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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ALEXIOS
ALEXIOS

                                                                                               

  

 

 

 

 

Eu não sei, sinto-me tão confusa que não sei o que responder a ele. Nunca senti Alexios como nesse tempo em que estivemos juntos. Claro que era uma situação diferente, estávamos tendo um envolvimento sexual que nunca tínhamos tido, mas ainda assim, eu sentia! Era como se eu estivesse sendo correspondida, não desperdiçava meu amor, pelo contrário, era como se ele o absorvesse e me devolvesse ainda mais forte.

— Alexios me pediu em casamento — confesso.

Daniel, perplexo, senta-se em um poltrona. A muda de roupa limpa na mão, os pés descalços, e ele parece que tomou um soco que o deixou desnorteado.

— Então por que estamos aqui?

— Porque eu não quero casamento, Dani, eu quero amor! — Ele me olha sem me entender. — Eu o amo, mas não posso estar com ele se não sente o mesmo por mim, é uma equação desastrosa, fadada à falência.

Meu irmão fecha os olhos.

— Vocês superestimam o amor. — Nego, mas ele confirma. — Amor não mantém ninguém junto. Por isso se vê tanto casal apaixonado que não consegue manter uma relação, porque o amor é volúvel, o que mantém duas pessoas juntas são suas afinidades. — Ele respira fundo. — Encontrar alguém que aceite e compartilhe suas coisas é mais difícil do que achar amor.

Não concordo com ele, pois, se fosse assim, ele não estaria casado ainda com Bianca? Os dois estudaram juntos, faziam os mesmos programas, tinham os mesmos interesses, por que então o casamento acabou logo depois da cerimônia?

— Eu não acho, Daniel. Somente quando se ama se é capaz de compreender e aceitar o outro. Isso é básico para qualquer tipo de relação, não só a de um casal. Empatia é uma forma de amor, quando você se põe no lugar do outro para entender o que sente. — Sorrio para meu irmão mais velho, sentindo-me estranha por estar conversando sobre isso com ele. — Talvez — continuo — você esteja buscando o resultado, mas sem querer trabalhar a fórmula.

Ele fica um tempo pensando, mas então começa a rir e se levanta.

— Por que estamos usando metáforas matemáticas para falar de um assunto que nada tem a ver com exatas? — Beija minha testa e começa a ir para sua suíte. — Está explicado por que somos péssimos em relacionamentos amorosos!

Rio de sua troça, mas no fundo percebo que ele apenas quis encerrar o assunto de maneira leve. Até hoje não entendi bem o motivo de o casamento dele ter acabado, nem o que esconde – porque ele esconde algo! – e, muito menos, o que realmente deseja.

Sento-me um instante onde ele estava e contabilizo o tempo para que Alexios e Kyra descubram que eu não só sou uma covarde, mas também uma mentirosa.

Encontrei-me com ela um dia antes de embarcar para cá e lhe entreguei a caderneta. Disse que estava na minha bolsa e que, por conta da situação de Kostas no hospital, acabei por esquecer de devolvê-la. Não falei sobre a página arrancada e, muito menos, sobre o que descobrimos, meu irmão e eu. Eu tive medo da reação dela, por isso escrevi contando tudo, juntei à carta a página faltante e pedi a uma das secretárias da Schneider que as despachasse pelos Correios hoje.

Não deve demorar muito para que Alexios receba a missiva e saiba que a amiga perfeita em que ele tanto confiava não era tão perfeita assim. Quanto ao meu pai, bem, antes de eu vir, ele foi com a mamãe para a fazenda no interior, e, por isso, também deixei uma carta para ele, em cima de sua mesa do escritório, para que, quando voltasse, estivesse preparado.

Eu sei o que vocês estão achando de mim, que sou uma grande covarde por ter feito isso e vindo embora. Também me sinto assim, mas não podia vir e deixar tudo para trás, como se não tivesse descoberto nada. O que eu queria de verdade era estar lá, com eles, tentando juntar todas as peças e formar o quebra-cabeça sinistro que se transformou essa busca.

Temo pelos meus pais. Contudo, não podia continuar a esconder a informação de Alexios, porque, independentemente de estarmos juntos ou não, desejo que encontre respostas, se cure e seja feliz.

Mal acabo de pensar nisso, e meu telefone notifica uma mensagem de Kyra.


“Samara, já deixei mil recados! Você chegou bem? Está no seu apartamento?”


Sinto lágrimas nos olhos ao ler a preocupação dela e compreender o quanto, mesmo sem me dizer nada, Kyra gosta de mim.


“Oi, Kyra, desculpa, as coisas ficaram um pouco complicadas por aqui, mas depois te ligo para contar. Daniel e eu chegamos bem e estamos hospedados no Villa Magna.”


Ela digita imediatamente, mas depois para, e meu telefone toca.

— Oi! — atendo, rindo, pois sabia que ela não resistiria a saber o que aconteceu.

— Por que vocês estão em um hotel? O que houve com seu apartamento?

Respiro fundo.

— Diego não aceitou bem as coisas e bagunçou meu apartamento.

— O quê?! — ela grita. — O que aquele filho da puta fez?

Ouço uma voz abafada ao fundo, e sinto meu corpo retesar ao pensar que Alexios está ouvindo tudo, embora não se revele ou me cumprimente.

— Nada de mais — disfarço. — Picotou algumas fotos e quebrou uns vidros de...

— Ele encostou em você? — Alexios entra na ligação. — Samara, se ele encostou em você ou mesmo te ofendeu de qualquer maneira, eu juro que vou cobri-lo de porrada!

Fico muda, paralisada, sem reação ao ouvir sua voz revoltada ao telefone e sentir sua indignação. Não esperava por isso, então meus olhos se enchem de lágrimas, e eu preciso engolir em seco para não chorar.

— Não, ele nem estava lá, apenas deixou o recado, mas Daniel achou melhor virmos para um hotel enquanto limpam a bagunça dele.

— Filho da puta!

Kyra fala algo com ele, e o escuto bufar.

— Samara, você está bem? — minha amiga torna a falar.

Balanço a cabeça, tentando convencer a mim mesma de que estou, para só então responder:

— Estou, sim, obrigada pela preocupação. — Eu queria poder lhe perguntar sobre Alexios, mas acho que ele deve estar ouvindo a ligação, por isso não o faço. — Eu vou tomar um banho agora e descansar um pouco. — Meu coração se aperta. — Adeus.

Ouço um barulho alto, um suspiro longo da Kyra, e em seguida ela responde:

— Tchau.

 

— Acho que está tudo certo agora. — Daniel olha para o apartamento, limpo, desinfetado e sem nenhuma marca feia que lembre a passagem de Diego por aqui. — Tem certeza de que prefere vir para cá a ficar no hotel?

— Sim, prefiro minhas coisas. — Sorrio. — Duas noites lá já foram suficientes.

— Certo. — Ele confere as fechaduras novas, detalhe que fez questão de acompanhar para garantir que nunca mais Diego consiga acesso ao apartamento. — Eu já avisei ao seu porteiro que aquele babaca não entra mais aqui, pelo menos enquanto você estiver morando no prédio. Eu queria ir até seu escritório também para...

— Daniel, não, é suficiente tudo o que você já fez, obrigada.

Ele não parece nada feliz, mas concorda.

— Então o que me resta é ir até o hotel, fechar nossa conta e trazer nossas malas para cá. — Ele olha para meu sofá-cama. — Espero que seja tão bom quanto a cama de um cinco estrelas.

Rio.

— Se quiser ficar por lá, não vou ficar ofendida.

— Não, vim para ficar com você. — Ele dá um tapa no sofá-cama. — Ele será meu companheiro de sono.

Abro as janelas para que o vento primaveril entre na sala.

— Gosto dessa vizinhança, as pequenas lojas, a floricultura... — puxo o ar com prazer — o cheiro da padaria.

— Acabamos de tomar café da manhã, Samara! — Ri. — Acho que, enquanto você vai ao escritório, vou fazer umas compras, precisamos de comida!

— Pegou o roteiro que fiz para você? — Ele concorda. — Eu vou precisar ficar esses dois dias no escritório, mas depois sou toda sua para passearmos pela cidade e, quem sabe, pelo país.

— Os barzinhos me pareceram ótimos, e eu estou precisando comer umas porcarias e encher a cara.

Paraliso no peitoril da janela e me viro para olhá-lo.

— Como é que é? — Rio. — Você num bar, comendo petisco e tomando cerveja?

Ele dá de ombros.

— Eu gosto.

Não é possível!, penso abismada, não fazendo ideia de que ele frequente esse tipo de lugar. Daniel sempre foi tão formal que eu o imaginava em algum lugar chique, tomando champanhe ou mesmo um caro destilado. Nunca soube que frequentasse bares.

— O que mais não sei sobre você?

O sorriso morre.

— Vou até o hotel para...

O interfone toca, e ele fecha os punhos, impedindo-me de atender.

— ¿Sí? — Daniel escuta o porteiro falar do outro lado da linha. — ¿Quienes son? — Ele arregala os olhos. — ¿Está seguro?

Fico tensa, sem saber de quem eles falam.

— Daniel?

Meu irmão se afasta do interfone, mas sem desligá-lo e, surpreso, me informa:

— Kyra e Alexios Karamanlis estão aí. — Minhas pernas tremem como gelatina, e eu preciso me apoiar na janela para não cair. — Deixo-os subir?

Assinto, coração disparado, sem saber o que pensar sobre a vinda deles.

A vinda dele!

Alexios veio atrás de mim!


Não dormi na noite em que Kyra me contou sobre a volta de Samara para Madri. Peguei o telefone tantas vezes que não sei como não o furei, mas não liguei ou mesmo enviei uma mensagem. Não sabia o que ia falar.

Vi o dia amanhecer e fiquei na janela, olhando para o céu como se pudesse ver o avião dela levantar voo e a levar para longe de mim.

Sem se despedir, de novo!

Da outra vez eu não soube com antecedência que ela pretendia ir, nem me lembrava do beijo que partilhamos em meio à minha bebedeira; agora não, agora eu sei que ela está indo embora e me abandonando com todas as lembranças dessas semanas que passamos juntos.

Tomei café e fui para a empresa trabalhar, mas não pude me concentrar direito e nem comemorei o tanto que devia quando soube da alta iminente do meu irmão. Kostas estava bem, já andava, colocou sua mãe para correr, voltando a ser o mesmo malvadão de sempre, e estava feliz ao lado da mulher que o ama e que carrega um filho seu dentro de si. As notícias eram as melhores. Contudo, eu não me sentia animado, apenas calculava as horas do voo de Samara até Madri. Confesso, vinha riscando no meu calendário os dias que já estávamos longe um do outro.

Nunca me senti tão vazio, e olha que sempre me considerei uma casca! Andava sem rumo dentro do meu próprio apartamento, não tinha ânimo para sair, nem mesmo para praticar meus esportes, muito menos para pensar em qualquer outra mulher.

Sim, meu tesão zerou!

Então veio a ligação da Kyra e depois minha visita forçada a ela, que adicionaram mais uma característica triste a mim: a impotência. Eu soube que a mulher mais especial da minha vida estava indo embora e não fiz nada para impedir. Apenas deixei-a ir. Olhei para o relógio desanimado, imaginando o avião dela levantando voo e tentei voltar ao trabalho.

12 horas depois, estava na casa de Kyra, enchendo-a para que ligasse para Samara a fim de saber se ela havia chegado bem.

— Já deixei recado, ela deve estar ocupada! — minha irmã disse irritada, morrendo de sono, quando eu pedi a ela que ligasse pela milésima vez. — Vá para casa, Alex, assim que ela me retornar eu...

O som de vibração do aparelho me fez levantar, e li a mensagem de Samara, sentindo-me preocupado no mesmo instante, pois algo acontecera para que ela estivesse hospedada em um hotel.

Kyra começou a digitar, mas eu estava aflito demais para esperar que as duas trocassem mensagens.

— Ligue para ela — Kyra me olhou, puta com o tom de ordem em minha voz. — Por favor.

Minha irmã rolou os olhos, mas fez o que pedi.

— Oi! — ouvi sua voz risonha no viva voz, e isso fez meu coração se apertar de saudade.

— Por que vocês estão em um hotel? O que houve com seu apartamento?

Samara respirou fundo.

— Diego não aceitou bem as coisas e bagunçou meu apartamento.

Cerrei os punhos com força e tive vontade de xingar, mas me controlei para que ela contasse o que havia acontecido.

— O quê?! — Kyra gritou sua indignação por mim. — O que aquele filho da puta fez?

— Eu vou matar esse filho da puta! — falei baixinho, entredentes, espumando de raiva.

— Nada de mais. Picotou algumas fotos e quebrou uns vidros de...

O quê?! Ele foi agressivo com Samara?! Apenas a ideia de que ele pudesse ter encostado nela ou mesmo a ofendido me deu vontade de matar o espanhol arrogante.

Não resisti e quase gritei:

— Ele encostou em você? Samara, se ele encostou em você ou mesmo te ofendeu de qualquer maneira, eu juro que vou cobri-lo de porrada!

Ela ficou muda por um tempo, e eu amaldiçoei a Kyra por não ter ligado por vídeo, pois eu poderia olhar em seu rosto para saber se realmente estava bem.

— Não, ele nem estava lá, apenas deixou o recado, mas Daniel achou melhor virmos para um hotel enquanto limpam a bagunça dele.

— Filho da puta! — xinguei-o de novo, mas Kyra tocou meu ombro.

— Diego não importa mais. Se acalme, que eu vou perguntar como ela está — falou baixinho, tampando a entrada de som do telefone e depois a desobstruiu. — Samara, você está bem?

Ela titubeou, e não gostei nada disso. Fiquei com a impressão de que estava escondendo algo.

— Estou, sim, obrigada pela preocupação. Eu vou tomar um banho agora e descansar um pouco. — Outra pequena pausa, e ela concluiu: — Adeus.

Soquei a parede do apartamento de Kyra, e o gesso ficou amassado por meu punho.

— Tchau. — Kyra desligou e me olhou séria. — Para com essa merda!

— Para o Daniel a ter levado para um hotel é porque o babaca fez algo que a assustou. Eu conheço Samara, ela não esperava algo assim, deve ter ficado em choque. — Kyra ficou parada, braços cruzados, apenas me encarando. — Eu vou matar aquele filho da puta!

— Como? Via telefone?

Parei em seco. As palavras dela foram como um gancho de direita bem no meu queixo e me fizeram dar conta de que eu tinha deixado Samara partir e que não podia fazer mais nada para estar com ela, para protegê-la, para...

— Eu sou um idiota — confessei, e ela riu como se eu tivesse dito o óbvio. — Porra, Kyra, como pude ser tão cego?

Minha irmã pôs a mão no meu ombro.

— O pior cego é aquele que não quer ver. — Apontou para o celular. — Busco passagens?

— Por favor. — Riu. — Pretende ir junto?

Ela me olhou ofendida.

— Óbvio, acha que eu vou perder esse momento de te ver arrastar a bunda atrás dela? Nunca! — Riu perversa. — Esperei por isso a vida toda!

Abracei-a forte. Mesmo com um “cagaço” real de ser rejeitado, precisava tentar. Não poderia perder Samara sem nem mesmo dizer a ela tudo o que eu estava sentindo e explicar que, assim como eu confundi as coisas ao achar que era só amizade, ela também poderia estar cometendo esse erro.

Era a minha maior esperança, porque eu senti em cada carinho, em cada momento que passamos juntos, que tínhamos a mesma sintonia. Justificava dizendo que era por causa da nossa amizade, talvez por não querer admitir e arriscar, mas já não me importava em me expor e ser machucado; já era uma ferida enorme perdê-la sem que ela soubesse como eu me sentia.

Kyra reservou passagens para o outro dia à tarde, mesmo sob meus protestos de pressa, alegando que precisava ajustar umas coisas antes de irmos. Mergulhei de cabeça no trabalho na K-Eng, não parando um minuto sequer, disposto a fazer o tempo passar rápido.

Não passou!

Mais uma noite insone na conta e uma vontade enorme de ligar ou mandar mensagem para Samara, mas me contive. Eu iria até ela, ela merecia que eu fosse, principalmente por eu ter perdido tanto tempo, por não ter assumido o que sentia antes de fazê-la atravessar o oceano.

E se ela não me quisesse mesmo? E se o que me dissera ao comparar nossa situação com a de seu antigo relacionamento fosse certo? Ela não ficaria comigo sem amor, já havia deixado claro. E se, mesmo eu sentindo por ela um amor tão absurdamente grande, ela ainda assim não me amasse? Eu seria rejeitado, e todo o medo que eu sentira a vida toda com relação a ela se concretizaria. Eu teria a certeza de que não era bom o suficiente para ela.

No dia da viagem, decidi não trabalhar. Fui até o hospital visitar meu irmão e soube que ele não tinha visto nada na ultrassonografia de Kika. Achei engraçado ele tão noiado daquele jeito, cheio de orgulho, de medo e de amor. Percebi que faz parte sentir medo e que a grande sacada de estar apaixonado é ignorar e se entregar de olhos fechados, arriscando alto para se ter a maior recompensa que uma pessoa busca: a felicidade.

Eu via a felicidade naquele quarto de hospital. Em cada olhar de meu irmão para Kika, em cada gesto preocupado dela para com ele, eu sentia a profundidade e a verdade do sentimento entre eles.

— Você disse que vai para a Espanha hoje — Kika comentou comigo. — Samara está lá? — Confirmei, e ela sorriu. — Sabia que vocês não iam conseguir negar mais por muito tempo.

Suspirei e confessei:

— Negamos a vida toda, mas acho que chegou o momento de provar se é de verdade. — Ela pegou minha mão, e Kostas pigarreou, mesmo distraído lendo um jornal. Kika rolou os olhos, mas sorriu feliz. — Eu estou com medo.

— Eu sei, é apavorante estar apaixonado por alguém sem ter a certeza dos sentimentos dessa outra pessoa, mas o medo não faz você deixar de amar, apenas te impede de descobrir o que é ser amado. — Ela olhou para Konstantinos. — Enfrentar o medo é o primeiro passo em busca da felicidade.

O que ela me disse alimentou a esperança dentro de mim e me fez relaxar um pouco a tensão antes do embarque.

— Tome isso. — Kyra me estendeu um remédio. — Você não dorme há dias, vai chegar lá igual a um zumbi e assustará a Samara. Temos mais de 10 horas de voo, dá tempo de descansar.

— Não quero — rejeitei a pílula, e ela insistiu.

— Vai precisar de todo seu cérebro em bom funcionamento para convencê-la, e, acredite em mim, com ele em estado normal, você já é um tapado, imagine dormente de sono. — Fez cara de brava. — Toma logo!

Confesso que foi o melhor arranjo, o que me faz feliz por ter uma irmã tão inteligente e bruta como ela. Dormi a viagem toda, acordei quando paramos em Lisboa, comi algo e me senti muito mais disposto e animado.

Até agora!

— Ela não vai me deixar subir! — falo enquanto o porteiro conversa com alguém pelo interfone.

— Claro que vai, eu vim junto!

Encaro-a.

— Não era bem essa a resposta que você deveria me dar!

— Eu sou sincera! E é bom você entrar em campo com os pés no chão, sem salto alto, porque o jogo só acaba quando termina, então ponha seu melhor atacante para trabalhar e faça o gol direito!

Franzo a testa.

— Você sabe que futebol era o negócio do babaca cujo pescoço ainda vou torcer, não? Péssima metáfora motivacional.

— Não estava motivando, apenas alertando de que, se você ficar de cu doce e não disser a ela com todas as letras por que veio, vai tomar cartão vermelho! — ela provoca, mas consegue atingir o alvo.

Kyra não tem ideia de como foi complicado chegar até aqui. Eu me sinto novamente o garoto que ia levar Samara ao baile, morrendo de medo. Só espero que dessa vez eu não faça merda.

— Puede subir — o porteiro finalmente libera nossa passagem.

Sinto uma mistura de alívio e medo, algo estranho, que parece dar nó em minhas entranhas, mas sigo com minha irmã até o elevador.

— Você sabe o número do apartamento?

— Claro, já estive aqui antes. — Encara-me. — E se você tivesse sido um bom amigo, saberia também.

— Porra, Kyra, você não está ajudando.

— Só para te lembrar todas as merdas pelas quais você deve pedir perdão.

— Como se eu não soubesse...

— Saber não é suficiente, meu caro, você precisa falar para ela e deixá-la ter a dimensão da sua burrice por todos esses anos. Se, ainda assim, ela te quiser, é amor verdadeiro.

Engulo em seco.

— Falou a especialista!

Kyra ri.

— Eu sou! — Dou uma olhada irônica para ela. — Observo os outros; olhe à minha volta, meus amigos estão todos apaixonados e felizes!

— E você?

— Já sou feliz sem estar apaixonada! — Ela beija seu próprio ombro.

— Sei...

Kyra acha que me engana com esse discurso, mas eu sei que não é bem assim. Não que ela não seja feliz sozinha, acho que possa ser, do jeito dela. Contudo, sei que está sozinha por conta das marcas do passado, não porque seja uma escolha realmente sua.

Daniel está à porta do apartamento, parado como um leão de chácara na entrada, braços cruzados, cara de poucos amigos, um verdadeiro “cavaleiro de armadura brilhante” defendendo a honra de sua irmã. Xingo, querendo evitar confrontos com a família dela, mas disposto a tudo para poder falar com Samara.

— Round one, fight! — Kyra imita a voz do videogame, e eu aquiesço e já me preparo para entrar, mesmo que seja na porrada.

— Bom dia — Daniel nos cumprimenta. — Que surpresa.

Ele me olha sério, desafiador.

— Bom dia. Onde está Samara?

Kyra dá uma risadinha ao meu lado.

— O que você quer com ela, Alexios?

Cruzo os braços e sorrio.

— Você vai mesmo bancar o irmão dragão guardião da princesa? Qual é, Daniel, acho que Samara já é bem grande para saber falar por si mesma.

— Alex... — Kyra sussurra, mas não a olho.

— Ela é, a questão aqui não é se minha irmã é adulta, é saber se você irá se comportar como um.

— Eita! — Kyra ri e recebe um olhar enviesado de Daniel. — Meninos, a testosterona aqui está alta, mas sinto interrompê-los. — Ela empurra Daniel para o lado e o encara. — Vou dar um abraço em minha amiga, e depois nós dois vamos deixá-los conversar, então resolva o que você tem que resolver com ele de uma vez.

Ela entra, e Daniel parece confuso, como se não conhecesse o furacão chamado Kyra.

— Olha, Daniel, eu sei que você está preocupado com sua irmã e, acredite em mim, conheço o sentimento, mas vim aqui para falar com ela e, se precisar te tirar dessa porta à força, eu vou fazer isso, porque não volto para aquela porra de país sem que diga a Samara o idiota que tenho sido por todos esses anos.

Daniel não fala nada, apenas me olha e então sorri.

— Todos sabemos o idiota que você tem sido, Alex. — Ele sai da frente da porta. — Não a machuque, Samara é a pessoa mais doce que eu conheço, e sei o quanto ela já sofreu por sua causa. — Fico sério, olhando-o sem desviar os olhos, sentindo-me um moleque tomando esporro antes de sair com sua primeira namorada. — Eu quero ser seu amigo, Alex, mas se você a ferir, se prepara, porque vai ter que prestar contas a mim.

Minha vontade neste momento é de mandá-lo à merda, se foder, cuidar da sua vida, mas respondo:

— Não vou feri-la.

Kyra aparece, sorridente, e puxa o braço de Daniel.

— Vamos, te pago um café!

— Acho que vai ter que ser algo um pouco mais forte que isso — escuto-o dizer a ela antes de entrarem no elevador.

Respiro fundo, armo-me de toda a coragem que sempre tive para enfrentar grandes desafios, mas devo confessar que nada do que vivi até hoje, em nenhum dos esportes radicais – ou ilegais – que já pratiquei se compara a este momento.

Entro na sala e vejo Samara de pé perto das enormes janelas do apartamento. Entendo o motivo pelo qual ela alugou algo em um prédio de poucos andares e ficou no segundo; ela gosta da janela, da visão que tem, mas tem medo de altura, sempre teve.

— Oi, Alexios — cumprimenta-me. — Eu não esperava...

Tremo de medo e me aproximo dela, fazendo-a parar de falar. Preciso lhe dizer o que vim fazer aqui e o que sinto antes mesmo de ela se manifestar. Não que isso vá fazer diferença caso ela realmente não queira nada comigo, apenas quero pôr para fora, quero dizer antes de uma possível rejeição.

É dela, por ela e para ela, então, ainda que não sinta o mesmo, não quero guardar apenas para mim algo que não me pertence mais.

— Eu tinha que vir. Cometi um erro anos atrás, não vou cometê-lo de novo.

Samara enruga a testa.

— Que erro?

— Não ter vindo atrás de você há três anos, quando foi embora sem se despedir. — Ela desvia os olhos. — Não ter me lembrado do beijo que te dei naquela noite. — Samara torce as mãos. — Não ter te tirado para dançar naquele maldito baile de formatura e ter sido o seu primeiro.

— Alexios, esses momentos não voltam mais...

Toco seus lábios com o dedo, e ela me encara.

— Eu sei, não vim apenas lamentar minha burrice, vim dizer que você é, sim, minha melhor amiga, a pessoa em quem mais confio nesse mundo, minha confidente, conselheira e tantas outras coisas que eu ficaria horas listando. Samara, você sempre esteve ao meu lado, e eu nunca tive dúvidas de que continuaria a estar. Você é meu porto seguro, é meu alicerce, meu lar. — Vejo uma lágrima cair em sua face e a intercepto com a ponta do dedo. — Eu reconheço que nem sempre correspondi a tudo o que você me dava. Eu estava tão ferido que só conseguia sentir minha dor, fui egoísta e justamente com você, que sempre compartilhou comigo todo o meu sofrimento, me entendeu mesmo que eu nunca tenha precisado explicar.

— Alexios, eu nunca tive dúvidas da nossa amizade.

— Eu sei, nem eu. — Sorrio. — Não foi somente por ela que vim aqui.

Vejo o movimento de sua garganta ao tragar a saliva devagar.

— Por que você veio?

Não tem mais volta! Agora é hora de me expor e rasgar minha alma, renunciar a todo o medo, toda a insegurança e o sentimento de inferioridade que sempre me fez temer sentir por ela mais do que o seguro sentimento de amizade.

É hora de dizer as palavras que nunca disse para ninguém.


Alexios veio atrás de mim!

Diego autoriza a entrada de Kyra e Alexios, e eu olho para as minhas mãos, trêmulas, coração disparado, a cabeça cheia de questionamentos, mas mando-me ter calma, não criar expectativas, não me iludir.

— Eu vou esperá-los lá fora — Daniel avisa, e eu nego.

— Não tem necessidade disso, Dani, são meus amigos!

Meu irmão sorri, anda até onde estou e beija minha testa.

— Eu sei disso, mas ele não veio até aqui pela sua amizade, isso ele já tem, mesmo longe, sempre teve. — Arregalo os olhos, e minhas mãos suam. — Se Alexios veio sem avisar atrás de você, é porque se deu conta do idiota que é, e, Samara, eu não vou facilitar para ele.

— Dani...

— Confia em mim, é só uma conversinha rápida, nada de mais!

Ele sai e deixa a porta semiaberta, permitindo-me ouvir as vozes no corredor. Estou nervosa e fico ainda mais quando ouço a voz de Alexios, que cumprimenta Daniel e pergunta por mim.

Vou até a janela, agradecida por ser um dia tão bonito de primavera, tentando ordenar meus pensamentos e sentimentos antes de conversar com ele. Não sei se veio até aqui para retomar aquele pedido de casamento absurdo ou se...

— Ei, Malinha! — Kyra para ao meu lado na janela, olhando para o céu e para as construções que formam minha vizinhança. — Está um dia lindo!

— Está, sim. — Olho-a. — O que significa isso, Kyra?

— Uma visita! — Pisca para mim. — Eu adoro Madri e estava mesmo precisando de uns dias de primavera europeia.

Bufo, detestando que ela seja tão obtusa com tudo, principalmente com esse momento.

— Por que Alexios veio? Da outra vez ele nem...

— Ele veio porque se deu conta de algo que estava bem na cara dele, mas que ignorava por medo ou por não acreditar que merecia. — Meus olhos se enchem de lágrimas. — Sim, eu sempre desconfiei, mas era meu dever de amiga não criar mais ilusões em você, porque eu sabia que ele tinha que se dar conta sozinho. — O sorriso de Kyra é gigante. — Você não está iludida, nunca esteve ao esperar – mesmo sem querer – que isso acontecesse um dia. Só te peço uma coisa, não facilite para ele — sorrio ao ouvir as mesmas palavras que meu irmão disse. — Alexios precisa colocar para fora mesmo sem ter certeza dos seus sentimentos com relação a ele. Deixo-o falar tudo, Samara.

Assinto, secando as lágrimas, o coração apertado de ansiedade.

— Ele vai te dizer as palavras, mas acredite, são mais do que isso. — Ela me surpreende ao me abraçar. — Eu te amo, Malinha!

Não tenho tempo nem de responder, pois a doida metida a durona se sacode toda, como se expulsasse todo esse sentimentalismo e sai da sala.

Não demora muito, ouço os passos de Alexios e o vejo parada na entrada da sala. O ar à minha volta parece vibrar, minha pele se arrepia toda e esquenta de antecipação, meu coração está mais agitado do que uma escola de samba quase estourando o tempo de desfile.

— Oi, Alexios — saúdo-o. — Eu não esperava...

Paro de falar assim que ele cruza a sala com passada largas e fica a um palmo de distância de mim. Sinto uma espécie de energia estática, um magnetismo tão grande que preciso me travar no chão para não ir ao encontro do seu corpo.

Não vou facilitar!

— Eu tinha que vir. Cometi um erro anos atrás, não vou cometê-lo de novo.

Enrugo a testa. Do que ele está falando?

— Que erro?

— Não ter vindo atrás de você há três anos, quando foi embora sem se despedir. — Isso me pega de surpresa, pois raramente o ouço admitir suas cagadas, principalmente suas atitudes egoístas. — Não ter me lembrado do beijo que te dei naquela noite. — Ai, porcaria, como vou conseguir não chorar? Aperto as mãos, tentando ter autocontrole. — Não ter te tirado para dançar outras vezes naquele maldito baile de formatura e ter sido o seu primeiro.

Meu sonho daquela noite, minha ilusão! Isso era tudo o que eu queria, mas já não adianta mais pensar sobre isso, as coisas aconteceram como tinham que acontecer.

— Alexios, esses momentos não voltam mais...

Ele me faz parar de falar ao tocar seu indicador sobre meus lábios, e eu volto a olhá-lo.

— Eu sei, não vim apenas lamentar minha burrice, vim dizer que você é, sim, minha melhor amiga, a pessoa em quem mais confio nesse mundo, minha confidente, conselheira e tantas outras coisas que eu ficaria horas listando. Samara, você sempre esteve ao meu lado, e eu nunca tive dúvidas de que continuaria a estar. Você é meu porto seguro, é meu alicerce, meu lar. — Lar? A palavra parece pequena e simples, mas eu sei bem o significado dela para ele. Lar foi tudo o que ele nunca teve e que sempre sonhou construir para si e para Kyra. Era sua meta, a coisa mais importante de sua vida. Não consigo impedir que uma lágrima caia, e ele a limpa. — Eu reconheço que nem sempre correspondi a tudo o que você me dava. Eu estava tão ferido que só conseguia sentir minha dor, fui egoísta e justamente com você, que sempre compartilhou comigo todo o meu sofrimento, me entendeu mesmo que eu nunca tenha precisado explicar.

Toda a nossa história parece passar pela minha cabeça em lembranças cinematográficas. Lembro-me com carinho das brincadeiras e aventuras, da estranheza da adolescência, dos momentos tensos em que ele tentava esconder de mim o que estava havendo dentro de sua casa, dos pedidos de socorro para Kyra e de ajuda quando precisava esconder suas marcas.

Sim, temos uma história que nem sempre foi bonita, mas sempre estivemos juntos.

— Alexios, eu nunca tive dúvidas da nossa amizade — afirmo com convicção.

— Eu sei, nem eu. — Ele sorri, verdadeiro, os olhos iluminados. — Não foi somente por ela que vim aqui.

Minha boca seca, as pernas tremem, tenho medo de não conseguir me manter de pé por muito tempo tamanha a ansiedade pelo que ele tem a me dizer. Se Kyra estiver certa...

— Por que você veio?

Alexios puxa o ar profundamente, vejo seu peito se expandir e seus ombros subirem um pouco. Ele parece estar com medo, mas ao mesmo tempo, armando-se de coragem.

— Eu amo você.

(Pausa aqui neste momento único para dizer que, se fosse um filme, certamente haveria fogos e pessoas de pé aplaudindo!)

As palavras estão aqui, cheias de emoção, de significado. Já nem sei mais por quanto tempo espero por ouvir essa confissão, sempre imaginando como seria, se ele iria falar num rompante ou iria escrever uma carta. Mais tarde, quando entrei na adolescência, sonhava que essa declaração viria após uma noite quente entre nós, na qual ele se daria conta de que eu era o sexo mais gostoso que já havia feito na vida e de que não podia viver sem mim.

Sorrio, as lágrimas se infiltrando pelos cantos dos meus lábios, e vejo a mesma emoção transbordar dos lindos olhos claros de Alexios.

Tinha que ser agora, era o tempo certo, o momento em que nós dois estamos preparados para entender a profundidade desse sentimento e termos a consciência de que é algo precioso e que deve ser valorizado.

— Eu amo você — ele repete —, não apenas como a amiga maravilhosa que você é, eu te amo por causa da mulher incrível que você se tornou; por causa da adolescente doce e protetora que você foi; e pela criança tão meiga e divertida que me fazia querer que todos os dias fossem sábado, para andar de bicicleta pelo condomínio.

Soluço, percebendo que nós nos amamos há muito tempo, e entendo, enfim, por que nunca pude apagar esse sentimento. Não era só meu, era nosso, estava apenas esperando o momento certo para que se unisse e pudesse vir à tona.

— Eu te amei mesmo sem entender o que isso significava, mas era algo tão forte que me deixava exposto, e, por tudo o que eu estava passando, eu sentia que isso era perigoso, então ignorei, tranquei o sentimento em algum lugar dentro de mim, e minhas dores e revoltas o sufocaram por um tempo. — Alexios pega minhas mãos. — Só que ele nunca morreu, Samara. Quando pude me libertar, quando cumpri minha missão de tirar Kyra de dentro daquela cobertura, eu já me sentia muito quebrado, insuficiente para você.

— Eu sempre te amei, Alexios — confesso, e ele chora. — Te amei mesmo sabendo que você não conseguiria me amar da mesma forma; te amei entendendo que, por mais que eu estivesse perto de você, nunca seria meu. Eu quis não te amar. — Ele assente. — Mas nunca porque te achei insuficiente para mim, apenas porque pensava que eu era invisível a você.

Ele me abraça apertado, sinto os espasmos que os soluços do choro causam em seu corpo e beijo seu pescoço.

— Eu fui um medroso e te feri com meu medo — ele diz. — Perdoe-me por tudo o que eu fiz você sentir, que te feriu, magoou ou deu a entender que você não era importante para mim.

— Eu também peço perdão, Alexios, por nunca ter dito a você o que sentia de verdade e ter te deixado saber que você não era insuficiente para mim.

Alexios me beija devagar, com sentimento, uma carícia leve, plena de emoção, traduzindo em apenas um gesto tudo o que acabou de me dizer. Agarro-me a ele, deixo-o explorar minha boca como quiser, entrego-me de verdade, por inteiro, como se fosse nossa primeira vez juntos.

Sinto-me tão diferente agora, que sei que nos amamos, tão completa, como se descobrir sobre o amor dele potencializasse todo o meu tesão, tornasse-o mais forte, mais intenso, e eu fosse inteiramente consumida por ele.

Alexios me ergue em seus braços, e eu o abraço com minhas pernas para não cair. Sua boca já não acaricia, e sim parece comer a minha, roubando-me o fôlego e toda a razão restante.

Sou toda emoção, toda dele!

Ele anda comigo em seu colo, e eu abro o os olhos. Alexios beija meu queixo, o pescoço e me aperta contra si.

— Quero amar você agora.

Sorrio e concordo.

— Segue pelo corredor, primeira porta à...

Ele vai tão rápido que começo a gargalhar, o som de pura alegria enchendo os ambientes, deixando tudo mais iluminado e colorido. Sou deitada no colchão, mas continuo com as pernas em volta de seus quadris.

Alexios se movimenta, seu pau duro esfregando-se contra mim, causando-me arrepios deliciosos. Acompanho com o olhar quando ele abre o botão e o fecho da minha calça e toca o cós da minha calcinha com o dedo, brincando, entrando ou só contornando parte da peça.

