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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AMARGO DESPERTAR / Anne Mather
AMARGO DESPERTAR / Anne Mather

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

As badaladas do relógio da igreja acordaram-no.

Paradoxalmente, habituara-se a dormir sem que as chamadas para a reza do almuadem interferissem com o seu sono. Depois de quatro anos no norte de África, e os últimos oito meses numa prisão em Abuqara, eram sons que se tornavam tremendamente familiares. Isso, e os tiros que irrompiam de vez em quando no pátio da prisão.

Claro que isso também não significava que conseguisse dormir, claro. Uma manta fina bastante suja e gasta, estendida no chão duro de cimento, não podia substituir a comodidade de um colchão. No entanto, a capacidade do corpo para se adaptar a qualquer circunstância e para se habituar ao mínimo para sobreviver era incrível, e ele era a prova disso.

Apesar de tudo, ele conseguira sobreviver, e depois de seis meses de regressar a Inglaterra, o normal seria que já se tivesse habituado aos sons normais da vida civilizada.

No entanto, não era assim. Ainda lhe custava aceitar que não era o homem que tinha sido, e o facto de não conseguir dormir nem descansar sem pesadelos tempestuosos não eram mais do que detalhes insignificantes da sua própria realidade.

 

 

 

 

Detestando a direcção que os seus pensamentos estavam a tomar, Matthew Quinn afastou os lençóis que o cobriam e sentou-se na cama. Pelo menos, estar sentado aliviava a sensação de enjoo que o invadira nas primeiras semanas da sua libertação. E o seu corpo, praticamente em ossos no dia em que saíra do avião no aeroporto de Londres, ia gradualmente recuperando forças, graças às sessões de exercício físico a que se obrigava todos os dias. Os médicos tinham-no avisado que não devia exceder-se, mas não havia forma de controlar os desejos que sentia de recuperar a saúde e a força que sempre o tinham acompanhado. Fazer progressos lentos nunca fora suficiente para ele.

Por isso, embora os seus problemas psicológicos não parecessem melhorar ao ritmo que ele desejava, fisicamente sentia-se muito melhor do que há um mês atrás. Às vezes tinha a sensação de que nunca o conseguiria, de que nunca voltaria a recuperar a confiança em si mesmo. E talvez, pensou, as coisas corressem melhor se as pessoas que o rodeavam se apercebessem, também, disso.

Apesar de tudo, tinha que tentar. Por isso, tinha comprado aquela casa numa vila longe de Londres, longe da vida que Diane e ele tinham antes de o enviarem para Abuqara, como jornalista, para cobrir a guerra civil.

Diane não estava absolutamente de acordo com a sua decisão. Mallon's End era a vila onde ela nascera e crescera e onde ainda continuavam a viver os seus pais. Parecia-lhe uma loucura que ele estivesse disposto a virar as costas a todas as oportunidades

profissionais que Londres significava. Já lhe tinham oferecido o seu antigo trabalho numa conhecida cadeia de televisão, e Diane não conseguia entender porque o rejeitara. Matt também não conseguia entender. No entanto, graças ao legado da sua avó, o dinheiro não era um problema e, além disso, havia sempre a oferta de um editorial para escrever as suas experiências como prisioneiro nas mãos das forças rebeldes em Abuqara.

Levantou-se e descalço, dirigiu-se para a janela, tremendo ligeiramente. O chão de madeira polida sob os seus pés também estava frio, mas ele não reparou. Estava habituado a andar descalço. A primeira coisa que os raptores tinham feito quando o tinham raptado em Abuqara fora tirar-lhe os sapatos. E, embora ao princípio os pés tivessem ficado cheios de bolhas e andar fosse uma autêntica tortura, a pouco e pouco a sua pele fora endurecendo.

Além disso, habituara-se a temperaturas que ultrapassavam os quarenta graus centígrados durante o dia, e, embora supostamente a Inglaterra estivesse a sofrer uma onda de calor, ele nem sequer o tinha notado.

Matt afastou as cortinas da janela. Os jardins da casa abriam-se em todas as direcções, cheios de flores e cores. Para alguém habituado a paredes nuas e amareladas, cheias de pó e sem rasto de civilização, aquela era uma vista incrível. Nem sequer os meses que passara no seu cómodo apartamento londrino de Belsize Park, depois de ter chegado, tinham-no preparado para tanta beleza. Era isso que necessitava, pensou, o que sonhara quando estava na prisão. Era uma experiência humanizadora.

Além dos jardins da casa, a igreja oferecia a sua própria absolvição. Matt via as casinhas através dos ramos dos álamos e cedros que protegiam a grade de ferro, e os veículos que, de vez em quando, passavam à frente da sua porta a caminho da vila.

Era tudo tão, outra vez a mesma palavra, civilizado. No entanto, ele continuava a sentir-se isolado das pessoas e de todos os lugares que antigamente sentira como seus. Era estranho, mas durante todo o tempo que estivera prisioneiro, tinha tido imensas saudades de poder conversar com alguém que falasse a sua língua materna.

Felizmente, mantivera algumas conversas interessantes, embora breves, com o capitão dos rebeldes. Embora mal conhecesse a sua língua, tivera a sensação de que o homem era uma pessoa muito culta e inteligente.

Contudo, agora que estava novamente no seu país, não tinha nenhuma vontade de ver gente nem de ter nenhum tipo de conversa com ninguém. Diane tinha razão. E não podia reprová-la se ela se cansasse dele e o deixasse.

Apesar de tudo, pensou, aproximando-se da janela e recordando a agitação da sua vida nos últimos meses, tinha direito a um pouco de paz e tranquilidade. Deus sabia que não estivera preparado para todo o interesse e curiosidade que despertara o seu regresso a Inglaterra após oito meses de cativeiro, mas entre as entrevistas, telefonemas, programas de televisão e a perseguição dos jornalistas, sentia-se agredido novamente. Queria afastar-se de tudo aquilo, não só de Londres, mas também do seu antigo

estilo de vida. Se isso significava que estava louco, não se importava.

Depois de tomar banho e de se secar, vestiu umas calças de fato de treino e uma t-shirt preta. Ao olhar-se ao espelho da casa de banho, sorriu. No norte de África rapara o cabelo pela primeira vez, e desde o seu regresso, mantivera o cabelo suficientemente comprido para lhe cobrir a cabeça. Diane dissera-lhe que lhe ficava bem, embora Matt tivesse consciência de que ela diria tudo para aumentar a sua auto-estima. Estava muito preocupada com ele, com a sua relação, e ele não podia reprová-la. Ao descer para o andar de baixo, sentiu que a casa estava gelada. Eram sete da manhã, e até descobrir como funcionava o aquecimento central, teria que se conformar com aquela temperatura.

Pelo menos, pensou, sorrindo, a casa tinha aquecimento central. Em geral, aquelas casas velhas não o tinham, mas o proprietário anterior não se conformara com um nível menor de comodidade.

Apesar de tudo, pensou, tinha que redecorar a casa. O papel das escadas e o tecido de damasco que cobria as paredes da sala principal tinham que desaparecer e, além disso, precisava de alguns móveis além da cama e das duas poltronas que trouxera consigo de Londres. Por sorte, a casa que comprara tinha espaço suficiente para vários quartos e salas de estar, e os seus móveis de Londres não seriam suficientes para a mobilar por completo. Teria que visitar alguma loja de móveis, embora fosse melhor recorrer a um antiquário, já que aquela casa não aceitaria nenhum tipo de mobiliário moderno. O

resto dos seus móveis continuava no seu apartamento londrino, e até decidir onde ia ficar, continuaria ali.

Felizmente, a cozinha estava orientada para este e, quando ele entrou, estava banhada pela luz do sol que penetrava pela janela. Tal como o resto da casa, também precisava de uma modernização, embora gostasse dos armários de madeira de mogno e da baixela de porcelana decorada em tons verdes.

Matt fez café brasileiro, o seu favorito, e pôs uma frigideira ao lume para fritar algum bacon.

Pouco tempo depois, a cozinha estava deliciosamente impregnada com o aroma de café fresco e bacon frito. Matt alegrou-se por ter aceitado a sugestão da sua mãe de levar alguma comida. Se dependesse dele, provavelmente teria tido que sair para tomar o pequeno-almoço, e isso sim, é que não estava nos seus planos.

O som de passos no jardim fê-lo franzir o sobrolho. "Raios", pensou. Ainda era demasiado cedo para que alguém soubesse onde estava. Até guardara o seu veículo todo-o-terreno na garagem para esconder a sua presença na casa. Quem raios descobrira que estava ali?

Aproximou-se das janelas e olhou para o exterior. Não conseguiu ver ninguém, e isso inquietou-o. Tinha a certeza de que tinha ouvido passos. Não podia estar a ter alucinações. Céus, isso seria a gota de água!

Pousou a chávena de café na mesa de madeira de pinho atrás dele. No entanto, ao aproximar-se da frigideira para ver como estava o bacon, ouviu outra

vez os passos. Não havia ninguém. Se houvesse, teria visto alguma sombra através da janela.

Praguejando para si, aproximou-se da porta e abriu-a de repente. Uma menina de uns seis ou sete anos estava ajoelhada junto ao que parecia uma coelheira, dando folhas através das grades ao que quer que houvesse lá dentro.

A menina levantou a cabeça e olhou para ele, assustada. Ele, por outro lado, estava contente com a presença da pequena ali. Pelo menos era um alívio saber que não estava a perder o juízo, além do seu...

Obrigou-se a interromper o pensamento e forçar um sorriso, ao mesmo tempo que a menina se apressava a levantar-se.

- Quem é o senhor?

A pergunta apanhou-o desprevenido. Ele é que devia ter feito aquela pergunta, pensou, em parte impressionado pela rapidez da pequena, que o olhava como se o intruso fosse ele.

- O meu nome é Quinn - disse ele, com um sorriso. - Quem és tu?

- Hum, Nancy! - respondeu ela, depois de um momento de hesitação. - Nancy Drew - repetiu ela, e antes que ele pudesse fazer algum comentário, a menina franziu o sobrolho e perguntou: - O senhor vive aqui?

- Agora vivo - disse Quinn, secamente. - Há algum problema?

Nancy encolheu os ombros.

- Não - respondeu, embora não estivesse muito certa. - Não tem... não tem um cão, pois não?

Quinn sorriu, sem conseguir evitar.

10

- De momento, não - respondeu ele. - Gostas de cães?

- Sim - disse Nancy, em tom dúbio. - O meu avô tem um cão, um golden retriever, mas é muito mau.

- Quem, o teu avô?

Nancy olhou para ele com expressão de querer dar-lhe um pontapé.

- Não! - exclamou, com impaciência. - Harvey passava o dia a perseguir Buttons pelo jardim. Estava a morrer de medo.

- Harvey? - perguntou Quinn, inocentemente.

- Buttons - corrigiu-o ela. - Está a gozar comigo, não está?

Quinn suspirou.

- Só um pouco - reconheceu ele. - Quem é Buttons?

- O meu coelho - disse ela.

Então, a menina baixou-se e apontou para a coelheira que tinha aos seus pés.

- A mamã disse que eu tinha que lhe encontrar outra casa. E foi o que eu fiz.

Quinn suspeitou que a mãe da menina não se referisse precisamente ao jardim de um desconhecido, mas não fez nenhum comentário. Baixou-se junto à pequena e viu o focinho branco de um coelho bastante grande que mordiscava as barras da coelheira.

- Este é Buttons - explicou a pequena. - É bonito?

- Acho que sim - disse Quinn, que não percebia nada de coelhos. - Mas não é uma jaula muito pequena para ele?

- Sim - respondeu Nancy. - Por isso é que tenho que o soltar de vez em quando. Mas já lhe disse...

- Que Harvey o perseguia - concluiu ele. A menina assentiu.

- Ele pode... pode ficar aqui? - perguntou, rapidamente.

Quinn levantou-se.

- Bom... se calhar - disse, lentamente. - Se a tua mãe concordar.

- Oh! Ela não sabe - disse Nancy, levantando-se.

- Não lhe vai dizer nada, pois não?

Fliss abriu a boca novamente para gritar o nome de Amy quando a viu na porta da casa do vizinho, a falar com um homem que nunca vira na sua vida.

Suspirou, aliviada, e afastou da sua mente as imagens horríveis de raptos de crianças que apareciam frequentemente na televisão. A sua filha só tinha nove anos.

No entanto, também não gostava que se metesse na casa do vizinho, apesar de a menina conhecer perfeitamente o lugar. Estava habituada a acompanhar a sua mãe, sobretudo nas férias, e conhecia aquele jardim quase tão bem como o seu próprio.

Nada mudaria o facto de as coisas terem mudado, pensou. O velho coronel Phillips tinha morrido e ela ouvira rumores de que a casa tinha sido vendida. A alguém que não conhecia, recordou-se. Quantas vezes tinha dito à sua filha que não devia falar com estranhos?

O homem reparou na sua presença antes da menina. Virou a cabeça para ela, e Fliss absorveu o rosto duro e inflexível e as feições escuras e bronzeadas. Era alto, mas não tinha nem um grama de gordura no seu corpo musculado.

A sua expressão era... perigosa, pensou Fliss. Não era nada parecido com as pessoas que normalmente iam para Mallon's End descansar, e ela perguntou-se o que o teria levado a comprar uma casa num lugar tão tranquilo e aborrecido.

Com curiosidade mais do que outra coisa, Fliss aproximou-se um pouco, e observou que o homem era mais jovem do que tinha imaginado. Provavelmente rondaria os trinta e muitos, mas o cabelo preto e curto dava-lhe um aspecto distante e mais velho.

Apesar da sua expressão ameaçadora, era um homem muito atraente. Fliss engoliu em seco, nervosa, sentindo uma sensação estranha no estômago. Quem era ele?

- Lamento - começou ela, desculpando-se. - Se a minha filha está a incomodá-lo...

- Não, não - garantiu ele, num tom baixo e um pouco rouco.

- Oh, mamã! - exclamou Amy, dirigindo um olhar impaciente para a sua mãe. - Eu não sou uma criança.

- Estava à tua procura - disse Fliss, decidindo que a repreenderia mais tarde. - Não me ouviste chamar-te?

Amy encolheu os ombros.

- Talvez - respondeu, com a altivez própria de uma adolescente, embora Fliss tivesse a sensação de que a sua filha estava um tanto incomodada.

De certeza que estava a esconder-lhe alguma coisa. O que se passava? O que estava a dizer àquele homem?

- E porque não respondeste? Estava preocupada.

- Tenho a certeza de que Nancy não queria preocupá-la, senhora Drew - interrompeu o homem bruscamente. - Ela não fez nada.

- Tu pensas o mesmo? - perguntou Fliss, olhando para a sua filha. - Amy, disseste a este cavalheiro que te chamas Nancy Drew?

Amy corou.

- E depois?

- Não posso acreditar nisto - disse Fliss, abanando a cabeça.

- Suponho que não te chames Nancy, então disse o homem à menina, com um suspiro.

- Não - respondeu Fliss, tentando controlar a gargalhada. - Chama-se Amy. Amy Taylor. Nancy Drew é...

- Eu sei quem é Nancy Drew - interrompeu ele, secamente. - Bom, Nancy, resolveste algum caso complicado ultimamente?

Amy mordeu os lábios, mas guardou a ira para a sua mãe.

- Viste o que fizeste! - gritou-lhe, furiosa. - Fizeste-me fazer figura de parva à frente de Quinn.

- Quinn?

Fliss olhou para o homem e viu a careta de resignação no seu rosto.

- Matthew Quinn - apresentou-se ele. - Comprei esta casa.

- Oh! Oh, bom - murmurou. - Enfim, espero que o senhor e a sua família sejam muito felizes aqui.

- Não tenho família - replicou ele, com uma voz rouca que Fliss achou tão atraente como o seu físico. - Mas obrigado.

- De nada.

Fliss sorriu fracamente e mordeu o lábio inferior. Seria um bom momento para lhe explicar porque Amy se sentia com direito de entrar no seu jardim? Se calhar ele também precisava de alguém que tratasse da sua casa. Se não era casado...

- Vamos, mamã - disse Amy, segurando no braço dela e puxando-a. - Já está quase na hora de ir para a escola.

Fliss arqueou as sobrancelhas. Desde quando Amy tinha tanta pressa para ir para a escola? Olhou para o rosto sombrio do homem, mas este estava a estudá-la com frieza e ela desviou o olhar. Deslizou os olhos pela t-shirt que marcava o seu tronco musculado, pelas calças de fato de treino que não conseguia esconder o impressionante vulto dos seus órgãos genitais nem os músculos torneados e fortes das suas pernas. Até os seus pés nus. Provavelmente, acabava de se levantar da cama.

Tê-lo-ia acordado Amy?

Então, Fliss viu a estrutura com forma de jaula no chão e entendeu tudo. Segurou no braço de Amy antes que a menina pudesse afastar-se, e apontou para a coelheira.

- O que está a coelheira de Buttons a fazer aqui?

- perguntou, irritada. - Amy, o que estavas a fazer aqui?

Os ombros de Amy afundaram-se e a menina olhou para Matthew Quinn com olhos suplicantes. "Claro", pensou Fliss. Ele devia saber o que se passava. Por isso é que a sua filha e ele estavam a falar, quando ela os interrompeu. E ele não dissera nenhuma palavra, apesar de ter consciência de que ela não sabia nada do que estava a acontecer.

Fliss olhou para ele, disposta a manifestar a sua indignação, por mais injustificada que fosse, mas encontrou o homem apoiado contra o marco da porta, com aspecto cansado, o rosto sulcado e gasto. Imediatamente, apercebeu-se de que estava doente e esgotado. Ou talvez estivesse tremendamente aborrecido com a conversa.

- Sente-se bem? - perguntou ela.

- Um pouco cansado, mais nada - disse-lhe ele, com firmeza, retirando-se para o interior da cozinha.

Fliss reparou no cheiro a bacon queimado. Quinn olhou por cima do ombro, e acrescentou, antes que ela pudesse oferecer-se para o ajudar:

- Podemos continuar esta conversa noutro momento, senhora Taylor? Receio que o meu pequeno-almoço esteja a queimar-se.

 

Fliss fez um esforço para não voltar a pensar em Matthew Quinn depois de deixar a sua filha na escola. Preferiu concentrar-se no comportamento de Amy, na decepção que sentiu ao ver que a sua filha lhe mentira. Para evitar que o seu coelho Buttons fosse enviado para um refúgio de animais, Amy garantira-lhe que podia levar o coelho para casa de um amigo, que tomaria conta dele, mas o que Fliss não suspeitara era que a sua filha não tinha a menor intenção de entregar o seu coelhinho a ninguém.

Agora, aquela mentira fora descoberta, e a situação não podia ser mais embaraçosa. De certeza que agora Matthew Quinn pensava que Fliss era uma má mãe, um título que lhe tinham atribuído muitas vezes desde que descobrira, aos dezasseis anos, que estava grávida.

Além disso, agora, Fliss via-se obrigada a voltar a casa do homem para ir buscar o coelho e desculpar-se. Outra vez. Amy não ia achar graça, sobretudo se se visse obrigada a desfazer-se de Buttons uma vez mais.

Tinha a certeza de que o seu novo vizinho não gostaria de ter um mamífero peludo a viver no seu jardim permanentemente.

E se tivesse esposa... O facto de ter dito que não tinha família não significava necessariamente que...

De qualquer forma, não eram mais do que especulações, interrompeu-se Fliss, e não tinha a menor intenção de cometer esse erro. Era verdade, era um dos homens mais bonitos que vira na sua vida e, com ou sem esposa, não era para ela.

Quando Fliss regressou a casa da escola, o seu pai já se tinha levantado.

George Taylor tinha explorado a pequena farmácia da vila até há quatro anos, mas a descida do número de habitantes e os medicamentos mais baratos que se dispensavam no supermercado da cidade vizinha de Westerbury tinham acelerado a sua reforma. Agora, complementava o que ganhava escrevendo artigos para o jornal local, e além disso, tomava conta de Amy quando Fliss trabalhava no pub da vila, de vez em quando.

Harvey, o cão de caça do seu pai, ladrou e saltou de alegria ao vê-la entrar em casa. Fliss desejou que o cão se comportasse um pouco melhor para a sua idade. Já tinha sete anos, mas continuava a comportar-se como um cachorro malcriado.

Fliss entrou na cozinha.

- Tudo bem? - perguntou o seu pai que estava a tomar o pequeno-almoço sentado à mesa da cozinha.

Fliss deixou-se cair numa cadeira em frente a ele e serviu-se de uma chávena de café.

- Mais ou menos - resmungou ela. - Já sei onde está Buttons.

- Pensava que Amy lhe tinha encontrado um lar - disse ele, perplexo. - Não me digas que o tinha guardado no seu quarto?

- Não, nada disso. Escondeu-o na casa do coronel.

O seu pai desatou a rir.

- Aquela Amy - disse. - De qualquer modo, não importa, pois não? A casa está vazia.

- Já não está - respondeu-lhe a sua filha, bebendo um gole de café. - Há um novo inquilino. Ou melhor dizendo, um novo proprietário. Conheci-o esta manhã. É uma forma inequívoca de nos lembrarmos que o coronel Phillips nos deixou para sempre.

- Hum... - assentiu o seu pai. - Já era muito velho. Quantos anos tinha? Noventa e dois, noventa e três?

- Noventa e um - confirmou Fliss. - E eu sei que era muito velho, mas comigo sempre foi muito atencioso.

- E tu com ele - disse-lhe o seu pai. - Duvido que tivesse encontrado alguém que lhe tratasse da casa como tu tratavas.

- Ele pagava-me - protestou Fliss. - E é um dinheiro que eu preciso.

- Bom, não posso dizer que lamente que não continues a trabalhar como senhora da limpeza disse o seu pai, barrando uma torrada com manteiga.

- Mereces melhor do que isso. Não sei o que diria a tua mãe se soubesse que não estás a aproveitar melhor a tua licenciatura.

Fliss suspirou. Era a mesma discussão de sempre, e não lhe apetecia voltar a tocar no assunto. Era verdade que, enquanto a sua mãe estava viva, esta fizera um esforço para que Amy pudesse ir para a faculdade. No entanto, quando a sua mãe morreu num acidente de carro um ano depois de conseguir o seu diploma como fisioterapeuta, Fliss vira-se obrigada a deixar o seu trabalho para tomar conta da sua filha pessoalmente.

- Em qualquer caso, tenho que voltar lá a casa para ir buscar o coelho.

- Queres que eu vá? - ofereceu-se o seu pai. Era tentador, mas Fliss abanou a cabeça. Queria,

melhor dizendo, precisava de voltar a ver Matthew Quinn. Precisava de lhe explicar porque Amy se sentia no direito de deixar Buttons em casa dele.

Quando o coronel Phillips estava vivo, Fliss trabalhara em sua casa três manhãs por semana, e a sua filha acompanhara-a muitas vezes. O velho coronel gostava muito da menina, e não só não se importava que fosse com a sua mãe, como também agradecia sempre e divertia-se com a sua companhia.

Às vezes, o velho e a menina jogavam jogos de mesa, ele mostrava-lhe as suas colecções de moedas e outros objectos antigos, fazendo com que, para a menina, a casa do coronel fosse como uma misteriosa caverna do Aladino.

Quando o coronel Phillips morreu, a casa fora herdada por um primo longínquo que, pelos vistos, não perdera tempo a pô-la à venda.

Fliss afastou as recordações da sua mente e levantou-se da mesa, para levar a chávena vazia para o lava-loiça.

- E como é o novo proprietário? - perguntou o seu pai, levantando-se também da mesa. - Quem é? Ele disse-te o nome?

Fliss encolheu os ombros.

- Parece-me que disse que se chamava Quinn respondeu, com indiferença fingida, acabando de lavar os pratos do pequeno-almoço. - Será melhor ir buscar Buttons. Com um pouco de sorte, não está em casa e levo o coelho sem ter que lhe dizer alguma coisa.

- Porquê? - perguntou o seu pai, mas a sua expressão era pensativa. - Quinn, Quinn - repetiu, franzindo o sobrolho. - Onde ouvi esse nome?

- Anthony Quinn? - sugeriu a sua filha, divertida.

- Já sei! - exclamou o pai. - Esse nome, Quinn. Eu sabia que o tinha ouvido ultimamente. É o nome daquele homem, do jornalista, que passou oito meses prisioneiro em Abuqara, nas mãos das forças rebeldes. Lembras-te? Recentemente passaram um documentário na televisão. Ele fugiu. Sim, foi isso, fugiu. Mas pelos vistos sofreu muito nas mãos dos seus raptores.

Fliss estava a retocar o cabelo à frente do espelho do hall e engoliu em seco. De repente, tinha um nó na garganta que mal a deixava respirar.

- Não... não me lembro - disse, quase sem voz.

Mas lembrava-se. Agora que o seu pai o mencionara, recordava-se perfeitamente do documentário. Não porque o jornalista tivesse aparecido nele, mas porque o documentário falava da situação de guerra civil naquele país do norte de África e a violência que os estrangeiros apanhados numa terra sem lei sofriam.

- Claro que isso não significa que este Quinn seja o mesmo homem - continuava a dizer o seu pai, alheio à reacção de Fliss. - Seria uma coincidência, não achas?

- Sim - balbuciou Fliss, tentando esconder a inquietação que as palavras do seu pai lhe causavam.

Este continuava concentrado nos seus próprios pensamentos.

- Talvez seja melhor ir contigo. Apresentar-me, dar-lhe as boas-vindas à vila para ver que somos pessoas civilizadas. O que achas?

- Não... não acho que seja o melhor momento, papá. Por causa do coelho e o resto, tu sabes. É melhor deixarmos passar uns dias, não achas? Não quero que pense que somos uns intrometidos.

- Sim, tens razão.

Fliss agarrou nas chaves do carro e saiu da casa.

A casa do coronel Phillips ficava apenas a uns minutos de carro da sua casa, do outro lado do pátio da igreja, embora a semelhança entre ambas terminasse aí. A casa de Fliss tinha um jardim modesto enquanto que a do coronel estava rodeada por um terreno amplo, com pradarias de relva e canteiros cheios de flores, um pomar de macieiras, assim como um campo de ténis na parte posterior da casa.

