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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AMANTE LIBERADO - P.2 / J. R. Ward
AMANTE LIBERADO - P.2 / J. R. Ward

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Irmandade da Adaga Negra

AMANTE LIBERADO

Segunda Parte

 

John correu de volta ao lugar, esquivando-se dos carros estacionados em paralelo, respirando com força, as pernas voando o mais rápido que podiam. A cabeça martelando, e o esforço fazia que a dor fosse tão forte que sentiu náuseas. Dobrou a esquina, patinando no cascalho solto.

Merda! Blay estava no chão com um lesser sentado sobre seu peito, e os dois estavam lutando pelo controle do que parecia ser uma navalha automática. Qhuinn estava defendendo-se bem contra o outro assassino, mas o casal estava muito empatado para o gosto de John, cedo ou tarde um deles ia…

   Qhuinn recebeu um murro direto no rosto e se dobrou, sua cabeça girando sobre sua coluna como uma peão levando seu corpo a fazer uma pirueta.

Nesse momento algo chegou em John, pela porta traseira, entrando tão seguro como se um fantasma se colocasse em sua pele. Um antigo conhecimento, do tipo que vinha com a experiência ganha com anos que ainda não tinha, fez que levasse a mão e a afundasse profundamente no bolso traseiro. Tocou a Glock, tirou-a e a segurou com ambas as mãos.

Em uma piscada teve a arma pronta. Em um segundo a boca apontou para o lesser que lutava com Blay pela posse da lâmina. No terceiro John apertou o gatilho… e abriu uma porta de estábulo na cabeça desse lesser. No quarto se virou sobre sua posição para o assassino situado sobre o Qhuinn, que estava recolocando o punho americano na mão.

Pop!

John derrubou o lesser com um tiro na têmpora, e uma poça de sangue negro formou uma fina nuvem. A coisa se derrubou de joelhos e caiu de cabeça sobre Qhuinn… que estava tão aturdido que só pôde empurrar o corpo para um lado.

John olhou para Blay. O cara o estava observando assombrado.

—Jesus Cristo… John.

O lesser ao lado do Qhuinn soltou um gorgoteante fôlego, como uma cafeteira que acabasse de filtrar café.

Metal, pensou John. Precisava de um pouco de metal. A faca pelo que Blay tinha estado brigando não se via por nenhuma parte. Onde podia encontrar…?

Havia uma caixa aberta de pregos para tetos junto a uma pá escavadora.

John se inclinou, pegou um do monte e se aproximou do lesser que estava ao lado do Qhuinn. Levantando muito as mãos, John lançou todo seu peso e sua ira no golpe descendente, e em um instante, a realidade mudou como a areia. Estava segurando uma adaga, não uma parte de aço… e era grande, maior que Blay e Qhuinn… e tinha feito isto muitas, muitas vezes.

O prego atravessou o peito do lesser, e o brilho de luz foi mais brilhante do que John tinha esperado, lhe golpeando os olhos e percorrendo seu corpo como uma onda ardente. Mas seu trabalho não tinha terminado. Passou por cima do Qhuinn, movendo-se pelo asfalto sem sentir o chão sob os pés.

Blay olhou, boquiaberto e sem mover-se, John levantar de novo o prego. Desta vez, quando o baixou, John abriu a boca e gritou sem fazer nem um som, um grito de guerra não menos assustador pelo fato de não ser escutado.

Depois do estalo de luz, foi vagamente consciente das sireness. Sem dúvida algum humano tinha chamado à polícia ao escutar os tiros.

John deixou que seu braço caísse ao seu lado, e o prego deslizou de sua mão e bateu no chão com um estrépito.

Não sou um covarde. Sou um guerreiro.

O ataque lhe sobreveio rápido e com dureza, atirando-o ao chão, sujeitando-o com mãos invisíveis, fazendo que ricocheteasse dentro de sua própria pele até que desmaiou, o rugido do esquecimento apoderando-se dele.

Quando Jane e V retornaram ao quarto, tomou assento no que começava a considerar como sua cadeira, e V se estirou na cama. Amigo, esta ia ser uma longo noite... isto é, dia. Estava cansada e nervosa e não era uma boa combinação.

—Precisa de comida? —perguntou.

—Sabe o que eu gostaria de ter? —bocejou— Chocolate quente.

V pegou o telefone, apertou três botões e esperou.

—Está me pedindo um pouco? —disse.

—Sim. E também... ouça, Fritz. Isto é o que preciso...

Depois que V desligasse, teve que sorrir.

—Isso é quase um banquete.

—Não comeu desde... —deteve-se, como se não quisesse trazer para a conversa a parte do seqüestro.

—Está bem —murmurou, sentindo-se triste sem causa alguma.

Não, havia uma boa causa. Partiria logo.

—Não se preocupe, não se lembrará —lhe disse—Não sentirá nada depois que parta.

Ruborizou-se.

—Ah... Exatamente, como as mentes?

—É como perceber uma freqüência de rádio. Costumava acontecer todo o tempo, eu quisesse ou não.

—Costumava?

—Suponho que a antena quebrou. —Uma expressão amarga aflorou em seu rosto, nos olhos—Entretanto, ouvi de boa fonte que se resolverá sozinho.

—Por que parou?

—Por que é sua pergunta favorita, não?

—Sou cientista.

—Sei. —As palavras foram como um ronrono, como se lhe estivesse dizendo que usava lingerie sexy— Eu gosto de sua mente.

Jane sentiu uma quebra de onda de prazer, logo tudo se emaranhou em seu interior.

Como intuira seu conflito, deu fim ao assunto com…

   —Também estava acostumado a ver o futuro.

Esclareceu a garganta.

—Fazia-o? Como?

—A maior parte com sonhos fugazes. Sem seguir uma seqüência, só acontecimentos sem nenhuma ordem. Especializei-me em mortes.

Mortes?

—Mortes?

—Sim, sei exatamente como morrerão meus irmãos. Mas não quando.

—Jesus... Cristo. Isso deve ser...

—Também tenho outras habilidades. —V levantou a mão enluvada— Esta coisa.

—Queria perguntar a você sobre isso. Deixou fora de combate a uma de minhas enfermeiras quando esteve na sala de emergências. Tirou a luva, e foi como se a tivesse golpeado um raio.

—Estava inconsciente quando aconteceu, não?

—Estava completamente inconsciente.

—Então essa é provavelmente a razão pela qual sobreviveu. Este pequeno legado de minha mãe é malditamente mortal. —Enquanto usava um punho fechado, a voz endureceu, as palavras cortaram seu lugar— E também reclamou meu futuro.

—Como pode ser isso? —quando não respondeu, algum instintivo a fez dizer—Me deixe adivinhar, um casamento arranjado?

—Casamentos. Por assim dizê-lo.

Jane estremeceu. Embora seu futuro não significasse nada no grande esquema de sua vida, por alguma razão a idéia dele sendo o marido de alguém, o marido de muitas, revolveu-lhe o estômago.

—Isto é… como quantas esposas?

—Não quero falar disso, OK?

—OK.

Uns dez minutos mais tarde um homem mais velho com uniforme de mordomo inglês chegou com uma bandeja cheia de comida. O banquete foi como o menu do serviço de quarto do Four Seasons. Havia gofres belgas com morangos, croissants, ovos mexidos, chocolate quente, fruta fresca.

Sua chegada foi verdadeiramente maravilhosa.

O estômago da Jane deixou escapar um rugido, e antes de saber o que estava fazendo, comia com apetite de um loja de comestíveis cujo prato se não houvesse visto comida em uma semana. A metade da segunda porção e o terceiro chocolate, ficou gelada com o garfo na boca. Deus, o que pensaria V dela. Estava se comportando como uma porca...

—Eu adoro —disse.

—Sim? Realmente parece ótimo que engula a comida como um universitário?

Assentiu, com os olhos brilhantes.

—Eu gosto de ver você comer. Fascina-me. Quero que continue até que esteja tão cheia que caia adormecida na cadeira.

Cativada por seus olhos diamantinos, disse:

   —E... então o que aconteceria?

—Levaria você até a cama sem despertar e a velaria com uma adaga na mão.

Certo, essas coisas de cavernícola não deveriam ser tão atraentes, depois de tudo, podia cuidar de si mesma. Mas homem, a idéia de que alguém cuidasse dela era... muito bonita.

—Acabe de comer —disse assinalando o prato— E há mais chocolate no recipiente térmico.

Maldita seja, mas fez o que lhe disse. Incluindo tomar a quarta taça de chocolate quente.

Enquanto se recostava na cadeira com a tigela na mão, estava felizmente repleta.

Sem nenhuma razão em particular, disse:

—Sei algo sobre legados. Meu pai era cirurgião.

—Ah. Então deve estar muito contente com você. É esplêndida.

Jane baixou o queixo.

—Acredito que teria achado minha carreira satisfatória. Especialmente se terminar ensinando em Columbia.

—Haveria?

—Ele e minha mãe estão mortos —e acrescentou, porque sentia que tinha que fazê-lo— Foi em um acidente de avião faz uns dez anos. Foram para uma convenção médica.

—Merda... realmente sinto muito. Sente falta deles?

—Isto vai soar horrível... mas o certo é que não. Eram estranhos com os quais tinha que viver quando não estava na escola. Mas sempre senti falta da minha irmã.

—Deus, também morreu?

—Um defeito congênito no coração que não foi diagnosticado. Foi rapidamente em uma noite. Meu pai sempre pensou que entrei na faculdade de medicina porque ele me inspirou, mas o fiz porque estava irritada com o que havia acontecido a Hannah. Ainda estou. —Tomou um gole da xícara— De toda forma, meu pai sempre pensou que a medicina era a maior e a melhor maneira de utilizar minha vida. Posso me lembrar dele me olhando quando tinha quinze anos e me disse que tinha sorte de ser tão inteligente.

—Então, sabia que podia fazer a diferença.

—Não por causa disso. Disse que dado meu aspecto, não seria como se pudesse me casar particularmente bem. —Com a súbita inalação de V, sorriu— Meu pai era um victoriano (conservador) vivendo nos anos setenta e oitenta. Possivelmente era por sua origem inglesa, quem sabe. Mas pensava que as mulheres deviam casar-se e ocupar-se de uma grande casa.

—Isso é uma coisa de merda para dizer a uma jovenzinha.

—Ele o teria chamado sinceridade. Acreditava na sinceridade. Sempre dizia que Hannah era a bonita. É obvio, pensava que fosse frívola. —Deus, por que demônios estava falando assim?— De toda forma, os pais podem ser um problema.

—Sim. Entendo-o. Não sabe quão fodidamente bem o entendo.

Quando ficaram em silêncio, teve o pressentimento que também estava folheando mentalmente o álbum familiar.

Depois de um momento, indicou com a cabeça a tela de plasma que havia na parede.

—Quer ver um filme?

Voltou-se na cadeira e começou a sorrir.

—Deus, sim. Não posso lembrar a última vez que vi um. O que tem?

—Conectei o cabo assim temos de tudo. —Sem demonstrar interesse, inclinou a cabeça para os travesseiros a seu lado—Por que não se senta aqui? Não poderá ver bem de onde está sentada.

Merda. Desejava estar a seu lado. Desejava estar… perto.

Mesmo enquanto o cérebro entorpecia a situação, foi para a cama e se acomodou a seu lado, cruzando os braços sobre o peito e as pernas pelos tornozelos. Deus, estava nervosa da mesma forma que estaría se es tivesse em uma entrevista. Mariposas no estômago. Palmas suarentas.

Olá, glândulas suprarrenais.

—De que tipo prefere ver? —perguntou enquanto sustentava na mão um controle remoto com suficientes botões para lançar um onibus espacial.

—Hoje estou interessado em algo um pouco aborrecido.

—De verdade? Por que?

Seus olhos diamantinos pousaram nela, as pálpebras tão fechadas que era difícil ler seu olhar.

—OH, por nenhuma razão. Parece cansada, isso é tudo.

No Outro Lado, Cormia estava sentada no cama de armar. Esperando. Outra vez.

Estendeu as mãos no colo, as cruzando de novo. Desejava ter um livro no colo para distrair-se. Enquanto estava sentada em silêncio, considerou brevemente como seria ter um livro dele. Possivelmente poderia pôr seu nome na capa assim os outros saberiam que era dele. Sim, gostaria disso. Cormia. Ou mesmo melhor, o livro de Cormia.

É obvio, emprestaria-o se suas irmãs pedissem emprestado. Mas saberia, enquanto se encontrava sustenido em outras mãos e lida sua impressão por outros olhos, que a encadernação, as páginas e as histórias nele eram delas. E o livro também saberia.

Pensou na biblioteca das Escolhidas, com o bosque de pilhas de livros e o delicioso e doce aroma de couro e o luxo entristecedor de palavras. O tempo ali era realmente seu refúgio e sua feliz reclusão. Havia muitas histórias para aprender, muitos lugares que seus olhos nunca esperariam contemplar, e amava aprender. Esperando com anseio por isso. Faminta por isso.

Geralmente.

Neste momento era diferente. Enquanto estava sentada no cama de armar e esperava, não queria a lição por vir: As coisas que estava a ponto de saber não eram o que queria aprender.

—Saudações, irmã.

Cormia elevou o olhar. A escolhida retirou o véu branco da porta era um modelo de desinteresse e serviço, uma fêmea honrada de verdade. E a expressão de satisfação acalmada de Layla e sua paz interior era algo que Cormia invejava.

O que não era permitido. A inveja significava que estava separada de tudo, que foi errada e mesquinha.

—Saudações. —Cormia se levantou, os joelhos frouxos pelo temor por não saber aonde iriam. Entretanto freqüentemente tinha querido ver o que havia dentro do Templo do Primale, agora desejava não pôr nunca seus pés dentro dos marmóres limites.

Ambas se reverenciaram mutuamente e mantiveram a pose.

—É uma honra ser de ajuda.

Em voz baixa, Cormia respondeu:

—Estou… estou agradecida pela instrução. Vai diante, se o desejar.

Quando a cabeça da Layla se elevou, seus pálidos olhos verdes sabiam.

—Pensei que possivelmente poderíamos falar um poquinho em vez de ir diretamente ao Templo.

Cormia engoliu saliva.

—Estaria a favor disso.

—Posso me pôr a vontade, irmã? —quando Cormia assentiu, Layla foi para o cama de armar e se sentou, a branca túnica deslizou abrindo-se no meio das coxas— Se reúna comigo.

Cormia se sentou, o colchão baixo dela parecia mais duro que uma pedra. Não podia respirar, não podia mover-se, logo que podia piscar.

—Irmã minha, tratarei de acalmar seus medos —disse Layla— Verdadeiramente, gozará de seu tempo com o Primale.

—Claro. — Cormia fechou as lapelas da túnica— Mas visitará outras, não?

—Você será sua prioridade. Como sua primeira companheira, será uma figura especial para ele. Para o Primale existe uma estranha hierarquia dentro de tudo, e será a primeira entre todas.

—Mas quanto tempo passará antes que vá até as demais?

Layla franziu o cenho.

—Depende dele, entretanto pode opinar. Se o agradar, estará só com você durante um tempo. É sabido que aconteceu com antecedência.

—Entretanto, posso lhe dizer que procure a outras?

A perfeita cabeça da Layla se inclinou.

—Na verdade, irmã, você vai gostar do que acontecer.

—Sabe quem é? Sabe a identidade do Primale?

—De fato, vi-o.

—Sério?

—Claro. —Enquanto a mão da Layla ia fazendo um coque no cabelo loiro, gesto que Cormia tomou como um sinal de que a fêmea estava escolhendo as palavras com cuidado—. Ele é... como um guerreiro tem que ser. Forte. Inteligente.

Cormia entrecerrou os olhos.

— Posterga a resposta para apaziguar meus medos, não?

Antes que Layla pudesse responder, a Directrix afastou a cortina para um lado. Sem mediar palavra com a Cormia, foi para a Layla e lhe sussurrou algo.

Layla se levantou, com um rubor florescendo nas bochechas.

—Irei em seguida. —virou-se para a Cormia, com uma estranha excitação iluminado seus olhos— Irmã, deixo você em agradável companhia até minha volta.

Como era costume, Cormia se levantou e se inclinou, aliviada de ter um adiamento para a lição fosse qual fosse a razão.

—Que esteja bem.

A Directrix, entretanto, não partiu com a Layla.

—Levarei você ao Templo e procederemos com sua instrução.

Cormia se rodeou com os braços.

—Não deveria esperar Layla…

—Está me questionando? —disse a Directrix— Claro que o faz. Possivelmente logo deseje confeccionar também a agenda para as lições, sabendo tanto sobre a história e o significado do posto para o qual foi escolhida. Para falar a verdade, estarei encantada de aprender com você.

—Desculpe-me, Directrix —respondeu Cormia completamente envergonhada.

—O que terá que perdoar? Como primeira companheira do Primale, será livre para me dar ordens, assim possivelmente deveria me familiarizar com sua liderança agora. Me diga, prefere que caminhe uns passos atrás de você enquanto vamos para o Templo?

Brotaram as lágrimas.

—Por favor, não, Directrix.

—Por favor não, o que?

—Quero segui-la —sussurrou Cormia com a cabeça inclinada— Não guiá-la.

Ishtar foi a escolha perfeita, pensou V. Aborrecida a morrer. Larguísima. Tão visualmente chamativa como um saleiro.

—É o pior monte de merda que vi alguma vez —disse Jane enquanto bocejava de novo.

Deus, tinha uma bonita garganta.

Enquanto V despia as presas e se imaginava praticando uma dentada clássica da Drácula, elevando-se sobre o corpo prostrado, obrigou-se a voltar o olhar para o Dustin Hoffman e Warren Beatty que caminhavam penosamente pela areia. Tinha escolhido essa gororoba esperando deixá-la fora de combate… assim poderia fazer um túnel em sua mente e saber o tudo sobre ela.

Tinha uma forte necessidade de tê-la contra sua boca, embora fosse penas no éter de um sonho.

Enquanto esperava que caísse dentro do sonho REM, encontrou-se com o olhar cravado na fuga e perversamente pensando no inverno… o inverno e sua transição.

Foi algumas semanas depois de que o pretrans caíu e morreu no rio que V passou pela mudança. Tinha sido consciente das diferenças em seu corpo um pouco antes de que o golpeasse. Atormentado por dores de cabeça. Constantemente faminto embora sentindo náuseas se comesse. Incapaz de dormir, entretanto exausto. A única coisa permanecia a mesma era sua agressividade. As exigências do acampamento significavam que sempre tinha que estar preparado para a batalha, assim seu temperamento arisco não caracterizava qualquer mudança manifesta em seu comportamento.

Foi na metade de uma cruel e temprana tormenta de neve que nasceu a sua vida de macho adulto.

Como resultado do descida das temperaturas, as paredes de pedra da cova estavam geladas, estava acostumado a temperaturas baixas para congelar os pés ainda usando botas forradas de pele, o ar era tão frio que o fôlego da boca era uma nuvem sem céu. Enquanto o arremesso prevalecia, os soldados e as fêmeas da cozinha dormiam com os corpos amontoados, não para o sexo, se não para compartilhar o calor.

V sabia que a mudança se abatia sobre ele, pois despertou ardendo. No início a comodidade do calor foi de grande ajuda, mas logo a febre se propagou por seu corpo como uma fome atroz estendendo-se através dele. Retorceu-se no chão, esperando alívio, sem encontrar nenhum.

Depois de um tempo que pareceu eterno, a voz do Bloodletter penetrou através da dor.

—As fêmeas não o alimentarão.

Em meio a seu estupor, V abriu os olhos.

O Bloodletter se ajoelhou.

—Certamente sabe por que.

V bebeu saliva através do punho que era sua garganta.

—Não sei.

—Dizem que as pinturas da cova o possuirão. Que sua mão foi possuída pelos espíritos presos nas paredes. Que seu olho já não é seu.

Quando V não respondeu, o Bloodletter disse:

—Não o nega?

Através do labirinto em sua cabeça, Vishous tratou de calcular o efeito de suas duas respostas imagináveis. Decantou-se pela verdade, não por fazer honra à verdade em si, se não pelo instinto de auto conservação.

   —Eu... nego-o.

—Nega o que descuidadamente comentam os outros?

—O que… dizem…?

—Que matou seu companheiro no rio com a palma da mão.

Era mentira, e os outros meninos que estavam ali sabiam, assim como viram o pretrans cair por si mesmo. As fêmeas deviam ter assumido isso pelo fato de que a morte tinha ocorrido e V tinha estado nos arredores. Já que porquê os outros varões estariam desejosos de difundir evidências da força de V?

Ou possivelmente era para seu benefício? Se V não tinha fêmea para se alimentar, morreria. O que não era uma coisa ruim para os outros pretrans.

—O que diz? —exigiu seu pai.

Como V precisava aparentar fortaleza, falou entre dentes.

   —Matei-o.

O Bloodletter sorriu de orelha a orelha através da barba.

—Suspeitava-o. E por seu esforço trarei para você uma fêmea.

De fato, trouxeram-lhe uma e se alimentou. A transição foi brutal, longa e exaustiva, e quando acabou, seu corpo se transbordava fora da palha, os braços e pernas gelando-se no frio chão da caverna como a carne fresca da matança.

Embora seu sexo despertasse como conseqüência, a fêmea a que tinham forçado a alimentá-lo não quis saber nada com ele. Deu-lhe o sangue apenas para a mudança; logo o deixou com o ossos rangendo e os músculos alongondo-se até que se rasgaram. Ninguém o atendeu, e enquanto sofria chamava a sua mãe mentalmente a que lhe tinha dado a luz. imaginava sua chegada até ele radiante e com amor, acariciando seu cabelo e lhe dizendo que tudo estava bem. Em sua patética visão, chamou-lhe seu amado lewlhen.

Presente.

Teria gostado de ter sido o presente de alguém. Os presentes eram apreciados, cuidados e protegidos. O diario do guerreiro Darius tinha sido um presente para V, ainda assim, o doador possivelmente não sabia que ao esquecê-lo tinha feito um favor.

Presente.

Quando o corpo de V acabou com a mudança, ficou dormindo, logo despertou faminto. Suas roupas se rasgaram durante a transição, assim se envolveu em uma pele de animal e caminhou com os pés descalços para a cozinha. Havia pouco para comer: Roeu uma coxa, encontrou alguns mendrugos, comeu um punhado de farinha.

Lambia o resíduo branco da palma da mão quando seu pai lhe disse detrás dele:

—Tempo de brigar.

—O que está pensando? —perguntou Jane—. Está completamente tenso.

V retornou ao presente. E por alguma razão não mentiu.

—Estou pensando a respeito das tatuagens.

—Quando você fez isso?

—Faz quase três séculos.

Assobiou.

—Deus, quanto tempo vive?

—Muito. Caso não seja derrotado em uma briga e vocês tolos humanos não façam explodir o planeta, respirarei durante outros setecentos anos.

—Uau. Dá um conceito completamente novo a expressão terceira idade. —sentou-se inclinando-se para frente— Volte a cabeça. Quero ver a tinta de seu rosto.

Aturdido pelas lembranças, fez o que lhe pediu porque não tinha a coerência suficiente para pensar por que não deveria. Ainda assim, quando elevou sua mão, estremeceu.

Deixou cair o braço sem tocá-lo.

—Eles o fizeram isso, não? Provavelmente ao mesmo tempo que a castração, não?

V retrocedeu interiormente, mas não se moveu. Sentia-se completamente incômodado com a rotineira compaixão feminina, mas o assunto era, que a voz da Jane era objetiva. Direta. Assim podia responder objetiva e diretamente.

—Sim. Ao mesmo tempo.

—Vou supor que são advertências, como as que tem na mão, na têmpora, nas coxas e na virilha. Vou supor que se trata da energia na palma de sua mão, a clarividência, e o assunto da procriação.

Como se devesse sentir-se surpreso por seu super poder de dedução?

—Certo.

Sua voz se agravou.

—Por isso o aterrorizou quando disse que o reteria. Lá no hospital na UTIC. Ataram-no, não?

Esclareceu a garganta.

—Fizeram-no, V?

Recolheu o controle da televisão.

   —Quer ver algo mais?

Quando começou a fazer zapping pelos canais de filmes, fez-se um completo silêncio.

—Vomitei no funeral de minha irmã.

O polegar de V ficou quieto sobre o controle, detendo-se no silêncio dos inocentes. Olhou-a.

—Fez-o?

—O momento mais abafadiço e vergonhoso de minha vida. E não só por quando aconteceu. Fiz isso sobre meu pai.

Enquanto Clarice Starling se sentava em uma dura cadeira frente à cela do Lecter, V desejou ardentemente informação a respeito de Jane. Quis saber o curso inteiro de sua vida do nascimento até o presente, e queria sabê-lo tudo agora.

—Me conte o que aconteceu.

Jane esclareceu a voz como dando-se ânimos, e não pôde ignorar o paralelismo com o filme, com ele mesmo como o monstro enjaulado e Jane como a fonte do bem, dando de presente pedacinhos de si mesma para o consumo da besta.

Mas precisava saber, tanto quanto precisava de sangue para sobreviver.

—O que ocorreu, Jane?

—Bom, vejamos… meu pai era um grande partidário de aveia.

—Aveia? —como não prosseguiu, disse-lhe—Conte-me.

Jane cruzou os braços sobre o peito e olhou o chão. Logo seus olhos se encontraram.

—Para que fique claro, a razão pela qual falo disto é para que me fale do que ocorreu a você. Olho por olho. É como compartilhar cicatrizes. Sabe, como a vez em que caiu do beliche no acampamento de verão. Ou, como quando se cortou com o bordo metálico de uma caixa do Reynolds Wrap ou quando bateu a cabeça com um… —franziu o cenho—. Certo… possivelmente nada disto seja um bom exemplo, considerando a maneira como cicatriza, mas funciona comigo.

V teve que sorrir.

—O safado.

—Suponho que agora me entenda . Ou seja que se eu me abrir, você também. Está de acordo?

Merda… Salvo que tinha que saber sobre ela.

—Suponho que sim.

—Certo, assim meu pai e a aveia. Ele...

—Jane?

—O que?

—Eu gosto. Muito. Tinha que dizê-lo.

Piscou um par de vezes. Logo esclareceu a garganta outra vez. Amigo, esse rubor lhe senta bem.

—Estava falando da aveia.

—Bem... sim... como ia dizendo, meu pai era um grande partidário da aveia. Nos fazia todos comê-la pela manhã, mesmo no verão. Minha mãe, minha irmã e eu tínhamos que engolir essa asquerosidade por ele, e esperava que você acabasse tudo o que havia na tigela. Estava acostumado a nos observar comer, como se estivéssemos jogando golfe e corrêssemos perigo de fazer mal o balanço. Juro-o, media o ângulo entre a coluna vertebral e o aperto pela colher. No jantar estava acostumado a... —deteve-se— Estou me desviando.

—Eu poderia ouvir você falar durante horas, assim por mim não se centre em nada.

—Sim, certo… centrar-se é importante.

—Só se for um microscópio.

Sorriu um pouco.

—Retornando à aveia. Minha irmã morreu no dia de meu aniversário, uma sexta-feira a noite. O funeral foi preparado rapidamente, porque meu pai partiría para apresentar um artigo no Canadá na quarta-feira seguinte. Inteirei-me depois que tinha programado essa apresentação no dia em que Hannah foi encontrada morta em sua cama, sem dúvida porque queria que as coisas seguissem adiante. De toda forma… o dia do funeral, levantei-me e me senti terrivelmente mal. Simplesmente miserável. Nada menos que enjoada. Hannah… Hannah era a única coisa real em uma casa cheia de coisas bonitas e agradáveis. Era desordenada, escandalosa, feliz e… a amava muito, e não pude suportar que a enterrássemos. Teria odiado ser enjaulada assim. Sim… de todas formas, para o enterro, minha mãe saiu e me comprou um desses vestidos de casaco negros. O problema foi, a manhã do funeral, quando fui colocá-lo não estava bem. Era muito pequeno, e me sentia como se não pudesse respirar.

—Naturalmente piorou o estômago.

—Sim, mas desci à mesa do café da manhã somente com arcadas secas. Jesus, ainda posso lembrar o que pareciam sentados um de cada lado da mesa, um frente ao outro sem fazer contato visual. Minha mãe era como uma boneca de porcelana que tinha passado por um mau controle de qualidade… estava maquiada, tinha o cabelo em seu lugar, mas tudo um pouco desarrumado. O batom era da cor equivocada, não usava ruge, viam-se as forquilhas do coque. Meu pai estava lendo o periódico, e o som dessas páginas agitando-se era tão alto como o disparo de uma escopeta. Nenhum deles me disse uma palavra.

—Assim, me sentei na cadeira e não podia afastar a vista da cadeira vazia ao outro lado da mesa. A tigela de aveia aterrissou na mesa. Enjoe, nossa faxineira, pôs a mão sobre meu ombro enquanto o punha frente a mim, e por um momento quase sofri um colapso. Mas logo meu pai estalou esse periódico como se eu fosse um cachorrinho mijando no tapete, e agarrei a colher e comecei a comer. Obriguei descer a aveia até ter arcadas. E logo fomos ao funeral.

V quis tocá-la, e quase a alcançou com a mão. Em lugar disso perguntou:

   —Quantos anos tinha?

—Treze. De toda forma, chegamos à igreja e estava abarrotada, porque todo mundo em Greenwich conhecia meus pais. Minha mãe era desesperadamente cortês, e meu pai estava estoicamente frio, isso era uma situação mais ou menos normal. Lembrança… sim, pensei que os dois estavam como sempre a não ser pelo mau trabalho de maquiagem e o fato que meu pai estivesse a todo o momento mudando a mão de seu bolso. O que não era normal. Odiava o ruído ambiental de qualquer tipo, e estava surpresa que o inquieto tinido das moedas não o incomodasse. Suponho que estava bem porque tinha o controle do som. Quero dizer, que podia detê-lo sempre que quisesse.

Quando fez uma pausa e olhou através do quarto, V quis tratar de penetrar em sua mente e ver exatamente o que estava revivendo. Não pôde... e não porque não estivesse seguro que podia fazê-lo. As revelações que livremente escolhia compartilhar com ele eram mais preciosas que algo que ele pudesse tirar dela.

—Primeira fila —murmurou—. Na igreja, estávamos sentados na primeira fila, à direita na frente do altar. O ataúde fechado, graças a Deus, embora suponha que Hannah estivesse perfeitamente formosa. Tinha o cabelo de uma cor loira avermelhada, minha irmã. Tinha-o luxuoso e ondulado do tipo que se via nas Barbies. O meu era murcho como um pau. De toda forma...

V teve o fugaz pensamento de que usava as palavras de toda forma como um rascunho sobre uma piçarra lotada. Dizia-o cada vez que precisava limpar as coisas que acabava de compartilhar e fazer um lugar para mais.

—Sim, primeira fila. O serviço começou. Quantidade de música de órgão... e o assunto era, que esses tubos vibravam para cima através do chão. Esteve alguma vez em uma igreja? Provavelmente não... De toda forma, pode sentir os baixos quando na verdade começa a soar. Naturalmente, o serviço foi em um lugar cerimonioso com um órgão que tinha mais tubos que o sistema de rede de esgoto da cidade de Caldwell. Deus, quando isso começou a soar, foi como se estivesse em um avião que estivesse decolando.

Quando se deteve tomar fôlego, V soube que a história a estava curvando, levando-a a um lugar ao qual não ia de boa vontade ou freqüentemente.

Sua voz era rouca quando continuou.

—Assim é que... estamos na metade da missa, o vestido é muito apertado, o estômago está me matando e essa fodida aveia de meu pai deu vis raízes e estão se inserindo no interior do intestino. E o sacerdote sobe ao suporte de livro para fazer o discurso mortuário. Havia saído diretamente de uma seleção de atores para o personagem principal, cabelo grisalho, voz grave, vestido com uma túnica marfim e dourado. Era o Bispo Episcopal para todo Connecticut, acredito. De todo modo... começou a falar sobre o estado de graça que aguarda no céu, e todas essas tolices sobre Deus, Jesus e a Igreja. Parecia mais propaganda do cristianismo que algo para Hannah.

—Estava sentada ali, sem seguir o fio, quando olhei por cima e vi as mãos de minha mãe. Estavam apertadas no colo, com os nódulos completamente brancos... como se estivesse em uma montanha russa, entretanto não se movia. Girei para a esquerda e olhei as de meu pai. Tinha as palmas nos joelhos e todos os dedos cravados nelas exceto o mindinho direito, o qual estava movendo-se um pouco. Esse estava repicando contra a fina lã da calça com um tremor tipo Parkinson.

V sabia para onde ia.

—E as suas —disse brandamente— Onde estavam a suas?

Jane exalou um pequeno soluço.

—As minhas... as minhas estavam completamente quietas, completamente relaxadas. Não sentia nada à exceção da aveia no estômago. OH... Deus, minha irmã estava morta e meus pais, os quais eram tão pouco emocionais como pode imaginar, estavam afetados. Eu? Nada. Lembro do pensar que Hannah teria chorado se eu estivesse descansando raso em um ataúde. Eu? Não podia.

—Assim quando o sacerdote acabou o filme de quão grande era Deus, e quanta sorte tinha Hannah de estar com Ele, bla, bla, bla, o órgão começou a soar. A vibração dos baixos desses tubos se elevou desde revisto através de meu assento, e bateu justo na seqüência correta. Ou na equivocada, suponho. Vomitei toda essa aveia sobre meu pai.

Merda, pensou V. Alargou a mão e tomou a dela.

—Maldita...

—Sim. Minha mãe se levantou para me levar para fora, mas meu pai lhe disse que ficasse. Levou-me para uma paroquiana, pediu-lhe que me levasse ao banheiro, logo entrou no serviço de cavalheiros. Deixaram-me sozinha em uma cadeira do coro durante dez minutos, logo a paroquiana retornou, meteu-me em seu carro e me levou para casa. Perdi o enterro. —Inspirou— Quando meus pais retornaram para casa, nenhum deles veio para ver-me. Estive esperando que viesse algum deles. Podia ouvi-los mover-se pela casa até que tudo ficou em silêncio. Finalmente, desci, para pegar algo na geladeira, e comer de pé na escada, porque não tínhamos permissão para subir com comida. Então tampouco chorei, embora fosse uma noite de muito vento, o qual me assustava, a casa estava em sua maior parte às escuras e me sentia como se tivesse arruinado o funeral de minha irmã.

—Estou seguro que estava assustada.

—Sim. Que engraçado… estava preocupada se por acaso sentiria frio. Sabe, a fria noite de outono. O chão frio. —Jane sacudiu a mão nas suas ─ No fim de toda forma, na manhã seguinte meu pai se foi antes que eu me levantasse, e não voltou para casa durante duas semanas. Continuou chamando e dizia a minha mãe que ia consultar sobre outro caso complexo em algum lugar do país. Enquanto isso, minha mãe se levantava cada dia, vestia-se e me levava a escola, mas na realidade não estava presente. Transformou-se em um jornal. As únicas coisas das quais falava eram o tempo e o que tinha ido mal com a casa ou o pessoal enquanto estava na escola. No final meu pai retornou, e sabe como me inteirei de sua iminente chegada? O quarto de Hannah. Cada noite ia ao quarto de Hannah e me sentava com suas coisas. O que não podia entender era como suas roupas, livros e desenhos ainda estavam lá, mas ela não. Não podia processá-lo. O quarto era como um carro sem motor, tudo estava onde devia, ao menos de uma forma potencial. Nada ia ser usado outra vez.

—A noite antes que meu pai voltasse, abri a porta do quarto e… tudo tinha desaparecido. Minha mãe tinha limpado tudo e tinha mudado a colcha e as cortinas. Deixou de ser o quarto da Hannah e passou as ser um quarto de hóspedes. Assim foi como soube que meu pai voltava para casa.

V esfregou o reverso de sua mão com o polegar.

—Jesus... Jane...

—Assim que essa é minha revelação. Vomitei a aveia em vez de chorar.

Podia ver que estava nervosa e que desejava ter se calado, e sabia como se sentia, porque ele fazia o mesmo naquelas poucas ocasiões em que tinha falado de seus assuntos pessoais. Continuou lhe acariciando a mão até que se virou para ele. Enquanto o silêncio se prolongava, soube o que estava esperando.

—Sim —murmurou— Me ataram.

—E esteve consciente durante todo o processo, não?

Sua voz se afundou.

—Sim.

Tocou-lhe o rosto, percorrendo com a palma seu rosto agora com barba.

—Matou-os por isso?

Levantou sua palma enluvada.

—Isto tomou o controle. O resplendor se acendeu por todo o corpo. Ambos tinham as mãos sobre mim, assim caíram como pedras.

—Bom.

Merda… realmente a amava.

—Teria sido uma boa guerreira, sabe?

—Sou uma guerreira. A morte é minha inimizade.

—Sim, é-o, na verdade. —Deus, tinha tanto sentido que se vinculasse a ela. Era uma guerreira… como ele— O bisturi é sua adaga.

—Sim.

Foram assim, com as mãos e os olhos entrelaçados. Até, que sem aviso, lhe roçou o lábio inferior com o polegar.

Quando ele inspirou com um vaio sussurrou:

   —Sabe, não tenho que estar adormecida.

Quando John recuperou o conhecimento, tinha uma ardente febre. Sua pele estava em chamas, seu sangue era um rio de lava, a medula e seus ossos eram o forno que produzia tudo. Desesperado por refrescar-se, rodou para um lado e quis tirar a roupa, exceto não tinha camisa posta, nem calças. Estava nu enquanto se retorcia.

—Tome meu pulso —a voz feminina veio de um ponto por cima e à esquerda dele, e John inclinou a cabeça para o som, o suor correndo por seu rosto como lágrimas. Ou talvez estivesse chorando?

Dói, indicou com a boca.

—Sua Graça, tome meu pulso. O processo esta feito.

Algo empurrou contra seus lábios e os umedeceu com vinho, rico vinho. O instinto se elevou como uma besta. O fogo era, de fato, uma fome, e o que lhe estava oferecendo era o sustento que precisava. Pegou o que resultou ser um braço, abriu ampliamente a boca e bebeu com fortes goles.

Deus… O sabor era da terra e da vida, embriagador, potente e aditivo. O mundo começou a girar, a dançar em descontrolado, uma montanha russa, um redemoinho sem fim. No meio do redemoinho, bebeu com desespero, sabendo sem que o dissessem que o que estava descendo por sua garganta era o único antídoto contra a morte.

A alimentação durou dias e noites, passaram semanas inteiras. Ou foi um abrir e fechar de olhos? Surpreendeu-se de que depois de tudo tivesse um final… não o teria surpreendido inteirar-se de que o resto de sua vida o passaria no pulso que lhe tinha sido dado.

Relaxou seu aperto sugador e abriu os olhos.

Layla, a loira Escolhida, estava sentada a seu lado na cama, sua túnica branca era como um raio de sol para seus sensíveis olhos. No canto, Wrath estava parado junto a Beth, os dois abraçados, com aspecto preocupado.

A mudança. Sua mudança.

Elevou as mãos e indicou como um bêbado.

É isto?

Wrath negou com a cabeça.

—Ainda não, está vindo.

Vindo?

—Faz algumas inspirações profundas —disse o Rei—Vai precisar. E escuta, estamos aqui mesmo, OK? Não o vamos deixar.

Merda, isso era certo. A transição tinha duas partes, não é? E a parte dura ainda tinha que chegar. Para combater o medo, lembrou-se do que Blay tinha passado. Assim como Qhuinn.

E todos os irmãos.

E sua irmã.

Encontrou os olhos azul escuro de Beth, e de nenhuma parte lhe veio uma visão imprecisa. Estava em um clube… em um clube gótico… Tohrment. Não, estava vendo o Tohr com alguém, um macho grande, um macho do tamanho de um irmão, cujo rosto John não podia ver.

John franziu o cenho, perguntando-se porquê demônios seu cérebro lhe mostraria algo como isso. E então escutou o estranho falar.

—É minha filha, Tohr.

—É mestiça, D. Já sabe o que pensa dos humanos. —Tohrment moveu a cabeça— Meu tataravô o era e não me vê precisamente alardeando disso ante ele.

Estavam falando sobre Beth, não?... o que queria dizer que o estranho com as feições imprecisas era o pai de John. Darius.

John se esforçou por enfocar a visão para poder olhar uma vez o rosto de seu pai, rogando ter claridade quando Darius levantou a mão para captar a atenção de uma garçonete antes de indicar a sua garrafa vazia de cerveja e o copo quase vazio do Tohrment.

—Não deixarei que morra outro de meus filhos —disse— E menos se houver uma possibilidade de salvá-la. De qualquer modo, nem sequer estamos seguros de que vá mudar. Poderia acabar vivendo uma vida feliz, sem inteirar-se jamais de minha condição. Não seria a primeira vez que acontece.

Seu pai tinha sabido alguma vez dele? Perguntou-se John. Provavelmente não, já que John tinha nascido no lavabo de uma parada de ônibus, e o tinham deixado para que morresse. Um macho que se importava tanto com sua filha, também teria se importado com seu filho.

A visão começou a desvanecer-se, e quanto mais tentava John ater-se a ela, mais rápido se desintegrava. Justo antes de desaparecer, olhou o rosto de Tohr. O corte de cabelo militar, os fortes ossos e os perspicazes olhos fizeram que John sentisse uma dor no peito. Também o fez a forma com que Tohr olhava o macho que se sentava com ele do outro lado da mesa. Estavam unidos. Eram melhores amigos, parecia.

Que maravilhoso teria sido, pensou John, ter a ambos em sua vida…

A dor que o abateu foi cósmica, um big Bang que cindiu a John e enviou suas moléculas girando sobre o núcleo. Todo pensamento, todo raciocínio se perdeu, e não teve mais opção que submeter-se. Abrindo a boca, gritou sem emitir nenhum som.

Jane não podia acreditar que estivesse olhando um vampiro no rosto e lhe rogando que se deitasse com ela. E ainda assim, ao mesmo tempo, nunca tinha estado mais segura de nada em sua vida.

—Feche os olhos —disse V.

—Porque?Vai me beijar de verdade? —Por favor, Deus, permite que esse seja o caso.

V estirou a mão enluvada e percorreu com ela o rosto da Jane. Sua palma era cálida e grande, e cheirava a especiarias escuras.

—Dorme, Jane.

Franziu o cenho.

—Quero fazê-lo acordada.

—Não.

—Por que?

—É mais seguro dessa forma.

—Espera, quer dizer que pode me deixar grávida? —E o que acontecia com as DST[1]?

—Sabe-se que aconteceu com humanos em alguma ocasião, mas não está ovulando. Cheiraria-o. E em relação às enfermidades que se pudessem transmitir, não as tenho, e você não me poderia passar nenhuma, mas nada disso é o que importa. É mais fácil para mim tomá-la quando não está acordada.

—Quem disse?

Moveu-se na cama, impaciente, inquieto. Com vontade de sexo.

—Em sonhos é a única maneira em que pode acontecer.

Homem, que sorte que estivesse decidido a ser um cavalheiro. Bastardo.

Jane se afastou e ficou em pé.

—As fantasias não me interessam. Se não quer que estejamos juntos verdadeiramente, então não vamos chegar a isso.

Colocou parte do edredom sobre os quadris, cobrindo uma ereção que empurrava contra o pijama de flanela.

—Não quero fazer mal a você.

Lançou-lhe um olhar de aborrecimento que era parte frustração sexual, parte Gertrude Stein[2].

—Sou mais forte do que pareço. E para ser franca, toda essa merda de macho-controlador, estou-fazendo-o-melhor-para-você me dá alergia.

Deu a volta com o queixo erguido, mas então se deu conta de que realmente não tinha nenhum lugar para onde partir. Que maneira de fazer uma saída.

Dando de frente com uma falta total de alternativas, foi ao banheiro. Enquanto caminhava entre a ducha e o lavabo, sentiu-se como um cavalo em um estábulo…

Sem nenhuma advertência, foi derrubada para trás, empurrada de cabeça contra a parede e sustentada assim por um corpo duro como uma rocha, que a dobrava em tamaño. Seu grito sufocado foi primeiro de surpresa, depois de sexo, quando sentiu V esfregar-se contra seu traseiro.

—Tentei dizer que não —rugiu enquanto enterrava a mão em seu cabelo e o aferrava, lhe puxando a cabeça para trás. Enquanto lançava um grito, umedeceu-se entre as pernas— Tentei ser decente.

—OH… Deus….

—Rezar não vai ajudar você. Muito tarde para isso, Jane. —Havia pesar em sua voz… e também algo inevitável e erótico— Te dei a oportunidade de ser a sua maneira. Agora o faremos à minha.

Desejava isto. Desejava a maneira dele.

—Por favor…

—Shh. —Com um giro de pulso, inclinou-lhe a cabeça dela para um lado, lhe descobrindo a garganta— Quando quiser que suplique, direi-lhe isso. —Sua língua se fazia sentir cálida e úmida ao lhe percorrer o pescoço— Agora me pergunte o que vou fazer.

Abriu a boca, mas só pôde ofegar.

Vishous lhe pegou o cabelo com mais força.

—Me pergunte. Diga: “O que vai me fazer?”

Ela bebeu.

—O que… o que vai me fazer?

Virou-a para um lado, em todo momento pressionando os quadris contra seu traseiro.

—Vê esse lavabo, Jane?

—Sim… —Merda, ia ter um orgasmo…

—Vou inclinar você sobre esse lavabo e vais segurar nas laterais. Depois vou tirar suas calças.

OH, Jesus…

—Me pergunte o que vem depois, Jane. —Voltou a lamber sua garganta, e logo pressionou o que ela reconheceu como uma presa contra o lóbulo de sua orelha. Houve uma deliciosa pontada de dor, seguida de outra rajada de calor entre as pernas.

—O que há… depois? —sussurrou.

—Vou me pôr de joelhos. —Baixou a cabeça e lhe mordiscou a clavícula—Me diga agora: “E logo o que, V.”

Quase soluçou, tão excitada que lhe começaram a falhar as pernas.

—E logo o que?

Lhe puxou o cabelo.

—Se esqueceu da última parte.

Qual era a última parte… qual era a última…?

—V.

—Não, agora começe de novo. Desde o começo. —Empurrou sua ereção contra ela, uma rígida dureza que claramente queria estar em seu interior agora— Começe de novo, e desta vez faze-o direito.

De lugar nenhum, um orgasmo começou a percorrê-la, o impulso miserável por sua voz rouca sobre ela…

—OH, não, não o terá. —separou-se de seu corpo— Não gozara agora. Quando disser que você pode, irá gozar. Não antes.

Desorientada e dolorida, ficou frouxa quando a necessidade de alcançar a liberação se afastou.

—Agora diga as palavras que quero escutar.

Quais eram?

—E logo o que… V?

—Vou me pôr de joelhos, passarei as mãos pela parte interior de suas coxas, e abrirei você para minha língua.

O orgasmo lhe voltou como uma quebra de onda, fazendo com que lhe tremessem as pernas.

—Não —disse com um grunhido—. Agora não. Só quando eu diga.

Colocou-a no lavabo e fez exatamente o que havia dito que faria. Inclinou-se, pô-lhe as mãos em cada lado do lavabo, e lhe ordenou:

—Segure-se.

Ela apertou as mãos com força.

Usou ambas as palmas nela, lhe percorrendo a pele sob a camisa, lhe embalando os seios. Depois estiveram em seu estômago e lhe rodearam os quadris.

Baixou-lhe as calças com um brusco puxão.

—OH… merda. Isto é o que quero. —Sua mão coberta de couro lhe apertou o traseiro e o massageou— Levanta esta perna.

Fez o que mandou e as calças de ioga desapareceram de seu pé. Separou-lhe as coxas e… sim, suas mãos, uma com luva, a outra não, começaram a subir. Seu centro estava quente e precisado enquanto se sentia descoberta ante ele.

—Jane —sussurrou de forma reverente.

Não houve prelúdio, nem suavidade no que fez. Foi sua boca. O centro dela. Dois pares de lábios encontrando-se. Os dedos dele se cravaram em suas nádegas e a mantiveram quieta enquanto trabalhava, e ela perdeu totalmente a noção do que era sua língua, ou seu cavanhaque, ou sua boca. Sentiu-se penetrada entre lentas lambidas, escutou os sons de carne contra carne, soube o domínio que tinha sobre ela.

—Goza para mim —lhe exigiu contra seu centro— Agora mesmo.

O orgasmo chegou em uma devastadora explosão que a fez sacudir-se contra o lavabo até que uma das mãos lhe escorreu. Não caiu só porque o braço de V saiu disparado e lhe deu algo ao que segurar-se.

A boca dele a soltou, e lhe beijou ambas as nádegas. Depois deslizou a palma pela coluna enquanto ela se deixava cair contra seus braços.

—Agora vou entrar dentro de você.

O som de seu pijama sendo descido de um puxão foi mais ruidoso que sua própria respiração, e o primeiro roçar de sua ereção contra a parte superior de seus quadris quase a voltou louca outra vez.

—Isto é o que desejo —disse com voz gutural— Deus… desejo isto.

Entrou nela com um duro impulso que levou seus quadris contra o traseiro feminino, e embora Jane era a que absorvia o tremendo contorno de Vishous, foi ele que gritou. Sem nenhuma pausa, começou a bombear nela, apoiando-se na cintura da mulher, movendo-a para frente e para trás para que seguisse seus impulsos. Com a boca aberta, os olhos abertos, e os ouvidos saboreando os deliciosos sons do sexo, Jane se segurou contra o lavabo e outro orgasmo a invadiu. Enquanto voltava a gozar, o cabelo lhe caía sobre o rosto, sua cabeça se sacudia, seus corpos golpeavam um contra o outro.

Era algo que nunca tinha conhecido. Era sexo à milionésima potência.

E então sentiu que sua palma enluvada lhe segurava o ombro. Enquanto a endireitava, continuava penetrando-a, dentro e fora, dentro e fora. A mão do Vishous se moveu para sua garganta, colocou-se em seu queixo, e lhe inclinou a cabeça para trás.

—Minha —grunhiu, bombeando dentro dela.

E então a mordeu.

Quando John despertou, o primeiro pensamento que atravessou sua mente foi que queria um sorvete com banho de chocolate quente com pedaços de bacon em cima. O que era, desagradável, realmente.

Exceto, maldição… chocolate e bacon seriam o céu agora.

Abriu os olhos e se sentiu aliviado de estar olhando fixamente o teto familiar do quarto onde dormia, mas estava confuso quanto ao que lhe tinha acontecido. Era algo traumático. Algo de grande importância. Mas, o que?

Levantou uma mão para esfregar os olhos… e deixou de respirar.

A coisa unida a seu braço era enorme. Como a palma de um gigante.

Levantou a cabeça e olhou para baixo, para seu corpo… ou ao corpo de alguém. Em algum momento durante o dia tinha sido um doador de cabeça? Porque estava certo como o inferno que seu cérebro não tinha estado conectado a um corpo parecido com esse antes.

A transição.

—Como se sente, John?

Olhou para onde tinha divulgado a voz de Wrath. O Rei e Beth estavam ao lado da cama, luzindo absolutamente esgotados.

Tinha que concentrar-se para formar as palavras com as mãos.

Atravessei-a?

—Sim. Sim, filho, fez-o. —Wrath esclareceu a garganta, e Beth acariciou seu antebraço tatuado como se soubesse que lutava com as emoções— Felicitações.

John piscou rapidamente, seu peito apertando-se.

Ainda sou… eu?

—Sim. Sempre.

—Vou? —disse uma voz feminina.

John virou a cabeça. Layla estava de pé em um canto escuro, seu rosto perfeitamente lindo e seu corpo perfeitamente lindo nas sombras

Ereção. Foto instantânea.

Como se alguém tivesse injetado aço em seu membro.

Gesticulou para assegurar-se de que estava coberto, e agradeceu a Deus quando se deu conta que tinha uma manta por cima. Enquanto se recostava no travesseiro, escutou Wrath falando, mas a atenção de John estava no batimento do coração entre suas pernas… e na mulher do outro lado do quarto.

—Seria um prazer para mim ficar —disse Layla fazendo uma profunda reverência.

Ficar estava bem, pensou John. Sua permanência era…

Espera, e um inferno era bom. Não ia ter sexo com ela, pelo amor de Deus.

Ela deu um passo adiante, ao halo de luz derramado pelo abajur ao lado da mesinha de noite. Sua pele era branca como a luz da lua, suave como um lençol de cetim. Devia ser suave, também… sob suas mãos, sob sua boca… sob seu corpo. Abruptamente a mandíbula superior de John formigou em ambos os lados, justo diante, então algo se sobressaiu da boca. Uma rápida carícia de sua língua e sentiu as afiadas pontas de suas presas.

O sexo rugiu por seu corpo até que teve que afastar o olhar dela.

Wrath riu entre dentes, como se soubesse pelo que John estava passando.

—Deixaremo-os. John, estaremos no outro extremo do corredor se por acaso precisar de alguma coisa.

Beth se inclinou e apenas lhe roçou a mão com a sua, como se soubesse exatamente quão sensível estava sua pele.

—Estou muito orgulhosa de você.

Enquanto seus olhos se encontravam, o que lhe veio à mente foi: E eu de você.

O qual não tinha absolutamente nenhum sentido. Assim em vez disso, indicou torpemente:

   Obrigado.

Um momento depois se foram, a porta os encerrando a ele e a Layla juntos. OH, isto não era bom. Sentiu-se como se estivesse sobre um potro selvagem corcoveando, pelo controle que tinha sobre seu corpo.

Como não era seguro olhar à Escolhida, deu uma olhada em volta do banheiro. Através da porta, viu a ducha de mármore e teve um caso grave de saudade.

—Quereria lavar-se, Sua Graça? —disse Layla— Quer que deixe correr a água para você?

Assentiu para conseguir mantê-la ocupada com algo enquanto tratava de averiguar que fazer consigo mesmo.

Tome-a. Foda-a. Tome-a de doze maneiras diferentes.

Bem, se, isso não era o que deveria estar fazendo.

A ducha se abriu e Layla retornou, e antes de que soubesse o que estava fazendo, a manta se separou de seu corpo. Suas mãos se dispararam para cobrir-se mas os olhos dela chegaram primeiro a ereção.

—Posso ajudar com o banho? —sua voz era rouca, e olhava fixamente seus quadris como se o analizasse.

O qual fez crescer esse imenso peso que tinha sob as palmas ainda mais.

—Sua Graça?

Como se supunha que poderia fazer gestos nessa condição?

Não importa. Não o entenderia de todo modo.

John sacudiu a cabeça, logo se sentou, mantendo uma mão sobre si mesmo e plantando a outra no colchão para estabilizar-se. Merda, sentia-se como uma mesa cujos parafusos tivessem sido afrouxados em sua totalidade, então os componentes que o constituíam já não encaixavam juntos adequadamente. E a viagem ao banheiro parecia com uma corrida de obstáculos, embora não houvesse nada em seu caminho.

Ao menos já não estava concentrado unicamente em Layla.

Mantendo-se coberto, permaneceu cambaleando-se dentro do banheiro, tratando de não pensar em como estava mostrando o traseiro para Layla. Enquanto andava, imagens de potros recém-nascidos passeavam em sua cabeça, particularmente um onde as patas longas se dobravam como galhos enquanto lutavam por levantar-se. Como os entendia. Parecia que a qualquer momento seus joelhos sairiam de férias e ele ia organizar uma venda de garagem como um idiota.

Bem. Estava no banheiro. Bom trabalho.

Agora se só pudesse evitar cair sobre o mármore. Embora, Deus, conseguir lavar-se valeria as contusões. Exceto que, mesmo a ducha que tanto desejava era um problema. Meter-se sob o suave toque de água quente, foi como ser açoitado com um chicote, e saltou para trás… só para captar pela extremidade do olho como Layla se despia.

Santa merda… Era formosa.

Quando se uniu a ele ficou mudo, e não porque não tivesse uma caixa de ressonância. Seus seios eram cheios, os mamilos rosas apertados no meio de seu exuberante peso. A cintura parecia o bastante pequena como para que pudesse rodeá-la com suas mãos. Os quadris eram um equilíbrio perfeito a seus ombros estreitos. E seu sexo… seu sexo aparecia descoberto ante seus olhos, a pele Lisa e sem pêlo, a pequena abertura formada por duas dobras que estava desesperado por separar.

Segurou a si mesmo com ambas as mãos, como se seu pênis fosse capaz de liberar-se saltando o cerco que sustentava sobre sua pélvis.

—Posso lavá-lo, Sua Graça? —disse enquanto o vapor formava redemoinhos entre eles como um fino tecido em uma suave brisa.

A ereção atrás de suas mãos deu um puxão.

—Sua Graça?

Sua cabeça assentiu. Seu corpo pulsou. O pensamento de Qhuinn falando a respeito do que tinha feito com a fêmea que tinha tido. OH, Jesus… E agora estava acontecendo a John.

Ela pegou o sabão e o massageou entre suas palmas, fazendo rodar a barra uma e outra vez, formando espuma branca que gotejava no mosaico. imaginou seu membro entre essas mãos e teve que respirar pela boca.

Olhe o vaivém de seus seios, pensou enquanto lambia seus lábios. Perguntou-se se ela o deixaria beijá-la ali. Como seria? Deixaria-lhe ir entre seus…

Seu membro saltou, e deixou sair um gemido lastimoso.

Layla devolveu o sabão ao pequeno espaço que havia na parede de mármore.

—Serei suave, já que agora está sensível.

Engoliu forte e rezou para não perder o controle enquanto as mãos espumosas vinham para ele e se posavam em seus ombros. Desgraçadamente a antecipação era muito mais agradável que a realidade. Seu ligeiro toque foi como papel de lixa sobre uma queimadura de sol… e ainda assim desejava o contato

Desejava-a. Com o aroma do sabão francês flutuando no ar úmido, as palmas desceram por seus braços, logo voltaram a subir por volta de seu agora tremendo peito. A espuma correu por seu ventre até chegar a suas mãos, enredando-se entre seus dedos antes de gotejar por seu sexo em suaves montões.

Olhou-a fixamente no rosto enquanto se atrasava em seu peito, encontrando além de quão erótico seus olhos verde pálido vagassem por seu novo, grande corpo.

Estava faminta, pensou. Faminta do que ele estava sustentando entre as mãos. Faminta do que ele queria lhe dar.

Pegou o sabão do espaço novamente e se ajoelhou ante ele, os joelhos sobre o mármore. Seu cabelo ainda estava recolhido em um coque, e ele queria soltá-lo, queria ver como se via molhado e esmagado contra seus seios.

Quando pôs as mãos na parte de debaixo de sua perna e começou a subir, levantou a vista. Em um instante a viu tomando a cabeça de sua ereção, estirando a boca ampliamente, as bochechas chupando-se para dentro enquanto se trabalhava em excesso sobre ele.

John gemeu e cambaleou, golpeando o ombro.

—Deixe cair os braços, Sua Graça.

Embora estivesse aterrorizado pelo que ia acontecer a seguir, queria obedecê-la. Exceto… e se ficasse ridículo? O que aconteceria gozava sobre seu rosto porque não podia conter-se? Que acontecia…

—Sua Graça, deixe cair os braços.

Lentamente deixou cair as mãos, e a ereção se sobressaiu erguida de seus quadris, nem tanto desafiando a gravidade como estando totalmente fora de seu alcance.

OH, Jesus. OH, Jesus… Ela levantava a mão para…

No instante em que tocou seu membro, a ereção se desinflou: de um nada se viu a si mesmo em um espaço de escada sarnento. Retido pela ponta de uma faca. Violado enquanto chorava silenciosamente.

John se soltou de um puxão e tropeçou para fora da ducha, molhado os pés e os frouxos joelhos fazendo que escorregasse no chão. Para evitar cair, plantou o traseiro no vaso.

Nada digno. Nada varonil. Que tipicamente fodido. Finalmente tinha um corpo grande, mas não era mais macho que quando tinha tido um pequeno.

A água parou e ouviu Layla cobrindo-se com uma toalha. Sua voz tremente.

—Gostaria que me fosse?

Assentiu, muito envergonhado para olhá-la.

Quando muito depois, levantou o olhar, estava sozinho no banheiro. Só e frio, perdido o calor da ducha, todo esse glorioso vapor indo como se nunca tivesse estado aí.

Sua primeira vez com uma fêmea… e tinha perdido a ereção. Deus, queria vomitar.