— Levanta a bunda — pede, e eu lhe obedeço.

A calça é abaixada, puxada até meus joelhos. A calcinha branca, de seda e renda, aparece, e ele geme ao notar a sensualidade e delicadeza dela. Sinto-me feliz por tê-la escolhido, mesmo que não seja uma peça pequena, porque cobre boa parte do meu bumbum, brinca com a sensualidade através de seus tecidos finos e quase transparentes.

— Eu sinto seu cheiro daqui. — Fecho os olhos, mortificada, sentindo-me envergonhada por isso, mesmo que ele já tenha repetido outras vezes que é maravilhoso poder discernir meu cheiro de excitação dos outros em mim. — Eu adoro isso, Samara, é como você responde a mim, ao meu corpo no seu.

Alexios tira minhas pernas de seus quadris e, com um só puxão, livra-se da calça. Em seguida, sem dizer mais nada, ajoelha-se no chão, perto da cama, e lambe minha calcinha.

Deliro.

— Eu amo cada parte de você — diz antes de morder o elástico da calcinha e puxá-lo. — O cheiro da sua pele, que consigo sentir mesmo quando você está usando perfumes; o jeito com que seus pelos se arrepiam quando beijo sua nuca; e, principalmente, amo seus gemidos de prazer quando te faço gozar forte com minha boca.

Gemo alto, incontrolável, ao sentir sua língua dentro de mim, coletando o néctar de prazer que ele adora sentir, misturando sua saliva ao meu próprio líquido, lambuzando tudo. Ele chupa forte, sem freio, com pressa do meu gozo, com fome do meu orgasmo em sua boca.

Puxo seus cabelos, trazendo-o mais para mim, rebolo, esfrego meu sexo em sua cara sem nenhum pudor, uso seu rosto como meu brinquedo particular, sem poupar nada dele. A ponta de seu nariz movimenta meu clitóris inchado, e sinto calafrios subirem por minha coluna.

Aperto as coxas, o desejo fluindo pelo meu corpo, o tesão me fazendo refém de sua vontade. Tento controlar, atrasar, desfrutar mais da sensação do pré-orgasmo, da antecipação da liberação, mas ele não me poupa. Alexios me abocanha inteira, seus lábios se abrindo e fechando em toda a extensão da minha boceta.

— O que você está... — começo a perguntar, mas as pequenas convulsões me impedem de terminar a frase.

Explodo, transcendo, saio de mim, tamanho o prazer. Ele não para, quer mais. Ainda que não ponha muita pressão sobre meu clitóris, continua a me foder com a boca de um jeito que nunca o senti fazer.

Curto as carícias, trêmula, ainda sentindo o prazer reverberar pelo meu corpo todo. Meus pelos começam a se eriçar, os músculos do meu abdômen se contraem, e minha respiração fica mais pesada. Um calor úmido se acumula em meu ventre, sinto a diferença entre minha lubrificação normal e o líquido que está se juntando dentro de mim.

— Alexios...! — grito seu nome em uma súplica sem sentido.

Gozo novamente, um prazer diferente toma conta de mim, não tão desesperador quanto antes, porém muito mais potente. Eu preciso dele dentro de mim!

Não sei se digo isso em voz alta ou se Alexios entendeu do que eu precisava, pois ele enfia dois dedos e me fode tão loucamente com eles que chego a me erguer na cama. O barulho do ato é deliciosamente perverso, o som do charco que se formou entre minhas coxas é tão alto que imagino que tenha molhado tudo, inclusive o colchão.

— Vem! — chamo-o.

— Eu quero mais! — E volta a me lamber. — Quero você inteira!

— Sou sua!

Os dedos molhados deslizam para minha bunda e untam meu ânus até deixá-lo completamente encharcado. Alexios me olha quando um dos dedos se insinua dentro de mim e depois recua devagar.

Sua exploração no local é lenta, abrindo caminho devagar, alargando, preparando. O segundo dedo se junta à brincadeira, e vibro inteira quando ele me chupa enquanto fode meu rabo.

Nunca fiz sexo anal, morria de medo. Contudo, com Alexios, tenho vontade de experimentar e fazer tudo o que nosso tesão e imaginação permitirem. As sensações se intensificam, sinto-me cada vez mais molhada, excitada, então ele para e se ergue.

Fico olhando embevecida para ele quando tira a camisa, a calça, e, por fim, os calçados e a cueca. Sento-me na cama e passo a mão pelo seu corpo. Alexios fecha os olhos e levanta a cabeça, sentindo meu toque, o explorar apreciativo de seus músculos, dos pelos mantidos curtos, do seu pau.

— Você é lindo, Alexios — falo acariciando seu pênis devagar. — Perfeito!

Beijo a ponta, sorvendo a gotinha de lubrificação que ele produziu com meu toque, maravilhando-me com o gosto salgado, aguçando minha vontade de prová-lo ainda mais. Lambo-o até a base e depois volto, a língua passando por todos os relevos causados por suas veias grossas, a sensação de formigamento do sangue sendo cada vez mais bombeado para mantê-lo firme.

— Samara — ele me chama. — Chupa!

Sorrio antes de fazer o que manda, tomando-o na boca até o máximo que consigo, devorando-o como se fosse uma iguaria deliciosamente rara.

Ele é! Ele é meu!

Alexios me segura pelos cabelos, afastando-me de seu pau, ergue minha cabeça e me beija cheio de tesão, abaixando-se, encaixando-se entre minhas coxas.

— Você é minha! — declara ao rebolar, esfregando seu membro duro em minha entrada. — Eu amo você.

Fecho os olhos quando ele me penetra, a sensibilidade da minha vagina junto ao pulsar de sua carne fazendo meu corpo todo se retesar de antecipação. Alexios ergue meus braços, retira minha blusa e deita sua cabeça entre meus seios enquanto rebola devagar dentro de mim.

Ficamos assim por algum tempo, saboreando um o corpo do outro, em movimento curtos, lentos e cadenciados. Ele me beija, lambe, cheira, enquanto está unido a mim nessa dança íntima que fazemos. Posso sentir o seu calor, a aceleração do seu coração e me ajeito para recebê-lo mais fundo.

Ele percebe minha intenção, ergue minhas pernas, encaixa meus calcanhares em seus ombros e me olha sem se mexer. Sorrio para ele, emocionada, vendo em seus olhos todas as palavras que me disse, todo o amor que ele sente.

— Eu te amo, Alexios, sempre te amei e vou amar.

A declaração o desperta do transe delicioso no qual estávamos, e, segurando minhas coxas com força, ele começa a estocar sem parar, fodendo-me do seu jeito preferido, sem freio, socando fundo.

Meu corpo responde ao dele imediatamente. Grito de prazer, salivo de tesão, empreendendo-me na viagem mais maravilhosa que alguém pode ter: a do prazer.

Os gemidos dele se intensificam, o suor em seu rosto pinga sobre minha barriga, e ele urra como um bicho, pulsando dentro de mim, levando-me consigo, no mesmo instante, ao êxtase.

Gozamos juntos, em sintonia, com a mesma força e intensidade. Ele se abraça a mim, trêmulo, ofegante, e me aperta com força, como se quisesse fundir-me ao seu corpo.

— Você é o lugar onde eu quero ficar para sempre — diz baixinho com a cabeça deitada na curva do meu pescoço, e eu sinto o coração transbordar de alegria.


O dia amanhece em Madri, mas poderia ser em qualquer outro lugar do mundo, não faria diferença. Nada do que tem lá fora me chama a atenção ou me interessa, tudo o que eu quero está bem aqui, dormindo apoiada no meu peito. Pego uma mexa de seu cabelo, admirando o anelar de seus fios, enrolo-a em meu dedo como se fosse um anel.

Samara e eu passamos o dia inteiro ontem dentro deste apartamento, mais especificamente, dentro deste quarto. Depois do sexo foda que tivemos, tomamos banho juntos por um longo tempo, ambos na pequena banheira, abraçados, curtindo o momento de relaxamento pós-orgasmo um lavando o outro.

— Eu deveria ter impedido você de vir, deveria ter ido ao aeroporto — comentei em certo momento.

— Seria como a cena de um filme. — Ela suspirou. — Mas estou feliz por você estar aqui.

— Eu também!

Ela se ajeitou melhor ao meu corpo, seus cabelos presos no alto da cabeça, suas costas contra meu tórax, e eu abraçado a ela com braços e pernas. Eu não sentia a mínima vontade de soltá-la, de me separar dela, minha sensação era de paz ao seu lado, algo que nunca tinha sentido.

— Você vai voltar comigo? — perguntei apreensivo, com medo de ela decidir ficar em Madri por um tempo ainda.

— Vou — respondeu, aliviando-me. — Eu mal cheguei aqui e já queria voltar — confessou. — Eu amo esta cidade, este país, mas ainda assim não é minha casa. Eu queria estar perto da minha família, dos meus amigos e de você.

— Por que então não ficou? — Ela riu, e, mesmo sem responder, entendi a resposta. — Eu era um asno!

— Não posso discordar disso.

Gargalhei e a apertei contra mim, beijando seu ombro úmido e cheiroso.

— Eu não mereço você. Nunca mereci.

Ela se virou e me olhou, séria.

— Então faça por merecer.

— Eu farei, Samara, juro que farei.

Ela sorriu confiante, e eu suspirei, sentindo-me o homem mais feliz desse mundo, como se a sorte estivesse realmente sorrindo para mim. O vazio que sempre esteve presente em meu interior estava sendo preenchido pelo amor dela; a raiva que sempre fervilhou em meu estômago estava aplacada, contida, como se Samara fosse a cura de todos os males.

Eu sei que pode parecer exagero, mas ponham-se no meu lugar! O que eu conhecia de amor e de carinho? Não tive isso com Sabrina, não tive isso com aquele que deveria ser o meu pai. Balanço a cabeça ao constatar que sempre tive isso dela. Eu só não enlouqueci durante aquele tempo por causa do apoio, da compreensão e do amor de Samara.

Sinceramente, não sei por que, depois de me foder tanto, a vida resolveu me dar esse privilégio que é tê-la comigo, mas não reclamo, nunca poderei reclamar. Ela é, sim, mais do que mereço, e vou passar minha vida tentando ser um homem digno de seu amor e entrega.

Samara se mexe ao meu lado e muda de posição, virando-se de costas para mim. Sigo-a, enlaço sua cintura e me encaixo no contorno de seu corpo. O cheiro de seu xampu me remete ao banho no chuveiro, depois de mais uma trepada excepcional, e meu pau acorda de vez, duro, entre as bochechas de sua bunda.

— Hum... — Samara geme e rebola. — Alguém quer dar bom-dia!

Rio e beijo seu pescoço.

— Meu pau é educado. — Ela rebola mais forte, pressionando seu corpo contra o meu. — Bom dia, Samara.

Ela suspira.

— Bom dia, Alexios.

Minha mão percorre a frente de seu corpo nu, os seios fartos, a barriguinha seca, os ossos da bacia, até mergulhar em seu sexo macio, cheiroso e convidativo. Toco-a do jeito que gosta, lambuzando meus dedos dentro de si para depois massagear seu clitóris usando sua própria lubrificação para deslizar melhor.

Samara geme e se aperta mais contra mim, abrindo mais as penas. Encaixo meu pau em suas coxas e o esfrego em sua entrada enquanto a masturbo. A movimentação é rápida, temos pressa de manhã, sempre foi assim. Encaixo minha cabeça, e ela me engole sem nenhum pudor.

Ergo uma de suas pernas e meto sem parar, fazendo-a gemer alto, contorcer-se e vibrar comigo ao ritmo que imponho. É uma trepada matinal rápida, aquela para aliviar o primeiro tesão do dia, para dar ânimo e ajudar a acordar.

Espero-a gozar, aumentando o ritmo dos meus dedos sobre seu clitóris e, quando ela o faz, sigo-a sem pudor, aventurando-me em seu prazer, curtindo a mesma onda orgástica que ela.

Continuo abraçado ao seu corpo por muito tempo ainda. Samara relaxa, ressona como se tivesse voltado a dormir, então curto os efeitos do sexo matinal, sentindo-me a porra de um homem babão, grudento, porque não consigo sair dela, de perto dela.

— Eu estou com fome — ela fala de repente.

Sorrio.

— Eu também, faz mais de 24 horas que não como nada a não ser você — brinco, e ela me olha rindo. — Seu corpo me sustenta bem, viu?

Ela se move. Gemo ao sentir meu pau deslizar para fora de seu corpo e a observo se levantar rapidamente.

— Tem um lugar aqui pertinho que tem um café maravilhoso. — Concordo. — Vou para o banho.

— Quer companhia?

Ela olha meu pau, já semiereto, e arregala os olhos.

— Mas já? — Ri.

— Sempre!

Levanto-me em um pulo só e a levo para o banho.

 

Samara não pôde acreditar quando eu disse a ela que ainda não conhecia Madri. Eu já havia vindo à Espanha, inclusive já tinha passado por Madri, mas não tive tempo de passear pela cidade e conhecer os pontos turísticos. Então, logo após um café na charmosa confeitaria a que ela me levou, fomos andar pela Gran Via, com suas lojas, restaurantes e teatros.

É uma experiência nova caminhar ao lado de alguém de mãos dadas, trocar beijos na rua e me sentir feliz. Essa última sensação é, sem dúvida alguma, uma experiência novíssima.

Paramos para almoçar em um restaurante que ela recomendou muito, e, preciso admitir, a comida estava excelente. Liguei para Kyra, mas minha irmã não atendeu, e Samara convidou Daniel para ir conosco ao Parque El Buen Retiro, porém, o homem declinou do convite, dizendo que ia até o Santiago Bernabéu, o estádio do Real Madri.

O parque é lindíssimo. Entendi por que ela queria tanto me levar para conhecê-lo. É um pedaço de natureza dentro da capital espanhola, com muitas espécies de árvores, trilhas e lagos.

Kyra só deu sinal de vida quando estávamos aguardando vaga para alugar um barco a remo.

— Onde você esteve? — perguntei assim que ela atendeu a ligação.

— Dormindo. — Riu. — Não dormi nada a viagem para cá, ontem fiquei andando pela cidade até tarde, fui a um bar à noite e depois despenquei no hotel, só acordei agora.

— Estava com Daniel?

— Com Daniel? Por quê?

Olhei para Samara, que também estranhou a pergunta.

— Vocês saíram juntos do apartamento de Samara ontem, por isso.

— Ah, não, tomamos um café e depois cada um foi para o seu lado. Daqui a pouco saio daqui e encontro vocês.

— Estaremos de volta ao apartamento. — Sorri para Samara. — Daniel levou as malas de Samara para lá. Amanhã ela irá devolver o apartamento ao proprietário e conversar com o pessoal do escritório onde iria trabalhar.

— Samara vai voltar para o Brasil conosco? — Kyra questionou animada.

— Eu vou! — foi a própria Samara quem respondeu, e Kyra deu um grito de felicidade.

— Ah, Malinha, agora você vai ser oficialmente minha irmã!

Samara ficou sem jeito, porque eu ainda não tinha renovado o pedido de casamento. Quero fazer tudo como se deve, como ela merece. Namorar, curtir bons momentos juntos, pedir a mão dela aos seus pais – essa é a parte mais sensível da história – e planejar um casamento de acordo com os sonhos dela, sem pressa.

Alugamos o barco a remo e passeamos um tempo pelo Estanque Grande Del Retiro, conversando, rindo e tirando fotos. Ali, pensei em quantas coisas nós poderíamos ter feito juntos ao longo desses anos. Viagens, acampamentos, eu poderia ter lhe ensinado navegação para que me auxiliasse nos ralis, a deixaria louca de apreensão saltando de paraquedas ou fazendo voo livre em algum local turístico onde estivéssemos.

Uma vez ela me disse que queria que eu lhe ensinasse tudo o que sabia sobre sexo, mas percebi que somente isso não será suficiente. Eu preciso dividir minha vida com ela, integrá-la às minhas coisas e aprender a fazer parte das dela. Quero saber do que gosta, quero experimentar suas paixões e compartilhar nossos momentos como amigos e como apaixonados.

Ao cair da noite, a temperatura baixou muito, o que é normal, porque ainda é primavera por aqui, então chegamos à casa dela, tomamos um longo e quente banho na banheira – claro que com muita sacanagem – e só saímos da água quando minha irmã chegou.

— Pela cara de culpa, aposto que peguei os dois fazendo bobagens! — Ela piscou. — Ainda estou morta de cansaço! A que horas é nosso voo amanhã?

— À noite — informei-lhe. — Vamos sair para jantar ou pedir algo por aqui mesmo?

Kyra ficou parada, sorriso congelado, encarando-nos.

— Eu sabia que vocês ficariam lindos juntos! — Ela parecia emocionada. — É como se meu sonho de menina se tornasse real!

— Ah, Kyra! — Samara se levantou do meu lado no sofá e foi até ela para abraçá-la.

Eu deveria ficar puto com Kyra por ter escondido de mim, por todos esses anos, o que Samara sentia. Entretanto, entendo sua lealdade para com a amiga e admito que talvez eu não soubesse lidar com essa informação. Aconteceu muita coisa este ano que mexeu comigo, fez-me enxergar coisas que eu não via, talvez por isso eu estivesse pronto a admitir o que passei a vida toda tentando esconder.

O salvador do nosso jantar foi Daniel, que chegou ao apartamento com várias sacolas de comida chinesa. Por várias vezes o peguei me encarando, avaliando-me, mas depois apenas balançava a cabeça e voltava a comer.

Antes de ele voltar ao hotel, resolvemos assistir a um filme, todos juntos, e caminhamos até o cinema. Foi mais uma experiência nova e perfeita ao lado de Samara. Claro que já tínhamos ido ao cinema antes, ela, Kyra e eu, porém nunca fiquei quase o filme todo com minha língua enfiada em sua boca.

— Vocês parecem adolescentes — Kyra reclama na saída do cinema, e eu paro de pensar no dia, apertando Samara contra mim.

— Não seja invejosa! — provoco-a de volta. — Cadê o Daniel?

— Por que você acha que eu tenho que sempre saber dele? — ela reage acuada. — Saiu no meio da sessão para fazer alguma coisa e não voltou. Deve ter tido diarreia.

— Kyra! — Samara gargalha e aponta para trás da minha irmã. — Ah, lá vem ele.

— Estavam me procurando? — Ele olha para a Kyra com uma sobrancelha erguida, e minha irmã lhe dá um gelo. — Eu vou seguir para o hotel e amanhã passo cedo lá no seu apartamento, Samara, para resolvermos juntos as coisas antes de partirmos.

— Está certo, obrigada, Dani.

Eu me despeço dele também, então ele olha para minha irmã.

— Quer dividir um táxi?

— Vocês estão no mesmo hotel? — indago, achando interessante que Kyra não tenha comentado nada sobre isso.

Ela respira fundo e nega.

— Não, ainda vou fazer algumas coisas pela cidade. É cedo para os padrões de Madri, não sou uma velha para dormir agora.

Franzo o cenho e acho interessante essa troca de farpas entre eles. Daniel nunca foi meu amigo e, por causa da idade, também não foi próximo de Kyra, porém os dois conviveram muito por conta da amizade dela com Samara, e eu nunca soube que eles tivessem problemas.

Nosso táxi chega, Samara e eu entramos no veículo, e, assim que ele se afasta da calçada, comento:

— Está um clima estranho entre minha irmã e seu irmão.

Ela ri.

— Sempre foram assim, não estranhe. — Ela suspira. — Estou cansada, mas muito feliz!

Abraço-a.

— Eu também! — Beijo sua orelha e cochicho: — Cansada demais para trepar?

Ela fica vermelha e olha para o taxista.

— Não! — Coloco a mão no meio de suas coxas. — Sossega!

Rio.

— Fiz mais do que isso no cinema! — Samara fica vermelha. — Aposto que, quando chupar você esta noite, vai estar com sabor de pipoca.

— Alex! — Ela começa a rir, nervosa, e eu a beijo.

Adoro chocá-la, vê-la ficar sem jeito, mas embarcar em todas as minhas loucuras. Porra! Devoro sua boca sem nenhum pudor, ligando o foda-se para o motorista. Essa é a mulher que eu amo, que me ama, e qualquer oportunidade que terei nessa vida de tocá-la, amá-la e mostrar o quanto sou louco por ela não irei desperdiçar.

Já perdemos muito tempo escondendo esse amor.


Acordei cedo e fiquei a manhã inteira bocejando e recebendo olhares de esguelha do meu irmão. Eu ria sem jeito, mas não comentava nada, acho que nem era preciso. Quase não dormi, a noite inteira fazendo amor com Alexios, recebendo massagem, banhos, sendo levada ao orgasmo de todas as formas possíveis.

— Você já contou a ele? — Daniel interrompe meus pensamentos de repente.

— O quê? — pergunto, sentindo-me perdida.

— Eu sei que você está vivendo no mundo da lua nesses dias. — Rio, porque é a verdade. — Mas, ao voltar para o Brasil, terá que encarar a situação que estamos escondendo há algum tempo.

Fecho os olhos e gemo, lembrando-me da caderneta e da carta que deixei para meus amigos.

— Eu vou contar para ele antes de voltarmos. — Daniel aprova. — Pensei em fazer isso ontem, mas acabamos ficando ocupados o dia todo, não vi oportunidade.

— Então crie uma, Samara. Honestidade é tudo em um relacionamento, vai por mim.

— Eu sei. — Suspiro. — Eu não faço ideia de como eles irão reagir.

— Vai contar aos dois ao mesmo tempo? — Confirmo. — Então também quero estar junto.

— Tem certeza, Daniel?

— Tenho. — Ele pega a minha mão. — Você queria lhe contar desde o início, e fui eu quem pediu a você que esperasse. Estamos juntos nessa e vamos assumir juntos essa responsabilidade.

— E se ele...

— Se ele realmente te ama, vai entender.

Assinto, não tendo nenhuma dúvida do que Alexios sente por mim, mas ainda assim fico apreensiva. Não quero decepcioná-lo, pois confiou em mim desde o começo desse assunto de sua mãe biológica, e ter escondido uma informação que possa ser importante foi injusto.

 

O assunto ficou martelando minha cabeça ao longo de toda a manhã, enquanto eu assinava o distrato do aluguel, conversava com as sócias do escritório no qual prestei serviço durante os anos que fiquei aqui e encerrava minhas contas de banco.

— Tudo certo? — Alexios inquire assim que entro no apartamento.

— Tudo. — Tento sorrir, mas a tensão não deixa. — Kyra está aqui?

— Estou! — ela grita, vindo da cozinha com três cervejas. — Ah, merda, vou ter que pegar mais! Esqueci que agora somos um quarteto.

Daniel ri.

— Pode deixar, que eu pego a minha.

— Ótimo!

Ela entrega uma garrafinha para Alexios e outra para mim e bebe um gole antes de fazer careta, indagando-me:

— O que está acontecendo? Por que você está com essa cara?

Respiro fundo e me sento no sofá.

— Eu tenho algo a contar, mas antes gostaria de dizer que não foi por maldade, foi...

— Samara, você está me assustando — Alexios diz sério. — O que aconteceu?

Meu irmão volta para a sala, e eu puxo o fôlego o máximo que posso antes de disparar:

— Eu reconheci uma das iniciais na caderneta — Alexios se senta numa poltrona de frente para mim, mas não consigo encará-lo — e escondi isso de vocês.

— Por isso está faltando uma página — Kyra completa, e eu assinto.

— Quem arrancou a página fui eu — Daniel assume, e Kyra lhe dá uma olhada mortal. — E fui eu também quem pediu a ela que não contasse a vocês enquanto nós não soubéssemos o que significava.

Alexios não para de me olhar, sério, nenhuma expressão em seu rosto.

— O que tinha na tal página? — ele pergunta baixinho.

— As iniciais do meu pai — revelo, e Kyra se senta chocada, seus olhos arregalados, a boca aberta. — Foi um choque para mim também, não soube o que fazer e...

— Foi procurar por alguma evidência no escritório dele, e eu a peguei lá e a fiz me contar o que estava acontecendo. — Daniel se posta ao meu lado. — A princípio, eu não quis acreditar, mas estava lá, registrado, o nome dele em uma espécie de leilão...

— O leilão de virgens — Alexios o interrompe. — Era sobre isso os números e as iniciais, então! Já tinha ouvido falar que isso acontecia por lá.

— Puta que pariu! — Daniel fecha os olhos, e eu imagino a dor da decepção que ele sente, porque eu também a sinto neste momento. — Eu não consigo entender como ele pôde participar de algo assim!

— Nikkós deve tê-lo levado — Kyra fala. — Mas entendo a incredulidade de vocês. Tio Ben sempre foi tão reservado, tão apaixonado pela tia Ana que... — Ela me olha. — Eu entendo, Samara, também agiria assim.

— Fiquei com medo — digo, olhando para Alexios. — Papai já sofreu mais de um infarto, e mamãe estava em tratamento contra o câncer, então, tive medo de expor essa história e prejudicá-los. Depois, veio a situação com Kostas, e então nossa briga, e eu...

— Não ia me contar? — Alexios questiona, e Kyra vai até ele, tocando seu ombro como se tentasse acalmá-lo.

Olho para Daniel, porque ele não sabe o que eu fiz, então confesso:

— Ia. Mandei uma carta para o seu escritório contando tudo, inclusive pus a página arrancada junto. — Limpo uma lágrima do meu rosto. — Eu sei que foi covarde de minha parte fazer isso, mas eu não tinha coragem de te contar, mas também não queria que você não soubesse.

Alexios fica por muito tempo mudo. O rosto de Kyra demonstra sua apreensão com a forma com que ele vai reagir. O clima fica tenso, eu mal consigo respirar de nervosismo. Então ele se levanta, para à minha frente e estende a mão.

Toco a mão de Alexios, tremendo, e ele me ergue, abraçando-me forte. Choro, arrependida, emocionada por, mesmo depois de eu lhe contar que escondi algo que pudesse ajudá-lo a encontrar o que sempre esteve procurando, eu estar sendo consolada por ele.

— Não importa, Samara, essa história já foi longe demais. — Alexios beija o topo da minha cabeça. — Não vou prejudicar sua família, seus pais, por conta de algo que nem sei se vale a pena. Eu nunca tive uma família de verdade, e sei o quanto você ama a sua, não posso prejudicá-los, pois seria o mesmo que ferir você, e isso eu não vou fazer nunca. Vamos esquecer esse assunto.

Nego.

— Você precisa saber...

— Eu preciso de você e nunca me perdoaria se, por minha causa, algo acontecesse com sua família. Você ama seu pai. Não importa o que ele fez no passado, sempre foi presente e amou você.

— Alex está certo, Samara — Kyra fala. — Além do mais, o nome dele estar na caderneta não é garantia de que ele saiba algo sobre a mãe biológica de Alexios, não é, Daniel?

— Sim — meu irmão concorda, a voz embargada. — Eu reuni uns documentos que ele guardava em um cofre na empresa. Podemos continuar buscando sem falar nada para papai...

— Eu já falei — declaro, interrompendo-o. — Deixei recado, Dani, contei o que sabíamos e disse que Alexios também ia saber.

— Samara... — meu irmão lamenta. — Quando você fez isso?

— Antes de embarcar. Fiz a carta para Alexios e deixei o recado para ele.

Daniel bufa e se senta no lugar onde eu estava. Olho para Alexios e, com o coração apertado, peço:

— Me perdoe por isso!

— Eu entendo você. — Beija-me. — Não há o que perdoar.

Olho para a Kyra, e minha amiga assente, balançando a cabeça.

— O que vocês querem fazer daqui para frente? — Daniel pergunta. — Vão continuar a busca?

— Vamos! — sou eu quem responde, segurando firme a mão de Alexios, consciente do significado das respostas sobre o passado dele: o fim do poder de Nikkós.

 

O retorno ao Brasil foi tranquilo, e, do aeroporto, Alexios e eu seguimos direto para o Castellani. Fui direto para o meu apartamento, e ele, para casa, a fim de trocar de roupa para ir até a K-Eng. Mal dormimos no avião, ambos preocupado com essa situação da caderneta, com medo do que poderíamos descobrir ao confrontar papai.

Uma mensagem de Daniel chega, confirmando que chegou a sua casa e que papai e mamãe ainda estão na fazenda. Eu nunca os vi passarem tanto tempo juntos desde que saí de casa, e isso é mais um motivo para eu temer.

Papai sempre foi apaixonado pela mamãe, mas ela o tratava com uma certa distância. Nunca entendi os motivos para que ela fosse assim, aceitava que era seu jeito de ser, porém, imagino como deve ter sido difícil para ele. Passaram por várias crises, ela cogitou pedir o divórcio algumas vezes, mas sempre foram pais maravilhosos e nunca deixaram nada disso nos atingir.


“Os documentos que estavam no cofre estão comigo. Vamos marcar um dia para olhá-los juntos?”


Daniel manda a mensagem, mas tenho ideia diferente.


“Vamos marcar algo aqui em casa, com Kyra e Alexios presentes. Não quero mais fazer nada sem a participação deles. Não teremos mais segredos.”


Meu irmão digita uma resposta.


“Está certo, então. Marque com eles e me comunique para levar tudo. Pode não ter nada aqui, mas ainda assim devemos olhar.”


Eu espero, de todo meu coração, que tenham respostas nesses documentos e que não seja necessário confrontar meu pai. Claro que, ao pegar o recado que deixei, ele saberá que nós descobrimos sobre sua participação em um leilão naquele bordel, mas, se ele não tiver nenhuma ligação com a mãe de Alexios, penso que não há por que expor seu erro.

Desfaço as malas, feliz ao ver algumas lembranças no meio das roupas. O ingresso do cinema, o recibo do aluguel do barco são alguns itens que me fazem suspirar, pois, embora não fosse a primeira vez que saímos juntos, foi nosso primeiro encontro como casal.

Penso nas fotos que tenho em meu celular, o vídeo que fiz dele remando, as fotos que ele tirou de mim em momentos tão bobos e íntimos que me deixam constrangida e maravilhada ao mesmo tempo.

É real!, digo a mim mesma, sorrindo como uma menina apaixonada.

O telefone toca. Atendo feliz ao ver a foto de Alexios na tela.

— Oi!

— Oi! — ele me cumprimenta do mesmo jeito que eu, mas noto sua voz um tanto diferente.

— O que houve?

Alexios suspira.

— Acabei de descobrir uma coisa surpreendente. — Meu coração dispara, e eu me sento na cama. — Kika é filha da dona do bordel.

Fecho os olhos, sentindo-me um pouco zonza com a notícia e tento coordenar meus pensamentos.

— A Kika do Kostas?

— Sim. Eles vão demolir o sobrado, e eu estou agilizando os documentos para ele, assim como encarreguei uma das arquitetas que trabalham comigo para elaborar uma nova construção no local. Kika vai fazer uma ONG e apoiar crianças e adolescentes vítimas de abuso.

— Uau, que lindo isso! É uma forma perfeita de colocar fim a toda aquela feiura do passado.

— Sim. Hoje, na K-Eng, me mostraram uma prévia, e eu senti necessidade de ir até o sobrado. — Surpreendo-me com isso. — Eu sei que não havia mais nada lá e que o que tinha para achar, já achamos, porém me senti impelido a ir como se algo me avisasse que a chave de todo esse mistério está lá.

— Kika — concluo.

— Sim. Eles estavam lá, e ela me revelou que sua mãe biológica era a tal Madame Linete e que morou naquele lugar até ter sete anos de idade.

Meu coração se enche de esperança.

— Ela sabe algo sobre sua mãe?

— Não, mas disse que pode ajudar a achar a cafetina.

— Alex, tem certeza de que isso é seguro? Essa mulher pode ser perigosa, já sabemos do que ela é capaz.

— Sim, Kostas não está nada contente com isso, também acha que é perigoso e quer resguardar Kika por conta da gravidez. Concordei com ele, não quero expô-la ao perigo de jeito nenhum, mas contei a ela sobre a caderneta que achei no depósito do sótão, e ela me pediu para olhar.

— É uma ótima ideia! Ela era criança, mas deve se lembrar de um nome ou outro dos frequentadores de lá. Basta torcer para que algum da época da caderneta tenha continuado a frequentar o bordel.

— Se Nikkós continuou, aposto que muitos outros também o fizeram.

Sim!, penso animada com a possibilidade de ter mais pistas sobre o passado nebuloso de Alexios e pôr fim a essa história.

— Vamos fazer uma reunião aqui em casa para examinar alguns documentos do papai que Daniel encontrou — aviso. — Convide-a para vir conosco!

Alexios ri.

— Vou fazer isso, só espero que Kyra não fique cheia de ciúmes, dizendo que agora somos uma quina!

— Ela não vai, adora a Kika! — Rio, lembrando-me da implicância de Kyra por Daniel ter entrado no nosso “trio de investigação”. — Nós vamos descobrir, Alexios, sua história será zerada também!

— Eu te amo! — ele responde de volta. — Daqui a pouco chego aí para te mostrar o quanto.

— Estou ansiosa!


— Seja bem-vinda! — cumprimento Kika assim que abro a porta do apartamento. — Kostas não veio?

— Não, ele está acompanhando o processo de Viviane Lamour. Acho que ela será pronunciada em breve por tentativa de homicídio. — Ela entra na sala e sorri ao ver Alexios e Kyra. — Olá!

— Oi, Kika! — Kyra a cumprimenta e logo saltita até ela para colocar a mão em sua barriga. — Ei, girino, a tia está louca para te conhecer, viu?

Kika gargalha com o jeito maluquinho de Kyra.

— Adoro essa coisa de girino que você inventou! — Ela abre a bolsa. — Mas agora já parece um bebê, olha!

Kyra pega a foto da ultrassonografia e me mostra emocionada.

— Ah, não é linda?! Porque certamente será uma menina!

— Mama Kyra ataca novamente? — provoco-a.

— Você sabe que meus instintos nunca falham! — Olha para Alexios. — Theo e Kostas já fizeram o trabalho deles direito e garantiram meus próximos Natais cheios de sobrinhos, agora falta você!

Engasgo-me com o café que estou tomando, e Alexios abre um enorme sorriso.

— Não é por falta de treinar, pode ter certeza! — Ele pisca para a irmã e, em seguida, cumprimenta a cunhada. — Vocês estão bem?

— Estamos, sim! — Ela me olha. — Estou feliz que tenham se acertado, você dois formam um belo casal.

— Samara é a melhor coisa que a vida me deu — Alexios fala, e eu não tenho outra atitude a não ser beijá-lo. — Obrigado por ter vindo, Kika.

— Estou à disposição para o que eu puder ajudar. — Ela se senta. — Adorei que marcaram hoje, porque estava tentando encontrar uma desculpa para não ir até a casa do avô de vocês.

Eu me surpreendo.

— Ele já comprou a propriedade?

— Já, era algo que estava à venda pela parte de corretagem da Karamanlis. Uma das mais bonitas propriedades que já vi, nem parece ser aqui em São Paulo!

— Aquela mansão ao estilo sítio no Morumbi? — Alexios pergunta, e Kika assente. — Filho da mãe, conseguiu o que todo paulistano sonha, a tranquilidade do mato dentro da cidade!

— Fechou até com os móveis do antigo proprietário — Kika continua. — Hoje, Madeline e ele me convidaram para tomar chá, e seu irmão quase não dormiu à noite, apreensivo, porque eu ainda não tinha dado resposta, e ele não queria que eu fosse.

— Então minha ligação hoje de manhã foi a desculpa perfeita!

— Foi! — Kika ri. — Eu gostei de Madeline, embora tenha minhas reservas ainda, afinal, ela é casada com Nikkós. O doutor Geórgios é reservado, conservador, mas eu vi o quanto gosta de Kostas enquanto ele esteve internado, por isso estava constrangida em declinar do convite.

Olho para Alexios, avaliando sua expressão com o que Kika acabou de dizer de seu avô, o homem que nunca quis conhecê-lo. Ele me olha de volta, e sinto um enorme alívio ao perceber que o relato de Kika não mexeu com ele.

— Nikkós e Madeline estiveram na casa dos meus pais também — revelo, e dois pares de olhos verdes me encaram surpresos. — Eu não disse nada porque não havia achado a visita relevante, mas posso afirmar que meu pai esteve desconfortável o tempo todo. — Lembro-me da esposa de Nikkós e sou obrigada a concordar com Kika. — Madeline parece ser muito doce, até mesmo um pouco oprimida por ele. Notei o quanto ele gosta de expor a fortuna dela e o quanto isso a constrange. Sinceramente, não entendi como alguém como ela pôde se casar com aquele monstro.

— Ele é o mestre da dissimulação, Samara — Kyra comenta. — Durante todos esses anos, as pessoas do nosso círculo de convivência o admiravam por ter ficado sozinho e se dedicado aos filhos quando foi abandonado por Sabrina.