A fachada da mansão vitoriana também era impressionante, apesar de ter visto tempos melhores. Uns pilares de pedra e um portão de ferro oxidado davam acesso aos jardins e ao atalho que conduzia para a casa. Tudo parecia estar a pedir alguma manutenção, sobretudo a vegetação verde e exuberante que estava a crescer sem ordem e a invadir os canteiros.

Fliss percorreu o caminho ladeado de álamos que levava até ao alpendre principal. Ali viu um carro estacionado à frente das escadas de pedra, um BMW muito caro. Não podia dizer porquê, mas não imaginava Matthew Quinn ao volante de um desses carros. Fliss estacionou a velha carrinha Ford do seu pai junto ao automóvel de luxo.

Ao sair do carro, desejou ter dedicado alguns minutos a mudar de roupa. A t-shirt sem mangas e os calções de algodão estavam bem para levar Amy à escola, mas não para dar a sensação de uma mãe responsável a um novo vizinho. Respirando fundo, rodeou o carro e subiu os degraus até à porta de carvalho que dava acesso ao interior da moradia. Não conseguiu evitar reparar que ninguém tinha limpado o terraço nem o puxador de bronze desde a morte do coronel. Mas isso não lhe dizia respeito, disse para si. Agarrou o puxador e bateu com força.

Depois de uns momentos de silêncio, Fliss ouviu o som de passos no hall. No entanto, não pareciam os passos de um homem, e preparou-se para a situação desagradável de ter que se apresentar à esposa de Matthew Quinn. Cruzou os dedos para que pelo menos a mulher estivesse a par do que acontecera com Amy.

Ergueu-se e endireitou os ombros, numa tentativa de melhorar a primeira impressão, embora soubesse que era bastante difícil. Ela era o que era: uma mulher de vinte e tal anos que arrastava um peso provavelmente demasiado pesado para ela.

- Lamento incomodá-la... - começou a dizer quando a porta se abriu, e então calou-se, surpreendida. - Diane! - exclamou, ao reconhecer a mulher que fora sua colega na aula. - Diane Chesney! Ou devo dizer senhora Quinn?

- Basta Diane - respondeu-lhe a mulher, com secura. - Posso ajudar-te em alguma coisa... Felicity, não é?

Óptimo! Fliss suspirou, lentamente. Era evidente que Diane não tinha a menor intenção de reatar antigas amizades. Fliss não podia acreditar que a sua antiga amiga se tivesse esquecido do muito que ela detestava o seu nome, e também que tivesse alguma dúvida sobre a sua identidade.

- Bom... - murmurou, sentindo-se ainda mais diminuída perante a sofisticação elegante de Diane. Vim buscar o coelho da minha filha.

- O coelho da tua filha!

Evidentemente, Diane não fazia ideia do que estava a falar. O desprezo no tom da sua voz deixava-o bem claro, o mesmo desprezo que tingira as suas palavras quando Fliss lhe confessara pela primeira vez que ia ter um filho. Nesse momento, Fliss procurara conselho, compreensão, mas a única coisa que Diane fizera fora insistir num aborto.

Analisando-o em retrospectiva, Fliss tinha que admitir que, em parte, Diane tivera razão. Nessa altura, ela era demasiado inocente e demasiado jovem para saber exactamente o que queria fazer. Tivera medo de confessar aos seus pais, mas, por fim, a sua mãe ajudara-a. Lucy Taylor não pensara duas vezes. Fliss devia ter o seu filho, e ela ajudá-la-ia. O seu pai e ela ajudá-la-iam, sobretudo quando o pai do bebé, Terry Matheson, negou tudo e abandonou a vila muito antes do nascimento de Amy.

Apesar de tudo, a gravidez de Fliss significava que esta tinha que adiar os seus estudos durante um ano e, nessa altura, Diane já tinha ido para a universidade londrina, e esquecera-se de uma amiga que na sua opinião arruinara a sua vida.

- O coelho de Amy - continuou Fliss, sem se deixar amedrontar pela atitude arrogante de Diane. Eu falei com o teu... o teu...

- O meu noivo? - sugeriu Diane em tom condescendente, e Fliss assentiu.

- Pois - respondeu ela. - Suponho que não tenha falado contigo.

- E porque haveria de o fazer? - Diane olhou para o céu com exasperação. - Lamento muito, Fliss, mas Matt e eu temos coisas mais importantes para falar, do que de um coelho, pelo amor de Deus!

Ah! Afinal lembrava-se do seu nome, pensou Fliss, sorrindo para si. Era evidente que Diane estava irritada com alguma coisa e essa "alguma coisa" não tinha nada a ver com Fliss nem com Amy.

Fliss estava a pensar em explicar a situação da forma mais breve possível quando Matthew Quinn apareceu, alto, atrás de Diane. Continuava descalço, observou Fliss, e a sua expressão era quase tão hostil como a da sua noiva.

- O que se passa? - perguntou impaciente, e, então, viu Fliss. - Oh, senhora Taylor!

Diane deu uma breve gargalhada, e ele olhou para ela, admirado. Depois, continuou.

- Queria alguma coisa?

Fliss corou perante a reacção brincalhona de Diane ao ouvir o nome que Matthew Quinn lhe atribuíra.

- Na verdade, é menina Taylor - disse ela, tentando convencer-se de que não se importava com o que ele pensasse dela. - Vim buscar o coelho.

- Ah! - exclamou o homem. - Desculpa, mas vocês conhecem-se? - perguntou a Diane.

- Há algum tempo - respondeu Diane, antes que Fliss pudesse dizer alguma coisa. - Mas perdemos o contacto há muitos anos.

A única resposta de Matt foi uma repentina expressão de estranheza, mas Fliss não tinha a menor intenção de continuar com aquela conversa.

- Importa-se que meta o carro pelo atalho lateral?

- perguntou. - Assim será mais fácil levar a coelheira de Buttons até ao carro.

- O que significa tudo isto? - exigiu saber Diane, que não gostava que Fliss e o seu noivo tivessem algum assunto entre mãos que ela ignorava. - Onde está esse coelho, pelo amor de Deus? E o que é que ela está a fazer aqui?

- É uma história muito longa - disse Matt. E depois para Fliss: - Não é necessário levá-lo.

- É claro que é - respondeu ela, seca e muito tensa. - Vou buscar o carro.

Quando Fliss chegou com o carro até à porta lateral, Matt estava à espera dela. Ainda descalço, levava a coelheira nos braços. Fliss apressou-se a

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abrir a tampa do porta-bagagem para que ele a metesse lá dentro.

- Obrigada - disse ela, com a respiração um pouco entrecortada.

Depois, reparou que ele também tinha ficado sem ar.

- Meu Deus! - exclamou ele, respirando fundo algumas vezes. - Fisicamente, estou desgraçado. Preciso de me pôr em forma.

Fliss forçou um ligeiro sorriso.

- Penso que precisa de descansar - murmurou. E ao ver Diane a observá-los apressou-se a despedir-se. - Obrigada outra vez. Vou tentar que Amy não volte a incomodá-lo.

 

Diane estava a passear nervosamente pela cozinha quando Matt entrou.

- Queres explicar-me o que é que se passa? - exigiu saber, furiosa. - Há quanto tempo conheces Fliss Taylor?

- Eu não a conheço - disse ele, lavando as mãos no lava-loiça. - Só estou aqui há alguns dias.

- Bom, parece que têm muitas coisas em comum. Certamente, ela não esperava ver-me - continuou Diane, irada. - Disseste-lhe que vinha?

- Pelo amor de Deus, Diane! - Matt secou as mãos com um pano e meteu-as nos bolsos para que Diane não visse que estavam a tremer. - Porque haveria de lhe dizer? Só a vi uma vez.

Diane olhava para ele com perspicácia.

- Então, o que fazia aquele coelho aqui?

Matt suspirou. Precisava de se sentar, mas o orgulho e a determinação obrigaram-no a manter-se de pé. Devia ter-se apercebido de que Diane quereria provocar algum tipo de discussão, mas por muito atraente que Fliss Taylor fosse, e ele não negava que o era, não estava interessado nela.

- Tem uma filha - explicou, cansado. - Mas suponho que já saibas isso. Pareces saber tudo sobre ela.

- Dantes sim - declarou Diane, com altivez. Mas já não as vejo há muitos anos, nem a ela nem à sua filha.

- A menina decidiu que o coelho estaria mais seguro no meu jardim do que no dela e escondeu a coelheira junto à minha porta das traseiras. Esta manhã, surpreendi-a a dar-lhe de comer. É tudo.

- E depois? Telefonaste à mãe dela e pediste que viesse buscá-lo?

- Não, ela veio buscar a filha. Não é nenhum crime, pois não? - perguntou Matt.

Estava cansado do interrogatório. Não entendia porque Diane se incomodara a ir visitá-lo se só queria discutir com ele. Os médicos tinham-no aconselhado a evitar todo o tipo de tensões e stress desnecessários, e aquela discussão era mais do que ridícula.

- Apetece-te um café? - perguntou ele, dirigindo-se para a banca.

- Então, porque não levaram o coelho antes? insistiu Diane, depois de remoer em silêncio as explicações de Matt durante alguns segundos.

- Pelo amor de Deus! - gritou-lhe ele. - O que importa isso? Já te expliquei o que aconteceu. Esquece isso de uma vez.

Diane hesitou um segundo.

- Suponho que... não sei, que não teria sido fácil levar a coelheira sem o carro.

-Não.

Diane assentiu.

- E Fliss não sabia que a menina tinha deixado o coelho aqui?

- Diane... - o tom de Matt era uma advertência para que não continuasse, mas ela não se deu por vencida.

- Só quero saber - disse, inocentemente. - Amy ainda deve continuar a considerar esta casa como o seu segundo lar.

Matt virou-se, com o sobrolho franzido.

- Do que estás a falar? Diane sorriu-lhe.

- Pensava que estavas farto de falar sobre o assunto - gozou, mas ao aperceber-se de que estava a levar as coisas demasiado longe, explicou-lhe parte da situação. - Fliss costumava trabalhar para o antigo proprietário desta casa. Penso que, muitas das vezes, trazia a menina com ela.

- Que tipo de trabalho fazia?

- Que tipo de trabalho fazem aqueles que não acabam o liceu? - perguntou Diane, com sarcasmo.

- Era a mulher da limpeza. Quando não trabalhava no pub, claro.

Matt serviu café em duas chávenas e entregou-lhe uma.

- Pareces saber muitas coisas sobre ela - disse ele, bebendo um gole de café. Em seguida, sentiu o efeito da cafeína no sangue e na cabeça, e agradeceu-o. Isso ajudá-lo-ia a afastar o cansaço que começava a invadir os seus músculos.

- Toda a vila sabe disso. Não se falava de outra coisa - começou Diane. - Por favor, só tinha dezasseis anos. Na minha opinião, ao escolher ser mãe solteira não fez mais do que desistir da possibilidade de uma educação decente.

- Foi o que ela fez?

- Sim, e foi uma estupidez. Podia ter abortado. Ninguém teria descoberto. O rapaz nem sequer queria casar-se com ela. A minha mãe pensa que a mãe dela nunca ultrapassou esse desgosto.

- Ah! - Matt começava a entender algumas coisas. - Então essa informação foi-te dada pela tua mãe.

Diane olhou para ele, ofendida.

- Não precisas de falar assim comigo. A minha mãe acha que isso me interessa. Afinal de contas, Fliss e eu fomos amigas - Diane enrugou a cara numa careta de horror. - E pensar que antes eu era como ela.

Matt não estava disposto a continuar com aquela conversa. Sabia que mais tarde ou mais cedo Diane se lembraria do que estavam a falar antes de a mulher ter batido à porta. E não teve que esperar muito.

- Bom, não importa. Estavas a dizer-me que pensas viver nesta casa - começou ela, novamente. Por favor, querido, olha à tua volta. Vais precisar de uma fortuna para tornar esta casa habitável.

- Uma pequena fortuna, talvez - admitiu ele, mas não penso fazer tudo ao mesmo tempo. De momento, só o quarto principal e mais duas ou três divisões. Segundo Joe Francis, a casa é sólida.

- Matt, não podes ficar aqui. Isto é só uma fase. Em breve, vais aperceber-te de que não podes viver fora de Londres. O teu trabalho está lá, os teus amigos estão lá. Aqui não conheces ninguém. Reconhece.

- Bom, conheço a senhora... a menina Taylor observou ele, sabendo que o comentário a irritaria, mas que fosse para o Inferno, pensou. Ela estava a irritá-lo muito mais. - E tu não sabes o que eu quero, Diane. Estás a falar do que tu queres. Como sabes se as minhas prioridades não mudaram?

- Eu sei porque te conheço! - exclamou ela, com ferocidade. - Aqui vais aborrecer-te por não fazeres nada, mesmo se não precisares de dinheiro. Além disso, já pensaste em mim? Eu não posso viver aqui. O meu trabalho está em Londres.

- Eu sei. -E?

Matt inclinou a cabeça e esfregou as mãos suadas no tecido das calças.

- Acho, acho que seria uma boa ideia que nos víssemos menos...

-Não!

- Sim - Matt sabia que estava a ser duro com ela, mas não tinha escolha. Pelo menos, não nas actuais circunstâncias. - Ajuda-me. Diane. Preciso de estar um tempo sozinho. Tenho que organizar as minhas ideias - fez uma pausa. - Fingir que as coisas estão iguais a dantes não vai resolver nada.

- Querido, não me faças isto - disse Diane, cruzando rapidamente a cozinha e ajoelhando-se aos seus pés. - Ouve-me. Eu posso ajudar-te, eu sei que posso. Mas não conseguirei se me ignorares.

- Raios, eu não estou a ignorar-te - murmurou ele.

Contudo, Diane não ouvia as suas palavras. Afastou as mãos masculinas, pousou as suas nos joelhos de Matt e, por um instante, ficou imóvel. Depois, observando-o com uma concentração quase ávida, deslizou as mãos sobre as fortes coxas masculinas até à união das pernas. As suas intenções eram claras. Quando passou a língua pelos lábios, Matt sentiu perfeitamente o seu desejo. Então, Diane separou-lhe as pernas e colocou-se entre elas...

Matt não conseguiu permitir que ela continuasse. Sentindo quase náuseas, afastou-a. Sem saber como, conseguiu ir até ao outro extremo da cozinha, com o pulso acelerado, e o coração a bater-lhe como louco, no peito.

- Só tinhas que dizer que não - disse Diane, levantando-se, com amargura e decepção na voz e na expressão do seu rosto. - Não precisavas de me empurrar e quase atirar-me ao chão para te afastares de mim.

- Diane, por favor...

- Pelo menos sei onde estou - continuou ela, tirando um fio de algodão da sua camisola de seda. O que aconteceu em Abuqara, Matt? De repente, começaste a gostar de uma pele diferente da minha? Ou foi algo mais radical? Uma mudança de sexo, talvez?

Matt fechou os punhos com raiva e fez um esforço para se conter.

- Será melhor ires-te embora, Diane - disse, com dureza. - Antes que me esqueça de que me educaram para ser um cavalheiro.

A expressão de Diane mudou, e a frieza deu lugar à derrota e à angústia.

- Oh, Matt! - ofegou, limpando as lágrimas que começaram a cair pelo rosto. - Sabes que não falei a sério. Eu amo-te. Nunca diria nada ou faria algo que te magoasse.

Matt estava esgotado. Tudo aquilo era demais. Diane era demais. Não fazia ideia de como se sentia, e ele não tinha o desejo nem a paciência de enfrentar a sua reacção burlesca.

Por isso é que comprara aquela casa. Sabia que Diane nunca se atreveria a mudar-se para ali com ele e essa seria a única forma de lhe fazer ver que a separação era a melhor solução para os dois. Diane tinha que entender que ele tinha mudado, e com ele a sua atitude e as suas aspirações. Já não era o homem de antes.

- Sei que isto foi muito difícil para ti - disse ele, cruzando os braços. - Foi difícil para os dois. E não espero que renuncies à tua vida em Londres e te mudes para aqui.

- Então? - perguntou ela. - Estás a deixar-me?

- Não. Não digo que não queira voltar a ver-te...

- E queres que isso me console? - interrompeu-o ela, arranjando o cabelo. - Matt, pensava que me amavas. Pensei que um dia, tu sabes, legalizaríamos o nosso amor.

- Eu não digo que isso não vá acontecer - disse ele, tentando suavizar o tom de voz, - mas também sabes, tal como eu, que isto não está a funcionar.

- É só isso? - perguntou ela, olhando para ele através das suas pestanas longas. - Precisas de estar sozinho uma temporada?

- Sim - garantiu-lhe Matt. - O que pensavas?

Que há outra pessoa? Pelo amor de Deus, Diane, quando tive a oportunidade de conhecer alguém?

- Não sei de tudo o que fizeste quando estavas em Abuqara - protestou ela. - Tony diz que as mulheres de Abuqara são muito bonitas...

- Tony! - Matt estava furioso. - Devia ter desconfiado que Tony Corbett tinha alguma coisa a ver com isto. Desde quando é que é um perito nas mulheres de Abuqara?

- Foi apenas um comentário objectivo - defendeu-o Diane, encolhendo os ombros.

- Pois.

- É meu chefe, preocupa-se comigo - disse ela. Mas ainda bem que se enganou.

- Sim - Matt deu por terminada a visita. Estava esgotado. - Bom, o que vais fazer? Eu convidava-te para passares cá a noite mas só há um quarto mobilado.

- Sempre poderíamos partilhar... - começou Diane, mas calou-se com uma careta. - Não, esquece. De qualquer forma, não posso ficar. Esta tarde tenho uma reunião e esta noite um jantar. Vou ver os meus pais, e depois volto para Londres. Só queria certificar-me de que a mudança tinha corrido bem, e ver se tu estavas bem - acrescentou. - O que é evidente.

Matt inclinou a cabeça.

- Obrigado.

Diane esboçou um amplo sorriso.

- É um prazer - disse ela, dando-lhe um aperto no braço. - Bom, cuida-te, está bem? Telefono-te dentro de alguns dias. Adeus.

- Cuida-te tu também - disse Matt. - Adeus. E fechou os olhos, aliviado, ao ouvir o som do BMW a afastar-se.

- Pensei que poderia construir um circuito fechado para o coelho de Amy no jardim. O que achas?

Já tinham passado alguns dias desde o incidente infeliz com Amy e o coelho. Fliss estava a fazer a lista de compras para ir ao supermercado de Westerbury quando o seu pai se aproximou dela. Ela olhou para ele, confusa. A sua mente estava muito longe da lista que estava a rabiscar. Na verdade, a sua mente estava do outro lado da igreja, admitiu para si. Apesar da sua resistência, Matthew Quinn perturbara-a profundamente.

- Oh! Achas que podias fazer isso? - respondeu, fazendo um esforço para voltar à realidade.

- Acho que sim. Não podemos ter o pobre animal fechado na coelheira durante todo o dia.

- Suponho que não - Fliss encolheu os ombros. A menos que o leve para o refúgio de animais enquanto Amy está na escola.

- Eu não faria isso - disse-lhe o seu pai com firmeza. - Traz-me alguns metros de rede quando fores a Westerbury e eu resolvo o assunto.

Fliss acedeu, cruzando os dedos para que o seu pai não destruísse todas as suas jardineiras no processo.

Eram quase duas da tarde quando Fliss estacionou o carro no pequeno centro comercial onde havia, além do supermercado, um armazém de bricolagem, uma loja de electricidade e uma loja de móveis.

Estava calor, e a cúpula da catedral levantava-se impressionante contra o azul do céu. Sabia que era uma sortuda por viver naquela zona do país. Embora nesta época do ano houvesse muitos turistas e o trânsito estivesse insuportável, valia a pena pelas temporadas nas quais o turismo era quase inexistente e se tpodia passear pelas ruas estreitas que rodeavam a catedral e visitar a antiga igreja com tranquilidade.

Já tinha tudo o que necessitava do supermercado e estava a meter as compras no porta-bagagem quando o viu. Ele estava a sair da loja de móveis acompanhado pelo empregado do estabelecimento, por isso, Fliss imaginou que teria realizado alguma compra importante. Talvez Harry Gilchrist o tivesse reconhecido.

Fliss sabia que o filho de Harry estava na mesma aula que Amy na escola, e que, pai solteiro como ela, muitas vezes tentara conversar com ela, provavelmente pensando que tinham muito em comum. No entanto, Fliss não estava interessada em homens solteiros, nem nos casados. Não estava interessada em homens, ponto final. Estava feliz tal como estava, e não queria confusões na sua vida.

Agora, no entanto, desejou ter sido um pouco mais amável com ele. Assim poderia usá-lo como desculpa para trocar algumas palavras com Matthew Quinn.

Em qualquer caso, era provável que Diane estivesse com ele. O facto de não a ver naquele momento não significava que não estivesse por perto. Já que pensavam instalar-se juntos, o mais normal era que fossem procurar móveis juntos para o seu novo lar. Embora, conhecendo o que conhecia de Diane, Fliss não imaginava que Diane gostasse de móveis antigos e usados, por muito valiosos que fossem.

Voltou-se para o carro e acabou de meter as compras no porta-bagagem. Ao terminar, fechou a porta e encontrou-se directamente com os olhos de Matthew Quinn, que olhava fixamente para ela, do seu carro. Por um instante, Fliss ficou imobilizada pelo seu olhar, mais penetrante do que os raios do sol que caíam sobre ela. Tê-la-ia reconhecido? Porque estava a olhar para ela? O que devia ela fazer? Sorrir, cumprimentá-lo, ignorá-lo?

Naquele momento, ele assentiu na sua direcção. Sim, reconhecera-a. Fliss sentiu uma íntima satisfação ao ver que, apesar da hostilidade de Diane, ele continuava a lembrar-se de quem era. Claro que só tinham passado dois dias desde a última vez que a vira. E, afinal de contas, ele tinha sido jornalista.

Fliss confirmara a sua identidade através da Internet. Embora as imagens que mostravam dele não se parecessem muito com o homem que ela conhecia, não tinha nenhuma dúvida de que se tratava da mesma pessoa. Quando regressara de Abuqara, depois de tantos meses em cativeiro, o aspecto físico de Matt era deplorável, com o corpo esquelético, o rosto gasto e o olhar perdido.

Fliss decidira não dizer nada ao seu pai sobre a sua identidade, pensando que não dizia respeito a ninguém que houvesse uma pessoa famosa a viver na vila. De qualquer forma, tinha consciência de que, mais cedo ou mais tarde, se saberia. No entanto, para ela era importante que não fosse por causa da sua própria indiscrição.

Para não ter que passar por ele a caminho da loja de bricolagem, Fliss decidiu que a rede do seu pai podia esperar, e, tirando as chaves do bolso, abriu a porta do carro. No entanto, antes de conseguir entrar, ouviu que alguém a chamava. Matthew Quinn dirigia-se para ela, e era impossível fingir que não o tinha visto.

Uma vez mais, a intensidade do olhar masculino paralisou-a. Fliss apoiou as costas no carro, segurando a porta com uns dedos nervosos.

- Senhor Quinn - disse ela, aclarando a garganta.

- Como está?

O homem, com umas calças e uma t-shirt preta, olhava para ela fixamente, o que a deixou ainda mais nervosa.

- A melhorar - disse ele, secamente, estudando-a de cima a baixo.

De repente, Fliss lembrou-se que não se incomodara em mudar de roupa antes de sair de casa. As jardineiras cor-de-rosa e a t-shirt de algodão branco sem mangas não podiam competir com Diane e a sua roupa cara e elegante. Fliss não era uma mulher convencida, mas tinha o seu orgulho.

- E a senhora? Como está... como se chama, Buttons? - continuou Matt.

- Oh, está bem! - respondeu ela. Engoliu em seco e olhou para trás dele. - Diane está consigo?

- Não - Matt não deu mais explicações. - Volta para casa?

- Sim - respondeu ela. - Não precisa que o leve, pois não?

- Não - disse ele. - Tem tempo para tomar um café?

Aquela pergunta desconcertou-a por completo.

- Um café?

- Sim - disse ele. - Essa bebida aromática tão apreciada na nossa sociedade civilizada.

- Eu sei o que é café - replicou ela, um pouco tensa.

- Então?

Fliss hesitou. Tinha a clara sensação de que ele já estava a arrepender-se do convite, mas tinha-o feito e ia mantê-lo.

- Está bem - respondeu ela, sentindo que estava em todo o seu direito de se aproveitar da situação. Onde quer ir?

Matthew Quinn franziu o sobrolho.

- O supermercado tem café, não tem? - sugeriu ele. - Ou podíamos ir para a minha casa - acrescentou, como se tivesse pensado melhor.

- Pode ser no café do supermercado - apressou-se a aceitar Fliss, fechando o carro novamente.

- Se tiver a certeza, claro.

- Porque não haveria de ter? - perguntou ele. De repente, torceu os lábios num sorriso sarcástico. Oh, sim! Deve pensar que prefiro evitar os lugares públicos, não?

Fliss encolheu os ombros, nervosa.

- Se preferir.

- Sabe quem eu sou, não sabe? - insistiu ele.

- Pensava que não?

- Tinha a esperança - reconheceu ele, aproximando-se dela para deixar passar o carro que naquele momento tentava estacionar junto ao dela. Suponho que toda a vila sabe.

- Não tenha ilusões.

Fliss utilizou a resposta para pôr um pouco de distância entre eles. O outro carro provocara entre eles um contacto físico que ela não esperava, e não conseguiu negar que a perturbava. O toque do braço masculino gerou uma sensação de fogo líquido no seu corpo, e Fliss estava desesperada por fugir antes que ele se apercebesse do muito que a sua proximidade a perturbava.

- Ah, sim? - perguntou ele, caminhando junto a ela a caminho do supermercado.

- Bom, eu não disse nada - protestou Fliss. - E se não acredita em mim...

- Eu disse que não acreditava? - perguntou ele, suavemente. Matt segurou-a pelo braço e obrigou-a a parar. - Muito bem, comecemos novamente, está bem? Sei que certamente lhe pareço um paranóico e lamento. É que passei os últimos seis meses a fingir que sou normal. Evidentemente, não consegui.

Fliss abriu muito os olhos.

- Não seja tolo, claro que é normal. A culpa é toda minha. Mas, como já lhe disse, eu não contei a ninguém.

- Eu acredito.

- Ainda bem.

Fliss forçou um sorriso, embora duvidasse que algo do que ele dissesse pudesse diminuir os batimentos do seu coração.

- Quer... quer entrar?

