Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
RELATOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Ambiente e Origem
"Quem quer que acenda a tocha da guerra na Europa nada pode desejar senão o caos". Adolf Hitler, 21 de maio de 1935
A 30 de janeiro de 1933, Hitler ascendeu ao poder na Alemanha. Essa data marca, tanto quanto o pode fazer uma simples data, o fim do período "após-guerra", na história européia. Durante os catorze anos que se lhe seguiram, os estadistas tiveram seu pensamento subordinado à guerra passada, às suas lições e aos problemas que ela deixou por solucionar. De 1933 em diante, eles se viram forçados a subordinar cada vez mais seu pensamento à próxima guerra, e não à que passara.
Em busca da paz
O problema relevante, que as nações tiveram que enfrentar depois de 1918, foi o da criação de um mundo pacífico. A frase "uma guerra para terminar com a guerra" oculta uma profunda emoção nascida da revolta contra a barbárie da guerra, como meio de se solucionar disputas. Mas se uma repetição da pavorosa catástrofe tivesse de ser evitada, as condições capazes de torná-la possível deveriam ser removidas. Particularmente, o direito soberano de toda nação, de perturbar a paz na busca das respectivas finalidades nacionais, era algo que devia ser abolido. A insistência em torno desse direito e a recusa das Grandes Potências em subordinar suas ambições individuais ao bem-estar geral, resultaram na anarquia internacional que produziu a guerra de 1914. A estabilidade da paz, somente poderia ser assegurada pela eliminação da violência e a substituição dos métodos legais nas questões internacionais.
Assim, um dos maiores temas na história do mundo de após-guerra, é o esforço em favor do estabelecimento de um método para a solução pacífica das questões. O Covenant da Liga das Nações asseverou, em seu preâmbulo, ser desejo dos signatários promover a cooperação internacional "aceitando a obrigação de não recorrerem à guerra" e "pelo firme estabelecimento da compreensão do direito internacional, como a verdadeira regra de conduta entre os governos". O Covenant procurou pôr em prática esses princípios pelo assentamento de um modo de agir definitivo, em favor dos acordos pacíficos e pela criação de penalidades, ou "sanções", contra qualquer Estado que violasse essas resoluções. Por meio do Pacto de Paris, ou Pacto Kellog, sessenta e dois Estados concordaram em renunciar à guerra como "instrumento de política nacional" - isto é, como método de efetivar suas exigências ou de satisfazer suas ambições - e prometeram que somente por meios pacíficos procurariam ajustar suas disputas. Em adição a esse acordo geral, tratados específicos de conciliação e não-agressão foram concluídos por muitos Estados com os seus vizinhos. Mesmo assim, a possibilidade da guerra sob certas circunstâncias ainda permaneceu; mas se esses acordos tivessem sido fielmente observados, teriam representado um longo passo em prol da eliminação da guerra no mundo moderno.
Nesses acontecimentos, a República Alemã teve parte louvável. A amargura que se seguiu à guerra, e que achou expressão num conflito contínuo e inútil, entre vitorioso e vencido, começou a atenuar-se pelo ano de 1924. Os aliados reconheceram a necessidade de aceitar a Alemanha como componente normal da sociedade européia das nações. A Alemanha, por sua vez, sob a orientação de Stresmnann, abandonou a atitude de resistência e vingança, em favor de uma política de "reconciliação e realização". O resultado imediato dessa mudança foi o Tratado de Locarno em 1925. A Alemanha trocou mútuas garantias, com a Bélgica e a França, prometendo ambos os lados jamais entrar em guerra um contra o outro, e resolver por meios pacíficos "as questões de qualquer espécie que surgissem entre eles". Os tratados alemães de arbitramento com a Polônia e a Tchecoslováquia formaram parte do mesmo acordo. Em 1926, um tratado de não-agressão foi firmado entre a Alemanha e a Rússia. No mesmo ano, a Alemanha ingressou na Liga das Nações e aceitou as obrigações do Covenant. Em 1928, ela foi um dos signatários originais do Pacto de Paris, e, em 1929, suas relações pacíficas com a Rússia foram reforçadas por um tratado de conciliação entre as duas potências. De tais ações poder-se-ia deduzir que a Alemanha estava pronta para tomar parte ativa, senão dirigente, na causa da paz.
Atrás desses auspiciosos acontecimentos, contudo, outros, menos promissores se estavam processando. Subsistiam muitas das primitivas concepções de pré-guerra. A atitude de desconfiança e receio, legada pela guerra passada, custava a se desvanecer. E, o que não é menos importante, a tentativa de criar um mundo pacífico originou-se da situação estabelecida pelos tratados de 1919. Não há necessidade de se discutir aqui a sabedoria ou justiça dos tratados. É bastante se reconhecer que uma das suas causas fôra o anseio de se proteger contra qualquer novo ataque das potências derrotadas. As nações vitoriosas sentiram que deviam permanecer bastante fortes para jugular qualquer tentativa dessa natureza - ou melhor ainda, que os seus inimigos deviam tomar-se impotentes para repetir a agressão de 1914. Se um sistema de paz permanente pudesse ser estabelecido, essa atividade de desconfiança seria talvez abandonada. Mas até que pudessem confiar na eficácia de um sistema de segurança coletiva, no qual um Estado ameaçado pelos seus vizinhos pudesse contar com a proteção de outros Estados, as nações acharam que deveriam continuar confiando na sua própria superioridade de força.
