. Eu estou sem os cuidados de uma babá há alguns anos, e sei bem como remover minhas roupas. As vestir de volta novamente, é claro, é um pouco mais complicado, mas já que não há senhoras presentes, não sou tímido.

Se levantou, tirou o casaco e o entregou a um sargento, que se adiantou a um aceno do coronel.

Ele temia, meia hora mais tarde, enquanto estava nu no meio da sala, passando uma toalha, que o capitão Dionne tinha fornecido, sobre sua cintura, que os oficiais da equipe de Wellington, em Viseu, tivessem sido demasiado inteligentes, para seu próprio bem.

—Nada —disse o coronel.

—Ele teve tempo para se livrar deles, —disse o general. —Tenha a área onde ele foi encontrado revistada.

—Ou um dos partidários os levou, senhor, —o capitão Dionne sugeriu.

—Ou nunca houve qualquer —disse o coronel. —Tudo está embrenhado em sua memória, com toda a probabilidade. E nós nem sequer sabemos se ele veio trazer informações ou as recolher. Talvez ainda não haja nada em sua memória.

—Capitão Blake. —O general finalmente se afastou da janela e seus olhos cinzentos pálidos correram o seu adversário dos ombros nus para os pés descalços. —Você pode ser grato, neste dia, por ser um soldado britânico uniformizado, e não um partidário espanhol. Nós sabemos como obter informações de nossos amigos espanhóis.

—Eu posso quase sentir minhas unhas dos pés sendo arrancadas, —disse o capitão Blake.

—É, creio eu, um pouco doloroso —disse o general. —A informação vem muito antes de todas as vinte serem perdidas.

—Suas botas são muito novas, em comparação com o resto do seu uniforme, —um dos sargentos, o que o capitão Blake teria rotulado como o menos inteligente, murmurou para seu companheiro. O capitão Blake poderia ter abraçado o homem, e lhe dizer para falar. Mas suas palavras foram ouvidas.

—Suas botas são novas, capitão? —Perguntou o coronel, franzindo a testa para ele.

—As outras saíram de meus pés, um dia, quando eu não estava olhando —disse o capitão Blake.

—O mesmo que seu casaco parece prestes a fazer —disse o general. —Mas você não teve um casaco novo, capitão. —Capitão Blake deu de ombros. —As botas novas este ano, talvez uma nova roupa no próximo —disse ele. —Não se faz uma fortuna como capitão no exército britânico, sir. Talvez os capitães franceses consigam? —Ele olhou educadamente para os capitães Dupuis e Dionne.

—Nada por trás do couro, senhor, —disse o sargento não inteligente, passando as mãos duras por toda a superfície das botas.

—Os dedos do pé —disse o coronel. —Os saltos.

Capitão Blake sorriu nervosamente. —Como vou para casa a pé, sem minhas botas? —Perguntou. —Será que isso não foi longe o suficiente? Estão tornando tudo bastante ridículo? —Ele deu de ombros, e tentou parecer indiferente, enquanto tanto o general como o coronel o olharam atentamente. Mas permitiu que uma mão abrisse e fechasse a seu lado.

O coronel fez um sinal para o sargento.

—Vamos substituir suas botas, capitão —disse ele. —Como um presente.

E assim, os papéis foram encontrados, em carta não selada, e espalhados sobre a mesa, e só então o general saiu da janela e se aproximou. Se inclinando sobre o papel com o coronel, o general observava atentamente, enquanto os dois capitães esticavam os pescoços dos dois lados da mesa para ter uma ideia do diagrama.

—Ah, capitão, —o coronel disse, olhando para cima, depois de um minuto em silêncio —você pode se vestir e tomar um assento de novo. Suas botas, receio, estão em ruínas, mas não acredito que o piso seja muito frio. É?

—Droga seus olhos —Capitão Blake disse por entre os dentes.

O coronel deu de ombros. —Pardon, capitão —disse ele, —mas temos um trabalho a fazer, assim como você. —Capitão Blake estava no processo de desembrulhar a toalha da cintura, quando o general finalmente falou.

—De modo que o outro papel estava correto, embora muito mais vago do que este —disse ele. —Nos esperam pelo norte, e nossa chance de chegar a Lisboa está efetivamente trancada. —Ele bateu um punho na mesa. —Agora o tempo de indecisão já passou. Agora o marechal vai saber qual caminho tomar. —Ele olhou para o capitão Blake, cuja mão segurava um canto da toalha como se estivesse congelado. —Temos o condenados do Wellesley, finalmente, mesmo onde o queremos. Ou Wellington, como é chamado agora.

Capitão Blake deu um passo para a frente e olhou para o diagrama. Mesmo de cabeça para baixo, ele podia ver de relance que não era o papel que lhe tinha sido mostrado, o que ele tinha pensado que estaria em sua bota. O que ele estava olhando era um diagrama perfeito das Linhas de Torres Vedras.

Oh, Cristo, pensou. Parecia que, de repente, o ar havia deixado a sala. Cristo! E ele ficou perfeitamente imóvel e sem expressão, enviando orações frenéticas para um Deus, que podia ouvir em silêncio.


Capítulo 12


A “tia” com quem Joana ficava quando estava em Salamanca era, na realidade, uma ex-governanta que sua mãe tinha empregado para os filhos de seu primeiro casamento. Se alguém tentava fazer uma contagem do número de tias que ela tinha na Península, Joana, por vezes, pensava que ele iria começar a se perguntar sobre seus avós. Ela provavelmente poderia descobrir uma tia em quase todas as cidades da Espanha e Portugal, se o tivesse que fazer.

A Señora Sanchez, tia Teresa, morava em uma rua tranquila em Salamanca, perto da Plaza Mayor. A carruagem branca e dourada da Marquesa das Minas chegou no final de uma tarde, mas a marquesa que saiu foi uma diferente daquela que tinha pisado em Viseu. Esta marquesa usava os cabelos em cachos mais suaves sobre seu rosto e ela usava um vestido e casaco azul royal vivo.

Se ela devia ser basicamente a mesma, Joana havia decidido alguns anos antes, rica, estragada e namoradeira, pelo menos iria mudar pormenores. Tinha que haver alguma variedade para adicionar tempero à vida. Em Portugal ela era a marquesa portuguesa pálida, na Espanha ela seria a marquesa francesa extravagante. Deveria haver diferenças sutis.

Não demorou muito para que a notícia de sua chegada começasse a circular, embora o muito adiantado da hora obrigasse vários oficiais impacientes, a esfriar seus arroubos durante a noite, antes que eles a pudessem visitar, decentemente, na manhã seguinte.

O coronel Guy Radisson e o Major Pierre Etienne foram os primeiros a chegar, e apareceram na porta da Señora Sanchez quase simultaneamente.

—Caros Guy e Pierre! —Exclamou ela, quando entrou no salão onde eles a esperavam. E cruzou toda a sala, uma mão estendida a cada lado, sorrindo, enquanto cada um levava uma de suas mãos aos lábios.

—Jeanne, —coronel Radisson disse, —o sol nasceu em Salamanca novamente esta manhã. —Madame —o major Etienne disse, —agora a nossa razão para querer invadir Portugal não existe mais. —Ela retirou a mão da dele e bateu em seu braço. —Não deixe que o imperador ouça você dizer isso, Pierre —disse ela. —Mas como é maravilhoso estar em casa, entre o meu povo, mesmo que não esteja em casa, na minha própria terra. Portugal parece um buraco.

—Então você deve me permitir a acompanhar para casa, para a França, Jeanne —disse o coronel. —Eu vou voltar para lá em breve, imagino. Mas, se você ficar aqui, talvez eu deva solicitar uma extensão maior do dever.

Ela riu e puxou a mão. —Mas eu não posso sair de Portugal, —disse ela. —Todas as propriedades que Luís me deixou estão lá e toda a minha riqueza. E como eu poderia viver sem a minha riqueza? Este luxo, receio, é o sopro de vida, para mim.

Ela acenou aos senhores para as cadeiras, servidos os refrescos, e se resignou a uma manhã de visitas e conversa; não estava errada. Teve sete visitantes, todos oficiais, além de quatro convites e um buquê de flores.

—Que maravilhosa casa de boas-vindas —ela murmurou para seus admiradores, quando eles, finalmente, começaram a querer sair. —Ah, não, Jacques, eu não vou ser capaz de assistir ao coronel e Madame Savard no sarau desta noite. Como é triste para mim. Mas já tinha um convite do general Valéry, você vê, me convidando para jantar. Espere, Guy, por favor. Eu não preciso de um acompanhante.

Se o coronel Radisson tinha outros deveres para cumprir, não mostrou impaciência, enquanto esperava que o último dos visitantes se despedisse persistentemente da marquesa. Ela finalmente se virou para ele, com um sorriso brilhante.

—Todos são tão bons —disse ela. —Correndo aqui para apresentar seus respeitos, quase antes de eu ter chegado.

—Bondade tem pouco a ver com isso, Jeanne —disse ele. —Você realmente está mais bonita a cada dia, ou é que simplesmente parece dessa maneira?

Ela pensou por um momento. —Acho que não —disse ela. —A cada segundo dia, Guy. —E ela riu alegremente, com os olhos brilhando para ele.

—Ah, Jeanne, —ele disse, —você já lamentou ter rejeitado minha proposta de casamento? Gostaria de a renovar agora, se você fosse apenas dizer uma palavra.

—Eu me arrependo a cada momento, Guy —disse ela, estendendo as duas mãos para ele apertar. —Mas não o faria. Sou muito inquieta para você, e também... oh, mutável. Sim, e muito cara também. Sou terrivelmente cara, você sabe. E egoísta. Estou curtindo minha liberdade. Podemos apenas ser amigos?

—Melhor amigos do que nada —disse ele, suspirando. —Como eu posso ser útil para você?

—Me leve ao general Valéry —disse ela. —Ele quer me ver antes de hoje à noite.

—Ah, eu tenho um general por rival, então? —Perguntou.

Ela tirou as mãos da dele e estalou a língua. —Ele é velho o suficiente para ser meu pai, —disse ela. —Na verdade, ele é um amigo do meu pai. Temos negócios a discutir.

—É como eu suspeitava, então? —Perguntou. —Você traz informações de Portugal, Jeanne? É perigoso. Odeio pensar em uma senhora tão delicada se colocando em perigo.

—Trazer informações? —Ela riu. —Que absurdo você diz, Guy. Quem poderia me confiar qualquer informação que possa ser de utilidade para um inimigo? Eu a poderia deixar escapar, sem pensar, para a próxima pessoa com quem falasse. Papa costumava me chamar de cabeça oca. Temo, infelizmente, que haja alguma verdade no insulto. Você vai me acompanhar?

—É claro —disse ele, com uma reverência. —Em qualquer lugar, a qualquer hora, Jeanne. Você só tem que pedir.

—Eu vou buscar o meu chapéu, —ela disse, —e pedir o carro.

Menos de uma hora depois, ela estava sentada na elegante sala atribuída ao general Valéry, na sede francesa. Ele lhe tinha oferecido uma taça de vinho, e estavam educadamente relembrando seu pai.

—Então —ele disse, —você retornou, Jeanne. Teve alguma dificuldade para sair de Portugal? Os ingleses estão patrulhando a fronteira tão diligentemente, que temos sido capazes de ter uma vaga ideia do que está acontecendo em Portugal.

—Oh, —ela disse acenando como se fosse nada, —eu estou autorizada a entrar e sair quando quiser. Que tipo de ameaça pode uma simples mulher ser, afinal? —Ela sorriu docemente para ele e bateu as pestanas.

—Você faz isso tão bem, Jeanne, —disse ele. —Qualquer um que não saiba quem você é, poderia pensar que é bastante inofensiva e completamente, me perdoe, tonta.

—Às vezes, —disse ela, —eu me canso de sempre interpretar esse papel. É bom estar em casa.

—E o que está acontecendo em Portugal? —Ele perguntou, se sentando em frente a ela e a olhando fixamente, para que Joana soubesse que, finalmente, a reunião tinha começado.

—Oh, —ela disse, —o Visconde Wellington, ele me permite chamá-lo de Arthur, general. Isso não é divertido? O Visconde Wellington está em Viseu, no norte, como também o grosso do exército. Uma pequena parte dele ainda está no sul. Eles estão esperando que vocês ataquem. Tenho certeza que você deve saber tudo isso. Eu receio, que sempre me sinta inadequada, quando venho fazer um relatório a você. Sempre desejo que pudesse ter trazido mais informações. Mas sou apenas uma mulher, você sabe. Tudo o que posso fazer é observar, e manter meus ouvidos abertos. Nenhum documento interessante já caiu em minhas mãos e ninguém nunca me confia uma informação secreta. É triste.

—Mas você faz muito bem, Jeanne —disse ele. —Você é uma observadora atenta. Às vezes, suas observações são mais importantes do que imagina. Por onde você viajou recentemente?

—Antes de vir para cá? —Ela perguntou. —Para Lisboa e a Viseu, novamente. Eu tive que usar uma desculpa para ir a Lisboa, porque estava entediada em Viseu, você sabe, e tive que ir procurar algum entretenimento. Eu queria ir, sabendo que estaria vindo para cá em breve, e esperando para pegar algumas informações para você. Mas, infelizmente, não havia nada.

—Absolutamente nada? —Perguntou.

—Somente bailes e flerte, e as viagens sem fim —disse ela. —Foi muito tedioso e muito sem sentido. —Ele falou, então. —Temos um prisioneiro inglês —disse ele. —É recente, um capitão, um companheiro imprudente, e um espião, é claro.

—E também não muito hábil, se se permitiu ser capturado —ela respondeu. —O que estava fazendo aqui?

—Tentando se comunicar com alguns partidários dentro da cidade —disse ele. —Outros que o acompanhavam escaparam, o que é uma vergonha, ou teríamos obtido mais informações sobre todo o esquema antes que morressem. Não podemos torturar ou executar um soldado britânico. E nós fomos obrigados a lhe dar a liberdade provisória, e a espada e o rifle de volta.

—Rifle? —Ela levantou as sobrancelhas.

—Eu teria gostado de o esmagar em mil pedaços —ele contou, —arma condenadamente boa. Por que os nossos soldados de infantaria não podem ter armas como essa, eu nunca vou saber. Elas são duas vezes mais precisas que os mosquetes.

—Um oficial dos Rifles? —Perguntou, ela.

—Blake —explicou ele. —Um capitão. Ele não tinha nada, além da imprudência de se jogar em nossos dentes, até que encontramos seus papéis e, em seguida, ele ter que admitir que tinha que mostrar o papel para os partidários desta parte do mundo, para que pudessem fazer tudo ao seu alcance, para nos fazer comportar como bonecos de Wellington durante a campanha de verão, a fim de lhe dar a vantagem.

—Capitão Blake, —Joana disse rindo. —Eu o conheço. Ele foi designado para me escoltar até Viseu. Ele veio até aqui e você o pegou? Oh, ele não vai gostar disso.

—Percebi que ele não estava muito satisfeito, —disse o general Valéry.

—Eu percebi que é um dos espiões mais confiáveis e bem-sucedidos de Lorde Wellington —disse ela.

—Ele é, mas por um trovão! —Disse o general. —Agora, aí está o seu valor, Jeanne, sem sequer perceber o fato. O homem se atrapalhou, horrorizado, gaguejando quando viu a mensagem e, em um momento, nos dizendo que era um blefe e rindo de nós, por pensarmos que Wellington iria enviar um diagrama preciso de suas defesas para o leste, em território inimigo, e no instante seguinte, apertando os lábios fechados, muito brancos, e se recusando a dizer outra palavra, exceto um ocasional insulto irrepetível.

—Oh, sim —disse ela. —Sem dúvida, ele é um bom ator. Ele teria que ser para ter conseguido tal reputação, não é?

—Há esse problema, no entanto, Jeanne —ele respondeu. —O que devemos acreditar? O diagrama mostra as defesas formidáveis e bastante inexpugnáveis sobre Lisboa, o que torna inviável para nós começar o ataque às fortalezas do norte, que está pronto para ser iniciado a qualquer momento. E o diagrama confirma o que tínhamos razões anteriores para acreditar, que pode ser o caso. E ainda há o problema intrigante, do por quê os ingleses permitiriam que esse diagrama chegasse tão perto de nossas mãos, e contra eles, como se vê. Se os partidários estavam para ser alertados, não teria feito mais sentido o capitão Blake simplesmente lhes dizer de memória? Nós descobrimos tudo e nada desde a captura deste espião.

—Onde essas defesas formidáveis deveriam estar? —Perguntou Joana.

—Norte de Lisboa —disse ele. —Três linhas separadas, que se estendem desde o mar até o rio. Poderíamos tomar Portugal, Jeanne. O marechal e eu estamos convencidos disso. Mas qual seria o ponto, se não podemos tomar Lisboa e jogar os ingleses para fora da Europa, de uma vez por todas? Parece que temos de ir para o sul, e depois de tudo, combater a fortaleza de Badajoz. Mas, o ano está adiantado, para tomarmos essa rota mais lenta. O cerco pode durar meses. E talvez seja tudo desnecessário, se o diagrama maldito for uma farsa.

Joana estava rindo. —Norte de Lisboa? —Disse ela. —Três linhas de defesas formidáveis e inexpugnáveis? Absurdo, general. Absolutamente absurdo. Eu viajei através dessa área há apenas duas semanas, com o capitão Blake. Oh, eu gostaria apenas de ver a cara dele, se ele me visse aqui. Será que suas habilidades de atuação continuariam, eu me pergunto? —Ela riu novamente, e tirou um lenço de renda da bolsa, para enxugar os olhos.

O general olhou para ela fixamente. —Pode funcionar, também, por um trovão! —Disse ele. —Você estaria disposta, Jeanne?

Seu riso parou, quando ela olhou para ele novamente. —Para enfrentar o capitão Blake? —Disse ela. E abriu um sorriso, lentamente. —Por que não? Oh, eu acho que seria um grande prazer, general. Sim, é verdade que seria. Oh, vamos fazer isso. —Seus olhos brilhavam com malícia.

—Isso pode significar que você nunca possa regressar a Portugal. —Disse ele, calmamente.

Ela ficou séria novamente. —Ah, mas antes que o verão tenha acabado, Portugal será uma parte do império, como ele sempre foi destinado a ser, não é? —Disse ela. —Eu vou voltar, general. —Ela sorriu lentamente. —Entrarei em Lisboa no seu braço. Vou dar uma baile em sua honra e na do Marechal Massena. Oh, vai ser maravilhoso estar em Portugal e em casa, tudo ao mesmo tempo.

—Posso o chamar agora? —Perguntou. —O tempo é essencial, Jeanne. Temos que saber a verdade.

—Sim, e, por todos os meios —disse ela. —Este, mal posso esperar.

—Pode demorar um pouco —disse ele. —Eu não sei exatamente onde ele está no momento, porque a necessidade de o manter sob confinamento passou. E eu desejaria que os capitães Dupuis e Dionne estivessem presentes, uma vez que estavam em seu interrogatório há dois dias. E o coronel Leroux, que eu coloquei no comando de tudo. Acho falar com prisioneiros cansativo e um pouco humilhante.

—O coronel Leroux? —Disse Joana. —Eu o conheço?

—Ele acaba de voltar de Paris —respondeu o general. —Você vai gostar dele, Jeanne. Um companheiro considerável.

—Ah, —ela disse, sorrindo, —então você pode ter certeza de estar certo. Eu sempre gosto de homens bonitos.

—Vou mandar servir refrescos para você, enquanto espera ¯, disse o general, ficando de pé. —Terei todo mundo aqui, o mais rápido possível.

—Não há necessidade de pressa —disse ela rindo. —O prazer deste confronto deve ser antecipado e saboreado, general.

Seu sorriso permaneceu até ele sair da sala. E então, ela descobriu que suas mãos tremiam no colo e as pernas batiam, trêmulas, contra a cadeira em que estava sentada. E sua respiração vinha em suspiros irregulares.

Ele estava bem então, e seguro. Oh, Deus, ele estava em segurança. Ela mal tinha se atrevido a ter esperança de que ele ainda estivesse vivo. Todo o esquema parecia mais louco do que ela tinha imaginado, quando mais perto de Salamanca. E mesmo agora parecia louco. Mas, pelo menos ele estava seguro até agora. Assim como ela.

Ela temia encontrar seus olhos. Isso ia ser a pior parte. Uma vez que seus olhos se encontrassem pela primeira vez e ele soubesse, ou achasse que sabia, então seria mais fácil. Mas tinha que haver essa primeira reunião dos seus olhos.

E ela temia isso, mais do que temia qualquer outra coisa em sua vida.

 

*


O capitão Blake sentiu a segurança do cinto da espada lentamente, olhou para o rifle, que estava apoiado, com cuidado, em um canto da sala confortável, que lhe tinha sido atribuída na desprotegida mansão confiscada, onde vários oficiais franceses estiveram acampados, e o decidiu deixar onde estava. Eles queriam falar com ele, novamente.

Ele tinha vivido um pesadelo de um par de dias e noites, embora tivesse tido convites em abundância e estivesse sendo tratado muito mais como um convidado de honra, do que como um prisioneiro. Em todas as horas torturantes, ele não tinha sido capaz de entender como isso tinha acontecido. Como tinham os papéis vindo a ser os verdadeiros? Descuido de alguém? Como um absolutamente incrível e criminoso descuido desses pôde acontecer? Ou tinha alguém feito isso deliberadamente? Será que o comandante-em-chefe tem um traidor na sua equipe?

Incrivelmente, ele tinha se deixado aprisionar, e a esses papéis, em mãos dos franceses, apenas para descobrir que tinha colocado lá a destruição dos exércitos britânico e português, e de toda a causa europeia. Se os britânicos fossem expulsos de Portugal, então toda a Europa estaria sob o controle de Napoleão Bonaparte, novamente.

E ele, inadvertidamente, tornou isso possível, praticamente sozinho.

E agora se preocupava em endireitar seu uniforme, apesar de que toda a agitação no mundo não o poderia fazer parecer algo mais do que pobre, e isso porque um tenente francês o esperava educadamente em sua porta aberta, para o acompanhar ao gabinete do general Valéry.

Depois de dois dias pensando, o capitão Blake ainda não sabia muito bem como lidar com a situação. Se partisse da premissa de que os franceses se deixariam enganar pelos papéis, e se os tentasse persuadir de que os planos eram falsos, então eles perceberiam que estava mentindo. Se eles fossem falsos, então seria do seu interesse fingir que eram reais. E, mesmo que ele mantivesse sua boca fechada e os deixasse tirar suas próprias conclusões, então certamente concluiriam que os planos eram autênticos.

Sem tempo para se preparar dois dias antes, ele havia zombado de sua crença no início, até que percebeu o quanto seu desprezo seria mal interpretado, e, em seguida, fechou a boca e a abriu apenas para proferir várias obscenidades, quando lhe fizeram outras perguntas. Ele pensara, em um momento e com algum horror, que iria desmaiar.

Droga Wellington, pensou, enquanto caminhava até a porta e assentiu para o tenente. E que se dane este negócio de espionagem. E maldito fosse ele para sempre deixar ser do conhecimento de todos que tinha o dom de aprender línguas rapidamente. Ele desejava estar com seus atiradores de novo, assumindo o controle de seu regimento, que era para o que tinha sido treinado para fazer e no que tinha alguma habilidade. Um ator, ele não era. E até mesmo um ator experiente podia se recusar a ter que andar pelo palco sem ter decorado sua fala e sem roteiro a partir do qual as pudesse aprender, e seu diretor estava a algumas centenas de quilômetros de distância.

Bem, ele estava prestes a entrar no palco de novo.

 

*


—Conhece o capitão Dupuis e o capitão Dionne, Jeanne? —Perguntou o general Valéry, retornando a sua sala com esses dois oficiais, quinze minutos depois de a deixar. —Jeanne da Fonte, Marquesa das Minas, senhores. Filha do Conde de Levisse, com a embaixada do imperador em Viena.

—Henri ¯, Joana disse, sorrindo calorosamente para o capitão Dionne. —Que bom vê-lo novamente. Você já se recuperou do ferimento no seu cotovelo? —Ela estendeu a mão para ele se curvar. —Capitão Dupuis? Eu não tive o prazer.

—É todo meu, minha senhora —disse ele, com um clique dos saltos e se curvando de forma inteligente.

—Blake já foi enviado —disse o general. —O coronel Leroux está envolvido num negócio urgente, mas estará conosco em poucos minutos.

—Bom, então. —Joana usou seu sorriso mais encantador sobre os três oficiais, enquanto seu coração palpitava com o suspense. Parte dela quis abrir a porta, e o admitir para que eles pudessem ter este encontro inicial sem mais. A outra parte quis alguém para entrar pela porta para anunciar que ele estava longe de ser encontrado. —Henri terá tempo para me dizer como se recuperou de sua lesão. E capitão Dupuis... —Ela olhou para ele interrogativamente.

—Antoine Dupuis, minha senhora —disse ele, rubro, e se curvando novamente.

—E Antoine pode me contar tudo sobre si mesmo. —Ela observou o capitão caindo em seus encantos. —Mas, primeiro, me deixe dizer como é maravilhoso estar entre meu próprio povo de novo, o de língua francesa.

A porta se abriu novamente e Joana, que tinha escolhido ficar perto de uma janela em frente à porta, olhou fixamente para o general, seu sorriso firmemente no lugar, com medo de virar a cabeça. Oh, Deus, o momento tinha chegado. E por que ela o desejava evitar, não sabia. Estava, afinal de contas, apenas fazendo um trabalho, como ele. Não importava o que ele pensasse dela, desde que o trabalho fosse feito com sucesso.

Mas isso pesava. Por alguma razão que ela estava com medo de entender, isso pesava na balança.

Ela se voltou, para olhar com diversão verdadeira para o homem que tinha entrado na sala e parou, ao cruzar a porta.

E esqueceu o capitão Robert Blake. E esqueceu o general Valéry e os outros oficiais franceses. Esqueceu onde estava e por que estava lá. Esqueceu tudo, exceto uma tarde, três anos antes, quando ela estava escondida em um sótão, com mais medo do que ninguém jamais merecia estar nesta vida, assistindo a um oficial francês empurrar sua meia-irmã para o chão e a estuprar, apreciando em altos brados o que fazia, enquanto três outros soldados se levantaram e assistiram, esperando sua vez, aplaudindo e rindo, e fazendo comentários obscenos. E, em seguida, o mesmo oficial francês, impaciente, se divertiu mais, empurrando o polegar para um dos soldados, que levantou sua baioneta. . .

—Mas o meu negócio importante teria esperado, se você tivesse me dito que uma beleza esperava em seu gabinete, general, —o homem que tinha entrado disse, sorrindo. —Você disse apenas que havia uma senhora aqui, que poderia ajudar a lançar luz sobre o nosso dilema.

Um homem alto e bonito, com cabelos escuros e bigode, e um charme experiente. Um homem que estava acostumado a conseguir o que queria, especialmente as mulheres que ele queria. Um homem que esperava que as mulheres se apaixonassem por ele, e que não foi muitas vezes decepcionado. Um homem que estuprou por esporte, e ordenou a execução de inocentes com um movimento do polegar. Os olhos de Joana, um rasgo apertado enquanto analisavam este homem, foram se abrindo de novo, lentamente. Seu sorriso alcançou seus olhos e os fez brilhar.

—Coronel Marcel Leroux, Jeanne —disse o general Valéry. —Recentemente voltou de Paris, embora fosse a Portugal com Junot em 1907. Jeanne da Fonte, Marquesa das Minas, coronel. A filha de Levisse. Ela acaba de chegar de Portugal.

O coronel Leroux correu através do quarto. —Você é a Marquesa, por Deus? —Disse. —O general falou de você. Eu estou encantado, minha senhora. —Ele estendeu a mão para a dela.

—Oh, e o que ele disse? —Ela perguntou, colocando a mão na do coronel e sentindo a terrível vontade, quase irresistível, de tremer e arrebatar a mão, —coisas terríveis, sem dúvida, e nenhuma delas verdadeira. Vou precisar ter uma longa conversa com você, Marcel? Como o devo chamar? E esclarecer alguns mal-entendidos. —Seus lábios se separaram, quando ele levou sua mão aos lábios.

—Eu estou impaciente para o esclarecimento desses mal-entendidos, minha senhora —disse ele. —Muito impaciente.

—Jeanne —disse ela suavemente, e seu sorriso apareceu na boca, antes de subir para os olhos. E então a porta se abriu, mais uma vez, e ela se lembrou em um segundo, e quase entrou em pânico. Ela não teve tempo para se preparar. Se sentia nua e exposta. O coronel Leroux se moveu para um lado, para que ela pudesse enfrentar a porta. Tolamente, ela virou a cabeça e o observou, para, em seguida, se tornar quase impossível voltar a cabeça para trás, novamente.

Mas, ninguém falou. Se perguntou se minutos, ou meros segundos, se passaram. Ela olhou para a porta. Com os lábios franzidos, seus olhos se iluminaram, divertidos, lentamente.

—Ora, Robert, —disse ela, —é você. Como isso é divertido. Mas por que não me disse que este era o lugar para onde estava sendo enviado? Eu poderia ter tido o prazer de o olhar de frente, para o encontrar novamente. Talvez você pudesse até ter me acompanhado até aqui, como me acompanhou até Viseu. Mas me diga, —ela deu dois passos para a frente e sorriu, deslumbrantemente, para ele, —será que realmente veio para cá como espião, como diz o general Valéry? Você foi muito travesso, jurou para mim que estava voltando para o seu regimento.

Ele ficou no interior da porta, com os pés ligeiramente afastados, uma das mãos paralisada a alguns centímetros acima do punho da espada, o rosto pálido e sem expressão, olhando para ela. Havia uma contusão amarela e púrpura ao longo de sua têmpora direita e se espalhando por sua pálpebra. Seus olhos estavam injetados.

—Olá, Joana —disse ele, por fim, quando parecia que o silêncio deveria ter se estendido por cinco minutos completos. Sua voz soava bastante descontraída. —Acho que a deveria esperar encontrar aqui, entre seu próprio povo. Tolo da minha parte ter sido surpreendido, por um momento.

Ela tinha tentado adivinhar que mil coisas que ele poderia dizer em primeiro lugar. Nenhuma delas chegou nem perto do que ele realmente havia dito.

Ela riu com diversão e luz.


Capítulo 13

 

Ele nunca a tinha visto vestindo nada mais que branco. Agora, ela estava usando um vestido de um verde esmeralda vivo e parecendo mais bonita do que qualquer mulher tinha o direito de parecer. Seu cabelo estava enrolado sobre o rosto, de modo que seus olhos pareciam sombreados e ainda mais atraentes do que o habitual.

Aqueles foram os primeiros pensamentos tolos que correram em sua mente, quando ele entrou na sala do general Valéry e a viu em pé, em uma janela, diretamente em sua linha de visão.

O próximo pensamento, que veio quase simultaneamente, era que ela era uma prisioneira também, que eles estavam tentando a usar para obter a verdade dele, ameaçando lhe prejudicar, se ele não falasse. Sua mão se moveu inconscientemente para sua espada.

O terceiro pensamento acalmou sua mão. Ela era francesa. Claro. Ela era francesa.

E então ela se virou para olhar para ele, e lhe falou com o escárnio costumeiro, e ele soube que o jogo tinha acabado, que tinha perdido, que a Inglaterra tinha perdido, e Portugal também. E sentiu um relaxamento curioso, agora que tudo estava acabado, e uma admiração relutante pelo mais provável e o mais improvável espião, e, é claro, da França.

Ele não a odiava ainda. Eles estavam, afinal, no mesmo negócio. Apenas passaram a estar em lados opostos.

—Olá, Joana, —ele disse —Acho que a deveria esperar encontrar aqui, entre seu próprio povo. Tolo da minha parte ter sido surpreendido, por um momento.

Ela riu. —Meu próprio povo? —Disse ela.

—Você era Jeanne Morisette, antes de adquirir o seu presente título —respondeu ele. —A filha do Conde de Levisse, ex-monarquista.

Ela riu novamente. —Eu o subestimei, Robert, —disse ela. —Não consegui descobrir nada sobre você, apesar de ter tentado. Eu nem sequer percebi que você estava tentando descobrir sobre mim. Não há muitas pessoas em Portugal sabendo o que sabe. —Ela se virou para sorrir ao general Valéry. —Você vê o que eu quero dizer sobre este homem ser um dos espiões mais capazes de Lorde Wellington? —Disse ela.

O capitão Blake manteve os olhos nela. Que coisa estranha de dizer, pensou, mas ele manteve o rosto inexpressivo.

—Devemos todos nos sentar. —O general sugeriu. —Creio que há várias coisas a serem ditas.

—Eu preferiria ficar em pé, —o capitão Blake disse, não tirando os olhos de Joana. Ela olhou para trás, nem um pouco envergonhada por sua duplicidade, que acabara de ser revelada a ele. —Então, eu também ficarei. —Ela sorriu lentamente para ele.

E assim todos os cavalheiros foram forçados a permanecer em pé.

—Capitão Blake, —o general Valéry disse, —de acordo com o papel que estava escondido em sua bota, as principais defesas britânicas estão centradas em três linhas ao norte de Lisboa, que se estendem para o norte, até Torres Vedras.

Nenhuma pergunta tinha sido formulada, mas o general fez uma pausa.

—Sim —o capitão Blake disse, —é o que o trabalho mostra.

—E ainda assim você reivindicou, há dois dias, que o papel era falso, projetado para nos enganar.

—Sim —disse o capitão. —Eu falei isso.

—E o que você diz agora? —Perguntou o general Valéry. —Agora que temos a nossa própria fonte de informação, o que você diria?

—Eu digo que o papel é genuíno, —o capitão Blake disse, —como era um anterior, menos detalhado que caiu em suas mãos. Eu digo que ele é genuíno, mas que você está destinado a acreditar que ele deve ser falso. Ou é o contrário? Eu esqueci minha fala, na presença de tal beleza deslumbrante. Sim. Eu creio que deveria dizer que é falso, para que você acreditasse que ele deve ser autêntico. Diabo me leve, eu realmente não sei. Talvez você deva perguntar novamente, general, quando a senhora não estiver presente.

Ela sorriu para ele.

—O que você sabe disso, Jeanne? —Perguntou o coronel Leroux. —Você sabe a verdade? Na situação atual, o papel é pior do que inútil para nós.

Seu sorriso se transformou em risos. —Robert, —disse ela, —você se lembra de minha escolta de Lisboa para Viseu, menos de duas semanas atrás?

Ele não disse nada. Mas tudo acabou, ele sabia. Ela devia se lembrar claramente da Passagem de Montachique.

—Você não se lembra dos dias longos e tediosos de viagem? —Perguntou. —Não se lembra de nós, rindo das poucas tentativas patéticas que os camponeses estavam fazendo para se proteger contra o ataque? Não se lembra da longa noite em Torres Vedras, quando se certificou de que a minha acompanhante não estava presente e nós conversamos, e conversamos e, em seguida, você tentou fazer amor comigo? Você está corando, capitão? Não precisa. Todo mundo tenta fazer amor comigo. —Ela encolheu os ombros. —Somente uns poucos favorecidos têm sucesso.

Ela olhou de lado sob seus cílios para o coronel.

Capitão Blake ficou imóvel e optou por não dizer nada. Sua versão do que tinha acontecido fora um pouco distorcida, pensou ele, e ela parecia completamente esquecida de que eles estavam em Óbidos, não em Torres Vedras, quando algo semelhante tinha ocorrido. Mas esses detalhes não eram importantes. Era o resto do que ela estava dizendo, ou não dizendo, o que importava. Seria possível que ela não estivesse juntando os fatos, mesmo não tendo feito isso no momento? Ele começou a ver um vislumbre de esperança.

—Lembro de nossa conversa sobre a tranquilidade da cena ao pôr do sol —disse ela. —E estávamos, naquele momento mesmo, no centro da mais setentrional dessas defesas formidáveis, não era? Nós já tínhamos passado pelas outras duas linhas?

O Capitão Blake deu de ombros.

—Oh, não venha agora. —Ela riu de novo alegremente e deu vários passos em direção a ele. —Foi uma muito pobre tentativa, Robert. Não há nada lá em cima, há? Uma vez que o Marechal Massena tome as fortalezas fronteiriças de Ciudad Rodrigo e Almeida, apenas as forças inglesas do Visconde Wellington e as forças arrasadas de Portugal vão ficar entre ele e Lisboa. Por que as forças inglesas estariam concentradas no norte de Portugal? Por que Arthur estaria lá? Será que eles estão todos escondidos com segurança por trás dessas defesas inexpugnáveis, ou então no sul, para defender a rota fraca para Lisboa?

A esperança estava martelando com o sangue através de suas veias. Ele tinha um papel a desempenhar. Ele ainda tinha uma parte. Mas tudo dependia de não exagerar.

—O que você acha, capitão? —Perguntou o coronel.

—Eu não acho nada —disse ele, secamente. —A senhora, sem dúvida, está certa. As senhoras estão sempre, eu acredito. —Joana finalmente se sentou na cadeira mais próxima. Ela cruzou uma perna sobre a outra e virou um pé, o sapato verde para combinar com seu vestido. Ela pareceu ligeiramente entediada.

—Mas o seu tom implicaria que você sabe que ela está errada —disse o coronel.

Capitão Blake deu de ombros.

—É uma pena —disse Joana —que decidisse viajar a Lisboa, e de regresso, quando eu o fiz. Uma pena para os ingleses, é o que é. Eu me sinto quase com pena de você, Robert. Alguma vez falhou antes? Isso vai prejudicar a sua reputação, se vai, e Arthur vai pensar duas vezes antes de o enviar em outra missão. Pobre Robert. Você pode ser ainda condenado a ter que lutar com o seu regimento. Mas talvez tudo fique bem. Nem você, nem Arthur, poderiam ter sabido que eu o estaria seguindo até aqui, eu suponho.

—Você é o diabo! —disse o capitão Blake, em ameaça tranquila. —Lorde Wellington a respeitou o suficiente para lhe fornecer uma escolta de Lisboa.

O general tossiu. —Peço que se lembre que você está abordando uma senhora, capitão —disse ele.

—Uma senhora! —O tom do capitão foi contundente. —Uma mulher que trai seu país adotado pode ser chamada de senhora? Eu poderia pensar em outras palavras que melhor a descrevem.

—Você falhou —o coronel Leroux disse secamente. —Esta é uma guerra, capitão. Todos nós falhamos algumas vezes. Os verdadeiros homens aprendem a tomar suas perdas e os seus ganhos.

—Se eu pudesse colocar minhas mãos em você por um minuto, —o capitão Blake disse a Joana, e seus olhos se estreitaram.

—Realmente, Robert. —Ela olhou em seus olhos e riu dele, o pé balançando despreocupadamente. —Você acha que eu alguma vez teria permitido que suas mãos me tocassem, se não fosse porque havia a possibilidade de obter informação de você?

—Se eu pudesse ter apenas esse minuto —disse ele, —gostaria de ter certeza de que nenhum outro homem jamais a iria querer tocar. Sem você eu teria tido êxito. Percebe quanta destruição está causando? Um país inteiro a cair sob os franceses novamente, e meu próprio exército destruído? Você percebe? Seu marido era português.

—Luís? —ela questionou. —Luís era um frouxo e um covarde.

—E talvez você não vá ganhar, apesar de tudo —disse ele. —Talvez esses homens comecem a duvidar de seu testemunho. O que se esperaria, afinal, que uma mulher visse durante uma viagem? E, talvez, eles concluam que o que estou fazendo agora é tudo uma farsa.

—Há alguma defesa de Lisboa, Jeanne? —Perguntou o coronel.

—Claro. —Ela encolheu os ombros. —Meu amigo, coronel Sir Wyman dos Dragões me levou para ver as defesas ao sul da cidade. Até recentemente parecia aos ingleses a única via sensata para que vocês chegarem. Só ultimamente é que se pensou que vocês seriam loucos o suficiente, para vir através das colinas ao norte. Eles estão desesperados para os desviar novamente. Ou isso é o que Duncan disse, de qualquer maneira.

—E você me disse anteriormente, que nada de importante tinha acontecido durante a sua visita a Lisboa —disse o general, olhando com carinho para Joana e balançando a cabeça.

—Sim —ela disse, sorrindo tristemente. —Eu suponho que o que Duncan disse e me mostrou tem alguma importância em retrospecto, não é? E a minha muito tediosa viagem de volta a Viseu. Devo ficar mais tempo, general? Estou para ir às compras com a minha tia, mas toda a manhã havia cavalheiros gentis, tantos visitantes, você sabe, e agora esta visita durou mais tempo do que eu esperava.

—Não, não, Jeanne —disse o general. —Você tem sido muito útil, minha querida. Muito útil. Pode até ser exagero dizer que salvou o império com suas observações e por sua coragem em estar disposta a enfrentar cara a cara o capitão Blake.

Joana corou de prazer com o louvor e chegou junto dele. O coronel Leroux correu para lhe oferecer o braço.

—Vou a acompanhar até sua carruagem, Jeanne —disse ele. —Vou voltar dentro de alguns minutos, general. —o general Valéry inclinou a cabeça.

Capitão Blake teve que se mover, finalmente, para que Joana o pudesse passar, para alcançar a porta. Ele deu um passo para o lado, seus olhos se estreitando sobre ela.

—Eu sinto muito, Robert —disse ela, parando por um momento, enquanto passava. —Mas a guerra é a guerra, e eu tenho um imperador para servir da maneira que eu puder.

Ele não disse nada. Mas sentiu uma aversão violenta por ela, por uma mulher sem consciência, por aquela que podia flertar com toda a gente, apenas para servir os seus próprios fins. E ele não gostava dela, pelo tolo que tinha feito dele. Ela sempre zombava dele. Ele a havia conhecido antes, e mesmo assim, ainda tinha permitido que essa atração por ela crescesse, se tornando quase uma obsessão. Ele se permitiu a tocar, ser despertado por ela. Até se permitiu acreditar, naquela última noite em Viseu, que talvez ela sentisse alguma afeição por ele. E todo o tempo seu único propósito tinha sido tentar tirar informações, qualquer uma que fosse útil, dele.

Ele a odiava. Mesmo parecendo que, involuntariamente, ela houvesse ajudado a sua causa naquela manhã, ele a odiava. Na verdade, ela não poderia ter feito melhor, se fosse sua cúmplice. Ele sentiu que seus interrogadores agora acreditavam, para além de uma dúvida razoável, que as Linhas de Torres Vedras eram imaginárias, e que, na realidade, não havia defesas entre Almeida e Lisboa, exceto os exércitos de Lorde Wellington.

Ela o havia ajudado. Ela havia feito, sem querer, o que ele tinha a esperança de conseguir, mas não sabia como. Como ela ficaria mortificada, quando eventualmente descobrisse a verdade. E quão popular ela estaria entre os franceses!

Mas ela ainda não sabia que o havia ajudado. Ela queria trair, tanto a seu país de adoção, Portugal, como o país de sua mãe. E as intenções eram mais importantes que seu desempenho real.

Ele a odiava.

Ela saiu da sala no braço do coronel, e ele foi dispensado, imediatamente depois.

—Chamarei você de novo, se puder ser de mais ajuda para nós, capitão —disse o general Valéry. —Enquanto isso, confio que seus aposentos são confortáveis, e que suas necessidades estão sendo adequadamente atendidas.

O capitão Blake inclinou a cabeça, bruscamente.

—E confio que você ainda será meu convidado esta noite? —Perguntou o general. —Deve me permitir lhe mostrar hospitalidade. Cenas como esta são meramente o negócio desagradável, mas necessário, na guerra, capitão.

—Eu vou estar lá, senhor —o capitão Blake disse, antes de se virar de costas e sair da sala, não tendo certeza se a sua euforia sobre o aparente sucesso da missão, apesar da mudança dos papéis e o aparecimento inesperado da Marquesa, seria suficiente para superar sua depressão, ao longo de um cativeiro por tempo indeterminado, e sobre a descoberta sobre Joana.

A Marquesa das Minas. Jeanne Morisette. Ele não queria pensar nela como Joana.

 

*


Joana era uma espiã ocasional para os franceses. Ela não acreditava que fosse considerada de especial importância para eles e não esperara ter a confiança de ninguém de forma significativa. Mas o coronel Leroux, claramente satisfeito com o que tinha acontecido no gabinete do general Valéry, se viu confidenciando uma coisa.

—Você foi magnífica, Jeanne —ele disse a ela, enquanto a escoltava para sua carruagem. —Você o confundiu totalmente. Ele vai tentar nos confundir novamente e, desacreditar o que nos disse. Mas a verdade veio à tona, quando ele perdeu a paciência com você. Há um ditado que não há ira pior do que uma mulher desprezada. Creio que se aplica, igualmente, aos homens. Suponho que ele estava apaixonado por você?

Ela encolheu os ombros. —Os homens estão sempre sendo tolos e dizendo ser apaixonados por mim —disse ela. —Eu não dou importância.

—Eu poderia ter golpeado uma luva no seu rosto mais de uma vez —disse ele. —Mas ele deve ser considerado como nosso convidado, você vê, agora que nos deu sua liberdade condicional. No entanto, não está sendo maltratado. —Ele colocou uma mão em cima da dela e lhe acariciou os dedos. —Se ele mostrar qualquer outra descortesia, Jeanne, você precisa me dizer e eu vou ver que seja devidamente tratado.

—Espero nunca mais o ver —disse ela. —Mas obrigada, coronel. Você é gentil.

—A campanha vai acabar em algum momento —disse ele, —agora que temos a nossa deixa para começar. Antes do verão terminar estaremos todos em Lisboa. Eu gostei da minha estadia lá, da última vez. Acredito que eu possa aproveitar mais desta vez. —seus olhos a estavam apreciando.

—Antes que o verão termine? —Disse ela. —Tão cedo?

—O Marechal estava esperando apenas uma certeza, —disse ele, —antes de investir em Ciudad Rodrigo. A tarefa é para ser de Ney. Ele está apenas esperando para se mexer. Eu acredito que chegue dentro de um ou dois dias. Uma vez que Ciudad Rodrigo caia, Almeida não vai resistir por muito tempo. E se Wellington trouxer suas forças para a defesa de qualquer forte, então nós o esmagaremos. Este é um grande dia, o começo do fim da ocupação inglesa no solo europeu.

—E eu tive uma parte nisso, —disse ela, sorrindo deslumbrantemente para ele. —Que bem que me faz sentir.

—E você teve uma parte nisto. —Eles fizeram uma parada na porta de sua carruagem, e ele levou a mão dela aos lábios. —Uma grande parte, Jeanne. Você estará no jantar do general?

—Claro —disse ela.

—Então, de repente, se torna uma ocasião para ser aguardada com grande prazer, —disse ele, segurando sua mão perto de seus lábios e olhando para ela, com olhos ardentes. —Até mais tarde, Jeanne.

—Você vai estar lá também, Marcel? —Seu sorriso se iluminou. —Eu estou tão feliz!

Ele sorriu, revelando dentes brancos. Era o tipo de sorriso garantido para fazer os joelhos femininos virarem geléia.

—Sim —ela disse sem fôlego. —Até mais tarde.

Ela sentou contra as almofadas de sua carruagem e não olhou novamente para fora da janela, embora soubesse que ele estaria lá, até que o carro se afastasse. Era uma regra primária de flerte, ela tinha aprendido anos antes, para permitir que o cavalheiro ficasse apenas um pouco mais ansioso do que ela.

Fechou os olhos, contente que a viagem para casa não fosse longa. Suspeitava que seu estômago teria se rebelado em alguma grande distância. Ele a tocou e lhe beijou a mão. Ela sentiu o bigode, bem como seus lábios contra sua carne. E sua respiração estava quente. Estremeceu, profundamente revoltada.

Ela o iria matar. Sempre tinha planejado isso. Não ia conseguir a ajuda de Duarte, embora ele ficasse desapontado de não o fazer sozinho. Ela o iria fazer. Estava indo para o matar.

Mas não era uma coisa simples de realizar. Teria de ser planejada. Ela teria que escolher o momento e o lugar, e também o método, com cuidado. Teria que pensar sobre isso.

Nesse meio tempo, ia flertar com ele. Não conseguia pensar em nenhuma outra maneira de o manter perto o suficiente, para que o pudesse matar, quando surgisse a oportunidade. O pensamento de flertar com o homem que ela tinha visto estuprar Maria, e ter dado a ordem para a morte dela, a transtornou de tal maneira, que lhe deu frio, apertou a mão sobre a boca, para não vomitar. Ela se sentiu gelada. E então teve que abaixar a cabeça bruscamente, a colocar entre as pernas, para se salvar de desmaiar.

E havia Robert. Ele a deveria odiar agora, a sério. Mesmo que ela tivesse ajudado a sua causa, supostamente sem perceber, ele ainda a devia odiar. E era tudo tão sem sentido, ela pensou. Parecia que o capitão Robert Blake era, afinal, um ator suficientemente bom, para ter realizado a missão sem a sua ajuda. Ele certamente tinha aproveitado sua aparente incompreensão da situação.

Se perguntou quem o teria socado no rosto e ferido seu olho.

Ele a devia odiar. E o conseguisse libertar a tempo de tomar parte na campanha do verão, teria que o fazer a odiar muito mais. Mas ela poderia explicar tudo para ele mais tarde, pensou. Talvez fosse fazer a diferença. Talvez fosse.

E estava, de repente, e sem querer, lembrando de outro Robert, e de como o fizera a odiar também, embora por um motivo completamente diferente. E nunca tinha tido a oportunidade de explicar a ele.

Mas no momento não podia se preocupar com os pensamentos sobre Robert. Havia um jantar para assistir naquela noite, e algum tipo de relacionamento com o coronel Marcel Leroux, para planejar. Deveria concentrar sua mente e suas energias nisso.


*


Ela estava usando um vestido de um dourado cintilante, escolhido para dar coragem a si mesma. Encontrar a coragem de enfrentar uma sala cheia de pessoas, muitos deles estrangeiros, não era geralmente um problema para Joana. Mas então, não era uma tarefa comum a que ela havia estabelecido para si mesma. Ela tinha puxado o cabelo em um coque alto, com cascatas de cachos atrás da cabeça e ao longo do pescoço.

E ainda assim, a primeira pessoa que viu quando entrou na sala do general, antes do jantar, não foi o coronel Leroux, mas alguém a quem ela estava igualmente relutante de rever novamente, que parecia tão pobre e tão desajeitadamente fora do lugar, e tão completamente mais atraente do que qualquer outro homem presente, como ele tinha estado naquele salão de baile em Lisboa. Ela não tinha imaginado que ele fosse estar presente.

Não pôde ser evitado. Ele estava em pé, apenas no interior das portas da sala de estar. Um oficial francês e sua esposa estavam se afastando dele.

—Ah, Robert —disse ela, dando um passo até ele, antes que a visse e a desprezasse, a tentando evitar —você está aqui, não é? Os uniformes franceses são tão brilhantes como os ingleses, não são?

—Eu ouso dizer que você não vê muita diferença —disse ele, —ou nos homens dentro deles. Eu vejo.

—Ah —disse ela, sorrindo para ele, —marquei um ponto, não foi? Você está muito zangado comigo?

—Mais comigo mesmo —disse ele, —por conhecer o seu segredo, e por ter pensado que, talvez, não tivesse nenhum significado. Não importa a você que sua mãe fosse inglesa?

—Você sabe disso, também? —Ela disse, rindo. —Por que você não comentou tudo isso, Robert? Foi por que queria saber por quem estava apaixonado?

—Você gostaria de acreditar que sim, não é? —Disse. —Você gostaria de pensar que os seus encantos nunca falharam. E você se esforçou. Mas confundiu desejo com amor, Joana. Eu a cobicei. Eu queria deitar você. Eu queria ter prazer dentro do seu corpo. É isso estar amando? Se for, então suponho que sou culpado.

Seus olhos azuis, um deles ainda injetado, a olhou friamente.

—Ah —ela disse, colocando a mão enluvada sobre sua luva por um breve momento, —mas eu poderia fazer você me amar se eu quisesse, Robert. Mesmo agora. E você não está dizendo toda a verdade. Se tivesse me desejado apenas para... o coloco como você tão vulgarmente o colocou, então não me teria puxado para esse abraço no baile da minha tia, em Viseu. Foi você, você sabe. Eu não o teria afastado. Pelo menos, não tão cedo. Então, não acredito em você. Mas, os espiões não dizem a verdade, não é?

—Você deve saber —disse ele.

—Na mosca. —Ela sorriu para ele, e lembrou que devia flertar bastante com ele, demasiado, com ele e o coronel Leroux, com ambos. Se queria que seu plano para efetuar a sua libertação funcionasse, ela devia flertar com ele e forçar uma resposta dele, também. Ele parecia, que jamais lhe iria responder novamente.

Mas ela sorriu, pela primeira vez naquela noite, com algo parecido com prazer real. Havia um desafio em fazer Robert se apaixonar por ela. Flerte quase nunca foi um desafio. Mas desta vez foi. Talvez, por uma vez, ela fosse desfrutar de seu trabalho.

—Eu vou fazer isso —disse ela. —Eu vou fazer você se apaixonar por mim. Não deve ser difícil. Acredito que já esteja a mais do que a meio caminho.

—Joana —disse ele, sua voz e seus olhos perfeitamente sérios, —Suponho que o fato de ser meio francesa evite que lhe pese o estigma de ser chamada de traidora. Mas, não obstante, eu a vejo como tal. Estamos em lados diferentes da cerca. Nós somos inimigos, e, tanto quanto eu estou preocupado, amargos inimigos. Você me traiu e ao país hoje cedo, o meu país e o da sua mãe. Você faria bem não desperdiçando seu tempo, tentando o impossível. Flerte com os oficiais franceses. Há, sem dúvida, alguns milhares deles que estariam muito dispostos a cair no seu feitiço.

—Ah —disse ela, —mas é você que eu quero sob o meu encanto, Robert.

—Porque eu sou o único homem que já lhe resistiu? —Perguntou.

Ela sorriu. —Talvez —disse ela. —Você é, você sabe. Mas não por muito tempo.

Ela se perguntou por que estava se dando esse desafio e quebrando sua própria regra, a que ela tinha resolvido apenas naquele dia. Estava mostrando a ele que estava muito mais ferida do que ele. Tinha lhe dito abertamente que o estava perseguindo, em vez de o deixar acreditar, como todos os homens que conhecera tinham acreditado, que ele era o perseguidor.

Era um desafio formidável, que parecia que ela não poderia ganhar. Mas não havia emoção nela. E de alguma forma, apesar de tudo, apesar dos perigos e desafios que já tinha enfrentado e os que ainda estavam por vir, ela precisava deste tipo particular de emoção.

—Eu acredito, Joana, —ele disse, —que está prestes a ter um namorado muito mais reluzente do que eu. E você faria bem ficando longe de mim, enquanto estamos aqui em Salamanca. Eu poderia lhe fazer mal, você sabe, e sua lealdade pode ser posta à prova, se for vista pendurada em torno de mim.

Ela sorriu para ele, mas uma mão nas suas costas a fez virar a cabeça. Ela sorriu para o coronel Leroux. —Marcel —disse ela.

—Espero que o capitão Blake esteja agindo como um cavalheiro, esta noite, e não renove qualquer uma das ameaças que lhe fez, antes —disse ele, segurando sua mão e se curvando sobre ela.

—Oh, —ela disse, rindo, —o temperamento de Robert esfriou e estava sendo bastante civilizado. Mas ele não é um cavalheiro, Marcel. Ele seria muito mais adequado para o exército francês do que para o inglês. Ele subiu na hierarquia e se tornou um oficial, inteiramente por seus próprios méritos. Capitão Blake é o que é conhecido como um herói, você vê, mas ele não é um cavalheiro. Ele não vai me dizer que é. É mais irritante. Ele era filho de um comerciante, ou um aprendiz fugitivo, ou um condenado?

Ela riu novamente, embora pudesse ver a mandíbula de Robert apertar. E quando ela olhou para o coronel Leroux, foi para ver o desdém em seu rosto. Oh, sim, ela pensou, de repente. Claro. Essa era a maneira que devia ser. Essa era a maneira que devia ter planejado. Sim. Robert e o coronel devendo se odiar um ao outro. Ela os tinha que colocar como oponentes.

Emoção e uma sensação de perigo gloriosa surgiu em sua mente, e ela sorriu deslumbrante para os dois homens.

—Ele não vai responder, você vê, —ela disse para o coronel. —Ele nunca o faz. E isso me leva a crer que a minha última hipótese é a mais próxima da verdade. —Ela passou o braço pelo do coronel. —Vamos caminhar, Marcel? Você pode me apresentar às pessoas que eu não conheço. Existem algumas. Faz um bom tempo, desde que estive aqui pela última vez.

Ela lançou um último sorriso por cima do ombro para Robert, que estava prestes a ser tomado sob a asa de dois oficiais. Ele olhou para ela com olhos firmes e frios.


Capítulo 14


Havia tanta liberdade, tanta condenada liberdade... ele podia ir e vir quando e como queria em Salamanca, e podia ter uma vida social tão ativa lá, como poderia ter tido em Lisboa, durante o inverno e a primavera. Ele foi tratado com respeito e cortesia, e até mesmo gostara de muitos dos oficiais franceses que conheceu.

Às vezes, ele achava que teria sido melhor, mais real, se estivesse enjaulado numa cela de prisão, porque lamentava ter dado sua palavra, para conseguir a liberdade condicional. Se não tivesse feito isso e estivesse preso, poderia tentar escapar, planejar, e executar. Haveria, então algum desafio, para tornar a vida válida para viver, como o era no final da primavera passada com o calor sufocante, e a campanha do verão começava de fato. Agora, só existia a satisfação de ver os franceses reagindo iludidos, quase imediatamente, à farsa em que acreditaram. O Marechal Ney, que tinha investido contra Ciudad Rodrigo, defendida pela força espanhola, liderada pelo governador Herrasti desde Maio, de uma forma indiferente, agora atacou a sério, e o forte se rendeu em 10 de julho.

Os oficiais franceses companheiros do capitão Blake gostavam de lhe contar tais coisas, para o provocar, bem-humorados pela tentativa de desviar o ataque para o sul e longe da rota fácil para Lisboa. E gostavam de desprezar Wellington e as forças inglesas, por não terem socorrido a defesa do forte.

As notícias sobre Ciudad Rodrigo, ele poderia aceitar alegremente, já que Lorde Wellington estava agindo sabiamente e bem, uma vez que não havia forças britânicas envolvidas no engajamento. A notícia que a seguiu, de como os franceses avançaram contra o forte português de Almeida, foi menos fácil de engolir. A Divisão Ligeira, sob o comando do general Craufurd, estava segurando o avanço francês, os atiradores preocupando o Marechal Ney e seus soldados, porque apareciam sempre, onde eram menos esperados.

E entre os batedores estavam os Atiradores dos Rifles, os homens do Nonagésimo Quinto, seus homens.

Em seguida, quase ao final de julho, a luta tornou-se mais feroz quando a Divisão Ligeira ficou presa no lado espanhol do rio Côa, com apenas uma ponte em suas costas, e os Rifles foram novamente os heróis, junto com os soldados de infantaria da Ligeira, da Quarenta e Três e os da Cinquenta e Dois. Eles contiveram as forças massivas dos franceses, enquanto os canhões e a cavalaria recuavam sobre a ponte e assumiam uma posição de força para além dela.

—Você tem sorte, —disse um tenente francês ao capitão Blake com uma risada. —Muitos de seus homens foram mortos na ação, monsieur. Talvez você tivesse sido também, se estivesse lá. Em vez disso, está aqui, vivendo uma vida de facilidades.

Sim, a vida de facilidades. A mão direita do capitão abria e fechava em seu colo. Ele estava preso há um mês, que parecia mais um ano, ou dez. Os franceses atacariam Almeida e, provavelmente, a ocupariam em algumas semanas, e duvidava que Wellington fosse em sua defesa. E então eles iriam avançar em Portugal, a oeste de Coimbra, e ao sul de Lisboa. Provavelmente em algum momento ao longo do caminho, por uma questão de orgulho, Wellington faria uma aparição, escolhendo a ocasião com cuidado, como sempre fazia.

E se isso não os segurasse, não haveria o refúgio por trás das Linhas de Torres Vedras, e a esperança de que o exército francês iria ficar e ser pego e dizimado pelo inverno e pela fome, enquanto os britânicos passavam um inverno de relativo conforto; ele rezou por reforços do mesquinho governo britânico, e com eles a esperança de travar uma guerra mais agressiva no ano seguinte, que os levaria através de Portugal e da Espanha, com os franceses sendo enviados à frente deles; e aí, é que começaria a ruína do império de Napoleão Bonaparte.

E todo o tempo, pensou o capitão Blake, ele seria um cativo dos franceses, estaria longe de seus próprios homens, longe da agitação. O mais rápido que ele poderia esperar por uma troca, em sua própria estimativa, era a primavera seguinte.

Houve momentos em que a necessidade de estar com seu regimento, a necessidade de ser livre, parecia mais poderosa do que a necessidade de manter a sua honra. Havia horas em que ele pensava sobre a fuga. E seria tão fácil... Ele não era vigiado. Não havia restrições sobre ele, exceto as impostas pela sua própria honra, e ainda estava na posse de sua espada e rifle.

Mas é claro, que nunca tentou fugir, pois, quando tudo ficou dito e feito, a honra era tudo. Honra era o que o tornava a pessoa em quem ela poderia ser e viver. Honra lhe deu a sua auto-estima. E assim ele ficou e se irritou com o momento.

Não teria sido tão ruim, ele pensou muitas vezes, se não tivesse sido por Joana, a Marquesa das Minas.

Eles estavam constantemente se encontrando em reuniões. Ele tinha convites frequentes para jantares e peças de teatro, e foi difícil recusar a maioria deles, tanto quanto viver a vida de um eremita. E sempre, onde quer que fosse, ela também estava lá. Era compreensível, é claro. Como os ingleses, o exército francês estava longe de casa e das suas próprias mulheres. Ao contrário dos britânicos, as mulheres locais eram, em geral, hostis a eles. Era compreensível, então, que todas as mulheres francesas disponíveis fossem convidadas a qualquer lugar.

Especialmente quando uma dessas mulheres era tão bela e fascinante como Joana.

O capitão Blake assistiu dezenas de seus compatriotas cair sob seu feitiço, e a seguir com tanta devoção como os admiradores de Lisboa e Viseu. E às vezes, apertando a mandíbula em linha dura, percebia o quão fácil seria para ele seguir o exemplo. Mesmo sabendo que ela agora era inimiga, do seu país e pessoal, seus olhos a seguiam pelas salas, vagavam sobre sua esbelta figura, bem torneada, e se deleitavam com as cores ricas que ela escolhia para usar em Salamanca.

Às vezes, ele se continha, odiando o coronel Marcel Leroux, sonhando o reduzir a pedaços, e não tanto porque tinha sido o chefe do interrogatório contra Blake, como também porque Joana o favorecia abertamente, acima de todos os seus outros pretendentes. E foi fácil perceber o porquê. O coronel era um diabo considerável, e um charmoso também.

E ainda assim ela flertou também com ele, capitão Blake, quando se encontravam. Sua afirmação estranha e imprudente, naquela primeira noite, de que poderia e o iria fazer cair de amor por ela, não tinha sido esquecida, ao que parecia. Ela lhe dava atenção, aonde quer que fosse.

—Jeanne —o coronel Guy Radisson disse, durante uma reunião em que estavam todos, mas ela parecia estar murcha pelo calor da sala abafada. Acabara de falar com o inglês, enquanto passeava pela sala acompanhada dos dois, o braço no do coronel. Seu tom era amigo. —Se você persistir em mostrar amizade para o capitão Blake, vão surgir rumores de que sua lealdade está dividida.

Ela riu alegremente. —Ah, mas eu me sinto tão triste por ele, Guy —disse ela. —Ele é um soldado, você vê, bem como um espião. E anseia por estar com seu próprio regimento, agora que a luta está começando. Você não anseia, Robert?