Então, Matthew Quinn sorriu, coisa que não a ajudou minimamente. No entanto, o seu sorriso tinha uma vulnerabilidade e uma sensualidade que a entristeceram.

O facto de ele não ter dito nada para causar tal reacção inquietou-a ligeiramente. Não tinha motivos para sentir pena dele. Ou estava a senti-la como arma de autodefesa? A alternativa, o facto de se sentir atraída por ele, era, sem dúvida, uma proposta muito mais perigosa.

- Suponho que não queira reconsiderar o convite para beber café em minha casa - disse ele, por fim, quando ela estava quase no limite, esperando a resposta. - Talvez tenha razão, talvez tenha ilusões. No entanto, neste momento, não tenho nenhum desejo de me arriscar a ser novamente o centro de todas as atenções.

 

Matt tinha a certeza de que ela recusaria o seu convite.

Ao soltar-lhe o braço, apercebera-se de que contava com isso. Tinha-se arrependido de a ter convidado, e a única coisa que queria agora era voltar para casa, fechar a porta e isolar-se do mundo. Não tinha vontade de receber visitas. A de Diane fora suficiente. Que raios estava a fazer, convidando aquela jovem para sua casa e arriscando a sua frágil independência outra vez?

Ela olhava para ele com os seus grandes olhos azuis. Parecia tão inocente, pensou ele, com irritação, perante a sua própria fraqueza, mas não podia ser. Segundo Diane, ficara grávida aos dezasseisanos. Esse não era precisamente o comportamento de uma jovem inocente. E as mulheres sabiam muito bem como disfarçar o que eram na verdade. Diane era um claro exemplo disso. No entanto, esta mulher não era nada parecida com Diane.

Para começar, Diane nunca teria saído de casa sem maquilhagem, e com umas jardineiras cor-de-rosa e uma t-shirt. A julgar pela forma como os seus seios se mexiam, nem sequer tinha sutiã por baixo da t-shirt justa...

Um momento! De onde saíra aquilo? Há muito tempo que não reparava no peito de uma mulher.

- Está bem - respondeu ela, de repente, quase sobressaltando-o. - Suponho que veio no seu carro.

Matt olhou automaticamente para onde tinha estacionado o seu todo-o-terreno, sentindo um aperto no coração. Como fora tão estúpido? Agora ia ter que continuar com o convite.

- Eu sigo-o - disse ela, interrompendo os seus pensamentos.

Quando chegaram a sua casa, Fliss estacionou o seu carro ao lado do de Matt e entrou em casa, enquanto ele mantinha a porta aberta.

- Entre. Terá que perdoar a desordem, ainda não tive tempo para a decorar.

- Na verdade, gosto dela como está - respondeu ela, olhando com certa nostalgia para uma casa que conhecia na perfeição.

Ao fechar a porta atrás dela, Matt recordou o assunto de que queria falar com ela.

- Sim, Diane disse-me que dantes trabalhava aqui. É verdade?

Um ligeiro rubor cobriu as faces femininas.

- Sim - respondeu Fliss. - Onde está Diane? Foi ela quem lhe sugeriu que poderia estar interessada em trabalhar para si? Foi por isso que me convidou?

Matt pousou os sacos das compras na mesa de pinho da cozinha antes de olhar para ela com expressão cansada.

- Diane está em Londres. Lamento se esperava encontrá-la aqui. Receio que esteja sozinho.

Fliss apertou os lábios durante uns segundos.

- Mas sugeriu-lhe que poderia estar interessada no trabalho, não foi? Eu devia ter percebido.

Matt hesitou durante um segundo.

- Se conhece Diane, saberá que ela nunca me sugeriria empregar uma mulher com menos de cinquenta anos. E muito menos alguém que considera uma rival.

Matt ouviu-a conter a respiração.

- Está a brincar, não está?

Matt não brincava, mas arrependeu-se imediatamente de ter sido tão sincero.

- Não. Bom, esqueça isso. O que prefere, chá ou café?

- Chá, por favor - disse ela, por fim. Cruzou os braços sobre o estômago. - O que lhe contou Diane sobre mim?

Matt não queria voltar a falar de Diane, e muito menos dos comentários desagradáveis que fizera sobre a sua antiga amiga de liceu.

- Não disse muito - respondeu, evasivo, enquanto metia uns bifes e embalagens de comida pré-cozinhada no frigorífico. Decidiu mudar deassunto. - Suponho que Amy esteja na escola, não?

- Sim, está no quarto ano da escola primária Fliss fez uma pausa e depois continuou. - Diga-me, precisa de alguém que trate da casa?

Matt foi apanhado desprevenido. Não estava habituado a que as pessoas dissessem o que pensavam tão abertamente. Desde o seu regresso à Inglaterra, depois de oito meses em cativeiro, toda a gente parecia andar com falinhas mansas à sua volta, incluindo a sua mãe e Diane. No entanto, Fliss Taylor...

- Preciso de ajuda com a casa, sim - reconheceu.

- E quando Diane lhe disse que dantes eu trabalhava para o coronel Phillips, o senhor pensou: "É exactamente o que eu preciso: que trabalhe também para mim".

Matt abandonou o resto das compras e apoiou a anca num dos armários de mogno.

- Não foi exactamente assim.

- Mas foi por isso que falou comigo no estacionamento - insistiu ela.

Ele admitiu-o, encolhendo os ombros.

- Está bem. Reconheço que me ocorreu.

- E agora mudou de ideias?

- Não! Sim!

Felizmente, naquele momento a água começou a ferver e Matt voltou-se para preparar o chá.

- Fala como se não tivesse outra razão para falar consigo. Não somos precisamente desconhecidos. Eu não me queixei quando encontrei a sua filha com o coelho na porta da cozinha.

- Oh, muito obrigada!

Desta vez, a resposta sarcástica não o apanhou desprevenido.

- Desculpe, não devia ter dito isso. Vocês pensavam que a casa estava vazia, eu sei. Mas deve saber que quando a vi no estacionamento do supermercado não estava a pensar em pedir-lhe que trabalhasse para mim...

A decisão repentina de Fliss de cruzar a cozinha, dirigindo-se para ele, interrompeu as suas palavras.

Por um instante, Matt perguntou-se se algo na sua expressão lhe dera a impressão de que se sentia atraído por ela, e afastou-se quase automaticamente do seu caminho.

Apercebeu-se do seu engano quando ela lhe dirigiu um olhar de pena, agarrou nas duas chávenas que ele tinha enchido de água quente e tirou as saquetas de chá.

- Eu não gosto de chá forte - disse ela, atirando as saquetas usadas para o lixo.

Matt abanou a cabeça, furioso consigo mesmo. Praguejando para si, abriu o frigorífico e tirou um pacote de leite. Pousou-o na banca junto a ela com mais força da que podia esperar, e ao fazê-lo, derramou algumas gotas sobre a superfície de mármore. Voltou a praguejar.

- Perdão.

Fliss segurou no pacote de leite, deitou um pouco em cada chávena, e depois agarrou na sua chávena.

- Fiz alguma coisa de errado? - perguntou ela, com suavidade.

Uma sensação poderosa de esgotamento apoderou-se novamente de Matt.

- Não, não é você. A culpa é minha. Não é muito fácil para mim... relacionar-me com as pessoas.

- Por isso é que se foi embora de Londres? - perguntou ela, e corou imediatamente, - Desculpe, isso não me diz respeito.

- Não, não lhe diz respeito, mas é a verdade. Precisava de estar sozinho, e em Londres era impossível.

Fliss pensou naquelas palavras, com os olhos fixos

no líquido castanho da chávena, e ele, contra a sua vontade, reparou que tinha as pestanas muito compridas. Para uma mulher ruiva, eram muito escuras, embora mais claras nas pontas, por causa do sol.

Apertou os lábios. Como se isso o perturbasse muito. A mulher podia ser uma beleza espectacular, com uma figura impressionante, mas não lhe interessaria. Perguntou-se o que pensaria ela se lhe dissesse isso.

- Suponho que os pais de Diane lhe tenham dito que a casa estava à venda - aventurou-se Fliss.

- Não. Diane não gosta que eu tenha saído de Londres. Encontrei-a numa agência imobiliária na Internet. Eu gostei dela e comprei-a.

- Sem a ver?

- Um arquitecto meu amigo, Joe Francis, veio cá dar uma vista de olhos.

- E o que acha, agora que vive aqui?

- Gosto dela - Matt sorriu. - Mas vou gostar mais quando parecer uma casa e não um mausoléu. Era isso que estava a fazer em Westerbury. Comprar alguns móveis que fiquem bem com o estilo da casa.

- A Harry Gilchrist - disse ela. Matt arqueou uma sobrancelha.

- Conhece-o?

- Vive na vila - respondeu ela. - Suponho que o tenha reconhecido.

Matt terminou o chá e pousou a chávena vazia na banca.

- Se me reconheceu? Quase me pediu um autógrafo! - comentou, sarcástico. - Enfim, suponho que uma semana no anonimato seja melhor do que nada.

- Fique tranquilo, não deve preocupar-se com isso, aqui - garantiu-lhe ela, depois de acabar o seu chá. Depois, aproximou-se do lava-loiça para lavar as duas chávenas, virando-se de costas para ele. Em geral, as pessoas da vila costumam meter-se nos seus assuntos.

- Ah, sim?

Matt falou como um autómato, sem prestar atenção ao que dizia, com a mente ausente e os olhos fixos na curva vulnerável da nuca feminina. Fliss apanhara o cabelo ruivo com um elástico, deixando a descoberto o princípio das costas nuas.

Matt deixou que os seus olhos deslizassem para baixo, sobre as alças cruzadas das jardineiras, até à cintura estreita onde se adivinhava o nascimento da curva das nádegas, tão provocadoras e sensuais. Depois, continuou a absorver a forma das ancas e das coxas. Fliss tinha as pernas mais compridas do que imaginara, e os tornozelos, tão esbeltos, apareciam entre as calças e os ténis.

- O que quer dizer?

As palavras de Fliss interromperam o seu pensamento, e Matt abanou a cabeça, tentando acordar. Nem sequer se lembrava do que estavam a falar.

- Perdão?

A desculpa foi automática, mas a expressão da jovem ao virar-se para ele estava carregada de ressentimento.

- Você disse: "Ah, sim?" e eu perguntei-lhe o que quer dizer com isso.

Matt não sabia se devia sentir-se aliviado ou decepcionado.

Os desejos que aquela mulher estava a despertar nele eram normais. Por um instante, pensou na possibilidade de ser como qualquer outro homem, mas não era. Claro que ela não sabia isso. E certamente estava incomodada por o surpreender a olhar para ela com uma expressão embasbacada, como provavelmente fariam tantos outros homens. Ainda estava a tentar encontrar uma resposta na sua mente, quando Fliss voltou a falar.

- Quando me disse que Diane não lhe contou muito sobre mim, estava a mentir, não estava? Tenha a decência de o reconhecer.

- Nada do que eu disse tem a ver com o que Diane possa ter-me dito, garanto-lhe - respondeu Matt, deixando escapar um suspiro. - Mas, tem razão, contou-me que você ainda estava no liceu quando ficou grávida. De qualquer forma, isso não tem nada a ver comigo.

- Claro que não! - gritou-lhe ela, com raiva, apesar de saber perfeitamente o que era sentir que toda a gente a julgava. - Tenho que me ir embora. Amy deve estar a voltar da escola.

Matt amaldiçoou Diane em silêncio por metê-lo naquela situação. Tentou concentrar-se nas palavras de Fliss e não nas madeixas frisadas e ruivas que escapavam do elástico e emolduravam o rosto feminino, tentadores. Mordeu a face por dentro, até que lhe doeu. Aquela tortura era mais suportável do que a dos seus pensamentos incontrolados.

- Suponho que já não esteja interessada em trabalhar para mim.

Fliss, que estava quase na porta, parou, mas quando falou não se virou para ele.

- Fazendo o quê, exactamente?

Matt sentiu uma necessidade quase entristecedora de a acariciar. De repente, ela parecia tão vulnerável, tão sozinha. Sabia que a magoara, mas não sabia como reparar o mal que fizera.

- O que for preciso, cá em casa - disse ele. - Não esperarei que faça algo que eu próprio não faria fez uma pausa. - Preciso de ajuda, em geral. Só uns dias por semana, se isso lhe convier.

- Está bem - disse ela, encolhendo os ombros. Então, virou-se um pouco e olhou para ele por cima do ombro.

- Com uma condição.

- Qual?

- Não continuarei a trabalhar aqui quando Diane vier viver para cá. Isto é apenas um acordo temporário...

- Diane não virá viver para cá - interrompeu-a ele.

- Mas ela é sua noiva!

- Minha quê? - perguntou ele, entre incrédulo e irritado. - Foi isso que lhe disse?

- Sim. É, não é?

Matt permitiu que um suspiro de frustração escapasse da sua boca. Não podia negar que tinha mantido uma relação sentimental com Diane.

- Nós... saímos juntos, sim - admitiu, quase contrariado. - Mas isso não muda o facto de ela nunca vir viver para cá. Diane é uma mulher da cidade. Trabalha em Londres. Não pode mudar-se para cá. Fliss levantou uma mão, para o interromper.

- Não imediatamente, eu entendo...

- Nunca - garantiu-lhe ele, com segurança. - O que lhe parece?

- Em relação a...

- Refiro-me ao trabalho.

- Quando quer que comece?

- Que tal na segunda-feira? O seu amigo Harry trará os móveis que lhe encomendei na segunda-feira de manhã. Agradeceria que estivesse aqui para me ajudar.

- Está bem - Fliss meteu as mãos nos bolsos das calças. - Estarei aqui às nove.

- Perfeito. Então até segunda-feira.

 

- Arranjei outro trabalho.

Fliss comunicou-o ao seu pai na manhã seguinte, à hora do pequeno-almoço, enquanto Amy brincava no jardim com Harvey, o cão da casa.

- Com Matthew Quinn, suponho? - perguntou o seu pai, com alguma dureza na voz.

Fliss apertou os lábios, surpreendida com a sua atitude.

- Incomoda-te?

- Bom, pelos vistos esqueceste-te de mencionar que era o mesmo Matthew Quinn de quem eu falava

- recordou-lhe ele.

Fliss ficou paralisada. O seu pai estivera no pub na tarde anterior e, certamente, conhecera a verdade sobre a identidade do novo inquilino da casa do coronel Phillips.

- Suponho que tenhas descoberto no pub - disse ela, voltando-se para o lava-loiça para esconder o rubor que cobria o seu rosto.

- Toda a gente sabia - replicou ele, ofendido pelo facto de a sua filha não ter confiado nele.

- Não podia dizer-te, pai. Veio cá para escapar da imprensa.

- Foi ele que te disse isso?

- Não exactamente com estas palavras, mas comentou que precisava de tranquilidade e que em Londres era impossível - explicou ela. - De qualquer modo, não fiz mais do que respeitar a sua intimidade.

George Taylor deixou escapar um suspiro, com o qual reconhecia indirectamente que a sua filha tinha razão.

- Bom, mas gostava que tivesses confiado em mim - disse o pai. - Eu sei guardar um segredo.

Fliss arqueou as sobrancelhas.

- Este tipo de segredo? - perguntou ela, céptica, aliviada ao ver que o seu pai estava um pouco mais relaxado. - Vá lá, pai, não terias resistido. Teria sido a notícia exclusiva do ano. De qualquer modo, começo a trabalhar na segunda-feira. Só de manhã, acho eu, como fazia com o coronel Phillips.

O seu pai franziu o sobrolho. Não lhe agradava que a sua filha tivesse que trabalhar como empregada de limpeza, mas tinha consciência de que na vila não havia muitas ofertas de trabalho e até Amy acabar o ensino primário e começar o liceu, Fliss não poderia procurar outro tipo de ocupação em Westerbury.

- De qualquer modo, toma cuidado. Já sabes o que se diz dele.

- O que é que se diz dele? - perguntou ela, sem entender a que se referia.

- Muitas pessoas questionam a sua saúde mental, desde o seu regresso do norte de África.

A entrada de Amy na cozinha pôs fim à conversa, embora Fliss tivesse ficado muito perturbada com as palavras do seu pai. O que quisera dizer com aquilo? Matthew Quinn tinha problemas mentais? Ou estava simplesmente a usar os rumores que ouvira para se vingar dela?

Fosse como fosse, decidiu que aquele não era o momento para continuar a falar sobre aquilo. Além disso, Matthew Quinn parecera-lhe uma pessoa muito normal. Sim, talvez tivesse problemas para se relacionar com as pessoas, mas provavelmente era normal depois de ter passado dois anos como prisioneiro político nas mãos da guerrilha rebelde de um país do norte de África.

Quando ela era jovem, tivera um problema semelhante. Filha única, sempre fora muito tímida com os rapazes, e invejava as outras raparigas como Diane Chesney, para quem era muito fácil seduzir o sexo oposto. Não era de estranhar que Terry Matheson se tivesse aproveitado dela.

Fliss só voltara a recuperar a confiança em si mesma na universidade, motivo pelo qual se sentia tão em dívida com os seus pais. E, por isso mesmo, agora não queria decepcionar o seu pai. Talvez ele tivesse razão. Talvez Matthew Quinn tivesse problemas psicológicos. Mas, apesar do seu aspecto perigoso, gostava dele.

No entanto, na segunda-feira, quando cruzava o jardim da igreja a caminho da casa de Matt, Fliss não pôde evitar um estremecimento de apreensão. Trabalhar para ele não seria o mesmo do que trabalhar para o coronel. Para começar, o coronel Phillips passava praticamente todo o dia numa cadeira de rodas, a ler o jornal, a fazer as palavras cruzadas, ou a dormir no terraço fechado do andar de baixo. Além disso, sempre fora muito amável com ela, disposto a adaptar as suas necessidades às dela.

Uma pequena cancela de ferro separava o jardim da igreja do jardim da casa do coronel, e, ao percorrer o atalho que levava até à entrada principal, ladeado por álamos e uma boa variedade de arbustos, Fliss pensou que a casa precisava mesmo de um jardineiro. Há meses que Ray Jackson, o jardineiro do coronel Phillips, não passava por ali, e ela pensou que talvez Matt estivesse interessado em contratá-lo.

Como de costume, dirigiu-se para a porta das traseiras, que dava acesso à cozinha, e bateu. Lá dentro não havia ninguém. Esperava que ele já se tivesse levantado, tinha vontade de começar... e terminar, admitiu para si, sentindo um estremecimento na coluna vertebral.

Como não teve resposta, agarrou num pedaço de madeira e voltou a bater. A casa parecia deserta. Não havia sinais de vida. Ter-se-ia Matthew Quinn esquecido de que era o seu primeiro dia de trabalho?

Depois de esperar alguns minutos, abriu a porta e entrou na cozinha.

- Senhor Quinn!

Na cozinha não havia restos de pequeno-almoço, só uma cafeteira fria, que provavelmente era da noite anterior.

- Senhor Quinn! - gritou, passando para o corredor curto que levava até ao hall de entrada.

Reparou que a casa estava cheia de pó. Até havia pedaços arrancados de papel de parede, provavelmente de quando tinham levado os móveis do coronel. Todo o hall e as escadas precisavam de uma nova camada de tinta.

O hall dividia a casa em duas partes. De um lado estava a sala de estar e o que costumava ser a sala de jantar formal antes de o coronel Phillips mudar a sua cama para o andar de baixo, quando começou a ter sérias dificuldades com as escadas.

A sala estava vazia, tal como a biblioteca do coronel do outro lado do hall e o escritório na parte posterior da casa. Ao ver as estantes da biblioteca vazias, Fliss apercebeu-se de que o sobrinho do coronel devia ter vendido também a grande colecção de livros do seu tio.

Mas onde raios estava Matthew Quinn?

Fliss não queria admitir, mas começava a ficar preocupada. Sem querer, lembrou-se do comentário do seu pai sobre a possível instabilidade psicológica do seu novo empregador.

Ao pé das escadas parou e voltou a chamá-lo.. Como não obteve resposta, decidiu subir. Conhecia a casa perfeitamente e sabia que no primeiro andar havia seis quartos e três casas de banho. Nenhum dos quartos se utilizara recentemente, mas ainda estavam habitáveis. Qual teria escolhido Matthew Quinn?

Todas as portas estavam entreabertas, excepto a do fundo. Certamente, o senhor Quinn escolhera o mesmo quarto usado pelo coronel antes de a artrite o obrigar a mudar o seu quarto para o andar de baixo. Provavelmente, era o que estava em melhor estado.

A porta do primeiro quarto estava entreaberta como as restantes. Fliss abriu-a e olhou para o seu interior. As cortinas estavam totalmente abertas e pensou que o quarto estaria vazio. No entanto, a sua surpresa foi grande ao ver Matthew Quinn deitado na cama, de barriga para cima, com braços e pernas separados, ocupando quase toda a superfície do colchão, coberto apenas por um lençol que mal lhe tapava as ancas e as coxas.

Felizmente, parecia estar a dormir profundamente, já que o lençol deixava muito pouco lugar à imaginação. Fliss tentou concentrar-se nos ombros largos e nos músculos fortes que definiam o estômago e o abdómen, mas os seus olhos viram-se irresistivelmente atraídos pelo triângulo de pêlo escuro que partia do umbigo antes de desaparecer sob o tecido de algodão.

As pernas potentes, agora relaxadas, eram fortes e musculadas, e ela, fazendo um esforço para afastar o olhar do montículo que se adivinhava entre as pernas, deixou que os seus olhos percorressem lentamente o seu tronco até aos pêlos das axilas. Pensou que pareciam ser muito suaves, e teve a urgente, embora ridícula, necessidade de o acariciar e descobrir.

O problema era que nunca vira um homem nu. Quando Terry Matheson a seduzira, a sua relação limitara-se a uma relação sexual furtiva no banco traseiro do seu carro, e Fliss tinha que admitir que não sabia o que era fazer amor com um homem, nem partilhar uma cama com ele. E duvidava que alguma vez descobrisse. Na sua opinião, as pessoas davam uma importância exagerada ao sexo, e a sua intenção era continuar solteira para o resto da sua vida.

No entanto, ao ver Matthew Quinn assim, não conseguiu evitar pensar como seria ser amada por um homem como ele. Como seria sentir as suas mãos nela, os seus beijos, as suas carícias em lugares que nunca sonhara, só nos romances de amor que costumava requisitar na biblioteca pública.

Engoliu em seco. Estava louca. Não podia ficar ali a alimentar fantasias ingénuas com um homem que mal conhecia. Graças a Deus, ele estava a dormir. Não sabia o que faria se ele...

Porém, Matt não estava a dormir. Quando Fliss ia fechar a porta, o seu olhar voltou-se um segundo para o rosto masculino, e viu que ele tinha os olhos completamente abertos e fixos nela.

Imediatamente, Fliss corou. Há quanto tempo teria acordado? Há quanto tempo estaria a observá-la? E que desculpa lhe podia dar?

Houve um silêncio tenso, enquanto ela tentava recuperar a compostura. Ele pestanejava e passava as mãos pelo cabelo. Por fim, como se tivesse piedade dela, disse:

- Que horas são?

Como se não soubesse que estivera a olhar para ele descaradamente durante os últimos cinco minutos.

Fliss humedeceu os lábios secos antes de responder.

- São quase nove e meia - disse, hesitante. - Bati à porta e chamei por si, mas... como a porta estava aberta, entrei. Depois, subi para ver se... se estava bem.

- E decidiu dar uma vista de olhos pela casa?

- Não! - Fliss ficou à defensiva. - Quando o coronel Phillips ficou doente, fui eu quem o encontrou. Pensei que o senhor poderia... poderia...

Não lhe ocorria nenhuma maneira de terminar a frase sem parecer uma histérica melodramática. Matthew Quinn endireitou-se na cama, apoiando-se sobre os ombros, e ao mexer-se, o lençol deslizou um pouco. Os olhos de Fliss desceram automaticamente. Não era uma puritana, mas não conseguia ignorar a sua nudez tão facilmente quanto ele.

- Lamento - disse ele, num tom que parecia não lamentar nada, e sem se incomodar em cobrir-se. Não estou habituado a encontrar mulheres desconhecidas no meu quarto.

- Não, eu também lamento - gaguejou Fliss, recuando para o patamar. - Estarei... lá em baixo.

- Que horas me disse que eram? Nove e meia?

- Quase dez menos vinte - corrigiu-o ela.

- Raios - resmungou ele. - Aquele tipo, Harry Gilchrist, disse-me que os móveis estariam aqui às dez. Será melhor vestir-me.

- Demore o tempo que quiser - apressou-se a dizer Fliss, quase receando que ele se levantasse da cama antes que ela tivesse tempo de fechar a porta.

- Vou fazer café.

- Obrigado - disse ele.

E ela afastou-se antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa.

 

Duas horas depois, Matt estudava as suas divisões recentemente mobiladas com certa satisfação, embora se tivesse apercebido de que tinha feito as coisas ao contrário. Devia ter pintado a casa antes de começar a comprar móveis, mas as suas necessidades eram demasiado imediatas e não lhe permitiam muitos luxos. Precisava de um lugar onde pudesse sentar-se, relaxar e trabalhar. Para isso, decidiu começar por desembalar os livros e arrumá-los na biblioteca.

Apesar de tudo, tinha que reconhecer que a sua nova empregada da limpeza fizera um trabalho fantástico. Depois de lhe preparar o pequeno-almoço, Fliss tinha limpo as divisões do andar de baixo, começando pela sala de estar e o escritório, continuando com a biblioteca e a sala de jantar. Todo o andar de baixo estava perfeitamente limpo e preparado quando o camião chegou com os móveis, uma hora depois.

Se Matt teve a sensação de que Fliss estava a evitá-lo, atribuiu isso à sua imaginação. Ela estava ali para trabalhar, recordou-se, tentando esquecer o que tinha acontecido há pouco. E ele não tinha culpa que ela tivesse visto mais do que queria. Afinal de contas, ele não a convidara a entrar para o seu quarto.

Além disso, não podia negar que gostara da confusão e do rubor femininos. E, durante alguns instantes, antes de ela se ter apercebido de que ele estava a observá-la, Matt sentira um forte desejo nas entranhas. A onda de calor e desejo que se apoderara dele fora tão surpreendente como fugaz. Ele sabia que não fazia nenhum favor a si mesmo mantendo uma relação com ela, por mais neutro e distante que fosse. Seria um estúpido se iniciasse uns jogos preliminares que podiam sair-lhe pela culatra da forma mais humilhante.

