Criar um Site Grátis Fantástico
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AMANTE VINGADO
AMANTE VINGADO

 

 

 

                                                            Irmandade da "Adaga Negra"                                                                 

 

 

 

 

Capítulo 50


Enquanto Ehlena fazia as compras no Supermercado Hannaford ao qual sempre ia porque ficava aberto vinte e quatro horas, deveria ter estado de melhor humor. As coisas com Rehv não podiam ter decorrido de um modo mais doce. Quando tinha chegado a hora de partir para sua reunião, havia tomado um banho rápido e lhe tinha permitido escolher suas roupas, inclusive a gravata. Logo a tinha rodeado com seus braços e tinham permanecido juntos, coração–com–coração.
Finalmente, acompanhou-o para fora, até o vestíbulo e esperaram juntos o elevador. Sua chegada foi anunciada com um repique e o deslizamento da porta dupla, e ele manteve as portas abertas enquanto a beijava uma vez, duas vezes. E uma terceira. Ao final se afastou e enquanto as portas gêmeas se fechavam, segurou seu telefone no alto, assinalou-o com o dedo e logo assinalou a ela.
O fato de que ia telefonar para ela fez com que a despedida fosse muito mais fácil. E adorava a idéia de ter escolhido para ele o traje negro, a camisa branca engomada e a gravata vermelho sangue que estava vestindo.
Assim, sim, deveria estar mais que contente. Especialmente devido ao seu apuro financeiro ter sido minimizado com o empréstimo do «Primeiro Banco e Companhia Fiduciária Rehvenge».
Mas Ehlena estava endemoniadamente nervosa.
Deteve-se no corredor dos sucos, em frente a uma ordenada fileira de Ocean Spray Aram tudo–o–que–você–possa–querer em sucos, e olhou por cima de seu ombro. A sua esquerda havia mais sucos e à sua direita barras de granolas dispostas ordenadamente e biscoitinhos. Mais à frente, estavam as caixas, a maioria das quais estavam fechadas e depois disso, as janelas de vidros escuros da loja.
Alguém a estava seguindo.
Desde que tinha retornado ao apartamento de cobertura de Rehv para vestir-se, fechar o lugar e desmaterializar-se do terraço.
Quatro garrafas de suco CranRas foram parar no carrinho, logo se dirigiu ao corredor dos cereais e depois cruzou até as toalhas de papel e o papel higiênico. Na seção de carnes, escolheu um frango pronto que parecia embalsamado em vez de assado, mas a essa altura, as únicas coisas que precisava eram algumas das proteínas que lhe faltavam para esquentar a si mesma. Logo foi procurar um bife para seu pai. Leite. Manteiga. Ovos.
A única desvantagem de sair depois de meia-noite era que todas as U–Scans[96] estavam fechadas, assim teve que esperar detrás de um homem que tinha o carro cheio de comidas congeladas Hungry–Man. Enquanto a caixa passava os bifes Salisbury pelo scaner, Ehlena olhava fixamente através do vidro dianteiro da loja perguntando-se se estaria tornando-se louca.
—Sabe como cozinhar estes? —perguntou o homem enquanto segurava no alto uma das caixas magras.
Evidentemente, tinha interpretado mal a ansiedade que lhe provocava sua obsessão pensando que tinha algo a ver com ele e estava procurando a alguém que esquentasse sua carne, literalmente. Os olhos do humano ardiam e vagavam por seu corpo, e em tudo o que ela podia pensar era no que Rehvenge poderia fazer ao homem.
Isso a fez sorrir.
—Leia a caixa.
—Você poderia ler pra mim.
Manteve o mesmo volume de voz e adotou um tom aborrecido.
—Sinto muito, acredito que a meu noivo não gostaria.
O humano pareceu um pouco abatido ao encolher-se de ombros e entregar seu jantar congelado à garota que estava detrás da caixa registradora.
Dez minutos depois, Ehlena fazia rodar seu carrinho, atravessava as portas mecânicas e um frio desagradável e acidentado lhe dava as boas vindas, obrigando-a a agasalhar-se na parka. Felizmente, o táxi que tinha tomado para ir à loja estava justo onde se supunha que devia estar, e isso a aliviou.
—Precisa de ajuda? —perguntou o taxista através da janela que acabara de baixar.
—Não, obrigado. —Enquanto colocava as bolsas de plástico no assento traseiro, jogou uma olhada ao seu redor, perguntando-se que demônios faria o condutor se um lesser saltasse de detrás de uma caminhonete e jogasse o Bad Santa[97] com seus traseiros.
Depois de entrar e sentar-se junto a sua compra, o condutor acelerou e Ehlena examinou o beiral da loja e a meia dúzia de carros que estavam estacionados bem perto da entrada. O senhor Hungry–Man estava perdendo tempo com a luz interna de sua caminhonete acesa e iluminando seu rosto enquanto acendia um cigarro.
Nada. Ninguém.
Obrigou-se a recostar-se contra o assento e decidiu que estava louca. Ninguém estava espiando-a. Ninguém estava perseguindo-a…
Ehlena levou a mão à garganta, quando um súbito temor a afligiu. Oh, Deus… E se sofria com a mesma enfermidade que seu pai? E se esta paranóia fosse um de seus primeiros sintomas? E se…?
—Está bem aí atrás? —perguntou o condutor enquanto a olhava pelo espelho retrovisor—. Parece que está tremendo.
—É só porque estou com frio.
—Bem, deixe que lhe mande um pouco de ar quente.
Quando uma rajada quente soprou em seu rosto, ficou a olhar pela janela. Nenhum carro à vista. E os lessers não podiam desmaterializar-se, assim… Era esquizofrênica?
Cristo, quase preferia que se tratasse de um assassino.
Ehlena fez que o condutor a deixasse o mais perto possível da parte traseira da casa alugada e lhe deu um pouco mais de gorjeta por ter sido tão amável.
—Esperarei até que entre —disse o moço.
—Obrigado. —E foda, realmente se sentia agradecida.
Com duas bolsas de plástico pendurada em cada uma de suas mãos, caminhou rapidamente para a porta e teve que abaixar sua carga, porque como uma idiota que tinha estado tão ocupada envenenando-se, não tinha tirado as chaves. Justo quando colocava a mão na bolsa para começar a rotina de remexer–e–amaldiçoar, o táxi arrancou.
Levantou a vista a tempo para ver as luzes da traseira dobrar na esquina. Que demon…?
—Olá.
Ehlena ficou gelada. A presença estava justo detrás dela. E sabia perfeitamente bem quem era.
Quando girou bruscamente, viu uma fêmea alta com cabelo negro, muitas túnicas e olhos brilhantes. Ah, sim… Esta devia ser a outra…
—…metade de Rehvenge —a fêmea terminou a frase— Sou sua outra metade. E sinto que o condutor de seu táxi tenha tido que ir tão rápido.
Instintivamente Ehlena cobriu seus pensamentos com uma imagem de um exibidor de Hannaford: um pôster de um metro e meio de altura por noventa centímetros de largura de latas vermelhas de batatas Pringles.
A fêmea franziu o cenho como se não tivesse idéia do que era o que estava vendo na casca cerebral que estava tratando de invadir, mas logo sorriu.
—Não tem nada a temer de mim. Só pensei que poderia compartilhar algumas coisas com você, referentes ao macho que acaba de foder em seu apartamento de cobertura.
E isso jogava por terra a utilização de aperitivos como fachada para cobrir seus pensamentos; não era suficiente. Para manter a calma, Ehlena necessitava de todo seu treinamento profissional. Esta situação era como um caso de emergências, disse a si mesma. O corpo de um vampiro ensangüentado acabava de passar junto a ela em uma maca, e tinha que deixar de lado todos seus temores e todas suas emoções para lutar com a situação.
—Escutou o que disse? —perguntou a fêmea arrastando as palavras. Ehlena nunca antes tinha ouvido essa forma de falar, onde os “s” se estendiam até formar vaias— Observei você através do vidro, justo até o momento em que ele se retirou antes de culminar. Quer saber por que fez isso?
Ehlena manteve a boca fechada e começou a perguntar-se como poderia chegar até o spray de pimenta que tinha no moedeiro. Embora, de certa forma não acreditava que isso fosse surtir algum efeito…
Santa merda, eram… escorpiões vivos o que tinha nos lóbulos?
—Ele não é como você. —A fêmea sorriu com maligna satisfação—. E não só porque é um senhor da droga. Tampouco é um vampiro. —Quando Ehlena crispou as sobrancelhas, a fêmea riu—. Não sabia nenhuma das duas coisas?
Evidentemente nem seus Pringles nem todo seu treinamento estavam conseguindo fazer um bom trabalho.
—Não acredito em você.
—ZeroSum. No centro. É o dono. Conhece o lugar? Provavelmente não, já que não parece do tipo que socorre ali… e sem dúvida essa é a razão pela qual gosta de fodê-la. Deixe que te conte o que vende. Mulheres humanas. Drogas de todo tipo. E sabe por quê? Porque é como eu e não como você. —A fêmea se aproximou, e seus olhos brilharam intensamente— E sabe o que sou eu?
Uma flamejante cadela, pensou Ehlena.
—Sou uma symphath, pequenina. Isso é o que ele e eu somos. E ele é meu.
Ehlena começou a perguntar-se se morreria essa noite, ali na entrada dos fundos com quatro bolsas de comestíveis a seus pés. Embora não seria por causa de que esta fêmea mentirosa fosse verdadeiramente uma symphath… seria devido a que qualquer um que estivesse o suficientemente louco para sugerir semelhante coisa, indubitavelmente também seria capaz de matar.
A fêmea continuou com sua voz estridente.
—Quer conhecê-lo realmente? Vá a esse clube e o procure ali. Faça com que ele te diga a verdade e inteira-se do que deixou entrar em seu corpo, pequenina. E recorda isto, ele é inteiramente meu, sexualmente, emocionalmente, tudo o que ele é, é meu.
Com um dedo de três nódulos acariciou a bochecha de Ehlena, e logo assim, sem mais, a fêmea desapareceu.
Ehlena ficou tremendo de tal forma que durante um momento ficou como uma pedra, o tremor era tão profundo dentro de seus músculos que a imobilizou. O que a salvou foi o frio. Quando uma rajada gelada circulou pela calçada, empurrou-a para frente, mas conseguiu sustentar-se antes de tropeçar com seus comestíveis.
A chave da casa, quando finalmente a encontrou, não entrou na fechadura melhor do que o tinha feito a que tinha tentado usar naquela ambulância. Saltou… saltou… saltou...
Ao fim.
Girou a chave e abriu a fechadura, e virtualmente atirou as bolsas no interior da casa antes de fechar a porta de um golpe e trancar tudo conscienciosamente, incluindo os ferrolhos internos e a cadeia de segurança.
Avançou com suas pernas frouxas e se sentou à mesa da cozinha. Quando seu pai elevou a voz inquirindo pelo motivo de tanto ruído, disse-lhe que era o vento e rezou para que não subisse para vê-la.
No silêncio que sobreveio, Ehlena não sentiu nenhuma presença na parte exterior da casa, mas a noção de que alguém assim soubesse a relação que ela tinha com Rehv e sua direção… OH, Deus, essa fêmea demente os tinha estado observando.
Levantando-se abruptamente, apressou-se a ir para a pia da cozinha e fez correr a água se por acaso fosse o caso de que lhe dessem náuseas. Esperando que seu estômago se assentasse, uniu as palmas, capturou um pouco de água nelas, e bebeu alguns goles antes de lavar o rosto.
O beber e enxaguar o rosto esclareceu um pouco sua mente.
As denúncias que aquela fêmea tinha feito eram absoluta e extravagantemente descabidas, muito longe do reino da realidade… e a julgar pelo brilho de seus olhos, era evidente que tinha interesses criados.
Rehv não era nenhuma dessas coisas. Senhor da droga. Symphath. Alcoviteira. Vamos!
Estava muito claro que não podia acreditar em nada do que disse a ex-namorada de seu macho, que, além disso, era do tipo perseguidora, nem sequer sabia qual era sua cor favorita. Especialmente quando Rehv tinha deixado claro desde o começo quando não estavam juntos e nem tinham intimidade, que a garota era problemática. E com razão não tinha querido falar disso. Ninguém quereria admitir ante a pessoa com a qual estava começando uma relação, que em sua vida havia uma perseguidora de seu passado do tipo psicopata «ferve–coelhinhos»–e–eu–não–vou ser–ignorada–Dan[98].
O que devia fazer agora? Bom isso era óbvio. Ela contaria a Rehv. Não de uma forma em que evidenciasse estar em pânico de que o drama continuasse, mas sim como: Escuta aconteceu isto, e realmente deveria saber que essa pessoa é muito instável.
Ehlena ficou satisfeita com esse plano.
Até que tentou tirar o telefone de sua bolsa e se deu conta que ainda estava tremendo. A resposta de sua mente podia ser lógica, suas deduções podiam ser perfeitamente racionais, mas sua adrenalina disparou enlouquecida, e não estava em nada interessada em todo o bom senso que estava tratando de repartir-se a si mesma.
Onde estava? Ah… sim. Rehvenge. Ligar para Rehvenge.
Enquanto marcava seu número, começou a relaxar um pouco. iAm solucionar isso.
Sentiu-se momentaneamente surpreendida quando escutou seu correio de voz, mas logo recordou que tinha uma reunião para assistir. Esteve a ponto de desligar, mas não gostava de andar pelos ramos, e não havia razão para esperar.
—Olá Rehv, acabo de ter uma visita daquela… fêmea. Disse muitos disparates a seu respeito. Eu só… bom, pensei que deveria saber. Para ser honesta, é horripilante. De todos os modos, talvez possa me ligar para falar disso? Realmente te agradeceria isso. Adeus.
Cortou a comunicação e ficou olhando o telefone, rezando para que lhe devolvesse a chamada logo.


Wrath tinha feito uma promessa a Beth e a manteve. Apesar de que estava lhe matando.
Quando ele e seus Irmãos finalmente saíram de Sal, foi direto para casa, junto com seus novecentos quilos de guarda pessoal. Estava nervoso e com fome de murros, aborrecido e zangado, mas havia dito a sua shellan que não sairia ao campo de batalha depois do pequeno episódio da cegueira, e não o faria.
A confiança era algo que tinha que construir e considerando o buraco que tinha aberto a marteladas nos alicerces de sua relação, ia levar muito trabalho voltar a sentar as bases.
Além disso, se não podia brigar, havia algo que sim podia fazer para aplacar os nervos.
Quando a Irmandade entrou no vestíbulo, o som de suas botas reverberou, e Beth saiu disparada da sala de bilhar como se tivesse estado esperando justamente isso. Com um salto, estava em seus braços antes que ele pudesse sequer piscar, e se sentia bem.
Depois de um rápido abraço, afastou-se e se manteve a distância de um braço para poder examiná-lo.
—Está bem? O que aconteceu? Quem foi? Como…?
Os Irmãos começaram a falar todos ao mesmo tempo, embora não a respeito da reunião que não tinha tido lugar. Todos estavam falando do território de caça que ocupariam durante as três horas que restavam para andar pelas ruas.
—Vamos ao estúdio —disse Wrath por cima do barulho— Não posso ouvir nem meus próprios pensamentos.
Enquanto ele e Beth subiam as escadas, gritou a seus irmãos:
—Obrigado por cobrirem minhas costas mais uma vez.
O grupo se deteve e se voltou para enfrentá-lo. Depois de um instante de silêncio, formaram um semicírculo ao pé da escada, e todos formaram um punho com a mão que empunhava a arma. Com um grande whoomp! como grito de guerra, agacharam-se apoiando-se sobre seu joelho direito e golpearam o chão de mosaico com seus duros nódulos. O som como o de um trovão, tambores e a explosão de uma bomba, ricocheteou e se expandiu, enchendo todos os cômodos da mansão.
Wrath olhou para eles, vendo as cabeças inclinadas, as amplas costas dobradas e os poderosos braços cravados. Todos tinham ido a essa reunião preparados para receber uma bala em seu nome, e isso sempre seria assim.
Por trás da figura menor de Tohr, estava Lassiter, o anjo caído, com sua espinha dorsal erguida, mas sem fazer brincadeiras ante esta reafirmação de fidelidade. Em vez disso, estava olhando fixamente o maldito teto outra vez. Wrath olhou para cima, ao mural com silhuetas de guerreiros que se destacavam sobre um céu azul e não pôde distinguir muito as imagens que haviam dito que havia ali.
Voltando para o seu, disse na Antiga Língua:
—Um Rei não poderia pedir mais fortes aliados, nem maiores amigos, nem melhores e mais honoráveis guerreiros que estes que se reuniram a mim, meus irmãos, meu sangue.
Um ondulante grunhido de assentimento se elevou quando os guerreiros ficaram de pé novamente e Wrath saudou com a cabeça a cada um deles. Não tinha palavras para oferecer já que sua garganta se fechou de improviso, mas não pareceram precisar de nada mais. Olharam-no fixamente com respeito, reconhecimento e determinação, e ele aceitou sua enorme oferenda com solene apreciação e firmeza. Este era um pacto antiqüíssimo entre o soberano e seus súditos, um compromisso de ambas as partes que se fazia do fundo do coração e que se levava a cabo com uma mente aguda e um corpo forte.
—Deus, amo vocês meninos —disse Beth.
Houve muitas risadas profundas e logo Hollywood disse:
—Quer que voltemos a apunhalar o chão para você? Os punhos são para os Reis, mas às Rainhas tocam as adagas.
—Não quero que tirem lascas deste bonito chão. Mas obrigada de todos os modos.
—Só tem que dizê-lo e o convertemos em entulhos.
Beth riu.
—Se acalme, coração mío[99].
Os Irmãos se aproximaram e beijaram o Rubi Taciturno que levava no dedo, e quando cada um se inclinava a lhe fazer as honras, acariciava-lhe gentilmente o cabelo. Salvo Zsadist, que lhe sorriu com ternura.
—Nos desculpem, meninos —disse Wrath — Precisamos de um momento de tranqüilidade, me entendem?
Houve uma quebra de onda de aprovação machista, que Beth aceitou com calma e um rubor e logo chegou a hora de ter um pouco de privacidade.
Quando Wrath começou a subir as escadas com sua shellan sentia como se as coisas estivessem voltando para a normalidade. Bem, sim, havia complôs de assassinato, dramas políticos e lessers por todos os lados, mas isso formava parte de seu trabalho habitual. E nesse momento tinha a seus irmãos unidos, a sua amada companheira em seus braços e às pessoas e aos doggens pelos quais sentia algo tão a salvo como era possível.
Beth apoiou a cabeça em seus peitorais e a mão em sua cintura.
—Realmente estou contente de que todo mundo esteja bem.
—Que gracioso, estava pensando exatamente o mesmo.
Guiou-a até o estúdio e fechou ambas as portas, a calidez do fogo era um bálsamo… e uma incitação. Quando ela caminhou para o escritório abarrotado de papéis, ele seguiu com o olhar o balanço de seus quadris.
Com um giro de pulso os encerrou dentro.
Enquanto se aproximava, Beth estendeu a mão para tratar de ordenar um pouco os documentos.
—Então que ocur…?
Wrath pressionou os quadris contra seu traseiro e sussurrou:
—Preciso estar dentro de você.
Sua shellan ofegou e deixou cair a cabeça para trás sobre seu ombro.
—OH, Deus… sim…
Grunhindo deslizou uma mão ao redor de seu torso para seu peito, e quando ela conteve o fôlego, ele apoiou e fez roçar seu pênis contra ela.
—Não quero fazê-lo devagar.
—Eu tampouco.
—Incline-se sobre a escrivaninha.
Observar como se inclinava e arqueava as costas quase lhe arranca uma maldição e quando separou os pés escapou dele um fodeeeeeeer.
Que era exatamente o que ia fazer.
Wrath apagou o abajur do escritório para que só ficassem iluminados pela luz oscilante e dourada do fogo, e percorreu seus quadris com mãos que estavam rudes pela expectativa. Agachando-se detrás dela, percorreu-lhe a coluna vertebral com as presas e fez com que apoiasse todo seu peso em um só pé para poder tirar seu sapato de salto alto e a perna de suas calças Seven. Entretanto estava muito impaciente para fazer o mesmo do outro lado… especialmente quando olhou para cima e viu as deliciosas calcinhas negras.
Bem. Mudança de planos.
A penetração ia ter que esperar.
Ao menos a que faria com seu pênis.
Permanecendo agachado, tirou as armas com cuidado e rapidez, e se assegurou de que as pistolas estivessem travadas e que as adagas estavam em suas capas. Se a porta não estivesse fechada com chave, as teria guardado no armário das armas que tinha uma fechadura de segurança, sem importar quão excitado estivesse com sua shellan. Com Nalla nos arredores, ninguém corria o risco de que a filha de Z e Bella encontrasse algum tipo de arma. Jamais.
Quando ficou desarmado, tirou os óculos envolventes e os jogou sobre a escrivaninha, logo deslizou as mãos para cima pela parte traseira das coxas suaves de sua companheira. Separando-lhe amplamente, arqueou-se para cima e se colocou entre suas pernas, levantando a boca por volta do algodão que cobria o centro que penetraria muito em breve.
Pressionou a boca contra ela, sentindo o calor através do que tinha vestido, seu aroma o enlouquecia, seu membro golpeava com tanta força o interior de suas calças de couro, que não podia estar seguro de se acabava de ter um orgasmo ou não. Acariciá-la e lambê-la através das calcinhas não era suficiente… então tomou o algodão entre seus dentes e o esfregou contra seu sexo, sabendo condenadamente bem que a costura lateral estava massageando o local exato que ele morria por sugar.
Quando ela voltou a pôr as palmas contra a escrivaninha, se ouviu um thump–thump assim como também o ranger de papéis que voavam para o chão.
—Wrath…
—O que? —murmurou contra ela, acariciando-a com o nariz—.Você não gosta?
—Cale-se e volte para a ação…
Silenciou-a ao deslizar a língua por debaixo das calcinhas… e também se obrigou a ir mais devagar. Estava tão escorregadia, molhada, suave e desejosa, que apenas se pôde evitar atirá-la sobre o tapete para penetrá-la profunda e sem piedade.
E então ambos perderiam as bondades da expectativa.
Afastando a um lado a parte de algodão com a mão, beijou a pele rosada, logo afundou nela, encontrando que estava bem preparada para ele, e sabia pelo mel que estava engolindo ao arrastar a língua para cima em uma longa e lenta carícia.
Mas não era suficiente, e ter que segurar as calcinhas para um lado o distraía.
Com suas presas, furou-as, logo as rasgou exatamente pela metade, deixando que as duas metades ficassem pendurando de seus quadris. Subiu as palmas das mãos até seu traseiro e apertou com força deixando de brincar e começando a acariciar seriamente a sua fêmea com a boca. Sabia o que mais gostava, sabia exatamente como devia chupá-la, lambê-la e penetrá-la com a língua.
Fechando os olhos, captou tudo, o aroma, o sabor, e a sensação que ela produzia ao tremer contra ele quando chegava ao clímax e se desintegrava. Por trás da braguilha de suas calças de couro, seu pênis estava demandando atenção a gritos, o roce dos botões não era absolutamente suficiente para satisfazer o que estava exigindo, mas à merda com ela. Sua ereção ia ter que esperar um pouco, porque isto era muito bom para deter-se tão logo.
Quando os joelhos de Beth vacilaram, baixou-a ao chão e estendeu uma de suas pernas para cima, mantendo o ritmo enquanto empurrava seu pulôver de lã até o pescoço e colocava a mão debaixo do sutiã. Quando teve outro orgasmo, ela se agarrou nas pernas da escrivaninha, e puxou com força, firmando seu pé livre sobre o tapete. O empenho que ele colocava em suas carícias colocava a ambos cada vez mais debaixo do lugar onde levava a cabo seus deveres reais até que se viu obrigado a esconder-se para poder passar os ombros.
Finalmente a cabeça dela saiu pelo outro lado e terminou agarrando-se e arrastando a cadeira de bicha em que ele se sentava.
Quando voltou a gritar seu nome, ele subiu por seu corpo e olhou com fúria a estúpida cadeira afeminada.
—Preciso de algo mais sério sobre o qual me sentar.
Foi a última coisa coerente que disse. Seu corpo encontrou a entrada do dela com uma facilidade que evidenciava toda a prática que tinham tido… OH, sim, seguia sendo tão bom como na primeira vez. Envolvendo-a com seus braços, montou-a com dureza, e a acompanhou até que a tormenta que percorria seu corpo, concentrou-se em seus testículos fazendo-os arder. Juntos, ele e sua shellan se moviam em uníssono, dando, recebendo e acelerando o ritmo mais e mais até que ele gozou e continuou movendo-se, até que voltou a gozar e continuou movendo-se até que algo golpeou seu rosto.
Ao encontrar-se em um estado completamente animal, desferiu-lhe um golpe com suas presas.
Eram as cortinas.
Enquanto a fodia, as tinha arrumado para abrir caminho de debaixo da escrivaninha, passando junto à cadeira até chegar à parede.
Beth estalou em gargalhadas e ele também, e logo abraçaram um ao outro. Deixando-se cair de lado, Wrath sustentou a sua companheira contra seu peito, e ajeitou bem seu pulôver de pescoço para que não tivesse frio.
—Então, o que ocorreu na reunião? —perguntou ela finalmente.
—Nenhum integrante do Conselho se apresentou. —Duvidou, perguntando-se onde riscar a linha com respeito a Rehv.
—Nem sequer Rehv?
—Ele estava ali, mas os outros não apareceram. É evidente que o Conselho tem medo de mim, o que não está mau. —Abruptamente, tomou as mãos—. Escuta, ah, Beth…
Em sua resposta se filtrava a tensão.
—Sim?
—Quer que seja honesto, verdade?
—Verdade.
—Sim, aconteceu algo. É referente a Rehvenge… a sua vida… mas não me sinto a vontade te contando os detalhes porque é assunto dele. Não meu.
Ela exalou.
—Se não incluir você nem à Irmandade…
—O faz somente porque nos põe em uma situação difícil. —E Beth estaria na mesma posição incômoda se tivesse toda a informação. O assunto era, que proteger a identidade de um conhecido symphath, era só a metade do problema. A última vez que o tinha comprovado, Bella não tinha nem idéia do que era seu irmão. Assim Beth também teria que ocultar o segredo a sua amiga.
Sua shellan franziu o cenho.
—Se perguntar como exatamente apresentaria um problema para vocês, vou saber do que se trata, não é?
Wrath assentiu e esperou.
Ela acariciou sua mandíbula.
—E me diria isso, certo?
—Sim. —Não gostaria, mas o faria. Sem duvidar.
—Ok… não vou perguntar. —elevou-se para beijá-lo— E me alegra que tenha me dado a opção.
—Vê, pode me treinar. —Segurou-lhe o rosto e pressionou sua boca contra a dela algumas vezes, sentindo o sorriso que elevava seus lábios pela forma como a percepção da carícia mudou.
—Falando de treinamento, você gostaria de comer alguma coisa? —perguntou-lhe.
—Oh, como te amo.
—Irei buscar.
—Acredito que será melhor que se limpe primeiro. —tirou a camiseta negra e cuidadosamente a subiu pela parte interna de suas coxas para seu centro.
—Está fazendo algo mais que me limpar —disse ela arrastando as palavras enquanto permitia que as mãos dele a esfregassem entre as coxas.
Ele se impulsionou para cima, fazendo um movimento para montá-la outra vez.
—Pode me culpar? Mmmm…
Ela riu e o deteve.
—Comida. Depois mais sexo.
Ele mordiscou sua boca pensando que ela dava um valor excessivo à comida. Mas nesse momento o estômago de sua shellan rugiu, e imediatamente sua única preocupação consistiu em alimentá-la, seu instinto de protegê-la e prover para ela superavam ao sexual.
Pondo a ampla palma sobre seu abdômen chato, disse-lhe:
—Deixa que vá te buscar…
—Não, eu quero servir a você. —Voltou a lhe tocar o rosto— Fique aqui. Não demorarei muito.
Quando ela ficou de pé, ele rodou sobre suas costas e colocou sua bem empregada, mas ainda muito rígida ereção dentro das calças de couro.
Beth se agachou para levantar seu jeans, lhe oferecendo um impressionante panorama que fez com que se perguntasse se seria capaz de esperar cinco minutos antes de voltar a penetrá-la.
—Sabe o que quero? —murmurou enquanto colocava os Seven em seu lugar.
—Como acaba de fazer amor com seu hellren, tem vontade de praticar um pouco mais do velho e querido empurra–e–roça?
Deus, amava fazê-la rir.
—Bom, sim —disse— Mas quanto a comida… quero guisado caseiro.
—Já está preparado? —Por favor, que pareça…
—Há sobras de carne de… Olhe a expressão de seu rosto!
—Prefiro tê-la menos na cozinha e mais em cima de mim… —Bom, definitivamente, não ia terminar essa oração.
Entretanto, ela não pareceu ter problemas para encher os espaços em branco.
—Hmm, me apressarei.
—Faça isso, leelan, e te darei uma sobremesa que fará sua cabeça girar.
Enquanto ela cruzava a habitação lhe mostrou um incrível balanço de quadris, uma dancinha sensual que o deixou grunhindo, deteve-se na porta e o olhou, ficando iluminada pela luz mais brilhante que provinha do corredor.
E incrivelmente, sua imprecisa visão lhe deu o mais delicioso presente de despedida: com o brilho pôde ver seu cabelo comprido e escuro caindo sobre seus ombros, seu rosto ruborizado e seu corpo alto e cheio de curvas.
—É muito bonita —disse em voz baixa.
Beth definitivamente resplandeceu, o aroma da alegria e a felicidade se intensificou até que tudo o que pôde cheirar foi a fragrância das rosas de floração noturna que era o perfume natural dela.
Beth levou a ponta dos dedos aos lábios com os quais ele se extasiou e lhe soprou um lento e suave beijo.
—Voltarei em seguida.
—E a verei então. —Embora considerando quão excitado estava, era provável que ambos passassem um pouco mais de tempo–sob–a–escrivaninha.
Depois que ela se foi, permaneceu deitado um momento mais, e seus agudos ouvidos ouviram como descia pela escada principal. Logo se obrigou a levantar-se, e pôs a cadeira afeminada em seu lugar, e se sentou atrás da escrivaninha. Estendeu a mão e tomou seus óculos envolventes para que seus olhos não tivessem que suportar a tênue luz do fogo e deixou cair a cabeça para trás…
O golpe na porta fez com que suas têmporas pulsassem pela frustração. Homem, não podia ter nem dois segundos de paz, verdade?... E a julgar pelo aroma de tabaco turco, já sabia quem era.
—Entra, V.
Quando o Irmão entrou, o aroma de tabaco se mesclou com a sutil fumaça do fogo que ardia no outro lado da sala.
—Temos um problema —disse Vishous.
Wrath fechou os olhos e esfregou a ponta do nariz, desejando ardentemente que sua dor de cabeça não estivesse instalando-se para toda a noite, como se seu cérebro fosse um Travelodge[100].
—Diga-me.
—Alguém nos mandou um e–mail a respeito de Rehvenge. Deu-nos vinte e quatro horas para que o enviássemos à colônia symphath ou do contrário revelarão sua identidade ante a glymera e deixarão bem claro que você e todos nós sabíamos o que era e apesar disso, não tomamos medidas.
Wrath abriu os olhos de repente.
—Que merda?
—Já estou investigando a direção do e–mail. Se a busca através do IP tiver êxito, serei capaz de acessar à conta e me inteirar a quem pertence.
—Merda… e até aqui chega a teoria de que esse documento não foi lido por ninguém mais. —Wrath engoliu com força, a pressão em sua cabeça o fazia sentir náusea— Olhe, telefone para Rehv, e informe-o a respeito do que nos enviaram. Veja o que diz ele. A glymera está desagregada e assustada, mas se esse tipo de merda chega a seus ouvidos, não teremos mais remédio que fazer algo a respeito… do contrário poderíamos ter um motim em nossas mãos e não só por parte da aristocracia, mas também intervirão os civis.
—Entendido. Voltarei a informá-lo.
—Faça isso rápido.
—Está bem, né?
—Sim. Vá telefonar para Rehv. Maldito seja.
Uma vez que a porta se fechou novamente, Wrath gemeu. A tênue luz do fogo piorava a agonia de suas têmporas, mas não estava disposto a apagar as chamas: a escuridão total não era uma opção, não depois da chamada de atenção dessa tarde quando a meia-noite era tudo o que tinha.
Fechando as pálpebras, tentou superar a dor. Um pequeno descanso. Isso era tudo o que precisava.
Só um pequeno descanso.

Capítulo 51


Quando Xhex retornou ao ZeroSum, entrou pela porta dos fundos da seção VIP e manteve as mãos nos bolsos. Graças a seu lado vampiro, não deixava rastros digitais, mas umas mãos ensangüentadas seguiam sendo umas mãos ensangüentadas.
E também em suas calças tinha a merda de Grady.
Mas esse era o motivo, pelo qual inclusive nestes tempos modernos, o clube seguia tendo uma antiquada caldeira de lenha no porão.
Não avisou a ninguém de que tinha chegado, simplesmente se deslizou dentro do escritório de Rehv e o atravessou em direção ao dormitório que havia no outro lado. Felizmente, havia tempo de sobra para trocar-se e banhar-se, porque o DPC ia levar um bom momento encontrar Grady. A ordem que tinha dado a Da Cruz tinha sido partir pelo resto da noite... Embora com um homem como ele, existia a possibilidade de que sua consciência pudesse superar o pensamento que ela tinha implantado. Ainda assim, tinha como mínimo um par de horas.
Quando esteve no apartamento de Rehv, fechou a porta com chave e foi diretamente à ducha. Depois de abrir a água quente, desarmou-se e pôs toda sua roupa e as botas em um tobogã que levava diretamente até a caldeira.

Que o homem de Maytag[101] fosse à merda. Este era o tipo de limpeza que as pessoas como ela precisava.
Colocou sua longa folha sob a água com ela e lavou seu corpo e a faca com igual cuidado. Ainda usava os cilícios, o sabão lhe picava onde as bandagens com brocas de metal se afundavam na pele de suas coxas, e esperou que a dor decaísse antes de soltar um e depois o outro...
A úmida agonia foi tão grande que intumesceu suas pernas e disparou até seu peito, provocando que seu coração palpitasse com força. Enquanto uma exalação escapava de sua boca, recostou-se contra o mármore, compreendendo que era muito provável que desmaiasse.
De algum modo se manteve consciente.
Observando como florescia o vermelho ao redor do deságüe que havia sob seus pés, pensou no cadáver de Chrissy. Nesse necrotério humano, o sangue da mulher tinha sido negro e marrom sob sua carne salpicada de cinza. A de Grady tinha sido da cor do vinho, mas seguro como a merda que em algumas horas ia ter o mesmo aspecto que a garota que tinha matado... Morto sobre uma mesa de aço inoxidável com o que uma vez tinha tamborilado através de suas veias endurecendo-se como o concreto.
Fazia bem seu trabalho.
As lágrimas chegaram de nenhuma parte e de todas, e as desprezou.
Envergonhada de sua fraqueza e apesar de estar sozinha, Xhex cobriu o rosto com as mãos.
Alguém tinha tentado vingar sua morte uma vez.
Mas ela não tinha estado morta... só tinha desejado enquanto trabalhavam seu corpo com todo tipo de «instrumentos». E toda a galante atuação de herói–sobre–um–corcel–branco não tinha ido bem a seu vingador. Murhder havia se tornado louco. Pensou que estava resgatando uma vampira, mas, surpresa! Em realidade estava arriscando sua vida para levar para casa uma symphath.
Ops. Suponho que se esqueceu de contar a seu amante essa pequena parte.
Desejou ter o revelado ela mesma. Considerando o que era, ele tinha todo direito, e talvez se o tivesse sabido, ainda estaria na Irmandade. Talvez emparelhado com uma agradável fêmea. Definitivamente não teria perdido a prudência nem teria saído correndo a Deus sabe onde.
A vingança era um assunto perigoso, não? No caso de Chrissy, estava bem. Tudo tinha saído bem. Mas algumas vezes o que tratava de honrar não era digno do esforço.
Xhex não o era e o preço não tinha sido só a mente de Murhder. Rehv ainda estava pagando por seus enganos.
Pensou em John Matthew e desejou com todas suas forças não ter fodido com ele. Murhder tinha sido algo casual para ela. John Matthew? A julgar pela dor que sentia no centro de seu peito cada vez que pensava nele, suspeitava que era muito mais que isso... Razão pela qual estava tentando fechar sua mente ao que tinha ocorrido entre eles lá em seu porão.
O problema estava na forma como John Matthew a tinha tratado. A ternura que tinha demonstrado ameaçava parti-la pela metade, suas emoções tinham sido suaves, gentis, respeitosas... amorosas... Apesar de saber o que ela era. Viu-se obrigada a afastá-lo com dureza porque enquanto ele não acabasse com essa merda, Xhex corria o risco de pressionar seus lábios contra os dele e perder-se completamente.
John Matthew era o poço de sua alma, como chamavam os symphaths, ou seu pyrocant, para os vampiros. Sua debilidade essencial.
E era muito fraca quando se tratava dele.
Com uma quebra de onda de dor, visualizou-lhe nesse monitor de segurança com suas mãos sobre o corpo de Gina. Igual às bandagens com brocas de metal que usava, essa imagem a alagava de agonia, e não pôde evitar pensar que merecia o que ia sentir ao observá-lo afogar-se em sexo vazio e despreocupado.
Fechou a ducha, recolheu seus cilícios e a faca do lustroso chão de mármore, e saiu, deixando cair todo o metal em um lavabo para que gotejasse até secar-se.
Enquanto usava uma das super luxuosas toalhas negras de Rehv, desejou que fosse...
—Papel de lixa, não? —disse Rehv arrastando as palavras da soleira.
Xhex se deteve com a toalha atravessada nas costas e olhou o espelho. Rehv estava recostado contra o umbral, seu casaco de Marta o fazia parecer um grande urso macho, seu mohawk e seus agudos olhos púrpuras davam testemunho de seu lado guerreiro apesar de toda a roupa metrossexual que usava.
—Como foi esta noite? —perguntou-lhe, pondo um pé no balcão do lavabo e fazendo descer o tecido negro felpudo até o tornozelo.
—Eu poderia te perguntar o mesmo. Que caralho está acontecendo?
—Nada. —Levantou a outra perna—. Então, como foi a reunião?
Rehv manteve o olhar no seu, não porque respeitasse o fato de que estivesse nua, mas sim porque honestamente lhe dava igual. Demônios, teria atuado igual se Trez ou iAm estivessem mostrado o traseiro. Fazia muito tempo que tinha deixado de vê-la como fêmea, apesar de que se alimentavam um do outro.
Talvez fosse isso o que gostasse em John Matthew. Olhava-a, tocava-a e a tratava como se fosse uma fêmea. Como se fosse preciosa.
Não porque não fosse tão forte quanto ele, mas sim porque era única e especial...
Jesus. Livre-a do estrogênio. E em qualquer caso, que tudo ficasse no passado.
—A reunião? —animou-lhe ela.
—Bem. Daquela maneira. Quanto ao Conselho? Não apareceram, mas isto sim. —Rehv tirou um envelope comprido e magro do bolso de seu peito e o lançou sobre a bancada—Logo deixarei você lê-lo. Basta dizer que já faz muito tempo que meu segredo é de conhecimento público. Meu padrasto soltou a língua quando estava a caminho do Fade, e foi um milagre que a merda não salpicasse antes.
—Filho da puta.
—Por certo, isso é uma declaração sob juramento. E não só uns rabiscos a caneta na parte de atrás de um guardanapo. —Rehv sacudiu a cabeça—.Vou ter que entrar nessa casa de Montrag. Ver se há alguma cópia mais por lá.
—Eu posso fazer isso.
Esses olhos ametista se entrecerraram.
—Sem ofender, mas declinarei a oferta. Não tem bom aspecto.
—Isso é só porque faz tempo que não me vê sem roupa. Me dê um pouco de couro e voltará a ver-me como uma mulher dura.
Os olhos do Rehv desceram para as feridas abertas que tinha ao redor das coxas.
—É difícil imaginar que se meteu comigo pelo que estava fazendo com meu braço, considerando o aspecto desses suas feridas agudas.
Ela se cobriu com a toalha.
—Hoje irei à casa de Montrag.
—Por que estava tomando uma ducha?
—Porque estava toda ensangüentada.
O sorriso que se estendeu pela boca de Rehv revelando suas presas foi do tipo «festejemos».
—Encontrou Grady.
—Sim.
—Beeeeem.
—É de esperar que o DPC nos faça uma visita a qualquer momento.
—Estou desejando isso.
Xhex secou os cilícios e a faca, logo passou junto a Rehv e foi por volta dos setenta centímetros quadrados do armário dele que lhe pertenciam. Tirando um par de calças de couro limpas e uma camiseta negra sem mangas, olhou sobre seu ombro.
—Importaria-se de me dar um pouco de privacidade.
—Colocará essas malditas coisas outra vez?
—Como vai sua provisão de dopamina?
Rehv riu silenciosamente e se dirigiu para a porta.
—Eu me ocuparei de averiguar a casa de Montrag. Ultimamente tem feito suficiente trabalho sujo para outras pessoas.
—Posso me ocupar.
—Isso não quer dizer que deva fazê-lo. —Colocou a mão no bolso e tirou seu celular—Caralho, esqueci de religar esta maldita coisa.
Quando a tela se iluminou, desceu o olhar e suas emoções... flutuaram.
Suas emoções realmente tinham flutuado.
Talvez se devesse ao fato de que não tinha recolocado os cilícios, e seu lado symphath não demorava muito em aflorar, mas não pôde evitar concentrar-se seriamente nele, a debilidade que este desdobrou a fez sentir curiosidade.
Entretanto o que notou, não foi tanto seu ralo emocional... a não ser o fato de que seu aroma era diferente.
—Alimentou-se de alguém —lhe disse.
Rehv ficou congelado, delatando-se pela imobilidade desse grande corpo dele.
—Nem sequer tente mentir —murmurou ela—. Posso cheirá-lo.
Rehv encolheu de ombros, e ela se preparou para todo um lote de não–é–nada. Até abriu a boca, e seu rosto assumiu a expressão aborrecida que utilizava para distanciar-se das pessoas.
Exceto não disse nada. Não parecia capaz de soltar a argumentação.
—Uau. —Xhex sacudiu a cabeça— É algo sério, não é?
Evidentemente ignorar a pergunta era o melhor que ele podia fazer.
—Quando estiver preparada, reuniremo-nos com Trez e iAm e nos poremos ao dia antes de fechar.
Rehv girou sobre seus mocassins e voltou a sair para o escritório.
Curioso, pensou para si mesmo, enquanto recolhia uma das bandas de aço e se preparava para colocá-la ao redor de sua coxa, nunca tinha esperado vê-lo assim. Jamais.
Fazia-a se perguntar quem seria ela. E quanto sabia a fêmea a respeito dele.

Rehv foi a seu escritório e se sentou, com o telefone na mão. Ehlena tinha telefonado e deixado uma mensagem, mas em vez de esbanjar o tempo escutando-o, procurou sua informação de contato Y...
A chamada que entrava foi a única que lhe pôde dissuadir de terminar de marcar. Respondeu e disse:
—Com que Irmão falo?
—Vishous.
—O que acontece, homem?
—Nada bom, verdade?
O tom seco da voz do homem fez que Rehv pensasse em acidentes de tráfego. Dos graves que requeriam o gato hidráulico para liberar corpos.
—Fala.
O Irmão falou e falou e falou. E–mail. Coberta revelada. Deportação.
Nesse momento deve ter suscitado um longo intervalo de silêncio, porque Rehv ouviu seu nome.
—Está aí? Rehvenge? Hei, homem?
—Sim, estou aqui. —Mais ou menos. O rugido que embotava sua mente o distraía um pouco, soava como se o edifício onde se encontrava estivesse caindo a seu redor.
—Ouviu minha pergunta?
—Ah... Não. —O rugido se tornou tão estrepitoso, que teve a segurança de que o clube tinha sido bombardeado e as paredes estavam se desmoronando e o teto estava vindo abaixo.
—Tentei rastrear o e–mail e estou quase seguro de que provém de uma direção IP do norte do estado perto da colônia, se é que não está dentro mesmo dela. Realmente não acredito que isto provenha de um vampiro absolutamente. Sabe de alguém lá em cima que possa tentar divulgar sua identidade?
Assim à princesa já não interessava jogar aos chantagistas.
—Não.
Agora foi a vez de V ficar calado.
—Está seguro?
—Sim.
A princesa tinha decidido lhe convocar a casa. E se não ia, estava claro que enviaria e-mails a toda a glymera e além de revelar o segredo de Rehv, implicaria Wrath e à Irmandade. Isto unido à declaração jurada que tinha aparecido essa noite?
A vida tal e como a conhecia tinha acabado.
Não é que a Irmandade precisasse inteirar-se disso.
—Rehv?
Com voz inerte, respondeu:
—É só uma conseqüência desagradável da merda de Montrag. Não se preocupe por isso.
—Que demônios aconteceu?
A voz aguda de Xhex da porta do dormitório o ajudou a concentrar-se, e a olhou. Ao encontrar seu olhar, seu corpo forte e seus perspicazes olhos cinza lhe pareceram tão familiares como seu próprio reflexo, e o mesmo acontecia com ela... Assim pela expressão de seu rosto ela soube o que estava ocorrendo exatamente.
Lentamente a cor abandonou suas bochechas.
—O que aconteceu? O que essa filha-da-puta fez a você?
—Tenho que deixá-lo, V. Obrigado por ligar.
—Rehvenge? —interrompeu o Irmão—. Olhe, amigo, por que não me permite seguir tentando rastrear...?
—É uma perda de tempo. Lá no norte ninguém sabe. Acredite em mim.
Rehv finalizou a chamada, e antes que Xhex pudesse saltar, marcou o botão de voz e pôs a mensagem de Ehlena. De todas as formas, sabia o que ela ia dizer. Sabia exatamente...
—Olá Rehv, acabo de ter uma visita daquela… fêmea. Disse muitos disparates a seu respeito. Eu só… bom, pensei que deveria saber. Para ser honesta, é horripilante. De todos os modos, talvez possa me ligar para falar disso? Realmente te agradeceria isso. Adeus.
Apagou a mensagem, pulsou fim, e deixou o celular sobre a escrivaninha, alinhando-o com o secante negro de couro para que o LG estivesse perfeitamente vertical.
Xhex se aproximou, e enquanto o fazia se produziu uma súbita chamada à porta e alguém entrou.
—Nos dê um minuto, Trez. —Ouviu que dizia ela— Leve Rally com você, e não deixe que ninguém entre aqui.
—Que p...?
—Agora. Por favor.
Rehvenge estava olhando fixamente o telefone, e só foi fracamente consciente de um movimento deslizante e da porta fechando-se.
—Ouve isso? —disse-lhe silenciosamente.
—Ouvir o que? —perguntou Xhex enquanto se aproximava e se ajoelhava junto a sua cadeira.
—Esse som.
—Rehv, o que aconteceu?
Olhou-a nos olhos e em vez de vê-la viu sua mãe em seu leito de morte. Que curioso, ambas as mulheres tinham o mesmo tipo de súplica em seus olhares. E ambas eram pessoas às quais queria proteger. Ehlena estava nessa lista. Assim como sua irmã. Assim como Wrath e a Irmandade.
Rehvenge estendeu o braço para frente e embalou o queixo de sua segunda no comando.
—Só são coisas da Irmandade, e estou realmente cansado.
—E uma merda coisa da Irmandade e uma merda está cansado.
—Posso te perguntar algo?
—O que?
—Se pedisse a você que se ocupe de uma fêmea por mim, se asseguraria de que o fizesse?
—Sim, porra, sim. Jesus, faz mais de vinte anos que estou desejando matar essa cadela.
Ele deixou cair a mão e logo estendeu a palma.
—Por sua honra, jure.
Xhex estreitou sua mão como o faria um homem, não foi unicamente um toque a não ser uma promessa.
—Tem minha palavra. O que queira.
—Obrigado. Escuta, Xhex, vou deitar-me...
—Mas primeiro tem que me dar uma pista do que está acontecendo.
—Você fecha?
Ela se sentou sobre os tornozelos.
—O que. Caralho. Está. Acontecendo?
—Só era Vishous com outro buraco na estrada.
—Merda, Wrath está tendo problemas com a glymera?
—Enquanto houver uma glymera, vai ter problemas.
Ela franziu o cenho.
—Por que está pensando na porra de um anúncio dos anos oitenta?
—Porque os medalhões de homem estão voltando a ficar na moda. Posso senti-lo. E deixa de tentar afundar em mim.
Houve um comprido silencio.
—Vou atribuir isto à morte de sua mãe.
—Excelente plano. —Firmou sua bengala contra o chão— Agora, vou dormir um pouco. Tenho levantado como dois dias seguidos.
—Bem. Mas na próxima vez, tenta me bloquear com algo menos aterrador que Deney Terrio[102] nas Bahamas.
Quando ficou sozinho, Rehv olhou a seu redor. O escritório tinha visto muita ação: montões de dinheiro trocando de mãos. Montões de droga fazendo o mesmo. Vários sabichões que haviam tratado de fodê-lo, sangrando.
Através da porta aberta do seu dormitório olhou o apartamento onde tinha passado grande quantidade de noites. Mal chegava a ver a ducha.
Tempo atrás quando ainda era capaz de tolerar o veneno da princesa, quando era capaz de ir a ela, ocupar-se do assunto e conservar a suficiente força para trazer seu próprio traseiro para casa, sempre se banhava nesse banheiro. Não tinha querido poluir o lar familiar com o que tinha sobre sua pele, e tinha necessitado abundância de sabão, água quente e esfregar com força antes de poder voltar a ver sua mãe e a sua irmã. Era irônico mas quando chegava a sua casa, sua mãe invariavelmente lhe perguntava se tinha estado no ginásio, porque tinha «um brilho saudável na cara».
Nunca havia se sentido o bastante limpo. Mas bom, os atos desagradáveis não eram como a sujeira... não podia fazê-los desaparecer se lavando.
Deixou que sua cabeça caísse para trás e em sua mente percorreu o ZeroSum, visualizando a sala de corte do Rally, a seção VIP, a cascata que servia como parede, a pista de baile aberta e as barras. Conhecia cada centímetro do clube e tudo o que ocorria nele, do que faziam as garotas quando ficavam de joelhos e de costas, até como trabalhavam os corredores de apostas com suas probabilidades e a quantidade de overdose de droga com as quais Xhex tinha lutado.
Tantos negócios sujos.
Pensou em Ehlena que tinha perdido seu trabalho por lhe conseguir uns antibióticos que ele tinha sido muito imbecil para ir procurá-los na clínica de Havers. Vê, isso era uma boa ação. E sabia não só porque o tinha ensinado a si mesmo aprendendo-o ao freqüentar às pessoas de sua mãe, mas sim porque sabia que tipo de pessoa era Ehlena. Era realmente bondosa, e conseqüentemente fazia boas ações.
O que ele tinha estado fazendo aqui não era e nunca tinha sido bom, por ser ele quem era.
Rehv pensou no clube. A questão era que os lugares de sua vida, como a roupa que vestia, o carro que conduzia e os amigos e sócios que tinha, eram o produto de sua forma de vida. E ele vivia de forma escura, violenta e sórdida. E também ia morrer desse modo.
Merecia o destino que estava reservado a ele.
Mas de caminho à saída, ia fazer as coisas direito. Por uma vez em sua vida, ia fazer o correto pelas razões corretas.
E ia fazer pela breve lista de pessoas às quais... amava.

Capítulo 52


Ao outro lado da cidade, na mansão da Irmandade, Tohr estava na sala de bilhar, com o traseiro sobre uma cadeira que tinha arrastado e posto em ângulo para poder ver a porta do vestíbulo. Em sua mão direita sustentava um relógio negro, novo modelo do Timex, Indiglo, ao qual estava ajustando a hora e a data, e à altura de seu cotovelo esquerdo tinha um copo comprido com uma vitamina de sorvete de café. Quase tinha acabado com o relógio e só tinha consumido um quarto da vitamina.
Seu estômago não estava digerindo bem toda a quantidade de alimento que lhe estava dando, mas lhe importava um nada. Precisava ganhar peso rapidamente, assim sua tripa ia ter que ajustar-se ao programa.
Com um assobio final, o relógio esteve ajustado, o pôs no pulso e na superfície assinalava um resplandecente 4:57 a.m.
Voltou a olhar para a porta do vestíbulo. Que se foda o relógio e a comida. O que realmente estava fazendo era esperar que John atravessasse a maldita porta com o Qhuinn e Blay.
Queria a seu menino seguro em casa. Embora John já não fosse um menino, e não tivesse sido dele desde que o deixou na mão um ano atrás.
—Sabe, não posso acreditar que não esteja olhando isto.
A voz de Lassiter fez que recolhesse o copo e tomasse um gole pelo canudinho para não lhe lançar outro fecha–a–boca–perdedor ao bode. O anjo adorava a televisão, mas sofria de um grave caso do TDA. Sempre estava trocando de canal. Só Deus sabia o que estava olhando agora.
—Quero dizer, é uma mulher, indo sozinha pelo mundo. Ela é genial e usa boa roupa. É realmente um bom programa.
Tohr olhou por cima do ombro. O anjo estava escancarado no sofá, com o controle na mão e a cabeça apoiada em uma almofada bordada que Marissa tinha feito e que dizia, Presas Para As Lembranças. E mais à frente, na tela plana, havia…
Tohr quase se afogou com a vitamina.
—Que demônios está fazendo? Essa é Mary Tyler Moore, golpe forte.
—Assim se chama?
—Sim. E não te ofenda, não deveria te excitar tanto com esse programa.
—Por quê?
—É como que estar a um passo de ver um filme do canal Lifetime[103]. Já que está, bem poderia pintar as unhas dos pés.
—Como é. Eu gosto.
O anjo não parecia encaixar o fato de que ver a MTM[104] no Nick at Nite no canal infantil do Nickelodeon não era como ver AMC[105] no canal para homens Spike. Se qualquer dos Irmãos visse isto, ao Lassiter iriam dar uma boa surra no traseiro.
—Hey, Rhage —gritou Tohr para o sala de jantar.
— Venha ver o que esta lâmpada de lava tem no tubo.
Hollywood entrou levando na mão um prato com uma montanha de purê de batatas e rosbife. Geralmente, em sua maior parte não acreditava nas verduras, considerava-as «uma perda de espaço calórico», assim que os feijões verdes que havia na primeira refeição estavam ostensivamente ausentes do prato reaquecido.
—Que está olhando… OH, ouça! Mary Tyler Moore. Adoro-a. —Rhage estacionou o traseiro em um dos sofás junto ao anjo.
— Bom traje.
Lassiter lhe disparou um olhar de “viu”.––disse em direção ao Tohr.
—E Rhoda é bastante sexy.
Golpearam-se os nódulos entre si.
—Totalmente de acordo.
Tohr voltou para sua vitamina.
—Vocês dois são uma vergonha para o sexo masculino.
—Por quê? Por que não somos fãs do Godzilla? —respondeu Rhage.
—Ao menos eu posso manter a cabeça alta em público. Vocês dois deveriam estar olhando essa merda escondidas em um armário.
—Não sinto a necessidade de ocultar minhas preferências. —Rhage arqueou as sobrancelhas, cruzou as pernas, e estendeu o mindinho da mão com a que sustentava o garfo.
— Sou o que sou.
—Por favor, não me tente com essa classe de oportunidade —murmurou Tohr, ocultando um sorriso ao morder seu canudinho outra vez.
Quando tudo ficou em silêncio, jogou-lhes uma olhada, preparado para seguir…
Rhage e Lassiter estavam lhe olhando fixamente, com uma precavida aprovação em seus rostos.
—OH, que caralho, não me olhem assim.
Rhage foi o primeiro em recuperar-se.
—Não o posso evitar. Estas tão sexy com essas calças folgadas no traseiro. Tenho que conseguir um par, porque nada fala tanto de «sensualidade» como usar algo que parecem dois saco de lixo costurados entre si sobre sua raquete e suas Pelotas.
Lassiter assentiu.
—Totalmente merdafantástico. Escreve minha Pelotas por um par desses.
—Conseguiu essa merda no Home Depot? —Rhage inclinou a cabeça a um lado.
— Na seção de extração de lixo?
Antes que Tohr pudesse contra-atacar, Lassiter interveio.
—Homem, só espero poder conseguir o aspecto de ter uma boa carga em meus boxers como você. Treinaram-lhe para isso? Ou é só um caso de falta de traseiro?
Tohr não pôde evitar rir.
—Estou rodeado de traseiros–quebrados. Acredite-me.
—O qual explicaria por que se sente tão seguro ao sair sem um.
Rhage contribuiu:
—Agora que penso nisso, em realidade tem a mesma constituição que Mary Tyler Moore. Assim não me surpreende que você não goste.
Tohr tomou um deliberado gole da vitamina.
—Vou ganhar um pouco de peso só para lhes jogar isso na cara.
O sorriso do Rhage permaneceu em seu lugar, mas seus olhos ficaram sérios.
—Estou ansioso por ver isso, realmente quero ver isso.
Tohr voltou a centrar-se na porta do vestíbulo, encerrando-se em si mesmo e lhe pondo ponto final às brincadeiras porque de repente já não lhe caíam tão bem.
Lassiter e Rhage não seguiram seu exemplo. O par era uma combinação de fodidas fofoqueiras do inferno, e faziam comentários sarcásticos um do outro, a respeito do que estava na televisão, pelo que Rhage estava comendo e de se o anjo estava perfurado e…
Tohr teria ido se pudesse observar a porta principal de qualquer outra parte…
O sistema de segurança emitiu um assobio quando a porta exterior da mansão se abriu. Houve uma pausa seguida de outro assobio e do som de um gongo.
Enquanto Fritz corria para responder ao chamado, Tohr se incorporou, sentando-se mais reto, o qual foi patético, dado o estado de seu corpo. O tamanho de seu torso não ia melhorar magicamente o fato de que pesasse pouco mais que a cadeira em que seu inexistente traseiro estava estacionado.
Qhuinn foi o primeiro a entrar em passos largos, o menino vestido de negro, e os piercings de bronze que lhe percorriam a orelha e lhe marcavam o lábio inferior, refletiram a luz. Blaylock foi o seguinte, vestido como todo um Senhor Universitário com seu pulôver de caxemira de pescoço alto e suas calças de vestir. Enquanto o par se dirigia às escadas, podia-se ver que as expressões de ambos eram tão diferentes como seus trajes. Qhuinn evidentemente tinha tido uma muito boa noite, a julgar pelo sorriso de me–deitei–com–alguém que se via em sua boca. Blay, por outro lado, parecia que tinha estado no dentista, a expressão de sua boca era turva, e tinha os olhos fixos no chão de mosaico.
Possivelmente John não retornasse. Mas, onde ficaria…?
Quando John entrou no vestíbulo, Tohr não pôde evitá-lo: levantou-se de seu assento, sujeitando-se ao alto respaldo da cadeira quando cambaleou.
O rosto do John estava absolutamente inexpressivo. Estava despenteado, mas não pelo vento e a um lado de seu pescoço havia uma série de arranhões, do tipo feito pelas unhas de uma fêmea. Dele se desprendia um aroma que era uma mescla de Jack Daniels, múltiplos perfumes e sexo.
Parecia cem anos mais velho que há umas poucas noites, quando tinha estado sentado ao lado da cama do Tohr fazendo do Pensador. Este não era um menino. Era um macho adulto desafogando do modo eficazmente comprovado em que a maioria dos tipos o faziam.
Tohr voltou a afundar-se na cadeira, esperando ser ignorado, mas quando John chegou ao primeiro degrau, pôs sua bota nele e girou a cabeça como se soubesse que alguém lhe estava observando. Sua expressão não trocou absolutamente quando se encontrou com o olhar fixo do Tohr. Só levantou a mão com pouca convicção e seguiu seu caminho.
—Preocupava-me que decidisse não voltar para o lar —disse Tohr em voz alta.
Qhuinn e Blay se detiveram. Rhage e Lassiter se calaram. As vozes da Mary e Rhoda encheram o vazio.
John apenas se deteve para gesticular:
Isto não é um lar. É uma casa. E necessito um lugar para ficar.
John não esperou resposta, e a disposição de seus ombros sugeria que não estava interessado em obter uma. Era evidente que Tohr poderia falar até que a língua desgastasse e se convertesse em um cotó a respeito de como a gente que aqui vivia se preocupava com o John, mas nada seria registrado.
Quando os três desapareceram escada acima, Tohr terminou sua vitamina, levou o copo comprido à cozinha, e o meteu na máquina de lavar pratos, sem um doggen que lhe perguntasse se queria algo mais para comer ou beber. Não obstante, Beth estava revolvendo uma panela de guisado e tinha o aspecto de querer lhe deslizar uma tigela, assim não se atrasou ali.
A viagem até o primeiro andar foi longa e dura, mas não porque se sentisse fraco fisicamente. Fazia um bom trabalho fodendo ao John, e agora estava colhendo toda a indiferença que tinha semeado. Maldita seja…
O estrépito e o grito que atravessaram as portas fechadas do estudo soaram como se alguém tivesse sido atacado, e o corpo do Tohr, embora frágil, respondeu por instinto, golpeando a porta com força e abrindo-a.
Wrath estava agachado atrás do escritório, com os braços estendidos frente a ele, o computador, o telefone e os papéis estavam dispersos como se os tivesse empurrado, sua cadeira estava de lado. Na mão, tinha os óculos envolventes que o Rei sempre levava postas e seus olhos olhavam fixamente à frente.
—Meu senhor…
—Estão acesas as luzes? —Wrath respirava com dificuldade.
— Estão as fodidas luzes acesas?.
Tohr correu e agarrou um dos braços do Rei.
—No corredor, sim. E está o fogo. O que…
O poderoso corpo do Wrath começou a sacudir-se tanto que Tohr teve que levantar o irmão. O qual requeria mais músculo de que tinha. Merda, se não conseguia ajuda os dois iam cair. Fechando a boca sobre os incisivos, deu um forte e comprido assobio e logo voltou para o trabalho de tratar de não soltar a seu rei.
Rhage e Lassiter foram os primeiros a chegar correndo e irromperam abruptamente na habitação.
—Que demônios…?
—Acendam as luzes —gritou Wrath outra vez.
— Que alguém acenda as malditas luzes!

Enquanto Lash permanecia sentado frente ao balcão de granito da cozinha vazia da casa de pedra avermelhada, sua disposição melhorou muito. Não era que tivesse esquecido que a Irmandade levou as gavetas de armas e as jarras dos assassinos. Nem que os apartamentos Hunterbred tivessem sido comprometidos. Nem que Grady tivesse escapado. Nem que um symphath lhe estivesse esperando no norte, e que sem dúvida nenhuma estava irritado porque Lash ainda não tinha ido assassinar a alguém.
Era só que o dinheiro em efetivo lhe distraía. E um montão de dinheiro distraía muito.
Observou enquanto o senhor D trazia outra bolsa de papel do Hannaford. Saíram mais maços de notas, cada um assegurado por um elástico marrom. Quando o lesser terminou, não ficava muito granito livre.
Tremenda maneira de lhe acalmar, pensou Lash ao elevar o olhar quando o senhor D terminou de conduzir as bolsas.
—Quanto há em total?
—Setenta e dois mil, setecentos e quarenta. Fiz maços de cem dólares.
Lash tomou um dos maços. Esta não era a moeda pulcra que vinha dos bancos. Este era dinheiro sujo e enrugado, tirado de bolsos de jeans, de carteiras virtualmente vazias e de casacos manchados. Virtualmente podia cheirar o desespero que emanava dos bilhetes.
—Quanto produto fica?
—Suficiente para outras duas noites como esta, mas não mais. E só ficam dois distribuidores mais. Sem contar ao grande.
—Não se preocupe pelo Rehvenge. Encarregarei-me dele. Enquanto isso, não mate aos outros varejistas… leve-os para um centro de persuasão. Necessitamos seus contatos. Quero saber onde e como compram. —É obvio existia a possibilidade de que fizessem transações com o Rehvenge, mas possivelmente havia outra pessoa. Um humano que fora mais maleável—. O primeiro que fará esta manhã, é ir conseguir-nos um cofre para pôr isto aí dentro. Este dinheiro é o começo e não vamos perdê-lo.
—Sim, senhor.
—Quem vendeu a merda contigo?
—O senhor N e o senhor I.
Genial. Os fodidos atrasados que tinham deixado escapar ao Grady. Não obstante, desempenharam-se bem nas ruas e Grady tinha encontrado um final criativo e penoso. Além disso Lash tinha tido oportunidade de ver Xhex em ação. Assim nem tudo estava perdido.
Definitivamente ia ao ZeroSum de visita.
E quanto a N e I, lhes matar era mais do que mereciam, mas neste momento necessitava a esses imbecis para fazer dinheiro.
—Ao anoitecer, quero a esses dois lessers passando produto.
—Pensava que queria…
—Antes que nada, você não pensa. E segundo, necessitamos mais destes. —Jogou as sujas notas de volta entre outros maços.
— Tenho planos que custam dinheiro.
—Sim, senhor.
De improviso ao considerar as coisas, Lash se inclinou para frente e recolheu o maço que tinha atirado. A merda era difícil de soltar, embora tudo fosse dele, e em certa forma, e inesperadamente a guerra parecia menos interessante.
Agachando-se, agarrou uma das bolsas de papel e a encheu.
—Respeito ao Lexus.
—Sim, senhor.
—Cuide dele. —Colocou a mão no bolso e atirou ao senhor D as chaves da coisa.
— É seu novo meio de transporte. Se for ser meu homem na rua, tem que aparentar que sabe o que está fazendo.
—Sim, senhor!
Lash pôs os olhos em branco, pensando o pouco que custava para motivar ao estúpido.
—Não fodas nada enquanto estou fora, entendeu?
—Aonde vai?
—A Manhattan. Poderá me encontrar no celular. Até logo.

Capítulo 53


Ao amanhecer de um dia frio e com nuvens que salpicavam o céu azul leitoso, José Da Cruz conduziu através das portas do Cemitério Pine Grove e serpenteou entre filas e filas de lápides mortuárias. Os caminhos e curvas estreitas lhe recordaram a Life, esse velho jogo de mesa ao que jogava com seu irmão quando eram meninos. Cada jogador tinha um carrinho com seis buraquinhos e começava com uma cavilha que lhe representava. Enquanto se desenvolvia o jogo, movia-te pelo caminho, recolhendo mais cavilhas que representavam uma mulher e meninos. O objetivo era adquirir pessoas, dinheiro e oportunidades para cobrir os buracos de seu carro, para encher esses vazios com os que começava.
Olhou a seu redor, pensando que no jogo chamado A Vida Real, terminava cobrindo um buraco na terra com sua mesma pessoa. Dificilmente o tipo de coisa que quereria que seus filhos aprendessem de uma caixa.
Quando chegou à tumba de Chrissy, estacionou o carro no mesmo lugar onde tinha estado a noite anterior, até aproximadamente a uma da manhã. Mais adiante, havia três carros de polícia do DPC, quatro uniformizados com calças, e uma fita amarela rodeando a cena do crime estirado entre uma e outra lápide formando um estreito quadrado.
Levou-se o café com ele embora no melhor dos casos estaria morno, e enquanto se aproximava, através do círculo que formavam as pernas de seus colegas viu as reveste de um par de botas.
Um dos policiais olhou por cima do ombro, e a expressão no rosto do tipo pôs sobre aviso ao José a respeito da condição do corpo: se lhe oferecia ao uniformizado uma bolsa para o enjôo, enfraqueceria a maldita coisa.
—Olá… Detetive.
—Como está, Charlie?
—Estou… bem.
Sim, seguro.
—Isso parece.
Os outros tipos deram uma olhada e assentiram, cada um deles luzia uma expressão idêntica de tenho–as–Pelotas–contra–o–intestino.
Por outro lado, o fotógrafo atribuído à cena do crime, era uma mulher conhecida por ter problemas. Quando se agachou e começou a disparar, luzia um pequeno sorriso no rosto, como se desfrutasse da vista. E possivelmente iria deslizar uma das fotos em sua carteira.
Grady tinha mordido o pó com força. Literalmente.
—Quem lhe encontrou? —perguntou José, agachando-se para examinar o corpo. Cortes limpos. Um montão. Era o trabalho de um profissional.
—O encarregado do terreno —disse um dos policiais.
— Faz uma hora mais ou menos.
—Onde está esse tipo agora? —José ficou de pé e se apartou a um lado para que a pollasógina[106] pudesse seguir com seu trabalho.
— Quereria falar com ele.
—Retornou ao barraco pra tomar um café. Necessitava-o. Estava muito emocionado.
—Bem, isso posso compreendê-lo. A maior parte dos corpos por aqui não estão em cima das tumbas.
Os quatro uniformizados lhe olharam como dizendo: Sim, e tampouco estão nestas condições.
—Acabei com o corpo —disse a fotógrafa enquanto punha a tampa na lente.
— E já tomei uns disparos do material que havia na neve.
José rodeou a cena com cuidado para não perturbar os diversos rastros nem as bandeirinhas numeradas, nem o atalho que tinha sido feito no chão. O que tinha acontecido estava claro. Grady tinha tentado fugir de quem quer que o tivesse apressado e falhou. Pelos gotejamentos de sangue, tinha sido ferido, provavelmente o suficiente para incapacitá-lo, e logo o tinham transportado até a tumba de Chrissy, onde tinha sido desmembrado e morto.
José voltou onde estava o corpo e jogou uma olhada à lápide, advertindo uma franja marrom que corria da parte superior para baixo pela parte dianteira. Sangue seco. E estava disposto a apostar que tinha sido posto ali de propósito e quando ainda estava morna: parte da substância tinha gotejado metendo-se dentro das letras gravadas que soletravam CHRISTIANNE Andrews.
—Captou isto? —perguntou.
A fotógrafa lhe olhou com fúria. Logo destampou, disparou e tampou.
—Obrigado —lhe disse.
— Te chamaremos se necessitarmos algo mais.
Ou se encontrassem a algum outro tipo talhado deste modo.
Ela voltou a baixar a vista para Grady.
—Será um prazer.
Isso é óbvio, pensou ele, tomando um gole de seu café e fazendo uma careta. Velho. Frio. Desagradável. E não só a fotógrafa. Homem, o café da delegacia de polícia era definitivamente do pior, e se não tivesse estado em uma cena de crime, teria se desfeito da sujeira e esmagado o copo de plástico.
José passeou a vista pela cena. Árvores onde ocultar-se. Nenhuma luz mais que a da estrada. As portas fechadas durante a noite.
Se só ficou um pouco mais… poderia ter detido ao assassino antes que castrasse ao Grady, desse-lhe ao filho da puta sua última comida e desfrutasse indubitavelmente vendo morrer.
—Maldição.
Uma caminhonete cinza com o escudo do condado na porta do condutor se aproximou e se deteve, saiu um tipo com uma pequena bolsa negra e se aproximou trotando.
—Lamento chegar tarde.
—Não há problema, Roberts. —José apertou a mão do médico forense.
— Quando puder, nós gostaríamos de ter o tempo estimado da morte.
—Certo, mas só será estimado. Possivelmente com uma margem de engano de quatro horas?
—O que for que possa nos dizer será ótimo.
Enquanto o tipo se sentava sobre suas pernas e começava a trabalhar, José voltou a passear a vista pelo lugar, logo voltou a fazê-lo outra vez e ficou olhando fixamente os rastros. Três pegadas diferentes, uma das quais se ajustaria às do Grady. Das outras duas terei que tirar moldes e seriam investigadas pelos detetives do esquadrão cientifico, que deviam estar chegando a qualquer momento.
Dentre as duas desconhecidas, havia um par que era menor que as outras.
E estava disposto a apostar sua casa, seu carro e os recursos universitários de suas duas filhas a que resultariam ser de uma mulher.


No estúdio da mansão da Irmandade, Wrath estava sentado muito erguido em sua cadeira, agarrando-se nos braços da mesma com força mortal. Beth estava na habitação com ele, e pelo aroma que desprendia podia dizer que estava aterrorizada. Havia outras pessoas também. Falando. Passeando.
Não podia ver nada exceto escuridão.
—Vem Havers —anunciou Tohr das portas duplas. Sua voz sossegou a habitação como se fosse o botão de tirar som, cortando todas as vozes e todos os sons de movimento.
— Neste preciso momento a Dra. Jane está falando por telefone com ele. Trarão-lhe em uma das ambulâncias com cristais polarizados, porque será mais rápido que se Fritz for pega-lo.
Wrath tinha insistido em esperar um par de horas antes de chamar sequer a Dra. Jane. Tinha esperanças de que sua visão retornasse. Ainda seguia conservando as esperanças.
Mas bem rezava.
Beth tinha demonstrado grande integridade, ficando ao seu lado e lhe sustentando a mão enquanto ele lutava contra a escuridão. Mas fazia um momento, desculpou-se. Quando retornou, ele tinha podido cheirar suas lágrimas embora sem dúvida ela as tinha enxugado.
Isso foi o que acionou o disparador para chamar os médicos.
—Quanto tempo? —perguntou Wrath bruscamente.
—Vinte minutos.
Quando reinou o silêncio, Wrath soube que outros Irmãos estavam ao seu redor. Ouviu o Rhage desembrulhar outro Toostie Pop. E o roce da pederneira quando V acendeu um cigarro e exalou tabaco turco. Butch estava mastigando chiclete, os suaves ruídos pareciam uma metralhadora, como se seus molares fossem sapatos de claque sobre um chão de parqué. Z estava ali, e tinha a Nalla em seus braços, seu doce e encantador aroma e seus ocasionais gorjeios provinham do rincão mais afastado. Inclusive Phury estava com eles, tinha escolhido passar o dia ali, e estava junto a seu gêmeo e sua sobrinha.
Sabia que estavam todos ali… e entretanto, estava sozinho. Absolutamente sozinho, absorvido profundamente por seu corpo, aprisionado na cegueira.
Wrath cravou os cotovelos sobre os braços da cadeira para não gritar. Queria ser forte para sua shellan, seus irmãos e sua raça. Queria deixar cair um par de piadas, rir disto como se fosse um interlúdio que passaria logo, demonstrar que ainda tinha Pelotas e esse tipo de merda.
Pigarreou. Mas em vez de algo na linha de: o homem entrou no bar com um louro no ombro… o que saiu foi:
—Isto foi o que viu?
As palavras foram guturais, e todos sabiam a quem estavam dirigidas.
A resposta de V foi baixa.
—Não sei do que está falando.
—Lembre. —Wrath estava imerso na escuridão, rodeado por seus irmãos, e ninguém era capaz de lhe alcançar. Era o que Vishous tinha visto.
— É. Uma. Puta. Mentira.
—Está seguro de que quer fazer isto agora? —perguntou V.
—É a visão? —Wrath soltou a cadeira e golpeou o escritório com o punho.
— É esta a fodida visão?
—Sim.
—O médico está em caminho —disse Beth rapidamente, lhe acariciando o ombro com a mão.
— A doutora Jane e Havers falarão. Resolverão isto. Farão-o.
Wrath se girou em direção aonde vinha o som da voz de Beth. Quando estendeu a mão em busca da sua, foi ela quem encontrou sua palma.
Era este o futuro?, pensou. Depender dela para que lhe levasse quando precisasse ir a algum lugar? Que lhe guiasse como a um fodido aleijado?
Mantenha a prudência. Mantenha a prudência. Mantenha a…
Repetiu essas três palavras uma e outra vez até que deixou de sentir-se como se fosse explodir.
Não obstante a ameaça de explosão retornou imediatamente quando ouviu entrar a doutora Jane e ao Havers na habitação. Soube quem eram pelo fato de que novamente todo mundo se deteve em meio do que estava fazendo: não mais fumar, não mais mascar, nenhum envoltório abrindo-se.
Estava tudo em silêncio excetuando as respirações.
E logo se ouviu a voz do médico masculino.
—Meu senhor, posso lhe examinar os olhos?
—Sim.
Houve um som de roupa deslocando-se… Sem dúvida Havers estava tirando o casaco. E logo um suave golpe, como se um peso tivesse sido deixado sobre o escritório. Metal contra metal… a fechadura da maleta do doutor ao ser aberta.
A seguir soou a voz bem modulada do Havers:
—Com sua permissão, procederei a lhe tocar o rosto.
Wrath assentiu, logo, quando se produziu o suave contato, estremeceu-se e por um momento, para ouvir o clique da lanterna–lápis, teve esperança. Por costume, esticou-se, preparando-se para que a luz golpeasse a retina que Havers tivesse elegido examinar em primeiro lugar. Deus, desde que tinha memória, podia recordar ter entreaberto o olho ante a luz, e depois de sua transição, tornou-se muito pior. Quando os anos foram passando…
—Doutor, pode continuar com o exame?
—Eu… meu senhor, terminei. —Houve um clique, presumivelmente Havers apagando a luz.
— Ao menos com esta parte.
Silêncio. Logo a mão da Beth apertou a dele com mais força.
—O que segue? —demandou Wrath.
— O que pode fazer a seguir?
Mais silêncio, que de algum modo fez com que a escuridão fosse ainda mais negra.
Correto. Não havia muitas opções. Embora não sabia por que lhe surpreendia tanto. Vishous… jamais se equivocava.