O resultado foi que a idéia de se resolver disputas por negociações, ao invés da força, teve na prática um êxito muito limitado. As nações vitoriosas mostravam-se relutantes em conceder quaisquer vantagens substanciais das quais seus antigos inimigos se pudessem um dia utilizar contra ela. Isto significou que a Alemanha, por sua vez, se desiludiu de toda a idéia de soluções pacíficas. Stresemann conduziu a sua política com dificuldade, contra um forte elemento nacionalista, que acreditava mais na violência que na conciliação. Quando a política de Stresemann demonstrou ser incapaz de produzir os resultados esperados, e quando, além disso, a Alemanha mergulhou com o resto do mundo na depressão de 1929, o caminho estava aplainado para a derrocada de sua política de moderação e para a volta ao ódio e à violência.
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A filosofia de Hitler
O ódio e a violência levaram Hitler ao poder. Ele simbolizava um ponto de vista inteiramente hostil aos ideais que animavam os esforços tendentes ao estabelecimento de uma paz permanente. Contra o conceito de uma comunidade de nações, ele se batia por um nacionalismo fanático. Contra a idéia do domínio do direito, ele antepunha a supremacia da força armada. Os esforços que resultaram na criação da Liga das Nações e assinatura do Pacto de Paris estavam baseados na crença de que a paz não só era desejável como possível, e de que disputas entre nações poderiam ser solucionadas por meios de pacíficas negociações. O espírito que Hitler representava recusava-se a admitir que os desejos da Alemanha pudessem ficar comprometidos por concessões feitas a outras nações. Esses desejos tornaram-se "direitos" que não poderiam ser preteridos, que nem mesmo ficariam sujeitos a negociações, mas teriam que ser concedidos à Alemanha - ou a conseqüência seria a guerra.
Os alemães que adotaram esse ponto de vista, encontraram um objetivo concreto de ataque no Tratado de Versalhes. Por esse tratado, a Alemanha perdeu uma oitava parte de seu território de pré-guerra, inclusive terras que tinham sido suas durante gerações, e mesmo séculos. Perdeu mais de seis milhões de sua população, muitos alemães que assim ficaram separados da mãe-pátria. A perda do território significou a privação de importantes recursos, tais como carvão e ferro; e, além disso, a perda das antigas colônias, privou a Alemanha de outras fontes de abastecimento. Essas perdas serviram para desmantelar-lhe a organização econômica pré-guerra, e suas probabilidades de recompor-se ficaram gravemente dificultadas pelas reparações de guerra que lhe foram impostas. Além disto, o tratado imprimiu-lhe humilhações como a "mentira de culpada pela guerra", pelas quais ela aceitou a responsabilidade pela guerra de 1914; as restrições sobre suas forças armadas de terra e mar e a proibição de ter uma força aérea militar; a criação de uma permanente zona desmilitarizada em ambas as margens do Reno, nas quais nem tropas, nem fortificações eram permitidas; e um exército aliado de ocupação, que permaneceria em solo alemão pelo menos durante quinze anos depois da paz.
O primeiro objetivo da Alemanha nazista foi o de quebrar esses grilhões impostos pelo acordo da paz. Mesmo reconhecendo a perda da Alsácia-Lorena como definitiva, a Alemanha se recusava a aceitar indefinidamente uma situação que deixasse sua fronteira ocidental indefesa contra uma invasão. Na sua fronteira oriental, a Alemanha estava completamente insatisfeita com os limites de 1919. A perda de Dantzig, o desmembramento da Silésia, a criação do Corredor Polonês, que separou terras alemães, tudo, enfim, era olhado como afrontas intoleráveis aos direitos nacionais alemães. O retorno final desses territórios tornou-se, pois, um objetivo consistente da política exterior alemã.
Mas os objetivos de Hitler foram muito além disto. Embora tivesse adotado tanto a atitude militarista como as ambições pangermânicas, que existiram na Alemanha de antes da guerra, acabou por completo com os objetivos da diplomacia de antes da guerra. Bismarck, depois da sua vitória sobre a França, renunciou qualquer desejo de maior extensão das fronteiras alemães. Descrevendo a Alemanha como um "Estado saciado", ele se concentrou na construção de alianças e de amizades que a garantissem contra ataques. Quando os seus sucessores iniciaram uma política expansionista, fizeram-no mais na esfera colonial que na européia. Hitler, no Mein Kampf, manifesta o seu desdém por ambas as políticas. Não é bastante para a Alemanha recuperar as terras que perdeu como resultado da guerra. "A exigência do restabelecimento das fronteiras de 1914, é uma loucura política... As fronteiras de 1914 nada mais significam para o futuro da nação alemã " E a seus olhos a volta das colônias, pelo menos no momento, é igualmente sem importância. "Para a Alemanha, a única possibilidade de realizar uma política territorial solidamente alicerçada consiste na conquista de terras novas na própria Europa."
