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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AMANTE NOTURNO / Maggie Shayne
AMANTE NOTURNO / Maggie Shayne

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Antes de unir-se ao Reaper na caça de Gregor e seus renegados chupa-sangue, a princesa Topaz tinha jurado a um único vampiro: Jack Heart. Um estelionatário bonito a não poder mais, que não tinha parado até fazer um oco em sua cama, seu coração e sua conta bancária, da qual lhe tinha roubado meio milhão de dólares antes de partir sem dizer uma palavra. Embora agora se supusesse que Jack e ela estavam do mesmo lado.

Conforme a multicolorida organização do Reaper vai se dispersando, Topaz se propõe a resolver o mistério que a perseguiu em todas as suas vidas, mortal e imortal: o que ocorreu com sua mãe, a estrela do celulóide, que morreu quando ela era só um bebê? Como é que tendo quatro homens que reclamam sua paternidade esteve sempre sozinha? E o que Jack ganhará descobrindo a verdade sobre seu passado? Ela está segura de que o vampiro trama algo... Mas suas suspeitas travam uma dura batalha com seus desejos...

 

 

 

 

Mirabella Dufrane saiu da mansão de tijolo crú, situada frente à praia como se flutuasse, em vez de andar. O justíssimo vestido de estampado de caxemira, com um pronunciado decote atado ao pescoço e uma abertura até o esbelto quadril agarrando-se a cada uma de suas perfeitas curvas, apesar de apenas três meses antes ter dado à luz a sua filha. Ninguém o teria dito vendo aquele corpo.

Proliferavam as especulações em relação à identidade do pai da menina, embora ninguém esperava que Mirabella a conhecesse com segurança. E Mirabella não ia dizê-lo. Uma forma a mais de aumentar o encanto da estrela mais brilhante de Hollywood.

Era a atriz da grande tela do ano. Uma exótica mescla de italiano e espanhol, com a pele acobreada, olhos amendoados e uma figura pela que a maioria das mulheres morreria, e muitos homens matariam, Mirabella constituía o ideal de mulher. E o fato de que era tão esquiva; nunca tinha se casado e prometia que jamais o faria, não fazia se não aumentar seu tremendo atrativo. Gostava de dizer à imprensa que era um espírito muito livre para deixar-se atar, que nenhum homem poderia ser seu dono, possuí-la, nem sequer retê-la, durante muito tempo. Era uma mulher indomável. A imprensa rosa a emparelhava constantemente com este ou aquele. Políticos, homens de negócios, atores. Qualquer foto em que aparecesse ela com um homem servia de pasto aos falatórios dentro dessa horrível imprensa. Ela nunca negava nem confirmava, só sorria daquela maneira tão misteriosa, e respondia às perguntas com mais perguntas quando os repórteres jogavam a isca para ver se pescavam alguma exclusiva.

Assim era Mirabella.

No entanto, havia algo nela. Algo frágil e místico que raramente mostrava aos outros. Algo que residia sob a superfície, como a frágil concha que se estabelece suavemente no leito do mar, com a esperança de que não chegue uma violenta corrente e a carregue à superfície.

Mirabella chegou com seu leve caminhar até a limusine negra que a esperava estacionada junto à calçada. Roçava o chão brandamente com a barra de seu vestido longo, criando essa ilusão de flutuar no ar que tanto gostava. Um enxame de paparazzi multiplicava-se pelas cercanias, controlados pelos omnipresentes guarda-costas de Bela para que não se aproximassem.

Houve um tempo em que não era habitual ver semelhantes hordas de repórteres em Santa Lua, mas a pequena cidade costeira que se localizava a quarenta quilômetros de Los Angeles tinha se convertido em um paraíso para os ricos e famosos, um lugar muito caro para o cidadão comum e muito remoto para os fãs, com ambiente animado, ideal para fazer uma escapada rápida quando não tinham tempo para uma viagem de verdade. Tinham convidado Mirabella a uma festa muito exclusiva em uma propriedade conhecida como Mansão Avalon. O nome, extravagante e algo pretencioso tinha ocorrido a seus antigos donos, um casal de Hollywood que tinha alcançado seu momento de maior esplendor nos anos cinqüenta, antes de retirar-se para viver em Santa Lua. O baile de Avalon se converteu em um dos principais acontecimentos do ano, e a elite hollywoodiana morria por conseguir que seu nome estivesse na lista. Conseguir que lhe convidassem constituía um triunfo, e por isso ninguém se queixava excessivamente da imprensa.

Mirabella caminhava pelo atalho até o carro entre os flashes das câmeras que iluminavam o céu noturno, sorrindo e saudando em seu passo.

Produziu-se então um estalo de flashes de distintos tipos. Três. O sorriso de Bela se gelou ao tempo que seu corpo se convulsionava em perfeita sincronia com os três golpes de luz. Os parpados que cobriam seus olhos cor chocolate se estremeceram e as pestanas descenderam ao dirigir a vista para baixo. Começaram a brotar flores de sangue no peitilho de seu vestido de festa, em câmera lenta, como quando mostram em um filme a viagem que produzem os ácidos. Levantou a cabeça, os enormes aros de ouro de suas orelhas tilintaram.       Estendeu uma mão como se tentasse pedir ajuda, mas então se fecharam seus olhos sulcados de rugas, dobrou-se sobre si mesma e desabou sobre a calçada, com serena elegância, embora lhe tivessem metido três balas no abdômen.

Os repórteres começaram a amontoar-se ao redor enquanto seus guarda-costas se esforçavam por contê-los. A polícia, que estava ali para fazer que se respeitasse a barreira de controle de multidões, uniu-se aos guarda-costas para ajudar, e em questão de um minuto, ouviram-se as sirenes de mais polícia e uma ambulância.

— Era tarde demais para salvar Mirabella Dufrane — disse uma voz masculina vagamente familiar.

Parecia-lhe que se tratava de um antigo apresentador de notícias contratado para narrar documentários quando o substituíram por uma modelo mais jovem à frente das notícias. Não conseguia recordar o nome do homem.

— Morreu no hospital naquela mesma noite, mas a história não acaba aí, nem muito menos. O corpo da atriz desapareceu do necrotério do hospital, e segue desaparecido até á data de hoje. Após, muitos afirmarem havê-la visto. Quanto a seu assassinato, segue sem resolver.

De repente bateram na porta do motel. Jack Heart levantou a vista, incomodado pela interrupção. Então percebeu quem estava ao outro lado. Topaz.

Jack se levantou de um salto, tirou o DVD do reprodutor portátil e o meteu em sua caixa com a foto da Mirabella. Intitulava-se MORTE DE UMA DEUSA: A história de Mirabella Dufrane.

— Um momento — guardou a toda pressa o documentário na mochila, correu o feixo metálico e a guardou no armário. — Entre, Topaz — saudou quando lhe abriu a porta.

Ela entrou, e, por um momento, o olhar de Jack se centrou em seu rosto. A semelhança era sutil, mas podia notar-se na delicada estrutura óssea, as maçãs do rosto, a mandíbula, inclusive as sobrancelhas. A pele não era tão escura, nem tinha alguns traços étnicos tão evidentes como os de sua mãe, mas era igualmente deslumbrante.

Não. Mais inclusive.

— O que está olhando?

— Só pensava que é uma pena que não seja por dentro igual é por fora.

— Ah, sou eu quem finge ser o que não é? Que eu me lembre, era você que me professava devoção eterna até que se esfumou com meio milhão dos dólares que tanto suor me custou ganhar.

— Herdar não é ganhar com o esforço do trabalho.

— Foi em meu caso — entreabriu os olhos. — E você como sabe que o herdei?

Ele parou de olhá-la. Topaz tinha a impressão de que nenhum de seus amigos vampiros sabia o que tinha sido na vida. E pode ser que nenhum soubesse... Exceto ele. Ele sim sabia. Agora.

— Acertei por pura casualidade — murmurou.

—Sim, bom. Suponho que a outra metade de meu dinheiro não apareceu em sonhos, ou sim?

— Devolvi-te a metade que eu tinha. Já lhe disse isso. Gregor tem o resto. Conseguirei que me devolva isso assim que investigue onde está. Prometo-lhe.

— Infelizmente, sei o pouco que valem suas promessas, Jack — se encolheu de ombros. — E estou quase segura de que chegamos a um beco sem saída no que se refere a seguir a pista de seu ex-chefe.

— O que quer dizer?

— Quero dizer que acabou. Reaper convocou uma reunião dentro de uma hora. Estou quase certa de que vai dispersar o grupo, e nos enviar cada um para seu lado. Pelo menos até que tenhamos uma pista de onde anda Gregor.

Jack lhe percorreu o corpo com o olhar enquanto falava, sem atender virtualmente o que estava dizendo. Jeans justos, diminuta camisa de seda, seus peitos se marcavam contra a malha. Só a estava olhando, mas seus mamilos se arrepiaram, como se realmente a houvesse tocado. Jack se levantou e se aproximou dela.

Topaz ficou tensa e em seus olhos apareceu uma sombra de receio, mas não retrocedeu. Não, era orgulhosa demais para isso.

Jack lhe acariciou a bochecha com a gema do dedo.

— Sim eu cumpri algumas de minhas promessas... Como quando te prometi que a faria gritar, que te tocaria como ninguém nunca o tinha feito e ninguém jamais o faria. Não violei nenhuma dessas promessas, Topaz.

Ela fechou os olhos e o fôlego lhe escapou por entre os lábios em um lento e suave suspiro.

         Jack inclinou a cabeça até ficar a milímetros dos lábios dela e então sussurrou:

— Se ficar ao meu lado um pouco, cumpri-las-ei novamente.

Notou que o corpo de Topaz reagia. Notou como se lançava o seu, notou sua saudade, seu desejo. Chegou inclusivé para ouvi-lo na entrecortada forma de sua resposta vacilante, viu-o na maneira em que lhe tremiam os lábios ao falar, enquanto fechava os olhos e se balançava contra ela, a ponto de beijá-la.

— Poderia fazê-lo. Ou você poderia ir a merda — sussurrou ela.

Jack franziu o cenho e abriu os olhos. Os dela estavam recobertos de uma pelicula de gelo, que ocultava a espiral emocional em que se encontrava, Jack tinha certeza disso.

— Odeio-te, Jack.

— Deseja-me — replicou ele, afastando-se dela.

— Uma coisa não invalida a outra.

— De acordo. Como queira. Estarei preparado para a reunião.

Retrocedeu uns centímetros mais, para relaxar um pouco fundamentalmente. De acordo, ela era um objetivo, embora seja certo que era o único que tinha lamentado. Mas a desejava como não tinha desejado a nenhuma outra mulher. E estava decidido a tirá-la da cabeça de uma vez por todas.

— Por que veio Topaz?

— Para te dar isto — tirou um pedaço de papel do bolso do jeans e o entregou. — E para te dizer adeus.

Ele o desdobrou, viu que se tratava de uma direção e rapidamente dirigiu sua atenção de novo a ela.

— Vai a algum lugar?

— Estarei aí — lhe fez um gesto com a cabeça ao papel que acabava de lhe dar.

— E não podia ir sem despedir-se antes, sem me informar aonde estará em caso de que...

— Em caso de que consiga manter uma promessa pela primeira vez em sua vida e devolva-me o resto do meu dinheiro. Queria que soubesse para onde tem que enviá-lo. E será melhor que o faça, Jack. Porque se não o tenho antes que termine com uns assuntos que tenho pendentes na Califórnia, perseguir-te-ei e te farei mal. E não da forma que você gosta.

Dizendo isto se virou e pôs a mão na maçaneta da porta.

Jack lhe aferrou o ombro e a obrigou a dar a volta para olhá-lo.

— Isso é uma bobagem e sabe. Não podia ir sem se despedir de mim porque ainda sente algo — lhe rodeou a cintura com um braço, baixou a mão a seu traseiro e a apertou contra ele. — Admite-o.

—Bom, pois sim, sinto algo — lhe espetou ela. — Desprezo. Asco. Raiva.

— Luxúria. Paixão. Desejo.

—Desejo te assassinar, isso é certo — acrescentou ela.

Cravou-lhe os quadris, e Topaz fechou os olhos, incapaz de conter o calafrio que lhe percorreu o corpo.

— Afaste-se de mim, Jack.

Ele a soltou, sem deixar de observar seu rosto em busca da confirmação de que seguia sentindo tanto quanto ele, as coisas físicas que tinham sentido, não as outras. Mas antes que pudesse confirmar nada, Topaz saiu batendo com a porta.

Jack suspirou enquanto passava a mão pelo cabelo, totalmente frustrado. Então recuperou a razão e se lançou para a porta a olhar pelo olho mágico.

Topaz estava em pé ao outro lado, apertando-se com as mãos a cabeça inclinada. Parecia como se tivesse vontade de gritar.

Só que ele não sabia se de raiva ou de desejo. Maldita seja.

Jack se perguntava por que partia. Apostaria que para fugir dele. Mas por que ir até a Calif...?

Deu lentamente a volta olhando ao armário, mas vendo interiormente cortes do documentário que estava vendo antes de que Topaz chegasse, ouvindo a voz do narrador. Baixou a vista para o pedaço de papel que lhe tinha entregado: Mansão Avalon. Santa Lua. Califórnia.

Ai, Deus, ia ao lugar onde assassinaram a sua mãe. Ia tentar resolver o mistério mais fascinante de todo Hollywood.

«Podia ser perigoso».

Talvez devesse acompanhá-la. Só tinha que procurar uma desculpa plausível. Tirou a mochila do armário, abriu-a e colocou a mão. A bolsa com o dinheiro que havia jurado a Topaz que não tinha seguia intacta. Talvez tivesse que terminar devolvendo-lhe cedo ou tarde e utilizá-lo como prova de sua sinceridade e suas boas intenções. Os mesmos motivos pelos quais lhe havia devolvido a primeira parte. Não tinha funcionado por completo, mas sim tinha servido para abrir uma brecha no muro que Topaz tinha levantado ao redor de seu coração para protegê-lo dele.

Talvez tivesse que lhe devolver o resto para ganhar sua confiança.

Provavelmente não deveria perder tempo. Claro que tinha que estar perto de um dos membros do grupo, porque, desta vez, perseguia um peixe muito mais gordo, e para alcançar seu objetivo era crucial ter acesso ao Reaper. Entretanto, colar-se como um marisco ao chefe seria muito óbvio. E visto que o grupo se ia separar no momento, teria que escolher um membro ao que colar-se. Por que não Topaz?

E o quê se tivesse que lhe devolver o resto do dinheiro? Estava quase seguro de que, desta vez, haveria mais de quinhentos mil dólares em jogo.

Mexeu no envelope pardo que havia dentro da bolsa com o dinheiro e o DVD. Levava impressas as palavras CONFIDENCIAL: PROPRIEDADE DA CENTRAL DE INTELIGÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS. O tinha encontrado na caixa forte de seu anterior chefe, junto à metade do dinheiro de Topaz que tinha Gregor.

Talvez, só talvez, e se jogasse bem suas cartas, pudesse fazer o que fosse preciso fazer, com o que tinha encontrado dentro do envelope e manteria a metade do que tinha extorquido a Topaz.

A idéia lhe provocou certa tensão na nuca e certo mal-estar no estômago. Pigarreou e sacudiu de cima as desconhecidas sensações. A culpa não era mais que energia esbanjada.

Tirou o DVD e disse que não havia mais remédio que devolvê-lo a Topaz antes que percebesse sua ausência. Se chegasse a averiguar que tinha estado farejando entre suas coisas, ficaria muito, mas muito zangada quando se apresentasse ante a porta de sua casa frente ao mar.

 

Depois de sair do quarto de Jack, Topaz apertou a cabeça entre as mãos e esperou que passasse o desejo selvagem que lhe tinha arrasado as veias, e que cessasse o tremor que se havia apoderado do seu corpo. Desejava-o. Pelo amor de Deus, era um desejo feroz como um vício.

Sabia que não era bom. E com tudo isso ainda o desejava. Não era bom para ela, não era bom, ponto. E mesmo assim morria de vontade de que a beijasse. Se voltasse a cair naqueles fortes braços, sabendo o que sabia dele, seria a mulher mais patética, autodestrutiva e estúpida do planeta. E estava decidida a não ser nenhuma das três coisas.

— Está bem?

Levantou a cabeça e se deparou com os olhos de Roxy. Roxy, a mortal ruiva, selvagem e irreverente, de idade misteriosa. Era pouco provável que o antígeno da beladona que levava no sangue, distintivo dos humanos com potencial de converter-se em vampiros, tivesse-lhe permitido viver tanto como tinha vivido, mas não mostrava sinais de que estivesse debilitada. Roxy. Topaz não podia imaginar que houvesse outra mortal de mais confiança que aquela. Uma das mulheres mais atractivas e belas em qualquer idade que tivesse visto alguma vez. E facilmente a mais criteriosa.

— Continua desejando a esse bode, verdade? — perguntou Roxy, que se aproximava pelo corredor.

— Isso significaria que sou idiota, e não o sou, Roxy.

— Não, é certo, mas nem sempre podemos evitar sentir o que sentimos.

— Eu sim. Para começar, não me interessa me apaixonar por um estelionatário, e muito menos tropeçar duas vezes na mesma pedra. De jeito nenhum.

— Ok, está bem. Não deixe que volte a te extorquir — Roxy se encolheu de ombros.          — Mas isso não significa que não possa acontecer um bom momento com ele — jogou uma olhada à porta fechada de Jack. — Inferno, se não fosse porque sei que você continua gostando dele, eu mesma faria uma boa brincadeira com ele. Claro que isso o deixaria incapacitado para apaixonar-se por outra mulher, mas sabe? Há coisas que não se podem evitar — piscou-lhe o olho.

Topaz sorriu agradecida pela influência, sempre edificante, de Roxy.

— Estão todos na caminhonete já?

— Vixen e Seth sim. O mais provável é que estejam montando na parte de trás. Já os conhece. Raphael vem a caminho. Só o demônio sabe onde está Briar. Ainda não comentei nada da reunião a Ilyana. A verdade é que ia fazer isso.

— Vamos juntas.

Roxy assentiu com a cabeça, e se afastaram juntas pelo corredor do motel Super 8, em direção ao quarto que Ilyana ocupava, uma mortal recém chegada. Era uma das Escolhidas, como Roxy, embora muito mais jovem, que tinham encontrado presa em uma jaula na suíte de Gregor durante sua última briga com o chefe dos renegados. Resgataram-na, mas tinha-lhes medo, e não era de estranhar, se a única experiência que tinha tido com os não mortos tinha sido com aquele monstro. Não havia lhes dito quase nada. Nem por que a tinha encerado, nem desde quando. Topaz só podia imaginar o muito que teria sofrido durante seu cativeiro a cargo de Gregor, embora não era ingênua para pensar que teria sido pouco menos que horroroso.

Roxy deu uns golpes na porta.

— Ilyana, sou Roxy.

A porta se abriu e do outro lado estava a mortal, com seu muito curto cabelo loiro platinado e seus assombrosos olhos azuis, as olhando. Um olhar cálido e acolhedor para Roxy, que se esfriou enormemente quando olhou para Topaz.

— O que querem?

— Há uma reunião do grupo — lhe disse Roxy. — Na caminhonete.

Ilyana procurou com o olhar no rosto de Roxy, desviando de vez em quando para Topaz, mas só momentaneamente. Ainda estava receosa.

— Vamos deixar de procurar o Gregor? — perguntou ao final.

— Fazer um descanso, talvez. Abandonar definitivamente a busca? Não. Raphael é muito teimoso — respondeu Roxy.

Ilyana assentiu e se virou.

— Vou pegar minhas coisas. Em seguida saio.

— Está bem — Roxy fechou a porta e entrelaçou o braço com o de Topaz. — Sabe? Ele está tão apanhado como você.

— Quem está apanhado? — perguntou Topaz, fingindo não saber do que lhe falava Roxy.

— Ele... — Roxy assinalou para o quarto de Jack — está apanhado — levou os punhos ritmicamente aos flancos enquanto lhe propulsava a pélvis de trás prá frente — por ti — lhe cravou o dedo indicador no peito antes de acrescentar: — Igual a você — golpeando de leve com o dedo — está apanhada — propulsão de pélvis — por ele.

Ok, ok. Já conseguiu. E para de fazer a representação. Isso é asqueroso.

Roxy franziu o cenho.

— Os homens geralmente parecem bem sexy, mas suponho que sendo uma garota tão convencional...

— E te equivoca. Não sente absolutamente nada por mim.

— Nem sequer... — Roxy propulsou a pélvis de detrás para frente, embora um pouco mais sutil desta vez.

— Bom, sim, isso. Quero dizer, quem não?

— Exato.

— Mas isso é físico. Cortaria-me o pescoço se lhe deixasse. Ou pegaria o meu dinheiro e fugiria outra vez.

— Então por que se supõe que veio? — Roxy olhou nos olhos de Topaz um bom tempo, quase como se esperasse que a resposta a algo que tinha que saber fosse uma pergunta impossível. — Te roubou o dinheiro — continuou. — Então por que não fugiu?

— Voltou quando parecia que nosso grupo estava a ponto de lhe chutar o traseiro por você.

— Poderia ter ido a qualquer parte se o que queria era fugir de Gregor e os renegados, Topaz. Não era necessário que se unisse a nós. Acredito que deveria ter isso em conta.

— Provavelmente imaginou que me sobraram alguns dólares no banco. Ou talvez planeje extorquir a algum de vocês agora.

Roxy arqueou as sobrancelhas e olhou por cima do ombro em direcção ao quarto de Jack.

— Inferno, pois valeria a pena. Não sei quanto haverá em meu fundo de pensões neste momento.

— Foda-se, Roxy.

Roxy sorriu de orelha a orelha.

— Não faço isso, Topaz. Embora elogie seu bom gosto em mulheres.

Topaz lhe deu uma suave cotovelada nas costelas de sua amiga, notando que seu cenho ia dissolvendo, e as duas ficaram rindo a gargalhadas enquanto se dirigiam ao estacionamento do lúgubre motel, para uma caminhonete de cor amarelo canário chamada Shirley.

Jack esperou que todos tivessem saído para a reunião para sair sem ser visto de seu quarto e percorrer o corredor até o de Topaz. Forçou a fechadura com a mente; a mão na maçaneta, o ouvido colado à porta, forçando a fechadura a destrancar. Quando o fez, abriu e entrou.

Topaz tinha as malas feitas e empilhadas. Meia dúzia pelo menos. De desenho, todo o jogo, da marca Coach. Acreditava que só faziam sapatos e bolsas. E custavam uma fortuna. Quanto lhe haveria custado um jogo completo de malas?

Maldita seja, devia ter lhe deixado ainda muito dinheiro se podia permitir-se gastar dessa forma.

Suspirou, olhou para a cama revolta, e notou que lhe fechava a garganta. Não fazia a cama. Isso ela deixava à criada, junto com uma generosa gorjeta na mesa de cabeceira em agradecimento pelas moléstias. A desordem dos cobertores, arrastados para os pés da cama, deixava à vista o contorno de seu magro corpo sobre o colchão, a marca de sua cabeça no travesseiro.

Maldita seja.

Sem dar-se tempo para pensar no que fazia, Jack se deitou na cama e colocou o rosto no lugar ao qual ela tinha dormido, inalando seu aroma, desejando que fosse corpo em carne e osso o que tinha debaixo de si e não sua cama vazia.

A essência de seu corpo, que Topaz tinha deixado ali era embriagadora.

Sentou-se na cama agitando vigorosamente os cabelos.

— Fique esperto, Jack.

Era mais fácil dizê-lo que fazê-lo, mas conseguiu arrancar-se da cama e ficar em pé. Recordou-se por que estava ali, e o fato de que outros o estariam esperando na caminhonete e talvez lhes ocorresse enviar alguém para buscá-lo. De acordo. Colocou o DVD em uma das peças da bagagem e saiu do quarto, assegurando-se de que a porta ficasse bem fechada atrás de si.

Endireitou a coluna e confiou que seu rosto não delatasse o desejo que sentia por dentro, mas então pensou o que aconteceria se notassem? Desejava-a, isso era tudo. Era algo físico. Sexual. Luxurioso. E se não era isso, deveria, porque seu corpo desenhava um T cada vez que pensava na apetecível e preciosa Topaz antes conhecida como Tanya DuFrane, filha da atriz.

Uma atriz morta.

Dirigiu-se ao final do corredor em direção à saída, atravessou o estacionamento e subiu à caminhonete pela porta aberta, jogando uma rápida olhada aos assistentes uma vez dentro. Na fila de atrás estavam sentados Vixen e Seth, sentados tão juntos que se poderia ter acoplado um lenhador ao lado de cada um, mas só estava Ilyana. Na parte dianteira, Reaper estava no assento do co-piloto e Roxy atrás do volante, como sempre. A fila central alojava Briar, com a mesma expressão pensativa, centrada em seu mundo interior que levava desde o dia que lhe arrancaram o colar de adestramento que Gregor tinha lhe colocado. Antes de cair nesse estado de silêncio, brigou como uma fera selvagem, lhes bufando e lhes arranhando à menor oportunidade. Comportou-se como uma bruxa perigosa, de pouca confiança e má até dizer basta. Mas, francamente, preferia isso a esta espécie de carapaça.

Mas despertaria, cedo ou tarde. E apostava a que quando acontecesse todos desejariam que voltasse para seu estado silencioso e pensativo.

Junto de Briar se sentava seu objeto de desejo. Topaz. Olhou-a brevemente aos olhos, só para lhe recordar que ela também sentia; aquele desejo, aquele desejo voraz, que sentia e ele sabia, e ela sabia que ele sabia. Não tinha sentido dar voltas ao assunto.

Ao final sentou- se entre as duas mulheres.

— Já era hora — resmungou Topaz.

Briar não disse nada. Não tinha grande coisa que dizer desde que a resgataram das garras de Gregor, que a tinha estado torturando da mesma forma em que ela o tinha ajudado pessoalmente a torturar Vixen. Um reverso da sorte, miúda forma de triunfar. Supunha que isso deixava às garotas totalmente confusas.

Tinha uma expressão de angústia nos olhos.

Não pude evitar lhe dar um suave toque justo debaixo do queixo.

— Não fique tão cabisbaixa, fera. Gregor enganou a nós dois.

Ela levantou os olhos negros e o olhou, mas não lhe sustentou o olhar.

— Não te enganou — disse com voz apagada. Um tom monótono no qual ressonava o eco por falta de emoção, igual a uma habitação sem móveis. — Você sabia o que ele era, todo o tempo. Você só jogava com ele.

Jack se encolheu de ombros.

— Bom isso é porque eu tenho mais tempo por aqui que você. A gente aprende a partir de suas experiências, você sabe — se sentiu incômodo ao ver o torvelinho emocional sob a superfície dos olhos da garota e deslocou o olhar para o Reaper. — O que se passa? Atiramos a toalha?

— Só temporariamente. Até que receba alguma pista do paradeiro de Gregor não tem sentido que tenhamos que estar todos juntos.

— Como tampouco o tem que nos separemos — apontou Seth, inclinando o corpo para frente em seu assento. — Não lhes parece? — Acrescentou, olhando ao seu redor.

Elevou-se um murmúrio de conformidade entre os outros que Reaper interrompeu dizendo:

— O certo é que sim o tem. Eu... Bom... Acredito que estão me seguindo.

Jack afogou uma exclamação mais forte que ninguém. Inferno. Provavelmente fora um exagero. Topaz lhe cravou um olhar de desconfiança, que ele fingiu não ver.

— Quem? — Quis saber.

— Não sei com certeza, mas me soa muito.

— Crê que são da secreta? —perguntou Seth.

— Ninguém diz “secreta” hoje em dia, filho — Reaper tragou com dificuldade e assentiu. — Mas sim. Acredito que são da Agência. Podem ser perigosos, e não tem sentido pôr a todos em perigo.

Roxy deu uma palmada em cima do volante.

         — Estupendo. Assim nos mandas em viagem enquanto enfrenta você sozinho a polícia— espetou-lhe. — E se lhe matarem, tampouco será uma perda tão grande.

         Ele a olhou e seus olhos se suavizaram.

— Rox, não vou fazer que me matem. Perderei-me de vista um tempo. Desaparecerei até que tenha passado o pior. E me resultará muito mais fácil sem meia dúzia de soldados às minhas costas, por muito leais que sejam. Não lhes parece?

Roxy suspirou de frustração como Jack, por não poder contradizer o argumento.

— Assim não vais seguir a pista de Gregor — a pergunta foi feita por Ilyana que estava sentada detrás de Jack.

— Bom, sim a seguirei. Mas sem chamar a atenção. Embora seja possível que me oculte uns dias antes de começar a procurar a sério, para ver se me livro desses agentes.

Todos ficaram olhando-o. Ilyana esperava como se acreditasse que ainda não tinha terminado. Reaper vacilou antes de continuar.

         — Olhe, Gregor admitiu estar trabalhando para a CIA. Suas atividades de delinquente tinham um propósito. E seu grupo tinha estado matando e alimentando-se de inocentes com o conhecimento, a aprovação e o apoio da Agência, só para que eu caísse em sua armadilha. Todos sabiam que os vampiros me enviariam para que o parasse e o eliminasse.

— Porque foi um assassino quando trabalhava para eles — disse Ilyana em tom suave. — Antes de te converter em vampiro.

—Sim. E porque são conscientes de que continuei fazendo o mesmo desde então, se a situação o requer — respondeu Reaper. — Se supunha que Gregor me capturaria e entregaria a meus antigos chefes. Mas a avareza pôde com ele, e decidiu me escorrer bem escorrido e absorver todo meu poder, para depois me matar.

Jack assentiu.

— Isso eu já sabia muito antes que trocasse de lado — disse. — Gregor apanhou o gosto por matar, de obter tudo o que queria sem remorso nem repercussões. E durante todo este tempo não deixou de embolsar dinheiro. Alimenta-se dos ricos, tentando tirar o maior proveito no caminho. Está forrando, ou melhor, está saqueando. E acredito que está bêbado de poder. Quer mais e mais.

— O poder absoluto corrompe absolutamente — citou em voz baixa Reaper.

— O que você acredita que pretendem fazer contigo os agentes da CIA se conseguirem que volte? — perguntou-lhe Jack. — Que demônios querem de ti agora que é vampiro?

— Fui o melhor assassino que jamais tiveram Jack. Imagina o que poderia fazer agora que sou vampiro. E me enlamearam a mente até tal ponto que podem me controlar para que confesse a palavra. Já viu os resultados.

— Provavelmente lhe consideram uma valiosa arma secreta — sussurrou Roxy.

Jack baixou a cabeça, incapaz de olhar aos olhos de nenhum deles.

— Não se deterão ante nada até que retorne — disse Reaper. — E isso inclui seqüestrar e até torturar a qualquer um de vocês. Minha consciência não o agüentaria. Teria que me entregar se lhes fizessem algo. Assim façam-me o favor e desapareçam, para que não tenha que fazê-lo.

Jack se deu conta de que isso tampouco podiam discutir-lhe Reaper era bom.

— Eu estou desejando ir — disse Ilyana com voz fraca. —. Mas tenho a intenção de seguir procurando Gregor. Se quiserem, aviso vos quando o encontrar.

Todos se voltaram para olhá-la. Acabava de unir-se ao grupo e não tinha nenhum motivo para envolver-se tanto na missão.

— É vingança o que buscas? — perguntou Vixen.

Ilyana a olhou.

Vixen pareceu encolher-se um pouco mais sob seu comprido cabelo acobreado e ficou a brincar com as pontas, algo que estava acostumada a fazer quando estava nervosa.

— Quero dizer que também me seqüestrou e me torturou. Mas... Sinceramente, é melhor olhar para o futuro, em vez de o passado. Por seu próprio bem.

— Não procuro vingança — respondeu Ilyana em tom firme.

— Então o que...?

         — Tem algo que me pertence. É o único que vou dizer lhes. Não descansarei até que o recupere. Assim se algum de vocês quer que o avise quando o encontrar, e vou encontrar, me digam onde posso contactar com vocês antes que vá.

Topaz meteu a mão no bolso, rabiscou um número em uma parte de papel e o entregou. Roxy fez o mesmo.

— Eu fico contigo, Reaper — disse Seth do fundo.

—Esta vez não — disse Reaper e a seguir desviou a vista para Roxy. — Nem você tampouco. Vamos meninos, me dêem uma pausa. Será só um tempo. Se dispersem e esperem. Ligarei assim que as coisas esfriarem. Não acredito que demore muito.

Ouviu-se um suspiro coletivo. Foi Topaz quem falou finalmente.

— A verdade é que eu tenho alguns assuntos pessoais para resolver. Estarei na Califórnia. Jack tem meus dados de contato.

— Pode me dar uma cópia antes de ir, carinho? — perguntou Roxy. — Eu darei aos outros.

Topaz olhou de soslaio para o Jack que lhe respondeu encolhendo os ombros, envergonhado.

— Suponho que não confiam em mim muito mais que você.

— Não os culpo, verdade.

— Toma — disse Roxy, esticando o braço para a frente de Reaper para abrir o porta-luvas. — Que tal se escrevermos cada um seus dados? Um número de móvel, um amigo, uma direção postal ou de correio eletrônico, algo. Desde que seja um meio de comunicação que nos comprometamos a revisar regularmente e não vá trocar.

Enquanto falava tirou uma caderneta e um par de canetas e foi passando.

— Que não saibam como me contatar não significa que não tentem caçá-los — disse Reaper.

Jack sacudiu a cabeça.

— Não haveria forma de saberem que temos seu número. Podem julgar que o temos, embora não seja assim.

Reaper vacilou um momento, finalmente suspirou e assentiu.

— Tem razão. De acordo.

Todos anotaram seus dados e passaram a caderneta até que todos ficaram com uma cópia dos dados dos outros.

— Posso ficar com o Mustang? — Perguntou Seth finalmente.

— Sim — respondeu Reaper. — E Roxy ficará com Shirley. Podemos lhes deixar onde queiram. Mas já vamos. Quero que nos separemos antes do amanhecer. De acordo?

— Não exatamente — disse Jack. Deslocou a vista do Reaper para a Briar, que seguia sentada ao seu lado em silêncio. — Acredito que Briar deveria ficar com alguém.

— Sei cuidar de mim mesma — disse em voz baixa.

— Já sei. Ninguém disse que não. Mas... Bom, não confiamos em te deixar sozinha. Como o resto de nós, conhece a palavra de controle que jogaria em nosso amigo Reaper, aqui presente, a uma endemoninhada espiral de morte. Ao contrário dos outros, você não podemos deixar sozinha.

Ela o olhou com os olhos entreabertos.

— Poderia te matar com apenas um estalar dos dedos.

Jack notou que seus lábios se curvavam em um sorriso, embora não era tanto como isso.

— Aí está — sussurrou. — Onde esteve, Briar?

Ela cruzou de braços e ocultou o relampejo de fúria com aquela nova expressão de inexpressivo desinteresse.

— Pode me atribuir a babá que preferir. Ficarei até que queira ir. E quando quiser fazê-lo, nada me deterá.

— Fica comigo — disse Reaper.

A estudada expressão de Briar deixou entrever um breve vislumbre de pânico.

 

A mansão de tijolo cru se estendia sob as estrelas com seus numerosos arcos e o telhado de telha vermelha, as brilhantes portas vermelhas e as igualmente brilhantes molduras verdes. O caminho na entrada era de lajes de pedra que estavam ali tanto tempo que parecia que já eram partes da própria terra. O caminho de entrada para os carros formava uma enorme “S” pavimentado de suave ondulação que se ia diretamente para uma imensa garagem onde caberiam, perfeitamente, seis carros. O «apartamento» situado em cima da garagem era maior que as casas de muita gente.

Topaz estava em pé junto ao táxi, de costas ao veículo, o olhar fixo na casa. A grama estava muito longe de ser exuberante. Crescia de forma irregular, com algumas aberturas pelas quais se sobressaiam círculos de pedra avermelhada. Havia cactos por toda parte, enchendo todas as curvas. Alguns com flores, outros pequenos e compactos, e também tinha esses cactos grandes com braços como os que apareciam sempre nos filmes do oeste.

A areia chegava até as bordas da grama, lhe comendo terreno cada vez que se levantava a brisa. Detrás da vila, as ondas do mar enchiam a noite com sua canção, um coro de sussurros harmoniosos cada vez mais sonoros, mais insistentes, mas sem chegar a converter-se em gritos. Nem sequer quando rompiam, desbaratando-se sobre a borda, para retroceder quase absolutamente em silencio. Shuuuuushhhhhh. E também estava a fragrância que aquelas ondas deixavam no seu caminho: a luz do sol recém lavada, na água salgada do oceano.

Sua mãe tinha morrido ali, pensou Topaz. Justo ali, enquanto o oceano observava tudo, sem desfalecer.

Topaz aguardou ali em pé um momento, olhando a porta da frente de Avalon, e, de repente, retrocedeu no tempo, depois de ter avivado sua imaginação com o DVD que, por fim, tinha visto. Por que agora, depois de tantos anos? Por que? Por que de repente se sentia compelida a conhecer tudo sobre sua mãe quando até o momento tinha estado evitando deliberadamente todas as fofocas, contos e lendas, as teorias da conspiração e os informes policiais que circulavam sobre ela?

Mas na realidade não importava o porquê. Estava ali. E tinha que saber tudo.

Sua mente projetou as imagens uma vez mais, desta vez com mais detalhe, como se a informação estivesse dentro dela, embora talvez o estivesse inventando.

A impactante estrela dos tablóides, Mirabella, sorridente, saudava com uma mão enquanto saía pela porta da casa, aquela mesma porta que tinha diante de si. Era vermelha, de madeira e em forma de arco. Dirigia-se à rua com seu gracioso caminhar pelas lajes do atalho da entrada, como se flutuasse. Levava sapatos de salto alto grossos de dez centímetros com plataforma na frente, muito anos setenta. Com uma tira na frente e uma pequena abertura para os dedos. Tinha as unhas dos pés pintadas de um tom verde menta jogando com as cores de seu vestido comprido, as unhas das mãos, a bolsa e a sombra dos olhos. Grossa linha negra, sombra muito, muito pálida. Batom translúcido. Cabelo cavado.

E mesmo assim, estava preciosa. Absolutamente arrebatadora. Possuía uma beleza real, intensa e natural que destacava acima de todos os métodos para realçá-la. A maioria das mulheres que voltassem a vista para essa época, perguntar-se-iam em que estaria pensando para luzir aquele look. Mirabella também o teria feito, mas não teria importado. Ela estava tão bonita com um vestido com desenhos da caminhonete do Scooby-Doo como completamente nua. Seus olhos possuíam uma força que não podia disfarçar-se por muito que os maquiasse. Ela era Mirabella, não fazia falta dizer o sobrenome, nem então, nem agora. Todo mundo sabia quem era.

A limusine branca avançou pela calçada até posicionar-se mais perto, e o chofer saiu para lhe abrir a porta. Uma horda de paparazzi fazia fotos de uma certa distância, retidos pelos discretos guarda-costas postos em intervalos de poucos metros para evitar que se aproximassem mais.

E então ressonaram os disparos. Três.

O impecável sorriso da formosa atriz se gelou em seus lábios ao tempo que desaparecia de seus olhos. Topaz podia ver essa parte com toda clareza. Havia memorizado as expressões que cruzaram pelo rosto de sua mãe, uma atrás da outra. Não estava certa de se alegrar de que alguém tivesse gravado tudo aquilo. Uma parte de seu ser pensava que teria podido visualizar todos os subtis matizes até sem ter visto o vídeo.

Tremendo, Mirabella baixou os olhos para as mãos que levou imediatamente ao corpo, afastou lentamente as Palmas e viu o sangue que as cobria. Tremendo agora, Topaz se encontrou repetindo os mesmos movimentos. Baixou os olhos e olhou as mãos, ligeiramente surpresa de não as encontrar cobertas de sangue.

Mirabella levantou os olhos, pedindo ajuda em silêncio. Suplicando que alguém, quem quer que fosse, a ajudasse. E então lhe dobraram os joelhos e caiu ao chão como uma flor recém cortada. Suas densas pestanas desceram como as cortinas de veludo sobre o cenário mais vibrante do mundo. Seus olhos se fecharam e fez sua última inclinação.

Topaz permaneceu ali em pé, contemplando o caminho de lajes, forçando ao máximo seus sentidos. Então era aquele o lugar exato? Estava perto, tudo o que tinha podido calcular a partir do vídeo daquela noite.

Ficou de joelhos e apoiou as palmas das mãos nas frias pedras, como se pudesse sentir, assim sem mais, algum vestígio da energia de sua mãe. Sua força vital. Inclusive seu sangue. Era seu sangue aquilo que tinha formado uma capa de distinta cor sobre as pedras? Ou não era mais que um desenho da rocha?

O som de um motor a devolveu ao presente. Levantou-se, pestanejando enfurecida para se livrar das lágrimas quentes, e virou-se bem a tempo de ver que o táxi desaparecia da vista, levantando uma nuvem de pó pelo caminho. Suas malas estavam amontoadas, não muito ordenadamente, sobre a calçada.

Tinha dado ao motorista duas notas de vinte por uma carreira de vinte e cinco dólares. Supôs que pensaria que a diferença era a gorjeta. E a teria merecido se tivesse levado as malas até a porta. Bastardo.

Era bom sentir raiva. Enfurecer-se por quinze dólares em troca de nada a distrairia dos verdadeiros sentimentos que ameaçavam esmagá-la. Sentimentos de dor e tristeza, de perda pela mãe que não chegou a conhecer e por quem nunca tinha chorado. Era dor atrasada? Ou estava mergulhando na auto compaixão? Ou talvez só queria mergulhar-se de cabeça em algo, por doloroso que fosse, para esquecer-se de Jack Heart?

O que fazer? Estava ali. Ia fazer o que tinha ido fazer.

Assim endireitou os ombros, pôs-se a andar pelo caminho até a porta principal e levantou o braço para apertar a campainha. Então lhe chamou a atenção um envelope com seu nome escrito, provavelmente tivesse algo que ver, dentro de uma jardineira de ferro forjado.

Tirou o envelope, abriu-o e tirou uma chave. Havia uma nota escrita no papel com o cabeçalho da Mansão Avalon, a direção e o número de telefone.

Topaz:

A mansão é toda tua. Já que pagaste por todas as habitações, não haverá nenhum outro hóspede, e, tal como pediu, meu marido e eu nos mudamos ao apartamento de cima da garagem para que possa desfrutar de mais intimidade. A menos que assim nos faça saber isso, não lhe importunaremos em suas férias de sete dias.

Se precisar de algo, é só nos chamar.

Que desfrute de sua estadia.

Kirnber Argent, proprietária.

Santa Lua

Topaz suspirou.

— Genial. Acreditava que pelo menos estariam aqui para saudar e me economizar a surra de ter que arrastar as pesadas malas até meu quarto.

— Certamente foi muito convincente ao dizer que não queria que ninguém te incomodasse, não é?

Topaz se girou sobre os calcanhares, estupefata. Ninguém podia aproximar-se sigilosamente a um vampiro. Normalmente, vamos. No entanto ela estava distraída. E agora estava ofegando como um peixe fora da água. Pressionou a mandíbula.

— Porque lhes disse que não queria que lhe incomodassem, não, Topaz? — Perguntou Jack da calçada.

Ela tentou responder, mas ao final se contentou assentindo, enquanto se esforçava para respirar, limpar a garganta e controlar esse estúpido, estúpido e mais que estúpido impulso de sair correndo pelo caminho e jogar os braços ao seu pescoço.

— Surpresa ao ver-me?

— Surpresa. Indignada. Estrupefacta — bem, bem, repetia-se. Palavras na verdade. E nenhuma agradável. Melhor.

— E contente? Um pouquinho só — estava em pé junto à bagagem. Antes que Topaz pudesse dizer nada, tomou várias peças nos braços e pôs-se a andar pelo caminho. — Embora seja por ter a alguém que carregue as malas.

Topaz não se moveu. Ficou onde estava, com a chave em uma mão, e o bilhete na outra. Havia um carro atrás de Jack, junto ao meio-fio, que ela não tinha ouvido chegar por quão absorta estava em seus pensamentos. Um Porsche Carreira, naturalmente. Jack só gostava do melhor. Perguntou-se, não sem amargura qual trambique teria tido que fazer para consegui-lo. O teria tirado de alguma outra mulher rica, muito apaixonada por ele para escutar a seu sentido comum?

— Por que está aqui?

— Pois, ao que parece, porque te conheço melhor que seus anfitriões. O bastante para saber que tudo isso de «Não quero que ninguém me incomode» não era mais que absurdos. Absurdo — grunhiu e levantou as malas um pouco. — Abre a porta? Isto pesa, inclusive para um vampiro. O que leva aqui dentro, aliás? Uma tonelada de sua terra natal?

— Que gracioso — Topaz colocou a chave na fechadura franzindo o cenho, a girou e abriu a porta. Jack entrou e deixou as malas no chão.

Ela entrou depois e deu uma olhada ao redor. Estaria igual a quando sua mãe estava ali? Ou o haviam redecorado? Imaginou que sim. Agora era um sítio bonito, mais moderno. Gravuras de artistas mexicanos decoravam as paredes, coloridas cenas do oceano, palmeiras e pôr do sol. Tapetes de todo tipo cobriam o chão de madeira nobre. Havia vasos fabricados a mão pelos índios Navajo com crinas de cavalo e esculturas do deus Kokopelli tocando sua flauta ali onde olhasse. As paredes estavam pintadas em tons intensos: verde, Borgonha, amarelo.

Jack pigarreou, provavelmente porque não lhe estava dando a menor atenção.

Ela o olhou e a seguir olhou as malas.

— Terão que subir ao quarto cedo ou tarde — disse.

— Imagino, mas suponho que ainda não teria escolhido um. Já sabe em qual vai dormir?

— Não.

— Pois quando escolher um subirei todas as malas — e saiu pela porta a procura das que tinha deixado na calçada.

— Não vai ficar aqui tanto tempo — resmungou ela.

Jack não deu sinal de ter ouvido. Tão somente foi até a calçada, recolheu o resto da bagagem e retornou para a casa. Deixou os pacotes junto à porta, fechou-a e virou-se para ela.

— E bem?

— Não vai ficar aqui.

Ele se encolheu de ombros.

— Já procurei um sítio.

O tom de «não é meu chefe» com que o disse a convenceu de que não tinha absolutamente nenhum lugar para ir, por muito que suas palavras dissessem o contrario.

— Mentira. Não deu tempo para procurar nada.

— Como sabe o que deu tempo de fazer?

— Porque eu acabo de chegar.

— Sim, mas você demorou mais que eu.

— Tive que passar primeiro em casa. Para pegar umas coisas — respondeu ela, tentando não se mostrar na defensiva.

— Eu tomei um vôo diretamente para cá. Estou aqui a duas noites já. E deu tempo de fazer muitas coisas.

Detestava ser contrariada e ainda por cima que ele tivesse razão.

— Por que me seguiu?

— Tecnicamente não o fiz. Eu cheguei aqui antes. Além disso, não tive que te seguir. Sabia que viria. Disse-me, recorda?

Ela arqueou as sobrancelhas, claramente surpresa.

— Não para que viesse atrás de mim.

— OH, claro. Diga-me que não havia uma parte de ti que confiava secretamente que aparecesse, a tomasse em meus braços e te beijasse até que te rendesse. Vamos, Topaz, sabe perfeitamente que passou pela sua cabeça — lhe pôs as mãos nos ombros e cravou o intenso olhar em sua boca, então puxou-a um pouco para aproximá-la mais a seu corpo e baixou a cabeça.

Topaz quase podia saboreá-lo e, Deus, nesse momento era justo o que desejava fazer, mais que despertar ao pôr do sol no dia seguinte. Mas tinha orgulho. Esquivou sua boca e se separou dele, para que não pudesse ver o forte desejo em seus olhos.

— É uma idéia, Jack. Mas só depois de imaginar que vinha me devolver meu dinheiro e me dizer quão arrependido estava por me haver roubado, utilizado e machucado — se encolheu de ombros. — Vai tudo junto, colega.

Ele baixou a cabeça. Topaz percebeu o movimento mais que vê-lo propriamente.

— Tem meu dinheiro? — Continuou Topaz, sentindo-se um pouco mais forte. O bastante para dar a volta e enfrentá-lo novamente.

Ele negou com a cabeça sem levantá-la.

— Já imaginava. Assim suponho que isso significa adeus.

— Não importa. Já lhe disse, tenho um lugar para passar a noite.

— E ainda não me disse o que está fazendo aqui.

Jack deixou escapar um suspiro e meteu a mão no comprido abrigo, objeto desnecessário, pois a noite estava boa, e os vampiros não sentiam frio como os mortais em todo caso. Notavam-no, mas não lhes incomodava. Jack levava aquele abrigo comprido e de cor escura, mais como acessório de moda que por necessidade. E o sentimento de medo, fora amaldiçoado. Jack tirou um envelope de papel manila de algum canto daquele sexy abrigo e o deixou em cima de uma prateleira de mármore que havia do lado de dentro da porta.

— A que você veio, Topaz.

Ela levantou a cabeça bruscamente e desviou o olhar dos olhos de Jack.

— Como?

— Inferno, mulher, coloque na cabeça que te conheço melhor que ninguém. Se parece tanto com ela que me surpreende que não pareça óbvio a ninguém mais. Ou talvez eu seja o único homem capaz de ver quem é em realidade. Tanya.

As palavras lhe fizeram mal. Provavelmente porque eram mentiras... Formosas mentiras, mentiras que tinha desejado que algum homem tornasse reais algum dia. Mas nenhum o tinha feito, nem o faria nunca. E não ser ele.

— Não me chame assim.

—Você é essa pessoa, no mais fundo.

— Não. Há muito que não o sou.

Jack suspirou.

— Escuta, não importa como sei. Sei, pronto. De modo que chamei A... Um conhecido meu que tem muitos contatos. Solicitei para ti certa informação reservada. E eu não gosto do que isso implica.

— Não me importa se você gosta ou não — mentiu ela. Morria de curiosidade. Estava ansiosa por abrir o envelope e mergulhar-se no conteúdo ali mesmo. Queria lhe agradecer. Queria beijá-lo.

— Escavar no assassinato de sua mãe poderia ser perigoso.

Ela franziu profundamente o cenho, mas Jack saiu pela porta antes que pudesse decidir-se por uma das milhares de perguntas que morria de vontade de lhe fazer.

— Fecha bem tudo, carinho — lhe disse. — Logo amanhecerá.

Ela o viu afastar-se. Não tinha nem idéia de para aonde se dirigia, o qual deveria ser o menor de seus problemas, e sabia. Jack se dirigiu para seu precioso carro negro e o pôs em marcha. Acendeu os faróis e se afastou.

Só então pôde fechar a porta. Colocou todos os ferrolhos não porque tivesse dito que o fizesse, mas sim porque era o lógico. E depois pegou o envelope com mãos trêmulas, abriu-o e tirou um molho de folhas presas por um clipe.

Na capa podia ler-se: PERFIS DE PESSOAS COM INTERESSE NO ASSASSINATO DE MIRABELLA DUFRANE.

— Que demônios? Tinham suspeitos? Não sabia que houvesse nenhum suspeito — Topaz atravessou o imenso vestíbulo e passou por baixo de um arco para o interior do salão, uma estadia com chaminé e móveis de uma suave cor areia, tapete branco e umas amplíssimas janelas completamente abertas que proporcionavam uma vista de sonho: ondeantes dunas de areia e o poderoso oceano Pacífico. Era uma paisagem tão esmagadora que se deteve um momento para admirá-la.

Menos mal que seu sentido pratico interveio, e olhou para cima. Persianas venezianas de bambu e, por debaixo, telas para proteger do sol. Graças a Deus, pensou. Aquelas janelas deixariam entrar muita luz do sol durante o dia.

Preparada então. Sentou-se sobre o sofá; dizer que se afundou nele seria o mais certo, e estendeu as folhas sobre o tabuleiro de cristal da mesa de centro feita de bambu. E começou a ler.

***

Jack estacionou o Carreira diante de um parquímetro em uma rua na periferia da cidade a um quilômetro e meio de distância, aproximadamente, de onde tinha planejado passar a noite. Fechou o carro, confiando em que ninguém lhe faria nada, e colocou o máximo de moedas que aceitava o parquímetro. Teria suficiente para quase um dia inteiro. E se quando chegasse o pôr do sol se encontrasse com uma multa, então que assim seja. Não ia pagá-la.

Recolheu o saco de dormir que estava no assento do co-piloto, o jogou ao ombro e pôs-se a andar para sua residência temporária. Nada luxuoso, uma cripta familiar em um cemitério localizado nos subúrbios, rodeado por campos verdes e ninguém que pudesse perceber que ali passava algo. A cripta pertencia à família Carlisle, era ampla e espaçosa, e os cadáveres que repousavam nela fazia tempo que não eram mais que pó. Não a tinham fechado com chave. Quem o fazia nos tempos de hoje?

Não havia motivo algum para que um vampiro dormisse em uma cripta. Embora gostasse do ar poético. Adaptava-se a sua natureza fantasiosa. Além disso, ali ninguém o incomodaria. E se aparecesse alguém, daria-lhe um bom susto sem grande esforço, embora só fosse por divertir-se um pouco. A cripta não deixava entrar o sol, o que era verdadeiramente importante.

Além disso, estava muito perto da mansão em que estaria dormindo Topaz. Não queria afastar-se dela. Como tampouco queria sentar-se a analisar por que. Bastava dizer que tinha motivos para pensar que Topaz estava a ponto de meter-se em terreno perigoso. Pode ser que alguém se zangasse quando começasse a farejar e acabasse ficando em perigo. Motivo suficiente para querer estar perto.

Não o era. Mas deveria.

E sua outra razão. Sabia que falaria com o Reaper periodicamente, algo que ele não podia fazer pessoalmente. Sem levantar suspeitas, claro. Era muito novo dentro dos bons, não era um deles em realidade. Qualquer gesto de preocupação levantaria suspeitas.

Mas ela sim podia. E poderia vigiar o chefe através dela. Isso também era motivo para ficar perto dela.

Mas tampouco era o caso.

Suspirou, posou a mochila no enorme ataúde de pedra e fechou a pesada massa de pedra que era usada como porta, deixando o interior na mais absoluta escuridão. Não lhe incomodava. Via bem no escuro. Mas não daria importância a um ou dois detalhes que fizessem o lugar mais acolhedor.

Gostava do conforto e por isso tinha comprado tudo o que acreditava que poderia necessitar.

Mas não tinha gasto nem um centavo do dinheiro de Topaz. Disse que o necessitava, em caso de que tivesse que o devolver, fez caso omisso da incomum pontada de culpa que o assaltava cada vez que pensava em gastá-lo.

Abriu o feixo metálico da mochila e tirou um abajur que funcionava com pilhas embora se parecia com os abajures a gás antigos. Inteligente. Gostou muito de vê-la. Proporcionava o ambiente rústico de fazer camping, mas sem os inconvenientes. Depois tirou seu reprodutor portátil de DVD e o abriu. Havia ativado um temporizador e o abajur tinha o seu próprio. Os dois despertariam uns minutos antes do amanhecer.

Não tinha sentido esbanjar energia, era como se estivesse morto para o mundo dos vivos.

Desenrolou o saco, puxou o cordão e viu como inchava o colchão colocado em cima do ataúde. Fez a cama com mantas e um travesseiro. Todos os confortos de uma casa. Tudo exceto um urso de pelúcia.

Tirou meio litro de sangue O negativo em uma bolsa de plástico selada. Preferia que estivesse morna, mas teria que conformar-se com aquilo como lanche antes de ir para a cama.

Finalmente se meteu na cama e pôs um filme. Drácula: um morto muito contente e feliz. Leslie Nielsen não se parecia com o Vlad em nada. Jack tinha conhecido o infame vampiro. Um bode mal-humorado e pouco amigável. E Nielsen não se parecia com ele, mas tampouco lhe pareciam a maioria dos actores que haviam interpretado Drácula durante os anos. O que queria dizer aquilo em resumidas contas?

Que Nielsen o fazia rir e por isso não lhe importava evitar essas pequenas imprecisões.

 

Topaz estudou minuciosamente os arquivos dos três homens considerados «pessoas de interesse» para o assassinato de sua mãe segundo a polícia. Nenhum dos três tinha sido acusado, assim sabia que não encontraria muitas provas. Mas também que ela saberia, sem mais. Com apenas lhe ver o rosto ou ler os dados que tinham sobre o homem que tinha assassinado a sua mãe, estava segura de que saberia quem tinha sido.

Entretanto, as fotos: o político, o actor e o homem de negócios, não lhe diziam nada. Nenhuma delas lhe sussurrava que um desses homens fosse culpado.

Nem sequer imaginava quem dos três poderia ser seu pai.

Acabou-lhe o tempo antes de se cansar de ler coisas sobre os homens e sua relação com sua mãe. O amanhecer estava perto e se viu obrigada a deixar o resto para a noite.

Colocou os papéis em uma pasta e a levou consigo enquanto revisava todos os quartos até encontrar um com orientação a oeste, para o oceano e oposta ao sol.

Era um quarto escuro devido ao sol sair pela outra parte da casa. O quarto contava com persianas verticais nas janelas e grosas cortinas. As correu para que não passasse a luz. Depois aproveitou sua força vampírica para mover a cama até um canto onde não chegaria nem o mínimo raio de sol que pudesse filtrar-se.

Colocou os papéis debaixo do travesseiro e desceu para fazer uma última ronda de inspeção para assegurar-se de que toda a casa estava fechada, e se meteu na cama. Percebeu a saída do sol. O sol se levantava quando ela baixou as pálpebras.

Morta para o reino dos vivos, pensou. Não é apenas uma expressão.

 

Briar se sentou sobre o carpete da casa vazia e semi-acabada. Reaper e ela tinham se dirigido para o norte desde Savannah, tinham conduzido toda à noite até chegar àquele lugar, na Virginia. Não sabia de quem era. Não sabia se Reaper conhecia os donos ou tinha permissão para estar ali, ou se o tinha escolhido porque lhe parecia um lugar tão bom como qualquer outro para passar o dia. Não sabia se os descobririam e os assassinariam enquanto dormiam, e não lhe importava especialmente.

— Não disse nenhuma palavra toda à noite — Disse Reaper lhe lançando uma bolsa de sangue que tinha tirado da geladeira portátil do carro alugado.

