Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
AMANDO EVANGELINE
Davis Priesen não se considerava um covarde, mas preferia uma operação sem anestesia a enfrentar Robert Cannon para lhe dizer o que tinha que lhe dizer. E não porque pensasse que o presidente, diretor executivo e acionista principal do Grupo Cannon, ia responsabilizá-lo das más notícias. Cannon nunca tinha sido dos que matavam o mensageiro. Mas seus olhos verdes, já frios por natureza, podiam adquirir uma tonalidade gélida, e Davis sabia por experiência própria, que sentiria o atrito frio do medo na coluna vertebral. Cannon tinha fama de justo, mas também de cruel quando alguém tentava ir contra ele. Outros homens em sua posição, com seu poder isolavam-se por trás de montanhas de ajudantes. Mas só sua secretária particular guardava as portas que conduziam ao santuário de Cannon. Felice Koury estava há oito anos como secretária particular e dirigia o escritório com a precisão de um relógio suíço. Era uma mulher alta, de idade indeterminada, de cabelo cinza e a pele suave de uma garota de vinte anos.
Era impossível adivinhar sua idade por seu aspecto. Mostrava-se fria nas crises, eficiente até o pecado e nunca tinha mostrado o menor nervosismo, diante de seu chefe. Davis invejava essa qualidade nela.
-Bom dia, senhor Priesen - disse quanto entrou em seu escritório. Apertou um botão-. Chegou o senhor Priesen, senhor -pendurou o fone -. Ele o receberá agora –levantou e o levou até a porta.
O escritório de Cannon era enorme, luxuoso e decorado com um gosto extraordinário. E era esse bom gosto que fazia que o efeito geral fosse relaxante em lugar de intimidador, apesar dos quadros originais nas paredes e tapetes persas no chão. À direita tinha um espaço onde se encontrava sofás e mesas, que incluía também televisão e vídeo. Seis grandes janelas decoravam a parede, emoldurando as paisagens de Nova York como se fossem quadros. As janelas eram também uma obra de arte por si mesmas, com vidros polidos que assemelhavam a diamantes quando luz passava por eles.
A mesa de Cannon era uma antigüidade, uma obra de arte de madeira negra talhada que supostamente tinha pertencido aos Romanov no século XVIII. Ele parecia se sentir bem à vontade atrás dela.
Era um homem alto, magro, com a graça e elegância de uma pantera. De cabelo negro e olhos verdes pálidos que também lhe davam um ar felino.
Levantou-se para estreitar com força a mão de Davis.
Em outras ocasiões, o teria convidado para que sentasse em um dos sofás e tomasse um café. Mas aquela não era uma dessas ocasiões. Cannon sabia ler a expressão das pessoas em suas faces e podia ver a tensão no semblante de Davis.
- Eu iria dizer que fico contente em vê-lo, mas acho que não vou gostar do que você tem a dizer.
-Acredito que não, senhor.
-É sua culpa?
-Não, senhor -decidiu ser sincero-. Ainda que eu devesse ter percebido antes.
-Relaxe e sente-se -disse Robert com gentileza-. Se não é sua culpa, está seguro. E agora me diga qual é o problema.
Davis se sentou com nervosismo, na beirada de uma cadeira com estofado macio.
-Alguém em Huntsville está vendendo nosso software para a estação espacial -disse.
Cannon ficou muito quieto, e seus olhos adquiriram aquela tonalidade gélida que Davis temia.
-Tem provas? -perguntou.
-Sim, senhor.
-Sabe quem é?
-Creio que sim, senhor.
-Conte-me.
Davis explicou como tinha começado a suspeitar e pesquisado um pouco por sua conta para confirmar suas suspeitas antes de acusar alguém. Cannon escutava em silêncio, e Davis secava o suor da testa enquanto descrevia os resultados de sua investigação. A PowerNet, uma empresa do Grupo Cannon situada em Huntsville, Alabama, trabalhava nesse momento em programas tecnológicos altamente secretos para a NASA.
E esses programas estavam aparecendo nas mãos de uma empresa com base em outro país. Não era só um caso de espionagem industrial, o que já teria sido bastante ruim; era traição. Suas suspeitas se centravam em Landon Mercer, o diretor da empresa. Mercer tinha se divorciado no ano anterior e seu estilo de vida tinha melhorado consideravelmente. Tinha um bom salário, mas não tanto para manter uma família e viver como vivia. Davis tinha contratado os serviços de uma agência de investigação que descobriu pagamentos importantes nas contas de Mercer. Depois de seguí-lo várias semanas, averiguaram que visitava de modo regular um porto desportivo em Guntersville, uma cidade pequena no lago Guntersville, a cerca do rio Tennessee.
A proprietária do pequeno porto era uma mulher chamada Evie Shaw; os investigadores ainda não tinham conseguido encontrar nada anormal em suas contas bancárias ou nos seus hábitos, o que talvez só significasse que era mais esperta do que Mercer. Mas em duas ocasiões ao menos, Mercer tinha alugado uma lancha motora e, pouco depois de se afastar do porto, Evie Shaw tinha fechado seu comércio e o tinha seguido em outra lancha. Tinham voltado separados, com um quarto de hora de diferença. Dava a impressão de que se reuniam em algum ponto do grande lago, onde seria fácil ocultar suas ações e ver ou ouvir qualquer um que se aproximasse. Era muito mais seguro do que tentar levar a cabo um negócio clandestino no porto. De fato, a grande atividade que este registrava fazia parecer ainda mais estranho que ela o fechasse no meio do expediente.
Quando Davis terminou de falar, o rosto de Cannon era inexpressivo.
-Obrigado -disse com calma-. Avisarei ao FBI. Bom trabalho.
Davis ruborizou e pôs-se em pé.
-Sinto não ter descoberto antes.
-A segurança não é de sua incumbência. Alguém falhou em seu trabalho. Também me ocuparei disso. É uma sorte que seja tão atento –Robert tomou nota mentalmente de aumentar o salário de Davie, e começar a prepará-lo para postos de mais responsabilidade. Tinha mostrado uma agudeza e iniciativa que não deviam ficar sem recompensa. - Asseguro que o FBI vai querer falar com você mais tarde, assim teste estar disponível.
-Sim, senhor.
Robert chamou o FBI pela sua linha privada quanto se viu só. Pediu dois agentes e, tal era sua influência, que lhe asseguraram que estes estariam em seu escritório antes do meio dia.
Uma vez feito isso, considerou as opções que tinha perante si. Não permitiu que sua fúria nublasse seu pensamento. As emoções incontroladas não só eram inúteis senão também estúpidas, e Robert não permitia estupidez. Tomava como algo pessoal que alguém de suas empresas vendesse programas secretos; era uma mancha em sua reputação. Desprezava gente capaz de vender o seu país por dinheiro e não se deteria diante de nada até metê-lo na prisão. Quinze minutos depois, tinha elaborado um plano de ação.
Os dois agentes chegaram em vinte minutos. Robert pediu a Felice que não os interrompessem.
Levantou-se para saudá-los sem deixar de examiná-los. O mais jovem tinha uns trinta anos e o outro, uns cinqüenta. O primeiro parecia seguro de si mesmo, e os olhos azuis do segundo, meio ocultos por óculos de aros metálico, mostravam cansaço, mas também um brilho inteligente. Não era nenhum agente novato.
Estendeu a mão Robert.
-Senhor Cannon? Sou William Brent, agente especial. Meu colega é Lee Murray, agente especial formado em contraespionagem.
-Contraespionagem -murmurou Robert. A presença daqueles dois homens implicava que o FBI já estava pesquisando a PowerNet-. Acertaram, cavaleiros. Sentem-se.
-Uma companhia como a sua -comentou Brent, sentando-se-, que tem tantos contratos com o Governo costuma ser um bom alvo para a espionagem. Ademais, sei que você também tem experiência nessa área, pelo que foi fácil perceber que precisava de nosso talento nesse campo.
Robert pensou que ele era muito bom; o tipo de pessoa que inspirava confiança. Queriam averiguar se sabia de algo, mas não mencionariam a PowerNet se não o fizesse ele antes.
-Vejo que vocês também já têm a informação -disse com expressão inescrutável-. Gostaria de saber por que não me contataram de imediato.
William Brent fez uma careta. Tinha ouvido dizer que Robert Cannon não deixava passar nada por alto, mas não esperava que fosse tão atento.
Cannon o olhava com as sobrancelhas erguidas, convidando-o a se explicar, uma expressão que muita gente achava difícil de resistir.
Brent conseguiu controlar a vontade de falar, misturando explicações com desculpas; surpreendia-o sentir aquele impulso. Observou Robert Cannon com mais atenção. Já sabia muitas coisas sobre ele. Era proveniente de uma família culta e de dinheiro, mas tinha feito muito mais dinheiro por sua conta e tinha uma reputação impecável. Tinha também muitos amigos tanto no Departamento de Estado como no de Justiça, homens poderosos que sentiam um grande respeito por ele.
-Olhe - lhes tinha dito um daqueles homens-. Se há algo podre em alguma das empresas do Grupo Cannon, agradeceria pessoalmente que avisasse a Robert Cannon antes de fazer qualquer coisa. – Não posso fazê-lo – respondeu Brent-. Poria em perigo a investigação.
- Nada disso -replicou o outro-. Eu confiaria a Cannon os segredos mais importantes deste país. A verdade é que já o fiz em várias ocasiões. Ele nos fez... favores.
-É possível que esteja envolvido -advertiu Brent, relutante ainda, à idéia de informar a um civil sobre a situação que ocorria em Alabama.
Mas o outro homem moveu a cabeça.
-Não. Robert Cannon não.
Depois de descobrir algo sobre a natureza e a magnitude dos «favores» feitos por Cannon e os perigos envolvidos, Brent tinha aceitado informar Cannon da situação, antes de pôr qualquer plano em ação. Mas o telefonema do empresário adiantou seu plano, que tinha sido guardar silêncio até averiguar o que estava acontecendo e o porquê de tê-los chamado. Brent estava habituado a julgar pessoas, mas com Cannon era difícil. Parecia um homem rico, culto e sofisticado e sem dúvida o era, mas, ainda assim, era só a primeira impressão. As outras, fossem as quais fossem, estavam tão bem ocultas que só supunha a sua existência, ainda assim, devido basicamente ao seu acesso a informações privilegiadas.
Tomou uma decisão rápida e se inclinou para frente.
-Senhor Cannon, vou lhe dizer muito mais do que era a minha intenção. Temos um problema com uma de suas empresas, uma empresa de software no Alabama.
- O que lhe pareceria se eu dissesse o que sei e depois vocês me dissessem se têm algo o que adicionar? -perguntou Robert.
Contou com calma o que tinha descoberto através de Davis Priesen. Os dois agentes trocaram um olhar involuntário que informou a Robert que eles tinham averiguado menos do que Davis.
Quando terminou, William Brent carraspeou.
-Meus parabéns -disse-. Você está na frente da gente. Isso ajudará muito na investigação.
-Irei para lá amanhã pela manhã - informou Robert.
Brent parecia não aprovar aquilo.
-Senhor Cannon, agradeço seu desejo de ajudar, mas é melhor que nos ocupemos disso.
-Você não entende. Minha intenção não é ajudar. É minha empresa, meu problema. Ocuparei-me dele pessoalmente. Só estou comunicando a situação e minhas intenções. Eu não tenho tempo de preparar um disfarce e me introduzir na operação, porque é de minha propriedade. Mas, os manterei informados.
Brent movia a cabeça.
-Não, nada disso.
-Quem melhor? Não só tenho acesso a tudo, mas a minha presença não será tão alarmante como a de pesquisadores federais -fez uma pausa-. Não sou nenhum lunático -comentou com gentileza.
- Eu sei disso, senhor Cannon.
-Nesse caso, sugiro que falem disto com seus superiores -olhou seu relógio-. Eu por minha parte tenho preparativos que fazer.
Não duvidava de que, quando Brent falasse com seus superiores, estes lhe diriam que retrocedesse e deixasse Robert Cannon solucionar seus problemas sozinho. Ofereceria-lhe assistência, é lógico, mas o agente Brent descobriria que era ele quem dava as ordens.
Passou o resto do dia despachando sua agenda. Felice reservou uma passagem de avião e um quarto num hotel em Huntsville. Antes de ir àquela noite; olhou seu relógio. Ainda eram oito horas em Nova York, em Montana eram só seis, e no verão se trabalhava no rancho até muito mais tarde do que no inverno.
-Casa de loucos Duncan -disse a voz de sua irmã-. Madelyn falando.
Robert soltou uma risada. Ouvia ao fundo o ruído que faziam seus dois sobrinhos.
-Foi um dia duro? -perguntou.
-Robert! -exclamou a outra, com prazer-. Mais ou menos. Estaria interessado em uma prolongada visita de seus sobrinhos?
-Por enquanto não. Não estarei em casa.
-Aonde você vai agora?
-Huntsville. Alabama.
A mulher fez uma pausa.
-Lá faz calor.
-Eu sei. Pode ser que transpire -advertiu ela-. Pense em como isso o incomodaria.
Robert sorriu.
-É um risco que tenho que correr.
-Deve de ser importante. Problemas?
-Alguns contratempos.
-Cuida-se.
- Farei isso. Se descobrir que tenho que ficar mais do que espero, ligarei e darei o meu número.
-De acordo. Amo você.
-Eu também amo você.
Pendurou com um sorriso. Era típico de Madelyn não fazer perguntas, mas percebera de imediato a gravidade da situação que o esperava em Alabama. Em seis palavras tinha mostrado seu apoio e seu amor. Ainda que na realidade fosse apenas sua irmã de criação, o afeto e a ligação entre eles eram tão fortes como se fossem parentes de sangue.
A seguir ligou para Valentina Lawrence, a mulher com quem saía ultimamente.
A relação não tinha avançado muito, para que tivesse que esperar a sua volta, assim, o melhor para os dois seria que deixasse claro que poderia sair com outro se assim desejasse. Era uma lástima; Valentina era popular demais para permanecer sozinha por muito tempo e suspeitava que ficaria várias semanas no Alabama.
Era o tipo de mulher que mais atraía Robert: alta, delgada, de seios pequenos. Maquilada sempre de modo impecável, e vestida com gosto e elegância. Tinha uma personalidade agradável e gostava do teatro e de ópera tanto quanto ele. A não ser por aquele contratempo, teria sido uma companheira maravilhosa. Fazia vários meses que tinha terminado sua última relação e se sentia incomodado. Preferia viver com uma mulher a viver só. Gostava das mulheres, tanto mentalmente como fisicamente, e costumava preferir a segurança de uma relação estável. Não lhe agradavam as aventuras de uma noite e desdenhava os que o faziam. Geralmente esperava até que a mulher se comprometesse em uma relação para fazer amor com ela.
Valentina aceitou com simpatia a notícia de sua ausência. Além disso, não eram amantes e nem tinham direito a exigirem-se nada. Captou certa decepção em sua voz, mas não pediu que ligasse quando voltasse.
Uma vez concluído isso, ficou sentado por alguns minutos, pensando nessa relação que não tinha chegado à intimidade e em quando teria tempo de se ocupar da parte sexual de sua vida. Não o agradava a idéia de esperar muito.
Tentava ter sua sexualidade sempre bem controlada. Nunca pressionava uma mulher, ainda que, deixasse claro quando se sentia atraído para que soubesse onde estavam. Mas deixava que ela marcasse o ritmo, a velocidade com a qual queria avançar. Respeitava a cautela natural de uma mulher na hora de abrir seu corpo a um homem maior e forte. E no sexo, tratava às mulheres com gentileza e sem pressa, até tê-las completamente excitadas. Um controle assim não era difícil. Podia passar horas acariciando um corpo feminino. Ir devagar o ajudava a acalmar sua fome e intensificava a de sua colega.
Não tinha nada como a primeira vez com uma nova mulher. Depois a experiência já não era tão intensa nem carregada de desejo. Sempre tentava fazer que ela se sentisse especial. Não economizava nos pequenos detalhes que faziam que uma mulher se sentisse valorizada: jantares românticos para dois, velas, champanhes, presentes caros e toda a sua atenção. E quando chegava o momento de irem para a cama, utilizava todo o seu controle e habilidade para dar-lhe satisfação uma e outra vez antes de permitir ter a sua.
Irritava-o pensar no que o problema de Alabama, ira fazê-lo perder.
Ouviu um chamado da porta e a cabeça de Felice apareceu no vão.
-Deveria ter ido pra casa - falou -. Não tinha por que ficar.
-Um mensageiro trouxe isto -a mulher se aproximou para deixar a encomenda na mesa.
-Vá pra casa -repetiu ele-. É uma ordem. Chamarei-a amanhã.
-Quer algo antes que eu vá? Café?
-Não, eu também irei em seguida.
-Então tenha boa viagem -sorriu, antes de sair.
Robert duvidava de que tivesse algo bom naquela viagem. Sentia desejos de vingança, de sangue.
Notou que o envelope marrom não continha remetente. Abriu-o e tirou vários papéis. Tinha uma fotografia, um resumo da situação e o que já sabiam, e uma mensagem do agente Brent identificando a mulher da foto e informando-o de que o FBI colaboraria com ele em todo momento, coisa que já esperava.
Estudou a foto. Era de má qualidade e mostrava a uma mulher de pé num porto com marcos a motor a suas costas. Evie Shaw. Usava óculos de sol, assim não podia dizer muito além de que tinha cabelos loiros e revoltos e que parecia forte e atlética. Não era nenhuma Mata Hari. Parecia bem mais uma profissional feminina de luta livre mau vestida, uma idiota que vendia seu país por dinheiro.
Devolveu os papéis ao envelope. Estava desejando fazer justiça com Landon Mercer e Evie Shaw.
Era um dia verão de muito calor, típico do sul. O céu mostrava um tom azul profundo e aparecia pontilhado de nuvens brancas que deslizavam empurradas por uma brisa tão leve que mal movia a superfície do lago. Uns quatros pescadores e praticantes de esqui aquático dividiam a água do lago, mas a maioria dos pescadores tinha saído cedo e voltado antes de meio dia. O ar era pesado e úmido, intensificando os cheiros do lago e as luxuriosas montanhas que o rodeavam.
Evangeline Shaw contemplava seu domínio dos grandes janelas da parte de trás do edifício principal do porto. Todo mundo precisa de um reino próprio e o seu era aquele labirinto de cais e barcos. Nada do que ocorria ali escapava de seus olhos. Cinco anos atrás, quando se tornou seu, estava nas últimas e mal cobria os gastos. Precisou de um grande empréstimo para investir a injeção de capital que requeria, mas em menos de um ano tinha começado a dar mais benefícios que nunca. Com sorte, terminaria de devolver o empréstimo em três anos. E então o porto seria só seu, livre de dívidas e poderia expandir e diversificar um pouco. Confiava que os negócios seguiriam assim; a pesca tinha baixado muito devido ao programa de «controle de moléstias» por parte da Autoridade do Valle Tennessee, que tinha conseguido matar a maior parte das plantas aquáticas que albergavam e protegiam aos peixes.
Mas ela tinha se mostrado cautelosa. Sua dívida era manejável, diferentemente da de outros, que pensaram que o bom da pesca duraria pra sempre e tinham-se endividado muito para se expandirem.
O velho Virgil Dodd tinha feito companhia a ela a maior parte da manhã, sentado na espreguiçadeira por trás do balcão, distraindo seus clientes e a ela com histórias de quando era jovem no princípio do século. O ancião era tão duro como uma sola de sapato, mas tinha quase cem anos e Evie temia que não durasse muito mais. O conhecia durante toda a sua vida, e sempre já velho, com poucas mudanças, tão permanente como o rio ou as montanhas. Mas sabia muito bem o quão incerto é a vida humana e aproveitava as manhãs que Virgil passava com ela. E ele também as desfrutava; já não saía para pescar, mas ali se sentia ainda próximo dos barcos, podia ouvir o ruído da água contra os cais e cheirar o lago.
Agora estavam só os dois e o velho tinha começado outra das histórias sobre sua juventude. Evie, sentada num banquinho, olhava de vez em quando pelas janelas para ver se alguém se aproximava da entrada do cais, sem deixar de prestar atenção em Virgil. A porta lateral abriu-se e um homem alto e magro entrou. Ficou quieto um momento; depois tirou os óculos de sol e se aproximou dela com um andar de uma pantera silenciosa.
Evie só lhe lançou uma olhada rápida antes de voltar sua atenção para Virgil, mas foi suficiente para deixar suas defesas armadas. Não sabia quem era, mas reconhecia o que era: um forasteiro. Tinha muitos ianques que tinham se aposentado em Guntersville, atraídos por seus invernos suaves, o custo baixo da vida e a beleza natural do lago, mas ele não era um deles. Para começar, era muito jovem para estar aposentado. Sua roupa era cara e sua atitude desdenhosa. Evie conhecia os de sua classe. E não a impressionavam de nenhum sentido.
Mas não era só isso. Também era perigoso
Ainda que sorrisse para Virgil, examinava instintivamente o desconhecido. Ela tinha se criado com garotos temerários e problemáticos. O sul os produzia em abundância. Mas esse homem era outra coisa. Não procurava o perigo, ele era o perigo. Possuía um temperamento e uma vontade que não admitiam oposição, uma força de caráter que assomava, sem dissimulação, de seus olhos verdes.
Não sabia como ou por quê, mas pressentia que era uma ameaça para ela.
-Desculpe-me -disse. E a profundidade de sua voz a acariciou como veludo. Um arrepio percorreu sua espinha. Suas palavras eram corteses, mas à vontade de ferro que escondiam lhe disse que esperava que o atendesse no ato.
A jovem lhe lançou um olhar rápido.
-Em seguida atenderei você -disse com cortesia. Voltou-se ao ancião-. E daí o que se passou então, Virgil? -perguntou com calor. Robert manteve o rosto inexpressivo, ainda que a falta de resposta da mulher o surpreendesse. Não estava acostumado a que não lhe fizessem caso e menos ainda uma mulher. As mulheres respondiam sempre a intensa virilidade que tão bem controlava. Não era vaidoso, mas a atração que exercia sobre o sexo feminino era algo que dava como certo. Não se recordava de ter desejado um mulher que cedo ou tarde não possuísse.
Mas estava disposto a esperar e aproveitar a oportunidade para observar àquela mulher. Seu aspecto o tinha balançado um pouco, algo não habitual nele. Ainda não tinha ajustado suas expectativas à realidade.
Não tinha dúvida de que se tratava de Evie Shaw. Mas não era a mulher atlética que esperava. A imagem que tinha feito em sua mente devia ser obra de uma mistura de má fotografia e roupa larga. Procurava uma mulher robusta e mal-educada, mas não foi isso o que encontrou.
Na verdade era como se... tivesse um brilho próprio.
Era uma ilusão, produzida talvez pela luz do sol que entrava pelas grandes janelas, formando um halo em torno de seu cabelo e iluminando seus olhos amendoados. A luz acariciava sua pele dourada, que se mostrava tão suave e sem mácula como a de uma boneca de porcelana. Ilusão ou não, a mulher era luminosa.
Sua voz era surpreendentemente profunda e um pouco rouca, e recordava a películas de Humphrey Bogart e Lauren Bacall. Tinha um acento preguiçoso e líquido, tão melodiosos como o murmúrio de um ribeiro ou o vento entre as árvores, uma voz que o fazia pensar em lençóis revoltos e noites longas e quentes.
O velho se inclinou para frente, com as mãos juntas na bengala. Seus olhos, de um azul desbotado, estavam cheios de riso e recordações de outros tempos.
-Tínhamos feito tudo o que nos ocorreu para afastar John H. da destilaria, mas sem sucesso. Tinha uma escopeta de canhões recortados, carregada com balas, assim tínhamos medo de achegarmos muito. Cada vez que brandia a escopeta, saíamos correndo como coelhos...
Robert olhou ao seu redor. Apesar do descomposto do edifício, o negócio parecia florescer, a julgar pelo número de lanchas que estavam ocupadas nesse momento. Num tabuleiro por trás do balcão estavam as chaves de contato das lanchas e barcos de aluguel, cada uma com uma etiqueta e um número.
Virgil seguia com sua história. Evie Shaw jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada profunda como sua voz. Robert se deu conta de repente de até que ponto tinha se acostumado ao riso educado e controlado, e o superficial que parecia ao lado daquela gargalhada franca. Tentou resistir ao impulso de olhá-la, mas, para sua surpresa, era impossível.
Observou-a com expressão inescrutável.
Não se parecia em nada com as mulheres que sempre o tinham atraído. E ademais era uma traidora, ou ao menos alguém que participava de uma espionagem industrial. Tinha intenção de levá-la perante a justiça. Mas não podia afastar a vista dela nem evitar que um calor intenso o envolvesse.
As mulheres que desejava normalmente possuíam estilo, sofisticação. Mulheres bem vestidas, perfumadas e educadas. Sua irmã Madelyn tinha qualificado algumas delas de manequins, mas ela mesma se vestia com muita elegância, pelo que, seu comentário divertiu mais do que o irritou.
Evie Shaw, em contrapartida, não parecia dar atenção à roupa. Usava uma camiseta atada na cintura, calças jeans tão velhas que quase tinham perdido toda a cor e sapatilhas igualmente velhas. Seu cabelo, que oscilava do castanho claro ao loiro pálido e incluía diferentes tons dourados, estava preso numa trança tão grossa como seu pulso e chegava até a metade das costas. Não usava maquilagem, mas sua pele não o precisava.
Como podia brilhar daquele modo? Não era o suor, que dava a estranha impressão que a luz se sentia atraída por ela, como se sempre a iluminassem subtis raios. Tinha a pele bronzeada, de um tom dourado cremoso. Até seus olhos mostravam o tom marrom dourado do topázio escuro.
Sempre se sentira atraído por mulheres altas e magras, mas Evie Shaw não media mais de um metro sessenta, e possivelmente menos. Também não era delgada. «Exuberante» e «deliciosa» eram palavras que vinham em sua mente ao vê-la. Tomado de surpresa pela violência de sua reação, perguntou-se se queria fazer amor ou devorá-la, e a resposta imediata a essa pergunta foi um «sim» inquestionável. Às duas opções.
Era uma sinfonia de curvas, pura essência feminina. Nada de quadris delgados andróginos, ossos amplos e traseiro firme e arredondado. Sempre o atraira a delicadeza dos seios pequenos, mas agora não podia afastar a vista dos silhueta revelada pela camiseta. Não eram grandes nem pesados, mas sim bastante cheios para serem tentadores.
Tudo nela parecia feito para um homem se deliciar, mas não o agradava sua reação a ela. De isso acontecia com ele, podia bem imaginar que talvez Mercer era um peão em lugar do contrário. Era uma possibilidade que ele não podia ignorar.
Não só não se parecia com nada com as mulheres que costumava atrai-lo, com também estava furioso consigo mesmo por desejá-la. Tinha ido ali para reunir provas com as quais iria enviá-la a prisão e isso era algo que não podia perder de vista. Aquela mulher estava metida até a cintura na sujeira da espionagem e só devia sentir desgosto por ela. E em vez disso, lutava com um desejo físico tão intenso que lhe custava reprimir. Não queria cortejá-la ou seduzi-la, queria levá-la a seu quarto e possuí-la. Desejava-a e não tinha nada civilizado nem gentil naquilo. E aquele desejo era uma ofensa a sua inteligência e autocontrole.
Queria poder omitir a atração, mas não podia. Evie Shaw, por sua vez, nem lhe dava atenção, como também se mostrava totalmente indiferente perante a sua presença. Podia ser um poste e teria lhe prestado a mesma atenção.
A porta se abriu e entrou uma mulher jovem vestida com calção, sandálias e camiseta. Sorriu. -Oi -olhou para os de trás do balcão-. Aproveitou a visita? -perguntou ao velho-. Quem veio hoje?
-Eu passei bem -Virgil se pôs em pé com ajuda da bengala-. Burt Mardis esteve um momento conosco, e os dois garotos Gibbs passaram por aqui. Pegou aos meninos?
-Estão no carro com as compras -olhou para Evie-. Desculpe-me sair correndo, mas faz tanto calor que tenho que guardar a comida antes que estrague.
-Não se preocupes–respondeu Evie-. Adeus Virgil. Cuide desse joelho, viu? E volte cedo.
-O joelho já está melhor - assegurou ele-. Ficar velho não é divertido, mas é melhor que morrer – piscou um olho e avançou para a porta.
-Até depois, Evie -disse a mulher jovem.
Sorriu de novo para Robert ao passar.
Este se apoiou no balcão e comentou:
-Suponho que seja sua neta.
Evie moveu a cabeça e se virou para vê-lo. Estava muito consciente de estar a sós com ele, o que era ridículo; sempre estava a sós com clientes várias vezes ao dia e não costumava se sentir incômoda. Até aquele momento.
-Bisneta -disse-. Vive com ela. Desculpe que o tenha feito esperar, mas clientes terei vários e Virgil tem noventa e três anos e pode ser que não continue aqui muito tempo.
-Compreendo -repôs ele com calma. Estendeu-lhe a mão, num gesto calculado para fazer com que o olhasse, que se fixasse nele-. Sou Robert Cannon.
A mulher lhe estreitou a mão brevemente, com força.
-Evie Shaw - disse. Voltou-se-. Do que precisa, senhor Cannon?
Até então, Robert pensava que não tinha se fixado nele, mas começava a mudar de opinião; era mais bem o inverso. Estava muito consciente dele e se sentia incômoda. Todos seus planos mudaram de repente. Havia entrado ali procurando só dar uma olhada, comprar uma licença de pesca ou um mapa, mas agora era diferente. Em lugar de colar-se a Mercer como uma sombra, o faria com Evie Shaw.
Por que a deixava tão incomodada? A única explicação era que sabia quem era. E nesse caso, essa operação era mais sofisticada do que tinha pensado. Mudou, naquele momento, a base da investigação de Huntsville a Guntersville. Antes da queda da União Soviética tinha se sentido atraído por agentes inimigos num par de ocasiões. Levá-la para cama seria um risco, mas também uma delícia. O perigo tinha intensificado o prazer. E suspeitava que se deitar com Evie Shaw seria algo que não esqueceria nunca.
Primeiro preciso de uma informação -respondeu, irritado porque ela continuava sem olhá-lo. Mas a irritação não aparecia em sua voz. Tinha que acalmar suas suspeitas, fazer com que se sentisse cômoda. Ela só podia saber que era um executivo rico e, se era tão culpada como ele achava, veria cedo as vantagens de aproximar-se dele, não só pelo que podia dar-lhe, senão pela informação que podia arrancar-lhe. Uma aventura de verão seria ideal para seus planos, e ele pensava dar-lhe justo aquilo.
-Talvez deva passar pelo Escritório de Turismo -sugeriu ela.
-Talvez -murmurou ele-. Mas me disseram que você pode me ajudar.
-Talvez. Que tipo de informação procura?
-Penso passar aqui o resto do verão. Quero alugar uma lancha, mas também contratar alguém que me mostre o lago. Disseram-me que você conhece a zona tão bem como ninguém mais.
A mulher o olhou-o nos olhos.
-É verdade, mas não faço o papel de guia. Posso alugar a lancha, mas nada mais. - Tinha levantado um muro quanto o viu e não tinha intenção de diminui-lo o mínimo que fosse.
Robert lhe lançou um sorriso amável, capaz de amansar a uma fera. -Compreendo. Você não me conhece.
A mulher pareceu vacilar.
-Não é isso. Não conheço muitos clientes.
-Creio que a tarifa para guias é de cem dólares ao dia mais gastos. Estou disposto a pagar o dobro.
-Não é questão de dinheiro, senhor Cannon. Não disponho de tempo.
Não conseguiria nada a pressionando e tinha muito que fazer antes de começar a perseguí-la de verdade. Por enquanto tinha se assegurado de que ela não o esqueceria, e com isso bastava para o primeiro encontro.
-Pode recomendar-me um guia, então? -perguntou.
A jovem lhe deu vários nomes, que ele memorizou, já que tinha toda a intenção de explorar a fundo o rio.
-Quer ver as lanchas que estão disponíveis? -perguntou depois ela.
-Sim, claro.
A mulher tomou um telefone móvel e o colocou no cinto. Saiu do balcão e Robert a seguiu observando seus quadris e o traseiro em forma de coração, que os jeans marcavam bem. A cabeça dela não lhe chegava nem ao ombro. Foi difícil para ele desviar o olhar de seu traseiro.
-Deixa o escritório sozinho? -perguntou quando estavam no cais. A luz do sol lhe cegava, e voltou a pôr os óculos de sol. Fazia um calor incrível, como numa sauna.
-Daqui vejo se chega alguém -repôs ela.
-Quantas pessoas mais trabalham aqui?
A jovem o olhou com curiosidade.
-Tenho um mecânico e um garoto que trabalha pelas manhãs no verão e pelas tardes quando há colégio.
-Qual é o horário de funcionamento?
-De seis da manhã a oito da noite.
-É muito tempo.
-Não está tão mau. No inverno só abro de oito as cinco.
Eram quatro ancoradouros de madeira que continham espaços para os barcos, e a maioria dos lugares estavam ocupados. Diferentes tipos de barcos flutuavam na água plácida Os quatro cais cobertos se encontravam à esquerda e a entrada deles estava bloqueada por uma porta de barrotes. À direita tinha dois cais descobertos, para ser usados pelo tráfico geral. Os barcos e lanchas de aluguel se achavam nas duas primeiras fileiras do cais mais próximo à loja.
Evie abriu o cadeado que mantinha a porta fechada e entraram no ancoradouro flutuante.
-Que tamanho quer? -perguntou.
O homem tomou outra de suas decisões rápidas.
-Quero comprar um barco pequeno. Um para correr. Pode recomendar-me um bom lugar por perto?
A mulher o olhou um momento.
-Há vários pontos de venda na cidade. Não lhe custará muito encontrar o que quer – voltou-se e começou a andar de novo para o escritório com passos seguros.
Robert a seguiu uma vez mais, desfrutando da vista tanto como antes. Seguramente pensava que tinha se livrado dele, mas nada mais longe da realidade.
-Quer jantar comigo esta noite? -perguntou com voz calma.
A jovem se deteve com tal brusquidão, que se chocou contra ele. Podia ter evitado o contato, mas tropeçou deliberadamente. A mulher cambaleou e ele a agarrou pela cintura para ajudá-la, apoiando suas costas contra si. Sentiu o arrepio que percorreu o corpo dela e saboreou a sensação de seu corpo contra suas mãos, coxas e ventre.
-Perdão -disse divertido-. Não sabia que a idéia de jantar comigo desse tanto medo.
Evie permaneceu imóvel, como se estivesse paralisada pelas mãos dele na cintura. O silêncio cresceu entre eles, espessando-se. Estremeceu de novo, um movimento delicado e sensual que o excitou muito. Por que não se movia, por que não dizia algo?
-Evie? –murmurou.
-Não -contestou ela com brusquidão, com a voz mais rouca do que de costume. Afastou-se-. Sinto, mas não posso jantar com você.
Um barco entrou então no porto e ele viu que seu rosto se iluminava com um sorriso ao reconhecer o cliente. Enfureceu-o a facilidade com a qual ela sorria a outros enquanto a ele mal olhava.
A jovem levantou o braço esquerdo para saudar e Robert olhou surpreendido para a sua mão esbelta.
Usava um anel de casada.
Evie tentava se concentrar nos livros abertos sobre a escrivaninha, mas não podia pensar nos rendimentos e gastos do dia. Um rosto moreno a distraía. Cada vez que pensava naqueles olhos claros de caçador, sentia um nó no estômago e o coração batia com força. Era medo. Ainda que tivesse se mostrado amável, Robert Cannon podia ocultar sua verdadeira natureza como uma pantera. Percebia que era uma ameaça para ela.
O instinto a impulsionava a armar-se contra ele, a deixá-lo fora de suas muralhas. Tinha lutado muito para permitir agora que um desconhecido moreno alterasse o que tinha conseguido. Levava uma vida intencionadamente plácida e ressentia contra aquela interrupção de sua tranqüilidade.
Levantou a vista para a pequena fotografia que tinha na estante superior de sua mesa Não era uma de suas fotos de casamento, que não olhava nunca. Era uma foto tirada no verão de seu último curso no instituto; tinha-se juntado a um grupo e passado o dia na água, voltando à orla para comer. Becky Watts levava a câmera de sua mãe e tirou fotos de todos. Matt perseguia Evie com um cubo de gelo que queria meter-lhe pela blusa, mas quando ao fim a agarrou, ela se defendeu e o obrigou a atirá-lo. Quando tiraram a foto, Matt sorria com a mão na cintura dela. Um Matt alto que começava a deixar para trás a adolescência e ganhar alguns quilos. Com o cabelo caindo sobre a testa, sorriso aberto e olhos azuis brilhantes. Sempre estava rindo. Evie não se incomodou em olhar à garota que era então, mas sim viu como Matt a sustentava, o vínculo entre eles era evidente. Mirou a aliança de ouro que levava na mão esquerda. A aliança de Matt.
Depois dele não havia tido outro. Não tinha querido a ninguém. Não a tinham interessado nem tentado outros homens. Havia pessoas que a queriam bem, é lógico, mas num sentido romântico estava tão isolada, que ignorava se atraía a algum homem... até que entrou Robert Cannon em seu escritório e a olhou com olhos como o gelo verde. Tinha sentido seu olhar fixo nela como um laser. E pareceu perigoso.
Foi embora depois de olhar os barcos, mas voltaria. Sabia sem nenhuma dúvida. Suspirou e saiu para o cais. O ar cálido noturno a envolvia. Sua casa era ao pegada ao cais, com degraus que levavam do cais da empresa a seu cais privado. Sentou-se numa das cadeiras do pátio e pôs os pés no balaústre, tranqüilizada pela paz do rio.
As noites de verão não eram silenciosas, havia um murmúrio constante dos insetos, rãs e aves noturnas, os dos peixes ao saltar, o sussurro das árvores e da correnteza do rio, mas tinha uma serenidade no ruído. Não tinha lua, assim as estrelas estavam muito visíveis na abóbada negra do céu, e sua luz frágil e brilhante se refletia num milhão de pequenos diamantes sobre a água. O rio principal se unia ao lago a menos de vinte metros de sua casa, e sua corrente produzia ondas na superfície.
Os vizinhos mais próximos estavam a quatrocentos metros, ocultos à vista por um promontório. As únicas casas que se viam de seu cais eram as do outro lado do lago, a mais de um quilômetro e meio de distância. O lago Guntersville, formado ao ser criado um barreira no rio Tennessee nos anos trinta, era grande e comprido, de forma irregular, com centenas de pequenas ilhas cobertas de árvores.
Sempre morara ali. Ali era onde estava seu lar, sua família, seus amigos, raízes longas e profundas de quase duzentos anos. Conhecia a paz das estações, o pulso do rio. Nunca tinha querido estar em outro lugar. Aquilo era sua fortaleza. Mas agora se via ameaçada por dois inimigos diferentes e teria que lutar para protegê-la.
A primeira ameaça a deixava furiosa. Landon Mercer não se propunha a nada de bom. Não o conhecia bem, mas tinha instinto para as pessoas e quase nunca se equivocava. Tinha um caráter retorcido que a incomodou desde o princípio, quando começou a alugar uma das lanchas motoras, mas demorou um par de meses para suspeitar dele. E foi por uma série de coisas pequenas... como o modo em que sempre olhava ao seu redor antes de sair do cais. E a expressão de triunfo e alívio com a qual regressava, como se tivesse conseguido fazer algo que não devia.
Sua roupa também não era apropriada. Esforçava-se para vestir-se como um pescador, mas não conseguia. Levava vara de pescar, mas Evie nunca o via usá-la. Depois, nunca regressava com peixes e sempre estava com o mesmo anzol. Sabia que era o mesmo porque lhe faltava um dos três ganchos. Não. Mercer não saía para pescar. E então, por que levava a vara? A única explicação lógica era que a usava como disfarce.
E Evie, que estava alerta a tudo o que pudesse ameaçar seu domínio, perguntava-se por que precisava um disfarce. Encontrava-se com uma mulher casada? Eliminou essa possibilidade. As lanchas eram barulhentas e não ajudavam a esconder-se. Se sua amante vivia numa casa isolada, um carro teria sido melhor, porque assim Mercer não teria tido o que temer em conta do estado do tempo. Se a casa tinha vizinhos próximos, a lancha atrairia atenção. As pessoas do rio costumava prestar atenção nos barcos que não conhecia. E um encontro no meio do lago também não era boa idéia, dado o tráfico do rio.
Drogas talvez. Talvez a caixa de pesca estivesse cheia de cocaína em lugar de iscas e anzóis. Com um sistema preestabelecido, não seria difícil vender no meio do rio; a patrulha do rio não podia aproximar-se sem que a visse e, se, se aproximassem, só tinha que jogar as provas na água. O momento mais perigoso seria antes de afastar-se com a lancha. E por isso olhava o estacionamento ao ir-se e nunca ao voltar. Porque já não levava as provas com ele.