Concordo, pois eu mesma, se não tivesse visto tudo o que fez com Alexios, nunca teria imaginado o psicopata que ele era.

Minha campainha toca novamente, e vou abrir a porta, ciente de se tratar de Daniel.

— Desculpem-me pelo atraso. — Ele entra sem jeito e olha para Kika durante um tempo considerável, até que Kyra pigarreia, e ele pede desculpas. — Sinto muito, mas você me lembrou alguém — ele se justifica. — Daniel Schneider, irmão da Samara, como vai?

Kika fica sem jeito, mas o cumprimenta.

— Wilka Reinol, noiva de Konstantinos.

Daniel enruga a testa.

— Reinol? — Ela confirma. — É um sobrenome diferente.

Não entendo o que está acontecendo, mas sei que existe algo, pois logo em seguida Daniel me olha de um jeito estranho. Alexios oferece uma cerveja a ele, e eu sirvo suco de laranja para Kika, antes de começarmos a conversar sobre o bordel.

— Eu me lembro de algumas coisas que aconteciam por lá — Kika comenta. — Alguns rostos, nomes, principalmente dos clientes mais assíduos e que se demoravam no bar. Algumas das meninas que trabalhavam lá cuidavam de mim, me arrumavam e levavam à escola, e eu sempre ouvia algumas histórias sobre clientes.

Alexios entrega a ela a caderneta, e noto as mãos trêmulas de Kika.

— É a letra dela — confirma. — Não mudou nada até hoje!

— Tem certeza?

Ela encara Alexios e assente, visivelmente emocionada.

— Há alguns anos a reencontrei, depois que meus pais adotivos morreram.

— Quando foi isso? — Daniel a interrompe. — A morte de seus pais.

Kika franze a testa, mas responde à pergunta.

— Há 10 anos, mas eu só a encontrei há pouco mais de cinco.

Novamente olho para meu irmão, sentindo que há algo no ar, porque ele não é uma pessoa curiosa, que faz perguntas sem um propósito específico. Daniel está desconfiado de algo.

— Eu vou pegar os outros documentos que trouxe da casa de papai. — Levanto-me. — Dani, você me acompanha?

Imediatamente ele se levanta.

— Claro! — Coloca a pasta com os documentos que trouxe em cima da mesa e me segue.

Andamos até meu quarto calados, mas posso sentir sua tensão, tanto quanto eu estou tensa. Entramos no quarto, e eu fecho a porta antes de olhar para ele.

Daniel anda de um lado para o outro, demonstrando agora seu nervosismo.

— O que está acontecendo, Dani?

— Um dos documentos que achei na empresa, mas que não trouxe por achar irrelevante, é sobre um ex-funcionário da Schneider que trabalhou com o vovô e com o papai a vida inteira até se aposentar. — Ele respira fundo, para e me encara. — Plínio Reinol.

Abro a boca, espantada diante da coincidência.

— É parente da Kika?

— Eu acho que é o pai dela, Samara. — Ele se senta na minha cama. — Quando eu assumi a empresa, descobri que há anos vínhamos pagando moradia para um ex-funcionário nosso que era casado com uma professora que trabalhou em uma das escolas da mamãe. — Minhas mãos começam a suar de apreensão ao que ele está me contando. — Tentei descobrir mais, se havia alguma decisão judicial ou algum acordo que justificasse esse pagamento, mas, como não achei nada e ainda descobri que o casal já havia falecido, mandei interromper os pagamentos, e o proprietário pediu a casa de volta.

— Os pais dela morreram há dez anos — concluo.

— Exatamente, na mesma época em que eu assumi a Schneider.

— Daniel, o que você...

— Não é coincidência, Samara! — ele se interrompe, nervoso. — Eu acharia estranho papai manter uma obrigação assim com um ex-funcionário, mas não desconfiaria de nada se não fosse o fato de a filha adotiva deles ter vindo de um local que papai frequentou em segredo.

— Você acha que eles sabiam?

Daniel dá de ombros.

— Não sei o que pensar, mas só posso concluir que sim, que eles sabiam e que chantageavam o papai com isso.

Faço careta e nego.

— Em troca de um aluguel? Não faz sentido! Se fosse chantagem, pediriam muito mais do que isso.

Daniel suspira e coloca as mãos sobre a cabeça, deslizando os dedos por seus cabelos negros. Vejo o desespero em seus olhos escuros como os meus, talvez por temer que o ídolo que teve a vida toda fosse uma mentira.

— O que nós...

Alguém bate à porta. Pego rapidamente a pasta com algumas folhas que trouxe do escritório do papai e a abro.

— Algum problema aí? — Alexios indaga, olhando-nos desconfiado.

Suspiro.

— Sim, Daniel descobriu algo na documentação que pode ligar a família adotiva de Kika ao nosso pai.

Alexios arregala os olhos, visivelmente confuso.

— Eu vim avisar que seu pai está subindo. — Ele parece tão desconcertado quanto Daniel. — Que loucura é essa que vocês estão falando?

— A empresa pagou a moradia da família dela por muitos anos, e isso não era prática da Schneider.

Alexios bufa.

— Melhor voltarmos para a sala, elas estão olhando os documentos, e seu pai já deve estar aqui no andar.

Concordo com ele, deixo a pasta no lugar onde estava e chamo Daniel, que ainda parece quebrar a cabeça com o que acabamos de descobrir.

— Samara, você conseguiu achar... — Kyra para de falar assim que vê Daniel. — O que aconteceu?

— Benjamin Schneider está subindo.

Kika levanta o rosto e para de ler um documento.

— O pai de vocês é Ben Schneider? — Assinto, o coração disparado. — Meu pai sempre falou muito dele, eram grandes amigos, e sempre me dava esculturas de madeira.

Paro de respirar, olho para Daniel estupefata com o que ela acaba de dizer. Não havia chantagem, mas sim amizade, a ponto de papai presenteá-la com os mesmos mimos que fazia para mim. Meu cérebro tenta processar essas informações, mas logo a campainha ressoa pelo apartamento, e Alexios abre a porta para receber meu pai.

Chegou a hora da verdade, eu sinto isso com todas as minhas forças.

— Boa tarde! — meu pai nos cumprimenta e entra na sala, passando os olhos por mim, Daniel e depois por Kyra e... Ele fica pálido, seus olhos escuros se enchem de lágrimas. Kika sorri para ele, mas também parece se dar conta de que ele não está bem e começa a se levantar.

Benjamin Schneider leva a mão trêmula ao coração, e Daniel passa por mim, correndo como uma bala, para ampará-lo antes de ele cair no chão.

— Pai! — grito em desespero, mas Alexios me contém.

— Calma, seu irmão está com ele, e Kyra está ligando para uma ambulância.

Soluço em desespero, a mente acusando-me de ser responsável por isso, mesmo que não entenda o que ocorreu. Olho para Kika, que parece estar em estado de choque, perdida, sem entender o que está acontecendo. Kyra se aproxima dela e a abraça, e, de repente, vendo-a chorar, tenho a mesma sensação de reconhecimento que Daniel teve ao chegar, só que consigo me lembrar de com quem ela se parece.

Hadassa Schneider, a mãe de meu pai.


O que estava previsto para ser uma reunião simples, com várias pessoas lendo documentos e tentando achar ligações através daquela caderneta maldita, se tornou um pesadelo!, penso ao ver meu irmão entrar como um trator no corredor do hospital onde todos estamos.

— O que você aprontou?! — Kostas esbraveja comigo.

— Dessa vez não fui eu. Kika está com Kyra e Samara no banheiro, foi apenas um susto.

— Ben Schneider está bem? — ele pergunta, mais calmo.

— Está, sim, apenas em observação por causa da pressão, que está elevada. Foi emoção, só isso, mas na hora todos pensamos que estava tendo um infarto.

Kostas se senta no banco ao meu lado.

— Kika me ligou soluçando, dizendo coisas desconexas. Fiquei louco até entender que era o pai da Samara que estava no hospital, e não ela. — Ele bufa. — O que vocês descobriram?

Penso naquilo que Daniel e Samara conversaram comigo dentro do quarto e depois na reação do homem ao ver Kika na sala. Definitivamente há uma ligação aí, e tenho medo só de pensar no que possa ser.

— Você acha que elas se parecem? — pergunto ao Kostas de repente.

— De quem você está falando?

— Kika e Samara.

Kostas franze o cenho, mas concorda.

— Elas são morenas, e, quando Samara usa os cabelos lisos, ficam mais parecidas, sim. Mas é só isso. Kika é baixinha, Samara é mais alta. Kika tem mais curvas e menos... — Ele me olha sem jeito, mas aponta para seu próprio peito. — Você sabe!

Concordo. Sim, elas têm o mesmo tipo, embora não os mesmos traços, o que não significa nada. Samara possui alguns traços de sua mãe, de ascendência espanhola, como os seus cabelos fartos e encaracolados, os olhos e os seios fartos.

Contudo, o sorriso das duas é parecido, bem como a personalidade doce e empática, embora Kika seja mais geniosa que Samara, mas talvez por tudo o que passou. Diferentemente de Kika, Samara foi criada cercada de pessoas, de mimos, teve uma criação carinhosa e normal. Pelo que eu sei de Wilka Reinol, ela batalhou sozinha para conseguir chegar aonde chegou, sem família desde que seus pais adotivos morreram.

— Por que essa comparação toda? — Kostas indaga.

Fico dividido entre contar a ele ou não, mas os questionamentos dentro de mim são tão fortes que não aguento; preciso da opinião de alguém que não esteja tão envolvido nisso tudo.

— Kika disse que Ben Schneider e seu pai adotivo eram amigos. — Kostas se surpreende. — O pai de Kika trabalhou na empresa da família da Samara desde a época do avô dela.

— Que coincidência!

— Não sei, Kostas. — Ele não entende, e eu decido abrir o jogo: — Ben Schneider pagou as despesas de moradia da família Reinol até quando teve que se afastar da empresa, depois disso Daniel assumiu e, sem entender o motivo, cortou a ajuda.

Kostas fica pasmo.

— Sim, Kika me contou isso, que eles moravam numa casa custeada pela empresa para a qual o pai trabalhou, mas que ela teve que sair assim que eles faleceram e quase ficou na rua.

— Sim, foi quando Daniel assumiu a diretoria da Schneider.

— Ainda assim não entendo o que tem a ver uma coisa com a outra. Se Kika disse que eles eram amigos, talvez foi por isso que Ben os ajudou...

— Eu peguei o documento, Kostas. O relatório que Daniel pediu mostra que os pagamentos começaram assim que eles adotaram a Kika. — Isso desarma meu irmão. — Entende? Não antes da adoção, nem mesmo depois da aposentadoria deles, mas assim que Kika foi adotada. As datas coincidem.

Kostas levanta-se e começa a andar de um lado para o outro à minha frente, processando, assim como eu fiz, os dados que acabei de apresentar. Então, para deixá-lo ciente de tudo, dou a informação que falta:

— Ben Schneider frequentou o bordel de Madame Linete.

— Caralho! — ele xinga, mas, em seguida, tenta se controlar.

Olho na direção em que ele está parado e vejo Kika, Kyra e Samara vindo juntas pelo corredor.

— Vocês já contaram isso a ela? — ele questiona rápido, e eu nego.

— Temos que descobrir qual é a ligação primeiro.

Kostas ri, irônico, olhando para elas e dispara:

— Elas são irmãs, porra, é mais do que óbvio! — Engulo em seco e confirmo, pois também acho isso. — Puta que pariu, que confusão da porra! — Então, do nada, ele ri e me olha. — Nossa família já era uma bagunça, agora vai ficar um pouco mais!

 

— Ei, tudo bem? — Samara assente. — Ficou quieta o trajeto todo... No que está pensando?

Ela olha para a entrada da casa dos seus pais e suspira.

— Tenho medo do que vamos descobrir hoje. — Eu a entendo e pego sua mão. — Papai insistiu em virmos, mas não sei se devemos...

— Samara, ele está medicado, está bem, e, se pediu para que viéssemos, é porque está disposto a dizer tudo o que sabe. Seu pai foi até você naquele dia para dizer algo, ele só não contava encontrar a Kika.

Samara suspira.

— Não sei como contar a ela, mas sinto que devo. — Ela me olha. — Se ela for realmente minha irmã, quero que saiba e espero que me aceite em sua vida dessa forma.

Sinto um enorme orgulho da mulher por quem me apaixonei. Eu não tinha dúvidas de que essa seria a reação de Samara desde quando comecei a desconfiar de que essa poderia ser a ligação entre as famílias Reinol e Schneider. Sabia que Samara aceitaria Kika sem nenhuma restrição.

Minha surpresa foi Daniel.

O homem é tão engessado, tão conservador que eu temia que ele criasse problema com essa descoberta, porque, querendo ou não, mexe também no direito de herança deles. Entretanto, não, Daniel disse que, se Kika for mesmo sua irmã, deverá saber a verdade e ter a escolha de fazer o que bem quiser com a informação, decidir se irá querer ou não conhecer e aceitar Benjamin como pai.

Concordo com ele, acho o mais certo a se fazer.

— Vamos? — chamo-a para sair do carro.

— E se tudo o que tivermos seja só esse segredo de meu pai? E se ele não tiver informação nenhuma sobre sua mãe?

— Continuaremos procurando até achar ou deixar de ter importância. — Sorrio. — Se você estiver ao meu lado, estarei feliz, não importa mais o que aconteceu no passado.

Samara me beija e encosta sua testa na minha.

— Eu amo você!

— Eu também, Samara, mas precisamos ir.

Ela assente e sai do automóvel, atravessando o jardim até a entrada principal, onde Cida já nos aguarda.

— Alexios! — ela me saúda alegre. — Quanto tempo, menino!

— Oi, Cida! Nem parece que o tempo passou, continua linda!

Ela ri.

— E você, o mesmo galanteador de sempre! Não me admiro minha menina ser tão apaixonada por você!

— E eu por ela! — declaro, e Samara me abraça.

— Papai está nos esperando, Cida.

Entramos pelo grande hall da mansão. Olho em volta, notando traços do bom gosto que dona Ana Cohen sempre teve. Nunca vim aqui, parei de frequentar a casa deles quando se mudaram do condomínio e, como já não era bem-vindo nem quando dividíamos o mesmo espaço, tentei não invadir sua área nova.

— Sim, ele me pediu para levá-los até o quarto dele. Mais cedo, seus pais conversaram, e sua mãe decidiu ficar uns tempos no SPA daquela amiga dela, no interior.

— É, eu soube, Dani me disse.

Cida bate à porta da suíte e a abre para entrarmos.

— Samara e Alexios chegaram — Daniel anuncia, levantando-se da poltrona na qual estava sentado ao lado da cama.

Benjamin sorri triste ao me ver e depois foca na minha mão entrelaçada à de Samara.

— Então é mesmo verdade! — ele diz. — Alexios Karamanlis foi buscar minha filha na Espanha.

Sinto a tensão no corpo de Samara, o medo dela de uma briga ou troca de farpas entre nós. Não vou fazer isso, não tenho motivo algum que me faça machucá-la.

— Eu não tinha outra escolha, Ben. Ou a trazia de volta ou me mudava para lá. A única opção que não considerei foi ficar sem Samara.

Benjamin balança a cabeça e vejo seus olhos brilharem de satisfação. Samara amplia o sorriso ao perceber que ele não irá recriminar ou ser contra nosso relacionamento e que não ficou com mágoa pelo que houve, por a busca pela minha mãe biológica ter trazido à tona o seu maior segredo.

Sentamo-nos em cadeiras que, providencialmente, Daniel já havia posicionado no quarto. Samara não solta minha mão, não querendo perder o contato comigo, pronta para me transmitir consolo ou comemorarmos juntos.

— Peguei seu recado assim que cheguei aqui — Benjamin começa. — Fiquei pasmado ao saber que vocês encontraram algo tão antigo, que eu nem sabia que existia. Fui até seu apartamento para tentar explicar, mas então...

— Viu a Kika — Samara completa a frase.

— É, eu a vi, e já fazia um bom tempo que não a encontrava.

— Por quê? — Daniel é quem pergunta. — Por que nunca nos contou sobre ela? Por que nunca contou a ela?

— Quando Samara nasceu, Ana teve uma forte depressão. Tentei de tudo para fazer com que se recuperasse, mas ela não conseguia sair do estado de frustração em que se encontrava. — Ele respira fundo. — Não foi por sua causa. — Benjamin olha para Samara. — Foi somente por eu não ser o homem com quem ela queria ter filhos. — Suspira. — Eu nunca fui o grande amor da vida de sua mãe, apenas o substituto dele quando o perdeu em um acidente.

— Papai... — Samara se inclina na direção da cama e toca sua mão. — Eu sinto muito!

— Eu achei que ela conseguiria superar, me amar, mas nunca foi possível. Quando você nasceu, ela se lembrou dele, dos planos que os dois faziam sobre ter uma menina, e isso a tragou para uma tristeza sem fim e a total rejeição ao meu suporte, ao meu toque e ao meu amor. — Ele dá de ombros. — Não estou colocando a culpa nela ou justificando o que fiz. Não era a primeira vez que ia à casa de Madame Linete, estive lá anos antes, detestei o lugar e não voltei, mas estava me sentindo tão frustrado, tão magoado, que acabei voltando. Bebi muito naquela noite, Linete sempre foi uma bela mulher e... — Respira fundo. — Arrependi-me no dia seguinte e nunca mais retornei. Só soube da existência de Wilka quando, depois de uma denúncia, a menina foi tirada da casa, e Linete me procurou. Ela jogou na minha cara que nunca me pediu ajuda porque não iam acreditar na palavra de uma puta e que não precisava de homem nenhum. Então, como naquela época já era possível fazer exame de DNA, ela me contou da possibilidade de a menina ser minha filha e o que havia acontecido.

— O senhor fez o exame?

— Não. — Ele ri para Daniel. — Não achei necessário. A menina tinha todos os traços de mamãe, o exame demorava muito na época, e eu não tinha tempo. Sabia da vontade de Plínio e Zelina de terem um filho, éramos bem próximos, eu confiava bastante neles, então fiz a proposta de adotarem Wilka e da ajuda que eu lhes daria. Foi uma boa escolha, nunca faltou nada a ela, e eles a criaram maravilhosamente bem.

— Ela disse que o senhor a visitava e que lhe dava miniaturas — Samara comenta.

— Assim como fazia com você — admite. — A visitei durante toda a sua infância com a desculpa de ser o patrão do pai dela. Zelina nunca soube de nosso trato ou da ligação verdadeira entre mim e sua filha. Quando Plínio morreu, eu já estava doente, cansado por causa dos problemas na empresa e, na época em que infartei, nem soube da morte de Zelina.

— Eu assumi e descobri o contrato e os recibos de aluguel. Por que era a empresa quem pagava e não o senhor?

— Eu tinha receio de sua mãe descobrir, então, pela empresa era mais fácil fazer essa transação. Eu me apaixonei pela menina, tão assustada no começo, mas que crescia com um coração enorme, assim como vocês. — Ele olha para os filhos. — Só descobri que Daniel havia parado os pagamentos da casa mais de um ano depois, quando retornei para a empresa como consultor. — Dani confirma. — Contratei alguém para encontrá-la, então descobri que estava morando em uma espécie de república, trabalhava em uma loja e fazia faculdade à noite. Acompanhei-a de longe, vendo-a crescer sozinha, cheio de orgulho, mas covarde demais para ir até ela. Pensei que, quando se formasse, poderia conseguir algo para ela na Schneider, mas ela, por mérito próprio, entrou na Karamanlis.

— Coincidências da vida! — Daniel fala. — Ela foi trabalhar na empresa da família de um dos maiores frequentadores do bordel onde nasceu.

— Pois é, mas nessa época Theo já havia assumido, e Nikkós estava na Grécia, o bordel tinha sido fechado, e Linete, presa.

— Tudo resolvido! — digo com ironia, e ele me encara.

— Sim, eu pensei isso na época, mas não significa que fiquei bem comigo mesmo. Nunca a esqueci, apenas me conformei com não a ter por perto. Vocês vão contar a ela?

— Acho que ela merece saber, pai — Samara responde.

— E decidir o que irá fazer depois disso — Daniel completa.

Benjamin fecha os olhos e balança a cabeça.

— Pai, sobre a caderneta...

— Samara, aquilo foi um erro pelo qual me arrependo e tive que pagar muito caro. Ainda pago até hoje.

— O que você sabe sobre meu nascimento? — decido fazer a pergunta que está engasgada na minha garganta desde que entrei.

Benjamin olha para o filho, vejo seus olhos ficarem úmidos, então, ele respira fundo e começa a me contar:

— Quando eu a conheci, já estava grávida. — Meu coração se aperta, a sensação de, finalmente, descobrir sobre meu passado me atingindo forte. — Não sabia que era um filho de Nikkós, apenas a vi passar, o ventre inchado, e fiquei um tanto assustado.

— Por quê? — inquiro confuso.

— Ela era uma menina, Alexios — a informação me desarma. — Não parecia ter mais de 15 anos, mas soube que tinha completado 16. — Samara ofega ao meu lado. — Fiquei apavorado. Havia dado lances, movido pela bebida, por uma garota que anunciaram ter 18 anos, mas então comecei a questionar a verdadeira idade de todas.

— Nikkós falou a você sobre ela?

Ele nega.

— A prostituta que bebeu comigo naquela noite foi quem me contou tudo, dizendo que a outra havia tirado a sorte grande e engravidado do cliente mais rico da casa.

A revolta ameaça tomar conta de mim, mas Samara aperta minha mão. Solto o ar devagar, tentando ouvir tudo o que ele tem para me dizer antes de ter qualquer reação.

— Então ela engravidou com o propósito de extorquir dinheiro de Nikkós — presumo. — Como ele sabia que a criança era dele?

— Porque não tinha como ser de outro. Eu mesmo questionei isso, foi então que a mulher comigo me disse que a menina havia sido um presente para Nikkós assim que completou 15 anos e que o serviu até que se descobriu grávida.

— Meu Deus! — Daniel exclama, abismado demais com a podridão da minha história.

— Ela não era prostituta, então?

— O primeiro e único cliente dela foi seu pai, até onde soube. Ela era especial por ser a irmã caçula da dona da casa. — Benjamin olha para Samara. — O nome dela era Leila, tinha 16 anos quando você nasceu e nunca mais foi vista.

Levanto-me, incapaz de ficar parado, sentindo todo meu corpo tremer e o estômago embrulhar a ponto de me fazer respirar fundo para não vomitar. Minha mãe era uma garota inocente que foi usada pela ganância daquela cafetina imunda e pelo louco do meu pai, que abusou dela, serviu-se dela como se fosse uma mercadoria e depois...

— Ele a matou? — pergunto, o pranto fazendo minha voz sair intercortada.

Samara abraça minhas costas. Sinto meu coração se acalmar imediatamente ao seu toque, mas continuo a tremer, a imaginar o horror que a menina sentiu.

— Eu não sei, Alexios, realmente não sei. Depois disso passei anos sem pisar naquele lugar e, quando retornei, já não falavam mais do assunto, todos tinham medo. Sabiam que ele tinha pegado você assim que nasceu e desaparecido com ela.

O filho da puta nunca me contou a versão verdadeira, constato isso, rindo feito louco, pois passei anos imaginando qual história era a verdadeira, e não era nenhuma delas. Um sádico de primeira linha era o que ele era.

Leila, o nome dela era Leila, e tinha só 16 anos! Está prestes a fazer 50 se estiver viva. Não sei se ela não me quis ou se não foi lhe dada a opção de me querer, mas isso já não importa, nunca terei essas respostas, encontrá-la será como achar agulha em palheiro.

— Isso é tudo o que eu sei, e sinto muito se não pude ajudar mais — Benjamin completa. — Agora se acabaram todos os segredos, não há mais motivo para eu continuar ajudando-a a fugir da cadeia...

— Quem, pai? — Daniel sonda, e eu olho Benjamin.

— Linete. — Surpreendo-me. — Ela tem me chantageado por anos com essa história de Wilka, e, sinceramente, vocês terem descoberto só me mostrou que eu deveria ter contado tudo há muito tempo. — Ele suspira. — Talvez eu ainda tivesse tempo para conquistar o carinho da filha que nunca pude criar e não teria me sujado tanto!

— Você sabe onde ela está?! — inquiro descontrolado, e Daniel se levanta. — Talvez ela saiba mais...

Benjamin nega.

— Ela me envia números de contas de vários bancos e agências diferentes, em nome de laranjas, e eu deposito a quantia que pede. Não sei onde ela está e, sinceramente, não acho que ela te diria a verdade. Seu pai se encarregou de fechar a boca daquela mulher de forma eficiente. Além disso... — olha para Samara — ela pode ser perigosa.

— Temos noção disso, pai — Samara diz e toca meu ombro. — Ela chantageou a Kika também, ameaçou-a, só por isso demonstra que não tem nenhum tipo de moral ou sentimento.

— Ela fez isso? — Benjamin se ergue na cama. — A desgraçada prometeu ficar longe da menina!

— Não dá para confiar na palavra de um ser tão sujo! — Daniel comenta. — O senhor está bem? Fique calmo, sua pressão subiu. — Ele olha para o aparelho que monitora o pai. — Acho melhor encerrarmos essa conversa.

Concordo, não querendo prejudicá-lo, grato por ele ter me contado pelo menos algo verdadeiro sobre minha mãe e minha história.

— Eu sou sobrinho dela — comento com Samara, desgostoso, ao sair do quarto.

— Não, você é primo da Kika! — Ela ri e entrelaça a mão na minha. — Agora, sim, nossa família virou uma bagunça!

Rio e concordo, adorando o jeito positivo com que ela vê a vida.

— Kostas já havia dito isso sem saber do meu parentesco com sua futura esposa, não quero nem pensar quando tivermos filhos!

Samara parece pensar sobre o que nossas crianças serão dos filhos de Kostas e Kika, mas parece não chegar a conclusão nenhuma e começa a rir. Sorrio para ela, mas ainda sinto uma pressão em meu peito, algo estranho, como o que senti quando fui até o casarão por impulso e encontrei a Kika.

— Não acabou ainda — declaro de repente e aponto meu coração para ela. — Eu sinto que há mais!

— Eu sei, eu também sinto isso, mas não importa quanto tempo passe, Alexios, nós vamos descobrir tudo, eu prometo a você.

Abraço-a.

— Casa comigo? — faço o pedido que tenho ensaiado e planejado desde que fui até ela em Madri. Queria algo especial, com flores, champanhe e música. Contudo, não há outra pergunta a ser feita agora a não ser essa. Quero-a comigo para sempre.

Samara ri entre lágrimas e risos e assente.

— Pensei que não ia pedir mais.

— Estava ensaiando algo bonito, mas acho que essa coisa “planejadinha” e conservadora não combina comigo. — Beijo-a. — Eu amo você, quero você para sempre, você é meu chão, é meu norte, é meu sonho e minha realidade. Eu só espero poder ser tudo isso para você também, sempre que precisar!

Samara chora, balançando a cabeça, então Daniel aparece e toma um susto ao vê-la aos prantos.

— O que aconteceu? — pergunta assustado.

Seguro-a forte em meus braços e o encaro.

— Você acaba de ganhar, oficialmente, um cunhado — conto, e ele arregala os olhos. — Samara aceitou meu pedido de casamento.


— Eu estou tão zonzo que parece que tomei um porre de cerveja ruim! — Millos ri, sentado comigo ao balcão do pub a que sempre vamos juntos.

Rio da piadinha sem graça dele e tomo mais um gole do chope.

— Eu sei, fico confuso às vezes, mas é isso, sou primo e cunhado duas vezes de Kika.

— Para ficar mais confuso ainda, só falta a Kyra se casar com o Daniel. — Millos gargalha. — Impossível, mas seria engraçado!

Fecho a cara, não gostando nada da provocação. Só Millos mesmo para pensar algo assim!

— Você pensou sobre o convite do pappoús? — sonda.

Respiro fundo.

Não queria falar sobre esse assunto, não hoje, que estamos ele e eu aqui, comemorando o fato de eu estar comprometido, apaixonado e reorganizando minha vida em busca da felicidade.

Há alguns dias, Millos me ligou para transmitir o convite de Geórgios Karamanlis, que decidiu fazer uma reunião familiar em sua mansão nova e quer a minha presença.

— E ele supõe que eu deva me sentir honrado pelo convite, não? — ironizei antes de encerrar a ligação e o assunto.

Tarde demais!

Samara ainda tentou racionalizar as coisas dizendo que isso também faz parte do processo de zerar meu passado para poder seguir em frente, mas eu não concordo com ela. Ele não tinha nenhum motivo para me rejeitar, nem mesmo me conheceu ou teve qualquer tipo de ação, carinhosa ou não, em relação a mim.

Eu não existia para Geórgios Karamanlis, e ele passou a não existir para mim também. Isso não tem por que mudar, não vai fazer qualquer diferença no meu futuro simplesmente porque ele não fedeu nem cheirou para o meu passado.

Descartei a ideia e encerrei os discursos de Samara sobre família e a idade do velho trocando suas palavras por gemidos de prazer, utilizando um dos presentes que dei para ela, um vibrador potente, antes de treparmos gostoso.

Ah, isso, sim, é pensamento bom: os brinquedos que compramos juntos e que estou louco para usar, um por um, com ela. Foi divertido ver sua cara ficar vermelha a cada coisa que a mulher do sex shop nos mostrava, mas a curiosidade e vontade eram muito maiores do que o constrangimento, e ela quis levar tudo para casa.

Testamos até agora o vibrador e um pequeno plug anal, com um gelzinho que a atendente da loja recomendou que levássemos se fosse uma iniciação ao ato.

— Ou seja, ela quer saber se seu cu ainda é virgem! — cochichei no ouvido de Samara e estendi a mão para a moça da loja. — Queremos levar isso também!

Confesso que fiquei um tanto temeroso de aquilo anestesiar demais o rabo dela e eu acabar a machucando, mas não, ele é uma espécie de dessensibilizante, só a deixa mais confortável e não sem sentir nada.

Ainda não o usei com o meu pau, porque estamos quebrando o gelo aos poucos, usando os plugs para que ela se acostume. Não posso reclamar dessa espera, principalmente porque posso foder sua boceta enquanto mantenho o plug em seu rabo, e isso é um tesão só!

— Alexios? — Millos me chama, e eu dou um pulo. — Estava começando a ficar preocupado com sua cara para mim. Parecia que queria me comer!

Faço careta.

— Você não faz meu tipo! — Millos ri, e eu decido encerrar o assunto da festa de família à qual fui convidado. — Não aceitei e nem vou aceitar o convite, Millos, assunto encerrado. Não há possibilidade de eu colocar Samara no mesmo ambiente que Nikkós por livre e espontânea vontade.

— Então problema resolvido, meu caro! Ele vai retornar para a Europa. Parece que houve algo que requer a presença de Madeline na Suíça, e ele foi com ela.

— Achei que era a esposa dele que estava organizando a tal festa.

— Era, sim, mas aconteceu esse imprevisto, e eles foram embora hoje. Foi um alívio para o pappoús. Embora ele lamente profundamente que Madeline não estará presente, ficou feliz por ter o filho longe, pois ninguém iria aceitar o convite caso ele estivesse aqui.

Sim, imagino que, assim como eu, nem Theo, nem Kostas querem expor suas famílias àquele homem nojento. E eu nem considerei que Kyra cogitasse a ideia de ir a esse encontro, mas agora, talvez, ela vá.

— E Kyra?

— Confirmou presença, só faltam você e Samara.

Bufo, sentindo-me encurralado.

— Vou conversar com Samara e te ligo depois para confirmar ou não.

— Gosto desse novo Alexios, tão domesticado e racional.

— Vai se foder, Millos! — Bebemos juntos. — Mas, sim, confesso que também gosto desse novo Alexios: feliz!

Ficamos mais um tempo conversando, então ele vai embora, e eu tomo uma última cerveja antes de ir para a calçada pegar um táxi para ir ao encontro da minha mulher em casa.

Minha mulher! Essa expressão me enche de orgulho e, mesmo que ainda não estejamos casados legalmente, eu já enxergo a Samara assim. Fodam-se as convenções, o que nos importa é aquilo que sentimos.

Olho para o celular, um tanto trôpego, e confiro que fiquei no bar mais tempo do que tinha planejado.


“Já estou indo, amor. Desculpa a demora, Millos fala como uma velha fofoqueira!”


Samara aparece online, mas não me retorna a mensagem, ao invés disso envia uma foto.

— Puta que pariu! — Olho para a rua, desesperado por um táxi para chegar logo à casa dela.

Samara está usando uma das fantasias que compramos, de policial, com direito a algemas e cacetete.


“Eu confesso, bebi demais, xinguei um cara que encostou em mim no bar e cantei uma gostosa, mas só porque a confundi com você!”


Ela digita:


“Anjinho rebelde, você transgrediu muitas regras hoje, vai ter que dormir algemado esta noite! (Ei, espero que essa história de ter cantado alguém seja mentira!)”


Meu pau pulsa na calça, agitado, querendo-a, então, enquanto o táxi não vem, começo a digitar uma sacanagem pesada para deixá-la animada, mas algo do outro lado da calçada me chama a atenção.

— Chicão?

Aperto os olhos para focar melhor e confirmo ser meu amigo. Abro a boca para chamá-lo, mas então uma mulher surge, saindo de um carro parado perto da área mais escura da calçada. Sorrio, achando-o muito safado por estar tendo um encontro no escurinho. Um carro passa e ilumina o casal, fazendo-me reconhecer de pronto a mulher que vi apenas uma vez, em frente ao prédio da Karamanlis e que me deu a pista sobre o casarão.

Fico paralisado, olhando-os conversarem, rirem e depois o vejo abraçá-la e se afastar. Guardo o celular no bolso, esqueço o táxi e o sigo, mantendo-me distante do outro lado da calçada.

Chicão vira a esquina. Atravesso a rua correndo para não o perder de vista e então o vejo entrar em um prédio simples de apartamentos. Dou um tempo, esperando para ver se ele vai sair e, quando nada acontece, vou até a entrada e confiro os nomes no interfone.

Figueiroa! Sinto o corpo todo gelar ao perceber que ele tem um apartamento na cidade, mesmo quando diz que não tem morada certa e fica comigo, hospedado como um hippie em minha sala.

Tento olhar além da porta de ferro e vidro da entrada, mas, ao que parece, não há porteiro no prédio. Bufo de raiva, olho para cima, para o andar do número do apartamento junto ao seu nome na campainha do interfone, calculando qual deveria ser sua janela, o tempo todo questionando o motivo de suas mentiras.

Decido ir embora e voltar aqui outro dia, quando uma moto de entrega por aplicativo chega com sacolas de comida, toca o interfone de algum morador e entra. Sigo atrás dele, subindo as escadas ao invés de utilizar o elevador, nervoso, o pequeno pileque desfeito, tamanha a desconfiança sobre o que vi e o que estou prestes a descobrir.

Toco a campainha, mas tampo o olho mágico da porta para que ele não consiga ver que sou eu e tente fingir que não está em casa. Aperto o botão várias e várias vezes, até que ele abre uma fresta e fica lívido ao me ver.

Ajo rapidamente, colocando meu pé no vão que se abriu, impedindo-o de fechar.

— Abra a porta, me deixe entrar e me explique tudo — ordeno ofegante, cheio de raiva, devagar. — Não posso acreditar que mais isso na minha vida era mentira. Eu confiei em você, te amei como se fosse um pai, então, por favor, explique!

Chicão fecha os olhos, bufa e abre a correntinha de segurança da porta.

Entro atento a qualquer movimento dele. Já não confio mais, não tão cegamente como o fiz durante todos esses anos. A sala parece com o estilo do que eu conheci como sendo dele. Tudo muito alternativo, com vários equipamentos esportivos, sem TV e muitas, muitas fotos.

— Alexios, eu não sei o que você viu, mas...

Caminho até a mesa baixa que ele tem sobre um tapete e vejo fotos minhas, assim como de meus irmãos, em vários momentos. A garganta seca quando aparece, no meio dessas todas, uma fotografia de Nikkós com quem acho que seja sua nova esposa.

— Diz para mim para quem você trabalha — peço, controlando a raiva, tentando não gritar. — Fala, porra!

— Você não conhece — Francisco responde sério.

— Foi atrás de mim já sabendo quem eu era, não? — A dor da traição por saber que o amigo em quem sempre confiei na verdade estava ao meu lado apenas para cumprir um trabalho machuca muito. — Por quê?

— Alexios, eu não posso dizer nada, apenas acredite em mim quando digo que não fingi em nenhum momento que era seu amigo, porque eu sou seu amigo. É verdade que não cheguei até você sem querer como fiz parecer, mas isso não muda que eu quero você como a um filho.