—Como eu poderia desejar estar em qualquer lugar, que não onde estou neste preciso momento? —Disse ele em tom cortês, que só ela saberia o falso que era.

Ela riu novamente. —Ele queria que o nosso exército estivesse avançando por uma rota diferente, Guy —disse ela. —E é por minha causa que não estão. Me sinto culpada. Eu sinto a necessidade de provar ao capitão Blake, cada vez que o vejo, que não sou um monstro.

—Monstro! —O coronel disse com carinho. —Ninguém poderia olhar para você e pensar seriamente que o é, Jeanne.

Ela olhou para ele com grandes olhos sorridentes. —Está muito quente aqui? —Perguntou ela. —Ou é a minha imaginação? Seja um anjo, Guy, por favor, e me traga uma bebida. Algo longo e fresco.

O coronel Radisson bateu os calcanhares e partiu no meio da multidão, sem mais delongas. Foi a maneira para ter Blake sozinho. Ela fazia isso com frequência.

—Pensando bem, —disse ela, —não sentiria mais calor num instante, se saíssemos, não é? Me leve lá fora, Robert.

Ela nunca pediu favores. Ela sempre os exigiu. E colocou a mão enluvada de branco em seu braço. Hoje, seu vestido era de uma cor de vinho profundo.

—O pobre coronel será deixado segurando uma bebida gelada, —disse ele.

Ela encolheu os ombros. —Então ele a pode beber, —disse ela. —Aqui dentro está muito quente.

—Joana, —falou ele, —por que você faz isso? —Blake a levou para um pátio arborizado, onde várias pessoas estavam passeando. Ele não entrou em detalhes sobre suas palavras.

Ela então olhou para ele e sorriu. —Porque é um desafio, —respondeu. —Porque, qualquer outro homem, posso ter num estalar de dedos. Você já viu isso. Preciso de mais um desafio na vida.

—E alguns dos que já foram, agora que você está a salvo, de volta aos seus conterrâneos novamente? —Perguntou. —Será que você aproveitou o perigo em Portugal? Você gostou de saber que, a qualquer momento, o seu lado francês poderia ser descoberto e exposto?

—Ah, mas eu tenho conexões portuguesas e inglesas também, —ela disse, —como você sabe, Robert. E como poderia, uma mulher como eu, ser de qualquer perigo para alguém? Minha vida é dedicada ao prazer. E o que eu fiz de tão perigoso? Apenas usei meus olhos na estrada entre Lisboa e Viseu, e relatei honestamente o que vi. Isso me torna perigosa?

—Você fez isso deliberadamente, —disse ele. —Você foi espionar ativamente para os franceses, Joana. Só que desta vez é o fim. Eu posso expor o seu jogo, se você voltar a Portugal.

Ela suspirou. —Você faz parecer como se eu tivesse sido uma agente secreta altamente qualificada, —disse ela. —e quase desejo que fosse assim, embora, talvez, não houvesse emoção nisso. Há, Robert? É maravilhosamente excitante?

—Há postos de trabalho a ser preenchidos, —disse ele, —e pessoas que os executam, porque precisam ser feitos.

Ela olhou para ele, incrédula. —Oh, não, —ela disse, —isso é ridículo. Isso não é o por quê de você fazer o que faz, Robert. Eu sei, só de olhar em seu rosto, que você exige muito mais da vida do que isso. Eu sei isso. Eu sei que em muitas maneiras, você é como eu, isso não é o suficiente, para deixar os dias passarem em segurança e conforto. Não o suficiente. Tem de haver muito mais do que isso.

A mandíbula de Blake estava travada.

—Este mês tem sido terrível para você, não tem? —ela perguntou. —Eu sei. Sei que para você isso é como uma morte em vida. E assim, eu faço o que posso por você, Robert. —Ela riu levemente. —Eu lhe ofereço um tipo diferente de desafio, possa resistir aos encantos de uma senhora a quem ninguém consegue, mesmo sabendo que ela é um amargo inimigo, como você disse uma vez. Você pode?

De alguma forma, ele não sabia como tinha acontecido, haviam encontrado uma parte isolada do pátio, além de algumas videiras, e ela estava se sentando num murete. O ar estava frio, mas só agora, contrastando com o calor do dia e das salas fechadas.

Ele riu sem humor. —Que patética você é, Joana, —disse ele. —Você sabe muito bem, que se eu, alguma vez, caísse pelos seus encantos como todos os outros, ofegante pelo privilégio de manter sua atenção ou de lhe ir buscar uma bebida, você iria perder o interesse em mim, em um instante.

—Sim. —Ela sorriu para ele. —Como está certo! É por isso que você faz isso, Robert? É este o seu modo de ganhar a minha atenção? Você é muito mais inteligente do que qualquer outro homem do meu conhecimento?

Seu vestido parecia quase preto na escuridão, a pele parecia, em contraste, translúcida. Seus dedos coçaram para a tocar, para descansar contra seu rosto, para acariciar seu ombro. Seus olhos estavam escuros e misteriosos.

—Eu acho que devo ser o mais tolo de todos, —disse ele.

Ela continuou a sorrir. —Porque você não tinha pensado, até agora, em como podia me desinteressar por você ao fingir o seu interesse? —Perguntou ela. —Talvez desse certo, e talvez não. Vamos colocar à prova?

Ele cruzou as mãos atrás das costas sabendo que tinha se aprofundado no flerte, e que poderia, muito facilmente, se perder no caminho. Ele nunca tinha aprendido a jogar esse jogo com as mulheres, porque sempre tinha sido capaz de conseguir o que queria e quando queria, com dinheiro, sua pessoa e seu uniforme. Mas então, ele só tinha querido prostitutas, sempre e apenas a satisfação física para esperar uma boa cama. Fazia um longo tempo, pensou de repente, quase dois meses desde Beatriz. Mas, claro, soldados estavam acostumados a ficar sem mulheres, por longos períodos de tempo, especialmente os soldados rasos, e para ele tinha sido um tempo suficiente. Tinha aprendido a conviver com o celibato.

—Você está com medo? —Ela lhe perguntou, quase num sussurro.

Ele manteve as mãos atrás das costas. —Só desinteressado, Joana. —respondeu.

—Oh, não. —Ela levantou e se aproximou dele, estendeu as mãos sobre seu peito, e o olhou. —Não é isso, Robert. Nunca isso. Jamais, nunca. Talvez você me odeie ou me despreze, ou, quem sabe, você me deseja. Mas não me é indiferente. Acha que eu não sei o suficiente sobre os homens para saber isso? Você não é indiferente.

Seu perfume provocou suas narinas. E suas mãos, descansando levemente contra o casaco, queimaram seu peito. Algo estalou nele.

—Muito bem, então —disse ele, e estendeu as mãos em sua cintura e a puxou contra ele. Sabia que ele a estava abraçando demasiado perto, e reforçou ainda mais o abraço. Algo despertou em seus olhos, que poderia ser medo, enquanto ela continuava a o olhar, constantemente. —Deixe que lhe mostre qual é o meu interesse por você, Joana.

Ele ficou instantaneamente duro. O sangue pulsava através de seu corpo, através de suas veias. Ele a queria machucar, humilhar, assustar. Ele a queria montar, se bater dentro dela, a ter ofegante e chorando por misericórdia.

Ele a levantou se encostando nela, como tinha feito antes, mas mais forte, de modo que seus pés deixaram o chão. E então a apoiou contra a parede e se esfregou nela, contra seu ventre, entre suas coxas, que abriram com a pressão de seu peso. Ele empurrou contra ela, bombeou contra ela, mesmo através da barreira das roupa.

Ele falou por entre os dentes. —É isso que você quer de mim? —Ele perguntou. Ela ainda estava olhando em seus olhos, seu lábio inferior preso entre os dentes. —E é emoção e perigo que você quer, Joana? Vamos arriscar, sabendo que alguém possa estar vindo ao redor destas árvores? Seria emocionante para você? Devemos ter você de volta na parede e suas saias e as calças abertas? Tudo vai ser trabalho de um mero minuto. Estou muito duro e pronto, como pode sentir. Você quer?

Ela continuou a olhar para ele por alguns momentos. E então ela lançou seu lábio inferior e o surpreendeu sorrindo lentamente.

—Por Deus, você o faria, —ele sussurrou para ela, a baixando, finalmente, ao chão. —Você não é melhor do que a prostituta mais barata que eu já tive, Joana. Pior. Elas estão dispostas, mas não necessariamente, ansiosas.

—Mas, Robert —disse ela, e havia risada em sua voz, quando deslizou os braços até seu pescoço e seus dedos brincavam com seu cabelo, —você é um cavalheiro, não importa o que era antes de se alistar no exército. Gostaria que eu tivesse medo de você, de que fosse me violentar, e ainda assim, você me pergunta? Não pode me fazer ter medo de você, mesmo que esta seja, penso eu, a expressão que você deva usar quando tem seu rifle no ombro e está prestes a atirar.

Sua raiva não tinha diminuído, mas, se voltado contra si mesmo. Ele estava apenas fazendo o seu jogo, apesar de tudo? O jogo de Joana? A mulher que o havia traído, não importa o que resultasse de sua traição?

Ele a segurou e mergulhou a cabeça para a beijar, abrindo a boca sobre a dela, empurrando além de seus lábios e dentes, sem se importar com o que ela lhe tinha feito em outra ocasião, provando, bebendo dela, movimentando a língua, simulando o que tinha ameaçado fazer com ela, mas que sabia que não iria.

Ela o estava sugando, ele percebeu, suas mãos apertando sua cabeça como as suas na dela, pressionando e empurrando para dentro rapidamente, quase doloroso. Os sons que ouviu saíram de sua garganta. Não, da dele. De ambos.

E assim eles lutaram entre si, mesmo quando se abraçaram, troca de desejo e dor, e da luta pelo domínio. Sua mão livre deslizou sobre um de seus ombros e para a frente e para baixo, através da carne macia e quente, para baixo, dentro da seda de seu vestido, para se enrolar em torno de seu peito. Seu polegar encontrou seu mamilo e esfregou, rápido e duro, contra ele, até que ela ergueu os ombros e se arqueou para trás. E então, sentiu o choque, enquanto a mão livre dela deslizou entre eles e se esfregou sobre o inchaço duro de seu desejo por ela.

Ambos estavam ofegantes, quando ele levantou a cabeça.

—Esse é o meu interesse em você, Joana, —ele disse, então. —Não um flerte à luz do dia, não com palavras bonitas de amor e adoração, apenas desejo por seu corpo, como já senti por inúmeras prostitutas.

—Sim. —Havia algo quase felino em seu sorriso. —Mas não é a falta de interesse, Robert. Nunca mais me diga isso. Diga que você me odeia e eu acredito, acho que você o faz; diga que me deseja como teria desejado uma prostituta e eu acredito, porque posso sentir que você faz. Mas não me diga que não tem nenhum interesse em mim, porque eu o perseguirei sem piedade, se insistir nessa bobagem.

Sua raiva estava vazando, para ser substituído por desacato, embora se fora dirigida mais contra ela ou a si mesmo, ele não sabia.

—Então, quer um homem que a odeia e que quer se lançar sobre você como se fosse uma prostituta? —Ele perguntou a ela. —Você não deve gostar muito de si mesma.

Ela sorriu, seu velho sorriso encantador. Tinha dado um passo para longe dele. —Ah, mas quem disse que eu quero você, Robert? —Perguntou ela. —Tudo o que admiti, se você se lembrar, é que o quero apaixonado por mim e me querendo. E você não está muito longe. Você me odeia? Boa. O ódio é muito semelhante ao amor.

Ela riu, enquanto ele apertava os dentes, sem vontade ou incapaz, talvez, de continuar a conversa, o que estava se tornando sua especialidade.

—Me leve de volta para dentro, —disse ela, enlaçando seu braço. —Guy virá correndo, ou então Pierre ou Henri, e eu vou enviar um deles para buscar uma bebida, se Guy já tiver acabado com a primeira. Agora realmente preciso de uma. Não vou lhe pedir, como vê, Robert, embora, eu não acredite que você não fosse tão galante e se recusasse. Você iria?

—Provavelmente não —disse ele. —Mas eu o deveria jogar em seu rosto, quando o trouxesse. Essa seria a maneira mais rápida para refrescar você.

Ela riu alegremente. —Você não faria isso, —disse ela. —Está em território inimigo e iria bater no calabouço mais escuro, antes que pudesse apreciar o meu desconforto.

—Pelo menos, então, —ele disse, —eu poderia honrosamente escapar.

Ela virou a cabeça para o olhar e sorriu lentamente. —Pobre Robert, —ela disse suavemente.

 

*


As coisas estavam se movendo muito mais lentamente, do que ela tinha planejado ou esperado. Ela imaginava que teria partido em uma semana, ou no máximo duas, depois da sua chegada. Mas um mês se passara e ainda assim, não poderia colocar seus planos finais em ação. E, claro, percebia agora que tudo não poderia ter acontecido tão rápido, de qualquer maneira.

Ela tinha deixado duas cartas com Duarte. Não acreditava que ela e os empregados estivessem sob vigilância dos franceses, mas queria ser minuciosa, não queria perder nenhuma chance. As cartas eram para ser enviadas a Matilda, a primeira a informando de que a saúde de sua irmã tinha piorado, a segunda para anunciar sua morte e implorar pelo retorno de Matilda.

O momento talvez não fosse perfeito. Ela e Duarte tinham discutido isso. Toda a ideia de enviar Matilda foi para que Duarte soubesse, exatamente, quando ir. Mas não deveria haver um mês entre as duas cartas. Se possível, Matilda partiria antes da segunda chegar. Afinal, a primeira mensagem traria um futuro sombrio para sua irmã. Se ela não pudesse partir em seguida, quando a segunda chegasse, ela mesma deveria estar, de alguma forma, presa. Mas as cartas acabariam por lhe dar uma razão para ir embora.

Mas as cartas, é claro, teriam que viajar de um país para outro, e em tempos de guerra. A primeira não chegaria por quase um mês, e Joana não se atreveu a colocar os planos finais em ação, antes que chegasse. A chegada de Duarte, ou a dos espanhóis partidários, seria crucial para o seu sucesso.

Então, ela tinha flertado, tanto com o coronel Leroux, como com o capitão Blake, embora tivesse colocado Robert em um estreito e indecoroso abraço, do modo que ela sabia que poderia ser feito, e tinha dado a dica para o coronel, de que as atenções do capitão Blake estavam se tornando um pouco entediantes, e tinha sido obrigada a se conter e se segurar, até que sentiu que poderia gritar de frustração.

Pois esse mesmo abraço apertado e indecoroso foi um teste para seus nervos. Ele era um teste para os nervos. Ela flertou com ele, e o levou, até o obrigar a confessar uma poderosa atração física por ela. E então brincou com ele, e riu dele.

Ela queria lhe dizer a verdade, contar tudo. Joana não gostava de seu ódio, e de seu desprezo, ainda menos. Mas devia lhe dizer a verdade, era fundamental. Agora que os franceses tinham sido enganados, e que a cadeia de eventos que Lorde Wellington esperava tinha sido posta em movimento, não havia necessidade de sigilo por mais tempo. Ela poderia ter dito a ele.

Mas não o podia fazer ainda. É claro que não podia, porque, se ele soubesse a verdade, então também saberia o que ela estava prestes a fazer, o ardil ousado para conseguir sua fuga honrosa. Se ele soubesse que era um truque, então ainda se sentiria obrigado por honra a ficar. Os homens eram tolos dessa forma.

E assim, ela ainda não lhe podia dizer. Tinha que sorrir para ele, e flertar e, ocasionalmente, o levar para algum lugar onde pudessem estar sozinhos. E ainda mais, porque tinha que suportar o ódio e o desprezo em seus olhos, e o desejo latente, por trás deles.

E havia o coronel Leroux. O próprio pensamento dele era suficiente para a fazer estremecer. Não podia olhar para seu rosto, ou as mãos, ou o corpo, sem se lembrar. E ela se encontrou um dia, no início de agosto, ao longo da ponte romana, depois de um passeio pelo campo, com Leroux e alguns outros oficiais, que a ajudou a descer do cavalo. Ele não recuou quando seus pés tocaram o chão, mas sorriu para ela e roçou o polegar em sua face, o dedo que havia sinalizado a morte de Maria.

Ela estremeceu convulsivamente, e se viu olhando para um rosto que passou de sorridente a carrancudo, em segundos.

—Marcel —ela disse rapidamente, sem fôlego, —ele me tocou, como na última noite. Estou com medo dele. —Sua carranca se aprofundou. —Blake? —Ele perguntou. —Blake de novo?

—Oh, —ela disse, sorrindo, —Eu sinto muito, estou sendo tola. É só que tive que o enfrentar lá no escritório do general Valéry, quando cheguei, e agora tenho a sensação de que ele me odeia, que me mataria se pudesse. E quem o poderia culpar? Afinal, teve que me ouvir destruir seus planos naquele dia. Mas agora ele me procura, e me toca, como se esse momento nunca tivesse acontecido entre nós. Na noite passada ele disse que me queria para... Bem, isso não importa.

—Certamente que sim, —disse ele. —Importa, Jeanne. O que ele disse?

—Que ele queria... me beijar —disse ela, a pausa sugerindo que as palavras reais tinham sido bastante mais sugestivas. —Eu acho que morreria se ele me tocasse.

—Não, ele seria o único a morrer. Às minhas mãos, —disse ele, com os olhos queimando, ferozmente, dentro dela. —Eu o devo prender, Jeanne, sem mais demora. Isto é insuportável.

—Não. —Ela o pegou pela manga. —Ele deu a sua palavra de honra, Marcel. Você o deve tratar com cortesia, para lhe permitir a liberdade dentro dos limites da sua própria promessa, obrigado pela honra. E ele ainda não fez realmente nada.

—Se ele tentar tocar um dedo em você... —ele disse.

—Vou lhe dizer, —ela falou, —se ele se tornar incontrolável. Eu não acredito que vá. Afinal, ele é um cavalh... Não, ele não é, é? —Ela sorriu. —Mas nada vai acontecer, Marcel. Eu estava apenas sendo tola. Esqueça. —Ela colocou a mão sobre a dele.

Tinha falado mais cedo do que o planejado, porque tivera que pensar rapidamente numa explicação razoável para o estremecimento, porque não fora capaz de se controlar quando ele a tocou. Matilda ainda estava resmungando, simplesmente se recusava a deixar sua senhora para trás. Ela teria que ser forçada a ir embora no dia seguinte. E Joana teria, apenas, a esperança de que fosse encontrar Duarte, sem qualquer dificuldade, e que ele seria capaz de fazer a tarefa, quase impossível, que lhe tinha pedira.

Ela lhe daria três semanas, iria enviar essa mensagem com Matilda. Três semanas. Era muito tempo. Gostaria de agir imediatamente, que tudo acontecesse dentro de alguns dias. Mas, talvez ele tivesse que fazer todos os tipos de preparação. Não o deveria apressar no que, provavelmente, seria uma operação muito difícil. Ela lhe daria três semanas.

—Não fique tão preocupado, Marcel —disse ela, se preparando e se inclinando em direção a ele, até que quase o roçou. —Eu tenho quem me proteja, eu sei, e também, dezenas de outros oficiais, basta eu pedir. Mas, já me sinto muito melhor só por ter aliviado minha mente para você.

—Jeanne, —ele disse, e seus olhos se desviaram para seus lábios, —você sabe que eu faria qualquer coisa por você.

—Faria? —Ela perguntou. E sorriu, enquanto passava sua língua lentamente, em seus lábios. —Será que você faria mesmo, Marcel?

Ela pensou que ele a iria beijar, e preparou cada nervo de seu corpo. Mas ele simplesmente levou a mão a seus lábios.

—Às vezes —disse ele, —quando estivermos mais em privado, vou lhe mostrar. —Seus olhos sondaram os dele.


Capítulo 15


—Você. —Antonio Bécquer apontou um dedo, para Duarte Ribeiro. —Você sozinho. Os outros esperam aqui.

Duarte olhou em volta, aos dez homens de seu bando que o acompanharam até a fronteira, ao encontro com o guerrilheiro espanhol, um homem que, quase, parecia desapontado. E eles o olharam fixamente, como que desejando que mudasse a mente do outro.

—É nossa luta, —disse Duarte, com um encolher de ombros. —Estamos dispostos a assumir os riscos. Tudo o que precisamos de você é a permissão para invadir seu território, durante um par de dias ou algo assim.

—Você. —Bécquer repetiu sua palavra e seu gesto. —Você sozinho. E esqueça a conversa estúpida sobre fazer o trabalho com seus homens, sem ajuda. Como você vai entrar em Salamanca? Hem? E como é que vai encontrar as pessoas que está à procura, uma vez lá? Como vai sair de novo? —O espanhol parou para cuspir no chão. —Você daria aos porcos franceses uma orgia de tortura, pela frente? —Ele olhou em volta para os portugueses, com um sorriso, —onze vítimas, para não mencionar sua irmã. Ela seria um bônus especial.

Duarte lambeu os lábios. —É um esquema perigoso, —disse ele. —Perigoso, quase ao ponto da imprudência. Se houver quaisquer vítimas, serão torturadas, o que parece justo. Eu não o desejo colocar em perigo, por algo que não é sua preocupação.

O partidário espanhol sorriu novamente. —O esquema é resgatar um de seus prisioneiros? —Perguntou. —E fazer dos franceses uns tolos por uma pechincha? Isso é exatamente o nosso negócio, meu amigo. E o nosso prazer também. E o perigo? —Ele deu de ombros. —O que é um pouco de perigo, quando as recompensas são tão satisfatórias?

—Você acredita que pode entrar em Salamanca? —Perguntou Duarte.

Houve um burburinho geral de risadas dos partidários espanhóis, que tinham acompanhado Bécquer ao local da reunião.

—Me deixe colocar desta forma, —disse o líder. —Eu tenho uma mulher dentro de Salamanca. Ela tem uma fome que precisa satisfazer frequentemente. Ela permanece fiel a mim, ainda que não só pela fome. Eu já respondi sua pergunta?

Houve outra explosão de risos dos espanhóis. —Assim, estou autorizado a ir? —Perguntou Duarte.

—Só você —disse Bécquer. —Estou certo de que sua irmã não vai ser difícil de encontrar ou reconhecer, mas será mais conveniente para você, a identificar e a ela ver você. As mulheres podem se tornar difíceis para bandidos mascarados, carregados com armas e facas.

—Não Joana, —explicou Duarte. —Você vai descobrir que ela é feita de material especial. Justo o suficiente, então. Quando partimos?

—Esta noite. —Bécquer sorriu mais uma vez. —A menção de minha mulher me deu uma fome muito própria. —Hoje à noite, então. —Duarte descobriu que seu coração batia acelerado. Ele nunca antes se aventurara fora do seu próprio país, em sua guerra contra os franceses; e jamais tinha trabalhado com os guerrilheiros espanhóis, além de seus próprios homens. Os perigos, também, eram muito reais para ele. Isso era algo que tinha concordado em realizar por Joana, e algo que iria tentar fazer certo, apesar de não estar confiante no sucesso.

Tudo o que esperava era que, se ele falhasse, Joana não fosse pessoalmente implicada. E, egoisticamente, ele esperava que, se falhasse, ser morto instantaneamente e não feito prisioneiro. O simples pensamento o fazia estremecer, suando frio.

Pensou em Carlota e Miguel, que havia deixado para trás, em Mortágua. Pelo menos, eles estariam seguros. Quando os franceses avançassem sobre Portugal, como certamente o fariam dentro de algumas semanas, o mais tardar, eles iriam pegar a estrada para Coimbra. Mortágua estava bem ao norte dessa estrada, e segura contra seu avanço. Pelo menos ele tinha essa consolação.

Duarte tentou não pensar em Carlota, que se despediu dele com os olhos secos e uma expressão pétrea. Ela não o tentou impedir ou, mais surpreendentemente, implorar para ir com ele. Ela apenas o abraçou forte, se colando nele, fechando os olhos.

E Miguel, supremamente indiferente ao fato de que seu pai estava saindo, talvez para nunca mais voltar, sonolento e bocejando, o olhou com olhos solenes, ao mesmo tempo em que ele olhava ávido para o filho, o beijando suavemente nos lábios.

Melhor não pensar neles.

—Sim. Esta noite. —ele disse, resolutamente. E sinalizou para seus homens, para que se juntassem num canto.

 

*


Mais semanas cansativas tinham passado. O marechal Ney estava cercando Almeida, e os oficiais franceses ainda em Salamanca, educados como tinham que ser para com o prisioneiro, não podiam deixar de zombar do comandante em chefe, que não mostrou nenhum sinal de correr para a sua assistência.

—Parece, —Capitão Dupuis disse no jantar, uma noite, —que o Visconde Wellington estava totalmente dependente de você nos persuadir, para que tomássemos a outra rota, senhor. Ele agora parece estar paralisado pela indecisão e consternação.

—Sim —disse o capitão Blake, —parece mesmo.

—Mas é mal-educado de minha parte me referir a essas questões, —o francês disse arrependido. —Peço que me perdoe, por favor. Você já descobriu as delícias que as senhoras espanholas têm para oferecer? É popular entre elas, sendo inglês, e sendo alto e bem favorecido, também. Nós, franceses temos que pagar caro por seus favores, eu imagino. —O capitão Blake não usou dos favores, que poderiam ter sido seus, se os pedisse. Embora por quê, ele não conseguia explicar. Certamente, a necessidade de uma mulher lhe era forte. Caso contrário, não estaria tão obcecado por Joana, uma mulher que ele tanto odiava e desprezava.

Ele a queria. Era tão simples... Ele a quis desde a primeira visão dela, naquele salão de baile, em Lisboa. Podia lembrar de seus sentimentos naquela ocasião, do seu desagrado antes mesmo que a tivesse conhecido, e antes mesmo de perceber que ela era Jeanne Morisette, de sua dolorosa memória. Ele não gostava dela, porque era linda, cara e privilegiada, porque estava muito além de seu toque e porque a queria.

Ele ainda a queria, apesar de sua aversão estar dez vezes mais intensificada; assim como o seu desejo. Tendo experimentado o poder dos encantos dela direcionados totalmente para ele, depois de a ter tocado e desejado mais do que um abraço indecoroso, ele a queria com uma paixão crua, que, temia, nenhuma outra mulher poderia sufocar.

Talvez fosse por isso, que não tinha, sequer, tentado provar os encantos das mulheres espanholas de Salamanca. Ele riu de si mesmo, embora sem qualquer diversão, por querer tal mulher. Tudo o que deveria querer fazer a tal mulher seria a matar.

Mas ele não a queria matar, não queria que ela morresse, queria que... Bem, ele a queria.

Aquele abraço atrás das videiras parecia a ter satisfeito por um tempo, ou assustado. Mas ele realmente não acreditava nisso. Começava a acreditar que a Marquesa das Minas não se deixava assustar tão facilmente. Ou, quem sabe, ela tivesse adoecido. Ou ainda, talvez, não desejasse uma repetição do episódio. Embora, lembrando da participação feroz no abraço e da respiração ofegante acompanhando a dele própria, ele duvidasse disso. No que se referia à sexualidade, não havia nada de senhora recatada em Joana da Fonte.

Fosse qual fosse a razão, ela não o tinha perseguido tão ativamente desde então. Mas, também, nunca o ignorou. Sempre que o via sorria para ele, ou lhe levantava as sobrancelhas, ou simplesmente o olhava e inclinava a cabeça. Ocasionalmente ela se aproximava, sempre no braço de um oficial francês, para trocar algumas palavras com ele. Nunca mais ficou sozinha com ele.

Claro, ele não a viu tanto, como tinha acontecido nesse primeiro mês. Ele havia recusado um grande número de convites. Sempre tinha odiado grandes ocasiões sociais, de qualquer maneira, mas tinha sido obrigado, por cortesia, a aceitar esses convites por um tempo. Agora, se via inclinado a aceitar apenas aqueles que viessem de pessoas que tinham sido especialmente gentis com ele.

O tempo estava começando a pesar, mais forte e pesadamente, sobre ele.

Ele iria recusar o convite para o jantar e recepção do coronel Marcel Leroux. Claro que o faria, não podia suportar o homem. Supunha que, em nenhuma circunstância, ele gostaria do homem que chefiou o interrogatório contra ele, que o obrigou a remover toda a roupa, uma peça de cada vez, que dois sargentos revistavam a passo de caracol. Foi difícil manter sua dignidade, e até mesmo o senso de identidade, que ele havia encontrado, quando em pé, nu, sob o olhar de vários oficiais inimigos vestindo seus uniformes completos.

Mas não foi apenas isso. Afinal o coronel só tinha feito seu trabalho. Havia também o fato de que onde quer que ele visse Joana nestes dias, o coronel Leroux não estava longe, e, muito frequentemente, ela estava inclinada sobre seu braço e espumando para ele, como se todo o universo descansasse em seus olhos. Não era apenas flerte, ele sentiu, havia algo mais grave do que isso. Não conseguia imaginar o que era. Mas parecia razoável supor que deveria ser amor. Ela deveria estar caindo de amor pelo homem.

E o capitão Blake se viu desejando o assassinar, se desprezando pela sensação e odiando o coronel por expor seus sentimentos, os quais ele recebia tão mal.

E tinha havido uma ocasião em que ele e o coronel ficaram cara a cara, na recepção de alguém, ambos com um copo na mão, e trocaram gentilezas. Mas o coronel decidiu falar.

—Eu confio que tudo está ao seu gosto em Salamanca, capitão? —Ele perguntou.

—Sim, obrigado. —O capitão Blake tinha dito. —Eu fui deixado perfeitamente confortável.

—Sim. —O coronel sorriu calculadamente. —Nós tratamos nossos prisioneiros com respeito, como vocês fazem com os seus. Esperamos que nossos prisioneiros possam retornar o elogio, é claro, e estender essa cortesia às nossas senhoras.

Capitão Blake levantou as sobrancelhas.

—Eu odiaria que houvesse qualquer desconforto, porque você se esqueceu de observar essa regra, —o coronel Leroux tinha dito. —Acredito que não preciso dizer mais nada, capitão.

O capitão Blake franziu os lábios. —Oh, não é isso, absolutamente, —ele tinha respondido. —Vejo que você tem medo da concorrência, coronel. Por favor, se sinta livre para relaxar e perder o medo.

O coronel Leroux inclinou a cabeça para ele e seguiu em frente.

Um pequeno ponto. Um pequeno incidente. Mas o aviso tinha sido dado. E eles tinham dado a cada um outro aviso, sem uma palavra de incivilidade, de que se odiavam com paixão.

Sim, certamente ele teria recusado o convite. E ainda, no mesmo dia em que chegou, veio uma carta perfumada com letras bordadas de elegantes mãos femininas. Uma carta de Joana, o instando a participar.

—Eu preciso falar com você, —ela escreveu, —e você vem me evitando, homem impertinente. Acredito que tenha medo de mim. Tem, Robert? Mas eu preciso falar com você. O assunto é muito urgente, e eu sei que a sua galanteria e, sim, e sua demasiada curiosidade o trará. Até amanhã à noite, então. Você vai estar lá? Não vai me deixar, não é? Não há necessidade de responder a essa carta. Claro que não vai me deixar.

Durante vários minutos, ele bateu a carta na palma da mão tentando encontrar a vontade e a coragem para fazer o que ele sabia que deveria fazer. Como poderia fingir que ela não o tinha amarrado a uma corda, assim como a inúmeros outros homens, a menos que pudesse resistir a correr assim que ela estalasse os dedos?

Muito urgente? Ela precisava de mais beijos, não é? Ela precisava ter certeza de que ele ainda a desejava? Mas muito urgente? E se ela queria dizer mais do que isso?

Ele não relutou durante muitos minutos, não precisou desperdiçar seu próprio tempo. Ele havia sentido, a partir do momento em que leu sua carta pela primeira vez, que iria. Claro que iria. Por que fingir para si mesmo que talvez ele conseguisse resistir a suas exigências?

Claro que ele iria.

 

*


Foi desesperador, para dizer o mínimo. Ela tinha deixado passar quase três semanas. Não era para ser três, que ela tinha planejado. A ocasião da recepção do coronel Leroux parecia apenas muito adequada. Mas, como não tinha ouvido nada de Duarte, seria como ela esperava? Não havia como saber se ele estava perto, ou mesmo, se estava a caminho. Não sabia se ele conseguiria entrar em Salamanca, para não mencionar tudo o resto.

O plano, que parecia tão lógico para ela, quando ainda estava em Portugal, agora parecia perigoso e arriscado ao extremo. E o problema era que, se algo desse errado, se Duarte nunca viesse, então Robert é que sofreria. Mas, e se Duarte tivesse vindo, mas tivesse sido capturado... Não, ela não se atreveria a imaginar isso.

A guerra era um negócio perigoso, se lembrou, e era uma jogadora ativa nela, nesse momento. Ela só podia seguir em frente agora, e esperar que tudo desse certo, como tinha planejado.

E assim, enviou sua carta para Robert, supondo que ele estaria na lista de convidados do coronel. Havia uma grande fome de prisioneiros britânicos em Salamanca. Todos, ao que parecia, o disputavam para lhe demonstrar a maior cortesia. Ele foi convidado a todos os lugares, embora, ela notasse, ele não tivesse aceito nem mesmo a metade de seus convites durante as últimas semanas, desde que ela o tinha levado ao jardim e que a beijara daquela forma...

Daí a carta. Ela não podia correr o risco de que ele não fosse. E ainda assim, estivera agoniada de dúvida e ansiedade, durante todo o dia da recepção, mesmo tendo pensado longamente na carta, a fim de se expressar da forma mais calculada, para tornar sua ida inevitável. Ela sabia que ele iria. O conhecia tão bem, como se estivesse a par de seus pensamentos. Sempre soube o que ele estava pensando, o que era uma ideia estúpida, ela admitiu, quando colocada em palavras.

Mas sabia que ele iria. E ainda havia aquela pequena dúvida. E se ele não fosse? E se, nesta ocasião, dentre todas, ele não fosse? Bem, então, disse a si mesma, teria que organizar algo para o dia seguinte. Ou o próximo. Ela tinha dito a Duarte três semanas, e não fazia três semanas ainda. Ela nunca tinha estado ansiosa, antes. Não iria ceder a isso, agora.

E assim foi, relaxada e sorridente, e muito vivaz, num de seus vestidos de Marquesa, surpreendentemente rosa, que Joana chegou à casa onde o coronel recebia e lhe permitiu que tomasse suas duas mãos para as levar, uma de cada vez, aos lábios. Só foi possível suportar o contato, porque o imaginou morto, como ele estaria, quando terminasse com ele.

—Jeanne, —ele murmurou. —Mais bonita do que nunca. Eu digo isso a cada vez que a vejo?

Ela olhou para o alto, como que pensando. —Sim —ela respondeu, sorrindo. —É sempre verdadeiro, Marcel? Ou é apenas bajulação?

—Como você pode dizer isso? —Disse ele, e seus olhos assumiram um olhar intenso, que a vinha alertando desde uma semanas atrás que a crise estava chegando, que um breve flerte não o seguraria de se aproximar mais dela. Talvez, por isso ela tivesse esperado apenas um pouco menos de três semanas. —Se você só vai permitir isso, Jeanne, eu vou lhe mostrar o quão pouco as minhas palavras são lisonjas. —Ele apertou suas mãos com força.

Ela riu levemente e retirou as mãos das dele. —Marcel, —disse ela maliciosamente, —você tem convidados para entreter. —E olhou casualmente aos outros, sorrindo para os homens que se viravam quando passava, e localizou o capitão Blake onde o esperava ver, no canto mais sombrio da sala. Ela não fez nenhum sinal, mas desviou os olhos dele.

Joana se sentou ao lado do coronel no jantar, e comeu pouco, cada bocado, aparentemente, do sabor e consistência de papelão, conversando alegremente com o coronel de um lado e o general Doublier do outro e com os senhores e uma senhora, do outro lado da mesa dela.

Depois do jantar, ela se permitiu ser escoltada para as salas de recepção e passou uma hora inteira lá, em primeiro lugar com o coronel e então sem ele, circulando entre os convidados, que eram predominantemente, como sempre, oficiais do exército francês. Ela conversou, riu e flertou, e ficou longe do capitão Blake, que não fez nenhuma tentativa para se aproximar.

E então, ela respirou profundamente algumas vezes, seu sorriso firmemente no lugar, e atravessou a sala para tocar a manga do coronel Leroux.

—Jeanne. —Ele se virou para ela, sorrindo. —Achei que tinha sido abandonado, por um dos meus inúmeros rivais.

—Marcel —disse ela, olhando para seus companheiros —uma palavra com você, por favor.

Ele pediu licença e se afastou a uma curta distância com ela. —Há algo errado? —Perguntou. —Não. —Ela sorriu timidamente. —Eu não acho. Parece que está extraviado um anel, embora eu tenho certeza que está bastante seguro. É só que eu não consigo parar de pensar nisso. Era um anel de noivado, e me foi dado por Luís. É muito valioso.

Ele a pegou pelo braço e olhou para ela, com alguma preocupação.

—Eu estava usando quando saí de casa minha tia, —disse ela. —Sei que estava. Lembro de o ver em um dos movimentos que tenho o hábito de fazer. Me recordo de colocar as mãos nos bolsos da minha capa, de forma que o deixei de ver. Depois disso não me lembro mais de o ver. Estou certa de que o anel deve estar no bolso da minha capa.

—Vou mandar um criado ao andar de cima, sem demora —ele falou.

—Eu me sentiria tão tola se alguém soubesse que fui tão descuidada —disse ela. —Ele não tem preço, Marcel. Você iria...? Quer dizer, seria muito trabalho para você...?

—Para procurar? —Perguntou. —E ele respondeu, —Claro que não, Jeanne. Você sabe que eu faria qualquer coisa, para garantir a sua paz de espírito. O manto é rosa para combinar com seu vestido? Por que você não vem comigo?

Mas ela recuou. —Isto seria notado, —disse ela. —Nós saindo juntos e, talvez, ficarmos afastados por algum tempo. E, talvez, o anel não esteja no meu bolso da capa. Talvez tenha caído na carruagem.

—Vou olhar lá também, —ele disse, apertando a mão dela. —Você fique aqui, Jeanne, e se divirta. Vou encontrar, não tenha medo. Vou estar de volta, antes que você perceba.

Mas não tão cedo, ela esperava, ele saiu correndo da sala. Ele iria encontrar o anel entre duas almofadas no carro. Mas a porta da carruagem estava trancada. Teria que encontrar o seu cocheiro.

Assim que ele estava fora de vista, ela correu para a porta, onde havia dois sargentos de plantão, um de cada lado. Ela falou com o maior dos dois.

—Quando o coronel Leroux retornar —disse ela, —você vai lhe dizer, por favor, para me encontrar imediatamente. É muito importante que ele o faça.

—Sim, senhora. —O sargento disse, atento.

—E você vá com ele, —disse ela. —E o seu companheiro. Vocês dois. Você entendeu?

—Sim, senhora —disseram os dois homens, e seus olhos se encontraram.

—O soldado de plantão na porta principal —disse ela, olhando rapidamente em todo o corredor. —Ele os deve acompanhar. Terei necessidade de vocês três.

Ela passou para a sala de recepção, sem esperar por uma resposta, e olhou em volta. Seu coração parecia como se tivesse pulado em sua garganta. Sorriu vagamente para um homem grande, com bigodes, que estava vindo em direção a ela, e correu pela sala até o canto. Robert estava falando com outro capitão. Ela sorriu docemente.

—Robert —disse ela, tocando seu braço, —Eu preciso falar com você. Nos desculpa, capitão?

Ele veio com ela sem uma palavra, e sem protestar. Isso foi um alívio, pelo menos. Havia tão pouco tempo. Ela o levou da sala, pelo corredor até o que ela sabia ser um escritório. Pegou uma vela de um aparador, quando passou, e a levou junto com ela.

—Feche a porta, —ela o instruiu e ele obedeceu, os olhos sobre ela todo o tempo.

Ela o olhou rapidamente, enquanto colocava a vela em cima da lareira. Uma grande mesa estava repleta de papéis. Uma mesa de carvalho, com cantos afiados. O centro do escritório era muito espaçoso.

E ela olhou para ele, de pé ao lado da porta, com as pernas ligeiramente afastadas, as mãos cruzadas atrás dele. Havia algo de muito familiar no seu casaco verde gasto, com a espada brilhando na bainha ao seu lado. Somente as botas eram novas e brilhantes, o mesmo cuidado que ele dava às suas armas. Seu rosto era severo, sem sorrir. Seu cabelo tinha crescido mais uma vez no cativeiro e enrolava tentadoramente, sobre o colarinho.

Seu coração rodou, e ela soube, novamente, uma verdade que ainda não havia colocado em palavras. Não podia se dar o luxo de o fazer. Ela tinha um trabalho a realizar. E este foi o mais difícil, a parte mais comovente de todas. Ela não o podia fazer, pensou por um segundo. Mas ele estava tão infeliz, tão ansioso para estar de volta com os seus homens, ela pensou imediatamente, depois. E Arthur tinha pedido a ela para tentar devolver a sua liberdade, se ela pudesse.

Oh, sim, ela podia.

Sorriu lentamente para ele. —Robert —ela disse suavemente, —você está me evitando.

—Você tinha algo, muito urgente, para me dizer —ele falou, sem se mover. —O que é isso, Joana? Como posso ser útil a você? Ou é uma farsa? Ainda está tentando me fazer apaixonar por você? Se torna tediosa. Se for só isso, então eu devo pedir para ser dispensado, sem mais delongas.

Não, não é assim que funciona. Ou talvez fosse. Ela tinha grande confiança em seus encantos, mesmo com o capitão Robert Blake. Mas levaria muito tempo. É evidente que ele havia fechado seu coração para ela. Tentou, imediatamente, o seu segundo plano.

Seu sorriso desapareceu, ela olhou para ele com os olhos assombrados, e seu lábio inferior tremeu. —Robert —disse ela, —você tem que me ajudar. Oh, eu sei que me odeia, e eu sei que mereço o seu ódio dez vezes, mas não há ninguém que me possa ajudar. Não tenho ninguém mais a quem recorrer.

Seus olhos se tornaram mais hostis, e ela sentiu uma pequena pontada de medo em seu estômago. O medo de ficar sem tempo.

—Eu não sou uma espiã, —disse ela. —E não tinha a intenção de arruinar seus planos, Robert, e trair seu país. Eu simplesmente respondi às perguntas do general Valéry sinceramente, não percebendo que eram uma armadilha, e então ele o trouxe para a sala e eu percebi isso. E reagi, como sempre faço, quando confusa. Fingi que pensava que tudo era divertido. Não me sinto assim, Robert. Eu sou meio-inglesa. E o meu marido era Português. —Sua voz vacilou. —Você é inglês.

—Meu Deus. —Ela podia ver seu rosto endurecer com raiva, mas ele deu vários passos para a frente. Aquilo foi algo pelo menos. —Você espera que eu acredite em tal... idiotice? Você, realmente, acha que pode fazer de cada homem um ingênuo? Será que espera que nossa inteligência voe para fora do cérebro como a paixão voa? Qual é o seu jogo, Joana? Por que me trouxe aqui? Eu não gosto de estar tão visivelmente ausente da recepção, com você.

—Por que não? —Ela tocou o peito levemente, e senti seus músculos se contraírem. —Você não se importa comigo, Robert? Nem mesmo um pouco?

—Você sabe o interesse que tenho em você —disse ele. —Todos os meus outros sentimentos são desprezo, Joana. E não gosto disso, porque não vou permitir que meu corpo governe minha cabeça, só porque você é uma mulher bonita e tem o dom de seduzir mais homens do que qualquer outra mulher que conheci. Há muitas outras mulheres a quem eu possa cobiçar e de quem posso receber mais satisfação. Não havia nenhum assunto urgente, então?

Ela engoliu em seco e olhou em seus olhos, com toda a sua alma real, sem máscara alguma. Ele estava tão desesperado!

—Eu o amo —ela sussurrou para ele, e as lágrimas se formaram em seus olhos. —Eu sei que você não vai acreditar em mim. Eu sei que estou apenas me abrindo e aumentando o seu desprezo. Mas é verdade. Eu o amo.

Ele olhou para ela com uma incredulidade que feriu cruelmente, já que não havia nenhuma máscara para tirar. —Cristo! —Disse. —Eles queimam pessoas como você, você sabe. Bruxas. E demônios.

Ela colocou sua testa contra o peito dele e inspirou seu calor, e seu cheiro. E ela levantou a cabeça e olhou para ele, com os olhos desmascarados.

—Joana. —Ele agarrou seus braços em um aperto doloroso. —Pare com isso imediatamente. Deus, mulher, pare com isso.

Ela deu um passo mais à frente, o tocando do joelhos aos ombros, e estendeu as duas mãos sobre o peito dele. —Me tire daqui, —ela implorou. —Quando você for, me deixe ir também. Eu não quero viver aqui sem você. —A porta se abria atrás das costas. —Robert —ela sussurrou.

—Deus —disse ele, e ela podia ver que ele estava tão furioso que não tinha sequer ouvido a abertura da porta, —você é como uma febre em meu sangue, Joana.

—Devo ir, —disse ela, com a voz tremendo novamente. —Você me enganou para vir aqui, não foi? Não há nenhuma senhora doente. Você quer me violentar? Vou gritar e em seguida, haverá um escândalo terrível. Me deixe ir, Robert. —E ela começou a lutar violentamente contra as barras de ferro das mãos dele, observando ao mesmo tempo, o olhar vazio de surpresa e incompreensão em seus olhos.

Mas nem o vazio nem a incompreensão duraram muito tempo. E viu que estava certa ao estimar que seriam necessários quatro homens; não soube, depois, como ficou em silêncio ao lado da mesa, morrendo um pouco a cada golpe. Ele facilmente teria dado conta tanto do coronel Leroux, como do maior dos sargentos, e muito possivelmente teria saído em cima de uma luta contra três deles. Mas depois de vários minutos de luta silenciosa, desesperado, ele finalmente foi dominado e mantido por todos os três guardas, cuja presença ela tinha exigido, enquanto o coronel lhe batia à vontade, com os punhos.

Capitão Blake não perdeu a consciência. Nem tirou os olhos dos de seu adversário, mesmo quando ficaram inchados, quase cegos. Ele não fez nenhum som exceto grunhidos, quando punhos batiam em seu estômago.

Joana se sentiu como se cada golpe houvesse sido sobre ela. Eles o iriam matar. Eles não se conteriam até que o tivessem matado.

—Marcel —disse ela. —É o suficiente. Por favor.

O coronel Leroux interrompeu imediatamente, e se virou para ela. —Jeanne, as minhas desculpas —disse ele. —Você deveria ter deixado a sala. Isso não é vista para uma senhora.

Ele com os dois olhos injetados de sangue, dificilmente visíveis entre as dobras inchadas de carne. Ela fechou os olhos e voltou a cabeça para trás, rapidamente. Os três soldados ainda o mantinham.

—Eu acreditava que ele —disse ela. —Ele disse que havia uma senhora aqui desmaiada e que eu deveria vir. Eu fui muito tola.

O coronel assentiu para um dos sargentos, que foi desafivelando o cinto da espada do capitão.

—Ele não vai lhe incomodar novamente, Jeanne —disse o coronel Leroux. —Eu tenho um calabouço especial em mente, para o nosso camarada aqui, que eu normalmente reservo para os nossos amigos espanhóis. Vamos ver se isso vai esfriar seu ardor, capitão Blake.

Ele não disse nada, mas apenas continuou a olhar para Joana. Ela não teve coragem de olhar para trás novamente, mas sentiu os olhos ardendo pela consciência pesada.

—Sua liberdade condicional, Marcel —disse ela.

—Ele quebrou a liberdade condicional —o coronel disse duramente. Ele apontou o polegar para os soldados, num gesto que era tão familiar nos pesadelos de Joana, que ela sentiu todo o sangue se esvair de sua cabeça. —Leve-o embora. Tente evitar perturbar os meus convidados com a visão dele. Eu estarei com vocês em poucos minutos.

—Oh, céus —disse Joana, sua mão alcançando a borda da mesa. —Eu acredito que vou desmaiar. —Foi uma boa atuação, ela percebeu depois. Exceto que ele tinha um ato todo.


Capítulo 16


Ele tinha estado lá por cinco dias, talvez mais. Foi difícil medir o tempo onde não havia a luz do dia. Tudo o que poderia assumir era que durante os longos períodos de tempo, quando ninguém vinha até ele, que deveria ser noite, e que, durante os tempos em que homens brutos lhe levavam restos escassos de alimento e água com mau gosto, deveria ser dia. Cinco dias, então. Talvez seis. Ele já não estava vinculado à liberdade condicional. O pensamento lhe trouxe uma irônica diversão, ao pensar nos momentos em que tinha desejado apenas uma solução para que pudesse empenhar sua mente e energia para escapar. Escapar! Seria difícil, mesmo, escapar de um calabouço subterrâneo de pedra, cuja porta sólida e única, nunca era aberta, exceto quando vinham os bandidos, dois a agir de guardas e três para o trabalhar.

Deveria ser noite, agora, pensou o capitão Blake, ou o início da noite. Um pão tinha sido empurrado entre as barras da grade da porta, e caiu no chão imundo, umas duas horas antes, e sabia que longas horas se passariam antes que pudesse esperar mais. Então, tentou relaxar sobre a placa nua, que era sua cama. Longos anos como soldado haviam lhe ensinado a suportar quase qualquer desconforto, e dormir sob quase todas as condições. Ele precisava de descanso. Em seguida, descansaria.

Esticou as pernas doloridas e pungentes, e percorreu com as mãos as costelas machucadas e, talvez, estaladas, e colocou o braço sobre os olhos inchados e injetados. Passou a língua nos lábios que estavam, também, inchados e cortados. Felizmente, muito felizmente, nenhum dos seus dentes tinha sido quebrado... ainda. O resto se curaria, talvez, a menos que o coronel Leroux o planejasse matar. O coronel tinha aparecido, em pessoa, só naquela primeira noite, quando tinha sido levado de sua casa, depois de “surrar o capitão insensível.”

Pelo menos, pensou o capitão Blake, ele não havia sido torturado. Além dos espancamentos. Não considerava aquilo tortura. Ele havia sido espancado antes. Houve lutas que ele tinha perdido, embora não muitas delas nos últimos anos, desde que o seu peso tinha se equiparado à sua altura e desde que ele tinha sido comissionado para as fileiras dos oficiais.

Tentou dormir, mas a placa tornou difícil. Ele tentou, então, o chão duro. Estava frio, e estava acostumado ao frio. A dor estava por toda parte, mas estava acostumado à dor. Ele tinha sido enganado por ela, feito de bobo para o final idiota. Cristo, ela o tinha feito de bobo. Apesar de toda sua aparente incredulidade, ele se sentiu começando a se afogar na sinceridade de seus olhos. Sinceridade!

Eu o amo.

Ele virou a cabeça para o lado e fez uma careta. Senhor Deus! Eu te amo. Ela tinha feito isso com ele duas vezes, uma vez, quando ele tinha dezessete anos e poderia ser desculpado por cair nessa história, e agora, quando ele já tinha vinte e oito anos e estava mais sensato, mais mundano. Não que ele tivesse caído muito neste momento, mas mesmo assim... Mesmo assim, tinha ansiando por ela, mesmo sabendo quem e o que ela era.

Era uma mulher perigosa, aquela que usou seus encantos femininos com intenção tão mortal quanto um homem pode usar sua espada.

Ele tentou, como tinha tentado, por cinco dias e noites, ou eram seis? A tirar de sua mente, para que pudesse dormir. Mas ele poderia perdoar o coronel Leroux e seus capangas, mais facilmente do que a poderia perdoar. Pelo menos o coronel achou que tinha uma boa razão para o punir, mesmo que a punição fosse um pouco excessiva. Mas ela? Que razão tinha ela para fazer o que fez? Ele já tinha estado em cativeiro. Não poderia haver uma única razão. Embora tivesse admitido a atração física por ela, e tivesse agido de acordo, mais de uma vez, ele não se deixou adular ou seguir, ou se tornar seu escravo.

Parecia que ela precisava escravizar os homens, e ele se recusou a ser escravizado. E então teve que ser punido. Ele se perguntou se ela sabia sobre este calabouço e sobre todas as surras extras, desde a que ela tinha testemunhado naquela noite. Ele se perguntou se ela estava satisfeita, se já havia deixado de pensar nele agora.

Ele desejou ter apenas quinze minutos, dez, para poder colocar suas mãos nela.

A chave foi chacoalhada na fechadura da porta de sua cela, e ele fez algumas respirações profundas e firmes, sem se mover. A porta sempre era aberta por uma razão. Inferno! E ele pensou que era de noite. Talvez fosse. Talvez eles estivessem indo para começar durante as noites, agora.

—Você! —Uma voz ordenou.

—Vá para o inferno, —disse ele automaticamente. Uma coisa que eles ainda não haviam quebrado era o seu espírito, e o pretendia manter assim.

—Você tem que vir —disse a voz. —Agora. Ordens do general. Não há tempo a perder. —Vamos? Para fora da cela. Jesus, pensou ele, e lutou para manter o controle de sua respiração. Tortura.

Jesus, ele rezou em silêncio, me ajude a não lhes dar a satisfação de quebrar.

—Em seus pés, você. —A voz de um soldado, o capitão Blake notou, de repente, que parecia nervoso. Mas, então, o homem ficou de lado e a cela pareceu se encher com eles. Era algo a que estava familiarizado, com a exceção de que todos eles estavam à volta dele, e ele podia ver à luz de algumas tochas no corredor do lado de fora, que todos usavam mosquetes apontados para ele.

Ele ficou lentamente em pé.

—Mãos na cabeça, —um deles latiu para ele.

Ele obedeceu lentamente, franzindo os lábios e olhando para o Barker. E, em seguida, um deles se adiantou e tomou seus braços e os amarrou firmemente em suas costas. Então, os mosquetes lhe foram cutucando, pelo menos eles não tinham baionetas atreladas, pensou ele, e estava sendo obrigado a sair no corredor.

Mesmo que fosse noite, à luz de tochas, enquanto ele ainda estava dentro da cela, a luz vinda da lua e das estrelas, quando saiu ao ar livre, quase o cegou e feriu seus olhos como mil demônios. Ele foi marchando ao longo de uma rua, em torno de uma esquina, e ao longo de outra rua, para uma casa familiar, a do general Valéry. Ele foi empurrado para dentro.

Bem, pensou, perguntando se havia um único ponto em seu corpo que não doía, o general deve ter acabado o entretenimento para seus hóspedes. O prisioneiro iria, agora, se tornar um artista. Encantador!

—Agora deixem aí mesmo, —disse alguém falando francês com forte sotaque espanhol, logo que ele entrou no corredor da casa com os guardas. —Sim, em uma pilha bem ali. —Houve um barulho de mosquetes caindo atrás dele. —Eles falaram com alguém, Emílio? E não tiveram nenhuma chance para carregar suas armas? Boa. E este é ele? —O orador mudou para espanhol e apontou para o capitão Blake. —Passo desta forma, señor, por favor.

Capitão Blake olhou em volta e notou pela primeira vez que um dos cinco homens que o tinham levado para ali não estava vestido com o uniforme de um soldado francês. O homem sorriu.

—Só a minha arma estava carregada, señor —disse ele, com um encolher de ombros —e foi treinada nos porcos franceses, não em você.

O capitão Blake olhou para trás para o primeiro homem que falara, que lhe estava apontando a porta aberta da sala de estar, na qual ele havia sido entretido em mais de uma ocasião.

O homem usava um lenço por cima da sua boca e nariz.

 

*


Quatro dias se passaram após o incidente na recepção do coronel Leroux antes de Joana ouvir de Duarte. Ela estava quase ao ponto do pânico, mas passou seus dias como antes, passeando na esplêndida Plaza Mayor, rodeada por sua corte de admiradores, montando ao longo da ponte romana com eles, participando de entretenimento noturnos, e sempre sorridentes e feliz, a flertar.

Ela canalizou seu charme com particular vigor no próprio coronel Leroux, e até mesmo lhe permitiu um beijo nos lábios fechados, quando ele a levou para casa uma noite. Ela pensou que morreria, mas passou uns poucos segundos antes de ela o empurrar suavemente para longe, e sorriu com ar sonhador para ele, imaginando o rosto morto.

—Jeanne, —ele disse a ela, segurando suas mãos, —machuquei você? Peço desculpas se eu tiver. Mas deve saber como me sinto sobre você.

—Devo? —Ela olhou para ele com grandes olhos inocentes.

—Você deve saber que eu a amo —disse ele, com seus olhos ardentes. —Eu fiz muito esforço para disfarçar o fato. Diga que você não é indiferente a mim.

—Marcel —Seus lábios se separaram, quando ela olhou nos olhos dele. —Eu não sou indiferente a você. Oh, não, você sabe que eu não sou. Mas não me obrigue a dizer mais nada. Isso está indo muito rápido, eu creio.

—Qualquer dia —disse ele, pegando sua mão e a segurando perto de seus lábios, —Almeida vai cair e o avanço em Portugal começará. Talvez eu não a veja por várias semanas ou mesmo meses, depois disso. Me perdoe pela pressa, Jeanne. Os soldados não são os mais pacientes dos homens, eu temo.

—Se você for forçado a sair com pressa —ela disse, levando a mão livre sobre seu pulso, —então, talvez eu seja convencida a dizer mais, Marcel. Mas ainda não.

Ele beijou sua mão.

Um mensageiro de Duarte, um espanhol de mão fina e não muito limpa, que veio para a cozinha para entregar os ovos, chegou no quarto dia. Duarte precisava saber que tudo tinha corrido conforme o planejado, até agora. E ele precisava saber a hora e o lugar. Por sorte, era para acontecer um jantar na casa do general Valéry na noite seguinte, a que tanto Joana como o coronel Leroux tinham sido convidados. Também sorte foi o fato de que era para ser um jantar íntimo, em vez de uma grande festa, com não mais de uma dúzia de convidados.

Dez horas da noite do dia seguinte, disse o espanhol. Na casa do general Valéry. Naquela noite, ela permitiu que o coronel Leroux a beijasse novamente, e sorriu calorosamente para ele, quando disse a ela, mais uma vez, que a amava, e abriu a sua boca como se para retornar as palavras, mas a fechou e sorriu, se desculpando.

O jantar na noite seguinte parecia interminável, e novamente, a comida parecia ser feita de papelão. Joana ouviu a sua própria voz e sua risada como se estivesse observando de longe. As outras duas senhoras presentes eram muito mais silenciosas. Estava sentada ao lado do coronel Leroux, pareciam ter sido aceitos como um casal, embora os outros oficiais, certamente, não tivessem diminuído as atenções para com ela.

Eram quase nove e meia, ela viu com um olhar nervoso para um grande relógio no corredor, quando foram para a sala de estar. Seu coração batia tão rápido, que ela estava se sentindo sem fôlego. Estava rindo muito, pensou. Mas estava sempre rindo, pareceria estranho se parasse.

Não havia relógio na sala de estar, e a meia hora se arrastou. Certamente uma hora inteira deve ter passado, ela pensou, e um pouco mais tarde estava certa de que deveria ter sido assim. Madame Savard havia mesmo sugerido ao coronel, seu marido, que era hora de sair.

E então Joana pensou ter ouvido barulhos, no corredor além da sala de estar, e estava certa.

A porta da sala se abriu.

Devia haver pelo menos uma dúzia deles, porém, quando tentou contar, descobriu que sua mente não estava funcionando racionalmente. Havia mais os que permaneceram no corredor. Todos usavam lenços protegendo os rostos, e teria sido difícil os reconhecer, de qualquer maneira. Mas ela se sentiu em pânico, quando percebeu que todos eles eram estranhos. Ela não reconhecia um só membro do bando de Duarte entre eles.

E então viu Duarte, e se sentiu aliviada, antes que a tensão e o perigo do momento se fizesse sentir, novamente. Talvez cinco segundos se passaram, talvez não tantos, desde que a porta se abriu.

Uma das outras senhoras, talvez ambas, estava gritando. Os homens tinham todos se levantado. Joana sentiu seu braço ser agarrado e foi puxada firmemente, para trás do coronel Leroux.

—Fique exatamente onde você está, —disse uma voz que falava o francês com forte sotaque, e Joana viu uma grande montanha de homem, seu selvagem cabelo preto sobre os ombros, os olhos escuros, fanático. —Move um músculo e você morre.

—E quero todas as armas que transportam.

—Faça o que lhe é dito —disse o homem grande —e ninguém vai se machucar. —o general Valéry deu um passo para a frente, e algo explodiu aos seus pés.

—Esse é o seu aviso de que somos sérios, señor —disse o espanhol. —Viemos por um inglês. Capitão Robert Blake.

—Eu nunca ouvi falar dele —disse o general. —Os ingleses estão em Portugal.

—Você o vai buscar, por favor —disse o guerrilheiro. Ele riu. —Ou se não quiser. Aqui está um sargento. —Um entrou pela porta, os braços erguidos acima da cabeça, um mosquete em suas costas. —Mande que vá.

O general franziu os lábios. Uma das senhoras gritou novamente, e foi imediatamente silenciada.

Duarte deu um passo adiante, e Joana sentiu sua respiração aumentar irregularmente. Ele olhou diretamente para ela e apontou um dedo para ela. —Você —disse ele. —Venha aqui.

—Deixe a senhora quieta, seu bastardo covarde —disse o coronel Leroux.

—Venha aqui. —Duarte manteve os olhos em Joana e ignorou o coronel. —Fique onde está, Jeanne, —o coronel ordenou.

—Venha aqui.

Joana jogou a cabeça para trás e saiu de trás do coronel. —Eu não tenho medo dele —disse ela. —Você vai descobrir, monsieur, que as francesas não recuam facilmente antes a escória. —Ela deu um passo para a frente, pouco antes que o braço do coronel sair para a impedir.

No momento seguinte, ela havia sido puxada e virada, suas costas contra Duarte, o braço apertado sobre seus ombros, uma faca em sua garganta. Ela podia sentir a borda afiada contra sua carne nua, quando engoliu. Ele tinha matado com essa faca. Ela sabia com nitidez.

—Eu sugiro, monsieur —ele disse em voz baixa, se dirigindo ao general Valéry —que envie alguém para buscar o inglês, sem demora. Minha mão pode ficar instável, depois de um tempo. E estou certo de que a sua digestão e a de seus convidados não seria ajudada pela visão do sangue da senhora. —Ele olhou de soslaio para baixo em Joana. —E uma linda senhora, também.

Joana fechou os olhos, a cabeça apoiada no ombro de Duarte, a lâmina da faca raspando sua garganta. Muito pouco foi dito durante os intermináveis minutos que se passaram, depois de que o sargento francês tivesse sido enviado para realizar sua missão, presumivelmente sob guarda. Todos eles estavam como estátuas, os guerrilheiros mascarados em um lado da sala, todos eles, exceto Duarte, com armas de fogo apontadas, os franceses do outro lado. Ao coronel Savard foi concedida a permissão para que sua senhora se sentasse.

—Você não vai conseguir se sair com isso, —o general Valéry disse depois de alguns minutos. —Será que não, señor? —A montanha de homem perguntou educadamente.

—Eu vou matar você —o coronel Leroux disse firmemente, alguns minutos depois, olhando fixamente para Duarte. —Será que vai, senhor? —Duarte perguntou educadamente.

Esse foi o ponto alto da conversa.

E então, ouviram vozes no corredor, e o barulho de armas caindo. Joana prendeu a respiração. Ela voltou os olhos para o lado, não se atrevia a mover a cabeça, e em poucos segundos ele apareceu.

Ela se traiu na respiração afiada. Ele estava quase irreconhecível, parecia magro, certamente tinha perdido peso, mesmo em cinco dias, e sujo. Seu cabelo estava um loiro mais escuro do que o habitual, e tinha barba nas bochechas e queixo. Seu rosto, cada parte dele, estava inchado e ferido. Mas, certamente, em cinco dias, ele teria se recuperado um pouco da surra, quando tinha estado em cruel desvantagem, graças a ela.