Evie não tinha provas. Tinha tentado seguí-lo duas vezes, mas o tinha perdido na multidão de túneis e ilhas. Mas se usava uma de suas lanchas para vender drogas, era uma ameaça para seu negócio. Não só podiam confiscar-lhe o barco, como também prejudicá-la com uma publicidade negativa. Os donos dos barcos deixariam de alugar o espaço. Tinha mais portos na zona de Guntersville.
Em ambas as ocasiões, Mercer tinha se dirigido à zona coberta de ilhas que rodeava o Parque Marshall, onde era fácil perder de vista uma lancha. Evie conhecia cada centímetro do rio e sabia que acabaria encontrando-o. Não tinha nenhum plano para prendê-lo, supondo que fizesse algo ilegal. Nem sequer pensava aproximar-se muito. Levava uns binóculos potentes na lancha e só queria confirmar suas suspeitas. Se tivesse razão, falaria com o xerife e deixaria o trabalho para ele. Assim protegeria sua reputação e a do porto. A única coisa que queria era estar segura antes de acusá-lo.
O problema de seguir Mercer era que nunca sabia quando esperá-lo; se tinha clientes nesse momento, não podia deixar todos e subir numa lancha.
Mas esse problema solucionaria com o tempo. Robert Cannon, no entanto, era outra questão.
Não queria ter nada que ver com aquele homem de olhos frios e intensos, aquele ianque. Fazia que se sentisse como um rato diante de uma cobra: aterrorizada e fascinada ao mesmo tempo. Tentava ocultar sua força atrás de uns modos cosmopolitas e educados, mas a ela não lhe cabiam dúvidas sobre sua verdadeira natureza.
Desejava-a e queria tê-la. E não se importaria destruí-la na tentativa.
Girou sua aliança no dedo. Por que Matt não podia ter sobrevivido? Tinham passado anos e ela tinha sobrevivido, mas a morte dele a tinha mudado de modo irrevogável.
Era mais forte, sim, mas também mais solitária, isolada dos homens que pudessem desejá-la. Outros homens tinham respeitado essa distância. Ele não o faria. Robert Cannon era uma complicação que não podia permitir-se. No melhor dos casos, a distrairia num momento no qual precisava estar alerta. No pior dos casos, a deixaria sem defesas e tomaria o que queria para depois abandoná-la sem pensar nem um pouco em sua dor. Estremeceu. Tinha sobrevivido uma vez e não estava segura de voltar a fazê-lo.
Quando ele pôs a mão na sua cintura e a apertou contra seu corpo duro, o extraordinário prazer daquele contato a escandalizou e paralisou ao mesmo tempo. Fazia tantos anos que não sentia aquele tipo de prazer, que tinha esquecido o forte que era. Viu-se inundada de recordações. Mas suas recordações eram velhas, de dois jovens que já não existiam, e o tempo tinha adormecido aquelas lembranças, enquanto a imagem de Robert Cannon estava muito fresca em sua memória.
O melhor seria não lhe fazer caso, mas não sabia se ele permitiria.
Na manhã seguinte, Robert entrou nos escritórios da PowerNet e se apresentou à recepcionista, uma mulher roliça e astuta de trinta e tantos anos que de imediato fez um telefonema e o acompanhou pessoalmente ao escritório de Landon Mercer. Estava de mau humor desde que viu o anel de casamento na mão de Evie Shaw, mas sorriu à mulher e lhe deu agradeceu. Nunca pagava o pato com inocentes; seu autocontrole era tão grande, que a maior parte de seus empregados desconheciam que tivesse mau gênio. E os poucos que o sabiam o tinham descoberto a sua custa.
Landon Mercer, no entanto, não era inocente. Saiu a seu encontro no ato.
-Senhor Cannon, que surpresa! Ninguém nos informou de que estava em Huntsville. É uma honra.
-Não creio -murmurou Robert, estreitando-lhe a mão. Seu humor piorou ao ver que Mercer era alto e esbelto, de cabelo loiro espesso e vestido à moda européia. Calculou o custo de seu traje italiano de seda e arqueou mentalmente as sobrancelhas. Seu empregado tinha gostos caros.
-Adiante, adiante -Mercer o convidou a entrar-. Quer um café?
-Por favor.
Mercer se voltou a sua secretária.
-Trish, pode trazer dois cafés, por favor?
-Claro. Como quer o seu, senhor Cannon?
-Puro.
Entraram no escritório e Robert se sentou numa das cadeiras para visitantes em lugar de colocar-se atrás da escrivaninha para demonstrar sua autoridade
Peço desculpas por vir sem avisar -disse com calma-. Estou de férias na região e pensei em aproveitar a ocasião para ver como andam as coisas, já que nunca estive aqui.
-Nos encanta recebê-lo -repôs Mercer-. Disse de férias? É um lugar estranho para vir de férias nesta época. O calor é criminoso.
-Não é tão estranho -repôs Robert. Quase podia ouvir os pensamentos receosos do outro. Que fazia ali em realidade? O tinham descoberto? E se era assim, por que não o detinham? Robert não importava que receara; contava com isso.
Houve um chamado na porta e Trish entrou com duas xícaras de café. Passou a Robert a primeira e estendeu a outra a Mercer.
-Obrigado -murmurou Robert.
Mercer não se incomodou em agradecer.
-Onde está hospedado? -perguntou quando ficaram sós.
Robert se recostou na poltrona e cruzou as pernas com indolência.
-Tenho uma casa em Guntersville, próximo do lago -disse com tom preguiçoso e distante-. Comprei-a faz uns anos. Eu não tinha vindo ainda, mas a emprestei a vários executivos e todos regressavam falando do muito que pescaram. Assim pensei que tinha chegado o momento de averiguar se era verdade.
-Creio que é um bom lago -repôs Mercer com cortesia.
-O veremos -sorriu Robert-. Parece um lugar calmo. Justo o que me receitou o médico.
-O médico?
-Pressão arterial alta. Estresse –Robert deu de ombros-. Sinto-me bem, mas o médico insistiu que precisava de umas longas férias e este parecia o lugar ideal para combater o estresse.
-Isso asseguro -disse Mercer.
-Não sei o quanto ficarei -prosseguiu outro com indiferença-. Mas não aparecerei continuamente por aqui. Supõe-se que devo esquecer o trabalho.
-Nos alegraremos de vê-lo sempre que quiser, mas deveria fazer a vontade do médico. Já que está aqui, quer que lhe mostre isto? Ainda que não há muito que ver, claro, à parte de programadores e computadores.
Robert olhou seu relógio, como se tivesse que ir a algum lugar.
-Creio que tenho tempo, se não for muito incomodo.
-Em absoluto -Mercer estava já de pé, ansioso por terminar o passeio e perdê-lo de vista.
Robert pensou que, mesmo que nada soubesse dele, não teria ido com a cara do sujeito. Tinha algo arrogante nele. Tentava dissimulá-lo, mas se achava mais esperto do que todos e notava-se o seu desprezo. Trataria Evie com a mesma atitude?
Seguramente seriam amantes, ainda que ela fosse casada. Por que ia vacilar em enganar seu marido uma mulher que se implicava num caso de espionagem? Era raro que seu estado civil não tivesse aparecido na informação que tinha dela, mas por outro lado, por que iria aparecer, a não ser que o marido também estivesse envolvido? Evidentemente, não era assim, mas de todos os modos, quando Robert regressou ao seu hotel no dia anterior, chamou seus investigadores e pediu informação sobre ele. Estava furioso. Jamais tinha tido nada com uma mulher casada e não ia mudar de atitude agora. Mas nunca tinha desejado a nenhuma com a violência com que desejava a Evie Shaw, e isso o enfurecia.
Mercer o acompanhou pelas instalações, explicando-lhe o trabalho que era feito em cada lugar. Robert aproveitou o passeio para copilar informações. Afastou Evie Shaw de sua mente e se centrou no que tinha nas mãos. A PowerNet estava estabelecida num edifício grande de uma só andar. Os escritórios da empresa ficavam na frente e o verdadeiro trabalho, a programação, fazia-se na parte de atrás, onde trabalhavam os gênios da informática. Robert se fixou no sistema de segurança; tinha câmeras de vigilância e alarmes de movimento e térmicos. O material classificado se acendia só mediante cartão magnético codificado e o usuário tinha que passar certos trâmites de segurança. Não se permitia tirar papéis nem disquetes do edifício. Quando os programadores iam embora pela tarde, todo seu trabalho se guardava numa câmara de segurança.
Essas medidas simplificavam as coisas para Robert. Só alguém numa posição de autoridade podia violá-las. Alguém que tivesse acesso à câmera de segurança: Landon Mercer.
Olhou várias vezes o relógio durante o passeio.
-Foi um prazer -disse quando terminaram-, mas tenho uma reunião com um funcionário para fazer umas reparações em minha casa. Talvez possamos jogar juntos golfe algum dia.
-Talvez -respondeu Mercer-. Chame-me quando quiser.
Robert sorriu.
- O farei.
Estava satisfeito com a visita; sua intenção era comunicar a Mercer que estava ali para ver por si mesmo as medidas de segurança da Powernet. Talvez tivesse que se colar no edifício de noite, mas não era seu plano principal, senão uma mera possibilidade. Surpreender Mercer ali com segredos não provaria nada; o bom seria caçá-lo quando os entregasse a outra pessoa. Por enquanto se conformava que sua presença o pusesse nervoso. As pessoas nervosas cometiam erros.
No hotel o esperava um envelope de seus investigadores privados. Abriu-o ao entrar no elevador vazio. Leu com rapidez a folha solitária. A informação era breve. Matt Shaw, o marido de Evie, morreu em acidente de carro um dia depois do casamento, doze anos atrás.
Devolveu a folha ao envelope. Era viúva! E portanto disponível. E ainda que ela ainda não soubesse, seria sua.
Uma vez em seu quarto, aproximou-se ao telefone e começou a fazer chamadas para ir colocando em seu lugar as diferentes peças de xadrez.
Evie passou a cabeça pela porta.
-Jason! -gritou para seu sobrinho de quatorze anos – Deixe de fazer idiotices!
-Ok -grunhiu o garoto. A mulher voltou a meter a cabeça, ainda que continuava vigiando-o. Adorava-o, mas não esquecia que era só uma criança, com a energia e malandragem de começos da primeira parte da adolescência. Sua sobrinha, Paige, estava lá dentro com ela, onde tinha ar acondicionado, mas tinham ido também dois amigos de Jason e os três faziam o palhaçadas no ancoradouro. Evie supunha que algum cairia na água em qualquer momento.
-Que tontos são! -exclamou Paige com todo o desdém de seus treze anos. Sua tia sorriu.
-Melhorarão com a idade.
-Tá bom -comentou a garota. Voltou ao romance que lia sentada na espreguiçadeira. Era uma garota bonita, morena como seu pai e com uma estrutura óssea fina que melhoraria com a idade. Jason era mais extrovertido.
Um barco se acercou do ancoradouro. Evie saiu para atender os clientes, dois casais jovens que a julgar por suas queimaduras, deviam ter passado muito tempo na água. Quando se foram, olhou o sol no céu sem nuvens. Não tinha nenhuma possibilidade de que a chuva refrescasse o ambiente. Ainda que só tivesse passado uns minutos lá fora, já sentia o cabelo colado à nuca. Como aqueles garotos podiam ficar ali fora e ainda ter energia para fazer tolices?
Ao entrar de novo na loja se deteve, cega momentaneamente pela passagem do exterior para o interior. Paige batia um papo com alguém, um homem ao que Evie demorou um momento em reconhecer. Respirou fundo.
-Senhor Cannon.
-Oi –seu olhos verdes baixaram para as pernas dela, nuas sob o calção. O olhar a incomodou e ela passou para trás do balcão para marcar a venda da gasolina e deixar o dinheiro no caixa.
-O que deseja? -perguntou sem olhá-lo. Sabia que Paige os observava abertamente, alertada talvez pelo modo reservado em que sua tia tratava àquele cliente.
-Trouxe meu barco -disse Robert-. Tem lugar livre para deixá-lo aqui?
-É claro -negócios eram os negócios. Abriu uma gaveta e sacou um contrato de aluguel-. Preencha isso e lhe mostrarei um lugar. No outro dia viu algum que lhe agradasse mais do que outro?
O homem olhou o papel que tinha na mão.
-Não. Qualquer um servirá -respondeu com ar ausente enquanto lia o contrato-. Há uma cópia extra? -perguntou, desconfiado em assinar algo que não possuísse uma cópia.
A mulher se encolheu e de ombros e mostrou outro contrato, tomou o que ele segurava e colocou uma folha de papel carbono entre os dois. prendeu tudo junto e o devolveu. Robert preencheu o papel, dando seu nome, seu endereço e o tempo que pensava alugar o lugar. Assinou e lhe devolveu os papéis antes de tirar a carteira e depositar um cartão de crédito no balcão.
Evie continuava sem olhá-lo, porém ele a contemplou com prazer. Nos três dias que faziam que não a via, tinha decidido que não podia ser tão encantadora como lhe parecera. Equivocava-se. Desde que chegou ao porto e a viu abastecendo os barcos, sentia uma tensão em suas partes que mal o deixava respirar. Continuava sendo tão sensual como uma deusa pagã, e a queria para si.
Tinha feito muito nesses três dias. Tinha visitado Mercer, comprado um barco, um carro e uma casa ao lado do rio. Demoraram dois dias para entregar-lhe o barco, mas da casa tomou posse antes, e tinha se instalado já na tarde anterior. O agente imobiliário não tinha se recuperado ainda da rapidez com que fazia tratos. Mas Robert não estava habituado a perder tempo. Num tempo recorde conseguiu que lhe pusessem gás e eletricidade, terminou as burocracias, contratou um serviço de limpeza que limpasse a fundo a casa e comprou móveis novos. Também tinha posto outro plano em ação, um plano que faria cair na armadilha Evie Shaw e Landon Mercer.
Evie lhe estendeu em silêncio o recibo do cartão de crédito para que o assinasse. O homem assim o fez antes de devolver-lo. Nesse momento ouviram-se gritos lá fora.
Robert olhou pela janela e viu vários adolescentes se empurrando no cais.
-Desculpe -disse Evie; e foi abrir a porta.
-Agora eles vão ver -comentou Paige com evidente satisfação; pôs-se de joelhos na espreguiçadeira..
Quando a mulher chegava à porta, Jason empurrou rindo a um de seus amigos, que lhe devolveu o empurrão com força. Jason já tinha se virado e o gesto o impulsionou para frente; suas sandálias escorregaram num lugar perigosamente úmido, acerca da borda do cais. Moveu os braços comicamente ao tentar recuperar o equilíbrio, mas os pés cederam sob ele e caiu na água.
-Jason!
Estava demasiado próximo do cais. Evie saiu correndo com o coração na garganta. Ouviu o ruído horrível de sua cabeça ao se chocar com a borda. Seu corpo delgado ficou imóvel no ar e meio segundo depois caiu na água e afundou de imediato.
Um dos garotos gritou com força. Evie viu por um segundo seus rostos assustados enquanto corria. O cais parecia estar muito longe e tinha a sensação de que não avançava ainda que ouvia seus pés golpeando a madeira. Procurou frenética o ponto no qual tinha caído Jason, mas não se via nada, nada...
Lançou-se na água de um salto e avançou para onde o tinha visto pela última vez. Ouviu um barulho distante, mas o ignorou, com sua atenção fixa em tirar Jason a tempo. Ouvia ainda o ruído de sua cabeça ao chocar com a borda e rezava para que não fosse já demasiado tarde. Podia estar morto ou paralítico. Não! Não podia perdê-lo. Negava-se. Não podia voltar a passar por isso.
Respirou fundo e afundou-se na água, procurando desesperadamente com as mãos estendidas. A visibilidade no rio não era boa, teria que o localizar pelo tato. Chegou ao fundo e começou a andar por ele. Tinha que estar ali! Ali estava a coluna do cais, o que indicava que não podia ter ido muito mais longe. Lhe doíam os pulmões, mas se negava a subir. Perderia uns segundos valiosos, segundos dos que Jason não dispunha.
Talvez a correnteza ao cair o tinha colocado sob o cais.
Tateou com firmeza subindo pelas águas escuras de embaixo do berço. Suas mãos varriam a água adiante dela. Nada.
Ardiam-lhe os pulmões. A necessidade de inalar era quase impossível de resistir. Combateu o impulso e se obrigou a baixar-se de novo ao fundo.
Algo lhe roçou a mão.
Agarrou-se a isso. Aproximou a outra mão às cegas e sentiu um braço. Com suas últimas forças se locomoveu para fora das sombras do cais e se esforçou se sentido cada fez mais fraca para subir. Seu progresso era incrivelmente lento; seus pulmões precisavam ar, falhava-lhe a visão. Tinha encontrado Jason só para afogar-se com ele porque carecia de forças para subi-lo à superfície?
Uma mão forte a segurou pelas costelas e se viu impulsionada para acima. Sua cabeça saiu à superfície e inalou convulsivamente, afogando-se e tossindo.
-Estou segurando-a -disse uma voz calma em seu ouvido-. Seguro vocês dois. Relaxe contra mim.
Dificilmente podia fazer outra coisa. O braço que a segurava em seu avanço para o cais era tão duro como ferro. Os garotos estavam de joelhos e estendiam as mãos para eles.
-Apenas o segure -ouviu dizer Cannon-. Não tente tirá-lo da água. Deixa que eu tiro. E um de vocês chame uma ambulância.
-Já o fiz -ouviu Paige responder com voz trêmula.
-Muito bem -respondeu o homem-. Evie, quero que se agarres à beira do cais. Podes fazê-lo?
A jovem seguia incapaz de falar, assim assentiu com a cabeça.
-Solte Jason. Os garotos já o seguraram.
A mulher obedeceu e ele colocou as mãos dela na borda do cais. Se agarrou à madeira e viu que ele saía da água. Evie afastou o cabelo dos olhos com uma mão ele se ajoelhou e passou ambas mãos por embaixo dos braços de Jason.
-Pode ter ferido a medula -gemeu ela.
-Eu sei -o rosto de Robert estava sombrio-. Mas não respira. Se não tentamos ressuscitá-lo agora, não sobreviverá.
A mulher engoliu saliva com força e voltou a assentir. Robert tirou o garoto da água com cuidado. Evie olhou o rosto imóvel e azul de seu sobrinho e se impulsionou para fora da água com uma força que não sabia que tinha. Caiu tombada ao lado do garoto e lutou para se ajoelhar.
-Jason!
Robert procurou o pulso no pescoço do garoto e encontrou uma batida fraca.
-Tem pulso -disse aliviado. Inclinou-se sobre o corpo imóvel, apertou o nariz e pressionou o queixo com a outra mão para obrigá-lo a abrir a boca. Aproximou sua boca dos lábios azuis e expirou com cuidado. O peito delgado do garoto inflou. Robert afastou a boca e o ar abandonou o peito, que se desinflou de novo.
Evie estendeu uma mão, mas voltou a afastá-la. Não podia fazer nada que não estivesse fazendo Robert, e seguia tão fraca e trêmula que também não poderia fazê-lo melhor. Tinha a sensação de estar afogando-se em dor e desespero, na necessidade alucinante de fazer algo, o que fosse. Zumbiam-lhe os ouvidos. Preferia morrer a ver a alguém que amava extinguir-se lentamente ante seus olhos.
Robert repetiu o processo uma e outra vez, contando em silêncio. Concentrou-se com frieza no que fazia, sem prestar atenção aos aterrorizados garotos que o rodeavam, sem permitir-se pensar no silêncio e a imobilidade de Evie. O peito do garoto se inchava com cada respiração, o que implicava que chegava oxigênio a seus pulmões. Batia-lhe o coração; se não tivesse uma ferida séria na coluna ou na medula, ficaria bem; só tinha que começar a respirar por si mesmo. Passaram segundos. Um minuto. Dois. De repente o peito do garoto se inchou e ele começou a tossir. Robert se afastou com rapidez. Jason se convulsionou, rodou de lado e chocou-se contra Evie enquanto tossia e vomitava. A jovem, tinha perdido o equilíbrio, e moveu-se para o lado. A mão de Robert a segurou por cima de Jason, impedindo-a de cair na água. Passou-a por cima das pernas do garoto e a atraiu para si.
Pelo nariz e a boca aberta de Jason saía água. O garoto continuava tossindo... e de repente vomitou uma grande quantidade de água do rio.
-Graças a Deus -murmurou Robert-. Não há paralisia.
-Não -Evie se soltou dele. As lágrimas queimavam seus olhos ao ajoelhar-se de novo ao lado de Jason. Tocou-o com gentileza e viu que tinha sangue na parte de atrás da cabeça.
-Ficara bem, meu anjo -murmurou enquanto examinava o corte-. Só precisará de alguns pontos -levantou a vista e viu o rosto pálido e banhado em lágrimas de Paige-. Traga uma toalha - pediu-. E tenha cuidado. Não corra.
A menina engoliu saliva e voltou para a loja. Não chegou a correr, mas faltou muito pouco para faze-lo.
O ataque de tosse de Jason passou e ele ficou tombado de costa, respirando com força pela boca. Evie lhe acariciava o braço e lhe repetia que ficaria bem.
Paige voltou com a toalha e a mulher a apertou contra a ferida para conter o sangue.
-Tia Evie? -grunhiu Jason, com voz tão rouca que quase faltava som.
-Estou aqui.
-Posso me sentar? -perguntou, começando a sentir-se envergonhado por ser o centro de atenção.
-Não sei -respondeu ela com voz natural-. Pode?
O garoto se sentou devagar, com cuidado, mas estava fraco e Robert se ajoelhou para ajudá-lo, colocando uma coxa contra suas costas.
- Minha cabeça dói -gemeu Jason.
-Suponho que sim -repôs Robert com calma-. Bateu-a contra a borda do cais - Ouviram sirenes aproximando-se. Jason piscou ao compreender que ainda faltava mais coisas.
Levou-se uma mão à cabeça. Fez uma careta.
-Mamãe ficará furiosa -disse com ar sombrio.
-Não será a única -respondeu sua tia-. Mas, falaremos disso depois.
O garoto parecia envergonhado. Tentou afastar-se do apoio de Robert, mas não o conseguiu de todo. De repente apareceu o pessoal da ambulância com sua equipe. Robert se afastou e se afastou com Evie para que dessem lugar. Paige se abraçou à cintura de sua tia e escondeu o rosto na camisa úmida desta, num gesto instintivo de procurar proteção. A Robert lhe pareceu natural colocar os braços em torno das duas e Evie estava demais cansada e confusa para resistir. Deixou-se abraçar docilmente. A força dele a envolvia; seu calor a consolava. Tinha salvado a vida a Jason e talvez também a dela.
O pessoal da ambulância examinou o garoto e iniciou os preparativos para transporta-lo ao hospital.
-Essa ferida precisa pontos -disse um deles-. Com certeza também tenha uma concussão, assim não me surpreenderia que o deixem esta noite em observação.
Evie se afastou de Robert.
-Tenho que chamar Rebecca -disse-, quero acompanhá-lo ao hospital.
-Eu a levarei -retrucou Robert-. Pode precisar voltar depois.
- Rebecca pode me trazer -Evie correu à loja, seguida por Robert e Paige. Estendeu a mão para o telefone-. Não, ficará com Jason. Dá no mesmo, eu posso guiar.
-Claro que sim -murmurou o homem-, mas não o fará porque eu a levarei.
Evie lhe lançou um olhar distraído enquanto discava o número de sua irmã.
-Não é necessário. Becky, escuta, Jason caiu no cais e levou um golpe na cabeça. Não é nada sério, mas têm que lhe dar pontos e a ambulância o levará agora ao hospital. Nos vemos lá. Sim, levo Paige. Ok.Tchau.
Desligou e discou outro número.
-Craig, sou Evie. Pode ficar no cais por algumas horas? Jason teve um acidente e vou com ele ao hospital. Não, ficará bem. Cinco minutos? Estupendo. Eu vou agora.
Pegou sua bolsa, que estava sob o balcão, e tirou as chaves. Robert as pegou com calma.
-Está tremendo -disse amavelmente, mas com firmeza-. Esteve a ponto de afogar-se. Não resista, Evie.
Era evidente que ela carecia de forças para lutar pelas chaves. Cedeu com frustração para não perder mais tempo.
-Está bem.
Tinha um veículo, útil para tirar os barcos pela rampa de lançamento. Paige correu e entrou nele como se temesse que fossem deixá-la para trás. Evie agradeceu que ela se instalasse automaticamente no meio do assento, colocando-se entre os dois adultos.
A mulher obrigou-se a olhar para o caminho enquanto indicava a Robert a direção do hospital. Não queria olhá-lo e nem sentir aquela atração primitiva em seu interior.
O homem conduzia depressa e entrou no estacionamento do hospital atrás da ambulância. Era um hospital pequeno, mas novo, e o atendimento do pessoal foi impecável. Jason foi conduzido à sala de Urgência, antes que sua tia pudesse aproximar-se e falar com ele.
Robert segurou o braço com firmeza e guiou ela e Paige para a sala de espera.
-Sente aqui - disse-. Vou procurar café para nós. O que deseja, querida? -perguntou à menina-. Um refrigerante?
Paige assentiu e depois negou com a cabeça.
-Posso tomar café, tia? -sussurrou-. Tenho frio. Ou talvez chocolate quente.
Evie assentiu e Robert se aproximou da máquina. A jovem rodeou Paige com o braço e a atraiu para si, sabedora de que a garota tinha levado um bom susto.
-Não se preocupe, meu bem. Jason estará em casa amanhã queixando-se da dor de cabeça e deixando-a louca.
Paige reprimiu as lágrimas.
-Eu sei. Amanhã me irrito com ele, mas agora quero que fique bem.
-Ele ficará bem. Prometo.
Robert voltou com dois copos de café e um de chocolate quente. Distribuiu-os e se instalou no outro lado de Evie. Ela provou o café e notou que tinha muito açúcar. Olhou pra Robert, que observava sua reação.
-Beba -disse-. Você também está um pouco em choque. Evie obedeceu sem protestar. A roupa molhada era bastante fria e com o ar-condicionado do hospital, mal pôde reprimir um arrepio. Pensou que ele também teria que sentir frio, mas não era assim. Seu braço tocava o dela e irradiava calor através da roupa molhada.
Captou o que parecia um débil arrepio dela.
-Trarei um cobertor -disse levantando-se.
A mulher o viu aproximar-se do balcão e falar com uma enfermeira. Meio minuto depois voltava com um cobertor nas mãos. Evie pensou que tinha um ar inato de comando. Um olhar para seus olhos verdes de gelo e as pessoas se apressavam em fazer a sua vontade.
Inclinou-a para passar o cobertor ao redor e ela o deixou fazer. Estava acabando quando a porta se abriu e entrou sua irmão Rebecca com ar tenso e assustado. Ao vê-las, aproximou-se delas.
-O que aconteceu? -perguntou.
- Ele está sendo atendido –respondeu Robert com voz profunda e tranqüilizadora-. Lhe darão uns pontos na parte de trás da cabeça e seguramente o reterão por esta noite para observação, mas são feridas menores.
Rebecca o olhou.
-Quem é você? -perguntou com brusquidão.
-É Robert Cannon -disse Evie, esforçando-se por parecer calma-. Tirou Jason e a mim da água. Senhor Cannon, ela é minha irmã, Rebecca Wood.
Rebecca olhou a roupa molhada de Robert e o rosto pálido de sua irmã.
-Vou ver como está Jason -comentou. - Depois quero saber o se que passou exatamente -se aproximou do balcão de enfermeiras para dizer quem era e a levaram à sala onde estava Jason.
Robert voltou a sentar-se.
-Em que corpo do exército serviu sua irmã? -perguntou.
Paige soltou uma risada nervosa.
-Creio que se chama maternidade -respondeu Evie-. Começou a praticar comigo a uma idade temporã.
-É a mais velha, suponho.
-Cinco anos.
-Ou seja, você sempre foi sua irmãzinha.
-Não me importa.
-Suponho que não. Beba o café -disse. Levou a xícara a seus lábios.
Evie bebeu e o olhou com curiosidade.
-Você também não fica mal em papel de mãe.
Robert sorriu.
-Sei cuidar dos meus -retrucou. Suas palavras implicavam uma ameaça sutil... e uma advertência.
Evie não mordeu o anzol. Afundou-se na cadeira e fincou olhando para frente. O acidente de Jason tinha lhe trazido muitas recordações.
Nesse momento só desejava meter-se na cama, cobrir-se com o lençol até a cabeça e afastar-se do mundo até que se sentisse capaz de voltar para ele. Quando se sentisse bem, se preocuparia do modo gentil, mas firme com o qual Cannon tinha tomado conta de tudo.
Guardaram silêncio até que Rebecca se reunisse a eles.
-Ficará aqui esta noite -disse-. Tem uma comoção leve e lhe deram dez pontos. Não quer dizer o que passou. O que é o que está tentando me esconder?
Evie vacilou, o que deu tempo a que se adiantasse Paige.
-Estava fazendo tolices no cais com Scott, Jeff e Patrick. A tia lhe disse que se ficassem quietos, mas não deram atenção. Jason empurrou Patrick e este lhe devolveu o empurrão; Jason caiu e deu com a cabeça no borda da madeira antes de cair na água. A tia se lançou atrás dele e não saía à superfície e o senhor Cannon tentou encontrá-los. Depois saiu a tia Evie com o Jason e o senhor Cannon empurrou aos dois para o cais. E Jason não respirava, mamãe, e a tia quase se afogou também e o senhor Cannon fez a respiração artificial em Jason e então este começou a tossir e a vomitar e então chegou a ambulância.
Rebecca parecia surpreendida pela torrente de palavras que tinha soltado sua calada filha, mas o medo era ainda palpável nelas. Sentou-se a seu lado e a abraçou.
-Fez muito bem -lhe disse.
Paige suspirou com alívio.
Rebecca observou o rosto pálido de sua irmã.
-Está bem -disse-. Ao menos no momento. Quando se recuperar, o matarei. Ou melhor ainda, creio que o deixarei sem sair todo o verão e depois o matarei.
Evie conseguiu sorrir.
-Se sobreviver a tudo isso, eu também quero fazer-lhe algo.
-Trato feito. E agora vá pra casa e tire essa roupa molhada. Você está com um pior aspecto que Jason. - O sorriso saiu com mais facilidade essa vez..- Vá, e obrigada -murmurou.
-Eu me encarrego dela -interveio Robert, levantando-se. A jovem queria protestar, mas era demasiado esforço. Conseguiu despedir-se de Rebecca e Paige e se deixou levar até o carro. O sol da tarde caiu sobre sua roupa molhada e estremeceu de prazer.
Robert a abraçou pela cintura.
-Continua com frio?
-Não, estou bem -murmurou ela-. Me agrada o calor.
O homem abriu a porta do carro e a sentou no assento. A força de suas mãos e a facilidade com que a levantava até o veículo a fizeram estremecer de novo. Fechou os olhos e apoiou a cabeça na janela, tanto por cansaço como por vontade de distanciar-se dele.
-Não pode dormir -disse Robert, divertido-. Você tem que me indicar como chegar a sua casa.
Evie se forçou a abrir os olhos e indicar-lhe o caminho. Demoraram menos de um quarto de hora para chegar a sua casa. Saiu do veículo, arredia a convidá-lo a entrar, mas aceitando o inevitável. O melhor seria banhar-se e trocar-se o mais rápido possível.
Robert entrou logo atrás dela.
-Sente-se –disse e avançou para o banho-. Saio em quinze minutos.
-Estou muito molhado -murmurou ele-. Mas pode demorar o quanto quiser, ficarei na varanda se não se importa.
-Claro que não -sorriu sem olhá-lo e fugiu para a intimidade de seu quarto.
Robert olhou pensativo a porta fechada. Sentia-se tão incômoda com ele que nem sequer o olhava se pudesse evitar. E era uma resposta que não estava acostumado a provocar nas mulheres, ainda que talvez ela tivesse motivos para estar incômoda, já que seguramente conhecia sua relação com a PowerNet. Se a tivesse surpreendido com as mãos na massa, não teria se mostrado mais culpada. E ele podia optar por ter paciência, mas preferia aplacar suas suspeitas seduzindo-a. De todos modos, já tinha planejado fazê-lo; só tinha que aumentar a pressão.
Ouviu a água do chuveiro e aproveitou para dar uma olhada no ambiente. A casa tinha uns quarenta anos, mas tinha sido reformada para dar-lhe um interior arejado e mais moderno, com vigas descobertas e solos brilhantes de tacos. Plantas de todo tipo cobriam todas as superfícies. De seu lugar na sala, podia ver a cozinha e, além, o alpendre, que era separado da casa por uma porta de vidro. Uns degraus levavam para a casa de barcos.
Os móveis eram cômodos, mas não luxuosos. Aproximou-se da antiquada escrivaninha e a registrou metodicamente, sem encontrar nada de interesse. Olhou seus recibos de banco, mas não encontrou rendimentos grandes.
Tinha uma foto pequena sobre a mesa. Examinou-a. Nela se via uma Evie muito jovem, mas já sedutora. O rapaz devia ser seu marido. Observou seu rosto, no que se lia felicidade e, sim, amor. “Mas sabia aquele garoto lidar com o tesouro sensual que representava a garota que tinha em seus braços?” Imaginou que não. Nenhum adolescente teria sabido. Ainda assim, Robert sentiu ciúmes do rapaz morto. Evie o tinha amado tanto, que continuava usando seu anel depois de doze anos.
Ouviu fechar o chuveiro e saiu ao alpendre sem fazer ruído. Era uma casa agradável, nada luxuosa, mas cômoda e organizada. E com muita privacidade, já que as únicas casas que se viam eram as do outro lado do lago. A água estava muito azul, refletindo tanto o verde das montanhas como o azul de céu. O sol começava a baixar, mas seguia brilhando com força. Cedo adotaria um tom colorido e, quando o crepúsculo oferecesse um respiro ao calor, o ar cheiraria a rosas e madressilvas, a erva recém cortada e a pinheiro.
O tempo era mais devagar ali; as pessoas não corriam de um lugar a outro. Tinha visto pessoas que liam o jornal ou descascavam ervilhas sentadas no alpendre de suas casas. Ouviu Evie aproximar-se da porta.
-Estou pronta -disse.
Voltou-se para olhá-la. Tinha o cabelo molhado, mas presos em tranças na parte superior da cabeça. Tinha-se vestido uns jeans e uma camiseta rosa que realçava o brilho dourado de sua pele. Mas suas bochechas continuavam pálidas e sua expressão esgotada.
-Tem uma bela casa -disse ele.
-Obrigada. Herdei-a de meus sogros.
Robert aproveitou a oportunidade para perguntar:
-Está casada?
-Viúva -se voltou e entrou na casa. O homem a seguiu.
-Sinto. Quanto tempo faz?
-Doze anos.
-Vi a foto da mesa. É seu marido?
-Sim. Matt -olhou para a foto com uma tristeza inegável em seus olhos escuros-. Éramos muito jovens -pareceu controlar-se e avançou com brusquidão para a porta-. Tenho que voltar ao cais.
-Minha casa está a uns sete quilômetros daqui -disse ele-. Não demorarei muito tomando um banho.
A mulher levou uma toalha ao carro e secou o assento antes de subir.
-Obrigado -disse, com o olhar fincado à frente-. Jason e eu seguramente não teríamos sobrevivido sem você.
-É possível -respondeu ele com voz calma-. Tinha se esgotado tanto, que não creio que tivesses podido tirá-lo da água. Não lhe ocorreu soltá-lo para subir a respirar?
-Não. Isso não teria feito.
Robert olhou seu perfil tenso e decidiu mudar de tema.
-Sua irmã o castigará para valer o resto do verão?
Evie soltou uma gargalhada.
-Terá sorte se só lhe fizer isso. Não é só que fizesse idiotices, é que eu já tinha lhe mandado parar e ele não obedeceu.
-0u seja, violou uma regra importante?
-Mais ou menos.
Robert parou o carro diante de sua casa. Evie olhou a seu arredor com interesse.
-Este lugar esteve a venda durante um ano.
-Pois foi uma sorte que não se adiantasse ninguém, verdade? -saiu, deu a volta para lhe abrir a porta e entraram juntos na casa-.-. Fique à vontade enquanto tomo banho -disse com um sorriso.
Foi para seu dormitório, situado no corredor à direita. Não duvidava de que ela faria o mesmo que ele, aproveitar para registrar o lugar.
Evie olhou a seu redor. A casa era ampla e moderna, de tijolo e madeira avermelhada, facilmente o triplo do tamanho da sua. Uma grande chaminé de pedra dominava a parede esquerda. No teto havia ventiladores gêmeos. Os móveis eram luxuosos, mas cômodos.
Um balcão estreito separava o refeitório da sala. E no balcão tinha uma fileira de violetas. As janelas davam para um alpendre, mobiliado com poltronas cômodas, uma mesa com sombrinha e mais plantas. Aproximou-se vacilante do refeitório para ver melhor. À direita se achava a cozinha, um oásis imaculado que brilhava com os eletrodomésticos mais modernos. Até a cafeteira parecia sofisticada. De um lado da cozinha tinha uma mesa pequena com superfície de porcelana. Imaginou-o sentado ali pela manhã tomando café e lendo o jornal na varanda dos fundos. Gostaria de continuar explorando, mas se sentia tensa demais ali em seu território. Voltou de novo para a sala.
Robert se banhou e se vestiu devagar, para dar-lhe tempo olhar tudo o que quisesse. O fato de não encontrar nada alarmante podia ajudar a acalmar seus receios. Começaria a relaxar, que era justamente o que ele queria.
Ao fim regressou à sala. Para sua surpresa, ela continuava quase exatamente onde a tinha deixado, de pé e com cara de cansaço. Voltou-se para olhá-lo. Seus formosos olhos marrons dourados seguiam escurecidos por um trauma interior que ia além do episódio com Jason, por mais traumático que tivesse sido este.
Robert se aproximou e a tomou em seus braços. Ouviu-a respirar com força e viu que seus olhos se abriam alarmados e começava a protestar. Beijou-a na boca.
A mulher se debateu em seus braços e ele a apertou contra si com firmeza. Tentou não lhe machucar, mas aumentou a pressão da boca até que a sentiu ceder e abrir-se. A doçura de seus lábios enviou uma descarga elétrica aos nervos dele. Introduziu a língua numa imitação do ato sexual e repetiu o gesto uma e outra vez até que ela tremeu em seus braços e seus lábios se pressionaram contra os seus.
A resposta fez que sua cabeça rodasse e, para sua surpresa, teve que lutar para conservar o controle. Sua boca era a mais doce que tinha provado e o simples ato de beijá-la o excitava até um grau incrível.
Não queria parar. Sua intenção era só beijá-la, mas não esperava a intensidade de sua própria resposta. Beijou-a com firmeza, exigindo mais. Ouviu-a gemer e sentiu que o abraçava e se apertava contra ele. Invadiu-o uma sensação primitiva de vitória. Sentia seus seios, redondos e firmes, com os mamilos duros. Introduziu a mão sob a camiseta para tocar um deles e acariciar o mamilo com o polegar por cima do sutiã. O corpo dela se arqueou, apertou os quadris contra as suas... e de repente entrou o pânico e tentou liberar-se.
Robert a soltou, apesar de todas células de seu corpo protestarem pedindo mais.
-Calma -conseguiu dizer, mas sua voz soava rouca e ofegava-. Não lhe farei mal, querida.
Evie tinha se afastado. Forçou-se a deixar de retroceder e enfrentá-lo. A atração de sua virilidade era quase assustadora, tentando-a a voltar a seus braços e ceder a seu domínio. Era mais perigoso do que tinha suspeitado.
-Sim, me fará -sussurrou. Seus dentes batiam um contra os outros-. Por que fez isto? O que quer de mim?
Parecia disposta a sair correndo. Robert, para acalmá-la, retrocedeu alguns passos e relaxou as mãos ao lado do corpo. Seus olhos brilhavam com ironia.
-É uma mulher encantadora. É alguma surpresa que eu sinta atração por você? Quanto ao que quero, estávamos tão próximos que suponho que a resposta é evidente.
Evie seguiu olhando-o com ar sombrio, tentando ver o que havia sob suas palavras irônicas. Era muito sofisticado, mas usava aquilo como um escudo para esconder o homem autêntico, o que a tinha beijado com paixão feroz. Era um homem de muitas capas, com motivos complexos e desconhecidos. Sim, ela o atraía como ele a ela. Seria tolo negar sua participação. Mas também tinha a impressão de que a estudava, manipulava de um modo sutil. Desde o princípio tinha captado sua determinação de introduzir-se em sua vida e isso era justamente o que fazia. Fossem quais fossem seus motivos, iam além da atração física.
-Eu não me encontro com qualquer um -disse.
O homem esteve a ponto de sorrir. Foi mais uma expressão dos olhos que da boca.
-Querida, prometo que não sou qualquer um -repôs-. Você tem saído com alguém?
-Não.
Não o surpreendeu que negasse qualquer relação com Mercer.
-Então não há problema, não é? Não me diga que eu não a atraio também.
A mulher levantou o queixo com olhos brilhantes.