— Não fode! — Encaro-o. — Como eu posso acreditar nisso? — Aponto para todas as fotos na mesa. — Você esteve nos espionando! Você enviou aquela mulher para me fazer ir até o casarão! — Arregalo os olhos ao me lembrar que ele estava em minha casa na época em que Kostas me entregou as chaves do casarão. — Você plantou a caderneta!

Chicão não se defende, irritando-me com seu silêncio a ponto de eu socar a parede da sala.

— Fala, porra! — Desespero-me e ando pela sala, notando mais fotos no aparador e algumas em porta-retratos. — Eu nunca vou te perdoar caso continue calado, eu juro que...

Paro de falar ao reconhecer uma pessoa que aparece em uma foto com Francisco, os dois rindo, no meio de parreiras. Ando até a mesa de centro e pego a fotografia de Nikkós com sua esposa; é ela!

— Não! — Fecho os olhos, trêmulo. — O que você tem a ver com eles? O que você pretendia?

— Alexios, eu não fiz nada para te prejudicar, pelo contrário, estou há anos cuidando de você, protegendo, consolando e...

— Porra, fala logo o que você tem a ver com o meu pai!

Ele ri.

— Nada. — Balança a cabeça. — Eu nunca tive e nem quero ter nenhum contato com seu pai. — Olho para a foto novamente e sinto meu coração disparar. — Sua mãe me pediu para cuidar de você, e é o que tenho feito, mesmo que não concorde com o que resolveu fazer agora. Não a julgo, ninguém faz ideia do que ela passou, teve que morrer para poder viver, mas nunca se esqueceu do filho que foi arrancado de dentro de si sem que deixassem que ao menos lhe olhasse. — Despenco no chão da sala, chorando como um louco, incapaz de acreditar que, enquanto eu a buscava loucamente, ela esteve com todos, menos comigo.

— Madeline é minha mãe? — pergunto, molhando a foto dela com minhas lágrimas.

— É, sim. O nome dela era Leila até ser vendida como escrava sexual e passar anos se prostituindo no leste europeu, até que fugiu, conseguiu documentos falsos, foi trabalhar na casa de um magnata como faxineira e acabou se casando com ele. — Balanço a cabeça, tentando ver naquela mulher a garota que foi abusada e vendida. — Ela teve sorte, Alexios, muita sorte, mas no caminho viveu um pesadelo atrás do outro e não pôde esquecer nada disso.

Tento controlar meu corpo, que parece querer se desintegrar de tanto tremer. Não entendo nada do que ele me fala, parecendo fantasioso demais e totalmente sem sentido, se ela se casou com o monstro que desgraçou sua vida.

Arregalo os olhos, de repente achando sentido em suas atitudes.

— Ela não tinha intenção alguma de vir ao Brasil e me conhecer, não é?

Chicão chora, algo que nunca o vi fazer, e nega.

— Ela só queria que eu garantisse que você fosse feliz, minha missão terminaria aí, mas então eu entendi que você nunca seria completamente feliz se não soubesse sobre ela e decidi guiá-lo na direção das respostas.

— O pai de Samara. — Ele assente. — Que sabia apenas o suficiente para me acalmar.

— Achei que resolveria as coisas para você sem expô-la.

— Ela sabe o que eu descobri?

— Sabe, por isso foi embora.

Tento segurar a dor de saber que ela se afastou quando percebeu que poderia ser descoberta.

— Por que ela não quer que eu saiba?

— Porque, assim como eu, ela tem sua própria missão, que já teria acabado há algum tempo se não fosse o que aconteceu com seu irmão.

Balanço a cabeça, compreendendo o que ele me diz. Tento não a julgar como ele diz que não o faz, porém é difícil entender por que ela acha que sua vingança é mais importante do que me contar a verdade.

— Ela quer matá-lo, não é?

— Eu não posso falar nada mais, Alexios, não devo.

Começo a rir como um louco, mesmo não tendo motivo nenhum para fazê-lo. Sempre achei que teria paz ao encontrá-la, ao conhecer minha história, mas percebo agora que dei a tudo isso importância demais. Ela sempre soube onde me encontrar, mandou Chicão para ficar de olho em mim, foi atrás de Nikkós para cumprir seus planos e, nesse tempo, nunca teve interesse algum em me conhecer.

— Não precisa falar mais nada, Chicão. — Levanto-me, enxugo meu rosto e toco seu ombro. — Sua missão está cumprida, segue sua vida e finge que nunca tivemos essa conversa.

— Alexios, ela só quer te...

— Não, ela não pensou e nem pensa em mim. Se me amasse e quisesse me ver feliz, teria vindo me encontrar e deixado Nikkós se foder sozinho, porque acredite, ele vai. Eu não tenho mãe, Chicão, e sabe o quê? — Sorrio. — Isso já não me faz diferença alguma! Não posso consertar os erros deles, mas posso não os cometer. Você provavelmente já sabe, mas Samara me ama, e eu a ela.

— Sempre soube, garoto.

— Ela é meu recomeço, minha família e felicidade. — Ele sorri e assente. — Não vou expor Madeline, vou deixar que siga com seu intento e arque com as consequências dele, seja como for.

Passo por ele, sentindo um enorme peso sendo deixado aos seus pés, para trás. Agora eu sei de tudo, ninguém mais tem poder sobre mim por causa da minha ignorância, não vou mais ser manipulado e enganado por ninguém.

O que o futuro reservou a essa história dos dois, eu não sei, importo-me apenas com a minha, com a mulher que eu amo, com os irmãos com quem me sinto unido como nunca.

É hora de seguir em frente, virar a página e ser feliz.

O resto, é outra história!


Quando se ama alguém, tudo o que importa é a felicidade do ser amado.

Olho para Alexios ao meu lado, seu sorriso sincero, cheio de alegria e, claro, muito orgulho, então suspiro cheia de satisfação, meu corpo trêmulo de emoção, registrando para sempre os momentos que estou vivendo.

Tanta coisa aconteceu até chegarmos aqui!

Kika chora, e eu sou levada até o dia em que Daniel e eu contamos a ela sobre papai. Vocês lembram que Kostas encomendou comigo um móvel sob medida? Pois bem, quando fomos instalar as estantes, surpreendendo-a com o presente, convidei-a para um café.

Kostas já estava sabendo da desconfiança que tínhamos sobre o nosso parentesco, e, quando fiz o convite, ele sabia que precisaria estar ao lado dela.

— Por que você não vem aqui após arrumarmos os livros nas estantes? — ele sugeriu, e prontamente aceitei. — Podíamos aproveitar que Samara é design de interiores, Wilka, e já consultá-la sobre um projeto grande para a nossa casa nova.

— Adorei a ideia! Você topa, Samara? — Kika respondeu animada à sugestão dele.

— Claro! — Sorri para Kostas, agradecida pela ajuda. — Será um prazer!

— Ah, que felicidade saber que seremos concunhadas! — Kika me abraçou. — Estou muito feliz por você e por Alexios!

Senti um embargo enorme na garganta, uma mistura de emoção e medo à reação dela ao que eu iria contar. Fiquei ansiosa demais até a chegada da data da conversa. Alexios tentou me acalmar diversas vezes e de formas maravilhosas, mas eu só ficaria bem quando pudesse dizer a ela que nós éramos irmãs.

Kika não é boba, e, quando cheguei ao seu apartamento acompanhada de Daniel, ela logo captou que aquela era uma visita mais séria do que eu tinha deixado parecer no convite.

— Você se lembra do meu irmão, Kika? — perguntei ao reapresentá-los. — Daniel é o CEO da Schneider desde que papai se aposentou.

— Lembro, sim, como vai? — Ela sorriu, mas vi em seus olhos que não entendia a presença dele.

— Wilka, no dia em que Ben Schneider passou mal, Samara e Daniel fizeram uma descoberta — Kostas foi quem introduziu o assunto. — A empresa da família deles manteve, por anos, o aluguel da casa onde você morava com seus pais.

— Eu sei, tanto que, quando eles faleceram, eu tive que sair da casa — Kika lembrou.

— Não foi porque eles morreram — Daniel começou a explicar. — Foi porque eu assumi, e papai estava na UTI, se recuperando de uma cirurgia cardíaca. — Ela franziu a testa. — A Schneider nunca pagou moradia de funcionários, e eu achei estranho quando descobri o caso de sua família, por isso mandei cortar. — Kika balança a cabeça e sorri, entendendo que Daniel só havia feito o trabalho dele. — Acontece, Kika, que os pagamentos começaram na mesma época da sua adoção, e isso, somado ao fato de sabermos que meu pai frequentou o bordel onde você nasceu, nos deixou com uma sensação de que havia uma ligação entre a ajuda e o local de seu nascimento.

Kika olhou cheia de dúvidas para Konstantinos, seus olhos cheios de lágrimas.

— Eu não estou entendendo que ligação poderia haver. Como eu disse uma vez, Ben Schneider era amigo de papai, e eu o vi bastante em nossa casa visitando-os.

— Ele estava te visitando — Daniel disparou à queima-roupa, e ela arregalou os olhos. — Sim, você tem razão sobre a amizade entre nossos pais. Benjamin Schneider confiava e gostava tanto do seu pai que pediu a ele um favor.

Kostas tomou a mão de Kika entre as suas, percebendo que sua noiva estava começando a entender do que estávamos falando.

— Kika — interrompi Daniel e me aproximei dela —, naquele dia meu pai passou mal ao te ver lá em casa. Foi emoção, surpresa por ter nos visto juntos, seus filhos juntos.

Kika balançou a cabeça como se negasse o que eu acabara de lhe dizer.

— Sim, Wilka, eles estão dizendo a verdade — Kostas falou baixinho para ela e lhe contou o que Alexios havia lhe dito. — Quando eu fiz a denúncia e você foi tirada daquele lugar, Linete procurou seu pai e contou que você era sua filha. Ben Schneider, então, arrumou para que Plínio e Zelina Reinol, seus funcionários e amigos, te adotassem e cuidassem de você.

— Isso é tão absurdo! Mamãe dizia que há anos tentavam adotar e que, quando eu apareci, eles souberam que não podia ser outra criança, pois eu já era filha deles de coração.

— Sim, e isso não é mentira — tentei acalmá-la. — Papai nos disse que eles queriam muito um filho e que confiavam que iam criá-la com muito carinho. — Peguei sua mão. — Kika, saber que você tem nosso sangue não muda em nada o fato de que seus pais são os Reinols, só acrescenta na sua vida mais pessoas que estão muito felizes em saber que você é nossa irmã. — Olhei para Daniel, e ele assentiu.

Ela chorou, Kostas a abraçou, Daniel e eu ficamos sem saber o que falar a ela, como consolá-la, então Kika disse que sempre se sentiu só a vida toda e que saber que tinha irmãos era algo que não contava, mas que a deixava feliz. Senti um enorme alívio por ser aceita por ela e a abracei apertado, orgulhosa de ter uma irmã como ela.

— Eu ainda não sei se quero conversar com ele — ela disse sobre se encontrar com papai. — Quando meus pais morreram e tive que sair da casa, fiquei sozinha no mundo, sem apoio, sem consolo ou mesmo incentivo. Orgulho-me muito de ter vencido sozinha, ter superado todas as adversidades, porque isso me fez ser a mulher que sou hoje, então saber que ele poderia ter estado ao meu lado e não quis me machuca demais.

— Eu entendo — Daniel respondeu. — Ele sabe que errou e se arrepende de não ter estado ao seu lado, nos disse isso.

— Eu tenho pai, Daniel, e ele se chama Plínio Reinol, um homem que me criou com amor, me ensinou sobre o respeito, a empatia e a importância de ser honesto e sincero. Eu me orgulho de ser filha dele, independentemente do sangue em minhas veias. Por isso, nesse momento, por mais que eu esteja feliz ao saber que ganhei dois irmãos e um primo... — ela sorri, referindo-se a Alexios, pois Kostas já havia lhe contado que ele era filho da tia de Kika — eu ainda não me sinto à vontade para falar com Benjamin Schneider.

Confesso que entendi demais a posição dela e acho que me sentiria igual por um tempo. Kika tinha muita coisa a processar do que lhe dissemos.

Daniel contou da nossa conversa com ela ao papai e me disse que ele ficou bem abalado por ela não querer falar com ele, mas entendeu também. Além disso, meu irmão soube que mamãe havia retornado e que ela e papai ficaram horas falando e acertando todas as arestas, e nada me fez mais feliz do que saber que estavam dispostos a manter o casamento, porém de verdade, não apenas a conveniência.

— Acho que chegou a hora de eu fazer o pedido oficialmente, não? — Alexios sugeriu quando contei a ele que os dois tinham se reconciliado. — Eu não me importo com isso, mas quero demonstrar à sua família que eu a amo e que quero tudo o que você quer, tudo o que você sonha.

Senti-me emocionada com as palavras dele e concordei em marcar um jantar para a comunicação de que iríamos nos casar. Kyra se dispôs a me ajudar a montar a mesa, a deixar tudo pronto com seu bufê, pois queria eu mesma promover o encontro de Alexios com meus pais.

— Acho melhor eu fazer tudo na Ágape e trazer tudo pronto para cá — Kyra explicou, mostrando o menu que preparara. — Pensei em usar essa louça, com esses cristais e talheres, o que acha?

Concordei com o layout da mesa montada e das fotos com as amostras dos objetos.

— Sem superstição para montar meu jantar de noivado, não? — provoquei-a.

— Amiga, você não tem ideia do cagaço que eu tenho andado nesses dias! Acha que essa é a única festa que tenho montado? — Ela riu. — Kostas me convenceu a fazer um casamento surpresa para a Kika, acredita?

Fiquei feliz com a notícia, e ela suspirou.

— Contei a ele sobre meu medo, só que simplesmente ignorou isso, dizendo que nada no mundo poderia separá-los. — Concordei, pois sabia da ligação de ambos desde a infância e de como a vida se encarregara de reuni-los de novo. — Bom, não tive como dizer não, só estou tomando algumas precauções.

Gargalhei, imaginando o que ela deveria estar fazendo para prevenir afundar o casamento de seu irmão.

— Bom, também não acredito que algo possa me separar de Alexios...

— Nem eu! — Ela sorriu. — Vocês, literalmente, nasceram um para o outro, só foram idiotas demais para admitir isso.

Concordei com ela e segui com os preparativos de uma pequena reunião entre os Schneiders e os Karamanlis para lhes demonstrar nossa intenção de casamento e de formamos nossa própria família.

Uma semana depois dessa reunião com Kyra, vi meu mundo balançar com a chegada de Alexios a minha casa completamente destruído. Quando o vi, parado na porta do quarto onde eu o esperava vestida de couro, com quepe, algemas e cacetete, soube que algo terrível havia acontecido.

Corri até onde ele estava e o abracei, senti seus espasmos de dor, mas ele não derramou uma lágrima sequer.

— Minha vida está zerada, Samara — disse, a voz embargada das lágrimas que estava contendo. — Ninguém mais tem o poder de me ferir com o meu passado. — Assenti. — Já sei o que aconteceu, como fui gerado, como nasci e quem me gerou.

— Eu sei.

Ele suspirou.

— Leila morreu — declarou, e eu arregalei os olhos. — Foi vendida como escrava sexual, condenada a viver longe de seu país, e morreu.

— Alexios, você tem certeza disso?

Ele balançou a cabeça.

— Sim, não restam dúvidas. — Segurou meu rosto e encostou a testa na minha. — A mulher que surgiu com a morte dela não é minha mãe.

Fiquei confusa, e então ele me contou tudo sobre Madeline ser Leila e estar em uma missão de vingança contra Nikkós.

— Eu a entendo de certa forma — comentei. — Não o fato de ela nunca ter se aproximado de você, mas ela odiá-lo tanto. Nós não temos ideia do que passou durante os anos em que foi obrigada a se prostituir para continuar viva, nem do que passou depois, ao fugir, estar sozinha em outra terra. — Suspirei, cheia de dor. — Você acha mesmo que ela quer matá-lo?

— Que outro motivo teria para se casar com seu carrasco?

Pensei na mulher doce que conversou comigo na casa dos meus pais, entendendo naquele momento seu olhar satisfeito ao me conhecer e por que puxou tanto assunto comigo.

Ela sabia quem eu era por causa das informações que Chicão lhe passara. Sabia da minha amizade com Alexios, do meu amor por ele e, talvez, até que ele também me amava.

Eu entendo a mágoa de Alexios, afinal, ela poderia ter ido atrás dele há muitos anos, desde que enviou Chicão, mas também percebo a preocupação dela, mesmo de longe, com o filho que lhe foi negado. Eu sei da importância que Francisco teve na vida de Alexios, resgatando-o das drogas, incentivando-o na prática de esportes e atuando como o pai que ele nunca teve.

Indiretamente, Madeline cuidou do filho, porém, eu não entendo por que nunca se revelou a ele, e foi isso que verbalizei para Alexios.

— A sede de vingança é mais forte do que o amor que ele disse que ela sente por mim — ele afirmou.

— Infelizmente, sim — tive que concordar.

Eu nunca desistiria de estar com um filho por nada nesse mundo, nada nunca seria mais importante. Contudo, não passei pelas experiências que ela passou, então é difícil julgá-la.

A roupa de policial teve que esperar outra ocasião para entrar em ação, mas não deixei de amá-lo, consolá-lo e me entregar a ele com todo o coração naquela noite.

Foi um sexo de toques especiais, beijos intensos e muitas reafirmações do que sentíamos um pelo outro.

— Você é o amor da minha vida — ele declarou, mexendo devagar seu corpo sobre o meu, deliciando-me com o encontro de nossas carnes. — Eu sou seu por inteiro, meu corpo, meus pensamentos, minha alma. Tudo pertence a você, e me sinto completo por saber que você também me pertence.

— Eu sou sua, sempre fui! — gemi. — Amo você, vejo você, sinto você! Você é meu, Alexios Karamanlis, para sempre!

— Tudo bem? — Kyra me pergunta, arrancando-me das lembranças deliciosas.

Volto a prestar atenção ao que ela preparou, no salão de festas de sua empresa, no qual estão presentes todas as pessoas que nos importam e que torcem pela nossa felicidade.

Ponho a mão sobre meu ventre inchado, sentindo meus bebês mexendo devagarinho, lembrando-me da maravilhosa arte que é a vida crescendo dentro de mim, fruto de um amor tão grande e inabalável que venceu muitas barreiras até aqui.

Não, não estou me casando ainda, é minha festa de noivado que está ocorrendo, meses depois do que nós tínhamos planejado por conta de fatos que ocorreram e requereram mais atenção.

Nem pensei que ele ainda pretendia fazê-la, afinal, faltam apenas dois meses para que nossos filhos nasçam, e nós já tínhamos estabelecido que, assim como Duda e Theo fizeram, iríamos esperar as crianças nascerem para realizar um casamento simples.

Ah, não disse a vocês que são dois meninos, gêmeos idênticos, que estamos esperando ansiosamente para conhecer, não é? A gravidez foi uma surpresa boa em um momento tenso para todos, que veio para nos encher de alegria e renovar a esperança de que tudo ia dar certo.

Minha irmã, com minha sobrinha Olívia no colo, vem até onde estou, ainda parada pela surpresa e me abraça.

— Você está linda! Esses irmãos adoram uma surpresa! — Ri, lembrando-se do seu próprio casamento, meses atrás. — Alexios queria se casar, mas eu sei que você quer seus filhos presentes nesse dia, então ele se contentou em uma festa de noivado como a que vocês teriam quando tudo aconteceu.

— Obrigada por isso! — Beijo a testa da pequena menina, que dorme tranquila. — Ter vocês duas aqui comigo... — pego a mão de Kyra — minhas irmãs, minhas madrinhas, minhas melhores amigas, é uma emoção enorme.

— E eu? — Alexios sorri.

— Você... — Abraço-o pelo pescoço. — Você é o grande amor da minha vida!

Ele me beija, provocando uma enorme salva de palmas entre os presentes.

— E você é o grande amor da minha vida, Samara! — Põe a mão sobre minha barriga. — Vocês são os meus grandes amores.


Grécia, um ano depois.


Lua de mel, finalmente!

O sorriso safado não esconde o que estou pensando, e Samara sorri, balançando a cabeça, ao descer do carro. Então essa é a famosa Villa Dorothea, a menina dos olhos da família Karamanlis, longe da agitação das praias e ilhas da moda.

— Uau! — Samara para ao meu lado, admirando o jardim bem-cuidado e a vista impressionante de um mar azul infinito. — Quando disseram que a propriedade era uma das mais velhas de sua família, não tinha ideia de que era assim. — Ri. — Confesso que esperei algo bem decadente e estranho.

— Eu sabia que seria incrível, a velha raposa não dá ponto sem nó, nem valor ao que não tem valor.

— Sim, nunca conheci ninguém mais esperto que seu avô!

O barulho da risadinha dos bebês enche o ar, causando uma mistura de sons perfeita! O barulho que vem do oceano, das aves marinhas e da felicidade de meus pequenos marujos!

Samara sai correndo ao encontro dos nossos filhos, um no colo de cada babá, e eu suspiro, pensando na lua de mel a seis que iremos ter. Não reclamo, nunca faria isso, Davi e Tiago são meus tesouros, a personificação do amor entre mim e Samara.

O mais velho, Davi, estende seus braços em minha direção, e o pego no colo, jogando-o para o alto, fazendo aumentarem as risadas. Os dois nasceram idênticos, cabelos escuros como os de Samara e olhos na mais pura cor do mel. Olho para trás e vejo Samara de mãos dadas com Tiago, que, mal aprendeu a dar passos, já quer correr.

— Eles não parecem bebês de 10 meses — Samara comenta rindo e coloco Davi no chão também. — Têm muitos dentes e já querem andar!

Gargalho, orgulhoso.

— São meus filhos, eu nunca fui muito paciente com essa coisa de fazer as coisas no tempo certo. — Ela concorda. — Com dois anos já andava de bicicleta igual a um catiço, nadava e corria mais dos que os outros meninos maiores.

Sorrio, e ela também o faz. A sensação de poder falar do meu passado sem que isso me cause dor é maravilhosa! Claro que nada disso seria possível se não fosse o apoio incondicional de minha esposa e o acompanhamento psicológico que venho fazendo há meses.

Não é fácil viver carregando bagagens pesadas a vida toda e, de repente, ter de soltá-las, perceber que não é necessário levá-las todas de uma vez e, principalmente, que dá para compartilhar e aliviar o peso.

Apenas depois que descobri isso é que consegui pôr fim a tudo o que aconteceu no passado. Balanço a cabeça para afastar esses pensamentos, pois não estou aqui para ficar me lembrando do que já passou, tão somente para criar memórias felizes.

Meu telefone toca.

— Oi, Millos!

— E aí, já chegaram? — meu primo indaga animado.

— Já, sim, e você tinha razão ao dizer que o lugar é um espetáculo!

— Eu não erro, Alexios! — Ele ri. — Aproveitem bem esses dias antes de todos chegarem aí; depois que todos os Karamanlis estiverem reunidos nesse lugar, “adeus, paz”!

— Eu vou, obrigado pela dica! — Olho para baixo ao sentir que Davi se sentou no chão para brincar. — Vou levar os pequenos marujos para velejar um pouco, já que vieram dormindo no iate.

— O carro estava na marina esperando por vocês?

— Estava, sim, ainda bem, é um bom trecho de lá até aqui em cima.

— Pappoús quis a melhor vista e não se importou em calcular a enorme distância que ficou entre a marina e a casa. — Ele debocha: — Nada é impossível para Geórgios Karamanlis!

— Estou sabendo!

Converso mais um pouco com ele, sempre de olho no pequeno Davi, que brinca na grama, e em Samara, com Tiago perto da piscina.

 

Mais tarde, depois de tudo acomodado em seu devido lugar, Samara e eu descemos a enorme encosta em direção ao veleiro de Millos, atracado na marina ao lado do iate de Theodoros.

Foi uma experiência única curtir o pôr do sol abraçado a ela, vendo meus meninos brincarem juntos enquanto singrávamos devagar pelo mar, sentindo o vento e o cheiro maravilhoso que vinham dele.

— Estou pensando em pintar algo aqui — comento com ela assim que retornamos à casa.

— Isso é ótimo, seus últimos quadros ficaram lindos!

— Nenhum se compara ao seu! — Beijo sua orelha.

— Ainda morro de vergonha ao pensar que nossa arrumadeira o vê cada vez que vai guardar roupas ou limpar o closet.

— Besteira. Você está linda, nunca poderia ficar escondida!

Ela sorri, envaidecida, e eu me sinto orgulhoso por ter conseguido fazer uma obra que a retratasse tão bem. Demorei a terminar a pintura, na verdade só a concluí após o nascimento das crianças, mas confesso que o resultado foi maravilhoso. O realismo na tela era tão grande que eu senti que Samara poderia ganhar vida na tela a qualquer momento. Eu a eternizei, assim como o momento em que nos entregamos um ao outro pela primeira vez, e a cada pincelada de tinta, eu ficava excitado como se estivesse pintando sua pele, não uma tela.

Ele ficou pronto quase ao mesmo tempo que nossa casa, e, quando eu disse a ela que queria colocá-lo em nosso quarto, Samara foi terminantemente contra, então negociamos duramente até que ela aceitasse expô-lo em seu closet.

Gosto dele lá, de trocar de roupa, vindo do banho, e me vestir olhando suas costas, a curva de seu quadril, os cachos de seu cabelo espalhados pelo travesseiro branco, deixando sua nuca à vista, um local que eu adoro beijar.

— As crianças já dormiram? — Samara me pergunta dentro do banheiro, pronta para tomar banho.

— Já, passei há pouco no quarto delas e conversei com as babás. — Abro uma das minhas valises e pego algo que trouxe especialmente para ela. — A essa hora, estão todos dormindo.

Ouço o barulho do chuveiro, espero ansioso que ela acabe, sentado na cama, pronto para dar o bote assim que ela sair.

— Vou passar lá também, eu fiquei um tempão ao telefone com papai e...

Pulo da cama quando ela sai, vestindo apenas um roupão. Samara arregala os olhos quando eu a viro de costas para mim e vendo seus olhos.

— Estou te raptando. As crianças estão bem, e nós vamos dar uma voltinha.

— Alexios! — Ela ri. — O que você está aprontando?

— Foi uma dica que peguei com Millos.

— Ai, meu Deus!

Rio da sua preocupação, mesmo que saiba que ela está tão ansiosa quanto eu. Nosso fogo nunca abaixa, nossa paixão nunca diminui, mesmo durante a gravidez não conseguimos estar longe um do outro, das carícias e do prazer que nossos corpos nos proporcionam.

Levo-a devagar para a área externa da casa, um local que tenho certeza de que ela irá amar quando o vir.

Mais cedo fui até lá para organizar tudo. Cada detalhe lá foi feito pensando em agradá-la, em lhe mostrar o quanto a amo, minha amiga, minha companheira, minha amante e esposa.

Paro próximo à porta de vidro e sussurro em seus ouvidos:

— Preciso que fique aqui, que não tire a venda, ok?

— Certo!

Entro no local e faço os últimos ajustes o mais rápido que consigo antes de voltar até onde ela está e retirar sua venda.

— Nossa lua de mel começa hoje!

Samara abre a boca em total deslumbre, olhando em volta da enorme estufa toda de vidro e cheia de plantas. Eu sabia que ela iria amar, porque, além daquele jabuti raivoso – apenas comigo, porque as crianças já fazem dele gato e sapato –, Samara adora plantas!

Ela caminha entre as flores, o lugar todo iluminado por velas, e para no meio, onde mais cedo eu improvisei uma cama e a cobri com pétalas de rosa. Ao lado dela, uma mesa baixa com um balde de gelo, champanhe, uvas e chocolates.

Aperto o play no aplicativo de música, e Samara sorri ao ouvir a música do nosso casamento, a mesma que tocou naquele baile, a qual não dancei com ela.

Endless Love toca baixinho, e eu estendo a mão em sua direção, convidando-a para uma dança.

— Eu amo você! — declara-se emocionada.

— Não mais do que eu!

Dançamos juntos, e a escuto balbuciar parte da letra, sabendo que cada palavra é dita com verdade. Canto junto a ela, sentindo meu coração disparar a cada estrofe, declarando-me através da canção, reconhecendo que ela é meu amor infinito.

Abro o roupão, descobrindo seu corpo, que já conheço tanto, mas que, a cada vez que toco, parece ser a primeira vez. Desnudo seus ombros e os beijo devagar, seu pescoço, o lóbulo macio da orelha, até voltar minha boca para a sua.

Samara abre minha camisa, suas mãos espremidas entre nossos corpos, porque não há como eu me afastar dela. Deixo-a tirar a peça e aproveito para jogar seu roupão no chão, enquanto ela abaixa minha bermuda, levando junto minha cueca.

— Me toca! — peço e gemo ao sentir sua mão segurar meu pau com firmeza.

Sou apaixonado pelo jeito com que ela me pega, dona de mim, dona do meu corpo e do meu tesão. Samara consegue ser essa mulher doce e apaixonada, ao mesmo tempo em que é decidida e firme com seus desejos.

Muitos podem julgá-la precipitadamente, achando-a frágil ou até mesmo boa demais, porém eu sei o quanto essa mulher é uma fortaleza, mesmo sendo delicada.

Essa é a característica que mais amo nela! Ela é forte sem ser bruta, como um diamante já lapidado, brilhante, parecendo frágil, mas de uma firmeza impressionante. Lembro-me do parto dos nossos filhos e de ela se manter firme enquanto dava à luz naturalmente, dentro de uma banheira, acompanhada pelos médicos, a doula e eu.

Nunca admirei tanto alguém quanto a ela. Samara estava sofrendo com dores, teve que passar por dois nascimentos consecutivos, mas não levantava a voz, não gritava e, sempre que me olhava, tinha um sorriso emocionado e sussurros de amor.

Eu verdadeiramente não me importaria se ela esbravejasse, xingasse ou mesmo me expulsasse de lá, pois compreendia o sacrifício que ela estava fazendo por amor ao trazer ao mundo nossos filhos. Entretanto, não seria minha Samara se fizesse isso. Mesmo com dor, ela estava radiante de felicidade!

Eu, nervoso “pra caralho”, tentando passar uma falsa impressão de que estava calmo e confiante, desmoronei quando os dois nasceram e foram colocados em meus braços para que eu os levasse até ela.

Chorava tanto que soluçava mais que meus filhos recém-nascidos, e ela me consolava, segurando um bebê em cada braço e beijando meu rosto.

Nada no mundo vai se comparar ao que sinto por ela e por meus filhos.

— Quando você planejou isso tudo? — Samara pergunta, ainda em meus braços, dançando suavemente ao som de Lionel Richie e Diana Ross.

— Meu sogro ajudou!

Ela gargalha.

— Eu não entendi nada daquela ligação! Ele ficou falando, falando e falando por horas! Isso não é típico dele, mas relevei, achando que estava preocupado com nossa vinda para cá.

— Não, eu pedi cobertura para distrair você!

Ela segura mais firme no meu pau, e eu gemo.

— Safado!

— Sou, sim, não valho nada a não ser para seu uso!

Ela me beija.

— Então diz que sou sua dona!

— Você é minha dona! — sussurro em seu ouvido. — Meu pau é seu, minha língua, minha porra, tudo é seu, apenas seu!

— Seu coração é meu! — ela rebate, e eu confirmo. — E, no momento, ele bate bem aqui!

Ela passa o dedo sobre a glande, e eu fecho os olhos, adorando quando ela espalha minha lubrificação e a usa para me masturbar gostoso.

Aproveito a deixa e insiro minha mão entre suas coxas, encontrando sua boceta completamente molhada. Faço o mesmo que ela, encharcando-a toda antes de excitar seu clitóris.

Gememos juntos, corpos ondulando contra nossas mãos, lábios se encostando, dividindo a respiração, o tesão, como se pudéssemos morrer sem o ar um do outro.

Levo-a para a cama e a deito sobre as pétalas multicoloridas de rosas, o aroma doce e delicado tomando o ar, perfumando nosso desejo. Deslizo sobre seu corpo, beijando seus peitos, sua barriga e parando sobre sua virilha, tomando ciência do seu cheiro de mulher misturado ao perfume das flores.

Beijo-a, não chupo, nem lambo, mas beijo-a em sua intimidade, meus lábios se movendo como faço quando estão em sua boca, a língua entrando e saindo dela, trazendo ao meu paladar os seus sabores, fazendo meu pau se contrair a ponto de ser doloroso, como se fosse rasgar de tesão.

Samara geme, agarra meus cabelos, contrai as pernas como faz sempre que está prestes a gozar. Desloco o foco do beijo para o exato ponto de tensão que ela quer tanto liberar.

Ouço-a gritar, suas pernas travam minha cabeça entre suas coxas, sua respiração sai acelerada, e o líquido quente e pouco mais espesso que o da lubrificação escorre para minha língua.

Não me contenho mais, ergo-me e entro nela ainda sentindo as contrações de sua vagina. Samara urra e se aferra a mim, arranhando minhas costas. Beijo-a, compartilhando seu gozo, movendo-me intensamente dentro de si, causando outra explosão de prazer nela.

— Quero tudo de você, Alexios! — ela diz ainda gemendo. — Me come como gosta, como gostamos!

Abro um sorriso e não me faço de rogado. Retiro-me de sua maravilhosa boceta e ergo suas pernas, apoiando-as sobre meus ombros. Uso a cabeça do meu pau para levar até seu rabo apertado a lubrificação de que preciso e começo a entrar devagar, sentindo aquela pressão gostosa ao passar pelo ânus, deslizando para dentro de sua bunda como se estivesse entrando no paraíso.

Samara adora quando faço isso! Desde que iniciamos a fazer sexo anal, ela se surpreendeu com o prazer que sentia, e eu, claro, senti-me um puta sortudo por isso.

Brincamos muito antes de fazer a sério, e acho que isso ajudou a mantê-la relaxada, consciente de todos os pontos sensíveis que há nessa área.

Samara abre as pernas, levando sua mão safada até seu clitóris, e eu não consigo desviar os olhos. Morro de tesão toda vez que ela faz assim, por isso essa posição é nossa preferida, porque a vejo extrair o prazer de todas as formas possíveis.

— Queria ter trazido o anel companheiro nessa viagem — comento, e ela concorda. — Mas imagina a mala passando pelo raio-x do aeroporto e ficando retida por ter um pênis extra nela!

Rimos juntos até que eu me encaixo totalmente em seu interior.

— Porra, vou aguentar pouco agora — confesso, sentindo já os efeitos do orgasmo. — Quero assistir a você gozar mais uma vez antes.

— Então mete, Alexios!

Sorrio cheio de malícia.

— Seu pedido é uma ordem!

Ondulo meus quadris devagar, saboreando com o pau seu cuzinho apertado. Seguro seus pés, ganhando apoio para aumentar a velocidade à medida em que a mão dela também acelera sobre sua boceta.

É delicioso “pra caralho” ver e sentir!

Olho em seus olhos no exato momento em que goza, não deixo de olhá-la, vibrando com seu êxtase, adorando-a como a uma deusa pagã do sexo. Meu abdômen se contrai, e eu sei que estou em xeque-mate.

Meus pensamentos nublam, o corpo inteiro vibra, o suor aumenta na pele, e então explodo, urrando como um bicho, esvaindo-me dentro dela como se estivesse sendo tragado junto.

Caio ao seu lado, busco ar, enquanto o coração parece sair pela boca. Sinto tudo rodar, o ar parece carregado de energia, que vibra sobre meu corpo, eriçando meus pelos.

Porra!

Viro-me para ela, seus olhos lânguidos, inebriados de prazer e satisfação. Um sorriso bobo se desenha em mim, a segurança e a certeza de que ninguém poderia ser como ela. Somos um, duas metades que se completam perfeitamente.

— ...amo-te como um bicho, simplesmente, de um amor sem mistério e sem virtude, com um desejo maciço e permanente. — Samara sorri. — E de te amar assim muito e amiúde, é que, um dia em seu corpo de repente, hei de morrer de amar mais do que pude.23

O soneto do Poetinha sempre a fez sorrir, desde a adolescência, quando aprendeu a declamar cada uma das estrofes. Samara sempre foi apaixonada por poemas, e Vinícius de Moraes está entre seus poetas favoritos.

— É incrível como você me conhece e se lembra de cada detalhe meu! — Abraça-me. — Eu imaginava que nada que eu fizesse chamava sua atenção.

— Eu tentava, de verdade, não te perceber. Mas sabe o que descobri? — Ela nega. — Que somente o fato de você existir me faz amar você.

Samara sorri e beija a ponta do meu nariz.

— Eu sempre senti o mesmo! — confessa. — Obrigada pela surpresa!

Esfrego meu nariz no dela.

— Ela ainda nem começou!