A verdade tomou conta de Joana, e ela fechou os olhos novamente.

 

*


A primeira coisa que ele viu, embora fosse instantaneamente cientes de todo o quadro, era Joana, de costas com força contra o peito de um dos guerrilheiros mascarados, a lâmina de uma faca encostada em sua garganta. Seu primeiro instinto tolo foi correr para a frente em sua ajuda, embora seus braços ainda estivessem amarrados atrás das costas. Mas no mesmo momento ele reconheceu Duarte Ribeiro, e além dele, a forma montanhosa de Antonio Bécquer.

Que diabos? ele pensou. Joana tinha fechado os olhos, mas ele não acreditava que tivesse desmaiado. Ele sentiu uma relutante admiração por ela, corajosa mesmo nessas circunstâncias terríveis.

—Ah, señor —disse Antonio Bécquer, olhando para seu rosto rapidamente, —Eu vejo que os porcos franceses têm utilizado o seu rosto como uma bola de perfuração. Eles não fizeram nada para melhorar sua aparência. —Ele riu. —Livre suas mãos. —Ele acenou para alguém atrás do capitão, e poucos momentos depois, os braços de Robert estavam livres e ele estava esfregando os pulsos e olhando com cautela para eles.

—Estaremos os deixando, señores e senhoras, —Bécquer disse, também olhando a todos na sala, —agora que temos o que queremos. Ninguém foi ferido, vêem? E ninguém vai se machucar se vocês não tentarem nos perseguir ou soarem o alarme contra nós.

Um coronel francês riu.

Duarte Ribeiro falou, e os olhos do capitão Blake se voltaram para Joana. —Se existir perseguição, —Duarte disse, e ele sorriu desagradavelmente para Joana, —algum dano pode vir a acontecer com a senhora.

Capitão Blake a observou fechar os olhos novamente e engolir. E ele sentiu uma afluência de exultação. Sim, claro, esses homens precisariam de um refém. E quem melhor do que Joana? Ah sim. Talvez ele fosse receber seus quinze minutos com ela, afinal. Talvez mais.

O coronel Leroux deu um passo para a frente, e imediatamente meia dúzia de mosquetes foram colocados em seu peito. —Deixe que ela fique —disse ele, com a voz tensa. —Se você deve ter um refém, me leve em seu lugar. —Antonio Bécquer riu gostosamente. —Mas quem iria pensar duas vezes em um coronel com um tiro de bala entre os olhos, quando a alternativa seria a de capturar um bando de guerrilheiros espanhóis e um oficial britânico que escaparam? —disse. —Se lembrem, señor, señores, que a senhora morre, se alguém tenta evitar que nós deixemos Salamanca.

—Marcel —disse Joana, e o capitão Blake sentiu uma pontada de admiração novamente, quando não ouviu um tremor de medo em sua voz, —eu não tenho medo deles. Você vem depois, atrás de mim?

—Não tenha medo de outra forma, Jeanne —disse o coronel, as mãos abrindo e fechando em punhos aos seus lados. —Esta é agora a minha guerra pessoal. O homem que te prende vai morrer lentamente. Cada outro homem vai morrer, incluindo o capitão Blake.

—Venha depois. —disse ela, e olhou através da sala, não vendo ninguém, além do coronel. Sua voz caiu quase num sussurro. —Eu o amo.

—Muito afetado —Duarte disse, quando os outros partidários se retiraram da sala.

Capitão Blake ficou onde estava até que Antonio Bécquer o pegou pela manga. —Vem, señor —disse ele. —Viemos por você. Não nos diga agora que está relutante em sair.

Duarte estava recuando lentamente da sala, o último a sair, a faca ainda na garganta de Joana. Seus olhos estavam abertos, o capitão Blake viu, e eles se viram. Ele sorriu lentamente para ela, embora duvidasse que seu rosto danificado registrasse sua expressão como um sorriso.

—Então, Joana —disse ele, —voltamos a ser companheiros de viagem por um tempo. Como será agradável para mim! —E ele virou e foi para o corredor. O único espanhol desmascarado, o único que o tinha acompanhado da prisão, estava segurando a espada para ele em uma mão e seu rifle na outra. Ele estava sorrindo, como se os tivesse conjurado do nada.

—Você não vai querer ficar nu em suas viagens, señor —disse ele. O capitão sorriu de volta.

—Você vai se arrepender —Joana estava dizendo em voz clara atrás dele. —Você fez um poderoso inimigo esta noite, monsieur. Ele virá atrás de mim, você vê. Ele não vai descansar até que me tenha encontrado e resgatado, e o matado.

O capitão Blake havia colocado a espada em seu cinto, com dedos frouxos, e também, por Deus, inteiro; mas ele estava dolorido, e sobretudo, admirado da estranha sorte que tinha trazido tanto Antonio Bécquer, assim como Duarte Ribeiro, a Salamanca, para o resgatar. E pela primeira vez, ele abençoou a mulher que, inadvertidamente, o tinha ajudado a se liberar de sua liberdade condicional. E ele exultou com a oportunidade de que ela tivesse sido feita de refém.

Joana da Fonte, a Marquesa das Minas, iria lamentar o dia em que nasceu, antes que tivesse terminado com ela, ele decidiu.

Em questão de segundos, eles estavam todos fora da casa e se tinham dividido. Pelo menos metade dos partidários se desvaneceu na escuridão. A razão para as máscaras, capitão Blake adivinhara, era que vários dos homens realmente viviam em Salamanca. Eles foram os únicos que não tinha reconhecido. Os outros seguiam em um ritmo acelerado, pelas ruas escuras da cidade. Não era fácil se manter assim, quando todos os ossos do seu corpo doíam, mas foi o que ele fez. Ele estava, afinal, acostumado à dor.

A faca de Duarte Ribeiro tinha desaparecido. Ele tinha um braço em torno da cintura de Joana, apressando-a junto com eles. O capitão Blake se manteve atrás deles. Ele não quis arriscar que ela escapasse, e com Joana nada era impossível. Se ele tivesse que a levar, a cada polegada do caminho, debaixo do braço ou pendurada no ombro, ele o iria fazer. Não tinha a intenção de tirar os olhos de cima dela até que chegassem em segurança, onde quer fosse, e ele pudesse lidar com ela depois.

Eles deixaram Salamanca a pé; encontraram os cavalos apenas quando chegaram a um antigo mosteiro. E eles montaram toda a noite e na manhã seguinte, com frequência a galope, sempre em um trote.

Joana ia atrás de Duarte, com os braços firmemente sobre sua cintura.

—Está tudo bem? —Ele lhe perguntou, quando conduzia seu cavalo no pátio do mosteiro. —Eu estou bem —disse ela. —Por que você demorou tanto tempo, Duarte?

—Eu vim —disse ele. —Isso é o que importa.

—Eles virão atrás de nós —disse ela. —Ele vai, pelo menos. O coronel Leroux.

—Você realmente não o ama, não é, Joana? —Perguntou. —Senhor, era uma cena muito comovente. Será que você tinha que dizer, sabendo que agora ele vai mover céus e terra para a salvar?

—Eu tive que os convencer de que eu estava relutante em vir —disse ela. Tinha decidido que não contaria a Duarte, quem o coronel Leroux era. O prazer de o matar ia ser todo dela. Não negaria a si mesma isso. Não depois de ter sofrido por esse privilégio. Pensou nos beijos do coronel e estremeceu.

Não havia nenhuma possibilidade para mais conversa. Não havia nenhum sinal de perseguição, mas eles tinham que alcançar as montanhas e Portugal, antes que pudessem respirar com facilidade.

Foi uma noite longa. No início, ela estava fria. Mais tarde, ela estava fria, e dura, e dolorida. Eventualmente, ela estava fria, e dura, e dolorida, e cansada. Muito, muito cansada. Algumas vezes, ela até cochilou, até quase dormir.

—Morda seus lábios, —seu irmão disse a ela, quando sentiu seus braços escaparem de sua cintura, mas os acomodou de volta. —Flexione os dedos dos pés. Abra a boca e inspire ar. Cante. Fique acordada, Joana.

—Oh, eu irei, —disse ela. —Não tema.

E ela concentrou sua mente sobre o cavalo e seu cavaleiro logo atrás deles. Sempre logo atrás. Amanhã, em apenas algumas horas, ela estaria livre para lhe contar tudo. E ela iria ajudar a cuidar de suas feridas. Haveria ferimentos em seu corpo também? Ela estremeceu com o pensamento, embora não com o frio, desta vez. Sim, obrigatoriamente deveria haver. Eles não teriam trabalhado apenas seu rosto.

Ela iria banhar e enfaixar suas feridas, e pedir desculpas por ter sido a causa delas. E ele a perdoaria. Uma vez que ele soubesse de tudo, ele a iria perdoar.

E depois... Joana tremeu novamente, com todas as possibilidades.

Ela havia dito algo a ele, pouco antes de ter causado aquela surra terrível e selvagem. Ela havia dito por desespero, movida pela necessidade urgente de o atrair para um abraço, antes que o coronel Leroux entrasse pela porta. Ela havia dito por desespero, e ainda assim, ela se assustou com a verdade de suas palavras.

Talvez ela fosse capaz de as dizer de novo para ele. Talvez, ele fosse dizer as mesmas palavras para ela.

Como seria agradável para mim, se ele dissesse. Ela estremeceu novamente. Mas é claro que tudo seria diferente, uma vez que ela lhe contasse tudo. Ele saberia que ela tinha feito tudo por ele, porque sua lealdade nunca tinha vacilado de estar com o país de seu meio-irmão e o de sua mãe.

Ela podia sentir sua presença em suas costas, quase como uma mão grande e ameaçadora.


Capítulo 17


Ainda era de manhã cedo, embora o sol tivesse aparecido há algum tempo, quando eles chegaram em um desfiladeiro arborizado profundamente, entre colinas nuas e escarpadas. Passaram dois homens de guarda, e o capitão Blake reconheceu um deles como Teófilo Costa, e então, fizeram uma pausa, enquanto Duarte trocou algumas palavras com eles, e depois, cavalgou para a visão bem-vinda de várias toscas cabanas, construídas no abrigo das árvores. Ainda mais bem-vinda para o capitão era a visão de um córrego borbulhando o seu caminho até sua garganta. Ele não tinha lavado, nem as mãos, em quase uma semana.

—Portugal. Casa —disse Duarte, uma nota de alívio e alegria em sua voz.

Mas os partidários espanhóis, que haviam cavalgado com eles recuaram. —Seguramente entregues, —disse Antonio Bécquer. —Agora temos de nos entregar com segurança, pelas colinas do norte, señores, antes que os vingadores descubram os nossos rastros. —Ele saudou o capitão Blake e sorriu amplamente. —Foi um prazer, capitão. Faz um longo tempo desde que eu e os meus homens nos divertimos tanto.

O capitão estendeu a mão direita, e o espanhol a pegou num aperto forte.

—Eu não vou esquecer, —disse o capitão. —Obrigado, meu amigo. —Ele segurou o cavalo ainda, e viu os partidários cavalgarem para fora de sua vista, até uma encosta. Eles não tinham, sequer, parado para um descanso ou para comer.

E então ele virou a cabeça para trás para ver uma multidão do bando de Duarte se reunir em torno de seu líder, quando ele desmontou e alçou os braços para trazer Joana para o chão. Ela colocou as mãos em seus ombros e deslizou ao longo de seu corpo até que seus pés tocaram o chão. E, em seguida, ela abraçou seu pescoço e o beijou na bochecha.

—Duarte, —ela disse, —você é maravilhoso. É tão bom sentir solo Português sob os meus pés de novo. —Ela olhou para os outros homens com um sorriso deslumbrante. —Está tudo maravilhoso.

Duarte Ribeiro a pegou em um abraço apertado e a girou uma vez ao redor, enquanto o capitão Blake observava, como se transformado em pedra. O diabo! Ela deve ter estado sussurrando palavras doces em seu ouvido durante toda a noite, e ele tinha caído sob seu fascínio, como todos os homens fizeram. Ele tinha caído, apesar de a mulher mal-humorada e o bebê de cabelos escuros que ele tinha deixado para trás em Mortágua. Todos os homens estavam caindo sob seu feitiço. Eles ficaram em volta olhando e sorrindo.

—Não somos? —Disse Duarte, olhando para ela com um sorriso e inclinando a cabeça para a beijar firmemente nos lábios. —Você me deve uma série de favores em troca, Joana.

Ela sorriu para ele quase endiabrada, e se virou para enfrentar os outros homens. —Que cabana é a minha? —Perguntou ela, ansiosa.

Capitão Blake sentiu sua mandíbula apertar. Ela provavelmente deveria esperar uma cama de penas e um estojo cheio de perfumes e jóias dentro, também. Ela logo foi correndo em direção à cabana mais próxima.

Ele desceu da sela, segurando-se para não estremecer, e não tendo certeza de que o tinha conseguido. —Ribeiro, —disse ele bruscamente.

O líder do Ordenanza olhou em volta, com um sorriso. —Você vai querer um banho e fazer a barba, e uma refeição, e depois dormir um pouco, —disse ele. —Nessa ordem? Há algum osso quebrado?

—Não, —o capitão Blake disse, —e nessa ordem, sim, por favor. Mantenha um olho sobre a marquesa. Mais de um olho. Mantenha dez olhos nela. Ela não deve escapar.

O sorriso de Duarte virou um riso. —Ela é um punhado, sim, —disse ele. —Você percebeu isso também? Mas ela está mortalmente cansada e não vou a lugar nenhum sozinho. Pelo menos, ela não vai tentar, se ela sabe o que é bom para ela.

Um dos outros homens Francisco Braga, tinha acabado de sair de uma outra cabana e estava segurando sabão, uma toalha e uma navalha, para o capitão.

—Eu sinto, que não possamos fornecer água quente, —disse ele com um sorriso. —Mas essa água o vai acordar para o seu desjejum, pelo menos.

A necessidade de um banho e fazer a barba superou todas as outras necessidades, que o capitão Blake tinha ansiado. Ele olhou inquieto a cabana em que Joana tinha desaparecido, e em torno dele, na meia dúzia de homens que estavam lá para se prevenir de sua fuga. Ela não seria capaz de o fazer. E se ela conseguisse de alguma forma fugir, então ele iria atrás dela. Não havia nenhuma maneira na terra dela ficar longe dele, até que a pudesse entregar na sede, para a prisão como uma agente inimiga.

—Obrigado —disse ele, e pegou as coisas com gratidão, procurando um lugar isolado, onde pudesse tirar suas roupas e tomar um banho tranquilo.

A água fria se mostrou na sua respiração, dez minutos mais tarde, quando ele mergulhou em uma parte profunda do rio. Mas se sentia estranhamente bem apesar de suas contusões, mais calmo, e depois, entorpecido. E o luxo de água e sabão na pele e seu cabelo era mais delicioso do que ele poderia ter imaginado possível.

Ele raspou a barba com cuidado. Sua mandíbula estava ferida e machucada, seus lábios ainda inchados. Mas ele se barbeou, com algum desconforto, claro, por causa de não poder esfregar as mãos ao longo das mandíbulas e do queixo, para sentir a suavidade. Depois, flexionou o ombro que tinha sido tão ferido no ano anterior. Ele não o sentia mais endurecido do que o resto do seu corpo, o que, ele supôs, não queria dizer muita coisa.

Ele flutuou de costas, se sentindo limpo e agradavelmente, todo frio, e se maravilhou com a liberdade que manhã tinha trazido. Olhando em volta para as árvores, os montes, e o céu azul, não teria pensado que a guerra não estava longe, de tudo ao redor. Mas ele estava livre, pelo menos, livre para lutar contra o inimigo de novo, depois de dormir algumas horas. Lhe ocorreu, de repente, que tinha o corpo cansado. E que estava com fome, o suficiente para comer um urso. E Francisco Braga tinha dito algo sobre o desjejum?

Ele nadou para fora da água, agitando os braços e as pernas antes de se secar, esfregando seu cabelo, que tinha crescido mais do que ele tinha usado em anos. E, claro, ele pensou, o inimigo estava na mão direita. Havia um inimigo a ser combatido nesse mesmo dia. E ela estava ao seu alcance. O pensamento lhe trouxe uma energia renovada. Ele caminhou de volta para o acampamento Ordenanza, assim que se vestiu.

E parou quando ainda estava a vários metros de distância. Ele não tinha percebido que os homens tinham trazido uma mulher com eles. Ela estava usando um vestido azul camponês desbotado, que chegava quase até os tornozelos, e sandálias de couro. Seu cabelo escuro parecia uma nuvem ondulada sobre sua cabeça e ombros. Era pequena e esbelta. O mosquete ia jogado sobre um dos ombros, parecendo ser pesado demais para ela.

E então ela se virou e olhou para ele com olhos escuros num rosto bonito. Havia uma faca enfiada em seu cinto.

Foi só quando ele olhou novamente para o rosto dela, espantado, que a reconheceu. Cristo Todo-Poderoso! Ela estava olhando para ele, com cautela, mas quando seus olhos se encontraram pela segunda vez, ela sorriu lentamente.

Joana! Que diabos?

 

*


Joana tinha saído da cabana, onde tinha deixado para trás a Marquesa das Minas, para assumir, finalmente, o que ela esperava, fosse o seu lado definitivo, e jogou a cabeça para trás, fechando os olhos.

—Ah —disse ela para ninguém em particular, —ar fresco e liberdade, liberdade abençoada ¯. E então, ela olhou em volta. —Onde está Robert? —Ela estava falando para Duarte.

—Tomando um banho —explicou. —Imaginei que seria mais importante para ele do que comer ou dormir.

—Ele vai me matar —ela disse alegremente, —a menos que eu possa explicar tudo para ele, em primeiro lugar. Ele deve ter uma opinião terrivelmente baixa de mim, você não acha? Eu o fiz ser preso, apenas para que ele pudesse ser liberado da palavra empenhada. Eu não imaginava que ele seria tão severamente espancado.

—Ele não sabe nada da sua parte em tudo isso? —Perguntou Duarte, fazendo uma careta.

—Até onde ele sabe, sou uma refém, —disse Joana. —Ele não sabe que você é meu meio-irmão. Não diga nada, Duarte. Quero lhe dizer, do meu próprio modo. —Ela riu levemente. —A menos que ele me matar primeiro, claro.

—Eu não acho que a faca e arma são necessárias no momento, são? —Duarte apontou suas armas e sorriu.

Mas suas palavras apenas fizeram Joana proteger os olhos e os apertar olhando ao longo do vale e admirando as encostas de onde tinham vindo.

—Ele quer vir me resgatar, você sabe, —disse ela. —E vai trazer os homens com ele. Ele se imagina apaixonado por mim, estava prestes a me propor casamento. Eu sei, posso sentir essas coisas. Ele virá, Duarte, e logo.

—Mas não em breve, —disse ele. —Ele não conhece este país como nós. E Teófilo e Bernardino ainda estão de guarda. Haverá tempo para comer e para dormir por algumas horas. Antes do anoitecer nós iremos embora daqui.

—Mas ele vai nos encontrar, —disse ela, quase ansiosamente. Ele tinha que a encontrar.

E então ela se virou ao ouvir pedras se deslocadas atrás dela. Robert estava parado a alguma distância, parecendo bastante magnífico, pensou ela, com o rosto limpo e barbeado, com o cabelo molhado e balançando ao vento. Seu rosto também parecia como se tivesse saído do lado errado de uma luta, mas era um olhar que de alguma forma reforçava a dura qualidade do soldado que era, exclusivamente sua, e a sua virilidade.

Ela sentiu-se consciente e nua com seu olhar. Ele nunca a tinha visto em suas roupas de camponesa, com os cabelos soltos. E sabia que ele olhava incrédulo, para suas armas. Ela estava com falta de ar, de repente, e particularmente incerta de si mesma.

Ela reagiu da única maneira que podia, em tais circunstâncias. Encontrou seus olhos e sorriu. Foi totalmente contra sua natureza se sentir ansiosa.

Ele não sorriu de volta. Mas então, ela não esperava que ele o fizesse.

—O desjejum, Joana, —disse Francisco Braga, segurando uma bandeja de madeira para ela, sentado perto do fogo. —E o seu, capitão. —Ele segurava uma outra bandeja para o capitão Blake. Duarte já estava comendo.

Ambos aceitaram as suas bandejas em silêncio e tomaram seus lugares, no chão ao lado de Duarte. Joana estava entre os dois homens.

—Espero que a faca seja cega e o mosquete esteja descarregado, —o capitão Blake disse sobre sua cabeça para Duarte, como se ela fosse surda e muda, ou não entendesse o português. —Ela é uma refém, Ribeiro. Uma refém hostil. E se ela lhe contou um conto sobre pertencer aqui e realmente ser fiel a sua causa, não acredite em uma palavra dela. A mulher é incapaz de dizer a verdade.

Joana levou um pedaço de peixe à boca e o mordeu forte.

Duarte sorriu. —Mas os pulsos das mulheres são fracos —disse ele. —E mosquetes são notórios por nunca bater o que eles visam.

—No entanto, —o Capitão Blake continuou —Eu não gostaria de encontrar qualquer um que aponta no meu estômago, a dois centímetros de distância. Mantenha uma guarda sobre ela, Ribeiro. Eu o adverti que ela é perigosa.

Duarte deu de ombros e sorriu para sua meia-irmã. —Talvez eu os leve antes de ir dormir, Joana —disse ele. —Eu não iria, afinal, gostar de o ter rolando na ponta de sua faca.

Não era o tempo para explicações. Ambos estavam muito cansados e tudo era muito público. Ela iria sofrer a humilhação de entregar sua arma e faca, decidiu, e explicar mais tarde. Estava muito cansada. Não acreditava já ter se sentido mais cansada em sua vida. Havia um peito amplo e vestido de verde, com o ombro perto de seu rosto. Como seria maravilhoso descansar a cabeça contra ele e fechar os olhos. Mas um olhar para cima lhe mostrou a dureza de sua expressão e a hostilidade em seus olhos.

Ela colocou tanto sua faca, como seu mosquete, no chão à sua frente. Teria sido apenas demasiado vergonhoso os colocar nas mãos de Duarte.

—Havia uma mensagem de Lorde Wellington, —Duarte foi dizendo a Robert. —Um dos meus homens trouxe aqui, enquanto eu estava em Salamanca. Ele está esperando que Almeida vá aguentar por mais um mês, depois que as chuvas de outono vierem. Elas vão desacelerar os franceses e tornar as coisas muito piores para eles.

—Almeida ainda não caiu, então? —Perguntou Blake. —Boa. Eu estava com medo de perder toda a diversão. De quem foi a ideia, aliás, de virem me salvar?

Duarte ignorou a pergunta. —Nossa tarefa, para além do habitual, —disse ele, —é visitar o maior número de fazendas e aldeias entre aqui e Coimbra, o quanto nos for possível, e persuadir as pessoas a fugirem para o oeste com o maior volume de posses possível, e para queimar todo o resto, incluindo suas casas. Não vai ser agradável ou uma tarefa fácil, eu acho. —Ele deu de ombros. —Mas Wellington jura que não vai abandonar o nosso país ou nos deixar à ocupação francesa. E contra todas as probabilidades, eu acredito nele. Suponho que não há mais nada que eu possa fazer.

—É essencial que os exércitos franceses não sejam capaz de viver fora do campo, em Portugal, como costumam fazer em seus avanços, —disse o capitão Blake. —Eles devem ser presos longe de suprimentos. É o caminho mais seguro para os derrotar.

—Você tem a sua parte também —disse Duarte. —Lorde Wellington especificamente menciona você, e que, se a sua fuga de Salamanca tiver sido feita a tempo, você deve se juntar a nós em nossa tarefa, um uniforme de soldado pode fazer muito para convencer os duvidosos, ele acha. E quem sabe? Talvez ele esteja certo.

—Eu não devo, simplesmente, me juntar ao meu regimento, então? —Perguntou o capitão. —Parece que não. —Duarte sorriu para ele, se desculpando.

Mas Joana não podia mais se concentrar. As palavras tinham ido para muito longe, para que ela pudesse ouvir apenas som, mas sem significado. Sua cabeça era muito pesada para o resto de seu corpo. O lado dele tocou algo quente e sólido e ela cedeu à tentação de relaxar e dormir.

—Ela está muito cansada, —disse Duarte, olhando para sua irmã dormindo no ombro do capitão, que não tinha movido um músculo, exceto para endurecer sua mandíbula. —Como estamos também. Eu não sei por que estamos aqui sentados conversando, quando o tempo é tão curto. Temos de estar bem longe daqui, antes de escurecer. Enquanto isso, vamos dormir.

Ele ficou de pé e se inclinou para pegar Joana. Mas ela acordou logo que ele a tocou, e olhou para cima, assustada pelo capitão Blake, que nem estava olhando para ela. Ela estava feliz que ele não estivesse. Ela não deveria corar no curso normal dos acontecimentos, mas sabia que estava corando agora. Era mortificante, tanto como humilhante.

—Vá para a cama, Joana —disse Duarte. —E isso é uma ordem.

Normalmente, ela teria se recusado por mero princípio. Mas agora, ela correu para sua cabana, mais como um coelho assustado, ela pensou, desgostosa. Mas ela não podia pensar. Era quase doloroso pensar, muito esforço. Deitou sobre o cobertor no chão e dormiu.

 

*


Era fim de tarde. Quase todos eles olhavam para o leste, mas se o coronel Leroux e seus homens estavam vindo, ainda não estavam visíveis. Os dois sentinelas tinham acabado de voltar da entrada do vale, tinham relatado que tudo ainda estava calmo.

Mesmo assim, o acampamento foi desarmado e eles deviam se pôr a caminho antes do anoitecer. Eles seriam divididos em pequenos grupos, Duarte explicou, sendo muitos os lugares para visitar, se fossem executar as ordens de Lorde Wellington com rigor. Além disso, pequenos grupos seriam um alvo menor para os franceses descobrirem.

—E nós nunca devemos esquecer qual a nossa principal razão para existir. —disse Duarte, os olhos estreitos, numa expressão que o fez parecer cruel por um momento. —Nosso objetivo é manter os franceses fora do nosso país e matar os que tentam entrar nele.

—Capitão Blake, Duarte determinou, deve se mover para o sul, em direção a Almeida. Não havia pressa em convencer a população até que o forte caísse, ao que parecia, mas pode haver muito pouco tempo depois. —E não havia nenhuma dúvida real de que eventualmente Almeida iria cair. Talvez fosse resistir por uma semana ou um mês, mas nunca iria aguentar um cerco determinado pelos exércitos franceses.

—Ela vem comigo, —Capitão Blake disse, sacudindo a cabeça na direção de Joana. Joana ergueu o queixo como Duarte e todos os seus homens olharam para ela.

—É que sou eu quem os franceses vão estar à procura com mais determinação —disse o capitão Blake. —É justo que eu tenha sua refém comigo. Além de... —os olhos inchados sobre Joana —Eu tenho um ponto a liquidar com ela.

Joana meio sorriu para ele e não fez nenhum apelo ao irmão.

—Muito bem. —Duarte deu de ombros. —Joana vai com você. Acho que ela vai estar tão segura com você, como com qualquer um de nós, mesmo que os dois estejam a pé. —A rota do sul era a mais íngreme. Seria impossível tomar cavalos para subir a encosta.

E assim, as barracas foram destruídas e poeira jogada no fogo, e os homens tinham decidido não perder tempo tentando camuflar o que tinha tão obviamente sido um acampamento; despedidas foram feitas e boa sorte e saudações trocadas.

Duarte tomou Joana nos braços e a abraçou com força. —Você não vai me deixar a mandar de volta para a segurança? —Ele perguntou a ela pela última vez.

—Quando a vida é tão cheia de significado? —Perguntou ela, com o rosto escondido em seu ombro. —Nunca, Duarte.

—Então fique perto dele, —ele murmurou em seu ouvido. —Ele a irá proteger, creio eu, depois de ter explicado a ele, e provavelmente até mesmo se você não fizer.

—E eu o vou proteger. —Ela elevou o rosto e sorriu maliciosamente para ele. —Eu vou ver você, Carlota e Miguel em Mortágua, Duarte. Seja cuidadoso.

—Sim. E você. —Ele olhou para o rosto dela como se para o memorizar, em seguida, a beijou nos lábios. —Não há meio relacionamento em meus sentimentos por você, Joana. Você é tão querida para mim como Maria e Miguel foram. Tão cara como nossa mãe era.

Ela sorriu e lhe tocou o rosto com a palma da mão, antes de se afastar e se virar para o capitão Blake, que estava de pé, a uma certa distância, com o rosto impassível. Ela sorriu para ele.

—Bem, Robert, —ela disse, —vamos?

Ele lhe apontou a encosta sul, íngreme, rochosa e nua através do córrego. O dia ainda estava avassaladoramente quente, apesar da hora avançada. Logo eles estavam lutando para subir, usando as mãos, bem como os pés, em alguns lugares. Suas armas, a comida e cobertores amarrados a suas costas eram um estorvo, mas uma condição necessária. Eles estavam viajando tão levemente como podiam.

Ele estendeu a mão para a ajudar em um lugar particularmente difícil. Mas ela recusou com a cabeça e sorriu para ele.

—Eu posso controlar, Robert —disse ela. —Você não tem que bancar o cavalheiro.

—Eu não sou um cavalheiro, como você sabe, —ele disse a ela, sua voz e seus olhos frios. —O que eu estou bancando, Joana, é guarda. Você vai responder a Lorde Wellington quando eu tiver você na sede, provavelmente com a sua liberdade privada, até que as guerras se acabem. Você deve ser grata que os ingleses não tratam seus prisioneiros sem uniforme como seus compatriotas tratam os deles. E, enquanto isso, você tem que responder a mim. Você vai se arrepender, de não pedir a seu novo amante que a levasse de volta com ele.

—Duarte? —Ela disse rindo. —Duarte é meu irmão.

—Isso não foi mesmo uma mentira inteligente, Joana —disse ele. —Nós dois sabemos que o seu pai era francês e sua mãe inglesa. Lembra? Duarte Ribeiro é português.

—Minha mãe foi casada com seu pai —disse ela, —antes de casar com o meu. Ele é meu meio-irmão. —Ele estalou a língua impaciente e lhe deu um tapa um pouco doloroso nas nádegas.

—Se mova! —Ele ordenou. —Estamos perdendo tempo. Ou melhor, você, na sua forma habitual, me obrigando a perder tempo. Ele tem uma mulher que o adora, Joana, e um bebê pequeno e gordo. Será que isso não toca sua consciência, em tudo que você o forçou a ser infiel hoje?

—Não! —Ela apertou os dentes e subiu, fora do alcance de sua mão grande. —Eu não vou ficar satisfeita até que tenha escravizado cada homem que eu já encontrei, Robert, e dormido com tantos quanto é possível para mim. Suas esposas e mulheres devem ficar atentas. E, se alguém me resistir, bem, então, ele vai se arrepender, como você estava arrependido em Salamanca. Eles o machucaram, não? Estou feliz. Muito feliz. Só lamento que não durasse mais do que cinco dias.

—Ah —, ele disse, movendo ao lado dela sem esforço, apesar de sua explosão de velocidade, —finalmente arrancamos camadas e chegamos à real Joana. Acho que eu a prefiro para o que todos sabem. Pelo menos ela é honesta.

Subiram o resto do caminho em silêncio, precisando de cada respiração para realizar a subida íngreme.

O capitão Blake parou no topo para olhar para trás para o vale, e para longe para as colinas mais baixas a leste. Ele protegeu os olhos e estendeu a mão para tomar o pulso de Joana em seu aperto. Então ele xingou e empurrou-a para deitar no chão ao lado dele. Ele apontou.

—Chegou o amante —disse ele, —em conjunto com uma companhia inteira de cavaleiros. Ofegando com a frustração, depois de uma noite inteira sem seus favores, sem dúvida. E eu fui estúpido o suficiente para ficar contra a linha do horizonte. Bem, Joana, seria realmente estranho, se eles não nos vissem. Mas não tenha a esperança de que subam. Não tenho nenhuma intenção de abandonar tanto a minha liberdade, como a minha vida ainda. Eu tenho ainda menos intenção de abrir mão de você.

—Devo me sentir lisonjeada? —Ela perguntou docemente.

Ele abriu o caminho depois do topo da colina, a puxando com ele, antes de a arrastar, meio que correndo, com sua mão ainda segurando o pulso dela, durante todo o tempo, pelo terreno acidentado. Os cavaleiros estavam a quilômetros, ao largo, e talvez não os tivessem descoberto. Mas ele pretendia arrumar um esconderijo seguro, antes do anoitecer.

E encontrou o que estava procurando algumas milhas mais adiante, quando o jogo de escalar um pico solitário valeu a pena, e ofereceu uma caverna inclinada que os iria esconder completamente, de qualquer um abaixo. Ele empurrou Joana dentro, não muito gentilmente.

—Eles não vão nos alcançar esta noite, —disse ele, —ou até mesmo amanhã, em um palpite. E nós vamos tornar difícil que controlem este país. Mas nós dois devemos estabelecer algumas regras básicas, desde o início. Você não vai tentar atrair a atenção de qualquer francês, Joana. Se você fizer isso, eu posso ser forçado a cortar sua garganta. E você não vai tentar escapar de mim. Se você fizer, vou usar o cinto para prender suas mãos e o anexar ao meu próprio cinto. E terei suas armas, agora.

—Não seja cansativo, Robert —disse ela, se virando para o encarar. —Você não percebe que eu estou do seu lado? Que Lorde Wellington me mandou, depois de ter certeza que os franceses acreditariam que seus papéis eram falsos? Que eu arranjei para que você pudesse ser liberado da palavra empenhada para sua liberdade condicional? Que eu organizei para Duarte vir resgatar você e para me tomar como refém? Que eu sou tão espiã britânica, como você é?

—Suas armas, —disse ele, de pé na entrada da caverna, com os pés firmemente plantados e distante, sua expressão implacável. —E eu ainda poderia ser levado a amordaçar a boca também, Joana. Você deve pensar que sou um tolo maior do que provei ser, se acha que vou acreditar em mais mentiras, ultrajantes e estúpidas. Suas armas!

—Muito bem. —Sua voz era calma, doce. —Se você acha que eu vou implorar e rastejar, Robert, então você está redondamente enganado. Acredite no que quiser, e pode ir para o inferno com a minha bênção. —Ela tirou o mosquete do ombro e o deixou cair com estrondo no chão de pedra da caverna. —Mas não espere que eu seja uma prisioneira dócil.

Ele quase não viu o movimento da mão, mas no momento seguinte a faca estava apontada para o seu estômago, e ela estava agachada em uma posição defensiva.

—Você quer a minha faca, Robert? —Ela lhe perguntou docemente. —Então venha e pegue.

Ele estava furioso com ela para tentar, depois de tudo o que ela tinha feito a ele, para fazer um joguete dele mais uma vez, e com ele mesmo, por esperar mais dela, contra todas as evidências de sua experiência, que agisse como qualquer mulher faria, mas baixou seus braços mansamente.

—Por Deus, Joana, —ele sussurrou para ela por entre os dentes, —você está pedindo para ter problemas. —Ela sorriu para ele, um felino sorriso que ele tinha visto antes. —Você tem medo, Robert?

A parte idiota e tola era que ele estava com medo. Medo de machucar. Ele deveria torcer seu pulso, e fazer que ela apunhalasse ela mesma. Isso era o que ele deveria fazer. Mas, se amaldiçoou por ser incapaz. E assim ele a circulou nos confins da caverna, fintou um lado e depois os outros, e as duas vezes a faca ainda pairava sobre o centro de seu estômago, e foi finalmente forçado a lhe agarrar o pulso, no mesmo tempo que lhe estendeu a mão com uma bota para pegar de forma inteligente, por trás de um tornozelo.

Ela desceu com ele em cima dela e eles lutaram silenciosamente, exceto pela respiração ofegante, enquanto ele, lentamente, forçava sua mão sobre a cabeça e para o chão, e depois cortava a circulação de seu pulso, até a mão aberta, e a faca caiu com um barulho macio, para as pedras.

—Bastardo —ela disse a ele. —Vagabundo.

—Covarde e bruto.

—Traidor. —Ela rosnou para ele. Ele rosnou de volta.

E então, de repente, e muito inesperadamente, ela sorriu para ele, com os olhos brilhando, sua boca se curvando, apelativa. —Oh, Deus, Robert, —ela disse, —Eu preferiria lutar com você em qualquer dia do ano do que fazer amor com outro homem. Eu não sei quando eu me diverti tanto.

Ele olhou para ela cautelosamente. Sempre que pensava a ter desarmado finalmente, ela vinha se voltava contra ele de outro ângulo. —Você poderia se ter matado com sua própria faca —disse ele.

—Nunca. —Ela continuou a sorrir. —Você não teria permitido. Realmente acha que eu não sabia, a cada momento, que você estava totalmente no controle dessa luta? Mas só fisicamente, Robert. Fisicamente você pode me dominar. Mas você nunca vai poder dominar a minha vontade. Nunca. Você vai perder, se tentar. Portanto, não tente estabelecer regras para mim. Eu nunca obedeceria as regras. Quando eu saí da escola com a idade de dezesseis anos, jurei que nunca mais iria obedecer a uma regra que eu não gostasse. E às vezes eu quebro as regras Eu gosto só porque elas estão lá. Você está pesado.

—Eu estou? —Disse. —Mas você não tem um colchão em suas costas, Joana, como costuma fazer, quando você tem um homem em cima de você.

—Você acha que eu me importaria? —Ela perguntou, e seus olhos se acenderam no seu. —Se nós estivéssemos fazendo amor, Robert, você acha que eu me importaria com uma cama de pedra nas minhas costas, ou o seu peso em cima? Mas nós não estamos fazendo amor, estamos? E você é pesado.

Ele se afastou, lentamente, sem tirar os olhos dela. Estendeu a mão, pegou a faca, e a enfiou em seu próprio cinto. E mudou o mosquete em um canto e ficou lá com seu rifle.

—É melhor comer —disse ele, —enquanto nós temos uma réstia da luz do dia para o fazer. E então, eu vou lhe dar cinco minutos para ir para fora para se sentir confortável. Cinco minutos. Não mais. E eu aconselho que você não me desafie, tentando escapar, mesmo que o desafio esteja na sua natureza. Tente escapar desta vez e você nunca mais terá permissão de privacidade novamente. Entendido?

Ela apenas sorriu para ele, quando se sentou e alisou o vestido sobre os joelhos.

—Você vai ter o quarto à esquerda ou a da noite certo? —Perguntou ela. —Não há tanta escolha.

—Ocupamos o quarto central, —ele disse, —juntos. Você não acha que eu me permitiria dormir sem meus braços firmemente sobre você, não é?

Ela fez um gesto de beijar com a boca. —Eu sou tão irresistível? —Disse ela. —Eu disse que você iria se apaixonar por mim, Robert.

Ele desempacotou sua comida sem qualquer resposta ou olhando para ela. Houve vantagens concretas para a cela de prisão, ele pensou. Apesar das agressões diárias, ele tinha tido longas horas sozinho com a paz de seus próprios pensamentos.


Capítulo 18


Ela tinha cochilado e acordado novamente. Mas sabia que deveria dormir. Não estava acostumada à vida de Joana Ribeiro, e sabia que os primeiros dias seriam cansativos. Mais do que o habitual, não haveria tantos motivos para viajar, como nos próximos dias. E a viagem deveria ser cheia de tensão, pois eles estariam viajando, não só para vários lugares, mas também fugindo da busca do coronel Leroux e sua companhia.

O coronel Leroux, pensou. Ele devia vir. Ele devia encontrar suas trilhas e as seguir. E ela devia estar pronta para ele, quando chegasse. Lhe ocorreu, de repente, como seu plano era suicida, e como era perigoso para Robert. Ela poderia muito bem ter matado o coronel em Salamanca, onde apenas a sua própria vida teria sido perdida como resultado. Mas por alguma razão, o queria em seu próprio território. Ela o queria no país onde Miguel e Maria tinham morrido.

Mas precisaria de suas armas. Elas estavam no canto de trás da caverna com a espada, embora o rifle, ela sabia, estivesse com Robert, ao seu alcance. Não podia chegar a elas, presa como estava. Um de seus braços estava abaixo de sua cabeça e enrolado sobre seu ombro, um travesseiro confortável o suficiente, mas realmente apenas uma algema de cativeiro. O outro estava firmemente em torno da cintura. Uma de suas pernas fora jogado por cima dela. Ele acordaria, havia dito a ela antes, quando ela protestou, se ela movesse um músculo durante a noite.

Era difícil tentar dormir em um chão de pedra, sem mover um músculo.

Não havia nenhuma maneira que ela pudesse chegar a sua arma ou à faca sem que o acordasse. E mesmo se pudesse, nunca iria fugir sem ser pega por ele novamente. Ela pensou indignada, no que ele havia dito sobre amarrar seus pulsos e os prender ao cinto, e soube, sem sombra de dúvida, que aquele seria o seu destino se tentasse fugir. Se isso acontecesse, ela nunca iria ter suas armas novamente,.

Não, teria que ter paciência e aguardar sua chance. Ela viria. Nunca quis nada que não tivesse. E ele poderia se apaixonar por ela. Apesar de tudo, ela o poderia ter envolvido em torno de seu dedo mindinho dentro de dias, se tentasse. Apertou os dentes rígidos, quando ela recordou o desprezo com o qual ele tinha recebido sua tentativa de lhe explicar a verdade. Não que ela tivesse tentado de verdade. Ia contra seu orgulho mendigar e implorar. Se ele escolheu não acreditar nela, então que assim fosse.

Mas, ainda o podia fazer cair de amor por ela, se assim o quisesse. Eles eram almas gêmeas, ela e Robert Blake. E se desejavam um ao outro, e ainda assim, sem que jamais bajulassem o outro. Ela sabia que nunca poderia fazer dele seu escravo, e exultou com o conhecimento, o que tornava mais difícil sua tarefa. Se ela nunca mais o chamasse de bastardo de novo, então ele não a iria chamar de vagabunda novamente. Ele daria injúria por injúria. Não era um cavalheiro, e não sabia que não se insulta uma senhora, não importa o motivo. Ela estava feliz por ele não ser um cavalheiro.

E então descansou uma mão contra seu peito, e descobriu que o que ele lhe falou antes, era a verdade, pura e simples. Ele estava dormindo, apenas um momento antes, mas agora, estava olhando para ela. E sabia, mesmo sem olhar de volta.

—É impossível ficar parada, por uma noite inteira, sem mover um músculo, Robert —disse ela com um suspiro. —Especialmente, quando você me tem em um abraço tão apertado. Mas, claro, não é um abraço, é? É cativeiro. —Ela inclinou a cabeça para trás e olhou para ele. Havia luar entrando na caverna. Mesmo assim, ela o sentia mais do que via.

—É cativeiro, —disse ele. —Você quer se virar para o outro lado?

—Não —disse ela. —Estou bastante confortável agora, assim mesmo. Tenho uma imaginação poderosa. Um colchão de penas. Uma pilha de cobertores macio, travesseiros de penas. Mmm... Você não os pode sentir?

Ele pegou seu pulso num aperto forte, e sua mão deslizou para baixo de seu peito, até a cintura. —Pare com isso, Joana —disse ele. —Durma.

—Você me quer fazer acreditar que é feito de pedra? —Disse ela. —Eu o vejo de forma diferente, Robert. Você não me deseja nem mesmo um pouco?

—Você vai se arrepender —disse ele, —se continuar com isso. Eu a advirto Joana, que não será capaz de controlar a situação, se continuar a me provocar. E eu não vou nem o tentar fazer. Faz um tempo que estou sem uma mulher e estou com fome.

Ela podia ouvir seu coração batendo e o podia ver pulsando por trás dos olhos fechados. Luís a teve na cama por seis vezes, ao todo, ela contava, cada uma mais horrível e repugnante do que a anterior, até que ela, um dia, lhe disse que se isso era tudo o que um casamento oferecia, então, que preferia ficar sem ele, muito obrigada. E ele não se sentira ofendido. Aliviado, era mais a palavra. Ela descobriu o porquê, mais tarde.

E Robert falou de fome!

Mas ela nunca tinha pressionado deliberadamente um flerte além do ponto em que o poderia controlar. E mesmo com Robert, nessas duas ocasiões, não tinha havido nenhum grande perigo. Mas, desta vez, ela sabia que ele falava a verdade. Eles estavam sozinhos juntos, muito sozinhos, no meio da noite, e muito próximos um do outro, porque ele achava que havia a necessidade de a prender de novo. E talvez estivesse certo.

Ela o sentiu relaxar. Ele pensou que ela tivesse voltado a dormir. Mas, como poderia dormir, agora que seu sangue tinha sido despertado? Mas, direto ao ponto, como ela poderia recuar, quando ele tinha emitido um tal desafio? Ele não tinha a natureza de resistir a um desafio, tanto quanto ela, temia.

—É comida que você precisa, então? —Perguntou ela, com a voz baixa. —Eu estou com fome também, Robert. Você tem comida? Vamos compartilhar?

Ele pronunciou uma palavra, que ela ainda não tinha ouvido falada em inglês, mas conhecia a sua equivalente em português, de ouvir entre os homens de Duarte. E pensou que ele derramaria sua raiva sobre ela com palavras. Se preparou para o discurso, para ficar tão bem como estava. Em vez disso, ele a puxou contra ele, com tanta força que ela sentiu o choque da respiração de seu corpo, e encontrou sua boca com a dele, a forçando com a sua própria, mergulhando sua língua dentro, de modo que ela teve certeza de que iria sufocar.

E ela conhecia o terror da impotência, de ter desencadeado uma paixão que não poderia controlar, de forma alguma, e que, talvez, a violaria e também a machucaria, antes que fosse saciada. Mas, o terror poderia ser combatido, ela pensou enquanto ainda podia, e uma luta poderia ser combatida, mesmo que fosse para ser inevitavelmente perdida. Tinha lutado tal luta pela faca. Agora ela iria lutar por ela.

Ela chupou para dentro sua língua, pulsou os dentes contra ela, se apertou nele, esfregou os seios, torceu seus quadris, envolveu seu braço livre sobre ele, o empurrando debaixo do casaco, afastando sua camisa para que pudesse tocar a pele nua de suas costas. E quando ele rolou de costas, o outro braço se juntou ao primeiro em sua tarefa.

Ele tinha puxado seu cinto e o atirou longe, e seu vestido veio com um puxão para cima dos seios. A calçola desceu por suas pernas e pés e foi arremessada para se juntar ao cinto.

Ela sentiu o ar fresco da noite contra a pele nua, por um momento, antes que o peso do corpo dele se tornasse seu cobertor. Suas mãos estavam entre seu corpo e ela, em seus seios, se movendo com força sobre eles, os apertando, seus polegares esfregando os mamilos. Sua boca estava em sua garganta e descendo para baixo do vestido enrolado acima dos seios, sua língua tomando o lugar de seu polegar em um mamilo, seus lábios nele. Ele sugava o mamilo, e afastava seus joelhos para os lados de suas pernas, enquanto, ele mesmo, ficava de joelhos.

A única coisa a fazer com as pernas foi as levantar e as colocar sobre as dele. O tecido da calça era áspero contra a pele suave de suas coxas. Sua boca em seu peito a estava levando à loucura. Mas suas mãos estavam dentro de sua camisa, se movendo das costas para os lados do peito, as palmas das mãos empurrando as costelas quentes e os músculos do peito, e os dedos procuraram seus próprios mamilos.

Ela podia ouvir a respiração rouca, quando ele levantou a cabeça de novo, entrelaçou as mãos dolorosamente em seu cabelo, e trouxe a boca para a sua novamente. Ele baixou seu peso mais uma vez e ela podia sentir entre suas pernas a dureza e a imensidão de sua excitação através de suas calças. Seu gemido de medo e desejo a pegou completamente de surpresa.

Suas mãos se moveram de seus cabelos, por suas curvas, até debaixo de suas nádegas, para a levantar contra ele. E ele se esfregou contra ela. E ela abraçou sua cintura com as pernas. As dores, o bombeamento de sangue através dela, eram partes iguais de terror e desejo, ela sabia, as mãos desabotoando os botões de seu casaco. Mas ela não iria ceder ao terror. Ela estava tomando. Nada poderia parar o ato agora. Mas ele não lhe iria dar tudo isso. Ele nunca seria capaz de se gabar. Ela daria a si mesma, e então seria tanto vencedora quanto ele.

Mas ele, de repente, rolou de cima dela para deitar de costas, um braço sobre os olhos. Estava ofegante. —Não! —Disse. —Não, eu não vou lhe dar a satisfação de arrebatar você, Joana. Isso é o que você quer, não é? A alegria de saber que é irresistível, até mesmo para um homem que a despreza?

Ela estava deitada, por um momento confusa, atordoada, humilhada, despida dos seios para baixo, e se ergueu sobre um cotovelo.

—Bastardo! —Ela sussurrou para ele. —Bastardo impotente. Eunuco.

—Cadela no cio! —Disse ele, sem retirar o braço. —Você quer isso, Joana? Você vai ter que tomar, então.

Ela olhou para ele, seus olhos brilhando, sua respiração ofegante, pesando as implicações do que ele tinha dito.

—Oh ! —Disse ela, em seguida, se aproximando de joelhos, se inclinando sobre ele, seu cabelo caindo para a frente sobre os ombros, para tocar os ombros e peito dele. —E você acha que eu não vou, Robert? Você acha que eu sou muito tímida, muito refinada? Você acha que pode brincar comigo, com isto e me deixar machucada e humilhada e... e...

—Insatisfeita? —Disse.

—Seu filho da puta! —Disse ela. —Eu odeio você.

—Então, o sentimento é mútuo —disse ele.

As mãos dela abriram os botões restantes do casaco. Ela desabotoou os botões de sua camisa, a abriu e removeu, jogando por trás de sua cabeça. E se inclinou para deslizar sua boca sobre o peito e a cintura dele. Ela apenas beijou e voltou a subir peito acima, até que encontrou seu mamilo, e ela o lambeu e chupou em sua boca.

Ele estava deitado, imóvel, as mãos estendidas no chão de pedra de cada lado dele. Mas ela podia ouvir seu coração batendo de forma irregular. E o odiava com uma paixão que batia em seus ouvidos. Suas mãos foram até a cintura das calças, desatou a faixa vermelha que o identificava como um oficial, e trabalhou nos botões de suas calças.

Ele não se moveu até que ela puxou as calças. Então ele ergueu os quadris enquanto ela as descia até os joelhos, mas não se sentiu igual na luta contra suas botas. Ele ainda a desejava, ela viu com satisfação. E passou a mão sobre o membro dele, levemente e rapidamente, ofegante, o ar novamente preso em seus pulmões.

Seus olhos estavam bastante abertos, acostumados à escuridão. Ele estava olhando para ela, percebeu, quando montou seu corpo e colocou as mãos em seus ombros, sob a camisa aberta.

—Você não achou que eu ousaria, não é? —Ela sussurrou para ele, baixando a cabeça para que seu cabelo formasse uma cortina sobre seu rosto. —Eu nunca ousei nada, Robert. Até isso. Você não tem a coragem de me violentar? Muito bem, então, eu o vou violentar.

E ela trouxe sua boca para a dele, ao mesmo tempo conduzindo seu corpo a se empalar sobre o dele.

Ela não podia fazer mais, porque estava em choque. Estava profundamente penetrada, e à espera de uma dor que não veio.

Quando caiu em si mesma, ele tinha uma das mãos atrás de sua cabeça, e outra, atrás de sua cintura. E sua boca era suave e quente contra a dela, sua língua lambendo os lábios e voltando para o começo.

Não entrou em pânico, pensou com alguma surpresa. Mas não sabia o que fazer agora.

Ela levantou a cabeça. —É a sua vez —disse ela. —A menos que tenha medo, é claro. Ou não saiba o que fazer.

Podia ver o sorriso dele na escuridão. As mãos dele lhe agarraram os quadris, para os levantar um pouco, e então, ele começou a se mover dentro dela, seus impulsos rápidos e profundos, para o que ela se ergueu sobre os joelhos novamente, em pânico, as pontas dos dedos em sua cintura, sua cabeça jogada para trás. Cada músculo em seu corpo estava apertando. Mesmo o seu próprio corpo foi além de seu controle, ela pensou, um dos poucos pensamentos racionais que lhe vieram.

E, em seguida, até mesmo a aparência de controle a deixou, sua cabeça caiu sobre o queixo e descansou em seu peito, todo o ar saiu de seus pulmões, em um longo e sonoro suspiro. Ele continuou a se mover, enquanto ela se sentiu começar a tremer, as ondas de choque se espalhando para cima, e para fora do ponto de sua penetração mais profunda.

Havia um vazio de tempo em algum lugar depois de segundos ou minutos de duração, ela não sabia. Mas na seguinte consciência de tempo que atingiu sua mente, ela estava deitada de corpo inteiro em cima dele, suas pernas abertas em ambos os lados dele, as mãos e uma das faces contra seu peito nu. Ambos os braços dele e um de seus cobertores estavam sobre ela. Seus corpos ainda estavam unidos.

—Eu estou pesando muito em você —ela disse, e se surpreendeu com a sonolência de sua própria voz. —Não fale bobagem, Joana —disse ele. —Durma. Esta é uma maneira tão boa como qualquer outra, de a ter prisioneira.

—Guardas não devem ter relações sexuais com os seus prisioneiros —disse ela, movendo seu rosto até ficar bastante confortável. Podia ouvir seu coração batendo de forma constante contra o ouvido.

—Nem são presos com seus guardas —disse ele. —Mas, os prisioneiros farão de tudo para ser livres —disse ela.

—Você não será livre. —Uma de suas mãos lhe acariciava as costas. —Nada mudou. Nada mesmo. Depois de tudo, nós sempre admitimos uma atração física pelo outro. Apenas agimos segundo essa atração, para nossa satisfação mútua, parece. Quem quer que diga que você é uma senhora, Joana, obviamente, nunca a teve entre os lençóis. Mas eu não sabia que havia um homem à espera.

—Vá para o diabo —disse ela. —Durma. —Respondeu ele.

 

*


Ele sabia, com esse sentido extra que tinha desenvolvido durante os últimos dez anos, que o amanhecer não estava muito longe. Eles deveriam estar, em breve, a caminho. Se o coronel Leroux e seus homens tinham a intenção de levar seus cavalos na busca, mesmo supondo que ele e Joana tinham sido vistos contra a linha do horizonte no dia anterior, eles teriam que fazer um grande desvio. E depois, seguir seus rastros cuidadosamente. Assim sendo, era improvável que fossem uma ameaça naquele dia. Mas mesmo assim...

Ele olhou para o céu noturno, com uma mão apoiada sob sua cabeça, a outra, acariciando, distraída, o cabelo de Joana. Devia ter dormido muito profundamente, durante várias horas. E também ela devia, porque não se moveu desde que lhe tinha dito para ir para o diabo, e ainda dormia profundamente.

Suas pernas estariam duras, ele pensou, as sentindo ao lado das dele. Mas, pelo menos, tinha sido capaz de lhe dar uma cama mais macia do que o chão de pedra da caverna. Ele sorriu severamente na escuridão. E era importante que ela fosse protegida? Pensou na cela subterrânea em que recentemente havia passado cinco dias, cortesia da Marquesa das Minas, e no exercício diário que vários soldados franceses tinham feito às suas custas. Fazer amor com ela, na noite anterior, não tinha sido uma experiência indolor.

Fazer amor com ela! Ele fechou os olhos novamente. Sua mão ainda acariciava seus cabelos. E pensou em Jeanne Morisette, aquela jovem ansiosa, bonita, que tinha jurado que sempre o amaria, que tinha jurado que um dia iria se casar com ele. E no gentil jovem sonhador, que tinha ficado ao lado dela, lá no lago em Haddington, jurando cavalgar para ela, em um cavalo branco, em seu aniversário de dezoito anos, depois para a terra de felizes para sempre, apenas metade em tom de brincadeira.

E ele pensou na mesma menina rindo dele e o chamando de bastardo e o desprezando, porque ele se atreveu a levantar os olhos para a filha de um conde, e tecer sonhos com ela.

E então pensou na Marquesa das Minas, como a tinha visto pela primeira vez em um salão de baile em Lisboa, e da sua primeira impressão dela, tão linda e cara, e muito além de seu toque. E na mulher quente, desgrenhada, que se deitava sobre ele agora, não mais com cheiro de perfumes caros, mas apenas de mulher. Toda mulher e nenhuma mulher em tudo. Pensou na maneira como ela o tinha despido e acariciado na noite anterior, depois de lutar com ele como uma coisa selvagem, quando ele tinha tido a iniciativa. E no jeito que ela o tinha montado, enquanto ele ficara passivo, com medo de que, e porque ela era sua prisioneira, qualquer violação da sua pessoa seria estupro.

Nenhuma senhora em tudo. Toda mulher ousada e voraz.

E tais pensamentos não estavam a ficar no fundo. Ele já estava ciente novamente de cada centímetro macio, bem torneado, contra ele. Ainda estava dentro dela. Se não fosse cuidadoso estaria crescendo novamente. Já era o suficiente. Ambos tinham atingido seus pontos. Mas, depois que tudo foi dito e feito, eles continuavam inimigos, amargos, inimigos implacáveis. Uma vez que seu amante francês os apanhasse, se o conseguisse, ela estaria fazendo tudo em seu poder, para ter seu carcereiro morto ou devolvido a essa cela, em Salamanca. E nesse meio tempo, ele estaria fazendo tudo em seu poder, para a entregar ao Lorde Wellington e o encarceramento, para o que restava da guerra contra a França.

Joana odiaria a prisão. Ela teria raiva, como um pássaro em uma gaiola. Mas, ele não pensaria nisso.

—Hei, —ele disse, —hora de acordar.

Ela se mexeu. —Bobagem! —respondeu, sonolenta. —Nem sequer ainda é dia, e você está confortável, Robert. —Ela suspirou.

Que se dane essa mulher. Ela sempre dizia a coisa errada. Estava pensando que poderia estar na cama até meio-dia? Ela se contorceu contra ele e suspirou novamente. Ele cerrou os dentes e desejou que seu corpo voltasse à calma.

—Você vai me dar minha arma e faca de volta? —Perguntou ela. —Se eu prometer, fielmente, não as usar em você, Robert? Vou as usar contra os franceses. Eu não desejo voltar com eles, de qualquer maneira, você sabe. Eu quero ficar com você.

—Eu vejo —disse ele. —Amor instantâneo de uma cama, Joana? Eu fui tão bom? E agora você pretende me seguir como a mansa e pequena mulher fiel, para o resto da minha vida?

Ela bufou. —Você pode esquecer esse seu agradável sonho masculino, —disse ela. —Eu nunca vou ser mansa, Robert. Mas vou matar franceses com você. Posso ter minha arma?

—Sim, certamente, —disse ele, —e meu rifle e espada também, Joana, quando o inferno congelar, isso sim.

—Eu espero que você esteja lá quando isso acontecer, então, —disse ela. —Assim, não poderá abrir caminho para cima, para o ar fresco e a liberdade. Eu pensei que você fosse confiar em mim, depois da noite passada.

—Como eu faria, com uma cobra mortal —disse ele.

—Você acreditaria em mim, se eu lhe disser que é o único amante que já tive, além do meu marido? —Ela perguntou.

—Nem por um só momento, —disse ele.

—Eu não penso assim, —disse ela. —E ele foi terrível, Robert. Ele preferia rapazes, você sabe. Isso não é irônico e um pouco de rebaixamento? Você foi maravilhoso. Vamos ser amantes durante esta nossa jornada, até Marcel nos capturar e nos cortar em mil pedaços?

Você foi maravilhoso. Vamos ser amantes...? As palavras de uma paqueradora prática e mentirosa compulsiva. Mas, é claro que estavam fazendo efeito, como ela deve ter sabido que fariam. Maldita a mulher! A mulher maldita foi ao inferno e voltou.

—Nós copulamos na noite passada —disse ele. —Nós não fomos amantes, Joana, e nunca poderíamos ser. Nós copulamos. —Ah —disse ela, suspirou e se contorceu contra seu peito novamente. —Estamos a ser companheiros por um tempo, então? Um casal? Você está ficando duro de novo, não é?

—Maldito seja, Joana, —disse ele. —Você sempre deixa escapar, qualquer que ela seja, a observação embaraçosa que pula em sua mente?

Ela levantou a cabeça e olhou para o rosto dele. E sorriu, lentamente, dessa forma que sempre lhe levantava a temperatura em um grau. —Você tem vergonha? —Ela perguntou. —Eu acho que ele se sente bastante agradável. Nós vamos copular novamente?

Ele a tirou de cima dele e a colocou no chão, ao lado. Podia ver seu rosto claramente, um sinal de que o amanhecer se aproximava. —É isso que você quer? —Ele perguntou a ela, duramente. —Ser usada como meu brinquedo, até que eu a possa entregar para a prisão adequada? Isso é tudo o que seria, e é isso que eu vou fazer com você, no final, Joana, não importa quantas vezes eu possa ter tomado o meu prazer de você, no intervalo.

Seu sorriso era sonhador. —E você será o meu brinquedo, —disse ela. —Vou tomar o prazer de você, Robert, e lhe dar prazer infinito também, oh, sim, o prazer ao infinito; é uma promessa, até que Marcel faça com que você experimente tudo o que ele vem esperando. Faça isso.... Não, acasale comigo. Como um casal, comigo.

—Joana. —Ele se inclinou e a beijou ferozmente. Ela parecia ter um apetite insaciável e ele devia ter adivinhado, quando ela estava normalmente rodeada por inúmeros homens, muito dispostos e ansiosos para a satisfazer; mas, agora só havia ele, coitado, que estava lisonjeado com a necessidade dela por ele, animado por ela.

Estendeu as mãos sob suas nádegas quando ia para cima dela, com a intenção de lhe amortecer contra o chão duro, enquanto dirigia o membro para ela, o que não lhe parecia desconfortável. Ela o segurou nos ombros e fechou os olhos, os lábios entreabertos, e se deitou.

—Oh, —ela disse, quando estava chegando ao clímax, mordendo o lábio inferior e o olhando, enquanto acontecia. —Oh, —disse depois, quando ele finalmente, ficou imóvel sobre ela, e uma de suas mãos acariciava suavemente, seu cabelo. —Eu não tinha ideia do quanto poderia ser bonito isto, Robert. Eu não fazia ideia.

Era injusto, pensou, mas desde quando ele tinha esperado que Joana jogasse limpo? Ela disse tudo isso em seu instante mais vulnerável, quando acabara de derramar seu amor, não, não seu amor, sua semente dentro dela, e estava saciado e cansado novamente. Ela falou no momento em que ele mais queria acreditar nela.

Era hora de estar pronto e em seu caminho, tempo para a luz do dia. Tempo de sanidade. Tempo para a ver e a conhecer, pelo que ela era, de novo.

Mas Deus, ela era uma mulher bonita para se amar e acasalar. Ele usou uma palavra mais obscena em sua mente, para pôr em perspectiva o que tinha acontecido entre eles duas vezes, no meio da noite.

—Levante e se vista, —disse ele, saindo dela e lhe batendo, bruscamente, na nádega nua, como já tinha feito antes. —É tempo para estarmos em nosso caminho.

Ela se sentou. —Sabe, Robert, —ela disse, —um dia eu vou fazer isso para você. Não é muito agradável.

—Eu não sou seu prisioneiro —disse ele.

—Oh, eu acho que você é. —Ela sorriu para ele. —Ainda que nunca vá admitir isso, eu acredito. —Ela encolheu os ombros. —E isso é o que eu mais gosto sobre você. —Ela se levantou ignorando a mão que ele lhe estendia para a ajudar, e escovou seu vestido. —Ugh! Vincos. A Marquesa das Minas faria uso dos sais, se precisasse usar este vestido.

Ela olhou para ele e riu. —Mas, então, a Marquesa é uma tola cansativa, não é? Nada a fazer durante todo o dia, além de flertar, parecer impotente, e inventar tarefas, para cavalheiros obcecados em as executar. Acho que eu ficaria louca se não houvesse Joana Ribeiro, em quem me tornar de vez em quando.