-Essa luva de veludo oculta um punho de ferro, verdade? -comentou com voz neutra-. Não, não vou dizer que não me atrai.
-Posso ser decidido quando quero algo... ou alguém – disse quase como um ultimato.
A mulher fez um movimento abrupto, como se estivesse cansada daquela luta verbal.
-Me expressei mal. Eu não tenho aventuras.
-Sábia decisão, mas demasiado restritiva neste caso - aproximou-se, mas ela não se afastou. Tomou o rosto dela com uma mão-. Não a forçarei -murmurou-. Mas você será minha.
-Se não usar a força, como pensa em faze-lo? -perguntou ela.
O homem arqueou as sobrancelhas.
- Acho que eu devia contar?
-Sim.
Uma idéia interessante, mas não creio que a siga -roçou o lábio inferior dela com o polegar-. Por agora será melhor voltar ao porto. VocÊ tem um negócio que cuidar e eu um barco que ancorar.
Deixou cair a mão e Evie se voltou aliviada, como se acabassem de liberá-la de um campo de força magnética. O rosto onde a tinha tocado formigava e recordava a sensação elétrica que a atravessou quando lhe acariciou o seio. Seu atrevimento sugeria grande experiência e segurança em si mesmo, o qual a colocava em desvantagem.
No regresso ao cais ambos guardaram silêncio.
O barco de Robert, um iate rápido, de seis metros, continuava onde o deixou, enganchado a um jipe negro. A jovem entrou no escritório e Craig levantou o olhar da revista desportiva que lia.
-Está tudo bem? -perguntou-. Os garotos dizem que Jason quase se afogou.
-Tem uma concussão, mas irá para casa amanhã -respondeu ela-. Obrigada por vir. Sinto ter estragado o dia.
-Não importa -replicou ele, animado. Era um garoto moreno e alto de dezessete anos. Há dois anos estava trabalhando algumas horas com ela e era bastante confiável a ponto dela poder deixá-lo sozinho no ancoradouro sem medo-. Evie, esse barco é novo?
-É meu -repôs Robert, entrando-. Quero guardá-lo aqui - estendeu a mão-. Robert Cannon.
O garoto a estreitou com firmeza.
-Craig Foster. Encantado de conhecê-lo, senhor Cannon. Você deve ser quem tirou a Evie e o Jason da água. Os garotos me disseram que era um ianque alto.
-O mesmo -afirmou o homem, divertido.
- Logo vi. Quer que o ajude a atar o barco num lugar?
-Eu o faço –repôs Evie -. Já roubei bastante tempo.
-Me paga por ele -sorriu Craig-. E já que estou aqui, posso fazê-lo. Minha mãe não me espera até o jantar.
Robert e ele se afastaram conversando amigavelmente.
Evie os olhou pela janela e pensou que os garotos pareciam gostar de Robert. Até a tímida Paige se sentia à vontade com ele. Não os tratava como adultos, mas também não os ignorava. A autoridade e a responsabilidade pareciam assentar-se bem em seus ombros. Era um homem habituado a mandar.
Tinha que mantê-lo à distância, para o seu bem, e não sabia se poderia. Já tinha provado que podia fazê-la perder o controle com alguns beijos. Podia apaixonar-se por ele, e isso era o que mais lhe dava medo. Era um homem forte, um homem digno de amor. Partiria seu coração se não tivesse cuidado.
Afastou-se da janela. Doze anos atrás, o amor tinha estado a ponto de destruí-la. Não podia repetir aquilo. Não tinha forças para cruzar novamente o inferno e sair vitoriosa. Nesse dia quase tinha perdido Jason e a dor tinha sido assustadora. Rebecca sabia, sabia que se ele não tivesse chegado para salvar Jason, agora estaria enterrando uma irmã além de um filho. Esse era o motivo real da fúria de sua irmã.
E Evie sabia que Robert Cannon pensava introduzir-se em sua vida. Iria embora depois do verão, sendo assim, não procurava nada mais que uma aventura passageira. E ao final do verão, voltaria a sua vida e ela teria que seguir ali com uma ferida a mais num coração que mal tinha sobrevivido ao último golpe. Não podia permitir.
Ligou para o hospital e a passaram para o quarto de Jason. Sua irmã atendeu ao primeiro toque.
- Está resmungão e a cabeça está dolorida -disse animada-. Esta noite tenho que o acordar a cada duas horas, mas se tudo for bem, amanhã irá para casa. Paul saiu há uns minutos para levar Paige para casa de sua mãe e depois volta. E você? Mais calma?
-Não de todo. Mas já passou o pior.
-Espero que esteja em casa.
-Sabe que não.
-Deveria descansar hoje -a repreendeu Rebecca-. Confiava em que o senhor Cannon a convenceria disso. Parece que sabe dar ordens.
-Parece que sim -assentiu Evie-. Irei ver Jason quando fechar aqui. Quer algo? Um travesseiro, um livro, um hambúrguer...?
-Não. E não venha. Jason está bem e você tem que descansar. Falo sério.
-Eu também estou bem e quero vê-lo ainda que só sejam uns minutinhos -soltou um grito de surpresa ao sentir que lhe tiravam o fone da mão. Girou-se para Robert.
-Senhora Wood? -disse este-. Eu mesmo me responsabilizarei para que ela vá diretamente para casa. Sim, ela ainda está um pouco trêmula.
-Não é verdade –Evie estreitou os olhos.
-Cuidarei dela -disse o homem com firmeza-. Ou pensando-o melhor, a levarei para jantar antes de ir para casa. Eu também acredito que sim. Até logo.
-Odeio que me tratem como se fosse uma idiota inútil -disse ela com frieza quando desligou.
-Eu muito menos -murmurou ele.
Suponho que acha que eu me sinto segura e protegida vendo você tomar decisões por mim. Pois não é assim. Sinto-me invadida.
Robert ergueu as sobrancelhas, ocultando sua reação. Tinha tentado provocar justamente aquilo e o surpreendia que ela tivesse ido direto ao ponto. Estava demonstrando ser muito astuta.
-Eu acho -disse com cautela- é que correu mais perigo do que quis confessar a sua irmã e ainda está tremendo. Se voltar ao hospital, terá que se fazer de forte para não assustar nem a Rebecca nem a Jason e isso esgotará ainda mais seus nervos.
-E eu acho -retrucou ela, com os punhos apertados ao lado do corpo- que corro mais perigo contigo do que na água.
-Ainda que eu ofereça uma trégua por esta noite? -murmurou ele-. Nada de beijos; nem sequer lhe tomarei a mão. Só jantar e acompanhá-la até em casa.
-Não, obrigada. Não jantarei com você e posso ir sozinha para casa.
O homem a olhou pensativo.
-Nesse caso, retiro a oferta de uma trégua.
Evie vacilou só um momento, mas bastou para que ele voltasse a tomá-la em seus braços. Seu corpo era muito firme e duro. O cheiro de sua pele limpa e cálida fazia que sua cabeça desse voltas. Tinha a impressão de que ia beijá-la nos lábios, assim baixou a cabeça com rapidez e a apoiou em seu peito. Desconcertou-a ouvir uma risada.
Evie pensou que sim, era uma covarde. Aquele homem a aterrorizava. Não lidava bem com aquela situação. Ele não estava acostumado à rejeição, assim cada vez que o recusava, voltava-se mais decidido a sair com ela.
Robert a apertou mais contra si. Era muito fácil deixar-se sustentar, ceder aos nervos e a fadiga que tinha combatido com sucesso até esse momento. Resistiu o impulso de abraçá-lo, de sentir seu corpo, mas ouvia as batidas fortes e rítmicas de seu coração, sentia subir e descer de seu peito ao respirar e isso bastava para seduzi-la. As forças da vida eram muito potentes nele, atraindo às mulheres para si. Ela não era diferente das outras muitas.
-Robert -sussurrou-. Não, por favor -uma súplica covarde.
A mão dele começou a massagear-lhe o pescoço em direção aos ombros.
-Evie -sussurrou por sua vez-. Não o que? De verdade, de onde vem Evie?
-De Evangeline -sussurrou ela.
-Ah – murmurou ele-.Evangeline. Feminino, espiritual, sensual... triste.
A mulher não respondeu, mas a última palavra a afetou. Triste... sim. Tanto, que durante anos não teria podido dizer o sol brilhava ou não, porque seu coração só via as cinzas. Agora já via o sol, a corrente da vida a tinha tirado da escuridão, mas não passava nem um dia sem que recordasse onde estavam as sombras. Sempre se achavam ali, um contraponto constante à vida. Se tinha luz, tinha que ter escuridão. A alegria se equilibrava com a dor, a intimidade com a solidão. Ninguém navegava imune pela vida.
Robert a balançava sutilmente com seu corpo, um movimento mal perceptível que no entanto a introduzia mais e mais em seu abraço. Voltara a estar excitado; impossível não notar. Evie pensou que devia afastar-se, mas já não podia. Estava muito cansada e o movimento gentil de seu corpo era tão tranqüilizador como o balanço de um barco ancorado. Era difícil resistir aos ritmos antigos, vinculados como estavam aos instintos fazia séculos e séculos.
- Vai dormir? -perguntou ele depois de alguns minutos.
-Poderia - respondeu sem abrir os olhos. Apesar do perigo, tinha um consolo profundo em seu abraço.
-São quase as seis e meia. Dadas às circunstâncias, creio que seus clientes entenderão se fecharmos um pouco antes.
-Não. Ficarei até as oito.
-Então eu também.
-Não é necessário.
-Eu creio que sim.
-Continuo sem querer ir jantar com você.
-Tudo bem. Trarei o jantar até aqui. Tem alguma preferência?
A jovem negou com a cabeça.
-Não tenho muita fome. Estava pensando em comer um sanduíche em casa mesmo.
-Deixa comigo - beijou o cabelo perfumado-. Sei que vou muito depressa -sussurrou-. Hoje é a segunda vez que nos vemos. Darei tempo para que aprenda a me conhecer melhor e se sintas mais cômoda comigo. Ok?
A jovem moveu a cabeça pra cima e pra abaixo. Não queria assentir à nada relacionado com ele, mas naquele momento aceitaria qualquer oferta que pudesse esfriar a situação. Tinha-a feito perder o equilíbrio e continuava sem recuperá-lo. Sim, precisava tempo. Muito tempo.
Robert lhe segurou o queixo e a obrigou a levantar a cabeça do refúgio do peito. Seus olhos cor verde pálido brilhavam com intensidade.
-Mas não irei -lhe advertiu.
Naquela noite, Evie dormiu profundamente, esgotada pelo estresse do dia. Quando o amanhecer a acordou juntamente com a buzina de um barco, não se levantou de imediato, como tinha por costume, continuo deitada olhando a luz pálida estender-se pelo céu.
Durante doze anos tinha se sentido segura no interior de sua fortaleza cuidadosamente levantada, mas Robert estava derrubando os muros. Mal tinha saído com alguém desde a morte de Matt, mas Robert lhe impunha sua presença.
Tinha-lhe dito que não a deixaria em paz, que não iria, e não era um homem que se distraísse facilmente de seu objetivo.
A beijaria, abraçaria e acariciaria. E Evie sabia que sua cautela acabaria por desvanecer-se sob a força do desejo físico e que ela não poderia evitar.
Fechou os olhos e reviveu o beijo da tarde anterior. Pensou nos dedos dele sobre seu seio e os mamilos latejaram. Pela primeira vez desde Matt, pensou em fazer amor com outro. No peso do corpo de Robert sobre o seu, em suas mãos e boca movendo-se por sua pele nua, em suas coxas fortes abrindo as dela ao acomodar-se para possuí-la. E o pensar bastava para que todo seu corpo se tencionasse de desejo. Sim, desejava-o tanto como temia a dor em que a deixaria quando saísse de sua vida.
Uma mulher prudente visitaria um médico de imediato para procurar um remédio para evitar a gravidez. E Evie era uma mulher prudente. Pelo menos podia proteger-se naquele sentido.
Evie colocou dois pratos de Comida na mesa, um diante de Rebecca e outro diante de seu assento, e encheu as xícaras de café.
-Obrigado -suspirou sua irmã, tomando um gole. Tinha olheiras profundas depois da longa noite sem dormir que tinha passado com Jason no hospital.
Evie se sentou também. Depois de marcar hora no médico para o dia seguinte, tinha ligado para o hospital para perguntar por Jason. Encontrava-se bem, mas estava tão mal-humorado como quando era menino e estava enfermo. Queixava-se por tudo, sobretudo porque o acordavam cada duas horas. Tão reticente, que chegou um momento em que a ira de sua mãe estava a ponto de cair sobre sua cabeça.
Por isso Evie foi ao hospital ocupar-se dos detalhes da alta e depois seguiu até em casa, e ajudou a instalar ao garoto, sentou Rebeca numa cadeira e preparou o café da manhã para todos.
Conhecia a cozinha de sua irmã tão bem como a sua própria, assim não demorou a fazer ovos mexidos, bacon e torradas. Jason se instalou no sofá com uma bandeja nos joelhos, diante da televisão.
O café fortaleceu Rebecca o suficiente para despertar seu instinto de irmã maior. Lançou uma olhada astuta para Evie acima de sua xícara.
-Onde jantou ontem à noite?
-No cais. Sanduíches.
Rebecca empertigou-se.
-Disse que a levaria para jantar e depois a acompanharia até em casa.
-Eu não quis sair.
-Até parece! – grunhiu Rebecca-. Acho que esse homem é mais forte.
Evie pensou que, se fosse ainda mais forte, ela teria acabado em sua cama na noite anterior.
-Estava muito cansada para sair, assim, foi procurar sanduíches. Portou-se muito bem ontem.
- Especialmente ao tira-los da água –repôs Rebecca, atacando uma fatia de bacon-. Tenho que lhe agradecer. No entanto, sei reconhecer um homem que vai à caça, assim, não tente despistar-me contando-me o quão amável ele foi. A amabilidade é a última coisa no que pensa esse homem.
Evie olhou seus ovos fritos.
-Eu sei.
-Via lhe dar uma oportunidade ou vai passar por ele como todo os demais.
-Que todos? –perguntou Evie, confusa.
- Viu ao que me refiro? Para você são invisíveis. Nem sequer percebe todos os homens que adorariam sair com você!
-Ninguém nunca me pediu.
-E por que vão pedir se não sabe que existem? Mas asseguro que Robert sim , a pediu, não é verdade?
-Não – ele tinha lhe comunicado que jantariam e fariam amor, mas não pedira nada.
Rebecca a olhou com incredulidade.
- Está brincando comigo.
-Não. Mas se serve de consolo, seguramente me pedirá na próxima vez que me encontrar.
-O que me importa é se sairá com ele -respondeu sua irmã com astúcia.
-Não sei - Evie tomou um gole de café-. Excita-me, Becky, mas também me dá medo. Não quero ter nada com ninguém e me aterroriza não poder evitar com ele.
-E isso é mau? -perguntou sua irmã, exasperada-. Querida, passaram-se doze anos. Talvez seja hora de voltar a se interessar pelos homens.
-Talvez – murmurou Evie mesmo não estando em total acordo-. Mas Robert Cannon não é a opção mais segura. Há algo nele... Não sei. Tenho a impressão de que procura algo mais comigo a parte do evidente. Tem algum motivo oculto. E é muito educado, mas não é um cavaleiro.
-Melhor. Um cavaleiro seguramente levaria você a sério e não voltaria a molestá-la depois de uma centenas de negativas. Ainda que, devo admitir, que para mim ele me pareceu amável e protetor.
- Possessivo -corrigiu Evie -. E cruel -não, não era um cavaleiro. A força de vontade que expressavam seus olhos era a mirada de um aventureiro com coração de caçador. A jovem adotou uma expressão de medo.
Rebecca se inclinou para tocar-lhe o braço.
-Eu sei -disse. E era verdade-. Não quero empurrá-la para algo que possa lamentar, mas nunca se sabe o que vai acontecer. Se Robert Cannon é alguém a quem é capaz de amar, pode permitir-se ignorar essa possibilidade.
Evie suspirou. Podia permitir-se correr esse risco? E poderia escolher?
Para seu alívio, Robert não estava mais no cais quando voltou para levar Craig. Soprava um vento fresco e umas nuvens negras ameaçavam tormenta. Tanto os veranistas como os pescadores começavam a sair do lago, e durante uma hora não teve nem um momento de descanso. Nas montanhas caíam raios, formando uma linha branca sobre o fundo negro púrpura. Os trovões ressoavam na água e a água começou a cair pesada sobre o lago.
Com todos os pescadores já a salvo, Evie se retirou ao escritório, onde podia ver a tormenta através da proteção dos vidros. Mas não tinha escapado da água por completo, estremeceu e passou uma toalha pelos braços nus. A temperatura tinha caído dez graus em dez minutos; apreciava o alívio do calor, mas o contraste intensificava o frio.
Gostava da potência dos raios e trovões, e se instalou contente na espreguiçadeira para contemplar a tormenta com o fundo do lago e as montanhas. O som da chuva tinha um resultado reconfortante. Não pôde evitar adormecer, e se levantou para ligar o pequeno televisor que tinha ali para seus sobrinhos.
A violência da tormenta acabou dissipando-se, mas a chuva continuou, ainda que mais suave. O porto estava deserto com exceção do mecânico, Burt Mardis quem trabalhava numa lancha motora no edifício de metal onde era feita as reparações. Evie o via de vez em quando pela porta aberta. Não teria mais trabalho até que dissipasse o tempo, que pelo aspecto, não iria mudar tão cedo. Nas notícias, o metereologista predisse chuva para aquela noite, ainda que começaria a diminuir em torno da meia-noite.
Parecia que tinha uma tarde longa diante de si. Pegou um livro, mas fazia tanto tempo que o tinha começado e não recordava nada e por isso teve que voltar ao início; teria que levá-lo para casa se queria terminá-lo.
Mas já estava sonolenta e, depois de dez minutos, soube que o livro lhe daria ainda mais sono. Deixou-o e procurou com a vista algo o que fazer. Craig tinha limpado tudo aquela manhã e os pisos estavam impecáveis.
Bocejou e procurou na tv o canal de vídeos de rock. Isso a acordaria.
Quando Robert entrou meia hora depois, continuava vendo a televisão com incredulidade. Olhou-o divertida.
-Me pergunto por que há músicos com pernas de pássaro e peito afundado que se sentem obrigados a nos expor seus corpos.
O homem soltou uma risada. Não era a primeira vez que lhe parecia tão ingênua. Ao vê-la, ninguém suspeitaria jamais que pudesse ser uma espiã. Ele conhecia suas atividades e não podia evitar desejá-la com uma violência que o incomodava porque era incontrolável.
Afastou aqueles pensamentos e se aproximou dela. Rodeou-a com os braços e ela piscou, surpresa. Levou automaticamente as mãos ao peito dele num gesto de defesa.
-Disse que me daria tempo - recordou em tom acusador.
-E o faço -repôs ele. Levantou a mão esquerda dela e lhe beijou a pele terna do interior da mão. O pulso feminino se acelerou sob seus lábios. O aroma fragrante de sua pele o excitava. Aproximou a ponta da língua das veias azuis e sentiu pulsar o sangue sob sua carícia.
Evie tremia e os joelhos se afrouxavam. Robert notou e a apertou mais contra si. Mordeu levemente a base do polegar. A mulher engoliu em seco. Não sabia que aquilo podia ser tão erótico.
-Quer jantar comigo esta noite? -murmurou ele. Beijou-lhe a palma, que percorreu depois com a língua. A mão dela tremia.
-Não, não posso -a negativa saiu apenas pela força do costume. Compreendeu atônita que desejava aceitar.
-Tem outro compromisso?
-Não. É... difícil -ele não sabia até que ponto. Respirou fundo-. Não saí com ninguém desde a morte de meu marido.
Robert levantou a cabeça com o cenho franzido.
- O que disse?
Evie ruborizou e liberou sua mão. Fechou o punho para reter a sensação do beijo.
-Não saí com ninguém desde que o Matt morreu.
O homem guardou silêncio, digerindo a informação. Era difícil acreditar nisso, sobretudo de uma mulher como ela. Bem, era possível que não tivesse uma aventura com Mercer, mas não parecia possível que tivesse vivido doze anos como uma freira. Ainda assim, não pensava enfurecê-la chamando-a mentirosa.
Acariciou o queixo com um dedo e de imediato se sentiu preso à textura aveludada de sua pele.
-E isso por que? -murmurou com ar ausente-. Sei que os homens não estão cegos.
Ela mordeu o lábio inferior.
-Por escolha minha. Não me interessa e não me parece justo fazer alguém perder seu tempo.
-Razoável... por uma temporada. Mas doze anos?
Evie tratou de afastar-se, mas ele aumentou a pressão do braço que a rodeava. Estavam abraçados da a cintura até os joelhos. A jovem pensou que a força de um homem era algo maravilhoso, que convidava uma mulher a relaxar-se contra ele. Até que Robert não a tomasse em seus braços, não dava conta do muito que o precisava. Naquele momento soube que tinha perdido a batalha. Era inútil tentar recusá-lo; não só ele não admitiria, como também ela não queria que o fizesse. Para bem ou para mal, tinha-se deixado afetar por ele. E não sabia se teria forças para isso, mas sabia que tinha que tentar.
Não tratou de explicar-lhe aqueles doze anos. Em vez disso, disse:
-Muito bem. Sairei com você. E agora o que?
-Para começar, pode levantar a cabeça.
A jovem obedeceu. Olhou-o nos olhos. Esperava ver regozijo neles, mas seu brilho era mais vitorioso que divertido. Estremeceu.
-Sente frio? -perguntou ele com suavidade.
-Não, medo -confessou ela com candura. De você -seus olhos eram profundos e misteriosos-.Não me dou bem com jogos, Robert. Não me beije se não é para valer. Não venha a não ser que queira ficar.
-Me está falando de casamento? -perguntou ele com frieza, erguendo as sobrancelhas.
Seu tom fez que ela se encolhesse. Bem, era ridículo pensar em casamento. E não se referia a isso.
-Claro que não! Nunca voltarei a me casar. Mas a estabilidade, a segurança emocional que tinha com Matt... não me conformarei com menos, assim que, se procura uma aventura de verão, não sou o que precisa.
O homem sorriu.
-Oh, claro que é. Simplesmente não o admitiu ainda.
Evie voltou a estremecer, mas seu olhar não vacilou.
-Quero compromisso emocional. Se ainda quiser, sairei com você, mas com essa condição. Não me sinto cômoda, mas suponho que isso mudará à medida que nos conheçamos melhor. E não quero me acostumar com você. Seria um risco grande demais.
Robert observou por um longo momento seu rosto.
-Está bem, nos esperaremos um tempo até nos conhecer melhor. Mas eu quero fazer amor com você e não vou fazer voto de castidade - tomou o rosto entre as mãos-. Só tem que me parar quando quiser -sussurrou-. Só tem que dizer «não».
A beijou nos lábios e ela suspirou com suavidade. A liberdade para desfrutar dele era algo glorioso; tinha a sensação de estar muito tempo congelada e agora começava a derreter-se, a encher-se do calor da vida. Abriu a boca e ele entrou nela com maestria. O atrito de suas línguas resultava em uma doçura incrível e totalmente erótica.
Teve a impressão de que a beijava muito tempo, com seus corpos ainda apertados. O jogo de seus lábios e de sua língua era embriagante. A ansiedade dela diminuiu e um calor começou a estender-se devagar por seus seios e seu ventre. Uma de suas mãos se fechava em torno da mão direita dele, mas com a outra lhe acariciava as costas, sentindo seus músculos duros, aprendendo por instinto alguns dos detalhes que o formavam.
A televisão seguia ligada. Ninguém se aproximava à porta naquela tarde de chuva; achavam-se sozinhos no escritório, sem ouvir a música nem o som regular da chuva, escutando só a respiração do outro e seus gemidos inconscientes de prazer. Evie florescia em seus braços, adquirindo pouco a pouco confiança em sua sensualidade. Robert estava muito excitado, mas se controlava bem para que ela não se sentisse pressionada. Ela se sentia segura, livre de relaxar-se e perder-se nas novas sensações, explorando os limites de seu desejo. Era diferente com Matt. Então era uma moça e agora toda uma mulher, com a paixão mais profunda e rica das mulheres.
-Por Deus!
Robert se afastou de repente e respirou fundo. A resposta dela era vacilante ao princípio, mas depois tinha adquirido vida em seus braços e ele se sentia queimando, como se segurasse um doce fogo entre as mãos. Sua própria resposta o surpreendia. Era difícil pensar em outra coisa que não fosse possuí-la, e só o lugar em que se achavam lhe impedia tentá-lo.
-Desta vez sou eu o que pede uma decisão, meu bem. Ou paramos agora, ou teremos que procurar um lugar mais íntimo.
O coração de Evie batia com força e sentia que sua pele ardia . Mas ele tinha razão. Aquele não era o lugar indicado para agirem como adolescentes.
-Não há um lugar mais íntimo -disse. Desligou o televisor e, no silêncio que seguiu, a chuva soou mais forte que nunca. Olhou pela janela a cortina cinza que velava o lago, ocultando a outra orla.
-Ninguém tirará seu barco hoje -disse Robert-. Por que não fecha cedo e vamos jantar em Huntsville?
A jovem pensou que suas perguntas e sugestões soavam como ordens e exigências. Ninguém nunca tinha lhe negado nada?
-Não posso fechar cedo.
-A chuva durará até a noite -raciocinou ele.
-Mas isso não impedirá que pessoas venham comprar iscas. Pode ser que não sejam muitos, ou que não seja nenhum, mas esse cartaz diz que abro até as oito.
Robert suspirou, exasperado pela dificuldade de cortejar uma mulher que se negava achar um tempo para ele. Era a primeira vez que tinha esse problema. Aproximar-se de Evie apresentava tantos obstáculos como um campo de minas.
Em lugar de enfadar-se, com o que só conseguiria que ela se obstinasse ainda mais, perguntou:
-Não pode mudar às vezes o turno com Craig se avisar com um tempo de antecedência?
A mulher sorriu, fazendo-o ver que começava a aprender.
Suponho que sim.
-Amanhã?
Dessa vez ela quase soltou uma gargalhada.
-Amanhã não posso -tinha uma consulta com o médico às dez da manhã. Ainda que tivesse dito a Robert que não queria ficar com ele, sabia que tinha um efeito físico muito forte sobre ela. Mas não lhe diria que pensava em a se proteger; ele o consideraria como uma luz verde para fazerem amor.
O homem suspirou.
-Depois de amanhã?
-Eu perguntarei.
-Obrigado -replicou ele com uma sombra de ironia.
Robert recebeu dois telefonemas na manhã seguinte. Estava na varanda lendo alguns papéis que Felice tinha lhe enviado por fax; começava a descobrir que era muito fácil estar ema dia em seu trabalho com o telefone, o computador e o fax. O primeiro telefonema foi de Madelyn.
-Como vai tudo por Alabama?
-Faz calor -repondeu. Usava só um calção de ginástica. A chuva do dia anterior tinha feito que tudo parecesse ainda mais verde e os cheiros mais intensos, mas não tinha conseguido diminuir o calor. O sol da manhã caía sobre seu peito e pernas nus. Por sorte, sua compleição morena fazia que não tivesse que se preocupar com as queimaduras.
-Aqui faz um tempo ideal. Por que não vem para o fim de semana?
-Não posso -disse -. Não sei quanto tempo ficarei aqui, mas não posso ir até deixar tudo acabado.
-O convite continua de pé -disse sua irmã-. Se tiver algum dia livre ficaríamos felizes em vê-lo.
-Tentarei passar por aí antes de voltar a Nova York -prometeu ele.
-Faça isso. Não o vemos desde da primavera. Se cuide.
O telefone voltou a soar quase de imediato. Dessa vez era o homem que tinha contratado para vigiar a Landon Mercer.
-Ontem à noite teve um visitante. Seguimos-o quando se foi e estamos tratando de identificá-lo. Não teve nada de interessante nos telefones.
-De acordo. Continue vigiando. Já descobriu que o seguem?
-Não, senhor.
-Encontraram algo em sua casa?
-Está limpa. Até demais. Não há nem recibos do banco. Vimos que tem uma caixa forte, assim talvez guarde os papéis lá, mas ainda não conseguimos abri-la. Estou tentando conseguir uma cópia de seus recibos do banco.
-Mantenha-me informado -disse Robert. Desligou o telefone. Alguns dias a mais, Mercer começaria a sentir um leve apertão. Ao princípio não lhe daria muita importância, mas não demoraria a achá-lo sufocante.
Seus planos com Evie também iam de vento em popa, tanto no pessoal como no econômico.
Robert não tinha intenção de ver Evie naquele dia. Era um estrategista experiente na eterna batalha entre homens e mulheres; depois de sua perseguição decidida, ela esperaria que ligasse ou passasse pelo porto, e a falta de contato a estremeceria um pouco, debilitando ainda mais suas defesas. Pensava com freqüência que a sedução se parecia com o xadrez, aquele que tinha a iniciativa era o que controlava o jogo.
Ele controlava a sedução. Em nisso seus instintos eram infalíveis. Podia levar semanas, mas Evie acabaria em sua cama. E não muito depois, acabaria com aquele embrulho. Mercer e Evie seriam detidos e ele voltaria A Nova York.
E na verdade, o problema era esse. Não queria que Evie fosse presa. Quando chegou ali estava furioso, decidido a encerrá-los ao mesmo tempo. Mas isso era antes de conhecê-la e provar sua doçura. Antes de ver a tristeza subjacente em seus olhos dourados e de perguntar-se se ele a intensificaria ainda mais. Aquela idéia o deixava incomodado.
Era culpada? A princípio estava convencido disso, agora já não. Sempre tinha pensado que as pessoas que se dedicavam à espionagem, que traíam a seu próprio país, eram os seres mais frios do mundo. Careciam da profundidade de sentimento que tinham outros. Aquela insensibilidade não estava evidente em Evie; ao contrário, diria que era sentimental demais.
Não vacilou em lançar-se na água atrás de Jason. Isso em si mesmo não era estranho; muitos desconhecidos teriam feito o mesmo, quanto mais um parente. Mas passou tempo demais sob a água, ainda sabendo o perigo que corria. Tinha estado disposta a morrer antes de ter que soltar o garoto e salvar-se só. Só de pensar sentia uma sensação de frio nos braços.
E só uma pessoa de grandes sentimentos podia fazer esse tipo de sacrifício.
Levantou-se, apoiou os braços no balaústre e olhou a água azul do rio. Tinha uma leve brisa e a superfície estava calma. Mas aquele rio, por mais calmo que parecesse, tinha estado a ponto de levar a vida de Evie.
Estremeceu. Olhou seu relógio; era pouco depois de meio dia. Ela teria voltado já ao cais e ele não demoraria em ter notícias da pessoa que seguia todos seus movimentos.
Naquele momento soou o telefone e entrou na casa para atender.
-Esta manhã foi a Huntsville - informou uma voz feminina-. Seu destino foi um edifício de escritórios. Fechou-se o elevador antes que eu pudesse entrar, assim não sei onde foi. Demorou uma hora e vinte minutos em voltar ao térreo. Foi para a sua casa, mudou de roupa e saiu para o porto. Mercer esteve todo esse tempo em seu escritório na PowerNet e não recebeu telefonemas. Não teve nenhum contato entre eles.
-Que escritórios há nesse edifício?
-Duas agências de seguros, uma imobiliária, quatro consultórios médicos, quatro advogados, três dentistas, uma companhia de emprego temporário e duas empresas de programação.
-Averigue aonde foi. Comece pelas empresas de programação.
-Sim, senhor.
Robert desligou com uma praga. Por que Evie não podia passar a manhã nas compras ou pagando faturas?
Queria vê-la. Queria levá-la a um lugar oculto e encerrá-la ali até que passasse aquela confusão. Queria fazer amor até submetê-la por completo. A violência de todos esses anseios lhe era estranha, mas não podia negá-la. Essa mulher produzia um efeito nele que não tinha tido com nenhuma outra.
Lançou uma maldição. Vestiu-se com rapidez, saiu da casa e subiu no jipe negro. Se queria vê-la, a veria.
Virgil tinha ido outra vez fazer-lhe uma visita. Dizia que seu joelho estava melhor e certamente caminhava com menos esforço. O dia estava sendo ocupado, com clientes entrando e saindo regularmente, e o ancião tinha passado o tempo com velhos amigos e conhecidos.
Evie cobrava um refrigerante e um pacote de bolachas salgadas a um pescador quando a porta se abriu. Soube que era Robert sem necessidade de olhar. Sua pele formigou e sentiu um momento de pânico.
Quando terminou de atender o cliente, permitiu-se olhá-lo enquanto ele se apresentava a Virgil, que o recordava perfeitamente. Ao ancião passavam poucas coisas.
Robert usava jeans e uma camisa branca de algodão. Um boné de beisebol cobria seu cabelo castanho, e na mão carregava uns óculos de sol. O coração de Evie bateu com força; inclusive com aquele boné, tinha algo elegante e perigoso nele. Os jeans estavam puídos e velhos e parecia tão cômodo com eles como com camisas de seda.
A tocou no braço e foi como um choque elétrico.
-Vou tirar o barco um momento e dar uma volta no rio -disse.
-Contratou um guia? -perguntou ela.
-Não, mas o leito do rio está assinalado, verdade?
-Sim. Se não o explore fora do leito e não terá problemas. Lhe darei um mapa.
-Ok –olhou Virgil pensativamente -. Gostaria de me guiar pelo lago, senhor Dood? Isto é, se não tiver outros planos.
O velho soltou uma risada. Seus olhos brilhavam de entusiasmo.
-Planos? -bufou-. Tenho noventa e três anos. Quem faz planos na minha idade? Posso deixar de respirar a qualquer momento.
Robert o olhou divertido.
-Estou disposto a correr o risco, mas lhe advirto que um cadáver no barco seria muito desagradável.
Virgil se levantou da espreguiçadeira.
-Vou te dizer uma coisa, filho. Ainda que só seja para pagar-lhe o prazer de voltar a subir a um barco, farei tudo o que possa para que não tenha que chamar a forense.
-Trato feito.
Evie moveu a cabeça e sorriu para Virgil.
-Tenham cuidado os dois -disse-.Virgil, não esqueça o boné.
-Não o farei. Acha que sou tão tonto como para sair sem algo na cabeça?
-Segurarei seu braço -disse Robert. Deteve-se ao chegar à porta e voltou até ela-. Esquecia algo.
-O que?
O homem baixou a cabeça e a beijou na boca com paixão.
-Isso -murmurou.
A mulher ouviu a risada de Virgil e viu os olhares interessados que lhe lançavam dois clientes que examinavam as iscas e anzóis. Ruborizou e baixou o olhar.
Virgil lhe deu uma palmadinha no braço, sorridente.
-Me disseram que esse jovem nos ajudou muito outro dia quando o garoto de Becky caiu na água.
Evie carraspeou.
-Sim. Se ele não chegasse a tempo, é provável que Jason e eu tivéssemos nos afogado.
-Tem bons reflexos, eh?
A jovem ruborizou de novo e fez sinais para que Virgil se fosse. Por que diabos tinha que a beijar em público?
Olhou-o afastar-se pela janela para o pequeno iate negro, cujo motor rugia com força.
Compreendeu de repente o pouco que sabia de Robert Cannon. Como ganhava a vida? Sabia que devia ter dinheiro para poder permitir-se comprar uma casa e um barco. De onde era? Tinha família, estava casado ou o tinha estado? Não sabia nada dele.
E no entanto, decerto modo, conhecia-o. Era complicado, um homem que mantinha uma distância sutil mas constante entre os demais e ele. Possivelmente muita gente o considerava controlado e frio; Evie estava de acordo no controlado, mas seu controle ocultava uma ferocidade que a assustava, ainda que também se correspondia com seu próprio fogo interior. Era cruel, mandão, e tinha visto, quase em seguida, quanto lhe apetecia um ancião voltar a dar uma volta por seu rio.
E ela nunca se tinha sentido tão atraída por homem nenhum.
Com Matt foi diferente. Cresceram juntos... estavam na mesma classe no instituto. Conhecia-o tão bem como a si mesma; eram como as duas metades de um todo. O amor surgiu de modo gradual e sereno, como a chama de uma vela. Robert... Robert era um inferno, e o fogo entre eles podia convertê-la em cinzas.
Robert e Virgil estavam a mais de uma hora fora quando entrou Landon Mercer no escritório.
-Oi, encanto -disse com jovialidade-. Como vai a mulher mais bonita desta parte do estado?
Evie o olhou impassível. Por desgraça, nesse momento tinha ficado sozinha. Preferia ter companhia quando ele entrava. Mas está sozinha lhe dava chance de segui-lo também.
-Oi, senhor Mercer - disse.
-Landon -repondeu ele, como fazia sempre. Apoiou-se no balcão com descuido, ainda que adotando uma pose que ressaltava seu físico. Evie admitia que era bonito, mas a deixava fria.
-Quer alugar uma lancha? -perguntou.
-Claro que sim. Faz tempo que não saio a pescar, assim decidi faltar o trabalho esta tarde.
Evie viu que levava uma vara e uma caixa de iscas, como sempre.
-Quer alguma em particular?
-Não, qualquer uma -se inclinou mais para ela-. Por que não jantamos juntos quando voltar? Podemos ir a algum lugar bonito, talvez em Birmingham.
-Obrigada, mas esta noite tenho planos –respondeu ela, com voz que denotava muito pouco interesse. Por desgraça, ele estava tão imerso em seu próprio encanto, que não sabia ver a falta de resposta nela.
-Amanhã então. É sábado. Podemos ir a Atlanta a divertir-nos para valer.
-O porto abre os sete dias da semana.
-Oh. OK, pois iremos a Birmingham.
-Não, obrigada, senhor Mercer. Amanhã pela noite também tenho planos.
-Vamos, está tão ocupada? Seguro que pode adiá-lo.
Evie apertou os dentes.
-Amanhã tenho um encontro.
-Agora estou com ciúmes. Quem é o afortunado?
-Ninguém que você conheça -tomou uma chave do tabuleiro e a deixou no balcão -. Aqui tem. A número cinco, ao final do cais.
O homem tirou a carteira e lhe passou duas notas de vinte dólares.
-A devolverei em duas horas -disse.
-Muito bem -ela forçou um sorriso-. Divirta-se. Espero que pesque muito.
-Nunca o faço, mas é divertido.
Afastou-se para a porta e Evie deixou o dinheiro na caixa registradora e o observou andar pelo cais. Olhava a seu redor, observando o estacionamento e o tráfico na rua.
Pegou o telefone e chamou a Burt, que estava no edifício de manutenção. O mecânico respondeu justo quando Mercer subia à lancha.
-Burt, vou sair por um momento na lancha -disse ela com rapidez-. Feche a loja, mas esteja atento aos fornecedores.
-De acordo -repôs Burd Mardis, um homem muito pouco curioso.
Mercer se afastava do cais. Evie vestiu um boné, pegou os óculos de sol e saiu do edifício. Fechou a porta depois dela e correu para sua lancha.
Esta era mais veloz do que as de aluguel, mas na água e, a certa velocidade, era difícil distinguí-la delas.
Saiu para água e, quando estava já no lago, olhou a seu redor na procura de Mercer; por desgraça, ele se tinha afastado tanto que não podia identificá-lo com segurança, e tinha três lanchas adiante dela, três pontos pequenos. Qual era a de Mercer?
O brilho forte do sol convertia o lago num espelho. O ar quente a golpeava. O aroma do rio enchia sua cabeça e seus pulmões, e se sentiu exultante. Isso fazia parte da vida que amava... o vento na face, a sensação de velocidade, o balanço do barco. Quando corria assim pela água, era como se estivesse a sós com Deus. Teria sido plenamente feliz se não tivesse que perseguir Mercer.
Um minuto depois, uma das lanchas diminuiu a velocidade e se dirigiu para outro porto. Ao aproximar-se, viu que continha dois passageiros. Seguiu a toda velocidade e pouco depois comprovou que começava a atingir uma enquanto a outra se afastava cada vez mais. Como sua lancha era mais rápida que a de Mercer, calculou que a que estava atingindo era à deste. Freou um pouco, o bastante para não o perder de vista, mas sem aproximar-se tanto que pudesse identificá-la. Quase todos os que estavam na água usavam boné de beisebol e óculos de sol, e seu cabelo ia recolhido numa trança, assim estava bastante segura de que ele não a reconheceria.
Mercer avançava para a zona de sempre, onde tinha muitas ilhas. Não poderia aproximar-se muito, porque quando reduzisse sua velocidade, poderia ouvir outros barcos. O melhor do que podia fazer era parar a certa distância e fingir que pescava.
A lancha a sua frente freou e se meteu entre duas ilhas. Evie manteve a velocidade e passou pela entrada. Tinha uma distância de uns duzentos metros entre eles, mas viu que ele se aproximava da orla da ilha à sua direita.