Capítulo 54


Ao cair da noite, Ehlena triturou as pílulas de seu pai no fundo de um pote, e, quando obteve um pó suficientemente fino e uniforme, foi à geladeira, tirou a suco e serviu. Por uma vez, sentiu-se agradecida pela ordem que seu pai requeria, porque sua mente não estava no que fazia.
Em seu estado atual, podia sentir-se afortunada de saber em que Estado vivia. Nova Iorque, correto?
Checou o relógio. Não tinha muito tempo. Lusie chegaria em vinte minutos, como o carro de Rehv.
O carro de Rehv, não ele.
Fazia aproximadamente uma hora que o tinha chamado e deixado uma mensagem sobre seu ex, em resposta tinha recebido uma mensagem. Não uma ligação. Ele tinha discado diretamente para seu aparelho telefônico, introduzido o número dela, e gravado a mensagem.
O tom de voz tinha sido baixo e sério.
—Ehlena, sinto muito que fosse abordada dessa forma, e me assegurarei de que nunca volte a ocorrer. Se estiver livre, eu gostaria de ver você ao anoitecer. Enviarei meu carro para te pegar às nove a menos que receba sua resposta me dizendo que não pode. — Pausa. — Sinto tanto.
Sabia a mensagem de cor porque a tinha escutado umas cem vezes. Soava tão distinto. Como se estivesse falando em outro idioma.
Naturalmente não tinha podido dormir durante o dia, e ao final supôs que havia duas formas de interpretá-lo: ou estava horrorizado de que ela tivesse tido que tratar com a fêmea, ou sua reunião realmente tinha resultado uma merda.
Possivelmente era uma combinação de ambas.
Negava-se a acreditar que aquela louca de olhar insano tivesse alguma credibilidade. Infernos, a Ehlena a fêmea recordava muito a seu pai quando estava em um de seus episódios de delírio: ensimesmada, obsessiva, vivendo em uma realidade alternativa. Tinha tido a intenção de fazer mal e tinha calibrado suas palavras em conseqüência disso.
Não obstante, teria sido bom falar com Rehv. O consolo lhe teria vindo bem, mas ao menos não teria que esperar muito tempo para o ver.
Depois de assegurar-se de que a disposição da cozinha era exatamente a mesma de quando tinha entrado nela, desceu as escadas para o porão e foi ao quarto de seu pai.
Encontrou-o na cama com os olhos fechados e o corpo imóvel.
—Pai? —Ele não se moveu— Pai?
Quando virtualmente atirou o copo sobre a mesa, e o suco salpicou por toda parte.
—Pai!
Aqueles olhos se abriram e bocejou.
—Na verdade, minha filha, como está você?
—Está bem? —Examinou-o embora em sua maior parte estivesse coberto pelo edredom de veludo. Estava pálido e tinha o cabelo como o de um Chihuahua, mas parecia estar respirando naturalmente. — Há algo...?
—O espanhol é algo áspero para o ouvido, não te parece?
Ehlena se deteve.
—Me perdoe. Eu só… Está bem?
—É obvio que sim. Fiquei acordado até altas horas do dia pensando em outro projeto, e por isso demorei mais do que o habitual para me levantar desta cama. Acredito que deixarei que as vozes de minha cabeça perambulem pelas páginas. Acredito que seria benéfico para mim lhes dar outra forma de saída além de através de mim mesmo.
Ehlena permitiu que seus joelhos se afrouxassem e se sentou sobre a cama sem nenhuma elegância.
—Seu suco, pai. Você gostaria de tomá-lo agora?
—Ah, que encantadora. A moça é tão amável de prepará-lo por você.
—Sim, é muito amável. — Ehlena lhe entregou seus remédios e lhe observou beber enquanto seu coração ia acalmando-se.
Ultimamente a vida não tinha sido mais que uma sequência de bangs, pows e cracks ao estilo Batman e ela não tinha parado de ricochetear de um lado a outro da página do gibi até terminar enjoada. Parecia que ia passar um tempo antes de que cada pequena coisa deixasse de adquirir, em sua mente, as proporções de um disparatado drama.
Quando seu pai terminou, beijou-lhe o rosto, disse-lhe que ia sair um momento e levou o copo de volta para cima. Quando Lusie bateu na porta, uns dez minutos mais tarde, a maior parte do cérebro da Ehlena tinha voltado para lugar aonde pertencia. Iria ver Rehv e a desfrutar de sua companhia, logo, quando voltasse para casa, reataria sua busca de trabalho. Tudo ia estar bem.
Enquanto abria a porta, endireitou os ombros com resolução.
—Como está?
—Bem. — Lusie olhou para trás por cima de seu ombro— Sabia que há um Bentley estacionado em sua porta?
As sobrancelhas da Ehlena dispararam para cima e olhou pela porta. Efetivamente havia um flamejante Bentley super brilhante e espetacular estacionado diante de sua casinha de aluguel de merda, parecia tão desconjurado como um diamante na mão de uma vagabunda.
A porta do condutor se abriu e um macho incrivelmente bonito de pele escura se levantou do assento atrás do volante.
—Ehlena?
—Ah...sim.
—Vim te buscar. Sou Trez.
—Eu... Necessito um minuto.
—Tem o tempo que precisar. —Seu sorriso revelou presas e isso a tranqüilizou. Não gostava de estar na companhia de humanos. Não confiava neles.
Mergulhou de volta na casa e pegou o casaco.
—Lusie, poderia continuar vindo? Parece que serei capaz de seguir pagando você.
—É obvio. Faria qualquer coisa por seu pai. —Lusie ruborizou— Quero dizer por vocês dois. Isso quer dizer que encontrou outro trabalho?
—Consegui esticar o dinheiro um pouco mais do que esperava. E odeio que ele fique aqui sozinho.
—Bem, cuidarei dele muito bem.
Ehlena sorriu e desejou abraçar à mulher.
—Sempre o faz. Quanto a esta noite, não estou segura de quanto tempo estarei…
—Fique o tempo que quiser. Ele e eu estaremos bem.
Impulsivamente, Ehlena deu à mulher um rápido abraço.
—Obrigada, obrigada…
Tomando sua bolsa, saiu pela porta antes de terminar ficando em uma situação ridícula, e assim que saiu no frio da noite, o condutor foi para ajudá-la a entrar no Bentley. Vestido com seu casaco de couro negro, parecia mais um capanga que um chofer, mas quando voltou a lhe sorrir, seus escuros olhos cintilaram com um extraordinário brilho verde.
—Não se preocupe. Farei-a chegar a salvo.
Ehlena acreditou.
—Aonde vamos?
—Ao centro. Ele a está esperando.
Quando lhe abriu a porta, Ehlena se sentiu incomodada, embora soubesse que por sua parte, ele só estava tentando ser educado com uma igual e que não tinha nada a ver com estar servindo-a nem nada assim. Era apenas que, estava desacostumada a receber os cuidados de um macho de valia.
Jesus, o Bentley cheirava bem.
Enquanto Trez dava a volta e se colocava no volante, ela acariciou o fino couro do assento e não recordava haver sentido nada tão luxuoso antes.
E quando o carro saiu do beco e desceu pela rua, mal pôde sentir os buracos que normalmente a deixavam sacolejando na banco dos táxis. Este era um passeio suave. Um passeio caro.
Onde iriam?
Quando uma brisa suave e temperada banhou o assento traseiro, aquela mensagem de voz do Rehv se reproduziu uma e outra vez em sua mente. A dúvida piscava em sua cabeça, como as luzes de freio dos carros que iam diante deles, apagando-se e acendendo-se, pondo freio a seu mantra de «tudo está bem».
A sensação piorou. Não conhecia muito bem o centro, e quando passaram de comprimento pela parte onde estavam as luxuosas torres ficou tensa. Era a parte onde se encontrou com Rehv no Commodore.
Possivelmente a estivesse levando para dançar.
Certo, porque seguro que faria algo assim sem dizer à fêmea que colocasse um vestido.
Quanto mais avançavam pelo Trade Street, mais acariciava o assento que tinha ao lado, embora não o fizesse por sua textura. As coisas se foram pondo cada vez mais sórdidas, a fileira de bons restaurantes e os escritórios do Cadwell Courier Journal deram passo aos salões de tatuagens e bares desses que tinham pinta de ter velhos bêbados em seus tamboretes e sujas terrinas de amendoins em suas barras. Depois vinham os clubes, do tipo ruidoso e chamativo que jamais visitava porque não gostava do ruído, nem as luzes nem das pessoas que havia neles.
Quando o pôster negro sobre do ZeroSum esteve à vista, soube que iriam se deter em frente a ele e o coração desceu até o estômago.
Estranhamente, teve a mesma reação que tinha tido ao ver Stephan no necrotério: Isto não está bem. Isto não pode estar acontecendo. Esta não é a maneira em que se supõe que sejam as coisas.
Entretanto, o Bentley não se deteve diante do clube e por um momento brilhou a esperança.
Mas naturalmente ela se foi. Entraram no beco que havia mais à frente, detendo-se frente a uma entrada privada.
—É o dono deste clube. —disse ela com voz apagada— Não é verdade?
Trez não deu sinais de ouvir a pergunta, mas não fazia falta. Quando deu a volta e lhe abriu a porta, permaneceu sentada imóvel e rígida na parte de trás do Bentley, olhando fixamente o edifício de tijolos. Inconscientemente, notou que do teto de um dos lados caía fuligem e que a sujeira salpicava as paredes do chão. Estava manchado. Sujo.
Recordou ter permanecido ao pé do Commodore olhando para cima, para todo o cristal e cromo que brilhava devido a quão limpo estava. Essa era a fachada que ele tinha escolhido lhe mostrar.
Esta com a imundície era a que se viu forçado a lhe mostrar.
—Está te esperando. —disse Trez gentilmente.
A porta lateral do clube se abriu de par em par e apareceu outro macho Mouro. Atrás dele, tudo estava em penumbra, mas se ouvia o tamborilar de um baixo.
Realmente, precisava ver isto? Perguntou-se.
Bem, precisava se encontrar com Rehv, isso era certo, assumindo que este desastre fosse na direção que parecia estar tomando. E então caiu na conta. Se tudo fosse verdade, tinha um problema ainda maior. Tinha feito sexo… com um symphath.
Tinha deixado que um symphath se alimentasse dela.
Ehlena sacudiu a cabeça.
—Não necessito disto. Me leve para cas...
Saiu uma fêmea, uma que tinha a constituição de um macho, e não só por fora. Seus olhos eram gélidos e absolutamente calculadores.
Aproximou-se e se inclinou sobre o carro.
—Nada vai fazer machucar você aqui dentro. Juro-lhe isso.
Como é… o dano já existia, pensou Ehlena. Estava tendo dores no peito parecidos com os que têm com um ataque ao coração.
—Ele esta esperando você. —disse a fêmea.
O que fez que Ehlena descesse do carro foi sua têmpera, e não só porque graças a ele pôde abandonar sua posição sentada para endireitar-se. A questão era, que ela não fugia. Em toda sua vida não tinha fugido de nenhuma situação difícil, e não ia começar agora.
Atravessou a porta e soube com segurança que estava em um lugar ao qual nunca teria decidido ir por conta própria. Tudo estava escuro, a música golpeava em seus ouvidos como se fossem murros, e o aroma de muita pele acalorada lhe dava vontade de tampar o nariz.
A fêmea encabeçava a marcha, e os Mouros flanqueavam Ehlena, seus enormes corpos abriam caminho através de uma selva humana da qual não desejava formar parte. As garçonetes que usavam rodeados uniformes negros serviam variedades intermináveis de bebidas alcoólicas, e havia mulheres meio nuas esfregando-se contra homens de traje executivo, e cada pessoa junto à qual passava Ehlena em seu caminho tinha a vista fixa em outra parte, como se o que tinham pedido ou quem quer que estivesse frente a eles não pudesse satisfazê-los.
Foi guiada até uma porta negra blindada, que se abriu depois de que Trez falasse por seu relógio de pulso, logo ele ficou de lado... como se esperasse que ela simplesmente entrasse lá, como se não fosse nada mais que a sala de estar de alguém.
Sim... não.
Olhou fixamente a escuridão que havia mais à frente, mas não viu nada salvo um teto negro, paredes negras e um chão negro brilhante.
Mas então Rehvenge entrou em sua linha de visão. Estava exatamente igual a quando o conheceu, um grande macho vestido com um casaco de Marta que tinha um corte de cabelo mohawk, olhos cor de ametista. Entretanto, era, um completo estranho.

Rehvenge olhou fixamente à fêmea que amava e viu em seu rosto pálido e tenso, exatamente a expressão que tinha desejado pôr ali.
Repulsão.
—Vais entrar? —disse-lhe, pois precisava terminar o trabalho.
Ehlena olhou a Xhex:
—É da segurança, não é verdade? —Xhex franziu o cenho, mas assentiu
— Então vêem comigo. Não quero estar a sós com ele.
Quando suas palavras o golpearam, Rehv sentiu que bem poderiam lhe haver talhado a garganta, mas não demonstrou nenhuma reação, Xhex tomou a dianteira e Ehlena a seguiu.
Com a porta fechada, a música se ouvia amortecida, mas o silêncio era estridente como um grito.
Ehlena olhou seu escritório, no qual ele tinha deixado deliberadamente vinte e cinco mil dólares em dinheiro e um pacote de cocaína que estava envolto em celofane.
—Disse-me que era um homem de negócios. —disse ela— Suponho que foi minha culpa assumir que era algo legítimo.
Tudo o que podia fazer era ficar olhando-a fixamente... a voz lhe tinha abandonado e sua respiração superficial não podia sustentar palavras. Quão único que podia fazer, enquanto ela permanecia tensa e zangada ante ele, era memorizá-la, a forma em que levava seu cabelo loiro avermelhado afastado do rosto, seus olhos cor de caramelo, o simples casaco negro que tinha posto e a forma em que deixava as mãos metidas nos bolsos como se não quisesse tocar em nada.
Não desejava recordá-la desta maneira, mas como era a última vez que a veria, não podia evitar enfocar-se em cada detalhe.
Ehlena passeou o olhar pela droga e o dinheiro e logo voltou a fixá-la em seu rosto.
—Assim é verdade? Tudo o que sua ex-noiva disse.
—Ela é minha meio irmã. E sim. Tudo é verdade.
A fêmea que ele amava retrocedeu um passo, o medo fez com que tirasse a mão de seu bolso e a subisse até sua garganta. Sabia exatamente o que estava pensando: ele alimentando-se de sua veia, eles nus e a sós em seu apartamento de cobertura. Estava refazendo suas lembranças, aceitando o fato de que não tinha sido um vampiro o que se alimentou de seu pescoço.
Tinha sido um symphath.
—Por que me trouxe aqui? —perguntou-lhe. — Podia haver dito isso por telefone... não, não importa. Agora irei para casa. Não volte a me ligar jamais.
Fez-lhe uma leve reverência e engasgando-se disse:
—Como desejar.
Ela se virou e foi parar na frente da porta.
—Por favor, poderia alguém me abrir a porta para que possa sair deste fodido lugar.
Depois de que Xhex foi para a porta e lhe abriu o caminho para a liberdade, Ehlena saiu virtualmente disparada.
Quando a porta se fechou, Rehv a trancou com a mente e fico ali de pé, onde lhe tinha deixado.
Destruído. Estava completamente destruído. E não porque estivesse entregando sua alma e seu corpo a uma sádica sociópata que ia desfrutar de cada minuto da tortura que lhe imporia.
Quando sua visão se nublou de vermelho, soube que não era sua parte má aflorando. Nem por acaso. Durante as últimas doze horas, tinha bombeado suficiente dopamina em suas veias para afogar a um cavalo porque do contrário não confiava em si mesmo para deixar partir Ehlena. Tinha necessitado enjaular sua parte má uma última vez... para poder fazer o correto pela razão correta.
Assim, não, este vermelho não ia ser seguido de uma visão unidimensional e seu corpo não recuperaria o sentido do tato.
Rehvenge tirou um dos lenços que sua mãe tinha engomado do interior da jaqueta de seu traje e pressionou o quadrado dobrado debaixo de seus olhos. Estava derramando lágrimas cor vermelha sangre e não eram só por ele e por Ehlena. Fazia menos de quarenta e oito horas que Bella tinha perdido a sua mãe.
E antes de que essa noite chegasse a seu fim perderia a seu irmão.
Tomou um único e grande fôlego, um tão profundo que lhe esticaram as costelas. Logo voltou a guardar o lenço e seguiu com o plano de levar sua vida para a tumba
Uma coisa era certa: A princesa ia pagar. Não pela merda que lhe tinha feito e ia fazer lhe. Não se preocupava por isso.
Não, ela tinha se atrevido a aproximar-se de sua fêmea. Por isso, a mutilaria, inclusive se lhe custasse a vida.

Capítulo 55


—Sentiu-se bem? Ao rechaçá-lo dessa forma?
Ehlena se deteve na saída lateral de clube e olhou por cima do ombro à fêmea que era guarda de segurança.
—Não vou responder a sua pergunta, já que não é nada de sua incumbência.
—Uma merda, esse macho pôs a si mesmo em uma situação de merda por mim, sua mãe e sua irmã. E você se acredita muito boa para ele? Olhe bem. De onde, demônios vem que é tão perfeita?
Ehlena enfrentou à fêmea apesar de que, dada a constituição da guarda de segurança, não poderia ser uma briga justa.
—Nenhuma vez lhe menti… O que parece isso a você como conceito de perfeição? Na realidade, isso não é perfeito, é normal.
—Faz o que deve fazer por uma questão de sobrevivência. Isso é muito normal, não só para sua espécie, mas também para os symphaths. Só porque tiveste uma vida fácil…
Ehlena se aproximou até ficar cara a cara.
—Você não me conhece.
—Nem quero.
—O mesmo digo eu. —O «cadela» dessa oração estava implícito no tom.
—Sim, bom, certo. —Trez se interpôs e as separou.—Vamos nos acalmar um pouco e deixar de lado esta briga, ok? Deixa que eu leve para casa… Você, —disse apontando com o dedo à outra fêmea— vá ver se tudo está bem.
A guarda de segurança olhou furiosa para Ehlena.
—Mais fique esperta.
—Por quê? Acaso vai aparecer frente a minha porta? Como queira… comparada com a coisa da outra noite, parecerá uma Barbie.
Tanto Trez como a fêmea ficaram imóveis.
—O que apareceu frente a sua porta? —perguntou o guarda de segurança.
Ehlena dirigiu o olhar para Trez:
—Posso ir a casa agora?
—O que foi? —perguntou-lhe ele.
—Uma boneca kabuki com uma atitude péssima.
Ambos responderam em uníssono:
—Deve se mudar.
—Que boa sugestão. Obrigada. —Ehlena os empurrou para passar entre eles e se dirigiu à porta. Quando mediu o trinco estava, obviamente, fechado, assim que quão único pôde fazer foi esperar que a deixassem sair. Sim, bom a merda com isso. Mordendo o lábio inferior, aferrou o trinco e atirou dele, preparada para abrir caminho à força.
Felizmente Trez se aproximou e a liberou como se tivesse aberto a gaiola a um pássaro e voou para fora abandonando o clube, saindo ao ar frio, longe do calor, o ruído e o amontoado de desespero que estava afogando-a.
Ou talvez a sufocação proviesse de um coração quebrado.
O que importava?
Esperou frente a outra porta, a que conduzia ao Bentley, desejando não necessitar do carro para voltar para casa mas sabendo que devia passar um bom momento antes de que tivesse se recuperado embora tivesse ido a metade de sua compostura para poder respirar convenientemente, e que teria que passar muito mais tempo antes de que pudesse desmaterializar-se.
Da viagem de volta não recordaria nenhuma das ruas pelas quais passaram, nem as luzes frente às quais se detiveram, nem os carros que havia ao seu redor. Simplesmente permaneceu sentada no assento traseiro do Bentley, absolutamente imóvel, com o rosto voltado para o vidro, sem ver nada enquanto se moviam a toda velocidade.
Symphath. Dormia com sua meio irmã. Cafetão. Traficante de drogas. Assassino, sem dúvida…
Quanto mais se afastavam do centro da cidade mais lhe custava respirar, em vez de ser o contrário. O que a inquietava era que não podia esquecer a imagem de Rehvenge ajoelhado frente a ela, com suas tocas sapatilhas Keds na mão, e uma expressão doce e afetuosa em seus olhos cor ametista, dizendo com essa voz tão adorável, que soava melhor que a música de qualquer violino: Não o entende, Ehlena? Sem importar o que tiver posto… para mim sempre terá diamantes na sola de seus sapatos.
Essas seria uma das duas lembranças que a perseguiriam. Recordaria-o ajoelhado frente a ela, e o poria em contraposição com a imagem que levava agora dele nesse clube, depois de que a verdade ficasse em evidência.
Tinha desejado acreditar no conto de fadas. E o tinha feito. Mas como o pobre e jovem Stephan, a fantasia estava morta, e sua deterioração era horrível, um corpo golpeado e frio que devia envolver com raciocínios e reajustamentos que não teriam aroma de ervas, a não ser de lágrimas.
Fechando os olhos se recostou contra o assento suave como a manteiga.
Finalmente o carro diminuiu a marcha até deter-se e em seguida estendeu a mão para a maçaneta. Trez chegou antes dela e lhe abriu a porta.
—Permite-me dizer algo? —murmurou.
—Claro. —De toda forma não ouviria o que tivesse que lhe dizer. A névoa que a rodeava era muito densa, seu mundo seria igual ao qual seu pai tinha ambicionado: limitaria-se ao que a rodeava… e isso era dor.
—Tem suas razões para ter feito o que fez.
Ehlena levantou a vista para o macho. Parecia tão sério, tão sincero.
—É obvio que as tem. Queria que acreditasse em suas mentiras e logo foi descoberto. Já não havia nada mais o que ocultar.
—Não me referia a isso.
—Teria me contado algo disto se não tivesse sido descoberto?—Silêncio. — Vê, aí está.
—Não sabe tudo a respeito desse assunto.
—Acredita nisso? Talvez seja apenas que ele é menos do que quer acreditar que é. O que parece isso a você?
Virou-se e atravessou uma porta que pôde abrir e voltar a fechar por si mesmo. Deixando cair contra ela, passeou a vista pelo lugar onde tudo tinha o aspecto de puído e lhe era familiar, e desejou poder deixar-se levar e cair.
Não sabia como superar esta situação. Realmente não sabia como fazê-lo.

Depois que o Bentley partiu, Xhex se dirigiu direto ao escritório de Rehv. Quando bateu uma vez e não obteve resposta, digitou o código e abriu a porta.
Rehv estava atrás de sua mesa, teclando no notebook. Ao lado estava seu novo celular, uma sacolinha de plástico que continha pílulas gordas e esbranquiçadas, e um pacote de M&M.
—Sabia que a princesa foi vê-la? —demandou Xhex. Quando não respondeu, soltou uma maldição. —Por que não me disse isso?
Rehv seguiu teclando, o suave som das teclas parecia o bate-papo em voz baixa de uma biblioteca.
—Porque não me pareceu pertinente.
—E um corno não o era. Quase bato na fêmea por…
Os olhos púrpuras se elevaram por cima da tela com um brilho maligno.
—Jamais pense em tocar a Ehlena.
—Como é, Rehv, acaba de chutar seu traseiro sem lugar a dúvidas. Acredita que foi divertido de presenciar?
Apontou-a com o dedo.
—Não é seu assunto. E você nunca, jamais a tocará. Está claro?
Quando seus olhos brilharam em sinal de advertência como se alguém lhe tivesse metido uma lanterna pelo traseiro e tivesse apertado o botão de ascender, pensou: Bom, está bem… evidentemente estava no bordo de um precipício, e se continuava avançando ia cair com tudo sem pára-quedas.
—O que quero dizer é que teria sido agradável saber de antemão que queria que ela o deixasse.
Rehv retornou a teclar.
—Assim que essa foi a chamada que recebeu ontem à noite. —sugeriu— Esse foi o momento em que se inteirou de que a cadela tinha ido visitar sua noiva.
—Sim.
—Me deveria haver dito isso.
Antes que obtivesse uma resposta, seu aparelho de escuta emitiu um grasnido e logo se ouviu a voz de um de seus gorilas:
—O detetive Da Cruz quer ver você.
Xhex levantou o pulso e falou com transistor.
—Leva-o a meu escritório. Irei em um momento. E tira às garotas da seção VIP.
—O DPC? —murmurou Rehv enquanto seguia teclando.
—Sim.
—Alegra-me que tenha matado o Grady. Não suporto os homens que batem em mulheres.
—Posso fazer alguma outra coisa por você? —perguntou-lhe tensa, sentindo que a excluía de sua vida. Queria ajudar, aliviar e cuidar de Rehv, mas queria fazer essa merda utilizando seu próprio conceito de mimar e cuidar. Que não consistia precisamente em lhe preparar um banho de espuma nem lhe levar um pouco de chocolate quente; ela queria assassinar à princesa.
Rehv voltou a levantar a vista.
—Como viu ontem à noite, vou pedir a você que cuide de alguém.
Xhex teve que ocultar sua decepção. Se fosse pedir que assassinasse à princesa, não teria havido razão para arrastar a sua noiva até aqui, fazer todo um espetáculo a respeito das mentiras que lhe havia dito, e permitir que a fêmea se desfizesse dele como se fosse carne podre de uma semana atrás.
Merda, devia estar relacionado com a noiva. Iria pedir lhe que se assegurasse de que nada ocorresse a Ehlena. E conhecendo Rehv, era provável que também tentasse brindar à fêmea com apoio financeiro… a julgar pelo traje simples da garota a falta de jóias e seu caráter sensato, não parecia provir de uma família enriquecida.
Diversão, diversão, diversão. Conseguir que essa fêmea aceitasse dinheiro do macho ao qual odiava ia ser toda uma festa.
—Como queira. —disse Xhex quando saiu.
Enquanto atravessava o clube rezou para que ninguém lhe esfregasse de maneira equivocada, especialmente agora que tinham uma placa policial na casa.
Quando finalmente chegou a seu escritório refreou sua frustração e abriu a porta, colocando um sorriso tenso no rosto.
—Boa noite, Detetive.
Da Cruz se virou. Na mão tinha uma pequena planta de hera, que não era maior que sua palma.
—Tenho um presente para você.
—Já lhe disse que não sou boa com os seres vivos.
Ele a deixou sobre o escritório.
—Então será melhor que a iniciemos lentamente no assunto.
Ao sentar-se na cadeira, olhou fixamente o frágil ser vivo e sentiu uma labareda de pânico.
—Não acredito…
—Antes que diga que não posso lhe dar de presente nada porque sou um funcionário público, —tirou um recibo do bolso— direi-lhe que custou menos de três dólares. Que é mais barato que um café no Starbucks.
Pôs o pequeno ticket branco junto ao vaso de plástico verde escuro.
Xhex esclareceu a garganta.
—Bom, apesar da sua preocupação por minha decoração de interiores…
—Não tem nada a ver com sua escolha de móveis. —Sorriu e se sentou— Sabe por que estou aqui?
—Encontrou o homem que assassinou Chrissy Andrews?
—Sim, fiz isso. E se desculpa meu Francés[107], estava frente à lápide dela com o pênis cortado e colocado na boca.
—Caralho. Nossa.
—Incomodaria-se de me dizer onde esteve ontem à noite? Ou primeiro prefere conseguir um advogado?
—Por que teria que necessitar de um? Não tenho nada a esconder. Estive aqui toda a noite. Pergunte a meus gorilas.
—Toda a noite.
—Sim.
—Encontrei rastros nas imediações da cena do crime. De botas de combate, pequenas. —Desceu a vista para o pés dela— Parecidas com as que você usa.
—Estive na tumba. É obvio que sim. Estou de luto por uma amiga. —Levantou a sola para que ele pudesse ver, consciente de que tinham um desenho diferente e que não eram do mesmo fabricante que as que tinha usado na noite anterior. Também eram de outro tamanho, com palmilhas em seu interior para que fossem de uma tamanho maior do que as que usava realmente.
—Hmm. —depois de inspecioná-las da Cruz se reclinou para trás e uniu as pontas de seus dedos, apoiando os cotovelos nos braços de aço inoxidável da cadeira.
—Posso ser honesto com você?
—Sim.
—Acredito que você o matou.
—Sério?
—Sim. Foi um crime violento, os detalhes indicam que foi cometido como se fosse uma vingança. Sabe, o forense pensa como eu, que Grady estava vivo quando… podemos dizer, ocuparam-se dele. E não foi um trabalho sujo. Foi incapacitado de forma profissional, como se o assassino tivesse sido treinado para matar.
—Este é um bairro duro, e Chrissy tinha um monte de amigos rudes. Qualquer um deles poderia havê-lo feito.
—Em seu funeral havia mais mulheres.
—E você não acredita que uma mulher seja capaz de algo assim? Bastante sexista, Detetive.
—OH, sei que as mulheres são capazes de matar. Me acredite. E… você parece o tipo de mulher que o faria.
—Está me rotulando? Só porque uso roupa de couro negro e trabalho como guarda de segurança em um clube?
—Não. Estive a seu lado quando identificou o corpo de Chrissy. Vi a forma em que a olhava, e isso é o que me faz pensar que você o fez. Tem motivos para uma vingança, e teve a oportunidade, porque qualquer um pode sair inadvertidamente deste lugar pelo lapso de uma hora, fazer o trabalho, e voltar aqui. —ficou de pé, foi para a porta, e se deteve com a mão sobre o trinco - Aconselho que consiga um bom advogado. Vai necessitar de um.
—Está ladrando à árvore equivocada, Detetive.
Ele sacudiu a cabeça lentamente.
—Não acredito. Sabe, a maioria das pessoas com as quais falo, quando há um cadáver no meio, a primeira coisa que me dizem, seja verdade ou não, é que eles não o fizeram. Você não disse nada parecido a isso.
—Talvez não sinta a necessidade de me defender.
—Talvez não sinta remorsos porque Grady era um machão que golpeou a uma jovem até matá-la, e esse crime não cai melhor a você do que cai a qualquer um de nós. —Quando acionou o trinco, os olhos de Cruz tinham uma expressão triste e fatigada— Por que não nos deixou capturá-lo? Teríamos prendido a ele. Posto na prisão. Deveria ter deixado que nos encarregássemos do assunto.
—Obrigada pela planta, detetive.
O tipo assentiu, como se as regras do jogo acabassem de ser estabelecidas e se pusessem de acordo a respeito de qual seria o campo de jogo.
—Consiga esse advogado. Logo.
Quando a porta se fechou, Xhex se deixou cair sobre o respaldo da cadeira e olhou a hera. Pensou que tinha uma preciosa cor de verde. E gostava da forma das folhas, a simetria bicuda agradava a vista, e as pequenas nervuras formavam um bonito desenho.
Definitivamente ia terminar matando a esta pobre e inocente coisinha.
Um golpe a sua porta fez com que levantasse a vista.
—Entre.
Entrou Marie-Terese, cheirando a Euphoria de Calvin Klein e usando uma calça folgada e uma camiseta branca. Era óbvio que ainda não tinha começado seu turno.
—Acabo de entrevistar duas garotas.
—Você gostou de alguma delas?
—Alguém esconde algo. Não estou segura do que se trata. A outra está bem, embora a cirurgia feita em seus seios seja bastante incompetente.
—A enviamos ao doutor Malik?
—Acredito que sim. É suficientemente bonita para compilar Benjamins. Quer conhecê-la?
—Sim, mas não neste momento. O que te parece amanhã a noite?
—Trarei-a aqui, só me diga a que horas...
—Posso te perguntar algo?
Marie–Terese assentiu sem duvidá-lo.
—O que quiser.
Durante o silêncio que se seguiu, Xhex teve na ponta da língua a pergunta sobre a pequena sessão de bombeamento que John e Gina tinham tido no banheiro. Mas, o que queria saber? Só tinha sido uma transação de negócios das mais comuns no clube.
—Eu o envie com Gina. —disse Marie–Terese tranqüilamente.
Xhex fixou a vista na mulher.
—A quem?
—John Matthew. Mandei-o com ela. Supus que seria mais fácil.
Xhex brincou com o Caldwell Courier Journal que tinha sobre a mesa.
—Não tenho idéia do que está falando.
A expressão de Marie–Terese foi de «sim certo», mas a seu favor terá que dizer que não seguiu por esse caminho.
—A que hora amanhã a noite?
—Hora para que?
—Conhecer a garota nova.
OH, claro.
—Digamos que às dez em ponto.
—Parece-me bem.
Marie–Terese se voltou.
—Ouça, faria-me um favor?
Quando a mulher se virou rapidamente, Xhex sustentou no alto a plantinha de hera.
—Poderia levar isto para sua casa? Eu, não sei… mantê-la com vida.
Marie–Terese olhou a coisa, encolheu os ombros e se aproximou para recolhê-la.
—Eu gosto das verdes.
—Isso significa que esta condenada coisa acaba de ganhar na loteria. Porque eu não gosto.

Capítulo 56


Rehvenge pressionou CTRL+P em seu notebook e se inclinou para trás para pegar os papéis que cuspia, um a um, sua impressora. Quando a máquina emitiu um último zumbido e um suspiro, deixou a pilha frente a ele, pôs as folhas em ordem, pôs suas iniciais no canto superior direito de cada uma delas e logo assinou três vezes. A mesma assinatura, as mesmas cartas, os mesmos garranchos em itálico.
Não chamou Xhex para que lhe servisse de testemunha. Tampouco pediu a Trez que o fizesse.
Foi iAm que o fez, o Mouro atuou como John Hancock[108] usando o nome que tinha assumido para propósitos humanos nas linhas adequadas para creditar o testamento, as transferências de bens imóveis e o confidente. Depois de fazer isso, assinou uma carta escrita na Antiga Língua com seu verdadeiro nome assim como uma declaração da linha de descendência.
Quando terminaram, Rehv pôs tudo em uma maleta Luis Vuitton negro e o deu a iAm.
—Quero que leve isso daqui a trinta minutos. Leve-a embora nem que tenha de nocauteá-la com um murro. E se assegure de levar seu irmão com você e de que todo o pessoal tenha ido.
iAm não disse nada. Em troca, tirou a faca que levava na parte baixa das costas, fez um talho na palma da mão e a estendeu, seu sangue caiu espesso e azul sobre o teclado do computador. Era tudo quão equilibrado, Rehv necessitava que fosse, absolutamente imperturbável e firme.
E por esse motivo fazia muito tempo que sempre o escolhia para a merda mais difícil.
Quando ficou de pé para estreitar a mão que lhe oferecia, Rehv teve que tragar com força. O apertão de mãos era um voto de sangue, e logo seus corpos se encontraram em um firme e estreito abraço.
iAm disse em voz baixa e na Antiga Língua:
—Conheci-o bem. Amei-o como se fosse de minha própria carne e osso. Honrarei-o para sempre.
—Cuida dela, de acordo? Ficará violenta e isso durará um bom tempo.
—Trez e eu faremos o que seja necessário.
—Nada disto foi culpa dela. Nem o princípio nem o fim. Xhex vai ter que acreditar nisso.
—Sei.
Separaram-se e a Rehv custou muito deixar ir o ombro de seu velho amigo, sobre tudo porque este era a única despedida que ia ter: Xhex e Trez teriam lutado contra sua decisão, teriam tentar negociar outras soluções enquanto arranhavam e se aferravam a outros desenlaces. iAm era mais fatalista. Também era mais realista, porque não havia outro caminho.
—Vai. — disse Rehv com voz quebrada.
iAm colocou a palma ensangüentada sobre o coração, fez uma reverência dobrando-se pela cintura, e logo foi sem olhar para trás.
As mãos de Rehv tremeram quando retirou a manga para checar a hora em seu relógio. Agora o clube fechava às quatro. O pessoal da limpeza chegava às cinco da manhã em ponto. O que significava que depois de que todo mundo se fosse, ficaria meia hora.
Pegou o telefone e se dirigiu para seu dormitório, digitando um número ao qual estava acostumado a chamar freqüentemente.
Enquanto fechava a porta, ouviu a cálida voz de sua irmã na linha.
—Olá, meu irmão.
—Olá. —sentou-se sobre a cama, perguntando-se o que lhe dizer.
No fundo podia ouvir Nalla choramingando com uma choro lastimoso, e Rehv ficou imóvel. Podia imaginar às duas juntas, a menina apoiada contra o ombro de sua irmã, um frágil pacote de futuro envolto em uma suave manta debruada com uma banda de cetim.
O único infinito que conheciam os mortais eram as crianças, ou não?
Ele nunca os teria.
—Rehvenge? Está aí? Está bem?
—Sim. Chamei só por que… queria te dizer… —Adeus.
— Que a amo.
—Isso é muito doce. É duro, não é verdade? Já não ter a Mahmen.
—Sim. É-o. —Fechou os olhos e os apertou com força, e como se tivesse recebido um sinal, Nalla começou a chorar realmente, através do fone pôde ouvir o som de seu uivo.
—Perdão por minha pequena caixinha de ruídos. — disse Bella.
— Não quer dormir a menos que caminhe pelo quarto, e meus pés estão começando a render-se.
—Escuta… recorda a canção de ninar que estava acostumado a cantar para você? Quando era pequena.
—OH, Meu deus, a que tratava das quatro estações? Sim! Fazia anos que não pensava nela… Estava acostumado a cantá-la quando não podia dormir. Inclusive quando já era grande.
Sim, era essa, pensou Rehv. A que vinha diretamente dos Antigos Mitos a respeito das quatro estações do ano e da vida, a que lhe tinha ajudado a agüentar junto a sua irmã muitos dias de insônia, ele cantando e ela repousando.
—Como era? —perguntou Bella.
— Não posso…
Rehv cantou um pouco torpemente a princípio, tropeçando com as palavras de sua oxidada memória, as notas não eram tão perfeitas devido a sua voz sempre tinha sido muito profunda para o tom em que estava escrita a canção.
—É essa, oh! —sussurrou Bella.
— Espera, deixa que ponha minhas mãos livres…
Ouviu-se um assobio e logo um eco, e enquanto seguia cantando, o pranto de Nalla se secou, as chamas extintas por uma suave chuva de palavras antigas.
A capa verde pálido da primavera… o véu brilhantemente florescido do verão… a fiação fresca do outono… a manta de frio do inverno… as estações não pertenciam apenas à terra, a não ser a toda criatura vivente, o esforço por chegar à cúpula, o gozo da vitória, seguido pela queda do topo e a suave luz branca do Fade que era o eterno desenlace.
Cantou a canção de ninar duas vezes, e sua última viagem através das palavras foi a melhor. Deteve-se ali, porque não desejava correr o risco de que o próximo intento não ficasse tão bom.
A voz de Bella se ouviu rouca pelas lágrimas.
—Conseguiu-o. Conseguiu que dormisse.
—Você poderia cantar-lhe se quisesse.
—Farei-o. Definitivamente o farei. Obrigado por me recordar isso. Não sei por que nunca antes tinha me ocorrido tentá-lo.
—Possivelmente o tivesse feito. Em algum momento.
—Obrigado Rehv.
—Dorme bem, irmã minha.
—Ligarei amanhã, ok? Parece distraído.
—Amo-a.
—Aahh… eu também o amo. Ligo amanhã.
Houve uma pausa.
—Se cuide. Cuide você, a sua pequena e a seu hellren.
—Farei-o querido irmão. Adeus.
Rehv cortou a comunicação e ficou sentado com o telefone na mão. Para manter a tela acesa, pressionava a tecla de maiúscula a cada dois minutos.
Matava-lhe não poder ligar para Ehlena. Mandar-lhe uma mensagem de texto. Estender-se para ela. Mas estava no lugar que devia estar: era melhor que o odiasse a que o chorasse.
Às quatro e meia, recebeu a mensagem de texto de iAm que tinha estado esperando. Eram só duas palavras.
Tudo desocupado.
Rehv se levantou da cama. A dopamina estava perdendo efeito, mas ainda ficava suficiente em seu sistema como para que se cambaleasse ao não usar o cajado e se visse obrigado a recuperar o equilíbrio. Quando se convenceu de que estava suficientemente estável, tirou o casaco de Marta cibelina e a jaqueta e se desarmou, deixando sobre a cama as pistolas que habitualmente levava debaixo dos braços.
Era hora de ir-se, hora de usar o sistema que tinha instalado depois de ter comprado o edifício de tijolos do clube e de havê-lo renovado da pedra angular até o teto.
Todo o lugar estava conectado por meio de som. E não do tipo Dolby.
Retornou a seu escritório, sentou-se atrás do escritório e abriu a última gaveta do lado direito. Dentro havia uma caixa negra que não era maior que o controle remoto de uma TV, e além dele, iAm era o único que sabia o que era e para que servia. iAm também era a única outra pessoa que tinha conhecimento dos ossos que Rehv guardava debaixo de sua cama, ossos que eram de um macho humano e aproximadamente do tamanho de Rehv. Mas por outro lado, iAm era o que os tinha conseguido.
Rehv tirou o controle remoto e ficou de pé, passeando o olhar pelo lugar por última vez. As pilhas de papéis ordenadas. O dinheiro na caixa forte. As drogas na sala de corte do Rally.
Saiu do escritório. Agora que tinha terminado o horário de trabalho, o clube estava bem iluminado, e a seção VIP estava coberta pelos resíduos de toda a noite, como uma puta muito usada: havia rastros no lustroso chão negro, marcas circulares da transpiração dos copos, guardanapos enrugados e deixados sobre as mesas aqui e ali. As garçonetes limpavam depois de que ia cada cliente, mas um humano tinha limitações quanto ao que podia ver na escuridão.
A cascata, que estava atravessada no caminho para separar as seções, estava apagada, por isso tinha uma clara visão da seção popular… que não se via muito melhor. O chão da pista de dança estava todo rajado. Havia varinhas de coquetel e pacotes de pirulitos por todos os lados, e até tinham deixado um par de calcinhas em um canto. No teto, tinha ficado exposto o sistema de iluminação a laser com suas redes de vigas, cabos e porta lâmpadas, e como não soava a música, os alto-falantes enormes estavam hibernando como ursos negros em uma cova.
Neste estado o clube era como O Mago de Oz ao ser exposto: toda a magia que se desenvolvia aqui noite após noite, todo o barulho e a excitação, em realidade era, somente, uma combinação de eletrônica, bebidas alcoólicas, e químicas, uma ilusão para as pessoas que atravessavam a porta dianteira, uma fantasia que lhes permitia ser algo que não pudessem ser no dia a dia de suas vidas. Talvez ansiassem ser poderosos porque se sentiam fracos, ou sensuais porque se sentiam feios, ou elegantes e ricos quando na realidade não o eram, ou jovens quando entravam rapidamente na meia idade. Talvez desejassem cauterizar a dor de uma relação falida ou cobrar vingança por terem sido deixados ou fingir que não estavam procurando um par quando na realidade estavam desesperados por conseguir um.
Certo, saíam a «divertir-se», mas estava completamente seguro de que debaixo da superfície alegre e radiante, havia muita escuridão e decaimento.
O clube em seu estado atual era a metáfora perfeita de sua vida. Durante muito tempo tinha sido o Mago, enganando a seus seres mais próximos, se encaixando com as pessoas normais através de uma combinação de drogas, mentiras e subterfúgios.
Esse era um tempo passado.
Rehv deu uma última volta pelo lugar e saiu pelas portas duplas da frente. O pôster negro do ZeroSum não estava aceso, indicando que já estavam fechados por essa noite. Embora fosse mais adequado dizer que tinham fechado definitivamente.
Olhou a esquerda e a direita. Não havia ninguém na rua, nem carros nem pedestres à vista.
Dirigiu-se para examinar o beco no qual estava a entrada lateral que dava à seção VIP e logo o atravessou rapidamente dirigindo-se para o outro beco. Não havia indigentes. Não havia parasitas.
De pé sob o vento frio, Rehv tomou um momento para apreciar os edifícios que estavam ao redor do clube, procurando ralos que indicassem que havia humanos neles. Nada. O sinal de que estava tudo desocupado era correto.
Quando esteve preparado para partir, cruzou a rua, desceu dois blocos, e logo se deteve, deslizou a tampa do controle remoto para baixo, e ingressou um código de oito dígitos.
Dez… e nove… oito…
Encontrariam os ossos calcinados e rangentes, e durante um breve momento se perguntou de quem seriam. iAm não o havia dito, e ele não tinha perguntado.
Sete… e seis… cinco…
Bella ia ficar bem. Ela tinha a Zsadist, a Nalla, aos Irmãos e a suas shellans. Para ela ia ser brutal, mas o superaria, e era melhor isto a que se inteirasse de uma verdade que a destruiria: nunca devia inteirar-se de que sua mãe tinha sido violentada e que seu irmão era meio comedor de pecados.
Quatro…
Xhex permaneceria separada da colônia. iAm se asseguraria disso, porque ia forçar a ater-se à promessa que tinha feito a noite anterior: tinha prometido cuidar de alguém, e na carta que Rehv tinha escrito na Antiga Língua, a qual tinha feito que iAm legitimasse, exigia-lhe que cuidasse de si mesma. Sim, tinha-a enganado a esse respeito. Sem dúvida teria assumido que lhe pediria que matasse à princesa, ou talvez até podia ter pensado que lhe pediria que cuidasse de Ehlena. Mas era um symphath, não? E ela tinha cometido o engano de lhe dar sua palavra sem saber a que estava se comprometendo.
Três…
Rastreou o contorno do teto do clube com os olhos e tratou de imaginar o aspecto que teriam os escombros, não só os que estivessem ao redor do clube, mas também os que deixariam nas vidas das pessoas ao dirigir-se para o norte.
Dois…
Para Rehv doía muitíssimo o coração, e sabia que era devido a estar guardando luto por Ehlena. Apesar de que tecnicamente era ele, que estava morrendo.
Um...
A explosão que detonou debaixo da pista de dança principal desencadeou dois mais, uma debaixo do bar da seção VIP e outra no balcão da sobreloja. Com um tremendo estrondo e um tremor envolvente, o edifício estremeceu até os alicerces e uma rajada de tijolos e cimento vaporizado se precipitou para fora.
Rehvenge cambaleou para trás e se chocou contra a vitrine de cristal de um salão de tatuagens. Depois de recuperar o fôlego, observou como a fina névoa de pó flutuava para baixo como se fosse neve.
Roma tinha caído. E apesar disso, era difícil partir.
A primeira das sirenes soou não mais de cinco minutos mais tarde, e esperou que passassem as luzes intermitentes vermelhas a toda velocidade salpicando toda a rua Trade.
Quando o fizeram, fechou os olhos, tratou de acalmar-se… e se desmaterializou para o norte.
Para a colônia.

Capítulo 57


—Ehlena? —A voz de Lusie baixou as escadas.
— Vou embora.
Ehlena se sacudiu e olhou a hora no canto inferior da tela do computador. Eram quatro e meia? Já? Deus, sentia-se como... bom, como se não soubesse que tinha estado sentada frente a sua mesa improvisada durante horas ou dias. O lugar de busca de emprego de Caldwell Courier Journal tinha estado na tela todo o tempo, mas tudo o que tinha estado fazendo ela era fazer círculos com a ponta do dedo indicador sobre o botão do mouse .
—Já vou. —ficou em pé e se dirigiu às escadas.
— Obrigada por limpar tudo depois da refeição de meu pai.
A cabeça do Lusie apareceu no alto das escadas.
—De nada, e ouça, há alguém aqui que quer ver você.
O coração de Ehlena deu um tombo em seu peito.
—Quem?
—Um macho. Deixei-o entrar.
—OH, Deus. —disse Ehlena baixo. Enquanto subia correndo do porão, pensou que ao menos seu pai estava profundamente adormecido depois de ter comido. Quão último necessitava nesse momento era que se transtornasse pela presença de um estranho na casa.
Quando chegou à cozinha, estava preparada para dizer a Rehv ou Trez ou quem quer que fosse que podia ir a...
De pé junto à mesa barata, havia um macho loiro com uma aura de riqueza que levava uma pasta negra na mão. Lusie estava junto a ele, colocando seu casaco de lã e preparando sua bolsa de patchwork para sua viagem para casa.
—Posso o ajudar? —disse Ehlena franzindo o cenho.
O macho fez uma pequena reverência, levando a palma de sua mão galantemente para o peito, e quando falou, sua voz era extraordinariamente baixa e muito culta.
—Estou procurando Alyne, filha de Uys. É você sua filha?
—Sim, sou-o.
—Posso lhe ver?
—Está descansando. Do que se trata, e quem é você?
O macho olhou a Lusie, depois colocou a mão no bolso do peito e tirou uma identidade no Antigo Idioma.
—Sou Saxton, filho de Tyhm, advogado contratado pela casa de Montrag, filho de Rehm. Este passou recentemente ao Fade sem deixar nenhum herdeiro direto, e de acordo com minha investigação de linhagens, seu pai é o parente mais próximo e portanto o único beneficiário.
As sobrancelhas da Ehlena dispararam para cima.
—Perdão? —Quando ele repetiu o que havia dito, seguia sem captá-lo.
— Eu... ah... o que?
Quando o advogado voltou a repetir a mensagem, sua mente rodeou a provas, tentando conectar os pontos. Rehm era definitivamente um nome que lhe resultava familiar. Tinha-o visto nos registros de negócios de seu pai... e em seu manuscrito. Não era um tipo agradável. Nem por acaso. Tinha uma vaga lembrança do filho, mas nada específico, somente um remanescente dos dias passados como fêmea de valia no círculo de debutantes da glymera.
—Sinto muito, —murmurou— mas isto é uma surpresa.
—Entendo. Posso falar com seu pai?
—Ele não..., não recebe visitas, na realidade. Não está bem. Eu sou sua tutora legal. —esclareceu-se garganta.
— Conforme à Antiga Lei, tive que fazer que lhe declarassem incapaz devido a... questões mentais.
Saxton, filho de Thym, fez uma pequena reverência.
—Lamento ouvir isso. Posso perguntar se estaria capacitada para apresentar a identificação de linhagem de ambos? E a declaração de incapacidade?
—Tenho-o tudo lá embaixo. —Olhou a Lusie.
— Suponho que deve partir.
Lusie olhou fixamente a Saxton e pareceu chegar à mesma conclusão que Ehlena. O macho parecia perfeitamente normal, e esse traje, esse casaco e essa maleta que levava na mão, gritavam positivamente advogado. Sua identidade era legítima também.
—Posso ficar se quiser. —disse Lusie.
—Não, estarei bem, além disso, aproxima-se o amanhecer.
—Muito bem então.
Ehlena acompanhou Lusie para fora e depois voltou com o advogado.
—Me dá licença um minuto?
—Leve o tempo que precisar.
—Gostaria... hã, de beber algo? Café? —Esperava que dissesse que não, já que o melhor que podia lhe oferecer era um suco, e ele parecia o tipo de homem que estava mais acostumado às xícaras de chá de Limões.
—Estou bem, mas obrigado. —Seu sorriso era genuíno e nada sexual. Mas por outro lado, não lhe cabia dúvida de que só se interessava pelo tipo de fêmea aristocrática que ela poderia ter sido se suas finanças tivessem sido diferentes.
Suas finanças... e outras coisas.
—Voltarei em um momento. Por favor, sente-se. —Embora a calça dele, engomada com suma precisão, bem poderiam rebelar-se se o macho tentasse depositar seu peso sobre uma das miseráveis cadeiras que havia ali.
Quando esteve na parte de baixo, em seu quarto, procurou sob a cama e tirou sua caixa de documentos. Enquanto a levava escada acima, sentia-se torpe, totalmente fria pelo drama no qual tinha caído sua vida como se fosse um avião em chamas caindo do céu. Jesus, o fato de que um advogado tivesse aparecido em sua porta procurando herdeiros perdidos parecia... estranho. Como é. E não ia pôr muitas esperanças nisto. Pela forma em que estavam resultando as coisas, esta «oportunidade dourada» acabaria indo na mesma direção que todo o resto ultimamente.
Direto a merda.
Uma vez na parte de cima, pôs a caixa sobre a mesa.
—Tenho tudo aqui.
Quando se sentou, Saxton também o fez, pondo sua maleta no chão cheio de marcas e centrou seus olhos cinza na caixa. Depois de marcar a combinação, ela abriu a pesada tampa e tirou um envelope cor nata tamanho dez por vinte centímetros e três pergaminhos enrolados, cada um dos quais tinha fitas de cetim ondeando desde seus interiores enrolados.
—Esta é a declaração de incapacidade. —disse, abrindo o envelope e tirando um documento.
Depois que ele examinou a missiva e assentira, descobriu o certificado de linhagem de seu pai, que ilustrava uma árvore familiar com primorosa e ondulada tinta negra. Na base, as fitas amarelas, azul pálido e vermelho profundo estavam fixadas com um selo de cera negra que levava o escudo do pai do pai de seu pai.
Saxton levantou sua maleta, abriu-a, e tirou um par de óculos de joalheiro, deslizou o peso até seu rosto e examinou cada centímetro do pergaminho.
—É autêntico. —pronunciou.
— Os outros?
—O de minha mãe e o meu próprio. —Desenrolou-os ambos e ele realizou a mesma inspeção.
Quando terminou, recostou-se na cadeira e tirou os óculos.
—Posso voltar a ver a declaração de incapacidade?
Ela a passou e ele leu, com um cenho esticando o espaço que havia entre suas sobrancelhas perfeitamente arqueadas.
—Qual é exatamente a condição médica de seu pai, se não lhe incomodar que pergunte?
—Sofre de esquizofrenia. Para ser honesta está muito doente e precisa de cuidados contínuos.
Saxton percorreu lentamente a cozinha com o olhar, tomando nota do chão manchado, do papel de alumínio nas janelas, e os eletrodomésticos antigos.
—Você tem emprego?
Ehlena se esticou.
—Não vejo como isso possa ser relevante.
—Sinto muito. Você tem toda a razão. É que apenas... —Voltou a abrir sua maleta e tirou um documento de umas cinqüenta páginas e uma folha contável.
— Uma vez que me certifique que você e seu pai eram os parentes mais próximos de Montrag... e me apoiando nesses pergaminhos tenho tudo preparado para fazê-lo... nunca vai ter que voltar a preocupar-se com dinheiro.
Girou o documento e a folha contável tamanho legal para ela e tirou uma pluma de ouro do bolso do peito.
—Agora seu valor nítido é substancial.
Com a ponta de sua pluma, Saxton assinalou o número definitivo que aparecia no canto inferior direito da folha.
Ehlena baixou o olhar. Piscou.
Depois se inclinou de tudo sobre a mesa, até que seus olhos não estiveram a mais de três centímetros da ponta da pluma e o papel e... desse número.
—Isso... quantos dígitos estou vendo? —sussurrou.
—Deveriam ser oito à esquerda do ponto decimal.
—E começa por um três?
—Sim. Também há uma propriedade. Em Connecticut. Pode mudar-se quando queira depois de que termine com os papéis de certificação, todos os quais redigirei durante o dia e passarei imediatamente ao Rei para sua aprovação. —recostou-se para trás.
— Legalmente, o dinheiro, o imóvel e os objetos pessoais, incluindo as obras de arte, antiguidades e os carros, serão de seu pai até que ele passe ao Fade. Mas com os papéis de tutoria, você estará a cargo de tudo em seu benefício. Assumo que é você sua herdeira no testamento?
—Ah... Sinto muito, qual era a pergunta?
Saxton sorriu amavelmente.
—Tem seu pai um testamento? Está você nele?
—Não... não, não tem. Já não tínhamos nenhum ativo.
—você tem algum irmão?
—Não. Só eu. Bom, ele e eu desde que Mahmen morreu.
—Gostaria que redigisse um testamento para ele a seu favor? Se seu pai morrer intestado, tudo passará a você de todo o modo, mas se arrumarmos isso antes, simplificará as coisas a qualquer advogado que contrate, porque não terá que conseguir a assinatura do Rei para a transferência dos ativos.
—Isso seria... Espere, você sai caro, verdade? Não acredito que possamos...
—Pode permitir-se me contratar. —Golpeou a folha com a pluma outra vez.
— Confie em mim.

Nas largas e escuras horas posteriores a que Wrath perdesse a visão, caiu pelas escadas... diante de todo mundo que se congregou na sala de jantar para a Última Refeição. O movimento casca–de–banana o levou, com o traseiro por diante, todo o caminho para baixo até chegar ao chão de mosaico do vestíbulo.
A única forma de ter ficado como um perdedor ainda maior teria sido se tivesse começado a sangrar por toda parte.
OH... espera. Quando levantou a mão para seu cabelo, para afastar essa merda para trás, sentiu algo úmido e sabia que não estava babando.
—Wrath!
—Meu irmão...
—Que caralho...?
—Santa...
Beth foi a primeira dos milhares que trataram de alcançá-lo, pôs-lhe as mãos sobre os ombros enquanto o sangue quente gotejava de seu nariz.
Outras mãos se estenderam para ele através da escuridão, as mãos de seus irmãos, as mãos das shellans da casa, todas mãos amáveis, preocupadas, compassivas.
Com uma grosseria furiosa, empurrou a todos para trás e tentou ficar em pé. Entretanto a não ter o sentido de orientação que lhe guiasse, terminou com uma shitkicker no primeiro degrau... o que lhe fez perder o equilíbrio. Ao gesticular em busca do corrimão, de algum modo as arrumou para equilibrar suas botas e retrocedeu arrastando os pés, não estava seguro de que se dirigia para a porta dianteira ou ao salão de bilhar ou à biblioteca ou a sala de jantar. Estava mais que perdido em um espaço que conhecia muito bem.
—Estou bem. —ladrou.— Estou perfeitamente bem.
Todo mundo ao seu redor ficou em silêncio, sua voz de comando não tinha sido mitigada em nada pela cegueira, sua autoridade como Rei era irrebatível embora não pudesse ver uma puta merda…
Suas costas bateram contra uma parede e um candelabro de cristal que havia sobre ele tilintou pelo impacto, o delicado ruído se elevou no silêncio reinante.
Jesus... cristo. Não podia seguir assim, movendo-se por aí como um carro de choque, golpeando as coisas, caindo. Mas nisto não tinha direito a voto.
Desde que tinha ficado às escuras, tinha estado esperando que seus olhos começassem a funcionar outra vez. Não obstante, com o passar do tempo, sem que Havers tivesse encontrado respostas concretas, e ante o desconcerto da Dra. Jane, o que em seu coração já sabia que era verdade tinha começado a abrir caminho até seu cérebro: esta escuridão em que se encontrava era a nova terra sobre a qual agora caminhava.
Ou caía, em todo caso.
Para quando o candelabro se aquietou sobre sua cabeça, cada parte de seu ser estava gritando, e rezou para que ninguém, nem sequer Beth, tentasse o tocar ou lhe falar ou lhe dizer que tudo estava bem.
Nada ia voltar a estar bem. Não ia recuperar a visão, sem importar o que os médicos pudessem tentar lhe fazer, sem importar quantas vezes se alimentasse, sem importar com quanta freqüência descansasse ou o bem que se cuidasse. Merda, inclusive antes que V tivesse exposto o que tinha previsto, Wrath já sabia que isto se aproximava: Sua visão tinha estado decaindo com o passar dos séculos, a acuidade visual esteve desaparecendo gradualmente com o tempo. E esteve sofrendo dores de cabeça durante anos, e sua severidade tinha crescido nos últimos doze meses.
Tinha sabido que terminaria assim. Toda sua vida o tinha sabido e o tinha ignorado, mas a realidade tinha chegado.
—Wrath. —Foi Mary, a shellan de Rhage, a que rompeu o silêncio, sua voz foi uniforme e tranquila sem rastros de frustração ou agitação. O contraste com o caos de sua mente o fez voltar-se para o som embora não pôde lhe responder nada porque não tinha voz.
— Wrath, quero que estenda a mão esquerda. Encontrará o marco da porta da biblioteca. Vai para lá e dá quatro passos para trás para entrar na habitação. Quero falar com você, e Beth também estará presente.
As palavras eram tão equilibradas e razoáveis que foram como um mapa para atravessar a crescente selva de espinheiros, e seguiu as indicações com todo o desespero de um viajante perdido. Estendeu a mão... e sim, ali estava o desenho irregular da moldura ao redor do marco da porta. Arrastando-se para um lado, utilizou ambas as mãos para encontrar o caminho que o levasse a atravessar o marco, e depois deu quatro passos para trás.
Ouviu passos silenciosos. Desde dois pares de pés. E as portas da biblioteca se fecharam.
Percebia a localização das duas fêmeas pelos sutis sons de suas respirações, e nenhuma delas invadia seu espaço pessoal, o que agradeceu.
—Wrath, acredito que precisamos fazer algumas mudanças temporárias. —A voz de Mary provinha da direita.
— No caso de não recuperar a visão logo.
Grande eufemismo, pensou ele.
—Como quais? —resmungou.
Beth respondeu, o fazendo tomar consciência de que evidentemente já tinham falado disto entre elas.
—Uma bengala para o ajudar com o equilíbrio, e uma infra-estrutura de pessoal de cobertura em seu escritório para que possa voltar para o trabalho.
—E talvez alguma outro tipo de ajuda. —apontou Mary.
Enquanto absorvia suas palavras, o som dos batimentos de seu coração rugia em seus ouvidos, e tentou não prestar tanta atenção. Sim, boa sorte com isso. Quando um suor frio o banhou, empapando seu lábio superior e suas axilas, não esteve seguro de se era pelo medo ou pelo esforço que lhe demandava tratar de evitar derrubar-se diante delas.
Provavelmente ambos. A questão era que não poder ver era ruim, mas o que realmente o estava matando era a claustrofobia. Sem uma referência visual, estava preso no espaço estreito e lotado sob a capa de sua pele, aprisionado em seu corpo sem forma de sair... e esse tipo de merda não lhe sentava nada bem. Recordava-lhe muito , quando era menino e seu pai o encerrou em um espaço pequeno... e permaneceu encerrado enquanto via como os lessers assassinavam a seus pais…
A lúgubre lembrança debilitou seus joelhos e perdeu o equilíbrio, escorando-se para um lado até que começou a cair de suas botas. Beth foi a que lhe apanhou e brandamente o carregou para o outro lado para que quando caísse o fizesse sobre um sofá.
Enquanto tentava respirar, apertou a mão dela com força, e esse contato foi tudo o que evitou que soluçasse como um fodido marica.
O mundo acabou... o mundo acabou... o mundo se havia...
—Wrath, —disse Mary— se voltar a trabalhar, ajudará, e enquanto isso podemos fazer isso mais fácil. Há soluções que podem fazer as coisas mais seguras para você e ajudar a se acostumar a...
Ela falava mas ele não a escutava. Em tudo o que podia pensar era em que não voltaria a lutar, nunca. Nada de passear com facilidade pela casa, nunca. Nada de conseguir embora fosse uma impressão imprecisa do que havia em seu prato, ou de quem estava sentado a sua mesa, ou do que vestia Beth. Não sabia como ia fazer para barbear-se ou encontrar a roupa em seu armário ou ver onde estava o xampu ou o sabão. Como se exercitaria? Não seria capaz de preparar os pesos que queria ou ligar a esteira de correr e... merda, amarrar os cadarços dos tênis...
—Sinto-me como se tivesse morrido. — disse com voz afogada.
— Sim assim é como vai ser... sinto como se a pessoa que era… tivesse morrido.
A voz de Mary lhe chegou diretamente da frente dele.
—Wrath, vi a pessoas atravessarem exatamente o mesmo tipo de situação com a que você está lutando. Meus pacientes autistas e seus pais devem aprender a ver as coisas de um modo novo. Mas para eles não foi o fim. Não houve nenhuma morte, só uma mudança em seu estilo de vida.
Enquanto Mary falava, Beth lhe acariciava o interior do braço, deslizando a mão para cima e para baixo pela tatuagem que ilustrava sua linhagem. O toque o fez pensar nos muitos machos e fêmeas que tinham morrido antes dele, cuja coragem tinha sido posto a prova por desafios tanto internos como externos.
Franziu o cenho, repentinamente envergonhado por sua debilidade. Se seu pai e sua mãe estivessem vivos nesse momento, haveria se sentido envergonhado de que vissem como estava se comportando. E Beth... sua amada, sua companheira, sua shellan, sua Rainha, tampouco deveria o haver visto assim.
Wrath, filho de Wrath, não deveria estar inclinando-se sob o peso que lhe tinha imposto. Deveria estar suportando-o. Isso era o que faziam os membros da Irmandade. Isso era o que fazia um Rei. Isso era o que fazia um macho de valia. Deveria estar suportando sua carga, elevando-se por cima da dor e do medo, lhe fazendo frente firmemente não só por aqueles aos que amava, mas também por si mesmo.
Em vez disso, caía pelas escadas como um bêbado.
Esclareceu a garganta. E teve que esclarecer uma vez mais.
—Tenho... tenho que ir falar com alguém.
—Ok. —disse Beth.
— Podemos trazer esse alguém até você...
—Não, irei por mim mesmo. Se me perdoarem. —ficou em pé e avançou... para dar em cheio com a mesa do café. Reprimindo uma maldição enquanto esfregava a tíbia, disse: — Me deixam aqui? Por favor.
—Posso... —A voz de Beth se quebrou.— Posso limpar seu rosto?
Distraidamente, Wrath limpou a bochecha e a sentiu úmida. Sangue. Ainda estava sangrando.
—Está bem. Estou bem.
Houve um suave sussurro enquanto as duas mulheres se encaminhavam para a porta, depois do click do ferrolho quando uma delas acionou o trinco.
—Amo-a, Beth. —disse Wrath rapidamente.
—Eu também o amo.
—É... tudo se arrumará.
Com outro click, a porta voltou a fechar-se.
Wrath se sentou no chão no mesmo lugar em que se encontrava, porque não confiava em si mesmo para andar pela biblioteca para conseguir uma posição melhor. Enquanto estava sentado, o rangido do fogo lhe deu algum marco de referência... e então se deu conta de que podia visualizar a biblioteca em sua mente.
Se estendesse a mão à direita... sim. Sua mão roçou uma das suaves pernas da mesa que havia junto ao sofá. Subiu com a mão até o fundo retangular e aplaudiu a superfície da coisa até encontrar... se, os costeiros que Fritz empilhava pulcramente ali. E um pequeno livro de couro... e a base do abajur.
Isto era reconfortante. De uma certa forma, estranha, havia sentido como se o mundo tivesse desaparecido só porque ele não podia vê-lo. Mas na realidade todo seguia estando aí.
Fechando os olhos, enviou uma petição.
Passou um longo momento antes que fosse respondida, um longo, longo momento antes que seu espírito lhe abandonasse encontrando a si mesmo de pé em um chão duro, junto a uma fonte que cantava brandamente. Perguntou-se se seria cego aqui no Outro Lado também, e o era. Ainda assim, como lhe tinha ocorrido com a disposição da biblioteca, conhecia o lugar, embora não pudesse vê-lo. Ali à direita havia uma árvore cheia de pássaros piando, e diante dele, do outro lado da fonte que pulverizava água, estaria a galeria com colunas que formava parte dos aposentos privados da Virgem Escriba.
—Wrath, filho de Wrath. —Não ouviu a mãe, da raça, aproximar-se mas bom, ela se deslocava levitando de modo que sua túnica negra nunca tocasse o chão que havia baixo dela, fosse qual fosse este.
— Com que propósito vem a mim?
Ela sabia condenadamente bem por que estava ali, e Wrath já não ia seguir o jogo.
—Quero saber se você me fez isto.
Os pássaros ficaram em silêncio, como se estivessem horrorizados por sua temeridade.
—Se tiver feito o que a você? —Sua voz soava como quando tinha aparecido na Tumba com Vishous: distante e desinteressada. O que o enchia irritava bastante a um cara que estava tendo problemas para descer suas próprias escadas.
—Minha maldita vista. Tirou-me isso porque saí para lutar? —arrancou os óculos envolventes do rosto e os atirou pelo chão escorregadio.
—Você me fez isto?
No passado lhe teria açoitado até lhe fazer sangrar por essa classe de insubordinação, e enquanto ele aguardava ver o que lhe vinha em cima, quase esperava que lhe fundisse o traseiro com um relâmpago.
Entretanto não houve nenhum impacto.
—O que estava destinado a ser, ia ser. Que lutasse não teve nada que ver com sua perda de visão, nem eu tampouco. Agora volta para seu mundo e me deixe no meu.
Soube que se virou, porque sua voz soou apagada enquanto se encaminhava na direção oposta.
Wrath franziu o cenho. Tinha vindo esperando uma briga, e queria uma. E o que tinha em lugar disso? Nada contra o que argumentar, nem sequer uma reprimenda por sua deliberada falta de respeito.
A mudança radical no paradigma era tão cru, que por um momento esqueceu todo o assunto de sua cegueira.
—O que acontece com você?
Não obteve nenhuma resposta, só uma porta fechando-se brandamente.
Em ausência da Virgem Escriba, os pássaros ficaram em silêncio, a única cortina de fundo era o delicado som da água ao cair. Até que outra pessoa se aproximou.
Por instinto, virou-se para os passos e assumiu sua postura de luta, surpreso ao descobrir não que estava tão indefeso como tinha pensado. Em ausência da vista, sua audição enchia a imagem que já não criavam seus olhos: sabia onde estava a pessoa pelo roçar de sua túnica e um estranho click, click, clik e... merda, até podia ouvir seu coração.
Forte. Firme.
O que estava fazendo um macho ali?
—Wrath, filho de Wrath. —Não era a voz de um macho. Era uma fêmea. E mesmo assim lhe dava uma impressão de masculinidade. Ou talvez fosse apenas o poder?
—Quem é? —exigiu.
—Payne.
—Quem?
—Não importa. Diga-me algo, tem planejado fazer algo com esses punhos? Ou só vais ficar aí parado?
Ele deixou cair os braços imediatamente, já que era absolutamente inapropriado levantar a mão a uma fêmea…
O gancho se estrelou em sua mandíbula com tanta força, que lhe sacudiu a cabeça e os ombros. Atônito, mais surpreso que dolorido, lutou por recuperar o equilíbrio. No instante em que o fez, ouviu uma espécie de zumbido e recebeu outro golpe, e o seguinte golpe conectou sob sua mandíbula e lhe jogou a cabeça para trás.
Entretanto, esses eram os únicos golpes livres que ia conseguir. Seus instintos defensivos e seus anos de treinamento responderam apesar de não poder ver nada, sua audição fez a parte de seus olhos, lhe indicando onde estavam coisas como braços e pernas. Agarrou um pulso surpreendentemente magro e atirou da fêmea...
O calcanhar dela contatou duramente com sua tíbia, a dor arpoou sua perna, o irritando, ao mesmo tempo em que parecia a uma corda que oscilava frente a seu rosto. Agarrou-o com a esperança de que fosse uma trança presa a...
Puxando com força, sentiu que o corpo dela se contorcia para trás. Sim, presa a sua cabeça. Perfeito.
Fazê-la perder o equilíbrio foi fácil, mas merda era uma filha da puta forte. Com apenas uma perna para apoiar seu peso, as arrumou para saltar e girar no ar, lhe dando no ombro com o joelho.
Ouviu-a aterrissar e começar a revolver-se, mas a manteve presa pelo cabelo, refreando-a. Entretanto era como água, sempre fluída, sempre em movimento, lhe golpeando continuamente até que se viu obrigado a tombá-la rudemente sobre a terra e sujeitá-la.
Foi um caso de força bruta vencendo à graça.
Ofegando, olhou em direção a um rosto que não podia ver.
—Qual é seu puto problema?
—Estou aborrecida. —Havendo dito isso, deu-lhe um cabeçada justo no maldito nariz.
A dor o fez sentir como se estivesse em um carrossel, afrouxando brevemente sua pressão. E isso foi tudo o que ela necessitou para liberar-se de novo. Agora era ele, que estava abaixo e ela tinha o antebraço ao redor de sua garganta e empurrava esta para trás com tanta força, que devia estar segurando o pulso para poder fazer mais alavanca.
Wrath lutou por levar ar a seus pulmões. Santa merda se continuasse assim, ia matar a ele. Realmente ia fazê-lo.
Do mais fundo de seu ser, do fundo de sua medula e do profundo da dupla hélice de seu DNA, chegou-lhe a resposta. Não ia morrer aqui e agora. De nenhuma maldita maneira. Ele era um sobrevivente. Era um lutador. E fosse quem fosse esta cadela, não ia emitir sua passagem ao Fade.
Wrath deixou escapar um grito de guerra apesar da barra de ferro que tinha ao redor do pescoço, e se moveu tão rápido que nem se inteirou do que fez. Tudo o que sabia era que uma fração de segundo depois, a fêmea estava com o rosto sobre o mármore com ambos os braços retorcidos atrás das costas.
Sem razão aparente, recordou quando lhe tinha quebrado os braços a esse lesser, umas quantas noites atrás, no beco antes de matar ao bode.
A ela ia fazer lhe exatamente o mesmo...
A risada que ondeou até ele de baixo o deteve. A fêmea... estava rindo. E não como alguém que tivesse perdido a cabeça. Sinceramente estava passando um bom momento, apesar de que devia saber que estava a ponto de desmaiar pelo tipo de dor que ia infligir a ela.
Wrath afrouxou ligeiramente a pressão.
—É uma puta demente, sabia?
O corpo firme dela tremeu debaixo do dele enquanto seguia rindo.
—Sei.
—Se a solto, vamos voltar a terminar aqui outra vez?
—Talvez sim. Talvez não.
Estranho, mas de certo modo gostava dessas probabilidades, e depois de um momento, soltou-a como o tivesse feito com um garanhão de mau gênio: rapidamente e com uma veloz retirada de sua parte. Enquanto se plantava sobre seus pés, estava preparado para que voltasse a o atacar, e de certa forma esperava que o fizesse.
A fêmea ficou onde estava, estendida sobre o chão de mármore, e voltou a ouvir o tinido.
—O que é isso? —perguntou.
—Tenho o hábito de bater a unha de meu dedo anelar contra a parte interna da unha de meu polegar.
—OH. Ótimo.
—Ouça, vai voltar de novo logo?
—Não sei. Por quê?
—Porque isto foi a coisa mais divertida que me aconteceu desde... faz muito tempo.
—Volto a perguntar, quem é? E por que não a vi aqui antes?
—Só digamos que Ela nunca soube o que fazer comigo.
Estava claro, dado o tom da fêmea, quem era Ela.
—Bom, Payne, pode ser que volte para ter mais disto.
—Bem. Faze-o logo. —Ouviu-a ficar em pé.
— A propósito, seus óculos estão junto a seu pé esquerdo.
Houve um sussurro e o suave fechar-se de uma porta.
Wrath pegou os óculos e depois se sentou sobre o mármore para dar uma pausa a suas pernas. Era engraçado, mas desfrutou da dor de sua perna, a espetada de seu ombro e o palpitar agudo de tudo e cada um de seus machucados. Tudo isso lhe era familiar, parte de seu passado e seu presente, e o que ia necessitar no aterrador e desconhecido futuro escuro.
Seu corpo ainda era dele. Ainda funcionava. Ainda podia lutar, e talvez com prática poderia voltar aonde tinha estado.
Não tinha morrido.
Ainda estava vivo. Certo, não podia ver, mas ainda podia tocar a sua shellan e lhe fazer amor. E ainda podia pensar, caminhar, falar e ouvir. Seus braços e pernas funcionavam perfeitamente, como também o faziam seus pulmões e seu coração.
A adaptação não ia ser fácil. Uma luta realmente impressionante não ia fazer desaparecer o que seriam meses e meses de torpe aprendizagem, frustração, fúria e passos em falso.
Mas tinha perspectiva. Uma diferente do nariz sangrando que tinha conseguido ao cair pelas escadas, a que tinha agora não lhe parecia um símbolo de tudo o que tinha perdido. Era mas bem uma representação de tudo o que ainda tinha.
Quando Wrath voltou para sua forma na biblioteca da mansão da Irmandade, estava sorrindo, e quando ficou em pé e uma de suas pernas uivou de dor soltou uma risada afogada.
Concentrando-se, deu dois passos coxeando à esquerda e... encontrou o sofá. Deu dez para frente e... encontrou a porta. Abriu a porta, deu quinze passos diretamente para diante, e... encontrou a balaustrada da escada principal.
Podia ouvir a refeição que se estava acontecendo no salão, o suave tinido de prata contra porcelana enchendo o vazio que normalmente ocupava o bate-papo. E pôde cheirar o... Oh, sim, cordeiro. A isso se referia.
Enquanto dava trinta e cinco mesurados passos de caranguejo à esquerda, começou a rir, especialmente quando limpou o rosto e o sangue gotejou de sua mão.
Soube o momento exato em que todo mundo o viu. Garfos e facas caíram sobre os pratos e ricochetearam, as cadeiras se arrastaram para trás e o ar se encheu de maldições.
Wrath simplesmente riu e riu e riu um pouco mais.
—Onde está minha Beth?
—Oh, doce Jesus. —disse ela enquanto se aproximava.
— Wrath... o que aconteceu?
—Fritz. — chamou enquanto amoldava a sua Rainha contra ele.
— Poderia me trazer um prato? Estou faminto. E também uma toalha para que possa me limpar. —Apertou a Beth.
— Me leve a meu assento, meu amor?
Fez-se um grande silêncio que positivamente soava a que–caralho–é–isto?
Hollywood foi o que perguntou:
—Quem demônios utilizou seu rosto como bola de futebol?
Wrath simplesmente encolheu os ombros e acariciou as costas de sua shellan.
—Fiz uma nova amizade.
—Pois grande amigo.
—Ela o é.
—Ela?
O estômago de Wrath deixou escapar um grunhido.
—Bom, posso me unir à refeição ou o que?
A referência a comida fez com que todo mundo voltasse a concentrar-se, produziu-se todo tipo de bate-papo e gritaria, e logo Beth o guiou através do salão. Quando se sentou, puseram-lhe um pano úmido na mão, e o divino aroma a romeiro e cordeiro apareceu justo diante dele.
—Pelo amor de Deus, vão se sentar? —disse-lhes enquanto limpava o rosto e o pescoço. Em tanto se produziam todo tipo de ruídos de cadeiras, encontrou sua faca e garfo e começou a cravar ao redor de seu prato, identificando o cordeiro e as batatas e... as ervilhas. Sim, os redondinhos eram ervilhas.
O cordeiro estava delicioso. Justo como gostava.
—Está seguro de que era uma amiga? —perguntou Rhage.
—Sim. —disse apertando a mão do Beth.
— Estou seguro.