Atrás dessa idéia jazem as teorias raciais e nacionalistas de Hitler: raça como fundamento de todo o progresso humano, e pureza de sangue como fundamento da raça. "O povo não perece por perder guerras, mas pela perda daquela força de resistência, que é contida apenas no sangue puro." A raça mais alta, a criadora exclusiva da cultura moderna, é a ariana ou nórdica, que se corporifica da maneira mais pura nos alemães. É dever sagrado dos germânicos manter essa pureza e assegurar a sua supremacia sobre as raças inferiores que os rodeiam.
E o dever fundamental dessa raça superior, não é somente o de sobreviva, mas também o de expandir-se. O Estado "deve garantir à raça que ela cumpre uma finalidade sobre este planeta". A Alemanha tem que possuir toda a terra que for necessária para que o seu povo tenha conforto e segurança. "O direito à terra e solo pode ser mudado para dever, uma vez que sem extensão de solo, uma grande nação se veja condenada à ruína." isso se aplica não somente à atual população da Alemanha, mas ao seu crescimento futuro. "Hoje somos 80 milhões de alemães na Europa. Mas a justeza desta política externa não ficará estabelecida, senão quando dentro de um simples século 250 milhões de alemães estejam vivendo neste continente."
Esta é a doutrina que se resume na frase "sangue e solo". Envolve ela a determinação de reunir todos os alemães num só Estado, e a de adquirir terra bastante para lhes prestar apoio de acordo com o valor de sua superioridade racial. "Sem dúvida, tal política territorial não pode achar por exemplo a sua finalidade cumprida no Camerum, mas sim quase que exclusivamente na Europa". Mas onde na Europa pode a Alemanha encontrar terras para a expansão de sua população? Somente naquela grande planura setentrional que se estende para o leste das fronteiras alemães. "Falando de terras na Europa, hoje em dia apenas podemos referir-nos em primeira instância à Rússia e aos Estados fronteiriços sob a sua influência. Eles parecem ser o caminho que o destino nos aponta". E os povos inferiores que já vivem nessas terras, não têm direito algum que prevaleça contra as necessidades do alemão superior. Como já o expressou grosseiramente Alfred Rosenberg: "A honra racial exige território, e território bastante. Numa luta assim não pode haver consideração por vis poloneses, tchecos, etc. O terreno tem de ser limpo para os camponeses alemães".
Um programa desse modo revolucionário, não deixa claramente lugar para métodos de moderação. Stresemann, com suas limitadas aspirações, pôde ter esperança em ser afinal atendido por meio de negociações pacíficas. Hitler não podia esperar tal coisa e, de fato, não teve desejo algum de adotar esse meio. Ele o repudiou deliberadamente em favor de uma solução pela força. "A reconquista de territórios perdidos" - diz ele no Mein Kampf "não pode ser obtida com solenes apelos a Deus todo-poderoso, ou por meio de piedosas esperanças numa Liga das Nações, mas apenas pela força armada". E, de fato, este método é não somente necessário, mas admirável. "Aqueles que querem viver devem lutar, e os que não quiserem combater neste mundo de eternas lutas, não merecem viver... Nas guerras eternas, tornou-se grande a humanidade - na paz eterna, a humanidade se arruinaria".
A Alemanha e o desarmamento
A qualquer um que percebeu o significado desse programa, deve ter ficado claro que a Alemanha de Hitler precisava ser tratada de um modo muito diferente do da Alemanha de Stresemann. Contudo, a despeito de seu interesse pela ascenção de Hitler, as potências demonstraram pouca compreensão da natureza fundamental da metamorfose que assim teve lugar, não somente na Alemanha, mas também na situação internacional. Elas estavam talvez menos dispostas que nunca a fazer concessões de grande alcance que pudessem enfraquecer a sua presente situação de segurança; mas o método do gradual ajuste pela negociação, foi ainda o que tentaram aplicar nas suas relações com o novo regime.
E, de fato, a despeito da crescente impaciência da Alemanha, esse método lhes trouxe já importantes benefícios. O mais notável foi a solução da questão das reparações. Haviam sido feitos esforços para modificar e regularizar suas dificuldades econômicas por meio do Plano Dawes de 1924 e do Plano Young de 1929; e quando o último destes planos fracassou como resultado da depressão, ficou finalmente claro que toda a política de reparações se tornara impraticável. Ela foi abandonada em conseqüência da conferência de Lausanne de 1932; embora certas reivindicações fossem pró-forma mantidas e apesar de uma tentativa ter sido feita para encadear a resolução com o problema do débito da guerra, a resolução significou para todos os efeitos que o problema das reparações chegara a um fim.