Evie girou em direção contrária, afastando-se dele. Pelo rio passava uma barcaça muito carregada e que se afundava bastante na água. Se deixasse que se situasse entre Mercer e ela, o perderia de vista em menos de meio minuto, seria o suficiente para perdê-lo. Mas se, se colocasse no caminho da barcaça, podia acabar mais próximo dele do que queria.
Não podia evitá-lo. Escondeu a trança longa no interior da camiseta e se dispôs a cruzar o rio diante da barcaça.
-O lago Guntersville é fácil de conhecer –comentou Virgil-. Bem, eu pescava no rio antes de construírem o pântano, assim que conheci a situação do terreno quando ainda não o cobria a água. O rio se extravasava com freqüência e os moços de Roosevelt decidiram que precisávamos de um lago para que não tivesse mais inundações. Bom, claro que não há mais, porque agora toda a terra que antes se inundava às vezes está sempre embaixo da água. O Governo o chama controle de inundações, mas o que fizeram foi tirar a terra da gente, nos tirar de nossas casas e cobrir de água muitos campos bons.
-Mas o pântano trouxe eletricidade ao vale, não? -perguntou Robert. Avançava a uns trinta quilômetros por hora, o que permitia que conversassem sem problemas. Tinham que gritar um pouco, mas se ouviam.
Virgil fez uma careta.
-Claro que sim. E eu me alegro. Mas nenhum de nós pensou que construiriam o pântano para fazer a nossa vida mais fácil. Sabíamos o que ocorria. Era a Depressão e Roosevelt teria construído a segunda Torre de babel só para criar postos de trabalho. Mesmo que não tenha valido muito coisa. A economia não voltou a acordar até a guerra.
- Você lutou na guerra?
-Era velho demais –sorriu Virgil-. Imagine-se! Há mais de cinqüenta anos disseram que eu era velho demais. Mas estive na primeira. Menti sobre minha idade para poder ir. Na segunda me ofereci como voluntário para ajudar a treinar os jovens com os rifles. A minha mulher não gostou nada de ficar sozinha com cinco filhos. E se chegassem a mandar-me para a Europa, teria ficado louca. O maior de nossos filhos, John, tinha dezessete anos quando começou tudo e se uniu à Marinha. Voltou sem problemas. Imagine. Passou a guerra no Pacífico sem um arranhão e morreu de pneumonia dois anos depois. A vida tem essas coisas.
Guardou silêncio, recordando quanta gente que tinha entrado e saído de sua vida.
-Há muitos ribeiros que desembocam no lago -disse depois. Faz pouco passamos o Short... este é o ribeiro Town.
Robert tinha estudado mapas do lago, assim, quando Virgil lhe deu o nome dos ribeiros, conseguiu saber onde estavam. Como o leito do rio estava assinalado, era fácil permanecer em água profunda. Quando saísse do leito, podia usar a experiência de Virgil, que sabia onde a água era superficial e onde não.
-Perdi muita gente com os anos -disse o velho em certo momento-. Por isso que talvez me mostro muito protetor com os que ficam. Evie é uma mulher especial. Sofreu muito, assim, se não vai portar-se bem com ela, o melhor que pode fazer é deixá-la em paz e voltar para o norte.
O rosto de Robert era inescrutável.
- Evie é parente sua? -perguntou.
Virgil fez uma careta.
-De sangue não. Mas a conheço desde que nasceu, vi-a crescer e não há uma mulher melhor nesta cidade. Eu vejo televisão, sei que os tempos mudaram muito. Mas se só procura passar um bom momento, digo-lhe que ela não é assim.
Robert sentia emoções conflitantes. Uma delas, sua raiva fria e instintiva que lhe causava a intromissão do velho. Não estava habituado às advertências. Também o divertia de certo modo o atrevimento do ancião.
-Não costumo falar de minhas relações -disse com tom distante-. Mas meu interesse por Evie não é momentâneo. Por que diz que sofreu muito?
-A vida não foi fácil para ela. Perdeu Matt no dia seguinte de seu casamento e... bem, isso a mudou. Seus olhos já não brilham como antes. Desde a morte de Matt não olhou pra outro homem... até agora. Por isso lhe digo que não é de fraude.
Robert ficou atônito pela onda de ciúmes que o atravessou. Ciúmes? Nunca tinha sentido ciúmes. Ou as mulheres com as quais saía lhe eram fiéis, ou a relação terminava. Ponto. Como podia ter ciúmes de um garoto que estava há doze anos morto? Mas Evie ainda usava seu anel e ao que parecia, lhe tinha sido fiel todo esse tempo. Porque estava seguro de que com Mercer não tinha nada, ao menos a esse nível. Tinha-lhe dito que não queria deitar-se com ele porque ainda tentava ser fiel a um esposo morto.
-Que tipo de pessoa era Matt? -perguntou. Não queria saber; não queria falar dele, mas se sentia obrigado a indagar.
-Era um bom garoto. Teria sido um bom homem. Honrado, amável. Nunca saiu com outra garota a não ser Evie. Planejaram se casar desde o dia em que começaram a escola. Nunca vi dois garotos se amarem tanto como eles. Foi uma pena que não tivessem mais tempo. Nem sequer pôde deixar um filho que mantivesse viva uma parte dele. Uma verdadeira lástima. Ela precisava de algo pelo que viver.
Robert já tinha bastante. Não podia continuar ouvindo o quão maravilhoso tinha sido Matt Shaw e o quanto tinha amado Evie, ou ficaria furioso. Não tentava analisar sua reação, simplesmente era assim. Deu a volta no barco e voltou ao porto. Um homem ataviado com um macaco gordo saiu do edifício de manutenção ao ouvir o motor.
-Saía do sol e me faça companhia um momento -disse a Virgil-. Evie fechou a loja e saiu com sua lancha -estendeu um braço para ajudar ao ancião a subir ao cais.
-Quando foi isso? -perguntou Robert.
O mecânico se encolheu de ombros.
-Faz quase uma hora. Não olhei o relógio.
A mulher tinha recusado fechar a loja numa tarde de chuva na que não tinha clientes e agora a fechava pouco depois do almoço num dia ensolarado. Robert arqueou as sobrancelhas. Mirou o estacionamento. Conhecia o modelo e a placa do carro de Mercer e viu que estava ali.
Maldição! Evie tinha ido reunir-se com aquele traidor.
Quando Evie colocou a lancha em seu lugar habitual, Robert estava de pé no cais. Usava óculos de sol que ocultavam seus olhos por completo, mas ela não precisava vê-los para saber que estavam gelados de raiva. Talvez tivesse sido seus movimentos contidos que a alertaram sobre seu mau humor. Sentiu um arrepio apesar do calor.
Atou a lancha e saltou ao cais.
- Virgil gostou do passeio? -perguntou, avançando para a loja. Naquele momento tinha outras preocupações que não eram lidar com seu mau humor. Ouvia o rugido de uma lancha que se aproximava e podia ser ou não a de Mercer, mas ela não queria correr riscos. Quando ele chegasse, queria estar dentro da loja trabalhando como de costume.
-Um momento -disse o homem.
-Mais tarde -respondeu ela, correndo para a porta.
Robert a seguiu de perto, mas não teve tempo de dizer nada. Virgil a tinha visto e se aproximava também. Robert controlou sua raiva e frustração o melhor do que pôde.
O velho suspirou de prazer ao sentir o ar acondicionado.
-Fiquei fracote com os anos -murmurou-. Antes não me molestava o calor.
-Antes não tinha ar condicionado, por isso dava no mesmo se o incomodasse.
O ancião se sentou na espreguiçadeira.
-Sou um fracote -repetiu.
Ela se aproximou da máquina de bebidas e tirou três garrafas de Coca cola. Deu uma para Robert, outra a Virgil e bebeu a terceira com um longo gole.
A lancha estava próxima. Viu em seguida que se tratava da de Mercer. Sabia que a tinha visto, mas não achava que a tivesse reconhecido.
Robert apoiou um quadril no balcão e bebeu da garrafa. Sua expressão não delatava nada, mas ela tinha a impressão de que se achava expectante. Até que pudessem falar? Não, era algo mais imediato.
Observou Mercer atar a lancha e andar pelo cais com a caixa de pesca numa mão e a vara na outra. Abriu-se a porta e entrou na loja cheio de satisfação consigo mesmo.
-Nada hoje, encanto -disse-. Talvez teria mais sorte se me acompanhasse. O que me diz?
-Não me agrada pescar -mentiu ela, o que fez que Virgil estivesse a ponto de engasgar-se com a bebida.
Robert que estava de costas a Mercer. Voltou-se para ele.
-Oi, Landon -disse com frieza-. Eu gostaria de acompanhá-lo na próxima vez que tirar a tarde livre.
A Evie surpreendeu que o chamasse por seu sobrenome. De onde o conhecia? Mercer, por sua vez, se tornou pálido. -Se... senhor Cannon -gaguejou-. Ah...como...? Que faz aqui?
Robert ergueu as sobrancelhas com indolência. Evie viu que Mercer estava realmente surpreendido de vê-lo ali e isso fez que relaxasse. Não sabia que relação os unia, mas não parecia seu cúmplice.
-Este lugar tem seus atrativos -respondeu Robert.
A mulher ruborizou. Mercer pareceu ainda mais surpreso.
-Oh -murmurou-. Sim, claro -conseguiu recuperar-se um pouco e sorrir-. Esta tarde. Tenho que ir. Chame-me quando estiver livre, senhor Cannon, e jogaremos golfe.
-Ou iremos à pesca -sugeriu Robert.
-Ah... sim. Sim, o faremos. Quando queira -deixou as chaves da lancha no balcão e saiu rapidamente.
-Me pergunto qual o motivo tanta pressa – murmurou Virgil.
-Talvez a má sorte de tirar uma tarde livre do trabalho e encontrar-se com seu chefe no porto -sugeriu Robert.
O velho soltou uma gargalhada.
-Trabalha para você, eh? Seguro que isso acabou com toda a diversão dele.
-Seguro que sim.
Evie seguia contemplando a cena. Era evidente que a Robert não nitria muita simpatia por Mercer. Apesar de sua cordialidade com, notava-se. E ela se sentia muito aliviada. Por um momento horrível tinha temido que os dois fossem cúmplices de algo sujo, mas a reação de Mercer não tinha sido a de alguém que encontra um amigo. No entanto, preocupava-a que trabalhasse para Robert. Da mesma forma que não queria que suas ações manchassem o negócio dela, também não desejava que prejudicassem Robert de nenhum modo.
Não tinha conseguido descobrir a que se dedicava; tinha seguido um caminho retorcido entre várias ilhas e tinha parado um momento numa das maiores. Evie não pôde ver se fazia algo ali. Se estivesse num bote sem motor, teria podido aproximar-se mais sem do que a ouvisse, mas assim não.
Mercer depois retomou seu passeio entre as ilhas e ela vigiou o quanto podia mas era inevitável que às vezes o perdesse de vista. Quando ao fim saiu das ilhas, ela teve que acelerar o máximo possível para tirar-lhe vantagem e chegar ao porto primeiro.
Assim continuava sem ter nada aparte as suspeitas. Enquanto pensava se devia contar ou não a Robert o que sabia, chegou a bisneta de Virgil; levava a uma menina de onze meses sobre o quadril e a seguiam dois meninos de quatro e seis anos.
- Vô, vô -gritaram os dois. Correram até a espreguiçadeira e subiram nos joelhos do velho com uma naturalidade que indicava que levavam toda a vida fazendo-o
-Como foi tudo? -perguntou Virgil, abraçando-os-. O dentista lhe deu algo?
-Sim -o maior sacou um pirulito vermelho do bolso-. Mamãe diz que posso comê-la porque não tem açúcar. Quer? -sua expressão indicava que não o convencia a falta de açúcar.
-Estou tentado -respondeu o velho-. Mas pode ficar com ele.
Evie sorriu para a mãe dos meninos.
-Sherry, apresento-lhe a Robert Cannon. Virgil e ele saíram juntos no barco. Sherry Ferguson bisneta de Virgil.
-Encantada em conhecê-lo -disse a mulher com um sorriso amistoso. Mudou à menina ao outro quadril e lhe estendeu a mão.
Robert foi estreitá-la e a menina pensou que estendia o braço para ela; soltou a blusa de sua mãe com um gritinho de prazer estendeu os braços. Sherry tentou retê-la, mas Robert foi mais rápido e a tomou em seus braços antes que tivesse terminado de desprender-se de Sherry.
-Alisson Rose! -exclamou esta-. Sinto -estendeu os braços para a menina-. Não sei o que lhe passou. Não costuma ir assim com os desconhecidos.
Alisson Rose gritou e se apartou das mãos de sua mãe, agarrou-se com força à camisa de Robert.
-Não importa -disse este. Segurou as costas da menina e sorriu para a mãe-. Sempre me dei bem com as mulheres.
Evie pensou que disso não tinha nenhuma dúvida. Sherry se derretia sob seu sorriso e a pequena Alisson estava no céu.
A menina olhava a seu redor com expressão beatífica, como uma rainha que observasse a seus súbditos. Robert inclinou a cabeça para afundar o nariz nos cachos suaves e cheirar seu aroma infantil. O contato de seus bracinhos agarrando a ele lhe produzia uma estranha satisfação.
Evie tinha dificuldades para respirar normalmente. Teve que afastar a vista. Por que tinha que mostrar tanta ternura e fechar os olhos de prazer ao cheirar à menina? A jovem sentia uma emoção tão assustadora que não podia pensar com clareza.
Recordaria toda sua vida o momento exato em que se apaixonou por Robert Cannon.
Começou a mover os papéis de lugar, ainda que não pudesse dizer de que papéis se tratava. Ouviu ao longe que Sherry perguntava pela excursão no rio, as respostas entusiastas de Virgil e os comentários de Robert, relatados com um tom tranqüilizador.
Sentia-se afastada, apartada, analítica. Robert era um maestro em compreender as pessoas e usava sua voz para manipulá-los e conseguir a resposta que desejava. Quase como se dirigisse marionetes, manipulava as cordas das pessoas com tal sutileza que estas não notavam que as dirigia.
E se fazia isso com os demais, era indubitável que com ela também.
Respirou fundo. Robert lhe tinha dito a verdade em algum momento ou todas suas palavras tinham sido destinadas a... a que? Levar-la à cama? Teria paixão pela caça? Mas, por outra parte, também podia ser sincero. Como notar a diferença?
Não podia. Só o tempo lhe diria se podia confiar nele, e duvidava que dispusessem de muito tempo. Tinha dito que tinha ido passar o verão. Quando muito, ficaria seis ou mais sete semanas.
-Evie -pronunciou seu nome próximo de sua orelha e lhe tocou um braço-. Sherry e virgil estão indo.
A jovem se voltou com um sorriso. Notou que Robert era o único que tinha se dado conta de sua distração, outra mostra a mais da agudeza de sua percepção. Alisson tinha voltado aos braços de sua mãe, com a isca de um pirulito vermelho. Virgil e os meninos estavam já na porta. Os pequenos gritavam que queriam um sorvete e sua mãe fazia questão de frisar que mão iam comprar. O ancião disse que ele também precisava de um sorvete, o que acabou com a discussão.
Evie se despediu deles, muito consciente da presença de Robert a seu lado.
O silêncio quando ficaram a sós foi quase palpável. Fechou a porta e tentou passar ao lado dele, mas Robert a tomou pela cintura e se encontrou sentada no balcão com ele, de pé entre suas pernas para impedir de descer. Fincou a vista no centro de seu peito, negando-se a olhá-lo. Não queria uma confrontação quando acabava de descobrir que o amava e que não podia confiar nele ainda.
-Maldita seja! -exclamou o homem-. Olhe-me.
-Por quê?
-Porque não quero falar com a sua nuca.
-O ouço muito bem assim.
Robert praguejou e subiu seu rosto com as mãos. Evie tentou fixar-se em seu nariz, mas o brilho verde pálido de seus olhos atraíam sua atenção. Não podia ignorar a fúria que lia neles.
-Aonde foi?
A pergunta pretendia ser casual. Se não tivesse visto seus olhos talvez tivesse se deixado enganar.
-Tinha algo que fazer.
-Ah. Se encontrar com Landon Mercer? -perguntou com brusquidão-. Tem uma aventura com ele?
Evie o olhou estupefata. Demorou um momento para poder pensar. Como tinha conseguido relacioná-la com Mercer? Ruborizou e soube que devia parecer culpada, mas seguia sem poder formar uma resposta coerente. Então assimilou a última parte da pergunta.
-Não! -gritou-. Não tenho uma aventura com ele. Detesto esse homem.
Robert apertou os lábios.
-Então, por que sai escondida para reunir-se com ele?
-Eu não saí as escondidas -repôs ela com fúria-. E não me reuni com ele.
-Mas fechou a loja no meio do dia -continuou ele sem dar-lhe trégua-. Não quer fechá-la quando chove e não há clientes.
-Já lhe disse que tinha algo a fazer.
-E saiu com a lancha?
-Vivo na água -assinalou ela-. Posso cruzar o lago em menos tempo do que demoro em ir de carro a minha casa. Às vezes, quando o tempo está bom, uso a lancha em vez do carro.
-Está dizendo que foi a sua casa? -insistiu ele.
Ela segurou seus pulsos e afastou as mãos dele de seu rosto.
-Tinha algo a fazer -repetiu-. Não me reuni com Mercer. Não tenho uma aventura com ele. E por que, diabos, acredita que tem o direito de me interrogar?
Tentou empurrá-lo, mas ele não se afastou nem um centímetro. -Por isto -disse. Baixou a cabeça para a dela.
Evie conteve o fôlego ao sentir o calor de sua boca. Seu movimento tinha aberto mais as pernas dela e Robert aproximou mais os quadris no vão. Evie estremeceu ao sentir seu sexo no ventre. Nele, a paixão era tão assustadora como a raiva. Tentou afastá-lo, mas não conseguiu.
-Basta -murmurou ele contra sua boca. Apertou-lhe as nádegas com uma mão e a atraiu para si, esfregando-a contra a protuberância do jeans.
O prazer inesperado que atravessou suas entranhas a fez gritar, ainda que os lábios dele apagassem o som. Repetiu o movimento, esfregando sua pélvis contra ela numa fúria de ciúmes e desejo. O prazer foi ainda mais forte e ela se arqueou em seus braços e se agarrou a seus ombros. A transição da fúria ao desejo foi tão rápida que não pôde controlá-la, e a corrente de prazer a inundou. Cada movimento dele aumentava a sensação, levava-a mais longe, como se a obrigasse a subir uma montanha com a intenção de atirá-la pelo outro lado ao chegar acima. A sensação de tontura e pânico era a mesma e ela se agarrou a ele como se fosse sua única âncora.
Pensou, com sua mente nublada pelo desejo, que nunca tinha sido assim com Matt. Sua paixão juvenil era tímida, sem experiência, doce, mas vacilante. Robert era um homem que sabia muito bem o que fazia.
Seus seios latejavam, ainda que não os tivesse tocado, e os mamilos estavam doloridos. Se arqueou de novo, com um gemido, e tentou acalmar a dor esfregando-os contra o peito dele.
-Calma -sussurrou o homem, e tocou em um dos seios.
A pressão deliciosa da mão a fez gemer. Sabia que devia detê-lo, mas pôr fim àquele êxtase era a última coisa que desejava. Seu corpo ardia de desejo. Robert introduziu as mãos sob a blusa e abriu o feixe frontal do sutiã. Afastou as peças e acariciou a pele nua, as curvas do sutiã que rodeavam os mamilos, até que ela gemeu de agonia.
-É isso o que quer? -murmurou. Beliscou levemente os mamilos e ela gemeu enquanto um rio de calor a percorria, aumentando a umidade que se depositava entre suas pernas.
Jogou-se para trás, movimento que elevou seu seio. Viu que ele tinha afastado a blusa e encontrou os mamilos vermelhos como morangos. Ele tomou um deles na boca, e ela fechou os olhos e jogou atrás a cabeça.
Pensava possuí-la ali mesmo, no balcão. Sentia sua determinação, seu desejo cada vez maior.O pânico a invadiu, combatendo o calor que drenava sua força de vontade e sentido comum. A possuiria ali, onde podia entrar qualquer um e vê-los. A possuiria sem pensar para nada em protegê-la de uma gravidez. E ela, além de arriscar sua reputação e a possibilidade de ficar nesse estado, perderia a última barreira que retinha seu coração.
A boca dele sugou o mamilo com força antes de passar ao outro. E suas mãos já abriam o fecho dos jeans dela.
Evie introduziu com força os braços entre os corpos de ambos.
-Não -disse. Sua voz era rouca, mal audível-. Robert, não! Basta!
O homem ficou imóvel, com o corpo tenso. Afastou as mãos dela muito devagar e retrocedeu, primeiro um passo e depois outro. Ofegava audivelmente.
Evie baixou do balcão sem olhá-lo e arrumou a roupa. Também respirava com força.
-Não tenha tanto medo -disse ele com acalma-. Dei a minha palavra de que pararia e o fiz.
A jovem pensou que o problema não estava na força de vontade dele, e sim na sua. Se tivessem estado em outro lugar, não sabia se poderia negar-se.
-Não tem nada que dizer? -perguntou ele um momento depois.
Evie carraspeou.
-Ainda não.
-De acordo. Falaremos amanhã. A buscarei às sete.
-Às sete -repetiu ela.
Robert discou um número em seu telefone móvel de mãos livres quanto saiu do estacionamento.
-O seguiu?
-Sim, senhor. Vimos seu jipe no porto e nos retiramos.
-Maldição. Eu tinha saído no barco. Alugou uma lancha e se reuniu com alguém no lago, possivelmente Evie, porque ela também saiu em sua lancha. Levava algo quando saiu do trabalho?
-À vista não, mas bem podia levar um disquete no bolso da jaqueta.
-Não foi pescar de terno. Quando mudou de roupa?
-Em sua casa. Não ficou nem cinco minutos; quando saiu, levava uma caixa de pesca e uma caixa.
-E se levava algum disquete, seria na caixa.
-Sim, senhor. Não tivemos ocasião de registrá-la.
-Eu sei. Não foi culpa sua. Mas a primeira coisa que farei será pôr um telefone seguro no barco. Assim poderá contatar comigo se estiver na água.
-Boa idéia. Registramos outra vez sua casa enquanto estava fora. Sem resultados.
-Maldita seja. Ok, continuei vigiando-o. E envie alguém a casa de Evie esta noite.
-O assunto que discutimos?
-Sim - respondeu Robert. Tinha chegado o momento de começar a pressionar.
A manhã seguinte foi horrível. Evie mal tinha dormido, tinha posto o despertador às quatro e meia e, quando soou, estava a menos de duas horas dormindo. Sonhar com Robert era uma coisa, mas agora também não podia afastá-lo de sua mente quando estava desperta. Seus pensamentos oscilavam da paixão com que lhe fazia amor à incomodidade que sentia cada vez que pensava no quanto era experiente em manipular as pessoas. Tentou analisar o que era exatamente que a molestava, mas não era fácil.
Pouco depois de meia-noite se deu conta por fim. Era como se Robert só deixasse ver uma parte dele; a outra parte, possivelmente a mais próxima a sua essência, permanecia distante, inatingível, analisando reações, decidindo que fazer para conseguir os resultados que procurava. Todo mundo ficava fora desse homem interior, cuja inteligência funcionava quase como um computador isolado num meio esterilizado. O mais preocupante era que ele desejava que assim fosse, fomentava intencionalmente aquele isolamento interno e não estava disposto a convidar ninguém para seu interior.
Que lugar podia ela ocupar em sua vida? Desejava-a, estaria mais do que disposto a dedicar-lhe um tempo para obter o que desejava, uma relação carnal. Mas se ela não conseguia penetrar nesse núcleo interno, jamais chegaria a seus sentimentos. Romperia o coração lutando contra suas defesas.
E ela conhecia, melhor do que muitas pessoas, a importância das barreiras emocionais. Como ia condená-lo por permanecer no interior de sua fortaleza? Nem sequer sabia se tinha direito a tentar entrar nela.
Por outra parte, também não sabia se podia escolher. Para o bem ou para o mau, ele tinha rompido suas defesas essa tarde, e com algo muito inocente, brincando com uma menina. Mas a base do amor eram as coisas pequenas e não os grandes acontecimentos. Quando salvou sua vida e de Jason, amaciou-se, mas não lhe entregou o coração. Esse dia, não obstante, tinha-se apaixonado e não era algo que pudesse ignorar. Talvez fosse impossível penetrar nas defesas dele, mas tinha que tentar.
Ao fim dormiu, mas o despertador a tirou da cama. Fez café e se banhou. Enquanto tomava café da manhã, sentiu um choque no ventre.
-Maldita seja! -exclamou. Aquela noite seria seu primeiro encontro com Robert e o período iria chegar. Tomou nota de que dentro de uns dias devia começar a tomar a pílula anticoncepcional.
Normalmente não a afetava o período, mas em um momento inoportuno daquele, combinado com a falta de sono, fez que se sentisse de mau humor quando saiu da casa.
O veículo, sólido apesar de seus anos, começou a fazer ruídos raros na estrada deserta.
-Nem pense em parar agora -lhe advertiu.
O veículo passou a fazer um ruído metálico. Freou e revisou o painel. Viu que a agulha do medidor estava em zona vermelha. Pisou no freio e começou a mover-se para o lateral da estrada, e então o motor explodiu. Houve um grande ruído e a fumaça tomou conta de tudo, escurecendo sua visão. Conseguiu virar o volante e tirar o carro da estrada.
Saiu e olhou o veículo envolto em fumaça. Lançou todos as maldições que conhecia, o que serviu para aliviar parte de sua frustração. Depois respirou fundo e olhou para ambos os lados da estrada. Já amanhecia e o tráfico começava a aumentar; talvez passasse algum conhecido e não tivesse que percorrer os três quilômetros até uma cabine de telefone. Tirou a pistola que levava embaixo do assento e a meteu na bolsa. Fechou o carro com um suspiro e começou a andar.
Menos de um minuto depois uma caminhonete se detinha a seu lado. Evie viu que arrastava um bote. No veículo tinha dois homens e o do assento do acompanhante baixou a janela.
-Teve problemas, senhorita Evie?
Reconheceu com alívio a Russ McElroy e Jim Haynees, dois pescadores da região que era conhecidos seus.
-Oi, Russ. Jim. O motor do meu carro explodiu.
Russ abriu a porta e saltou para o chão.
-Vamos, a levaremos até o porto. Não deve ir sozinha por aqui. Há muita maldade nestes tempos.
A jovem subiu no veículo e se sentou no meio. Russ se colocou ao seu lado.
-Tem um bom mecânico? –perguntou Jim.
-Pedirei a Burt, o mecânico do porto, que dê uma olhada nele. Entende de motores.
-Sim -assentiu o homem-. Conheço Burt Mardis e é muito bom, mas se não resolver, há outro sujeito que tem um oficina nas proximidades de Blunt que é um gênio. Chama-se Roy Simms. Procure-o nas páginas amarelas. Reparações de Automóveis Simms.
-Obrigada. Lembrarei.
Jim e Russ se lançaram a uma discussão sobre os mecânicos bons da zona e não demoraram a chegar no porto. Evie agradeceu. Seguramente eles se dirigiam a outro cais, mas já que estavam ali, optaram por aproveitar esse. Enquanto a jovem abria a porta que fechava a passagem à rampa de lançamento, Jim fazia manobras com a caminhonete para colocar o bote em direção da água. Depois ela abriu a loja e acendeu as luzes. Quando Jim e Russ se afastavam do cais, chegou Burt e ela foi contar-lhe o ocorrido com seu carro.
Pouco depois do amanhecer soou o telefone. Robert abriu um olho e levantou o fone.
-Sim?
-O veículo não chegou à cidade. Explodiu justo quando ela entrava na freeway. Alguém a levou ao porto.
Robert se sentou na cama. Sentia arrepiar os cabelos da nuca.
-Verificou o que aconteceu?
-Sim. Eu também estava preocupado, assim os segui para ver se ocorria algum problemas. Não houve. Dois pescadores a recolheram e a levaram, pareciam conhecidos.
Isso não o tranqüilizava. Guntersville não era precisamente a capital do crime, mas poderia acontecer qualquer coisa com uma mulher sozinha. Também não o tranqüilizava que a tivessem seguido de perto. A situação não tinha que ter se apresentado daquela forma.
-Por que ocorreu antes do previsto?
-West deve ter feito um buraco maior no óleo do que pensava. Seguramente terá uma grande mancha de óleo na frente de sua casa. Não deve ter visto porque quando saiu estava escuro ainda.
-Eu não ficaria nada satisfeito se tivesse ocorrido algo com ela por causa de um erro-disse Robert com voz remota.
Houve uma pausa.
-Entendo. Não voltará a ocorrer.
-Cuidado quando entrar na casa. Não quero que note nada fora de seu lugar.
-Não o notará. Me encarregarei pessoalmente.
Quando desligou o telefone, Robert deitou com as mãos atrás da cabeça e mirou no sol que aparecia por trás das montanhas. No dia anterior não tinha esclarecido nada da relação entre ela e Mercer. Estava quase seguro que tinham se encontrado na água, porém ela não tinha falado nada a Mercer sobre sua presença, ou desconhecia sua relação com a Power Net. A rede de espionagem parecia ser muito eficaz, então como ela não saberia quem ele era?. Ou por que Mercer não havia lhe informado de sua presença? Que motivos teriam para mantê-la na obscuridade a não ser se sua participação não fosse substancial.
A outra possibilidade era que Evie sim, tivesse reconhecido seu nome, mas por motivos próprios tinha optado por não passar a informação que guardava o barco em seu porto e parecia ter um interesse pessoal nela.
De um modo ou outro, parecia que ela não estava em bons termos com os demais da rede de espionagem. No primeiro caso era uma debilidade que ele podai explorar. No segundo, a vida dela podia correr perigo.
Evie enviou um reboque para transladar o veículo ao cais. Uma vez feito isso, Burt meteu a cabeça sob o capou e começou a examiná-lo. Depois se meteu embaixo para estudá-lo melhor. Quando saiu não se mostrava muito otimista sobre a possibilidade de reconstruir o motor.
-Muitos danos -disse-. Será melhor comprar outro novo.
Evie já esperava a notícia e tinha começado a fazer malabarismos com sua economia. Tinha pendente o pagamento do crédito desse mês e tinha atrasado outros. Podia passar sem transporte uns dias, poderia usar a lancha para ir e vir de sua casa ao cais. E se precisasse ir a algum lugar inesperado, podia pedir o carro a Becky, mas não lhe agradava.
- Ligarei e tentarei conseguir um -disse-. Terá tempo de consertá-lo?
-Talvez logo. Agora não tenho muito trabalho.
Quando Craig chegou para, já estava tudo arrumado. Tinha encontrado um motor e Burt o colocaria quando chegasse. Com um pouco de sorte, podia ter o carro na tarde seguinte.
Em sua experiência, no entanto, as coisas nunca saíam assim tão bem. Não a surpreenderia que Burt se visse inundado de repente de barcos que precisavam reparações.
Apesar de suas preocupações, a viagem pelo lago estava prazerosa. A água estava verde, um tom azulado rodeava as montanhas e nuvens densas e brancas se moviam preguiçosamente pelo céu, oferecendo um breve respiro frente ao ardor do sol. As gaivotas sobrevoavam a água e um águia voava alto na distância. Era o tipo de dia no que quase ficava intolerável ficar dentro de casa.
Com essa idéia em mente, quando chegou a sua casa tirou o cortador. Mirou a grande mancha de óleo que tinha no caminho primeiramente. Se não tivesse mudado o turno com Craig, a teria visto essa manhã e o motor de seu carro continuaria intacto.
Pura má sorte.
Quando terminou de cortar a grama, entrou para fazer as tarefas da casa. Às três da tarde voltava a estar do lado, sentada no cais com os pés na água e um copo de chá frio ao lado.
Assim a encontrou Robert. Apareceu pela lateral da casa e se deteve ao vê-la com os olhos fechados e o rosto levantado para o sol. A trança longa e grossa de cabelo dourado caía de lado, deixando descoberta a nuca. Usava um calça jeans e uma camisa branca. Sua pele brilhava com uma luminosidade dourada, como um pêssego suculento. Robert engoliu saliva. Nunca tinha sentido um desejou tão urgente por nenhuma mulher. Queria possuí-la ali mesmo, sem pensar duas vezes.
A mulher não foi consciente de sua presença até que entrou no cais de madeira. Voltou a cabeça com curiosidade. Robert se sentou a seu lado e começou a tirar os sapatos.
-Oi -disse ela com um sorriso.
O homem sorriu por sua vez. Apesar da intensidade de seu desejo, sentia-se estranhamente contente com a espera. Cedo ou tarde seria sua. Pelo momento desfrutava do encantamento de seu sorriso, o brilho luminoso de sua pele, o aroma cálido e feminino que nenhum perfume podia igualar. O simples fato de sentar a seu lado era muito sedutor.
Arregaçou a calça cor caqui e meteu os pés no água. Estava morna, mas contrastava com o calor de sua pele e fazia que se sentisse quase cômodo.
-Ainda não são sete horas -assinalou ela, mas sorria.
-Queria assegurar-me de que não tinha se acorvadado.
-Ainda não. De-me mais algumas horas.
Moveu os pés preguiçosamente para frente e para trás, observando a água mover-se em torno de seus tornozelos. Pensou um momento se seria aconselhável tocar em um tema que a preocupava muito.
-Robert -disse por fim-. Alguma vez deixou que alguém se aproximasse para valer de você? Alguém o conheceu completamente?
Senti-o enrijecer por um segundo.
-Tentei me aproximar de você assim que a vi.
Evie voltou a cabeça e viu que a observava.
-Foi uma boa evasiva, mas acaba de demonstrar o que eu dizia.
-Para valer? -murmurou ele. Inclinou-se para beijar o ombro nu-. E daí?
Evie não se deixou distrair pela carícia.
-Não responde perguntas pessoais. Mantém todo mundo à distância. Que observa e manipula e nunca diz o que sente nem o que pensa de verdade.
O homem parecia divertido.
-Está me acusando de ser difícil de conhecer enquanto você é tão aberta quanto uma esfinge?
-Nós dois temos defesas -admitiu ela.
-E se eu fizer a mesma pergunta a você -disse ele-. Deixou alguém se aproximar de você e conhece-la de verdade?
-Lógico. Minha família... e Matt.
Guardou silêncio e Robert viu a tristeza que cobria seu rosto como se uma nuvem que passasse diante do sol. Outra vez Matt! Não lhe agradava sentir ciúmes de um rapaz morto. Mas ao menos a recordação de Matt tinha distraído Evie de suas perguntas incômodas.
Continuou sentada em silêncio, observando a água. Robert a deixou com seus pensamentos.
Sua percepção era preocupante. Era verdade, ela tinha acertado na mosca. Ele sentia a necessidade de manter uma grande parte de si mesmo apenas para si; a personalidade que apresentava ao mundo, a do executivo rico e educado, não era falsa. Simplesmente era só uma parte do tudo, a parte que ele queria mostrar. E tinha suas vantagens; era perfeita para fazer negócios, para seduzir às mulheres que queria, e servia para proteger outras coisas.
Nenhum de seus empregados ou amigos suspeitava que fosse outra coisa além do executivo frio e controlado. Não conheciam sua sede de aventuras nem sua atração pelo perigo. Não sabiam nada dos favores tão arriscados que tinha feito, por puro patriotismo, a diferentes departamentos e agências do Governo. Desconheciam o treinamento especializado ao que se submetia para manter-se em forma. Não conheciam seu temperamento vulcânico porque o mantinha controlado. Robert se conhecia bem. E sempre lhe tinha parecido melhor não revelar os aspectos mais fortes de sua personalidade. Se isso implicava que ninguém o conhecia de todo, muito bem. Tinha certa segurança nisso.
Nenhuma mulher tinha chegado nunca ao núcleo de seus sentimentos, nunca lhe tinham feito perder o controle. Não queria amar completamente, abrir-se a ninguém, mostrar-se vulnerável. Pensava em casar-se algum dia e sua esposa seria muito feliz. A trataria com o máximo cuidado e consideração, comprazendo-a na cama e mimando-a fora dela. E nunca saberia que não tinha chegado até ele de todo, que seu coração permanecia isolado em seu interior.
Madelyn, é claro, sabia que tinha profundidades ocultas nele, mas não tinha tentado penetrá-las. Sabia que a amava e se conformava com isso. Sua irmã era uma pessoa formidável a seu modo, seu jeito preguiçoso ocultava uma determinação fora de série, como seu marido tinha descoberto já com surpresa.
Mas, como era possível que Evie visse tão claramente o que outros não captavam nunca? Isso o fazia sentir-se exposto e não lhe agradava nada. Teria que ser mais cuidadoso com ela.
-Onde está seu carro? -perguntou.
- Vou colocar um motor novo nele - respondeu ela-. Talvez o faça amanhã a tarde, mas por enquanto estou usando a lancha.
Esperou, mas era evidente que não ia adicionar mais nada. Compreendeu com surpresa que não pensava contar do motor. Estava habituado que as pessoas fossem a ele com seus problemas e até tinha considerado a possibilidade de que ela lhe pedisse um empréstimo para as reparações. Não tinham falado de dinheiro, mas ela tinha visto o barco novo, o jipe novo, a casa nova, e não era idiota. Devia saber que tinha dinheiro. Não teria dado um empréstimo, claro, porque isso teria ido contra sua intenção de pressioná-la economicamente, mas não o teria surpreendido se o pedisse.
-Se precisar que eu a leve em algum lugar, me chame -se ofereceu.
-Obrigada, mas não creio que seja necessário.
Robert lhe tomou a mão e lhe acariciou os dedos com gentileza.
-Não me perguntou aonde vamos ir esta noite.
Evie o olhou surpresa.
-Não tinha pensado nisso-era verdade. Parecia-lhe indiferente a onde fossem. O que lhe interessava era que estaria com ele.
-Isso não é muito animador -sorriu ele.
-Não disse que não tenha pensado em sair com você. Apenas não fiquei pensando sobre aonde íamos.
Guardaram silêncio um momento. Depois ela o olhou com serenidade.
- Eu respondi sua pergunta. Agora é a sua vez.
-Ah! -optou por uma resposta que pudesse contentá-la sem expô-lo a nada. Tinha a vantagem de ser a verdade-. Sou uma pessoa introvertida -disse com calma-. Não conto minha vida ao primeiro que pergunta. Você também não o faz, assim penso que deveria entender.
Os olhos castanhos o observaram um longo tempo; suspirou. Robert captou que a resposta não a tinha satisfeito, mas que não continuaria indagando. Não lhe agradava a indiferença, mas também não queria que perguntasse mais.
Olhou seu relógio. Tinha que fazer uns telefonemas antes do jantar. Beijou-a de novo no ombro e se pôs em pé.
-Tenho que ir. Não fique fora muito tempo ou se queimará. Seus ombros já estão vermelhos.
-Está bem. Nos vemos às sete -continuou sentada e Robert a olhou com frustração. Justo quando ao fim começava a fazer progressos com ela, retirava-se mentalmente de novo, como uma tartaruga que se esconde em sua carapaça. Mas o ambiente da tarde parecia uma mistura estranha de satisfação, melancolia e resignação. Talvez estivesse preocupada pelo carro; ou quem sabe fosse seu encontro com ele que a deixava nervosa.
A verdade era que ela era tão fechada para ele como ele para outras pessoas. Sempre tivera habilidade de entender as pessoas, mas com ela não podia predizer o que ia fazer nem adivinhar o que pensava, e isso o deixava louco.
Evie permaneceu onde estava até muito depois de que o som do jipe tivesse se perdido na distância. Robert tinha fugido de sua pergunta e ela compreendeu com tristeza que não ia permitir aproximar-se dele. Se queria uma relação com ele, teria que se conformar com o pouco que estava disposto a lhe dar. Com Matt, o tinha conhecido até a medula e o tinha amado profundamente. Que ironia que agora tivesse se apaixonado de um homem que só lhe permitia tocar a superfície!
Ao fim tirou os pés da água e se levantou. Tinha que se preparar para a grande noite. Intuía que ia precisar de toda a preparação de que fosse capaz.
Evie sabia que não podia ter pedido um acompanhante melhor. Apesar de sua sofisticação, ou talvez por ela, tinha algo antiquado na cortesia com que a tratava. Tudo ia encaminhado ao prazer dela, a sua comodidade, e como boa mulher do Sul, não lhe custava aceitá-lo assim. Robert Cannon a cortejava, assim era normal que se preocupasse em satisfaze-la.
Sua atenção estava fixa nela. Não olhava pra outras mulheres, ainda que estas sim, olhassem para ele. Afastava a cadeira sempre que se levantava ou sentava, servia-lhe vinho e estava atento a todos os detalhes. Quando andavam, apoiava a mão na parte baixa de suas costas, com um gesto metade possessivo metade protetor.
Conseguiu que se sentisse cômoda quase em seguida. Era natural que estivesse nervosa; depois de tudo, não tinha um encontro há doze anos, e tinha uma grande diferença entre os dezoito anos e os trinta. Naquele tempo, uma saída consistia em ir ao cinema e comer um hambúrguer, ou encontrar-se com uns amigos na pista de patinagem. Não sabia bem o que se fazia numa saída com um homem habituado às diversões mais cosmopolitas.