Capítulo 58


Vinte e quatro horas em Manhattan eram suficientes para converter, inclusive o filho do mal em um homem novo.
Atrás do volante do Mercedes, com o porta-malas e o assento traseiro cheio de sacolas da Gucci, Louis Vuitton, Armani e Hermes, Lash era um excursionista feliz. Alojou-se em uma suíte do Waldorf, fodeu três mulheres —duas delas ao mesmo tempo— e comeu como um rei.
Enquanto deixava Northway pela saída que conduzia à colônia symphath, comprovou a hora em seu novo e reluzente Cartier Tank de ouro, o substituto dessa merda do Jacob & CO. falsificado, que estava tão abaixo dele.
A hora que mostrava o relógio não estava tão mal, mas a data era um problema: o rei symphath, ia dar-lhe uma bronca mas não se importava. Pela primeira vez desde que tinha sido convertido pelo Omega, sentia-se como ele mesmo. Vestia um traje cruzado de Marc Jacobs, uma camisa Luis Vuitton de seda, um colete de caxemira Hermes e mocassins Dunhill. Seu pênis estava vazio, seu estômago ainda estava cheio pelo jantar que tinha tido em Le Cerque, e sabia que a qualquer momento podia voltar para a Grande Maçã e repetir tudo.
Contando que seus meninos continuassem indo bem em seu jogo.
Nessa frente as coisas foram bem, ou ao menos isso parecia. O senhor M tinha telefonado fazia mais ou menos uma hora e tinha informado que o produto continuava movendo-se com rapidez. O que eram boas e más notícias. Teriam mais dinheiro, mas seus fornecimentos estavam minguando rapidamente.
Não obstante, os lessers, estavam familiarizados com a persuasão e por esse motivo, o último homem que tinha estado disposto a reunir-se com eles para tratar um pedido importante não tinha sido assassinado, a não ser retido.
O senhor D e outros deviam estar exercitando-se com ele, e não em um ginásio.
O que fez pensar Lash no tempo que tinha passado na cidade.
A guerra com os vampiros sempre seria em Caldwell, a menos que a Irmandade decidisse mudar-se. Mas Manhattan era uma das capitais do mundo da droga, e estava muito, muito perto. Só a uma hora de carro.
Naturalmente, a viagem ao sul não tinha sido só para ir às compras à Quinta Avenida. Tinha passado a maior parte da tarde indo de clube em clube, explorando os cenários, procurando padrões de conduta de quem ia aonde... Porque isso indicava o que estavam comprando as pessoas. Os tecnos gostavam do X. Os novos ricos escorregadios e inquietos gostavam da coca e do X. Os universitários preferiam erva e os alucinógenos, mas também podia lhes vender Oxy e Meta. Os góticos e os Emos gostavam de X e as folhas de barbear e os yonkies que encontrava em todos os becos que havia ao redor dos clubes se davam com crack, crank e H.
Se em um princípio conseguisse pôr as coisas em curso em Caldie, podia fazer o mesmo em maior escala em Manhattan. E não havia razão para não pensar muito bem.
Girando para o caminho de terra que já tinha percorrido antes, colocou a mão sob o assento e tirou uma SIG calibre quarenta que tinha comprado na noite anterior quando ia de caminho à cidade.
Não havia razão para trocar de roupa. Um bom assassino não precisava suar para fazer seu trabalho.
A fazenda branca ainda se hospedava encantadoramente na paisagem, que agora estava coberta de neve, era a candidata perfeita para o cenário de um cartão natalino humano. Na noite que se prolongava, via sair um pálido fio de fumaça de uma de suas chaminés, as baforadas apanhavam e amplificavam a suave luz da lua, criando sombras que se moviam apressadamente pelo teto. No outro lado das janelas, a dourada iluminação das velas mudava como se houvesse uma sutil brisa movendo-se através de todas as habitações. Ou talvez fossem só fossem malditas aranhas.
Foda, apesar da aparência acolhedora, esse lugar realmente dava medo, verdade?
Quando estacionou o Mercedes junto ao letreiro da ordem monástica e saiu, a neve caiu brandamente sobre seus novos Dunhill. Enquanto sacudia essa merda com uma maldição, perguntou-se por que demônios os safados symphaths não podiam ter sido confinados em Miami.
Mas não, os comedores de pecados tinham estacionado o rabo a um tiro de pedra do Canadá.
Em definitivo, ninguém gostava, assim que se aplicou a lógica.
Abriu-se a porta da casa de fazenda e saiu o rei, com a túnica branca flutuando a seu redor e os brilhantes olhos vermelhos resplandecendo estranhamente.
—Chega tarde. Por questão de dias.
—Em qualquer caso, suas velas se mantiveram bastante bem.
—E acaso meu tempo não é tão valioso como a cera consumida?
—Não disse isso.
—Mas suas ações falam, alto e claro.
Lash subiu as escadas com a arma na mão e ao ver o rei observar os movimentos de seu corpo sentiu a necessidade de checar se usava o zíper bem fechado. Entretanto, quando esteve cara a cara com o homem, sentiu que a corrente faiscava entre eles uma vez mais, lambendo no ar frio.
Foda. Não era esse tipo de coisas. Seriamente que não.
—Então, nos ocuparemos do negócio? —murmurou Lash, olhando fixamente esses olhos vermelhos sangue tentando não sentir-se cativado.
O rei sorriu e subiu os dedos de três nódulos para os diamantes que tinha ao redor da garganta.
—Sim, acredito que deveríamos fazer isso. Venha por aqui e o conduzirei a seu objetivo. Está na cama...
—Pensei que só se vestia de vermelho, Princesa. E que caralho está fazendo você aqui, Lash?
Quando o rei se esticou, Lash deu a volta, apontando sua arma. Através da grama se aproximava... um macho enorme com reluzentes olhos cor ametista e o inconfundível mohawk que o caracterizava: Rehvenge, filho de Rempoon.
O bastardo não parecia dar a mínima por encontrar-se em terreno symphath. Ao contrário, parecia sentir-se em casa. E também aparentava estar irritado.
Princesa?
Um rápido olhar sobre o ombro lhe revelou... nada que Lash não tivesse visto antes. Um tipo magro, com túnica branca, o cabelo recolhido como... o de uma garota, na realidade.
Nestas circunstâncias, agradava-lhe ter sido enganado. Muito melhor querer foder a uma fêmea mentirosa que ter que confrontar o fato de que era um... Sim, não havia razão para ir por aí, nem sequer em sua própria mente.
Voltando a girar a cabeça rapidamente, Lash soube que essa interrupção um pouco estranha chegava no momento perfeito. Tirar Rehv do jogo da droga de Caldwell deixaria livre todo tipo de oportunidades comerciais.
Justo quando seu dedo apertava o gatilho, o rei se lançou para frente e agarrou o canhão.
–A ele não! A ele não!

Enquanto o disparo tangia na noite e a bala se desviava para fora, incrustando-se no tronco de uma árvore, Rehvenge observava Lash e à princesa lutar pelo controle da arma. De certa forma, não se importava uma merda qual dos dois saísse vencedor, nem se ele ou qualquer outro recebia um tiro no processo, nem o motivo pelo qual um pirralho ao que tinham matado ainda estivesse bem vivo. Sua vida terminaria onde tinha sido concebida, aqui nesta colônia. Se fosse morrer esta noite ou amanhã ou dentro de cem anos, se fosse a princesa ou Lash que o matasse, o resultado estava decidido, por isso os detalhes não tinham importância.
Embora talvez essa fodida atitude de deixar-se levar era questão de humor. Depois de tudo, era um macho vinculado sem sua companheira, assim em términos de viagem, tinha empacotado sua bagagem, deixado seu quarto de hotel mortal, e estava no elevador a caminho da sala de espera do inferno.
Ao menos, assim era como pensava seu lado vampiro. A outra metade de sua linhagem estava dançando o mambo: o drama fatal sempre era um incentivo para seu lado mau, e não o surpreendeu quando o symphath nele venceu a última dose de dopamina que se injetou nas veias. Em um instante, sua visão perdeu o espectro completo de cores e se aplanou, a túnica da princesa se tornou vermelha e os diamantes de sua garganta se converteram em sangrentos rubis. Evidentemente, vestia branco, mas como nunca a tinha visto sem seus olhos de come pecados, tinha assumido que se vestia da cor da veia.
Mas que porra importava a ele seu vestuário?
Tendo aflorado seu lado mau, Rehv não pôde evitar envolver-se. Quando as sensações alagaram seu corpo, tirando seus braços e pernas da escravidão do intumescimento, subiu o alpendre de um salto. O ódio esquentava seu interior, e embora não estivesse interessado em aliar-se a Lash, queria que fodessem à princesa, e não de bom modo.
Colocando-se atrás dela, agarrou-a pela cintura e a levantou do chão. O qual deu a Lash a ocasião de liberar a arma de um puxão e girar para afastar-se.
Depois da transição essa pequena merda se converteu em um macho grande. Mas isso não era tudo o que tinha mudado nele. Cheirava a maldade doce, do tipo que vinha dos lessers. Evidentemente, o Omega o tinha feito retornar da morte mas, por quê? Como?
Não é que fossem perguntas às quais Rehv se importasse em encontrar resposta. Não obstante, estava tão entusiasmado apertando a caixa torácica da princesa, e o fazia com tanta força que ela se via obrigada a lutar para respirar. Estava-lhe afundando as unhas nos antebraços através da camisa de seda, e estava endemoniadamente seguro que se pudesse, iria furá-lo com os dentes, mas não ia lhe dar a oportunidade. Tinha presa pela na parte de trás do coque com grande força, mantendo sua cabeça sob controle.
—É um maravilhoso escudo corporal, cadela. —lhe disse ao ouvido.
Enquanto ela tentava falar, Lash endireitou sua roupa, que devia reconhecer que tinha sido golpeada enquanto apontava com a SIG que tinha na mão para a cabeça de Rehv.
—Encantado em vê-lo, Reverendo. Estava a ponto de procurá-lo, e acaba de me economizar a viagem. Entretanto, devo admitir, que ver como se esconde atrás dessa fêmea, macho ou o que seja não faz justiça a sua reputação de chuta–rabos.
—Isto não é um cara, e se não me enojasse como o demônio lhe rasgaria a parte dianteira da túnica para prová-lo. E ouça, surpreendeu-me, sabe? Quão último soube foi que estava morto.
—Ao final não foi por muito tempo. —O homem sorriu, mostrando longas presas brancas— Realmente é uma fêmea, não é?
A princesa lutou, e Rehv quase separa seu crânio do espinho dorsal para submetê-la. Quando ela ofegou e gemeu, disse-lhe:
—É. Não sabia que os symphaths são virtualmente hermafroditas?
—Não posso te dizer quanto me alivia saber que mentiu.
—São iguais.
—O mesmo penso eu. Agora, que tal se soltar a minha noiva?
—Sua noiva? Vai um pouco rápido, não? E passarei do programa de capturar–e–libertar. Eu gosto da idéia de que atire em ambos.
Lash franziu o cenho.
—Acreditava que era um lutador. Suponho que é um marica. Deveria ter ido diretamente a seu clube e ter atirado em você ali.
—Na realidade, estou morto há uns dez minutos. Assim que me importa uma merda. Embora sinta curiosidade por saber que motivos você tem para me matar.
—Conexões. E não do tipo social.
Rehv arqueou as sobrancelhas. Era Lash que estava matando os distribuidores? Que caralho! Embora... fizesse coisa de um ano o bode tinha tentado vender drogas no ZeroSum e por isso tinha conseguido que o jogassem do estabelecimento. Evidentemente agora que estava com o Omega, estava tratando de ressuscitar seus velhos e lucrativos hábitos.
Com a fria lógica da retrospectiva, as coisas começaram a se encaixar em seu lugar. Os pais de Lash tinham sido os primeiros assassinados durante as incursões dos lessers no verão passado. Quando uma família atrás da outra começou a aparecer morta em suas casas, supostamente, secretas e protegidas, a pergunta que surgiu na mente do Conselho, da Irmandade e de cada civil, era como tinha averiguado a Sociedade todas essas direções.
Simples: Lash tinha sido convertido pelo Omega e dirigia a carga.
Rehv firmou um pouco mais o apertão sobre a caixa torácica da princesa enquanto os últimos vestígios de seu intumescimento desapareciam.
—Assim está tentando se colocar em meu negócio, não é? Foi você quem se encarregou de todos esses varejistas.
—Só estava abrindo caminho através da cadeia alimentícia, como se diz. E com você fora do jogo, chego ao topo, ao menos em Caldwell. Assim solta-a, para que possa atirar em sua cabeça e assim todos poderemos continuar com nossos assuntos...
Uma quebra de onda de medo percorreu o alpendre, encrespando-se para cair sobre Rehv, a princesa e Lash.
Rehv desvio os olhos e ficou imóvel. Bom, bom, bom, quem o poderia dizer? Isto ia terminar muito mais rápido do que tinha pensado.
Aproximando-se através da grama coberta de neve, com roupagens de uma cor vermelha rubi, vinham sete symphaths em formação de flecha. No centro do grupo, caminhando com uma bengala e levando uma toca de rubis e arpões negros, havia um macho encurvado.
O tio de Rehv. O rei.
Parecia muito mais velho, mas apesar da velhice e debilidade de seu corpo, sua alma era tão forte e negra como sempre, causando calafrios em Rehv e fazendo que a princesa deixasse de lutar contra sua sujeição. Inclusive Lash teve o bom julgamento de retroceder um passo.
O guarda particular se deteve na base da escada do alpendre, com suas túnicas inchando-se com a brisa fria que agora Rehv podia sentir contra seu próprio rosto.
O rei falou com voz fraca, arrastando esses aflautadas.
—Bem vindo a casa, meu queridíssimo sobrinho. E saudações, visitante.
Rehv olhou fixamente seu tio. Não tinha visto o macho em... Deus, muito tempo. Muito, muito tempo. Do funeral de seu pai. Evidentemente, os anos não tinham sido amáveis, mas sim bastante duros com o rei, e isto fez Rehv sorrir já que imaginou a princesa deitada com esse corpo fofo e retorcido.
—Boa noite, tio. —disse Rehv— E por certo, este é Lash. Se por acaso não saiba.
—Não, não fomos apropriadamente apresentados, embora tenha conhecimento de seus propósitos em minhas terras. —O rei fixou seus aquosos olhos vermelhos na princesa —Minha querida moça, acreditava que não era consciente de suas visitas regulares a Rehvenge? E acha que ignorava seu plano mais recente? Temo que estava bastante afeiçoado a você e por isso permitia os encontros com seu irmão...
—Meio irmão. — cortou Rehv firmemente.
—... entretanto, esta traição com o lesser não posso permitir. Na realidade, não deixa de me impressionar sua criatividade, dado que invalidei meu legado do trono a seu favor. Mas não me deixarei dominar por minha passada adoração. Subestima-me, e por esta falta de respeito, te darei um castigo que seja congruente com o que deseja e almeja.
O rei fez um gesto afirmativo com a cabeça, e por puro instinto, Rehv deu a volta. Muito tarde. Detrás dele havia um symphath com uma espada elevada, e o braço do homem já estava descendo... e embora a folha não estivesse apontando para ele, isso só podia considerar-se como uma leve melhoria já que o punho da maldita coisa acertou Rehv no alto do crânio.
Para ele, o impacto foi a segunda explosão da noite, mas ao contrário da primeira, desta vez quando toda a luz e o ruído se desvaneceram não estava de pé.

Capítulo 59


As dez da manhã Ehlena ainda estava acordada. Presa no interior da casa pela luz do sol, passeava pela habitação encolhida e abraçando a si mesma já que as meias três-quartos faziam pouco para manter seus pés suficientemente quentes.
Mas em definitivo, estava tão fria por dentro, que podia ter levado um par de pranchas George Foreman Grills e ainda assim estar gelada. A comoção parecia ter posto a zero sua temperatura interna, seu botão seletor interior assinalando «Refrigerador» em vez de «Normal».
No outro lado do corredor, seu pai dormia profundamente, e de vez em quando, ia a seu quarto para checar seu estado. Uma parte dela desejava que despertasse, porque queria lhe perguntar a respeito de Rehm e Montrag e as linhagens e…
Salvo que era melhor deixá-lo fora deste assunto. Provocar que se exasperasse por algo que bem poderia ficar em nada era quão último qualquer um deles precisava. Embora fosse certo que tinha examinado o manuscrito e tinha encontrado esses nomes, tinha havido uma só menção entre um bom número de parentes. Além disso, o que seu pai recordasse não era importante. O que importava era o que Saxton podia provar.
Só Deus sabia o que ia resultar disto.
Ehlena se deteve no meio da habitação, sentindo-se repentinamente muito cansada para continuar com seu constante andar. Entretanto, não foi uma boa idéia. Assim que ficou quieta, sua mente foi para Rehv, assim reatou seu passeio em círculos com os pés frios. Minha mãe! Não tinha desejado a morte de ninguém, mas quase lhe alegrava que Montrag tivesse morrido, criando assim, uma turbulenta distração com todo o assunto da herança. Sem isso, estava bastante segura de que a essa altura já teria perdido a cabeça.
Rehv...
Enquanto arrastava seu corpo cansado para os pés da cama, baixou os olhos. Sobre a colcha, com o mesmo tipo de repouso plácido e tranqüilo que o de seu pai, estava o manuscrito que ele tinha escrito. Pensou em tudo o que tinha posto nas páginas e agora sabia exatamente o que significava. Tinha sido enganado e traído de uma forma muito parecida como o tinha sido ela, as falsas aparências de honestidade e seriedade lhe tinham avoado porque ele mesmo era incapaz de agir com o tipo de cálculo ruim e a crueldade com que o faziam outros. Com ela ocorria o mesmo. Poderia alguma vez voltar a confiar em sua habilidade para decifrar às pessoas?
A paranóia se agitava em sua mente e em suas vísceras. Onde estava a verdade nas mentiras de Rehv? Havia alguma? Enquanto imagens dele flutuavam ante seus olhos, sondou suas lembranças, perguntando-se onde estava a divisão entre a realidade e a ficção. Precisava saber mais… O problema era, que o único que podia encher os ocos era um homem que nunca, jamais, ia voltar a aproximar-se.
Contemplando um futuro cheio de implacáveis perguntas, sem resposta, levou as trementes mãos ao rosto e afastou o cabelo. Segurando-o com força, os puxou como se dessa forma pudesse sacudir todos os vertiginosos e loucos pensamentos da cabeça.
Jesus, e se o engano de Rehv fosse o equivalente à ruína financeira de seu pai? E a levava a beira da loucura?
E esta era a segunda vez que um macho a colocava em evidência, ou não? Seu noivo tinha feito algo similar… a única diferença radicava em que tinha mentido a todo mundo exceto a ela.
As pessoas poderiam supor que depois de sua primeira experiência deveria ter aprendido uma lição a respeito da confiança. Mas era evidente que não tinha sido assim.
Ehlena deixou de perambular, esperando... demônios não sabia o que, que lhe estalasse a cabeça ou algo assim.
Não estalou. E tampouco houve sorte com o intento de exterminação cognitiva à força de puxões de cabelo. Tudo o que estava conseguindo era uma dor de cabeça e um penteado à Vin Diesel.
Ao afastar-se da cama, viu o computador portátil.
Com uma maldição, atravessou o espaço vazio e se sentou em frente ao DELL. Afrouxando o aperto mortal que estava exercendo sobre seu cabelo, pôs a ponta do dedo sobre o mouse e desativou a proteção.
Internet Explorer. Favoritos: www.CaldwellCourierJournal.com.
O que precisava era uma dose de realidade concreta. Rehv era o passado, e o futuro não tinha nada a ver com um ardiloso advogado que lhe tinha ocorrido uma brilhante idéia. Nesse momento em quão único podia confiar era em sua busca de trabalho: se Saxton e seus papéis fracassavam, em menos de um mês ela e seu pai estariam na rua a menos que encontrasse emprego.
E não havia nada falso ou enganoso nisso.
Enquanto carregava a página do CCJ, disse a si mesma que ela não era seu pai, e que Rehv era um macho com o qual tinha estado saindo durante, … questão de dias? Sim, tinha-lhe mentido. Mas era um trapaceiro super sexy que vestia roupa chamativa, e retrô, já de a princípio não deveria ter depositado sua fé nele. Especialmente dado o que já sabia sobre os machos.
Era culpa dele e engano dela. E embora a compreensão de que tinha sido seduzida até a estupidez não a fez recolher os pompons de animadora e começar a aclamar, a idéia de que havia uma lógica interna que justificava sua atitude, embora cheirassem mal, ajudou-a a sentir-se um pouco menos insensata…
Ehlena franziu o cenho e se inclinou para aproximar-se mais à tela. Na splash page[109] da Web havia uma foto da explosão de um edifício. O titular dizia: Explosão Derruba Um Clube Local. E debaixo em letras menores: ZeroSum, última vítima da guerra de drogas?
Leu o artigo sem respirar: As autoridades investigam. Não se tem conhecimento se havia alguém no clube no momento da explosão. Suspeita-se que houveram múltiplas detonações.
Um compartimento detalhava a quantidade de pessoas suspeitas de tráfico de drogas que tinham sido encontradas mortas por todo Caldwell no correr da semana passada. Quatro. Todos assassinados de modo profissional. O DPC estava investigando cada um dos assassinatos, e entre os suspeitos estava o proprietário do ZeroSum, um tal Richard Reynolds, aliás o Reverendo… que aparentemente agora estava desaparecido. Havia uma anotação que indicava que Reynolds tinha estado na lista de vigiados do Departamento de Narcóticos do DPC durante anos, entretanto, nunca tinha sido acusado formalmente de nenhum crime.
A implicação era óbvia: Rehv tinha sido o verdadeiro branco da explosão porque tinha matado aos outros.
Deslocou-se para cima com o mouse, às fotos do dizimado clube. Ninguém poderia sobreviver a isso. Ninguém. A polícia ia informar que ele estava morto. Poderiam levar uma semana ou duas, mas encontrariam um corpo e declarariam que era o seu.
Nenhuma lágrima caiu de seus olhos. Nem um soluço saiu de seus lábios. Estava muito longe para isso. Simplesmente ficou ali sentada em silêncio, rodeou o corpo com os braços uma vez mais e manteve os olhos cravados na tela brilhante.
O pensamento que lhe veio à mente era extravagante, mas iniludível: havia uma só coisa que podia ser pior que o que tinha tido que confrontar quando entrou nesse clube para inteirar-se da verdade a respeito de Rehv. E isso era ter lido este artigo antes de fazer essa viajem ao centro.
Não é que quisesse ver Rehv morto, Deus... não. Inclusive depois de tudo que a tinha enganado, não queria que morresse de forma violenta. Mas tinha estado apaixonada por ele antes de inteirar-se de que lhe mentia.
Tinha estado... apaixonada por ele.
Seu coração verdadeiramente lhe tinha pertencido.
Agora seus olhos se alagaram e desaguaram, a tela se tornou ondulante e imprecisa, levando as imagens do clube feito pedaços. Apaixonou-se por Rehvenge. Tinha sido rápido e impetuoso, não tinha perdurado, mas igualmente os sentimentos tinham aflorado.
Com uma dor aguda, recordou seu corpo quente e agitado sobre o seu, seu aroma vinculante no nariz, seus enormes ombros avultando-se e esticando-se enquanto faziam amor. Nesses momentos tinha sido lindo, um amante muito generoso. Verdadeiramente tinha desfrutado lhe dando prazer…
Mas isso era o que queria lhe fazer acreditar, e como symphath, era hábil quando se tratava de manipular. Embora, Deus, não podia evitar perguntar-se o que era exatamente o que tinha conseguido ao estar com ela. Não tinha dinheiro, nem posição, nada que o beneficiasse, e nunca lhe tinha pedido nada, nunca a tinha utilizado de nenhuma forma…
Ehlena impediu a si mesma de ver qualquer tipo de aparência romântica no que tinha ocorrido. O assunto era que ele não tinha merecido seu amor, e não porque fosse um symphath. Embora parecesse estranho, poderia ter vivido com isso… embora possivelmente isso só demonstrasse o pouco que sabia de comedores de pecados. Não, era a mentira e o fato de que fosse um traficante de drogas o que o tinha matado para ela.
Um traficante de drogas. Por um instante, pôde voltar a ver os casos de overdose que tinham atravessado as portas da clínica de Havers, essas jovens vidas em perigo sem nenhuma boa razão. Alguns desses pacientes tinham sido revividos, mas não todos e inclusive uma morte causada pelo que Rehv vendia era muito.
Ehlena secou as bochechas e logo esfregou as mãos contra as calças. Não mais lágrimas. Não podia se dar o luxo de ser fraca. Tinha que ocupar-se de seu pai.
Passou a seguinte meia hora procurando trabalho.
Às vezes o fato de que lhe forçassem a ser forte era suficiente para que realmente se convertesse no que devia ser.
Quando finalmente seus olhos se deram por vencidos e começaram a entortar os olhos pelo cansaço, desligou o computador e se estendeu na cama ao lado do manuscrito de seu pai. Quando deixou cair as pálpebras, teve a sensação de que não ia dormir. Seu corpo podia estar rendendo-se, mas seu cérebro não parecia interessado em dormir e seguir a corrente.
Tombada na escuridão, tratou de acalmar-se imaginando a antiga casa em que tinha vivido com seus pais, antes, que tudo mudasse. Imaginou-se passeando pelas esplêndidas habitações, passando junto a formosas antiguidades, detendo-se para cheirar um buquê de flores que tinha sido recém colhido do jardim.
A imagem funcionou. Lentamente, sua mente se assentou no pacífico e elegante lugar e os pensamentos prementes reduziram a velocidade, logo frearam e estacionaram em seu crânio.
No momento em que o sonho se apropriava dela, a mais estranha das convicções golpeou no centro de seu peito e a segurança disso fluiu ao longo de todo seu corpo.
Rehvenge estava vivo.
Rehvenge estava vivo.
Lutando contra a demolidora maré, Ehlena lutou tentando pensar racionalmente, querendo fixar o motivo e o porquê demônios dessa certeza, mas o sonho se filtrou nela, levando-a longe de tudo.


Wrath estava sentado atrás de sua escrivaninha, percorrendo a superfície da mesma brandamente com suas mãos. O telefone, confirmado. O abridor de cartas em forma de adaga, confirmado. Papéis, confirmado. Mais papéis, confirmado. Onde estava seu…?
Houve um choque e um esparrame. Correto, usa penas e penas.
Atiradas por toda parte. Confirmado.
Enquanto recolhia o que tinha atirado, ouviu as suaves pisadas de Beth atravessando o tapete para ajudá-lo.
—Está bem, leelan. —lhe disse— Eu posso.
Pôde sentir que revoava por cima da mesa e o alegrou que não interviesse. Embora parecesse infantil, precisava limpar sua desordem por si mesmo.
Ao tato, encontrou até a última das penas. Ao menos, assim acreditou.
—Caiu alguma no chão? —perguntou.
—Uma. Ao lado de seu pé esquerdo.
—Obrigado. —agachou-se, procurando provas no chão, e fechou o punho ao redor de um objeto liso, com forma de charuto que tinha que ser uma Mont Blanc teria sido mais difícil de encontrar.
Enquanto se endireitava, tomou cuidado de localizar a beira da mesa assegurando-se de que sua cabeça estivesse longe dele antes de levantar-se. O que constituía uma melhoria em relação ao que tinha estado fazendo mais cedo. Bom, então, estava fodido com o assunto das penas, mas estava melhorando com todo o tema de levantar-se. Não tinha tirado notas perfeitas, mas tampouco estava amaldiçoando nem sangrando.
Assim considerando onde tinha estado horas antes, quando ia a caminho da Última Refeição, as coisas estavam melhorando.
Wrath terminou o passeio de sua mão através da mesa, encontrando o abajur, que estava a sua esquerda, o selo real e a cera que utilizava para selar os documentos.
—Não chore. — disse em voz baixa.
Beth sorveu um pouquinho.
—Como soube?
Ele tocou o nariz.
—Cheirei-o. —Empurrou para trás a cadeira e aplaudiu o regaço— Venha aqui e sente-se. Deixe que seu macho a abrace.
Ouviu como sua shellan deslizava bordeando a escrivaninha e o aroma de suas lágrimas se fez mais forte porque quanto mais se aproximava mais caíam. Como fazia sempre, encontrou sua cintura, enganchou-a com o braço, e a puxou para ele, a delicada cadeira rangeu ao acomodar o peso extra. Com um sorriso, Wrath deixou que suas mãos encontrassem o ondulado comprimento de seu cabelo e acariciou sua suavidade.
—É tão maravilhoso a sentir.
Beth estremeceu e se recostou contra ele, e lhe alegrou que o fizesse. A diferença de quando tinha que usar as mãos como olhos ou quando estava pegando algo que tinha derrubado, sustentar seu quente corpo entre os braços, o fazia sentir forte. Grande. Poderoso.
Nesse momento ele precisava de tudo isso, e a julgar pela maneira em que se deixou cair contra seu peito, ela também precisava.
—Sabe o que vou fazer depois de que terminemos com a papelada? —murmurou ele.
—O que?
—Vou levá-la à cama e a manter ali durante um dia inteiro. —Quando seu aroma se acendeu, riu com satisfação— Isso não a incomodaria, não é? Apesar de que vou despi-la e a fazer permanecer assim?
—Não me incomoda nem um pouco.
—Bom.
Permaneceram juntos durante um longo momento, até que Beth levantou a cabeça de seu ombro.
—Quer trabalhar um momento?
Moveu a cabeça de modo que, se tivesse tido sentido da vista, estaria olhando a escrivaninha.
—Sim, é como que… merda, necessito disso. Não sei por que. Simplesmente o necessito. Comecemos com algo fácil… Onde a maleta de correio de Fritz?
—Bem aqui, ao lado da velha cadeira de Tohr.
Quando Beth se inclinou, deslocou o traseiro, conduzindo-o para seu membro de uma maneira muito satisfatória, e com um gemido agarrou seus quadris e impulsionou os seus para cima.
—Mmm, há algo mais no chão que precisa ser recolhido? Possivelmente devesse derrubar mais penas. Ou atirar o telefone.
A risada gutural de Beth era mais sensual que a lingerie.
—Se quiser que me incline, só tem que pedir.
—Deus, amo você. —Quando se endireitou, voltou sua cabeça e beijou seus lábios, atrasando-se sobre a suavidade de sua boca, roubando uma rápida lambida… ficando duro como um tronco. — Revisemos rapidamente a papelada assim poderei tê-la onde quero.
—E onde seria isso?
—Em cima de mim.
Beth riu outra vez e abriu a maleta de couro que Fritz utilizava para recolher as petições que chegavam por carta. Houve um deslocamento de envelopes contra envelopes e um profundo suspiro de sua shellan.
—Muito bem. —disse ela— Vejamos o que temos aqui.
Havia quatro petições de emparelhamento que deviam ser assinadas e seladas, e normalmente isso teria levado um minuto e meio. Agora, entretanto, todo o assunto da assinatura, derramar a cera e apertar requereu um pouco de coordenação com Beth… mas com ela sentada em seu colo foi divertido. Logo havia um monte de estados de conta domésticos. Seguido por faturas. Faturas. E mais fatura. Todas as quais iriam para V para que realizasse os pagamentos por internet, graças a Deus, já que Wrath não era partidário da micro–administração das finanças.
—Uma última coisa. —disse Beth— Um envelope grande de um escritório jurídico.
Quando ela se esticou para frente, sem dúvida para alcançar o abridor de cartas de prata de lei com forma de adaga, percorreu-lhe as coxas com as mãos, subindo logo pela face interna.
—Eu adoro quando fica sem fôlego dessa forma. — disse ele, cheirando sua nuca.
—Ouviu isso?
—Já pode jurá-lo. —Continuou com a carícia, perguntando-se se possivelmente deveria lhe dar a volta para acomodá-la em cima de sua ereção. Sabe Deus, que podia fechar a porta de onde estava— O que há no envelope, leelan? —Deslizou uma mão diretamente entre suas coxas, cobrindo seu centro, massageando-o. Desta vez entre uma e outra respiração entrecortada pronunciou seu nome, e que sexy se ouviu— O que tem aí, mulher?
—É... uma declaração de... linhagem —disse Beth com voz rouca, começando a balançar seus quadris— Para determinar um testamento.
Wrath moveu o polegar sobre o doce lugar e lhe mordiscou o ombro.
—Quem morreu?
Depois de um ofego, disse:
—Montrag, filho de Rehm. —Ante o nome, Wrath ficou gelado e Beth mudou de lugar, como se tivesse girado a cabeça para olhá-lo— O conhecia?
—Era o que queria que me assassinassem. O que significa, pela Antiga Lei, que tudo o que é seu agora é meu.
—Bastardo. —Beth amaldiçoou um pouco mais, e se ouviu o som de páginas sendo giradas— Bem, tem um monte de… Uau. Nossa. Muito rico… Hei. É Ehlena e seu pai.
—Ehlena?
—É uma enfermeira da clínica de Havers. A fêmea mais agradável que possa encontrar. Foi a que ajudou Phury a evacuar as antigas instalações quando começaram os assaltos, recorda? Conforme parece, ela… bem, seu pai… é o parente mais próximo, mas está muito doente.
Wrath franziu o cenho.
—O que acontece com ele?
—Aqui diz incapacidade mental. Ela é sua tutora legal e quem cuida dele, e isso tem que ser duro. Não acredito que tenham muito dinheiro. Saxton, o advogado, escreveu uma nota pessoal… OH, isto é interessante…
—Saxton? Conheci-o na outra noite. O que diz?
—Diz que tem quase a total segurança de que os certificados de linhagem do pai e dela são autênticos, e que está disposto a pôr sua reputação em jogo para responder por eles. Espera que facilite a partilha do patrimônio, já que lhe preocupam as pobres condições em que vivem. Diz… diz que são dignos do golpe de sorte que se apresentou inesperadamente. O «inesperadamente» está sublinhado. Logo acrescenta… não viram Montrag em um século.
Saxton não lhe tinha dado a impressão de ser um homem estúpido. Ao contrário. Embora em Sal não houvesse confirmação a respeito de todo o assunto do assassinato, essa nota escrita a mão seguro como o demônio que parecia ser uma forma sutil de pedir ao Wrath que não exercesse seus direitos como monarca… que se inclinasse a favor de parentes que se sentiram emocionados ao saber que eram os próximos na linha sucessória, que estavam precisando de dinheiro… e que não tinham nada a ver com o complô.
—O que vai fazer? —perguntou Beth, afastando o cabelo da testa.
—Montrag merece o que lhe aconteceu, mas seria fantástico se algo bom resultasse de tudo isto. Nós não necessitamos dos ativos, e se essa enfermeira e seu pai…
Beth pressionou sua boca contra a dele.
—Amo-o tanto.
Ele riu e a reteve contra seus lábios.
—Quer demonstrar isso?
—Depois de que aprove esta petição? É obvio.
Para tramitar o testamento, tiveram que brincar com a chama, a cera e o selo real outra vez, mas desta vez ele tinha pressa, era incapaz de esperar um segundo mais do necessário antes de entrar em sua fêmea. Sua assinatura ainda estava secando e o selo esfriando-se quando tomou de novo a boca de Beth…
O golpe na porta o fez grunhir enquanto fulminava com o olhar a origem do som.
—Me largue.
—Trago notícias. —A amortecida voz de Vishous se ouvia baixa e tensa. O que acrescentava o qualificativo ruim ao que havia dito.
Wrath abriu os painéis com a mente.
—Me fale. Mas faça-o rápido.
A inspiração horrorizada de Beth lhe deu uma idéia da expressão de V.
—O que aconteceu? —murmurou ela.
—Rehvenge está morto.
—O que? —disseram ambos ao mesmo tempo.
—Acabo de receber uma chamada de iAm. O ZeroSum foi reduzido a cinzas, e segundo o mouro, Rehv estava dentro quando ocorreu. Não há forma de que haja sobreviventes.
Houve uma zona morta enquanto as repercussões se afiançavam.
—Bella sabe? —disse Wrath com tom grave.
—Ainda não.

Capítulo 60


John Matthew rodou sobre sua cama e despertou quando algo duro se fincou em sua bochecha. Com uma maldição, levantou a cabeça. OH, genial, ele e Jack Daniel’s tinham desfrutado de alguns assaltos, e as seqüelas dos golpes do uísque ainda perduravam: apesar de estar nu tinha muito calor, a boca estava tão seca como a casca de uma árvore, e a necessidade de chegar ao banho antes que sua bexiga explodisse.
Sentando-se, passou a mão pelo cabelo e os olhos... e conseguiu que sua ressaca se avivasse.
Quando a cabeça começou a palpitar, agarrou a garrafa que utilizara como travesseiro. Só restava um centímetro de álcool no fundo, mas isso era o suficiente para conter a essa desgraça. Preparado para aliviar-se, foi desenroscar a tampa do Jack e descobriu que não estava posta. Menos mal dormira com a garrafa em posição vertical.
Bebendo com vontade, levou essa merda a sua barriga e disse a si mesmo que só tinha que concentrar-se em respirar até passarem as ondas de náusea que dispararam em seu estômago. Quando só ficaram vapores na garrafa, deixou ao soldado morto sobre o colchão e baixou o olhar a seu corpo. Seu membro estava dormindo contra sua coxa, e não podia recordar a última vez que tinha despertado sem uma ereção. Mas, bem, tinha estado com... três? Quatro? Com quantas mulheres tinha estado? Deus, não tinha nem idéia.
Usara camisinha uma vez. Com a prostituta. O resto tinha sido sem nada, e retirando-se no momento preciso.
Em imagens imprecisas, viu-se com Qhuinn fazendo duplas com alguma das mulheres, depois com outras. Não podia recordar como se sentira, não recordava nada dos orgasmos que tivera, nem nenhum dos rostos, apenas se recordava a cor de seus cabelos. Do que se lembrava, era que assim que tinha voltado para sua casa, tomara uma longa ducha quente.
Toda essa merda que não recordava, tinha deixado uma mancha em sua pele.
Com um gemido, tirou as pernas da cama e deixou que a garrafa caísse ao chão, junto a seus pés. A viagem ao banheiro foi uma autêntica festa, estava tão sem equilibro que ziguezagueou... bem, como um bêbado, de fato. E caminhar não era o único problema que tinha. De pé, em frente ao vaso sanitário, teve que apoiar-se contra a parede e concentrar-se em sua pontaria.
De volta na cama, puxou um lençol sobre a parte inferior de seu corpo, apesar do fato de que se sentia como se tivesse febre: embora estivesse sozinho, não queria permanecer estendido como uma estrela pornô procurando uma atriz secundária.
Merda... a cabeça o estava matando.
Quando fechou os olhos, desejou ter apagado a luz do banheiro.
De repente, deixou de lhe importar a ressaca, entretanto. Com terrível claridade, recordou Xhex subindo escarranchado sobre seus quadris, montando-o com um ritmo fluido e poderoso. OH, Deus, era tão vívido, muito mais que só uma lembrança. Quando as imagens se esgotaram, sentiu o tenso apertão do corpo dela sobre seu sexo e a firmeza com que o tinha sujeitado os ombros, e reviveu essa sensação de ser dominado.
Conhecia cada empurrão e deslizamento, todos os aromas, inclusive a forma em que ela respirava.
Com ela, recordava de tudo.
Apoiando-se de lado, recolheu Jack do chão, como se por algum milagre os duendes alcoólicos pudessem ter recheado a garrafa. Não teve sorte…
O grito que estalou do outro lado da porta era do tipo que soltava alguém quando tinha sido apunhalado profundamente e com força, e o alarido dilacerador lhe devolveu a sobriedade como se tivesse chapinhando em um banheiro gelado. John agarrou sua arma, saltou da cama, e quando tocou o chão já estava correndo; abriu a porta de um empurrão e saiu à carreira ao corredor das estátuas. De ambos os lados de seu quarto, Qhuinn e Blay faziam o mesmo, e fizeram a mesma aparição apressada preparado–para–lutar que ele.
Mais à frente no corredor, a Irmandade estava de pé na soleira das habitações de Zsadist e Bella, com as expressões de seus rostos sombrias e tristes.
— Não! — A voz de Bella era tão alta como tinha sido o grito. — Não!
— Sinto muito — disse Wrath.
Desde onde estavam os Irmãos, Tohr olhou John. O rosto do homem estava pálido e macilento, seu olhar vazio.
O que aconteceu? gesticulou John.
As mãos de Tohr se moveram lentamente. Rehvenge morreu.
John respirou profundamente, várias vezes. Rehvenge... morto?
— Jesus Cristo — resmungou Qhuinn.
Os soluços de Bella se precipitavam da porta do dormitório para o corredor, e John desejou ir até ela. Recordava o que era essa dor. Tinha estado nesses sapatos horríveis e paralisantes quando Tohr fugira, logo depois de que a Irmandade tivesse feito exatamente o mesmo que estava fazendo agora... comunicar a pior das notícias que alguém pudesse ouvir.
Ele tinha gritado igual Bella o fizera. Chorado do mesmo modo que ela agora.
John voltou a observar Tohr. Os olhos do Irmão ardiam como se houvesse coisas que desejasse dizer, abraços que desejasse oferecer, enganos que desejasse consertar.
John esteve a ponto de aproximar-se dele.
Mas logo se voltou e entrou cambaleando em seu quarto, fechou a porta e passou a chave. Sentou-se na cama, sustentando o peso dos ombros com suas mãos e deixando que a cabeça ficasse pendurando entre eles. O caos de seu passado lhe esmurrava o cérebro, mas no centro de seu peito havia uma única palavra predominante: Não.
Não podia voltar por aí com Tohr. Tinha sido espremido muitas vezes. Além disso, já não era um menino, e Tohr nunca tinha sido seu pai, de forma que toda essa merda de papai, me salve não se aplicava a eles.
O mais próximo que estiveram era de guerreiro a guerreiro.
Tirando Tohr à força de sua mente, pensou em Xhex.
Nesse momento devia estar sofrendo. Muito. Odiava que não houvesse nada que pudesse fazer por ela.
Mas logo recordou a si mesmo que, inclusive se houvesse, ela não quereria o que ele tinha para oferecer. Tinha deixado isso deixado perfeitamente claro.

Xhex estava sentada na cama em sua casa sobre o Rio Hudson, com a cabeça pendurando, e o peso de seus ombros apoiado sobre suas mãos. Junto a ela, sobre a fina manta, estava a carta que iAm lhe tinha dado. Depois de tirá-la do envelope, tinha-a lido uma vez, voltado a dobrar ao longo de suas antigas dobras, e se retirado a este pequeno quarto.
Movendo a cabeça a um lado, olhou através das janelas cobertas de geada para o rio preguiçoso e lôbrego. Hoje fazia um frio penetrante, e a temperatura da água congelava as bordas rochosas.
Rehv era um tremendo bastardo.
Quando ela tinha jurado para ele que cuidaria de uma fêmea, não pensara atentamente na promessa. Na carta, recordava-lhe o compromisso e identificava à fêmea como a ela mesma: não devia ir buscá-lo, nem pôr em perigo a vida da princesa de modo algum. Mais ainda, no caso de que fizesse algo parecido em nome dele, não aceitaria sua ajuda e escolheria permanecer na colônia, sem importar com quais ações tomasse para salvá-lo. Finalmente, indicava-lhe que se fosse contra seus desejos e sua própria palavra, iAm a seguiria à colônia, o que colocaria em perigo a vida do Sombra.
Filho. Da. Puta.
Era o plano perfeito, digno de um macho como Rehv: podia estar tentada a esquecer sua promessa, e também podia pensar que havia um modo de fazer com que seu chefe recuperasse o bom-senso, mas já carregava vida de Muhrder ao redor do pescoço, e agora a de Rehvenge. Acrescentar a de iAm à lista a mataria.
Além do mais, Trez seguiria seu irmão, convertendo-os em quatro.
Apanhada pela situação, agarrou a borda do colchão tão forte que seus antebraços tremeram.
De alguma forma, a faca chegou à palma de sua mão; só depois recordaria que tivera que levantar-se e caminhar nua até o outro lado do quarto para chegar a suas calças de couro e tirá-la de sua capa.
Quando estava de volta na cama, pensou em quantos machos tinha perdido no curso de sua vida. Viu o longo cabelo escuro de Murhder, seus profundos olhos e a firmeza que sempre brilhava no forte queixo... ouviu seu acento do Antigo País e evocou a forma em que sempre cheirava a pólvora e sexo. Depois, viu o olhar ametista de Rehvenge, seu mohawk e sua formosa roupa... cheirou sua colônia Must da Cartier, e reviveu sua elegante brutalidade.
Finalmente, imaginou os olhos azuis escuro de John Matthews, e o cabelo cortado ao estilo militar... sentiu-o movendo-se profundamente em seu interior... ouviu sua pesada respiração quando seu corpo de guerreiro lhe dera o que desejava e não tinha sido capaz de dirigir.
Todos se foram, embora ao menos dois deles ainda estivessem vivos sobre o planeta. Mas a pessoa não tinha que morrer para sair de sua vida.
Baixou o olhar à folha cruelmente afiada e brilhante, e inclinou a faca de forma que captasse a débil luz do sol, emitindo um brilho que a cegou momentaneamente. Era boa com as facas. De fato, era sua arma favorita.
O golpe na porta a fez levantar a cabeça.
— Está tudo bem aí?
Era iAm... que não só agira como carteiro de Rehv, mas também a quem evidentemente tinham encarregado de ser sua babá. Tentara expulsá-lo de sua casa, mas ele simplesmente se converteu em sombra, tomando uma forma que ela não podia sujeitar, e muito menos jogar a patadas pela maldita porta.
Também Trez estava ali, sentado na sala principal da cabana de caça, mas falando de mudança de papéis. Quando se encerrara em seu dormitório, ele tinha ficado sentado imóvel em uma cadeira de respaldo reto, olhando ao rio e guardando um profundo silêncio. À conseqüência da tragédia, os irmãos tinham trocado suas personalidades, sendo iAm o que falava: pelo que podia recordar, Trez não havia dito nenhuma palavra desde que tinham recebido a notícia.
Entretanto, todo esse silêncio não significava que Trez estivesse sofrendo. Sua rede emocional estava marcada pela fúria e a frustração, e tinha a sensação de que Rehv, com toda sua chata sabedoria, tinha encontrado uma forma de apanhar ao Trez também, impedindo-o de entrar em ação. O Mouro estava, assim como ela, tentando encontrar uma saída, e conhecendo Rehv, não haveria nenhuma. Era um professor da manipulação... sempre fora.
E tinha investido muito esforço tramando esta partida estratégica. Segundo iAm, tudo estava arrumado, não só a nível pessoal, mas também financeiro. iAm ficava com Sal; Trez com o Iron Mask; ela com um montão de efetivo. Também se preocupara com Ehlena, embora iAm dissesse que ele se encarregaria disso. O grosso das propriedades familiares passava a Nalla: a pequena receberia milhões e milhões de dólares, junto com toda a herança da família que, de acordo com a primogenitura, fora propriedade de Rev e não de Bella.
Fazia uma saída perfeita, apagando completamente os negócios de droga e apostas do ZeroSum. O Mask ainda tinha garotas de aluguel, mas nenhum membro do outro pessoal iria até lá, nem ao Sal. Com a marcha do Reverendo, todos eles estavam virtualmente limpos.
— Xhex, daria tudo para saber que está viva.
Não havia forma de que iAm pudesse atravessar a porta ou desmaterializar-se lá dentro para verificar se ainda respirava. O quarto era uma caixa forte de aço, completamente impenetrável. Havia inclusive uma fina malha ao redor do batente da porta, de forma que não podia entrar como sombra.
— Xhex, já o perdemos esta noite. Faça com que sejam dois, e vou te matar outra vez.
— Estou bem.
— Nenhum de nós está bem.
Quando não replicou, ouviu iAm amaldiçoar e afastar-se da porta.
Talvez mais tarde pudesse ajudar aos dois. Depois de tudo, eram as únicas pessoas que sabiam como se sentia. Nem sequer Bella, que tinha perdido a seu irmão, conhecia a acuidade da tortura que eles três teriam que suportar durante o resto de seus dias. Bella pensava que Rehv estava morto, assim podia passar pelo processo de dor, sair do outro lado e seguir com sua vida de algum modo.
Xhex, iAm e Trez? Estariam apanhados no limbo do inferno de saber a verdade, sem ser capazes de fazer nada para alterá-la... resultando que a princesa ficava livre para torturar Rehvenge seu coração pulsasse.
Ao pensar no futuro, Xhex agarrou o punho da adaga com força.
E quando baixou a arma até sua pele, apertou-a ainda mais.
Com a boca apertada para conter a dor dentro de si, Xhex derramou seu próprio sangue em vez de lágrimas.
Embora, que diferença havia na realidade? De qualquer forma, os symphaths choravam vermelho, igual à veia.

Capítulo 61


O cérebro de Rehv entrou de novo em linha, recuperando a consciência em uma lenta onda flutuante. Sua consciência flamejava, desvanecia-se e retornava, estendendo-se da base de seu crânio até seu lóbulo frontal.
Sentia seus ombros em chamas. Ambos. A cabeça estava matando-o desde que o symphath o golpeara com a espada, enviando-o a um doce sonho. Sentia o resto de seu corpo curiosamente leve.
Ao outro lado de suas pálpebras fechadas, a luz cintilava a seu redor e ele a registrava de uma cor vermelha profunda. O que significava que seu sistema estava completamente livre de dopamina, e agora era o que sempre seria.
Inspirando pelo nariz cheirou… terra. Terra limpa e úmida.
Passou um momento antes que estivesse preparado para jogar uma olhada, mas finalmente necessitou outro ponto de referência além da dor em seus ombros. Abriu os olhos e piscou. Havia velas tão longas como suas pernas dispostas nos limites do que aparentava ser alguma espécie de cova, as chamas que palpitavam no topo de cada uma delas eram de uma cor vermelho sangue e se refletiam sobre paredes que pareciam líquidas.
Líquidas não. Havia coisas que se arrastavam pela pedra negra… que se arrastavam por tudo.
Rapidamente baixou os olhos para seu corpo, e se sentiu aliviado ao ver que seus pés não estavam em contato com o chão movediço. Olhou para cima… e viu correntes que se prendiam no alto do teto ondulado e o sustentavam no ar, correntes que sujeitavam… varinhas que tinham sido inseridas através de seu torso, por baixo de seus ombros.
Estava suspenso em meio da cova, seu corpo nu flutuava por cima e por debaixo dos reluzentes e palpitantes limites de rocha.
Aranhas. Escorpiões. Em sua prisão, proliferavam os guardiães venenosos.
Fechando os olhos, estendeu seu lado symphath, tentando encontrar a outros de sua espécie, decidido a sair do lugar onde estava, para comunicar-se com mentes e emoções que pudesse manipular para poder libertar-se: embora tivesse ido à colônia para ficar, isso não significava que devesse continuar pendurado como um candelabro.
Mas tudo o que podia sentir era uma teia de estática.
O elenco das centenas de milhares que o rodeavam formava uma manta psíquica impenetrável, castrando seu lado symphath, não permitindo que nada entrasse ou saísse da cova.
Em seu peito se aferrava a cólera mais que o medo, e estirou-se para agarrar uma das correntes e puxou-a, usando seus maciços músculos peitorais. A dor o fez tremer da cabeça aos pés, fazendo seu corpo oscilar no ar, mas suas ataduras não se moveram e o ferrolho do mecanismo que atravessava sua carne não se deslocou.
Quando se balançou para trás ficando em posição vertical, ouviu um som, como se uma porta tivesse aberto detrás dele.
Alguém entrou, e soube de quem se tratava pelo forte bloqueio psíquico que tinha levantado.
— Tio — disse.
— De fato.
O rei dos symphaths entrou, apoiando-se em sua bengala e arrastando os pés, as aranhas que estavam no solo romperam brevemente a colcha que formava seus corpos, para lhe abrir caminho e logo voltar a fechá-lo. Sob o traje imperial cor vermelha sangue o corpo de seu tio era débil, mas o cérebro que havia sobre aquela coluna vertebral encurvada era incrivelmente poderoso.
Provando sem deixar dúvidas que a força física não era a melhor arma de um symphath.
— Como se sente em seu repouso flutuante? — perguntou o rei, e seu anel real de rubis refletiu a luz da vela.
— Adulado.
O rei elevou as sobrancelhas por cima de seus brilhantes olhos vermelhos.
— Como é isso?
Rehv olhou a seu redor.
— O ferrolho e a chave que escolheu para me manter preso são impressionantes. Isso significa que sou muito poderoso para seu conforto, ou que é mais fraco do que deseja.
O Rei sorriu com a serenidade de alguém que se sentia completamente a salvo.
— Sabe que sua irmã deseja ser rainha?
— Meio-irmã. E não me surpreende.
— Durante um tempo, lhe dei o que queria em meu testamento, mas me dei conta de que estava sendo indevidamente influenciado, e mudei tudo. Para isso, te chantageava. O que obtinha, utilizava para fazer transações comerciais de todo tipo com humanos. — Sua expressão sugeria que isso era semelhante a convidar ratos à cozinha. — Essa atitude por si só, indica que é completamente indigna de governar. O medo é muito mais útil para motivar subordinados… o dinheiro é comparativamente irrelevante, se a pessoa está tentando ganhar poder. E me matar? Supôs que dessa forma poderia evitar meu plano de sucessão, o que exagera enormemente suas capacidades.
— O que fez com ela?
Uma vez mais mostrou aquele sorriso sereno.
— O que era conveniente.
— Quanto tempo vai me manter assim?
— Até que ela morra. Saber que tenho você, e que estar vivo é parte de seu castigo. —O rei olhou as aranhas que havia a seu redor, algo um pouco parecido ao afeto verdadeiro flamejou em seu rosto branco de Kabuki. — Não se preocupe, meus amigas lhe cuidarão bem.
— Não estou.
— Estará. Prometo. — Seus olhos retornaram a Rehv, e seus traços andróginos adotaram uma expressão demoníaca. — Eu não gostava de seu pai e me alegrou bastante que o matasse. Tendo esclarecido isso, devo dizer que não terá a oportunidade de fazer o mesmo comigo. Viverá unicamente enquanto o faça sua irmã, logo seguirei seu bom exemplo e reduzirei o número de meus parentes.
— Meio-irmã.
— Põe muito afinco em distanciar os laços que o unem à princesa. Não me estranha que te adore como o faz. Para ela, aquilo que é inalcançável sempre ostenta o maior encanto. E é, repito, a única razão pela qual está vivo.
O rei se inclinou sobre a bengala, e arrastando os pés lentamente, começou a retroceder o caminho que tinha percorrido ao chegar. Antes de sair do campo visual de Rehv, deteve-se.
— Alguma vez esteve na tumba de seu pai?
— Não.
— É meu lugar favorito em todo mundo. Parar sobre a terra onde sua carne se queimou sobre a pira funerária, convertendo-se em cinzas… adorável. — O rei sorriu com fria alegria. — Que tenha sido assassinado por sua mão o faz ainda mais doce, já que sempre pensou que fosse débil e inútil. Deve tê-lo atormentado bastante saber que foi vencido por um ser inferior. Descanse bem, Rehvenge.
Rehv não respondeu. Estava muito ocupado esporeando as paredes mentais de seu tio, procurando uma forma de entrar.
O rei sorriu, como se aprovasse suas tentativas, e seguiu seu caminho.
— Sempre gostei de você. Apesar de ser só um mestiço.
Houve um estalo, como se tivesse fechado uma porta.
Todas as velas se apagaram.
A desorientação fez com que a garganta de Rehvenge se fechasse. Ao se ver abandonado, flutuando na escuridão sem nada que o orientasse, o terror o invadiu. Não poder ver era o pior...
As varinhas que atravessavam a parte superior de seu corpo começaram a tremer ligeiramente, como se soprasse uma brisa que fizesse vibrar as correntes.
OH…Deus, não.
As cócegas começaram em seus ombros e se intensificaram depressa, fluindo para baixo por seu estômago e suas coxas, correndo para a ponta de seus dedos, cobrindo suas costas, florescendo por seu pescoço para seu rosto. Usou suas mãos na medida em que pôde. Tentava afastar à multidão, mas embora atirasse muitas ao chão, havia mais que se sobrepunham. Estavam sobre ele, movendo-se sobre ele, cobrindo-o como uma camisa de força de diminutos toques em contínuo movimento.
A revoada em suas fossas nasais e ao redor de seus ouvidos era sua perdição.
Teria gritado. Mas então as teria engolido.


Em Caldwell, na casa de arenito marrom à qual se mudaria sem dúvida, Lash tomava banho com preguiçosa precisão, tomando seu tempo com a esponja, passando-a por entre os dedos do pé e detrás de suas orelhas, prestando especial atenção a seus ombros e a parte baixa de suas costas. Não havia nenhuma necessidade de apressar-se.
Quanto mais esperasse, melhor.
Além disso, que bom banho para passar o tempo! Tudo era de primeira qualidade, do mármore de Carrara que cobria o chão e as paredes, passando pelos acessórios de ouro e a incrível extensão de espelhos gravados que havia sobre os profundos lavabos.
As toalhas que penduravam das prateleiras ornamentadas eram do Wal–Mart.
Sim, e seriam substituídas assim que fosse possível. As malditas coisas eram a única coisa que tinha o senhor D no rancho, e Lash não estava para perder o tempo conduzindo por toda Caldwell em busca de algo melhor para secar o traseiro… não, quando tinha uma nova peça de equipe para exercitar e pôr a prova. Entretanto, depois do treinamento desta manhã, entraria em Internet e compraria merda como móveis, roupa de cama, tapetes e artigos de cozinha.
Não obstante, tudo teria que ser entregue no PDM de rancho, onde o senhor D e outros estavam ficando agora. Os homens de UPS[110] não eram bem-vindos por aqui.
Lash deixou a luz do banheiro acesa e foi para o dormitório principal. O teto era da altura habitual dos de antes da guerra, o que significava que a maldita coisa era tão alta que sob ela se podiam formar nuvens e flutuar ao redor das molduras esculpidas à mão, se houvessem as condições atmosféricas apropriadas. O piso era belíssimo, de madeira nobre com incrustações de cerejeira, e as paredes estavam empapeladas com um assombroso redemoinho de verde escuro, como as cobertas interiores de um livro antigo.
As janelas acabavam de ser seladas com mantas baratas que tinham tido que cravar nas molduras… uma verdadeira pena. Mas igual às toalhas, isso mudaria. Assim como também a cama, que não era mais que um colchão extragrande jogado no chão, com sua pele branca e acolchoada exposta, como um nativo do Meio Oeste tentando bronzear-se em algum lugar elegante.
Lash deixou cair a toalha de seus quadris, e sua ereção se equilibrou para cima.
— Eu adoro que seja uma mentirosa.
A princesa levantou a cabeça, seu brilhante cabelo negro emitia brilhos azuis.
— Vai me soltar? Foderemos melhor, prometo.
— Não estou preocupado em quão bom vá ser.
— Está seguro? — Seus braços puxaram correntes de aço que tinham sido fixadas no chão. — Não quer que eu te toque?
Lash sorriu, olhando o corpo nu que agora possuía, para toda intenção e propósito. Ela era seu presente, outorgado pelo rei symphath como um gesto de boa fé, um sacrifício que era também um castigo por sua traição.
— Não irá a nenhuma parte — disse. — E te foder vai ser fantástico.
Iria usá-la até que se quebrasse, depois a soltaria e faria encontrar vampiros para matá-los. Era a relação perfeita. E caso se cansasse dela, ou se não funcionasse sexualmente ou como cetro adivinhatório, se livraria dela.
A princesa o fulminou com o olhar, a cor avermelhada de seus olhos era como uma forte maldição lançada a todo volume.
— Vai me deixar ir.
Lash baixou a mão e começou a acariciar seu pênis.
— Só se for para te pôr em sua tumba.
O sorriso dela foi de pura maldade, tanto assim, que seu escroto se esticou e esteve a ponto de gozar.
— Já veremos — disse com voz baixa e profunda.
Antes que Lash deixasse a colônia com ela, o guarda privado do rei a tinha drogado, e quando a estendera sobre o colchão, tinha lhe separado as pernas o máximo possível.
Dessa forma, podia ver quando seu sexo reluzia por causa dele.
— Nunca te deixarei ir — disse quando se ajoelhou sobre o colchão e agarrou seus tornozelos.
Sua pele era suave e branca como a neve, seu centro era rosado como seus mamilos.
Ia deixar muitas marcas em seu corpo magro como uma vara. E a julgar pela forma em que girava seus quadris, ela ia gostar.
— É minha — grunhiu.
Em um repentino instante de inspiração, imaginou o colar de seu velho rottweiller ao redor desse magro pescoço. As placas de propriedade do Rei ficariam geniais nela, e a coleira do cachorro também.
Perfeito. Fodidamente perfeito.

Capítulo 62

UM MÊS DEPOIS...
Ehlena despertou com o som do roçar de porcelana contra porcelana e o aroma de chá Earl Grei. Ao abrir os olhos, viu uma doggen uniformizada lutando sob o peso de uma enorme bandeja de prata. Sobre ela havia uma rosquinha recém feita coberta por uma cúpula de cristal, um pote de geléia de morango, uma colherada de queijo em nata em um diminuto prato de porcelana, e sua parte favorita, um vaso com um casulo de flor.
Cada noite havia uma flor diferente. Este entardecer era um raminho de arbusto.
—Oh, Sashla, realmente não tem que fazê-lo. —Ehlena se incorporou afastando lençóis tão finos e tão bem acabados que eram mais suaves ao tato que o ar do verão contra a pele— É adorável de sua parte, mas honestamente…
A criada lhe fez uma reverência e ofereceu um tímido sorriso.
—A Senhora deveria despertar com uma refeição adequada.
Ehlena elevou os braços quando uma base foi posta sobre suas pernas e a bandeja colocada em cima. Enquanto baixava a vista para a prata amorosamente polida e a refeição minuciosamente preparada, seu primeiro pensamento foi que seu pai acabava de receber o mesmo, servido pelo mordomo doggen de nome Eram.
Acariciou a delicada manga curva da faca.
—É boa conosco. Todos vocês. Têm-nos feito sentir muito bem-vindos nesta casa esplêndida, e lhes agradecemos muitíssimo.
Quando elevou o olhar, havia lágrimas nos olhos da doggen, e a criada se apressou a secá-las com um lenço.
—Senhora, você e seu pai transformaram esta casa. Estamos muito contentes de que sejam nossos amos. Agora… que vocês estão aqui, tudo é diferente.
Era o máximo que diria a criada, mas dada a forma em que ela e o resto do pessoal se sobressaltava, durante as duas primeiras semanas, Ehlena deduziu que Montrag não devia ter sido um chefe de família muito fácil.
Ehlena estendeu a mão e lhe deu apertão na da mulher.
—Alegra-me de que tenha sido bom para todos.
Enquanto a criada se afastava para reatar seus deveres parecia nervosa, mas feliz. Na porta, deteve-se.
—Oh, senhora já chegaram as coisas da senhora Lusie. A colocamos no quarto de hóspedes que há ao lado do de seu pai. Além disso, o chaveiro chegará em meia hora, como você pediu.
—Perfeito em ambos os casos, obrigada.
Enquanto a porta se fechava silenciosamente e a doggen partia cantarolando uma melodia do Antigo País, Ehlena retirou a cúpula do prato e colheu com a faca um pouco de queijo em nata. Lusie tinha concordado em mudar-se com eles e trabalhar como enfermeira e assistente pessoal do pai de Ehlena… o que era fantástico. No geral, ele tinha aceitado a nova situação com relativa facilidade, sua conduta e estabilidade mental eram melhores do que tinham sido durante anos, mas a próxima supervisão contribuía bastante para tranqüilizar a permanente preocupação de Ehlena.
Ser cuidadosa com ele seguia sendo uma prioridade.
Aqui na mansão, por exemplo, não fazia falta, o papel alumínio sobre as janelas. Em troca, preferia olhar para fora, para os jardins que eram belos mesmo depois de estar adormecidos pelo inverno, e em retrospectiva, perguntava-se se parte de seu isolamento do mundo não tinha sido causado pelo lugar onde tinham estado vivendo. Também estava muito mais tranquilo e em paz, trabalhando continuamente no outro quarto de hóspedes que havia próximo ao seu. Entretanto, ainda ouvia vozes, preferia a ordem à desordem de qualquer tipo, e necessitava da medicação. Mas isto, comparado com o que tinha sido o último par de anos, era o paraíso.
Enquanto comia, Ehlena passeou o olhar pelo quarto que tinha escolhido e se lembrou da antiga mansão de seus pais. As cortinas eram do mesmo tipo das que estavam penduradas na casa de sua família, enormes faixas de cor pêssego, nata e vermelho desciam dos dentes revestidos de encaixes franzidos e com franjas. As paredes tinham o mesmo acabamento suntuoso, o papel de seda exibia um desenho de rosas que combinava perfeitamente com as cortinas, ao mesmo tempo que harmonizava com o tapete de centro que havia no chão.
Ehlena também se sentia como em sua casa, quanto ao entorno, mas entretanto completamente deslocada… e não só porque sua vida parecia como um veleiro que tinha naufragado em águas geladas, para ir se endireitar repentinamente nos trópicos.
Rehvenge estava com ela. Inexoravelmente.
Seu último pensamento antes de dormir e o primeiro ao despertar era que estava vivo. E sonhava com ele, via-o com os braços ao lado do corpo e a cabeça pendurada, perfilado contra um trêmulo fundo negro. Era uma completa contradição, de certa forma, a crença de que estava vivo se contrapunha a essa imagem… que parecia indicar que estava morto.
Era como ser acossada por um fantasma.
Gerando essa tortura.
Frustrada, afastou a bandeja, levantou-se e tomou banho. A roupa que colocou não era elegante, mas sim, era precisamente a mesma que tinha adquirido na Target e nas ofertas da Macy’s por Internet, antes que tudo tivesse mudado. Os sapatos… eram as Keds que Rehv tinha segurado em sua mão.
Mas se negava a pensar nisso.
O assunto era, que não parecia correto sair correndo e gastar um monte de dinheiro em qualquer coisa. Não sentia que nada disto lhe pertencesse, nem a casa, nem o pessoal de serviço, nem os carros nem todo esse dinheiro em sua conta corrente. Ainda estava convencida de que Saxton ia aparecer ao cair da noite com um “Oh cometi um engano. Tudo isto deveria ter passado a alguma outra pessoa”.
Que surpresa seria essa.
Ehlena tomou a bandeja de prata e saiu de seu quarto dirigindo-se ao quarto no final do corredor para checar como estava seu pai. Quando alcançou sua porta, golpeou-a com a ponta da sapatilha.
—Pai?
—Entre, minha filha!
Deixou a bandeja em uma mesa de mogno e abriu a porta para o quarto que usava como estúdio. Havia trazido a antiga mesa da casa de aluguel e o tinham colocado perto da porta, e seu pai estava sentado trabalhando como sempre fazia, com papéis por toda parte.
—Como está? —perguntou ela, indo beijar lhe no rosto.
—Estou bem, muito bem verdadeiramente. A doggen acaba de me trazer o suco e a comida. —Passou sua mão elegante e ossuda sobre a bandeja de prata que fazia jogo com a que ela havia trazido— Adoro à nova doggen, você não?
—Sim, pai, eu...
—Ah, Lusie, querida!
Enquanto seu pai ficava de pé e alisava a jaqueta de veludo de seu smoking, Ehlena deu uma olhada sobre o ombro. Lusie entrou luzindo um vestido tubinho cinza pomba e um pulôver de nós tecido à mão. Nos pés usava um par de tamancos Birkenstocks e meias três-quartos grossas de tecido apertado que também pareciam feitos em casa. Usava o comprido e ondulado cabelo jogado para trás, preso com uma discreta presilha na base do pescoço.
Ao contrário do resto das coisas que tinham mudado ao seu redor, ela ainda seguia sendo a mesma. Encantadora e… acolhedora.
—Trouxe palavras cruzadas. —Sustentou no alto o jornal The New York Times que estava dobrado em quatro, assim como um lápis— Necessito de ajuda.
—E, é obvio, que estou a sua disposição, como de costume. —O pai de Ehlena se levantou e cortesmente retirou uma cadeira para Lusie— Sente-se aqui e veremos quantas casinhas conseguimos preencher.
Lusie sorriu a Ehlena enquanto se sentava.
—Não poderia fazê-lo sem ele.
Ehlena entrecerrou os olhos ante o rubor apenas perceptível da fêmea e logo os desviou para o rosto de seu pai. O qual mostrava um evidente interesse.
—Deixo os dois com suas palavras cruzadas. —disse com um sorriso.
Quando partia, recebeu dois adeuses, e não pôde evitar pensar que o efeito estéreo soava muito bem a seus ouvidos.
Desceu escada abaixo no elegante vestíbulo, foi para a esquerda, para a sala de jantar formal, e se deteve para admirar todo o cristal e porcelana que estavam dispostos com toda pompa… como o deslumbrante candelabro.
Entretanto, não havia velas coroando esses elegantes braços de prata.
Não havia velas na casa. Nem fósforos nem tampouco acendedores. E antes de mudar-se, Ehlena fazia com que o doggen mudasse o fogão industrial que funcionava a gás por um elétrico. Do mesmo modo, as duas televisões da parte da casa da família tinham sido entregues ao pessoal de serviço, e os monitores de segurança tinham sido levados de um lugar aberto que havia na despensa do mordomo, a um quarto fechado com uma porta com chave.
Não havia nenhum motivo para tentar o destino. Particularmente porque qualquer tipo de aparelho eletrônico, incluindo as dos celulares e as calculadoras, continuavam pondo nervoso a seu pai.
Na primeira noite que ficaram na mansão se empenhou em passear com seu pai por todo o lugar lhe mostrando as câmaras de segurança e os sensores e os feixes de luz não só na casa, mas também nos jardins. Como não estava segura de como tomaria a mudança de domicílio e todas as medidas de segurança, tinha-lhe brindado com o tour depois que houvesse tomado sua medicação. Felizmente, tinha considerado a melhora de moradia como uma volta à normalidade, e lhe tinha encantado a idéia de que houvesse um sistema de vigilância para toda a propriedade.
Possivelmente essa fosse outra razão pela que não sentia a necessidade de ter as janelas cobertas. Sentia como se agora estivesse sendo vigiado de uma maneira conveniente.
Empurrando a porta de vaivém, Ehlena entrou na despensa e saiu no outro lado da cozinha. Depois de conversar com o mordomo que tinha começado a cozinhar a Última Refeição, e lhe haver feito um elogio a uma das criadas a respeito de quão bem tinha limpado o corrimão das escadas, Ehlena se dirigiu ao escritório que estava no outro lado da casa.
A viagem foi longa, através de muitas salas formosas, e enquanto andava passava a mão amorosamente sobre as antiguidades, as ombreiras esculpidas à mão das portas e os móveis cobertos de seda. Esta encantadora casa ia fazer a vida de seu pai muito mais fácil, e como conseqüência, ela ia ter muito mais tempo e energia mental para concentrar-se em si mesma.
Não desejava isso. A última coisa que precisava eram horas vazias sem mais companhia que as tolices de sua mente. E inclusive se estivesse na competição para ganhar o prêmio de Miss Bem–Acomodada, queria ser produtiva. Verdade que já não necessitava de dinheiro para manter um teto sobre o que ficava de sua família, mas sempre tinha trabalhado, e gostava do propósito e o sentimento do que tinha estado fazendo na clínica.
Mas tinha queimado essa ponte e algo mais.
Como às outras trinta ou mais salas da mansão, o escritório estava decorado ao estilo da realeza européia, com delicados desenhos de damasco nas paredes e sofás, abundantes adornos com borlas nos cortinados, e uma grande quantidade de quadros comovedores e brilhantes que eram como janelas abertas para outros mundos ainda mais perfeitos. Entretanto havia uma coisa fora de tom. O chão estava nu, as poltronas, a mesa antiga, e todas as mesas e as cadeiras descansavam diretamente sobre o chão de madeira polida, o centro do qual era ligeiramente mais escuro que os bordos, como se alguma vez tivesse estado coberto.
Quando perguntou aos doggens, tinham-lhe explicado que o tapete tinha sofrido uma mancha impossível de tirar, e portanto, se encomendou uma nova ao fornecedor de antiguidades da família que residia em Manhattan. Não entraram em detalhes sobre o que tinha ocorrido, mas dado quão preocupados tinham estado todos eles por seus trabalhos, podia imaginá-lo que Montrag teria feito se tivesse havido algum tipo de falha em suas funções, sem importar quão razoável fosse o mesmo. Teria derramado a bandeja de chá? Sem dúvida teriam tido um grande problema.
Ehlena rodeou a mesa e se sentou. Na mesa sobre o tampo de couro, estava o Caldwell Courier Journal do dia, havia também um telefone e um agradável abajur francês, assim como uma encantadora estátua de cristal de um pássaro em vôo. Seu velho computador, o qual tinha tentado de devolver à clínica, antes de que ela e seu pai viessem para casa, entrava perfeitamente na gaveta grande e plaina que havia sob a parte superior… e sempre o conservava ali no caso dele entrar.
Supunha que podia se permitir comprar um novo computador, entretanto não ia comprar outro. Como suas roupas, o que tinha funcionava bem e estava acostumada a ele.
Além disso, as coisas que lhe eram familiares eram como um cabo a terra. E, homem, ela necessitava disso.
Pondo os cotovelos sobre a mesa, olhou através do aposento ao lugar da parede onde deveria ter descansado uma marinha espetacular. Entretanto a pintura saía para o quarto formando um ângulo reto com a parede, e o fronte da caixa forte que ficava à vista era como uma simples fêmea que tinha estado escondida atrás de uma máscara de baile glamorosa.
—Ama, o chaveiro está aqui.
—Por favor, o faça entrar.
Ehlena se levantou, e foi para a caixa forte para tocar o suave e opaco painel e o dial de cor negra e prateada. Tinha encontrado a coisa só devido ao fato de que tinha estado tão sobressaltada pela representação do pôr-do-sol sobre o oceano, que se sentiu impulsionada a pôr a mão sobre o marco. Quando toda a pintura saltou para frente, horrorizou-se porque pensou que tinha prejudicado a moldura de alguma forma, salvo que então olhou atrás do marco e… quem haveria pensado?
—Ama? Este é Roff, filho de Rossf.
Ehlena sorriu e caminhou para um macho que estava vestido com um macacão negro e levava uma caixa negra de ferramentas. Quando ia estender a mão, ele tirou o chapéu e lhe fez uma profunda reverência, como se ela fosse alguém especial. O que resultou muito estranho. Depois de anos sendo apenas uma civil, a formalidade a incomodava, mas estava aprendendo que devia deixar outros a honrar a etiqueta social. Pedir que não o fizessem, fosse a doggens, trabalhadores ou assessores, só piorava as coisas.
—Obrigada por vir. —lhe disse.
—É um prazer ser útil. —Olhou a caixa forte— É esta?
—Sim, não tenho a combinação. —dirigiram-se para o artefato— Tinha a esperança de que houvesse alguma forma de acessar a ela
A careta que ele tratou de esconder não era muito animadora.
—Bem, senhora, conheço este tipo de caixa forte, e não vai ser fácil. Teria que trazer uma furadeira industrial para atravessar os passadores e soltar a porta, e isso seria ruidoso. Além disso, quando tiver acabado a caixa forte ficará arruinada. Não quero que tome como uma falta de respeito mas, não tem maneira de achar a combinação?
—Não saberia onde procurá-la. —Percorreu com o olhar as prateleiras de livros e logo a mesa.— Nós acabamos de mudar, e não havia instruções.
O macho seguiu seu exemplo e percorreu a sala com o olhar.
—Normalmente os proprietários deixam essas coisas em um lugar secreto. Se você o encontrasse poderia lhe ensinar como restaurar a combinação, assim poderia voltar a utilizar a caixa forte. Como aviso, se tiver que brocá-la terá que ser trocada.
—Pois bem, depois de nos mudar explorei a mesa e não encontrei nada
—Encontrou algum compartimento secreto?
—Er... não. Mas só estava examinando os papéis ao azar e tentando abrir algum espaço para minhas coisas.
O macho assentiu frente à peça de mobiliário.
—Em muitas mesas desse estilo há ao menos uma gaveta com o fundo ou a parte traseira falsos, para dissimular um pequeno espaço. Não quero fazer conjeturas, mas poderia ajudá-la a encontrá-lo? Além disso, as molduras em um escritório como este também poderiam encobrir lugares secretos.
—Eu adoraria contar com outro par de olhos para isto, obrigada. —Ehlena se aproximou e um a um, foi tirando todas as gavetas da mesa, deixando-os um ao lado do outro no chão. Enquanto o fazia, o macho tirou uma lanterna de bolso e olhou dentro dos ocos ficavam descobertos.
Quando chegou a grande gaveta de baixo à esquerda duvidou, não querendo ver o que tinha guardado ali. Mas não era como se o chaveiro pudesse ver através da maldita coisa.
Silenciando uma rápida maldição, puxou a asa de bronze e não olhou todos os artigos que tinha guardado do Caldwell Courier Journal, cada um deles estava dobrado para esconder os artigos que tinha lido e guardado embora não quisesse lê-los de novo.
Pôs essa gaveta tão longe como pôde.
—Bem, esse é o último.
Ao ter a cabeça encaixada sob a mesa, a voz do macho ressonou.
—Acredito que há um… necessito de uma cinta métrica de minha caixa de ferramentas…
—Já vou procurá-la.
Quando a passou, parecia atônito de que lhe tivesse ajudado.
—Obrigada, senhora.
Ela se ajoelhou a seu lado enquanto voltava a agachar-se para meter-se debaixo da mesa.
—Vê algo?
—Parece que há... Sim, isto é um pouco mais superficial que outros. Só me deixe… —Houve um rangido e o braço do macho se sacudiu—Achei.
Quando se incorporou, tinha uma tosca caixa nas mãos curtidas.
—Acredito que terá que girar a tampa para abri-la, mas deixarei que você o faça.
—Certo, sinto-me como Indiana Jones, mas sem o chicote. — Ehlena levantou o painel superior e…— Bom, não há nenhuma combinação. Só uma chave. —Tirou a tira de aço, examinou-a e logo a pôs em seu lugar— Melhor que a deixemos onde a encontramos.
—Me deixe lhe mostrar como pode voltar a colocar a gaveta secreta.
O macho se foi vinte minutos mais tarde, depois de que os dois tivessem batido em todas as paredes, prateleiras e molduras da sala sem encontrar nada. Ehlena considerava que tinha que procurar uma última vez, e seguia com as mãos vazias, faria que retornasse com seus grandes armas para arrebentar a caixa.
Quando retornou ao escritório, pôs as gavetas em suas aberturas, fazendo uma pausa quando chegou ao que continha todos os artigos de periódico.
Possivelmente fosse pelo fato de que não tinha que preocupar-se com seu pai. Possivelmente fosse porque tinha um pouco de tempo livre.
Embora o mais provável fosse porque simplesmente se devesse ao fato de que estava tendo um momento de debilidade e não podia reprimir a necessidade de saber.
Ehlena tirou todos os papéis, desdobrou-os e os estendeu sobre a mesa. Todos os artigos eram sobre Rehvenge e a explosão do ZeroSum, e sem dúvida quando abrisse a edição de hoje, encontraria outro para acrescentar à coleção. Os jornalistas estavam fascinados com a história, e durante o último mês tinha havido um monte de reportagens a respeito disso… não só na imprensa escrita, mas também nas notícias da noite.
Nenhum suspeito. Nenhum indício. Entre os escombros do clube se encontrou o esqueleto de um macho. Os outros negócios que possuía, agora eram dirigidos por seus sócios. O tráfico de drogas no Caldwell estava paralisado. Não tinha havido mais assassinatos de traficantes.
Ehlena tomou um dos artigos que havia em cima da pilha. Não era dos mais recentes, mas o tinha lido tantas vezes, que tinha rabiscado o papel de periódico. Ao lado do texto havia uma foto imprecisa de Rehvenge, tirada por um oficial de polícia disfarçado dois anos atrás. O rosto de Rehvenge estava nas sombras, mas o casaco da Marta, a bengala e o Bentley se viam claramente.
Durante as quatro semanas passadas tinha destilado suas lembranças de Rehvenge, das vezes que tinham estado juntos até a forma em que tinha terminado tudo com essa viagem que tinha feito ao ZeroSum. O passar do tempo reforçava em lugar de desvanecer as imagens de sua mente, fazia com que o que recordava se voltasse ainda mais claro, como o uísque que se consolidava com o passar do tempo. E era estranho. Por mais, estranho que pudesse parecer, de todas as coisas que se haviam dito, tanto boas como más, o que Ehlena recordava com mais freqüência era algo que essa fêmea da segurança lhe tinha ladrado quando estava a caminho da saída do clube.
...esse macho pôs a si mesmo em uma situação de merda por mim, sua mãe e sua irmã. E você se acredita muito boa para ele? Olhe bem. De onde, demônios, vem que é tudo tão perfeito?
Sua mãe. Sua irmã. Ela.
Enquanto as palavras açoitavam sua mente uma vez mais, Ehlena deixou vagar o olhar pelo escritório até que chegou à porta. A casa estava em silêncio, seu pai ocupado com Lusie e as palavras cruzadas, os empregados trabalhando alegremente.
Pela primeira vez em um mês, estava a sós.
Tomando isso em consideração, deveria tomar um banho quente e procurar um lugar onde aconchegar-se com um bom livro… mas em vez disso, pegou o computador, abriu a tela, e o ligou. Tinha a sensação de que se levasse a cabo o que queria fazer, ia acabar caindo em um profundo e escuro buraco.
Mas não podia evitá-lo.
Tinha salvado as buscas que tinha feito das histórias clínicas de Rehv e sua mãe, e como ambos tinham sido declarados mortos, os documentos eram, tecnicamente, parte do registro público… pelo motivo que quando abriu os arquivos não se sentiu tão culpada de invadir sua privacidade.
Primeiro estudou o histórico da mãe, e algumas coisas lhe resultaram familiares por havê-lo examinado previamente, quando tinha sentido curiosidade sobre a fêmea que lhe tinha dado a luz. Não obstante, agora, tomou seu tempo, procurando algo concreto. Embora Deus soubesse do que se tratava.
Os registros recentes não tinham nada notável, eram somente comentários de Havers a respeito dos exames anuais da fêmea ou o tratamento de algum vírus ocasional. Enquanto se deslocava pelas páginas, começou a perguntar-se por que estava perdendo tempo… até que chegou à operação de joelho que tinham realizado a Madalina cinco anos atrás. Nas notas pré–operatórias, Havers mencionava algo sobre a deterioração da articulação como resultado de lesões por golpes crônicos.
Golpes crônicos? Em uma fêmea de valia da glymera? Isso estava mais de acordo com um jogador de futebol, pelo amor de Deus, não com a mãe castelhana de alta linhagem de Rehvenge.
Não tinha sentido.
Ehlena retrocedeu mais e mais passando por muitas páginas… e a partir dos vinte e três anos contados do presente começou a ver as entradas. Uma atrás da outra. Ossos quebrados. Machucados. Contusões.
Se Ehlena não estivesse segura de que era impossível... juraria que era violência doméstica.
Todas ás vezes era Rehv que a levava. Levava-a e permanecia com ela.
Ehlena voltou no tempo até a última entrada que parecia indicar o abuso de uma fêmea por parte de seu hellren. Madalina tinha sido acompanhada por sua filha, Bella. Não por Rehv.
Ehlena cravou o olhar na data como se da linha de números estivesse a ponto de sair subitamente um avanço importante. Quando cinco minutos depois ainda seguia olhando-a fixamente, sentiu como se o espectro da enfermidade de seu pai estivesse outra vez movendo-se ao longo dos pisos e paredes de sua mente. Por que demônios estava obcecada por isto?
E ainda assim, apesar de ter essa idéia em mente, seguiu o impulso que só pioraria sua obsessão. Abriu o registro de Rehv.
Retrocedeu pelos registros mais e mais e mais... ele tinha começado a necessitar de dopamina mais ou menos ao mesmo tempo que sua mãe deixou de ingressar com machucados.
Possivelmente fosse apenas uma coincidência.
Sentindo-se meio louca, Ehlena entrou na Internet e foi à base de dados dos registros públicos da raça. Teclando o nome de Madalina, encontrou o registro da transição da fêmea, logo saltou para o de seu hellren, Rempoon…
Ehlena se inclinou para frente na cadeira e soltou a respiração com um vaio. Sem querer acreditar o que lia retornou ao registro de Madalina.
Seu hellren tinha morrido na noite em que ela tinha ingressado machucada na clínica pela última vez.
Com a sensação de estar a ponto de obter as respostas, Ehlena considerou as coincidências nas datas à luz do que a guarda de segurança lhe havia dito sobre Rehvenge. E se ele tinha matado o macho para proteger a sua mãe? E se essa guarda de segurança sabia? E se…?
Pela extremidade do olho, viu a foto de Rehvenge no CCJ, seu rosto na sombra, seu carro elegante e sua bengala, sua pose de fanfarrão tão óbvia.
Com uma maldição, fechou o computador de um golpe, colocou-o de volta na gaveta, e se levantou. Podia não ser capaz de controlar seu subconsciente, mas podia resolver o problema de sua vigília e não respirar esta loucura.
Em vez de voltar-se mais louca, ia subir para o quarto principal onde Montrag tinha dormido e buscaria por ali para ver se encontrava a combinação do cofre. Mais tarde, tomaria a Última Refeição com seu pai e Lusie.
E depois tinha que averiguar o que ia fazer com o resto de sua vida.