Outro terreno em que a Alemanha obteve uma vantagem importante, se bem que muito mais limitada, foi o do desarmamento. As nações vitoriosas se colocaram na obrigação moral de tomar medidas reais nesse terreno. O Covenant da Liga asseverava que isso era necessário para a manutenção da paz. A cláusula do Tratado de Versalhes que impôs o desarmamento à Alemanha, afirmou que isto foi feito "com a finalidade de tornar possível a iniciativa de uma limitação geral dos armamentos de todas as nações." Numa nota à Alemanha a respeito dessa cláusula, os aliados tinham dito:
As potências aliadas e associadas desejam tornar claro, que as suas exigências em relação ao armamento alemão, não foram feitas unicamente com o objetivo de tornar impossível à Alemanha retomar a sua política de agressão militar. Elas também representam os primeiros passos para a redução e limitação dos armamentos, o que constituiria um dos mais frutíferos preventivos da guerra e cuja realização deverá ser um dos primeiros deveres da Liga das Nações.
Quando, pois, se reuniu a primeira conferência do desarmamento, em fevereiro de 1932, a Alemanha achou que tinha o direito de exigir que essa promessa fosse cumprida, ou que a Alemanha fosse libertada das limitações que lhe tinham sido impostas. Ficou demonstrado ser difícil a adoção do primeiro caso, e a França em particular mostrou-se relutante em aceitar o segundo. Apesar de tudo, um acordo foi conseguido a 11 de dezembro de 1932 - acordo por meio do qual a Inglaterra, a França e a Itália concordavam com o princípio de "igualdade de direitos, num sistema que daria segurança a todas as nações". O passo foi dado somente depois que a Alemanha se retirou da conferência de desarmamento, e a efetiva aplicação do princípio foi passível de nova dilação. Mas a própria aceitação do princípio, foi uma concessão muito real. Não mais foi possível resistir-se indefinidamente às reivindicações da Alemanha neste terreno.
Cedo tornou-se aparente, entretanto, que Hitler tinha pouca intenção de aguardar o lento progresso das negociações - se é que tinha mesmo algum desejo de obter um acordo negociado. Pelo mês de março de 1933, seus desafios tinham ido tão longe que a Grã-Bretanha se viu compelida a apresentar uma série inteiramente nova de propostas, numa tentativa para solver o impasse. A 13 de maio, um discurso do vice-chanceler von Papen, fez com que o mundo aguardasse com alarme, em suspense, a mensagem que Hitler devia dirigir ao Reichstag quatro dias mais tarde. Um apelo direto do presidente Roosevelt, teve o efeito de moderar a linguagem de Hitler, mas não a sua atitude fundamental. Já ele estava pondo em jogo as táticas que se iriam tornar familiares, que consistiam na apresentação de propostas aparentemente razoáveis e, em seguida, na fuga a qualquer negociação efetiva pela rejeição de tudo que pudesse significar uma garantia de sua boa fé. O clímax sobreveio a 14 de outubro de 1933. Na manhã desse dia, tinha sido discutida em Genebra uma nova proposta britânica que considerava um gradual desarmamento geral, sob a condição da Alemanha abster-se do rearmamento durante o intervalo necessário à realização da iniciativa. À tarde desse mesmo dia, Berlim anunciou a retirada da Alemanha, não somente da conferência, mas também da Liga das Nações. Foi o sinal de que Hitler tinha abandonado toda az pretensão de uma ação coletiva em favor do desafio, baseado na força.
Duas outras tentativas de manter a Alemanha associada aos esforços conjuntos desenvolvidos pelas outras potências, tinham fracassado nesse ínterim. Em junho, uma Conferência Econômica Mundial teve lugar em Londres. Em agosto, ela foi protelada numa atmosfera de desapontamento e desilusões. Mas no decorrer da conferência, a Alemanha tinha revelado a idéia que fazia das soluções econômicas, num memorando em que exigia a devolução das colônias alemães e a liberdade de agir à vontade contra a Rússia. Em julho, realizou-se em Roma uma conferência e nela Mussolini buscou um acordo que aplainaria o caminho do desejo mútuo da Alemanha e da Itália de revisar o tratado de paz, com o apoio benevolente da Grã-Bretanha a sobrepor-se à oposição da França. Mas a idéia somente conduziu a um Pacto das Quatro Potências, pacto tão inútil que nenhuma delas se deu sequer ao trabalho de o ratificar. Pelo mês de outubro, a Alemanha estava convencida de que, no momento, iria mais longe, caminhando sozinha.