Eu não sei, sinto-me tão confusa que não sei o que responder a ele. Nunca senti Alexios como nesse tempo em que estivemos juntos. Claro que era uma situação diferente, estávamos tendo um envolvimento sexual que nunca tínhamos tido, mas ainda assim, eu sentia! Era como se eu estivesse sendo correspondida, não desperdiçava meu amor, pelo contrário, era como se ele o absorvesse e me devolvesse ainda mais forte.

— Alexios me pediu em casamento — confesso.

Daniel, perplexo, senta-se em um poltrona. A muda de roupa limpa na mão, os pés descalços, e ele parece que tomou um soco que o deixou desnorteado.

— Então por que estamos aqui?

— Porque eu não quero casamento, Dani, eu quero amor! — Ele me olha sem me entender. — Eu o amo, mas não posso estar com ele se não sente o mesmo por mim, é uma equação desastrosa, fadada à falência.

Meu irmão fecha os olhos.

— Vocês superestimam o amor. — Nego, mas ele confirma. — Amor não mantém ninguém junto. Por isso se vê tanto casal apaixonado que não consegue manter uma relação, porque o amor é volúvel, o que mantém duas pessoas juntas são suas afinidades. — Ele respira fundo. — Encontrar alguém que aceite e compartilhe suas coisas é mais difícil do que achar amor.

Não concordo com ele, pois, se fosse assim, ele não estaria casado ainda com Bianca? Os dois estudaram juntos, faziam os mesmos programas, tinham os mesmos interesses, por que então o casamento acabou logo depois da cerimônia?

— Eu não acho, Daniel. Somente quando se ama se é capaz de compreender e aceitar o outro. Isso é básico para qualquer tipo de relação, não só a de um casal. Empatia é uma forma de amor, quando você se põe no lugar do outro para entender o que sente. — Sorrio para meu irmão mais velho, sentindo-me estranha por estar conversando sobre isso com ele. — Talvez — continuo — você esteja buscando o resultado, mas sem querer trabalhar a fórmula.

Ele fica um tempo pensando, mas então começa a rir e se levanta.

— Por que estamos usando metáforas matemáticas para falar de um assunto que nada tem a ver com exatas? — Beija minha testa e começa a ir para sua suíte. — Está explicado por que somos péssimos em relacionamentos amorosos!

Rio de sua troça, mas no fundo percebo que ele apenas quis encerrar o assunto de maneira leve. Até hoje não entendi bem o motivo de o casamento dele ter acabado, nem o que esconde – porque ele esconde algo! – e, muito menos, o que realmente deseja.

Sento-me um instante onde ele estava e contabilizo o tempo para que Alexios e Kyra descubram que eu não só sou uma covarde, mas também uma mentirosa.

Encontrei-me com ela um dia antes de embarcar para cá e lhe entreguei a caderneta. Disse que estava na minha bolsa e que, por conta da situação de Kostas no hospital, acabei por esquecer de devolvê-la. Não falei sobre a página arrancada e, muito menos, sobre o que descobrimos, meu irmão e eu. Eu tive medo da reação dela, por isso escrevi contando tudo, juntei à carta a página faltante e pedi a uma das secretárias da Schneider que as despachasse pelos Correios hoje.

Não deve demorar muito para que Alexios receba a missiva e saiba que a amiga perfeita em que ele tanto confiava não era tão perfeita assim. Quanto ao meu pai, bem, antes de eu vir, ele foi com a mamãe para a fazenda no interior, e, por isso, também deixei uma carta para ele, em cima de sua mesa do escritório, para que, quando voltasse, estivesse preparado.

Eu sei o que vocês estão achando de mim, que sou uma grande covarde por ter feito isso e vindo embora. Também me sinto assim, mas não podia vir e deixar tudo para trás, como se não tivesse descoberto nada. O que eu queria de verdade era estar lá, com eles, tentando juntar todas as peças e formar o quebra-cabeça sinistro que se transformou essa busca.

Temo pelos meus pais. Contudo, não podia continuar a esconder a informação de Alexios, porque, independentemente de estarmos juntos ou não, desejo que encontre respostas, se cure e seja feliz.

Mal acabo de pensar nisso, e meu telefone notifica uma mensagem de Kyra.


“Samara, já deixei mil recados! Você chegou bem? Está no seu apartamento?”


Sinto lágrimas nos olhos ao ler a preocupação dela e compreender o quanto, mesmo sem me dizer nada, Kyra gosta de mim.


“Oi, Kyra, desculpa, as coisas ficaram um pouco complicadas por aqui, mas depois te ligo para contar. Daniel e eu chegamos bem e estamos hospedados no Villa Magna.”


Ela digita imediatamente, mas depois para, e meu telefone toca.

— Oi! — atendo, rindo, pois sabia que ela não resistiria a saber o que aconteceu.

— Por que vocês estão em um hotel? O que houve com seu apartamento?

Respiro fundo.

— Diego não aceitou bem as coisas e bagunçou meu apartamento.

— O quê?! — ela grita. — O que aquele filho da puta fez?

Ouço uma voz abafada ao fundo, e sinto meu corpo retesar ao pensar que Alexios está ouvindo tudo, embora não se revele ou me cumprimente.

— Nada de mais — disfarço. — Picotou algumas fotos e quebrou uns vidros de...

— Ele encostou em você? — Alexios entra na ligação. — Samara, se ele encostou em você ou mesmo te ofendeu de qualquer maneira, eu juro que vou cobri-lo de porrada!

Fico muda, paralisada, sem reação ao ouvir sua voz revoltada ao telefone e sentir sua indignação. Não esperava por isso, então meus olhos se enchem de lágrimas, e eu preciso engolir em seco para não chorar.

— Não, ele nem estava lá, apenas deixou o recado, mas Daniel achou melhor virmos para um hotel enquanto limpam a bagunça dele.

— Filho da puta!

Kyra fala algo com ele, e o escuto bufar.

— Samara, você está bem? — minha amiga torna a falar.

Balanço a cabeça, tentando convencer a mim mesma de que estou, para só então responder:

— Estou, sim, obrigada pela preocupação. — Eu queria poder lhe perguntar sobre Alexios, mas acho que ele deve estar ouvindo a ligação, por isso não o faço. — Eu vou tomar um banho agora e descansar um pouco. — Meu coração se aperta. — Adeus.

Ouço um barulho alto, um suspiro longo da Kyra, e em seguida ela responde:

— Tchau.

 

— Acho que está tudo certo agora. — Daniel olha para o apartamento, limpo, desinfetado e sem nenhuma marca feia que lembre a passagem de Diego por aqui. — Tem certeza de que prefere vir para cá a ficar no hotel?

— Sim, prefiro minhas coisas. — Sorrio. — Duas noites lá já foram suficientes.

— Certo. — Ele confere as fechaduras novas, detalhe que fez questão de acompanhar para garantir que nunca mais Diego consiga acesso ao apartamento. — Eu já avisei ao seu porteiro que aquele babaca não entra mais aqui, pelo menos enquanto você estiver morando no prédio. Eu queria ir até seu escritório também para...

— Daniel, não, é suficiente tudo o que você já fez, obrigada.

Ele não parece nada feliz, mas concorda.

— Então o que me resta é ir até o hotel, fechar nossa conta e trazer nossas malas para cá. — Ele olha para meu sofá-cama. — Espero que seja tão bom quanto a cama de um cinco estrelas.

Rio.

— Se quiser ficar por lá, não vou ficar ofendida.

— Não, vim para ficar com você. — Ele dá um tapa no sofá-cama. — Ele será meu companheiro de sono.

Abro as janelas para que o vento primaveril entre na sala.

— Gosto dessa vizinhança, as pequenas lojas, a floricultura... — puxo o ar com prazer — o cheiro da padaria.

— Acabamos de tomar café da manhã, Samara! — Ri. — Acho que, enquanto você vai ao escritório, vou fazer umas compras, precisamos de comida!

— Pegou o roteiro que fiz para você? — Ele concorda. — Eu vou precisar ficar esses dois dias no escritório, mas depois sou toda sua para passearmos pela cidade e, quem sabe, pelo país.

— Os barzinhos me pareceram ótimos, e eu estou precisando comer umas porcarias e encher a cara.

Paraliso no peitoril da janela e me viro para olhá-lo.

— Como é que é? — Rio. — Você num bar, comendo petisco e tomando cerveja?

Ele dá de ombros.

— Eu gosto.

Não é possível!, penso abismada, não fazendo ideia de que ele frequente esse tipo de lugar. Daniel sempre foi tão formal que eu o imaginava em algum lugar chique, tomando champanhe ou mesmo um caro destilado. Nunca soube que frequentasse bares.

— O que mais não sei sobre você?

O sorriso morre.

— Vou até o hotel para...

O interfone toca, e ele fecha os punhos, impedindo-me de atender.

— ¿Sí? — Daniel escuta o porteiro falar do outro lado da linha. — ¿Quienes son? — Ele arregala os olhos. — ¿Está seguro?

Fico tensa, sem saber de quem eles falam.

— Daniel?

Meu irmão se afasta do interfone, mas sem desligá-lo e, surpreso, me informa:

— Kyra e Alexios Karamanlis estão aí. — Minhas pernas tremem como gelatina, e eu preciso me apoiar na janela para não cair. — Deixo-os subir?

Assinto, coração disparado, sem saber o que pensar sobre a vinda deles.

A vinda dele!

Alexios veio atrás de mim!


Não dormi na noite em que Kyra me contou sobre a volta de Samara para Madri. Peguei o telefone tantas vezes que não sei como não o furei, mas não liguei ou mesmo enviei uma mensagem. Não sabia o que ia falar.

Vi o dia amanhecer e fiquei na janela, olhando para o céu como se pudesse ver o avião dela levantar voo e a levar para longe de mim.

Sem se despedir, de novo!

Da outra vez eu não soube com antecedência que ela pretendia ir, nem me lembrava do beijo que partilhamos em meio à minha bebedeira; agora não, agora eu sei que ela está indo embora e me abandonando com todas as lembranças dessas semanas que passamos juntos.

Tomei café e fui para a empresa trabalhar, mas não pude me concentrar direito e nem comemorei o tanto que devia quando soube da alta iminente do meu irmão. Kostas estava bem, já andava, colocou sua mãe para correr, voltando a ser o mesmo malvadão de sempre, e estava feliz ao lado da mulher que o ama e que carrega um filho seu dentro de si. As notícias eram as melhores. Contudo, eu não me sentia animado, apenas calculava as horas do voo de Samara até Madri. Confesso, vinha riscando no meu calendário os dias que já estávamos longe um do outro.

Nunca me senti tão vazio, e olha que sempre me considerei uma casca! Andava sem rumo dentro do meu próprio apartamento, não tinha ânimo para sair, nem mesmo para praticar meus esportes, muito menos para pensar em qualquer outra mulher.

Sim, meu tesão zerou!

Então veio a ligação da Kyra e depois minha visita forçada a ela, que adicionaram mais uma característica triste a mim: a impotência. Eu soube que a mulher mais especial da minha vida estava indo embora e não fiz nada para impedir. Apenas deixei-a ir. Olhei para o relógio desanimado, imaginando o avião dela levantando voo e tentei voltar ao trabalho.

12 horas depois, estava na casa de Kyra, enchendo-a para que ligasse para Samara a fim de saber se ela havia chegado bem.

— Já deixei recado, ela deve estar ocupada! — minha irmã disse irritada, morrendo de sono, quando eu pedi a ela que ligasse pela milésima vez. — Vá para casa, Alex, assim que ela me retornar eu...

O som de vibração do aparelho me fez levantar, e li a mensagem de Samara, sentindo-me preocupado no mesmo instante, pois algo acontecera para que ela estivesse hospedada em um hotel.

Kyra começou a digitar, mas eu estava aflito demais para esperar que as duas trocassem mensagens.

— Ligue para ela — Kyra me olhou, puta com o tom de ordem em minha voz. — Por favor.

Minha irmã rolou os olhos, mas fez o que pedi.

— Oi! — ouvi sua voz risonha no viva voz, e isso fez meu coração se apertar de saudade.

— Por que vocês estão em um hotel? O que houve com seu apartamento?

Samara respirou fundo.

— Diego não aceitou bem as coisas e bagunçou meu apartamento.

Cerrei os punhos com força e tive vontade de xingar, mas me controlei para que ela contasse o que havia acontecido.

— O quê?! — Kyra gritou sua indignação por mim. — O que aquele filho da puta fez?

— Eu vou matar esse filho da puta! — falei baixinho, entredentes, espumando de raiva.

— Nada de mais. Picotou algumas fotos e quebrou uns vidros de...

O quê?! Ele foi agressivo com Samara?! Apenas a ideia de que ele pudesse ter encostado nela ou mesmo a ofendido me deu vontade de matar o espanhol arrogante.

Não resisti e quase gritei:

— Ele encostou em você? Samara, se ele encostou em você ou mesmo te ofendeu de qualquer maneira, eu juro que vou cobri-lo de porrada!

Ela ficou muda por um tempo, e eu amaldiçoei a Kyra por não ter ligado por vídeo, pois eu poderia olhar em seu rosto para saber se realmente estava bem.

— Não, ele nem estava lá, apenas deixou o recado, mas Daniel achou melhor virmos para um hotel enquanto limpam a bagunça dele.

— Filho da puta! — xinguei-o de novo, mas Kyra tocou meu ombro.

— Diego não importa mais. Se acalme, que eu vou perguntar como ela está — falou baixinho, tampando a entrada de som do telefone e depois a desobstruiu. — Samara, você está bem?

Ela titubeou, e não gostei nada disso. Fiquei com a impressão de que estava escondendo algo.

— Estou, sim, obrigada pela preocupação. Eu vou tomar um banho agora e descansar um pouco. — Outra pequena pausa, e ela concluiu: — Adeus.

Soquei a parede do apartamento de Kyra, e o gesso ficou amassado por meu punho.

— Tchau. — Kyra desligou e me olhou séria. — Para com essa merda!

— Para o Daniel a ter levado para um hotel é porque o babaca fez algo que a assustou. Eu conheço Samara, ela não esperava algo assim, deve ter ficado em choque. — Kyra ficou parada, braços cruzados, apenas me encarando. — Eu vou matar aquele filho da puta!

— Como? Via telefone?

Parei em seco. As palavras dela foram como um gancho de direita bem no meu queixo e me fizeram dar conta de que eu tinha deixado Samara partir e que não podia fazer mais nada para estar com ela, para protegê-la, para...

— Eu sou um idiota — confessei, e ela riu como se eu tivesse dito o óbvio. — Porra, Kyra, como pude ser tão cego?

Minha irmã pôs a mão no meu ombro.

— O pior cego é aquele que não quer ver. — Apontou para o celular. — Busco passagens?

— Por favor. — Riu. — Pretende ir junto?

Ela me olhou ofendida.

— Óbvio, acha que eu vou perder esse momento de te ver arrastar a bunda atrás dela? Nunca! — Riu perversa. — Esperei por isso a vida toda!

Abracei-a forte. Mesmo com um “cagaço” real de ser rejeitado, precisava tentar. Não poderia perder Samara sem nem mesmo dizer a ela tudo o que eu estava sentindo e explicar que, assim como eu confundi as coisas ao achar que era só amizade, ela também poderia estar cometendo esse erro.

Era a minha maior esperança, porque eu senti em cada carinho, em cada momento que passamos juntos, que tínhamos a mesma sintonia. Justificava dizendo que era por causa da nossa amizade, talvez por não querer admitir e arriscar, mas já não me importava em me expor e ser machucado; já era uma ferida enorme perdê-la sem que ela soubesse como eu me sentia.

Kyra reservou passagens para o outro dia à tarde, mesmo sob meus protestos de pressa, alegando que precisava ajustar umas coisas antes de irmos. Mergulhei de cabeça no trabalho na K-Eng, não parando um minuto sequer, disposto a fazer o tempo passar rápido.

Não passou!

Mais uma noite insone na conta e uma vontade enorme de ligar ou mandar mensagem para Samara, mas me contive. Eu iria até ela, ela merecia que eu fosse, principalmente por eu ter perdido tanto tempo, por não ter assumido o que sentia antes de fazê-la atravessar o oceano.

E se ela não me quisesse mesmo? E se o que me dissera ao comparar nossa situação com a de seu antigo relacionamento fosse certo? Ela não ficaria comigo sem amor, já havia deixado claro. E se, mesmo eu sentindo por ela um amor tão absurdamente grande, ela ainda assim não me amasse? Eu seria rejeitado, e todo o medo que eu sentira a vida toda com relação a ela se concretizaria. Eu teria a certeza de que não era bom o suficiente para ela.

No dia da viagem, decidi não trabalhar. Fui até o hospital visitar meu irmão e soube que ele não tinha visto nada na ultrassonografia de Kika. Achei engraçado ele tão noiado daquele jeito, cheio de orgulho, de medo e de amor. Percebi que faz parte sentir medo e que a grande sacada de estar apaixonado é ignorar e se entregar de olhos fechados, arriscando alto para se ter a maior recompensa que uma pessoa busca: a felicidade.

Eu via a felicidade naquele quarto de hospital. Em cada olhar de meu irmão para Kika, em cada gesto preocupado dela para com ele, eu sentia a profundidade e a verdade do sentimento entre eles.

— Você disse que vai para a Espanha hoje — Kika comentou comigo. — Samara está lá? — Confirmei, e ela sorriu. — Sabia que vocês não iam conseguir negar mais por muito tempo.

Suspirei e confessei:

— Negamos a vida toda, mas acho que chegou o momento de provar se é de verdade. — Ela pegou minha mão, e Kostas pigarreou, mesmo distraído lendo um jornal. Kika rolou os olhos, mas sorriu feliz. — Eu estou com medo.

— Eu sei, é apavorante estar apaixonado por alguém sem ter a certeza dos sentimentos dessa outra pessoa, mas o medo não faz você deixar de amar, apenas te impede de descobrir o que é ser amado. — Ela olhou para Konstantinos. — Enfrentar o medo é o primeiro passo em busca da felicidade.

O que ela me disse alimentou a esperança dentro de mim e me fez relaxar um pouco a tensão antes do embarque.

— Tome isso. — Kyra me estendeu um remédio. — Você não dorme há dias, vai chegar lá igual a um zumbi e assustará a Samara. Temos mais de 10 horas de voo, dá tempo de descansar.

— Não quero — rejeitei a pílula, e ela insistiu.

— Vai precisar de todo seu cérebro em bom funcionamento para convencê-la, e, acredite em mim, com ele em estado normal, você já é um tapado, imagine dormente de sono. — Fez cara de brava. — Toma logo!

Confesso que foi o melhor arranjo, o que me faz feliz por ter uma irmã tão inteligente e bruta como ela. Dormi a viagem toda, acordei quando paramos em Lisboa, comi algo e me senti muito mais disposto e animado.

Até agora!

— Ela não vai me deixar subir! — falo enquanto o porteiro conversa com alguém pelo interfone.

— Claro que vai, eu vim junto!

Encaro-a.

— Não era bem essa a resposta que você deveria me dar!

— Eu sou sincera! E é bom você entrar em campo com os pés no chão, sem salto alto, porque o jogo só acaba quando termina, então ponha seu melhor atacante para trabalhar e faça o gol direito!

Franzo a testa.

— Você sabe que futebol era o negócio do babaca cujo pescoço ainda vou torcer, não? Péssima metáfora motivacional.

— Não estava motivando, apenas alertando de que, se você ficar de cu doce e não disser a ela com todas as letras por que veio, vai tomar cartão vermelho! — ela provoca, mas consegue atingir o alvo.

Kyra não tem ideia de como foi complicado chegar até aqui. Eu me sinto novamente o garoto que ia levar Samara ao baile, morrendo de medo. Só espero que dessa vez eu não faça merda.

— Puede subir — o porteiro finalmente libera nossa passagem.

Sinto uma mistura de alívio e medo, algo estranho, que parece dar nó em minhas entranhas, mas sigo com minha irmã até o elevador.

— Você sabe o número do apartamento?

— Claro, já estive aqui antes. — Encara-me. — E se você tivesse sido um bom amigo, saberia também.

— Porra, Kyra, você não está ajudando.

— Só para te lembrar todas as merdas pelas quais você deve pedir perdão.

— Como se eu não soubesse...

— Saber não é suficiente, meu caro, você precisa falar para ela e deixá-la ter a dimensão da sua burrice por todos esses anos. Se, ainda assim, ela te quiser, é amor verdadeiro.

Engulo em seco.

— Falou a especialista!

Kyra ri.

— Eu sou! — Dou uma olhada irônica para ela. — Observo os outros; olhe à minha volta, meus amigos estão todos apaixonados e felizes!

— E você?

— Já sou feliz sem estar apaixonada! — Ela beija seu próprio ombro.

— Sei...

Kyra acha que me engana com esse discurso, mas eu sei que não é bem assim. Não que ela não seja feliz sozinha, acho que possa ser, do jeito dela. Contudo, sei que está sozinha por conta das marcas do passado, não porque seja uma escolha realmente sua.

Daniel está à porta do apartamento, parado como um leão de chácara na entrada, braços cruzados, cara de poucos amigos, um verdadeiro “cavaleiro de armadura brilhante” defendendo a honra de sua irmã. Xingo, querendo evitar confrontos com a família dela, mas disposto a tudo para poder falar com Samara.

— Round one, fight! — Kyra imita a voz do videogame, e eu aquiesço e já me preparo para entrar, mesmo que seja na porrada.

— Bom dia — Daniel nos cumprimenta. — Que surpresa.

Ele me olha sério, desafiador.

— Bom dia. Onde está Samara?

Kyra dá uma risadinha ao meu lado.

— O que você quer com ela, Alexios?

Cruzo os braços e sorrio.

— Você vai mesmo bancar o irmão dragão guardião da princesa? Qual é, Daniel, acho que Samara já é bem grande para saber falar por si mesma.

— Alex... — Kyra sussurra, mas não a olho.

— Ela é, a questão aqui não é se minha irmã é adulta, é saber se você irá se comportar como um.

— Eita! — Kyra ri e recebe um olhar enviesado de Daniel. — Meninos, a testosterona aqui está alta, mas sinto interrompê-los. — Ela empurra Daniel para o lado e o encara. — Vou dar um abraço em minha amiga, e depois nós dois vamos deixá-los conversar, então resolva o que você tem que resolver com ele de uma vez.

Ela entra, e Daniel parece confuso, como se não conhecesse o furacão chamado Kyra.

— Olha, Daniel, eu sei que você está preocupado com sua irmã e, acredite em mim, conheço o sentimento, mas vim aqui para falar com ela e, se precisar te tirar dessa porta à força, eu vou fazer isso, porque não volto para aquela porra de país sem que diga a Samara o idiota que tenho sido por todos esses anos.

Daniel não fala nada, apenas me olha e então sorri.

— Todos sabemos o idiota que você tem sido, Alex. — Ele sai da frente da porta. — Não a machuque, Samara é a pessoa mais doce que eu conheço, e sei o quanto ela já sofreu por sua causa. — Fico sério, olhando-o sem desviar os olhos, sentindo-me um moleque tomando esporro antes de sair com sua primeira namorada. — Eu quero ser seu amigo, Alex, mas se você a ferir, se prepara, porque vai ter que prestar contas a mim.

Minha vontade neste momento é de mandá-lo à merda, se foder, cuidar da sua vida, mas respondo:

— Não vou feri-la.

Kyra aparece, sorridente, e puxa o braço de Daniel.

— Vamos, te pago um café!

— Acho que vai ter que ser algo um pouco mais forte que isso — escuto-o dizer a ela antes de entrarem no elevador.

Respiro fundo, armo-me de toda a coragem que sempre tive para enfrentar grandes desafios, mas devo confessar que nada do que vivi até hoje, em nenhum dos esportes radicais – ou ilegais – que já pratiquei se compara a este momento.

Entro na sala e vejo Samara de pé perto das enormes janelas do apartamento. Entendo o motivo pelo qual ela alugou algo em um prédio de poucos andares e ficou no segundo; ela gosta da janela, da visão que tem, mas tem medo de altura, sempre teve.

— Oi, Alexios — cumprimenta-me. — Eu não esperava...

Tremo de medo e me aproximo dela, fazendo-a parar de falar. Preciso lhe dizer o que vim fazer aqui e o que sinto antes mesmo de ela se manifestar. Não que isso vá fazer diferença caso ela realmente não queira nada comigo, apenas quero pôr para fora, quero dizer antes de uma possível rejeição.

É dela, por ela e para ela, então, ainda que não sinta o mesmo, não quero guardar apenas para mim algo que não me pertence mais.

— Eu tinha que vir. Cometi um erro anos atrás, não vou cometê-lo de novo.

Samara enruga a testa.

— Que erro?

— Não ter vindo atrás de você há três anos, quando foi embora sem se despedir. — Ela desvia os olhos. — Não ter me lembrado do beijo que te dei naquela noite. — Samara torce as mãos. — Não ter te tirado para dançar naquele maldito baile de formatura e ter sido o seu primeiro.

— Alexios, esses momentos não voltam mais...

Toco seus lábios com o dedo, e ela me encara.

— Eu sei, não vim apenas lamentar minha burrice, vim dizer que você é, sim, minha melhor amiga, a pessoa em quem mais confio nesse mundo, minha confidente, conselheira e tantas outras coisas que eu ficaria horas listando. Samara, você sempre esteve ao meu lado, e eu nunca tive dúvidas de que continuaria a estar. Você é meu porto seguro, é meu alicerce, meu lar. — Vejo uma lágrima cair em sua face e a intercepto com a ponta do dedo. — Eu reconheço que nem sempre correspondi a tudo o que você me dava. Eu estava tão ferido que só conseguia sentir minha dor, fui egoísta e justamente com você, que sempre compartilhou comigo todo o meu sofrimento, me entendeu mesmo que eu nunca tenha precisado explicar.

— Alexios, eu nunca tive dúvidas da nossa amizade.

— Eu sei, nem eu. — Sorrio. — Não foi somente por ela que vim aqui.

Vejo o movimento de sua garganta ao tragar a saliva devagar.

— Por que você veio?

Não tem mais volta! Agora é hora de me expor e rasgar minha alma, renunciar a todo o medo, toda a insegurança e o sentimento de inferioridade que sempre me fez temer sentir por ela mais do que o seguro sentimento de amizade.

É hora de dizer as palavras que nunca disse para ninguém.


Alexios veio atrás de mim!

Diego autoriza a entrada de Kyra e Alexios, e eu olho para as minhas mãos, trêmulas, coração disparado, a cabeça cheia de questionamentos, mas mando-me ter calma, não criar expectativas, não me iludir.

— Eu vou esperá-los lá fora — Daniel avisa, e eu nego.

— Não tem necessidade disso, Dani, são meus amigos!

Meu irmão sorri, anda até onde estou e beija minha testa.

— Eu sei disso, mas ele não veio até aqui pela sua amizade, isso ele já tem, mesmo longe, sempre teve. — Arregalo os olhos, e minhas mãos suam. — Se Alexios veio sem avisar atrás de você, é porque se deu conta do idiota que é, e, Samara, eu não vou facilitar para ele.

— Dani...

— Confia em mim, é só uma conversinha rápida, nada de mais!

Ele sai e deixa a porta semiaberta, permitindo-me ouvir as vozes no corredor. Estou nervosa e fico ainda mais quando ouço a voz de Alexios, que cumprimenta Daniel e pergunta por mim.

Vou até a janela, agradecida por ser um dia tão bonito de primavera, tentando ordenar meus pensamentos e sentimentos antes de conversar com ele. Não sei se veio até aqui para retomar aquele pedido de casamento absurdo ou se...

— Ei, Malinha! — Kyra para ao meu lado na janela, olhando para o céu e para as construções que formam minha vizinhança. — Está um dia lindo!

— Está, sim. — Olho-a. — O que significa isso, Kyra?

— Uma visita! — Pisca para mim. — Eu adoro Madri e estava mesmo precisando de uns dias de primavera europeia.

Bufo, detestando que ela seja tão obtusa com tudo, principalmente com esse momento.

— Por que Alexios veio? Da outra vez ele nem...

— Ele veio porque se deu conta de algo que estava bem na cara dele, mas que ignorava por medo ou por não acreditar que merecia. — Meus olhos se enchem de lágrimas. — Sim, eu sempre desconfiei, mas era meu dever de amiga não criar mais ilusões em você, porque eu sabia que ele tinha que se dar conta sozinho. — O sorriso de Kyra é gigante. — Você não está iludida, nunca esteve ao esperar – mesmo sem querer – que isso acontecesse um dia. Só te peço uma coisa, não facilite para ele — sorrio ao ouvir as mesmas palavras que meu irmão disse. — Alexios precisa colocar para fora mesmo sem ter certeza dos seus sentimentos com relação a ele. Deixo-o falar tudo, Samara.

Assinto, secando as lágrimas, o coração apertado de ansiedade.

— Ele vai te dizer as palavras, mas acredite, são mais do que isso. — Ela me surpreende ao me abraçar. — Eu te amo, Malinha!

Não tenho tempo nem de responder, pois a doida metida a durona se sacode toda, como se expulsasse todo esse sentimentalismo e sai da sala.

Não demora muito, ouço os passos de Alexios e o vejo parada na entrada da sala. O ar à minha volta parece vibrar, minha pele se arrepia toda e esquenta de antecipação, meu coração está mais agitado do que uma escola de samba quase estourando o tempo de desfile.

— Oi, Alexios — saúdo-o. — Eu não esperava...

Paro de falar assim que ele cruza a sala com passada largas e fica a um palmo de distância de mim. Sinto uma espécie de energia estática, um magnetismo tão grande que preciso me travar no chão para não ir ao encontro do seu corpo.

Não vou facilitar!

— Eu tinha que vir. Cometi um erro anos atrás, não vou cometê-lo de novo.

Enrugo a testa. Do que ele está falando?

— Que erro?

— Não ter vindo atrás de você há três anos, quando foi embora sem se despedir. — Isso me pega de surpresa, pois raramente o ouço admitir suas cagadas, principalmente suas atitudes egoístas. — Não ter me lembrado do beijo que te dei naquela noite. — Ai, porcaria, como vou conseguir não chorar? Aperto as mãos, tentando ter autocontrole. — Não ter te tirado para dançar outras vezes naquele maldito baile de formatura e ter sido o seu primeiro.

Meu sonho daquela noite, minha ilusão! Isso era tudo o que eu queria, mas já não adianta mais pensar sobre isso, as coisas aconteceram como tinham que acontecer.

— Alexios, esses momentos não voltam mais...

Ele me faz parar de falar ao tocar seu indicador sobre meus lábios, e eu volto a olhá-lo.

— Eu sei, não vim apenas lamentar minha burrice, vim dizer que você é, sim, minha melhor amiga, a pessoa em quem mais confio nesse mundo, minha confidente, conselheira e tantas outras coisas que eu ficaria horas listando. Samara, você sempre esteve ao meu lado, e eu nunca tive dúvidas de que continuaria a estar. Você é meu porto seguro, é meu alicerce, meu lar. — Lar? A palavra parece pequena e simples, mas eu sei bem o significado dela para ele. Lar foi tudo o que ele nunca teve e que sempre sonhou construir para si e para Kyra. Era sua meta, a coisa mais importante de sua vida. Não consigo impedir que uma lágrima caia, e ele a limpa. — Eu reconheço que nem sempre correspondi a tudo o que você me dava. Eu estava tão ferido que só conseguia sentir minha dor, fui egoísta e justamente com você, que sempre compartilhou comigo todo o meu sofrimento, me entendeu mesmo que eu nunca tenha precisado explicar.

Toda a nossa história parece passar pela minha cabeça em lembranças cinematográficas. Lembro-me com carinho das brincadeiras e aventuras, da estranheza da adolescência, dos momentos tensos em que ele tentava esconder de mim o que estava havendo dentro de sua casa, dos pedidos de socorro para Kyra e de ajuda quando precisava esconder suas marcas.

Sim, temos uma história que nem sempre foi bonita, mas sempre estivemos juntos.

— Alexios, eu nunca tive dúvidas da nossa amizade — afirmo com convicção.

— Eu sei, nem eu. — Ele sorri, verdadeiro, os olhos iluminados. — Não foi somente por ela que vim aqui.

Minha boca seca, as pernas tremem, tenho medo de não conseguir me manter de pé por muito tempo tamanha a ansiedade pelo que ele tem a me dizer. Se Kyra estiver certa...

— Por que você veio?

Alexios puxa o ar profundamente, vejo seu peito se expandir e seus ombros subirem um pouco. Ele parece estar com medo, mas ao mesmo tempo, armando-se de coragem.

— Eu amo você.

(Pausa aqui neste momento único para dizer que, se fosse um filme, certamente haveria fogos e pessoas de pé aplaudindo!)

As palavras estão aqui, cheias de emoção, de significado. Já nem sei mais por quanto tempo espero por ouvir essa confissão, sempre imaginando como seria, se ele iria falar num rompante ou iria escrever uma carta. Mais tarde, quando entrei na adolescência, sonhava que essa declaração viria após uma noite quente entre nós, na qual ele se daria conta de que eu era o sexo mais gostoso que já havia feito na vida e de que não podia viver sem mim.

Sorrio, as lágrimas se infiltrando pelos cantos dos meus lábios, e vejo a mesma emoção transbordar dos lindos olhos claros de Alexios.

Tinha que ser agora, era o tempo certo, o momento em que nós dois estamos preparados para entender a profundidade desse sentimento e termos a consciência de que é algo precioso e que deve ser valorizado.

— Eu amo você — ele repete —, não apenas como a amiga maravilhosa que você é, eu te amo por causa da mulher incrível que você se tornou; por causa da adolescente doce e protetora que você foi; e pela criança tão meiga e divertida que me fazia querer que todos os dias fossem sábado, para andar de bicicleta pelo condomínio.

Soluço, percebendo que nós nos amamos há muito tempo, e entendo, enfim, por que nunca pude apagar esse sentimento. Não era só meu, era nosso, estava apenas esperando o momento certo para que se unisse e pudesse vir à tona.

— Eu te amei mesmo sem entender o que isso significava, mas era algo tão forte que me deixava exposto, e, por tudo o que eu estava passando, eu sentia que isso era perigoso, então ignorei, tranquei o sentimento em algum lugar dentro de mim, e minhas dores e revoltas o sufocaram por um tempo. — Alexios pega minhas mãos. — Só que ele nunca morreu, Samara. Quando pude me libertar, quando cumpri minha missão de tirar Kyra de dentro daquela cobertura, eu já me sentia muito quebrado, insuficiente para você.

— Eu sempre te amei, Alexios — confesso, e ele chora. — Te amei mesmo sabendo que você não conseguiria me amar da mesma forma; te amei entendendo que, por mais que eu estivesse perto de você, nunca seria meu. Eu quis não te amar. — Ele assente. — Mas nunca porque te achei insuficiente para mim, apenas porque pensava que eu era invisível a você.

Ele me abraça apertado, sinto os espasmos que os soluços do choro causam em seu corpo e beijo seu pescoço.

— Eu fui um medroso e te feri com meu medo — ele diz. — Perdoe-me por tudo o que eu fiz você sentir, que te feriu, magoou ou deu a entender que você não era importante para mim.

— Eu também peço perdão, Alexios, por nunca ter dito a você o que sentia de verdade e ter te deixado saber que você não era insuficiente para mim.

Alexios me beija devagar, com sentimento, uma carícia leve, plena de emoção, traduzindo em apenas um gesto tudo o que acabou de me dizer. Agarro-me a ele, deixo-o explorar minha boca como quiser, entrego-me de verdade, por inteiro, como se fosse nossa primeira vez juntos.

Sinto-me tão diferente agora, que sei que nos amamos, tão completa, como se descobrir sobre o amor dele potencializasse todo o meu tesão, tornasse-o mais forte, mais intenso, e eu fosse inteiramente consumida por ele.

Alexios me ergue em seus braços, e eu o abraço com minhas pernas para não cair. Sua boca já não acaricia, e sim parece comer a minha, roubando-me o fôlego e toda a razão restante.

Sou toda emoção, toda dele!

Ele anda comigo em seu colo, e eu abro o os olhos. Alexios beija meu queixo, o pescoço e me aperta contra si.

— Quero amar você agora.

Sorrio e concordo.

— Segue pelo corredor, primeira porta à...

Ele vai tão rápido que começo a gargalhar, o som de pura alegria enchendo os ambientes, deixando tudo mais iluminado e colorido. Sou deitada no colchão, mas continuo com as pernas em volta de seus quadris.

Alexios se movimenta, seu pau duro esfregando-se contra mim, causando-me arrepios deliciosos. Acompanho com o olhar quando ele abre o botão e o fecho da minha calça e toca o cós da minha calcinha com o dedo, brincando, entrando ou só contornando parte da peça.