—Joana quem? —Ele perguntou.

—Joana Ribeiro, —disse ela. —Minha fantasia, Robert. A outra mulher, que acasalou com você alguns minutos atrás, e ontem à noite. Você não acredita que a Marquesa teria feito isso, não é? Ela está em casa, vivendo apenas no mundo do flerte. Além disso, você não é um cavalheiro e ela é uma senhora. E, além disso, novamente, ela teria exigido uma cama com colchão de penas. Joana Ribeiro é uma fantasia maravilhosa.

Ela não podia ser mais encantadora, pensou, a observando à luz crescente, como apertou o cinto em volta da cintura e franziu a testa para o profundo amassado do vestido, que usara franzido acima dos seios, durante toda a noite. Seu cabelo era um emaranhado selvagem sobre a cabeça e os ombros. E estava descalça. Ele não acreditava que já tivesse visto seu olhar mais bonito.

Sim, tão encantador, se se sujeitasse a esquecer. E era tão fácil esquecer com Joana, viver a alegria do momento com ela... Tão fácil de esquecer, mesmo que ele ainda tivesse frescos no corpo, os hematomas que provavam o quão cruel e implacável ela era na realidade.

Embainhou a espada, deslizou a faca para dentro de seu cinto, e colocou tanto seu rifle, quanto o mosquete dela, pendurados no ombro direito. Havia apenas, um pouco de comida, e era melhor que adiassem seu desjejum, no caso de não encontrarem, qualquer outro lugar, onde pudessem reabastecer seus suprimentos durante o dia.

—Pronta? —Perguntou.

—Para qualquer coisa —disse ela, sorrindo deslumbrantemente, para ele. —Mostre o caminho, senhor.

Ele abriu o caminho, querendo saber se, quando a novidade se desgastasse, as dores musculares e os pés cheios de bolhas iriam tirar o sorriso do seu rosto; e se, quando o calor do dia aumentasse, imploraria para que parassem; e finalmente se, quando a fome chegasse, se tornaria a sua cruz, irritável. Mas, no momento, tudo era uma aventura para ela.

Ele olhou para trás, para ter a certeza de que o seguia de perto, descendo a encosta. E, ela sorriu para ele, novamente. E Deus, era difícil não sorrir de volta. Era difícil não se deleitar com a sensação de bem-estar relaxado que fazer amor, duas vezes na noite, tinha trazido ao seu corpo.


Capítulo 19

 

No início daquela noite, eles chegaram a uma ravina mais rasa do que a outra, onde o bando de Duarte estivera acampado, menos arborizada, com o fluxo mais estreito e mais superficial. Mas, mesmo assim, ela lhes forneceu abrigo bem-vindo no dia de final de agosto, quente e sufocante. Haviam passado por duas fazendas remotas, não parando em nenhuma. Estavam perto de Almeida, o capitão Blake tinha dito. Ele queria dar uma olhada no forte, antes de prosseguir com suas ordens.

—Não há nenhum ponto em forçar pessoas pobres a deixar suas casas e queimar tudo o que deixam para trás, —disse ele, —até que seja realmente necessário o fazer. Talvez Almeida aguente até que as chuvas de outono cheguem, e os franceses decidam não avançar sobre Portugal este ano, apesar de tudo.

E assim, se arrastaram para diante, não parando nem mesmo para reabastecer os suprimentos de alimentos. Com o calor do dia eles não estavam com fome. Só sede. E assim, a visão da água foi, de fato, bem-vinda.

Joana se deixou cair de joelhos ao lado do rio, e bebeu profundamente agradecida, antes de procurar pelo capitão, que fazia o mesmo.

—Pensei que não fosse parar, —disse ela, —que você ia me forçar a andar para frente. Isso é, em parte, o que você fez, não é, Robert? Ver até onde posso aguentar, sem lamentar a ausência da minha carruagem e dos meus servos?

Ela sabia. Não tinha havido nenhum sinal de perseguição dos franceses durante todo o dia; eles realmente deveriam ter parado para cumprir seu dever, mesmo que apenas para advertir os habitantes do que se esperava deles a qualquer momento. Quando ele se sentou num banco, com as pernas cruzadas, e não a olhou ou sorriu, ela teve ainda mais certeza. Ele a queria ter ouvido lamuriar, reclamar e implorar por misericórdia.

Ela tirou suas sandálias e baixou os pés na água, estremecendo com o frio e um pouco de dor também, aproveitando para articular os dedos dos pés.

—O que você está planejando fazer em Almeida? —Perguntou ela, —Levantar o cerco sozinho? —Ela moveu seus pés na água e mexeu os dedos, novamente. Podia ver que ele a observava.

—Ver se Cox e a guarnição estão se aguentando. —disse ele. —Se eles estiverem, Joana, e nós formos para o oeste, eu vou estar seguro e você será condenada. Seu amante não se atreveria a nos seguir para dentro de Portugal até que o forte caia.

—Então, terei que esperar que ele caia sem demora, —disse ela.

—Eu não contaria com isso. —Ele virou a cabeça para olhar para ela. —Cox é um diabo teimoso e Almeida não é uma fortaleza fácil de atacar.

Ela encolheu os ombros e olhou para ele. —Marcel virá, —disse ela. —Eu sei que ele vem. Não importa qual seja o perigo.

E ela acreditava em suas próprias palavras. Ele viria. Ele tinha que vir. Ela não iria acreditar que o tinha finalmente encontrado, e enlaçado seu coração, apenas para o perder, porque ela o queria matar em Portugal, em vez de em Salamanca. —Nós vamos ficar aqui esta noite?

Ele olhou em volta, como que analisando. —Sim, —ele respondeu finalmente. —Parece um lugar tão bom quanto qualquer outro. Não, eu acho. —Ele apontou para um grupo de árvores que era mais denso do que qualquer outro. —Vamos estar bem escondidos e bem abrigados. Nós vamos encontrar uma cama mais confortável lá do que ontem à noite. —Ela sorriu para ele. —Minha cama estava muito confortável na noite passada, —disse ela.

Ele não ficou satisfeito com o novo rumo que sua relação tinha tomado. Ela poderia dizer, pelo jeito que ele tinha andado todo o dia, um pouco à sua frente, sem falar nada além de observações puramente mundanas e sobre a sua viagem. Nada pessoal. Mas não parecia se mostrar consciente de que haviam se tornado amantes na noite anterior.

Ela tinha estado feliz durante todo o dia andando um pouco atrás dele, que, pelo que pareceu, estivera consciente de tudo sobre ela. O observara, as pernas longas e poderosas, quadris e cintura estreitos, suas largas costas e ombros, seu cabelo louro ondulado sobre o colarinho, o transporte sem esforço de duas armas pesadas, bem como sua espada. Ela, descaradamente, o despira com os olhos e gostara do que vira. E deliberadamente, revivera seu ato de amor e soubera, inexperiente como era, que ele era um amante especialista e competente, que sabia muito mais do que mostrara na noite anterior.

E ela queria mais! Queria toda a sua perícia. E queria olhares melosos dele e palavras suaves também. Mas, por enquanto, se contentaria com a experiência.

—Nós vamos fazer amor novamente, hoje à noite? —Perguntou a ele, que pegou uma pedra e a jogou enviesada, pulando e espirrando na superfície da água. —Melhor nós comermos o que resta da nossa comida —disse —e mover nossas coisas para as árvores.

—É sim ou não? —Perguntou ela, sorrindo. —Robert, pode me emprestar a minha faca por um minuto?

—Não —ele falou, se levantando.

—Você não vai perguntar por que a quero? —Ela suspirou. —Você acredita que a quero para esculpir as minhas iniciais em seu peito?

—Se você tem uma necessidade legítima de uma faca —disse ele, —eu a uso para você.

—E você? —Ela olhou para ele. —Você ficará satisfeito com isso, Robert, o que confirma todas as suas suspeitas sobre mim e minha vida mansa. Eu tenho uma bolha que precisa ser rompida. E dói como mil demônios.

—Mostre —disse ele, e sentou sobre os pés a seu lado.

Ela levantou um pé para fora da água e mostrou a grande bolha no calcanhar, logo abaixo do tornozelo, onde a correia da sandália se esfregou o dia todo.

—Joana. —Ele parecia irritado em vez de simpático. —Isso deve ter sido uma agonia, por horas. Suponho que seja orgulhosa demais para reclamar.

—Teimosa demais, —respondeu ela. —É exatamente o que você esperava de mim, não é? Deixei a alça para baixo, para que não friccionasse mais.

Ele pegou o pé em sua mão e tocou, suavemente, a pele macia ao redor da bolha. —Você deveria me ter dito —disse ele.

Sua mão estava quente contra a carne gelada de seu pé. Sua cabeça estava inclinada perto dela, cheirava a poeira e suor, cheiro muito maravilhoso.

—O que você teria feito? —Perguntou ela. —Me carregado? —Nós poderíamos ter parado em uma das fazendas —disse ele.

—E você poderia ter tido um carrancudo tempo maravilhoso e escarnecido de mim, com um “eu não disse” assim que me olhasse no rosto. —disse ela. —Não, obrigada. Um pouco de dor não chega a matar.

Ele pressionou o polegar na bolha, o que foi doloroso, e provava que, definitivamente, precisava ser rompida.

—Me empreste a faca, —ela falou de novo. —Se você quiser, pode ficar afastado e apontar seu rifle entre os meus olhos.

Ele tirou a faca do cinto e sentiu sua ponta. —Você poderia fazer um dano real com isso, —disse ele.

—Essa é a ideia. —Ela sorriu para ele, que continuou —É melhor olhar para longe.

Ela não deixou de lhe sorrir, enquanto ele franzia a testa concentrado e picou a bolha, e baixou o pé na água novamente. Seu rosto estava ainda um pouco maltratado da provação de sua semana atrás, mas as contusões só o conseguiram fazer parecer ainda mais difícil e atraente.

—Vamos enfaixar seu calcanhar amanhã de manhã, antes de continuar o nosso caminho —estabeleceu ele.

—Com o quê? —Ela riu levemente. —Oh, mas eu sei a resposta. Você vai ser indizivelmente galante e rasgar tiras de sua camisa, não é?

—Na verdade —disse ele, e ela o conhecia bem o suficiente para saber que quase sorriu, embora se contivesse a tempo, —Eu estava pensando na bainha de seu vestido.

—Que estaria mais curto e você poderia iluminar seus dias, olhando fixamente meus tornozelos —ela falou. —Que vergonha, Robert.

Ele pegou sua mochila e lhe entregou um pouco de pão e queijo, ambos bastante secos. Mas depois de um dia de abstinência, a refeição provava ser maravilhosamente gratificante.

—Um copo de vinho, senhor? —Perguntou ela, quando tinham acabado de comer, apontando para o córrego. Se ajoelhou novamente e baixou a boca para a água. Ele ficou onde estava e ela sabia que a estava olhando. Depois, ela segurou a água nas mãos e lavou o rosto, o pescoço e os braços acima dos cotovelos.

Ele movera suas coisas para o meio das árvores, quando ela finalmente chegou perto, e usava um ramo de folhas para apagar os vestígios de presença no banco do córrego.

Ele espalhou um cobertor debaixo das árvores, onde se sentaram, lado a lado, olhando para o fluxo do rio e o banco inclinado ao lado.

—Por que você fez isso, Joana? —Ele perguntou em voz baixa, depois de alguns minutos de silêncio. —Como você pôde trair o povo de sua mãe e do seu marido?

—O povo de meu pai são os franceses, —disse ela. —Meu pai é um embaixador, em Viena. Parece que tenho que trair um lado ou o outro.

—Você poderia ter estado neutra, —ele falou. —Você poderia ter decidido ser uma senhora típica.

—Típica? Eu? —Ela sorriu rapidamente para ele. —Eu nunca poderia ser isso, Robert. E neutra? Não é da minha natureza ser neutra.

—E assim, —ele lhe falou —você estava disposta a ver o seu país de adoção destruído e os compatriotas de sua mãe expulsos do continente.

—Ah, —disse ela, —mas eu continuo afirmando que sou um dos espiões de Arthur, como você, que eu estava em Salamanca trabalhando pela mesma causa que você.

—Uma maneira estranha de o fazer —disse ele. —Se você estivesse do meu lado, Joana, eu odiaria ter tido você contra mim.

—Eu não sabia que você iria ser surrado novamente —disse ela. —Não achei que eles ousariam. Você teria acabado com Marcel e dois dos soldados, tenho certeza. Eu estava feliz por ter tido a ideia de me certificar de que houvesse mais do que apenas os três lá.

—Obrigado —disse ele. —E você estava do meu lado?

Ela sorriu. —Você deixaria Salamanca com Duarte e os partidários espanhóis se isso não tivesse acontecido? —Perguntou ela.

—Claro que não —disse ele. —Eu tinha condicionado a minha liberdade à minha palavra empenhada. —Ela virou a palma das mãos para cima. —Eu encerro o meu caso.

—Eu acredito que você poderia convencer a maioria das pessoas que o preto é branco, se assim o quiser, Joana —disse ele. —E sobre as Linhas de Torres Vedras? —Ele olhou para ela com os olhos apertados. —Elas são reais ou são um mito?

—Você sabe a resposta, assim como eu, —disse ela. —Eu não preciso responder à sua pergunta, Robert.

—Não, você vê? —Disse. —Você não vai me dar uma resposta, porque tem medo que seja a errada e que eu saiba, sem sombra de dúvida que você é uma mentirosa.

—Há uma sombra de dúvida, então? —Perguntou ela. —Você gostaria de acreditar em mim, não é, Robert?

—Eu gostaria de acreditar que não é, como o diabo —ele explicou. —Mas eu sei que não é assim.

—Você gostaria de acreditar, —ela disse, —porque você fez amor comigo e porque me ama só um pouco, mesmo que não admita isso, nem para si mesmo. E porque quer gostar de mim novamente esta noite. Você se sente desleal fazendo amor com o inimigo, não é?

—Eu posso ver como você salvou sua consciência ao longo dos anos, —disse ele. —Se convenceu de que o sexo é amor, Joana, que todos os seus parceiros sexuais têm sido amantes. Acha que eu sou um amante também. Suponho que você convenceu a si mesma que me adora um pouco.

—Eu o disse uma vez, —disse ela.

—Sim, me lembro bem. —Ele olhou para ela, com sua pétrea expressão. —E um momento depois, seus bandidos estavam em cima de mim. Eles ainda estariam se divertindo comigo todos os dias, se as coisas não tivessem saído como foram.

Ela estendeu a mão para tocar seu braço, sentindo o tecido áspero de sua manga. Não podia resistir a trabalhar sua vulnerabilidade, ou ceder à dela própria. E sabia, de repente, como talvez tivesse conhecido inconscientemente, já havia algum tempo, que tinha encontrado em Robert Blake o que ela estava procurando por toda a sua vida adulta.

Mas, não foi dada nenhuma chance de se deleitar com o pensamento. Ele se afastou de sua mão e se voltou para ela, seu rosto feroz, os olhos azuis em chamas.

—Ouça, Joana —disse ele, —nós podemos estar juntos por dias, ou mesmo, semanas. Eu não tenho nenhuma intenção de viver com esta tensão entre nós por todo esse tempo. Não tenho nenhum desejo de passar todos os dias e todas as noites a debater a questão, de saber se devemos ou se não, de saber se vamos, ou se não vamos. Precisamos resolver de uma vez por todas. Devemos ser parceiros sexuais ou não? A escolha é sua. Mas, me deixe a avisar. Se a resposta for sim, isso vai acontecer, dia ou noite, será sem qualquer pretensão de sedução ou romance. E sem nenhuma pretensão de amor, ou mesmo ternura. Isso vai acontecer porque somos um homem e uma mulher a sós, e porque nós dois consentimos no prazer físico, que deve ser executado unindo nossos corpos.

—E se a resposta é não? —Ela sorriu para ele e tocou em seu braço novamente. Ela não tinha medo da sua ira, que seria desencadeada em apenas um caminho, se ele perdesse o controle. Ele nunca a iria machucar, ela sabia, com o conhecimento instintivo que parecia ter dele. —Você seria capaz de viver com a tensão diária, Robert?

—Não haveria nenhuma —disse ele. —Se a resposta é não, então não há nada para causar tensão. Eu não vou tomar o que não me é dado livremente.

—Você acha que poderíamos estar juntos e celibatários, e não sentir a tensão? —Perguntou ela. —Eu acho que você é um mentiroso, Robert. Ou então, você não tem imaginação.

Sua mandíbula se apertou. —Então, é melhor você me tentar —disse ele.

Ela fez uma careta. —Eu queria que você não tivesse dito isso, —lhe responde ela. —Sabe que não posso resistir a um desafio, Robert. Mas, neste preciso momento, acredito que preciso. Minha resposta é sim, você vê. Acho que é melhor que sejamos amantes, enquanto estamos juntos. Ou parceiros sexuais, se você preferir o termo. Sim, essa é a minha escolha. Você está um pouco feliz ou muito?

Ele estava tirando o casaco. E então, desafivelando o cinto da espada, a olhando nos olhos, o tempo todo. E ela sabia o que estava fazendo, o que ele ia fazer. Ele não ia esperar até o anoitecer, até o momento certo para o amor. Isto tinha significado, quando ele disse nenhum romance e nenhuma sedução. Ele estava, desapaixonadamente, lhe provando que seriam amantes sem nenhuma pretensão, somente parceiros sexuais.

Bem. Ela sorriu lentamente. Dois podiam jogar esse jogo. E se ele não se importava de jogar baixo, então ela o iria pegar, antes mesmo de tocar o solo. Ela soltou o cinto e o deixou cair ao lado do cobertor, se levantou, tirou suas roupas de baixo, puxou o vestido por cima da cabeça e, se deitou nua sobre o cobertor, olhando para ele.

Ele ficou com raiva. Ela sabia, embora ele não dissesse nada. Ela tinha roubado seu fogo. Ele ficou como que espantado, desconcertado, embaraçado, qualquer número de coisas negativas. Ele não esperava que ela se preparasse, como, de fato, da maneira como ele estava fazendo. Ela quase lhe perguntou o por quê da demora, o que teria sido ir longe demais. Ele saberia, se ela tivesse falado, que zombava dele. Ele teria sabido, que estava, de fato, consternada, que não queria ser tomada assim, sem aparência de amor.

Mas iria ganhar, eventualmente, ela decidiu. Se ele pensava que podiam ter intimidade por dias, ou mesmo semanas, sem que seus sentimentos estivessem de alguma forma envolvidos, então é claro, não a conhecia nem a metade do quanto ela o conhecia. Permitiria seus acoplamentos de dia e à noite, se lhe dessem uma sensação de poder, mas, o tempo todo, ela estaria tecendo um feitiço dourado de amor sobre ele. Oh, sim, ela iria.

Ele tinha mudado de ideia, ela viu. Se tivesse a intenção de se despir completamente, ele teria retirado as botas em primeiro lugar. Mas agora as estava removendo, e sua camisa e as calças também. E oh, sim, pensou o olhando, que era tão magnífico como havia visto em sua imaginação durante todo o dia. Só que ela não tinha imaginado as cicatrizes, especialmente a grande e ainda roxa, abaixo do ombro esquerdo, apenas ligeiramente acima do seu coração.

Como suas cicatrizes faciais, as de seu peito não prejudicavam em nada a sua atratividade. Ele era lindo. Ela queria lhe dizer, mas este era para ser um encontro sexual desapaixonado. Que assim fosse então. E assim seria.

Não deveria haver nenhum beijo, nem carícias, parecia. Ela sentiu pesar, mas abriu as pernas para ele na primeira cutucada de joelhos e observou enquanto ele se posicionou e entrou nela com um impulso rápido. Ela sorriu para os olhos dele.

—Se isto é para ser prazeroso, Robert, —ela lhe disse, —então eu espero ter prazer.

—Oh, você vai. —Sua voz e seus olhos estavam duros, quando ele trouxe seu corpo para baixo no dela, que se lembrou do peso de todos os músculos caindo sobre ela, o chão em suas costas. —Você vai, Joana.

—E eu espero dar prazer —ela disse, suas mãos deslizando sobre a pele quente, até que seus braços estavam ao redor dele e suas pernas deslizaram para sua cintura, até que ela esfregou seus pés entre os dois. —Eu não vou dar prazer apenas para mentir e assentir como um peixe, até que tenha terminado dentro de mim.

—Faça o que você quiser —disse ele. —Temos um acordo mútuo.

Despir na frente dele e o ver se despir excitava tanto como beijos e carícias teria feito. Quando ele veio para dentro dela, entrara na umidade, e ela estava expectante, seus seios estavam sensíveis e doloridos, e seu desejo por ele estava pulsando através dela.

Seu amor por ele.

Ela o segurou com os braços e pernas, toda a sua magnificência musculosa, e se moveu contra ele, revirando seus quadris e os ombros, recorrendo a ele com músculos internos, o sentindo bastante e profundamente, querendo aquilo e o querendo a ele, e mantendo a boca firmemente fechada para não dizer nada. Ele não se moveu.

—Isto é bom para você? —Ela perguntou em um sussurro. —Será que isso, Robert?

—Sim. —Ele se apoiou nos cotovelos, e seu rosto estava acima dela, de repente, os olhos azuis que a olhavam, não tinham expressão. Mas ela podia ver mais profundamente do que seus olhos, e sabia que ele falava a verdade.

—Me dê prazer também —disse ela. —Eu quero ter prazer também, Robert.

—Assim? —Ele se retirou muito lentamente e reentrou tão lentamente quanto pôde. —Isto lhe dá prazer?

—Sim —ela disse, e ele fez isso de novo, seus olhos segurando os dela, e mais uma vez.

Ela queria sua boca na dela. Não havia nada mais íntimo do que o que estavam fazendo. Mas o encontro de bocas trazia a proximidade do amor. Ela queria sua boca na dela, sua língua dentro. Mas é claro que esta era para ser uma experiência sem amor. Era sobre intimidade e não proximidade, sobre sexo e não amor.

Ela moveu os quadris novamente para que juntos eles montassem um ritmo lento. —É bom? —Perguntou ele.

—Sim. É muito bom —ela falou. —Você é maior do que a maioria dos homens, Robert?

—Você deve saber —disse ele. —O chão é duro? Você prefere vir em cima de mim?

—Não. —A dor de sua necessidade estava em sua garganta. Ela fechou os olhos. Ele certamente saberia a verdade, se continuasse o olhando. Como não poderia saber? Seria possível fazer isso, exatamente dessa forma, somente por prazer físico? Talvez assim fosse para um homem. Talvez tenha sido para algumas mulheres. Mas, não para ela. Ela não poderia fazer isso apenas por prazer. Ela o poderia fazer apenas por dever, embora, quando foi dever, só conseguira aceitar por seis vezes. Mas, poderia fazer por amor.

Será que ele não sabia disso? E que ela lhe devia qualquer direito?

E foi assim, não fora para ele? Foi sempre assim com suas prostitutas? Com Beatriz?

—É assim para você com Beatriz? —Seus olhos se abriram e ela se viu olhando para os dele, novamente. —É tão agradável com ela?

—Faça, Joana —disse ele. —Silêncio. —E baixou seu peso sobre ela novamente, deslizando as mãos para suas nádegas, como fez de manhã cedo, para que ela não sentisse a dureza do solo, e aumentou o ritmo da sua cópula para um mais rápido.

Ela pensou que iria, certamente, ficar louca. Levou uma eternidade para terminar. Não que ela tivesse qualquer queixa sobre isso, já que desejava que pudessem ficar unidos para sempre. Mas ele não permitia que sentisse prazer. Quando sentiu isso chegando, reconhecendo os sinais da noite anterior, e sabendo que não teria a noite de glória, a paz que esperava, ele deve ter percebido isso também e lhe acariciou, mais superficialmente, de modo que, embora ela se movesse e empurrasse contra ele, não o podia trazer para o núcleo de sua dor, para o centro do seu ser.

E assim, apesar de tudo, estava perdendo esta rodada particular de sua luta. Ela teve que morder os lábios para não choramingar e implorar. E ele sabia disso. Ele estava usando de uma perícia com a que ela não podia competir. Ele estava brincando com ela, como jogaria com um adversário, que estava absolutamente certo de derrotar. Ela não podia lutar com ele, nem mesmo a luta desesperada que tinha lutado antes. Ela não poderia jogar jogos mentais com ele, quando seu corpo estava gritando seu amor e a necessidade de ser amado.

—Agora, Joana! —Ele ordenou contra sua orelha, mas poderia muito bem ter falado grego, para o que compreendia das palavras. Mas ela entendeu a linguagem do seu corpo. Ele tinha abrandado e aprofundado, e em seguida ele se dirigiu urgentemente, para ela, com o que ela gritou e veio contra ele com uma força demolidora, que obliterou todo o pensamento, e até mesmo a consciência dos momentos intermináveis.

Ela estava deitada de costas, olhando para troncos de árvores e galhos. O ar quente da noite era bom contra sua pele nua. Seu rosto estava perto de um ombro que irradiava calor, e que a atraia como um ímã. Ela esfregou sua bochecha contra ele, e os pedaços quebrados de sua mente se reuniram novamente.

—Obrigada, Robert, —disse ela. —Isso foi realmente agradável.

—Que diabo você quis dizer, —ele perguntou, —mencionando Beatriz no meio de tudo isso? Você não tem senso de decoro? E o que acontece com todos os seus amantes? Eu sou medido por eles?

—Muito favoravelmente, —disse ela, fechando os olhos. —Muito favoravelmente, de fato, Robert. Eu acho que você pode ter me estragado para todos eles.

—Bem, —ele disse, —Leroux e inúmera dezenas de outros pode lhe dar uma fortuna e uma vida de luxo, bem como um maldito bom tempo na cama, Joana. Eu não acredito que você vá pingar para mim por muito tempo.

—Eu nunca pinho, —disse ela. —Exceto uma vez. Isso foi antes de eu aprender a lidar com a vida.

—Já houve tal hora? —Perguntou ele.

—As pessoas riem do amor entre as crianças —disse ela. —Eles chamam isso de amor de filhotes, como se isso não fosse amor de todo, mas algo meramente para causar diversão. Eu acredito que é o melhor amor, o único amor. É puro e inocente e em tudo consome. Eu nunca menosprezei esse amor.

Ele tinha virado a cabeça para olhar para ela. Ela estava olhando sobre o seu peito, para as árvores além dele.

—Ele era lindo, —disse ela. —Ele tinha dezessete anos de idade, mas muito adulto aos olhos dos meus quinze anos. Ele foi o primeiro homem com quem eu dancei, o primeiro homem que eu beijei. Ele foi o primeiro a me tocar. —Ela sorriu com ar sonhador. —Ele tocou meu peito e me senti pecaminosa e maravilhosa. Eu o amava total e apaixonadamente, Robert, ele foi o outro Robert de que lhe falei. Jurei que o iria amar sempre, que nunca iria me casar com ninguém, só ele.

—E ainda assim, —disse ele depois de um breve silêncio, —você amou inúmeros outros e se casou com outra pessoa.

—Por razões políticas, —disse ela. —E não, eu nunca amei ninguém como eu o amava. —Se não, pensou ela, o pensamento longe, e virou a cabeça em seu ombro e fechou os olhos. —Durou apenas alguns dias antes de meu pai me pegar, ele era inelegível, sabe, e me levar embora. Mas eu ansiei por ele, por meses. Tolo, não foi, com a idade de quinze anos?

—Sim, —disse ele. —Insensato.

—Mas não era tolo —disse ela. —Ele era a única coisa bela em minha vida, meu Robert. Mas ele morreu. Quando Papa quis me levar de volta para a França, eu não queria ir. Mas ele adivinhou o motivo. Então, ele me disse o que de outra forma teria escondido de mim, meu Robert morreu de varíola, apenas seis semanas depois que o deixei.

—Ele? —Ele perguntou depois de uma pausa.

—Eu pensei que iria morrer também, —disse ela. —Isso não é tolo? Não são os jovens tolos para acreditar que um coração partido pode matar? Em vez disso, voltei para a França com meu pai e percebi que sou bonita e atraente, o que sou, não sou? E aprendi a manter os homens na baía, de modo que não teria que experimentar essa dor novamente. O amor é doloroso, Robert.

—Sim, —disse ele.

—Eu só queria... —ela disse.

—O quê?

—Eu só queria —ela disse, —que não tivesse acreditado nas mentiras que meu pai falou sobre ele. Eu não o fiz por muito tempo, mas já era tarde demais, quando admiti que o meu Robert nunca teria se vangloriado sobre mim para os criados e me chamado de puta francesa. Você pode me chamar assim, Robert, mas ele não teria. Ele era um cavalheiro, apesar de sua origem. E eu zombei do seu nascimento, porque os meus próprios sentimentos tinham sido quebrados. Acho que o feri. Não estava ferido em seus olhos quando o deixei.

Ela o ouviu engolir.

—Você vê? —Ela sorriu contra seu braço. —Eu fui humana uma vez também, Robert. Eu amei. Você não pensaria que sou capaz de amar, não é? Mas então, é claro, eu tinha apenas quinze anos de idade. Era só amor. Não é a coisa real de todo. Bastante divertido realmente. Mas você me faz lembrar dele. Isso não é um absurdo? Era um rapaz alto e magro, e gentil. Ele odiava o pensamento de ter que matar, uma vez que seu pai comprasse sua comissão. Nada como você. E ainda assim, me faz lembrar dele. Talvez ele tivesse amadurecido em um homem como você, se tivesse vivido. Talvez não. Acho que é assim, que eu nunca vou saber.

—Temos de nos vestir, Joana, —disse ele, —e depois dormir. Eu não gostaria de ter de me levantar, às pressas, vestido como estou agora.

Ela não queria se mover. Sentiu uma dor profunda, como se o tempo tivesse acabado de voltar onze anos atrás. —Não, —ela disse, correndo a mão sobre os olhos para enxugar uma lágrima derramada —minhas memórias estão me tornando um regador. Alguma vez você conheceu algo mais ridículo?

Sentou de repente e entrelaçou os braços sobre os joelhos. Se sentia desolada e muito solitária, e assustada com seus sentimentos. Normalmente ela se armava cuidadosamente contra qualquer vulnerabilidade. A mais negativa das emoções que se permitia normalmente, era o tédio.

—Não há nada de ridículo nisso, —disse ele. —É muito natural, eu acho, às vezes implorar a inocência e a alegria da infância e da juventude. E lamentar sua perda. Não há nada tolo na sua história, Joana.

Ela se sentiu aquecer novamente, e se tranquilizou. E seu amor por ele se tornou quase uma coisa tangível. Estendeu a mão e o teria tocado, mas não o fez. Ele teria entendido mal. Teria pensado que ela estava pedindo prazer, novamente. Teria pensado que era um gesto puramente físico.

—Se vista, —ele disse a ela, e começou a recolher suas próprias roupas. —Você não gostaria de ser encontrada assim, Joana, até mesmo por seu amante francês. Ele tem uma companhia inteira de homens com ele.

Poderia muito bem ter dito a ela para se vestir e lhe dar um tapa no rosto, para a apressar ao mesmo tempo, Joana pensou com tristeza, enquanto pegava seu vestido. Suas palavras eram mais dolorosas do que um tapa. Seu amante francês? Será que ele não tinha esse sentido extra que ela tinha? Ele não sabia que ela não tinha outro amante além dele? Que não poderia haver ninguém além dele, agora?

Aparentemente não. E parecia que o seu segundo amor estava destinado a trazer tanto sofrimento quanto o primeiro.

—Na verdade, —ela disse, —isso não me incomoda, Robert. Estou bastante acostumada a ser olhada nua por todos os homens que me desejam mas, geralmente, um de cada vez, devo admitir. Mas eu odiaria ver você corar. Você vai me deixar ter minha arma, se Marcel e sua companhia de homens vier para cima de nós? Você estará, terrivelmente, em desvantagem. Talvez eu possa matar alguns para você.

—Esqueça, Joana —falou. —Vou lhe dar uma grande dose de prazer durante os próximos dias e noites, de acordo com a sua decisão. Mas não vou lhe dar o prazer de me matar, isso eu lhe garanto.

—Então, vou matar Marcel, de uma vez —disse ela. —Estou cansada dele, e não é tão bom amante como você, Robert. Não. Eu o vou matar para você, e todos os seus homens voltarão correndo para a segurança de Espanha e os braços de partidários.

—Se deite —disse ele. —Quero estar no nosso caminho de madrugada, e este tem sido um longo dia. Como é o seu calcanhar?

—Desculpe —disse ela. —Você deve me dar uma bala para morder, durante a marcha de amanhã, Robert. Você vai me segurar presa em seus braços com a perna jogada em torno a minha, como você fez na noite passada?

—Sim —disse ele. —Deite.

—Você sabe, Robert —disse ela, obedecendo e se acomodando em seu abraço, que veio em seguida da perna, que prendeu firmemente a sua. Ele se aproximou dela, —eu poderia continuar bastante confortável sendo uma prisioneira. Você acha que Arthur irá lhe nomear meu guarda? Mas você vai ter que me deixar de novo.

—Esqueça isso —disse ele.

—Você não me permitiu meus cinco minutos de privacidade, —lembrou ela. —Eu receio que precise deles. —Ele xingou e lhe respondeu. —Cinco! —Disse. —Nem um segundo a mais.

—Robert. —Ela riu levemente, quando se levantou. —Você realmente não deveria ter dito isso. Agora, deve perceber, vou ter que demorar seis minutos, oh, sim, e um segundo a mais do que isso, também. —Ela se virou e sumiu por entre as árvores. É uma delícia o poder provocar, Joana pensou, e se sentiu quase culpada, considerando todas as circunstâncias enumeradas em sua mente, por se sentir tão maravilhosamente feliz.


Capítulo 20


Ele não tinha certeza do que o havia acordado. Mas fosse o que fosse, tinha acordado Joana também. Ela ficou rígida em seus braços, e ele colocou três dedos de advertência sobre seus lábios.

—Sh —ele murmurou contra seu ouvido.

Mas não tinham sido vozes, nem o som de passos ou cascos. Ele soube, logo que ficou plenamente consciente.

—O que foi? —Ela murmurou contra seus dedos. —A terra tremeu.

—Uma explosão —disse ele. —Uma grande. Muito longe, eu acho. Deve ter sido Almeida.

—Bombardeamentos? —Perguntou ela.

Ele franziu a testa. —Foi apenas um grande boom —respondeu. —Seria melhor se fôssemos olhar. Vamos. É tempo de que estejamos a caminho.

Não era madrugada ainda, e ele tinha planejado, durante a hora ou mais em que ficara acordado, depois da segunda amorosa, pensando sobre ela e sobre si mesmo, sobre como eles haviam sido onze anos antes e como eles estavam agora, tinha planejado a ter novamente, antes de partirem em seu caminho para encontrar Almeida e para encontrar comida. A melhor maneira de acalmar seus pensamentos perturbadores, ele decidiu, era levá-la de novo e de novo e de novo para o seu prazer, usá-la como a prostituta que era. Uma prostituta de classe alta, que não recebia dinheiro, e mesmo assim uma puta.

Agora, não havia nenhum desejo de prazer para os atrasar. Deus, a terra tinha abalado. Fosse o que fosse, tinha sido um inferno de uma explosão.

Joana estava enrolando o cobertor e deixando o outro para que ele enrolasse. Ela podia ter concordado em ser a sua parceira sexual durante o tempo em que eles estivessem juntos, pensou ele, com um sorriso triste dirigido a si mesmo, mas, não para desempenhar o papel de sua mulher. Ele não poderia esperar nenhum favor mais de Joana, do que o sexual. E assim mesmo, ela exigia tantos favores como os que dava.

Deus, mas foi maravilhoso fazer amor com ela, pensou ele, enrolando o cobertor e acomodando suas armas em seu ombro. Ele teve que usar toda a sua força de vontade, ao ter relações sexuais com ela, para não se perder na emoção, para não murmurar palavras doces em seu ouvido, para não a cortejar com as mãos, sua boca e seu corpo, em vez de apenas se concentrar no prazer dado e recebido.

Não seria isso simplesmente amor? Ele pensou, se endireitando e olhando para ver se ela estava pronta. Ela não gostaria de saber o quão perto estava de ter poder total sobre ele? Felizmente, ela nunca saberia. Ele morreria antes de dar qualquer parte do seu eu interior para tal mulher, ou a qualquer mulher

Embora, ela o tivesse realmente amado aos quinze anos, ele pensou de repente, e o pensamento quase o enfraqueceu, como tinha feito na noite anterior. Ela tinha falado essas palavras a ele, todos esses anos foram de ferida, porque ela tinha pensado que ele a tinha machucado. Mas ela reconhecera o fato de que seu pai tinha mentido para ela sobre esse incidente, sem de modo algum suspeitar que ele lhe tinha mentido sobre o outro também. Fora dito que Robert estava morto porque ela esperava por ele. Mas isso tudo tinha acontecido há muito, muito tempo, durante uma outra vida. —Pronta? —Perguntou. —Como está o calcanhar?

—Está tudo bem, —disse ela. —Vou manter a correia para baixo. Não vou te atrapalhar, Robert, ou pedir para descansar. E se eu sentir a necessidade de gritar, vou morder meu lábio inferior até que sangre.

Ela sorriu com aquele brilho, provocando o sorriso que poderia dar uma cambalhota no coração dele. E era verdade, ele sabia. Ela tinha coragem sem limites, tinha que ter, para ser uma espiã francesa. Mas, agora ele sabia que ela tinha coragem física também. Não tinha reclamado uma só vez no dia anterior sobre o calor ou a poeira, ou ainda, sobre a fome ou o ritmo deliberadamente acelerado que ele havia mantido. E nem uma vez ficou para trás. Ele sentiu uma admiração relutante por ela.

—Vamos, então, —disse. Mas as palavras, mal saíam da boca quando virou Joana e a abraçou de costas para ele, e segurou uma das mãos sobre sua boca. —Silêncio! —Ele sussurrou asperamente.

Desta vez, o som era, definitivamente, de cascos de cavalos, e muitos. E vozes. Ele empurrou Joana para o chão e deitou ao lado dela, enganchando uma perna sobre a dela e mantendo a mão sobre sua boca. Tirou as armas de seu ombro até que ficaram a seu lado.

Ele não teria nenhuma chance, pensou, se foram vistos. Mas, pelo menos, levaria dois franceses com ele, um com o rifle e o outro com o mosquete. E se tivesse sorte, talvez um, ou mesmo dois, com a faca ou a espada, se pudesse.

Alguém praguejou em francês. —Nós estávamos acampados apenas a um quilômetro ou algo assim, sem perceber que ele estava aqui —disse a mesma voz.

—Tudo bem —disse o coronel Leroux. —Dê a ordem para os homens beberem e dar água a seus cavalos. Dez minutos. Essa explosão deve ter vindo de Almeida. Os bastardos devem ter sido soprados para a glória.

—Ney estará dentro da fortaleza agora? —Perguntou a primeira voz. —Cachorro sortudo. Saque e vinho...

—E as mulheres —disse o coronel. —Mulheres às dezenas, enquanto vivam. Dê fim a isso. Nós devemos ir em frente. Eles vieram para cá, estou certo disso. Provavelmente, se dirigindo para a segurança de Almeida. —O primeiro homem riu e se virou para dar a ordem de partir.

O capitão tirou um lenço do bolso, se deitou sobre Joana e sussurrou em sua orelha.

—Não emita um som ou movimento, ou você pode ser a primeira a morrer. —Então, ele dobrou o lenço em uma tira grossa, lhe cobriu a boca e amarrou firmemente atrás de sua cabeça. Depois, tirou o cinto dela da cintura e lhe atou as mãos, uma de cada vez, às costas. E só, então, se afastou dela, que não tinha tentado lutar, nem uma só vez, percebeu, com alguma surpresa.

O céu a leste estava começando a clarear, ele notou pela primeira vez, olhando cautelosamente, por entre as árvores, e podia ver cavalos e homens à beira da água, e Leroux, ainda montando seu cavalo, a uma curta distância. O capitão levantou o rifle, silenciosamente, se apoiou nos cotovelos, olhando ao longo dele e mirando na têmpora direita do coronel. Outro cavalo se aproximou pelo outro lado dele, no mesmo instante.

—Não faria mais sentido viajar sozinho, ou com apenas um ou dois dos outros, —disse o coronel Leroux. —E nós não podemos os esperar surpreender com o barulho que esta companhia faz, não é? Deus, eu odeio essa forma de guerra. Eles têm todas as vantagens neste tipo de país, esses partidários condenados.

—Mas viajando em um grande grupo é a única maneira de nos proteger —disse o outro homem. —Eles pensariam duas vezes antes de atacar uma companhia inteira, coronel. Sua vida não valeria mais que o estalar de dedos, se você viajasse sozinho.

—Se eles tocaram um só cabelo da cabeça da Marquesa, —disse o coronel —todos eles vão morrer muito lentamente. O inglês mais lentamente que todos. Eu lhe vou tirar de seu uniforme, eu juro, se houver alguma dúvida, de que ele não estava usando um. E então, lhe tirarei sua carne, um doloroso centímetro de cada vez. Vou fazer isso pessoalmente.

Joana tinha virado a cabeça de lado e estava olhando para ele, o capitão Blake sabia, mesmo sem tirar os olhos do coronel, nem por um momento. Sem dúvida, ela estava exultante com o que estava ouvindo.

—Eles poderiam até mesmo estar escondidos aqui —disse o outro homem. —Conhecem o país melhor que nós e saberiam sobre esta água.

—Não há cobertura suficiente —disse o coronel, assim como o capitão Blake tensou seu dedo firme no gatilho da espingarda. —Há pelo menos uma dúzia deles.

—A menos que se tenham separado em grupos menores —disse o outro homem.

—Com uma companhia inteira dos melhores soldados do mundo atrás deles? —O coronel disse com desdém. —Eles teriam que ser tolos ao extremo.

—Ou inteligentes —disse o outro homem.

—O tempo está correndo, —o coronel disse, impaciente. —Temos que seguir em frente. Nós precisamos de comida e encontrámos apenas duas fazendas ontem. Além disso, pretendo pegar a trilha deles ainda hoje. Tem sido um caminho muito longo. Ela é uma coisinha tão delicada...

Ele moveu seu próprio cavalo para dentro da água, assim como o resto de seus homens, conforme foram sendo recolhidos, formando a coluna para retomar a viagem. O rifle do capitão Blake seguiu o coronel. Eles estavam loucos para arranjar uma desculpa para não os procurar, pensou. Era um lugar apropriadamente óbvio para acampamento. Mas havia muito pouco abrigo, realmente. Devia a isso sua sobrevivência, ele sabia, se é que sobreviveria, e os franceses não estavam escondidos os esperando. Ainda havia o fato de que o coronel Leroux assumiu que ele e Joana, e o bando de Duarte Ribeiro tinham ficado juntos. Todos eles não poderiam se ter escondido naquele vale.

Ele não baixou o rifle até que o último homem desapareceu, e até o som dos cascos ter morrido completamente. Então, virou Joana cuidadosamente de costas e colocou sua testa contra a ela. Ele sabia, de sua longa experiência como soldado, que o suor frio, o coração batendo, os joelhos enfraquecidos e as tonturas vinham somente após o perigo haver passado. Ele também sabia que ficaria melhor por ceder a eles, por um breve período. Fez inspirações profundas e lentas.

A escuridão estava levantando rapidamente. Era fácil ver o ódio e a fúria nos olhos de Joana, quando levantou a cabeça para olhar para ela, e desatou seus pulsos do cinto de couro em primeiro lugar e, em seguida, desfez o nó do lenço.

E ela estava em cima dele como uma louca, seus punhos batendo no peito e em seu rosto, as pernas e os pés o chutando, seus dentes à mostra em um grunhido.

—Seu filho da puta! —Ela sussurrou para ele. —Você é maldito, imbecil maldito. Eu te odeio. Eu gostaria que eles o tivessem cortado com uma centena de balas. Não, eu gostaria que eles o tivessem levado vivo. Eu teria pedido a Marcel para me deixar os ver arrancar sua pele. Eu teria escutado seus gritos e teria rido de você, enquanto ainda estivesse consciente, o suficiente para saber que eu estava rindo.

As palavras vieram de forma fragmentada, enquanto eles lutavam, enquanto tentava prender seus braços ao lado do corpo; mas ela o estava chutando dolorosamente nas canelas, e ele se contorcia, procurando se distanciar apenas no momento em que ela levantou o joelho, bruscamente.

—Bom trabalho, Joana —falou ele. —Você me tem em desvantagem. Eu não posso lhe bater de volta.

—Mas você pode prender minhas mãos atrás de mim e me amordaçar —disse ela, tentando morder a mão que tinha prendido um de seus pulsos. —Você não pode me intimidar. Você é um sangrento covarde. Bata em mim! Lute comigo corretamente. Não me segure. Não me segure! Me bata, se você ousa. Eu quero lutar com você. Covarde. Lute. Desgraçado.

Ele soltou seu pulso e deu um tapa, com força, na perna que o estava chutando. Sua raiva foi acalmando. Talvez ambos precisassem liberar a tensão da última meia hora. Ele a agarrou com os braços com firmeza e a levantou. Então, soltou o cinto da espada e tirou dele a faca.

—Se é uma luta que você quer —ele disse a ela severamente —então eu sou seu homem, Joana. Se prepare para a luta. Vamos. —Ela veio para o peito dele com os punhos, e ele girou ao seu redor, para dar um tapa em uma nádega.

Ela recuou e deu um soco no queixo dele, com o punho fechado. Ele bateu uma de suas bochechas, com inteligência. Ela chutou sua canela e ele pegou a perna antes que ela a pudesse devolver ao chão, quase a desequilibrando, lhe bateu de mão aberta.

Ela estava diante dele ofegando em voz alta, peito arfante, os olhos piscando, procurando uma abertura para o atacar.

—Eu desejo... —Ela disse depois de alguns momentos. —Oh, eu desejaria poder ter a força de um homem, por apenas dez minutos. Eu não iria parar até que o tivesse deixado inconsciente. —Suas mãos estavam abrindo e fechando em punhos, aos seus lados. —Mas isso é humilhante. Você não está lutando contra mim. Você está brincando comigo. E eu devo ter lhe dado uma mandíbula quebrada e dois olhos negros, até agora. Bata em mim, maldito! Lute, covarde.

Ele olhou para o rosto avermelhado e a pegou, de repente, pelos ombros, a puxando com força contra ele. —Eu posso imaginar como deve se sentir, Joana, —lhe disse, —ter estado tão perto da liberdade, de ter visto e ouvido a oportunidade se afastando a galope. Se acalme agora. Não há nenhum ponto mais em sentir essa fúria.

—Oh, Deus, —ela disse, com o rosto descansando em seu casaco, —ele estava tão perto. Eu quase poderia o ter tocado. E meu mosquete estava a não mais que dois metros. Eu nunca o verei novamente. Eu posso ter perdido minha única chance.

—Silêncio —disse ele, uma das mãos subindo para lhe acariciar atrás de sua cabeça.

—Silêncio? —Seus olhos ainda estavam em chamas. —Como posso me calar? Eu quero lutar com você, e você não vai lutar. Eu desejaria não ser uma mulher. Oh, eu já desejei e continuo desejando ser um homem. Você iria se arrepender do dia em que nasceu, se assim fosse.

—Sim, eu o faria. —Tanto a sua tensão como sua raiva se dissiparam, ele percebeu de repente, e não pôde resistir a sorrir para ela. —Eu ficaria envergonhado e horrorizado demais, por estar prendendo você assim, se fosse um homem, Joana, e me sentindo como estou agora.

Ela ainda estava ofegante. Seus seios estavam levantados contra seu peito. —Você poderia ter sido morto —ela disse, —e eu estava amarrada tão fortemente, que não poderia ter levantado um dedo para o ajudar, ou dizer uma palavra em sua defesa. E agora, tudo no que você pensa é em fazer amor, seu tolo. Seu imbecil!

—Onde você aprendeu esse linguajar? —ele lhe perguntou. —Deve ter feito algumas viagens pela sarjeta, Joana.

—Eu gostaria de saber mais —ela falou. —Meu repertório de palavrões é lamentavelmente pequeno. Preciso de mais para atirar em sua cabeça. Se nós não podemos lutar, vamos fazer amor, então. Mas não se atreva a tentar o fazer rápido ou suavemente, Robert. Eu quero uma vida difícil. E não quero que você pergunte se o chão está duro. Eu quero lutar com você, por prazer.

Foi uma loucura. Havia uma guerra a ser travada e ordens a serem cumpridas; e uma explosão a investigar; e uma companhia inteira de soldados franceses não muito longe, todos procurando por ele, de modo que seu coronel pudesse ter o prazer de o despir primeiro de seu uniforme, e depois de sua pele e, finalmente, de sua vida.

Era uma loucura. E, no entanto, tudo no que podia pensar para os próximos minutos, ele não tinha ideia de quantos se passaram, era em rolar ofegante, rosnar, dar e receber prazer e dor em partes iguais, fazer amor com seu pior inimigo, pela quinta vez em pouco mais de vinte e quatro horas, tentando se convencer de que era apenas uma coisa física, que era apenas sexo, que não havia sentimento envolvido em tudo.

Ele se perguntou se a estava enganando tão mal como estava enganando a si mesmo.

—Oh, Robert —disse ela, deitada de costas no chão alguns minutos depois que estava tudo acabado, virando a cabeça para olhar para ele, —você é muito melhor que a maioria, você sabe. Devo ser hematomas por toda parte, dentro e fora. Eu me sinto maravilhosa.

—E melhor? —Perguntou. —A raiva sumiu?

—Ele vai-me encontrar —disse ela. —E, nesse meio tempo, eu tenho a quem me dê prazer. Eu devo ir e me lavar. Tenho permissão para me ausentar por cinco minutos, senhor?

—Eu vou com você —disse ele, se sentando e desejando um banho ou, pelo menos, algo parecido com um banho. Mas, infelizmente, não havia tempo suficiente. O dia ia ser complicado agora, que eles estariam perseguindo seus perseguidores.

—Eu estava planejando tirar a roupa —disse ela, sorrindo maliciosamente para ele. —Você não vai se constranger, Robert?

Ele bufou e ela riu levemente, antes de voltar a correr para o rio, como um fauno, como uma bela deusa ágil, sem se destacar no mundo, em perfeita sintonia com os seus arredores.

Deus, ela era uma mulher estranha, pensou, indo atrás dela. Uma mulher estranha e maravilhosa. Igualmente familiarizada com a refinada e requintada Marquesa das Minas e com a terrena e selvagem Joana Ribeiro, como ela gostava de chamar a si mesma. A vida não seria longa o suficiente, até mesmo para a começar a conhecer. E tudo o que ele tinha eram poucos dias. Bem, ele iria aproveitar ao máximo esses dias. Iria embalar uma vida inteira de experiência para eles.

Franziu a testa quando entendeu a direção de seus pensamentos.

 

*


Eles não tinham ido muito longe, antes que pudessem ouvir o troar constante de armas. Almeida estava sendo bombardeada, um bombardeio constante. Apenas uma colina tinha ficado entre eles e o som, fraco no início, sentindo mais do que ouvindo, em seguida, bastante distinto.

—É assim numa batalha? —Perguntou Joana, correndo ao lado do capitão Blake. —Alguém me disse que o som das armas é a parte mais assustadora.

—Especialmente quando elas estão vindo diretamente para você —disse ele, —e você não pode sair do caminho, porque se o fizer a linha vai quebrar, e a infantaria inimiga entrará através desse buraco e ganhará o dia. Você tem que ficar como um pato sentado.

—Mas, pelo menos, existe a linha —disse ela. —Outros homens para cada lado de você formam um tipo de proteção. Mas você sai na frente da linha, não? Você e seus atiradores formam a linha de frente? Isso deve ser muito mais assustador.

—Não —disse ele. —Pelo menos temos algo para fazer ao invés de apenas ficar esperando a coluna inimiga vir para cima, de modo que as armas vão parar e a matança verdadeira começar.

—É uma loucura, —disse ela. —A guerra é loucura.

—Mas uma condição necessária —respondeu ele. —Não há nenhum ponto em dizer, como tantas outras pessoas, especialmente mulheres que passam os dias em salões perfumados, que todos nós devemos amar uns aos outros, e aprender a conviver uns com os outros. A vida não é assim.

—E não seria maçante, —disse ela, —se fosse? Nós não teríamos tido essa deliciosa luta esta manhã, Robert. Eu aproveitei, apesar de não ter gostado do que a causou. Eu gosto de ser amarrada e amordaçada. Alguma vez você já atingiu uma mulher antes?

—Não —disse ele. —E não espere que eu me desculpe, Joana.

Ela riu e voltou alguns passos para trás novamente. Seu pé estava doendo como o diabo, mas não iria se permitir o luxo de mancar, enquanto estava em sua vista.

Eles não viram nenhum sinal do coronel Leroux e sua companhia de cavaleiros, embora se aproximassem da crista de cada colina cautelosamente. Os franceses deviam ter galopado direto para Almeida, e se juntado às forças do Marechal Ney, ele disse a ela.

—Talvez, eles imaginem que estamos no interior da fortaleza, Joana —disse ele. —Ele vai estar preparando para resgatar você.

—Aquelas pobres mulheres que estão lá dentro, —disse ela, —se a fortaleza for tomada e não se render. Será saqueada e todas elas serão estupradas antes de serem mortas. —Ela estremeceu.

—Talvez Cox se renda —disse ele, —embora, eu duvido. Ele tem reputação de ser teimoso.

—E Marcel vai estar lá com o resto, —disse ela, —para as estuprar e, em seguida, lhes ordenar a morte. Você devia ter atirado nele esta manhã, Robert.

—E oferecer o meu corpo para o resto da companhia praticar tiro ao alvo? —Perguntou. —Ele não vai prejudicar qualquer mulher, Joana. Ele é um oficial e obrigado a tentar impor disciplina aos seus homens, e não liderar o caminho da selvageria. Além disso, ele tem uma missão. Ele está procurando por você.

—Sim. —Ela estremeceu novamente, e ficou, mais uma vez, feliz por estar atrás dele.

Se aproximaram da crista de mais uma colina com cautela. O som das armas era quase ensurdecedor. Joana sentiu um terror profundo e os joelhos enfraquecerem, mesmo que não o tivesse admitido a ninguém. O capitão Blake chegou a mão e a puxou para o chão, subindo lado a lado e se viram olhando para o inferno.

A planície em volta da fortaleza era um mar de uniformes azuis dos franceses, fora do alcance das armas que estavam nas paredes, ou o que restou delas. Uma boa metade da cidade estava em chamas ou enfumaçada, ruínas enegrecidas. Nenhum ataque simples poderia ter feito tais danos, com certeza. Alguma coisa tinha acontecido, algo que os tinha acordado naquela manhã, apesar de estarem fora do alcance do som das armas.

—Jesus! —O capitão Blake disse a seu lado. —O paiol principal deve ter explodido. Os malditos tolos devem ter deixado a munição em um lugar onde um francês poderia explodir tudo. Devem ter sido fogos de artifício grandiosos, exibidos para o mundo testemunhar.

—Eles devem estar todos mortos —disse ela, olhando para as ruínas e pelas brechas abertas nas paredes, com horror misturado a fascínio. —E ainda assim, alguns estão vivos e lutando. Por que não se entregam?

—Em uma suposição, porque Cox é um dos sobreviventes —disse ele. —Tolo, magnífico sangrento. Mas não pode resistir por muito tempo. Horas, provavelmente, um dia talvez, não mais. Muito pouco para a expectativa de Beau, de que Almeida iria segurar seus conterrâneos até que chegassem as chuvas de outono. Agosto está aí e nada das chuvas, não para antes de um mês.

Ela estava se apoiando na grama. —Você acha que havia crianças aí dentro? —Perguntou para ele. —Ou foram todas retiradas? Há crianças mortas lá, Robert.

Ele virou a cabeça bruscamente para olhar para ela. —Você está bem? —Ele perguntou. —Coloque sua cabeça para baixo. Pare de olhar.

—E isso vai fazer tudo ficar bem? —Disse ela. —Não importa que existam crianças mortas por lá enquanto eu não olhar? Eu vivo uma vida frívola e mimada, Robert. Nunca estive tão perto da morte em larga escala antes.

Ela desceu de trás da colina, então, se arrastando, e vomitou. A humilhação tomou o lugar de horror e tristeza. Ela não conseguia parar, o estômago arfante. —Vá embora! —Ela disse, bruscamente, quando o ouviu vindo atrás dela. —Me deixe em paz.

—Joana —Uma das mãos dele veio para a apoiar, nas suas costas. —Está tudo bem, vomitar. Não há nada de vergonhoso nisso. Eu não seria um soldado, se não tivesse posto para fora minha última refeição, no meu primeiro encontro com a morte. Alguns fazem isso, rotineiramente, em cada batalha. Não há nada de humilhante nisso.

—É simplesmente repugnante —disse ela, com o rosto frio e pegajoso. —Vá embora.

Ele estava sentado logo abaixo do topo da subida, de costas para ela, enquanto ela se limpou tão bem quanto pôde e sentiu que o momento da virada novamente não podia mais ser evitado.

—Você foi estúpido em virar as costas, —disse ela. —Como poderia saber que eu não sairia correndo, ladeira abaixo, em direção ao exército?

—Isso me passou pela cabeça —disse ele, se virando para olhar para ela. —Só que não achei que você poderia correr, com as bolhas em seus calcanhares, Joana. Me deixe ver o seu pé.

—Está tudo bem —ela disse com um encolher de ombros. —Não faça barulho, Robert, como uma babá de idade.

—Eu acho que preferiria 'bastardo' e 'imbecil' —ele disse —e mesmo —covarde. E 'eunuco', eu creio que foi uma vez? Seu pé. —Ele estendeu a mão para mostrar que não aceitaria um não. Ela colocou o pé ao lado dele, que o levantou e estalou a língua. —Então você estava mancando. Pensei que estivesse, mas sabia que compraria uma luta se comentasse o fato.

A alça da sandália deslizara, durante todo o dia, para o alto de seu calcanhar, do tornozelo à sola, estava esfolado. Ele puxou o lenço do bolso.

—Está limpo —disse ele —a menos que você tenha cuspido nele esta manhã. —Ele o amarrou confortavelmente sobre seu pé, como se fosse usado para isso, o que provavelmente também era, ela pensou. —Isso não vai ajudar muito, mas vai evitar mais fricção ou que qualquer poeira entre nele. Talvez a mulher na fazenda onde paramos para a refeição mais cedo, uma pena que você não a possa ter mantido no estômago, Joana, considerando o fato de que foi a nossa primeira e única hoje, talvez ela tenha alguma pomada. E quem sabe, possamos ficar lá essa noite.

—Nós simplesmente vamos embora? —Ela perguntou, olhando para o topo da colina e se maravilhando com a rapidez com se tornou quase acostumada com a expansão das armas.

—Não há nada que possamos fazer por aqueles coitados, lá embaixo —disse ele. —Não há nenhum ponto em desperdiçar energia no que não se pode mudar, Joana. Nesse meio tempo, temos trabalho a fazer, eu tenho trabalho a fazer. E não há mais tempo para atrasos. Até amanhã, Almeida vai cair ou se render. Talvez ainda hoje, ou esta noite. Eu tenho que ter certeza de que as pessoas entre aqui e Lisboa ficarão a uma distância segura e destruam as linhas de abastecimento à frente dos franceses. Eles vão estar a caminho brevemente, depois de terem comemorado adequadamente a queda de Almeida. Os portões de Portugal estão abertos. Mal podemos esperar que eles venham chegando, podemos?

—E Marcel também —disse ela. —Ele virá.

—Sem dúvida —falou ele, então.

—Bom —ela disse, por sua vez, e juntou, em seu tom afiado. —O que você está fazendo? Me ponha no chão de uma vez!

—Se eu fizer —disse ele, quando ela chutou as pernas no ar, —será para lhe dar um tapa afiado onde mais dói, Joana. Agora que eu descobri como é bom, não vai ser tão difícil na próxima vez.

—Oh, eu desejo que você o faça —disse ela. —Me sinto tão humilhada, com uma coisa e outra, Robert, que não gostaria de nada mais do que a chance de esmagar o seu nariz. Eu me sentiria muito melhor se o pudesse quebrar para você, novamente. Essa fazenda deve estar a duas milhas de distância, no mínimo. Não é surpreendente que as pessoas não tenham se arriscado para descobrir que explosão foi essa? Deve ter sido ensurdecedor para eles, e estavam com medo, eu suponho. Me ponha no chão.

—Quando eu entrar em colapso com o seu peso —disse ele, —você pode se levantar do chão, Joana, e andar o resto do caminho. Nesse meio tempo, poupe sua respiração. E mantenha suas mãos longe dessas armas.

—Que se dane —ela reclamou. —Onde é que eu as vou colocar?

—Tente no meu pescoço —ele falou.

—Oh —ela pronunciou, depois de alguns minutos de silêncio —isto é humilhante. Eu nunca vivi um dia mais humilhante.

—É bom para você —disse ele. —Os prisioneiros devem supostamente se sentir humilhados.

—Vá para o diabo —ela lhe respondeu.


Capítulo 21


De alguma forma, Joana pensou depois, tudo aconteceu muito mais lentamente. Ela esperava que eles fossem correr para o oeste, em direção a Coimbra, dentro de alguns dias, avisando todas as pessoas que podiam para evacuar e queimar tudo atrás delas. Esperava que os exércitos franceses se apressassem logo atrás deles; que, com toda a pressa e confusão, o coronel Leroux a iria encontrar, e ela poderia completar a tarefa, pela qual se tornara obsessiva há três anos.

As coisas não saíram desse jeito, em nada. O Governador Cox, em Almeida, se rendeu no dia seguinte de perder quase toda sua munição e metade de sua fortaleza, e as pessoas dentro dela no processo. Mas, os franceses não avançaram imediatamente, através do portão aberto em Portugal. O Marechal Massena e as principais forças francesas tiveram que voltar a Salamanca. Ele teve que consultar seus conselheiros e guias sobre a melhor rota, pela qual avançar sobre Lisboa, mesmo que o caminho que usariam fosse uma decisão precipitada. Havia apenas uma boa estrada a oeste de Coimbra, a que seguia o rio Mondego em direção ao mar.

Sua própria retirada para o oeste, Joana encontrou, levou semanas em vez de dias, semanas que ela, descaradamente, apreciou, apesar de tudo. No entanto, essas não foram semanas fáceis. Todos os dias eles se arrastavam de fazenda em fazenda, de aldeia em aldeia, Robert falando e convencendo, indefinidamente. Não foi fácil. Como é que iam persuadir os homens e mulheres com casas e famílias para ir para uma parte desconhecida do país, com apenas o que podiam carregar com eles, e queimar tudo o que fosse deixado para trás, incluindo suas casas e as plantações que ainda estavam no campo?

Os camponeses foram heróicos. Eles aceitaram os argumentos apresentados com calma estóica, e seguiram as ordens com determinação obstinada e sem reclamação. Em mais de uma ocasião, Joana assistiu com um nó na garganta, as mochilas pesadas em suas costas, seus filhos reunidos com eles, caminhando para longe da queima de restos de tudo o que estava em casa com eles. Muitas vezes, o prédio em chamas foi aquele em que ela e Robert tinham ficado e se amado na noite anterior. Era como se o amor deles não tivesse raízes, sem passado, assim como era não ter nenhum futuro.

Não que eles chamassem isso de amor, é claro. Era prazer que eles tomavam juntos. Mas mesmo o seu prazer estava se queimando atrás deles, e destinado a terminar em breve, assim que surgisse a maior parte do exército britânico e Robert pudesse voltar ao seu regimento.

Ela tentava não pensar no futuro.

As pessoas mais ricas das cidades, em especial os comerciantes, eram mais difíceis de convencer. Eles estavam irritados com a incompetência do seu governo e dos exércitos, que não poderiam proteger a sua propriedade, bem como as suas vidas. Eles foram desafiantes. Às vezes, levavam mais que um dia para os convencer de que a fome dos franceses avançando, que sempre viveram fora da terra sobre a qual marcharam, era o caminho certo para a sua eventual derrota.