A Alemanha se rearma
A despeito da gravidade da situação, o governo britânico preferiu manter-se otimista. Recusou-se a admitir que a brecha fosse permanente ou que os métodos de conciliação fossem daí por diante igualmente ineficazes. "A Alemanha não é objeto de imposições" - disse Sir John Simon. "Ela é parte numa discussão... Saudamos as garantias de Herr Hitler de que o único desejo da Alemanha é a paz e de que ela não tem intenções agressivas". A Grã-Bretanha, portanto, assumiu o papel de mediadora, numa tentativa de afastar as dificuldades, particularmente as existentes entre a França e a Alemanha. "A questão política central" - como disse Sir John Simon - "é como conciliar a exigência alemã de igualdade com o desejo de segurança da França." Para esse fim a Grã-Bretanha encorajou ativamente negociações diretas entre os dois Estados, baseadas na aceitação de uma medida limitada e controlada de rearmamento a favor da Alemanha.
Nada resultou desses esforços. A França estava determinada a encarar o rearmamento alemão como um perigo. A Alemanha por sua vez acompanhava suas ofertas com condições que pareciam anular limitações efetivas. Em tais circunstâncias, a França ficou mais determinada que nunca a tornar sua segurança absolutamente certa antes que se visse diante de uma Alemanha rearmada e agressiva; e em 1934 o primeiro ministro francês, Barthou, efetuou ativos esforços com essa finalidade.
O resultado foi o projeto de um Locarno oriental. A crescente preocupação da Rússia com o crescimento da Alemanha Nazista fê-la cada vez mais desejosa de tomar parte nos esforços em favor do estabelecimento de segurança coletiva. A profissão de fé hitleriana de pacíficas intenções deu uma oportunidade para a apresentação do novo projeto como uma prova de sua sinceridade. A França pode ter se mostrado céptica sobre o resultado, mas a Grã-Bretanha estava ansiosa por não deixar de tentar todos os esforços. Enquanto ela própria não estava disposta a aceitar novas incumbências, deu sua benévola aprovação à idéia de um pacto de mútuas garantias entre a Alemanha e suas vizinhas orientais, inclusive a Rússia, e a um complementar tratado de garantias entre a Rússia e a França, tratado a que a Alemanha teria uma oportunidade de se associar e o qual seria um elo com Locarno e o Covenant. Mas toda a esperança numa realização compreensiva desses planos desfez-se a 10 de setembro de 1934, quando uma nota alemã estabeleceu tantas condições para a discussão da proposta, que elas praticamente tiveram o significado de uma rejeição imediata.
Entrementes, multiplicaram-se os sinais da intenção alemã de levar a sua política agressiva ao limite máximo que permitisse o seu estado de relativa fraqueza. O fato de que, a despeito das limitações impostas pelos tratados, ela já começara a rearmar-se, foi revelado pelo orçamento alemão de março de 1934. Ao mesmo tempo, um discurso de Hitler acentuando os tópicos provocadores da mudança de fronteiras e da unidade racial fez crescer o alarme tanto na França como nos pequenos Estados fronteiriços à Alemanha. Não tardou muito que fatos concretos viessem aumentar essa sensação de perigo. A campanha alemã no Sarre, onde se realizou um plebiscito em janeiro de 1935, foi caracterizada pelas táticas nazistas de fanfarronice e ameaça; e, embora a votação que devolveu aquela área à Alemanha tivesse significado a solução pacífica do que poderia ter sido um problema perigoso, ela não foi, talvez, senão um infeliz encorajamento dos métodos e aspirações nazistas. A pressão nazista sobre Dantzig tornou-se fator seriamente inquietante. A agitação nazista em torno do Memel avolumou-se quase até o perigo de um ataque à Lituânia. Mais sérias que todas, as provocações nazistas na Áustria conduziram em julho de 1934 ao assassínio do chanceler Dollfuss e à perspectiva de uma invasão alemã. Não constituiu surpresa o fato de que durante esse ano os pequenos Estados começaram a esquecer suas diferenças e a reunir-se com o fim de proteger-se mutuamente. A formação de um pacto balcânico em fevereiro e de um pacto báltico em setembro e - mais notável ainda - a corrida tardia dessas pequenas nações para o reconhecimento da União Soviética, mostraram como sentiram o vento que estava soprando.
O governo britânico, contudo, continuava a esperar o melhor, e o retorno do Sarre à Alemanha parecia apresentar uma oportunidade para novos esforços. Hitler, ao tempo de sua retirada da Liga, tinha asseverado que o Sarre representava a única exigência territorial alemã à França. "Quando o território do Sarre tiver sido restituído à Alemanha, somente um louco poderá considerar a possibilidade de uma guerra entre os dois Estados." Sendo Hitler sincero, não parecia haver razões para que um acordo não fosse conseguido.