Não sabia de onde tinha tirado o sangue nem desde quando o levava ou quanto ficava. Embora tampouco isso lhe importava muito.

— Não tenho nada a dizer.

— Pois me ocorrem um montão de coisas — tragou sua ração líquida de comida, atirou a bolsa de plástico e se sentou no chão junto a ela. — Poderia me agradecer por tê-la salvado de Gregor. Poderia me dizer que tinha razão sobre ele todo o tempo. Poderia me explicar como conseguiu quebrantar seu espírito em tão pouco tempo.

— Não tenho que te agradecer por me salvar, porque poderia havê-lo feito sozinha, cedo ou tarde. Jamais tive dúvidas sobre o que era Gregor. Só pensei que me mostraria mais lealdade, ao ser como ele.

— Você não é como ele.

— Não me conhece.

Reaper tomou ar enquanto pensava naquelas palavras e finalmente assentiu, lhe dando a razão.

— E quanto ao estado de meu espírito, caso os vampiros tenham algo assim, é assunto meu.

— Suponho que isso é verdade. É que acreditei que necessitaria mais de um ou dois dias de tortura para te converter em... Isto — agitou uma mão em direção a ela.

— No que?

Ele se encolheu de ombros.

— Em uma mulher meditabunda, dócil e calada. Uma vítima. Sim, isso, atua como uma vítima.

— Sou meditabunda — admitiu —. Mas te equivoca no resto.

— De verdade?

Ela assentiu ao tempo que se reclinava sobre a parede e fechava os olhos.

— Há coisas que tenho que solucionar sozinha. Prefiro fazê-lo em silêncio e em privado. Só porque não esteja tentando te tirar os olhos agora mesmo, não acredite que sou dócil, Reaper. Poderia estar cometendo um terrível engano.

Ele suspirou, e Briar sentiu que posava a vista nela um momento. Não havia levantado a voz e não a havia provido de nenhuma inflexão. Simplesmente lhe havia dito as coisas tal como eram, no mesmo tom monocórdio que vinha utilizando á dias quando se dignava a dizer algo.

Ouviu-o suspirar enquanto se acomodava junto a ela. E então, justo antes que adormecesse, ouviu-o sussurrar:

— Daria qualquer coisa para que tentasse me tirar os olhos. Preferiria isso a esta porra de zombi ao qual se converteu.

— Que lhe fodam, Reaper.

— Isso seria ainda melhor.

Ouviu-o abrir o telefone móvel e os tons enquanto marcava um número. Então ouviu a mensagem gravada da secretária eletrônica de Topaz.

— Não deve ter o telefone perto — resmungou Reaper. — Topaz, é Reaper. Só queria saber como estava. Briar e eu nos dirigimos para o norte. Acabamos de passar Virginia Beach. Acredito que conseguimos despistar aos que nos seguiam em Savannah. Pode me localizar neste número. Terei-o ligado e verificarei as mensagens. Espero que esteja bem. Chame-me se me necessitar.

Briar respirava lenta e profundamente, sentia que a letargia que trazia consigo a cercania do amanhecer fazia que lhe pesasse o corpo.

— Tomou-lhe carinho à princesa, né?

— Ciúmes?

Ela emitiu um som estrangulado, afastou-se um pouco dele e se dispôs a dormir.

 

Quando Jack chegou pouco depois do pôr-do-sol, tal como poderia ter suposto que faria, Topaz estava sentada no luxuoso sofá com os papéis estendidos a seu redor, o DVD da história de sua mãe na televisão e um caderno aberto.

Jack não se incomodou em chamar. Tampouco tinha necessidade de fazê-lo, Topaz havia percebido sua chegada muito antes que forçasse mentalmente a fechadura da mansão e entrasse como se fosse sua própria casa.

— Sentiu minha falta?

— Como de uma dor de dente — não se incomodou em olhá-lo para falar com ele. — Sabe? Fica-lhe muito bem, Jack.

Ele atravessou a estadia em direção a ela.

— Terá que ser mais específica, carinho. Ficam-me bem muitas coisas.

— Forçar fechaduras.

— Psicocinese. Qualquer vampiro pode mover coisas com a mente.

— Sim, mas vi muito poucos que possam abrir uma fechadura em menos de dois segundos. Normalmente requer um pouco mais de concentração.

Ele desabou no outro extremo do sofá, cuidando-se de aparentar despreocupação e não lhe desordenar os papéis ao mesmo tempo.

— Isso deveria te fazer ver que tenho uma mente muito forte e que sou um vampiro muito poderoso.

— O que vejo é que é um canalha de tomo a lombo. Que sua maior habilidade seja entrar na propriedade alheia o diz tudo, não crê?

— OH, Topaz, essa não é minha maior habilidade, nem muito menos, como você bem recordará.

Topaz conseguiu morder o lábio a tempo para conter o sorriso, e mesmo assim, não pôde evitar o delicioso calafrio de consciência sexual que lhe percorreu a espinha dorsal. Recordava-o muito bem. Muito.

— Tiraste algo em claro?

Ela suspirou e levantou a cabeça para olhá-lo aos olhos. Tremendo engano. Quando seus olhos se encontravam era um engano. Como um homem podia ser tão falso, tão incapaz de sentir emoções verdadeiras e olha-la daquela maneira escapava a toda lógica.

— Não quero sua ajuda neste assunto, Jack.

— Sim que quer. E não penso ir. É a maneira perfeita de matar o tempo até que Reaper esteja preparado para reconstituir o grupo e tratar de caçar ao Gregor. Momento em que te devolverei todo seu dinheiro... Se deixar que fique.

— Agora me põe condições? Pensei que tinha prometido me devolver todo o dinheiro em qualquer caso, Jack. O que houve com sua promessa?

— Tem razão. O que te parece se acrescentar juros?

— Vinte e cinco por cento do total cada mês até que o devolva tudo.

— É uma vampira ou uma agiota?

Esta vez, Topaz se permitiu sorrir.

Jack suspirou.

— Dez por cento da metade que ainda te devo cada mês até que lhe devolva toda a quantia.

— Vinte.

Jack alargou a mão para lhe retirar o cabelo que lhe tinha caido sobre uma bochecha e o sujeitou detrás da orelha ao tempo que sussurrava:

— Quinze — como se estivesse lhe sussurrando palavras de amor. A sensação de ardor a percorreu por dentro, sabendo que ele sabia, mesmo que se separou do contacto.

— Aceito dez por cento se me promete manter as mãos quietas.

— Eu te darei vinte e cinco se não me obrigar a lhe prometer isso.

Os dois se olharam durante um longo e eléctrico momento.

— De acordo, cederei — disse Jack ao final. — Quinze por cento e te prometo que não te tocarei até que me peça isso.

— Pois sim, pode esperar sent...

— Não terminei.

Topaz fechou a boca e esperou.

— Não te tocarei até que me peça isso, mas você pode me tocar sempre que queira. Como quer. Asseguro-te que não te devolverei a carícia até que queira que o faça.

Ela franziu o cenho enquanto as imagens do que Jack lhe estava sugerindo queimavam-lhe a mente.

— Não tem força de vontade suficiente.

— Me ponha a prova.

Esteve tentada a aproximar-se mais, e lhe acariciar o pescoço com os lábios talvez, só para comprovar que falava sério. Porque não lhe cabia a menor duvida de que a rodearia com os braços, tombaria de costas no sofá e o teria em cima em menos de cinco segundos.

Ou talvez não fosse na reação do Jack em que não confiava, e sim na sua.

— Galinha — sussurrou ele. — Dez por cento então. Toma ou o deixa.

— E se o deixo?

— Ficarei e te ajudarei de qualquer jeito, devolverei o dinheiro sem interesses assim que o consiga, claro, e te tocarei cada vez que me assalte a necessidade, perfeitamente consciente de que você o deseja tanto como eu.

Topaz inspirou e soltou o ar em um suspiro.

— Quinze, suas condições — lhe estendeu a mão. — Trato feito?

— Trato feito — respondeu ele, lhe estendendo a sua, mas sem chegar a estreitá-la.

Ficou esperando. Topaz lhe envolveu a mão com a sua finalmente para fechar o trato. Ao retirá-la roçou sem querer a palma com as gemas e lhe pareceu sentir que Jack se estremecia.

Jack suspirou e conseguiu controlar-se. Mas se perguntava, antes que se desvanecesse a carícia de sua mão, até onde tinha chegado e o que havia prometido. Algo impossível, provavelmente. Estava pondo a prova a ela... Ou a si mesmo?

Era hora de trocar de tema.

— Assim já tem lido a informação sobre os homens que houve na vida de sua mãe?

— Sim — recolheu os papéis, depois procurou as fotos e as colocou uma junto à outra em cima da mesa. — A polícia parece haver-se centrado nos homens que haviam rumores de que se deitou durante o ano prévio a sua morte.

— Entre eles seu pai? —perguntou Jack.

Ela baixou os olhos para ocultá-los.

— Não sei qual deles é meu pai. Segundo o tipo de sangue poderiam ser dois deles, mas não se realizava teste de DNA na época, de modo que os tribunais decidiram pelo que consideraram mais capacitado para me dar um lar estável —tomou uma foto de doze por dezessete, em preto e branco do homem que a tinha criado, tomada quando era jovem. — Thomas Martin, homem de negócios.

— Que tipo de negócios?

— Contratos governamentais principalmente. É dono de várias fábricas. Fabricam armas.

Jack levantou rapidamente a vista.

— É comerciante de armas?

— Sim. E segundo a polícia, corria o rumor de que não era especialmente suscetível em relação aos compradores. Mas não encontraram provas de que vendesse armas a países com os que não existisse acordo.

— A menos que sua mãe as encontrasse por acaso.

—Sim. Isso lhe daria um motivo.

—Criou-te?

Ela assentiu.

— Ele e sua série de esposas. Fez-se maior, e quando suas mulheres também envelheciam, trocava-as por modelos novos. E refiro a modelos de verdade.

— Foi bom contigo?

Lançou-lhe um rápido olhar e Jack acreditou ver o relampejo de algo em seus olhos, dor, talvez, mas ela apartou a vista tão rápido que não poderia assegurá-lo.

Supôs que a resposta era não. O qual o levou a perguntar-se até que ponto não tinha sido bom com ela. Simplesmente tinha sido frio e desconsiderado com ela, ou tinha havido algo mais? A idéia lhe dava pavor.

Topaz assinalou a seguinte foto.

— Frederick Ramírez, senador do Estado.

— Corrupto?

— Aceitou exageradas contribuições a sua campanha por parte de um conhecido chefe da máfia, Tony Bonacelli — tirou outra foto da pasta. — O curioso é que ele também se deitava com minha mãe. Ou ao menos corria esse rumor.

— O chefe da máfia também foi suspeito?

— Retiraram-se as suspeitas quase desde o começo. Álibi resistente.

— Poderia ter ordenado a qualquer outro que o fizesse.

— Não houve provas disso tampouco. Se o fez, cobriu bem seus rastros. Ou pode ser que tivesse comprado à polícia. Quem sabe?

Jack soltou um assobio baixo e imediatamente olhou a última foto.

— E o último concursante?

— Wayne Clark Duncan — deixou a foto na mesa. O homem era tremendamente atrativo. Tratava-se de uma foto profissional, sem dúvida, embora estivesse sem assinar. — Actor.

— Poderia havê-lo adivinhado sozinho —franziu o cenho. — Mas não ouvi falar dele.

— Não, nem eu. A polícia não encontrou um motivo plausível quando o interrogaram. O mais improvável dos três possivelmente.

— A esses é aos que terá que vigiar — disse Jack e suspirou. — Qual é seu plano então? Quer falar com cada um deles, ver o que têm que dizer?

— Sim, mais tarde. Mas primeiro eu gostaria de falar com a Rebecca Murphy. Era a agente e a advogada de minha mãe. Acredito que possa saber mais que ninguém, se ainda estiver viva.

Jack assentiu.

— É um bom ponto de partida. Tem idéia de onde podemos encontrá-la?

— A sorte me sorriu, vem na lista. Ou alguém com o mesmo nome. Ia ligar quando você chegou — tirou o móvel e franziu o cenho ao levantar a tampa. — Maldita seja. Tinha-o em modo vibratório. Tenho uma mensagem de voz, espera um segundo — apertou um botão. — É do Reaper.

— Ponha o alto-falante — disse Jack. — Quero saber como está.

Ela assentiu e apertou outro botão. Ouviram a mensagem e Topaz o guardou.

         — Me alegro que estejam bem. E sobre tudo me alegro de que tenham despistado aos seus seguidores. Dá-me calafrios só em pensá-lo.

— Qualquer coisa que tenha a ver com a CIA dá calafrios — disse ele com um sorriso. — Pelo menos me parece isso.

Fez um gesto para o telefone.

— Por que não liga para essa Rebecca agora? — acrescentou.

Rebecca Murphy aceitou vê-los essa noite e lhes indicou como chegar a sua casa, uma estrutura de tijolo em um bairro de alto nível da Beverly Hills. Estava a meia hora de carro, e o trajeto no Porsche foi surpreendentemente agradável. O carro era fabuloso, e Jack o conduzia como fazia todo o resto: à perfeição.

Rebecca abriu a porta embelezada com um caftán de enormes rosas, sapatilhas de casa de salto com cós de pele e a boneca, a garganta e as orelhas carregadas de diamantes. Tinha um cabelo branco bastante curto pelos lados e a nuca, e mais comprido por acima, o que lhe conferia o aspecto de uma ave exótica. Topaz calculou que pesaria quarenta quilogramas, se chegava. O caftan era muito grande, o que levou a pensar que devia ter emagrecido recentemente. A mulher tinha um aura de fragilidade física, talvez fosse algo doentio, embora ficasse sufocado sob a energia mental e a estabilidade emocional que desprendia como se fora perfume.

— Obrigado por nos receber, senhora Murphy. Dou-me conta de que não são horas.

A mulher fez um gesto com uma mão olhando Topaz e, de repente, ficou olhando-a com fixidez.

— Este é meu amigo, Jack. Eu...

— Tanya — sussurrou a mulher. — Meu Deus é Tanya, verdade?

— Perdão?

— Todo mundo acredita que está morta... Ou algo pior.

Topaz arqueou as sobrancelhas.

— O que é pior que estar morto?

— OH, menina, há muitas coisas — Rebecca tomou Topaz pelo braço e a conduziu ao interior de sua casa de tijolo de uma só planta e portinhas e molduras marrons para realçar sua simplicidade. — Não posso acreditar que esteja aqui. Depois de todo esse tempo.

— Sinto muito, senhora Murphy, mas...

— Rebecca. E não te ocorra me dizer que não o é. A reconheceria em qualquer parte. Está exatamente igual a estava antes de desaparecer, faz dez anos. Deus meu, parecesse tanto a sua mãe.

Sacudiu a cabeça como se acabasse de despertar de um sonho e os conduziu até o fundo de sua agradável casa. Topaz viu um fofo e enorme sofá marrom e uma poltrona, um grosso tapete verde, um aquário e montões de novelo de caminho a um terraço de madeira tropical ao outro lado da casa.

— Sentem-se. Querem beber algo frio? Querem comer algo?

—Não, obrigado, estamos bem — disse Topaz.

Ao ouvir que falava no plural, Rebecca olhou para o Jack como se tivesse esquecido que estava ali. E sacudiu novamente a cabeça.

— Sinto muito, jovem. Esqueci seu nome.

— Jack — respondeu ele sem acrescentar o sobrenome.

A mulher o olhou com olhos entreabertos, mas não perguntou. E então Jack tirou uma cadeira para que se sentasse e se lhe esqueceram todos os receios enquanto aceitava com um sorriso, aparentemente agradada por seus bons modos.

Topaz pensou que seria capaz de convencer qualquer um com seus encantos. Sobre tudo se esse qualquer era uma mulher.

— Alegra-me muito ver te, Tanya. Mantive-me a par de sua vida sempre que pude até que desapareceu. Custa-me acreditar que tenham acontecido a dez anos. Ninguém soube o que te ocorreu, mas o rumor mais repetido era que tinha morrido.

Topaz umedeceu os lábios. Ela não tinha planejado admitir sua verdadeira identidade, mas estava claro que aquela mulher não ia se deixar convencer do contrário.

Rebecca a estudou atentamente e inclinou a cabeça.

— E quer que continuem acreditando, não é verdade?

Topaz olhou a nos olhos.

— Por motivos que não vem ao caso falar agora, sim, assim é. Preferiria permanecer «morta» no que diz respeito ao resto do mundo.

— Bom, eu sigo tendo licença para exercer como advogada. Me dê um dólar.

— Como diz?

— Me dê um dólar.

Com o cenho franzido, Topaz posou a bolsa no tabuleiro de cristal da mesa, tirou uma nota de um dólar e o entregou à mulher.

— Aí está — disse Rebecca, dobrando-o e guardando-lhe sob o decote do caftan. — Acaba de me contratar. Tudo o que falemos a partir de agora será totalmente confidencial.

Sorrindo, Topaz disse:

— Agora entendo.

— E agora me diga a que vieste para ver-me.

— Seguro que o adivinha — disse Topaz. — Quero saber quem matou a minha mãe.

A mulher se reclinou em seu assento, pestanejando, surpresa. Continuando apertou a mandíbula e assentiu.

— Bom, suponho que faz sentido — cruzou os braços e observou Topaz com atenção. — Por que agora? Por que depois de todos estes anos?

Topaz baixou a cabeça e dirigiu um rápido olhar ao Jack. Este estava sentado em silêncio, escutando. Procurando algum sinal de debilidade que pudesse utilizar contra ela depois, provavelmente, pensou Topaz, furiosa.

— Preciso sabê-lo, isso é tudo. Nunca... Nunca entendi que tipo de mulher era nem o que sentia por mim. Quero saber tudo sobre ela. E, em especial, quem lhe tirou a vida.

A outra mulher assentiu lentamente, olhando para trás mentalmente.

— Sua mãe era a mulher mais formosa que conheci em minha vida — disse em tom calmo. — Não era uma grande actriz, mas tinha aquela energia, aquele espírito que emanava dela e atraía às pessoas. Todos os que a conheciam se apaixonavam por ela. Todos.

— Bom, pode ser que nem todos — disse Topaz em tom igualmente calmo. — Ao final das contas, alguém a matou.

Rebecca não deixou que o comentário a distraísse de sua história.

— Era um espírito livre. Não podia atar-se a nenhum homem. Apaixonava-se com uma facilidade desconcertante. Acredito que era a excitação do novo amor que realmente gostava. Mas quando passava a novidade... Bom, os homens se comportavam de forma muito previsível com a Mirabella. Quando a conseguiam, queriam converter-se em seus donos. E não é que os possa culpar, é verdade. A ninguém lhe escapava quão atraente era, quantos homens a desejavam. Por isso, o homem que estava com ela tendia a sentir-se ameaçado, e, indevidamente, começava a tentar controlá-la. E ela não o tolerava.

— Ter um bebê devia ser quão último desejava. Quero dizer que poucas coisas lhe condicionam tanto como...

— Ter um bebê foi o melhor que lhe passou nesta vida.

Topaz elevou a vista lentamente, tentando arduamente decifrar o rosto da mulher e seus pensamentos em busca de alguma mentira.

— Ao final encontrou alguém que a amava, a quem não dava a mínima ao aspecto que tivesse ou o bem que fora sua carreira.

— Ou o dinheiro que tivesse — murmurou Topaz.

— Adorava-te, Tanya. Queria te construir um mundo perfeito. E o tentou, vá se o fez. Mas sua vida se truncou antes que o conseguisse — Rebecca secou os olhos dando uns toquinhos. — Eu queria muito a Mirabella, sabe? Era minha amiga.

Topaz acreditou. Em sua mente não havia nada que contradisse-se suas palavras. Mas havia algo.

— Sabe quem a matou?

— Não.

— Mas... — Insistiu Topaz, perfeitamente consciente de que havia algo mais, algo que Rebecca não estava dizendo.

— Estavam... Ocorrendo muitas coisas na vida de sua mãe antes de sua morte. Deixa que procure em meus arquivos para que possa te dar dados concretos. Minha memória já não é o que era. Chamarei-te dentro de um ou dois dias. Se é que tem intenção de ficar na cidade tanto tempo.

— Estarei aqui — disse Topaz.

        — Bem — Rebecca assentiu com a cabeça. — Bem.

Topaz teve a sensação de que, com aquilo, estava dando por terminada a conversa. Rebecca não ia lhe dar mais dados no momento. Levantou-se e Jack a imitou.

— Obrigada — lhe disse sem mais.

— Foi um prazer conhecê-la — acrescentou Jack. Alargou o braço para tomar o de Topaz, mas se deteve de repente antes de tocá-la. Topaz se deu conta de que estava tratando de cumprir os termos do trato que tinham feito. Resultava-lhe incrível. Estava tentando manter sua palavra de verdade.

Rodearam a casa pelo jardim traseiro e saíram à parte dianteira onde Jack tinha estacionado o Porsche. Topaz não disse nada até que estivessem dentro do carro.

— Não posso acreditar que soubesse quem eu era apenas ao me olhar —disse finalmente com incredulidade.

Ele pôs em marcha o motor, mas não colocou a marcha, mas sim se voltou em seu assento e a olhou.

— Bom, está claro que conserva melhor a vista que a memória.

— Mas eu não me pareço em nada com Mirabella.

Jack riu brandamente, um som breve, mais de surpresa que de diversão.

— Parece-te muito a ela, Topaz. Tem a mesma estrutura óssea, as mesmas maçãs do rosto altas e a mesma mandíbula delicada e angulosa. O mesmo nariz pequeno, os mesmos lábios carnudos e sexy. Os mesmos olhos cor chocolate e umas pestanas igualmente espessas. Ela tinha a pele um pouco mais escura, igual que o cabelo, mas além disso...

— Isso é ridículo. De minha mãe se dizia que era a mulher mais formosa do mundo.

— Sim — conveio Jack assentindo categoricamente ao tempo que colocava a marcha e ficavam em movimento. — Exacto.

Topaz lhe lançou um olhar de lado, mas não pôde ler nada em seu semblante.

Ia concentrado na estrada, não em olhá-la, como se conduzir fosse uma atividade altamente complicada que requeresse toda sua concentração.

— O que tenta conseguir, Jack? — perguntou ela com suavidade.

Ele franziu o cenho e lhe lançou um rápido olhar.

— O que quer dizer?

— Acredita que vai conseguir que te perdoe, ou minha carteira, por meio de adulações?

— Eu me conformaria conseguindo me colocar de novo em sua cama, mas...

— Nunca dizia idiotices como essa quando estávamos juntos.

Ele se encolheu de ombros.

— Não queria que te subisse à cabeça. E talvez pensasse como faziam os homens com sua mãe. Se soubesse quão formosa era o que a teria impedido de sair para procurar um outro muito melhor que eu? Asseguro-te que não queria te dar idéias.

— Não. Ao menos até que obtivesse o que procurava.

Jack suspirou e deixou cair a cabeça para a frente brevemente. Desde que Topaz sabia que não era assim, teria podido pensar que suas palavras lhe tinham feito um pouco de dano.

Mas isso era impossível. Não se podia ferir alguém a menos que sentissem algo por ti, e ela sabia perfeitamente que Jack não sentia nada. Nunca o tinha feito. Doía pensá-lo muito, assim que se distraiu abrindo o telefone e marcando o número do Reaper.

Respondeu ao primeiro tom.

— Topaz?

— Sim, sou eu. Que tal vai? Seguem na Virgínia Beach?

— Não, já estamos em marcha. Dirigimo-nos ao norte. Já te avisarei quando encontremos um lugar onde nos ocultar. Que tal você?

— Bem. Tudo bem. E os outros?

— Roxy e Ilyana estão na casa de Roxy.

— De verdade? Interessante. Acha que a Ilyana vai se abrir?

— Se existe alguém que possa fazer que fale, essa é Roxy.

— Tem muitos segredos — disse Topaz. — E Seth e Vixen?

— Ainda não falei com eles — respondeu Reaper. — Sabe... Isto... Sabe algo do Jack?

Topaz vacilou um momento e o olhou. Teve a impressão imediata de que estava prestando toda sua atenção à conversa. Não lhe custaria ouvir o Reaper, tendo em conta a acuidade sensorial dos vampiros.

— A verdade é que está comigo.

— Lhe diga olá de minha parte — disse Jack.

Não o fez. Reaper podia ouvir perfeitamente a saudação.

— Tome cuidado, Topaz — disse Reaper finalmente com um suspiro.

— Acredite, tenho-o.

 

— Inferno.

Jack se reuniu com Topaz no caixa do 7-eleven depois de fazer uma chamada privada. Estava pagando o xampu, o aparelho de ar condicionado e não sei quantos outros produtos de beleza sem os quais dizia que não podia passar nenhuma noite mais, coisas que não tinha metido na mala porque seria muito mais fácil comprá-lo quando chegasse.

Topaz o olhou por cima do ombro para ouvi-lo renegar entre dentes.

— Passa algo? —perguntou.

Ele não respondeu em voz alta, porque lhe pareceu que a operadora não se deu conta e quão último queria era que o fizesse.

“Dá uma olhada ao jornal sensacionalista da estante, acima à esquerda”, disse-lhe mentalmente.

Topaz dirigiu o olhar carrancudo para a estante da imprensa que havia próximo ao caixa. Jack não tinha a menor duvida de que o grande título acompanhado das fotos de Topaz quando ainda era mortal e de sua mãe chamaria sua atenção tão rápido como lhe tinha ocorrido a ele. Ao vê-la abrir os olhos como pratos soube que o tinha visto.

A FILHA DA LEGENDÁRIA ACTRIZ RETORNA DA TUMBA PARA VINGAR O ASSASSINATO DE SUA MÃE.

Pestanejou estupefata e agarrou o jornal, dobrou-o pela metade e o pôs sobre o mostrador.

— Isto também — disse á operadora.

Jack acreditou notar um ligeiro tremor em sua voz, embora não tanto como para que pudesse detectá-lo uma simples mortal. Pode ser que nem sequer outro vampiro. Mas ele estava mais em sintonia com ela que a maioria dos vivos, imaginou.

Tomar consciência disso inspirou outros pensamentos, mas não era o momento.

A operadora assentiu e fez uma bola com o chiclete. Seguiu passando os artigos e colocando-os em bolsas com ar de aborrecimento.

Topaz agarrou a bolsa de plástico pelas asas e saiu da loja a toda pressa. Detrás dela, Jack abriu o carro com o comando á distancia antes que chegasse, e quando quis sentar-se ao volante, Topaz já estava em seu assento com o jornal nos joelhos.

— Escuta isto — lhe disse enquanto ele punha o carro em marcha—. “Tanya Dufrane, filha da legendária actriz, Mirabella Dufrane, desapareceu sem deixar rastro faz dez anos. Em sua época se disse que tinha ficado gravemente doente, e quase todos em Hollywood deram por feito que quis morrer na intimidade. Entretanto, uma fonte confiável afirma que a senhorita Dufrane está viva e abanando o rabo, e retornou dos anjos decidida a averiguar a verdade sobre o assassinato de sua mãe” — olhou a Jack. — E segue dizendo todo tipo de idiotices sobre o tiroteio que matou a Mirabella Y... — baixou a vista para o jornal. — Meia dúzia de teorias descabeladas sobre quem o fez e o que ocorreu com o cadáver. OH, e também fala da testemunha que me viu, que afirma que estou «rosada como uma maçã». Parece-te que estou rosada? — perguntou ela, passando o dedo pela pálida pele do braço.

— Diz onde te hospeda?

— Não, mas se supõe — seguiu o texto com a gema do dedo. — Aqui. “Segundo parece, a mais jovem senhorita Dufrane está seguindo a mesma rota que fez sua mãe na última noite de sua vida” — apertou a mandíbula e resmungou entre dentes: — Idiotas.

— Acredita que Rebecca Murphy...?

— Não houve tempo material — disse Topaz, negando com a cabeça. — Faz dez minutos que saímos de sua casa. Não pode ser ela.

— Com quem mais falaste desde que chegou? Quem mais sabia que vinha?

Ela se encolheu de ombros.

— Você.

— Qual é Topaz, sejamos realistas.

— Esses jornais sensacionalistas pagam muito dinheiro para conseguir este lixo. E não seria a primeira vez que me trairia por dinheiro.

— Não fui eu.

Doeu-lhe que lhe tivesse podido ocorrer tal coisa. Desejou poder olhá-la aos olhos ou introduzir-se em sua mente para determinar se acreditava ou não. Tentou-o, mas ela bloqueou-lhe o passo, embora acreditasse que não o fazia deliberadamente. Era a raiva e a desconfiança que lhe impedia de chegar ao fundo de sua mente. Aprofundar mais requeria mais concentração do que podia reunir ao tempo que conduzia e procurava argumentos convincentes.

— Dava-te a informação para te ajudar. Para que ia fazê-lo se minha intenção era te lançar obstáculos?

— OH, vamos. Convence-me de que está do meu lado para poder averiguar mais coisas que pode vender e logo me apunhala pelas costas.

— Topaz, eu sei onde te hospeda, e sabia que tinha vindo antes de aparecer em sua porta. Poderia ter vendido a informação à imprensa sem ter que pisar na Califórnia sequer.

Ela baixou a cabeça.

— Talvez persiga algo mais.

Ele suspirou, frustrado.

— Se quer me convencer, Jack, me diga o que te trouxe aqui, de verdade.

Jack guardou silêncio um momento longo, tanto que pôde perceber as especulações que se estavam forjando na cabeça de Topaz, virtualmente podia ouvir as engrenagens de seu cérebro. Deu-se conta de que Topaz acreditava que demorava em responder porque estava inventando uma mentira que resultasse acreditável. “Diga alguma coisa, idiota”.

— Nunca tinha sentido remorsos. Em todos os anos que levo extorquindo às mulheres. Nenhuma só vez. Mas contigo os senti. Pensei que passaria, mas o sentimento piorou. E há mais. Lhe... Senti sua falta.

Topaz estava ali sentada, escrutinando-o. Desejou que Oxalá pudesse baixar a guarda, lhe permitir pinçar em seus pensamentos para que visse que o dizia a sério, mas havia muitas coisas que não podia permitir que soubesse.

— E, além disso, não podia tirar de cima a sensação de que essa sua missão podia ser perigosa.

— Então quer que acredite que faz isto desinteressadamente?

— Inferno, claro que não! Pensei que se vinha e te ajudava com este assunto que significa tanto para ti, servir-me-ia para expiar meus pecados e assim desapareceriam os remorsos — golpeou o volante com a palma da mão. — Eu não gosto de me sentir assim, Topaz. Afeta meu trabalho.

— Seu trabalho?

— Sim, meu trabalho. Como se supõe que vou poder extorquir a outra sabendo que desenvolvi uma consciência?

Topaz tomou ar e o soltou muito devagar.

— Suponho que soa... Plausível.

— Considera-o verdade, no momento, e sigamos com isto, de acordo? Quem, além de mim, sabia que foste vir?

Ela franziu os lábios.

— Além de ti? Só falei com os donos da vila que aluguei. Mas não lhes disse quem era.

— Acredita que poderiam ter te reconhecido, igual a Rebecca?

— Não os vi em pessoa.

— Está bem. Não é um assunto tão difícil de averiguar, em realidade.

— Ah, sim?

Jack lhe dirigiu um sorriso cúmplice.

— Olá! Somos vampiros.

— E?

— Quem assina o artigo?

Topaz procurou o nome ao final do artigo.

— Marlboro.

— Soa a anuncio anti cigarro. De acordo. Faremos uma visita a este tal Marlboro. Ele nos dirá quem é sua fonte.

Lançou-lhe um olhar de preocupação.

— Não acredito que seja necessário chegar tão longe.

— Está me tirando um sarro, não? Parece-te bem deixar que alguém te espie e o sopre à imprensa?

— O que acredito é que pode ser que haja outra maneira menos... Violenta de averiguá-lo.

— Não estava pensando em torturá-lo — disse ele. — Muito.

— Podemos encontrar outra maneira.

Ele se encolheu de ombros e colocou o carro no caminho de entrada à vila.

— Está bem, se insiste — olhou para a porta de entrada, que estava entreaberta. — tiveste visita.

Ela seguiu a mesma trajetória de seu olhar.

— Filho de...

Topaz saiu do carro dando uma portada e subiu pelo atalho. Abriu a porta principal de par em par e entrou. Ficou imóvel, percebendo a presença mentalmente enquanto observava a ofensa.

Jack apareceu um segundo depois.

“Tome cuidado. Podem ainda estar aqui”, disse-lhe mentalmente.

— Aqui não há ninguém — replicou ela em voz alta fazendo um varrido com o braço como indicando o espaço a seu redor. . Olhe que desastre. Quem quer que fosse, revirou tudo.

— Algo que pudessem estar procurando especialmente?

— O expediente que me deu. Minhas notas. O DVD — falava enquanto se movia pelo lugar, comprovando as gavetas onde tinha guardado suas coisas. — Que estranho.

— O que?

— Deixaram o DVD.

Ele se encolheu de ombros.

— Se estão interessados em sua mãe, ou em ti, já que estamos nisso, provavelmente tenham uma cópia.

— Vou olhar acima.

— Eu darei uma volta por aqui, embora não sinta nada.

Ela assentiu e se dirigiu ao dormitório que ocupava. Também tinham revirado suas coisas, todas as gavetas estavam abertas, inclusive a da mesinha, na qual havia guardado a única coisa que não queria que ninguém mais visse. Seu diário e a caneta seguiam ali. Aquele diário guardava seus pensamentos. Seus segredos. Seus pontos fracos. Todos seus sentimentos pelo Jack. O intruso não o tinha levado, mas isso não significava que não o tivesse lido. E sabia que Jack não tinha sido, porque havia estado com ela todo o tempo.

Sentia que tinham violado sua intimidade. E logo a seguir uma ira efervescente se apoderou dela. Preferia essa sensação.

— Topaz? Falta-te algo aí em cima?

Fechou a gaveta lentamente e se virou para olhá-lo.

— Mudei de idéia. Vamos ver esse Marlboro esta noite.

***

Não lhes custou muito localizá-lo. Não aparecia na lista, mas os escritórios do jornal estavam em Los Angeles, a tão somente meia hora de distância, e entrar em propriedades alheias não era um problema para os vampiros. E menos ainda para o Jack, como bem sabia ela. Localizaram o cubículo do Marlboro dez minutos depois de entrar no edifício, e depois de revirar um pouco a mesa, deram com seu endereço.

O que os levou até sua porta. Vivia ao sul de Los Angeles, pelo caminho para Santa Luna. Sua casa era uma casa de tijolo aos subúrbios da cidade, mas na caixa de correio punha que se chamava Adams, não Marlboro. Topaz pensou que alguém com tão poucos escrúpulos como aquele jornalista teria que usar um pseudônimo para sua segurança. “Meu Deus, espero que não tenha filhos”.

As luzes estavam apagadas. Ou estavam todos dormindo ou não havia ninguém em casa. Jack alargou a mão para a maçaneta.

Topaz o impediu lhe pondo a mão no braço.

— Espera.

Jack se esticou. Seus bíceps se contraíram e Topaz experimentou uma breve, mas poderosa quebra de onda de desejo. Sempre tinha gostado dos bíceps. Parecia-lhe que era a parte mais sexy de um homem. E os do Jack eram mais sexy que os da maioria. Tocá-los sempre a excitava.

Desprezou a sensação ao tempo que fazia um gesto com a cabeça em direção a placa metálica fixada na fachada perto da porta: Edifício protegido por Alarmes Sentinel.

— Sim, e olhe de quando é o pôster — lhe sussurrou ele. — Quando a gente começou a comprar estes sistemas, utilizavam-nos religiosamente. Depois começaram a confiar-se e deixaram de instalá-los. E até os que de verdade os utilizam, os conectam quando se vão de férias, mas não quando estão em casa. Confia em mim, não vai soar nenhum alarme.

— E se te equivoca?

— Eu nunca me equivoco — respondeu ele com um olhar e um sorriso que produziu o mesmo desassossego interno que lhe tocar o bíceps. — Mas se me equivocasse, não demoraríamos em desaparecer. Assim não passará nada.

Ela assentiu confiada porque sabia que tinha razão. Graças a sua prodigiosa velocidade podiam mover-se tão rápido que os mortais viam só uma mancha imprecisa. Amparados pela escuridão, nem sequer veriam a mancha.

— Está bem, vá em frente.

Jack pôs a mão na maçaneta e centrou sua atenção nele. Ao cabo de um segundo, Topaz ouviu saltar a fechadura. Jack deslocou a palma pela superfície da porta, por cima do ferrolho, e sacudiu a cabeça.

— Nem sequer passou o ferrolho.

Topaz estalou a língua e ao momento ficou rígida de espera quando Jack girou o pomo e abriu a porta.

Não soou nenhum alarme. Jogou uma olhada ao painel instalado na parede junto à porta e leu: O sistema dos Adams é seguro. E viu uma luz verde.

— Se o conectasse o seria ainda mais — sussurrou Jack.

Ela franziu o cenho e o olhou atentamente.

— Está gostando disto, verdade?

— É o que faço. Fica-me bem.

Por seu tom parecia orgulhoso disso. Topaz pôs os olhos em branco e cruzou a casa inteira, algo que se fazia rápido porque era uma casa pequena. Marlboro Adams vivia sozinho aparentemente. Um extra para eles. Assim não traumatizariam a nenhum menino nem teriam que se enfrentar também a um casal.

Entraram no solitário dormitório e permaneceram ali de pé, observando ao homem que dormia na cama. Não estava mau, pensou Topaz. Não era muito atrativo, mas tampouco repulsivo. Se estava sozinho, devia ser por sua personalidade.

“Ou pode ser que seja um solteiro inveterado”, disse-lhe Jack mentalmente.

“Isso não existe”.

“Desculpe, mas está falando com um”.

Ela sacudiu a cabeça.

“O dia que te apaixone, Jack, não vais ver chegar o golpe, mas te asseguro que não desejará seguir vivendo sozinho”.

“Sim!”.

Ela se encolheu de ombros e dirigiu sua atenção novamente para a cama. Trinta e tantos, cabelo castanho com alguns cabelos grisalhos e começava a rarear no centro da cabeça. Tinha um pouco de barriga também, a julgar pelo vulto que se via sob os lençóis. A mortalidade era um asco. Olhou para o Jack.

“Qual é o plano então?”, perguntou-lhe mentalmente.

Ele sorriu de orelha a orelha e se dirigiu para a cama, agachou-se e se aproximou do ouvido do homem.

— Acorda amigo. Temos que falar.

O homem abriu uns olhos como pratos e se incorporou imediatamente.

Jack lhe estampou a palma da mão no peito e o lançou de costas contra a cama.

— Não vais dizer nada até que eu lhe ordene isso. Poderia te matar facilmente, muito mais rápido do que demoraria para levantar o telefone.

— O que... O que quer? Quer dinheiro? Leve o que queira, mas não...

Jack o olhou fixamente, e Topaz soube que lhe estava lendo a mente. O homem apertou a mandíbula e abriu ainda mais os olhos. Jack lhe impedia que falasse com a mesma eficácia que se lhe estivesse tampando a boca.

— Hei dito que não fale até que eu lhe diga isso — Jack sorriu. — OH, sim. Tem razão. Não somos ladrões de jardim correntes. Nem sequer somos humanos. Vale, podemos fazer isto de duas maneiras. Pode nos dizer o que queremos saber, então iremos daqui e não voltará a nos ver. Ou pode se negar e então teremos que torturá-lo. Em qualquer caso, não iremos sem o que viemos procurar. Esta entendendo?

Tentou mover a boca.

Jack sorriu.

— OH, sinto muito. Adiante, pode responder.

Tentou abrir a boca e esfregou a mandíbula.

— Entende quais são suas opções? — perguntou Jack.

— Sim.

— Me alegro. Esta encantadora senhorita tem umas perguntas para ti. Vai lhe responder. E não falará com ninguém desta visita. A menos que queira que se repita, mas de uma maneira muito menos agradável.

Olhou para Topaz, carrancudo. E voltou a olhá-la, como fazendo um esforço por ver bem.

— Quem te contou o que publicaste sobre a Tanya Dufrane?

O homem abriu os olhos desmesuradamente.

— Ai, minha mãe. É ela, verdade?

— Essa não é a resposta a minha pergunta, senhor... Adams, não é assim?

— Não envelheceste — resmungou. — A foto publicada é de dez anos atrás. Não pude encontrar nenhuma outra mais recente...

— Não há fotos mais recentes.

— Mas não mudou nada... Excepto...

— Estou mais pálida, sei. Não estou rosada, senhor Adams. E agora vai me dizer o que preciso saber?

Ele meneou a cabeça.

— Não, não... Não posso.

Topaz suspirou e olhou para o Jack.

— Faz que me diga isso, Jack.

Jack assentiu com a cabeça e disse:

— Estava me dando fome mesmo — então descobriu as presas e tirou o homem da cama agarrando-o pela lapela do pijama. O sustentou no ar a trinta centímetros do chão.

O homem soltou um grito patético.

Jack lhe empurrou o queixo para trás e aproximou a boca a sua garganta.

— Não! Não o faça! Direi-lhes isso! Foi Argent.

Topaz pestanejou sem dar crédito.

— Kimberly Argent? A proprietária de Avalon?

— Não. Seu marido, Albert. Reconheceu-te.

— Não nos vimos em pessoa — disse ela.

— Está no apartamento que liga com a mansão. Além disso, tem tudo cheio de câmaras. É uma fonte contínua de fofocas. Com ele ganho mais dinheiro que com qualquer outra fonte. Nessa vila há microfones para encher um caminhão.

Também tem vídeo-vigilância, mas Argent diz que não funciona bem. Os famosos hospedam-se na mansão todo o tempo, e graças a ele disponho de um montão de fofocas frescas constantemente.

— Deveria havê-lo imaginado — resmungou Topaz. — E quem entrou na vila esta noite? Foi você? Procurava mais merda?

— Alguém entrou na mansão? — perguntou ele com os olhos como pratos.

— Foi você? —repetiu Topaz, cada vez mais impaciente.

— Não! — exclamou o homem, deslocando a vista dela para o Jack e de volta para ela, temeroso de que não acreditassem, supôs ela. — Não preciso invadir a mansão. Argent me deixaria entrar se o pedisse. Mas não o pedi. E não o farei — era óbvio que estava apavorado. — Escute, sinto muito. Não sabia que foi... O que quer que seja. Arrumarei-o. Publicarei uma nota de desculpa no jornal, direi que foi tudo um engano.

— Temo que o dano já foi feito, senhor Adams — disse Jack, deixando-o cair sobre a cama. — Durma. Despertará com a sensação de ter tido um pesadelo. E não escreverá mais historias sobre a Tanya Dufrane, por mais tentadoras que sejam.

— Não o farei. Prometo-o. Não...

— Dorme — disse Jack, lhe cravando um penetrante olhar, e o homem caiu sobre o travesseiro e fechou os olhos—. Foi um pesadelo — sussurrou Jack, aproximando-se ao ouvido. — Nada mais que um mau sonho. Nós nunca estivemos aqui.

Topaz lhe tocou o braço.

— Podia ter utilizado esta mesma técnica desde o começo, sabe?

— É obvio que sei, mas lhe dar um susto de morte foi muito mais divertido. Além disso, o tinha merecido. Lesma oportunista.

***

Quando saíram da casa, Topaz ia pensando que estava de acordo com ele.

— Aonde me leva? —perguntou Topaz enquanto Jack conduzia. A noite daria passo ao novo dia dentro de pouco. — Por aqui não se vai à mansão Avalon.

— Quase amanheceu. Não acredito que queira passar ali o dia.

— Essa era minha idéia, sim.

Ele a olhou com incredulidade.

— Estamos completamente indefesos quando dormimos. Não tem nem idéia de quem invadiu a vila nem se lhes ocorrerá voltar.

— Para que iriam fazê-lo? Já revistaram a casa e levaram o que procuravam.

Jack inspirou profundamente.

— A menos que fosse você o que procuravam.

— Não seja melodramático.

— Não o sou. Topaz pensa um pouco. Está tentando desmascarar um assassino, uma pessoa que passou os últimos trinta e seis anos acreditando que havia se livrado. Não te ocorreu pensar que talvez tenha ficado nervoso com o artigo do jornal? Não te ocorreu que segue sendo perfeitamente capaz de matar para proteger-se?

Ela não disse nada, só baixou a cabeça.

— Sabe que tenho razão — insistiu Jack.

— Pode ser — disse ela com um suspiro. — Então aonde me leva?

— Ao lugar onde eu durmo. Não é luxuoso, mas terá que te conformar. Procuraremos outro local amanhã. Depois de conversar com o senhor Argent.

— Está bem.

Não acreditava que Jack necessitasse seu consentimento a estas alturas, mas o deu mesmo assim. Era estranho, mas tinha a sensação de que Jack estava tentando protegê-la. Seria muito fácil acreditar que assim era, muito. Assim decidiu não fazê-lo. Se Jack estava ali era porque tirava proveito de tudo aquilo. Não fazia as coisas por nada.

Pelo menos podia ter a segurança de que não era ele quem tinha vendido a informação à imprensa.

Jack deixou o carro em uma zona de estacionamento vazia a um lado da estrada.

Saíram do carro, fechou-o com chave e as guardou no bolso.

— Por aqui.

— Ai, Deus. Não iremos dormir no bosque, verdade? Nem tampouco em uma cova ou uma árvore oca igualmente asquerosa. Diga-me que não.

Ele a olhou de soslaio sem deixar de caminhar. Subiram por uma pequena ondulação do terreno, atravessaram uma zona salpicada de árvores antes de entrar em um arvoredo e voltaram a sair. O céu começava a clarear. O sol estava a ponto de sair.

Topaz se fixou então no cemitério e se deteve em seco. Ele seguiu andando em direção à cripta maior de todas. Era enorme, estava profusamente ornamentada, feita de pedra cinza e completava o conjunto a gárgula que fazia guarda empoleirada ao dossel.

— Isto tem que ser uma brincadeira.

— Acredita nisso? — Jack abriu a pesada porta e se virou para ela. — É um lugar bastante acolhedor. Venha, vamos, não temos tempo para escrúpulos.

— Não se trata de escrúpulos. Por todos os Santos, Jack, não pudeste encontrar nada mais estereotipado?

— Não. Tentei-o, mas isto foi o melhor que pude encontrar. Venha. Não temos todo o dia. Nem a noite.

Topaz entrou sacudindo a cabeça relutante, e Jack fechou a porta atrás dela, mas não importava, posto que podia ver perfeitamente na escuridão. Viu mantas e travesseiros tendidos sobre um ataúde de pedra, um abajur no chão e a mochila do Jack em um rincão junto com uma geladeira portátil com o logotipo da Cruz Vermelha.

— Alimento? —perguntou ela, assinalando-a com a cabeça.

— Sirva-se você mesma. A menos que... Bom, se quiser, pode... umm... —inclinou a cabeça um pouco e passou o dedo pela jugular — Comer a mim.

— Em seus sonhos, Jack.

— Às vezes, sim.

Deu-lhe um murro no ombro e se aproximou da geladeira para pegar uma bolsa de sangue.

— Há cadáveres aqui dentro?

— Nenhum recente. Acredito que os mais jovens estão aqui há cinqüenta anos no mínimo.

— É um alívio. Pelo menos não teremos que dormir entre cadáveres em decomposição — terminou o sangue e devolveu a bolsa vazia à geladeira, para desprezá-la mais tarde. Então se estirou. A letargia começava a apropriar-se dela. Alargou o braço para retirar uma manta das que havia sobre o ataúde.

Jack a agarrou por uma esquina e a tirou das mãos de um puxão.

— Está a salvo dormindo comigo, Topaz. Em questão de minutos estaremos como mortos. Não tenho tempo de te seduzir, até no caso de que tivesse intenção de descumprir nosso trato... Coisa que não vou fazer, por certo. — me denuncie por não confiar em ti.

— Não engana a nenhum dos dois. É em ti de que não confia.

— OH, por favor. Não é tão irresistível — soltou a manta e, para demonstrar que acreditava de verdade no que dizia, despiu-se até ficar em roupa interior, e se meteu na improvisada cama. Encontrou-a surpreendentemente suave e se deu conta de que Jack tinha posto um colchão inflável debaixo. — Um detalhe por sua parte.

Sorrindo para si, Jack se despiu e se deitou a seu lado coberto só com a cueca. Cobriu-os a ambos com as mantas, mas teve muito cuidado de não tocá-la. Logo que havia uns centímetros de espaço entre os dois. Ficou de lado, olhando-a, tão perto que Topaz podia sentir seu fôlego na bochecha.

— Pode me dar um beijo de boa noite se quer —disse.

— E por que demônios ia querer fazê-lo?

Ele se encolheu de ombros.

— Para me agradecer por minha ajuda. Para me mostrar um pouco de gratidão por tentar te proteger para que não te aconteça nada. Para...

— Para que te cale? — interrompeu-o ela. Então ficou de lado, olhando-o, e posou os lábios sobre os dele. Foi um pouquinho de nada. Breve, mas firme. Entretanto, quando se retirou, seguia sentindo aqueles lábios sob os seus. Jack tinha os lábios mais suaves do mundo. Sempre tinha sido assim. Suavizou-lhe o coração um pouco, e se inclinou outra vez para ele. Esta vez estampou toda a boca sobre a dele, com suavidade, retirando-se justo quando ele entreabria os lábios e começava a move-los daquela maneira que a enlouquecia.

Ainda podia saboreá-lo.

— Que durma bem, Topaz — sussurrou Jack.

— Não fica mais remédio.

E menos mal, pensou. Porque se não fora assim, sabia que não poderia dormir. Não poderia tendo-o tão perto. Não poderia recordando todas as noites que haviam passado um nos braços do outro.

Notou a energia do sol nascente e fechou os olhos profundamente agradecida.

 

Quando abriu os olhos ao cair o sol, Topaz se estirou e se colocou de lado. Havia          alguém ali, alguém que lhe resultava muito familiar, e, ainda meio adormecida, roçou-lhe os lábios com os seus. As mãos dele se enredaram em seu cabelo e sua boca capturou a dela. Uma boca que conhecia, uma boca que lhe provocava puro deleite, uma boca que adorava beijar. E isso fez. Entreabriu os lábios, rodeou-lhe o pescoço com os braços, e o beijo se tornou muito mais premente até que começaram a devorar-se mutuamente.

         E, de repente, escapou do abraço e ficou tombada ofegante, a respiração entrecortada, tremente de desejo... E totalmente acordada.

— Não pare — murmurou Jack. — Neném, não pare. Não agora — fez gesto de atraí-la para si.

Mas lhe pôs a palma no torso para impedi-lo.

— Prometeu-me que não me tocaria, Jack.

— E não o tenho feito.

— E como chama você a me comer a boca como se fosses tragar minha língua?

— Você começou.

— Não é verdade.

— Beijou-me primeiro Topaz —desceu do ataúde e meteu ambas as mãos no cabelo enquanto suspirava, frustrado. — Maldita seja, mulher, sou humano.

— Não, não é.

— Já sabe o que quero dizer.

Ela assentiu, embora com reticência, incapaz de olhá-lo aos olhos, consciente de que se fizesse, Jack veria o desejo descarnado que brilhava nos seus.

— Vamos, Topaz. Os dois queremos fazê-lo. Sabe que é verdade.

— Esquece.

— Não pode negar o que acaba de acontecer. É explosivo o que há entre nós.

— Também é a dinamite e nem por isso vou colocar-me um cartucho nas calças e acender o pavio — sacudiu a cabeça energicamente, tentando meter a idéia na cabeça e também na dele à força de insistir. — Me rompeu o coração, Jack. Seria uma estúpida se te desse a oportunidade de fazê-lo outra vez.

— Pois deixa o coração à margem. Agora mesmo me odeia. Não deveria te custar muito. Será somente sexo.

Ela o olhou e se levantou. Sem dizer uma palavra mais recolheu a roupa e se vestiu.

— Como quer — disse Jack ao ver que ela não dizia nada. — Nega-o. Atrasa-o. Mas ocorrerá. Cedo ou tarde vai ocorrer, Topaz. E acredito que sabe tão bem como eu que o deseja tanto quanto eu. É inevitável.

— Não, se vai embora.

— Não vou.

Quando Topaz terminou de vestir-se recolheu a roupa dele e a lançou.

— Quer se vestir?

— Sou-te irresistível sem roupa, né?

— Quero voltar para a mansão, tomar uma ducha, vestir roupa limpa, me arrumar o cabelo e me maquiar.

— E que plano tem para depois da meia-noite?

— Muito gracioso. Quero começar a falar com os homens que aparecem no expediente. Os candidatos a suspeitos do assassinato segundo a polícia.

— E o dono da mansão?

— Ainda não decidi o que vou fazer com ele. Se lhe dissermos que sabemos dos microfones, é provável que nos expulse, ou, pior, que deixe que fiquemos e procure outro método de escutar sem ser visto.

— Não ouvi nada parecido.

— Será melhor que procuremos os microfones e tomemos cuidado com o que dizemos até então.

Jack assentiu.

— De fato, tenho que fazer umas coisas enquanto você se enfeita. Vou ver se consigo um rastreador de aparelhos eletrônicos para que não escape nem um micro.

Topaz o olhou carrancuda.

— E onde vamos encontrar algo assim na metade da noite?

Ele apartou a vista para começar a vestir-se. Ou talvez essa fora a desculpa que queria usar.

— Não tenho nem idéia.

Topaz tinha a impressão de que estava mentindo.

 

O que queria de Topaz era seu perdão, decidiu Jack. Ok, um pouco de sexo também estaria bem, mas seu perdão seria perfeito. Estava rompendo a cabeça procurando o motivo que o tinha levado até ela, o motivo pelo que se havia sentido tão impelido a correr em sua ajuda com esse assunto de sua mãe como o teria feito para proteger a um dos Escolhidos. Não era amor, isso seguro.

Ele não acreditava no amor. O amor era a ferramenta mais capitalista para um vigarista como ele, mas não era real. O motivo que tinha para estar ali tampouco era a atração física, ou pelo menos não era o único motivo. Havia algo mais, e estava começando a lhe encher a paciência não saber o que.

Pois bem. Acreditava ter dado com isso justo nesse momento, enquanto esperava em pé em meio de um estacionamento quase vazio a que aparecesse seu contato. O que sentia era culpa, assim simples. E não era de se estranhar que tivesse demorado tanto em identificar o sentimento, porque era algo que não havia sentido nunca. Menos com ela. Se tivesse sabido que Topaz passou toda a vida acossada por gente que dizia querê-la quando o único que cobiçavam era seu dinheiro, jamais a haveria escolhido como vítima.

Mas como convencê-la de que isso era o grande problema. Ia ter que lhe devolver o dinheiro. Sua intenção tinha sido essa desde o começo, muito no fundo, e agora se dava conta. Por isso não tinha sido capaz de gastar um centavo; por isso o levava sempre consigo desde que estivesse com ela. Para poder devolvê-lo intacto. Mas não poderia devolvê-lo sem mais nem menos, não ainda, ou ela perceberia que o tinha consigo todo o tempo e assim não receberia o perdão que ansiava. Além disso, se o entregasse ela bem poderia mandá-lo embora e ele tampouco queria isso. Não enquanto sua vida corresse perigo.

Já tinha o bastante com seus sentimentos por ela. Analisá-los e compreendê-los o tornaram completamente louco.

As luzes de uns faróis de carro interromperam seus pensamentos. Ocultou-se entre as sombras e esperou. O Lincoln se deteve e o agente especial da CIA, Frank Magnarelli, desceu e deixou a porta aberta. Os sapatos de verniz negro que levava ressonaram sobre o chão de concreto, e, então, detiveram-se.

Era o primeiro encontro cara a cara com o agente que estava encarregado de seguir e capturar Reaper, antigo agente da CIA, Raphael Rivera. Até o momento só tinham falado por telefone. O rosto do Magnarelli parecia de asfalto grosseiro, levava o cabelo cinza talhado a escova e tinha uma cicatriz no queixo. Acendeu um cigarro, deu três tragadas seguidas, logo o atirou e o esmagou com o salto.

Vendo que era o sinal combinado, Jack saiu à luz.

— O que tem para mim? — perguntou Magnarelli.

Jack o olhou de cima abaixo. Era um homem alto e forte com olhos frios como o gelo e uma atitude igualmente gélida.

— Depende. O que tem você para mim?

— Já te dei tudo o que tínhamos sobre o caso Dufrane.

— Não me considerará tão ingênuo para acreditar numa coisa assim. Sei que têm mais coisas. Mas no momento, o que quero saber é quem é o pai da pequena Dufrane. Tanya, não é assim?

Os frios olhos cinzas se escureceram com a suspeita.

— O que te deu com toda esta merda, Heart?

Jack se encolheu de ombros, mas Magnarelli arqueou as sobrancelhas.

— Está ajudando-a, verdade? O artigo esse, sobre que retornou da tumba em busca de vingança é verdade. Tanya Dufrane é... É um dos teus?

— Essa não é a informação que tínhamos acordado intercambiar. E não é assunto teu. Você averigua quem é seu pai, e eu te darei a informação que solicitei para ti.

— Tampouco posso tirá-lo da manga. Averiguarei-o, caso seja possível.

— É a CIA. Tudo é possível. Mas me conformarei com que me prometa que vais olhar e um pequeno presente de despedida.

Magnarelli trocou o peso de um pé a outro. Parecia frustrado.

— Olharei-o.

— E o presente? —perguntou Jack.

— Deixa de joguinhos, Heart, e me diga que classe de presente tem em mente.

Jack sorriu amplamente. Magnarelli temia que fosse exigir um gole de sangue de suas veias. Jack não o tinha adivinhado lhe lendo a mente, porque aquele agente em particular era um professor na hora de bloquear seus pensamentos. Jack o tinha descoberto no tempo que levava falando com ele. Provavelmente esse fora o motivo que o tivessem enviado a tratar com os não mortos. Mas não o fazia falta lhe ler a mente para saber o que estava pensando. Ao Jack adorava lhe pôr nervoso.

— Necessito um rastreador de microfones — disse finalmente.

Magnarelli arqueou as sobrancelhas cinzas como seu cabelo e seus olhos, lhe enrugando a frente.

— Para que?

— Repito que não é teu assunto. Tem um ou não?