No entanto, não conseguia parar de pensar nela. Tinha que admitir que o intrigava. Não conseguia entender como podia ser feliz a fazer o que fazia. Era uma mulher inteligente. Não aspirava a fazer algo mais na vida?

Se as palavras de Diane fossem verdadeiras, Fliss renunciara a uma excelente educação universitária para ter a sua filha. No entanto, porque não se casara com o pai da menina? Porque continuava a viver com os seus pais? De certeza que tivera outras oportunidades matrimoniais.

O seu cérebro deteve a avalanche de perguntas. Aquilo não lhe dizia respeito, e tinha o pressentimento de que Fliss não gostaria da sua curiosidade. E ele não podia esquecer-se da reacção feminina daquela manhã quando o encontrara na cama.

Estava novamente no mesmo, a pensar na única coisa sobre a qual não queria pensar. Uma sensação exaustiva de cansaço envolveu-o, consequência do trabalho físico que estava a fazer ao colocar os livros nas estantes e da depressão psicológica contra a qual tinha que lutar constantemente. Semanas, ou meses, fechado entre os limites de uma pequena cela, intumesciam os músculos até ao ponto de tornar qualquer movimento doloroso por falta de exercício. Tentara manter-se em forma, fazendo flexões e outros exercícios, mas era uma batalha perdida. A escassa comida que os seus raptores lhe ofereciam fazia com que cada esforço se transformasse numa tarefa enorme.

Agora os músculos doíam-lhe de tanto inclinar-se e levantar-se, tirando os livros das caixas e arrumando-os nas prateleiras. Só sentia vontade de voltar para a cama.

Umas suaves pancadas na porta da biblioteca interromperam-no. Teria preferido ter um pouco de tempo para secar o suor e recuperar, mas mal teve tempo de endireitar os ombros quando Fliss apareceu.

- Comecei com os quartos... - informou ela, mas calou-se ao ver o rosto cansado de Matt e a sua expressão de esgotamento. A sua cara mudou. - Lamento muito, se o interrompi. Sente-se bem, senhor Quinn?

- Matt, por favor - disse ele, apoiando a anca na beira da mesa. - E sim, estou bem. Só um pouco cansado. Estive a arrumar os livros.

- Mas esteve doente - observou ela. - Eu posso tratar disso amanhã.

- Amanhã?

- É uma e dez - informou ela, consultando o seu relógio. - Normalmente só trabalho de manhã. Tenho que ir buscar Amy às três, e fazer o almoço ao meu pai à uma - explicou, alheia à mancha de pó que tinha no rosto.

Um pedaço de pele cremosa aparecia por cima das calças, mesmo onde saía a t-shirt, e Matt não conseguiu evitar que os seus olhos se dirigissem para lá.

- Está reformado, suponho - perguntou Matt, arqueando uma sobrancelha.

- Mais ou menos - respondeu ela, um pouco incomodada. - Dantes tinha a farmácia da vila. Reformou-se há três anos.

- Não sabia que uma vila como esta tinha farmácia - comentou Matt, franzindo o sobrolho.

- Agora já não. As pessoas vão ao supermercado de Westerbury. Lá os medicamentos são mais baratos.

- Ou seja, o seu pai trabalha agora em Westerbury?

- Não - disse ela, sentindo que tinha que deixar as respostas evasivas e ser honesta com ele. Mais tarde ou mais cedo descobriria. - Agora escreve uma coluna semanal para o jornal local.

Matt abriu a boca, incrédulo.

- Oh, que coincidência! Não me espanta que não me quisesse dizer isso.

- Não lhe contei nada sobre você! - exclamou Fliss, na defensiva. - Podia ter contado, mas não contei. Pensei que não iria gostar.

- E tem toda a razão.

Matt tentou afastar-se da mesa, mas por algum motivo parecia ter a coluna paralisada e não conseguiu conter a exclamação de dor que escapou dos seus lábios.

- Sente-se bem?

Fliss rodeou a mesa e com expressão de sincera preocupação olhou para ele. No entanto, Matt não queria a sua pena, nem a de ninguém, e dirigiu-lhe um olhar carregado de ira.

- Eu posso ajudá-lo - ofereceu-se ela.

- Oh, claro! Agora vai dizer-me que é massagista - gritou-lhe ele, voltando-se para se apoiar novamente contra a mesa.

Fliss levantou a cabeça.

- Tenho alguma experiência - respondeu, tentando ter paciência. - Acabei o curso e já trabalhava como fisioterapeuta quando a minha mãe morreu. Tive que deixar o meu trabalho para tomar conta do meu pai e de Amy.

Matt olhou para ela, perplexo.

- Fisioterapeuta? - repetiu, sem conseguir acreditar. - Mas Diane disse...

- O quê? - perguntou ela, secamente. - Que deixei de estudar? Que sou uma inútil e uma ignorante? Não. Continuei os meus estudos depois de ter Amy. Quer que o ajude ou não?

Matt mexeu-se contra a mesa, incomodado.

- Só estou um pouco dorido.

- Eu diria que se excedeu um pouco com os livros - contradisse-o ela. Hesitou um segundo, mas o seu lado de fisioterapeuta profissional impôs-se aos seus sentimentos pessoais. - Pode deitar-se na mesa?

Matt olhou para ela com a boca aberta.

- O quê?

- Estou a falar a sério. Vou lavar as mãos.

Sozinho, Matt fez outro esforço para se endireitar, mas a dor impediu-o. Talvez tivesse danificado algum nervo, pensou.

Fliss regressou poucos minutos depois, a cheirar suavemente a limão. Matt imaginou que tinha lavado as mãos na cozinha.

- Quer despir a camisa? - perguntou ela, sem imaginar o que a esperava.

Matt praguejou para si. Que raios, pensou, mais cedo ou mais tarde veria as suas costas. Fazendo um esforço, conseguiu tirar a camisa pela cabeça. Ao sentir as mãos suaves e femininas na nuca, apercebeu-se de que ela desejava ajudá-lo e pensou que provavelmente poderia fazê-lo. As unhas de Fliss tocaram-lhe e, por um instante, a dor que sentia converteu-se em desejo puro e paixão ardente. Foi uma descarga eléctrica que invadiu todo o seu corpo e que o impediu de respirar durante alguns segundos.

Com um movimento brusco, afastou-se dela, murmurando algo sobre não precisar da sua ajuda para despir a camisa.

Não conseguiu evitar ouvir a exclamação apagada que surgiu dos lábios de Fliss quando lhe virou as costas e se estendeu na mesa, tentando ignorar a mistura de dor e desejo que se tinham apoderado dele.

- Bom - disse ela, quando ele já estava deitado na mesa, a tremer pelo esforço. - Se o magoar, diga. Tente relaxar.

Matt apertou os dentes, e recordou-se que durante as primeiras semanas do seu cativeiro se vira obrigado a caminhar descalço durante dias através das montanhas. Se então aprendera a aguentar tudo sem se queixar, também podia fazê-lo agora.

Preparou-se mentalmente para criar uma barreira para a dor, mas não foi necessário. A massagem rítmica das mãos dela começou nas omoplatas e teve um efeito hipnótico no seu cérebro. Os fortes dedos femininos encontravam e relaxavam os tendões tensos do pescoço e dos ombros, do tronco, e de toda a coluna vertebral.

Matt sentiu como o seu corpo ia relaxando. Os músculos ainda queimavam, mas o calor propagou-se suavemente por todo o seu corpo, e Matt reparou como a rigidez que o dominara e quase paralisara há uns minutos atrás o abandonava.

Então, mesmo quando pensava em como lhe ia agradecer, sentiu os dedos de Fliss na cintura, à procura da fivela do cinto.

- Podemos soltar isto um pouco? - perguntou ela. - Se baixar um pouco as calças, poderei...

- Não! - exclamou ele, segurando-lhe a mão e afastando-a. - Quem raios pensa que sou?

- Um dissimulado? - sugeriu ela, em tom suave, soltando-lhe a mão. Fliss recuou, e embora não estivesse relaxada, acrescentou corajosamente: - Esta manhã não foi assim tão pudico. Tenha calma, senhor Quinn, não vou violá-lo.

"Como se pudesse", pensou Matt. Tentou endireitar-se e apercebeu-se de que ia ser muito difícil levantar-se sem ajuda.

- Ainda não acabei - disse ela. - Ainda não lhe toquei na zona lombar, e na minha opinião, é aí que está a raiz do problema.

- Não tenho nenhum problema - resmungou ele, conseguindo levar as pernas para o chão, embora sem conseguir evitar uma careta de dor. - De qualquer modo, obrigado, agradeço-lhe.

- Foi um prazer - disse ela, levantando as palmas das mãos no ar e dando por terminada a sessão. Vou-me embora. Volto amanhã?

Com muita dificuldade, Matt levantou-se.

- Se lhe parecer bem - respondeu.

- Sim - Fliss assentiu. - Será melhor vestir a camisa - acrescentou, embora sem muita vontade. Está a suar, não vai querer apanhar uma constipação.

- Isso preocupa-a?

Aquelas palavras tinham sido uma grosseria imperdoável e Matt arrependeu-se logo que a frase saiu da sua boca. Fliss, porém, já tinha virado as costas e não pôde ver a sua cara.

- Eu preocupo-me sempre com os meus pacientes - respondeu ela, abrindo a porta. - Até amanhã.

Quando ela se foi embora, a casa ficou absurdamente vazia. Apesar de ele ter ido para ali para se afastar das pessoas, de repente, sentiu falta da ideia reconfortante de saber que Fliss estava a trabalhar noutro lugar da casa, não muito longe dele.

 

Durante o resto da semana, Fliss esforçou-se por evitar o seu chefe, e Matt parecia mais do que disposto a afastar-se do seu caminho. Nenhum dos dois mencionou o acontecido na mesa da biblioteca. Ela não se esquecera das cicatrizes das suas costas, mas se ele tinha medo que ela contasse alguma coisa acerca disso ao seu pai, estava muito enganado.

Na quarta-feira, ao chegar, encontrara Albert Freeman, um pintor e decorador local, a arranjar as escadas e o hall, mas praticamente não vira Matt durante toda a manhã.

Na quinta-feira de manhã ele foi procurá-la à cozinha, onde ela estava a limpar um dos armários, no último degrau de um velho escadote enferrujado que estava no abrigo do jardim da época do velho coronel Phillips.

Assim que Matt apareceu, ela sentiu-o em cada fibra do seu ser. De repente, lembrou-se que tinha vestido uns calções que deixavam as suas pernas a descoberto.

Era irónico. Durante o resto da semana usara calças de ganga e t-shirt larga, mas naquele dia estava tanto calor que decidira vestir uns calções e uma t-shirt sem mangas. Bom, não é que Matt reparasse na sua roupa, pensou. Na maior parte do tempo, nem sequer parecia aperceber-se da sua presença. À excepção daquela primeira manhã...

- Tem um minuto? - perguntou ele.

Ela voltou-se e deixou o pano que estava a usar no balde. Desceu um degrau mas, de repente, a escada abriu-se em dois. Quase em câmara lenta, os dois lados do escadote separaram-se em direcções opostas, e Fliss ficou sem nada onde segurar-se.

O seu corpo caiu para o vazio sem conseguir fazer nada para o evitar. Foi Matt quem conseguiu segurar nela pela cintura e evitar que batesse fortemente contra o chão. Por uns segundos, ela ficou nos seus braços, e sentiu os músculos do peito e as coxas masculinas contra as suas costas. Um momento depois, ele também perdeu o equilíbrio e ambos caíram ao chão. Fliss aterrou pesadamente em cima dele.

- Desculpe - lamentou-se ela, resistindo ao impulso de lhe passar as mãos pelo corpo, só para se certificar de que estava inteiro, pensou com ferocidade, ignorando outros impulsos que o contacto com ele despertavam nela. - Que parva sou, não devia ter usado aquele velho escadote.

- Parece que preciso de um novo - disse ele, apoiando-se num cotovelo.

- Parece que sim - disse Fliss, endireitando-se rapidamente e sentando-se no chão. - Está bem? Não o... não o magoei, espero.

- Bom - ele sorriu, - não é tão leve como aparenta - fez uma careta ao tentar levantar-se. - Mas acho que vou precisar dos seus outros serviços.

Fliss pestanejou.

- Os meus outros serviços? - repetiu, sem entender a que é que se referia. - Que outros serviços?

- Quais é que oferece? Fliss engoliu em seco.

- Não sei o que...

- Fisioterapia - sugeriu ele, com expressão inocente, embora os seus olhos olhassem para ela com um brilho inconfundivelmente sensual. - Receio que, de momento, não estou disponível para mais nada.

- Oh! - Fliss tinha a cara a arder. - Não... não queria... não...

- Não - interrompeu-a ele, com os olhos fixos na sua boca. - Eu sei. Era só uma brincadeira.

Embora a expressão da sua cara contradissesse as suas palavras, pensou ela, sabendo que tinha que se afastar dele antes que a situação se descontrolasse. Rapidamente, levantou-se.

- Precisa de ajuda para se levantar?

- Sim, porque não? - perguntou Matt, estendendo-lhe a mão.

Fliss não teve outro remédio senão aceitá-la, e esperou que ele não reparasse como estava suada. Depois puxou-o, e Matt levantou-se sem esforço, mas, de repente, deu um grito e segurou-lhe no outro braço para manter o equilíbrio.

- Obrigado - disse ele, tão perto dela que o seu fôlego quente invadiu a boca feminina. - Sente-se bem?

- Sim - respondeu Fliss, intensamente consciente da mão que lhe segurava o antebraço nu. - Você amorteceu a minha queda.

- Oh, sim! Eu sabia que mais cedo ou mais tarde alguém me usaria como almofada.

- Eu não... - começou ela, mas calou-se e apertou os lábios quando viu o brilho divertido nos olhos dele.

- Parece que está a gozar comigo outra vez. Deve ser muito satisfatório meter-se com uma vítima tão fácil.

Matt ficou tenso.

- Desculpe - disse, ficando sério e descendo os olhos para a mão que segurava o seu braço. - Não queria ofendê-la.

Fliss não sabia como reagir. Também não sabia se ele estava a falar a sério, ou se era outra brincadeira. Como podia saber? Como sabiam as mulheres essas coisas? Oxalá ela tivesse mais experiência.

Reparou nas madeixas de cabelo cinzento que salpicavam o cabelo preto e curto de Matt. Certamente, outra consequência do seu cativeiro. De certeza que sentira medo muitas vezes. Por mais corajoso que fosse, de certeza que em mais de uma ocasião receara que fossem matá-lo. Que idade dizia que ele tinha o artigo que lera? Trinta e dois ou trinta e três anos? Parecia mais velho.

Então, ele levantou a cabeça e encontrou-a a olhar para ele. Os seus olhos encontraram-se e foi como uma repetição do momento no quarto. Os olhos de Matt estavam tal como então, intensos e sensuais, e Fliss tentou afastar-se antes que ele reparasse no seu interesse. No entanto, ele não o permitiu.

- Não tem medo de mim, pois não? - perguntou ele. - Esteve toda a semana a evitar-me. O que lhe contou o seu pai sobre mim?

- Nada.

Na verdade, o seu pai é que estivera muito interessado no que lhe pudesse contar sobre ele

- Quando poderei ver o artigo que está a escrever sobre mim?

Fliss conteve a respiração, furiosa.

- Não está a escrever nenhum artigo sobre si protestou. - Está realmente paranóico. Acha mesmo que o mundo gira à sua volta?

Matt apertou os lábios.

- Às vezes tenho essa impressão - resmungou.

- Não de mim - replicou ela, interrompendo o seu contacto no braço e dando um passo atrás. Agora, se não quer mais nada, tenho que terminar de arrumar estes armários.

Matt olhou para ela durante algum tempo, e depois abanou a cabeça, como querendo afastar pensamentos obscuros da sua mente e tentando recordar porque estava ali.

- Oh, sim! Vim perguntar-lhe se quer que lhe pague à semana ou ao mês. Como você quiser.

- Estarei aqui o tempo suficiente para descobrir? perguntou ela, antes de poder reprimir as suas palavras.

- Eu quero que fique - garantiu ele, olhando para ela intensamente.

Uma vez mais, Fliss teve que fazer um esforço para não lhe perguntar porquê.

- Está bem - disse ela. - Não... não tinha a certeza.

- Porque não?

As palavras de Fliss pareceram deixá-lo realmente perplexo, e quase automaticamente, sem pensar, Matt levantou uma mão e levou uma madeixa de cabelo acobreado atrás da orelha dela. Tocou na pele sedosa com os dedos, e Fliss sentiu um calor.

- Por... por causa do que disse sobre o meu pai - balbuciou quase sem fôlego. - Não lhe agradou que trabalhasse para o jornal local.

-Ah!

Matt assentiu, como se isso explicasse tudo. No entanto, em vez de afastar a mão, deixou que os seus dedos riscassem a curva do queixo dela e que o polegar tocasse na sua boca.

- Não deve levar tudo o que digo tão a sério - disse, acariciando os lábios entreabertos. - É muito ingénua, não é, Fliss? Faz-me desejar não estar tão desfeito.

- Não parece desfeito - respondeu ela imediatamente, e quase involuntariamente cobriu a mão de Matt com a sua, como se a sua intenção fosse afastar os dedos que a acariciavam, mas quando o polegar procurou a sua boca, sentiu que as suas pernas ficavam sem forças.

Naquele momento, não conseguiu pensar em nada além dele, que inclinou a cabeça e substituiu os dedos pela sua boca.

Foi um beijo fugaz, mas eléctrico. Ela afastou instintivamente os lábios e sentiu as carícias sensuais da língua de Matt. O desejo ardente e totalmente deslocado que invadiu todo o seu corpo fê-la dar um passo para ele e entregar-se por completo. Não pensou em Diane nem em ninguém. Tinha fogo líquido no ventre e entre as pernas, e pela primeira vez na sua vida entendeu como o desejo sexual podia ser irresistível. Agora que o tinha experimentado, queria mais, e por isso deixou escapar um gemido de protesto quando ele a segurou nos ombros e a afastou.

- Isto não é uma boa ideia - disse ele, com a voz enrouquecida pelo desejo.

Meu Deus, o que estava a fazer?, perguntou-se Fliss. Ele estava noivo de Diane.

- Lamento muito, lamento muito - Fliss afastou as mãos e desejou que o chão se abrisse sob os seus pés. - Não sei o que me aconteceu. Tem razão. Isto... não devia ter acontecido.

- Esquece - disse ele, tratando-a por tu pela primeira vez.

- Se preferir que eu me vá embora - continuou ela, incomodada, - entenderei perfeitamente. Tenho a certeza de que não lhe custará encontrar alguém para me substituir.

- Queres ir-te embora?

- Não... não é que eu queira. -Não?

- Não. Mas será difícil trabalharmos juntos depois di... isto.

- Para ti?

- Para si também - respondeu ela. - A única coisa que posso dizer é que nunca tinha feito nada assim.

- Eu acredito em ti - disse ele, esboçando um sorriso. - Pelo que me disseram, o teu anterior empregador tinha mais de noventa anos.

Fliss corou.

- Não me referia a isso - disse, receando uma vez mais que voltasse a gozar com ela. - Não... não tenho relações com homens.

Matt olhou para ela.

- Excepto com o pai da tua filha - observou ele.

- Surpreende-me que não te tenhas casado com ele, se tens umas opiniões tão conservadoras.

Fliss apertou os lábios. Não tinha a certeza, mas aquilo parecia-lhe um insulto, e perguntou-se o que lhe teria Diane contado. E embora ela não tivesse falado com ninguém sobre o pai de Amy, viu-se obrigada a defender-se:

- Não quis casar-me com o pai de Amy - disse, tensa. - E, obviamente, não estava nos meus planos ser mãe aos dezasseis anos. Senti-me lisonjeada com a atenção de um rapaz mais velho e cometi um erro. Foi só isso.

- Mas não foi só isso - disse ele. - Tiveste Amy.

- Sim. E Terry e os pais dele saíram da vila, dizendo a toda a gente que ele não era o pai da minha filha.

- Que patife!

- Foi melhor assim. Não teria funcionado - garantiu-lhe ela. Olhou para a banca onde se amontoavam os objectos que tirara dos armários. - Enfim, vou arrumar tudo isto e depois vou-me embora.

Matt cruzou os braços no peito.

- Continuas zangada comigo? Fliss abanou a cabeça.

- Não. Estou zangada comigo mesma.

- Porquê?

- Porque não quero que pense que me arrependo de nada do que aconteceu.

- Nem sequer do beijo?

- Nem sequer do beijo - garantiu-lhe ela, corada. Matt torceu os lábios.

- Não te preocupes com isso. Como bem disseste, não voltará a acontecer.

 

Matt passou o resto do dia a amaldiçoar-se por ter permitido o que acontecera com Fliss, embora tivesse sido a primeira vez que o seu corpo reagira com normalidade desde o seu regresso de Abuqara. Durante aqueles breves segundos, quando o corpo de Fliss caíra sobre o seu e ambos tinham caído ao chão, desejou poder deitá-la na mesa da cozinha e entrar no seu corpo firme e húmido. No entanto, a sua breve excitação durara até ao momento em que o seu cérebro lhe recordara qual era a sua situação.

No entanto, depois disso, a lembrança da pele sedosa fora como uma tortura contínua, que lhe recordara como eram as coisas antes, o homem que ele tinha sido. A boca, húmida e generosa, e o íntimo, toque dos seus lábios e a sua língua fizera-lhe desejar muito mais do que apenas saborear os seus lábios.

Perguntou-se se aquilo seria um bom sinal. Nunca sentira aquele tipo de emoções desde o seu regresso a Londres, apesar de todas as tentativas de Diane para despertar o seu interesse e provocar a sua paixão.

Deitara-se às dez da noite, mas dormira de forma irregular. Os seus sonhos estavam carregados de imagens eróticas, não de Diane, mas de Fliss e do que acontecera no dia anterior.

O cenário era sempre o mesmo: Fliss de pé em cima do escadote, com os calções que deixavam a descoberto as suas pernas compridas e esbeltas e marcavam a curva das suas nádegas. A comparação com a realidade terminava no momento em que o escadote se partia. Em vez de tropeçar e cair para trás, caíam juntos, com as pernas entrelaçadas, os seios firmes de Fliss contra o seu peito. A sua excitação era quase dolorosa. A necessidade de a possuir levava-o a separar-lhe as pernas com a coxa, enquanto lhe acariciava os mamilos endurecidos que empurravam por baixo do tecido da t-shirt sem mangas.

Uma nuvem de desejo envolvia-o e, ao olhar para ela nos olhos, rendia-se perante as necessidades urgentes do seu próprio corpo. O seu sexo, erecto e a arder, esfregava-se contra ela, procurando uma satisfação que necessitava desesperadamente.

Mas isso não aconteceu. Como um oásis no deserto, as imagens esfumaram-se e um gemido de angústia escapou da sua garganta ao ver como o sonho escapava. Acordou com o corpo enredado entre os lençóis, e uma das almofadas entre as pernas. E percebeu, como acontecera durante o sonho, que não podia fazê-lo. Não podia fazer amor com uma mulher, nenhuma mulher. Era impotente.

Fazendo um esforço, levantou-se da cama e meteu-se no duche. Ali, sob a água quente, deixou-se levar pelas recordações. O medo, as surras, os meses de isolamento, tudo deixara o seu rasto. No entanto, fora a noite em que o general Hassan o mandara chamar, aquele militar asqueroso e seboso, e que lhe dissera o que esperava dele que acabara por minar a sua resistência psicológica.

Nunca se esqueceria do terror daquela noite. Embora Hassan não tivesse chegado a tocar-lhe, ele só tinha que pensar em sexo e todas as lembranças voltavam para a sua mente com uma clareza estremecedora.

Matt recordou que estava amarrado a uma cadeira no escritório do general quando o estrondo repentino de tiros no exterior distraiu a atenção de Hassan. Um guarda chegou dizendo que a pequena cidade estava a ser atacada por uma unidade de forças do exército governamental, e o general teve que sair, deixando-o sozinho, a ouvir os gritos e os tiros que pareciam vir de todas direcções. Alguns minutos depois, o capitão rebelde Rachid entrou e, perante a sua estupefacção, cortou-lhe as cordas e informou-lhe de que havia um veículo na parte posterior da prisão com o depósito cheio e que tinha dez minutos para fugir.

Nos meses que se tinham seguido, Matt nunca chegara a compreender porque o capitão o ajudara. Provavelmente, nunca saberia, já que o homem morrera num confronto nos subúrbios da cidade de Abuqara.

No entanto, sentia-se em dívida para com ele. Sem a sua intervenção, Matt nunca teria conseguido fugir.

Então, porque tinha tantas reticências para falar do que acontecera? Não tinha nada com que se envergonhar, no entanto, sentia-se envergonhado. Envergonhado com a sua própria fraqueza, com a sua incapacidade para reagir perante o perigo e com a estupidez de ter permitido que lhe acontecesse algo assim.

Depois do duche, com um fato de treino e uma t-shirt sem mangas, desceu para a cozinha para tomar um café. Pouco tempo depois, ouviu Fliss a bater à porta e ficou tenso. Contudo, naquele dia não estava sozinha. Vinha acompanhada por Amy, as duas em calções e t-shirt. A menina, ao ver Matt, sorriu-lhe.

- Olá, Quinn! - cumprimentou-o.

- Hoje Amy não tem escola - começou a explicar Fliss. - Espero que não se importe que fique a brincar no jardim, enquanto eu trabalho.

- Não, claro que não - Matt recuou, convidando-as a entrar. - Olá, Amy! Ou tens algum outro nome para hoje?

Amy riu-se.

- Pode ser Amy - disse Fliss, séria, entrando na cozinha. - Porque não vais brincar no jardim? Se precisares de alguma coisa, vem bater a esta porta.

- Podes entrar e beber um sumo, se quiseres - sugeriu Matt, sem saber muito bem porquê. Mas agradeceu o sorriso que Amy lhe dedicou ao ouvi-lo.

- Não será necessário - disse Fliss. - Acabou de tomar o pequeno-almoço.

- Acabei de fazer café. Porque não tomamos primeiro uma chávena? - sugeriu Matt novamente, olhando para Amy. - Tu podes beber outra coisa.