De conformidade com isto, e como resultado de uma reunião em Londres, a França e a Grã-Bretanha apresentaram uma série de propostas a 3 de fevereiro de 1935. Elas propuseram "uma geral convenção livremente negociada entre a Alemanha e as outras potências", a qual envolvia a remoção das restrições em torno do rearmamento alemão, em troca da volta da Alemanha à Liga das Nações e o abandono de sua parte de todas as intenções agressivas por meio da participação numa série de tratados de não-agressão e de assistência mútua.
A formal resposta alemã foi, como de costume, plausível e especiosa. Expressando um desejo sincero de "promover a salvaguarda da paz", ela se mostrou a favor de pactos bilaterais, como preferíveis a um tratado geral. Mas a verdadeira resposta alemã foi dada na forma de uma ação que mostrou a diferença entre as palavras e as ações. A 10 de março, o general Goering anunciou que a Alemanha já tinha, em violação ao tratado, criado uma força aérea militar. E a 16 de março, enquanto Sir John Simon esperava ir dentro de poucos dias a Berlim para discutir as recentes propostas, um decreto alemão anunciou a restauração do alistamento obrigatório e a criação de um exército de cerca de 550.000 homens.
Política conciliatória britânica
O resultado mostrou o sucesso daquela política de passo-a-passo que era o alicerce da tática hitleriana. "Um hábil conquistador" - tinha Hitler escrito no Mein Kampf - "imporá sempre que possível as suas exigências ao conquistado por meio de fatos consumados. Porque a rendição voluntária mina o caráter de um povo; e com um povo assim pode-se calcular que nenhuma dessas opressões em detalhe fornecerá razões bastantes para que torne a recorrer às armas." Aplicando este princípio, ele o ampliou pelos constantes esforços para dividir e isolar seus adversários, e uma tentativa para desarmá-los depois de cada golpe de violência que era apresentado como a última das ações dessa natureza. A oferta de uma base aparente para a paz futura.
Cedo tornou-se visível que neste caso não havia perigo algum de um recurso à guerra. Embora a Grã-Bretanha protestasse, ela não se uniria à França na consideração da possibilidade de medidas punitivas. A Grã-Bretanha, a França e a Itália se reuniram em Stresa em abril para condenar a ação alemã - condenação ecoada uma semana mais tarde pela Liga das Nações. A Alemanha não teve obstáculos; e os acontecimentos que se seguiram poderiam, sob certos aspectos, sugerir que a Alemanha estava no caminho de ainda outros avanços como resultado de seu provocante recurso à política da força.
Porque, afinal de contas, impunha-se a pergunta: agora que a Alemanha tem armas, de que modo provavelmente vai usá-las? Todos os que acreditavam em que os verdadeiros propósitos de Hitler estavam expressos no Mein Kampf, viram-se obrigados a prever que uma Alemanha rearmada seguiria uma política de agressão baseada na força. Mas à linguagem do livro poder-se-ia contrapor as expressões de devoção à paz tão freqüentes nos discursos de Hitler. A despeito de uma série de ações que poderiam parecer curiosamente em desacordo com essa aspiração, uma parte da opinião britânica mostrou-se fortemente inclinada a aceitar a palavra de Hitler e desenvolver esforços, até agora fúteis, para o encontro de uma base permanente de concórdia.
Em conseqüência, apenas nove dias depois que a Alemanha anunciou o seu rearmamento, Sir John Simon e Mr. Antony Eden visitaram Berlim e conferenciaram com Hitler e seus oficiais. Embora tivesse sido anunciado depois do encontro que "as aspirações dos dois governos são assegurar e reforçar a paz européia promovendo a cooperação internacional", nenhum resultado específico foi conseguido; e a alegada amistosidade das conversações não impediu a Grã-Bretanha de unir-se à censura à Alemanha em Stresa e Genebra. Mas em maio uma nova oportunidade surgiu para explorar ainda mais as perspectivas de conciliação.
Essa oportunidade se apresentou quando do discurso de Hitler perante o Reichstag, a 21 de maio de 1935. Uma vez mais, ele negou quaisquer propósitos agressivos e insistiu em que uma Alemanha forte e satisfeita seria uma contribuição à paz européia. E ainda mais, subordinou a política alemã a treze pontos que pareciam adequados para oferecer uma base real a um acordo construtivo. Reiterando sua exigência por uma real eqüidade, Hitler lhe acrescentou a promessa implícita de voltar à Liga se esta fosse separada do Tratado. Prometeu respeitar para o futuro não somente as cláusulas territoriais de Versalhes, mas todos os tratados voluntariamente firmados; e foi tornado claro que isso envolvia a aceitação da zona desmilitarizada ao longo do Reno. Renovou a oferta de concluir pactos de não-agressão com os vizinhos da Alemanha, e aduziu a isto ofertas de um pacto aéreo suplementar ao de Locarno, aceitação de um esquema justo e prático para a limitação dos armamentos e "um arranjo internacional que evitará de um modo efetivo e tornará impossíveis todas as tentativas de interferência externa nos negócios de outros Estados".