V rasgou a pele da Jane com as presas, penetrando em sua garganta, cravando sua veia, aferrando-se a ela com os lábios. Como era humana, a quebra de onda de poder ao beber não provinha da composição de seu sangue, mas sim do fato de que era ela. Seu sabor era o que tinha procurado. Seu sabor… e o consumo de uma parte dela.

Quando gritou, soube que não era de dor. Seu corpo estava bêbado devido à excitação, e esse aroma se fez ainda mais forte quando tomou o que queria dela, tomava seu sexo com o membro, tomava seu sangue com a boca.

—Goza comigo —disse com voz rouca, liberando sua garganta e deixando-a apoiada contra o lavabo outra vez—. Goza… comigo.

—OH, Deus…

V se apertou contra seus quadris enquanto gozava, e ela saltou o limite com ele, seu corpo sugando sua ereção justo como ele tinha feito em seu pescoço. A troca era justa e satisfatória; ela estava agora nele, e ele nela. Era correto. Era bom.

Minha.

Depois que terminou, ambos respiravam com dificuldade.

—Está tudo bem? —perguntou com um suspiro, muito consciente de que essa pergunta nunca antes tinha saído de sua boca depois do sexo.

Quando não respondeu, afastou-se um pouco dela. Em sua pálida pele podia ver as marcas que tinha deixado nela, vermelhas por seu trato rude. Quase todas com as quais se deitou alguma vez tinham acabado com elas, porque gostava de ser rude, precisava ser rude. E nunca se preocupou pelo que deixava atrás no corpo das outras pessoas.

As marcas o incomodavam agora. Incomodavam-lhe mesmo mais enquanto se limpava a boca com a mão e saía com uma mancha de seu sangue.

OH, Jesus… a tinha usado muito violentamente. Tinha sido muito duro.

—Jane, o sin…

   —Assombroso. —Sacudiu a cabeça, o cabelo loiro balançando-se contra suas bochechas.─Foi… assombroso.

—Está segura que não te fiz…

—Simplesmente assombroso. Embora tenha medo de abandonar este lavabo porque cairei.

O alívio invadiu sua cabeça, como um zumbido bêbado.

—Não queria machucar você.

—Enrolou-me… mas da maneira que se tivesse uma amiga intima ligaria para ela e diria algo, “OH, Meu Deus tive o sexo de minha vida”.

—Bem. Isso é… bom.

Não queria sair de seu interior, especialmente se continuasse falando dessa maneira. Mas moveu os quadris para trás e a liberou de sua ereção para que tivesse um descanso.

Pelas costas era deliciosa. Tão formosa que lhe fazia pulsar as têmporas. Totalmente comestível. Sua excitação pulsou como um coração enquanto subia a calça do pijama e se cubria com a flanela.

V endireitou Jane lentamente e a olhou no rosto através do espelho. Seus olhos estavam frágeis, a boca aberta, as bochechas ruborizadas. No pescoço as marcas da dentada estavam exatamente onde as queria; justo onde todos pudessem vê-las.

Virou-a para encará-lo e percorreu com seu indicador enluvado sua garganta, pegando o fino rastro de sangue das perfurações. Lambeu o couro negro, saboreando seu sabor, querendo mais.

—Vou selar isto, OK?

Assentiu, e ele baixou a cabeça. Enquanto percorria os buracos delicadamente com a língua, fechou os olhos e se perdeu acariciando-a com o nariz. A próxima vez queria ir entre suas pernas e tomar a veia que pulsava na união de seus quadris, perfurá-la ali assim poderia alternar entre chupar seu sangue e lamber seu sexo.

Inclinou-se para um lado e abriu a ducha, então lhe tirou a camisa que usava. Seus seios estavam cobertos com um sutiã branco, as pontas rosas eram visíveis através do encantador desenho. Inclinando-se, sugou um de seus mamilos através da fina malha e foi recompensado com sua mão metendo-se brandamente entre seu cabelo e com um gemido que borbulhou em sua garganta.

Grunhiu e deslizou a palma entre suas pernas.

O que tinha deixado antes estava na parte interna de suas coxas e embora lhe fizesse ser um estúpido bastardo, queria que ficasse ali. Queria deixar aquela substância onde estava e pôr mais dentro dela.

Ah, os instintos de um macho vinculado. Queria que o levasse como se fosse sua própria pele, por toda parte.

Tirou-lhe o sutiã e a colocou com cuidado na ducha, sustentando-a pelos ombros, colocando-a sob o jorro. Deu um passo para dentro, molhando a calça do pijama, seus pés sentindo o suave chão de mármore. Passando suas mãos por seu cabelo e afastando as curtas ondas loiras de seu rosto, olhou-a aos olhos.

Minha.

—Ainda não beijei você. —disse.

Arqueou-se contra ele e usou seu peito para equilibrar-se, justo como ele a queria.

—Não, na boca não.

—Posso?

—Por favor.

Merda, ficou nervoso enquanto olhava seus lábios. O que era estranho. Tinha tido muito sexo ao longo de sua vida, de todo tipo e combinações diferentes, mas a perspectiva de beijá-la decorosamente varreu com tudo isso. Era a virgem que nunca tinha sido, avoado e tímido.

—Então, vai fazê-lo? —perguntou enquanto ele se paralisava.

OH… merda.

Com um sorriso como o de Mona Lisa, pô-lhe as mãos sobre o rosto.

—Vêem aqui.

Baixou até ela, lhe inclinando a cabeça, e lhe roçou os lábios com os seus. O corpo de Vishous estremeceu. Havia sentido o poder antes, nos seus músculos, o de sua maldita mãe em seu destino, o do Rei em sua vida, o de seus irmãos no trabalho, mas nunca tinha permitido que nenhum deles o dominasse.

Jane o dominou agora. Tinha absoluto poder sobre ele enquanto embalava seu rosto entre as palmas das mãos.

Aproximou-a e pressionou os lábios mais forte contra os seus, a comunhão uma doçura que nunca teria acreditado que queria, muito menos que reverenciaria. Quando se separaram ensaboou suas suaves curva e a enxaguou. Colocou-lhe xampu no cabelo. Limpou-a entre as pernas.

Tratá-la com cuidado era como respirar… uma função automática de seu corpo e mente sobre o que nem sequer tinha que pensar.

Fechou a água, e a secou com a toalha, então a levantou em seus braços e a levou de volta para cama. Estirou-se sobre o edredom negro, pôs os braços sobre a cabeça, separou ligeiramente as pernas, nada exceto a ruborizada pele feminina e músculos.

Olhou-o fixamente por debaixo das pálpebras cansadas.

—Seu pijama está molhado.

—Sim.

—Está duro.

—Estou.

Ela se arqueou na cama, o ondulação percorrendo seu torso dos quadris até os seios.

—Vai fazer algo a respeito?

Descobriu as presas e vaiou.

—Se me deixar.

Moveu uma das pernas a um lado e as córneas dele quase começam a sangrar. Seu centro brilhava, e não devido à ducha.

—Acaso a você isto parece um não? —disse

Arrancou as calças e esteve sobre ela em um batimento do coração , beijando-a profunda e longamente, levantando os quadris, posicionando-se, penetrando-a. Era muito melhor assim, na realidade, não em um estado de sonho. Enquanto gozava por ele uma vez, duas… mais… lhe quebrou o coração.

Pela primeira vez tinha relações sexuais com alguém a quem amava.

Sentiu um momentâneo pânico cego por sua exposição. Como demônios tinha acontecido isto?

Mas, então, este era seu último —bom, seu único— intento na coisa do amor, verdade. E ela não ia lembrar nada, assim era seguro. O coração dela não ia se quebrar ao final.

Além… bom, sua falta de cor o faria mais seguro para ele também, verdade. De certo modo era como a noite em que ele e Wrath tinham tirado sua merda, e V tinha falado sobre sua mãe.

Quantas menos pessoas soubessem sobre ele, melhor.

Salvo que, maldição, por que infernos o pensamento de limpar a mente da Jane fazia que lhe doesse o peito?

Deus, iria tão cedo.

No Outro Lado, Cormia saiu do Templo do Primale e esperou que a Directrix fechasse as enormes portas douradas. O Templo estava no topo de um monte, uma coroa dourada na parte superior de uma pequena colina, e de lá era completamente visível o recinto das Escolhidas: os brancos edifícios e os templos, o anfiteatro, as passarelas cobertas. Os espaços entre os pontos de referência estavam atapetados com grama branca recortada que nunca crescia, nunca mudava, e como sempre, a vista oferecia pouco para o horizonte, só a mancha difusa do limite do longínquo bosque branco. A única cor na composição era o azul claro do céu, e mesmo esse se esfumaçava nos cantos.

—Assim termina sua lição —disse a Directrix enquanto tirava de seu pescoço uma elegante cadeia de chaves e fechava as portas— De acordo com a tradição, deverá se apresentar para o primeiro dos rituais purificadores quando forem buscar você. Até então, deverá ponderar a graça que foi dada a você e o serviço que proverá para o benefício de todas nós.

A Directrix disse as palavras com o mesmo tom duro empregado para descrever o que o Primale faria ao corpo da Cormia. Uma e outra vez. Quando quisesse.

Os olhos da Directrix tinham um brilho calculado enquanto voltava a pôr o colar, e um som de tilintar se elevou quando as chaves se assentaram contra seus seios.

—Que esteja bem, irmã.

Enquanto a Directrix caminhava descendo a colina, sua túnica branca não se distinguia do chão nem dos edifícios, outra mancha branca que se diferenciava unicamente porque estava em movimento.

Cormia levou as mãos ao rosto. A Directrix havia dito, não, tinha-lhe jurado, que o que aconteceria sob o Primale seria doloroso, e Cormia acreditava. Os detalhes gráficos tinham sido assombrosos, e temia que de maneira nenhuma poderia passar a cerimônia de emparelhamento sem quebrar-se… para desgraça de todas as Escolhidas. Como a representante de todas elas, Cormia tinha que proceder como se esperava e com dignidade, ou mancharia a venerável tradição a que servia, poluindo-a por inteiro.

Olhou por cima do ombro para o Templo e colocou a mão na parte inferior do ventre. Estava fértil, como todas as Escolhidas estavam em todo momento neste lado. Poderia gerar um bebê do Primale desde a primeira vez que estivesse com ele.

Querida Virgem no Fade, por que tinha sido escolhida?

Quando voltou a dar a volta, a Directrix estava na base da colina, tão pequena em comparação com os elevados edifícios, tão perfeita em tudo. Mais que ninguém, ela definia a paisagem: todas serviam à Virgem Escriba, mas era a Directrix a que dirigia suas vidas. Pelo menos até que chegasse o Primale.

A Directrix não queria esse macho em seu mundo, pensou Cormia.

E essa era a razão pela qual Cormia tinha sido nomeada para que a Virgem Escriba escolhesse. De todas as fêmeas que poderiam ter sido escolhidas e que ficariam encantadas, ela era a menos afável, a menos complacente. Uma declaração passiva-agresiva contra a mudança da supremacia.

Cormia começou a descer o monte, a textura da erva branca sem temperatura sob seus pés descalços. Nada, salvo a comida e bebida, possuíam calor ou frieza.

Por um momento pensou em escapar. Melhor partir agora que conhecia do que suportar a cena que a Directrix tinha pintado. Exceto não tinha conhecimento de como ir ao longínquo Outro Lado. Sabia que tinha que passar a zona privada da Virgem Escriba, mas depois, o que? E se Sua Santidade a pegasse?

Impensável. Mais a atemorizava estar com o Primale.

Profundamente perdida em seus particulares e pecaminosos pensamentos, Cormia perambulou sem propósito pela paisagem que tinha conhecido toda sua vida. Era tão fácil perder-se aí, no recinto, porque tudo tinha o mesmo aspecto, sentia-se igual e cheirava igual. Sem contraste, cantos da realidade eram muito suaves para prender-se em busca de estabilidade, tão mental como física. Nunca estava conectada à terra. Era o ar.

Ao passar ao lado da Tesouraria, deteve-se em suas régias escadas e pensou nas paredes de seu interior, a única cor verdadeira que tinha visto, além das portas fechadas havia cestas cheias de pedras preciosas, e embora só as tivesse visto uma ou duas vezes, lembrava as cores com muita claridade. Seus olhos foram assombrados pelo vívido azul das safiras, o denso verde das esmeraldas e a força do sangue dos rubis vermelhos. As aguamarinas tinham sido da cor do céu, por isso a tinham fascinado menos.

Suas favoritas tinham sido os citrinos, os adoráveis citrinos amarelos. Havia-os tocado furtivamente. Tinha sido só uma suave passada de sua mão na cesta quando ninguém a olhava, mas OH, que glorioso tinha sido ver a luz em seus alegres rostos. Ao sentir a pedra movendo-se contra sua mão tinha sido um vívido toque de grande satisfação para sua mão, um contato sonhador, muito mais excitante por sua natureza ilícita.

Tinham-na deixado com um sentimento quente, embora de fato não eram mais cálidas que todo o resto.

E as gemas não eram a única razão pela que a entrada à Tesouraria era um convite extraordinário. Havia objetos do outro lado mantidos em estojos de cristal, coisas que tinham sido colecionadas porque tinham tido um papel crucial na história da raça ou porque tinham acabado sob o cuidado das Escolhidas. Mesmo se Cormia nem sempre tinha sabido o que estava olhando, tinha sido uma enorme revelação. Cores. Texturas. Coisas estrangeiras de um lugar estrangeiro.

Embora, ironicamente, o objeto pelo que havia se sentido mais atraída tinha sido um velho livro. Na danificada capa, em gastas letras em relevo, lia-se:

                 DARIUS, FILHO DO MARKLON

Cormia franziu o cenho e se deu conta de que tinha visto esse nome antes… na sala da Irmandade da Adaga Negra, na biblioteca.

O diario de um irmão. Então por isso tinha sido conservado.

Enquanto observava as portas fechadas, desejou ter estado ali nos dias antigos, quando o edifício tinha permanecido aberto e alguém podia entrar em seu interior com tanta liberdade como entrava na biblioteca. Mas isso tinha sido antes do ataque.

O ataque tinha mudado tudo. Parecia inconcebível que membros renegados da raça passassem para o outro lado empunhando armas e tivessem intenção de saquear. Mas tinham entrado por um portal que agora estava fechado, e tinham assaltado a Tesouraria. O anterior Primale tinha morrido protegendo às fêmeas, derrotando três civis mas morrendo depois disso.

Supunha que tinha sido seu pai, não?

Depois desse horrível interlúdio, a Virgem Escriba tinha fechado esse portal de entrada e aqueles que desejavam passar entravam por seu jardim particular. E como precaução, a Tesouraria sempre tinha permanecido fechada, exceto quando se precisavam das jóias a requerimento da Virgem Escriba ou para determinadas cerimônias. A Directrix possuía a chave.

Escutou um som de arraste e olhou para a passarela com colunas. Uma figura completamente coberta caminhava coxeando, arrastando uma perna debaixo de uma túnica negra, as mãos cobertas sujeitavam uma pilha de tecidos de toalha.

Cormia desviou o olhar rapidamente e continuou com rapidez, querendo distanciar-se tanto dessa fêmea em particular como do Templo do Primale. Foi para o mais longe que alguém podia ir, no lago da reflexão.

A água era clara e estava perfeitamente quieta, um espelho que mostrava o céu. Queria colocar o pé nela, mas isso não era permitido…

Seus ouvidos captaram algo.

No início não esteve certa do que ouviu, ou se mesmo, tinha escutado algo. Não podia ver ninguém nas cercanias, nada, salvo a Tumba dos Bebês, e os bosques de árvores brancas que marcavam o limite do santuário. Esperou. Quando o som não voltou a acontecer, rechaçou-o como parte de sua imaginação e continuou.

Embora não tivesse medo, viu-se atraída para a tumba onde as crianças que não sobreviviam ao nascimento eram reverenciadas.

A ansiedade lhe percorreu a coluna. Este era o único lugar que nunca visitava, e o mesmo acontecia com o resto das Escolhidas. Todas evitavam este solitário edifício quadrado com sua branca cerca. A pena pendia na zona, tão segura como os laços negros de cetim que estavam nas maçanetas das portas.

Querida Virgem no Fade, pensou, seu destino logo estaria nestas tumbas, porque mesmo as Escolhidas tinham um alto índice de morte súbita. Verdadeiramente, partes dela descansariam aqui, pequenas lascas de seu ser seriam depositadas até que não ficasse nada exceto uma casca. O fato de que não pudesse escolher sua gravidez, que não fosse permitido uma palavra ou mesmo um pensamento, que sua descendência estaria apanhada no mesmo papel que ela, fez-a visualizar-se nesta solitária tumba, encerrada entre os mortos menores.

Juntou mais as lapelas de sua túnica em torno de seu pescoço e tremeu ao olhar através das grades. Antes desse momento, este lugar lhe tinha sido desconcertante, havia se sentido como se os sensíveis pequenos estivessem solitários, apesar de estarem no Fade e devessem ser alegres e estar em paz.

Agora o Templo era um horror.

O som que tinha escutado voltou outra vez, e Cormia saltou para trás, pronta para escapar dos afligidos espíritos que habitavam ali.

Exceto não, isso não era um bebê espectral. Alguém continha o fôlego. E não fantasmalmente, a não ser muito real.

Silenciosamente, deu volta até uma das pontas.

Layla estava sentada na erva com os joelhos apertados contra o peito, rodeando-se com os braços. Tinha a cabeça entre elas, seus ombros tremiam, sua túnica e cabelo estavam molhados.

—Irmã? —sussurrou Cormia— O que aconteceu?

Layla levantou a cabeça abruptamente, e esfregou rapidamente as bochechas até que as lágrimas desapareceram.

—Vá. Por favor.

Cormia se aproximou dela e ficou de joelhos.

—Me diga. O que aconteceu?

—Nada sobre o que tenha que…

—Layla, fala comigo. —Queria estirar a mão, mas o contato não era permitido, e não queria transtorná-la mais. Em vez de tocá-la, usou palavras e um tom amável— Irmã, aliviarei você. Por favor, fale comigo. Por favor.

A cabeça loira da Escolhida se moveu de um lado para o outro, seu arruinado coque desfazendo-se ainda mais.

—Falhei.

—Como?

—Eu… falhei. Esta noite falhei em agradar. Rechaçaram-me.

—Por que?

—O macho ao que assisti em sua transição. Estava preparado para aparear-se, e o toquei e perdeu seu impulso —o fôlego da Layla saiu em um soluço—. E … terei que informar o Rei do que aconteceu, como manda a tradição. Deveria havê-lo feito antes de partir, mas estava tão horrorizada. Como direi a Sua Majestade? E a Directrix? —Sua cabeça voltou a baixar, como se não tivesse vontade para mantê-la erguida— Fui treinada pelas mais velhas para dar prazer. E falhei.

Cormia se arriscou e apoiou a mão no ombro da Layla, pensando que sempre era assim. A carga de todas as Escolhidas recaía em cada fêmea quando esta atuava em um assunto oficial. Portanto, não havia desgraça privada ou pessoal, só o enorme peso do monumental fracasso.

—Irmã…

—Devo ir a reflexão depois de falar com o Rei e a Directrix.

OH, não… A reflexão eram sete ciclos sem comida, nem luz, nem contato com as outras, com a intenção de expiar as infrações do grau mais alto. O pior disso, segundo o que Cormia tinha escutado, era a falta de iluminação, já que as Escolhidas ansiavam a luz.

—Irmã, está certa de que não desejava você?

—Os corpos dos machos não mentem nesse aspecto. Misericordiosa Virgem… talvez isto seja para melhor. Pode ser que não o tivesse agradado. —Desvio os pálidos olhos verdes— foi muito melhor que não fosse sua instrutora. Estou treinada na teoria, não na prática, assim não poderia ter repartido conhecimento visceral.

—Teria preferido que fosse você.

—Então é imprudente. —A rosto da Escolhida envelheceu de repente, tornou-se uma anciã— E aprendi minha lição. Tirarei-me do lago de ehros, já que claramente sou incapaz de manter sua sensual tradição.

Cormia não gostou das sombras mortiças que havia nos olhos de Layla.

—Talvez fosse ele o problema?

—Não houve nenhuma falta por sua parte. Não estava agradado de mim. É minha carga, não a sua —limpou uma lágrima— Devo dizer, não há um fracasso maior que o sexual. Nada dói tão fundo como a negação de sua nudez e seu instinto de comunhão por parte do macho com o que se deseja aparear… ser rechaçada em sua pele é o pior tipo de rechaço. Por isso devo deixar o ehros, não só por sua fina tradição, mas também por mim. Não poderia passar outra vez por isso. Nunca. Agora por favor, vai, e não diga nada. Devo recuperar a calma.

Cormia queria ficar, mas discutir não parecia ser o correto. Levantou-se e tirou a túnica exterior, envolvendo com ela à irmã.

Layla levantou o olhar com surpresa.

—Realmente, não tenho frio.

Isso foi dito enquanto apertava o tecido com mais força contra o pescoço.

—Que esteja bem, irmã. —Cormia se virou e partiu do lago da reflexão.

Ao olhar o céu leitoso e azul, quis gritar.

Vishous rodou o corpo de Jane e a colocou de maneira que se apertasse contra seu torso. Gostava de tê-la perto, em seu lado esquerdo, com a mão de lutar livre para matar por ela. Jazendo ali agora, nunca havia se sentido mais centrado, nunca o propósito de sua vida tinha estado tão claro: sua única prioridade era mantê-la viva, saudável e a salvo, e a força com a que defendia esse direito o fez sentir-se completo.

Era quem era graças a ela.

No pouco tempo que se conheciam, Jane tinha entrado em empurrões nessa câmara secreta de seu peito, afastando Butch de um empurrão e se encerrou no interior com força. E se sentia bem. O ajuste se fazia correto.

Ela soltou um pequeno murmúrio e se chegou mais perto. Enquanto Vishous lhe acariciava as costas, encontrou-se pensando, sem nenhuma razão, na primeira briga que tinha tido, uma confrontação seguida de perto pela primeira vez que teve sexo.

No acampamento guerreiro, aos machos que acabavam de passar a transição lhes era dado uma limitada quantidade de tempo para recuperar a força. Mas ainda assim, quando o pai de Vishous se elevou sobre ele e declarou que ia lutar, V se surpreendeu. Sem dúvida deveria ter tido um dia para recuperar-se.

O Bloodletter sorriu, mostrando presas que sempre estavam alongadas.

—E deverá fazê-lo com o Grodht.

O soldado do qual V tinha roubado a perna de veado. O gordo que era destro com o martelo.

Com o cansaço pesando sobre ele, e seu orgulho que era tudo o que o mantinha em pé, V procedeu ao campo de combate que estava situado na parte de trás de onde dormiam os soldados. O campo era um alo circular e irregular no chão da cova, como se um gigante tivesse esmagado o punho sobre a terra por frustração. Profundo como a cintura de um homem, tinha os laterais e o fundo de cor marrom escura pelo sangue que tinha sido derramado, esperava-se que lutasse até que não pudesse se manter em pé. Nenhuma conduta estava proibida, e a única regra que havia era para o perdedor, que tinha que apresentar-se para responder por sua deficiência em combate.

Vishous sabia que não estava preparado para lutar. Virgem do Fade, mal podia descer ao campo sem cair. Mas claro, esse era o propósito, não? Seu pai tinha posto em marcha a perfeita manobra de poder. Só havia uma maneira com a qual V podia esperar ganhar, e se usasse a mão, todos no acampamento veriam por si mesmos o que só tinham ouvido como um rumor, e fugiriam por completo. E se perdesse? Então não seria percebido como uma ameaça para o domínio de seu pai. Então de qualquer maneira a supremacia de Bloodletter permaneceria intacta e sem se desafiar pela nova maturidade de seu filho.

Quando o gordo soldado saltou para o interior com um grito vigoroso e um giro de martelo, o Bloodletter se moveu ao limite do fossa.

—Que arma deverei dar a meu filho? —perguntou à multidão reunida— Acredito que talvez… —olhou para uma das fêmeas da cozinha, que se apoiava sobre uma vassoura—Me dê.

A fêmea se moveu torpemente para obedecer e a deixou cair aos pés de Bloodletter. Ao inclinar-se para agarrá-la, ele chutou à mulher para um lado como faria com um ramo quebrado que está obstruindo o caminho.

—Pegue isto, meu filho. E roga a virgem que isto não seja usado em você quando perder.

Enquanto a multidão de espectadores ria, V pegou o cabo de madeira.

—Adiante! —rugiu o Bloodletter.

O público aclamou e alguém lançou as latas de sua cerveja em Vishous, a cálida salpicadura bateu suas costas nuas e escorreu por seu traseiro descoberto. O soldado gordo que tinha diante sorriu, mostrando presas que se estenderam até sua mandíbula inferior. O macho começou a mover-se em círculos ao redor de V, balançando o martelo ao final de seu braço, e um sob assobio se elevou.

V se movia com estupidez seguindo seu oponente, lhe resultando difícil controlar as pernas. concentrou-se acima de tudo no ombro esquerdo do macho, que se esticava antes de lançar o martelo, enquanto com sua visão periférica vigiava a multidão. Cereja era o mínimo que lhe podiam jogar.

Acabou nem sendo tanto uma luta como um concurso de se esquivar, com V em uma defesa incompetente e seu inimigo em um ataque fanfarrão. Enquanto o soldado desdobrava sua habilidade com a notável arma, V aprendeu quão previsivel eram as ações do macho assim como o ritmo do martelo. Mesmo forte como era o soldado, tinha que quadrar os pés antes de lançar a bola com pontas agudas do tamanho de uma cabeça que tinha o martelo. V esperou uma das pausas na ação e então atacou, girando a vassoura e golpeando com o pau diretamente na sexo do bulboso soldado.

O macho rugiu, perdeu o agarre do martelo e juntou as pernas de repente, segurando seu sexo. V não perdeu nem um momento. Elevou a vassoura por cima de seu ombro e a fez girar com tudo o que tinha, golpeando seu oponente nas têmporas e lhe fazendo perder o sentido.

Os gritos se apagaram até que tudo o que se escutou foi o som do barulho do fogo e o som da respiração entrecortada de V. Deixou cair a vassoura e passou por cima de seu oponente, preparado para sair.

As botas de seu pai se plantaram no limite do círculo, lhe bloqueando o caminho.

Os olhos do Bloodletter estavam entrecerrados como lâminas de faca.

—Não terminou.

—Não se levantará.

—Isso não importa. —Bloodletter indicou com a cabeça ao soldado —Termina.

Enquanto seu oponente gemia, Vishous avaliou seu pai. Se V dizia que não, o jogo que seu pai estava jogando seria satisfeito, a alienação que o Bloodletter procurava completar, embora não da maneira que o macho provavelmente esperava. V se transformaria em um alvo pelo simples fato de que seria visto como fraco por não castigar seu oponente. Se o rematava, entretanto, sua posição no acampamento seria tão estável como fosse possível… até a seguinte prova.

O cansaço o ultrapassou. Sua vida sempre estaria apoiada em semelhante balança, crua e imperdoável?

Bloodletter sorriu.

—Este bastardo que se faz chamar meu filho não tem caráter, ou isso parece. Possivelmente a semente que o útero que sua mãe tomou era de outro?

A risada se estendeu pela multidão, e alguém gritou:

—Nenhum filho seu duvidaria em semelhante momento!

—E durante uma luta nenhum verdadeiro filho meu seria tão covarde para atacar a parte vulnerável de um macho. —O Bloodletter olhou nos olhos de seus homens— Os fracos devem ser matreiros, já que não dispõem de força.

A sensação de ser estrangulado se instalou na garganta de Vishous, tão segura como se as mãos de seu pai tivessem rodeado seu pescoço. Enquanto sua respiração se acelerava de novo, a ira crescia em seu peito e seu coração palpitava. Baixou a vista ao soldado gordo que o tinha golpeado… depois pensou nos livros que seu pai o tinha feito destruir… e o menino que se lançou contra ele… e os milhares de atos cruéis e descorteses que lhe tinham feito ao longo de sua vida.

O corpo de V se acelerou pela cólera que ardia nele, e antes de saber o que estava fazendo, estava-lhe dando a volta ao soldado, deixando-o ajoelhado sobre sua gorda barriga.

Tomou o macho. Em frente de seu pai. Em frente do acampamento.

E o fez de forma brutal.

Quando terminou, separou-se e tropeçou para trás.

O soldado estava cheio com o sangue de V, seu suor e os restos de sua veemência.

Subindo como uma cabra, saiu da fossa, e embora não soubesse que parte do dia era, correu pelo acampamento à entrada principal da cova. Quando saiu violentamente, a fria noite estava justo tomando posse do terreno, e o tênue brilho no leste lhe queimou o rosto.

Inclinou-se de joelhos e vomitou. Uma e outra vez.

—É tão fraco —a voz do Bloodletter era aborrecida… mas só na superfície. Havia uma profundidade de satisfação em suas palavras, causada pela missão completada: embora Vishous fazia o que devesse com o soldado, sua retirada depois tinha sido precisamente o tipo de covardia que seu pai tinha procurado.

Os olhos do Bloodletter se estreitaram.

—Nunca me vencerá, menino. Assim como nunca se libertará de mim. Dirigirei sua vida…

Agitado por uma rajada de ódio, V se levantou de sua posição agachada e atacou seu pai frontalmente, com a mão brilhante na frente. Bloodletter ficou rígido quando a sacudida elétrica lhe percorreu o corpo, e ambos caíram no chão, com Vishous em cima dele. Atuando por instinto, V colocou sua brilhante palma branca em torno da grossa garganta de seu pai e apertou.

Enquanto a rosto do Bloodletter se voltava de um vermelho brilhante, o olho de V lhe piscou brevemente e uma visão substituiu o que tinha na frente.

Viu a morte de seu pai. Com tanta claridade como se estivesse acontecendo diante dele.

As palavras saíram de sua boca, embora não fosse consciente de as pronunciar:

—Terá seu fim em uma parede de fogo causada por uma dor que conhece. Arderá até não ser nada, salvo fumaça, e o vento disporá de ti.

A expressão de seu pai mudou para uma de absoluto horror.

V foi separado por outro soldado e segurado pelas axilas, com os pés pendurando sobre a neve.

Bloodletter se levantou de um salto, com o rosto aceso, uma linha de suor gotejando por cima de seu lábio superior. Respirava como um cavalo montado duramente, e nuvens brancas saíam de sua boca e nariz.

V esperava totalmente ser golpeado até a morte.

—Me tragam minha adaga. —grunhiu seu pai.

Vishous esfregou o rosto. Para evitar pensar no que aconteceu depois, pensou que essa primeira vez com o soldado nunca o tinha feito se sentir bem. Trezentos anos depois ainda a sentia como uma violação para o outro macho, embora essa tenha sido a forma de comportamento no acampamento.

Olhou Jane apertada ao seu lado e decidiu que, por isso no que se refería a ele, esta noite tinha sido quando finalmente tinha perdido a virgindade. Embora seu corpo tenha feito o ato de muitas formas diferentes a muitas pessoas distintas, o sexo sempre tinha sido um troca de poder… poder que fluía em sua direção, poder do que se alimentava para assegurar-se de que nunca mais ninguém o ia derrubar e amarrar, e impedir que lutasse enquanto lhe faziam as merdas que queriam.

Esta noite não tinha encaixado com seu padrão. Com Jane tinha havido uma troca: tinha dado algo a ele, e ele em troca tinha cedido uma parte de si mesmo.

V franziu o cenho. Uma parte, mas não tudo.

Para fazer isso teriam que ir a seu outro lugar. E… merda, iriam lá. Embora só pensar nisso lhe desse um frio pavor, jurou que antes de que ela abandonasse sua vida, daria-lhe a única coisa que nunca tinha permitido que ninguém tivesse.

E que nunca mais daria a ninguém.

Queria devolver a confiança que Jane lhe tinha dado. Era tão forte como pessoa, como mulher, e ainda assim se pôs a seu cuidado sexual… mesmo sabendo que tinha duras tendências dominadoras e que não estava a sua altura fisicamente.

Sua confiança o punha de joelhos. E antes de que se fosse era preciso lhe devolver a fé.

Os olhos de Jane foram abrindo-se e encontraram os seus, e os dois falaram ao mesmo tempo:

—Não quero que vá.

—Não quero deixar você.

Quando John despertou na tarde seguinte, teve medo de mover-se. Diabos, tinha medo de abrir os olhos. E se tinha sido um sonho? Reafirmando-se levantou o braço, separou os dedos e… ah sim, ali estava. A palma da mão era tão grande como sua cabeça. O braço era mais longo do que o osso da coxa tinha sido antes. O pulso tão grosso como uma vez foi a pantorrilha.

Tinha conseguido.

Esticou a mão para seu celular e enviou mensagens a Qhuinn e Blay, que as devolveram imediatamente. Estavam absolutamente orgulhosos dele, sorriu abertamente… até que se deu conta de que tinha que usar o banheiro e deu uma olhada à porta aberta. Olhando através do marco, viu a ducha.

OH, Deus. Realmente na noite passada tinha estragado tudo com a Layla?

Atirou o telefone sobre o edredom, ainda enquanto a coisa soava anunciando que tinha novas mensagens esperando. Esfregando o peito estranhamente amplo com a nova mão do Shaquille Ou'Neal, se sentiu como no inferno. Deveria desculpar-se com Layla, mas para que? Por ser um macho patético que se voltou frouxo? Sim, essa era uma conversa que morria por ter, sobre tudo quando sem dúvida não estava nada impressionada por ele e sua atuação.

Era melhor deixar passar? Provavelmente. Era tão linda, sensual e perfeita em todos os sentido que não havia nenhuma possibilidade de que pensasse que o ocorrido tinha sido culpa dela. Tudo o que conseguiria seria envergonhar-se até padecer de um aneurisma enquanto escrevia o que lhe diria se tivesse uma laringe.

Entretanto, ainda se sentia como no inferno.

Seu despertador disparou, e foi fodidamente estranho estirar esse braço de homem e fazê-lo calar. Quando ficou de pé foi mesmo mais estranho. Sua posição de superioridade era totalmente diferente e tudo parecia menor; o mobiliário, as portas, o quarto. Mesmo o teto era mais baixo.

Exatamente de que tamanho era?

Quando tratou de dar uns poucos passos, sentiu-se como uma daquelas pessoas do circo que andam com pernas de pau; desengonçado, frouxo, em perigo de cair. Sim… um pernilongo de circo que tinha tido um derrame cerebral, porque as ordens que dava a seu cérebro não eram recebidas corretamente pelos músculos e ossos. Em seu caminho de volta do banheiro deu tombos por toda parte, segurando-se nas cortinas, no marco das janelas, de uma cômoda, do batente da porta…

Sem nenhuma razão em particular pensou em quando cruzava o rio em seus passeios com Zsadist. Enquanto caminhava agora, os objetos fixos que usava como apoio eram como as pedras que saltavam de uma para a outra para evitar a corrente de água, pequenas ajudas de grande importância.

O banheiro estava escuro como a boca de um lobo, pois as persianas estavam fechadas pelo dia e tinha apagado todas as luzes depois de Layla o deixasse. Com a mão no interruptor respirou fundo, logo acendeu as lampadas.

Piscou com força, seus olhos estavam hipersensíveis e muito mais agudos do que o tinham sido antes. Depois de um momento, seu reflexo entrou em sua linha visual como uma aparição, surgindo à luz, como um fantasma de si mesmo. Era…

Não queria sabê-lo. Ainda não.

John apagou as luzes e foi à ducha. Enquanto esperava que corresse a água quente, apoiou as costas contra o frio mármore, abraçando a si mesmo. Nesse momento tinha a absurda necessidade de que o abraçassem, assim era bom que estivesse sozinho. Embora tivesse esperado que a mudança o fizesse mais forte, parecia que o havia tornado ainda mais fraco, parecia um bebê chorão.

Lembrou a matança daqueles lessers. Justo depois que os apunhalou tinha conseguido tanta lucidez no que se referia a quem era e ao tipo de poder que tinha. Mas tudo isso se desvaneceu, até tal ponto que realmente não estava seguro de que alguma vez houvesse se sentido dessa maneira.

   Empurro a porta da ducha e entrou.

Cristo, Oh! A fina chuva parecia agulhas se cravando em sua pele e quando tentou ensaboar o braço com aquela substância moída francesa que Fritz tinha comprado, picou-lhe como o ácido de bateria. Teve que forçar a si mesmo a lavar o rosto, e embora fosse excitante ter uma incipiente barba no queixo pela primeira vez na história documentada, a idéia de passar um barbeador elétrico pelo rosto era absolutamente repulsiva. Como passar um ralador de queijo pela bochechas.

Estava lavando-se, tão brandamente como podia, quando chegou as genitálias. Sem pensar muito nisso, fez o que tinha feito toda sua vida, uma passada rápida sob seu testículo e depois sobre sua coisa…

Desta vez o efeito foi diferente. Ficou duro. Seu… pênis ficou duro.

Deus, pareceu-lhe estranho usar essa palavra, mas… bom, essa coisa era definitivamente um pênis agora, algo que um homem tinha, algo que um homem usava…

A ereção sofreu um frenazo. Simplesmente o inchaço e o alongamento pararam. O desejo que se enroscava na parte inferior de seu ventre também desapareceu.

Enxaguou o sabão, determinado a não abrir a caixa de Pandora a respeito dele e do sexo. Tinha suficientes problemas. Seu corpo era um carro de controle remoto cuja antena estava torta; ia a aula, onde todo mundo o olharia fixamente, e de repente caiu em conta de que Wrath devia saber sobre a arma que tinha usado no centro da cidade. Depois de tudo, haviam o trazido de volta aqui de algum jeito e Blay e Qhuinn teriam tido que explicar o que estava acontecendo na cena. Conhecendo Blay, o cara trataria de proteger John pelo uso da nove milímetros e admitiria que era dele, mas e se chegassem a lhe tirar do programa? Supunha-se que ninguém usava armas quando estavam fora e a passeio. Ninguém.

Quando John saiu da ducha, secar-se com a toalha não era uma opção. Ainda que estivesse frio como o demônio se deixou secar ao ar enquanto escovava os dentes e cortava as unhas. Seus olhos eram muito penetrantes na escuridão, assim encontrar o que procurava nas gavetas não foi um problema. Embora, evitar o espelho era, por isso foi para seu quarto.

Abrindo o armário, tirou uma bolsa do Abercrombie & Fitch. Fritz tinha aparecido com ela em frente a sua porta umas semanas atrás e quando John tinha dado uma olhada à roupa, pensou que o mordomo tinha perdido a razão. Dentro havia um novo par de jeans desgastados, uma sueter do tamanho de um saco de dormir, uma camiseta tamanho XXXL, e em uma brilhante caixa nova, um Nike Air Shox tamanho 44.

No fim Fritz, como de costume, tinha tido razão. Tudo servia. Mesmo os tênis tamanho navio.

Quando John cravou os olhos em seus pés, pensou que aqueles Nike teriam que vir com colete salva-vidas e uma fodida âncora de tão grandes que eram.

Deixou o quarto, suas pernas andavam de um modo torpe, os braços balançavam livremente, o equilíbrio completamente perdido.

Quando chegou ao alto da magnífica escada levantou os olhos para teto observando os retratos dos grandes guerreiros.

Rezou por chegar a ser um. Mas simplesmente não podia entender como demônios poderia consegui-lo.

Phury despertou com a imagem da fêmea de seus sonhos. Ou talvez estivesse sonhando?

—Olá. —disse Bela.

Pigarreou, e ainda assim sua voz soou aguda quando respondeu:

   —Está realmente aqui?

—Sim. —Tomou sua mão e se sentou no limite da cama— Aqui mesmo. Como se sente?

Merda, tinha-a preocupado e isso não era bom para o bebê.

Com a pouca energia que tinha fez uma rápida limpeza mental, um OxyClean[3] de seu cérebro, varrendo os resíduos dos néscios vermelhos que fumou, assim como a letargia que lhe davam a ferida e o sonho.

—Estou bem —disse, elevando a mão para poder esfregar o olho bom. Não foi uma boa idéia. No punho tinha seu desenho, enrugado por havê-lo estado abraçando enquanto dormia. Empurrou o pedaço de papel sob o lençol antes que pudesse perguntar o que era— Deveria estar na cama.

—Deixam-me me levantar um pouco cada dia.

—De todo modo, deveria…

—Quando tiram as ataduras?

—OH, agora, suponho.

—Quer que o ajude?

—Não. —A última coisa que precisava era que averiguasse que ficou cego no mesmo momento em que ele o fazia.

— Mas obrigado.

—Quer que traga algo de comer?

A gentileza de sua parte era mais dura que uma banda de ferro envolvendo suas costelas.

—Obrigado, mas chamarei Fritz daqui a pouco. Deveria voltar e se deitar.

—Ficam quarenta e quatro minutos —olhou seu relógio— Quarenta e três.

Apoiou-se nos braços para endireitar-se, atirando os lençóis para cima para cobrir parte de seu peito.

—Como se sente?

—Bem. Assustada mas bem...

A porta se abriu sem que ninguém batesse. Quando Zsadist entrou, seus olhos se fixaram em Bela como se tratasse de ler seus sinais vitais no rosto.

—Pensei que a encontraria aqui. —inclinou-se e a beijou na boca, logo ambos os lados do pescoço, sobre as veias.

Phury afastou o olhar durante a saudação… e se deu conta de que sua mão havia se enterrado sob a colcha e encontrado o desenho. Obrigou-se a soltá-lo.

Toda a atitude de Z era muito mais relaxada.

—Então como está, irmão?

—Bem —embora se ouvisse essa pergunta mais uma vez de qualquer um deles, ia montar uma cena saída do filme Scanners[4], porque sua cabeça ia explodir—Bastante bem para sair esta noite.

Seu gêmeo franziu o cenho.

—Tem alta da doutora de V?

—Só me incumbe.

—Wrath poderia ter uma opinião diferente.

—Muito bem, mas se não estiver de acordo, vai ter que me prender para me manter aqui. —Phury se tranqüilizou, não queria ficar tenso estando Bela ao seu redor— Vai dar aula durante a primeira metade desta noite?

—Sim, acredito que adiantarei algo mais sobre as armas de fogo. —Z percorreu o cabelo cor mogno de Bela com a mão, acariciando-o ao mesmo tempo que suas costas. Fez-o aparentemente sem dar-se conta, e ela aceitou o roçar com o mesmo afetuoso abandono.

A Phury doeu o peito até o ponto de ter que abrir a boca para respirar.

—Por que não me encontro com vocês lá embaixo para a primeira refeição, o que lhes parece? Vou tomar banho ,e tirar as ataduras e me vestir.

Bela se levantou e a mão de Z se moveu para sua cintura e a aproximou dele.

Deus, eram uma família, não é verdade? Eles junto à criatura que ela levava no ventre. E em pouco mais de um ano, se a Virgem Escriba o achasse adequado, permaneceriam assim com seu bebê nos braços. Mais adiante, anos depois, seu menino estaria a seu lado. E logo seu filho ou filha se aparearia, e outra geração da raça levaria seu sangue. Uma família, não uma fantasia.

Para apressá-los, Phury se moveu como se estivesse se preparando para levantar.

—Vejo você lá embaixo na sala de jantar —disse Z, sua palma deslizando-se em torno da parte inferior do ventre de sua shellan— Bela vai voltar para a cama, não é, nalla?

Ela olhou seu relógio.

   —Vinte e dois minutos. Mais é mais provável que e usó vá até o banheiro.

Trocaram várias palavras de despedida, mas Phury não prestou muita atenção porque morria para que partissem. Quando a porta finalmente se fechou, alargou a mão para o bastão, saiu da cama e foi diretamente para o espelho que havia sobre a cômoda. Tirou o esparadrapo e logo se desprendeu das capas de gaze. Debaixo as pestanas estavam tão pegas e emaranhadas que entrou no banheiro, fez correr um pouco a água e lavou o rosto várias vezes antes de ser capaz de as separar.

Abriu o olho.

E viu perfeitamente.

A falta total de alivio ante sua perfeita e estupenda visão era arrepiante. Deveria o haver preocupado. Precisava preocupar-se. Tanto respeito a seu corpo como se fosse umtemplo. Só que não fazia isso agora.

Agitado, tomou uma ducha e se barbeou, logo colocou a prótese e se vestiu com a roupa de couro. Estava saindo com os equipamento para levar as adagas e pistolas na mão quando fez uma pausa perto da cama. Aquele desenho que tinha feito ainda estava espremido sob os lençóis; podia ver as brancas e enrugadas bordas, entre as dobras de cetim azul.

Visualizou a mão de seu gêmeo no cabelo de Bela. Depois na parte baixa de seu ventre.

Phury se aproximou, recolheu o desenho e o alisou na mesinha de cabeceira. Deu-lhe um último olhar, logo o rasgou em pequenas partes, pôs o monte em um cinzeiro e acendeu um fósforo com o polegar. Com a chama ardendo, inclinou-a sobre o papel.

Quando somente restou cinza, levantou-se e deixou o quarto.

Era o momento de abandonar esses pensamentos, e sabia como fazê-lo.

V estava realmente feliz. Totalmente e absolutamente. Um cubo de Rubik resolvido. Os braços estavam ao redor de sua fêmea, seu corpo apertado junto ao dela, seu perfume no nariz. Apesar de ser noite, era como se o sol brilhasse sobre ele.

Então ouviu o tiro.

Estava dentro do sonho. Estava dormindo e dentro do sonho.

O horror do pesadelo se desdobrou como sempre fazia, e ainda assim era como se fosse a primeira vez que o houvesse sentido. Sangue em sua camisa. A dor lhe rasgando o peito. Um descida até ficar de joelhos, sua vida terminada…

V se sentou de repente na cama, gritando.

Jane se lançou sobre ele para acalmá-lo enquanto a porta se abria violentamente e Butch se precipitava para dentro empunhando uma arma. Suas vozes se mesclaram, uma salada de frutas de palavras ditas rapidamente.

—Que grito…!

—Está bem?

V se moveu entre os lençóis, arrancando-o do torso para assim poder ver o peito. A pele estava em perfeito estado, mas ainda assim passou a mão sobre si mesmo.

—Jesus Cristo…

—Foi uma lembrança do tiroteio? —perguntou Jane enquanto insistia em recostar-se em seus braços.

—Sim, merda…

   Butch baixou o canhão da arma e levantou sua cueca.

—A Marissa e a mim deu um susto de morte. Quer um Goose para se acalmar?

—Sim.

—Jane? Algo para você?

Estava negando com a cabeça quando V a interrompeu dizendo:

   —Chocolate quente. Gostaria de uma xícara de chocolate quente. Disse a Fritz que comprasse um pouco. Está na cozinha.

Quando Butch os deixou, V esfregou o rosto.

—Lamento por isso.

—Deus, não se desculpe. —Passou-lhe a mão de cima a baixo pelo peito— Está bem?

Assentiu. Então, como um bobo total, beijou-a e disse:

—Me alegro de que esteja aqui.

—Eu também. —Rodeou-o e o apertou em seus braços como se fosse algo precioso.

Ambos guardaram silêncio até que Butch retornou um pouco mais tarde com um copo em uma mão e uma xícara na outra.

—Quero uma boa gorjeta. Queimei o dedo mindinho na cozinha.

—Quer que olhe isso? —Jane acomodou o lençol debaixo dos braços e esticou a mão para o chocolate.

—Acredito que viverei, mas obrigado, doutora Jane. —Butch estendeu o Goose a V— E você, grande homem? Está calmo agora?

Não. Não depois do sonho. Não com Jane partindo.

   —Sim.

Butch negou com a cabeça.

   —É um péssimo mentiroso.

—Que o chutem pelo traseiro. —Não havia nenhum calor nas palavras de V absolutamente. E nenhuma convicção quando acrescentou— Estou calmo agora.

O poli se dirigiu para a porta.

   —Ah, falando de calma, sabem? Phury apareceu na primeira refeição, completamente disposto a sair e lutar esta noite. Z se deteve brevemente aqui faz uma meia hora a caminho da aula, para agradecer a você, doutora Jane, por tudo o que fez. O rosto de Phury tem um bom aspecto e o olho do irmão está funcionando perfeitamente bem.

Jane soprou por cima da xícara.

—Sentiria-me melhor se fosse ver um oftalmologista para estar seguro.

—Z disse que insistiu nisso e não fez conta. Mesmo Wrath tentou.

—Me alegro de que nosso moço esteja bem —disse V, e realmente o sentia. O problema era, que a única desculpa para que Jane ficasse acabava de evaporar-se.

—Sim, eu também. Deixarei-os sozinhos. Vemo-nos depois.

Quando a porta se fechou, V escutou o som que fazia Jane soprando seu chocolate quente outra vez.

—Vou levar você para casa esta noite —disse.

Deixou de soprar. Fez uma longa pausa e então bebeu um gole suspirando.

—Sim. Já é hora.

Ele bebeu a metade do copo do Goose.

—Mas antes de que o faça, eu gostaria de levar você a um lugar primeiro

—Onde?

Não estava seguro de como lhe dizer o que queria que ocorresse antes de deixá-la ir. Não queria que fugisse, especialmente quando considerava os anos e anos e todo o sexo desonesto e apático que ia ter que tolerar.

Terminou seu Goose.

—A um lugar particular.

Enquanto bebia da xícara, suas sobrancelhas desceram.

   —Então realmente vai me deixar ir, né?

Contemplou seu perfil e desejou que se conhecessem em outras circunstâncias. Salvo que como era teria acontecido isso alguma vez?

—Sim —disse tranqüilamente— O farei.

Três horas mais tarde estando em frente a seu armario, John desejava que Qhuinn fechasse o maldito bico. Ainda quando o vestuário era ruidoso, devido aos sons de golpes de portas metálicas ao fechar-se, o esvoaçar das roupa e o ruído dos sapatos ao cair, parecia-lhe que seu companheiro tinha um megafone grampeado ao lábio superior.

—É realmente enorme, J. M. Sério. Como… um “ginorme[5]”.

Essa não é uma palavra. John colocou a mochila de um empurrão como estava acostumado a fazer e se deu conta de que nenhuma dos objetos que estava colocando voltaria a ficar bem.

—O inferno que não o é. Me apóie, Blay.

Blay assentiu enquanto colocava seu ji.

—Sim, deu-se conta? Vais chegar a ser do tamanho de um irmão.

—Gigante.

Bem, tampouco é uma palavra, idiota.

—Está bem, realmente, realmente, realmente grande. O que você acha disso?

John sacudiu a cabeça enquanto punha os livros no chão e embutia profundamente os pequenos objetos no cubo de lixo mais próximo.

Quando voltou a levantar-se, mediu seus amigos e se precaveu de que era maior que ambos por uns bons dez centímetros. Demônios, era tão alto quanto Z.

Olhou para o corredor, para Lash. Sim, também ultrapassava Lash em altura.

O bastardo lhe deu uma olhada enquanto tirava a camisa, como se percebesse o olhar fixo de John. Com um suave movimento, o tipo deliberadamente flexionou os ombros, os músculos se avultaram tensos sob a pele. Tinha uma tatuagem que lhe atravessava o estômago que não tinha estado ali dois dias antes, uma palavra na Antiga Língua que John não reconheceu.

—John, traz seu traseiro até o corredor em um segundo.

Todo o lugar ficou em silêncio, John sacudiu a cabeça bruscamente de um lado para o outro. Zsadist estava de pé na porta do vestuário, todo sua atitude dizendo vamos ao ponto.

—Merda —sussurrou Qhuinn.

John guardou a mochila, fechou o armario e puxou a camisa para pô-la em seu lugar. Caminhou para o irmão tão rapidamente como pôde, andando ao redor dos outros caras enquanto estes fingiam seguir com o que estavam fazendo.

Z sustentou a porta aberta enquanto John saía para o corredor. Depois de fechá-la, disse:

   —Esta noite, você e eu nos encontraremos antes da alvorada, como sempre. Apenas vamos saltar nosso passeio. Virá até à sala de pesos enquanto eu me exercito. Temos que conversar.

Merda, era direto. John disse por gestos:

À mesma hora?

—Às 4 a.m. Quanto ao treinamento desta noite, espero que permaneça sentado no ginásio, mas que participe da prática no campo de tiro. Entendeu-me?

John inclinou a cabeça, logo, quando o macho se virou para afastar-se, pegou o braço de Z.

É sobre a noite passada?

—Sim.

O irmão se afastou, abrindo de um murro as portas duplas do ginásio. Quando as duas metades se fecharam fizeram um seco som metálico.

Blaylock e Qhuinn apareceram atrás de John.

—O que está acontecendo? —perguntou Blay.

Me vão cobrir de merda por fulminar aquele lesser, disse John por gestos.

Blay passou a mão pelo cabelo vermelho.

   —Deveria haver encoberto melhor você.

Qhuinn sacudiu a cabeça.

—John, o apoiaremos, amigo. Quero dizer, ir ao clube foi minha idéia.

—E a arma era minha.

John cruzou os braços sobre o peito.

Tudo está bem.

Ou ao menos esperava. Como as coisas indicavam que estava no limite de ser chutado para fora do programa.

—A propósito…— Qhuinn pôs a mão sobre o ombro do John— Não tive oportunidade de agradecer a você.

Blay assentiu com a cabeça.

—Eu tampouco. Foi honrado ontem à noite. Totalmente honrado. Você nos salvou.

—Merda, sabia exatamente o que estava fazendo.

John sentiu que seu rosto ficava avermelhado.

—Mas isto não é agradável? —disse Lash arrastando as palavras—Me digam algo, fazem o jogo do pau mais curto dos três para decidir quem ficará por baixo? Ou é sempre John?

Qhuinn sorriu, expondo suas presas.

—Alguma vez mostrou alguém a você a diferença entre um bom toque e um mau toque? Porque estaria encantado de lhe demonstrar isso Poderíamos começar agora mesmo.

John se colocou diante de seu amigo, plantando-se cara a cara com Lash. Não disse nada, só olhou para baixo, ao tipo.

Lash sorriu.

—Tem algo a me dizer? Não? Espera, ainda está sem voz? Deus… que dó.

John podia sentir Qhuinn preparando-se para equilibrar-se, o calor e o impulso emanando de seu amigo. Para deter a briga que ocorreria, John levou uma mão para trás e a pôs sobre os abdominais de seu companheiro para mantê-lo no lugar.

Se alguém ia brigar com Lash, esse alguém era ele.

Lash riu e apertou o cinturão de seu ji.

—Não me faça frente como se tivesse valor John-boy. A transição não o muda no interior nem acerta seus defeitos físicos. Não é mesmo, Qhuinn? ?Enquanto girava para afastar-se disse em voz baixa— Fodido defeituoso.

Antes que Qhuinn pudesse saltar sobre ele, John se voltou e o pegou pela cintura enquanto Blay o sujeitava com força de um dos braços. Mesmo combinando seus pesos, era como conter um touro.

—Se acalme —grunhiu Blay— Só relaxe.

—Um dia destes vou mata-lo —vaiou Qhuinn—Jjuro por Deus.

John deu um olhar enquanto Lash caminhava até o ginásio.

Fazendo uma promessa a si mesmo, marcou o cara para lhe dar uma surra, embora depois disso o chutassem para fora do programade treinamento para sempre.

Sempre pensou que se mexia com seus amigos, estava pedindo por briga. Fim da história.

O assunto era, que agora tinha a equipe para cumprir com o trabalho.

Ao redor da meia-noite Jane se encontrou na parte de trás de um Mercedes negro a caminho de casa. Na parte dianteira, do outro lado da divisão que estava colocada, o condutor uniformizado, era esse mordomo mais velho que Deus e tão alegre como um terrier. A seu lado, V estava vestido de couro negro, tão silencioso e sombrio como uma lápide.

Não havia dito muito. Mas não lhe soltava a mão.

Os vidros do carro estavam obscurecidas até tal ponto que se sentia como se estivesse em um túnel, e em um esforço por se localizar, apertou um botão na porta que tinha ao lado. Quando sua porção de vidro baixou, uma assombrosa rajada fria entrou e substituiu a calidez, como um valentão dispersando os meninos bons em um pátio na hora do recreio.

Afastou a cabeça à brisa e olhou o atoleiro de luz que arrojavam os faróis. A paisagem estava imprecisa, como uma fotografia desfocada. Pelo ângulo descendente da estrada, sabia que estavam dscendo uma montanha. A coisa era que não podia captar nenhuma sensação de aonde se dirigiam nem de onde vinham.

De uma estranha maneira, a desorientação era apropriada. Este era o interlúdio entre o mundo no que tinha estado e ao que estava retornando, e os lances entre um e outro deveriam ser brumosos.

—Não posso ver onde estamos —murmurou ao subir o vidro.

—Chama-se mhis —disse V— Pensa nisso como uma ilusão protetora.

—Seu truque?

—Sim. Importa-se que acenda um cigarro, quando deixar entrar um pouco de ar fresco?

—Está bem. —Não é como se fosse estar a seu redor por muito tempo.

Merda.

V lhe apertou a mão e desceu o vidro meio centímetro, o suave zumbido do vento se propagava por cima do silencioso murmúrio do sedan. Sua jaqueta de couro rangeu quando tirou um cigarro embalado à mão e um acendedor de ouro. A pedra fez um pequeno estalo, e então o aroma do tabaco turco provocou em Jane um formigamento no nariz.

—Esse aroma vai me… —se deteve.

—O que?

—Ia dizer “me lembrar tanto a você”. Mas não o fará, certo?

—Talvez em sonhos.

Pôs as pontas de seus dedos na janela. O vidro estava frio. Assim como o seu peito.

Como não podia suportar o silêncio, disse:

—Este seus inimigos, o que são exatamente?

—Começam como humanos. Depois se convertem em algo diferente.

Enquanto inalava, viu seu rosto banhado de luz laranja. Barbeou-se antes de sair, usando a navalha que uma vez tinha querido usar voltar contra ele, e seu rosto era impossivelmente lindo e arrogante, masculino, duro como sua vontade. As tatuagens em sua têmpora ainda estavam belamente feitas, mas agora as odiava, reconhecendo-as como a violação que eram.

Esclareceu a garganta.

—Bem, me diga mais.

—A Sociedade Lessening, nossa inimiga, escolhe seus membros mediante um processo cuidadosamente analisado. Procuram sociópatas, assassinos, gente amoral do tipo Jeffrey Dahmer[6]. Então o Omega se mete…

—O Omega?

Baixou a vista até a ponta de seu cigarro.

—Suponho que o equivalente cristão é o demônio. De todas as maneiras, o Omega coloca as mãos neles… além de outras coisas… e abracadabra, despertam mortos e movendo-se. São fortes, virtualmente indestrutíveis e só se podem matar com uma punhalada no peito, com algo que tenha aço.

—Por que são seus inimigos?

Inalou, e de novo suas sobrancelhas voltaram a descer.

—Suspeito que tem algo que ver com minha mãe.

—Sua mãe?

O sorriso duro que lhe estirava os lábios era mais uma curva.

—Sou o filho do que você provavelmente consideraria um deus —elevou sua mão enluvada— Isto vem dela. Pessoalmente, quanto a presentes para bebês, teria preferido um desses chocalhos de prata, ou talvez alguns potinhos para comer. Mas a gente não escolhe nossos pais.

Jane olhou o couro negro que se estendia sobre sua palma.

—Jesus…

—Não segundo nosso léxico ou minha natureza. Não sou do tipo salvador —pôs o cigarro entre seus lábios e tirou a luva. Na tênue luz do assento traseiro, sua mão brilhava com a suave beleza da luz da lua refletindo-se em neve recém caida.

Inalou uma última vez, pegou o cigarro e pressionou a ponta acesa no centro de sua palma.

—Não —vaiou ela— Espera…

A bituca se converteu em cinzas em um brilho de luz, e soprou o resíduo, um pó fino que se dispersou no ar.

—Daria o que fosse para me liberar desta merda. Embora tenha que dizê-lo, é condenadamente prática quando não tenho um cinzeiro.

Jane se sentiu enjoada por uma grande quantidade de razões, especialmente quando pensou no futuro dele.

—Está sua mãe obrigando você a se casar?

—Sim. Merda, nem pelo inferno me apresentaria como voluntário para isso. —Os olhos de V voltaram a olhá-la, e por uma fração de segundo, Jane pôde jurar que ia dizer que ela seria a exceção a essa regra. Mas então desviou o olhar.