Magnarelli suspirou e baixou a cabeça brevemente. Logo se virou, dirigiu-se, com a chave, para o Lincoln. Abriu o porta-malas e rebuscou em seu interior. Ao cabo de um momento retornou com o artefato, o entregou a Jack e explicou-lhe brevemente como funcionava.

— Perfeito — disse Jack. — Obrigado.

— agradeça me dando algo em troca. Algo útil esta vez, Jack. A informação de que Rivera se dirigia ao norte a partir de Savannah não nos serviu virtualmente para nada. Quando chegamos ao lugar que nos indicou, fazia um dia e meio que saiu.

Jack se encolheu de ombros.

— Faço tudo o que posso. Talvez tenha mais sorte com isto — tentou imprimir sinceridade a seu tom, mas não estava muito seguro de estar conseguindo. Meteu a mão no bolso dos jeans e tirou uma parte de papel — Sei com absoluta certeza que esteve aqui.

Magnarelli olhou a nota.

— De maneira que Virgínia Beach, né? E diz que esteve aqui. Faz quanto? — continuou observando o papel entrecerrando os olhos a tênue luz do estacionamento, como se fosse lhe dizer algo mais se o olhasse com atenção.

— Faz vinte e quatro horas —respondeu Jack. —. É o melhor que pude conseguir.

— O melhor, Heart, teria sido que me houvesse dito isso a vinte e quatro horas. Quando se inteirou.

— Não me inteirei até esta noite — mentiu Jack. — E não podia sair correndo a lhe contar isso sem levantar suspeitas — de novo tentou parecer sincero. — Olhe, estou fazendo o melhor que posso. E você está conseguindo informação que de outro modo não poderia, assim não sei do que se queixa — sacudiu a cabeça enquanto se virava com fingida frustração e retornava a grandes pernadas a seu carro. — A merda todo isto. Estou arriscando a pele, mas para você, amigo, nunca é suficiente. Parei. Pode ir procurar outro...

— Espera, espera um momento — os sapatos do Magnarelli repicaram sobre o concreto. Tudo nele tinha mudado: seu tom, seu caminhar. Até seu semblante de granito parecia ter se suavizado. Uma imagem falsa, e Jack sabia, mas assim era sempre tudo o que falavam. — É uma boa informação — disse o agente como se estivesse falando com um menino que se equivocou ao soletrar. — É só que preferiria que fosse mais recente, mas é boa. Segue trabalhando como está fazendo, de acordo?

Jack se deteve. Seus lábios se curvaram em um sorriso muito devagar, que apagou do semblante antes de virar-se.

— Asseguro-te que faço o melhor que posso, Frank.

— Sei. De fato, toma — o agente tirou um envelope do bolso interior do casaco. — Aqui tem um pequeno extra. Chame-me quando tiver outra coisa, no momento que o tenha, se for humanamente, isto... Se for possível, vamos.

— Tem minha palavra — disse Jack, sem cruzar os dedos à costas sequer.

Extorquir à CIA era o negócio mais importante que tinha tido na vida. E provavelmente o mais arriscado, porque eles mesmos eram os maiores estelionatários do mundo. Mas sempre tinha gostado dos desafios.

***

— Pois sim que demoraste pouco — disse Topaz quando Jack retornou a casa. Teria gostado que tivesse demorado um pouco mais. Ainda estava vestida com o robe de seda e o cabelo envolto em uma toalha.

— Disse que não demoraria — tirou o rastreador do bolso e o mostrou envolvendo-o com a mão cuidadosamente para que as câmeras não o captassem, que funcionavam perfeitamente, claro. O que ocorria era que nenhuma câmera captava a imagem de um vampiro, mas sim captariam o aparelho em questão a menos que se encontrasse em contato absoluto com ele. — E trouxe o que necessitávamos.

— Sabe como se usa?

— Vinha com uma demonstração prática. Por que não termina de te arrumar enquanto eu... Vou limpar um pouco?

Ela assentiu e se voltou para as escadas, mas então se deteve e se virou para ele novamente.

— Vais dizer me o que eram esses recados misteriosos que tinha que fazer?

— Não.

Topaz pestanejou surpresa ante a franqueza de sua resposta. E lhe entraram as suspeitas.

— Está seduzindo a alguma mulher rica e necessitada de carinho para lhe roubar as economias de sua vida, Jack?

Ele franziu o cenho e se inclinou levemente para frente, como se quisesse vê-la mais de perto.

— É um indício de ciúmes o que detecto, Topaz?

— Em seus sonhos. É só que não posso suportar a idéia de que outra mulher sofra o que sofri.

Jack se aproximou ainda mais e levantou as mãos como se fosse lhe acariciar os braços, mas se deteve, obviamente recordando o trato que tinham. Em vez de tocá-la olhou-a diretamente aos olhos e disse:

— Não é outra mulher.

A Topaz desgostou o alívio que a percorreu por dentro com tal potência que lhe debilitou os joelhos. Detestava-o. Mas não podia negá-lo.

— Não vais dizer me do que se trata, verdade?

— Não.

— É algo legal?

— Absolutamente.

Ao dizê-lo apareceu a covinha em seu queixo e o brilho em seus olhos que tinham lhe derretido o coração tantas vezes. Desejava com toda a alma poder lançar-se a seus braços; lhe sustentou o olhar e seu sorriso se foi desvanecendo pouco a pouco. Uma onda desconhecida de energia encheu o ar que os rodeava. Notou que se rendia para ele, como se jogasse dela, e ficou tão atordoada que se virou e saiu correndo escada acima atravessou o corredor e se meteu no dormitório. Lançou-se como uma possessa ao quarto de banho e jogou o ferrolho, como se tentasse proteger mesmo de Lúcifer.

Logo se inclinou por cima do lavabo com as mãos apoiadas a ambos os lados, e se olhou ao espelho, esperando ver o reflexo de seus olhos. Mas não estava.

— O que me está passando? Por que continuo me sentindo tão atraída por ele, quando sei que é a pior escolha possível? Por que, quando é o maior engano que cometi em minha vida? É que sou estúpida?

Decidiu que a resposta era um contundente não. Claro que não era estúpida. Estava quebrada por dentro. Não tinha conhecido nenhuma classe de amor em sua vida, só as pessoas que a usavam. E por isso que a atraía a ele de forma natural. A mesma merda de sempre. Até sendo vampira como era agora, seguia repetindo os mesmos esquemas, arraigados nela desde sua infância.

Tinha que romper aquele círculo vicioso.

E tinha que fazê-lo já, pensou.

 

Quando retornou ao piso de abaixo, arrebatadoramente bonita em sua opinião não precisamente modesta, Jack a esperava ao pé das escadas, com um punhado de diminutos aparelhos eletrônicos na palma da mão.

Topaz ficou olhando-os com surpresa.

— São os...?

— Absolutamente inabilitados. Pensei que seria melhor jogá-los todos no lixo. Sempre podemos dizer ao dono que se esqueceu de colocá-los. São todos. Verifiquei três vezes. O único cômodo que falta verificar é seu banheiro. Mas me pareceu que seria melhor esperar que saísse.

— Tendo em conta que o contrário te teria resultado extremamente doloroso, Jack, acredito que foi uma decisão muito criteriosa.

— Sim — subiu os primeiros dois degraus e se voltou para olhá-la por cima do ombro.          — Está preciosa, por certo. Temos algum plano que eu não saiba?

— Não.

— Não? Então te arrumou assim para mim, né?

— Mais quisesse — alisou a saia do vestido negro atado ao pescoço que usava, desejando que o comentário de Jack não lhe tivesse afetado tanto.

Jack se encolheu de ombros e continuou subindo. Voltou poucos minutos depois dizendo que o banheiro estava limpo.

Entraram no carro rumo à casa do ex-senador Frederick Ramírez.

 

— Parece-me que não lhes está esperando — o homem que abriu a porta tinha mais pinta de guarda-costas que de mordomo, mas a Jack não importava.

— Não, é certo, não nos espera — disse Topaz. — Poderia lhe dizer que está aqui a filha de Mirabella e que quer falar com ele?

O homem franziu o cenho, mas assentiu com a cabeça.

— Esperem aqui — e os deixou nos degraus de concreto do exterior da impressionante residência do político.

— Um tipo muito simpático, não te parece? — disse Jack olhando Topaz. Não lhe passou despercebida a tensão da mandíbula, nem tampouco a suave mata de cabelo, sedoso como o pêlo de um visom, que lhe caía de uma maneira muito sexy sobre os ombros. — Relaxe. Tudo sairá bem.

— Quem disse que não estou relaxada?

— Eu — respondeu ele, mas nesse momento olhou para a porta fechada. — Está voltando. O senador vai receber-nos.

— Só espero que seja tão fácil lhe ler a mente como da sua amiga Sexta-feira.

A porta se abriu e o mordomo-guarda-costas saiu aos degraus.

— Os Receberá. Sigam-me.

A casa era descaradamente opulenta e mais fria que o gelo. Deixaram atrás o vestíbulo e tomaram a seguir um comprido corredor ao final do qual se via umas portas duplas abertas, a entrada a um estúdio de paredes cobertas de livros que cheirava a couro e a volumes antigos. Seu guia se deteve ao chegar às portas e indicou que passassem.

Jack percebeu que a tensão de Topaz aumentava quando atravessaram as portas. O senador estava em pé perto de uma enorme chaminé, olhando Topaz. Estampou então um sorriso cálido, que poderia descrever-se como sincero, e se aproximou deles com as mãos estendidas.

Tomou as de Topaz entre as suas.

— Tanya. Meu Deus acreditava que tinha morrido.

— Todos acreditavam.

Sustentou-lhe as mãos enquanto observava seu rosto.

— Parece-te tanto a sua mãe.

— Obrigado.

— Deve fazer frio fora. Tem as mãos geladas — seguia sem lhe soltar as mãos, e Jack estava começando a ficar de muito mau humor. Não é que tivesse motivo. A final havia possibilidades de que aquele tipo fosse seu pai. Mas se não o era, seria melhor que a soltasse, e logo.

Como se tivesse percebido a ameaça, Ramírez lhe soltou as mãos e se virou para uma sala de estar formada por um sofá e várias poltronas colocadas em semicírculo ao redor da chaminé.

— Sentem-se, por favor. Fiquem a vontade. Querem que diga ao Rodney que vos traga algo? Vinho, chá, café?

— Não, obrigado — disse Topaz.

— Não bebemos... vinho — brincou Jack.

Topaz lhe deu uma cotovelada no flanco com discrição enquanto se sentavam juntos em um sofá de couro marrom.

O senador olhou para a porta.

— Isso é tudo no momento. Rodney.

O homem fez um gesto de assentimento e fechou as portas. O senador olhou a Jack.

— Desculpe minha falta de maneiras. Sou Frederick Ramírez.

— Jack Heart — respondeu Jack, lhe estendendo a mão.

— E me diga, o que a traz por aqui? —perguntou o senador dirigindo sua atenção de novo para Topaz.

— Bom, em realidade são duas coisas. Tenho curiosidade por saber quem é meu verdadeiro pai. E ainda tenho mais curiosidade por saber quem assassinou a minha mãe.

Ramírez guardou silêncio um momento enquanto meditava a respeito disso.

— E imagino que me considera culpado de ambos os casos.

— Só queria falar com você sobre o assunto — respondeu Topaz. — Não o estou acusando de nada.

Ele suspirou e assentiu.

— Seguro que pensou em algum momento que podia ser meu pai. Tentou conseguir a custódia quando minha mãe morreu.

— O fiz. Porque ela me importava — o homem inspirou profundamente e a olhou aos olhos. — O certo é, Tanya, que sabia que não podia ser seu pai biológico porque era, sou, estéril. Mas mesmo assim, queria te criar, pelo amor que tinha a sua mãe. E confiava em que os tribunais não averiguassem meu engano. Mas o fizeram.

— Seriamente? — perguntou Jack. — Não se menciona nada nas atas do tribunal.

— Sou um homem poderoso, senhor Heart. Com contatos poderosos.

— Isso é óbvio — comentou Jack, dirigindo um eloqüente olhar a seu redor. — Está claro que tudo isto não se compra com o salário de um senador do Estado.

O senador optou por ignorar o comentário.

— Basta dizer que tinha suficiente influencia para me assegurar de que o assunto de minha esterilidade não constasse nas atas públicas, embora o juiz sabia — devolveu sua atenção a Topaz. — Oxalá tivesse sido minha. Digo-lhe isso sinceramente. E se te servir de consolo, estou disposto a colaborar me submetendo a uma prova de DNA. A nota promissória incluso.

Jack sabia que não era necessário. Não era difícil lhe ler a mente, e sabia que Topaz tinha chegado à mesma conclusão. Jack viu a decepção em seus olhos e sentiu que o invadia uma emoção totalmente incomum nele.

Pigarreou e se obrigou a dirigir sua atenção ao senador.

— O que sabe do assassinato, senhor Ramírez?

Ramírez baixou a vista.

— Faz muito tempo, mas o tenho gravado na memória. Eu a amava, sabe? Queria me casar com ela, mas ela não queria atar-se a nenhum homem. Ela era um espírito livre. Sempre suspeitei que um dos homens com os que saía a matou em um ataque de ciúmes irracional. Mas a polícia investigou o assunto e, embora me custe admiti-lo, Tanya, se não encontrou o culpado então, não confio muito em que vão poder fazê-lo agora.

— Talvez, mas tenho que tentá-lo —respondeu ela.

Ele assentiu.

— Vou te dizer uma coisa. Eu não tinha motivos para lhe fazer mal. Nenhum. Não a teria machucado por nada do mundo. Cheguei a oferecer uma substanciosa recompensa a quem pudesse me dar informação útil.

Topaz olhou para o Jack e este lhe sustentou o olhar.

“Não mente”, disse-lhe mentalmente.

“Sei”, respondeu ele de igual forma.

— Tem alguma teoria sobre o que aconteceu com seu corpo? — perguntou Topaz.

— Foi uma profanação. Não sei. Algum fã louco. Um amante obcecado. Não sei Tanya.

O telefone soou uma vez e parou. Ao momento, o mordomo apareceu a cabeça pela porta.

— É o governador, senhor.

Ramírez assentiu com a cabeça e levantou a mão para lhe indicar que esperasse. Depois se dirigiu a Topaz.

— Alguma outra coisa que queira me perguntar?

— Eu quero lhe perguntar algo — disse Jack quando ela negou com a cabeça. — Justo depois de que Tanya aparecesse por aqui, a imprensa sensacionalista começou a especular sobre o motivo de sua volta e invadiram a casa onde se hospeda. Possivelmente alguém muito nervoso perguntando-se o que averiguamos. Sabe você algo?

As sobrancelhas de Ramírez se juntaram.

— O que sei é que não é um bom sinal. Talvez o assassino ainda ande por aqui, Tanya, o bastante perto para que seja uma ameaça para ti — lançou um olhar ao Jack. — Posso lhes enviar a alguém do Serviço Secreto. Falarei com a polícia e me encarregarei de...

— Não será necessário — respondeu Jack. — Acredite, posso protegê-la.

Topaz lhe lançou um rápido olhar. Jack sorriu amplamente. Conhecia-a muito bem, pensou.

— Corrijo-me: Tanya sabe proteger-se sozinha. Eu só estou de reforço.

Topaz se levantou do sofá, e Jack e o senador a imitaram.

— Adiante, atenda sua chamada, senador. Já temos o que tínhamos vindo procurar — disse. — Obrigado por seu tempo.

— Se necessitar algo, não duvide em me chamar. Ordenarei ao pessoal que me passem diretamente qualquer chamada sua.

— É muito amável.

— Gostei muito de te conhecer, Tanya. Espero que voltemos a nos ver — olhou ao mordomo. — Rodney, lhes indique a saída.

 

— Está decepcionada — disse Jack enquanto conduziam de volta à mansão.

— Sim, um pouco. Pareceu-me um homem decente.

— Essa é a palavra chave, parece. Mas está a parte de aceitar contribuições por parte de chefes da máfia.

Ela assentiu. Mas viu que seu semblante estava envolto em um véu de tristeza e deu-se conta de que não gostava de vê-la assim. Era estranho. A empatia nunca havia sido seu forte. Mesmo assim, sentiu-se impelido a distraí-la para que não pensasse nisso.

— Nunca me contou sua história, Topaz.

— Que história?

— a de sua transformação. Quem te converteu em vampiro, quando e como foi?

Ela o olhou de soslaio.

— Quer saber de verdade?

Era estranho, mas sim, queria saber, e assim o disse.

Ela se encolheu de ombros e se remexeu em seu assento um pouco, para reclinar-se finalmente no respaldo como procurando uma posição mais cômoda.

— Não há muito que contar, mas suponho que é uma das metamorfoses mais incomuns que já tenha ouvido em sua vida.

— Assim, a metamorfose, né? Uma forma encantadora de dizê-lo.

— Sim, sou uma pessoa encantadora — replicou ela, encolhendo-se de ombros. — Quando completei vinte e cinco anos, tornei-me a proprietária de meu próprio dinheiro pela primeira vez. E era um montão. No entanto estava perfeitamente consciente de que meu pai, o homem que me criou, estava mais interessado em minha fortuna que em mim. Fazia anos que sabia. De fato, foi quando me dei conta de que, em minha vida, todos os que supostamente me queriam na verdade só queriam meu dinheiro.

Jack notou que o remorso lhe queimava as veias diretamente para o coração. Ele tinha sido um a mais na larga lista de pessoas que a tinham usado.

— Comecei a me sentir mal. Os efeitos do antígeno da beladona me deixaram feito pó. Estava deprimida, cansada o tempo todo, letárgica, débil, enjoada. Os médicos sabiam qual era a causa, diziam que era normal. Mas disseram que não havia tratamento nem cura. Virtualmente me disseram que não passaria dos trinta.

— E não sabia nada mais a respeito daquele antígeno... Que viveria eternamente?

— Não, nem sequer sabia que existissem os vampiros até então.

— Bom pouca gente sabe — disse Jack, olhando para sua cara, lhe jogando olhadas furtivas a cada pouco tempo enquanto conduzia. Sua intenção tinha sido distraí-la para que deixasse de se sentir triste, mas tinha a impressão de que aquela conversa a entristecia ainda mais. Talvez devesse mudar de assunto, mas Topaz parecia imersa em sua história, e não sabia como fazê-lo.

— Decidi sair — disse. — Decidi levar todo o dinheiro que tinha e gastá-lo. Estaria em festa até que caísse esgotada.

— Suponho que precisava rebelar-se.

— Odiava meu dinheiro. Por sua culpa acreditava que jamais encontraria alguém que me amasse pelo que eu era de verdade. Fui ao México, a um complexo turístico no Gulf Coast. Passei ali seis meses, a maioria do tempo tão bêbada que não podia nem andar. E aquilo teve seus efeitos em meu corpo. Acredito que reduzi minha esperança de vida virtualmente a zero, a zero totalmente no final. Fui debilitando cada vez mais. Quase não comia, só bebia, saía e me deitava com todos que mostrava algum interesse por mim.

— Isso seria como dizer a todos que visse.

Lançou-lhe um olhar rápido, e Jack acreditou ver que os lábios lhe esticavam ligeiramente nas comissuras, como se houvesse um sorriso escondido sob a superfície. Um sorriso triste. Mas estava satisfeito que o elogio tenha lhe provocado um. Deu-se conta de repente de que não lhe tinha feito muitos.

— Uma noite saí cambaleando de uma cantina e caí em plena rua. Senti-me morrer, acredito. Ou pelo menos naquele momento de verdade pensei que estava morrendo. Pensei que tudo tinha terminado. E a única coisa que lamentava era que apenas tinha gastado um pouco insignificante de minha herança, e que algum babaca terminaria ficando com tudo.

— Estava em plano suicida — disse ele em tom pormenorizado. — Só que em vez de usar uma pistola, usou uma garrafa.

— Muitas garrafas — corrigiu ela.

— E o que aconteceu depois?

— Está impreciso. Só lembro-me de coisas soltas, minha cabeça é como um quebra-cabeça em que falta a maioria das peças. Lembro que uma mulher pegou-me em seus braços e recolheu-me do chão. Pareceu-me estranho a facilidade com que me levantou do chão. Não pesava muito então, mas ela não era muito mais corpulenta que eu. Lembro que senti seu fôlego na garganta. Tinha umas mãos muito suaves e frias. E falava em um sussurro, embora sua voz tenha penetrado em mim e me reconfortado de certa forma.

Quando despertei estava na cama do quarto que tinha alugado. As janelas estavam cobertas por completo. Sentia-me diferente. Já não me sentia débil, mas sim forte e poderosa, forte como nunca havia me sentido antes, nem sequer antes de adoecer.

— No começo é incrível, não é mesmo? — disse Jack.

Ela assentiu.

— E a mulher que te recolheu?

— Não estava — respondeu ela em um sussurro. — Só me deixou uma carta. Entravam já pelo caminho de acesso a Avalon. Desligou o carro e as luzes enquanto Topaz rebuscava algo em sua bolsa. Tirou uma cigarreira de prata antiga com as iniciais MD na tampa.

— Era de sua mãe? —perguntou-lhe.

— Sim. Sempre a levo comigo. Não fumei nunca, assim que a uso para colocar coisas especiais — a abriu e embora não completamente aberta, Jack vislumbrou os pequenos cartões unidos às flores que lhe tinha enviado quando saíam juntos. Tinha guardado. Deus santo, sim era certo que tinha significado algo muito importante para ela em um momento de sua vida.

— Aqui está — tirou uma parte de papel dobrado da cigarreira depois fechou e a guardou na bolsa. — Quer ler?

Ele assentiu, e ela o entregou. Desdobrou-o no espaço escuro e íntimo do carro. Não precisava de luz para ver. Observou que se tratava do papel de cartas de hotel e a elegante caligrafia.

Querida novata:

Lamento muito ter que deixar que te familiarize sozinha com sua nova natureza, mas não tinha opção. Assim decidi te contar os detalhes mais importantes nesta nota, informação que necessitará para sobreviver. Quando lhe encontrei ontem à noite, estava meio morta. Não teria sobrevivido e, embora não ter conseguido que me desse seu consentimento, fiz o que percebi que teria querido fazer se tivesse te dado a opção. Converti-te no que eu sou... Um vampiro.

Agora é mais forte que qualquer humano, e essa força aumentará com a idade. Seus sentidos se aguçarão. Agora pode ler e sentir os pensamentos de outros, e, com o tempo e a prática, também poderá controlar suas mentes. E tem que beber sangue para sobreviver. Não tem que ser necessariamente humano, nem de um ser vivo. Poderá viver de animais e bancos de sangue. Mas a comida e a bebida que tomava quando foi mortal já não lhe servirão. Seu corpo não pode e não quererá tolerá-lo.

Não deve te expor à luz direta do sol. Dormirá durante o dia, tanto se quer como se não. É altamente inflamável, assim deverá tomar cuidado se está perto de um fogo. E pode sangrar com facilidade. Essas são formas em que poderia morrer.

Qualquer ferida que sofra sanará enquanto dorme durante o dia. Por isso, se consegue deter o sangramento de uma ferida potencialmente mortal até que saia o sol, sobreviverá.

A dor se intensifica. Mas também o prazer.

Só os humanos com o antígeno da beladona podem converter-se em vampiros. Todos o temos. Como vampiros que somos agora, percebemos os humanos que também o possuem, e nos vemos impelidos a vigiá-los de perto e a protegê-los.

Isso é o que precisa saber. Desejo-te uma larga, vigorosa e feliz vida eterna.

Jack dobrou o papel e o devolveu.

— Nem sequer o assinou.

— Não. E me abandonou. Mas já estava acostumada que me abandonassem. E pelo menos não levou minha carteira.

A indireta fez que Jack se encolhesse de dor.

— Suponho que merecia isso.

Ela se limitou a encolher-se de ombros, mas não fez gesto de sair do carro.

— Sabe? Nossas histórias não são tão diferentes — acrescentou.

Ela não disse nada. Aguardou em silêncio que continuasse.

— Meu pai morreu quando eu era um menino. Nem sequer me lembro dele. Minha mãe era uma alcoólatra que não servia para nada. Criei-me sozinho. Aos oito anos, deixou-me um dia na casa de seu irmão para que cuidasse de mim e nunca mais voltou.

Ela levantou a cabeça muito devagar e procurou seus olhos.

— Também lhe abandonaram?

— Sim. E o tio Frank não gostou muito, pelo menos no início. Mas era um menino preparado. Verá, o tio Frank era um vigarista da velha escola. Eu me dava conta e, um dia, no parque, assegurei-me de que estava olhando e então me aproximei de uma mulher de aspecto agradável com um cone de sorvete quebrado que havia encontrado no chão. Pus-me a chorar e a dizer que tinha gasto meus últimos cinqüenta centavos nesse sorvete que estava derretendo no chão. A mulher me deu um dólar e uns tapinhas na cabeça, e me disse que comprasse outro.

Topaz estava boquiaberta e com os olhos como pratos.

— Nunca me senti mais orgulhoso em minha vida como quando me aproximei do tio Frank e lhe entreguei o bilhete novo. Recordo seu aroma, e como me sorriu meu tio quando o dava. Então me pegou a mão, a primeira vez que o fazia desde que estava com ele. E me disse: “Filho, acredito que isto pode funcionar”.

— E está desde então extorquindo às pessoas — disse ela em voz baixa.

— Mulheres. Extorquindo mulheres desde então. Quase sempre.

Ela sacudiu a cabeça muito devagar, colocou a mão sobre a maçaneta da porta e a abriu.

— Se soubesse então o que sei agora, Topaz, sobre seu passado, jamais lhe teria extorquido.

— Mas essa não é a questão, verdade? — replicou ela. Saiu do carro, fechou a porta e se dirigiu para a casa.

Ele saiu correndo atrás dela e em seguida a alcançou.

— Então qual é a questão?

Ela se deteve e o olhou.

— Não sabe?

— Não, diga-me.

O vento agitava brandamente os cabelos de Topaz e parecia que as estrelas se refletiam em seus olhos.

— A questão é — disse ela em tom muito mais suave que antes, — haveria te fixado em mim se não fosse porque queria me extorquir? Teria te incomodado em me conhecer?

Ele pestanejou surpreso e decidiu que o melhor seria ser sincero.

— Estava procurando um objetivo, Topaz, não um romance.

Ela se virou e continuou para a casa.

Jack a alcançou de novo, abriu-lhe a porta antes que chegasse e deixou que passasse antes.

— Mas se tivesse estado procurando... Isso... Teria te eleito.

— Já não o busco.

O celular de Topaz soou antes que um dos dois pudesse dizer mais nada. Jack sentia que lhe tinha formado um nó na garganta que lhe baixava até o peito, e amaldiçoou se sabia por que. Tinha sido sincero com ela. Não era amor o que estava procurando quando a conheceu, como tampouco o tinha procurado após, e tampouco andava buscando-o nesse momento, tão seguro quanto era um vampiro. Não tinha sentido procurar algo que não existia.

Topaz tirou o celular, olhou a tela e levantou a tampa.

— Reaper?

Enquanto escutava, os olhos de Topaz voaram para os do Jack. Mas não era dor o que brilhava neles desta vez, nem tampouco o reflexo das estrelas, era a sombra da suspeita.

 

— Estão-nos seguindo outra vez — disse Reaper.

— Tem certeza? —Topaz estava mais preocupada que surpresa. — Acreditava que havia dito que os tinham despistado.

— Tínhamos despistado. Aí está a chave. Alguém teve que lhes dar o sopro de onde estávamos. E só o hei dito a nossa gente. A ti, ao Seth e a Vixen, o Roxy e Ilyana.

Topaz levantou os olhos e cravou no Jack um olhar inquisitivo. Teria sido ele?

— Como sabe que não foi Ilyana?

— Quase não a conhecemos, mas acredito que odeia o Gregor tanto como o resto de nós depois de ter sido sua prisioneira. Não acredita?

— Sim, mas sabemos que tem outros motivos. Secretos. Ninguém sabe o que seria capaz de fazer por eles.

— Espera Topaz. Tenho que comprovar uma coisa.

Então parou de falar em voz alta e fazê-lo mentalmente. Topaz sabia que Reaper permitia que só ela escutasse seus pensamentos, e ela bloqueou os seus para que Jack não pudesse escutar o que falava.

“Temos que considerar a possibilidade de que tenha sido Jack.”

Ela apertou os lábios em uma fina linha.

“Está bem. O que sugere que façamos?”

“Diga-lhe que dirigimos para Pensilvânia. Diga-lhe... Philly. Na verdade me dirijo ao extremo mais oeste do Estado para ver uns vampiros que poderiam nos ajudar com esta situação. Mas você lhe diga que vou a Philly. Terei alguém vigiando ali. Se a CIA aparecer, saberemos que foi ele”.

“Contaste a alguém mais este plano?”.

“A ninguém”. Então voltou a falar em voz alta:

— Perdoa. Não era nada. Passaremos os próximos dois dias aqui — lhe deu uma direção.

Topaz assentiu lentamente.

— Em Philly, não é? Toca o Sino da Liberdade de minha parte, fará isso?

— Obrigado, Topaz. «Oxalá me equivoque», acrescentou mentalmente.

Ela respondeu mentalmente:

“Eu também”. E em voz alta acrescentou:

— Adeus, Reaper.

Desligou e guardou o celular na capa que tinha presa ao esbelto quadril.

Jack a observava atentamente.

— Está bem?

— Suponho que o terá ouvido. Têm os agentes da CIA lhes pisando os calcanhares outra vez. Não sabe como conseguiram dar com ele.

— Estamos falando da CIA.

Ela assentiu.

— Sim, bom, dirigem-se para a Filadélfia. Temos uma casa segura ali. É propriedade de vampiros, costuma estar vazia, conta com equipamento de segurança...

— A casa de Mariposa. Conheço-a.

— Supunha-o. Só espero que esses casulos não os encontrem outra vez.

— Eu também. E se o fizerem que lhes tirem uma boa diferença ao menos.

Ela entrecerrou os olhos.

— Então qual é o seguinte candidato a papai de sua lista? O ator ou o manhoso?

— A última direção conhecida do Wayne Clark Duncan está ao final de Lacuna Beach, assim teremos que esperar até manhã a noite. Mas o mafioso...

— O que?

— Bom, que é sábado. Conforme os informes da polícia é sócio capitalista de um clube noturno não longe daqui, ou o era.

— Acredito que sair por aí é exatamente o que precisa — disse Jack com um sorriso. — Além disso, tenho fome.

— Não tenho provisões. Poderíamos passar por um banco de sangue ou um hospital.

As covinhas de suas bochechas se afundaram enquanto pensava e Topaz sentiu um nó no estômago. Não podia acreditar que Jack fosse capaz de trair o Reaper por dinheiro. E a seguir se perguntou por que não, quando havia feito o mesmo com ela. E por que sentia aquele absurdo desejo de voltar a confiar nele.

— E se te proponho que saiamos de caçada vampírica ao velho estilo?

— Procurar vítimas humanas? — disse ela, olhando-o com os olhos como pratos.

— Não é necessário matá-las. Venha, será divertido. E nesse clube poderemos encontrar um bom montão, se é que ainda existe.

Ela sorriu muito devagar. Desfrutar da caça era inerente a sua natureza. Não podia evitá-lo.

— Lhes apagaremos a memória depois?

— Se insistir.

— Insisto — disse Topaz, olhando o traje que usava. — Mas se formos fazê-lo, teremos que nos vestir para... Bom, para ir jantar.

Jack sorriu imediatamente, um gesto resplandecente e esmagador. Topaz reagiu indevidamente, como sempre ocorria. Subiu para trocar-se. Colocou um elegante vestido comprido, de cor escarlate, com uma abertura lateral, e Jack a olhou como se fossem sair os olhos das órbitas. Topaz baixou a cabeça, sacudindo-a lentamente. O que lhe ocorria? Ela não deveria querer que Jack a olhasse assim. Mas o desejava. E apesar do ocorrido entre eles, apesar de que lhe havia demonstrado que não podia confiar nele, seguia sem acreditar que estivesse informando a CIA sobre o Reaper. Não podia.

O clube se chamava “O Metrô”, e não tinha pinta de ser um local freqüentado pela máfia. A música retumbava e umas segadoras luzes estroboscópicas piscavam através das janelas. A última coisa que Topaz queria era entrar. Em seu lugar optaram por provar com o porteiro, a ver se lhe tiravam a informação que necessitavam.

Topaz se assegurou de sorrir e mostrar uma boa quantidade de coxa enquanto se aproximavam. O homem a olhou de cima a baixo, sem deixar-se impressionar, e tomou uma pasta clip que tinha a um lado e perguntou:

— Nomes?

— Não estamos na lista — disse ela.

— Pois se não estão na lista, não entram. Dêem espaço.

Ela franziu os lábios.

— Não queria entrar de qualquer modo. Só me perguntava se este lugar ainda pertence ao Tony Bonacelli.

O homem levantou a cabeça muito devagar e a olhou nos olhos.

— Quem o pergunta?

Topaz lhe sustentou o olhar enquanto exercia todo o poder mental de que era capaz.

— Eu o pergunto. E você vai me responder. Quer me responder. Quer me dizer tudo o que sabe. Sabe que o fará.

Ele piscou várias vezes. Parecia enjoado.

— Tony Bonacelli morreu faz cinco anos. O dono atual é Vic, seu filho.

Herdou... O negócio familiar.

— E Vic está aqui esta noite?

— Sim. Está com sua garota, Tiffany Skye.

Tiffany Skye. O nome lhe soava conhecido.

         — Conheço-a?

— Fez uns quantos filmes. Agora está gravando um CD.

— Perfeito — disse Topaz. Outra das jovens celebridades loiras que tinham ganhado fama sem motivo aparente. — Eu gostaria muito de falar com eles. É certo que não vai nos deixar entrar?

— Podem entrar se quiserem, mas eles vão sair já. Acabo de lhes pedir a limusine. Irá recolhê-los na porta de atrás.

— Pois muito obrigado, Bruno. Foi de grande ajuda.

— Meu nome é Dave — resmungou ele.

— Não me importa muito, a verdade — lhe deu uns tapinhas na bochecha. — Não te lembrará de nada, Dave. Não saberá nem o que aconteceu.

O homem não disse nada enquanto Topaz se virava e se afastava. Jack se colocou a seu lado. Quando desapareceram de sua vista, liberou a mente do porteiro. Da esquina do edifício o viram fazer uma cara estranha e piscar várias vezes enquanto olhava ao redor, claramente consciente de que havia acontecido algo, mas não sabia o que.

Os vampiros espreitavam na escuridão, movendo-se em silencio entre as sombras perto da parte de trás do edifício do clube. Ou em silêncio quando Topaz podia controlar a risada, claro. Jack tinha razão. Estava indo muito bem. Espreitar, caçar, usar seus poderes vampíricos para surrupiar informação... Era um aumento de adrenalina. Os vampiros se tornaram uns seres muito civilizados em sua maioria. Na atualidade ignoravam em boa medida sua verdadeira natureza.

— É uma pena que Bonacelli esteja morto — disse Jack.

         — Ainda há esperança. Talvez ele tenha dito a seu filho algo sobre a morte de minha mãe. E se Vic souber algo, me dirá.

— É claro que sim. Tinha o Bruno comendo na sua mão — Jack se encolheu de ombros. — O qual não sente saudades porque é um homem.

Piscou-lhe o olho, e ela separou a vista. Adorava flertar com o Jack. Sempre tinha gostado.

— Uma limusine se dirige para cá — disse tirando-a do caminho com o cotovelo. — Não traz luzes.

— Bom sinal. Ela é uma celebridade, assim quererá discrição.

Postaram-se perto da porta de atrás, flanqueada por vários contêineres de lixo, esperando que a limusine parasse.

Então abriu-se a porta do clube e saiu uma jovem cambaleando, no braço de um italiano muito bonito. Topaz calculou que a garota era vinte anos mais jovem, embora não parecesse. Os dois estavam totalmente bêbados, e Topaz teve a segurança de que Tiffany era menor de idade.

Topaz procurou os olhos de Jack, e este assentiu. Aqueles tinham que ser Tiffany Skye e Vic Bonacelli.

Saíram de seu esconderijo e lhes bloquearam o caminho. O casal parou com passo instável e os olharam. Seus falsos sorrisos começaram a apagar-se. Vic jogou a mão instintivamente para um flanco. Topaz sentiu que Jack detinha o movimento só com sua esmagadora força mental.

— Querem nos convidar a subir à limusine com vocês — disse Topaz com suavidade. — Se sentem impelidos a isso.

— Tem razão — interveio Jack. — Necessitam que alguém se assegure de que cheguem bem a casa. E sabem que o mais provável é que o condutor esteja na lista de nomes de algum meio sensacionalista. Mas confiam em nós.

— Confiam mais em nós que em ninguém mais — assentiu Topaz.

O casal já não sorria, e seus olhos pareciam perdidos no vazio.

Jack enlaçou o braço com o do Tiffany, e Topaz fez o mesmo com Vic. Gostou de sentir que tinha uns bíceps bastante decentes sob a camisa. Dirigiram-se à limusine sorrindo e conversando como se fossem amigos de toda a vida.

O chofer desceu do carro para lhes abrir a porta traseira e dirigiu um rápido olhar para Vic.

— Senhor Bonacelli?

— São nossos amigos, Ralph — disse com um tom monótono, sua voz carente de inflexão. — Vão A...

— lhes acompanhar até em casa — disse Topaz.

— Sim. Vão acompanhar-nos até em casa.

— E sobe a tela divisória, Ralph — disse Topaz, lhe lançando um sorriso avassalador. — Temos que falar de assuntos particulares.

— Muito bem.

Sujeitou-lhes a porta para que entrassem os quatro. Acomodaram-se em assentos de frente. Jack se sentou junto a Tiffany, Topaz junto ao Vic. O chofer ocupou seu posto atrás do volante e pôs o carro em marcha. Em seguida, o biombo de cristal que separava o condutor dos passageiros se elevou com um suave roce.

Topaz se voltou para o italiano.

— Então você é Vic?

— Sim — respondeu ele, olhando-a aos olhos como hipnotizado.

— É o filho do Tony?

— Sim.

Deu-lhe uns tapinhas na mão.

— E está saindo com uma atriz. De tal pau, tal lasca, suponho.

— Suponho.

— Acredito que seu pai conhecia minha mãe. Ela também era atriz. Mirabella Dufrane. Já ouviu falar dela?

Ele assentiu sem poder separar a vista dela.

— Todo mundo ouviu falar dela.

— Bom, já, mas eu quero dizer... se seu pai te falou dela. Dizia-se que eram amantes.

Ele voltou a assentir.

         Topaz estava impaciente, mas se obrigou a controlar-se.

— O que te contou dela, Vic? Eu gostaria muito saber, e sei que quer contar-me.

Ele assentiu lentamente.

— Pagou para que matassem o tipo que a assassinou. Reuniu-se com os outros chefes.

Ofereceu um milhão a quem se encarregasse do assassino de Mirabella.

Topaz levantou as sobrancelhas para ouvi-lo. Tony Bonacelli não teria feito algo assim se tivesse tido algo a ver com o assassinato de sua mãe. Maldição.

— Alguém recebeu o prêmio?

— Não. A oferta segue em pé. Fez-me prometer que me ocuparia de que assim fosse.

Topaz olhou para o Jack, que estava retirando brandamente o cabelo loiro platinado de Tiffany para trás da orelha, expondo assim seu magro pescoço.

“Não beba muito. Tem a corpulência de uma ave”, advertiu-lhe Topaz.

“Já me dei conta”, respondeu ele.

Topaz centrou sua atenção de novo em Vic.

— Disse-te seu pai alguma vez que era possível que tivesse uma irmã, Vic?

— Refere-se ao bebê da Mirabella?

— Exatamente.

— Uma vez me disse que desejava que fosse filha dele. Mas as datas não coincidiam. Não me disse nada mais.

— Está bem.

Jack a estava olhando outra vez.

“Terminemos com isto e nos larguemos daqui, Topaz”, disse-lhe mentalmente.

“Já temos o que viemos procurar”.

Ela assentiu.

—Vic, conhece o aumento de adrenalina que se sente quando se tomam drogas? Como o êxtase?

—Sim.

—Pois eu vou proporcionar-te um aumento ainda mais intenso — Topaz se inclinou e roçou o pescoço com os lábios. Era firme e tinha as veias muito marcadas. Um pescoço bonito. — Você quer isto. Sabe que sim. Relaxe — sussurrou. — Fecha os olhos e reclina a cabeça no assento. Já verá o quanto vai gostar.

— Sim — disse ele obedientemente.

Topaz olhou para o Jack e o encontrou olhando-a, em seus olhos o brilho da sede de sangue, o mesmo brilho que se veria nos seus. Então lhe sorriu, e lhe devolveu o sorriso. E os dois se inclinaram a desfrutar da festa dos amantes.

Estava bom, pensou Topaz. O sangue daquele homem era forte, vital e espesso, ao que terei que acrescentar a quantidade de toxinas suficiente para lhe provocar um ligeiro enjôo mais forte do que sentia quando se alimentava.

Bebeu de boa vontade, levantando os olhos a cada poucos sorvos para olhar o Jack, que não parava de olhá-la.

Quando bebeu tudo o que podia sem machucar ao homem, levantou a cabeça e limpou os lábios com o dorso da mão. Vic estava inconsciente, mas não pela perda de sangue, mas sim porque ela o tinha ordenado mentalmente.

Viu que Jack havia feito o mesmo com sua jovem.

— Mmm — disse. — Estava bom, o pouco que me atrevi a beber pelo menos.

— Sim. Alegra-me que o sugerisse.

— E eu me alegro de que esteja aberta a minhas sugestões.

Topaz contemplou às duas belas adormecidas.

— Ok, que lembranças lhes deixamos? Deixamos que pensem que foi um sonho ou talvez uma má reação a tantas drogas e tanto álcool?

— O último — disse Jack. — Ao melhor até lhes faz bem.

A limusine se deteve.

— Será melhor que nos apressemos para que nos dê tempo a despertá-los. Chegamos.

Topaz tirou um lenço de papel de um dispensador e secou as gotas dos pescoços de suas vítimas, mas parou de repente quando a porta do piloto se abriu de repente e Ralph saiu correndo como se lhe ardessem as calças.

— Que dem...?

Em seguida uma voz gritou:

— Saiam do carro com as mãos para o alto. Estão completamente cerceados.

Topaz olhou para o Jack, arqueando as sobrancelhas.

— Será uma brincadeira.

Jack olhou pelo vidro escuro.

— Parece-me que não estão de brincadeira, carinho. Será melhor que cooperemos. Fique atrás de mim, certo?

— Não irão disparar.

Jack observava os homens atentamente. Topaz também os olhava. Homens armados apontavam para o carro. Franziu o cenho.

— Jack não parecem policiais.

— Não acredito que o sejam.

— Só me ocorre escolher uma vítima que conta com exército próprio.

— O chofer deve ter imaginado que acontecia algo — disse Jack. — Deveria havê-lo visto vir — apertou um botão e baixou um pouco o guichê. — Vamos sair. Não estamos armados. E não fizemos nada.

Abriu a porta e saiu muito devagar com as mãos sobre a cabeça. Deu três passos para frente e esperou a que Topaz saísse.

— Vic! Tiffany! — gritou o cara que tinha falado antes. — Estão bem?

Topaz fechou os olhos.

— Merda. Deveríamos tê-los despertado.

— Parece que estão inconscientes — disse um dos homens. — Vocês dois — ordenou, dirigindo-se a Topaz e ao Jack, — avancem cinco passos e deitem de barriga para baixo, as mãos atrás da cabeça.

Eles avançaram um passo e outro.

“Ao quarto passo sai correndo a toda velocidade”, disse-lhe Jack mentalmente. “Eu te seguirei”.

“De acordo”.

Três. Todas as pistolas os apontavam.

Quatro. Topaz vacilou.

— Corre! — ordenou-lhe Jack.

Ela pôs-se em movimento e começaram a soar os disparos. Jack se lançou atrás dela a toda velocidade um décimo de segundo depois. Não se detiveram até que estivessem a vários quilômetros de distância, nas imediações do deserto, um sprint que lhes tinha levado só uns minutos.

Topaz desabou sobre uma duna e esperou.

— Jack — chamou, verbal e mentalmente. — Onde está?

Jack apareceu à vista. Caminhava muito devagar. Parecia exausto. Mais do que deveria por aquela explosão de energia. Topaz cheirou o sangue.

— Jack! —ficou em pé e saiu correndo para ele.

Tinha a camisa empapada de sangue. Tinha perdido a elegante jaqueta negra pelo caminho.

— meus deuses feriram-lhe.

— Só um pouco.

— Um pouco. Mas está sangrando!

Topaz o ajudou a deitar-se na areia. Depois agarrou a barra de seu vestido vermelho e o rasgou. Cortou a malha em várias seções com ajuda dos dentes e, com eles nas mãos, ajoelhou-se junto a ele.

Menos mal que não ficou paralisada pelo ao mal-estar que sentia no estômago. Ver Jack sangrando e o medo de perdê-lo para sempre lhe doía a alma e o coração. Mas aquilo não a deteve, mas sim lhe serviu de incentivo.

Abriu-lhe a camisa. Tinham-lhe acertado bastante abaixo, justo por cima do quadril a direita. E o sangue saía a fervuras de uma maneira alarmante.

— Agüenta um pouco, Jack — lhe disse, desejando-o com todas as suas forças. Colocou um montão de tecido sobre a ferida e exerceu pressão com todas suas forças. Depois tomou a mão de Jack e a colocou sobre a improvisada compressa. — Pressiona.

— Pressionando — respondeu ele mais como um grunhido. Estava-a olhando aos olhos, mas ela não podia olhá-lo. Perderia a concentração. Aqueles olhos tinham uma estranha influência sobre ela.

Tomou uma parte maior de tecido e o envolveu com ele para prender a compressa em seu lugar, atando o mais forte que se atreveu.

Jack grunhiu de dor.

—Por todos os Santos, mulher, não se pode fazer um torniquete na cintura.

—Pois o tentarei.

Quando terminou, Jack se estendeu de costas sobre a areia. As pálpebras pesavam. Ela percebia sua dor, que sabia que devia ser insuportável, sabendo como se intensificava a sensação nos de sua espécie.

— Jack, não pode descansar agora. Aqui não.

— Só um momento.

— Temos que procurar um lugar protegido — insistiu Topaz. Os olhos do Jack se fecharam e a cabeça caiu para um lado. Sacudiu-lhe o ombro brandamente. — Jack, estamos no deserto. E o sol se... — olhou ao céu. As estrelas começavam a desaparecer e uma magra franja de um tom cinza começava a despontar ao longe. — Temos menos de uma hora. Vamos.

Passou-lhe os braços por debaixo das axilas e puxou para levantá-lo.

—Vamos, Jack.

O tentou. Dobrou um joelho e pressionou com o calcanhar na areia em um fraco intento de levantar-se, mas o que conseguiu foi derrubar-se novamente.

— Não posso. Estou muito fraco.

— Maldito seja, Jack!

Jack cavou a palma da mão contra a nuca de Topaz e a puxou para si para que se aproximasse.

— Tenho que te dizer algo.

— Não há tempo...

— Lamento ter te feito mal, Topaz. Lamento-o de verdade.

Ela o olhou nos olhos, incapaz de falar pelo estupor que lhe produziu a desculpa do Jack. Jamais tinha esperado que se desculpasse, e que tivesse escolhido fazê-lo precisamente quando ia morrer sangrado a impulsionou a acreditar em suas palavras. Acreditou que o dizia a sério. Incapaz de fazer outra coisa, Topaz o beijou. Uma força se apoderou dela, uma força que desafiava toda lógica. Jack enredou os dedos em seu cabelo e sua língua começou a dançar sobre a dela, beijou-a como nunca a tinha beijado.

Topaz ardia de desejo, de saudade. Quando seus lábios se separaram, Jack seguiu lhe beijando a bochecha, a mandíbula, o pescoço.

Topaz inclinou a cabeça para trás.

— Em frente, Jack. Bebe.

— Não, de ti não. O vínculo...

— Já sei que se forma um vínculo. A verdade é que nós já temos um, Jack, por muito que me custe admiti-lo. E agora bebe, maldito seja, antes que nos torremos ao sol.

Jack entreabriu os lábios trementes. Topaz sentiu o roce de seus dentes na pele e se estremeceu de prazer. Então Jack afundou as presas na carne, justo em cima da veia. Fechou os lábios e começou a sugar.

Uma onda de prazer, de êxtase absoluto, invadiu-a por dentro como um quente elixir. Seu corpo ardia por dentro, retorcia-se, e deixou cair a cabeça para trás. Fechou os olhos e ofegou de prazer enquanto lhe aferrava a cabeça por detrás para que não se soltasse, para lhe oferecer mais, tudo.

Jack se separou finalmente e a abraçou enquanto tombava. Ela se relaxou em cima de seu peito enquanto as sensações foram amainando. Sabia que aquilo tinha sido como uma injeção de energia para ele. A potência do sangue vampírico lhe percorreria as veias.

— Obrigado — disse depois de um suspiro.

— Obrigada a você — disse ela em tom jocoso, embora o dizia a sério. Tinha sido incrível. Só o sexo produzia um prazer parecido. — Acredita que poderá caminhar?

—Sim. Saiamos daqui.

Topaz se incorporou, lamentando com todo seu ser perder aquele íntimo contato. Jack se sentou primeiro, ficou em pé e lhe tendeu uma mão para ajudá-la. Topaz cambaleou um pouco.

— Não terei tomado muito, verdade? — perguntou-lhe ele, olhando-a aos olhos com preocupação.

— Não, estou bem.

Mas não estava. Estava ébria de paixão, de desejo. E ele era o único que podia satisfazer aquele desejo. O único que o tinha feito.

— Acredita que nos dará tempo para ir até o carro? — perguntou-lhe.

— Não, e tampouco podemos voltar para a mansão. Quase não há tempo para chegar à cripta — respondeu ele, jogando uma olhada rápida ao céu.

— Conseguiremos — prometeu ela e, entrelaçando a mão com a sua sem querer perguntar-se por que, pôs-se a andar.

A dor era demolidora, mas pelo menos era mais suportável que antes que Topaz lhe insuflasse energia por meio de seu sangue. Maldita seja apesar da agonia física, seu corpo tinha cobrado vida enquanto se alimentava da tenra carne de sua garganta. Cheirá-la, saboreá-la, tocá-la. Sentiu-se a ponto de arder.

Agora a desejava ainda mais que antes, disso não havia dúvida. E sabia que o vínculo que já existisse antes entre eles se intensificou ao compartilhar o sangue. Era inevitável. Por isso nunca tinha bebido dela quando tiveram sexo no passado, por maior que tivesse sido a tentação. Não tinha querido que Topaz se afeiçoasse dele mais ainda, sabendo como sabia que, ao final, a abandonaria.

E agora o tinham feito. Agora Topaz o levaria sempre dentro de si. A idéia fez que sorrisse um pouco, até que o óbvio ressonou em sua mente. “E te acontecerá o mesmo. Claro, que sempre a levaste muito dentro de ti, verdade?”.

 

Seu sorriso se desvaneceu.

Estava deitado sobre o colchão de ar em cima do ataúde de pedra enquanto Topaz fechava a porta da cripta, trocava de roupa e desdobrava uma manta. Ele seguia todos seus movimentos, embora não lhe mostrou muito de seu corpo para saciá-lo. Nem vê-la por completo o saciaria. Tinha tentado, mas não tinha conseguido esquecê-la, não tinha deixado de desejá-la, de pensar nela.

Topaz subiu à cama improvisada em cima do ataúde junto a ele e os cobriu a ambos com as mantas. Então ficou de lado, olhando-o. Ele estava de costas.

— Vinte minutos a mais, mais ou menos. Que tal a ferida?

— Sangra outra vez, mas pouco. Viverei.

— Está certo?

Jack voltou a cabeça para ela.

— Importo-te, verdade? Se me encontrasse morto ao despertar, ficaria sentida de verdade.

Ela baixou os olhos para ocultar seus sentimentos. Jack poderia ter entrado em sua mente, mas estava muito fraco e esgotado para fazer o esforço, e ela teria bloqueado o intento de qualquer modo.

— Quando mantém relações sexuais com alguém, sobre tudo quando é exclusivamente com essa pessoa e durante certo tempo, cria-se um vínculo. Querendo ou não, ocorre. Essa pessoa se torna importante para você. Não se pode evitar. Sendo assim sim, pode ser que te odeie a maior parte do tempo, mas me importo.

Assentiu.

— Acredita que é isso? Um vínculo físico criado pelo sexo que mantivemos?

Ela assentiu.

— E agora se tornará um pouco mais forte, porque compartilhamos nosso sangue. —Mas já sabe disso.

Não lhe tinha ocorrido pensar que o vínculo ia se fazer mais forte. Mas gostava de sua teoria. Estava tão obcecado e atraído por ela porque haviam compartilhado relações íntimas durante muito tempo. Tinha sentido que o sexo podia criar um vínculo tanto como compartilhar o sangue. Não era uma bobeira sentimental como o amor. Era algo físico. Simples e sinceramente.

— Não avançamos na investigação, não é mesmo? — disse Topaz depois de um momento. — Com o Bonacelli.

— Sim avançamos sim, Topaz. Averiguamos muitas coisas. O bastante para descartá-lo.

— Como assassino, sim — replicou ela em tom suave. — Não teria devotado uma recompensa só para maquiar sua culpabilidade. Um homem como ele não se preocupa em parecer culpado ou inocente diante de seus iguais. Era muito capitalista para isso. E não informou da recompensa às autoridades para não levantar suspeitas.

— Não, o teriam detido.

— Mas seguimos sem saber se era meu pai.

Jack suspirou.

— Se disse a seu filho que as datas não coincidiam...

— Sei, mas poderia ter mentido. É que não me parece tão convincente como da recompensa é isso.

— Averiguaremos a verdade, Topaz. Já estamos mais perto que no início.

Ela deixou escapar um suave suspiro.

— É que estão acabando as possibilidades. Temos uma entrevista a mais. E não sei por onde seguir.

— Mmm, o ator. Aposentado a estas alturas, sem dúvida.

— É uma possibilidade muito remota — disse Topaz, e Jack percebeu a decepção em sua voz. — Ele nem sequer tentou ficar com a custódia.

— Não desista ainda — levou a mão para lhe tirar uma mecha de cabelo do rosto. Estava descumprindo seu trato ao fazê-lo, mas se sentiu agradecido quando ela não fez objeções. — Obrigado Topaz. Provavelmente tenha me salvo a vida esta noite.

— De nada — disse ela.

Jack lhe sustentou o olhar um longo momento e lhe pareceu que talvez estivesse disposta a deixar que a beijasse. Mas nesse instante baixou as pálpebras, deitou-se boca esticada para cima e suspirou profundamente.

— boa noite, Jack.

— Bom dia, Topaz.

***

Jack tinha que dar outro de seus “recados” ao anoitecer. Deixou Topaz na mansão e partiu. Retornou depois de uma hora com um punhado de registros.

Topaz não estava na casa. Carrancudo Jack abriu seus sentidos e percebeu sua presença fora, na praia. Saiu para lá com os registros na mão. Estava sentada na areia, com as pernas estendidas, olhando o mar na noite enquanto as ondas rompiam preguiçosamente na borda, sem chegar a lhe roçar os pés descalços. Ficou hipnotizado com a forma em que a brisa lhe agitava o cabelo e ficou ali de pé um momento, a menos de um metro dela, observando-a.

— É precioso, não é mesmo? Eu adoro o oceano.

— É molhado — respondeu ele, tirando os sapatos. Se aproximou um pouco mais e colocou os registros sobre as coxas.

— O que é isto?

— Os registros do ator. Pareceu-me que não seria nada mau irmos preparados.

Ela assentiu sem olhar os papéis. Estava olhando para ele.

— Onde o conseguiu?

— Tenho contatos. Não posso lhe dizer nada mais.

— Está chantageando alguém? Extorquindo?

         — Isso importa?

Ela o observou atentamente.

— estive pensando em você, sabe?

Ele sorriu de uma maneira preguiçosa e deliberadamente a provocou.

— Acredite, eu também estive pensando em você.

— Quero dizer que pensei em sua infância. Em que sua mãe tenha te abandonado. Perguntava-me se esse é o motivo pelo que trata às mulheres como as trata. Se cada vez que leva o dinheiro das mulheres e desaparece, não o estará fazendo por vingança. Uma maneira simbólica de castigar sua mãe.

Jack franziu os lábios e não disse nada.

— Acredita que o faz por isso? — insistiu.

—Faço o que faço porque faço bem e porque é muito lucrativo. E se quisesse conversar com um psicólogo, pediria entrevista com um, de acordo? — Levantou-se e retornou para a casa a grandes passadas.

— Toquei em um ponto fraco, hein? — Gritou-lhe ela.

— Não tente me analisar, Topaz. Não se trata de intercambiar pensamentos e nos abrir ao outro. O que queremos é foder-nos sem descanso. E o faremos antes que tudo isto termine, garanto-lhe isso. Mas isso será tudo. Quanto antes se der conta disso, mais fácil será superá-lo quando terminar.

Aquilo a teria feito estremecer-se de dor a não ser porque Jack não havia bloqueado seus pensamentos, e pôde sentir o que ele sentia nesse momento. Ficou estupefata ao dar-se conta de que estava assustado. Jack Heart tinha medo... Dela.

 

Devia ter-se dado conta antes, pensou enquanto se levantava e sacudia a areia da roupa. Tão absorta tinha estado em sua própria dor que não havia se preocupado em perguntar-se o que levava Jack a ser como era. Até agora.

Ele tinha experimentado o mesmo tipo de perda e traição que ela. Por dentro lhe corroía a mesma amargura, que tinha sua origem na esmagadora dor do abandono. Seguia sendo o menino ferido cuja mãe o abandonou sem olhar para trás.

Ela conhecia esse menino. Ela tinha sido uma menina igual.

E agora sabia que estava magoado e assustado, quer admitisse ou não. Sabê-lo a assustava também. Era muito mais fácil pensar nele como um vigarista sem coração, que só procurava dinheiro e sexo, sempre e quando o sexo fora bom e sem complicações. Mas agora começava a ver que havia muito mais. Era um caminho perigoso, traiçoeiramente pronunciado, semeado de buracos e pedras soltas, que rodeavam um precipício sem fundo. Seria muito fácil cair de cabeça. E seria uma queda tão dura que a dor que tinha sofrido a primeira vez lhe pareceria uma trivialidade em comparação.