Essas ofertas, encorajadoras ao primeiro relance, mostraram-se notavelmente artificiosas mal foram feitas tentativas para transformá-las em realidade. A idéia de um pacto aéreo jamais passou de uma troca de pontos de vista; e um questionário britânico tendente a obter uma explanação mais precisa das idéias de Hitler encontrou contínua escapatória. Um acordo se seguiu rapidamente, mas este dificilmente podia ser encarado como um obstáculo aos progressos de Hitler ou contribuição à segurança coletiva.
Este foi o acordo naval anglo-germânico. Durante a visita de Sir John Simon, Hitler tinha apresentado suas exigências por uma igualdade com a França no ar, e por uma armada igual a 35% da marinha britânica. Estas exigências foram repetidas em seu discurso de 21 de maio. A Grã-Bretanha não teve esperança alguma de fazer a França concordar com a igualdade aérea alemã, mas ela também teve em vista o fato de ter a Alemanha criado uma força aérea eficiente a despeito de todas as objeções. Ficou convencida de que a Alemanha iria rearmar-se; faltava apenas saber se o rearmamento seria limitado por um acordo definitivo ou livremente realizado sem nenhuma restrição efetiva. A Grã-Bretanha, portanto, decidiu-se a negociar em torno da questão naval; e sua decisão foi reforçada quando recebeu a informação de que em abril, já haviam sido dadas ordens para a construção de doze submarinos alemães, cujas partes tinham sido manufaturadas no inverno anterior. O resultado foi o tratado naval anglo-germânico de 18 de junho de 1935. A Alemanha não só obteve o direito de construir uma força naval igual a 35% da britânica; ela também se reservou o direito de igualdade em submarinos, sob a condição de que, no presente, não fosse além de 45 por cento.
"Consideramos este acordo" - disse o Primeiro Lord do Almirantado ao público britânico - "essencialmente como uma contribuição à paz mundial... Temos de lidar com o problema essencialmente prático de que a Alemanha já está construindo uma frota que está fora dos limites assentados no Tratado de Versalhes; o que fizemos foi, por acordo com a Alemanha, circunscrever os efeitos que pudessem decorrer dessa decisão unilateral". Nem todos ficaram satisfeitos com esta explicação. O povo britânico, recordando-se dos estragos produzidos pelos submarinos durante a guerra de 1914, sentiu-se chocado por ver essa arma devolvida à Alemanha. A França, por sua vez, achou-se ultrajada pela aceitação dessa nova violação de tratado pela Alemanha, aceitação registrada sem consulta à França e em menos de dois meses depois da adesão da Grã-Bretanha à condenação da Alemanha em Stresa. Estas reações, e o fato da Grã-Bretanha ter-se resolvido a arrostá-las, foram uma demonstração do desejo de encontrar uma base ajustada e estável para as relações com a Alemanha, mesmo ao preço das mais graves concessões.
Locarno e Renânia
A maneira da França abordar o problema foi completamente diferente. Desde o fim da guerra a França tinha estado receosa do restabelecimento militar alemão e resolvida a pôr-se em guarda contra tal fato. Falhando nos esforços para obter uma garantia militar da Grã-Bretanha, ela se lançou a alianças com os pequenos Estados da Europa oriental, os quais também careciam de proteção contra os desejos das potências derrotadas de recuperar os territórios perdidos. Estas ligações de certa maneira enfraqueceram quando a França pareceu não desejosa ou incapaz de oferecer oposição efetiva durante o período inicial do governo de Hitler. Pelo verão de 1934, entretanto, a França estava fazendo novos esforços, não somente para fortalecer amizades existentes como para atrair-lhes também a Rússia. A Grã-Bretanha, resolvida a evitar a divisão da Europa em dois campos hostis iguais aos que existiram antes de 1914, insistiu em que o tratado deveria ajustar-se à estrutura do Covenant da Liga e apresentar-se à Alemanha em termos de igualdade. Por meio de interpretações extremamente engenhosas, essas condições foram triunfalmente obtidas. A 2 de maio de 1935, foi assinado um tratado, pelo qual a França e a Rússia prometeram apoio mútuo contra a agressão, em termos especificamente vinculados ao Covenant e compatíveis com a participação alemã.
Mas a Alemanha de jeito nenhum ficou abrandada com esse convênio. A sua objeção de que o tratado foi na realidade dirigido contra si podia constituir um reconhecimento implícito de intenções agressivas, mas apesar de tudo, não foi molestada por isto. Até então seus progressos tinham sido feitos com êxito em relação à França e à Inglaterra. Agora, tinha de levar em conta a Rússia; e se as suas atividades provocassem guerra, seria uma guerra em duas frentes, igual a que Bismarck sempre procurou evitar e igual à precipitada pelos seus mais ineptos sucessores em 1914.