Deus, pensar nele com outra pessoa, embora não lembrasse, era como ser golpeada no estômago.

—Quantas? —disse Jane com voz rouca.

—Não quer sabê-lo.

—Diga-me

—Não pense nisso. Eu, seguro como o inferno que trato de não fazê-lo. —Voltou a olhar para ela— Não vão significar nada para mim. Quero que saiba disso. Embora você e eu não possamos… Sim, bom, de toda forma, não significarão uma merda.

Era horrível por sua parte alegrar-se por isso.

Vishous voltou a pôr a luva, e guardaram silêncio enquanto o sedan deslizava como um fantasma atravessando a noite. Finalmente se detiveram. Moveram-se outra vez. Pararam. Moveram-se de novo.

—Devemos estar no centro, não? —disse— Porque parece estarnos parando em um monte de semáforos.

—Sim. —inclinou-se para frente, pressionou um botão e a divisão baixou, para que pudesse ver através do pára-brisa.

Sím, era o centro da cidade. Estava de volta.

Quando as lágrimas queimaram seus olhos, separou-as de uma piscada e baixou a vista a suas mãos.

Um pouco depois o condutor deteve o Mercedes diante do que parecia a entrada de serviço de um edifício de tijolos: havia uma robusta porta metálica que trazia escrita particular em tinta branca, e uma rampa de cimento que subia a um lugar de carga. O lugar estava limpo na maneira em que os lugares urbanos bem cuidados estavam. O que queria dizer que estava sujo, mas não havia lixo solto à vista.

V abriu sua porta.

—Não saia ainda.

Pôs a mão na bolsa que continha suas roupas. Possivelmente tinha decidido levá-la de volta ao hospital? Exceto que esta não era uma entrada que conhecesse do St. Francis.

Momentos depois V abriu a porta e estirou sua mão descoberta para dentro.

—Deixa suas coisas. Fritz, voltaremos dentro de um momento.

—É um prazer esperar —disse o ancião com um sorriso.

Jane saiu do carro e seguiu V para um grupo de escadas de cimento ao lado da rampa. Todo o tempo estava sobre ela como um forro, apertado contra suas costas, protegendo-a. De algum jeito abriu a robusta porta de metal sem chaves; simplesmente pôs sua mão na barra de abertura e a olhou.

Extranhamente, uma vez que estiveram dentro não relaxou em nada. Guiou-a com rapidez por um corredor até um elevador de carga, olhando para a direita e a esquerda enquanto avançavam. Não tinha nem idéia de que estavam no luxuoso edifício Commodore até que leu um letreiro dos encarregados do imovel que estava colocado nas paredes de cimento.

—Tem um andar aqui? —perguntou, embora fosse evidente.

—O andar superior é meu. Bom, a metade. —Entraram em um elevador de serviço com chão de linóleo gasto sob as luzes embutidas— Desejaria poder levar você pela entrada principal, mas é muito pública.

Houve uma sacudida quando o elevador entrou em marcha, e ela estirou a mão para apoiar-se nas paredes. V lhe pegou a parte superior do braço, mantendo-a estável, e não a soltou. Não queria que o fizesse.

V seguia tenso quando pararam bruscamente e o elevador se abriu. O singelo vestíbulo não era nada especial, simplesmente com duas portas e uma saída para uma escada para dar em um propósito. O teto era alto, mas não ornamentado, e o chão atapetado era de tonalidade suave e multicolorido que reconhecia das salas de espera do hospital.

—É por aqui.

Seguiu-o até o final do corredor e se surpreendeu ao vê-lo tirar uma chave de ouro para abrir uma porta.

O que havia do outro lado estava escuro como a boca de um lobo, mas entrou com V no interior sem sentir medo. Demônios, sentia-se como se pudesse caminhar para um pelotão de fuzilamento com ele a seu lado, e sair sã e salva. Além disso, o lugar cheirava bem, como limão, como se o tivessem limpado recentemente.

V não acendeu nenhuma luz. Só tomou sua mão e insistiu que o seguisse adiante com um puxão.

—Não posso ver nada.

—Não se preocupe. Nada a machucará, e conheço o caminho.

Pegou sua mão e pulso e a arrastou atrás dele até que V se deteve. Pela forma com que seus passos retumbavam, tinha a sensação de que era um espaço grande, mas não tinha nem idéia dos contornos do apartamento de cobertura.

V lhe virou o rosto para a direita e logo se afastou.

—Aonde vai? —engoliu em seco com força.

Uma vela brilhava no canto mais afastado, a uns cem metros dela. Entretanto, não iluminava muito. As paredes… as paredes e o teto e… o chão… eram negras. Todo negro. Como à vela.

V se colocou no refúgio da luz, nada mais que uma sombra ameaçadora.

O coração da Jane palpitou.

—Perguntou-me pelas cicatrizes entre minhas pernas —disse— Como aconteceram.

—Sim —sussurrou. Assim por isso queria tudo escuro como a noite. Não queria que lhe visse o rosto.

Outra vela se acendeu, esta no lado oposto do que viu que era um enorme quarto.

—Meu pai mandou que o fizessem. Depois de que quase o matasse.

Jane aspirou bruscamente.

—OH… Deus.

Vishous olhou fixamente para Jane, mas só via o passado e o que tinha acontecido depois que atirou seu pai no chão.

—Me tragam minha adaga —disse o Bloodletter.

V lutou contra o soldado que segurava seus braços, mas não chegou a nenhuma parte. Enquanto se retorcia, dois machos mais apareceram. Depois outro par. Logo outros três.

Bloodletter cuspiu no chão quando alguém lhe pôs uma adaga negra na mão, e V se preparou para a punhalada que ia vir… exceto que Bloodletter só passou com rapidez a lâmina por sua palma e logo a embainhou em seu cinturão. Juntando ambas as mãos, esfregou-as uma contra a outra, e logo bateu com força sua direita no centro do peito do V.

V baixou o olhar ao rastro em sua pele. Expulsão. Não morte. Por que?

A voz do Bloodletter era dura.

—Será desconhecido para sempre para aqueles que habitam aqui. E a morte virá a qualquer um que o ajude.

Os soldados começaram a soltar Vishous.

—Ainda não. Levem-no ao acampamento. —Bloodletter se virou— E que venha o ferreiro. É de nossa incumbência advertir os outros da natureza malvada deste macho.

V se retorceu grosseiramente quando outro soldado levantou suas pernas e foi levado como um cadáver à cova.

—Depois da tela —disse Bloodletter ao ferreiro— Faremos isto diante da parede desenhada.

O macho empalideceu, mas levou sua caixa de áspera madeira com ferramentas ao outro lado da divisão. Enquanto isso, V foi colocado sobre suas costas com um soldado ao final de cada uma de suas extremidades e outro o segurando pelos quadris.

O Bloodletter se situou sobre V, com as mãos jorrando um brilhante vermelho.

—Marquem.

O ferreiro levantou o olhar.

—De que maneira, grande senhor?

O Bloodletter soletrou as advertências na Antiga Língua, e os soldados sujeitaram V enquanto suas têmporas, seu sexo e suas coxas eram tatuadas. Lutou durante todo o processo, mas a tinta se afundou em sua pele, os caracteres permanentes. Quando terminaram, estava totalmente esgotado, mais cansado que quando tinha saído da transição.

—Sua mão. Faze-o na mão também. —O ferreiro começou a negar com a cabeça— O fará ou trarei outro ferreiro ao acampamento, porque você estará morto.

O ferreiro tremeu por todo o corpo, mas tomou cuidado de não tocar a pele de V, de maneira que as marcas se completaram sem incidentes.

Quando terminou, o Bloodletter baixou o olhar para V.

—Há outra tarefa necessária, acredito eu. Lhe abram muito as pernas. Farei um favor à raça e me assegurarei de que nunca se reproduza.

V sentiu que os olhos lhe saíam das órbitas quando seus tornozelos e coxas foram separadas de um puxão.

—Não, precisa de algo distinto.

Ordenou ao ferreiro que fizesse a tarefa com um par de tenazes.

V gritou ao sentir o metal fechando-se sobre sua pele mais sensível. Houve uma dor ardente e um rasgo, e então…

—Doce Jesus —disse Jane.

V se sacudiu retornando ao presente. perguntou-se quanto havia dito em voz alta, e decidiu que, a julgar pelo olhar de horror em seu rosto, tinha sido mais ou menos tudo.

Observou a luz das velas cintilando em seus escuros olhos verdes.

—Não foram capazes de terminar.

—Não por decência —disse brandamente.

Negou com a cabeça e elevou sua mão enluvada.

—Embora estivesse a ponto de desmaiar, todo meu corpo se acendeu. Os soldados que estavam me segurando morreram imediatamente. Como o ferreiro… que estava usando uma ferramenta de metal, e esta conduziu a energia diretamente a ele.

Fechou os olhos brevemente.

—O que aconteceu depois?

—Virei-me, levantei-me um pouco e me arrastei até a saída. Todo o acampamento me viu partir em silêncio. Nem sequer meu pai se interpôs em meu caminho nem me disse nada. —V se pegou ligeiramente, lembrando a dor paralisante—. E, … o chão da cova estava coberto com um tipo de terra solta, poeirenta, que continha vários minerais, um dos quais devia ser sal. A ferida se fechou, de modo que não sangrei, mas assim é como obtive as cicatrizes.

—Sinto-o… tanto —levantou a mão como se quisesse alcançá-lo, mas logo deixou cair o braço— É um milagre que sobrevivesse.

—Logo que consegui sobreviver essa primeira noite. Tinha tanto frio. Acabei usando um ramo para que me ajudasse a caminhar, e fui o mais longe que pude sem rumo fixo. No final me desabei. A vontade de seguir caminhando estava lá, mas meu corpo não podía mais. Tinha perdido sangue, e a dor era exaustiva.

Uns civis de minha raça me encontraram antes do amanhecer. Acolheram-me, mas só por um dia. As advertências… —tocou a têmpora— As advertências em meu rosto e corpo fizeram o que meu pai queria que fizessem. Transformaram-me em um monstro a ser temido. Ao cair da noite fui. Perambulei sozinho durante anos, me mantendo nas sombras, me afastando do camino das pessoas. Alimentei-me de humanos por um tempo, mas isso não me sustentou o suficiente. Um século depois acabei na Itália, trabalhando como valentão contratado para um comerciante que tratava com humanos. Em Veneza havia putas de minha espécie, que deixavam eu me alimentar, e as usei.

—Tão sozinho. —Jane colocou a mão na garganta— Devia estar tão sozinho.

—Sozinho. Não queria que me vissem com ninguém. Trabalhei para o comerciante mais ou menos uma década, e depois em uma noite, em Roma, encontrei-me com um lesser que estava no processo de matar uma fêmea. Matei o bastardo, mas não porque a fêmea me importasse particularmente. Foi… sabe, foi seu filho. Seu filho estava olhando nas sombras da escura rua, agachado ao lado de um carro. Era como… merda, definitivamente era um pretrans, e um jovem. Vi ele primeiro, na realidade, quando captei a ação do outro lado. Pensei em minha própria mãe, ou pelo menos a imagem que tinha imaginado dela, e foi como… demônios, de maneira nenhuma este menino ia ver a fêmea que o tinha dado a luz morrer.

—A mãe viveu?

Ele fez uma careta de dor.

—Quando pude chegar a ela, já tinha morrido. Sangrou muito de uma ferida na garganta. Mas lhe prometo isso, esse lesser terminou feito pedaços. Depois disso, não soube o que fazer com o menino. Terminei indo até o comerciante para o qual tinha matado, e ele me pôs em contato com uns caras que acolheram ao menino. —V soltou uma curta risada—. Resultou ser que a mãe que morreu era uma Escolhida, e esse pretrans? Bom, terminou sendo o pai de meu irmão Tohrment. Temos um mundo pequeno, não é?

Assim como salvei um menino de sangue guerreiro, estendeu-se a história e meu irmão Darius terminou me encontrando e me apresentando ao Wrath. D… D e eu tínhamos uma conexão particular, e era provavelmente o único que poderia ter chamado minha atenção nesse ponto. Quando conheci Wrath, não estava interesado em ser Rei, e não estava mais interessado que eu em ter vínculos. O que quer dizer que nós dois nos conectamos. Finalmente fui introduzido na Irmandade. E bom… merda, isso é tudo.

No silêncio que seguiu, só pôde adivinhar o que acontecia a mente da Jane, e a idéia de que o compadecesse o fez querer fazer algo para demonstrar que era forte.

Como esmagar um carro.

Salvo que em vez de voltar-se toda suave com ele e lhe fazer sentir ainda mais nervoso, Jane simplesmente olhou ao redor, embora soubesse que não podia ver mais que as duas velas acesas.

—E este lugar… o que significa este lugar para você?

—Nada. Não significa mais que qualquer outro.

—Então por que estamos aqui?

O ritmo do coração de V se acelerou.

Merda… Vendo-se ali com ela, depois de soltar tudo, não estava certo de poder seguir com o que tinha planejado.

Enquanto Jane esperava que V falasse, queria rodeá-lo com os braços. Queria lhe dizer um monte de palavras muito sinceras e essencialmente bastante tolas. Queria saber se seu pai, verdadeiramente, tinha morrido em chamas, e esperava que o bastardo o tivesse feito.

Quando o silêncio continuou, disse:

—Não sei se isto ajudará… provavelmente não, mas tenho que dizer algo. Não suporto a aveia. Até hoje, põe-me doente. —Rezou por não estar dizendo algo incorreto— Está tudo bem que ainda esteja lutando com tudo o que lhe fizeram. Qualquer um faria. Não o faz fraco. Foi violentamente mutilado por alguém que deveria ter protegido e entendido você. O fato de que ainda esteja em pé é um milagre. Respeito você por isso.

O rosto de V ruborizou.

—Eu, … realmente não vejo dessa maneira.

—Bom. Mas eu sim. —Para dar uma pausa, esclareceu a garganta e acrescentou—Vai me dizer por que estamos aqui?

Esfregou o rosto como se estivesse tentando esclarecer a mente.

—Merda, quero estar com você. Aqui.

Jane soltou o ar com alívio e tristeza. Também queria uma despedida com ele. Uma despedida que fosse sexual e privada, e não no quarto em que tinham estado encerrados juntos.

—Eu também quero estar com você.

Outra vela saltou à vida ao lado de um grupo de cortinas. Depois uma quarta junto a um bar. Uma quinta perto de uma grande cama com lençóis de cetim negro.

Começou a sorrir, até que a sexta se acendeu. Havia algo pendurando da parede… algo que pareciam… algemas?

Mais velas flamejaram. Máscaras. Chicotes. Varas. Mordaças.

Uma mesa negra com ataduras que chegavam até o chão.

Rodeou-se com os braços, gelada.

—Então, é aqui onde faz o negócio de atar.

—Sim.

OH, Jesus… não queria esse tipo de adeus. Tentando manter-se calma, disse:

—Sabe, tem sentido, dado o que aconteceu. Que você goste disto. —Merda, não podia dirigi-lo—. Assim… são homens ou mulheres? Ou, digamos, uma combinação?

Escutou o rangido do couro e se virou para ele. Estava tirando a jaqueta, e depois um conjunto de armas que não tinha visto. Seguidas de duas facas negras que também tinham estado ocultas. Cristo, tinha estado totalmente armado.

Jane se abraçou com mais força. Queria estar com ele, mas não atada e coberta com uma máscara, enquanto ele punha um nove semanas e meia em sua cabeça e lhe tirava merda do corpo a chicotadas.

—Escuta, V, não acredito…

Tirou a camisa, os músculos das costas flexionando-se sobre a coluna, o peito se sobressaía por completo, logo relaxaram. Tirou as botas de um chute.

Santa… merda, pensou, quando se deu conta do que era tudo isto.

As meias três-quartos e calças de couro foram depois, e, como não usava roupa íntima, não havia cueca para tirar. Em total silêncio, V caminhou descalço pelo lustroso chão de mármore e subiu à mesa com um coordenado e repentino movimento. Estendido, era realmente magnífico, seu corpo carregado de músculos, os movimentos elegantes e masculinos. Aspirou profundamente, sua caixa torácica elevando-se e baixando.

Ligeiros tremores percorriam sua pele… ou talvez fosse a luz das velas?

V engoliu com força.

Não, era medo o que estava fazendo que se movesse nervosamente.

—Pegue uma máscara para mim —disse em voz baixa.

—V… não.

—Uma máscara e uma mordaça de bola. —Virou a cabeça para ela— Faze-o. Depois me ponha as algemas. —Quando não se moveu, fez um gesto com a cabeça para o que se pendurava na parede— Por favor.

—Por que? —perguntou, vendo o suor que começava a percorrer seu corpo.

V fechou os olhos, e seus lábios apenas se moveram.

—Deu-me tanto… e não só um fim de semana de sua vida. Tentei pensar no que dar em troca, já sabe, a merda da troca justa, vomitar aveia por detalhes sobre minhas cicatrizes. A única coisa que tenho sou eu e isto… —bateu a dura madeira da mesa com os nódulos é o mais exposto que jamais poderei estar, e é o que quero dar a você.

—Não quero machucar você.

—Sei —abriu as pálpebras de repente— Mas quero que me tenha como ninguém nunca o tem feito ou fará. Assim pegue a máscara.

Quando engoliu em seco, ela observou seu nó rodando pela coluna de seu largo pescoço.

—Este não é o tipo de presente que quero. Nem o tipo de despedida.

Houve um longo silencio. Depois V disse:

—Lembra que disse a você sobre o casamento arrumado?

—Sim.

—Vai acontecer em questão de dias.

OH, agora de verdade não queria isto. Pensar que estava comprometido com outra…

—Não conheci à fêmea. Ela tampouco a mim. —Olhou ao Jane— E é primeira de umas quarenta.

—Quarenta?

—Supõe-se que tenho que gerar todos os seus filhos.

—OH, Deus.

—Assim estão as coisas. O sexo vai ser apenas uma função biológica a partir de agora. E sabe, realmente alguma vez me estive descoberto, de verdade? Quero fazer isto com você porque… Bom, não importa, só o faça.

Olhou-o. O custo de se deitar dessa maneira estava em seus grandes e exagerados olhos, seu pálido rosto e o suor que cobria seu peito. Dizer que não seria degradar sua valentia.

—Que…? —Santa merda— O que é exatamente que quer que faça?

Quando V terminou de dizer-lhe virou-se e ficou a olhar fixamente o teto. A luz das velas jogava em sua ampla e negra extensão, fazendo que parecesse um lago de azeite. Enquanto esperava pela resposta de Jane, foi golpeado pela vertigem, sentindo-se como se o quarto girasse e ele estivesse pendurado em cima do teto, a ponto de ser arrojado a ele e tragado pelo melhor Quaker State[7].

Jane não dizia uma palavra.

Jesus… Nada como oferecer anós mesmosem estado vulnerável e que o rechaçassem.

Por outro lado, talvez não gostasse de sushi de vampiro.

Quando apoiou a mão em seu pé, deu um salto. E então escutou o som de metal contra metal de uma fivela sendo levantada. Baixou a vista por seu corpo nu para ver como uma cinta de couro de dez centímetros rodeava seu tornozelo. Ao ver as mãos pálidas da Jane ocupadas em sujeitá-lo, seu pênis saltou formando uma ereção.

O rosto de Jane era toda concentração enquanto passava o extremo de uma lingüeta de couro através da fivela e atirava para a esquerda.

—Está bem?

—Mais apertado.

Sem levantar a vista, deu-lhe um sólido puxão. Quando a correia lhe mordeu a pele, a cabeça de V caiu para trás sobre a madeira e este gemeu.

—Muito apertada?

—Não… —V tremeu por completo quando segurou sua outra perna, de uma vez aterrorizado a realmente excitado. Os sentimentos se intensiforam quanda Jane fez o mesmo com um pulso, logo com o outro.

—Agora a mordaça e a máscara. —Sua voz era rouca porque seu sangue corria quente e frio, e sua garganta estava tão apertada como as ataduras.

Olhou-o.

—Está certo?

—Sim. Uma das máscaras é do tipo que simplesmente cobre os olhos, e isso me serviria bem.

Quando voltou, tinha uma bola vermelha de borracha com um corda para a cabeça e a máscara nas mãos.

—Primeiro a mordaça —disse V, abrindo muito a boca. Os olhos dela se fecharam por um momento, e se perguntou se se deteria, mas então Jane se inclinou para frente. A bola tinha sabor de látex, um bocado picante e amargo em sua língua. Quando V levantou a cabeça para que pudesse atar-lhe sua respiração saiu assobiando pelo nariz.

Jane negou com a cabeça.

—Não posso pôr a máscara. Preciso ver seus os olhos. Não posso… Sim, não farei isto sem contato visual. De acordo?

Provavelmente era uma boa idéia. A mordaça estava fazendo o que devia, fazendo-o sentir-se asfixiado… e as ataduras estavam fazendo o que deviam, fazendo-o sentir-se preso. Se não pudesse ver e saber que era ela, provavelmente se voltaria fodidamente louco.

Quando assentiu com a cabeça, deixou cair a máscara no chão e tirou o casaco. Logo se inclinou e pegou uma das velas negras.

V sentiu arderam os pulmões quando se aproximou dele.

Jane aspirou profundamente.

—Está seguro?

Voltou a assentir, embora suas coxas tremessem e seus olhos saíam das órbitas. Com temor e excitação, V viu como estendia o braço sobre seu peito… e inclinava a vela.

Cera negra se derramou sobre seu mamilo, e V apertou os dentes na mordaça de bola, esticando-se contra o que o segurava à mesa até que o couro rangeu. Seu pênis saltou contra seu ventre, e teve que conter um orgasmo.

Jane fez exatamente o que lhe havia dito que queria, baixando cada vez mais por seu torso, depois saltando suas partes íntimas para começar nos joelhos e seguir subindo. A dor tinha um efeito acumulativo, primeiro não mais que picadas de abelha, mais tarde voltando-se intensas. O suor desceu por suas têmporas e costelas, e V ofegou pelo nariz, até que todo seu corpo esteve arqueando-se sobre a mesa.

Gozou pela primeira vez quando Jane afastou a vela, pegou uma vara… e tocou a cabeça de sua ereção com a ponta. Rugiu contra a mordaça e ejaculou sobre a endurecida cera negra de seu estômago.

Jane congelou, como se a reação a tivesse surpreendido. Depois passou a vara pela confusão que V tinha feito, banhando seu peito com o que tinha saído dele. A essência de emparelhamento alagou o apartamento de cobertura, assim como fizeram seus grunhidos de submissão enquanto lhe acariciava o torso acima e abaixo, e logo os quadris.

Gozou uma segunda vez quando deslizou a vara entre suas pernas e acariciou a parte interior de suas coxas com ela. Medo, sexo e amor encheram a pele de V, transformando-se nos músculos e ossos que o compunham; não era nada mais que emoção e necessidade, e ela conduzia tudo.

E então Jane baixou a vara sobre suas coxas com um puxão do braço.

Jane não podia acreditar que estivesse se pondo quente, tendo em conta o que estava fazendo. Mas com V estirado e sujeito e tendo orgasmos para ela, era difícil não saltar sobre ele.

Usou a vara ligeiramente sobre ele, sem dúvida menos do que V queria, mas com a suficiente força para deixar marcas em suas coxas, ventre e peito. Não podia acreditar que gostasse dessa maneira, considerando o que tinha suportado, mas de fato V adorava. Tinha os olhos centrados nela, e cintilavam brilhantes como lâmpadas, projetando sombras brancas sobre a luz gordurosa das velas. Quando gozou outra vez, o aroma de especiarias que associava com ele voltou a elevar-se.

Deus, envergonhava-a e fascinava uma vez querer ir mais longe com o que tinha disponível… o estar olhando a caixa de clipes metálicos e os chicotes nas paredes já não como aberrações, mas sim como representantes de uma grande quantidade de possibilidades eróticas. Não era que quisesse fazer mal a V. Simplesmente queria que sentisse tão intensamente como agora. Tratava-se de levá-lo a seu limite sexual.

Finalmente esteve tão excitada que tirou as calças e a roupa interior.

—Vou foder você. —disse.

V gemeu desesperadamente, seus quadris girando e empurrando para cima. Sua ereção ainda estava dura como uma rocha, apesar das vezes que tinha ejaculado, e pulsava como se fosse repetir outra vez.

Quando Jane subiu sobre a mesa e abriu as pernas sobre sua pélvis, V respirou pelo nariz com tanta força que ela se alarmou. Vendo que as janelas de seu nariz aspiravam dentro e fora, Jane se inclinou para lhe tirar a mordaça, mas ele afastou a cabeça de um puxão e a sacudiu, negando.

—Está certo? —perguntou Jane.

Quando assentiu ferozmente, desceu sobre seus quadris cobertos de sêmen e se colocou sobre a dura ponta de sua ereção, seu centro abrindo-se sobre ele, pegando-o. V pôs os olhos em branco e suas pálpebras se agitaram como se fosse perder os sentidos, enquanto se balançava contra ela o mais que podia.

Enquanto Jane cavalgava para frente e atrás sobre ele, tirou-se a camiseta e pôs as taças do sutiã de lado, de maneira que a modelavam para cima e para fora. Houve um rangido quando V se esticou contra as ataduras. Se estivesse livre, estava bastante certa de que a teria tombado de costas em um momento.

—Olhe-me o tomando —disse Jane, passando uma mão pelo pescoço. Quando seus dedos se aproximaram da remanescente marca da mordida, os lábios de V se saíram da mordaça de bola e suas presas se alongoram, cravando-se no látex vermelho enquanto rugia.

Continuou tocando-se onde a tinha mordido enquanto ficava de joelhos e se colocava sobre sua ereção. sentou-se sobre ele com força, e V teve um orgasmo assim que entrou nela, golpeando-a profundamente, alagando-a. Depois, ainda seguia totalmente ereto, mesmo quando deixou de estremecer.

Jane nunca havia se sentido mais sexual em toda sua vida como quando começou a esfregar-se contra ele. Adorava que V estivesse manchado com a cera e o resultado de seus orgasmos, que sua pele brilhasse de suor e de um brilhante vermelho em alguns lugares, e que houvesse uma confusão para depois limpar. Lhe tinha feito tudo isso, e V a adorava pelo que tinha acontecido. Essa era a razão pelo que isso se fazia correto.

Quando sua própria liberação chegou a grande velocidade, Jane olhou os olhos enormes e selvagens de V.

Desejou não ter que abandoná-lo jamais.

Quando Fritz colocou o Mercedes na curta entrada para carros do condomínio e o estacionou, V olhou através do pára-brisa dianteiro.

—Bonito lugar —disse a Jane.

—Obrigada.

Ficou em silêncio, perdendo-se nas lembranças do que tinha acontecido no apartamento de cobertura durante as duas últimas horas. As coisas que lhe tinha feito… Cristo, nunca nada tinha sido tão erótico. E nada tinha sido tão doce como o desenlace. Quando a sessão terminou, tinha-o liberado e o tinha levado para ducha. Debaixo do orvalho de água o sêmen se limpou e a cera se desprendeu, mas realmente a limpeza tinha ocorrido em seu interior.

Desejava que as marcas vermelhas que tinha deixado em seu corpo perdurassem. Desejava-as em sua pele de forma permanente.

Deus, não podia suportar deixá-la ir.

—Então, quanto tempo faz que mora aqui? —perguntou.

—Desde que comecei a residência. Assim, temos dez anos.

—É uma bom lugar para você. Perto do hospital. Como são seus vizinhos? —era uma agradável conversação como a que manteria em uma reunião, bla-bla. No entanto a casa em que ficaria no fim da reunião estava se incendiando.

—A metade das pessoas são jovens profissionais e a outra metade são anciões. O engraçado é que seja porque se casa ou vai a uma residência de anciões. —Indicou o apartamento ao lado esquerdo do seu— O senhor Hancock se mudou faz duas semanas para uma casa. O novo vizinho, quem quer-que-seja, provavelmente seja como ele, porque os apartamentos de um só piso tendem a ser ocupadas por gente mais velha. A propósito, estou tagarelando.

E ele estava entretido.

—Como disse, amo sua voz, assim sinta-se livre para fazê-lo.

—Só o faço quando estou com você.

—Pelo que me sinto afortunado. —Olhou seu relógio. Merda, o tempo escorria como a água de uma banheira, deixando muitíssimo frio com sua ausência— Então, me mostre?

—Claro.

Saiu do carro antes dela e examinou a área antes de ir para um lado para deixá-la sair. Disse a Fritz que se fosse, já que ele se desmaterializaría de volta para casa, e enquanto o doggen saía da entrada para carros, V a deixou ir na frente no caminho pela calçada.

Jane abriu a porta só com uma chave e um giro da maçaneta. Não tinha sistema de segurança. Somente um ferrolho. E no interior não havia passador nem correnta. Embora não tivesse inimigos como ele, isto não era o suficientemente seguro. Ia …

Não, não ia remediar. Porque em uns poucos minutos ia ser um estranho.

Para evitar perder a prudência, olhou ao seu redor. O mobiliário não tinha nenhum sentido. Contra as paredes do apartamento, toda de mogno e as pinturas a óleo faziam o lugar parecer um museu. Da época do Eisenhower.

—Os móveis…

—Eram de meus pais —disse enquanto deixava o casaco e a bolsa—Depois que morreram, mudei tudo o que pudesse caber aqui da casa de Greenwich. Foi um engano… sinto como se vivesse em um museu.

—Um… posso entender.

Caminhou pela sala de estar, observando coisas que pareciam pertencentes à casa colonial de um doutor na parte da cidade onde viveria Bruce Wayne[8]. A merda diminuía as linhas do apartamento lotando as salas que de outra forma teriam sido alegres.

—Realmente, não sei porque conservo tudo isto. Eu não gostava de viver assim enquanto crescia. —Deu um pequeno giro e logo parou.

Merda, ele tampouco sabia o que dizer.

Entretanto sabia o que devia fazer.

—Então… a cozinha é por ali, não?

Ela caminhou para a direita.

—Não é muito grande.

Mas era agradável, pensou V, quando entrou. Como o resto do apartamento, a cozinha era da cor branca e nata, mas ao menos ali não se sentia como se precisasse de um guia de museu. A mesa e as cadeiras do canto de café da manhã eram de pinheiro claro e do tamanho adequado para o espaço. Os balcões de granito eram lustrosos. Os eletrodomésticos eram de aço inoxidável.

—Reformei-a no ano passado.

Houve mais conversação de sala entretanto os dois ignoravam o fato que o “game over” estava brilhando em sua tela.

V se aproximou da cozinha e tratando de adivinhar, abriu o armário superior esquerdo. Bingo. A mistura para chocolate quente estava bem ali.

Pegou, colocou-a sobre o balcão, logo foi para a geladeira.

—O que está fazendo? —perguntou-lhe.

—Tem uma xícara? Caneca? —Pegou um litro de leite da geladeira, abriu-o, e o cheirou.

Enquanto retornava para a cozinha, em voz baixa lhe disse onde estava tudo, como se repentinamente estivesse tendo problemas para manter-se inteira. Envergonhava-lhe admiti-lo, mas se alegrava de que estivesse triste. O fazia sentir menos patético e solitário em meio deste infernal adeus.

Homem, era um filho da puta.

Tirou uma caneca esmaltada e uma grossa xícara, logo acendeu uma chama baixa na cozinha. Enquanto o leite esquentava, olhou fixamente a merda reunida sobre o balcão e sentiu que seu cérebro tomava umas pequenas férias. A disposição das coisas pareciam um anúncio da Nestlé, o tipo de coisa onde a mãe de subúrbios cuidavam do forte enquanto os filhos brincavam na neve até que o nariz ficasse vermelho e as mãos frias. Podia imaginar-lhe. A gelada equipe chegaria correndo exatamente quando a mãe dedicada expusesse o tipo de comida que fortalece, capaz de dobrar ao Norman Rockwell[9],até submetê-lo a um estado de submissão por excesso de sentimentalismo.

Até podia ouvir a voz em off: Nestlé serve o melhor do melhor.

Sim, bom, não havia filhos nem mães aqui. Tampouco um lar feliz, embora o apartamento fosse suficientemente bonito. Este era um chocolate da vida real. Do tipo que dá a alguém a quem ama porque não pode pensar em outra coisa que fazer e ambos estão destruídos. Era do tipo que servia enquanto suas vísceras estavam atadas, sua boca estava seca e estava pensando seriamente em se pôr a chorar, mas fosse muito macho para fazer esse tipo de cena.

Era do tipo que fazia com todo o amor que não tinha expresso e muito bem poderia não ter a voz ou a oportunidade de expressar.

—Não lembrarei nada? —perguntou-lhe com voz rouca.

Acrescentou um pouco mais da mescla e o mexeu com a colher observando como o redemoinho de chocolate era absorvido pelo leite. Não podia lhe responder, simplesmente não podia dizê-lo em voz alta.

—Nada? —incitou-o.

—Por isso tenho entendido, pode ter algum sentimento de vez em quando que é desencadeado por um objeto ou um aroma, mas não será capaz de reconhecê-lo. —Colocou o dedo indicador para checar a temperatura, o chupou para limpá-lo, e continuou mexendo—. Embora, como sua mente é muito forte, é muito provável que tenha sonhos confusos.

—E o que acontece com o fim de semana perdido?

—Não sentirá como se o tivesse perdido.

—Como isso é possível?

—Porque vou dar outro fim de semana para substitui-lo.

Quando não disse nada mais, olhou por cima do ombro. Estava de pé junto à geladeira, abraçando-se a si mesma. Tinha os olhos brilhantes.

Merda. Certo, tinha mudado de opinião. Não queria que se sentisse tão mal como ele se sentia. Faria qualquer coisa para que não se sentisse assim triste.

E, na verdade, tinha o poder de arrumá-lo.

Provou o que estava esquentando, aprovou a temperatura, e apagou a chama. Enquanto enchia a xícara, a suave mistura tinha a promessa da calma e satisfação que desejava para sua fêmea. Levou-lhe a xícara, e quando não tomou, o desenganchou um de seus antebraços. Tomou o chocolate quente na mão só porque a obrigou, e não o bebeu. Dobrando o pulso para dentro, embalou-o contra sua clavícula, torcendo o braço ao redor da coisa.

—Não quero que vá —sussurrou, soando de causar pena, quase ao ponto das lágrimas.

Pô-lhe a mão descoberta no rosto e apreciou a suavidade e a calidez de seu rosto. Sabia que quando se fosse dali, estaria deixando seu estúpido e o maldito coração com ela. Certo, algo pulsaria atrás de suas costelas e manteria o sangue em movimento, mas de agora em diante, somente seria uma função mecânica.

OH, espera. Já antes tinha sido dessa forma. Ela apenas lhe tinha dado à coisa da humanidade e vida por um breve espaço de tempo.

   Atraiu-a a seus braços e descansou o rosto sobre a parte superior de sua cabeça. Maldito inferno, nunca mais poderia cheirar chocolate sem pensar nela, sem desfalecer por ela.

No momento em que fechou os olhos um formigamento lhe percorreu a espinha dorsal, estremecendo-o ao longo da nuca e disparando-se para sua mandíbula. Estava saindo o sol, e esse era seu corpo lhe dizendo que o momento de ir já não era algo no futuro, a não ser algo de agora… de um premente agora.

Afastou-se e pressionou os lábios contra os dela.

—Amo você. E vou seguir amando, mesmo depois que você já não seja consciente de minha existência.

Suas pestanas bateram asas, contendo as lágrimas, até que houve muitas para poder detê-las. Secou seu rosto com os polegares.

—V… eu…

Aguardou um instante. Quando não terminou a frase, tomou seu queixo na palma da mão e a olhou aos olhos.

—OH, Deus, vais fazer o —disse— Vai a…

Jane piscou e olhou o chocolate quente que estava segurando. Algo estava gotejando sobre ele.

Jesus… Havia lágrimas correndo por seu rosto, caindo dentro da xícara, lhe molhando a camisa. Seu corpo inteiro estava tremendo, tinha os joelhos frouxos, seu peito gritava de dor. Por alguma louca razão desejava atirar-se no chão e ficar a gemer.

Limpando-as, deu uma olhada através da cozinha. Havia leite, mescla para preparar chocolate e uma colher sobre balcão. Da caneca que estava sobre a cozinha ainda se via um pouco de vapor. O armário da esquerda não estava fechado de tudo. Não podia lembrar ter tirado todas essas coisas nem ter preparado o que tinha dentro da xícara, mas bom, geralmente isso acontecia com as ações repetitivas e habituais. Fazia-as sem pensar…

Que demônios? Através das janelas do outro lado do canto do café da manhã, viu alguém de pé em frente a seu apartamento. Um homem. Um homem enorme. Estava embaixo da brilhante luz que derramava uma das luzes da rua, assim não podia ver seu rosto, mas sabia que a estava olhando.

Sem nenhuma razão aparente as lágrimas correram por seu rosto mais forte e rapidamente. E a confusão se fez pior quando o estranho se virou e foi caminhando rua abaixo.

Jane virtualmente atirou a taça sobre a o balcão e saiu correndo da cozinha. Tinha de alcançá-lo. Tinha que detê-lo.

Quando chegou à porta principal, uma tremenda enxaqueca a fez cair no chão como se a tivessem dado uma rasteira. Caiu esparramada sobre o frio chão de azulejos brancos do vestíbulo, logo se virou sobre um lado, apertando os dedos contra as têmporas e ofegando.

Ficou ali por só Deus sabe quanto tempo, somente respirando e rezando para que a dor retrocedesse. Quando finalmente cedeu levantou a parte superior do corpo do chão e se reclinou contra a porta de entrada. Perguntava-se se tinha tido uma embolia, mas não tinha havido interrupção cognitiva nem alterações visuais. Somente um assalto repentino de uma tremenda dor de cabeça.

Devia ser um remanescente da gripe que tinha padecido todo o fim de semana. Esse vírus que tinha rondado o hospital por semanas a tinha deixado fora de combate como uma roseira morta. O que tinha sentido. Fazia muito tempo que não adoecia, assim já era hora.

Falando de atrasos… Merda, acaso tinha ligdo para agendar uma nova data para a entrevista que tinha em Columbia? Não tinha nem ideia… o que significava que provavelmente não o tivesse feito. Demônios, nem sequer lembrava ter saído do hospital na noite de quinta-feira.

Não estava certa de quanto tempo esteve atuando como batente de porta mas em determinado momento o relógio que estava sobre o suporte começou a soar. Era o que tinha estado no estudio de seu pai em Greenwich, um antigo Hamilton feito de bronze sólido que, teria jurado, anunciava as horas com acento britânico. Sempre tinha odiado à maldita coisa, mas sempre estava na hora.

As seis da manhã. Hora de ir trabalhar.

Bom plano, mas quando colocou de pé, soube sem dúvida nenhuma que não ia ao hospital. Estava enjoada, fraca e exausta. Não havia forma que pudesse proporcionar cuidados na condição em que se encontrava; ainda estava doente como um cão.

Maldita seja… devia ligar para o hospital. Onde estava o page, o telefone…?

Franziu o cenho. Seu casaco e a bolsa que tinha preparado para ir a Manhattan estavam perto do armário do vestíbulo.

Entretanto, o celular não estava. O page tampouco.

Levou seu lastimoso traseiro ao segundo andar e procurou ao lado da cama, mas o par não estava ali. De volta ao andar de baixo, revistou a cozinha. Nada. E a bolsa de mão, que sempre usava a trabalho, também tinha desaparecido. Poderia havê-lo deixado no carro durante todo o fim de semana?

Abriu a porta que dava à garagem e a luz automática se acendeu.

Era estranho. O carro estava estacionado de frente. Geralmente entrava de ré.

O que provava quão fora de si tinha estado.

Certamente a bolsa estava no assento dianteiro, e se amaldiçoou enquanto retornava ao apartamento e ligava. Como podia ter estado tanto tempo sem ligar? Embora fosse coberta por outro médico, nunca permanecia sem contatar por mais de cinco horas.

   Sua caixa de recado tinha um monte de mensagens, mas por sorte nenhum era urgente. Quão importantes concerniam ao tratamento de pacientes tinham sido transferidos a quem quer que estivesse de plantão, e o resto, eram coisas das quais podia encarregar-se mais tarde.

Estava saindo da cozinha, em linha reta para o quarto, quando olhou a xícara de chocolate. Não tinha que tocá-la para saber que esfriou, assim perfeitamente podia jogá-la fora. Foi e a levantou, logo fez uma pausa sobre a pia. Por alguma razão não podia suportar jogá-la fora. Deixou-a exatamente onde tinha estado sobre o balcão, embora guardasse o leite na geladeira.

Já no andar de cima, no quarto tirou a roupa, deixando que aterrissasse em qualquer lugar, colocou uma camiseta, e se meteu na cama.

Estava acomodando-se entre os lençóis quando se deu conta que seu corpo estava rígido, especialmente a parte interior de suas coxas e a parte baixa das costas. Sob outras circunstâncias teria pensado que tinha tido um monte de sexo incrível… ou era isso ou tinha escalado uma montanha. Mas em vez disso simplesmente era a gripe.

Merda. Columbia. A entrevista.

Ligaria para Ken Falcheck mais tarde nessa mesma manhã, desculparia-se pelo que esperava fosse a segunda vez, e reprogramaria a entrevista. Estavam desejosos de que se unisse à equipe, mas não ir a uma entrevista com o chefe do departamento era insultante como o inferno. Mesmo estando doente.

Recolocándo-se contra os travesseiros, não podia ficar cômoda. Sentia o pescoço tenso, e levantou a mão para fazer uma massagem, apenas para terminar franzindo o cenho. Tinha um lugar dolorido no lado direito, na parte da frente, realmente… que demônios? Tinha uma coisa estampada ali, duas protuberâncias avultadas.

O que fosse. As erupções não eram de sentir saudades quando tinha gripe. Ou talvez a tivesse picado uma aranha.

Fechou os olhos e disse a si mesma que devia descansar. Descansar era bom. Descansar a liberaria dessa moléstia mais rapidamente. Descansar a devolveria a seu estado normal, reviveria seu corpo.

Bem quando começava a ficar adormecida, uma imagem lhe veio à mente, a imagem de um homem com uma cavanhaque e olhos diamantinos. Sua boca estava se movendo enquanto a olhava. Articulando as palavras… amo você.

Jane lutou por aferrar-se ao que estava vendo, mas estava se deslizando rapidamente para os escuros braços do sono. Lutou para manter a imagem e perdeu a batalha. A última coisa da que foi consciente foi das lágrimas derramando-se sobre o travesseiro enquanto a escuridão a reclamava.

Bom, não era tão mau.

John se sentou sobre o banco de imprensa na sala de pesos e observou Zsadist fazer flexões com os bíceps. As enormes cargas de ferro faziam um sutil som de tinido enquanto subiam e baixavam, e era o único ruído que se escutava. até agora não tinham falado; era como uma das caminhadas que realizavam, apenas que, sem os bosques. Entretanto o comboio estava se aproximando. John podia pressenti-lo.

Z deixou os pesos sobre os colchonetes e secou o rosto. Seu peito descoberto brilhava, os aros que tinha nos mamilos se balaçavam e caíam com a respiração.

Seus olhos amarelos o focaram.

Aqui vamos nós, pensou John.

—A respeito da transição…

Certo… então iriam entrar pouco a pouco no assunto do lesser.

O que acontece com ela? disse por gestos.

—Como se sente?

Bem. Vacilante. Diferente. Encolheu os ombros. Já sabe, é como quando corta a unhas e a pontas dos dedos se sentem estranhas por todo um dia, todas supersensíveis. É essa sensação por todo o corpo.

   OH, que demônios estava falando? Z tinha passado pela mudança. Sabia como se sentia depois.

Zsadist deixou a toalha e levantou os pesos para uma segunda volta de levantamentos.

—Tem algum tipo de problema físico?

Não que eu saiba.

Os olhos de Z se cravaram nos colchonetes enquanto alternava levantando o antebraço esquerdo e logo o direito. Esquerdo. Direito. Esquerdo. Parecia estranho que pesos tão sobrecarregados pudessem fazer um som tão suave.

—Sabe que Layla nos informou.

OH… merda.

O que foi que disse?

—Disse que não tiveram sexo. Mesmo embora parecesse que em certo momento você o desejava.

Enquanto o cérebro do John se fechava, seguiu distraídamente os levantamentos do Z. Direita. Esquerda. Direita. Esquerda.

Quem sabe?

—Wrath e eu. Isso é tudo. E não é assunto de ninguém mais. Mas temos que saber caso algo físico esteja errado e precise ser examinado.

John ficou de pé e passeou pelos arredores de forma desajeitada, com braços e pernas torpes e o sentido de equilíbrio de um bêbado.

—Por que parou, John?

Olhou o irmão, a ponto de lhe dar algum tipo de resposta evasiva, lhe tirando importância, quando, para seu horror, deu-se conta que não seria capaz de fazê-lo.

Os olhos amarelos de Z brilhavam com conhecimento.

Santa merda. Havers tinha contado, na verdade. Essa sessão com o terapeuta na clínica quando John tinha falado a respeito do que tinha acontecido nas escadas se divulgou.

Sabe, disse por gestos John furioso. Sabe, não é assim?

—Sim, sei.

Esse fodido terapeuta me disse que era confidencial…

—Uma cópia de seu histórico médico foi enviada aqui quando começou o programa. É o procedimento habitual para todos os estudantes em caso de que algo ocorra no ginásio, ou em caso de que comecem a transição enquanto estejam aqui.

Quem leu meu histórico?

—Só eu. E ninguém mais o fará, nem sequer Wrath. Guardei-o sob chave, e sou o único que sabe onde está.

   John se afrouxou. Ao menos isso era um consolo.

Quando o leu?

—Faz uma semana, quando me dei conta que sua mudança ia ocorrer em qualquer momento.

O… que dizia?

—Virtualmente tudo.

Merda.

—É por isso que não quer ir ao Havers, não? —Z deixou os pesos outra vez— Pensa que o hoeme vai pegá-lo e o levar arrastado para passar outra hora com o terapeuta.

Eu não gosto de falar disso.

—Não o culpo. E não estou pedindo que o faça.

John esboçou um pequeno sorriso.

Não vai me bombardear com todo tipo de “falar-é-bom-para-sua-situação”?

—Não. Eu mesmo não sou muito locaz. Portanto, não posso recomendar a outros. —Z apoiou os cotovelos em seus joelhos e se inclinou para frente— Façamos um trato, John. Quero que tenha absoluta confiança em que essa merda não irá a nenhuma parte, OK? Se alguém quer ver seu histórico, arrumarei-o para que não o façam, embora tenha que queimá-lo até transformá-lo em cinzas.

John bebeu através de um súbito nó na garganta. Com mãos rígidas, indicou:

   Obrigado.

—Wrath queria que falasse sobre o assunto da Layla devido ao fato de que estava preocupado porque pensou que podia haver algum problema em seus encanamentos depois da transição. Direi-lhe que estava nervoso e que essa foi a razão, está de acordo?

John assentiu.

—Já se masturbou?

John ruborizou das sobrancelhas até os tornozelos e considerou desmaiar. Enquanto media a distância até o chão, que pareciam uns dois metros de distância, imaginou que não seria um lugar ruim onde cair. Havia muitos colchonetes sobre os quais aterrissar.

—Já fez?

Negou lentamente com a cabeça.

—Faze-o uma vez para nos assegurar que não há nada de errado. —Z se levantou, secou o torso, e colocou a camiseta—Vou assumir que resolverá isso nas próximas vinte e quatro horas. Não perguntarei o que ocorreu. Se não me disser nada, tomarei que tudo está bem. Se não o estiver, diz-me isso e nós resolveremos isso. Temos um trato?

Um, não realmente. O que acontecia não pudesse fazê-lo?

Suponho.

—Uma última coisa. Sobre o arma e os lessers?

Merda, sua cabeça já estava dando voltas, e agora tinha que fazer frente à merda a respeito da nove milímetros? Levantou as mãos para justificar-se…

—Não me importa que estivesse armado. De fato, quero você armado se for ao ZeroSum.

John olhou fixamente ao irmão, aturdido.

Isso vai contra as regras.

   —Pareço-me como o tipo de pessoa que se preocupa com essa merda?

John sorriu um pouco.

Não realmente.

—Se o encontrar na mira de um desses assassinos outra vez, faz exatamente o que fez. Por isso tenho entendido, sua atuação foi uma merda impressionante, e estou orgulhoso de você por cuidar de seus amigos.

John ruborizou, seu coração cantava no peito: Nada sobre a face da terra, exceto a volta a salvo de Tohrment poderia havê-lo feito mais feliz.

—A esta altura suponho que saberá a missão que dei ao Blaylock. A respeito de seus papéis, a identificação e de que somente fossem ao ZeroSum.

John assentiu.

—Quero que continue indo a esse clube se for ao centro da cidade, ao menos pelo próximo mês ou assim, até que esteja forte. E embora esteja disposto a o felicitar pelo que aconteceu na outra noite, não o quero aí fora caçando lessers. Se me inteirar que o está fazendo, vou chutar seu traseiro como o de um menino de doze anos. Ainda tem muito treinamento pela frente, e não tem nem idéia de como comandar esse seu corpo. Se for de festa por aí e faz que o matem, vou estar muito irritado. Quero que me dê sua palavra, John. Agora mesmo. Não irá atrás desses bastardos até que eu diga que está preparado. Entendemo-nos?

John respirou profundamente e tratou de pensar no voto mais veraz que poderia oferecer. Tudo lhe parecia fraco assim somente indicou:

   Juro, que não os caçarei.

—Bem. Certo, por esta noite terminamos. Vá se deitar. —Quando Z se virou, John assobiou para captar sua atenção. O irmão olhou sobre o ombro.

—Sim?

John teve que forçar suas mãos para expressar por gestos o que tinha em mente… porque duvidava que tivesse a coragem para voltar a fazê-lo.

Pensa menos de mim? Por isso que ocorreu então… já sabe, nas escadas? Seja sincero.

Z piscou uma vez. Duas vezes. Uma terceira vez. E logo em um tom de voz que soou curiosamente suave, disse:

—Nunca. Não foi sua culpa, e não merecia isso. Ouviu-me? Não foi sua culpa.

John se encolheu enquanto as lágrimas lhe ardiam nos olhos, e teve que afastar o olhar, baixando a vista para seu corpo e os colchonetes. Por alguma razão, embora estivesse longe do chão, sentiu-se mais baixo que nunca.

   —John —insistiu Z—Ouviu? Não foi sua culpa. Não merecia isso.

Realmente John não tinha uma resposta, assim encolheu os ombros. Logo disse por gestos:

   Obrigado outra vez por não contar nada. E por não me fazer falar disso.

Quando Z não disse nada, levantou o olhar. Somente para ter que dar um passo atrás.

Todo o rosto do Zsadist tinha mudado, e não só porque seus olhos se haviam tornado negros. Seus ossos pareciam mais proeminentes, a pele mais tensa, a cicatriz chocantemente evidente. Uma fria rajada emanava de seu corpo, esfriando o ar, tornando a sala um congelador.

—Ninguém merece que lhe roubem a inocência. Mas se algo assim acontece? Cada um tem direito a escolher como vão lutar com isso, porque não é assunto de ninguém mais. Se não quiser dizer uma puta palavra mais sobre o assunto, eu não direi nada.

Z se foi caminhando a passos largos. Quando a porta se fechou atrás dele, a queda de temperatura se deteve.

John respirou profundamente. Nunca teria imaginado que Z terminaria sendo o irmão ao qual se sentiria mais unido. Depois de tudo, eles dois não tinham nada em comum.

Mas seguro como o inferno que ia aceitar amigos ali onde os encontrasse.

Algumas horas depois, Phury se reclinou no sofá do delicado escritório de Wrath e cruzou as pernas à altura do joelho. Era a primeira reunião da Irmandade desde que tinham atirado em V, e até agora tudo tinha sido forçado. Mas bom, havia um grande e monstruoso elefante rosa na sala que ainda não tinha sido tratado.

Olhou para Vishous. O irmão estava recostado contra as portas duplas olhando fixamente à frente, sua expressão em branco, do tipo que capta no rosto de alguém quando olha velhos filmes de faroeste na TV. Ou um filme clássico.

O efeito morto-vivente era fácil de reconhecer porque já tinha feito uma aparição antes nesta sala. Rhage tinha convertido em esporte essa rotina de cadáver respirando quando pensou que tinha perdido Mary para sempre. Também o fez Z quando tinha estado determinado a deixar que Bela se fosse.

Sim...os machos vampiros vinculados sem suas companheiras eram recipientes vazios, nada exceto músculos e ossos contidos por uma magra pele. E ainda quando tinha que sentir lástima por alguém nesse estado, considerando a carga de merda que usava V com isso do Primale, a perda de Jane parecia especialmente cruel. Exceto como merda teria a possibilidade de funcionar algo a longo prazo entre eles? Doutora humana. Guerreiro vampiro. Sem nada em comum.

A voz de Wrath ressoou

—V? Hey, Vishous?

V sacudiu a cabeça.

—O que?

—Vai até a Virgem Escriba esta tarde, não?

A boca de V apenas se moveu.

—Sim.

—Vai precisar de um representante da Irmandade com você. Assumo que irá Butch. Certo?

V olhou ao poli, que estava sentado em uma cadeira azul claro.

—Importaria-se?

Butch, que estava claramente preocupado por V, imediatamente saltou.

—Claro que não. O que precisa que faça?

Quando V não disse nada, Wrath encheu o vazio.

—O equivalente humano seria provavelmente o de padrinho de bodas. Irá para a inspeção hoje e logo à cerimônia, que será amanhã.

—Inspeção? Como, essa mulher é uma pintura ou alguma merda? —Butch fez uma careta— Não me desce toda esta coisa das Escolhidas, tenho que ser honesto.

—Antigas regras. Antigas tradições. —Wrath esfregou seus olhos debaixo dos óculos— Muitas coisas deveriam mudar, mas é território da Virgem Escriba, não meu. Esta bem… então… rotação. Phury, fica fora esta noite. Sim, sei que descansou depois de ter sido ferido, mas notei que saltou seus dois últimos descansos.

Quando Phury só assentiu, Wrath sorriu com suficiência.

—Não vais brigar por isso?

—Não.

De fato, tinha algo o que fazer. Assim era perfeito.

Do Outro Lado, na sagrada câmara de banho de mármore, Cormia lamentava não poder deixar sua própria pele. O que era um pouco irônico, quando tinha sido tão cuidadosamente preparada para o Primale. As pessoas pensariam que desejaria ficar dentro dela agora que estava tão desencardida. Tinha sido encharcada em uma dúzia de banhos rituais diferentes… tinham limpo e relimpado seu cabelo… lhe tinham posto máscaras que cheiravam a rosas no rosto, depois outras que cheiravam a lavanda, e ainda outras de salvia e jacinto. Tinham-lhe esfregado azeite por toda parte, enquanto se queimava incenso em honra ao Primale e se entoavam orações. O processo a tinha feito sentir como parte de um banquete cerimonioso. Um pedaço de carne, amadurecida e pronta para consumir.

—Estará aqui em uma hora —disse a Directrix— Não há tempo a perder.

O coração da Cormia parou. Logo esmurrou em seu peito. O estado de intumescimento induzido por todo o vapor e as águas quentes se retirou, deixando-a dolorosa e horrivelmente consciente que os últimos momentos da vida que sempre tinha conhecido, estavam a ponto de terminar.

—Ah, aqui esta a túnica! —disse uma das Escolhidas com emoção.

Cormia olhou sobre seu ombro. Do outro lado do enorme chão de mármore um par de Escolhidas entraram pelas portas de ouro com um traje branco com capuz pendurando entre elas. O adorno estava bordado com diamantes e ouro, e brilhou sob a luz das velas, cobrando vida com a luz. Atrás delas outra Escolhida sustentava uma extensão de tecido translúcido em seus braços.

—Traga o véu —ordenou a Directrix— e coloque-o. —Resplandecente.

A diáfana coberta foi posta sobre a cabeça de Cormia, e caiu sobre ela com o peso de mil pedras. Quando caiu ante seus olhos, o mundo a seu redor se empanou.

—A levante —lhe disseram.

Ficou de pé e teve que estabilizar-se; seu coração golpeando com força atrás das costelas, as palmas ficando suarentas. O pânico se incrementou quando a pesada túnica foi colocada pelas duas Escolhidas. Quando o vestido cerimonioso foi colocado por trás, segurou-lhe os ombros como braçadeiras, nem tanto colocando-se sobre sua figura a não ser encerrando seu corpo. Sentiu como se algum gigante estivesse de pé a suas costas pressionando-a com suas grandes mãos, parecidas com garras.

O capuz foi levantada sobre sua cabeça e tudo ficou negro.

A frente do traje foi fechado até o início do capuz, e Cormia tratou de não pensar em quando e de que maneira aqueles broches iriam ser liberados outra vez. Tratou de tomar lentos e profundos fôlegos. Entrava-lhe ar fresco através de algumas aberturas que tinha à altura do pescoço, mas não era suficiente. Não por uma medida e meia.

Sob seu adorno todo o som se ouvia amortecido, e seria difícil para alguém ouvi-la falar. Mas bom, não tinha nenhum papel pessoal nem na cerimônia de apresentação nem no ritual de emparelhamento que o seguiria. Era um símbolo, não uma mulher, por isso sua resposta individual não seria requerida ou animada. As tradições eram o governo supremo.

—Perfeita —disse uma das Escolhidas.

—Resplandecente.

—Digna de nós.

Cormia abriu a boca e sussurrou para si mesmo:

   —Sou eu, sou eu, sou eu...

As lágrimas brotaram e caíram, mas não podia alcançar seu rosto para as enxugar, por isso desceram por suas bochechas e sua garganta, perdendo-se na túnica.

Sem advertência, o pânico repentinamente foi das mãos, como um animal selvagem solto. Virou ao redor, entorpecida pela pesada túnica, mas conduzida por uma necessidade de fugir que não podia reprimir. Saiu na direção que pensou estava a porta, arrastando o peso com ela. Fracamente ouviu chiados de surpresa que ressoaram na câmara de banhos, junto com sons de garrafas, taças e jarras que se rompiam em pedaços.

Sacudiu-se, tratando de tirar a túnica, desesperada por aliviar-se.

Desesperada por ser liberta de seu destino.

No centro da cidade de Caldwell, na esquina nordeste do complexo do St. Francis, o doutor Manuel Manello, pendurou o telefone em seu escritório sem ter marcado nenhum número e sem ter respondido nenhuma chamada que tivesse chegado. Contemplou o console Nec. A coisa estava recoberta de botões, como tirada do sonho úmido de um viciado em Cidade Circuito com todas essas campainhas e assobios.

Queria lançá-la através da sala.

Queria fazê-lo, mas não o fez. Tinha deixado de lançar as raquetes de tênis, os controles remotos da TV, os escalpelos e os livros quando decidiu transformar-se no chefe mais jovem de cirurgia da história do St. Francis. Após, seus lançamentos só implicavam garrafas vazias e pacotes da máquina vendedora atirados para os cestos de papéis. E isso era apenas para praticar a pontaria.

Acomodando-se para trás na cadeira de couro, virou ao seu redor e olhou fixamente através da janela de seu escritório. Era um escritório agradável. Grande, elegante como a merda, todo revestido de painéis de mogno e de tapetes orientais, o Quarto do Trono, como era conhecido, tinha servido como colchão de aterrissagem do cirurgião chefe durante cinqüenta anos. Tinha estado nesta vantajosa posição durante aproximadamente três anos e se alguma vez conseguisse ter um descanso ia dar ao lugar um novo ar. Todo o brilho da Instituição lhe dava alergia.

Pensou no maldito telefone e soube que ia fazer uma ligação que não deveria. Era simplesmente uma fodida amostra de fraqueza, que logo o ia engasgar, embora nela desdobrasse toda sua habitual arrogância de macho.

Ainda assim, ia terminar por deixar que seus dedos percorressem o caminho.

Para postergar o inevitável, fez um pouco de tempo olhando fixamente através da janela. Desde sua vantajosa posição podia ver a frente da panorâmica entrada do St. Francis, assim como a cidade que estava mais abaixo. Facilmente esta era a melhor vista de todo o hospital. Na primavera as cerejeiras e as tulipas floresciam na frente do caminho de entrada. E no verão, ambos os lados das duas vias, os frondosos arces brotavam folhas verdes como esmeraldas até que se mudavam para o pêssego e o amarelo do outono.