—...pensa-se que os recentes assassinatos de traficantes na área poderiam ter acabado com a mais que provável morte do dono do clube Richard Reynolds suspeito de ser o chefe da droga. —Houve um rangido quando Beth pôs o CCJ sobre a mesa.- É o final do artigo.
Wrath esticou as pernas, para sustentar mais comodamente no colo o peso de sua Rainha. Tinha ido ver Payne fazia umas duas horas, e seu corpo parecia mingau, o que o fazia se sentir realmente bem.
—Obrigado por me ler isso.
—É um prazer. Agora me dê um segundo para que me ocupe do fogo. Temos um tronco que está a ponto de rodar sobre o tapete. — Beth o beijou e se levantou, a cadeira de joaninha rangeu aliviada. Enquanto cruzava o escritório para a chaminé, o relógio de pé começou a soar.
—Oh, que bom. —disse Beth— Escuta, Mary deve estar para chegar. Vai trazer algo para você.
Wrath assentiu e entendeu a mão, percorrendo com as pontas dos dedos a parte superior da mesa até chegar a taça copa de vinho tinto que estava bebendo. Pelo peso, supôs que quase havia terminado, e dado seu humor, iria querer mais. A merda sobre Rehv o havia estado incomodando. De uma maneira ruim.
Depois de terminar o Burdeos, deixou a taça e esfregou os olhos abaixo dos óculos envolventes que ainda usava. Poderia resultar um pouco estranho seguir com os óculos, mas não importava… não gostava da idéia de que outras pessoas pudessem ver suas pupilas desfocadas sem que ele pudesse vê-los o olhando fixamente.
—Wrath? —Beth se aproximou, e pelo tom tenso de sua voz soube que estava tentando manter afastado o temor de sua voz— Está bem? Dói sua cabeça?
—Não. —Wrath puxou sua Rainha sentando-a de novo em seu colo, a pequena cadeira rangeu outra vez, as pernas desta tremeram. — Estou bem.
As mãos dela afastaram seu cabelo do rosto.
—Não parece.
—Eu só... —Encontrou uma de suas mãos e a tomou na sua— Merda, não sei.
—Sim, sabe.
Franziu o cenho com força e estreitamente.
—Não se trata de mim. Ao menos, não verdadeiramente.
Houve uma larga pausa, e então ambos falaram com mesmo tempo:
—Do que se trata?
—Como está Bella?
Beth esclareceu garganta como se a pergunta a surpreendesse.
—Bella está… fazendo tudo o que pode. Não a deixamos muito tempo sozinhas, e é bom que Zsadist tirasse férias. É muito duro que os tenha perdido a ambos em poucos dias. Quero dizer a sua mãe e a seu irmão…
—Essa merda sobre Rehv é uma mentira.
—Não entendo.
Estendeu a mão para o Caldwell Courier Journal que lhe tinha estado lendo, e deu golpezinhos sobre o artigo que acabava de terminar.
—Custa-me acreditar que alguém tenha lhe chutado o traseiro. Rehv não era nenhum parvo e, esses Mouros que o protegiam? Essa chefe de segurança? É fodidamente impossível que tenham deixado aproximar-se dele com uma bomba no clube. Além disso, Rhage disse que ele e V foram ao Iron Mask na outra noite para trazer arrastado John para casa, e os três estão trabalhando lá… iAm, Trez e Xhex ainda estão juntos. Normalmente, depois de uma tragédia as pessoas se dispersam. Mas esse grupo está como sempre, como se estivessem esperando que retorne.
—Mas havia um esqueleto entre os escombros, não?
—Pode ser de qualquer um. Sem dúvida, era de um macho, mas que mais sabe a polícia? Nada. Se eu quisesse desaparecer do mundo humano,demônios, inclusive do mundo vampiro— plantaria um corpo e explodiria meu edifício. —Sacudiu a cabeça, pensando em Rehv estendido na cama do grande rancho, tão fodidamente doente… entretanto suficientemente bem para fazer que sua assassina se ocupasse do tipo que queria matar a Wrath— Homem, esse HDP me respaldou. Quando Montrag se reuniu com ele, teve todas as oportunidades do mundo para foder-me. Devo-lhe uma.
—Espera... por que demônios simularia sua própria morte? Amava muitíssimo Bella e a sua filha. Demônios, virtualmente criou a sua irmã, e não posso acreditar que a machucasse desta forma. Além disso, aonde iria?
A colônia pensou Wrath.
Wrath queria contar a sua Rainha tudo o que tinha em mente, mas duvidou, porque esteve acariciando uma decisão que ia complicar muitíssimo as coisas. Em realmente, esse e–mail sobre Rehv? Ao Wrath sua intuição indicava que o tipo tinha mentido. Era muita coincidência que a coisa chegasse na noite seguinte a que Rehv «morrera». Tinha que ter sido legítimo. Mas com Montrag morto, quem podia ter…
Houve um penetrante rangido, uma queda livre e uma dura aterrissagem de traseiro.
Beth gritou e Wrath amaldiçoou: Que merda?
Mediu a seu redor, e tocou as lascas da antiga e delicada madeira francesa que estavam pulverizadas entorno deles.
—Está bem, leelan? —disse vivamente.
Beth riu e se levantou.
—OH, Meu Deus… quebramos a cadeira.
—Pulverizamos seria mais preciso...
O golpe na porta fez com que Wrath lutasse para ficar em pé entre grunhidos de dor. Aos quais estava se acostumando. Payne sempre atacava a tíbia, e sua perna esquerda o estava matando. Mas não era que não lhe houvesse devolvido o favor. Depois desta última sessão, era bastante provável que ela estivesse curando-se de alguma contusão.
—Entre. —exclamou.
No mesmo instante em que se abriu a porta, soube quem era… e que não estava sozinha.
—Quem está com você, Mary? —exigiu, alargando a mão para a faca que levava no quadril. O aroma não era humano… mas não era um vampiro.
Houve um tinido sutil e sua shellan exalou um longo e encantador suspiro, como se estivesse vendo algo que lhe agradasse enormemente.
—Este é George. —disse Mary— Por favor, guarde a arma. Não vai machucar você.
Wrath manteve a adaga na palma da mão e abriu amplamente as fossas nasais. O aroma era…
—É um cão?
—Sim. Está treinado para ajudar aos cegos.
Wrath retrocedeu levemente ante a palavra com «C», ainda esforçando-se para aceitar que essa classificação era relativa a ele.
—Eu gostaria de levá-lo para você. —disse Mary com esse tom de voz seu tão equânime— Mas não o farei até que guarde a arma.
Beth permanecia em silêncio, e Mary permaneceu afastada, o que foi sábio por parte de ambas. Seus neurônios dispararam em todas as direções, seus pensamentos correram por toda parte. Durante o mês passado tinha tido muitos triunfos e muitas perdas de merda: ao retornar de seu primeiro encontro com Payne, tinha sabido que tinha um caminho difícil pela frente, mas era mais largo e mais íngreme do que tinha pensado
Os dois maiores problemas era que odiava ter que depender tanto de Beth e seus irmãos, e que pensava que voltar a aprender as coisas simples era curiosamente exaustivo. Como… pelo amor de Deus, fazer uma torrada era agora uma proeza. Ontem havia tornado a tentar e acabou rompendo o prato de cristal da manteiga. O que naturalmente levou uma eternidade limpar.
Mas ainda assim, a idéia de utilizar um cão para mover-se era… muito.
A voz de Mary deslizou até o outro lado do aposento com o equivalente vocal de um andar inofensivo.
—Fritz lhe ensinou como tratar o cão, e juntos, ele e eu estamos preparados para trabalhar com você e com George. Há um período de prova de duas semanas, depois do qual, se você não gostar ou se não estiver funcionando, podemos devolver o animal. Não há nenhum tipo de obrigação nisto, Wrath.
Estava a ponto de lhes dizer que levassem o cão quando ouviu uma débil choramingo e mais tinidos.
—Não, George. —disse Mary— Não pode se aproximar dele.
—Quer vir comigo?
—O treinamos utilizando uma de suas camisetas. Conhece seu aroma.
Houve um longo, longo período de silêncio, e então Wrath sacudiu a cabeça.
—Não sei se sou um tipo que goste dos cães. Além disso, que acontece a Boo…
—Está bem aqui. —respondeu Beth— Está sentado junto a George. Desceu as escadas logo que o cão entrou na casa, e após não se afastou do lado do George. Acredito que agradam um ao outro.
Maldita seja! Nem o gato estava de seu lado.
Mais silêncio.
Wrath embainhou a adaga lentamente e deu dois amplos passos à esquerda para poder rodear a mesa. Caminhando para frente, deteve-se no centro do escritório.
George choramingou um pouco, e logo se voltou a ouvir o singelo tinido de um arnês.
—Deixa que me aproxime. —disse Wrath sombriamente, sentindo como se o estivessem pressionando e não gostasse nada disso.
Ouviu o animal aproximar-se, as suaves pisadas das patas e o tinido do colar cada vez mais perto, e logo…
Um focinho suave como o veludo cheirou a palma de sua mão, e uma língua áspera lhe lambeu rapidamente a pele. Logo o cão se agachou sob sua palma e se apoiou contra sua coxa.
As orelhas eram sedosas e cálidas, o pêlo da pele do animal era ligeiramente encaracolado.
Era um cão grande com uma grande cabeça quadrada.
—De que raça é?
—Um golden retriever. Fritz foi o que o escolheu.
O doggen falou da porta, como se tivesse medo de entrar no aposento, em vista de quão tensa era a situação.
—Pensei que era a raça perfeita, amo.
Wrath apalpou os flancos do cão, encontrando o arnês que lhe rodeava o peito e o cabo do qual a pessoa sem visão se agarraria.
—O que pode fazer?
Mary respondeu.
—O que necessitar. Pode aprender a disposição da casa e se lhe der a ordem de o levar a biblioteca, ele fará. Pode o ajudar a se desembrulhar pela cozinha, atender o telefone, encontrar objetos. É um animal brilhante, e se os dois se encaixam, você e ele podem ser tão independentes como sei que quer ser.
Que fêmea impressionante. Sabia exatamente o que lhe tinha estado incomodando. Mas a resposta era um animal?
George choramingou tristemente, como se quisesse o trabalho com desespero.
Wrath soltou ao cão e deu um passo para trás enquanto todo seu corpo começava a tremer.
—Não sei se posso fazer isto. — disse com voz rouca— Não sei se posso… ser cego.
Beth esclareceu um pouco a garganta, como se estivesse afogando-se porque ele estava afogando-se.
Depois de um momento, Mary, com suas maneiras amáveis e firmes, disse o que, embora fosse cru, devia ser dito:
—Wrath, você é cego.
O tácito assim o enfrenta ressoou em sua mente, pondo sob o refletor uma realidade através da qual tinha estado partindo irregularmente. Sem dúvida, tinha deixado de despertar cada dia esperando que sua visão retornasse, e tinha estado lutando com Payne e fazendo amor com sua shellan assim não se sentia fisicamente débil, e também tinha estado trabalhando e mantendo em dia a merda de Rei e tudo isso. Mas nada disso significava que as coisas fossem fantásticas: movia-se com dificuldade, tropeçando constantemente, atirando coisas… aferrando-se a sua shellan… que por sua culpa não tinha saído da casa durante um mês… utilizando os irmãos para que o levassem a distintos lugares… sendo o tipo de carga que lhe ofendia.
Disse a si mesmo que lhe dar este cão era uma oportunidade e não significava que lhe entusiasmasse ser cego. Mas podia o ajudar a mover-se por si mesmo.
Wrath se virou de forma que ele e George ficassem olhando na mesma direção, aproximou-se do cão. Inclinando-se para um lado, encontrou a correia e a agarrou.
—Agora, o que fazemos?
Depois de um emocionado silêncio, como se tivesse surpreendido muitíssimo a sua audiência, ouviu algumas discussões e exposições, das quais só assimilou uma quarta parte. Não obstante, resultou evidente que tinha ouvido o suficiente para começar, já que logo ele e George estiveram dando um passeio pelo escritório.
A correia teve que ser ajustada ao limite, para que Wrath não tivesse que inclinar-se para um lado para agarrá-la, e ao cão lhe sentava muito melhor todo o trato que a seu dono. Mas depois de um momento, os dois se encaminharam para fora do escritório e desceram até o vestíbulo. O próximo passeio era encarar as escadas e retornar.
Sozinho.
Quando Wrath voltou para o escritório, enfrentou o grupo que se congregou… e agora era um grande, já que pelo visto cada um de seus irmãos, como também Lassiter, uniram-se a Beth, Fritz e Mary. Wrath captou o aroma de cada um deles… e também havia um fodido monte de esperança e preocupação no ar.
Não podia culpá-los por como se sentiam, mas não gostava da atenção.
—Como escolheu a raça, Fritz? —perguntou, porque precisava encher o silêncio e não havia razão para ignorar o elefante rosa que havia no aposento.
Ou para ser mais exato, o cão de pelagem clara.
A voz do ancião mordomo tremeu, como se, ao como todo mundo, estivesse lutando com a emoção.
—Eu, ah… o escolhi… — O doggen esclareceu a garganta— O escolhi por cima dos Labradores porque perdem mais pêlo.
Os olhos cegos de Wrath piscaram.
—Por que seria isso algo bom?
—Porque seus empregados adoram passar o aspirador. Pensei que seria um formoso presente para eles.
—OH, certo... é obvio. —Wrath riu um pouco para si mesmo, e logo começou a rir abertamente. Quando outros se uniram a ele, parte da tensão se dissipou no aposento — Por que não pensei nisso?
Beth se aproximou e o beijou.
—Veremos como se sente, ok?
Wrath acariciou a cabeça de George.
—Sim. Está bem. —Levantou a voz— Basta de bate-papo. Quem está de guarda esta noite? V, necessito de um relatório financeiro. John ainda está desacordado em sua cama pela bebedeira? Tohr, vou querer que entre em contato com as famílias da glymera que ainda ficam para ver se podemos fazer com que retornem alguns alunos…
Enquanto Wrath cuspia ordens, era bom obter respostas e que as pessoas circulasse para sentar-se e que Fritz saísse para encarregar-se da limpeza depois da Primeira Refeição e que Beth se instalasse na velha cadeira de Tohr.
—Oh, e vou ter que conseguir outra coisa aonde me sentar. — disse enquanto ele e George se localizavam atrás da mesa.
—Nosso, pulverizou a essa coitada, não? —perguntou Rhage arrastando as palavras.
—Quer que te faça algo? —sugeriu V— Sou bom esculpindo.
—O que te parece uma Barcalounger? —interrompeu Butch.
—Quer esta cadeira? —ofereceu-lhe Beth.
—Alguém pode me alcançar essa costure com orelhas que está no canto junto à chaminé? —pediu Wrath.
Quando Phury a aproximou, Wrath se sentou e atirou a cadeira para frente… só para dar um violento golpe em ambos os joelhos contra a gaveta da mesa.
—Ok, isso teve que doer. —resmungou Rhage.
—Necessitamos de algo mais baixo. —disse alguém.
—Isto estará bem. — espetou Wrath rigidamente, tirando a palma da mão da correia de George e esfregando os doloridos joelhos— Não importa onde me sente.
Enquanto a Irmandade ficava a trabalhar, encontrou-se pondo a mão na cabeça do grande cão e acariciando a suave pelagem… jogando com uma orelha… baixando a mão para encontrar as grandes ondas que fluíam do amplo e forte peito do animal.
É obvio que nada disso significava que ia ficar com o animal.
Simplesmente era uma sensação agradável, isso era tudo.


Capítulo 63


Na noite seguinte, Ehlena observou como seu novo amigo, Roff o chaveiro, fazia com uma broca um maldito buraco no cofre da parede. O gemido de sua ferramenta de alta potência lhe aguilhoava os ouvidos, e o intenso aroma de metal quente lhe recordava à desinfetante que utilizavam nos pisos da clínica de Havers. Não obstante, a sensação de que estava fazendo algo —algo— compensava tudo isso.
—Já estou quase terminando. —gritou o chaveiro por cima do estrépito.
—Leve o tempo que precisar. —gritou em resposta.
Converteu-se em algo pessoal entre ela e o cofre, e esse maldito se abriria esta noite custasse o que custasse. Depois de procurar, com a ajuda do pessoal, por todo o dormitório principal, e revisado inclusive as roupas de Montrag, o que tinha sido horripilante, tinha chamado o chaveiro e agora estava desfrutando ao ver a cabeça dessa furadeira desaparecendo cada vez mais fundo no metal.
Na realidade, não lhe importava o que houvesse dentro da maldita coisa, o que era crítico era conseguir superar o obstáculo de não ter a combinação..., e era um alívio voltar a sentir-se ela mesma. Sempre tinha sido das que abrem caminho através das dificuldades... de forma parecida a como fazia essa furadeira.
—Estou dentro. — disse Roff, retirando a ferramenta— Ao fim! Deve dar uma olhada.
Quando o gemido amorteceu até converter-se em silêncio e o macho tomou um descanso, ela se aproximou e abriu o painel. Dentro estava escuro como a meia-noite.
—Recorde, —disse Roff enquanto começava a guardar suas coisas— que tivemos que cortar a eletricidade e o circuito que a conecta ao sistema de segurança. Habitualmente se acende uma luz.
—Bem. —De toda forma apareceu. Era algo assim como uma caverna — Muito obrigada.
—Se quiser que encontre um reposto, posso fazê-lo.
Seu pai sempre tinha tido cofres, alguns nas paredes, um par no porão e essas tinham sido tão velhos e pesadas como carros.
—Suponho que... necessitaremos de um.
Roff passeou a vista pelo escritório e logo lhe sorriu.
—Sim, senhora. Acredito que sim. Eu mesmo me ocuparei disso por você. Assegurarei-me de lhe conseguir o que necessita.
Ela se virou e lhe estendeu a mão.
—Foi muito amável.
Ele ruborizou do pescoço de seu macacão até a linha escura do cabelo.
—Senhora... foi um prazer trabalhar para você.
Ehlena lhe acompanhou até a porta principal e depois voltou para o escritório com uma lanterna que tinha obtido do mordomo.
Acendendo o feixe de luz, apareceu o cofre. Arquivos. Montes de arquivos. Algumas caixas de couro planas que lhe resultaram familiares de quando ainda tinham as jóias de sua mãe. Mais documentos. Ações. Maços de dinheiro em efetivo. Dois livros velhos de contabilidade.
Aproximou uma mesinha, e esvaziou tudo em cima dela formando pilhas. Quando chegou ao mesmo fundo, encontrou uma caixa de caudais que ao levantá-la arrancou um grunhido.
Levou-lhe aproximadamente três horas revisar a papelada, e quando terminou, estava absolutamente atônita.
Montrag e seu pai tinham sido o equivalente corporativo de mafiosos.
Levantando-se da cadeira em que tinha plantado o traseiro, subiu ao dormitório que estava utilizando e abriu a gaveta de uma cômoda antiga na qual tinha guardado sua roupa. O manuscrito de seu pai estava preso com uma simples banda de borracha, a qual emitiu um estalo ao ser liberada com um movimento de sua mão. Começou a folhear as páginas até que... encontrou a descrição do trato de negócios que tinha mudado tudo para sua família.
Ehlena levou a folha do manuscrito ao piso de baixo onde estavam os documentos e livros velhos que tinha tirado do cofre. Revisando a coleção de livros onde estavam assentados os registros de centenas de transações de interesses comerciais, imobiliários, e outros investimentos, encontrou um que concordava com o que tinha escrito seu pai quanto a data, montantes em dólares e conceito.
Ali estava. O pai de Montrag tinha sido o que tinha traído ao dela, e o filho tinha estado no alho.
Deixando cair de novo na cadeira, lançou um largo e duro olhar ao escritório.
O carma era certamente um filho da puta, não é?
Ehlena voltou para os livros velhos para ver se tinham se aproveitado de alguma outra família da glymera. Não tinha sido assim, não desde que Montrag e seu pai tinham arruinado a sua família, e teve que perguntar-se se teriam se inclinado a fazer entendimentos com humanos para diminuir as probabilidades de serem descobertos como bandidos e estelionatários dentro da raça.
Baixou o olhar à caixa de caudais.
Como esta parecia ser a noite para lavar roupa suja, levantou a coisa. A fechadura que a assegurava não se abria com uma combinação, a não ser com uma chave.
Olhando sobre seu ombro, estudou a mesa.
Cinco minutos depois, após ter forçado com êxito o compartimento secreto da gaveta inferior, levou a chave que tinha encontrado na noite anterior para a caixa de caudais. Não lhe cabia dúvida de que com ela ia abrir essa coisa.
E o fez.
Colocando a mão dentro, encontrou somente um documento, e enquanto desenrolava as páginas grossas e aveludadas, teve exatamente a mesma sensação que tinha tido quando falou pela primeira vez com Rehvenge por telefone e este lhe perguntou: Ehlena, está aí?
Isto ia mudar tudo, pensou sem nenhuma razão em particular.
E assim foi.
Era uma declaração jurada do pai de Rehvenge assinalando a seu assassino, escrita enquanto o macho falecia de feridas mortais.
Leu-a duas vezes. E uma terceira.
A testemunha era Rehm, pai de Montrag.
Sua mente se lançou a processar tudo, e correu para seu computador, tirou o DELL e recuperou a busca clínica que tinha feito sobre a mãe de Rehv... Bom, quem o teria imaginado? A data em que a declaração tinha sido ditada pelo macho moribundo coincidia com a da última noite em que a mãe de Rehv tinha dado entrada na clínica por ter sido agredida.
Tomou a declaração e a releu. Segundo seu padrasto Rehvenge era um symphath e um assassino. E Rehm o tinha sabido. E Montrag o tinha sabido.
Seus olhos se dirigiram aos livros velhos. A julgar pelo que havia nesses registros, pai e filho tinham sido oportunistas consumados. Era difícil acreditar que esse tipo de informação não tivesse sido utilizada em um momento ou em outro. Muito difícil.
—Senhora? Trago-lhe seu chá?
Ehlena olhou a doggen que estava na soleira.
—Preciso saber de uma coisa.
—É obvio, Senhora. —A criada entrou com um sorriso— No que posso ajudá-la?
—Como morreu Montrag?
Houve um estalo continuado bem evidente quando a criada quase deixa cair a bandeja sobre a mesa que havia diante do sofá.
—Senhora... certamente não deseja falar de tais coisas.
—Como?
A doggen olhou todos os papéis que tinham sido pulverizados ao redor do forçado cofre. A julgar pela resignação que viu nos olhos da fêmea, Sashla se deu conta de que alguns segredos tinham sido desvelados, segredos que não deixavam bem a seu anterior amo.
A diplomacia e a deferência sossegaram a voz da criada.
—Não desejaria falar mal dos mortos, nem faltar com respeito ao senhor Montrag. Mas você é a cabeça da família, e como solicitou...
—Está bem. Não está fazendo nada errado. E preciso sabê-lo. Se servir de ajuda, pensa nisso como em uma ordem direta.
Isto pareceu aliviar à fêmea que assentiu com a cabeça, depois falou com tom hesitante. Quando ficou em silêncio, Ehlena baixou o olhar ao centro do escritório vazio.
Ao menos agora sabia por que faltava o tapete.

A Xhex cabia o turno de meia-noite no Iron Mask, como tinha sido no ZeroSum. O que significava que quando seu relógio de pulso marcava as três e quarenta e cinco, era hora de fazer um percurso pelos banheiros enquanto os barmans faziam a última chamada e seus gorilas conduziam os bêbados e drogados à rua.
Na superfície, o Mask não tinha nada a ver com o ZeroSum. Em vez de aço e cristal, tudo era de uso neo victoriano, tudo de cor negra e azul profunda. Havia um monte de cortinas de veludo e reservados íntimos com fundos sofás, e a merda com essa porcaria do tecnopop; a música era um suicídio acústico, mais depressiva que qualquer outra coisa que tivesse levado ritmo alguma vez. Nada de pista de dança. Nem seção VIP. Mais lugares para praticar o sexo. Menos droga.
Mas a aura de evasão era a mesma, e as garotas seguiam trabalhando, e a bebida seguia correndo rápido como uma avalanche de barro.
Trez levava o lugar com um estilo discreto... atrás ficavam os dias no escritório traseiro oculto e a presença espetacular de um proprietário vistoso. Ele era um gerente, não um senhor da droga, e aqui as políticas e procedimentos não incluíam nódulos esfolados nem golpes de pistola. Em definitivamente, despertava menos interesse da polícia devido à falta de negócios de drogas em grandes quantidades e em pequenas quantidades... além disso os góticos, por natureza, eram mais depressivos e introspectivos, em contraposição aos tarados acelerados e vivazes que habitualmente se reuniam no ZeroSum.
Não obstante, Xhex sentia falta do caos. Sentia falta de... um monte de coisas.
Com uma maldição, entrou no banheiro de damas, que estava junto à maior dos dois balcões, e encontrou uma mulher inclinada para o espelho defumado que havia sobre o lavabo. Com um olhar de determinação, estava passando as pontas dos dedos sob os olhos, não para limpar o rímel, a não ser para melá-lo ainda mais sobre sua pele branca como o papel. Deus sabia que tinha bastante base de maquiagem Cover Girl sobre a qual trabalhar; usava tanta dessa merda, que parecia como se alguém lhe tivesse dado dois murros com um punho de ferro.
—Estamos fechando. —disse Xhex.
—Ok, não há problema. Vejo-a amanhã. —A garota se separou de seu reflexo que parecia saído da Noite dos Mortos Vivos e se dirigiu apressadamente para a porta.
Isso era o mais fodido dos góticos. Sim, pareciam aberrações, mas na realidade eram muito mais simpáticos que os do tipo esnobe frustrado aspirante a Paris Hilton. Além disso, suas tatuagens eram muito melhores.
Sim, o Mask era muito menos complicado... o que significava que Xhex tinha tempo mais que suficiente para permitir-se aprofundar sua relação com o detetive Da Cruz. Já tinha estado na delegacia de polícia de Caldwell duas vezes para ser interrogada, como muitos de seus gorilas... incluindo o Big Rob e Silent Tom, os dois que tinha enviado a procurar Grady.
Naturalmente, ambos tinham mentido maravilhosamente sob juramento, dizendo que tinham estado trabalhando com ela no momento da morte de Grady.
A esta altura tinha claro que ia ser levada ante o grande jure, mas os cargos não foram prosperar. Indubitavelmente os técnicos da polícia científica se ocuparam de obter fibras e cabelos do corpo de Grady, mas por esse caminho não foram conseguir muita informação a respeito dela, já que o DNA vampiro, assim como também o sangue, desintegrava-se rapidamente. Além disso, já tinha queimado a roupa e as botas que tinha usado nessa noite, e a faca utilizada estava disponível em quase todas as lojas de caça.
Tudo o que tinha Da Cruz eram provas circunstanciais.
Não é que nada disso importasse. Se por alguma razão as coisas ficassem muito quentes, simplesmente desapareceria. Talvez se dirigisse para ao oeste. Talvez voltasse para o Antigo País.
Por amor de Deus, já deveria ter abandonado Caldwell. Estar tão perto e de uma vez tão longe de Rehv a estava matando.
Depois de checar cada um dos cubículos, Xhex saiu e rodeou a esquina para o banheiro dos homens. Golpeou com força e colocou a cabeça.
Os movimentos, ofegos e golpes significavam que havia ao menos uma mulher e um homem. Talvez dois de cada?
—Estamos fechando. — ladrou.
Evidentemente seu senso da oportunidade estava em forma, porque o guincho de uma mulher tendo um orgasmo ressoou entre os azulejos e depois houve um monte de ofegos de recuperação.
Que ela não estava de humor para escutar. Só lhe recordavam seu curto momento com John... mas ao fim e ao cabo, o que não o fazia? Desde que Rehv se largou e ela tinha deixado de tentar dormir, tinha muitas, muitas, muitas horas durante o dia para olhar fixamente a teto de sua cabana de caça e contar a quantidade de formas em que tinha metido a pata.
Não tinha voltado para apartamento de porão. E estava pensando que ia ter que vendê-lo.
—Vamos, se movam. —disse— Estamos fechando.
Nada. Só o ofego.
Farta da atuação do grupo teatral de respiração pós coito que se desenvolvia no cubículo para deficientes, levantou a mão formando um punho e golpeou o dispensador de toalhas de papel.
—Tirem o traseira daí. Agora.
Isso os pôs em movimento.
A primeira em sair do cubículo foi o que considerou uma mulher com um atrativo eclético. A fêmea ia vestida ao estilo gótico, com meias rasgadas, botas que pesavam cento e oitenta quilogramas e um monte de bandagens de couro, mas era bela como Miss a América e tinha o corpo de uma Barbie.
E tinha sido bem servida.
Suas bochechas estavam rubo[rizadas e seu abundante cabelo negro despenteado, sem dúvida, ambas as coisas provocadas por ter sido montada contra os azulejos da parede.
Qhuinn foi o próximo a sair do cubículo, e Xhex se esticou, sabendo exatamente quem era o terceiro desta trifecta de sexo.
Qhuinn a saudou rigidamente com a cabeça ao passar, e Xhex soube que não iria muito longe. Não até que...
John Matthew saiu em processo de fechar o zíper. A camiseta Affliction chegava até o começo de seu tablete de chocolate e não usava cueca. Sob o brilho das luzes fluorescentes, a pele suave e sem pêlo de debaixo do umbigo estava tão tensa, que podia ver as fibras do músculo que depois de percorrer seu torso baixavam até suas pernas.
Não levantou a vista para olhá-la, não porque fosse tímido ou se sentisse envergonhado. Simplesmente não se importava que ela estivesse no recinto, e não era uma atuação. Seu ralo emocional estava... vazio.
Ao chegar aos lavabos, John abriu o grifo da água quente e bombeou o dispensador de sabão da parede. Enquanto ensaboava as mãos que tinham percorrido todo o corpo daquela mulher, fez rodar os ombros como se estivessem tensos.
Havia rastros de barba em sua mandíbula. E bolsas sob seus olhos. E fazia um tempo que não cortava o cabelo, assim as pontas tinham começado a encrespar-se na nuca e ao redor das orelhas. Por cima de tudo, tinha o álcool, o aroma emanava de seus mesmos poros, como se apesar de quão duro trabalhava seu fígado, não pudesse filtrar a merda de seu sangue o bastante rapidamente.
Isso não era nem bom, nem seguro: sabia que continuava lutando. Tinha-lhe visto entrar com machucados frescos e alguma bandagem ocasional.
—Quanto tempo mais vai seguir com isto? —perguntou tacitamente— Com toda esta rotina de bebedeiras e prostitutas?
John cortou a água e se aproximou da caixa de toalhas de papel a que ela acabava de lhe fazer uma amolgadura espetacular. Estava a menos de cinqüenta centímetros dela quando arrancou um par de quadrados brancos e secou as mãos tão conscientemente como as tinha lavado.
—Cristo, John, esta é uma maldita forma de esbanjar sua vida.
Atirou as toalhas enrugadas no cesto de papéis de aço inoxidável. Quando chegou à porta, olhou-a pela primeira vez desde que lhe tinha deixado em sua cama. Seu rosto não evidenciou nem um rastro de reconhecimento, nenhuma recordação, nem nada. O olhar azul que uma vez tinha sido faiscante estava agora opaco.
—John... —Sua voz se quebrou ligeiramente— Realmente, sinto muito.
Com deliberado cuidado, ele estendeu o dedo médio em sua rosto e saiu.
Quando ficou sozinha no banheiro, Xhex se aproximou do espelho defumado e se inclinou como tinha feito a gótica no banheiro do lado. Quando seu peso se transladou para frente, pôde sentir os cilícios afundando-se em seu rosto e lhe surpreendeu havê-los notado.
Já não os necessitava, agora usava as bandas só pela força do costume
Desde que Rehv se sacrificou, tinha estado sentindo tanta dor, que não necessitava mais ajuda para controlar seu lado mau.
O celular soou no bolso de suas calças de couro, o timbre soava como um ralo para ela. Quando tirou a coisa, checou o número... e fechou os olhos com força.
Tinha estado esperando isto. Desde que tinha feito os acertos para que tudo o que chegasse ao antigo telefone de Rehv fosse desviado para esse.
Aceitando a chamada, disse com voz serena:
—Olá, Ehlena.
Houve uma longa pausa.
—Não esperava que ninguém respondesse.
—Então, por que chama a seu número? —produziu-se outra longa pausa - Olhe, se for pelo dinheiro que entrou em sua conta, não há nada que eu possa fazer a respeito. Foi parte de seu testamento. Se não o quiser, entrega-o à caridade.
—O que... que dinheiro?
—Talvez não se inteirou ainda. Pensei que o testamento tinha sido certificado pelo Rei. —Houve outra longa pausa— Ehlena? Está aí?
—Sim... —chegou fica resposta— Estou.
—Se não se tratava do dinheiro então, por que ligou?
O silêncio não foi uma surpresa, dado tudo o que tinha vindo antes. Mas a resposta da fêmea foi uma bomba mortal.
—Chamo porque não acredito que esteja morto.

Capítulo 64


Ehlena esperou por uma resposta da chefe de segurança de Rehv. Quanto mais tempo demorava, mais certeza ela tinha que estava certa.
— Ele não está, certo? — ela disse, energicamente — Estou certa, não estou?
Quando Xhex finalmente falou, sua voz profunda e ressonante estava curiosamente reservada.
— No interesse de uma revelação completa, eu acho que você deveria saber que está falando com outra symphath.
Ehlena segurou seu celular com força.
— De certa forma, isso não é novidade.
— Por que você não me diz o que acha que sabe?
Resposta interessante, pensou Ehlena. Não um “ele não está morto”. De jeito nenhum. Então novamente, se a fêmea era uma symphath, isso poderia levar a qualquer lugar. O que significava que não havia razão para reter alguma coisa.
— Eu sei que ele matou seu padrasto porque ele batia na sua mãe. E sei que seu padrasto sabia que ele era um symphath. Também sei que Montrag, filho de Rehm, sabia sobre o assunto de ser symphath, e que Montrag foi assassinado ritualisticamente em seu escritório.
— E essa matemática te diz o quê?
— Eu acredito que Montrag revelou a identidade de Rehvenge e ele teve que ir para a colônia. Aquela explosão no clube foi para esconder o fato do que ele é das outras pessoas em sua vida. Eu acredito que foi por isso que ele escolheu me trazer para o ZeroSum como fez. Era para se livrar de mim com segurança. Quanto a Montrag… Eu acho que Rehvenge cuidou dele.
Um longo silêncio.
— Xhex... Você está aí?
A fêmea soltou uma risada curta e forte.
— Rehv não matou Montrag. Eu matei. E não teve nada diretamente ligado com a identidade de Rehv. Mas como você sabe alguma coisa sobre o homem morto?
Ehlena endireitou-se na cadeira.
— Acho que devemos nos encontrar.
Agora a risada foi mais longa e um pouco mais natural.
— Você tem bolas de aço, sabia? Eu acabei de dizer que matei um cara e você quer me encontrar?
— Eu quero respostas. Eu quero a verdade.
— Desculpe se pareço Jack Nicholson agora, mas você tem certeza que consegue lidar com a verdade?
— Estou no telefone, não estou? Estou falando com você, não estou? Olhe, eu sei que Rehvenge está vivo. Se você quer admitir isso para mim ou não, não faz diferença.
— Garota, você não sabe merda nenhuma.
— Foda-se. Ele se alimentou de mim. Meu sangue está nele. Eu sei que ele está respirando.
Uma longa pausa e um risinho curto.
— Eu estou entendendo porque ele gostou tanto de você.
— Então, você vai me encontrar?
— Sim. Claro. Onde?
— Na casa segura de Montrag, em Connecticut. Se você o matou, você sabe o endereço.
Ehlena sentiu uma pontada de satisfação quando a linha ficou muda.
— Eu me esqueci de mencionar que meu pai e eu somos os parentes mais próximos? Nós herdamos tudo que ele tinha. Oh, eles tiveram que se livrar do tapete que você estragou. Por que você não o matou no hall, no mármore?
— Jesus... Cristo. Você não é uma enfermeirinha, não é?
— Não. Então, você vem ou não?
— Estarei aí em meia hora. E não se preocupe, você não vai ter uma hóspede. Symphaths não têm problemas com a luz do sol.
— A gente se vê, então.
Quando Ehlena desligou, uma energia percorreu suas veias e ela correu para se arrumar, juntando todos os livros, pastas e documentos e enchendo o agora inútil cofre.
Em seguida colocou a paisagem marinha de volta na parede, desligou o computador, avisou o doggen que estava esperando visitas, e...
O som da campainha reverberou pela casa e ela ficou feliz por ter conseguido chegar à porta primeiro. De alguma forma ela não acreditava que os empregados se sentiriam confortáveis na presença de Xhex. Abrindo os painéis, ela deu um passo atrás. Xhex estava exatamente como ela se lembrava, uma fêmea durona em couro preto e um cabelo curto como de um homem. Mas alguma coisa havia mudado desde que ela tinha visto a guarda de segurança pela última vez. Ela parecia mais magra, mais velha. Alguma coisa.
— Se importa em ir para o escritório? — Ehlena perguntou, esperando estar com ela atrás de portas fechadas antes que o mordomo e os empregados aparecessem.
— Você tem coragem, não? Considerando a última coisa que fiz naquela sala.
— Você teve chance de vir atrás de mim. Trez sabia onde eu estava morando antes de virmos para cá. Se você estivesse tão furiosa sobre eu e Rehv, você teria vindo atrás de mim. Vamos?
Quando Ehlena esticou o braço em direção à sala em questão, Xhex sorriu um pouco e se dirigiu para lá. Quando conseguiram privacidade, Ehlena disse:
— Quando disso tudo eu acertei?
Xhex olhou em volta, parando para olhar as pinturas, os livros nas prateleiras e um abajur feito de um vaso oriental.
— Você está certa. Ele matou o padrasto pelo que aquele bastardo fazia em casa.
— Era o que você queria dizer quando disse que ele se colocou em uma posição difícil para sua mãe e irmã?
— Parcialmente. Seu padrasto aterrorizava aquela família, especialmente Madalina. Imagine, ela achava que merecia, e além disso, era menos do que foi feito à ela pelo pai de Rehv. Fêmea de valor, ela era. Eu gostava dela, mesmo tendo me encontrado com ela uma ou duas vezes. Eu não era seu tipo de mulher, mas ela era gentil comigo.
— Rehvenge está na colônia. Ele forjou a própria morte?
Xhex parou na frente da paisagem marinha e olhou sobre o ombro.
— Ele não gostaria que conversássemos assim.
— Então, ele está vivo.
— Sim.
— Na colônia.
Xhex encolheu os ombros e continuou a andar com seus passos lentos, não fazendo nada para ocultar o poder nato de seu corpo.
— Se ele quisesse que você se envolvesse em tudo isso, ele teria feito tudo diferente.
— Você matou Montrag para evitar que a verdade aparecesse?
— Não.
— Por que você o matou então?
— Não é da sua conta.
— Resposta errada.
Quando a cabeça de Xhex se virou bruscamente, Ehlena endireitou os ombros.
— Considerando aquilo que você é, eu poderia ir até o rei agora e acabar com seu disfarce. Então, acho que você deve me dizer.
— Ameaçando um symphath? Cuidado, eu mordo.
O sorriso preguiçoso que acompanhou as palavras fez o coração de Ehlena se apertar de medo, lembrando-a que aquilo que a fitava do outro lado da sala não era nada do que ela estava acostumada a lidar, e não por causa do assunto symphath. Aqueles olhos cinza, frios e metálicos de Xhex já haviam olhado para muitos mortos – porque haviam sido mortos por ela.
Mas Ehlena não recuaria.
— Você não vai me ferir. — ela disse com convicção.
Xhex mostrou suas longas presas brancas, sibilando pela garganta:
— Não?
— Não… — Ehlena chacoalhou a cabeça, e a imagem do rosto de Rehvenge segurando seus Keds veio em sua mente. Sabendo o que ele havia feito para manter sua mãe e irmã seguras... A fez acreditar no que ela havia visto nele naquele momento — Ele teria lhe dito para não me tocar. Ele teria me protegido na sua saída. Por isso fez o que fez no ZeroSum.
Rehvenge não foi de todo bom. De jeito nenhum. Mas ela olhou em seus olhos, sentiu seu cheiro de vínculo e sentiu suas mãos gentis em seu corpo. E no ZeroSum, ela viu dor nele e ouviu tensão e desespero em sua voz. Enquanto antes tinha presumido que tudo aquilo era apenas encenação ou provocado pelo desapontamento porque o disfarce dele tinha havia sido descoberto, agora ela via tudo de forma diferente.
Ela o conhecia, droga. Mesmo depois de toda merda que ele deixou, mesmo depois das omissões, ela o conhecia. Ehlena ergueu o queixo e encarou a assassina treinada do outro lado do escritório.
— Eu quero saber tudo e você vai me contar.
Xhex falou direto por meia hora, e se surpreendeu com o quanto se sentiu bem. Surpresa também com o quanto ela aprovava a escolha de Rehv por uma fêmea. Durante o tempo todo que ela contava os horrores, Ehlena se sentava em um dos sofás de seda, calma e estável — mesmo com todas aquelas bombas.
— Então, a fêmea que veio à minha porta, — disse Ehlena — era a que o estava chantageando?
— Sim. É sua meia-irmã. Ela é casada com seu tio.
— Deus, quanto dinheiro ela tirou dele nos últimos vinte anos? Não é à toa que ele precisava manter o clube aberto.
— Ela não estava somente atrás de dinheiro. — Xhex olhou diretamente para o rosto de Ehlena. — Ela fez dele um prostituto.
O rosto de Ehlena perdeu a cor.
— O que você quer dizer com isso?
— O que você acha? — Xhex praguejou e começou a andar pela linda sala cheia de franjas pela centésima vez — Olhe, vinte e cinco anos atrás eu me encrenquei, e para me proteger, Rehv fez um acordo com a princesa. Todo mês ele ia para o norte e pagava dinheiro para ela... E fazia sexo com ela. Ele detestava e a desprezava. Além disso, ela o tornava doente, literalmente, ela o envenenava e ele fazia o que tinha de fazer, e era a razão dele precisar de um antídoto. Mas, você sabe... Mesmo que custasse muito para ele, ele continuou indo lá para que ela não estragasse nossos disfarces. Ele pagou pelos meus erros, mês após mês, ano após ano.
Ehlena balançou sua cabeça lentamente.
— Ótimo... Sua meio-irmã...
— Não ouse brigar com ele por isso. Existem poucos symphaths sobrando, então a reprodução entre parentes acontece muito, e mais do que isso, ele não teve escolha, porque eu o coloquei naquela posição. Se você pensa por um segundo que ele teria sido voluntário para aquela merda, você perdeu totalmente a cabeça.
Ehlena levantou uma mão em um gesto de calma.
— Eu entendo. É que... Eu sinto por vocês.
— Não desperdice esse sentimento comigo.
— Não me diga o que sentir.
Xhex teve que rir.
— Você sabe, sob outras circunstâncias, eu poderia gostar de você.
— Engraçado, eu sinto o mesmo.
A fêmea sorriu, mas de uma forma triste.
— A princesa o tem, então?
— Sim.
Xhex se virou no sofá, porque não mostraria o que seus olhos diziam.
— Foi a princesa que entregou seu disfarce, não Montrag.
— Mas Montrag iria fazer alguma coisa, não? Foi por isso que você o matou.
— Isso era somente parte do que ele ia fazer. O resto de seus planos não sou eu quem deve contar, mas vamos dizer que Rehv não era a maior parte de tudo.
Ehlena franziu a testa e se recostou nas almofadas. Ela havia mexido em seu rabo de cavalo, e as mechas que caíram ela tentou colocar de volta. Sentada no sofá de seda em frente ao abajur, ela parecia ter um halo em volta dela.
— Eu me questiono se o mundo precisa ser tão duro. — ela murmurou.
— Pela minha experiência, sim.
— Por que você não foi atrás dele? — ela perguntou baixinho — E isso não é uma crítica, sério, não é. É que não parece seu estilo.
A forma como a questão foi dita fez Xhex ficar menos defensiva.
— Ele me fez jurar que não iria. Até colocou no papel. Se eu voltar na minha palavra, dois dos seus melhores amigos vão morrer, porque eles virão atrás de mim.
Levantando os ombros de uma forma estranha, Xhex pegou a maldita carta do bolso de sua roupa de couro.
— Eu preciso manter isso comigo porque é a única forma de me segurar. Se não, eu estaria naquela maldita colônia esta manhã.
Os olhos de Ehlena se fixaram no envelope dobrado.
— Posso... Posso ver, por favor?
Sua delicada mão tremeu quando ela o alcançou.
— Por favor.
A rede emocional dela era uma bagunça emaranhada de aflição, medo e tristeza. Ela tinha passado por tamanha pressão nas últimas quatro semanas, e estava no seu limite, forçada ao extremo e mais... Mas na essência, no centro, no coração de si mesma... O amor queimava. O amor queimava profundamente. Xhex colocou a carta sobre a palma de Ehlena e a segurou por um breve momento. Com a voz engasgada, ela disse:
— Rehvenge... Tem sido meu herói por anos. Ele é um bom macho, apesar de seu lado symphath, e ele merece o sentimento que você tem por ele. Ele merece bem mais do que a vida lhe trouxe, e para ser honesta, eu não posso imaginar o que aquela fêmea está fazendo com ele nesse momento.
Quando Xhex soltou o envelope, Ehlena piscou rapidamente, como que tentando segurar as lágrimas.
Xhex não agüentaria olhar para a fêmea, então foi para perto da pintura à óleo que mostrava um lindo sol se pondo sobre um mar calmo. As cores escolhidas eram tão quentes e lindas, era como se a paisagem marinha realmente projetasse um calor ardente que se podia sentir sobre seu rosto e ombros.
— Ele merecia uma vida de verdade. — Xhex murmurou — Com uma shellan que o amasse e alguns filhos. E... Em vez disso sofreu abuso e tortura por...
Era o máximo onde podia chegar, sua garganta se fechava tanto que ela encontrou dificuldade em respirar. Na frente do sol brilhante, Xhex quase se despedaçou e chorou. A pressão interna de manter o passado, presente e futuro dentro de si aflorou em uma combustão tão forte que ela olhou para seus braços e mãos para ver se haviam se expandido.
Mas não, eles estavam como sempre.
Presos à sua pele como sempre.
Ouviu-se um som de papel e a carta voltou a seu envelope.
— Bem, há somente uma coisa a fazer. — Ehlena disse.
Xhex focalizou o sol ardente no centro da pintura e se forçou a se concentrar.
— E isso seria...
— Nós vamos lá, libertá-lo.
Xhex olhou sobre o ombro.
— Correndo o risco de parecer que estamos em um filme de ação... Não temos como enfrentar um bando de symphaths. Além disso, você leu a carta. Você sabe com o que eu concordei.
— Mas diz que você não pode ir por ele, não? Então... E se eu pedisse para você ir comigo? Seria por mim, certo? Se você é um symphath, você certamente deve gostar deste jogo de palavras.
O cérebro de Xhex se agitava sobre as implicações e ela sorriu levemente.
— Pensou rápido. Mas sem ofensa, você é uma civil. Eu vou precisar de um pouco mais de apoio do que você.
Ehlena levantou-se do sofá.
— Eu sei atirar e sou treinada como enfermeira de triagem, então eu posso lidar com ferimentos. Além disso, você precisa de mim para continuar com seu juramento.
Xhex era pela ação, mas se Ehlena morresse no processo de libertar Rehv, o resultado não seria bom.
— Ótimo, eu vou sozinha. — Ehlena disse, jogando a carta no sofá — Eu o encontrarei e eu...
— Espere aí, cabeça dura. — Xhex respirou fundo, pegou a carta de Rehv e se permitiu abrir para as possibilidades. E se houver um jeito de...
Vindo do nada, ela sentiu um propósito, e se sentiu motivada por algo além de dor. Sim, ela pensou. Ela podia ver como fazer isso funcionar.
— Eu sei quem devemos encontrar. — ela começou a sorrir — Eu sei como podemos fazer isso.
— Quem?
— Se você quer ir lá, estou dentro, mas faremos do meu jeito.
A enfermeira de Rehv olhou para baixo antes de nivelar seus olhos cor de caramelo no rosto de Xhex.
— Eu vou com você. É minha única condição. Eu. Vou.
Xhex assentiu devagar.
— Eu entendo. Mas o resto é comigo.
— Combinado.
Quando suas palmas se encontraram, o aperto de mão dela era forte e firme. O que, considerando tudo que contemplavam, iria bem se fosse como Ehlena seguraria uma arma.
— Nós vamos tirá-lo de lá.
Ehlena respirou.
— Que Deus nos ajude.


Capítulo 65


— Bom, este é o trato, George. Vê essas merdas? São problemas, autênticos problemas. Sei que fizemos isso algumas vezes, mas não nos tornemos presunçosos.
Quando Wrath tateou o primeiro degrau da escada da mansão com seu shitkicker, imaginou o lance atapetado de vermelho percorrendo todo o caminho para cima, entre o vestíbulo e o segundo piso.
— Quais são as boas notícias? Que você pode ver o que faz. As más notícias? Se eu cair, existe o risco de te levar comigo. Isso não é o que estamos procurando.
Acariciou distraidamente a cabeça do cão.
— Vamos?
Deu-lhe o sinal de avanço e começou a subir. George se pegou a ele, o leve movimento giratório do ombro do cão se transmitia através do cabo enquanto subiam. No topo, George se deteve.
— Escritório — disse Wrath.
Juntos, seguiram caminhando em linha reta. Quando o cão se deteve outra vez, Wrath se orientou pelo som dos rangidos da madeira na chaminé, e foi capaz de ir até seu escritório com o cão. Assim que se sentou em sua nova cadeira, George tomou assento também, justo a seu lado.
— Não posso acreditar que esteja fazendo isto — disse Vishous, da porta.
— Má sorte.
— Diga-me que nos quer contigo.
Wrath percorreu com sua mão o flanco de George. Deus, a pele do cão era muito suave.
— Em princípio, não.
— Está seguro? — Wrath permitiu que sua sobrancelha arqueada falasse por si mesma. — Sim, bem. Está bem. Mas estarei bem do outro lado da porta o tempo todo.
E V. não ia estar sozinho, sem dúvida. Todo mundo se surpreendera quando, no meio do jantar, chegou uma chamada telefônica para Bella: todas as pessoas que podiam tê-la chamado estavam naquela sala. Ela tinha respondido, e depois de um longo silêncio, Wrath tinha ouvido o som de uma cadeira sendo arrastada, e passos suaves que se aproximavam dele.
— É para você — Havia dito ela com voz trêmula. — É… Xhex.
Cinco minutos depois, tinha concordado em ver a segundo-comando de Rehvenge, e embora não se discutiu nada específico, não teria que ser um gênio para saber por que o tinha chamado à fêmea, e o que queria. Depois de tudo, Wrath não só era Rei, também era o guardião da Irmandade.
Que todos pensassem que Wrath estava louco ao ter concordado em vê-la? Mas isso era a vantagem de ser o soberano da raça: podia fazer o que quisesse.
No térreo, a porta do vestíbulo se abriu e a voz de Fritz repicou para cima, enquanto escoltava às duas convidadas ao interior da mansão. O velho mordomo não estava sozinho ao entrar com as fêmeas: Rhage e Butch o acompanharam quando tirou o Mercedes para ir recolhê-las.
Pela escada começaram a subir as vozes e muitos pés.
George se esticou, elevou as ancas e sua respiração mudou sutilmente.
— Está tudo bem, amigo — murmurou Wrath. — Estamos bem.
O cão se tranqüilizou imediatamente, o que fez com que Wrath dirigisse o olhar para o animal, apesar de não poder ver nada. Algo a respeito dessa confiança incondicional lhe resultava… muito agradável.
O golpe na porta fez com que voltasse a girar a cabeça.
— Entre.
Sua primeira impressão sobre Xhex e Ehlena, foi que emitiam uma implacável determinação. A segunda foi que Ehlena, que estava à direita, estava especialmente nervosa.
Guiando-se pelo leve roçar das roupas, figurou-se que estavam fazendo uma reverência ante ele, e o par de «Sua Alteza» que lhe chegou confirmou sua intuição.
— Sentem-se — disse. — E quero que todos os outros saiam da sala.
Nenhum de seus irmãos se atreveu a soltar uma queixa, porque o botão do protocolo tinha sido pulsado: ante estranhos, tratavam-no como a seu senhor soberano e seu Rei. O que significava que não podia haver nenhum debate nem insubordinações.
Talvez fossem necessárias mais visitas na fodida casa.
Quando as portas se fecharam, Wrath disse:
— Digam-me por que estão aqui.
Na pausa que seguiu, imaginou que as fêmeas estariam olhando-se uma à outra para decidir quem falava primeiro.
— Deixem que eu adivinhe — cortou ele. — Rehvenge está vivo, e querem tirá-lo da merda em que se meteu.


Quando Wrath, filho de Wrath, falou, Ehlena não se surpreendeu absolutamente que o Rei soubesse por que tinham vindo. Sentando ao outro lado de uma delicada e adorável escrivaninha, era exatamente igual a como o recordava, de quando quase a enrolou na clínica: cruel e inteligente ao mesmo tempo, um líder em plena forma mental e física.
Este era um macho que sabia como funcionava o mundo real. E estava habituado a ter o tipo de músculos que se necessitam para fazer o trabalho difícil.
— Sim, meu senhor — disse ela. — Isso é o que queremos.
Seus óculos negros se dirigiram para ela.
— Então, é a enfermeira da clínica de Havers. A que resultou ser parente de Montrag.
— Sim, sou.
— Importa-se se te perguntar como se envolveu nesta situação?
— É por um motivo pessoal.
— Ah — assentiu o Rei. — Entendo.
Xhex se fez ouvir com um tom de voz grave e respeitoso.
— Ele fez algo bom por você. Rehvenge fez algo muito bom por você.
— Não tem que me recordar isso. Essa é razão pela qual vocês duas estão sentadas aqui em minha casa.
Ehlena olhou Xhex, tentando ler no rosto da fêmea do que estavam falando. Não conseguiu nada. Não a surpreendeu.
— Aqui vai minha pergunta — disse Wrath. — Se o trouxermos de volta, como vamos sortear o correio eletrônico que nos chegou? Ele disse que não era nada, mas evidentemente mentiu. Alguém do norte ameaçou identificando seu filho, e se o resgatar… esse gatilho será puxado.
Xhex falou.
— Garantirei pessoalmente que o indivíduo que fez essa ameaça não poderá utilizar um portátil depois de que eu acabe com ele.
— Booooom.
Enquanto sorria e arrastava a palavra, o Rei se inclinou a um lado e pareceu estar acariciando… Ehlena se sobressaltou ao dar-se conta que havia um golden retriever sentado a seu lado, a cabeça do cão mal aparecia por cima da escrivaninha. Puxa. De certo modo era uma estranha escolha de raça, já que o acompanhante do Rei dava a impressão de ser amável e acessível, o que o rei não era… e, entretanto, Wrath era gentil com o animal, ao fazer baixar a palma da mão grande e larga lentamente pelo lombo.
— Esse é o único buraco que precisa ser tapado a respeito de sua identidade? — perguntou o Rei. — Se essa fuga for concretizada... Poderia haver mais alguém que ameace desmascará-lo?
— Montrag está morto e bem morto — murmurou Xhex. — E não me ocorre ninguém mais que pudesse estar informado. É obvio, o rei symphath poderia vir atrás dele, mas você pode detê-lo. Rehv também é um de seus súditos.
— Fodidamente correto, e aplaudamos todo esse assunto da "posse é nove décimos parte da lei". — Wrath voltou a sorrir brevemente. — Além disso, o líder dos symphaths não vai querer me encher o saco, porque se me zangar, poderia lhe tirar o pequeno lar feliz que tem no território de "me–congelam–as–bolas". Está submetido a minha prerrogativa, como estavam acostumados a dizer no Antigo País, o que quer dizer que governa só porque eu o permito.
— Então, vamos fazê-lo? — perguntou Xhex.
Fez-se um comprido silêncio, e enquanto esperavam a que o Rei falasse, Ehlena passeou a vista pela elegante habitação de estilo francês para evitar os olhos de Wrath. Não queria que soubesse quão ansiosa estava, e temia que seu rosto refletisse sua debilidade: aqui estava totalmente fora de seu elemento, sentada ante o líder da raça, apresentando um plano que implicava entrar até o coração de um lugar incrivelmente nefasto. Mas não podia arriscar-se a que duvidasse dela nem a que a excluísse, porque por mais nervosa que estivesse, não ia voltar atrás. Sentir medo não necessariamente implicava em que se separasse de seu objetivo. Demônios, se acreditasse nisso, seu pai estaria internado nesse momento, e ela bem poderia ter acabado como o tinha feito sua mãe.
Às vezes, fazer o correto lhe era aterrorizante, mas o coração a trouxera até aqui, a este lugar e iria levá-la a atravessar… o que quer que fosse que viesse a seguir, e o que se necessitasse para liberar Rehvenge.
Ehlena… está aí?
Sim, certo como o inferno que estava.
— Duas coisas — disse Wrath enquanto se girava e dava um pulo, como se tivesse uma ferida de guerra. — Ao rei de lá de cima… não vai gostar que nos metamos em seu jardim e levemos a um dos seus.
— Com todo o devido respeito — interrompeu Xhex —, o tio de Rehv pode se danar.
As sobrancelhas de Ehlena saltaram para cima. Rehvenge era o sobrinho do rei?
Wrath encolheu os ombros.
— De fato, estou de acordo, mas acontece que vai haver um conflito. Um conflito armado.
— Sou boa nisso — disse Xhex tranqüilamente, como se simplesmente estivessem falando a respeito de que filme que iriam assistir. — Muito boa.
Ehlena sentiu a necessidade de intervir na conversação.
— E eu também o sou. — Quando viu ombros do Rei se esticarem, tentou não falar tão vigorosamente, porque a última coisa que precisavam era que as jogassem por serem desrespeitosas. — Quero dizer, não poderia esperar outra coisa, e estou preparada.
— Está preparada? Não se ofenda, mas um parasita civil não é algo muito proveitoso se houver luta.
— Com todo o devido respeito — disse, repetindo as palavras do Xhex. — Eu vou.
— Inclusive isso significa que retiro a meus homens?
— Sim. — Houve uma longa inspiração, como se o Rei estivesse pensando em como rejeitá-la de forma educada. — Não o compreende, meu senhor. É meu…
— Seu o que?
Impulsivamente, para dar maior peso a sua postura, disse:
— Ele é meu hellren. — Com sua visão periférica, captou Xhex girando rapidamente a cabeça em sua direção, mas tinha se atirado à piscina e já não podia sair sem molhar-se. — Ele é meu companheiro e… se alimentou de mim faz um mês. Se o ocultaram, posso encontrá-lo. Além disso, se tiverem feito o que — OH, Jesus! — provavelmente lhe fizeram, vai necessitar atenção médica. E eu a darei.
O Rei brincou com as orelhas de seu cão, esfregando o polegar sobre a suave orelha marrom claro. Era evidente que ao animal gostava da sensação, pois se inclinava sobre a perna de seu amo, suspirando.
— Temos um médico de urgências — disse Wrath. — E um doutor.
— Mas não têm a shellan de Rehvenge, verdade?
— Irmãos — gritou Wrath abruptamente. — Tragam seus traseiros aqui.
Quando as portas do escritório se abriram, Ehlena olhou por cima de seu ombro, perguntando-se se tinha ido muito longe e estava a ponto de ser «escoltada» para fora da mansão. Com certeza, qualquer um dos dez enormes machos que entraram eram aptos para a tarefa. Tinha-os visto todos antes na clínica, menos ao de cabelo negro e loiro, e não lhe surpreendia absolutamente descobrir que estavam completamente armados.
Para seu alívio, não praticaram com ela uma ação ao estilo auto-serviço Cash&Carry, e se acomodaram por todo o delicado escritório azul, enchendo o lugar até as vigas. Pareceu-lhe um pouco estranho que Xhex não olhasse a nenhum deles, permanecendo centrada em Wrath… embora possivelmente tivesse sentido. Por mais duros que fossem os irmãos, o Rei era o único cuja opinião realmente importava.
Wrath olhou a seus guerreiros, seus óculos envolventes lhe protegiam os olhos, de forma que não havia maneira de dizer o que podia estar pensando.
O silêncio era terrível, e Ehlena sentia o coração soando em seus ouvidos.
Por fim, o Rei falou.
— Cavalheiros, estas encantadoras damas querem fazer uma viagem ao norte. Estou disposto a permitir que vão, e nos tragam Rehv de volta para casa, mas não vão sozinhas.
A resposta dos irmãos foi imediata.
— Estou dentro.
— Conte comigo.
— Quando vamos?
— Merda, já era hora.
— OH, merda, amanhã de noite haverá uma maratona de Beaches. Podemos ir depois das dez para que possa vê-la inteira uma vez?
Todas as pessoas que havia no escritório se giraram para o tipo de cabelo negro e loiro, que estava recostado contra a parede com os enormes braços cruzados sobre o peito.
— O que? — disse. — Olhe, não sou Mary Tyler Moore, ok? Assim não podem me foder.
Vishous, que usava uma luva negra na mão, lançou-lhe um olhar furioso através do escritório.
— É pior que Mary Tyler Moore. E te chamar idiota seria um insulto a todos os insensatos do fodido mundo inteiro.
— Está brincando? Bette Midler é maravilhosa. E adoro o oceano. Me obrigue.
Vishous olhou ao Rei.
— Disse-me que podia pegá-lo. Prometeu.
— Assim que voltarmos para casa — respondeu Wrath enquanto ficava de pé —, o penduraremos pelos sovacos no ginásio e poderá utilizá-lo como saco de boxe.
— Obrigado, Menino Jesus.
Loiro–e–Moreno sacudiu a cabeça.
— Juro que um dia destes simplesmente vou-me embora.
Como se fossem um, todos os irmãos apontaram para a porta e deixaram que o silêncio falasse por si mesmo.
— Meninos, vocês fedem.
— Ok, suficiente. — Wrath rodeou a escrivaninha e…
Ehlena se levantou bruscamente. A palma de sua mão estava empunhando o arnês que rodeava o peito do cão, e o rosto do Rei estava para frente, o queixo para o alto, assim não havia forma de que tivesse podido olhar ao chão.
Estava cego. E não no sentido de não ser capaz de ver muito claramente. Dada a forma em que estava agora, não podia ver absolutamente nada. Quando teria ocorrido?, perguntou-se assombrada. A última vez que o tinha visto parecia ter um pouco de visão.
No peito de Ehlena ondulou o respeito quando ela e todos outros levantaram a vista para ele.
— Isto vai ser complicado — disse Wrath. — Precisamos enviar suficientes guerreiros para nos cobrir e também para fazer a busca e o resgate, mas não queremos criar mais alvoroço de que seja absolutamente imprescindível. Quero duas equipes, das quais a segunda estará na retaguarda. Também vamos necessitar o apoio de veículos, se por acaso Rehvenge estiver incapacitado e tivermos que transportá-lo de volta…
— Do que estão falando? — perguntou uma voz feminina da porta.
Ehlena olhou por cima de seu ombro e reconheceu à pessoa: Bella, companheira do irmão Zsadist, que freqüentemente ajudava às pacientes de Lugar Seguro. A fêmea estava de pé entre as ombreiras esculpidas da porta com sua menina em seus braços, o rosto estava desprovido de cor e os olhos tinham uma expressão vazia.
— O que há com Rehvenge? — exigiu, elevando a voz. — O que aconteceu com meu irmão?
Enquanto Ehlena começava a unir os pontos, Zsadist se aproximou de sua shellan.
— Acredito que vocês dois têm que conversar — disse Wrath cuidadosamente. — Em particular.
Z. assentiu e escoltou sua companheira e sua filha para fora do escritório. Enquanto o casal percorria o corredor, ainda podia ouvir voz de Bella, e suas perguntas estavam salpicadas com um crescente pânico.
E logo se ouviu um "O que?!" que parecia indicar que tinham soltado uma bomba sobre a pobre fêmea.
Ehlena fixou o olhar no precioso tapete azul. Deus… sabia exatamente pelo que estava passando Bella nesse momento. As ondas de choque, a reformulação do que acreditava saber, o sentimento de traição.
Um difícil lugar para estar. Difícil sair dele, também.
Depois do som de uma porta ao fechar-se e o das vozes atenuando-se, Wrath passeou o olhar ao redor da habitação como se estivesse dando a todos a oportunidade de reformular sua decisão.
— O enfrentamento será amanhã a noite, porque agora não há suficiente luz diurna para levar um carro até ali em cima. — O Rei assinalou com a cabeça Ehlena e Xhex. — Até então, vocês duas permanecerão aqui.
Isso queria dizer que ela ia? Graças à Virgem Escriba. Quanto a ficar e passar o dia, teria que chamar a seu pai, mas dado que Lusie estava na casa, não lhe preocupava ter que ausentar-se.
— Para mim não é problema…
— Eu tenho que ir — disse Xhex, tensa. — Mas voltarei para as…
— Não é um convite. Você fica aqui para que eu saiba onde está e o que está fazendo. E caso se preocupem com as armas, temos muitíssimas… demônios, justo o mês passado tiramos um carregamento completo dos lessers. Quer fazer isto? Está sob nosso teto até o anoitecer.
Era totalmente óbvio que o Rei não confiasse em Xhex, dado o mandato e a forma em que lhe sorria com ferocidade.
— Assim, o que vais fazer, comedora de pecados? — perguntou cordialmente. — A minha maneira ou a rua?
— Está bem — replicou Xhex. — Como quiser.
— Sempre — murmurou Wrath. — Sempre.

Uma hora mais tarde, Xhex estava de pé com os braços estendidos diante dela e as botas separadas 45 centímetros. Em suas mãos, tinha uma SIG Sauer quarenta que fedia a talco de bebê, e estava no campo de tiro da Irmandade disparando rajadas a bonecos com forma de homem situados a dezoito metros de distância. Apesar do fedor, a arma era fantástica, com um gatilho suave e uma mira excelente.
Enquanto punha a arma à prova, podia sentir aos machos atrás dela, observando-a insistentemente. A seu favor, podia-se dizer que não era seu traseiro o que olhavam.
Não, os irmãos não estavam interessados em seu traseiro. Nenhum deles se sentia especialmente atraído por ela, embora, dadas suas expressões de reticente respeito enquanto recarregava a arma, estavam vendo sua boa pontaria como uma vantagem.
Na cabine de disparo ao lado, Ehlena demonstrava que não tinha mentido quanto a sua habilidade com uma arma. Tinha escolhido uma de carga automática com um pouco menos de potência de disparo, o que tinha sentido, já que não tinha a mesma força na parte superior do corpo que tinha Xhex. Sua pontaria era impressionante para uma amadora, o que era mais, dirigia a arma com a classe de serena confiança que sugeria que não dispararia em ninguém no joelho por engano.
Xhex tirou o protetor de ouvidos e se girou para a Irmandade, mantendo a arma para baixo, junto a sua coxa.
— Quero provar à outra, mas este par me servirá bem. E quero que me devolva minha faca.
Tinham-lhe tirado a arma antes que Ehlena e ela fossem conduzidas à mansão, no Mercedes negro.
— Você a terá — disse alguém —, quando a necessitar.
Contra sua vontade, seus olhos comprovaram rapidamente quem estava falando. O mesmo grupo de músculos. O que queria dizer que John Matthew não tinha sido lançado para dentro.
Dado o enorme tamanho que parecia ter o complexo da Irmandade, imaginava que podia estar em qualquer lugar, inclusive na cidade vizinha, pelo amor de Deus: quando terminou a reunião no estúdio do Rei, ele simplesmente tinha saído e não voltara a vê-lo.
Melhor assim. Neste momento, precisava estar concentrada no que se abatia sobre todos eles para amanhã de noite, não em sua fodida e inexistente vida amorosa. Felizmente, tudo parecia ir voltando para seu lugar. Tinha chamado iAm e Trez e lhes tinha deixado mensagens no correio de voz de que tomava um dia livre, e eles lhe tinham respondido que não havia problema. Sem dúvida, voltar a contatar com ela, mas tinha a esperança de que com o apoio dos irmãos, entraria e sairia da colônia antes que seus instintos de babá os afligissem.
Vinte minutos mais tarde, terminou de provar a outra SIG e não lhe surpreendeu absolutamente quando ambas as armas lhe foram confiscadas. A viagem de volta à mansão foi longa e tensa, e jogou uma olhada a Ehlena para ver que tal o levava a outra fêmea. Era difícil não aprovar a resolvida fortaleza que havia na expressão do rosto dessa enfermeira: a fêmea de Rehv ia recuperar seu macho, e nada ia interpor-se em seu caminho.
O que era grandioso… entretanto, essa determinação deixava Xhex nervosa. Estava disposta a apostar que Muhrder tinha tido essa mesma resolução nos olhos quando fora procurá-la na colônia.
E olhe o que lhe acontecera.
Por outro lado, fiel a seu caráter tinha ido em plano cavalheiro, sem reforços. Pelo menos ela e Ehlena tinham sido o suficientemente espertas para conseguir ajuda, e da verdadeiramente boa, e só podia rezar para que isso fizesse toda a diferença.
Quando chegaram na mansão, Xhex foi procurar um pouco de comida na cozinha e foi conduzida a uma habitação de convidados do primeiro piso, que estava ao final de um comprido corredor com estátuas.
Comida. Bebida. Ducha.
Deixou a luz do banheiro acesa porque estava em uma casa estranha, meteu-se na cama nua, e fechou os olhos.
Quando a porta se abriu meia hora mais tarde, sobressaltou-se, mas não se surpreendeu ante a grande sombra que se perfilava com a luz do corredor.
— Está bêbado — disse.
John Matthew entrou sem convite, e fechou a porta sem pedir permissão. Estava realmente bêbado, mas isso não era nenhuma novidade.
O fato de que estivesse excitado sexualmente tampouco era material para uma capa.
Quando deixou a garrafa que levava na cômoda, ela soube que suas mãos se dirigiam ao zíper de seu jeans, e havia aproximadamente cem mil razões pelas quais deveria lhe mandar acabar com essa merda, e que se separasse dela.
Em vez disso, Xhex afastou o edredom de seu corpo e colocou as mãos detrás da cabeça, os seios lhe formigaram pelo frio e por muito mais que isso.
Por cima de todas as justificações para não fazer o que iriam fazer, havia uma realidade que fazia cambalear os alicerces das decisões saudáveis: no final da noite seguinte, havia a possibilidade de que um, ou os dois, não voltassem para casa.
Inclusive com o apoio da Irmandade, ir à colônia era uma missão suicida… e estava disposta a apostar que nesse momento havia muitas pessoas tendo relações sexuais sob o teto da mansão. Às vezes, a pessoa tinha que saborear a vida justo antes de ir golpear à porta do Grim Reaper.
John tirou os jeans e a camiseta, e deixou a roupa no mesmo lugar onde caiu. Ao aproximar-se, seu corpo era magnífico sob a luz brilhante, com seu duro pênis disposto, e sua figura extremamente musculosa era tudo o que uma fêmea poderia desejar em sua cama.
Mas ela não se enfocou nisso quando ele subiu no colchão e a montou. Ela queria ver seus olhos.
Entretanto, não teve sorte. Seu rosto ficava na sombra, já que a luz do banheiro vinha diretamente desde por trás dele. Por um momento, ficou tentada a acender o abajur que havia perto deles, mas então se deu conta de que não queria ver a carga de insensível frieza que sem dúvida haveria em seu olhar.
Xhex estava segura de que com isto não ia conseguir o que procurava. E estava certa.
Não houve preliminares. Não houve jogos amorosos. Ela abriu as pernas, ele se introduziu, e seu corpo relaxou e o aceitou por causa da biologia. Enquanto a fodia, sua cabeça estava junto à dela no travesseiro, mas voltada para o outro lado.
Ela não gozou. Ele sim. Quatro vezes.
Quando ele se voltou para afastar-se de seu corpo e se colocou de costas, respirando pesadamente, ela tinha o coração completa e absolutamente quebrado: depois de deixá-lo em seu apartamento do porão a maldita coisa se quebrou, mas com cada pesada penetração perpetrada por ele agora, seu coração foi se estilhaçando mais e mais, ficando destruído.
Uns poucos minutos depois, John se levantou, colocou a roupa, agarrou a garrafa de licor e se foi.
Quando a porta se fechou com um estalo, Xhex se cobriu com o edredom.
Não fez nada para tentar controlar os tremores que sacudiam seu corpo, e tampouco se esforçou por deter o pranto. As lágrimas fluíram de seus olhos caindo pelas bordas, deslizavam-se para fora e caíam sobre suas têmporas. Algumas caíam em suas orelhas. Algumas lhe desciam pelo pescoço e eram absorvidas pelo travesseiro. Outras nublavam sua vista, como se não quisessem sair de casa.
Sentindo-se ridícula, fincou as mãos sobre a cara e as capturou o melhor que pôde, as enxugando no edredom.
Chorou durante horas.
Sozinha.

Capítulo 66


Na noite seguinte, Lash estava a quinze milhas ao sul de Caldwell quando ele desacelerou a Mercedes na via suja e desligou as luzes do sedã. Dirigindo lentamente pelo caminho, ele usou a lua que ascendia para se guiar, cortando por um desordenado campo de milho.
— Tirem suas armas. — ele disse. No banco do passageiro, Sr. D. pegou sua pistola, e atrás, o par de matadores prepararam as armas que receberam antes que Lash os tirasse da cidade. Noventa metros adiante, Lash pisou nos freios e girou o volante forrado de couro com sua mão enluvada. A coisa boa sobre uma Mercedes preta poderosa era que quando você saía dela, parecia um executivo, não um traficante assassino. Além do que, você poderia por seguranças no banco de trás.
— Vamos fazer isso. — com um soco sincronizado, eles abriram suas portas e saíram, enxergando terra e neve, e outra Mercedes poderosa. Castanha. Oh, meu Deus. Ótimo. E Lash não era o único a trazer armas e acessórios para a reunião.
Quando as portas da outra Mercedes se abriram, três caras com pistolas e um que parecia desarmado saíram. Apesar dos carros sugerirem civilidade, ou pelo menos a aparência disso, todos os homens dentro representavam o lado violento do comércio de drogas, que tinha tudo a ver com cálculos, contas fora do país e lavagem de dinheiro.
Lash se aproximou do homem que não estava armado com as duas mãos fora dos bolsos do seu casaco Joseph Abboud. À medida que foi chegando perto, ele vasculhou a mente do importador sul-americano, que, de acordo com o traficante que haviam torturado por diversão, tinha vendido muito produto para Rehvenge.
— Você queria me encontrar? — o homem perguntou com sotaque. Lash colocou sua mão no bolso frontal e sorriu.
— Você não é Ricardo Benloise. — ele olhou para a outra Mercedes — E eu não gosto que você e seu chefe brinquem comigo. Fale para aquele filho-da-puta sair do carro agora ou eu vou embora. O que quer dizer que ele não vai fazer negócio com o cara que limpou as docas em Caldwel e que vai operar o mercado com que o Reverendo lidava.
O humano pareceu confuso por um instante, então ele olhou para trás, para os três caras atrás dele. Após um momento, seus olhos finalmente se voltaram para a Mercedes castanha e ele sutilmente balançou a cabeça. Houve uma pausa, então a porta do passageiro se abriu e um homem menor e mais velho saiu. Ele estava impecavelmente vestido, com seu casaco preto perfeitamente ajustado em seus ombros estreitos, e seus sapatos de couro engraxados deixavam um caminho de pegadas na neve. Ele se aproximou com muita calma, como se estivesse mil por cento certo que seus homens pudessem lidar com o que quer que acontecesse.
— Você vai entender minha precaução. — Benloise disse com um sotaque que parecia parte francês e parte latino-americano — É um momento de ter cuidado.
Lash removeu a mão da jaqueta, deixando a arma onde estava.