Levou-a a um restaurante muito agradável de Huntsville, e pareceu sentir-se completamente cômodo com o que os rodeava, sem mencionar em nenhum momento que estivesse habituado a lugares melhores nem tentar fazer alarde disso.
Moveu os dedos diante do rosto dela.
-Estás a cinco minutos observando-me e sorrindo -disse-. Normalmente me sentiria lisonjeado, mas começo a ficar nervoso.
Ela pegou seu garfo.
-Não deveria. Estava pensando que parece estar muito à vontade aqui, ainda que seguramente esteja habituado a outros lugares.
Ele encolheu de ombros.
-Gostei do lugar -disse-. E não me refiro só ao restaurante, em sim no geral. Confesso que não estava preparado para o calor. Não sei por que, quarenta graus em Nova York parecem diferentes a quarenta graus aqui.
Evie ergueu as sobrancelhas.
-Quarenta graus não é muito calor.
O homem soltou uma risada.
-Essa é uma das diferenças. Para um nova-iorquino, quarenta graus é sim, muito calor. Para você é um dia refrescante.
-Não exatamente. Aqui também é calor, mas não tanto como quarenta e cinco.
-O que eu disse. Uma diferença de atitude -tomou um gole de vinho-. Gosto de Nova York tal como é. E também gosto daqui. Em Nova York há um ambiente de energia e rapidez. A ópera, o balé, os museus... Aqui há ar limpo, pouca pessoas, nenhum congestionamento. Ninguém parece ter pressa. Sorrimos para os desconhecidos -a olhou nos olhos.
-Se casou alguma vez?
Robert tomou outro gole de vinho.
-Não -respondeu-. Na universidade estive noivo, mas nos demos conta que seria um erro nos casar.
-Quantos anos tem?
-Trinta e seis. E para adiantar-me a outras perguntas, sexualmente só me interessam as mulheres. Nunca usei droga e não tenho doenças contagiosas. Meus pais morreram, mas tenho uma irmã, Madelyn, que vive em Montana com seu marido e seus dois filhos. Há alguns primos longínquos, mas não temos muito contato.
Evie o olhava com calma. Mostrava-se descontraído, o que indicava que não considerava reveladores esses detalhes de sua vida. Eram simples fatos. Mas ela o escutava atenciosamente, porque esse tipo de minúcias formavam o esqueleto da vida de alguém.
- Becky e eu temos parentes repartidos por todo o estado -disse-. Um de meus tios tem uma granja grande a cerca de Montgomery, e todos os anos fazemos ali uma reunião familiar em junho. Não somos uma família muito unida, mas é um modo de estar em contato. A não ser por essa reunião, Jason e Paige não conheceriam nosso lado da família, só o de seu pai; assim nos esforçamos por ir todos os anos.
-Seus pais morreram?
-Sim -o brilho de seus olhos se escureceu-. Becky é minha única família. Quando mamãe morreu, vivi com Paul e com ela até que Matt e eu nos casamos -vacilou um pouco a voz.
-E depois? -perguntou ele com gentileza.
-Depois vivi com os pais de Matt. Onde vivo agora. A casa era deles. O porto também. Matt era filho único e, com a sua morte, deixaram tudo pra mim.
Robert sentiu outra punhalada de ciúmes. Continuava vivendo na casa onde Matt tinha crescido; não podia entrar ali sem pensar nele constantemente.
-Não pensou em se mudar, em comprar uma casa mais moderna? -perguntou.
Evie negou com a cabeça.
-Para mim o lar é importante. Perdi o meu quando mamãe morreu e, ainda que Becky e Paul me recebessem bem, sempre soube que era seu lar, não o meu. Matt e eu pensávamos em viver num reboque no princípio, mas depois de sua morte não podia... Seus pais me pediram que fosse morar com eles, precisavam tanto de mim quanto eu deles. Talvez por isso me senti cômoda ali, como se fosse meu lar. E agora é -disse com simplicidade.
Robert a olhou pensativo. Nunca tinha sentido esse vínculo com algum lugar, raízes fixas. Quando menino havia vivido numa casa grande em Connecticut, mas sempre foi o lugar onde vivia, nada mais. Seu dúplex cumpria agora a mesma função. Evie não gostaria de seu casa, ainda que fosse espaçosa e impecavelmente decorada. Ainda assim, sentia-se cômodo ali e a segurança era excelente.
O restaurante anunciava uma pequena orquestra, e era muito boa. Tocavam melodias lentas, feitas para dançar a dois. Ele estendeu a mão.
-Me concede esta dança?
Evie sorriu, mas depois vacilou.
-Faz tanto tempo -disse com sinceridade-, que não sei se posso.
-Acredite-me -a tranqüilizou -. Não se esquece. É como andar e de bicicleta.
Se deixou guiar. Ao princípio estava rígida, mas depois de umas voltas, relaxou e se deixou envolver pelo prazer da música e pelo movimento. Robert era um dançarino experiente, e ela não tinha esperado outra coisa. A segurava de um modo que a fazia sentir-se segura, mas não demasiado próxima.
À medida que dançavam, deu-se conta de que ele não precisava ser mais explícito. O dança era sedutora por si mesma. O modo terno que apertava sua mão, a firmeza da outra mão em suas costas. Seu hálito que lhe roçava o cabelo; o aroma limpo de sua pele. Em ocasiões, seus seios roçavam o torso ou o braço dele, ou suas coxas se encontravam. E ela não era imune a tudo isso.
Voltaram a meia-noite. Durante o caminho de volta A Guntersville, guardaram silêncio. Não falaram até que pararam o carro diante da casa dela. À medida que seus olhos se adaptavam à escuridão, podiam ver o rio estendendo-se por trás da casa.
-Amanhã a noite? -perguntou ele.
Evie moveu a cabeça.
-Não posso. Não mudei o turno com Craig, assim ele abrirá pela manhã, como sempre. De qualquer maneira não o faria. O trato não foi esse.
Robert suspirou.
-Está bem. Procuraremos um compromisso. Estaria bom para você mudar o turno uma vez por semana? Seus escrúpulos o achariam aceitável? Trabalha para você e não ao contrário, sabe?
-Também é um amigo e me faz muitos favores. Não me aproveitarei dele -a frieza de sua voz dava a entender que a tinha ofendido.
Robert saiu do carro e deu a volta para abrir-lhe a porta.
-Tentará arranjar um pouco de tempo para mim? -perguntou.
-Falarei com Craig -disse ela, sem comprometer-se.
-Por favor.
A mulher tirou a chave da bolsa e ele a tirou de sua mão. Abriu a porta, acendeu a luz e retrocedeu.
-Obrigado -murmurou ela.
Robert pôs uma mão no braço. -Boa noite, meu bem -murmurou. E a beijou na boca.
O beijo foi lento e cálido. Só a tocava com a mão no ombro e com os lábios. Ela suspirou de prazer.
Quando ele levantou a cabeça, sue seios latejavam e respirava mais depressa que o normal. Ficou satisfeita em ver que ele também ofegava um pouco.
-Até amanhã -disse ele-. Voltou a beijá-la e se afastou para o jipe.
Evie fechou a porta e se apoiou nela até que ouviu o ruído do carro perder-se na distância. Queria chorar e queria cantar.
Tirou os sapatos e entrou na cozinha para beber água. Seu pé esquerdo tocou algo úmido e frio. Assustada, deu um salto. Acendeu a luz da cozinha e viu com desanimo que a poça saía da parte inferior do frigorífico. Abriu a porta, mas não acendeu nenhuma luz. O interior estava escuro e em silêncio.
-Oh, não, agora não! -gemeu. Belo momento para ficar sem geladeira!
Simplesmente, não podia permitir-se uma reparação. Podia comprar uma nova a crédito, mas não queria aumentar mais os pagamentos mensais. A geladeira era velha, mas por que não podia ter durado outro ano? Então ela já teria mais dinheiro. Mais seis meses e teria sido outra história.
Mas não tinha nada que pudesse fazer a uma da manhã. Estava esgotada, mas recolheu a água e pôs toalhas no solo por que caia mais.
Quando por fim se meteu na cama, não podia dormir. Talvez tivesse que procurar um trabalho de garçonete de meio período. Doía-lhe o ventre. Em conjunto, a saída com Robert, que tão nervosa a punha, tinha sido a melhor coisa do dia.
Às sete estava falando por telefone com Becky. Enquanto ligava para a suas amigas, Evie começou a fazer o mesmo com os anúncios de geladeiras de segunda mão do jornal. Como suspeitava, apesar de ser bem cedo, algumas já tinham sido vendidos.
Às nove Becky tinha localizado uma geladeira boa. Custava cem dólares, a mais do que podia permitir-se, mas muito menos do que custaria uma nova. Becky foi procurá-la e foram juntas vê-la.
- Tem dez anos, assim que seguramente sobre cinco ou sete de vida -lhes disse a mulher que as acompanhou à cozinha-. Ela não tem nada de errado, mas estamos construindo uma casa nova e quero uma geladeira bem maior.
-Eu fico –disse Evie.
-Como vai levá-la pra casa? -perguntou Becky. Repassou a lista de pessoas conhecidas que tivessem uma caminhonete disponível.
Meia hora depois, Sonny, um amigo que trabalhava pelas tardes e tinha as manhãs livres, estava já a caminho.
Quando conseguiu ter a geladeira em casa, Evie já estava atrasada.
Ligou pra Craig para dizer-lhe o que ocorria e que talvez se atrasaria um pouco.
-Não é problema -respondeu o garoto.
Sonny enganchou a geladeira e Evie e Becky transladaram a comida que tinha sobrevivido do velho ao novo. Tirou os ovos e o leite e guardou quase todo o resto.
-Quer que leve a velha? –perguntou Sonny.
-Não, tenho que ir trabalhar. Vamos empurrá-la até a varanda e me livrarei dela quando tiver meu carro. Obrigada. Não sei o que teria feito sem você.
-De nada.
Quando ficaram a sós, Becky sorriu para sua irmã.
-Sei que tem pressa para ir trabalhar, por isso telefonarei a noite. Quero os detalhes suculentos de seu encontro com Robert.
Evie afastou o cabelo do rosto.
-Não foi mal -sorriu porque sabia que sua irmã não gostaria dessa resposta-. Me preocupei para nada. Mostrou-se como um perfeito cavaleiro todo o tempo.
-Maldita seja! – grunhiu Becky.
Quando Evie chegou ao porto, descobriu que, tal e como tinha temido, Burt tinha várias reparações de barcos a fazer antes de pôr o motor no seu carro. Não protestou pelo atraso. Economicamente, favorecia-lhe que tivesse mais reparações. Talvez com elas pudesse pagar o motor.
Craig a olhou e estalou a língua.
-Chefa, tem que deixar de tanta festa e dormir bem uma noite.
-É tão visível?
-Não. Este mês está na moda olheiras escuras.
-Se algo mais estragar lhe darei um tiro -disse.
O jovem passou o braço por seus ombros.
-Ah, tudo irá bem. Anima-se, chefa. Só está cansada. Se quer dormir um pouco, ficarei por aqui algumas horas a mais. Esta noite tenho um compromisso, mas pela tarde estou livre.
A mulher sorriu, comovida por sua oferta.
-Não. Estou bem. Você pode ir para casa e eu tentarei procurar um trabalho pela manhã que me ajude a pagar todas essas coisas que quebraram.
-Que coisas? -perguntou uma voz profunda a suas costas.
Craig e ela se voltaram. Robert parecia bem descansado. Sua expressão era inescrutável, mas Evie percebeu que não lhe agradava que Craig a rodeasse com um braço.
-Ontem à noite minha geladeira quebrou -disse-. Passei-me a manhã procurando uma de segunda mão em bom estado e levando-a para casa.
Robert a observou.
-Não dormiu muito, não é?
-Umas horas. Mas esta noite dormirei como um tronco.
-Tem certeza que não quer que fique um momento? -perguntou o garoto.
-Tenho. Vemo-nos amanhã.
-Ok -se afastou assobiando. Robert voltou a olhá-lo, um garoto bem constituído que prometia ser um homem bonito.
-Não tem que ter ciúmes dele - Evie disse com brusquidão, entrando no escritório.
Robert a seguiu erguendo as sobrancelhas.
-Não me recordo ter dito nada.
-Não precisava. Notava-se o que pensava.
O homem a olhou surpreso. Não lhe agrada ser tão transparente.
-Conheço Craig desde que era pequeno. Não há nada sexual em nossa relação.
-Pode ser que para você não -respondeu ele com calma-, mas eu também fui adolescente.
-Não quero ouvir falar de hormônios -disse ela-. Se o único que pode fazer é criticar, vai embora. Estou muito cansada para essas tolices.
-Já percebi -a abraçou e apoiou a cabeça no oco do ombro. Acariciou-lhe o cabelo, preso como de costume por uma trança. Na noite anterior o tinha recolhido num laço elegante. Um dia o veria solto estendido sobre o travesseiro.
Movia-se devagar, acalentando-a. O apoio de seu corpo era tão delicioso, que Evie sentiu que os olhos se fechavam. Fez um esforço para levantar a cabeça e afastar-se.
-Basta ou dormirei em seus braços.
-Acabará fazendo-o -disse ele-, mas em outro lugar.
O coração deu um salto. Pensou na única noite em que tinha dormido nos braços de Matt, na doçura e a ternura de então. Dormir com Robert não seria assim...
O homem viu a tristeza de seus olhos e teve que reprimir uma praga. Cada vez que acreditava fazer progressos, chocava-se com o fantasma de Matt Shaw.
-Veio por algo concreto? -perguntou ela.
-Só vê-la um momento. Quer que jantemos algo rápido esta noite antes de ir para a casa?
-Acho que não. Estou tão cansada, que só quero ir dormir.
-Está bem -lhe tocou a face com gentileza-. Nos vemos amanhã. Tenha cuidado quando cruzar o lago esta noite.
- Terei. Os dias são muito longos. Voltarei antes que escureça.
-Tem cuidado de todo jeito -se inclinou par beijá-la e se afastou.
Franziu o cenho. O plano da noite anterior não tinha funcionado porque não tinha levado em conta uma coisa. Tinha nascido rico e a opção de comprar uma geladeira de segunda mão não lhe tinha ocorrido. E ainda que lhe tivesse causado problemas financeiros, não tinham sido tantos como esperava.
Mercer, começava também a encontrar dificuldades econômicas. Nada preocupante... ainda. Cedo precisaria de dinheiro vivo e a próxima vez que fizesse um movimento, Robert o estaria esperando. A rede se fechava lentamente.
Calculava mais duas semanas, três quando muito. Podia ir mais depressa, mas se sentia arredio a fechar o cerco. Se Mercer tentava fazer outra venda, teria que atuar, mas até então utilizaria o tempo para terminar a sedução de Evie.
Supondo, claro, que pudesse conseguir que deixasse de pensar em seu marido morto. Era uma ironia que tivesse ciúmes. Nunca se tinha permitido e desprezava as pessoas que deixavam que alguém se tornasse importante para eles até esse ponto. Mas também não tinha desejado nunca tão violentamente a uma mulher nem tinha enfrentado um rival tão formidável. Aquilo também era uma experiência nova. Quando conhecia uma mulher que se interessava por outro, afastava-se dela com a teoria de que lutar por seu carinho era demasiado complicado.
Até que conheceu Evangeline. Evangeline. Um nome poético ligado com o amor imortal.
Não podia aceitar que era de Matt Shaw para sempre; que talvez não a possuísse nunca.
Por que a atraíam assim os adolescentes? Tinha desejado golpear Craig por tocá-la, mas tinha se contido.
Continuavam agradando-lhe os homens jovens porque tinha querido Matt naquela idade? A idéia era desagradável. Estava aborrecido consigo mesmo por pensá-lo. Não tinha nenhuma base para isso; sabia muito bem que não tinha nada sexual entre Evie e Craig. Eram seus ciúmes os que provocavam aquela idéia.
Tinha que a fazer sua logo.
Aquela noite Evie dormiu profundamente dez horas, desde das nove até as sete da manhã seguinte. Acordou sentindo-se muito melhor, ainda que meio confusa por dormir tanto. Entrou na cozinha, ligou a cafeteira e foi para o banho enquanto fazia o café.
Quinze minutos depois, tomava café numa cadeira no alpendre. Fechou os olhos e deixou que o sol da manhã lhe banhasse o rosto. Os pássaros cantavam como loucos e a temperatura era agradável, de uns vinte e cinco graus talvez.
Ouviu um carro no caminho e pouco depois Robert estacionava diante da casa. Não o via dali, mas não tinha dúvidas sobre a identidade do visitante. O coração batia com mais força e um calor sutil, que não tinha nada que ver com o sol nem o café, tinha começado a estender-se por seu corpo.
Quantas mulheres o tinham amado? Intuía que não era a primeira. Pobres criaturas! Como ela, não tinham podido resistir a seu encanto. Sabia com a mesma certeza que nenhuma tinha sido correspondida.
Ouviu que chamavam à porta.
-Robert? -gritou-. Estou no alpendre de atrás.
O homem apareceu pouco depois por trás da casa e se deteve ao vê-la.
-Que fiz agora? -perguntou ela, surpresa.
A expressão dele relaxou; sentou-se numa cadeira a seu lado.
-Acho que confundi o tema. O olhar era de luxúria, não de enfado.
-Ah! -usou a xícara para ocultar o rosto enquanto tomava outro gole-. Isso deveria indicar-lhe algo.
-Sério?
-Sim, que me enfada mais do que provoca luxúria -o coração batia com força. Estava flertando do com ele! Era a primeira vez que fazia isso com um homem.
-De novo se confunde -repôs ele.
-Em que sentido?
-A luxúria está sempre presente, Evangeline.
A jovem não soube que dizer. Pôs-se em pé.
-Quer café?
-Já vou procurá-lo -a deteve pondo-lhe uma mão no ombro-. Parece estar a vontade aqui. Diga-me só onde estão as xícaras.
-No armário em cima da cafeteira. Só tenho leite desnatado.
-Não importa, tomo-o puro, igual você. Quer que encha sua xícara?
Evie a estendeu e ele desapareceu na casa.
Quando Robert abriu o armário, notou que sua mão tremia um pouco. A força de sua reação a ela o divertia e assombrava ao mesmo tempo, ainda que já começava a acostumar-se a estar sempre meio excitado em sua companhia. Mas ao vê-la essa manhã... Bom, queria vê-la com o cabelo solto e já tinha conseguido.
Ainda que não esperasse a potência de sua reação ante a massa dourada que lhe caía pelas costas com o sol arrancando-lhe brilhos. O cabelo se cacheava nas pontas e um cacho caía com toda naturalidade sobre o mamilo. Bastou-lhe um olhar para saber que não usava sutiã embaixo da camisa de cor pêssego com franzidos na parte dianteira; ela seguramente pensava que com eles dissimulava sua falta de sutiã.
Queria tomá-la nos braços e levá-la ao dormitório, despi-la e saciar-se com sua carne dourada. Mas recordou com desgosto que Matt tinha crescido naquela casa e não podia possuí-la ali, onde abundavam as recordações dele.
-Robert? -chamou ela com voz interrogante ante seu atraso.
-Estou lendo suas xícaras de café -gritou ele. Ouviu-a soltar uma risada.
Pegou uma que dizia «Sou boa 49 por cento. É o outro cinqüenta e um o que deve preocupá-lo » e serviu café. Depois encheu a xícara dela e levou ambas ao alpendre.
-É uma boa coleção de xícaras.
-Jason e Paige têm a culpa. Presenteiam-me com uma todos os natais e todos os aniversários. Converteu-se numa tradição. Esmeram-se tanto procurando-as, que abrir esse presente em especial é o ponto alto do dia. Não deixam que Becky nem Paul as vejam também, assim é uma surpresa para todos.
-Algumas são muito sugestivos.
-É obra de Paige -sorriu -. É experiente em procurá-las.
Robert ergueu as sobrancelhas.
-Aquela menina inocente e delicada?
-Aquela menina precoce e criativa. Não se deixes enganar por sua timidez.
-Não pareceu tímida para mim. Conversou comigo assim que nos conhecemos.
-É o seu encanto. Com a maioria das pessoas não se mostra tão aberta -viu que ele deixava sua xícara no chão e estendia a mão para a dela-. O que está fazendo?
-Isto -deixou a segunda xícara no solo, tomou-a nos braços e a sentou em seus joelhos. Evie ficou rígida, surpresa. Robert lhe pôs a xícara nas mãos e se moveu para fazer-lhe perder o equilíbrio e para que tivesse que se relaxar sobre seu peito.
-Robert -protestou ela debilmente.
-Evangeline -murmurou ele.
Ela não pensou em nada mais. Ficou sentada, envolvida pela força dele, por seu aroma. Sentia as batidas firmes de seu coração, a dureza de suas coxas, e a de algo mais.
-Termine o café -disse ele. Permaneceram sentados em silêncio enquanto subia a temperatura e aumentava o tráfico no rio. Quando terminaram o café, ele deixou as xícaras de um lado, tomou-lhe o rosto entre as mãos e o voltou para acima para beijá-la.
Evie se moveu para ele, apertando-se mais contra seu corpo. Ambos esqueceram o café. A mão dele roçou seu seio, afastando-lhe o cabelo. Evie se pôs rígida, mas ele a tranqüilizou com um murmúrio fundo que não chegava a ser uma palavra. Acariciou-a com gentileza, rodeando-lhe os mamilos com as nós dos dedos até que se puseram rígidos. Queria que relaxasse, mas percebeu que passou de um estado de tensão a outro e soube que a estava excitando-a.
Abriu os três primeiros botões da blusa e meteu a mão por ela. Evie suspirou e voltou o rosto para o pescoço dele, mas não lhe disse que parasse. Sua pele acetinada estava quente ao toque. Tocou os mamilos, esfregando-os entre os dedos, beslicando-os com suavidade enquanto a observava com muito atenção para descobrir o que lhe agradava exatamente.
Evie se mantinha muito quieta, mal respirando, com os olhos fechados enquanto tentava lidar com o prazer delicado e extraordinário que a inundava. Sabia que brincava com fogo, mas não podia parar. Se a levasse para dentro, teria que deter aquilo, porque ainda tinha o período e não tinha experiência suficiente para seguir adiante nem para dizer-lhe sem envergonhar-se por que não podiam.
-Paro? -perguntou ele em voz muito baixa.
Engoliu saliva.
-Acredito que deveria -mas não levantou o rosto e aquele não era o sinal lembrado. Robert a levantou e aproximou a boca do mamilo. A jovem deu um grito e uma torrente de fogo baixou até seu ventre.
De repente, a boca dele deixou seu corpo.
-Temos que parar -disse com gentileza-. Não creio que esteja pronta para seguir até o fim e eu não quero pôr a prova meu autocontrole.
Evie baixou a cabeça, com uma mistura de alívio e frustração, e abotoou os botões. Ele tinha razão. Não queria que sua intimidade fosse além, ainda que tivesse a intenção de preparar-se para o que ocorresse.
Abaixou-se e pegou as xícaras.
-Obrigado -disse. E correu para interior.
Robert esfregou os olhos. Lhe deixaria fazer amor algum dia? Começava a pensar que não. Captava ainda a retulância dela. Uns minutos mais lhe teria dito do que não, e teria sido pior para ele. E ainda que tivesse aceitado, não queria fazer amor naquela casa, assim tinham feito bem em parar.
Passaram a manhã juntos sem repetir a cena do alpendre. Robert decidiu que já tinha tido bastantes frustrações por um dia. Quando chegou a hora que ela devia ir para o trabalho, deu-lhe um beijo e se foi.
Evie pensava nele enquanto cruzava o lago. O que fazia durante todo o dia? Tinha dito que estava de férias, mas não acreditava que uma pessoa como ele relaxasse muito.
Burt lhe disse que poderia trabalhar em seu carro aquela tarde. A idéia de dispor de novo do veículo a animou. Talvez sua maré de má sorte tivesse passado.
Foi aos restaurantes de comida rápida da área para pedir um posto de garçonete pelas manhãs, mas como eram férias, todos os postos estavam cobertos por estudantes. Disseram-lhe que voltasse a chamar quando começassem as aulas.
De qualquer jeito, estava habituada a sobreviver com muito pouco quando era necessário. Nos últimos dias tinha cortado gastos de onde tinha podido. Tomava no café da manhã cereais e se permitia um sanduíche para o almoço e outro para jantar.
Não tinha extras. Não usava o ar acondicionado na casa e se conformava com os ventiladores de teto e com beber muita água fria. Era bastante prática para não se sentir mal por aqueles cortes. Tinha que faze-los, e o fazia sem pensar muito.
Além disso, Robert ocupava grande parte de seus pensamentos. Se não ia à casa pela manhã, passava pelo porto durante a tarde. Beijava-a com freqüência, sempre que estavam sós, mas não a pressionava para fazerem amor. Quanto mais se refreava, mais confusa ela ficava sobre seus próprios desejos. Não sabia se queria acostumar-se com ele. Cada dia que passava o desejava mais, mas a cautela a impulsionava a tentar não se aproximar mais do que já o tinha feito. Amava-o, mas se não se aproximavam, tinha uma pequena porção de seu coração que seguia sendo sua. Se possuísse seu corpo, a possuiria inteira, e não teria reservas para se agarrar quando ele partisse.
Ao mesmo tempo, no entanto, acostumava-se a seus beijos, a tal ponto que ele só tinha que a olhar para que os seios tremessem de desejo. Temerosa das conseqüências se lhe falhasse a força de vontade, começou a tomar os tabletes anticoncepcionais.
Na semana seguinte, Robert lhe pediu de novo que mudasse o turno com Craig para poderem sair juntos. Evie recordava com prazer sua primeira saída com ele, pelo que aceitou sem vacilar.
Quando foi procurá-la à noite seguinte, olhou-a com calor e ela sentiu uma gratificação muito feminina. Sabia que estava bonita, penteada e maquilada e que o vestido lhe sentava bem. Era o único vestido de noite que tinha, comprado três anos antes, quando a Câmara de Comércio organizou uma festa para os donos de negócios da zona e representantes de fábricas que estavam pensando instalar-se em Guntersville.
O vestido continuava sendo elegante. Era verde pálido, com a saia ampla justo acima dos joelhos, o corpete seguro por tias finas de corte muito baixo nas costas. Tinha prendido o cabelo num laço frouxo, com mechas soltas em torno das orelhas. Suas únicas jóias eram uns argolas de ouro e sua aliança de casamento.
Robert usava um traje negro impecável, com camisa branca.
-Estás muito bonita -disse; beijou-a no rosto.
-Obrigada
Ajudou-a a subir no jipe.
-Creio que gostara do clube ao que vamos -disse quando esteve sentado a sua vez-. É calmo, tem boa comida e um salão maravilhoso para dançar.
-Fica em Huntsville?
-Não, aqui. É um clube particular.
Evie não lhe perguntou como tinha conseguido reservas se era um clube privado. Robert não fazia alarde de sua riqueza e influências, mas era indubitável que as tinha. E qualquer dono de clube na região ficaria mais do que super feliz de convidá-lo a seu local.
O jipe entrou num estacionamento privado que avançava para o rio, e pouco depois paravam diante de um edifício de pedra e madeira. Evie o tinha visto antes da água, que brilhava justo por trás do clube. Eram só sete e meia, ainda de dia, mas o estacionamento já estava cheio.
Robert a guiou para o interior, onde os recebeu um maitre muito formal.
Acompanhou-os a um pequeno reservado em forma de ferradura com assentos de pele macia.
Pediram o jantar e Robert escolheu o champanhe. Ela não entendia nada de vinhos, mas os olhos do garçom brilharam quando fez o pedido.
A única vez que tinha provado champanhe foi em seu casamento, e se tratava de uma marca barata. O vinho cor ouro pálido que lhe serviu Robert não tinha nada em comum com aquele outro líquido. O sabor era seco e delicioso, as borbulhas dançavam em sua boca e explodiam cheias de sabor. Tomou a precaução de bebê-lo devagar, já que desconhecia seu efeito.
O jantar foi maravilhoso. Robert a tocava quase constantemente, atritos sedutores que a habituavam a suas mãos ou seu corpo, ao mesmo tempo em que conseguiam também o objetivo de excitá-la.
Quando dançavam, movia os dedos por suas costas nuas, deixando um rasto de calor e fazendo-a estremecer. Seu corpo se movia contra o dela ao ritmo da música, ao ritmo das batidas de seu coração, até ter a impressão de que a música fluía em seu interior.
Evie estava assustada e excitada ao mesmo tempo, o que lhe impedia de pensar com clareza. Conseguia parecer calma por fora, mas por dentro estava à beira do pânico. Robert sempre tinha dado uma imagem de homem educado, mas desde o princípio tinha visto que sua fachada cosmopolita ocultava um homem mais primitivo, um homem de paixões violentas. E agora via que tinha subestimado aquelas paixões. Tinha intenção de fazê-la sua essa mesma noite e não sabia se poderia impedir.
Também não sabia se queria impedir. Era o champanhe ou a febre de desejo que sentia, não só essa noite, senão desde a primeira vez que a beijou? Tentava pensar que devia negar-se, mas pensava mais na sensação de sua boca nos seios e o que sentia quando a tocava.
Fisicamente tinha destruído todos seus anos de autocontrole, de solidão pacífica. Não tinha desejado a ninguém desde Matt... e a este nunca o tinha desejado assim. Morreu no passagem de adolescente a homem e ficou sempre congelado em sua memória como um garoto divertido e maravilhoso. Robert era um homem no sentido mais estrito. Conhecia o poder da carne. Sabia que, ao tomar seu corpo, reafirmava uma posse tão antiga como o tempo. Não poderia conservar-se inviolada depois disso. Uma vozinha interior gritava seu medo, e lutava por recuperar o controle.
Mas ele parecia intuir o que lhe ocorria e conseguia inflamá-la de novo com o contato de seu corpo e suas mãos. Evie tinha a impressão de que ele podia tê-la feito sua quando tivesse querido, que só se tinha contido por algum motivo oculto, e agora tinha decidido que já não queria esperar mais.
Dançavam no pátio e ele a abraçava com as pernas firmes coladas às dela. Às vezes introduzia a coxa entre as pernas femininas e ela começava a notar palpitações no ventre. Uns relâmpagos iluminavam o céu na distância, acima das montanhas, e o ar se notava úmido e imóvel, como à espera.
Sentia-se fisicamente fraca. Apertava-se contra ele até que lhe parecia que só a sustentavam seus braços.
Robert lhe beijou a têmpora.
-Nos vamos pra casa?
A jovem assentiu com a cabeça. Apoiou-se nele a caminho do jipe.
O homem não afrouxou a pressão durante a viagem. Enquanto dirigia, colocou uma mão sobre sua coxa, que não se deu conta de aonde iam até que estacionaram diante da casa dele.
-Isto não é... -disse.
-Não -respondeu ele-. Não é. Vamos para dentro, Evie.
Não podia negar-se. Ainda que fizesse questão de que a levasse pra casa, pressentia que o resultado seria o mesmo. Só conseguiria mudar o lugar.
Robert estendeu a mão. E ela a tomou.
Continuou tratando-a com gentileza e ela se encontrou de repente no dormitório iluminado pela lua. Olhou o lago através das portas de vidro que davam à sacada, um espelho negro que refletia a lua pálida. Ouviu um trovão longínquo.
Robert a tomou pela cintura e a voltou para si. Começou a beijá-la com lentidão ao mesmo tempo em que lhe acariciava o corpo, despindo-a. O corpete caiu à cintura e mais abaixo. Deteve-se um instante a acariciar-lhe as costas, a curva da cintura; terminou de tirar-lhe o vestido.
Estava parada na frente dele só de calcinha e saltos altos. Continuou beijando-a enquanto lhe acariciava os seios. Evie se agarrou a seus ombros, tratando de recuperar o sentido comum. A camisa de seda lhe roçou os mamilos, fazendo-a gemer. Murmurou algo tranqüilizador e tirou a peça, que deixou cair ao solo. Apertou os seios nus dela contra seu torso de pêlo castanhos e a jovem deixou sair um gemido de desejo.
-Calma -sussurrou ele. Tirou os sapatos e as calças. Seu membro ereto pressionava o tecido da cueca. Evie se arqueou contra ele, movendo cegamente a pélvis para acolher aquela rigidez. Robert resmungou algo e perdeu o controle a abraçando com firmeza até ela gritar de dor.
Deixou-a sobre a cama e despiu a cuecas com rapidez. Evie o olhou totalmente nu, excitado, com os músculos do corpo tensos pelo desejo e a ânsia de controle. Seu corpo esbelto era enganoso, já que tinha músculos de aço, a graça da pantera mais do que o volume do leão. Inclinou-se sobre ela e lhe tirou a calcinha e os sapatos. A jovem fez um movimento para cobrir-se, mas ele lhe segurou os pulsos em ambos lados da cabeça. Então se colocou em cima dela.
Evie não podia respirar. Ele pesava mais do que tinha imaginado. Era uma sensação alarmante, acompanhada de ondas de prazer que a envolviam e assustavam. Estava muito consciente de que seu membro se empurrava contra ela, que o sentia inchado e quente, palpitando ao ritmo de seu coração.
O luar permitia ver os olhos brilhantes dele, a superfície dura de seu rosto. Tinha uma expressão de vitória.
Soltou-lhe os pulsos e lhe tomou o queixo com uma mão. Beijou-a na boca com força e ela, indefesa, respondeu atordoada naquela loucura feroz.
Lambeu-lhe os seios fazendo-a retorcer-se de prazer, e o tempo todo ela sentia a dureza centro de sua virilidade empurrando-a contra sua carne macia.
O momento chegou ao fim. Apoiou-se sobre um braço e acariciou a entrada quente e úmida dela com a outra mão. Evie sentiu seus dedos em sua zona mais erógena, apartando dobras, procurando pontos. Ergueu os quadris instintivamente. O corpo inteiro latejava.
-Robert -sussurrou.
O homem entrou nela.
Evie ficou rígida, com a respiração acelerada. A pressão começava a converter-se em dor. Robert se moveu contra ela, abrindo espaço pouco a pouco. A jovem se agarrou ao lençol embaixo dela. Voltou a cabeça e fechou os olhos para ocultar as lágrimas que inundavam seus cílios.
Robert ficou imóvel.
Ele voltou a cabeça para poder vê-la. Ela abriu os olhos e depois já não pôde afastar a vista. O peito dele se elevava com a força de sua respiração. No homem que se inclinava sobre ela não tinha nada de educado ou sofisticado. Por um momento viu sua alma, o núcleo primitivo que o formava. Ele a sustentou, obrigou-a a olhá-lo e, com um som gutural, penetrou-a até as profundidades de seu corpo sedoso, abrindo-a através da barreira de sua virgindade. Evie soltou um grito, com o corpo arqueado de dor. Além do dor, estava também a surpresa da invasão; seus delicados tecidos interiores estremeciam ao tentar adaptar-se ao vulto duro do intruso.
Um som gutural surgiu da garganta dele. Possui-a com força, com os quadris adiantando-se e retrocedendo. Sempre tinha sido muito gentil com as mulheres, mas com Evie se mostrava feroz em sua necessidade.
Não podia ser gentil quando todo seu corpo e sua mente explodiam de prazer selvagem. Senti-a quente e apertada, sedosa, úmida... e sua. De ninguém mais. Nunca. Sua.
Estremeceu e se convulsionou, e ela sentiu que derramava sua semente em seu interior. Depois ele se derrubou devagar, tremendo, procurando apoio. Seu peso caiu sobre ela, apertando-a contra o colchão.
Evie jazia mareada embaixo dele. Sentia-se destroçada, incapaz de formar um pensamento coerente.
E então descobriu que aquilo não tinha acabado.
Robert saiu lentamente à superfície da profundidade do prazer puramente físico, lutando para pensar com clareza. A força do que acabava de experimentar o tinha deixado fraco, com a sensação de estar fora de seu corpo, desconectado de si... Estava muito consciente de seu corpo como não o tinha sido nunca. Sentia o calor do seu sangue fluindo por suas veias e as batidas de seu coração.
De repente desapareceu a confusão e se impôs a realidade. Ficou rígido, envergonhado de si mesmo. Tinha perdido o controle, algo que não tinha lhe ocorrido nunca. Nunca tinha sido tão imperativo que se mostrasse gentil e em lugar disso a tinha tomado como um animal, pensando só em seu prazer, na conquista e posse de seu corpo sedoso.
A jovem jazia sob ele, numa espécie de imobilidade desesperada, como se quisesse evitar atrair sua atenção. Seu coração se contraiu de dor. Deixou de lado o tema de sua virgindade e se concentrou na tarefa de devolver-lhe a confiança. Se a deixasse ir agora, não poderia voltar a aproximar-se dela nunca mais. Seguramente estava morta de medo. E com razão.
Tinha-lhe mostrado a paixão, mas sem prazer. Só tinha conhecida dor; e se não conseguisse equilibrá-la com prazer, a perderia. Uma sensação de pânico o embargou. Uma parte de seu cérebro permanecia clara. Sabia como levar a uma mulher ao orgasmo numa variedade de formas: depressa ou devagar, com a boca, as mãos ou o corpo. Podia satisfazê-la gentilmente com a boca, e talvez fosse o melhor, mas seu instinto o recusava. Tinha que se agir com pressa, antes que ela se recuperasse o suficiente para combatê-lo, e tinha que fazer do mesmo modo no qual tinha-lhe causado a dor. Queria que encontrasse prazer em seu corpo para que não odiasse a penetração.
Seu membro viril continuava duro, e começou a mover-se devagar. A jovem se tencionou e lhe empurrou o peito, como para afastá-lo.
-Não -disse ele com voz rouca-. Não vou parar. Sei que agora estou machucando, mas antes de retirar-me conseguirei que me goste de ter dentro de ti.
Olhou-o confusa. Mas não disse nada, e ele a abraçou e ajustou suas posições para que pudesse ter a maior sensação possível. Sentia as coxas dela tremer junto a seus quadris.
Respirou fundo.
-Posso lhe dar prazer - prometeu com gentileza, cobrindo-lhe os lábios de beijos-. Confia em mim, Evangeline? Por favor?
Ela continuava sem dizer nada, não tinha dito nem uma palavra desde que pronunciou seu nome no começo. Robert vacilou um instante; depois ela abraçou seu pescoço e o homem sentiu alívio ante aquela mostra de confiança.
Evie fechou novamente os olhos, preparando-se para voltar a suportar o uso doloroso de seu corpo. Nesse momento não podia fazer outra coisa; não podia pensar nem atuar, só suportar. Queria fazer-se uma bola e chorar de dor e decepção, mas não podia. Esta indefesa, com o corpo invadido; dependia da misericórdia dele, que parecia não ter nenhuma.
Ao princípio só teve mais dor. Mas depois, de repente, o movimento dos quadris dele a fez arqueasse com algo que não era dor, ainda que da mesma da forma aguda. Não teve preparação prévia, só aquela sensação que a fez gritar. Robert voltou a repeti-lo e ela descobriu, com um gemido, que tinha ainda menos controle sobre seu corpo do que pensava.
Ondas de calor a inundavam até que teve a impressão de que todo seu corpo brilhava. Abraçou-se aos ombros dele e lhe fincou as unhas nas costas. Robert lhe levantava as nádegas, movendo-a, acalentando-a para frente e para trás, e cada pequeno movimento lhe causava explosões de prazer. Tinha a sensação de esta viajando por uma montanha russa interior para um ponto que não podia ver, mas que desejava atingir. Ele a empurrava mais e mais a cada movimento, até que ela ofegasse desesperada e soluçasse contra ele. E então chegou ao outro lado e gritou com força.
Estremecia, tentava fundir-se no corpo dele, tão destroçada pelo paroxismo do prazer como antes com a dor. Robert se mantinha imóvel, apertando os dentes, mas a sucção frenética dos músculos internos dela era mais do que podia suportar, e cedeu com um gemido. Algo o impulsionou a não se mover, a deixá-la desfrutar de seu prazer sem intrometer-se com o dele, e isso intensificou ainda mais a sensação. Ouviu-se gemer de novo e se derrubou pesadamente em seus braços.
Evie jazia embaixo dele, mais confusa que nunca. As exigências dele, a sucessão de dor e prazer, tinham-na deixado exausta; talvez adormecida; gemeu quando ele se retirou, mas não abriu os olhos.
Uma luz brilhou sobre suas pálpebras. Encolheu-se para fugir dela, mas Robert a imobilizou. Sentou-se a seu lado e lhe separou as coxas com firmeza. Evie emitiu um gemido de protesto e tentou levantar-se, mas não pôde.
-Calma -sussurrou ele-. Deixe-me deixá-la mais confortável. Dormirá melhor.
Uma esponja molhada tocou suas coxas. O homem lavou com ternura a evidência do que tinham feito e a secou com uma toalha suave. Evie suspirou de prazer. Robert devolveu a esponja e a toalha ao banheiro e, quando regressou para apagar o lustre, ela já tinha dormido.