- Oh, sim, mamã! Por favor - suplicou a menina.

- E depois, se quiseres, podes ajudar-me a arrumar livros - acrescentou ele. - Tenho um monte de caixas de livros para arrumar nas estantes.

Matt estudou a expressão solene de Fliss e perguntou-se o que estaria a pensar. Pensaria que estava a usar a menina para descobrir mais coisas sobre ela? Decididamente não, mas era verdade que a presença da menina ajudava a relaxar a tensão entre eles, e ele agradecia.

- Está um dia magnífico - replicou Fliss, com firmeza. - Amy pode ir para o jardim. Não precisa de a entreter, senhor Quinn.

- Eu sei - respondeu Matt, mas ao ver a expressão de desilusão no rosto da menina não conseguiu evitar acrescentar: - Estava a falar a sério. Amy pode ajudar-me. São muitas caixas. Não te importas, pois não?

Fliss deixou escapar um suspiro.

- Não, claro que não me importo, mas...

- Então, está decidido - disse Matt, concluindo a conversa e sentando-se numa cadeira da cozinha. Se se aborrecer, sempre pode ir brincar para o jardim.

- Não vou aborrecer-me - garantiu Amy.

A manhã passou muito depressa. Amy era uma excelente companhia. Gostava de falar, e contou-lhe um sem-fim de coisas sobre tudo, desde a escola e a sua família até ao que vira na televisão na noite anterior. E Matt descobriu que era capaz de falar com naturalidade sobre o facto de não conhecer o seu pai.

- Foi-se embora antes de eu nascer - explicou a menina, enquanto tentava depositar uns livros na mesa.

No entanto, a mesa estava cheia de outros livros que Matt estava a ordenar, e todos caíram ao chão com um forte estrondo.

-Oh, perdão!

- Não faz mal, eu apanho-os - disse ele, suspirando para si. - Agora, se quiseres, abre aquela caixa. Se calhar encontras algo de interessante.

Amy pôs-se de joelhos ao lado da caixa que Matt lhe indicara, e este perguntou-se se lhe contaria mais alguma coisa sobre o seu pai. Mas não o fez. Em vez disso, cortou a corda da caixa com a tesoura e tirou o primeiro álbum de fotografias que havia no seu interior

- É seu? - perguntou. Matt assentiu.

- São fotografias das reportagens que preparava para as notícias dantes - explicou ele.

- Trabalha na televisão? Uau, que fixe! - exclamou a menina, com sincera e inocente admiração, muito mais sentida do que a maioria dos elogios que Matt recebera desde o seu regresso. Embora não se importasse com isso, também sabia que não os merecia.

- Olha, este homem era o antigo presidente de Abuqara - acrescentou, baixando-se ao seu lado e apontando para um dos retratos do álbum.

- Conhece-o?

- Sim - o queixo de Matt ficou tenso. - Conheci-o quando estive em Abuqara por causa da rebelião que estava a tentar terminar com o seu governo.

- E conseguiram? - perguntou Amy, com interesse e a mesma inocência de antes.

Matt suspirou e assentiu.

- No final, sim. Infelizmente, o novo governo provavelmente será tão corrupto como o anterior.

Matt endireitou-se, fazendo um esforço.

- Este foi o homem que o meteu na prisão? - perguntou a menina, de repente.

- Quem te disse que estive na prisão? - quis saber Matt, sentindo-se irracionalmente traído. - A tua mãe?

Amy não quis olhar para ele.

- Ninguém me disse - murmurou, passando a página do álbum, fingindo interesse na fotografia de umas dunas. - Isto também é Abuqara?

Matt suspirou.

-Amy - disse em tom severo. - Como soubeste? Desta vez, Amy olhou para ele, com as sobrancelhas arqueadas.

- Como soube o quê? -Amy!

A menina suspirou.

- Ouvi o meu avô a falar com a mamã - admitiu ela, em voz baixa. - Estava zangado por ela não lhe ter dito quem você era.

- E tu, sabes quem sou?

- Sim, você é Matthew Quinn - respondeu a menina imediatamente. - O senhor disse-me.

- Sim, é verdade. Suponho que toda a vila já saiba que comprei esta casa.

Amy franziu ligeiramente as sobrancelhas, em expressão pensativa.

- Importa-se? Tem vergonha de ter estado na prisão?

Matt desejou que aquilo fosse mais simples. -Não.

- Porque o meteram na prisão? O que fez?

- Em Abuqara não é preciso fazer nada para que te metam na prisão - respondeu Matt com uma careta. - Na verdade, fui raptado pela guerrilha rebelde, e isso transformou-se numa grande notícia em Inglaterra. Saiu em todos os jornais e em todas as televisões, e agora querem saber mais - explicou ele. - Por isso, prefiro que a imprensa não saiba onde estou. Todos querem saber como sobrevivi.

Um movimento na porta da biblioteca chamou a sua atenção. Fliss estava a olhar para eles com expressão pensativa. Amy seguiu o olhar de Matt e, ao ver a sua mãe, agarrou no álbum e aproximou-se dela para lhe mostrar uma das fotografias.

- Olha, mamã, é o presidente de Abuqara. Quinn diz que o conhece.

- A sério? - Fliss deu uma vista de olhos à fotografia antes de olhar novamente para Matt com uma expressão preocupada. - Não lhe terá contado as suas... experiências, pois não? - perguntou, tensa.

- É claro que não - garantiu ele. - Só estávamos a falar. Foi apenas uma lição de história sobre os problemas no norte de África - explicou, na defensiva. - Ela já sabe que estive na prisão. Talvez devesse perguntar-te como descobriu.

 

Naquele dia, Fliss teve que trabalhar no pub até mais tarde, e, embora tivesse pensado dormir até mais tarde no dia seguinte, Amy entrou no seu quarto às sete da manhã, com calções e t-shirt, a mesma roupa que a sua mãe usava para dormir.

- Está uma manhã linda, mamã - anunciou a menina, saltando em cima da cama. - Porque não vamos à praia?

Era sábado e não tinha que trabalhar. No entanto, tinha muitas outras coisas para fazer.

- Amy, tenho de limpar a casa e ir às compras. Se quiseres, podes vir a Westerbury comigo.

- Não quero ir às compras - protestou Amy. Vamos sempre às compras. Há séculos que não vamos à praia.

Fliss suspirou e endireitou-se ligeiramente. A sua filha tinha razão. Normalmente, dedicava os sábados a fazer compras e a arrumar a casa.

- O que achas se formos comer ao McDonalds depois? - sugeriu, um plano que era sempre do agrado da menina.

- Não tenho fome - murmurou a pequena. -Amy...

- Não importa - disse a menina, com indiferença, saltando da cama para o chão. - Vou dar o pequeno-almoço a Buttons.

Fliss levantou-se e foi à casa de banho do primeiro andar para tomar um duche. Ao chegar à porta, apercebeu-se de que o seu pai lhe passara à frente. Em pijama, desceu para a cozinha para fazer café. Depois de pôr a cafeteira ao lume, uniu as mãos e esticou-as por cima da cabeça. Depois, fez uns alongamentos, pensando que, pelo menos, tinha boa saúde. Talvez pudesse levar Amy à praia. Se acabasse de arrumar a casa depressa, poderia deixar as compras para a volta.

Flectiu o corpo para a frente e apoiou as mãos no chão. Naquele momento, a porta atrás de si abriu-se e, como pensava ser Amy, não virou a cabeça. Só quando sentiu a corrente de ar fresco na cintura nua, é que disse:

- Podes fechar a porta, Amy? Por favor. Estava a endireitar-se para arquear as costas num último estiramento quando uma voz de homem que conhecia perfeitamente disse: -Amy já vem.

- Onde está? - perguntou ela, virando-se.

- Foi ver o coelho, acho eu - replicou ele, cruzando os braços e contemplando-a com uma expressão divertida e interessada, e certamente perturbadoramente sensual. - Acho que primeiro quer que eu fale contigo.

Como ela, tinha calções, e uma t-shirt preta que revelava uns braços surpreendentemente musculados para um homem que levava uma vida aparentemente sedentária. Só de olhar para ele, Fliss sentiu a incontrolável reacção do seu corpo, o formigueiro no ventre, o calor húmido entre as pernas.

- O que é que ela fez agora? - perguntou, fazendo um esforço e tentando não pensar no seu aspecto, apesar de sentir como os seus mamilos erectos se marcavam contra o tecido suave de algodão da t-shirt. - Não me diga que voltou a incomodá-lo.

- Amy nunca me incomodou - respondeu ele, percorrendo o corpo feminino com os olhos. Gosto dela. é uma menina fantástica - Matt esperou uns segundos antes de continuar. - Disse-me que não podes levá-la à praia, e vinha perguntar-te se me deixas levá-la.

- Você?

A perplexidade de Fliss ficou patente na sua reacção e no tom da sua pergunta, e Matt apertou os lábios.

- Sim - respondeu Matt, - eu sabia que era uma ideia estúpida, mas tinha que te perguntar. Esquece

- deu meia volta para se ir embora. - Vejo-te na segunda-feira de manhã à hora de sempre.

- Espere! - Fliss não sabia o que se passava com ela, mas não podia permitir que se fosse embora assim. - Pelo menos, deixe-me pensar.

Matt parou, e os seus olhos pretos como o pecado fixaram-se nela com cepticismo.

- Não há nada em que pensar. Mal me conheces, eu sei. Não sabes se podes confiar em mim. Como disse, é uma estupidez. Porque não esquecemos que o mencionei?

- Sim, eu sei que posso confiar em si - garantiu-lhe ela.

- Obrigado - disse ele, em tom seco.

- Estou a falar a sério. No entanto, tem melhores coisas para fazer do que levar uma menina de nove anos à praia.

- Oh! - murmurou ele, sarcástico. - Isso é um "não" muito mais diplomático. Porque não o dizes directamente?

- Não é verdade! - protestou ela. - Para que saiba, já tinha decidido levá-la eu.

- Sim, claro.

- Se não acredita em mim, porque não vem connosco?

A tensão que reinava entre eles era bastante forte. Matt estava perplexo perante o convite, e Fliss perguntava-se como tinha sido tão inconsciente.

- O que se passa aqui?

A entrada do seu pai na cozinha foi a gota de água. Fliss desejou que Matt se tivesse ido embora antes de o seu pai descer para tomar o pequeno-almoço. Agora, George Taylor olhava para o seu novo vizinho com desconfiança, perguntando-se o que estava a fazer na sua cozinha àquelas horas da manhã, e porque é que a sua filha continuava em pijama.

Foi Matt quem tomou a iniciativa.

- Senhor Taylor, suponho - disse, estendendo amavelmente uma mão, como se jamais tivesse expresso o seu desejo de não falar com jornalistas. Sou Matt Quinn, o novo proprietário da casa do coronel Phillips.

- Eu sei quem você é, senhor Quinn - disse o pai de Fliss, indubitavelmente surpreendido perante a cordialidade de Matt, tal como a sua filha. - Será

melhor ires mudar de roupa, Felicity. Eu entretenho o nosso convidado.

- Eu já me ia embora - explicou Matt, antes que ela pudesse dizer alguma coisa. - Tenho que acabar de tomar o pequeno-almoço e fechar a casa - olhou para Fliss com naturalidade. - Deixarei que a sua filha lhe explique que vou levá-las, a ela e a Amy, à praia - e sem dar oportunidade de reacção, tanto ao pai como à filha, acrescentou, antes de sair pela porta: - Voltarei dentro de uma hora. Foi um prazer conhecê-lo, senhor Taylor.

E com isso, desapareceu. Fliss teve que enfrentar a irritação evidente do seu pai. A porta mal se tinha fechado, quando George Taylor perguntou, encolerizado:

- Queres explicar-me o que há entre ti e este homem? O que estava a fazer aqui às sete e meia da manhã? Passou cá a noite?

- Não sejas ridículo!

- O que tem isso de ridículo? Não ouvi nenhum carro, e tu não estás vestida para receber visitas.

Fliss deixou escapar um suspiro exasperado,, mas, antes de poder responder, a porta abriu-se novamente e Amy entrou seguida de Harvey, o cão do seu avô.

- Vamos mesmo à praia com Quinn? Ele disse-me que tu disseste que sim.

-Amy...

- A tua mãe perdeu o juízo - disse o avô, furioso.

- Nunca quis que fosses trabalhar para ele, mas deixar que se relacione com a tua filha...

- É muito simpático - protestou Amy, desafiante.

- Ontem estive toda a manhã a falar com ele. E além disso, ele gosta de mim.

- Estiveste a falar com ele? - o pai de Fliss voltou a cabeça para a sua filha. - Pensava que me tinhas dito que tinha brincado no jardim, como quando trabalhavas para o coronel...

- Nem sempre brincava no jardim, - interrompeu-o Amy, rapidamente, inconsciente de que estava a piorar ainda mais as coisas. O seu avô sempre tivera ciúmes dos momentos em que a menina passava com o velho coronel. - Também brincávamos dentro de...

- Cala-te, Amy - ordenou o seu avô, já tinha ouvido o suficiente. - Bom, Fliss, estou à espera de uma resposta.

- Não estás a falar com Amy, papá - disse-lhe Fliss. - Amy esteve a ajudar o senhor Quinn a desembalar uns livros, mais nada.

- E deixaste-a sozinha com aquele homem? Com um homem que quase não conheces? Pensava que tinhas mais bom-senso.

Fliss olhou para o seu pai, estupefacta, mas antes de continuar com aquela conversa desagradável disse à sua filha que fosse vestir-se.

- Vamos à praia, não vamos, mamã? - perguntou Amy, da porta. - Não vais dizer que não só porque o avô está zangado, pois não?

- Vai vestir-te, por favor - repetiu Fliss com total seriedade.

Assim que Amy desapareceu pelas escadas, Fliss voltou-se para tirar o leite do frigorífico e disse: Porque és tão horrível com este assunto? O que fiz para te fazer pensar que não sei tomar conta da minha filha e de mim?

O seu pai afastou uma cadeira da mesa e sentou-se.

- Como podes perguntar-me isso?

- Tinha dezasseis anos, papá - disse ela, tentando conter-se. - Pensava que isso já estava ultrapassado.

- E está - murmurou ele, pousando a chávena na mesa. - Mas, raios, Fliss, já te contei o que dizem daquele homem.

- E o que é que dizem?

- Que desde que voltou de Abuqara teve muitos problemas mentais.

- Que tipo de problemas mentais?

- Não sei. Deus sabe como estava quando voltou.

- Isso são só rumores e mexericos.

- Tu mesma disseste que se foi embora de Londres porque precisava de espaço - recordou-lhe o seu pai. - Além disso, não quis voltar a trabalhar na cadeia de televisão para onde trabalhava antes.

- Se calhar queria uma mudança.

- Sim, mas ninguém deixa a oportunidade de um trabalho tão bom como este - garantiu ele. - Pelo menos ninguém no seu perfeito juízo.

Fliss tirou pão.

- Talvez porque queira fazer outra coisa.

- Talvez porque saiba que já não pode fazê-lo gritou o seu pai. - Amadurece um pouco, Fliss. Aquele homem ficou louco e se não te apercebes disso não tens o direito de tomar conta de uma menina tão impressionável como Amy.

 

Matt não tinha a certeza se Fliss aceitaria o convite. Era evidente que o seu pai não gostara de o encontrar ali, e não havia dúvida de que exercia uma grande influência na vida da sua filha.

Por isso mesmo, a sua surpresa foi enorme ao ver Amy e a sua mãe à porta da sua casa menos de uma hora depois com mochilas e uma geleira. O rosto de Fliss estava vermelho, e Amy parecia mais calada do que de costume. Matt perguntou-se o que teria acontecido depois da sua partida.

- Olá, Quinn! - como sempre Amy foi a primeira a falar. - Está pronto?

- Quase - disse, olhando para Fliss.

- Viemos a pé - explicou ela, um pouco envergonhada. - O meu pai decidiu que hoje precisava do carro.

- Não importa, podemos ir no meu. Entrem. Há café feito. Serve-te de uma chávena enquanto me calço.

- Ainda há limonada da de ontem? - perguntou Amy, deixando a mochila no chão.

- Não, acabei a limonada - respondeu Matt, sorrindo.

- Acabaste de tomar o pequeno-almoço - disse Fliss, seguindo a sua filha para o interior da cozinha.

- Mas tenho sede - protestou Amy.

Matt abriu o frigorífico e tirou uma lata de refrigerante, que deu à menina. Esperando que isso lhe desse a oportunidade de falar em privado com Fliss, fez-lhe uma indicação com a cabeça e os dois foram para um canto da cozinha.

- Está tudo bem?

- Mais ou menos, acho eu - respondeu ela, deixando a mochila no chão.

Sem pensar, Matt olhou novamente para os seios dela. Fazendo um esforço, afastou os olhos e disse a primeira coisa que lhe veio à cabeça.

- O teu pai não gosta de mim, pois não?

- Não o conhece.

- Tu também não. Fliss desviou os olhos.

- Conheço-o o suficiente.

- Achas que sim? -Sim.

Fliss baixou a cabeça, e o cabelo acobreado cobriu-lhe parte da cara. Matt desejou levantar uma mão e afastar-lhe o cabelo encaracolado para poder ver a sua expressão, no entanto, Amy estava a observá-los, por isso decidiu reprimir-se.

- O que se passa?

Amy quebrou o silêncio tenso que surgira entre os dois.

- Nada - disse Matt. - Vou buscar os meus sapatos. Pouco depois, estava a tirar o todo-o-terreno da garagem. Indicou a Fliss e a Amy que entrassem enquanto ele fechava a porta da casa com chave. Contudo, o telefone tocou enquanto fechava a porta.

Irritado, abriu a porta novamente para ir atender quando lhe ocorreu que poderia ser Diane. Por isso mesmo, voltou a fechar a porta com determinação, sem se aproximar do telefone. Não tinha nem tempo nem vontade de falar com ela. Agarrou na mochila onde levava a toalha e umas latas de bebida e desceu as escadas para o carro.

- Não era o seu telefone? - perguntou Fliss, quando ele se sentou ao seu lado atrás do volante.

-E?

- E não vai atender?

- Noutra altura - respondeu ele, tirando-lhe importância. - Para onde vamos?

Fliss olhou para ele com curiosidade, mas foi Amy quem respondeu.

- Normalmente vamos a Cobbleton, não é, mamã? - explicou a menina, inclinando-se para a frente. - A minha mãe sabe por onde se vai.

- De certeza que o senhor Quinn também - disse Fliss, - os pais da noiva dele vivem na vila.

- Noiva? - perguntou Amy, inocentemente, do banco traseiro.

- Eu não tenho nenhuma noiva - respondeu Matt, furioso, amaldiçoando o dia em que decidira arranjar um telefone lá para casa. - Por onde é que vamos? - perguntou, quando chegaram ao cruzamento de estradas nos subúrbios da vila.

- Cobbleton é por aí - indicou-lhe Fliss, com uma cara séria.

Durante algum tempo, viajaram em silêncio. Matt estava furioso. A razão pela qual não atendera o telefone não tinha nada a ver com Fliss. No entanto, sabia que era esse o motivo do seu aborrecimento. Pensaria Fliss que poderia ter sido Diane? É claro que sim. Mas porque a preocupava tanto o que Diane dissesse quando Diane não se importava nada com o que ela pensava?

Até Amy ficara em silêncio, e ele tinha a certeza de que se devia à dureza do tom da sua voz ao responder à sua mãe. Decidiu que não ia permitir que o incidente lhes estragasse o dia, e olhando por cima do ombro para a menina, pediu que lhe falasse sobre Cobbleton.

- É uma praia muito pequena - explicou Amy. Mas nós gostamos dela, não é, mamã? Vamos lá muitas vezes.

- E há muitos turistas lá? - perguntou Matt, concentrando-se na estrada.

- Às vezes - disse Amy, - mas nós vamos sempre àquela praia, não é, mamã?

Fliss encolheu os ombros com indiferença, e Matt teve que se reprimir. Se só pensava falar quando lhe perguntassem alguma coisa e responder com monossílabos, ia ser um passeio inesquecível. Não se apercebia de que ele também estava a fazer um esforço?

- Costumam tomar banho? - perguntou ele, olhando directamente para Fliss.

- Pode-se, se quiser.

- Não foi isso que eu perguntei.

- Se for sozinha com Amy, não - respondeu Fliss, por fim. - Ela sabe nadar, mas o mar é muito fundo e tenho medo de não conseguir tirá-la de lá a tempo se acontecer alguma coisa.

- Ah! E não há salva-vidas?

Fliss dirigiu-lhe um olhar carregado de incredulidade.

- Em Cobbleton? É uma vila de pescadores, senhor Quinn.

- Chama-me Matt - pediu ele. - E há salva-vidas

em muitas praias.

- Claro, de certeza que conhece muitas.

Matt olhou para Amy pelo espelho retrovisor e viu que a menina estava entretida a contemplar a paisagem. Então, tentou falar novamente com Fliss.

- Não sei o que Diane te contou, mas ela e eu não estamos noivos. Nunca estivemos, e penso que nunca vamos estar.

- Isso não me diz respeito - disse ela, voltando a cara para a janela.

- Não, claro - murmurou ele. - Por isso é que ficaste tão calada, não? Ou foi porque não atendi o telefone? Desculpa, mas pensava que isso me dizia respeito a mim, não a ti.

Matt sabia que o seu comentário era imperdoável. Não precisava de ver as manchas de rubor que cobriram o rosto feminino para se aperceber de que a tinha ofendido uma vez mais. Ficou furioso consigo mesmo.

- Queres voltar para casa? - perguntou ele

Estava demasiado cansado de lutar contra os seus próprios demónios para lutar também contra os dela. Ou queria passar o dia com ele, ou não queria. A decisão estava nas mãos dela.

Fliss permaneceu em silêncio durante uns segundos, e ele já estava à procura de um lugar onde dar a volta quando a ouviu dizer em voz baixa:

- Tu queres?

O facto de o ter tratado por tu surpreendeu-o. -Eu?

- Sim, tu - murmurou ela. - Tens razão. O que tu fazes ou deixas de fazer não me diz respeito. Não tenho direito de interferir. E muito menos depois de teres sido tão amável, convidando-nos a vir à praia.

Matt abanou a cabeça.

- Não digas isso. Estraguei a tua saída com Amy, e suponho que o teu pai não teria precisado do carro se eu não tivesse proposto o passeio.

- Provavelmente, não - disse ela, nervosa, olhando para o banco de trás.

No entanto, Matt podia ver a menina pelo espelho retrovisor que parecia não estar a ouvi-los.

- Lamento - disse ela.

- Eh, já estou habituado - replicou Matt. - A imprensa passou de repetir todas as minhas palavras com adoração a escrever reportagens sobre a minha suposta abstracção mental quando comecei a recusar entrevistas.

- Publicaram mentiras sobre ti?

- Não é preciso publicar uma mentira para omitir a verdade ou insinuar algo que não é verdade - garantiu-lhe ele. - Tal como tudo o que se escreveu sobre o meu suposto trauma quando voltei.

- Mas estar traumatizado não significa ter problemas mentais - observou Fliss, franzindo o sobrolho.

- Não, mas pode argumentar-se que depende do grau do trauma, e muitas pessoas acreditam - explicou Matt, apertando as mãos sobre o volante de pele. - Eu também o aceitaria se não conhecesse esse tipo de jornalismo manipulador.

De soslaio, Matt viu como Fliss mordia o lábio inferior, e a resposta física do seu corpo apanhou-o totalmente desprevenido. Não tinha sido isso que tivera em mente quando as convidara para passar o dia na praia, e era inquietante comprovar que ela continuava a ter um poderoso efeito sobre ele.

- Deve ter sido uma experiência terrível - observou ela.

- Sim - reconheceu ele, e como precisava que alguém entendesse o seu dilema, continuou a falar. Na verdade, a culpa foi minha. Queria uma reportagem e suponho que nunca me ocorreu que pudessem pensar que era um espião. Eu? Um espião? Que tolice!

- Oh! Não sei - disse Fliss, olhando para ele, pensativa. - Da primeira vez que te vi pareceste-me... não sei, diferente.

- Diferente? Em que sentido?

- Não sei, perigoso - admitiu ela, quase lamentando. - É por causa do cabelo, acho eu. Tem-lo muito curto.

-Ah!

Matt passou os dedos pelo cabelo, absorvendo a confissão. Era tranquilizador saber que o seu aspecto não era o do boneco de trapos que ele se sentia.

- Essa foi a desculpa deles para me tornarem prisioneiro, e quando fui incapaz de responder às suas perguntas... zangaram-se.

Fliss olhou para Amy, mas ele soube que ela sabia exactamente a que se referia. E apercebeu-se, para sua surpresa, que falar sobre o que acontecera era libertador.

- E como... como fugiste? - perguntou ela, nervosa.

Afinal de contas, sabia que ele nunca falara da sua experiência publicamente.

- Um dos capitães rebeldes facilitou-me um jipe para fugir - disse ele. E depois, fazendo um grande esforço, acrescentou: - Salvou-me de um destino pior do que a morte.

- Meu Deus! - exclamou Fliss. Olhou para ele em silêncio, e depois esticou a mão e pô-la no seu joelho. - Lamento muito. Não me admira que estivesses traumatizado quando voltaste.

- O que é traumatizado? - perguntou Amy, inclinando-se para a frente.

Matt perguntou-se quanto teria ela ouvido ou entendido. Provavelmente não muito, pensou. Agradecia que Fliss o tivesse ouvido e compreendido. Tinha a sensação de que nenhuma outra mulher do seu círculo social teria reagido tão positivamente.

- Traumatizado significa deprimido - explicou Fliss. - O senhor Quinn estava a contar-me a história de alguém que tinha escrito mentiras sobre umas pessoas que estavam doentes.

- A sério?

Amy não parecia muito interessada. Matt sorriu para Fliss.

- Obrigado - disse. - Por isto e por não me julgares.

Apesar da maneira pouco agradável que tinha começado o dia, divertiram-se muito. Matt tinha relaxado, e os três tinham aproveitado um bom dia de praia e uma boa companhia. Quando Amy quis tomar banho, foi Matt quem a acompanhou à água, esquecendo-se, por segundos, que tirar a t-shirt significava expor publicamente as cicatrizes que cobriam as suas costas. Mas que raios? Não podia passar o resto da sua vida a esconder-se.