Capítulo 50


Enquanto Ehlena fazia as compras no Supermercado Hannaford ao qual sempre ia porque ficava aberto vinte e quatro horas, deveria ter estado de melhor humor. As coisas com Rehv não podiam ter decorrido de um modo mais doce. Quando tinha chegado a hora de partir para sua reunião, havia tomado um banho rápido e lhe tinha permitido escolher suas roupas, inclusive a gravata. Logo a tinha rodeado com seus braços e tinham permanecido juntos, coração–com–coração.
Finalmente, acompanhou-o para fora, até o vestíbulo e esperaram juntos o elevador. Sua chegada foi anunciada com um repique e o deslizamento da porta dupla, e ele manteve as portas abertas enquanto a beijava uma vez, duas vezes. E uma terceira. Ao final se afastou e enquanto as portas gêmeas se fechavam, segurou seu telefone no alto, assinalou-o com o dedo e logo assinalou a ela.
O fato de que ia telefonar para ela fez com que a despedida fosse muito mais fácil. E adorava a idéia de ter escolhido para ele o traje negro, a camisa branca engomada e a gravata vermelho sangue que estava vestindo.
Assim, sim, deveria estar mais que contente. Especialmente devido ao seu apuro financeiro ter sido minimizado com o empréstimo do «Primeiro Banco e Companhia Fiduciária Rehvenge».
Mas Ehlena estava endemoniadamente nervosa.
Deteve-se no corredor dos sucos, em frente a uma ordenada fileira de Ocean Spray Aram tudo–o–que–você–possa–querer em sucos, e olhou por cima de seu ombro. A sua esquerda havia mais sucos e à sua direita barras de granolas dispostas ordenadamente e biscoitinhos. Mais à frente, estavam as caixas, a maioria das quais estavam fechadas e depois disso, as janelas de vidros escuros da loja.
Alguém a estava seguindo.
Desde que tinha retornado ao apartamento de cobertura de Rehv para vestir-se, fechar o lugar e desmaterializar-se do terraço.
Quatro garrafas de suco CranRas foram parar no carrinho, logo se dirigiu ao corredor dos cereais e depois cruzou até as toalhas de papel e o papel higiênico. Na seção de carnes, escolheu um frango pronto que parecia embalsamado em vez de assado, mas a essa altura, as únicas coisas que precisava eram algumas das proteínas que lhe faltavam para esquentar a si mesma. Logo foi procurar um bife para seu pai. Leite. Manteiga. Ovos.
A única desvantagem de sair depois de meia-noite era que todas as U–Scans[96] estavam fechadas, assim teve que esperar detrás de um homem que tinha o carro cheio de comidas congeladas Hungry–Man. Enquanto a caixa passava os bifes Salisbury pelo scaner, Ehlena olhava fixamente através do vidro dianteiro da loja perguntando-se se estaria tornando-se louca.
—Sabe como cozinhar estes? —perguntou o homem enquanto segurava no alto uma das caixas magras.
Evidentemente, tinha interpretado mal a ansiedade que lhe provocava sua obsessão pensando que tinha algo a ver com ele e estava procurando a alguém que esquentasse sua carne, literalmente. Os olhos do humano ardiam e vagavam por seu corpo, e em tudo o que ela podia pensar era no que Rehvenge poderia fazer ao homem.
Isso a fez sorrir.
—Leia a caixa.
—Você poderia ler pra mim.
Manteve o mesmo volume de voz e adotou um tom aborrecido.
—Sinto muito, acredito que a meu noivo não gostaria.
O humano pareceu um pouco abatido ao encolher-se de ombros e entregar seu jantar congelado à garota que estava detrás da caixa registradora.
Dez minutos depois, Ehlena fazia rodar seu carrinho, atravessava as portas mecânicas e um frio desagradável e acidentado lhe dava as boas vindas, obrigando-a a agasalhar-se na parka. Felizmente, o táxi que tinha tomado para ir à loja estava justo onde se supunha que devia estar, e isso a aliviou.
—Precisa de ajuda? —perguntou o taxista através da janela que acabara de baixar.
—Não, obrigado. —Enquanto colocava as bolsas de plástico no assento traseiro, jogou uma olhada ao seu redor, perguntando-se que demônios faria o condutor se um lesser saltasse de detrás de uma caminhonete e jogasse o Bad Santa[97] com seus traseiros.
Depois de entrar e sentar-se junto a sua compra, o condutor acelerou e Ehlena examinou o beiral da loja e a meia dúzia de carros que estavam estacionados bem perto da entrada. O senhor Hungry–Man estava perdendo tempo com a luz interna de sua caminhonete acesa e iluminando seu rosto enquanto acendia um cigarro.
Nada. Ninguém.
Obrigou-se a recostar-se contra o assento e decidiu que estava louca. Ninguém estava espiando-a. Ninguém estava perseguindo-a…
Ehlena levou a mão à garganta, quando um súbito temor a afligiu. Oh, Deus… E se sofria com a mesma enfermidade que seu pai? E se esta paranóia fosse um de seus primeiros sintomas? E se…?
—Está bem aí atrás? —perguntou o condutor enquanto a olhava pelo espelho retrovisor—. Parece que está tremendo.
—É só porque estou com frio.
—Bem, deixe que lhe mande um pouco de ar quente.
Quando uma rajada quente soprou em seu rosto, ficou a olhar pela janela. Nenhum carro à vista. E os lessers não podiam desmaterializar-se, assim… Era esquizofrênica?
Cristo, quase preferia que se tratasse de um assassino.
Ehlena fez que o condutor a deixasse o mais perto possível da parte traseira da casa alugada e lhe deu um pouco mais de gorjeta por ter sido tão amável.
—Esperarei até que entre —disse o moço.
—Obrigado. —E foda, realmente se sentia agradecida.
Com duas bolsas de plástico pendurada em cada uma de suas mãos, caminhou rapidamente para a porta e teve que abaixar sua carga, porque como uma idiota que tinha estado tão ocupada envenenando-se, não tinha tirado as chaves. Justo quando colocava a mão na bolsa para começar a rotina de remexer–e–amaldiçoar, o táxi arrancou.
Levantou a vista a tempo para ver as luzes da traseira dobrar na esquina. Que demon…?
—Olá.
Ehlena ficou gelada. A presença estava justo detrás dela. E sabia perfeitamente bem quem era.
Quando girou bruscamente, viu uma fêmea alta com cabelo negro, muitas túnicas e olhos brilhantes. Ah, sim… Esta devia ser a outra…
—…metade de Rehvenge —a fêmea terminou a frase— Sou sua outra metade. E sinto que o condutor de seu táxi tenha tido que ir tão rápido.
Instintivamente Ehlena cobriu seus pensamentos com uma imagem de um exibidor de Hannaford: um pôster de um metro e meio de altura por noventa centímetros de largura de latas vermelhas de batatas Pringles.
A fêmea franziu o cenho como se não tivesse idéia do que era o que estava vendo na casca cerebral que estava tratando de invadir, mas logo sorriu.
—Não tem nada a temer de mim. Só pensei que poderia compartilhar algumas coisas com você, referentes ao macho que acaba de foder em seu apartamento de cobertura.
E isso jogava por terra a utilização de aperitivos como fachada para cobrir seus pensamentos; não era suficiente. Para manter a calma, Ehlena necessitava de todo seu treinamento profissional. Esta situação era como um caso de emergências, disse a si mesma. O corpo de um vampiro ensangüentado acabava de passar junto a ela em uma maca, e tinha que deixar de lado todos seus temores e todas suas emoções para lutar com a situação.
—Escutou o que disse? —perguntou a fêmea arrastando as palavras. Ehlena nunca antes tinha ouvido essa forma de falar, onde os “s” se estendiam até formar vaias— Observei você através do vidro, justo até o momento em que ele se retirou antes de culminar. Quer saber por que fez isso?
Ehlena manteve a boca fechada e começou a perguntar-se como poderia chegar até o spray de pimenta que tinha no moedeiro. Embora, de certa forma não acreditava que isso fosse surtir algum efeito…
Santa merda, eram… escorpiões vivos o que tinha nos lóbulos?
—Ele não é como você. —A fêmea sorriu com maligna satisfação—. E não só porque é um senhor da droga. Tampouco é um vampiro. —Quando Ehlena crispou as sobrancelhas, a fêmea riu—. Não sabia nenhuma das duas coisas?
Evidentemente nem seus Pringles nem todo seu treinamento estavam conseguindo fazer um bom trabalho.
—Não acredito em você.
—ZeroSum. No centro. É o dono. Conhece o lugar? Provavelmente não, já que não parece do tipo que socorre ali… e sem dúvida essa é a razão pela qual gosta de fodê-la. Deixe que te conte o que vende. Mulheres humanas. Drogas de todo tipo. E sabe por quê? Porque é como eu e não como você. —A fêmea se aproximou, e seus olhos brilharam intensamente— E sabe o que sou eu?
Uma flamejante cadela, pensou Ehlena.
—Sou uma symphath, pequenina. Isso é o que ele e eu somos. E ele é meu.
Ehlena começou a perguntar-se se morreria essa noite, ali na entrada dos fundos com quatro bolsas de comestíveis a seus pés. Embora não seria por causa de que esta fêmea mentirosa fosse verdadeiramente uma symphath… seria devido a que qualquer um que estivesse o suficientemente louco para sugerir semelhante coisa, indubitavelmente também seria capaz de matar.
A fêmea continuou com sua voz estridente.
—Quer conhecê-lo realmente? Vá a esse clube e o procure ali. Faça com que ele te diga a verdade e inteira-se do que deixou entrar em seu corpo, pequenina. E recorda isto, ele é inteiramente meu, sexualmente, emocionalmente, tudo o que ele é, é meu.
Com um dedo de três nódulos acariciou a bochecha de Ehlena, e logo assim, sem mais, a fêmea desapareceu.
Ehlena ficou tremendo de tal forma que durante um momento ficou como uma pedra, o tremor era tão profundo dentro de seus músculos que a imobilizou. O que a salvou foi o frio. Quando uma rajada gelada circulou pela calçada, empurrou-a para frente, mas conseguiu sustentar-se antes de tropeçar com seus comestíveis.
A chave da casa, quando finalmente a encontrou, não entrou na fechadura melhor do que o tinha feito a que tinha tentado usar naquela ambulância. Saltou… saltou… saltou...
Ao fim.
Girou a chave e abriu a fechadura, e virtualmente atirou as bolsas no interior da casa antes de fechar a porta de um golpe e trancar tudo conscienciosamente, incluindo os ferrolhos internos e a cadeia de segurança.
Avançou com suas pernas frouxas e se sentou à mesa da cozinha. Quando seu pai elevou a voz inquirindo pelo motivo de tanto ruído, disse-lhe que era o vento e rezou para que não subisse para vê-la.
No silêncio que sobreveio, Ehlena não sentiu nenhuma presença na parte exterior da casa, mas a noção de que alguém assim soubesse a relação que ela tinha com Rehv e sua direção… OH, Deus, essa fêmea demente os tinha estado observando.
Levantando-se abruptamente, apressou-se a ir para a pia da cozinha e fez correr a água se por acaso fosse o caso de que lhe dessem náuseas. Esperando que seu estômago se assentasse, uniu as palmas, capturou um pouco de água nelas, e bebeu alguns goles antes de lavar o rosto.
O beber e enxaguar o rosto esclareceu um pouco sua mente.
As denúncias que aquela fêmea tinha feito eram absoluta e extravagantemente descabidas, muito longe do reino da realidade… e a julgar pelo brilho de seus olhos, era evidente que tinha interesses criados.
Rehv não era nenhuma dessas coisas. Senhor da droga. Symphath. Alcoviteira. Vamos!
Estava muito claro que não podia acreditar em nada do que disse a ex-namorada de seu macho, que, além disso, era do tipo perseguidora, nem sequer sabia qual era sua cor favorita. Especialmente quando Rehv tinha deixado claro desde o começo quando não estavam juntos e nem tinham intimidade, que a garota era problemática. E com razão não tinha querido falar disso. Ninguém quereria admitir ante a pessoa com a qual estava começando uma relação, que em sua vida havia uma perseguidora de seu passado do tipo psicopata «ferve–coelhinhos»–e–eu–não–vou ser–ignorada–Dan[98].
O que devia fazer agora? Bom isso era óbvio. Ela contaria a Rehv. Não de uma forma em que evidenciasse estar em pânico de que o drama continuasse, mas sim como: Escuta aconteceu isto, e realmente deveria saber que essa pessoa é muito instável.
Ehlena ficou satisfeita com esse plano.
Até que tentou tirar o telefone de sua bolsa e se deu conta que ainda estava tremendo. A resposta de sua mente podia ser lógica, suas deduções podiam ser perfeitamente racionais, mas sua adrenalina disparou enlouquecida, e não estava em nada interessada em todo o bom senso que estava tratando de repartir-se a si mesma.
Onde estava? Ah… sim. Rehvenge. Ligar para Rehvenge.
Enquanto marcava seu número, começou a relaxar um pouco. iAm solucionar isso.
Sentiu-se momentaneamente surpreendida quando escutou seu correio de voz, mas logo recordou que tinha uma reunião para assistir. Esteve a ponto de desligar, mas não gostava de andar pelos ramos, e não havia razão para esperar.
—Olá Rehv, acabo de ter uma visita daquela… fêmea. Disse muitos disparates a seu respeito. Eu só… bom, pensei que deveria saber. Para ser honesta, é horripilante. De todos os modos, talvez possa me ligar para falar disso? Realmente te agradeceria isso. Adeus.
Cortou a comunicação e ficou olhando o telefone, rezando para que lhe devolvesse a chamada logo.


Wrath tinha feito uma promessa a Beth e a manteve. Apesar de que estava lhe matando.
Quando ele e seus Irmãos finalmente saíram de Sal, foi direto para casa, junto com seus novecentos quilos de guarda pessoal. Estava nervoso e com fome de murros, aborrecido e zangado, mas havia dito a sua shellan que não sairia ao campo de batalha depois do pequeno episódio da cegueira, e não o faria.
A confiança era algo que tinha que construir e considerando o buraco que tinha aberto a marteladas nos alicerces de sua relação, ia levar muito trabalho voltar a sentar as bases.
Além disso, se não podia brigar, havia algo que sim podia fazer para aplacar os nervos.
Quando a Irmandade entrou no vestíbulo, o som de suas botas reverberou, e Beth saiu disparada da sala de bilhar como se tivesse estado esperando justamente isso. Com um salto, estava em seus braços antes que ele pudesse sequer piscar, e se sentia bem.
Depois de um rápido abraço, afastou-se e se manteve a distância de um braço para poder examiná-lo.
—Está bem? O que aconteceu? Quem foi? Como…?
Os Irmãos começaram a falar todos ao mesmo tempo, embora não a respeito da reunião que não tinha tido lugar. Todos estavam falando do território de caça que ocupariam durante as três horas que restavam para andar pelas ruas.
—Vamos ao estúdio —disse Wrath por cima do barulho— Não posso ouvir nem meus próprios pensamentos.
Enquanto ele e Beth subiam as escadas, gritou a seus irmãos:
—Obrigado por cobrirem minhas costas mais uma vez.
O grupo se deteve e se voltou para enfrentá-lo. Depois de um instante de silêncio, formaram um semicírculo ao pé da escada, e todos formaram um punho com a mão que empunhava a arma. Com um grande whoomp! como grito de guerra, agacharam-se apoiando-se sobre seu joelho direito e golpearam o chão de mosaico com seus duros nódulos. O som como o de um trovão, tambores e a explosão de uma bomba, ricocheteou e se expandiu, enchendo todos os cômodos da mansão.
Wrath olhou para eles, vendo as cabeças inclinadas, as amplas costas dobradas e os poderosos braços cravados. Todos tinham ido a essa reunião preparados para receber uma bala em seu nome, e isso sempre seria assim.
Por trás da figura menor de Tohr, estava Lassiter, o anjo caído, com sua espinha dorsal erguida, mas sem fazer brincadeiras ante esta reafirmação de fidelidade. Em vez disso, estava olhando fixamente o maldito teto outra vez. Wrath olhou para cima, ao mural com silhuetas de guerreiros que se destacavam sobre um céu azul e não pôde distinguir muito as imagens que haviam dito que havia ali.
Voltando para o seu, disse na Antiga Língua:
—Um Rei não poderia pedir mais fortes aliados, nem maiores amigos, nem melhores e mais honoráveis guerreiros que estes que se reuniram a mim, meus irmãos, meu sangue.
Um ondulante grunhido de assentimento se elevou quando os guerreiros ficaram de pé novamente e Wrath saudou com a cabeça a cada um deles. Não tinha palavras para oferecer já que sua garganta se fechou de improviso, mas não pareceram precisar de nada mais. Olharam-no fixamente com respeito, reconhecimento e determinação, e ele aceitou sua enorme oferenda com solene apreciação e firmeza. Este era um pacto antiqüíssimo entre o soberano e seus súditos, um compromisso de ambas as partes que se fazia do fundo do coração e que se levava a cabo com uma mente aguda e um corpo forte.
—Deus, amo vocês meninos —disse Beth.
Houve muitas risadas profundas e logo Hollywood disse:
—Quer que voltemos a apunhalar o chão para você? Os punhos são para os Reis, mas às Rainhas tocam as adagas.
—Não quero que tirem lascas deste bonito chão. Mas obrigada de todos os modos.
—Só tem que dizê-lo e o convertemos em entulhos.
Beth riu.
—Se acalme, coração mío[99].
Os Irmãos se aproximaram e beijaram o Rubi Taciturno que levava no dedo, e quando cada um se inclinava a lhe fazer as honras, acariciava-lhe gentilmente o cabelo. Salvo Zsadist, que lhe sorriu com ternura.
—Nos desculpem, meninos —disse Wrath — Precisamos de um momento de tranqüilidade, me entendem?
Houve uma quebra de onda de aprovação machista, que Beth aceitou com calma e um rubor e logo chegou a hora de ter um pouco de privacidade.
Quando Wrath começou a subir as escadas com sua shellan sentia como se as coisas estivessem voltando para a normalidade. Bem, sim, havia complôs de assassinato, dramas políticos e lessers por todos os lados, mas isso formava parte de seu trabalho habitual. E nesse momento tinha a seus irmãos unidos, a sua amada companheira em seus braços e às pessoas e aos doggens pelos quais sentia algo tão a salvo como era possível.
Beth apoiou a cabeça em seus peitorais e a mão em sua cintura.
—Realmente estou contente de que todo mundo esteja bem.
—Que gracioso, estava pensando exatamente o mesmo.
Guiou-a até o estúdio e fechou ambas as portas, a calidez do fogo era um bálsamo… e uma incitação. Quando ela caminhou para o escritório abarrotado de papéis, ele seguiu com o olhar o balanço de seus quadris.
Com um giro de pulso os encerrou dentro.
Enquanto se aproximava, Beth estendeu a mão para tratar de ordenar um pouco os documentos.
—Então que ocur…?
Wrath pressionou os quadris contra seu traseiro e sussurrou:
—Preciso estar dentro de você.
Sua shellan ofegou e deixou cair a cabeça para trás sobre seu ombro.
—OH, Deus… sim…
Grunhindo deslizou uma mão ao redor de seu torso para seu peito, e quando ela conteve o fôlego, ele apoiou e fez roçar seu pênis contra ela.
—Não quero fazê-lo devagar.
—Eu tampouco.
—Incline-se sobre a escrivaninha.
Observar como se inclinava e arqueava as costas quase lhe arranca uma maldição e quando separou os pés escapou dele um fodeeeeeeer.
Que era exatamente o que ia fazer.
Wrath apagou o abajur do escritório para que só ficassem iluminados pela luz oscilante e dourada do fogo, e percorreu seus quadris com mãos que estavam rudes pela expectativa. Agachando-se detrás dela, percorreu-lhe a coluna vertebral com as presas e fez com que apoiasse todo seu peso em um só pé para poder tirar seu sapato de salto alto e a perna de suas calças Seven. Entretanto estava muito impaciente para fazer o mesmo do outro lado… especialmente quando olhou para cima e viu as deliciosas calcinhas negras.
Bem. Mudança de planos.
A penetração ia ter que esperar.
Ao menos a que faria com seu pênis.
Permanecendo agachado, tirou as armas com cuidado e rapidez, e se assegurou de que as pistolas estivessem travadas e que as adagas estavam em suas capas. Se a porta não estivesse fechada com chave, as teria guardado no armário das armas que tinha uma fechadura de segurança, sem importar quão excitado estivesse com sua shellan. Com Nalla nos arredores, ninguém corria o risco de que a filha de Z e Bella encontrasse algum tipo de arma. Jamais.
Quando ficou desarmado, tirou os óculos envolventes e os jogou sobre a escrivaninha, logo deslizou as mãos para cima pela parte traseira das coxas suaves de sua companheira. Separando-lhe amplamente, arqueou-se para cima e se colocou entre suas pernas, levantando a boca por volta do algodão que cobria o centro que penetraria muito em breve.
Pressionou a boca contra ela, sentindo o calor através do que tinha vestido, seu aroma o enlouquecia, seu membro golpeava com tanta força o interior de suas calças de couro, que não podia estar seguro de se acabava de ter um orgasmo ou não. Acariciá-la e lambê-la através das calcinhas não era suficiente… então tomou o algodão entre seus dentes e o esfregou contra seu sexo, sabendo condenadamente bem que a costura lateral estava massageando o local exato que ele morria por sugar.
Quando ela voltou a pôr as palmas contra a escrivaninha, se ouviu um thump–thump assim como também o ranger de papéis que voavam para o chão.
—Wrath…
—O que? —murmurou contra ela, acariciando-a com o nariz—.Você não gosta?
—Cale-se e volte para a ação…
Silenciou-a ao deslizar a língua por debaixo das calcinhas… e também se obrigou a ir mais devagar. Estava tão escorregadia, molhada, suave e desejosa, que apenas se pôde evitar atirá-la sobre o tapete para penetrá-la profunda e sem piedade.
E então ambos perderiam as bondades da expectativa.
Afastando a um lado a parte de algodão com a mão, beijou a pele rosada, logo afundou nela, encontrando que estava bem preparada para ele, e sabia pelo mel que estava engolindo ao arrastar a língua para cima em uma longa e lenta carícia.
Mas não era suficiente, e ter que segurar as calcinhas para um lado o distraía.
Com suas presas, furou-as, logo as rasgou exatamente pela metade, deixando que as duas metades ficassem pendurando de seus quadris. Subiu as palmas das mãos até seu traseiro e apertou com força deixando de brincar e começando a acariciar seriamente a sua fêmea com a boca. Sabia o que mais gostava, sabia exatamente como devia chupá-la, lambê-la e penetrá-la com a língua.
Fechando os olhos, captou tudo, o aroma, o sabor, e a sensação que ela produzia ao tremer contra ele quando chegava ao clímax e se desintegrava. Por trás da braguilha de suas calças de couro, seu pênis estava demandando atenção a gritos, o roce dos botões não era absolutamente suficiente para satisfazer o que estava exigindo, mas à merda com ela. Sua ereção ia ter que esperar um pouco, porque isto era muito bom para deter-se tão logo.
Quando os joelhos de Beth vacilaram, baixou-a ao chão e estendeu uma de suas pernas para cima, mantendo o ritmo enquanto empurrava seu pulôver de lã até o pescoço e colocava a mão debaixo do sutiã. Quando teve outro orgasmo, ela se agarrou nas pernas da escrivaninha, e puxou com força, firmando seu pé livre sobre o tapete. O empenho que ele colocava em suas carícias colocava a ambos cada vez mais debaixo do lugar onde levava a cabo seus deveres reais até que se viu obrigado a esconder-se para poder passar os ombros.
Finalmente a cabeça dela saiu pelo outro lado e terminou agarrando-se e arrastando a cadeira de bicha em que ele se sentava.
Quando voltou a gritar seu nome, ele subiu por seu corpo e olhou com fúria a estúpida cadeira afeminada.
—Preciso de algo mais sério sobre o qual me sentar.
Foi a última coisa coerente que disse. Seu corpo encontrou a entrada do dela com uma facilidade que evidenciava toda a prática que tinham tido… OH, sim, seguia sendo tão bom como na primeira vez. Envolvendo-a com seus braços, montou-a com dureza, e a acompanhou até que a tormenta que percorria seu corpo, concentrou-se em seus testículos fazendo-os arder. Juntos, ele e sua shellan se moviam em uníssono, dando, recebendo e acelerando o ritmo mais e mais até que ele gozou e continuou movendo-se, até que voltou a gozar e continuou movendo-se até que algo golpeou seu rosto.
Ao encontrar-se em um estado completamente animal, desferiu-lhe um golpe com suas presas.
Eram as cortinas.
Enquanto a fodia, as tinha arrumado para abrir caminho de debaixo da escrivaninha, passando junto à cadeira até chegar à parede.
Beth estalou em gargalhadas e ele também, e logo abraçaram um ao outro. Deixando-se cair de lado, Wrath sustentou a sua companheira contra seu peito, e ajeitou bem seu pulôver de pescoço para que não tivesse frio.
—Então, o que ocorreu na reunião? —perguntou ela finalmente.
—Nenhum integrante do Conselho se apresentou. —Duvidou, perguntando-se onde riscar a linha com respeito a Rehv.
—Nem sequer Rehv?
—Ele estava ali, mas os outros não apareceram. É evidente que o Conselho tem medo de mim, o que não está mau. —Abruptamente, tomou as mãos—. Escuta, ah, Beth…
Em sua resposta se filtrava a tensão.
—Sim?
—Quer que seja honesto, verdade?
—Verdade.
—Sim, aconteceu algo. É referente a Rehvenge… a sua vida… mas não me sinto a vontade te contando os detalhes porque é assunto dele. Não meu.
Ela exalou.
—Se não incluir você nem à Irmandade…
—O faz somente porque nos põe em uma situação difícil. —E Beth estaria na mesma posição incômoda se tivesse toda a informação. O assunto era, que proteger a identidade de um conhecido symphath, era só a metade do problema. A última vez que o tinha comprovado, Bella não tinha nem idéia do que era seu irmão. Assim Beth também teria que ocultar o segredo a sua amiga.
Sua shellan franziu o cenho.
—Se perguntar como exatamente apresentaria um problema para vocês, vou saber do que se trata, não é?
Wrath assentiu e esperou.
Ela acariciou sua mandíbula.
—E me diria isso, certo?
—Sim. —Não gostaria, mas o faria. Sem duvidar.
—Ok… não vou perguntar. —elevou-se para beijá-lo— E me alegra que tenha me dado a opção.
—Vê, pode me treinar. —Segurou-lhe o rosto e pressionou sua boca contra a dela algumas vezes, sentindo o sorriso que elevava seus lábios pela forma como a percepção da carícia mudou.
—Falando de treinamento, você gostaria de comer alguma coisa? —perguntou-lhe.
—Oh, como te amo.
—Irei buscar.
—Acredito que será melhor que se limpe primeiro. —tirou a camiseta negra e cuidadosamente a subiu pela parte interna de suas coxas para seu centro.
—Está fazendo algo mais que me limpar —disse ela arrastando as palavras enquanto permitia que as mãos dele a esfregassem entre as coxas.
Ele se impulsionou para cima, fazendo um movimento para montá-la outra vez.
—Pode me culpar? Mmmm…
Ela riu e o deteve.
—Comida. Depois mais sexo.
Ele mordiscou sua boca pensando que ela dava um valor excessivo à comida. Mas nesse momento o estômago de sua shellan rugiu, e imediatamente sua única preocupação consistiu em alimentá-la, seu instinto de protegê-la e prover para ela superavam ao sexual.
Pondo a ampla palma sobre seu abdômen chato, disse-lhe:
—Deixa que vá te buscar…
—Não, eu quero servir a você. —Voltou a lhe tocar o rosto— Fique aqui. Não demorarei muito.
Quando ela ficou de pé, ele rodou sobre suas costas e colocou sua bem empregada, mas ainda muito rígida ereção dentro das calças de couro.
Beth se agachou para levantar seu jeans, lhe oferecendo um impressionante panorama que fez com que se perguntasse se seria capaz de esperar cinco minutos antes de voltar a penetrá-la.
—Sabe o que quero? —murmurou enquanto colocava os Seven em seu lugar.
—Como acaba de fazer amor com seu hellren, tem vontade de praticar um pouco mais do velho e querido empurra–e–roça?
Deus, amava fazê-la rir.
—Bom, sim —disse— Mas quanto a comida… quero guisado caseiro.
—Já está preparado? —Por favor, que pareça…
—Há sobras de carne de… Olhe a expressão de seu rosto!
—Prefiro tê-la menos na cozinha e mais em cima de mim… —Bom, definitivamente, não ia terminar essa oração.
Entretanto, ela não pareceu ter problemas para encher os espaços em branco.
—Hmm, me apressarei.
—Faça isso, leelan, e te darei uma sobremesa que fará sua cabeça girar.
Enquanto ela cruzava a habitação lhe mostrou um incrível balanço de quadris, uma dancinha sensual que o deixou grunhindo, deteve-se na porta e o olhou, ficando iluminada pela luz mais brilhante que provinha do corredor.
E incrivelmente, sua imprecisa visão lhe deu o mais delicioso presente de despedida: com o brilho pôde ver seu cabelo comprido e escuro caindo sobre seus ombros, seu rosto ruborizado e seu corpo alto e cheio de curvas.
—É muito bonita —disse em voz baixa.
Beth definitivamente resplandeceu, o aroma da alegria e a felicidade se intensificou até que tudo o que pôde cheirar foi a fragrância das rosas de floração noturna que era o perfume natural dela.
Beth levou a ponta dos dedos aos lábios com os quais ele se extasiou e lhe soprou um lento e suave beijo.
—Voltarei em seguida.
—E a verei então. —Embora considerando quão excitado estava, era provável que ambos passassem um pouco mais de tempo–sob–a–escrivaninha.
Depois que ela se foi, permaneceu deitado um momento mais, e seus agudos ouvidos ouviram como descia pela escada principal. Logo se obrigou a levantar-se, e pôs a cadeira afeminada em seu lugar, e se sentou atrás da escrivaninha. Estendeu a mão e tomou seus óculos envolventes para que seus olhos não tivessem que suportar a tênue luz do fogo e deixou cair a cabeça para trás…
O golpe na porta fez com que suas têmporas pulsassem pela frustração. Homem, não podia ter nem dois segundos de paz, verdade?... E a julgar pelo aroma de tabaco turco, já sabia quem era.
—Entra, V.
Quando o Irmão entrou, o aroma de tabaco se mesclou com a sutil fumaça do fogo que ardia no outro lado da sala.
—Temos um problema —disse Vishous.
Wrath fechou os olhos e esfregou a ponta do nariz, desejando ardentemente que sua dor de cabeça não estivesse instalando-se para toda a noite, como se seu cérebro fosse um Travelodge[100].
—Diga-me.
—Alguém nos mandou um e–mail a respeito de Rehvenge. Deu-nos vinte e quatro horas para que o enviássemos à colônia symphath ou do contrário revelarão sua identidade ante a glymera e deixarão bem claro que você e todos nós sabíamos o que era e apesar disso, não tomamos medidas.
Wrath abriu os olhos de repente.
—Que merda?
—Já estou investigando a direção do e–mail. Se a busca através do IP tiver êxito, serei capaz de acessar à conta e me inteirar a quem pertence.
—Merda… e até aqui chega a teoria de que esse documento não foi lido por ninguém mais. —Wrath engoliu com força, a pressão em sua cabeça o fazia sentir náusea— Olhe, telefone para Rehv, e informe-o a respeito do que nos enviaram. Veja o que diz ele. A glymera está desagregada e assustada, mas se esse tipo de merda chega a seus ouvidos, não teremos mais remédio que fazer algo a respeito… do contrário poderíamos ter um motim em nossas mãos e não só por parte da aristocracia, mas também intervirão os civis.
—Entendido. Voltarei a informá-lo.
—Faça isso rápido.
—Está bem, né?
—Sim. Vá telefonar para Rehv. Maldito seja.
Uma vez que a porta se fechou novamente, Wrath gemeu. A tênue luz do fogo piorava a agonia de suas têmporas, mas não estava disposto a apagar as chamas: a escuridão total não era uma opção, não depois da chamada de atenção dessa tarde quando a meia-noite era tudo o que tinha.
Fechando as pálpebras, tentou superar a dor. Um pequeno descanso. Isso era tudo o que precisava.
Só um pequeno descanso.

Capítulo 51


Quando Xhex retornou ao ZeroSum, entrou pela porta dos fundos da seção VIP e manteve as mãos nos bolsos. Graças a seu lado vampiro, não deixava rastros digitais, mas umas mãos ensangüentadas seguiam sendo umas mãos ensangüentadas.
E também em suas calças tinha a merda de Grady.
Mas esse era o motivo, pelo qual inclusive nestes tempos modernos, o clube seguia tendo uma antiquada caldeira de lenha no porão.
Não avisou a ninguém de que tinha chegado, simplesmente se deslizou dentro do escritório de Rehv e o atravessou em direção ao dormitório que havia no outro lado. Felizmente, havia tempo de sobra para trocar-se e banhar-se, porque o DPC ia levar um bom momento encontrar Grady. A ordem que tinha dado a Da Cruz tinha sido partir pelo resto da noite... Embora com um homem como ele, existia a possibilidade de que sua consciência pudesse superar o pensamento que ela tinha implantado. Ainda assim, tinha como mínimo um par de horas.
Quando esteve no apartamento de Rehv, fechou a porta com chave e foi diretamente à ducha. Depois de abrir a água quente, desarmou-se e pôs toda sua roupa e as botas em um tobogã que levava diretamente até a caldeira.

Que o homem de Maytag[101] fosse à merda. Este era o tipo de limpeza que as pessoas como ela precisava.
Colocou sua longa folha sob a água com ela e lavou seu corpo e a faca com igual cuidado. Ainda usava os cilícios, o sabão lhe picava onde as bandagens com brocas de metal se afundavam na pele de suas coxas, e esperou que a dor decaísse antes de soltar um e depois o outro...
A úmida agonia foi tão grande que intumesceu suas pernas e disparou até seu peito, provocando que seu coração palpitasse com força. Enquanto uma exalação escapava de sua boca, recostou-se contra o mármore, compreendendo que era muito provável que desmaiasse.
De algum modo se manteve consciente.
Observando como florescia o vermelho ao redor do deságüe que havia sob seus pés, pensou no cadáver de Chrissy. Nesse necrotério humano, o sangue da mulher tinha sido negro e marrom sob sua carne salpicada de cinza. A de Grady tinha sido da cor do vinho, mas seguro como a merda que em algumas horas ia ter o mesmo aspecto que a garota que tinha matado... Morto sobre uma mesa de aço inoxidável com o que uma vez tinha tamborilado através de suas veias endurecendo-se como o concreto.
Fazia bem seu trabalho.
As lágrimas chegaram de nenhuma parte e de todas, e as desprezou.
Envergonhada de sua fraqueza e apesar de estar sozinha, Xhex cobriu o rosto com as mãos.
Alguém tinha tentado vingar sua morte uma vez.
Mas ela não tinha estado morta... só tinha desejado enquanto trabalhavam seu corpo com todo tipo de «instrumentos». E toda a galante atuação de herói–sobre–um–corcel–branco não tinha ido bem a seu vingador. Murhder havia se tornado louco. Pensou que estava resgatando uma vampira, mas, surpresa! Em realidade estava arriscando sua vida para levar para casa uma symphath.
Ops. Suponho que se esqueceu de contar a seu amante essa pequena parte.
Desejou ter o revelado ela mesma. Considerando o que era, ele tinha todo direito, e talvez se o tivesse sabido, ainda estaria na Irmandade. Talvez emparelhado com uma agradável fêmea. Definitivamente não teria perdido a prudência nem teria saído correndo a Deus sabe onde.
A vingança era um assunto perigoso, não? No caso de Chrissy, estava bem. Tudo tinha saído bem. Mas algumas vezes o que tratava de honrar não era digno do esforço.
Xhex não o era e o preço não tinha sido só a mente de Murhder. Rehv ainda estava pagando por seus enganos.
Pensou em John Matthew e desejou com todas suas forças não ter fodido com ele. Murhder tinha sido algo casual para ela. John Matthew? A julgar pela dor que sentia no centro de seu peito cada vez que pensava nele, suspeitava que era muito mais que isso... Razão pela qual estava tentando fechar sua mente ao que tinha ocorrido entre eles lá em seu porão.
O problema estava na forma como John Matthew a tinha tratado. A ternura que tinha demonstrado ameaçava parti-la pela metade, suas emoções tinham sido suaves, gentis, respeitosas... amorosas... Apesar de saber o que ela era. Viu-se obrigada a afastá-lo com dureza porque enquanto ele não acabasse com essa merda, Xhex corria o risco de pressionar seus lábios contra os dele e perder-se completamente.
John Matthew era o poço de sua alma, como chamavam os symphaths, ou seu pyrocant, para os vampiros. Sua debilidade essencial.
E era muito fraca quando se tratava dele.
Com uma quebra de onda de dor, visualizou-lhe nesse monitor de segurança com suas mãos sobre o corpo de Gina. Igual às bandagens com brocas de metal que usava, essa imagem a alagava de agonia, e não pôde evitar pensar que merecia o que ia sentir ao observá-lo afogar-se em sexo vazio e despreocupado.
Fechou a ducha, recolheu seus cilícios e a faca do lustroso chão de mármore, e saiu, deixando cair todo o metal em um lavabo para que gotejasse até secar-se.
Enquanto usava uma das super luxuosas toalhas negras de Rehv, desejou que fosse...
—Papel de lixa, não? —disse Rehv arrastando as palavras da soleira.
Xhex se deteve com a toalha atravessada nas costas e olhou o espelho. Rehv estava recostado contra o umbral, seu casaco de Marta o fazia parecer um grande urso macho, seu mohawk e seus agudos olhos púrpuras davam testemunho de seu lado guerreiro apesar de toda a roupa metrossexual que usava.
—Como foi esta noite? —perguntou-lhe, pondo um pé no balcão do lavabo e fazendo descer o tecido negro felpudo até o tornozelo.
—Eu poderia te perguntar o mesmo. Que caralho está acontecendo?
—Nada. —Levantou a outra perna—. Então, como foi a reunião?
Rehv manteve o olhar no seu, não porque respeitasse o fato de que estivesse nua, mas sim porque honestamente lhe dava igual. Demônios, teria atuado igual se Trez ou iAm estivessem mostrado o traseiro. Fazia muito tempo que tinha deixado de vê-la como fêmea, apesar de que se alimentavam um do outro.
Talvez fosse isso o que gostasse em John Matthew. Olhava-a, tocava-a e a tratava como se fosse uma fêmea. Como se fosse preciosa.
Não porque não fosse tão forte quanto ele, mas sim porque era única e especial...
Jesus. Livre-a do estrogênio. E em qualquer caso, que tudo ficasse no passado.
—A reunião? —animou-lhe ela.
—Bem. Daquela maneira. Quanto ao Conselho? Não apareceram, mas isto sim. —Rehv tirou um envelope comprido e magro do bolso de seu peito e o lançou sobre a bancada—Logo deixarei você lê-lo. Basta dizer que já faz muito tempo que meu segredo é de conhecimento público. Meu padrasto soltou a língua quando estava a caminho do Fade, e foi um milagre que a merda não salpicasse antes.
—Filho da puta.
—Por certo, isso é uma declaração sob juramento. E não só uns rabiscos a caneta na parte de atrás de um guardanapo. —Rehv sacudiu a cabeça—.Vou ter que entrar nessa casa de Montrag. Ver se há alguma cópia mais por lá.
—Eu posso fazer isso.
Esses olhos ametista se entrecerraram.
—Sem ofender, mas declinarei a oferta. Não tem bom aspecto.
—Isso é só porque faz tempo que não me vê sem roupa. Me dê um pouco de couro e voltará a ver-me como uma mulher dura.
Os olhos do Rehv desceram para as feridas abertas que tinha ao redor das coxas.
—É difícil imaginar que se meteu comigo pelo que estava fazendo com meu braço, considerando o aspecto desses suas feridas agudas.
Ela se cobriu com a toalha.
—Hoje irei à casa de Montrag.
—Por que estava tomando uma ducha?
—Porque estava toda ensangüentada.
O sorriso que se estendeu pela boca de Rehv revelando suas presas foi do tipo «festejemos».
—Encontrou Grady.
—Sim.
—Beeeeem.
—É de esperar que o DPC nos faça uma visita a qualquer momento.
—Estou desejando isso.
Xhex secou os cilícios e a faca, logo passou junto a Rehv e foi por volta dos setenta centímetros quadrados do armário dele que lhe pertenciam. Tirando um par de calças de couro limpas e uma camiseta negra sem mangas, olhou sobre seu ombro.
—Importaria-se de me dar um pouco de privacidade.
—Colocará essas malditas coisas outra vez?
—Como vai sua provisão de dopamina?
Rehv riu silenciosamente e se dirigiu para a porta.
—Eu me ocuparei de averiguar a casa de Montrag. Ultimamente tem feito suficiente trabalho sujo para outras pessoas.
—Posso me ocupar.
—Isso não quer dizer que deva fazê-lo. —Colocou a mão no bolso e tirou seu celular—Caralho, esqueci de religar esta maldita coisa.
Quando a tela se iluminou, desceu o olhar e suas emoções... flutuaram.
Suas emoções realmente tinham flutuado.
Talvez se devesse ao fato de que não tinha recolocado os cilícios, e seu lado symphath não demorava muito em aflorar, mas não pôde evitar concentrar-se seriamente nele, a debilidade que este desdobrou a fez sentir curiosidade.
Entretanto o que notou, não foi tanto seu ralo emocional... a não ser o fato de que seu aroma era diferente.
—Alimentou-se de alguém —lhe disse.
Rehv ficou congelado, delatando-se pela imobilidade desse grande corpo dele.
—Nem sequer tente mentir —murmurou ela—. Posso cheirá-lo.
Rehv encolheu de ombros, e ela se preparou para todo um lote de não–é–nada. Até abriu a boca, e seu rosto assumiu a expressão aborrecida que utilizava para distanciar-se das pessoas.
Exceto não disse nada. Não parecia capaz de soltar a argumentação.
—Uau. —Xhex sacudiu a cabeça— É algo sério, não é?
Evidentemente ignorar a pergunta era o melhor que ele podia fazer.
—Quando estiver preparada, reuniremo-nos com Trez e iAm e nos poremos ao dia antes de fechar.
Rehv girou sobre seus mocassins e voltou a sair para o escritório.
Curioso, pensou para si mesmo, enquanto recolhia uma das bandas de aço e se preparava para colocá-la ao redor de sua coxa, nunca tinha esperado vê-lo assim. Jamais.
Fazia-a se perguntar quem seria ela. E quanto sabia a fêmea a respeito dele.

Rehv foi a seu escritório e se sentou, com o telefone na mão. Ehlena tinha telefonado e deixado uma mensagem, mas em vez de esbanjar o tempo escutando-o, procurou sua informação de contato Y...
A chamada que entrava foi a única que lhe pôde dissuadir de terminar de marcar. Respondeu e disse:
—Com que Irmão falo?
—Vishous.
—O que acontece, homem?
—Nada bom, verdade?
O tom seco da voz do homem fez que Rehv pensasse em acidentes de tráfego. Dos graves que requeriam o gato hidráulico para liberar corpos.
—Fala.
O Irmão falou e falou e falou. E–mail. Coberta revelada. Deportação.
Nesse momento deve ter suscitado um longo intervalo de silêncio, porque Rehv ouviu seu nome.
—Está aí? Rehvenge? Hei, homem?
—Sim, estou aqui. —Mais ou menos. O rugido que embotava sua mente o distraía um pouco, soava como se o edifício onde se encontrava estivesse caindo a seu redor.
—Ouviu minha pergunta?
—Ah... Não. —O rugido se tornou tão estrepitoso, que teve a segurança de que o clube tinha sido bombardeado e as paredes estavam se desmoronando e o teto estava vindo abaixo.
—Tentei rastrear o e–mail e estou quase seguro de que provém de uma direção IP do norte do estado perto da colônia, se é que não está dentro mesmo dela. Realmente não acredito que isto provenha de um vampiro absolutamente. Sabe de alguém lá em cima que possa tentar divulgar sua identidade?
Assim à princesa já não interessava jogar aos chantagistas.
—Não.
Agora foi a vez de V ficar calado.
—Está seguro?
—Sim.
A princesa tinha decidido lhe convocar a casa. E se não ia, estava claro que enviaria e-mails a toda a glymera e além de revelar o segredo de Rehv, implicaria Wrath e à Irmandade. Isto unido à declaração jurada que tinha aparecido essa noite?
A vida tal e como a conhecia tinha acabado.
Não é que a Irmandade precisasse inteirar-se disso.
—Rehv?
Com voz inerte, respondeu:
—É só uma conseqüência desagradável da merda de Montrag. Não se preocupe por isso.
—Que demônios aconteceu?
A voz aguda de Xhex da porta do dormitório o ajudou a concentrar-se, e a olhou. Ao encontrar seu olhar, seu corpo forte e seus perspicazes olhos cinza lhe pareceram tão familiares como seu próprio reflexo, e o mesmo acontecia com ela... Assim pela expressão de seu rosto ela soube o que estava ocorrendo exatamente.
Lentamente a cor abandonou suas bochechas.
—O que aconteceu? O que essa filha-da-puta fez a você?
—Tenho que deixá-lo, V. Obrigado por ligar.
—Rehvenge? —interrompeu o Irmão—. Olhe, amigo, por que não me permite seguir tentando rastrear...?
—É uma perda de tempo. Lá no norte ninguém sabe. Acredite em mim.
Rehv finalizou a chamada, e antes que Xhex pudesse saltar, marcou o botão de voz e pôs a mensagem de Ehlena. De todas as formas, sabia o que ela ia dizer. Sabia exatamente...
—Olá Rehv, acabo de ter uma visita daquela… fêmea. Disse muitos disparates a seu respeito. Eu só… bom, pensei que deveria saber. Para ser honesta, é horripilante. De todos os modos, talvez possa me ligar para falar disso? Realmente te agradeceria isso. Adeus.
Apagou a mensagem, pulsou fim, e deixou o celular sobre a escrivaninha, alinhando-o com o secante negro de couro para que o LG estivesse perfeitamente vertical.
Xhex se aproximou, e enquanto o fazia se produziu uma súbita chamada à porta e alguém entrou.
—Nos dê um minuto, Trez. —Ouviu que dizia ela— Leve Rally com você, e não deixe que ninguém entre aqui.
—Que p...?
—Agora. Por favor.
Rehvenge estava olhando fixamente o telefone, e só foi fracamente consciente de um movimento deslizante e da porta fechando-se.
—Ouve isso? —disse-lhe silenciosamente.
—Ouvir o que? —perguntou Xhex enquanto se aproximava e se ajoelhava junto a sua cadeira.
—Esse som.
—Rehv, o que aconteceu?
Olhou-a nos olhos e em vez de vê-la viu sua mãe em seu leito de morte. Que curioso, ambas as mulheres tinham o mesmo tipo de súplica em seus olhares. E ambas eram pessoas às quais queria proteger. Ehlena estava nessa lista. Assim como sua irmã. Assim como Wrath e a Irmandade.
Rehvenge estendeu o braço para frente e embalou o queixo de sua segunda no comando.
—Só são coisas da Irmandade, e estou realmente cansado.
—E uma merda coisa da Irmandade e uma merda está cansado.
—Posso te perguntar algo?
—O que?
—Se pedisse a você que se ocupe de uma fêmea por mim, se asseguraria de que o fizesse?
—Sim, porra, sim. Jesus, faz mais de vinte anos que estou desejando matar essa cadela.
Ele deixou cair a mão e logo estendeu a palma.
—Por sua honra, jure.
Xhex estreitou sua mão como o faria um homem, não foi unicamente um toque a não ser uma promessa.
—Tem minha palavra. O que queira.
—Obrigado. Escuta, Xhex, vou deitar-me...
—Mas primeiro tem que me dar uma pista do que está acontecendo.
—Você fecha?
Ela se sentou sobre os tornozelos.
—O que. Caralho. Está. Acontecendo?
—Só era Vishous com outro buraco na estrada.
—Merda, Wrath está tendo problemas com a glymera?
—Enquanto houver uma glymera, vai ter problemas.
Ela franziu o cenho.
—Por que está pensando na porra de um anúncio dos anos oitenta?
—Porque os medalhões de homem estão voltando a ficar na moda. Posso senti-lo. E deixa de tentar afundar em mim.
Houve um comprido silencio.
—Vou atribuir isto à morte de sua mãe.
—Excelente plano. —Firmou sua bengala contra o chão— Agora, vou dormir um pouco. Tenho levantado como dois dias seguidos.
—Bem. Mas na próxima vez, tenta me bloquear com algo menos aterrador que Deney Terrio[102] nas Bahamas.
Quando ficou sozinho, Rehv olhou a seu redor. O escritório tinha visto muita ação: montões de dinheiro trocando de mãos. Montões de droga fazendo o mesmo. Vários sabichões que haviam tratado de fodê-lo, sangrando.
Através da porta aberta do seu dormitório olhou o apartamento onde tinha passado grande quantidade de noites. Mal chegava a ver a ducha.
Tempo atrás quando ainda era capaz de tolerar o veneno da princesa, quando era capaz de ir a ela, ocupar-se do assunto e conservar a suficiente força para trazer seu próprio traseiro para casa, sempre se banhava nesse banheiro. Não tinha querido poluir o lar familiar com o que tinha sobre sua pele, e tinha necessitado abundância de sabão, água quente e esfregar com força antes de poder voltar a ver sua mãe e a sua irmã. Era irônico mas quando chegava a sua casa, sua mãe invariavelmente lhe perguntava se tinha estado no ginásio, porque tinha «um brilho saudável na cara».
Nunca havia se sentido o bastante limpo. Mas bom, os atos desagradáveis não eram como a sujeira... não podia fazê-los desaparecer se lavando.
Deixou que sua cabeça caísse para trás e em sua mente percorreu o ZeroSum, visualizando a sala de corte do Rally, a seção VIP, a cascata que servia como parede, a pista de baile aberta e as barras. Conhecia cada centímetro do clube e tudo o que ocorria nele, do que faziam as garotas quando ficavam de joelhos e de costas, até como trabalhavam os corredores de apostas com suas probabilidades e a quantidade de overdose de droga com as quais Xhex tinha lutado.
Tantos negócios sujos.
Pensou em Ehlena que tinha perdido seu trabalho por lhe conseguir uns antibióticos que ele tinha sido muito imbecil para ir procurá-los na clínica de Havers. Vê, isso era uma boa ação. E sabia não só porque o tinha ensinado a si mesmo aprendendo-o ao freqüentar às pessoas de sua mãe, mas sim porque sabia que tipo de pessoa era Ehlena. Era realmente bondosa, e conseqüentemente fazia boas ações.
O que ele tinha estado fazendo aqui não era e nunca tinha sido bom, por ser ele quem era.
Rehv pensou no clube. A questão era que os lugares de sua vida, como a roupa que vestia, o carro que conduzia e os amigos e sócios que tinha, eram o produto de sua forma de vida. E ele vivia de forma escura, violenta e sórdida. E também ia morrer desse modo.
Merecia o destino que estava reservado a ele.
Mas de caminho à saída, ia fazer as coisas direito. Por uma vez em sua vida, ia fazer o correto pelas razões corretas.
E ia fazer pela breve lista de pessoas às quais... amava.

Capítulo 52


Ao outro lado da cidade, na mansão da Irmandade, Tohr estava na sala de bilhar, com o traseiro sobre uma cadeira que tinha arrastado e posto em ângulo para poder ver a porta do vestíbulo. Em sua mão direita sustentava um relógio negro, novo modelo do Timex, Indiglo, ao qual estava ajustando a hora e a data, e à altura de seu cotovelo esquerdo tinha um copo comprido com uma vitamina de sorvete de café. Quase tinha acabado com o relógio e só tinha consumido um quarto da vitamina.
Seu estômago não estava digerindo bem toda a quantidade de alimento que lhe estava dando, mas lhe importava um nada. Precisava ganhar peso rapidamente, assim sua tripa ia ter que ajustar-se ao programa.
Com um assobio final, o relógio esteve ajustado, o pôs no pulso e na superfície assinalava um resplandecente 4:57 a.m.
Voltou a olhar para a porta do vestíbulo. Que se foda o relógio e a comida. O que realmente estava fazendo era esperar que John atravessasse a maldita porta com o Qhuinn e Blay.
Queria a seu menino seguro em casa. Embora John já não fosse um menino, e não tivesse sido dele desde que o deixou na mão um ano atrás.
—Sabe, não posso acreditar que não esteja olhando isto.
A voz de Lassiter fez que recolhesse o copo e tomasse um gole pelo canudinho para não lhe lançar outro fecha–a–boca–perdedor ao bode. O anjo adorava a televisão, mas sofria de um grave caso do TDA. Sempre estava trocando de canal. Só Deus sabia o que estava olhando agora.
—Quero dizer, é uma mulher, indo sozinha pelo mundo. Ela é genial e usa boa roupa. É realmente um bom programa.
Tohr olhou por cima do ombro. O anjo estava escancarado no sofá, com o controle na mão e a cabeça apoiada em uma almofada bordada que Marissa tinha feito e que dizia, Presas Para As Lembranças. E mais à frente, na tela plana, havia…
Tohr quase se afogou com a vitamina.
—Que demônios está fazendo? Essa é Mary Tyler Moore, golpe forte.
—Assim se chama?
—Sim. E não te ofenda, não deveria te excitar tanto com esse programa.
—Por quê?
—É como que estar a um passo de ver um filme do canal Lifetime[103]. Já que está, bem poderia pintar as unhas dos pés.
—Como é. Eu gosto.
O anjo não parecia encaixar o fato de que ver a MTM[104] no Nick at Nite no canal infantil do Nickelodeon não era como ver AMC[105] no canal para homens Spike. Se qualquer dos Irmãos visse isto, ao Lassiter iriam dar uma boa surra no traseiro.
—Hey, Rhage —gritou Tohr para o sala de jantar.
— Venha ver o que esta lâmpada de lava tem no tubo.
Hollywood entrou levando na mão um prato com uma montanha de purê de batatas e rosbife. Geralmente, em sua maior parte não acreditava nas verduras, considerava-as «uma perda de espaço calórico», assim que os feijões verdes que havia na primeira refeição estavam ostensivamente ausentes do prato reaquecido.
—Que está olhando… OH, ouça! Mary Tyler Moore. Adoro-a. —Rhage estacionou o traseiro em um dos sofás junto ao anjo.
— Bom traje.
Lassiter lhe disparou um olhar de “viu”.––disse em direção ao Tohr.
—E Rhoda é bastante sexy.
Golpearam-se os nódulos entre si.
—Totalmente de acordo.
Tohr voltou para sua vitamina.
—Vocês dois são uma vergonha para o sexo masculino.
—Por quê? Por que não somos fãs do Godzilla? —respondeu Rhage.
—Ao menos eu posso manter a cabeça alta em público. Vocês dois deveriam estar olhando essa merda escondidas em um armário.
—Não sinto a necessidade de ocultar minhas preferências. —Rhage arqueou as sobrancelhas, cruzou as pernas, e estendeu o mindinho da mão com a que sustentava o garfo.
— Sou o que sou.
—Por favor, não me tente com essa classe de oportunidade —murmurou Tohr, ocultando um sorriso ao morder seu canudinho outra vez.
Quando tudo ficou em silêncio, jogou-lhes uma olhada, preparado para seguir…
Rhage e Lassiter estavam lhe olhando fixamente, com uma precavida aprovação em seus rostos.
—OH, que caralho, não me olhem assim.
Rhage foi o primeiro em recuperar-se.
—Não o posso evitar. Estas tão sexy com essas calças folgadas no traseiro. Tenho que conseguir um par, porque nada fala tanto de «sensualidade» como usar algo que parecem dois saco de lixo costurados entre si sobre sua raquete e suas Pelotas.
Lassiter assentiu.
—Totalmente merdafantástico. Escreve minha Pelotas por um par desses.
—Conseguiu essa merda no Home Depot? —Rhage inclinou a cabeça a um lado.
— Na seção de extração de lixo?
Antes que Tohr pudesse contra-atacar, Lassiter interveio.
—Homem, só espero poder conseguir o aspecto de ter uma boa carga em meus boxers como você. Treinaram-lhe para isso? Ou é só um caso de falta de traseiro?
Tohr não pôde evitar rir.
—Estou rodeado de traseiros–quebrados. Acredite-me.
—O qual explicaria por que se sente tão seguro ao sair sem um.
Rhage contribuiu:
—Agora que penso nisso, em realidade tem a mesma constituição que Mary Tyler Moore. Assim não me surpreende que você não goste.
Tohr tomou um deliberado gole da vitamina.
—Vou ganhar um pouco de peso só para lhes jogar isso na cara.
O sorriso do Rhage permaneceu em seu lugar, mas seus olhos ficaram sérios.
—Estou ansioso por ver isso, realmente quero ver isso.
Tohr voltou a centrar-se na porta do vestíbulo, encerrando-se em si mesmo e lhe pondo ponto final às brincadeiras porque de repente já não lhe caíam tão bem.
Lassiter e Rhage não seguiram seu exemplo. O par era uma combinação de fodidas fofoqueiras do inferno, e faziam comentários sarcásticos um do outro, a respeito do que estava na televisão, pelo que Rhage estava comendo e de se o anjo estava perfurado e…
Tohr teria ido se pudesse observar a porta principal de qualquer outra parte…
O sistema de segurança emitiu um assobio quando a porta exterior da mansão se abriu. Houve uma pausa seguida de outro assobio e do som de um gongo.
Enquanto Fritz corria para responder ao chamado, Tohr se incorporou, sentando-se mais reto, o qual foi patético, dado o estado de seu corpo. O tamanho de seu torso não ia melhorar magicamente o fato de que pesasse pouco mais que a cadeira em que seu inexistente traseiro estava estacionado.
Qhuinn foi o primeiro a entrar em passos largos, o menino vestido de negro, e os piercings de bronze que lhe percorriam a orelha e lhe marcavam o lábio inferior, refletiram a luz. Blaylock foi o seguinte, vestido como todo um Senhor Universitário com seu pulôver de caxemira de pescoço alto e suas calças de vestir. Enquanto o par se dirigia às escadas, podia-se ver que as expressões de ambos eram tão diferentes como seus trajes. Qhuinn evidentemente tinha tido uma muito boa noite, a julgar pelo sorriso de me–deitei–com–alguém que se via em sua boca. Blay, por outro lado, parecia que tinha estado no dentista, a expressão de sua boca era turva, e tinha os olhos fixos no chão de mosaico.
Possivelmente John não retornasse. Mas, onde ficaria…?
Quando John entrou no vestíbulo, Tohr não pôde evitá-lo: levantou-se de seu assento, sujeitando-se ao alto respaldo da cadeira quando cambaleou.
O rosto do John estava absolutamente inexpressivo. Estava despenteado, mas não pelo vento e a um lado de seu pescoço havia uma série de arranhões, do tipo feito pelas unhas de uma fêmea. Dele se desprendia um aroma que era uma mescla de Jack Daniels, múltiplos perfumes e sexo.
Parecia cem anos mais velho que há umas poucas noites, quando tinha estado sentado ao lado da cama do Tohr fazendo do Pensador. Este não era um menino. Era um macho adulto desafogando do modo eficazmente comprovado em que a maioria dos tipos o faziam.
Tohr voltou a afundar-se na cadeira, esperando ser ignorado, mas quando John chegou ao primeiro degrau, pôs sua bota nele e girou a cabeça como se soubesse que alguém lhe estava observando. Sua expressão não trocou absolutamente quando se encontrou com o olhar fixo do Tohr. Só levantou a mão com pouca convicção e seguiu seu caminho.
—Preocupava-me que decidisse não voltar para o lar —disse Tohr em voz alta.
Qhuinn e Blay se detiveram. Rhage e Lassiter se calaram. As vozes da Mary e Rhoda encheram o vazio.
John apenas se deteve para gesticular:
Isto não é um lar. É uma casa. E necessito um lugar para ficar.
John não esperou resposta, e a disposição de seus ombros sugeria que não estava interessado em obter uma. Era evidente que Tohr poderia falar até que a língua desgastasse e se convertesse em um cotó a respeito de como a gente que aqui vivia se preocupava com o John, mas nada seria registrado.
Quando os três desapareceram escada acima, Tohr terminou sua vitamina, levou o copo comprido à cozinha, e o meteu na máquina de lavar pratos, sem um doggen que lhe perguntasse se queria algo mais para comer ou beber. Não obstante, Beth estava revolvendo uma panela de guisado e tinha o aspecto de querer lhe deslizar uma tigela, assim não se atrasou ali.
A viagem até o primeiro andar foi longa e dura, mas não porque se sentisse fraco fisicamente. Fazia um bom trabalho fodendo ao John, e agora estava colhendo toda a indiferença que tinha semeado. Maldita seja…
O estrépito e o grito que atravessaram as portas fechadas do estudo soaram como se alguém tivesse sido atacado, e o corpo do Tohr, embora frágil, respondeu por instinto, golpeando a porta com força e abrindo-a.
Wrath estava agachado atrás do escritório, com os braços estendidos frente a ele, o computador, o telefone e os papéis estavam dispersos como se os tivesse empurrado, sua cadeira estava de lado. Na mão, tinha os óculos envolventes que o Rei sempre levava postas e seus olhos olhavam fixamente à frente.
—Meu senhor…
—Estão acesas as luzes? —Wrath respirava com dificuldade.
— Estão as fodidas luzes acesas?.
Tohr correu e agarrou um dos braços do Rei.
—No corredor, sim. E está o fogo. O que…
O poderoso corpo do Wrath começou a sacudir-se tanto que Tohr teve que levantar o irmão. O qual requeria mais músculo de que tinha. Merda, se não conseguia ajuda os dois iam cair. Fechando a boca sobre os incisivos, deu um forte e comprido assobio e logo voltou para o trabalho de tratar de não soltar a seu rei.
Rhage e Lassiter foram os primeiros a chegar correndo e irromperam abruptamente na habitação.
—Que demônios…?
—Acendam as luzes —gritou Wrath outra vez.
— Que alguém acenda as malditas luzes!

Enquanto Lash permanecia sentado frente ao balcão de granito da cozinha vazia da casa de pedra avermelhada, sua disposição melhorou muito. Não era que tivesse esquecido que a Irmandade levou as gavetas de armas e as jarras dos assassinos. Nem que os apartamentos Hunterbred tivessem sido comprometidos. Nem que Grady tivesse escapado. Nem que um symphath lhe estivesse esperando no norte, e que sem dúvida nenhuma estava irritado porque Lash ainda não tinha ido assassinar a alguém.
Era só que o dinheiro em efetivo lhe distraía. E um montão de dinheiro distraía muito.
Observou enquanto o senhor D trazia outra bolsa de papel do Hannaford. Saíram mais maços de notas, cada um assegurado por um elástico marrom. Quando o lesser terminou, não ficava muito granito livre.
Tremenda maneira de lhe acalmar, pensou Lash ao elevar o olhar quando o senhor D terminou de conduzir as bolsas.
—Quanto há em total?
—Setenta e dois mil, setecentos e quarenta. Fiz maços de cem dólares.
Lash tomou um dos maços. Esta não era a moeda pulcra que vinha dos bancos. Este era dinheiro sujo e enrugado, tirado de bolsos de jeans, de carteiras virtualmente vazias e de casacos manchados. Virtualmente podia cheirar o desespero que emanava dos bilhetes.
—Quanto produto fica?
—Suficiente para outras duas noites como esta, mas não mais. E só ficam dois distribuidores mais. Sem contar ao grande.
—Não se preocupe pelo Rehvenge. Encarregarei-me dele. Enquanto isso, não mate aos outros varejistas… leve-os para um centro de persuasão. Necessitamos seus contatos. Quero saber onde e como compram. —É obvio existia a possibilidade de que fizessem transações com o Rehvenge, mas possivelmente havia outra pessoa. Um humano que fora mais maleável—. O primeiro que fará esta manhã, é ir conseguir-nos um cofre para pôr isto aí dentro. Este dinheiro é o começo e não vamos perdê-lo.
—Sim, senhor.
—Quem vendeu a merda contigo?
—O senhor N e o senhor I.
Genial. Os fodidos atrasados que tinham deixado escapar ao Grady. Não obstante, desempenharam-se bem nas ruas e Grady tinha encontrado um final criativo e penoso. Além disso Lash tinha tido oportunidade de ver Xhex em ação. Assim nem tudo estava perdido.
Definitivamente ia ao ZeroSum de visita.
E quanto a N e I, lhes matar era mais do que mereciam, mas neste momento necessitava a esses imbecis para fazer dinheiro.
—Ao anoitecer, quero a esses dois lessers passando produto.
—Pensava que queria…
—Antes que nada, você não pensa. E segundo, necessitamos mais destes. —Jogou as sujas notas de volta entre outros maços.
— Tenho planos que custam dinheiro.
—Sim, senhor.
De improviso ao considerar as coisas, Lash se inclinou para frente e recolheu o maço que tinha atirado. A merda era difícil de soltar, embora tudo fosse dele, e em certa forma, e inesperadamente a guerra parecia menos interessante.
Agachando-se, agarrou uma das bolsas de papel e a encheu.
—Respeito ao Lexus.
—Sim, senhor.
—Cuide dele. —Colocou a mão no bolso e atirou ao senhor D as chaves da coisa.
— É seu novo meio de transporte. Se for ser meu homem na rua, tem que aparentar que sabe o que está fazendo.
—Sim, senhor!
Lash pôs os olhos em branco, pensando o pouco que custava para motivar ao estúpido.
—Não fodas nada enquanto estou fora, entendeu?
—Aonde vai?
—A Manhattan. Poderá me encontrar no celular. Até logo.

Capítulo 53


Ao amanhecer de um dia frio e com nuvens que salpicavam o céu azul leitoso, José Da Cruz conduziu através das portas do Cemitério Pine Grove e serpenteou entre filas e filas de lápides mortuárias. Os caminhos e curvas estreitas lhe recordaram a Life, esse velho jogo de mesa ao que jogava com seu irmão quando eram meninos. Cada jogador tinha um carrinho com seis buraquinhos e começava com uma cavilha que lhe representava. Enquanto se desenvolvia o jogo, movia-te pelo caminho, recolhendo mais cavilhas que representavam uma mulher e meninos. O objetivo era adquirir pessoas, dinheiro e oportunidades para cobrir os buracos de seu carro, para encher esses vazios com os que começava.
Olhou a seu redor, pensando que no jogo chamado A Vida Real, terminava cobrindo um buraco na terra com sua mesma pessoa. Dificilmente o tipo de coisa que quereria que seus filhos aprendessem de uma caixa.
Quando chegou à tumba de Chrissy, estacionou o carro no mesmo lugar onde tinha estado a noite anterior, até aproximadamente a uma da manhã. Mais adiante, havia três carros de polícia do DPC, quatro uniformizados com calças, e uma fita amarela rodeando a cena do crime estirado entre uma e outra lápide formando um estreito quadrado.
Levou-se o café com ele embora no melhor dos casos estaria morno, e enquanto se aproximava, através do círculo que formavam as pernas de seus colegas viu as reveste de um par de botas.
Um dos policiais olhou por cima do ombro, e a expressão no rosto do tipo pôs sobre aviso ao José a respeito da condição do corpo: se lhe oferecia ao uniformizado uma bolsa para o enjôo, enfraqueceria a maldita coisa.
—Olá… Detetive.
—Como está, Charlie?
—Estou… bem.
Sim, seguro.
—Isso parece.
Os outros tipos deram uma olhada e assentiram, cada um deles luzia uma expressão idêntica de tenho–as–Pelotas–contra–o–intestino.
Por outro lado, o fotógrafo atribuído à cena do crime, era uma mulher conhecida por ter problemas. Quando se agachou e começou a disparar, luzia um pequeno sorriso no rosto, como se desfrutasse da vista. E possivelmente iria deslizar uma das fotos em sua carteira.
Grady tinha mordido o pó com força. Literalmente.
—Quem lhe encontrou? —perguntou José, agachando-se para examinar o corpo. Cortes limpos. Um montão. Era o trabalho de um profissional.
—O encarregado do terreno —disse um dos policiais.
— Faz uma hora mais ou menos.
—Onde está esse tipo agora? —José ficou de pé e se apartou a um lado para que a pollasógina[106] pudesse seguir com seu trabalho.
— Quereria falar com ele.
—Retornou ao barraco pra tomar um café. Necessitava-o. Estava muito emocionado.
—Bem, isso posso compreendê-lo. A maior parte dos corpos por aqui não estão em cima das tumbas.
Os quatro uniformizados lhe olharam como dizendo: Sim, e tampouco estão nestas condições.
—Acabei com o corpo —disse a fotógrafa enquanto punha a tampa na lente.
— E já tomei uns disparos do material que havia na neve.
José rodeou a cena com cuidado para não perturbar os diversos rastros nem as bandeirinhas numeradas, nem o atalho que tinha sido feito no chão. O que tinha acontecido estava claro. Grady tinha tentado fugir de quem quer que o tivesse apressado e falhou. Pelos gotejamentos de sangue, tinha sido ferido, provavelmente o suficiente para incapacitá-lo, e logo o tinham transportado até a tumba de Chrissy, onde tinha sido desmembrado e morto.
José voltou onde estava o corpo e jogou uma olhada à lápide, advertindo uma franja marrom que corria da parte superior para baixo pela parte dianteira. Sangue seco. E estava disposto a apostar que tinha sido posto ali de propósito e quando ainda estava morna: parte da substância tinha gotejado metendo-se dentro das letras gravadas que soletravam CHRISTIANNE Andrews.
—Captou isto? —perguntou.
A fotógrafa lhe olhou com fúria. Logo destampou, disparou e tampou.
—Obrigado —lhe disse.
— Te chamaremos se necessitarmos algo mais.
Ou se encontrassem a algum outro tipo talhado deste modo.
Ela voltou a baixar a vista para Grady.
—Será um prazer.
Isso é óbvio, pensou ele, tomando um gole de seu café e fazendo uma careta. Velho. Frio. Desagradável. E não só a fotógrafa. Homem, o café da delegacia de polícia era definitivamente do pior, e se não tivesse estado em uma cena de crime, teria se desfeito da sujeira e esmagado o copo de plástico.
José passeou a vista pela cena. Árvores onde ocultar-se. Nenhuma luz mais que a da estrada. As portas fechadas durante a noite.
Se só ficou um pouco mais… poderia ter detido ao assassino antes que castrasse ao Grady, desse-lhe ao filho da puta sua última comida e desfrutasse indubitavelmente vendo morrer.
—Maldição.
Uma caminhonete cinza com o escudo do condado na porta do condutor se aproximou e se deteve, saiu um tipo com uma pequena bolsa negra e se aproximou trotando.
—Lamento chegar tarde.
—Não há problema, Roberts. —José apertou a mão do médico forense.
— Quando puder, nós gostaríamos de ter o tempo estimado da morte.
—Certo, mas só será estimado. Possivelmente com uma margem de engano de quatro horas?
—O que for que possa nos dizer será ótimo.
Enquanto o tipo se sentava sobre suas pernas e começava a trabalhar, José voltou a passear a vista pelo lugar, logo voltou a fazê-lo outra vez e ficou olhando fixamente os rastros. Três pegadas diferentes, uma das quais se ajustaria às do Grady. Das outras duas terei que tirar moldes e seriam investigadas pelos detetives do esquadrão cientifico, que deviam estar chegando a qualquer momento.
Dentre as duas desconhecidas, havia um par que era menor que as outras.
E estava disposto a apostar sua casa, seu carro e os recursos universitários de suas duas filhas a que resultariam ser de uma mulher.


No estúdio da mansão da Irmandade, Wrath estava sentado muito erguido em sua cadeira, agarrando-se nos braços da mesma com força mortal. Beth estava na habitação com ele, e pelo aroma que desprendia podia dizer que estava aterrorizada. Havia outras pessoas também. Falando. Passeando.
Não podia ver nada exceto escuridão.
—Vem Havers —anunciou Tohr das portas duplas. Sua voz sossegou a habitação como se fosse o botão de tirar som, cortando todas as vozes e todos os sons de movimento.
— Neste preciso momento a Dra. Jane está falando por telefone com ele. Trarão-lhe em uma das ambulâncias com cristais polarizados, porque será mais rápido que se Fritz for pega-lo.
Wrath tinha insistido em esperar um par de horas antes de chamar sequer a Dra. Jane. Tinha esperanças de que sua visão retornasse. Ainda seguia conservando as esperanças.
Mas bem rezava.
Beth tinha demonstrado grande integridade, ficando ao seu lado e lhe sustentando a mão enquanto ele lutava contra a escuridão. Mas fazia um momento, desculpou-se. Quando retornou, ele tinha podido cheirar suas lágrimas embora sem dúvida ela as tinha enxugado.
Isso foi o que acionou o disparador para chamar os médicos.
—Quanto tempo? —perguntou Wrath bruscamente.
—Vinte minutos.
Quando reinou o silêncio, Wrath soube que outros Irmãos estavam ao seu redor. Ouviu o Rhage desembrulhar outro Toostie Pop. E o roce da pederneira quando V acendeu um cigarro e exalou tabaco turco. Butch estava mastigando chiclete, os suaves ruídos pareciam uma metralhadora, como se seus molares fossem sapatos de claque sobre um chão de parqué. Z estava ali, e tinha a Nalla em seus braços, seu doce e encantador aroma e seus ocasionais gorjeios provinham do rincão mais afastado. Inclusive Phury estava com eles, tinha escolhido passar o dia ali, e estava junto a seu gêmeo e sua sobrinha.
Sabia que estavam todos ali… e entretanto, estava sozinho. Absolutamente sozinho, absorvido profundamente por seu corpo, aprisionado na cegueira.
Wrath cravou os cotovelos sobre os braços da cadeira para não gritar. Queria ser forte para sua shellan, seus irmãos e sua raça. Queria deixar cair um par de piadas, rir disto como se fosse um interlúdio que passaria logo, demonstrar que ainda tinha Pelotas e esse tipo de merda.
Pigarreou. Mas em vez de algo na linha de: o homem entrou no bar com um louro no ombro… o que saiu foi:
—Isto foi o que viu?
As palavras foram guturais, e todos sabiam a quem estavam dirigidas.
A resposta de V foi baixa.
—Não sei do que está falando.
—Lembre. —Wrath estava imerso na escuridão, rodeado por seus irmãos, e ninguém era capaz de lhe alcançar. Era o que Vishous tinha visto.
— É. Uma. Puta. Mentira.
—Está seguro de que quer fazer isto agora? —perguntou V.
—É a visão? —Wrath soltou a cadeira e golpeou o escritório com o punho.
— É esta a fodida visão?
—Sim.
—O médico está em caminho —disse Beth rapidamente, lhe acariciando o ombro com a mão.
— A doutora Jane e Havers falarão. Resolverão isto. Farão-o.
Wrath se girou em direção aonde vinha o som da voz de Beth. Quando estendeu a mão em busca da sua, foi ela quem encontrou sua palma.
Era este o futuro?, pensou. Depender dela para que lhe levasse quando precisasse ir a algum lugar? Que lhe guiasse como a um fodido aleijado?
Mantenha a prudência. Mantenha a prudência. Mantenha a…
Repetiu essas três palavras uma e outra vez até que deixou de sentir-se como se fosse explodir.
Não obstante a ameaça de explosão retornou imediatamente quando ouviu entrar a doutora Jane e ao Havers na habitação. Soube quem eram pelo fato de que novamente todo mundo se deteve em meio do que estava fazendo: não mais fumar, não mais mascar, nenhum envoltório abrindo-se.
Estava tudo em silêncio excetuando as respirações.
E logo se ouviu a voz do médico masculino.
—Meu senhor, posso lhe examinar os olhos?
—Sim.
Houve um som de roupa deslocando-se… Sem dúvida Havers estava tirando o casaco. E logo um suave golpe, como se um peso tivesse sido deixado sobre o escritório. Metal contra metal… a fechadura da maleta do doutor ao ser aberta.
A seguir soou a voz bem modulada do Havers:
—Com sua permissão, procederei a lhe tocar o rosto.
Wrath assentiu, logo, quando se produziu o suave contato, estremeceu-se e por um momento, para ouvir o clique da lanterna–lápis, teve esperança. Por costume, esticou-se, preparando-se para que a luz golpeasse a retina que Havers tivesse elegido examinar em primeiro lugar. Deus, desde que tinha memória, podia recordar ter entreaberto o olho ante a luz, e depois de sua transição, tornou-se muito pior. Quando os anos foram passando…
—Doutor, pode continuar com o exame?
—Eu… meu senhor, terminei. —Houve um clique, presumivelmente Havers apagando a luz.
— Ao menos com esta parte.
Silêncio. Logo a mão da Beth apertou a dele com mais força.
—O que segue? —demandou Wrath.
— O que pode fazer a seguir?
Mais silêncio, que de algum modo fez com que a escuridão fosse ainda mais negra.
Correto. Não havia muitas opções. Embora não sabia por que lhe surpreendia tanto. Vishous… jamais se equivocava.