Capitão Blake e Joana não estavam sozinhos. Eles se encontraram com um número surpreendente de oficiais britânicos durante suas viagens, alguns deles na mesma missão de Robert, alguns outros na aferição oficial, cujo trabalho era estimar as forças inimigas e observar seus movimentos, e constantemente, relatar de volta à sede.

Eles ouviram notícias destes oficiais, por vezes, confusas e ultrapassadas, mas mesmo assim, recebidas ansiosamente, por duas pessoas morrendo de fome de notícias há tempos. A sede não era mais em Viseu, Wellington a tinha movido, primeiro a Celorico, mais perto da fronteira, e mais recentemente de volta para Gouveia.

Houve distúrbios em Lisboa, e ouviram resmungos altos na Inglaterra, os governos dos dois países estavam sendo responsabilizados pelo desastre iminente de todas as suas esperanças mais caras. O Visconde Wellington, em particular, estava sendo chamado de incompetente. Havia clamores altos para o seu afastamento do comando. Como resultado, eles foram informados, Wellington estava planejando silenciar seus críticos com uma última batalha final, durante a retirada para Lisboa. Ele havia escolhido uma posição forte na margem sul do Mondego, na Ponte Murcella, na estrada para Coimbra.

Robert ansiava se apressar para lá, para se juntar a seus amados atiradores, Joana sabia. E o pensamento a entristeceu. O que ela faria quando chegasse a hora? Regressar a Lisboa? Voltar a ser a Marquesa das Minas? Ela supôs que iria fazer as duas coisas. E, enquanto isso, iria ver o coronel Leroux? Ela seria louca para supor que ele iria procurar por ela e a encontrar? Parecia loucura durante essas semanas, porque a encontrar seria como encontrar a proverbial ‘agulha no palheiro’, mas, tentou não ceder a tais pensamentos depressivos.

Ocasionalmente, eles deparavam com pequenas grupos dos Ordenanza, e esses homens e algumas mulheres, estavam animados com a perspectiva de ação, quase como se eles se congratulassem com a abordagem dos franceses odiados, mesmo que isso significasse a invasão de seu país. Uma vez, Joana e o capitão Blake, tinham se perdido ao norte da estrada e chegado em uma vila nas colinas. Duarte os encontrou lá.

—Diziam que havia um atirador de rua vagando pelas colinas —disse ele com um sorriso, estendendo a mão direita para o capitão Blake, antes de dar um abraço sobre os ombros de Joana e beijar seu rosto. —Como vai a batalha?

Ele estava exultante porque o avanço francês tinha finalmente começado. —Nós não vamos atacar suas principais forças —explicou. —Vamos deixar que passem em paz pelo campo queimado e estéril, e, em seguida, atacar seus comboios de abastecimento. Os pegaremos em um quebra-nozes gigante. E seu avanço será mais lento, enquanto eles liberam grandes destacamentos para tentar nos pegar. —Ele sorriu. —Como é, Joana? Ainda no caminho do perigo? Você deve vir comigo, talvez, e deixar que a envie em segurança. —Ele ainda tinha um braço sobre seus ombros.

Robert, ela viu com alguma satisfação, estava carrancudo.

—Vamos falar sobre isso —disse ela, e saiu a uma curta distância com Duarte, enquanto dois de seus companheiros trocavam notícias com o capitão. —Como estão Carlota e Miguel? Você já ouviu falar deles?

—Eu mandei notícias para que soubessem que já tínhamos retornado em segurança da Espanha —disse ele. —Carlota está, sem dúvida, rangendo os dentes frustrada com a falta de ação, mas ela está segura e bem ao norte do conflito. Você está parecendo tão o contrário da marquesa quanto poderia.

—Sim. —Ela olhou com tristeza para o vestido, que estava ainda mais desbotado depois de semanas de desgaste e várias lavagens.

—Eu não quis dizer apenas as roupas —falou. Ele a analisou criticamente, durante vários segundos, em silêncio e, em seguida, fez uma careta. —Onde estão a sua faca e arma?

—Eu sou uma prisioneira —ela lhe respondeu. —Elas foram confiscadas. Isto é o mais distante dele que já me permitiu, desde que voltamos a Portugal.

Seu cenho franzido se aprofundou e então ele riu. —Você está falando sério? —Disse.

—Ele não acreditou na minha história —ela contou. —Não que eu implorasse e insistisse com ele para o fazer. Não iria me rebaixar tanto. Ele não acredita que você é meu irmão, acha que nos tornamos amantes na manhã depois que nos resgatou de Salamanca. Até me deu uma reprimenda sobre ficar entre você, Carlota e Miguel. Está me levando para Arthur, para me ter presa como espiã francesa até o fim da guerra. —Ele riu novamente. —Bem, isso é facilmente remediado —disse ele. —Vou ter uma conversa com ele, Joana.

—Não, você não vai —ela pediu com firmeza. —Ou ele acredita em mim ou pode acreditar o que desejar para o resto de sua vida. Eu não me importo.

—Joana. —Ele a olhou bem de perto novamente. —Sim, agora eu sei o que é. Não é nem a roupa nem a ausência de armas. É você. Sua face, o que está nela e o que está por trás dela. Você o ama?

Ela bufou. —Oh, certamente, —respondeu —Eu vou amar um homem que me acha mentirosa e uma puta.

—Será que ele acha? —Disse. —Ele não caiu no seu charme famoso, então?

—Na verdade, ele me amarrou e me amordaçou uma vez, quando o coronel Leroux e seus homens chegaram perto de nós —disse ela, indignada.

Ele riu. —Ah, sim —disse ele. —Ele é apenas o homem por quem você iria se apaixonar, Joana. Aprovo, por sinal.

—Que tolice —disse ela. —Não há futuro possível, Duarte. Eu sou a viúva de Luís e filha do conde de... a filha de Levisse e ele é um ninguém que se alistou nas fileiras do exército inglês. Sua vida é a vida de um soldado.

—Você gostaria que houvesse um futuro, então? —Ele perguntou, apertando seu ombro. —Pobre Joana.

—Que absurdo você fala —disse ela. —Me beije. Nos lábios. Ele vai ficar enraivecido.

Ele a beijou nos lábios e sorriu para ela. —Você tem certeza de que não quer que eu explique? —Perguntou. —O capitão Robert Blake pode ir para o inferno com a minha bênção —disse ela. —Não se atreva a lhe dizer qualquer coisa, Duarte.

Eles caminhavam de volta para se juntar aos outros, o braço de Duarte ainda sobre ela. Ele a beijou novamente, quando ele e seus companheiros se despediram, poucos minutos depois.

Era noite já. Joana se retirou, quase imediatamente, com Robert, para o quarto da pousada, pequeno e não muito limpo, que tinham tomado para a noite e tiveram uma discussão plenamente satisfatória, embora tenha sido em voz baixa.

—Eu quero uma coisa compreendida, Joana —disse ele, a segurando pelo braço e a virando para o encarar, assim que a porta se fechou atrás deles. —Por enquanto você é minha mulher, você permanecerá fiel a mim. Não haverá flertes com outros homens ou antigos amantes, e você não os irá beijar. Seu comportamento foi nojento.

Ela encolheu os ombros. —Na Inglaterra, talvez, irmãos não beijem suas irmãs —disse ela. —Em Portugal é comum.

Ele a chacoalhou pelo braço. —Não é questão para brincadeira —ele urrou. —Talvez não pareça muito desagradável para você, beijar outro homem, e lhe permitir que mantenha um braço sobre seus ombros por todos os vinte minutos, enquanto o seu atual amante observa. Mas é de mau gosto pensar na mulher e na criança, à espera do seu retorno seguro nas montanhas.

—Você está com ciúmes —disse ela, lhe jogando um beijo. —Pobre Robert. Eu acho que você me ama um pouco.

—Você me dá nojo —disse ele. —Não tem moral para nada.

—Mas eu fiquei com você —ela disse, desafiando a sua ira, chegando a um dedo de correr o braço por sua manga. —Eu poderia ter ido com ele, Robert. Ele queria que eu fosse.

—Eu gostaria de ter visto você tentar —disse ele.

—Ele queria dizer a verdade —ela contou. —Ele queria dizer que é meu irmão e que tudo o que eu lhe disse é a verdade.

—Você não saberia o que é a verdade, nem se fosse um punho e a socasse no nariz —disse ele.

—Eu não acho que você faria também, —disse ela, brincando, por fim. —Você é, como um jumento teimoso e pomposo, Robert. Desfruta da imagem de si mesmo, como o homem injustiçado e o carcereiro. Isso lhe dá a sensação de poder caminhar sobrecarregado com suas próprias armas e a minha. Está com medo de perder o poder, se acreditar em mim.

—É fantasia, não é verdade —disse ele com sua gélida voz, —conhecer um homem, e ele, o seu carcereiro como você tão justamente colocou, ir confiar em cada palavra sua e acreditar em cada peça tola de absurdo que você falar? A irrita eu ser um homem que pode resistir a você.

—Resistir a mim? —Ela levantou as sobrancelhas e olhou para ele com altivez. —O que você tem feito para mim todas as noites e os dias por semanas, exceto os quatro dias, ao todo, em que a natureza o obrigou a ficar longe de mim, não parecia muito com resistência, Robert. Se essa é a resistência, eu me pergunto qual seria a sensação de capitulação. Poderia ser interessante.

—Você confunde respeito com luxúria —disse ele. —Eu não tenho nenhum respeito por você, Joana. Não confio em você, especialmente se minha vida dependesse disso, ou acredito em uma só palavra que vem de sua boca. Tudo o que eu sinto por você é luxúria. Nunca fiz segredo desse fato.

—E eu por você —disse ela. —Como eu poderia gostar ou respeitar alguém tão inflexível e assim tão sem graça? Como eu poderia gostar de um inglês, e um que saiu da sarjeta? Como eu poderia respeitar alguém que zomba de cada palavra que falo? Mas você tem um corpo de morrer e sabe o que fazer com ele na cama, e então, eu o cobiço. Você acha que eu sequer me dignaria a olhar para você, depois de voltar para a civilização? Você já está de sobreaviso.

—Você vai ser prisioneira e abaixo de mim —disse ele.

—Eu vou ser a Marquesa das Minas —ela disse, —e você será extremamente tolo. E terá a todos, de Lisboa a todo o exército britânico, rindo de você.

—Se deite —disse ele, com o rosto definido em linhas de raiva, quando soltou o cinto da espada. —Eu tive o suficiente de você por um dia.

—E você? —Perguntou ela. —Vai sair, para que eu possa dormir em paz durante toda a noite, então? A noite de descanso? Isso vai ser uma mudança.

—Silêncio, Joana —disse ele. —Você tem resposta para tudo.

—Você gostaria que se eu não tivesse? —Perguntou ela, tirando o vestido antes de se deitar na cama irregular e estreita. —Será que você não se aborreceria se eu fosse muda e mansa? Sim, senhor, e não, senhor, e por favor, senhor, e se eu posso ser útil, senhor? —Ela bateu as pálpebras para ele.

—Silêncio, Joana —disse ele, tirando o casaco, a camisa e as botas antes de se deitar ao lado dela. —Eu estou mortalmente cansado de sua provocação.

—Por favor, senhor. —Ela se virou para o lado e abriu a mão em seu peito. —Será que você pode colocar seus braços sobre mim, para eu não tentar escapar durante a noite? E sua perna sobre a minha, para que eu possa resistir à tentação de o machucar onde dói mais, e depois fugir?

—Deus, mulher, —ele disse, —você está me fazendo irritar.

—Fazer? —Disse ela. —Eu pensei que você já fosse feito. —Ela se deitou sobre o braço o olhando diretamente nos olhos. Sua raiva tinha passado há muito tempo. Estava se divertindo. —Por favor, senhor, você vai tirar suas calças e vir para dentro de mim? Esse é o caminho mais seguro para evitar que eu escape.

Sua raiva não tinha diminuído. —Não é bem assim. —Você gosta de ser tomada pela raiva, então? —Perguntou ela, seus olhos firmemente fechados. —Você gosta de ser ferida, Joana? O sexo não é punição. É por prazer.

—Que seja por prazer, então, —ela disse, colocando a cabeça em seu ombro e olhando para o seu rosto, enquanto seus dedos abriam caminho sobre seu peito, o queixo, para descansar sobre seus lábios. —Você não está realmente mais irritado, está, Robert? Como você é difícil. Acha que eu iria flertar seriamente com Duarte Ribeiro ou qualquer outro homem, enquanto você e eu ainda estamos juntos? Talvez, em breve, eu realmente seja uma prisioneira, ou talvez volte a ser a marquesa, e olhando para baixo do meu nariz, para você. Mas ainda não. Agora estamos juntos. Hoje à noite nós estamos juntos. Me leve ao prazer, então. O prazer nunca foi mais agradável do que com você.

—Deus! —Ele virou a cabeça para olhar para ela. —Às vezes, leva o diabo de um esforço, para lembrar que nunca diz a verdade, Joana. Você me quer? Muito bem, então. Eu quero você, também. Vamos ter um ao outro. Tomemos o que é o prazer de ser tido. —Suas mãos estavam desfazendo os botões na cintura.

Às vezes, pensou Joana, ela ficava assustada com a força do seu amor e sua necessidade dele. Mesmo após várias semanas de relações sexuais, frequentes e vigorosas, ela não poderia obter o suficiente dele. E não era só o prazer, não era apenas o seu corpo, ou o êxtase que ele pudesse criar sobre e em seu próprio país. Era ele. Ela não poderia ter o suficiente dele, sua mente se esquivando novamente do futuro, quando ele se libertou da última de suas roupas e se jogou na cama, quando ela abriu os braços para ele.

—É claro —disse ela, sorrindo para ele —se você ainda está com raiva, Robert, pode ser um pouco áspero. Eu gosto quando você é duro.

Mas, ela desejava o ter lenta e suavemente. Ela ansiava por ternura. —Você é uma sem-vergonha —lhe disse ele, o seu peso caindo em cima dela.

—E como você está feliz com isso, —lhe falou ela. —Ah, Robert, eu acredito que ninguém nunca vá ser tão bom quanto você. Ah, sim. Você é tão bom.

E uma vez que não haveria amor e sem nenhuma ternura, ela se abandonou à sensação, tão maravilhosamente absoluta, dada e recebida.

 

*


Eles estavam a um dia de se reunir ao exército, quando a chocante, quase inacreditável, notícia os alcançou. Tinham feito tanto quanto eles poderiam fazer. Quase todas as fazendas, vilas e cidades tinham obedecido à ordem, e os franceses avançavam ao longo da estrada, sem alimentos e outros suprimentos, perseguidos em sua retaguarda pela Ordenanza, e de frente para uma batalha em um lugar da escolha de Lorde Wellington.

Ele tinha feito o suficiente, pensou o capitão Blake, estava afastado de seu regimento por um cansativo ano inteiro, e por grande parte desse tempo definhava, ocioso, preocupado e desejoso de regressar. No dia seguinte, estaria de volta, e dentro de uma ou duas semanas, o mais tardar, estaria lutando na batalha mais grandiosa contra os franceses. Estava animado com a perspectiva. Os dias não poderiam andar rápido o suficiente para ele. Tinha sido um tempo tão longo.

E ainda assim, estava relutante também. Parte dele não queria que essas semanas terminassem. No dia seguinte ele iria procurar Lorde Wellington e lhe levaria Joana. Seu dever estaria cumprido, naquele momento. O que acontecesse com ela não seria sua preocupação. Ele a poderia deixar e esquecer.

Esquecer dela! Isso era uma coisa que nunca faria, ele sabia. Ela o tinha advertido de que não poderiam se tornar amantes sem os sentimentos envolvidos, e estava certa, é claro. Seus sentimentos se tornaram muito envolvidos. Seus atrativos físicos deixados de lado e eram muitos, não havia Joana sozinha, graciosa, provocadora, mentirosa, enganadora, ocasionalmente, língua solta, charmosa, sorridente, e sempre estimulante. Ele nunca tinha conhecido ninguém como ela, porque não havia ninguém como ela.

Era irritante além do normal, mais frequentemente do que não o era. Ele a atacou com sua raiva quase todos os dias, e ela atacou de volta, tão cruelmente e mais ainda. Quando Joana queria ferir, ia direto na veia jugular. E se mostrava encantadora, quase na mesma medida.

Blake poderia, simplesmente, colocar tudo isso em uma palavra, embora ele evitasse essa palavra em sua mente. A queria amar, e sabia que nunca poderia. Ele odiava muito, desprezava demais.

E era assim que a amava, sem nunca colocar seus sentimentos em palavras, mesmo em sua mente. Pela primeira vez os verbalizou, para então, ter que desprezar a si mesmo, também. Ele não era melhor do que todos os outros homens que haviam caído sob seu feitiço, era pior. Aqueles outros homens não sabiam o que ela era.

Ele temia o dia seguinte, quando deveria partir sem ela para sempre. Sem mais dias de discussões e noites de amor. Apenas lembranças. E sabia que as memórias o iriam perseguir por um longo, longo tempo, se ele vivesse uma longa vida. Não era para acontecer uma grande batalha campal em menos de semanas.

E então veio a notícia com o retorno dos batedores, apenas um dia antes que tivessem alcançado o exército. Massena e suas forças estavam se aproximando, e não pela estrada principal ao longo do rio Mondego, com o combate à espera, mas pela trilha estreita e extremamente difícil do norte, que conduzia por Viseu. Não poderia ter sido planejado dessa forma, certamente, disse um antigo conhecido, um olheiro, com quem o capitão Blake conversara. Eles teriam que ser loucos para vir por aí com seu enorme exército, e todas as armas pesadas e as bagagens. Seu progresso seria consideravelmente mais lento, e a suscetibilidade ao ataque dos Ordenanza aumentou dez vezes. Tinha que ter sido um acidente.

Mas essa foi a maneira que escolheram para vir. Lorde Wellington deveria ser informado, para que pudesse se mover e encontrar uma nova posição, de onde atacar os franceses quando viessem para cima deles. E as pessoas mais ao norte, que não tinham sido evacuadas de suas casas, deveriam ser alertadas para o fazer e convencidas a não deixar nada para trás.

Foi uma grande notícia. Mas não havia ainda tempo para pensar no seu retorno ao exército. O capitão tinha trabalho a fazer mais ao norte. E, como ele não poderia gastar nem mais um dia para levar Joana até a sede, então ela deveria vir com ele. Ou, assim ele se convenceu.

—Cristo —, disse ele. —Se eles seguirem adiante depois de Viseu, eles vão passar por Mortágua.

Ela estava muito pálida, ele percebeu ao olhar para ela. Talvez a realidade da situação estivesse voltando para casa com ela. Seus compatriotas estavam se aproximando, e se Wellington fosse rápido o suficiente, eles o iriam encontrar em terreno favorável ao lorde. Milhares deles iriam morrer.

—Mortágua? —Disse ela.

—Muitos do bando de Duarte Ribeiro vivem lá —disse ele. —Suas mulheres e crianças estão ali agora. Incluindo a dele.

—Eles devem ser avisados —disse ela. —Nós os iremos avisar, Robert?

—Nós vamos direto para o norte —disse ele —e fazer o nosso caminho, gradualmente, para o oeste. Os iremos avisar, se Ribeiro e seus homens já não o tiverem feito.

—O que estamos esperando, então? —Disse ela.

Ele a olhou com admiração relutante. —Você pensou que toda essa viagem estava quase no fim —disse ele. —Sem dúvida, Wellington a enviará diretamente para Lisboa e, talvez, para a Inglaterra, uma vez que eu a leve até ele. Pelo menos, você estará confortável , Joana, e segura. Lamenta que isso tenha acontecido?

—Robert —ela lhe respondeu, —você não sabe como é terrivelmente tedioso estar confortável. Não há nada a fazer a não ser dormir e comer, e ir a festas. E flertar. Eu não lamento que nossa aventura se tenha estendido.

Ele não acreditava em grande parte do que ela dizia, mas, acreditou nessas palavras. Surpreendentemente, ela parecia florescer com a vida difícil que tinham tido nas últimas semanas. Nunca tinha reclamado do calor, a poeira, a sujeira, o suor, ou as bolhas. Ela teve uma no outro pé, após a primeira estar quase curada, e o tinha ameaçava com um longo e afiado galho, e o açoitado maliciosamente no braço, quando pensou que ele a carregaria novamente.

—Além disso —ela continuou agora, sorrindo deslumbrantemente para ele, —eu ainda não tive prazer suficiente do seu corpo, Robert. É um corpo maravilhoso.

Apesar de toda a educação de senhora, ela não parecia se sentir embaraçada com as coisas ultrajantes que dizia com frequência para ele. Às vezes, ele agradecia que tivesse passado da idade de corar. E, no entanto, suas palavras sempre atraiam uma resposta poderosa e sigilosa, embora, muito dele também.

Não, ele não tinha tido o suficiente dela também. Nunca teria o suficiente dela. Ele reprimiu o pensamento. —Norte, vamos então, —ele disse.

Norte, o maior perigo e a experiência emocional mais profunda que tinham tido juntos.


Capítulo 22


O marechal Ney entrou em Viseu em 18 de setembro, depois de uma marcha laboriosa sobre uma pedra, um estreito, uma trilha íngreme, que tinha transformado o exército em uma linha perigosamente fina. Todas as armas, suprimentos e cavalos tinham ficado para trás com a infantaria, e dois mil milicianos do Ordenanza quase conseguiram capturar todas a artilharia pesada. Por pouco não conseguiram, mas tomaram uma centena de prisioneiros, e assediaram um exército francês que já sofria quase além da resistência.

Viseu estava abandonada quando os franceses entraram. Seus habitantes tinha colocado pouca resistência às persuasões para sair. A vanguarda do exército francês estava muito perto, e essas pessoas não esperavam a invasão. Eles estavam assustados com a perspectiva.

Capitão Blake e Joana se colocaram em seus estômagos no topo de uma colina arborizada a oeste de Viseu, observando a sua ocupação pelos franceses. Eles tinham visto a ‘tia’ de Joana e Matilda a caminho de Coimbra, no início do dia. Matilda era a face da desaprovação, mas de boca fechada, e a tia, de boca aberta, chocada com a visão de Joana, que se recusou a as acompanhar. Não que lhe tivesse sido permitido, é claro. Mas, enquanto as três discutiam, o capitão tinha estado perto e não disse nada.

Eles deviam ficar mais ao longe de Viseu. Mas, ambos sentiam uma estranha relutância em fazer isso. —Parte da minha vida está presa neste lugar, —disse ela. —E a sua também, Robert. Se você não tivesse sido obrigado a me acompanhar até aqui, nós nunca nos teríamos conhecido. Você gostaria de nunca me ter conhecido? —Sim —ele respondeu.

Ela olhou para ele. —Você? Por quê?

Ele virou seus olhos azuis para dela. —Os motivos devem ser óbvios —disse ele. —Você quer que eu os enumere? Quer ouvir insultos até quando não estou com raiva?

Ela sorriu para ele. —Eu acredito que é porque caiu de amor por mim, e sente que é a coisa errada a se fazer —disse ela. —Eu não estou certa?

—Joana —disse ele, —você nunca vai desistir dessa ideia? Você se acha tão irresistível, mesmo para alguém a quem conhece? E quanto a mim? Eu sou irresistível também? Você caiu de amor por mim?

Ela sorriu lentamente. —Uma senhora nunca conta —disse ela.

Ele sorriu para ela, uma expressão que era tão rara nele, que sempre amolecia seus joelhos. —O que é uma das maiores mentiras que você já disse, Joana —disse ele. —Você não é tímida para falar tudo o resto.

Ela riu. —Mas eu não lamento ter feito essa viagem tediosa para Lisboa apenas para o conhecer —disse ela. —E não lamento que tenhamos viajado juntos, novamente, ou que concordei em deixar Arthur me enviar a Salamanca. E não lamento ter manobrado sua fuga e a minha, ou que tenhamos tido estas semanas juntos. Não lamento, Robert. Haverá muitas recordações agradáveis.

Seu sorriso aumentou. —Você veio para Lisboa para me encontrar? —Perguntou. —Todo o caminho de Viseu... Estou lisonjeado, senhora. Eu não havia percebido que minha fama se espalhara, até agora.

—E você não acredita em uma só palavra —disse ela. —Mas você irá. E então você vai se sentir tolo, e achar que seus sentimentos por mim o irão afogar, quando perceber que eu não sou o que você pensa. —Seu sorriso se desvaneceu para uma risada. —E Duarte Ribeiro ainda é seu irmão? —Perguntou. —Meio irmão —disse ela. —Sim, ele ainda é e, sem dúvida, sempre será.

—E ainda, —ele disse, —você não sabia que sua esposa e filho estavam em Mortágua? O nome do local não significava nada para você quando eu mencionei isso.

—Ela não é a mulher dele, ainda —disse ela. —E me encanta o ver atormentado por dúvidas, Robert. Claro que eu sabia que eles estavam lá.

—Qual é o nome dela? —Perguntou.

Ela tocou o nariz com um dedo. —Você provavelmente o conhece —disse ela. —Não precisa me dizer.

—O que significa que você não sabe? —Perguntou. —Ou será que ainda está me provocando com dúvidas?

—Isso é você quem decide —disse ela.

Ele balançou sua cabeça. —Não tenho dúvidas, Joana, —disse ele. —Você perdeu.

—Talvez, —ela falou, —e talvez não. —Ela rolou sobre o estômago novamente, e olhou para os telhados distantes e as torres das igrejas. Os soldados vestidos de azul, aos milhares, estavam acampados ao leste da cidade. —Isto é terrivelmente real, não é? Os franceses aqui e os britânicos não muitas milhas atrás de nós, esperando. Será que vai ser em breve, Robert? Amanhã?

—Oh, não —disse ele. —Ney vai esperar aqui pelo resto do exército e as armas para subir e, em seguida, eles vão ter que tentar ir em frente e fazer planos. Uma semana, pelo menos. —Ele olhou para ela. —Será que a excita ver seus compatriotas tão perto?

—E a liberdade? —Disse ela. —Eu não acho que, particularmente, goste do pensamento da gente do meu pai lutando contra os de minha mãe. Eu cresci com meu pai e o amava. Eu ainda o amo. E voltei para a França com ele, depois do nosso exílio na Inglaterra. Ele não gostou da nova ordem, mas teve a felicidade de ser mandado embora em uma embaixada. Mas ama o seu país, no entanto. Não me lembro de minha mãe. Ela me foi tirada em uma idade muito pequena. Eu acho que ela e meu pai tiveram uma briga terrível, e ele não a levou de Portugal conosco, quando saímos. Mas sinto que a conheço, no entanto. Miguel, Duarte e Maria me disseram muita coisa sobre ela.

Ele virou a cabeça bruscamente para olhar para ela. Seu queixo estava descansando em suas mãos e ela olhava ao longe, na direção de Viseu, sem nada ver, com o exército francês acampado diante deles.

—Miguel? —Ele perguntou. —Maria?

—Irmão e irmã de Duarte —disse ela. —Eles estão mortos.

—Como? —Ele lhe perguntou, agora.

—Os homens de Junot —disse ela. —Em 1807. O filho e filha da minha mãe foram mortos por compatriotas do meu pai. É de se admirar que eu nunca tenha sabido muito bem quem sou ou aonde eu pertenço, Robert?

Ele olhou para ela, seus olhos perfurando os dela.

Ela sorriu de repente. —Cuidado, Robert —disse ela. —Você está em grave perigo de acreditar em mim, não é? E se acreditar, talvez tenha que acreditar em tudo. Talvez Miguel e Maria sejam fruto da minha imaginação. Esses são nomes portugueses bastante comuns, depois de tudo. E talvez não haja uma divisão na minha lealdade. Afinal, eu nunca soube que minha mãe e eu odiávamos Luís.

—É melhor nos afastarmos daqui —disse ele abruptamente. —Estamos muito perto. Temos que encontrar um lugar um pouco mais longe para passar a noite. Amanhã vamos avisar tantas fazendas quanto possível no caminho para Mortágua. Os britânicos estão se formando no Bussaco, não muito longe de lá.

—Eu conheço o Bussaco —ela contou. —Há um convento lá.

—Venha, então. —Seu tom foi um comando, quando se levantou.

—Espero que Marcel esteja lá embaixo, —disse ela. —Você acha que ele está, Robert?

—Muito possivelmente, —ele disse. —Mas eu não teria muita esperança, Joana. Não a perderei, depois de a manter comigo por tanto tempo.

—Apenas uma vez —disse ela ansiosamente. —Se eu o pudesse ver só mais uma vez. —Seus olhos se desviaram para as duas armas ao ombro.

—E eu deveria saber se você está apaixonada por mim? —Ele disse. —Não acredito que você alguma vez sentiu amor, Joana, nem nunca sentirá. Seu apetite pelos homens é muito insaciável.

Ela sorriu para ele, enquanto desciam a colina juntos.

—E por você, especialmente —disse ela. —Vamos dormir ao ar livre?

—Temo que não tenhamos escolha. —disse ele.

—Eu gosto de dormir ao ar livre —ela lhe falou.

—Mesmo em setembro, quando as noites são frias? —Perguntou ele.

—Especialmente depois —disse ela. —Nós temos que nos abraçar, para compartilhar o calor do corpo. Mas eu tenho uma vantagem injusta. Você faz um cobertor maior do que eu. —E riu para ele.

 

*


Ele soube, logo que acordou, que tinha cometido um erro ao parar tão perto de Viseu, para pernoitar. Ele continuava certo de que o grosso do exército iria esperar lá por vários dias, até que todos fossem organizados para marchar para a batalha campal. Mas é claro, que grupos de reconhecimento e de abastecimento seriam enviados. Dissera tanto a Joana, apenas na noite anterior.

Eles deviam partido agora. Podia sentir com o sexto sentido que um soldado possui, antes mesmo de ouvir, e muito antes de ver.

—Joana —Ele a segurou, antes de falar em seu ouvido. Ela mexeu os ombros no mesmo momento. —Temos companhia, ou teremos em breve, se não nos movermos. —Ele olhou em seus olhos. —Eu tenho que amordaçar você?

Ela balançou a cabeça lentamente e ele soltou a mão.

Tinham dormido em um vale, um bosque atrás do morro que os protegia de Viseu. Agora, a escolha não parecia ter sido sábia, de maneira alguma. A colina à frente deles estava quase nua. Havia apenas alguns grupos de árvores para dar cobertura. E, no entanto, se eles continuassem ao longo do vale, o grupo de reconhecimento ou o que quer que fosse que estava se aproximando estaria sobre eles antes mesmo que pudessem alcançar o outro lado da colina.

—Vamos ter que correr para ele —disse ele. —Precisamos estar no topo da colina e sobre eles, antes que tenham a chance de nos ver. Segure a minha mão, Joana. Vamos correr de um grupo de arbustos para o próximo. E, pelo amor de Deus, não seja difícil.

Ele pegou as armas, que tinha guardado perto de sua mão durante toda a noite, agarrou a mão de Joana, e começou a correr. Ela manteve o ritmo com ele, não fazendo qualquer tentativa de impedir sua progressão. Não perdeu fôlego em falar.

Mas não tinha jeito. Ele sabia que estavam ainda no meio da encosta e podia sentir os franceses mais próximos do topo da colina, atrás deles. Não estavam ainda dentro da faixa do mosquete. As árvores eram mais espessas mais no alto, perto do topo da encosta, mas eles nunca chegariam tão longe.

Se escondeu atrás de um pequeno grupo de árvores rapidamente, e afundou um joelho, arrastando Joana atrás dele. Mas ele podia jurar, que tinham sido vistos. E devia haver cinquenta cavaleiros vindo pela crista da colina.

—Danação! —Ele murmurou. Sabia que não tinha chance. Pois mesmo que por algum milagre conseguissem chegar ao topo da colina antes de ser mortos a tiros, seriam apanhados depois dela. O que enfrentavam era ou a morte, ou o cativeiro, a poucos quilômetros do exército britânico. Uma escolha boa. —Nós não vamos conseguir, não é? —Joana disse calmamente por trás do ombro.

Ele teve um momento de indecisão. Só um momento, e então, tirou o lenço do bolso e o amarrou rapidamente na ponta de seu mosquete, antes de empurrar a arma para ela.

—Aqui —disse ele. —Segure acima da sua cabeça e saia de trás destes arbustos quando eles chegarem ao vale. Eles não vão atirar. Tenho certeza. Boa sorte, Joana. —E não perdeu tempo, correu para cima, ao abrigo dos arbustos, de costas para os franceses, mais eriçado ainda do que antes. Por agora havia seu rifle ao alcance dele, que foi carregado, também.

E, em seguida, os tiros foram sendo dados à sua frente, e para trás. E ouviu vozes, em inglês, dirigidas a ele.

—Venha, senhor —alguém gritou. —Deste jeito. Nós o vamos cobrir.

—Mais rápido, Blake, seu bastardo! —Alguém o estava chamando. —Você não quer morrer com uma bala nas costas. Seria algo ruim em seu registro.

Ele quase sorriu, porque não tinha essa intenção ainda, mas o medo lhe arranhava as costas. Haveria o momento mais oportuno para correr, para literalmente correr, para o grupo de seus próprios atiradores? Eram rifles que estavam sendo disparados de árvores acima e à frente dele. Um rápido olhar por cima do ombro lhe mostrou os cavaleiros franceses no vale, subindo aturdidos. O Visconde Wellington era famoso pelas emboscadas mortais; então, ele se escondeu atrás da cristas das colinas.

A mesma olhada mostrou Joana em seus calcanhares, o mosquete sem o lenço, pendurado no ombro.

—Que diabos? —Ele disse, e voltou para pegar um de seus braços e a arrastar para cima com ele, até que pudessem se esconder atrás de uma moita bem-vinda e espessa de arbustos, logo abaixo dos atiradores britânicos.

—Eu me senti um pouco nervosa sobre ser apanhada entre dois fogos —disse ela, ofegante e se atirando para o chão, antes de olhar para baixo, entre os arbustos.

O capitão Blake, entretanto, se jogou ao lado dela e preparou o rifle com os dedos agitados, apontando para baixo na colina, para os cavaleiros sendo aniquilados, ainda indecisos de atacar. Eles pareciam assustadoramente perto.

—Confiança! O capitão Blake tem com ele a única mulher linda que restou neste canto de Portugal, —um dos soldados de jaqueta verde falou em voz alta. Sargento Saunders. O capitão Blake sorriu. Ele sentiu-se subitamente muito em casa, apesar do perigo mortal. Havia, talvez, uma dúzia deles contra cinquenta cavaleiros franceses. Ele sabia, sem dúvida, que não havia emboscada esperando sobre a crista da colina.

—Apenas mantenha sua cabeça para baixo —disse ele a Joana, —e você vai estar bastante segura. —Mas ela estava olhando para baixo, tão intensamente quanto ele.

Ele supôs, depois que tudo acabou, que durara apenas alguns segundos. Tanto que aconteceu. No momento parecia durar para sempre, como se o tempo tivesse sido abrandado a um décimo de sua velocidade habitual.

Antes que ele soubesse o que estava prestes a acontecer, muito antes que ele pudesse fazer algo para o impedir, Joana ficou em pé, à vista dos cavaleiros abaixo, e ela estava acenando ambos os braços acima de sua cabeça.

Antes que ela abrisse a boca e gritasse, quase no mesmo momento em que se levantou, ele sabia o que ela ia dizer e entendeu o que estava acontecendo.

—Marcel! —Ela gritou. —Eu estou aqui. É Jeanne. Marcel!

E ela estava de volta para o chão atrás dos arbustos, puxando febrilmente seu mosquete, antes do capitão Blake reagir.

—Jesus Cristo! —Ele exclamou, e se atirou sobre ela, tirando a arma de suas mãos, pegando seus pulsos e os torcendo atrás das costas, sem qualquer outro pensamento. —Você é uma megera. Você é o diabo! —Não! —Ela gritou, sua voz frenética. —Me dá a minha arma. Quero a minha arma, Robert. Eu tenho que o matar. Oh, por favor, você não entende. Eu tenho que o matar.

Tiros foram disparados de ambos os lados. Os cavaleiros deveriam estar subindo a colina. Ele não olhou para ver. Ele a rolou sobre o estômago, arrastando o cinto de sua cintura, e amarrou suas mãos, como fez antes. Não havia porquê numa mordaça desta vez, mesmo se tivesse sido possível, com o lenço vibrando na metade da colina.

—E nem sequer pensou em usar suas pernas —disse ele por entre os dentes, rolando para o lado dela de novo e agarrando seu rifle. —Eu gostaria que tivesse quebrado uma delas. Você, provavelmente já matou todos nós.

Alguns deles, ele viu, haviam se aventurado até o morro, o coronel Marcel Leroux na liderança. Mas os fuzileiros do exército britânico não tinham sua reputação mortal por nada. Dois dos cavaleiros foram atingidos e seus cavalos corriam solto, e os outros claramente hesitavam. Atacando um grupo de atiradores numa subida, era muito parecido com cometer suicídio, mesmo que tivessem a certeza de que não havia centenas, ou mesmo milhares, de soldados silenciosos, esperando ao longo do topo da colina.

Joana não parou de falar com ele, mesmo não lhe dando ouvidos.

—Por favor, Robert... Oh, por favor... você deve confiar em mim. Devo matá-lo... Esperei três anos por este momento...

O coronel Leroux foi o último a se retirar para o vale, seus homens já se tinham retirado por trás deles, parando seus cavalos no vale, incertos. Mas teria sido uma loucura desnecessária o ataque. Mesmo o coronel Leroux deve ter percebido isso. Fora, sem dúvida, apenas a presença de Joana no topo da colina que o mantinha imóvel, embora estivesse bem ao alcance dos rifles, notoriamente, precisos.

Finalmente, ele virou seu cavalo e se juntou a seus homens no vale. Um minuto depois, eles estavam voltando à formação como tinham vindo, levando seus dois feridos com eles.

Joana lhe tinha dito uma vez, o capitão Blake refletia, que o seu conhecimento do vocabulário profano era lamentavelmente pequeno. Ele não teria pensado assim, pelos minutos seguintes. Ela jurou com bolhas de veneno em uma grande mistura do inglês, francês e português.

—Você! —Capitão Blake se voltou para ela, os olhos brilhando fogo, sua voz cortante e gelada. —Não poderia me ter dado um tiro nas costas, poderia? Você tinha que pôr em perigo a todos estes homens inocentes. E, sim, os outros homens também. Dois deles foram feridos, talvez mal. Notou isso? Apenas para que você pudesse fazer um gesto teatral para o benefício de seu amante francês?

—Eu te odeio. —Toda a raiva frenética tinha ido de sua voz, olhos e seu corpo. Ela se deitou de bruços no chão, com a cabeça virada para baixo, no caminho, os olhos sem vida. —Eu nunca vou te perdoar por isso, Robert. Nunca.

E então outras figuras vestidas de verde, cada um segurando um rifle, seus companheiros, vieram correndo e deslizando para baixo do morro, na direção deles.

—Passou muito tempo, eu não teria pensado o reconhecer, senhor.

—Quem poderia deixar de reconhecer esse nariz torto?

—Confiava em você para ter uma companhia inteira de cavalaria francesa em seus calcanhares, seu bastardo, e sobreviver.

—Prazer em ver você novamente, senhor. Há apostas para saber se vai voltar para a batalha ou não.

—Estou certamente feliz e aposto em você, senhor.

—Você tem toda a diversão, seu bastardo. Aposto que a história por trás disso faria encher um livro. Onde ela está indo? Cristo Todo-Poderoso! —O capitão Rowlandson deu uma boa olhada em Joana. —Ela é a marquesa, Bob. —Seus olhos estavam quase pulando para fora de sua cabeça.

Joana foi caminhando lentamente até o morro, as mãos ainda amarradas nas costas. —Ela não vai chegar longe, —o capitão Blake disse severamente. —Ela é francesa.

Todos os fuzileiros estavam olhando para Joana fascinados. Capitão Rowlandson assobiou. —Francesa? —Disse.

—Sua prisioneira, Bob? Bem, eu sempre soube que você tinha toda a sorte. Onde diabos estava?

—Onde eu vou é mais importante —disse o capitão Blake. —O Exército está fazendo uma parada à frente? —O capitão Rowlandson sorriu para ele. —Espere até ver, Bob —disse ele. —É uma beleza. Johnny vai se render depois de nos olhar. Eles pensaram que esta era uma batalha difícil! É uma coisa boa que estávamos em patrulha neste sentido, a propósito. Você vai voltar com a gente?

—Eu tenho algumas coisas para fazer em primeiro lugar, Ned —disse o capitão Blake. —Mas eu estarei lá. Não perderia esta batalha para os mundos. —Ele estava apertando os olhos até o topo da colina. Joana tinha desaparecido. —Eu tenho que ir. Vejo vocês companheiros, dentro dos próximos dias. E obrigado.

Comentários ruidosos e palavrões amigáveis o seguiram até o topo da colina.

Ela não tinha ido longe. Havia uma pilha de pedras grandes parcialmente para o outro lado da colina. Ela estava sentada em uma das mais baixas, com os braços puxados firmemente atrás dela, a cabeça inclinada para a frente de modo que sua testa descansava quase de joelhos.

Por Deus, pensou o capitão Blake, caminhando em direção a ela, teria que ter cuidado para não a matar. O que ele queria fazer era lhe dar uma boa surra.

 

*


Ela não estava fugindo, não sabia exatamente onde estava indo e sentou numa rocha, mesmo sem escolher conscientemente o local. Tentou mover seus braços e se lembrou de que eles foram amarrados. Não lutou. Deixou a cabeça cair para a frente até que quase tocou os joelhos.

Era contra a sua natureza o desespero. Muito raramente ela ainda ficava deprimida. Para Joana havia quase sempre uma esperança, quase sempre alguma coisa que podia fazer. Ela não era pessoa de admitir a derrota, normalmente.

Mas admitiu agora, derrota total, desespero total. Houve todas essas viagens à Espanha, entre os franceses, olhando sempre para uma face. E o tinha encontrado, finalmente, e fez planos bastante inteligentes e muito improváveis de ter sucesso, podia ver isso agora. Ela o deveria ter matado em Salamanca, tivera dezenas de chances lá.

Ela teve outra chance dez minutos antes, a chance perfeita. Era tudo o que tinha sonhado. E tinha falhado novamente, por causa de sua própria inteligência. Ela tinha tido várias semanas para conseguir que Robert acreditasse na sua história, poderia ter feito isso com facilidade. Mesmo na noite anterior, ela poderia ter feito isso. Tinha percebido então, que ele tinha estado à beira de acreditar nela. Mas não, ela jamais gostara do que era muito fácil. Tinha desfrutado de o provocar, o manter em dúvida.

E assim, ela não o poderia culpar pelo que tinha acontecido, mesmo lhe tendo dito que o odiava, e que nunca o perdoaria. Claro, a ouvir gritar assim, a ver pegar sua arma como fez, o obrigou a se lançar sobre ela, lutar pela arma dela, e atar suas mãos. Ela não o podia culpar.

E assim foi por água abaixo, sua chance de vingar as mortes de Maria e Miguel e os da família de Miguel. E por sua própria culpa. Joana afundou ainda mais no desespero. E ela assistiu, fascinada e intrigada, como grandes gotas de água caíam nos joelhos e escureceram o vestido. Ela estava chorando! Miséria caiu sobre ela.

Não o ouviu subir. Viu suas botas, um pouco afastados uma da outra, a um lado dela.

Ela sabia que logo teria vergonha de si mesma, e estava furiosa com ele, por ter testemunhado a sua miséria. Mas no momento, estava muito infeliz para se importar.

Sentiu as mãos em suas costas, habilmente a libertando das amarras do seu próprio cinto. Deixou as mãos cair molemente para os lados.

—Joana —disse ele. Sua voz era suave como a mão que veio descansar no topo da sua cabeça. —Sinto muito.

Ela fungou, e sabia que seu nariz estava pingando, assim como seus olhos.

—Eu sou um espião —disse ele, —e, portanto, lido no negócio de engano. Mal a posso culpar por fazer o mesmo. E eu mal a posso culpar por estar no lado oposto ao meu. Seu pai é francês e ele trabalha para o governo francês. E você o ama. Lamento que isso tivesse que acontecer com você. Mas esta é uma guerra e eu não a posso deixar ir. Você estava tão perto, agora... Eu sinto, muito.

Ela fungou novamente.

—Talvez as guerras acabem logo —disse ele. —Você vai poder ir para casa e se casar com seu coronel Leroux.

—Robert —disse ela, —você é tão cego. —Mas sua voz soou abjeta e sentiu vergonha de si mesma. —É um maldito cego —disse ela um pouco mais causticamente.

—Você quer que eu acredite que realmente o queria matar? —Ele sentou sobre os pés e a olhou no rosto. —Mas isso não faz sentido. Por que você gostaria de fazer isso?

—Não importa, —ela falou. —Você não acreditaria em mim, de qualquer maneira.

—Tente —disse ele.

—Eu não queria matar —disse ela, irritada. —Eu o queria matar para que ele me admirasse e me amasse mais; ou talvez, eu o quisesse matar; pode ser que esteja ofendida porque ele não impediu que eu fosse tomada como refém; ou talvez, ele me tenha insultado em Salamanca; quem sabe, porque ele estava demorando a casar comigo, quando já tem uma esposa e eu descobri. Ciúme pode criar assassinos, você sabe.

—Olhar para o seu rosto é como olhar para a superfície de um escudo, você sabe —disse ele. —Como eu sei quem é você, Joana? Eu sei tudo? Ou eu não sei nada? Começo a suspeitar que é o último.

Ela esfregou o nariz com as costas da mão. —Seu amigo chocado, abaixo da colina deve estar me vendo agora —disse ela. —Eu pareço pior do que um susto, não?

—Um pouco —lhe respondeu.

—Obrigada —disse ela. —Um cavalheiro estaria derramando elogios tranquilizadores, Robert.

—Será que estaria? —Disse. —Mas você saberia que todos eles eram mentirosos. Você perdeu meu lenço.

—Então, vou apenas fungar e usar a palma da minha mão —disse ela.

Ele tirou um pano de aparência suja de sua mochila. —Eu embrulho o canhão do meu rifle com ele quando chove, —explicou. —Para o manter seco. Você está convidada a usar isso.

Ela tomou dele. —Eu me pergunto se há algum buraco mais profundo onde eu possa afundar —disse ela, enxugando os olhos e assoando seu nariz com firmeza. —Eu não me banho há quatro dias, ou lavei o cabelo e a roupa há uma semana. Eu devo... feder.

—Se você estivesse no seu habitual auto perfumado, —disse ele com um sorriso, —não seria capaz de me tolerar a menos de vinte metros de você, Joana. Perfumes são muito sobrestimados, você sabe.

—E sabão também? —Ela disse, franzindo o nariz.

—Eu provavelmente iria vender o seu mosquete por uma barra de sabão, agora, —disse ele, e puxou uma risada dela. —Isso é melhor. Pensei que a tinha perdido.

—Eu pensei que você teria sido feliz em me ver em lágrimas e derrotada —disse ela. —É o que sempre quis, não é?

Seu sorriso desapareceu. —Eu não quero ver seu espírito quebrado, Joana —disse ele. —Estas últimas semanas teriam sido muito aborrecidas, se você não tivesse sido... você.

—Bem —disse ela, se levantando —o que é quase uma declaração de amor, depois de tudo, Robert. É o mais perto que você vai chegar?

—Foi uma declaração de respeito —disse ele em voz baixa, se endireitando também.

Ela suspirou. —Isso está quase no fim, não é? —Disse ela. —Eu não. Mas, todas as coisas boas chegam ao fim, assim como coisas ruins. E a vida continua. Para onde vamos agora?

—Uma trilha em ziguezague para o Bussaco —disse ele, —para me certificar de que não perdi ninguém.

—Mostre o caminho, então —disse ela. —Eu ainda sou sua prisioneira, ao que parece, mas a mulher nunca teve um carcereiro mais desejável, eu acredito. Haverá ainda mais uma noite, Robert? Talvez duas? Vou fazer você se lembrar dessas noites, mais do que de todas as outras juntas. Eu prometo.

—Às vezes —disse ele, —eu espero que nem tudo o que você diz seja mentira, Joana.

Ela riu. —Você vai descobrir —ela falou. —Esta noite. E se eu lhe disse a verdade sobre isso, então, talvez, eu tenha dito a verdade sobre tudo, Robert. Amanhã de manhã você vai ser torturado por dúvidas de novo e pela culpa. Amanhã de manhã, você estará por todo o caminho, apaixonado por mim.

Ela o desafiou com seu sorriso deslumbrante. Embora ele nunca lhe respondesse abertamente, como todos os outros homens que conhecia sempre tinham feito, sabia instintivamente que tinha tido efeito.


Capítulo 23


No final da tarde o capitão Blake percebeu que haviam caminhado mais ao norte do que precisavam ir. Eles tinham avistado um aglomerado de casas, muito poucas em número para ser dignificadas pelo nome de aldeia, e encontraram os habitantes, querendo partir ou a ponto de partir. Parecia que seu próprio povo estivera lá antes dele, os membros da Ordenanza. No entanto, ele decidiu continuar mais um par de quilômetros ao norte, antes de fazerem a volta para o sul novamente, para o que deveria ser o caminho do avanço francês. Um dos moradores tinha mencionado uma casa mais ao norte da fazenda.

—Vamos descansar em breve —ele disse a Joana —e chegar a Mortágua amanhã. Vamos passar mais uma noite ali, se ainda for seguro, e depois, finalmente, vamos ficar atrás das linhas britânicas.

—E eu vou ficar lá, em segurança, até o final da grande batalha —disse ela, suspirando —e você vai sair na frente dela, com os seus atiradores. Não é justo, Robert. A vida não é justa para as mulheres.

—Ou para os homens —disse ele. —Dependendo da maneira que você olha para ela.

—A maneira que os homens olham para a guerra, é a única maneira que conta, —disse ela. —Os homens acreditam que as mulheres gostam de ser protegidas e mantidas a salvo de todo o mal.

—Não. E eles fazem? —Perguntou ele.

—Bah! —Foi tudo o que ela disse.

E então, quase antes que eles pudessem se silenciar, ambos estavam alcançando o céu, após o capitão Blake ter deixado cair suas armas, ruidosamente, ao chão, e serem cercados por homens armados diversamente, a maioria deles, sorrindo.

—Capitão Robert Blake do exército, dos Rifles, Inglês, —O capitão Blake disse em voz alta e claramente em português, se amaldiçoando por cair como um novato, numa emboscada.

—E a mulher? —Um dos homens perguntou, sacudindo a cabeça na direção de Joana. —A mar... começou ele.

Mas ela o interrompeu. —Joana Ribeiro, irmã de Duarte Ribeiro —disse ela. —E desarmados, seus imbecis. Desde quando vocês começaram a emboscar seus próprios aliados e camponesas?

—Jesus! —Capitão Blake murmurou. Uma mão com uma faca curva surgiu apontada para seu estômago, e uma mulher ao lado dessa mão, que estava convidando, quase abertamente, seu dono, para fazer uso dela.

O homem pequeno, magro, que parecia ser o líder do grupo sorriu e olhou em volta para os seus homens, que baixaram suas armas. Capitão Blake se atreveu a respirar novamente.

—Os ingleses são todos loucos, —disse o homem. —Eles usam uniformes escarlates e esperam se misturar na zona rural. Quase todo os ingleses, pelo menos. Alguns são sensíveis o suficiente para vestir verde. Eu não tinha certeza, capitão. Me desculpe.

Um de seus homens pegou tanto o rifle como o mosquete, e os entregou, sorrindo, ao capitão Blake. Notícias e planos foram trocados durante a hora seguinte, enquanto os dois recém-chegados partilharam o final da tarde e uma refeição com os portugueses.

—Os franceses vão ficar em Viseu por um dia ou dois —o líder lhes disse —e depois marcharão para oeste, através do rio Mortágua, para o Bussaco, onde os ingleses e o nosso próprio exército estarão esperando por eles. Vai ser um massacre, os nossos homens estarão nas alturas.

Ao que parecia, estes homens se dirigiam para Viseu, naquela mesma noite, para perseguir os franceses, da melhor forma que pudessem. Quando o exército marchasse da cidade em seguida sairiam os Ordenanza, que estariam na sua retaguarda, como tinham estado todo o caminho desde a fronteira, fazendo tanto dano quanto podiam, tentando impedir seu inimigo de se organizar, adequadamente, para a batalha que tinham pela frente.

—Não há porquê em ficar aqui —um dos homens disse. —Nós estamos muito ao norte para bater palmas aos olhos de um único francês. Vamos perder toda a diversão. Você deve vir com a gente, inglês.

O capitão Blake sorriu. —Meu caminho está na direção do exército —ele disse, —via Mortágua.

—Ah, sim —o líder falou. —Isso é onde Duarte Ribeiro e vários de seus homens vivem. E suas mulheres. A senhora vai querer se juntar a seus parentes. —Ele acenou para Joana. —E eu diria que Ribeiro vai perder a diversão do dia seguinte, ou do outro. Ele vai estar ocupado movendo todos antes dos franceses chegarem. Esse é o seu trabalho também, capitão?

O grupo do português foi para o sul, sem mais demora. Mas seu líder parou e olhou pensativo para o capitão Blake e Joana, antes de sair.

—Eu tenho uma pequena fazenda e uma casa não muito longe, —ele disse, mostrando para o noroeste. —Não a queimei, uma vez que não está na rota do exército francês, apesar de ter enviado minha esposa, e mãe de meus filhos, para longe, com todos os outros, apenas para estar no lado seguro. Você está convidado a ficar lá para a noite, capitão. —Ele sorriu. —Eu não considero necessário trancar as portas.

—Obrigado. —Capitão Blake se levantou para ver os homens a caminho. —Nós poderíamos fazer isso.

E os homens foram embora para a tarefa designada, depois desta pausa em sua etapa, seus espíritos elevados, agora que estavam prestes a colocar as mãos em pelo menos algum dos inimigos odiados, por fim.

—Bem. —Capitão Blake olhou para Joana, que ainda estava sentada, as mãos sobre os joelhos. —Você quer um teto sobre sua cabeça esta noite, Joana? Vai ser uma noite fria.

—É tão real, não é? —Disse ela. —O poder da França, não muito longe, à nossa esquerda, e a força da Inglaterra e Portugal, em contrapartida, à direita. A batalha é inevitável, dentro de alguns dias; não mais semanas, mas dias. E então, muitos homens vão morrer, milhares. E, talvez, você também morra, Robert. Você tem medo de morrer?

—Sim —ele lhe disse, quando ela o olhou. —Eu ainda não encontrei a pessoa, homem ou mulher, que não tenha. Mas é algo por que todos nós devemos passar, mais cedo ou mais tarde. Seria tolice viver nossas vidas com medo da morte, porque ela virá, quando for a hora certa.

—Ah —disse ela, sorrindo ligeiramente. —Um fatalista. Mas eu espero que você não morra nesta batalha.

—Obrigado —respondeu ele. —Eu também.

—Sim. —Ela se levantou e sorriu mais plenamente para o rosto dele. —Um teto sobre nossas cabeças, por favor, Robert. A casa inteira para nós mesmos com mais ninguém lá. Podemos brincar de casinha. Devemos?

—Vamos passar a noite lá —disse ele, —e sair no início da manhã.

—Mas ainda é apenas o início da noite. —Ela colocou as mãos em seu peito. —Robert, vamos brincar de casinha por algumas horas, encontrar essa casa e fingir que é nossa, nos esquecer do mundo, e tudo o que importa somos nós dois. Apenas por algumas horas, não é? Vamos fingir que somos um casal muito comum, muito apaixonado. Você é bom em fingir? Mas é claro que é. Você é um bom espião. Vi isso em Salamanca. Vai fingir isso comigo?

—Joana —ele respondeu, olhando ansioso para o rosto bonito, —estamos em um lugar perigoso, em um momento perigoso. Estamos no meio de uma guerra. Estamos em lados opostos.

—E eu sou sua prisioneira —disse ela. —Você esqueceu de adicionar esse detalhe. Quero brincar de casinha por uma noite, Robert, por apenas uma noite, tratar um do outro da mesma forma que faríamos se nada mais existisse ou importasse em todo o mundo, só nós dois. Você poderia?

—Joana... —disse ele, mas ela pôs três dedos sobre os lábios dele.

—Quando você diz meu nome assim, —disse ela, —eu sei que está a ponto de falar algo sensato. Amanhã, ou no dia seguinte, estaremos separados. Talvez, para não nos reunirmos, novamente. É provável que nunca mais nos encontremos. Nos está sendo concedida a felicidade desta noite, longe do curso dos exércitos, numa casa vazia onde ficar, que não precisamos deixar até o amanhecer. É um presente, Robert. Você está disposto a jogar fora?

Não, ele não estava. Ele estava cansado de lutar com ela, a manter sempre à distância, até mesmo de seu braço, embora, nessas últimas semanas houvesse dormido com ela quase todas as noites. Estava cansado da barreira entre eles, cansado de sempre pensar nela como sendo o inimigo. E estava muito consciente de que o tempo com ela estava acabando, e que no dia seguinte ou no outro, ele teria a difícil e desagradável tarefa de a levar para o Visconde Wellington como uma espiã francesa. Às vezes desejava ser capaz de transformar sua vida em outra que lhe fosse mais agradável —não permanentemente, porque gostava da vida que tinha, que construíra sozinho e por puro esforço, com a qual estava satisfeito —apenas por um tempo curto, durante algumas horas.

—Muito bem, então, —ele disse, seu tom áspero em desacordo com suas palavras. —Por esta noite, Joana, até o amanhecer, nós vamos brincar de casinha. Vamos ver se podemos encontrar essa quinta, não é? —Ele empurrou as duas armas quase como se tivesse tido uma briga com elas.

Era só o que ele fazia, agora? Robert se perguntou enquanto caminhava na direção da fazenda deserta, Joana ao seu lado. Teria ele finalmente sucumbido aos seus encantos, assim como todos os outros pobres tolos perseguindo seus passos onde quer que fosse? Estava ele realmente disposto a abrir seu coração para ela e correr o risco de se machucar? E se arriscar a ser ridículo?

Mas seria por algumas horas apenas, pouco tempo, só um tempo longe do tempo. Ao amanhecer, tudo estaria de volta ao normal, novamente.

 

*


Ela esfregou o cabelo com a toalha, até que estava quase seco; depois, o sentiu com a mão, sua umidade e maciez, desembaraçando os emaranhados, o penteando com algum estilo. Se sentia tão deliciosamente limpa, que fechou os olhos e aspirou o próprio cheiro. E sorriu.

Assim que chegaram à casa, ela se voltou e envolveu os braços em volta do pescoço de Robert, e beijou sua face. Ele, em contrapartida, não a tentara beijar ou fazer mais do que a segurar pela cintura. Joana se sentira enganada, por um momento, ele não iria fingir, depois de tudo. Mas, ela sabia, que os homens achavam mais difícil aceitar esses jogos do que as mulheres. Ao menos, ele não a tinha afastado para longe.

Ela, torcendo o nariz, dissera: —Robert, eu acho que você fede. E não estou muito certa de porque sinto isso só agora. Deve haver água aqui, e uma banheira. Vamos tomar um banho, não é? Com água morna? Você pode imaginar um luxo maior?

—Não, sem ter que pensar no muito difícil que é —ele dissera, e ela sorrira da forma mais brilhante. Isso fora o mais próximo que Robert tinha chegado a brincar com ela. —Então, você está querendo me obrigar a trabalhar carregando água?

Ela sorrira, deslumbrantemente. —Mas, pense como será maravilhoso ir para a cama, hoje à noite —ela lhe disse. —Nós dois limpos e com cheiro suave. —Ela teve a satisfação de ver seus olhos entrecerrados. —E eu vou trabalhar muito. Farei o fogo. E pensar que, geralmente, eu tomo banho todos os dias, e o tomo por certo.

Isso tinha sido mais de uma hora antes. Ela tinha se banhado em primeiro lugar, se despiu e entrou na água da banheira, no meio da cozinha, sem se preocupar por ele estar ali também. E ela suspirou com satisfação, olhando para ele por debaixo dos cílios; e soube que, afinal, ele ia fingir. Ela nunca tinha visto um olhar tão despido de desejo no rosto de Robert.

Agora ele estava se banhando e ela estava esperando por ele no principal quarto de dormir, uma toalha enrolada nela. Suas roupas estavam penduradas acima do fogão, secando. Experimentou o colchão enquanto estava sentada, e descobriu que era realmente suave e bem arejado. Aqui seria um lugar maravilhoso para se fazer amor.

E então, a porta do quarto se abriu e ele entrou. Assim como ela, estava vestindo apenas uma toalha enrolada na cintura. Ele parecia quase insuportavelmente, masculino e viril. Seu cabelo, ainda molhado e encaracolado, como no dia em que o conheceu.

—Robert —disse ela, balançando um pé, —você está limpo novamente e cheiroso? —Ele parou no umbral da porta. —É melhor vir aqui e descobrir por si mesma —disse ele.

Ela sorriu e ficou em pé. Se isso não fosse um convite irresistível, vindo de Robert como foi, então ela não sabia o que seria.

Ele estava indescritivelmente belo, pensou ela, seu cabelo úmido em ondas incontroláveis sobre os ombros, que junto com os braços e as pernas estavam nus. A pele dela estava bronzeada pelo sol das últimas semanas, de modo que muitas senhoras inglesas teriam ficado horrorizadas com sua visão. Mas, para ele, ela parecia saudável, viva e encantadora.

Parecia ainda mais bonita, quando chegou perto dele e se livrou da toalha, a deixando cair descuidadamente ao chão. Os olhos dele a percorriam, pelas pernas finas, quadris arredondados e cintura fina, ao longo dos seios altos e firmes, e os ombros finamente magros. Seu rosto, estava aceso com malícia e outra coisa também.

Ela veio até ele, encostou o nariz em seu peito e cheirou. Depois, o segurou pelos ombros, encostando nele os seios. Ele inalou seu perfume, lentamente.

—Mm —disse ela. —Você cheira bem, Robert. —E enquanto dizia as palavras, suas mãos se moveram, lhe tirando a toalha, a atirando para trás no chão. —Esta é a nossa própria casa, nosso quarto de dormir, e temos a noite toda pela frente. O que devemos fazer?

—Isto, para começar. —Ele lhe respondeu. E a olhou nos olhos escuros enquanto entrelaçava os dedos em seu cabelo e baixava a boca para a dela, sua língua chegando à frente. E ela abriu a boca antes de fechar os olhos.

Ele não a tinha beijado desde a noite em que se tornaram amantes. Tivera muita vontade durante as semanas passadas, desde que se convencera e a ela, que o que faziam era meramente para satisfazer uma necessidade física. Beijar implicava mais do que algo físico, era muito pessoal e íntimo, curiosamente, mais íntimo até que a cópula.

Sua boca era suave, quente e muito convidativa. E ela gemeu.

Ele a tinha querido beijar, há muito tempo. Íntimos como tinham sido durante semanas, sempre houve algo faltando, alguma proximidade e ternura. E agora, de repente, tudo estava lá, porque ele a estava beijando profundamente, e porque eles estavam nus em seu quarto de dormir, em sua própria casa, com uma noite inteira pela frente.

—Robert. —Ela acariciou o cabelo dele, enquanto sua boca queimava o caminho para o queixo dele, ao longo de sua garganta para encontrar o pulso em sua base. —Robert, isto é mais do que físico, não é? Me diga que é mais.

Ele levantou o rosto novamente, e a olhou nos olhos. Havia profundidade nos olhos dele, de modo que ela já sabia sua resposta, com uma intensidade quase assustadora. Ela nunca quis isso de qualquer homem, nunca esperou. Ela queria sempre estar no controle, mas jamais o poderia com ele, se continuasse a lhe olhar assim; mesmo sem dizer as palavras que Joana esperava ouvir, Robert lhe respondeu.