Claro que não pensou em Amy, e embora tivessem caminhado juntos até à beira da água, assim que ele mergulhou nas ondas, a menina conseguiu ver as suas costas na perfeição.

- Não entras? - gritou-lhe ele, ao ver que parara.

Amy limitou-se a abanar a cabeça, e ele apercebeu-se de que se passava alguma coisa com ela. Fosse o que fosse, tinha que fazer alguma coisa. Se Amy estava perturbada com as suas cicatrizes, tinha que resolver isso com ela. Caminhando entre as ondas, aproximou-se dela.

- O que se passa? - perguntou-lhe.

- Não me apetece nadar - respondeu a menina, como se não tivesse importância. - Vou para o pé da mamã.

- Espera! - Matt não tinha experiência em assuntos daquele tipo, mas o seu instinto disse-lhe que podia fazê-lo. - Estás incomodada comigo?

-Não.

No entanto, Amy não se atrevia a olhar para ele e ele soube porquê.

- É por causa das cicatrizes que tenho nas costas?

- Não - Amy dirigiu-lhe um olhar carregado de indignação. - É que não tenho vontade de nadar.

- Está bem - disse Matt, encolhendo os ombros.

- Então, vou nadar sozinho.

Matt virou-lhe as costas, mas ainda não tinha dado dois passos quando Amy falou novamente.

- O que lhe aconteceu? Teve um acidente? Matt voltou-se para ela.

- Não. As pessoas que me fecharam na prisão pensavam que eu era uma pessoa má e... castigaram-me.

Amy abriu desmesuradamente os olhos.

- Dói-lhe?

- Agora já não. Avisaram-me que não devia afastar-me do hotel, mas eu achei que era muito esperto e quis conseguir uma entrevista com um homem que aparentemente tinha contacto com as forças rebeldes - explicou-lhe. - E tinha. Quando me apercebi como tinha sido estúpido, já era demasiado tarde.

- Demasiado tarde para quê?

- Acho que já chega, Amy - murmurou uma suave voz ao seu lado, e Matt apercebeu-se de que ao concentrar-se na menina não reparara que Fliss estava junto deles.

Fliss olhava para ele com aquela mistura de tristeza e compreensão nos olhos que ele já vira antes, e Matt perguntou-se porque lhe era tão fácil falar com ela e com a sua filha quando lhe era praticamente impossível fazê-lo com as outras pessoas.

 

Regressaram a Mallon's End à tarde. Amy estava cansada e Fliss não se surpreendeu ao ver que adormecera no banco de trás.

Fizeram a viagem de regresso praticamente em silêncio, mas um silêncio relaxado que em nada se parecia com a tensão da viagem de ida. O facto de Matt lhe ter confiado as suas experiências tinha sido muito importante. Ficava arrepiada só de pensar no que ele devia ter sofrido, e suspeitava que se Amy não tivesse estado com eles, a atracção que sentia por ele tê-la-ia metido em apuros. Não havia dúvida de que houvera momentos em que a tensão entre eles era quase evidente.

No fundo, sentia-se feliz por não ter levado o fato-de-banho. O seu biquini, que tinha há muitos anos, só teria acentuado os quilos a mais que engordara desde o nascimento de Amy. Não, não tinha corpo de modelo, e nunca teria.

Depois de almoçarem, foram dar um passeio pelas falésias, e Matt entreteve Amy contando-lhe histórias dos navios piratas que costumavam patrulhar as costas inglesas à procura de pessoas que depois vendiam como escravos no norte de África.

- Como aconteceu consigo? - perguntou Amy, ingenuamente.

Matt trocou um olhar sarcástico com Fliss.

- Mais ou menos - disse.

Fliss ficou com a impressão de que havia um aspecto do seu cativeiro de que ainda não conseguia falar.

Pouco depois das cinco da tarde chegaram à vila e, em vez de as levar para casa, Matt conduziu directamente para a sua.

- Amy continua a dormir - disse ele. - É uma pena acordá-la - com uma indicação, convidou-a a entrar em casa. - Aqui estará bem - garantiu-lhe ele em voz baixa. - Deixarei as portas abertas para que nos encontre quando acordar.

Entraram na sala recentemente mobilada com dois sofás de pele espaçosos colocados à frente da lareira que encaixavam perfeitamente com o estilo da casa.

- Senta-te - disse ele, indicando-lhe um dos sofás e desaparecendo antes que ela pudesse responder.

No entanto, Fliss estava demasiado nervosa para relaxar. Aproximou-se das janelas e, ao passar à frente do espelho grande que havia junto à lareira, viu a sua cara reflectida nele.

Embora não ficasse morena, a sua pele queimava-se com alguma facilidade, e agora tinha a cara vermelha como um tomate, que contrastava com o seu cabelo ruivo e o cor-de-rosa da sua t-shirt e dos calções.

Ainda estava a olhar-se ao espelho, lamentando o seu aspecto, quando a imagem de Matt apareceu atrás dela. Tinha deixado a mochila no quarto, mas não mudara de roupa.

Fliss ter-se-ia afastado do espelho, mas o corpo sólido e masculino impediu-a. Além disso, era inútil fingir que não estava a ver-se ao espelho. Ele vira-a.

- O que se passa? - perguntou ele

- Não precisas de perguntar! - exclamou ela, apontando para a cara. - Porque não me disseste?

- O quê? Que tens o aspecto de alguém que passou um dia maravilhoso na praia? - perguntou ele, suavemente. - Pára de te castigar. Eu vejo-te bem.

- Isso é porque não olhas para mim como... como um homem olha para uma mulher - disse ela, certa de que não teria sido tão corajosa se não estivesse de costas para ele e a falar unicamente com o seu reflexo no espelho.

- Como é que eu olho para ti? - perguntou ele, num tom perigosamente suave.

Fliss mexeu-se, incomodada, quase imperceptivelmente.

- Tu sabes - protestou. - Acho que gostas de mim mas... não te sentes atraído por mim.

- E como sabes isso?

- Oh... - Fliss abanou a cabeça e ia afastar-se do espelho, mas a mão de Matt no seu ombro manteve-a onde estava. - Não importa. De qualquer modo, eu também não me sinto atraída por ti.

-Não?

Perceberia ele que aquilo era mentira? -Não.

Matt não disse mais nada, mas não afastou a mão do seu ombro. Em vez disso, percorreu com o dedo o pronunciado decote da t-shirt enquanto a outra mão rodeava a cintura nua.

As mãos de Matt estavam frias e secas, mas queimavam-lhe a pele, e provocavam pequenas cãibras eléctricas por todo o seu corpo. Através da neblina de desejo que estava a nascer dentro dela, Fliss conseguiu emitir umas palavras.

- Porque não vais mudar de roupa? - sugeriu, esperando que ele entendesse a indirecta e parasse de a atormentar.

Era isso que ele estava a fazer, a atormentá-la. Tinha a certeza. Era a forma de demonstrar que ela tinha mentido ao dizer que não se sentia atraída por ele.

- Porquê? Cheiro mal? - perguntou ele, descendo a cabeça.

Oh, sim! Fliss engoliu o nó que tinha na garganta. Cheirava a sal, a calor, a pele seca pelo sol, tudo isso envolvido numa fragrância tentadora de força e virilidade.

- Será melhor ir acordar Amy - insistiu ela, esperando que o nome da sua filha lhe fizesse recuperar o juízo. - Senão, esta noite não prega o olho.

- Eu também não - sussurrou ele, com aquele tom rouco e grave que tanto excitava os seus sentidos. - Mas não deixes que isso te preocupe.

Fliss sentia todo o corpo a arder, vivo e a pulsar de desejo. Quando as ancas masculinas roçaram o seu corpo, sentiu a necessidade urgente de se apertar contra ele. Mas o que faria se descobrisse que ele estava tão excitado como ela? Não tinha experiência no campo da sedução.

Em qualquer caso, isso nunca aconteceria, pensou. Ele só estava a brincar com ela, provocando-a. Era esse o seu objectivo: queria que ela soubesse o que faltava na sua vida. Como se ela não soubesse.

Então, a língua de Matt desenhou a linha do seu pescoço atrás da orelha, e depois desceu até ao ombro. Fliss sentiu um aperto no estômago. De pé, diante do espelho, via com toda a clareza o que ele estava a fazer-lhe.

- Porque... porque estás a fazer isto?

Matt lambeu os lábios por um momento antes de responder.

- Não gostas? - perguntou.

- Isso não interessa - disse ela, seguindo com os olhos os dedos que tomavam posse do seu estômago, o polegar na sensível fenda do seu umbigo.

- Não... não devias.

- Provavelmente, não - concordou ele. - Tinha-me esquecido de como é maravilhoso estar com uma mulher a sério.

Sim, de certeza. Fliss não acreditou nem por um momento nas palavras dele. Matt continuava com Diane.

- Matt, por favor - sussurrou ela, mal reconhecendo o tom suplicante da sua voz.

Sem deixar de olhar para ela nos olhos, através do espelho, Matt mordeu-lhe o pescoço e sugou a pele suave. Fliss sentiu que as suas pernas fraquejavam. Por acaso não via o que estava a fazer-lhe? Não reparava que quase não podia controlar-se? Sentia as mãos de Matt a percorrer o seu corpo, os seus seios, até encontrar o mamilo erecto e acariciá-lo com os dedos. Uma onda de calor apoderou-se dela e teve que reprimir os gemidos de prazer que ameaçavam trair o seu desejo.

Fechou os olhos quase instintivamente. Não tinha experiência e não queria ver que estava a comportar-se como uma parva. Ele nem sequer a tinha beijado, e ela já estava a pensar em como queria muito mais. Queria... não sabia exactamente o que era que queria, mas a imagem de Matt nu na sua cama serviu em parte para lhe proporcionar uma resposta.

- Abre os olhos - sussurrou-lhe ele, acariciando-lhe o ouvido com os lábios. Ela obedeceu. - Assim está melhor - murmurou ele, deslizando as pontas dos dedos sob a prega da t-shirt. - É mais divertido quando olhas para mim.

Divertido? Fliss conteve a respiração. Era isso que ele pensava? Será que não se apercebia de que todas as células do seu ser estavam a gritar de desejo?

Fliss reparou que Matt começava a desabotoar-lhe lentamente os botões das calças, mas não conseguiu terminar, não foi necessário. Ela adiantou-se, e quando ele deslizou a mão na união das suas pernas e a acariciou, ela esteve prestes a ter um orgasmo.

Mas não podiam continuar. Se Amy acordasse e fosse procurá-los... era melhor não pensar nisso. Fliss agarrou na mão dele e afastou-a.

- Não - disse, bruscamente. - Não podemos fazer amor.

- Não? - ele levantou a cabeça e olhou para ela.

- Pensava que era isso que estávamos a fazer.

- Não entendes. Amy pode acordar.

- Eu sei. Deixa-me ser eu a preocupar-me com Amy.

- Não - Fliss engoliu em seco. - Isto está errado.

- Achas? - sussurrou ele, brincalhão. - Há pouco parecias estar a gostar.

- Matt!

- Fliss! - imitou-a ele, sarcástico. - Pára de te preocupar. Não estamos a fazer mal a ninguém.

- Como podes dizer isso?

Fliss virou a cabeça para olhar para ele e encontrou-se cara a cara com ele, com as bocas a apenas uns centímetros. Antes que pudesse virar a cabeça novamente, ele cobriu os lábios dela com os seus.

Foi um beijo húmido e quente, um encontro de lábios e línguas, uma invasão sensual a que ela não conseguiu resistir. Tê-lo tão perto, respirando o seu fôlego, absorvendo o seu calor, era um prazer selvagem. Na sua mente, dançavam imagens dos seus corpos nus entrelaçados na cama... antecipando o prazer que seria ter Matt não só nos seus braços, mas também dentro do seu corpo.

A boca de Matt abandonou a sua, por fim, e ela quis protestar. No entanto, Matt voltou a virá-la para o espelho e mergulhou a cara no pescoço dela. Fliss sentiu que Matt estava a lutar contra as suas próprias necessidades e, de repente, recordou que a cada minuto que passava havia mais probabilidades de Amy os interromper.

Naquele momento, o reflexo da sua imagem no espelho surpreendeu-a. Mal se reconhecia. Tinha o rosto corado, mas a pele avermelhada estendia-se também pelo pescoço. Tinha a boca inchada e uma marca claramente visível no pescoço onde Matt lhe tinha mordido. Como raios ia explicar aquilo?

Amy veria aquilo e se o mencionasse ao seu avô...

O som do telefone interrompeu os seus pensamentos. E a exploração sensual de Matt, pelo seu ombro, também, que levantou a cabeça e procurou o olhar de Fliss no espelho.

- O que se passa?

- O telefone está a tocar - disse ela, afastando-se.

- Sim, eu ouvi.

Riss apertou os lábios. Não ia dizer-lhe que devia atender, pensou com firmeza, mas algo devia ter-se reflectido nos seus olhos porque Matt olhou para ela um pouco tenso.

- O quê? O quê?

- Nada - murmurou ela, reparando que tinha as calças desabotoadas. O que tinha acontecido? - Será melhor ir buscar Amy. É tarde.

- Passa-se alguma coisa contigo - disse ele, teimoso. - Antes de aquele maldito traste começar a tocar... - olhou furioso para o hall onde estava o telefone. - Cala-te!

A inesperada interrupção do som foi quase ensurdecedora, e Fliss passou uma mão nervosa pela cintura. Imediatamente, recordando que Matt fizera exactamente o mesmo, meteu as mãos nos bolsos.

- Que alívio - sussurrou ela, com a esperança de não iniciar outra discussão. - Deves ter poderes sobrenaturais.

- Contigo não tenho, pois não? - perguntou-lhe ele. Esperou uns segundos, mas como não obteve resposta, acrescentou: - Voltaste a deixar de me dirigir a palavra?

- É claro que não - suspirou ela.

- Então, o que te preocupa?

- Além de achar que devia ter mais bom-senso para não continuar com isto? - perguntou ela, em tom de brincadeira, embora ele não tivesse achado piada.

- Estás a sugerir que fizemos isto contra a tua vontade?

-Não...

- Oh, obrigado!

- Mas ambos sabemos que só estás a divertir-te às minhas custas.

- Ambos?

Fliss olhou para ele com exasperação.

- Tenho cara de parva?

- O que queres dizer?

- Olha para mim, Matt, olha bem para mim. E agora diz-me que não sabes do que estou a falar. Posso divertir-te, mas certamente não sou o tipo de mulher por quem os homens se sentem irresistivelmente atraídos.

- Referes-te aos homens como eu? Não te subestimes.

- E tu não me subestimes a mim - gritou-lhe ela, furiosa. - O que aconteceu aqui... foi toda uma experiência. Mas em breve Diane virá...

- Deixa Diane fora disto.

- Achas que sou parva? Discutiste com Diane, provavelmente por teres comprado esta casa, e decidiste divertir-te com a tua empregada de limpeza.

Matt olhou para ela, consternado.

- Pensas mesmo isso? É isso que pensas de mim?

Não era o que ela pensava dele, mas Fliss consolou-se pensando que a vaidade de Matt era muito menos vulnerável do que a sua.

- O que importa o que eu penso? - perguntou, cansada.

Naquele momento, o telefone começou a tocar outra vez, e Riss fez um gesto de derrota.

- Vá lá, atende. Não vai desligar enquanto não atenderes.

 

Amy não deixou de protestar durante todo o caminho de volta a casa. Não tinha gostado que a sua mãe a tivesse acordado e não entendia porque não podia entrar para se despedir de Matt.

- Não podemos ir agradecer-lhe?

- Hoje não - respondeu Fliss, levando a sua filha pelo atalho que conduzia à cancela do jardim da igreja. - Além disso, está ocupado, está a falar ao telefone.

Infelizmente, naquele momento, a menina decidiu olhar para a sua mãe para expressar o seu desgosto e viu a marca escura que Matt deixara no pescoço de Fliss. Amy conteve um grito.

- Sabes que tens uma nódoa negra enorme no pescoço?

Fliss levou automaticamente a mão à zona para cobrir a marca que a boca de Matt deixara, e alegrou-se por a sua cara não poder ficar mais vermelha do que já estava.

- Oh, deve ter sido um bicho que me mordeu! exclamou, e preferiu não pensar na ironia das suas palavras. Consciente de que não podia permitir que Amy entrasse em casa com a notícia de que algum insecto monstruoso tinha mordido à sua mãe, acrescentou: - Preferia que não dissesses nada ao avô.

- Porquê?

Como porquê? Fliss reprimiu um gemido de histeria. Como podia responder?

- Porque não queremos preocupá-lo, pois não? coisa que era verdade, acrescentou para si. - Não lhe agradou que fôssemos à praia. E não queremos dar-lhe mais motivos para... para...

- Para protestar? - sugeriu Amy, com astúcia.

A única coisa em que Fliss conseguiu pensar foi que a sua filha estava a crescer muito depressa.

- Mais ou menos - disse. - E hoje tivemos um dia maravilhoso, não foi?

- É claro que sim - assentiu Amy. - Eu gosto muito de Quinn, e tu?

- Senhor Quinn - corrigiu-o a sua mãe.

- Tu chamas-lhe Matt.

- Isso não é verdade.

- É verdade sim. Hoje chamaste-lhe Matt.

Fliss suspirou e teve que se render às palavras da sua filha. Não lhe escapava nada.

- Está bem, mas de qualquer modo isso não importa. Lembra-te, não digas nada ao avô sobre a minha... mancha.

- Está bem.

De qualquer forma, George Taylor não estava em casa, e Fliss aproveitou para tomar um duche e mudar de roupa, enquanto Amy estava deitada à frente da televisão.

Depois de tomar banho e de pôr creme por todo o corpo, Fliss escolheu uma camisola de gola alta que cobria por completo a marca de Matt no seu pescoço, apesar do calor que fazia, e umas calças compridas.

Estava na cozinha a acabar de fazer o jantar quando o seu pai voltou do passeio com Harvey, depois de umas cervejas nopub local. Apesar da hostilidade reflectida na expressão da sua cara e no tom da sua voz, Fliss preferiu ignorá-lo e procurou agir como se não tivesse acontecido nada.

- Tiveste um bom dia? - perguntou-lhe quando se sentaram à mesa.

- Queres mesmo saber? - respondeu ele, com um suspiro.

- Claro que quero.

- Mas não o suficiente para recusar o primeiro convite que te fazem - respondeu-lhe ele, magoado.

- Apesar de saberes perfeitamente que não aprovo a tua relação com aquele homem.

Fliss suspirou.

- Tenho que tomar as minhas próprias decisões, pai - disse, sem levantar o tom de voz. - Eu gosto do senhor Quinn, Amy também.

- E isso é suficiente, Felicity? Não sabes nada dele. Porque é que a opinião dele é mais importante do que a minha? Além disso, tu sabes que é noivo de Diane Chesney.

- Isso não é verdade! - exclamou Fliss, e imediatamente arrependeu-se de não ter sido capaz de controlar a sua reacção.

- Estou a ver que te disse que não - comentou George Taylor, franzindo os lábios com desprezo. Não posso evitar perguntar-me em que circunstâncias expressou uma confidência tão íntima.

Fliss apertou os lábios, mas não podia deixar que o seu pai pensasse o pior.

- Esta manhã quando saíamos de casa dele o telefone tocou - disse ela na defensiva. - Eu comentei que provavelmente era a noiva dele, e ele disse-me que não tinha nenhuma noiva.

- E tu acreditaste, claro.

- Diga o que disser, vais encontrar uma forma de discutir comigo - comentou Fliss, abanando a cabeça, sem querer saber o que pensaria o seu pai se soubesse o que tinham feito depois de voltarem da praia. - Amy, vamos jantar!

Durante o jantar, o avô não deixou de fazer perguntas à sua neta sobre o passeio à praia. Amy contou-lhe, encantada, que primeiro tinham tomado banho, e depois tinham ido comer ao McDonalds.

- Por isso é que a tua mãe não tem vontade de jantar - comentou o avô. - De certeza que não tem fome. Ou talvez tenha muito calor. Não estamos em época de camisolas de gola alta e calças de ganga.

Fliss ficou tensa.

- Queimei-me e pus muito creme - tentou explicar Fliss, embora as suas palavras não soassem muito convincentes aos ouvidos experientes do seu pai.

- E o senhor Quinn - continuou a menina, entusiasmada, - tem umas marcas horríveis nas costas que lhe fizeram quando estava na prisão. Eu, ao princípio não gostei, mas ele disse-me que...

-Amy!

A exclamação da mãe, unida à severidade do seu olhar, fez calar imediatamente a menina.

- Só estava a ser sincera - disse George Taylor, dando umas palmadinhas na mão da sua neta, e olhando para a sua filha, acrescentou: - Espero que tenhas posto bastante creme no pescoço e nos braços. Sabes como a tua pele é sensível.

Na segunda-feira de manhã, Matt acordou com ressaca, o que não era de estranhar, tendo em conta que na noite anterior tinha bebido quase uma garrafa inteira de uísque.

O domingo tinha sido um dia terrível. Acordara antes do amanhecer, encharcado em suor, com os restos tangíveis do sonho erótico que tinha tido no seu corpo. Estava meio excitado, mas sabia que no seu estado aquilo não significava nada. As erecções matinais eram coisa do passado, e quanto mais depressa aceitasse isso, melhor. Além disso, a sua tentativa de seduzir Fliss na tarde anterior só o deprimira ainda mais.

Por isso, passara a manhã de domingo a trabalhar no jardim. Com um velho cortador de relva que encontrou na garagem, conseguiu cortar as ervas da parte da frente da casa. Embora não tivesse ficado perfeito, pelo menos tinha servido para satisfazer a sua necessidade de actividade. Depois, com uma pá e uma enxada, dedicara-se a apanhar as ervas daninhas. À hora do almoço, tinha as pernas a tremer de esgotamento, e nem sequer um banho de água quente conseguiu diminuir a dor de costas e das coxas. Pelo menos a dor era física, algo que podia enfrentar, e não uma ilusão ridícula dos seus desejos.

Diane telefonara-lhe à tarde e ele tivera que atender. Não podia continuar a ignorar o telefone, mas ao atender desejara que fosse a sua mãe. Não tivera essa sorte e não tivera outro remédio senão ouvir as recriminações de Diane, que telefonara várias vezes no dia anterior.

- Fui dar uma volta à praia - dissera ele, por fim, perante a sua insistência. No entanto, não mencionara Fliss.

- À praia? - gozara ela. - Querido, se queres ir à praia, apanha um avião e vai a Cannes ou a Saint Tropez, não a uma vilazinha horrível na costa do sul. Ouve, porque não vamos a Cannes no fim-de-semana? De certeza que Hugh não se importa de nos emprestar o seu barco. Assim vai perceber que não estavas a falar a sério quando lhe disseste que dispensavas aquele trabalho.

- Sim, estava a falar a sério - dissera Matt. Além disso, eu não lhe disse que dispensava o trabalho.

Hugh Gregory fora seu chefe no canal de televisão onde trabalhava e ainda mantinham uma boa amizade.

- Em qualquer caso, não me apetece nada voar para Cannes. Estou contente aqui.

- Bom, se esperas que passe a vida a fazer bolos para a paróquia ou a organizar jantares de beneficência, estás muito enganado.

- Por outras palavras, não queres ser como a tua mãe - observara Matt.

Diane reagira com a veemência que era de esperar nela.

- Não, claro que não. E também não quero ser como essa Fliss Taylor - fizera uma pausa, como se o nome tivesse desencadeado uma espécie de pressentimento extra-sensorial. - A propósito, voltaste a vê-la?

Matt suspirara. Podia mentir, mas para quê?

- Trabalha para mim. É de estranhar que a tua mãe não te tenha dito nada.

- Deste-lhe trabalho! Meu Deus, Matt, como pudeste fazer isso? Tu sabes o que penso dela.

Matt contivera-se para não lhe dizer que não se importava minimamente com o que pensava de Fliss.

- É uma boa empregada, Diane. Porque não haveria de a contratar? Conhece esta casa melhor do que eu.

- Achas que me importo com o facto de ser boa no seu trabalho? - do outro lado do telefone Diane atirava faíscas. - E pensar que ontem, como não atendias o telefone, quase peguei no carro para ir ver se estavas bem. Mas teria levado um grande desgosto se tivesse visto Fliss Taylor aí.

Ele também, reconhecera Matt para si, recordando o que estivera a fazer na tarde anterior com Fliss. Embora, pensando melhor, até teria sido bom. Seria mais fácil do que continuar a fingir que Diane e ele tinham um futuro juntos.

- Fliss não trabalha aos sábados - dissera Matt, o que era verdade.

Isso também não pareceu tranquilizar muito Diane, embora o tom da sua voz tivesse mudado.

- Tenho saudades tuas, Matt, mas estou a começar a pensar que não queres saber nada de mim dissera, num tom histérico. - Senão, quererias que fosse ver-te. Ou quererias saber com quem estive e o que estive a fazer.

Matt deixara escapar um suspiro.

- Está bem, conta-me. Deve ter algo a ver com a galeria, não?

Diane hesitou uns segundos, mas como ele esperava, não conseguira resistir à tentação de se vangloriar com os seus êxitos profissionais.

- Tony convidou-me para ir a Winchester ver a colecção Charteris numa exposição privada que organizou especialmente para mim. Não foi maravilhoso da sua parte?

- Maravilhoso, sim - respondera Matt, brincalhão, que não fazia ideia do que era a colecção Charteris.

Ouvira o suspiro de Diane do outro lado da linha.

- Vês? O meu trabalho não te interessa nada. Por isso é que queres que o deixe e me encerre em Mallon's End contigo para sempre.

- Eu nunca te pedi que deixasses o teu trabalho para vires viver para aqui - respondera Matt, cansado. - Desde o começo, deixei bem claro que era isto que eu queria. Mais nada.

- Por outras palavras, não te interessas por mim, nem por nada do que eu faça - Diane fizera uma pausa, e depois continuara em tom desafiante: De certeza que se te dissesse que Tony e eu passámos a noite juntos em Winchester, tu nem te alterarias.

- Lamento - dissera Matt, embora o seu tom de voz não parecesse lamentar nada. Fizera uma pausa.

- E passaram?

- Passámos o quê?

- Passaste a noite com Tony? - repetira ele. Uma vez mais, Diane mostrara-se muito ofendida do outro lado do telefone.