— Sendo assim tome cuidado — disse. — Não caia.

Levantou os ombros e retornou para a casa com o Registro nas mãos. Estava comodamente sentada no sofá com a pasta aberta sobre a mesa de centro quando Jack chegou, comportando-se como se a tivesse perdoado por sua análise psicológica. Baixou trotando as escadas vestido com uns jeans e sem camisa. Ia descalço, esfregando-se vigorosamente com uma toalha o cabelo úmido. Mostrava sua expressão habitual: um sorrisinho de suficiência que não deixava ver nada.

— Há algo interessante na vida de nosso amigo o ator? — Perguntou, fazendo um gesto com a cabeça para o registro.

— Muito — respondeu ela. Abriu espaço no sofá, e ele aproveitou o convite e sentou-se junto a ela. Muito junto. Mas ela não se separou. Gostava de tê-lo perto. Pigarreou e se concentrou nos papéis. — Wayne Duncan estava casado, mas dado que era um ator que prometia, com aspirações a converter-se em protagonista de renome, tanto ele como seus representantes optaram por guardar seu matrimônio em segredo.

— Suponho que não deve ser tão estranho — disse Jack. — Os atores gays fingiam ser heterossexuais, casados fingiam ser solteiros. Alguns ainda o fazem.

— A imagem é tudo — conveio Topaz. — Conforme diz aqui, sua aventura com minha mãe foi longa. Provavelmente teria feito bem para sua carreira, torná-lo público. Mas tinha que proteger a sua pobre esposa do circo da mídia — sacudiu a cabeça. — Imagina os malabarismos que teria que fazer com tantos segredos?

— Acabaria com a paciência de muitos — disse Jack com suavidade.

Topaz assentiu.

— Pergunto-me se minha mãe saberia que era casado.

— Eu me pergunto se foi essa necessidade de guardar segredos que o impediu de lutar por sua custódia. Teria sido como admitir a aventura, o que, possivelmente, teria arruinado seu casamento.

— Tampouco devia ser um grande casamento — disse Topaz. — Segundo estes informes estava muito apaixonado por minha mãe.

—Teria que ser idiota para não está-lo.

Jack a olhou fixamente ao dizê-lo, lhe recordando sem palavras o muito que se parecia com sua mãe. Topaz sentiu que o sangue esquentava e chegou a lamentar.

— Topaz — disse Jack.

Ela o olhou e viu em seus olhos que estava a ponto de mudar de assunto e fazer que esse momento tomasse uma direção perigosa. Perigosa para seu coração, pelo menos. Sacudiu a cabeça levemente, de forma apenas perceptível, e se concentrou de novo nos papéis.

— Parece que ninguém sabia nada da esposa do Wayne Duncan — disse. — Mas há uma foto. Deixe-me que a busque, vi-a faz um momento — revirou os papéis. — Ah, aqui está. Chama-se Lucia Duncan. Parece que foi muito errado, não é mesmo?

Entregou a foto em preto e branco, de oito por treze. Tinha bastante grão. Jack tomou e ficou olhando-a sem dizer nada.

— Surpreende-me que se casasse com ela. Quero dizer que, provavelmente terá a mesma idade dele, mas parece muito mais velha nessa foto, não acredita?

— Sim — disse Jack calmamente. — Muito mais velha que a última vez que a vi.

Topaz franziu o cenho.

— Jack, conhece-a?

— Acredito que nunca a conheci.

Jack ficou em pé de um salto, e ao fazê-lo roçou o registro, que caiu da mesa, e todos os papéis se dispersaram pelo chão. A foto caiu voltada para cima. Ficou olhando-a, paralisado, um momento, e então se virou sobre os calcanhares e saiu do salão.

—Jack...?

— Onde está esse tipo? — Jack agarrou o chaveiro da caixinha da parede com tanta força que o arrancou. — Onde demônios está esse actor?

—Umm, a direção está em... — ficou de joelhos para recolher os papéis dispersados, procurando a última direção conhecida. — Que demônios está passando, Jack?

Encontrou a folha que andava procurando e o olhou.

— Essa mulher — disse ele, assinalando com dedo acusador para a foto que permanecia no chão, como se pudesse lançar um raio com a ponta do dedo e aniquilá-la. — Essa mulher... É minha mãe.

 

— Tem que se acalmar — disse Topaz com suavidade.

Ela dirigia. Tinha insistido, porque Jack não estava em condições. Tinha a mandíbula apertada e lhe tremia todo o corpo incontrolavelmente. Aferrava a foto em uma mão com tanta força que a estava enrugando.

E a única coisa que Topaz queria era reconfortá-lo. Deus, ela melhor que ninguém sabia como se sentia. Sabia muito bem. Ninguém podia te fazer tanto dano como sua própria mãe. Ninguém.

Jack não respondeu.

— Falaremos com ele. Com o Duncan. O actor. Só falar, de acordo? Não quero que entre procurando sangue, Jack. Lembra que não é culpado de nada.

— Exceto de separar a uma mãe de seu filho.

— Isso você não sabe. Ou melhor, nem sequer sabia que tinha um filho. Talvez a conhecesse depois que te abandonasse — levantou a vista, nervosa ao avistar a casa do actor. Era uma construção modesta de tipo Cape Code, situada em uma tranqüila vizinhança aos subúrbios. Palmeiras flanqueavam a extensão de grama. Levou uma mão e tomou a dele. — Estou contigo nisto, de acordo? Estou aqui.

Jack a olhou de soslaio; seus olhos mostravam um caos de emoções, mas Topaz acreditou vislumbrar surpresa sob a insuportável dor que ver aquela fotografia havia desenterrado do mais profundo de seu ser. Talvez houvesse até um pouquinho de gratidão, mas não estava certa.

Jack desceu assim que Topaz parou o carro. Teve que apertar o passo para não ficar atrás. Jack bateu com os nódulos.

— Está certo de que está preparado para fazer isto? Poderíamos ter ligado antes de vir, lhes ter dado um pouco de tempo para se preparar.

— Só quero olhá-la nos olhos e perguntar por quê? Já passou tempo suficiente, Topaz.

Ela assentiu.

— Entendo você —baixou cabeça e sussurrou: — Sinceramente, Jack, se me dessem a oportunidade, eu quereria fazer o mesmo. Olhar a minha mãe aos olhos e lhe perguntar como pôde me abandonar. E suponho que em meu caso tem menos sentido que no teu. Ela não me abandonou por desejo próprio. Arrebataram-me ela. E mesmo assim, me sinto como você. Sinto como se tivesse partido, me deixando para trás.

Olhou para a porta, mas não captou sons ao outro lado. Impaciente Jack se aproximou um passo e golpeou na madeira com força, fazendo caso omisso do timbre.

— Já vou, já vou — disse uma voz masculina do interior.

Os passos foram aproximando-se e, finalmente, a porta se abriu. Ali estava Wayne Duncan, uma versão bastante aguada das fotos publicitárias que havia em seu registro. Seu cabelo já não era negro azeviche, mas prateado. Igual a suas sobrancelhas. Conservava a mesma estrutura óssea que o converteu em um ator com potencial, embora nunca chegasse a alcançar o estrelato. Estava magro, mas mantinha um porte erguido e orgulhoso. Era um homem impressionante, embora estivesse vestido com robe de flanela e sapatilhas de ficar em casa.

Jack o olhou de cima abaixo e depois olhou para o interior da casa.

— Onde está ela?

Topaz lhe pôs uma mão no ombro em um intento de acalmá-lo e tomou as rédeas da visita, atraindo a atenção do homem.

— Senhor Duncan, lamento incomodá-lo, mas...

— Meu Deus — sussurrou com os olhos cravados em seu rosto, e então levantou a mão e lhe acariciou docemente a bochecha. — Tanya.

Ela umedeceu os lábios e baixou os olhos.

— É Tanya, verdade?

— Sim, sou — levantou os olhos e lhe sustentou o olhar. — E este é meu amigo, Jack Heart.

Ele fez caso omisso da apresentação.

—Tenho lido na imprensa que havia retornado, mas não podia acreditá-lo. Não havia fotos. Nenhuma prova. Oh, Tanya, estou tão contente de vê-la.

Ela assentiu e tratou de sorrir.

— Alegra-me ouvi-lo, senhor Dunc...

— Wayne, por favor.

— Wayne — corrigiu ela. — Mas Jack e eu viemos porque temos que falar com você. Podemos entrar?

Ele baixou a cabeça com expressão de culpabilidade.

— É claro. E também sei do que querem falar. Sabem da invasão, não é mesmo?

As palavras atraíram imediatamente a atenção do Jack.

— Sim, sabemos — mentiu. — Sabemos que foi você.

Ele assentiu.

— Sinto muito. Sinto-o muito. Eu... Li o artigo daquele periódico e precisava saber o que tinham averiguado, o que suspeitavam.

— por que?

O homem suspirou e sacudiu a cabeça lentamente.

— Entrem. Sentem-se enquanto trato de lhes explicar isso — se colocou de um lado para deixá-los passar.

“Deixarei as perguntas sobre minha mãe até que nos conte o que sabe da tua”, sussurrou-lhe mentalmente Jack. “Não parece que esteja por aqui agora mesmo, em qualquer caso”.

Topaz assentiu enquanto observava as fotos emolduradas do casal. Havia uma pendurada na parede, e outras duas em uma mesa auxiliar. Acompanhou-os a um recôndito muito acolhedor do salão, junto a um mirante de donde podiam contemplar as estrelas. Havia quatro poltronas atapetadas em pano de veludo muito comodas, com uma pequena mesa de vime no centro.

— Irei direto ao ponto, senhor Duncan — disse Topaz com suavidade. — Eu gostaria saber quem assassinou a minha mãe. Foi você?

O homem lhe sustentou o olhar enquanto ela penetrava em sua mente.

— Eu a amava. Não poderia ter lhe feito mal. Ela foi o amor de minha vida, Tanya. Mas não podia estar com ela. Por completo, refiro-me. Eu estava casado e não podia abandonar a minha mulher.

Ela assentiu com a cabeça e perguntou sem vacilar:

— Você é meu pai?

O homem baixou a vista.

— É muito possível. Nunca te reclamei, nunca solicitei a custódia.

— Por sua mulher — disse ela.

Ele assentiu.

— Se você não matou a minha mãe, por que invadiu a mansão? — perguntou Topaz. Maravilhava-lhe a contenção que estava demonstrando Jack, que estava ali sentado em silêncio, observando e pinçando na mente do ator.

Duncan a olhou.

— Porque sei quem a matou. Ou acredito sabê-lo. Eu não tenho provas, mas tinha que saber se teriam encontrado alguma. Acreditava que teriam descoberto que...

— Pensa que sua esposa o fez — disse Jack muito devagar. Tinha-lhe acabado a paciência, e estava vendo o mesmo que Topaz na anciã memória do homem. A diferença estava em que ele o disse em voz alta. — Pensa que Lúcia se inteirou de sua aventura com Mirabella Dufrane e a assassinou.

Duncan olhou Jack aos olhos.

— Sim, acredito nisso. Temo que tenha sido assim. Mata-me não sabê-lo com segurança. Perguntando-me todo o tempo se seria assim. Acreditando que foi assim.

— Deus meu — Topaz estava estupefata. — Como pôde viver com uma mulher assim? Por que escolheu a alguém capaz de...?

— Lúcia estava doente, Tanya. Tinha câncer de pâncreas. Precisava de mim.

Topaz inspirou enquanto lançava ao Jack um rápido olhar. Este tinha aspecto de ter recebido um golpe entre os olhos.

— Onde está agora? — perguntou ela com voz tremente enquanto aferrava a mão do Jack com toda sua força.

Então chegou o golpe de misericórdia.

— Morreu a vinte anos — respondeu o homem. — Jamais me disse se havia matado a Mirabella ou não. Mas eu acredito, sinceramente, que o fez.

Jack se levantou bruscamente e saiu da habitação como uma exalação. Topaz se levantou disposta a segui-lo, mas lhe fez um gesto com a mão para que ficasse. E saiu da casa como um bêbado em busca de sua guarida.

— encontra-se bem? —perguntou Duncan.

— Duvido muito — respondeu Topaz. — Senhor Duncan, Lúcia era a mãe de Jack.

— O que?

— Não sabia, verdade?

— Lúcia tinha um filho? — agora era ele quem tinha aspecto de ter sofrido um terrível golpe. Pressionou-se a frente com uma mão, os olhos abertos como pratos, olhando ao passado. — Não pode ser. Ela não teria me escondido algo assim. Não.

Topaz assentiu.

— Sim. Seu nome de solteira era Heart, escrito igual a coração em inglês, embora o nome não vá como anel ao dedo.

Quando o homem a olhou para ouvir isto. Topaz soube que disso ele sabia. Então teria que acreditar.

— Ela abandonou o Jack com apenas oito anos. Deixou-o aos cuidados de seu tio. Jack não voltou saber nada dela, não soube o que lhe tinha ocorrido.

Wayne Duncan baixou a cabeça, seu semblante era uma máscara de pura agonia. E não estava actuando, disso Topaz estava certa.

— Não sabia nada. Não a conhecia muito bem, não acredita?

— Lamento muito sua perda, senhor Duncan, e lamento ter lhe dado esta notícia. Eu... — olhou para a porta que Jack tinha deixado totalmente aberta. Estava sentado no carro, mas em um ângulo que lhe impedia de lhe ver o rosto. — Tenho que ir ver como está.

— Claro — disse o homem. — Tanya, por favor, me avise antes de que vá embora da cidade. Eu gostaria... Ter a oportunidade de te conhecer.

Ela o olhou e sentiu que lhe esmagavam o coração.

— Já teve a oportunidade de me conhecer, senhor Duncan. Mas em lugar de aproveitá-la abandonou, renegou de mim, ocultou-me como se fosse um segredo vergonhoso. Abandonou-me exatamente igual a Lúcia abandonou Jack — disse.

— Mas... Você teve uma boa vida. Os tribunais se ocuparam de que...

— É o que se diz para poder dormir bem a noite? Que tive uma boa vida? Minha infância foi um inferno, senhor Duncan. Sua mulher arrebatou a minha mãe por culpa de você e suas mentiras. Me entregaram a um homem que sabia que não era meu pai, que queria usar o dinheiro que herdei para construir uma fortuna, e a quem jamais lhe importei o mínimo. Essa é a vida que tive graças a você, apesar de saber que, possivelmente, fosse sua filha. E tem a coragem de me dizer que quer me conhecer?

Ele engoliu com dificuldade o nó que lhe tinha na garganta, fazendo com que seu pomo de adão subisse e baixasse convulsivamente.

— Lamento, Tanya.

— Estou certa. Mas isso não me serve agora, é muito tarde. Não esteve a meu lado quando precisei. E agora... Bom, agora já não preciso.

O homem se virou, e Topaz acreditou ver uma lágrima em seus olhos antes que o fizesse. Mas não tinha tempo para suas lágrimas. Tinha as derramado o suficiente para saber que, cedo ou tarde, lhe secariam.

Tinha que ir ver como estava Jack.

 

Jack conduziu de volta à mansão absolutamente em silêncio. Além de lhe perguntar uma ou duas vezes se estava bem, Topaz respeitou sua necessidade de silêncio. Não estava preparado para falar disso ainda.

Sua mãe estava morta.

Bom, tampouco podia lhe haver surpreendido muito. Sempre tinha dado por certo que a bebida teria acabado com ela já fazia tempo. Mas que o tivessem confirmado... E saber que o tinha abandonado para buscar sua própria vida ao estilo de Hollywood, que se casou com um actor e viveu em uma bonita casa... Por que não tinha ido buscá-lo?

Jack não sabia se chorava ou gritava de raiva. Sua mãe tinha assassinado a de Topaz. Por todos os Santos, aquilo não lhe entrava na cabeça.

Ao chegar em Avalon estacionaram sob o pórtico. Topaz o olhou um momento, acariciou lhe a mão brevemente e saiu do carro em direção à casa. Jack não a seguiu. Saiu do carro, mas ficou junto à porta, com as mãos apoiadas no capô e a cabeça pendurando entre elas. Debatia-se entre a necessidade de romper algo e a de atirar-se ao chão e enroscar-se em posição fetal até que passasse a dor.

Então sentiu a mão de Topaz no ombro, puxando-o, e, contra sua vontade, terminou por voltar-se. Não queria que lhe lesse no rosto o que estava sentindo, não queria que visse sua debilidade ou, ainda pior, que se compadecesse.

Ela não fez nada disso. Tão somente lhe rodeou a cintura com os braços e pegou seu corpo ao dele. Depois introduziu uma mão em seu cabelo e começou a movê-la em um gesto tranqüilizador.

— foi-se — disse Jack com uma voz cuidadosamente controlada, embora quebradiça. — Tinha tudo preparado para me enfrentar a ela, e se foi. Também me tirou isso.

— Sei — sussurrou ela, e Jack sabia que Topaz falava com conhecimento de causa. Sacudiu a cabeça.

— Como pode estar me reconfortando? Meu deus, Topaz, ao que parece minha mãe matou à sua.

— Isso parece. Mas ela não é você.

— Eu também te fiz mal.

— Sim, e provavelmente voltaria a fazê-lo se te encontrasse na situação. E mesmo assim... — levantou a cabeça e o olhou aos olhos com os seus muito abertos e cheios te desejo.

O corpo do Jack respondeu a aquele olhar como sempre tinha feito. Antes que pudesse pensar duas vezes o que estava fazendo, baixou a cabeça e tomou sua boca. Topaz lhe rodeou o pescoço com os braços e ficou nas pontas dos pés para ter melhor acesso. Ele a estreitou pela cintura contra seu corpo, tanto que não cabia um alfinete entre eles. O beijo se tornou mais apaixonado e ardente, mais premente. A tensão fez-se insuportável enquanto se devoravam a boca.

Ambos baixaram as mãos, brigando às cegas por desabotoar mutuamente os jeans, até que conseguiram livrar-se deles. Jack deslizou as mãos por suas coxas e a ergueu, e ela se aferrou a seus quadris com as pernas. Jack se virou e a posou de costas sobre o capô do carro, ainda morno, então se afundou nela e foi como se seu corpo se incendiasse.

Cravou-lhe as mãos nos ombros e deixou cair a cabeça para trás. Depois fechou os olhos fortemente, pronunciando seu nome entre gemidos.

— Deus meu, Jack. Sim. Jack. Mais. Jack. Mais forte. Passou tanto tempo, Jack. Levo te desejando tanto tempo.

E lhe deu o que ela queria, o que necessitava. Sabia exatamente o que estava sentindo nesse momento, porque Topaz não só lhe tinha aberto seu corpo. Sua mente também se abriu. E ele se fundiu com ela, até sentir tudo o que ela sentia, cada sensação, cada estremecimento. Assim soube quando as sensações alcançaram um ponto insuportável; sabia quando seu corpo se esticava e lutava por alcançar a culminação; sabia exatamente como se mover, como tocá-la para levá-la a beira do precipício. E também sabia como deixá-la ali suspensa, gemendo e suplicando. Quando por fim deixou que se corresse, foi como uma explosão, e as sensações que ela experimentava percorreram seu próprio corpo como lava ardente, empurrando-o para o mesmo abismo, com ela. Afundou-se nela profundamente, tomou entre seus braços e a embalou enquanto se esvaziava em seu interior.

Topaz lhe rodeou o pescoço com os braços e a cintura com as pernas. Seu corpo úmido o envolvia. Sua essência o enchia.

E nesses momentos, enquanto se abraçavam e retornavam lentamente à terra, naqueles momentos em que Topaz era totalmente vulnerável, aberta a ele como estava, lhe mostrando que o necessitava tanto como necessitava o sangue para viver, Jack percebeu seus pensamentos, suas dúvidas, o medo quase paralisador que o sussurrava enquanto o êxtase físico que acabavam de compartilhar ia amainando.

“Não o faça, Topaz”, advertia-lhe sua mente. “Não volte a te apaixonar. Fará-te dano, sabe. Igual à outra vez. Não pode confiar nele. Não pode lhe confiar o seu coração. Deus santo, Topaz, não o faça. Por tudo o que mais queira, não o ame.

Esta vez te matará. Quase o fez a outra vez. E se te deixa convencer de que poderia ser diferente, está te enganando”.

 

Não confiava nele. Não confiava absolutamente, pensou Jack, enquanto tentava conter o tremor de suas mãos e vestir a roupa. Tinha ouvido seus pensamentos, sentido suas emoções. E eram intensas. Afogava-se em muitos sentimentos por ele, muito confusos para identificar-se com claridade. Por alguma razão, aquilo o chateava.

Mas por quê? Ele se sentia confuso também ante seus sentimentos por ela. Não, não estava confuso. Ele sabia o que sentia. Era singelo. Desejava-a. Gostava dela. E sim, sentia-se culpado por ter lhe feito mal. Isso era tudo. Simples assim.

“E será capaz de seguir acreditando nessa tolice depois do que acaba de ocorrer”?

Jack ignorou a vozinha em sua cabeça, ou talvez fosse a voz da loucura que falava em seu coração, e continuou analisando a situação com objetividade. Seguro que os sentimentos de Topaz eram bastante similares aos seus. Desejava-o, gostava dele, apesar do que lhe ditava seu sentido comum; e ainda lhe ardia a dor que lhe tinha causado. Amou-o uma vez, mas já não o amava. Isso estava claro a julgar por sua determinação interior a não voltar a amá-lo nunca mais.

Mas não confiava nele.

Maldita seja, por que lhe chateava tanto saber disso? O lógico era que não confiasse nele. Era um vigarista. Seria uma estúpida se confiasse.

Mas esse não seria o caso, porque não voltaria a traí-la. Acontecesse o que acontecesse. E queria lhe devolver o resto do dinheiro, nesse momento, para lhe demonstrar que falava sério. O problema era que se o entregava, ela saberia que o tinha tido esse tempo todo, que tinha mentido. Outra vez. E isso não serviria para lhe devolver a confiança nele. Teria que procurar outra forma.

Enquanto isso...

— Isto não significou nada, Jack. Só queria que soubesse. Não vamos voltar a ficar juntos — disse enquanto abotoava a blusa e passava uma mão pelo sedoso cabelo tal como tinha feito ele uns minutos antes.

— Sei.

— Só quero deixar as coisas claras. Isto não muda as coisas — pôs-se a andar para a casa.

— Sim muda. Não se engane — disse Jack, alcançando-a e adiantando-se para lhe abrir a porta.

Ela entrou na casa e então se virou para olhá-lo, fazendo com que o cabelo lhe caísse por um ombro com o movimento.

— No que?

— Em que agora sei que continua me desejando. Tanto como eu a você.

Ela pôs os olhos em branco.

— Isso você já sabia.

— Não estava tão certo como fingia — fechou a porta e passou o ferrolho. — E sei que te importo. Finge me odiar, mas não é assim. Não pode. Esse é nosso vínculo.

— O vínculo de sangue. Sei, mas não podia deixa-lo morrer.

— Porque se importa. Mas não é a esse vínculo ao que me refiro, e sim ao outro. O que nos une por nossas mães e nossas infâncias e o que nos conduziu a ser o que somos. Nossas histórias pessoais são muito similares, Topaz.

— E, entretanto nos tornamos pessoas muito diferentes.

— Isso é o que você gosta de pensar. Mas sabe que não é assim. Somos iguais. Como duas gotas de água.

— Isso é uma tolice — pôs-se a andar para as escadas, mas parou quando Jack continuou falando.

— Há outra coisa que mudou.

— O que? — perguntou ela sem virar-se.

Jack se aproximou por detrás, muito devagar. Topaz não se afastou. Afastou-lhe o cabelo do pescoço e se inclinou para lhe roçar a nuca com os lábios. Sentiu como se estremecia.

— Muda nosso acordo. Disse que não a tocaria a menos que você quisesse. E agora sei que quer.

— Deveria ter sabido que não manteria sua palavra — sussurrou ela.

Embora soubesse que Topaz arremetia em legítima defesa, o comentário lhe doeu. Afastou-se imediatamente dela.

— Suponho que podemos descansar aqui esta noite — acrescentou Topaz. Mudando de assunto. — Wayne Duncan não tem motivo para vir nos incomodar.

— Suponho.

— Não estou segura de que haja mais razão para continuar investigando nisto — observou Topaz. — Não acredito que possamos encontrar pistas em um sentido ou outro. A única pessoa que realmente sabe quem matou a minha mãe está morta.

— E agora o que fazer?

— Fazer a mala e ir cada um para seu lado.

Jack fechou os olhos e sentiu como se lhe cravassem uma adaga no coração. Mas por quê? Por que lhe doía tanto pensar em não voltar a vê-la?

 

O bom de ser vampiro pensou Topaz, era que não podia ficar acordado na cama, dando voltas às preocupações quando se supunha que devia dormir. O descanso diurno não lhes deixava opção.

Vestiu uma camisola de cetim verde limão de alças finas, com um arremate de encaixe de renda em baixo e ao redor do decote. A malha era fina e leve, e deslizava brandamente entre os lençóis frescos e limpos. Um momento depois, Jack se entrou na cama a seu lado coberto só pelas cuecas. Ela não pôs objeções. Como tampouco o fez quando a estreitou entre seus braços contra seu peito.

Afinal era a última vez que iriam compartilhar uma cama. E não se viu com forças para negar o prazer de ficar adormecida em seus braços e despertar neles ao cair o sol.

Não queria negar-se aquelas coisas. Embora o coração lhe doesse como não tinha doído desde que a deixara. Por que seguia sentindo aquela debilidade por ele, quando sabia que não lhe convinha?

Quando começou a remover-se na cama ao pôr-do-sol, Jack seguia rodeando-a entre seus braços, embora a estivesse escrutinando com os olhos totalmente abertos. Transbordantes de algo que ela sabia perfeitamente que era falso.

— Não me olhe assim.

— Não te olhe como? — perguntou ele com a inocência de um menino de seis anos.

— Sabe perfeitamente. Não tente me fazer acreditar que sente algo por mim, Jack, quando nós dois sabemos que não é verdade.

— Isso não é certo. Importo-me com você.

— Destroçou-me — disse-lhe ela.

E então se deu conta de que já era hora de lhe dizer tudo o que não havia dito. As coisas que tinha enterrado muito dentro dela. As acusações acudiram a seus lábios como uma corrente de emoções imprevistas, uma onda tão capitalista que a tirou da cama sem saber o que estava fazendo.

— Como poderia me ter feito o dano que me fez se te importasse algo? Eu te amava, Jack. Adorava-te. E você foi, abandonou-me assim mesmo. Sabe o que me fez? Sabe?

— Sei — sussurrou ele.

— Não, não sabe — espetou ela, movendo-se de um lado a outro do quarto. — Não poderia saber. Senti-me como se não valesse nada. Senti que se tornava realidade uma vez mais meu maior medo, que ninguém me amasse de verdade. Senti-me feia, não desejada, rechaçada, humilhada, destroçada. Passei chorando lágrimas soltas todo o dia durante quase um mês, Jack. O segundo mês chorava só ao despertar e dormia chorando, mas conseguia conter as lágrimas durante a noite. A não ser que pensasse em ti ou visse algo que recordasse a ti ou ouvisse seu nome. Ao terceiro mês consegui passar vários dias seguidos sem chorar. Por fim, ao terminar o quarto mês, os dias que não chorava superaram aos que chorava. Mas mesmo assim, passava o dia sonhando que um dia voltaria, e fui tão estúpida de rezar para que assim fosse. Teria te aceito se tivesse retornado apesar do que me fez. Imagine quão mal estava. Apenas comia. Fui me debilitando até que adoeci e estive a ponto de enlouquecer.

— Lamento. Sei que não é suficiente, mas...

— Cheguei a pensar em me matar, sabe? Várias vezes. Mais de uma vez me passou pela cabeça deixar que o sol acabasse comigo. Parecia-me que essa seria a única maneira de deixar de sofrer. Tinha tudo previsto. O que eu vestiria, se deixaria alguma nota, se minha morte importaria a alguém. Estive a ponto, e eu não sou assim. Não sou. Eu sou uma mulher forte, poderosa, Jack, mas você reduziu-me a nada. A menos que isso. Deixou-me feito pó. Uma mulher desesperada, destroçada e vazia. Isso foi o que me fez.

As lágrimas rolavam por suas bochechas. Topaz viu que Jack a olhava sacudindo a cabeça, com um profundo arrependimento nos olhos, embora só Deus soubesse se seria sincero ou só outra máscara. Era muito bom actuando.

— E agora, Jack, agora, acreditava que tinha superado por fim — continuou em um sussurro, limpando-as bochechas com uma mão. — Mas suponho que o sentimento continuava dentro de mim, escondido em algum canto. E não estou certa de que chegue a superar algum dia a dor que me causou. Por completo, não. Mas já não é aquela dor atroz. Consegui me levantar, limpar o pó e seguir vivendo. Recuperei minha força. Recuperei minha energia. Convenci-me de que foi você quem perdeu algo incrível ao me abandonar, e que eu não tinha perdido tanto. Tão somente um homem que nunca me quis um homem que me usou, que levou tudo o que tinha a oferecer sem me dar nada em troca. Um homem bastante cruel para aceitar meu amor, atirá-lo ao chão e pisoteá-lo. Não perdi muito, na verdade.

Aproximou-se com passo furioso a beira da cama. Jack estava sentado, com os pés no chão, observando-a com algo parecido ao estupor no olhar.

— Mas você sim, Jack — continuou destrambelhando ela com voz rouca pelas lágrimas que alagavam seus olhos. — Você sim perdeu na mudança. Porque não vai encontrar outra mulher mais incrível em toda sua vida, embora viva dez mil anos. Sou formosa e também inteligente, e divertida. Sou boa e generosa, e bem-sucedida, por não esquecer que sou rica, e quando quero alguém, quero com toda minha alma. Jamais encontrará alguém que te queira como eu te quis, porque aquilo ia além do físico e até o emocional. E tampouco desfrutará do sexo com outra como desfrutou comigo. Jamais. Essa classe de sexo não se tem com qualquer um. Tudo isso é o que atirou pela janela, Jack. E continuo esperando muito tempo para lhe dizer isso — Fui o melhor que te aconteceu, Jack Heart.

Ele assentiu muito devagar, inspirando, aguardando ver se já tinha terminado. Então disse:

— Mereço tudo isso e não posso discutir.

— Sou a melhor coisa que já lhe aconteceu, Jack Heart.

Ele abaixou os olhos.

— Não pense que não sei.

— A única coisa que queria era seu amor — disse, engasgando-se com as lágrimas. Mas engoliu o nó e continuou falando com voz rouca e destemperada, enquanto lhe perguntava com o coração na mão o que não pôde responder a si mesma. — Por que não pôde me amar?

Jack ficou em silêncio por tanto tempo que Topaz acreditou que não ia responder. Virou-se e já se afastava dele quando disse:

— Nunca pensei que o amor existisse de verdade. Mas suponho que sim deve ser algo real se você o sentiu com tanta força. Suponho que para mim não é. Acredito que não sou capaz de amar.

Ela assentiu com a cabeça.

— Todo mundo é capaz de amar, o que ocorre é que você é muito egoísta para oferecê-lo. Amar alguém é arriscar, e você não está disposto a arriscar-se por nada nem por ninguém. Eu aprendi de forma dura. Não tinha intenção de tentá-lo. Nem sequer pela única pessoa em toda sua vida que haveria sido capaz de dar sua vida por ti — sacudiu lentamente a cabeça. — Você perdeu isso. Jack. Não acredito que chegue a compreender nunca o que decidiu atirar pela janela. Muito mais que o que levou. Imensamente mais.

Virou-se e entrou no banheiro para deixar que a ducha arrastasse suas lágrimas.

 

Jack ficou pensando que Topaz tinha razão em algo. Não sabia como tinha se sentido quando a abandonou. Um mês inteiro chorando? E não duvidava. Não mentiria a respeito. O que lhe havia dito tinha saído da alma, uma emoção descarnada, contida durante muito tempo. Tinha explodido inesperadamente, como um vulcão que não pode continuar aguentando a pressão. Não podia duvidar do que tinha dito, porque tinha se mostrado aberta, tanto como as portas do inferno, enquanto deixava sair a corrente de sentimentos. Havia sentido a dor que tinha lhe causado, e não tinha sido nada agradável.

Agora sentia ainda mais remorso. E sabia que ela tinha razão. Tinha atirado pela janela a melhor mulher que ia encontrar na vida. O problema era que ele não queria uma mulher. Certo, sim desejava aquela em particular, mas não a queria como casal, não queria nada que tivesse a ver com uma relação ou com o amor. Certo, talvez sim fosse um egoísta. Ou talvez não soubesse o que tinha que fazer para apaixonar-se, mas...

Não importava. O importante era que tinha lhe feito mais mal do que jamais teria podido imaginar, e agora não lhe permitiria aproximar-se. Jamais confiaria nele, por mais que se esforçasse em lhe mostrar que poderia fazê-lo. E a tudo isto continuava sem compreender por que era tão importante para ele.

Só sabia que o era e ponto.

Enquanto ela tomava banho, Jack foi à cripta recolher suas coisas e voltou para a casa. Tinha uma estranha sensação de vazio, de letargia quase.

Ela estava esperando no salão, com o cabelo úmido, vestida com um vestido de verão de vivas cores e os olhos vermelhos ainda.

— Topaz, eu...

— Sinto muito — interrompeu ela.

— O que você sente?

Ela assentiu.

— Suponho que tinha que soltá-lo, e provavelmente merecesse isso, mas não agora. Quero dizer que já terminou tudo. Aquilo pertence ao passado. Se queria te pôr verde, teria que havê-lo feito então. Sei que lamenta muito ter me feito mal, e que me ajudaste para tentar me compensar por isso. Também sei que já não pode arrumar o que me fez, assim que desabafei embora não tenha solucionado nada.

Ele umedeceu os lábios e sacudiu a cabeça.

— Eu tinha merecido. Desconhecia a maior parte das coisas que me disse, e provavelmente tinha que saber. Se com isso consegui aliviar parte da dor que levaste dentro, então sim serviu para algo.

“Nada poderá aliviar nunca a dor que levo dentro”.

Jack se deu conta de que Topaz tinha deixado escapar aquele pensamento sem dar-se conta, porque imediatamente fechou sua mente.

— Mas tem razão em uma coisa — disse Topaz. — Não te odeio. Jamais te odiarei.

Ele assentiu, aliviado em ouvi-lo.

— Sinto ter te feito mal mais que qualquer outra coisa em minha vida, Topaz. E passarei a eternidade lamentando-o. Espero que possa acreditar.

— Acredito que sim.

— Amigos então?

Sustentou o olhar, mas não disse nada. A repentina chamada à porta impediu que lhe dissesse que jamais seria sua amiga, embora estivesse segura de que ele o viu em seus olhos.

Jack foi ver quem era ao ver que Topaz não se movia. Ao não perceber maldade proveniente da visita inesperada, abriu a porta. Tratava-se de um homem de uniforme, e no caminho de entrada viu uma caminhonete de entrega de comércio de miudezas de vinte e quatro horas.

— Sim?

— Tenho que fazer uma entrega à senhorita Tanya Dufrane.

— Está aqui. Eu entregarei.

O mensageiro assentiu com a cabeça e lhe entregou um aparelho eletrônico para que assinasse.

— Escreva na tela, junto ao X.

Jack rabiscou algo ilegível e o devolveu. O mensageiro lhe entregou um envelope de vinte e oito por trinta e três.

— Que tenham uma boa noite.

— Você também.

Jack o viu partir e não tirou a vista até que a caminhonete desapareceu de vista rua abaixo. Fechou a porta então e olhou o envelope.

— É da Rebecca Murphy.

— A advogada de minha mãe — murmurou ela, saindo ao passo na metade do caminho. Tomou o envelope e suspirou. — Suponho que não será nada muito importante a estas alturas, mas... — encolheu-se de ombros com gesto lento e rasgou o envelope. Dentro não havia mais que uma folha de papel com o cabeçalho da advogada, junto com um envelope retangular sem mais identificação, branco e selado, sem destinatário.

Topaz foi sentar se no sofá com o cenho franzido.

“Querida Tanya” — leu em voz alta. — “Sua mãe me pediu que te entregasse esta carta quando completasse os trinta anos, mas então já tinha desaparecido. Guardei-a com a esperança de que voltasse. Entrego-lhe agora para que feche definitivamente a história. Eu mesma a tenho lido, justo depois da morte de sua mãe, por isso posso te dizer que sinceramente não acredito que a assassinassem, mas sim ela preparou sua própria morte. Suicidou-se fazendo uso de um franco-atirador. Jurei que jamais revelaria isto a ninguém mais além de ti, a menos que prendessem alguém pelo crime, alguém inocente. Se encontrassem o que a matou de verdade, a quem eu acredito que ela contratou, eu adoraria que o eletrocutassem. Não me vi capaz de te contar tudo isto na outra noite, e menos ainda sem ter a carta ali, para que pudesse lê-la e tirar suas próprias conclusões. Tive que ir procurar na caixa forte onde a tive guardada todos estes anos. Se puder fazer algo mais por ti, não duvide em me chamar. Quis a sua mãe mais que a nenhum outro cliente. Tínhamos algo mais que uma relação de negócios. Considerava-a como se fosse minha própria filha. E esse afeto se estende a ti também. Com minha mais sincera preocupação e afeto, Rebecca”.

Topaz levantou a cabeça e se deparou com os olhos do Jack. Os seus estavam úmidos. Jack renegou a si mesmo. Detestava vê-la chorar, e duas vezes em um dia era muito. E, além disso, sabia pelo que estava passando. Conhecia seus sentimentos, o caos emocional, o estupor.

Pegou o envelope com mãos tremulas e o segurou.

— Não posso fazê-lo.

Ele tomou o envelope, lhe acariciando as mãos ao fazê-lo. Estavam frias e trêmulas.

—Quer que a leia?

Ela assentiu com brusquidão, e Jack se sentou a seu lado e abriu o envelope. A folha de papel ainda conservava um leve aroma de lavanda. Para um mortal teria passado despercebido depois de tanto tempo, não para um vampiro.

— “Minha preciosa filha” — começou a ler em voz alta. — “Só amei uma vez em minha vida, e esse amor era o que sentia por ti. Espero que não o duvide nunca. Nunca antes tinha lamentado algo tanto como te abandonar da maneira que vou fazê-lo, mas não tenho opção. Lamentarei-o mais do que jamais chegará, a saber. Velarei sempre para que não te ocorra nada, e meu amor por ti não morrerá nunca. Desejo com todo meu coração que seja feliz. Sua mãe, Mirabella Dufrane”.

Quando Jack parou, Topaz levantou a cabeça de repente.

— Isso é tudo? Já acabou?

—Isso é tudo — respondeu ele. —Sinto muito. Sei que deve...

— Não pode ser tudo. Tem que haver mais — lhe arrancou a folha da mão e se pôs a ler.

E então ficou petrificada, com a vista fixa na carta, os olhos cheios de estupefação e incredulidade.

— O que? — perguntou Jack. —. O que aconteceu Topaz?

Pestanejando várias vezes para sair de seu assombro, Topaz deixou a carta sobre a mesa de centro e se levantou. Dirigiu-se com passo pesado para onde tinha deixado a bolsa, desnorteada. Abriu caminho até o sofá e derrubou o conteúdo sobre a mesa, ocultando a carta.

— Topaz, vai dizer-me o que está acontecendo?

— Vou te mostrar — sussurrou ela com a voz destemperada enquanto pinçava entre o conteúdo da bolsa, até que deu com a cigarreira.

Abriu-a, tirou a carta que levava dentro, a que lhe tinham deixado os vampiros que a converteram. A que tinha levado todo esse tempo dentro da cigarreira gravada de sua mãe. Com a carta em uma mão tirou as coisas da mesa e tomou a que acabava de receber de sua mãe. Colocou a da vampiresa junto à de sua mãe e as observou, pestanejando para apartar as lágrimas.

Jack a olhava morto de preocupação. Estava levando aquilo muito mais longe do que ele teria esperado.

— Não vê, Jack? — perguntou ela sem separar os olhos das duas cartas. —Não vê?

Jack afastou, com esforço, o olhar de seu rosto e o posou nas cartas. Então foi ele quem ficou petrificado, com os olhos como pratos.

— A caligrafia...

— É idêntica — sussurrou Topaz.

Levantou a cabeça e o olhou.

— Minha mãe não está morta. É uma não morta. Como nós.

 

Topaz estava em estado de choque. Passou meia hora antes que pudesse se mover do sofá no qual ficou sentada, olhando ao vazio enquanto as lágrimas rolavam por suas bochechas e se debatia entre um montão de pensamentos. Ignorou quase todos e se abandonou à dor.

Durante um momento.

Depois começou a sentir outras coisas. O calor da chaminé, que não estava acesa a última vez que tinha olhado. A corrente de energia do sangue que Jack devia havê-la persuadido para que bebesse. Não recordava ter tragado nada, não recordava o sabor, mas sim o sentia em seu interior, correndo por suas veias, lhe esclarecendo a mente, e isso lhe fez cobrar consciência de que, realmente, havia-se alimentado.

Enquanto abria passo entre a neblina mental, notou que Jack a cobria com uma manta aquecida à luz. Trocou de posição no sofá sem sabê-lo. Agora estava deitada com a cabeça apoiada no braço. Ele se sentou no outro extremo, colocou seus pés no regaço e começou a massageá-los.

— Não tem que fazer isso — disse ela com uma voz de gelo.

— Quero fazê-lo. Acredite te ajudará — lhe pressionou as almofadinhas dos pés com os polegares enquanto lhe trabalhava a parte superior com o resto dos dedos.

— Não tinha por que me abandonar, Jack — sussurrou Topaz. — Não estava morta realmente. Tudo devia ser uma montagem para lhe proporcionar o meio de fugir. Por isso levaram seu corpo. Ninguém o roubou. Simplesmente se levantou e se foi.

— Sei.

— Por que não me levou com ela?

Jack começou a lhe esfregar os dedos um por um, lhe dando suaves puxões ao terminar. Topaz sentia que a tensão começava a esfumar-se sob suas mãos.

— Vamos, Topaz, como vai um vampiro criar um bebê?

— Não é a primeira vez que ocorre — lhe recordou ela.

— Ela não tinha como saber disso — subiu para os tornozelos, fazendo maravilhas com aquelas mãos.

Topaz sentiu que seus ombros se relaxavam e lhe afrouxava a tensão da coluna vertebral, fazendo que relaxasse ainda mais contra o braço do sofá.

— Além disso — continuou Jack, — você também foi famosa pelo simples fato de ser sua filha. Como ia simular o desaparecimento de ambas? Não podia fingir sua morte também, não te parece?

— Claro que poderia. Poderia ter me levado com ela — insistiu. — Podíamos ter fugido. Desaparecido, poderíamos nos haver escondido.

— A teriam reconhecido ali onde fosse. Todo mundo a adorava, Topaz. Suponho que lhe pareceu impossível. Sozinha, talvez pudesse burlar os radares e desvanecer-se no mundo protetor dos não mortos, mas com um bebê? Teria sido impossível.

Estava-lhe massageando as curvas agora. Topaz sentiu que os músculos do pescoço entravam-lhe em calor e se relaxavam por completo, e deixou cair a cabeça para trás, sobre as almofadas.

— Na carta diz que não tinha outro remédio.

— O que é certo é que lhe dispararam aquela noite — disse Jack. — Em qualquer parte se pode infiltrar relatórios falsos, mas na CIA não. A investigação revelou feridas de bala e sangue por toda parte. Encontraram as capsulas das balas, por Deus. Tinham que ser verdadeiros.

— Parte da coberta. Arrumou para que alguém a disparasse e preparou tudo para que houvesse alguém mais esperando para levar a cabo a transformação antes que morresse.

Jack sacudiu a cabeça enquanto descia pelas pernas exercendo fricção de volta aos tornozelos e os pés.

— Muito arriscado. Alguém o teria visto. Não podia contar com que continuasse com vida durante o trajeto ao hospital onde outro vampiro estaria esperando para levar-lhe. Não podia estar certa de sobreviver tanto tempo com três disparos no abdômen.

Topaz suspirou totalmente relaxada já sob seus cuidados, totalmente aberta a eles.

— Não tem sentido. Se o planejou ela mesma, e está claro a julgar pela carta que assim foi, suponho que também teria solucionado o detalhe de que devia agüentar o tempo necessário para que tivesse lugar a transformação. Não tem sentido.

— Talvez não cheguemos, a saber, nunca como o fez — disse ele com um suspiro. — Vendo-o de forma egoísta, me alegro de que não foi minha mãe que matou à tua. Tira-me um grande peso das costas.

— Não era uma culpa que você devesse suportar.

— É fácil dizer. Mas eu a sentia de qualquer jeito.

Topaz fechou os olhos.

— Essa tua massagem é realmente boa.

— Reflexologia. Cada ponto do pé corresponde a um ponto do corpo. Ao trabalhá-los, seu corpo responde.

— Um talento oculto que desconhecia que possuísse.

— Possuo todo tipo de talentos que desconhece minha senhora.

Ela abriu os olhos e o olhou. Jack a olhava com os olhos transbordantes de ternura e algo que parecia sincera preocupação por ela.

— Necessito-te esta noite, Jack.

As mãos do Jack deixaram de lhe massagear os pés. Levantou-se então e se inclinou sobre ela. Passou os braços por detrás dos ombros e a estreitou entre eles, levando-a consigo até tê-la sobre seus joelhos. Rodeou-lhe o pescoço com os braços e o beijou. Sem vacilar. Jack a apertou ainda mais contra seu peito. Esticando os braços ao redor de sua cintura, inclinou-se e lhe devolveu o beijo, sentindo como se estivesse lhe entregando sua alma.

Desejava eliminar toda sua dor. E só conhecia uma maneira de fazê-lo, de maneira que deu tudo. Levantou-se do sofá com ela nos braços e subiu ao dormitório sem deixar de beijá-la. Beijos tenros, compridos, profundos e prolongados que dissimulavam a intensidade de seu desejo. Pousou-a cuidadosamente sobre a cama, a despiu, lhe tirando os objetos um a um. O vestido. O prendedor. As calcinhas de renda. E finalmente se colocou sobre ela. Começou a riscar um atalho de beijos desde seus peitos até o umbigo, e mais abaixo. Separou-lhe as pernas e beijou os lugares mais íntimos de seu corpo, utilizando a língua para continuar a lhe proporcionar o alívio que tão desesperadamente necessitava essa noite. Mas também tentou lhe transmitir seus sentimentos. Que lhe importava. Muito.

Jack a abraçou, acariciou-a, lambeu-a e a saboreou até que Topaz gritou ao alcançar o êxtase, agitando a cabeça a um lado e outro, desesperada. Só então se colocou sobre ela e a penetrou.

Foi um prazer sentir como seu corpo envolvia o corpo de Topaz. Tão quente. Tão úmido. Tão acolhedor. Pareceu-lhe que aquela união era como devia ser toda união. Quando se conectavam daquela forma, sentia que a sua vida não faltava nada. A perfeição reinava quando se movia dentro dela e ela respondia arqueando o quadril para receber suas investidas, tanto acelerava o passo como o suavizava, penetrava com força ou se continha. Ela sempre sabia, antecipando-se a todos os seus movimentos. Era como se quando faziam amor formassem uma só mente, uma só alma.

Fazer amor. Isso era o que sentia. Deu-se conta de que jamais tinha pensado no sexo dessa maneira.

E justo nesse momento deixou de pensar, simplesmente, porque Topaz chamava seu nome entre ofegos, enquanto sacudia a cabeça a um lado e outro sobre os travesseiros, e soube que era o momento de fazê-la cair ao vazio outra vez. De modo que a sujeitou aferrando-a pelas nádegas enquanto investia mais forte, mais fundo e mais rápido que antes.

Ela se agarrou a seus ombros, lhe afundando as unhas na carne. De repente abriu os olhos e encontrou os dele, e Jack pôde ver as lágrimas que se formavam nos olhos de Topaz enquanto se corria. Justo quando ele alcançava o bordo do precipício disposto a acompanhá-la, as lágrimas de Topaz rodavam já por suas bochechas.

Satisfeito, Jack relaxou convexo de lado e a seguir a estreitou entre seus braços e a embalou.

— Carinho, por favor, não chore. Tudo vai sair bem.

Ela suspirou.

— São lágrimas de alívio, Jack. Agradeço-te o que tem feito.

— Nesse caso — respondeu ele, — tenho muito mais que te oferecer. Vêem aqui — disse, puxando-a até colocá-la em cima dele.

 

Quando só ficava um quarto de hora para que amanhecesse, Topaz descansava sobre a cama, saciada e resplandecente de satisfação, nos braços de Jack. Sua mente e seu coração seguiam debatendo-se em um estado caótico, mas Jack tinha proporcionado uma válvula de escape a todos esses sentimentos. Havia esvaziado, absorvendo ele mesmo a dor de suas emoções, expostas ante ele. Como seu próprio corpo.

Jack as tinha arrumado para lhe aliviar o peso, e tinha que lhe haver doído porque ele sentia exatamente o mesmo que ela. Isso sabia. Sabia como funcionava aquele tipo de intercâmbio entre os de sua espécie. E apesar de tudo, Jack não tinha bloqueado sua mente para defender-se. Tinha feito amor, direto ao epicentro de sua tempestade emocional, empurrando e investindo até que o prazer físico superou em intensidade à dor emocional e, finalmente, a anulou.

E o tinha feito estreitando-a em seus braços.

Embora não voltasse a fazer nada mais por ela, pensou Topaz, aquela noite já seria suficiente, inclusivé, para compensar pelo dano que lhe tinha feito no passado. Havia suportado o temporal com ela, tinha a ajudado a superá-lo sem enlouquecer. Não tinha sido fácil. Em um vampiro, a dor emocional era tão intensa como a física. Poderia ter ficado louca. Poderia tê-la deixado em estado catatônico ou inclusive matá-la. Não saberia nunca.

“Graças a Deus”, pensou.

Não... Graças ao Jack.

— Obrigado — sussurrou. — Obrigado Jack.

— Não me agradeça por ter acontecido uma noite de êxtase. Acredite-me, não foi nenhum sacrifício.

— Você tem absorvido a minha dor, Jack, nós dois sabemos.

— Minha penitência.

Ela sacudiu a cabeça, pensando que tinha que ser mais que isso.

— O que vai fazer agora, Topaz?

Ela tomou ar e se aconchegou ainda mais entre seus braços, sem lhe importar nenhum pouco que estivesse apaixonando-se perdidamente por ele outra vez. Mas a quem queria enganar? Nunca tinha deixado de amá-lo.

— vou encontrá-la — sussurrou ela. — Tenho que fazê-lo.

Ele a estreitou com força entre seus musculosos braços, lhe insuflando uma confiança e uma segurança tão incríveis que acreditou que estava sonhando.

— Sabe por onde começar?

Ela assentiu contra seu peito.

— O último lugar no qual sei que esteve com toda segurança. México.

Ele assentiu.

— Faz sentido.

Então ficou tenso. A tensão era visível em sua mandíbula e em sua voz. O percebia.

— Não quero ir sozinha, Jack — sussurrou ela. Era como pôr o coração em uma guilhotina e esperar que ele deixasse cair a folha. Assim de vulnerável se sentia oferecendo-se a ele depois de como a tinha rechaçado, como a tinha traído.

— Não vai sozinha, Topaz--- disse-lhe-ele. — Enquanto eu seja um não morto, não irá sozinha.

 

—Topaz precisa de você.

Reaper reconheceu a voz do outro lado do celular. Era a voz de um homem em quem não confiava. Mas Topaz estava apaixonada por aquele cretino. Reaper reconhecia os sinais. Jack Heart era o maior engano que Topaz tinha cometido em toda sua vida. Não era bom para ela, e o que era ainda pior, ela sabia. E mesmo assim o amava. Quem compreendia às mulheres?

— Reaper? Está aí? — perguntou Jack.

— Sim, estou aqui. O que acontece? Está Topaz bem?

Reaper não tinha dúvidas de que Jack tinha algo que ver em que a CIA o houvesse localizado. Tinha-os levado virtualmente lhe pisando os calcanhares toda a semana, fosse aonde fosse.

— É fatal — disse Jack.

— Se você estava com ela todo este tempo, não me admira. Quem você acha que tem a culpa de que ela esteja mau, Jack?

Reaper percebeu um vacilo de seu interlocutor ao outro lado, mas não pôde ler nada. Jack tinha a mente bloqueada.

— Não é teu assunto, Reaper, mas sei que estraguei tudo. Muito. Mais do que tinha imaginado, mas isso faz parte do passado. Estive tentando compensá-la, mas não é isso o que lhe preocupa agora. Ou talvez faça parte, não sei.

— Sim sabe. É uma parte de tudo para ela.

Jack suspirou brandamente, mas de forma audível.

— Sim, suponho.

Reaper assentiu. Era um casulo, mas pelo menos o admitia.

— Mas apesar de tudo isso, aconteceu algo mais — continuou Jack. — Sua mãe... Sua mãe foi a atriz Mirabella Dufrane. Ouviste falar dela?

— A verdade é que não.

— Por que não me surpreende?

— Ao ponto, Jack — não gostava de enrolar-se por telefone, e menos com aquele tipo. Que ele soubesse, seu perseguidor podia ser um dos sórdidos contatos do Jack.

— A assassinaram quando Topaz era um bebê — disse Jack. — Seu cadáver desapareceu do necrotério. Até a data, ninguém o encontrou. Foi um grande mistério no mundo de Hollywood, carne de lenda. Só que agora resulta que Mirabella Dufrane não morreu. Estamos bastante seguros de que foi a vampiresa que transformou Topaz a dez anos no México. Vamos procurá-la.

Reaper piscou várias vezes.

         —Está-me dizendo que a mãe da Topaz fingiu sua morte e a abandonou quando não era mais que um bebê? De propósito?

— Assim parece.

Não estranhava que Topaz estivesse mal, pensou. O mesmo se fazia um milhão de perguntas, mas tentou ordená-las de forma lógica e por ordem de importância.

— Corre algum perigo? —perguntou Reaper.

— Depende do que se esforce sua mãe por evitar que a encontremos — respondeu Jack. — Meu instinto me diz que o único perigo que corre é o de que voltem a lhe romper o coração. E não acredito que desta vez possa suportá-lo. Está obcecada com a idéia de que não... Faz-se querer. Que só a quiseram por seu dinheiro.

— Meu Deus, pergunto-me de onde terá tirado essa idéia — disse Reaper com o tom mais cruel de que foi capaz.

Jack se calou um momento antes de continuar.

— Sei que mereço isso, Reaper, mas não penso aceitar mais insultos, merecidos ou não, assim, poderia passar de mim e te concentrar em Topaz um momento?

— Penso nela.

— E eu — disse Jack. — Acredite ou não. Está muito magoada agora, e temo que ficará pior antes que a coisa melhore. Se melhorar. Antes acreditava que sua mãe era a única que a tinha amado. Depois de saber que sua mãe estava viva todo este tempo e que basicamente a abandonou já não fica nem isso.

Reaper o compreendia.

— Tem que ter circunstâncias atenuantes... De certeza que a mulher acreditou que não tinha outra opção.

— Sim, certo, você e eu sabemos, mas Topaz se sente profundamente magoada e rejeitada. Nunca a tinha visto assim, Reaper. Se as coisas não saírem como ela espera, não sei o que... Assusta-me do que poderia ser capaz.

As palavras golpearam o Reaper a um nível muito mais profundo que qualquer coisa que já tivesse sentido em muito tempo. Muitos vampiros tinham cedido ao desespero e tinham posto fim a suas vidas deixando que o sol os torrasse ao amanhecer. Tinha acontecido inúmeras vezes. Ele mesmo tinha visto. Com alguém a quem amava.

— Se for fazê-lo, precisa estar cercada de gente em quem confia, gente que se preocupe com ela — continuou Jack.

— E você não é uma dessas pessoas, não é verdade, Jack?

— O que eu sinto pela Topaz é assunto nosso. Mas nós dois sabemos que não confia em mim.

— E a culpa disso?

— Olhe, já está bem. Vais chamar os outros e vir ao México ou não?

Reaper apelou para seu instinto, mas não encontrou nada. Aquilo bem podia ser uma armadilha urdida pelo Jack para entregá-lo à CIA, ou ao Gregor, o inimigo de Reaper e anterior sócio do Jack, em troca de uma substanciosa quantidade de dinheiro.

— Tenho que falar com ela antes — disse Reaper finalmente.

— Se souber que te chamei, se zangará ainda mais.

Reaper suspirou.

— Se for algum jogo teu, Jack...

— Não é nenhum jogo. Nem tampouco uma fraude.

Reaper entrecerrou os olhos.

— A CIA esteve me pisando os calcanhares toda a semana, Jack. Sempre parecem saber onde estou.

— É curioso que nunca cheguem a tempo para te pegar.

Reaper franziu o cenho.

— O que diz?

— Só digo que sempre soube onde estava. Se quisesse lhes dar o sopro e lhes ajudar a te caçar, já o teria feito, não crê?

Nisso tinha razão. A menos que Jack tivesse estado brincando com ele de gato e rato. Mas esse não era o modus operandi do Jack. Sempre estava aberto a uma recompensa. Não perderia o tempo na hora de ir recolher e nem se arriscaria a que lhe escapasse. E os agentes que o seguiam sempre estiveram um pouco atrás.

Talvez tivesse julgado mal aquele bastardo. Custava ser objetivo quando havia sentido o sofrimento de Topaz de primeira mão. Brevemente, mas tinha sentido. Aquele tipo quase a tinha destroçado. E Reaper o odiava por isso. Porque muito a seu pesar, Topaz lhe importava. Todos lhe importavam.

E isso foi o que o levou a tomar a decisão.

— Contactarei os outros. Vemo-nos lá. Diga-me onde.

 

Jack parecia mais atento com ela que nunca, pensou Topaz. Sua preocupação por ela lhe parecia muito convincente, muito acreditável. Não queria cair na armadilha mortal de voltar a confiar nele. Conhecia-se muito bem.

E mesmo assim estava se aproximando. O mundo se derrubava sob seus pés e tinha a sensação de estar a ponto de cair.

Estava perdida, verdade? Seu corpo continuava desejando suas carícias, continuava respondendo a ele como não o tinha feito com nenhum outro homem. Seu coração seguia chamando-o aos gritos, seguia ansiando seu amor seguia chorando sabendo que era incapaz de dar-lhe. E agora sua mente seguia os passos do resto de seu ser. Estava começando a confiar nele.