Capítulo 54


Ao cair da noite, Ehlena triturou as pílulas de seu pai no fundo de um pote, e, quando obteve um pó suficientemente fino e uniforme, foi à geladeira, tirou a suco e serviu. Por uma vez, sentiu-se agradecida pela ordem que seu pai requeria, porque sua mente não estava no que fazia.
Em seu estado atual, podia sentir-se afortunada de saber em que Estado vivia. Nova Iorque, correto?
Checou o relógio. Não tinha muito tempo. Lusie chegaria em vinte minutos, como o carro de Rehv.
O carro de Rehv, não ele.
Fazia aproximadamente uma hora que o tinha chamado e deixado uma mensagem sobre seu ex, em resposta tinha recebido uma mensagem. Não uma ligação. Ele tinha discado diretamente para seu aparelho telefônico, introduzido o número dela, e gravado a mensagem.
O tom de voz tinha sido baixo e sério.
—Ehlena, sinto muito que fosse abordada dessa forma, e me assegurarei de que nunca volte a ocorrer. Se estiver livre, eu gostaria de ver você ao anoitecer. Enviarei meu carro para te pegar às nove a menos que receba sua resposta me dizendo que não pode. — Pausa. — Sinto tanto.
Sabia a mensagem de cor porque a tinha escutado umas cem vezes. Soava tão distinto. Como se estivesse falando em outro idioma.
Naturalmente não tinha podido dormir durante o dia, e ao final supôs que havia duas formas de interpretá-lo: ou estava horrorizado de que ela tivesse tido que tratar com a fêmea, ou sua reunião realmente tinha resultado uma merda.
Possivelmente era uma combinação de ambas.
Negava-se a acreditar que aquela louca de olhar insano tivesse alguma credibilidade. Infernos, a Ehlena a fêmea recordava muito a seu pai quando estava em um de seus episódios de delírio: ensimesmada, obsessiva, vivendo em uma realidade alternativa. Tinha tido a intenção de fazer mal e tinha calibrado suas palavras em conseqüência disso.
Não obstante, teria sido bom falar com Rehv. O consolo lhe teria vindo bem, mas ao menos não teria que esperar muito tempo para o ver.
Depois de assegurar-se de que a disposição da cozinha era exatamente a mesma de quando tinha entrado nela, desceu as escadas para o porão e foi ao quarto de seu pai.
Encontrou-o na cama com os olhos fechados e o corpo imóvel.
—Pai? —Ele não se moveu— Pai?
Quando virtualmente atirou o copo sobre a mesa, e o suco salpicou por toda parte.
—Pai!
Aqueles olhos se abriram e bocejou.
—Na verdade, minha filha, como está você?
—Está bem? —Examinou-o embora em sua maior parte estivesse coberto pelo edredom de veludo. Estava pálido e tinha o cabelo como o de um Chihuahua, mas parecia estar respirando naturalmente. — Há algo...?
—O espanhol é algo áspero para o ouvido, não te parece?
Ehlena se deteve.
—Me perdoe. Eu só… Está bem?
—É obvio que sim. Fiquei acordado até altas horas do dia pensando em outro projeto, e por isso demorei mais do que o habitual para me levantar desta cama. Acredito que deixarei que as vozes de minha cabeça perambulem pelas páginas. Acredito que seria benéfico para mim lhes dar outra forma de saída além de através de mim mesmo.
Ehlena permitiu que seus joelhos se afrouxassem e se sentou sobre a cama sem nenhuma elegância.
—Seu suco, pai. Você gostaria de tomá-lo agora?
—Ah, que encantadora. A moça é tão amável de prepará-lo por você.
—Sim, é muito amável. — Ehlena lhe entregou seus remédios e lhe observou beber enquanto seu coração ia acalmando-se.
Ultimamente a vida não tinha sido mais que uma sequência de bangs, pows e cracks ao estilo Batman e ela não tinha parado de ricochetear de um lado a outro da página do gibi até terminar enjoada. Parecia que ia passar um tempo antes de que cada pequena coisa deixasse de adquirir, em sua mente, as proporções de um disparatado drama.
Quando seu pai terminou, beijou-lhe o rosto, disse-lhe que ia sair um momento e levou o copo de volta para cima. Quando Lusie bateu na porta, uns dez minutos mais tarde, a maior parte do cérebro da Ehlena tinha voltado para lugar aonde pertencia. Iria ver Rehv e a desfrutar de sua companhia, logo, quando voltasse para casa, reataria sua busca de trabalho. Tudo ia estar bem.
Enquanto abria a porta, endireitou os ombros com resolução.
—Como está?
—Bem. — Lusie olhou para trás por cima de seu ombro— Sabia que há um Bentley estacionado em sua porta?
As sobrancelhas da Ehlena dispararam para cima e olhou pela porta. Efetivamente havia um flamejante Bentley super brilhante e espetacular estacionado diante de sua casinha de aluguel de merda, parecia tão desconjurado como um diamante na mão de uma vagabunda.
A porta do condutor se abriu e um macho incrivelmente bonito de pele escura se levantou do assento atrás do volante.
—Ehlena?
—Ah...sim.
—Vim te buscar. Sou Trez.
—Eu... Necessito um minuto.
—Tem o tempo que precisar. —Seu sorriso revelou presas e isso a tranqüilizou. Não gostava de estar na companhia de humanos. Não confiava neles.
Mergulhou de volta na casa e pegou o casaco.
—Lusie, poderia continuar vindo? Parece que serei capaz de seguir pagando você.
—É obvio. Faria qualquer coisa por seu pai. —Lusie ruborizou— Quero dizer por vocês dois. Isso quer dizer que encontrou outro trabalho?
—Consegui esticar o dinheiro um pouco mais do que esperava. E odeio que ele fique aqui sozinho.
—Bem, cuidarei dele muito bem.
Ehlena sorriu e desejou abraçar à mulher.
—Sempre o faz. Quanto a esta noite, não estou segura de quanto tempo estarei…
—Fique o tempo que quiser. Ele e eu estaremos bem.
Impulsivamente, Ehlena deu à mulher um rápido abraço.
—Obrigada, obrigada…
Tomando sua bolsa, saiu pela porta antes de terminar ficando em uma situação ridícula, e assim que saiu no frio da noite, o condutor foi para ajudá-la a entrar no Bentley. Vestido com seu casaco de couro negro, parecia mais um capanga que um chofer, mas quando voltou a lhe sorrir, seus escuros olhos cintilaram com um extraordinário brilho verde.
—Não se preocupe. Farei-a chegar a salvo.
Ehlena acreditou.
—Aonde vamos?
—Ao centro. Ele a está esperando.
Quando lhe abriu a porta, Ehlena se sentiu incomodada, embora soubesse que por sua parte, ele só estava tentando ser educado com uma igual e que não tinha nada a ver com estar servindo-a nem nada assim. Era apenas que, estava desacostumada a receber os cuidados de um macho de valia.
Jesus, o Bentley cheirava bem.
Enquanto Trez dava a volta e se colocava no volante, ela acariciou o fino couro do assento e não recordava haver sentido nada tão luxuoso antes.
E quando o carro saiu do beco e desceu pela rua, mal pôde sentir os buracos que normalmente a deixavam sacolejando na banco dos táxis. Este era um passeio suave. Um passeio caro.
Onde iriam?
Quando uma brisa suave e temperada banhou o assento traseiro, aquela mensagem de voz do Rehv se reproduziu uma e outra vez em sua mente. A dúvida piscava em sua cabeça, como as luzes de freio dos carros que iam diante deles, apagando-se e acendendo-se, pondo freio a seu mantra de «tudo está bem».
A sensação piorou. Não conhecia muito bem o centro, e quando passaram de comprimento pela parte onde estavam as luxuosas torres ficou tensa. Era a parte onde se encontrou com Rehv no Commodore.
Possivelmente a estivesse levando para dançar.
Certo, porque seguro que faria algo assim sem dizer à fêmea que colocasse um vestido.
Quanto mais avançavam pelo Trade Street, mais acariciava o assento que tinha ao lado, embora não o fizesse por sua textura. As coisas se foram pondo cada vez mais sórdidas, a fileira de bons restaurantes e os escritórios do Cadwell Courier Journal deram passo aos salões de tatuagens e bares desses que tinham pinta de ter velhos bêbados em seus tamboretes e sujas terrinas de amendoins em suas barras. Depois vinham os clubes, do tipo ruidoso e chamativo que jamais visitava porque não gostava do ruído, nem as luzes nem das pessoas que havia neles.
Quando o pôster negro sobre do ZeroSum esteve à vista, soube que iriam se deter em frente a ele e o coração desceu até o estômago.
Estranhamente, teve a mesma reação que tinha tido ao ver Stephan no necrotério: Isto não está bem. Isto não pode estar acontecendo. Esta não é a maneira em que se supõe que sejam as coisas.
Entretanto, o Bentley não se deteve diante do clube e por um momento brilhou a esperança.
Mas naturalmente ela se foi. Entraram no beco que havia mais à frente, detendo-se frente a uma entrada privada.
—É o dono deste clube. —disse ela com voz apagada— Não é verdade?
Trez não deu sinais de ouvir a pergunta, mas não fazia falta. Quando deu a volta e lhe abriu a porta, permaneceu sentada imóvel e rígida na parte de trás do Bentley, olhando fixamente o edifício de tijolos. Inconscientemente, notou que do teto de um dos lados caía fuligem e que a sujeira salpicava as paredes do chão. Estava manchado. Sujo.
Recordou ter permanecido ao pé do Commodore olhando para cima, para todo o cristal e cromo que brilhava devido a quão limpo estava. Essa era a fachada que ele tinha escolhido lhe mostrar.
Esta com a imundície era a que se viu forçado a lhe mostrar.
—Está te esperando. —disse Trez gentilmente.
A porta lateral do clube se abriu de par em par e apareceu outro macho Mouro. Atrás dele, tudo estava em penumbra, mas se ouvia o tamborilar de um baixo.
Realmente, precisava ver isto? Perguntou-se.
Bem, precisava se encontrar com Rehv, isso era certo, assumindo que este desastre fosse na direção que parecia estar tomando. E então caiu na conta. Se tudo fosse verdade, tinha um problema ainda maior. Tinha feito sexo… com um symphath.
Tinha deixado que um symphath se alimentasse dela.
Ehlena sacudiu a cabeça.
—Não necessito disto. Me leve para cas...
Saiu uma fêmea, uma que tinha a constituição de um macho, e não só por fora. Seus olhos eram gélidos e absolutamente calculadores.
Aproximou-se e se inclinou sobre o carro.
—Nada vai fazer machucar você aqui dentro. Juro-lhe isso.
Como é… o dano já existia, pensou Ehlena. Estava tendo dores no peito parecidos com os que têm com um ataque ao coração.
—Ele esta esperando você. —disse a fêmea.
O que fez que Ehlena descesse do carro foi sua têmpera, e não só porque graças a ele pôde abandonar sua posição sentada para endireitar-se. A questão era, que ela não fugia. Em toda sua vida não tinha fugido de nenhuma situação difícil, e não ia começar agora.
Atravessou a porta e soube com segurança que estava em um lugar ao qual nunca teria decidido ir por conta própria. Tudo estava escuro, a música golpeava em seus ouvidos como se fossem murros, e o aroma de muita pele acalorada lhe dava vontade de tampar o nariz.
A fêmea encabeçava a marcha, e os Mouros flanqueavam Ehlena, seus enormes corpos abriam caminho através de uma selva humana da qual não desejava formar parte. As garçonetes que usavam rodeados uniformes negros serviam variedades intermináveis de bebidas alcoólicas, e havia mulheres meio nuas esfregando-se contra homens de traje executivo, e cada pessoa junto à qual passava Ehlena em seu caminho tinha a vista fixa em outra parte, como se o que tinham pedido ou quem quer que estivesse frente a eles não pudesse satisfazê-los.
Foi guiada até uma porta negra blindada, que se abriu depois de que Trez falasse por seu relógio de pulso, logo ele ficou de lado... como se esperasse que ela simplesmente entrasse lá, como se não fosse nada mais que a sala de estar de alguém.
Sim... não.
Olhou fixamente a escuridão que havia mais à frente, mas não viu nada salvo um teto negro, paredes negras e um chão negro brilhante.
Mas então Rehvenge entrou em sua linha de visão. Estava exatamente igual a quando o conheceu, um grande macho vestido com um casaco de Marta que tinha um corte de cabelo mohawk, olhos cor de ametista. Entretanto, era, um completo estranho.

Rehvenge olhou fixamente à fêmea que amava e viu em seu rosto pálido e tenso, exatamente a expressão que tinha desejado pôr ali.
Repulsão.
—Vais entrar? —disse-lhe, pois precisava terminar o trabalho.
Ehlena olhou a Xhex:
—É da segurança, não é verdade? —Xhex franziu o cenho, mas assentiu
— Então vêem comigo. Não quero estar a sós com ele.
Quando suas palavras o golpearam, Rehv sentiu que bem poderiam lhe haver talhado a garganta, mas não demonstrou nenhuma reação, Xhex tomou a dianteira e Ehlena a seguiu.
Com a porta fechada, a música se ouvia amortecida, mas o silêncio era estridente como um grito.
Ehlena olhou seu escritório, no qual ele tinha deixado deliberadamente vinte e cinco mil dólares em dinheiro e um pacote de cocaína que estava envolto em celofane.
—Disse-me que era um homem de negócios. —disse ela— Suponho que foi minha culpa assumir que era algo legítimo.
Tudo o que podia fazer era ficar olhando-a fixamente... a voz lhe tinha abandonado e sua respiração superficial não podia sustentar palavras. Quão único que podia fazer, enquanto ela permanecia tensa e zangada ante ele, era memorizá-la, a forma em que levava seu cabelo loiro avermelhado afastado do rosto, seus olhos cor de caramelo, o simples casaco negro que tinha posto e a forma em que deixava as mãos metidas nos bolsos como se não quisesse tocar em nada.
Não desejava recordá-la desta maneira, mas como era a última vez que a veria, não podia evitar enfocar-se em cada detalhe.
Ehlena passeou o olhar pela droga e o dinheiro e logo voltou a fixá-la em seu rosto.
—Assim é verdade? Tudo o que sua ex-noiva disse.
—Ela é minha meio irmã. E sim. Tudo é verdade.
A fêmea que ele amava retrocedeu um passo, o medo fez com que tirasse a mão de seu bolso e a subisse até sua garganta. Sabia exatamente o que estava pensando: ele alimentando-se de sua veia, eles nus e a sós em seu apartamento de cobertura. Estava refazendo suas lembranças, aceitando o fato de que não tinha sido um vampiro o que se alimentou de seu pescoço.
Tinha sido um symphath.
—Por que me trouxe aqui? —perguntou-lhe. — Podia haver dito isso por telefone... não, não importa. Agora irei para casa. Não volte a me ligar jamais.
Fez-lhe uma leve reverência e engasgando-se disse:
—Como desejar.
Ela se virou e foi parar na frente da porta.
—Por favor, poderia alguém me abrir a porta para que possa sair deste fodido lugar.
Depois de que Xhex foi para a porta e lhe abriu o caminho para a liberdade, Ehlena saiu virtualmente disparada.
Quando a porta se fechou, Rehv a trancou com a mente e fico ali de pé, onde lhe tinha deixado.
Destruído. Estava completamente destruído. E não porque estivesse entregando sua alma e seu corpo a uma sádica sociópata que ia desfrutar de cada minuto da tortura que lhe imporia.
Quando sua visão se nublou de vermelho, soube que não era sua parte má aflorando. Nem por acaso. Durante as últimas doze horas, tinha bombeado suficiente dopamina em suas veias para afogar a um cavalo porque do contrário não confiava em si mesmo para deixar partir Ehlena. Tinha necessitado enjaular sua parte má uma última vez... para poder fazer o correto pela razão correta.
Assim, não, este vermelho não ia ser seguido de uma visão unidimensional e seu corpo não recuperaria o sentido do tato.
Rehvenge tirou um dos lenços que sua mãe tinha engomado do interior da jaqueta de seu traje e pressionou o quadrado dobrado debaixo de seus olhos. Estava derramando lágrimas cor vermelha sangre e não eram só por ele e por Ehlena. Fazia menos de quarenta e oito horas que Bella tinha perdido a sua mãe.
E antes de que essa noite chegasse a seu fim perderia a seu irmão.
Tomou um único e grande fôlego, um tão profundo que lhe esticaram as costelas. Logo voltou a guardar o lenço e seguiu com o plano de levar sua vida para a tumba
Uma coisa era certa: A princesa ia pagar. Não pela merda que lhe tinha feito e ia fazer lhe. Não se preocupava por isso.
Não, ela tinha se atrevido a aproximar-se de sua fêmea. Por isso, a mutilaria, inclusive se lhe custasse a vida.

Capítulo 55


—Sentiu-se bem? Ao rechaçá-lo dessa forma?
Ehlena se deteve na saída lateral de clube e olhou por cima do ombro à fêmea que era guarda de segurança.
—Não vou responder a sua pergunta, já que não é nada de sua incumbência.
—Uma merda, esse macho pôs a si mesmo em uma situação de merda por mim, sua mãe e sua irmã. E você se acredita muito boa para ele? Olhe bem. De onde, demônios vem que é tão perfeita?
Ehlena enfrentou à fêmea apesar de que, dada a constituição da guarda de segurança, não poderia ser uma briga justa.
—Nenhuma vez lhe menti… O que parece isso a você como conceito de perfeição? Na realidade, isso não é perfeito, é normal.
—Faz o que deve fazer por uma questão de sobrevivência. Isso é muito normal, não só para sua espécie, mas também para os symphaths. Só porque tiveste uma vida fácil…
Ehlena se aproximou até ficar cara a cara.
—Você não me conhece.
—Nem quero.
—O mesmo digo eu. —O «cadela» dessa oração estava implícito no tom.
—Sim, bom, certo. —Trez se interpôs e as separou.—Vamos nos acalmar um pouco e deixar de lado esta briga, ok? Deixa que eu leve para casa… Você, —disse apontando com o dedo à outra fêmea— vá ver se tudo está bem.
A guarda de segurança olhou furiosa para Ehlena.
—Mais fique esperta.
—Por quê? Acaso vai aparecer frente a minha porta? Como queira… comparada com a coisa da outra noite, parecerá uma Barbie.
Tanto Trez como a fêmea ficaram imóveis.
—O que apareceu frente a sua porta? —perguntou o guarda de segurança.
Ehlena dirigiu o olhar para Trez:
—Posso ir a casa agora?
—O que foi? —perguntou-lhe ele.
—Uma boneca kabuki com uma atitude péssima.
Ambos responderam em uníssono:
—Deve se mudar.
—Que boa sugestão. Obrigada. —Ehlena os empurrou para passar entre eles e se dirigiu à porta. Quando mediu o trinco estava, obviamente, fechado, assim que quão único pôde fazer foi esperar que a deixassem sair. Sim, bom a merda com isso. Mordendo o lábio inferior, aferrou o trinco e atirou dele, preparada para abrir caminho à força.
Felizmente Trez se aproximou e a liberou como se tivesse aberto a gaiola a um pássaro e voou para fora abandonando o clube, saindo ao ar frio, longe do calor, o ruído e o amontoado de desespero que estava afogando-a.
Ou talvez a sufocação proviesse de um coração quebrado.
O que importava?
Esperou frente a outra porta, a que conduzia ao Bentley, desejando não necessitar do carro para voltar para casa mas sabendo que devia passar um bom momento antes de que tivesse se recuperado embora tivesse ido a metade de sua compostura para poder respirar convenientemente, e que teria que passar muito mais tempo antes de que pudesse desmaterializar-se.
Da viagem de volta não recordaria nenhuma das ruas pelas quais passaram, nem as luzes frente às quais se detiveram, nem os carros que havia ao seu redor. Simplesmente permaneceu sentada no assento traseiro do Bentley, absolutamente imóvel, com o rosto voltado para o vidro, sem ver nada enquanto se moviam a toda velocidade.
Symphath. Dormia com sua meio irmã. Cafetão. Traficante de drogas. Assassino, sem dúvida…
Quanto mais se afastavam do centro da cidade mais lhe custava respirar, em vez de ser o contrário. O que a inquietava era que não podia esquecer a imagem de Rehvenge ajoelhado frente a ela, com suas tocas sapatilhas Keds na mão, e uma expressão doce e afetuosa em seus olhos cor ametista, dizendo com essa voz tão adorável, que soava melhor que a música de qualquer violino: Não o entende, Ehlena? Sem importar o que tiver posto… para mim sempre terá diamantes na sola de seus sapatos.
Essas seria uma das duas lembranças que a perseguiriam. Recordaria-o ajoelhado frente a ela, e o poria em contraposição com a imagem que levava agora dele nesse clube, depois de que a verdade ficasse em evidência.
Tinha desejado acreditar no conto de fadas. E o tinha feito. Mas como o pobre e jovem Stephan, a fantasia estava morta, e sua deterioração era horrível, um corpo golpeado e frio que devia envolver com raciocínios e reajustamentos que não teriam aroma de ervas, a não ser de lágrimas.
Fechando os olhos se recostou contra o assento suave como a manteiga.
Finalmente o carro diminuiu a marcha até deter-se e em seguida estendeu a mão para a maçaneta. Trez chegou antes dela e lhe abriu a porta.
—Permite-me dizer algo? —murmurou.
—Claro. —De toda forma não ouviria o que tivesse que lhe dizer. A névoa que a rodeava era muito densa, seu mundo seria igual ao qual seu pai tinha ambicionado: limitaria-se ao que a rodeava… e isso era dor.
—Tem suas razões para ter feito o que fez.
Ehlena levantou a vista para o macho. Parecia tão sério, tão sincero.
—É obvio que as tem. Queria que acreditasse em suas mentiras e logo foi descoberto. Já não havia nada mais o que ocultar.
—Não me referia a isso.
—Teria me contado algo disto se não tivesse sido descoberto?—Silêncio. — Vê, aí está.
—Não sabe tudo a respeito desse assunto.
—Acredita nisso? Talvez seja apenas que ele é menos do que quer acreditar que é. O que parece isso a você?
Virou-se e atravessou uma porta que pôde abrir e voltar a fechar por si mesmo. Deixando cair contra ela, passeou a vista pelo lugar onde tudo tinha o aspecto de puído e lhe era familiar, e desejou poder deixar-se levar e cair.
Não sabia como superar esta situação. Realmente não sabia como fazê-lo.

Depois que o Bentley partiu, Xhex se dirigiu direto ao escritório de Rehv. Quando bateu uma vez e não obteve resposta, digitou o código e abriu a porta.
Rehv estava atrás de sua mesa, teclando no notebook. Ao lado estava seu novo celular, uma sacolinha de plástico que continha pílulas gordas e esbranquiçadas, e um pacote de M&M.
—Sabia que a princesa foi vê-la? —demandou Xhex. Quando não respondeu, soltou uma maldição. —Por que não me disse isso?
Rehv seguiu teclando, o suave som das teclas parecia o bate-papo em voz baixa de uma biblioteca.
—Porque não me pareceu pertinente.
—E um corno não o era. Quase bato na fêmea por…
Os olhos púrpuras se elevaram por cima da tela com um brilho maligno.
—Jamais pense em tocar a Ehlena.
—Como é, Rehv, acaba de chutar seu traseiro sem lugar a dúvidas. Acredita que foi divertido de presenciar?
Apontou-a com o dedo.
—Não é seu assunto. E você nunca, jamais a tocará. Está claro?
Quando seus olhos brilharam em sinal de advertência como se alguém lhe tivesse metido uma lanterna pelo traseiro e tivesse apertado o botão de ascender, pensou: Bom, está bem… evidentemente estava no bordo de um precipício, e se continuava avançando ia cair com tudo sem pára-quedas.
—O que quero dizer é que teria sido agradável saber de antemão que queria que ela o deixasse.
Rehv retornou a teclar.
—Assim que essa foi a chamada que recebeu ontem à noite. —sugeriu— Esse foi o momento em que se inteirou de que a cadela tinha ido visitar sua noiva.
—Sim.
—Me deveria haver dito isso.
Antes que obtivesse uma resposta, seu aparelho de escuta emitiu um grasnido e logo se ouviu a voz de um de seus gorilas:
—O detetive Da Cruz quer ver você.
Xhex levantou o pulso e falou com transistor.
—Leva-o a meu escritório. Irei em um momento. E tira às garotas da seção VIP.
—O DPC? —murmurou Rehv enquanto seguia teclando.
—Sim.
—Alegra-me que tenha matado o Grady. Não suporto os homens que batem em mulheres.
—Posso fazer alguma outra coisa por você? —perguntou-lhe tensa, sentindo que a excluía de sua vida. Queria ajudar, aliviar e cuidar de Rehv, mas queria fazer essa merda utilizando seu próprio conceito de mimar e cuidar. Que não consistia precisamente em lhe preparar um banho de espuma nem lhe levar um pouco de chocolate quente; ela queria assassinar à princesa.
Rehv voltou a levantar a vista.
—Como viu ontem à noite, vou pedir a você que cuide de alguém.
Xhex teve que ocultar sua decepção. Se fosse pedir que assassinasse à princesa, não teria havido razão para arrastar a sua noiva até aqui, fazer todo um espetáculo a respeito das mentiras que lhe havia dito, e permitir que a fêmea se desfizesse dele como se fosse carne podre de uma semana atrás.
Merda, devia estar relacionado com a noiva. Iria pedir lhe que se assegurasse de que nada ocorresse a Ehlena. E conhecendo Rehv, era provável que também tentasse brindar à fêmea com apoio financeiro… a julgar pelo traje simples da garota a falta de jóias e seu caráter sensato, não parecia provir de uma família enriquecida.
Diversão, diversão, diversão. Conseguir que essa fêmea aceitasse dinheiro do macho ao qual odiava ia ser toda uma festa.
—Como queira. —disse Xhex quando saiu.
Enquanto atravessava o clube rezou para que ninguém lhe esfregasse de maneira equivocada, especialmente agora que tinham uma placa policial na casa.
Quando finalmente chegou a seu escritório refreou sua frustração e abriu a porta, colocando um sorriso tenso no rosto.
—Boa noite, Detetive.
Da Cruz se virou. Na mão tinha uma pequena planta de hera, que não era maior que sua palma.
—Tenho um presente para você.
—Já lhe disse que não sou boa com os seres vivos.
Ele a deixou sobre o escritório.
—Então será melhor que a iniciemos lentamente no assunto.
Ao sentar-se na cadeira, olhou fixamente o frágil ser vivo e sentiu uma labareda de pânico.
—Não acredito…
—Antes que diga que não posso lhe dar de presente nada porque sou um funcionário público, —tirou um recibo do bolso— direi-lhe que custou menos de três dólares. Que é mais barato que um café no Starbucks.
Pôs o pequeno ticket branco junto ao vaso de plástico verde escuro.
Xhex esclareceu a garganta.
—Bom, apesar da sua preocupação por minha decoração de interiores…
—Não tem nada a ver com sua escolha de móveis. —Sorriu e se sentou— Sabe por que estou aqui?
—Encontrou o homem que assassinou Chrissy Andrews?
—Sim, fiz isso. E se desculpa meu Francés[107], estava frente à lápide dela com o pênis cortado e colocado na boca.
—Caralho. Nossa.
—Incomodaria-se de me dizer onde esteve ontem à noite? Ou primeiro prefere conseguir um advogado?
—Por que teria que necessitar de um? Não tenho nada a esconder. Estive aqui toda a noite. Pergunte a meus gorilas.
—Toda a noite.
—Sim.
—Encontrei rastros nas imediações da cena do crime. De botas de combate, pequenas. —Desceu a vista para o pés dela— Parecidas com as que você usa.
—Estive na tumba. É obvio que sim. Estou de luto por uma amiga. —Levantou a sola para que ele pudesse ver, consciente de que tinham um desenho diferente e que não eram do mesmo fabricante que as que tinha usado na noite anterior. Também eram de outro tamanho, com palmilhas em seu interior para que fossem de uma tamanho maior do que as que usava realmente.
—Hmm. —depois de inspecioná-las da Cruz se reclinou para trás e uniu as pontas de seus dedos, apoiando os cotovelos nos braços de aço inoxidável da cadeira.
—Posso ser honesto com você?
—Sim.
—Acredito que você o matou.
—Sério?
—Sim. Foi um crime violento, os detalhes indicam que foi cometido como se fosse uma vingança. Sabe, o forense pensa como eu, que Grady estava vivo quando… podemos dizer, ocuparam-se dele. E não foi um trabalho sujo. Foi incapacitado de forma profissional, como se o assassino tivesse sido treinado para matar.
—Este é um bairro duro, e Chrissy tinha um monte de amigos rudes. Qualquer um deles poderia havê-lo feito.
—Em seu funeral havia mais mulheres.
—E você não acredita que uma mulher seja capaz de algo assim? Bastante sexista, Detetive.
—OH, sei que as mulheres são capazes de matar. Me acredite. E… você parece o tipo de mulher que o faria.
—Está me rotulando? Só porque uso roupa de couro negro e trabalho como guarda de segurança em um clube?
—Não. Estive a seu lado quando identificou o corpo de Chrissy. Vi a forma em que a olhava, e isso é o que me faz pensar que você o fez. Tem motivos para uma vingança, e teve a oportunidade, porque qualquer um pode sair inadvertidamente deste lugar pelo lapso de uma hora, fazer o trabalho, e voltar aqui. —ficou de pé, foi para a porta, e se deteve com a mão sobre o trinco - Aconselho que consiga um bom advogado. Vai necessitar de um.
—Está ladrando à árvore equivocada, Detetive.
Ele sacudiu a cabeça lentamente.
—Não acredito. Sabe, a maioria das pessoas com as quais falo, quando há um cadáver no meio, a primeira coisa que me dizem, seja verdade ou não, é que eles não o fizeram. Você não disse nada parecido a isso.
—Talvez não sinta a necessidade de me defender.
—Talvez não sinta remorsos porque Grady era um machão que golpeou a uma jovem até matá-la, e esse crime não cai melhor a você do que cai a qualquer um de nós. —Quando acionou o trinco, os olhos de Cruz tinham uma expressão triste e fatigada— Por que não nos deixou capturá-lo? Teríamos prendido a ele. Posto na prisão. Deveria ter deixado que nos encarregássemos do assunto.
—Obrigada pela planta, detetive.
O tipo assentiu, como se as regras do jogo acabassem de ser estabelecidas e se pusessem de acordo a respeito de qual seria o campo de jogo.
—Consiga esse advogado. Logo.
Quando a porta se fechou, Xhex se deixou cair sobre o respaldo da cadeira e olhou a hera. Pensou que tinha uma preciosa cor de verde. E gostava da forma das folhas, a simetria bicuda agradava a vista, e as pequenas nervuras formavam um bonito desenho.
Definitivamente ia terminar matando a esta pobre e inocente coisinha.
Um golpe a sua porta fez com que levantasse a vista.
—Entre.
Entrou Marie-Terese, cheirando a Euphoria de Calvin Klein e usando uma calça folgada e uma camiseta branca. Era óbvio que ainda não tinha começado seu turno.
—Acabo de entrevistar duas garotas.
—Você gostou de alguma delas?
—Alguém esconde algo. Não estou segura do que se trata. A outra está bem, embora a cirurgia feita em seus seios seja bastante incompetente.
—A enviamos ao doutor Malik?
—Acredito que sim. É suficientemente bonita para compilar Benjamins. Quer conhecê-la?
—Sim, mas não neste momento. O que te parece amanhã a noite?
—Trarei-a aqui, só me diga a que horas...
—Posso te perguntar algo?
Marie–Terese assentiu sem duvidá-lo.
—O que quiser.
Durante o silêncio que se seguiu, Xhex teve na ponta da língua a pergunta sobre a pequena sessão de bombeamento que John e Gina tinham tido no banheiro. Mas, o que queria saber? Só tinha sido uma transação de negócios das mais comuns no clube.
—Eu o envie com Gina. —disse Marie–Terese tranqüilamente.
Xhex fixou a vista na mulher.
—A quem?
—John Matthew. Mandei-o com ela. Supus que seria mais fácil.
Xhex brincou com o Caldwell Courier Journal que tinha sobre a mesa.
—Não tenho idéia do que está falando.
A expressão de Marie–Terese foi de «sim certo», mas a seu favor terá que dizer que não seguiu por esse caminho.
—A que hora amanhã a noite?
—Hora para que?
—Conhecer a garota nova.
OH, claro.
—Digamos que às dez em ponto.
—Parece-me bem.
Marie–Terese se voltou.
—Ouça, faria-me um favor?
Quando a mulher se virou rapidamente, Xhex sustentou no alto a plantinha de hera.
—Poderia levar isto para sua casa? Eu, não sei… mantê-la com vida.
Marie–Terese olhou a coisa, encolheu os ombros e se aproximou para recolhê-la.
—Eu gosto das verdes.
—Isso significa que esta condenada coisa acaba de ganhar na loteria. Porque eu não gosto.

Capítulo 56


Rehvenge pressionou CTRL+P em seu notebook e se inclinou para trás para pegar os papéis que cuspia, um a um, sua impressora. Quando a máquina emitiu um último zumbido e um suspiro, deixou a pilha frente a ele, pôs as folhas em ordem, pôs suas iniciais no canto superior direito de cada uma delas e logo assinou três vezes. A mesma assinatura, as mesmas cartas, os mesmos garranchos em itálico.
Não chamou Xhex para que lhe servisse de testemunha. Tampouco pediu a Trez que o fizesse.
Foi iAm que o fez, o Mouro atuou como John Hancock[108] usando o nome que tinha assumido para propósitos humanos nas linhas adequadas para creditar o testamento, as transferências de bens imóveis e o confidente. Depois de fazer isso, assinou uma carta escrita na Antiga Língua com seu verdadeiro nome assim como uma declaração da linha de descendência.
Quando terminaram, Rehv pôs tudo em uma maleta Luis Vuitton negro e o deu a iAm.
—Quero que leve isso daqui a trinta minutos. Leve-a embora nem que tenha de nocauteá-la com um murro. E se assegure de levar seu irmão com você e de que todo o pessoal tenha ido.
iAm não disse nada. Em troca, tirou a faca que levava na parte baixa das costas, fez um talho na palma da mão e a estendeu, seu sangue caiu espesso e azul sobre o teclado do computador. Era tudo quão equilibrado, Rehv necessitava que fosse, absolutamente imperturbável e firme.
E por esse motivo fazia muito tempo que sempre o escolhia para a merda mais difícil.
Quando ficou de pé para estreitar a mão que lhe oferecia, Rehv teve que tragar com força. O apertão de mãos era um voto de sangue, e logo seus corpos se encontraram em um firme e estreito abraço.
iAm disse em voz baixa e na Antiga Língua:
—Conheci-o bem. Amei-o como se fosse de minha própria carne e osso. Honrarei-o para sempre.
—Cuida dela, de acordo? Ficará violenta e isso durará um bom tempo.
—Trez e eu faremos o que seja necessário.
—Nada disto foi culpa dela. Nem o princípio nem o fim. Xhex vai ter que acreditar nisso.
—Sei.
Separaram-se e a Rehv custou muito deixar ir o ombro de seu velho amigo, sobre tudo porque este era a única despedida que ia ter: Xhex e Trez teriam lutado contra sua decisão, teriam tentar negociar outras soluções enquanto arranhavam e se aferravam a outros desenlaces. iAm era mais fatalista. Também era mais realista, porque não havia outro caminho.
—Vai. — disse Rehv com voz quebrada.
iAm colocou a palma ensangüentada sobre o coração, fez uma reverência dobrando-se pela cintura, e logo foi sem olhar para trás.
As mãos de Rehv tremeram quando retirou a manga para checar a hora em seu relógio. Agora o clube fechava às quatro. O pessoal da limpeza chegava às cinco da manhã em ponto. O que significava que depois de que todo mundo se fosse, ficaria meia hora.
Pegou o telefone e se dirigiu para seu dormitório, digitando um número ao qual estava acostumado a chamar freqüentemente.
Enquanto fechava a porta, ouviu a cálida voz de sua irmã na linha.
—Olá, meu irmão.
—Olá. —sentou-se sobre a cama, perguntando-se o que lhe dizer.
No fundo podia ouvir Nalla choramingando com uma choro lastimoso, e Rehv ficou imóvel. Podia imaginar às duas juntas, a menina apoiada contra o ombro de sua irmã, um frágil pacote de futuro envolto em uma suave manta debruada com uma banda de cetim.
O único infinito que conheciam os mortais eram as crianças, ou não?
Ele nunca os teria.
—Rehvenge? Está aí? Está bem?
—Sim. Chamei só por que… queria te dizer… —Adeus.
— Que a amo.
—Isso é muito doce. É duro, não é verdade? Já não ter a Mahmen.
—Sim. É-o. —Fechou os olhos e os apertou com força, e como se tivesse recebido um sinal, Nalla começou a chorar realmente, através do fone pôde ouvir o som de seu uivo.
—Perdão por minha pequena caixinha de ruídos. — disse Bella.
— Não quer dormir a menos que caminhe pelo quarto, e meus pés estão começando a render-se.
—Escuta… recorda a canção de ninar que estava acostumado a cantar para você? Quando era pequena.
—OH, Meu deus, a que tratava das quatro estações? Sim! Fazia anos que não pensava nela… Estava acostumado a cantá-la quando não podia dormir. Inclusive quando já era grande.
Sim, era essa, pensou Rehv. A que vinha diretamente dos Antigos Mitos a respeito das quatro estações do ano e da vida, a que lhe tinha ajudado a agüentar junto a sua irmã muitos dias de insônia, ele cantando e ela repousando.
—Como era? —perguntou Bella.
— Não posso…
Rehv cantou um pouco torpemente a princípio, tropeçando com as palavras de sua oxidada memória, as notas não eram tão perfeitas devido a sua voz sempre tinha sido muito profunda para o tom em que estava escrita a canção.
—É essa, oh! —sussurrou Bella.
— Espera, deixa que ponha minhas mãos livres…
Ouviu-se um assobio e logo um eco, e enquanto seguia cantando, o pranto de Nalla se secou, as chamas extintas por uma suave chuva de palavras antigas.
A capa verde pálido da primavera… o véu brilhantemente florescido do verão… a fiação fresca do outono… a manta de frio do inverno… as estações não pertenciam apenas à terra, a não ser a toda criatura vivente, o esforço por chegar à cúpula, o gozo da vitória, seguido pela queda do topo e a suave luz branca do Fade que era o eterno desenlace.
Cantou a canção de ninar duas vezes, e sua última viagem através das palavras foi a melhor. Deteve-se ali, porque não desejava correr o risco de que o próximo intento não ficasse tão bom.
A voz de Bella se ouviu rouca pelas lágrimas.
—Conseguiu-o. Conseguiu que dormisse.
—Você poderia cantar-lhe se quisesse.
—Farei-o. Definitivamente o farei. Obrigado por me recordar isso. Não sei por que nunca antes tinha me ocorrido tentá-lo.
—Possivelmente o tivesse feito. Em algum momento.
—Obrigado Rehv.
—Dorme bem, irmã minha.
—Ligarei amanhã, ok? Parece distraído.
—Amo-a.
—Aahh… eu também o amo. Ligo amanhã.
Houve uma pausa.
—Se cuide. Cuide você, a sua pequena e a seu hellren.
—Farei-o querido irmão. Adeus.
Rehv cortou a comunicação e ficou sentado com o telefone na mão. Para manter a tela acesa, pressionava a tecla de maiúscula a cada dois minutos.
Matava-lhe não poder ligar para Ehlena. Mandar-lhe uma mensagem de texto. Estender-se para ela. Mas estava no lugar que devia estar: era melhor que o odiasse a que o chorasse.
Às quatro e meia, recebeu a mensagem de texto de iAm que tinha estado esperando. Eram só duas palavras.
Tudo desocupado.
Rehv se levantou da cama. A dopamina estava perdendo efeito, mas ainda ficava suficiente em seu sistema como para que se cambaleasse ao não usar o cajado e se visse obrigado a recuperar o equilíbrio. Quando se convenceu de que estava suficientemente estável, tirou o casaco de Marta cibelina e a jaqueta e se desarmou, deixando sobre a cama as pistolas que habitualmente levava debaixo dos braços.
Era hora de ir-se, hora de usar o sistema que tinha instalado depois de ter comprado o edifício de tijolos do clube e de havê-lo renovado da pedra angular até o teto.
Todo o lugar estava conectado por meio de som. E não do tipo Dolby.
Retornou a seu escritório, sentou-se atrás do escritório e abriu a última gaveta do lado direito. Dentro havia uma caixa negra que não era maior que o controle remoto de uma TV, e além dele, iAm era o único que sabia o que era e para que servia. iAm também era a única outra pessoa que tinha conhecimento dos ossos que Rehv guardava debaixo de sua cama, ossos que eram de um macho humano e aproximadamente do tamanho de Rehv. Mas por outro lado, iAm era o que os tinha conseguido.
Rehv tirou o controle remoto e ficou de pé, passeando o olhar pelo lugar por última vez. As pilhas de papéis ordenadas. O dinheiro na caixa forte. As drogas na sala de corte do Rally.
Saiu do escritório. Agora que tinha terminado o horário de trabalho, o clube estava bem iluminado, e a seção VIP estava coberta pelos resíduos de toda a noite, como uma puta muito usada: havia rastros no lustroso chão negro, marcas circulares da transpiração dos copos, guardanapos enrugados e deixados sobre as mesas aqui e ali. As garçonetes limpavam depois de que ia cada cliente, mas um humano tinha limitações quanto ao que podia ver na escuridão.
A cascata, que estava atravessada no caminho para separar as seções, estava apagada, por isso tinha uma clara visão da seção popular… que não se via muito melhor. O chão da pista de dança estava todo rajado. Havia varinhas de coquetel e pacotes de pirulitos por todos os lados, e até tinham deixado um par de calcinhas em um canto. No teto, tinha ficado exposto o sistema de iluminação a laser com suas redes de vigas, cabos e porta lâmpadas, e como não soava a música, os alto-falantes enormes estavam hibernando como ursos negros em uma cova.
Neste estado o clube era como O Mago de Oz ao ser exposto: toda a magia que se desenvolvia aqui noite após noite, todo o barulho e a excitação, em realidade era, somente, uma combinação de eletrônica, bebidas alcoólicas, e químicas, uma ilusão para as pessoas que atravessavam a porta dianteira, uma fantasia que lhes permitia ser algo que não pudessem ser no dia a dia de suas vidas. Talvez ansiassem ser poderosos porque se sentiam fracos, ou sensuais porque se sentiam feios, ou elegantes e ricos quando na realidade não o eram, ou jovens quando entravam rapidamente na meia idade. Talvez desejassem cauterizar a dor de uma relação falida ou cobrar vingança por terem sido deixados ou fingir que não estavam procurando um par quando na realidade estavam desesperados por conseguir um.
Certo, saíam a «divertir-se», mas estava completamente seguro de que debaixo da superfície alegre e radiante, havia muita escuridão e decaimento.
O clube em seu estado atual era a metáfora perfeita de sua vida. Durante muito tempo tinha sido o Mago, enganando a seus seres mais próximos, se encaixando com as pessoas normais através de uma combinação de drogas, mentiras e subterfúgios.
Esse era um tempo passado.
Rehv deu uma última volta pelo lugar e saiu pelas portas duplas da frente. O pôster negro do ZeroSum não estava aceso, indicando que já estavam fechados por essa noite. Embora fosse mais adequado dizer que tinham fechado definitivamente.
Olhou a esquerda e a direita. Não havia ninguém na rua, nem carros nem pedestres à vista.
Dirigiu-se para examinar o beco no qual estava a entrada lateral que dava à seção VIP e logo o atravessou rapidamente dirigindo-se para o outro beco. Não havia indigentes. Não havia parasitas.
De pé sob o vento frio, Rehv tomou um momento para apreciar os edifícios que estavam ao redor do clube, procurando ralos que indicassem que havia humanos neles. Nada. O sinal de que estava tudo desocupado era correto.
Quando esteve preparado para partir, cruzou a rua, desceu dois blocos, e logo se deteve, deslizou a tampa do controle remoto para baixo, e ingressou um código de oito dígitos.
Dez… e nove… oito…
Encontrariam os ossos calcinados e rangentes, e durante um breve momento se perguntou de quem seriam. iAm não o havia dito, e ele não tinha perguntado.
Sete… e seis… cinco…
Bella ia ficar bem. Ela tinha a Zsadist, a Nalla, aos Irmãos e a suas shellans. Para ela ia ser brutal, mas o superaria, e era melhor isto a que se inteirasse de uma verdade que a destruiria: nunca devia inteirar-se de que sua mãe tinha sido violentada e que seu irmão era meio comedor de pecados.
Quatro…
Xhex permaneceria separada da colônia. iAm se asseguraria disso, porque ia forçar a ater-se à promessa que tinha feito a noite anterior: tinha prometido cuidar de alguém, e na carta que Rehv tinha escrito na Antiga Língua, a qual tinha feito que iAm legitimasse, exigia-lhe que cuidasse de si mesma. Sim, tinha-a enganado a esse respeito. Sem dúvida teria assumido que lhe pediria que matasse à princesa, ou talvez até podia ter pensado que lhe pediria que cuidasse de Ehlena. Mas era um symphath, não? E ela tinha cometido o engano de lhe dar sua palavra sem saber a que estava se comprometendo.
Três…
Rastreou o contorno do teto do clube com os olhos e tratou de imaginar o aspecto que teriam os escombros, não só os que estivessem ao redor do clube, mas também os que deixariam nas vidas das pessoas ao dirigir-se para o norte.
Dois…
Para Rehv doía muitíssimo o coração, e sabia que era devido a estar guardando luto por Ehlena. Apesar de que tecnicamente era ele, que estava morrendo.
Um...
A explosão que detonou debaixo da pista de dança principal desencadeou dois mais, uma debaixo do bar da seção VIP e outra no balcão da sobreloja. Com um tremendo estrondo e um tremor envolvente, o edifício estremeceu até os alicerces e uma rajada de tijolos e cimento vaporizado se precipitou para fora.
Rehvenge cambaleou para trás e se chocou contra a vitrine de cristal de um salão de tatuagens. Depois de recuperar o fôlego, observou como a fina névoa de pó flutuava para baixo como se fosse neve.
Roma tinha caído. E apesar disso, era difícil partir.
A primeira das sirenes soou não mais de cinco minutos mais tarde, e esperou que passassem as luzes intermitentes vermelhas a toda velocidade salpicando toda a rua Trade.
Quando o fizeram, fechou os olhos, tratou de acalmar-se… e se desmaterializou para o norte.
Para a colônia.

Capítulo 57


—Ehlena? —A voz de Lusie baixou as escadas.
— Vou embora.
Ehlena se sacudiu e olhou a hora no canto inferior da tela do computador. Eram quatro e meia? Já? Deus, sentia-se como... bom, como se não soubesse que tinha estado sentada frente a sua mesa improvisada durante horas ou dias. O lugar de busca de emprego de Caldwell Courier Journal tinha estado na tela todo o tempo, mas tudo o que tinha estado fazendo ela era fazer círculos com a ponta do dedo indicador sobre o botão do mouse .
—Já vou. —ficou em pé e se dirigiu às escadas.
— Obrigada por limpar tudo depois da refeição de meu pai.
A cabeça do Lusie apareceu no alto das escadas.
—De nada, e ouça, há alguém aqui que quer ver você.
O coração de Ehlena deu um tombo em seu peito.
—Quem?
—Um macho. Deixei-o entrar.
—OH, Deus. —disse Ehlena baixo. Enquanto subia correndo do porão, pensou que ao menos seu pai estava profundamente adormecido depois de ter comido. Quão último necessitava nesse momento era que se transtornasse pela presença de um estranho na casa.
Quando chegou à cozinha, estava preparada para dizer a Rehv ou Trez ou quem quer que fosse que podia ir a...
De pé junto à mesa barata, havia um macho loiro com uma aura de riqueza que levava uma pasta negra na mão. Lusie estava junto a ele, colocando seu casaco de lã e preparando sua bolsa de patchwork para sua viagem para casa.
—Posso o ajudar? —disse Ehlena franzindo o cenho.
O macho fez uma pequena reverência, levando a palma de sua mão galantemente para o peito, e quando falou, sua voz era extraordinariamente baixa e muito culta.
—Estou procurando Alyne, filha de Uys. É você sua filha?
—Sim, sou-o.
—Posso lhe ver?
—Está descansando. Do que se trata, e quem é você?
O macho olhou a Lusie, depois colocou a mão no bolso do peito e tirou uma identidade no Antigo Idioma.
—Sou Saxton, filho de Tyhm, advogado contratado pela casa de Montrag, filho de Rehm. Este passou recentemente ao Fade sem deixar nenhum herdeiro direto, e de acordo com minha investigação de linhagens, seu pai é o parente mais próximo e portanto o único beneficiário.
As sobrancelhas da Ehlena dispararam para cima.
—Perdão? —Quando ele repetiu o que havia dito, seguia sem captá-lo.
— Eu... ah... o que?
Quando o advogado voltou a repetir a mensagem, sua mente rodeou a provas, tentando conectar os pontos. Rehm era definitivamente um nome que lhe resultava familiar. Tinha-o visto nos registros de negócios de seu pai... e em seu manuscrito. Não era um tipo agradável. Nem por acaso. Tinha uma vaga lembrança do filho, mas nada específico, somente um remanescente dos dias passados como fêmea de valia no círculo de debutantes da glymera.
—Sinto muito, —murmurou— mas isto é uma surpresa.
—Entendo. Posso falar com seu pai?
—Ele não..., não recebe visitas, na realidade. Não está bem. Eu sou sua tutora legal. —esclareceu-se garganta.
— Conforme à Antiga Lei, tive que fazer que lhe declarassem incapaz devido a... questões mentais.
Saxton, filho de Thym, fez uma pequena reverência.
—Lamento ouvir isso. Posso perguntar se estaria capacitada para apresentar a identificação de linhagem de ambos? E a declaração de incapacidade?
—Tenho-o tudo lá embaixo. —Olhou a Lusie.
— Suponho que deve partir.
Lusie olhou fixamente a Saxton e pareceu chegar à mesma conclusão que Ehlena. O macho parecia perfeitamente normal, e esse traje, esse casaco e essa maleta que levava na mão, gritavam positivamente advogado. Sua identidade era legítima também.
—Posso ficar se quiser. —disse Lusie.
—Não, estarei bem, além disso, aproxima-se o amanhecer.
—Muito bem então.
Ehlena acompanhou Lusie para fora e depois voltou com o advogado.
—Me dá licença um minuto?
—Leve o tempo que precisar.
—Gostaria... hã, de beber algo? Café? —Esperava que dissesse que não, já que o melhor que podia lhe oferecer era um suco, e ele parecia o tipo de homem que estava mais acostumado às xícaras de chá de Limões.
—Estou bem, mas obrigado. —Seu sorriso era genuíno e nada sexual. Mas por outro lado, não lhe cabia dúvida de que só se interessava pelo tipo de fêmea aristocrática que ela poderia ter sido se suas finanças tivessem sido diferentes.
Suas finanças... e outras coisas.
—Voltarei em um momento. Por favor, sente-se. —Embora a calça dele, engomada com suma precisão, bem poderiam rebelar-se se o macho tentasse depositar seu peso sobre uma das miseráveis cadeiras que havia ali.
Quando esteve na parte de baixo, em seu quarto, procurou sob a cama e tirou sua caixa de documentos. Enquanto a levava escada acima, sentia-se torpe, totalmente fria pelo drama no qual tinha caído sua vida como se fosse um avião em chamas caindo do céu. Jesus, o fato de que um advogado tivesse aparecido em sua porta procurando herdeiros perdidos parecia... estranho. Como é. E não ia pôr muitas esperanças nisto. Pela forma em que estavam resultando as coisas, esta «oportunidade dourada» acabaria indo na mesma direção que todo o resto ultimamente.
Direto a merda.
Uma vez na parte de cima, pôs a caixa sobre a mesa.
—Tenho tudo aqui.
Quando se sentou, Saxton também o fez, pondo sua maleta no chão cheio de marcas e centrou seus olhos cinza na caixa. Depois de marcar a combinação, ela abriu a pesada tampa e tirou um envelope cor nata tamanho dez por vinte centímetros e três pergaminhos enrolados, cada um dos quais tinha fitas de cetim ondeando desde seus interiores enrolados.
—Esta é a declaração de incapacidade. —disse, abrindo o envelope e tirando um documento.
Depois que ele examinou a missiva e assentira, descobriu o certificado de linhagem de seu pai, que ilustrava uma árvore familiar com primorosa e ondulada tinta negra. Na base, as fitas amarelas, azul pálido e vermelho profundo estavam fixadas com um selo de cera negra que levava o escudo do pai do pai de seu pai.
Saxton levantou sua maleta, abriu-a, e tirou um par de óculos de joalheiro, deslizou o peso até seu rosto e examinou cada centímetro do pergaminho.
—É autêntico. —pronunciou.
— Os outros?
—O de minha mãe e o meu próprio. —Desenrolou-os ambos e ele realizou a mesma inspeção.
Quando terminou, recostou-se na cadeira e tirou os óculos.
—Posso voltar a ver a declaração de incapacidade?
Ela a passou e ele leu, com um cenho esticando o espaço que havia entre suas sobrancelhas perfeitamente arqueadas.
—Qual é exatamente a condição médica de seu pai, se não lhe incomodar que pergunte?
—Sofre de esquizofrenia. Para ser honesta está muito doente e precisa de cuidados contínuos.
Saxton percorreu lentamente a cozinha com o olhar, tomando nota do chão manchado, do papel de alumínio nas janelas, e os eletrodomésticos antigos.
—Você tem emprego?
Ehlena se esticou.
—Não vejo como isso possa ser relevante.
—Sinto muito. Você tem toda a razão. É que apenas... —Voltou a abrir sua maleta e tirou um documento de umas cinqüenta páginas e uma folha contável.
— Uma vez que me certifique que você e seu pai eram os parentes mais próximos de Montrag... e me apoiando nesses pergaminhos tenho tudo preparado para fazê-lo... nunca vai ter que voltar a preocupar-se com dinheiro.
Girou o documento e a folha contável tamanho legal para ela e tirou uma pluma de ouro do bolso do peito.
—Agora seu valor nítido é substancial.
Com a ponta de sua pluma, Saxton assinalou o número definitivo que aparecia no canto inferior direito da folha.
Ehlena baixou o olhar. Piscou.
Depois se inclinou de tudo sobre a mesa, até que seus olhos não estiveram a mais de três centímetros da ponta da pluma e o papel e... desse número.
—Isso... quantos dígitos estou vendo? —sussurrou.
—Deveriam ser oito à esquerda do ponto decimal.
—E começa por um três?
—Sim. Também há uma propriedade. Em Connecticut. Pode mudar-se quando queira depois de que termine com os papéis de certificação, todos os quais redigirei durante o dia e passarei imediatamente ao Rei para sua aprovação. —recostou-se para trás.
— Legalmente, o dinheiro, o imóvel e os objetos pessoais, incluindo as obras de arte, antiguidades e os carros, serão de seu pai até que ele passe ao Fade. Mas com os papéis de tutoria, você estará a cargo de tudo em seu benefício. Assumo que é você sua herdeira no testamento?
—Ah... Sinto muito, qual era a pergunta?
Saxton sorriu amavelmente.
—Tem seu pai um testamento? Está você nele?
—Não... não, não tem. Já não tínhamos nenhum ativo.
—você tem algum irmão?
—Não. Só eu. Bom, ele e eu desde que Mahmen morreu.
—Gostaria que redigisse um testamento para ele a seu favor? Se seu pai morrer intestado, tudo passará a você de todo o modo, mas se arrumarmos isso antes, simplificará as coisas a qualquer advogado que contrate, porque não terá que conseguir a assinatura do Rei para a transferência dos ativos.
—Isso seria... Espere, você sai caro, verdade? Não acredito que possamos...
—Pode permitir-se me contratar. —Golpeou a folha com a pluma outra vez.
— Confie em mim.

Nas largas e escuras horas posteriores a que Wrath perdesse a visão, caiu pelas escadas... diante de todo mundo que se congregou na sala de jantar para a Última Refeição. O movimento casca–de–banana o levou, com o traseiro por diante, todo o caminho para baixo até chegar ao chão de mosaico do vestíbulo.
A única forma de ter ficado como um perdedor ainda maior teria sido se tivesse começado a sangrar por toda parte.
OH... espera. Quando levantou a mão para seu cabelo, para afastar essa merda para trás, sentiu algo úmido e sabia que não estava babando.
—Wrath!
—Meu irmão...
—Que caralho...?
—Santa...
Beth foi a primeira dos milhares que trataram de alcançá-lo, pôs-lhe as mãos sobre os ombros enquanto o sangue quente gotejava de seu nariz.
Outras mãos se estenderam para ele através da escuridão, as mãos de seus irmãos, as mãos das shellans da casa, todas mãos amáveis, preocupadas, compassivas.
Com uma grosseria furiosa, empurrou a todos para trás e tentou ficar em pé. Entretanto a não ter o sentido de orientação que lhe guiasse, terminou com uma shitkicker no primeiro degrau... o que lhe fez perder o equilíbrio. Ao gesticular em busca do corrimão, de algum modo as arrumou para equilibrar suas botas e retrocedeu arrastando os pés, não estava seguro de que se dirigia para a porta dianteira ou ao salão de bilhar ou à biblioteca ou a sala de jantar. Estava mais que perdido em um espaço que conhecia muito bem.
—Estou bem. —ladrou.— Estou perfeitamente bem.
Todo mundo ao seu redor ficou em silêncio, sua voz de comando não tinha sido mitigada em nada pela cegueira, sua autoridade como Rei era irrebatível embora não pudesse ver uma puta merda…
Suas costas bateram contra uma parede e um candelabro de cristal que havia sobre ele tilintou pelo impacto, o delicado ruído se elevou no silêncio reinante.
Jesus... cristo. Não podia seguir assim, movendo-se por aí como um carro de choque, golpeando as coisas, caindo. Mas nisto não tinha direito a voto.
Desde que tinha ficado às escuras, tinha estado esperando que seus olhos começassem a funcionar outra vez. Não obstante, com o passar do tempo, sem que Havers tivesse encontrado respostas concretas, e ante o desconcerto da Dra. Jane, o que em seu coração já sabia que era verdade tinha começado a abrir caminho até seu cérebro: esta escuridão em que se encontrava era a nova terra sobre a qual agora caminhava.
Ou caía, em todo caso.
Para quando o candelabro se aquietou sobre sua cabeça, cada parte de seu ser estava gritando, e rezou para que ninguém, nem sequer Beth, tentasse o tocar ou lhe falar ou lhe dizer que tudo estava bem.
Nada ia voltar a estar bem. Não ia recuperar a visão, sem importar o que os médicos pudessem tentar lhe fazer, sem importar quantas vezes se alimentasse, sem importar com quanta freqüência descansasse ou o bem que se cuidasse. Merda, inclusive antes que V tivesse exposto o que tinha previsto, Wrath já sabia que isto se aproximava: Sua visão tinha estado decaindo com o passar dos séculos, a acuidade visual esteve desaparecendo gradualmente com o tempo. E esteve sofrendo dores de cabeça durante anos, e sua severidade tinha crescido nos últimos doze meses.
Tinha sabido que terminaria assim. Toda sua vida o tinha sabido e o tinha ignorado, mas a realidade tinha chegado.
—Wrath. —Foi Mary, a shellan de Rhage, a que rompeu o silêncio, sua voz foi uniforme e tranquila sem rastros de frustração ou agitação. O contraste com o caos de sua mente o fez voltar-se para o som embora não pôde lhe responder nada porque não tinha voz.
— Wrath, quero que estenda a mão esquerda. Encontrará o marco da porta da biblioteca. Vai para lá e dá quatro passos para trás para entrar na habitação. Quero falar com você, e Beth também estará presente.
As palavras eram tão equilibradas e razoáveis que foram como um mapa para atravessar a crescente selva de espinheiros, e seguiu as indicações com todo o desespero de um viajante perdido. Estendeu a mão... e sim, ali estava o desenho irregular da moldura ao redor do marco da porta. Arrastando-se para um lado, utilizou ambas as mãos para encontrar o caminho que o levasse a atravessar o marco, e depois deu quatro passos para trás.
Ouviu passos silenciosos. Desde dois pares de pés. E as portas da biblioteca se fecharam.
Percebia a localização das duas fêmeas pelos sutis sons de suas respirações, e nenhuma delas invadia seu espaço pessoal, o que agradeceu.
—Wrath, acredito que precisamos fazer algumas mudanças temporárias. —A voz de Mary provinha da direita.
— No caso de não recuperar a visão logo.
Grande eufemismo, pensou ele.
—Como quais? —resmungou.
Beth respondeu, o fazendo tomar consciência de que evidentemente já tinham falado disto entre elas.
—Uma bengala para o ajudar com o equilíbrio, e uma infra-estrutura de pessoal de cobertura em seu escritório para que possa voltar para o trabalho.
—E talvez alguma outro tipo de ajuda. —apontou Mary.
Enquanto absorvia suas palavras, o som dos batimentos de seu coração rugia em seus ouvidos, e tentou não prestar tanta atenção. Sim, boa sorte com isso. Quando um suor frio o banhou, empapando seu lábio superior e suas axilas, não esteve seguro de se era pelo medo ou pelo esforço que lhe demandava tratar de evitar derrubar-se diante delas.
Provavelmente ambos. A questão era que não poder ver era ruim, mas o que realmente o estava matando era a claustrofobia. Sem uma referência visual, estava preso no espaço estreito e lotado sob a capa de sua pele, aprisionado em seu corpo sem forma de sair... e esse tipo de merda não lhe sentava nada bem. Recordava-lhe muito , quando era menino e seu pai o encerrou em um espaço pequeno... e permaneceu encerrado enquanto via como os lessers assassinavam a seus pais…
A lúgubre lembrança debilitou seus joelhos e perdeu o equilíbrio, escorando-se para um lado até que começou a cair de suas botas. Beth foi a que lhe apanhou e brandamente o carregou para o outro lado para que quando caísse o fizesse sobre um sofá.
Enquanto tentava respirar, apertou a mão dela com força, e esse contato foi tudo o que evitou que soluçasse como um fodido marica.
O mundo acabou... o mundo acabou... o mundo se havia...
—Wrath, —disse Mary— se voltar a trabalhar, ajudará, e enquanto isso podemos fazer isso mais fácil. Há soluções que podem fazer as coisas mais seguras para você e ajudar a se acostumar a...
Ela falava mas ele não a escutava. Em tudo o que podia pensar era em que não voltaria a lutar, nunca. Nada de passear com facilidade pela casa, nunca. Nada de conseguir embora fosse uma impressão imprecisa do que havia em seu prato, ou de quem estava sentado a sua mesa, ou do que vestia Beth. Não sabia como ia fazer para barbear-se ou encontrar a roupa em seu armário ou ver onde estava o xampu ou o sabão. Como se exercitaria? Não seria capaz de preparar os pesos que queria ou ligar a esteira de correr e... merda, amarrar os cadarços dos tênis...
—Sinto-me como se tivesse morrido. — disse com voz afogada.
— Sim assim é como vai ser... sinto como se a pessoa que era… tivesse morrido.
A voz de Mary lhe chegou diretamente da frente dele.
—Wrath, vi a pessoas atravessarem exatamente o mesmo tipo de situação com a que você está lutando. Meus pacientes autistas e seus pais devem aprender a ver as coisas de um modo novo. Mas para eles não foi o fim. Não houve nenhuma morte, só uma mudança em seu estilo de vida.
Enquanto Mary falava, Beth lhe acariciava o interior do braço, deslizando a mão para cima e para baixo pela tatuagem que ilustrava sua linhagem. O toque o fez pensar nos muitos machos e fêmeas que tinham morrido antes dele, cuja coragem tinha sido posto a prova por desafios tanto internos como externos.
Franziu o cenho, repentinamente envergonhado por sua debilidade. Se seu pai e sua mãe estivessem vivos nesse momento, haveria se sentido envergonhado de que vissem como estava se comportando. E Beth... sua amada, sua companheira, sua shellan, sua Rainha, tampouco deveria o haver visto assim.
Wrath, filho de Wrath, não deveria estar inclinando-se sob o peso que lhe tinha imposto. Deveria estar suportando-o. Isso era o que faziam os membros da Irmandade. Isso era o que fazia um Rei. Isso era o que fazia um macho de valia. Deveria estar suportando sua carga, elevando-se por cima da dor e do medo, lhe fazendo frente firmemente não só por aqueles aos que amava, mas também por si mesmo.
Em vez disso, caía pelas escadas como um bêbado.
Esclareceu a garganta. E teve que esclarecer uma vez mais.
—Tenho... tenho que ir falar com alguém.
—Ok. —disse Beth.
— Podemos trazer esse alguém até você...
—Não, irei por mim mesmo. Se me perdoarem. —ficou em pé e avançou... para dar em cheio com a mesa do café. Reprimindo uma maldição enquanto esfregava a tíbia, disse: — Me deixam aqui? Por favor.
—Posso... —A voz de Beth se quebrou.— Posso limpar seu rosto?
Distraidamente, Wrath limpou a bochecha e a sentiu úmida. Sangue. Ainda estava sangrando.
—Está bem. Estou bem.
Houve um suave sussurro enquanto as duas mulheres se encaminhavam para a porta, depois do click do ferrolho quando uma delas acionou o trinco.
—Amo-a, Beth. —disse Wrath rapidamente.
—Eu também o amo.
—É... tudo se arrumará.
Com outro click, a porta voltou a fechar-se.
Wrath se sentou no chão no mesmo lugar em que se encontrava, porque não confiava em si mesmo para andar pela biblioteca para conseguir uma posição melhor. Enquanto estava sentado, o rangido do fogo lhe deu algum marco de referência... e então se deu conta de que podia visualizar a biblioteca em sua mente.
Se estendesse a mão à direita... sim. Sua mão roçou uma das suaves pernas da mesa que havia junto ao sofá. Subiu com a mão até o fundo retangular e aplaudiu a superfície da coisa até encontrar... se, os costeiros que Fritz empilhava pulcramente ali. E um pequeno livro de couro... e a base do abajur.
Isto era reconfortante. De uma certa forma, estranha, havia sentido como se o mundo tivesse desaparecido só porque ele não podia vê-lo. Mas na realidade todo seguia estando aí.
Fechando os olhos, enviou uma petição.
Passou um longo momento antes que fosse respondida, um longo, longo momento antes que seu espírito lhe abandonasse encontrando a si mesmo de pé em um chão duro, junto a uma fonte que cantava brandamente. Perguntou-se se seria cego aqui no Outro Lado também, e o era. Ainda assim, como lhe tinha ocorrido com a disposição da biblioteca, conhecia o lugar, embora não pudesse vê-lo. Ali à direita havia uma árvore cheia de pássaros piando, e diante dele, do outro lado da fonte que pulverizava água, estaria a galeria com colunas que formava parte dos aposentos privados da Virgem Escriba.
—Wrath, filho de Wrath. —Não ouviu a mãe, da raça, aproximar-se mas bom, ela se deslocava levitando de modo que sua túnica negra nunca tocasse o chão que havia baixo dela, fosse qual fosse este.
— Com que propósito vem a mim?
Ela sabia condenadamente bem por que estava ali, e Wrath já não ia seguir o jogo.
—Quero saber se você me fez isto.
Os pássaros ficaram em silêncio, como se estivessem horrorizados por sua temeridade.
—Se tiver feito o que a você? —Sua voz soava como quando tinha aparecido na Tumba com Vishous: distante e desinteressada. O que o enchia irritava bastante a um cara que estava tendo problemas para descer suas próprias escadas.
—Minha maldita vista. Tirou-me isso porque saí para lutar? —arrancou os óculos envolventes do rosto e os atirou pelo chão escorregadio.
—Você me fez isto?
No passado lhe teria açoitado até lhe fazer sangrar por essa classe de insubordinação, e enquanto ele aguardava ver o que lhe vinha em cima, quase esperava que lhe fundisse o traseiro com um relâmpago.
Entretanto não houve nenhum impacto.
—O que estava destinado a ser, ia ser. Que lutasse não teve nada que ver com sua perda de visão, nem eu tampouco. Agora volta para seu mundo e me deixe no meu.
Soube que se virou, porque sua voz soou apagada enquanto se encaminhava na direção oposta.
Wrath franziu o cenho. Tinha vindo esperando uma briga, e queria uma. E o que tinha em lugar disso? Nada contra o que argumentar, nem sequer uma reprimenda por sua deliberada falta de respeito.
A mudança radical no paradigma era tão cru, que por um momento esqueceu todo o assunto de sua cegueira.
—O que acontece com você?
Não obteve nenhuma resposta, só uma porta fechando-se brandamente.
Em ausência da Virgem Escriba, os pássaros ficaram em silêncio, a única cortina de fundo era o delicado som da água ao cair. Até que outra pessoa se aproximou.
Por instinto, virou-se para os passos e assumiu sua postura de luta, surpreso ao descobrir não que estava tão indefeso como tinha pensado. Em ausência da vista, sua audição enchia a imagem que já não criavam seus olhos: sabia onde estava a pessoa pelo roçar de sua túnica e um estranho click, click, clik e... merda, até podia ouvir seu coração.
Forte. Firme.
O que estava fazendo um macho ali?
—Wrath, filho de Wrath. —Não era a voz de um macho. Era uma fêmea. E mesmo assim lhe dava uma impressão de masculinidade. Ou talvez fosse apenas o poder?
—Quem é? —exigiu.
—Payne.
—Quem?
—Não importa. Diga-me algo, tem planejado fazer algo com esses punhos? Ou só vais ficar aí parado?
Ele deixou cair os braços imediatamente, já que era absolutamente inapropriado levantar a mão a uma fêmea…
O gancho se estrelou em sua mandíbula com tanta força, que lhe sacudiu a cabeça e os ombros. Atônito, mais surpreso que dolorido, lutou por recuperar o equilíbrio. No instante em que o fez, ouviu uma espécie de zumbido e recebeu outro golpe, e o seguinte golpe conectou sob sua mandíbula e lhe jogou a cabeça para trás.
Entretanto, esses eram os únicos golpes livres que ia conseguir. Seus instintos defensivos e seus anos de treinamento responderam apesar de não poder ver nada, sua audição fez a parte de seus olhos, lhe indicando onde estavam coisas como braços e pernas. Agarrou um pulso surpreendentemente magro e atirou da fêmea...
O calcanhar dela contatou duramente com sua tíbia, a dor arpoou sua perna, o irritando, ao mesmo tempo em que parecia a uma corda que oscilava frente a seu rosto. Agarrou-o com a esperança de que fosse uma trança presa a...
Puxando com força, sentiu que o corpo dela se contorcia para trás. Sim, presa a sua cabeça. Perfeito.
Fazê-la perder o equilíbrio foi fácil, mas merda era uma filha da puta forte. Com apenas uma perna para apoiar seu peso, as arrumou para saltar e girar no ar, lhe dando no ombro com o joelho.
Ouviu-a aterrissar e começar a revolver-se, mas a manteve presa pelo cabelo, refreando-a. Entretanto era como água, sempre fluída, sempre em movimento, lhe golpeando continuamente até que se viu obrigado a tombá-la rudemente sobre a terra e sujeitá-la.
Foi um caso de força bruta vencendo à graça.
Ofegando, olhou em direção a um rosto que não podia ver.
—Qual é seu puto problema?
—Estou aborrecida. —Havendo dito isso, deu-lhe um cabeçada justo no maldito nariz.
A dor o fez sentir como se estivesse em um carrossel, afrouxando brevemente sua pressão. E isso foi tudo o que ela necessitou para liberar-se de novo. Agora era ele, que estava abaixo e ela tinha o antebraço ao redor de sua garganta e empurrava esta para trás com tanta força, que devia estar segurando o pulso para poder fazer mais alavanca.
Wrath lutou por levar ar a seus pulmões. Santa merda se continuasse assim, ia matar a ele. Realmente ia fazê-lo.
Do mais fundo de seu ser, do fundo de sua medula e do profundo da dupla hélice de seu DNA, chegou-lhe a resposta. Não ia morrer aqui e agora. De nenhuma maldita maneira. Ele era um sobrevivente. Era um lutador. E fosse quem fosse esta cadela, não ia emitir sua passagem ao Fade.
Wrath deixou escapar um grito de guerra apesar da barra de ferro que tinha ao redor do pescoço, e se moveu tão rápido que nem se inteirou do que fez. Tudo o que sabia era que uma fração de segundo depois, a fêmea estava com o rosto sobre o mármore com ambos os braços retorcidos atrás das costas.
Sem razão aparente, recordou quando lhe tinha quebrado os braços a esse lesser, umas quantas noites atrás, no beco antes de matar ao bode.
A ela ia fazer lhe exatamente o mesmo...
A risada que ondeou até ele de baixo o deteve. A fêmea... estava rindo. E não como alguém que tivesse perdido a cabeça. Sinceramente estava passando um bom momento, apesar de que devia saber que estava a ponto de desmaiar pelo tipo de dor que ia infligir a ela.
Wrath afrouxou ligeiramente a pressão.
—É uma puta demente, sabia?
O corpo firme dela tremeu debaixo do dele enquanto seguia rindo.
—Sei.
—Se a solto, vamos voltar a terminar aqui outra vez?
—Talvez sim. Talvez não.
Estranho, mas de certo modo gostava dessas probabilidades, e depois de um momento, soltou-a como o tivesse feito com um garanhão de mau gênio: rapidamente e com uma veloz retirada de sua parte. Enquanto se plantava sobre seus pés, estava preparado para que voltasse a o atacar, e de certa forma esperava que o fizesse.
A fêmea ficou onde estava, estendida sobre o chão de mármore, e voltou a ouvir o tinido.
—O que é isso? —perguntou.
—Tenho o hábito de bater a unha de meu dedo anelar contra a parte interna da unha de meu polegar.
—OH. Ótimo.
—Ouça, vai voltar de novo logo?
—Não sei. Por quê?
—Porque isto foi a coisa mais divertida que me aconteceu desde... faz muito tempo.
—Volto a perguntar, quem é? E por que não a vi aqui antes?
—Só digamos que Ela nunca soube o que fazer comigo.
Estava claro, dado o tom da fêmea, quem era Ela.
—Bom, Payne, pode ser que volte para ter mais disto.
—Bem. Faze-o logo. —Ouviu-a ficar em pé.
— A propósito, seus óculos estão junto a seu pé esquerdo.
Houve um sussurro e o suave fechar-se de uma porta.
Wrath pegou os óculos e depois se sentou sobre o mármore para dar uma pausa a suas pernas. Era engraçado, mas desfrutou da dor de sua perna, a espetada de seu ombro e o palpitar agudo de tudo e cada um de seus machucados. Tudo isso lhe era familiar, parte de seu passado e seu presente, e o que ia necessitar no aterrador e desconhecido futuro escuro.
Seu corpo ainda era dele. Ainda funcionava. Ainda podia lutar, e talvez com prática poderia voltar aonde tinha estado.
Não tinha morrido.
Ainda estava vivo. Certo, não podia ver, mas ainda podia tocar a sua shellan e lhe fazer amor. E ainda podia pensar, caminhar, falar e ouvir. Seus braços e pernas funcionavam perfeitamente, como também o faziam seus pulmões e seu coração.
A adaptação não ia ser fácil. Uma luta realmente impressionante não ia fazer desaparecer o que seriam meses e meses de torpe aprendizagem, frustração, fúria e passos em falso.
Mas tinha perspectiva. Uma diferente do nariz sangrando que tinha conseguido ao cair pelas escadas, a que tinha agora não lhe parecia um símbolo de tudo o que tinha perdido. Era mas bem uma representação de tudo o que ainda tinha.
Quando Wrath voltou para sua forma na biblioteca da mansão da Irmandade, estava sorrindo, e quando ficou em pé e uma de suas pernas uivou de dor soltou uma risada afogada.
Concentrando-se, deu dois passos coxeando à esquerda e... encontrou o sofá. Deu dez para frente e... encontrou a porta. Abriu a porta, deu quinze passos diretamente para diante, e... encontrou a balaustrada da escada principal.
Podia ouvir a refeição que se estava acontecendo no salão, o suave tinido de prata contra porcelana enchendo o vazio que normalmente ocupava o bate-papo. E pôde cheirar o... Oh, sim, cordeiro. A isso se referia.
Enquanto dava trinta e cinco mesurados passos de caranguejo à esquerda, começou a rir, especialmente quando limpou o rosto e o sangue gotejou de sua mão.
Soube o momento exato em que todo mundo o viu. Garfos e facas caíram sobre os pratos e ricochetearam, as cadeiras se arrastaram para trás e o ar se encheu de maldições.
Wrath simplesmente riu e riu e riu um pouco mais.
—Onde está minha Beth?
—Oh, doce Jesus. —disse ela enquanto se aproximava.
— Wrath... o que aconteceu?
—Fritz. — chamou enquanto amoldava a sua Rainha contra ele.
— Poderia me trazer um prato? Estou faminto. E também uma toalha para que possa me limpar. —Apertou a Beth.
— Me leve a meu assento, meu amor?
Fez-se um grande silêncio que positivamente soava a que–caralho–é–isto?
Hollywood foi o que perguntou:
—Quem demônios utilizou seu rosto como bola de futebol?
Wrath simplesmente encolheu os ombros e acariciou as costas de sua shellan.
—Fiz uma nova amizade.
—Pois grande amigo.
—Ela o é.
—Ela?
O estômago de Wrath deixou escapar um grunhido.
—Bom, posso me unir à refeição ou o que?
A referência a comida fez com que todo mundo voltasse a concentrar-se, produziu-se todo tipo de bate-papo e gritaria, e logo Beth o guiou através do salão. Quando se sentou, puseram-lhe um pano úmido na mão, e o divino aroma a romeiro e cordeiro apareceu justo diante dele.
—Pelo amor de Deus, vão se sentar? —disse-lhes enquanto limpava o rosto e o pescoço. Em tanto se produziam todo tipo de ruídos de cadeiras, encontrou sua faca e garfo e começou a cravar ao redor de seu prato, identificando o cordeiro e as batatas e... as ervilhas. Sim, os redondinhos eram ervilhas.
O cordeiro estava delicioso. Justo como gostava.
—Está seguro de que era uma amiga? —perguntou Rhage.
—Sim. —disse apertando a mão do Beth.
— Estou seguro.