No geral não passava muito tempo desfrutando da paisagem, mas realmente apreciava saber que estava ali. Às vezes um homem precisava centrar seus pensamentos.

Agora se encontrava em um desses momentos.

Passada a noite que tinha ligado ao telefone celular de Jane, calculando que estaria em casa depois da maldita entrevista. Nenhuma resposta. Tinha ligado esta manhã. Nenhuma resposta.

Bem. Se não quisesse revelar nada sobre a fodida entrevista em Columbia, ia diretamente à fonte. Ligaria ao chefe de cirurgia de lá ele mesmo. Os egos seguiam sendo o que eram, e seu antigo mentor não vacilaria em compartilhar alguns detalhes, mas, homem, isto ia ser como se o pintassem com grafiti no traseiro durante uma expedição de pesca.

Manny virou ao seu redor, teclou dez dígitos e esperou, dando golpezinhos com uma caneta Montblanc sobre o mata-borrão.

Quando responderam à ligação, não esperou um olá.

—Falcheck, assaltante cara de pau.

Ken Falcheck riu.

—Manello, segue tendo uma incrível facilidade de palavra. E eu sendo seu mentor, estou especialmente impressionado.

—Então, como é a vida na via lenta, velho?

—Boa, boa. Agora me conte, pequenino, deixam você comer comida sólida ou ainda come as de potinhos?

—Estou à altura das papinhas de aveia. O que significa que estarei bem forte para substituir seu osso do quadril quando se aborrecer de usar o andador.

Tudo isto era uma completa sandice, é obvio. Aos sessenta e dois ans, Ken Falcheck estava em plena forma e era um pé no saco na mesma linha que Manny. O dois se entenderam desde que Manny tinha estado no programa de graduação do cara há quinze anos.

—Então, com toda a deferência para as pessoas de idade —disse Manny arrastando as palavras—Por que está seduzindo a minha cirurgiã de emergências? E o que pareceu ela a você?

Houve uma leve pausa.

—Do que está falando? Na quinta-feira me chegou uma mensagem de um cara que disse que tinha que mudar a data da entrevista. Pensei que me ligava por isso. Para desfrutar de que tinha me rechaçado e de que tinha conseguido conservá-la.

Uma desagradável sensação se envolveu ao redor da nuca de Manello, como se alguém o tivesse dado uma colher com barro frio.

Manteve a voz calma.

—Vamos, eu faria isso?

—Sim, faria. Treinei você, lembra? Obteve todos os seus maus hábitos de mim.

—Só os profissionais. Ouça, o cara que ligou… conseguiu seu nome?

—Não. Deduzi que era seu ajudante ou algo assim. Obviamente não foi você. Conheço sua voz, e mais, o cara era educado.

Manny engoliu com força. Bem, precisava terminar a ligação em seguida. Jesus Cristo, onde demônios estava Jane?

—Então, Manello, posso assumir que a conservou?

—Confronta os dados, tenho muitas coisas que oferecer. —Ele mesmo era uma delas.

—Só que não a chefia de um departamento.

Deus, neste momento, toda esta frescura de politica médica não importava. Na opinião do Manny, Jane estava desaparecida em ação, e tinha que encontrá-la.

Com um perfeito sentido da oportunidade, seu assistente apareceu na porta.

—OH, sinto muito…

—Não, espera. Ouça, Falcheck, tenho que ir.

Desligou enquanto Ken ainda lhe dizia adeus e imediatamente começou a discar o número da casa de Jane.

—Escuta, tenho que fazer uma chamada telefônica…

—A doutora Whitcomb acaba de ligar para dizer que esta doente.

Manny levantou a vista do telefone.

—Falou com ela? Foi ela quem ligou?

Seu assistente o olhou um pouco divertido.

—É obvio. Esteve todo o fim de semana com gripe. Goldberg vai cobrir seus casos. Escute, está bem?

Manny deixou o receptor e assentiu com a cabeça embora se sentisse infernalmente enjoado. Merda, a idéia de que algo tivesse acontecido a Jane diluía seu sangue transformando-o em água.

—Está tudo bem, doutor Manello?

—Sim, estou bem. Obrigado pela informação a respeito de Whitcomb. —Quando se levantou, o chão serpenteou um pouco— Me esperam na sala de cirurgia em uma hora, agora vou comer. Tem algo mais para mim?

Seu assistente tratou de um par de questões com ele e depois o deixou.

Quando a porta se fechou Manny se afundou de novo na cadeira. Homem, precisava tomar as rédeas de sua cabeça. Jane Whitcomb sempre tinha sido uma distração, mas este tremente alívio ao saber que estava bem o surpreendia.

Certo. Precisava ir comer.

Dando uma chute mental no traseiro, ficou de pé novamente e levantou uma pilha de solicitudes de aspirantes a residente para ler durante a refeição. No processo de agarrá-los com a mão, algo caiu da mesa. Inclinou-se e o pegou, depois franziu o cenho. Era a cópia impressa da fotografia de um coração… que tinha seis cavidades.

Algo piscou na parte posterior da mente de Manny, uma espécie de sombra se moveu ao seu redor, um pensamento a ponto de manifestar-se, uma lembrança a ponto de cristalizar. Mas então apareceu uma aguda dor nas têmporas. Enquanto amaldiçoava, perguntou-se de onde infernos tinha saído a fotografia, e olhou a data e hora na parte de abaixo. Tinha sido feita aqui, em seu hospital, em sua sala de cirurgia, e o trabalho de impressão tinha sido feito em seu escritório. A máquina tinha um problema já que deixava um ponto de tinta no canto inferior esquerdo e o sinal estava ali.

Voltou-se para o computador e fez uma busca em seus arquivos. Não existia tal fotografia. Que merda era essa?

Olhou o relógio. Não havia tempo para seguir procurando, por que realmente tinha que comer antes de ir operar.

Enquanto abandonava o escritório , decidiu que ia ser um médico à antiga por esta tarde.

Esta noite ia fazer uma visita domiciliár, a primeira de sua carreira profissional.

V colocou um par de calças soltas de seda negra e uma camisa combinando, a qual se parecia com uma jaqueta de smoking dos anos quarenta.

Depois de colocar o triste medalhão do Primale ao redor do pescoço, deixou o quarto e acendeu um néscio. Enquanto caminhava pelo corredor escutou Butch amaldiçoar na sala de estar, a letanía em voz baixa continha muitos palavrões e uma interessante acepção de traseiro que V ia ter que lembrar.

V encontrou o cara no sofá, franzindo o cenho sobre o computador portátil de Marissa.

—O que está fazendo, poli?

—Acredito que este disco rígido mordeu o pó. —Butch levantou a vista— Jesus Cristo… se parece com o Hugh Hefner, o fundador da revista playboy.

—Não tem graça.

Butch fez uma careta.

—Sinto muito. Merda…V, o sint…

—Se cale e me deixe olhar o computador. —V pegou a coisa de cima de Butch e fez uma rápida exploração de manutenção— Morta.

—Deveria ter sabido. Lugar Seguro forma parte do fodido grupo de tecnologia da informação de merda. Seu servidor caiu. Agora isto. Enquanto isso Marissa está na mansão com a Mary tratando de calcular como contratar mais pessoal. Cara, não precisa disto.

—Pus quatro novos DELL no armário de fornecimentos que esta fora do escritório do Wrath. Lhe diga que pegue um, OK? Prepararia-o para ela agora, mas tenho que ir.

—Obrigado, cara. E sim, está tudo pronto para eu ir com você…

—Não tem que estar lá.

Butch franziu o cenho.

—Merda. Precisa de mim.

—Alguém mais pode substituir você.

—Não o abandonarei…

—Não seria abandono. —Vishous olhou para o pimpolim e fez girar uma das barras. Quando a fila de pequenos homens virou ao contrário, exalou.

—É algo assim como…não sei, se estiver lá, tudo se volta muito fodidamente real.

—Então quer que alguém mais o respalde?

V fez girar a barra outra vez, o som de um zumbido se elevou da mesa. Tinha escolhido ao Butch em um ato reflexo, mas a verdade era que o macho era uma complicação. V estava tão condenadamente unido ao tipo que faria que fosse mais difícil lhe fazer frente à apresentação e ao ritual.

V o olhou através da sala de estar.

—Sim. Sim, acredito que prefiro que seja outra pessoa.

No curto silêncio que seguiu, Butch adotou a aparência de alguém sustentando um prato de comida que estava muito quente: inquieto e inseguro.

—Bem… enquanto saiba que estaria ali por você, sem importar o que fosse acontecer.

—Sei que é de confiança. —V foi para o telefone, meditando suas opções.

—Está segur…

—Sim —disse, discando. Quando Phury respondeu à chamada, V lhe disse— Se importaria de ir comigo esta noite? Butch vai se atrasar. Sim. Uh-huh. Obrigado, homem. —Desligou. Esta poderia ser uma estranha opção, já que eles dois nunca tinham estado particularmente unidos. Mas bom, essa era a idéia.

—Phury o fará, nenhum problema. Vou passar por seu quarto agora.

—V…

—Deixa, poli. Retornarei em algumas horas.

—Desejaria como o inferno que não tivesse que…

—Não importa. Isto não vai mudar as coisas. —depois de tudo, Jane ainda teria ido. Continuaria sendo um macho vinculado sem sua companheira. Por isso sim, nada mudava, nada importava.

—Está absolutamente seguro de que não quer que eu vá?

—Só esteja aqui com o Goose para quando retornar. Vou precisar de um gole.

V deixou o Pit através do túnel subterrâneo e enquanto caminhava para a mansão, tratou de dar-se um pouco de perspectiva.

Esta Escolhida com a que ia se emparelhar era apenas um corpo. Como ele. Ambos fariam o que era necessário fazer, quando fosse necessário. Eram simplesmente partes masculinas encontrando-se com partes femininas, depois empurrar e repetir até que o macho ejaculasse. E quanto à carência completa e total de excitação? Não era um problema. Escolhidas tinham bálsamos que asseguravam uma ereção e incensos que provocavam que gozasse. Por isso mesmo embora não tivesse absolutamente nenhum interesse no sexo, seu corpo faria o que tinha nascido e tinha sido criado para fazer: assegurar que as melhores linhagens da espécie sobrevivessem.

Merda, gostaria que pudesse ser clínico, todo copo-e-seringa de injeção. Mas os vampiros tinham tentado a fecundação in vitro no passado, sem nenhum êxito. Bebes deviam ser concebidos à maneira clássica.

Homem, não queria pensar com quantas fêmeas ia ter que estar. Não podia ir lá. Se o fizesse, ia a…

Vishous se deteve no meio do túnel.

Abriu a boca.

E gritou até que esgotou sua voz.

Quando Vishous e Phury cruzaram juntos para o Outro Lado, tomaram forma em um branco jardim rodeado de brancas arcadas de colunas corintias. No centro havia uma fonte de mármore branco que salpicava água clara e cristalina dentro de uma profunda cisterna branca. No canto mais afastado, em uma árvore branca com flores brancas, um bando de pássaros cantores das cores do arco íris estavam reunidos como se fossem o polvilhado de uma madalena. Os doces chamados dos pinzones e os carboneros[10] harmonizavam com o repico da fonte, como se ambas as cadências tivessem o mesmo tipo de alegria.

—Guerreiros. —A voz da Virgem Escriba chegou detrás de V e provocou que a pele se esticasse como plástico sobre os ossos—Se ajoelhem e os saudarei.

V ordenou a seus joelhos que se dobrassem, e depois de um momento se articularam como as patas oxidadas de uma mesa de jogo. Phury, por outro lado, não parecia estar sofrendo um caso de rigidez e desceu brandamente.

Por outro lado, não estava prostrando-se frente a uma mãe que desprezava.

—Phury, filho de Ahgony, como vai?

Com uma voz perfeitamente fluída, o irmão respondeu na Antiga Língua.

—Estou indo bem, pois estou ante você com profunda devoção e o coração puro.

A Virgem Escriba riu longamente.

—Uma saudação correta na forma adequada. Encantador de sua parte. E certamente mais do que conseguirei de meu filho.

V sentiu mais que viu a cabeça de Phury virar-se rapidamente para ele. OH, sinto muito, pensou V. Suponho que esqueci de mencionar esse pequeno e feliz detalhe, irmão.

A Virgem Escriba se aproximou lentamente.

—Ah, então meu filho não contou sobre sua linhagem materna? Pergunto-me se por decoro. Preocupado por fazer naufragar o princípio geralmente aceito de minha então chamada virginal existência? Sim, essa é a razão, não é assim, Vishous, filho de Bloodletter?

V levantou o olhar, embora não tivesse sido convidado a fazê-lo.

—Ou possivelmente apenas me recuse a reconhecer você.

Isso era exatamente o que ela esperava que dissesse, podia detectá-lo não só por ler seus pensamentos, mas também porque em algum nível ambos eram um e o mesmo, indivisíveis apesar do ar e o espaço entre eles.

Pegue já.

—Sua reticência em reconhecer minha maternidade não muda nada —disse em tom duro— Um livro sem abrir não altera a tinta de suas páginas. O que aí está aí e segue.

Sem permissão, V se levantou e se encontrou com o rosto encapuzado de sua mãe, cara a cara, fortaleza contra fortaleza.

Phury estava sem dúvida empalidecendo como a farinha, ou o que fosse. Dessa forma não se via em decacordo com a decoração. Além disso, a Virgem Escriba não ia torrar seu futuro Primale ou a seu precioso filho. De maneira nenhuma. Então não se importava uma merda.

—Vamos acabar com isto, mãe. Quero retornar à vida real…

V se encontrou em um piscar, dobrado de costas e sem poder respirar. Entretanto não havia nada em cima de seu corpo e não parecia estar comprimido, sentia-se como se tivesse um grande piano sobre o peito.

Enquanto os olhos saíam de suas órbitas e lutava para arrastar algum ar aos pulmões, a Virgem Escriba flutuou por cima dele. O capuz se elevou sobre seu rosto por própria vontade, e o olhou fixamente com expressão aborrecida em seu fantasmal e resplandecente rosto.

—Quero sua palavra de que se comportara com respeito para comigo enquanto estejamos ante a reunião das Escolhidas. Admito que tem certas liberdades por definição, mas não duvidarei em decidir um futuro pior para você ao que quer renunciar se o revela em público. Estamos de acordo?

De acordo? De acordo? Sim, certo, esse tipo de merda pressupõe livre-arbítrio, e por tudo o que tinha aprendido no curso de sua vida, estava claro que não tinha.

Que se foda. Ela.

Vishous exalou lentamente. Relaxando os músculos. E aceitou a asfixia.

Manteve o olhar fixo ne dela… enquanto começava a morrer.

Depois de mais ou menos um minuto em seu autol imposto sufoco, o sistema nervoso autônomo começou a funcionar, os pulmões pressionaram contra as paredes do peito, tratando de conseguir algum de oxigeno. Apertou os molares, pressionou juntos os lábios, e estreitou a garganta para que esse ato reflexo fosse impotente.

—OH, Jesus. —disse Phury com voz trêmula.

O ardor nos pulmões de V se difundiu com o passar do torso e sua visão começou a tornar-se imprecisa enquanto o corpo se sacudia na batalha entre a vontade mental e o imperativo biológico de respirar. Finalmente a batalha se converteu menos em um foda-se mãe e mais uma luta para conseguir o que queria: paz. Sem Jane em sua vida, a morte era realmente a única opção.

Começou a perder os sentidos.

De repente o inexistente peso foi levantado; logo o ar irrompeu em seu nariz e em seus pulmões como se fosse uma sólida e invisível mão que empurrasse a merda nele.

Seu corpo tomou o comando, amassando seu autocontrole. Contra sua vontade aspirou o oxigênio como se fosse água, virando de lado, respirando a grandes goles, a visão clariou gradualmente até que pôde focar a prega da túnica de sua mãe.

Quando por fim separou o rosto do chão branco e levantou o olhar para ela, não era a brilhante forma a que estava acostumado. Estava apagada, como se o resplendor tivesse um regulador de luz e alguém tivesse tratado de desligar o interruptor.

Entretanto, seu rosto era o mesmo. Translúcida, bela e dura como um diamante.

— Procederemos à apresentação? —disse— Ou possivelmente quer receber seu casal prostrado sobre meu mármore?

V se sentou, aturdido mas sem preocupar-se se por acaso perdia o fodido conhecimento. Supunha que devia sentir alguma espécie de sensação de triunfo ao ganhar a batalha contra ela, mas não era assim.

Percorreu com o olhar o Phury. O homem estava assustado, os olhos amarelos nus como uvas, a pele cítrica e pálida. Parecia que estivesse de pé em meio de uma piscina de jacarés usando bifes por sapatos.

Colega, vendo como o irmão dirigia esta pequena disputa familiar, V não podia imaginar à Escolhida agüentando muito melhor o aberto conflito entre ele e seu Joan Crawford mãe-pesadelo. E V podia não ter nenhuma simpatia por esse conjunto de fêmeas, mas isso não era razão para as irritar.

Ficou de pé, e Phury caminhou para ele ao mesmo tempo. Quando V tombou para um lado, o irmão o segurou sob a axila e o estabilizou.

—Agora me seguirão. —A Virgem Escriba encabeçou o caminho para a arcada, flutuando sobre o mármore, sem fazer um ruído ou movimento em particular, uma diminuta aparição de forma sólida.

Os três seguiram pela galeria para um par de portas douradas que V nunca tinha visto antes. Eram maciças e com sinais de uma versão anterior da Antiga Língua, uma que conservava bastante relação com a simbologia escrita atual que V podia traduzir:

             Contemplem o santuário das Escolhidas,

               sagrado domínio do passado, presente e futuro da Raça.

As portas se abriram sem que as tocassem, revelando um esplendor pastoral que sob outras circunstâncias poderia ter acalmado muito, inclusive a V. Exceto pelo fato que tudo era branco, podia ter sido algum tipo de colégio universitário da Ivy League, com formais edifícios georgianos estendidos amplamente entre uma ondulada e esbranquiçada erva, e carvalhos e olmos albinos.

Um tapete de branca seda tinha sido estendido, e ele e Phury caminhavam sobre ele enquanto a Virgem Escriba flutuava como um fantasma aproximadamente a um metro e meio por cima dele. O ar tinha a temperatura perfeita e estava tão completamente calmo que não se notava, seu roçar sobre a pele exposta. Embora a gravidade ainda mantinha sujeito a V, sentia-se mais leve e um tanto otimista… como se, com uma corridinha, pudesse ir saltando através do pasto como essas fotos dos homens na lua.

Ou, merda, possivelmente esta sensação de passeio lunar era porque tinha o cérebro frito.

Quando alcançaram o topo da colina, revelou-se um anfiteatro mais abaixo. Ali estavam as Escolhidas.

OH, Jesus… As quarenta fêmeas mais ou menos estavam vestidas com túnicas brancas idênticas com o cabelo preso e as mãos enluvadas. A coloração variava do loiro ao castanho e ao ruivo, mas pareciam ser todas, a mesma pessoa por suas constituições altas, esbeltas e as túnicas combinando. Divididas em dois grupos, alinhavam-se de cada lado do anfiteatro, apresentando-se em três quartos de volta com o pé direito avançado ligeiramente. Lembraram-no as cariátides da arquitetura romana, essas esculturas de fêmeas que sustentavam os frontones dos tetos com suas régias cabeças.

As olhando fixamente, perguntava-se se tinham corações que palpitavam e pulmões que bombeavam. Porque estavam tão quietas como o ar.

Olhe, este era o problema com o Outro Lado, pensou. Nunca nada se movia ali. Havia vida… sem vida.

—Irá conhecê-las —ordenou a Virgem Escriba— As apresentações o aguardam.

OH… Deus… Outra vez não podia respirar.

A mão do Phury aterrissou em seu ombro.

—Precisa de um minuto?

Porra!Um minuto?Precisava de séculos… embora assumindo que tivesse esse tempo, não ia mudar em nada o resultado. Com um sentido de destino, imaginou esse vampiro civil que tinha encontrado no beco, que tinha topado na noite em que tinham atirado nele, que tinha se vingado matando o lesser.

Precisavam mais membros na Irmandade, pensou enquanto começava a caminhar de novo. E não era como se a cegonha fosse encontrar-se com o trabalho feito.

Abaixo frente a ele havia uma única cadeira na casa, uma espécie de trono fabricado em ouro que estava colocado perto do limite do cenário do anfiteatro. Desde esta posição vantajosa, deu-se conta que o que tinha suposto que era uma parede branca no fundo na realidade era uma vasta cortina de veludo que se pendurava imovel como se estivesse grafitada sobre um mural.

—Você. Sente-se disse a Virgem Escriba, estou obviamente mais que farta de seu traseiro.

Engraçado, sentía o mesmo a respeito dela.

V se sentou enquanto Phury jogava raízes como uma árvore depois do trono.

A Virgem Escriba flutuou para a direita, adotando uma posição ao lado do cenário, um diretor shakesperiano, orquestrando todo o drama.

Colega, que não daria agora por um áspid.

—Procedamos —gritou em voz entrecortada.

A cortina se dividiu ao meio e se abriu, revelando uma fêmea coberta por túnicas fechadas da cabeça aos pés. Flanqueada por duas escolhidas, sua prometida parecia estar de pé em um estranho ângulo. Ou possivelmente não estava de pé. Jesus, parecia como se estivesse em algum tipo de tabela inclinada em posição vertical para olhar. Como uma mariposa presa.

Quando a moveram, ficou claro que realmente estava segura sobre alguma coisa. Havia bandas ao redor da parte superior de seus braços, umas que estavam camufladas com jóias para combinar com a túnica, outras que pareciam estar sustentando-a.

Deve ser parte da cerimônia. Porque a que estava debaixo dessa túnica não estava apenas preparada para esta apresentação e o ritual de emparelhamento que seguiria, a não ser sem dúvida que estava emocionada como o inferno por ser a fêmea numero um. A primeira Escolhida do Primale tinha direitos especiais, e só podia imaginar que ascensão tão boa seria para ela.

Embora podia não ser justo, estava ofendido como o inferno pelo que estava baixo desse esplendor.

A Virgem Escriba assentiu, e as Escolhidas a esquerda e a direita de sua prometida começaram a lhe desfazer a toga. Enquanto trabalhavam, uma corrente de energia ondeou através da quietude do anfiteatro, a culminação de décadas de Escolhidas esperando que os antigos costumes começassem de novo.

V olhava sem prestar atenção a nada enquanto as túnicas eram retiradas para revelar uma forma de fêmea surpreendentemente linda coberta com um delicado e fino envoltório. O rosto de sua prometida permanecia oculto, de acordo com a tradição, porque não era ela que estava sendo entregue e sim todas as Escolhidas.

—É de seu gosto? —perguntou a Virgem Escriba secamente, como se soubesse que esta fêmea era a perfeição absoluta.

—Não importa.

Um murmúrio de inquietação cruzou entre as Escolhidas, uma brisa fresca passou através dos rígidos juncos.

—Possivelmente queira escolher suas palavras de novo? —disse bruscamente a Virgem Escriba.

—Servirá.

Depois de uma embaraçosa pausa, uma Escolhida se adiantou com um queimador de incenso e uma pluma branca. Enquanto cantava, fazia flutuar a fumaça para a fêmea encapuzada na cabeça até os pés nus, girando ao seu redor uma vez pelo passado, uma pelo presente e uma pelo futuro.

Enquanto o ritual avançava, V franziu o cenho e se inclinou para frente. O fronte do delicado e fino envoltório de sua prometida estava úmido.

Provavelmente devido aos azeites que tinham utilizado ao prepará-la para ele.

Recostou-se no trono. Merda, odiava os costumes antigos. Odiava toda esta fodida coisa.

Debaixo do capuz, Cormia estava em um estado de desespero. O ar que respirava era quente, úmido e sufocante, pior nesse aspecto que não ter nada que inalar. Tinha os joelhos frouxos como fibras de erva, as palmas empapadas. Se não fosse pelas ataduras, cairia.

Depois de sua aterrada tentativa de fuga nos banheiros, e sua captura final, uma bebida amarga tinha sido obrigada a descer por sua garganta por ordem da Directrix. Tinha-a tranqüilizado durante um tempo, mas o elixir se enfraquecia, e o medo a aguilhoava outra vez.

Embora a degradação total acontecendo quando sentiu as mãos descendo pela frente da túnica para liberar os broches de ouro, tinha chorado pela violação do olhar de um estranho sobre sua pele íntima. Logo as duas pesadas metades de sua túnica tinham sido se separadas do corpo e havia sentido o frescor sobre a pele, algo que não era um alívio ao peso que tinha envolto sobre ela.

Os olhos do Primale tinham estado sobre ela enquanto a voz da Virgem Escriba tinha gritado: “É de seu gosto?”

Cormia tinha esperado a resposta do irmão, rezando por alguma calidez nela.

Não houve absolutamente nenhuma: “Não importa”.

—Possivelmente queira escolher suas palavras de novo?

— Servirá.

Ao ouvir as palavras, o coração da Cormia deixou de palpitar, o medo substituído pelo terror. Vishous, filho de Bloodletter, tinha uma voz fria, uma que sugeria tendências muito piores mesmo das quais a fama de seu pai tinha detalhado.

Como poderia sobreviver ao emparelhamento, e muito menos representar bem às veneráveis Escolhidas durante o curso disso? No banheiro, a Directrix tinha sido brutal no resumo de tudo o que Cormia desonraria se não se comportasse com a dignidade apropriada. Se não se encarregasse de sua responsabilidade. Se não era a representante apropriada de todas.

Como poderia suportar tudo isto?

Cormia ouviu a Virgem Escriba falar de novo:

—Vishous, o olhar não foi depositado em seu nome. Phury filho de Ahgony, deve inspecionar a escolhida que foi oferecida, como testemunha do Primale.

Cormia tremeu, temerosa de ter outro par de desconhecidos olhos masculinos sobre ela. Sentia-se impura embora tenha sido tão cuidadosamente lavada; suja, embora nenhuma sujeira destilasse dela. Sob o capuz desejava ser pequena, tão pequena que envergonharia à cabeça de uma agulha.

Pois se fosse pequena, seus olhos não a encontrariam. Se fosse diminuta, poderia esconder-se entre coisas maiores… desaparecer de tudo isto.

Os olhos de Phury estavam cravados na parte posterior do dourado trono, e na realidade não os queria em nenhum outro lugar. Tudo isto estava errado. Tudo errado.

—Phury, filho de Ahgony? —a Virgem Escriba pronunciou o nome de seu pai como se o peso da linhagem completa da família descansasse nele, Phury seguiu com o programa.

Abriu as pálpebras olhando para a fêmea...

Cada um de seus processos mentais se deteve em seco.

Seu corpo foi o que respondeu. Imediatamente. Engrossou-se dentro das calças de seda, a ereção surgiu tão rápido como um suspiro, mesmo enquanto se sentia completamente envergonhado. Como podia ser tão cruel? Deixou cair as pálpebras, cruzou os braços sobre o peito, e tratou de averiguar como poderia chutar o próprio traseiro e permanecer de pé.

—Como lhe parece, guerreiro?

—Resplandecente. —A palavra saiu de sua boca de nenhuma parte. Logo acrescentou— Digna da mais bela tradição de Escolhidas.

—Ah, agora sim, essa é a resposta correta. Como a aceitação foi feita, declaro esta fêmea como a escolha do Primale. Terminem o banho de incenso.

Com a vista periférica, Phury se deu conta que apareciam duas Escolhidas com varas das quais emanavam fumegantes esteiras brancas. Quando começaram a cantar em altas e cristalinas vozes, respirou profundamente, peneirando através de um jardim em flor de essências femininas.

Encontrou a essência da prometida. Tinha que ser ela, porque era a única em todo o lugar que desprendia um puro terror…

—Parem a cerimônia —disse V com voz dura.

A Virgem Escriba virou a cabeça para ele.

—Terminarão logo.

—O inferno que o farão. —O irmão se levantou do trono e se dirigiu para o cenário, obviamente tendo captado também a essência. Enquanto ia para lá, as escolhida deixaram escapar gritos de alarme e romperam as filas. Enquanto as fêmeas se dispersavam e as brancas túnicas se agitavam pelos arredores, Phury pensou em uma pilha de guardanapos de papel em um picnic, saindo ao vôo quisessem ou não, saltando sobre a erva.

Exceto que, isto não era um domingo no parque.

Vishous fechou a túnica da prometida, logo rasgou as ataduras. Como fraquejou, pegou-a pelo braço e a segurou.

—Phury, encontraremo-nos em casa.

O vento começou a arremeter, procedendo da Virgem Escriba, mas V se manteve firme, de frente a seu… bem, sua mãe, aparentemente.

Mãe, Cristo, nunca teria imaginado.

V tinha um aperto mortal na pobre fêmea e o rosto cheio de ódio enquanto cravava o olhar na Virgem Escriba.

—Phury, parte daqui.

Embora Phury fosse no fundo um pacificador, tinha melhor juízo para interceder nesse tipo de brigas familiares. O melhor que podia fazer era rezar para que seu irmão não voltasse em uma urna.

Antes de ir-se, deu um último olhar à forma encapuzada da fêmea. V agora a segurava com ambas as mãos, já que parecia que desmaiou. Jesus Cristo… Que confusão.

Phury se voltou e se apressou a retornar andando pelo branco tapete de seda para o jardim da Virgem Escriba. Primeira parada? O escritório de Wrath. O Rei tinha que saber do acontecido. Embora evidentemente a maior parte da história ainda não tivesse sido interpretada.

Quando Cormia recuperou a consciencia, estava deitada sobre as costas, a túnica ainda posta, o capuz em seu lugar. Embora pensasse que já não estava naquela tabela a que tinha sido atada. Não... não estava em...

Lembrou-se de tudo. O Primale interrompendo a cerimônia e liberando-a. Um imenso vento soprando através do anfiteatro. O irmão e a Virgem Escriba começando a discutir.

Cormia tinha desmaiado naquele momento, perdendo o que se seguiu. O que tinha ocorrido ao Primale? Certamente não tinha sobrevivido, já que ninguém desafiava à Virgem Escriba.

—Deseja tirar algo do que usa? —disse uma áspera voz masculina.

O medo disparou por sua coluna. Virgem misericordiosa, ele até estava lá.

Instintivamente se enroscou formando uma bola para proteger-se.

—Relaxe. Não vou fazer nada a você.

A julgar por seu duro tom de voz, não podia confiar em suas palavras: a ira marcava as sílabas que pronunciava, as tornando agudas , e embora não pudesse ver sua forma, podia sentir o formidável poder nele. Era verdadeiramente o filho do guerreiro Bloodletter.

—Olhe, vou tirar o capuz para que possa respirar, certo?

Tentou afastar-se, tentou arrastar-se de onde quer que estivesse, mas a túnica se enredou e a reteve.

—Pare, fêmea. Somente estou tentando fazê-lo mais fácil para você.

Ficou mortalmente quieta enquanto suas mãos caíam sobre ela, certa de que apanharia. Entretanto somente afrouxou os dois broches superiores e levantou o capuz.

O doce e limpo ar percorreu seu rosto através do magro véu, um luxo como a comida para o faminto, mas não podia aspirar muito. Estava toda tensa, os olhos fechados com força, a boca retraída em uma careta enquanto preparava a si mesma para só a Virgem sabia o que.

Mas, nada ocorreu. Ainda estava com ela... podia captar seu temível aroma... e entretanto não a tocou, nem pronunciou outras palavras.

Escutou um chiado e uma inalação. Depois cheirou algo picante e defumado. Como incenso.

—Abre os olhos. —Sua voz lhe chegou de trás e era uma ordem.

Levantou as pestanas e piscou várias vezes. Estava no cenário do anfiteatro, de frente a um trono dourado vazio e um tapete branco de seda que usava a levantada elevação.

Sentiu fortes pisadas aproximando-se.

E ali estava ele. Elevando-se imponente sobre ela, maior que qualquer coisa que tivesse visto que respirasse, seus pálidos olhos e severo rosto tão frio que retrocedeu.

Levou um magro e branco cilindro aos lábios e inalou. Enquanto falava, a fumaça saía de sua boca.

—Disse-lhe isso. Não vou fazer mal a você. Qual é seu nome?

Através de uma garganta oprimida, disse com voz áspera:

—Escolhida.

—Isso é o que é —disse bruscamente— Quero seu nome. Quero saber o seu nome.

Era-lhe permitido perguntar isso? Estava ele... O que estava pensando? Podia fazer tudo o que quisesse. Era o Primale.

—C-C-Cormia.

—Cormia.

Inalou do branco e magro cilindro de novo, a ponta laranja flamejou com intensidade.

—Me escute. Cormia, não fique assustada. Ok?

—É...? —lhe quebrou a voz. Não estava certa se podia lhe fazer perguntas, mas teria que saber— É um deus?

As negras sobrancelhas desceram sobre os brancos olhos.

—Infernos, não.

—Mas então como fez...

—Fale alto. Não posso ouvir você.

Tentou que sua voz soasse mais forte.

—Então como intercedeu com a Virgem Escriba? —enquanto a olhava com o cenho franzido, apressou-se a desculpar-se— Por favor, não quis ofender...

—Não importa. Olhe, Cormia, não esta convencida deste emparelhamento comigo, não é? —quando não disse nada, apertou a boca com impaciência— Vamos, me fale.

Abriu a boca. Não saiu nada.

—OH, pelo amor de Deus.

Passou a mão enluvada através do escuro cabelo e começou a andar.

Sem dúvida era uma deidade de alguma classe. Parecia tão feroz que não se teria surpreendido se atraísse raios do céu.

Deteve-se sobressaindo sobre ela.

—Disse-lhe isso, não vou machucar você. Maldição, o que crê que sou? Um monstro?

—Nunca antes tinha visto um macho —deixou escapar— Não sei o que é.

Aquilo o deixou frio.

Jane despertou só porque escutou chiar a porta de uma garagem, o alto e agudo gemido chegou do apartamento que estava à esquerda do dela. Virando-se sobre si mesma, olhou o relógio. As cinco da tarde. Tinha dormido a maior parte do dia.

Bom, se podia chamar o que fez de dormir. A maior parte do tempo, tinha estado presa em uma estranha paisagem onírica, no qual imagens que estavam meio formadas e confusas, atormentavam-na. Um homem estava comprometido de algum jeito, um homem grande que sentia como parte dela e entretanto completamente alheio. Não tinha sido capaz de ver seu rosto, mas conhecia seu aroma: escuras especiarias, perto, em seu nariz, tudo a seu redor, sobre tudo seu corpo...

Aquela enxaqueca que parecia um triturador de ossos estalou, e soltou o que estava pensando como se fosse um atiçador quente e estivesse sujeitando o extremo equivocado. Felizmente, a dor atrás de seus olhos cedeu.

Para ouvir o ruído do motor de um carro, levantou a cabeça do travesseiro. Através da janela próxima à cama viu uma minivan dando marcha ré na entrada para carros junto à sua. Alguém tinha mudado para o apartamento do lado, e Deus, esperava que não fosse uma família. As paredes entre as moradias não eram tão finas como em um edifício de apartamentos, mas nem por indício eram sólidas como as da caixa forte de um banco. E podia passar muito bem da presença de filhos gritalhões.

Endireitando-se, sentiu-se ainda mais miserável e dentro de uma nova categoria de lixo. Algo doía intensamente em seu peito, e não pensava que fosse muscular. Movendo-se de um lado para o outro, tendia a pensar que antes já havia sentido isso, mas não podia situar quando ou onde.

Tomar banho era um suplício. Infernos, somente chegar ao banheiro foi um esforço. A boa notícia foi que a rotina ensaboar-e-esclarecer a reviveu um pouco, e seu estomago pareceu abrir-se à idéia de um pouco de comida. Deixando que o cabelo secasse no ar, desceu e pôs-se a esquentar um pouco de café. O plano era colocar a cabeça na primeira velocidade, retornar algumas ligações telefônicas. Então viesse o inferno ou um maremoto, ia trabalhar amanhã, então queria preparar-se para a ação o melhor que pudesse antes de ir para o hospital.

Com a xícara na mão, dirigiu-se à sala de estar e se sentou no sofá, embalando o café entre as palmas, esperando que o Capitão Cafeína viesse a resgatá-la e a ajudasse a sentir-se humana. Quando olhou para baixo às almofadas de seda, estremeceu. Estes eram as que sua mãe tinha alisado tão freqüentemente, aquelas que tinham servido como um barômetro para medir se tudo estava bem ou não, e Jane se perguntou quando se sentou nas malditas coisas pela última vez. Deus, pensava que a resposta fosse nunca. Por isso sabia, o último traseiro que tinha depositado seu peso ali bem poderia ter sido o de um de seus pais.

Não, provavelmente o de um convidado. Seus pais só se sentavam nas poltronas gêmeas na biblioteca, seu pai na da direita com o cachimbo e o jornal, sua mãe à esquerda com um quadrado de petit point, seu tipo de bordado, no colo. Os dois tinham sido um pouco como tirado do museu de cera de Madame Troussaurs, parte de uma exibição sobre ricos maridos e esposas que nunca dirigiam a palavra um ao outro.

Jane lembrou as festas que tinham dado, toda aquela gente formando redemoinhos naquela grande casa colonial, com garçons uniformizados oferecendo crepes e coisas cheias com massa de cogumelos. Sempre era a mesma multidão, a mesma conversação e o mesmo tipo de curtos vestidos negros e trajes do Brooks Brothers. A única diferença tinham sido as estações, e a única interrupção no ritmo ocorreu depois da morte de Hannah. Depois de seu enterro, as festas se interromperam durante aproximadamente seis meses por ordem de seu pai, mas depois voltaram a subir no trem. Preparados ou não, aquelas festas começaram de novo, e embora sua mãe tivesse parecido bastante frágil para quebrar-se, aplicou sua maquiagem e seu curto vestido negro e se posicionou na porta principal, toda falsos sorrisos-e-afagos.

Deus, Hannah tinha adorado aquelas festas.

Jane franziu o cenho e colocou uma mão sobre o coração, dando-se conta de quando havia sentido antes esta espécie de dor no peito. O fato de não ter Hannah a seu lado, tinha causado o mesmo tipo de dolorosa pressão.

Era estranho que despertasse com esta tristeza e sensação de perda. Não tinha perdido ninguém.

Tomando um gole de café, desejou ter feito chocolate quente...

Sobreveio-lhe uma imprecisa imagem de um homem lhe oferecendo uma xícara. Havia chocolate quente nela, e o tinha feito para ela porque estava... estava deixando-a. OH... Deus, estava-a abandonando…

Uma aguda dor disparou através de sua cabeça, interrompendo a agitada visão... bem quando a campainha começou a soar. Enquanto esfregava a ponta do nariz, deu uma olhada furiosa para o vestíbulo. Realmente não se estava sentindo muito sociável nesse momento.

A coisa voltou a soar.

Obrigando-se a ficar de pé, arrastou-se para a porta de entrada. Enquanto abria o ferrolho, pensou, homem, se fosse um missionário, ia dar a comunhão com...

—Manello?

O chefe de cirurgia estava de pé na porta principal com sua caracterítica fanfarronice, como se o capacho de bem-vinda lhe pertencesse apenas porque ele o dizia. Vestido com o pijama cirúrgico e tamancos, também luzia um elegante casaco da mesma cor marrom de seus olhos. Seu Porsche ocupava a metade do caminho de entrada.

—Vim ver se estava morta.

Jane teve que sorrir.

—Jesus, Manello, não seja tão romântico.

—Parece como um pedaço de merda.

—E agora com os elogios. Pare. Esta me fazendo ruborizar.

—Agora vou entrar.

—É obvio que o fará —murmurou, pondo-se de lado.

Deu um olhar ao redor enquanto tirava o casaco.

—Sabe, cada vez que entro aqui, sempre penso que este lugar é muito pouco parecido com você.

—Então espera algo rosa e com babados? —fechou a porta. E o ferrolho.

—Não, quando vim a primeira vez, esperava que estivesse vazio. Como minha casa.

Manello vivia no Commodore, aqueles apartamentos de luxo no alto da colina, mas sua casa era apenas um custoso armário, verdadeiramente, decorado pela Nike. Tinha os equipamentos de esporte, uma cama e uma cafeteira.

—Certo —disse — Não serve precisamente de material da casa e decoração.

—Então me diga como é você, Whitcomb. —Enquanto Manello a olhava, seu rosto não mostrava emoção, mas os olhos ardiam, e lembrou a última conversa que tinha tido com ele, aquela onde lhe disse o que sentia algo por ela. Os detalhes do que tinha sido dito eram um pouco confusos e tinha a vaga impressão de que tinha sido segurada em um quarto da UTIC por cima de um paciente...

Começou-lhe a doer de novo a cabeça e como tremeu Manello disse:

—Sente-se. Agora.

Possivelmente fosse uma boa idéia. Encaminhou-se de volta ao sofá.

—Quer café?

—Na cozinha tem?

—Trare...

—Posso me servir. Tenho anos de experiência. Você, sente-se.

Jane se recostou no sofá e fechou as lapelas de seu robe enquanto esfregava as têmporas. Merda, alguma vez ia se sentir ela mesma outra vez?

Manello entrou exatamente quando se inclinava e punha a cabeça entre as mãos. O que naturalmente o colocou em modo médico absoluto.Deixou sua xícara sobre um dos livros de arquitetura da mãe de Jane e se ajoelhou no tapete oriental.

—Me fale. O que está acontecendo aqui?

—Cabeça —gemeu Jane.

—Me deixe ver seus olhos.

Tentou sentar-se direita outra vez.

—Está diminuindo…

—Se cale. —Brandamente Manello lhe pegou os pulsos com suas mãos e lhe separou os braços do rosto—Vou examinar suas pupilas. Incline a cabeça para trás.

Jane se rendeu, simplesmente se deixou levar e relaxou contra o sofá.

—Não me sentia tão horrível em anos.

O polegar e o indicador de Manny foram para o olho direito e cuidadosamente afastou a pálpebra enquanto levantava uma lanterninha. Estava tão perto que podia ver suas longas pestanas, a sombra de uma barba incipiente e os finos poros de sua pele. Cheirava bem. A colônia.

De que marca seria?Perguntou-se, divagando.

—Que bom que tenha vindo preparado —disse arrastando as palavras e acendendo o pequeno foco.

—Sim, está bem, é como um escoteiro… Hei, tome cuidado com essa coisa.

Tratou de piscar quando o brilho da lanterna lhe chegou no olho, mas não a deixou.

—Faz que a cabeça doa mais? —pergunto, indo para o lado esquerdo.

—OH, não. Isso me faz sentir ótima. Não posso esperar que você… Demônios, isso é muito brilhante.

Apagou a lanterna e voltou a colocar a coisa no bolso superior do pijama.

—As pupilas se dilatam adequadamente.

—Que alívio. Suponho que se quisesse ler sob a luz de um refletor poderia fazê-lo, certo?

Tomou o pulso, pôs o dedo indicador sobre o pulso e levantou seu Rolex.

—Com este exame médico obterei um desconto no seguro? —perguntou-lhe.

—Shh.

—Porque acredito que estou sem dinheiro…

—Shh.

Era estranho ser tratada como um paciente, e manter a boca fechada se fazia pior. Homem, quanto podia dizer-se a respeito de encobrir o desconforto através das palavras…

Um quarto escuro. Um homem na cama. Ela falando… falando a respeito… do funeral de Hannah.

Outro agudo disparo lhe cravou na cabeça e aspirou um pouco mais de ar.

—Merda.

Manello soltou seu pulso e lhe pôs a palma sobre a fronte.

—Não está quente —lhe pôs as mãos nos lados do pescoço, bem abaixo da mandíbula.

Enquanto franzia o cenho e apalpava, disse:

—Não tenho a garganta irritada.

—Bom, não tem as glândulas inflamadas. —Seus dedos foram à coluna à altura do pescoço até que deu um pulo e o inclinou sua cabeça para um lado.

—Merda… Que demônios?

—O que?

—Tem um hematoma aqui. Ou algo. Demônios. O que mordeu você?

Levantou a mão.

—OH, Sim, não sei o que é isso. Nem quando fiz isso.

—Parece que está curando bem. —Apalpou-lhe a base do pescoço, em cima das clavículas— Sim, por aqui tampouco há inflamação. Jane, odeio lhe dizer isso mas não tem gripe.

—Seguro que tenho.

—Não, não tem.

—É traumatóloista, não um czar das enfermidades infecciosas.

—Não está tendo uma resposta contra uma infecção, Whitcomb.

Apalpou sua própria garganta. Pensou no fato de que não estava espirrando, nem tossindo nem vomitando. Mas, demônios, onde a deixava isso?

—Quero que faça um TAC na cabeça.

—Garanto que lhe diz isso a todas as garotas.

—Às que apresentam seus sintomas? Absolutamente.

—E eu aqui pensando que era especial —lhe dirigiu um fraco sorriso e fechou os olhos— Estarei bem, Manello. Somente preciso voltar para o trabalho.

Fez-se um longo silêncio, durante o qual se deu conta de que ele tinha as mãos em seus joelhos. E ainda estava muito perto, inclinando-se sobre ela.

Levantou as pálpebras. Manuel Manello a estava olhando não como o faria um médico, mas sim como faria um homem que se preocupava com ela. Merda, era atraente, especialmente então… salvo que algo não estava bem. Não com ele… com ela.

Bom, óbvio. Tinha dor de cabeça.

Inclinou-se para frente e lhe acariciou o cabelo.

—Jane…

—O que?

—Deixaria-me arrumar uma consulta para que lhe façam um TAC? —quando começava a negar-se, interpôs— Considere-o como um favor para mim. Não poderia me perdoar se acontecesse algo ruim a você e eu não tivesse insistido.

Merda.

—Sim. OK. Está bem. Mas não necessito…

—Obrigado. —Houve uma pausa. E logo se inclinou para frente e a beijou na boca.

No Outro Lado, Vishous olhou fixamente a Cormia e quis correr. Depois de sua alucinante revelação de que nunca tinha visto um macho antes, sentia-se horrível. Alguma vez lhe tinha ocorrido pensar que só tinha conhecido fêmeas, mas se tinha nascido pouco depois que o último Primale morrera, como poderia ter conhecido alguém do outro sexo?

É obvio que havia se sentido aterrorizada por ele.

—Jesus Cristo —murmurou, inalando profundamente de seu néscio e lhe dando uns golpezinhos depois. Estava atirando a cinza sobre o cenário de mármore, mas não se importou uma merda— Subestimei totalmente quão duro seria isto para você. Assumi…

Tinha assumido que estaria quente por trotar com ele ou por alguma merda. Em vez disso, não se encontrava melhor que ele.

—Sim, estou malditamente arrependido.

Quando as pálpebras se abriram pela surpresa, a cor jade de seus olhos brilhou.

Não esperava que acontecesse em um tom gentil, disse-lhe:

—Esta….. deseja… —moveu a mão em que tinha o cigarro daqui para lá entre eles— …emparelhamento? —Quando permaneceu em silêncio, sacudiu a cabeça— Olhe, posso vê-lo em seus olhos. Quer fugir de mim, e não simplesmente porque esteja assustada. Quer fugir pelo que teremos que fazer, não?

Ela levou as mãos ao rosto, a pesada túnica foi se pregando e deslizando pelos magros braços até ficar estrangulado nas magras curvas dos cotovelos. Com um fio de voz disse:

—Não poderia suportar falhar às Escolhidas. Eu… farei o que deva ser feito pelo bem do conjunto.

Bem, essa era a mesma música para os dois.

—Como o farei eu —murmurou.

Nenhum dos dois disse outra palavra e não soube o que fazer. Para começar, não era bom com as fêmeas, e agora que era mercadoria avariada por ter deixado Jane ir era ainda pior.

Bruscamente virou a cabeça, consciente de que não estavam sozinhos.

—Você, atrás da coluna. Saia. Agora.

Uma Escolhida deu um passo à frente, com a cabeça inclinada, tinha o corpo tenso sob a tradicional capa branca.

—Senhor.

—O que está fazendo aqui?

Enquanto a Escolhida olhava fixa e submissamente o chão de mármore, pensou, que o Senhor me salve dos submissos. Era engraçado, durante o sexo tinha demandado isso. Agora essa merda o incomodava como o inferno.

—Será melhor que tenha vindo consolá-la —grunhiu— Se for para qualquer outra coisa, deve sair daqui como se fugisse dos infernos.

—É para consolá-la —disse a Escolhida brandamente— Me preocupo com ela.

—Qual é seu nome?

—Escolhida.

—Não me irrite! —quando ambas, ela e Cormia saltaram, forçou seu gênio a enterrar-se profundamente em suas vísceras— Qual é o seu nome?

—Amalya.

—Bem, Amalya. Quero que cuide dela até que eu volte. É uma ordem.

Quando a Escolhida fez algumas reverencia e promessas, tomou uma última imersão de néscio, lambeu dois dedos e os apertou sobre a ponta. Quando pôs a bituca no bolso da bata, perguntou-se sem motivo algum por que demônios todos tinham que usar fodidos pijamas no Outro Lado.

Dirigiu um olhar a Cormia.

—Vejo você em dois dias.

V partiu sem olhar para trás, subindo pela grama branca da colina, evitando o tapete branco de seda que tinha sido estendido. Quando chegou ao pátio da Virgem Escriba, rezou como um demônio para não encontrar-se com ela, e deu graças a Deus de que não estivesse por perto. A última coisa que precisava era um encontro com alguém da índole da Mamazilla. (mamãe + godzilla)

Sob o olhar atento de todos esses pássaros cantores, lançou-se de volta ao mundo real, mas não foi à mansão.

Foi exatamente aonde não devia ir. Tomou forma na rua em frente do apartamento de Jane. Era uma fodida má ideia do tamanho de um arranha-céu, mas estava meio morto de dor e não estava em seu são julgamento, e além disso, não dava uma merda por nada. Nem sequer pelas linhas que não podiam ser cruzadas entre os humanos e os de sua espécie.

A noite era fria e estava vestido com as roupas cerimoniosas de fakata, mas não se importou. Estava tão aturdido e tão destruído mentalmente, que poderia encontrar-se nu em uma tempestade de neve e não perceber.

Que demônios.    

Havia um carro no caminho de entrada. Um Porsche Carreira 4S. O mesmo que tinha Z, só que o de Z era cinza ferro e este era prateado.

V não tinha pretendido aproximar-se além da calçada da frente, mas esse plano foi apagado como por água quando inalou e captou o aroma de um macho que emanava do conversível. Era esse médico, que tinha tido aquela merda de conversa com ela no quarto de hospital.

V se materializou junto ao arce do jardim frontal e olhou pela janela da cozinha. A cafeteira estava ligada. O açúcar fora. Havia duas colheres na mesa.

OH, demônios, não. Fodida mãe dos infernos não.

V não podia ver muito do resto do apartamento, então correu rodeando-o, os pés descalços, chiavam enquanto fazia ranger os emplastros de neve gelada. Quando uma anciã do apartamento contigüo apareceu pela janela como se o tivesse visto, pulverizou um pouco de mhis ao redor como precaução… e porque imaginava que devia fazer algo que demonstrasse que tinha cérebro.

Esta rotina de perseguidor, seguro como a merda, que não o ia levar ao Leopardo!

Quando chegou às janelas traseiras e conseguiu dar uma olhada à sala de estar, viu a morte do outro tão claramente como se tivesse cometido o assassinato em tempo real.

Esse macho humano, esse médico, estava de joelhos e apertado perto de Jane, que estava sentada no sofá. O tipo tinha uma mão em seu rosto, a outra no pescoço, e estava centrado em sua boca.

V perdeu a concentração, deixou cair o mhis, e se moveu sem pensar. Sem raciocinar. Sem vacilar. Não havia nada mais que um grito, o instinto de macho vinculado, foi para as portas trilhos, preparado para matar...

Saído de um nada, Butch se interpôs frente a ele, descarrilando o ataque, Peguendo-o pela cintura e arrastando-o à força afastando-o do apartamento. Foi um movimento perigoso, mesmo entre bons amigos. A menos que seja um trailer de trinta toneladas, não queria se interpor entre um macho vinculado e o objetivo deste tipo de agressão. O instinto de ataque de V mudou de foco no momento. Descobriu as presas, separou-se de um puxão, e bateu no seu ser mais próximo e querido de um lado da cabeça.

O irlandês soltou V como se fosse uma colméia, jogando para trás o punho lhe lançou um murro ascendente, que deu a V na parte inferior do queixo. Quando a mandíbula se estrelou contra o crânio e os dentes cantaram como um coro de anjos, acendeu-se tão rápido como uma pradaria seca, entrou instantaneamente em combustão.

—Mhis, idiota —cuspiu Butch— Use o mhis sobre o lugar antes de que façamos isto.

V colocou o bloqueio visual e os dois foram então com todas suas forças. Tudo valia, o sangue brotava de narizes e bocas enquanto se davam murros, tirando a merda um do outro. Na metade do assunto, V se deu conta de que isto não era só por ter perdido Jane. Era porque estava totalmente sozinho. Ainda com Butch perto, não seria o mesmo sem ela, então era como se V estivesse sem nada.

Quando tudo acabou, ele e o poli se estenderam sobre as costas um ao lado do outro, os peitos ofegantes, o suor nem tanto secando-se como congelando-se sobre eles. Merda, V já podia notar o inchaço. Os nódulos e o rosto estavam transformando-o no boneco do Michelín.

Tossiu um pouco.

—Necessito de um charuto.

—Eu necessito uma bolsa de gelo e um monte de tirinhas.

V rodou para um lado, cuspiu um pouco de sangue e depois retornou à posição em que tinha estado. Enxugou a boca com o dorso da mão.

—Obrigado. Precisava disso.

—Não há po... —grunhiu Butch— Não há problema. Maldição, tinha que me bater no fígado dessa forma? Como se o uísque não fosse o suficientemente mau para a coisa.

—Como soube onde estava?

—Onde mais podia estar? Phury voltou sozinho e mencionou que alguma merda estava ocorrendo, então imaginei que finalmente acabaria aqui. —Butch fez ranger o ombro e amaldiçoou— A verdade, é que o policial que há em mim é como uma antena de rádio para imbecis estúpidos. E não se ofenda, mas não ganharia nenhum prêmio na divisão dos espertos.

—Acredito que teria matado esse homem.

—Sei que o teria feito.

V levantou a cabeça. Quando não pôde ver através das janelas de Jane, levantou-se apoiando-se sobre os cotovelos para ter o campo espaçoso. O sofá estava vazio.

Deixou-se cair novamente sobre o chão. Estavam fazendo amor lá em cima na sua cama? Nesse momento? Enquanto ele jazia arruinado em seu fodido jardim traseiro?

—Merda. Não posso suportá-lo.

—Sinto muito, V. Sério. —Butch esclareceu a garganta— Escuta… poderia ser boa idéia que não voltasse aqui.

—Diz isso o idiota que passava de carro pela casa de Marissa durante quantos meses?

—É perigoso, V. Para ela.

V olhou enfurecido para seu melhor amigo.

—Se for insistir em ser razoável, deixarei de falar com você.

Butch deixou escapar um sorriso deformado… por causa da ferida que tinha no lábio superior.

—Sinto muito, colega, não poderia se liberar de mim nem que tentasse.

V piscou um par de vezes, horrorizado pelo que estava a ponto de dizer.

—Deus, vai para merda, sabe? Sempre esteve aí para mim. Sempre. Mesmo quando eu…

—Mesmo quando você o que?

—Já sabe.

—O que?

—Porra. Mesmo quando estava apaixonado por você. Ou alguma merda assim.

Butch levou as mãos ao peito.

—Estava? Estava? Não posso acreditar que tenha perdido o interesse. —colocou um braço sobre os olhos, em modo Sarah Bernhardt— Meus sonhos sobre nosso futuro se quebraram…

—Pare, poli.

Butch o olhou por debaixo do braço.

—Está de brincadeira? O reality que tinha planejado era fantástico. Ia pasar no VH1, Duas Dentadas são Melhor que Uma. Íamos fazer milhões.

—OH, pelo amor...

Butch rodou até ficar de lado e ficou sério.

—Este é o trato, V. Você e eu? Estamos nesta vida juntos, e não só por causa de minha maldição. Não sei se são todas essas providências e merdas divinas, mas há uma razão pela qual nos encontramos. E quanto ao fato de estar apaixonado por mim? Foi provavelmente mais algo do estilo de que sentisse carinho por alguém pela primeira vez.

—Bom, deixa aí. Está me dando urticária com essa merda do carinho/compartilhar.

—Sabe que tenho razão.

—Vá a merda, Doutor Phil.

—Bom, alegra-me que estejamos de acordo. —Butch franziu o cenho— Ouça, possivelmente poderia ter um programa de entrevistas, já que não vai mais ser meu June Cleaver. Poderia chamá-lo de a Hora de O'Neal. Soa importante, não?

—Acima de tudo, você iria ser June Cleaver…

—Foda-se. Não há forma de que me ponha debaixo de você.

—Não importa. E segundo, não acredito que haja muito mercado para sua marca particular de psicologia.

—Não é verdade.

—Butch, você e eu acabamos de nos tirar a merda a golpes.

—Começou você. E na realidade, seria perfeito para a Spike TV[11]. UFC se encontra com Oprah. Deus, sou brilhante.

—Continua dizendo isso .A risada do Butch foi interrompida por uma rajada de vento que açoitou o jardim traseiro.

—Bom, grandalhão, embora desfrute muito disto, não acredito que meu bronzeado esteja melhorando muito, considerando que está escuro como o alcatrão.

—Não está bronzeado.

—Vê? Isto não está me levando a nenhum lugar. Então que tal se formos para casa? —houve uma longa pausa.

— Merda… não pensa vir comigo, certo?

—Já não me sinto com vontade de matar ninguém.

—Ah. Bem. A idéia de que possivelmente só o deixe paralítico, faz-me sentir fodidamente muitíssimo melhor a respeito de o deixar aqui. —Butch se incorporou com uma maldição— Se importa se, pelo menos, primeiro,olho se partiu?

—Deus, realmente quero sabê-lo?

—Voltarei em seguida. —Butch gemeu e se levantou como se tivesse tido um acidente, todo tenso e chiou— Homem, isto vai doer durante um bom momento.

—É um vampiro agora. Seu corpo estará bem e a pronto antes de que se dê conta.

—Esse não é o ponto. Marissa nos matará por brigar.

V deu um pulo.

—Merda. Isso vai deixar rastro, certo?

—Sim, Sim. —Butch coxeou—Vai nos quebrar a cabeça.

V olhou em volta do segundo andar do apartamento e não pôde decidir se era um bom ou um mau sinal que não houvesse luzes acesas. Fechando os olhos, rezou para que o Porsche houvesse partido… embora não tinha esperança de que então tivesse ido. Homem, Butch tinha razão. Ele rondando por aqui era uma situação dessas que terminava com a fita de polícia rodeando-a. Esta tinha que ser a última vez…

—Foi-se —disse Butch.

V exalou como se fosse uma roda que se desinflava, então se deu conta de que tinha conseguido um indulto só por esta noite. Cedo ou tarde ela ia estar com outro.

Provavelmente cedo ou tarde ia estar com esse outro médico.

V levantou a cabeça, logo a deixou cair de novo sobre ele.

—Não acredito que possa fazer isto. Não acredito que possa viver sem ela.

—Tem escolha?

Não, pensou. Nenhuma absolutamente.

Pensandoo bem, essa palavra não deveria ser aplicada ao destino das pessoas. Jamais. A palavra escolha devia ser relegada à televisão e às comidas. Pode escolher entre a NBC e a CBS ou entre vitela em vez de frango. Mas leva o conceito além da cozinha ou o comando a distância e a palavra simplesmente não pode aplicar-se.

—Vá para casa, Butch. Não vou fazer nenhuma estupidez.

—Uma estupidez maior, quer dizer.

—A semântica é uma merda.

—Como alguém que fala dezesseis idiomas, sabe que isso é mentira. —Butch respirou fundo e esperou— Intuo que o verei no Pit, então.

—Sim. —V ficou de pé— Voltarei em um momento.

Jane se virou na cama, seu instinto despertou.

Havia alguém no quarto. Incorporou-se, com o coração golpeando, e não viu nada. Por outro lado, as sombras lançadas pela luz do corredor ofereciam muitos esconderijos depois do escritório, a porta entreaberta e a abarrotada cadeira que havia junto à janela.