Tinha que ser completamente idiota.

Levavam horas de viagem, alternaram-se na direção. Passaram o dia anterior em um celeiro abandonado, e Topaz se assegurou de que parassem o bastante perto do amanhecer para não dar ocasião a que mantivessem relações. O motivo, um possante instinto de autoconservação; o resultado, um doloroso sacrifício. Desejava-o mais que ver outro anoitecer.

Eram três da madrugada. Conduziam pela linha da costa, bordeando as ondas de safira do golfo, e se distraiu olhando as águas pela janela. Eram escuras e profundas, tão insondáveis como seus pensamentos e tão revoltas como estes.

— É aqui, não? — perguntou Jack, irrompendo em seus pensamentos. Claro que ele nunca estava muito longe deles.

Retirou a vista das águas do mar e olhou para frente. Ali estava a entrada do elegante complexo turístico, Corona, no qual tinham reservado um bangalô na praia, um para os dois porque era uma estúpida.

— Sim. Adiante. Entrarei para nos registrar e recolher as chaves.

— Eu vou Tam...

—Não, de verdade. Espera aqui.

Jack franziu o cenho, perplexo. Mas levava tanto tempo perto dele que necessitava uma pausa. Viajar junto a ele no carro, recordando o que sentia quando o acariciava e ele a acariciava, desejando cortar as distâncias ainda mais, lhe envolver a mão com a sua, lhe acariciar o pescoço e repousar a cabeça em seu ombro.

Formou-se um nó na sua garganta por causa da emoção e se apressou a sair do carro.

O complexo ocupava uma extensão imensa. A mansão de tijolo crú que formava o edifício principal não tinha mudado virtualmente nada desde sua última visita. Ali seguiam, pendurando das paredes, as gravuras com motivos do oceano e o teto abobadado com uma aranha de luz em forma de cacto no centro. A recepcionista da noite lhe deu uma cálida boas-vindas e seu sorriso se alargou quando Topaz lhe deu seu nome, Tanya Dufrane. Topaz já não via motivo para continuar escondendo sua identidade. A imprensa se ocupou de lançar aos quatro ventos que estava viva e abanando o rabo, e que tinha retornado decidida a resolver o assassinato de sua mãe. Ia custar-lhe Deus e ajuda desaparecer outra vez quando tudo aquilo terminasse.

— Senhorita Dufrane! — exclamou a recepcionista dando tapinhas. — É uma honra tê-la conosco. Passaram-se anos, não é verdade?

Não havia possibilidade de que a garota a recordasse da outra vez, mas Topaz supôs que alguém teria reconhecido seu nome quando chamou para fazer a reserva, e a garota se limitou a fazer os deveres.

— Sou uma admiradora do trabalho de sua mãe — continuou a garota. — Uma tragédia para todos havê-la perdido tão cedo. Embora suponha que para você mais ainda, não?

— Obrigada. Está preparado meu bungalô?

— Sim, está tudo preparado. É o número três. Siga o atalho que se curva para a direita. Verá uma fileira de bungalôs ao longo da praia. Só uns poucos estão ocupados porque estamos em temporada baixa. De fato só estão ocupados o seu e outro mais. Poderá desfrutar de total intimidade.

— Obrigada. Vou precisar de duas chaves.

— É claro —a garota as entregou. Não se tratava desses cartões modernos que se usavam nos hotéis agora, mas sim chaves de verdade com a etiqueta do número correspondente. — No bungalô lhe deixamos o número de telefone para quando queira pedir que lhe arrumem o bungalô, uma agenda de atividades, uma lista de restaurantes e outra de todos os nossos vendedores ambulantes. Dispomos de aluguel de navios, esqui aquático, surfe, snorkel...

— Sim, obrigada. Agora mesmo estou muito cansada para pensar em tudo isso.

A garota sorriu e assentiu.

— É claro. Boa noite, senhorita.

— Boa noite.

Topaz retornou ao carro com as chaves e entrou. Jack não arrancou de imediato, mas sim ficou olhando-a.

— Está bem, Topaz?

Ela o olhou e assentiu. Até sabendo que era mentira. Nunca tinha estado menos “bem”. Não tinha estado bem desde que ele a abandonou. E às vezes se perguntava se voltaria a estar.

Mas o que disse em voz alta foi:

— Por ali. É o número três.

Jack a olhou um momento mais e ao final assentiu e pôs o carro em movimento. Em quanto paravam diante do bungalô, Topaz sentiu a presença de outros. Outros vampiros abundavam por ali perto. Vários. Esticou-se e abriu sua mente. Havia estado tão concentrada em bloquear seus sentimentos para Jack que lhe havia passado por cima jogar um olhar de reconhecimento da zona.

— Não passa nada — disse Jack, lhe dando uns golpezinhos na mão como se fosse uma menina assustada. — É a equipe.

Topaz abriu a porta, carrancuda, e estava saindo do carro quando o resto da equipe saiu da cabana situada atrás da sua. Ali estavam Reaper, Roxy, Vixen e Seth. Por um momento não se moveu de quão surpresa estava. Mas quando todos a rodearam e Roxy a estreitou em um quente abraço, rompeu a chorar apesar de seus intentos por conter-se.

 

Jack se sentiu como se não fosse bem vindo, como um estranho, um intruso. Os outros abraçavam Topaz como se fossem sua família e todos falavam ao mesmo tempo. Sentiu-se injustificadamente aliviado ao ouvir que alguém dizia que Ilyana e Briar estavam dentro. Elas também eram estranhas naquele grupo. E, de fato, pensou que se alegraria muito de ver Briar. Assim que se dirigiu à cabana número dois a procurá-la, e deixou que o grupo ficasse em dia de suas coisas com sua bobeira habitual.

As cabanas eram umas construções de tijolo cru de doze por doze metros com duas plantas. Todas eram basicamente iguais: amplo alpendre, grandes janelas a cada lado de uma porta vermelha, vasos de barro transbordantes de plantas exóticas e móveis de vime em cada alpendre.

Jack abriu a porta vermelha e entrou na sala de estar. Deu uma olhada a seu redor, mas não havia ninguém à vista, embora pudesse perceber sua presença. Ilyana, a última em chegar ao grupo, era mortal. Era um dos Escolhidos. Percebia uma energia impaciente, frustrada e um pouco assustada nela. Punha-a nervosa estar rodeada de vampiros. E não era de se estranhar, depois de ter servido como aperitivo de Gregor antes de ir-se dormir desde ele sabia, até sabe lá quando. Nesse momento sabia que estava em um dos cômodos à direita do salão, acreditava que a cozinha.

A energia de Briar, por outro lado, deu-lhe uma estranha sensação, como se não fosse ela. O que percebia nela era uma energia cinza e forçada, notou que se mostrava reservada, calada, circunspecta e retraída. Briar não era nada disso. Ao menos a Briar que ele recordava.

Seguiu a direção que lhe ditavam seus sentidos até a planta superior e percorreu um corredor com quatro portas. Parou na terceira. A porta não estava fechada, e não se incomodou em chamar. Tinha deixado notar sua aproximação, e ela sabia que ia vê-la.

Abriu a porta e percorreu o pequeno dormitório com os olhos. Briar estava sentada na cama, com os joelhos dobrados contra o peito, olhando-o.

— O que quer?

Jack arqueou as sobrancelhas e entrou, mas deixou a porta aberta.

— Eu também me alegro em ver você, Briar. Estive bem, obrigado. E você?

Ela não reagiu, além da leve expansão de suas fossas nasais quando expulsou o ar.

— Vejo que você não esteve bem — continuou.

— por que não teria que estar?

Ele se encolheu de ombros e atravessou a habitação.

— Não sei. Estamos vivos. Somos eternamente fortes, jovens e poderosos.

Ela voltou ligeiramente a cabeça para a janela e ele seguiu a trajetória de seu olhar para o grupo reunido na grama.

— O que tem de bom? Não vale a pena viver neste mundo. Não tem nada de bom.

— Nossa, que optimista.

Ela o olhou com irritação.

— O que tem de bom se não é permitido se alimentar dos fracos? O que tem de boa a vida eterna quando está cheia de gente que estaria encantada de acabar contigo?

Jack suspirou.

— Confiou na pessoa errada, Briar — então lhe ocorreu que poderia dizer o mesmo de Topaz. — Te atacou. Era Gregor, por todos os Santos. O que esperava? É um malvado e cruel.

— Igual a mim. Igual a você.

— Eu não sou malvado e cruel. Egoísta, talvez, mas não cruel. E não acredito que você seja.

— Não? E o que sou então?

Ele se encolheu de ombros, abriu seus sentidos aos seus e baixou a cabeça.

— Está sofrendo. Uma dor intensa, atroz. Tem que deixá-lo ir, Briar, ou não resistirá. Ninguém pode sobreviver sob essa classe de agonia.

— E como sugere que o deixe ir?

—Não sei. Deixa de te concentrar só nele. Procura outra coisa, algo que te agrade, algo que te faça feliz. Se concentre nisso, e a dor irá cedendo pouco a pouco. Não pode viver se não o alimenta. Morrerá quando deixar de lhe prestar atenção.

— Assim passou de vigarista a filósofo, não é?

— Na verdade não. É o melhor conselho que me ocorreu com tão pouco tempo para pensar.

— Ok, bom, pois é uma merda de conselho.

— por que?

— Porque se houvesse algo neste mundo capaz de me proporcionar alegria ou prazer, já teria visto algum sinal pelo menos.

Ele dirigiu um significativo olhar para a janela.

— Acredito que talvez o tenha feito, mas está tão ocupada afundando-se na sua miséria que não te permitiste vê-lo de verdade.

— Deveria me levantar e te expulsar.

— Mas nem sequer pode reunir o entusiasmo necessário, não é assim? Pois isso deveria significar algo.

— Que demônios vai significar? Que nova pérola de sabedoria se supõe que tenho que receber de minha falta de entusiasmo?

Ele a olhou nos olhos e viu sua dor, percebeu-o.

— Só que o que esteve fazendo até agora não está funcionando. Assim, talvez fosse bom provar alguma outra coisa. O que tem a perder?

— Amor próprio. Dignidade. Orgulho. A cabeça... Continuo?

Jack sacudiu a cabeça.

— Por que segue com o Reaper? Esperava que tivesse escapado faz tempo. Sobre tudo se for tão desgraçada.

Briar baixou a cabeça e olhou as mãos entrelaçadas ao redor dos joelhos.

— Cedo ou tarde recuperará a pista de Gregor — disse. — Reaper é bom. Não duvido de que dará com ele. E penso estar lá quando ocorrer.

Jack percebeu os sentimentos que ainda albergava por aquele sádico e pôs os olhos em branco.

— Sou a última pessoa que deveria te dizer isto, mas como poderia ser tão estúpida para querer voltar com esse idiota depois do que te fez.

— Tem razão. É a última pessoa que deveria me dizer isso. Sua preciosa Topaz tem feito o mesmo, não?

— Não é o mesmo nem muito menos. E meu único delito foi levar seu dinheiro. Gregor te torturou, Briar.

— Se acredita que o que você fez a Topaz não foi uma tortura, deveria pensar melhor — respondeu ela. — As mulheres como ela se apaixonam perdidamente. Graças a Deus que eu nunca o fiz e nunca o farei.

— Nem sequer por Gregor?

Dirigiu-lhe um olhar cheio de hostilidade.

—Não é o que você acredita. Nunca... Houve nada disso entre Gregor e eu.

— Não seria porque ele não quisesse.

Ela guardou silêncio.

— E mesmo assim quer voltar com ele — disse ele sacudindo a cabeça muito devagar enquanto a baixava.

— Quero voltar para ele. Tem razão, torturou-me. Lhe devo.

Jack levantou bruscamente a cabeça, olhou-a aos olhos e viu aparecer um apagado brilho de raiva, de ódio, fervendo no mais profundo de suas escuras vísceras. Sentiu que lhe curvavam os lábios para cima.

— Essa é a Briar que conheci e... Conheço.

Sustentou-lhe o olhar um momento e finalmente suspirou e baixou os olhos.

— E o que está acontecendo com os outros? Com o Reaper e seus cachorrinhos? — perguntou Jack.

— O que acontece com eles? —repetiu ela.

— O que sente por eles?

— Eu não gosto. Eu não gosto dele. E não quero fazer amizade com nenhum deles. Nem tampouco contigo. Nunca tinha acreditado em ninguém em minha vida, até que conheci Gregor. Ele me ensinou que foi um tremendo engano. Um engano que não penso voltar a cometer.

Jack assentiu lentamente.

— Nem todo mundo é como ele, sabe?

— Claro que é. E os que fingem o contrário são uns hipócritas.

Suspirando, Jack se levantou da cama.

— Por que vieste?

Jack se encolheu de ombros.

— Nos parecemos. Só queria ver como estava, isso é tudo.

Briar franziu o cenho como se estivesse perplexa.

— O que te ocorreu, Jack? Está ficando mole?

Ele sacudiu a cabeça enquanto a pergunta ressonava em sua mente e se encontrou dando voltas à resposta.

—Isso jamais.

—Então está com alguma fraude?

—Estava-o, mas... — deteve-se. — Não importa. Agora mesmo não estou com nenhum negócio.

— Então o que faz aqui? Com eles?

Jack se aproximou da janela e olhou para o grupo, absorto em uma conversa abaixo.

— Acredito que trato de compensar pelo dano que fiz no passado. Não estou certo se consigo, mas estou tentando.

— Está ficando mole. Na cabeça e em todo o resto.

— Talvez.

 

Quando o grupo se separava já, Topaz viu Jack sair da cabana número dois e dirigir-se a três com a chave que lhe tinha dado. Seguiu-o com os olhos pesarosa.

 

— Podemos trocar a distribuição das cabanas, se quiser — disse Seth. — Se incomoda tê-lo na tua.

Ela o olhou nos olhos.

— Não se passa nada.

Seth tratou de verificar sua mente, mas ela o bloqueou. Qualquer um perceberia que não queria que se intrometessem em seus assuntos, mas Seth nunca havia sido o mais preparado do grupo, pensou Topaz com um suspiro de exasperação quando Seth perguntou-lhe.

— Não estará se apaixonando por esse casulo outra vez, não é mesmo?

— Claro que não.

— Que bom, porque não confio em um fio de cabelo dele, Tope. Nunca confiei, e nisso sigo meu instinto.

Vixen lhe pôs a mão no ombro.

— Não é tão mau — disse.

— Talvez. Mas tampouco é bom — disse Seth. — Melhor ficar de olho no que diz respeito a ele.

— Ouça, não têm que me convencer — lhe disse Topaz. — Eu sei melhor que ninguém.

Seth assentiu. Então se inclinou um pouco e a abraçou. Topaz ficou tão surpresa que ao princípio se esticou, mas depois suspirou e lhe devolveu o abraço.

— Se te fizer algo, diga-me isso está bem? Irei e lhe darei uma surra.

— Meu herói — disse ela com sarcasmo.

Ele sorriu amplamente, e depois Vixen e ele se afastaram para a praia de braço dado. Roxy se aproximou e lhe deu outro abraço.

— Se quiser conselho sobre homens e relações, tesouro, vem me ver. Não perca tempo escutando o pequeno do grupo. Seth está com Vixen pelos cabelos, por pura sorte e graças a minha ajuda.

Topaz assentiu, e Roxy se virou e se dirigiu para a cabana. Topaz ficou sozinha com o Reaper.

Este a olhou um momento com expressão pensativa.

Quase tinha medo de perguntar, mas Topaz se obrigou a fazê-lo:

— Apareceu a CIA em Philly?

— Ainda não.

Sentiu como se lhe fraquejassem os joelhos de alívio. Fechou os olhos e deixou que a sensação a invadisse como um bálsamo.

— Isso não significa que não o façam, nem que não lhes tenha proporcionado informação antes.

Ela mordeu o lábio.

— Por que está tão certo de que foi ele?

— Não estou — admitiu Reaper. — Deixemos algo claro: não tenho provas, é só que acredito... Acredito que deveria ter muito cuidado com ele.

Ela baixou a cabeça.

— Obrigado, eu terei.

Ele assentiu. Nada de abraços, dele não. Incomodavam-lhe as demonstrações de afecto espontâneas. Topaz tinha aprendido quando se conheceram.

— Me avise se precisar de algo está bem?

— Avisarei — disse ela, olhando para o céu. — Obrigado por vir. Significa muito para mim, Reaper.

— Foi idéia de Jack — disse. — Me ligou, disse-me que precisava estar com gente em quem pudesse confiar para poder fazer isto — soltou um pesado suspiro e sacudiu a cabeça. — Espero com toda minha alma estar equivocado, Topaz.

Virou-se e retornou a sua cabana enquanto ela sussurrava:

— Eu também.

 

O telefone de Jack soou uma hora antes que amanhecesse.

— Onde está?

A voz era de Frank Magnarelli, a última pessoa com a que gostaria de falar essa noite. Esquadrinhou a zona. Topaz estava fora com os outros.

— Estou fora do Estado. Terminou o jogo.

— O jogo só terminará quando nós dissermos Jack. E como ainda não temos a Rivera em nosso poder, dizemos que não se terminou.

— Já não têm nada de interesse.

— Não?

— Não, e para começar não me proporcionaram a informação que tinham.

— Te Dei...

— Falemos melhor do que não me deram. Não me disseram de minha mãe. E tampouco que sabiam da mãe de Topaz.

Seguiu-se um longo silencio.

— Então já sabe.

— Sei. E ela também.

— Ligarei amanhã de noite.

— Não se incomode. Este número estará fora de serviço para então.

— Eu em seu lugar não o faria, Jack. Sabemos onde está.

Ele pestanejou perplexo.

— Sinto muito, amigo. Já não custa tanto rastrear um sinal como antes. Amanhã de noite, Jack. Garanto que para então teremos algo que sim quererá, e muito.

Magnarelli desligou e Jack ficou ali sentado, temendo, pela primeira vez, o que seriam capazes de fazer aqueles tipos da CIA. Tinha-os usado, havia jogado com eles, tinha lhes proporcionado migalhas de informação que realmente não lhes servia muito, em troca de informação sobre a mãe de Topaz. Mas eles sabiam, sabiam o tempo todo, que Mirabella Dufrane não estava morta. Magnarelli não o tinha confirmado por telefone com essas palavras, mas Jack o percebia. O que significava que eles o tinham usado tinham jogado com ele, o tinham proporcionado migalhas de informação que não lhe serviam muito.

Queriam ao Reaper. E fariam qualquer coisa para consegui-lo. Reaper tinha razão.

E agora ele estava entre a espada e a parede. Não podia advertir aos outros sem admitir o jogo que trouxe entre as mãos. Fazê-lo acabaria com qualquer possibilidade que tivesse de recuperar a confiança de Topaz. Não, tinha que terminar com aquele jogo ele sozinho.

Ninguém sairia ferido. Se asseguraria de que assim fosse. O que tinha que fazer era fraudar aos maiores vigaristas do mundo: o governo federal.

 

Topaz estava morta de cansaço quando terminaram de descarregar a bagagem e de escolher os quartos, separados por exigência dela. Menos mal que já chegava o novo dia. Já não sabia o que sentia por Jack. As suspeitas de Reaper tinham lógica, e apesar disso, ela não podia acreditar que foi Jack quem tinha estado subministrando informação para a CIA. Não podia. O que era uma estupidez, porque ela melhor que ninguém sabia o quão arteiro ele podia ser.

Aí estava o sinal de que seu coração estava em terreno pantanoso. Outra vez.

Pode ser que sempre estivesse no que concernia a Jack. Desejava sua presença, sentia sua falta mesmo que só estivesse no quarto contiguo, e, entretanto, sabia que a machucaria outra vez assim que lhe desse oportunidade. Mas então se deu conta de que estava dando mais que isso. Tudo o que chegou a sentir por ele quando estiveram juntos estava outra vez ali, um sentimento mais forte que nunca.

Sentia-se condenada a sofrer.

Quando despertou ao cair o sol, Jack já estava levantado, usando o único banheiro do bangalô, para sua contrariedade. Mas sentir contrariedade era um alívio. Isso era preferível a desejá-lo e desejá-lo, esperando que voltasse a lhe romper o coração a qualquer momento.

Bateu na porta com o punho para ouvir a água da ducha.

— Ei! Não sabia que você tinha pedido a ducha para você só. Sabe que preciso do meu tempo no banheiro ao levantar-me.

Jack não respondeu, embora ela soubesse perfeitamente que a estava ouvindo. A porta não estava fechada com fecho, assim Topaz entrou. Jack estava oculto pela cortina da banheira.

—Jack, vamos lá. Sei que me ouviu. Quanto tempo resta?

Jack abriu a cortina e seu esplêndido corpo nú ficou à vista, húmido e resplandecente de água da ducha, fazendo que lhe fervesse o sangue. Não poderia tirar a vista dele, por muito que o tentasse. Deus, nunca tinha visto um homem tão formoso nem um corpo tão perfeito. E nunca tinha desejado a ninguém como desejava a ele.

— Quer me acompanhar?

Topaz conseguiu tirar a vista não sem esforço, embora apenas tivesse tido o suficiente. Sacudiu a cabeça.

Jack se encolheu de ombros e correu a cortina de novo.

— Você está perdendo. Tenho que sair um momento e por isso me adiantei.

— Aonde vai? — perguntou ela com suspeitas renovadas.

— Fazer um pequeno reconhecimento.

— Certo. E vai levar a alguém da equipe?

— Isso não foi planejado.

— Por que não?

A água deixou de correr bruscamente, correu de novo a cortina. Topaz não podia tirar a vista dele, assim que lhe passou uma toalha e não se incomodou em tentá-lo.

— Porque não são minha equipe — respondeu ele. — Mas estou mais que encantado de que você me acompanhe. Quer vir?

Ela pensou. Se a estava convidando a acompanhá-lo era porque não tinha nada que esconder. A menos, claro, que já contasse que ela dissesse que não. Jack era muito preparado para passar por cima a opção.

Pelo amor de Deus, que tipo de relação podia esperar com um homem em quem confiava tão pouco?

Mas esse não era o problema, e sabia. Se realmente a amasse, ela confiaria nele. Mas não a amava. Nunca o tinha feito. Nem sequer o havia dito. Era uma mentira que nem sequer Jack era capaz de dizer.

— Acredito que vou passar esta vez — disse ao final. E tinha outras razões, embora se sentisse terrivelmente culpada.

—Como queira. Te contarei o que investigar. Não acredito que tarde mais de uma hora — Jack terminou de secar-se e enrolou a toalha ao redor dos esbeltos quadris. — Todo teu — disse antes de sair do banheiro.

— Obrigada.

— Está certa de que não quer que fique? Não precisa que te esfreguem as costas ou... Qualquer outra coisa?

— Acredito que poderei me arrumar com isso sem você, obrigada.

Jack lhe piscou um olho e saiu.

Topaz se despiu e entrou na ducha assim que Jack fechou a porta, acelerando o passo dos rituais com que começava o dia, porque havia algo que tinha que fazer antes que ele voltasse.

Assim que estava vestida, inspecionou o bangalô para assegurar-se de que não estava. Jack tinha ido e outros tampouco estavam perto. De forma que se dirigiu ao quarto de Jack e começou a registrar entre seus pertences.

         E o que encontrou lhe fez tanto mal como se lhe tivessem fincado uma adaga no coração.

O dinheiro, seu dinheiro, estava no fundo de sua bolsa de viagem, envolto em um plástico. Estava separado em pacotes de bilhetes novos de banco, rodeados por uma fita. Não lhe cabia dúvida de que era seu dinheiro. Contou-o e tudo. Havia exatamente um quarto de milhão de dólares. A quantidade que lhe tinha tirado descontando a que já havia devolvido. Aquela era a outra metade, a que tinha jurado que não tinha e que lhe devolveria quando a tivesse.

Tinha mentido. Outra vez. Nem sequer se surpreendeu.

Mas lhe rompeu o coração uma vez mais. Não esperava outra coisa de Jack. Havia sido uma idiota de tê-lo feito. Pelo amor de Deus, por que tinha se permitido albergar esperanças?

 

—Desde quando vêm me ver de três em três? — perguntou Jack. Ao Magnarelli já conhecia, mas aos outros dois não. — Dá igual. Não tenho nada para vocês.

Os três homens, vestidos com trajes cinza virtualmente iguais e óculos de sol também virtualmente iguais, rodeavam-no em uma pose supostamente ameaçadora. E teria sido se fosse um humano. Mas não o era. Ele era mais forte, mais rápido e mais inteligente. E perceberia um ataque antes que tivessem tempo de levá-lo a cabo.

Embora não pudesse ler suas mente; ao parecer, a agência tinha ensinado seus agentes a bloqueá-los, perceberia o perigo. Ou estava certo disso.

— Claro que sim tem algo — disse Magnarelli. — Vai nos dizer onde está Rivera.

— Poderia se soubesse. Sempre quando vocês me dessem algo em troca. Mas dado que não é assim, não tenho nem idéia de onde se esconde seu homem agora, temo que tenhamos chegado a um ponto morto.

— Vai nos ajudar, Jack.

Jack se encontrou com os olhos de aço de Magnarelli, visíveis para ele depois dos óculos escuros.

— Olhe, estou a uma semana te dando detalhes sobre seu paradeiro. Eu não tenho culpa de que tenha tornado a escapar.

— Nós acreditamos que talvez tenha. Acreditamos que esteve nos proporcionando a informação muito tarde para que pudesse nos servir de algo. E acreditamos que foi deliberado.

— Olhem, não posso seguir cooperando. Já suspeitam de mim. Tentou me enganar para que lhes enviasse a Philly. Era uma armadilha, mas queria confirmar suas suspeitas. Felizmente me precavi de sua mutreta. Deus santo, se toda a CIA for incapaz de seguir a pista de um só vampiro, como demônios esperam que eu o faça sozinho?

— Sabe onde está — disse Magnarelli, enquanto seus colegas guardavam silêncio em posição alerta, as pernas separadas, as mãos entrelaçadas a frente da virilha. — E vai nos dizer. Só então lhe diremos onde encontrar a Mirabella Dufrane para sua amiguinha.

Jack inclinou a cabeça.

— Embora soubesse onde está não seria suficiente com essa informação. Estiveram me ocultando dados. Se quiserem que lhes dê a informação que querem, vão ter que me tentar com algo mais.

— Por exemplo?

Jack fingiu pensar um momento.

— Necessito o paradeiro da Mirabella, sim, mas também preciso saber a receita que usam para criar o esquadrão de valentões de Gregor. Os adeptos acredito que era assim que os chamava.

Um adjetivo muito suave para referir-se a seu exército de assassinos.

—Nem em um milhão...

—E — continuou Jack, sem esperar que o agente terminasse com a frase, — a segunda das palavras que servem para controlar os atos do Reaper. Conheço a primeira, a que o impulsiona a uma sofreguidão de loucura assassina. Por minha própria segurança, eu gostaria de saber qual é a que o devolve à normalidade.

—Se for nos entregar ele não precisará dela.

—Quer dizer que vou dizer onde está. Não tenho nenhuma intenção de embrulha-lo para presente e trazê-lo para você. E para que fique claro, eu disse que poderia fazê-lo se soubesse onde está. Que não sei.

Magnarelli sacudiu a cabeça lentamente, então tirou os óculos e olhou a Jack nos olhos.

— Pelo tipo de compensação que pede, terá que nos entregar em mão. Droga-o, amarra-o e envia-o. A este mesmo lugar. Amanhã de noite.

— De acordo — disse Jack pondo os olhos em branco de forma exagerada. — O que pede é impossível.

— Sim, mas estamos oferecendo um bônus. Algo que tem para você mais valor que tudo que nos pediu. Algo que nem sequer te ocorreu pedir.

Jack franziu o cenho e seus sentidos ficaram em alerta.

— O que poderia ser tão valioso, Magnarelli?

— Quando lhe dissermos onde encontrar Mirabella Dufrane, não estará morta.

Jack ficou imóvel enquanto tratava de acessar a mente do agente. Mas se deparou com um muro impenetrável.

— Em outras palavras, está me ameaçando de mata-la a não ser que aceite fazer o que me pedem.

— Não estamos pedindo, Jack. Estamos dizendo. Nos traga Rivera ou a mulher morre.

Jack examinou atentamente os outros dois homens. Não eram tão peritos em defender seus pensamentos como Magnarelli, mas não lhe servia de nada, porque não sabiam nada.

Jack refletiu sobre sua resposta um longo momento.

— Acho que está blefando.

— Acredita?

— Sim, porque se tivessem Mirabella Dufrane, teria trazido para mostrar-me provas. Seria a forma mais persuasiva para me obrigar a fazer o que querem.

— É muito bom, Jack. Tem razão, neste momento não temos à mulher fisicamente. Mas não importa, porque sabemos onde está. Encontra-se sob vigilância e estamos a ponto de pôr em marcha uma nova operação. Podemos tê-la a qualquer momento.

— Não acredito — disse Jack, aproveitando sua ligeira vantagem. — Acredito que se soubessem onde está e pudessem fazer com ela como diz, já o teriam feito.

— É nisso que acredita?

Jack assentiu.

—Isso é o que acredito.

—Quer apostar sua vida, Jack?

Jack desejou poder ler-lhe a mente. Mas não podia. Mesmo assim, sabia que não podia dar mostras de fraqueza. Aquele bastardo pularia na sua jugular se o fizesse.

— Amanhã de noite, Jack — disse Magnarelli. —. Aqui a meia-noite. Traz Rivera ou a mãe de sua amiguinha morrerá.

 

Saiu dali à velocidade do raio, uma mera sombra para o olho humano. Não podia arriscar-se que o seguissem. E para assegurar-se de que não voltassem a localizá-lo lançou o celular nas profundas águas do golfo.

E agora o que ia fazer?

Não podia arriscar a vida de Mirabella. Era a mãe de Topaz, pelo amor de Deus. Mas se lhe contasse a verdade, teria que admitir o que tinha estado fazendo, e duvidava muito que queria acreditar que em nenhum momento tinha posto o Reaper em perigo, e, muito menos, que o tinha feito para lhes surrupiar informação que a ajudasse na busca de sua mãe, não por dinheiro.

Chegou à conclusão de que só tinha uma opção. Tinha que encontrar Mirabella antes dos agentes.

E tinha que falar com Reaper seja como for.

Tinha intenção de fazê-lo ao chegar. Mas ao ir aproximando-se sentiu primeiro uma pequena ondulação emocional que se transformou em uma potente onda quando chegou às imediações do bangalô. Topaz. Algo mau.

Jack entrou como um vendaval na cabana subiu as escadas e seguiu a direção que lhe ordenavam seus sentidos. A presença procedia de seu quarto, não do dela. Abriu a porta de repente e parou em seco.

Topaz estava sentada na cama com os olhos vermelhos e húmidos. Tremia-lhe todo o corpo. Tinha a bolsa de viagem aberta diante de si e os maços de dinheiro estavam dispersos a seu redor. Estava olhando-a buscando as palavras quando Topaz levantou a cabeça e o olhou nos olhos.

— Não posso acreditar que estivesse começando a confiar em você.

— Topaz...

— Não o entendo, Jack. Não o entendo. Por que o levou contigo todo esse tempo? Por que não o gastou nem o colocou em um banco ou em um caixa forte o...?

— Porque ia devolvê-lo.

Ela fechou os olhos e deixou cair a cabeça para o peito. Estava sofrendo muito e ele podia sentir a dor com toda sua força, lhe encolhendo o estômago.

—Por favor, não minta mais — sussurrou.

— Levei-o comigo todo este tempo, Topaz — entrou na habitação, mas não se aproximou muito nem a tocou. — Minha intenção original era te devolver a metade, te convencer de que Gregor continuava com a outra metade e ficar para mim. Admito. Sei que era um plano absurdo, e que sou um idiota por tê-lo urdido. Mas o certo, Topaz, é que não pude fazê-lo.

— Por que não? — perguntou ela sem olhá-lo.

Jack não podia acreditar que queria sequer escutá-lo. Mas parecia que queria

Não estava gritando, nem discutindo nem lançando acusações. Limitava-se a escutar.

— Para ser justo, estou ficando louco tentando encontrar uma explicação. O que sabia era que queria que voltasse a confiar em mim. Queria te compensar pela dor que tinha causado. E se contava que tinha tido o dinheiro todo o tempo, estava certo de que jamais confiaria em mim, jamais me daria a oportunidade de fazer as coisas bem. Estou a meses procurando a forma de devolver-lhe sem ter que admitir que o tinha tido em meu poder todo o tempo. Talvez seja uma covardia, mas é a verdade, Topaz. Por isso não gastei nem um centavo nem o coloquei em um banco. Acredito que no mais fundo de mim soube todo o tempo que não poderia te extorquir. Sabia no mesmo dia que te abandonei, que tinha que lhe devolver.

— Por quê? — perguntou ela simplesmente.

Jack se sentou na beira da cama e levou o braço para lhe tocar o rosto, para segurar-lhe o queixo e levantar-lhe para poder olhá-la nos olhos.

— Porque te quero.

Ela pestanejou. As lágrimas alagaram seus olhos, e teve que fechá-los frente a dor. A esperança.

         — Não diga isso a menos que...

— Sabe que não o diria se não pensasse a sério. Não disse a ninguém nunca. É a única coisa sobre a qual jamais me atrevi a mentir, Topaz. Mas resulta que não teria sido uma mentira. Quis-te todo o tempo. Não se trata de nenhuma fraude, nem de um jogo, e tampouco é uma penitência por toda a dor que te causei. Quero-te. Não me dei conta até que entrei, e a vi com o dinheiro e pensei que tinha te perdido para sempre.

Topaz abriu os olhos. Seguia chorando.

— Acredita?

— Quero fazê-lo — sussurrou ela. — Deus, quero fazê-lo.

— Então por que não o faz?

— Porque se acredito e depois volta a desaparecer... Acredito que não sobreviveria. Está me pedindo que entre em uma armadilha para ursos, agarre a ceva e confie que não vai me arrancar a mão. Não, é pior. É muito pior. Sabe desde quando venho sonhando te ouvir dizer essas palavras? Entende que nunca desejei algo tanto em toda minha vida?

Jack lhe sustentou o olhar. Eram perguntas retóricas.

— De todos os modos, já é muito tarde — continuou Topaz.

— Muito tarde?

— Para mim, quero dizer — Topaz se levantou da cama e se aproximou dele. — Se está mentindo outra vez, Jack Heart, estou perdida.

Dito isto, e para total assombro de Jack, rodeou-lhe o pescoço com os braços e o beijou. Foi um beijo faminto, desesperado, apaixonado, e pôde sentir o sabor das lágrimas em seus lábios.

Topaz afastou com o braço a bolsa e o dinheiro, e empurrou Jack de costas sobre a cama para colocar-se sobre ele, lutando por desfazer-se da roupa de ambos.

Jack estava aflito ante a intensidade do desejo de Topaz e do seu próprio. Era como uma tempestade de sentimentos juntos: emoção e liberação, ânsia desmedida e renúncia, dor e alívio. Seus lábios não romperam o contato em nenhum momento enquanto voavam pelos ares partes de roupa rasgada, até que se encontraram pele contra pele, os corpos em tensão pela necessidade de estar mais perto, beijando-se como se estivessem esfomeados pelo sabor do outro, como se não fossem parar nunca.

Topaz ficou escarranchada, introduzindo o membro de Jack em um só movimento, jogou a cabeça para trás e fechou os olhos.

— Diga outra vez, Jack.

— Quero-te — disse ele, investindo-a. Sentiu um prazer quase insuportável. — Lhe quero, maldita seja. Quero-te.

 

Topaz jazia deitada na cama entre os braços de Jack, saciada, satisfeita e com a sensação de que a tinham tirado do fundo do inferno para levá-la às alturas celestiais, e tudo por causa de duas palavras.

Mas ao mesmo tempo sentia um medo vertiginoso de apaixonar-se mais ainda que a outra vez, porque, esta vez, seria letal. Amava-o. Amava-o com toda sua alma, mas não confiava nele. Queria acreditar que ele também a amava, mas não conseguia passar a acreditar que talvez acreditasse amá-la, de momento, mas que não duraria. E não tinha vontade de voltar a sofrer só pelo prazer de tê-lo de volta, embora só por um tempo. Mas é que não tinha mais remédio. Levava quase um ano tentando superar sua ruptura e não se aproximou nem um pouquinho.

Assim deixaria que acabasse com ela esta vez. Porque seria melhor morrer quando a abandonasse.

— Por muito que goste de ficar aqui toda a noite te abraçando, temos coisas a fazer — disse ele. — Temos que ir procurar a sua mãe.

Ela assentiu, esfregando a bochecha contra seu torso com o movimento.

— Sei.

— Pensou o que vai dizer-lhe quando a encontrarmos?

—Incessantemente. Mas ainda não sei. Suponho que a olharei nos olhos e falarei instintivamente — mordeu o lábio inferior. — Se é que quer me ver.

— Quererá.

Topaz levantou a cabeça e o olhou nos olhos.

— Como pode estar tão certo?

— Simplesmente estou. Confia em mim.

Ouvir aquilo foi como se lhe cravassem uma faca no coração e o retorcessem. Tirou a vista apressadamente, logo se levantou e começou a vestir-se. Jack também se levantou e se vestiu. Depois recolheu os maços de dinheiro do chão e os colocou na bolsa de plástico onde estavam antes de acabar rodando pelo chão como se fossem os tijolos de um edifício ruído. Deixou a bolsa na cama.

— Deveria guardar isto em um lugar seguro até que volte para casa.

Ela ficou olhando o dinheiro.

— Não o quero — desviou a vista para ele. — Tampouco queria a outra metade. Nunca a quis. Só queria seu amor, Jack. O dinheiro não me importa. O que me importa de verdade é você.

Ele sorriu um pouco, aproximou-se dela e inundou uma mão em seu cabelo.

— Bom, agora tem as duas coisas — lhe deu um tapinha no traseiro. — Venha, vá guardar isso para que possamos nos pôr em marcha.

— De acordo.

Topaz agarrou a bolsa e saiu do quarto. Guardou-a no fundo de seu armário e fechou com chave a porta do bungalô quando saíram. Os outros estavam reunidos no alpendre traseiro de sua cabana, olhando o mar.

— É um lugar precioso — murmurou Topaz.

— Estávamos começando a nos perguntar onde andavam — disse Reaper, levantando da poltrona.

— Eu não — disse Roxy, piscando um olho para Topaz, mas em seguida franziu o cenho. Tampouco era de se estranhar, pensou Topaz, porque se sua expressão refletia o que sentia por dentro, era óbvio que parecia mais assustada e resignada a sofrer um cruel destino que satisfeita e saciada.

— Têm algum plano? — perguntou Reaper, e Topaz se deu conta de que Jack devia ter-se comunicado mentalmente com o líder da equipe para pedir a ajuda do grupo na busca.

Jack assentiu.

—Há dois lugares em um raio de oitenta quilômetros que muitas vezes são frequentados por vampiros. Acredito que deveríamos dividir-nos por equipes e comprová-los, interrogar a todos os vampiros que encontremos. Além disso, poderíamos lhes pedir ajuda se nos parece que podem ser dignos de confiança e estiverem dispostos a ajudar. Que perguntem a todos seus contactos.

— Parece-me boa ideia — disse Reaper. — Briar, pode vir comigo. Seth e Vixen...

— Eu não vou — disse Briar.

Reaper a olhou mais decepcionado que surpreso.

— Por que demônios não?

— Não é problema meu. E acredito que tudo isto é uma perda de tempo. O que deveríamos fazer é procurar o Gregor. Para isso nos pagam, não, Reaper?

— Não comprovo que conjuguem todos os dias.

Ela assentiu.

— Talvez queira farejar um pouco enquanto procuramos a mami desaparecida da Topaz. Até poderia perguntar às pessoas. Avise-me se descobrir algo.

— Tem tanta vontade de voltar com o homem que te torturou? — Reaper sacudiu a cabeça com tristeza e se limitou a suspirar quando Briar entrou no bungalô a grandes passadas, deixando que o a rede mosqueira golpeasse contra o vão da porta atrás dela.

— Reaper, eu gostaria que você viesse comigo esta noite — disse Jack.

Topaz ficou surpresa, e, a julgar pela expressão de seu rosto, Reaper suspeitava de algo.

— Por mim está bem — respondeu. — Topaz, você pode ir com o Seth e Vixen.

— E o que acontece com a Ilyana e comigo? — perguntou Roxy. — Como somos mortais, embora sejamos Escolhidas, não podemos ir por aí farejando e perguntando coisas pelos bares frequentados por vampiros.

— Não, não seria bom — disse Jack.

— Estava pensando que vocês poderiam trabalhar online esta noite — disse Reaper. — Procurem referências que tenham aparecido na imprensa sobre os lugares que supostamente se viu a Mirabella nos últimos seis meses ou assim, as cruzem com as aparecidas no México e a ver o que sai.

— Vamos lá, Reaper — se queixou Roxy. — Só uma busca pelo Elvis me daria mais resultados.

Ele sorriu.

— Sei. Um trabalho duro, mas é possível que alguma dessas fofocas contenha um ápice de verdade.

Roxy assentiu.

— Trouxe o notebook. Irei ao edifício principal do hotel ver se temos conexão com a Internet. Deus, que não seja por modem.

Jack tirou uma caderneta do bolso, apontou uma direção e a entregou a Topaz.

— Vocês vão comprovar este lugar. Reaper e eu iremos ao outro. Chama no celular do Reaper se encontrarem algo. Se não, nos veremos aqui assim que terminemos, de acordo?

Ela assentiu.

— De acordo. Até dentro de umas horas.

Topaz ficou esperando que a abraçasse e lhe desse um beijo, mas não fez o gesto. Podia perceber sua vacilação. Tão logo lamentava as impulsivas palavras que tinha pronunciado? Estava mudando de opinião?

Dirigiu-lhe um pequeno sorriso cúmplice e se dirigiu a seu carro.

— Venha, Tope. O carro está no estacionamento — disse Seth.

— Que carro tem? — perguntou-lhe.

O menino a olhou nos olhos e sorriu.

— Você o que acredita?

 

Jack se sentou no assento do co-piloto de seu próprio Porsche, muito distraído para conduzir. Reaper o olhou com estranheza um momento e terminou colocando-se no assento do condutor sem dizer uma palavra. Não falou nada, e por isso Jack lhe estava agradecido. Tinha que refletir sobre o que tinha acontecido entre Topaz e ele, e tentar procurar uma saída.

Havia dito a Topaz que a amava.

As palavras que estava certo não diria nunca a uma mulher porque sabia que seria mentira. Ele não acreditava no amor, acreditava que não existia. Enquanto que as mulheres desejavam encontrá-lo, desejavam-no mais que qualquer outra coisa. Especialmente Topaz.

E ele sabia, maldita seja, ele sabia perfeitamente que amor era o que ela queria dele, que seria a única coisa que o aproximaria dela quando todos outros intentos fracassassem, e ele jurou que nunca o usaria como arma de sedução contra ela. Nem como uma droga que a convencesse para fazer que o gostasse.

         Essas palavras eram tão eficazes com Topaz como as palavras que controlavam os atos do Reaper. O efeito neles era igualmente puxador. Para ambos era impossível resistir a sua força. Para ambos eram muito perigosas.

Mas ele se encontrava em uma situação que, por algum motivo, lógico ou não, se sentia impelido a conseguir que Topaz confiasse nele. De modo que, por um desatinado momento, tinha perdido a cabeça e tinha pronunciado as palavras com que sabia que ganharia sua confiança.

Havia-lhe dito que a amava. Havia-lhe dito que sentia algo que nem sequer se acreditava capaz de sentir, muito menos de estar à altura. E se odiava por isso. Mas o pior era que não podia desfazê-lo. E quando as coisas se fossem ao inferno entre os dois, como terminaria acontecendo, ficaria ainda mais destroçada que a primeira vez que a tinha traído de uma maneira estúpida.

Inferno. Não havia solução. Nenhuma solução.

Não sabia como demônios lhe havia dito que a amava para começar. Mas ao vê-la rodeada por todo aquele dinheiro e os olhos arrasados em lágrimas, algo o havia empurrado a dizer e fazer algo para lhe aliviar a dor, para apagar a desconfiança de seus olhos. As palavras se derramaram de seus lábios sem que lhe desse tempo de pensar-lhe nem às conter.

E tinham funcionado. Eram aquelas mágicas duas palavras. Mágicas. Quero-te.

E era mentira, o que, cedo ou tarde, Topaz descobriria. E, desta vez, a afundaria. Assim ela disse, e ele não duvidava que acontecesse.

Era culpado de um crime do coração; era um bode e merecia arder no inferno por isso.

— Está muito calado. Não é normal em você — disse Reaper.

Jack deixou a um lado o ciclone emocional que sacudia suas vísceras e olhou de soslaio ao vampiro.

— Tenho muitas coisas na cabeça.

— Nota-se. É Topaz ou tem a ver comigo?

— Contigo? — Jack franziu o cenho.

— Supus que queria falar comigo. Se não, agora estaria com ela. Ou me enganei?

— Ah, isso — Jack dirigiu sua atenção ao outro assunto que lhe dava voltas na cabeça. Era um alívio, na verdade, pensar em outra coisa que não o engano imperdoável que acabara de cometer com uma mulher que de verdade lhe importava. — Sim, tem razão. Queria falar contigo. Mas poderia me fazer um favor e esperar até que termine de lhe contar para me torcer o pescoço?

— Ainda não lhe torci o pescoço, Jack, embora faça uma idéia do que quer me dizer. —Suponho que poderei esperar para ouvir o resto.

Jack ficou olhando-o, surpreso.

Reaper se encolheu de ombros.

— Vamos ver, alguém esteve fornecendo informação à CIA sobre meu paradeiro. E poucas pessoas o conheciam. Estou bastante seguro de que foi você. O que quero saber é por que, e se lhes disse que estou aqui, no México. E agora que estou pensando, também quero saber se esta nossa pequena entrevista desta noite vai terminar em um intento de me entregar por sua parte.

Jack estava estupefato.

— Sabia?

— Levo tempo suspeitando. Agora sei.

Jack suspirou e baixou a cabeça.

— Provavelmente não acredite no que vou te dizer, mas é a verdade. No início, sim, considerei a possibilidade de informar em troca de dinheiro. Sabe Deus que ao Gregor pagavam uma nota para tentar te caçar. Pus-me em contato com eles e chegamos a um acordo.

— E então... Espera, deixe adivinhar. Apaixonou-se pela Topaz e se deu conta de que não podia seguir com isso, bem porque te importava muito para machucá-la dessa forma, ou porque sabia que, traindo-a de novo, perderia-a para sempre.

Jack se encolheu de ombros.

— Algo assim. Mas o que precisávamos era informação sobre sua mãe. Ofereceram-me em troca de que lhes informasse de seu paradeiro.

Reaper o olhou de soslaio, com expressão de surpresa.

— Então seguiu lhes soprando para ajudá-la?

Jack assentiu.

— Só que lhes dava informação vaga sobre sua posição e sempre com um dia de atraso. Assegurei-me de que pudesse lhes levar horas de vantagem a todo o momento.

Reaper abriu a boca para dizer algo, mas voltou a fechá-la e franziu o cenho.

— Sempre lhes tirava um dia ou mais de vantagem. Efetivamente.

— Sei. Tomei cuidado de que fosse assim. E, Reaper, provavelmente não acreditará tampouco, mas esse foi meu plano a todo o momento. Inclusive quando comecei em troca de dinheiro. Nunca tive intenção de te pôr em perigo. Pensei que seria mais preparado que eles, isso é tudo.

Reaper assentiu enquanto conduzia imerso em seus pensamentos. De repente disse:

— E por que decidiu me contar isso esta noite?

— Porque tratei de lhes dizer que não ia continuar lhes informando, que já não tinha mais informação para eles e que eles tampouco tinham para mim, mas me seguiram até aqui. Localizaram-me através do sinal de meu telefone, provavelmente enquanto estava descansando durante o dia. O caso é que estão aqui.

— Onde está seu celular?

— No fundo do golfo.

— Bem — disse Reaper. — Sabem que estou aqui?

— Imaginam. Disse-lhes que não, e que não tinha idéia de onde estava, mas não acreditaram. Assim tentei outra tática: disse-lhes que não tinham nada que pudesse me interessar. E eles disseram que os pusesse a prova. Então sugeri que me dissessem como criar uma equipe de adeptos fervorosos e qual era a palavra com a que lhe controlam, e que então, talvez poderia reconsiderar a possibilidade de seguir colaborando. Mas eles disseram que tinham uma idéia melhor.

         — Aqui vem o gordo — Reaper sacudiu lentamente a cabeça, quase como se já soubesse o que ia escutar.

Jack pensou outra vez que era certo que Reaper faria uma idéia. Não em vão havia trabalhado com aqueles tipos quando era mortal. Sabia como operavam.

— Disseram-me que têm Mirabella, a mãe de Topaz, e que a matarão a menos que te entregue.

Reaper tomou ar bruscamente.

— Quando?

— Amanhã a meia-noite.

O olhar de Reaper se escureceu quando disse:

— Viu-a?

— Não —respondeu Jack.

— Falou com ela?

— Não. Tampouco houve contato mental. Tentei, mas bloqueia bem os intentos.

Reaper assentiu.

— Então não a tem. Não lhe teriam dado tanto tempo para me entregar se a tivessem. Isso só lhes daria problemas, pois te proporcionaria tempo para tramar algo, tempo para que eu desaparecesse. Além disso, lhe teriam mostrado isso para pressionar mais.

— Eu pensei o mesmo e até o fiz ver. Não me enganei ao supor que não a tinham. Mas afirmam saber onde está e que podem pegá-la a qualquer momento.

— Estão mentindo — disse Reaper. — Se soubessem, já a teriam.

— Exatamente o mesmo que pensei. O problema é que temos que encontrá-la primeiro.

Reaper lhe deu razão com um gesto de assentimento.

— Suponho que terá dito a Topaz.

— Pois supõe mal. Não quero que saiba. Ainda. Perderei sua confiança se admito que estive trabalhando com a CIA todo este tempo. Ela pensará que é a única razão pela que fiquei com ela, a única razão pela que estou com ela agora. Que a estou usando para lhes tirar mais dinheiro as custas suas e dela, e... Deus, agora também de sua mãe.

— Sim. Provavelmente tenha razão, isso é exatamente o que pensaria. Eu mesmo penso, sinceramente.

— Não te culpo — Jack suspirou e assinalou um pôster. — Toma a próxima saída.

— Então confia que eu não direi a ela e eu confio em que não me drogará e amarrará com o intuito de me entregar à agência para o que eles chamam uma “reprogramação”.

— Em poucas palavras, sim — respondeu Jack. — Só até que se cumpra o prazo de entrega. Só até que consiga arrumar esta confusão. Então contarei tudo.

Reaper lhe cravou um olhar que lhe chegou até a alma.

— Se me trair, Jack, eu te mato.

         — Não duvidei disso nem um momento — suspirou Jack. — Se tudo sair mal, nem sequer me importará que o faça.

Reaper refletiu um momento sobre a possibilidade e, no final, assentiu com a cabeça uma vez, com firmeza.

— Está bem, trato feito.

— Obrigado — sussurrou Jack enquanto Reaper manobrava para entrar na zona de estacionamento de uma casa de tijolo cru que estava completamente às escuras e contava com uma porta maciça que estaria bem fechada com toda certeza. Não havia sinais de vida dentro nem ao redor da construção. Ao menos, óbvias.

Para eles dois, entretanto, os sinais eram abundantes. Podiam perceber a energia de uma dúzia de vampiros e um bom montão de mortais. Não se tratava de Escolhidos, mas sim mortais correntes e roedores. Desde quando saíam juntos os vampiros e os mortais? Que demônios era esse lugar?

Notaram tensão na energia quando apagaram o motor e abriram as portas do carro. Os sentidos dos que estavam dentro ficaram alerta e se dirigiram a eles, receosos, em posição defensiva, desconfiados e dispostos a brigar.

 

Seth, Vixen e Topaz caminhavam um junto ao outro em direção à gigantesca porta em forma de arco pela que se acessava o clube particular. Seth ia entre as duas mulheres, e Topaz pensou que deviam formar um trio espetacular: Seth era um menino alto e magro tremendamente atrativo; Vixen, com sua juba acobreada e suas feições de duende, completado com uma aura de sensualidade que falava a gritos de sua personalidade indômita; e ela mesma, com sua beleza morena e sentindo-se melhor do que tinha estado em muitos meses.

E sim, era perfeitamente consciente de que deixar que seus sentimentos dependessem das ações de outra pessoa, de Jack e das duas palavras que havia pronunciado, era algo absurdo. Mas apesar de tudo, ela se sentia bem. Porque havia voltado com ela. Porque por fim havia dito que a amava. Porque tinha feito que voltasse a sentir-se como uma mulher.

— Tinha estado aqui alguma vez? — perguntou Seth.

Pararam, mas o vento continuava levantando uma pequena poeira atrás de si e fazia que lhes agitasse o cabelo. Topaz sacudiu a cabeça, desfrutando de que o vento lhe levantasse os cabelos.

— Nunca.

— Como Jack descobriu este lugar?

— O boca a boca — respondeu ela a quem não escapou o olhar de suspeita que cruzou pelo rosto de Seth, mas decidiu deixar passar. Sabia que não confiava em Jack. Bom, ela tampouco, assim não podia zangar-se com ele.

— Estão todos juntos do outro lado da porta — disse Vixen, levantando uma mão um tanto tremente enquanto retrocedia um passo involuntariamente. — Não gostaram que estejamos aqui.

Topaz olhou para a porta, enquanto Seth tomava Vixen pela mão para tranqüilizá-la.

“Hei, vocês, da casa. Somos amigos. Somos três, Topaz, Seth e Vixen”.

“Vixen?”.

Produziu-se um murmúrio de pensamentos e emoções. Parte do medo e os receios pareceram transformar-se em curiosidade. Então um vampiro macho falou mentalmente.

“A que troca de forma?”.

— Como podem sabê-lo? — perguntou Vixen, tampando a boca com a mão enquanto abria os olhos como pratos. Não tinha bloqueado sua mente.

— Parece que as notícias voam a respeito de alguém tão único como você — disse Topaz. — A equipe de Gregor se separou. Briar e Jack estão conosco, mas havia mais. É óbvio que estiveram falando com todos que encontraram.

Vixen piscou três vezes em rápida sucessão e voltou a vista para a porta fechada.

— Sim — gritou em voz alta. — Sou a que pode trocar de forma. E estes dois que me acompanham me resgataram do grupo de renegados que me tinha prisioneira e torturava-me. Por favor, só queremos entrar e falar.

A tensão se relaxou ainda mais entre os que se encontravam atrás da porta. E então, muito devagar, abriu-se com um gemente rangido que bem poderia ter sido um efeito de som de um filme de terror.

Um par de vampiros estavam parados do outro lado da entrada, um macho tão alto como um mastro e grande com o cabelo negro azeviche à altura dos ombros e um aspecto gasto e faminto. Sua companheira, uma fêmea miúda com o cabelo castanho curto que parecia haver-se penteado com umas varinhas de bater ovos, os olhava fixamente.

Outros vampiros pululavam por ali em grupos de três ou quatro. Havia um punhado de meninos jovens que tinham aspecto de banda de rock. Umas quantas fêmeas jovens rondavam em duplas. Nenhum parecia levar mais de uns poucos anos não morto, à exceção, possivelmente, do casal que os tinha deixado passar.

— Vixen — disse o macho com tom interrogativo enquanto estudava seu rosto e as feições similares às de uma raposa, conforme pareceu a Topaz. Era óbvio quando sabia. As orelhas ligeiramente bicudas, o cabelo da cor de uma lustrosa cauda de raposa, os olhos rasgados de uma profunda cor castanha, a forma em que ficava nas pontas dos pés, seu corpo miúdo e delicado. Por bizarro que pudesse ter parecido no princípio, agora Topaz não podia imaginar-lhe como outro aspecto que não metade raposa.

— Sim — respondeu Vixen. — Esta é Topaz, e este é Seth. São amigos. Bons amigos.

O homem olhou a cada um deles conforme Vixen fez as apresentações, mas só por cima.

— Eu sou Reynold. Esta é minha companheira, Crisa.

Crisa aferrou o braço de Reynold enquanto olhava Vixen fixamente.

— Poderia nos fazer uma demonstração?

Reynold lhe dirigiu um olhar de recriminação, mas antes de poder dizer nada, Seth disse:

— Não é um truque de salão, bonita. Nem um esporte com público.

— Sim, não é um animal de circo esperando o sinal para dançar — espetou Topaz.

Crisa baixou a vista ao chão rapidamente.

— Sinto muito. Tenho-lhes feito zangar. Tenho-lhes feito zangar, Reynold, verdade? Não era minha intenção. Só queria vê-la transformar-se em raposa. Nunca vi um vampiro transformar-se em uma raposa.

A mulher se afastou resmungando para si, a cabeça baixa. Alguns dos outros vampiros foram se afastando para lhe deixar espaço.

Vixen a olhou com o cenho franzido.

—É... Diferente — disse Reynold com tom suave. — Ela não quis te ofender, é só que não... Entende certas coisas.

Topaz se deu conta do que o homem queria dizer quando se introduziu mentalmente na essência da garota. Crisa era um ser infantil, uma inocente.

— Lamento lhe haver falado assim. Não tinha me dado conta — se desculpou.

— Terá esquecido em uns minutos — Reynold se virou e lhes fez um gesto expansivo com a mão assinalando a enorme estadia que se abria ante eles.

Um pequeno balcão de bar, de menos de dois metros aproximadamente, feito de cobre ocupava um canto da estadia. Havia tamboretes diante, e também várias poltronas cheias e vários sofás colocados em torno de mesinhas baixas dispersas pelo salão. Atrás do bar, inseridos na parede, havia vários frigoríficos.

Não era preciso muita imaginação para adivinhar o que continham. Estava claro que as garrafas de vários licores dispostas nas estantes eram só de adorno, se por acaso entrasse algum mortal. A capa de pó que as cobria deveria delatar, mas um humano normal não se precaveria.