Capítulo 58


Vinte e quatro horas em Manhattan eram suficientes para converter, inclusive o filho do mal em um homem novo.
Atrás do volante do Mercedes, com o porta-malas e o assento traseiro cheio de sacolas da Gucci, Louis Vuitton, Armani e Hermes, Lash era um excursionista feliz. Alojou-se em uma suíte do Waldorf, fodeu três mulheres —duas delas ao mesmo tempo— e comeu como um rei.
Enquanto deixava Northway pela saída que conduzia à colônia symphath, comprovou a hora em seu novo e reluzente Cartier Tank de ouro, o substituto dessa merda do Jacob & CO. falsificado, que estava tão abaixo dele.
A hora que mostrava o relógio não estava tão mal, mas a data era um problema: o rei symphath, ia dar-lhe uma bronca mas não se importava. Pela primeira vez desde que tinha sido convertido pelo Omega, sentia-se como ele mesmo. Vestia um traje cruzado de Marc Jacobs, uma camisa Luis Vuitton de seda, um colete de caxemira Hermes e mocassins Dunhill. Seu pênis estava vazio, seu estômago ainda estava cheio pelo jantar que tinha tido em Le Cerque, e sabia que a qualquer momento podia voltar para a Grande Maçã e repetir tudo.
Contando que seus meninos continuassem indo bem em seu jogo.
Nessa frente as coisas foram bem, ou ao menos isso parecia. O senhor M tinha telefonado fazia mais ou menos uma hora e tinha informado que o produto continuava movendo-se com rapidez. O que eram boas e más notícias. Teriam mais dinheiro, mas seus fornecimentos estavam minguando rapidamente.
Não obstante, os lessers, estavam familiarizados com a persuasão e por esse motivo, o último homem que tinha estado disposto a reunir-se com eles para tratar um pedido importante não tinha sido assassinado, a não ser retido.
O senhor D e outros deviam estar exercitando-se com ele, e não em um ginásio.
O que fez pensar Lash no tempo que tinha passado na cidade.
A guerra com os vampiros sempre seria em Caldwell, a menos que a Irmandade decidisse mudar-se. Mas Manhattan era uma das capitais do mundo da droga, e estava muito, muito perto. Só a uma hora de carro.
Naturalmente, a viagem ao sul não tinha sido só para ir às compras à Quinta Avenida. Tinha passado a maior parte da tarde indo de clube em clube, explorando os cenários, procurando padrões de conduta de quem ia aonde... Porque isso indicava o que estavam comprando as pessoas. Os tecnos gostavam do X. Os novos ricos escorregadios e inquietos gostavam da coca e do X. Os universitários preferiam erva e os alucinógenos, mas também podia lhes vender Oxy e Meta. Os góticos e os Emos gostavam de X e as folhas de barbear e os yonkies que encontrava em todos os becos que havia ao redor dos clubes se davam com crack, crank e H.
Se em um princípio conseguisse pôr as coisas em curso em Caldie, podia fazer o mesmo em maior escala em Manhattan. E não havia razão para não pensar muito bem.
Girando para o caminho de terra que já tinha percorrido antes, colocou a mão sob o assento e tirou uma SIG calibre quarenta que tinha comprado na noite anterior quando ia de caminho à cidade.
Não havia razão para trocar de roupa. Um bom assassino não precisava suar para fazer seu trabalho.
A fazenda branca ainda se hospedava encantadoramente na paisagem, que agora estava coberta de neve, era a candidata perfeita para o cenário de um cartão natalino humano. Na noite que se prolongava, via sair um pálido fio de fumaça de uma de suas chaminés, as baforadas apanhavam e amplificavam a suave luz da lua, criando sombras que se moviam apressadamente pelo teto. No outro lado das janelas, a dourada iluminação das velas mudava como se houvesse uma sutil brisa movendo-se através de todas as habitações. Ou talvez fossem só fossem malditas aranhas.
Foda, apesar da aparência acolhedora, esse lugar realmente dava medo, verdade?
Quando estacionou o Mercedes junto ao letreiro da ordem monástica e saiu, a neve caiu brandamente sobre seus novos Dunhill. Enquanto sacudia essa merda com uma maldição, perguntou-se por que demônios os safados symphaths não podiam ter sido confinados em Miami.
Mas não, os comedores de pecados tinham estacionado o rabo a um tiro de pedra do Canadá.
Em definitivo, ninguém gostava, assim que se aplicou a lógica.
Abriu-se a porta da casa de fazenda e saiu o rei, com a túnica branca flutuando a seu redor e os brilhantes olhos vermelhos resplandecendo estranhamente.
—Chega tarde. Por questão de dias.
—Em qualquer caso, suas velas se mantiveram bastante bem.
—E acaso meu tempo não é tão valioso como a cera consumida?
—Não disse isso.
—Mas suas ações falam, alto e claro.
Lash subiu as escadas com a arma na mão e ao ver o rei observar os movimentos de seu corpo sentiu a necessidade de checar se usava o zíper bem fechado. Entretanto, quando esteve cara a cara com o homem, sentiu que a corrente faiscava entre eles uma vez mais, lambendo no ar frio.
Foda. Não era esse tipo de coisas. Seriamente que não.
—Então, nos ocuparemos do negócio? —murmurou Lash, olhando fixamente esses olhos vermelhos sangue tentando não sentir-se cativado.
O rei sorriu e subiu os dedos de três nódulos para os diamantes que tinha ao redor da garganta.
—Sim, acredito que deveríamos fazer isso. Venha por aqui e o conduzirei a seu objetivo. Está na cama...
—Pensei que só se vestia de vermelho, Princesa. E que caralho está fazendo você aqui, Lash?
Quando o rei se esticou, Lash deu a volta, apontando sua arma. Através da grama se aproximava... um macho enorme com reluzentes olhos cor ametista e o inconfundível mohawk que o caracterizava: Rehvenge, filho de Rempoon.
O bastardo não parecia dar a mínima por encontrar-se em terreno symphath. Ao contrário, parecia sentir-se em casa. E também aparentava estar irritado.
Princesa?
Um rápido olhar sobre o ombro lhe revelou... nada que Lash não tivesse visto antes. Um tipo magro, com túnica branca, o cabelo recolhido como... o de uma garota, na realidade.
Nestas circunstâncias, agradava-lhe ter sido enganado. Muito melhor querer foder a uma fêmea mentirosa que ter que confrontar o fato de que era um... Sim, não havia razão para ir por aí, nem sequer em sua própria mente.
Voltando a girar a cabeça rapidamente, Lash soube que essa interrupção um pouco estranha chegava no momento perfeito. Tirar Rehv do jogo da droga de Caldwell deixaria livre todo tipo de oportunidades comerciais.
Justo quando seu dedo apertava o gatilho, o rei se lançou para frente e agarrou o canhão.
–A ele não! A ele não!

Enquanto o disparo tangia na noite e a bala se desviava para fora, incrustando-se no tronco de uma árvore, Rehvenge observava Lash e à princesa lutar pelo controle da arma. De certa forma, não se importava uma merda qual dos dois saísse vencedor, nem se ele ou qualquer outro recebia um tiro no processo, nem o motivo pelo qual um pirralho ao que tinham matado ainda estivesse bem vivo. Sua vida terminaria onde tinha sido concebida, aqui nesta colônia. Se fosse morrer esta noite ou amanhã ou dentro de cem anos, se fosse a princesa ou Lash que o matasse, o resultado estava decidido, por isso os detalhes não tinham importância.
Embora talvez essa fodida atitude de deixar-se levar era questão de humor. Depois de tudo, era um macho vinculado sem sua companheira, assim em términos de viagem, tinha empacotado sua bagagem, deixado seu quarto de hotel mortal, e estava no elevador a caminho da sala de espera do inferno.
Ao menos, assim era como pensava seu lado vampiro. A outra metade de sua linhagem estava dançando o mambo: o drama fatal sempre era um incentivo para seu lado mau, e não o surpreendeu quando o symphath nele venceu a última dose de dopamina que se injetou nas veias. Em um instante, sua visão perdeu o espectro completo de cores e se aplanou, a túnica da princesa se tornou vermelha e os diamantes de sua garganta se converteram em sangrentos rubis. Evidentemente, vestia branco, mas como nunca a tinha visto sem seus olhos de come pecados, tinha assumido que se vestia da cor da veia.
Mas que porra importava a ele seu vestuário?
Tendo aflorado seu lado mau, Rehv não pôde evitar envolver-se. Quando as sensações alagaram seu corpo, tirando seus braços e pernas da escravidão do intumescimento, subiu o alpendre de um salto. O ódio esquentava seu interior, e embora não estivesse interessado em aliar-se a Lash, queria que fodessem à princesa, e não de bom modo.
Colocando-se atrás dela, agarrou-a pela cintura e a levantou do chão. O qual deu a Lash a ocasião de liberar a arma de um puxão e girar para afastar-se.
Depois da transição essa pequena merda se converteu em um macho grande. Mas isso não era tudo o que tinha mudado nele. Cheirava a maldade doce, do tipo que vinha dos lessers. Evidentemente, o Omega o tinha feito retornar da morte mas, por quê? Como?
Não é que fossem perguntas às quais Rehv se importasse em encontrar resposta. Não obstante, estava tão entusiasmado apertando a caixa torácica da princesa, e o fazia com tanta força que ela se via obrigada a lutar para respirar. Estava-lhe afundando as unhas nos antebraços através da camisa de seda, e estava endemoniadamente seguro que se pudesse, iria furá-lo com os dentes, mas não ia lhe dar a oportunidade. Tinha presa pela na parte de trás do coque com grande força, mantendo sua cabeça sob controle.
—É um maravilhoso escudo corporal, cadela. —lhe disse ao ouvido.
Enquanto ela tentava falar, Lash endireitou sua roupa, que devia reconhecer que tinha sido golpeada enquanto apontava com a SIG que tinha na mão para a cabeça de Rehv.
—Encantado em vê-lo, Reverendo. Estava a ponto de procurá-lo, e acaba de me economizar a viagem. Entretanto, devo admitir, que ver como se esconde atrás dessa fêmea, macho ou o que seja não faz justiça a sua reputação de chuta–rabos.
—Isto não é um cara, e se não me enojasse como o demônio lhe rasgaria a parte dianteira da túnica para prová-lo. E ouça, surpreendeu-me, sabe? Quão último soube foi que estava morto.
—Ao final não foi por muito tempo. —O homem sorriu, mostrando longas presas brancas— Realmente é uma fêmea, não é?
A princesa lutou, e Rehv quase separa seu crânio do espinho dorsal para submetê-la. Quando ela ofegou e gemeu, disse-lhe:
—É. Não sabia que os symphaths são virtualmente hermafroditas?
—Não posso te dizer quanto me alivia saber que mentiu.
—São iguais.
—O mesmo penso eu. Agora, que tal se soltar a minha noiva?
—Sua noiva? Vai um pouco rápido, não? E passarei do programa de capturar–e–libertar. Eu gosto da idéia de que atire em ambos.
Lash franziu o cenho.
—Acreditava que era um lutador. Suponho que é um marica. Deveria ter ido diretamente a seu clube e ter atirado em você ali.
—Na realidade, estou morto há uns dez minutos. Assim que me importa uma merda. Embora sinta curiosidade por saber que motivos você tem para me matar.
—Conexões. E não do tipo social.
Rehv arqueou as sobrancelhas. Era Lash que estava matando os distribuidores? Que caralho! Embora... fizesse coisa de um ano o bode tinha tentado vender drogas no ZeroSum e por isso tinha conseguido que o jogassem do estabelecimento. Evidentemente agora que estava com o Omega, estava tratando de ressuscitar seus velhos e lucrativos hábitos.
Com a fria lógica da retrospectiva, as coisas começaram a se encaixar em seu lugar. Os pais de Lash tinham sido os primeiros assassinados durante as incursões dos lessers no verão passado. Quando uma família atrás da outra começou a aparecer morta em suas casas, supostamente, secretas e protegidas, a pergunta que surgiu na mente do Conselho, da Irmandade e de cada civil, era como tinha averiguado a Sociedade todas essas direções.
Simples: Lash tinha sido convertido pelo Omega e dirigia a carga.
Rehv firmou um pouco mais o apertão sobre a caixa torácica da princesa enquanto os últimos vestígios de seu intumescimento desapareciam.
—Assim está tentando se colocar em meu negócio, não é? Foi você quem se encarregou de todos esses varejistas.
—Só estava abrindo caminho através da cadeia alimentícia, como se diz. E com você fora do jogo, chego ao topo, ao menos em Caldwell. Assim solta-a, para que possa atirar em sua cabeça e assim todos poderemos continuar com nossos assuntos...
Uma quebra de onda de medo percorreu o alpendre, encrespando-se para cair sobre Rehv, a princesa e Lash.
Rehv desvio os olhos e ficou imóvel. Bom, bom, bom, quem o poderia dizer? Isto ia terminar muito mais rápido do que tinha pensado.
Aproximando-se através da grama coberta de neve, com roupagens de uma cor vermelha rubi, vinham sete symphaths em formação de flecha. No centro do grupo, caminhando com uma bengala e levando uma toca de rubis e arpões negros, havia um macho encurvado.
O tio de Rehv. O rei.
Parecia muito mais velho, mas apesar da velhice e debilidade de seu corpo, sua alma era tão forte e negra como sempre, causando calafrios em Rehv e fazendo que a princesa deixasse de lutar contra sua sujeição. Inclusive Lash teve o bom julgamento de retroceder um passo.
O guarda particular se deteve na base da escada do alpendre, com suas túnicas inchando-se com a brisa fria que agora Rehv podia sentir contra seu próprio rosto.
O rei falou com voz fraca, arrastando esses aflautadas.
—Bem vindo a casa, meu queridíssimo sobrinho. E saudações, visitante.
Rehv olhou fixamente seu tio. Não tinha visto o macho em... Deus, muito tempo. Muito, muito tempo. Do funeral de seu pai. Evidentemente, os anos não tinham sido amáveis, mas sim bastante duros com o rei, e isto fez Rehv sorrir já que imaginou a princesa deitada com esse corpo fofo e retorcido.
—Boa noite, tio. —disse Rehv— E por certo, este é Lash. Se por acaso não saiba.
—Não, não fomos apropriadamente apresentados, embora tenha conhecimento de seus propósitos em minhas terras. —O rei fixou seus aquosos olhos vermelhos na princesa —Minha querida moça, acreditava que não era consciente de suas visitas regulares a Rehvenge? E acha que ignorava seu plano mais recente? Temo que estava bastante afeiçoado a você e por isso permitia os encontros com seu irmão...
—Meio irmão. — cortou Rehv firmemente.
—... entretanto, esta traição com o lesser não posso permitir. Na realidade, não deixa de me impressionar sua criatividade, dado que invalidei meu legado do trono a seu favor. Mas não me deixarei dominar por minha passada adoração. Subestima-me, e por esta falta de respeito, te darei um castigo que seja congruente com o que deseja e almeja.
O rei fez um gesto afirmativo com a cabeça, e por puro instinto, Rehv deu a volta. Muito tarde. Detrás dele havia um symphath com uma espada elevada, e o braço do homem já estava descendo... e embora a folha não estivesse apontando para ele, isso só podia considerar-se como uma leve melhoria já que o punho da maldita coisa acertou Rehv no alto do crânio.
Para ele, o impacto foi a segunda explosão da noite, mas ao contrário da primeira, desta vez quando toda a luz e o ruído se desvaneceram não estava de pé.

Capítulo 59


As dez da manhã Ehlena ainda estava acordada. Presa no interior da casa pela luz do sol, passeava pela habitação encolhida e abraçando a si mesma já que as meias três-quartos faziam pouco para manter seus pés suficientemente quentes.
Mas em definitivo, estava tão fria por dentro, que podia ter levado um par de pranchas George Foreman Grills e ainda assim estar gelada. A comoção parecia ter posto a zero sua temperatura interna, seu botão seletor interior assinalando «Refrigerador» em vez de «Normal».
No outro lado do corredor, seu pai dormia profundamente, e de vez em quando, ia a seu quarto para checar seu estado. Uma parte dela desejava que despertasse, porque queria lhe perguntar a respeito de Rehm e Montrag e as linhagens e…
Salvo que era melhor deixá-lo fora deste assunto. Provocar que se exasperasse por algo que bem poderia ficar em nada era quão último qualquer um deles precisava. Embora fosse certo que tinha examinado o manuscrito e tinha encontrado esses nomes, tinha havido uma só menção entre um bom número de parentes. Além disso, o que seu pai recordasse não era importante. O que importava era o que Saxton podia provar.
Só Deus sabia o que ia resultar disto.
Ehlena se deteve no meio da habitação, sentindo-se repentinamente muito cansada para continuar com seu constante andar. Entretanto, não foi uma boa idéia. Assim que ficou quieta, sua mente foi para Rehv, assim reatou seu passeio em círculos com os pés frios. Minha mãe! Não tinha desejado a morte de ninguém, mas quase lhe alegrava que Montrag tivesse morrido, criando assim, uma turbulenta distração com todo o assunto da herança. Sem isso, estava bastante segura de que a essa altura já teria perdido a cabeça.
Rehv...
Enquanto arrastava seu corpo cansado para os pés da cama, baixou os olhos. Sobre a colcha, com o mesmo tipo de repouso plácido e tranqüilo que o de seu pai, estava o manuscrito que ele tinha escrito. Pensou em tudo o que tinha posto nas páginas e agora sabia exatamente o que significava. Tinha sido enganado e traído de uma forma muito parecida como o tinha sido ela, as falsas aparências de honestidade e seriedade lhe tinham avoado porque ele mesmo era incapaz de agir com o tipo de cálculo ruim e a crueldade com que o faziam outros. Com ela ocorria o mesmo. Poderia alguma vez voltar a confiar em sua habilidade para decifrar às pessoas?
A paranóia se agitava em sua mente e em suas vísceras. Onde estava a verdade nas mentiras de Rehv? Havia alguma? Enquanto imagens dele flutuavam ante seus olhos, sondou suas lembranças, perguntando-se onde estava a divisão entre a realidade e a ficção. Precisava saber mais… O problema era, que o único que podia encher os ocos era um homem que nunca, jamais, ia voltar a aproximar-se.
Contemplando um futuro cheio de implacáveis perguntas, sem resposta, levou as trementes mãos ao rosto e afastou o cabelo. Segurando-o com força, os puxou como se dessa forma pudesse sacudir todos os vertiginosos e loucos pensamentos da cabeça.
Jesus, e se o engano de Rehv fosse o equivalente à ruína financeira de seu pai? E a levava a beira da loucura?
E esta era a segunda vez que um macho a colocava em evidência, ou não? Seu noivo tinha feito algo similar… a única diferença radicava em que tinha mentido a todo mundo exceto a ela.
As pessoas poderiam supor que depois de sua primeira experiência deveria ter aprendido uma lição a respeito da confiança. Mas era evidente que não tinha sido assim.
Ehlena deixou de perambular, esperando... demônios não sabia o que, que lhe estalasse a cabeça ou algo assim.
Não estalou. E tampouco houve sorte com o intento de exterminação cognitiva à força de puxões de cabelo. Tudo o que estava conseguindo era uma dor de cabeça e um penteado à Vin Diesel.
Ao afastar-se da cama, viu o computador portátil.
Com uma maldição, atravessou o espaço vazio e se sentou em frente ao DELL. Afrouxando o aperto mortal que estava exercendo sobre seu cabelo, pôs a ponta do dedo sobre o mouse e desativou a proteção.
Internet Explorer. Favoritos: www.CaldwellCourierJournal.com.
O que precisava era uma dose de realidade concreta. Rehv era o passado, e o futuro não tinha nada a ver com um ardiloso advogado que lhe tinha ocorrido uma brilhante idéia. Nesse momento em quão único podia confiar era em sua busca de trabalho: se Saxton e seus papéis fracassavam, em menos de um mês ela e seu pai estariam na rua a menos que encontrasse emprego.
E não havia nada falso ou enganoso nisso.
Enquanto carregava a página do CCJ, disse a si mesma que ela não era seu pai, e que Rehv era um macho com o qual tinha estado saindo durante, … questão de dias? Sim, tinha-lhe mentido. Mas era um trapaceiro super sexy que vestia roupa chamativa, e retrô, já de a princípio não deveria ter depositado sua fé nele. Especialmente dado o que já sabia sobre os machos.
Era culpa dele e engano dela. E embora a compreensão de que tinha sido seduzida até a estupidez não a fez recolher os pompons de animadora e começar a aclamar, a idéia de que havia uma lógica interna que justificava sua atitude, embora cheirassem mal, ajudou-a a sentir-se um pouco menos insensata…
Ehlena franziu o cenho e se inclinou para aproximar-se mais à tela. Na splash page[109] da Web havia uma foto da explosão de um edifício. O titular dizia: Explosão Derruba Um Clube Local. E debaixo em letras menores: ZeroSum, última vítima da guerra de drogas?
Leu o artigo sem respirar: As autoridades investigam. Não se tem conhecimento se havia alguém no clube no momento da explosão. Suspeita-se que houveram múltiplas detonações.
Um compartimento detalhava a quantidade de pessoas suspeitas de tráfico de drogas que tinham sido encontradas mortas por todo Caldwell no correr da semana passada. Quatro. Todos assassinados de modo profissional. O DPC estava investigando cada um dos assassinatos, e entre os suspeitos estava o proprietário do ZeroSum, um tal Richard Reynolds, aliás o Reverendo… que aparentemente agora estava desaparecido. Havia uma anotação que indicava que Reynolds tinha estado na lista de vigiados do Departamento de Narcóticos do DPC durante anos, entretanto, nunca tinha sido acusado formalmente de nenhum crime.
A implicação era óbvia: Rehv tinha sido o verdadeiro branco da explosão porque tinha matado aos outros.
Deslocou-se para cima com o mouse, às fotos do dizimado clube. Ninguém poderia sobreviver a isso. Ninguém. A polícia ia informar que ele estava morto. Poderiam levar uma semana ou duas, mas encontrariam um corpo e declarariam que era o seu.
Nenhuma lágrima caiu de seus olhos. Nem um soluço saiu de seus lábios. Estava muito longe para isso. Simplesmente ficou ali sentada em silêncio, rodeou o corpo com os braços uma vez mais e manteve os olhos cravados na tela brilhante.
O pensamento que lhe veio à mente era extravagante, mas iniludível: havia uma só coisa que podia ser pior que o que tinha tido que confrontar quando entrou nesse clube para inteirar-se da verdade a respeito de Rehv. E isso era ter lido este artigo antes de fazer essa viajem ao centro.
Não é que quisesse ver Rehv morto, Deus... não. Inclusive depois de tudo que a tinha enganado, não queria que morresse de forma violenta. Mas tinha estado apaixonada por ele antes de inteirar-se de que lhe mentia.
Tinha estado... apaixonada por ele.
Seu coração verdadeiramente lhe tinha pertencido.
Agora seus olhos se alagaram e desaguaram, a tela se tornou ondulante e imprecisa, levando as imagens do clube feito pedaços. Apaixonou-se por Rehvenge. Tinha sido rápido e impetuoso, não tinha perdurado, mas igualmente os sentimentos tinham aflorado.
Com uma dor aguda, recordou seu corpo quente e agitado sobre o seu, seu aroma vinculante no nariz, seus enormes ombros avultando-se e esticando-se enquanto faziam amor. Nesses momentos tinha sido lindo, um amante muito generoso. Verdadeiramente tinha desfrutado lhe dando prazer…
Mas isso era o que queria lhe fazer acreditar, e como symphath, era hábil quando se tratava de manipular. Embora, Deus, não podia evitar perguntar-se o que era exatamente o que tinha conseguido ao estar com ela. Não tinha dinheiro, nem posição, nada que o beneficiasse, e nunca lhe tinha pedido nada, nunca a tinha utilizado de nenhuma forma…
Ehlena impediu a si mesma de ver qualquer tipo de aparência romântica no que tinha ocorrido. O assunto era que ele não tinha merecido seu amor, e não porque fosse um symphath. Embora parecesse estranho, poderia ter vivido com isso… embora possivelmente isso só demonstrasse o pouco que sabia de comedores de pecados. Não, era a mentira e o fato de que fosse um traficante de drogas o que o tinha matado para ela.
Um traficante de drogas. Por um instante, pôde voltar a ver os casos de overdose que tinham atravessado as portas da clínica de Havers, essas jovens vidas em perigo sem nenhuma boa razão. Alguns desses pacientes tinham sido revividos, mas não todos e inclusive uma morte causada pelo que Rehv vendia era muito.
Ehlena secou as bochechas e logo esfregou as mãos contra as calças. Não mais lágrimas. Não podia se dar o luxo de ser fraca. Tinha que ocupar-se de seu pai.
Passou a seguinte meia hora procurando trabalho.
Às vezes o fato de que lhe forçassem a ser forte era suficiente para que realmente se convertesse no que devia ser.
Quando finalmente seus olhos se deram por vencidos e começaram a entortar os olhos pelo cansaço, desligou o computador e se estendeu na cama ao lado do manuscrito de seu pai. Quando deixou cair as pálpebras, teve a sensação de que não ia dormir. Seu corpo podia estar rendendo-se, mas seu cérebro não parecia interessado em dormir e seguir a corrente.
Tombada na escuridão, tratou de acalmar-se imaginando a antiga casa em que tinha vivido com seus pais, antes, que tudo mudasse. Imaginou-se passeando pelas esplêndidas habitações, passando junto a formosas antiguidades, detendo-se para cheirar um buquê de flores que tinha sido recém colhido do jardim.
A imagem funcionou. Lentamente, sua mente se assentou no pacífico e elegante lugar e os pensamentos prementes reduziram a velocidade, logo frearam e estacionaram em seu crânio.
No momento em que o sonho se apropriava dela, a mais estranha das convicções golpeou no centro de seu peito e a segurança disso fluiu ao longo de todo seu corpo.
Rehvenge estava vivo.
Rehvenge estava vivo.
Lutando contra a demolidora maré, Ehlena lutou tentando pensar racionalmente, querendo fixar o motivo e o porquê demônios dessa certeza, mas o sonho se filtrou nela, levando-a longe de tudo.


Wrath estava sentado atrás de sua escrivaninha, percorrendo a superfície da mesma brandamente com suas mãos. O telefone, confirmado. O abridor de cartas em forma de adaga, confirmado. Papéis, confirmado. Mais papéis, confirmado. Onde estava seu…?
Houve um choque e um esparrame. Correto, usa penas e penas.
Atiradas por toda parte. Confirmado.
Enquanto recolhia o que tinha atirado, ouviu as suaves pisadas de Beth atravessando o tapete para ajudá-lo.
—Está bem, leelan. —lhe disse— Eu posso.
Pôde sentir que revoava por cima da mesa e o alegrou que não interviesse. Embora parecesse infantil, precisava limpar sua desordem por si mesmo.
Ao tato, encontrou até a última das penas. Ao menos, assim acreditou.
—Caiu alguma no chão? —perguntou.
—Uma. Ao lado de seu pé esquerdo.
—Obrigado. —agachou-se, procurando provas no chão, e fechou o punho ao redor de um objeto liso, com forma de charuto que tinha que ser uma Mont Blanc teria sido mais difícil de encontrar.
Enquanto se endireitava, tomou cuidado de localizar a beira da mesa assegurando-se de que sua cabeça estivesse longe dele antes de levantar-se. O que constituía uma melhoria em relação ao que tinha estado fazendo mais cedo. Bom, então, estava fodido com o assunto das penas, mas estava melhorando com todo o tema de levantar-se. Não tinha tirado notas perfeitas, mas tampouco estava amaldiçoando nem sangrando.
Assim considerando onde tinha estado horas antes, quando ia a caminho da Última Refeição, as coisas estavam melhorando.
Wrath terminou o passeio de sua mão através da mesa, encontrando o abajur, que estava a sua esquerda, o selo real e a cera que utilizava para selar os documentos.
—Não chore. — disse em voz baixa.
Beth sorveu um pouquinho.
—Como soube?
Ele tocou o nariz.
—Cheirei-o. —Empurrou para trás a cadeira e aplaudiu o regaço— Venha aqui e sente-se. Deixe que seu macho a abrace.
Ouviu como sua shellan deslizava bordeando a escrivaninha e o aroma de suas lágrimas se fez mais forte porque quanto mais se aproximava mais caíam. Como fazia sempre, encontrou sua cintura, enganchou-a com o braço, e a puxou para ele, a delicada cadeira rangeu ao acomodar o peso extra. Com um sorriso, Wrath deixou que suas mãos encontrassem o ondulado comprimento de seu cabelo e acariciou sua suavidade.
—É tão maravilhoso a sentir.
Beth estremeceu e se recostou contra ele, e lhe alegrou que o fizesse. A diferença de quando tinha que usar as mãos como olhos ou quando estava pegando algo que tinha derrubado, sustentar seu quente corpo entre os braços, o fazia sentir forte. Grande. Poderoso.
Nesse momento ele precisava de tudo isso, e a julgar pela maneira em que se deixou cair contra seu peito, ela também precisava.
—Sabe o que vou fazer depois de que terminemos com a papelada? —murmurou ele.
—O que?
—Vou levá-la à cama e a manter ali durante um dia inteiro. —Quando seu aroma se acendeu, riu com satisfação— Isso não a incomodaria, não é? Apesar de que vou despi-la e a fazer permanecer assim?
—Não me incomoda nem um pouco.
—Bom.
Permaneceram juntos durante um longo momento, até que Beth levantou a cabeça de seu ombro.
—Quer trabalhar um momento?
Moveu a cabeça de modo que, se tivesse tido sentido da vista, estaria olhando a escrivaninha.
—Sim, é como que… merda, necessito disso. Não sei por que. Simplesmente o necessito. Comecemos com algo fácil… Onde a maleta de correio de Fritz?
—Bem aqui, ao lado da velha cadeira de Tohr.
Quando Beth se inclinou, deslocou o traseiro, conduzindo-o para seu membro de uma maneira muito satisfatória, e com um gemido agarrou seus quadris e impulsionou os seus para cima.
—Mmm, há algo mais no chão que precisa ser recolhido? Possivelmente devesse derrubar mais penas. Ou atirar o telefone.
A risada gutural de Beth era mais sensual que a lingerie.
—Se quiser que me incline, só tem que pedir.
—Deus, amo você. —Quando se endireitou, voltou sua cabeça e beijou seus lábios, atrasando-se sobre a suavidade de sua boca, roubando uma rápida lambida… ficando duro como um tronco. — Revisemos rapidamente a papelada assim poderei tê-la onde quero.
—E onde seria isso?
—Em cima de mim.
Beth riu outra vez e abriu a maleta de couro que Fritz utilizava para recolher as petições que chegavam por carta. Houve um deslocamento de envelopes contra envelopes e um profundo suspiro de sua shellan.
—Muito bem. —disse ela— Vejamos o que temos aqui.
Havia quatro petições de emparelhamento que deviam ser assinadas e seladas, e normalmente isso teria levado um minuto e meio. Agora, entretanto, todo o assunto da assinatura, derramar a cera e apertar requereu um pouco de coordenação com Beth… mas com ela sentada em seu colo foi divertido. Logo havia um monte de estados de conta domésticos. Seguido por faturas. Faturas. E mais fatura. Todas as quais iriam para V para que realizasse os pagamentos por internet, graças a Deus, já que Wrath não era partidário da micro–administração das finanças.
—Uma última coisa. —disse Beth— Um envelope grande de um escritório jurídico.
Quando ela se esticou para frente, sem dúvida para alcançar o abridor de cartas de prata de lei com forma de adaga, percorreu-lhe as coxas com as mãos, subindo logo pela face interna.
—Eu adoro quando fica sem fôlego dessa forma. — disse ele, cheirando sua nuca.
—Ouviu isso?
—Já pode jurá-lo. —Continuou com a carícia, perguntando-se se possivelmente deveria lhe dar a volta para acomodá-la em cima de sua ereção. Sabe Deus, que podia fechar a porta de onde estava— O que há no envelope, leelan? —Deslizou uma mão diretamente entre suas coxas, cobrindo seu centro, massageando-o. Desta vez entre uma e outra respiração entrecortada pronunciou seu nome, e que sexy se ouviu— O que tem aí, mulher?
—É... uma declaração de... linhagem —disse Beth com voz rouca, começando a balançar seus quadris— Para determinar um testamento.
Wrath moveu o polegar sobre o doce lugar e lhe mordiscou o ombro.
—Quem morreu?
Depois de um ofego, disse:
—Montrag, filho de Rehm. —Ante o nome, Wrath ficou gelado e Beth mudou de lugar, como se tivesse girado a cabeça para olhá-lo— O conhecia?
—Era o que queria que me assassinassem. O que significa, pela Antiga Lei, que tudo o que é seu agora é meu.
—Bastardo. —Beth amaldiçoou um pouco mais, e se ouviu o som de páginas sendo giradas— Bem, tem um monte de… Uau. Nossa. Muito rico… Hei. É Ehlena e seu pai.
—Ehlena?
—É uma enfermeira da clínica de Havers. A fêmea mais agradável que possa encontrar. Foi a que ajudou Phury a evacuar as antigas instalações quando começaram os assaltos, recorda? Conforme parece, ela… bem, seu pai… é o parente mais próximo, mas está muito doente.
Wrath franziu o cenho.
—O que acontece com ele?
—Aqui diz incapacidade mental. Ela é sua tutora legal e quem cuida dele, e isso tem que ser duro. Não acredito que tenham muito dinheiro. Saxton, o advogado, escreveu uma nota pessoal… OH, isto é interessante…
—Saxton? Conheci-o na outra noite. O que diz?
—Diz que tem quase a total segurança de que os certificados de linhagem do pai e dela são autênticos, e que está disposto a pôr sua reputação em jogo para responder por eles. Espera que facilite a partilha do patrimônio, já que lhe preocupam as pobres condições em que vivem. Diz… diz que são dignos do golpe de sorte que se apresentou inesperadamente. O «inesperadamente» está sublinhado. Logo acrescenta… não viram Montrag em um século.
Saxton não lhe tinha dado a impressão de ser um homem estúpido. Ao contrário. Embora em Sal não houvesse confirmação a respeito de todo o assunto do assassinato, essa nota escrita a mão seguro como o demônio que parecia ser uma forma sutil de pedir ao Wrath que não exercesse seus direitos como monarca… que se inclinasse a favor de parentes que se sentiram emocionados ao saber que eram os próximos na linha sucessória, que estavam precisando de dinheiro… e que não tinham nada a ver com o complô.
—O que vai fazer? —perguntou Beth, afastando o cabelo da testa.
—Montrag merece o que lhe aconteceu, mas seria fantástico se algo bom resultasse de tudo isto. Nós não necessitamos dos ativos, e se essa enfermeira e seu pai…
Beth pressionou sua boca contra a dele.
—Amo-o tanto.
Ele riu e a reteve contra seus lábios.
—Quer demonstrar isso?
—Depois de que aprove esta petição? É obvio.
Para tramitar o testamento, tiveram que brincar com a chama, a cera e o selo real outra vez, mas desta vez ele tinha pressa, era incapaz de esperar um segundo mais do necessário antes de entrar em sua fêmea. Sua assinatura ainda estava secando e o selo esfriando-se quando tomou de novo a boca de Beth…
O golpe na porta o fez grunhir enquanto fulminava com o olhar a origem do som.
—Me largue.
—Trago notícias. —A amortecida voz de Vishous se ouvia baixa e tensa. O que acrescentava o qualificativo ruim ao que havia dito.
Wrath abriu os painéis com a mente.
—Me fale. Mas faça-o rápido.
A inspiração horrorizada de Beth lhe deu uma idéia da expressão de V.
—O que aconteceu? —murmurou ela.
—Rehvenge está morto.
—O que? —disseram ambos ao mesmo tempo.
—Acabo de receber uma chamada de iAm. O ZeroSum foi reduzido a cinzas, e segundo o mouro, Rehv estava dentro quando ocorreu. Não há forma de que haja sobreviventes.
Houve uma zona morta enquanto as repercussões se afiançavam.
—Bella sabe? —disse Wrath com tom grave.
—Ainda não.

Capítulo 60


John Matthew rodou sobre sua cama e despertou quando algo duro se fincou em sua bochecha. Com uma maldição, levantou a cabeça. OH, genial, ele e Jack Daniel’s tinham desfrutado de alguns assaltos, e as seqüelas dos golpes do uísque ainda perduravam: apesar de estar nu tinha muito calor, a boca estava tão seca como a casca de uma árvore, e a necessidade de chegar ao banho antes que sua bexiga explodisse.
Sentando-se, passou a mão pelo cabelo e os olhos... e conseguiu que sua ressaca se avivasse.
Quando a cabeça começou a palpitar, agarrou a garrafa que utilizara como travesseiro. Só restava um centímetro de álcool no fundo, mas isso era o suficiente para conter a essa desgraça. Preparado para aliviar-se, foi desenroscar a tampa do Jack e descobriu que não estava posta. Menos mal dormira com a garrafa em posição vertical.
Bebendo com vontade, levou essa merda a sua barriga e disse a si mesmo que só tinha que concentrar-se em respirar até passarem as ondas de náusea que dispararam em seu estômago. Quando só ficaram vapores na garrafa, deixou ao soldado morto sobre o colchão e baixou o olhar a seu corpo. Seu membro estava dormindo contra sua coxa, e não podia recordar a última vez que tinha despertado sem uma ereção. Mas, bem, tinha estado com... três? Quatro? Com quantas mulheres tinha estado? Deus, não tinha nem idéia.
Usara camisinha uma vez. Com a prostituta. O resto tinha sido sem nada, e retirando-se no momento preciso.
Em imagens imprecisas, viu-se com Qhuinn fazendo duplas com alguma das mulheres, depois com outras. Não podia recordar como se sentira, não recordava nada dos orgasmos que tivera, nem nenhum dos rostos, apenas se recordava a cor de seus cabelos. Do que se lembrava, era que assim que tinha voltado para sua casa, tomara uma longa ducha quente.
Toda essa merda que não recordava, tinha deixado uma mancha em sua pele.
Com um gemido, tirou as pernas da cama e deixou que a garrafa caísse ao chão, junto a seus pés. A viagem ao banheiro foi uma autêntica festa, estava tão sem equilibro que ziguezagueou... bem, como um bêbado, de fato. E caminhar não era o único problema que tinha. De pé, em frente ao vaso sanitário, teve que apoiar-se contra a parede e concentrar-se em sua pontaria.
De volta na cama, puxou um lençol sobre a parte inferior de seu corpo, apesar do fato de que se sentia como se tivesse febre: embora estivesse sozinho, não queria permanecer estendido como uma estrela pornô procurando uma atriz secundária.
Merda... a cabeça o estava matando.
Quando fechou os olhos, desejou ter apagado a luz do banheiro.
De repente, deixou de lhe importar a ressaca, entretanto. Com terrível claridade, recordou Xhex subindo escarranchado sobre seus quadris, montando-o com um ritmo fluido e poderoso. OH, Deus, era tão vívido, muito mais que só uma lembrança. Quando as imagens se esgotaram, sentiu o tenso apertão do corpo dela sobre seu sexo e a firmeza com que o tinha sujeitado os ombros, e reviveu essa sensação de ser dominado.
Conhecia cada empurrão e deslizamento, todos os aromas, inclusive a forma em que ela respirava.
Com ela, recordava de tudo.
Apoiando-se de lado, recolheu Jack do chão, como se por algum milagre os duendes alcoólicos pudessem ter recheado a garrafa. Não teve sorte…
O grito que estalou do outro lado da porta era do tipo que soltava alguém quando tinha sido apunhalado profundamente e com força, e o alarido dilacerador lhe devolveu a sobriedade como se tivesse chapinhando em um banheiro gelado. John agarrou sua arma, saltou da cama, e quando tocou o chão já estava correndo; abriu a porta de um empurrão e saiu à carreira ao corredor das estátuas. De ambos os lados de seu quarto, Qhuinn e Blay faziam o mesmo, e fizeram a mesma aparição apressada preparado–para–lutar que ele.
Mais à frente no corredor, a Irmandade estava de pé na soleira das habitações de Zsadist e Bella, com as expressões de seus rostos sombrias e tristes.
— Não! — A voz de Bella era tão alta como tinha sido o grito. — Não!
— Sinto muito — disse Wrath.
Desde onde estavam os Irmãos, Tohr olhou John. O rosto do homem estava pálido e macilento, seu olhar vazio.
O que aconteceu? gesticulou John.
As mãos de Tohr se moveram lentamente. Rehvenge morreu.
John respirou profundamente, várias vezes. Rehvenge... morto?
— Jesus Cristo — resmungou Qhuinn.
Os soluços de Bella se precipitavam da porta do dormitório para o corredor, e John desejou ir até ela. Recordava o que era essa dor. Tinha estado nesses sapatos horríveis e paralisantes quando Tohr fugira, logo depois de que a Irmandade tivesse feito exatamente o mesmo que estava fazendo agora... comunicar a pior das notícias que alguém pudesse ouvir.
Ele tinha gritado igual Bella o fizera. Chorado do mesmo modo que ela agora.
John voltou a observar Tohr. Os olhos do Irmão ardiam como se houvesse coisas que desejasse dizer, abraços que desejasse oferecer, enganos que desejasse consertar.
John esteve a ponto de aproximar-se dele.
Mas logo se voltou e entrou cambaleando em seu quarto, fechou a porta e passou a chave. Sentou-se na cama, sustentando o peso dos ombros com suas mãos e deixando que a cabeça ficasse pendurando entre eles. O caos de seu passado lhe esmurrava o cérebro, mas no centro de seu peito havia uma única palavra predominante: Não.
Não podia voltar por aí com Tohr. Tinha sido espremido muitas vezes. Além disso, já não era um menino, e Tohr nunca tinha sido seu pai, de forma que toda essa merda de papai, me salve não se aplicava a eles.
O mais próximo que estiveram era de guerreiro a guerreiro.
Tirando Tohr à força de sua mente, pensou em Xhex.
Nesse momento devia estar sofrendo. Muito. Odiava que não houvesse nada que pudesse fazer por ela.
Mas logo recordou a si mesmo que, inclusive se houvesse, ela não quereria o que ele tinha para oferecer. Tinha deixado isso deixado perfeitamente claro.

Xhex estava sentada na cama em sua casa sobre o Rio Hudson, com a cabeça pendurando, e o peso de seus ombros apoiado sobre suas mãos. Junto a ela, sobre a fina manta, estava a carta que iAm lhe tinha dado. Depois de tirá-la do envelope, tinha-a lido uma vez, voltado a dobrar ao longo de suas antigas dobras, e se retirado a este pequeno quarto.
Movendo a cabeça a um lado, olhou através das janelas cobertas de geada para o rio preguiçoso e lôbrego. Hoje fazia um frio penetrante, e a temperatura da água congelava as bordas rochosas.
Rehv era um tremendo bastardo.
Quando ela tinha jurado para ele que cuidaria de uma fêmea, não pensara atentamente na promessa. Na carta, recordava-lhe o compromisso e identificava à fêmea como a ela mesma: não devia ir buscá-lo, nem pôr em perigo a vida da princesa de modo algum. Mais ainda, no caso de que fizesse algo parecido em nome dele, não aceitaria sua ajuda e escolheria permanecer na colônia, sem importar com quais ações tomasse para salvá-lo. Finalmente, indicava-lhe que se fosse contra seus desejos e sua própria palavra, iAm a seguiria à colônia, o que colocaria em perigo a vida do Sombra.
Filho. Da. Puta.
Era o plano perfeito, digno de um macho como Rehv: podia estar tentada a esquecer sua promessa, e também podia pensar que havia um modo de fazer com que seu chefe recuperasse o bom-senso, mas já carregava vida de Muhrder ao redor do pescoço, e agora a de Rehvenge. Acrescentar a de iAm à lista a mataria.
Além do mais, Trez seguiria seu irmão, convertendo-os em quatro.
Apanhada pela situação, agarrou a borda do colchão tão forte que seus antebraços tremeram.
De alguma forma, a faca chegou à palma de sua mão; só depois recordaria que tivera que levantar-se e caminhar nua até o outro lado do quarto para chegar a suas calças de couro e tirá-la de sua capa.
Quando estava de volta na cama, pensou em quantos machos tinha perdido no curso de sua vida. Viu o longo cabelo escuro de Murhder, seus profundos olhos e a firmeza que sempre brilhava no forte queixo... ouviu seu acento do Antigo País e evocou a forma em que sempre cheirava a pólvora e sexo. Depois, viu o olhar ametista de Rehvenge, seu mohawk e sua formosa roupa... cheirou sua colônia Must da Cartier, e reviveu sua elegante brutalidade.
Finalmente, imaginou os olhos azuis escuro de John Matthews, e o cabelo cortado ao estilo militar... sentiu-o movendo-se profundamente em seu interior... ouviu sua pesada respiração quando seu corpo de guerreiro lhe dera o que desejava e não tinha sido capaz de dirigir.
Todos se foram, embora ao menos dois deles ainda estivessem vivos sobre o planeta. Mas a pessoa não tinha que morrer para sair de sua vida.
Baixou o olhar à folha cruelmente afiada e brilhante, e inclinou a faca de forma que captasse a débil luz do sol, emitindo um brilho que a cegou momentaneamente. Era boa com as facas. De fato, era sua arma favorita.
O golpe na porta a fez levantar a cabeça.
— Está tudo bem aí?
Era iAm... que não só agira como carteiro de Rehv, mas também a quem evidentemente tinham encarregado de ser sua babá. Tentara expulsá-lo de sua casa, mas ele simplesmente se converteu em sombra, tomando uma forma que ela não podia sujeitar, e muito menos jogar a patadas pela maldita porta.
Também Trez estava ali, sentado na sala principal da cabana de caça, mas falando de mudança de papéis. Quando se encerrara em seu dormitório, ele tinha ficado sentado imóvel em uma cadeira de respaldo reto, olhando ao rio e guardando um profundo silêncio. À conseqüência da tragédia, os irmãos tinham trocado suas personalidades, sendo iAm o que falava: pelo que podia recordar, Trez não havia dito nenhuma palavra desde que tinham recebido a notícia.
Entretanto, todo esse silêncio não significava que Trez estivesse sofrendo. Sua rede emocional estava marcada pela fúria e a frustração, e tinha a sensação de que Rehv, com toda sua chata sabedoria, tinha encontrado uma forma de apanhar ao Trez também, impedindo-o de entrar em ação. O Mouro estava, assim como ela, tentando encontrar uma saída, e conhecendo Rehv, não haveria nenhuma. Era um professor da manipulação... sempre fora.
E tinha investido muito esforço tramando esta partida estratégica. Segundo iAm, tudo estava arrumado, não só a nível pessoal, mas também financeiro. iAm ficava com Sal; Trez com o Iron Mask; ela com um montão de efetivo. Também se preocupara com Ehlena, embora iAm dissesse que ele se encarregaria disso. O grosso das propriedades familiares passava a Nalla: a pequena receberia milhões e milhões de dólares, junto com toda a herança da família que, de acordo com a primogenitura, fora propriedade de Rev e não de Bella.
Fazia uma saída perfeita, apagando completamente os negócios de droga e apostas do ZeroSum. O Mask ainda tinha garotas de aluguel, mas nenhum membro do outro pessoal iria até lá, nem ao Sal. Com a marcha do Reverendo, todos eles estavam virtualmente limpos.
— Xhex, daria tudo para saber que está viva.
Não havia forma de que iAm pudesse atravessar a porta ou desmaterializar-se lá dentro para verificar se ainda respirava. O quarto era uma caixa forte de aço, completamente impenetrável. Havia inclusive uma fina malha ao redor do batente da porta, de forma que não podia entrar como sombra.
— Xhex, já o perdemos esta noite. Faça com que sejam dois, e vou te matar outra vez.
— Estou bem.
— Nenhum de nós está bem.
Quando não replicou, ouviu iAm amaldiçoar e afastar-se da porta.
Talvez mais tarde pudesse ajudar aos dois. Depois de tudo, eram as únicas pessoas que sabiam como se sentia. Nem sequer Bella, que tinha perdido a seu irmão, conhecia a acuidade da tortura que eles três teriam que suportar durante o resto de seus dias. Bella pensava que Rehv estava morto, assim podia passar pelo processo de dor, sair do outro lado e seguir com sua vida de algum modo.
Xhex, iAm e Trez? Estariam apanhados no limbo do inferno de saber a verdade, sem ser capazes de fazer nada para alterá-la... resultando que a princesa ficava livre para torturar Rehvenge seu coração pulsasse.
Ao pensar no futuro, Xhex agarrou o punho da adaga com força.
E quando baixou a arma até sua pele, apertou-a ainda mais.
Com a boca apertada para conter a dor dentro de si, Xhex derramou seu próprio sangue em vez de lágrimas.
Embora, que diferença havia na realidade? De qualquer forma, os symphaths choravam vermelho, igual à veia.

Capítulo 61


O cérebro de Rehv entrou de novo em linha, recuperando a consciência em uma lenta onda flutuante. Sua consciência flamejava, desvanecia-se e retornava, estendendo-se da base de seu crânio até seu lóbulo frontal.
Sentia seus ombros em chamas. Ambos. A cabeça estava matando-o desde que o symphath o golpeara com a espada, enviando-o a um doce sonho. Sentia o resto de seu corpo curiosamente leve.
Ao outro lado de suas pálpebras fechadas, a luz cintilava a seu redor e ele a registrava de uma cor vermelha profunda. O que significava que seu sistema estava completamente livre de dopamina, e agora era o que sempre seria.
Inspirando pelo nariz cheirou… terra. Terra limpa e úmida.
Passou um momento antes que estivesse preparado para jogar uma olhada, mas finalmente necessitou outro ponto de referência além da dor em seus ombros. Abriu os olhos e piscou. Havia velas tão longas como suas pernas dispostas nos limites do que aparentava ser alguma espécie de cova, as chamas que palpitavam no topo de cada uma delas eram de uma cor vermelho sangue e se refletiam sobre paredes que pareciam líquidas.
Líquidas não. Havia coisas que se arrastavam pela pedra negra… que se arrastavam por tudo.
Rapidamente baixou os olhos para seu corpo, e se sentiu aliviado ao ver que seus pés não estavam em contato com o chão movediço. Olhou para cima… e viu correntes que se prendiam no alto do teto ondulado e o sustentavam no ar, correntes que sujeitavam… varinhas que tinham sido inseridas através de seu torso, por baixo de seus ombros.
Estava suspenso em meio da cova, seu corpo nu flutuava por cima e por debaixo dos reluzentes e palpitantes limites de rocha.
Aranhas. Escorpiões. Em sua prisão, proliferavam os guardiães venenosos.
Fechando os olhos, estendeu seu lado symphath, tentando encontrar a outros de sua espécie, decidido a sair do lugar onde estava, para comunicar-se com mentes e emoções que pudesse manipular para poder libertar-se: embora tivesse ido à colônia para ficar, isso não significava que devesse continuar pendurado como um candelabro.
Mas tudo o que podia sentir era uma teia de estática.
O elenco das centenas de milhares que o rodeavam formava uma manta psíquica impenetrável, castrando seu lado symphath, não permitindo que nada entrasse ou saísse da cova.
Em seu peito se aferrava a cólera mais que o medo, e estirou-se para agarrar uma das correntes e puxou-a, usando seus maciços músculos peitorais. A dor o fez tremer da cabeça aos pés, fazendo seu corpo oscilar no ar, mas suas ataduras não se moveram e o ferrolho do mecanismo que atravessava sua carne não se deslocou.
Quando se balançou para trás ficando em posição vertical, ouviu um som, como se uma porta tivesse aberto detrás dele.
Alguém entrou, e soube de quem se tratava pelo forte bloqueio psíquico que tinha levantado.
— Tio — disse.
— De fato.
O rei dos symphaths entrou, apoiando-se em sua bengala e arrastando os pés, as aranhas que estavam no solo romperam brevemente a colcha que formava seus corpos, para lhe abrir caminho e logo voltar a fechá-lo. Sob o traje imperial cor vermelha sangue o corpo de seu tio era débil, mas o cérebro que havia sobre aquela coluna vertebral encurvada era incrivelmente poderoso.
Provando sem deixar dúvidas que a força física não era a melhor arma de um symphath.
— Como se sente em seu repouso flutuante? — perguntou o rei, e seu anel real de rubis refletiu a luz da vela.
— Adulado.
O rei elevou as sobrancelhas por cima de seus brilhantes olhos vermelhos.
— Como é isso?
Rehv olhou a seu redor.
— O ferrolho e a chave que escolheu para me manter preso são impressionantes. Isso significa que sou muito poderoso para seu conforto, ou que é mais fraco do que deseja.
O Rei sorriu com a serenidade de alguém que se sentia completamente a salvo.
— Sabe que sua irmã deseja ser rainha?
— Meio-irmã. E não me surpreende.
— Durante um tempo, lhe dei o que queria em meu testamento, mas me dei conta de que estava sendo indevidamente influenciado, e mudei tudo. Para isso, te chantageava. O que obtinha, utilizava para fazer transações comerciais de todo tipo com humanos. — Sua expressão sugeria que isso era semelhante a convidar ratos à cozinha. — Essa atitude por si só, indica que é completamente indigna de governar. O medo é muito mais útil para motivar subordinados… o dinheiro é comparativamente irrelevante, se a pessoa está tentando ganhar poder. E me matar? Supôs que dessa forma poderia evitar meu plano de sucessão, o que exagera enormemente suas capacidades.
— O que fez com ela?
Uma vez mais mostrou aquele sorriso sereno.
— O que era conveniente.
— Quanto tempo vai me manter assim?
— Até que ela morra. Saber que tenho você, e que estar vivo é parte de seu castigo. —O rei olhou as aranhas que havia a seu redor, algo um pouco parecido ao afeto verdadeiro flamejou em seu rosto branco de Kabuki. — Não se preocupe, meus amigas lhe cuidarão bem.
— Não estou.
— Estará. Prometo. — Seus olhos retornaram a Rehv, e seus traços andróginos adotaram uma expressão demoníaca. — Eu não gostava de seu pai e me alegrou bastante que o matasse. Tendo esclarecido isso, devo dizer que não terá a oportunidade de fazer o mesmo comigo. Viverá unicamente enquanto o faça sua irmã, logo seguirei seu bom exemplo e reduzirei o número de meus parentes.
— Meio-irmã.
— Põe muito afinco em distanciar os laços que o unem à princesa. Não me estranha que te adore como o faz. Para ela, aquilo que é inalcançável sempre ostenta o maior encanto. E é, repito, a única razão pela qual está vivo.
O rei se inclinou sobre a bengala, e arrastando os pés lentamente, começou a retroceder o caminho que tinha percorrido ao chegar. Antes de sair do campo visual de Rehv, deteve-se.
— Alguma vez esteve na tumba de seu pai?
— Não.
— É meu lugar favorito em todo mundo. Parar sobre a terra onde sua carne se queimou sobre a pira funerária, convertendo-se em cinzas… adorável. — O rei sorriu com fria alegria. — Que tenha sido assassinado por sua mão o faz ainda mais doce, já que sempre pensou que fosse débil e inútil. Deve tê-lo atormentado bastante saber que foi vencido por um ser inferior. Descanse bem, Rehvenge.
Rehv não respondeu. Estava muito ocupado esporeando as paredes mentais de seu tio, procurando uma forma de entrar.
O rei sorriu, como se aprovasse suas tentativas, e seguiu seu caminho.
— Sempre gostei de você. Apesar de ser só um mestiço.
Houve um estalo, como se tivesse fechado uma porta.
Todas as velas se apagaram.
A desorientação fez com que a garganta de Rehvenge se fechasse. Ao se ver abandonado, flutuando na escuridão sem nada que o orientasse, o terror o invadiu. Não poder ver era o pior...
As varinhas que atravessavam a parte superior de seu corpo começaram a tremer ligeiramente, como se soprasse uma brisa que fizesse vibrar as correntes.
OH…Deus, não.
As cócegas começaram em seus ombros e se intensificaram depressa, fluindo para baixo por seu estômago e suas coxas, correndo para a ponta de seus dedos, cobrindo suas costas, florescendo por seu pescoço para seu rosto. Usou suas mãos na medida em que pôde. Tentava afastar à multidão, mas embora atirasse muitas ao chão, havia mais que se sobrepunham. Estavam sobre ele, movendo-se sobre ele, cobrindo-o como uma camisa de força de diminutos toques em contínuo movimento.
A revoada em suas fossas nasais e ao redor de seus ouvidos era sua perdição.
Teria gritado. Mas então as teria engolido.


Em Caldwell, na casa de arenito marrom à qual se mudaria sem dúvida, Lash tomava banho com preguiçosa precisão, tomando seu tempo com a esponja, passando-a por entre os dedos do pé e detrás de suas orelhas, prestando especial atenção a seus ombros e a parte baixa de suas costas. Não havia nenhuma necessidade de apressar-se.
Quanto mais esperasse, melhor.
Além disso, que bom banho para passar o tempo! Tudo era de primeira qualidade, do mármore de Carrara que cobria o chão e as paredes, passando pelos acessórios de ouro e a incrível extensão de espelhos gravados que havia sobre os profundos lavabos.
As toalhas que penduravam das prateleiras ornamentadas eram do Wal–Mart.
Sim, e seriam substituídas assim que fosse possível. As malditas coisas eram a única coisa que tinha o senhor D no rancho, e Lash não estava para perder o tempo conduzindo por toda Caldwell em busca de algo melhor para secar o traseiro… não, quando tinha uma nova peça de equipe para exercitar e pôr a prova. Entretanto, depois do treinamento desta manhã, entraria em Internet e compraria merda como móveis, roupa de cama, tapetes e artigos de cozinha.
Não obstante, tudo teria que ser entregue no PDM de rancho, onde o senhor D e outros estavam ficando agora. Os homens de UPS[110] não eram bem-vindos por aqui.
Lash deixou a luz do banheiro acesa e foi para o dormitório principal. O teto era da altura habitual dos de antes da guerra, o que significava que a maldita coisa era tão alta que sob ela se podiam formar nuvens e flutuar ao redor das molduras esculpidas à mão, se houvessem as condições atmosféricas apropriadas. O piso era belíssimo, de madeira nobre com incrustações de cerejeira, e as paredes estavam empapeladas com um assombroso redemoinho de verde escuro, como as cobertas interiores de um livro antigo.
As janelas acabavam de ser seladas com mantas baratas que tinham tido que cravar nas molduras… uma verdadeira pena. Mas igual às toalhas, isso mudaria. Assim como também a cama, que não era mais que um colchão extragrande jogado no chão, com sua pele branca e acolchoada exposta, como um nativo do Meio Oeste tentando bronzear-se em algum lugar elegante.
Lash deixou cair a toalha de seus quadris, e sua ereção se equilibrou para cima.
— Eu adoro que seja uma mentirosa.
A princesa levantou a cabeça, seu brilhante cabelo negro emitia brilhos azuis.
— Vai me soltar? Foderemos melhor, prometo.
— Não estou preocupado em quão bom vá ser.
— Está seguro? — Seus braços puxaram correntes de aço que tinham sido fixadas no chão. — Não quer que eu te toque?
Lash sorriu, olhando o corpo nu que agora possuía, para toda intenção e propósito. Ela era seu presente, outorgado pelo rei symphath como um gesto de boa fé, um sacrifício que era também um castigo por sua traição.
— Não irá a nenhuma parte — disse. — E te foder vai ser fantástico.
Iria usá-la até que se quebrasse, depois a soltaria e faria encontrar vampiros para matá-los. Era a relação perfeita. E caso se cansasse dela, ou se não funcionasse sexualmente ou como cetro adivinhatório, se livraria dela.
A princesa o fulminou com o olhar, a cor avermelhada de seus olhos era como uma forte maldição lançada a todo volume.
— Vai me deixar ir.
Lash baixou a mão e começou a acariciar seu pênis.
— Só se for para te pôr em sua tumba.
O sorriso dela foi de pura maldade, tanto assim, que seu escroto se esticou e esteve a ponto de gozar.
— Já veremos — disse com voz baixa e profunda.
Antes que Lash deixasse a colônia com ela, o guarda privado do rei a tinha drogado, e quando a estendera sobre o colchão, tinha lhe separado as pernas o máximo possível.
Dessa forma, podia ver quando seu sexo reluzia por causa dele.
— Nunca te deixarei ir — disse quando se ajoelhou sobre o colchão e agarrou seus tornozelos.
Sua pele era suave e branca como a neve, seu centro era rosado como seus mamilos.
Ia deixar muitas marcas em seu corpo magro como uma vara. E a julgar pela forma em que girava seus quadris, ela ia gostar.
— É minha — grunhiu.
Em um repentino instante de inspiração, imaginou o colar de seu velho rottweiller ao redor desse magro pescoço. As placas de propriedade do Rei ficariam geniais nela, e a coleira do cachorro também.
Perfeito. Fodidamente perfeito.

Capítulo 62

UM MÊS DEPOIS...
Ehlena despertou com o som do roçar de porcelana contra porcelana e o aroma de chá Earl Grei. Ao abrir os olhos, viu uma doggen uniformizada lutando sob o peso de uma enorme bandeja de prata. Sobre ela havia uma rosquinha recém feita coberta por uma cúpula de cristal, um pote de geléia de morango, uma colherada de queijo em nata em um diminuto prato de porcelana, e sua parte favorita, um vaso com um casulo de flor.
Cada noite havia uma flor diferente. Este entardecer era um raminho de arbusto.
—Oh, Sashla, realmente não tem que fazê-lo. —Ehlena se incorporou afastando lençóis tão finos e tão bem acabados que eram mais suaves ao tato que o ar do verão contra a pele— É adorável de sua parte, mas honestamente…
A criada lhe fez uma reverência e ofereceu um tímido sorriso.
—A Senhora deveria despertar com uma refeição adequada.
Ehlena elevou os braços quando uma base foi posta sobre suas pernas e a bandeja colocada em cima. Enquanto baixava a vista para a prata amorosamente polida e a refeição minuciosamente preparada, seu primeiro pensamento foi que seu pai acabava de receber o mesmo, servido pelo mordomo doggen de nome Eram.
Acariciou a delicada manga curva da faca.
—É boa conosco. Todos vocês. Têm-nos feito sentir muito bem-vindos nesta casa esplêndida, e lhes agradecemos muitíssimo.
Quando elevou o olhar, havia lágrimas nos olhos da doggen, e a criada se apressou a secá-las com um lenço.
—Senhora, você e seu pai transformaram esta casa. Estamos muito contentes de que sejam nossos amos. Agora… que vocês estão aqui, tudo é diferente.
Era o máximo que diria a criada, mas dada a forma em que ela e o resto do pessoal se sobressaltava, durante as duas primeiras semanas, Ehlena deduziu que Montrag não devia ter sido um chefe de família muito fácil.
Ehlena estendeu a mão e lhe deu apertão na da mulher.
—Alegra-me de que tenha sido bom para todos.
Enquanto a criada se afastava para reatar seus deveres parecia nervosa, mas feliz. Na porta, deteve-se.
—Oh, senhora já chegaram as coisas da senhora Lusie. A colocamos no quarto de hóspedes que há ao lado do de seu pai. Além disso, o chaveiro chegará em meia hora, como você pediu.
—Perfeito em ambos os casos, obrigada.
Enquanto a porta se fechava silenciosamente e a doggen partia cantarolando uma melodia do Antigo País, Ehlena retirou a cúpula do prato e colheu com a faca um pouco de queijo em nata. Lusie tinha concordado em mudar-se com eles e trabalhar como enfermeira e assistente pessoal do pai de Ehlena… o que era fantástico. No geral, ele tinha aceitado a nova situação com relativa facilidade, sua conduta e estabilidade mental eram melhores do que tinham sido durante anos, mas a próxima supervisão contribuía bastante para tranqüilizar a permanente preocupação de Ehlena.
Ser cuidadosa com ele seguia sendo uma prioridade.
Aqui na mansão, por exemplo, não fazia falta, o papel alumínio sobre as janelas. Em troca, preferia olhar para fora, para os jardins que eram belos mesmo depois de estar adormecidos pelo inverno, e em retrospectiva, perguntava-se se parte de seu isolamento do mundo não tinha sido causado pelo lugar onde tinham estado vivendo. Também estava muito mais tranquilo e em paz, trabalhando continuamente no outro quarto de hóspedes que havia próximo ao seu. Entretanto, ainda ouvia vozes, preferia a ordem à desordem de qualquer tipo, e necessitava da medicação. Mas isto, comparado com o que tinha sido o último par de anos, era o paraíso.
Enquanto comia, Ehlena passeou o olhar pelo quarto que tinha escolhido e se lembrou da antiga mansão de seus pais. As cortinas eram do mesmo tipo das que estavam penduradas na casa de sua família, enormes faixas de cor pêssego, nata e vermelho desciam dos dentes revestidos de encaixes franzidos e com franjas. As paredes tinham o mesmo acabamento suntuoso, o papel de seda exibia um desenho de rosas que combinava perfeitamente com as cortinas, ao mesmo tempo que harmonizava com o tapete de centro que havia no chão.
Ehlena também se sentia como em sua casa, quanto ao entorno, mas entretanto completamente deslocada… e não só porque sua vida parecia como um veleiro que tinha naufragado em águas geladas, para ir se endireitar repentinamente nos trópicos.
Rehvenge estava com ela. Inexoravelmente.
Seu último pensamento antes de dormir e o primeiro ao despertar era que estava vivo. E sonhava com ele, via-o com os braços ao lado do corpo e a cabeça pendurada, perfilado contra um trêmulo fundo negro. Era uma completa contradição, de certa forma, a crença de que estava vivo se contrapunha a essa imagem… que parecia indicar que estava morto.
Era como ser acossada por um fantasma.
Gerando essa tortura.
Frustrada, afastou a bandeja, levantou-se e tomou banho. A roupa que colocou não era elegante, mas sim, era precisamente a mesma que tinha adquirido na Target e nas ofertas da Macy’s por Internet, antes que tudo tivesse mudado. Os sapatos… eram as Keds que Rehv tinha segurado em sua mão.
Mas se negava a pensar nisso.
O assunto era, que não parecia correto sair correndo e gastar um monte de dinheiro em qualquer coisa. Não sentia que nada disto lhe pertencesse, nem a casa, nem o pessoal de serviço, nem os carros nem todo esse dinheiro em sua conta corrente. Ainda estava convencida de que Saxton ia aparecer ao cair da noite com um “Oh cometi um engano. Tudo isto deveria ter passado a alguma outra pessoa”.
Que surpresa seria essa.
Ehlena tomou a bandeja de prata e saiu de seu quarto dirigindo-se ao quarto no final do corredor para checar como estava seu pai. Quando alcançou sua porta, golpeou-a com a ponta da sapatilha.
—Pai?
—Entre, minha filha!
Deixou a bandeja em uma mesa de mogno e abriu a porta para o quarto que usava como estúdio. Havia trazido a antiga mesa da casa de aluguel e o tinham colocado perto da porta, e seu pai estava sentado trabalhando como sempre fazia, com papéis por toda parte.
—Como está? —perguntou ela, indo beijar lhe no rosto.
—Estou bem, muito bem verdadeiramente. A doggen acaba de me trazer o suco e a comida. —Passou sua mão elegante e ossuda sobre a bandeja de prata que fazia jogo com a que ela havia trazido— Adoro à nova doggen, você não?
—Sim, pai, eu...
—Ah, Lusie, querida!
Enquanto seu pai ficava de pé e alisava a jaqueta de veludo de seu smoking, Ehlena deu uma olhada sobre o ombro. Lusie entrou luzindo um vestido tubinho cinza pomba e um pulôver de nós tecido à mão. Nos pés usava um par de tamancos Birkenstocks e meias três-quartos grossas de tecido apertado que também pareciam feitos em casa. Usava o comprido e ondulado cabelo jogado para trás, preso com uma discreta presilha na base do pescoço.
Ao contrário do resto das coisas que tinham mudado ao seu redor, ela ainda seguia sendo a mesma. Encantadora e… acolhedora.
—Trouxe palavras cruzadas. —Sustentou no alto o jornal The New York Times que estava dobrado em quatro, assim como um lápis— Necessito de ajuda.
—E, é obvio, que estou a sua disposição, como de costume. —O pai de Ehlena se levantou e cortesmente retirou uma cadeira para Lusie— Sente-se aqui e veremos quantas casinhas conseguimos preencher.
Lusie sorriu a Ehlena enquanto se sentava.
—Não poderia fazê-lo sem ele.
Ehlena entrecerrou os olhos ante o rubor apenas perceptível da fêmea e logo os desviou para o rosto de seu pai. O qual mostrava um evidente interesse.
—Deixo os dois com suas palavras cruzadas. —disse com um sorriso.
Quando partia, recebeu dois adeuses, e não pôde evitar pensar que o efeito estéreo soava muito bem a seus ouvidos.
Desceu escada abaixo no elegante vestíbulo, foi para a esquerda, para a sala de jantar formal, e se deteve para admirar todo o cristal e porcelana que estavam dispostos com toda pompa… como o deslumbrante candelabro.
Entretanto, não havia velas coroando esses elegantes braços de prata.
Não havia velas na casa. Nem fósforos nem tampouco acendedores. E antes de mudar-se, Ehlena fazia com que o doggen mudasse o fogão industrial que funcionava a gás por um elétrico. Do mesmo modo, as duas televisões da parte da casa da família tinham sido entregues ao pessoal de serviço, e os monitores de segurança tinham sido levados de um lugar aberto que havia na despensa do mordomo, a um quarto fechado com uma porta com chave.
Não havia nenhum motivo para tentar o destino. Particularmente porque qualquer tipo de aparelho eletrônico, incluindo as dos celulares e as calculadoras, continuavam pondo nervoso a seu pai.
Na primeira noite que ficaram na mansão se empenhou em passear com seu pai por todo o lugar lhe mostrando as câmaras de segurança e os sensores e os feixes de luz não só na casa, mas também nos jardins. Como não estava segura de como tomaria a mudança de domicílio e todas as medidas de segurança, tinha-lhe brindado com o tour depois que houvesse tomado sua medicação. Felizmente, tinha considerado a melhora de moradia como uma volta à normalidade, e lhe tinha encantado a idéia de que houvesse um sistema de vigilância para toda a propriedade.
Possivelmente essa fosse outra razão pela que não sentia a necessidade de ter as janelas cobertas. Sentia como se agora estivesse sendo vigiado de uma maneira conveniente.
Empurrando a porta de vaivém, Ehlena entrou na despensa e saiu no outro lado da cozinha. Depois de conversar com o mordomo que tinha começado a cozinhar a Última Refeição, e lhe haver feito um elogio a uma das criadas a respeito de quão bem tinha limpado o corrimão das escadas, Ehlena se dirigiu ao escritório que estava no outro lado da casa.
A viagem foi longa, através de muitas salas formosas, e enquanto andava passava a mão amorosamente sobre as antiguidades, as ombreiras esculpidas à mão das portas e os móveis cobertos de seda. Esta encantadora casa ia fazer a vida de seu pai muito mais fácil, e como conseqüência, ela ia ter muito mais tempo e energia mental para concentrar-se em si mesma.
Não desejava isso. A última coisa que precisava eram horas vazias sem mais companhia que as tolices de sua mente. E inclusive se estivesse na competição para ganhar o prêmio de Miss Bem–Acomodada, queria ser produtiva. Verdade que já não necessitava de dinheiro para manter um teto sobre o que ficava de sua família, mas sempre tinha trabalhado, e gostava do propósito e o sentimento do que tinha estado fazendo na clínica.
Mas tinha queimado essa ponte e algo mais.
Como às outras trinta ou mais salas da mansão, o escritório estava decorado ao estilo da realeza européia, com delicados desenhos de damasco nas paredes e sofás, abundantes adornos com borlas nos cortinados, e uma grande quantidade de quadros comovedores e brilhantes que eram como janelas abertas para outros mundos ainda mais perfeitos. Entretanto havia uma coisa fora de tom. O chão estava nu, as poltronas, a mesa antiga, e todas as mesas e as cadeiras descansavam diretamente sobre o chão de madeira polida, o centro do qual era ligeiramente mais escuro que os bordos, como se alguma vez tivesse estado coberto.
Quando perguntou aos doggens, tinham-lhe explicado que o tapete tinha sofrido uma mancha impossível de tirar, e portanto, se encomendou uma nova ao fornecedor de antiguidades da família que residia em Manhattan. Não entraram em detalhes sobre o que tinha ocorrido, mas dado quão preocupados tinham estado todos eles por seus trabalhos, podia imaginá-lo que Montrag teria feito se tivesse havido algum tipo de falha em suas funções, sem importar quão razoável fosse o mesmo. Teria derramado a bandeja de chá? Sem dúvida teriam tido um grande problema.
Ehlena rodeou a mesa e se sentou. Na mesa sobre o tampo de couro, estava o Caldwell Courier Journal do dia, havia também um telefone e um agradável abajur francês, assim como uma encantadora estátua de cristal de um pássaro em vôo. Seu velho computador, o qual tinha tentado de devolver à clínica, antes de que ela e seu pai viessem para casa, entrava perfeitamente na gaveta grande e plaina que havia sob a parte superior… e sempre o conservava ali no caso dele entrar.
Supunha que podia se permitir comprar um novo computador, entretanto não ia comprar outro. Como suas roupas, o que tinha funcionava bem e estava acostumada a ele.
Além disso, as coisas que lhe eram familiares eram como um cabo a terra. E, homem, ela necessitava disso.
Pondo os cotovelos sobre a mesa, olhou através do aposento ao lugar da parede onde deveria ter descansado uma marinha espetacular. Entretanto a pintura saía para o quarto formando um ângulo reto com a parede, e o fronte da caixa forte que ficava à vista era como uma simples fêmea que tinha estado escondida atrás de uma máscara de baile glamorosa.
—Ama, o chaveiro está aqui.
—Por favor, o faça entrar.
Ehlena se levantou, e foi para a caixa forte para tocar o suave e opaco painel e o dial de cor negra e prateada. Tinha encontrado a coisa só devido ao fato de que tinha estado tão sobressaltada pela representação do pôr-do-sol sobre o oceano, que se sentiu impulsionada a pôr a mão sobre o marco. Quando toda a pintura saltou para frente, horrorizou-se porque pensou que tinha prejudicado a moldura de alguma forma, salvo que então olhou atrás do marco e… quem haveria pensado?
—Ama? Este é Roff, filho de Rossf.
Ehlena sorriu e caminhou para um macho que estava vestido com um macacão negro e levava uma caixa negra de ferramentas. Quando ia estender a mão, ele tirou o chapéu e lhe fez uma profunda reverência, como se ela fosse alguém especial. O que resultou muito estranho. Depois de anos sendo apenas uma civil, a formalidade a incomodava, mas estava aprendendo que devia deixar outros a honrar a etiqueta social. Pedir que não o fizessem, fosse a doggens, trabalhadores ou assessores, só piorava as coisas.
—Obrigada por vir. —lhe disse.
—É um prazer ser útil. —Olhou a caixa forte— É esta?
—Sim, não tenho a combinação. —dirigiram-se para o artefato— Tinha a esperança de que houvesse alguma forma de acessar a ela
A careta que ele tratou de esconder não era muito animadora.
—Bem, senhora, conheço este tipo de caixa forte, e não vai ser fácil. Teria que trazer uma furadeira industrial para atravessar os passadores e soltar a porta, e isso seria ruidoso. Além disso, quando tiver acabado a caixa forte ficará arruinada. Não quero que tome como uma falta de respeito mas, não tem maneira de achar a combinação?
—Não saberia onde procurá-la. —Percorreu com o olhar as prateleiras de livros e logo a mesa.— Nós acabamos de mudar, e não havia instruções.
O macho seguiu seu exemplo e percorreu a sala com o olhar.
—Normalmente os proprietários deixam essas coisas em um lugar secreto. Se você o encontrasse poderia lhe ensinar como restaurar a combinação, assim poderia voltar a utilizar a caixa forte. Como aviso, se tiver que brocá-la terá que ser trocada.
—Pois bem, depois de nos mudar explorei a mesa e não encontrei nada
—Encontrou algum compartimento secreto?
—Er... não. Mas só estava examinando os papéis ao azar e tentando abrir algum espaço para minhas coisas.
O macho assentiu frente à peça de mobiliário.
—Em muitas mesas desse estilo há ao menos uma gaveta com o fundo ou a parte traseira falsos, para dissimular um pequeno espaço. Não quero fazer conjeturas, mas poderia ajudá-la a encontrá-lo? Além disso, as molduras em um escritório como este também poderiam encobrir lugares secretos.
—Eu adoraria contar com outro par de olhos para isto, obrigada. —Ehlena se aproximou e um a um, foi tirando todas as gavetas da mesa, deixando-os um ao lado do outro no chão. Enquanto o fazia, o macho tirou uma lanterna de bolso e olhou dentro dos ocos ficavam descobertos.
Quando chegou a grande gaveta de baixo à esquerda duvidou, não querendo ver o que tinha guardado ali. Mas não era como se o chaveiro pudesse ver através da maldita coisa.
Silenciando uma rápida maldição, puxou a asa de bronze e não olhou todos os artigos que tinha guardado do Caldwell Courier Journal, cada um deles estava dobrado para esconder os artigos que tinha lido e guardado embora não quisesse lê-los de novo.
Pôs essa gaveta tão longe como pôde.
—Bem, esse é o último.
Ao ter a cabeça encaixada sob a mesa, a voz do macho ressonou.
—Acredito que há um… necessito de uma cinta métrica de minha caixa de ferramentas…
—Já vou procurá-la.
Quando a passou, parecia atônito de que lhe tivesse ajudado.
—Obrigada, senhora.
Ela se ajoelhou a seu lado enquanto voltava a agachar-se para meter-se debaixo da mesa.
—Vê algo?
—Parece que há... Sim, isto é um pouco mais superficial que outros. Só me deixe… —Houve um rangido e o braço do macho se sacudiu—Achei.
Quando se incorporou, tinha uma tosca caixa nas mãos curtidas.
—Acredito que terá que girar a tampa para abri-la, mas deixarei que você o faça.
—Certo, sinto-me como Indiana Jones, mas sem o chicote. — Ehlena levantou o painel superior e…— Bom, não há nenhuma combinação. Só uma chave. —Tirou a tira de aço, examinou-a e logo a pôs em seu lugar— Melhor que a deixemos onde a encontramos.
—Me deixe lhe mostrar como pode voltar a colocar a gaveta secreta.
O macho se foi vinte minutos mais tarde, depois de que os dois tivessem batido em todas as paredes, prateleiras e molduras da sala sem encontrar nada. Ehlena considerava que tinha que procurar uma última vez, e seguia com as mãos vazias, faria que retornasse com seus grandes armas para arrebentar a caixa.
Quando retornou ao escritório, pôs as gavetas em suas aberturas, fazendo uma pausa quando chegou ao que continha todos os artigos de periódico.
Possivelmente fosse pelo fato de que não tinha que preocupar-se com seu pai. Possivelmente fosse porque tinha um pouco de tempo livre.
Embora o mais provável fosse porque simplesmente se devesse ao fato de que estava tendo um momento de debilidade e não podia reprimir a necessidade de saber.
Ehlena tirou todos os papéis, desdobrou-os e os estendeu sobre a mesa. Todos os artigos eram sobre Rehvenge e a explosão do ZeroSum, e sem dúvida quando abrisse a edição de hoje, encontraria outro para acrescentar à coleção. Os jornalistas estavam fascinados com a história, e durante o último mês tinha havido um monte de reportagens a respeito disso… não só na imprensa escrita, mas também nas notícias da noite.
Nenhum suspeito. Nenhum indício. Entre os escombros do clube se encontrou o esqueleto de um macho. Os outros negócios que possuía, agora eram dirigidos por seus sócios. O tráfico de drogas no Caldwell estava paralisado. Não tinha havido mais assassinatos de traficantes.
Ehlena tomou um dos artigos que havia em cima da pilha. Não era dos mais recentes, mas o tinha lido tantas vezes, que tinha rabiscado o papel de periódico. Ao lado do texto havia uma foto imprecisa de Rehvenge, tirada por um oficial de polícia disfarçado dois anos atrás. O rosto de Rehvenge estava nas sombras, mas o casaco da Marta, a bengala e o Bentley se viam claramente.
Durante as quatro semanas passadas tinha destilado suas lembranças de Rehvenge, das vezes que tinham estado juntos até a forma em que tinha terminado tudo com essa viagem que tinha feito ao ZeroSum. O passar do tempo reforçava em lugar de desvanecer as imagens de sua mente, fazia com que o que recordava se voltasse ainda mais claro, como o uísque que se consolidava com o passar do tempo. E era estranho. Por mais, estranho que pudesse parecer, de todas as coisas que se haviam dito, tanto boas como más, o que Ehlena recordava com mais freqüência era algo que essa fêmea da segurança lhe tinha ladrado quando estava a caminho da saída do clube.
...esse macho pôs a si mesmo em uma situação de merda por mim, sua mãe e sua irmã. E você se acredita muito boa para ele? Olhe bem. De onde, demônios, vem que é tudo tão perfeito?
Sua mãe. Sua irmã. Ela.
Enquanto as palavras açoitavam sua mente uma vez mais, Ehlena deixou vagar o olhar pelo escritório até que chegou à porta. A casa estava em silêncio, seu pai ocupado com Lusie e as palavras cruzadas, os empregados trabalhando alegremente.
Pela primeira vez em um mês, estava a sós.
Tomando isso em consideração, deveria tomar um banho quente e procurar um lugar onde aconchegar-se com um bom livro… mas em vez disso, pegou o computador, abriu a tela, e o ligou. Tinha a sensação de que se levasse a cabo o que queria fazer, ia acabar caindo em um profundo e escuro buraco.
Mas não podia evitá-lo.
Tinha salvado as buscas que tinha feito das histórias clínicas de Rehv e sua mãe, e como ambos tinham sido declarados mortos, os documentos eram, tecnicamente, parte do registro público… pelo motivo que quando abriu os arquivos não se sentiu tão culpada de invadir sua privacidade.
Primeiro estudou o histórico da mãe, e algumas coisas lhe resultaram familiares por havê-lo examinado previamente, quando tinha sentido curiosidade sobre a fêmea que lhe tinha dado a luz. Não obstante, agora, tomou seu tempo, procurando algo concreto. Embora Deus soubesse do que se tratava.
Os registros recentes não tinham nada notável, eram somente comentários de Havers a respeito dos exames anuais da fêmea ou o tratamento de algum vírus ocasional. Enquanto se deslocava pelas páginas, começou a perguntar-se por que estava perdendo tempo… até que chegou à operação de joelho que tinham realizado a Madalina cinco anos atrás. Nas notas pré–operatórias, Havers mencionava algo sobre a deterioração da articulação como resultado de lesões por golpes crônicos.
Golpes crônicos? Em uma fêmea de valia da glymera? Isso estava mais de acordo com um jogador de futebol, pelo amor de Deus, não com a mãe castelhana de alta linhagem de Rehvenge.
Não tinha sentido.
Ehlena retrocedeu mais e mais passando por muitas páginas… e a partir dos vinte e três anos contados do presente começou a ver as entradas. Uma atrás da outra. Ossos quebrados. Machucados. Contusões.
Se Ehlena não estivesse segura de que era impossível... juraria que era violência doméstica.
Todas ás vezes era Rehv que a levava. Levava-a e permanecia com ela.
Ehlena voltou no tempo até a última entrada que parecia indicar o abuso de uma fêmea por parte de seu hellren. Madalina tinha sido acompanhada por sua filha, Bella. Não por Rehv.
Ehlena cravou o olhar na data como se da linha de números estivesse a ponto de sair subitamente um avanço importante. Quando cinco minutos depois ainda seguia olhando-a fixamente, sentiu como se o espectro da enfermidade de seu pai estivesse outra vez movendo-se ao longo dos pisos e paredes de sua mente. Por que demônios estava obcecada por isto?
E ainda assim, apesar de ter essa idéia em mente, seguiu o impulso que só pioraria sua obsessão. Abriu o registro de Rehv.
Retrocedeu pelos registros mais e mais e mais... ele tinha começado a necessitar de dopamina mais ou menos ao mesmo tempo que sua mãe deixou de ingressar com machucados.
Possivelmente fosse apenas uma coincidência.
Sentindo-se meio louca, Ehlena entrou na Internet e foi à base de dados dos registros públicos da raça. Teclando o nome de Madalina, encontrou o registro da transição da fêmea, logo saltou para o de seu hellren, Rempoon…
Ehlena se inclinou para frente na cadeira e soltou a respiração com um vaio. Sem querer acreditar o que lia retornou ao registro de Madalina.
Seu hellren tinha morrido na noite em que ela tinha ingressado machucada na clínica pela última vez.
Com a sensação de estar a ponto de obter as respostas, Ehlena considerou as coincidências nas datas à luz do que a guarda de segurança lhe havia dito sobre Rehvenge. E se ele tinha matado o macho para proteger a sua mãe? E se essa guarda de segurança sabia? E se…?
Pela extremidade do olho, viu a foto de Rehvenge no CCJ, seu rosto na sombra, seu carro elegante e sua bengala, sua pose de fanfarrão tão óbvia.
Com uma maldição, fechou o computador de um golpe, colocou-o de volta na gaveta, e se levantou. Podia não ser capaz de controlar seu subconsciente, mas podia resolver o problema de sua vigília e não respirar esta loucura.
Em vez de voltar-se mais louca, ia subir para o quarto principal onde Montrag tinha dormido e buscaria por ali para ver se encontrava a combinação do cofre. Mais tarde, tomaria a Última Refeição com seu pai e Lusie.
E depois tinha que averiguar o que ia fazer com o resto de sua vida.