Nem sequer acordou quando a tomou em seus braços.
Evie acordou antes de amanhecer. A lua tinha se retirado e a escuridão era completa. Continuava sonolenta, esgotada pela noite passada nos braços de Robert. Era como se seu corpo tivesse deixado de pertencer-lhe. Ele a tinha seduzido até esquecer o medo e a dor.
Robert, a seu lado, respirava lenta e profundamente. Tinha um braço sob a cabeça dela e o outro sobre sua cintura. Seu calor a envolvia.
Evie não queria pensar na noite que acabava de passar nem no ocorrido entre eles. Preferia concentrar-se no que sentia.
Nunca tinha pensado que se entregar ao homem que amava pudesse ser tão traumático. E estranhamente, a dor física era a parte menos importante, a mais compreensível.
Sabia que deveria ter-lhe dito que era virgem, mas isso teria requerido uma explicação que não se sentia capaz de dar. Falar de Matt e das poucas horas de seu casamento eram dolorosas de mais. Tinha confiado, estupidamente, que ele não notaria, em sentir só um incomodo passageiro que pudesse ocultar. Não sabia se ria ou chorava. Tinha pagado caro seu segredo, e não tinha conseguido guardá-lo.
Mas o mais difícil para ela era lidar com a mistura de terror e pena. Sabia que se dormisse com ele destruiria suas defesas, mas desconhecia o pânico que isso lhe produziria e também que não poderia evitar lembrar-se de Matt. Não podia distanciar-se dessa dor, amar a Matt, e perdê-lo como o tinha perdido, tinha influído muito em sua vida. Tinha-a convertido na mulher que agora era.
Durante doze anos lhe tinha sido fiel, e sua recordação a tinha envolvido como um escudo, protegendo-a. Mas agora tinha se entregado irrevogavelmente a outro homem, de corpo e alma, e não tinha como voltar atrás. Para o bem ou para o mal, Robert enchia agora sua vida. Teria que deixar Matt ir, converter sua recordação numa parte pequena e indelével dela em lugar de uma crosta que a separava e protegia do mundo. Era como voltar a perdê-lo.
-Adeus, Matt -sussurrou mentalmente-. Amo você, mas agora sou dele e o amo muito.
Saiu da cama com um soluço, acordando a Robert. Este estendeu uma mão para detê-la, mas ela se desviou e ficou imóvel no meio do quarto, com a mão apertada contra a boca para deter os soluços.
-Que houve? -perguntou ele com suavidade-. Volta pra cama, meu bem.
-Tenho que ir a casa -não queria acender a luz, mas precisava encontrar sua roupa, vestir-se... tinha um vulto escuro no tapete e ao tato viu que era seu vestido. Doíam-lhe todos os músculos. Uma profunda dor interna marcava o ponto onde ele tinha estado.
-Por que? -a voz dele continuava sendo suave, terna-. É cedo. Temos tempo.
Queria perguntar-lhe tempo para quê. Mas já sabia. Se voltasse à cama, voltariam a fazer amor. Tremendo de aflição, atordoada na transição entre o amor velho e o novo, pensou que se faria pedaços se a tocasse. Estava passando de uma fase de sua vida a outra e intuía que deixava uma fortaleza segura para afundar-se de cabeça num perigo desconhecido. Precisava estar só.
-Tenho que ir -repetiu com uma voz assustada, carregada de lágrimas.
O homem saiu da cama.
-De acordo - murmurou-. Te levarei pra casa. Tirou o lençol de cima da cama e a envolveu nela. Tomou-a nos braços e saiu com ela para a sacada-. Mais tarde.
Lá fora estava silencioso, como se todas as criaturas de Deus contivessem o alento em espera da primeira luz. Não se ouviam nem os grilos. Evie tentou controlar-se e o conseguiu por alguns minutos. Robert se limitava a sustentá-la, sem dizer nada, como se ele também esperasse o amanhecer. Seu silêncio a venceu; se tivesse falado, poderia ter-se concentrado nas respostas; enfrentada a seus pensamentos, perdeu a batalha.
Voltou o rosto contra o pescoço dele e chorou.
O homem a sustentou contra si, sem tentar falar. Quando ela se acalmou, secou-lhe o rosto com uma ponta do lençol.
Evie, esgotada, olhava o lago. Numa árvore próxima trinou um pássaro e, como se todos esperassem esse sinal, muitos mais seguiram seu caminho, gritando sua alegria ante o novo dia.
A jovem sentia o calor do corpo poderoso e nu dele consolando-a. Sentia as colunas firmes de suas coxas sob ela, o apoio firme de seu peito, de seus braços. Apoiou a cabeça em seu ombro e teve a sensação de ter chegado a casa.
-Amo você - murmurou.
Sabia que era uma tolice admiti-lo. Quantas mulheres teriam dito o mesmo depois de uma noite em seus braços? Mas, o que ganhava ocultando-o? Não queria que ele pensasse que para ela tinha sido só uma aventura de verão.
Robert se limitou a olhá-la.
-Então, por que chora?
A mulher olhou a água. Amava-o, mas não podia despir-lhe sua alma; sempre precisaria ter um pedaço próprio, pedaços de recordações que doíam.
- Evie.
Os olhos dela se encheram de tristeza. Uma tristeza que a tinha acompanhado durante muitos anos. Não queria dizer, mas supunha que um homem que abraçava uma mulher por um pranto assim, merecia conhecer ao menos o motivo de suas lágrimas.
-Me dei conta de que Matt agora se foi do todo -disse ao fim com voz tremula.
Sentiu que o corpo dele se punha rígido. Mas sua voz soou controlada.
-Faz muito tempo que se foi.
-Sim -só ela sabia o quão longos que tinham sido esses doze anos-. Mas até esta noite eu ainda era sua esposa.
-Não -respondeu ele-. Não era - pôs uma mão no queixo para obrigá-la a olhá-lo à luz pálida do amanhecer-. Nunca foi sua esposa. Nunca se deitou com ele. E espero que não vá fingir agora que não era virgem, porque não sou idiota e a mancha do lençol não deve ser um sinal de que veio a regra.
Evie se encolheu.
-Não.
-Se casou com ele -prosseguiu ele-. Por que sou o único que a possuiu?
A tristeza escureceu os olhos dela.
-Me casei em junho -disse.
Robert ergueu as sobrancelhas, convidando-a a continuar.
-É impossível conseguir uma igreja para casar-se em junho a não ser que a peças com um ano de antecedência -explicou ela-. Matt e eu elegemos o dia quando estávamos ainda no instituto -olhou a água uma vez mais-. Foi um casamento formoso. O clima era perfeito, a decoração e a torta também. Tudo saiu uma maravilha. E meu período veio aquela manhã..
Robert guardou silêncio, esperando ainda. Evie engoliu saliva, recordando a garota inocente que tinha sido.
-Aquela noite foi terrível dizer a Matt que não podíamos fazer amor. Nos sentíamos péssimos.
-E por que não...? -começou a dizer ele; interrompeu-se. Sabia que dois adolescentes não tinham a experiência de dois adultos.
-Exato -disse ela-. Os dois éramos virgens. Tínhamos querido esperar juntos até depois do casamento. E essa noite só pudemos beijar-nos e tomar-nos da mão. À manhã seguinte, Matt, que era um garoto basicamente otimista, dedicou-se a caçoar sobre isso e os dois lembramos que jamais o contaríamos a nossos filhos -sua voz vacilou-. Nesse dia morreu.
Robert lhe afastou o cabelo do rosto com ternura. Não tinha feito amor com seu marido e tinha permanecido fiel a ele durante mais de uma década. Traumatizada pela morte de Matt, sem dúvida ressentiu mais não ter feito antes amor com ele, e decidiu fechar-se a outros homens. Se não tinha podido estar com ele, não estaria com ninguém. Tinha continuada vivendo como uma Bela Adormecida, cujo corpo seguia funcionando enquanto seus sentimentos permaneciam enclausurados.
Robert sentia uma profunda satisfação. Apesar da enormidade daquela barreira, ele tinha conseguido vencê-la. Sua primeira vez tinha sido com ele. Era sua.
Sempre tinha desprezado a promiscuidade, mas não valorizava muito a virgindade.
Parecia-lhe uma hipocrisia exigir algo que ele não podia dar. No entanto, todas suas aventuras sofisticadas não tinham nada em comum com o que sentiu quando se deu conta de que era o único homem que tinha feito amor com Evie.
Sua relação com Landon Mercer, fosse o que fosse, não incluía nenhum aspecto romântico. Naquele amanhecer, Robert tomou uma decisão. Não deteria a investigação, mas quando chegasse o momento e se fechasse a rede, interviria para livrar Evie de um processo. Não escaparia ao castigo, mas ele seria o único que o infligiria. A verdade era que não podia suportar a idéia de que fosse presa.
Não sabia por que participava de algo tão vil. Era um bom juiz de pessoas e havia jurado que ela era inocente. Portanto, só podia fazê-lo pelo que ela considerava uma boa razão, ainda que desconhecia qual pudesse ser. Talvez não soubesse o que fazia exatamente, e essa explicação o alentava ainda mais a protegê-la.
Alegrava-se de do que o ritmo da natureza se tivesse interposto em sua noite de casamentos tantos anos atrás. Pobre Matt! Grande parte de seu ciúmes tinham desaparecido, substituídos por lástima. Matt Shaw tinha morrido sem provar a perfeição do corpo de sua jovem esposa.
Quando a viu nua na noite anterior, com suas curvas sensuais, não pôde esperar e teve que a possuir de imediato.
Um cavaleiro teria mostrado bem mais consideração, mas ele sabia que, apesar do que pensassem seus conhecidos, não era um cavaleiro. Era um homem controlado, inteligente e relativamente amável, mas não um cavaleiro. E no relativo a Evie, carecia de controle. Apertou os lábios.
Podia estar grávida. E para surpresa sua, a possibilidade não lhe desagradava de todo. Produzia-lhe uma estranha complacência... e curiosidade.
Suspirou.
-Podemos ser pais. Não usei camisinha.
-Não se preocupe -respondeu ela-. Fui a meu médico em Huntsville e lhe pedi uma receita de pílulas anticoncepcionais.
Robert deveria ter se sentido aliviado, mas não era assim.
-Quando?
-Pouco depois de conhecer-lo.
Robert quase fez uma careta ao pensar em como tinha se esforçado seu pessoal para averiguar o que tinha ido fazer aquele dia a Huntsville. Pediria a eles que parassem de indagar mas não diria o que tinha feito.
Ergueu as sobrancelhas com indolência.
-Recordo que me disse claramente que não tinha intenção nenhuma de dormir comigo.
-E era assim. Mas isso não significa que pensasse em correr riscos, por que você estava decidido e eu não estava segura de minha força de vontade.
-Sua força de vontade não teria fraquejado se você não tivesse me desejado também.
-Eu sei.
O ruído das lanchas motoras começava a romper a tranqüilidade da manhã, e cedo o rio se encheria de pescadores e barcos de lazer. Ainda que a posição de Evie em seu colo impediria que alguém visse que estava nu, Robert pensou que seria melhor não escandalizar ninguém. Depois de tudo, ela tinha um negócio ali e podiam reconhecê-la. Levantou-se e a levou ao interior da casa.
Sentia-se satisfeito. Ela tinha lhe dito que o queria, e sabia instintivamente que bem podia ser verdade. Não era a primeira vez que o diziam. De fato, o tinham dito muitas. Mas, ainda que suas amantes lhe agradassem, nenhuma tinha conseguido atravessar sua carapaça; duvidava que alguma tivesse sabido que essa carapaça existia.
A declaração singela de Evie, em contrapartida, tinha-o enchido de satisfação. Nem sequer esperava que ele lhe respondesse. Pensando bem, esperava menos do que ninguém dele. Não esperava nada. Por que, então, dava tanto?
Levou-a ao banheiro e a posou no chão, tirando-lhe o lençol. A visão de seu corpo dourado o excitou uma vez mais e levou as mãos a seus seios. Evie abriu muito os olhos.
O homem sorriu.
-Não se assustes-disse; beijou-a na testa-. A deixarei em paz até que tenha se recuperado. Entre na banheira enquanto preparo café. Um banho a aliviará muito.
-Boa idéia -concordou ela com sinceridade.
Robert soltou uma risada. Sentia-se cada vez mais satisfeito. Ela era sua.
Evie se perguntou como era possível que uma noite assim não tivesse deixado marcas em seu rosto. Depois de um banho calmo e um café da manhã, calmo também, que Robert preparou com a mesma maestria como fazia tudo, levou-a pra casa e lhe disse que tinha coisas que fazer em Huntsville, mas que tentaria voltar antes que ela terminasse de trabalhar. Se não, a veria em sua casa.
Esforçou-se para fazer as coisas de sempre, mas tinha a sensação de que sua vida tinha mudado por completo e nada seria igual. Ela não era a mesma. Robert a tinha convertido numa mulher que almejava fazer amor com ele apesar das moléstias de seu corpo recém iniciado. Não sabia, não suspeitava sequer que a paixão pudesse ser tão selvagem.
Desejava-o mais do que antes. Ele tinha levado à luz sua sexualidade a longo tempo enterrada e ela respondia ao contato mais leve de suas mãos.
Se olhou no espelho enquanto fazia a trança. Tinha sombras embaixo dos olhos, mas não parecia cansada. Simplesmente parecia... a de sempre. Se havia alguma mudança, era na expressão de seus olhos, uma espécie de chispa que antes faltava neles.
Saiu para o porto muito antes que de costume, mas precisava distrair-se para deixar de pensar em Robert. Com sorte, Sherry levaria Virgil para passar o dia com ela.
Quando chegou, Craig enchia o depósito de gasolina de um barco. Depois foi guardar o dinheiro na caixa.
-Por que chegou tão cedo? Passou bem ontem à noite?
Evie conseguiu, sorrir com calma.
-Sim, muito bem. Fomos a um clube privado a jantar e dançar. E vim cedo porque me sentia disposta.
-A mim me parece bem -sorriu o garoto-. Fico feliz que sai com ele. Tem que se divertir um pouco.
-Obrigada por mudar de turno.
-De nada.
Se aproximou outro cliente e Craig voltou a sair. Evie começou a revisar o correio. Atirou ao lixo a propaganda e deixou de um lado as faturas para examiná-las mais tarde. Tinha uma carta de Nova York de um banco do que nunca tinha ouvido falar, seguramente oferecendo-lhe um cartão de crédito. Ia atirá-la sem abri-la quando mudou de idéia e decidiu ver do que se tratava. Trinta segundos depois, deixava cair o papel sobre o balcão com ar confuso. Aquele banco tinha que a ter confundido com outra pessoa, ainda que não sabia como tinham seu nome se nunca tinha feito negócios com eles. A carta afirmava que, devido a seu histórico de falta de pagamento, se veriam obrigados a embargá-la a não ser que pagasse a totalidade do empréstimo em menos de trinta dias.
Não teria levado em conta a carta se a quantia que eles estavam cobrando não fosse igual a que devia ao outro banco. Conhecia bem a cifra, que a cada pagamento diminuía um pouco. Não sabia como, mas era evidente que sua ficha tinha terminado nos computadores de outro banco e queriam que pagasse os quinze mil duzentos sessenta e dois dólares em trinta dias.
Tinha que esclarecer aquilo antes que se envolvesse mais. Ligou para seu banco, deu seu nome e perguntou por Tommy Fowler, que era amigo seu do instituto.
-Oi, Evie -disse a voz de Tommy-. Como vai?
-Muito bem. Tudo bom estão Karen e os meninos?
-Muito bem, ainda que Karen diz que os meninos a deixam louca e, se a escola não começa cedo, fará que a encarcerem para ter um pouco de paz.
Evie soltou uma risada. Os garotos de Fowler eram famosos pó sua energia inesgotável.
-Que posso fazer por você? –perguntou Tommy.
-Teve uma confusão e tenho que saber como arrumá-la. Recebi uma carta de um banco de Nova York que me pede o pagamento completo do empréstimo e é a mesma quantidade que devo a vocês.
-Pra valer? Vamos ver o que ocorre. Tem na mão o número da conta?
-Agora não. Estou no trabalho e o tenho em casa.
-Não importa. Procurarei por seu nome. Não desligue.
Ouviu-o digitar no computador ao mesmo tempo em que cantarolava algo. De repente deixou de cantarolar e reinou o silêncio. Ao fim teve mais sons de teclas e de novo silêncio.
- Evie...
-Que ocorre?
-Há um problema, querida. Um problema grande. Esse banco comprou tua dívida.
A mente de Evie ficou em branco.
-Como a comprou?
-Vendemos alguns empréstimos. É bastante comum. Os bancos o fazem para reduzir seu ônus de dívidas e outros os compram para diversificar seus empréstimos. Segundo nossos arquivos, essa transação ocorreu faz dez dias.
-Só dez dias e já me exigem o pagamento completo? Podem fazê-lo?
-Se cumpriu os termos do empréstimo não...Tem atrasado em seus pagamentos?
Evie sabia que ele teria esses dados no computador e sabia que se tinha atrasado várias vezes, ainda que nunca tinha chegado há um mês e sempre tinha voltado a pôr-se ao dia.
-Agora estou atrasada -disse-. Tive um gasto inesperado e não poderei pagá-lo até a próxima semana.
Ouviu-o respirar com força.
-Então podem exigir legalmente, ainda que o procedimento normal seria tentar cobrar o pagamento mensal e não a quantidade completa.
-Que faço?
-Chama-os. Depois de tudo, é um risco seguro. Mas não esqueças enviar-lhes também uma carta para ter algo por escrito.
-Valeu. Obrigada pelo conselho, Tommy.
-De nada. Sinto muito. Se o empréstimo continuasse sendo nosso, jamais teria ocorrido.
-Eu sei. Verei o que posso fazer.
- Me chama se eu puder ajudar em algo.
-Obrigada.
Discou o número que aparecia na carta com o coração batendo com força. Uma voz impessoal lhe perguntou que desejava. Evie deu o nome da pessoa que assinava a carta.
O telefonema foi breve. O senhor Borowiz se mostrou brusco e impessoal. Não podia fazer nada e não parecia interessado em tentá-lo. Tinha que entregar a quantidade completa no tempo limite que estabelecia a carta ou embargariam a propriedade.
Pendurou o telefone e olhou pela janela. O porto estava cheio de gente, uns que limpavam seus barcos enquanto outros usavam as rampas ou faziam fila nos embarcadouros. Se não encontrasse quinze mil dólares nos próximos trinta dias, perderia tudo.
Amava o porto. Ali tinha passado muito tempo desde menina. Primeiro jogando nos cais e depois ajudando Matt em seu trabalho. Quando o herdou, canalizou toda sua energia e esforços para levá-lo adiante, mas basicamente era uma obra de amor. O porto, tanto como sua família, tinha dado uma razão para viver quando duvidava de querer tentá-lo sequer.
Era seu reino, seu lar, tanto ou mais como a casa na que vivia. Não podia suportar perdê-lo. Tinha que encontrar o dinheiro e pagar a dívida.
A solução mais evidente era hipotecar a casa. A quantidade endividada seria a mesma, mas se estenderia num período de tempo mais longo e isso diminuiria os pagamentos. Sentiu que lhe tiravam um peso de cima. Estaria melhor do que antes, com mais dinheiro ao mês.
Chamou de novo Tommy e começou a discutir o plano. Seu amigo se mostrou de acordo que uma hipoteca seria a melhor solução. Teria que conseguir que aprovassem o empréstimo, mas não antecipava problemas e prometeu chamá-la quanto o tivesse.
Quando pendurou o telefone, Evie se sentou um longo momento com a cabeça entre as mãos. Tinha a impressão de acabar de sobreviver a uma batalha. Estava tremula, mas animada pela vitória. Se chegasse a perder o porto... Não podia nem imaginar.
Quando ao fim levantou a cabeça e olhou pela janela, sorriu. O negócio ia bem aquele dia. Tanto, que Craig precisava de uma mão e seguramente se perguntava por que não saía a ajudá-lo. Evie se pôs em pé, a energia recuperada e saiu da loja.
Robert chegou pouco depois das sete. Tinha sido um dia atarefado e ela estava servindo colocando em um barco. Quando o viu, saudou-o com a mão.
- Vou em seguida.
O homem assentiu e entrou na loja. Passou por trás do balcão e a olhou pela janela. Tinham-lhe notificado que tinha recebido a carta e chamado o banco que tinha comprado seu empréstimo, onde, seguindo instruções, tinham-se negado a ajudá-la. Baixou a vista e viu a carta em cima do resto do correio.
Sabia que estaria preocupada e o lamentava, mas tinha decidido seguir com o plano. Ainda que estivesse quase seguro de que ela não sabia o que fazia Mercer exatamente, ficava uma pequena possibilidade de que estivesse metida até o pescoço. E por isso não podia aliviar a pressão econômica. Se estava envolvida, se veria obrigada a realizar outra venda para conseguir o dinheiro do empréstimo. Se não o estivesse, ele solucionaria seus problemas econômicos quanto tivesse Mercer preso. Tinha outras pessoas, e chegaria até Deus, mas Evie era sua, de um modo ou de outro.
Pegou a carta do envelope e a desdobrou. Queria saber o que dizia exatamente. Leu-a e depois viu o que tinha escrito ela do lado.
Aparecia um nome, Tommy Fowler, com um número de telefone ao lado. Embaixo ela tinha escrito «hipotecar a casa».
Sorriu. Era uma mulher de recursos e sentido comum. Respirou aliviado. Se se dedicasse a roubar programas informáticos da NASA, não tentaria hipotecar sua casa para pagar um empréstimo; simplesmente, organizaria outra venda.
Devolveu a carta ao envelope. Lamentava mais do que nunca a necessidade de seguir com o que tinha começado, mas ele nunca deixava nada a esmo, e muito menos num assunto tão sério. Teria que lhe impedir de hipotecar a casa, claro. Evie se preocuparia muito, mas a recompensaria mais adiante.
Sentou-se no banquinho e a observou trabalhar. Vestia calça jeans e camiseta. Estremeceu-se de desejo por ela. Desejava-a mais do que antes, se isso era possível. Porque agora conhecia os sons que fazia no momento do orgasmo, sabia como se agarrava a ele, como o abraçava com suas pernas e como se enrijeciam seus mamilos semelhantes a framboesas. Conhecia seu sabor, seu aroma, e queria voltar a desfrutá-los.
A mulher entrou, olhou-o e ficou imóvel. Viu-a estremecer-se ao perceber sua excitação. Como era possível que captasse tantas coisas dele?
-Vem aqui -disse com suavidade. E ela obedeceu.
Não desceu da cadeira, a colocou entre suas coxas. Os braços dela rodearam seus ombros e ele baixou o rosto para ela. Beijou-a por um longo momento, tão faminto dela que não podia ser gentil. A boca de Evie respondia de um modo que o fez esquecer Mercer, os programas roubados e o embrulho em que estava metida, esquecer tudo exceto a alegria de abraçá-la.
Mas sabia que ela devia estar dolorida, assim afastou a boca de má vontade e lhe beijou as têmporas, as bochechas e a garganta. Teria que se controlar um pouco.
-Teve um bom dia? -perguntou.
- Muito atarefado -respondeu ela, reclinando-se no círculo de seus braços-. E o seu?
-Tedioso. Tinha que me ocupar de uns detalhes aborrecedores.
-Pois se tivesse estado aqui, o teria posto para trabalhar. Creio que todo mundo que tem um barco saiu hoje -olhou acima do ombro dele-. Aí chega outro.
O grupo de recém chegados não queria gasolina, mas entraram na loja a procura de refrigerantes e pacotes de batatas. Pareciam arredios a abandonar o ar acondicionado e se entretiveram olhando os anzóis e iscas. Evie batia um papo amavelmente com eles. Eram dois casais de sua idade, que tinham passado o dia no lago. Quando ao fim se marcharam, despediram-se amigavelmente.
-Outra vez sós -Robert olhou seu relógio-. E é hora de fechar.
-Ainda bem -Evie se espreguiçou.
Robert a ajudou a fechar e a enviou a sua casa enquanto ia procurar comida. Jantaram juntos, sentados no alpendre que dava ao rio, batendo um papo de coisas rotineiras. Mas Evie não demorou em demonstrar-se sonolenta. A terceira vez que bocejou, Robert se pôs em pé e lhe estendeu a mão.
-É hora de deitar. Vamos.
A jovem se deixou levar. Levou-a ao dormitório e começou a despi-la.
-Robert, espera -tentou afartar-se-. Não posso...
-Eu sei -disse ele; beijou-lhe a testa-. Eu disse que lhe daria um tempo para que se recuperasse. Dormiremos juntos, mas só isso.
Ela relaxou novamente e ele terminou a tarefa de despi-la e a si mesmo. Na casa fazia muito calor para estar cômodo, mas quando estiveram nus e tombados na cama, o ventilador do teto proporcionou certo alívio e começou a adormecer. Jaziam com as coxas dele sob os dela e com uma mão cobrindo-lhe o seio em um gesto por demais possessivo.
Evie já dormia. A renuncia dele a ir aquela casa desapareceu ao descobrir que nunca tinha sido esposa de Matt em todo o sentido da palavra.
Não lhe tinha falado do empréstimo bancário. Era uma mulher solitária, acostumada a resolver seus problemas sem pedir ajuda a outros. Ainda que tivesse que lhe negar a ajuda que podia, queria que confiasse nele, que lhe contasse seus problemas e suas alegrias. Quando estivessem casados, se asseguraria de saber tudo sobre ela.
Até esse momento não tinha pensado naquela possibilidade, mas de repente lhe pareceu o mais natural. Nunca tinha desejado outra mulher como a ela, e duvidava sinceramente que voltasse a ocorrer. Quando esclarecesse aquele embrulho, queria próxima dele, o que implicava levar-la A Nova York. E conhecia Evie. Sabia que era bastante convencional e que quereria a segurança do casamento; portanto, se casaria com ela. Não podia imaginar-se aborrecendo com ela, como de outras amantes. E também não podia imaginar-se deixando que outro homem tivesse a oportunidade de casar-se com ela.
Não lhe importava perder sua liberdade. Pensava em presentear-lhe vestidos de seda e jóias caras. Não teria que trabalhar sete dias por semana nem que comprasse de geladeiras de segunda mão. A levaria consigo em viagens de negócios, lhe mostraria Paris, Londres e Roma, e iriam de férias para o rancho em Montana. Sabia que Madelyn gostaria de Evie.
Num mês, ou talvez antes, teriam deixado tudo aquilo atrás e estariam em Nova Iorque e estaria contente tendo aquela mulher só para si.
Evie, como sempre, acordou ao amanhecer. Robert estava a seu lado, com um braço sobre seus quadris.
Tinha dormido com ele duas noites seguidas e se perguntou como poderia suportar a desolação quando ele já não estivesse ali.
Moveu-se um pouco e se acomodou sobre o cotovelo. O homem acordou no mesmo instante.
-Ocorre algo? -perguntou. Por um momento teve algo feroz em seus olhos e pôs os músculos em tensão, como dispondo-se a atacar.
A mulher negou com a cabeça.
-Não. Só queria vê-lo.
Robert relaxou e apoiou a cabeça no travesseiro. Sua pele azeitonada se tornava muito morena contra o lençol branco. Tinha o cabelo negro revolto e o queixo escurecido por um assomo de barba. Deitado, nu e descontraído, parecia que era... um guerreiro formado por anos de luta.
Pôs uma mão em seu peito e ele não se moveu, limitando-se a olhá-la. Não lhe sussurrou que o amava; já lhe tinha dito o que sentia e não tinha intenção de repeti-lo.
Inclinou-se sobre ele e foi depositando beijos sobre seu corpo. Pensou que cheirava muito bem pelas manhãs. Os pelos encrespados do peito a convidavam a esfregar a face contra eles como um gato. Seus mamilos, pequenos e marrons, ficavam quase ocultos pelo cabelo. Procurou e os acariciou. Robert se moveu um pouco, mas não demorou em relaxar-se e voltar a ficar imóvel.
-Me pergunto se será essa a expressão que teria um pachá enquanto sua concubina favorita lhe dá prazer -murmurou ela.
-É possível -pôs as mãos na cabeça dela e lhe acariciou a nuca-. Você me dá prazer, Evangeline.
A jovem continuou sua exploração, baixando até as coxas e quadris, rodeando a ereção matinal. Algo no interior da coxa esquerda atraiu sua atenção e se inclinou para examiná-lo de perto. A luz da manhã mostrava claramente o contorno de um águia, ou talvez uma fênix, com as asas estendidas. Era uma tatuagem pequena, de uns três centímetros, mas tão bem feita que se podia apreciar a frieza da ave predadora.
Passou um dedo por ele e se perguntou por que estava ali. Robert não parecia o tipo de homem que se fizesse tatuagens. Ou talvez sim. Talvez aquela era o único sinal que permitia ver que nele tinha algo mais do que se mostrava a simples vista.
-Quanto faz que a tem? -perguntou.
-Bastante.
Evie baixou a cabeça e lambeu o tatuagem, acariciando com a língua a marca de sua carne que assinalava a presença do homem interior.
Um som vibrou na garganta dele, que ficou tenso.
-Me deseja? -sussurrou ela, lambendo-o de novo. Sentia-se ébria de poder feminino. O desejo crescia também em seu interior, abrindo-se como uma flor. Palpitavam-lhe os seios, e os esfregou contra a perna dele.
Robert emitiu uma risada estrangulada.
-Olha alguns centímetros a sua direita e diga-me o que acha.
Evie obedeceu, voltando a cabeça devagar para observar seu membro ereto e palpitante.
-Eu creio que sim.
-O que importa é o que você sente.
Ela lhe lançou um sorriso luminoso de desejo que prometia mais do que ele achava que podia suportar.
-Sinto... desejo -murmurou. Tombou-se sobre ele e jogou os braços ao pescoço. O rosto dele estava tenso.
-Terei cuidado -prometeu num sussurro
A colocou embaixo, e ela levantou um braço para tocar-lhe a face e o abraçou com as pernas. Robert começou a penetrá-la devagar, com muito cuidado.
-Confio em você -disse ela, entregando-lhe seu corpo como já lhe tinha entregado seu coração.
Landon Mercer se olhou ao espelho com preocupação. Nada ia bem, e não sabia por que. Um dia se sentia muito bem consigo mesmo e ao seguinte tudo começava a derrubar-se. Ao princípio eram coisas pequenas, como a presença de Cannon ali que quase produziu um enfarte, ainda que depois resultou ser o menor de seus problemas. A reputação de seu chefe tinha sido muito exagerada; não era mais do que um playboy com dinheiro e sem idéia alguma do que era ter do que lutar pelo que queria.
Ainda que as vezes tivesse uma mirada fria que dava medo, como se pudesse ver através da carne. Mercer demoraria em esquecer o pânico que sentiu quando o outro o surpreendeu no porto. Por um instante se viu atrapalhado. Mas a seu chefe só parecia importar-lhe que se tivesse tomado a tarde livre, algo que tentou não repetir. Que má sorte! Tinha cais de sobra em Guntersville. Por que tinha que ter escolhido aquele? Não era o maior nem o melhor dirigido. De fato, o principal atrativo para ele era seu tamanho pequeno e que só tinha uma pessoa. Evie Shaw não tinha tempo de prestar atenção a tudo o que ocorria a seu arredor.
Bem, depois de ver à mulher, era compreensível que Cannon o tivesse escolhido. Mercer estava há meses tentando sair com ela, mas sem sucesso. Seguramente porque não tinha bastante dinheiro. Porque com Cannon tinha ido no ato.
Claro que se houvesse saído bem nas coisas, sim teria tido dinheiro suficiente para atraí-la. Não era estúpido. Não tinha gastado o dinheiro das vendas; tinha-o investido. Os valores que elegeu pareciam sólidos. Afastou-se dos mercados de interesses altos, mas com riscos, e optou por interesses mais modestos mas seguros.
Mas as ações que pareciam sólidas um dia baixavam ao seguinte e os preços caíam em disparada à medida que outros investidores vendiam sua parte. Numa semana terrível, tinha perdido a metade de seus investimentos. Tinha vendido com perdas e, num movimento desesperado por recuperar-se, tinha-o investido tudo em mercados de terra. E tinha perdido uma grande parte. Sentia-se como o rei Midas ao inverso; tudo o que tocava se convertia em sucata.
Quando o chamaram para oferecer-lhe outra compra, sentiu-se tão aliviado que quase lhes agradeceu. Se sua conta bancária não recebesse cedo uma transfusão econômica, não poderia pagar o carro nem seus cartões de crédito. Mercer se horrorizava ante a idéia de perder seu adorado Mercedes. Tinha carros mais caros e algum dia os compraria, mas o Mercedes era o primeiro que tinha tido que indicava que era alguém. Não podia suportar a idéia de voltar a ser ninguém.
Evie se sentia dividida em dois seres diferentes. A metade dela era incrivelmente feliz, abrumada pela maravilha de ter a Robert como amante. Nunca tinha sonhado que poderia voltar a ser tão feliz. Seu amante era paciente e terno, e fazia que se sentisse como se fosse o centro do universo. Nunca a desatendia, não dava nada por terminado, sempre fazia que se sentisse a mulher mais desejável do mundo.
O via todos os dias e dormiam juntos quase todas as noites. Era um amante experiente, que lhe ensinava posições e novas variações. Faziam amor quase todas as noites. Só uma vez, mas longamente, até que se sentia saciada e sonolenta. Pela manhã, ao acordar, faziam-no de novo, em silêncio, nesse estado de dormência no que os sonhos ensombram ainda a consciência.
Evie não sabia o que lhe agradava mais, se as sessões intensas da noite ou as sonolentas das manhãs. Era incrível o depressa que tinha aprendido seu corpo a ansiar o prazer sexual com ele, de maneira que, à medida que avançava a tarde, começava a encher-se de antecipação e desejo. E era certo que ele sabia. Sentia-o observá-la como calculando suas reações.
Tinha se acostumado a ocultar seus pensamentos e emoções, mas Robert sabia lê-los. Tinham longas conversas sobre uma grande variedade de temas. Sentados no alpendre na noite, olhando as estrelas, falavam de astronomia e de diferentes teorias, desde o Big Bang até os buracos negros, a matéria escura e a relatividade do tempo. A inteligência e conhecimentos de Robert quase davam medo. Sua mente estava sempre trabalhando, procurando dados novos que assimilar ou analisando os que já tinha. Liam o jornal e falavam de política e acontecimentos nacionais. Trocavam histórias da infância. Robert lhe falou do rancho de Montana que possuía a metade com Reese Duncan, o marido de Madelyn, e de seus dois sobrinhos.
A sensação de intimidade com Robert a seduzia e assustava ao mesmo tempo. Algo a atraía para ele, fazia que já não se sentisse uma criatura solitária, senão a metade de um casal. Às vezes se perguntava como sobreviveria se ele se fosse, e a idéia de perdê-lo quase a fazia adoecer de terror.
Mas não podia preocupar-se com isso. Tinha que se centrar no presente, em seu amor por ele.
Ao mesmo tempo, outra parte dela se preocupava incessantemente pelo empréstimo bancário e a hipoteca de sua casa. Tommy não tinha voltado a chamá-la. Ela tinha chamado duas vezes; a primeira vez lhe disse que ainda não tinha o empréstimo aprovado, mas que não antecipasse problemas e tivesse paciência. A segunda vez, ele estava fora.
Não podia esperar mais. Já tinham passado onze dias e só faltavam dezenove para devolver o dinheiro. Se seu banco não lhe fazia um empréstimo, teria que procurar um que o fizesse, e todos eram tão lentos que talvez se acabasse o tempo. Só pensar naquela possibilidade bastava para banhá-la num suor frio.
Tentou pensar em outros modos de conseguir dinheiro se não podia hipotecar a casa a tempo. Podia vender a lancha, mas não lhe dariam nem a metade do que precisava e talvez não a vendesse a tempo. Pedir dinheiro a Becky e Paul era impossível; tinham seus próprios problemas e não era barato manter a dois adolescentes.
Podia vender os barcos de aluguel, com o que reuniria dinheiro suficiente, mas ficaria sem um de seus meios de vida. Por suposto, uma vez pago o empréstimo e se não tinha que pedir outro, poderia começar a comprar barcos pouco a pouco outra vez. O único problema era de novo o tempo. Em sua experiência, as pessoas não comprava barcos aos montes. Não eram uma necessidade, nem sequer naquela região. As pessoas os olhavam, pensava-o, falava disso durante o jantar, fazia seus cálculos. Era possível mas improvável que pudesse vender os suficientes a tempo.
Não obstante, aquela era sua melhor opção. Pôs um cartaz anunciando que se vendiam barcos de segunda mão na entrada do porto e outros em várias lojas da zona. Ainda que só vendesse um, reduziria a quantidade de dinheiro que tinha que pedir prestado.
Robert viu o cartaz de imediato. Chegou pela tarde, tirou os óculos de sol e a olhou com intensidade.
-Esse cartaz da entrada... que barcos são os que vendes?
-Os de aluguel –respondeu ela com calma. Voltou sua atenção ao cliente ao que atendia. Uma vez tomada a decisão, não se permitia nenhum tipo de arrependimento.
Robert entrou por trás do balcão e ficou diante a janela com as mãos nos bolsos. Esperou a que saísse o cliente.
-Por que os vende?
Evie vacilou. Não lhe tinha falado de seus problemas econômicos e não pensava fazê-lo agora. Era indubitável que ele tinha dinheiro, mas ela não queria que o tema do dinheiro fizesse parte de sua relação. Se o fazia, ele pensaria que a atraía por isso. Ademais, não queria que ninguém mais tivesse poder de decisão sobre o porto. Uma coisa eram os bancos e outra os indivíduos. O porto era seu, a base sobre que tinha reconstruído as ruínas de sua vida. E não podia renunciar a nenhuma parte dele.
-Estão velhos, são menos confiáveis. Tenho que comprar novos -respondeu.
Robert a olhou em silêncio. Não sabia se a abraçava ou xingava. Era evidente que tentava reunir dinheiro por todos os meios e ele queria abraçá-la e dizer-lhe que não se preocupasse com nada. Mas não podia. Tinha uma pequena possibilidade que estivesse equivocado com ela. E de um modo ou outro, logo saberia a verdade. Mas se vendesse o barco de aluguel, que meio usaria Mercer para entregar a mercadoria? Todos esses barcos iam equipados com aparelhos eletrônicos que lhes permitiriam localizá-los; se Mercer se visse obrigado a usar outro barco ou mudar seu método de entrega, Robert perderia o controle da situação.
Por outro lado, estava seguro de que Mercer atuaria cedo. Tinham interceptado um telefonema suspeito que os pôs em alerta. Não importava se Evie conseguia vender alguns barcos se ficasse algum quando Mercer atuasse. Só tinha que observar a situação e intervir para impedir uma venda se parecesse que ia conseguir desprender-se de todos.
-Já teve alguma oferta? -perguntou.
A mulher moveu a cabeça com um sorriso.
-Pus o cartaz esta manhã.
-Pôs anúncios nos jornais?
-Não, mas o farei.
Isso podia trazer-lhe mais clientes dos que ele poderia espantar. O mais fácil seria impedir que publicassem os anúncios; não tinha tantos jornais na região. Os telefones do porto e da casa dela estavam grampeados, assim seria fácil saber a quais chamava. Mas não tinha antecipado que lhe custaria tanto trabalho impedir seus avanços. Evie era uma mulher de recursos.
Cinco dias mais tarde, soou o telefone na loja.
-Evie?É Tommy Fowler.
Quanto ouviu sua voz, soube que eram más notícias. Sentou-se no banquinho, temerosa de que não a sustentassem as pernas.
-Qual é o veredicto? -perguntou, ainda que já conhecia a resposta.
O homem suspirou.
-O sinto muito. A junta diretiva diz que já temos hipotecas demais. Não querem aprová-la.
-Não é sua culpa - murmurou ela-. Obrigada de todos modos.
-Não é uma causa perdida. Há outros bancos.
- Eu sei, mas tenho um prazo limite e só faltam quatorze dias. Você demorou todos esses dias para me dizer não. Quanto demoraria em conseguir uma hipoteca em outro banco?
-Bom, nós demoramos mais do que de costume. Sinto muito, mas não tinha nem idéia de que pudesse passar isto. Vá a outro banco. Hoje mesmo se é possível. Terão que avaliar a casa, mas está ao lado do lago e em bom estado, assim vale muito mais do que a quantia que quer pedir. A taxação será o que mais tempo vai levar, assim que comece o quanto antes.
-O farei. Obrigada, Tommy.
-Não me agradeça -repôs ele-. Não pude fazer nada. Adeus, querida.
Evie permaneceu longo momento sentada, tentando lidar com a decepção e a sensação de desastre. No fundo, nunca tinha chegado a duvidar de todo que conseguiria a hipoteca.
E não tinha vendido nem uma só lancha.