- É claro que não passei - garantira-lhe ela. -Não?

-Não.

Matt decidira arriscar-se.

- Bom, também não seria a primeira vez, pois não? - sugeriu, num tom calmo. - Não permaneceste celibatária durante a minha ausência.

- Matt! - exclamara Diane, com voz horrorizada.

- Como podes dizer isso? O teu desaparecimento destroçou-me. Pergunta à tua mãe, ela pode dizer-te. Ela era a única pessoa que podia entender como me sentia.

- Então, Corbett mentiu.

- Tony? - Diane sustivera a respiração, sem compreender.

Matt escolhera as suas palavras com supremo cuidado.

- Comentou comigo que te tinha consolado - respondera, com indiferença. - Que foste ter com ele quando precisavas de... alívio emocional.

O silêncio que se fizera do outro lado da linha foi tão longo que Matt começara a pensar que Diane tinha largado o telefone. Por fim, ela explodira de ira.

- Não finjas que te importas!

E Matt soube que se arriscara com razão. Há muito tempo que suspeitava que a relação entre Diane e o seu chefe tinha mudado significativamente. No entanto, aquela era a primeira vez que lhe dera uma oportunidade de confirmar as suas suspeitas.

- Quando te disse isso? - quisera saber ela, furiosa, - Jurou-me... jurou-me que nunca faria nada que pusesse em perigo a nossa relação.

- E não fez - admitira Matt. - Deves pensar que tenho o cérebro inutilizado, Diane, mas não sou tolo. Corbett nunca me disse nada.

- És um porco! - gritara ela.

Matt não deixara que os seus insultos o afectassem.

- Ambos procuramos uma forma de terminar isto, Diane - dissera-lhe, suavemente. - Foi bom enquanto durou, mas estamos em sintonias diferentes.

- Tu não estás em nada - replicara Diane, que se negava a pensar. Estava magoada, e como um animal ferido, continuara com o seu ataque desenfreado. - Se não tivesses querido ser um herói, não estaríamos nesta situação. Sempre soube que para ti uma boa reportagem era muito mais importante do que eu.

- Isso não é verdade.

- Ah, não? - Diane rira-se, sarcástica. - Não podes reprovar-me por ter necessidades que só um homem a sério pode satisfazer.

Matt reprimira um grito.

- Não te reprovo nada, Diane.

- E nem penses em fazê-lo! - Diane sentira-se humilhada. - Culpa-te a ti. Culpa aquilo que aqueles porcos te fizeram. Mas não me culpes a mim por precisar de algo que tu já não podes dar-me.

Depois daquilo, já não havia muito mais a dizer, e Matt desligara o telefone entre humilhado e aliviado.

Por isso, na noite anterior bebera quase uma garrafa de uísque. E por isso na segunda-feira levantou-se com aquela ressaca terrível. E por isso precisava de sair da casa, preferivelmente antes de Fliss aparecer. Depois do seu comportamento de sábado, entenderia se ela decidisse

não continuar a trabalhar para ele. No entanto, o que Matt sabia era que naquele momento não podia sofrer nenhuma outra humilhação.

E não havia maneira de lhe explicar a sua situação sem se humilhar. Nem sequer dizer-lhe que ela inspirava nele sentimentos que ninguém, nem sequer Diane, despertara nele, sem que soasse a hipocrisia, sobretudo se se juntasse a sua actual situação de impotência. Ela merecia mais, algo melhor do que ele. No entanto, não podia negar que desde que a conhecera começara a pensar em como poderiam ser as coisas entre eles se...

Porém, era aquele significativo "se" que gerava o principal obstáculo. A relação ténue que se criara entre eles não sobreviveria ao tipo de confissão que ele tinha para fazer. Ela aceitara a explicação das suas cicatrizes com sincera compaixão. Nem sequer mostrara a sua repulsa quando lhe contara o que o general Hassan tinha tentado com ele. No entanto, ela não precisava que um pobre homem como ele destruísse a sua vida, nem que ele tivesse que lutar contra a irresistível tentação que sentia de a seduzir.

Infelizmente, Fliss chegou antes de ele ter tido tempo de se ir embora. Quando desceu com a carteira e as chaves na mão, encontrou Fliss na cozinha. Ela tinha ido trabalhar, como de costume, e Matt não podia dizer qual dos dois se sentia mais coibido perante a situação.

Fliss foi a primeira a recuperar.

- Vais sair? - perguntou, tensa.

- Ia telefonar-te - respondeu ele, pouco convincente. - Chegaste cedo.

- Sim, eu sei - replicou ela, agarrando uma madeixa de cabelo e pondo-a atrás da orelha. Matt sentiu o forte impulso de a acariciar. - Não sabia se... se querias que continuasse a trabalhar aqui, mas se não quiseres...

- Porque não haveria de querer? - interrompeu-a ele. - Pelo amor de Deus, não fizeste nada de mal.

- Penso que Diane não pensará o mesmo.

- Esquece Diane - quase gritou ele de raiva. Queres o trabalho ou não? É a única coisa que preciso de saber.

Fliss levantou a cabeça.

- Mas ias sair. É muito cedo. Normalmente a esta hora nem sequer te levantaste.

- E depois?

Fliss mordeu o lábio inferior e engoliu em seco.

- Tens a certeza de que não estavas a tentar evitar-me?

Matt suspirou.

- Está bem, talvez sim - respondeu. - Sou um covarde.

- Não, não és - replicou ela. No entanto, em seguida, como se se tivesse apercebido da paixão na sua resposta, acrescentou: - Não mudes de assunto e diz-me qual é a verdadeira razão para ires sair. Matt deixou escapar um longo suspiro.

- Se queres saber... pensei que se calhar não querias voltar - reconheceu ele. - Depois do que se passou no sábado...

- Esquece sábado - disse ela, apertando os lábios. - Eu já esqueci - mentiu. - Foi um erro. Por parte dos dois - olhou à sua volta. - E agora, se achares bem, gostaria de começar o trabalho.

 

- Disse-te que na outra noite estive a falar no pub com Matthew Quinn?

George Taylor falava quase com timidez, e Fliss supôs que se devia ao facto de saber perfeitamente que não lhe tinha dito nada. Matt também não lhe dissera nada. Sentiu-se traída, embora não devesse estranhar essa reacção, já que Matt, desde a manhã em que lhe pedira para continuar a trabalhar em sua casa, há duas semanas, praticamente não voltara a falar com ela.

- Não - respondeu Fliss. - Não sabia que tinham ficado amigos.

- Não exactamente - explicou o seu pai, - mas agora que o conheço melhor posso dizer que parece um homem decente.

- E do que falaram?

- De muitas coisas, mas sobretudo a respeito de escrever - disse o pai. - Sabias que está a pensar em escrever uma série de artigos a contar as suas experiências em Abuqara e dando a sua visão da rebelião? Parece interessante.

- Então, já não achas que está louco.

- Eu nunca disse que estava louco, Felicity - protestou o seu pai, ofendido. - Disse que havia rumores de que o tempo em cativeiro lhe tinha deixado sequelas, mas mais nada. E compreende-se, não? Pelo que me esteve a contar, não foram umas férias.

-Não.

Fliss sabia perfeitamente. As cicatrizes nas costas eram um testemunho claro do seu sofrimento. Contudo, não podia evitar sentir-se um pouco magoada por Matt ter confiado no seu pai, precisamente nele. Era como se a tivesse afastado totalmente da sua vida, apesar do que tinham partilhado.

No dia seguinte, quando chegou a casa de Matt, viu um carro desconhecido estacionado numa rua lateral, e preferiu bater à porta em vez de entrar directamente como sempre fazia. Não sentia nenhuma vontade de se encontrar com Diane.

Matt abriu a porta e Fliss, que pouco o vira nas últimas duas semanas, ficou impressionada ao ver como parecia esgotado.

- Porque não entraste sem bater? - perguntou ele, ao mesmo tempo que olhava para ela com uma expressão dura e perigosa ao mesmo tempo.

- Pensei que estarias com alguém - respondeu ela, deixando a mochila na mesa e olhando à sua volta. No lava-loiça havia duas chávenas de café usadas. - Diane está cá?

- Não - o tom de Matt era gelado. - Acho que não vou voltar a vê-la.

Era por causa disso que o seu aspecto tinha piorado?, pensou ela.

- Lamento muito.

- Não deixes que isso te tire o sono. A mim não me tira.

- Não parece! - exclamou ela, impulsivamente, e quando viu a dureza na expressão masculina desejou não o ter dito.

- Obrigado - agradeceu ele, com sarcasmo.

- Só queria dizer... - Fliss tinha a sensação de que estava a cavar a sua própria sepultura, mas não podia deixá-lo com a impressão de que não se importava - que pareces... que pareces cansado. Devia arranjar-te um jardineiro. Provavelmente, tens-te excedido no trabalho.

- Que agradável deve ser viver no teu mundo, onde cada coisa se pode explicar em termos físicos. Pareço cansado, portanto excedi-me. Dói-me a cabeça, portanto devo ter dado cabeçadas contra a parede.

Fliss sentiu-se a corar.

- Não é necessário seres sarcástico - disse ela, tensa. - Sei que há muitas coisas que não podem explicar-se assim tão facilmente. E digas o que disseres, tenho a certeza de que Diane...

- Pelo amor de Deus, quer parar de falar em Diane? - gritou-lhe ele, com uma ferocidade inusitada.

Fliss recuou, surpreendida.

Era um lado dele que nunca vira e, como se se tivesse apercebido de que a tinha assustado, Matt aproximou-se dela, apoiou as mãos na mesa de ambos os lados do seu corpo, e aprisionou-a nos seus braços.

- Não olhes assim para mim - suplicou-lhe ele, com a voz rouca. - Nunca te magoaria, tu sabes isso - os olhos de Matt desceram até à sua boca, e ela tremeu. - E não voltes a pensar que Diane tem alguma coisa a ver com a forma como me sinto, porque isso não é verdade.

- E eu sou testemunha disso - observou uma voz feminina atrás dele.

Fliss, que pensara que Matt ia beijá-la outra vez e que especulara sobre o que devia fazer, sobressaltou-se visivelmente.

Matt reagiu com muito menos urgência, e afastou-se da mesa, e de Fliss, com uma resignação cansada.

- Esta é a minha mãe, Fliss. Penso que não se conhecem.

- Como se não soubéssemos isso - observou a senhora Quinn, resolutamente, entrando na cozinha.

Era uma mulher alta, com o cabelo quase branco e vestida com um elegante fato de seda.

- Como estás... Felicity, não é? Ouvi dizer que fizeste maravilhas com esta casa.

Fliss passou a língua pelos lábios ressequidos.

- Chame-me Fliss. E só fiz o meu trabalho.

- Bastante mais do que isso, pelo que ouvi. Não é assim, Matt? - perguntou a mulher, olhando para o seu filho. - Há alguma coisa que eu deva saber?

-Não!

A negação de Matt foi tão violenta, que Fliss sentiu que algo morria no seu interior. Fosse o que fosse que havia entre eles, não significava nada para ele.

- Não foi isso que Diane disse. E a pobre rapariga não consegue entender porque estás a tratá-la tão mal.

- Ah, não?

- Não, e além disso parece acreditar que há alguma coisa entre ti e... - os olhos da mulher dirigiram-se por um momento para onde estava Fliss. Entre ti e esta jovem. É verdade?

-Não.

A resposta de Matt foi imediata, e Fliss desejou poder desaparecer para não ter que ser testemunha daquela conversa dolorosa. No entanto, quando Matt olhou para ela, em vez de olhar para a sua mãe, o que viu nos seus olhos deixou-a ainda mais confusa.

Ardentes e apaixonados, os seus olhos envolveram-na com uma expressão que a deixou sem forças nas pernas. As chamas que ardiam no seu olhar falavam claramente do desejo que sentia por ela. Que poder o controlava que era muito mais forte do que a sua vontade?

As palavras da sua mãe quebraram o laço ténue que se criou entre eles durante alguns segundos,

- Bom, se não há mais ninguém, não entendo a tua atitude. Durante a tua estadia em Abuqara...

- Diane ia para a cama com o seu chefe - Matt terminou a frase pela sua mãe. - Pergunta-lhe, se quiseres. De qualquer modo, fez-nos um favor aos dois - os seus lábios formaram um sorriso forçado.

- Não sou homem para nenhuma mulher, e isso inclui Fliss.

Sem olhar para nenhuma das duas mulheres, saiu da cozinha. Fliss voltou-se bruscamente para o lava-loiça. Sentia-se vazia e tonta, e agarrou nas duas chávenas sujas de café para as lavar. Os seus olhos queimavam, e teve que pestanejar várias vezes para limpar as lágrimas.

- Estas palavras magoaram-te - disse a senhora Quinn atrás de si, sobressaltando-a. - Receio que o meu filho tenha esse efeito nas pessoas. Pelo menos desde que voltou do norte de África.

- Entrou alguma coisa no meu olho - respondeu Fliss a modo de explicação. Não estava preparada para confiar na mãe de Matt.

- Comigo não precisas de fingir. É evidente que gostas muito de Matt, mas deves entender que não há futuro na vossa relação.

- Acha que eu não sei?

Por muito que quisesse estar calada, Fliss não gostava que lhe falassem com aquela condescendência.

- Como disse o seu filho, entre mim e ele não há nada.

- Mas tu gostarias que houvesse? Fliss apertou os lábios.

- Tenho que continuar o trabalho - disse, negando-se a satisfazer a curiosidade mórbida da mulher.

A mãe de Matt ficou quatro dias em Mallon's End, dois deles no fim-de-semana. Fliss tentou não ficar a sós com ela. Suspeitava que a mulher tinha esperanças que Matt perdoasse Diane e se reconciliasse com ela.

A questão era se devia continuar a trabalhar em casa de Matt ou não. A visita da senhora Quinn deixara-lhe bem clara a estupidez dos seus sentimentos pelo seu chefe. Embora tivesse a certeza de que Matt não se importaria de ter um breve romance com ela, ela não queria arriscar-se à dor que uma relação frustrada com ele lhe proporcionaria. A decisão era muito mais difícil de tomar do que imaginava.

Por isso, quando chegou a casa de Matt na manhã seguinte à senhora Quinn regressar a Londres, Fliss continuava sem conseguir tomar uma decisão.

Na casa não havia rasto de Matt, e ela pensou que ainda estaria a dormir. Ficou contente por não ter que o enfrentar e começou a arrumar a casa como de costume. Quando subiu para o primeiro andar, ouviu um estranho som procedente do seu quarto, como um gemido, ou um lamento, embora também pudesse ser o seu ressonar, pensou, tentando ser positiva. No entanto, o medo que sentia de que lhe tivesse acontecido alguma coisa levou-a a empurrar a porta do quarto que, como sempre, estava entreaberta, e entrar.

Matt não estava a ressonar. Estava a gemer e a mexer-se com o corpo enredado nos lençóis, os olhos fechados, e uma expressão de dor no rosto.

- Matt - disse ela, sem levantar a voz. - Sentes-te bem?

Estava nu por baixo dos lençóis, e ela receou que voltasse a destapar-se. Estava profundamente adormecido, provavelmente sumido num pesadelo, o que não era de estranhar, depois das experiências que tinha vivido.

- Matt - repetiu, desejando que acordasse do pesadelo que estava a causar-lhe tanta dor.

Fliss não teve que pensar muito para saber que tipo de pesadelo seria. Provavelmente repetia-se constantemente. Com frequência, Matt dissera-lhe que lhe custava dormir, e não era de estranhar se os seus pesadelos eram tão aterradores como o que parecia estar a ter naquele momento.

Então, ele falou uma série de frases desconexas, gritos e insultos, alguns na sua língua, outros na que Fliss suspeitou ser árabe.

Engolindo em seco e desejando tirá-lo do pesadelo, Fliss pôs-lhe uma mão no braço, mas antes de conseguir dizer o seu nome, Matt endireitou-se, de repente, e gritou, com os olhos abertos, o olhar escuro, vidrado, e cheio de ódio:

- Não me toques, seu filho da mãe!

 

-Matt...

Foi a única coisa que saiu dos seus lábios, o seu nome, mas pareceu ter um efeito imediato. O olhar vidrado e carregado de ódio desapareceu, e no seu lugar os olhos de Matt olharam para ela horrorizados ao aperceber-se da sua presença e do facto de Fliss ter sido testemunha da sua dor.

- Fliss - gemeu fracamente. - Oh, céus, Fliss, o que estás a fazer aqui?

Fliss mal conseguia balbuciar uma explicação.

- Estava preocupada contigo - conseguiu dizer, por fim. - Acho que estavas a ter um pesadelo.

- E que pesadelo - suspirou ele, deixando-se cair novamente nas almofadas. - Assustei-te, não foi? - estendeu a mão para ela. - Perdoa-me.

As pernas de Fliss tremiam tanto que deixou que ele lhe agarrasse na mão e a puxasse para se sentar na cama.

- Senta-te - disse ele, em tom rouco, desenhando círculos com o polegar na palma da mão. - Parece que viste um fantasma.

- Um fantasma não, um monstro, talvez - admitiu ela.

Matt deixou escapar um suspiro, levou a mão feminina aos lábios e acariciou os nós dos dedos com a língua.

- Há muito tempo que não tinha este pesadelo.

- Suponho que não queiras falar disso.

- Não - respondeu ele, e beijou-lhe a palma da mão.

Depois, levantou a cara e olhou para ela, e ela baixou a cabeça, coibida, sem poder evitar sentir a pressão quente da coxa masculina na sua anca. No entanto, desviar os olhos também tinha os seus perigos. O lençol mal o cobria por baixo do umbigo e reparou que se mexia ligeiramente. Fliss sentiu que lhe parava o coração. Matt estava excitado e eles estavam sozinhos em casa. Tinha que ir-se embora, pensou, consciente da situação. Tinha que se ir embora antes que acontecesse algo irreparável, pensou. No entanto, não queria, admitiu, por fim, para si. O que queria era deslizar na cama com ele, abraçá-lo e consolá-lo.

- Se já estás bem - murmurou ela, fazendo um grande esforço, e com a esperança de que lhe soltasse a mão e a ajudasse a não cometer uma tolice, vou continuar com o meu trabalho.

- Não tens que ter medo de mim - disse ele, que em vez de lhe soltar a mão, lhe acariciou o rosto com a outra. - Desejo acariciar-te, mas não posso magoar-te.

"É claro que podes", pensou ela, recordando a última vez que a tinha acariciado. O seu coração batia, desbocado, e uma gota de suor começava a descer entre os seus seios. Se não se fosse embora logo, sabia que iria dizer ou fazer algo estúpido, e não podia permitir-se.

- Solta-me a mão - disse, suplicante. - Ambos sabemos que isto não vai a lado nenhum, Matt. Para quê estragar uma boa relação de trabalho com... com sexo? - forçou um sorriso. - Solta-me.

Matt desatou a rir, mas não foi uma gargalhada nervosa como a dela, nem uma gargalhada divertida, mas sim uma gargalhada carregada de dor que falava de lembranças que era melhor esquecer.

- Matt - suplicou, desejando tranquilizá-lo e consolá-lo, e sem saber como. - Não queria dizer isso.

- Não? Bom, era uma hipótese muito razoável. Estamos os dois sozinhos, e tens todo o direito de pensar que posso querer aproveitar-me de ti.

- Eu não pensaria isso - protestou Fliss. Fez uma pausa, procurando as palavras. - Escuta, se há algo que eu receie, é da minha reacção se... se tentares seduzir-me.

- Oh, Fliss! - exclamou ele, pondo-lhe uma mão atrás da cabeça e atraindo-a para ele. - És toda uma contradição.

Quando Matt a beijou, com a sua boca quente e apaixonada, com a língua a acariciar a sua boca, Fliss não conseguiu evitar responder com a mesma paixão. Então, ele rodou sobre a cama e aprisionou-a com o seu corpo. O lençol que o cobria enredou-se entre os dois corpos, e ela sentiu o peso quente e musculado do seu corpo sobre o dela.

Era uma sensação deliciosa. Uma perna musculada abriu caminho por entre as dela, levantando-lhe a saia, deixando a descoberto a simples roupa interior de algodão que não se podia comparar com a sofisticação a que provavelmente ele estava habituado. Contudo, Fliss não queria pensar nisso. Já era suficiente sentir Matt a beijá-la com a mesma paixão e a mesma necessidade que ela sentia.

- Isto é uma loucura - sussurrou ele, no seu pescoço.

No entanto, Fliss não quis ouvir. Segurou-lhe a cabeça com as mãos e calou as suas palavras com a boca. Pensaria nas recriminações mais tarde, quando aquela loucura pertencesse ao passado.

Apesar do que tinha dito, Matt também não parecia conseguir controlar o que estava a acontecer. Acariciou-lhe a cintura com as mãos, que continuaram para cima, para os suaves montículos dos seus seios, e cobriram os mamilos erectos que empurravam o tecido do sutiã.

- Fliss... - gemeu, quase num lamento. Contudo, ela não lhe ia permitir expressar as suas dúvidas em voz alta. Levando as mãos atrás das costas, desabotoou o sutiã e deixou que um gemido escapasse da sua boca ao sentir os dedos de Matt na sua pele nua.

- Meu Deus, Fliss - murmurou ele, desta vez sem reticências na voz.

Ela gemeu novamente quando lhe levantou a t-shirt e agarrou num mamilo erecto com a boca.

A língua rodeou o mamilo com avidez antes de sugar fortemente a ponta endurecida. Depois, Matt fez o mesmo com o outro seio, e Fliss deixou-se levar pela onda de dor prazenteira que a envolveu. Uma descarga de calor invadiu o seu ventre, e ela tremeu com emoções que nunca tinha experimentado.

Um forte batimento entre as pernas, um desejo que só ele podia satisfazer.

Matt tirou-lhe a t-shirt pela cabeça, deslizou o sutiã pelos seus braços e deixou-o no chão. Depois, mergulhou a cabeça no cabelo avermelhado sobre a almofada.

- Cheiras tão bem - sussurrou ele, com voz entrecortada e rouca.

"Tu também", reconheceu ela, em silêncio, consciente da fragrância masculina da sua pele, mais sensual ainda por causa do calor que o seu corpo desprendia.

Então, ela identificou a pressão cada vez mais forte na sua anca: era a erecção forte e poderosa de Matt pulsando contra o seu corpo.

Tinha a saia enrolada na cintura, e sentiu como a mão de Matt tremia ao acariciar a sua parte mais íntima por cima do suave tecido de algodão.

- Estás húmida - disse ele, com voz rouca, e ela apercebeu-se que Matt conseguia sentir claramente a sua excitação através da roupa.

- Eu sei - respondeu, meio a desculpar-se.

- Céus, Fliss - murmurou ele, descendo-lhe as cuecas até aos joelhos e acariciando-a com o polegar, - não devias envergonhar-te disto.

Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, ele deslizou pelo seu corpo até que a sua boca ficou à altura da sua parte mais íntima.

Fliss não podia acreditar no que estava a fazer. Sensações totalmente novas invadiam o seu corpo sem que ela pudesse controlá-las, e apesar de querer esperar pelo clímax quando ele estivesse dentro dela, o orgasmo foi irresistível e assustador. Uma incrível onda de prazer levou-a à beira do abismo, e o estremecimento posterior ofereceu a Matt a doçura da sua essência. Depois, enquanto ela lutava por recuperar a prudência, ele voltou a deslizar-se sobre ela e deixou que ela saboreasse a sua própria essência nos seus lábios.

Fliss sentiu o seu corpo envolto numa bola de fogo. Contudo, o poderoso orgasmo só a tinha deixado parcialmente satisfeita. Queria mais. Queria-o a ele. E ficou horrorizada quando Matt se afastou bruscamente dela.

Fliss olhou para ele com incredulidade. Não ia permitir que lhe desse prazer a ela, sem alcançar o seu próprio prazer. Sem pensar duas vezes despiu as duas peças de roupa que ainda restavam no seu corpo. Nua como estava, pôs-se sobre ele, inclinou-se e cobriu-lhe a boca com a sua.

-Fliss...

Matt pronunciou o seu nome contra os seus lábios, com os olhos muito abertos e cheios de uma expressão de arrependimento que ela se negava a aceitar. Ele desejava-a, ela sabia. E apesar da sua negação, quando Fliss lhe acariciou a boca com a língua, Matt abriu os lábios quase automaticamente.

Uma sensação de triunfo apoderou-se dela ao sentir a sua reacção e a sua respiração acelerada. Descendo um pouco mais a cabeça, Fliss mordiscou um dos mamilos erectos, e o gemido que escapou da boca de Matt não era certamente de protesto.

No entanto, quando ela começou a depositar uma corrente de beijos húmidos pelo seu peito e o seu estômago, e deslizou os dedos para o seu sexo, a reacção de Matt foi muito diferente. Segurou-lhe com força os dedos e num tom apagado exclamou:

-Não!

A reacção imediata de Fliss foi obedecer, mas a expressão nos seus olhos fê-la hesitar e não render-se. Sentia que se passava alguma coisa, algo que ainda não entendia, mas pensava fazê-lo.

- Tu desejas-me - disse ela, numa voz quase tão rouca como a dele. - Desejas-me - insistiu. E como era a única coisa que lhe ocorria para explicar a reacção de Matt, acrescentou: - Não quero que sintas nenhum compromisso comigo. Tenho consciência de que Diane...

- Não é Diane - resmungou ele.

Uma vez mais, Fliss sentiu-se invadida pelas dúvidas e o receio de que talvez fosse ela a estar enganada. Talvez ele não a desejasse. Mas então, com voz rouca, Matt continuou a explicar o que se passava com ele.

- Claro que te desejo, raios. Daria tudo se conseguisse... - calou-se, olhando para ela com expressão atormentada. - Mas não consigo. Entendes? Não consigo, sou impotente, Fliss. Foi isso que aqueles porcos me fizeram. Assim que penso em sexo... resmungou. - Por isso é que não consigo fazer amor contigo. Não sirvo para ti, nem para nenhuma mulher.

O silêncio que se seguiu foi significativo unicamente pela sua brevidade.

- Não acredito em ti! - exclamou Fliss. - Estavas excitado. Eu senti, na anca.

- Foi imaginação tua! - gritou ele, bruscamente.

- Eu sei o que senti, Matt - disse ela.