E, no entanto, sempre, sempre em seus sonhos, ela queria nada mais do que isso. E, certamente, nos sonhos do passado ela também queria isso, era tudo o que poderia querer da vida. Não havia mais nada, nada mais.

E ele a olhou e viu sua vulnerabilidade, ouviu as palavras que ela tinha dito e as que ela ainda não dissera, mas que talvez dissesse, se ele lhe respondesse como desejava. E ele estava apavorado. Se tais palavras fossem ditas, então eles não estariam brincando, na verdade. Não haveria jogos envolvidos, apenas a verdade, a realidade.

E ele não queria essa realidade, queria uma noite de faz de conta. Isso era com o que ele tinha concordado. Mas, Deus... oh, Deus, ela era linda. E não apenas seu corpo, mais do que linda, e ele a mantinha nua em seus braços. Ela era muito bonita.

—Silêncio, Joana —disse ele, com a boca contra seu ouvido. —Não vamos falar. Vamos fazer amor. Às vezes, o corpo pode falar mais eloquentemente do que as palavras.

—Fazer amor? —Ela virou a cabeça e sorriu lentamente, com os olhos também. —Nós vamos fazer amor, Robert? Finalmente?

—Sim. —Sua boca estava sobre a dela novamente. —Vamos fazer amor, Joana. Na cama, por favor. Nós somos muito diferentes na altura para estarmos confortáveis em pé.

—É uma cama tão linda —disse ela, se afastando e o levando pela mão. —É grande e macia. Poderemos criar nela recordações lindas, para lembrar depois...

—Depois disso? —Disse. —Quem falou em depois?

Ela nunca o tinha visto provocar. Se deitou na cama e sorriu para ele. Ela ainda segurava sua mão. —Eu pensei que, talvez, eu o pudesse esgotar antes do amanhecer —disse ela.

—Agora, isso —, disse ele, deitado ao seu lado, apoiado num cotovelo, —é um desafio, simplesmente. Veremos quem esgota a quem.

Sua respiração estava mais rápida. Ela nunca o tinha visto assim, relaxado e provocante, um sorriso espreitando seus olhos. Ah, ela nunca o tinha visto assim. Ele estava maravilhoso, quase a ponto do insuportável. E então, o tocou no rosto com uma das mãos.

—Robert —ela falou, em seguida, —você teve muita experiência com mulheres, não é mesmo? Não, não responda. Era uma pergunta retórica. Use toda essa experiência comigo, esta noite. Você poderia? Tudo isso? Eu quero tudo. Por favor?

—Com uma condição —lhe respondeu. —Que você use toda a sua experiência comigo. Vamos ver quem tem mais a ensinar, não é?

Oh, meu Deus, se ele soubesse! Joana sorriu. —E quem pode aprender mais rapidamente, —disse ela. —Robert. —Ela estava sussurrando. —Faça amor comigo.

—Joana. —Ele estava sorrindo para ela, enquanto sua cabeça baixava à dela. —Faça amor comigo.

Deus, ele nunca deveria ter concordado com essa sugestão insana, pensou. Sabia, mesmo antes de sua boca a tocar, e dela se virar na cama para se ajustar ao corpo dele, que o amanhecer viria muito, muito em breve. Uma vida mais cedo. Sua pretensão só conseguira abrir a grande porta para a realidade. E a realidade assustadora pesou. Ele deveria ter ficado nas colinas com ela, e a usado para seu prazer novamente, sob o calor inadequada dos cobertores. Ele deveria ter continuado se dizendo que tudo isso era puramente por prazer.

Ele a tocou, e suas mãos não a poderiam tocar o suficiente. E a tocou com a boca, e mesmo assim, sua boca, a língua e seus dentes não poderiam ter o suficiente dela. E ela o estava tocando, suas mãos e boca sobre ele, tão livremente quanto ele fazia com ela. Sua excitação, sua necessidade de derramar sua semente dentro dela, era uma pulsação dolorosa. E ainda assim, ele não queria parar de a tocar. Ele não queria deixar de aproveitar a antecipação, não tão gloriosa, ainda. Uma de suas mãos separou as pernas dela, o polegar empurrou um joelho, os dedos afastaram o outro. E ele a estava tocando, onde ela não esperava que ele colocasse sua mão. No início, ela sentiu vergonha de o ter a tocando assim, constrangida com o conhecimento de que estava molhada, pelo som de umidade da vagina. Mas ele suspirou satisfeito e ela relaxou, sabendo que o som era erótico e que a umidade era parte de sua resposta feminina, um convite para uma penetração fácil de seu corpo. Ela afastou os pés ainda mais, e deixou que os joelhos quase caíssem da cama.

E ela parou de tocar, maravilhada com o que estava acontecendo com seu próprio corpo. Dedos deslizaram como penas sobre ela, para dentro dela, e depois o polegar, tão leve que no início ela não o sentiu, esfregando seu montículo, despertando uma dor instantânea e quase insuportável, que se espalhou para dentro dela e para cima na sua garganta.

—Robert. —Ela sussurrou seu nome. Seus olhos estavam fechados. —Robert. —Suas mãos apertaram com força a cama.

Ele não esperava que ela se rendesse tão totalmente à carícia de sua mão. E, no entanto, a viu se render, totalmente absorta no que ele fazia com ela, mais emocionada ainda do que quando essas mesmas mãos tocavam seu corpo, alguns momentos antes. Ele se ergueu sobre um cotovelo novamente e a observou. Ele assistiu quando ela, gemendo com a boca aberta, deixou sua cabeça pender para trás.

—Ah —disse ela, e prendeu a respiração de forma audível. Ele assistiu todo o seu corpo tensionar.

—Robert —disse ela novamente, e havia agonia no som.

E havia agonia nele também, quando a acariciou com o polegar e a trouxe ao clímax. Ela era Joana, pensou. Ela não era qualquer mulher.. Ele sempre gostou de levar a mulher ao prazer máximo, bem como a si mesmo. Mas não era assim com Joana. Ela era Joana. E ele não estava apenas lhe dando prazer. Ele a estava amando.

Ela gritou de repente, agonia e êxtase no som. Ele colocou a mão aberta sobre ela, durante o minuto ou mais que durou, enquanto ela estremecia, silenciosamente.

Os sentimentos de relaxamento e bem-estar eram quase demais. A vontade de deslizar para um delicioso sono era irresistível. Só que a mão permaneceu sobre ela, que o podia sentir olhando para ela. E, nada do que aconteceu, era o que ela normalmente associava a fazer amor. Ele não tinha estado dentro dela.

Então virou a cabeça e abriu os olhos, e olhou para ele, sorrindo preguiçosamente. —Você ganhou esta rodada, —falou. —Como isso aconteceu? Como é que você sabe fazer isso? —Seus olhos se desviaram para baixo. Ele ainda estava completamente excitado, ela podia ver.

Ele abaixou a cabeça e a beijou calorosamente nos lábios. —Você não vai ceder à derrota tão facilmente, não é? —Disse. —Que decepção.

Mas ela não sabia o que fazer. Ela não sabia nada, exceto o que tinha aprendido com ele. Mas, mesmo nas atuais circunstâncias, ela não estava pretendendo resistir ao desafio. Ela sorriu com os olhos e estendeu a mão para tocar seu pênis. Em seguida, o segurou com as duas mãos, o rolando, tocando a ponta sedosa com o polegar. Ela o ouviu inspirar fundo.

—Venha dentro de mim —disse ela. Ela devia permitir que ele também sentisse esse prazer. E se deitou novamente de costas, se abrindo, levantando os quadris para ele, assim que deslizou em sua umidade. E percebeu que desejava que soubesse mais, que tivesse mais experiência para poder dar a ele mais prazer ainda.

Ela agiu por instinto, movimentando suas pernas de forma que ele abrisse mais as dele. Depois, ela juntou bem as pernas e moveu os quadris ritmicamente, com ele, o puxando intensamente, para dentro dela com os músculos internos.

—Deus, Joana —disse ele com urgência, seus braços subindo para segurar seus ombros, —você quer que eu aja como um colegial?

Ela beijou a parte inferior de seu queixo. —Como é que um estudante age? —Perguntou. —Me mostre.

—Muito rápido —respondeu a ela, suspirando, e foi para cima dela, num frenesi de necessidade.

Deus, pensou ele. Deus, que bruxa! E ele que estava começado a acreditar, que, talvez, ela não fosse tão experiente como ele tinha pensado antes, apesar de tudo.

Ele explodiu em um grito, e apagou por alguns minutos, ou horas, não tinha mais certeza. Ela estava acariciando suas costas e seu cabelo, quando ele voltou a si. E ainda estava dentro dela, as pernas o segurando ainda apertado.

—Eu devo ter esmagado todos os ossos do seu corpo —disse ele.

—E você? —Ela virou a cabeça para beijar seu ombro. —Ele se sentia maravilhoso, mesmo tendo quebrado todos os ossos. Será que vamos fazer igualmente bem na próxima rodada, Robert? Será que nós vamos competir pelo resto da noite? Eu preferiria simplesmente fazer amor.

Ele se moveu para o lado dela, a abraçando, em seguida. Ela se aconchegou contra ele e suspirou. —Joana —disse ele, —não deveríamos ter começado isso.

Mas ela levantou a cabeça bruscamente e o beijou na boca. —Não existe tal coisa como a realidade, antes do amanhecer —lhe disse ela. —Não há tal coisa, Robert. Você não deve estragar esta noite. Oh, por favor, você não deve.

Mas foi estragada, no entanto. Em algum lugar não muito atrás do sonho, do faz de conta, estava a realidade, que talvez não fosse dolorosa para ela, que vivia em um mundo artificial, onde amontoava conquistas para sua própria diversão. Mas, para ele, a realidade ia ser dolorosa, de fato.

—Realidade? —Ele disse contra sua boca. —O que é isso?

—Eu não sei, —disse ela. —Eu nunca ouvi falar disso. Robert?

—Mm? —Disse.

—Você vai me dar o nascer do sol, amanhã de manhã? —Ela levou uma de suas mãos sobre a boca. —Você se lembra de Óbidos? O que você disse sobre fitas, estrelas e o nascer do sol?

Sim, ele se lembrava. Deus, ele se lembrava.

Não deveria ter feito essa pergunta. Ela fechou os olhos e enterrou seu rosto contra seu peito. Não deveria ter perguntado. Porque as fitas, estrelas e nascer do sol eram o que ele daria a seu amor, e sua resposta poderia lhe trazer dor. Oh, Robert, ela lhe implorou em silêncio, por favor, me dê o nascer do sol. Por favor, me dê o nascer do sol... Mas, sabia que não poderia. E, também sabia, que tinha estragado a noite para si mesma.

—O nascer do sol vem depois do amanhecer —ele disse calmamente, sua mão alisando os cabelos dela. —E assim vai acontecer. —Ela levantou a cabeça e sorriu para ele. —Mas o que vem antes do amanhecer, Robert?

Algo mais? Ou será que já consegui esgotar você?

 

*


Uma grande parte veio antes do amanhecer. Eles se adoraram e cochilaram, se amaram e cochilaram mais um pouco. E cada vez, a mais gloriosa intimidade em seu amor, uma intimidade entristecida com a iminência do amanhecer. E, finalmente, eles estavam deitados, a paixão passada, à espera do momento em que a luz do dia começaria a acinzentar as janelas, e não haveria nada a fazer, senão levantar-se e se vestir, retomando os papéis de carcereiro e prisioneira.

Ela poderia ter insistido com ele, o tentar convencer da verdade. Não teria sido impossível conseguir, mas não o iria fazer. O amanhecer ainda não tinha chegado e ela já estava enciumada de sua única noite de amor. Foi ele quem finalmente falou.

—Joana —disse ele, um braço sob a cabeça, a mão brincando com seu cabelo. —Esse primeiro amor de vocês?

—Robert? —Ela sorriu e virou a cabeça para ele. —Não é uma coincidência que você tenha o mesmo nome?

—Não é verdade —disse ele. —Joana, ele não se gabou aos criados sobre você. Ele não a iria chamar de cadela francesa, naquele momento, de qualquer maneira.

Ela olhou para ele e franziu ligeiramente a testa. —Você não acha? —Disse ela. —Eu não penso assim também.

—Ele a amava totalmente, —disse ele, —como, talvez, apenas um rapaz de dezessete anos de idade o faz. Ele não mentiu quando disse que te amava, mas não queria dizer isso em voz alta. E não mentiu, quando disse que chegaria em um cavalo branco no seu aniversário de dezoito anos, cavalgando antes do nascer do sol com você. Suponho que ele sabia que nunca faria alguma coisa semelhante, mas falou a verdade do fundo do coração. Isso é o que ele, apaixonadamente, desejava poder fazer.

Ela o estava olhando na semi-escuridão, com os olhos arregalados.

—Se ele lhe é precioso, —ele disse, —então sabemos que a memória pode ser imaculada. Se você já abrigou dúvidas, mesmo que frágeis, as pode descartar. Ele não faria essas coisas.

Ainda assim, ela não disse nada.

—Ele ficou profundamente magoado, —continuou, —por você ter dito que nunca teria dado seriamente seu amor e sua atenção a um bastardo. Mesmo sabendo que suas palavras não eram verdadeiras, ele ficou ferido. E ferido pela risada do pai dele, ao lhe dizer que fora ousado ao levantar os olhos para a filha de um conde. E decidiu, naquele dia, que jamais voltaria a estar sujeito ao desprezo das pessoas. Ele decidiu fazer o seu próprio caminho na vida, começando por baixo, e terminando lá também, se não pudesse subir por seus próprios esforços. Ele não fez mal. Você pode se consolar com esse conhecimento, Joana, se é que ele ainda tem alguma importância para você. Seu Robert está bem satisfeito com o que fez com sua vida. Não houve varíola, como você vê. Ele não morreu, pelo menos, ainda não.

—Ele tinha o nome de sua mãe, —ela disse, —Não, o de seu pai —Ela estava sussurrando, como se temesse que pudesse ser ouvida. —Qual era mesmo? Qual era o nome de sua mãe?

—Blake —disse ele. —Seu nome era Blake. —Ele fechou os olhos. E o silêncio pareceu se estender, para sempre.

—Robert —disse ela por fim, e ele quase não reconheceu a voz dela. Parecia perdida, machucada. —Ah, Robert.

—Foi há muito tempo, —disse ele. —Um tempo muito longo. Ele é uma pessoa diferente, Joana, exceto no nome.

E você é uma pessoa diferente. Aconteceu tudo há tanto tempo... É um caminho de volta para a idade da inocência. Mas ele está vivo. E ele te amava.

—Ah, Robert —disse ela novamente. E havia tanta dor em sua voz, e ele não conseguia pensar em nenhuma forma de a consolar.

Ficaram esperando pelo amanhecer, em silêncio.


Capítulo 24


—Joaquina deu para mim —disse Carlota, colocando a arma grande, com cuidado, em um canto. —Ela disse que nunca teria a coragem de usar isso, e eu disse que o faria, e então ela me deu Tomé. Não ria de mim, Duarte. Nada disso. Não ria de mim.

Mas Duarte riu, mesmo assim. —Esta, certamente, deve ser uma das primeiras armas de todos os tempos, —ele falou. —E você, provavelmente, iria se explodir em mil pedaços com ela, Carlota, se alguma vez a disparasse. Então, você escolheu ficar e lutar, em vez de correr para a segurança? Devo admitir que teria me surpreendido, por não a encontrar aqui, quando eu vim.

—E agora você veio, —disse ela com cautela, —para tentar me mandar para o oeste com Miguel, não é? Mas pode esquecer isso, Duarte, e se está planejando argumentar, então eu sinto muito que tenha vindo para casa. Eu não senti nada além de tédio e falta de ação, por semanas, embora pareça mais com meses e, agora, por sorte, os franceses tropeçaram nesta rota, em seu caminho para o oeste. E você espera que eu perca a oportunidade de uma vida? É isso, não é?

—Carlota —começou ele.

—Você —ela disse, as mãos nos quadris. —Bem, eu não vou. Irei para as montanhas com você, e ver o que posso fazer para o exército que passa. E Miguel virá também. Este é o seu país, a sua primogenitura, bem como a nossa. E se você não gosta disso, então eu irei sozinha. Eu acharei outro bando ao qual me juntar. E se você não vai me fornecer uma arma decente, então eu vou levar este presente, e me fazer em um milhão de pedaços com o meu primeiro tiro. Pare de rir de mim.

—Eu te amo, —disse ele, a silenciando de forma eficaz. —E não há nenhuma luta em mim, não para você, de qualquer maneira. Para as colinas vamos juntos, então. Joana não apareceu, você disse? Nem o capitão Blake? Eu pensei que eles a teriam vindo avisar.

—Duas dúzias de homens, no mínimo tem vindo para nos avisar —disse ela. —Não tem havido nada além de avisos. E sempre, os franceses estão no encalço daqueles que nos advertem. E eu não pus os olhos em um uniforme azul, ainda.

—A mulher tola não lhe disse a verdade —disse Duarte. —Ou, pelo menos, ela não insistiu para que ouvisse a verdade. Ela o está provocando, com a impressão de que é uma espiã para os franceses.

—Sim —Carlota disse, —Joana iria provocar. Bom para ela. Se esse homem não acreditou da primeira vez que ela lhe contou, por que ela deveria lhe pedir e implorar?

—Ela é sua prisioneira —disse Duarte, com um sorriso. —Eu apostaria que um carcereiro nunca foi tão atormentado.

—Oh! —Carlota exclamou, —e que carcereiro. Eu apostaria que Joana está desfrutando de cada momento do cativeiro.

—Eu acho que ela está mesmo —disse Duarte. —Mas se eles aparecerem por aqui, Carlota, devemos seguir o plano dela. Eu acredito que ele ainda não sabe. Ela foi acusada de flertar comigo tentando me tirar de você.

—É isso, considerando que o capitão Blake está sentindo pena de mim, o que eu não duvido —Carlota disse, as mãos nos quadris novamente. —Homens! Por que eles sempre assumem que as mulheres são pobres criaturas indefesas, se encolhendo de medo?

—Provavelmente, porque nem todos eles conhecem você ou Joana —disse ele, ainda sorrindo.

Os franceses ainda estavam em Viseu, e havia homens suficientes entre lá e Mortágua para soar o alarme, se eles marchassem, inesperadamente cedo. Houve todo o dia para embalar o que devia ser levado, e destruir o que fosse deixado para trás. Não houve muita pressa, apesar de terem que ir embora em vinte e quatro horas. Mas, ambos, Carlota e Duarte, tinham abandonado suas casas familiares, muito mais amargamente, apenas alguns anos antes, e desde essa época, tinham aprendido a conviver com a inconstância. Eles não sentiam grande infelicidade, agora.

—É tão bom estar de volta com você e nosso filho, —disse Duarte, abraçando Carlota um momento, durante a tarde. —Você não pode imaginar, Carlota, como tem sido sem você.

—Não posso? —Ela disse, e sua voz tornou-se indignada. —Oh, será que eu não posso, de fato?

Mas, ele a abraçou e a beijou, se recusando a discutir. —Nós temos um ao outro, e a Miguel —disse ele, quando ela finalmente devolveu seus beijos. —Isso é tudo o que realmente importa, não é?

—Sim —ela disse ferozmente contra sua boca. —E temos um país onde vivemos livremente.

O capitão Blake e Joana chegaram no final da tarde, batendo na porta aberta e perscrutando a escuridão da casa, de interior nu. Duarte foi até a porta e apertou sua mão.

—Você veio com segurança até aqui, então —disse ele. —Boa. Está apenas a uma curta distância do Bussaco, onde o exército está reunido. Você sabia disso?

—Eu vou estar com eles amanhã —respondeu o capitão. —Imaginei que você estaria aqui, mas nós viemos para advertir Carlota, apenas no caso de que ainda não tivesse ouvido as notícias.

—Não tivesse ouvido falar? —Disse Carlota, levantando os olhos para o teto, mas atravessando a sala, no entanto, para cumprimentar seus hóspedes. —Não ouvi outra coisa na semana passada. Estou tão contente que os franceses provaram ser estúpidos, o suficiente para vir desta forma, que eu mal sei como conter minha emoção. Estou feliz que você esteja em segurança, longe da Espanha, capitão.

—Com a ajuda de Duarte —disse ele, e ficou de lado para revelar uma Joana sorridente. —Você conhece a Marquesa das Minas?

Carlota sabia que ele estava olhando para ela, intensamente. —Todo mundo conhece a Marquesa —disse ela. —Bem-vinda.

—Carlota? —Disse Joana, sorrindo mais amplamente. —E onde está o bebê?

—Miguel? —Disse Carlota. —Dormindo, bastante perturbado pelo fato de que sua primeira casa está sendo desmontada em volta dele. Venha o ver.

Joana deu um passo para seguir Carlota, mas antes, se virou para Duarte. —Duarte —disse ela, estendendo as duas mãos para ele. —Como é bom o ver novamente.

Ele sorriu e apertou as mãos. —Olá, Joana, —respondeu.

—Ela é sua irmã? —Capitão Blake perguntou abruptamente, quando as mulheres desapareceram para ver o bebê.

—Será que ela disse que é minha irmã? —Duarte sorriu.

—Sim. —o capitão pareceu ficar sombrio. —Meia-irmã. Ela diz que vocês têm a mesma mãe. Não é assim?

—Se Joana diz, —Duarte falou —então deve ser verdade, não deve? Por que ela mentiria? Ela deve ser minha irmã, se o disse, perdoe, minha meia-irmã.

O capitão Blake parecia um pouco exasperado. —Muito bem —disse ele. —Me desculpe por perguntar. Que notícias você teve hoje?

—Os franceses ainda estão em Viseu, —Duarte contou. —Mas, certamente, irão se mover amanhã, a menos que sejam covardes, a ponto de virar as costas e fugir. Uma vez que chegaram tão longe, através de um país impossível, eu acho isso improvável. E Lorde Wellington passou todas as suas forças para o sul do Mondego, onde estão esperando a batalha. Eles têm uma posição tão boa no Bussaco que quase sinto pena dos franceses. Quase. —Ele sorriu novamente. —Mas, não é bem assim.

—Deus —o capitão pensou alto, —faz tanto tempo desde que eu estive em uma batalha... Eu perdi Talavera, ano passado, por um dia. A marcha forçada de Lisboa, pela qual ainda tem pessoas boquiabertas de admiração, e que também perdemos por um dia.

—E, assim, talvez você tenha perdido a sua morte por um dia também, —disse Duarte. As mulheres tinham voltado do quarto. —Vai ficar aqui com a gente, hoje à noite? Você pode ter o quarto de dentro, Joana. O capitão Blake pode dormir aqui, conosco.

Joana sorriu, ofuscante. —Mas eu sou prisioneira de Robert, está lembrado? —Disse ela. —Ele não está disposto a me deixar longe de sua vista por mais que cinco minutos, especialmente à noite. Você está, Robert? Vamos partilhar o quarto interior. Você está indignado, Duarte? —Ela voltou seu sorriso ao capitão. —Irmãos, por vezes, ficam, em tais situações.

—O quarto é seu, então —disse Duarte. —Carlota e eu dormiremos aqui fora com o bebê. Amanhã vamos todos sair mais cedo. Com alguma sorte, alguma ação realmente começará amanhã.

Eles se sentaram para comer, falando baixo, com os outros membros do bando e suas mulheres, que ainda estavam na aldeia, até que a escuridão veio. Depois, todos se retiraram para as duras camas no chão.

—Duarte, —Carlota sussurrou, se curvando perto dele, depois de ter acalmado um bebê agitado, —você a viu? Você viu Joana?

—Eu não estive de olhos fechados durante todo o dia, —lhe respondeu. —Eu diria que aqueles que adoram a Marquesa das Minas, simplesmente não a iriam reconhecer agora, com o vestido mais desbotado e esfarrapado do que nunca, o cabelo embaraçado e despenteado, pele bronzeada como uma camponesa, tudo isso, a um passo de parecer refinada.

—Oh, sim, sim —disse ela, impaciente. —Mas eu queria dizer, ela, Duarte, seus olhos. Finalmente aconteceu com ela, não é? Eu sempre disse que assim seria, um dia.

—Eu diria que eles são, certamente, amantes —disse ele. —Eles teriam que ser feitos de pedra, para não o ser, uma vez que parece que são obrigados a passar suas noites juntos.

—Oh, não apenas amantes, seu tolo —ela lhe disse. —Ela o ama, Duarte. Ela o adora. Está lá, estampado no seu rosto, para todo o mundo ver. Joana nunca amou ninguém, apesar de toda a horda de admiradores.

—Sim —ele disse, —Eu também vejo, Carlota. E vejo o mesmo olhar no rosto dele, apesar de duro e disciplinado como é. Mas, ele não vai ceder, você sabe. Ela é uma aristocrata, tanto pelo nascimento, como pelo casamento. Ele é, aparentemente, um ninguém e fez no exército sua carreira. Eles são de dois mundos que nunca poderão se encontrar, exceto por breves instantes e, em circunstâncias estranhas como esta.

—Oh, tolo —disse Carlota. —Idiota. Os homens podem ser tão estúpido. Como se tais coisas importassem, quando o coração está envolvido. Você é um nobre e eu sou a filha de um médico. Será que a diferença nos separa? Ou talvez, você não pretenda se casar comigo, depois de tudo.

—Você tem que admitir —disse ele, —que a diferença entre nós é um pouco menos radical, do que a deles. E eu pretendo casar, assim que encontrarmos um padre, quer você goste ou não.

—Bem —ela disse, —Eu vou pensar nisso. Tem a intenção de passar a primeira noite comigo, desde que, eu nem me lembro quando?

—Eu não —disse ele, se virando para ela. —Fale de você, se desejar, Carlota, mas eu tenho coisas melhores para fazer.

—Eu também, —disse ela. —Eu senti sua falta.

—Mm ¯, disse ele. —Mostre o quanto.

 

*


A alta cumeeira do Bussaco corria dez quilômetros a norte do grande penhasco perpendicular, subindo o rio Mondego. Seu topo estava vazio, além de algumas urzes, aloés espetadas e um pinheiro ocasional, como também de alguns moinhos de pedra e o Convento do Bussaco, a dois quilômetros da extremidade norte.

O Visconde Wellington tinha passado um trimestre no Convento, juntamente com sua equipe. Os dois exércitos sob seu comando, o britânico e o português, foram organizados em uma linha fina, ao longo dos dezesseis quilômetros do cume.

Mas a aparente fraqueza das linhas era enganosa. Eles estavam em cima, nas alturas, ou, para ser mais preciso, além da vista de qualquer um que se aproximasse vindo do leste. Não haveria meio de o exército francês avançando saber, com certeza, que eles estavam lá, ou de estimar a sua posição exata, ou o seu tamanho. E os franceses, agora, não tinham outra forma de avançar ao oeste e, finalmente, ao sul, para Lisboa. Seu caminho estava sobre o cume do Bussaco.

E, finalmente, Massena e seu exército estavam em movimento. Em 25 de setembro, eles passaram por Mortágua, a apenas doze quilômetros do Bussaco.

De alguma forma, pensou Joana, caminhando atrás do capitão Blake por todo o país, a notícia lhes tinha chegado filtrada. Eles se encontraram com poucas pessoas entre Mortágua e o Bussaco, mas todas elas sabiam que os franceses haviam deixado Viseu, que a batalha iria acontecer muito em breve, talvez, até mesmo, no dia seguinte.

Ela estava se sentindo inexplicavelmente deprimida. Se aproximavam agora dos ingleses e de relativa segurança. Logo, antes que o dia terminasse, ela estaria de volta para onde esta jornada tinha se iniciado, relatando seu sucesso ao Visconde Wellington, a Marquesa das Minas, novamente. Matilda estaria esperando por ela, seria capaz de apostar, ou pelo menos teria feito alguns arranjos para o seu conforto. No dia seguinte, enquanto a batalha estivesse sendo travada, ela poderia estar a caminho da segurança. E seria a segurança das Linhas de Torres Vedras.

Ela não tinha por que se sentir deprimida. Mas, assim mesmo, estava. Queria se enganar, alegando que estava inexplicavelmente deprimida? Claro que não.

O capitão se voltou para a olhar. —Está tudo bem, Joana? —Perguntou.

Ela abriu um grande sorriso para ele. —Estarei eu propensa a me queixar de bolhas ou fadiga, depois de tanto tempo? —Perguntou ela.

Mas ele não continuou a andar, como tinha feito após várias paradas semelhantes naquele dia. —Joana —disse ele, —você sabe que é possível respeitar e até mesmo admirar um inimigo. Eu a respeito e a admiro. Você tem um espírito indomável.

—Ah —disse ela, —mas eu não sou um inimigo, Robert.

—O seu suposto meio irmão não reconheceu você assim, ontem —ele disse calmamente.

—Talvez ele estivesse fazendo o meu jogo, —lhe disse. —Duarte tem um forte senso de humor.

Ele olhou para ela e acenou com a cabeça ligeiramente, antes de voltar a caminhar. Ela flexionou as pernas doloridas, e o seguiu. E ela se sentiu tão mortalmente deprimida, que não sabia como conseguiria sorrir, se ele se voltasse novamente.

Ela estava apaixonada por ele, profundamente, irrevogavelmente apaixonada. E não era apenas amor. Ela o amava. Ele era o homem que tinha procurado, inconscientemente, toda a sua vida, o seu suave, poético Robert transformado pelo tempo e as circunstâncias, em um homem duro, auto-suficiente, de princípio firme e paixão escondida. Seu Robert, morto há muito tempo. E foi amargurada, que ela lamentou o Robert ressuscitado. A estranha semelhança que sempre notara, afinal, não era tão estranha. E sua atração por ele, não era mais um mistério. Ou seu amor. Ela sempre soube que nunca iria deixar de amar esse Robert, o Robert Blake. E ela não tinha. E ao corpo cheio de cicatrizes, e o danificado rosto atraente! Eram de Robert? O seu Robert? Ela sentiu vontade de chorar pelo menino perdido, por seus sonhos despedaçados, pela dor que ela e seu pai tinham causado a ele. E ainda assim, não podia chorar pelo homem em que ele se tornara. Pois, embora difícil e duro, era orgulhoso e sensível, também. Não era um homem amargo. E estava vivo. Seu pai tinha mentido para ela. Robert estava vivo!

Ela o amava. E mais tarde, naquele mesmo dia, ela teria que lhe dizer adeus de novo. O pensamento era suficiente para a fazer sentir pânico. Ele iria descobrir seu erro, é claro, e saberia que não eram inimigos. Mas ele seria mortificado, e ela não seria inocente. Ela o tinha enganado vergonhosamente, porque tinha sido divertido o fazer. Diversão! Seu estômago se sentia como se tivesse um peso de chumbo. Ele ficaria com raiva. Ele não seria capaz de a deixar rápido o suficiente.

E mesmo que não ficasse, mesmo se ele estivesse disposto a lhe perdoar e se despedir, ainda... Ela tinha a vida da Marquesa para retomar e ele teria uma batalha para lutar. Talvez, uma batalha em que morrer. Tropeçou contra uma das pedras ásperas na encosta, e caiu dolorosamente sobre um joelho, e ele estava ao seu lado em um instante, a erguendo pelo cotovelo, com mão firme.

—Oh, Robert. —Ela se virou para ele de forma bastante característica e, manteve o braço de distância. —Não faça isso. Vou sobreviver.

Ele ficou olhando para ela em silêncio, enquanto ela esfregou seu joelho. E ela olhou para ele e engoliu seco.

—E você? —Ela perguntou, sabendo que sua voz não estava muito firme. —Você vai sobreviver?

—Eu sempre sobrevivo —disse ele.

—E “sempre”inclui amanhã? —Perguntou a ele.

Ele não disse nada, mas olhou para ela pensativo. E então, ela estava em seus braços, o rosto escondido em seu casaco.

—Oh, —ela disse, —Eu odeio situações sobre as quais não tenho controle. Não me importa quão difícil ou perigoso algo está, desde que eu possa controlar, ou pelo menos, ter uma boa chance de o fazer. Eu tenho sido capaz de controlar quase tudo na minha vida. Exceto, o deixar na primeira vez. E, me casar com Luís. Eu poderia controlar o que aconteceu em Lisboa. Eu poderia controlar o que aconteceu em Salamanca. Mas isso eu não posso controlar. Eu queria estar indo para a batalha, também. Então eu me sentiria melhor.

—Joana... —ele murmurou.

—Eu iria —ela disse a ele, apaixonadamente. —Se eu pudesse lutar ao seu lado, Robert, eu não estaria com medo. Eu riria com a emoção de tudo. Juro que o faria. Odeio ser uma mulher!

—Eu amo o fato de você ser uma mulher —disse ele, e seus braços estavam sobre ela e ele a estava abraçando, bem apertado junto a ele.

—E eu odeio isso —disse ela. —Esta histeria feminina e apego. Eu me odeio. Deixe que eu vá de uma vez. —Ela empurrou seu peito e jogou o cabelo do rosto. —Se você não estivesse pairando sobre mim, como um anjo da guarda, cada vez que tusso ou tropeço, Robert, eu me sairia muito bem, de fato. Gentilmente, ande e deixe que o siga à minha maneira. Eu prometo a você que vou chegar lá como puder, ou morrer tentando!

Ele se foi, depois de olhar fixamente nos olhos dela por vários momentos desconfortáveis. Ela desejava que seus olhos não fossem tão azuis, tão gloriosamente azuis. Ela odiava os olhos. E chutou a pedra em que tinha tropeçado, fazendo uma careta, e depois, continuou a andar.

E mesmo que ele a perdoasse, e mesmo se ele sobrevivesse, poderia não haver nenhum futuro possível para eles. Nenhum. Eles eram quem eram e nada tinha mudado, desde que ele tinha dezessete anos e ela quinze. Embora ele fosse o filho do Marquês de Quesnay, era tanto um bastardo agora, como tinha sido então. E ela era a filha de seu pai. E agora, era também a viúva de Luís e usava seu título ridículo, sobrecarregado com uma enorme riqueza e consequência.

Mesmo que ele a perdoasse e até mesmo se sobrevivesse, havia uma realidade a ser enfrentada. Eles iriam cumprir suas obrigações a partir de hoje, e no futuro seriam como estranhos com uma ligação remota.

—Bem, —disse ela, irritada, falando muito mais alto do que precisava, —você não tem que andar tão rápido, só para me provar que eu não sou sua igual e não posso me manter neste ritmo. —Eles estavam escalando um lado íngreme da colina.

Ele parou imediatamente, se virou para olhar para ela e esperar que chegasse até ele. —Joana —ele falou, com um sorriso espreitando seus olhos, —Eu nunca ouvi você reclamar tanto.

—Eu não estou reclamando! —Respondeu. —Estou apenas sem ar.

Ele a pegou de surpresa, segurando seu rosto com as duas mãos e a beijando, suavemente, nos lábios. —Eu sei que isso é difícil para você, —disse ele. —Mais difícil, eu diria, do que é para mim, embora não saiba como isso poderia ser. Eu sinto muito. Acredite em mim, quando digo que sinto muito.

—Você está se esquecendo, —disse ela, —que eu lhe arranjei uma surra, em Salamanca, e arrumei para que fossem quatro homens contra você? Será que se esqueceu que eu lhe joguei em uma cela e que foi espancado todo dia?

—Não. —Ele tirou as mãos do seu rosto. —Isso tudo parece ter acontecido tanto tempo atrás... Sua respiração já voltou ao normal, de novo?

—Robert —disse ela, e o olhou com uma seriedade inusitada: —Eu o enganei terrível e deliberadamente. Mas não de forma maliciosa. Você se lembrará disso? É só que eu sempre aceito um desafio. E não consigo me controlar, nunca pude resistir a provocações, especialmente aquelas de que mais gosto. Você me perdoará, quando se lembrar desta conversa?

—Esta é uma guerra, Joana —disse ele. —Não há porque guardar rancores. Temos, ambos, feito o que devemos fazer neste conflito.

Ela suspirou. —Mas eu, claro, tenho feito um pouco mais do que isso, —disse ela. —Continue seu caminho, Robert, e não se atreva a se mover como num cortejo fúnebre, simplesmente porque eu o acusei de andar muito rápido. Você estava certo. Estou de mau humor e eu nunca estou de mau humor, e não sei como lidar com isso. Estamos quase no topo. Existe realmente um exército apenas do outro lado? Parece quase deserto.

—É desta forma como o Beau quer que pareça, —ele lhe explicou. —Eu acredito que os franceses vão suspeitar de cada encosta nua, e em silêncio, desejar que essas guerras estejam no fim. —Havia alguns piquetes na encosta, mas nenhum sinal de um exército inteiro.

Ele caminhou para a frente, um pouco mais devagar do que antes, apesar de sua advertência, e ela manteve o ritmo com ele. E lá estava aquela outra coisa também, a única coisa que havia dominado sua vida por três anos, e só recentemente empalideceu em importância ao lado do amor crescente por Robert, e seu conhecimento, igualmente crescente, de que somente uma despedida inevitável os aguardava.

Ela tinha falhado. Ela tinha perseverado, contra todas as probabilidades, até que o tinha visto, o homem que tinha estuprado e matado Maria, e então ela não o tinha conseguido matar. Ela teve sua chance, a chance perfeita. E ainda assim tinha falhado. E agora parecia que nunca teria sucesso. Logo estaria por trás do conjunto dos exércitos britânicos e portugueses, da sua posição aparentemente impenetrável, e não havia nenhuma chance de que visse o coronel Leroux novamente.

A menos que voltasse para o lado francês. Ainda podia fazer isso, ela supôs. Eles ainda a acreditavam leal. Eles ainda achavam que ela tinha sido levada contra sua vontade, como refém. Era provável, porém, que não pensassem assim por muito mais tempo, uma vez que eles viessem de encontro à barreira sólida das Linhas de Torres Vedras. E os franceses, então, saberiam que ela os tinha enganado, que ela trabalhava para os britânicos, e não para eles.

Ela tinha falhado. Joana odiava falhar. Nunca lidara com o fracasso. E, no entanto, parecia que, nesta ocasião, ela devia. E ficou mortalmente deprimida.

E, de repente, eles estavam no topo da colina, seus olhos se arregalando em choque, apesar do conhecimento anterior que a levou a esperar pela visão. Estava um exército ali, um vasto e ocupado exército, se estendendo para tão longe quanto podia ver para qualquer lado que olhasse, apenas fora da vista de qualquer um, até mesmo alguns pés para baixo da encosta oriental.

—Jesus! —Ela ouviu o capitão Blake pronunciar.

O Convento do Bussaco estava a cerca de um quilômetro para o norte deles.

Ninguém a reconheceu e ela não reconheceu ninguém. Não que olhasse para os reconhecer, apesar dos comentários alegres, vaias e assobios, que foram jogados em seu caminho, quando passou ao lado do capitão Blake. Todas as outras mulheres e esposas do acampamento estavam bem longe da crista do cume, na parte de trás com a bagagem.

Era isso, ela não parava de pensar. O fim. E não poderia nem mesmo lhe dar um bom adeus. Tudo seria feito em público, a partir deste momento.

O convento parecia familiar e ainda assim muito estranho, movimentado como estava com os homens e suas atividades, em vez das freiras em sua habitual paz e quietude rigorosas. Joana sorriu para um homem, um major, que a tinha favorecido com um olhar abertamente apreciativo, enquanto passava, para, em seguida, voltar seu olhar, assustado, para uma segunda olhada.

—Sim, sou eu, George —ela disse alegremente. —Um disfarce maravilhoso, você não acha?

Mas o homem não disse nada, ou nada que ela pudesse ouvir, de qualquer maneira. E continuou adiante, para acompanhar o passo alongado do capitão Blake. Ele parecia sombrio e distante, e ela se lembrou de uma impressão anterior, de que não gostaria de ser o inimigo à sua frente na batalha.

A Sede estava incrivelmente agitada. Ninguém andava, parecia que todos corriam. À primeira vista, Joana pensou que ninguém iria perceber qualquer um deles, e sorriu, ao pensar em como todo mundo teria parado, pelo menos, tomado conhecimento de sua presença, se estivesse vestida como a Marquesa. Oh, sim, pensou, mesmo tudo indicando que algo de grande significado estava prestes a acontecer.

Mas, finalmente, eles foram admitidos na presença de Lorde Fitzroy Somerset, secretário-chefe de Lorde Wellington, que cumprimentou o capitão Blake, expressando sua satisfação com seu retorno seguro, e depois sorriu para Joana, apesar de sua aparência, e fez uma reverência cortês, lhe oferecendo uma cadeira.

—Sua senhoria terá o prazer de ver e ouvir sua história —disse ele. —Mas não hoje, eu temo. Você vai entender, capitão, que existem milhares de demandas para cada momento de seu tempo. Senhora, a sua acompanhante insistiu que um quarto lhe fosse reservado aqui, para sua conveniência. Uma muda de roupa sua está lá, eu acredito. Terei alguém que a escolte já, já.

—Isso não pode acontecer, temo eu, —o capitão Blake disse rigidamente. —A Marquesa das Minas é minha prisioneira, senhor. Ela foi levada como refém de Salamanca, e tem estado sob minha custódia, desde então. Ela é ou foi uma agente francesa.

Os olhos de Lorde Somerset olharam para Joana com alguma surpresa, e ela sorriu, deslumbrantemente, para ele. —Eu acho que, talvez, meu senhor —ela disse, —nós devamos nos tornar a demanda mil e uma no tempo de Arthur.


Capítulo 25


Ela não queria que fosse dessa forma, que soubesse a verdade na frente de outras pessoas, muito menos, do Visconde Wellington. Arthur ficaria com aqueles olhos penetrantes e explicaria a verdade em poucas e sucintas palavras, e Robert ficaria humilhado, um espião britânico que tinha feito um erro tão tolo. Não queria que ele fosse humilhado.

Deveria ter feito que acreditasse na verdade quando estavam a sós, ela pensou. Ela poderia ter feito isso se tivesse se empenhado, e se não tivesse sido tão deliciosamente divertido o induzir ao erro. Ela poderia ter feito isso em Mortágua, com Duarte e Carlota por trás da sua história. Em vez disso, lhes permitiu jogar junto com ela. Quão terrível que era.

Lorde Wellington realmente estava muito ocupado, parecia. Lorde Somerset os levou para uma sala mais privada, e ela se sentou com toda a graça, que teria mostrado se estivesse vestida com a elegância da Marquesa; era incrível como revertia ao hábito, quando o ambiente mudou, enquanto Robert estava rígido, meio voltado para ela, contando sua história ao secretário. Ela franziu a testa quando os olhos de Lorde Somerset se desviaram para ela, e pediu que se silenciasse com o dedo sobre os lábios.

—Meu senhor —disse ela, se levantando quando Robert terminou, consciente de que seu porte real e maneira, deveriam parecer extremamente ridículos, combinados com sua aparência bastante irregular e selvagem, —acredito que o capitão Blake está ansioso para voltar ao seu regimento. Ele tem dado o suficiente de seu tempo para me escoltar. Talvez você tenha um momento para me levar ao meu quarto. Vai, naturalmente, destacar um guarda, adequadamente forte, para que fique do lado de fora, até que Arthur possa lidar, ele próprio, comigo.

Talvez ele não precisasse saber de tudo. Ainda não, pelo menos.

—Essa parece ser a melhor ideia, —disse Lorde Somerset, franzindo a testa. —Espere aqui, capitão Blake, por favor.

Ela passeou o olhar pela sala do secretário. Robert ainda estava de pé no meio da sala, como uma estátua de mármore, olhando para longe dela. Eles nem sequer trocaram um adeus.

—Joana? —Lorde Somerset falou, assim que a porta se fechou atrás dele. —Por sua decepção, devo crer que o capitão Blake ainda não sabe a verdade?

Ela se virou para sorrir brilhantemente, se desculpando para ele. —Oh, eu disse a ele, —ela contou, —mas ele não acreditou em mim e eu não insisti. Era muito divertido fomentar suas dúvidas, eu receio. Ele não deve saber, Fitzroy. Seria terrivelmente humilhante para ele. —Mas, era tão difícil sorrir, quando sentia seu coração partido...

Mas uma porta distante abriu naquele momento, para revelar um turbilhão de vozes, e o próprio Visconde Wellington entrou no longo corredor em que eles estavam, três assessores correndo atrás dele. Ele parou.

—Ah, Joana, —ele disse, seus olhos a observando intensamente, da cabeça aos pés —você está a salvo e de volta, não é? Isso é um alívio. Eu tinha ouvido falar, é claro, que estava em segurança, fora da Espanha. E os acontecimentos provaram que deve ter sido bem sucedida lá. Capitão Blake está em segurança também?

—Sim —ela disse, —e ansioso para voltar ao seu regimento, Arthur.

—Você deve nos deixar, sem demora —disse ele. —Antes do anoitecer. Isto vai ser um lugar muito perigoso para uma senhora, até amanhã.

—Eu prospero em locais perigosos —disse ela com um sorriso.

—Mas não este, —ele como que ordenou. —Vou arranjar alguém para a acompanhar para um local seguro. Fitzroy, você o viu, não é? Envie Blake. Ele merece uma certa ruptura do serviço ativo.

—Capitão Blake acredita, —Lorde Somerset começou, mas Joana pôs a mão de leve na sua manga e sorriu seu sorriso mais deslumbrante.

—Oh, muito bem, —disse ela. —Eu não vou discutir, Arthur, quando posso ver que está terrivelmente ocupado. Fitzroy terá Robert para me escoltar até Lisboa.

Lorde Wellington assentiu bruscamente e continuou seu caminho, seus assessores atentos em seus calcanhares. Joana ficou olhando para ele por um momento, e soltou o ar profundamente aliviada, se voltando para Lorde Somerset, seu sorriso ainda firme no lugar.

—Você deve estar freneticamente agitado também, Fitzroy, —ela disse, a mão ainda em sua manga —me desejando a mil quilômetros de distância. Voltemos ao Robert e lhe digamos de sua nova missão. Mas vou fazer a falar. Será que você me suporta?

—Certamente —disse ele, e voltou para a sala abrindo a porta para que ela o precedesse.

Capitão Blake estava de pé onde o tinha deixado, olhando fixamente para o chão. Então olhou para a porta, e os seus olhos encontraram os inexpressivos olhos de Joana. Eles pareciam tão duros como pregos, pensou ela, como se fosse completamente incapaz de qualquer sentimento. Ele se parecia com o soldado por excelência.

—Nós nos encontramos com Arthur no corredor —disse ela, com um suspiro. —Literalmente correu para ele. Ele foi muito polêmico, Robert, mas é claro, que não tem tempo para lidar comigo hoje, e não há soldados para me proteger. —Ela sorriu. —Parece que sou uma prisioneiro a quem ninguém quer. O que é um destino terrível! Eu pensei que iria ser saudada como a espiã mais perigosa da guerra, e colocada em exposição pública, rodeada por um placar de guardas, todos armados até os dentes, ou algo parecido. É bastante difícil, descobrir que não sou nada, só um incômodo. Você deverá me manter firme e segura, ao que parece, até que esta batalha acabe. —disse.

—Joana... —Lorde Somerset começou. Mas ela se voltou para o encarar e aumentou o sorriso.

—Oh, você não precisa ser apologético, Fitzroy —disse ela. —Foi um bom jogo enquanto durou. E o capitão Blake vai cuidar de mim, assim como tem feito desde que deixou Salamanca. Estou bastante certa de que ele não vai me deixar escapar, infelizmente. Você pode ir cuidar de seus negócios. Eu sei que está ansioso para o fazer.

Ele olhou para ela carrancudo, por alguns momentos, hesitou, e depois assentiu para os dois e saiu da sala, fechando a porta atrás de si.

Joana virou e sorriu para o capitão Blake. —Eu sinto muito, Robert —disse ela. —Você deve estar me amaldiçoando.

Ele ainda parecia granito, em pé no meio da sala, olhando para ela. —Lorde Wellington não tomou providências para a mandar de volta em segurança? —Perguntou.

—Ele sabe que eu estarei segura com você —disse ela. —Mas eu não vou ser um fardo para você, Robert, você vai ver. Eu sei que não quer nada mais do que voltar para sua companhia agora, e os preparar e a si mesmo para a batalha de amanhã. E acredito que ela realmente acontecerá amanhã, não é? Você deve fazer isso, e eu vou me sentar calmamente na sua tenda, você tem uma tenda? Se não, então vou me sentar calmamente no chão, e passarei amanhã com as outras mulheres na traseira. O que você diz? Está muito polêmico?

Ele olhou para ela por alguns momentos, em silêncio. —Maldição! —Ele disse, finalmente. E Joana sorriu.

 

*


Normalmente, ele não tinha problemas para dormir, mesmo sob as mais adversas condições. Se havia treinado, ao longo dos anos, a dormir, mesmo que em terreno lamacento, com a chuva caindo, ou o perigo sobre ele. Era uma simples questão de sobrevivência, porque, um homem que não dormia assim, se tornava mais fraco do que aquele que dormia, e força era tudo o que importava para um soldado.

Mas, ele encontrou dificuldade para dormir, na noite antes da Batalha do Bussaco. Seu cérebro fervilhava com muitos pensamentos e sentimentos.

Sua Companhia o estivera esperando, lhe dando uma violenta boa acolhida, o que o fez sentir a alegria de estar de volta com eles, quase como se tivesse voltado para casa, para sua família. Os havia inspecionado e observado, com olhos críticos, se prepararem metodicamente para a batalha e, fez o mesmo. Ele havia se reportado ao general Craufurd, que o tinha chamado de bastardo complicado por se ausentar durante as semanas de marcha, quase um evento, e se apresentar, apenas a tempo para o grande show. Mas o general lhe deu um tapa carinhoso nas costas, enquanto dizia isso.

Todos os preparativos foram feitos o mais silenciosamente possível, e a ninguém foi permitido mostrar, mesmo o topete do cabelo, sobre a crista da colina. Os franceses não deveriam saber que todo o exército esperava por eles no dia seguinte. Com sorte, eles acreditariam que os atiradores estavam cumprindo o dever, fazendo um piquete na encosta leste, como parte da retaguarda de um pequeno número de soldados, que estavam lá para retardar seu avanço.

Pela mesma razão, eles foram para o acampamento na escuridão naquela noite. Nenhum fogo fora aceso. Não haveria nenhum alimento quente.

A notícia tão esperada chegou durante a noite, de que os franceses estavam quase subindo, que estavam acampados a apenas cinco quilômetros de distância, e a emoção agitou, de ponta a ponta, as linhas tranquilas. Aparentemente, as luzes de suas fogueiras brilhavam e os homens tiveram que acreditar na palavra dos poucos privilegiados, a quem haviam permitido ver por si mesmos.

Tudo iria começar no dia seguinte, provavelmente, ao amanhecer, talvez mais cedo. Os piquetes estariam observando, com muito cuidado, prevenindo um ataque noturno, e os homens iriam dormir perto de suas linhas, completamente vestidos, seus braços carregados com suas armas e prontos.

O capitão Blake tinha lutado em muitas batalhas e vivido muitas vésperas. Não havia nada diferente sobre esta. Ele sentiu toda a tensa excitação, em parte medo. E aqui, não havia nada para acalmar esses sentimentos. A Divisão Ligeira estava estacionada próximo da sede, à vista e ao som do Convento, a Quarta Divisão de Cole para a esquerda, do outro lado da ravina que levava à estrada principal para Coimbra, e a Primeira Divisão de Spencer à sua direita.

Não foi a iminência da batalha que tornou difícil dormir, e sua noite foi relativamente confortável. Embora a maior parte de seus homens dormisse no chão em campo aberto, e ele, normalmente, se juntasse a eles lá, alguém tinha lhe erguido uma tenda, como as outras que foram erguidas para a maioria dos oficiais e para alguns dos homens com esposas. E ele não a tinha desprezado, quando, normalmente, o teria feito, com algumas palavras bem escolhidas de agradecimento ao soldado que o fizera, por acreditar que ele crescera desfrutando de todas essas comodidades. Dormia na tenda, agora, com Joana.

Robert havia destacado um guarda para ela, enquanto ele se ocupava com sua Companhia, que conhecia o capitão apenas pela reputação e, que o olhava com adoração, quase boquiaberto. Não que um guarda fosse necessário. Ela não deu sinal de querer escapar, até ajudou a erguer a tenda. E conversava alegremente com vários oficiais surpresos, e que conhecia, e com alguns que ela não conhecera antes.

—Sortudo! —O capitão Rowlandson lhe tinha dito, quando percebeu que Joana partilharia sua barraca.

Mas ele não se sentia com sorte; tinha se preparado para partir do Convento sozinho, e não tinha enfraquecido. Contara tudo o que sabia sobre ela, de forma concisa e desapaixonada, e depois tinha escapado dela, ou isso lhe pareceu. Ela saiu da sala sem uma palavra de adeus, algo que ele temera por alguns dias.

Mas voltara. E ele teve a alegre surpresa de saber que a teria por, pelo menos, mais um dia, e um igual ressentimento, porque tudo o que deveria ser passado, agora seria presente, mais uma vez, que sua história ainda não havia terminado depois de tudo, que, talvez, despedidas ainda fossem necessárias.

Ele queria estar livre para se concentrar na batalha, queria correr para ela, depois que Lorde Somerset a havia deixado na sala, e a apertar em seus braços. Robert não queria essa confusão de sentimentos, na véspera da batalha. Ele se ressentia dela e de Lorde Wellington por o ter enviado como guarda-costas dela, porque não queria ter mais nada com ela.

—Joana —disse, quando se juntou a ela em sua barraca, para a noite curta, já que ele deveria estar de pé muito antes do amanhecer, pronto para liderar seus homens na linha de combate, no morro. Quando Robert deitou, ficou de frente para Joana, deslizou o braço para que ela apoiasse o pescoço, uma de suas ações tão familiares, de tal forma, que se perguntou como iria conseguir dormir durante a noite, uma vez que ela tivesse, finalmente, partido. —Eu não vou fazer amor com você, esta noite.

—Eu sei —ela disse suavemente, se abraçando contra ele, um braço sobre sua cintura, sem tentar qualquer um dos seus truques habituais.

—Vou precisar de toda a minha energia amanhã —disse ele.

—Eu sei. —Ela descansou sua face no peito dele. —Eu sei, Robert. Você não tem que explicar. Durma, agora. E não me poupe de nenhum pensamento amanhã. Eu não vou tentar fugir, prometo, por minha honra. E minha honra me é cara.

Ele beijou o topo de sua cabeça e, se perguntou se estaria mesmo vivo depois da batalha, saber se ela falou a verdade. Ele, normalmente, não queria saber dessas coisas. Temer que alguém morra em batalha é um gasto inútil de energia.

E ainda assim, ele passou a meia hora seguinte, um tempo valioso em que deveria estar dormindo, pensando sobre o dia de amanhã, se perguntando se iria morrer, querendo sobreviver para a ver de novo, e a abraçar mais uma vez, mas, então, teria a dor de dizer adeus a ela no final, de a ver levada ao cativeiro! E seu cérebro não parava de funcionar, não importava o quão duramente o tentava acalmar.

Começou a desejar que eles tivessem feito amor, apesar de tudo. —Robert. —Ela sussurrou seu nome. —Você precisa dormir. —Ele riu.

—Quando você era um menino —ela disse em voz baixa, e ele podia sentir os dedos dela afagando seu cabelo, —o amei porque era alto e bonito, e eu não conhecia outro homem jovem; e porque você tinha um jeito de sorrir, que chegava até seus olhos; porque estava disposto a ouvir os sonhos e divagações de uma menina; porque você podia dançar, subir, correr e beijar; e, porque... oh, porque era verão, eu era jovem e estava pronta para o amor.

Seus dedos estavam se movendo levemente sobre a cabeça dele.

—Você foi um menino doce e gentil, —disse ela. —Mas, não era fraco. Era incrivelmente forte. A maioria dos homens teria se conformado com uma grande quantidade de degradação e insultos, com o conforto da vida privilegiada, que lhe foi oferecida. Mas você desistiu de tudo, para poder manter sua integridade e dignidade. E então, você construiu para si mesmo uma vida da qual pode se orgulhar.

Ela fez tudo isso soar quase como uma maldição, ele pensou, com preguiçosa diversão.

—Fiquei chocada quando percebi que os dois Roberts da minha vida eram a mesma pessoa —disse ela. —Eu mal pude acreditar. Por muito tempo pensei que você estivesse morto. E você me olhou, e parecia muito diferente do garoto da minha memória. Mas é apropriado que você seja uma e a mesma coisa. Fico feliz que seja, e eu estou contente por se tornar no homem em que se tornou. Estou feliz que você viveu. Sabia que você é um herói para seus homens e muito popular com eles? Allan, o jovem privado que você escolheu para me guardar, o olha como uma espécie de deus. E você é altamente respeitados na sede. Tem feito maravilhosamente bem, e tudo por conta própria, sem a ajuda de ninguém.

Seus dedos continuaram a afagar o cabelo dele. —Robert? —Ela sussurrou, depois de vários momentos de silêncio. Mas não houve resposta.

—E eu amo o homem, me é tão caro como eu amava o menino —ela disse, sua voz não mais alta que um murmúrio. —Mais do que isso, porque agora, eu sei como o amor é duro de encontrar, o quão difícil é encontrar um homem digno de ser amado. Eu sempre o vou amar, não importa o que aconteça amanhã.

E o capitão Robert Blake dormiu.

 

*


Havia algo quase assustador sobre a cena de antes do amanhecer. Milhares de homens foram acordando sem o auxílio das cornetas, ajeitaram suas roupas e verificaram suas armas, tomaram e comeram um café da manhã simples e frio, e correram para seus lugares designados, sem fazer quase nenhum som, além dos sussurros inevitáveis. Não havia sinal de medo, só uma consciência maior de emoção reprimida.

As tendas tinham sido desmontadas e levadas de volta para trás. As mulheres que tinham vindo passar a noite com seus homens os estavam beijando, num adeus sem barulho algum ou histeria, e depois, retomando seus lugares, no campo atrás de onde a batalha aconteceria.

Joana assistiu toda a atividade como se estivesse muito longe, como se ela não fizesse parte, de modo algum. Mas, na verdade, não fazia parte, mesmo, e odiava sua falta de envolvimento. Para ela, sentimentos doentios e morrer de medo, eram coisas que desprezava em si mesma, e, geralmente, os procurava evitar. Se ao menos estivesse se preparando para lutar ao lado dos homens achava que não sentiria medo.

Quem quer que tivesse decretado que as mulheres não deveriam lutar era estúpido ao extremo, assim pensava.

O mesmo soldado raso estava ali para a proteger naquele dia, também, e o capitão Blake estava lhe dando instruções, secamente, de forma impessoal, como se ela não significasse nada para ele, como se não fosse nada mais do que sua prisioneira. Ela se perguntou se o soldado se importava de perder a batalha, se ele se ressentiria dela. Parecia orgulhoso o suficiente de si mesmo, como se seu capitão o houvesse escolhido para um ato de coragem extraordinária.

Ela tentou memorizar esses detalhes e pensamentos, ignorar a bola de pânico que foi nascendo no fundo de seu estômago.

E então, já era hora dele ir.

—Joana —disse ele, olhando para ela, por fim. Ainda não tinha amanhecido totalmente, não havia luz suficiente para ver uns aos outros de forma clara. E havia uma névoa. Ele era a sua pedra de salvação, pensou ela, olhando para ele também pela última vez. —Vá com o Soldado Higgins. E se lembre da sua promessa de ontem, se você puder. Eu a verei mais tarde. —A bola no estômago explodiu, e ela se viu lutando com suas pernas e sua respiração. Se perguntou se isso era o que as mulheres chamavam de vapores. Ela ergueu o queixo e olhou fixamente para ele. —Até mais tarde, —lhe falou, e depois lhe deu o sorriso mais deslumbrante, antes de se virar.

Ele estava colocando seu rifle no ombro, quando ela se virou para o encarar novamente. —Robert, —disse ela, e não se importou que o jovem soldado estivesse ali ao lado dela escutando, e também meia dúzia de outros homens ao alcance de sua voz. —Eu o amo e quero que você saiba disso, no caso de nunca mais voltar. Sua mão parou em seu rifle. Todo o seu corpo mostrava tranquilidade, mas ficou tenso. E então e assentiu, sem sorrir, se virou, e se foi.

—Bem. —Ela riu levemente. —Alguém tem que dizer essas coisas quando um homem vai para a batalha, Allan. Agora, aonde é que você vai me levar? Espero que não volte para os carrinhos de bagagem e as outras mulheres. Seria tedioso não ouvir nenhuma notícia da batalha, uma vez que seja travada, não é?

—Sim, senhora —ele respondeu.

Ela lhe sorriu. —Você odiaria isso, não é? —ela perguntou. —Você veio aqui para fazer parte de tudo isso, e estaria justificadamente chateado, porque uma simples mulher o manteve tão além da ação, e ainda mais, se você nem soubesse o que estava acontecendo. Alguns de seus amigos podem até o chamar de covarde. Isso seria bastante injusto, não é?

—Sim, senhora, —falou, hesitante. —Mas estou seguindo ordens. Estou orgulhoso de seguir as ordens do capitão Blake.

—Claro que você está, —continuou ela. —E esta noite ele vai ter orgulho de você, por ter feito bem o seu trabalho. Vou até o tornar fácil para você, não tentando escapar. Eu não faria isso, você sabe. Devo ficar aqui para ver o seu retorno seguro. Eu quis dizer o que eu disse a ele agora, você vê. —Ela sorriu de forma confidencial para ele.

—Sim, senhora, —ele entendeu, e estava caindo sob o seu feitiço. Ela sabia que, se em seguida tivesse dito que o preto é branco, ele teria respondido —Sim, senhora. —E ela teria abusado, cruelmente, de sua vantagem. Ela morreria de tédio, frustração e medo, se tivesse de passar o dia junto com os suprimentos, bagagem e as mulheres, sem saber como ia a batalha, e não saberia como Robert estava. Estaria longe de ver o exército francês. Estava, agora, começando a lhe renascer a esperança, com o exército francês tão perto dela, durante todo o dia.

Talvez tivesse mais uma chance... Mas, não, não deveria esperar tanto, seria muito bom para ser verdade. Além disso, não teria seu mosquete ou a faca. O primeiro pendurado no ombro esquerdo do Soldado Higgins, que também equilibrava o rifle sobre o seu direito. A faca, provavelmente ainda estava no cinto de Robert.

—Eu acho, —disse ela, quando estavam na terra de ninguém, entre a frente e o trem de bagagem —que este seria um bom lugar para parar, Allan. Daqui, poderemos ver a ação por nós mesmos, ou o que possa ser visto deste lado da colina, de qualquer maneira.

Ela parou e olhou de volta para onde veio, para a frente da infantaria britânica e portuguesa que formavam duas linhas, apenas por trás do topo da colina. Muito pouco podia ser visto. A escuridão estava apenas começando a levantar, mas a névoa ainda não tinha se decidido a seguir o exemplo. Quem seria favorecido pela névoa? Se perguntou, e sentiu uma nova carga de medo, desconhecida para ela, vir novamente, quando imaginou Robert, na frente das linhas com seus batedores, incapaz de ver exatamente quem ou o que estava avançando sobre eles.

—Mas se os franceses tomarem o monte, senhora, —o Soldado Higgins lhe disse, —você estará em perigo. Estará mais segura mais para trás.

—Mas, Allan, —ela voltou toda a força de seu charme para ele, —tenho inteira confiança na coragem e força de nossos valentes homens. Não acha? Claro que irão segurar os homens do Marechal Massena. E, se por algum acaso não o fizerem, você me protegerá. —Ela colocou a mão levemente, em sua manga. —Eu tenho total confiança em você. Afinal, não foi escolhido pessoalmente pelo capitão Blake? Eu sei que você se distinguiria em minha defesa.

Ele olhou para ela com a mesma adoração nos olhos, que tinha visto no dia anterior, por Robert. Pobre menino, pensou. Ele, provavelmente, esquecera completamente que a estava escoltando como uma prisioneira e não a defendendo como a senhora do seu capitão.