—...pensa-se que os recentes assassinatos de traficantes na área poderiam ter acabado com a mais que provável morte do dono do clube Richard Reynolds suspeito de ser o chefe da droga. —Houve um rangido quando Beth pôs o CCJ sobre a mesa.- É o final do artigo.
Wrath esticou as pernas, para sustentar mais comodamente no colo o peso de sua Rainha. Tinha ido ver Payne fazia umas duas horas, e seu corpo parecia mingau, o que o fazia se sentir realmente bem.
—Obrigado por me ler isso.
—É um prazer. Agora me dê um segundo para que me ocupe do fogo. Temos um tronco que está a ponto de rodar sobre o tapete. — Beth o beijou e se levantou, a cadeira de joaninha rangeu aliviada. Enquanto cruzava o escritório para a chaminé, o relógio de pé começou a soar.
—Oh, que bom. —disse Beth— Escuta, Mary deve estar para chegar. Vai trazer algo para você.
Wrath assentiu e entendeu a mão, percorrendo com as pontas dos dedos a parte superior da mesa até chegar a taça copa de vinho tinto que estava bebendo. Pelo peso, supôs que quase havia terminado, e dado seu humor, iria querer mais. A merda sobre Rehv o havia estado incomodando. De uma maneira ruim.
Depois de terminar o Burdeos, deixou a taça e esfregou os olhos abaixo dos óculos envolventes que ainda usava. Poderia resultar um pouco estranho seguir com os óculos, mas não importava… não gostava da idéia de que outras pessoas pudessem ver suas pupilas desfocadas sem que ele pudesse vê-los o olhando fixamente.
—Wrath? —Beth se aproximou, e pelo tom tenso de sua voz soube que estava tentando manter afastado o temor de sua voz— Está bem? Dói sua cabeça?
—Não. —Wrath puxou sua Rainha sentando-a de novo em seu colo, a pequena cadeira rangeu outra vez, as pernas desta tremeram. — Estou bem.
As mãos dela afastaram seu cabelo do rosto.
—Não parece.
—Eu só... —Encontrou uma de suas mãos e a tomou na sua— Merda, não sei.
—Sim, sabe.
Franziu o cenho com força e estreitamente.
—Não se trata de mim. Ao menos, não verdadeiramente.
Houve uma larga pausa, e então ambos falaram com mesmo tempo:
—Do que se trata?
—Como está Bella?
Beth esclareceu garganta como se a pergunta a surpreendesse.
—Bella está… fazendo tudo o que pode. Não a deixamos muito tempo sozinhas, e é bom que Zsadist tirasse férias. É muito duro que os tenha perdido a ambos em poucos dias. Quero dizer a sua mãe e a seu irmão…
—Essa merda sobre Rehv é uma mentira.
—Não entendo.
Estendeu a mão para o Caldwell Courier Journal que lhe tinha estado lendo, e deu golpezinhos sobre o artigo que acabava de terminar.
—Custa-me acreditar que alguém tenha lhe chutado o traseiro. Rehv não era nenhum parvo e, esses Mouros que o protegiam? Essa chefe de segurança? É fodidamente impossível que tenham deixado aproximar-se dele com uma bomba no clube. Além disso, Rhage disse que ele e V foram ao Iron Mask na outra noite para trazer arrastado John para casa, e os três estão trabalhando lá… iAm, Trez e Xhex ainda estão juntos. Normalmente, depois de uma tragédia as pessoas se dispersam. Mas esse grupo está como sempre, como se estivessem esperando que retorne.
—Mas havia um esqueleto entre os escombros, não?
—Pode ser de qualquer um. Sem dúvida, era de um macho, mas que mais sabe a polícia? Nada. Se eu quisesse desaparecer do mundo humano,demônios, inclusive do mundo vampiro— plantaria um corpo e explodiria meu edifício. —Sacudiu a cabeça, pensando em Rehv estendido na cama do grande rancho, tão fodidamente doente… entretanto suficientemente bem para fazer que sua assassina se ocupasse do tipo que queria matar a Wrath— Homem, esse HDP me respaldou. Quando Montrag se reuniu com ele, teve todas as oportunidades do mundo para foder-me. Devo-lhe uma.
—Espera... por que demônios simularia sua própria morte? Amava muitíssimo Bella e a sua filha. Demônios, virtualmente criou a sua irmã, e não posso acreditar que a machucasse desta forma. Além disso, aonde iria?
A colônia pensou Wrath.
Wrath queria contar a sua Rainha tudo o que tinha em mente, mas duvidou, porque esteve acariciando uma decisão que ia complicar muitíssimo as coisas. Em realmente, esse e–mail sobre Rehv? Ao Wrath sua intuição indicava que o tipo tinha mentido. Era muita coincidência que a coisa chegasse na noite seguinte a que Rehv «morrera». Tinha que ter sido legítimo. Mas com Montrag morto, quem podia ter…
Houve um penetrante rangido, uma queda livre e uma dura aterrissagem de traseiro.
Beth gritou e Wrath amaldiçoou: Que merda?
Mediu a seu redor, e tocou as lascas da antiga e delicada madeira francesa que estavam pulverizadas entorno deles.
—Está bem, leelan? —disse vivamente.
Beth riu e se levantou.
—OH, Meu Deus… quebramos a cadeira.
—Pulverizamos seria mais preciso...
O golpe na porta fez com que Wrath lutasse para ficar em pé entre grunhidos de dor. Aos quais estava se acostumando. Payne sempre atacava a tíbia, e sua perna esquerda o estava matando. Mas não era que não lhe houvesse devolvido o favor. Depois desta última sessão, era bastante provável que ela estivesse curando-se de alguma contusão.
—Entre. —exclamou.
No mesmo instante em que se abriu a porta, soube quem era… e que não estava sozinha.
—Quem está com você, Mary? —exigiu, alargando a mão para a faca que levava no quadril. O aroma não era humano… mas não era um vampiro.
Houve um tinido sutil e sua shellan exalou um longo e encantador suspiro, como se estivesse vendo algo que lhe agradasse enormemente.
—Este é George. —disse Mary— Por favor, guarde a arma. Não vai machucar você.
Wrath manteve a adaga na palma da mão e abriu amplamente as fossas nasais. O aroma era…
—É um cão?
—Sim. Está treinado para ajudar aos cegos.
Wrath retrocedeu levemente ante a palavra com «C», ainda esforçando-se para aceitar que essa classificação era relativa a ele.
—Eu gostaria de levá-lo para você. —disse Mary com esse tom de voz seu tão equânime— Mas não o farei até que guarde a arma.
Beth permanecia em silêncio, e Mary permaneceu afastada, o que foi sábio por parte de ambas. Seus neurônios dispararam em todas as direções, seus pensamentos correram por toda parte. Durante o mês passado tinha tido muitos triunfos e muitas perdas de merda: ao retornar de seu primeiro encontro com Payne, tinha sabido que tinha um caminho difícil pela frente, mas era mais largo e mais íngreme do que tinha pensado
Os dois maiores problemas era que odiava ter que depender tanto de Beth e seus irmãos, e que pensava que voltar a aprender as coisas simples era curiosamente exaustivo. Como… pelo amor de Deus, fazer uma torrada era agora uma proeza. Ontem havia tornado a tentar e acabou rompendo o prato de cristal da manteiga. O que naturalmente levou uma eternidade limpar.
Mas ainda assim, a idéia de utilizar um cão para mover-se era… muito.
A voz de Mary deslizou até o outro lado do aposento com o equivalente vocal de um andar inofensivo.
—Fritz lhe ensinou como tratar o cão, e juntos, ele e eu estamos preparados para trabalhar com você e com George. Há um período de prova de duas semanas, depois do qual, se você não gostar ou se não estiver funcionando, podemos devolver o animal. Não há nenhum tipo de obrigação nisto, Wrath.
Estava a ponto de lhes dizer que levassem o cão quando ouviu uma débil choramingo e mais tinidos.
—Não, George. —disse Mary— Não pode se aproximar dele.
—Quer vir comigo?
—O treinamos utilizando uma de suas camisetas. Conhece seu aroma.
Houve um longo, longo período de silêncio, e então Wrath sacudiu a cabeça.
—Não sei se sou um tipo que goste dos cães. Além disso, que acontece a Boo…
—Está bem aqui. —respondeu Beth— Está sentado junto a George. Desceu as escadas logo que o cão entrou na casa, e após não se afastou do lado do George. Acredito que agradam um ao outro.
Maldita seja! Nem o gato estava de seu lado.
Mais silêncio.
Wrath embainhou a adaga lentamente e deu dois amplos passos à esquerda para poder rodear a mesa. Caminhando para frente, deteve-se no centro do escritório.
George choramingou um pouco, e logo se voltou a ouvir o singelo tinido de um arnês.
—Deixa que me aproxime. —disse Wrath sombriamente, sentindo como se o estivessem pressionando e não gostasse nada disso.
Ouviu o animal aproximar-se, as suaves pisadas das patas e o tinido do colar cada vez mais perto, e logo…
Um focinho suave como o veludo cheirou a palma de sua mão, e uma língua áspera lhe lambeu rapidamente a pele. Logo o cão se agachou sob sua palma e se apoiou contra sua coxa.
As orelhas eram sedosas e cálidas, o pêlo da pele do animal era ligeiramente encaracolado.
Era um cão grande com uma grande cabeça quadrada.
—De que raça é?
—Um golden retriever. Fritz foi o que o escolheu.
O doggen falou da porta, como se tivesse medo de entrar no aposento, em vista de quão tensa era a situação.
—Pensei que era a raça perfeita, amo.
Wrath apalpou os flancos do cão, encontrando o arnês que lhe rodeava o peito e o cabo do qual a pessoa sem visão se agarraria.
—O que pode fazer?
Mary respondeu.
—O que necessitar. Pode aprender a disposição da casa e se lhe der a ordem de o levar a biblioteca, ele fará. Pode o ajudar a se desembrulhar pela cozinha, atender o telefone, encontrar objetos. É um animal brilhante, e se os dois se encaixam, você e ele podem ser tão independentes como sei que quer ser.
Que fêmea impressionante. Sabia exatamente o que lhe tinha estado incomodando. Mas a resposta era um animal?
George choramingou tristemente, como se quisesse o trabalho com desespero.
Wrath soltou ao cão e deu um passo para trás enquanto todo seu corpo começava a tremer.
—Não sei se posso fazer isto. — disse com voz rouca— Não sei se posso… ser cego.
Beth esclareceu um pouco a garganta, como se estivesse afogando-se porque ele estava afogando-se.
Depois de um momento, Mary, com suas maneiras amáveis e firmes, disse o que, embora fosse cru, devia ser dito:
—Wrath, você é cego.
O tácito assim o enfrenta ressoou em sua mente, pondo sob o refletor uma realidade através da qual tinha estado partindo irregularmente. Sem dúvida, tinha deixado de despertar cada dia esperando que sua visão retornasse, e tinha estado lutando com Payne e fazendo amor com sua shellan assim não se sentia fisicamente débil, e também tinha estado trabalhando e mantendo em dia a merda de Rei e tudo isso. Mas nada disso significava que as coisas fossem fantásticas: movia-se com dificuldade, tropeçando constantemente, atirando coisas… aferrando-se a sua shellan… que por sua culpa não tinha saído da casa durante um mês… utilizando os irmãos para que o levassem a distintos lugares… sendo o tipo de carga que lhe ofendia.
Disse a si mesmo que lhe dar este cão era uma oportunidade e não significava que lhe entusiasmasse ser cego. Mas podia o ajudar a mover-se por si mesmo.
Wrath se virou de forma que ele e George ficassem olhando na mesma direção, aproximou-se do cão. Inclinando-se para um lado, encontrou a correia e a agarrou.
—Agora, o que fazemos?
Depois de um emocionado silêncio, como se tivesse surpreendido muitíssimo a sua audiência, ouviu algumas discussões e exposições, das quais só assimilou uma quarta parte. Não obstante, resultou evidente que tinha ouvido o suficiente para começar, já que logo ele e George estiveram dando um passeio pelo escritório.
A correia teve que ser ajustada ao limite, para que Wrath não tivesse que inclinar-se para um lado para agarrá-la, e ao cão lhe sentava muito melhor todo o trato que a seu dono. Mas depois de um momento, os dois se encaminharam para fora do escritório e desceram até o vestíbulo. O próximo passeio era encarar as escadas e retornar.
Sozinho.
Quando Wrath voltou para o escritório, enfrentou o grupo que se congregou… e agora era um grande, já que pelo visto cada um de seus irmãos, como também Lassiter, uniram-se a Beth, Fritz e Mary. Wrath captou o aroma de cada um deles… e também havia um fodido monte de esperança e preocupação no ar.
Não podia culpá-los por como se sentiam, mas não gostava da atenção.
—Como escolheu a raça, Fritz? —perguntou, porque precisava encher o silêncio e não havia razão para ignorar o elefante rosa que havia no aposento.
Ou para ser mais exato, o cão de pelagem clara.
A voz do ancião mordomo tremeu, como se, ao como todo mundo, estivesse lutando com a emoção.
—Eu, ah… o escolhi… — O doggen esclareceu a garganta— O escolhi por cima dos Labradores porque perdem mais pêlo.
Os olhos cegos de Wrath piscaram.
—Por que seria isso algo bom?
—Porque seus empregados adoram passar o aspirador. Pensei que seria um formoso presente para eles.
—OH, certo... é obvio. —Wrath riu um pouco para si mesmo, e logo começou a rir abertamente. Quando outros se uniram a ele, parte da tensão se dissipou no aposento — Por que não pensei nisso?
Beth se aproximou e o beijou.
—Veremos como se sente, ok?
Wrath acariciou a cabeça de George.
—Sim. Está bem. —Levantou a voz— Basta de bate-papo. Quem está de guarda esta noite? V, necessito de um relatório financeiro. John ainda está desacordado em sua cama pela bebedeira? Tohr, vou querer que entre em contato com as famílias da glymera que ainda ficam para ver se podemos fazer com que retornem alguns alunos…
Enquanto Wrath cuspia ordens, era bom obter respostas e que as pessoas circulasse para sentar-se e que Fritz saísse para encarregar-se da limpeza depois da Primeira Refeição e que Beth se instalasse na velha cadeira de Tohr.
—Oh, e vou ter que conseguir outra coisa aonde me sentar. — disse enquanto ele e George se localizavam atrás da mesa.
—Nosso, pulverizou a essa coitada, não? —perguntou Rhage arrastando as palavras.
—Quer que te faça algo? —sugeriu V— Sou bom esculpindo.
—O que te parece uma Barcalounger? —interrompeu Butch.
—Quer esta cadeira? —ofereceu-lhe Beth.
—Alguém pode me alcançar essa costure com orelhas que está no canto junto à chaminé? —pediu Wrath.
Quando Phury a aproximou, Wrath se sentou e atirou a cadeira para frente… só para dar um violento golpe em ambos os joelhos contra a gaveta da mesa.
—Ok, isso teve que doer. —resmungou Rhage.
—Necessitamos de algo mais baixo. —disse alguém.
—Isto estará bem. — espetou Wrath rigidamente, tirando a palma da mão da correia de George e esfregando os doloridos joelhos— Não importa onde me sente.
Enquanto a Irmandade ficava a trabalhar, encontrou-se pondo a mão na cabeça do grande cão e acariciando a suave pelagem… jogando com uma orelha… baixando a mão para encontrar as grandes ondas que fluíam do amplo e forte peito do animal.
É obvio que nada disso significava que ia ficar com o animal.
Simplesmente era uma sensação agradável, isso era tudo.


Capítulo 63


Na noite seguinte, Ehlena observou como seu novo amigo, Roff o chaveiro, fazia com uma broca um maldito buraco no cofre da parede. O gemido de sua ferramenta de alta potência lhe aguilhoava os ouvidos, e o intenso aroma de metal quente lhe recordava à desinfetante que utilizavam nos pisos da clínica de Havers. Não obstante, a sensação de que estava fazendo algo —algo— compensava tudo isso.
—Já estou quase terminando. —gritou o chaveiro por cima do estrépito.
—Leve o tempo que precisar. —gritou em resposta.
Converteu-se em algo pessoal entre ela e o cofre, e esse maldito se abriria esta noite custasse o que custasse. Depois de procurar, com a ajuda do pessoal, por todo o dormitório principal, e revisado inclusive as roupas de Montrag, o que tinha sido horripilante, tinha chamado o chaveiro e agora estava desfrutando ao ver a cabeça dessa furadeira desaparecendo cada vez mais fundo no metal.
Na realidade, não lhe importava o que houvesse dentro da maldita coisa, o que era crítico era conseguir superar o obstáculo de não ter a combinação..., e era um alívio voltar a sentir-se ela mesma. Sempre tinha sido das que abrem caminho através das dificuldades... de forma parecida a como fazia essa furadeira.
—Estou dentro. — disse Roff, retirando a ferramenta— Ao fim! Deve dar uma olhada.
Quando o gemido amorteceu até converter-se em silêncio e o macho tomou um descanso, ela se aproximou e abriu o painel. Dentro estava escuro como a meia-noite.
—Recorde, —disse Roff enquanto começava a guardar suas coisas— que tivemos que cortar a eletricidade e o circuito que a conecta ao sistema de segurança. Habitualmente se acende uma luz.
—Bem. —De toda forma apareceu. Era algo assim como uma caverna — Muito obrigada.
—Se quiser que encontre um reposto, posso fazê-lo.
Seu pai sempre tinha tido cofres, alguns nas paredes, um par no porão e essas tinham sido tão velhos e pesadas como carros.
—Suponho que... necessitaremos de um.
Roff passeou a vista pelo escritório e logo lhe sorriu.
—Sim, senhora. Acredito que sim. Eu mesmo me ocuparei disso por você. Assegurarei-me de lhe conseguir o que necessita.
Ela se virou e lhe estendeu a mão.
—Foi muito amável.
Ele ruborizou do pescoço de seu macacão até a linha escura do cabelo.
—Senhora... foi um prazer trabalhar para você.
Ehlena lhe acompanhou até a porta principal e depois voltou para o escritório com uma lanterna que tinha obtido do mordomo.
Acendendo o feixe de luz, apareceu o cofre. Arquivos. Montes de arquivos. Algumas caixas de couro planas que lhe resultaram familiares de quando ainda tinham as jóias de sua mãe. Mais documentos. Ações. Maços de dinheiro em efetivo. Dois livros velhos de contabilidade.
Aproximou uma mesinha, e esvaziou tudo em cima dela formando pilhas. Quando chegou ao mesmo fundo, encontrou uma caixa de caudais que ao levantá-la arrancou um grunhido.
Levou-lhe aproximadamente três horas revisar a papelada, e quando terminou, estava absolutamente atônita.
Montrag e seu pai tinham sido o equivalente corporativo de mafiosos.
Levantando-se da cadeira em que tinha plantado o traseiro, subiu ao dormitório que estava utilizando e abriu a gaveta de uma cômoda antiga na qual tinha guardado sua roupa. O manuscrito de seu pai estava preso com uma simples banda de borracha, a qual emitiu um estalo ao ser liberada com um movimento de sua mão. Começou a folhear as páginas até que... encontrou a descrição do trato de negócios que tinha mudado tudo para sua família.
Ehlena levou a folha do manuscrito ao piso de baixo onde estavam os documentos e livros velhos que tinha tirado do cofre. Revisando a coleção de livros onde estavam assentados os registros de centenas de transações de interesses comerciais, imobiliários, e outros investimentos, encontrou um que concordava com o que tinha escrito seu pai quanto a data, montantes em dólares e conceito.
Ali estava. O pai de Montrag tinha sido o que tinha traído ao dela, e o filho tinha estado no alho.
Deixando cair de novo na cadeira, lançou um largo e duro olhar ao escritório.
O carma era certamente um filho da puta, não é?
Ehlena voltou para os livros velhos para ver se tinham se aproveitado de alguma outra família da glymera. Não tinha sido assim, não desde que Montrag e seu pai tinham arruinado a sua família, e teve que perguntar-se se teriam se inclinado a fazer entendimentos com humanos para diminuir as probabilidades de serem descobertos como bandidos e estelionatários dentro da raça.
Baixou o olhar à caixa de caudais.
Como esta parecia ser a noite para lavar roupa suja, levantou a coisa. A fechadura que a assegurava não se abria com uma combinação, a não ser com uma chave.
Olhando sobre seu ombro, estudou a mesa.
Cinco minutos depois, após ter forçado com êxito o compartimento secreto da gaveta inferior, levou a chave que tinha encontrado na noite anterior para a caixa de caudais. Não lhe cabia dúvida de que com ela ia abrir essa coisa.
E o fez.
Colocando a mão dentro, encontrou somente um documento, e enquanto desenrolava as páginas grossas e aveludadas, teve exatamente a mesma sensação que tinha tido quando falou pela primeira vez com Rehvenge por telefone e este lhe perguntou: Ehlena, está aí?
Isto ia mudar tudo, pensou sem nenhuma razão em particular.
E assim foi.
Era uma declaração jurada do pai de Rehvenge assinalando a seu assassino, escrita enquanto o macho falecia de feridas mortais.
Leu-a duas vezes. E uma terceira.
A testemunha era Rehm, pai de Montrag.
Sua mente se lançou a processar tudo, e correu para seu computador, tirou o DELL e recuperou a busca clínica que tinha feito sobre a mãe de Rehv... Bom, quem o teria imaginado? A data em que a declaração tinha sido ditada pelo macho moribundo coincidia com a da última noite em que a mãe de Rehv tinha dado entrada na clínica por ter sido agredida.
Tomou a declaração e a releu. Segundo seu padrasto Rehvenge era um symphath e um assassino. E Rehm o tinha sabido. E Montrag o tinha sabido.
Seus olhos se dirigiram aos livros velhos. A julgar pelo que havia nesses registros, pai e filho tinham sido oportunistas consumados. Era difícil acreditar que esse tipo de informação não tivesse sido utilizada em um momento ou em outro. Muito difícil.
—Senhora? Trago-lhe seu chá?
Ehlena olhou a doggen que estava na soleira.
—Preciso saber de uma coisa.
—É obvio, Senhora. —A criada entrou com um sorriso— No que posso ajudá-la?
—Como morreu Montrag?
Houve um estalo continuado bem evidente quando a criada quase deixa cair a bandeja sobre a mesa que havia diante do sofá.
—Senhora... certamente não deseja falar de tais coisas.
—Como?
A doggen olhou todos os papéis que tinham sido pulverizados ao redor do forçado cofre. A julgar pela resignação que viu nos olhos da fêmea, Sashla se deu conta de que alguns segredos tinham sido desvelados, segredos que não deixavam bem a seu anterior amo.
A diplomacia e a deferência sossegaram a voz da criada.
—Não desejaria falar mal dos mortos, nem faltar com respeito ao senhor Montrag. Mas você é a cabeça da família, e como solicitou...
—Está bem. Não está fazendo nada errado. E preciso sabê-lo. Se servir de ajuda, pensa nisso como em uma ordem direta.
Isto pareceu aliviar à fêmea que assentiu com a cabeça, depois falou com tom hesitante. Quando ficou em silêncio, Ehlena baixou o olhar ao centro do escritório vazio.
Ao menos agora sabia por que faltava o tapete.

A Xhex cabia o turno de meia-noite no Iron Mask, como tinha sido no ZeroSum. O que significava que quando seu relógio de pulso marcava as três e quarenta e cinco, era hora de fazer um percurso pelos banheiros enquanto os barmans faziam a última chamada e seus gorilas conduziam os bêbados e drogados à rua.
Na superfície, o Mask não tinha nada a ver com o ZeroSum. Em vez de aço e cristal, tudo era de uso neo victoriano, tudo de cor negra e azul profunda. Havia um monte de cortinas de veludo e reservados íntimos com fundos sofás, e a merda com essa porcaria do tecnopop; a música era um suicídio acústico, mais depressiva que qualquer outra coisa que tivesse levado ritmo alguma vez. Nada de pista de dança. Nem seção VIP. Mais lugares para praticar o sexo. Menos droga.
Mas a aura de evasão era a mesma, e as garotas seguiam trabalhando, e a bebida seguia correndo rápido como uma avalanche de barro.
Trez levava o lugar com um estilo discreto... atrás ficavam os dias no escritório traseiro oculto e a presença espetacular de um proprietário vistoso. Ele era um gerente, não um senhor da droga, e aqui as políticas e procedimentos não incluíam nódulos esfolados nem golpes de pistola. Em definitivamente, despertava menos interesse da polícia devido à falta de negócios de drogas em grandes quantidades e em pequenas quantidades... além disso os góticos, por natureza, eram mais depressivos e introspectivos, em contraposição aos tarados acelerados e vivazes que habitualmente se reuniam no ZeroSum.
Não obstante, Xhex sentia falta do caos. Sentia falta de... um monte de coisas.
Com uma maldição, entrou no banheiro de damas, que estava junto à maior dos dois balcões, e encontrou uma mulher inclinada para o espelho defumado que havia sobre o lavabo. Com um olhar de determinação, estava passando as pontas dos dedos sob os olhos, não para limpar o rímel, a não ser para melá-lo ainda mais sobre sua pele branca como o papel. Deus sabia que tinha bastante base de maquiagem Cover Girl sobre a qual trabalhar; usava tanta dessa merda, que parecia como se alguém lhe tivesse dado dois murros com um punho de ferro.
—Estamos fechando. —disse Xhex.
—Ok, não há problema. Vejo-a amanhã. —A garota se separou de seu reflexo que parecia saído da Noite dos Mortos Vivos e se dirigiu apressadamente para a porta.
Isso era o mais fodido dos góticos. Sim, pareciam aberrações, mas na realidade eram muito mais simpáticos que os do tipo esnobe frustrado aspirante a Paris Hilton. Além disso, suas tatuagens eram muito melhores.
Sim, o Mask era muito menos complicado... o que significava que Xhex tinha tempo mais que suficiente para permitir-se aprofundar sua relação com o detetive Da Cruz. Já tinha estado na delegacia de polícia de Caldwell duas vezes para ser interrogada, como muitos de seus gorilas... incluindo o Big Rob e Silent Tom, os dois que tinha enviado a procurar Grady.
Naturalmente, ambos tinham mentido maravilhosamente sob juramento, dizendo que tinham estado trabalhando com ela no momento da morte de Grady.
A esta altura tinha claro que ia ser levada ante o grande jure, mas os cargos não foram prosperar. Indubitavelmente os técnicos da polícia científica se ocuparam de obter fibras e cabelos do corpo de Grady, mas por esse caminho não foram conseguir muita informação a respeito dela, já que o DNA vampiro, assim como também o sangue, desintegrava-se rapidamente. Além disso, já tinha queimado a roupa e as botas que tinha usado nessa noite, e a faca utilizada estava disponível em quase todas as lojas de caça.
Tudo o que tinha Da Cruz eram provas circunstanciais.
Não é que nada disso importasse. Se por alguma razão as coisas ficassem muito quentes, simplesmente desapareceria. Talvez se dirigisse para ao oeste. Talvez voltasse para o Antigo País.
Por amor de Deus, já deveria ter abandonado Caldwell. Estar tão perto e de uma vez tão longe de Rehv a estava matando.
Depois de checar cada um dos cubículos, Xhex saiu e rodeou a esquina para o banheiro dos homens. Golpeou com força e colocou a cabeça.
Os movimentos, ofegos e golpes significavam que havia ao menos uma mulher e um homem. Talvez dois de cada?
—Estamos fechando. — ladrou.
Evidentemente seu senso da oportunidade estava em forma, porque o guincho de uma mulher tendo um orgasmo ressoou entre os azulejos e depois houve um monte de ofegos de recuperação.
Que ela não estava de humor para escutar. Só lhe recordavam seu curto momento com John... mas ao fim e ao cabo, o que não o fazia? Desde que Rehv se largou e ela tinha deixado de tentar dormir, tinha muitas, muitas, muitas horas durante o dia para olhar fixamente a teto de sua cabana de caça e contar a quantidade de formas em que tinha metido a pata.
Não tinha voltado para apartamento de porão. E estava pensando que ia ter que vendê-lo.
—Vamos, se movam. —disse— Estamos fechando.
Nada. Só o ofego.
Farta da atuação do grupo teatral de respiração pós coito que se desenvolvia no cubículo para deficientes, levantou a mão formando um punho e golpeou o dispensador de toalhas de papel.
—Tirem o traseira daí. Agora.
Isso os pôs em movimento.
A primeira em sair do cubículo foi o que considerou uma mulher com um atrativo eclético. A fêmea ia vestida ao estilo gótico, com meias rasgadas, botas que pesavam cento e oitenta quilogramas e um monte de bandagens de couro, mas era bela como Miss a América e tinha o corpo de uma Barbie.
E tinha sido bem servida.
Suas bochechas estavam rubo[rizadas e seu abundante cabelo negro despenteado, sem dúvida, ambas as coisas provocadas por ter sido montada contra os azulejos da parede.
Qhuinn foi o próximo a sair do cubículo, e Xhex se esticou, sabendo exatamente quem era o terceiro desta trifecta de sexo.
Qhuinn a saudou rigidamente com a cabeça ao passar, e Xhex soube que não iria muito longe. Não até que...
John Matthew saiu em processo de fechar o zíper. A camiseta Affliction chegava até o começo de seu tablete de chocolate e não usava cueca. Sob o brilho das luzes fluorescentes, a pele suave e sem pêlo de debaixo do umbigo estava tão tensa, que podia ver as fibras do músculo que depois de percorrer seu torso baixavam até suas pernas.
Não levantou a vista para olhá-la, não porque fosse tímido ou se sentisse envergonhado. Simplesmente não se importava que ela estivesse no recinto, e não era uma atuação. Seu ralo emocional estava... vazio.
Ao chegar aos lavabos, John abriu o grifo da água quente e bombeou o dispensador de sabão da parede. Enquanto ensaboava as mãos que tinham percorrido todo o corpo daquela mulher, fez rodar os ombros como se estivessem tensos.
Havia rastros de barba em sua mandíbula. E bolsas sob seus olhos. E fazia um tempo que não cortava o cabelo, assim as pontas tinham começado a encrespar-se na nuca e ao redor das orelhas. Por cima de tudo, tinha o álcool, o aroma emanava de seus mesmos poros, como se apesar de quão duro trabalhava seu fígado, não pudesse filtrar a merda de seu sangue o bastante rapidamente.
Isso não era nem bom, nem seguro: sabia que continuava lutando. Tinha-lhe visto entrar com machucados frescos e alguma bandagem ocasional.
—Quanto tempo mais vai seguir com isto? —perguntou tacitamente— Com toda esta rotina de bebedeiras e prostitutas?
John cortou a água e se aproximou da caixa de toalhas de papel a que ela acabava de lhe fazer uma amolgadura espetacular. Estava a menos de cinqüenta centímetros dela quando arrancou um par de quadrados brancos e secou as mãos tão conscientemente como as tinha lavado.
—Cristo, John, esta é uma maldita forma de esbanjar sua vida.
Atirou as toalhas enrugadas no cesto de papéis de aço inoxidável. Quando chegou à porta, olhou-a pela primeira vez desde que lhe tinha deixado em sua cama. Seu rosto não evidenciou nem um rastro de reconhecimento, nenhuma recordação, nem nada. O olhar azul que uma vez tinha sido faiscante estava agora opaco.
—John... —Sua voz se quebrou ligeiramente— Realmente, sinto muito.
Com deliberado cuidado, ele estendeu o dedo médio em sua rosto e saiu.
Quando ficou sozinha no banheiro, Xhex se aproximou do espelho defumado e se inclinou como tinha feito a gótica no banheiro do lado. Quando seu peso se transladou para frente, pôde sentir os cilícios afundando-se em seu rosto e lhe surpreendeu havê-los notado.
Já não os necessitava, agora usava as bandas só pela força do costume
Desde que Rehv se sacrificou, tinha estado sentindo tanta dor, que não necessitava mais ajuda para controlar seu lado mau.
O celular soou no bolso de suas calças de couro, o timbre soava como um ralo para ela. Quando tirou a coisa, checou o número... e fechou os olhos com força.
Tinha estado esperando isto. Desde que tinha feito os acertos para que tudo o que chegasse ao antigo telefone de Rehv fosse desviado para esse.
Aceitando a chamada, disse com voz serena:
—Olá, Ehlena.
Houve uma longa pausa.
—Não esperava que ninguém respondesse.
—Então, por que chama a seu número? —produziu-se outra longa pausa - Olhe, se for pelo dinheiro que entrou em sua conta, não há nada que eu possa fazer a respeito. Foi parte de seu testamento. Se não o quiser, entrega-o à caridade.
—O que... que dinheiro?
—Talvez não se inteirou ainda. Pensei que o testamento tinha sido certificado pelo Rei. —Houve outra longa pausa— Ehlena? Está aí?
—Sim... —chegou fica resposta— Estou.
—Se não se tratava do dinheiro então, por que ligou?
O silêncio não foi uma surpresa, dado tudo o que tinha vindo antes. Mas a resposta da fêmea foi uma bomba mortal.
—Chamo porque não acredito que esteja morto.

Capítulo 64


Ehlena esperou por uma resposta da chefe de segurança de Rehv. Quanto mais tempo demorava, mais certeza ela tinha que estava certa.
— Ele não está, certo? — ela disse, energicamente — Estou certa, não estou?
Quando Xhex finalmente falou, sua voz profunda e ressonante estava curiosamente reservada.
— No interesse de uma revelação completa, eu acho que você deveria saber que está falando com outra symphath.
Ehlena segurou seu celular com força.
— De certa forma, isso não é novidade.
— Por que você não me diz o que acha que sabe?
Resposta interessante, pensou Ehlena. Não um “ele não está morto”. De jeito nenhum. Então novamente, se a fêmea era uma symphath, isso poderia levar a qualquer lugar. O que significava que não havia razão para reter alguma coisa.
— Eu sei que ele matou seu padrasto porque ele batia na sua mãe. E sei que seu padrasto sabia que ele era um symphath. Também sei que Montrag, filho de Rehm, sabia sobre o assunto de ser symphath, e que Montrag foi assassinado ritualisticamente em seu escritório.
— E essa matemática te diz o quê?
— Eu acredito que Montrag revelou a identidade de Rehvenge e ele teve que ir para a colônia. Aquela explosão no clube foi para esconder o fato do que ele é das outras pessoas em sua vida. Eu acredito que foi por isso que ele escolheu me trazer para o ZeroSum como fez. Era para se livrar de mim com segurança. Quanto a Montrag… Eu acho que Rehvenge cuidou dele.
Um longo silêncio.
— Xhex... Você está aí?
A fêmea soltou uma risada curta e forte.
— Rehv não matou Montrag. Eu matei. E não teve nada diretamente ligado com a identidade de Rehv. Mas como você sabe alguma coisa sobre o homem morto?
Ehlena endireitou-se na cadeira.
— Acho que devemos nos encontrar.
Agora a risada foi mais longa e um pouco mais natural.
— Você tem bolas de aço, sabia? Eu acabei de dizer que matei um cara e você quer me encontrar?
— Eu quero respostas. Eu quero a verdade.
— Desculpe se pareço Jack Nicholson agora, mas você tem certeza que consegue lidar com a verdade?
— Estou no telefone, não estou? Estou falando com você, não estou? Olhe, eu sei que Rehvenge está vivo. Se você quer admitir isso para mim ou não, não faz diferença.
— Garota, você não sabe merda nenhuma.
— Foda-se. Ele se alimentou de mim. Meu sangue está nele. Eu sei que ele está respirando.
Uma longa pausa e um risinho curto.
— Eu estou entendendo porque ele gostou tanto de você.
— Então, você vai me encontrar?
— Sim. Claro. Onde?
— Na casa segura de Montrag, em Connecticut. Se você o matou, você sabe o endereço.
Ehlena sentiu uma pontada de satisfação quando a linha ficou muda.
— Eu me esqueci de mencionar que meu pai e eu somos os parentes mais próximos? Nós herdamos tudo que ele tinha. Oh, eles tiveram que se livrar do tapete que você estragou. Por que você não o matou no hall, no mármore?
— Jesus... Cristo. Você não é uma enfermeirinha, não é?
— Não. Então, você vem ou não?
— Estarei aí em meia hora. E não se preocupe, você não vai ter uma hóspede. Symphaths não têm problemas com a luz do sol.
— A gente se vê, então.
Quando Ehlena desligou, uma energia percorreu suas veias e ela correu para se arrumar, juntando todos os livros, pastas e documentos e enchendo o agora inútil cofre.
Em seguida colocou a paisagem marinha de volta na parede, desligou o computador, avisou o doggen que estava esperando visitas, e...
O som da campainha reverberou pela casa e ela ficou feliz por ter conseguido chegar à porta primeiro. De alguma forma ela não acreditava que os empregados se sentiriam confortáveis na presença de Xhex. Abrindo os painéis, ela deu um passo atrás. Xhex estava exatamente como ela se lembrava, uma fêmea durona em couro preto e um cabelo curto como de um homem. Mas alguma coisa havia mudado desde que ela tinha visto a guarda de segurança pela última vez. Ela parecia mais magra, mais velha. Alguma coisa.
— Se importa em ir para o escritório? — Ehlena perguntou, esperando estar com ela atrás de portas fechadas antes que o mordomo e os empregados aparecessem.
— Você tem coragem, não? Considerando a última coisa que fiz naquela sala.
— Você teve chance de vir atrás de mim. Trez sabia onde eu estava morando antes de virmos para cá. Se você estivesse tão furiosa sobre eu e Rehv, você teria vindo atrás de mim. Vamos?
Quando Ehlena esticou o braço em direção à sala em questão, Xhex sorriu um pouco e se dirigiu para lá. Quando conseguiram privacidade, Ehlena disse:
— Quando disso tudo eu acertei?
Xhex olhou em volta, parando para olhar as pinturas, os livros nas prateleiras e um abajur feito de um vaso oriental.
— Você está certa. Ele matou o padrasto pelo que aquele bastardo fazia em casa.
— Era o que você queria dizer quando disse que ele se colocou em uma posição difícil para sua mãe e irmã?
— Parcialmente. Seu padrasto aterrorizava aquela família, especialmente Madalina. Imagine, ela achava que merecia, e além disso, era menos do que foi feito à ela pelo pai de Rehv. Fêmea de valor, ela era. Eu gostava dela, mesmo tendo me encontrado com ela uma ou duas vezes. Eu não era seu tipo de mulher, mas ela era gentil comigo.
— Rehvenge está na colônia. Ele forjou a própria morte?
Xhex parou na frente da paisagem marinha e olhou sobre o ombro.
— Ele não gostaria que conversássemos assim.
— Então, ele está vivo.
— Sim.
— Na colônia.
Xhex encolheu os ombros e continuou a andar com seus passos lentos, não fazendo nada para ocultar o poder nato de seu corpo.
— Se ele quisesse que você se envolvesse em tudo isso, ele teria feito tudo diferente.
— Você matou Montrag para evitar que a verdade aparecesse?
— Não.
— Por que você o matou então?
— Não é da sua conta.
— Resposta errada.
Quando a cabeça de Xhex se virou bruscamente, Ehlena endireitou os ombros.
— Considerando aquilo que você é, eu poderia ir até o rei agora e acabar com seu disfarce. Então, acho que você deve me dizer.
— Ameaçando um symphath? Cuidado, eu mordo.
O sorriso preguiçoso que acompanhou as palavras fez o coração de Ehlena se apertar de medo, lembrando-a que aquilo que a fitava do outro lado da sala não era nada do que ela estava acostumada a lidar, e não por causa do assunto symphath. Aqueles olhos cinza, frios e metálicos de Xhex já haviam olhado para muitos mortos – porque haviam sido mortos por ela.
Mas Ehlena não recuaria.
— Você não vai me ferir. — ela disse com convicção.
Xhex mostrou suas longas presas brancas, sibilando pela garganta:
— Não?
— Não… — Ehlena chacoalhou a cabeça, e a imagem do rosto de Rehvenge segurando seus Keds veio em sua mente. Sabendo o que ele havia feito para manter sua mãe e irmã seguras... A fez acreditar no que ela havia visto nele naquele momento — Ele teria lhe dito para não me tocar. Ele teria me protegido na sua saída. Por isso fez o que fez no ZeroSum.
Rehvenge não foi de todo bom. De jeito nenhum. Mas ela olhou em seus olhos, sentiu seu cheiro de vínculo e sentiu suas mãos gentis em seu corpo. E no ZeroSum, ela viu dor nele e ouviu tensão e desespero em sua voz. Enquanto antes tinha presumido que tudo aquilo era apenas encenação ou provocado pelo desapontamento porque o disfarce dele tinha havia sido descoberto, agora ela via tudo de forma diferente.
Ela o conhecia, droga. Mesmo depois de toda merda que ele deixou, mesmo depois das omissões, ela o conhecia. Ehlena ergueu o queixo e encarou a assassina treinada do outro lado do escritório.
— Eu quero saber tudo e você vai me contar.
Xhex falou direto por meia hora, e se surpreendeu com o quanto se sentiu bem. Surpresa também com o quanto ela aprovava a escolha de Rehv por uma fêmea. Durante o tempo todo que ela contava os horrores, Ehlena se sentava em um dos sofás de seda, calma e estável — mesmo com todas aquelas bombas.
— Então, a fêmea que veio à minha porta, — disse Ehlena — era a que o estava chantageando?
— Sim. É sua meia-irmã. Ela é casada com seu tio.
— Deus, quanto dinheiro ela tirou dele nos últimos vinte anos? Não é à toa que ele precisava manter o clube aberto.
— Ela não estava somente atrás de dinheiro. — Xhex olhou diretamente para o rosto de Ehlena. — Ela fez dele um prostituto.
O rosto de Ehlena perdeu a cor.
— O que você quer dizer com isso?
— O que você acha? — Xhex praguejou e começou a andar pela linda sala cheia de franjas pela centésima vez — Olhe, vinte e cinco anos atrás eu me encrenquei, e para me proteger, Rehv fez um acordo com a princesa. Todo mês ele ia para o norte e pagava dinheiro para ela... E fazia sexo com ela. Ele detestava e a desprezava. Além disso, ela o tornava doente, literalmente, ela o envenenava e ele fazia o que tinha de fazer, e era a razão dele precisar de um antídoto. Mas, você sabe... Mesmo que custasse muito para ele, ele continuou indo lá para que ela não estragasse nossos disfarces. Ele pagou pelos meus erros, mês após mês, ano após ano.
Ehlena balançou sua cabeça lentamente.
— Ótimo... Sua meio-irmã...
— Não ouse brigar com ele por isso. Existem poucos symphaths sobrando, então a reprodução entre parentes acontece muito, e mais do que isso, ele não teve escolha, porque eu o coloquei naquela posição. Se você pensa por um segundo que ele teria sido voluntário para aquela merda, você perdeu totalmente a cabeça.
Ehlena levantou uma mão em um gesto de calma.
— Eu entendo. É que... Eu sinto por vocês.
— Não desperdice esse sentimento comigo.
— Não me diga o que sentir.
Xhex teve que rir.
— Você sabe, sob outras circunstâncias, eu poderia gostar de você.
— Engraçado, eu sinto o mesmo.
A fêmea sorriu, mas de uma forma triste.
— A princesa o tem, então?
— Sim.
Xhex se virou no sofá, porque não mostraria o que seus olhos diziam.
— Foi a princesa que entregou seu disfarce, não Montrag.
— Mas Montrag iria fazer alguma coisa, não? Foi por isso que você o matou.
— Isso era somente parte do que ele ia fazer. O resto de seus planos não sou eu quem deve contar, mas vamos dizer que Rehv não era a maior parte de tudo.
Ehlena franziu a testa e se recostou nas almofadas. Ela havia mexido em seu rabo de cavalo, e as mechas que caíram ela tentou colocar de volta. Sentada no sofá de seda em frente ao abajur, ela parecia ter um halo em volta dela.
— Eu me questiono se o mundo precisa ser tão duro. — ela murmurou.
— Pela minha experiência, sim.
— Por que você não foi atrás dele? — ela perguntou baixinho — E isso não é uma crítica, sério, não é. É que não parece seu estilo.
A forma como a questão foi dita fez Xhex ficar menos defensiva.
— Ele me fez jurar que não iria. Até colocou no papel. Se eu voltar na minha palavra, dois dos seus melhores amigos vão morrer, porque eles virão atrás de mim.
Levantando os ombros de uma forma estranha, Xhex pegou a maldita carta do bolso de sua roupa de couro.
— Eu preciso manter isso comigo porque é a única forma de me segurar. Se não, eu estaria naquela maldita colônia esta manhã.
Os olhos de Ehlena se fixaram no envelope dobrado.
— Posso... Posso ver, por favor?
Sua delicada mão tremeu quando ela o alcançou.
— Por favor.
A rede emocional dela era uma bagunça emaranhada de aflição, medo e tristeza. Ela tinha passado por tamanha pressão nas últimas quatro semanas, e estava no seu limite, forçada ao extremo e mais... Mas na essência, no centro, no coração de si mesma... O amor queimava. O amor queimava profundamente. Xhex colocou a carta sobre a palma de Ehlena e a segurou por um breve momento. Com a voz engasgada, ela disse:
— Rehvenge... Tem sido meu herói por anos. Ele é um bom macho, apesar de seu lado symphath, e ele merece o sentimento que você tem por ele. Ele merece bem mais do que a vida lhe trouxe, e para ser honesta, eu não posso imaginar o que aquela fêmea está fazendo com ele nesse momento.
Quando Xhex soltou o envelope, Ehlena piscou rapidamente, como que tentando segurar as lágrimas.
Xhex não agüentaria olhar para a fêmea, então foi para perto da pintura à óleo que mostrava um lindo sol se pondo sobre um mar calmo. As cores escolhidas eram tão quentes e lindas, era como se a paisagem marinha realmente projetasse um calor ardente que se podia sentir sobre seu rosto e ombros.
— Ele merecia uma vida de verdade. — Xhex murmurou — Com uma shellan que o amasse e alguns filhos. E... Em vez disso sofreu abuso e tortura por...
Era o máximo onde podia chegar, sua garganta se fechava tanto que ela encontrou dificuldade em respirar. Na frente do sol brilhante, Xhex quase se despedaçou e chorou. A pressão interna de manter o passado, presente e futuro dentro de si aflorou em uma combustão tão forte que ela olhou para seus braços e mãos para ver se haviam se expandido.
Mas não, eles estavam como sempre.
Presos à sua pele como sempre.
Ouviu-se um som de papel e a carta voltou a seu envelope.
— Bem, há somente uma coisa a fazer. — Ehlena disse.
Xhex focalizou o sol ardente no centro da pintura e se forçou a se concentrar.
— E isso seria...
— Nós vamos lá, libertá-lo.
Xhex olhou sobre o ombro.
— Correndo o risco de parecer que estamos em um filme de ação... Não temos como enfrentar um bando de symphaths. Além disso, você leu a carta. Você sabe com o que eu concordei.
— Mas diz que você não pode ir por ele, não? Então... E se eu pedisse para você ir comigo? Seria por mim, certo? Se você é um symphath, você certamente deve gostar deste jogo de palavras.
O cérebro de Xhex se agitava sobre as implicações e ela sorriu levemente.
— Pensou rápido. Mas sem ofensa, você é uma civil. Eu vou precisar de um pouco mais de apoio do que você.
Ehlena levantou-se do sofá.
— Eu sei atirar e sou treinada como enfermeira de triagem, então eu posso lidar com ferimentos. Além disso, você precisa de mim para continuar com seu juramento.
Xhex era pela ação, mas se Ehlena morresse no processo de libertar Rehv, o resultado não seria bom.
— Ótimo, eu vou sozinha. — Ehlena disse, jogando a carta no sofá — Eu o encontrarei e eu...
— Espere aí, cabeça dura. — Xhex respirou fundo, pegou a carta de Rehv e se permitiu abrir para as possibilidades. E se houver um jeito de...
Vindo do nada, ela sentiu um propósito, e se sentiu motivada por algo além de dor. Sim, ela pensou. Ela podia ver como fazer isso funcionar.
— Eu sei quem devemos encontrar. — ela começou a sorrir — Eu sei como podemos fazer isso.
— Quem?
— Se você quer ir lá, estou dentro, mas faremos do meu jeito.
A enfermeira de Rehv olhou para baixo antes de nivelar seus olhos cor de caramelo no rosto de Xhex.
— Eu vou com você. É minha única condição. Eu. Vou.
Xhex assentiu devagar.
— Eu entendo. Mas o resto é comigo.
— Combinado.
Quando suas palmas se encontraram, o aperto de mão dela era forte e firme. O que, considerando tudo que contemplavam, iria bem se fosse como Ehlena seguraria uma arma.
— Nós vamos tirá-lo de lá.
Ehlena respirou.
— Que Deus nos ajude.


Capítulo 65


— Bom, este é o trato, George. Vê essas merdas? São problemas, autênticos problemas. Sei que fizemos isso algumas vezes, mas não nos tornemos presunçosos.
Quando Wrath tateou o primeiro degrau da escada da mansão com seu shitkicker, imaginou o lance atapetado de vermelho percorrendo todo o caminho para cima, entre o vestíbulo e o segundo piso.
— Quais são as boas notícias? Que você pode ver o que faz. As más notícias? Se eu cair, existe o risco de te levar comigo. Isso não é o que estamos procurando.
Acariciou distraidamente a cabeça do cão.
— Vamos?
Deu-lhe o sinal de avanço e começou a subir. George se pegou a ele, o leve movimento giratório do ombro do cão se transmitia através do cabo enquanto subiam. No topo, George se deteve.
— Escritório — disse Wrath.
Juntos, seguiram caminhando em linha reta. Quando o cão se deteve outra vez, Wrath se orientou pelo som dos rangidos da madeira na chaminé, e foi capaz de ir até seu escritório com o cão. Assim que se sentou em sua nova cadeira, George tomou assento também, justo a seu lado.
— Não posso acreditar que esteja fazendo isto — disse Vishous, da porta.
— Má sorte.
— Diga-me que nos quer contigo.
Wrath percorreu com sua mão o flanco de George. Deus, a pele do cão era muito suave.
— Em princípio, não.
— Está seguro? — Wrath permitiu que sua sobrancelha arqueada falasse por si mesma. — Sim, bem. Está bem. Mas estarei bem do outro lado da porta o tempo todo.
E V. não ia estar sozinho, sem dúvida. Todo mundo se surpreendera quando, no meio do jantar, chegou uma chamada telefônica para Bella: todas as pessoas que podiam tê-la chamado estavam naquela sala. Ela tinha respondido, e depois de um longo silêncio, Wrath tinha ouvido o som de uma cadeira sendo arrastada, e passos suaves que se aproximavam dele.
— É para você — Havia dito ela com voz trêmula. — É… Xhex.
Cinco minutos depois, tinha concordado em ver a segundo-comando de Rehvenge, e embora não se discutiu nada específico, não teria que ser um gênio para saber por que o tinha chamado à fêmea, e o que queria. Depois de tudo, Wrath não só era Rei, também era o guardião da Irmandade.
Que todos pensassem que Wrath estava louco ao ter concordado em vê-la? Mas isso era a vantagem de ser o soberano da raça: podia fazer o que quisesse.
No térreo, a porta do vestíbulo se abriu e a voz de Fritz repicou para cima, enquanto escoltava às duas convidadas ao interior da mansão. O velho mordomo não estava sozinho ao entrar com as fêmeas: Rhage e Butch o acompanharam quando tirou o Mercedes para ir recolhê-las.
Pela escada começaram a subir as vozes e muitos pés.
George se esticou, elevou as ancas e sua respiração mudou sutilmente.
— Está tudo bem, amigo — murmurou Wrath. — Estamos bem.
O cão se tranqüilizou imediatamente, o que fez com que Wrath dirigisse o olhar para o animal, apesar de não poder ver nada. Algo a respeito dessa confiança incondicional lhe resultava… muito agradável.
O golpe na porta fez com que voltasse a girar a cabeça.
— Entre.
Sua primeira impressão sobre Xhex e Ehlena, foi que emitiam uma implacável determinação. A segunda foi que Ehlena, que estava à direita, estava especialmente nervosa.
Guiando-se pelo leve roçar das roupas, figurou-se que estavam fazendo uma reverência ante ele, e o par de «Sua Alteza» que lhe chegou confirmou sua intuição.
— Sentem-se — disse. — E quero que todos os outros saiam da sala.
Nenhum de seus irmãos se atreveu a soltar uma queixa, porque o botão do protocolo tinha sido pulsado: ante estranhos, tratavam-no como a seu senhor soberano e seu Rei. O que significava que não podia haver nenhum debate nem insubordinações.
Talvez fossem necessárias mais visitas na fodida casa.
Quando as portas se fecharam, Wrath disse:
— Digam-me por que estão aqui.
Na pausa que seguiu, imaginou que as fêmeas estariam olhando-se uma à outra para decidir quem falava primeiro.
— Deixem que eu adivinhe — cortou ele. — Rehvenge está vivo, e querem tirá-lo da merda em que se meteu.


Quando Wrath, filho de Wrath, falou, Ehlena não se surpreendeu absolutamente que o Rei soubesse por que tinham vindo. Sentando ao outro lado de uma delicada e adorável escrivaninha, era exatamente igual a como o recordava, de quando quase a enrolou na clínica: cruel e inteligente ao mesmo tempo, um líder em plena forma mental e física.
Este era um macho que sabia como funcionava o mundo real. E estava habituado a ter o tipo de músculos que se necessitam para fazer o trabalho difícil.
— Sim, meu senhor — disse ela. — Isso é o que queremos.
Seus óculos negros se dirigiram para ela.
— Então, é a enfermeira da clínica de Havers. A que resultou ser parente de Montrag.
— Sim, sou.
— Importa-se se te perguntar como se envolveu nesta situação?
— É por um motivo pessoal.
— Ah — assentiu o Rei. — Entendo.
Xhex se fez ouvir com um tom de voz grave e respeitoso.
— Ele fez algo bom por você. Rehvenge fez algo muito bom por você.
— Não tem que me recordar isso. Essa é razão pela qual vocês duas estão sentadas aqui em minha casa.
Ehlena olhou Xhex, tentando ler no rosto da fêmea do que estavam falando. Não conseguiu nada. Não a surpreendeu.
— Aqui vai minha pergunta — disse Wrath. — Se o trouxermos de volta, como vamos sortear o correio eletrônico que nos chegou? Ele disse que não era nada, mas evidentemente mentiu. Alguém do norte ameaçou identificando seu filho, e se o resgatar… esse gatilho será puxado.
Xhex falou.
— Garantirei pessoalmente que o indivíduo que fez essa ameaça não poderá utilizar um portátil depois de que eu acabe com ele.
— Booooom.
Enquanto sorria e arrastava a palavra, o Rei se inclinou a um lado e pareceu estar acariciando… Ehlena se sobressaltou ao dar-se conta que havia um golden retriever sentado a seu lado, a cabeça do cão mal aparecia por cima da escrivaninha. Puxa. De certo modo era uma estranha escolha de raça, já que o acompanhante do Rei dava a impressão de ser amável e acessível, o que o rei não era… e, entretanto, Wrath era gentil com o animal, ao fazer baixar a palma da mão grande e larga lentamente pelo lombo.
— Esse é o único buraco que precisa ser tapado a respeito de sua identidade? — perguntou o Rei. — Se essa fuga for concretizada... Poderia haver mais alguém que ameace desmascará-lo?
— Montrag está morto e bem morto — murmurou Xhex. — E não me ocorre ninguém mais que pudesse estar informado. É obvio, o rei symphath poderia vir atrás dele, mas você pode detê-lo. Rehv também é um de seus súditos.
— Fodidamente correto, e aplaudamos todo esse assunto da "posse é nove décimos parte da lei". — Wrath voltou a sorrir brevemente. — Além disso, o líder dos symphaths não vai querer me encher o saco, porque se me zangar, poderia lhe tirar o pequeno lar feliz que tem no território de "me–congelam–as–bolas". Está submetido a minha prerrogativa, como estavam acostumados a dizer no Antigo País, o que quer dizer que governa só porque eu o permito.
— Então, vamos fazê-lo? — perguntou Xhex.
Fez-se um comprido silêncio, e enquanto esperavam a que o Rei falasse, Ehlena passeou a vista pela elegante habitação de estilo francês para evitar os olhos de Wrath. Não queria que soubesse quão ansiosa estava, e temia que seu rosto refletisse sua debilidade: aqui estava totalmente fora de seu elemento, sentada ante o líder da raça, apresentando um plano que implicava entrar até o coração de um lugar incrivelmente nefasto. Mas não podia arriscar-se a que duvidasse dela nem a que a excluísse, porque por mais nervosa que estivesse, não ia voltar atrás. Sentir medo não necessariamente implicava em que se separasse de seu objetivo. Demônios, se acreditasse nisso, seu pai estaria internado nesse momento, e ela bem poderia ter acabado como o tinha feito sua mãe.
Às vezes, fazer o correto lhe era aterrorizante, mas o coração a trouxera até aqui, a este lugar e iria levá-la a atravessar… o que quer que fosse que viesse a seguir, e o que se necessitasse para liberar Rehvenge.
Ehlena… está aí?
Sim, certo como o inferno que estava.
— Duas coisas — disse Wrath enquanto se girava e dava um pulo, como se tivesse uma ferida de guerra. — Ao rei de lá de cima… não vai gostar que nos metamos em seu jardim e levemos a um dos seus.
— Com todo o devido respeito — interrompeu Xhex —, o tio de Rehv pode se danar.
As sobrancelhas de Ehlena saltaram para cima. Rehvenge era o sobrinho do rei?
Wrath encolheu os ombros.
— De fato, estou de acordo, mas acontece que vai haver um conflito. Um conflito armado.
— Sou boa nisso — disse Xhex tranqüilamente, como se simplesmente estivessem falando a respeito de que filme que iriam assistir. — Muito boa.
Ehlena sentiu a necessidade de intervir na conversação.
— E eu também o sou. — Quando viu ombros do Rei se esticarem, tentou não falar tão vigorosamente, porque a última coisa que precisavam era que as jogassem por serem desrespeitosas. — Quero dizer, não poderia esperar outra coisa, e estou preparada.
— Está preparada? Não se ofenda, mas um parasita civil não é algo muito proveitoso se houver luta.
— Com todo o devido respeito — disse, repetindo as palavras do Xhex. — Eu vou.
— Inclusive isso significa que retiro a meus homens?
— Sim. — Houve uma longa inspiração, como se o Rei estivesse pensando em como rejeitá-la de forma educada. — Não o compreende, meu senhor. É meu…
— Seu o que?
Impulsivamente, para dar maior peso a sua postura, disse:
— Ele é meu hellren. — Com sua visão periférica, captou Xhex girando rapidamente a cabeça em sua direção, mas tinha se atirado à piscina e já não podia sair sem molhar-se. — Ele é meu companheiro e… se alimentou de mim faz um mês. Se o ocultaram, posso encontrá-lo. Além disso, se tiverem feito o que — OH, Jesus! — provavelmente lhe fizeram, vai necessitar atenção médica. E eu a darei.
O Rei brincou com as orelhas de seu cão, esfregando o polegar sobre a suave orelha marrom claro. Era evidente que ao animal gostava da sensação, pois se inclinava sobre a perna de seu amo, suspirando.
— Temos um médico de urgências — disse Wrath. — E um doutor.
— Mas não têm a shellan de Rehvenge, verdade?
— Irmãos — gritou Wrath abruptamente. — Tragam seus traseiros aqui.
Quando as portas do escritório se abriram, Ehlena olhou por cima de seu ombro, perguntando-se se tinha ido muito longe e estava a ponto de ser «escoltada» para fora da mansão. Com certeza, qualquer um dos dez enormes machos que entraram eram aptos para a tarefa. Tinha-os visto todos antes na clínica, menos ao de cabelo negro e loiro, e não lhe surpreendia absolutamente descobrir que estavam completamente armados.
Para seu alívio, não praticaram com ela uma ação ao estilo auto-serviço Cash&Carry, e se acomodaram por todo o delicado escritório azul, enchendo o lugar até as vigas. Pareceu-lhe um pouco estranho que Xhex não olhasse a nenhum deles, permanecendo centrada em Wrath… embora possivelmente tivesse sentido. Por mais duros que fossem os irmãos, o Rei era o único cuja opinião realmente importava.
Wrath olhou a seus guerreiros, seus óculos envolventes lhe protegiam os olhos, de forma que não havia maneira de dizer o que podia estar pensando.
O silêncio era terrível, e Ehlena sentia o coração soando em seus ouvidos.
Por fim, o Rei falou.
— Cavalheiros, estas encantadoras damas querem fazer uma viagem ao norte. Estou disposto a permitir que vão, e nos tragam Rehv de volta para casa, mas não vão sozinhas.
A resposta dos irmãos foi imediata.
— Estou dentro.
— Conte comigo.
— Quando vamos?
— Merda, já era hora.
— OH, merda, amanhã de noite haverá uma maratona de Beaches. Podemos ir depois das dez para que possa vê-la inteira uma vez?
Todas as pessoas que havia no escritório se giraram para o tipo de cabelo negro e loiro, que estava recostado contra a parede com os enormes braços cruzados sobre o peito.
— O que? — disse. — Olhe, não sou Mary Tyler Moore, ok? Assim não podem me foder.
Vishous, que usava uma luva negra na mão, lançou-lhe um olhar furioso através do escritório.
— É pior que Mary Tyler Moore. E te chamar idiota seria um insulto a todos os insensatos do fodido mundo inteiro.
— Está brincando? Bette Midler é maravilhosa. E adoro o oceano. Me obrigue.
Vishous olhou ao Rei.
— Disse-me que podia pegá-lo. Prometeu.
— Assim que voltarmos para casa — respondeu Wrath enquanto ficava de pé —, o penduraremos pelos sovacos no ginásio e poderá utilizá-lo como saco de boxe.
— Obrigado, Menino Jesus.
Loiro–e–Moreno sacudiu a cabeça.
— Juro que um dia destes simplesmente vou-me embora.
Como se fossem um, todos os irmãos apontaram para a porta e deixaram que o silêncio falasse por si mesmo.
— Meninos, vocês fedem.
— Ok, suficiente. — Wrath rodeou a escrivaninha e…
Ehlena se levantou bruscamente. A palma de sua mão estava empunhando o arnês que rodeava o peito do cão, e o rosto do Rei estava para frente, o queixo para o alto, assim não havia forma de que tivesse podido olhar ao chão.
Estava cego. E não no sentido de não ser capaz de ver muito claramente. Dada a forma em que estava agora, não podia ver absolutamente nada. Quando teria ocorrido?, perguntou-se assombrada. A última vez que o tinha visto parecia ter um pouco de visão.
No peito de Ehlena ondulou o respeito quando ela e todos outros levantaram a vista para ele.
— Isto vai ser complicado — disse Wrath. — Precisamos enviar suficientes guerreiros para nos cobrir e também para fazer a busca e o resgate, mas não queremos criar mais alvoroço de que seja absolutamente imprescindível. Quero duas equipes, das quais a segunda estará na retaguarda. Também vamos necessitar o apoio de veículos, se por acaso Rehvenge estiver incapacitado e tivermos que transportá-lo de volta…
— Do que estão falando? — perguntou uma voz feminina da porta.
Ehlena olhou por cima de seu ombro e reconheceu à pessoa: Bella, companheira do irmão Zsadist, que freqüentemente ajudava às pacientes de Lugar Seguro. A fêmea estava de pé entre as ombreiras esculpidas da porta com sua menina em seus braços, o rosto estava desprovido de cor e os olhos tinham uma expressão vazia.
— O que há com Rehvenge? — exigiu, elevando a voz. — O que aconteceu com meu irmão?
Enquanto Ehlena começava a unir os pontos, Zsadist se aproximou de sua shellan.
— Acredito que vocês dois têm que conversar — disse Wrath cuidadosamente. — Em particular.
Z. assentiu e escoltou sua companheira e sua filha para fora do escritório. Enquanto o casal percorria o corredor, ainda podia ouvir voz de Bella, e suas perguntas estavam salpicadas com um crescente pânico.
E logo se ouviu um "O que?!" que parecia indicar que tinham soltado uma bomba sobre a pobre fêmea.
Ehlena fixou o olhar no precioso tapete azul. Deus… sabia exatamente pelo que estava passando Bella nesse momento. As ondas de choque, a reformulação do que acreditava saber, o sentimento de traição.
Um difícil lugar para estar. Difícil sair dele, também.
Depois do som de uma porta ao fechar-se e o das vozes atenuando-se, Wrath passeou o olhar ao redor da habitação como se estivesse dando a todos a oportunidade de reformular sua decisão.
— O enfrentamento será amanhã a noite, porque agora não há suficiente luz diurna para levar um carro até ali em cima. — O Rei assinalou com a cabeça Ehlena e Xhex. — Até então, vocês duas permanecerão aqui.
Isso queria dizer que ela ia? Graças à Virgem Escriba. Quanto a ficar e passar o dia, teria que chamar a seu pai, mas dado que Lusie estava na casa, não lhe preocupava ter que ausentar-se.
— Para mim não é problema…
— Eu tenho que ir — disse Xhex, tensa. — Mas voltarei para as…
— Não é um convite. Você fica aqui para que eu saiba onde está e o que está fazendo. E caso se preocupem com as armas, temos muitíssimas… demônios, justo o mês passado tiramos um carregamento completo dos lessers. Quer fazer isto? Está sob nosso teto até o anoitecer.
Era totalmente óbvio que o Rei não confiasse em Xhex, dado o mandato e a forma em que lhe sorria com ferocidade.
— Assim, o que vais fazer, comedora de pecados? — perguntou cordialmente. — A minha maneira ou a rua?
— Está bem — replicou Xhex. — Como quiser.
— Sempre — murmurou Wrath. — Sempre.

Uma hora mais tarde, Xhex estava de pé com os braços estendidos diante dela e as botas separadas 45 centímetros. Em suas mãos, tinha uma SIG Sauer quarenta que fedia a talco de bebê, e estava no campo de tiro da Irmandade disparando rajadas a bonecos com forma de homem situados a dezoito metros de distância. Apesar do fedor, a arma era fantástica, com um gatilho suave e uma mira excelente.
Enquanto punha a arma à prova, podia sentir aos machos atrás dela, observando-a insistentemente. A seu favor, podia-se dizer que não era seu traseiro o que olhavam.
Não, os irmãos não estavam interessados em seu traseiro. Nenhum deles se sentia especialmente atraído por ela, embora, dadas suas expressões de reticente respeito enquanto recarregava a arma, estavam vendo sua boa pontaria como uma vantagem.
Na cabine de disparo ao lado, Ehlena demonstrava que não tinha mentido quanto a sua habilidade com uma arma. Tinha escolhido uma de carga automática com um pouco menos de potência de disparo, o que tinha sentido, já que não tinha a mesma força na parte superior do corpo que tinha Xhex. Sua pontaria era impressionante para uma amadora, o que era mais, dirigia a arma com a classe de serena confiança que sugeria que não dispararia em ninguém no joelho por engano.
Xhex tirou o protetor de ouvidos e se girou para a Irmandade, mantendo a arma para baixo, junto a sua coxa.
— Quero provar à outra, mas este par me servirá bem. E quero que me devolva minha faca.
Tinham-lhe tirado a arma antes que Ehlena e ela fossem conduzidas à mansão, no Mercedes negro.
— Você a terá — disse alguém —, quando a necessitar.
Contra sua vontade, seus olhos comprovaram rapidamente quem estava falando. O mesmo grupo de músculos. O que queria dizer que John Matthew não tinha sido lançado para dentro.
Dado o enorme tamanho que parecia ter o complexo da Irmandade, imaginava que podia estar em qualquer lugar, inclusive na cidade vizinha, pelo amor de Deus: quando terminou a reunião no estúdio do Rei, ele simplesmente tinha saído e não voltara a vê-lo.
Melhor assim. Neste momento, precisava estar concentrada no que se abatia sobre todos eles para amanhã de noite, não em sua fodida e inexistente vida amorosa. Felizmente, tudo parecia ir voltando para seu lugar. Tinha chamado iAm e Trez e lhes tinha deixado mensagens no correio de voz de que tomava um dia livre, e eles lhe tinham respondido que não havia problema. Sem dúvida, voltar a contatar com ela, mas tinha a esperança de que com o apoio dos irmãos, entraria e sairia da colônia antes que seus instintos de babá os afligissem.
Vinte minutos mais tarde, terminou de provar a outra SIG e não lhe surpreendeu absolutamente quando ambas as armas lhe foram confiscadas. A viagem de volta à mansão foi longa e tensa, e jogou uma olhada a Ehlena para ver que tal o levava a outra fêmea. Era difícil não aprovar a resolvida fortaleza que havia na expressão do rosto dessa enfermeira: a fêmea de Rehv ia recuperar seu macho, e nada ia interpor-se em seu caminho.
O que era grandioso… entretanto, essa determinação deixava Xhex nervosa. Estava disposta a apostar que Muhrder tinha tido essa mesma resolução nos olhos quando fora procurá-la na colônia.
E olhe o que lhe acontecera.
Por outro lado, fiel a seu caráter tinha ido em plano cavalheiro, sem reforços. Pelo menos ela e Ehlena tinham sido o suficientemente espertas para conseguir ajuda, e da verdadeiramente boa, e só podia rezar para que isso fizesse toda a diferença.
Quando chegaram na mansão, Xhex foi procurar um pouco de comida na cozinha e foi conduzida a uma habitação de convidados do primeiro piso, que estava ao final de um comprido corredor com estátuas.
Comida. Bebida. Ducha.
Deixou a luz do banheiro acesa porque estava em uma casa estranha, meteu-se na cama nua, e fechou os olhos.
Quando a porta se abriu meia hora mais tarde, sobressaltou-se, mas não se surpreendeu ante a grande sombra que se perfilava com a luz do corredor.
— Está bêbado — disse.
John Matthew entrou sem convite, e fechou a porta sem pedir permissão. Estava realmente bêbado, mas isso não era nenhuma novidade.
O fato de que estivesse excitado sexualmente tampouco era material para uma capa.
Quando deixou a garrafa que levava na cômoda, ela soube que suas mãos se dirigiam ao zíper de seu jeans, e havia aproximadamente cem mil razões pelas quais deveria lhe mandar acabar com essa merda, e que se separasse dela.
Em vez disso, Xhex afastou o edredom de seu corpo e colocou as mãos detrás da cabeça, os seios lhe formigaram pelo frio e por muito mais que isso.
Por cima de todas as justificações para não fazer o que iriam fazer, havia uma realidade que fazia cambalear os alicerces das decisões saudáveis: no final da noite seguinte, havia a possibilidade de que um, ou os dois, não voltassem para casa.
Inclusive com o apoio da Irmandade, ir à colônia era uma missão suicida… e estava disposta a apostar que nesse momento havia muitas pessoas tendo relações sexuais sob o teto da mansão. Às vezes, a pessoa tinha que saborear a vida justo antes de ir golpear à porta do Grim Reaper.
John tirou os jeans e a camiseta, e deixou a roupa no mesmo lugar onde caiu. Ao aproximar-se, seu corpo era magnífico sob a luz brilhante, com seu duro pênis disposto, e sua figura extremamente musculosa era tudo o que uma fêmea poderia desejar em sua cama.
Mas ela não se enfocou nisso quando ele subiu no colchão e a montou. Ela queria ver seus olhos.
Entretanto, não teve sorte. Seu rosto ficava na sombra, já que a luz do banheiro vinha diretamente desde por trás dele. Por um momento, ficou tentada a acender o abajur que havia perto deles, mas então se deu conta de que não queria ver a carga de insensível frieza que sem dúvida haveria em seu olhar.
Xhex estava segura de que com isto não ia conseguir o que procurava. E estava certa.
Não houve preliminares. Não houve jogos amorosos. Ela abriu as pernas, ele se introduziu, e seu corpo relaxou e o aceitou por causa da biologia. Enquanto a fodia, sua cabeça estava junto à dela no travesseiro, mas voltada para o outro lado.
Ela não gozou. Ele sim. Quatro vezes.
Quando ele se voltou para afastar-se de seu corpo e se colocou de costas, respirando pesadamente, ela tinha o coração completa e absolutamente quebrado: depois de deixá-lo em seu apartamento do porão a maldita coisa se quebrou, mas com cada pesada penetração perpetrada por ele agora, seu coração foi se estilhaçando mais e mais, ficando destruído.
Uns poucos minutos depois, John se levantou, colocou a roupa, agarrou a garrafa de licor e se foi.
Quando a porta se fechou com um estalo, Xhex se cobriu com o edredom.
Não fez nada para tentar controlar os tremores que sacudiam seu corpo, e tampouco se esforçou por deter o pranto. As lágrimas fluíram de seus olhos caindo pelas bordas, deslizavam-se para fora e caíam sobre suas têmporas. Algumas caíam em suas orelhas. Algumas lhe desciam pelo pescoço e eram absorvidas pelo travesseiro. Outras nublavam sua vista, como se não quisessem sair de casa.
Sentindo-se ridícula, fincou as mãos sobre a cara e as capturou o melhor que pôde, as enxugando no edredom.
Chorou durante horas.
Sozinha.

Capítulo 66


Na noite seguinte, Lash estava a quinze milhas ao sul de Caldwell quando ele desacelerou a Mercedes na via suja e desligou as luzes do sedã. Dirigindo lentamente pelo caminho, ele usou a lua que ascendia para se guiar, cortando por um desordenado campo de milho.
— Tirem suas armas. — ele disse. No banco do passageiro, Sr. D. pegou sua pistola, e atrás, o par de matadores prepararam as armas que receberam antes que Lash os tirasse da cidade. Noventa metros adiante, Lash pisou nos freios e girou o volante forrado de couro com sua mão enluvada. A coisa boa sobre uma Mercedes preta poderosa era que quando você saía dela, parecia um executivo, não um traficante assassino. Além do que, você poderia por seguranças no banco de trás.
— Vamos fazer isso. — com um soco sincronizado, eles abriram suas portas e saíram, enxergando terra e neve, e outra Mercedes poderosa. Castanha. Oh, meu Deus. Ótimo. E Lash não era o único a trazer armas e acessórios para a reunião.
Quando as portas da outra Mercedes se abriram, três caras com pistolas e um que parecia desarmado saíram. Apesar dos carros sugerirem civilidade, ou pelo menos a aparência disso, todos os homens dentro representavam o lado violento do comércio de drogas, que tinha tudo a ver com cálculos, contas fora do país e lavagem de dinheiro.
Lash se aproximou do homem que não estava armado com as duas mãos fora dos bolsos do seu casaco Joseph Abboud. À medida que foi chegando perto, ele vasculhou a mente do importador sul-americano, que, de acordo com o traficante que haviam torturado por diversão, tinha vendido muito produto para Rehvenge.
— Você queria me encontrar? — o homem perguntou com sotaque. Lash colocou sua mão no bolso frontal e sorriu.
— Você não é Ricardo Benloise. — ele olhou para a outra Mercedes — E eu não gosto que você e seu chefe brinquem comigo. Fale para aquele filho-da-puta sair do carro agora ou eu vou embora. O que quer dizer que ele não vai fazer negócio com o cara que limpou as docas em Caldwel e que vai operar o mercado com que o Reverendo lidava.
O humano pareceu confuso por um instante, então ele olhou para trás, para os três caras atrás dele. Após um momento, seus olhos finalmente se voltaram para a Mercedes castanha e ele sutilmente balançou a cabeça. Houve uma pausa, então a porta do passageiro se abriu e um homem menor e mais velho saiu. Ele estava impecavelmente vestido, com seu casaco preto perfeitamente ajustado em seus ombros estreitos, e seus sapatos de couro engraxados deixavam um caminho de pegadas na neve. Ele se aproximou com muita calma, como se estivesse mil por cento certo que seus homens pudessem lidar com o que quer que acontecesse.
— Você vai entender minha precaução. — Benloise disse com um sotaque que parecia parte francês e parte latino-americano — É um momento de ter cuidado.
Lash removeu a mão da jaqueta, deixando a arma onde estava.

 

 

                                                                                                    J. R. Ward

 

 

 

                                          Voltar a Série

 

 

 

                                       

O melhor da literatura para todos os gostos e idades