O tempo era importante, e não tinha muita esperança de conseguir um empréstimo de outro banco. Era como se um gênio diabólico controlasse de repente sua vida, enchendo-a de máquinas que se avariavam e bancos que não cooperavam. Mas tinha que tentar. Não podia render-se e perder o negócio por falta de esforços. Passasse o que passasse, negava-se a perder o porto. Se não podia conseguir a hipoteca nem vender os barcos, lhe restava outra opção. Era só como último recurso, mas existia.
Escolheu um banco que tinha boa fama e chamou para fixar um encontro para a manhã seguinte.
Ao dia seguinte fazia muito calor. Apesar dos ventiladores do teto, sentia a pele úmida de suor e a roupa colada ao corpo. Robert não tinha perguntado por que fazia tanto calor em sua casa, mas nas três últimas noites tinha feito questão de que fossem à dele. Essa manhã se banhou na casa de Robert, como sempre, e depois lhe pediu que a levasse à sua porque tinha um encontro de negócios às nove.
Tirou a cópia da escritura da caixa forte que tinha no dormitório e tentou preparar-se mentalmente, como um soldado que fosse à guerra. Se esse banco não lhe desse o empréstimo, não perderia tempo em ir a outros. Tudo menos perder seu negócio.
Baixou a janela do veículo e o vento a refrescou de caminho ao banco. O calor aumentava cada vez mais e pela manhã seria insuportável estar na casa sem ar acondicionado.
Seu encontro era com um tal senhor Waldrop, que resultou ser um homem robusto, de cabelo loiro avermelhado e de uns quarenta anos. Olhou-a com curiosidade ao guiá-la a seu escritório. Evie se sentou numa das duas cadeiras colocadas adiante da escrivaninha e ele se instalou detrás.
-E bem, senhora Shaw, em que podemos ajudá-la?
Evie lhe contou o que precisava e lhe mostrou a escritura da casa. O homem a leu.
-Parece bastante simples - murmurou. Sacou papel de uma gaveta da mesa-. Preencha esta solicitação e veremos o que podemos fazer.
Evie tomou o papel e saiu às mesas do vestíbulo. Enquanto respondia à multidão de perguntas do questionário, alguém mais entrou para ver o senhor Waldrop. Levantou a cabeça automaticamente e viu que conhecia ao recém chegado, o qual não era tão raro numa cidade pequena como Guntersville. Era Kyle Brewster, um homem que tinha um armazém de material de salvamento. Também era um jogador conhecido e tinha sido detido uma vez, anos atrás, numa partida ilegal de pôquer. Evie suspeitava que Kyle tinha bastante sucesso com o jogo. Seu estilo de vida era consideravelmente mais alto que o que podia oferecer-lhe o armazém.
A porta do escritório do senhor Waldrop estava aberta. Não podia ouvir o que dizia Kyle, só o murmúrio de sua voz, mas a voz do senhor Waldrop era mais clara.
-Aqui tenho o cheque -disse-. Quer desconta-lo agora ou o ingressa em sua conta?
Evie voltou sua atenção ao formulário. Se o banco emprestava dinheiro a Kyle Brewster, não via motivo para que não fizesse o mesmo com ela. Seu negócio dava mais benefícios e sua reputação era melhor.
Kyle se foi uns minutos mais tarde. Chegou outra pessoa a falar com o senhor Waldrop e Evie esperou com paciência até as dez e meia, quando o outro saiu.
-Sente-se -lhe disse o banqueiro quando entrou de novo no escritório com o formulário-. Voltarei nuns minutos -saiu levando o papel.
A jovem cruzou os dedos. Passou o tempo e começou a ficar nervosa, pensando por que demoravam tanto. Mas o banco parecia ter muito trabalho essa manhã, e talvez a pessoa à que lhe tinham levado o formulário estava também ocupada.
O senhor Waldrop regressou vinte minutos mais tarde. Sentou-se em sua cadeira e juntou as mãos.
- Sinto muito, senhora Shaw -disse-. Agora não concedemos este tipo de empréstimos. Tal e como está a economia..
Evie se empertigou na cadeira. Sentia que o sangue abandonava seu rosto. Começava a estar farta.
-A economia vai muito bem -interrompeu friamente-. A recessão não se notou aqui como em outras partes do país. E seu banco é um dos mais fortes. O outro dia li no jornal que acabavam de comprar outro banco de Florida. O que quero saber é por que emprestam dinheiro a Kyle Brewster, um jogador conhecido com antecedentes penais, mas me negam um empréstimo avalizado por uma propriedade que vale cinco ou seis vezes essa quantidade.
O senhor Waldrop ruborizou com ar culpado.
-Não posso falar dos negócios do senhor Brewster, senhora Shaw. Sinto-o. Eu não tomo as decisões sobre os empréstimos.
-Isso eu já sei -também começava a dar-se conta de outra coisa, algo tão fantástico que não podia acreditar, mas era o único que fazia sentido-. Não tinha nenhuma possibilidade de obter o empréstimo, verdade? Preencheu o papel foi só para dar-me corda. Alguém está impedindo que me dêem o empréstimo, alguém com muita influência, e quero saber quem é.
O homem ruborizou ainda mais.
-Eu sinto - murmurou-. Não posso dizer nada.
A jovem se pôs em pé e pegou a escritura.
-Não, suponho que não. Poderia perder seu tempo, não é? Adeus, senhor Waldrop.
Quando entrou em seu carro, estava vermelha de fúria. O calor a golpeou como um martelo, mas o ignorou e permaneceu sentada no estacionamento, tamborilando no volante com os dedos e olhando o tráfico com ar ausente.
Alguém queria o porto. Não tinham feito ofertas para comprá-lo, assim seguramente sabiam que não estava disposta a vender. E essa pessoa misteriosa era bastante poderosa e bem relacionada para bloquear suas tentativas de conseguir um empréstimo. Não só isso, senão que seguramente tinha organizado a compra de sua dívida pelo banco de Nova York, ainda que não se lhe ocorria ninguém que tivesse tanto poder.
Também não podia pensar em alguém que quisesse arrebatar-lhe o negócio até o ponto de tomar-se tantas cuidados. Era verdade que tinha feito muitas melhoras e que, quando pagasse a dívida que ainda tinha, daria bons benefícios, mas não tanto como para justificar o que alguém recorresse a tais extremos.
Mas não importava por que o fizessem nem quem. A único que importava era conservar o porto.
Tinha algo que não podiam impedir-lhe, porque não seria ela que pediria o crédito. Não diria nem uma palavra a ninguém, nem sequer a Becky, até que o trato estivesse fechado. Alguém queria o porto. Não tinham feito ofertas para comprá-lo, assim que seguramente sabiam que não estava disposta a vender. E essa pessoa misteriosa era bastante poderosa e bem relacionada para bloquear suas tentativas de conseguir um empréstimo. Não só isso, também tinha organizado a compra de sua dívida pelo banco de Nova York, mesmo que não conseguisse pensar em ninguém que tivesse tanto poder.
Ligou o motor e e pôs o carro em marcha saindo para o tráfico, mas voltou a parar ao ver uma cabine telefônica. O coração batia com força. Se parasse para pensar, não teria a coragem de fazê-lo. Se esperasse voltar a sua casa e olhasse a seu redor, não faria o telefonema. Tinha que ser agora. Era uma escolha simples. Se perdesse o porto, perderia tudo; mas se sacrificava agora a casa, poderia conservar o negócio.
Saiu do carro e entrou na cabine. Chamou a Informação para pedir um número e depois introduziu mais dinheiro e digitou o número que lhe tinham dado. Voltou-se de costas ao tráfico e esperou.
-Walter, sou Evie. Helene e você ainda querem comprar minha casa?
-Entrou numa cabine telefônica ao sair do banco e fez um telefonema -disse uma voz profunda.
-Sabe para que número chamou? -perguntou Robert.
-Não, senhor. Seu corpo ocultava os números.
-Ouviu o que disse?
-Não, senhor. Estava de costas e tinha bastante tráfico.
Robert se esfregou a mandíbula.
-Comprovou se ligou para o porto?
-Sim, senhor. Não foi assim. E também não chamou Mercer.
-OK. Preocupa-me, mas não há nada que possamos fazer. Onde está agora?
-Foi para sua casa.
-Avisa-me se fizer mais telefonemas.
-Sim senhor.
Robert desligou e olhou pensativo o lago enquanto tentava pensar quem ela tinha chamado e por que. Não lhe agradava o que começava a suspeitar. Teria chamado à pessoa à quem Mercer vendia os programas? Estaria metida até o pescoço depois de tudo? Tinha-a posto contra um muro para descobrir tudo e de repente intuía que não ia agradar-lhe nada o resultado.
-Quer ir pescar esta manhã? -perguntou Robert, com voz mais profunda do que de costume-. Nunca saímos juntos no barco.
Eram as seis e meia. A onda de calor continuava, todos os dias superavam os quarenta graus e, ao que parece, iam chegar aos quarenta e cinco nos próximos dias. Evie sentia o calor empurrar os vidros, apesar do entardecer da hora.
Custava o trabalho de pensar. Acabavam de fazer amor e sua mente continuava confusa nos momentos posteriores do prazer. Acordou-a antes de amanhecer e prolongou o ato mais do que de costume. Palpitava-lhe todo o corpo por causa de suas carícias.
-Não posso -disse-. Tenho coisas que fazer -tinha que procurar um lugar onde viver. Walter e Helene Campbell tinham aceitado comprar-lhe a casa. Fazia anos que a queriam e tinham decidido pagar em dinheiro e se preocuparem depois com o financiamento, temerosos de que Evie mudasse de idéia se lhe davam tempo para pensar. Lhes prometeu que deixaria o lugar livre em duas semanas.
Não podia contar a Robert. Tinha medo que se sentisse pressionado a pedir que viesse morar com ele. Preferia alugar um apartamento ou uma casa antes de dizer.
Não tinha dito também a Becky. Tinha tomado uma decisão, mas ainda não a tinha assimilado. Sempre que pensava em se mudar, seus olhos enchiam de lágrimas. Não suportava a idéia de ter de dar explicações e escutar argumentos.
Não se permitia pensar em quem podia estar por trás de tudo aquilo. Primeiro salvaria o porto e procuraria um lugar para viver. Depois averiguaria quem lhe tinha feito aquilo.
-Que coisas? -perguntou ele, mordendo-lhe a orelha.
-Tenho que pagar umas faturas e ir as compras -mentiu ela.
-E não pode esperar até manhã?- continuava mordicando-lhe a orelha, e ela fechou os olhos e suspirou de prazer.
-Não -respondeu. Robert lhe acariciou um mamilo e ela conteve o alento.
-Estás certa disso? -murmurou, aproximando a boca da garganta dela.
Ir pescar não supunha nenhuma tentação com aquele calor, mas sim ficar na cama toda a manhã.
-Estou segura -disse com esforço-. Tenho o que fazer hoje.
Robert suspirou e apoiou a cabeça no travesseiro.
-Suponho que devemos nos levantar.
-Sim -apoiou a cabeça no peito dele-. Abraça-me um momento.
O homem obedeceu.
-O que aconteceu?
-Nada -sussurrou ela-. Gosto que me abrace.
Sentiu tencionar seus músculos. Colocou-se em cima dela com brusquidão e lhe separou as coxas. Evie olhou seus olhos verdes sobressaltados. Não podia ler a sua expressão, mas sentia sua violência contida.
-Que...? -começou a dizer.
Robert a penetrou com força. Acabava de possuí-la fazia um momento, mas seu centro viril estava tenso de novo. Evie deu um resmungo e se agarrou a seus ombros. Não a tinha tomado assim desde da primeira vez. Embargou-a um medo primitivo, misturado com excitação. Não lhe causava dor, mas a ameaça estava presente, e a questão era se ela podia lidar com as exigências masculinas.
Sentiu-se inundada de desejo. Fincou as unhas nas nádegas dele, empurrando-o mais para dentro, arqueando os quadris mais e mais para recebe-lo inteiro. Ele grunhiu entre os dentes. Evie o abraçou com firmeza, não só aceitando seus movimentos, senão exigindo-os. Sentiu o orgasmo e lhe mordeu o ombro. O homem lançou uma maldição, pôs os braços sob as nádegas dela e a apertou contra ele. Evie soltou um grito ao mesmo tempo em que estremecia no meio de prazer
Os quadris dele se moveram mais três vezes, depois ficou quieto e começou a tremer. Empurrou seu corpo contra o dela, como procurando fundir-se.
Seu corpo deixou de dar voltas lentamente. Todo o episódio não tinha durado nem cinco minutos, mas sua fúria e velocidade a tinham deixado mais esgotada do que quando faziam amor durante uma hora.
O que o tinha deixado tão violento? Depois da primeira noite tinha sido um amante lento e paciente, mas acabava de tomá-la com raiva.
Pesava muito e lhe dificultava a respiração. Soltou um resmungo e ele se moveu para o lado. Tinha os lábios apertados.
- Saia comigo hoje - exigiu.
- Não posso – disse ela com pena-. Hoje não posso.
Algo perigoso brilhou um instante nos olhos masculinos, logo desapareceu.
- Eu tentei -disse. Sentou-se na cama. Voltou-se e lhe sorriu. Beijou-a na boca e depois se afastou para o chuveiro. Evie saiu também da cama, pôs a camisa dele e foi até a cozinha fazer café.
Quando voltou, ele saía do banho completamente nu, exceto por uma toalha ao redor do pescoço.
-Fiz café -disse ela antes de entrar no banho.
-Eu farei o resto. Que quer?
-Não tenho fome. Tomarei só café.
Mas quando entrou na cozinha, encontrou-se com uma tigela de cereais e um copo de suco de laranja além do café.
-Não tenho fome mesmo -repetiu.
-Coma um pouco -a animou ele-. Tem que reservar forças para esta noite.
-Por que? Estás planejando algo especial?.
-Suponho que sim -repôs ele-. Cada vez que fazemos amor é especial.
Evie sentiu uma emoção repentina que lhe impedia de falar. Mirou os olhos brilhantes dele.
-Come – ele repetiu - notei que não come muito com este calor e está perdendo peso.
-Muita gente o consideraria algo bom -riu ela.
O homem ergueu as sobrancelhas.
-Eu gosto de seu traseiro redondo e seus seios cheios, não iria gostar de dormir com uma vareta. Coma.
A mulher soltou uma gargalhada e meteu a colher nos cereais. Conseguiu comer várias colheradas, ainda que tivesse a impressão de que caíam como pedras em seu estômago.
Menos de uma hora depois, estava na porta de sua casa.
-Nos vemos esta noite, meu bem. Tenha muito cuidado.
Pareceu-lhe estranho que adicionasse as últimas palavras. Que diabos achava que ia fazer aquele dia?
Se vestiu para o trabalho, e assim não teve que voltar para a casa. Pensou que logo não se pentearia na frente de seu espelho. Essa tarde a casa deixaria de pertencer-lhe. Walter e Helena queriam fazer a venda de imediato. Levariam naquela tarde os papéis para o porto, junto com um cheque pela quantidade requerida. Evie lhes entregaria a escritura.
Pôs o endereço do banco de Nova York num envelope, adicionou um selo e o deixou entre seus papéis. Depositaria o cheque pela casa em seu banco, faria outro pela quantidade que devia e o enviaria a Nova York, a atenção do senhor Borowitz. E seus problemas econômicos teriam terminado.
Não teria casa, mas podia viver em qualquer lugar. O porto era mais importante, já que era seu meio de vida. Com ele compraria algum dia outra casa. Não teria tantas recordações como essa, mas a converteria em seu lar.
Olhou-se de novo no espelho.
-Aqui parada não farás nada -se disse.
Passou a manhã conduzindo por Guntersville. Tinha selecionado alguns anúncios de aluguel, mas preferia ver as casas e os bairros antes de chamar. E não lhe agradou nenhuma das casas que viu.
Ao meio dia tomou uma decisão. Girou com brusquidão, o que fez que o carro que a seguia tivesse que frear e o motorista apertasse a buzina com força. Murmurou uma desculpa, cruzou pelo estacionamento de um shopping e voltou a sair, mas em direção contrária.
A construção de apartamentos que tinha escolhido era nova, tinha menos de dois anos. Parou o carro diante do escritório e em vinte minutos depois, era a nova residente do apartamento 17, que consistia em sala de estar com cozinha americana e uma zona pequena onde cabiam uma lava-roupa e secadora no térreo e dois dormitórios no andar de acima. Não alugavam apartamentos de um dormitório. Pagou o depósito, recolheu as chaves e voltou a seu carro.
Já estava feito. Duvidava que fosse ser feliz ali, mas ao menos teria um teto até que tivesse tempo de procurar uma casa.
Soou o celular e Robert, que conduzia nesse momento pelo centro de Guntersville, atendeu no ato.
-Creio que me viu.
- O que aconteceu?
-Primeiro conduziu o carro por toda a cidade. Freou várias vezes, mas não parou em nenhum lugar. Talvez procurasse algo. Depois foi ao sul, para Albertville. Ia na pista de dentro e eu na de fora. De repente, sem aviso prévio, meteu o carro num estacionamento e quase choca com outro. Eu estava em outra pista e não podia seguí-la. Quando consegui dar a volta, tinha se evaporado.
-Maldita seja! -Robert estava aborrecido. Justo quando se convencia da inocência dela, começava a atuar de modo suspeito. Era evidente que a preocupava o porto, mas também tinha algo mais, algo que tentava ocultar.
-Voltarei a seguí-la quando aparecer pelo porto -disse o outro homem-. Sinto muito.
-Não foi sua culpa. Não se pode seguir sempre a quase ninguém.
-Não, senhor, mas tinha que ter evitado que me visse.
-Da próxima vez leva dois carros para poder mudar.
-Sim, senhor.
Robert desconectou o telefone. Sentiu desejos de ir para o porto, mas se conteve. Tinha que seguir com aquilo até o final.
Parou num shopping. Não precisava muita comida, só para três dias, tinha terminado o café e não queria comer três dias em restaurantes. Percorria os corredores do supermercado com ar ausente, mas encontrou o que procurava em pouco tempo. Quando se dispunha a sair pela porta com as bolsas, outra mulher entrava por ela.
-Robert.
Se deteve e reconheceu Becky, a irmã de Evie.
-Oi -sorriu debilmente-. Tudo bom está Jason? Não voltei a vê-lo pelo lago.
-Evie não lhe disse? Não poderá voltar ali em todo o verão. É um grande castigo para ele; o porto é um de seus lugares favoritos -se afastou da porta-.
Começaram a andar juntos pela calçada. Fazia muito calor e Robert sentia o suor na pele, mas via a determinação no rosto de Becky. A irmã maior queria uma conversa cara a cara com ele para assegurar-se do que não faria Evie sofrer.
Chegaram ao jipe, ele guardou as bolsas e deixou a porta aberta para que se dissipasse parte do calor. Apoiou-se no veículo e olhou com calma à mulher.
-Estás preocupada por Evie? -perguntou.
-Percebe-se?
-Ela me disse que é protetora em relação a ela.
Becky começou a rir e afastou o cabelo do rosto.
-A síndrome de irmã maior -disse-. Antes não era assim, mas desde...
Deteve-se.
-Desde quando? -perguntou ele.
Becky olhou o tráfico e demorou em contestar.
-Está a sério com ela? -perguntou bruscamente.
Robert não estava habituado a que o interrogassem sobre suas intenções, mas reprimiu sua irritação. Becky só perguntava impulsionada por seu interesse por Evie, um interesse que ele compartilhava.
-Penso em me casar com ela -disse.
A mulher fechou os olhos e suspirou aliviada.
-Graças a Deus -disse.
-Não sabia que o estado de nossa relação fosse tão importante -disse ele com voz fria.
Becky abriu os olhos.
-Você pode ser perigoso, não é?
Robert esteve a ponto de sorrir. Ela não parecia nada assustada. E também não conseguia intimidar Evie.
Becky suspirou.
-Estava preocupada. Não sabia quanto se importava com ela e... Bom, para mim é muito importante o sucesso desta relação.
-Por que? -perguntou ele com curiosidade.
Becky não respondeu diretamente.
- Falou de Matt?
-Provavelmente mais coisas do que você sabe -repôs ele com voz profunda.
-Sobre como morreu?
-Morreu em acidente de carro, não? –não recordava se o tinha ela o tinha dito ou se o sabia pelo relatório que tinha pedido.
-Sim, no dia depois de seu casamento -a mulher fez uma pausa-. Nosso pai morreu quando Evie tinha quinze anos. Eu tinha vinte e já estava casada, esperando um filho. Um ano depois morreu nossa mãe. Pode compreender o modo diferente em que nos afetou isso, às duas?
Suspirou fundo.
-Eu os amava muito, mas já tinha um filho com Paul. Tinha-o a ele e a meu filho, tinha uma vida fora de meus pais. Mas para Evie foi muito pior. Quando mamãe morreu, não só perdeu a ela, também seu lar. Veio viver conosco, mas não era o mesmo. Continuava sendo uma menina e tinha perdido as bases de sua vida.
Robert escutava atenciosamente.
-Mas tinha Matt –continuou Becky com suavidade-. Era um garoto estupendo. Conheciam-se desde sempre, e sempre tinham sido inseparáveis, primeiro como amigos e depois como casal. Tinham a mesma idade, mas quando papai morreu, ele esteve a seu lado. E com mamãe também. Creio que era a única pessoa, além de mim, com quem sempre tinha podido contar. Mas eu tinha minha família e Evie o tinha. Matt a fez que voltasse a sorrir e superasse a perda. Era uma adolescente travessa e risonha, muito parecida com Jason agora.
-Não posso imaginá-la travessa –disse ele-. Tem algo de solene.
-Sim, agora -respondeu a mulher.
Os ciúmes que achava desaparecidos voltaram a emergir.
-Por causa da morte de Matt.
Becky assentiu.
-Estava no carro com ele -seus olhos se encheram de lágrimas-. Enquanto viver levarei sempre duas imagens de Evie na mente. Uma é em seu casamento. Era tão jovem e elegante! Matt não podia deixar de olhá-la. A vez seguinte foi quando a vi no hospital, tombada como uma boneca quebrada, com os olhos tão vazios que...
Interrompeu-se com um estremecimento.
-Tinham passado a noite em Montgomery e a manhã seguinte iam a Panamá city. Chovia. Era domingo e viajavam por uma zona rural. Não tinha muito tráfico. Entrou um cachorro na freeway, chocaram com ele e Matt perdeu o controle do carro. Saíram da pista e deram duas voltas antes de parar contra umas árvores. Evie estava deitada ao seu lado, contra o solo. Matt pendurava de seu cinto em cima dela. Não podia sair, não podia fazer nada por ele e Matt perdeu quase todo o seu sangue na frente dela, com seu sangue caindo sobre ela - BECKY se secou as lágrimas das bochechas com fúria-. Entre a chuva e as árvores demoraram em ver o carro. Matt sabia que morria. Disse-lhe que a amava, disse-lhe adeus. Quando por fim viram o carro e a tiraram, fazia uma hora que tinha morrido.
Robert estava imóvel, imaginando em sua mente o que tinha passado Evie naquele domingo chuvoso. Abraçou Becky e lhe apoiou a cabeça em seu ombro enquanto chorava.
-Eu sinto muito -disse ela ao fim, secando-se os olhos-. Quando penso nisso, não posso deixar de chorar.
Robert tirou seu lenço do bolso e lhe secou o rosto com gentileza.
-Nunca se permitiu amar ninguém mais -disse ela com firmeza-. Entende? Não queria arriscar-se. Se você não os tivesses tirado do rio, teria se afogado antes de soltar Jason, porque não poderia suportar perder outra pessoa que ama. Levou uma vida solitária, mantendo aos homens à distância de seu coração.
-Até agora -disse ele.
Becky assentiu. Sorriu entre lágrimas.
-Até agora. Não sabia se devo me alegrar ou ter medo, assim fiz as duas coisas. Quero que tenha o que tenho eu, um marido, filhos, uma família que lhe dê um motivo para seguir vivendo quando morrer outra pessoa.
Viu o olhar de Robert.
-Não, nunca disse nada de suicídio -se apressou a adicionar-. Tinha as duas pernas rompidas e algumas costelas e se recuperou bem, fazendo tudo o que lhe diziam os médicos, mas se notava que nada lhe interessava. Durante anos, a vida para ela supunha um esforço. Demorou muito, mas ao fim encontrou uma espécie de paz. É muito forte. Eu não sei o que teria feito eu em seu lugar.
Robert lhe beijou a testa, comovido e comprazido pelo carinho daquela mulher por sua irmã. Gostava de sua futura cunhada.
-Deixa de se preocupar - disse com gentileza-. Agora eu cuidarei dela.
-Isso espero –disse Becky com firmeza-. Porque já pagou um preço muito alto por amar as pessoas. Só Deus sabe onde encontrou forças para amar você. Me aterrorizava pensar que , quando você partir, a destroçara.
-Quando eu partir, a levarei comigo -disse ele com olhos brilhantes.
Walter e Helene Campbell tinham sessenta e cinco anos, estavam aposentados e tinham poupanças, mas não eram ricos. A casa de Evie era justo o que queriam: bem construída e conservada, mas o bastante velha e pequena para que o preço fosse muito inferior ao de uma casa ao lado do lago. Os dois estavam encantados com sua sorte, porque fazia tempo que tinham perdido a esperança de comprá-la.
Chegaram ao porto com meia hora de adiantamento, acompanhados de um advogado e com muitos papéis. Evie, que nunca tinha comprado nem vendido uma casa, surpreendeu-a a quantidade de burocracia que implicava e mais ainda do que o advogado tivesse conseguido prepará-lo tudo em menos de um dia.
Não tinha cadeiras para todos, assim que se agruparam em torno do balcão. O advogado lhes explicava que era cada documento antes de apresentar-se à assinatura. Quando terminaram, Evie tinha vendido sua casa e tinha um cheque na mão.
Conseguiu despedir-se dos Campbell com um sorriso, mas quanto fechou a porta depois deles, estremeceu e cedeu ao pranto.
Um momento depois secou os olhos e deu os ombros. Chamou Burt e lhe disse que ia ir ao banco e voltaria em meia hora.
-Certo -respondeu o mecânico, tão lacônico como sempre.
No banco não demorou muito. Depositou o cheque em sua conta e pediu um na quantia de sua dívida. Tommy Fowler a viu diante a caixa e saiu para falar com ela.
-Como está? -perguntou com ansiedade.
A jovem conseguiu sorrir.
-Bem. Tenho o dinheiro para pagar o empréstimo.
O homem respirou aliviado.
-Estupendo. Não levou muito tempo. Outro banco aceitou a hipoteca?
-Não. Vendi minha casa.
O alívio desapareceu e a olhou atônito.
-A casa? Mas Evie... Deus meu... Por que?
A Jovem não queria dizer diante do caixa e os demais clientes que suspeitava que alguém estava bloqueando seus empréstimos.
-Estava a alguns tempo pensando nisso-mentiu-. Agora que minha conta corrente está sanada, o porto não tem dívidas e dará benefícios, posso tirar um tempo para procurar outra. Tommy não parecia muito convencido.
-Suponho que pensou muito nisso -disse.
A jovem seguiu sorrindo com esforço.
-Sim, creio que sim.
O caixa lhe estendeu o cheque ela o introduziu no envelope.
-Vou envia-lo hoje pelo correio -lhe disse a Tommy-. Obrigada por tudo.
-Não pude fazer nada -repôs ele.
-Mas tentou.
Ao sair do banco, foi diretamente ao escritório de correios, onde enviou o envelope à caixa postal com uma sensação de fim. Já estava feio. Não tinha sido fácil, mas podia seguir adiante.
Quando voltou ao porto, Robert estava na loja.
-Onde seu meteu? -perguntou, aproximando-se quanto saiu do carro.
Evie piscou ao ouvir a frieza de sua voz.
-Fui ao banco e aos Correios. Por que?
Ele não respondeu, mas a abraçou com força. A jovem se apoiou nele, atraída pela firmeza de seu corpo. Ainda que um redemoinho alterasse o resto de sua vida, ele permanecia firme. E ainda que temia depender dele e resistia a isso, sua mera presença bastava para confortá-la.
Robert se afastou e passou as mãos pelo cabelo.
-Aqui não -disse-. Mas quando chegarmos em casa.. -não terminou. O desejo, violento e intenso, era evidente em seu rosto e em sua voz.
Evie recordou onde estava e olhou envergonhada a seu redor. Quantas horas faltavam até que fossem pra casa? Seu corpo palpitava e não sabia que teria que esperar tanto.
A tarde foi um exercício de autocontrole, e desejou que os dias de verão não fossem tão longos. Precisava de Robert para esquecer de tudo, exceto o prazer narcótico de fazer amor com ele.
Quando ao fim fechou, ele queria levá-la diretamente a sua casa, e a ela custou resistir.
-Não quero deixar o carro aqui -disse-. Teria que me trazer aqui pela manhã.
-Não me importa - grunhiu ele.
-Mas não me agrada que vejam que meu carro continue aqui e você me traga para trabalhar.
-Está preocupada que saiba que dormimos juntos? -perguntou ele, divertido. Tem dezessete anos, não sete.
-Eu sei, mas isto não é Nova York. Aqui somos mais convencionais.
Robert seguia sorrindo, mas acabou cedendo.
-De acordo, protegeremos sua terna sensibilidade, ainda que devo dizer-te que a maioria dos adolescentes têm tanta sensibilidade como um rinoceronte no cio.
Evie soltou uma gargalhada.
-Então digamos que eu não me sentiria cômoda.
O homem a beijou na testa.
-Nesse caso, venha pra casa. Comprei bistecas esta tarde e as prepararei para a grelha antes de ir procurá-la.
-Tenho uma idéia melhor -disse ela-. Começa a prepará-los e eu vou até sua casa. Assim poupamos tempo.
Robert lhe acariciou o lábio com o polegar.
-Faz que eu também me sinta como um rinoceronte no cio -murmurou.
Ela se ruborizou.
O desejo esquentava seu sangue no caminho de sua casa; a tal ponto, que se banhou e vestiu sem sentir mais do que uma apunhalada de tristeza. O coração batia com força.
Vestiu uma saia azul de tecido fino e uma camisa sem mangas com os seios livres embaixo. A saia era quase transparente, mas permitia passar o ar. Não a teria posto em público, mas sim para ir à casa de Robert.
Ele saiu à porta quanto ouviu o carro.
-Deus meu! -murmurou ao vê-la. Quanto ela entrou fechou a porta e a tomou em seus braços.
-E as bistecas? -perguntou ela.
-À inferno com elas -Robert a levou para o dormitório e se deixou cair com ela sobre a cama. O peso de seu corpo a achatava contra o colchão. Subiu-lhe a saia e tirou sua calcinha antes de abrir-lhe as coxas e ajoelhar-se entre elas.
Evie soltou uma risada baixa e provocante. Nem sequer a tinha beijado ainda e já lhe palpitava todo o corpo. Robert tentava abrir a fivela do cinto com impaciência e ela sentia a dureza de seu membro contra a calça. Gemeu quando seu membro ficou livre e se colocou entre suas pernas.
Por muitas vezes que a penetrasse, o tamanho e o calor de seu membro continuavam surpreendendo-a. Deu um resmungo e a força do impacto a fez levantar o corpo. O homem começou a mover-se contra seus tecidos internos, muito sensíveis ao tato e algo doloridos pela experiência da manhã.
Um prazer intenso a atravessou e gritou, fincando as mãos nas costas dele e suportando uma onda de prazer depois de outra até que achou que morreria se não cessavam. Robert lhe sussurrava ao ouvido palavras apaixonadas.
E de repente ele também estremeceu e cedeu aos espasmos. Depois ficou imóvel sobre ela, ambos respirando com força. Evie fechou os olhos e soltou uma risada.
-Como um adolescente, sim -murmurou ele, mordendo-lhe o lóbulo da orelha-. Por muito que façamos amor sempre a desejo. Só estou satisfeito quando estamos assim -moveu um pouco seu membro, ainda dentro dela.
-Então continuemos assim - lhe acariciou as costas-. Alguém nos encontrará dentro de algumas semanas.
Robert começou a rir e a beijou.
-Prefiro que sigamos vivos. Para o qual há que comer, certo? -voltou a beijá-la e se sentou na cama.
Se espreguiçou, aliviada da frustração daquela tarde. Até o esvaziamento de seu peito tinha cedido um pouco, ainda que sem desaparecer de tudo.
Jantaram e depois saíram para sentar na varanda. Ainda fazia calor. Robert se instalou numa poltrona e colocou Evie em cima dele. Não tinha luzes na casa e a escuridão circundante era como um cobertor. Jazeram ali, em silêncio, com as mãos dele acariciando devagar as costas dela. Suas carícias se voltaram pouco a pouco apaixonadas e ela se apertou contra ele. Robert lhe rancou a blusa pela cabeça. Não tinha colocado roupas íntimas, assim, quando meteu a mão sob a saia, tocou a carne nua de suas coxas e nádegas. A apertou-a contra si.
-Usa roupa demais -murmurou ela, beijando-lhe o queixo.
-E você não.
E de quem é a culpa? Quando cheguei, estava vestida.
-Não sei, não sei. Ainda que seus mamilos não tivessem estado eretos, ao andar era evidente que não usava nada embaixo da blusa. E isto -tocou a saia- não conta nem como metade de uma roupa.
Beijou-a na boca enquanto se despia. Evie afastou a saia e se sentou em cima dele soltando um resmungo quando a penetrou.
Ficaram quietos de novo, seus corpos unidos, satisfeitos com a sensação. As luzes de um pescador noturno iluminavam o lago, mas os protegia a escuridão. Pouco depois foi difícil continuar quietos. Impulsos ocultos os convidavam a mover-se. Evie resistia, mas sabia que ele sentia a mesma compulsão. Apertou a testa no queixo dele e lutou por continuar imóvel. O membro dele se moveu em seu interior e ela gemeu com suavidade. Seus músculos internos se apertaram em torno do centro erógena masculino uma e outra vez, e seus gemidos suaves boiavam no ar da noite. Robert, num esforço por controlar-se, apertou-lhe as nádegas com força, com a testa coberta de suor.
Quando ela ficou quieta, levantou-a e a inclinou sobre o borda da poltrona. Ajoelhou-se por trás dela e penetrou com força em seu interior úmido. A jovem se agarrou à poltrona incapaz de reprimir gemidos de prazer. O homem se convulsionou, enchendo-a de calor, e permaneceu um momento apoiado nela enquanto sua respiração voltava ao normal.
Reuniu depois a roupa, tomou-a nos braços e a levou para o interior da casa.
Na manhã seguinte dormiram até depois das nove. Evie bocejou e se espreguiçou como um gato, e Robert a abraçou com força e lhe afastou o cabelo do rosto. Como sempre, tinha a acordado ao amanhecer para fazerem amor em silêncio e depois tinham voltado a dormir.
Ele saiu da cama e se dirigiu ao banho. Evie voltou a bocejar e se levantou. Pôs-se a camisa dele e foi à cozinha preparar café.
Enquanto esperava que se fizesse, ficou consciente de que se sentia muito leve, quase livre de preocupações. Abraçou-se a si mesma, num esforço por reter a sensação. Compreendeu com surpresa que estava feliz. Apesar de ter vendido a casa, estava feliz. Tinha salvado o porto e tinha Robert. Sobretudo, tinha Robert.
O amor por ele crescia a cada dia. Ele não lhe tinha aberto ainda seu coração, mas isso não o fazia menos digno de amor. Talvez não a amasse nunca, mas se aquilo era tudo o que podia dar a uma mulher, se conformaria com isso.
O som de um timbre interrompeu seus pensamentos. Parecia um telefone, mas o aparelho da cozinha não soava, e esse timbre era mais apagado. Compreendeu que a linha do escritório devia ser outra. Mas só soou uma vez, assim que supôs que tinha atendido a secretária.
Foi ao escritório e abriu a porta. Recebeu-a o som do fax.
A máquina cuspiu uma folha de papel e ficou em silêncio. Evie se voltava já para sair quando um nome atraiu seu atendimento.
Era o seu.
A mensagem era breve.
O senhor Borowitz acaba de informar de que recebeu por correio urgente um cheque da senhora E. Shaw pela quantidade total do empréstimo. Tem as mãos atadas. Pede instruções.
Assinava-o um tal F. Kuory.
Evie tomou o papel e voltou a lê-lo. Ao princípio só estava confusa. Por que lhe diziam a Robert que tinha pago a dívida? E por que o senhor Borowitz perguntava o que fazer? Robert não sabia nada do empréstimo nem da ameaça de embargo.
De repente ficou sem respiração. Permaneceu imóvel, paralisada. Robert sabia tudo, porque era ele o que tinha bloqueado seus esforços por conseguir a hipoteca e que tinha feito que o banco de Nova York comprasse seu empréstimo.
Doía-lhe o peito. Deu um resmungo e seguiu respirando, mas a dor não desaparecia. A sensação de traição era asfixiante.
Obviamente, Robert era mais rico e poderoso do que tinha imaginado. Não sabia por que queria o porto, mas indubitavelmente era assim. Ainda que tivesse muitas coisas que não podia entender nesse momento.
Só sabia que Robert tinha tentado tirar-lhe o porto e lhe tinha custado sua casa.
A distância que percebia nele era muito real. Não tinha entregado seu coração porque, para ele, tudo era questão de negócios. A tinha seduzido só para vigiá-la de perto?
Saiu do escritório como uma autômata, com o fax ainda na mão.
A enormidade da situação a assustava. Que ironia que tivesse se apaixonado do homem que tentava destruí-la!
Enrugou o fax e o atirou ao lixo. Serviu uma xícara de café. Precisava desesperadamente de cafeína ou algo que a animasse. Levou a xícara aos lábios com dedos trêmulos.
Robert a encontrou ali, olhando pela janela. Deteve-se ao vê-la. Estava lindíssima, com o cabelo solto e revolto e vestida só com a camisa dele. Pensou que nunca tinham inventado uma prenda que assentasse melhor às mulheres do que as camisas masculinas. Sorvia café e olhava pela janela, perdida em seus pensamentos, com a expressão remota de uma estátua.
Aproximou-se dela e a voltou para si. Tirou-lhe a xícara e a levou à boca. Acariciou-lhe o traseiro, desfrutando da textura sedosa de sua pele.
-O chuveiro é todo seu.
-De acordo –respondeu ela; mas teve a impressão de que não o tinha ouvido. Seguia olhando pela janela.
-O que olha? -perguntou ele.
-Nada. Só o lago.
Afastou-se e saiu da cozinha.
Robert ergueu as sobrancelhas, confuso, mas tinha fome, assim se centrou no café da manhã. Acabava de começar a fritar o bacon quando ela voltou, completamente vestida com as chaves de seu carro na mão.
- Chegou um fax enquanto tomava banho –lhe disse.
Robert se voltou, e ficou imóvel ao ver seu rosto. Estava pálida e inexpressiva, e seus olhos pareciam vazios. Recordou com um arrepio o modo em que Becky descreveu o olhar de Evie depois do acidente. Parecia muito, muito distante, como se já não estivesse ali.
-De quem era? -perguntou.
-De F. Koury.
-Ah -suspirou aliviado-. Minha secretária -possivelmente não teria nada que ver com Mercer, mas, por que parecia ela tão afetada?
-Está no lixo se quiser lê-lo, mas posso lhe dizer.
Robert se apoiou na mesa e cruzou os braços.
-De acordo. Diga-me.
-O senhor Borowitz comunicou a sua secretária que recebeu um cheque senhora E. Shaw pelo pagamento de sua dívida e que tem as mãos atadas. Pede instruções.
A expressão dele não mudou, mas interiormente praguejava com força. Sua intenção tinha sido que ela não se inteirasse nunca. A pressão era real, mas não teria deixado que chegassem ao embargo. Não se apressou a explicar-se, e sim esperou sua reação para poder valorizar o que ia lhe dizer. E de onde diabos tinha conseguido o dinheiro para pagar o crédito?
-A culpa é sua de eu não conseguir hipotecar minha casa -disse ela com voz tensa.
-Sim -respondeu ele, que sabia que não fazia sentido mentir.
-Você fez que outro banco comprasse meu empréstimo.
O homem inclinou a cabeça e esperou.
Evie apertava as chaves com tanta força, que tinha os dedos brancos. Respirou fundo várias vezes antes de voltar a falar.
-Quero que tire seu barco de meu porto antes que o dia termine. Devolverei o dinheiro que sobrar.
-Não -repondeu ele, implacável-. Quero que cumpra o contrato. Evie não perdeu o tempo com uma discussão que não podia ganhar.
-Então deixe-o -murmurou com uma voz tão vazia como seus olhos-. Mas não volte a me chamar porque não quero falar com você. Não venha me ver porque não quero vê-lo.
Robert observou seu rosto, procurando um modo de derrubar o muro que tinha levantado entre eles.
-Não
A jovem soltou uma gargalhada rouca.
- Então é assim? Como vai decidir como lidar comigo? Vejo-o observando-me.Pensando em qual vai ser seu próximo passo. Não consegue fazer nada espontaneamente, né?
- Fica ai pesando nossa reação para tentar nos manipular. -fez uma pausa-. Não, não estou aborrecida. Talvez dentro de cinqüenta anos esteja aborrecida.