As luzes eram eléctricas, mas suavizadas por umas telas de cor âmbar. O local estava pintado de vermelho e amarelo, adornado com fileiras de objetos de barro e vasos de barro com cacto e flores do deserto. As paredes estavam decoradas com figuras de esqueletos tocando e dançando, e dispersadas por aqui e por lá se viam cruzes feitas com pequenas caveiras de papel maché. Topaz sorriu ao reconhecer os símbolos do Dia dos Mortos. Tapetes de vivas cores tecidas à mão cobriam o chão e soava suave música mexicana de fundo.

— Bem-vindos a Casa Crisa — disse Reynold. — Criamos este lugar como refugio para os de nossa raça. Há poucos lugares que possamos nos reunir, ter vida social, nos sentir... Normais de certo modo. É obvio, sua existência é um segredo bem guardado. Só a gente daqui, gente que conhecemos e em quem confiamos, sabe de sua existência.

Topaz assentiu com a cabeça enquanto se sentava em um tamborete diante do balcão e passava os dedos pela superfície de cobre. Era antiga.

— Por que não me dizem o que lhes trouxe aqui? — perguntou Reynold. — Está claro que vieram por algo.

— O que te faz pensar isso? — perguntou Seth.

— Os seres como nós não estão acostumados a procurar lugares com muito sol, amigo. E ao México se vem normalmente para isso. Tomar sol. E, além disso, sinto que vieram por você — olhou Topaz. — Me Diga o que está procurando. Talvez possa te ajudar.

Ela assentiu.

         — Estou procurando Mirabella Dufrane.

O homem franziu o cenho profundamente, depois se virou para uma das câmaras frigorificas e a abriu.

— Refere-se à famosa actriz? — perguntou. Estava colocando um grifo em uma bolsa de plástico com o logotipo da Cruz Vermelha. Encheu três copos e os pôs sobre o balcão. — Aqui está. Cortesia da casa.

Seth e Vixen se sentaram em dois tamboretes flanqueando Topaz.

— Obrigado — disse. — E sim, refiro-me à actriz. Todo mundo acredita que morreu assassinada, mas eu sei que não foi assim. Transformou-se. É uma de nós.

— E como sabe, filha? Rumores? Imprensa sensacionalista?

Topaz deu um sorvo do copo.

— Sei porque foi ela quem me transformou há dez anos — deu outro comprido sorvo e notou como o sangue a tranqüilizava e lhe dava força. Percebeu que seus amigos já tinham esvaziado seus copos.

O espigado vampiro a olhou franzindo profundamente o cenho. Era óbvio que não acreditava.

— E antes que ela me trouxesse para esta vida, deu-me á luz na outra —continuou Topaz, começando a sentir-se como se estivesse sentada em um bar normal e corrente, bebendo álcool. O pensamento a surpreendeu. Um zumbido desagradável estava começando a tomar conta de sua mente. — A original.

— Não te entendo — disse Reynold.

— Ela era — disse Topaz, — é... Minha mãe. E quero vê-la. Quero a minha mãe — sentiu a garganta tensa pela emoção e as lágrimas. E justo nesse momento se deu conta de que algo ia mal e baixou a vista para seu copo agora vazio. Seth desmaiou sobre o balcão a sua esquerda, enquanto Vixen escorria do tamborete e caía ao chão a sua direita. Levantou a cabeça e olhou Topaz com um sorriso bobo antes que lhe fechassem os olhos.

Topaz olhou ao Reynold de novo, piscando seguido várias vezes a medida que ia nublando a visão.

— O que colocou em nossas bebidas?

— Protegemos a nossa Bela — disse com suavidade. — E não são os únicos que andam procurando por ela. Assim até que saibamos com segurança o que querem, temos que tomar... Precauções.

 

A mulher que abriu a porta em resposta à chamada de Jack era formosa, com o cabelo escuro e uns olhos de cigana. Usava um vestido comprido que se atava ao pescoço deixando à vista um profundo decote. Era baixa, seus olhos refletiam um carácter inocente e possuía um aura de juventude que sugeria que não devia ter mais anos que o próprio Jack.

— O que posso fazer por dois bonitos vampiros esta noite? — perguntou com tom sugestivo enquanto os olhava de cima abaixo da porta.

Jack olhou ao Reaper e este o olhou, depois franziu o cenho e seu olhar voltou para a mulher, só que não se deteve nela, mas sim se concentrou em ver o que havia atrás dela. Jack seguiu a trajetória de seu olhar. O interior da casa estava tranqüilo. Formosas mortais vadiavam aqui e ali, vestidas com atrevidos objetos. Tinham a pele anormalmente pálida e em seus pescoços se viam as reveladoras marcas que desapareceriam assim que lhes desse o sol, sempre e quando estivessem vivas.

— Trabalham para você?

A mulher assentiu.

— Meu nome é Rosa. Este local é meu — tinha muito sotaque — Já podem apagar essas expressões de superioridade moral. Estas mulheres estão aqui por desejo próprio. Recebem uma boa remuneração. E também muito prazer. No local de Rosa todo mundo ganha.

Jack franziu o cenho e deu um golpezinho com o cotovelo em seu companheiro.

— Não entendo.

—É uma casa de prostituição, Jack — respondeu Reaper. — Mulheres mortais que atendem as necessidades dos vampiros. Sangue, sexo, o que seja, por um preço.

— É evidente que não sabiam — disse Rosa. — Assim me diga o que é que busca, senhor. A que veio?

— Estamos procurando alguém — disse Jack com voz calma. — Mirabella Dufrane.

A mulher abriu os olhos como pratos e então se virou e olhou a seu redor. As mulheres que antes vadiavam pelos sofás se levantaram e desapareceram a toda pressa escada acima, corredores adiante ou atrás de diversas portas que fecharam atrás de si. Do piso superior chegou o som de passos apressados.

Jack se deu conta de que sua voz teria chegado aos ouvidos de qualquer vampiro que houvesse ali dentro.

         Rosa olhou às costas dos dois, para o jardim. Reaper e Jack se viraram para olhar também e viram descer pelas janelas do segundo piso vários vampiros, em sua maioria homens, e uma ou duas mulheres, e descer brandamente na grama antes de desparecer a toda velocidade. Rosa puxou os dois para dentro e fechou a porta.

Jack olhou a seu redor surpreso. O lugar parecia abandonado agora.

Ainda tinha mortais por ali, tremendo em seus quartos, mas todos os vampiros, excetuando a mulher que tinham diante, tinham desaparecido.

Rosa pôs os olhos em branco.

— Ao inferno uma das noites mais lucrativas que já tive. Graças a vocês dois. Deus, o que acontece com você? Por que vem aqui pronunciando esse nome? Está louco?

         — Não sabia que ia armar tanto alvoroço — disse Jack um tanto na defensiva. Aquela mulher atuava como se tivesse cometido um dos pecados capitais.

A mulher franziu o cenho.

— Não são daqui, verdade?

— Não.

— Então a que vieram?

— Escute — disse, irritado por ter que repetir. — Vim porque preciso encontrar Mirabella Dufrane antes que outro o faça, alguém que poderia ser perigoso para ela.

Ela arqueou as sobrancelhas perfeitamente depiladas e de cor azeviche enquanto o estudava atentamente.

— E como sei que não são vocês os perigosos?

Jack começou a lhe dizer que não tinha nada a temer deles, mas Reaper levantou uma mão para fazer que se calasse.

— Então sabe onde está — disse, indo direto ao ponto, como sempre.

— Sei que está perto. Mas tem amigos, vampiros, que a protegem acima de tudo. Ninguém pode aproximar-se dela. Não sai para alimentar-se. Seus amigos lhe levam o alimento. Quando se aborrece, levam-na ao campo e, às vezes, tiram-na do país, e se fazem grandes esforços para disfarçá-la e que ninguém a reconheça. Adoram-na como se fosse uma deusa. E quando alguém vem perguntando por ela...

Deteve-se e baixou o olhar.

— O que? Este grupo de seus seguidores faz algo a quem pergunta por ela?

—quis saber Jack. — São assassinos, Rosa? São renegados?

Ela se encolheu de ombros.

— Nunca vi cadáveres. Só sei que aqueles que vêm perguntando por ela costumam desaparecer. Da maioria não volta a ouvir-se falar.

— A maioria? — repetiu Jack.

Ela levantou a cabeça e o olhou aos olhos.

— Todos — seus lábios se curvaram em um sorriso. — Por isso é necessário que partam daqui agora mesmo. Não tenho dúvida de que ao menos um dos clientes que havia aqui esta noite estará rondando por aqui, esperando ver quando partem. Não devo dar a impressão de que lhes contei nada, nem sequer um pouco.

— Onde podemos encontrá-la? — perguntou Reaper.

— Não sei — abriu a porta para que saíssem e lhes gritou: — Não sei do que estão falando. Fora! Já se encarregaram de meus benefícios desta noite.

“Onde podemos encontrar esses seguidores dela?”, perguntou Jack mentalmente a ela somente, bloqueando seus pensamentos aos vampiros que espreitavam nas sombras, à escuta.

“Casa Crisa”.

A mulher lhes fechou a porta de uma portada nos narizes, e os dois ficaram olhando-se, sacudindo a cabeça com gesto de frustração, e retornaram ao carro.

“Você conduz”, disse Reaper ao Jack somente. “Quero jogar uma olhada... Sim, o que pensava. A mulher tinha razão, há pelo menos três vampiros espreitando entre essas árvores”.

“Pareceu-me que alguém tentava nos ler a mente”, disse Jack.

Reaper assentiu com a cabeça.

“Acredita que se estava mostrando paranóica?”.

“Sim, e acredito que talvez tenha razões para isso”.

Quando estavam bem longe para que ninguém pudesse ouvi-los. Reaper perguntou:

— Que demônios é Casa Crisa?

— É o nome do lugar que mandei os outros.

Reaper girou a cabeça com brutalidade.

— Inferno.

— Eu não teria me expressado melhor — respondeu Jack, pisando no acelerador e rezando.

 

— Encerrem — ordenou Reynold. E enquanto os outros vampiros que haviam estado rondando pela zona rodeavam os três desconhecidos inconscientes sem fazer perguntas, tomou Crisa pela mão. — Vamos, pequena, temos que ir.

— Aonde vamos, Rei-Rei? — perguntou Crisa com um amplo sorriso. — Nós vamos ver bela?

— Sim, pequena.

A garota ficou a bater Palmas e dar saltinhos de entusiasmo. Foi correndo atrás do balcão e voltou junto a ele com um lenço com o que se cobriu os olhos e o atou atrás da cabeça.

— Lembro as normas. Vê?

— Sim vejo. É uma boa garota, Crisa.

— Sim eu sou — lhe assegurou ela.

Sorrindo, Reynold tomou a inocente garota pelo braço e a tirou do estabelecimento, seu refúgio e o deles. Tinham um veículo para os dois. Um híbrido que tinham comprado em conjunto. Pôs a Crisa no assento do co-piloto e lhe colocou o cinto, e depois rodeou o carro e se sentou ao volante.

Crisa não fez gesto de tirar o lenço dos olhos nem lutou. Um vampiro normal encontraria um lugar depois de ter estado lá uma vez só com o sentido de orientação, sentindo a forma em que se movia o carro e memorizando os giros, ou reconhecendo os sons, tanto da estrada como do ar a seu redor, como os aromas. Mas Crisa não era um vampiro normal. Ela tinha certas capacidades reduzidas. Não sabia se teria sido assim quando estava viva, ou se lhe teria acontecido algo durante a transformação ou no traslado. Ela não o havia dito nunca, e ele não sabia como perguntar, nem se compreenderia o que lhe estava dizendo. Não estava certo de que soubesse que era diferente. Às vezes acreditava que Crisa não era consciente de suas diferenças.

Assim que deixou estar. Não importava o que lhe tivesse ocorrido para ser assim, era e ponto. Não mudaria por ele ficar analisando-a. Além disso, ele a amava tanto por sua inocência como por todo o resto.

Conduziu entre serpenteantes estradas secundárias, uma depois de outra, até que poderia ter-se perdido. Mas não estava, claro. Ele conhecia perfeitamente sua terra.

Finalmente, deteve-se junto a uma cerca desmantelada no meio do nada, saiu do carro e retirou um montão de folhas mortas e ficou à vista a porta que ocultavam. Abriu-a e colocou o carro, depois parou, baixou outra vez para fechar e a escondeu com as folhas.

De novo atrás do volante, seguiu um serpenteante caminho em direção ao castelo em miniatura no qual morava a legendária Mirabella Dufrane. Parou o carro, em um quadrante de cinco portas, frente à estrutura de pedra.

— Já pode tirar o lenço, Crisa.

A garota obedeceu e, como sempre, olhou com expressão maravilhada o lugar onde vivia Mirabella. Era um lugar verdadeiramente único. Parecia um castelo, embora não fosse maior que uma casa normal e atual. A parte exterior parecia de pedra esculpida à mão, importada de um castelo de verdade na Europa. Contava com duas torres, uma de cada lado de uma estrutura quadrada central de dois andares.

Reynold não utilizou a aldrava de latão em forma de enorme cabeça de leão da porta principal em forma de arco, mas sim levou a mão para o pequeno teclado numérico situado de um lado da porta, oculto pelas folhas de uma samambaia, e teclou a contra-senha. Mas então vacilou e com a outra mão tirou as folhas para ver a luz verde, quando na verdade tinha que ser vermelha.

A porta estava aberta e o sistema desativado.

—Bela? — perguntou. Um calafrio lhe percorreu a coluna ao pôr a mão sobre a maçaneta e empurrar a porta.

— Onde está? — perguntou Crisa, sua inocente voz desprovida de qualquer resquício de preocupação.

— Não sei, meu amor — entrou no hall de que saiam umas amplas escadas a cada lado em direção aos dormitórios, uma em cada torre, e um no corredor que as unia. — Bela?

— Aqui aconteceu algo — sussurrou Crisa. Esfregou os braços como se tivesse frio e olhou para a direita.

Reynold seguiu a trajetória de seu olhar e reparou na mesinha torcida, a toalha de mesa de adorno que pendurava de um lado e o abajur balançando-se precáriamente em um canto, a ponto de cair ao mínimo roce.

Franziu o cenho e avançou pela casa, iluminando o caminho com o abajur. Agora esquadrinhava tudo com cuidado, alerta.

—Ocorreu-lhe algo! — exclamou Crisa, justo quando os sentidos do Reynold diziam o mesmo. — O ar está carregado de raiva. Não sente?

Claro que sentia. Ali tinha ocorrido um choque violento de emoções. Medo, aborrecimento, resistência, raiva. Tinha tido violência. À medida que avançava pelo castelo ia encontrando mais sinais de luta, um atalho claro da entrada principal através dos largos corredores até a porta traseira. Os quadros inclinados; um vaso quebrado, a água e as flores frescas esparramadas pelo chão; um bengaleiro caído e a porta de trás estava totalmente aberta, com o tapete metade dentro e metade fora. Ao inspecionar os danos pôde visualizar o que havia ocorrido. Em sua mente viu como sustentavam a Bela e a arrastavam à força por todo o interior da casa, enquanto as coisas foram caindo por causa da resistência. Os retratos. O bengaleiro. Tinha arrastado o tapete com seus próprios pés e ali mesmo havia marcas de suas unhas na pintura da parede e na madeira da porta traseira.

— Alguém a levou — murmurou. Saiu pela porta traseira e desceu os dois degraus que havia até o chão: rastros de pneus. Abriu às sensações, as impressões, e soube que tinha passado certo tempo já. — Se foram — disse a Crisa. — Faz mais de uma hora, talvez duas.

— Mas quem faria algo assim? Quem iria querer levar nossa Bela?

— Não sei. Mas faço uma idéia — estava ficando furioso. Agarrou a Crisa pelo braço e a fez atravessar a casa até a porta principal, para onde haviam deixado o carro. — Vamos, amor. Temos que fazer umas quantas perguntas a nossos convidados.

 

A Casa Crisa estava abandonada. Vazia. Jack percebeu antes de parar o carro junto ao adorado Mustang de Seth. Saiu do carro como uma bala, esquadrinhando os arredores mentalmente, rastreando com os sentidos a flor da pele, chamando a Topaz das entranhas.

Mas não obteve resposta.

— Deus santo, não estão aqui! Nenhum dos três! — girou em circulo lentamente com os braços estirados ao longo dos flancos, detendo-se quando ficou frente a Reaper.

O rosto deste era uma máscara de concentração. Quase parecia estar farejando o ar em busca de pistas.

— Que demônios fazemos agora? — perguntou Jack.

— O que não vamos fazer é nos deixar levar pelo pânico — o tom de Reaper era calmo e frio. Baixou os olhos para o chão e andou uns quantos passos antes de fixar a vista na distância. — Aqui há marcas de pneus. Muitos, mas quase todas vão na mesma direção.

— A maioria?

— Se pudermos colocar a mão em alguém que tenha estado aqui esta noite, posso lhe arrancar tudo o que saiba. Isso eu garanto — disse Reaper. — Se a CIA me ensinou algo, foi como surripiar informação.

Jack reprimiu um calafrio, porque o tom de Reaper lhe deixava bem claro que esse tipo de coisas eram as que ele estava acostumado a fazer quando era mortal, algo que sabia que lhe daria bem. E era horripilante.

Mesmo assim, Jack sabia que não duvidaria em recorrer à tortura para recuperar Topaz com vida. Tortura, minha mãe. Não se mostraria resistente a assassinar. Ou algo pior. Só Deus sabia o que estaria passando nesse momento. Recordou o tempo que Gregor a tinha tido em suas mãos, a tortura que tinha suportado, antes que ele pudesse intervir. E se...?

Reaper lhe aferrou o ombro com uma mão.

— Pare de pensar no pior. Não vai ajudar.

Jack assentiu.

— Se lhe fizerem mal...

— Se lhe fizerem mal, ou ao Seth ou a Vixen, terão uma morte lenta. Nisso estamos de acordo, Jack.

—Me alegro.

— Vamos entrar e ver se encontrarmos alguma pista — Reaper olhou ao céu. — Ainda ficam seis horas para que amanheça. As aproveitemos.

 

— Estão há muito tempo fora — disse Roxy.

Estava deitada em uma poltrona do alpendre do bangalô, olhando o mar, observando o ir e vir das ondas sob o céu noturno. A brisa marinha refrescava o rosto, e podia saborear o sal cada vez que tomava ar.

— Acredita que lhes terá acontecido algo? — perguntou Ilyana.

— Não sei. Tenho aberto minha mente, tudo o que posso inclusivé os chamei a gritos, mas não sou vampiro. Minhas habilidades nem se aproximam das deles.

Ilyana, deitada em outra poltrona, usava um dos preciosos saris de Roxy. Todas tinham escolhido um da coleção que tinha levado. Ambos eram de seda, trazidos diretamente da Índia, feitos à mão. Roxy vestia um de cor rubi e negro. Ilyana tinha escolhido um de vários tons de verde. Pareciam da realeza, pensou Roxy.

—Poderíamos pedir a ela — disse Ilyana dirigindo a vista para a parte traseira da casa.

Roxy seguiu a trajetória de seu olhar para o quarto no andar de cima que Briar ocupava. Detrás, deprimia-se a lúgubre vampiresa. Mostrava-se taciturna, entorpecida, silenciosa e tão isolada do resto do grupo quanto podia. Era como se tivesse levantado muros protetores a seu redor para que ninguém nem nada pudesse afetá-la.

— Não é tão má como acha, sabe? — disse Roxy.

— Ninguém poderia ser tão mau como eu acredito que seja.

Roxy fechou os olhos e refletiu antes de falar.

— Foi torturada. Brutalmente. Pelo homem que ela acreditava que a amava.

Ilyana guardou silêncio um momento, tanto, de facto, que Roxy acreditava que não ia dizer nada.

— Eu também. Pelo pai de meu filho.

— O pai de seu...? Tem um filho? Com o Gregor?

Ilyana captou o olhar de Roxy.

— É como nós. Um dos... Escolhidos.

— E onde está agora?

— Com Gregor. Por isso quero encontrá-lo e por isso me frustra tanto este atraso. E se conta a alguém, Roxy, juro que...

— Mas, Ilyana, é possível que saibam algo. Jack, Vixen... Deus, Briar estava ali, com Gregor, naquela mansão dele. Seguro que se houvesse um menino por lá, algum deles o teria visto.

Ilyana voltou a procurar o olhar de Roxy.

— Mas nunca me viram.

— Mas...

— É meu segredo, Roxy. Respeita-o. Você e eu estamos aparentadas de alguma forma que não compreendo bem. É por algo que levamos no sangue, um vínculo que nos une. É a única pessoa a quem contei. Por favor, não me traia.

Roxy assentiu lentamente.

— Está bem. Não direi. A ninguém. Embora acredite que comete um engano.

— Obrigada — Ilyana se sentou e pôs os pés no chão. — Se acredita que poderia servir para acelerar as coisas, então acredito que deveria ir falar com Briar e lhe pedir ajuda. Se nos destroçar a jugular por termos lhe causado problemas, bom espero que você vá primeiro.

— Felizmente para as duas, já comi.

As duas mulheres afogaram uma exclamação de surpresa enquanto se viravam bruscamente. Briar estava em pé na porta traseira do bangalô as escuras. Apenas distinguiam sua silhueta. As dobradiças da mosquiteira rangeram quando a empurrou para abri-la, e saiu ao alpendre.

— Não façam essa cara. Vocês estão a uma hora chamando ao Reaper e aos outros. Não pude evitar lhes ouvir. Só espero que não tenha feito o mesmo algum não morto inimigo. O que é o que querem?

Ilyana olhou para Roxy, e esta soube exatamente o que estava pensando. O que teria ouvido Briar da conversa que estavam tendo?

Depois de pigarrear e tentar tirar da mente os pensamentos sobre a Ilyana,

Roxy olhou a Briar e disse:

— Estamos preocupadas. Estão fora á mais tempo do que deveriam.

— Estão bem.

— Acreditaria se algum dos dois grupos tivesse chegado, mas que os dois estejam aí fora me faz pensar que poderia ter acontecido algo.

— Se preocupa como uma mortal, Roxy.

— Eu sou mortal. Briar.

A lúgubre raposa fechou brevemente os olhos, como com exasperação.

— E o que querem que eu faça, em qualquer caso? Subir a um corcel branco e ir a seu resgate? Querem que me ponha uma armadura ou algo? Que branda uma espada? Acaso tenho pinta de ser a fodida Joana D’ Arc?

Roxy se conteve para não dizer o que tinha na ponta da língua, inspirou profundamente e contou até três porque não havia tempo para contar até dez, e disse:

— Quero que contate com eles mentalmente e averigúe o que ocorreu. Faria isso por mim, Briar?

Briar pôs os olhos em branco, mas assentiu.

— Está bem.

Então se voltou em direção à estrada e se concentrou no grupo. Guardou silêncio um momento enquanto Roxy observava as expressões que cruzavam por seu rosto. Arqueou as sobrancelhas surpresa, depois as juntou no que parecia preocupação, embora todos a conheciam muito bem para suspeitar que fosse esbanjar seu tempo preocupando-se com outro que não fosse ela mesma.

Finalmente, Briar inspirou e se virou para as duas mortais. Ilyana estava tensa como um gato. Briar lhe dava um medo atroz, mais que Vixen inclusive.

— E então? — perguntou Roxy. — Os encontraste?

Briar assentiu.

— Por muito que me custe admiti-lo, mortal, tinha razão. Seth, Vixen e Topaz desapareceram nesse estabelecimento que se supunha que tinham que investigar um lugar chamado Casa Crisa. De fato, não há ninguém lá, embora seu carro continue no estacionamento.

— OH, não — sussurrou Ilyana.

— Reaper disse algo de uma vampiresa chamada Rosa e de uma casa de prostitutas para vampiros...

— Casa de prostitutas para vampiros? — repetiu Ilyana, ganhando um olhar de ódio da Briar pela interrupção, que seguiu sem dar explicação nem responder à pergunta da Ilyana, óbvia apesar de não ter sido feita.

— Esta tal Rosa disse ao Reaper que os vampiros de Casa Crisa são os protetores de Bela. Uma espécie de grupo de renegados em certo modo. E que a gente que faz perguntas sobre ela normalmente desaparece.

— Acredita que foi esse grupo que os levou? — perguntou Roxy.

— É o que parece — disse Briar, como se realmente não lhe importasse. — E agora suponho que teremos que ir resgatá-los, ou jamais poderemos retomar a busca de Gregor.

— Nisso tem razão — disse Ilyana.

Briar a olhou com certa surpresa.

— Está de acordo comigo em algo? Embora acredite que poderia... Como disse... Sim, lhes destroçar a jugular?

Ilyana cerrou a mandíbula.

— Sinto ter dito isso.

— Pois não devia — respondeu Briar. — Poderia fazê-lo. Embora não esta noite. Suponho que esta noite temos que Ir a Casa Crisa ajudar a procurar os inadaptados que faltam.

— Irei com a Shirley — disse Roxy, entrando para procurar as chaves da caminhonete de nome estranho. — Recolho vocês na parte da frente.

 

Reaper tinha ficado atônito por ouvir a chamada mental de Briar. Jack e ele estavam revistando a Casa Crisa e, no momento, não tinham encontrado nada útil, quando a ouviu.

“Reaper. Responda-me”.

Reaper tinha parado para concentrar-se no som da voz, uma voz que rasgava-lhe os nervos como um arco rasga as cordas de um violino. O fazia estremecer e vibrar por dentro.

“Surpreende-me te ouvir, Briar. Ocorre algo?”.

“Suas raposas mortais estão preocupadas com vocês. Pediram-me que vos contactasse”.

“E aceitaste? Interessante”. Ela nunca fazia nada se não podia tirar algum benefício disso.

“Pareceu-me a maneira mais rápida de fazê-las calar. Ocorreu algo mau?”.

Queria pensar que ela também estava preocupada. Que ela também queria assegurar-se de que não lhes tivesse ocorrido nada mal. Queria ver algo em Briar que justificasse o que sentia por ela. Uma prova de que pudesse ficar nela uma sombra de alma ou os traços de um coração.

Mas o que queria ver tendia a peneirar o que havia de verdade, ao menos no que concernia a ela. Ler entrelinhas com Briar não era mais que auto enganar-se. Era o que era. Má. Egoísta. Superficial. Cruel.

Disse-lhe o que tinha ocorrido, o que lhes tinha contado a proprietária do prostíbulo, Rosa, e que ao chegar a Casa Crisa, Jack e ele descobriram que seus três amigos não estavam. Mas a mensagem final o deixou surpreso.

“Percebe que lhes tenham feito mal?”.

Com o cenho franzido, Reaper conteve a resposta sarcástica que tinha na ponta da língua. A que lhe perguntava se acaso lhe importava algo.

“Não. Não percebo dano nem medo. O que me preocupa é que não nos tenham chamado. Se pudessem, o fariam”.

“Gregor encontrou uma maneira de bloquear a comunicação mental entre vampiros dentro de sua fortaleza e além de seus muros. Talvez esses vampiros tenham feito o mesmo”, respondeu Briar.

Reaper sacudiu a cabeça, embora ela não pudesse vê-lo.

“Não tenho a sensação de que sejam uns gênios, Briar. Não os vi, mas a essência que deixaram neste lugar sugere muita capacidade mental. Não são mentes brilhantes”.

Fez-se uma breve pausa e Briar disse finalmente:

“Levo às mortais. Vão me deixar louca se não o fizer. Iremos ajudar-lhes tão rápido quanto nos possa levar esta ridícula caminhonete que Roxy insiste em chamar Shirley”.

Nenhuma palavra mais.

— Reaper! Olhe isto!

Reaper retornou ao mundo e, depois de tirar Briar de sua mente, concentrou-se em Jack e no assunto que tinham em mãos.

Jack tinha um envelope em uma mão. Estava aberto, mas o conteúdo continuava em seu interior. Parecia uma factura de algum tipo de serviço público, eletricidade, talvez.

Reaper franziu o cenho.

— Uma factura de luz?

— Sim, mas daqui — respondeu Jack. Virou o envelope.

Reaper o examinou.

— Temos que encontrar este lugar — disse. — Há algum mapa por aqui?

— Sim, na gaveta superior do escritório. Ali — assinalou para um pequeno escritório com acesso pela parede da esquerda.

Aproximaram-se juntos do escritório, desdobraram os mapas e começaram a procurar a direção da factura.

 

Topaz abriu os olhos com um gemido. O que tinham usado para que perdesse a consciência não era o tranquilizante que ela conhecia o único eficaz com os não mortos. Não, devia ter sido algo muito mais suave, muito mais normal. Mas uma droga comum só teria efeito durante uns minutos com um vampiro. E estava certa de que tinha passado mais tempo.

Olhou a seu redor e tentou orientar-se. Estava enjoada e tinha a vista imprecisa, mas mesmo assim, estava claro que não continuavam na Casa Crisa. Estava em uma casa branca. Teto branco. Paredes brancas. Não havia janelas. Estava deitada sobre uma espécie de maca bastante dura, tapada com um lençol branco.

Tinham lhe colocado uma via intravenosa de algo que pendurava de uma barra a seu lado.

Ao ter consciência disso a adrenalina correu por seu corpo e se incorporou bruscamente, mas ficou enjoada e esteve a ponto de cair da maca.

Uma mulher a segurou pelos ombros. Tinha o cabelo castanho alvoroçado e olhos de louca.

— Tranquila. Está bem. Ninguém vai te fazer mal.

Topaz baixou a cabeça e se apertou a fronte com a palma da mão ao recordar a garota. Crisa. A que não era normal de tudo.

— Que demônios me destes?

— É só clorpromazina. Uma dose grande — fez um gesto com a cabeça para o balcão. — Não teria te deixado inconsciente muito tempo, mas assim que desmaiou coloquei-te a destilação para tê-la fora de jogo enquanto fazíamos o traslado. Agora já pode despertar.

Topaz levantou lentamente a cabeça, olhando com suspeita à mulher-menina.

— Você colocou a destilação?

— Sou enfermeira. Ou era.

“E agora é uma louca”, pensou Topaz. Ouviu um gemido lamuriento e ao virar-se viu Seth sentando-se lentamente em outra maca próxima, e em diagonal a ele, viu Vixen, que também começava a recuperar a consciência.

— Eles também estão bem — disse Crisa.

— Por que estamos aqui?

— Porque perguntaram por Bela. Nós não gostamos que gente pergunte por Bela — olhou a seu redor, sorrindo. — Vocês gostam de nossa clínica? Montamos para ajudar a vampiros feridos. Às vezes ocorre. Precisa-se contar com um lugar seguro, muito sangue e grande quantidade de...

— Que demônios está acontecendo aqui? — grunhiu Seth, segurando a cabeça como tinha feito Topaz, surpreso pela terrível dor, sem dúvida. — Aaaah, demônios. Onde estamos? O que nos destes? O que...?

“dê-me um minuto, Seth. Estou tentando lhe surripiar informação”.

Seth olhou Topaz enquanto esta falava mentalmente e depois a Vixen, e Topaz soube que a garota também tinha recebido a mensagem. Seth tentou ficar de pé observando a vendagem que tinha no antebraço e a barra com a destilação. Baixou os pés ao chão sacudindo a cabeça e se dirigiu cambaleando para a maca de Vixen.

— Tome cuidado não caia — advertiu Crisa. — Ainda não está estável de todo. Em uma hora mais ou menos. Então estará bem — se virou para Topaz e lhe estendeu uma mão.

Topaz se afastou instintivamente, mas a menina só queria lhe tocar o cabelo. Acariciou uma comprida mecha e tirou a mão.

— eu adoro seu cabelo. Eu gostaria que o meu fosse igual.

“Definitivamente, a esta falta um fervor”, pensou Topaz.

— Obrigado. Também eu gosto... Do seu.

Crisa sorriu com acanhamento.

— irei Procurar a Rei-Rei. Disse-me que lhe avisasse quando despertassem.

— Espera um momento — disse Topaz. —. Antes estava dizendo que vocês não gostam que a gente faça perguntas sobre... Como a chamaste? Bela? Refere-se a Mirabella Dufrane? Picou-me a curiosidade.

Crisa baixou os olhos para ocultar algo em seu olhar, mas era muito fácil lhe ler a mente. Com Bela se referia a Mirabella, sua mãe.

— Então está viva?

— Tenho que ir procurar a Rei-Rei?

— Crisa, espera. Não entende. Mirabella é minha mãe. Estou á tempos procurando-a. Meus amigos estão me ajudando. Ela não iria querer que me drogasse e me encerrasse aqui desta maneira. Ela ia querer que lhe falassem de mim. Não poderia fazê-lo? Só lhe diga que vim e veja o que te diz.

Crisa pestanejou várias vezes seguidas para conter-se, mas os olhos se encheram de lágrimas.

— É o que iamos fazer. Mas se foi. Não sabemos para onde.

Topaz sentiu como se lhe golpeassem o peito com uma bola de demolição.

— Como se foi? O que quer dizer com se foi?

— Rei-Rei acredita que alguém a levou.

Topaz fechou os olhos e gritou mentalmente, consciente de que a mensagem seria débil, por muito que se esforçasse.

“Jack! Pode me ouvir, Jack? Preciso de sua ajuda”.

A porta da sala se abriu e três mortais vestidos com trajes quase idênticos se equilibraram no interior, apontando com suas armas, e dispararam quando Crisa se virou surpresa.

Os dardos tranquilizantes assobiaram no ar. O impacto de um deles propulsou a Crisa contra uma das janelas tapadas e rompeu o vidro com um braço antes de cair de joelhos ao chão. Topaz desceu da maca pelo outro lado. Deveria ter sido mais rápida. Teria sido se estivesse em plena forma, mas ainda ficavam restos de droga em suas veias. Não era tão rápida como o seria em condições normais, e não estava muito segura de que Jack tivesse ouvido sua petição de socorro. Só sabia que tinha problemas.

E que aqueles três malditos mortais eram homens mortos.

Viu que outro dardo alcançou o Seth quando se lançava sobre eles para atacar e outro dava em Vixen que ia em sua ajuda, e Topaz sentiu como lhe cravava um nos intestinos no mesmo instante.

Desabou no chão, não sem antes ver o Reynold, inconsciente no chão do corredor, por trás dos homens. Então um dos três homens se interpôs em sua linha de visão. Levava um traje escuro e tinha o cabelo e os olhos da cor do aço. Topaz jurou que esse tipo não veria amanhecer outro dia.

— Levamos esta — disse a seus compinchas. — Deixem os outros. Esta é a que morria por ver sua mãe, não? Faremo-lhe esse favor.

— Jack tem feito bem depois de tudo, não acredita? — disse o homem que a tirou nos braços da sala.

— Sim, suponho que sim.

“Jack? Não, não, por favor, Deus, Jack não”, pensou Topaz. “Não é possível que ele tenha algo que ver com isto”.

Topaz sentiu que se dobrava em duas da dor tão atroz que explodiu dentro de seu coração, soluçando com tanta força que acreditou que se lhe ia partir a coluna vertebral. E o homem que a levava nos braços a olhou com surpresa ao ver suas bruscas sacudidas.

— Ouça, acredito que a droga está tendo efeitos secundários nesta.

O outro homem a olhou. Topaz ficou consciente de seu escrutínio apesar da nuvem cinza da dor e do intumescimento provocado pelo tranquilizante.

— Está chorando, isso é tudo. Minha mãe, sim que chora com vontade. Segure-a bem. Não a deixe cair, pelo amor de Deus.

— Inferno, está tendo convulsões. Queria ver como a seguraria você! — o homem a estreitou com força entre os braços.

Topaz fechou os olhos e tentou conter-se, mas os espasmos continuavam e as lágrimas corriam livremente.

— É que sentem as coisas com mais intensidade que nós, não é verdade? —observou o terceiro dos homens.

— É bonita, não é? — disse o que a levava nos braços, baixando a cabeça para a de Topaz. — Não acontece nada, logo estará adormecida. Chora, chora e te desafogue, está bem?

— Sim, por que não lê uma história antes de dormir, idiota? É um vampiro.

— Isso não significa que não tenha sentimentos.

— Tire-a daqui de uma puta vez. Já.

O homem assentiu e a tirou do corredor.

— Ficará bem — disse a Topaz. — Prometo.

— Nunca. Nunca voltarei a estar bem — conseguiu dizer ela em um sussurro. Viu os olhos que o homem cravou nos seus. Azuis, compassivos inclusivé. E lhe nublou a vista.

Topaz se alegrou que o tranqüilizante fizesse efeito por fim e a deixasse inconsciente. Só desejava não voltar a despertar.

 

Jack ouviu a chamada de socorro da Topaz, mas era muito fraca, e depois nada, silêncio.

— Que direção temos que tomar para ir a esse lugar? — perguntou ao Reaper.

Este levantou a cabeça do mapa desdobrado no capô do carro, olhou ao Jack e esquadrinhou o horizonte e assinalou para o este.

— Por ali.

— Aí é onde ela está então.

Reaper levantou as sobrancelhas.

— Acabo de receber uma chamada de socorro, mas era muito fraca. Acredito que a drogaram. Temos que resgatá-la, Reaper. Sem perda de tempo.

Viram uns faróis de um veículo que avançava devagar pelo caminho de entrada, e em seguida apareceu a caminhonete de cor amarelo canário com os girassóis pintados nos flancos e as matrículas personalizadas com seu nome. Parou em seco e as três mulheres desceram, martelando suas armas segundo se aproximavam deles.

Jack pensou brevemente em Charlie Angel's1. Embora neste caso fosse mais apropriado dizer os Anjos dos Infernos. Uma mortal eternamente jovem que não queria ser um vampiro, embora já fosse mais vampiro que humana em muitos aspectos, com seu cabelo ruivo de cachos até a metade das costas que ricocheteavam à medida que andava. Um enigma loiro, alta e magra como um pau, com uma cara de duende que recordava uma supermodelo de cujo nome não se lembrava agora precisamente. E um demônio moreno, saído das vísceras do inferno. Briar, com seus olhos negros, seu cabelo negro e seu coração negro.

Parecia de saco cheio. Jack teria sorrido se não estivesse tão mortalmente assustado pelo que pudesse ter acontecido a Topaz.

— Alguma pista? — perguntou Briar.

— Uma. Nos sigam — respondeu Jack.

Briar assentiu e se mostrou vacilante antes de fazer a seguinte pergunta.

— Há alguma chave para o Mustang? Será melhor levar os três carros, por precaução.

— Seth tem outro jogo de chaves debaixo da esteira, atrás do assento do copiloto — lhe disse Reaper. — Esperemos que tenha deixado aberto — acrescentou enquanto Jack e ele se dirigiam ao Porsche.

Com um gesto de assentimento, Briar se aproximou do carro antigo modernizado.

— Irei sozinha — gritou a Roxy. — Você leva a caminhonete.

Chegaram a uma casa desmantelada que parecia estar abandonada. Via-se musgo de um verde intenso entre as telhas do telhado escuro. Os revestimentos exteriores de madeira sem pintar mostravam vários tons de cinza e quase negro em alguns pontos por efeito da intempérie. Haviam placas quebradas e vidros estilhaçados de quão velhos eram. Outros penduravam de qualquer forma. Tempos antes, as janelas estiveram protegidas por portinhas de cor verde que agora penduravam de uma dobradiça e lhes faltava a maior parte das fitas de seda. A pintura branca da porta de entrada estava descascada. A maçanetada porta, entretanto, parecia destoar com tudo aquilo. Estava resplandecente em vez de oxidada. [1]

         Jack desligou o motor, saiu e se aproximou do sujo edifício. Então sentiu algo que fez que lhe contraísse o estômago e o pânico estendesse nele. Percebia a morte.

Reaper tinha saído do carro também e estava a seu lado, aferrando o ombro de Jack com mão firme, porque ele também o tinha percebido.

 

— Tranquilo.

— Uma merda é que vou ficar tranqüilo — Jack saiu correndo para a porta e a abriu de uma patada. Lançou-se no interior olhando a um lado e outro, com o coração na garganta.

— Topaz!

Não houve resposta.

— Que demônios é este lugar? — resmungou alguém.

Jack reconheceu a voz de Briar vagamente. Tinha entrado com Roxy e Ilyana lhe pisando os calcanhares. Também se fixou em que o interior daquele lugar não se parecia com o exterior nem de longe. Estava limpo, em perfeito estado e imaculadamente branco.

Havia alguma peça de mobiliário também em bom estado. O local estava imaculado, mas percebeu que apenas se usava. E isso foi só o que deu tempo de assimilar antes de pôr-se a correr pelo corredor em direção à primeira porta que encontrou, abriu-a e entrou para dar uma olhada, enquanto elas faziam o mesmo com as demais portas. Revisou o interior com o coração na boca, apavorado ante a ideia de encontrar Topaz jogada no chão, morta.

Era outra sala imaculada. Havia várias macas cobertas com lençóis brancos e grades para pendurar destilações. Ele só viu uma bandeja de aço inoxidável com instrumental. E vários corpos.

— Topaz! — gritou Jack entrando de um salto, mas não a viu.

— Este está morto — resmungou Reaper do corredor.

Jack se virou e o viu inclinado sobre um vampiro macho em quem ele não havia reparado ao passar e a quem não tinha visto nunca. Virou-se outra vez e seu olhar caiu sobre outro corpo, esta vez muito familiar.

— Vixen! — Jack atravessou a sala à velocidade do raio e deu a volta brandamente ao corpo de Vixen. Inclinou-se sobre ela para perceber sua força vital, sua essência. Estava presente, mas era fraca. Muito fraca.

Ouviu então o gemido lamurioso de alguém vindo detrás de uma das macas, e Seth saiu arrastando-se pelo chão. Tentava falar sem conseguir e estava muito fraco para comunicar-se mentalmente, mas seus olhos diziam tudo ao olhar do rosto belo e quase inerte de Vixen, e depois ao Jack.

— Está viva — lhe assegurou este. — O que aconteceu aqui, Seth?

Reaper entrou a toda velocidade na sala e agarrou ao Seth por debaixo das axilas para ajudá-lo a ficar em pé. Ao fazê-lo reparou no dardo tranquilizante que levava o novato no braço, o arrancou e o elevou à luz para vê-lo melhor.

— Dispararam-lhes dardos tranquilizantes. Quem quer que seja que o fizesse, abusou da dose porque o pobre diabo do corredor está morto — olhou ao Jack. — Como está Vixen?

— Acredito que viverá — olhou ao Seth, sentado em cima da maca embora apenas pudesse sustentar-se pela ajuda de Reaper. Tinha a cabeça caída sobre o peito. — Onde está Topaz? — exigiu saber Jack enquanto se levantava com Vixen nos braços e a posava docemente sobre outra maca.

—Eles... A levaram.

— Eles quem? — Jack deixou Vixen na maca e se aproximou de Seth, reparando vagamente nas outras três membros do grupo que acabavam de entrar. Agarrou a Seth pelo peitilho da camiseta. — Quem a levou, Seth?

A cabeça do Seth balançou.

— Homens. Mortais.

— Reaper? — chamou Briar do extremo mais afastado da sala, perto da janela quebrada. Os dois homens se viraram para ela e a viram em pé com uma pequena vampiresa de aspecto estranho nos braços. — Está muito fraca.

A mulher tinha um corte no braço e corria o risco de sangrar-se.

—      Coloque-a aqui e tome conta dela — lhe disse Reaper bruscamente indicando a maca que tinha a seu lado para concentrar toda sua atenção de novo em Seth. O sacudiu um pouco para que melhorasse. — Seth, tem que nos dar mais informações. Quem demônios levou Topaz?

— E aonde? — exigiu Jack. — Quantos eram? Disseram algo, algo, que possa nos servir como pista?

A cabeça caiu outra vez para frente, colada ao peito. Jack o agarrou pelo cabelo e lhe levantou o rosto, comprovando que tornou a desmaiar.

— Jack...?

A voz era suave, calma, desconhecida. Jack se virou e viu que a jovem que Briar tinha encontrado ferida. Estava olhando-o. Roxy tentava segurar a pele que rodeava o corte do antebraço para evitar que se sangrasse.

Jack se aproximou.

—Eu sou Jack.

— Crisa — resmungou fracamente.

— Crisa? É seu nome?

Ela tentou assentir, mas até isso lhe custava um grande esforço, assim desistiu.

— Há um... Mensagem... — fechou os olhos.

— O que? Uma mensagem? Para mim? — Jack se inclinou sobre ela e a segurou pelos ombros. A mão gélida de Briar se fechou como um grilhão sobre sua nuca e o separou da garota com tanta força que esteve a ponto de fazer que perdesse o equilíbrio.

— Onde está Ilyana com o estojo de primeiro socorros? — espetou.

— Aqui — respondeu Ilyana, entrando na sala a toda pressa com o estojo de primeiros socorros nas mãos. — Estou aqui — se colocou junto a Roxy e começou a lhe passar o instrumental que esta ia pedindo. Fio e agulhas curvadas. Outra coisa não, mas Roxy era uma mulher preparada.

Jack avançou para a maca para tentar interrogar aquela estranha mulher outra vez, mas Briar o deteve lhe colocando uma mão no peito e em seu lugar se inclinou ela sobre a garota.

— me diga Crisa, se puder o que era o que tinha que dizer a Jack?

Crisa abriu fracamente os olhos, um pouco mais ao notar o primeiro dos pontos que Roxy estava dando, e até o Jack fez uma careta, consciente da dor que estaria sofrendo a pobre.

Crisa gemeu, apertou a mandíbula e moveu os lábios. Jack não conseguiu ouvir o que dizia nem sequer com seu sentido de vampiro mais aguçado. Mas Briar se inclinou sobre ela e colou o ouvido a sua boca.

Ao levantar-se tinha na mão uma parte de papel que tinha tirado do punho apertado da Crisa. Olhou ao Jack com uma mescla de asco e surpresa nos olhos.

 

— “Jack, agora temos algo que quer” — leu em voz alta. — O que se supõe que quer dizer?

Ele sabia exatamente o que queria dizer. Significava que era culpa dele que uma gente muito perigosa tivesse raptado Topaz. E provavelmente a sua mãe também. Significava que, a estas alturas, Topaz já saberia que ele tinha estado fazendo entendimentos com a CIA.

Significava que podia morrer. E tudo por sua culpa.

— Vamos ver se eu descubro. Se nos traiu. Jack, eu mesma te matarei — continuou Briar com voz calma e firme.

 

Topaz despertou de repente. Levantou a cabeça e seu corpo se esticou ao puxar as algemas com que lhe seguravam os braços atrás do respaldo da cadeira em que estava sentada. Sentia como se lhe tivessem deslocado os ombros.

Gemeu de dor, fechando brevemente os olhos para abri-los bruscamente de novo e tentar pesar a situação. Tinham-na raptado uns vampiros e depois um trio de mortais desejosos de morrer e vestidos com trajes baratos a tinham raptado por sua vez.

Encontrava-se no dormitório de uma suíte de hotel, a julgar pelo mobiliário e o mapa em caso de incêndio metido em um compartimento de plástico pego à porta. Haviam coberto com plástico negro as janelas. Havia duas camas, uma delas ocupada por alguém que parecia inconsciente. Quem quer que fosse, estava coberto e envolto em sombras, pelo que não podia lhe ver o rosto. Percebeu essência vampírica, mas estava tão drogada, tão profundamente inconsciente que apenas sentia sua força vital. Havia uma televisão, um escritório e um telefone perto. Através da entrada para a zona de estar da suíte viu um pequeno sofá e uns pés embainhados em um par de sapatos negros resplandecentes que descansavam sobre o tabuleiro de cristal da mesa de centro. Ouviu o crepitar das páginas de uma revista ao ser folheada. Cheirava a sangue humano.

Logo o saborearia também.

— Não lhe ensinaram na academia que um vampiro pode partir algemas como se fossem palitos de dentes? — gritou-lhe.

Os pés da mesa se moveram, posaram-se no chão e um homem apareceu diante dela. Era um dos três que os tinham atacado e drogado, e logo a tinham raptado. O homem entrou no dormitório e a olhou. Seu rosto parecia esculpido em granito: era duro e cinza, escurecido pela incipiente barba. Não parecia que a levasse assim de propósito, o que sugeria que não tinha podido barbear-se em um tempo. Levava o cabelo cinza talhado a escova, realçado por reflexos chapeados. E tinha olheiras.

— No momento não pode — lhe respondeu ele. — O efeito do dardo tranquilizante demora um tempo para passar.

Topaz lhe lançou um olhar que deveria havê-lo torrado como a uma alface no deserto e a seguir se concentrou para lançar uma chamada de socorro, mas não ao Jack. Não voltaria a chamá-lo. Nem verbal nem mentalmente. Nem tampouco com seu coração. Tinha-a traído, tinha traído a todos.

“Reaper. Raptaram-me uns tipos que acredito que são da CIA. Estou em uma suíte de hotel com outro vampiro”.

Não obteve resposta. Sentia que sua voz mental ficava amortecida, como se estivesse dentro de uma cova.

“Reaper!”.

— Sei o que está fazendo.

— Importa-me uma merda o que sabe ou deixa de saber.

O homem se encolheu de ombros.

— Esbanja sua energia. Em primeiro lugar, continua sob os efeitos do tranquilizante, mas embora não o estivesse, tomamos... Precauções.

Ela entrecerrou os olhos.

— Como as que tomava Gregor, que fazia que fosse impossível a comunicação mental fora dos muros de sua fortaleza?

— De quem acredita que o aprendeu?

— Sabe que vai morrer por isso, não sabe?

Ele se encolheu de ombros enquanto avançava uns passos mais, pegava uma cadeira e, depois de lhe dar a volta, sentava-se escarranchado diante dela.

— Onde está Reaper? —perguntou.

— Aqui estamos outra vez. Onde deixaste o cubo de brasas e o atiçador, hein? Onde estão suas afiadas facas?

O homem franziu o cenho e a observou atentamente um momento. Finalmente, elevou as sobrancelhas.

— Acredita que vou te torturar?

— Gregor o fez. Como acredita que sei se não?

O homem suspirou, sacudindo a cabeça ao mesmo tempo.

— Gregor está descontrolado. Teremos que nos ocupar dele. O que fez não estava autorizado.

— E o que me diz de Jack? Estava “permitido” tudo o que ele fez?

— Jack deixou de ser um activo para tornar-se um passivo, temo.

— Que demônios significa isso?

O homem captou seu olhar e negou com a cabeça.

— Nada que tenha que saber agora. Só tem que saber que não vamos lhe fazer mal. Só nos interessa Reaper. E agora que as temos, confiamos que Jack nos entregue ele.

—Têm a mim e... A quem mais? À novata meio louca? O que o faz pensar que Jack se incomodaria em cruzar a rua para nos salvar a alguma das duas?

— Ele fará.

— Segue sonhando, Columbo2.

O homem não disse nada. Somente a observou.

— Onde estão meus amigos? Aos que drogaram nessa clínica infernal?

— Suponho que continuarão ali, a menos que Reaper e Jack os tenham encontrado. Em cujo caso, Jack saberá já que lhe temos, e teremos suas notícias dentro de pouco — olhou a hora. — Ou não. Está a ponto de amanhecer. Bom, talvez esta noite.

Levantou-se da cadeira e ficou ali em pé.

— Certo que não quer me dizer onde está Reaper? Aceleraria muito as coisas. As duas poderiam sair daqui muito antes.

— Eu não tenho nenhuma pressa, amigo. É você que fica sem tempo, não eu.

O homem se encolheu de ombros. *

— Se você o diz — deu a volta para ir-se, mas quando já chegava à porta, virou-se novamente e olhou para o vampiro que estava na cama. — Por certo, essa não é a novata meio louca. A ela também deixamos na clínica.

Topaz franziu o cenho.

— Então quem é?

— Me agradecerá logo — disse. — Afinal de contas, está á muito tempo esperando — saiu do quarto e fechou a porta quase por completo, deixou uma abertura mínima para poder vigiá-la.

Topaz sentiu que lhe apertava o peito enquanto observava o corpo oculto sob as mantas em cima da cama. Começou a mover-se com cadeira e tudo, arrastando-a a pequenos saltos pelo carpete, em direção a um lado da cama e daí para a cabeceira. Viu que seu seqüestrador colocava a cabeça pelo oco da porta para olhar e, que ao final, encolheu-se de ombros e se foi.

De repente se encontrou diante do rosto de mulher mais formoso que tinha visto em sua vida e, engasgando-se com as lágrimas, sussurrou:

—Mãe?

Não obteve resposta.

Topaz permaneceu junto à cama um bom tempo, olhando à mulher inconsciente. Não havia dúvida de que era o rosto de uma das atrizes do cinema mais queridas de todos os tempos. O rosto que tinha adornado pôsteres e revistas de todo o mundo. O rosto de Mirabella Dufrane. Mirabella para a maioria. Como o Elvis era Elvis , ou Cher era Cher ou Madonna...

Para ela, entretanto, era algo mais. Para ela era mãe.

A mandíbula esculpida com delicadeza, as maçãs do rosto altas e acentuadas, a pele branca como o leite. Agora parecia mais porcelana que bronze como quando estava viva. E estava ainda mais formosa. Usava o cabelo cor visom recolhido para trás por uma fita elástica de cor branca que não conseguia evitar que as suaves ondas emoldurassem o rosto, realçado por reflexos de cor mogno. Tudo natural. Ela nunca tinha tido que tingir. Parecia mais um elaborado coque feito de laços de cetim que cabelo de verdade.

Topaz ficou olhando-a e seu corpo se encheu de emoções. Estava tão emocionada que não podia nem pensar nem mover-se, só podia chorar, as lágrimas que estava á tanto tempo aguentando. E por fim começaram a cair muito devagar, inseguras, vacilantes. Rodaram por suas bochechas lhe queimando a pele.

— Mãe — sussurrou de novo.

Mirabella a tinha abandonado antes que tivesse idade suficiente para ter pronunciado sua primeira palavra “mãe”, de modo que para Topaz a glamurosa estrela cujas fotos se amontoavam em sua memória e cujos filmes enchiam uma estante de sua mansão, sempre tinha sido “mãe”.

Mas ao olhá-la agora lhe era difícil referir-se a ela com tanta formalidade. Não parecia ter mais idade que ela mesma. Pode ser que fosse mais jovem inclusive. Os vampiros não envelheciam uma vez transformados. Topaz tentou contar os anos, mas a parte lógica de sua mente não funcionava. Mirabella tinha vinte e sete anos quando a assassinaram, só que não a tinham assassinado, mas sim tinha cruzado ao outro lado, tinham dado o presente da escuridão. Mas quem o tinha feito e por quê?

Topaz tinha vinte e cinco quando ocorreu sua transformação, e já tinha se passado uma década. Assim, sim, tecnicamente sua mãe era mais velha, dois anos mais velha segundo os cálculos humanos. E apesar de estar a dez anos não morta, era um fato surreal. Era algo que a fazia perder pé porque contradizia com a realidade que tinha conhecido quase toda sua vida.

Embora o conceito de conhecer não existisse na verdade. Só existia o conceito de acreditar; convencer-te de um fato só porque acredita cegamente nisso. Ver depois a prova que o contradizia era como presenciar o impossível. Mas tampouco existia o impossível. Só existia a crença.

Durante muitos anos tinha acreditado que sua mãe estava morta, mas agora a tinha diante de si, não morta e bem, embora drogada no momento.

As emoções aumentaram em seu interior e puxou as algemas até que a cadeia partiu-se em dois. Levantou-se então da cadeira e se aproximou da cama. Lutando para conter as lágrimas, Topaz levantou uma mão tremente e a aproximou da bochecha de sua mãe, sem chegar a tocá-la. Não se atrevia a acariciar a pele daquela bela adormecida. Quase não podia suportar ter diante de si a prova de que não era uma ilusão, e sim um ser real.

Então o fez. Baixou a mão. Tinha a mandíbula e a coluna vertebral tensas como se fossem partir. Roçou com as gemas dos dedos a suave e fresca pele de sua mãe, e lhe tirou uma mecha ondulada que parecia cetim puro.

Seus olhos pareceram mover-se ligeiramente sob as pálpebras, seus músculos se tencionaram e a seguir se relaxaram, e, finalmente, as pestanas tremeram várias vezes.

Topaz tomou ar e tirou a mão bruscamente. Reclinou-se no respaldo sem tirar a vista do rosto da mulher enquanto abria os olhos muito, muito devagar. Pestanejou várias vezes como tentando enfocar a vista com muito esforço. Levou uma elegante e tremente mão à têmpora. Suas sobrancelhas se juntaram e voltou a fechar os olhos.

— Já tive este sonho antes.

— Os vampiros não sonham — sussurrou Topaz.

— Não é certo. Eu sonho. Só no breve momento que precede ao amanhecer, antes de cair profundamente dormida durante o dia, ou justo quando acordo ao chegar o crepúsculo, mas eu sonho.

— Comigo? — perguntou Topaz.

— Com quem mais?

Topaz suspirou.

— Por acaso sabe quem sou?

A mulher abriu os olhos novamente. Observou Topaz atentamente, começando a dar-se conta de que aquilo talvez não fosse um sonho.

— Sempre soube. Venho velando por ti toda sua vida, Tanya.

— Então saberá o infeliz e desgraçada que fui. O pouco amor que recebi.

Mirabella pôs as palmas das mãos no colchão e se impulsionou para sentar-se.

— Sei. Sinto muito.

— Eu precisava de você. Abandonou-me — Topaz se afastou da cama e ficou a passear pela habitação, incapaz de olhar para sua mãe quando fizesse a pergunta principal, pergunta cuja resposta estava a anos esperando. — por quê?

— Não tive opção, minha filha. Eu juro.

Topaz não se virou para olhá-la quando voltou a perguntar com voz calma e fria:

— Por quê?

Mirabella suspirou. Topaz ouvia os movimentos que fazia seu corpo contra o colchão ao tentar levantar-se. Aproximou-se dela por trás e lhe pôs uma mão no ombro.

— Tinha uma aventura com um homem casado.

— Wayne Duncan? — perguntou Topaz.

— Sim. Sua mulher... Lucia... Tentou me matar. O certo é que matou para todos os efeitos. Teria sido impossível sobreviver às feridas que me infligiu aquela noite.

— E mesmo assim não morreu? — perguntou Topaz.

— Não, não morri. Tinha uma amiga, uma vampiresa. Chama-se Sarafina. É um antepassado nosso. Algo assim como uma tia. Estava ali quando ocorreu e conseguiu me levar ao hospital antes que morresse.

Topaz não disse nada.

— É o que ocorreu — insistiu sua mãe. — Por que tenho a impressão de que não me acredita?