—Quem está aí?

Não obteve nenhuma resposta, mas definitivamente não estava sozinha.

Desejou não haver se deitado nua.

—Quem está aí?

Nada. Só o som de sua própria respiração.

Apertou as mãos contra o edredom e respirou fundo. Deus… havia um aroma maravilhoso no ar… rico e sensual, sexual e possessivo. Aspirou outra vez e seu cérebro bateu asas, reconhecendo-o. Era o aroma de um homem. Não… era mais que um homem.

—Conheço você. —Seu corpo se esquentou instantaneamente, florescendo… mas então a angústia veio por cima, uma dor tão grande que ofegou— Ah, Deus… você…

A dor de cabeça retornou, lhe esmagando o crânio, reforçando sua vontade de fazer esse TAC com a máxima urgência. Com um gemido pegou a cabeça, reforçando-se contra o que provavelmente fossem ser horas de angústia.

Exceto que, quase imediatamente a dor foi à deriva… e também o fez ela. Uma manta de sonho a aliviou, a recobriu, acalmou-a.

Justo depois de que a cobrisse, uma mão masculina tocou seu cabelo. Seu rosto. Sua boca.

Sua calidez e amor lhe curaram o buraco insondável que tinha no centro do peito: era como se sua vida tivesse estado em um acidente de carro, e agora suas partes houvessem retornado a ser unidas, o motor reparado, o pára-choque recolocado, o pára-brisa quebrado substituído.

Salvo que então a carícia a abandonou.

No sonho se estendeu cegamente.

—Fica comigo. Fica comigo, por favor.

Uma palma grande envolveu sua mão, mas a resposta ia ser não. Embora o homem não dissesse nada, soube que não ficaria.

—Por favor… —as lágrimas brotaram— Não vá.

Quando deixou cair a mão, gritou e se esticou para frente…

As mantas sussurraram e o ar frio a acariciou, então se fez presente um enorme corpo masculino. Em seu desespero se aferrou ao sólido calor e enterrou o rosto em um pescoço que cheirava a essas escuras especiarias. Grossos braços a rodearam e a apertaram.

Quando se aproximou ainda mais… sentiu uma ereção.

No sonho Jane se moveu rápida e decisivamente, como se tivesse todo o direito do mundo para fazer o que fez. Alargou a mão, colocando-a entre eles e aferrou a tensa longitude.

Quando o enorme corpo se sacudiu, disse:

—Me dê o que quero.

Homem, feze-o.

Foi lançada sobre as costas, logo suas pernas foram separadas e seu centro coberto com uma pesada mão, gozou imediatamente, contorcendo-se sobre o colchão, gritando. Antes que as sensações decaíssem, os lençóis foram retirados da cama e uma boca esteve sobre ela entre suas coxas. Aferrou-se ao cabelo denso e luxurioso e se entregou ao que ele fazia.

Enquanto tinha seu segundo orgasmo, ele se afastou. Houve um som de roupas sendo tiradas e depois...

Jane amaldiçoou quando foi cheia quase ao ponto da dor, mas adorou o que estava acontecendo… especialmente quando uma boca baixou sobre a sua e a ereção em seu interior começou a mover-se. Aferrou-se às ondulantes costas e seguiu o ritmo do sexo.

No meio do sonho, teve alguns pensamentos a respeito de que isto era pelo que tinha estado chorando. Este homem era a causa da dor no peito.

Ou melhor, era-o sua ausência.

Vishous sabia que o que fazia estava errado. Era como se estivesse roubando o sexo, porque Jane não sabia realmente quem era ele. Mas não podia parar.

Beijou-a mais forte, movendo-se dentro dela mais potentemente. Seu orgasmo o enrolou como uma tormenta de fogo, capturou-o em um estalo de calor, consumindo-o com um ardor que só foi aliviado quando seu pênis deu um puxão e se liberou dentro dela. Ela gozou ao mesmo tempo, espremendo-o, alongondo as sensações até que estremeceu e caiu sobre ela.

Ergueu-se e baixou o olhar para seus olhos fechados, forçando-a com a mente a um sono mais profundo. Acreditaria que o que tinha acontecido não tinha sido mais que um sonho erótico, uma excitante e vívida fantasia. Entretanto não saberia quem era ele. Não poderia. Sua mente era forte, e poderia voltar-se louca se houvesse um tira frouxa entre as lembranças lhe tinha oculto e o que sentia quando ele estava perto.

V saiu fora de seu corpo e se desceu da cama. Quando reacomodou as mantas e subiu as calças de seda, sentiu como se arrancasse a própria pele.

Inclinando-se, pôs os lábios sobre sua fronte.

—Amo você. Para sempre.

Antes de ir deu um olhar ao redor do quarto, então vagou até seu baneiro. Não podia deter-se. Não tinha intenção de retornar outra vez e precisava das imagens de seus espaços pessoais.

O piso superior era mais "dela". Tudo era simples e espaçoso, os móveis discretos, as paredes livres de quadros fastidiosos. Entretanto havia só um esbanjamento selvagem e o adorou, o mesmo que tinha em seu quarto: livros. Havia livros por toda parte. No quarto, a estante ia do chão até o teto, com cada prateleira cheia de volumes de ciência, filosofia e matemática. No corredor havia mais, amontoados em um armário de quase dois metros com frente de vidro, havia obras de Shelley e Keats, Dickens, Hemingway, Marchand, Fitzgerald. Mesmo no banheiro havia um pequeno monte deles junto à banheira, como se quando estivesse nela, quisesse ter alguns de seus livros favoritos por perto.

Ela gostava de Shakespeare também, evidentemente. O que aconteceu.

Vê?Esse era seu estilo de decoração. Uma mente ativa não precisava de distrações em seu entorno físico. Precisava de uma coleção de livros excelentes e um bom abajur. Possivelmente um pouco de queijo e bolachas.

V se virou para sair do banheiro e captou a vista de um espelho sobre os lavabos gêmeos. Imaginou frente a ele penteando-se. Passando o fio dental. Escovando os dentes. Lixando as curtas unhas.

Todas essas coisas normais que faziam todas as pessoas em todo o planeta todo dia, tanto os vampiros como os humanos. A prova de que, depois de tudo, em certas atividades prosaicas as duas espécies não eram tão diferentes.

Teria matado por vê-la as fazer uma única vez.

Melhor ainda, queria as fazer com ela. O lavabo dela e dele. Possivelmente discutissem sobre o fato de quem deixou cair o fio dental no bordo do cesto de papéis em vez de assegurar-se de havê-lo jogado dentro.

Vida. Juntos.

Inclinou-se, pôs a ponta dos dedos no espelho, e percorreu o vidro. Então se forçou a desmaterializarse sem voltar ao lado de sua cama.

Quando desapareceu, e desta vez para sempre, soube que se tivesse sido um macho que chorasse, agora estaria mugindo. Em lugar disso pensou no Grei Goose que estaria esperando-o quando voltasse para o Pit. Tinha toda a intenção de permanecer completamente bêbado nos próximos dois dias.

Iam ter que colocá-lo de novo dentro desse objetos de seda a lá Hugh Hefner e mantê-lo erguido durante a fodida cerimônia do Primale.

Por volta da meia noite John estava na cama, olhando fixamente para o teto que tinha acima. Era um teto de fantasia, com muitas molduras e materiais ao redor e nos bordos, assim havia coisas abundantes para se olhar. De fato, lembrava um bolo de aniversário. Não… um bolo de bodas. Sobre tudo porque no meio havia um acessório para a luz com um monte de cosinhas como arabescos a seu redor, parecia à base em que se colocavam os pequenos bonecos da noiva e o noivo.

Por alguma estranha razão gostava da combinação de tudo isso. Não sabia nem de arquitetura, mas se sentia atraído pelas coisas não tão suntuosas, a majestosa simetria, o equilíbrio entre o carregado e os singelos…

Bom, agora talvez estivesse fazendo rodeios.

Merda.  

Fazia meia hora que havia despertado, tinha ido ao banheiro e logo havia voltado a meter-se entre os lençóis. Essa noite não tinha aulas e deveria estar ficando em dia com seus deveres antes de sair, mas todo esse assunto dos livros de texto na verdade não ia acontecer.

Tinha um assunto que resolver.

Que no momento jazia duro como uma rocha sobre seu ventre.

Tinha estado vagabundeando na cama refletindo a respeito de se poderia fazê-lo. Como o sentiria. Se chegaria a senti-lo. E se perdesse a ereção? Deus, aquela conversa com Z pesava sobre ele. Como que se não… tivesse êxito com isso, poderia ser que houvesse algo errado com ele.

OH, pelo amor de Deus, tinha que saltar da ponte já.

John moveu a mão e a pôs sobre seu peito, sentindo como se expandiam e se contraíam seus pulmões e como o coração palpitava com força. Com um estremecimento moveu a palma para baixo, dirigindo-se para aquele pulsado que literalmente lhe falava tão ruidosamente. Homem, a maldita coisa desejava sensações, estava desesperada por entrar em ação. E debaixo disso? Seus testículos estavam tão tensos que lhe parecia que estavam a ponto de rachar-se pela pressão. Na verdade tinha que fazê-lo e não só para checar que os encanamentos estavam bem. A necessidade de liberar-se ia além da etapa do desejo e se trnaformaou diretamente em dor.

A mão alcançou seu ventre e a desceu mais abaixo. Sua pele era quente, suave e sem pêlo e se estendia sobre os duros músculos e os pesados ossos. Não terminava de compreender quão grande era agora. Seu estômago parecia estender-se tão amplamente como um campo de futebol.

Deteve-se antes de tocar-se. Então, com uma maldição, pegou a coisa e acariciou ela.

Um gemido retumbou em seu peito e saiu de sua boca quando a ereção lhe bateu a mão. OH, merda, sentia-se tão bem. Repetiu o lento movimento de ir e voltar, o suor escorregou através do peito, sentia-se como se alguém o tivesse posto debaixo de um abajur de calor… não, era mas bem como se o calor irradiasse desde seu interior.

Arqueou-se enquanto se acariciava, sentindo-se culpado, envergonhado e pecaminosamente erótico. OH,… tão bom… Estabelecendo um ritmo, empurrou os lençóis com o pé tirando-o de cima e olhou para baixo, para seu corpo. Com orgulho ilícito, olhou a si mesmo, gostando de sua grossa cabeça, o escandaloso tamanho, o modo em que sua mão a apertava com força.

OH…merda. Rápido. Mais rápido com a mão. Ouviu um pequeno som como um estalo, resultado do claro e escorregadio lubrificante que saiu da ponta e se estendeu por sua palma. A coisa desceu pelo eixo, fazendo que a ereção brilhasse.

OH.....merda.

Saída de nenhuma parte lhe chegou a imagem de uma fêmea… Merda, era a robusta guarda de segurança do ZeroSum, viu-a em alta definição com seu corte de cabelo de menino, os musculosos ombros, o rosto ardiloso e a poderosa presença. Em um atordoante momento de audácia, imaginou os dois no clube. Ela o tinha esmagado contra a parede, tinha a mão dentro de suas calças e o beijava com força, lhe colocando a língua na boca.

Jesus… Deus do céu… sua mão se moveu a uma velocidade deslumbrante, tinha o pênis duro como o mármore e a mente cheia de idéias de estar dentro daquela fêmea.

A sobrecarga crítica chegou quando a imaginou interrompendo o beijo e ficando de joelhos. Viu-a lhe desabotoar as calças, tirar-lhe e sugá-lo com a boca…

Merda!

John se virou, ficando de lado na cama, atirando o travesseiro ao chão, subindo os joelhos. Gritou sem fazer nenhum som e se sacudiu enquanto os quentes jorros se dirigiam para todas partes, aterrissando sobre seu peito, a parte superior de suas coxas e derramando-se por sua mão. Seguiu acariciando-se, com os olhos fortemente fechados, as veias lhe sobressaindo no pescoço e os pulmões ardendo.

Quando não houve nada mais nele, bebeu com força, pegou fôlego e abriu os olhos. Não estava certo, mas pensava que gozou duas vezes. Talvez três.

Merda. Os lençóis. Tinha feito uma confusão.

Homem, entretanto, havia valido a pena. Tinha sido ótimo. Essa merda tinha sido…..ótima

Mas pelo que se se sentiu culpado foi pelo que tinha imaginado sua mente, morreria de vergonha se alguma vez ela se inteirasse…

Soou seu celular. Limpando a mão com os lençóis, recolheu a coisa. Era uma mensagem do Qhuinn, lhe dizendo que levasse seu traseiro à casa do Blay em meia hora então poderiam ir ao ZeroSum antes que terminasse a ação.

John endureceu outra vez pensando na chefe de segurança.

Bem, isto poderia se tornar uma moléstia, pensou, enquanto olhava a ereção. Sobre tudo se fosse ao clube e visse a fêmea e… sim certo, segue lançando um monte de loucuras.

Mas então, hey, deveria considerar o lado positivo. Ao menos suas partes estavam em bom estado de funcionamento.

John ficou sério. Sim, tudo funcionava e tinha desfrutado com isso… ao menos sozinho. Mas, a idéia de ter que fazê-lo com alguém mais?

Ainda o deixava frio.

Quando Phury entrou no ZeroSum era aproximadamente uma da manhã. Alegrou-se de não ter ido com seus irmãos. Precisava de um pouco de privacidade para o que ia fazer.

Com uma severa resolução foi à zona VIP, sentou-se na mesa da Irmandade e pediu um Martini, esperando como o inferno que ninguém da Irmandade decidisse dar uma volta. Teria preferido ir a outro lugar, mas o ZeroSum era o único lugar da cidade que oferecia o que procurava. Então estava enganchado.

O primeiro Martini foi bom. O segundo foi melhor.

Enquanto bebia, mulheres humanas se aproximavam de sua mesa. A primeira foi uma morena, assim isso não ia passar. Era muito parecida com Bela. A seguinte foi uma loira, o que era bom… mas era a de cabelo curto da qual Z se alimentou uma vez, então não achava correto. Logo veio outra loira que estava tão nervosa que o fazia se sentir culpado, seguiu-se outra de cabelo negro que se parecia com a Xena, a Princesa guerreira e o assustou um pouco.

Mas então… uma ruiva se deteve diante da mesa.

Era uma coisa diminuta, não mais de um metro e cinquenta e oito de altura mesmo com os altos salto agulha de stripper, mas seu cabelo era enorme. Vestida com um sutiã cor de rosa chiclete e uma micro saia, parecia um personagem de desenhos animados.

—Está procurando um pouco de ação, carinho?

Moveu-se no assento e disse que devia deixar de ser tão exigente e terminar com isto. Era apenas sexo, Por Deus.

—Talvez, quanto me custaria uma entrada sobre a linha das cinqüenta jardas?

Ela levantou a mão e tocou os lábios com dois dedos.

—Por um jogo completo.

Duzentos dólares por desfazer-se de sua virgindade. O que se reduzia a menos de um dólar por ano. Que roubo.

Phury estava meio morto enquanto se levantava.

—Está bem.

Enquanto seguia à prostituta à zona posterior da área VIP, teve o vago pensamento de que em um universo paralelo estaria fazendo isto pela primeira vez com alguém que amasse. Ou com alguém a quem apreciasse. Ou ao menos conhecesse. Não seria por um par de centenas dólares e em um quarto público.

Infelizmente, estava onde estava.

A mulher abriu uma lustrosa porta negra e entrou atrás dela. Quando os encerrou dentro a música techno se atenuou um pouco.

Ao lhe oferecer o dinheiro se sentia nervoso como o inferno.

Ela sorriu quando o aceitou.

—Com você não vou lamentar isto em absoluto. Deus, que cabelo. São apliques?

Negou com a cabeça.

Quando alargou a mão para seu cinto foi para trás em um ato reflexo e tropeçou na maldita porta.

—Sinto muito —disse.

Lhe deu um olhar sentido.

—Nenhum problema. É sua primeira vez com alguém como eu?

Tenta com qualquer pessoa e acerta.

—Sim.

—Bem, vou cuidar muito bem de você. —aproximou-se e seus grandes seios se impuseram sobre seu ventre. Olhou para baixo, à cabeça dela. Na parte superior se notavam as raízes escuras.

—É muito grande —murmurou, colocando uma mão em sua cintura e puxando ele para frente.

Seguiu-a com a graça de um robô, completamente paralisado e incapaz de acreditar que ia fazer isto. Mas realmente, de que outra forma poderia acontecer?

Colocou-se contra o lavabo e com um ensaiado salto, rapidamente subiu sobre a bancada. Quando abriu as pernas, a saia se elevou. Tinha ligas negras adornadas com encaixe. Não usava meias.

—Nada de beijos, certamente —murmurou, lhe baixando o zíper—Na boca, quero dizer.

Sentiu o ar fresco deslizando para dentro. Logo, ela colocou a mão em suas bóxers, estremeceu quando pegou seu pênis.

Isto era para o que tinha vindo, lembrou-se. Isto era o que tinha comprado e pelo que tinha pago. Podia fazê-lo.

Era hora de seguir adiante. Longe de Bela. Longe do celibato.

—Relaxe, amor —disse a mulher com voz aguda— Sua esposa nunca saberá. Meu baton é a prova de manchas durante dezoito horas e não uso perfume. Então tão somente desfruta.

Phury engoliu em seco. Posso fazê-lo.

 

Quando John saiu do BMW azul escuro, vestia um notável par de calças negras novas, uma camisa de seda negra e uma jaqueta, com corte de blazer, cor nata. Não era sua roupa. Como o carro que os tinha conducido, tanto a ele como a Qhuinn até o centro da cidade, eram de Blay.

—Estamos absolutamente preparados para isto —disse Qhuinn enquanto caminhavam através do estacionamento.

John deu uma olhada para o lugar onde tinha matado aqueles lessers. Lembrou o poder que havia sentido, a convicção de que era um lutador, um guerreiro… um irmão. Tudo tinha ido agora, como se nesse momento, algo mais tivesse estado funcionando dentro dele, como se tivesse estado posuído ou algo assim. Agora, enquanto caminhava com seus amigos, sentia-se como um monte de nada especial, envolto nos fantásticos enredos de seus amigos, seu corpo como uma bolsa de água que chapinhava a seu redor com cada passo que dava.

Quando chegaram ao ZeroSum, John se dirigiu para a parte de atrás da fila, mas Qhuinn o fez girar fazendo que se detivesse.

–Temos entrada livre, lembra?

Seguro como o inferno que a tinham. No instante em que Qhuinn deixou sair o nome de Xhex, o pedaço de montanha que estava na porta prestou toda sua atenção e falou pelo fone. Uma fração de segundo mais tarde foi para um lado.

—Quer vocês na parte de tras, na sala VIP. Sabem o caminho?

—Sim. Claro —disse Qhuinn enquanto dava um apertão nas mãos do tipo.

O gorila colocou algo no bolso.

—Se voltar por aqui outra vez, deixarei-lhe passar diretamente.

—Obrigado, homem. —Qhuinn deu tapinhas no ombro do sujeito e desapareceu dentro do clube, tranqüilo como se nada tivesse acontecido.

John o seguiu, sem sequer tentar imitar o rebolado de Qhuinn ao caminhar. O que era algo bom. Enquanto se dirigia para a porta, pisou em falso, virou o tornozelo, e caiu para trás lutando por manter-se na posição vertical, bateu em um cara que estava na fila para entrar. O homem, que estava de costas para à porta por que estava seduzindo uma garota, virou-se irritado .

—Que car… —o homem congelou quando viu John, os olhos abrindo-se desmesuradamente—. Ah, sim… é minha culpa. Sinto muito.

John vacilou ante a reação até que sentiu a mão do Blay pousar em sua nuca.

—Venha, John. Vamos.

John deixou que o conduzisse para dentro, preparando-se para o ataque de vibração do clube, preparado para ser esmagado pelas pessoas. Era divertido, pensou. Enquanto olhava ao seu redor, tudo parecia menos entristecedor. Mas bom, estava olhando à multidão desde sua vantajosa posição de um metro e oitenta e sete de altura.

Qhuinn olhou ao seu redor.

—À parte de trás. Onde demônios está a parte de trás?

—Pensei que você sabia —disse Blay.

—Não. É que não queria ficar como cara de idiota… espera, acredito que temos um ganhador. —Fez um gesto com a cabeça para uma área separada por meio de uma corda que tinha dois homens enormes de pé diante dela— Isso grita VIP. Senhoras, vamos?

Qhuinn se aproximou como se soubesse exatamente o que estava fazendo, disse duas palavras ao gorila e que tal, a corda caiu e os três foram para dentro.

Bom, Blay e Qhuinn desfilaram. John tentava não chocar-se contra ninguém. Teve sorte de que o homem da porta fosse menor. Da próxima vez provavelmente as arrumaria por aterrissar sobre um capanga. Que estivesse armado.

A seção VIP tinha um balcão de bar privado e as garçonetes estavam vestidas como strippers de primeira classe, mostrando muita pele enquanto se moviam sobre saltos muito altos. Os clientes masculinos iam todos bem trajados, as mulheres com pedacinhos caros de não muito mais. Era uma multidão sólida e chamativa… que fazia com que John se sentisse como um idiota total.

Havia banquetas de ambos os lados da sala, três das quais estavam vazias e Qhuinn escolheu a que estava mais atrás, em um canto.

—Esta é o melhor —declarou— Ao lado da saída de emergência. Nas sombras.

Havia dois copos de Martini sobre a mesa, mas se sentaram de toda forma e uma garçonete veio para limpar a mesa. Blay e Qhuinn pediram cerveja. John passou, pensando que tinha que permanecer calmo essa noite.

Tinham estado refrescando-se durante não mais de cinco minutos, Blay e Qhuinn logo que tinham começado a tomar suas cervejas, quando escutaram uma voz feminina dizer:

—Hey, meninos.

Os três olharam para a loira Mulher Maravilha que estava de pé diante deles. Era irresistível de uma forma muito ao estilo da Pam Anderson, mais carne que qualquer outra coisa.

—Hei, neném —disse Qhuinn arrastando as palavras— Como se chama?

—Sou Sweet Charity[12].

. —Pôs ambas as mãos sobre a mesa e se inclinou, mostrando os perfeitos seios, a pele bronzeada artificialmente e os brilhantes e branqueados dentes— Quer saber por que?

—Tanto como quero seguir respirando.

Inclinou-se um pouco mais.

—Porque tenho um sabor delicioso e sou generosa.

O tenso sorriso do Qhuinn era totalmente sexual.

—Então vêem e sente-se junto a mim…

—Meninos —lhes chegou uma voz profunda.

OH, Jesus. Um tipo enorme se aproximou da mesa e John pensou que isso não era bom. Com um lindo traje negro, um par de olhos como duras ametistas e o cabelo cortado ao estilo mohawk, parecia um valentão e com um cavalheiro ao mesmo tempo.

Bem, era um vampiro, pensou John. Não estava certo de como sabia exatamente, mas estava certo disso e não só devido a seu grande tamanho. O homem emitia a mesma vibração que os irmãos. Poder controlado com um seguro tão fino como um cabelo.

—Charity, se não se importa em ir a outro lugar, compreende-me? —disse o macho.

A loira pareceu um pouco desiludida enquanto se separava de Qhuinn… que se via irritado. Exceto que, assim mesmo se afastou e… bom, merda, fez a mesma rotina duas mesas mais à frente.

Quando a expressão do Qhuinn perdeu um pouco a dureza, o macho com o mohawk se inclinou e lhe disse:

—Sim, não estava sozinho depois do prazer de sua companhia, grande homem. É uma profissional. A maior parte das mulheres que vê passeando pelos arredores desta seção o são. Por isso a não ser que queira pagar por isso, sai à área de acesso livre, pegue umas quantas e as traz aqui,o que parece? —o homem riu, mostrando um par enorme de presas— A propósito, sou o dono deste lugar, então enquanto estejam aqui, sou responsável por seus traseiros, deixem meu trabalho fácil e se mantenha em forma. —antes de se virar para partir, olhou para John— Zsadist disse que mandasse lembranças.

Dizendo isto partiu, examinando cada coisa e a todo mundo em seu caminho para uma porta sem letreiro que havia na parte de atrás.

John se perguntou como era que o homem conhecia Z e calculou que sem importar a conexão, esse tipo do mohawk de bolas de aço era definitivamente alguém que queria de seu lado.

De outra forma poderia querer ter um traje de kevlar.

Ou melhor ainda, abandonar o país.

—Bem —disse Qhuinn—Esse é um dado importante. Merda.

—Hum, sim. —Blay se mexeu no assento enquanto outra loira passeava por diante— Então… hum, quer ir à pista?

—Blay, pequena puta. —Qhuinn se apressou a levantar-se— Certamente que sim. John…

Ficarei aqui, disse por gestos. Já sabe, para guardar nossa mesa.

Qhuinn bateu em seu ombro.

—Bem. Traremos algo do bufê para você.

John negou freneticamente com a cabeça, mas seus amigos simplesmente se viraram e se foram. OH, Deus. Deveria haver ficado em casa. Realmente, desejava evitar isto.

Quando uma morena passou dançando baixou os olhos rapidamente, mas ela não se deteve, e tampouco o fez nenhuma das outras… como se o dono houvesse dito a todas as mulheres que os deixassem em paz. O que era um alívio. Por que essa morena? Parecia que podia comer um homem vivo e não necessariamente de um bom modo.

Cruzando os braços sobre o peito, John se reclinou sobre o assento de couro e manteve os olhos sobre as cervejas. Podia sentir às pessoas olhando-o fixamente… e sem dúvida se perguntavam que diabos estava fazendo ali. O que tinha sentido. Não era como Blay e Qhuinn e não podia aparentar sê-lo. Toda a música, a bebida e o sexo não o estimulavam; faziam que quisesse desaparecer.

Estava pensando seriamente em desistir quando uma rajada de calor o bateu, saída de nenhuma parte. Olhou para o teto, perguntando-se se estava sentado sob um ralo de ventilação e a calefação que acabasse de ligar.

Não.

Deu uma olhada ao seu redor…

OH, merda. A chefe de segurança estava atravessando o cordão aveludado da seção VIP.

Quando as tênues luzes que estavam sobre sua cabeça a iluminaram, John engoliu com força. Usava o mesmo traje de antes, uma camiseta regata que mostrava os músculos de seus poderosos braços e um par de calças de couro que se apertavam sobre seus quadris e longas coxas. cortou o cabelo desde a última vez que a tinha visto, o corte reluzindo em forma de escova.

No instante em que seus olhos se encontraram afastou o olhar, com o rosto da cor de um carro de bombeiros. Em um momento de pânico se convenceu de que fosse o que tinha feito, mais cedo essa tarde, enquanto pensava nela. Ele … gozou enquanto a tinha em mente.

Maldita seja, sentia não ter uma bebida para brincar com ela. E um saco frio para as bochechas.

Pegou a cerveja de Blay e tomou um gole quando sentiu que vinha em sua direção. Homem, não podia decidir se seria pior que se detivesse. Ou que não se detivesse.

—Voltou, mas parecendo diferente. —Sua voz era baixa, como um fogo reprimido. E fez que seu rubor piorasse.

— Felicidades.

Esclareceu a garganta. O que era estúpido. Como se pudesse falar.

Sentindo um idiota, articulou a palavra:

   Obrigado.

—Seus amigos foram a pesca?

Assentiu e tomou outro gole de cerveja.

—Entretanto, você não. Ou lhe trarão algo? —a assombrosa voz era sexo puro, fazia que lhe formigasse o corpo… e que seu pênis se endurecesse— Bem, em caso de não saber, os banheiros que estão ali atrás têm espaço de sobra e privacidade extra. —pôs-se a rir um pouco, como se soubesse que estava excitado— Divirta-se com as garotas, mas se mantem controlado. Assim não terá que tratar comigo.

Afastou-se e a seu caminho a multidão se abria para deixá-la passar, homens grandes como jogadores de futebol se separavam de seu caminho. Enquanto John a observava partir, sentiu uma aguda tensão na frente de sua calça e olhou para baixo. Estava duro como uma pedra. Grosso como seu condenado antebraço. E enquanto se removia no assento, a fricção fez que se mordesse o lábio inferior.

Pôs a mão debaixo da mesa com a intenção de mover um pouco as coisas ali em baixo para conseguir um pouco mais de espaço atrás do zíper… mas no instante em que entrou em contato com sua ereção, a imagem daquela segurança apareceu em sua mente e quase perdeu o controle. Afastou a palma tão rapidamente que bateu com a parte inferior da mesa.

John virou os quadris, procurando alívio, mas provocando que o ardor fosse pior. Estava inquieto e insatisfeito, seu humor rapidamente adotando um fio perigoso. Pensou na liberação que se deu a si mesmo na cama e decidiu que lhe viria bem outra. Nesse momento.

Como nesse preciso momento, antes que gozasse ali mesmo.

Merda, talvez poderia encarregar-se de si mesmo aqui. Com o cenho franzido, olhou para o corredor que desaparecia na parte posterior do lugar e que tinha portas dos dois lados.

Uma das quais se abriu.

Uma pequena mulher ruiva que parecia uma profissional saiu arrumando o cabelo e reorganizando seu vestido de cor rosa brilhante. Bem atrás dela vinha… Phury?

Sim, definitivamente era ele, e estava colocando a camisa dentro da cintura das calças. Nenhum dos dois dirigiu a palavra ao outro. A mulher foi para a esquerda e começou a falar com um grupo de homens, o irmão seguiu caminhando para frente, como se fosse para a saída.

Quando Phury elevou a vista, John travou o olhar com a dele, depois de um momento embaraçoso o guerreiro levantou a mão a modo de saudação e, depois se decidiu por uma das portas laterais, desparecendo do lado de fora. John tomou um pouco mais de cerveja, completamente sobressaltado. Seguro como o inferno que a mulher não tinha estado no banheiro com o homem lhe dando uma massagem nas costas. Deus, supunha-se que era celi….

—E este é John.  

John virou a cabeça. Uou. Blay e Qhuinn tinham encontrado ouro. As três mulheres humanas que estavam com eles eram todas muito bonitas e em sua maior parte estavam despidas.

Qhuinn apontou para cada uma delas.

—Esta é Brianna, CiCi e Liz. Moças, este é nosso homem, John. Usa a linguagem de sinais para falar, por isso nós faremos a tradução.

John terminou a cerveja de Blay, sentindo-se como um idiota quando a barreira da comunicação levantou sua feia cabeça outra vez. Estava pensando como expressar seu discurso de eu-me-vou-daqui quando uma das garotas se sentou junto a ele, apanhando-o na banqueta.

Aproximou-se uma garçonete e tomou os pedidos, depois que se foi começou todo o falatório e as risadinhas tolas, os tons agudos das garotas se mesclavam com a voz profunda de Qhuinn e a risada tímida e grave de Blay. John manteve os olhos baixos.

—Deus, é muito atraente —disse uma das moças— É modelo?

A conversação se deteve bruscamente.

Qhuinn bateu com os nódulos sobre a mesa diante de John.

—Hey, J. Esta está falando com você.

John levantou a cabeça confuso, encontrando os olhos de distinta cor de seu amigo. Qhuinn cabeceou de forma significativa para a moça que estava ao lado de John, logo aumentou os olhos, como dizendo: poderia se colocar no assunto aqui, colega?

John fez uma inspiração profunda e deu uma olhada para sua esquerda. A moça o estava olhando com… merda, absoluta devoção, como deslumbrada pelas estrelas.

—Porque é, então, tão bonito —disse.

Cristo santo, o que ia fazer com isto?

Enquanto o sangue lhe golpeava o rosto e lhe esticava o corpo, rapidamente fez gestos a Qhuinn.

   Vou pedir ao Fritz que me pegue. Tenho que ir.

John desceu apressadamente da banqueta, meio pisoteando à moça que estava sentada a seu lado. Não podia esperar para chegar em casa.

Quando o despertador de Jane soou às cinco da manhã, teve que bater o botão de repetição. Duas vezes. Geralmente estava fora da cama e na ducha antes de saber que estava em pé, como se o pip-pip-pip não servisse para despertá-la se não para lançá-la para fora da cama como uma torradeira. Hoje não. Hoje simplesmente permaneceu estendida sobre os travesseiros olhando fixamente o teto.

Deus, os sonhos que tinha tido durante a noite… sonhos daquele amante fantasma vindo e tomando-a, montando-a com dureza. Ainda podia senti-lo sobre ela, dentro dela.

Basta de pensar, quanto mais pensava em tudo isto, mais lhe doía o peito então com um esforço hercúleo desviou sua atenção ao trabalho. O que, é obvio, só conseguiu que se enredasse com o assunto de Manello. Não podia acreditar que a tivesse beijado, mas o tinha feito… lhe tinha dado um beijo bem na boca. E como, no fundo da mente, sempre tinha se perguntado como se sentiria, não o tinha afastado. Então ela a tinha beijado outra vez.

Foi bom, o que não era uma surpresa. O que foram notícias de último momento foi o fato de que havia se sentido mau. Como se estivesse sendo infiel a alguém.

O condenado alarme soou outra vez, e soltou uma maldição enquanto o desligava com a mão. Demônios, estava cansada, embora acreditasse que havia se deitado cedo. Pelo menos, assumia que tinha sido cedo, embora não estivesse exatamente segura de quando Manny se foi. Lembrava que a tinha ajudado a subir a seu quarto e que a tinha acomodado na cama, mas tinha a cabeça tão confusa que não podia lembrar a que hora tinha sido nem quanto tempo tinha demorado para dormir.

Não importava.

Afastando as mantas, dirigiu-se ao banheiro e acionou a ducha. Enquanto o vapor subia e empanava o ar, fechou a porta do banheiro, tirou a camiseta, e...

Jane franziu o cenho quando uma sensação de umidade deslizou entre suas pernas. Fazendo uma rápida recontagem dos dias, imaginou que seu período devia haver se adiantado...

Não era seu período. Tinha tido relações sexuais.

O frio da comoção substituiu o calor do vapor. Ah, Deus… o que tinha feito. O que tinha feito?

Jane se virou, mesmo embora não tinha lugar aonde ir... só se levou a mão à boca.

Escritas no espelho, reveladas pelo vapor, estavam as palavras: Amo você, Jane.

Cambaleou para trás até que se chocou com a porta.

Merda. Tinha dormido com o Manny Manello. E não Lembrava nada.

Phury tomou assento no escritório de Wrath, desta vez na delicada cadeira azul pálido que estava ao lado da chaminé. Ainda tinha o cabelo molhado pela ducha, e um café na mão.

Precisava de um néscio.

Enquanto o resto da Irmandade se acomodava, olhou ao Wrath.

—Importa-se se eu acender um cigarro?

O Rei sacudiu a cabeça.

—Consideraria um serviço à comunidade. Todos poderíamos utilizar o contato elevado hoje.

Deus, se isso não era verdade. Todos estavam fora de si. Zsadist se via nervoso apoiado nas estantes. Butch estava distraído com o computador no colo. Wrath parecia exausto depois de uma montanha de papelada. Rhage estava passeando, incapaz de sentar… um sinal claro de que não tinha encontrado briga durante as horas noturnas.

E Vishous… V era o pior de todos. Estava perto da porta, olhando fixamente o vazio. Se antes era frio, agora estava glacial, um ralo na sala. Merda, estava gravemente sério, mais ainda que a noite anterior.

Enquanto Phury acendia, pensou em Jane e V e ociosamente se perguntou como teria sido o sexo entre eles. imaginava que, embora fosse certo que tinham tido abundantes sessões violentas, também teriam havido encantadores momentos de comunhão.

Sim, nada parecido ao que ele tinha tido naquele banheiro. Com aquela prostituta.

Passou a mão livre pelo cabelo. Era ainda virgem mesmo tendo estado dentro de uma fêmea, mas sem haver gozado? Não estava certo. De qualquer maneira, não ia perguntar isso a ninguém. Tudo era simplesmente muito sórdido.

Homem, tinha tido esperanças que estar com alguém o ajudasse a continuar seu caminho, mas não tinha sido assim. sentia-se ainda mais preso, especialmente porque a primeira coisa que tinha feito quando entrou pela porta da mansão tinha sido pensar em Bela: tinha rezado para que não o pegasse a voltar e cheirando a essa humana.

Evidentemente, pôr distância ia requerer algo mais.

A menos que… maldição, possivelmente simplesmente requeria a si mesmo. Provavelmente devia mudar da casa.

—Começamos —disse Wrath, convocando a reunião. Em rápida sucessão revisou alguns assuntos concernentes a glymera; depois Rhage, Butch e Z informaram dos acontecimentos no campo. O que não foi muito. Ultimamente os assassinos tinham estado relativamente tranqüilos, provavelmente porque o Fore-lesser tinha sido assassinado pelo poli fazia apenas duas semanas. Isto era típico. Qualquer mudanças na liderança da Lessening tinha geralmente como resultado algum tempo de inatividade na guerra, embora nunca durasse muito.

Enquanto Phury acendia seu segundo néscio, Wrath esclareceu a garganta.

—Agora… sobre a cerimônia do Primale.

Phury inalou forte quando V elevou os diamantinos olhos. Maldição… o macho parecia ter envelhecido cento e cinqüenta anos na semana passada, tinha a pele cítrica, as sobrancelhas caidas, os lábios apertados. Nunca tinha sido a alma da festa para começar, mas agora tinha aspecto gasto como o toque de defuntos.

—O que aconteceu —disse V.

—Eu estarei lá. —Wrath olhou a seu redor— Phury, você também. Iremos esta noite a meia-noite, OK?

Phury assentiu, logo se animou, porque pareceu que Vishous ia dizer algo. O corpo do irmão se esticou, seus olhos se acenderam, a mandíbula se moveu… mas então nada saiu de sua boca.

Phury exalou uma baforada de fumaça e apagou o néscio em um cinzeiro de cristal. Era brutal ver seu irmão sangrar, saber que sofria enquanto você não podia fazer nada...

Ficou gelado, uma calma misteriosa se apoderou dele, uma que não tinha nada que ver com a fumaça vermelha.

—Cristo em uma muleta —disse Wrath, esfregando os olhos— Fora daqui, todos vocês. Vão relaxar . Todos estamos perdendo a perspectiva...

Phury disse em voz alta:

—Vishous, se não fosse pela merda do Primale, estaria com Jane, não?

Os olhos diamantinos de V se voltaram para ele e os entrecerrou até formar frestas.

—Que merda tem isso que ver com tudo?

—Estaria com ela —Phury olhou ao Wrath— E você permitiria, correto? Quero dizer, sei que é humana, mas permitiu que Mary viesse...

V o cortou, com a voz tão dura como seus olhos, como se não pudesse acreditar que Phury fosse tão sem consideração.

—Não há forma de fazê-lo funcionar. Então simplesmente deixa estar. Foda-se.

—Mas… há.

Os olhos do Vishous cintilaram com uma violenta cor branca.

—Não se ofenda, mas estou no limite de meus nervos. Dar marcha ré seria um plano realmente bom para você neste instante.

Rhage se moveu imediatamente em volta de V, enquanto Zsadist foi colocar-se ao lado de Phury.

Wrath ficou de pé.

—Que tal se deixarmos o assunto.

—Não, me escutem —Phury se levantou da cadeira— A Virgem Escriba quer um macho da Irmandade, correto? Com fins de criação, correto? Por que tem que ser você?

—Quem mais poderia ser? —grunhiu V enquanto se inclinava assumindo uma posição de ataque.

—Por que não… eu?

No silêncio que seguiu, uma granada poderia ter deslizado sob o escritório do Wrath e ninguém teria notado: a Irmandade simplesmente o olhava como se lhe tivessem saído chifres.

—Bom, por que não posso ser eu? Ela só precisa do DNA, certo? Então qualquer que seja o irmão deveria poder fazê-lo. Minha linhagem é forte. Meu sangue é bom. Por que não posso ser eu?

Zsadist exalou:

—Jesus… Cristo.

—Não há razão para que não possa ser o Primale.

A agressividade de V desapareceu deixando-o com uma expressão como se alguém o tivesse batido com uma frigideira na parte de trás da cabeça.

—Por que faria isso?

—É meu irmão. Se posso arrumar o que está errado, por que não fazê-lo? Não há nenhuma fêmea que queira. —Quando lhe fechou a garganta, a massageou— É o filho da Virgem Escriba, correto? Então poderia lhe sugerir a mudança. A qualquer outro provavelmente mataria, mas não a você. Merda, possivelmente só teria que informá-la —deixou cair a mão— E poderia lhe assegurar que eu serei melhor para isso, porque não estou apaixonado por ninguém.

Os olhos de diamante de V não se separavam do rosto de Phury.

—Estaria errado.

—Todo o assunto está errado. Mas isso não é relevante, verdade? —Phury lançou um olhar para o delicado escritório francês, encontrando os olhos de seu Rei— Wrath, você o que diz?

—Porra. —foi a réplica.

—Uma escolha apropriada de palavras, Senhor, mas não é realmente uma resposta.

A voz de Wrath se voltou baixa, realmente baixa.

—Não pode falar sério...

—Tenho um par de séculos de celibato que compensar. Que melhor maneira de me desforrar? —foi dito como uma brincadeira, mas ninguém riu— Vamos, quem mais poderia fazê-lo? Todos estão tomados. O único outro possível candidato seria John Matthew, por ser da linha de Darius, mas John não é membro da Irmandade, e quem sabe se o será jamais.

—Não. —Zsadist sacudiu a cabeça— Não… isto o matará.

—Possivelmente se foder a morte, sim. Mas além disso, estarei bem.

—Nunca terá uma vida se fizer isto.

—É obvio que a terei. —Phury sabia exatamente o que Z estava insinuando então deliberadamente desviou sua atenção de volta ao Wrath— Permitirá que V tenha Jane, não é assim? Se fizer isto, permitirá que estejam juntos.

Isso não foi adequado, é obvio. Porque você não dava uma ordem ao Rei, tanto por tradição como por lei… e também porque chutaria seu traseiro através de todo o estado de Nova Iorque. Mas nesse momento Phury não estava muito preocupado com o protocolo.

Wrath colocou a mão sob os óculos de sol e esfregou os olhos cansativamente. Logo deixou sair um longo suspiro.

—Se alguém pode dirigir os riscos de segurança inerentes a uma relação com um humano, é V. Então… sim, que me pendurem, mas o permitiria.

—Então me permitirá o substituir. E ele ira a ver a Virgem Escriba.

O relógio de pé no canto do escritório começou a soar, as firmes badaladas eram como os batimentos do coração. Quando deixou de soar, todos olharam a Wrath.

Depois de um momento o Rei disse:

—Que assim seja.

Zsadist amaldiçoou. Butch assobiou baixo. Rhage mordeu um pirulito.

—Então tudo está bem —disse Phury.

Santa merda, o que acabo de fazer?

Aparentemente, todo mundo pensava o mesmo, porque ninguém se moveu nem disse uma palavra.

Vishous foi o que rompeu o ponto morto… atravessou o estudo em uma carreira mortal. Phury não soube o que o bateu. Um segundo estava a ponto de acender outro néscio; no seguinte, V cruzava o escritório, lançava um par de robustos braços ao redor dele, e lhe tirava a respiração de um apertão.

—Obrigado —disse Vishous roucamente— Obrigado. Mesmo que ela não o permita, obrigado, irmão.

—Jane, está me evitando.

Jane levantou a vista do computador. Manello estava plantado diante de seu escritório como um muro, as mãos nos quadris, olhos entrecerrados, nada a não ser um completo não –vai-a-nenhum-lugar. Amigo, o escritório era de um tamanho bastante considerável, mas a fazia parecer estreita como uma carteira.

—Não o estou evitando. Estou me pondo em dia por ter estado fora todo o fim de semana.

—Estupidez. —Cruzou os braços sobre o peito— São quatro da tarde, e a esta hora normalmente teríamos feito juntos ao menos duas refeições. O que aconteceu?

Reclinou-se na cadeira. Mentir não era algo que alguma vez tivesse feito bem, mas era uma habilidade que estava sem dúvida tratando de desenvolver.

—Ainda me sinto mal, Manello, e estou até as sobrancelhas de trabalho. —Certo, nada disso era mentira. Mas só o disse para camuflar a omissão que estava fazendo.

Houve uma longo pausa.

—É pelo que houve ontem à noite?

Com uma careta, deu um último suspiro.

—É, escuta, sobre isso. Manny… sinto muito. Não posso fazer nada assim com você outra vez. Acredito que é ótimo, realmente acredito. Mas eu... —deixou a frase sem acabar. Teve o impulso de dizer algo então como que estava apaixonada por alguém mais, mas isso era absurdo. Não havia ninguém.

—É pelo departamento? —disse.

Não, é só que de alguma forma não lhe parecia correto.

—Sabe que não é apropriado, embora o mantenhamos em segredo.

—E se vai? Então o que?

Negou com a cabeça.

—Não. É só... não posso. Não deveria haver deitado com você ontem à noite.

Elevou as sobrancelhas de repente.

—Perdão?

—Só que não acredito…

—Espera um minuto. De onde demônios tirou a idéia de que dormimos juntos?

—Eu... eu era obvio que o fizemos.

—Beijei você. Foi embaraçoso. Parti. Sem sexo. O que a fez pensar que houve?

Jesus Cristo... Jane agitou uma mão trêmula.

—Os sonhos, acredito. Realmente sonhos muito vívidos. Humm... Quer me perdoar?

—Jane, que demônios está acontecendo? —deu a volta ao escritório— Parece aterrorizada.

Quando o olhou fixamente, soube que em seus olhos havia medo desesperado, mas não podia silenciá-lo.

—Acredito... acredito que dentro de que é possível tenha perdido o juízo. Falo sério, Manny. Estamos falando de esquizofrenia. Alucinações e realidade distorcida e... lapsos de memória.

Embora o fato de que tivesse tido relações sexuais durante a noite não era uma invenção de sua imaginação. Merda... ou o tinha sido?

Manny se inclinou pondo as mãos sobre seus ombros. Em voz baixa disse:

—Encontraremos a alguém para que a veja. Resolveremos isso.

—Estou assustada.

Manny tomou as mãos, levantando-a e estreitando-a fortemente contra ele.

—Estou aqui com você.

Quando o abraçou fortemente em resposta, disse:

—Seria um bom homem para amar, Manello. Realmente seria.

—Sei.

Riu um pouco, o afogado som se perdeu na curva de seu pescoço.

—Arrogante.

—Queria dizer sincero.

Afastou-a e pôs a mão no rosto, com uma expressão solene nos profundos olhos marrons.

—Mata-me dizer isto... mas não a quero no sala de cirurgia, Jane. Não enquanto não tenha a cabeça em seu lugar.

Seu primeiro instinto foi brigar, mas logo exalou:

—O que diremos às pessoas?

—Depende de quanto tempo dure, por agora, tem gripe. —Colocou-lhe uma mecha de cabelo detrás da orelha . Vai falar com um amigo meu que é psiquiatra. Está fora na Califórnia, então ninguém saberá, vou chamá-lo agora. Também vou programar você para um chekup completo. Faremos fora de seus horários no outro lado da cidade no Imaging Associates. Ninguém saberá.

Quando Manello se virou para ir havia angustia em seus olhos, e enquanto pensava sobre a situação, uma estranha lembrança lhe passou pela cabeça.

Três ou quatro invernos atrás uma noite tinha saído tarde do hospital, sentindo-se inquieta. Algo, algum tipo de instinto visceral, disse-lhe de ficasse e dormisse no sofá do escritório, mas o atribuiu ao feito de que o tempo estava feio. Graças a uma cortante e gélida chuva que tinha caido durante horas, Caldwell estava mais ou menos como uma pista de patinação. por que quereria alguém sair com esse tempo?

Entretanto, a persistente sensação não se deteve. Todo o caminho para o estacionamento, esteve brigando contra a voz em sua cabeça até que finalmente, quando pôs a chave no direção, teve uma visão. A maldita coisa foi tão clara que era como se o acontecimento já tivesse ocorrido e estivesse em sua memória. Viu suas mãos segurando o volante enquanto um par de faróis dianteiros penetravam diretamente pelo pára-brisa. Sentiu a aguda dor do impacto, o desagradável efeito da cambalhota enquanto seu carro se sacudia daqui para lá, o ardor em seus pulmões enquanto gritava.

Devagar mas decidida, incorporou-se lentamente na gélida chuva. Falando de condução defensiva. Considerava os outros carros como uma ameaça em potencial, e teria usado as calçadas em vez das estradas se tivesse podido.

A meio caminho de casa se deteve em um semáforo, rezando por que ninguém batesse nela.

Entretanto, como se tivesse sido destinado, um carro se aproximou por trás, perdeu a tração, e começou uma grande derrapada. Pegou o volante e elevou o olhar para o espelho retrovisor... e viu como os faróis vinham para ela.

O carro a esquivou completamente.

Depois de assegurar-se de que ninguém estava ferido, Jane tinha rido interiormente, tinha respirado profundamente, e tinha dirigido até sua casa. Com o passar do caminho, tinha refletido como o cérebro extrapolava o entorno e tirava conclusões precipitadas, como os fortes pensamentos e medos podiam ser confundidos por algum tipo de habilidade profética, como as reportagens de notícias sobre más estradas podiam filtrar-se e conduzir a...

A caminhonete do encanador se estrelou frontalmente com ela a umas três milhas de sua casa. Enquanto tinha girado a esquina para encontrar esses faróis no caminho, seu único pensamento tinha sido, bom, merda, tinha tido razão depois de tudo. Tinha terminado com uma clavícula quebrada e um carro com sinistro total. O encanador e sua caminhonete estavam bem, graças a Deus, mas tinha estado fora da sala de cirurgia durante semanas.

Então... enquanto observava Manello sair de seu escritório, sabia o que ia ocorrer, e a claridade disso era pelo estilo dessa visão do acidente. Tão imutável como a cor de seus olhos. Tão inegável como o passado do tempo. Tão imparavel como a caminhonete de um encanador patinando sobre o gelo do asfalto.

—Minha carreira está acabada —sussurrou com voz inerte— Estou acabada.

Vishous se ajoelhou na cama, colocou um colar de pérolas negras ao redor do pescoço, e fechou os olhos. Enquanto alcançava o Outro Lado com a mente, deliberadamente pensou em Jane. A Virgem Escriba podia muito bem saber desde o começo que demônios ia acontecer.

Passou um momento antes de obter uma resposta de sua mãe, mas logo estava viajando através da antimateria para o reino intemporal, tomando forma no branco jardim.

A Virgem Escriba estava de pé atrás de sua árvore de pássaros, e um deles, uma espécie de pinzón melocotonero, estava pousado em sua mão. Quando o capuz de sua túnica negra caiu, V pôde ver o rosto fantasmal, e se assombrou da adoração com a que olhava à pequena criatura em sua incandescente mão tanto amor, pensou.

Nunca teria suposto que o tivesse.

Ela falou primeiro.

—É obvio que amo a meus pássaros. São minha distração quando estou agitada, minha maior alegria quando estou de bom humor. O doce som de suas canções me levanta o ânimo como nada mais o faz. —Olhou sobre seu ombro— A humana cirurgiã, não?

—Sim —disse, dando de ombros.

Merda. Estava tão tranqüila. Tinha esperado cólera. Preparando-se para a batalha. Em lugar disso? Nada menos que calma.

O que era bom antes da tormenta, não?

A Virgem Escriba soprou sobre o pássaro, que lhe respondeu com um doce canto estendendo as asinhas, desfrutando.

—Posso assumir que se negar a substituição não levará a cabo a cerimônia?

Matou-lhe falar. Matou-lhe.

—Dei minha palavra. Então o farei.

—Sim? Surpreende-me.

A Virgem Escriba pôs em seu lugar o pássaro, assobiando um canto enquanto o fazia. Imaginou que se o som pudesse ser traduzido seria algo então como, amo você. O pássaro lhe respondeu do mesmo modo.

—Esses pássaros —disse sua mãe com uma estranha e distante voz— são verdadeiramente meu único prazer. Sabe por que?

—Não.

—Não pedem nada e dão muito.

Voltou-se para ele e com voz profunda lhe disse:

—Hoje é o dia de seu aniversário, Vishous, filho de Bloodletter. Seu sentido de oportunidade se cronometrou muito bem.

Humm, não realmente. Jesus, esqueceu-se que dia era.

—E em um dia como este faz trezentos e três anos o trazia para o mundo, encontro-me com humor para outorgar o favor que pede, então como o que até agora não foi formulado, e entretanto é tão evidente como uma lua que se eleva em um céu espaçoso.

A V brilharam os olhos. A esperança, uma emoção perigosa no melhor dos casos, acendeu-se no peito com uma pequena e cálida faísca. No entorno os pássaros gorjeavam e cantavam alegremente, como se antecipassem sua felicidade.

—Vishous, filho de Bloodletter, concederei a você as duas coisas que mais quer. Permitirei que seu irmão, Phury, substitua-o na cerimônia. Será um bom Primale, tenro e amável com as Escolhidas e ao mesmo tempo oferecerá uma boa linhagem à raça.

V fechou os olhos, o alívio o percorreu em uma onda tão grande que lhe agitou até os pés.

—Obrigado... —sussurrou, consciente de que lhe estava falando mais com mudança de curso que tinha tomado seu destino que a ela, embora ela fosse a condutora.

—Sua gratidão é apropriada. —A voz de sua mãe era completamente imparcial— E também estranha. Mas então, os presentes são como a beleza, não é então? Está no olho daquele que vê, não na mão de quem dá o presente. Aprendi isto agora.

V a olhou, tratando de não perder o eixo.

—Quererá lutar. Meu irmão… quererá lutar e viver no outro lado. —Porque de maneira nenhuma Phury seria capaz de dirigir o fato de não ver Bela de novo.

—E o permitirei . Ao menos até que as filas da Irmandade cresçam em numero.

A Virgem Escriba levantou as incandescentes mãos até o capuz da túnica e cobriu o rosto. Logo, silenciosamente, flutuou sobre o mármore por volta de uma pequena porta branca que sempre tinha pensado que era a entrada privada a seus quartos.

—Se não se ofender —lhe gritou— O segundo favor?

Deteve-se no pequeno portal. Sem olhá-lo no rosto, disse:

—Renuncio a você como meu filho. Está livre de mim e eu de você. Vive bem, guerreiro.

Atravessou a porta e o deixou de fora, fechando firmemente o painel, e logo pasando a chave. A sua partida os pássaros ficaram em silêncio, como se sua presença fosse o que lhes enfeitiçasse a cantar.

V permaneceu no pátio, ouvindo o suave tinido da cascata da fonte.

Tinha tido uma mãe durante seis dias.

Não podia dizer que teria saudades. Ou que estava contente por que lhe houvesse devolvido a vida. Depois de tudo, tinha sido a que tinha tentado tirar-lhe tudo.

Enquanto se desmaterializava para a mansão para informar os fatos, deu-se conta que embora sua mãe houvesse dito que não, teria escolhido Jane sobre a Virgem Escriba. Sem importar o que lhe custasse.

E a Virgem Escriba o tinha sabido todo o tempo. E era por isso pelo que tinha renunciado a ele.

De qualquer modo. Tudo o que lhe preocupava era chegar a Jane. As coisas estavam melhorando, mas ainda não estava fora de perigo. Podia, depois de tudo, dizer que não. Podia muito bem escolher a vida que conhecia em vez da perigosa meio existência com um vampiro.

Maldita seja, entretanto, queria que o escolhesse.

V estava tomando forma em seu quarto e pensando na forma que tinha estado com Jane a noite anterior... quando caiu na conta que tinha feito o imperdoável: Tinha gozdo dentro dela. Maldita seja. Tinha estado tão ensimesmado, que esqueceu que tinha deixado uma parte de si mesmo nela. Devia estar voltando-se louca neste momento.

Era um tremendo bastardo. Um bastardo irrefletido e egoísta.

E realmente pensava que tinha algo a lhe oferecer?

Ao cair a noite, Phury colocou as sedas brancas para a cerimônia do Primale. Não as sentia sobre a pele, e não porque fossem feitas de tecidos tão delicados. Tinha estado fumando néscios durante as últimas duas horas, então estava bastante intumescido.

Embora nem tanto, como para que quando batessem na porta, não soubesse exatamente quem era.

—Entre —disse, sem voltar-se do espelho de seu vestidor— O que está fazendo fora da cama?

Bela soltou uma risada. Ou possivelmente era um soluço.

—Uma hora ao dia, lembra? Ficam cinqüenta e dois minutos.

Ele pegou o medalhão de ouro do Primale e o pôs ao redor do pescoço. O peso se assentava no peito como se alguém tivesse uma palma entre seu peito e se inclinasse para ele. Duramente.

—Está certo a respeito disto? —disse brandamente.

—Sim.

—Suponho que Z vai com você?

—É minha testemunha. —Phury esmagou o cigarro embalado à mão. Pegou outro. Acendeu-o.

—Quando voltará?

Sacudiu a cabeça enquanto exalava.

—O Primale vive do Outro Lado.

—Vishous não ia.

—Um acerto especial. Continuarei lutando, mas quero estar lá.

Quando ela ofegou, olhou fixamente seu reflexo no vidro do antigo espelho. Seu cabelo estava úmido e enredado nas pontas, então pegou uma escova e começou a pentear.

—Phury, que está... Não pode ir à cerimônia careca… Pare. Deus, vais arrancar o cabelo. —aproximou-se por trás, tomou a escova de sua mão, e indicou a cadeira perto da janela— Sente-se. Me deixe fazê-lo.

—Não, obrigado. Posso...

—É muito duro consigo mesmo. Agora vamos. —Deu-lhe um pequeno empurrão para a esquerda—Me deixe fazê-lo.

Sem nenhuma boa razão, e com muitas más, foi e se sentou, cruzando os braços sobre o peito e abraçando a si mesmo. Bela começou pela parte de baixo da juba, desenredando com a escova primeiro as pontas, logo subindo até que o sentiu no alto de sua cabeça e arrastando-se lentamente por todo o comprimento. Com a mão livre seguia as passadas, suavizando, apaziguando. O som das cerdas através de seu cabelo e o puxão em sua fronte e seu aroma no nariz eram prazeres agridoces que o deixavam indefeso.

As lágrimas lhe enredaram nas pestanas. Parecia tão cruel havê-la conhecido, ver o que queria mas nunca ser capaz do ter. Embora isso fosse adequado, na realidade. Sempre tinha vivido a vida com coisas fora de seu alcance. Primeiro tinha passado décadas procurando seu gêmeo, pressentindo que Zsadist estava vivo no mundo mas sendo incapaz de lhe resgatar. Logo tinha liberado seu irmão, somente para averiguar que o macho estava ainda longe de sua mão. O século que tinha seguido à fuga da Ama de Z tinha sido um tipo diferente de inferno, com ele sempre esperando que Z se desenquadrasse, intercedendo quando seu irmão precisava e preocupando-se a respeito de quando voltaria a começar o próximo capítulo do drama.

Então tinha chegado Bela e ambos se apaixonaram por ela.

Na realidade, Bela era a antiga tortura com uma nova aparência. Porque o seu era um destino de desejar, de estar fora olhando para dentro, de ver o fogo mas sem ser capaz de se aproximar suficiente para ser esquentado por ele.

—Voltará alguma vez? —perguntou.

—Não sei.

A escova se deteve.

—Possivelmente você goste dela.

—Possivelmente. Não pare ainda. Por favor... ainda não.

Phury esfregou os olhos enquanto a escova reatava as passadas. Este tranqüilo tempo era seu adeus, e ela sabia. Estava chorando também. Podia cheirar o afresco e chuvoso sotaque no ar.

Exceto que, não chorava pela mesma razão que ele. Chorava porque se compadecia de seu futuro, não porque o amasse e seu coração estivesse se quebrando ante o pensamento de que nunca, jamais voltaria a vê-lo. Sentiria falta dele , sim. Preocuparia-se com ele, certo. Mas não teria saudades. Nunca tinha feito.

E tudo isto deveria ter quebrado a cadeia e provocado que cortasse com a rotina de efeminado, mas não podia. Estava submerso em sua tristeza.

No Outro Lado, é obvio, que veria Zsadist. Mas a ela... não podia imaginar indo vê-lo. E na realidade não seria apropriado, já que seria o Primale, e não se pareceria certo se concedesse audiências privadas a uma fêmea do exterior, embora fosse a shellan de seu gêmeo. A monogamia com sua Escolhida estava no contrato, pensou, e a aparência era um compromisso para o Primale.