— Levanta a bunda — pede, e eu lhe obedeço.

A calça é abaixada, puxada até meus joelhos. A calcinha branca, de seda e renda, aparece, e ele geme ao notar a sensualidade e delicadeza dela. Sinto-me feliz por tê-la escolhido, mesmo que não seja uma peça pequena, porque cobre boa parte do meu bumbum, brinca com a sensualidade através de seus tecidos finos e quase transparentes.

— Eu sinto seu cheiro daqui. — Fecho os olhos, mortificada, sentindo-me envergonhada por isso, mesmo que ele já tenha repetido outras vezes que é maravilhoso poder discernir meu cheiro de excitação dos outros em mim. — Eu adoro isso, Samara, é como você responde a mim, ao meu corpo no seu.

Alexios tira minhas pernas de seus quadris e, com um só puxão, livra-se da calça. Em seguida, sem dizer mais nada, ajoelha-se no chão, perto da cama, e lambe minha calcinha.

Deliro.

— Eu amo cada parte de você — diz antes de morder o elástico da calcinha e puxá-lo. — O cheiro da sua pele, que consigo sentir mesmo quando você está usando perfumes; o jeito com que seus pelos se arrepiam quando beijo sua nuca; e, principalmente, amo seus gemidos de prazer quando te faço gozar forte com minha boca.

Gemo alto, incontrolável, ao sentir sua língua dentro de mim, coletando o néctar de prazer que ele adora sentir, misturando sua saliva ao meu próprio líquido, lambuzando tudo. Ele chupa forte, sem freio, com pressa do meu gozo, com fome do meu orgasmo em sua boca.

Puxo seus cabelos, trazendo-o mais para mim, rebolo, esfrego meu sexo em sua cara sem nenhum pudor, uso seu rosto como meu brinquedo particular, sem poupar nada dele. A ponta de seu nariz movimenta meu clitóris inchado, e sinto calafrios subirem por minha coluna.

Aperto as coxas, o desejo fluindo pelo meu corpo, o tesão me fazendo refém de sua vontade. Tento controlar, atrasar, desfrutar mais da sensação do pré-orgasmo, da antecipação da liberação, mas ele não me poupa. Alexios me abocanha inteira, seus lábios se abrindo e fechando em toda a extensão da minha boceta.

— O que você está... — começo a perguntar, mas as pequenas convulsões me impedem de terminar a frase.

Explodo, transcendo, saio de mim, tamanho o prazer. Ele não para, quer mais. Ainda que não ponha muita pressão sobre meu clitóris, continua a me foder com a boca de um jeito que nunca o senti fazer.

Curto as carícias, trêmula, ainda sentindo o prazer reverberar pelo meu corpo todo. Meus pelos começam a se eriçar, os músculos do meu abdômen se contraem, e minha respiração fica mais pesada. Um calor úmido se acumula em meu ventre, sinto a diferença entre minha lubrificação normal e o líquido que está se juntando dentro de mim.

— Alexios...! — grito seu nome em uma súplica sem sentido.

Gozo novamente, um prazer diferente toma conta de mim, não tão desesperador quanto antes, porém muito mais potente. Eu preciso dele dentro de mim!

Não sei se digo isso em voz alta ou se Alexios entendeu do que eu precisava, pois ele enfia dois dedos e me fode tão loucamente com eles que chego a me erguer na cama. O barulho do ato é deliciosamente perverso, o som do charco que se formou entre minhas coxas é tão alto que imagino que tenha molhado tudo, inclusive o colchão.

— Vem! — chamo-o.

— Eu quero mais! — E volta a me lamber. — Quero você inteira!

— Sou sua!

Os dedos molhados deslizam para minha bunda e untam meu ânus até deixá-lo completamente encharcado. Alexios me olha quando um dos dedos se insinua dentro de mim e depois recua devagar.

Sua exploração no local é lenta, abrindo caminho devagar, alargando, preparando. O segundo dedo se junta à brincadeira, e vibro inteira quando ele me chupa enquanto fode meu rabo.

Nunca fiz sexo anal, morria de medo. Contudo, com Alexios, tenho vontade de experimentar e fazer tudo o que nosso tesão e imaginação permitirem. As sensações se intensificam, sinto-me cada vez mais molhada, excitada, então ele para e se ergue.

Fico olhando embevecida para ele quando tira a camisa, a calça, e, por fim, os calçados e a cueca. Sento-me na cama e passo a mão pelo seu corpo. Alexios fecha os olhos e levanta a cabeça, sentindo meu toque, o explorar apreciativo de seus músculos, dos pelos mantidos curtos, do seu pau.

— Você é lindo, Alexios — falo acariciando seu pênis devagar. — Perfeito!

Beijo a ponta, sorvendo a gotinha de lubrificação que ele produziu com meu toque, maravilhando-me com o gosto salgado, aguçando minha vontade de prová-lo ainda mais. Lambo-o até a base e depois volto, a língua passando por todos os relevos causados por suas veias grossas, a sensação de formigamento do sangue sendo cada vez mais bombeado para mantê-lo firme.

— Samara — ele me chama. — Chupa!

Sorrio antes de fazer o que manda, tomando-o na boca até o máximo que consigo, devorando-o como se fosse uma iguaria deliciosamente rara.

Ele é! Ele é meu!

Alexios me segura pelos cabelos, afastando-me de seu pau, ergue minha cabeça e me beija cheio de tesão, abaixando-se, encaixando-se entre minhas coxas.

— Você é minha! — declara ao rebolar, esfregando seu membro duro em minha entrada. — Eu amo você.

Fecho os olhos quando ele me penetra, a sensibilidade da minha vagina junto ao pulsar de sua carne fazendo meu corpo todo se retesar de antecipação. Alexios ergue meus braços, retira minha blusa e deita sua cabeça entre meus seios enquanto rebola devagar dentro de mim.

Ficamos assim por algum tempo, saboreando um o corpo do outro, em movimento curtos, lentos e cadenciados. Ele me beija, lambe, cheira, enquanto está unido a mim nessa dança íntima que fazemos. Posso sentir o seu calor, a aceleração do seu coração e me ajeito para recebê-lo mais fundo.

Ele percebe minha intenção, ergue minhas pernas, encaixa meus calcanhares em seus ombros e me olha sem se mexer. Sorrio para ele, emocionada, vendo em seus olhos todas as palavras que me disse, todo o amor que ele sente.

— Eu te amo, Alexios, sempre te amei e vou amar.

A declaração o desperta do transe delicioso no qual estávamos, e, segurando minhas coxas com força, ele começa a estocar sem parar, fodendo-me do seu jeito preferido, sem freio, socando fundo.

Meu corpo responde ao dele imediatamente. Grito de prazer, salivo de tesão, empreendendo-me na viagem mais maravilhosa que alguém pode ter: a do prazer.

Os gemidos dele se intensificam, o suor em seu rosto pinga sobre minha barriga, e ele urra como um bicho, pulsando dentro de mim, levando-me consigo, no mesmo instante, ao êxtase.

Gozamos juntos, em sintonia, com a mesma força e intensidade. Ele se abraça a mim, trêmulo, ofegante, e me aperta com força, como se quisesse fundir-me ao seu corpo.

— Você é o lugar onde eu quero ficar para sempre — diz baixinho com a cabeça deitada na curva do meu pescoço, e eu sinto o coração transbordar de alegria.


O dia amanhece em Madri, mas poderia ser em qualquer outro lugar do mundo, não faria diferença. Nada do que tem lá fora me chama a atenção ou me interessa, tudo o que eu quero está bem aqui, dormindo apoiada no meu peito. Pego uma mexa de seu cabelo, admirando o anelar de seus fios, enrolo-a em meu dedo como se fosse um anel.

Samara e eu passamos o dia inteiro ontem dentro deste apartamento, mais especificamente, dentro deste quarto. Depois do sexo foda que tivemos, tomamos banho juntos por um longo tempo, ambos na pequena banheira, abraçados, curtindo o momento de relaxamento pós-orgasmo um lavando o outro.

— Eu deveria ter impedido você de vir, deveria ter ido ao aeroporto — comentei em certo momento.

— Seria como a cena de um filme. — Ela suspirou. — Mas estou feliz por você estar aqui.

— Eu também!

Ela se ajeitou melhor ao meu corpo, seus cabelos presos no alto da cabeça, suas costas contra meu tórax, e eu abraçado a ela com braços e pernas. Eu não sentia a mínima vontade de soltá-la, de me separar dela, minha sensação era de paz ao seu lado, algo que nunca tinha sentido.

— Você vai voltar comigo? — perguntei apreensivo, com medo de ela decidir ficar em Madri por um tempo ainda.

— Vou — respondeu, aliviando-me. — Eu mal cheguei aqui e já queria voltar — confessou. — Eu amo esta cidade, este país, mas ainda assim não é minha casa. Eu queria estar perto da minha família, dos meus amigos e de você.

— Por que então não ficou? — Ela riu, e, mesmo sem responder, entendi a resposta. — Eu era um asno!

— Não posso discordar disso.

Gargalhei e a apertei contra mim, beijando seu ombro úmido e cheiroso.

— Eu não mereço você. Nunca mereci.

Ela se virou e me olhou, séria.

— Então faça por merecer.

— Eu farei, Samara, juro que farei.

Ela sorriu confiante, e eu suspirei, sentindo-me o homem mais feliz desse mundo, como se a sorte estivesse realmente sorrindo para mim. O vazio que sempre esteve presente em meu interior estava sendo preenchido pelo amor dela; a raiva que sempre fervilhou em meu estômago estava aplacada, contida, como se Samara fosse a cura de todos os males.

Eu sei que pode parecer exagero, mas ponham-se no meu lugar! O que eu conhecia de amor e de carinho? Não tive isso com Sabrina, não tive isso com aquele que deveria ser o meu pai. Balanço a cabeça ao constatar que sempre tive isso dela. Eu só não enlouqueci durante aquele tempo por causa do apoio, da compreensão e do amor de Samara.

Sinceramente, não sei por que, depois de me foder tanto, a vida resolveu me dar esse privilégio que é tê-la comigo, mas não reclamo, nunca poderei reclamar. Ela é, sim, mais do que mereço, e vou passar minha vida tentando ser um homem digno de seu amor e entrega.

Samara se mexe ao meu lado e muda de posição, virando-se de costas para mim. Sigo-a, enlaço sua cintura e me encaixo no contorno de seu corpo. O cheiro de seu xampu me remete ao banho no chuveiro, depois de mais uma trepada excepcional, e meu pau acorda de vez, duro, entre as bochechas de sua bunda.

— Hum... — Samara geme e rebola. — Alguém quer dar bom-dia!

Rio e beijo seu pescoço.

— Meu pau é educado. — Ela rebola mais forte, pressionando seu corpo contra o meu. — Bom dia, Samara.

Ela suspira.

— Bom dia, Alexios.

Minha mão percorre a frente de seu corpo nu, os seios fartos, a barriguinha seca, os ossos da bacia, até mergulhar em seu sexo macio, cheiroso e convidativo. Toco-a do jeito que gosta, lambuzando meus dedos dentro de si para depois massagear seu clitóris usando sua própria lubrificação para deslizar melhor.

Samara geme e se aperta mais contra mim, abrindo mais as penas. Encaixo meu pau em suas coxas e o esfrego em sua entrada enquanto a masturbo. A movimentação é rápida, temos pressa de manhã, sempre foi assim. Encaixo minha cabeça, e ela me engole sem nenhum pudor.

Ergo uma de suas pernas e meto sem parar, fazendo-a gemer alto, contorcer-se e vibrar comigo ao ritmo que imponho. É uma trepada matinal rápida, aquela para aliviar o primeiro tesão do dia, para dar ânimo e ajudar a acordar.

Espero-a gozar, aumentando o ritmo dos meus dedos sobre seu clitóris e, quando ela o faz, sigo-a sem pudor, aventurando-me em seu prazer, curtindo a mesma onda orgástica que ela.

Continuo abraçado ao seu corpo por muito tempo ainda. Samara relaxa, ressona como se tivesse voltado a dormir, então curto os efeitos do sexo matinal, sentindo-me a porra de um homem babão, grudento, porque não consigo sair dela, de perto dela.

— Eu estou com fome — ela fala de repente.

Sorrio.

— Eu também, faz mais de 24 horas que não como nada a não ser você — brinco, e ela me olha rindo. — Seu corpo me sustenta bem, viu?

Ela se move. Gemo ao sentir meu pau deslizar para fora de seu corpo e a observo se levantar rapidamente.

— Tem um lugar aqui pertinho que tem um café maravilhoso. — Concordo. — Vou para o banho.

— Quer companhia?

Ela olha meu pau, já semiereto, e arregala os olhos.

— Mas já? — Ri.

— Sempre!

Levanto-me em um pulo só e a levo para o banho.

 

Samara não pôde acreditar quando eu disse a ela que ainda não conhecia Madri. Eu já havia vindo à Espanha, inclusive já tinha passado por Madri, mas não tive tempo de passear pela cidade e conhecer os pontos turísticos. Então, logo após um café na charmosa confeitaria a que ela me levou, fomos andar pela Gran Via, com suas lojas, restaurantes e teatros.

É uma experiência nova caminhar ao lado de alguém de mãos dadas, trocar beijos na rua e me sentir feliz. Essa última sensação é, sem dúvida alguma, uma experiência novíssima.

Paramos para almoçar em um restaurante que ela recomendou muito, e, preciso admitir, a comida estava excelente. Liguei para Kyra, mas minha irmã não atendeu, e Samara convidou Daniel para ir conosco ao Parque El Buen Retiro, porém, o homem declinou do convite, dizendo que ia até o Santiago Bernabéu, o estádio do Real Madri.

O parque é lindíssimo. Entendi por que ela queria tanto me levar para conhecê-lo. É um pedaço de natureza dentro da capital espanhola, com muitas espécies de árvores, trilhas e lagos.

Kyra só deu sinal de vida quando estávamos aguardando vaga para alugar um barco a remo.

— Onde você esteve? — perguntei assim que ela atendeu a ligação.

— Dormindo. — Riu. — Não dormi nada a viagem para cá, ontem fiquei andando pela cidade até tarde, fui a um bar à noite e depois despenquei no hotel, só acordei agora.

— Estava com Daniel?

— Com Daniel? Por quê?

Olhei para Samara, que também estranhou a pergunta.

— Vocês saíram juntos do apartamento de Samara ontem, por isso.

— Ah, não, tomamos um café e depois cada um foi para o seu lado. Daqui a pouco saio daqui e encontro vocês.

— Estaremos de volta ao apartamento. — Sorri para Samara. — Daniel levou as malas de Samara para lá. Amanhã ela irá devolver o apartamento ao proprietário e conversar com o pessoal do escritório onde iria trabalhar.

— Samara vai voltar para o Brasil conosco? — Kyra questionou animada.

— Eu vou! — foi a própria Samara quem respondeu, e Kyra deu um grito de felicidade.

— Ah, Malinha, agora você vai ser oficialmente minha irmã!

Samara ficou sem jeito, porque eu ainda não tinha renovado o pedido de casamento. Quero fazer tudo como se deve, como ela merece. Namorar, curtir bons momentos juntos, pedir a mão dela aos seus pais – essa é a parte mais sensível da história – e planejar um casamento de acordo com os sonhos dela, sem pressa.

Alugamos o barco a remo e passeamos um tempo pelo Estanque Grande Del Retiro, conversando, rindo e tirando fotos. Ali, pensei em quantas coisas nós poderíamos ter feito juntos ao longo desses anos. Viagens, acampamentos, eu poderia ter lhe ensinado navegação para que me auxiliasse nos ralis, a deixaria louca de apreensão saltando de paraquedas ou fazendo voo livre em algum local turístico onde estivéssemos.

Uma vez ela me disse que queria que eu lhe ensinasse tudo o que sabia sobre sexo, mas percebi que somente isso não será suficiente. Eu preciso dividir minha vida com ela, integrá-la às minhas coisas e aprender a fazer parte das dela. Quero saber do que gosta, quero experimentar suas paixões e compartilhar nossos momentos como amigos e como apaixonados.

Ao cair da noite, a temperatura baixou muito, o que é normal, porque ainda é primavera por aqui, então chegamos à casa dela, tomamos um longo e quente banho na banheira – claro que com muita sacanagem – e só saímos da água quando minha irmã chegou.

— Pela cara de culpa, aposto que peguei os dois fazendo bobagens! — Ela piscou. — Ainda estou morta de cansaço! A que horas é nosso voo amanhã?

— À noite — informei-lhe. — Vamos sair para jantar ou pedir algo por aqui mesmo?

Kyra ficou parada, sorriso congelado, encarando-nos.

— Eu sabia que vocês ficariam lindos juntos! — Ela parecia emocionada. — É como se meu sonho de menina se tornasse real!

— Ah, Kyra! — Samara se levantou do meu lado no sofá e foi até ela para abraçá-la.

Eu deveria ficar puto com Kyra por ter escondido de mim, por todos esses anos, o que Samara sentia. Entretanto, entendo sua lealdade para com a amiga e admito que talvez eu não soubesse lidar com essa informação. Aconteceu muita coisa este ano que mexeu comigo, fez-me enxergar coisas que eu não via, talvez por isso eu estivesse pronto a admitir o que passei a vida toda tentando esconder.

O salvador do nosso jantar foi Daniel, que chegou ao apartamento com várias sacolas de comida chinesa. Por várias vezes o peguei me encarando, avaliando-me, mas depois apenas balançava a cabeça e voltava a comer.

Antes de ele voltar ao hotel, resolvemos assistir a um filme, todos juntos, e caminhamos até o cinema. Foi mais uma experiência nova e perfeita ao lado de Samara. Claro que já tínhamos ido ao cinema antes, ela, Kyra e eu, porém nunca fiquei quase o filme todo com minha língua enfiada em sua boca.

— Vocês parecem adolescentes — Kyra reclama na saída do cinema, e eu paro de pensar no dia, apertando Samara contra mim.

— Não seja invejosa! — provoco-a de volta. — Cadê o Daniel?

— Por que você acha que eu tenho que sempre saber dele? — ela reage acuada. — Saiu no meio da sessão para fazer alguma coisa e não voltou. Deve ter tido diarreia.

— Kyra! — Samara gargalha e aponta para trás da minha irmã. — Ah, lá vem ele.

— Estavam me procurando? — Ele olha para a Kyra com uma sobrancelha erguida, e minha irmã lhe dá um gelo. — Eu vou seguir para o hotel e amanhã passo cedo lá no seu apartamento, Samara, para resolvermos juntos as coisas antes de partirmos.

— Está certo, obrigada, Dani.

Eu me despeço dele também, então ele olha para minha irmã.

— Quer dividir um táxi?

— Vocês estão no mesmo hotel? — indago, achando interessante que Kyra não tenha comentado nada sobre isso.

Ela respira fundo e nega.

— Não, ainda vou fazer algumas coisas pela cidade. É cedo para os padrões de Madri, não sou uma velha para dormir agora.

Franzo o cenho e acho interessante essa troca de farpas entre eles. Daniel nunca foi meu amigo e, por causa da idade, também não foi próximo de Kyra, porém os dois conviveram muito por conta da amizade dela com Samara, e eu nunca soube que eles tivessem problemas.

Nosso táxi chega, Samara e eu entramos no veículo, e, assim que ele se afasta da calçada, comento:

— Está um clima estranho entre minha irmã e seu irmão.

Ela ri.

— Sempre foram assim, não estranhe. — Ela suspira. — Estou cansada, mas muito feliz!

Abraço-a.

— Eu também! — Beijo sua orelha e cochicho: — Cansada demais para trepar?

Ela fica vermelha e olha para o taxista.

— Não! — Coloco a mão no meio de suas coxas. — Sossega!

Rio.

— Fiz mais do que isso no cinema! — Samara fica vermelha. — Aposto que, quando chupar você esta noite, vai estar com sabor de pipoca.

— Alex! — Ela começa a rir, nervosa, e eu a beijo.

Adoro chocá-la, vê-la ficar sem jeito, mas embarcar em todas as minhas loucuras. Porra! Devoro sua boca sem nenhum pudor, ligando o foda-se para o motorista. Essa é a mulher que eu amo, que me ama, e qualquer oportunidade que terei nessa vida de tocá-la, amá-la e mostrar o quanto sou louco por ela não irei desperdiçar.

Já perdemos muito tempo escondendo esse amor.


Acordei cedo e fiquei a manhã inteira bocejando e recebendo olhares de esguelha do meu irmão. Eu ria sem jeito, mas não comentava nada, acho que nem era preciso. Quase não dormi, a noite inteira fazendo amor com Alexios, recebendo massagem, banhos, sendo levada ao orgasmo de todas as formas possíveis.

— Você já contou a ele? — Daniel interrompe meus pensamentos de repente.

— O quê? — pergunto, sentindo-me perdida.

— Eu sei que você está vivendo no mundo da lua nesses dias. — Rio, porque é a verdade. — Mas, ao voltar para o Brasil, terá que encarar a situação que estamos escondendo há algum tempo.

Fecho os olhos e gemo, lembrando-me da caderneta e da carta que deixei para meus amigos.

— Eu vou contar para ele antes de voltarmos. — Daniel aprova. — Pensei em fazer isso ontem, mas acabamos ficando ocupados o dia todo, não vi oportunidade.

— Então crie uma, Samara. Honestidade é tudo em um relacionamento, vai por mim.

— Eu sei. — Suspiro. — Eu não faço ideia de como eles irão reagir.

— Vai contar aos dois ao mesmo tempo? — Confirmo. — Então também quero estar junto.

— Tem certeza, Daniel?

— Tenho. — Ele pega a minha mão. — Você queria lhe contar desde o início, e fui eu quem pediu a você que esperasse. Estamos juntos nessa e vamos assumir juntos essa responsabilidade.

— E se ele...

— Se ele realmente te ama, vai entender.

Assinto, não tendo nenhuma dúvida do que Alexios sente por mim, mas ainda assim fico apreensiva. Não quero decepcioná-lo, pois confiou em mim desde o começo desse assunto de sua mãe biológica, e ter escondido uma informação que possa ser importante foi injusto.

 

O assunto ficou martelando minha cabeça ao longo de toda a manhã, enquanto eu assinava o distrato do aluguel, conversava com as sócias do escritório no qual prestei serviço durante os anos que fiquei aqui e encerrava minhas contas de banco.

— Tudo certo? — Alexios inquire assim que entro no apartamento.

— Tudo. — Tento sorrir, mas a tensão não deixa. — Kyra está aqui?

— Estou! — ela grita, vindo da cozinha com três cervejas. — Ah, merda, vou ter que pegar mais! Esqueci que agora somos um quarteto.

Daniel ri.

— Pode deixar, que eu pego a minha.

— Ótimo!

Ela entrega uma garrafinha para Alexios e outra para mim e bebe um gole antes de fazer careta, indagando-me:

— O que está acontecendo? Por que você está com essa cara?

Respiro fundo e me sento no sofá.

— Eu tenho algo a contar, mas antes gostaria de dizer que não foi por maldade, foi...

— Samara, você está me assustando — Alexios diz sério. — O que aconteceu?

Meu irmão volta para a sala, e eu puxo o fôlego o máximo que posso antes de disparar:

— Eu reconheci uma das iniciais na caderneta — Alexios se senta numa poltrona de frente para mim, mas não consigo encará-lo — e escondi isso de vocês.

— Por isso está faltando uma página — Kyra completa, e eu assinto.

— Quem arrancou a página fui eu — Daniel assume, e Kyra lhe dá uma olhada mortal. — E fui eu também quem pediu a ela que não contasse a vocês enquanto nós não soubéssemos o que significava.

Alexios não para de me olhar, sério, nenhuma expressão em seu rosto.

— O que tinha na tal página? — ele pergunta baixinho.

— As iniciais do meu pai — revelo, e Kyra se senta chocada, seus olhos arregalados, a boca aberta. — Foi um choque para mim também, não soube o que fazer e...

— Foi procurar por alguma evidência no escritório dele, e eu a peguei lá e a fiz me contar o que estava acontecendo. — Daniel se posta ao meu lado. — A princípio, eu não quis acreditar, mas estava lá, registrado, o nome dele em uma espécie de leilão...

— O leilão de virgens — Alexios o interrompe. — Era sobre isso os números e as iniciais, então! Já tinha ouvido falar que isso acontecia por lá.

— Puta que pariu! — Daniel fecha os olhos, e eu imagino a dor da decepção que ele sente, porque eu também a sinto neste momento. — Eu não consigo entender como ele pôde participar de algo assim!

— Nikkós deve tê-lo levado — Kyra fala. — Mas entendo a incredulidade de vocês. Tio Ben sempre foi tão reservado, tão apaixonado pela tia Ana que... — Ela me olha. — Eu entendo, Samara, também agiria assim.

— Fiquei com medo — digo, olhando para Alexios. — Papai já sofreu mais de um infarto, e mamãe estava em tratamento contra o câncer, então, tive medo de expor essa história e prejudicá-los. Depois, veio a situação com Kostas, e então nossa briga, e eu...

— Não ia me contar? — Alexios questiona, e Kyra vai até ele, tocando seu ombro como se tentasse acalmá-lo.

Olho para Daniel, porque ele não sabe o que eu fiz, então confesso:

— Ia. Mandei uma carta para o seu escritório contando tudo, inclusive pus a página arrancada junto. — Limpo uma lágrima do meu rosto. — Eu sei que foi covarde de minha parte fazer isso, mas eu não tinha coragem de te contar, mas também não queria que você não soubesse.

Alexios fica por muito tempo mudo. O rosto de Kyra demonstra sua apreensão com a forma com que ele vai reagir. O clima fica tenso, eu mal consigo respirar de nervosismo. Então ele se levanta, para à minha frente e estende a mão.

Toco a mão de Alexios, tremendo, e ele me ergue, abraçando-me forte. Choro, arrependida, emocionada por, mesmo depois de eu lhe contar que escondi algo que pudesse ajudá-lo a encontrar o que sempre esteve procurando, eu estar sendo consolada por ele.

— Não importa, Samara, essa história já foi longe demais. — Alexios beija o topo da minha cabeça. — Não vou prejudicar sua família, seus pais, por conta de algo que nem sei se vale a pena. Eu nunca tive uma família de verdade, e sei o quanto você ama a sua, não posso prejudicá-los, pois seria o mesmo que ferir você, e isso eu não vou fazer nunca. Vamos esquecer esse assunto.

Nego.

— Você precisa saber...

— Eu preciso de você e nunca me perdoaria se, por minha causa, algo acontecesse com sua família. Você ama seu pai. Não importa o que ele fez no passado, sempre foi presente e amou você.

— Alex está certo, Samara — Kyra fala. — Além do mais, o nome dele estar na caderneta não é garantia de que ele saiba algo sobre a mãe biológica de Alexios, não é, Daniel?

— Sim — meu irmão concorda, a voz embargada. — Eu reuni uns documentos que ele guardava em um cofre na empresa. Podemos continuar buscando sem falar nada para papai...

— Eu já falei — declaro, interrompendo-o. — Deixei recado, Dani, contei o que sabíamos e disse que Alexios também ia saber.

— Samara... — meu irmão lamenta. — Quando você fez isso?

— Antes de embarcar. Fiz a carta para Alexios e deixei o recado para ele.

Daniel bufa e se senta no lugar onde eu estava. Olho para Alexios e, com o coração apertado, peço:

— Me perdoe por isso!

— Eu entendo você. — Beija-me. — Não há o que perdoar.

Olho para a Kyra, e minha amiga assente, balançando a cabeça.

— O que vocês querem fazer daqui para frente? — Daniel pergunta. — Vão continuar a busca?

— Vamos! — sou eu quem responde, segurando firme a mão de Alexios, consciente do significado das respostas sobre o passado dele: o fim do poder de Nikkós.

 

O retorno ao Brasil foi tranquilo, e, do aeroporto, Alexios e eu seguimos direto para o Castellani. Fui direto para o meu apartamento, e ele, para casa, a fim de trocar de roupa para ir até a K-Eng. Mal dormimos no avião, ambos preocupado com essa situação da caderneta, com medo do que poderíamos descobrir ao confrontar papai.

Uma mensagem de Daniel chega, confirmando que chegou a sua casa e que papai e mamãe ainda estão na fazenda. Eu nunca os vi passarem tanto tempo juntos desde que saí de casa, e isso é mais um motivo para eu temer.

Papai sempre foi apaixonado pela mamãe, mas ela o tratava com uma certa distância. Nunca entendi os motivos para que ela fosse assim, aceitava que era seu jeito de ser, porém, imagino como deve ter sido difícil para ele. Passaram por várias crises, ela cogitou pedir o divórcio algumas vezes, mas sempre foram pais maravilhosos e nunca deixaram nada disso nos atingir.


“Os documentos que estavam no cofre estão comigo. Vamos marcar um dia para olhá-los juntos?”


Daniel manda a mensagem, mas tenho ideia diferente.


“Vamos marcar algo aqui em casa, com Kyra e Alexios presentes. Não quero mais fazer nada sem a participação deles. Não teremos mais segredos.”


Meu irmão digita uma resposta.


“Está certo, então. Marque com eles e me comunique para levar tudo. Pode não ter nada aqui, mas ainda assim devemos olhar.”


Eu espero, de todo meu coração, que tenham respostas nesses documentos e que não seja necessário confrontar meu pai. Claro que, ao pegar o recado que deixei, ele saberá que nós descobrimos sobre sua participação em um leilão naquele bordel, mas, se ele não tiver nenhuma ligação com a mãe de Alexios, penso que não há por que expor seu erro.

Desfaço as malas, feliz ao ver algumas lembranças no meio das roupas. O ingresso do cinema, o recibo do aluguel do barco são alguns itens que me fazem suspirar, pois, embora não fosse a primeira vez que saímos juntos, foi nosso primeiro encontro como casal.

Penso nas fotos que tenho em meu celular, o vídeo que fiz dele remando, as fotos que ele tirou de mim em momentos tão bobos e íntimos que me deixam constrangida e maravilhada ao mesmo tempo.

É real!, digo a mim mesma, sorrindo como uma menina apaixonada.

O telefone toca. Atendo feliz ao ver a foto de Alexios na tela.

— Oi!

— Oi! — ele me cumprimenta do mesmo jeito que eu, mas noto sua voz um tanto diferente.

— O que houve?

Alexios suspira.

— Acabei de descobrir uma coisa surpreendente. — Meu coração dispara, e eu me sento na cama. — Kika é filha da dona do bordel.

Fecho os olhos, sentindo-me um pouco zonza com a notícia e tento coordenar meus pensamentos.

— A Kika do Kostas?

— Sim. Eles vão demolir o sobrado, e eu estou agilizando os documentos para ele, assim como encarreguei uma das arquitetas que trabalham comigo para elaborar uma nova construção no local. Kika vai fazer uma ONG e apoiar crianças e adolescentes vítimas de abuso.

— Uau, que lindo isso! É uma forma perfeita de colocar fim a toda aquela feiura do passado.

— Sim. Hoje, na K-Eng, me mostraram uma prévia, e eu senti necessidade de ir até o sobrado. — Surpreendo-me com isso. — Eu sei que não havia mais nada lá e que o que tinha para achar, já achamos, porém me senti impelido a ir como se algo me avisasse que a chave de todo esse mistério está lá.

— Kika — concluo.

— Sim. Eles estavam lá, e ela me revelou que sua mãe biológica era a tal Madame Linete e que morou naquele lugar até ter sete anos de idade.

Meu coração se enche de esperança.

— Ela sabe algo sobre sua mãe?

— Não, mas disse que pode ajudar a achar a cafetina.

— Alex, tem certeza de que isso é seguro? Essa mulher pode ser perigosa, já sabemos do que ela é capaz.

— Sim, Kostas não está nada contente com isso, também acha que é perigoso e quer resguardar Kika por conta da gravidez. Concordei com ele, não quero expô-la ao perigo de jeito nenhum, mas contei a ela sobre a caderneta que achei no depósito do sótão, e ela me pediu para olhar.

— É uma ótima ideia! Ela era criança, mas deve se lembrar de um nome ou outro dos frequentadores de lá. Basta torcer para que algum da época da caderneta tenha continuado a frequentar o bordel.

— Se Nikkós continuou, aposto que muitos outros também o fizeram.

Sim!, penso animada com a possibilidade de ter mais pistas sobre o passado nebuloso de Alexios e pôr fim a essa história.

— Vamos fazer uma reunião aqui em casa para examinar alguns documentos do papai que Daniel encontrou — aviso. — Convide-a para vir conosco!

Alexios ri.

— Vou fazer isso, só espero que Kyra não fique cheia de ciúmes, dizendo que agora somos uma quina!

— Ela não vai, adora a Kika! — Rio, lembrando-me da implicância de Kyra por Daniel ter entrado no nosso “trio de investigação”. — Nós vamos descobrir, Alexios, sua história será zerada também!

— Eu te amo! — ele responde de volta. — Daqui a pouco chego aí para te mostrar o quanto.

— Estou ansiosa!


— Seja bem-vinda! — cumprimento Kika assim que abro a porta do apartamento. — Kostas não veio?

— Não, ele está acompanhando o processo de Viviane Lamour. Acho que ela será pronunciada em breve por tentativa de homicídio. — Ela entra na sala e sorri ao ver Alexios e Kyra. — Olá!

— Oi, Kika! — Kyra a cumprimenta e logo saltita até ela para colocar a mão em sua barriga. — Ei, girino, a tia está louca para te conhecer, viu?

Kika gargalha com o jeito maluquinho de Kyra.

— Adoro essa coisa de girino que você inventou! — Ela abre a bolsa. — Mas agora já parece um bebê, olha!

Kyra pega a foto da ultrassonografia e me mostra emocionada.

— Ah, não é linda?! Porque certamente será uma menina!

— Mama Kyra ataca novamente? — provoco-a.

— Você sabe que meus instintos nunca falham! — Olha para Alexios. — Theo e Kostas já fizeram o trabalho deles direito e garantiram meus próximos Natais cheios de sobrinhos, agora falta você!

Engasgo-me com o café que estou tomando, e Alexios abre um enorme sorriso.

— Não é por falta de treinar, pode ter certeza! — Ele pisca para a irmã e, em seguida, cumprimenta a cunhada. — Vocês estão bem?

— Estamos, sim! — Ela me olha. — Estou feliz que tenham se acertado, você dois formam um belo casal.

— Samara é a melhor coisa que a vida me deu — Alexios fala, e eu não tenho outra atitude a não ser beijá-lo. — Obrigado por ter vindo, Kika.

— Estou à disposição para o que eu puder ajudar. — Ela se senta. — Adorei que marcaram hoje, porque estava tentando encontrar uma desculpa para não ir até a casa do avô de vocês.

Eu me surpreendo.

— Ele já comprou a propriedade?

— Já, era algo que estava à venda pela parte de corretagem da Karamanlis. Uma das mais bonitas propriedades que já vi, nem parece ser aqui em São Paulo!

— Aquela mansão ao estilo sítio no Morumbi? — Alexios pergunta, e Kika assente. — Filho da mãe, conseguiu o que todo paulistano sonha, a tranquilidade do mato dentro da cidade!

— Fechou até com os móveis do antigo proprietário — Kika continua. — Hoje, Madeline e ele me convidaram para tomar chá, e seu irmão quase não dormiu à noite, apreensivo, porque eu ainda não tinha dado resposta, e ele não queria que eu fosse.

— Então minha ligação hoje de manhã foi a desculpa perfeita!

— Foi! — Kika ri. — Eu gostei de Madeline, embora tenha minhas reservas ainda, afinal, ela é casada com Nikkós. O doutor Geórgios é reservado, conservador, mas eu vi o quanto gosta de Kostas enquanto ele esteve internado, por isso estava constrangida em declinar do convite.

Olho para Alexios, avaliando sua expressão com o que Kika acabou de dizer de seu avô, o homem que nunca quis conhecê-lo. Ele me olha de volta, e sinto um enorme alívio ao perceber que o relato de Kika não mexeu com ele.

— Nikkós e Madeline estiveram na casa dos meus pais também — revelo, e dois pares de olhos verdes me encaram surpresos. — Eu não disse nada porque não havia achado a visita relevante, mas posso afirmar que meu pai esteve desconfortável o tempo todo. — Lembro-me da esposa de Nikkós e sou obrigada a concordar com Kika. — Madeline parece ser muito doce, até mesmo um pouco oprimida por ele. Notei o quanto ele gosta de expor a fortuna dela e o quanto isso a constrange. Sinceramente, não entendi como alguém como ela pôde se casar com aquele monstro.

— Ele é o mestre da dissimulação, Samara — Kyra comenta. — Durante todos esses anos, as pessoas do nosso círculo de convivência o admiravam por ter ficado sozinho e se dedicado aos filhos quando foi abandonado por Sabrina.