Voltou-se para a porta.
-Evie! -sua voz soou como uma chicotada e ela se deteve para seu pesar, tremendo ante a força de sua ordem. Não falava o estrategista frio, senão o conquistador cruel-. Como pagou o empréstimo? A jovem o olhou por cima do ombro, com olhos escuros e cheios de dor.
-Vendi minha casa -disse. E se foi.
Robert começou a seguí-la, mas se deteve. Lançou uma praga golpeou a mesa com o punho. Não podia explicar-lhe nada ainda. Ouviu seu carro se afastar com o corpo tenso.
Tinha vendido sua casa! O desespero do ato o abrumava e soube, sem lugar para dúvidas, que não tinha nada que ver com Mercer. Uma mulher que podia tirar dinheiro espionando não venderia sua casa para pagar uma dívida. Suas saídas ao lago ao mesmo tempo em que Mercer deviam ser pura coincidência. Evie era inocente e suas maquinações lhe tinham custado a casa.
Teria que explicar tudo, e ademais compensá-la por isso. Podia voltar a comprar sua casa. Supunha que os novos donos não quereriam vendê-la, mas talvez os convenceria se lhes oferecesse o dobro do que tinham pagado. Mas a verdade era que preferia presentear-lhe uma maior e nova. O mais simples seria dar-lhe a sua. Para ele não significava nada, podia comprar outra, mas Evie precisava de um lugar seu. Seria um lugar de férias, uma casa que se retiraria quando precisassem um respiro de Nova York ou quando ela quisesse ir ver Becky.
Rancou o fax do lixo e o leu. Talvez aquele papel lhe tivesse custado Evie.
Mas não; passasse o que passasse, não a deixaria ir.
Evie conduzia de modo automático; tentava deixar sua mente centrada, mas não lhe era possível. Como podia sentir-se tão confusa e ao mesmo tempo sofrer tanto? Quando chegou a sua casa, seguia sem chorar. Mas já não era sua casa, senão a dos Campbell. Abriu a porta e correu para o banho. Vomitou o pouco café que tinha tomado, mas continuou sentindo náuseas muito depois de ter já o estômago vazio. Quando ao fim cessaram os espasmos, deixou-se cair ao solo sem alento. Não soube quanto tempo passou ali, num estupor de esgotamento e dor, mas depois de um momento começou a chorar. Fez-se uma bola e soluçou com força. Chorou até que sentiu náuseas teve que voltar a vomitar.
Demorou muito momento em levantar-se. Tinha as pálpebras inchadas e doloridas, mas estava calma, a tal ponto que se perguntou se voltaria a sentir algo alguma vez. Esperava que não.
Despiu-se e se meteu no chuveiro, onde permaneceu um longo momento. Ao sair, gostaria de meter-se na cama, fechar os olhos e esquecer, mas não era possível. Não poderia esquecer.
Nunca a tinha amado. Só queria seu porto.
O porto. Pensou nele com gratidão. Ainda era seu. Tinha salvado um pouco das ruínas nas que Robert Cannon tinha convertido sua vida. Por muito dano que tivesse feito, não tinha ganhado.
Preparou-se para ir trabalhar. Tinha deixado cair seu escudo protetor só para descobrir que podia sofrer mais do que acreditava. Mas não morreria de sofrimento; reconstruiria seu escudo, mais forte que antes, de maneira que nada pudesse derrubá-lo. Levaria tempo, mas tinha muito; tinha o resto de sua vida para recordar de Robert Cannon e como a tinha usado.
Robert passeava por sua casa como uma pantera engaiolada, enfurecido pela necessidade de esperar; o corroia saber o que Evie devia estar sofrendo e o que pensaria dele. Podia compensá-la pela casa, mas poderia curar o dano? Cada hora que passasse com ela pensando que a tinha traído, afundaria a ferida. Só a certeza de que ela se negaria a escutá-lo nesse momento lhe impedia ir a seu procura. Quando Mercer estivesse no cárcere, tivesse provas do que tinha feito e pudesse contar-lhe por que tinha feito aquilo, o escutaria. Talvez lhe desse uma bofetada, mas o escutaria.
Eram quase as três quando soou o telefone.
-Mercer se moveu -disse uma voz-. Cedeu ao pânico e os chamou do escritório. Disse-lhes que precisa de dinheiro imediatamente. Podemos pegar esse bastardo com as mãos na massa.
-Onde está agora?
-A caminho de Guntersville. Seguem-no. Eu vou para lá, mas demorarei vinte minutos em chegar.
-De acordo. Chegue o antes possível. Eu irei à marinha agora e o esperarei ali. Nunca viu meu barco, assim que não o reconhecerá.
-Tenha cuidado, senhor. Estará em minoria até que cheguemos.
Robert pendurou o telefone e sorriu sem vontades. No barco levava tudo o que pudesse precisar: armas, câmara, binóculo e uma gravadora. Mercer não demoraria em cair.
Foi ao porto saltando-se todos os limites de velocidade. Esperava que Evie não saísse a seu encontro e lhe fizesse uma cena. Não tinha tempo e não queria chamar a atenção. De todos modos, uma cena não entrava no estilo dela.
Evie o ouviu chegar. Conhecia o som do jipe tão bem como o de seu próprio coração. Ficou imóvel, tratando de preparar-se para o insuportável, mas passaram os segundos sem que se abrisse a porta. Quando se atreveu a olhar pela janela, viu-o entrar com passo decidido para seu barco. Um minuto depois escutou o rugido do motor e o viu sair para a água e acelerar.
Não podia acreditar o muito que doía apenas vê-lo.
Landon Mercer entrou dez minutos mais tarde. Estava pálido e tenso; usava calças negras e camisa branca, com o pescoço desabrochado. O suor cobria sua frente e o lábio superior. Levava a caixa de pesca, mas sem a vara.
- Tem uma lancha para mim? -perguntou. Tentou sorrir, mas só conseguiu fazer uma careta.
A mulher lhe estendeu uma chave.
-É a última.
-Obrigado. Pagarei quando voltar, certo? -saiu pela porta.
Algo se rompeu no interior dela. Era como se de repente já tivesse tido bastante. Mercer não se propunha nada de bom e já nem sequer se molestava em fingir que ia pescar. O porto era o único que lhe restava e, se aquele filho de cachorra traficava drogas e a misturava em algo assim, podia acabar perdendo-o.
Acima de seu cadáver.
Sem pensar no que fazia, foi ao veículo procurar a pistola que tinha embaixo do assento e correu até a sua lancha. Se tivesse pensado com clareza, teria chamado à polícia, mas não era assim. Tremendo ainda por causa do choque, só podia pensar numa coisa deter Mercer.
Robert tinha colocado o barco onde pudesse ver Mercer sair do porto e situar-se detrás sem que o visse. O transmissor eletrônico funcionava de maravilha, com o apito aumentando quando Mercer se acercava a sua posição, e diminuindo quando passava de longo. Como não queria aproximar-se muito e espantar as pessoas a quem ia reunir, avançou devagar, deixando que Mercer se afastasse bastante.
Outra lancha se acercava depressa pela esquerda, interceptando-lhe o passo pelo ângulo direito. Tinha espaço suficiente para não ter que frear, assim que manteve a vista fixa no barco de Mercer. Depois entrou a outra lancha em sua linha de visão e viu uma trança longa balançando-se ao vento.
Evie! O coração lhe deu um salto. Sua aparição o deixou atônito. De repente o compreendeu tudo. Seguia Mercer! Era isso o que tinha feito desde o princípio. Intuiu que Mercer não se propunha nada bom e decidiu averiguar de que se tratava. Até adivinhava seu raciocínio. Achava que Mercer implicava a seu negócio ao usar uma de suas lanchas. E Robert sabia melhor do que ninguém até onde podia chegar para proteger aquele lugar. Tinha entregado sua casa e arriscaria também sua vida.
Levantou o telefone e marcou um número.
-Evie segue Mercer -disse-. Está do nosso lado. Passa isso e diga que ninguém lhe dispare por erro.
Aquela possibilidade lhe gelou o sangue nas veias. Seus homens não disparariam, mas e os outros?
Mercer se dirigia uma vez mais para as ilhas. Evie mantinha distância para não o alarmar. Quando chegasse às ilhas e freasse, se aproximaria rapidamente.
Levava a pistola no regaço. Um revólver 45 de canhão longo para o que tinha permissão e que sabia utilizar. Fosse o que fosse o que fazia Mercer, acabaria naquele dia.
Tinha outro barco ancorado entre duas das ilhas menores, com dois homens dentro. Mercer não realizou seu circuito habitual entre as ilhas, mas sim, avançou diretamente para o outro barco. Evie aumentou a velocidade e o seguiu.
Mercer se deteve ao lado do outro barco e lhe passou a cesta de pesca. Evie viu que um dos homens a assinalava e Mercer se voltou a olhá-la. Não usava boné nem óculos de sol e, ainda que usava a trança, sabia que era facilmente reconhecível como mulher. Mas não lhe importava, porque o momento de esconder-se tinha passado já.
O fato de que era uma mulher só os fez menos cautelosos. Mercer seguia em pé, com os pés separados para controlar o balanço do barco. Seguro de que não os tinham surpreendido fazendo nada suspeito, disse algo baixinho aos outros e depois levantou a voz.
-Evie, sucede algo?
A mulher saudou com o braço para aplacar as suspeitas. Seguia a uns vinte metros de distância. Parou o motor, consciente de que a lancha seguiria avançando uns metros por inércia. Levantou a pistola e apontou com calma ao homem que sustentava a caixa das iscas.
-Não me ponha nervosa -disse-. Deixe a caixa.
O homem vacilou e lançou um olhara de assombro para seu colega, que continuava imóvel por trás do timão. Mercer a olhava surpreso.
-Evie -disse com voz tremula-. Escuta, lhe daremos uma parte. Há muito dinheiro...
A jovem não lhe fez caso.
-Disse que deixe a caixa -repetiu. Seguia sem pensar com clareza. Só sabia que, se ele atirasse a caixa ao rio, afundariam as provas e não poderia demonstrar o que faziam. Não sabia como ia conseguir levar três homens e três barcos diferentes às autoridades, mas tinha muito tráfico no rio e uma hora ou outra apareceria alguém.
Outro barco se aproximava deles, e depressa demais. Mercer olhou em sua direção e empalideceu, mas Evie não afastou a vista da caixa. Viu pelo rabo do olho um iate negro e pequeno que se aproximava ao barco dos dois homens. Robert se levantou do assento, segurou o timão com o joelho e apontou com uma pistola para os três homens.
-Não movam nem um músculo -disse.
As ondas provocadas por seu iate empurravam aos outros, até fazer que a lancha de Evie chocasse com o barco dos dois homens.
-Cuidado -advertiu. Baixou uma mão para meter a marcha para trás e conter o empuxo das ondas. Os outros dois barcos chocaram com força, lançando Mercer na água. O homem que segurava a caixa abriu os braços lutando para recuperar o equilíbrio, e deixou cair a caixa, que aterrizou no solo do barco. A atenção de Robert estava dividida e, naquele momento, o timoneiro do barco meteu uma mão sob o console e sacou sua própria arma, que disparou em seguida. Evie lançou um grito e tentou apontá-lo com sua pistola. Robert se deixou cair de lado e a bala fez um buraco na fibra de vidro de proteção do barco.
Robert se deixou cair sobre um joelho e disparou uma vez. O timoneiro caiu para trás com um grito de dor.
O segundo homem se atirou na água em direção à lancha de aluguel. Mercer se agarrava ao costado e gritou de pânico quando o outro subiu e pôs em marcha o motor. A lancha saltou para frente. Evie, que sabia que não podia apontar bem um alvo em movimento, deixou cair à pistola e lançou sua lancha para frente. Os dois barcos chocaram com tal força, que saltou a fibra de vidro dos dois. O impacto a lançou fora do assento e aterrizou na água com uma violência que a deixou sem sentido.
Recuperou a consciência quase no ato, mas estava aturdida pelo choque. Achava-se embaixo da água e a superfície não era mais do que uma sombra de um tom esverdeado. Rugiam-lhe os ouvidos e tinha uma vibração que a atravessava inteira. Pensou nos barcos e o terror se apoderou dela ao compreender o perigo em que estava. Se os motoristas não pudessem vê-la, talvez a atropelassem e a hélice a faria pedaços.
Subiu desesperadamente para a superfície, se debatendo com todas suas forças. Sua cabeça saiu da água e respirou fundo, mas tinha um barco quase em cima dela. Jogou-se a um lado. Alguém gritou e ouviu a voz profunda de Robert, mas não entendeu suas palavras. Tinha os ouvidos cheios de água e continuava aturdida. Pensou que, se desmaiasse, se afogaria. Piscou para tirar a água dos olhos e viu as duas lanchas juntas a menos de cinco metros. Avançou para elas e se agarrou ao costado da que tinha alugado Mercer. Estava muito submersa e seguramente se afundaria em meia hora, mas boiava ainda e isso era a única coisa que importava. O barco que quase a tinha golpeado seguia acercando-se.
Nele iam dois homens, vestidos com jeans e camisetas. O timoneiro aproximou o barco dela, dando-o a volta, e outro homem lhe estendeu um braço. O sol arrancava brilhos a uma placa que usava na cintura dos jeans. Evie soltou a lancha e nadou para ali. O homem a ergueu pelos braços e a tirou da água.
A jovem se deixou cair ao solo, e ele se ajoelhou a seu lado.
-Passa bem, senhora Shaw? -perguntou com voz ansiosa.
Evie ofegava pelo esforço, mas assentiu com a cabeça. Não estava ferida, só aturdida pelo impacto; tanto, que demorou um momento em perguntar-se como sabia ele seu nome.
-Está bem! -o ouviu gritar.
A confusão começou a diminuir gradualmente. Seguia sentada no chão do barco, com as costas apoiadas num dos assentos, e observava como tiravam os dois homens da água e lhes punham as algemas enquanto alguém examinava o que Robert tinha acertado. Ainda que pálido e encolhido, estava sentado e consciente, pelo que assumiu que sobreviveria.
Chegaram mais quatro lanchas, cada uma com dois homens, e todos usavam placas, bem nos jeans ou no peito. Ouviu que um se identificava ante Mercer como agente do FBI e assumiu que todos o eram.
Acercavam-se também outros barcos, que tinham visto a comoção, mas se detinham a pouca distância ao ver as placas.
-Precisam ajuda? -perguntou um pescador-. Podemos levar essas lanchas ao porto se quiserem.
Evie viu que um dos agentes olhava Robert, como pedindo permissão, antes de contestar:
-Obrigado. O agradeceríamos muito.
Vários pescadores aproximaram seus botes às lanchas.
A jovem resistiu o impulso de olhar para Robert. Recordaria toda sua vida o terror que sentiu quando lhe dispararam e acreditou que teria que ver morrer ma frente dela de novo o homem que amava. Tudo o que tinha sentido aquele dia empalidecia ao lado daquele horror. Robert não a queria, tinha-a usado, mas ao menos estava vivo. Começou a tremer.
Colocaram o ferido em outra lancha e o levaram. Os seguintes foram Mercer e o outro homem, ambos algemados. Evie fez uniu suas forças e tomou o timão do barco no que se achava para que o timoneiro ajudasse a atar as lanchas aos barcos dos pescadores. Robert aproximou sua lancha do costado da dela.
-Está bem?
-Sim –respondeu Evie, sem olhá-lo.
O homem subiu a voz.
-Lee, encarregue-se deste barco. Vou levar Evie ao porto.
O agente voltou de imediato e Evie lhe cedeu seu posto ao timão. Mas não queria ir com Robert, pelo que olhou a seu redor em procura de algum conhecido.
- Venha aqui -disse ele com voz azeda. E ela obedeceu para evitar uma cena. Se estava empenhado em levá-la, não poderia evitá-lo.
Não disseram nada no caminho ao porto. O iate avançava com rapidez, mas ela sentia cada pequeno bote na cabeça. Fechou os olhos, esforçando-se por controlar as náuseas.
Quando entraram no cais, Robert se voltou para olhá-la e praguejou ao ver seus olhos fechados e seu rosto pálido.
-Estás mal -disse.
Ela abriu os olhos.
-É só a reação.
A baixa da adrenalina podia fazer que se sentisse fraca e doente, assim ele aceitou sua explicação por um momento, mas tomou nota mentalmente.
Evie saltou para o cais sem esperar ajuda. Como verdadeira filha do rio que era, atou automaticamente as sogas aos ganchos, já que o costume de toda uma vida tomava precedência sobre seus sentimentos. Uma vez assegurado o barco, voltou-se sem dizer uma palavra e começou a andar para a loja.
Burt estava por trás do balcão e lhe lançou uma mirada de alívio, que não demorou em dar passo à surpresa e a preocupação ao ver seu estado.
-Virou a lancha? -perguntou-. Está bem?
-Estou bem, só um pouco alterada -respondeu ela-. Mas a lancha está rompida. A trarão agora.
Robert abriu a porta e Burt pareceu aliviado.
-Voltarei ao ateliê. Quanto acha que demorarão em trazer a lancha?
-Como uma hora -respondeu Robert. Aproximou-se à máquina de refrigerantes e tirou uma garrafa que abriu no ato.
-Bem, vou esperá-la no ateliê –disse Burt, que se sentia mais confortável
em seus domínios.
Saiu da loja e Evie se sentou por trás do balcão. Robert a seguiu e lhe estendeu a Coca-cola.
-Beba -disse-. Está em choque e precisas de açúcar.
Seguramente tinha razão. A jovem aceitou a garrafa, já que a última coisa que desejava era desmaiar ali.
Robert esperou que bebesse um pouco antes de falar.
-Mercer era diretor de minha empresa de programação informática de Huntsville. Fazemos programas para a estação espacial, entre outras coisas, e são altamente secretos. Começou a vendê-los onde não devia. Sabíamos que os roubava , mas não tínhamos conseguido surpreendê-lo, assim não tínhamos provas.
-E era isso o que levava na caixa –disse ela, surpresa-. Drogas não. Disquetes.
O homem ergueu as sobrancelhas.
-Você achava que era traficante de drogas?
-Não sabia o que pensar.
-Mas se achavas que podia ser traficante de drogas, por que inverno o seguiste hoje?
-Iam em minha lancha -disse ela-. E eu podia perdê-lo tudo por sua culpa. No mínimo, daria má fama ao porto e acabaria com meu negócio.
-Podia ter-se matado chocando deliberadamente desse modo -disse ele com fúria reprimida.
-Não tinha muita velocidade -respondeu ela-. E minha lancha era maior. Dava-me mais medo que explodissem os tanques de gasolina, mas estavam atrás, assim pensei que não tinha muito perigo.
Robert pensou que não tinha tido tempo de levar tudo isso em consideração. Sua reação foi imediata, e quase lhe provocou um enfarte. Mas ela não sabia que tinha reforços perto, simplesmente tinha visto que o homem estava a ponto de escapar e tinha tentado impedi-lo. Robert não sabia se era valente, tonta ou ambas coisas.
Continuava sem olhá-lo.
-Eu trabalhava com o FBI e com minha gente para estender uma armadilha a Mercer. Estraguei alguns de seus investimentos e o pressionei economicamente para obrigá-lo a se mover.
A jovem compreendeu no ato o que implicavam suas palavras. Um véu invisível cobriu seus rasgos.
-Igual comigo -murmurou-. Você pensava que eu trabalhava com ele porque usava minhas lanchas e porque eu o seguia para averiguar o que fazia.
-Não demorei muito em compreender que você não estava misturada e seguramente não sabia o que passava. Mas seguis fazendo coisas suspeitas e não podia retirar a pressão.
-Que coisas? -perguntou ela com incredulidade.
-Deixar o porto no meio do dia para ir depois dele. Anteontem, ao sair do banco, entraste numa cabine a fazer um telefonema que não pudemos controlar. Ontem levaste ao homem que te seguia por toda Guntersville antes de escapulir girando de repente e não te localizamos até que voltaste aqui.
Evie soltou uma gargalhada amarga.
-Tudo isso? É incrível como uma mente receosa vê coisas suspeitas por todas partes. Quando me negaram a hipoteca por segunda vez, compreendi que tinha alguém por trás e decidi vender a casa. Parei no primeiro telefone que encontrei e chamei a umas pessoas que tinham tentado comprar várias vezes a casa. Mostraram-se tão interessados, que decidiram pagar-me em dinheiro imediatamente para não correr o risco de que mudasse de idéia.
Suspirou. Ontem fui procurar um lugar onde viver. Mas sabia que o estava adiando porque não me agradava a idéia, assim tomei uma decisão repentina e girei bruscamente para ir a uma urbanização de apartamentos, onde aluguei um.
Encolheu de ombros.
-Achava que queria o porto. E o que passava era que pensava que era uma traidora, e daí que melhor modo de vigiar-me do que estabelecer uma relação falsa comigo até o ponto de estarmos quase inseparáveis?
-Não era falsa -disse ele.
-E a lua não é redonda -adicionou ela. Voltou a olhar pela janela.
-Não pensava levar a cabo o embargo -lhe explicou ele-. Só era uma medida de pressão. E ainda que tivesse sido culpada, já tinha decidido que não deixaria que te processassem.
-Que amável de sua parte! -murmurou ela.
O homem se colocou na frente dela e lhe pôs as mãos nos ombros.
-Sei que está ferida e magoada, mas não me atrevia a retirar a pressão até que capturássemos Mercer.
-Compreendo.
-Para valer? Graças a Deus! -exclamou aliviado.
Evie encolheu de ombros.
-A segurança nacional é mais importante do que os sentimentos feridos. Não podia fazer outra coisa.
Sua voz continuava soando magoada. Robert abriu os olhos.
-Sinto por sua casa - murmurou-. Se soubesse de seus planos não a teria deixado vende-la – acariciou sua face- Não posso devolve-la, mas posso lhe dar a minha. Pedirei que façam a escritura em seu nome.
Evie se pôs tensa. Afastou o rosto.
-Não, obrigada -disse com frieza. Deu-lhe as costas para olhar pela janela.
Robert pensou que não tinha compreendido seus motivos.
-Não é caridade -disse com calma; acariciou-lhe a parte posterior do pescoço-. E também não é tão generoso, já que continuará na família. Evie, meu bem, quer casar comigo? Sei que quer isso, teremos compromisso. Não a afastarei completamente de sua família. Podemos vir de férias a essa casa. Iremos passar aqui todos os verões e também poderemos voltar várias vezes durante o ano.
Ela se afastou dele e se voltou para olhá-lo. Estava mortalmente pálida. Seus olhos careciam de luz e ele recordou com um arrepio o que Becky tinha dito de seu olhar depois da morte de Matt.
-Como tudo o demais, seus planos vem sempre em primeiro lugar -disse com voz inexpressiva-. Eu tenho um melhor. Você fica em Nova Iorque e eu fico aqui. Seremos mais felizes assim.
-Evie... -se deteve e respirou fundo para controlar-se. Claro, a tinha magoado. O amava e estava magoada pelo que ocorrera aquele dia. Só precisava faze-lo confiar nele novamente.
-Não! -disse ela com violência-. Não procure um modo de manipular-me para que faça o que quer. É inteligente demais em procurar benefícios -abriu as mãos-. Você está aqui e todo o resto do mundo está aqui, e essas linhas nunca se encontram. Nada nem ninguém pode se aproximar de você. Estás disposto a casar comigo, mas isso não mudará nada. Seguirás enterrado em sua concha e movendo os fios para que todas as marionetes façam o que achar melhor. O que eu tinha com Matt era autêntico, uma relação com uma pessoa e não com uma fachada. O que lhe faz pensar que eu me conformaria com o que me oferece? - estremeceu-. Vai embora, Robert.
A ausência de Evie deixou um grande vazio em sua vida. Robert nunca tinha sentido falta de nenhuma mulher nem lhe tinha dito que estava solitário sem ela, mas essa era a situação em que se encontrava agora. Voltou para Nova York no dia seguinte ao que ela recusou sua proposta e de imediato fez voltou para seus negócios, mas o que antes o divertia agora lhe parecia aborrecedor. Não queria ir à ópera nem a jantares; queria sentar-se ao ar livre numa noite cálida e perfumada, escutando o murmúrio do rio e desfrutando das estrelas espalhadas pelo céu negro. O sexo já não era também como antes. Não queria o prazer controlado de outras vezes, onde sua mente permanecia separada de seu corpo. Com Evie não era assim. Desejava-a e sua ausência era como um ácido que corroia sua alma.
Não compreendia ainda o que tinha falhado, e isso era tão frustrante quanto seu desejo por ela.
Não era a casa, isso ela já o tinha perdoado. Por que diabos, então, tinha recusado casar-se com ele? A expressão de seus olhos seguia atormentando-o e passava noites inteiras desperto pensando nela, naqueles olhos dourados e radiantes que pareciam... cinzas.
Ela o amava. Disso tinha certeza. E no entanto, tinha-o recusado. Madelyn tinha ligado várias vezes e tentado convencê-lo de que fosse a Montana. Conhecia sua irmã e sabia que, se não lhe fazia caso, acabaria apresentando-se em Nova York com seus filhos, já que sem dúvida intuía que lhe ocorria algo.
Praguejou e tomou uma decisão. Madelyn era a mulher mais astuta que conhecia além de Evie. Talvez pudesse resolver o problema. A chamaria para dizer-lhe que ia ir.
Devido à diferença horária, no dia seguinte era ainda cedo quando aterrizou em Billings. Tinha mais cento e cinqüenta quilômetros até o rancho, que tinha aeroporto próprio, assim tinha por costume alugar um avião e pilotar o resto do caminho em lugar de conduzir. Quando aterrizou, viu o veículo de Madelyn próximo da pista; estava apoiada no capô com o cabelo longo solto ao vento. Seu cabelo era mais claro do que o de Evie, mas ainda assim a semelhança fez que seu coração se encolhesse. Divisou seus sobrinhos na zona de proteção e sorriu.
Tinha sentido falta de todos.
Madelyn saiu a seu encontro.
-Graças a Deus que chegou. Meus filhos estavam me deixando louca. Sabe que quando o pequeno diz «tio Robert» parece que diz «Ali Babá»? Ouvi-o mil vezes na última hora, assim que sou uma experiente.
Ficou na ponta dos pés para beijar-lhe a face e ele a estreitou contra si. Sempre relaxava quando punha o pé no rancho. A natureza parecia mais próxima ali, como em Alabama.
Madelyn esperou até depois de comer para abordar o tema que ele sabia que a deixava morta de curiosidade. Os meninos estavam deitados para a sesta, e Reese e ele tomavam café. A mulher voltou a entrar no refeitório.
-Ok, o que aconteceu? -perguntou.
Robert sorriu.
-Sabia que não podia esperar mais. Sempre foi tão curiosa como um gato.
-Certo. Fala.
E ele o fez. Era estranho. Não recordava ter precisado nunca de ajuda para tomar decisões. Contou-lhes tudo o ocorrido até que prenderam Mercer e Evie recusou sua proposta de casamento.
Quando terminou de falar, surpreendeu-o ver que Madelyn o olhava com fúria.
-É um idiota? -gritou; pôs-se em pé com tal violência que atirou a cadeira-. Não me espanta que não se case com você; eu também não o faria -saiu do refeitório com toda pressa.
Robert a olhou surpreso.
-Não sabia que podia ser tão veloz –murmurou.
Reese soltou uma gargalhada.
-Eu sei. A mim também me deixou surpreso a primeira vez que perdeu os estribos.
Robert olhou seu cunhado, um rancheiro grande e alto de cabelo moreno e olhos amendoados.
-Por que estourou?
-Seguramente pelo mesmo motivo que estourava quando eu era o idiota–explicou Reese, divertido.
-Quer alguém me explicar? -perguntou Robert.
Seu cunhado se recostou em sua cadeira, brincando com a asa da xícara.
-Eu por pouco perco Madelyn uma vez -disse com brusquidão-. Suponho que não contou, mas me deixou. Não chegou longe, só até o povoado, mas eu me sentia como se estivesse a um milhão de quilômetros.
-Quando foi isso? -perguntou Robert. Não lhe agradava saber que Madelyn tinha tido problemas e não o tinha dito.
-Quando estava grávida de Ty. Tentei de tudo para convencê-la de que voltasse, mas era demasiado estúpido para dar-lhe a única coisa que queria.
-E o que era isso?
Reese o olhou aos olhos.
-Não é fácil dar-lhe a alguém tanto poder sobre você -disse brusco-. Nem sequer era fácil confessar-me a mim mesmo, e você é pior do que eu. Está habituado a controlar tudo, mas não pode controlar isto, verdade? Seguramente nem sequer sabe o que é. Você a ama, não é?
Robert ficou imóvel. Amor? Nunca tinha pensado sobre isso. Desejava Evie, queria casar-se com ela, ter filhos com ela. Queria tudo isso com uma paixão feroz que ameaça destruí-lo se não o conseguisse. Mas se rebelava ante a idéia de estar apaixonado. Achava uma coisa terrível; comprometia sua invulnerabilidade. Conhecia bem sua natureza, o selvagem que levava dentro. Não queria desatar esse tipo de paixão, não queria que ninguém soubesse que existia.
Mas Evie o sabia de todos modos. Tinha-o visto desde o começo. Conhecia-o tal como era e o amava de todos modos.
Praguejou. Sem aquela intensidade selvagem, Evie não o teria amado. Tinha conhecido o verdadeiro amor e o tinha perdido. Só podia enchê-la de algo muito poderoso. Amar Evangeline não seria algo civilizado e controlado; quereria sua alma e seu coração, quereria tudo.
O problema não era a casa nem que tivesse suspeitado dela. Não. Ela queria a única coisa que não lhe tinha oferecido: seu amor.
- Foi muito simples – murmurou Reese-. Disse a Maddie que a amava. E o mais importante, o admiti pra mim.
Robert continuava atônito.
-Como sabe? -perguntou.
-Sente que nunca poderá se cansar dela? A deseja tanto que o desejo nunca o abandona? Quer protegê-la e dar-lhe tudo o que há no mundo? Sente a tanta falta dela que parece que rancaram suas entranhas? Eu não podia dormir nem comer. O que me ajudava era vê-la. Se sentes assim?
-Como se sangrasse por dentro -disse Robert.
-Sim, é amor – murmurou Reese, movendo a cabeça com comiseração.
Robert se pôs em pé.
-Despede-me de Madelyn. Diga que a chamarei depois.
-Não pode esperar até manhã?
-Não -Robert desceu os degraus de dois em dois. Não podia esperar nem um minuto mais. Iria para o Alabama.
A Evie não lhe agradava sua nova casa. Sentia-se encerrada, apesar de ter um apartamento de esquina e vizinhos só de um lado. Quando olhava pela janela, via outro bloco de apartamentos em lugar do rio. Ouvia os vizinhos através dos tabiques. Chegavam muito tarde, apesar de terem filhos, e sempre a acordavam, e depois passava horas olhando para o teto.
Sabia que podia procurar outro lugar, mas carecia de energia. Forçava-se a ir todos os dias para trabalhar, nada mais. E isso lhe custava cada dia mais esforço e sabia que logo ela cairia.
Sentia frio e não conseguia se aquecer. Era um frio interno, que se estendia em um amplo vazio interior e nada podia acalmar. Não sentia o calor do sol nem via sua luz brilhante. O mundo tinha se tornado cinza.
Becky ficou como louca quando descobriu que Robert tinha ido embora.
-Ele me disseque ia pedi-la me casamento –gritou raivosa os olhos quase flamejando.
-E o fez –repôs Evie. Disse-lhe que não.
Negou-se a responder mais perguntas; nem sequer lhe contou por que tinha vendido a casa.
O verão chegava ao seu fim; o calendário dizia que faltava um mês para o outono, mas seu aroma já se percebia no ar. Evie se deitava quando escurecia, com a esperança de dormir um pouco antes que voltassem os ruidosos vizinhos. Normalmente era um esforço inútil; não podia evitar as recordações, que a assaltavam de todas partes.
Aquela noite não era diferente. Dava voltadas na cama, tentando apaziguar o fogo de sua carne e a tristeza de seu coração.
Alguém chamou à porta. Sobressaltou-se de tal modo que se sentou na cama. Olhou o relógio. Eram mais de dez horas.
Levantou-se e se pôs uma camisola. Voltaram a chamar com força. Desceu acendeu o lustre da sala.
-Quem é?
-Robert. Abre a porta.
Empalideceu e achou que ia desmaiar.
-Que quer?
-Falar com você. Abre a porta.
Obedeceu. Robert entrou e fechou a porta. Tinha o cabelo revolto e um assomo de barba cobria sua face. Seus olhos emitiam um fogo verde. Não se incomodou em olhar o apartamento.
-Esta é a última vez que eu pergunto -disse brusco.- Quer casar comigo?
Evie estremeceu, mas negou lentamente com a cabeça. Podia ter-se casado antes, quando achava que a queria um pouco. Mas depois de compreender que só a tinha usado... Não, não podia.
-Por que? -perguntou ele com calma.
-Por que? -repetiu ela com incredulidade, com voz tremula-. Você vê? Tomaria o que pudesse e não daria nada, não entregaria seu coração. Escondeu-se trás de um muro e estou farta de me chocar contra ele.
-Me ama? -perguntou .
-Veio para isso? -os olhos dela se encheram de lágrimas-. Sim, amo. E agora pode ir.
Viu que seu corpo se punha rígido e algo selvagem brilhava em seus olhos. Voltou-se para fugir, mas ele a segurou pelo braço e a girou para si.
-Tem razão -disse com voz neutra-. Nunca quis admitir a ninguém em meu coração. Nunca quis que ninguém me importasse tanto, que ninguém tivesse este poder sobre mim -apertou os dentes-. Deixá-la fora da minha vida? Tentei-o, mas não posso. Quer tudo? Ok, sou teu. Amo-a tanto que me sinto destroçando. Mas há um problema -continuou com rapidez-. Lhe darei mais do que nunca lhe dei a outra pessoa, mas também exigirei mais. Não pode escolher que qualidades a agradam mais; vai o pacote inteiro. O bom com o mau. E te advirto que não sou um cavaleiro.
-Não -sussurrou ela-. Não é -olhou o ardor que cobria sua fronte e a ferocidade de sua expressão. O coração lhe batia com força. A amava? Quase não podia acreditar.
-Sou ciumento -murmurou ele-. Não quero que olhe nunca para outro homem e, se algum idiota tentar algo com você, terá sorte se só lhe quebrar o braço -a sacudiu com tal força, que a ela bateu os dentes-. Desejo-a o tempo todo e penso em faze-la minha. A penetrarei com tanta freqüência, quatro ou cinco vezes ao dia, que esquecerá o que é não me ter dentro de você. Acabou-se a historia de ser cavaleiro e reprimir-me a só duas vezes ao dia.
A jovem abriu muito os olhos.
-Não -disse debilmente-. Não quero que se reprimas -já não tinha controle nele. Sentia a paixão que o embargava, uma força selvagem, cuja maré a agarrava, arrastando-a com ele.
-Quero que esteja a minha disposição -disse-. Não posso deixar o trabalho, assim espero que adaptes seu horário ao meu e esteja disponível sempre que esteja em casa -enquanto falava, empurrava-a contra a parede. Puxou a calcinha dela para baixo. Ela agradeceu em pensamento que os vizinhos estivessem fora e se agarrou a seus ombros quando ele a levantou com as mãos sob as nádegas. O coração batia com força, o sangue corria por suas veias numa torrente de alegria. Separou as coxas e ele a penetrou com rapidez e brusquidão. Evie abafou um grito e afundou o rosto no pescoço dele.
Os dois estavam imóveis, abrumados pelo alívio e o prazer pelo fato de seus corpos voltassem a estar unidos. De repente, ele começou a mover-se sem misericórdia.
-Não quero me proteger -disse com firmeza-. Não quero que tome pílulas. Não quero que atue como se meu sêmen fosse um invasor hostil o qual deva se proteger. Quero dá-lo. Quero que o deseje. Quero que tenha filhos meus. Quero uma casa cheia de meninos -com cada palavra entrava mais e mais fundo nela.
Evie gemia, estremecendo-se em torno dele com a força do prazer.
-Sim -tinha desencadeado um monstro de paixão, um ditador completo, mas podia enfrentá-lo. Esse era o homem real, o que a fazia sentir-se viva de novo, o que enviava calor a todas as células de seu corpo. Já não tinha frio, e sim irradiava vida.
-Quero um casal -Robert contraiu a mandíbula uma gota de suor caiu por sua têmpora-. Quero-a atada a mim legalmente, economicamente e de todas as maneiras. Quero lhe dar meu nome, Evangeline. Compreendes?
-Sim -disse ela-. Robert, sim.
Estremeceu com violência ao atingir o orgasmo, inundando-a de calor e umidade. Evie o abraçou com as pernas e o recebeu profundamente, esquecendo tudo o que não fosse a sensação deles dois juntos.
Algum tempo depois, deu-se conta de que estavam tombados na cama.
-Pode ser que comece a encher a casa de meninos antes do que espera -murmurou-. Deixei de tomar a pílula no dia em que partiu.
-Fico feliz -lhe acariciou as nádegas e a aproximou-a mais -. Não quero lhe fazer mal -disse, ao mesmo tempo em que voltava a penetrá-la.
Evie ouviu a preocupação de sua voz e adivinhou que o deixava nervoso liberar toda a força que estava há tanto tempo contendo. Beijou-o nos lábios.
-Não poderá me fazer mal amando-me -disse.
Os olhos dele brilharam.
- Bom -murmurou-. Porque Deus sabe que te amo.
Evie ouviu o elevador e se agachou ao lado da criatura adorável que se agarrava à cadeira no vestíbulo.
-Aí está papai -sussurrou. E observou como se enchiam de alegria os olhos de sua filha
O elevador se abriu e Robert saiu; seus olhos verdes brilharam ao vê-las esperando-o. A menina soltou da cadeira com um gritinho e se lançou para ele cambaleante. Robert empalideceu, deixou cair à valise e se ajoelhou para tomá-la em seus braços.
-Deus meu! -exclamou-. Está andando!
-Há duas horas –sorriu Evie- Meu coração quase para cada vez que a vejo.
-Mas é muito pequena. Só tem sete meses -olhou admirado a cabecinha da menina coberta de cabelo castanho. Quando começou a gatinhar aos cinco meses, mostrou a mesma admiração. Se dependesse dele, Robert teria levado sua querida filhinha nos braços até que completasse cinco anos. Por sorte, a menina desconhecia o pânico de seu pai ante seu atrevimento.
Robert, sem soltar à menina, beijou Evie na boca por um longo momento, apesar da pequena tentava meter os dedos entre os lábios de ambos.
Batizaran-na como Jennifer Angelina e a chamavam Jenny.
Evie se agarrou a seu beijo tanto quanto pôde. Esperava-o chegar em casa durante o dia todo.
-Tinha razão -murmurou.
O homem levantou a cabeça e seus olhos brilharam.
-Sim, eh?
A mulher começou a rir.
- Você sabia que sim.
Tinham decidido ter outro bebê o quanto antes possível. Tanto a gravidez como o parto foram fáceis para Evie, e não queriam esperar mais.
Três semanas atrás tinham passado a noite abraçados, perdidos numa paixão que não tinha decaído nada em seus dezesseis meses de casados. Quando acordaram ao amanhecer, para o ritual de fazer amor de novo, Robert a olhou aos olhos.
-Ontem à noite fizemos um menino -disse.
Evie apoiou a cabeça em seu ombro, recordando o terror que sentiu quando se inteirou de sua primeira gravidez. Correr o risco de amar Robert não tinha sido fácil, mas agora teria alguém mais a quem amar. Não teria nenhuma defesa contra aquela pessoinha e parecia que morreria de medo. Mas Robert intuiu o que lhe ocorria e não a deixou aquele dia. Não foi trabalhar e passou o dia fazendo-lhe amor. E curiosamente, conseguiu acalmá-la.
Jenny tentava descer ao chão. Robert se agachou com um suspiro e a deixou sobre seus pés. Quanto a soltou, a menina se afastou como um foguete.
Evie voltou a abraçá-lo, mas nenhum dos dois perdia de vista a sua filhinha precoce, que pesquisava uma greta no piso de madeira.
Em lugar de trabalhar muito e exigir que ela acomodasse sua agenda a dele, como tinha prometido, Robert tinha reorganizado seu horário para poder passar muitas horas com elas. Evie sabia que era um homem muito passional, mas em lugar de assustar-se, florescia com isso. Robert não era um homem que amasse superficialmente. Quando amava, era com todo seu ser.
Tocou o ventre de sua esposa.
-Está bem? -perguntou com ternura. Evie sorriu.
-Nunca estive melhor.
O homem a beijou.
-Eu te amo, Evangeline -disse, estreitando-a contra si. Amá-la era o que de mais maravilhoso tinha feito. Ela lhe exigia tudo e lhe dava tudo, e a riqueza do vínculo que os unia o deixava às vezes atônito. Tinha acertado; amar Evangeline exigia dar-lhe tudo o que tinha: sua alma e seu coração.
Linda Howard
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