Então se deu conta. O bebê. Nunca veria o pequeno de Z e ela. Exceto em retratos.

A escova se introduziu sob seu cabelo e percorreu sua nuca. Fechando os olhos, entregou-se ao rítmo de puxa e afrouxa em sua cabeça.

—Quero que se apaixone —disse.

Estou apaixonado.

—Está bem.

Deteve-se e se colocou diante dele.

—Quero que se apaixone por alguém real. Não como pensa que me ama.

Ele franziu o sobrecenho.

—Não se ofenda. Mas não pode saber o que eu...

—Phury, não me ama realmente...

Ficou de pé e a olhou aos olhos.

—Por favor, me dê o direito de não acreditar que conhece minhas emoções melhor que eu.

—Nunca esteve com uma fêmea.

—Estive a noite passada.

Isto a calou durante um momento. Logo disse:

—Não no clube. Por favor, não...

—No banheiro. Foi bom, também. Por outro lado, era uma profissional. —Certo, agora estava sendo um idiota.

—Phury... não.     

—Posso recuperar a escova? Acredito que meu cabelo está bom agora.

—Phury...

—A escova. Por favor.

Depois de um momento que foi tão longo como um século, estendeu-lhe a escova. Quando a alcançou e a pegou, estiveram ligados pelo cabo de madeira durante um mero fôlego, logo ela deixou cair a mão.

—Merece algo melhor que isso —sussurrou— É melhor que isso.

—Não. Não o sou. —Ah, homem, tinha que fugir de sua expressão de dor— Não deixe que você me converta em um príncipe, Bela.

—Isto é autodestrutivo. Tudo isto.

—Apenas. —inclinou-se para a mesa, pegou o néscio e lhe deu uma imersão— Quero isto.

—Quer? E é por isso que esteve acendendo fumaça vermelha toda a tarde? A mansão inteira cheira a isso.

—Fumo porque sou um viciado. Sou um drogado sem força de vontade, Bela, que esteve com uma puta a noite passada em um lugar público. Deveria me condenar, não se compadecer.

Negou com a cabeça.

—Não tente parecer desagradável a meus olhos. Não funcionará. É um macho de valor...

—Merda, pelo amor de Deus...

   —... que sacrificou muito por seus irmãos. Provavelmente muito.

—Bela, não contineu.

—Um macho que renunciou a sua perna para salvar seu gêmeo. Que lutou corajosamente por sua raça. Que está renunciando a seu futuro pela felicidade de seu irmão. Não pode ser muito mais nobre que isso. —Seus olhos eram duros como pedras enquanto o olhava fixamente— Não me diga quem é. Vejo-o mais claramente que você mesmo.

Passeou ao redor do quarto até que encontrou a si mesmo novamente frente ao vestidor. Esperava que não houvesse espelhos no Outro Lado. Odiava seu reflexo. Sempre o tinha feito.

—Phury...

—Vai —disse roucamente— Por favor, somente vai. —Quando não o fez, virou-se— Pelo amor de Deus, não me faça cair diante de você. Neste momento necessito do meu orgulho. É a única coisa que me mantém de pé.

Ela colocou uma mão sobre a boca e piscou rapidamente. Então se ergueu e falou na Antiga Língua:

—Que tenha uma grande fortuna, Phury, filho de Ahgony. Que seus pés sigam um atalho plano e que a noite caia brandamente sobre seus ombros.

Ele fez uma reverência.

—Também para você, Bela, amada nalla de meu irmão de sangue, Zsadist.

Quando a porta se fechou atrás dela, Phury se afundou na cama e levou o néscio aos lábios. Enquanto olhava o quarto no qual tinha dormido desde que a Irmandade se mudou para o Complexo, deu-se conta que não era um lar para ele. Era apenas um quarto de hóspedes... um luxuoso, anônimo quarto de hóspedes... quatro paredes cobertas por agradáveis pinturas a óleo com bons tapetes e cortinas suntuosas como o traje de festa de uma fêmea.

Seria agradável ter um lar.

Nunca tinha tido um. Depois que Zsadist tivesse sido seqüestrado quando menino, seu mahmen se encerrou clandestinamente, e seu pai foi caçar à babá que levou Z. Ao crescer, Phury tinha vivido entre as cambiantes e susurrantes sombras da casa. Todos, mesmo os doggen, deixaram-se levar pelos vaivéns da vida. Não tinha havido risadas. Nenhuma felicidade. Nenhum calendário de cerimônias.

Nenhum abraço.

Phury tinha aprendido a permanecer calado e permanecer fora do caminho. Era, depois de tudo, a coisa mais amável que podia fazer. Tinha sido a réplica do que tinham perdido, a lembrança da dor que estava na mente de todos. Acostumou-se a usar chapéus para ocultar seu rosto, e tinha andado arrastando os pés, encurvando-se para parecer menor, menos notável.

Nem bem tinha passado pela transição, tinha partido para encontrar seu gêmeo. Ninguém tinha se despedido. Não tinha havido adeus. O desaparecimento de Z tinha esgotado toda a capacidade da casa de sentir saudades de alguém, então nada ficava para o Phury.

O que no final, tinha sido bom. Fez tudo mais fácil.

Mais ou menos dez anos depois se inteirou por um primo longínquo que sua mãe tinha morrido dormindo. Tinha voltado para casa imediatamente, mas tinham feito o funeral sem ele. Oito anos mais tarde seu pai tinha morrido lutando. Phury tinha chegado a esse funeral e tinha passado sua última noite na casa da família. Depois disso a propriedade foi vendida, os doggen se dispersaram, e foi como se seus pais nunca tivessem existido.

Sua falta de raízes agora não era nova. Tinha-a sentido desde o primeiro momento que teve consciência como menino. Sempre tinha sido um vagabundo, e o Outro Lado não ia lhe dar uma base. Não podia fazer um lar ali porque não podia ter um sem seu gêmeo. Ou seus irmãos. O...

Parou. Negava-se a permitir-se pensar em Bela.

Enquanto permanecia ali e sentindo como a prótese suportava seu peso, pensou que era irônico que um nômade como ele tivesse perdido um membro.

Recolheu seus néscios, deslizou vários no bolso, e estava quase fora da porta quando parou e se virou. Quatro passos o levaram até o guarda roupa, três cliques na fechadura abriram uma porta de metal, duas mãos se estiraram. Uma adaga negra saiu.

Tocou sua arma, sentindo o perfeito equilíbrio e o agarre preciso que somente se adaptava a suas características. Vishous a tinha feito para ele... Infernos, fazia quanto tempo? Setenta e cinco anos... sim, este verão fariam setenta e cinco anos desde que se uniu à Irmandade.

Examinou a lâmina à luz. Setenta e cinco anos de eliminar lessers, e nem um arranhão na lâmina. Pegou a outra que usava. O mesmo padrão. V era um artesão magistral, muito bom.

Olhando as armas, sentindo seu peso, imaginou Vishous de pé na porta do quarto como tinha estado essa tarde mais cedo, explicando que a Virgem Escriba ia permitir a substituição do Primale. Havia vida nos olhos do frio irmão. Vida e esperança, junto com um resplandecente propósito.

Phury meteu uma das adagas no cinturão de cetim que tinha ao redor da cintura e devolveu a outra à caixa de segurança. Então andou a passos largos até a porta com aço em sua espinha dorsal. Valia a pena sacrificar-se por amor, pensou enquanto saía do quarto. Mesmo se não fosse o seu.

Nesse momento Vishous se materializou do outro lado da rua em frente do apartamento de Jane. Não havia luzes dentro de sua casa, e esteve tentado a entrar, mas permaneceu nas sombras.

Maldição, sua cabeça estava revolta. Sentia-se culpado como o inferno pelo Phury. Assustado até a morte pelo que Jane ia dizer. Preocupado sobre como conseguir um futuro com uma humana. Infernos, estava mesmo preocupado pela pobre Escolhida que ia agüentar ter que ser forte pelo bem do resto de sua raça.

Verificou o relógio. As oito em ponto. Tinha que imaginar que Jane voltaria para casa logo…

A porta da garagem do apartamento junto ao de Jane se elevou lenta e ruidosamente emitindo um gemido e uma minivan verdadeiramente desgastada saiu de marcha ré. Os freios fizeram um pequeno chiado quando deram o último giro para tomar a rua, então o condutor a colocou em marcha.

   V franziu o cenho, seus instintos cobrando vida sem motivo aparente. Cheirou o ar, mas estava contra o vento em relação ao veículo e não pôde captar nenhum aroma.

Genial, então além disso estava paranóico… o que, junto com sua ansiedade circunstancial e a conduta narcisista que tinha estado desdobrando recentemente, significava que tinha a maior parte do manual de enfermidades mentais cobertas esta noite.

Voltou a olhar o relógio só por hábito. Dois minutos mais tarde. Ótimo.

Quando soou o celular, respondeu com alívio, porque estava desejando passar o tempo.

—Me alegro de que seja você, poli.

A voz do Butch soava apagada.

—Estas em sua casa?

—Sim, mas ela não. O que acontece?

—Algo acontece com seus computadores.

—Como o que?

—Um dos rastreadores que deixou no hospital se desencadeou. Alguém entrou no arquivo médico do Michael Klosnick.

—Não acontece nada.

—Foi o chefe de cirurgia. Manello.

Homem, V odiava o som do nome desse cara.

—E?

—Hoje procurou em seu próprio computador as fotos de seu coração. Procurava o arquivo que Phury destruiu enquanto estávamos tirando você dali, sem dúvida.

—Interessante. —V se perguntava o que tinha chamado a atenção desse cara... Possivelmente, alguma impressão das fotografias que tivessem a data e o dia? Mesmo se não houvesse nenhuma anotação sobre o paciente, esse cara, Manello era provavelmente bastante preparado para rastreá-la até o sala de cirurgia e averiguar quem tinha estado na mesa de Jane. A certo nível não era um grande problema, porque o histórico médico mostrava que Michael Klosnick depois da cirurgia tinha pedido alta voluntária. Mas ainda assim... — Acredito que deveria fazer uma visita ao bom doutor.

—Um, sim, imagino que possivelmente queiramos nos ocupar nós mesmos disso. Por que não me deixa dirigi-lo?

—Porque não sabe como apagar memórias, certo?

Houve uma pausa.

—Porra. Mas bom ponto.

—Está o cara conectado agora?

   —Sim, está em seu escritório.

Era resistente a ter uma confrontação em um lugar público, mesmo se fosse depois do horario de trabalho, mas só Deus sabia que mais podia averiguar o doutor.

Merda, pensou V. Olhe o que tinha para oferecer a Jane. Segredos. Mentiras. Perigo. Era um bastardo muito, muito egoísta, e o que era pior, estava arruinando a vida de Phury somente para poder unir-se a ela.

Um carro virou na rua, e quando passou debaixo da luz viu que era seu Audi.

—Merda —disse.

—Voltou para casa, hã?

—Encarregarei-me de Manello. Depois.

Enquanto desligava, não estava certo de poder fazer isto a ela. Se fosse agora, ainda teria tempo de chegar ao Outro Lado antes que Phury tomasse o voto do Primale.

Merda.

     

Jane deu marcha ré na garagem, estacionou o Audi, e permaneceu ali sentada com o motor ligado. No assento do passageiro, a seu lado, estavam os resultados do TAC que Manello e ela tinham feito furtivamente. Tudo limpo. Nenhuma evidência de tumor ou aneurisma ou nada fora do normal.

Deveria sentir-se aliviada, mas a falta de explicação a incomodou porque o processo dos pensamentos continuava lento e pesado. Era quase como se seus neurônios tivessem que se esquivar de algum tipo de obstáculo na cabeça. E o peito ainda doía como sua puta mãe…

Um homem entrou no feixe de luz de seus faróis... um homem enorme com cabelo escuro, uma cavanhaque e vestido de couro, atrás dele, a paisagem era imprecisa, como se tivesse saído da névoa.

Jane imediatamente estalou em lágrimas.

Este homem... esta aparição... era sua sombra, a coisa em sua mente, a persistente presença que conhecia mas não podia reconhecer, que lamentava mas ainda assim não podia localizar. Tudo tinha sentido...

Com seu próximo fôlego a dor atravessou as têmporas como uma lança, uma carga horrivel a esmagando.

Mas em lugar de consumi-la, sumiu, simplesmente foi voando, sem deixar atrás nenhuma pontada. Em seu despertar vieram imagens, imagens dela operando esse homem, sendo raptada e presa em um quarto com ele... deles estando juntos... dela... apaixonando-se... logo sendo deixada para trás.

V.

O assalto de cor se retorceu e se transladou enquanto sua mente lutava para encontrar cabo em uma realidade escorregadia. Isto não podia estar acontecendo. Não podia estar de volta. Não ia voltar.

Devia estar sonhando.

—Jane —disse a aparição de seu amante. OH, Deus... Sua voz era a mesma, profunda e linda, deslizando em seu ouvido como a seda— Jane...

Lutando com o pânico, apagou as luzes e saiu do Audi.

O ar se sentia frio em suas úmidas bochechas, e o coração palpitava ao dizer:

—É real?

—Sim.

—Como posso sabê-lo? —lhe quebrou a voz e tocou as têmporas— Não sei nada. Não posso... pensar corretamente.

—Jane... —suspirou—Sinto tanto...

—Não funciona bem minha cabeça.

—É minha culpa. Tudo é por minha culpa. —A tensão e o pesar no orgulhoso rosto penetraram em sua confusão, lhe oferecendo um pouco de terreno sobre o qual avançar.

Respirou profundamente e pensou no Russell Crowe para o final de Uma Mente Brilhante. Animando-se, aproximou-se para o que parecia ser V, pô-lhe dois dedos no ombro e empurrou.

Era sólido como uma rocha. Cheirava às mesmas... escuras especiarias. E seus olhos —esses brilhantes olhos diamantinos— resplandeciam como sempre.

—Pensei que tinha ido para sempre —sussurrou—Por que...?

Nesse momento só esperava entender o que estava acontecendo e por que havia voltado.

—Não vou emparelhar me.

Ficou sem respiração.

—Não?

Negou com a cabeça.

—Não pude fazê-lo. Não posso estar com ninguém mais além de você. Não sei se me quer...

Antes de ter outro pensamento consciente, saltou e se apertou a ele, sem lhe importar uma merda as barreiras de espécies e circunstâncias. Só precisava dele. O resto era conversa para ser resolvida mais tarde.

—É obvio que o quero —lhe disse diretamente no ouvido—Eu o amo.

Deixou escapar algum tipo de palavra rouca, e seus braços a esmagaram contra ele. Quando se encontrou incapaz de respirar por causa que ele a apertava tão forte, pensou, Sim, realmente é ele. E desta vez não a ia deixar partir.

Obrigada. Deus.

Enquanto segurava Jane sobre o chão, Vishous era totalmente feliz. Completo de uma forma que não podia comparar-se a ter todos os dedos das mãos e os pés. Com um grito de triunfo, levou-a a seu apartamento, fazendo uma pausa apenas para baixar a porta da garagem.

—Pensava que estava me tornando louca —disse quando a sentou no balcão— Realmente o pensava.

O macho vinculado nele, morria por entrar dentro dela, mas conteve seus desejos mais primários. Por Cristo, deveria lhe deixar tempo para falar um pouco.

De verdade.

Merda, desejava-a.

—Sinto muito... merda, Jane, sinto muito tinha que apagar tudo, realmente tinha que fazê-lo. Posso imaginar que se desorientou como o inferno. E que também deve ter sido atemorizante.

As mãos foram para seu rosto como se ainda estivesse tratando de convencer-se completamente de que V fosse real.

—Como escapou dos casamentos?

—Um de meus irmãos tomou meu lugar. —V fechou os olhos enquanto lhe passava os dedos sobre o rosto e o nariz, o queixo e as têmporas.

—Sério?

—Phury, aquele que socorreu, foi o que o fez. Não sei como vou compensá-lo se de repente o macho vinculado nele dobra seu lóbulo frontal, abrindo passo entre as boas maneiras e o senso de juízo— Escuta, Jane, quero que viva comigo. Quero você comigo.

O sorriso resplandeceu na sua voz.

—Provavelmente o voltarei louco.

—Impossível. —Abriu a boca quando lhe passou o dedo sobre o lábio inferior.

—Bem, podemo tentar.

Olhou-a.

—O fato é, que se fica comigo, tem que abandonar este mundo. Tem que abandonar seu trabalho. Tem que... Sabe, é o tipo de coisa do tudo-ou-nada.

—OH... —franziu o cenho— Eu, ah, não estou segura...

—Sei. Nq realidade não posso pedir isso a você, e a verdade é, não quero que pare sua vida. —E isto era a verdade honesta de Deus. Apesar do assunto de macho vinculado—Assim resolveremos dia a dia. Virei a você, ou podemos comprar outra casa, em algum lugar remoto onde poderíamos passar os dias. Faremos com que funcione. —Olhou ao redor da cozinha— Entretanto vou proteger este lugar. Fazê-lo seguro. Controlá-lo.

—OK. —tirou o casaco— Faz o que tenha que fazer.

Mmm... Falando de fazer. Seus olhos desceram sobre o pijama médico. E tudo o que podia ver era ela nua.

—V —disse em voz baixa— O que está olhando?

—A minha fêmea.

Riu brandamente.

—Tem algo em mente?

—Talvez.

—Pergunto-me, o que poderia ser? —a úmida essência da excitação se desprendeu dela, provocando a necessidade de marcá-la tão efetivamente como se estivesse nua e aberta ante ele.

Pegou a mão e a pôs entre suas pernas.

—Adivinha.

—OH... sim... isso outra vez.

—Sempre.

Com um suave ondular despiu as presas com um vaio, mordeu o pescoço do pijama médico, rasgou o tecido diretamente ao meio. O sutiã era de algodão, branco e benzendo seu fanático coraçãozinho, tinha fechamento frontal. Liberou-o, pegou um de seus mamilos, e a arrastou para fora do balcão.

A viagem para seu quarto foi interessante, com muitas pausas que deram como resultado a completa nudez dela para quando a soltase sobre o colchão. Foi questão de um momento desfazer-se das calças de couro e a camisa, e enquanto a montava, sua boca estava aberta, suas presas completamente estendidas.

Sorriu-lhe.

—Sedento?

—Sim.

Com uma elegante inclinação do queixo lhe deu acesso a sua garganta, e com um grunhido a penetrou de duas maneiras, entre as coxas e no pescoço. Enquanto tomava duramente, lhe marcou as costas com suas unhas curtas e envolveu as pernas ao redor de seus quadris.

Passaram umas boas duas horas antes de que acabasse o sexo, e enquanto jazia a seu lado na escuridão, satisfeito e em paz, contou as bênções que tinha. Teve que rir um pouco.

—O que? —perguntou.

—Com todas as minhas visões do futuro, nunca haveria predito isto.

—Não?

—Isto... isto seria ter tido muita esperança. —A beijou na têmpora, fechou os olhos, e se permitiu começar a deslizar-se no sono.

Mas não foi possível. Uma sombra escura cruzou sobre ele no caminho do repouso, viajando através dos condutos psíquicos anunciando uma intrusão de medo e pánico, disse a si mesmo que tinha calafrios porque quase perdia a oportunidade de estar com a pessoa amada, requeria-se um pouco de tempo para tranqüilizar-se.

A explicação não o convenceu. Sabia que havia algo mais... algo muito terrível para considerá-lo, uma bomba em seu celular.

Temia que o destino não tivesse terminado com eles ainda.

—Está bem? —disse Jane— Está tremendo.

—Estou bem. —aproximou-se ainda mais— Sempre que está comigo, estou bem.

No Outro Lado, Phury desceu ao anfiteatro com Z e Wrath flanqueando-o. A Virgem Escriba e a Directrix estavam esperando-o no centro do cenário, ambas vestindo-se de negro. A Directrix não parecia emocionada, tinha os olhos entrecerrados, os lábios apertados, e com as mãos apertava um medalhão que pendurava de seu pescoço. Não havia forma de saber o estado de ânimo da Virgem Escriba. Seu rosto estava oculto debaixo de seu adorno, mas mesmo se tivesse estado à vista, Phury duvidava que tivesse sido capaz de discernir o que estava pensando.

Deteve-se frente ao trono dourado mas não se sentou. Embora, provavelmente tivesse sido uma boa idéia. Sentia como se estivesse flutuando, não caminhando, seu corpo à deriva, com a cabeça em outra parte, não sobre seus ombros. Pensou que o fardo poderia ser atribuído à fumaça vermelha que tinha inalado. Ou ao feito que ia se casar com mais de três dúzias de fêmeas.

Deus. Querido.

—Wrath, filho do Wrath —pronunciou a Virgem Escriba—Se Adiante e me saúde.

Wrath avançou para o limite do cenário e se ajoelhou. —Sua Graça.

—Tem algo que me pedir. Faze-o agora, com tal desejo expresso adequadamente.

—Sem intenção de ofender, queria solicitar que Phury estivesse sujeito ao mesmo acerto que outorgou ao Vishous com respeito a combater. Temos carência de guerreiros.

—Por esta vez me sinto inclinada a outorgar este desejo. Viverá do Outro Lado…

Phury interrompeu com um tom firme:

   —Não. —Como todo mundo começou a mover-se bruscamente para ele, disse— Permanecerei aqui. Lutarei mas ficarei aqui —se lançou a fazer uma pequena reverência para compensar sua descortesia— Se não for motivo de ofensa.

Zsadist abriu a boca, com um monte de “em-que-merda-esta-pensando” em seu atemorizado rosto… mas a breve risada da Virgem Escriba o silenciou.

—Que então seja.As Escolhida prefeririam esse acerto, assim como eu. Agora se levante, Wrath, filho de Wrath, e comecemos.

Quando o Rei se elevou em sua completa estatura, a Virgem Escriba levantou o capuz de sua túnica.

—Phury, filho de Ahgony, pedirei a você que aceite o papel do Primale. Aceita isso?

—Sim, faço.

—Se adiante, sobe ao estrado e se ajoelhe frente a mim.

Não sentia os pés enquanto caminhava e subia o curto lance de escadas, não sentiu o mármore nos joelhos quando ajoelhou frente à Virgem Escriba. Quando lhe colocou a mão na cabeça, não tremeu, não pensou, não piscou. Sentia-se como se estivesse no assento de co-piloto de um carro, sujeito aos caprichos do condutor quanto à velocidade e o destino. Entregar-se era exatamente apropriado.

Era estranho, porque tinha escolhido isto, na verdade, ofereceu-se como voluntário.

Sim, mas só Deus sabia aonde o conduziria sua decisão.

As palavras que pronunciou a Virgem Escriba sobre sua forma inclinada repercutiam na Antiga Língua mas não podia seguir tudo o que estava dizendo.

—Se levante e abre os olhos —pronunciou a Virgem Escriba ao final— Se apresente a suas companheiras, sobre as que terá domínio, Seus corpos são seus tanto para mandar sobre eles como para servi-lo.

Enquanto ficava de pé, viu que a cortina tinha sido aberta e que todas as Escolhidas estavam alinhadas, suas túnicas eram de cor vermelha sangue, brilhantes como rubis rodeados de branco. Como se fossem uma, fizeram-lhe uma reverência.

Merda… O tinha feito.

Repentinamente Zsadist saltou ao estrado e pegou pelo braço. Que demon… OH, bem. Estava inclinando-se para um lado. Provavelmente teria caido. E isso se houvesse acontecido teria sido ruim.

A voz da Virgem Escriba ecoou, ressaltando com seu poder.

—Então segue. —Levantou a fantasmal mão, e apontou por volta do templo que estava na colina— Agora procede para a câmara e toma à primeira do conjunto, como faz um macho.

A mão de Zsadist apertou seu braço.

—Cristo… irmão…

—Pare —vaiou Phury— Tudo sairá bem.

Desembaraçou-se de seu gêmeo, fez uma reverência à Virgem Escriba e a Wrath, logo se cambaleou descendo as escadas e começou a subir a colina. A grama se fazia suave sob os pés, e a estranha luz ambiente do Outro Lado o rodeava. Não se sentiu confortado por nenhuma das duas. Podia sentir os olhos das Escolhidas em suas costas, e sua fome fez que ficasse frio apesar da confusão que lhe outorgava a fumaça vermelha.

O templo que estava no alto da colina tinha linhas romanas, com colunas brancas e uma galeria a sua altura. Em suas grandes portas duplas havia dois nós dourados que serviam de fecho. Virou o direito, empurrou, e entrou.

   Seu corpo se endureceu instantaneamente devido à essência que havia no ar, a forte mescla de jasmim e doce e defumado incenso o seduzia, excitava-o sexualmente. Como se supunha que devia fazê-lo. Diante dele havia um cortina branca, e uma iluminação fulminante se derramava através das dobras, o brilho vinha do que deviam ser centenas de velas.

Afastou a cortina. E retrocedeu, perdendo parte de sua ereção.

A Escolhida com a qual devia aparear-se estava estendida sobre uma plataforma de mármore semeada de almofadas, uma cortina caía do teto e formava um atoleiro sobre sua garganta, impedindo que lhe visse o rosto. Suas pernas estavam estendidas e atadas com cintas de cetim branco, como seus braços. Uma capa fina como o tecido de uma aranha cobria seu corpo nu.

O fundamento do ritual era evidente. Era a vasilha do sacrifício, uma representante anônima das outras. Ele era o contêiner do vinho que encheria seu corpo. E embora fosse absolutamente imperdoável de sua parte, por um segundo e meio tudo o que pôde pensar foi tomá-la.

Minha, pensou. Por lei e costume e tudo o que era manifesto, ela era dele, tanto como o eram suas adagas, tanto como o era o cabelo que crescia em sua cabeça. E desejava entrar nela. Desejava gozar dentro dela.

Salvo que isso não ia ocorrer. Sua parte decente ultrapassou seus instintos, simplesmente os colocou de lado. Ela estava absolutamente aterrorizada, chorando em silêncio, como se estivesse tratando de esconder o som mordendo o lábio, tremendo tanto que suas extremidades eram terríveis metrônomos do medo.

—Se tranqüilize —disse com voz suave.

Ela sacudiu. Logo o tremor retornou pior que o de antes.

De repente se zangou. Era espantoso que esta pobre fêmea tivesse sido posta para seu uso como um animal, e embora ele estivesse sendo usado de uma forma similar, era sua livre escolha ficar nessa situação. Tinha sérias dúvidas de que isto fosse certo para ela, dado que tinha sido contida ambas as vezes.

Phury estirou a mão, tomou a cortina que escondia seu rosto, e a arrancou…

Merda. Os soluços da mulher não eram contidos porque estivesse mordendo o lábio; estava amordaçada e presa à cama pela frente. As lágrimas percorriam o avermelhado rosto, e os músculos de seu pescoço se sobressaíam realçados rigidamente… e estava gritando, embora fosse incapaz de emitir som, seus olhos estavam inchados pelo terror.

Fez-se cargo do que tinha na boca, afrouxando o nó, e tirando-lhe     —se tranqüilize…

Ofegou, aparentemente incapaz de falar, e seguindo a teoria de que as ações eram mais efetivas que as palavras, tirou-lhe a ligadura da frente desenredando-se a de seu longo cabelo loiro.

Quando liberou os magros braços cobriu os seios e a união de suas coxas, e por impulso ele pegou a cortina que tinha arrancado e a cobriu antes de lhe tirar as ataduras dos pés. Logo se afastou dela, indo até o outro lado do Templo a apoiar-se contra a parede mais afastada. imaginou que poderia sentir-se mais segura dessa forma.

Baixando a vista ao chão, somente podia vê-la.A Escolhida era pálida e loira, seus olhos eram de cor verde jade. Suas feições eram elegantes, do tipo que o fazia pensar em bonecas de porcelana, e seu aroma se parecia muito ao jasmim. Deus, era muito delicada para ser torturada dessa forma. Muito valiosa para agüentar aparear-se com um estranho.

Cristo. Que enredo.

Phury deixo que o silêncio continuasse, esperando que se acostumasse a sua presença enquanto tratava de pensar no que faria a seguir.

O sexo estava fora de toda questão, disso estava certo.

Jane não era uma viciada na Noviça Rebelde, mas estava fazendo uma imitação do canto da Julie Andrews enquanto jazia na cama e observava como V tentava encontrar sua roupa. Homem, estar apaixonada realmente lhe fazia ter vontade de elevar os braços no ar e girar sobre si mesma sob a luz do sol com um grande sorriso açucarado e feliz no rosto. Além disso até tinha o cabelo loiro e curto para representá-la. Embora riscassenas calças curtas com suspensórios.

Só havia um pequeno problema.

—Me diga que não vai machucá-lo —disse enquanto V subia as calças de couro pelas coxas—Me diga que meu chefe não vai terminar com um par de pernas quebradas.

—Não vai. —V colocou uma camisa negra que se ajustava a ele, delineando seu peito— Somente vou me assegurar que está bem e limpo e que a foto de meu coração está no congelador.

—Fará-me saber como foi?

A olhou por debaixo das sobrancelhas, com um pequeno e malvado sorriso desenhado no rosto.

—Não confia em mim quando se trata de seu galã?

—Nisto não confio em você para nada.

—Mulher inteligente. —V se aproximou e se sentou no limite da cama, seus diamantinos olhos ainda brilhantes pelo sexo— Quando se trata de você, esse cirurgião deveria aprender a comportar-se.

Tomou a mão que tinha descoberta, sabendo que odiava que se aproximasse da que tinha enluvada.

—Manny sabe qual é sua situação comigo.

—Sabe?

—Eu disse. Depois do fim de semana. Mesmo não podendo me lembrar, simplesmente me sentia… mal.

V se inclinou e a beijou.

—Voltarei depois de vê-lo, OK? Dessa forma pode me olhar nos olhos e saber que o homem ainda continua respirando. E, escuta, falemos a sério. Eu gostaria de enviar Fritz esta tarde com alguns materiais para que possa colocar um sistema de segurança neste lugar. Tem uma chave extra da garagem?

—Sim, na cozinha. Na gaveta que está debaixo do telefone.

—Bem. Vou levá-la. —Percorreu-lhe o pescoço com um dedo e delineou a nova marca de mordida—Cada noite quando retornar para casa estarei aqui. Cada manhã cedo antes de que tenha que voltar para o Complexo, estarei aqui. Cada noite que tenha livre, estarei aqui. Vamos roubar tempo quando e onde possamos, e quando não estivermos juntos, manteremo-nos em contato por telefone.

Como qualquer relação normal, pensou ela, e a idéia de que havia um lado prosaico era agradável. Tirava-os de uma espécie de grande superestrutura paranormal e os colocava decididamente no terreno da realidade. Eram duas pessoas que estavam seguras e prontas para envolver-se em uma relação. Que era tudo o que podia pedir à pessoa pela qual estava apaixonada.

—Qual é seu nome completo —murmurou—Acabo de me dar conta que somente o conheço como V.

   —Vishous.

Jane lhe apertou a mão com a sua.

—Desculpe?

—Vishous. Sim, sei que para você soa estranho…

—Espera, espera, espera… Como se soletra?

—V-i-s-h-o-u-s.

—Deus… querido.

—Que?

Esclareceu a garganta.

—Ah, faz muito, muito tempo —uma vida— estava em meu quarto de infância com minha irmã. Havia um tabuleiro de Ouija entre nós e estávamos lhe fazendo perguntas. —Levantou a vista para ele— Você foi minha reposta.

—A que pergunta?

—Quem… Jesus, com quem eu ia casar.

V sorriu agradável e lentamente, da forma como faz um homem quando está se sentindo condenadamente satisfeito consigo mesmo.

—Então quer se casar comigo?

Pôs-se a rir.

—Sim seguro. Porque não me embutimos em um vestido branco e resolvemos esse assunto no altar…

A expressão dele perdeu a picardia.

—Digo a sério.

—OH… Deus.

—Suponho que isso não é um sim?

Jane se endireitou.

—Eu… eu nunca pensei que me fosse me casar alguma vez.

Ele se encolheu.

—Sim, bom, essa não era exatamente a resposta que estava procurando…

—Não… quero dizer, somente estou surpresa por… tão certo que me faz sentir.

—Certo?

—A idéia de ser sua esposa.

Ele começou a sorrir, mas logo perdeu essa expressão.

—Podemos fazer a cerimônia sob minhas tradições, mas não será oficial.

—Pelo fato de eu não ser de sua raça?

—Porque a que a Virgem Escriba odeia meu traseiro, então não pode haver uma apresentação ante ela. Mas podemos levar a cabo o resto da cerimônia. —Agora sorriu com intenção— Sobre tudo a parte da gravura.

—Gravura?

—Seu nome. Minhas costas. Maldição, quase não posso esperar.

Jane assobiou devagar.

—Me permite fazê-lo?

Ele ladrou uma risada.

—Não!

—Vamos. Sou uma cirurgiã, sou boa com as facas.

—Meus irmãos o farão… bom, na realidade, suponho que você também poderia fazer uma letra. Mmm, isso me excita —a beijou— Colega, é exatamente meu tipo de garota.

—A mim também marcarão?

—Demônios, não. Fazem os machos para que todo mundo saiba a quem pertencemos.

—Pertencem?

—Sim. Serei seu para que mande em mim. Me domine. Faça o que queira comigo. Pensa que pode administrar isso?

—Já o tenho feito, lembra?

As pálpebras de V caíram e deixou escapar um grunhido.

—Sim, cada puto minuto. Quando podemos voltar para apartamento de cobertura?

—Você diga quando e definitivamente estarei lá. —E a próxima vez poderia ser que encontrasse um pouco de couro para usar— Hei, me dará um anel?

—Se o desejar, comprarei um diamante do tamanho de sua cabeça.

—OH, certo. Como se fosse me pôr esplendida. Mas como saberão as pessoas que estou casada?

Inclinou-se e mordeu a garganta.

—Pode me cheirar?

—Deus… sim. Adoro seu cheiro.

Roçou-lhe a mandíbula com os lábios.

—Meu aroma está sobre todo seu corpo. Está dentro de você. Então é como as pessoas saberão quem é seu companheiro. Também é uma advertência.

—Uma advertência? —suspirou, a frouxidão difundindo-se por seu corpo.

—Para outros machos. Diz-lhes quem irá atrás deles com uma adaga se a tocarem.

Certo, isso não deveria ser erótico como o demônio. Mas era.

—Toma o assunto do emparelhamento muito a sério, não é assim?

—Os machos vinculados são perigosos. —Sua voz era um baixo ronrono junto ao ouvido— Matamos para defender a nossa fêmea. Assim são as coisas. —Tirou-lhe as mantas de cima, baixou o zíper das calças de couro, e lhe abriu as pernas com as palmas das mãos— Também marcamos o que é nosso. E como não vou ver você por um espaço de doze horas, acredito que deixarei um pouco mais de mim por todo seu corpo.

Avançou com os quadris e Jane gemeu. Tinha-o tido muitas vezes, mas seu tamanho sempre a sobressaltava. Afastou seu cabelo com a mão e puxou sua cabeça, disparando a língua dentro de sua boca enquanto se abatia sobre ela.

Salvo que nesse momento se deteve.

—Esta noite nos emparelharemos. Wrath presidirá. Butch e Marissa serão as testemunhas. Também quer o assunto da igreja?

Teve que rir. Ambos eram uns fenômenos de controle, realmente. Felizmente não se sentia inclinada a brigar com ele a respeito disto.

—Passarei a cerimônia. Na realidade não acredito em Deus.

—Deveria.

Afundou-lhe as unhas nos quadris e se arqueou para cima.

—Este não é o momento de sustentar um debate teológico.

—Deveria acreditar, Jane.

—O mundo não precisa outra demente religiosa.

Alisou-lhe o cabelo para trás. Enquanto sua ereção se crispava dentro dela, disse:

—Não tem que ser religiosa para acreditar.

—E pode viver uma vida muito agradável sendo atéia. Me acredite. —Colocou-lhe as mãos debaixo da camisa lhe percorrendo as costas, sentindo sua força— Crie que minha irmã está no céu, comendo seus sorvetes de casquinha favoritos sentada em uma nuvem? Não. Seu corpo foi enterrado faz muitos anos, e agora não fica muito dela. Vi a morte. Sei o que nos acontece vamos e não há nenhum Deus para nos salvar, Vishous. Não sei quem ou que é essa Virgem Escriba, mas estou malditamente segura que não é isso.

O menor indício de um sorriso apareceu em seus lábios.

—Eu adorarei provar que está equivocada.

—E como vai fazer isso? Vai me apresentar ao Criador?

—Vou te amar tão bem e por tanto tempo que vai se convencer de que nada terrestre poderia nos haver unido.

Ela tocou o rosto, imaginou seu futuro, e amaldiçoou.

—Vou envelhecer.

—Eu também.

—Não o mesmo grau. OH, Jesus, V, vou a…

Beijou-a.

—Não vai pensar nisso. Além disso… há uma forma de retardar. Embora, não estou certo se vai querer fazê-lo.

—OH, merda, me deixe pensar. Um… Sim, vou querer fazê-lo.

—Não sabe do que se trata.

—Não me importa. Se prolongar minha vida com você, comeria um animal atropelado atirado à beira do caminho.

Seus quadris se pressionaram contra ela e logo se retiraram.

—Vai contra as leis de minha raça.

—É um pouco pervertido? —arqueou-se contra ele novamente.

—Para sua espécie? Sim.

Jane o compreendeu mesmo antes de que ele levasse seu pulso à boca. Quando se deteve, disse:

—Faz-o.

Mordeu-se e logo lhe pôs as punções as gema sobre os lábios. Jane fechou os olhos, abriu a boca e…

Merda.

Tinha gosto de vinho do porto e a bateu tão duro como dez garrafas dessa bebida, sua cabeça começou a dar voltas depois do primeiro gole. Não se deteve. Bebeu como se seu sangue os fosse manter juntos, era vagamente consciente, devido ao alvoroço de seu corpo, que estava bombeando dentro dela e emitindo selvagens grunhidos.

Agora V estava dentro dela de todas as formas possíveis: na mente com suas palavras, no corpo com sua ereção, na boca com seu sangue e no nariz com seu aroma. Estava completamente cativada.

E tinha razão. Era Divino.

Com a branca cortina apertada contra os seios, Cormia olhou fixamente através do Templo do Primale, confusa. Quem quer que fosse este macho, não era Vishous, filho de Bloodletter.

Mas definitivamente era um guerreiro. Era enorme contra a parede de mármore, um absoluto gigante, com ombros que pareciam tão grandes como a cama em que estava. Seu tamanho a aterrorizou… até que lhe olhou as mãos. Tinha mãos elegantes. De dedos largos e largos dorsos. Fortes mas elegantes.

Essas elegantes mãos a tinham liberado. E não tinham feito nada mais.

Ainda então, esperou que gritasse. Logo, esperou que dissesse algo. Finalmente, esperou que a olhasse.

No silêncio pensou que tinha um lindo cabelo. Longo até os ombros e repleto de tantas cores, as mechas eram de um loiro dourado, de um vermelho intenso e castanho escuro. De que cor seriam seus olhos?

Mais silencio.

Não estava segura de quão rápido passava o tempo. Soube que o fazia, tal e como passava mesmo aqui no Outro Lado. Mas, quanto tempo tinham permanecido assim? Querida Virgem, desejava que dissesse algo, a menos que possivelmente esse fosse o ponto. Possivelmente esperava por ela.

—Não é o que… —sua voz se evaporou quando ele levantou a vista.

Seus olhos eram amarelos, de um resplandecente, quente cor amarela que lembrou a suas gemas favoritas, os citrinos. Verdadeiramente, pôde sentir como seu corpo se esquentava quando sentiu seu olhar sobre ela.

—Não sou quem esperava? —OH… sua voz. Suave e baixa e… amável— Não lhe disseram isso?

Sacudiu a cabeça, repentinamente sem voz. E não porque estivesse assustada.

—As circunstâncias mudaram, e tomei o lugar de meu irmão. —colocou uma mão sobre o largo peito— Me chamo Phury.

—Phury. É nome de guerreiro.

—Sim.

—Tem o aspecto de um.

Estendeu ambas as mãos para ela.

—Mas não vou fazer mal a você. Nunca vou ferir você.

Ela inclinou a cabeça para um lado. Não, não o faria, de verdade. Era um completo estranho e tinha três vezes seu tamanho, mas ainda então sabia sem nenhum tipo de dúvida que não a machucaria.

Entretanto, ia a aparear-se com ela. Esse era o propósito de seu tempo juntos, e havia sentido a excitação nele quando entrou a primeira vez. Embora já não estivesse excitado.

Levantou a mão e tocou seu rosto. Possivelmente agora que tinha visto seu aspecto não queria chegar até o final? Não lhe parecia atraente?

Querida Virgem, porque se preocupava? Não queria aparear-se com ele. Com ninguém. Ia doer ; A Directrix o havia dito. E por mais lindo que fosse este irmão, era-lhe totalmente desconhecido.

—Não se preocupe —disse em um sussurro, como se estivesse lendo sua expressão— Não vamos a…

Apertou-se mais com a cortina.

—Não faremos?

—Não.

Cormia baixou o queixo.

—Mas então todos saberão que lhe falhei.

—Falhou… Jesus, não falhou com ninguém. —passou a mão pelo cabelo, as mechas captaram a luz e brilharam— Simplesmente não… Sim, não acredito que seja correto.

—Mas esse é meu propósito. Aparear-me com Sua Graça e o unir às Escolhidas. —Piscou rapidamente— Se não o fizermos, a cerimônia estará incompleta.

—E o que?

—Eu… não entendo.

—O que acontece se a cerimônia não se completa hoje? Temos tempo. —Franziu o cenho e olhou a seu redor

— Hei… quer sair daqui?

Ela arqueou as sobrancelhas.

—E ir aonde?

—Não sei. Andar. Ou algo assim.

—Me disse que não podia ir a menos que nós…

—Hei aí esta a questão. Sou o Primale, não? Então o que diga é o que vale. —Lançou-lhe um olhar equânime— Quero dizer, saberá melhor que eu. Estou equivocado?

—Não, é o que manda aqui. Só a Virgem Escriba está por cima de você.

Separou-se da parede.

—Então passeemos. O menos que podemos fazer é chegar a nos conhecer, considerando a situação em que estamos.

—Eu… não tenho roupa.

—Use a cortina. Virarei enquanto se arruma.

Deu-lhe as costas, e depois de um momento se levantou e se envolveu nas dobras do tecido. Nunca teria previsto isto, pensou, nem a substituição nem sua bondade nem sua… beleza. Porque verdadeiramente era lindo a seus olhos.

—Eu… estou preparada.

Caminhou para a porta, e o seguiu. Era ainda maior de perto… mas cheirava de uma forma adorável. Às escuras especiarias que sentiu formigando no nariz.

Quando abriu as portas e viu a branca vista ante eles, vacilou.

—O que está errado?

Sua vergonha era muita para expressá-la com palavras. Sentia-se egoísta pelo alívio que sentia. E preocupada de que suas deficiências fossem conferidas à totalidade das Escolhidas.

Ela encolheu o estômago.

—Não cumpri com minha obrigação.

—Não falhaste. Simplesmente estamos propondo uma…, união. Ocorrerá em algum momento.

Salvo que não podia afastar as vozes de sua cabeça. Ou seus temores.

—Acaso não quer tirar esse peso de cima de uma vez?

Franziu o cenho.

—Deus… realmente tem medo de as desgostar.

—São tudo o que tenho. Tudo o que conheço. —E a Directrix a tinha ameaçado de ser expulsa se não cumprisse com a tradição— Estou sozinha sem elas.

Observou-a durante um longo momento.

—Qual é seu nome?

—Cormia.

—Bom… Cormia, já não está sozinha sem elas. Agora me tem . E sabe o que? Se esqueça do passeio. Tenho outra idéia.

Introduzir-se nas coisas era uma das especialidades de V. Era bom com as caixas fortes, os carros, as fechaduras, as casas… os escritórios. Era igualmente destro com as merdas de residências e comerciais. Estava tudo bem.

Então, forçar a porta do luxuoso conjunto de escritórios do departamento de Cirurgia do Centro Médico St. Francis não era a GPC.

Deslizando-se para dentro, manteve o mhis que desarmava as câmaras de segurança e se assegurou de ficar oculto para as poucas pessoas que ainda estavam nessa seção administrativa do complexo.

Estes homem, eram um alojamento realmente custoso. Grande zona de recepção, tudo majestoso e essa merda, com paredes de painéis de madeira e tapetes orientais. Um par de escritórios complementares marcados com…

O escritório da Jane estava bem aí.

V se aproximou e passou o dedo sobre o nome na placa de bronze que havia junto à porta. Gravado na brilhante superfície dizia: JANE WHITCOMB, DOUTORA EM MEDICINA, CHEFE DA DIVISÃO DE URGÊNCIAS.

Pôs a cabeça pela porta. Seu aroma permanecia no ar, e um de seus jalecos brancos estava dobrado sobre a mesa de reuniões. A mesa estava coberta com muitas notas, arquivos e post-it, a cadeira apartada como se tivesse saído depressa por alguma emergência. Na parede havia vários diplomas e certificados, testemunho de seu compromisso com a excelência.

Esfregou o peito.

Demônios, como ia funcionar isto entre eles? Ela trabalhava muitas horas. Ele estava limitado às visitas noturnas. O que acontecia se não fosse suficiente?

Salvo que tinha que sê-lo. Não ia pedir que deixasse uma vida de trabalho, disciplina e êxito por ele. Isso seria como se ela quisesse que ele deixasse a Irmandade.

Quando alguém murmurou algo, olhou através da área de recepção para onde uma luz brilhava no outro extremo do lugar.

Hora de ocupar-se de seus assuntos com o doutor Manello.

Não o mate, disse-se V enquanto entrava por uma porta entreaberta. Seria uma fiasco total ter que chamar Jane para dizer que seu chefe se transformou em cadáver.

V se deteve e olhou através das portas para um imenso escritório que se estendia mais à frente. O humano estava sentado atrás de uma mesa de aspecto presidencial, revisando papéis apesar de serem duas da manhã.

O tipo franziu o cenho e levantou a vista.

—Quem está aí?

Não o mate. Essa merda provavelmente deprimiria totalmente a Jane.

OH, mas V queria fazê-lo. Tudo o que podia ver era ao tipo de joelhos, estendendo uma mão para o rosto de Jane, e a imagem não melhorava seu humor em absoluto. Quando se tratava de alguém que tentava seduzir a sua fêmea, os machos vinculados gostavam de conclusões definitivas. Do tipo com tampa de ataúde incluída.

Vishous abriu a porta, estendeu-se para a mente do doutor, e o congelou como se fosse uma parte de cabeça de gado.

—Obteve fotos de meu coração, Doc, e necessito que me devolva isso. Onde estão? —lançou uma sugestão à mente do homem.

O tipo piscou.

—Aqui… em minha mesa. Quem… é?

A pergunta foi uma surpresa. A maior parte das vezes os humanos não tinham independência de pensamento quando eram aturdidos desta forma.

V se aproximou e olhou o mar de papéis.

—Onde na mesa?

Os olhos do homem se dirigiram ao canto da esquerda.

—Pasta. Ali. Quem… é?

O puto companheiro de Jane, colega, quis dizer V.

Demônios, queria tatuar essa merda na frente do tipo para que Manello nunca se esquecesse de que estava totalmente tomada.

V encontrou a pasta e a abriu.

—Arquivos eletrônicos. Onde estão?

—Apagados. Quem… é…?

—Não importa quem sou. —Maldição, o filho da puta era tenaz. Por outro lado, não tinha conseguido ser o chefe de cirurgia por ser do tipo menino tranqüilo e floreiro— Quem mais sabe algo desta foto?

—Jane.

O som do nome deixando a boca do bastardo não pôs V em seu momento mais feliz, mas deixou passar.

—Quem mais?

—Ninguém mais que eu saiba. Tentei… as enviar a Columbia. Não… chegaram. Quem é você…?

—O coco. —V examinou a mente do cirurgião, no caso de…………. realmente não havia nada ali. Hora de ir.

Exceto que, precisava saber de uma coisa.

—Me diga uma coisa, Doc. Se uma mulher for casada, tentaria seduzi-la?

O chefe de Jane franziu o cenho, então sacudiu a cabeça lentamente.

—Não.

—Bom, quem o teria imaginado. Essa era a resposta correta.

Enquanto V se dirigia à porta, desejou impor um campo de minas detonantes no cérebro do tipo, forjar todo tipo de conexões neuronais para que se o bastardo pensasse que Jane sexualmente sentisse terror ou náuseas ou possivelmente pusesse-se a chorar como um completo bebê. No fim de contas, a instrução adversa do impulso era uma bênção quando se tratava de desprogramar. Mas V não era symphath, então seria difícil fazê-lo sem uma perda grave de tempo, e além disso, essa classe de merda podia provavelmente levar alguém à loucura. Especialmente a alguém com uma vontade tão forte como a de Manello.

Lançou um último olhar a seu rival. O cirurgião o estava olhando confuso, mas sem medo, seus escuros olhos castanhos eram agressivos e inteligentes. Era duro de admitir, mas em ausência de V provavelmente o homem tivesse sido um bom companheiro para Jane.

O bastardo.

Vishous estava a ponto de dar a volta quando teve uma visão tão gráfica e tão clara como as que tinha antes de que suas premonições se esgotassem.

De fato, não foi uma visão. Foi uma palavra. E que pelo que sabia não tinha nenhum sentido.

Irmão.

Estranho.

V anulou o doutor para deixá-lo bem e limpo, e se desmaterializou.

Manny Manello pôs os cotovelos sobre a mesa, esfregou as têmporas, e gemeu. A dor de cabeça tinha o seu próprio batimento do coração, e seu crânio parecia haver se tornado uma câmara de ressonância. Igualmente desagradável, também o dial de sua cabeça estava girando. Pensamentos aleatórios expulsavam por toda parte, em uma salada revolta de assuntos de pouca importância. Tinha que levar o carro para que fizessem a manutenção, precisava terminar de revisar as solicitudes dos residentes, faltava-lhe a do Sam Adams, a partida de beisebol que tinha programado ver a noite na segunda-feira tinha sido mudada para quarta-feira.

Era divertido, se olhava mais à frente do enxame de nada em particular, tinha a sensação de que toda essa atividade estava… escondendo algo.

Por nenhuma razão em concreto lhe chegou uma imagem da manta malva de agulha de crochê que pendurava no respaldo do sofá malva do salão malva de sua mãe. A maldita coisa nunca era utilizada para dar calor, e que Deus o ajudasse se tratava de tirá-la. O único propósito da coisa era esconder uma mancha de quando seu pai tinha derrubado um prato de espaguetes franco-americano por toda parte. Ao fim das contas, somente podia chegar até certo ponto com um pote de spray de Resolve[13], e essa merda enlatada tinha tintura vermelho número cinco em sua composição. O que não combinava com o tom malva do estofado.

Exatamente como essa manta, seus pensamentos dispersos estavam obstruindo algum tipo de mancha em seu cérebro, embora maldito se soubesse o que era.

Esfregou os olhos e olhou seu Breitling. São 2 .a.m. da manhã.

Hora de ir para casa.

Enquanto recolhia suas coisas, teve a sensação de que tinha esquecido algo importante, e ficou olhando o canto da esquerda da mesa. Havia um lugar livre de papéis ali, a madeira granulada ressaltava no que por outra parte era um banco de neve de trabalho.

O espaço vazio era do tamanho de uma pasta.

Algo tinha sido tirado dali. Sabia. Somente não podia dar-se conta do que era, e quanto mais tentava mais pulsava sua cabeça.

Caminhou para a porta.

Ao passar frente a seu banheiro particular, entrou um momento, encontrou o fiel frasco de Aspirina de quinhentos miligramas e tomou dois.

Realmente precisava de umas férias.

Possivelmente essa não era a melhor ideia, pensou Phury enquanto permanecia de pé na porta de quarto contigüa ao seu na mansão da Irmandade. Pelo menos os habitantes da casa estavam ocupados com outros assuntos, então não teria que tratar com ninguém ainda. Mas homem, as coisas estavam ruins.

Merda.

Do outro lado, Cormia estava sentada sobre o canto da cama, com a cortina ajustada contra os seios, seus olhos eram como duas bolas de gude em uma grande jarra de cristal. Estava tão nervosa, que queria levá-la de volta ao Outro Lado, mas o que a esperava lá não era muito melhor. Não queria que tivesse que enfrentar o pelotão de fuzilamento da Directrix.

Não ia permitir essa merda.

—Se precisar de algo, estarei na porta do lado —se inclinou e indicou a porta da esquerda— Suponho que pode ficar aqui um dia ou mais, e descansar um pouco. Ter um pouco de tempo para você mesma. O que você acha?

Assentiu, e o cabelo loiro caiu sobre seu ombro.

Por nenhuma razão em particular notou que era de uma bonita cor, especialmente a tênue luz do abajur. Lembrava-lhe à madeira polida de pinheiro, de um rico e brilhante amarelo.

—Você gostaria de comer algo? —perguntou. Quando negou com a cabeça, dirigiu-se ao telefone e pôs a mão sobre ele— Se tiver fome, somente aperta asterisco, quatro e se porá em contato com a cozinha. Trarão-lhe qualquer coisa que peça.

Deu uma olhada ao telefone, e voltou a lhe olhar.

—Está a salvo aqui, Cormia. Nada ruim pode acontecer a você…

—Phury?Voltou? —através do vão da porta, a voz de Bela era uma combinação de surpresa e alívio.

Seu coração parou. Pego. E pela pessoa a que lhe dava mais medo explicar todo o assunto. Era pior que Wrath, pelo amor de Deus.

Recompôs-se antes de poder olhá-la.

—Sim, voltei por um momento.

—Pensei que estava... OH! Olá. —Bela o fustigou com o olhar antes de sorrir a Cormia— Ah… meu nome é Bela. E você é...?

Como não houve resposta, Phury disse:

—Esta é Cormia. É a Escolhida com a que… me emparelhei. Cormia, esta é Bela.

Cormia ficou de pé e fez uma profunda reverência, seu cabelo quase roçava o chão.

—Sua Graça.

A mão de Bela se dirigiu a seu ventre.

—Cormia, é um prazer conhecer você. E por favor, não somos tão formais nesta casa.

Então houve um momento de silêncio, tão longo como uma auto-estrada de seis paradas.

Phury esclareceu a garganta. Bom, se isto não fosse incômodo...

Enquanto Cormia olhava fixamente à outra mulher, entendeu toda a história sem necessidade de palavras. Então essa era a razão pela qual o Primale não havia se apareado. Esta era a mulher que realmente desejava: sua necessidade se percebia na forma que seus olhos se centravam e permaneciam sobre sua figura, na forma em que lhe agravava a voz e na forma com que seu corpo se esquentava.

E estava grávida. Cormia desvio o olhar para o Primale. Estava grávida mas não de seu filho. Sua expressão enquanto a olhava do outro lado do quarto, era de desejo, não de posse.

Ah, sim. Então esta era a razão pela qual tinha intervindo quando o filho do Bloodletter tinha mudado de idéia. O Primale queria separar-se desta mulher porque a desejava e não podia tê-la.

Mudava seu peso de um pé a outro enquanto a olhava fixamente através do quarto. Logo, sorriu um pouco.

—Quantos minutos ficam?

A fêmea... Bela... devolveu-lhe o sorriso.

—Onze.

—Tem uma longa viajem através da sala das estátuas. Deveria começar já.

—Não me vai levar tanto tempo.

Ambos sustentaram o olhar. O afeto e a tristeza iluminavam os olhos dela. E o leve rubor que tingia as bochechas dele sugeria que encontrava o que estava olhando muito mais que lindo.

Cormia puxou a cortina para seu queixo, cobrindo o pescoço.

—O que parece a você se a acompanho a seu quarto? —perguntou Phury, aproximando-se e lhe oferecendo o braço.

— De toda forma quero ver o Z.

A fêmea pôs os olhos em branco.

—Só está usando isso como desculpa para me colocar na cama.

Cormia fez uma careta de dor quando o Primale sorriu e murmurou.

—Sim, basicamente sim. Como estou me saindo?

A mulher riu e lhe pôs a mão na curva do cotovelo. Com a voz ligeiramente rouca disse:

—Está se saindo muito bem. Algo usual em você... fazer as coisas realmente bem. Estou muito contente de que esteja aqui... sem importar quanto tempo fique.

O rubor de seu rosto se fez um pouco mais brilhante. Então olhou para a Cormia.

—Vou acompanhá-la, depois estarei em meu quarto se por acaso precisar de algo, tudo bem?

Cormia assentiu e ficou olhando como se fechava a porta atrás deles.

Ao ficar sozinha, voltou a se sentar na cama.

Querida Virgem... sentia-se pequena. Pequena sobre o grande colchão. Pequena no grande quarto. Pequena frente ao elevado impacto de todas as cores e texturas que havia ao seu redor.

Que era o que tinha desejado, na verdade. Durante a cerimônia de apresentação era exatamente o que tinha desejado.

Exceto que ser invisível não era o bálsamo que tinha suposto.

Olhando ao redor do quarto era incapaz de compreender onde estava, e sentia saudades de seu pequeno, branco e seguro espaço no Outro Lado.

Quando haviam chegado do mais cedo, tinham estado no quarto ao lado, que ele havia dito que era dele. Seu primeiro pensamento foi que amava o aroma desse lugar. Cheirava ligeiramente a fumaça, com um escuro e picante aroma que tinha reconhecido como próprio dele. Seu próximo pensamento foi que a aglomeração de cor, textura e forma era entristecedora.

E isso foi antes de que a levasse ao vestíbulo, e ficasse completamente rendida. Na verdade, vivia em um palácio, o saguão era tão grande como os templos mais amplos do Outro Lado. O teto era quase tão alto como o céu, as pinturas de guerreiros em plena luta brilhavam como as gemas, que seus olhos tinham adorado. Quando pôs as mãos sobre o corrimão da galeria e se reclinou sobre ela, a queda até o chão de mosaicos que havia debaixo era atordoante e emocionante.

Tinha estado pasma enquanto a conduzia dentro do quarto em que agora se encontrava.

Já não sentia esse assombro. Agora estava assustada pela sobrecarga sensorial. O ar era estranho deste lado, cheio de estranhos aromas, e o sentia seco em seu nariz. Também se movia constantemente. Aqui havia correntes que roçavam seu rosto, seu cabelo e a cortina que envolvia seu corpo.

Olhou para a porta. Também aqui havia sons estranhos. A mansão rangia a seu redor, e ocasionalmente podia ouvir vozes.

Acomodou-se, pôs os pés debaixo do corpo e olhou para a elegante mesa que estava à direita da cama. Não tinha fome, mas se a tivesse não saberia o que pedir para comer. E tampouco tinha nem idéia de como usar esse objeto que ele tinha chamado telefone.

Através da janela, ouviu um rugido e se voltou rapidamente para o som. Haveria dragões neste lugar? Tinha lido a respeito deles, e embora confiasse em Phury quando disse que estava a salvo ali, preocupavam-na os perigos que não podia ver.

Possivelmente isso era só o vento? Também tinha lido a respeito disso antes, mas não podia estar segura.

Estendendo a mão, pegou um travesseiro raso que tinha pequenas borlas nos quatro cantos. Sustentando-o contra o peito, acariciou uma das sedosas tiras, tratando acalmar-se com a sensação dos fios escorregando por sua mão uma e outra vez.

Este era seu castigo, pensou enquanto sentia o quarto oprimindo-a e alagando seus olhos. Este era o resultado de querer sair do Outro Lado e encontrar seu caminho independentemente.

Estava agora onde tinha rezado por estar.

E tudo o que desejava era ir para casa.

Jane estava sentada no canto da cozinha com uma xícara fria diante dela. Do outro lado da rua o sol estava aparecendo, seus raios piscavam através dos ramos das árvores. Vishous tinha saído por volta de uns vinte minutos, e antes de ir lhe tinha preparado o chocolate que acabava de terminar.

Sentia saudades com uma dor que não tinha nenhum sentido, considerando quanto tempo tinham estado juntos durante a noite. Depois que V falasse com Manny, tinha retornado e a tinha assegurado que seu chefe ainda estava vivo com todos seus membros unidos. Logo a tinha envolto em seus braços, abraçando-a… e lhe tinha feito o amor. Duas vezes.