Concordo, pois eu mesma, se não tivesse visto tudo o que fez com Alexios, nunca teria imaginado o psicopata que ele era.

Minha campainha toca novamente, e vou abrir a porta, ciente de se tratar de Daniel.

— Desculpem-me pelo atraso. — Ele entra sem jeito e olha para Kika durante um tempo considerável, até que Kyra pigarreia, e ele pede desculpas. — Sinto muito, mas você me lembrou alguém — ele se justifica. — Daniel Schneider, irmão da Samara, como vai?

Kika fica sem jeito, mas o cumprimenta.

— Wilka Reinol, noiva de Konstantinos.

Daniel enruga a testa.

— Reinol? — Ela confirma. — É um sobrenome diferente.

Não entendo o que está acontecendo, mas sei que existe algo, pois logo em seguida Daniel me olha de um jeito estranho. Alexios oferece uma cerveja a ele, e eu sirvo suco de laranja para Kika, antes de começarmos a conversar sobre o bordel.

— Eu me lembro de algumas coisas que aconteciam por lá — Kika comenta. — Alguns rostos, nomes, principalmente dos clientes mais assíduos e que se demoravam no bar. Algumas das meninas que trabalhavam lá cuidavam de mim, me arrumavam e levavam à escola, e eu sempre ouvia algumas histórias sobre clientes.

Alexios entrega a ela a caderneta, e noto as mãos trêmulas de Kika.

— É a letra dela — confirma. — Não mudou nada até hoje!

— Tem certeza?

Ela encara Alexios e assente, visivelmente emocionada.

— Há alguns anos a reencontrei, depois que meus pais adotivos morreram.

— Quando foi isso? — Daniel a interrompe. — A morte de seus pais.

Kika franze a testa, mas responde à pergunta.

— Há 10 anos, mas eu só a encontrei há pouco mais de cinco.

Novamente olho para meu irmão, sentindo que há algo no ar, porque ele não é uma pessoa curiosa, que faz perguntas sem um propósito específico. Daniel está desconfiado de algo.

— Eu vou pegar os outros documentos que trouxe da casa de papai. — Levanto-me. — Dani, você me acompanha?

Imediatamente ele se levanta.

— Claro! — Coloca a pasta com os documentos que trouxe em cima da mesa e me segue.

Andamos até meu quarto calados, mas posso sentir sua tensão, tanto quanto eu estou tensa. Entramos no quarto, e eu fecho a porta antes de olhar para ele.

Daniel anda de um lado para o outro, demonstrando agora seu nervosismo.

— O que está acontecendo, Dani?

— Um dos documentos que achei na empresa, mas que não trouxe por achar irrelevante, é sobre um ex-funcionário da Schneider que trabalhou com o vovô e com o papai a vida inteira até se aposentar. — Ele respira fundo, para e me encara. — Plínio Reinol.

Abro a boca, espantada diante da coincidência.

— É parente da Kika?

— Eu acho que é o pai dela, Samara. — Ele se senta na minha cama. — Quando eu assumi a empresa, descobri que há anos vínhamos pagando moradia para um ex-funcionário nosso que era casado com uma professora que trabalhou em uma das escolas da mamãe. — Minhas mãos começam a suar de apreensão ao que ele está me contando. — Tentei descobrir mais, se havia alguma decisão judicial ou algum acordo que justificasse esse pagamento, mas, como não achei nada e ainda descobri que o casal já havia falecido, mandei interromper os pagamentos, e o proprietário pediu a casa de volta.

— Os pais dela morreram há dez anos — concluo.

— Exatamente, na mesma época em que eu assumi a Schneider.

— Daniel, o que você...

— Não é coincidência, Samara! — ele se interrompe, nervoso. — Eu acharia estranho papai manter uma obrigação assim com um ex-funcionário, mas não desconfiaria de nada se não fosse o fato de a filha adotiva deles ter vindo de um local que papai frequentou em segredo.

— Você acha que eles sabiam?

Daniel dá de ombros.

— Não sei o que pensar, mas só posso concluir que sim, que eles sabiam e que chantageavam o papai com isso.

Faço careta e nego.

— Em troca de um aluguel? Não faz sentido! Se fosse chantagem, pediriam muito mais do que isso.

Daniel suspira e coloca as mãos sobre a cabeça, deslizando os dedos por seus cabelos negros. Vejo o desespero em seus olhos escuros como os meus, talvez por temer que o ídolo que teve a vida toda fosse uma mentira.

— O que nós...

Alguém bate à porta. Pego rapidamente a pasta com algumas folhas que trouxe do escritório do papai e a abro.

— Algum problema aí? — Alexios indaga, olhando-nos desconfiado.

Suspiro.

— Sim, Daniel descobriu algo na documentação que pode ligar a família adotiva de Kika ao nosso pai.

Alexios arregala os olhos, visivelmente confuso.

— Eu vim avisar que seu pai está subindo. — Ele parece tão desconcertado quanto Daniel. — Que loucura é essa que vocês estão falando?

— A empresa pagou a moradia da família dela por muitos anos, e isso não era prática da Schneider.

Alexios bufa.

— Melhor voltarmos para a sala, elas estão olhando os documentos, e seu pai já deve estar aqui no andar.

Concordo com ele, deixo a pasta no lugar onde estava e chamo Daniel, que ainda parece quebrar a cabeça com o que acabamos de descobrir.

— Samara, você conseguiu achar... — Kyra para de falar assim que vê Daniel. — O que aconteceu?

— Benjamin Schneider está subindo.

Kika levanta o rosto e para de ler um documento.

— O pai de vocês é Ben Schneider? — Assinto, o coração disparado. — Meu pai sempre falou muito dele, eram grandes amigos, e sempre me dava esculturas de madeira.

Paro de respirar, olho para Daniel estupefata com o que ela acaba de dizer. Não havia chantagem, mas sim amizade, a ponto de papai presenteá-la com os mesmos mimos que fazia para mim. Meu cérebro tenta processar essas informações, mas logo a campainha ressoa pelo apartamento, e Alexios abre a porta para receber meu pai.

Chegou a hora da verdade, eu sinto isso com todas as minhas forças.

— Boa tarde! — meu pai nos cumprimenta e entra na sala, passando os olhos por mim, Daniel e depois por Kyra e... Ele fica pálido, seus olhos escuros se enchem de lágrimas. Kika sorri para ele, mas também parece se dar conta de que ele não está bem e começa a se levantar.

Benjamin Schneider leva a mão trêmula ao coração, e Daniel passa por mim, correndo como uma bala, para ampará-lo antes de ele cair no chão.

— Pai! — grito em desespero, mas Alexios me contém.

— Calma, seu irmão está com ele, e Kyra está ligando para uma ambulância.

Soluço em desespero, a mente acusando-me de ser responsável por isso, mesmo que não entenda o que ocorreu. Olho para Kika, que parece estar em estado de choque, perdida, sem entender o que está acontecendo. Kyra se aproxima dela e a abraça, e, de repente, vendo-a chorar, tenho a mesma sensação de reconhecimento que Daniel teve ao chegar, só que consigo me lembrar de com quem ela se parece.

Hadassa Schneider, a mãe de meu pai.


O que estava previsto para ser uma reunião simples, com várias pessoas lendo documentos e tentando achar ligações através daquela caderneta maldita, se tornou um pesadelo!, penso ao ver meu irmão entrar como um trator no corredor do hospital onde todos estamos.

— O que você aprontou?! — Kostas esbraveja comigo.

— Dessa vez não fui eu. Kika está com Kyra e Samara no banheiro, foi apenas um susto.

— Ben Schneider está bem? — ele pergunta, mais calmo.

— Está, sim, apenas em observação por causa da pressão, que está elevada. Foi emoção, só isso, mas na hora todos pensamos que estava tendo um infarto.

Kostas se senta no banco ao meu lado.

— Kika me ligou soluçando, dizendo coisas desconexas. Fiquei louco até entender que era o pai da Samara que estava no hospital, e não ela. — Ele bufa. — O que vocês descobriram?

Penso naquilo que Daniel e Samara conversaram comigo dentro do quarto e depois na reação do homem ao ver Kika na sala. Definitivamente há uma ligação aí, e tenho medo só de pensar no que possa ser.

— Você acha que elas se parecem? — pergunto ao Kostas de repente.

— De quem você está falando?

— Kika e Samara.

Kostas franze o cenho, mas concorda.

— Elas são morenas, e, quando Samara usa os cabelos lisos, ficam mais parecidas, sim. Mas é só isso. Kika é baixinha, Samara é mais alta. Kika tem mais curvas e menos... — Ele me olha sem jeito, mas aponta para seu próprio peito. — Você sabe!

Concordo. Sim, elas têm o mesmo tipo, embora não os mesmos traços, o que não significa nada. Samara possui alguns traços de sua mãe, de ascendência espanhola, como os seus cabelos fartos e encaracolados, os olhos e os seios fartos.

Contudo, o sorriso das duas é parecido, bem como a personalidade doce e empática, embora Kika seja mais geniosa que Samara, mas talvez por tudo o que passou. Diferentemente de Kika, Samara foi criada cercada de pessoas, de mimos, teve uma criação carinhosa e normal. Pelo que eu sei de Wilka Reinol, ela batalhou sozinha para conseguir chegar aonde chegou, sem família desde que seus pais adotivos morreram.

— Por que essa comparação toda? — Kostas indaga.

Fico dividido entre contar a ele ou não, mas os questionamentos dentro de mim são tão fortes que não aguento; preciso da opinião de alguém que não esteja tão envolvido nisso tudo.

— Kika disse que Ben Schneider e seu pai adotivo eram amigos. — Kostas se surpreende. — O pai de Kika trabalhou na empresa da família da Samara desde a época do avô dela.

— Que coincidência!

— Não sei, Kostas. — Ele não entende, e eu decido abrir o jogo: — Ben Schneider pagou as despesas de moradia da família Reinol até quando teve que se afastar da empresa, depois disso Daniel assumiu e, sem entender o motivo, cortou a ajuda.

Kostas fica pasmo.

— Sim, Kika me contou isso, que eles moravam numa casa custeada pela empresa para a qual o pai trabalhou, mas que ela teve que sair assim que eles faleceram e quase ficou na rua.

— Sim, foi quando Daniel assumiu a diretoria da Schneider.

— Ainda assim não entendo o que tem a ver uma coisa com a outra. Se Kika disse que eles eram amigos, talvez foi por isso que Ben os ajudou...

— Eu peguei o documento, Kostas. O relatório que Daniel pediu mostra que os pagamentos começaram assim que eles adotaram a Kika. — Isso desarma meu irmão. — Entende? Não antes da adoção, nem mesmo depois da aposentadoria deles, mas assim que Kika foi adotada. As datas coincidem.

Kostas levanta-se e começa a andar de um lado para o outro à minha frente, processando, assim como eu fiz, os dados que acabei de apresentar. Então, para deixá-lo ciente de tudo, dou a informação que falta:

— Ben Schneider frequentou o bordel de Madame Linete.

— Caralho! — ele xinga, mas, em seguida, tenta se controlar.

Olho na direção em que ele está parado e vejo Kika, Kyra e Samara vindo juntas pelo corredor.

— Vocês já contaram isso a ela? — ele questiona rápido, e eu nego.

— Temos que descobrir qual é a ligação primeiro.

Kostas ri, irônico, olhando para elas e dispara:

— Elas são irmãs, porra, é mais do que óbvio! — Engulo em seco e confirmo, pois também acho isso. — Puta que pariu, que confusão da porra! — Então, do nada, ele ri e me olha. — Nossa família já era uma bagunça, agora vai ficar um pouco mais!

 

— Ei, tudo bem? — Samara assente. — Ficou quieta o trajeto todo... No que está pensando?

Ela olha para a entrada da casa dos seus pais e suspira.

— Tenho medo do que vamos descobrir hoje. — Eu a entendo e pego sua mão. — Papai insistiu em virmos, mas não sei se devemos...

— Samara, ele está medicado, está bem, e, se pediu para que viéssemos, é porque está disposto a dizer tudo o que sabe. Seu pai foi até você naquele dia para dizer algo, ele só não contava encontrar a Kika.

Samara suspira.

— Não sei como contar a ela, mas sinto que devo. — Ela me olha. — Se ela for realmente minha irmã, quero que saiba e espero que me aceite em sua vida dessa forma.

Sinto um enorme orgulho da mulher por quem me apaixonei. Eu não tinha dúvidas de que essa seria a reação de Samara desde quando comecei a desconfiar de que essa poderia ser a ligação entre as famílias Reinol e Schneider. Sabia que Samara aceitaria Kika sem nenhuma restrição.

Minha surpresa foi Daniel.

O homem é tão engessado, tão conservador que eu temia que ele criasse problema com essa descoberta, porque, querendo ou não, mexe também no direito de herança deles. Entretanto, não, Daniel disse que, se Kika for mesmo sua irmã, deverá saber a verdade e ter a escolha de fazer o que bem quiser com a informação, decidir se irá querer ou não conhecer e aceitar Benjamin como pai.

Concordo com ele, acho o mais certo a se fazer.

— Vamos? — chamo-a para sair do carro.

— E se tudo o que tivermos seja só esse segredo de meu pai? E se ele não tiver informação nenhuma sobre sua mãe?

— Continuaremos procurando até achar ou deixar de ter importância. — Sorrio. — Se você estiver ao meu lado, estarei feliz, não importa mais o que aconteceu no passado.

Samara me beija e encosta sua testa na minha.

— Eu amo você!

— Eu também, Samara, mas precisamos ir.

Ela assente e sai do automóvel, atravessando o jardim até a entrada principal, onde Cida já nos aguarda.

— Alexios! — ela me saúda alegre. — Quanto tempo, menino!

— Oi, Cida! Nem parece que o tempo passou, continua linda!

Ela ri.

— E você, o mesmo galanteador de sempre! Não me admiro minha menina ser tão apaixonada por você!

— E eu por ela! — declaro, e Samara me abraça.

— Papai está nos esperando, Cida.

Entramos pelo grande hall da mansão. Olho em volta, notando traços do bom gosto que dona Ana Cohen sempre teve. Nunca vim aqui, parei de frequentar a casa deles quando se mudaram do condomínio e, como já não era bem-vindo nem quando dividíamos o mesmo espaço, tentei não invadir sua área nova.

— Sim, ele me pediu para levá-los até o quarto dele. Mais cedo, seus pais conversaram, e sua mãe decidiu ficar uns tempos no SPA daquela amiga dela, no interior.

— É, eu soube, Dani me disse.

Cida bate à porta da suíte e a abre para entrarmos.

— Samara e Alexios chegaram — Daniel anuncia, levantando-se da poltrona na qual estava sentado ao lado da cama.

Benjamin sorri triste ao me ver e depois foca na minha mão entrelaçada à de Samara.

— Então é mesmo verdade! — ele diz. — Alexios Karamanlis foi buscar minha filha na Espanha.

Sinto a tensão no corpo de Samara, o medo dela de uma briga ou troca de farpas entre nós. Não vou fazer isso, não tenho motivo algum que me faça machucá-la.

— Eu não tinha outra escolha, Ben. Ou a trazia de volta ou me mudava para lá. A única opção que não considerei foi ficar sem Samara.

Benjamin balança a cabeça e vejo seus olhos brilharem de satisfação. Samara amplia o sorriso ao perceber que ele não irá recriminar ou ser contra nosso relacionamento e que não ficou com mágoa pelo que houve, por a busca pela minha mãe biológica ter trazido à tona o seu maior segredo.

Sentamo-nos em cadeiras que, providencialmente, Daniel já havia posicionado no quarto. Samara não solta minha mão, não querendo perder o contato comigo, pronta para me transmitir consolo ou comemorarmos juntos.

— Peguei seu recado assim que cheguei aqui — Benjamin começa. — Fiquei pasmado ao saber que vocês encontraram algo tão antigo, que eu nem sabia que existia. Fui até seu apartamento para tentar explicar, mas então...

— Viu a Kika — Samara completa a frase.

— É, eu a vi, e já fazia um bom tempo que não a encontrava.

— Por quê? — Daniel é quem pergunta. — Por que nunca nos contou sobre ela? Por que nunca contou a ela?

— Quando Samara nasceu, Ana teve uma forte depressão. Tentei de tudo para fazer com que se recuperasse, mas ela não conseguia sair do estado de frustração em que se encontrava. — Ele respira fundo. — Não foi por sua causa. — Benjamin olha para Samara. — Foi somente por eu não ser o homem com quem ela queria ter filhos. — Suspira. — Eu nunca fui o grande amor da vida de sua mãe, apenas o substituto dele quando o perdeu em um acidente.

— Papai... — Samara se inclina na direção da cama e toca sua mão. — Eu sinto muito!

— Eu achei que ela conseguiria superar, me amar, mas nunca foi possível. Quando você nasceu, ela se lembrou dele, dos planos que os dois faziam sobre ter uma menina, e isso a tragou para uma tristeza sem fim e a total rejeição ao meu suporte, ao meu toque e ao meu amor. — Ele dá de ombros. — Não estou colocando a culpa nela ou justificando o que fiz. Não era a primeira vez que ia à casa de Madame Linete, estive lá anos antes, detestei o lugar e não voltei, mas estava me sentindo tão frustrado, tão magoado, que acabei voltando. Bebi muito naquela noite, Linete sempre foi uma bela mulher e... — Respira fundo. — Arrependi-me no dia seguinte e nunca mais retornei. Só soube da existência de Wilka quando, depois de uma denúncia, a menina foi tirada da casa, e Linete me procurou. Ela jogou na minha cara que nunca me pediu ajuda porque não iam acreditar na palavra de uma puta e que não precisava de homem nenhum. Então, como naquela época já era possível fazer exame de DNA, ela me contou da possibilidade de a menina ser minha filha e o que havia acontecido.

— O senhor fez o exame?

— Não. — Ele ri para Daniel. — Não achei necessário. A menina tinha todos os traços de mamãe, o exame demorava muito na época, e eu não tinha tempo. Sabia da vontade de Plínio e Zelina de terem um filho, éramos bem próximos, eu confiava bastante neles, então fiz a proposta de adotarem Wilka e da ajuda que eu lhes daria. Foi uma boa escolha, nunca faltou nada a ela, e eles a criaram maravilhosamente bem.

— Ela disse que o senhor a visitava e que lhe dava miniaturas — Samara comenta.

— Assim como fazia com você — admite. — A visitei durante toda a sua infância com a desculpa de ser o patrão do pai dela. Zelina nunca soube de nosso trato ou da ligação verdadeira entre mim e sua filha. Quando Plínio morreu, eu já estava doente, cansado por causa dos problemas na empresa e, na época em que infartei, nem soube da morte de Zelina.

— Eu assumi e descobri o contrato e os recibos de aluguel. Por que era a empresa quem pagava e não o senhor?

— Eu tinha receio de sua mãe descobrir, então, pela empresa era mais fácil fazer essa transação. Eu me apaixonei pela menina, tão assustada no começo, mas que crescia com um coração enorme, assim como vocês. — Ele olha para os filhos. — Só descobri que Daniel havia parado os pagamentos da casa mais de um ano depois, quando retornei para a empresa como consultor. — Dani confirma. — Contratei alguém para encontrá-la, então descobri que estava morando em uma espécie de república, trabalhava em uma loja e fazia faculdade à noite. Acompanhei-a de longe, vendo-a crescer sozinha, cheio de orgulho, mas covarde demais para ir até ela. Pensei que, quando se formasse, poderia conseguir algo para ela na Schneider, mas ela, por mérito próprio, entrou na Karamanlis.

— Coincidências da vida! — Daniel fala. — Ela foi trabalhar na empresa da família de um dos maiores frequentadores do bordel onde nasceu.

— Pois é, mas nessa época Theo já havia assumido, e Nikkós estava na Grécia, o bordel tinha sido fechado, e Linete, presa.

— Tudo resolvido! — digo com ironia, e ele me encara.

— Sim, eu pensei isso na época, mas não significa que fiquei bem comigo mesmo. Nunca a esqueci, apenas me conformei com não a ter por perto. Vocês vão contar a ela?

— Acho que ela merece saber, pai — Samara responde.

— E decidir o que irá fazer depois disso — Daniel completa.

Benjamin fecha os olhos e balança a cabeça.

— Pai, sobre a caderneta...

— Samara, aquilo foi um erro pelo qual me arrependo e tive que pagar muito caro. Ainda pago até hoje.

— O que você sabe sobre meu nascimento? — decido fazer a pergunta que está engasgada na minha garganta desde que entrei.

Benjamin olha para o filho, vejo seus olhos ficarem úmidos, então, ele respira fundo e começa a me contar:

— Quando eu a conheci, já estava grávida. — Meu coração se aperta, a sensação de, finalmente, descobrir sobre meu passado me atingindo forte. — Não sabia que era um filho de Nikkós, apenas a vi passar, o ventre inchado, e fiquei um tanto assustado.

— Por quê? — inquiro confuso.

— Ela era uma menina, Alexios — a informação me desarma. — Não parecia ter mais de 15 anos, mas soube que tinha completado 16. — Samara ofega ao meu lado. — Fiquei apavorado. Havia dado lances, movido pela bebida, por uma garota que anunciaram ter 18 anos, mas então comecei a questionar a verdadeira idade de todas.

— Nikkós falou a você sobre ela?

Ele nega.

— A prostituta que bebeu comigo naquela noite foi quem me contou tudo, dizendo que a outra havia tirado a sorte grande e engravidado do cliente mais rico da casa.

A revolta ameaça tomar conta de mim, mas Samara aperta minha mão. Solto o ar devagar, tentando ouvir tudo o que ele tem para me dizer antes de ter qualquer reação.

— Então ela engravidou com o propósito de extorquir dinheiro de Nikkós — presumo. — Como ele sabia que a criança era dele?

— Porque não tinha como ser de outro. Eu mesmo questionei isso, foi então que a mulher comigo me disse que a menina havia sido um presente para Nikkós assim que completou 15 anos e que o serviu até que se descobriu grávida.

— Meu Deus! — Daniel exclama, abismado demais com a podridão da minha história.

— Ela não era prostituta, então?

— O primeiro e único cliente dela foi seu pai, até onde soube. Ela era especial por ser a irmã caçula da dona da casa. — Benjamin olha para Samara. — O nome dela era Leila, tinha 16 anos quando você nasceu e nunca mais foi vista.

Levanto-me, incapaz de ficar parado, sentindo todo meu corpo tremer e o estômago embrulhar a ponto de me fazer respirar fundo para não vomitar. Minha mãe era uma garota inocente que foi usada pela ganância daquela cafetina imunda e pelo louco do meu pai, que abusou dela, serviu-se dela como se fosse uma mercadoria e depois...

— Ele a matou? — pergunto, o pranto fazendo minha voz sair intercortada.

Samara abraça minhas costas. Sinto meu coração se acalmar imediatamente ao seu toque, mas continuo a tremer, a imaginar o horror que a menina sentiu.

— Eu não sei, Alexios, realmente não sei. Depois disso passei anos sem pisar naquele lugar e, quando retornei, já não falavam mais do assunto, todos tinham medo. Sabiam que ele tinha pegado você assim que nasceu e desaparecido com ela.

O filho da puta nunca me contou a versão verdadeira, constato isso, rindo feito louco, pois passei anos imaginando qual história era a verdadeira, e não era nenhuma delas. Um sádico de primeira linha era o que ele era.

Leila, o nome dela era Leila, e tinha só 16 anos! Está prestes a fazer 50 se estiver viva. Não sei se ela não me quis ou se não foi lhe dada a opção de me querer, mas isso já não importa, nunca terei essas respostas, encontrá-la será como achar agulha em palheiro.

— Isso é tudo o que eu sei, e sinto muito se não pude ajudar mais — Benjamin completa. — Agora se acabaram todos os segredos, não há mais motivo para eu continuar ajudando-a a fugir da cadeia...

— Quem, pai? — Daniel sonda, e eu olho Benjamin.

— Linete. — Surpreendo-me. — Ela tem me chantageado por anos com essa história de Wilka, e, sinceramente, vocês terem descoberto só me mostrou que eu deveria ter contado tudo há muito tempo. — Ele suspira. — Talvez eu ainda tivesse tempo para conquistar o carinho da filha que nunca pude criar e não teria me sujado tanto!

— Você sabe onde ela está?! — inquiro descontrolado, e Daniel se levanta. — Talvez ela saiba mais...

Benjamin nega.

— Ela me envia números de contas de vários bancos e agências diferentes, em nome de laranjas, e eu deposito a quantia que pede. Não sei onde ela está e, sinceramente, não acho que ela te diria a verdade. Seu pai se encarregou de fechar a boca daquela mulher de forma eficiente. Além disso... — olha para Samara — ela pode ser perigosa.

— Temos noção disso, pai — Samara diz e toca meu ombro. — Ela chantageou a Kika também, ameaçou-a, só por isso demonstra que não tem nenhum tipo de moral ou sentimento.

— Ela fez isso? — Benjamin se ergue na cama. — A desgraçada prometeu ficar longe da menina!

— Não dá para confiar na palavra de um ser tão sujo! — Daniel comenta. — O senhor está bem? Fique calmo, sua pressão subiu. — Ele olha para o aparelho que monitora o pai. — Acho melhor encerrarmos essa conversa.

Concordo, não querendo prejudicá-lo, grato por ele ter me contado pelo menos algo verdadeiro sobre minha mãe e minha história.

— Eu sou sobrinho dela — comento com Samara, desgostoso, ao sair do quarto.

— Não, você é primo da Kika! — Ela ri e entrelaça a mão na minha. — Agora, sim, nossa família virou uma bagunça!

Rio e concordo, adorando o jeito positivo com que ela vê a vida.

— Kostas já havia dito isso sem saber do meu parentesco com sua futura esposa, não quero nem pensar quando tivermos filhos!

Samara parece pensar sobre o que nossas crianças serão dos filhos de Kostas e Kika, mas parece não chegar a conclusão nenhuma e começa a rir. Sorrio para ela, mas ainda sinto uma pressão em meu peito, algo estranho, como o que senti quando fui até o casarão por impulso e encontrei a Kika.

— Não acabou ainda — declaro de repente e aponto meu coração para ela. — Eu sinto que há mais!

— Eu sei, eu também sinto isso, mas não importa quanto tempo passe, Alexios, nós vamos descobrir tudo, eu prometo a você.

Abraço-a.

— Casa comigo? — faço o pedido que tenho ensaiado e planejado desde que fui até ela em Madri. Queria algo especial, com flores, champanhe e música. Contudo, não há outra pergunta a ser feita agora a não ser essa. Quero-a comigo para sempre.

Samara ri entre lágrimas e risos e assente.

— Pensei que não ia pedir mais.

— Estava ensaiando algo bonito, mas acho que essa coisa “planejadinha” e conservadora não combina comigo. — Beijo-a. — Eu amo você, quero você para sempre, você é meu chão, é meu norte, é meu sonho e minha realidade. Eu só espero poder ser tudo isso para você também, sempre que precisar!

Samara chora, balançando a cabeça, então Daniel aparece e toma um susto ao vê-la aos prantos.

— O que aconteceu? — pergunta assustado.

Seguro-a forte em meus braços e o encaro.

— Você acaba de ganhar, oficialmente, um cunhado — conto, e ele arregala os olhos. — Samara aceitou meu pedido de casamento.


— Eu estou tão zonzo que parece que tomei um porre de cerveja ruim! — Millos ri, sentado comigo ao balcão do pub a que sempre vamos juntos.

Rio da piadinha sem graça dele e tomo mais um gole do chope.

— Eu sei, fico confuso às vezes, mas é isso, sou primo e cunhado duas vezes de Kika.

— Para ficar mais confuso ainda, só falta a Kyra se casar com o Daniel. — Millos gargalha. — Impossível, mas seria engraçado!

Fecho a cara, não gostando nada da provocação. Só Millos mesmo para pensar algo assim!

— Você pensou sobre o convite do pappoús? — sonda.

Respiro fundo.

Não queria falar sobre esse assunto, não hoje, que estamos ele e eu aqui, comemorando o fato de eu estar comprometido, apaixonado e reorganizando minha vida em busca da felicidade.

Há alguns dias, Millos me ligou para transmitir o convite de Geórgios Karamanlis, que decidiu fazer uma reunião familiar em sua mansão nova e quer a minha presença.

— E ele supõe que eu deva me sentir honrado pelo convite, não? — ironizei antes de encerrar a ligação e o assunto.

Tarde demais!

Samara ainda tentou racionalizar as coisas dizendo que isso também faz parte do processo de zerar meu passado para poder seguir em frente, mas eu não concordo com ela. Ele não tinha nenhum motivo para me rejeitar, nem mesmo me conheceu ou teve qualquer tipo de ação, carinhosa ou não, em relação a mim.

Eu não existia para Geórgios Karamanlis, e ele passou a não existir para mim também. Isso não tem por que mudar, não vai fazer qualquer diferença no meu futuro simplesmente porque ele não fedeu nem cheirou para o meu passado.

Descartei a ideia e encerrei os discursos de Samara sobre família e a idade do velho trocando suas palavras por gemidos de prazer, utilizando um dos presentes que dei para ela, um vibrador potente, antes de treparmos gostoso.

Ah, isso, sim, é pensamento bom: os brinquedos que compramos juntos e que estou louco para usar, um por um, com ela. Foi divertido ver sua cara ficar vermelha a cada coisa que a mulher do sex shop nos mostrava, mas a curiosidade e vontade eram muito maiores do que o constrangimento, e ela quis levar tudo para casa.

Testamos até agora o vibrador e um pequeno plug anal, com um gelzinho que a atendente da loja recomendou que levássemos se fosse uma iniciação ao ato.

— Ou seja, ela quer saber se seu cu ainda é virgem! — cochichei no ouvido de Samara e estendi a mão para a moça da loja. — Queremos levar isso também!

Confesso que fiquei um tanto temeroso de aquilo anestesiar demais o rabo dela e eu acabar a machucando, mas não, ele é uma espécie de dessensibilizante, só a deixa mais confortável e não sem sentir nada.

Ainda não o usei com o meu pau, porque estamos quebrando o gelo aos poucos, usando os plugs para que ela se acostume. Não posso reclamar dessa espera, principalmente porque posso foder sua boceta enquanto mantenho o plug em seu rabo, e isso é um tesão só!

— Alexios? — Millos me chama, e eu dou um pulo. — Estava começando a ficar preocupado com sua cara para mim. Parecia que queria me comer!

Faço careta.

— Você não faz meu tipo! — Millos ri, e eu decido encerrar o assunto da festa de família à qual fui convidado. — Não aceitei e nem vou aceitar o convite, Millos, assunto encerrado. Não há possibilidade de eu colocar Samara no mesmo ambiente que Nikkós por livre e espontânea vontade.

— Então problema resolvido, meu caro! Ele vai retornar para a Europa. Parece que houve algo que requer a presença de Madeline na Suíça, e ele foi com ela.

— Achei que era a esposa dele que estava organizando a tal festa.

— Era, sim, mas aconteceu esse imprevisto, e eles foram embora hoje. Foi um alívio para o pappoús. Embora ele lamente profundamente que Madeline não estará presente, ficou feliz por ter o filho longe, pois ninguém iria aceitar o convite caso ele estivesse aqui.

Sim, imagino que, assim como eu, nem Theo, nem Kostas querem expor suas famílias àquele homem nojento. E eu nem considerei que Kyra cogitasse a ideia de ir a esse encontro, mas agora, talvez, ela vá.

— E Kyra?

— Confirmou presença, só faltam você e Samara.

Bufo, sentindo-me encurralado.

— Vou conversar com Samara e te ligo depois para confirmar ou não.

— Gosto desse novo Alexios, tão domesticado e racional.

— Vai se foder, Millos! — Bebemos juntos. — Mas, sim, confesso que também gosto desse novo Alexios: feliz!

Ficamos mais um tempo conversando, então ele vai embora, e eu tomo uma última cerveja antes de ir para a calçada pegar um táxi para ir ao encontro da minha mulher em casa.

Minha mulher! Essa expressão me enche de orgulho e, mesmo que ainda não estejamos casados legalmente, eu já enxergo a Samara assim. Fodam-se as convenções, o que nos importa é aquilo que sentimos.

Olho para o celular, um tanto trôpego, e confiro que fiquei no bar mais tempo do que tinha planejado.


“Já estou indo, amor. Desculpa a demora, Millos fala como uma velha fofoqueira!”


Samara aparece online, mas não me retorna a mensagem, ao invés disso envia uma foto.

— Puta que pariu! — Olho para a rua, desesperado por um táxi para chegar logo à casa dela.

Samara está usando uma das fantasias que compramos, de policial, com direito a algemas e cacetete.


“Eu confesso, bebi demais, xinguei um cara que encostou em mim no bar e cantei uma gostosa, mas só porque a confundi com você!”


Ela digita:


“Anjinho rebelde, você transgrediu muitas regras hoje, vai ter que dormir algemado esta noite! (Ei, espero que essa história de ter cantado alguém seja mentira!)”


Meu pau pulsa na calça, agitado, querendo-a, então, enquanto o táxi não vem, começo a digitar uma sacanagem pesada para deixá-la animada, mas algo do outro lado da calçada me chama a atenção.

— Chicão?

Aperto os olhos para focar melhor e confirmo ser meu amigo. Abro a boca para chamá-lo, mas então uma mulher surge, saindo de um carro parado perto da área mais escura da calçada. Sorrio, achando-o muito safado por estar tendo um encontro no escurinho. Um carro passa e ilumina o casal, fazendo-me reconhecer de pronto a mulher que vi apenas uma vez, em frente ao prédio da Karamanlis e que me deu a pista sobre o casarão.

Fico paralisado, olhando-os conversarem, rirem e depois o vejo abraçá-la e se afastar. Guardo o celular no bolso, esqueço o táxi e o sigo, mantendo-me distante do outro lado da calçada.

Chicão vira a esquina. Atravesso a rua correndo para não o perder de vista e então o vejo entrar em um prédio simples de apartamentos. Dou um tempo, esperando para ver se ele vai sair e, quando nada acontece, vou até a entrada e confiro os nomes no interfone.

Figueiroa! Sinto o corpo todo gelar ao perceber que ele tem um apartamento na cidade, mesmo quando diz que não tem morada certa e fica comigo, hospedado como um hippie em minha sala.

Tento olhar além da porta de ferro e vidro da entrada, mas, ao que parece, não há porteiro no prédio. Bufo de raiva, olho para cima, para o andar do número do apartamento junto ao seu nome na campainha do interfone, calculando qual deveria ser sua janela, o tempo todo questionando o motivo de suas mentiras.

Decido ir embora e voltar aqui outro dia, quando uma moto de entrega por aplicativo chega com sacolas de comida, toca o interfone de algum morador e entra. Sigo atrás dele, subindo as escadas ao invés de utilizar o elevador, nervoso, o pequeno pileque desfeito, tamanha a desconfiança sobre o que vi e o que estou prestes a descobrir.

Toco a campainha, mas tampo o olho mágico da porta para que ele não consiga ver que sou eu e tente fingir que não está em casa. Aperto o botão várias e várias vezes, até que ele abre uma fresta e fica lívido ao me ver.

Ajo rapidamente, colocando meu pé no vão que se abriu, impedindo-o de fechar.

— Abra a porta, me deixe entrar e me explique tudo — ordeno ofegante, cheio de raiva, devagar. — Não posso acreditar que mais isso na minha vida era mentira. Eu confiei em você, te amei como se fosse um pai, então, por favor, explique!

Chicão fecha os olhos, bufa e abre a correntinha de segurança da porta.

Entro atento a qualquer movimento dele. Já não confio mais, não tão cegamente como o fiz durante todos esses anos. A sala parece com o estilo do que eu conheci como sendo dele. Tudo muito alternativo, com vários equipamentos esportivos, sem TV e muitas, muitas fotos.

— Alexios, eu não sei o que você viu, mas...

Caminho até a mesa baixa que ele tem sobre um tapete e vejo fotos minhas, assim como de meus irmãos, em vários momentos. A garganta seca quando aparece, no meio dessas todas, uma fotografia de Nikkós com quem acho que seja sua nova esposa.

— Diz para mim para quem você trabalha — peço, controlando a raiva, tentando não gritar. — Fala, porra!

— Você não conhece — Francisco responde sério.

— Foi atrás de mim já sabendo quem eu era, não? — A dor da traição por saber que o amigo em quem sempre confiei na verdade estava ao meu lado apenas para cumprir um trabalho machuca muito. — Por quê?

— Alexios, eu não posso dizer nada, apenas acredite em mim quando digo que não fingi em nenhum momento que era seu amigo, porque eu sou seu amigo. É verdade que não cheguei até você sem querer como fiz parecer, mas isso não muda que eu quero você como a um filho.