— Porque tenho sua carta. E porque falei com sua representante, Rebecca Murphy. Tinha planejado. Rebecca acreditou que se suicidou. Tem certeza de que contratou a um atirador para que te matasse. Mas a carta que me deixou é toda a prova que preciso. Planejou. Fingiu sua morte e deixou a sua filha como se não a tivesse tido.

Mirabella suspirou, baixou a cabeça e se afastou. E isso foi o que deu forças a Topaz para virar e enfrentar-se de novo a ela, embora a encontrasse de costas. Então Mirabella se virou e os olhos de ambas se encontraram.

— É certo. Sarafina e eu o planejamos, mas antes que pudéssemos levar a cabo nosso plano, aquela raposa me disparou. E então foi muito tarde.

— E eu fiquei sozinha. Poderia ter me atirado às águas infestadas de tubarões e ter deixado que me afogasse, nadasse ou fosse devorada, mãe. Teria sido o mesmo.

— Minha intenção era te deixar as coisas solucionadas. Minha intenção não era deixar que crescesse nas mãos de um homem egoísta que só lhe interessava o dinheiro...

— Então por que não o fez você? — gritou Topaz, sem se importar que pudesse ouvi-la o homem da outra sala. Sua voz se tornou áspera, e as lágrimas se pegaram a garganta. — Por que me deixou sozinha? Podia ter me levado contigo! Tinha que ter alguma forma!

— OH, tesouro...

Mirabella se aproximou dela e levantou a mão para lhe tocar o rosto, mas Topaz se afastou com brutalidade antes que pudesse fazê-lo.

— Não me toque. Não se faça da mãe preocupada agora depois do que fez.

Mirabella ficou imóvel e pestanejou várias vezes seguidas, como se ela também estivesse a ponto de chorar.

— Se transformou numa pessoa dura, Tanya. Fria.

—Por sua culpa. Deixou-me sem saber quem era meu pai. Deixou que fossem os tribunais quem se encarregasse de decidir quem seria a pessoa mais adequada para me criar. Deixou-me aos cuidados de um homem que não queria outra coisa além de meu dinheiro.

— Sei, sei tesouro.

— Não me queria o suficiente para ficar, ele não me queria absolutamente, e depois me apaixonei por um homem que acreditei que me amava. De verdade acreditava, mas resultou que também me usou.

— Jack — sussurrou sua mãe. — Sei. Sinto muito.

Topaz elevou rapidamente a cabeça.

— Como sabe seu nome?

— Eu lhe disse, estive velando por você. E sei o muito que te machucou, e o sinto.

Topaz sentiu como se lhe rompesse o coração no peito ao ouvir seu nome.

— O mais estúpido de tudo é que eu permiti. Quero dizer que só o fato de que se negasse a me dizer que me amava deveria ter me colocado de sobre aviso. Mas não. Eu segui pendurada nele, tentei me convencer de que me amava, e quando voltou por mais, voltei a tragar tudo.

— E por uma boa razão — disse sua mãe.

— Não. Resulta que esteve me usando outra vez. Trabalhando para esses idiotas da CIA, planejando lhes entregar um de meus melhores amigos, e tudo por dinheiro. Ao menos não se trata de meu dinheiro desta vez, mas não fui mais que um meio para conseguir um propósito para ele. O tempo todo.

Sua mãe guardou silêncio. Parecia estar imersa em seus pensamentos.

— O que foi? — perguntou Topaz.

— É que... Não acredito. Vi ele, de longe, claro, mas vi. Vi como te olha.

— Sim, bom, é o melhor actor desde o Olivier. Mas acredite isso é tudo. Uma interpretação. Deus, ele tem a culpa de que agora estejamos nas mãos destes idiotas.

Sua mãe franziu o cenho e lançou um rápido olhar para a porta quase fechada.

— Onde estamos exatamente?

— Do que se recorda? — perguntou Topaz.

Mirabella apertou a cabeça com uma mão. Era perfeita. Suave, sedosa. Unhas de manicura, embora tivesse a pintura lascada.

— Não muito. Estava em minha casa quando ouvi algo, e me aproximei da janela para olhar. E então romperam o vidro e me cravaram algo no estômago. Acreditei que tinham me disparado.

— Um dardo tranquilizante — supôs Topaz.

— Sim. Olhei para baixo e vi aquela coisa se sobressaindo. Havia sangue ao redor, estendendo-se por meu vestido — se olhou enquanto o dizia.

Usava um vestido veraneio atado ao pescoço, comprido até o chão, de cor branca com um desenho de grandes círculos verdes de reminiscências sementeiras. Tinha colocado aquela faixa branca para segurar o cabelo e sapatos também brancos que a faziam muito alta, e mesmo assim andava sem cambalear.

Mirabella tocou a mancha de sangue que adornava seu vestido na frente, confirmando assim o que recordava. Então levantou a vista e procurou os olhos de Topaz de novo.

— Acredito que desmaiei. Não lembro nada mais até que abri os olhos a um momento e te vi junto à cama, pensando que era um sonho. Tanya, o que ocorre?

Topaz suspirou. Queria lhe dizer e lhe perguntar muitas coisas, mas, sobre tudo, queria que a estrela a convencesse de que de verdade queria a sua filha. Que de verdade não tinha tido mais remédio que deixá-la para trás. Queria que a convencesse. Mas não ia convencê-la de nada. Sua mãe não era mais que a primeira em uma grande lista de pessoas que supostamente a queriam; a primeira em uma grande lista de pessoas que tinham posto seus interesses a frente dos dela, abandonando-a quando mais precisava.

Sua mãe tinha marcado as pautas que tinha seguido toda sua vida. E queria odiá-la por isso, mas odiava a si mesma por não poder fazê-lo.

Decidiu deixar as coisas como estavam no momento. Sua mãe tinha razão. Deviam concentrar-se em sua situação e pesar as opções que tinham.

— Travei uma boa amizade com um vampiro chamado Reaper.

Sua mãe assentiu.

— Sei. No início me preocupei, mas...

— Sabe também do Reaper? — interrompeu-a Topaz, olhando-a com o cenho franzido.

— Já lhe disse isso, carinho, segui com detalhe sua vida. Sempre, sempre, Tanya.

— Agora sou Topaz.

— Para mim é Tanya e sempre o será.

Topaz soprou com ceticismo, mas continuou com sua história.

— Reaper trabalhava para a CIA. Fizeram-lhe algo. Lavaram-lhe o cérebro. E agora podem controlar suas ações por meio de duas palavras de controle.

— Controlá-lo? Com respeito a que?

Topaz tomou fôlego e decidiu lhe contar a verdade. A final de contas, a vida de Mirabella estava em jogo agora. Merecia saber por que. Bom, talvez “merecer” fosse uma palavra muito forte. Provavelmente o que merecesse era ser esquartejada por abandonar um bebê aos lobos como fez, mas pelo menos sim tinha direito de saber.

— Reaper trabalhava como assassino para a CIA. Agora faz o mesmo para os não mortos, apagando do mapa aos renegados quando é necessário. A CIA quer recuperá-lo. Com a primeira das palavras de controle se torna uma besta enlouquecida e violenta que destruirá tudo o que encontre em seu caminho, e não se deterá até que se pronuncie a segunda palavra. Mas não sabemos qual é essa palavra.

Sua mãe escutava com os olhos como pratos.

— A CIA quer voltar ao tê-lo sob seu controle. Um vampiro capanga, alguém a quem podem controlar é um ativo muito valioso para não querer recuperá-lo — Topaz procurou o olhar de sua mãe. — Planejam nos usar para consegui-lo.

— Jack o entregará para te salvar a vida — intuiu sua mãe.

— Jack nem sequer cruzaria a rua para me salvar a vida — Topaz se perguntou por que lhe soavam tão falsas essas palavras. E a verdade é que eram certas. — Mas Reaper sim. Ele se entregará para nos salvar — colocou uma mão no braço de sua mãe. — Não podemos deixar que isso aconteça.

Sua mãe a olhou nos olhos. As emoções que giravam neles eram tão intensas que Topaz não era capaz de interpretar seus sentimentos.

— Então não o faremos — disse. — Mas vamos ter que cooperar para sair desta, Tanya. Vamos ter que confiar a uma na outra.

Topaz a olhou fixamente e pensou que confiar na mulher que a havia abandonado ia ser difícil. Mas tentaria.

 

Briar o golpeou.

Jack não esperava o golpe e não estava preparado para isso, por isso não o viu chegar. Mas o sentiu. Briar lhe atirou um gancho na mandíbula que lhe lançou a cabeça para trás, levantou-o do chão e o mandou de costas contra a parede. Doía uma barbaridade, mas ainda maior foi a surpresa.

Incorporou-se lentamente, sacudindo a cabeça para afastar as estrelinhas que via e levantou a vista para lhe perguntar a que se devia aquilo, mas as palavras morreram em seus lábios quando viu com que afinco brigava para escapar de Reaper, que a segurava rodeando-a pela cintura firmemente por trás.

— Me solte Inferno! — gritava.

Reaper permanecia em seu lugar sem mostrar intenção alguma de ceder.

— Não sabe a história completa.

— Sei tudo o que tenho que saber. Esse bastardo esteve informando sobre nós aos federais o tempo todo.

— Informando sobre mim, Briar. E embora avalie que se zangue assim por mim, apesar de não entendê-lo, não é necessário. Prometo-lhe isso.

Ela se acalmou um pouco.

— É uma merda por ti. Não esqueça que eu estava contigo. Esquivando a esses polis, vendo-os aparecer sem nos dar tempo quase a descansar. Por ti? Uma merda. Eu não faço as coisas por ninguém além de mim.

— Em todo momento soube o que Jack estava fazendo — disse Reaper.

Briar ficou em silêncio e deixou de lutar. Reaper afrouxou o aperto e ela se voltou para olhá-lo, abrindo os olhos como pratos. Jack se levantou do chão lentamente, sentindo que agora estava a salvo. Atrás dele chegavam Seth e Vixen, mostrando-se tão estupefatos como Briar ante a revelação de Reaper.

— No início pensei que Jack estava me colocando em perigo ao informar aos agentes sobre meu paradeiro em troca de dinheiro. Depois me dei conta de que estava dando informação, sim, mas sempre com certo atraso. Desta forma, os agentes chegavam um dia depois ao lugar no qual tinha estado o que me dava margem a escapar — olhou Briar. — Nos dava, quero dizer — corrigiu. — E depois soube que não o estava fazendo por dinheiro, mas em troca de informação para encontrar à mãe de Topaz. O que ocorreu de verdade era um segredo bem guardado.

— Acreditava que tinham descoberto sozinhos — disse Vixen. — Quando Topaz recebeu essa carta que lhe tinha deixado sua mãe e a comparou com a que lhe havia escrito a vampiresa que a criou.

Roxy tirou a Crisa da maca.

— Discutam entre vocês. Eu vou levar a esta pequena à caminhonete. Temos que pô-la a salvo e alimentá-la ou não viverá — a tirou da habitação enquanto Ilyana corria a lhe abrir a porta.

Jack se endireitou, sacudindo o fundilho das calças.

— Infelizmente — disse, — esses agentes se dão tão bem no jogo como eu. Inclusivé melhor. Deram-me uma informação quase tão inútil como a que eu estava proporcionando a eles. Até que chegamos aqui pelo menos. Quando souberam que tínhamos descoberto sozinhos a verdade sobre o ocorrido a Mirabella, ameaçaram-me machuca-la a menos que drogasse ao Reaper e o entregasse.

Reaper assentiu.

— E me contou isso tudo — disse aos outros. — Jack não tem feito nada em minhas costas. Bom, no início, mas nem sequer então pretendeu me fazer mal.

— Infelizmente, fossem boas ou más suas intenções — espetou Seth, — esses tipos têm agora a Topaz e a Mirabella.

— E que demônios fazemos agora? — perguntou Briar.

Seth suspirou profundamente, esforçando-se ainda por recuperar-se completamente dos efeitos da droga.

— Que nos tenham escondido informação é o que nos pôs nesta situação. Percebem, não? — seu olhar de aborrecimento ia e vinha de Jack ao Reaper. — Só o que podemos fazer agora é descobrir onde as têm entrar no esconderijo, lhes chutar o traseiro e as resgatar.

— Não funcionará. Sabem proteger uma casa e bloquear a comunicação mental, igual fazia Gregor — Jack estava em pé com a cabeça encurvada, o estômago feito um molho de nervos. Pensar que Topaz pudesse estar em perigo... O medo que pudesse estar sentindo nesse momento, do que aqueles agentes pudessem lhe haver dito. Era certo que estaria pensando o mesmo que Briar.

Maldita seja, teria que lhe ter contado a verdade.

— Então que demônios sugere que façamos? — bramou Seth.

Um familiar “owwwwuugaaa” lhes chegou de fora. Era a buzina da Shirley.

— Sugiro — disse Jack, — que vão todos cuidar da Crisa e me deixem solucionar o problema que causei.

— Não é seu problema, Jack — disse Reaper olhando-o nos olhos. — É a mim que procuram. Sou eu quem deixou que vocês se unissem a mim, lhes pondo a todos em perigo.

— E sou eu quem escolheu tratar com o diabo para conseguir o que queria - disse Jack.

Reaper suspirou.

— Vamos aos carros. Retornaremos às cabanas, ocuparemo-nos da Crisa e trataremos de procurar uma solução para este desastre.

Conforme voltavam a caminho da porta de entrada, Jack observou o telefone móvel que havia no chão junto à porta, suspeitosamente a plena vista. Algo lhe dizia que não estava ali por acidente, assim o guardou, perguntando-se quando e como ia pagar as conseqüências de seus actos.

 

Crisa era exatamente o que faltava aquela equipe de inadaptados, pensou Briar enquanto abria a porta trilho da caminhonete e subia. Havia algo nela que não era normal. Mas não se tratava de uma raridade como a de Vixen que a fazia diferente dos outros. O que ocorria a Crisa era mental.

Crisa jazia deitada no assento traseiro, com os olhos fechados, tremendo visivelmente. Ilyana, a loira fraca e inalcansavel, ia ajoelhada no chão, lhe segurando as mãos, as Palmas para baixo, a cada lado da ferida que tinha no braço, com a cabeça encurvada e os olhos fechados. Roxy ia ao volante.

Briar comprovou a situação com uma rápida olhada e se sentou no assento central para o lado, com um braço apoiado no respaldo e os olhos fixos na pequena, embora suas palavras fossem dirigidas à loira.

— Conseguiu parar o sangramento?

Sem levantar a vista, Ilyana respondeu:

— Entre o costurado, a bruxaria de Roxy e minha técnica curativa do Reiki contemos o pior, mas perdeu sangue.

— Não sobreviverá se não beber — disse Roxy. — E não estou tão segura de que essa merda de sangue mortal das bolsas de plástico tenha a potência suficiente para salvá-la.

Briar olhou para frente à imagem que lhe proporcionava o reflexo dos olhos de Roxy no retrovisor, e Roxy a olhou, embora fosse impossível que pudesse vê-la porque Briar não se refletia nos espelhos.

Mesmo assim, o olhar de Roxy lhe disse exatamente o que estava sugerindo.

Briar olhou pelas janelas da caminhonete e viu que Seth e Vixen haviam arrancado e seguiam ao Jack e ao Reaper no Carreira. Não deveria ter devolvido o Mustang ao Seth e ter aceitado retornar a caminhonete com as malditas mortais e a louca ferida. Mas agora era muito tarde. Tinham que apressar-se em chegar ao bu``ngalô: alguém poderia imaginar um lugar mais inverossímil como quartel geral para uma equipe de seres noturnos? Porque ninguém tinha garantias de que a garota fosse chegar com vida até lá.

Briar não tinha nenhuma dúvida de que a intuição do Roxy ia por aí.

Concentrou-se no Reaper quando a caminhonete passou dando pulos pelo caminho mal pavimentado.

“Roxy diz que a louca não sobreviverá se não beber sangue de vampiro, amigo. Será melhor que paremos na borda e troquemos de carro”.

A resposta do Reaper foi rápida e firme.

“por que vou perder tempo quando você está aí com ela?”.

“Porque eu não penso fazê-lo”.

         Produziu-se um silêncio.

“Temos que chegar antes que amanheça. Vamos ter que ir a cento trinta todo o tempo para conseguir. Não podemos parar. Terá que fazê-lo”.

“É uma merda”.

Briar notou a frustração de Reaper.

“Pois então morrerá. Você decide, Briar”.

Briar ficou olhando à ferida. E esta abriu os olhos e encontrou com os dela. Custava-lhe enfocar e olhava como atordoada, embora Briar suspeitasse que seu olhar não fosse muito diferente em plena forma.

— Está Rei-Rei em algum dos outros carros? — perguntou Crisa com aquele tom infantil que a punha tão nervosa.

— Refere-te ao tipo fraco que estava contigo nessa clínica infernal?

Crisa assentiu os olhos lhe começaram a fechar e de novo os abriu.

— Não sei por que tenho tanto frio. Eu nunca tenho frio.

— Nunca tem frio porque é um vampiro — lhe disse Briar. — Não o sentimos como os mortais. Não lhe explicou isso seu querido Rei-Rei?

Ela negou com a cabeça.

— Então por que o sinto agora?

— Porque está morrendo.

Ilyana afogou uma exclamação de horror e lançou a Briar um olhar de recriminação. Esta a ignorou levantou-se, colocou-se na parte traseira da caminhonete e deu uma cotovelada em Ilyana.

— Me deixe um pouco de espaço?

A Ilyana não precisava pedir duas vezes. Briar continuava aterrando-a. E fazia bem, pensou Briar, porque não hesitaria em comer-lhe.

Briar se ajoelhou no chão junto à Crisa.

— Seu amigo Rei-Rei está morto. Se preferir ir com ele, entenderei. Estive a ponto de suicidar-me várias vezes e desde já te digo que só lamento não tê-lo feito. A vida é uma merda, pelo que me diz respeito, e o mais provável é que acabe suicidando-se um dia ou outro. O teria feito já, imagino, se não fosse porque tenho curiosidade por ver como termina tudo isto. Assim se quer morrer, lhe deixarei que o faça. Darei-te minhas bênçãos. Mas se não quiser, também posso te ajudar a que recupere as forças. Dá-me exatamente o mesmo. Você decide. O que fazemos?

As lágrimas que foram acumulando nos olhos da pobre garota desde a primeira frase da pequena maldade que lhe tinha largado Briar começaram a rolar por suas bochechas até chegar à malha do assento.

— Rei-Rei está morto? — perguntou com voz áspera.

— Sim. Sinto muito, pequena. Má sorte.

— Per... Mas se for um V... Vampiro.

— Os vampiros podem morrer. Imagino que tampouco te explicou isso, não? Sim, podemos morrer. Como acontecerá com você dentro de um par de minutos.

— Cuidava de mim — disse a garota enquanto um tremendo arrepio a percorria por completo. Ou talvez fosse um espasmo. “Um desses estertores da morte de que ouviu falar”, pensou Briar. Crisa se estremeceu por completo uma vez mais e depois, nada, seu corpo ficou mole, lhe fecharam os olhos.

Por um segundo, Briar pensou que tinha morrido.

Mas então a garota entreabriu aqueles olhos de louca que tinha e disse:

— Sou muito jovem para morrer.

— Temia que dissesse isso — respondeu Briar, sacudindo a cabeça enquanto levantava a manga. Pressionou o diminuto gatilho de seu anel que fez sair a pequena navalha oculta em seu centro, fez-se um corte no punho esquerdo e o levou aos lábios de Crisa. — Bebe então.

 

Jack respondeu à chamada do celular ao primeiro toque, apesar de ir conduzindo. Havia- dito ao Reaper que o tinha encontrado na sala e os dois estavam esperando a chamada. Não disse «Diga»; não se identificou. Só disse:

— Se lhe fizer mal, morrerá. Basta que lhe levante a voz, morrerá. Muito devagar.

— Está bem — disse o homem ao outro lado da linha. — Então posso afirmar sem medo de errar que se equivoca ao acreditar que não... Como o disse? Ah, sim, “lhe incomodaria em cruzar a rua para lhe salvar a vida”.

— Por que teria que pensar algo assim?

— Provavelmente lhe ocorreu quando soube que estiveste trabalhando para nós.

— Cretino.

— Vamos, Jack, não é nosso assunto arrumar sua vida amorosa. Se ocupe você só quando voltar. Já terá tempo de preocupar-se de seus problemas com a sogra, como todos nós.

Jack olhou ao Reaper, retirou o telefone da orelha o tempo suficiente para pôr o alto-falante e o deixou entre os dois assentos. Estava quase certo de que Reaper poderia ter ouvido a conversa de qualquer modo, mas o fez como um gesto amistoso. Queria que Reaper soubesse que lhe havia dito a verdade.

— Tem-me entre a espada e a parede. Magnarelli. Só me diga como quer fazer isto.

— Direi exatamente como quero fazê-lo. E assim o fará. Nada de mudanças. Nada de improvisar. Nada de entendimentos. Toma ou deixa, Jack. Ou aceita todas as condições, ou morrem as duas. De acordo?

— Depende do que diga.

— Quero Rivera. Quero que me entregue a plena luz do dia.

—E como demônios pretende que o faça sem que nos torremos ao sol?

— Lhe dê um tranquilizante antes que amanheça. Coloca-o em uma bolsa das que se usa para envolver cadáveres. Deixei-lhe em um lugar estratégico. Essas bolsas protegem do sol.

— Como saberei?

— Fizeram provas com elas.

Jack sentiu um calafrio.

— Com quantas bolsas provaram até a certa?

— Dezesseis. E sim, usamos sujeitos vivos. Algum problema, Jack?

Jack não se incomodou em responder. Tinha-lhe revolto o estômago. Olhou a Reaper e viu uma reação similar. Fúria selvagem.

— Então o drogo, meto-o em uma bolsa e...

— E o deixa onde lhe digamos. Encontrei um bonito lugar no deserto. Justo quando estiver saindo o sol, para me assegurar de que não se fugirá nem tratará de fazer nada, onde não possam tender uma emboscada. Recolherei-o ali. Suas mulheres lhe estarão esperando no mesmo lugar, dentro de umas bolsas similares. Deixa-o e recolhe-as. Quando seu amigo Reaper desperte, estará já nas mãos da CIA.

— Pensou em todos os detalhes, não é?

— Eu gosto de pensar que sou eficaz. Assim é como tem que fazer a entrega. Naturalmente, não há tempo esta noite para recolher a bolsa, drogar a Rivera e deixá-lo no deserto, e demorará uma hora para chegar. O sol sairá dentro de quinze minutos. Mas te asseguro: manterei a suas mulheres sãs e salvas comigo enquanto dormem de dia completamente alheias e indefesas. Chamarei quando o sol se puser para te dizer onde te espera a bolsa e onde tem que deixar a Rivera. O que te parece?

         — Se as tocas enquanto dormirem despertarão Magnarelli. E ficarão tão furiosas que o que fizeram à mente de Reaper lhes parecerá um chilique infantil.

— É a primeira vez que ouço essa curiosidade sobre a vida dos vampiros. Seguro que não está inventando isso, Jack?

— Está tão certo de que invento isso? Vá em frente, se atreva. Se não tiver notícias tuas amanhã de noite, é que está morto. Reduzido a uma casca vazia e sem vida, apodrecendo em algum lugar. É o mínimo que merece.

Jack sentiu a quebra de onda de medo que emanava do outro homem. Não muito nem tampouco durante muito tempo. Mas o tinha percebido e tinha sido real. Jack encontrou com os olhos de Reaper e o viu assentir, aprovando silenciosamente a flagrante mentira.

— Chamarei quando o sol cair amanhã — disse o agente da CIA e acrescentou com uma voz que soou como uma chicotada: — Tenha o telefone perto — e desligou.

 

Topaz e sua mãe estavam sentadas, olhando-se uma à outra. Tinham revisado até o último canto do quarto, avaliado os homens do quarto contiguo e tinham decidido que podiam levá-los se as atacassem. Mas a verdade era que não tinham muito tempo. O sol estava a ponto de sair. Não teriam tempo de encontrar refúgio em outra parte, a salvo de outros agentes que pudessem chegar como reforço, e até no caso de que encontrassem, estariam tão perto de onde se encontravam nesse momento que as encontrariam antes do cantar do galo.

Assim dormiriam aos cuidados da CIA por essa noite, nem tanto porque confiassem que aqueles mentirosos fossem mantê-las a salvo, mas porque eram conscientes de que não tinham remédio a não ser ficar e arriscar-se.

Mas fugiriam assim que anoitecesse.

Tinham conversado o tempo todo mentalmente, sem que seus vigilantes soubessem.

E então um deles entrou. O dos olhos azuis que tinha tirado a Topaz nos braços depois que a sedaram.

— Hora de deitar-se. O sol sairá dentro de cinco minutos — disse.

— Sua preocupação é enternecedora — disse Mirabella.

— Vou destroçar sua jugular assim que anoiteça, sabe? — disse Topaz. — Acordo de muito mau humor.

O homem pestanejou várias vezes. Dos três, ele parecia o único que tinha algo similar a um coração dentro do peito. Os outros distavam de ser humano. Mas odiava aos três.

— Se alegrará em saber que Jack aceitou nossas condições. Só terão que passar conosco uma noite mais.

— Por que uma noite mais? Por que não fazer a mudança ao anoitecer, quando nos levantemos?

— Não estou autorizado a discutir o assunto com você. Acreditei que você gostaria de saber, isso é tudo. Precisam de algo antes que vos... Retirem? —perguntou olhando além de Topaz e esta soube que era porque não se atrevia a olhar no rosto.

— Seu coração em uma bandeja, com Ketchup — disse Topaz.

O homem a olhou.

— Estou sendo amável tanto quanto posso.

— Sim, eu adoro que os sequestradores tenham boas maneiras — disse.

O homem saiu do quarto de costas.

— Boa noite — e fechou as portas.

Topaz ouviu o ruído do fecho e gritou:

— Se acredita que esse fecho mortal bastará para nos manter aqui contra nossa vontade, meu amigo, está muito enganado. Quando quisermos ir, o faremos acredite...

“Pare já, Tanya!”.

O duro tom de sua mãe a surpreendeu. E lhe doeu, embora se dissesse que era uma estupidez.

“Não tem sentido revelar tudo o que podemos fazer. Se não sabem que podemos abrir esse fecho, por que dizer? Talvez quando despertarmos trocaram-no por um que não possamos forçar”.

“minha mãe, é um milagre que tenha podido sobreviver sem ti, não acha?”, espetou ela. “Esses caras são peritos em vampiros. Não estou dizendo nada que já não saibam. Mas avalio o conselho maternal”.

“O sarcasmo não é uma qualidade muito atrativa, Tanya”.

“Sou Topaz. E serei sarcástica o quanto me dê vontade. Acha que estive te procurando por todo o país só para que possa começar a exercer o papel de mãezinha? Economize isso Mirabella. Não me faz nenhuma falta”.

Sua mãe a olhou com o rosto triste. Foi para a cama que tinha ocupado anteriormente e desabou nela de costas para Topaz.

— Sinto muito. Sinto muito. Sei que não muda o que sente, mas é certo, e não deixarei de lhe repetir isso até que me acredite. Se tivesse acreditado que tinha outra opção, teria aceitado. Juro.

— Embora não tivesse opção quando... Ocorreu, mãe, embora não se visse capaz de criar a uma filha mortal, passaram muitos anos. Podia ter contactado comigo quando deixei de ser uma menina. E certamente também podia ter ficado comigo na noite de minha transformação. Pode inventar todas as desculpas que queira para o fato de que me abandonou quando era um bebê, mas não tem justificativa alguma que voltasse a fazê-lo na noite que voltei a nascer como vampiro.

Mirabella retirou para trás a colcha em silêncio e tirou o vestido que usava, deixando à vista as calcinhas de renda negra que usava. Então se deitou na cama.

Topaz tirou os jeans e o prendedor, mas ficou com a camiseta que usava, e subiu à outra cama.

O sol estava saindo. Topaz podia senti-lo, o peso, o sono que puxava dela, que era como uma morte na verdade.

— Tem razão — disse sua mãe afinal. — Não há justificativa possível. Dava-me vergonha. Dava-me medo enfrentar você. Dava-me medo enfrentar às recriminações que acaba de fazer. Não queria sentir sua raiva e menos ainda seu ódio. Mas sinto Topaz. Sinto muito.

“Nunca te odiei”, pensou Topaz enquanto o sono se apoderava dela. “E é Tanya”.

 

— Tenho uma ideia. O germe de uma idéia — disse Reaper enquanto Jack conduzia. Então se concentrou no que estava pensando e deixou aberta a mente para que Jack pudesse estar a par sem tirar a atenção da estrada.

Rhiannon. Ouve-me? Rhiannon. Sou eu, Reaper. É urgente”.

Passaram uns minutos, minutos aos quais Jack chegou a duvidar que Reaper fosse receber resposta.

— Onde está essa tal Rhiannon com quem tenta contatar? — perguntou.

— Nos Estados Unidos. Mas não sei onde exatamente.

Jack ficou olhando-o boquiaberto, embora fechasse a boca quando se percebeu que o estava fazendo.

— Não acredito que nenhuma mente, embora seja tão capitalista como a tua, tenha tanto alcance.

— Ela me converteu. E é um dos vampiros mais capitalistas que existem. Ouvirá.

E o fez como Jack pôde comprovar quando a vampiresa respondeu.

“Pelo amor dos deuses, querido, se quisesse que me incomodassem, teria te chamado. O que ocorre?”.

Reaper sorriu algo que Jack não lhe tinha visto fazer freqüentemente, pelo que o gesto lhe resultou surpreendente.

“Seu amigo Eric Marquand, o vampiro cientista...”.

“Sim, sim, o melhor amigo de meu querido Roland. O que acontece a ele?”.

“Ouvi o rumor de que faz uns anos criou uma fórmula que permitiria aos vampiros permanecer acordados pelo dia. É certo?”.

Jack ficou alerta, totalmente surpreso. Não só não tinha ouvido falar dessa fórmula, mas também notou a reação da vampiresa, e não foi boa precisamente.

“É certo, mas Roland quase me mata quando a provou. Põe-nos violentos, Reaper. Tem defeitos graves ainda”.

“É um risco que estou disposto a correr. Pode me conseguir um pouco e trazer-me antes que amanheça depois de amanhã?”

“Por quê? Para que precisa de algo tão imprevisível?”.

“Vidas em perigo. Não posso te dar mais detalhes agora, contarei quando nos virmos. Confia em mim quando digo que é um assunto vital. Pode fazê-lo por mim?”.

“Posso”.

“A tempo?”.

“Tenho jato particular”.

“Fará então?”.

Uma pausa e finalmente:

“Sim. Farei. diga-me onde está”.

 

Quando chegaram aos bungalôs, Reaper e Jack tinham um plano. Faltava-lhes fechar o detalhe de quem dos dois se meteria na bolsa, mas Jack estava convencido de que ganharia a discussão.

Não era um plano infalível. Iriam precisar da colaboração de todos os membros da equipe. Até as mortais. Mas podia funcionar.

Deus tinha que funcionar. Jack não tinha intenção de deixar que Topaz morresse acreditando que tinha tornado a jogar. Bastante duro era já saber o que pensaria dele nesse momento. Tinha que recuperá-la. Tinha que lhe contar a verdade. E então lhe ocorreu que também poderia morrer antes de poder fazê-lo. Era um plano arriscado como poucos. Suicida se pensassem no pior.

Posou uma mão no braço de Reaper quando entrou no atalho de entrada das cabanas da praia.

Reaper o olhou.

— Se me ocorresse algo... — começou Jack.

— Lhe Contarei a verdade — disse Reaper. — Como contei aos outros. Saberá que, esta vez, não a estava enganando, Jack. Tem minha palavra.

— Tem que saber algo mais — disse Jack. — Que eu... Que eu... — fechou a boca, incapaz de pronunciar as palavras que tanto trabalho lhe haviam dado sempre. — Só lhe diga que, esta vez, era de verdade.

— Inferno, Jack, e se dá conta agora? Roxy sabe desde o dia que te conheceu.

Jack lhe lançou um olhar de surpresa quando pisava no freio e desligava. Reaper se limitou a sorrir, e então saiu do carro uma vez que Seth e Vixen saíam do Mustang. Os quatro ficaram olhando oscilação da caminhonete de Roxy em seu avanço pelo atalho de entrada até que parou diante da primeira das cabanas.

Roxy abriu a porta do condutor, saiu e pestanejou várias vezes em direção ao sol.

— Está começando a clarear. Vamos, todos para dentro. Depressa.

A porta lateral da caminhonete se abriu e Briar saltou ao chão, levando a Crisa nos braços. Reaper correu a ajudá-la.

— Eu a levarei — disse estendendo os braços para a garota ferida.

Mas Crisa rodeou o pescoço de Briar com seus braços e enterrou o rosto contra seu pescoço.

Briar pôs os olhos em branco e o olhou.

— Genial. Agora acredita que sou sua mãe. Odeio-te por ter me obrigado a fazer isto, Reaper — disse, subindo os degraus da entrada do bungalô.

 

O jato particular aterrissou de um lado da fronteira; Reaper a esperava do outro lado. Antes de saber o que Rhiannon se dispunha a fazer, esta pôs em movimento seu poderoso corpo e correu para ele a uma velocidade impossível de captar pelo olho humano, embora estivesse olhando. A polícia fronteiriça estava mais ocupada em vigiar a entrada nos Estados Unidos que em evitar que abandonassem o país. Mas mesmo assim, ao Jack preocupava que o jato tivesse chamado atenção.

Muito tarde para pensar nisso. Somente ao deixar Rhiannon, o avião deu a volta pela extensão de deserto e decolou novamente.

Deixando à mulher ali.

— Rhiannon — começou a dizer, com uma nota de advertência. — Por que ordenou ao avião que parta sem você?

— OH, por favor — disse ela. — Não me venha com discussões que não servem de nada, Reaper. Estou aqui, sou sua criadora e fico. Assim fecha a boca e me conte o que está acontecendo.

Reaper lhe sustentou o olhar longo e duro, e ao final se rendeu com um suspiro.

— Está bem.

— Me alegro que seja sensato.

Reaper pensou em Briar. No momento em que Rhiannon conhecesse Briar. Em que Rhiannon odiaria a Briar. Em Rhiannon e Briar puxando-se os cabelos.

Séria melhor que o plano saísse conforme o planejado e tudo quão rápido fosse humanamente possível.

 

Topaz despertou rápido e por completo. Um momento estava perdida nas profundidades de seu sono de outra vida, e no seguinte tinha os olhos abertos e os sentidos limpos, alerta. Sentou-se na cama e farejou literalmente o ar em busca de sinais de que tivesse entrado alguém no quarto enquanto dormiam, mas não viu nenhum. E o mais importante, não percebeu nenhum. Sua cama estava exatamente igual a quando dormiu. A porta seguia fechada. Não percebia que a tivessem tocado enquanto descansava, e pensou que se alguém a tivesse tocado enquanto dormia, saberia.

Com um suspiro de alívio, relaxou-se e se virou para ver sua mãe que ia despertando mais devagar. Mirabella despertava como um gato, gradualmente, abrindo os olhos um pouco e voltando a fechá-los, como se estivesse muito a gosto dormindo para despertar por completo. Depois os abria de novo, um pouco mais, até que finalmente estirava os braços por cima dela, arqueava-se e levantava o queixo. Então ficou de lado e olhou Topaz com um resplandecente sorriso.

— bom dia.

— É noite.

— Pois... Boa noite — disse como o teria dito Bela Lugosi, com um acento ridiculamente empolado.

Topaz conteve a vontade de sorrir e manteve uma expressão séria.

— Não é momento de brincadeiras, mãe. Nossas vidas correm perigo.

— Que melhor momento para brincar então?

— Temos que sair daqui antes que Reaper se deixe matar para nos resgatar.

A expressão alegre de Mirabella se esfumou.

— Está certa de que não será Jack quem o faça?

Topaz afastou a vista.

— Acreditei nele uma vez, e ele me traiu e me rompeu o coração. Fui o bastante estúpida para lhe dar outra oportunidade, e voltou a fazê-lo. Não voltarei a confiar nele. De maneira nenhuma.

— Nem em mim, suponho — disse Mirabella calma — Pelo mesmo motivo. Abandonei-te não uma, mas duas vezes. E não importa o quanto tenha me arrependido depois, não é mesmo, Tanya?

Topaz não respondeu.

— É possível que Jack esteja arrependido também. É certo que está. Deve ter sentido algo por ti. É muito inteligente, perspicaz e receosa para se deixar enganar por completo, nem sequer por ele.

— Acreditava no que queria acreditar. Enganei a mim mesma mais do que ele poderia ter me enganado.

— Então é em você que não confia?

— Já não confio em ninguém. Nem mesmo em mim.

Mirabella assentiu devagar.

— Sabe? Inclusive no beisebol tem três tentativas.

— Isto é a vida real, não beisebol — disse Topaz, dando as costas para sua mãe e a suas palavras.

— E se estiver enganada? — perguntou Mirabella. — Disse que não confia em você mesma, que se enganou para acreditar o que queria acreditar, mas e se está errada em estar errada? E se está julgando, me julgando, segundo o que você acredita que nós sentimos, o que lhe temos feito sentir sem saber o que nós sentimos na verdade? Está nos julgando pelos enganos que cometemos no passado, sem parar para pensar que é possível que tenhamos mudado. Se nos desse uma oportunidade, Tanya, talvez descobrisse que estava enganada. Está tão convencida de que ninguém te amará nunca que não o veria embora tivesse diante de ti. Nem sequer vê que te amaram todo este tempo. Ao menos eu sim. E pode ser que Jack também.

Topaz continuava olhando para o outro lado. Tinha que fazê-lo porque tinha os olhos húmidos, e não queria que sua mãe visse.

— Por favor, não tente me dar esperanças. Isso só conduz à dor, sempre — disse com voz destemperada.

— Por que empregaste tanto tempo e esforço em me encontrar, Tanya? — perguntou sua mãe. — Só para reprovar meus atos, me mostrar sua raiva, desabafar um pouco e dar meia volta depois?

Topaz pestanejou várias vezes para secar as lágrimas antes de olhar a sua mãe.

— Sinceramente, não sei. Acredito que só queria te perguntar por que se foi.

—A primeira vez foi por necessidade. A segunda, por vergonha. E sinto, mas é a única resposta que tenho.

— Não é suficiente — Topaz caminhava acima e abaixo pela habitação. — Venha, vamos. Temos que sair daqui.

— Está bem — sua mãe se levantou da cama e vestiu o vestido branco e verde amarrado ao pescoço que usava na noite anterior. — Oxalá pudéssemos tomar uma ducha.

— Se ficarmos aqui muito tempo, é possível que voltem para nos drogar. Além disso, não confio muito em tomar uma ducha com esses três aí fora — disse Topaz enquanto colocava os sapatos.

Sua mãe se encolheu de ombros.

— Não poderiam fazer mais que olhar, e não vai acontecer nada por olharem.

— E tampouco nos acontecerá nada por avançar por cima da ducha. Venha.

Suspirando, Mirabella colocou os sapatos. Salto alto, ponteira aberta, brancos imaculados. Colocou-se ao lado de Topaz diante da porta.

— Primeiro comprovarei onde estão — disse Topaz. — Depois os atacamos de surpresa. Sem restrições. Movemo-nos muito depressa para que nos vejam chegar.

— É tão bom plano como qualquer outro — conveio sua mãe.

Permaneceram em silêncio, preparadas para atuar, cada uma a um lado da porta. Topaz pôs a mão na maçaneta, agarrou-a e ficou rígida ao receber uma corrente elétrica. A sensação foi como se a tivessem golpeado com uma bola de demolição no peito e foi jogada para trás. Golpeou-se com o pé de uma cama e ficou caída no chão, tremendo.

— Tanya! — gritou sua mãe indo a seu lado a toda velocidade. Ajoelhou-se junto a ela e tomou a cabeça entre as mãos, procurando algum sinal de machucado em seu rosto. Tinha os olhos abertos desmesuradamente pelo medo. — O que...?

A suas costas, atrás das portas fechadas, uma voz de homem disse bastante alto para que pudessem ouvi-lo:

— Lamento a corrente elétrica, senhoras. Se o tentarem com a janela, vos ocorrerá o mesmo.

Topaz olhou para a janela, e embora não pudesse enfocar bem a vista, sim pôde ver que o vidro estava rodeado por uma tela metálica por dentro. Teria estado assim desde o começo ou tinham feito a instalação enquanto elas dormiam?

— Temo que estejam confinadas em seu quarto esta noite — disse seu sequestrador. — Não podem sair, é inútil que se esforcem.

Ainda tremendo no chão, Topaz levantou um pouco a cabeça.

— Vou mata-los, juro — sussurrou. Seu corpo seguia vibrando por causa da descarga que tinha recebido. Sentia os músculos estirados até o limite e uma dor atroz. Mesmo assim, alegrava-se de ter sido ela quem tocasse a maçaneta em vez de sua mãe.

Para sua surpresa, sua mãe já não parecia preocupada nem assustada. Sua expressão transformou-se em pura fúria. Voltou a cabeça para a porta.

— Pagarão por esta jogada, cavalheiros. Pagarão caro, escutem bem o que digo.

— Relaxe — disse o homem como resposta. — Não vai morrer. E não voltem a tentar algo tão estúpido. Toquem o que toquem, obterão a mesma resposta. Toda a porta está eletrificada. Tenham paciência. Amanhã de noite estarão de novo com sua equipe. Com todos menos um, claro.

Topaz deixou escapar o fôlego contido.

— Não podemos deixar que levem o Reaper — conseguiu dizer a tropeções.

— Não estou muito certa de que possamos fazer alguma coisa para evitá-lo. Ao menos, de momento. Tem que recuperar primeiro as forças.

Topaz assentiu e se endireitou. Seu corpo foi relaxando-se pouco a pouco.

— Parece que temos toda a noite. Parece que acordaram o ponto e o momento do intercâmbio durante o dia, embora não sei como se vão engenhar.

Mirabella passou os braços por debaixo do corpo de sua filha e tomou-a nos braços, levou-a até a cama e a posou brandamente nela.

— Descansa. Recupera as forças. Nos ocuparemos deles quando estiver forte.

 

— É ridículo que continuemos discutindo isso — disse Jack.

— Estou de acordo — respondeu Reaper. — Assim deixa o assunto. Rhiannon me dê a injeção.

Estavam todos reunidos em um dos bungalôs. Fazia tempo que tinha caído a noite, e o pascácio do agente da CIA tinha ligado na hora prevista. Seth e Vixen tinham ido até um posto de gasolina abandonado a vinte e cinco quilômetros dali. A bolsa para cadáveres estava ali, tal como tinha dito. Havia uma nota com instruções.

Dariam ao Reaper um tranquilizante antes do amanhecer e o levariam ao ponto convencionado no deserto. Mais que instruções escritas, Magnarelli tinha deixado um GPS programado para guiá-los de onde recolheram a bolsa até o lugar em que tinham que depositá-la com o Reaper dentro. Tinha um temporizador que não arrancaria até duas horas antes do amanhecer. Jack imaginou que desconhecendo o lugar exato adiantado lhes dificultaria lhes preparar algum tipo de armadilha. Como se pudessem fazer algo de dia. Magnarelli tinha especificado a hora em que tinham que deixar o Reaper no deserto, prometendo que Topaz e Mirabella sofreriam as consequências se chegasse mesmo que fosse um minuto antes. Apenas daria tempo para fazer a troca pelas mulheres e retornar aos bungalôs antes de amanhecer, que era exatamente a intenção daquele cretino.

Rhiannon não se moveu do lugar, descansando como uma rainha em uma poltrona de vime com respaldo em forma de leque, as pernas cruzadas, uma delas a vista através da larga abertura de seu vestido apertado. Ela e outros membros da equipe estavam a uma boa hora escutando a discussão dos dois homens, e Rhiannon estava visivelmente farta.

Descruzou as pernas e se levantou devagar.

— Temo que tenha que dar a razão ao Jack, amigo meu — disse ao Reaper.

Ele a olhou como se lhe tivesse saído outra cabeça.

— A ti podem controlar — continuou. — Podem pronunciar a maldita palavra de controle e te poria a matar a torto e a direito, e sabe. Se a isso acrescentamos os efeitos da fórmula do Eric, pode ser um desastre. Poderia nos matar a todos, inclusive aos sequestrados. E que nós saibamos, pode ser essa a intenção desses chacais.

Seth não tinha deixado de caminhar de um lado para outro do alpendre, exasperado e sério. De repente parou e olhou ao Reaper.

— Por muito que deteste ir contra ti em algo, Reap, eu também estou de acordo com o Jack. Além disso, ele foi o causador deste desastre, assim é justo que ele o limpe. Teria que ser ele quem entre nessa bolsa e o recolham no deserto.

Os outros assentiram com a cabeça, inclusive Roxy, para surpresa de Jack. Quase sempre ficava de lado de Reaper. Mas parecia que, esta vez, todos estavam de acordo com ele. Todos menos Crisa, claro, que se limitava a revoar ao redor de Briar, sem dar sua opinião em um ou outro sentido.

— E o que acreditam que passará quando se derem conta de que não sou eu na bolsa? — quis saber Reaper. — O que acreditam que farão quando descobrirem que os enganamos?

— Querem você vivo — disse Briar. — Não abrirão a bolsa no meio do deserto a plena luz do dia. Estalaria em chamas. Terão que te levar a um lugar coberto antes de abri-la.

— E para então — acrescentou Roxy, — Ilyana e eu teremos a Topaz e a sua mãe longe deles. E já não poderão lhes fazer nada.

— Mas o que acontecerá com o Jack? — perguntou Vixen.

De todos, ela era a única que se parou para pensar nisso, pensou Jack. Além dele mesmo.

— Se esta droga que nos trouxe Rhiannon faz o que se supõe que tem que fazer... — começou a dizer Jack.

— Faz — o interrompeu ela.

— Então estarei perfeitamente consciente quando abrirem a bolsa para comprovar o conteúdo. E tenho a intenção de sair voando — se encolheu de ombros. — Matarei esses três bodes. O resto é simples. Procurarei um lugar em um refúgio escuro e me reunirei com vocês.

— Terão mais de três agentes — disse Reaper. — Você só viu três, Jack, mas não subestime esses tipos. Terão pedido reforços e terão os dardos preparados tranquilizantes. E terá que enfrentar a todos eles sozinho — sacudiu a cabeça. — Eu não gosto disto — caminhou de um lado a outro do alpendre. — Não. Não posso deixar que o faça Jack.

Jack foi atrás dele e ficou em frente a ele.

— Não se dá conta de que tenho que ser eu? — baixou a cabeça e procurou as palavras adequadas. — Sabem o que a tenho feito passar? Tem idéia da dor que causei no passado, do que ainda lhe estou causando, agora que acredita que voltei a enganá-la, que tornei a jogar com ela? Tem que ser eu, Reaper. Posso morrer no intento, mas ela terminará sabendo a verdade. Não poderá por em dúvida nunca mais. Não terá que passar o resto de sua vida acreditando que ninguém a tenha...

— Amado — sussurrou Roxy, quando Jack não pôde continuar. Baixou a cabeça e pestanejou várias vezes para controlar a umidade de seus olhos. Então olhou a Reaper. — Tem que deixar que vá, Raphael. Não se trata do perigo, nem de quem tem a culpa. Trata-se de amor. E o que importa o resto?

— Deus, acho que vou vomitar — murmurou Briar, lançando ao Jack um olhar acusador, como se a tivesse traído.

E talvez o tivesse feito em certo modo. Os dois tinham sido iguais em um momento: os dois marginalizados nesse grupo de íntimos amigos; os dois no lado equivocado da batalha; seguros os dois de que o amor não era mais que uma mentira, uma ilusão com a que se anestesiava às massas para que não vissem que a vida era uma merda.

Isso ele acreditava, mas já não.

— Está bem — concedeu Reaper ao final. — Está bem, faremos da sua maneira. Mas se lhe matam, Jack...

— Farei todo o possível para que não ocorra.

Reaper lhe aferrou o ombro com uma mão e depois se voltou para Rhiannon.

— É a hora, então?

A mulher consultou o relógio da parede e assentiu.

— Sim. Se lhe pusermos a injeção agora, os efeitos durarão todo o dia. A menos que o sedem.

— E o que ocorreria então? — perguntou Jack.

Rhiannon lhe sustentou o olhar.

— Não sabemos o efeito que produz em um vampiro a mescla da droga com os tranquilizantes. Não foi testado. De modo que não deixe que o sedem.

Jack pensou que isso era mais fácil de dizer que de fazer, e ela sabia.

Rhiannon abriu uma bolsinha negra que levava e tirou uma seringa de injeção e um vidro de cristal cheio de um líquido transparente. Colocou a agulha através do tampo de borracha do vidro e puxou o êmbolo. Deixou no vidro dois terços do conteúdo e o guardou na bolsinha junto com outras seringas de injeção em seus pacotes individuais de celofane, fechou-a e deixou-a na poltrona na qual tinha estado sentada.

Jack estremeceu um pouco e se perguntou o que lhe proporcionaria o dia seguinte. Mas quadrou os ombros e soube que mereceria a pena, acontecesse o que acontecesse. Aproximou-se de Rhiannon que tinha a seringa de injeção pronta, com a agulha para cima, enquanto lhe dava uns toquezinhos e pressionando o êmbolo provou a ver se saía líquido pela agulha.

Vixen correu para ele e lhe rodeou o pescoço com os braços. Jack ficou um pouco aflito ante o estalo emocional que aquele pequeno gesto lhe provocou, e devolveu o abraço.

—Sabia que era bom por dentro. Soube desde o primeiro momento.

—É muito inteligente então, porque eu não sabia — respondeu ele.

Seth se aproximou de Vixen e esta soltou o Jack.

— Boa sorte, Jack — disse lhe estreitando a mão.

— Obrigado.

— Tenho umas bolsas de gelo no congelador — disse Roxy. — As colocarei na bolsa contigo. Não sabemos quanto tempo vão deixa-lo aí dentro no meio do deserto antes de ir busca-lo. Pode ser que sirvam de ajuda.

— Obrigado, Roxy — Jack olhou para Briar a seguir. — E você o que? Não vai despedir-se com lágrimas nos olhos?

— Se lhe matarem, será só por sua culpa, idiota — lhe espetou. Então apertou os lábios em uma magra linha e suspirou. — Tente que não o façam.

Ilyana não disse nada, e Crisa observava tudo com os olhos como pratos. Jack não estava seguro de que compreendesse o que estava acontecendo.

Rhiannon, por sua parte, fingia que aquela demonstração de sentimentos não a comovia, mas Jack acreditou ver a emoção em seus olhos.

— Por comovedor que seja tudo isto — disse, — se não nos apressamos, não chegaremos à entrevista a tempo. E será melhor que não cheguemos nem um minuto tarde ou não voltaremos com vida. Deram-nos uma margem mínima para retornar antes que amanheça.

Jack assentiu e a olhou com o braço estendido.

— Faz.

Rhiannon lhe cravou a agulha no braço.

 

— Melhor?

Topaz voltou a si pouco a pouco e se encontrou com que alguém lhe punha um copo nos lábios. Bebeu com avidez e tratou de incorporar-se enquanto sua mãe deixava o copo a um lado.

— Desmaiei?

— Sim.

— E esses bárbaros me subministraram alimento?

Sua mãe deixou o copo vazio a um lado e sacudiu a cabeça.

— Não. Fui eu — levantou um braço para lhe mostrar a tira de tecido que envolvia o antebraço. — Estava muito fraca para tomar sozinha, assim que te dei de beber com um copo. Como se sente?

Topaz avaliou a situação. Já começava a notar a energia que voava por suas veias, a força curativa e rejuvenescedora do sangue de outro vampiro.

— Sinto-me mais forte. Quanto tempo estive inconsciente?

— Quase toda a noite. Mas ainda há tempo. E tenho um plano.

— Que plano é esse?

— Singelo e direto ao ponto. Atravessarei a porta e eliminarei aos três tipos. Simples.

— Não é tão simples — disse Topaz. — Receberá uma descarga e estará tão débil que não terá forças para escapar.

— Tenho a sensação de que você poderá com os três.

— Então tem mais confiança em minhas habilidades para a luta que eu.

— Pode fazê-lo — disse Mirabella. — E quando o fizer me tirará daqui e colocará em um refúgio seguro antes que amanheça.

— Poderia morrer mãe.

Mirabella negou com a cabeça.

— Falta uma hora para que saia o sol. Sobreviveu à descarga da maçaneta. Acredito que eu poderei sobreviver também a um contacto muito mais breve.

Topaz assentiu, porque o que dizia sua mãe tinha sentido.

— Continuo sem gostar da idéia, mas acredito que não temos outra opção — Se levantou, estirou a roupa e olhou a sua mãe. — Tomou uma ducha, não é mesmo?

— Não tinha outra coisa para fazer. Está preparada?

— Será melhor que sim. Não podemos esperar muito mais e confio que conseguiremos — Topaz se aproximou da porta e inclinou a cabeça. — Não os sinto. Mas ouço a televisão.

— Provavelmente tenham controlado a comunicação mental entre habitações para que não saibamos de suas idas e vindas — observou Mirabella.

— Sim. É provável — Topaz se posicionou a um lado da porta, agachada, preparada para saltar sobre qualquer mortal que tivesse do outro lado. Sua mãe retrocedeu até a parede mais afastada para tomar impulso, deteve-se para reunir energia e se lançou para frente.

Quando topou com a porta já tinha boa velocidade, embora não o máximo que lhe permitia seu corpo, porque não tinha tido espaço suficiente. Seu corpo golpeou a porta, que se abriu com um grande estrépito. Mirabella atravessou o vão e caiu no chão do outro lado, enquanto Topaz saía correndo atrás dela e evitava-a de um salto, preparada para saltar ao pescoço do primeiro mortal que visse.

Só que ali não havia ninguém.

Topaz se levantou com o cenho franzido, em posição de ataque, e esquadrinhou a estadia com todos seus sentidos alerta. Mas não havia ninguém. Comprovou o banheiro, os armários. Nada, ninguém.

Virou-se e localizou a sua mãe, tremente no chão igual a ela umas horas antes.

— Foram-se — lhe disse enquanto se ajoelhava junto a ela. — Estamos sozinhas.

Sofrendo umas dores horríveis, Mirabella a olhou e disse:

— Foram fazer o intercâmbio.

— Mas não vão fazer intercâmbio algum se nos deixaram aqui.

— Não, é certo — conveio Mirabella. — É um truque. Uma armadilha. Seus amigos correm perigo, Topaz.

Topaz se levantou e foi olhar pela mira da porta. Franziu os lábios e suspirou antes de voltar com sua mãe.

— Deixaram agentes vigiando na porta.

— Não ouviram o ruído?

Topaz se encolheu de ombros.

— Talvez o tenha camuflado o ruído da televisão.

— Quantos são? — perguntou Mirabella com voz débil, embora tentasse não perder a concentração.

— Quatro que eu tenha visto, mas poderiam ser mais. Não percebo nada fora desta habitação.

— A janela desta habitação também está eletrificada?

Topaz se aproximou e olhou. Só se via vidro.

— Não parece — olhou para baixo. — Mas está muito alto para saltar, inclusive para nós. São pelo menos vinte e três ou vinte e quatro andares. E não parece que possamos descer pela parede.

— Pois vamos ter que tentá-lo.

— Está muito fraca, mamãe. Posso te dar sangue...

— Não seja ridícula. É só o que te mantém com força. Uma das duas tem que estar forte, tesouro. E temo que tenha que ser você. Abre a janela.

— Nem sequer sei se se abre — Topaz o comprovou e encontrou o puxador. Tirou a tela de proteção e a deixou no chão. Viu que sua mãe se levantou e se aproximava dela com dificuldade. A saia aberta até o meio da coxa para ter mais liberdade de movimento.

— Da a volta, carinho — disse Mirabella. — Terá que pegar nos braços.

— Não sei se poderemos fazê-lo.

— O que de pior pode acontecer?

Topaz se estremeceu só de pensá-lo. Mas deu a volta. Mirabella lhe rodeou o pescoço com os braços e a cintura com as pernas. Topaz subiu ao batente, se pendurou do bordo e procurou com a vista o bordo da janela inferior. E se soltou. Despencaram, mas conseguiu que suas mãos roçassem em todo momento a parede, e quando sentiu a borda de outra janela se segurou com todas as suas forças. Conseguiu segurar-se. Seu corpo pendurava perigosamente, estava aterrorizada, mas exultante.

— Conseguimos! Funcionou — sorriu com tristeza. — Podemos fazê-lo. Iremos deixando cair de janela em janela até que estejamos o bastante perto do chão para saltar. Se agarre bem. Lá vamos.

Soltou-se do bordo da janela e se deixou cair, mas, esta vez, não pôde agarrar-se ao bordo da seguinte janela porque, ao tocá-lo, o cimento se desmoronou entre os dedos e seguiram caindo como chumbo sobre o chão.

 

Meteram-se todos na caminhonete, segundo o plano. O objetivo de Jack era assegurar que Topaz saísse viva daquele atoleiro. Sua própria segurança não o importava tanto, embora desse dez anos de sua vida de não morto para tê-la uma noite mais em seus braços.

Não sabia por que demônios tinha demorado tanto tempo para dar-se conta de que seus sentimentos por ela eram reais e não só parte de um jogo de enganos no qual era um professor. Reconfortava-lhe saber que Reaper lhe contaria a verdade caso ocorresse o pior. Embora preferisse fazê-lo pessoalmente. E não só dizer-lhe, demonstrar-lhe, convencê-la, amá-la até que não voltasse a duvidar de seus sentimentos nunca mais.

O pior era que talvez não tivesse oportunidade de fazê-lo nunca. Os tipos de traje se chateariam muito quando se dessem conta de que tinham jogado.

 

Roxy deteve a caminhonete em uma área de serviço abandonada no deserto e se virou em seu assento.

— É aqui. O GPS diz que o ponto de entrega está a um quilômetro e meio na direção leste, para o interior do deserto.

Jack tomou ar.

— Certo, pega a bolsa e vamos.

Agarrou o atirador da porta lateral e começou a abrir, mas Reaper o deteve lhe pondo uma mão no braço.

— Poderiam estar te vigiando. Supõe-se que vou drogado e dentro da bolsa daqui. Não queremos revelar o estratagema antes de tempo, não podemos fazê-lo antes de ter Topaz e a sua mãe.