Só fazia um momento que se foi, e o sol tinha que cair como uma pedra antes que pudesse voltar a vê-lo.

Claro, havia telefones, e-mail e mensagens de texto, e se encontrariam essa noite. Mas entretanto sentia que não era suficiente. Desejava dormir a seu lado, e não só por umas poucas horas antes que tivesse que ir lutar ou voltar para sua casa.

E falando de logística… o que devia fazer sobre a oportunidade em Columbia? Isto a afastaria até mais dele, mas importava? Ele podia viajar a qualquer parte sem prévio aviso. Ainda então, parecia uma má idéia estar muito longe, depois de tudo, já tinham atirado nele uma vez. E se precisasse dela? Ela não poderia simplesmente aparecer a seu lado.

Assim, o que ia fazer a respeito de ser sua própria chefe em sua profissão? A necessidade de mandar era parte de sua composição química, e ir para Columbia seguia sendo a melhor aposta, embora poderiam passar cinco anos ou mais antes de que a considerassem para uma chefia.

Assumindo que ainda queriam entrevistá-la. Assumindo que conseguisse o trabalho.

Jane olhou a xícara fria cheia de raias de chocolate.

A idéia que lhe ocorreu era uma loucura. Absolutamente uma loucura. Colocou-a de lado como prova de que sua cabeça não havia retornava à normalidade.

Levantando-se da mesa, pôs a xícara na máquina de lavar pratos, e foi tomar banho e trocar-se. Meia hora depois saiu da garagem, e enquanto ia, uma minivan estava chegando pela entrada de carros da casa do lado.

Uma família. Genial.

Por sorte, a viagem ao centro da cidade era uma viagem fácil. Havia pouco tráfico quando entrou na rua Trade, e encontrou todo semáforo verde até que chegasse do lado oposto aos escritórios do Caldwell Courier Journal.

Enquanto parava o celular começou a soar. Sem dúvida seu serviço de mensagens.

—Whitcomb.

—Olá, doutora. É seu homem.

Sorriu. Com uma enorme e ampla cara de satisfação.

—Olá.

—Olá. —Houve um som apagado de movimento de lençóis, como se V estivesse se acomodando sobre a cama.

— Onde está?

—A caminho do trabalho. Onde você está?

—Sobre minhas costas.

OH, Jesus, somente podia imaginar quão bem pareceria sobre seus lençóis negros.

—Então… Jane?

—Sim?

Sua voz desceu de tom.

—O que está usando?

—O uniforme do hospital.

—Mmmmm. Isso é sexy.

Ela riu.

—Está a um passo de levar um soco.

—Não sobre você, não é assim.

—O que você está usando?

—Nada… e adivinha onde está minha mão, doutora.

A luz mudou, e Jane teve que lembrar como conduzir. Com voz ofegante disse:

—Onde?

—Entre minhas pernas. Pode adivinhar o que estou fazendo?

OH…doce… Jesus. Enquanto apertava o acelerador, disse:

—O que?

Ele respondeu e quase bate contra um carro estacionado.

—Vishous...

—Me diga o que fazer, doutora. Me diga o que devo fazer com minha mão.

Jane engoliu com força, estacionou… e lhe deu instruções detalhadas.

Phury enrolou um pouco de tabaco vermelho, lambeu o papel, e torceu as pontas fechando-os. Enquanto o acendia, reclinou-se para trás nos travesseiros. Tirou a prótese e esta estava apoiada contra a mesinha de cabeceira, e usava um roupão de seda azul real e vermelho sangue. Seu favorito.

Ter acalmado um pouco a Bela o tinha tranqüilizado um pouco. Estar de volta o tinha tranqüilizado. Mais tabaco vermelho o tinha tranqüilizado.

Tirar a Directrix fora da casa não o tinha feito.

Essa fêmea tinha aparecido na mansão aproximadamente uma meia hora depois que Cormia e ele tivessem chegado do Outro Lado, e subia pelas paredes porque uma de suas Escolhidas se perdeu. Phury a tinha levado a biblioteca e em frente a Wrath tinha explicado que tudo estava bem: que só tinha mudado de opinião e tinha querido voltar aqui por um momento.

A Directrix não esteve encantada. Com uma voz altiva que não lhe tinha chegado bem, tinha-lhe informado que como a representante das Escolhidas, exigia ter uma conferência com a Cormia a respeito do que tinha passado no Templo… com o propósito de determinar se a cerimônia do Primale estava completa.

Nesse momento Phury tinha decidido que não gostava dela. Seus olhos sagazes lhe haviam dito que sabia que não tinha havido sexo, e tinha a clara impressão que só queria detalhes porque tinha toda a intenção de culpar Cormia.

Como se isso fosse acontecer. Com um sorriso no rosto, Phury tinha deixado cair a bomba P e tinha Lembrado à cadela que como Primale, não devia render contas a ela, e que Cormia e ele retornariam ao Outro Lado quando lhe desse a maldita vontade. E nem um momento antes.

Irritada nem sequer se aproximava de descrever sua reação, mas a tinha entre a espada e a parede e ela sabia. Seus olhos tinham estado cuspindo ódio enquanto fazia uma reverência e se desmaterializava.

Ao inferno com ela, era sua decisão, e estava pensado seriamente em conseguir desfazer-se de seu traseiro. Não estava seguro de que fazer para consegui-lo, mas não queria a alguém assim no cargo. Era má.

Phury inalou e conteve a fumaça vermelha. Não sabia quanto tempo iria manter aqui a Cormia. Cristo, por isso sábia, já desejava retornar. A única coisa que sabia com segurança era que quando voltasse seria sua decisão, não forçado por esse grupo de loucas das Escolhidas.

Em quanto a ele? Bom… uma parte dele ainda queria escapar da mansão, mas Cormia era um tipo de amortecedor. Além disso, em algum momento retornariam ao Outro Lado e ficariam lá.

Exalou e ausentemente esfregou a perna direita justo onde terminava, debaixo do joelho. Estava irritada, como geralmente o estava ao final de cada noite.

O golpe na porta o surpreendeu.

—Entre.

Supôs quem era pela forma com que abriu a porta, brandamente e só uma fresta.

—Cormia? É você? —sentou-se, atirando o edredom em cima de suas pernas.

Apareceu a cabeça loira pelo vão da porta, mantendo seu corpo fora no vestíbulo.

—Está tudo bem? —perguntou.

Ela sacudiu a cabeça. Na Antiga Língua disse:

—Se não o ofender, posso, por favor, entrar em seus aposentos, Sua Graça?

—Claro. E não tem que ser formal.

Deslizou para dentro e fechou a porta. Parecia tão frágil envolta em todo esse tecido branco, mas bem parecia uma menina, em vez de uma fêmea que tinha atravessado a mudança.

—O que está errado?

Em vez de lhe responder, permaneceu em silêncio, olhando para baixo, e abraçando a si mesma.

—Cormia, fala comigo. Me diga o que se passa.

Fez uma reverência e falou desta posição.

—Sua Graça, sou…

—Sem formalidades. Por favor. —Começou a sair da cama, mas então se deu conta de que não usava a prótese. Voltou para seu lugar, não estando seguro de como se sentiria ela sabendo que lhe faltava uma parte do corpo.

— Simplesmente fala comigo. O que precisa?

Esclareceu a garganta.

—Sou sua companheira, não é assim?

—Um… sim.

—Então, não deveria ficar com você, em seu quarto?

Arqueou as sobrancelhas.

—Pensei que seria melhor para você, ter seu próprio quarto.

—OH.

Franziu o cenho. Certamente não queria ficar com ele.

Quando o silêncio se estendeu, pensou, bom, evidentemente se quisesse.

ado Sentia-se incômodo como o inferno quando lhe disse:

—Suponho, que se quiser… pode ficar aqui. Quero dizer, poderíamos conseguir que tragam outra cama.

—O que tem de errado com a que tem?

Queria dormir com ele? Porque… Ah, certo.

—Cormia, não tem que preocupar-se porque a Directrix ou qualquer das outras pensem que não está cumprindo com seu dever. Ninguém vai saber o que faz aqui.

Ou não fazia, como era o caso.

—Não é isso. O vento… pelo menos, acredito que deve ser o vento… golpeia a casa, não é assim?

—Bom, sim, neste momento esta um pouco tormentoso. Mas estamos rodeamos por uma grande quantidade de pedra.

Esperou que continuasse e quando não o fez, entendeu-o. Homem, era um bastardo ignorante, certo? Tinha-a tirado do único ambiente que tinha conhecido alguma vez e a tinha deixado cair em um mundo completamente novo. Agitava-se por coisas que ele tomava como normais. Como poderia sentir-se segura quando não sabia quais sons eram perigosos e quais não?

—Escuta, quer ficar aqui? Isso está bom para mim. ─Olhou ao seu redor, tentando deduzir onde colocar um cama de armar— Há bastante lugar no quarto para um cama de armar.

—A cama está bem para mim.

—Sim, eu dormirei na cama de armar.

—Por que?

—Porque preferiria não dormir no chão. —Havia um espaço entre duas das janelas. Poderia fazer que Fritz…

—Mas a cama é o bastante grande para ambos.

Lentamente Phury virou a cabeça para ela. Então piscou.

—Ah… sim.

—Devemos compartilhá-la. —Ainda tinha os olhos baixos, mas havia uma intrigante insinuação de força em sua voz.

— E então, pelo menos poderei lhes dizer que dormi a seu lado.

OH, então era isso.

—De acordo.

Ela assentiu e foi para o lado oposto. Depois de deslizar-se entre os lençóis, fez-se um novelo e o enfrentou. O que foi uma surpresa. Como foi o fato de que não apertasse os olhos e fingisse dormir.

Phury apagou o cigarro e calculou que faria a ambos um favor e dormiria em cima dos lençóis. Mas precisava ir ao banheiro antes de dormir.

Merda.

Bem, cedo ou tarde, ia ter que inteirar-se sobre sua perna.

Afastou o edredom a um lado, alcançou o fortificação, e ficou de pé. Quando escutou que sua respiração vaiava e sentiu sobre si seu olhar fixo, pensou: Deus, deve estar horrorizada. Como Escolhida estava acostumada à perfeição.

—Não tenho a parte baixa da perna. —Bom, óbvio— Embora não seja um problema.

Com tanto de que a prótese se ajustasse corretamente e funcionasse bem.

—Volto em seguida. —Foi um alívio fechar a porta do banheiro. Atrasou-se mais tempo do que normalmente empregava escovando seus dentes, usando o fio dental e a privada. Quando começou a reacomodar as tirinhas e os Motrin no estojo de primeiro socorros, soube que tinha que sair.

Abriu a porta.

Estava justo como a tinha deixado, no mesmo limite da cama, de frente a ele e com os olhos abertos.

Enquanto caminhava através da quarto, desejou que deixasse de olhá-lo. Sobre tudo quando se estirou em cima do edredom e o roupão não lhe cobriu a perna. Puxando do canto do edredom para ficar em cima, tratou de acomodar-se.

Isto não ia funcionar. Tinha frio se só se cobria a parte de abaixo.

Com um rápido olhar mediu o espaço de colchão entre eles. Grande como um campo do futebol. Com tanto espaço, bem poderia ter estado em outro quarto.

—Vou apagar a luz.

Quando ela elevou a cabeça sobre o travesseiro, apagou o abajur… e deslizou sob as mantas.

No negro vazio jazeu rigidamente a seu lado. Jesus… Nunca antes tinha dormido com ninguém. Bom exceto por aquela vez durante a necessidade de Bela, com V e Butch, mas isso tinha sido porque todos caíram desmaiados. Além disso, eram machos, enquanto que… bem, Cormia definitivamente não era um macho.

Fez uma profunda inspiração. Sim, sua essência de jasmim era uma tentação mortal.

Fechando os olhos, estava disposto a apostar que estava tão rígida e encolhida como ele mesmo. Homem, este ia ser um longo dia. Devia ter contínuado com sua idéia de colocar um cama de armar.

—Vishous, poderia deixar de sorrir dessa forma? Está começando a me enlouquecer.

V fez a Butch um gesto obsceno levantando o dedo do meio da mão através da mesa da cozinha da mansão e voltou para seu café. A noite chegaria logo, o que significava que em… vinte e oito minutos… seria livre.

No segundo em que saísse, ia a casa de Jane e montar alguma merda romântica. Não estava seguro do que, possivelmente flores ou algo assim. Bom, flores e instalaria o sistema de segurança. Porque nada dizia te amo como um monte de merda de detectores de movimento.

Deus, estava abalado. De verdade.

Havia-lhe dito que chegaria em casa por volta das nove, então se figurava que arrumaria o quarto um pouco e logo ficaria com ela até meia-noite.

Salvo que dessa forma só ficariam cinco horas para caçar.

Butch fez ranger a seção de esportes, agachou-se para beijar Marissa no ombro, e logo retornou ao Caldwell Courier Journal. Em resposta lhe deu uma olhada por cima dos documentos de Lugar Seguro, acariciou seu braço, e voltou para o que estava fazendo. Tinha uma marca fresca de mordida no pescoço e o resplendor de uma mulher muito satisfeita no rosto.

V fez uma careta de dor e baixou a vista para seu café, acariciando o cavanhaque. Jane e ele nunca teriam isso, pensou, porque nunca iriam viver juntos. Até se ele estivesse fora da Irmandade, não poderia ficar em sua casa durante as horas do dia, pelo fato do sol e que ela viesse para cá não era uma opção por diferentes razões de exposição: já era suficiente risco que soubesse da existência de sua raça. Mais contato, mais detalhe, mais tempo em contato com a Irmandade não era inteligente nem seguro.

Enquanto V embalava a xícara e se reclinava para trás na cadeira, preocupou-se com o futuro. Jane e ele estavam bem juntos, mas as separações forçadas iriam cobrar seu preço. Já podia sentir a tensão quando pensava no adeus que teria que ocorrer esta noite.

   Desejava-a tão perto como a sua própria pele, as vinte e quatro horas, os sete dias da semana. Sua voz no telefone, era melhor que nada, mas não era suficiente para satisfazê-lo completamente. Mas quais eram suas outras opções?

Houve outro rangido de papel quando Butch manuseou o CCJ[14]. Cristo, dirigia o jornal horrivelmente, sempre enrugava as páginas e enrugava as dobras. Era o mesmo com as revistas. Butch mais que as ler as destruía com as mãos.

Durante o processo de aterrorizar a um artigo sobre o treinamento da primavera, Butch voltou a olhar a Marissa, e V soube que os dois iam desaparecer logo… mas não porque tivessem terminado o café.

Era engraçado, sabia o que ia passar por extrapolação, não pela segunda visão ou porque pudesse ler suas mentes. Butch estava emanando o aroma da vinculação, e Marissa amava estar com seu macho. Não era como se V tivesse uma visão deles terminando encerrados na despensa ou de volta à cama no Pit.

Os pensamentos da Jane eram os únicos que poderia ler, mas só em algumas ocasiões.

Esfregou o centro do peito e pensou no que a Virgem Escriba lhe havia dito… que as visões e as habilidades de premonição estavam obscurecidas devido a uma encruzilhada em sua própria vida, e que quando a solucionasse estas retornariam. O fato era, que agora tinha Jane, de modo que não tinha passado já essa parte? Tinha encontrado a sua fêmea. Estava com ela. Fim da história.

Bebeu mais café. Seguiu esfregando o peito.

O pesadelo tinha retornado de novo esta manhã.

Como já não podia agüentar essa merda de seqüência de tiros ao estresse pos-traumático, decidiu que agora era uma alegoria, seu subconsciente agitando-se pelo fato de que até se sentia fora de controle em sua vida. Porque apaixonar-se provocava isso.

Isso tinha que ser o por que. Devia ser.

—Dez minutos —sussurrou Butch na orelha da Marissa— Posso ter dez minutos com você antes de que vá? Por favor, amor…

   V pôs os olhos em branco e se sentiu aliviado de sentir-se aborrecido pela rotina de amantes carinhosos. Pelo menos não toda sua testosterona se evaporou.

—Por favor… amor?

V tomou um gole da xícara.

—Marissa, lhe atire ao idiota bastardo um osso, ok? O sorriso tolo me tira do sério.

—Bom, não podemos permiti-lo, não é? —Marissa juntou seus papéis com uma risada e lançou um olhar a Butch.

— Dez minutos. E será melhor que faça que valham a pena.

Butch esteve fora da cadeira como se a coisa estivesse em chamas.

—Não o faço sempre?

—Mmm… sim.

Quando juntaram seus lábios, V soprou.

—Divirtam-se crianças. Em alguma outra parte.

Acabavam de sair quando Zsadist entrou em uma carreira de morte.

—Merda. Merda… merda…

—O que acontece, irmão?

—Tenho aula e vou com atraso. —Zsadist pegou uma rodela de pão, uma perna de peru do geladeira e um quarto de galão de sorvete do congelador— Merda.

—Isso é seu café da manhã?

—Se cale. É só um sanduiche de peru.

—O sorvete Rocky Road não serve como maionese, irmão.

—Não importa. —disse indo diretamente para a porta— OH, a propósito, Phury esta aqui de novo, e trouxe essa Escolhida com ele. Imaginei que queria sabê-lo em caso de que veja uma fêmea desconhecida perambulando pelos arredores.

Whoa. Surpresa.

—Como vai?

Zsadist fez uma pausa.

—Não sei. É muito hermético sobre essa merda. Realmente não é muito comunicativo. O bastardo.

—OH, e você é um candidato para o The View?

—Depois de você, Bahbwa.

—Touché. —V sacudiu a cabeça— Homem, estou em dívida com ele.

—Sim, está. Todos o estamos.

—Espera, Z. —V lhe arrojou a colher que tinha usado para pôr açúcar no café através da sala—Vai precisar disto, certo.

Z pegou a coisa no vôo.

—Ah, teria sentido sua falta. Obrigado. Homem, tenho Bela no cérebro todo o tempo, entende-me?

A porta de serviço se fechou.

No silêncio da cozinha V tomou outro gole de sua xícara. O café já não estava quente, sua calidez se dissipou. Em outros quinze minutos estaria gelado.

Imbebivel.

Sim… sabia quão duro era estar pensando em sua fêmea todo o tempo.

Sabia de primeira mão.

Cormia sentiu a cama mover-se quando o Primale se virou. Uma vez mais.

Tinha sido assim por horas e horas. Não tinha dormido em todo o dia, e estava segura de que ele tampouco. A menos que se movesse muito quando estava em repouso.

Soltou um murmúrio e se moveu bruscamente, agitando suas pesadas extremidades. Era como se não pudesse ficar a vontade, e lhe preocupava que ela o incomodasse de alguma forma… embora não ficasse claro como. Ficou quieta desde que tinha entrado.

Entretanto, era estranho. sentia-se reconfortada com sua presença apesar de sua inquietação. Havia algo tranqüilizador em saber que estava do outro lado da cama. Sentia-se segura com ele, embora não o conhecesse.

O Primale se sacudiu de novo, gemeu e…

Cormia saltou quando a mão dele aterrissou sobre seu braço.

Como a ele. Em forma de grunhido baixo fez uma espécie de som inquisidor com a garganta, logo moveu a palma da mão de cima abaixo, como se tentasse deduzir quem estava na cama com ele.

Esperou que se afastasse.

Em ves disso a apertou.

Os lábios de Cormia se abriram pela comoção quando fez um ruído profundo com a garganta e se arrastou através dos lençóis, a mão passou de seu braço à cintura. Como se tivesse passado algum tipo de prova rodou para ela, uma pesado coxa se pressionou contra as suas, algo duro empurrou contra seu quadril. A mão começou a mover-se, e antes de que se desse conta sua roupa se afrouxou e logo se desprendeu de seu corpo.

Grunhiu com mais força e puxou seu corpo para ele, tanto que agora sua dura longitude repousava sobre suas coxas. Ofegou, mas não houve tempo para reagir ou pensar. Os lábios lhe encontraram a garganta e chuparam sua pele, fazendo com que seu corpo esquentasse. E logo o corpo dele começou a mover-se. O ondular para cima e para baixo provocou que algo agradável brotasse e vibrasse entre suas pernas, algo escuro e ofegante se desdobrou em seu ventre.

Sem prévio aviso, segurou-a com ambos os braços e a fez rodar sobre as costas, o lustroso cabelo caindo sobre o rosto. Colocou uma grossa coxa entre os seus, e ficou em cima dela, ia e vinha acariciando-a com o que sabia que era seu sexo. Via-se enorme sobre ela, mas não se sentia apanhada ou assustada. O que fosse que estivesse acontecendo entre eles era algo que desejava. Algo… que ansiava.

Pôs as mãos em suas costas. Os músculos ao longo de sua coluna eram enormes, e ondeavam sob o cetim do roupão com cada impulso e retirada. Grunhiu novamente quando o tocou, como se gostasse de suas mãos sobre ele, e justo quando se perguntava como se sentiria sua pele nua se elevou e se despiu.

Então se apoiou sobre um flanco, tomou sua palma na sua, e a pôs entre seus corpos. Sobre ele.

Ambos ofegaram quando entraram em contato, e ela teve um instante de puro assombro ante o calor, a dureza e o tamanho dele... também pela suavidade de sua pele... e o poder que parecia descansar nessa parte de sua carne. Pegou-o por reflexo quando um estremecedor raio de fogo lhe atravessou as coxas.

Exceto que, ele gritou e seus quadris empurraram para frente e o que estava em sua mão começou a sacudir-se. Cálidas explosões se dispararam desde alguma parte e cobriram seu ventre.

OH, querida Virgem, tinha-o ferido?

Phury despertou em cima de Cormia, com sua mão no pênis e um orgasmo em plena marcha. Tentou deter seu corpo, lutando para tomar as rédeas sobre as correntes eróticas que estalavam através dele, mas não pôde deter o impulso, mesmo consciente de que estava gozando em cima dela.

No instante que as sensações passaram, retirou-se. E então tudo ficou muito pior.

—Sinto muito —disse, o olhando fixamente com horror.

—Por que? —merda, sua voz estava morta. E era o único que deveria estar desculpando-se.

   —Feri você... até que sangrou.

OH, doce Jesus.

—Ah… não é sangue.

Afastou o edredom para um lado para poder levantar-se, dando-se conta de que estava totalmente nu, e teve que revolver a roupa de cama para encontrar o roupão. Colocou de um puxão a maldita coisa, tomou o bastão , e saiu da cama, dirigindo-se ao banheiro para por uma toalha.

Quando retornou junto a ela, só podia imaginar como desejaria tirar essa coisa. Tinha montado uma confusão tremenda.

—Me permita… —avistou a cortina no chão. OH, ótimo, também estava nua. Fantástico— De fato, talvez devesse se limpar.

Olhou para outro lado e lhe ofereceu a toalha.

—Toma isto. Use-a.

Pela extremidade do olho a olhou esfregar-se torpemente sob o edredom, e se viu alagado pelo ódio por si mesmo. Jesu Cristo… Era um libertino. Curvando a pobre fêmea.

Quando lhe devolveu a toalha, disse-lhe:

—Não pode ficar comigo. Não é correto. Durante o tempo que estejamos aqui, usara o outro quarto.

   Houve uma ligeira pausa. Logo lhe disse:

—Sim, Sua Graça.

Ao cair da noite, John estava clandestinamente, no ginásio, alinhado com o resto dos alunos, com uma adaga na mão direita, os pés plantados em posição de preparados. Quando Zsadist assobiou entre dentes, John e outros começaram a executar o exercício. Golpe de arma através do peito, cortar atrás em ângulo, um passo adiante e punhalada acima sob as costelas.

—John, permanece atento!

Merda, estava fodendo tudo. Outra vez. Sentindo-se totalmente cego e em sua maior parte inútil, tratou de encontrar o ritmo das posições, mas seu equilíbrio estava como a merda e seus braços e pernas, simplesmente, não se comportavam.

—John… só pare. —Zsadist veio se colocou atrás dele e lhe moveu os braços. Outra vez—Vamos fazer outra vez. Senhoritas, de volta à posição de preparados.

John se situou, esperou o assobio… e estragou tudo. Outra vez.

Desta vez quando Zsadist se aproximou, John não pôde olhar ao irmão no rosto.

—Vamos tentar uma coisa. —Z tomou a lâmina e a pôs na mão esquerda de John.

John sacudiu a cabeça. Era destro.

—Só tenta-o. Senhoritas? Façamos novamente.

Outra posição de preparados. Outro assobio. Outra cagada...

OH, mas desta vez não. Milagrosamente, o corpo de John caiu na série de posições como um acorde de piano perfeito. Tudo estava sincronizado, seus braços e pernas foram onde deviam ir, a adaga controlada perfeitamente na mão, seus músculos unindo-se e trabalhando juntos.

Quando a instrução acabou, sorriu. Até que topou com os olhos de Z. O irmão o estava olhando fixamente com uma expressão de estranheza, mas então pareceu reagir.

—Melhor, John. Muito melhor.

John olhou à adaga que tinha na mão. Teve uma breve e dolorosa lembrança de acompanhar a Sarelle até seu carro uns dias antes de que fosse assassinada. Enquanto tinha estado a seu lado tinha desejado ter uma adaga, havia sentido como sua palma era muito ligeira sem uma. Nesse momento, tinha sido sua mão direita. Por que a mudança brusca depois da transição?

—Outra vez senhoritas —gritou Z.

Fizeram a seqüência vinte e três vezes mais. Logo trabalharam em outro exercício, onde tinham que apoiar-se sobre um joelho e investir para cima. Z patrulhava a linha, corrigindo posições, ladrando ordens.

Não teve que dirigir-se ao John outra vez. Tudo tinha arrumado em seu lugar, explorada a nervura, extraído o ouro.

Quando a aula terminou John se dirigiu aos vestuários, mas Z o chamou e o guiou para a sala de equipamento, para o armário fechado onde se guardavam as adagas de treinamento.

—A partir de agora, usará esta —Z lhe entregou uma que tinha um punho azul— Calibrada para uma mão esquerda.

John a provou e se sentiu ainda mais forte. Estava por dar as graças ao irmão quando franziu o cenho. Z o estava olhando com a mesma expressão de estranheza que tinha tido no ginásio.

John meteu a lâmina no cinturão do ji e falou por gestos.

   O que? Não estou em boa posição?

Z esfregou uma mão sobre seu raspado crânio.

—Me pergunte quantos lutadores são canhotos.

John deixou de respirar, lhe sobrevindo um estranho sentimento.

Quantos?

—Só conheci um. Me pergunte quem era.

Quem era?

—Darius. D era canhoto.

John olhou fixamente a mão esquerda. Seu pai.

—E se move como ele —murmurou Z— É fodidamente misterioso, para ser honesto. É como se estivesse olhando para ele.

De verdade?

—Sim. Era fluido. Como você. Enfim. Não importa. —Z de tapinhas em seu ombro— Canhoto. Vai você saber.

John olhou sair o irmão, logo voltou a olhar sua palma.

Não pela primeira vez, perguntou-se qual seria a aparência de seu pai. Como seria. Como agia. Deus, o que não daria por um pouco de informação sobre o macho.

Possivelmente algum dia poderia perguntar ao Zsadist. Mas tinha medo de emocionar-se.

Se somente houvesse outra maneira.

Jane estacionou o carro na garagem e amaldiçoou mais uma vez antes de desligar o motor. Onze e trinta e quatro. Chegava duas horas e meia atrasada para encontrar-se com V em sua casa.

Deu-se um exemplo de situação de saída atrasada. Tinha o casaco posto e a bolsa preparada, mas no caminho à porta todo tipo de pessoal médico lhe tinha aproximado fazendo pergunta atrás de pergunta. Depois um dos pacientes tinha piorado no box, e tinha tido que examinar à mulher, logo falar com a família.

Tinha enviado uma mensagem de texto a Vishous lhe dizendo que se tinha complicado. E logo outro quando teve que ficar ainda mais tempo. Ele tinha respondido dizendo que estava tudo bem. Mas depois havia tornado a chamar quando estava presa em um desvio a caminho de casa, e tinha escutado a mensagem de voz.

Saiu do carro enquanto a porta da garagem se fechava brandamente. Estava emocionada por ver Vishous, mas também estava exausta. Tinham passado a noite anterior fazendo um monte de coisas que não implicavam em dormir, e tinha tido um longo dia.

Enquanto entrava pela cozinha disse:

—Sinto tanto, chegar tarde.

—Está tudo bem —disse da sala.

Apareceu no canto… e parou. Vishous estava sentado no sofá na escuridão, com as pernas cruzadas. Sua jaqueta de couro estava junto a ele, e também um ramo envolto de lírios de baía. Estava quieto como um lago congelado.

Merda.

—Olá —disse enquanto deixava o casaco e a bolsa sobre a mesa de seus pais.

—Hei. —Descruzou as coxas e plantou os cotovelos nos joelhos— Tudo vai bem no hospital?

—Sim. Somente ocupado. —sentou-se perto das flores— São encantadoras.

—Peguei-as para você.

—Sinto muito…

Deteve-a com a mão.

—Não tem que senti-lo. Posso imaginar como é.

Enquanto o analisava, sabia que não estava tentado culpá-la ou algo assim; somente estava decepcionado. O que a fazia sentir-se pior. Se tivesse sido irracional, seria outra coisa, mas esta tranqüila resignação de um homem tão poderoso como ele era difícil de suportar.

—Parece cansada —disse— Acredito que o que de mais amável posso fazer é pôr você na cama.

Ela se recostou e acariciou brandamente uma das flores com o indicador. Gostava que não fosse comum, como rosas ou mesmo a variedade branca de lírios. Estes eram de um profundo tom pêssego. Incomuns. Lindos.

—Pensei em você todo o dia. Muito.

—Feze-o? —embora não estivesse o olhando, sentiu o sorriso em sua voz— Em que pensava?

—Em tudo. Em nada. Em quanto desejaria dormir com você toda noite.

Não lhe disse que tinha rechaçado a oportunidade de Columbia. Deixá-la ir não lhe fez bem, mas bom, fazer uma prova para conseguir uma posição em Nova Iorque, onde teria mais responsabilidades, não parecia uma coisa inteligente que fazer se a meta era passar mais tempo, não menos, com V. Ainda queria estar no comando, mas teria que sacrificar coisas na vida para conseguir o que queria. E a idéia de que podia ter tudo era uma falácia.

Um bocejo surgiu por sua garganta e abriu a boca. Merda, estava cansada.

V ficou de pé e estirou a mão.

—Vêm para cima. Pode dormir ao meu lado durante um momento.

Permitiu-se ser guiada escada acima, despida e empurrada à ducha. Esperou que se unisse a ela, mas negou com a cabeça.

—Se começar com essa merda, vou manter você acordada durante as próximas duas horas. —Seus olhos se pegaram a seus seios e cintilaram iluminando-se—. OH… Cristo… Eu apenas… Droga, esperarei você aqui fora.

Sorriu enquanto ele fechava a porta de vidro da ducha e sua grande forma negra se dirigia majestosamente para o quarto. Dez minutos depois saiu, esfregada, dente limpos, escovada e vestindo uma de suas camisolas.

Vishous tinha estirado o edredom, arrumado os travesseiros e afastado os lençóis.

—Dentro —ordenou.

—Odeio obedecer ordens —murmurou.

—Mas o fará por mim. Em determinadas ocasiões. —Bateu-lhe no traseiro ligeiramente enquanto deslizava para dentro—Fique confortável.

Ela arrumou tudo como queria enquanto ele dava a volta e tombava em cima da cama. Quando empurrou o braço debaixo de sua cabeça e se aproximou, pensou, Deus, cheira bem. E a tranqüilizadora mão que lhe percorria a cintura acima e abaixo se fazia divina.

Depois de um momento disse na escuridão.

—Hoje perdemos um paciente.

—Merda, sinto muito.

—Sim… não havia modo de salvá-la. Às vezes simplesmente sei, e com ela? Soube. Então fizemos tudo o que pudemos, mas todo o tempo… sim, todo o tempo sabia que não íamos salvá-la.

—Deve ser duro.

—Terrível. Fui eu quem disse à família que ela havia morrido, mas pelo menos conseguiram estar lá quando aconteceu, o que foi bom. Como minha irmã? Hannah morreu sozinha. Isso eu odeio. —Jane imaginou à moça cujo coração tinha falhado no box— A morte é estranha. A maioria das pessoas pensa que é um tipo de coisa de asceso e apagado, mas mais freqüentemente é um processo, realmente como fechar uma loja ao final do dia. Em sua maior parte as coisas falham de uma maneira previsível, até que finalmente a última luz do lugar se apaga e a porta se fecha. Como médica posso saltar dentro e parar a progressão curando feridas ou dando mais sangue ou forçando o corpo a regular suas funções com drogas. Mas às vezes… às vezes o lojista só sai, e não pode detê-lo, não importa o que faça. —Riu envergonhada—Sinto muito, não queria me ficar morbida.

Acariciou-lhe o rosto com a mão.

—Não o é. É assombrosa.

—Está influenciado —disse, antes de bocejar tanto que sua mandíbula rangeu.

—Estou certo. —Beijou-lhe a fronte— Agora dorme.

Devia ter seguido suas ordens, porque algum tempo depois o sentiu mover-se.

—Não vá.

—Tenho que fazê-lo. Patrulho o centro.

Ficou de pé, um gigantesco homem… er, macho, seu escuro cabelo capturando a débil luz das luzes que havia na rua diante do apartamento.

Uma onda de tristeza a alagou, e fechou os olhos.

—Hei —disse , sentando-se a seu lado— Nada disso. Não estamos tristes. Você e eu? Não estamos tristes. Não praticamos a tristeza.

Riu com um som estrangulado.

—Como sabia o que estava sentindo? Ou pareço tão patética?

Deu-se tapinhas no nariz.

—Posso cheirá-lo. O aroma é como a chuva da primavera.

—Odeio esta merda de adeus.

—Eu também. —inclinou-se e lhe acariciou a fronte com os lábios — Aqui. —encolheu os ombros tirando a camisa de manga longa, fez uma bola e a pôs sob sua bochecha— Finge que sou eu.

Aspirou profundamente, captou o aroma da vinculação e se acalmou um pouco. Enquanto ficava de pé se via tão forte vestido com somente uma camiseta regata, invencível, como um super-herói. E ainda eassim respirava.

—Por favor… tome cuidado.

—Sempre. —inclinou-se e a beijou outra vez—Amo você.

Enquanto se afastava ela se estirou e lhe agarro pelo braço. As palavras falharam, mas o silêncio disse o bastante.

—Odeio a partida também —replicou bruscamente— Mas voltarei. Prometo.

Voltou a beijá-la e logo se dirigiu à porta. Enquanto o escutava descer as escadas para pegar o casaco, sustentou sua camisa contra o rosto e fechou os olhos.

Com um fodido mau sentido de oportunidade, a porta da garagem do apartamento do lado começou a retumbar enquanto se abria. A meio caminho, entupiu-se, o motor choramingando o suficientemente forte para fazer que a cabeceira vibrasse.

Deu um murro no travesseiro e se virou, preparada para chiar.

Vishous não era um excursionista feliz enquanto colocava o arnês onde embainhava as adagas. Estava distraído, vagamente zangado, excitado como a merda, sentia uma desesperada necessidade de fumar e recuperar a prudência antes de ir ao centro. Sentia-se totalmente desfocado, como se tivesse uma pesada mochila de excursionista pendurada em um só ombro.

—Vishous! Espera! —a voz da Jane veio de cima justo quando ia desmaterializar-se— Espera!

Baixou a saltos a escada e virou rapidamente na esquina, sua camisa a fazia parecer menor, as pontas lhe chegando quase até os joelhos.

—O que…

—Tenho uma idéia. É uma loucura. Mas também é inteligente. —Com as bochechas coloridas e os olhos acesos com um propósito, era a coisa mais linda que tinha visto em sua vida— Que tal se eu for morar com você?

Ele sacudiu a cabeça.

—Eu gostaria que o fizesse, mas…

—E funcionaria como a cirurgiã particular da Irmandade.

Santa… merda.

—O que?

—Deveriam ter uma no lugar. Disse que havia complicações com esse tipo, Havers. Bem, eu poderia as solucionar. Posso contratar uma enfermeira para ajudar, melhorar as instalações, e estar no comando. Disse que há ao menos três ou quatro feridas por semana dentro da Irmandade, correto? Além disso, Bela está grávida e provavelmente haverá mais bebes no futuro.

—Jesus… Entretanto, estaria disposta a deixar o hospital?

—Sim, mas conseguiria algo em troca.

Ele ruborizou.

—A mim?

Ela riu.

—Bom, sim. É obvio. Mas há algo mais.

—O que?

—A oportunidade de estudar sistematicamente a sua raça. Meu outro grande amor é a genética. Se posso passar as seguintes duas décadas arrumando vocês meninos e catalogando as diferenças entre humanos e vampiros, diria que minha vida teria sido bem aproveitada. Quero saber de onde vêm e como funcionam seus corpos e por que não têm câncer. Há coisas importantes para aprender, Vishous. Coisas que poderiam beneficiar a ambas as raças. Não estou falando de vocês como cobaias… Bem, suponho que sim. Mas não de maneira cruel. Não na maneira desapegada em que pensava antes. Amo você e quero conhecê-lo.

Olhou-a fixamente e fico muito tempo sem respirar.

Ela fez uma careta e disse:

—Por favor diga s…

Esmagou-a contra seu peito.

—Sim. Sim… se Wrath estiver de acordo e você está estiver bem com isso… sim.

Rodeou-lhe a cintura com os braços e apertou fortemente.

Merda, sentia-se como se estivesse voando. Estava inteiro, pleno, completo em mente, coração e corpo, todas suas pequenas caixas dispostas apropriadamente, esse cubo de Rubik recém-saído-do-pacote, em perfeitas condições.

Estava a ponto de ficar meloso quando soou seu telefone. Com uma maldição o tirou do bolso e ladrou.

—O que. Não de Jane. Quer se encontrar comigo aqui? Justo agora? Sim. Droga. OK, vejo você em dois segundos, Hollywood. —Fechou o Razr— Rhage.

—Crê que seremos capazes de montar uma mudança para mim?

—Sim, acredito. Francamente, Wrath se sentiria muito mais cômodo se estivesse em nosso mundo. —Percorreu-lhe a bochecha com os nódulos— E eu também o estaria. Nunca pensei que renunciaria a sua vida.

—Sim, bem. Não estou renunciando a ela. Vou vivê-la de maneira um pouco diferente, mas não renunciarei a ela. Quero dizer… realmente não tenho muitos amigos —exceto Manello— e não há nada que me ate… De toda forma estava pronta para abandonar Caldwell por Manhattan. Além disso… vou ser mais feliz com você.

Olhou-a no rosto, amando os fortes traços, o cabelo curto e os penetrantes olhos verde bosque.

—Nunca teria pedido isso, sabe… que se desfizesse de tudo o que tem aqui por mim.

—Essa é apenas outra das razões pelas quais te amo.

—Dirá-me as outras mais tarde?

—Possivelmente. —Deslizou uma mão entre suas pernas, sacudindo-o como a merda e fazendo-o ofegar.

— Possivelmente lhe mostre isso, também.

Cobriu-lhe a boca com a sua e colocou a língua dentro enquanto a apoiava contra a parede. Não lhe importava se Rhage esperava na grama dianteira, um extra…

Seu telefone soou. E seguiu soando.

V levantou a cabeça e olhou através da janela que estava junto à porta dianteira. Rhage estava na grama dianteira, o telefone na orelha, lhe devolvendo o olhar. O irmão fingiu checar seu relógio, então levantou o dedo do meio para V.

Vishous bateu com o punho no espaladar e se separou de Jane.

—Voltarei para o final da noite. Esteja nua.

—Não preferiria me despir você?

—Não, porque destroçaria essa camisa, e quero que durma com ela cada noite até que esteja em minha cama, junto a mim. Esteja. Nua.

—Veremos.

Seu corpo inteiro palpitou ante a insubordinação. E ela sabia, seu olhar era apaixonado e erótico.

—Deus, amo você —lhe disse.

—Eu sei. Agora corra e pegue algo. Estarei esperando você.

Sorriu-lhe.

—Não poderia te amar mais embora o tentasse.

—O mesmo digo eu.

Beijou-a e se desmaterializou para fora ao lado de Rhage, assegurando-se de que o mhis estivesse no lugar. OH, ótimo. Estava chovendo. Homem, preferiria muito mais estar quente com Jane dentro da casa do que fora com seu irmão, e não pôde evitar disparar um curto olhar enfurecido a Rhage.

—Como se outros cinco minutos fossem matar você?

—Por favor. Se começasse a andar por esse caminho com sua fêmea teria ficado aqui até o verão.

—Está dizen…

V franziu o cenho e olhou o apartamento junto ao de Jane. A porta da garagem estava presa na metade, deixando ver o resplendor das luzes de freio. Sentiu o golpe da porta do carro, então a brisa conduziu um muito leve aroma adocicado, como açúcar impalpável tivesse sido polvilhada no frio vento.

—OH… Deus, não.

Nesse mesmo momento Jane abriu a porta dianteira e saiu correndo, com sua jaqueta de couro na mão, sua camisa fluindo detrás dela.

—Esqueceu isto!

Foi um horroroso buraco surgiu, uma revelação de todas as peças das quais havia visto somente fragmentos. O sonho tinha entrado na vida real.

—Não! —gritou.

A seqüência se desenvolveu em uma série de segundos que duraram séculos. Rhage olhando-o como se estivesse louco. Jane correndo sobre a erva. Ele deixando cair o mhis enquanto o temor o alagava.

Um lesser agachando-se para passar sob a porta da garagem sustentando uma arma.

O disparo não fez nenhum som por causa do silenciador que tinha colocado. V se lançou para Jane, tentando defender seu corpo com o seu. Falhou. Foi ferida nas costas, e a bala saiu pelo outro lado, rompendo o esterno, indo para seus braços. Pegou-a enquanto caía, seu próprio peito ardendo de dor.

Enquanto caíam esmagados contra o chão, Rhage saiu disparado atrás do assassino, sem que V se desse conta realmente. Tudo o que distinguia era seu pesadelo: Sangue em sua camisa. Seu coração gritando de agonia. A morte vindo… mas não por ele. Por Jane.

—Dois minutos —disse ela entre ofegos enquanto sua mão caía pesadamente sobre seu peito— Tenho menos de dois… minutos.

Devia ter sido ferida em uma artéria e sabia.

—Vou...

Sacudiu a cabeça e lhe pegou o braço.

—Fique. Merda… não vou… …

Obtê-lo… eram as palavras que ia dizer.

—Droga!

—Vishous… —tinha os olhos úmidos, a cor se desvanecia rapidamente— Segura minha mão. Não me deixe. Não pode… Não me deixe ir sozinha.

—Vai ficar bem! —começou a levantá-la—Vou levar você ao Havers.

—Vishous. Não pode arrumar isto. Segura minha mão. Vou… OH, merda… —começou a chorar enquanto ofegava.

— Te amo.

—Não!

—Amo você…

—Não!

A Virgem Escriba elevou a vista do pássaro que tinha na mão, sobressaltada por um súbito terror. Ah… desgraçada casualidade. Ah, horrível destino.

Tinha ocorrido. O que havia sentido e temido desde fazia tanto tempo, o colapso na estrutura de sua realidade, tinha chegado. Agora seu castigo se revelou.

Essa humana... a mulher humana que seu filho amava estava morrendo nesse mesmo momento. Estava em seus braços, sangrando sobre ele e morrendo.

Com um braço instável a Virgem Escriba pôs ao carbonero[15] sobre a branca árvore florescente e se cambaleou de retorno à fonte. Sentando-se sobre o limite de mármore, sentiu o ligeiro peso de seu adorno como se fossem pesadas cadeias fechadas a seu redor.

A culpa da perda de seu filho era dela. Verdadeiramente, tinha-lhe conduzido a esta ruína. Tinha quebrado as regras. Trezentos anos antes tinha quebrado as regras.

No início dos tempos lhe tinha concedido um ato de criação, e conforme isso, depois de ter alcançado a maturidade, tinha levado a cabo o ato de criação. Mas então havia retornado a fazer. Tinha criado o que não deveria, e ao fazê-lo tinha amaldiçoado a seu único filho. O destino de seu filho —em sua totalidade, do tratamento que lhe deu seu pai, fazendo-o maturar para transformar-se no duro e insensível macho Vishous, até esta, sua mortal agonia— era, de fato, seu castigo. Porque quando ele sofria, também sofria ela multiplicado por mil.

Desejava chamar a seu Pai a gritos, mas sabia que não podia. As escolhas que tinha feito não eram de sua incumbência e as conseqüências só ela devia suportar.

Quando se estendeu entre dimensões, viu o que estava acontecendo a seu filho, sentiu a agonia de Vishous como a sua própria, sentiu o frio intumescimento da comoção, a acalorada negação, o dilacerador torcido de seu horror. Sentiu, também, a morte de sua amada, o esfriamento gradual que se apoderava da humana enquanto seu sangue se filtrava dentro da cavidade de seu peito e seu coração começava a revoar. E então, sim, então, também ouviu as murmuradas palavras de amor de seu filho e cheirou o ofensivo e fétido temor que emanava dele.

Não havia nada que pudesse fazer. Ela, que tinha um poder desmesurado sobre tanto, estava neste momento impotente, porque o destino e as conseqüências do livre-arbítrio eram de exclusivo domínio de seu Pai. Somente ele conhecia o mapa absoluto da eternidade, o compêndio de todas as opções tomadas e não tomadas, de caminhos conhecidos e desconhecidos. Ele era o Livro, a Página e a Tinta indelével.

Ela não o era.

E por essa razão agora Ele não viria a ela. Esse era seu destino: sofrer porque um inocente nascido de um corpo que nunca deveria ter usurpado. Sempre sofreria, seu filho caminharia sobre a terra como um macho morto pelas escolhas que ela tinha feito.

Com um gemido a Virgem Escriba se permitiu perder sua forma e se deslizou por entre as roupas que usava, caindo as dobras negras ao chão de mármore. Entrou na água da fonte como uma ligeira onda, viajando entre, e ao redor do hidrogênio e as moléculas de oxigênio, estimulando-os com seu sofrimento, fazendo-os ferver, evaporando-os. Enquanto a transferência de energia continuava, o líquido se elevou como uma nuvem, uniu-se sobre o pátio, e caiu como as lágrimas que era incapaz de chorar.

Sobre a árvore branca, seus pássaros estiraram os pescoços para a queda de gotinhas de água como se estudassem este novo acontecimento. E logo em um bando, deixaram seu cabide pela primeira vez e voaram para a fonte. Alinhando-se no limite, deram-lhe as costas à luminosa e agitada água em que ela habitava.

Protegeram-na em sua dor e arrependimento, protegeram-na como se cada um fosse grande como uma águia e igualmente feroz.

Eram, como sempre, seu único consolo e amizade.

Jane era consciente de que estava morta.

Sabia porque estava em meio a uma névoa, e alguém parecida com sua irmã morta estava de pé diante dela.

Então estava malditamente segura de ter batido as botas. Exceto… não deveria alterar-se ou algo assim? Não deveria estar preocupada com Vishous? Não deveria estar emocionada por reunir-se com sua irmã menor?

—Hannah? —disse, porque queria estar segura que sabia o que estava vendo— É você?

—Mais ou menos. —A imagem de sua irmã se encolheu, seu lindo cabelo ruivo movendo-se sobre seus ombros— Sou somente uma mensageira.

—Bom, se parece com ela.

—Certamente que o faço. O que vê agora é o que está em sua mente quando pensa nela.

—Bem… isto é um pouco parecido ao Twilight Zone[16]. Ou, espera, somente estou sonhando? —porque seriam umas fodidas excelentes notícias, considerando o que pensava que acabava de lhe passar.

—Não, morreu. Está bem no meio agora mesmo.

—No meio de onde?

—Está no meio. Nem aqui nem ali.

—Pode ser um pouco mais específica?

—Não realmente —a visão de Hannah esboçou seu precioso sorriso, esse que era tão angélico que até tinha chegado a conquistar mesmo Richard, o desagradável cozinheiro— Mas aqui está a mensagem. Vais ter que o deixar partir Jane. Se quer encontrar a paz, vai ter que o deixar partir.

Se ele era Vishous, isso simplesmente não ia acontecer.

—Não posso fazê-lo.

—Tem que fazê-lo. Do contrário estará perdida aqui. Só tem um tempo limitado no que pode estar nem aqui nem ali.

—E o que ocorre então?

—Estará perdida para sempre. —A visão da Hannah se voltou grave— Deixa-o partir Jane.

—Como?

—Você sabe como. E se o faz, poderá ver meu verdadeiro eu no outro lado. Deixe-o ir. —A mensageira ou o que fosse se evaporou.

Quando ficou sozinha, Jane olhou a seu redor. A névoa era penetrante, tão densa como uma nuvem de chuvas e tão infinita como o horizonte.

O medo avançou lentamente através dela. Não havia direito. Realmente não queria estar aqui.

Abruptamente, uma sensação de urgência cresceu em seu interior, como se o tempo estivesse esgotando-se, embora não entendesse como soubesse. Exceto que,então pensou em Vishous. Se deixá-lo partir significava deixar seu amor por ele, isso não era possível.

Vishous estava conduzindo o Audi de Jane como um morcego saído do inferno através da chuva, quando a meio caminho do Havers, deu-se conta de que não estava no carro com ele.

Estava seu cadáver.

Seu pânico era a única energia no espaço fechado, seu coração o único que pulsava, seus olhos os únicos que piscavam.

O macho vinculado que havia nele confirmou o que seu cérebro tinha estado negando. Em seu sangue, soube que se foi.

Permitiu que seu pé se levantasse do acelerador, e o Audi deslizou pela costa durante um lance, desacelerando até deter-se. A rota 22 estava vazia, provavelmente por causa da prematura tormenta da primavera que soprava, mas teria permanecido em meio da estrada mesmo se tivesse havido o tráfico da hora do rush.

Jane estava no assento do passageiro. Mantida em posição vertical, com o cinto de segurança sujeitando sua camiseta contra a ferida do peito como uma atadura.

Não virou a cabeça.

Não podia olhá-la.

Olhou fixamente reto para frente, a dupla linha amarela da estrada. Diante os limpadores de pára-brisas se batiam daqui para lá, seu rítmico tamborilar era como o som de um antigo relógio, tic... tac... tic... tac...

O passar do tempo já não era relevante, já não. Nem tampouco era sua pressa.

Tic... tac... tic…    

Sentia-se como se estivesse morto também, considerando a dor em seu peito. Não tinha a menor ideia de como ainda estava vivo quando lhe doía tanto.

Tac... tic...

Mais acima havia uma curva no caminho, o bosque chegava à beira do asfalto. Sem nenhuma razão em particular advertiu que as árvores estavam apinhadas, seus ramos sem folhas se entrelaçavam, dando a impressão de negro encaixe.

Tac...

A visão lhe veio de forma escorregadia e tão sossegadamente, que ao início não soube que tinha havido uma mudança no que seus olhos registravam. Mas então viu uma parede, uma parede de sutil textura... iluminada por uma brilhante, brilhante luz. Justo enquanto se perguntava sobre a fonte de iluminação...

Deu-se conta de que eram os faróis de um carro.

O estrondo de uma buzina lhe devolveu rapidamente a atenção, e apertou o acelerador enquanto girava o volante à direita. O outro veículo derrapou pelo escorregadio pavimento, logo recuperou o curso, desaparecendo pela estrada.

V se centrou de novo no bosque e em rápida sucessão recebeu o resto da visão como um filme. Com intumescida indiferença, viu-se a si mesmo tomando medidas discutivelemente irracionais, presenciando o futuro enquanto se desdobrava ante ele, tomando apontamentos. Quando nada mais foi revelado, partiu com um desesperado propósito, afastando-se de Caldwell superando em duas vezes o limite de velocidade.

Quando o telefone celular soou, estendeu a mão para o assento traseiro, onde tinha atirado a jaqueta de couro, e o tirou. Desligou-o, deteve-se de um lado da estrada e rompeu a parte de atrás do Razr para abri-lo. Tirando o chip do GPS, colocou-o no espaldar do Audi e o esmagou com o punho.

—Onde ele está?

Phury se virou para trás enquanto Wrath passeava pelo escritório, os outros irmãos também permaneciam fora do caminho do macho. Quando o Rei se alterava desta forma, ou se separava de seu caminho ou o destruía no tapete.

Exceto aparentemente estava procurando uma resposta.

—Estou falando fodidamente sozinho mesmo aqui?Onde demônios está V?

Phury esclareceu a garganta.

—Realmente não sabemos. O GPS caiu faz uns dez minutos.

—Caiu?

—Simplesmente ficou em silêncio. Normalmente dá sinal quando leva o telefone com ele, mas... bem, nem sequer temos isso.

—Fantástico. Fodidamente genial. —Wrath subiu os envolventes óculos de sol e esfregou os olhos enquanto fazia uma careta de dor. Tinha estado tendo dores de cabeça nos últimos dias, provavelmente por tentar ler muito, e era óbvio que um irmão ausente sem ter ido, não ajudava à situação.

Em meio a marcha Rhage amaldiçoou e deligou seu telefone.

—Não apareceu no Havers ainda. Olhe, possivelmente foi enterrá-la em algum lugar? O solo está congelado, mas com essa mão sua não seria um problema.

—Realmente crê que está morta? —murmurou Wrath.

—Vi a acertaram bem no peito. Quando voltei, depois de matar o lesser, os dois se foram, e também seu carro. Mas... sim, não acredito que sobrevivesse.

Wrath olhou a Butch, que tinha estado totalmente em silêncio desde que tinha entrado no escritório.

—Sabe como encontrar alguma das fêmeas que usou para o sexo ou para alimentar-se?

O poli sacudiu a cabeça.

—Nem uma. Mantém essa parte de sua vida muito privada.

—Então não podemos rastreá-lo dessa forma. Mais boas notícias. Há alguma razão para pensar que foi a esse apartamento de cobertura dele?

—Passei por ali enquanto voltava —disse Butch— Não estava e honestamente não acredito que ficasse ali. Não, tendo em conta para o que usava o lugar.

—E só ficam duas horas para a saída do sol. —Wrath se sentou atrás de sua mesa Luis XVI, mas travou os braços contra a fraca cadeira, como se fosse se separar em qualquer momento.

O telefone de Butch soou, e lutou para responder a coisa.

—V? OH... Hei, neném. Não... nada ainda. Farei-o. Prometo-lhe isso. Amo você.

Quando o policial desligou, Wrath se virou para o fogo da chaminé e ficou quieto durante um momento, sem dúvida repassando, como todos os que estavam ali, que tipo de opções tinham. Que eram, como... nenhuma. Vishous podia estar em qualquer lugar neste momento, então se os irmãos se dispersavam nas quatro direções da bússola, estariam fazendo o rotineiro procurar “agulha-em-um-palheiro”. Além disso, era bastante óbvio que V tinha quebrado o chip do GPS. Não queria ser encontrado.

Eventualmente disse:

—A espoleta saiu da granada, cavalheiros. Agora só é questão de ver o que vai explodir.

V escolheu o lugar para o acidente com muito cuidado. Queria estar perto de seu destino, mas ainda então o suficientemente longe por discrição, e justo quando o tinha mais ou menos a seu alcance, uma curva no caminho se ofereceu para seu uso. Perfeito. Colocando o cinto de segurança, apertou o acelerador e se animou. O motor do Audi rugiu, e suas rodas giraram mais e mais rápido no escorregadio caminho. Malditamente logo deixou de ser um carro, transformando-se em nada mais que uma fodida carga de energia cinética.

Em vez de seguir a curva à esquerda da rota 22, dirigiu-se diretamente à linha de árvores. Como um menino educado sem instinto de sobrevivência, o carro voou sobre o borda e se manteve no ar por uma fração de segundo.

A aterrissagem o mandou para fora do assento do condutor, golpeando a cabeça contra o teto solar do carro, lançando-o para frente. Os airbag estalaram do volante, do painel e das portas enquanto o sedan dava golpes através dos matagais, das árvores jovens e...

O carvalho era imenso. Grande como uma casa. Tanto como firme.

O habitáculo do Audi foi tudo o que o salvou da aniquilação enquanto o focinho do carro se enrugava como um acordeão de metal e mecânica. A comoção do impacto fez que a cabeça de V estalasse sobre seu pescoço, golpeando seu rosto contra o airbag enquanto um ramo atravessava o pára-brisa.

Os ouvidos lhe zumbiam como se tivesse um alarme de incêndios soando neles, e seu corpo fez um auto exame procurando partes e pedaços quebrados. Aturdido, sangrando pelos cortes feitos com o ramo, desabotoou o cinto de segurança, forçou sua porta a abrir-se, e saiu tropeçando do carro. Enquanto tomava algumas profundas inspirações, ouviu o assobio do motor e a ofegante deflação dos airbag. A chuva caía com contínuo e elegante desinteresse, gotejando das árvores aos superficiais atoleiros no leito do bosque.

Logo que pôde rodeou o carro para onde estava Jane.

O impacto a tinha jogado para frente, e seu sangue marcava agora o pára-brisa, o painel e o assento. Que era o que queria. Inclinou-se e lhe tirou o cinto, então a pegou tão cuidadosamente como se ainda vivesse, embalando-a em seus braços para que pudesse estar cómoda, antes de começar a atravessar as árvores, pegou sua jaqueta de couro e a cubriu para protegê-la do frio.

Começou o caminho como começam todas as caminhadas. Pôs um pé diante do outro. Depois o repetiu e o repetiu.

Avançou aos tropicões pelo bosque, molhando-se mais e mais até que se converteu no que as árvores eram, apenas outro objeto sobre o que a água caía. Deu um rodeio para seu destino, até que os braços e as costas lhe doeram de carregá-la.

Finalmente subiu até a entrada de uma cova. Não se incomodou em checar para certificar-se que não o seguiam. Sabia que estava sozinho.

Caminhou pelo barro que se formava, o som da chuva desvanecendo-se enquanto continuava afastando-se sobre o chão de lodo. Localizou de cor a tranca na parede de pedra e liberou a trava. Quando a laje de granito de quatro metros se deslocou, entrou em um vestíbulo que colocou ao descoberto e se aproximou de um par de portas de ferro. Desativou o mecanismo de fechamento com a mente, e a barreira deslizou sem um som enquanto a pedra atrás dele voltava para seu lugar.

Dentro, estava muito mais que escuro, o ar era denso neste lugar subterrâneo, como se o espaço estivesse abarrotado. Com um rápido pensamento fez flamejar algumas das tochas da parede, então começou a descer para o lugar de cultos e rituais da Tumba. De ambos os lados do vestíbulo, em suportes que alcançavam uns seis metros de altura, havia milhares de frascos de cerâmica que continham os corações dos lessers assassinados pela Irmandade. Não levantou a vista para eles, como geralmente o fazia. Olhava fixamente para frente enquanto levava sua amada apertada, suas botas molhadas deixavam rastros no chão de brilhante mármore negro.

Não muito depois entrou no ventre da Tumba, a cova vasta e subterrânea aberta nas vísceras da terra. A sua vontade, grosas velas negras se acenderam nos candelabros, iluminando as estalactites como adagas que penduravam então como as imponentes lajes de mármore negro que formavam a parede depois do altar.

As lajes eram o que tinha visto em sua visão. Quando tinha olhado fixamente as árvores por cima da rota 22, lhe tinha representado a parede comemorativa. Como os ramos entrelaçados dessas árvores, as inscrições no mármore, todos esses nomes de guerreiros que tinham servido na Irmandade durante gerações, formavam um desenho sutil e aprazível, parecendo encaixe visto de longe.

Situado frente à parede o altar era tosco, mas poderoso, um enorme bloco de pedra colocado sobre dois robustos pilares. No centro estava o antigo crânio do primeiro membro da Irmandade da Adaga Negra, a relíquia mais sagrada que os irmãos possuíam.

Afastou-o e colocou Jane. Tinha perdido a cor e quando a flácida mão branca caiu a um lado um tremor percorreu todo o corpo. Com cuidado restituiu, pondo-a sobre seu peito.

Afastou-se até que suas costas bateram contra a parede gravada. À luz das velas, e com sua jaqueta sobre o torso, quase podia imaginar que dormia.

Quase.

Rodeado pela vista subterrânea, pensou na cova do acampamento de guerreiros. Então se viu utilizando sua mão no pretrans que o tinha ameaçado, e em seu pai.