—Nós vamos ficar aqui por um tempo, então, minha senhora —disse ele, —até que a ação fique muito quente. Então, eu a levarei lá para trás. —Houve a sugestão de uma certa arrogância em sua voz, Joana notou.

Ela nunca tinha estado perto de uma batalha, mas imaginou que essa terra de ninguém, atravessada de norte a sul por uma pista da largura de um carrinho, seria usada, mais tarde, pelos mensageiros cumprindo sua missão entre Lorde Wellington e as várias divisões. E, talvez, ela conseguisse saber alguma notícia do que estava acontecendo.

Mas sua ideia triunfante foi engolida pelo medo, ao ouvir os tambores distantes e os pífaros soarem o avanço.

Tambores e pífaros franceses, soando ao avanço francês.


Capítulo 26


O Marechal Massena cometeu o erro de supor que, se as forças de Wellington estavam no cume do Bussaco de verdade, eles estariam concentrados na metade norte das colinas. Ele não acreditava que Wellington seria ousado o suficiente para os reunir para além do comprimento de dezesseis quilômetros de todo o cume. Seu plano era lançar o corpo de exército (divisões de infantaria, artilharia, engenharia, cavalaria e vários generais sob seu comando) do general Reynier contra uma crista baixa no centro das colinas, de modo que, quando levasse seus homens, eles poderiam circular por trás dos britânicos, enquanto o Marechal Ney atacava a maior parte da frente norte do morro, acima da estrada para Coimbra, em direção ao Convento. O Marechal Massena iria cercar o inimigo.

O primeiro ataque esteve perigosamente perto do sucesso, quando os franceses atacaram em densas colunas, atrás da escaramuça rápida, que limpou a colina de batedores britânicos. A névoa no início da manhã estava a seu favor. Foi apenas a obstinada determinação da infantaria britânica e a coragem constante dos portugueses, em sua primeira batalha campal, além da chegada oportuna das forças do general Leith, vindas pela direita ociosa, que evitou o desastre e enviou as colunas francesas de volta, morro abaixo, desordenadamente, deixando seus mortos e feridos para trás.

Marechal Ney começou seu ataque logo depois das sete horas, enviando a divisão do general Loison, que designou sua bateria de doze armas para tomar a aldeia de Sula e, depois, empurrar para cima do moinho de Ross, de Sula, ao longo da estrada pavimentada para o Convento, o posto de comando aliado comandado pelo general Craufurd, da Divisão Ligeira. Foi uma tarefa difícil, e o levantamento da névoa da manhã deu alguma vantagem aos britânicos.

Joana ficou com o soldado Higgins na faixa lateral que corria ao longo do cume, por trás de sua crista. Tudo era movimento, barulho e confusão, uma vez que a luta havia começado, e ela sentia toda a agonia de sua própria impotência. Em Salamanca tinha havido perigo, que fora capaz de controlar e manipular, e, não teve medo. De fato, admitindo a verdade, ela se divertiu lá. Mas aqui, se sentia impotente.

Não só não havia nada para ela fazer, como não parecia haver nenhuma maneira de saber como a batalha estava se desenvolvendo, nenhuma maneira de saber se ele ainda estava vivo. Havia toda a frustração da névoa na superfície do cume, o que escondia sua visão da ação, e, os sons ensurdecedores e aterrorizantes dos tambores e armas, tudo vindo do sul.

No início, ela não fez nenhuma tentativa para parar qualquer um dos mensageiros, que galopavam para frente e para trás ao longo do caminho, obviamente, transportando mensagens importantes de um posto de comando para outro. Mas se irritou quando um gritou de passagem.

—Mulheres para a retaguarda! —Ele gritou. —Maldição, Soldado. Leve esta mulher do caminho. —E continuou sem pausa.

O soldado Higgins tossiu, nervoso. —Para sua própria segurança, senhora... —ele começou.

Mas o insulto tinha sido tudo que Joana precisava para a acordar do estado de quase paralisia, que o som das armas lhe tinha deixado. Ela entrou no caminho e gritou injúrias, depois da partida do mensageiro, esquecida que tinha o pobre soldado a encarando, espantado.

—Homens! —Ela disse, finalmente. —O Dom de Deus do reino animal. Ele cometeu um erro tão grande os criando, que teve que criar as mulheres para deixar tudo certo e em paz, novamente. E isso foi muito mais certo.

Outra pessoa vinha na direção deles, alguém que ela conhecia. Colocou as mãos nos quadris e levantou o queixo, enquanto Higgins, ela podia ver pelo canto do olho, parecia estar pulando de um pé para o outro.

—Jack! —Ela chamou em voz alta e clara.

O major Jack Hanbridge freou tão rápido, que seu cavalo empinou e ele teve que lutar, por um momento, para se manter na sela. Ele franziu a testa para a mulher que se manteve firme no caminho, e depois olhou mais de perto.

—Joana? —Ele disse por fim. —Joana? É você mesmo? —Seus olhos corriam sobre ela. —Bom Deus. Mas, o que, em nome de um trovão, você está fazendo aqui? Permita-me...

Mas Joana levantou uma mão impaciente. —Me diga logo o que está acontecendo, —ela ordenou. —Estamos vencendo?

—Oh, com certeza, —disse ele. —Você pode confiar no Beau, Joana. Ele os enviou de volta, com o rabo entre as pernas. Eles tentavam chegar aqui no Convento, mas o Bob Craufurd os vai segurar. E veja o que os espera se conseguirem chegar ao topo? —Seu braço varreu um amplo arco por cima do ombro.

Joana viu as linhas da infantaria, tranquila e disciplinada, que já tinham tomado seus lugares atrás da linha do horizonte. Eles enviariam uma saraivada de balas mortal a qualquer francês infeliz que fosse aparecer sobre o monte.

—Mas o que diabos você está fazendo aqui? —Hanbridge perguntou novamente. —Você deve voltar, Joana, deve ficar longe daqui. Deixe-me...

—Jack, não seja cansativo —disse ela. —Os franceses estão no caminho desta colina, então? Quem os está segurando?

—Oh, eles vão ser interrompidos —disse ele. —Não tenha medo. Nós temos os melhores dos nossos batedores lá embaixo.

—O Nonagésimo Quinto, —ela mesma respondeu, seu estômago executou um salto mortal, no mesmo instante.

—E os Caçadores —disse ele. —O melhor. Agora, deixe-me...

—E que forças francesas estão chegando? —Perguntou ela. —Você sabe, Jack?

—Corpo do exército de Ney —disse ele. —Mas nós dispostos...

—Ney? —Disse ela. —Quem, em particular, Jack?

—Divisão do general Loison, acredito —disse ele. —Joana, eu tenho que ir. É este soldado o seu acompanhante? Soldado...

—Sim, sim —disse Joana. —Siga no seu caminho, Jack. Não serei eu que o vou atrasar. Estou bastante segura aqui.

Ele olhou para ela com ar de dúvida e franziu a testa para o soldado Higgins. Mas ele já tinha se atrasado mais de um minuto. Esporeando seu cavalo, galopou para o sul.

General Loison. O coronel Leroux estava em sua divisão. Talvez seu batalhão estivesse entre aqueles que vinham até à colina. Talvez, oh, talvez... Joana olhou rapidamente para ela. Tudo estava funcionando com uma organização profissional. E, no entanto, parecia que todo o inferno surgiu além da colina. Talvez o coronel Leroux estivesse um pouco além da colina. E Robert estava lá, no meio de todo o trovão das armas e de toda a fumaça mortal. Talvez ele já estivesse morto. Talvez o coronel Leroux o estivesse ainda querendo matar. Possivelmente...

Talvez, oh, ela ficaria louca se tivesse que ficar parada por mais um minuto. Não, não houve, talvez, sobre isso.

—Allan —disse ela, se virando para o jovem que era o seu guarda. Ela parecia selvagem, com medo. —Me dê a minha espingarda. Por favor, dê para mim.

—Eu não posso, minha senhora. —Ele deu um passo para trás, mas ela avançou sobre ele.

—Você pode e você o fará, —disse ela. —Gostaria de estar desarmado neste momento? Os franceses podem rebentar sobre o monte, a qualquer minuto, e eu estou indefesa. E não me diga que você vai me defender ou que você vai me levar de volta à segurança. Estou a falar de agora, neste instante. Dê a minha arma, pelo menos. Você acha que eu estou prestes a assumir a totalidade do nosso próprio exército com ela? —o soldado Higgins deu um meio passo para trás. —Não, senhora, —disse ele.

—Me dê, então, —ela disse, com a voz trêmula. —O capitão Blake não iria querer que me matassem, eu lhe garanto.

—Mas, minha senhora —disse ele, protestando quando ela estendeu a mão e puxou a espingarda, a verificando, rapidamente, um pouco fora de prática, mas, no entanto, acostumada com a arma. —Mas, senhora...

Ela quase sentiu pena dele. Robert o iria crucificar, no mínimo. Mas não houve tempo para obedecer à consciência. Ela nivelou o mosquete sobre o garoto, cujos olhos se arregalaram em uma espécie de espanto magoado.

—Eu estou indo para a frente, —disse ela. —Preciso ver por mim mesma o que está acontecendo. Você pode me seguir, se desejar, Allan, ou pode atirar em mim por trás. Voltarei para cá em um momento, mas você não vai me impedir. Esta é a minha batalha também, mais minha que de qualquer outra pessoa, eu diria.

—Mas, senhora... —O soldado Higgins protestou, com sua voz aguda e frenética, quando ela lhe voltou as costas e começou a correr. Ela estava de costas, tensa, embora soubesse que ele não iria atirar. O barulho das armas era muito intenso, para saber se ele lhe gritou algo mais, ou se estava correndo atrás dela. E ela não iria parar, não pararia por nada, nem por ninguém. Alguns dos soldados de infantaria da Quadragésima Terceira e da Quinquagésima Segunda, que estavam na linha abaixo da do horizonte, olharam para trás e a viram. O general Craufurd a viu e gritou algo, enquanto ela passava o moinho. E os artilheiros a viram quando circulou passando a bateria, e correu para baixo, no inferno.

Mas ninguém a tentou impedir. Ninguém ia parar uma batalha ou tomar qualquer risco adicional para evitar uma camponesa louca de se atirar para a morte certa.

E, estranhamente, agora que estava sobre o cume da colina e tudo era ruído e fumaça, e as armas disparavam de ambos os lados, atrás e na frente dela, e que podia ver as escaramuças britânicas e portuguesas, abaixo na urze e nas pedras à sua frente, do outro lado da colina, disparando para baixo sobre os atiradores franceses se aproximando, as massas das colunas francesas vindo atrás deles, ela não sentia mais medo. Havia apenas uma excitação que lhe tirava o fôlego e uma consciência aguda.

Era quase como se o tempo se desacelerasse, como se tivesse todo o tempo do mundo para observar detalhes. Os britânicos e os portugueses estavam na encosta, muito perto. Os franceses já os tinham empurrado de volta pela aldeia de Sula e prosseguiram. Eles estavam se movendo, inexoravelmente, para cima. Sua mente se fixou no quadro geral, quase imediatamente.

Ela deitou de bruços, atrás de uma pedra; poderia disparar apenas uma vez com a espingarda, porque não tinha munição para recarregar. Devia escolher seu alvo com grande cuidado, e não que tivesse algum interesse em matar franceses, só queria um deles. E, certamente, oh, com certeza ela não teria a sorte de o ver.

Mas repentinamente ela viu Robert abaixo dela, e ficou feliz por estar de bruços. Ele estava agachado, apontando seu rifle e atirando no inimigo. Seu rosto estava preto com a fumaça de sua arma, e havia uma mancha de sangue descendo da uma têmpora. Mas ainda estava vivo. Oh, Deus, estava vivo.

Ele atirou o rifle atrás dele para um sargento recarregar e pegou sua espada do chão, ao lado dele. Como capitão, não se esperava que usasse uma arma como todos os outros, apenas que comandasse e orientasse seus homens com a espada. Mas Robert estava fazendo as duas coisas. Ele era ao mesmo tempo o líder e o guerreiro. O Sargento recarregava a espingarda e a punha de volta no chão.

Capitão Blake e sua companhia estavam, teimosamente, segurando a ascensão dos franceses, ela podia ver, se recusando a ceder terreno até que fossem forçados a o fazer, apesar do fato de que as outras companhias em torno deles já terem se retirado de volta até a colina. Mas as colunas francesas foram chegando cada vez mais perto, atrás de seus próprios atiradores.

Logo os atiradores e caçadores não teriam outra escolha senão se retirar ou morrer desnecessariamente.

Joana viu tudo em apenas alguns segundos. Ela viu o perigo de Robert e sua teimosia. E olhou além dele, às colunas azuis avançando, pouco mais visíveis do que uma massa densa através da fumaça. E, no entanto, um detalhe explodiu em seus olhos, incrédula, convencida por um momento que tivesse visto apenas o que desejava ver.

O coronel Leroux estava à frente de uma das colunas, os instando para a frente, sua espada levantada. Ela sentiu as mãos de repente, frias e pegajosas em sua espingarda, e seus dedos a apertaram. Mas não iria se abalar, por Deus, ela não iria. Ele havia matado Maria e pior, ele tinha feito essas coisas indizíveis à irmã, antes de comandar sua morte; e ela, Joana, tinha visto tudo. Por isso ele iria morrer, e ela iria manter as mãos firmes ou morrer na tentativa.

Mas ele estava muito longe. Ela sabia, mesmo quando o avistou na mira da arma. Não fora do alcance do mosquete, mas para além de certo intervalo. O mosquete era notoriamente pobre para abater qualquer alvo definido a alguma distância. E ainda assim, não podia esperar. Seu coração estava batendo na garganta e tímpanos, mais poderoso até do que o ruído dos tambores franceses. Ela teria ajuda. Algum poder acima a iria ajudar. Não poderia falhar. Não agora, quando o destino lhe tinha dado esta última chance, uma incrível coincidência. Não poderia falhar.

Ela disparou, e viu o coronel Leroux marchando, ainda incitando seus homens adiante, ainda acenando com a espada no ar. Ele não soube que ela estava lá, e que tinha acabado de lhe disparar. Ela deixou cair o rosto sobre a terra e deu lugar ao desespero momentâneo, enquanto o inferno continuou.

E então, sua cabeça se levantou e seus olhos focaram e ampliaram no rifle carregado, ainda no chão, atrás do capitão Blake, logo abaixo dela. A qualquer momento ele o iria pegar; a qualquer momento, ele daria o sinal a seus homens para se retirarem; a qualquer momento, sua última chance teria ido e Miguel e Maria não seriam vingados por toda a eternidade.

A batalha estava se aproximando e se intensificando, mas tudo o que Joana viu foi o rifle no chão, logo abaixo dela, e tudo no que conseguiu pensar foi em o alcançar, antes que fosse tarde demais. Ela abandonou seu mosquete, e se arrastou ladeira abaixo.

Tudo aconteceu em segundos. E se um poder superior não a guiou alguns momentos antes, certamente, um estava cuidando dela agora. Os únicos ferimentos que podia contar, depois que tudo acabou, foram os arranhões e contusões que tinha adquiriu se arrastando pelo chão.

Ela foi arremessada para baixo da encosta íngreme, de alguma forma, sem tropeçar, e o rifle estava na sua mão antes que o capitão Blake se virasse e olhasse para ela espantado, com olhos que pareciam incrivelmente azuis, no rosto ensanguentado e enegrecido.

—Jesus Cristo! —Ele conseguiu dizer.

Mas ela nem sequer ouviu a blasfêmia. Estava de pé, levantando o rifle desconhecido no ombro, e observando, e depois, gritando contra o trovão do som ao seu redor.

—Marcel! —Ela gritou.

Se ele a ouviu, ou se a sua atenção foi atraída pela visão incomum de alguém, uma mulher em pé na barreira, apesar de todas as balas zunindo, ela não sabia. Mas ele a viu. E a reconheceu. E viu que ela estava com a arma apontada para ele, tudo em questão de uma fração de segundo, mas ele tinha visto tudo, e sabia que, desta vez, ela não poderia falhar.

Ela disparou o rifle.

E o assistiu parar no meio do caminho, com uma expressão de surpresa no rosto, e cair para um lado antes de atingir o chão.

Ela riu em triunfo.

E então, a estranha sensação que tivera desde que chegou ao topo da colina, de que o tempo tinha sido suspenso, a deixou, quando desabou no chão, dois poderosos braços em sua cintura.

—Jesus, mulher! —Disse. —Jesus!

Ela jazia ofegando sob o peso de seu corpo. E sentiu um terror arrepiante ao ouvir a batida constante dos tambores franceses, o pesado trovoar dos canhões britânicos e, as armas dos atiradores disparando.

—Eu o matei —disse ela, com a voz um suspiro de triunfo. —Eu o matei.

Mas ele não a estava escutando. Ele estava em um joelho ao lado dela, sua espada varrendo o ar, a voz, um grande rugido. —Voltar —ele gritou. —para trás, bastardos.

Ele manteve o aperto no braço dela, conforme eles se retiravam até a encosta, seus homens atirando. O Sargento tinha pego a arma e a recarregou, Joana viu. E se preparou para morrer. Não havia nenhuma maneira de o evitar, ela entendeu, pega como estava entre dois grandes exércitos em todo o caos de um inferno.

—Me dê a arma, —disse ela, numa louca tentativa. —Eu ajudo.

Mas Blake a empurrou, mais ou menos para trás dele, e ela tropeçou. Ele falou com um grunhido. —Você não vai escapar, —disse ele. —Você permanecerá minha prisioneira, ou morrerá comigo. Desça e fique no chão.

Ela fez o que lhe foi ordenado. Suas próprias vidas dependiam de ela o acatar, pela primeira vez na sua vida, ela sabia, mesmo que pudesse ter ajudado, se ele lhe tivesse permitido usar seu rifle. Mas, não havia tempo para discutir.

Cada metro de solo era árduo, e em cada palmo de terreno Joana se preparou para morrer. Ela não se importaria que isso acontecesse, pensou, agora que tinha vingado a morte de seu meio-irmão e meia-irmã, se, ao menos, Duarte pudesse saber. E ela não se importaria de morrer com Robert ao lado dela. Se sentia estranhamente calma, após o primeiro terror lhe enfraquecer os ossos.

Mas se ela fosse morrer, não era para ser ainda, apesar de tudo. À medida que os atiradores se aproximaram do topo da colina, as colunas francesas foram duro sobre eles, as grandes armas foram retiradas para evitar a captura e o general Craufurd se sentou, calmamente, em seu cavalo fora do moinho, para avaliar o momento. Joana teve um vislumbre de como ele estava limpando o chapéu. E então, ela ouviu seu agudo abaixo, bastante audível, acima de todo o ruído.

—Agora, o Quinquagésimo Segundo! Vingaremos a morte de Sir John Moore! —Ele gritou.

—Companhia —O abaixo foi Robert, em seu ouvido. Ele tinha um aperto em seu braço que cortava a circulação da mão dela. —Se juntem à linha!

—Carregar! Fogo! —O general rugiu. —Huzza!

As linhas britânicas que estavam esperando por trás do horizonte deram um passo à frente, para tornar a sua presença conhecida para os desavisados franceses, os mosquetes nivelados, as baionetas fixas. Os atiradores foram para o fim da linha e se juntaram à ação.

Capitão Blake atirou Joana para trás das linhas. —Volte! —Ele gritou com ela. —Se ponha em segurança. Eu a encontrarei mais tarde.

E ele se foi, para se juntar a seus homens na carga, de volta para baixo do morro. Joana ouviu o som assassino de tiros de mosquete e soube que o avanço francês tinha sido interrompido, que centenas morreram naquele primeiro momento. Ela ficou cansada, em pé, e se retirou para o outro lado da pista lateral.

Se sentia mortalmente fraca e cansada. Se pudesse apenas cair no chão e fechar os olhos, pensou, certamente dormiria durante uma semana. Mas ela não faria isso. Ainda não. Não até saber que ele estava seguro. Não até que lhe tivesse dado a chance de a vencer na luta. Havia um fio fino de diversão em seu sorriso.

Até que se lembrou, que tinha acabado de matar um homem.

E então, ela começou a tremer.

 

*


Estava tudo acabado. Os franceses tinham se retirado e não haveria mais luta naquele dia. Como geralmente acontecia depois de uma batalha, ou às vezes até mesmo no meio de uma batalha, quando uma trégua temporária tinha sido tocada e ouvida, os franceses e ingleses se misturaram no morro, toda a hostilidade desaparecida, reunindo seus mortos e feridos. Alguns homens ainda trocaram saudações e goles da água preciosa, com outros em quem tinham atirado, apenas alguns minutos antes.

Era, talvez, a parte mais estranha da guerra para aqueles que não estavam acostumados a isso.

O capitão Blake trabalhava ladeira acima com seus homens. Ele podia beber dois riachos de água, se simplesmente, estivessem diante dele. Mas, sua principal tarefa era encontrar seus próprios mortos, e os mandar para seu sepultamento, sempre a parte mais dolorosa de um dia de luta, e ver se os feridos eram atendidos, se seus ferimentos eram leves, ou os levar para as tendas hospitalares, se tivessem a necessidade de amputação.

E ainda assim, ele fez um desvio no caminho com a sua companhia, na hora de voltar. Andou até onde um grupo de franceses, maior do que o habitual, estava reunido, um sinal claro de que um oficial de alto escalão estava prestes a ser levado. E descobriu que não se tinha enganado, e ainda se perguntou se não tinha uma certa dose de prazer na descoberta. Mas isso era estranho, atemporal, como se o tempo tivesse parado de andar por um instante, o fazendo duvidar de seus próprios sentidos.

Mas ele não tinha se enganado. O oficial francês, que tinha morrido com uma bala pouco acima do coração, mais ou menos no mesmo lugar que a sua própria ferida do ano anterior, era o coronel Marcel Leroux. E Joana o tinha matado.

Não tinha?

Se ele tivesse imaginado isso... Ela se levantou, muito imprudentemente, se expondo a morrer, gritou seu nome, o objetivo deliberadamente tomado, e o matou.

O capitão Blake franziu a testa e refez o caminho para se juntar a seus homens novamente, para dirigir os enterros e a remoção dos feridos.

Quase no topo da colina, se ajoelhou ao lado de um menino chorando, o acudindo de forma tranquilizadora no ombro, antes de o reconhecer. O soldado raso Allan Higgins virou o rosto para a mandíbula apertada do capitão Blake.

—Você vai viver, —ele disse enquanto um corte na calça revelava o buraco de uma bala. —Teremos de ter essa bala removida, mas você vai manter a sua perna. Está doendo muito?

O rapaz fez um esforço para controlar seus soluços. —Não, senhor, —disse ele, obviamente mentindo. —Mas, eu não a podia matar pelas costas, senhor. Ela correu, mas eu não a poderia matar.

—Não —Capitão Blake apertou seu ombro. —Um homem não dispara numa mulher pelas costas, mesmo se ela for o próprio diabo. Bem, rapaz, você teve seu primeiro gosto de batalha, e de ser absolvido também. Você veio para a frente, quando poderia ter ficado lá atrás.

—Mas eu o decepcionei, senhor. —Os soluços retomados.

—Domine-se, soldado, —o capitão Blake disse, se endireitando e acenando para os dois soldados que tinham vindo para levar o menino até a colina. —Vamos discutir esse assunto mais tarde. Por agora, basta que você tenha sobrevivido.

O moço não parecia de forma alguma consolado.

Capitão Blake sentiu os ossos cansados. Foi uma sensação que reconheceu como aquela que sempre seguia a excitação, e até mesmo a alegria da batalha. A bala tinha arranhado sua têmpora. Ele sentiu a dor, de repente, e ergueu a mão para se tocar, sangue com crosta do lado do rosto. Mas não havia mais lesões. Ele teve sorte. Centenas de milhares de homens, se contasse os infelizes franceses, tinham morrido naquele dia em uma batalha que estava, afinal, por decidir. Os franceses estariam prontos para o ataque, novamente, amanhã, ou encontrariam uma maneira de passar pela colina, e então, os britânicos teriam que retomar sua retirada em Lisboa.

Eles tinham jogado mais uma partida no jogo mortal da guerra. E isso era tudo.

E então, o capitão se perguntou onde Joana estava. Se ela fosse sábia, teria voltado para o Convento e contado com a misericórdia de Lorde Wellington, ou de qualquer dos altos funcionários oficiais, susceptíveis de a defender contra ele, e todo e qualquer homem, ficaria muito feliz de o fazer. Mas, ele estava muito cansado para fazer com ela as coisas que tinha planejado, quando a viu, da última vez, e, muito intrigado também. Ela tinha matado o coronel Leroux.

Ela, agora, tinha vindo para a crista do morro sozinha. E em meio a todas as massas de homens, armas e cavalos, a viu imediatamente. Ela estava em pé, do outro lado da estrada, aparentemente conversando com um oficial, relutante em seu caminho de ir para o Convento sem ela. Estava favorecendo o homem com seu habitual sorriso sedutor.

Ele se levantou e a observou com os olhos analíticos, até que ela olhou em volta de novo e o viu. Ela sorriu enquanto ele se aproximava.

—Eu estava com medo de vir para o topo da colina —disse ela. —de olhar para baixo, porque, talvez, você estivesse morto.

—Você não estava com medo no início, —disse ele asperamente. —Não, quando havia uma chance de escapar para o seu próprio povo.

—Robert —Ela não estava mais sorrindo e deixou a cabeça pender para um lado, parecendo muito direta em seus olhos. —Você sabe que não era o que eu estava fazendo. Você me viu atirar nele. Eu o matei, não disse?

Ele olhou para ela. —Sim, —ele respondeu. —Leroux está morto.

E então, ela fez o que menos se esperava dela, mordeu o lábio superior, e seus olhos se encheram de lágrimas, com todo o seu rosto tremendo.

—Bem, eu quis dizer isso —falou, a voz um sussurro. —Eu o queria matar. Esse tem sido o único propósito da minha vida nos últimos três anos. E estou contente de o ter feito no último minuto. Só desejava que pudesse lhe ter dito a razão pela qual o fiz.

—Joana —disse ele, quando as mãos dela subiram para cobrir as faces. —Oh, Joana.

E ela estava em seus braços, enquanto o barulho e confusão os rodeava, soluçando em seu peito, lhe batendo com os punhos, de vez em quando.

—Lutar até o fim, —disse ele. —A batalha é longa, Joana. E a sua guerra particular também, não importa qual tenha sido.


Capítulo 27


—O que foi isto tudo, Joana? —Perguntou ele, quando ela parou de bater em seu peito, parou o estúpido choro e olhou para ele. Seu rosto estava enegrecido pelo pó, o sangue escuro com crosta, de um lado de seu rosto.

—Você foi atingido —disse ela, levantando a mão, mas sem tocar no ferimento.

—Bastardos —disse ele. —Não é nada.

—Você o deve lavar —disse ela. —Eu vou fazer isso por você.

Ele a surpreendeu, sorrindo. Seus dentes pareciam muito brancos, contrastando com o resto do seu rosto. —Você, se comportando como uma mulher normal? —Disse. —Eu nunca pensei viver, para ver esse dia.

—Se tivessem acertado uns centímetros a mais, —ela lhe falou, —você certamente não o teria. Está doendo?

—Dolorosamente, —disse ele. —O que estava acontecendo, Joana? Há muita coisa sobre você que eu não sei, não é?

Ela abriu a boca para responder, mas um grupo de cavaleiros que passava ao longo da pista freou, de repente, distraindo sua atenção, e ela se viu olhando para cima, em um severo franzindo da testa.

—Joana? —Disse o Visconde Wellington. —O que você está fazendo aqui? —Seu olhar deslizou para o capitão Blake, que havia se virado para o saudar. —Capitão? Você não tem ordens para escoltar a Marquesa das Minas com toda pressa para Lisboa?

—Não, ele não o fez, Arthur —Joana disse rapidamente. —Eu passei suas ordens a ele, você vê, mas eu as torci um pouco na hora de contar.

Os lábios de Lorde Wellington se contraíram. —Eu posso imaginar —disse ele. —Bem, parece que devo agradecer aos dois por um trabalho bem feito. O Marechal Massena, certamente, foi enganado e veio para cá. Lamento que não lhe pudesse contar mais, antes de partir para Salamanca, capitão Blake. Mas pensei que o seu comportamento seria mais convincente se você, realmente, acreditasse que a Marquesa o estava traindo e a nós.

—Funcionou maravilhosamente bem, —disse Joana, olhando rapidamente para o rosto pétreo do capitão. —Não foi, Robert?

—Sim, senhor —disse ele. —Funcionou muito bem.

O Visconde assentiu. —Esta vitória hoje é pouco mais do que um impulsionador de moral —disse ele. —Posso pedir para partir, sem mais delongas, Joana, e para se aninhar na segurança de Lisboa?

Ela abriu um grande sorriso para ele. —Sim, Arthur, —disse ela. —Eu devo me retirar com todos os outros.

—Com todos os outros, não na frente deles —disse ele com um suspiro. —Bem, não vou perder mais fôlego, com alguém que não está diretamente sob as minhas ordens. Mas cuide de si mesma. Você não teve mais sucesso do que o habitual com a outra missão?

—Oh, sim —disse ela. —O sucesso completo, Arthur. Espero que você não vá mais precisar de mim para fazer quaisquer futuras visitas às minhas tias, na Espanha. Eu não tenho planos de ir para lá, novamente.

Ele a olhou intensamente e assentiu uma vez. —Estou satisfeito por você, —disse ele. E então, a saudou, acenou para o capitão Blake, e continuou seu caminho para o Convento, seus auxiliares em sua traseira.

—Você já viu o soldado Higgins? —Perguntou Joana em seguida, se voltando para o capitão. —Eu o perdi, e estou com medo.

—Eu o pretendo desmembrar, membro a membro, uma vez que ele se recupere do ferimento a bala, —ele lhe respondeu. —Ele vai querer a bala alojada em seu coração, em vez da perna, antes que eu termine com ele.

Ele estava muito sério, o soldado de aço, do alto da cabeça até a sola dos pés. Ela lhe sorriu e passou o braço pelo dele.

—Mas, Robert, —ela disse, —você sabe como é difícil, para qualquer homem, obedecer ordens, quando eu estou envolvida. Eu sou um jogo para qualquer homem, não sou? Seria injusto castigar um garoto inexperiente, por me permitir escapar. Ele é um menino muito doce e, estava muito preocupado com a minha segurança.

—Ele tem uma maneira estranha de mostrar isso, —disse ele secamente. —E eu não tenho lugar na minha companhia para meninos doces.

—E, no entanto, —ela disse, sorrindo para o rosto dele, —você mesmo era um deles, não mais do que onze anos atrás, Robert. Levou tempo e experiência para o amadurecer e endurecer. E o que dizer de suas ordens para me levar a Lisboa ontem? Elas não foram obedecidas. Nós ainda estamos aqui.

—Pela simples razão de não ter recebido essas ordens, —disse ele.

—E por que não? —Perguntou ela. —Por causa de mim, por isso. Mas elas eram ordens, no entanto, Robert e, de ninguém menos do que o comandante-em-chefe. Se eu não tivesse falado nada há pouco, Arthur teria sido muito mais polêmico com você. Talvez, ele até o tivesse rasgado, membro a membro, e feito você desejar que estivesse em pé um centímetro para a direita, no início desta manhã.

Ele olhou para ela, seu olhar de granito quebrado apenas por exasperação. —Tudo bem, Joana, —disse ele, —você marcou o seu ponto. Irei beijar o menino e o guardar em sua cama, enquanto ele repousa a perna.

—Não o beijar, —disse ela. —Ele pode se constranger. —Ela riu alegremente.

Mas ele não iria aceitar se distrair. —E que tipo de idiota você fez de mim? —Ele perguntou. —Você fez, não é, e curtiu cada minuto?

—Não é bem a cada minuto, —disse ela. —Houve momentos em que eu senti remorso, Robert. Mas sim, no conjunto, tem sido divertido. Você vai me perdoar?

Ele tirou seu braço para longe sem sorrir. —Você é uma mulher perigosa, Joana, —disse ele, —e vai enfeitiçar qualquer homem de alguma forma, não vai? Se não for por meios justos, será pelo engano. Bem, você me fez de seu tolo, assim como a todos os outros homens a quem já olhou. Mas tenho sido sua diversão por mais tempo do que a maioria, creio eu. Não mais, porém. Já é suficiente. É hora de você encontrar outro em quem praticar suas artimanhas. Eu não suponho que já tenha falhado, não é? Bem, talvez um dia você vá. Com licença. Tenho assuntos importantes para tratar.

E ele se afastou dela, a deixando parada olhando para ele, e se sentindo menos confiante do que jamais pôde se lembrar. Se apenas Arthur não tivesse aparecido nesse preciso momento. Robert já saberia, mas ela não tinha tido a oportunidade de explicar tudo a ele. Estava prestes a fazer isso, mas agora, era tarde demais.

E assim que ele entendeu a verdade das palavras do Visconde Wellington, se sentiu humilhado e traído. Droga, Arthur!

Eu não suponho que ê já falhou, não é? Ele acabara de dizer a ela. Bem, ela tinha, e sentiu um arrepio num lugar de seu coração, com algo parecido com pânico. Tinha sido muito grave. Talvez demasiado sério. Talvez, ele nunca mais a fosse perdoar. E mesmo que o fizesse, não haveria um futuro para eles. Apenas o retiro para Torres Vedras e a separação inevitável, depois de uma semana, talvez duas.

Joana encolheu os ombros e olhou em volta para os feridos gemendo, para o resgate sendo realizado ao longo da colina aos que precisavam de cuidados. Ela ajudaria a cuidar deles, embora nunca o tivesse feito antes. Mais tarde iria pensar sobre Robert e em como poderia cair em suas boas graças, novamente. Mais tarde, ela iria pensar sobre o futuro. Mas agora, não. Agora, havia muito para se manter ocupada.

Pensaria sobre essas coisas mais tarde, e faria alguma coisa sobre elas também. Ela nunca fora capaz de resistir a um desafio, e não estava prestes a começar agora.

 

*

 

Ele estava deitado de costas na sua tenda, um braço sobre a testa, olhando para a escuridão. E estava exausto. A batalha parecia ter sido dias atrás, e não apenas mais cedo, no mesmo dia. Tinha havido tanta coisa para fazer, escrever relatórios, reunir seus homens e ter a certeza que eles estavam preparados para novas ações, no caso improvável de que os franceses atacarem novamente, escrevendo para os familiares das pessoas que tinham sido mortas, visitar os homens cansados de sua companhia.

Visitara o soldado Higgins e chegara apenas no momento em que o assistente de um cirurgião estava tirando a bala de sua perna. De pé, ele observou enquanto Joana segurava o rosto do menino nas mãos, e sorriu para ele, e lhe falou suavemente, enquanto o suor irrompeu por todo o seu rosto, e ele apertou os dentes, e se recusou a envergonhar a si mesmo gritando.

Ela o deixou, quando a provação tinha acabado e o menino tinha desmaiado, sem olhar para onde ia. Foi para outro menino, nem mesmo o mais jovem de seu regimento, que gritava por sua mãe. Ela estava suja e desarrumada e incrivelmente bela.

O capitão tinha esperado ao lado do menino até que a consciência voltou, e falou baixinho para ele, e viu esperança e orgulho voltar para os olhos cheios de dor. E então, lhe apertara o ombro e seguiu em frente. Talvez, afinal de contas, o rapaz seria um bom soldado. Ele tinha pensado em um tenente, morto há muito tempo, que tinha falado em voz baixa com ele quando chorara de terror, depois de se ter visto sob fogo pela primeira vez, o que lhe fez sentir que, talvez, seu comportamento não fosse muito vergonhoso, afinal.

Ele tinha avistado Joana várias vezes durante dia. Mas não se aproximou, nem ela dele. Ele se sentia ferido e magoado. Ela tinha estado rindo dele o tempo todo, brincado com ele. Enquanto ele estava se apaixonando por ela e lutando contra seus sentimentos, porque ela era o inimigo, ela tinha se divertido imensamente. Até admitiu.

Ele era tão tolo como qualquer um dos homens dos salões de baile em Lisboa, a quem desprezava tanto. Mais que um tolo, porque ele se tinha permitido ser muito mais seu brinquedo do que ela tinha feito a qualquer outro.

Fechou os olhos, mas, sabia que não iria dormir. Onde ela tinha ido? Ele se perguntou. Para o Convento? Para a tenda de outro homem? Mas não se importou. Ele não iria pensar nela por mais tempo. Sua missão estava no fim, e tudo o mais junto com ela.

Contra os olhos fechados em que a viu, de pé direita e imprudente no meio de uma batalha, apontando seu rifle para o coronel Leroux, atirando e acertando, quase através do coração, embora, provavelmente, nunca tivesse usado um antes. Ela nunca lhe tinha dito o que era tudo isso. Mas ele não se importou.

A viu em silêncio, o observando naquela manhã, enquanto se preparava para sair e se juntar a seus homens, lhe dizendo que o amava. E se sentiu mal. Mas agora, ele não se importava mais. Não valia a pena se preocupar, ela não valia uma noite sem dormir, não quando o dia seguinte prometia ser quase tão ocupado como o que acabava de passar.

Houve um ruído de repente na abertura da sua tenda, mas ele não abriu os olhos. Apenas endureceu um pouco. Não se moveu quando ela se acomodou ao lado dele, seu braço roçando o seu.

—Eu não tinha mais para onde ir, —ela sussurrou para ele.

—O Convento —disse ele asperamente. —Os braços de qualquer outro homem neste condenado exército.

—Tudo bem —disse ela. —Talvez eu não lhe tenha chegado a dizer a verdade. Eu quis dizer que não havia outro lugar que eu quisesse ir. Não que desejasse vir aqui também. Você é tão cruel como um urso.

—Joana, —ele disse, —vá embora, ou ao menos fique quieta. Não tenho nenhum desejo de ser provocado para um clima mais agradável. Ou para ouvir a qualquer de suas mentiras ou artifícios.

—Ajudaria —ela perguntou, e ele podia sentir que se virara de frente para ele, —se eu prometesse nunca mentir para você de novo?

—Nem um pouco, —disse ele. —Você não seria capaz de manter a promessa por cinco minutos.

Ela ficou em silêncio por um tempo, enquanto ele estava rígido de tensão. —Você pensou que eu estava mentindo, esta manhã? —Perguntou ela.

Ele prendeu a respiração lentamente. E se amaldiçoou por não ter tido a coragem ou o bom senso de a expulsar de sua tenda.

—Eu não estava —disse ela. —Eu nunca falei mais sério na minha vida.

—Não, Joana, —disse ele. —Isso simplesmente não vai funcionar, desta vez.

Ela tocou seu braço, mas tirou a mão imediatamente. —Você não está relaxado, —disse ela. —Eu teria um medo mortal se estivesse. Como você está, eu tenho apenas medo. Robert, não há nada que eu possa dizer?

—Nada —disse ele.

Ela suspirou e ele sentiu sua testa contra o ombro. Era impossível se afastar dela na tenda. Mas ela não parecia ter mais nada a dizer. Houve um longo silêncio, um silêncio durante o qual ele ouvia os sussurros do campo.

—Ele matou Miguel e Maria, —ela disse baixinho no silêncio. Sua voz era inexpressiva. —Irmão e irmã de Duarte, meu meio-irmão e meia-irmã. Ou, pelo menos, ele ordenou a sua morte, com o giro do polegar.

Ele podia sentir a rigidez do seu próprio corpo. Mal podia respirar.

—Ele estuprou Maria em primeiro lugar, —disse ela. —No chão, enquanto alguns de seus homens observavam. E então eles tiveram a sua vez. E depois, o polegar.

A respiração se tornou um esforço consciente. —Como você sabe? —Perguntou ele, finalmente.

—Eu vi —disse ela. —estava no sótão. Seu rosto vai estar para sempre gravado em minha memória. Procurei por esse rosto durante três anos. Graças a Deus eu podia estar entre os franceses, porque sou francesa. Mas ele voltou a Paris e só recentemente regressou. Duarte queria que dissesse a ele quando visse aquele rosto novamente. Queria ser ele a o matar. Mas era algo que eu tinha que fazer, eu mesma. Sempre soube que teria que fazer isso sozinha, ou levar os pesadelos comigo para o túmulo.

Ele abriu a boca para sugar o ar.

—Eu tive que o fazer me seguir até aqui, —disse ela. —Pensei que seria fácil, acreditei que ele iria nos apanhar mais cedo, e achei que teria a minha espingarda e minha faca. Mas quando ele veio, eu não tinha nenhuma arma e você tinha amarrado minhas mãos. Mas ele voltou e a justiça foi feita, uma parte da justiça. Havia aqueles outros homens também, com quem não me importei mais. Só ele. Ele era seu líder, e a honra se limita a defender a decência. Não lamento que o tenha matado, Robert, embora eu saiba que o horror de ter morto alguém viverá comigo, por um longo tempo. Não lamento. Ele merecia morrer pelas minhas mãos.

—Sim, —, disse ele. —Ele merecia morrer.

E a ouviu ao seu lado tentando controlar sua própria respiração. —Você acredita em mim? —Perguntou ela.

—Sim —ele disse, sua voz monótona. —Eu acredito em você.

—Você vai me perdoar, então? —Sua voz ainda era inexpressiva.

—Não. —Ele tentou tirar a sua história da mente. —Eu a poderia ter ajudado, Joana. Mas você estava se divertindo muito, me fazendo de tolo. Os homens são apenas idiotas para você, não pessoas. Eu não acredito que pudesse resistir a tentar escravizar um homem. Não tenho nenhum interesse em ser escravo de qualquer mulher.

Sua testa pressionou com mais força contra seu ombro. —Foi em parte culpa sua, —disse ela. —Eu lhe disse a verdade, mas você não acreditou em mim. Nunca foi da minha natureza mendigar e implorar. Se você não acredita em mim, então você não faria. Mas eu não pude resistir a o manter sempre duvidando. Eu estava brincando com você, Robert, não o escravizando.

—Bem, —ele disse, —temo que não consiga ver muita diferença, Joana. Sinto muito por sua família. E eu estou feliz que você os tenha vingado finalmente, embora como não perdeu sua vida na tentativa, eu nunca vá saber. Você não sabe que é puro suicídio se levantar na linha de combate?

—Não —disse ela. —Não sei nada sobre linhas de combate, exceto que você lutou em uma nesta manhã, e eu pensei que iria morrer, até que veio aquela colina e vi que ainda estavam vivos. Mas eu não o vou manter acordado. Se você não vai me perdoar, então que assim seja. Não vou implorar ou rastejar. Não espere isso de mim, Robert. Não é da minha natureza o fazer.

Ela lhe virou as costas e se acomodou bem confortável, o deixando ainda rígido de tensão e agora furioso.

—Oh, não, você não —disse ele, a voltando para o a encarar, novamente. —Você não vai me colocar como o errado assim, Joana, e depois se afastar e dormir a noite toda em minha tenda. Por que fez isso? Me diga. Para mostrar o seu desprezo por mim e por todos os homens?

Ele a ouviu engolir seco na escuridão. —Não, —disse ela. —Eu acho que foi para manter uma barreira entre nós, Robert. Se você não me visse como sua inimiga, ou se não tivesse bem a certeza, então, não haveria a barreira.

—Alguma barreira! —Disse. —Nós tínhamos um ao outro quase todas as noites e alguns dias desde que deixou Salamanca. Deus me ajude, se você quisesse sem barreiras.

—Houve sempre uma barreira, —disse ela. —Com todos. Eu nunca quis o contrário. Nunca quis ninguém perto. Exceto você. E quando se aproximou fisicamente foi maravilhoso, e eu estava feliz e aterrorizada. Eu estava com medo do que aconteceria se não houvesse barreiras entre nós. Estava com medo de me perder, de nunca mais ser capaz de controlar minha vida, novamente. Então acho que era o que eu estava fazendo, o mantendo longe, por assim dizer.

—E todos os outros? —Disse ele asperamente. Ele desejava que a raiva não tivesse cedido e se virou para ela, novamente. Ele desejava não ter perguntado isso, o que a faria mentir para ele, de novo.

—Os outros? —Disse ela. —Você sempre me viu como promíscua, não, Robert? Eu durmo com todos os homens para quem sorrio? Estive com Luís seis vezes. Eu contei, e odiei cada encontro, que foi um pouco pior do que o anterior. E estive com você, eu não sei quantas vezes. Eu não contei. E tem sido maravilhoso, cada encontro um pouco mais maravilhoso do que o anterior, se isso é possível. Essa é a extensão da minha experiência, Robert. E agora, eu queria não ter começado este discurso, pois é claro que você não vai acreditar em mim. Você vai me desprezar, e depois, jogar todos os meus outros amantes imaginários na cara. Vá dormir. Deve estar cansado.

Seu cabelo cheirava empoeirado. Sua pele cheirava a limpeza. Ela deve ter encontrado um lugar para se lavar, como ele. Ele respirava o perfume quente dela.

—Joana, —disse ele, desejando, mais do que nunca, não lhe acreditar, e querendo mais do que qualquer outra coisa, acreditar nela. —Por quê? Se a sua experiência foi tão limitada, por quê eu? Por que você se deu a mim tão facilmente? Você fez amor comigo aquela primeira vez, eu me lembro.

—Oh, —ela disse, —você vai me fazer dizer isso de novo, e me humilhar totalmente? Eu não estou acostumada a humilhação. Muito bem, então. Acho que devo isso a você. Foi porque eu o amei, Robert. Talvez me tenha apaixonado por você quando o vi pela primeira vez, em Lisboa, decaído e moroso no meio de um baile reluzente, me olhando hostil e determinado a resistir aos meus encantos e convites. Ou talvez, naquela época eu tenha apenas me intrigado. Talvez eu me tenha apaixonado em Óbidos, quando você me assustou, tirando meu controle e eu mordi sua língua. O machuquei muito? Aposto que o fiz. Ou, talvez, então apenas estivesse fascinada por um homem que não dançou na minha sintonia, como os outros homens fizeram. Possivelmente... Oh, eu não sei. Seja o que for, me apaixonei por você, e eu queria você, e decidi quando a oportunidade se apresentou. Mas, no entanto, eu queria uma barreira entre nós. Amor me assusta.

Ele não disse nada por alguns momentos. —Maldição, para o inferno, Joana —disse ele, por fim.

—Por amar você? —Ela riu um riso triste. —Eu nunca esperei amar. Nem uma vez, depois dos quinze anos, e descobri que o mundo não era composto de cavaleiros de armadura brilhante e donzelas esperando pelo “felizes para sempre,” para serem carregadas em suas garupas. É irônico que isso tenha acontecido com o único homem que preferia me ver no inferno do que na sua tenda. Ou talvez não seja irônico, depois de tudo. Acho que eu nunca teria caído de amor com você, se não tivesse me encarado, em Lisboa. Era algo muito novo para a minha experiência.

—Eu não me orgulho disso, —disse ele. —Eu só estava condenadamente desconfortável.

—Você estava? —Perguntou ela. —Você não o mostrou. Parecia como se sentisse por todos, e por mim, em particular, o maior desprezo.

—Você estava linda, encantadora e cara, —disse ele. —E eu queria que você me odiasse, por querer alguém tão além da minha condição. Se eu sentia desprezo, era por mim. Como tem sido desde então. Sempre me desprezei por amar você.

—Robert. —Sua respiração era quente contra seu pescoço e o seu braço estava abraçado sobre ele, e seu corpo veio todo contra o seu. —Diga isso de uma outra maneira. Oh, por favor. E se você pensa que eu estou implorando e rastejando, então você está certo. Eu estou. Diga de outra forma.

Ele lambeu os lábios secos e fechou os olhos com força, e a apertou em seus braços, como se pretendesse lhe quebrar todos os ossos do corpo. —Eu a amo, —disse ele. —Pronto. Você está satisfeita agora?

—Sim. —A única palavra contra seu pescoço.

Ele não tinha feito amor com ela na noite anterior. Era difícil fazer amor em uma tenda. Era pequena, facilmente derrubada. Além disso, havia pessoas em volta deles, alguns também em barracas, muitos mais no chão aberto. Parecia quase como fazer amor em público.

Ele puxou o vestido, cuidadosamente, para a cintura, livrou o membro de suas calças, se levantou acima e se colocou dentro dela. E ela estava, estranhamente, calma e quieta debaixo dele, enquanto ele se movia em seu corpo com um cuidado lento.

—Eu o amo ¯, ela murmurou contra seu ouvido, enquanto ele se perguntou se alguém podia lhes ouvir.

E Deus o ajudasse, pensou ele, enterrando seu rosto contra seu cabelo e sentindo a liberação vindo, apesar da cautela com que se moveu nela, mas ele acreditou. Ele tinha que acreditar nela. Foi lá em seu corpo, bem como em sua voz. Ela o segurou silenciosamente, embalou nos braços e em seu corpo, se dando. Ele sabia que ela não estava nem perto do clímax e não o iria alcançar. Mas ela estava dando no entanto, e lhe dizendo com palavras o que ela deu com seu corpo.

Joana estava dando. Não recebendo, mas dando. Se dando. E ele não estava imaginando. Ele juraria por Deus que não estava imaginando.

—Eu a amo, —ele disse a ela em sua boca, enquanto se derramava dentro dela. Mas ele disse mudo mais do que apenas as três palavras. E ele sabia, quando relaxou sobre ela, e os braços dela o abraçaram e lhe beijou sua bochecha, que ela ouviu, que tinha ouvido todas as outras palavras que nunca poderiam ser faladas.

Não havia barreiras. Nenhuma, mesmo.


Capítulo 28


Não era manhã. Tudo estava relativamente calmo para além da tenda. E ainda assim, eles deviam ter dormido por várias horas. A noite era muito avançada. Mas, como muitas vezes aconteceu, ambos acordaram juntos. Ela poderia dizer que ele estava acordado, que, como ela, tinha apenas acordado. Ela se esticou contra ele, um pouco como um gato.

—Eu disse que é mais maravilhosa a cada vez, —ela falou. —Esta noite não foi excepção.

—E eu disse que você não poderia parar de mentir, se você tentasse —disse ele. —Acha que eu estava tão concentrado no meu próprio prazer que não saberia que não era bom para você?

—Porque o universo não me quebra em um milhão de pedaços? —Disse ela. —Quão pouco você sabe sobre as mulheres, Robert, ou sobre mim, de qualquer maneira. Às vezes é maravilhoso além das palavras, só sentir o que você faz para o meu corpo, para simplesmente relaxar e desfrutar. E esta última vez foi especialmente bom, porque você disse que me ama e seu corpo provou que as palavras eram verdadeiras. Diga de novo. —Ela estendeu a mão para lhe tocar a boca, e suspirou de contentamento.

—Era um sonho, Joana, —disse ele. —Um sonho irreal, assim como era daquela outra vez, quando éramos crianças.

De repente ela o odiava. —Mas os sonhos às vezes podem ser mais verdadeiros do que a realidade, —disse ela. —Vamos sonhar por mais algum tempo. Eu o amo, e isso será verdade, mesmo quando a realidade assumir o lugar dos sonhos novamente e nos separa. Irá, não é?

—Sim —disse ele. —Mas, antes que aconteça, eu a amo.

Ela se aconchegou contra ele e fechou os olhos. Mas era impossível recuperar seu estado de puro contentamento preguiçoso. —Eu vou ficar com você, enquanto puder, —ela disse, mas já havia um sentimento de desespero. —Você vai estar em todo o caminho para Lisboa?

—Provavelmente não, —disse ele. —Eu não sei o que está planejado, mas imagino que essas linhas de defesa, embora formidáveis, não irão reter os franceses sem um pouco de ajuda humana. Tenho certeza de que terei de equipar essas defesas com os meus homens.

—Ah, —disse ela. Mas sua missão estava no fim. Tudo isso, o que ela tinha feito por Arthur e o que tinha feito para si mesma. Este último havia ocupado sua mente por três anos. E agora que acabou, em seu lugar ficou um vazio, uma certa sensação de anticlímax e insatisfação. Ele tinha algo ainda a fazer. Ela não tinha nada.

Sua mão estava acariciando levemente pelos cabelos. Ele beijou o topo da cabeça dela. —E você? —Perguntou. —O que você vai fazer?

—Oh, eu vou para Lisboa, —ela disse, —e deslumbrar toda as pessoas, novamente. Vou voltar para o meu branco puro. Você não acha que é um toque magistral, Robert? Se torna tedioso, às vezes, mas eu sei que intriga os meus admiradores.

—Então você vai ficar em Lisboa, —disse ele. —Isso vai ser sábio.

Oh, sábio, sim, e sem brilho, sem brilho, sem brilho. —Eu não posso ficar lá, —disse ela. —Acho que vou para a Inglaterra. Sempre foi meu sonho ir para lá, para me tornar inglesa. Você não pode saber como é cansativo, Robert, não pertencer a lugar nenhum. —Mas ela tinha uma memória súbita de um menino que tinha vivido na casa de seu pai, sem nunca ter sido convidado a participar, ou mesmo para atender as visitas de seu pai. —Ah, sim, talvez você também possa. Eu quero ser inglesa. Eu quero viver na Inglaterra e me casar com um cavalheiro inglês. Quero ter crianças inglesas.

—Você? —Ele disse, beijando o topo de sua cabeça novamente.

—Lorde Wyman, o coronel Lorde Wyman me pediu mais de uma vez para casar com ele, —disse ela. —E tenho a certeza de que perguntará de novo, quando eu voltar para Lisboa. Acho que posso aceitar a sua oferta. Eu acho que posso.

—Você o ama? —Perguntou.

—Tolo! —Disse ela com desdém. —Eu o amo, Robert. Como posso amar dois homens? Ele é rico, bonito, amável, encantador, e um monte de outras coisas boas. Ele pode me oferecer o que eu sempre quis.

Ele não disse nada, mas simplesmente virou a cabeça para descansar sua bochecha contra o topo de sua cabeça.

—Eu não poderia seguir o tambor, —disse ela. —Há muitas incertezas, muito se deslocam de um lugar para outro, muitos desconfortos, muito perigo e preocupação. Eu não o poderia fazer, Robert.

—Não, —disse ele. E muito calmamente: —Eu não estou pedindo que você faça.

Suas palavras a picaram. Ela não tinha percebido o quanto esperava que ele fizesse isso, até que falou. Estava sonhando com impossibilidades, como não tinha feito desde que era uma menina.

—Sou muito, muito rica, —ela contou, de repente, mesmo sabendo como era inútil tentar lutar contra a realidade. —Você não acreditaria o quão rica eu sou, Robert. Eu poderia comprar o imóvel na Inglaterra. Poderíamos viver lá juntos e...

—Joana —disse ele. —Não. Eu fiz uma carreira para mim mesmo no exército e é onde quero ficar, por tanto tempo quanto seja necessário. Isto é minha vida. Isto é o que eu gosto de fazer.

Ela o odiava por ser tão inflexível e realista, por se recusar a entrar em seu mundo de faz-de-conta, mesmo que por alguns momentos. —É mais importante para você do que eu sou? —Ela perguntou, mas sua mão subiu para cobrir a boca novamente, antes que ele pudesse responder. —O que é uma coisa estúpida para se perguntar. Esqueça o que eu disse isso. Claro que é aqui onde você pertence. Eu gostaria muito menos de você, se pudesse dar mais valor à riqueza e conforto, que ao amor. Então é claro que devemos nos separar quando chegarmos a Torres Vedras. Isso é um fato da vida. Quanto tempo vai demorar? Uma semana? Duas? Vamos tornar essas as mais maravilhosas semanas de nossas vidas, devemos, Robert?

—Sim, —disse ele.

—Recuando com um exército, —ela explicou, —e dormir e fazer amor em uma tenda a cada noite. Não soaria muito parecido com o céu a qualquer um que não você ou eu, não é?

—Vamos as tornar o céu, —disse ele. —Por que você usa perfumes normalmente? Você tem um cheiro maravilhoso e só seu.

Ela riu. —Eu acredito que haveria um espaço vazio significativo à minha volta, se eu aparecesse em um salão de baile de Lisboa cheirando assim —disse ela. —E odeio isso. Podemos fazer amor novamente, Robert? Será que nós acordamos todos?

—Se tivermos apenas duas semanas pela frente, ou talvez, não muito tempo —ele disse, —Eu acho que é melhor aperfeiçoar a arte de fazer amor sem despertar todo o acampamento. Venha em cima de mim.

—Eu prometo não gritar, —disse ela, se levantando, cuidadosamente, montando nele, abraçando seus quadris com os joelhos, o segurando em seus ombros, enquanto ele a preenchia e ela sentia o início do prazer, mesmo sem a excitação total.

E ela começou a memorizar a sensação de quadris quentes e esguios contra suas coxas, a sensação de mãos fortes espalhadas em seus quadris, a segurando firme a cada uma das suas investidas para cima, a sensação dele dentro dela, longo e duro, envolto em sua própria umidade e maciez, a sensação de seus ombros musculosos sob suas mãos. Ela trouxe o tronco para baixo sobre ele, sentindo sua camisa e peito musculoso sob os seios. E ela procurou sua boca, abrindo a sua própria e se encaixando na dele, sentindo o familiar pulso de sua língua.

Ela começou a o memorizar e sabia que estava destruindo assim algum outro prazer. Amar não era algo que poderia ser calculado e acumulado. Era para ser apreciado no aqui e agora. Não poderia ser guardado para o futuro prazer ou dor.

Ela queria morrer, de repente, pensou, e o absurdo do desejo a atingiu. Ela queria morrer enquanto ainda estava com ele. Ela queria morrer agora, enquanto seus braços estavam sobre ela e ele estava murmurando bobagens doces em sua boca e, enquanto seus corpos ainda estavam unidos e eles estavam prestes a relaxar, saciados, um no outro.

—Robert —ela sussurrou, —Eu gostaria de poder morrer. Agora. Eu gostaria de poder morrer agora.

—Nós ainda temos mais de uma semana —disse ele. —Talvez duas. Uma eternidade, Joana. Agora é tudo o que tem, e talvez na próxima semana ou duas. Se aprende isso muito rápido como soldado. Um dia, uma semana, é um precioso tempo de vida inteira.

—Mas eu não sou um soldado, —disse ela. —Ah. —Descansou a testa contra seu ombro e fechou os olhos. —Isso é maravilhoso. Oh, sim, Robert. Ah sim.

Ele levantou a cabeça e cobriu a boca com a sua para que ela não gritasse Mas não o teria feito. Não foi êxtase que ela sentiu, quando ele a puxou com força para cima dele e a segurou, enquanto ela percebeu o jorro quente de sua liberação. Foi apenas a força silenciosa do amor e união, muito mais poderoso do que, até mesmo, a mais selvagem paixão física.

Ela virou a cabeça no ombro dele e sabia que eles iriam dormir novamente, pelo curto resto da noite. Mas estava memorizando de novo, e não havia tristeza misturada com o relaxamento sonolento e a sensação de bem-estar físico.

—Robert —disse ela, —Eu sempre o vou amar. Quando você estiver com oitenta e dois anos de idade, saberá que há uma mulher de oitenta anos, em algum lugar, que o ama. Não é um pensamento agradável para se manter pelos próximos cinquenta anos ou algo assim?

—Você, provavelmente, ainda terá uma corte de admiradores, —disse ele, —e não vai estar interessada em saber que há também um homem de oitenta e dois anos de idade, que a ama.

Ela suspirou. —Eu poderia dormir por uma semana, —disse ela. —Estou tão cansada.

—Durma, então, —disse ele. —Mas não por uma semana inteira, por favor, Joana.

Ela se viu perguntando, já que ambos caíam no sono de novo, por que o tempo não poderia apenas ser interrompido. Se alguém estava aproveitando um momento único, por que não o tornar para sempre, eterno? A vida era um negócio estúpido, pensou. Ela poderia ter feito muito melhor se tivesse sido Deus.

 

*


O Marechal Massena aprendeu a lição rapidamente. Ele tinha subestimado o tamanho e a força dos exércitos aliados e os tinha atacado de uma posição que lhes deu todas as vantagens. Ele não iria atacar novamente. Em vez disso, procurou outra forma de passar ao coração de Portugal. E ele achou nas montanhas da Serra do Caramulo para o norte, onde uma trilha rústica levava à planície costeira alguns quilômetros ao norte de Coimbra.

Lorde Wellington sabia da pista e tinha enviado ordens para a milícia portuguesa a defender. Mas eles não estiveram à altura da tarefa de reter um exército inteiro em movimento. Os franceses entraram, inexoravelmente, em Portugal.

E assim as forças aliadas começaram a retirada inevitável aos resmungos e queixas de quem tinha achado sua vitória mais decisiva do que fora. O exército sentiu a derrota e o desespero enquanto marchava ao sul, através do cume do Bussaco e para baixo, para a estrada principal de Coimbra. Eles se sentiram traídos por um comandante que estava arrebatando a derrota das garras da vitória.

A retirada começou na noite de vinte e oito de setembro, no dia seguinte à batalha. A maioria do exército partiu, deixando para trás uma guarda e muitos fogos ardentes, para que os franceses remanescentes não soubessem que eles tinham ido. Marcharam para o oeste a Coimbra, e ao sul, finalmente, na estrada para Lisboa.

Milagrosamente, as chuvas de outono vieram. Ou talvez, não fosse um bom milagre, porque as chuvas, sem dúvida, lhes abrandaram o coração, mas fizeram de sua marcha um negócio aborrecido, muito pior para os franceses, que estavam seguindo por uma rota mais dura e mais difícil.

Os atiradores faziam parte da retaguarda, criticando os poucos franceses que seguiam em seus calcanhares, esperando sempre pelo corpo principal do exército para os alcançar. Mas, as marchas forçadas não permitiram tal desastre.

Os habitantes de Coimbra, que tinham em grande parte ignorado as ordens de seguir a política de terra arrasada de Wellington, perceberam tarde demais o perigo em que estavam sendo colocados, e logo estavam fugindo ao longo da estrada para o sul à frente do exército, carregados com os bens que poderiam salvar, enquanto suas posses restantes tiveram que ser deixadas para trás e saqueadas, possivelmente queimadas. Era essencial que os franceses continuassem a sentir o efeito completo de sua penetração em um deserto virtual.

A Divisão Ligeira estava entre os últimos a deixar a antiga cidade universitária, muito da qual estava queimando. E foi lá que Joana encontrou seu meio-irmão novamente. Ele tinha vindo ali deliberadamente, disse ele, para a encontrar, para ver se estava segura. Carlota estava com o bebê nas colinas, explicou, muito contra sua ideia.

—Mas ela viu a sabedoria de não trazer o bebê aqui, —disse ele, com um sorriso. —E onde Miguel está, Carlota tem que estar também, pelo menos nos próximos meses, ela goste ou não.

Ele abraçou Joana e apertou a mão do capitão Blake, com tapinhas nas costas.

—Eu ouvi sobre a batalha, —disse ele. —demônios de sorte. O que eu não teria dado para estar lá. Você tinha que ficar perto, Joana? Não poderia ser persuadida a voltar em segurança?

—Voltar para a segurança? —Capitão Blake disse com desdém. —Joana? Ela realmente veio para o grosso dos combates. As balas não a poderiam matar, mas quando a vi acenando meu rifle, quase o fiz. —E passou um braço sobre os ombros dela.

Duarte feriu a testa com a palma da sua mão. —Minha irmã e minha mulher, —disse ele. —São as duas de um só tipo.

—Duarte —ela disse, —Eu tinha que ir para a batalha. Eu tive que o matar.

—Ele? —Ele olhou para ela, a princípio sem expressão e, em seguida, com os olhos se arregalando, gradualmente.

—Eu o reconheci em Salamanca, —disse ela. —Foi o coronel Marcel Leroux, aquele que disse que iria matar, o que eu implorei para vir atrás de mim. Eu tive que o matar, Duarte, e o fiz, com o rifle de Robert. Nunca disparei um rifle antes, mas eu sabia que não iria perder. Não podia perder. Ele era meu.

—Joana —ele sussurrou, e toda a vitalidade despreocupada tinha ido de seu rosto. —Oh, meu Deus, eu poderia ter perdido você, também. Por que não me disse, louca? Era meu trabalho o fazer, não o seu.