Jack suspirou e soltou o atirador.

— E pensa me carregar até o lugar em questão?

— A mim não podem ver. Seth, Rhiannon, vocês o levarão. Serão necessários os dois para poder trazer as mulheres de volta. E tal e como foi organizado isto, há pouco tempo para fazer a troca e chegar em casa antes que amanheça assim terão que se apressar.

Distava muito de ser um plano perfeito, mas tinham tomado precauções. Jack passou a bolsa ao Seth.

— Sinto muito, guri.

— Valerá a pena se funcionar — Seth abriu a porta lateral e tirou a bolsa, desdobrou no chão e abriu fecho.

Jack se sentou no chão da caminhonete com as costas para a porta. Seth o agarrou por debaixo dos braços e o arrastou ao exterior enquanto Jack deixava cair a cabeça para frente, fingindo estar inconsciente. Deixou que Seth fizesse todo o trabalho, que o levantasse, que colocasse seu corpo na bolsa aberta e fechar o fecho por completo. Fez com cuidado, fechando-a até o máximo para se assegurar de que não ficassem frestas pelas que pudesse filtrar o sol.

Malditos covardes dava-lhes medo enfrenta-lo de noite, pensou Jack. Se sentia frustrado e furioso. Seu corpo se rebelava contra o fato de estar convexo de uma maneira que nunca tinha estado. Devia ser algum efeito da droga.

Sentiu que Seth o levantava, com bolsa e tudo, o jogava ao ombro e se dirigia com ele ao deserto a encontrar-se com seu destino.

Um pouco depois, Seth o deixava no chão. Jack escutou a conversa a seu redor e teve que esforçar-se muito para permanecer perfeitamente quieto enquanto todo seu corpo lutava por mover-se, por atuar, por lutar.

— Onde estão? — perguntou Rhiannon. — Não vejo nenhuma outra bolsa para cadáveres esperando, conforme o prometido.

Jack se esticou, esperando, desejando rasgar a bolsa e sair para procurar Topaz ele mesmo.

— Há uma nota — disse Seth. — Aí, cravada nesse cacto.

Jack ouviu o rangido do papel que se rasgou um pouco antes que Seth o lesse em voz alta.

— “Encontrará a suas mulheres cinco quilômetros mais a frente, em direção leste. Que o sol não lhes torre”.

— Malditos sejam — resmungou Rhiannon. — Se estiverem por aqui escutando, será melhor que deixem todos seus assuntos em ordem e logo!

“Sinto muito, amigo, mas temos que correr”, disse Seth ao Jack mentalmente.

“Vá. Recolham-nas e levem de volta sãs e salvas. É só o que importa”.

 

Reaper esperou que o sol estivesse a ponto de sair. Tinha tomado suas próprias precauções, precauções das quais os outros não estavam a par. Tinha guardado a bolsinha preta de Rhiannon em um bolso quando ninguém olhava e tinha a seringa de injeção preparada. Não tinha intenção de passar o dia dormindo enquanto as vidas de seus amigos perigavam.

— Demoram mais que o previsto — disse Roxy. Estavam todos junto à caminhonete, exceto Ilyana, que estava no assento dianteiro, e Reaper. Este estava atrás, olhando pela janela para o céu cada vez mais claro.

— Roxy — disse, — abre o compartimento oculto. Temos que nos proteger. Não podemos esperar mais e está claro que não nos dará tempo de chegar aos bungalôs antes que amanheça.

Roxy colocou a mão na caminhonete e apertou um botão. O assento traseiro da caminhonete deslizou, deixando à vista um compartimento acolchoado. Briar rodeou o veículo e abriu as portas traseiras.

— Certo — disse Reaper do assento dianteiro. — Briar, Crisa, Vixen e você, entrem.

— E os outros? — disse Vixen. — Não há lugar para os outros — disse com preocupação enquanto obedecia as ordens do Reaper e entrava no compartimento, apertando-se contra a parede o máximo possível.

— Podemos nos apertar. Não poderemos deitar, mas cabemos.

— Mas o sol...

— Mostra Roxy.

Roxy apertou outro botão e do chão do veículo começou a subir um biombo negro que separava os assentos traseiros do resto da caminhonete. Ao mesmo tempo, umas telas se elevaram da borda das janelas cobrindo os vidros. Então saiu da caminhonete, rodeou-a e se uniu aos outros.

— Vê? — disse com um sorriso. — Assim que fechemos as portas, a caminhonete será um lugar totalmente seguro. Todos cabemos aí dentro — olhou ao céu com preocupação e acrescentou: — Se se apressarem em voltar, é claro.

— Deixa as portas traseiras abertas, Roxy — disse Reaper. E mentalmente chamou seus amigos para avisá-los: “Seth, Rhiannon. Onde demônios estão? O sol está a ponto de sair!”.

“Deixaram às mulheres em outro ponto mais afastado, Reap”, respondeu Seth. “tivemos que ir busca-las, e corremos tudo o que pudemos rapaz, mas...”.

“Estão bem?”, interrompeu Reaper.

“Drogadas, acredito. Não tivemos tempo de comprová-lo. Recolhemo-las e começamos a correr. Não sei se vamos chegar Reap”.

“Claro que vamos chegar”, interveio Rhiannon. “Tenha um refúgio preparado para quando chegarmos”.

“Entrem na caminhonete. As portas traseiras estão abertas, lhes esperando. E se apressem maldita seja”.

“Muito obrigado pelas pressas, meu amigo”, o tom de Rhiannon destilava sarcasmo. “E eu que acreditava que podia ir dando um passeio”.

— O sol — disse Roxy, assinalando-o. Reaper viu despontar os raios laranja sobre o horizonte.

— Briar, Crisa, entrem — ordenou. — Não há tempo.

Briar subiu no veículo, mas Crisa retrocedeu.

— Tenho medo!

— Não acontece nada. Estarei a seu lado. Prometo, não vai acontecer nada. Falaremos até que durma. Venha, Crisa, confia em mim.

Reaper pestanejou várias vezes sem poder acreditar o que acabava de ver. Briar falava com a garota com um tom quente e reconfortante que nunca lhe tinha ouvido empregar. Supôs que seria falso, que só o fazia para tranqüilizar Crisa para que obedecesse e não acabassem todos mortos. Claro que Briar tinha compartilhado seu sangue com a pequena vampiresa. Talvez o vínculo que se criou entre elas tivesse derretido um pouco o coração de gelo de Briar.

Fingiu afastar-se por seu estado de preocupação, mas o que precisava era um momento de intimidade. Tirou a agulha do bolso e se injetou a droga, depois baixou a manga e atirou a agulha entre uns arbustos antes de voltar para a caminhonete.

Crisa tomou a mão de Briar e entrou no compartimento, mas ficou sentada.

— Isso é — disse Briar. — E agora deita.

Roxy se dirigiu ao assento do condutor justo quando Briar dizia:

— Pode fechar Roxy.

Roxy apertou o botão e o chão se deslizou brandamente por cima das três mulheres. Ouviu o choramingar da Crisa e também ouviu a voz de Briar, suave e tenra, tentando tranquilizá-la.

— Venha, entra. Cole aos assentos dianteiros o máximo que possa. Eu esperarei aqui e fecharei assim que os outros estejam dentro — disse Roxy voltando para junto de Reaper.

— Nem um minuto antes, Roxy — disse. — Se queimarem, eu me queimarei com eles. Entendido?

Sustentou-lhe o olhar.

— E se isso acontecesse — continuou, — recorda que Topaz e Mirabella deveriam estar seguras posto que estejam nas bolsas. Suas vidas dependerão de ti e de Ilyana.

— Entendido — disse ela.

Reaper entrou na caminhonete, mas não se retirou das portas.

— Maldita seja — exclamou Roxy, olhando para o céu. — O sol está despontando...

— Mais depressa, maldita seja! — estalou a voz do Rhiannon no ar.

Rhiannon apareceu no momento, descarregando a pesada bolsa que levava no ombro na caminhonete. Reaper a agarrou e atirou dela todo o possível antes de aferrar a mão de Rhiannon. Mas esta se virou e pôs-se a correr na outra direção.

Reaper saltou da caminhonete e a seguiu. Seth apareceu à vista correndo o mais depressa que podia, mas ele não era tão rápido nem tão forte como Rhiannon ou Reaper. Rhiannon lhe tirou a bolsa do ombro quando começava a queimar-se o cabelo. Reaper o agarrou e correu para a caminhonete carregando-o, notando as bolhas que começavam a formar-se na sua pele.

Por fim estavam confortavelmente protegidos na escuridão da caminhonete.

Roxy fechou as portas traseiras. Reaper tratou de não deixar-se vencer pela dor que lhe tinham provocado os débeis raios do amanhecer e desejou que o descanso diurno aliviasse a ardência e o curasse, mas o sono não chegaria. Para ele não.

Olhou o Seth que ia adormecendo apoiado contra a parede da caminhonete com os joelhos dobrados no peito. Rhiannon se sentou junto ao Reaper e se apoiou em seu ombro, com o corpo relaxado e os olhos fechados. Mas Reaper permanecia acordado, mais e mais a cada momento que passava.

Enquanto Roxy punha a caminhonete em movimento, ele tirou brandamente Rhiannon de seu ombro e a apoiou contra a porta fechada. Depois ficou de joelhos junto às bolsas de cadáveres estendidas no chão. Queria assegurar-se de que as mulheres estavam bem. Abriu a primeira bolsa. Dentro havia um homem morto. Um mortal, não um vampiro. Com uma bala na testa. Tinha a pele azulada e fria ao tacto. Amaldiçoando entre dentes, Reaper puxou o fecho da segunda bolsa e encontrou com o mesmo. Outro homem morto.

— Roxy! — bramou.

Ilyana soltou um grito de alarme quando a caminhonete virou bruscamente. Então Roxy saiu da estrada e pisou no freio.

— O que acontece, Reaper? — gritou ela do assento dianteiro. — Que demônios faz... Como... Tomou a droga de Rhiannon você também, não é mesmo?

— É obvio — respondeu Rhiannon, fazendo que Reaper desse um coice ao ouvir sua voz. — Igual a mim.

Reaper ficou olhando-a, estupefato. Tinha fingido que dormia!

—Rhiannon, por que há...?

— Porque te conheço muito, muito bem, Reaper. E não pensava deixar que enfrentasse a isto sozinho.

Reaper sacudiu a cabeça muito devagar, processando a nova situação.

— Roxy — disse, — há cadáveres dentro das bolsas. Humanos. Homens. Parece que os executaram. Um só disparo na cabeça. A CIA não cumpriu sua parte do trato.

— Por que será que não me surpreende? — perguntou Roxy. — E que demônios vamos fazer agora?

— Que me crucifiquem se sei — disse Reaper.

— Bom, eu sei — Rhiannon fechou os fechos das duas bolsas enquanto falava. Provavelmente não gostasse de ver os dois mortos que havia dentro, pensou Reaper. — Dá a volta. Voltamos para deserto. Busca um lugar onde não lhe vejam facilmente — disse Rhiannon. — Ficaremos aí, esperando a que esses bodes venham recolher a bolsa que lhes deixamos. Depois os seguiremos ao lugar onde têm Topaz e a sua mãe.

— Se não for muito tarde já — interveio Reaper, enquanto Roxy dava a volta.

— Não é — respondeu Rhiannon. — O sol está levantando. São muito covardes para arriscar-se a enfrentar-se a ti antes que amanheça no caso de não estar sedado. Uma vez que se faz de dia, que eles saibam, não há modo de que reviva e dê-lhes o que merecem. Assim não irão recolher-te até que amanheça. E a eles lhes levará mais tempo percorrer a distância que a nós. Seguro que seguem aí — deu uns golpezinhos no biombo que separava as duas partes da caminhonete. — Segue-os assim que se vão. Mas com cuidado.

— Certo digo que o farei — prometeu Roxy.

 

Uma ambulância parou na porta do hospital justo antes que amanhecesse, e os enfermeiros tiraram dois feridos em macas.

— É uma pena — disse um dos enfermeiros, falando em espanhol com seu companheiro. — Apesar de ter o rosto esmagado, vê-se que eram muito bonitas, e muito jovens. Parecem irmãs. Por que quereriam atirar-se pela janela a uma morte certa?

— Vai saber — disse seu companheiro. — Oxalá tivéssemos podido fazer... Não sei algo.

— Você viu. Estavam esmagadas — disse o primeiro. — E estavam frias.

— Não entendo. A testemunha disse que só tinham passado alguns minutos entre a queda e nossa chegada.

— É traumático para as testemunhas. A gente se confunde. Venha, as levemos para dentro. O turno terminou faz dez minutos.

— Sim.

Colocaram as macas no edifício e subiram no elevador que os levaria para o andar de baixo, ao depósito de cadáveres.

 

Jack conseguiu manter-se quieto, embora lhe custasse horrores manter a calma. Estava subindo pelas paredes e a ânsia por passar à ação era muito intensa para ignorar, assim que se limitou a tentar reunir paciência para quando chegasse o momento adequado.

Sentia o calor do sol, e se perguntava se Seth e Rhiannon já teriam encontrado Topaz, se lhes teria dado tempo de chegar à caminhonete a tempo. Rezou para que sim. Se algo ocorresse a Topaz, se a perdesse agora. Deus acreditava que não poderia suportar. Então lhe ocorreu que assim deve ter se sentido ela quando a abandonou. Porque o amava. Deus, tinha-o amado como não o tinha amado nem amaria nunca a ninguém. Tinha-lhe dado sua alma e seu coração, e lhe tinha pago abandonando-a. Deve ter sentido como ele se sentia nesse momento: tendo que enfrentar a perda da pessoa que amava com a segurança de que não poderia suportar.

Como podia ter lhe feito tanto mal? A mulher que menos merecia de todas as que tinha conhecido em sua vida.

Quando o calor do sol já fazia com que estar ali dentro fosse realmente insuportável, percebeu movimento e ouviu passos seguidos de um chiado estranho. E depois vozes. Reconheceu o bode do Magnarelli.

— Não se distraiam. Agarramo-lo e saimos.

— Como podemos estar certos de que é Rivera quem está dentro? — perguntou um segundo agente dos outros dois cuja presença Jack tinha percebido. Raramente, ou nunca, tinha-os ouvido falar. — Como podemos saber que não nos enganaram igual...?

— Não importa. Se for ele, estupendo. Se não, seguimos tendo um elemento de vantagem sobre ele. De momento, faremos o que viemos fazer — se produziu uma pausa. — Aí está.

Segundos mais tarde, Jack sentiu que o levantavam do chão entre dois homens e pouco depois o depositavam sobre uma superfície dura. Caiu com um golpe surdo e mordeu-se o lábio para não grunhir de dor.

— Não sei por que não pudemos alugar um par de SUV’s ou algo assim. Temos um quilômetro e meio até a estrada e faz um calor infernal — disse o terceiro agente.

— Porque o ruído teria delatado nossa presença mais facilmente, pode ser que tivesse despertado curiosidade — respondeu Magnarelli, sugerindo a seu ajudante com seu tom que era um idiota por sugeri-lo sequer. — De verdade quer ter que explicar a um montão de federais mexicanos o que fazem três agentes da CIA arrastando um corpo pelo deserto?

O agente número três suspirou.

— Suponho que tem razão.

— Claro que tenho razão. Queremos a Rivera do outro lado da fronteira sem montar escândalo, nem causar um incidente internacional.

— Faz um calor infernal — disse o agente ajudante número um novamente.

— Estamos no deserto. Supõe-se que faz calor. E será só um quilômetro e meio. Assim que deixa de choramingar e colabora um pouco.

Jack tentou relaxar enquanto avançavam lentamente dentro de algo que parecia um carrinho de mão com duas rodas rangendo atrás, perto de sua cabeça. Os três homens se alternavam para puxar o carrinho, sem deixar de dar saltos pelo terreno irregular. Quase sorriu ao pensar em quão difícil devia ser para os mortais arrastar o carrinho de mão pela areia. Confiava em que fizesse calor e lhes estivesse resultando tão pesado e incômodo como a ele, porque tinha a sensação de que o estivessem assando em seu suco, face às bolsas de gelo de Roxy. Ardia em desejos de romper a bolsa de couro e atacar aos três. Mas então não saberia nunca que havia acontecido com Topaz. De repente, as palavras de um dos três homens ressonaram nos ouvidos do Jack a todo volume: “Como podemos saber que não nos enganaram igual...?”.

---Igual o que? Mutreta? O mesmo truque? Que demônios teria querido dizer aquele tipo?

Jack tratou de reconstruir a conversa. O agente mais jovem havia perguntado se Reaper estaria de verdade na bolsa, se os vampiros lhes teriam enganado igual... Algo. Ao Jack não soava bem aquilo. Teriam aqueles bodes a Topaz e a sua mãe ainda em suas brutais mãos? Teriam lhes dado o cambalacho pondo outras pessoas nas bolsas onde se supunha que deviam estar elas? E poderia lhes salvar ele sozinho em caso de ser assim?

O passeio pelo deserto chegou a seu fim. Notou que o terreno mudava e agora avançavam por chão liso. Ouviu que abriam as portas de um carro e o atiravam no interior sem contemplações. O som do porta-malas ao fechar-se era inconfundível.

— Ponha o ar condicionado no máximo — disse um dos agentes.

As portas do carro se fecharam e ficaram novamente em marcha.

 

— Têm que ser eles — disse Roxy, detendo a caminhonete. — É um Lincoln negro.

— São eles. Que não lhe vejam Roxy — disse Reaper.

— Não sou idiota, não sabe? — Roxy aguardou um momento, sem mover-se, sem dizer uma palavra e de repente: — Sim, são eles. Têm ao Jack. Estão colocando-o no porta-malas. Maldita seja!

— O que? — quis saber Reaper.

— Atiraram-no no porta-malas como se fosse um saco de ração. Isso deve doer.

— Jack é duro. Suportará.

— Eu não gostaria de ser um deles quando sair da bolsa — disse Roxy. — Acredito que conseguiram lhe encher o saco mais do que já estava, se isso fosse possível — fez uma pausa e continuou. — Deveria falar com ele, Reaper. Diga-lhe que o estamos seguindo.

— Não — respondeu ele imediatamente. — Iria querer saber o que aconteceu com Topaz, e eu não gostaria de ter que lhe mentir. Notaria-o. E se souber do ocorrido, não esperará que abram a bolsa.

— Sob os efeitos da droga, a deixará em migalhas — interveio Rhiannon.

— Não. Matariam-no se o tentasse — disse Roxy. E começou a seguir ao carro a uma distância prudente.

Seguiram os agentes durante uma hora. O carro se deteve em uma cantina e os três operadores entraram para desfrutar do que devia ser uma festa, a julgar pelo tempo que demoraram a sair. O sol estava a pino quando saíram, esfregando a barriga e dizendo quão bem tinham comido. Um deles acendeu um cigarro e foi apoiar se no carro para fumar, mas teve que tirar a mão bruscamente do calor que desprendia a carroceria.

Roxy informava ao Reaper e a Rhiannon tudo o que via de onde estavam estacionados a uma prudente distancia.

— Jack deve estar assando vivo aí dentro — disse Rhiannon. — Talvez não tenha sido tão bom plano ao final, Reaper. Será uma sorte que sobreviva aí fora com este calor. Não tenho nem idéia do efeito que pode ter em um de nós.

— Sobreviverá — disse Reaper, falando com mais confiança do que sentia.

O certo era que estava preocupado com ele. No início desconfiava e detestava profundamente o jovem artista da fraude, mas à medida que se desenvolviam os acontecimentos tinha visto um Jack Heart muito diferente. Havia visto valor, imprudente e algo selvagem, mas verdadeiro, e uns profundos sentimentos por Topaz que ninguém podia atrever-se a pôr em dúvida. Isso também era de verdade. Ele era um homem de verdade. E percebia que, no fundo, era um homem decente. Vixen tinha razão e deveria ter acreditado em seu critério. Jack era decente. Pode ser que nem sequer ele soubesse, mas era.

— Certo, estão em movimento outra vez — disse Roxy.

— Segue-os, Roxy — disse Reaper.

E Rhiannon acrescentou:

— E não deixe que vejam esta monstruosidade de caminhonete. É muito chamativa e assim que a vejam duas vezes saberão que os estamos seguindo.

—Shirley não é uma monstruosidade. De fato, suas características especiais são as que lhes salvaram hoje de acabar como vampiros ao espeto. Deveria lhe agradecer de joelhos.

—Todos lhe agradeceremos de joelhos se isto funcionar — se apressou a dizer Reaper para tranquilizar a uma ofendida Roxy.

— Certo, parece-me uma alternativa razoável — disse ela, mais sossegada.

A caminhonete ficou de novo em movimento e ninguém disse nada enquanto Roxy conduzia pelas serpenteantes e estreitas estradas.

Os agentes fizeram umas quantas paradas mais. Uma para colocar gasolina e comprar bebidas, outra para ir ao banheiro. Nessa ocasião se atrasaram um pouco fora das instalações enquanto Magnarelli falava pelo celular. Depois se meteram no Lincoln e continuaram conduzindo um pouco mais.

— Tenho que me parar aqui — disse Roxy ao final.

— Por quê?

—Porque atravessaram um portão que parece que leva até uma fodida fazenda como não viu em sua vida. É enorme, Raphael. E preciosa. Com uma colunata no alpendre, degraus de pedra, plantas tropicais por toda parte, enormes janelas. Inferno tem até uma fonte.

— Deve viver alguém importante aí — disse Ilyana. Tinha estado muito calada todo o caminho, algo estranho, pelo que Reaper se sobressaltou ao ouvir seu tom calmo e sério. Quase tinha se esquecido dela. — Alguém influente.

— Tem razão. Será algum membro do governo ou um senhor da droga — disse Reaper. — Ou as duas coisas. Haverá vigilantes por toda parte. Vê alguém fora da casa?

— Não — disse Roxy. — Mas é o portão de entrada. Há uma guarita. Hão-se detido um segundo a esperar a que lhes abrissem. Deve haver alguém dentro para identificar visitas.

—Ou pode ser que se entre digitando um código — Reaper desejou poder dar uma olhada de reconhecimento ele mesmo. — Algum outro veículo à vista?

— Não — respondeu Roxy.

— Mas há outros edifícios anexos — interveio Ilyana. — Em um deles tem que haver uma garagem.

— Só percebo a presença de três mortais e do Jack — sussurrou Rhiannon franzindo o cenho. — Não capto o sinal de nenhum outro vampiro. Topaz e sua mãe não estão aqui.

Reaper franziu o cenho também. Não queria acreditar que não estivessem ali.

— Talvez esteja blindada. Além disso, enquanto descansamos pelo dia não emanamos uma essência vital muito intensa, Rhiannon. Talvez você não possa captar bem...

Rhiannon lhe lançou um olhar de recriminação que o deixou na metade frase.

— Você sabe quantos anos tenho? Quão poderosa sou?

— Claro, mas...

— Sou Rhiannon, filha do faraó, princesa do Egito.

— Sei, mas...

         —Deusa personificada, sacerdotisa de Isis, praticante das antigas artes.

— Sei Rhiannon.

— Desejada por homens, invejada por mulheres, adorada e temida por igual por todos aqueles com quem cruzei no caminho.

— Está bem, está bem.

— Tenho mais de três mil anos. Reaper. Sou a terceira vampiresa mais poderosa com vida, criada pelo Drácula em pessoa. Ele e o grande Gilgamesh, o primeiro de nós, Damián Namtar, são os únicos dois vampiros mais velhos e mais poderosos que eu. Não duvide de minha capacidade para detectar a um par de vampiresas relativamente novatas, Reaper. Estejam acordadas ou adormecidas. Vivas ou mortas.

— Não detectou que não estavam dentro das bolsas, verdade que não, princesa?

Rhiannon se mordeu o lábio.

—Estava ocupada tentando não torrar, graças a seu estúpido plano! Se tivesse tido tempo para perceber os ocupantes, o teria sabido. E se depois de tudo o que tenho feito por ti vai continuar duvidando de mim...

Reaper levantou uma mão.

— Jamais duvidaria de você. Confio em você, Rhiannon. É só que... Que não quero que tenha razão esta vez. Porque se Topaz e Mirabella não estavam nas bolsas e tampouco estão na fazenda, então... Onde demônios poderão estar?

—Não poderemos saber até que anoiteça — disse Roxy. — Não poderemos nos aproximar mais para dar uma olhada até então.

— Temos que fazê-lo — disse Reaper.

Ouviu o suspiro de frustração de Roxy, mas foi IIyana quem discutiu.

— Não podemos continuar no carro. Veriam-nos. E vocês dois não podem sair até que escureça se não querem torrar. Roxy e eu sim poderíamos, mas que possibilidades teríamos contra três agentes bem treinados e armados até os dentes? Há câmaras de vigilância por toda parte. Vejo cinco daqui.

— Teremos que esperar Reaper — disse Roxy. — Sinto.

E foi justo nesse momento quando Reaper ouviu o começo dos gritos de agonia de Jack.

 

— Preparados? — perguntou um agente aos outros dois.

Ao Jack não importava já quem falava. Não importava. Ardiam-lhe os músculos da necessidade de mover-se, de saltar, de atacar. Por fim o tinham tirado do asfixiante calor do porta-malas para transladá-lo a um lugar confortavelmente fresco. Notou o ar condicionado e lhe aliviou saber que em um par de minutos se abriria a bolsa e poderia escapar. Jack não acreditava que nenhum vampiro tivesse passado tanto calor e tivesse sobrevivido.

Levavam-no entre dois homens e sabia que tinham entrado em algum lugar, mas não percebia nada mais. Estava dentro de algum tipo de estrutura a uma boa temperatura. Notava só a presença dos três agentes, Magnarelli e seus ajudantes. Não podia perceber a presença de ninguém mais. Nem adeptos fanáticos nem soldados armados para ajudar. Bem.

Tal e como se sentia nesses momentos, os três agentes não lhe aguentariam nem um assalto sem ajuda.

Finalmente o colocaram sobre uma superfície dura e quase antes que pudesse antecipar o que ia acontecer a seguir, abriram o fecho. Todas as células de seu corpo se esticaram, estava preparado para saltar. E isso fez assim que tiraram o material da bolsa; saiu da capa feito uma fúria. Caiu de cócoras, de onde se impulsionou e saltou por cima das cabeças dos três, fez uma pirueta no ar e aterrissou justo atrás deles.

Os agentes se viraram com cara de incredulidade e estupefação, e Jack lançou-se por volta do primeiro deles. Golpeou-o no peito e o enviou de cabeça contra a parede com tanta força que desabou sobre o chão. Girou então para a esquerda e incrustou um murro lateral ao segundo agente diretamente na mandíbula. O homem se escorou para um lado e se cambaleou antes de cair. Mas quase nesse mesmo instante, Jack sentiu a picada de um dardo no ombro. Virou-se e viu que Magnarelli lhe tinha disparado um tranquilizante. Lançou-se sobre ele, mas no movimento recebeu um segundo dardo no peito e um terceiro no pescoço, todos em rápida sucessão.

Os músculos do Jack começaram a retardar, começou a notar o atordoamento que ia dando procuração de seus sentidos, e, mesmo assim, tentou dar alcance ao agente, até quando caiu de joelhos ao chão. Só pensou nas palavras de Rhiannon: “Não sabemos o efeito que produz em um vampiro a mescla da droga com os tranquilizantes. Não foi testado. De modo que não deixe que lhe sedem”.

“Não deixe que lhe sedem”.

Inferno.

Em seguida averiguou quais eram esses efeitos, pelo menos os iniciais, porque Frank Magnarelli, um mortal com uma força comum, levantou-o ele sozinho, atirou-o sobre uma cadeira e o algemou ao respaldo. Os intentos defensivos de Jack não conseguiram nem sequer despistá-lo de sua tarefa. A versão de Eric Marquand das pastilhas de cafeína evitou que perdesse a consciência por causa do tranquilizante, mas se sentia muito fraco para lutar por sua vida.

— Eu gostaria de saber algumas coisas, Jack — disse Magnarelli, em pé diante dele. — E sabe que não vou ser indulgente contigo. Estou bastante aborrecido contigo agora mesmo.

— Já imagino — disse Jack.

Magnarelli lhe deu um murro na cara, um punho no centro do rosto que o fez cair de costas com cadeira e tudo. Sentia como se lhe tivessem quebrado o nariz e o lábio, e cair sobre as mãos algemadas lhe doeu quase tanto como o murro.

Dobrando-se sobre ele, Magnarelli o agarrou pelo peitilho e o colocou em posição erguida de novo.

— Como é que está acordado durante o dia, Jack?

Jack se encolheu de ombros, umedeceu o lábio e saboreou o sangue, só esperava que não sangrasse muito. Doía-lhe tudo, mas não sentia como se lhe estivesse escapando a vida. Ainda.

— Não sei. De sorte. Talvez tenha algo a ver com o calor que se passa dentro dessa bolsa para mortos enquanto me passeavam por todo o México em seu fodido porta-malas.

O agente não acreditou.

— Suponho que teremos tempo de lhe tirar isso depois. Porque não vai voltar a saborear a liberdade.

— Não?

— Não é boa ideia enganar a CIA, amigo. Assim não o façamos mais difícil. Onde está Rivera?

— Quem?

— Raphael Rivera.

— Pode repetir isso?

Magnarelli voltou a golpeá-lo, esta vez no estômago. A cadeira balançou para trás, mas não caiu enquanto Jack se dobrava para frente, com a boca aberta, tudo o que lhe permitiam as algemas.

— Reaper — disse o agente. — E deixa de te fazer de parvo comigo, Jack. Sabe perfeitamente como se chama.

Quando se viu capaz de formar as palavras outra vez, Jack disse:

—Sei como se chama. Mas não sei onde está. Só concordei em fazer isso para recuperar Topaz e a Mirabella. Mas em nenhum momento soube onde estava Reaper. Está perdendo tempo.

— Isso veremos.

Os outros dois, desancados no chão depois do ataque de Jack, começaram a mexer-se. Um deles se levantou e Magnarelli lhe disse:

— Acorda a seu companheiro e vão procurar às mulheres. Falará mais depressa se são elas as que têm que sofrer por seu silêncio — se precaveu da expressão de surpresa do Jack. — Assim é. Ainda estão em nosso poder. Não é o único que sabe urdir uma artimanha, Jack.

Jack acreditava que poderia suportar qualquer classe de tortura que ocorresse aquele cretino, mas sabia que falaria rapidamente se via que faziam mal a Topaz. E também sabia que assim o quereria Reaper.

— Enquanto eles vão buscá-las — continuou Magnarelli, — você e eu comprovaremos quanta dor é capaz de suportar, Jack — se dirigiu a um balcão e retornou com uma bolsa. — Não podemos te fazer cortes, porque te sangraria, mas seguro que nos ocorre alguma alternativa mais original — tirou um martelo e um par de alicates da bolsa.

Jack fechou os olhos. A dor terminaria fazendo que perdesse a consciência cedo ou tarde.

Ou não.

 

Topaz despertou com um grito de dor lhe ressonando na cabeça, na mente. Era o grito de dor de Jack. Incorporou-se rapidamente, abriu os olhos e girou a cabeça, buscando-o, preparada para atacar a quem quer que seja que estivesse lhe fazendo mal.

Foi uma reação instintiva, visceral. Mas nesse momento se deu conta de que o tinha ouvido em sua mente. Jack não estava ali. E então compreendeu onde estava. Havia cadáveres cobertos com lençóis dispostos sobre macas por todas as partes. Só os pés ficavam ao descoberto e uma etiqueta lhes pendurava do dedo gordo.

Com gesto solene, dirigiu o olhar para seus pés e viu uma etiqueta pendurando de seu próprio dedo também. Dobrou-se sobre si mesmo com um grunhido de impaciência e a arrancou.

Não havia ninguém ao mando do depósito nesse momento, até onde ela podia ver, assim que desceu da fria maca de metal e ficou a levantar lençóis procurando a sua mãe. Levava a mesma roupa embora estivesse destroçada, manchada de terra e sangue, e até um pouco de pavimento da rua. Graças ao descanso diurno, tinha curado milagrosamente de quaisquer feridas tivesse sofrido na queda. O qual já se podia considerar um golpe de sorte porque podia ter morrido antes que o descanso diurno pudesse saná-la. Podia ter-se sangrado. Podia ter ficado exposta à luz solar no meio da rua. Podia lhe haver ocorrido algo.

Esperava que sua mãe tivesse tido a mesma sorte.

Ao final, viu o rosto de sua mãe ao puxar um lençol. Não tinha nenhuma marca, embora seu vestido parecesse uma pena também. Devia ter sofrido lesões graves, pensou. Talvez muito.

— Está viva? — perguntou, lhe tocando o rosto.

Sua mãe não respondeu. Topaz notou um pequeno nó na garganta, mas em seguida se recordou que sua mãe despertava muito lentamente, pouco a pouco, como quando sai do mar.

E então voltou a ouvir o grito de dor de Jack e seu corpo deixou de existir para tudo que não fosse o Jack. Tinha o coração em um punho. Certo, tinha lhe mentido, a tinha usado e lhe tinha quebrado o coração em pedaços, mas por nada disso havia deixado de amá-lo. Tinha desejado poder deixar de fazê-lo, mas não tinha podido.

Nada poderia fazer que deixasse de amá-lo. E antes morta que deixar que um filho da puta qualquer lhe fizesse mal.

— Mãe! — agarrou a sua mãe pelos ombros e a sacudiu brandamente. — Mãe, venha. Acorda, temos que nos apressar.

Mirabella gemeu brandamente e começou a estirar os braços, arqueando-se como um gato.

Topaz lhe arrancou a etiqueta do dedo e insistiu:

— Mãe, acorda. Não temos tempo para estirar, bocejar e desfrutar prazerosamente do começo do dia. Temos que ir.

Com um “mmmm”, Bela deteve em seco o estiramento e abriu os olhos.

— Prenderam o Jack — disse Topaz. — O estão torturando. Neste mesmo instante, enquanto falamos.

“Matarei a quem o esteja fazendo”, acrescentou para si.

Aqueles adoráveis olhos se transformaram em gelo e Mirabella desprendeu as pernas por um lado da maca, sentou-se e desceu ao chão, tudo em um fluido movimento.

— Onde?

Topaz tomou a mão de sua mãe e atravessaram juntas aquele funesto porão habitado só pelos mortos em busca da saída. Uma porta as conduziu a um corredor e logo, Topaz encontrou um sinal que punha saída em espanhol, com uma flecha em direção às escadas.

Subiram correndo, sem lhes importar quem pudesse vê-las. Ninguém as deteria, talvez o tentassem, mas não o conseguiriam. As escadas terminavam em uma porta larga que se abria empurrando a barra horizontal que a cruzava. Topaz apertou a barra e empurrou para abrir: estavam no estacionamento, rodeado de sebes.

Saiu à rua, deixando que a porta se fechasse atrás dela e parou para escutar, e sentir.

Um novo grito não demorou em ressonar em seus ouvidos, mas esta vez ia acompanhado de um pensamento perfeitamente audível. “Se fizerem mal a Topaz, os matarei. Os matarei embora morra no intento. Juro Por Deus que o farei”.

Topaz pestanejou e olhou a sua mãe.

Mirabella assentiu.

— Sim, eu também o ouvi. Já te disse que te ama.

— Só porque não queira que me façam mal não significa que me ame.

— Foi para te buscar. Por isso está agora nas mãos desses bodes. Há arriscado sua vida para te salvar.

— Isso não sabe.

— Quem mais poderia estar torturando-o?

Topaz se encolheu de ombros e olhou em direção leste.

— Vem dali.

— Pois vamos.

Puseram-se a correr a toda velocidade até que Topaz ouviu a súplica de sua mãe.

“Para, carinho”, disse-lhe mentalmente.

Suas palavras estavam envoltas em dor, uma sensação de debilidade que penetrou em Topaz com a mesma facilidade que as palavras; era tão dilaceradora que fez que parasse de repente, igual a sua mãe. Nada mais que parar. Bela desabou de joelhos no chão e caiu para frente sobre as palmas das mãos.

— O que te ocorre, mãe? — gritou Topaz, ajoelhando-se a seu lado.

Mas já sabia. Sua mãe se eletrocutou e depois tinha sofrido uma queda que teria matado a um mortal dez vezes. Era mais velha que Topaz e, por tanto, mais poderosa, mas também mais suscetível à debilidade que produzia a dor ou a perda de sangue. Além disso, tinha dado a ela parte de seu sangue, e ela não tinha ingerido nada, pelo que não tinha podido recuperar-se da queda totalmente. O descanso diurno podia sanar, sim, e o tinha feito. Topaz a ajudou a procurar um lugar afastado entre um pequeno arvoredo.

— Não posso seguir — disse Mirabella em voz calma. — Preciso descansar um pouco. Terá que continuar sem mim, Tanya.

Topaz olhou a sua mãe.

— Estou certa de que os agentes seguirão nos buscando. Não posso te deixar sozinha.

— Diga a alguém que venha a me buscar. Não duvido que outros terão ido ajudar ao Jack. Envia a um deles em minha busca. Não me passará nada até então.

— Mas, mãe...

Mirabella posou a mão na bochecha de sua filha.

— Vai carinho. Sei que não me acredita, mas isto... Vale a pena. Esta classe de amor, o amor que sente por ele... Ocorre uma vez na vida, Topaz. Acredite-me. Sei. Vá buscá-lo. Vamos.

Topaz assentiu com a cabeça, consciente de que sua mãe tinha razão. O que sentia pelo Jack ocorria só uma vez na vida. Só que desejaria que ele sentisse por ela uma mínima parte do que ela sentia por ele, ou que sentisse algo por ela, de verdade.

Mas não podia controlar os sentimentos de Jack igual como não podia controlar os seus próprios. Amava-o, para bem ou para o mal. Não importava quanto dano tivesse causado, amava-o igualmente. E por muito mal que a tivesse tratado, pensou Topaz, não permitiria que ninguém sobre a face da Terra fizesse mal ao homem que amava.

— De maneira nenhuma — disse em voz alta e se agachou para dar um beijo na bochecha de sua mãe.

Depois se ergueu de novo e se lançou a correr, levando a imagem do Jack na mente, e pôde notar como lhe enchia o coração. Deu-se conta de que não importava o que tivesse feito. Amava-o com seus defeitos e tudo. Amava-o, por frio e despreocupado que se mostrou com ela. Amava-o

Incondicionalmente.

E não lhe importava que ele não sentisse o mesmo.

Podia viver com isso porque era uma mulher forte e incrível. Se não podiam estar juntos, que assim fosse. Arrumaria para continuar com sua vida. Mas seguiria amando-o. Sempre.

Com o que não poderia viver seria com o sentimento de culpa por ter permitido que lhe acontecesse algo.

 

— E então? — perguntou Magnarelli a seus dois companheiros. — Onde estão?

— Não sei senhor.

O ajudante número um, pensou Jack. Interessado no que pudesse ter que dizer, face ao muito que lhe doía tudo, conseguiu levantar a cabeça. Tentou vê-los, mas tinha os olhos tão inchados que só podia abri-los uma fresta mínima, e o que captava estava impreciso e desfocado.

Três manchas com uma imprecisa forma de homem, movimentos.

—Que demônios quer dizer com não sabe?

— A porta do dormitório parecia pedaços. E a janela do salão aberta.

— E os guardas postos fora da porta não viram nada? Não ouviram nada?

— Só ouviram a televisão, conforme nos disseram.

Magnarelli soltou uma imprecação e ao Jack pareceu ver que riscava um pequeno arco com o braço e enfiava a mão no cabelo. Tinha levantado o braço, ou acreditou ver isso. Também podia ser que estivesse apartando uma mosca ou uma teia de aranha.

— Essa janela está muito alta. Nem sequer um vampiro poderia sobreviver a uma queda daí de cima.

— Não sobreviveram — disse o segundo ajudante. O primeiro parecia ter esgotado todas suas reservas de valentia dando a notícia a seu chefe.

Magnarelli se virou a toda velocidade.

— O porteiro diz que duas mulheres se jogaram no vazio antes do amanhecer. Foi declarado o falecimento no lugar do acidente.

— E aonde as levaram? — perguntou Magnarelli com tom monótono.

— Não sei. A algum depósito de cadáveres, suponho.

Magnarelli agarrou ao tipo pelo colarinho e puxou para si.

— Averigua maldita seja. Volta ali e averigua aonde as levaram, a que hora exatamente e se continuam ali. Entendeste-me?

— Mas... Mas...

— Faz. Já.

Soltou o mais jovem dos agentes, que cambaleou para trás.

Jack relaxou a cabeça novamente, fingindo estar inconsciente, embora não precisasse fingir muito. Já o estaria a não ser pela maldita droga de Rhiannon.

Inferno parecia um cadáver com pernas.

Aquilo lhe provocou uma gargalhada porque isso era precisamente o que era. Um não morto. Um cadáver que andava.

— De que diabos você está rindo? — perguntou Magnarelli. Um de seus novatos tinha ficado ali com ele. O outro já se escapuliu discretamente a obedecer às ordens de seu dono.

— Minha garota foi mais esperta que você — disse Jack, embora sua voz soasse como se falasse com a boca cheia de berlindes por causa do inchaço que tinha nos lábios cortados.

— Não se estiver morta e guardada em um depósito de cadáveres — repôs Magnarelli. — E se for assim, serei eu o último a rir. Acredite-me. Não lamentarei nem um segundo ver essa cadela respondona morta e enterrada.

Jack se lançou para frente levando a cadeira consigo. Dobrou-se e jogou-se contra aquele cretino do Magnarelli, lhe cravando a cabeça no estômago antes que cobrasse consciência do que lhe vinha em cima. Magnarelli se dobrou para frente e caiu ao chão. Jack se virou rapidamente com a intenção de lhe esmagar a cabeça com as pernas da cadeira.

Mas o agente o esquivou. Agarrou uma perna da cadeira e girou o punho, de maneira que Jack se golpeou a cara contra a parede, arranhando-se com a superfície áspera de tijolo e espremendo o nariz já machucado. Desabou no chão, mas em vez de perder a consciência, como deveria ter ocorrido, ficou ali caído, tremendo de dor.

 

Reaper conseguiu aguentar até a queda do sol, embora não soubesse como.

Rhiannon e ele estavam de mau humor, furiosos e impacientes. Abriu o chão da caminhonete antes que as garotas tivessem despertado; Briar, Crisa e Vixen estavam fora do compartimento antes que Seth tivesse começado a reviver.

Abriu as portas traseiras ansioso por sair, estirar as pernas e mover-se para dar uma olhada na fazenda em que estavam torturando Jack.

Os outros desceram e se colocaram a seu redor. Roxy e Ilyana também se uniram ao grupo.

— Qual é a situação? — perguntou Seth.

Reaper assinalou para a enorme mansão.

— Jack está retido aí dentro com três agentes. Levam umas duas horas torturando-o.

Vixen girou a cabeça rapidamente e se levou a mão à boca. Crisa se agarrou ainda mais forte ao braço do Briar, que amaldiçoava entre dentes.

— Como demônios conseguiram espremê-lo? — perguntou Briar. — É que não há funcionado a droga? Estava dormido quando abriram a bolsa?

— Sedaram-no — disse Rhiannon com voz calma e o olhar fixo no chão.

— Acreditava que havia dito que não se conheciam as reações que provocaria a combinação de ambas as drogas — disse Vixen.

— E não se conhecem — respondeu Rhiannon. — Ou melhor, não se conheciam. Imagino que a estas alturas, seu Jack faz uma ideia bastante acertada.

— E bem? A que demônios estamos esperando? — exigiu saber Briar. — Vamos salvá-lo.

— Topaz vem a caminho. Pediu-me que enviemos a alguém para recolher a sua mãe. Ao que parece estava muito débil e teve que ficar para trás, recuperando forças — Reaper olhou ao grupo. — Roxy, eu gostaria que fosses recolhê-la. Leve a Ilyana e a Crisa contigo. Topaz diz que necessita alimento. Com urgência.

Roxy assentiu.

— Necessitaremos a caminhonete para isso.

— Sei. Deixa aqui o estojo de primeiro socorros, uns quantos litros de sangue e a maioria das armas. Precisaremos delas. Quando retornarem com a Mirabella, estacionem em algum lugar seguro. Iremos a seu encontro quando isto termine.

         — Ao vir, percebi que da estrada saía um caminho de terra a um quilômetro e meio daqui, aproximadamente. Esperaremos em algum lugar afastado uns quilômetros mais a frente.

— Encontraremos — prometeu Reaper. — Enquanto isso...

Algo passou a toda velocidade a seu lado. Captou a essência da fúria, da ira... E de Topaz.

— Inferno, não vai nos esperar. Vamos. Já! — ordenou Reaper.

Briar, Seth e Vixen saíram a toda velocidade para a casa.

***

Topaz saltou por cima do portão, subiu pelo atalho da entrada e chocou com as portas de entrada da fazenda com tanta força que uma delas se partiu e caiu ao chão.

Aguardou junto à porta dentro da casa, de cócoras, olhando a direita e a esquerda. Percebeu a essência do Jack e saiu correndo atrás dela em questão de segundos, derrubando todas as portas que se elevavam em seu caminho; arrasando os móveis que obstaculizavam seu avanço. Parecia uma fúria e nada iria detê-la.

Quando chegou ao porão e o viu, amarrado a uma cadeira inclinada sobre o chão com as duas pernas quebradas, a cara tão machucada que não o reconheceria se não pudesse senti-lo, parou em seco um instante.

E esse instante foi suficiente. Notou uma descarga de eletricidade que a fez cair de joelhos.

Uma pistola elétrica.

Um agente lhe algemou as mãos às costas e retornou um segundo depois a seu posto atrás da porta, aguardando com aquela pistola elétrica a chegada dos demais, cujos passos retumbavam na distância, ao menos Topaz o ouvia. Mas os mortais não. Dirigiu como louca seus pensamentos para eles.

“Esperem! É uma armadilha!”.

Notou sua retirada instantânea e suspirou aliviada. Levantou a cabeça quando o agente a agarrou pelos braços e a atirou de qualquer modo sobre uma cadeira, lhe colocando uns grilhões antes que tivesse recuperado as forças para defender-se.

— Deveria ter sabido que era uma armadilha. Não selaram a entrada da casa como fizeram com a habitação do hotel. Queriam que ouvisse a dor do Jack. Sabiam que viria por ele.

— Queríamos que Reaper viesse por ele. Pensávamos que lhe havíamos deixado perfeitamente segura em nossa suíte. O que ocorreu? Decidiu ir antes do tempo?

— Você é quem se vai. Mas para sempre — assinalou com a cabeça a pistola elétrica. — O que passou? Terminaram os dardos tranquilizantes?

— Absolutamente. É que não queríamos que perdesse a consciência tão logo. A tortura não tem graça quando o sujeito está inconsciente.

Lançou um olhar ao Jack. Estava sofrendo uma dor angustiante.

— Tampouco parece muito eficaz com sujeitos conscientes, ou a estas alturas já saberia tudo o que queria saber.

— Inferno, isso é porque lhe importa muito pouco seu próprio sofrimento. Mas com o teu... Acredito que a coisa mudará muito.

— Em frente, bode — disse Topaz.

— Não.

Jack estava tão fraco que mal podia falar. Rompia-lhe o coração ouvi-lo. Não podia suportar olhá-lo e ver a tremenda surra que lhe tinham dado. E embora não olhasse, podia sentir sua dor.

— Não...Lhe faça mal. Contarei tudo.

— Como se supunha que tinha que ter feito todo este tempo, não é mesmo, amigo? Em vez de nos dar dados que não nos serviam para nada. Agora vais ver o que consegue quando engana a CIA.

“Reaper”. Topaz lhe enviou mentalmente uma mensagem urgente. “Estamos em um porão. Com uma só porta de entrada e saída. Há dois homens. Um espera atrás da porta com uma pistola elétrica”.

— Apura o interruptor, ativa a zona de silêncio para esta habitação e conecta o sistema de eletrificação.

O outro se aproximou de um painel metálico cheio de interruptores e alavancas situado no extremo mais afastado da estadia.

“Estão ativando o campo de força, Reaper”, disse Topaz mentalmente.

“Dentro em pouco não poderemos nos comunicar. E estão eletrificando as portas. Se as tocam...”.

“Entendido. Deveria saber que soube desde o começo o que estava fazendo Jack, Topaz. Estava jogando-lhe a eles, não a nós, para lhes tirar informação sobre sua mãe para t”.

Topaz não podia acreditá-lo. Afogou um gemido e olhou ao Jack. O coração se rompeu ao ver a dor que estava suportando. O agente apertou um interruptor atrás de outro.

“Por que demônios não me disse isso?”, disse Topaz mentalmente ao Reaper. Nada, silêncio. Como se falasse com um quarto vazio. O agente subordinado retornou a seu posto e Topaz perguntou ao Jack então:

“Por que não me disse isso?”.

Ele a olhou nos olhos, embora Topaz duvidasse muito que pudesse vê-la através daquelas pálpebras roxas e inchadas.

“Pensei que não me acreditaria. Não queria te perder”.

Dobrou-se para frente o máximo que pôde e começou a tossir, sem deter-se até que começou a jogar sangue.

Topaz o amava com todo seu ser. Teria morrido nesse instante para poder lhe oferecer o mínimo alívio. Levantou a cabeça e se dirigiu ao agente.

— Deixa que Jack se vá. Direi-te o que quer saber se deixar que se vá.

— Não...Se incomode — conseguiu dizer Jack tentando limpar o queixo na frente da camisa. — Não a abandonarei.

O agente ao mando pôs os olhos em branco. O ajudante teve que apartar a vista.

— Não vou deixar que nenhum se vá, e não me comove sua desventurada história de amor. Ou Reaper se entrega pessoalmente em menos de uma hora, ou morrerão os dois. É assim simples — tomou a pistola de dardos tranquilizantes que havia sobre uma mesa e a entregou a seu companheiro. — Se se moverem, seda-os — jogou um último olhar a ambos os vampiros. —. Advirto-lhes, meus amigos, que, esta vez, as dose que há nesta pistola são mortais — se centrou no Jack. — E sim, o testamos.

— Não será necessário que a use — disse Reaper com voz calma procedente do outro lado da porta eletrificada. As vozes mentais não podiam penetrar na estadia, mas as palavras normais sim. — Já me tem Magnarelli. Solte-os.

Magnarelli se aproximou com cautela da porta.

— Será melhor que você entre sozinho, Rivera. Temos as pistolas de dardos carregadas com uma dose capaz de matar ao mais forte dos vampiros. E as utilizaremos com estes dois se está me enganando, e se alguém mais tenta entrar aqui.

— Entendido — respondeu Reaper.

Magnarelli fez um gesto a seu ajudante. Topaz percebeu que era o agente de olhos azuis, que parecia que tinha um pouco de consciência.

— Corte a corrente — lhe ordenou Magnarelli. — Espera preparado para conectá-la novamente assim que eu lhe diga.

O dos olhos azuis retornou ao painel e baixou uma alavanca. Magnarelli observava o que fazia e, assim que terminou, abriu a porta olhando com nervosismo por trás do Reaper antes de puxá-lo ao interior a toda pressa e fechar a porta.

— Conecta a corrente outra vez — ordenou.

O outro levantou a alavanca novamente.

— Agora vem aqui e algema-o! — Rugiu Magnarelli.

Reaper se virou, obediente e pacificamente, à espera de que o menino se aproximasse. Colocou as mãos à costas e deixou que o algemassem.

— Não se provaram estas algemas com vampiros — disse Magnarelli. — Não aguentaram se quer rompê-las.

— Acredita nisso? — perguntou Reaper.

— Sei. Mas se tenta te liberar, mataremos a seus amigos. E um contingente de agentes armados até os dentes e perfeitamente treinados vem a caminho para te levar de volta aos Estados Unidos. Acabou-se a tolice de Reaper.

— Não pensava fazê-lo — disse este, sentando-se como se tivesse intenção de esperar comodamente o tempo que lhe fizessem esperar ali. — Por que não me seda para que não tenha que preocupar-se pelo que pudesse fazer?

—Farei se for o caso — prometeu Magnarelli. — Mas me pediram que lhe mantivesse consciente para que pudessem te interrogar.

— Quem? — perguntou Reaper.

— Saberá quando chegar.

— Tem que ser Dwyer. Meu antigo chefe. Bom, será agradável nos pôr em dia com nossas vidas — disse Reaper.

Topaz percebeu algo se movia dentro da camisa do Reaper e franziu o cenho, perguntando-se que demônios seria.

“Tira a atenção de mim um segundo”, disse-lhe mentalmente Reaper.

Topaz ficou olhando-o, mas não lhe ocorreu perguntar. O chefe da equipe tramava algo, e lhe importava pouco o que fosse desde obtivesse tirá-los daquele atoleiro e que Jack pudesse receber os cuidados que necessitava.

Não estava muito segura de que pudesse agüentar aquela dor atroz muito tempo mais.

Então se levantou com a cadeira e ficou a gritar como uma louca, carregando contra a parede e esmagando a cadeira com isso, depois retrocedeu para tomar carreira e repetir a carga, atenta em todo momento ao Reaper.

Os dois agentes correram para ela, tal como ela esperava, em vez de lhe disparar a dose letal de tranquilizante, ao ver que só machucava a si mesma. Quando os dois homens se lançaram sobre ela e a atiraram ao chão, Topaz viu a pequena raposa vermelha que saiu de dentro da camisa de Reaper, saltou agilmente ao chão e correu para o painel. Nenhum dos agentes a viu. A raposa se fez um novelo sobre si mesma e ficou imóvel, cobrindo o focinho com a ponta da cauda.

         Vixen. E estava a ponto de mudar de forma. Veriam-na rapidamente, mas seria muito tarde. Outros já estavam do outro lado da porta, esperando.

Topaz tirou os olhos da raposa, que começava a retorcer-se e agitar-se, e olhou para os homens que a tinham derrubado. Estavam ameaçando-a usando a violência se não se acalmava. Decidiu-se por um ataque de histeria. Gritou, chiou e uivou.

— Têm que nos deixar partir! Disseram que o fariam. Não posso seguir aqui um minuto mais! Não posso. Deixem-me sair, me deixem sair, me deixem sair!

Silenciaram-na com uma bofetada com o dorso da mão que lhe fez girar a cabeça, momento em que viu Vixen em plena transformação. Não podia dar por terminada sua representação ainda.

— Não é necessário que lhe bata! — gritou Reaper.

— Não — resmungou Jack. Era totalmente alheio ao que estava fazendo Vixen, ele só olhava a ela. — Por favor, carinho, não lhes dê... Motivos...

Mas ela seguiu gritando e chiando, esperneando e retorcendo-se até que um dos homens a apontou com a pistola de dardos.

— É uma dose letal. Quer morrer?

Ela olhou ao Jack.

— Se não lhe prestarem socorro, será ele quem morre idiotas! E se morrer, então sim, isso é exatamente o que quero. Mas não sem leva-los comigo.

Vixen se levantou do chão, totalmente nua e absolutamente preciosa, e apertou o interruptor.

— Agora! — gritou Reaper com todas suas forças.

Ao momento se abriu a porta e os vampiros se equilibraram no interior, comandados por uma imponente vampiresa desconhecida. O agente da pistola de dardos se virou para lhe disparar, e Topaz deu um salto lhe golpeando o braço com a cabeça com toda a força de que foi capaz. O dardo saiu desviado e ao segundo a mulher estava em cima dele, enquanto Briar se ocupava do outro. As duas vampiresas se olharam aos olhos e, quase ao mesmo tempo, cravaram as presas no pescoço do homem que cada uma capturava. Seth se dirigiu a toda pressa para Vixen enquanto Mirabella ia ocupar-se de Topaz, que estava inclinada para frente tentando tirar as algemas, mas estava muito fraca para as partir depois de todo o ocorrido.

— O mais velho tem as chaves — disse Topaz. — Depressa.

Briar colocou a mão no bolso, encontrou as chaves e as entregou a Crisa antes de deixar cair ao chão o corpo flácido do homem. Crisa correu a dar as chaves a Bela, que liberou Topaz.

— Está bem, carinho?

— Sim — Topaz correu para Jack e ficou de joelhos a seu lado. Com supremo cuidado, moveu-o o suficiente para poder lhe tirar as algemas. Depois se pegou mais a ele, fez-se um corte no braço e o aplicou aos lábios.

Jack bebeu um pouco e se afastou.

— Não. Precisa disso.

— Não tanto como você.

Ele sacudiu a cabeça e a olhou nos olhos.

— Esta vez ia a sério, Topaz. Ia a sério. Teria morrido por ti.

— Estiveste a ponto de fazê-lo, Jack. Muito perto.

— Quero-te, Topaz. Acredito que te quis sempre, mas não sabia. Não acreditava nisso, por isso não me pareceu que fosse uma possibilidade nem remota sequer. Mas não pude ficar com seu dinheiro. Lamentei havê-lo roubado. Senti sua falta, desejei estar contigo desde o momento que nos separamos. E te juro que não voltarei a te mentir nunca mais. Quero-te.

— Pode estar seguro de que não vais voltar a me mentir — disse, mas o fez com o rosto banhado em lágrimas.

— Isso não é o que estou esperando escutar — lhe disse ele com voz débil. Ela sorriu através das lágrimas.

— Eu também te quero Jack. Sempre te quis. Sempre te quererei.

Beijou-o com muita doçura.

— Temos que sair daqui — disse Reaper. Tinha registrado os bolsos dos agentes mortos e tinha tirado vários objetos deles. — Vem para aqui uma brigada da polícia para me recolher. Além disso, temos que levar a nosso vigarista a algum lugar onde Roxy possa curá-lo a maior parte para que aguente com vida até o amanhecer.

— Não vão acabar comigo, Reaper. Agora não — disse sem tirar os olhos de

Topaz.

Aqueles olhos. Aqueles olhos dele que lhe haviam dito desde o começo a única coisa que ela precisava saber. E é que Topaz via neles o mesmo que tinha visto antes. Ela sempre acreditou que formava parte de seu engano, mas agora sabia que não era assim. Seus olhos lhe haviam dito “Te quero” desde o dia que se beijaram pela primeira vez.

E tinha a sensação de que iriam seguir dizendo-o durante muito, muito tempo.

 

 

[1]             Seriado da Tv americana nos anos 80 no brasil recebeu o nome de “As Panteras”1

*    Seriado da Tv americana dos anos 70 2

 

 

                                                                                                    Maggie Shayne

 

 

 

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