Tirou-se a luva e o deslizou sobre sua brilhante palma.

O que se propunha fazer agora era contra ambas as leis, as da natureza e as de sua espécie.

Reanimar os mortos não era uma linha de ação apropriada nem plausível em qualquer caso. E não simplesmente porque fosse domínio do Omega. As Crônicas da raça, esses volumes e volumes de história, proporcionavam só dois exemplos, e não tinham resultado nada mais que tragédias.

Mas ele era distinto. Isto era distinto. Jane era distinta. Estava-o fazendo por amor, enquanto que nos exemplos sobre os que leu foi feito por ódio. Tinha havido um assassino que alguém havia trazido de volta para usá-lo como uma arma, e uma fêmea volta à vida como ato de vingança.

Havia mais a seu favor. Curava Butch com regularidade, dragando o mal do policial quando tratava seus assuntos com os lessers. Poderia fazer o mesmo com Jane. Com certeza poderia.

Com férrea resolução, separou de sua mente os resultados dessas outras incursões nas escuras artes do reino do Omega. E se centrou no amor por sua fêmea.

O fato de que Jane fosse humana não era um problema, já que a reanimação era o ato de trazer o que estava morto de volta à vida, e a linha divisória era a mesma sem importar a espécie. Tinha o que precisava. O ritual requeria três coisas, algo do Omega, sangue fresco, e uma fonte de energia elétrica tal como um relâmpago aproveitado ao máximo.

Ou em seu caso, sua fodida maldição.

V retornou ao hall que continha os frascos e não perdeu tempo em escolher. Tomou uma ao azar da prateleira, a cerâmica estava marcada por finas gretas, era de uma cor um marrom escuro, o que queria dizer que era um dos primeiros.

Quando voltou para o altar, bateu o frasco contra a pedra, rompendo a coisa, revelando o que tinha albergado. O coração que havia dentro estava coberto de um brilho negro e gordurento, preservado pelo que fluía pelas veias do Omega. Embora a natureza exata da iniciação na Sociedade Lessening era desconhecida, estava claro que o “sangue” do Omega entrava antes de que o coração fosse extirpado.

Então tinha o que precisava de seu inimigo.

Olhou o crânio do primeiro irmão e não pensou duas vezes antes de utilizar a sagrada relíquia para o que era um propósito ilegal. Tirou uma de suas adagas, rasgou seu pulso, e sangrou na taça de prata esterlina que estava montada no topo do crânio. Então pegou o coração do lesser e o apertou com seu punho.

Negras gotas de destilada maldade emanavam e caíam, mesclando-se com o vermelho de seu sangue. O líquido pecaminoso tinha magia, do tipo que corria contra as regras do correto, de que convertia a tortura em esporte, de que gozava com a dor infligida a um inocente... mas tinha eternidade nela, também.

E isso era o que precisava para Jane.

—Não!

Virou-se.

A Virgem Escriba tinha aparecido atrás dele, com o capuz caido, seu rosto transparente era uma máscara de horror.

—Não deve fazê-lo.

Afastou-se e aproximou o crânio à cabeça da Jane. Em um fragmentado pensamento, encontrou um estranho e tranqüilizador paralelismo em que ela soubesse o aspecto que tinha o interior de seu peito e ele estivesse a ponto de saber o mesmo dela.

—Não há equilíbrio nisto! Não se pagou um preço!

V afastou a jaqueta de sua fêmea. A mancha de sangue embaixo dela, em sua camisa, era como um olho de boi no meio do peito, entre os seios.

—Não voltará como você a conhecia —vaiou sua mãe— Voltará má. Esse será seu resultado.

—A amo. Posso cuidá-la, como cuido de Butch.

—Seu amor não mudará o resultado, nem sua habilidade com os restos do Omega. Isto é proibido!

Rodeou a sua mãe, odiando a ela e a sua estúpida e fodida merda do yin e o yang.

—Quer equilíbrio? Um trato? Quer me carregar isso antes de que possa fazê-lo? Bem! A que nos vai levar? Agüentou Rhage sua maldição para o resto de sua fodida vida, o que é que vais fazer para mim?

—A igualdade não é minha lei!

—Então de quem é! E o que é a merda que devo pagar!

A Virgem Escriba pareceu tomar um momento para serenar-se.

—Isto está além do que posso dar ou não. Foi-se. Não há volta uma vez que um corpo permaneceu inativo como o tem feito o seu.

—Tolices. —voltou a se inclinar sobre Jane, preparado para lhe abrir o peito.

—A condenará para sempre. Não terá outro lugar para ir que não seja o Omega, e terá que enviá-la para ele. Será má e terá que destrui-la.

Olhou o rosto inanimado de Jane. Lembrou seu sorriso. Tratou de encontrá-la em sua pastosa pele.

Não pôde.

—Equilíbrio... —sussurrou.

Estendeu a mão e lhe tocou a fria bochecha com a mão boa e tratou de pensar em tudo o que podia dar, tudo com o que podia comercializar.

—Isto não é só questão de equilíbrio —disse a Virgem Escriba— Algumas coisas estão proibidas.

Quando a solução se voltou clara para ele, não escutou nada mais de sua mãe.

Levantou sua preciosa e normal mão, com a que podia tocar as pessoas e as coisas, a que era como devia ser, não alguma maldita carga de destruição.

Sua mão boa.

Pô-la sobre o altar, estendendo os dedos e esmagando o pulso. Então tomou a lâmina de sua adaga e a colocou sobre sua pele. Quando a inclinou, o agudo fio da lâmina cortou através do osso.

—Não! –gritou a Virgem Escriba.

Jane estava ficando sem tempo. E soube da mesma maneira que sabia quando um paciente estava piorando. Seu relógio interno soou, o alarme começou a apitar.

—Não quero deixá-lo partir —disse a ninguém.

Sua voz não se propagou muito longe, e notou que a névoa parecia mais densa… tão densa que estava começando a lhe obscurecer mesmo os pés. E então percebeu. Não estavam obscurecidos. Com frio pavor compreendeu que a menos que fizesse algo, ia disolver-se e ocupar seu lugar no muro de um nada ambiental. Estaria sozinha para sempre e desolada, tendo saudades do amor que uma vez havia sentido.

Um triste e cambiante fantasma.

Agora finalmente a tinha alcançado a emoção, e era uma que levava lágrimas a seus olhos. A única maneira de salvar-se era deixar partir o desejo pelo Vishous; essa era a chave da porta. Mas se o fazia, sentiria-se como se o tivesse abandonado, deixando-o sozinho para enfrentar um futuro frio e amargo. Depois de tudo, podia imaginar como seria para ela se ele morresse.

Em uma quebra de onda, a névoa se tornou mais densa, e a temperatura desceu. Jane baixou a vista. Suas pernas estavam desaparecendo… primeiro os tornozelos, logo as pantorrilhas. Estava-se filtrando para um nada, desaparecendo.

Jane começou a chorar quando encontrou sua resolução e soluçou pelo egoísmo do que tinha que fazer.

Embora, como o deixaria partir?

Quando a névoa subiu até suas coxas, entrou-lhe o pânico. Não sabia como fazer o que devia…

A resposta, quando lhe veio, foi dolorosa e simples.

OH… Deus… Deixar partir significava que aceitava o que não se podia mudar. Não tentava se pegar à esperança para coagir uma mudança no futuro… nem tampouco lutava contra as forças superiores do destino nem tentava que capitulassem ante sua vontade… nem tampouco rogava pela salvação porque assumia que sabia mais que os outros. Deixar partir significava que olhava o que tinha diante com olhos claros, reconhecendo que a liberdade de escolha era a exceção e o destino a regra.

Não regatear. Não tentar controlar. Abandonava e via que ao que amava não era de fato seu futuro, e que não havia nada que pudesse fazer sobre isso.

As lágrimas caíram de seus olhos na névoa que se formava redemoinhos quando deixou de lado toda pretensão de força e abandonou a luta por manter vivo o vínculo com o Vishous. Quando o fez, não teve fé nem otimismo, esteva vazia como a névoa que a rodeava: uma atéia em vida, encontrou que na morte era o mesmo. Acreditar em nada, agora era nada.

E então foi quando aconteceu o milagre.

Uma luz apareceu por cima de sua cabeça, cobrindo-a, esquentando-a, cobrindo-a com algo que era como o amor que tinha sentido por Vishous: uma bênção sacramental.

Enquanto era elevada como uma margarida pegada de um campo por uma mão gentil, deu-se conta de que ainda podia amar ao que amava, embora não estivesse com ele. De fato, seus caminhos divergentes não dissecaram nem profanavam o que sentia. Tampavam suas emoções com uma capa de saudade agridoce, mas não mudavam o que estava em seu coração. Podia amá-lo e esperar por ele no lado longínquo da vida. Porque o amor, depois de tudo, era eterno e não estava sujeito aos caprichos da morte.

Jane era livre… e flutuou para cima.

Phury estava a ponto de perder a cabeça.

Mas tinha que fazer fila se ia se voltar louco, porque todos os irmãos estavam sob uma grande tensão. Sobre tudo Butch, que passeava pelo estudo como um prisioneiro em isolamento.

Nenhum sinal de Vishous. Nem chamadas. Nem nada. E o amanhecer estava chegando como um trem de mercadorias.

Butch se deteve.

—Onde fariam um funeral para uma shellan?

Wrath franziu o cenho.

—A Tumba.

—Crê que talvez a tenha levado lá?

—Nunca esteve muito entusiasmado com todo o assunto do ritual, e com sua mãe havendo-o abandonado… —Wrath negou com a cabeça— Não irá lá. Além disso, teria que saber que é um dos lugares onde o buscaríamos, e V é condenadamente reservado. Assumindo que a está enterrando, não quererá audiência.

—Sim.

Butch voltou a passear quando o relógio de parede soou marcando quatro e meia da madrugada.

—Sabem o que? —disse o poli— Vou checá-lo, se lhes parecer bem. Não posso estar aqui nem um segundo mais.

Wrath encolheu os ombros.

—Por que não? Não temos nada mais no que nos apoiar.

Phury se levantou, também incapaz de seguir esperando mais.

—Vou com você. Precisará que alguém que te mostre onde está a entrada.

   Devido a Butch não poder se desmaterializar, meteram-se no Escalade, e Phury arrancou o SUV passando a grama e entrando no bosque. Com o sol saindo dentro de tão pouco tempo, não se incomodou em dar uma volta, mas sim foi direto à Tumba.

Os dois guardaram um absoluto silêncio até que Phury os aproximou da entrada da cova e saíram.

—Cheiro sangue —disse Butch— Acredito que os temos.

Sim, havia um mínimo rastro de sangue humano no ar… sem dúvida de V levando Jane para dentro.

Merda. Entraram correndo na cova, e se dirigiram à parte de trás, deslizando pela entrada oculta e descendo para as grades de ferro. Um lado estava aberto, e havia um rastro de pegadas úmidas no centro do hall de jarras.

—Está aqui! —disse Butch, o alívio levando suas palavras muito mais que sua respiração.

Sim, exceto, por que V, que odiava a sua mãe, enterraria à mulher que amava seguindo as tradições da Virgem Escriba?

Não o faria.

Quando começaram a descer pelo vestíbulo, a sensação de fatalidade de Phury disparou… especialmente quando chegaram ao final e viram um oco vazio nas estantes, onde faltava a jarra de um lesser. OH, não. OH… Deus, não. Deveriam ter trazido mais armas. Se V tinha feito o que Phury temia, iriam precisar estar armados até os dentes.

—Espera! —deteve-se, pegou uma das tochas das paredes e a passou a Butch, depois de pegar uma para si mesmo, pegou o braço do Butch—Se prepare para lutar.

—Por que? Pode ser que V fique irritado porque tenhamos vindo, mas não vai se pôr violento.

—Vai ter que estar preparado é para Jane.

—De que merda está falando…?

—Acredito que pode ter tentado trazê-la a de volta…

Um brilho de luz explodiu mais adiante, transformando tudo em meio-dia.

—Merda! —grunhiu Butch depois que passou— Não me diga que o faria?

—Se Marissa morresse pudesse levá-lo a cabo, não o faria?

Os dois saíram disparados e entraram como uma rajada na cova. Somente para deter-se em seco.

—O que é isso? —sussurrou Butch.

—Não… não tenho nem idéia.

Com passos lentos e silenciosos, caminharam para o altar, paralisados pela cena que tinham diante. Sentada em meio da pedra do dintel, havia uma escultura, um busto… da cabeça e ombros de Jane. A composição estava feita em pedra cinza escura, o parecia tão exatamente come la, que era como ver uma fotografia. Ou talvez um holograma. A luz das velas cintilava sobre suas feições, projetando sombras que pareciam lhe dar vida. À direita, ao final da laje, havia uma jarra de cerâmica feita pedaços, o crânio sagrado da Irmandade, e também o que parecia ser um coração destroçado e coberto de azeite.

Na lateral mais afastado do altar, V estava apoiado contra o muro de nomes, com os olhos fechados, as mãos em seu colo. Um de seus pulsos estava enfaixado fortemente com uma bandagem de tecido negro, e faltava uma de suas adagas. O lugar cheirava como a fumaça, mas não havia nada no ar.

—V? —Butch se aproximou e se ajoelhou ao lado de seu companheiro de quarto.

Phury deixou que o poli se encarregasse de V e se dirigiu ao altar. A escultura era perfeitamente semelhante a Jane, tão real que poderia ter sido ela quando respirava. Estirou a mão, obrigado a tocar o rosto, mas no instante que seu dedo indicador entrou em contato com ele, o busto perdeu toda a forma. Merda. Não era feita de pedra, mas sim de cinzas, e agora não era mais que um monte revolto do que deviam ser os últimos restos de Jane.

Phury olhou para Butch.

—Me diga que V está vivo.

—Bom, pelo menos respira.

—Vamos levá-lo para casa. —Phury olhou as cinzas— Vamos levar ambos para casa.

Precisava algo no que levar ao Jane, e certamente não ia usar uma jarra de lesser. Olhou ao seu redor. Não havia nada.

Phury tirou a camisa de seda e a estirou no altar. Era o melhor que podia fazer, e estavam ficando sem tempo.

A luz do dia estava se aproximando. E não se podia negociar com sua chegada.

Dois dias depois, Phury decidiu ir ao Outro Lado. A Directrix tinha estado lhe dando a lata para ter uma reunião, e não queria postergá-la por mais tempo. Além disso, tinha que sair de casa.

A morte da Jane tinha posto um pano mortuário sobre o recinto, afetando a todos os machos emparelhados. A perda de uma shellan, que é o que Jane tinha sido embora ela e V não se emparelharam formalmente, era sempre o temor maior. Mas que a matasse o inimigo era quase insuportável. E pior, que acontecesse menos de um ano depois de que Wellsie fora deste modo assassinada… tudo era uma horrível lembrança do que cada um dos machos sabia: as companheiras da Irmandade confrontavam um perigo especial por parte dos lessers.

Tohrment o tinha aprendido em primeira mão. Agora havia tocado a Vishous.

Deus, alguém tinha que perguntar se V ia ficar por ali. Tohr tinha partido depois que um assassino matou Wellsie , e ninguém o tinha visto nem tido notícias dele após isso. Embora Wrath mantinha que podia sentir que o irmão ainda vivia, virtualmente tinham abandonado a idéia de que reapareceria nesta década ou na seguinte. Talvez em uma época futura voltaria. Ou talvez morresse aí fora, sozinho, em alguma parte. Mas não o veriam em um tempo próximo, e demônios, o próximo lugar bem poderia ser o Fade.

Merda… Pobre Vishous.

Agora mesmo V estava em seu quarto no Pit, deitado ao lado de uma urna de cobre na qual Phury tinha posto finalmente as cinzas de Jane. O irmão não tinha falado nem comido nada, segundo Butch, embora aparentemente mantinha os olhos abertos.

Estava claro que não tinha intenção de explicar o que tinha acontecido na Tumba. A Jane. Ou a seu pulso.

Com uma maldição Phury se ajoelhou ao lado de sua cama e colocou o medalhão do Primale ao redor do pescoço. Fechando os olhos, viajou diretamente ao santuário das Escolhidas, pensando em Cormia durante o trajeto. Ela também estava em seu quarto, comendo pouco e dizendo menos. Chegava como estava com freqüência, embora não soubesse o que fazer por ela… salvo lhe trazer livros, algo que parecia gostar . Sentia preferência por Jane Austen, embora não entendesse por completo como algo podia ser ficção ou, como ela dizia, uma mentira construída.

Phury cobrou forma no anfiteatro porque ainda não conhecia muito bem a distribuição, e pensou que seria um bom ponto de partida. Homem, era estranho estar parado em meio de tudo branco. Mais estranho ainda caminhar para a parte de trás do cenário e dar uma olhada aos distintos templos brancos. Maldita seja!O lugar era um anúncio do Neutrex. Nada de cor em nenhuma parte. E estava muito tranqüilo. Peculiarmente tranqüilo.

Quando escolheu uma direção e começou a caminhar, preocupou-se se por acaso o acossavam um grupo de Escolhidas, e além disso,não podia dizer que tivesse pressa, exatamente, por ter um cara a cara com a Directrix. Para matar um pouco de tempo, decidiu olhar o que havia dentro de um dos templos. Escolhendo um ao azar, subiu os pequenos degraus de mármore, mas se encontrou com portas duplas que estavam hermeticamente fechadas.

Franzindo o cenho, inclinou-se e olhou pelo olho da fechadura, grande e de forma estranha. Seguindo um impulso, tirou o medalhão do Primale e o introduziu na porta.

Bom, quem o haveria dito. A coisa era uma chave.

As portas duplas se abriram sem emitir um som, e Phury se surpreendeu ao ver o que havia no interior. Alinhados a ambos os lados do edifício, e afundados a quatro ou cinco metros de profundidade, havia cubos e cubos de pedras preciosas. Caminhou ao redor das riquezas, detendo-se de vez em quando para pôr as mãos nas cintilantes gemas.

Mas isso não era tudo o que havia no interior. Na parte de trás, no final de tudo, havia uma série de urnas de cristal como as que se encontravam nos museus, agachou-se e as examinou. Naturalmente não tinham pó, embora não porque as tivessem limpo. Simplesmente não podia imaginar que houvesse algum poluente no ar deste lugar, mesmo os da variedade microscópica.

Dentro das urnas, os objetos eram fascinantes, e claramente do mundo real. Havia um par de antiquados óculos, uma terrina de porcelana de origem oriental, uma garrafa de uísque com uma etiqueta da década de trinta, uma boquilha para cigarros de ébano, o leque de uma dama fabricado com plumas brancas.

Perguntou-se como tinham chegado ali. Algumas das coisas eram bastante antigas, embora estivessem em perfeito estado e, é obvio, tudo estava reluzente de limpo.

Deteve-se sobre o que parecia um velho livro.

—Filho… da puta.

A coberta de couro estava desgastada, mas o título em relevo ainda era evidente:

                    DARIUS, FILHO DO MARKLON.

Phury se inclinou, estupefato. Era um livro de D… provavelmente um diario.

Abriu a urna, logo franziu o cenho ante o aroma do interior. Pólvora?

Observou os objetos reunidos. No canto mais longínquo havia um velho revólver; reconheceu o fabricante e o modelo de um livro de armas de fogo com o qual tinha estado ensinando aos aprendizes. Era um Colt Navy de 1890, calibre 36, revólver de seis cilindros. Que tinha sido usado recentemente.

Tirou-o, abriu a antecâmara e pegou na palma uma das balas. Eram esféricas… e irregulares, como se fossem fabricadas à mão.

Tinha visto a forma antes. Quando tinha estado apagando os resultados médicos de V do computador no St. Francis, tinha sido cuidadoso com a radiografia do tórax que foi tirada… e tinha visto uma parte de chumbo esférico e ligeiramente irregular no pulmão de seu irmão.

—Estava aqui para ver-me?

Phury olhou por cima de seu ombro a Directrix. A fêmea estava parada sob as portas duplas, vestida com essa túnica branca que usavam todas. Ao redor do pescoço, em uma cadeia, tinha um medalhão como o seu.

—Bonita coleção de artefatos a que tem aqui —disse arrastando a voz, virando-se.

Os olhos da fêmea se entrecerraram.

—Pensaria que as gemas lhe interessariam mais.

—Na realidade não. —Observou-a cuidadosamente quando levantou o livro que tinha nas mão.─Parece o diario de meu irmão.

Quando seus ombros relaxaram, Phury quis matá-la.

—Sim, esse é o diario de Darius.

Phury lhe deu um golpezinho à capa do livro, logo ondeou a mão para as gemas.

—Me diga algo… este lugar se mantém fechado todo o tempo?

—Sim. Do ataque.

—Você e eu somos os únicos que temos as chaves, não é? Odiaria que acontecesse algo ao que há aqui.

—Sim. Só nós dois. Ninguém pode acessar aqui sem meu conhecimento ou presença.

—Ninguém.

Seus olhos flamejaram com irritação.

—A ordem é para ser mantida. Passei anos treinando às Escolhidas nas condutas próprias de sua fila.

—Sim… então que a aparição de um Primale seria uma irritação para você. Porque agora eu estou no comando, não?

Sua voz desceu de volume.

—É correto e próprio que você governe aqui.

—Sinto muito, pode voltar a dizer isso? Não a escutei muito bem.

Os olhos da fêmea ferveram com veneno durante uma fração de segundo… o que confirmou a Phury suas ações e motivo: a Directrix tinha atirado em Vishous. Com a pistola da urna. Queria continuar governando, e sabia condenadamente bem que se viesse um Primale, no melhor dos casos seria a segunda no comando sob um macho. Na pior, poderia perder todo seu poder simplesmente porque o macho não gostasse da cor de seus olhos.

Quando fracassou no intento de matar V, desistiu… até poder tentá-lo de novo. Sem dúvida, era o suficientemente inteligente e má para defender seu território até que se acabassem os irmãos ou o cargo do Primale começasse a parecer maldito.

—Iria dizer algo, não é verdade? —apontou Phury.

A Diretriz tocou o medalhão que pendurava de sua garganta.

—Você é o Primale. É o governante aqui.

—Bem. Me alegro de que ambos tenhamos isso claro. —Voltou a dar um golpezinho ao diario do Darius—Vou levar isso comigo.

—Não vamos nos reunir?

Phury caminhou para ela, pensando que se tivesse sido um macho, lhe teria partido o pescoço.

—Não, neste momento não. Tenho algo de que me ocupar com a Virgem Escriba. —inclinou-se, pondo a boca ao lado da orelha dela— Mas voltarei por você.

Vishous nunca tinha chorado antes. Durante toda sua vida nunca, jamais tinha chorado. depois da merda pela que tinha atravessado, tinha chegado ao ponto em que tinha decidido que tinha nascido sem dutos lagrimais.

Os acontecimentos passados até agora não tinham mudado isso. Quando Jane tinha jazido morta entre seus braços não tinha chorado. Quando tentou cortar a mão na Tumba como um sacrifício e a dor tinha sido incrível, ali não houve nenhuma lágrima. Quando sua odiada mãe o tinha lembrado que o ato que esteve aponto de cometer, suas bochechas permaneceram secas.

Mesmo quando a Virgem Escriba pôs a mão sobre o corpo de Jane e tinha observado aturdido como sua amada era reduzida a cinzas, não tinha chorado.

O fazia agora.

Pela primeira vez desde seu nascimento, as lágrimas rodavam por seu rosto e empapavam o travesseiro.

Tinham começado quando uma visão de Butch e Marissa no sofá da sala do Pit chegou a ele. Clara… tão clara. V não só podia ouvir seus pensamentos na cabeça, mas sim sabia que Butch estava se imaginando com Marissa na cama com sutiã negro e jeans azuis. E Marissa estava imaginando-o lhe tirando os jeans azuis e pondo a cabeça entre suas coxas.

V sabia que em seis minutos Butch ia tomar o suco de laranja que Marissa tinha na mão e o poria na mesa de café. Ele ia derramar, porque o copo ia aterrissar no canto de um Sport Illustrated, e o suco ia cair nas calças de Marissa. O poli ia usar como desculpa para levá-la mais à frente do vestíbulo e tê-la disposta e nua.

Exceto no caminho, deteriam-se frente à porta de V e perderiam os impulsos sexuais. Com olhos tristes, iriam à cama e se abraçariam um ao outro em silêncio.

V pôs um braço sobre seu rosto e chorou incontrolavelmente.

As visões haviam retornado, a maldição do futuro retornava a ele.

As encruzilhadas de sua vida estavam acabadas.

O que significava que esta seria sua existência de agora em diante: Não ia ser nada mais que uma casca vazia que jazia perto das cinzas de sua amada.

E totalmente seguro, em meio de seu pranto escutou ao Butch e Marissa cruzar pelo vestíbulo, escutou-os deter-se frente a seu quarto, então os ouviu fechar sua porta. Não lhe chegou nenhum som de sexo amortecido pela parede que havia entre os quartos, nenhum golpe violento de cabeceira, nenhum som de gritos e gemidos.

Justo como tinha visto. No silêncio que seguiu, V limpou as bochechas, então se olhou as mãos. A direita ainda pulsava um pouco pelo dano que se fez. A esquerda brilhava como sempre o fazia…e as lágrimas eram brancas contra a cortina de fundo de sua iluminação interior, brancas como a íris de seus olhos.

Tomou um profundo fôlego e olhou o relógio.

A única coisa que o mantinha respirando era o anoitecer. Certamente teria matado a si mesmo a estas horas —teria pego a Glock, a teria colocado na boca e teria disparado nos miolos—Se não fosse pelo anoitecer.

Estava tomando-o como uma missão pessoal erradicar à Sociedade Lessening. Ia levar o resto de sua vida, mas isso estava malditamente bem, porque não havia nada mais ali fora para ele. E teria preferido deixar à Irmandade fazê-lo, mas Butch morreria sem ele, então ia ter que ficar.

Abruptamente, franziu o cenho e olhou para a porta.

Depois de um momento limpou o rosto e disse:

—Estou surpreso de que simplesmente não entrasse.

A porta se abriu sem a ajuda de uma mão. No outro lado, a Virgem Escriba permanecia erguida no corredor, a negra túnica cobrindo-a da cabeça até os pés.

—Não estava certa de ser bem-vinda —disse em voz baixa enquanto entrava no quarto.

Não levantou a cabeça do travesseiro. Não tinha nenhum interesse em honrá-la de nenhum modo.

— Sabe qual é sua boa-vinda.

—Efetivamente. Então irei diretamente ao propósito de minha visita. Tenho um presente para você.

—Não o quero.

—Sim. Sim o quer.

—Vai a merda. —Sob a túnica, sua cabeça pareceu cair. Não é que desse uma merda por não ferir seus preciosos sentimentos— Vai.

—Irá quere-lo...

Ergueu-se de forma brusca.

—Você tomou o que queria…

Uma forma transpassou a porta, uma forma fantasmal.

— V…?

—E a devolvo —disse isso a Virgem Escriba—De certo modo.

Vishous não escutou uma palavra do que dizia, porque não podia compreender o que estava contemplando. Era Jane…ou parecia. Era o rosto de Jane e o corpo de Jane, mas era… uma aparição transparente.

—Jane?

A Virgem Escriba falou enquanto se desmaterializava.

—Não precisa me agradecer. Somente deve saber que sua maldição é o modo em que poderá tocá-la. Adeus.

De acordo, no que se refere a reuniões românticas, esta era estranha e incômoda.

E não só porque Jane sentia que poderia ser classificada como fantasma.

Vishous se via como se fosse desmaiar. O que doía. Era inteiramente possível que não gostasse desta forma, e então onde ficaria ela? Quando a Virgem Escriba foi a ela no céu, ou o que queira que fosse esse lugar, e lhe tinha dado a oportunidade de retornar, a resposta tinha sido dada sem pensar. Mas agora que estava de pé frente a um macho completamente aturdido, não estava tão certa de ter feito o correto. Possivelmente havia sobre…

Levantou-se da cama, cruzou o quarto, e vacilando um pouco pôs a mão brilhante sobre seu rosto. Com um suspiro se inclinou contra sua mão e o calor de sua carne.

—Esta é você? —disse roucamente.

Assentiu e se estendeu para alcançar suas bochechas, as quais estavam um pouco vermelhas.

—Esteve chorando.

Capturou sua mão.

—Sinto você.

—Eu também.

Tocou-lhe o pescoço, o ombro, o esterno. Atraiu seu braço para diante e o olhou… bom, olhou através dele.

—Um... sei que posso me sentar sobre coisas —disse sem nenhuma razão em particular— Quero dizer… enquanto estava esperando fora no vestíbulo me sentei no sofá. Também movi um quadro na parede, pus uma xícara de volta em seu pires , peguei uma revista. É um pouco estranho, mas tudo o que tenho que fazer é me concentrar. —Merda. Não tinha nem idéia do que estava falando— A, ah… Virgem Escriba disse que posso comer mas que não tenho porquê. Disse… que posso beber, também. Não estou muito segura de como funciona tudo, mas ela parece sabê-lo. Sim. Então. De qualquer modo, acredito que me vai levar algum tempo fazer à idéia, treinamento, mas…

O pôs as mãos em seu cabelo e se sentiu como havia se sentido antes. Seu corpo não existente registrava as sensações exatamente como o tinha feito antes.

V franziu o cenho, logo se viu francamente zangado.

—Disse que se requeria um sacrifício. Trazer alguém de volta. O que lhe deu? Com o que negociou?

—O que quer dizer?

—Não dá nada sem pedir algo em troca. O que tirou de você?

—Nada. Nunca me pediu nada.

Sacudiu a cabeça e pareceu como se fosse falar. Mas então envolveu seus grandes braços ao redor dela e a sustentou contra seu trêmulo corpo brilhante. Não era como em outros momentos quando tinha que concentrar-se para permanecer sólida, com V simplesmente acontecia. Contra ele, era corpórea sem nenhum esforço por sua parte.

Podia dizer que estava chorando pelo modo em que respirava e o fato que se apoiava nela, mas sabia que se fazia alguma menção disso, ou tentava lhe tranqüilizar com palavras, deteria-se em um segundo. Então só o abraçou e o deixou fazer.

Mas então, teve que ocupar-se em manter-se ela mesma de uma peça.

—Pensei que nunca conseguiria fazer isto de novo —disse em com uma voz que se quebrava.

Jane fechou os olhos e o apertou, pensando nesse momento na névoa quando lhe deixou ir. Se não tivesse feito isso, não estariam aqui, não é?

A merda com o livre-arbítrio, pensou. Tinha acreditado no destino, sem importar quanto doesse a curto prazo. Porque o amor em suas diferentes formas sempre perdurava. Era o infinito. O eterno. Isso que sustentava. Não tinha nem idéia do que ou quem era a Virgem Escriba. Não tinha nem idéia de onde tinha estado ou como tinha retornado. Mas estava segura de uma coisa.

—Estava certo —disse contra o peito de V.

—Sobre o que?

—Sim. Acredito em Deus.

Na noite seguinte John não tinha aula, então se sentou à primeira refeição com os irmãos e suas mulheres. O humor da casa era grandemente mais alegre do que tinha sido nas semanas anteriores. Mas certo como a merda, que ele não compartilhava essa frivolidade.

—Então em definitivo —estava dizendo Phury— fui ver a Virgem Escriba e lhe contei sobre a bala.

—Jesus Cristo. A Directrix. —Vishous se inclinou para frente, levando a mão da Jane com ele— Tinha assumido que tinha sido um lesser.

V não tinha solto a sua cirurgiã desde que se sentaram juntos, como se tivesse medo de que fosse desaparecer. O que era bastante compreensível. John tratava de não olhá-la fixamente, mas era difícil não fazê-lo. Estava usando uma das camisas de V e um par de jeans, preenchendo-os como se fosse normal. Mas o que estava dentro era… bom, supunha, um fantasma.

—É obvio que o fez —disse Phury enquanto se voltava para Bela e lhe oferecia o prato de manteiga— Todos o fizemos. Mas essa fêmea tinha um tremendo motivo. Queria permanecer no comando, e sim, com o Primale em cena, isso não ia acontecer. Um cenário típico de luta pelo poder.

John olhou à silenciosa fêmea loira que se sentava do outro lado de Phury. Homem,a escolhida era linda… linda de forma etérea em que o eram os anjos, com um brilho sobrenatural emanando dela. Mas não era feliz. Bicava a comida e mantinha os olhos baixos.

Bom, salvo pelas ocasiões em que olhava para Phury. Que era geralmente quando ele falava ou olhava para Bela.

A voz de Wrath soou dura na cabeceira da mesa.

—A Directrix tem que morrer.

Phury esclareceu a garganta e tomou o prato de manteiga que Bela estava devolvendo.

—Pode considerar isso como… feito, meu Senhor.

Santa merda. Havia Phury…?

—Bem. —Wrath assentiu como se o entendesse perfeitamente e o aprovasse— Quem vai substitui-la?

—A Virgem Escriba perguntou a quem queria em seu lugar. Mas não conheço nenhuma…

—Amalya —disse a Escolhida loira.

Todas as cabeças giraram em sua direção.

—Desculpe? —perguntou Phury— O que foi o que disse?

Ao falar, a voz da Escolhida era adorável soava como campainhas ao vento, doce e melodiosa.

—Se não o ofender, posso sugerir à Escolhida Amalya? É cálida e amável e tem a categoria adequada.

Os olhos amarelos de Phury pousaram sobre a fêmea, mas seu rosto era reservado, como se não estivesse certo do que lhe dizer nem do que fazer com ela.

—Então é a ela a quem quero. Obrigado.

Seus olhos se elevaram para os dele por um instante, com as bochechas tingindo-se de um tom rosa. Mas então Phury afastou o olhar e também o fez ela.

—Todos teremos a noite livre —disse Wrath abruptamente— Precisamos um tempo para nos reagrupar.

No outro lado da mesa Rhage riu burlonamente.

—Não nos obrigará a jogar Monopoly outra vez verdade?

—Sim. —Um gemido coletivo se elevou da Irmandade, um que Wrath ignorou— Logo depois do jantar.

—Tenho algo que fazer —disse V— Voltarei o mais depressa que possa.

—Muito bem, mas então será o sapato ou o cão. Eles sempre jogam primeiro.

—Posso viver com isso.

Fritz entrou com um enorme Alaska assado.

—Gosta de sobremesa? —disse o doggen com um sorriso.

Quando um “sim, por favor” coletivo, encheu a sala, John dobrou o guardanapo e pediu desculpa. Quando Beth assentiu, saiu, dirigindo-se para o túnel que havia debaixo da grande escada principal. A caminhada até o centro de treinamento não levou muito tempo, especialmente agora que seu passo estava se nivelando e estava sentindo mais cômodo com seu corpo.

Quando chegou ao escritório de Tohr, endureceu a si mesmo enquanto olhava a seu redor. O lugar realmente não tinha mudado desde o desaparecimento do irmão. Salvo pelo fato de que a horrível cadeira verde agora estava no estudio de Wrath, todo o resto estava virtualmente igual.

John foi até atrás da mesa e se sentou. Pulverizados por toda a superfície havia papéis e arquivos, alguns marcados com post-it nos quais Z tinha escrito coisas a sua pausada maneira.

   John pôs as mãos sobre os braços da cadeira de escritório, as deslizando para trás e para frente.

Odiava a forma em que se sentia nesse momento.

Odiava sentir-se zangado porque V tinha Jane de volta, quando Tohr tinha perdido Wellsie para sempre. Exceto que, não era justo. E não só pelo Tohr. John teria gostado de ter o fantasma de Wellsie em sua vida. Teria gostado que a única mãe que conheceu em sua vida estivesse ali.

Salvo que Vishous era o que tinha obtido a bênção.

E também Rhage. Com Mary.

Que merda os fazia tão especiais?

Pôs a cabeça entre as mãos, sentindo-se o pior tipo de pessoa. Invejar a felicidade e a sorte de alguém era algo horrível, especialmente se os amava. Mas era tão condenadamente difícil sentir saudades tão terrivelmente de Tohr e chorar por Wellsie e…

—Hei.

John levantou a vista. Z estava de pé no escritório, embora só Deus soubesse como as tinha arrumado para não fazer nem um som ao sair do armário.

—Em que está pensando John?

Nada.

—Quer tentá-lo de novo?

   John negou com a cabeça e baixou a vista. Ociosamente notou que a pasta de Lash estava em cima de uma pilha, e pensou no tipo. Homem, ambos percorriam um rumo destinado a colidir. O único assunto por determinar era o momento.

—Sabe —disse Z— estava acostumado a me perguntar porque eu em vez de Phury.

John levantou a vista e franziu o cenho.

—Sim, perguntava-me por que tinham raptado a mim, acabando onde terminei. Não fui o único. Phury ainda se atormenta com o fato que fosse eu e não ele. —Z cruzou os braços sobre o peito— O problema é que, ficar preso em algo ocorre a uma pessoa e não a outra nunca leva a nenhuma parte.

Desejo Wellsie de volta.

—Imaginei que por isso tinha ido. —O irmão passou a mão sobre o corte de cabelo raspado— Embora as coisas sejam assim. Acredito que há uma mão que nos guia. Apenas que essa mão nem sempre é gentil. Ou parece justa em determinados momentos. Mas não sei, agora trato de confiar nela. Quando me espanto, só trato de… merda, suponho que confiar nela. Porque ao final do dia, o que outra coisa se pode fazer? O livre-arbítrio só o leva até certo limite. O raciocínio e o planejamento também. O resto… depende de outra pessoa. Onde terminamos, a quem conheço, o que acontece com as pessoas que amamos… não temos muito controle sobre nada disso.

Mesmo Tohr.

—Todos o fazemos.

Sim, John não era o único que sofria. Devia lembrar isso.

—Então, tenho algo para você. —Z foi até um armário e o abriu— Phury me deu isso ontem. Iamos guardar o para lhe dar em seu aniversário, mas a merda com isso. Precisa-o esta noite.

Z voltou para escritório com um antigo e estragado livro forrado em couro nas mãos. Deixou-o sobre a pilha de papéis, com a grande palma apoiada na capa superior.

—Feliz aniversário, John.

Levantou o braço e John olhou para baixo.

De repente seu coração se deteve.

Estendeu a mão trêmula, e delineou as desgastadas letras que diziam:

                     DARIUS, FILHO DO MARKLON

Brandamente abriu a capa… Em uma linda e florida caligrafia havia palavras e símbolos além do imaginável, as reflexões de uma vida que tinha sido vivida fazia muito tempo. A escritura de seu pai na Antiga Língua.

Com brutalidade John tirou a mão e cobriu a boca com ela, temendo começar a chorar.

Salvo que quando levantou a vista envergonhado, deu-se conta que estava sozinho.

Z, com sua característica gentil, tinha-lhe permitido conservar o orgulho.

E agora… lhe havendo dado o diario de seu pai… também lhe tinha dado um pouco de alegria.

Depois da primeira refeição, Vishous se desmaterializou para o jardim da Virgem Escriba. Surpreendeu-se um pouco quando lhe concedeu a permissão, considerando como estavam as coisas, mas estava contente de que assim fosse.

Depois de tomar forma, franziu o cenho e deu uma olhada ao seu redor à fonte de mármore branca, a colunata e o portal que levava a área das Escolhidas. Havia algo diferente. Não estava certo do que, mas algo…

—Saudações, Senhor…

Voltou-se. Uma Escolhida estava de pé perto do que sempre tinha assumido que era a porta para os quartos privados da Virgem Escriba. Vestida com essa túnica branca com o cabelo recolhido no alto da cabeça, reconheceu-a como a que tinha ido ver como estava Cormia depois da cerimônia de apresentação.

—Amalya —disse.

Pareceu surpresa de que lembrasse seu nome.

—Sua Graça.

Então ela era a quem Cormia tinha recomendado como Directrix. Tinha sentido. A fêmea certamente parecia agradável.

—Vim para ver a Virgem Escriba —embora se supunha que já soubesse disso.

—Com todo o devido respeito, Senhor, ela não está recebendo no dia de hoje.

—Não recebe a mim ou a ninguém?

—A nenhum visitante. Há alguma mensagem que quisesse que lhe fizesse chegar?

—Voltarei amanhã.

A Escolhida fez uma profunda reverência.

—Com todo o devido respeito, Senhor, acredito que para isso então ainda se encontrará indisposta.

—Por que?

—Eu não pergunto o porque. —Seu tom era um tanto desaprovador. Como se ele tampouco devesse perguntar.

Bom, merda. Que demônios queria lhe dizer exatamente?

—Poderia lhe transmitir… que Vishous, veio lhe dizer…

Quando as palavras lhe falharam, os olhos da Escolhida se transformaram em poços de compaixão.

—Possivelmente, se não for muito atrevimento de minha parte, deveria lhe dizer que seu filho veio a lhe agradecer pelo generoso presente e pelo sacrifício que fez para sua felicidade.

Filho.

Não, não podia ir tão longe. Mesmo tendo recuperado Jane, a etiqueta parecia falsa.

—Somente Vishous. Diga que Vishous veio a lhe agradecer.

À Escolhida se entristeceu e fez outra reverência.

—Como desejar.

Observou à fêmea voltar-se e desparecer pela pequena e recarregada porta.

Espere um minuto. Havia dito sacrifício? Que sacrifício?

Voltou a olhar a seu redor, concentrando-se na fonte. Abruptamente o som da água lhe pareceu estranho. Quando tinha vindo antes…

Lentamente V virou a cabeça.

A árvore branca, com flores brancas estava vazia. Todos os pássaros cantores se foram.

Isso era o que faltava. Os pássaros da Virgem Escriba já não estavam lá, os ramos das árvores estavam vazias de cor, o ar quieto desprovido das alegres canções.

No relativo silêncio, a solidão do lugar se afundou dentro dele, o som oco da água caindo amplificava o vazio.

OH, Deus. Esse verdadeiramente era um sacrifício.

Tinha renunciado a seu amor em benefício do dele.

Em seu quarto particular, a Virgem Escriba soube o momento exato em que V se foi. Podia sentir sua forma retornando ao mundo exterior.

A Escolhida Amalya, aproximou-se silenciosamente.

—Se não a ofender, desejaria falar.

—Não tem que fazê-lo. Sei o que disse. Me deixe e volte para o santuário.

—Sim, Sua Alteza.

—Obrigada.

A Virgem Escriba esperou até que a Escolhida se retirasse e logo se voltou e olhou através da branca expansão de seu aposento. Os quartos não serviam para nada mais que passear. Como não dormia nem comia, a área do quarto e de refeição eram apenas metros quadrados sobre os que caminhar.

Tudo estava tão silencioso agora.

Flutuou de quarto em quarto, inquieta. Tinha falhado a seu filho de tantas maneiras distintas, e não podia culpá-lo por recusar-se a chamá-la por seu nome. Ainda então sentia dor.

Que se associava com outro.

Com temor olhou para o canto mais afastado de seus aposentos, para o lugar ao que nunca acudia. Ou ao menos, que não tinha ido nos últimos dois séculos.

Tinha falhado a alguém mais, na realidade.

Com o coração oprimido, foi para o canto e desejou que o duplo ferrolho que tinha a porta se abrisse. Com um vaio o selo foi quebrado, e uma fina neblina se transladou flutuando do úmido lugar. Na verdade tinha passado tanto tempo?

A Virgem Escriba entreolhou a forma envolta em sombras que flutuava em suspensão animada sobre o chão.

Sua filha. A irmã gemea de V. Payne.

Fazia muito tempo que a Virgem Escriba sustentava a idéia de que era melhor e mais seguro para sua filha permanecer repousando dessa forma. Mas agora se sentia insegura. As decisões que tinha tratado de tomar para seu filho tinham terminado de maneira ruim. Talvez acontecesse o mesmo com seu descendente do sexo feminino.

A Virgem Escriba olhou fixamente o rosto de sua filha. Payne não era como outras fêmeas, não o tinha sido desde seu nascimento. Tinha o instinto guerreiro de seu pai e a necessidade de lutar e não se sentia mais feliz passando a vida entretendo-se em jogos com as Escolhidas do que se sentiria satisfeito um leão se o enjaulassem com ratos.

Talvez tivesse chegado o momento de liberar sua filha, como tinha liberado seu filho. Parecia justo. O amparo sem dúvida tinha provado ser uma duvidosa virtude.

Ainda então, odiava deixá-la ir. Especialmente dado que não havia razões para esperar que sua filha lhe tivesse um amor maior do que lhe tinha demonstrado seu filho. Assim, perderia aos dois.

Enquanto lutava sob o peso de seus pensamentos, seu instinto lhe sugeriu que saísse ao pátio a ser consolada por seus pássaros. Entretanto não havia auxílio esperando-a ali. Não havia cantos alegres para acalmá-la.

Por isso a Virgem Escriba permaneceu nos quartos privados, flutuando através do estático e silencioso ar em um interminável passeio ao longo dos quartos vazios. Enquanto passava o tempo, a infinita natureza de sua não existência era como uma capa de agulhas que a cobria, um milhar de pequenas espetadas de dor e tristeza.

Não havia escapamento ou alívio à vista para ela, não havia paz nem bondade nem consolo. Estava como sempre tinha estado. Só no meio do mundo que tinha criado.

Jane tinha estado no apartamento de Manny Manello uma ou duas vezes. Embora não muito freqüentemente, quando tinham compartilhado tempo juntos sempre tinha sido no hospital.

Homem, a sério este era um lugar masculino. Verdadeiramente masculino. Se houvesse mais equipamento esportivo pendurando por aí se transformaria em uma loja de artigos esportivos.

Lembrava-lhe um pouco o Pit.

Percorreu a sala de estar olhando os DVDs, os CDs e as revistas. Sim, indubitavelmente se daria bem com Butch e V. Evidentemente tinha uma assinatura por toda a vida da Sports Illustrated, como eles. E conservava as edições antigas, como eles. E gostava de bebidas alcólicas, embora fosse partidário do Jack[17], não do Goose nem do Lag.

Enquanto se inclinava, concentrou sua energia para poder levantar o exemplar mais recente de 57 e se deu conta que fazia exatamente um dia que se transformou em fantasma. Tinham passado vinte e quatro horas desde que tinha aparecido junto com a Virgem Escriba no quarto de V.

As coisas estavam funcionando. O sexo como membro dos não mortos era tão bom como tinha sido enquanto estava viva. De fato, ela e V se encontrariam no apartamento de cobertura no final dessa tarde. Queria que “trabalhasse sobre ele”, conforme disse com os olhos brilhando de antecipação… e ela estava mais que disposta a consentir a seu homem.

Ab-sou-lu-ta-men-te.

Jane deixou a revista e passeou um pouco mais, logo ficou esperando junto a uma das janelas.

Isto ia ser difícil. Dizer adeus era duro.

Ela e V tinham falado de como conduzir sua partida do mundo humano. O acidente de carro que tinha encenado proveria uma explicação a seu desaparecimento. Certo, seu corpo nunca seria encontrado, mas a área onde tinha deixado o Audi era mastreada e montanhosa. Com sorte a polícia, depois de que se fizesse a investigação, simplesmente fecharia o expediente, já que não havia conseqüências materiais. Nunca ia retornar. Então não importava.

No que dizia respeito a seus pertences, o único objeto de valor que tinha no apartamento era a foto dela e Hannah. V tinha retornado e tinha recuperado a fotografia para ela. O resto de suas coisas eventualmente seriam vendidas pelo advogado que tinha nomeado executor de seu patrimônio em seu último testamento feito dois anos atrás. Os lucros seriam doadas ao St. Francis.

Lamentava pelos livros, mas V lhe havia dito que lhe compraria novos. E embora não fosse exatamente o mesmo, tinha fé que com o tempo se sentiria conectada a eles.

Manny era o único assunto sem terminar…

Ouviu o som da chave na fechadura, logo a porta se abriu.

Quando Manny entrou deixando cair uma bolsa Nike e dirigindo-se à cozinha, Jane deu um passo atrás entrando nas sombras.

Parecia exausto. E desolado.

Seu primeiro impulso foi aproximar-se dele, mas sabia que o melhor curso de ação era esperar que fosse dormir… que era o motivo pelo qual tinha vindo tão tarde, esperando que já estivesse na cama. Embora claramente, estivesse trabalhando até não se poder manter de pé.

Quando saiu ao vestíbulo tinha um copo com algo de água no interior. Fez uma pausa, olhou em sua direção com o cenho franzido… mas logo seguiu caminhando para seu quarto.

Ouviu a ducha. Pisadas. Logo uma maldição em voz baixa, como se se estivesse estirando na cama, mas estivesse contracturado.

Esperou e esperou… logo finalmente desceu pelo corredor.

Manny estava na cama, com uma toalha ao redor dos quadris e os olhos fixos no teto.

O homem não ia dormir logo.

Saiu à luz que projetava do abajur do vestidor.

—Hei.

Sua cabeça se virou bruscamente para ela, logo se sentou de um salto.

—O que…?

—Está sonhando.

—Estou-o?

—Sim, quero dizer, os fantasmas não existem.

Esfregou o rosto.

—Isto parece real.

—É obvio que sim. Os sonhos parecem assim. —abraçou a si mesma— Queria que soubesse que estou bem. Realmente estou. Estou bem e feliz onde estou.

Não havia razão para mencionar que continuava estando em Caldwell.

—Jane… —sua voz se quebrou.

—Sei. Sentiria-me da mesma maneira se seu tivesse… sido afastado de você.

—Não posso acreditar que esteja morta. Não posso acreditar que você… —começou a piscar rapidamente.

—Escuta, está bem. Prometo-lhe isso. A vida… bom, termina bem, realmente faz isso. Quero dizer, vi minha irmã. A meus pais. Alguns pacientes que perdi. Ainda estão pelos arredores, somente não estão onde podemos vê-los… quero dizer, onde você pode vê-los. Mas está tudo bem, Manny. Não deveria temer à morte. É apenas uma transição, de verdade.

—Sim, mas já não está aqui. Tenho que viver sem você.

Doeu-lhe o peito pelo tom de sua voz e o fato de que não havia nada que pudesse fazer para aliviar seu sofrimento. E doía porque ela também o tinha perdido.

—Realmente vou sentir saudades —lhe disse.

—Eu também. —voltou a esfregar o rosto— Quero dizer… já sinto saudades. Estou doente por isso. Em algum nível… demônios, pensei que íamos terminar juntos, você e eu. Parecia ser o destino. Merda, foi a única mulher que conheci que era forte como eu. Mas sei… acho que não estava destinado. Os planos dos ratos e os homens e toda essa merda.

—Provavelmente ali fora haja alguém ainda melhor.

—A sim? Me dê seu número de telefone antes de voltar ao paraíso.

Jane sorriu um poquinho, logo ficou séria.

—Não fará nada estúpido, não é?

—Fala de suicídio? Não. Mas não posso prometer que não me embebedarei até ficar atordoado umas quantas vezes nos próximos meses.

—Só faze-o em particular. Tem uma reputação de filho da puta que manter.

   Sorriu um pouco.

—Que pensará o departamento.

—Exato. —Houve um momento de silêncio— Será melhor que vá.

Olhou-a fixamente através do quarto.

—Deus, parece como se realmente estivesse aqui.

—Não estou. Isto é apenas um sonho. —deixou-se desvanecer lentamente enquanto as lágrimas lhe corriam pelo rosto— Adeus, Manny, meu querido amigo.

Ele levantou a mão e falou através do que obviamente era uma garganta estrangulada.

—Vêem ver-me alguma vez.

—Talvez.

—Por favor.

—Veremos.

Era engraçado, pensou, enquanto se evaporava, tinha a estranha sensação de que o veria outra vez.

Sim, era estranho. Como à visão do acidente de carro e o pressentimento que tinha tido de que já não ia retornar ao St. Francis, sabia que seu caminho e o do Manny Manello voltariam a cruzar-se.

O pensamento a aliviou. Odiava deixá-lo para trás. Realmente odiava.

                         Uma semana depois...

Vishous pegou o chocolate quente da cozinha e apagou o fogo. Enquanto vertia o cacau em uma taça, escutou um uivo e um:

—OH, Meu Deus!

Do outro lado da cozinha da mansão viu Rhage parado em parte dentro de Jane, como se fosse uma piscina em que se queria colocar. Os dois se afastaram de repente bem quando Vishous despia os dentes e grunhia a seu irmão.

Rhage elevou as mãos.

— Não a vi! Juro-lhe isso!

Jane riu.

— Não é culpa dele. Não estava concentrada, então que me desvaneci…

V a interrompeu.

— Rhage vai ser mais cuidadoso, não é, irmão?

Implicando que ou macho o seria, ou terminaria em cadeira de rodas.

—Sim, absolutamente. Merda.

—Eu adoro que o veja da minha maneira. —Vishous elevou a xícara, a levou a Jane, e a ofereceu. Enquanto soprava a superfície, beijou-a no pescoço. Então mordiscou um pouco.

Para ele era como sempre a havia sentido, mas para outros era algo de uma espécie diferente. Usava roupas, mas se não se mantinha sólida e alguém se chocava contra ela, as roupas se comprimiam como se não houvesse nada dentro delas, e a pessoa que estava em seu caminho basicamente andava através dela.

Era um pouco estranho. Além disso, se ocorria que fosse um de seus irmãos, o territorialismo de V disparava. Embora, a questão fosse que esta era a nova realidade, então todo mundo tinha que dirigi-la. Ele e Jane estavam fazendo a transição a sua nova situação, e nem sempre era fácil.

Mas a quem importava? Tinham um ao outro.

—Então hoje vai a Lugar Seguro? —perguntou.

—Sim, é meu primeiro dia em meu novo trabalho. Não posso esperar! —brilharam os olhos de Jane — Depois voltarei aqui para fazer o pedido do equipamento para minha clínica. Decidi pegar dois doggen e adestrá-los como enfermeiras. Acredito que é o melhor que se pode fazer pela segurança…

Enquanto Jane falava sobre os planos para a clínica da Irmandade e o que ia fazer por Lugar Seguro, V começou a sorrir.

—O que? —disse. Olhou-se, esfregou o casaco branco, depois olhou atrás dela.

—Vêem aqui, mulher. —Aproximou-a contra ele e baixou a cabeça— mencionei ultimamente o quão sexy que é seu cérebro?

—Estava mais interessado em outra coisa esta tarde, então não.

Riu ante seu irônico sorriso.

—Estava um pouco preocupado, ou não?

—Mmm, sim.

—Vou passar por Lugar Seguro depois, OK?

—Bem. Acredito que Marissa tem um problema com a rede sobre o que quer falar contigo.

Sem sequer ser consciente de fazê-lo, atraiu-a para perto e simplesmente a abraçou. Isto era exatamente o que tinha querido, esta compenetração de vidas, esta proximidade, este propósito comum. Os dois, juntos.

—Está bem? —disse brandamente para que ninguém mais pudesse ouvi-la.

—Sim. Sim, estou bem. —Pôs a boca próxima a sua orelha—. É só que… não estou acostumado a isto.

—Acostumado a que?

—A sentir... merda, não sei. —afastou-se, sentindo saudades, de seu comportamento meloso— Não importa…

—Não pode se acostumar a se sentir como se as coisas estivessem bem?

Assentiu porque não confiava em sua voz.

Pôs a mão sobre seu rosto.

—Acostume-se. E eu também.

—Senhor? Desculpe?

V olhou para Fritz.

—Hei, homem, o que acontece?

O doggen fez uma reverência.

—Tenho o que pediu. Deixei-o no vestíbulo.

—Excelente. Obrigado. —Beijou Jane— Então vejo você depois?

—Absolutamente.

Pôde sentir seus olhos sobre ele enquanto ia, e gostou. Gostava de tudo. Ele…

Bom, merda. Estava simplesmente cheio da alegria da primavera, certo?

Ao entrar no vestíbulo, encontrou o que Fritz tinha deixado na mesa ao pé da grande escada. No início não estava muito seguro de como dirigir a coisa… não queria rompê-lo. No final o sustentou brandamente nas mãos e entrou na biblioteca. Fechou as portas com a mente e enviou uma solicitude ao Outro Lado.

Sim, de acordo, não estava seguindo a etiqueta com o traje, mas estava um pouco preocupado com o que tinha nas mãos.

Quando a permissão foi concedida, se desmaterializou para o jardim da Virgem Escriba e foi saudado pela mesma Escolhida da última vez que tinha estado lá. Amalya começou a inclinar-se mas olhou para cima quando um som de gorjeio saiu das mãos cuidadosamente cavadas.

—O que trouxeste? —sussurrou.

—Um pequeno presente. Não muito. —aproximou-se da árvore branca com pétalas brancas e abriu as mãos. O periquito saltou livre e aterrissou em um ramo como se soubesse que este era seu lar agora.

O pássaro amarelo brilhante caminhou de acima a abaixo pelo braço pálido da árvore, suas pequenas patas segurando-se e soltando-se. Bicou uma pétala, soltou um gorjeio… elevou uma pata e arranhou seu pescoço.

V colocou as mãos nos quadris e calculou quanto espaço havia entre todas as pétalas de tudo os ramos. Ia ter que trazer uma grande quantidade de pássaros.

A voz da Escolhida estava cheia de emoção.

—Renunciou a eles por você.

—Sim. E eu lhe trarei uns novos.

—Mas o sacrifício...

—Foi feito. O que acontece nesta árvore é um presente. —Olhou sobre o ombro— A vou encher goste ou não. É sua escolha o que faça com eles.

Os olhos da Escolhida brilharam com gratidão.

—Ficará. E impedirão que se sinta solitária.

V tomou um profundo fôlego.

— Sim. Bem. Porque…

Deixou que a palavra se perdesse e a Escolhida disse brandamente.

—Não tem que dizê-lo.

Esclareceu a garganta.

—Então lhe dirá que são meus?

—Não terei que fazê-lo. Quem mais salvo seu filho faria algo tão amável?

Vishous olhou novamente o solitário pássaro amarelo no meio da árvore branca. Imaginou os ramos cheios de novo.

—Certo —disse.

Sem outra palavra se desmaterializou de volta à vida que lhe tinha sido dada, a vida que estava começando… a vida em que agora, e pela primeira vez, estava agradecido de ter.

 

 

[1] Doença Sexualmente Transmissível

[2] Escritora e poetisa americana vanguardista, uma figura chave do ambiente artístico e literário de sua época. Além disso, tinha uma forte personalidade, e era feminista e lésbica.

[3] Produto de limpeza muito forte que tira manchas.

[4] Scanners, filme de ficção científica do ano 1981, onde um grupo de gente ao que chamam Scanners tem fortes poderes telepáticos e telequineticos. Em uma cena o Scanner “mau” lhe faz estalar a cabeça a um dos bons.

[5] União de gigante e enorme.

[6] Jeffrey Dahmer, apelidado "O Açougueiro do Milwaukee", foi um assassino em série responsável pela morte de 17 homens entre 1978 e 1991. É conhecido não só pela quantidade de pessoas que assassinou, mas também também por praticar a necrofilia e o canibalismo.

[7] Empresa americana fabricante de óleos para carros.

[8] Bruce Wayne é o nome real do Batman. Alude à parte da cidade aonde o viveria no sentido de que é milionário.

[9] Norman Rockwell Ilustrador, fotógrafo e pintor norte-americano. As primeiras obras têm um profundo sentido anedótico; proliferam, durante inícios de século e os primeiros anos vinte e trinta, as obras que representam a meninos em diferentes atitudes, sempre enfatizando os detalhes próprios do caráter dos meninos: correndo, burlando-se de outros, tomando o café da manhã, indo à escola ou jogando beisebol.

[10] São pássaros americanos.

[11] Canal de televisão desenhado para o público masculino.

[12] Sweet Charity significa doce caridade...

[13] Marca de tira manchas

[14] Calwell Courier Journal

[15] Pássaro norte-americano de pequenas dimensões de cor branca e negro do gênero Parus, ou mais usualmente Parus atricapillus. É mais ativo em tempos frescos, e poucas vezes é visto no verão exceto em bosques profundos. Freqüentemente tem pouco medo de gente. Seu nome provém do som que emite Chick-a-dee-dee-dee. (N. da T.)

[16] Dimensão Desconhecida, série de televisão americana, especializada no gênero da ficção científica, a fantasia e o terror. Foi criada e freqüentemente escrita por seu narrador e anfitrião, Rod Serling (N. da T.)

[17] Jack Daniels marca de whisky

 

                                                                                J. R. Ward  

 

                      

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