E ele a puxou do braço do capitão Blake e a abraçou.

—Ele está morto, —ela disse, e eles podem descansar em paz. Eles podem finalmente, estar em paz. Eu o matei, Duarte.

Capitão Blake se virou, com tato, e viu um aceno do sargento, confirmando que todos os edifícios nesta rua em particular, tinham sido verificados e encontrados vazios de comida e outros suprimentos. Irmão e irmã choraram nos braços um do outro às suas costas.

—Então, você está a caminho de Lisboa? —Duarte perguntou a Joana, quando finalmente se separaram.

—Sim. —Ela sorriu para ele.

—Eu espero que você esteja segura, lá —ele desejou. —Espero que o Visconde Wellington planeje fazer uma outra posição em algum lugar entre aqui e lá. E você, capitão?

—Não é tão longe como Lisboa, —disse o capitão Blake. —Eu vou ser uma parte do que você está falando.

—Ah. —Duarte olhou do capitão para sua meia-irmã. —Joana finalmente o convenceu de toda a verdade sobre ela, suponho? Mas, o destino e as circunstâncias estão a ponto de os levar em direções diferentes. Bem, essa é a maneira do mundo, ou deste mundo particular em que estamos vivendo. É melhor eu ir. Só queria ver se Joana estava segura.

Ele a abraçou de novo e cumprimentou o capitão Blake pela mão, olhou mais uma vez de um para o outro, e encolheu os ombros.

—Vou ver —disse ele. —Vocês dois. Juntos, talvez. Talvez, separadamente. Eu não vou estar feliz até que esta guerra sangrenta esteja no fim e os franceses de volta ao país onde pertencem, e as nossas vidas de volta ao normal. Não gosto do que a guerra está fazendo para nossas vidas. Mas chega disso. —Ele sorriu. —Vão embora, ou vocês terão uma grande escolta francesa.

Eles continuaram, a caminho do sul com a Divisão Ligeira.

As chuvas caíram até 7 de Outubro, o último dia da marcha para o grosso do exército, e depois, vieram abaixo furiosas, atacando a longa fila de refugiados e ainda maior, a linha de soldados cansados, esfarrapados e miseráveis como eles, se arrastando pela lama, que batia nos joelhos, em alguns lugares. E os franceses se aproximando, cada vez mais perto, sua cavalaria, por vezes, dentro da vista da Divisão Ligeira, enquanto cavalgavam para as colinas, para a esquerda e para a direita da estrada.

Os homens se arrastaram para a frente, esperando ignominiosa derrota.

E então o exército aliado atingiu Torres Vedras, e as linhas estavam lá nas montanhas para os cumprimentar, um dos segredos mais bem guardados na história militar, e um que não era, mesmo assim, imediatamente óbvio para o olho. Todo o atravessar da montanha tinha sido barrado, todas as estradas feitas intransitáveis para um inimigo. Armas escondidas atrás de terraplenagem, em lugares criados em torres antigas e castelos, e em redutos, apontando para baixo, daquelas alturas. Trincheiras tinham sido escavadas, córregos represados para formar pântanos, casas e florestas devastadas para impedir esconderijos para um inimigo se aproximando, encostas suavizadas em escarpas, ou explodidas em precipícios, e a história continuava.

As defesas se estendiam desde o mar, a oeste com o rio Tejo, no leste, três linhas concêntricas sólidas. E a marinha britânica estava de guarda no mar e no rio.

Foi só quando os regimentos foram atendidos na estrada e direcionados para as suas novas mensagens que começaram a perceber o que tinha estado esperando por eles, e o que estaria à espera do inimigo, logo atrás, em seus calcanhares. Foi só então, que a euforia começou a substituir a mais profunda depressão.

E foi daí, quando os franceses subiram, encharcados e miseráveis pelas chuvas; pela fome, com a falta de alimentos e longe de suas próprias linhas de fornecimento, com os cortes e retirada dos comboios de abastecimento pelos ferozes Ordenanza nas montanhas; totalmente impedidos de um avanço para a frente, que Massena percebeu, finalmente, como tinha estado enganado, como seus assessores tinham feito a suposição errada e lhe dado o conselho errado. E, foi só então, que alguns homens perceberam de que lado do conflito a Marquesa das Minas realmente estava.

Tudo o que Massena podia fazer era organizar seus homens para um longo cerco e, esperar que algo mais acontecesse a seu favor.

 

*


A Divisão Ligeira chegou em Torres Vedras, encharcada, enlameada, miserável e ainda não estava em um lugar onde pudesse descansar. Eles estavam em marcha para o sul e leste, para sua posição na Arruda, não muito longe do rio Tejo. Podiam descansar por apenas algumas horas, antes de retomar a sua marcha.

—Bem —disse Joana, sorrindo para o capitão Blake, —isso realmente não importa, não é, Robert? Eu não acredito que nós possamos ficar mais molhados ou lamacentos. Que diferença mais algumas milhas vão fazer?

Mas ele estava em uma depressão profunda. Apesar de ter sido o único de seus homens a saber sobre as linhas, a saber que eles estavam marchando em segurança, ele tinha sido incapaz de sentir a alegria que deveria estar sentindo. Estava molhado, sujo e cansado. Não que essas condições significassem alguma coisa. Estava acostumado a desconfortos físicos.

Não, seu humor não tinha nada a ver com as condições. Tinha tudo a ver com a chegada em Torres Vedras, um destino que o soldado tinha ansiado e que o homem nele tinha temido. Torres Vedras representava a extremidade do céu, o fim de tudo o que ele tinha estado vivendo.

Ele não acreditava que teria coragem de o dizer, até que foi dito. Ela ainda estava sorrindo para ele com tristeza, mas com sua habitual coragem indomável. —Você não irá mais longe, Joana, —ele disse calmamente, a segurando pelo braço e a levando para longe de sua companhia, após acenar para o tenente Reid, para que assumisse por ele, por um tempo.

—O quê? —Havia medo, compreensão e negação, em seu olhar. —Eu estou indo com você para Arruda, Robert.

—Não. —Ele não olhou para ela deliberadamente, mas para a rua à frente deles, ao longo da qual a estava guiando. —Você tem amigos aqui. E na estrada para Lisboa. Você deve ir, Joana. Este é o lugar onde nossos caminhos devem se separar.

—Não. —Ela empurrou o braço dele e se virou para o encarar. —Não gosto disso, Robert. Eu irei com vocês, passaremos mais algumas noites juntos, e verei onde é que vocês estarão estacionados para o inverno. Eu quero ser capaz de imaginar em minha mente. Eu o vou deixar no meu próprio tempo. Em breve.

—A hora é agora, —disse ele, lhe tomando o braço novamente, caminhando resoluto com ela.

—Não. Pare com isso. —Ela empurrou o braço dele novamente, mas ele manteve o seu firme controle sobre ela. Ela chutou sua canela para que ele parasse. —Como podemos dizer adeus agora, sem qualquer preparação, qualquer privacidade? Você está planejando se despedir na rua? —Ela o olhou descontrolada, e ele soube que ela percebeu, que ele a estava levando para a casa de seus amigos.

—Não vai ser mais fácil em outro momento, ou em outro lugar, —disse ele. —É melhor agora, Joana. Uma ruptura limpa. Vá para seus amigos e me esqueça. Vá para Lisboa e se case com seu coronel.

—Imbecil. Bárbaro. Bastardo! —Ela sussurrou para ele, quando aumentou o ritmo dos passos ao longo da rua. Ela tinha tido a metade do prazo para se manter com ele. —Robert, não faça isso. Oh, por favor, não faça isso. Eu não estou pronta. —Finalmente houve pânico na voz dela.

—Será que você alguma vez estará? —Perguntou ele. —Se tivéssemos uma noite para passar juntos, sabendo que o final seria amanhã, você seria capaz de desfrutar a noite? Você estaria pronta para dizer adeus amanhã?

—Não agora, —disse ela. —Hoje, não. Oh, não hoje, Robert.

—Hoje e agora, —disse, e ele podia ouvir a aspereza de sua voz, mas não a conseguiu amaciar sem ceder ao seu próprio pânico. Eles tinham virado uma esquina e ele podia ver a parede caiada que cercava a casa de seus amigos no final da rua. —É melhor assim, Joana.

—Me deixe ir. —Sua voz era fria, de repente, e ela parou de lutar. Ele lhe soltou o braço e parou de andar quando ela parou.

—Muito bem, então, —ela disse, seu rosto estava sem expressão e sua voz inexpressiva. Seu cabelo estava grudado no rosto e seu vestido, no seu corpo, mas ela ergueu o queixo e pareceu repentinamente régia. —Se eu significo tão pouco para você, Robert, não deve mesmo se incomodar de me acompanhar todo o caminho. Eu estarei bastante segura, obrigada. Vou dizer adeus.

Ele pensava ter todo o comprimento da rua pela frente. Ele tinha imaginado que iria se permitir a indulgência de a levar, mais uma vez, em seus braços, até a porta da casa de seus amigos, e de a beijar mais uma vez.

Isto foi muito repentino, muito cruel.

—Adeus, Joana —disse ele, e ainda foi a mesma voz áspera que ouviu.

Ela se virou e se afastou pela rua, sem pressa e sem olhar para trás. Ele a observou, até que ela desapareceu no pátio, depois da parede branca.

E então, ele continuou a observar a rua vazia, alguns pingos da chuva escorrendo pelo rosto quente e salgado.

Não poderia ser mais, pensou. Não é assim, de repente. Não sem algum final definido e um clímax. Não dessa forma. Não poderia ser assim.

Mas era.


Capítulo 29


Joana não saiu de Torres Vedras para Lisboa, mesmo quando seus amigos, os donos da casa em que ela ficou, o fizeram por razões de segurança. Ela ficou em casa sozinha com os criados.

Não que estar sozinho significasse solidão. Ela não estava sozinha. Era a Marquesa das Minas novamente. Matilda tinha tido a presença de espírito de deixar um baú cheio de suas roupas e outros bens na casa, e ela estava participando de entretenimentos em abundância. Sua corte de admiradores era tão grande como sempre tinha sido, e ela brilhava entre eles como nunca antes.

E ainda assim, estava sozinha para tudo isso. Ele tinha ido embora, e com toda a probabilidade, nunca mais o veria. Na verdade, ela esperava que não, porque não poderia haver futuro para eles, e a dor de vê-lo seria muito grande. E ainda assim ansiava por um vislumbre dele, esperava, contra toda a esperança, que ele fosse enviado para Torres Vedras em alguma missão.

Ela não o tinha perdoado pela separação abrupta. Ela podia entender por que ele tinha feito isso, poderia até mesmo admitir, que talvez, tivesse sido uma boa ideia. Mas ela não o poderia perdoar. Uma relação como a deles, uma vez que tinha que acabar, precisava de um fim definido, por mais doloroso que fosse. Teria sido uma agonia, se ele tivesse apontado, de passar uma última noite com ele, sabendo que na parte da manhã ela iria embora, para nunca mais voltar. Mas teria sido uma agonia necessária. Era algo que ela precisava para se lembrar. E ainda assim, nunca tinha acontecido. O vazio era muito mais difícil de suportar do que a agonia teria sido.

Mas Joana não iria ficar deprimida, mesmo que por um momento. Até o instante em que chegara à casa de seus amigos, com pingos de chuva e suja de lama, indescritivelmente esfarrapada e pobre, ela já estava novamente alegre e tinha recebido seu choque com o riso.

Não parou de sorrir e rir nos dias seguintes, em público. A terrível depressão que tocou o desespero, apenas foi dando rédea na privacidade de seus próprios quartos. Mas mesmo lá, ela não permitiria lágrimas. Não deveria haver sinais indicadores, como os olhos inchados ou avermelhados, que outros pudessem perceber.

Mas, oh, ela sentia falta dele. Deus, ela sentia falta dele.

E então, Lorde Wellington decidiu acolher um grande jantar com baile e ceia em Mafra, em honra de Lorde Beresford, que estava recebendo A Honorabilissima Ordem do Banho. Vários oficiais de Torres Vedras, do conhecimento de Joana, iam participar, e vários outros, que estavam vindo de Lisboa. Era totalmente possível, pensou, que o coronel Lorde Wyman fosse um deles.

Seria bom o ver novamente. Seria ótimo tocar a realidade novamente, e colocar os sonhos, permanentemente, para trás dela. E não era uma desagradável realidade. Ela gostava de Duncan. O casamento com ele, a vida com ele, seria uma boa experiência.

Joana aceitou o convite. E sorriu um pouco triste, com o pensamento de Robert, a muitos quilômetros de distância, em Arruda. Pensou em sua aversão a eventos reluzentes, como a festa em Mafra era suscetível de ser. E ela não se permitiu, sequer, um vislumbre de esperança.

Pelo menos, não o fez com sua mente. O coração não pode ser condenado por não fazer o que a mente sabe ser sensato.


*


—Você não vai? —O tenente Reid olhou para seu oficial superior com incredulidade. —Não está mais no caminho de uma ordem do que de um convite, senhor?

—Não vai? —Disse o capitão Rowlandson. —Você é o único condenado oficial em todo o regimento a ser convidado, Bob, exceto o próprio general, e você dá de ombros casualmente, e diz que não está indo?

—Eu não vou ser desperdiçado —disse o capitão Blake. —Eu não acho que o Beau vá notar pessoalmente minha ausência, e ser perturbado por ela. Eu só fui convidado porque fui capaz de lhe fazer um pequeno favor .

—Um pequeno favor, como ter ido para Salamanca, se permitindo ser preso lá, para que você pudesse atrair os franceses para essa armadilha com informações falsas, —disse o capitão Rowlandson. —Não ache que os detalhes tenham permanecido em segredo, Bob. Você é um herói maldito homem, mas tem medo de mostrar o nariz em público.

—O medo não tem nada a ver com isso, —o capitão Blake disse impacientemente.

—Vá, —disse o capitão Rowlandson. —Dê a seus homens uma pausa, Bob. Você lhes está latindo e os perfurando com ordens, desde que chegamos atrás destas linhas condenadas.

—Isso não é verdade. —A cabeça do capitão Blake negou, mas seu amigo apenas consentiu com a dele. Ele olhou para o tenente Reid. —É, Peter?

—Os homens não se importam —disse o tenente, —porque sabem que você sempre cuida deles quando há perigo. Além disso, todos eles entendem que está perdendo a senhora, se não se importa que eu diga, senhor.

—Eu tenho muito o que fazer em minha mente. —Capitão Blake estava de pé, sua cadeira caiu atrás dele, seus punhos nos lados. —Eu sou um maldito soldado, tenente, não um mulherengo de sangue.

—Bob, —O capitão Rowlandson disse com firmeza, —vá para a baile. E quando voltar, quebre os nossos corações com os detalhes. A vida vai ser aborrecida se ficarmos aqui para o inverno. Se poderia pensar, que pelo menos Massena tentasse fazer um ataque, não é, pelo amor puro ao orgulho? Mas para além do que uma corrida em Sobral não houve nada. Absolutamente nada. Vá para o baile, homem.

Capitão Blake suspirou. —Desculpe, Peter —disse ele. —Eu não sei o que deu em mim, ultimamente. Esta chuva maldita, eu acho. Tudo bem, então. Eu vou escovar meu casaco, lavar uma camisa, polir minhas botas, cortar meu cabelo e deslumbrar a elite com o meu esplendor. E vou até dançar, droga. Estão satisfeitos agora, vocês dois?

Seus dois amigos trocaram sorrisos. —Um diabo feliz, quando ele é o convidado para uma festa, não é? —Disse o capitão Rowlandson. —Não é possível conter a emoção.

Capitão Blake jurou e seus amigos riram abertamente.

Um baile e ceia. Era tudo o que precisava. Tais entretenimentos poderiam enviar seus espíritos para uma queda livre, mesmo quando eles não estavam em suas botas, para começar. Pensou nos dois últimos bailes que tinha assistido, um em Lisboa e outro em Viseu. E tentou bloquear sua mente.

Não, ele não se lembraria. E, no entanto, como poderia não o fazer? Joana, brilhando em um bonito vestido branco puro. Joana, a mesma mulher que tinha se arrastado pelas colinas com ele, e suportou todas as dificuldades da viagem, sem queixa, e com bom humor inabalável e alto astral. Joana, a mulher que tinha sido sua amante. Não, ele não se lembraria.

Ele se perguntou se ela ainda estava em Lisboa ou se Wyman já a tinha enviado para a Inglaterra. Eles estavam noivos? Eles tinha se casado rapidamente, talvez antes de sua partida? Não pensaria nisso.

Ele iria para a baile em Mafra. Talvez fosse a melhor coisa para ele. E iria dançar também. Sem dúvida haveria algumas belezas portuguesas lá. Ele iria dançar e talvez flertar. E iria encontrar uma mulher em Mafra com quem dormir. Talvez algum de seus demônios fosse banido, se ele pudesse apenas ter sua vida de volta ao normal novamente, para a maneira como viveu nos onze anos do seu serviço no exército.

Ele tinha dito a Joana que a iria amar por toda a sua vida e acreditava que tinha falado a pura verdade. Mas, não iria ansiar por ela. Não ia arruinar sua vida e tornar a vida dos homens sob o seu comando infernal, por um amor impossível. Ela estava em seu passado. Mas, ele tinha um presente para viver, e talvez um futuro também.

 

*


Foi uma maravilhosa, brilhante ocasião. Quase todo mundo que era alguém estava no jantar e baile de Lorde Wellington. Todos os oficiais usavam seus mais esplêndidos uniformes de gala, fazendo com que os nobres portugueses, que não estavam no exército, parecessem, em contraste, bastante monótonos. As senhoras tinham usado suas cores mais bonitas e suas jóias mais brilhantes, para não ser ofuscadas pelos oficiais. Apenas Joana usava branco puro.

Ele a viu quando ela entrou no salão de baile após o jantar, para ver que outros hóspedes tinham vindo, convidados apenas para o baile e a ceia. Estava determinada a se divertir. Era difícil de acreditar que ela era a mesma pessoa que tinha recuado pelas colinas de Portugal como Joana Ribeiro. Ela era irrevogavelmente a Marquesa das Minas novamente.

—Você vai ter que esperar sua vez, Jack, —ela disse, batendo no braço do major Hanbridge com seu leque. —Duncan reivindicou a primeira dança. E não, eu não vou prometer a próxima. Você sabe que eu nunca prometo danças com antecedência.

—E assim, Joana —, o major lhe disse com um suspiro: —Devo participar de uma corrida quando este conjunto terminar, e, sem dúvida ser superado por algum jovem tenente, ainda molhado atrás das orelhas.

Joana sorriu deslumbrantemente para ele. E ela percebeu que o muito tímido capitão Levens a estava olhando com adoração, como se tivesse medo de abrir a boca e dela rir de tudo o que dissesse.

—Colin —ela disse, sorrindo docemente para ele —você seria tão bom e ter uma limonada esperando por mim no final deste conjunto? Está tão quente no salão de baile.

Os olhos do jovem tenente se iluminaram quando ele fez sua reverência, cortês.

—Vem, Joana —disse o coronel Lorde Wyman, estendendo o braço para sua mão —os conjuntos estão se formando. —Ela sorriu para ele. Ele tinha chegado a Mafra na tarde anterior e a tinha chamado. Lhe iria pedir novamente, durante a noite. Ela sabia, tão certo como soubera alguma coisa em sua vida. E ela o iria aceitar, em seguida, seu futuro estaria assegurado e seu presente seria completo e o passado seria jogado fora de sua consciência.

Ela iria para a Inglaterra e seria uma senhora inglesa. Era o que sempre quisera. —Arthur, não vai dançar? —Perguntou ela. O anfitrião tinha entrado no salão com uma grande sequência de oficiais superiores, britânicos e portugueses, e alguns importantes civis portugueses. Eles estavam todos de pé, em um grande grupo, em uma extremidade do salão, mas não mostravam nenhum sinal de se unir aos conjuntos formados.

—Joana, —Lorde Wyman disse, —quando eu a vi esta tarde, você foi muito reservada sobre o que fez, desde que a vi pela última vez, em Lisboa. Mas tenho ouvido coisas estranhas, desde que a visitei. Alguma delas é verdade?

Ela encolheu os ombros e sorriu para ele. —Como eu poderia saber, se não sei o que você está ouvindo? —Disse ela. —Mas eu diria que a maioria delas não são. Se ouve coisas estranhas nestes tempos.

—Você esteve em perigo? —Ele perguntou com uma careta. —Lorde Wellington ou alguém em posição de autoridade deveria ter insistido em ter você escoltada de volta a Lisboa, logo que os franceses começaram a invadir. Eu deveria ter vindo para a buscar. Me culpo por não o ter feito.

—Esse é o problema com os homens, —disse ela. —Eles sempre pensam em proteger as mulheres, as proteger de toda a diversão que está acontecendo.

—A guerra não é divertida, Joana, —disse ele. —É um negócio de vida ou morte. Você não deve mesmo estar mais próxima que isto.

Ela sorriu para ele. —Mas eu tenho quem me proteja, Duncan, —disse ela. —Eu sei que se uma companhia de franceses desesperados entrasse neste salão de baile esta noite, você me protegeria com sua própria vida. Não é assim?

—É claro, —disse ele. —Mas, mesmo assim, pode não ser suficiente, Joana.

—Então eu deveria roubar uma de suas armas, espadas ou punhal, e me defender, —disse ela.

—Joana —ele falou, com os olhos intensos sobre os dela, —você precisa de proteção. Eu não posso suportar a ideia de que esteja em perigo. Quero você longe. Permanentemente. A quero na Inglaterra, na minha própria casa, com minha mãe e minhas irmãs. Eu quero saber que está segura lá. Você sabe do que estou falando, não é? —A música estava começando. —Como posso? —Ela respondeu, se movendo com os passos da dança. —Você deve colocar em palavras o que quer dizer, Duncan, ou talvez eu entenda mal.

Não era o tipo de dança para tal conversa, uma vez que os passos os separavam com frequência. Mas Joana não estava irritada. Pelo contrário. A declaração certamente viria, e, entretanto, ela podia saborear a certeza de que tudo o que tinha sonhado estava prestes a acontecer. E se ver Duncan novamente, não trouxe a onda de alegria que ela esperava, e se a perspectiva de viver na Inglaterra, em sua casa, com sua família, não trouxe nenhuma grande elevação dos espíritos, ela teria paciência consigo mesma. A vida não poderia ser sempre tão descontroladamente emocionante, como tinha sido apenas há um curto tempo. Ela deveria ter paciência.

Lorde Wellington ainda estava com o seu grupo de dignitários e oficiais em um lado do salão, ela viu, a olhando enquanto dançava, mas se voltaram para assistir a dança. E ao fazer isso, tinham revelado a figura do homem com quem haviam, aparentemente, estado falando.

Um oficial alto e musculoso, vestido com um uniforme verde liso e um pouco gasto, mas cuidadosamente escovado, seu rosto bronzeado, o cabelo loiro cortado rente, porque ele teve que o cortar novamente. A figura rígida e séria de um homem que parecia desconfortável, talvez com o vislumbre do baile, talvez apenas com a atenção que a sua presença tinha atraído. Ele estava em pé, onde normalmente era de conhecimento público, o canto mais sombrio. Mas ele não tinha escapado à atenção. Longe disso.

Joana perdeu um passo na dança e olhou em volta, confusa por um momento, sem saber mesmo qual dança estava sendo executada. Mas, se recuperou instantaneamente. Seus olhos se tinham encontrado. Ela sabia, embora não o olhasse. Ele a tinha visto, e ela não lhe daria a satisfação de ver que sua presença a tinha desconcertado. Nunca.

O capitão Blake tinha acabado de pensar que nunca se sentira mais desconfortável em sua vida. Todo o dia, tinha estado lamentando sua decisão de vir a Mafra para assistir ao baile. E quando chegou, agira por instinto e fora para o canto do salão onde era menos provável ser notado. Ele tinha feito uma careta, para todos os outros convidados esplendidamente vestidos, esperando que tal expressão escondesse seu desconforto.

Mas tinha sido pior do que ele esperava. Mil vezes pior. Mais cedo, Lorde Wellington entrou no salão de baile, juntamente com o seu grande número de seguidores da elite, e o procurou para atender —o herói de Salamanca.

Robert se inclinou e respondeu às perguntas, e se curvou e respondeu às perguntas, e sentiu seu próprio laço apertar seu estômago em nós. Ansiava por um campo de batalha, uma espada na mão e um rifle no ombro, e todo o exército francês atrás dele. Ele teria se sentido muito mais confortável.

Finalmente, graças a Deus, a música começou, e seus interlocutores se viraram para assistir à dança. Ele esperava que, em breve, eles também fugissem para longe, o deixando livre para derreter no esquecimento pelo que restava da noite. Ele tinha mudado de ideia sobre a dança. Além disso, havia muito mais homens do que senhoras presentes. Não haveria ninguém para dançar.

E então seus olhos foram atraídos, como por um ímã, para um ponto particular na pista de dança, um ponto branco no meio das inumeráveis cores. E lá estava ela. Foi como um retrocesso no tempo. Ela parecia tão bonita, e tão cara, e tão remota, como parecia pela primeira vez, em Lisboa. Ela era a Marquesa das Minas de novo, não Joana. E ele se viu a odiando novamente, mesmo quando seu estômago deu uma cambalhota com o choque de a ver, quando ele tinha imaginado que ela já estava na Inglaterra.

Ele odiava porque ela era a Marquesa e ele era apenas o capitão Robert Blake, um soldado que se tinha levantado através das fileiras para se tornar um oficial, embora nunca fosse capaz de ser um cavalheiro. Porque enquanto vivesse seria um bastardo, filho de um Marquês, mas não de uma Marquesa. Ele a odiava porque a queria em Lisboa, e porque ela era tão inatingível como se estivesse lá. E ele a odiava por ter voltado de Lisboa, em vez de ficar onde ele nunca a poderia ver novamente. E ele a odiava porque ela sorria e parecia feliz, e porque seu companheiro era o coronel Lorde Wyman. E porque ela o tinha visto, mas seus olhos tinham se desviado novamente, ainda quando apanhou os seus a olhando.

Ele apertou as mãos firmemente em suas costas, apertou os dentes e soube que não teria a força de vontade necessária para apenas se virar e deixar o salão de baile e o edifício. Ele sabia que iria ficar, e a ver e se torturar.

E ele sabia que seu sofrimento tinha passado para uma nova fase, que agora estava olhando para o terror do desespero. Por que ela não podia parecer tão bonita, tão bela e tão feliz, e o amar. A ideia era absurda. Ele tinha caído preso por seus encantos, afinal, e esquecera que Joana vivia para conquistar corações masculinos. Ele tinha acreditado que ela o amava de verdade, até poucos momentos antes. Mas não podia ser. Como ela o poderia amar? O desespero se tornou um endurecimento e uma dor no peito.

 

*


Duncan tinha lhe perguntado. Ele a tinha levado para passear no longo corredor além do salão de baile, e tinha feito uma oferta formal.

—É o que eu sempre desejei, —ela disse a ele. —O casamento com um Lorde inglês e uma casa na Inglaterra. Inglaterra é o lugar onde eu cresci, você sabe.

Ele apertou a mão dela que estava em seu braço. —A resposta é sim, então? —Perguntou. —Você vai me fazer o mais feliz dos homens, Joana?

Ela olhou para o rosto dele e franziu a testa. —Eu vou? —Disse ela. —Eu estaria me fazendo feliz se casasse com você, Duncan, pelo menos acho que estaria. Mas iria fazer você feliz? É importante no casamento, não é, que cada um de nós faça o outro feliz?

—Joana —disse ele, —só o seu consentimento já vai me deixar em êxtase.

—Oh, não, Duncan, —disse ela. —Há muito mais no casamento do que isso. Anos e anos de estar juntos, e a novidade e o vislumbre já terão ido. Eu não sei como posso te fazer feliz. —Ela respirou fundo, e disse o que não tinha planejado ou esperado dizer. —Tem havido outra pessoa, você sabe.

—O seu marido —disse ele, batendo na mão dela. —Eu entendo, Joana.

—Luís? —Ela fez uma careta. —Eu odiava Luís. Não, alguém, Duncan. Alguém mais recentemente.

Ele se retesou só um pouco. —Você tem muitos admiradores, Joana, —disse ele. —Eu posso entender que, às vezes, um flerte leve a algo um pouco mais sério. Mas não deve se preocupar com isso. Você tem um bom coração.

—Quer dizer que não se preocuparia com isso quando nos casarmos? —Perguntou ela. —Você deve, Duncan. Eu certamente não vou tolerar, até mesmo um pequeno flerte em você, em direção a outra senhora. —Ela lambeu os lábios. —Eu o amava.

—E você? —Ela poderia dizer que por alguma razão ele não queria discutir o assunto.

—Não —disse ela. —Eu usei o tempo errado, Duncan. Eu o amo. Mas eu não posso me casar com ele. Pensei em me casar com você e viver no tipo de felicidade que sempre quis. Mas acho que não posso me casar com você, sem que você saiba.

—Você vai se casar comigo, então —, ele perguntou: —agora que me disse? O passado será o passado, Joana. Eu não estou interessado nele.

Ela suspirou. —Eu desejava que não estivesse. —disse ela. —Quanto tempo você vai ficar aqui, Duncan?

—Alguns dias, pelo menos —ele respondeu. —E quando eu regressar a Lisboa, espero que você me dê a honra de me permitir a escoltar até lá.

—Ah, —disse ela. —Me dê esses poucos dias, então, Duncan. Eu lhe darei a minha resposta antes de partir.

—Eu tenho esperado tanto tempo... —disse ele com um sorriso. —Alguns dias mais não vão me matar, eu suponho.

—A resposta não pode ser sim —ela se surpreendeu dizendo. —Mas pode ser, —disse ele. —Vou viver na esperança.

Ela não sabia por que tinha atrasado a resposta, por que se sentia de repente tão relutante em aceitar. Mas é claro que ela sabia. Que tolice fingir que não. Não era um sonho que não podia deixar desaparecer.

—Vamos caminhar pelo salão de baile, —disse ela. —Há uniformes que eu ainda não admirei, e vestidos que ainda não tive a chance de sentir inveja. Me leve em um passeio, Duncan. —Ela sorriu alegremente para ele brilhantemente, conforme cumpriu com o seu desejo. Eles já teriam andado por três quartos do caminho ao redor da sala, antes de o atravessar, pensou. Ele ficou parado no mesmo lugar, embora não na obscuridade. Várias pessoas tinham ido lá para falar com ele.

Ela deliberadamente fizera o seu passeio muito lento. Ela parou para conversar com todos que conhecia, mesmo remotamente, e a flertar um pouco com cada oficial que tentou atrair sua atenção. Ela lhe daria todas as oportunidades para sair de seu caminho, se quisesse. Parte dela esperava que ele saísse, antes que ela tivesse uma chance de falar com ele. Mas, a outra parte dela sentiu o pânico só de pensar. E, ela iria deixar a escolha para ele. Ela não o iria manobrar, de qualquer forma que ele realmente não desejasse.

—Ah, Robert —disse ela, quando empatou com ele. Seus olhos muito azuis olharam diretamente para ela. Ele não estava sorrindo, ela o conhecia bem para não esperar que o fizesse. —Você não está dançando? —Era uma pergunta tola, já que a dança era entre as séries.

—Não —ele disse depois de uma pequena pausa.

—Você se lembra de Duncan? —Perguntou ela. —Mas sim, é claro, ele viajou com a gente para fora de Lisboa. Robert se tornou um herói ainda maior, Duncan. Você já ouviu?

—Os rumores, sim —disse o coronel. —Sobre sua visita ousada a Salamanca e uma fuga ainda mais ousada. Parabéns, capitão.

—Obrigado, senhor, —disse o capitão Blake.

—Ah —disse Joana, girando e batendo o pé. —A valsa. Vamos, Robert, você pode ter o prazer de dançar comigo. —Ela riu levemente. —Você estava prestes a perguntar, não é? Eu quero que você me conte sobre todas essas ações ousadas.

Ela pensou que ele ia recusar, e se perguntou se iria rir, corar de mortificação, ou o vencer. Felizmente, talvez, ele não a colocou à prova.

—Seria meu prazer, minha senhora, —disse ele, se curvando desajeitadamente e tomando a mão que ela estendeu para ele.

Ah, uma mão muito cara e familiar, pensou, e desejou não ter vindo. Ou que ela não houvesse chegado. Ela deveria ter ido a Lisboa e ficado lá. Ela sentiu dor no fundo de sua garganta, quando sorriu pela primeira vez ao Duncan e, em seguida, para ele.

—Você dança, me lembro —ela disse, enquanto ele a levou para a pista de dança. —Sua mãe ensinou você.

—Sim —disse ele, e uma mão forte veio sobre ela para descansar atrás de sua cintura e a outra, estendeu para a dela. Ela colocou a própria nele e estendeu a outra em seu largo, musculoso ombro. E ela sentiu o cheiro da colônia de alguns homens. Mas ela preferia o cheiro masculino natural dele.

Oh, Robert. A dor em sua garganta tinha se tornado um caroço.

—Eu ainda não o perdoei, você sabe, —ela disse, quando começaram a se mover conforme a música, inclinando a cabeça para trás e sorrindo para ele. —Eu nunca o vou, Robert. Você vai para o seu túmulo imperdoável.

—Eu deveria ter levado você a Lisboa, —disse ele sem sorrir —e a levado a bordo do primeiro navio com destino à Inglaterra, e a amarrado ao mastro principal. Eu deveria ter feito isso, Joana. Eu deveria saber o louco que era para a deixar em Torres Vedras com seus amigos, e esperar que você agisse como qualquer mulher sensata normal. Você ao menos foi para Lisboa?

—Não, —disse ela. —Eu não gosto que me digam o que fazer, Robert. E eu teria escapado daquele mastro, você sabe, mesmo se eu tivesse que o puxar para baixo e destruir o navio na tentativa. Eu preferiria morrer tentando nadar para a terra, do meio do oceano, que viver sob os cuidados bem-intencionados de um homem.

—Sim —disse ele. —Oh, sim, eu sei, Joana. Foi tolice de minha parte saber o que deveria ter feito, não foi?

—Sim, —ela respondeu, e sorriu lentamente. Ele parecia muito mais sombrio e mais formidável do que quando eles se separaram, embora tivesse acontecido muito recentemente. Talvez tenha sido o corte de cabelo. Ele a olhava como ela a ele, com suavidade, como se o Robert poético estivesse de volta, depois de muito tempo ausente. Oh, não muito, talvez, mas quase. Pelo menos ela tinha sido capaz de ver que eles eram uma só pessoa. Agora, ele olhou cada polegada do soldado de temperamento duro, alguém com uma vida tão diferente da sua, que eles poderiam muito bem ser de planetas diferentes. —Esta é uma dança tola, não é, Robert? Me leve andar no corredor e vou lhe explicar por que não o posso perdoar, e você poderá me convencer a o fazer, de qualquer maneira.

—Eu acho que devemos continuar a dançar, Joana, disse ele.

—Você é um covarde —disse ela. —Você está com medo de ficar sozinho, ou quase sozinho comigo de novo.

—Sim —disse ele. —Morrendo de medo, Joana. Foi por isso que eu evitei uma separação íntima. Não me obrigue a dizer adeus a você.

—Eu não gosto de histórias sem finais. —disse ela. —Na verdade, elas me deixam furiosa. A nossa deve ter seu final, Robert. Deve. Oh, você não vê por que não poderia deixar Torres Vedras e por que tive que deixar Duncan esperando pela minha resposta, quando ele me perguntou, mais uma vez, se queria casar com ele? Deve haver um final para nós.

—Deve haver dor? —Perguntou ele.

—Você não sentia dor antes de vir para cá esta noite? —Perguntou ela agora, —Será que isso ajuda, a forma como nos separamos? —Ele dançou com ela por alguns momentos, olhando em seus olhos, sua expressão ainda sombria. Quando se aproximaram da porta, ele parou e lhe tomou o braço.

—Muito bem, então, —disse ele. —Vamos ter um final para esta história, Joana. Você deve ter sempre o seu desejo realizado, ao que parece, até o fim. Que assim seja, então.

Ela não se sentiu triunfante, quando o permitiu a conduzir para fora do salão.


Capítulo 30


Tudo o que podia sentir era raiva. Ele acreditou que estivesse tudo acabado, e esperava que a crueza da dor diminuísse com o tempo. E algum tempo já tinha passado. Ele havia se estabelecido em uma nova cidade e em novas funções, esperando, pacientemente, pelo final da primeira fase, a mais dolorosa de sua derrota, para passar para a segunda, fosse o que fosse. Tudo o que sabia, era que não poderia ser pior. Só deveria ser um pouco melhor que a anterior, e assim por diante, até que fosse capaz de lembrar com nada mais do que tristeza, até que se sentisse capaz de continuar novamente com sua vida.

Ele não queria que isto estivesse acontecendo, não a queria ver novamente. Se soubesse, ou mesmo suspeitasse, de que ela poderia estar no baile, ele teria ficado longe. Nem sequer tentara ter um vislumbre dela. Não queria mais um vislumbre. Ele, certamente, não queria estar falando, dançando, e agora, estar a sós com ela.

No entanto, teve que admitir para si mesmo que tinha sido egoísta. Não fora capaz de suportar o pensamento de um longo adeus, e assim, encontrara uma maneira de o tornar em um curto. Ele imaginou que ela também ficaria aliviada quando tudo estivesse acabado. E, no entanto, parecia que ela precisava de um final mais definitivo para o seu relacionamento.

E assim, ele estava com raiva, em parte, de si mesmo. Deveria lhe ter dado seu final, quando ainda estavam juntos. Deveria ter permitido que ela fosse para Arruda com ele, e o deixasse, após uma noite de despedidas íntimas e privativas. Deveria ter aceito essa agonia, para que seu caso tivesse chegado a bom termo. Tudo teria sido mais fácil, e ele, dificilmente, poderia ter sofrido mais do que tinha, de qualquer maneira.

Mas agora era hora de passar por tudo novamente. E ele estava com raiva, em parte, dela, em parte dele mesmo. —Você parece tão sombrio como estava na manhã da Batalha do Bussaco, —disse ela, sorrindo para ele.

—Eu? —Ele olhou para a frente. —Estranho. Eu me sinto muito mais sombrio.

—Oh, querido, —ela disse, —isso não augura nada de bom. É melhor sair deste corredor, Robert. É muito público.

—É? —Disse. —O salão de baile era muito público, por isso viemos para cá. Agora isto é muito público. O que vem depois, Joana? Você tem um quarto de dormir acolhedor e útil? É esse o tipo de adeus que você quer?

—Vamos encontrar um lugar tranquilo, primeiro —disse ela, —e, em seguida, vou lhe dizer que tipo de adeus eu quero. —Ela tentou uma porta no corredor, mas estava trancada.

A terceira porta estava destrancada. Ela abria para uma sala escura, que parecia um escritório. Havia uma grande mesa no meio, e várias cadeiras à frente. Ele pegou um castiçal com velas acesas de um aparador no corredor e o colocou sobre a lareira, enquanto Joana fechou a porta. Ele se virou para ela.

—Bem? —Disse.

Ela se encostou à porta e sorriu. —Não poderia ser assim, Robert —disse ela. —Havia tanta coisa que eu precisava dizer, tanta coisa que eu queria ouvir. Eu precisava de seus braços sobre mim, para ter a coragem de o deixar.

E eu queria acabar com isso, ele queria dizer a ela. Eu não podia suportar prolongar a agonia. Mas ele não disse as palavras em voz alta. Realmente, para os dois, teria significado a mesma coisa. Eles só tinham diferentes maneiras de lidar com a dor. E, no entanto, mesmo ele a entendendo e até simpatizando, não conseguia se livrar da raiva.

—Diga, então, —ele disse secamente. —E eu vou dizer que a amo, e que deixar você dói como o inferno. E então eu a vou abraçar e beijar, e isso pode ser mais como a última despedida. Vamos, Joana, fale a sua peça e depois venha aqui.

Ela continuou a se inclinar contra a porta, até que se virou e olhou para ele. —Eu tenho sido egoísta, não tenho? —Disse ela. —Você não queria isso de jeito nenhum. Mas lhe dei tempo no salão de baile, Robert. Eu levei uma eternidade passeando pela sala com Duncan, porque queria que você tivesse bastante tempo para escapar, se quisesse. Mas você ficou. Você deve ter me visto chegando.

Ele a observou em silêncio. E era verdade. Ele poderia ter saído. Ele queria sair, tinha estado a ponto de o fazer. Mas suas pernas não estavam dispostas a obedecer a sua vontade.

—Sim —ele disse, —eu vi você vindo.

—E ficou. —disse ela.

—Sim.

—Robert —ela se calou, por tanto tempo, que ele pensou que tinha mudado de ideia sobre continuar. —Eu sou uma viúva e você está solteiro.

—Não, Joana —disse ele. Ela sorriu.

—Eu sempre soube que havia certas coisas além do meu alcance —disse ele. —Pelo menos, eu soube disso, logo após a morte de minha mãe. Há certas coisas, certas pessoas, um certo modo de vida, a que o filho bastardo de um marquês não pode aspirar. E eu aceitei isso. Construí a minha vida adulta em torno desse conhecimento. E tenho sido feliz.

—Mas você não está feliz agora —disse ela.

—Porque, por um tempo, eu esqueci, —respondeu ele, —ou, ao menos, ignorei. E você, Joana, há uma certa vida para a qual você nasceu, de elevado nível, uma vida na que você se casou e viveu, desde que ficou viúva.

—Exceto quando eu fugi para as colinas como a irmã de Duarte —ela lhe respondeu também.

—Mas esses dias acabaram, —disse ele. —Você não tem mais motivo para ser Joana Ribeiro. —Ela sorriu para ele novamente. —Exceto, talvez, para um pouco de diversão, —disse ela.

—Não há nenhuma ponte longa o suficiente para conectar nossas vidas, Joana —falou ele. —Não permanentemente. Nenhum de nós seria feliz no mundo do outro, uma vez que o primeiro lustro tenha desgastado nossa paixão um pelo outro.

Ela estava olhando para o chão à sua frente, aparentemente imersa em pensamentos. —Eu não estou certo? —Ele perguntou, depois de um longo silêncio.

Ela olhou para ele e havia um vislumbre de um sorriso escondido na sua expressão séria. —Você deve estar, —disse ela. —você é um homem. Os homens têm sempre razão.

—Bem, então —disse ele.

—Bem, então. —Ela deu alguns passos em sua direção e parou, novamente. —Eu suponho que não há mais nada, Robert, exceto um abraço e um beijo. É, e é uma pena que isto não seja um quarto, não é? Mas eu não acho que iria fantasiar de fazer amor no topo de uma mesa, e sempre me pareceu algo um pouco sórdido fazer amor no chão, mesmo que eu não saiba por que motivo, já que fizemos amor muitas vezes no chão e ao ar livre. Nós tivemos alguns bons momentos.

—Sim. —Ele esperava que ela fosse cair em lágrimas. Mas, quando ela se aproximou dele e apoiou suas mãos em seu peito e ergueu o rosto para receber o beijo, foi brilhante. Ela o olhava em seus olhos, que estavam cautelosos pela experiência, o olhar que indicava problemas, o que era apenas sua maneira de se proteger de uma cena emocional.

—Este é um adeus, então —ela falou.

—Sim. —Ele emoldurou seu rosto com as mãos, e deslizou os polegares suavemente sobre suas faces e lábios. Sua raiva tinha evaporado, deixando em seu lugar um aperto no peito, um nó na garganta e falta de ar. —Este é um adeus. Eu a amo. —E o rosto dela borrou em sua visão.

—Oh, Robert. —Ela jogou os braços em volta do pescoço dele e puxou seu rosto para descansar contra o dela. —Você, seu idiota e imbecil está enganado. Os homens são criaturas tão tolas. Não chore. Eu não valho suas lágrimas, valho? Eu não tenho sido nada, além de problemas para você. Você vai viver uma existência muito mais pacífica sem mim.

—Sim, —disse ele.

—Bem, então. —Seus dedos estavam bagunçando o cabelo curto. —Você fará bem se livrando de mim.

—Sim.

—Você não tem que concordar com tudo o que digo, você sabe, —disse ela. —Me beije, Robert. Vamos fazer isso direito.

—Sim. —Ele não percebeu o quanto estava tremendo, até que tentou encontrar sua boca com a dele. Seus olhos estavam bem fechados, as lágrimas quentes encontrando seu caminho.

Ela lhe segurou a cabeça e o beijou, e ele gemeu e a envolveu nos braços, e a apertou contra ele, tentando a dobrar para si mesmo. Foi um beijo desesperado, que não trouxe nenhuma alegria, afinal.

—Cristo! —Disse ele, muitos momentos depois. —Que isto seja o suficiente. Me deixe, Joana, ou me deixe sair. —Ele engoliu em seco. —Apenas me diga mais uma vez.

—Que eu o amo? —Disse ela. —Eu o amo, e o irei amar até que tenha oitenta anos e você esteja com oitenta e dois. Não, altere isso. Eu pretendo viver muito tempo e parece que você tem o dom de se esquivar das balas. Mude para os noventa e noventa e dois. Cem e cento e dois.

—Vá! —Disse ele, asperamente. —Maldição, mulher, saia daqui. Eu não posso sair com essa aparência. Saia daqui.

Ela tocou seu rosto com os dedos moles. —Os homens são tão tolos —disse ela. —E eu amo este homem mais tolo de todos, mais do que posso encontrar palavras para expressar. Eu o amo, Robert.

E ela se foi.

Ele sempre achou a noção de um coração partido bastante divertida. Mas ele não vibrou, quando cruzou a distância até a mesa, se inclinou e apoiou as mãos sobre ela, com os olhos fechados. Nem um pouco divertido.

 

*


Havia várias coisas a serem feitas, um fato irritante para alguém que gostava de agir por impulso. Mas esta não era uma escolha impulsiva, embora a realização e as suas consequências viessem para ela como um relâmpago. E porque não era um momento impulsivo, então, tudo tinha de ser feito apenas assim.

Havia cartas para escrever, várias delas, uma em particular, para Matilda, com uma quantidade em dinheiro equivalente a dois anos de salário. E havia roupas que obter, porque os vestidos da Marquesa portuguesa seriam totalmente inadequados. Mas ela não estava descontente, pensou, olhando para eles, uma fileira de desamparado branco no guarda-roupa, por ter que os abandonar para sempre. E o vestido de Joana Ribeiro não serviria mais. Estava acabado, parecendo ainda mais pobre. Na verdade, a governanta parecia duvidosa, quando se ofereceu para o utilizar como pano de limpeza. Além disso, havia apenas um. Uma mulher precisava de mais do que um vestido.

O problema não era particularmente difícil de resolver. A amiga em cuja casa ela estava vivendo era apenas ligeiramente mais alta do que ela, e Sophia sempre usava roupas bonitas, reparara. Joana, que escolheu um número deles e começou a fazer as costuras e encurtar bainhas. Ela não usara uma agulha por um bom número de anos, e logo contou com a ajuda de uma empregada qualificada. Enquanto isso, escreveu para Sophia e fechou junto à carta, o que parecia um generoso pagamento pelas roupas.

E havia Duncan para conversar. Ela o chamou no dia seguinte ao baile e lhe contou sua decisão, quase antes mesmo dele atravessar o umbral da porta. Ela não queria lhe dar falsas esperanças.

—Eu sinto muito, Duncan —disse a ele. —Não posso me casar com você. Não seria capaz de o fazer feliz, porque eu não o seria com o tipo de vida que estaria vivendo.

—Mas, Joana, —ele disse, —Eu pensei que você tivesse dito que sempre sonhou com um marido inglês e uma casa na Inglaterra.

—Sim —ela disse, —eu fiz, e eu tive esses sonhos durante todo o tempo de que me lembro. Às vezes, podemos ser muito cegos, não podemos? Eu não ficaria feliz com essa vida, ou pelo menos, não apenas com isso.

E era verdade. É claro que era verdade. Ela tinha entendido como um raio no baile, quando Robert expressou suas palavras tolas. Só que, para ele não eram tolas, e para ela não teria parecido com isso também, se não tivesse havido esse lampejo de entendimento.

Nenhum de nós seria feliz no mundo do outro, uma vez que o primeiro lustro tivesse passado, e só restasse a nossa paixão pelo outro.

Ela podia ouvir as palavras tão claramente como quando ele as tinha falado, palavras que, no início, tinha tomado como verdadeiras. Certamente, ele nunca seria feliz em seu mundo. Ele ficava desconfortável, quase miserável quando tinha apenas que desempenhar alguma função social. E ela nunca seria feliz no mundo dele. Ela era filha de um conde francês e viúva de um marquês português. Ela sempre viveu uma vida de riqueza e privilégio. Era uma senhora.

E então veio a compreensão. Ela estava feliz? Ela tinha sido sempre feliz? Ela achava sua vida do dia-a-dia tediosa ao extremo, e inútil, sem sentido. Não havia nada para adicionar desafio e emoção nessa vida, além do flerte. E ela, realmente, não desfrutava disso. Viver em uma tranquila propriedade rural inglesa? Com a mãe e as irmãs de Duncan, até que ele chegasse em casa? Ficaria louca!

Será que nunca tinha sido feliz, então? Oh, sim, tinha. Ela tinha conhecido a felicidade, que lhe tinha vindo sempre que deixava de ser a Marquesa das Minas, e quando viveu com Duarte e seu bando de Ordenanza por um tempo. E tinha vindo e continuou, naquelas semanas com Robert entre Salamanca e Bussaco. Incrível, o total de felicidade, não só porque ela tinha estado com ele, mas também, porque estava livre das armadilhas de seu próprio mundo, livre para conhecer os perigos e os desafios, e as maravilhas da vida em outro mundo.

E foi ela que escolheu a vida que viveu desde que tinha nascido? Ia desistir de Robert por Duncan? A ideia era absurda, totalmente louca.

Ela tinha entendido tão logo que ele tinha falado. E quase lhe disse o que percebera ali. Ela era quase sempre impulsiva, não era da sua natureza pensar antes de agir. Mas, no entanto, estava fazendo isso agora. Era uma enorme decisão em sua vida, para ser feita impulsivamente. E se, depois de uma análise mais cuidadosa, percebesse que era apenas sua relutância em dizer adeus para ele que tinha suscitado seus pensamentos? Ela sabia que tinha que se dar tempo para saber, além de qualquer dúvida, de que apenas um tipo de vida poderia fazer sua felicidade.

E agora, realmente estava prestes a fazer isso. Ela não se tinha enganado. O homem que amava vivia no único mundo que a poderia desafiar e, finalmente, a fazer feliz. Havia apenas uma coisa sensata a ser feita.

Assim, por uma vez na vida, Joana pensou com um sorriso, que ela ia fazer a coisa sensata.

 

*


Ele fora alojado em uma pequena casa na Arruda, e a compartilhou com o capitão Davies por um curto tempo, porque este teve que partir para Lisboa, para cuidar de um ferimento infeccionado, recebido na batalha do Bussaco. Agora ele estava lá sozinho, muito solitário, desde que a casa fora abandonada por seu outro inquilino, tão só, que não chegou a acreditar que o exército francês se retiraria.

Mas Blake não se incomodava de estar sozinho. Na verdade, ele agradeceu a oportunidade de ter um lugar para o qual voltar, onde poderia descansar e ficar longe de todos, um luxo que, muitas vezes, não se atinge no exército. E ele precisava ficar só por um certo período de tempo, até que aprendesse a lidar com suas emoções, e não mais descontasse sua própria infelicidade nos homens sob seu comando, à mercê de seus humores.

Uma das mulheres do trem do exército, a viúva de um soldado raso morto no início do ano, que ainda não se havia casado novamente, veio à noite para cozinhar para ele. Ela se mostrara algumas vezes, sem o uso de palavras, disposta a ficar e oferecer outros serviços também, mas ele sempre a mandou embora; assim, se sentava para a sua refeição. Ela era uma boa cozinheira, mas ele não precisava dela para qualquer outra coisa.

Ele estava cansado. Às vezes, a observação sobre seus homens, os vendo fazer a sua parte para manter a guarda cuidadosa sobre as Linhas, era tão desgastante para o tempo e energia, como se mover na batalha. Tinha sido um longo dia, e não parecia ter muito tempo para relaxar. Era bom estar em casa. E, no entanto, seu nariz amassado sentiu algum desgosto, quando inclinou a cabeça para passar pelo umbral baixo da porta da casa. A Sra. Reilly tinha queimado seu jantar?

Ele atravessou a pequena sala de estar, para alcançar o arco que levava até a cozinha e estancou, os pés afastados, mãos apertadas em punhos ao seu lado.

—Que diabos você está fazendo aqui? —Ele perguntou, sua voz baixa.

—Queimando sua comida —ela respondeu, lhe lançando um olhar por cima do ombro, que revelava um rosto corado e brilhante. Seu cabelo estava preso frouxamente num coque baixo no pescoço, e usava um vestido verde limpo e bonito. —Eu coloquei apenas mais um pedaço de madeira no fogão, mas agora, ele está queimando como uma fornalha no inferno. E que tipo de boas-vindas são essas?

Ele andou até o fogão, ergueu a panela com a sua carga ofensiva de guisado queimado, e o colocou de lado, longe do calor do fogo. Ele a pegou pelo braço e virou seu rosto para ele.

—O que diabos você está fazendo aqui, Joana? —Ele lhe perguntou novamente. Se sentia furioso, o suficiente para cometer assassinato.

—Além de queimar o seu jantar? —Perguntou ela, levantando as mãos para brincar com um botão em seu casaco. —Eu vim aqui para casar com você, Robert.

—Não me lembro de lhe pedir —disse ele, asperamente. —Eu vou encontrar alguém que a acompanhe até Lisboa. E então, você vai ficar fora da minha vida.

—Como é lindo —disse ela, sorrindo. —Eu também o amo, Robert. É por isso que eu vim para me casar com você. Mas se não quiser casar comigo, não importa. Vou apenas viver em pecado com você, como fiz antes.

—Joana, —disse ele, —nós já falamos sobre isso. Você sabe que é loucura.

—E você sabe que eu sou louca. —disse ela. —Se não permitir que me case com você, ou que vivamos em pecado, então vou me juntar aos seguidores do acampamento, e me tornar uma cozinheira ou uma lavadeira. E quando você descobrir o quão mal eu cozinho, você já adivinhou? E o quão mal eu lavo a roupa, você vai me colocar em sua cama, onde eu posso fazer menos mal. —Ela sorriu para ele por debaixo de suas pestanas.

—Quando você construiu essa ideia louca? —Ele lhe perguntou. Apesar de tudo, ele podia sentir sua fúria desaparecendo, e um desejo desesperado de que isso fosse verdade, tomando o seu lugar, além de uma certa suspeita de que estava perdendo tempo discutindo com ela.

—No escritório de Lorde Wellington —ela explicou. —Você disse que nenhum de nós poderia ser feliz no mundo do outro, e, claro, era a coisa mais sensata a dizer e deveria ser verdade; mas não era, e eu percebi que não. Mas, eu queria ter a certeza. Não queria racionalizar simplesmente porque eu não queria me separar de você. Eu nunca fui feliz no mundo em que vivia, Robert. Você não pode saber quão tediosa minha vida tem sido, quão vazia e sem sentido, quão estúpida. E seria um terrível desperdício de minha vida passar o resto dela nesse mundo.

—E ainda assim, nela você tem tudo o que poderia desejar —disse ele.

—Oh, não —ela falou. —Apenas coisas materiais e um título estúpido, Robert. Qual o valor deles? Quero liberdade, desafio e excitação, e até mesmo um pouco de perigo, agora e depois, coisas que eu nunca pude encontrar em meu próprio mundo, onde poderia, muito bem, ser enrolada em algodão e estar segura. Às vezes eu acho que deveria ter sido um homem, mas não sempre, porque eu gosto de ser uma mulher. Eu odiaria ser um homem e não ser capaz de amar, sem criar o escândalo mais terrível. Mas deve haver algo para tornar a vida significativa para as mulheres também, caso contrário, a vida é ainda mais injusta do que eu sempre acreditei. Posso encontrar um significado no mundo que eu vivi com você.

—Joana, —disse ele. —Você não tem ideia...

—Não? —Ela se inclinou para a frente até os seios tocarem seu casaco, e olhou para o rosto dele. —Não, Robert? Eu acho que tenho. Eu nunca fui mais feliz do que depois que saímos Salamanca, até que chegamos a Torres Vedras. Eu estava muito feliz de estar com você, e não apenas porque éramos amantes, mas porque... oh, porque, finalmente, estava vivendo a vida.

—E a vivemos à beira da morte, —disse ele. —Qualquer um de nós poderia ter morrido em qualquer momento, Joana. Será que você não percebe o perigo que corríamos? E como eu poderia deixar você ficar comigo agora e partilhar a minha vida? Sou um soldado; o negócio de um soldado é lutar com armas reais. Eu poderei ser morto a qualquer momento.

—E eu —disse ela. —O teto pode cair sobre minha cabeça. —Ela olhou para cima, e seus olhos seguiram os dela. —A morte virá, Robert, seja no momento seguinte ou sessenta anos mais tarde. Entretanto, há uma vida a ser vivida e gostamos de ser amados.

Ele fechou os olhos e baixou a cabeça até que sua testa tocou a dela. —Joana —disse ele, —isto é uma loucura. Deve haver argumentos que eu possa usar. Deve haver milhares deles. Não tenho nada para lhe oferecer.

—As palavras estúpidas, —disse ela. —Oh, imbecil. Você tem amor para oferecer e você mesmo, também. Você me disse uma vez que daria à mulher que você ama um aglomerado de estrelas e o nascer do sol. Me dê essas estrelas, e em seguida, me dê o nascer do sol; e serei mais feliz do que tenho palavras para expressar. Me dê o nascer do sol, Robert, todos eles, todos os dias de nossas vidas, até que haja apenas um pôr do sol à frente. E, então, iremos lembrar que não perdemos um só momento da única vida que cada um de nós tem, ou das duas vidas que nós compartilhamos.

—Joana —disse ele, e havia desejo em sua voz, e agonia.

—Eu sei que você está tentando encontrar as palavras para me mandar embora, —disse ela. —Mas não pode fazer isso, Robert. Você não tem a autoridade. Eu tomei a minha decisão, e eu lhe contei qual é. Não é apenas a sua própria decisão que importa agora. O que você quer de mim? Isso é tudo que tem que decidir, porque eu não estou indo embora.

Ele respirou fundo e a puxou para seus braços. Ele segurou a cabeça contra o peito dele e virou o rosto para descansar nela. —Muito bem, então —disse ele, e respirou fundo, antes de continuar. —Nós vamos nos casar. Vou vender minha patente. Eu não sou tão pobre como você pensa. Meu pai morreu recentemente, e ele me deixou uma propriedade e uma fortuna considerável. Você pode viver a vida de uma senhora inglesa, mesmo que eu nunca vá ser um completo cavalheiro inglês. Você pode ter seu sonho e eu, ambos, Joana, se tem certeza de que é o que você quer.

Ela empurrou a cabeça para trás e olhou para ele. —Estúpido! —Disse ela. —Idiota! Eu não o vou aceitar sob tais condições. Como você é estúpido. Eu quero você como você é, como eu me apaixonei por você. Acha que eu ficaria feliz se você desistisse de tudo o que o faz ser quem é, e tudo o que dá significado à sua vida e felicidade?

—Você me faz feliz —disse ele.

—Oh, sim, —disse ela com desdém. —E estar comigo pode compensar tudo do que você desistiria? Como vocês custam entender, Robert, porque nós somos muito diferentes. Você teria que desistir de muita coisa, enquanto eu desistiria de nada, exceto do título ridículo, dos vestidos brancos tediosos e todas as outras coisas que são nada para mim. —Ela abriu um grande sorriso para ele, de repente. —Mas, como eu o amo por estar disposto a fazer uma coisa tão tola! Existe um pregador para nos casar, então, ou viveremos uma vida em pecado?

—Deus, —ele respondeu, —Eu a amo. Como você me tenta, Joana.

—Minha mãe deveria ter me chamado Eva —disse ela. —Existe um pregador?

—Sim —disse ele.

—E será que podemos pagar uma empregada? —Perguntou ela. —Eu tenho medo que você morra de fome, se não pudermos, Robert.

—Das esposas de oficiais não é esperado que façam as coisas sozinhas ¯, ele explicou. —É claro que lhe é permitido uma empregada.

—Oh, bem, —ela disse, sorrindo. —Está tudo acertado, então?

Ele olhou para ela por um longo momento. —Está me sendo dada uma escolha? —Perguntou ele.

—Só se você puder me dizer que, de fato, não me quer, e que realmente não me ama —disse ela. —Mas, você não pode fazer qualquer uma, não é?

—Não —disse ele.

—Então, você não tem escolha —ela estabeleceu —Vai me levar para a cama? Como não tenho comida para lhe oferecer, teria que ter algo melhor em troca, uma refeição, boa o bastante, para compensar o jantar perdido.

—Silêncio, Joana. —Ele baixou a cabeça e a beijou demoradamente. —Minha mente está confusa. Ainda deve haver novecentos e noventa e nove argumentos, mas eu não consigo pensar em um único. Acho que você está me manipulando, como sempre faz.

—Sim. —Ela sorriu para ele. —Mas você é, sem dúvida, o homem mais difícil de manipular que eu já conheci, Robert. Me leve para a cama e me deixe o amar, tolo. Caso contrário, você estará livre para pensar em algum argumento estúpido, e eu vou ter que pensar em novas artimanhas para o convencer, e não quero usar artifícios. Eu o quero amar.

Ele suspirou, e em seguida, olhou para o rosto ansioso e os olhos escuros também ansiosos e sorriu lentamente. —Acho que vamos sempre lutar, não vamos? —Completou. —Todos os dias de nossas vidas? Porque eu sempre insisto em ser o homem, Joana. Eu lhe estou avisando justamente.

Ela baixou os cílios e olhou para ele por debaixo deles. —Bom —ela respondeu, —porque eu sempre vou insistir em ser a mulher. Eu lhe dou o aviso justo.

—Isto, por exemplo —disse ele. —Isto é minha incumbência, não sua. Joana, você vai me dar a honra de se casar comigo?

Ela olhou em seus olhos, e os dela mesmo aumentaram, luminosos, quando abraçou seu pescoço. Ela mordeu o lábio inferior e surpreendeu tanto a ele como a si mesma, quando seus olhos se encheram de lágrimas repentinas.

—Sim —ela sussurrou. —Oh, sim, por favor, Robert.

Ele segurou seu rosto com as mãos e limpou as duas lágrimas com os polegares. —Amanhã, —ele lhe explicou, —eu vou encontrar alguém para nos casar. Amanhã. No entanto, agora não há nenhum jantar, há?

Ela balançou a cabeça.

—O que você oferece como uma alternativa? —Ele perguntou, baixando a cabeça para tocar seus lábios, levemente.

Ela riu, seu riso misturado com um soluço. —Eu vou fazer você esquecer que está com fome, —disse ela. —Eu vou, Robert. A noite toda. Eu prometo.

—E você, —disse ele, tocando sua testa na dela, novamente. —Você está com fome?

—Voraz —lhe disse ela. —Você vai ter de me alimentar, Robert.

—Durante toda a noite? —Perguntou.

—A noite toda.

—E então, no final dela, —ele acrescentou, —eu tenho algo para lhe dar.

—O quê? —Ela perguntou, enquanto ele se inclinava para a levantar em seus braços.

—O nascer do sol —ele lhe disse. —E tudo o que está além dele.

—Oh. —Ela escondeu o rosto em seu pescoço, quando ele a levou até seu quarto. —Robert, eu o amo tanto. Eu amo. Eu gostaria que houvesse palavras para explicar isso. Oh, eu gostaria que houvesse.

Ele a colocou na cama e se inclinou sobre ela, lhe sorrindo plena e calorosamente.

—Mas então —disse ele, —quem precisa de palavras?

Ela sorriu de volta e chegou os braços para ele.

 

 

                                                                  Mary Balogh

 

 

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