- Por favor, deixa-me - pediu ele, cansado. Fliss olhou para ele e viu que estava novamente flácido, o poder da sua erecção destruído pela sua própria incredulidade.

Inclinou-se para a frente e pôs-lhe uma mão no rosto. Como esperava, Matt reagiu violentamente e afastou-lhe a mão com brusquidão, ao mesmo tempo que tentava afastar-se dela. Contudo, Fliss foi mais rápida e sentou-se em cima dele, prendendo-o contra a cama com as pernas.

- Que raios...? - começou ele.

Pondo um dedo nos seus lábios, ela inclinou-se para ele até que os seus seios roçaram o peito musculado. Então, agarrando-os com as suas mãos, mostrou-lhos com um sorriso totalmente sedutor.

- Estás louca? - perguntou ele, mas ela viu-o a olhar para ela, viu a neblina de desejo que cobriu os seus olhos enquanto ela se mexia sobre ele. E Matt sentiu a carícia da humidade feminina no seu sexo.

- O que me fizeste há pouco - disse ela, com voz rouca, - fá-lo-ás outra vez? Eu... preciso.

-Meu Deus, Fliss...

- Eu posso fazer-to a ti - murmurou e sentiu uma incrível sensação de triunfo ao reparar como ele se endurecia por debaixo dela.

- Não sabes o que estás a dizer - disse ele, brusco.

- Vamos ver - replicou ela, sem saber de onde tinha tirado tanta segurança na sua capacidade sedutora. Inclinou-se para a frente, colou os seios contra o seu peito e desenhou o perfil dos seus lábios com a língua. - Hum, sabes maravilhosamente!

-Fliss...

Havia uma nota de desespero na voz masculina, mas não pareceu ter muito efeito na reacção potente do seu corpo. Quando Fliss se afastou, a erecção de Matt levantou-se, orgulhosa, e ela rodeou-a com a mão antes de se inclinar para a acariciar com a sua boca.

Matt tentou afastá-la, mas ela não o permitiu. Percorreu com a língua o seu membro viril, duro e sedoso, e Fliss imaginou como seria maravilhoso senti-lo dentro do seu corpo.

- Por favor... - gemeu ele.

Só havia uma forma de provar a Matt que não era tão impotente como pensava. Pondo-se de joelhos, colocou-se em cima dele e, antes que ele pudesse detê-la, antes de perder a coragem de o fazer, Fliss desceu sobre ele.

A primeira coisa que pensou foi que tinha sido demasiado ambiciosa. Não podia fazê-lo. Matt era demasiado grande para ela. No entanto, apesar do protesto rouco dele, ela insistiu e o seu corpo não demorou para se adaptar à erecção. Segundos mais tarde, ele estava totalmente dentro dela, enchendo-a por completo.

- Fliss.

Fliss inclinou-se para a frente para o sossegar com um beijo, e apesar da resistência de Matt, foi um beijo diferente de todos os anteriores que tinham partilhado, quase destrutivo na sua intensidade. Era uma afirmação de que tinham sido feitos um para o outro, e quase sem ter consciência do que estava a fazer, Fliss começou a mover-se.

Com as mãos apoiadas nas almofadas, de ambos os lados da cabeça de Matt, a sua primeira tentativa foi quase isso, uma tentativa. No entanto, resultou, e ela repetiu-o. Embora tivesse a certeza de que Matt continuava a acreditar que aquilo era uma perda de tempo, ele não conseguiu evitar a sua própria participação.

Os beijos tornaram-se cada vez mais apaixonados, mais urgentes e mais descontrolados e, por fim, Fliss endireitou-se em cima dele para se apoderar de Matt de uma forma mais completa.

Como se, finalmente, Matt acreditasse que podia haver algo verdadeiro no que ela estava a demonstrar-lhe, rodou sobre ela outra vez e tomou a posição dominante.

Fliss não soube quantas vezes alcançou o orgasmo durante aquela posse selvagem. Pelo menos três vezes antes de Matt alcançar o seu, dentro dela, tremendo e suando.

 

- Posso ir contigo a casa de Matt? - perguntou Amy, na manhã seguinte, à hora do pequeno-almoço, na cozinha, enquanto Fliss arrumava a mesa e o seu pai lia o jornal. - Hoje não temos escola e tenho a certeza de que Matt não se importará.

- O senhor Quinn - corrigiu-a Fliss e, então, consciente de que o seu pai podia suspeitar de algo pela sua atitude, acrescentou: - Vai fazer as camas. Vou pensar melhor, está bem?

- Está bem.

George Taylor olhava para ela por cima do jornal, com expressão pensativa, e Fliss fugiu para o andar superior antes de ter que enfrentar as possíveis perguntas indiscretas.

Contudo, conseguia entendê-lo. Desde o seu regresso de casa de Matt no dia anterior, estivera muito calada, alegando cansaço, mas mais cedo ou mais tarde, o seu pai pedir-lhe-ia uma explicação e ela não a tinha.

Na verdade, não sabia o que sentia. Não tinha dúvidas dos seus sentimentos para com Matt, mas não era esse o problema. O problema era os sentimentos de Matt para com ela. Apesar do que lhe dissera no dia anterior, custava-lhe acreditar que não fosse mais do que uma forma de agradecimento.

Quando recordava as duas vezes anteriores em que a tinha beijado, apercebia-se de que as intenções de Matt podiam ter sido muito diferentes. Suspeitava que ambas as vezes tinham sido tentativas frustradas de demonstrar a sua própria falta de libido, e que sempre os tinham interrompido antes de ela descobrir a verdade.

Sentia-se magoada ao pensar que ele a usara assim, mas também não tinha provas.

Apesar de tudo, não conseguiu evitar maravilhar-se perante o seu comportamento. Ela, Fliss Taylor, mãe solteira e dona-de-casa, cujo único êxito na vida tinham sido três anos na universidade e um ano de formação como fisioterapeuta, com uma única relação frustrada no seu passado, tinha seduzido Matt Quinn, jornalista de televisão, ex-prisioneiro de guerra e uma celebridade em todo o mundo.

Era incrível. Até naquele momento, custava-lhe recordar como tivera coragem de se comportar como fizera. Sem pensar duas vezes, comportara-se como uma mulher fatal, e surpreendentemente, tinha funcionado. O sexo que tinham partilhado tinha sido louco, apaixonado, incrivelmente emotivo e, por fim, Matt ficara totalmente satisfeito e agradecido.

Porém, ela não queria o seu agradecimento e não queria pensar que tudo o que os seus esforços tinham despertado nele era a obrigação de lhe agradecer. O que certamente ela não esperava era que lhe dissesse que a amava. Claro que não! Não quando ela sabia com plena certeza de que, até aquele momento de revelação no seu quarto, a única coisa que ele tinha sentido por ela era afeição.

Por isso quando, depois de fazer amor, ele se meteu no duche, ela apressara-se a vestir-se e a descer para a cozinha, fugindo de uma situação que não podia dominar, e demasiado envergonhada para o enfrentar.

Ao fim de um momento, Matt descera à cozinha, rodeara-a com os seus braços e mergulhara a sua cara no quente ângulo formado pelo seu pescoço e o seu ombro.

- Eu amo-te, Fliss Taylor, sabes disso? - murmurou ele, roucamente, e ela sentira o coração na garganta. No entanto, o momento fora totalmente destruído quando ele dissera: - Meu Deus, não sabes o que fizeste por mim. Nunca poderei agradecer-te.

Então, ela escapara dos seus braços e fizera o que devia ter feito há meia hora.

- Não precisas de me agradecer - dissera, tensamente. - Eu... se não te importares, eu gostaria de ir a casa tomar um duche. Sinto-me... suja.

Não fora a melhor escolha de palavras, soubera imediatamente. No entanto, naquele momento, não estava a pensar em não ferir os seus sentimentos. Não podia acreditar que lhe tinha dito que a amava. Pelo amor de Deus, o que pensava? Que se sentiria elogiada? Que acreditaria nele?

Apercebera-se de que Matt ficara perplexo perante a sua resposta, mas não conseguira evitá-la. Queria que ele entendesse que não precisava de mentiras piedosas nem concessões de culpa.

- Se é isso que queres - dissera ele, como resposta.

Ela ignorou a evidente confusão na expressão do seu rosto e partiu.

Agora, tinham passado vinte e quatro horas, e tinha que voltar a casa dele. Poderia continuar a trabalhar para ele depois do que tinha acontecido? Quereria vê-la ali todos os dias? Poderia suportar ela a tensão emocional?

Quando terminou de fazer as camas e desceu para a cozinha, encontrou Amy à espera da sua decisão. Fliss decidiu que seria mais fácil se levasse a sua filha consigo. Assim, não teria a oportunidade de falar em privado com Matt, e provavelmente seria melhor assim.

- Diz a Matt que encontrei uma página na Internet sobre ditaduras militares - disse-lhe o seu pai, ao vê-la preparar-se para sair. - De certeza que lhe interessa.

- Está bem - respondeu Fliss, levando a menina para a porta.

Apesar de todos os seus receios de se encontrar com Matt em casa dele, a realidade esbofeteou-a em pleno rosto com muito menos piedade. A única pessoa que havia em casa quando ela chegou era o pintor que Matt contratara, com a mensagem de que o senhor Quinn tinha ido a Londres e só iria precisar dela dentro de uma semana.

Fliss regressou a casa absorta no mais profundo atordoamento. Mal podia acreditar que Matt tinha ido a Londres sem ter sequer a delicadeza de lhe dizer. Claro que, depois da forma como ela se comportara no dia anterior, talvez ele tivesse decidido que não merecia nenhuma explicação.

No entanto, isso não era próprio de Matt. Devia ter acontecido alguma coisa, alguma coisa urgente que reclamasse a sua presença na cidade.

- Matt foi a Londres - anunciou Amy assim que entraram em casa.

- A Londres? - repetiu George Taylor. - E tu não sabias de nada?

- Evidentemente, não - respondeu Fliss, sem querer deixar que o seu pai reparasse na irritação que sentia. - Deve ter surgido alguma emergência.

- E não te telefonou para te avisar. Eu disse-te que não me agradava que trabalhasses para ele.

Fliss forçou um sorriso.

- Pensava que tinhas dito que tinhas mudado de opinião sobre ele. Não me pediste para lhe dizer não sei o quê sobre uma página da Internet?

- Hum... - o seu pai não gostou que lho recordasse. - De qualquer modo, os homens como ele não mudam. De certeza que foi à procura da filha dos Chesney, outra vez. O pai dela comentou-me que tinham discutido. Pelos vistos, ela não queria que ele se mudasse para cá. Suponho que seja só uma questão de tempo para o convencer a voltar para Londres.

Fliss abriu a boca para dizer que isso não era verdade, mas fechou-a a tempo. Talvez o seu pai tivesse razão. Apesar da sua declaração de amor, no fundo ela continuava a pensar que Matt ainda estava apaixonado por Diane. E agora, graças a Fliss, poderia retomar a sua relação com ela, sabendo que a sua libido estava totalmente recuperada.

Isso feriu-a.

Mesmo que não acreditasse que Matt a amava, a possibilidade de ele estar disposto a perdoar as infidelidades de Diane incomodava-a. Sobretudo pela intensidade com que lhe garantira que Diane já não significava nada para ele.

Tudo aquilo era demasiado, e, desculpando-se, Fliss subiu as escadas a correr e fechou-se no seu quarto. Não se arrependia do que tinha feito, disse para si com ferocidade. Acontecesse o que acontecesse, nunca se arrependeria de ter contribuído para a sua recuperação. Só desejava que Matt tivesse escolhido amar alguém que valesse mais a pena que Diane Chesney.

 

Matt regressou ao Mallon's End uns dias depois, a meio da tarde.

A sua intenção fora chegar logo depois do almoço, no entanto, a chegada de Diane atrasara-o. A desculpa dela, de ter ido ver a sua mãe, fora bastante convincente, no entanto, assim que tinham saído do quarto da mãe, Matt entendeu o verdadeiro objectivo da sua visita.

- Não é verdade que não queiras voltar a ver-me

- protestou ela, com os olhos cheios de lágrimas. É verdade, cometi um erro, mas não amo Tony, amo-te a ti, Matt.

Matt levantou os olhos do monte de cartas que se acumulara durante a estadia da sua mãe no hospital. Tinham sido apenas uns dias, mas a caixa do correio estava cheia.

- Eu não te amo, Diane. Acho que nunca te amei

- respondeu ele, com total sinceridade. - Penso que a tua atenção adulou a minha vaidade. És uma mulher muito bonita.

- O que mudou? - perguntou ela, olhando para ele com incredulidade.

- Eu mudei - respondeu ele. - Decidi que quero mais da vida do que aquilo que tu podes oferecer-me.

- O quê?

Matt apercebeu-se de que Diane estava com dificuldades para controlar o seu génio.

- Um lar e filhos - respondeu ele. - Algo que nunca te interessou.

Diane apertou os lábios.

- E suponho que o teu repentino desejo de mudar de vida não tem nada a ver com a tua empregada de limpeza, pois não? - gritou-lhe, furiosa.

- Isso não te diz respeito - respondeu Matt, encolhendo os ombros.

- A tua mãe nunca a aceitará - exclamou, brincalhona. - Devias ter ouvido a reacção dela quando lhe disse que Fliss teve um bebé aos dezasseis anos. Estava horrorizada.

Matt ficou tenso.

- E exactamente quando lhe deste essa informação? - quis saber ele, tentando recordar-se. - Não me comentou nada a respeito disso.

- Não, bom, suponho que não tenha conseguido

- confessou Diane. - Falei com ela na terça-feira à tarde. Telefonou-me quando voltou de Mallon's End. Estava preocupada contigo e Fliss Taylor. Penso que teve o enfarte no dia seguinte.

Matt não podia acreditar no que estava a ouvir.

- Falaste com a minha mãe na terça-feira à tarde? Diane assentiu.

- És uma bruxa - disse ele. - Não te ocorreu pensar que as tuas palavras podiam perturbá-la?

- Só lhe disse a verdade - insistiu Diane. - Se não querias que a perturbasse, não devias ter-te envolvido com Fliss.

- O que sabes tu dela? A única coisa que sabes são os mexericos da tua mãe. Mas não devias julgá-la pelos teus próprios princípios. O facto de tu ires para a cama com qualquer um que te peça, não significa que Fliss também o faça.

- Oh, estou a ver! - Diane estava furiosa. - Rejeitou-te. Isso podia eu ter-te dito. É uma frígida. Até dizem que engravidou virgem.

Naquele momento, a enfermeira que tratava da senhora Quinn apareceu e pediu-lhes que baixassem o tom de voz para não incomodar a doente. Matt, alterado, pediu-lhe sem rodeios que acompanhasse a menina Chesney à porta.

Depois, subiu para o quarto da sua mãe e comprovou com alívio que o enfarte que sofrera na madrugada de quarta-feira não provocara sequelas graves. A sua mãe estava tão alerta como sempre, e esperando uma explicação sobre as vozes que tinha ouvido uns minutos antes.

Matt pediu-lhe que ignorasse tudo o que Diane lhe contara sobre Fliss. Sim, tivera uma filha aos dezasseis anos, mas isso não a transformava numa má pessoa. Cometera um erro e pagara por isso. No entanto, era uma boa mãe e tinha um tipo de vida discreta e normal.

- Então, tem uma filha - disse a sua mãe, por fim.

- Sim, e é uma menina maravilhosa. Quando a conheceres vais adorá-la, mãe.

- Então, vou conhecê-la?

- Espero que sim.

Mas até voltar a ver Fliss, até poder falar com ela, Matt não sabia o que se passava. Só sabia que a amava, e que ela o ajudara a acreditar outra vez em si mesmo.

Naquele momento, ao aproximar-se do cruzamento que levava à vila, Matt desejou ter conseguido falar com Fliss pessoalmente. Quando se tinha ido embora, deixara um bilhete na porta para o pintor com a chave da casa, juntamente com um envelope que ele devia entregar a Fliss. No entanto, não podia ter a certeza se ela o tinha recebido. Além disso, quando telefonara para casa dela, George Taylor atendera o telefone e não fora especialmente amável com ele.

Fliss estava no jardim da sua casa quando o todo-o-terreno de Matt estacionou à sua porta. Era uma tarde quente de Verão, e ela estava a arranhar umas jardineiras quando o viu entrar pelo portão do jardim.

- Olá! - cumprimentou Matt. - Pareces ocupada.

Na verdade, estava era cansada, suada, e nada preparada para falar com ele, apesar do muito que desejava voltar a vê-lo.

Matt, no entanto, tinha bom aspecto. Melhor do que bom, corrigiu-se ela em silêncio. Muito melhor do que da primeira vez que o vira a falar com Amy. Estava vestido de forma mais formal do que de costume, com um fato azul-marinho e uma camisa azul clara, que acentuava a sua elegância. Afrouxara a gravata e desabotoara o primeiro botão da camisa, e como sempre, emanava uma aura de sexualidade que despertou em Fliss emoções que ela conhecia muito bem.

- Voltaste agora? - perguntou ela, alisando a velha t-shirt que tinha, desejando tê-la deitado ao lixo há muito tempo, como insistira Amy, várias vezes.

- Agora mesmo - disse ele, tirando o casaco e pendurando-o ao ombro. - Sentiste a minha falta? acrescentou.

- Não sabia quanto tempo estarias fora - foi a resposta de Fliss. - Foste ver Diane?

Uma estranha expressão cobriu as feições masculinas por um instante.

- Sim, vi-a - respondeu ele, e Fliss sentiu um nó de pavor no estômago. - Leste o meu bilhete?

- Bilhete? O pintor disse-me que tinhas ido a Londres.

- Disse-te? - repetiu Matt, sem entender nada. Não te deu o meu bilhete?

- Bilhete?

- Deixei um bilhete para ti - garantiu-lhe ele.

- Eu não vi nenhum bilhete - respondeu ela. E voltou ao assunto que mais lhe interessava. - Suponho que Diane tenha ficado contente por te ver.

- Esquece Diane - repetiu ele, como doutras vezes. - O que me interessa é se tu estás contente por me ver, ou não.

- Vais ficar? - perguntou ela.

- Que tipo de pergunta é essa? - quis saber ele, olhando para ela nos olhos. - Sabes? Tentei imaginar esta cena uma dúzia de vezes quando vinha para aqui, mas nunca saía assim.

- Lamento - respondeu ela. Passou a língua pelos lábios ressequidos. - Mas foste-te embora sem dizer nada a ninguém. Numa vila como esta, as pessoas falam sempre.

- E não te ocorreu sossegar os rumores? - sugeriu ele, suavemente. - Podias tê-lo feito - deixou que os seus dedos deslizassem pela manga da t-shirt dela até ao pulso. - Tu sabias que voltaria.

- Sabia? Não me disseste nada.

- Quis dizer.

- Porque não disseste?

- Importas-te que entremos? Não quero que toda a gente saiba da nossa conversa.

- Eu não vejo ninguém.

- O teu pai está? - perguntou ele, olhando para a casa. - Ele disse-te para não te envolveres comigo?

- Não sou uma criança, Matt.

- Não, mas não entendo porque estás tão hostil. Pelo amor de Deus, foi uma emergência. A minha mãe sofreu um enfarte durante a noite. Só tive tempo de escrever dois bilhetes.

Fliss olhou para ele, absorvendo o que estava a dizer-lhe com certa reticência.

- Podias ter telefonado - disse ela, por fim. Matt praguejou em voz alta.

- E telefonei, duas vezes. O teu pai não te disse?

- Não. Eu... tens a certeza? - Fliss olhou para ele, inquieta. - Falaste mesmo com o meu pai?

Duas vezes.

- Ele não me disse nada.

Matt assentiu, fazendo um gesto com a cabeça para a casa.

- Mais uma razão para falares com ele agora.

- Não está cá - murmurou Fliss. - Levou Amy ao cinema a Westerbury.

- Melhor - disse Matt, o seu olhar carregado de desejo. - Assim poderemos falar. Diz-me que estás contente por me ver. Diz-me que sentiste a minha falta.

Fliss engoliu em seco.

- Por favor, Matt, vai gozar com outra pessoa disse, recuando pelos degraus que davam acesso à casa até que chegou à porta.

- O que estás a dizer? - perguntou ele, seguindo-a, os seus olhos carregados de emoções intensas. - Pelo amor de Deus, Fliss, eu disse-te que te amava. Isso não significa nada para ti?

Fliss mal conseguia respirar. -Tu... amas-me?

- Foi isso que eu te disse - garantiu-lhe ele.

Entrou em casa, atrás dela, e agarrou-a pela cintura, fazendo-a virar-se para ele e apoderando-se da sua boca.

Fliss soube que estava a ser muito fácil, deixando-o ver como ela sucumbia perante ele. Contudo, naquele momento, não se importava. Sentira falta dele, e não conseguia esconder os seus sentimentos.

- Meu Deus, Fliss, não fazes ideia de como me fazes sentir - murmurou ele, por fim, apoiando a testa na dela. - Diz-me porque não acreditaste em mim quando te disse que te amava.

- O que terias pensado tu? - balbuciou ela. Acabavas de ter uma relação sexual...

- De fazer amor.

-...pela primeira vez em... em...

- Em dois anos - terminou ele por ela.

- Às vezes a paixão faz-nos dizer coisas... que não correspondem à realidade.

Matt suspirou sem deixar de lhe acariciar o lóbulo da orelha com os lábios.

- Fliss, quando te disse que te amava, já tinha tomado um duche. Descer e encontrar-te à minha espera foi... foi o que sempre quis em toda a minha vida.

- Matt...

- Não, estou a falar a sério.

- Podia ter sido Diane.

Foi a primeira vez que Matt não reagiu violentamente perante a menção de Diane.

- Não, garanto-te. E ela tentou, mas eu não sentia absolutamente nada, só repulsa - explicou. - Eu amo-te e quero estar contigo, mas se precisares de mais tempo...

- Não sejas parvo - disse ela, com a voz rouca. Estes últimos dias já foram bastante longos.

Matt beijou-a novamente e tocou nas nádegas dela para a apertar contra ele. O desejo de estar contra ele era assustador, mas Fliss empurrou-o para trás quando ele tentou desabotoar-lhe as calças.

- Tenho... tenho que tomar um duche. Estou encharcada em suor - disse ela. E ao ver a expressão magoada no rosto de Matt, acrescentou: - Sobe comigo. Espera no meu quarto se quiseres.

No entanto, Matt não esperou e, poucos minutos depois de ela entrar no duche, ele entrou atrás dela, beijou-a na boca e tirou-lhe o sabão da mão.

- Deixa-me ser eu a fazer isso - pediu ele, e iniciou uma exploração sensual de cada centímetro do seu corpo, ao mesmo tempo que a sua erecção era prova evidente do muito que a desejava.

Fliss desejou voltar-se para ele, mas uma vez mais ele seduziu-a com as mãos antes de satisfazer outras necessidades.

- Agora acreditas em mim? - perguntou ele, horas depois, depois de fazer amor com ela no duche e na cama outra vez.

- Eu acredito em ti - sussurrou ela. - Eu também te amo. Tanto que quase tenho medo.

- Porquê medo? - perguntou ele, endireitando-se e apoiando-se num cotovelo para olhar para ela. - Sabes que te amo e que quero casar-me contigo. Mas se precisares de tempo para que Amy se...

- Amy adora-te.

- Isso significa que queres casar-te comigo? perguntou ele, ao mesmo tempo que lhe acariciava um mamilo erecto com os lábios.

- Sim, eu caso-me contigo.

Quando Fliss acabou de se vestir, o médico terminou de preencher uns papéis na sua mesa e dirigiu-se para a porta.

- Bom - disse, como lhe dissera há onze anos atrás. - A minha resposta é sim, está grávida. Senhor Quinn, pode entrar - informou, abrindo a porta da sala de espera.

Matt entrou no consultório do médico seguido de Amy, e os seus olhos foram directamente para o rosto acalorado de Fliss.

- Olá! - Matt cumprimentou-a. - Estás bem?

- O possível para quem está no seu estado - respondeu o médico por ela. A seguir, olhou para Amy.

- Esta menina sabe alguma coisa sobre isto?

- É claro - respondeu Matt, ausente, os seus olhos ainda no rosto da sua mulher.

Fliss apercebeu-se de que ele queria ouvi-lo dos seus lábios.

- Estou grávida de três meses - disse, olhando para ele, depois para Amy, e novamente para ele. Depois, voltou-se para olhar para a sua filha. - Vais ter um maninho ou uma maninha.

- Incrível! - exclamou Amy, impressionada. Vais ver como Kelly Mason vai ficar com ciúmes declarou, com um sorriso triunfal.

- Bom, de momento não vamos dizer a ninguém

- comentou Fliss, entrelaçando os dedos com os de Matt. - Pelo menos, até o teu avô saber.

George Taylor, por fim e embora com reticências, dera-lhes a sua bênção, um pouco mais tranquilo ao ver que a sua filha ia ser a nova senhora da grande mansão do coronel Phillips. Do outro lado do jardim da igreja, além disso, para o caso de ele precisar dela.

- É a tua avó - acrescentou Matt. - Se quiseres, podes dizer-lhe tu mesma.

- Covarde - sussurrou Fliss, ao seu lado, a brincar, dando-lhe uma cotovelada nas costelas.

Desde o seu casamento, há três meses, a senhora Quinn transformara-se numa visitante assídua de Mallon's End. A única coisa que queria era que o seu filho fosse feliz, e já não tinha nenhuma dúvida de que assim era. Além disso, Amy e ela tinham-se entendido na perfeição desde o primeiro momento. A menina nunca soubera o que era ter uma avó, já que a mãe de Fliss tinha morrido quando ela era muito nova.

Os três saíram do consultório médico e entraram no todo-o-terreno estacionado na porta. Era Outono, e as folhas das árvores começavam a ficar avermelhadas e douradas.

Depressa viria a Primavera, pensou Fliss, apoiando a cabeça no ombro de Matt, e com a Primavera uma nova vida para Matt, para ela e para Amy. Sorriu para o seu marido, pensando como a sua vida tinha mudado num ano.

- Eu amo-te - disse suavemente, e apertou-lhe o joelho.

- Eu também te amo - respondeu Matt.

- E eu amo-vos aos dois - declarou Amy, inclinando a cabeça para a frente.

Fliss e Matt trocaram um sorriso, um segundo antes de ele ligar o carro.

 

 

                                                                  Anne Mather

 

 

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