— Não fode! — Encaro-o. — Como eu posso acreditar nisso? — Aponto para todas as fotos na mesa. — Você esteve nos espionando! Você enviou aquela mulher para me fazer ir até o casarão! — Arregalo os olhos ao me lembrar que ele estava em minha casa na época em que Kostas me entregou as chaves do casarão. — Você plantou a caderneta!

Chicão não se defende, irritando-me com seu silêncio a ponto de eu socar a parede da sala.

— Fala, porra! — Desespero-me e ando pela sala, notando mais fotos no aparador e algumas em porta-retratos. — Eu nunca vou te perdoar caso continue calado, eu juro que...

Paro de falar ao reconhecer uma pessoa que aparece em uma foto com Francisco, os dois rindo, no meio de parreiras. Ando até a mesa de centro e pego a fotografia de Nikkós com sua esposa; é ela!

— Não! — Fecho os olhos, trêmulo. — O que você tem a ver com eles? O que você pretendia?

— Alexios, eu não fiz nada para te prejudicar, pelo contrário, estou há anos cuidando de você, protegendo, consolando e...

— Porra, fala logo o que você tem a ver com o meu pai!

Ele ri.

— Nada. — Balança a cabeça. — Eu nunca tive e nem quero ter nenhum contato com seu pai. — Olho para a foto novamente e sinto meu coração disparar. — Sua mãe me pediu para cuidar de você, e é o que tenho feito, mesmo que não concorde com o que resolveu fazer agora. Não a julgo, ninguém faz ideia do que ela passou, teve que morrer para poder viver, mas nunca se esqueceu do filho que foi arrancado de dentro de si sem que deixassem que ao menos lhe olhasse. — Despenco no chão da sala, chorando como um louco, incapaz de acreditar que, enquanto eu a buscava loucamente, ela esteve com todos, menos comigo.

— Madeline é minha mãe? — pergunto, molhando a foto dela com minhas lágrimas.

— É, sim. O nome dela era Leila até ser vendida como escrava sexual e passar anos se prostituindo no leste europeu, até que fugiu, conseguiu documentos falsos, foi trabalhar na casa de um magnata como faxineira e acabou se casando com ele. — Balanço a cabeça, tentando ver naquela mulher a garota que foi abusada e vendida. — Ela teve sorte, Alexios, muita sorte, mas no caminho viveu um pesadelo atrás do outro e não pôde esquecer nada disso.

Tento controlar meu corpo, que parece querer se desintegrar de tanto tremer. Não entendo nada do que ele me fala, parecendo fantasioso demais e totalmente sem sentido, se ela se casou com o monstro que desgraçou sua vida.

Arregalo os olhos, de repente achando sentido em suas atitudes.

— Ela não tinha intenção alguma de vir ao Brasil e me conhecer, não é?

Chicão chora, algo que nunca o vi fazer, e nega.

— Ela só queria que eu garantisse que você fosse feliz, minha missão terminaria aí, mas então eu entendi que você nunca seria completamente feliz se não soubesse sobre ela e decidi guiá-lo na direção das respostas.

— O pai de Samara. — Ele assente. — Que sabia apenas o suficiente para me acalmar.

— Achei que resolveria as coisas para você sem expô-la.

— Ela sabe o que eu descobri?

— Sabe, por isso foi embora.

Tento segurar a dor de saber que ela se afastou quando percebeu que poderia ser descoberta.

— Por que ela não quer que eu saiba?

— Porque, assim como eu, ela tem sua própria missão, que já teria acabado há algum tempo se não fosse o que aconteceu com seu irmão.

Balanço a cabeça, compreendendo o que ele me diz. Tento não a julgar como ele diz que não o faz, porém é difícil entender por que ela acha que sua vingança é mais importante do que me contar a verdade.

— Ela quer matá-lo, não é?

— Eu não posso falar nada mais, Alexios, não devo.

Começo a rir como um louco, mesmo não tendo motivo nenhum para fazê-lo. Sempre achei que teria paz ao encontrá-la, ao conhecer minha história, mas percebo agora que dei a tudo isso importância demais. Ela sempre soube onde me encontrar, mandou Chicão para ficar de olho em mim, foi atrás de Nikkós para cumprir seus planos e, nesse tempo, nunca teve interesse algum em me conhecer.

— Não precisa falar mais nada, Chicão. — Levanto-me, enxugo meu rosto e toco seu ombro. — Sua missão está cumprida, segue sua vida e finge que nunca tivemos essa conversa.

— Alexios, ela só quer te...

— Não, ela não pensou e nem pensa em mim. Se me amasse e quisesse me ver feliz, teria vindo me encontrar e deixado Nikkós se foder sozinho, porque acredite, ele vai. Eu não tenho mãe, Chicão, e sabe o quê? — Sorrio. — Isso já não me faz diferença alguma! Não posso consertar os erros deles, mas posso não os cometer. Você provavelmente já sabe, mas Samara me ama, e eu a ela.

— Sempre soube, garoto.

— Ela é meu recomeço, minha família e felicidade. — Ele sorri e assente. — Não vou expor Madeline, vou deixar que siga com seu intento e arque com as consequências dele, seja como for.

Passo por ele, sentindo um enorme peso sendo deixado aos seus pés, para trás. Agora eu sei de tudo, ninguém mais tem poder sobre mim por causa da minha ignorância, não vou mais ser manipulado e enganado por ninguém.

O que o futuro reservou a essa história dos dois, eu não sei, importo-me apenas com a minha, com a mulher que eu amo, com os irmãos com quem me sinto unido como nunca.

É hora de seguir em frente, virar a página e ser feliz.

O resto, é outra história!


Quando se ama alguém, tudo o que importa é a felicidade do ser amado.

Olho para Alexios ao meu lado, seu sorriso sincero, cheio de alegria e, claro, muito orgulho, então suspiro cheia de satisfação, meu corpo trêmulo de emoção, registrando para sempre os momentos que estou vivendo.

Tanta coisa aconteceu até chegarmos aqui!

Kika chora, e eu sou levada até o dia em que Daniel e eu contamos a ela sobre papai. Vocês lembram que Kostas encomendou comigo um móvel sob medida? Pois bem, quando fomos instalar as estantes, surpreendendo-a com o presente, convidei-a para um café.

Kostas já estava sabendo da desconfiança que tínhamos sobre o nosso parentesco, e, quando fiz o convite, ele sabia que precisaria estar ao lado dela.

— Por que você não vem aqui após arrumarmos os livros nas estantes? — ele sugeriu, e prontamente aceitei. — Podíamos aproveitar que Samara é design de interiores, Wilka, e já consultá-la sobre um projeto grande para a nossa casa nova.

— Adorei a ideia! Você topa, Samara? — Kika respondeu animada à sugestão dele.

— Claro! — Sorri para Kostas, agradecida pela ajuda. — Será um prazer!

— Ah, que felicidade saber que seremos concunhadas! — Kika me abraçou. — Estou muito feliz por você e por Alexios!

Senti um embargo enorme na garganta, uma mistura de emoção e medo à reação dela ao que eu iria contar. Fiquei ansiosa demais até a chegada da data da conversa. Alexios tentou me acalmar diversas vezes e de formas maravilhosas, mas eu só ficaria bem quando pudesse dizer a ela que nós éramos irmãs.

Kika não é boba, e, quando cheguei ao seu apartamento acompanhada de Daniel, ela logo captou que aquela era uma visita mais séria do que eu tinha deixado parecer no convite.

— Você se lembra do meu irmão, Kika? — perguntei ao reapresentá-los. — Daniel é o CEO da Schneider desde que papai se aposentou.

— Lembro, sim, como vai? — Ela sorriu, mas vi em seus olhos que não entendia a presença dele.

— Wilka, no dia em que Ben Schneider passou mal, Samara e Daniel fizeram uma descoberta — Kostas foi quem introduziu o assunto. — A empresa da família deles manteve, por anos, o aluguel da casa onde você morava com seus pais.

— Eu sei, tanto que, quando eles faleceram, eu tive que sair da casa — Kika lembrou.

— Não foi porque eles morreram — Daniel começou a explicar. — Foi porque eu assumi, e papai estava na UTI, se recuperando de uma cirurgia cardíaca. — Ela franziu a testa. — A Schneider nunca pagou moradia de funcionários, e eu achei estranho quando descobri o caso de sua família, por isso mandei cortar. — Kika balança a cabeça e sorri, entendendo que Daniel só havia feito o trabalho dele. — Acontece, Kika, que os pagamentos começaram na mesma época da sua adoção, e isso, somado ao fato de sabermos que meu pai frequentou o bordel onde você nasceu, nos deixou com uma sensação de que havia uma ligação entre a ajuda e o local de seu nascimento.

Kika olhou cheia de dúvidas para Konstantinos, seus olhos cheios de lágrimas.

— Eu não estou entendendo que ligação poderia haver. Como eu disse uma vez, Ben Schneider era amigo de papai, e eu o vi bastante em nossa casa visitando-os.

— Ele estava te visitando — Daniel disparou à queima-roupa, e ela arregalou os olhos. — Sim, você tem razão sobre a amizade entre nossos pais. Benjamin Schneider confiava e gostava tanto do seu pai que pediu a ele um favor.

Kostas tomou a mão de Kika entre as suas, percebendo que sua noiva estava começando a entender do que estávamos falando.

— Kika — interrompi Daniel e me aproximei dela —, naquele dia meu pai passou mal ao te ver lá em casa. Foi emoção, surpresa por ter nos visto juntos, seus filhos juntos.

Kika balançou a cabeça como se negasse o que eu acabara de lhe dizer.

— Sim, Wilka, eles estão dizendo a verdade — Kostas falou baixinho para ela e lhe contou o que Alexios havia lhe dito. — Quando eu fiz a denúncia e você foi tirada daquele lugar, Linete procurou seu pai e contou que você era sua filha. Ben Schneider, então, arrumou para que Plínio e Zelina Reinol, seus funcionários e amigos, te adotassem e cuidassem de você.

— Isso é tão absurdo! Mamãe dizia que há anos tentavam adotar e que, quando eu apareci, eles souberam que não podia ser outra criança, pois eu já era filha deles de coração.

— Sim, e isso não é mentira — tentei acalmá-la. — Papai nos disse que eles queriam muito um filho e que confiavam que iam criá-la com muito carinho. — Peguei sua mão. — Kika, saber que você tem nosso sangue não muda em nada o fato de que seus pais são os Reinols, só acrescenta na sua vida mais pessoas que estão muito felizes em saber que você é nossa irmã. — Olhei para Daniel, e ele assentiu.

Ela chorou, Kostas a abraçou, Daniel e eu ficamos sem saber o que falar a ela, como consolá-la, então Kika disse que sempre se sentiu só a vida toda e que saber que tinha irmãos era algo que não contava, mas que a deixava feliz. Senti um enorme alívio por ser aceita por ela e a abracei apertado, orgulhosa de ter uma irmã como ela.

— Eu ainda não sei se quero conversar com ele — ela disse sobre se encontrar com papai. — Quando meus pais morreram e tive que sair da casa, fiquei sozinha no mundo, sem apoio, sem consolo ou mesmo incentivo. Orgulho-me muito de ter vencido sozinha, ter superado todas as adversidades, porque isso me fez ser a mulher que sou hoje, então saber que ele poderia ter estado ao meu lado e não quis me machuca demais.

— Eu entendo — Daniel respondeu. — Ele sabe que errou e se arrepende de não ter estado ao seu lado, nos disse isso.

— Eu tenho pai, Daniel, e ele se chama Plínio Reinol, um homem que me criou com amor, me ensinou sobre o respeito, a empatia e a importância de ser honesto e sincero. Eu me orgulho de ser filha dele, independentemente do sangue em minhas veias. Por isso, nesse momento, por mais que eu esteja feliz ao saber que ganhei dois irmãos e um primo... — ela sorri, referindo-se a Alexios, pois Kostas já havia lhe contado que ele era filho da tia de Kika — eu ainda não me sinto à vontade para falar com Benjamin Schneider.

Confesso que entendi demais a posição dela e acho que me sentiria igual por um tempo. Kika tinha muita coisa a processar do que lhe dissemos.

Daniel contou da nossa conversa com ela ao papai e me disse que ele ficou bem abalado por ela não querer falar com ele, mas entendeu também. Além disso, meu irmão soube que mamãe havia retornado e que ela e papai ficaram horas falando e acertando todas as arestas, e nada me fez mais feliz do que saber que estavam dispostos a manter o casamento, porém de verdade, não apenas a conveniência.

— Acho que chegou a hora de eu fazer o pedido oficialmente, não? — Alexios sugeriu quando contei a ele que os dois tinham se reconciliado. — Eu não me importo com isso, mas quero demonstrar à sua família que eu a amo e que quero tudo o que você quer, tudo o que você sonha.

Senti-me emocionada com as palavras dele e concordei em marcar um jantar para a comunicação de que iríamos nos casar. Kyra se dispôs a me ajudar a montar a mesa, a deixar tudo pronto com seu bufê, pois queria eu mesma promover o encontro de Alexios com meus pais.

— Acho melhor eu fazer tudo na Ágape e trazer tudo pronto para cá — Kyra explicou, mostrando o menu que preparara. — Pensei em usar essa louça, com esses cristais e talheres, o que acha?

Concordei com o layout da mesa montada e das fotos com as amostras dos objetos.

— Sem superstição para montar meu jantar de noivado, não? — provoquei-a.

— Amiga, você não tem ideia do cagaço que eu tenho andado nesses dias! Acha que essa é a única festa que tenho montado? — Ela riu. — Kostas me convenceu a fazer um casamento surpresa para a Kika, acredita?

Fiquei feliz com a notícia, e ela suspirou.

— Contei a ele sobre meu medo, só que simplesmente ignorou isso, dizendo que nada no mundo poderia separá-los. — Concordei, pois sabia da ligação de ambos desde a infância e de como a vida se encarregara de reuni-los de novo. — Bom, não tive como dizer não, só estou tomando algumas precauções.

Gargalhei, imaginando o que ela deveria estar fazendo para prevenir afundar o casamento de seu irmão.

— Bom, também não acredito que algo possa me separar de Alexios...

— Nem eu! — Ela sorriu. — Vocês, literalmente, nasceram um para o outro, só foram idiotas demais para admitir isso.

Concordei com ela e segui com os preparativos de uma pequena reunião entre os Schneiders e os Karamanlis para lhes demonstrar nossa intenção de casamento e de formamos nossa própria família.

Uma semana depois dessa reunião com Kyra, vi meu mundo balançar com a chegada de Alexios a minha casa completamente destruído. Quando o vi, parado na porta do quarto onde eu o esperava vestida de couro, com quepe, algemas e cacetete, soube que algo terrível havia acontecido.

Corri até onde ele estava e o abracei, senti seus espasmos de dor, mas ele não derramou uma lágrima sequer.

— Minha vida está zerada, Samara — disse, a voz embargada das lágrimas que estava contendo. — Ninguém mais tem o poder de me ferir com o meu passado. — Assenti. — Já sei o que aconteceu, como fui gerado, como nasci e quem me gerou.

— Eu sei.

Ele suspirou.

— Leila morreu — declarou, e eu arregalei os olhos. — Foi vendida como escrava sexual, condenada a viver longe de seu país, e morreu.

— Alexios, você tem certeza disso?

Ele balançou a cabeça.

— Sim, não restam dúvidas. — Segurou meu rosto e encostou a testa na minha. — A mulher que surgiu com a morte dela não é minha mãe.

Fiquei confusa, e então ele me contou tudo sobre Madeline ser Leila e estar em uma missão de vingança contra Nikkós.

— Eu a entendo de certa forma — comentei. — Não o fato de ela nunca ter se aproximado de você, mas ela odiá-lo tanto. Nós não temos ideia do que passou durante os anos em que foi obrigada a se prostituir para continuar viva, nem do que passou depois, ao fugir, estar sozinha em outra terra. — Suspirei, cheia de dor. — Você acha mesmo que ela quer matá-lo?

— Que outro motivo teria para se casar com seu carrasco?

Pensei na mulher doce que conversou comigo na casa dos meus pais, entendendo naquele momento seu olhar satisfeito ao me conhecer e por que puxou tanto assunto comigo.

Ela sabia quem eu era por causa das informações que Chicão lhe passara. Sabia da minha amizade com Alexios, do meu amor por ele e, talvez, até que ele também me amava.

Eu entendo a mágoa de Alexios, afinal, ela poderia ter ido atrás dele há muitos anos, desde que enviou Chicão, mas também percebo a preocupação dela, mesmo de longe, com o filho que lhe foi negado. Eu sei da importância que Francisco teve na vida de Alexios, resgatando-o das drogas, incentivando-o na prática de esportes e atuando como o pai que ele nunca teve.

Indiretamente, Madeline cuidou do filho, porém, eu não entendo por que nunca se revelou a ele, e foi isso que verbalizei para Alexios.

— A sede de vingança é mais forte do que o amor que ele disse que ela sente por mim — ele afirmou.

— Infelizmente, sim — tive que concordar.

Eu nunca desistiria de estar com um filho por nada nesse mundo, nada nunca seria mais importante. Contudo, não passei pelas experiências que ela passou, então é difícil julgá-la.

A roupa de policial teve que esperar outra ocasião para entrar em ação, mas não deixei de amá-lo, consolá-lo e me entregar a ele com todo o coração naquela noite.

Foi um sexo de toques especiais, beijos intensos e muitas reafirmações do que sentíamos um pelo outro.

— Você é o amor da minha vida — ele declarou, mexendo devagar seu corpo sobre o meu, deliciando-me com o encontro de nossas carnes. — Eu sou seu por inteiro, meu corpo, meus pensamentos, minha alma. Tudo pertence a você, e me sinto completo por saber que você também me pertence.

— Eu sou sua, sempre fui! — gemi. — Amo você, vejo você, sinto você! Você é meu, Alexios Karamanlis, para sempre!

— Tudo bem? — Kyra me pergunta, arrancando-me das lembranças deliciosas.

Volto a prestar atenção ao que ela preparou, no salão de festas de sua empresa, no qual estão presentes todas as pessoas que nos importam e que torcem pela nossa felicidade.

Ponho a mão sobre meu ventre inchado, sentindo meus bebês mexendo devagarinho, lembrando-me da maravilhosa arte que é a vida crescendo dentro de mim, fruto de um amor tão grande e inabalável que venceu muitas barreiras até aqui.

Não, não estou me casando ainda, é minha festa de noivado que está ocorrendo, meses depois do que nós tínhamos planejado por conta de fatos que ocorreram e requereram mais atenção.

Nem pensei que ele ainda pretendia fazê-la, afinal, faltam apenas dois meses para que nossos filhos nasçam, e nós já tínhamos estabelecido que, assim como Duda e Theo fizeram, iríamos esperar as crianças nascerem para realizar um casamento simples.

Ah, não disse a vocês que são dois meninos, gêmeos idênticos, que estamos esperando ansiosamente para conhecer, não é? A gravidez foi uma surpresa boa em um momento tenso para todos, que veio para nos encher de alegria e renovar a esperança de que tudo ia dar certo.

Minha irmã, com minha sobrinha Olívia no colo, vem até onde estou, ainda parada pela surpresa e me abraça.

— Você está linda! Esses irmãos adoram uma surpresa! — Ri, lembrando-se do seu próprio casamento, meses atrás. — Alexios queria se casar, mas eu sei que você quer seus filhos presentes nesse dia, então ele se contentou em uma festa de noivado como a que vocês teriam quando tudo aconteceu.

— Obrigada por isso! — Beijo a testa da pequena menina, que dorme tranquila. — Ter vocês duas aqui comigo... — pego a mão de Kyra — minhas irmãs, minhas madrinhas, minhas melhores amigas, é uma emoção enorme.

— E eu? — Alexios sorri.

— Você... — Abraço-o pelo pescoço. — Você é o grande amor da minha vida!

Ele me beija, provocando uma enorme salva de palmas entre os presentes.

— E você é o grande amor da minha vida, Samara! — Põe a mão sobre minha barriga. — Vocês são os meus grandes amores.


Grécia, um ano depois.


Lua de mel, finalmente!

O sorriso safado não esconde o que estou pensando, e Samara sorri, balançando a cabeça, ao descer do carro. Então essa é a famosa Villa Dorothea, a menina dos olhos da família Karamanlis, longe da agitação das praias e ilhas da moda.

— Uau! — Samara para ao meu lado, admirando o jardim bem-cuidado e a vista impressionante de um mar azul infinito. — Quando disseram que a propriedade era uma das mais velhas de sua família, não tinha ideia de que era assim. — Ri. — Confesso que esperei algo bem decadente e estranho.

— Eu sabia que seria incrível, a velha raposa não dá ponto sem nó, nem valor ao que não tem valor.

— Sim, nunca conheci ninguém mais esperto que seu avô!

O barulho da risadinha dos bebês enche o ar, causando uma mistura de sons perfeita! O barulho que vem do oceano, das aves marinhas e da felicidade de meus pequenos marujos!

Samara sai correndo ao encontro dos nossos filhos, um no colo de cada babá, e eu suspiro, pensando na lua de mel a seis que iremos ter. Não reclamo, nunca faria isso, Davi e Tiago são meus tesouros, a personificação do amor entre mim e Samara.

O mais velho, Davi, estende seus braços em minha direção, e o pego no colo, jogando-o para o alto, fazendo aumentarem as risadas. Os dois nasceram idênticos, cabelos escuros como os de Samara e olhos na mais pura cor do mel. Olho para trás e vejo Samara de mãos dadas com Tiago, que, mal aprendeu a dar passos, já quer correr.

— Eles não parecem bebês de 10 meses — Samara comenta rindo e coloco Davi no chão também. — Têm muitos dentes e já querem andar!

Gargalho, orgulhoso.

— São meus filhos, eu nunca fui muito paciente com essa coisa de fazer as coisas no tempo certo. — Ela concorda. — Com dois anos já andava de bicicleta igual a um catiço, nadava e corria mais dos que os outros meninos maiores.

Sorrio, e ela também o faz. A sensação de poder falar do meu passado sem que isso me cause dor é maravilhosa! Claro que nada disso seria possível se não fosse o apoio incondicional de minha esposa e o acompanhamento psicológico que venho fazendo há meses.

Não é fácil viver carregando bagagens pesadas a vida toda e, de repente, ter de soltá-las, perceber que não é necessário levá-las todas de uma vez e, principalmente, que dá para compartilhar e aliviar o peso.

Apenas depois que descobri isso é que consegui pôr fim a tudo o que aconteceu no passado. Balanço a cabeça para afastar esses pensamentos, pois não estou aqui para ficar me lembrando do que já passou, tão somente para criar memórias felizes.

Meu telefone toca.

— Oi, Millos!

— E aí, já chegaram? — meu primo indaga animado.

— Já, sim, e você tinha razão ao dizer que o lugar é um espetáculo!

— Eu não erro, Alexios! — Ele ri. — Aproveitem bem esses dias antes de todos chegarem aí; depois que todos os Karamanlis estiverem reunidos nesse lugar, “adeus, paz”!

— Eu vou, obrigado pela dica! — Olho para baixo ao sentir que Davi se sentou no chão para brincar. — Vou levar os pequenos marujos para velejar um pouco, já que vieram dormindo no iate.

— O carro estava na marina esperando por vocês?

— Estava, sim, ainda bem, é um bom trecho de lá até aqui em cima.

— Pappoús quis a melhor vista e não se importou em calcular a enorme distância que ficou entre a marina e a casa. — Ele debocha: — Nada é impossível para Geórgios Karamanlis!

— Estou sabendo!

Converso mais um pouco com ele, sempre de olho no pequeno Davi, que brinca na grama, e em Samara, com Tiago perto da piscina.

 

Mais tarde, depois de tudo acomodado em seu devido lugar, Samara e eu descemos a enorme encosta em direção ao veleiro de Millos, atracado na marina ao lado do iate de Theodoros.

Foi uma experiência única curtir o pôr do sol abraçado a ela, vendo meus meninos brincarem juntos enquanto singrávamos devagar pelo mar, sentindo o vento e o cheiro maravilhoso que vinham dele.

— Estou pensando em pintar algo aqui — comento com ela assim que retornamos à casa.

— Isso é ótimo, seus últimos quadros ficaram lindos!

— Nenhum se compara ao seu! — Beijo sua orelha.

— Ainda morro de vergonha ao pensar que nossa arrumadeira o vê cada vez que vai guardar roupas ou limpar o closet.

— Besteira. Você está linda, nunca poderia ficar escondida!

Ela sorri, envaidecida, e eu me sinto orgulhoso por ter conseguido fazer uma obra que a retratasse tão bem. Demorei a terminar a pintura, na verdade só a concluí após o nascimento das crianças, mas confesso que o resultado foi maravilhoso. O realismo na tela era tão grande que eu senti que Samara poderia ganhar vida na tela a qualquer momento. Eu a eternizei, assim como o momento em que nos entregamos um ao outro pela primeira vez, e a cada pincelada de tinta, eu ficava excitado como se estivesse pintando sua pele, não uma tela.

Ele ficou pronto quase ao mesmo tempo que nossa casa, e, quando eu disse a ela que queria colocá-lo em nosso quarto, Samara foi terminantemente contra, então negociamos duramente até que ela aceitasse expô-lo em seu closet.

Gosto dele lá, de trocar de roupa, vindo do banho, e me vestir olhando suas costas, a curva de seu quadril, os cachos de seu cabelo espalhados pelo travesseiro branco, deixando sua nuca à vista, um local que eu adoro beijar.

— As crianças já dormiram? — Samara me pergunta dentro do banheiro, pronta para tomar banho.

— Já, passei há pouco no quarto delas e conversei com as babás. — Abro uma das minhas valises e pego algo que trouxe especialmente para ela. — A essa hora, estão todos dormindo.

Ouço o barulho do chuveiro, espero ansioso que ela acabe, sentado na cama, pronto para dar o bote assim que ela sair.

— Vou passar lá também, eu fiquei um tempão ao telefone com papai e...

Pulo da cama quando ela sai, vestindo apenas um roupão. Samara arregala os olhos quando eu a viro de costas para mim e vendo seus olhos.

— Estou te raptando. As crianças estão bem, e nós vamos dar uma voltinha.

— Alexios! — Ela ri. — O que você está aprontando?

— Foi uma dica que peguei com Millos.

— Ai, meu Deus!

Rio da sua preocupação, mesmo que saiba que ela está tão ansiosa quanto eu. Nosso fogo nunca abaixa, nossa paixão nunca diminui, mesmo durante a gravidez não conseguimos estar longe um do outro, das carícias e do prazer que nossos corpos nos proporcionam.

Levo-a devagar para a área externa da casa, um local que tenho certeza de que ela irá amar quando o vir.

Mais cedo fui até lá para organizar tudo. Cada detalhe lá foi feito pensando em agradá-la, em lhe mostrar o quanto a amo, minha amiga, minha companheira, minha amante e esposa.

Paro próximo à porta de vidro e sussurro em seus ouvidos:

— Preciso que fique aqui, que não tire a venda, ok?

— Certo!

Entro no local e faço os últimos ajustes o mais rápido que consigo antes de voltar até onde ela está e retirar sua venda.

— Nossa lua de mel começa hoje!

Samara abre a boca em total deslumbre, olhando em volta da enorme estufa toda de vidro e cheia de plantas. Eu sabia que ela iria amar, porque, além daquele jabuti raivoso – apenas comigo, porque as crianças já fazem dele gato e sapato –, Samara adora plantas!

Ela caminha entre as flores, o lugar todo iluminado por velas, e para no meio, onde mais cedo eu improvisei uma cama e a cobri com pétalas de rosa. Ao lado dela, uma mesa baixa com um balde de gelo, champanhe, uvas e chocolates.

Aperto o play no aplicativo de música, e Samara sorri ao ouvir a música do nosso casamento, a mesma que tocou naquele baile, a qual não dancei com ela.

Endless Love toca baixinho, e eu estendo a mão em sua direção, convidando-a para uma dança.

— Eu amo você! — declara-se emocionada.

— Não mais do que eu!

Dançamos juntos, e a escuto balbuciar parte da letra, sabendo que cada palavra é dita com verdade. Canto junto a ela, sentindo meu coração disparar a cada estrofe, declarando-me através da canção, reconhecendo que ela é meu amor infinito.

Abro o roupão, descobrindo seu corpo, que já conheço tanto, mas que, a cada vez que toco, parece ser a primeira vez. Desnudo seus ombros e os beijo devagar, seu pescoço, o lóbulo macio da orelha, até voltar minha boca para a sua.

Samara abre minha camisa, suas mãos espremidas entre nossos corpos, porque não há como eu me afastar dela. Deixo-a tirar a peça e aproveito para jogar seu roupão no chão, enquanto ela abaixa minha bermuda, levando junto minha cueca.

— Me toca! — peço e gemo ao sentir sua mão segurar meu pau com firmeza.

Sou apaixonado pelo jeito com que ela me pega, dona de mim, dona do meu corpo e do meu tesão. Samara consegue ser essa mulher doce e apaixonada, ao mesmo tempo em que é decidida e firme com seus desejos.

Muitos podem julgá-la precipitadamente, achando-a frágil ou até mesmo boa demais, porém eu sei o quanto essa mulher é uma fortaleza, mesmo sendo delicada.

Essa é a característica que mais amo nela! Ela é forte sem ser bruta, como um diamante já lapidado, brilhante, parecendo frágil, mas de uma firmeza impressionante. Lembro-me do parto dos nossos filhos e de ela se manter firme enquanto dava à luz naturalmente, dentro de uma banheira, acompanhada pelos médicos, a doula e eu.

Nunca admirei tanto alguém quanto a ela. Samara estava sofrendo com dores, teve que passar por dois nascimentos consecutivos, mas não levantava a voz, não gritava e, sempre que me olhava, tinha um sorriso emocionado e sussurros de amor.

Eu verdadeiramente não me importaria se ela esbravejasse, xingasse ou mesmo me expulsasse de lá, pois compreendia o sacrifício que ela estava fazendo por amor ao trazer ao mundo nossos filhos. Entretanto, não seria minha Samara se fizesse isso. Mesmo com dor, ela estava radiante de felicidade!

Eu, nervoso “pra caralho”, tentando passar uma falsa impressão de que estava calmo e confiante, desmoronei quando os dois nasceram e foram colocados em meus braços para que eu os levasse até ela.

Chorava tanto que soluçava mais que meus filhos recém-nascidos, e ela me consolava, segurando um bebê em cada braço e beijando meu rosto.

Nada no mundo vai se comparar ao que sinto por ela e por meus filhos.

— Quando você planejou isso tudo? — Samara pergunta, ainda em meus braços, dançando suavemente ao som de Lionel Richie e Diana Ross.

— Meu sogro ajudou!

Ela gargalha.

— Eu não entendi nada daquela ligação! Ele ficou falando, falando e falando por horas! Isso não é típico dele, mas relevei, achando que estava preocupado com nossa vinda para cá.

— Não, eu pedi cobertura para distrair você!

Ela segura mais firme no meu pau, e eu gemo.

— Safado!

— Sou, sim, não valho nada a não ser para seu uso!

Ela me beija.

— Então diz que sou sua dona!

— Você é minha dona! — sussurro em seu ouvido. — Meu pau é seu, minha língua, minha porra, tudo é seu, apenas seu!

— Seu coração é meu! — ela rebate, e eu confirmo. — E, no momento, ele bate bem aqui!

Ela passa o dedo sobre a glande, e eu fecho os olhos, adorando quando ela espalha minha lubrificação e a usa para me masturbar gostoso.

Aproveito a deixa e insiro minha mão entre suas coxas, encontrando sua boceta completamente molhada. Faço o mesmo que ela, encharcando-a toda antes de excitar seu clitóris.

Gememos juntos, corpos ondulando contra nossas mãos, lábios se encostando, dividindo a respiração, o tesão, como se pudéssemos morrer sem o ar um do outro.

Levo-a para a cama e a deito sobre as pétalas multicoloridas de rosas, o aroma doce e delicado tomando o ar, perfumando nosso desejo. Deslizo sobre seu corpo, beijando seus peitos, sua barriga e parando sobre sua virilha, tomando ciência do seu cheiro de mulher misturado ao perfume das flores.

Beijo-a, não chupo, nem lambo, mas beijo-a em sua intimidade, meus lábios se movendo como faço quando estão em sua boca, a língua entrando e saindo dela, trazendo ao meu paladar os seus sabores, fazendo meu pau se contrair a ponto de ser doloroso, como se fosse rasgar de tesão.

Samara geme, agarra meus cabelos, contrai as pernas como faz sempre que está prestes a gozar. Desloco o foco do beijo para o exato ponto de tensão que ela quer tanto liberar.

Ouço-a gritar, suas pernas travam minha cabeça entre suas coxas, sua respiração sai acelerada, e o líquido quente e pouco mais espesso que o da lubrificação escorre para minha língua.

Não me contenho mais, ergo-me e entro nela ainda sentindo as contrações de sua vagina. Samara urra e se aferra a mim, arranhando minhas costas. Beijo-a, compartilhando seu gozo, movendo-me intensamente dentro de si, causando outra explosão de prazer nela.

— Quero tudo de você, Alexios! — ela diz ainda gemendo. — Me come como gosta, como gostamos!

Abro um sorriso e não me faço de rogado. Retiro-me de sua maravilhosa boceta e ergo suas pernas, apoiando-as sobre meus ombros. Uso a cabeça do meu pau para levar até seu rabo apertado a lubrificação de que preciso e começo a entrar devagar, sentindo aquela pressão gostosa ao passar pelo ânus, deslizando para dentro de sua bunda como se estivesse entrando no paraíso.

Samara adora quando faço isso! Desde que iniciamos a fazer sexo anal, ela se surpreendeu com o prazer que sentia, e eu, claro, senti-me um puta sortudo por isso.

Brincamos muito antes de fazer a sério, e acho que isso ajudou a mantê-la relaxada, consciente de todos os pontos sensíveis que há nessa área.

Samara abre as pernas, levando sua mão safada até seu clitóris, e eu não consigo desviar os olhos. Morro de tesão toda vez que ela faz assim, por isso essa posição é nossa preferida, porque a vejo extrair o prazer de todas as formas possíveis.

— Queria ter trazido o anel companheiro nessa viagem — comento, e ela concorda. — Mas imagina a mala passando pelo raio-x do aeroporto e ficando retida por ter um pênis extra nela!

Rimos juntos até que eu me encaixo totalmente em seu interior.

— Porra, vou aguentar pouco agora — confesso, sentindo já os efeitos do orgasmo. — Quero assistir a você gozar mais uma vez antes.

— Então mete, Alexios!

Sorrio cheio de malícia.

— Seu pedido é uma ordem!

Ondulo meus quadris devagar, saboreando com o pau seu cuzinho apertado. Seguro seus pés, ganhando apoio para aumentar a velocidade à medida em que a mão dela também acelera sobre sua boceta.

É delicioso “pra caralho” ver e sentir!

Olho em seus olhos no exato momento em que goza, não deixo de olhá-la, vibrando com seu êxtase, adorando-a como a uma deusa pagã do sexo. Meu abdômen se contrai, e eu sei que estou em xeque-mate.

Meus pensamentos nublam, o corpo inteiro vibra, o suor aumenta na pele, e então explodo, urrando como um bicho, esvaindo-me dentro dela como se estivesse sendo tragado junto.

Caio ao seu lado, busco ar, enquanto o coração parece sair pela boca. Sinto tudo rodar, o ar parece carregado de energia, que vibra sobre meu corpo, eriçando meus pelos.

Porra!

Viro-me para ela, seus olhos lânguidos, inebriados de prazer e satisfação. Um sorriso bobo se desenha em mim, a segurança e a certeza de que ninguém poderia ser como ela. Somos um, duas metades que se completam perfeitamente.

— ...amo-te como um bicho, simplesmente, de um amor sem mistério e sem virtude, com um desejo maciço e permanente. — Samara sorri. — E de te amar assim muito e amiúde, é que, um dia em seu corpo de repente, hei de morrer de amar mais do que pude.23

O soneto do Poetinha sempre a fez sorrir, desde a adolescência, quando aprendeu a declamar cada uma das estrofes. Samara sempre foi apaixonada por poemas, e Vinícius de Moraes está entre seus poetas favoritos.

— É incrível como você me conhece e se lembra de cada detalhe meu! — Abraça-me. — Eu imaginava que nada que eu fizesse chamava sua atenção.

— Eu tentava, de verdade, não te perceber. Mas sabe o que descobri? — Ela nega. — Que somente o fato de você existir me faz amar você.

Samara sorri e beija a ponta do meu nariz.

— Eu sempre senti o mesmo! — confessa. — Obrigada pela surpresa!

Esfrego meu nariz no dela.

— Ela ainda nem começou!

 

 

 

                                                                                                    J. Marquesi

 

 

 

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