A par disto, houve um fator altamente emocional. Hitler e o movimento nazista eram os inimigos declarados e mortais do bolchevismo. As páginas do Mein Kampf estão prenhes de diatribes contra os comunistas e de ataques aos dirigentes da Rússia como "comuns criminosos tintos de sangue, a escória da humanidade." O espetáculo da França procurando a ajuda dos Sovietes foi apenas menos chocante que a compreensão de que os Sovietes agora tinham a garantia da ajuda da França.
O primeiro passo de Hitler em resposta foi de uma simplicidade impudente. Acusou a França do rompimento de um tratado. Num memorando de 29 de maio de 1935, o governo alemão expressou a opinião de que qualquer ação militar baseada no pacto franco-soviético seria "uma flagrante violação do Tratado de Locarno". Se o problema se tivesse limitado à discussão de um princípio, teria sido apenas mais um exemplo divertido de Satanás censurando o pecado. Mas esta reivindicação trazia consigo uma conseqüência prática de vital importância tanto para a França como para a Alemanha.
Pelo Tratado de Versalhes, a Alemanha estava proibida de construir fortificações ou de manter forças armadas na Renânia ou numa faixa de 50 quilômetros a leste do Reno. A despeito do rearmamento e conscrição, a fronteira ocidental da Alemanha estava, assim, aberta à invasão francesa. Com a entrada da Rússia no quadro, este apresentava um perigo mais grave que nunca. Se a Alemanha quisesse ter um caminho livre para o leste, teria, a todo o custo, que barrar o caminho aberto a oeste.
Já foi tornado claro que a Alemanha não teve escrúpulo algum em violar o Tratado de Versalhes. Mas a zona desmilitarizada estava garantida pelo Tratado de Locarno - o tratado que Hitler, a 21 de maio, tinha prometido respeitar. Se, contudo, a França realmente tivesse rompido o Tratado de Locarno, Hitler poderia sentir-se livre de seus compromissos. Este foi o ponto de vista que ele resolveu não somente adotar, mas agir sobre essa base. A 7 de março de 1936, tropas alemãs marcharam sobre a Renânia, numa demonstração designada como ocupação "simbólica" - simbólica, com a duração de uma semana, com a participação de 90.000 homens.
O estado-maior alemão tinha-se oposto ao movimento, convicto de que dessa vez a França lutaria. O estado-maior francês queria a luta. Mas Hitler ao escolher essa oportunidade fizera-o com característica astúcia. A França e a Grã-Bretanha já estavam envolvidas na situação criada pela invasão da Etiópia e a adoção por parte da Liga de sanções contra a Itália. Um voto impondo sanções de petróleo, que a Grã-Bretanha estava advogando, podia conduzir à guerra. Sob as circunstâncias era improvável que a Itália, embora um dos garantidores de Locarno, - entrasse em ação contra a Alemanha. O outro garantidor, a Grã-Bretanha, sofria a pressão da França por promessas de ação, mas mostrava uma aversão arraigada a comprometer-se. E a França estava envolta no turbilhão político precedente a uma eleição que enfraquecia as mãos de seu governo para negócios estrangeiros.
Assim, Hitler jogou e ganhou. A Itália não agiu. A Grã-Bretanha associou-se a um apelo francês à Liga, e aprovou a oferta francesa de submeter a questão da validade do Locarno à corte de Haia, mas se recusou a considerar uma ação militar ou a solicitar à Liga uma ação contra a Alemanha. A usual oferta alemã de uma nova base de paz, incluindo uma série de pactos de não-agressão, pode ter contribuído para essa moderação. Indubitavelmente a Grã-Bretanha estava menos impressionada que em ocasiões anteriores. O discurso de Hitler a 24 de março mostrou quão pouco um documento assinado poderia fazê-lo respeitar compromissos. "Se o resto do mundo se cinje à letra de tratados, eu me cinjo a uma eterna moralidade. Eu, como representante do povo alemão, devo assegurar à nação o direito de viver e de salvaguardar sua honra, liberdade e interesses vitais." Expressando "alguma dúvida em torno da concepção mantida pelo governo alemão sobre a base em que os futuros entendimentos fossem fundados", Mr. Eden dirigiu àquele governo um questionário em que solicitava explicações precisas sobre os vários pontos de Hitler, demonstrando ao mesmo tempo que as negociações por um tratado seriam inúteis "se uma das partes doravante se sentisse livre para negar suas obrigações sob o fundamento de que ela, na ocasião, não estava em condições de concluir um tratado a cujo cumprimento se obrigara". Não surpreende o fato da Alemanha, depois de procurar uma resposta evasiva a essas perguntas desastradas, ter-se decidido em suma a deixar de responder. A despeito disto, a Grã-Bretanha ainda prosseguiu nos esforços para chegar a alguma base de entendimentos.
A Grã-Bretanha garante a França
Mas justamente com esses esforços desenvolveu-se uma ocorrência de grande importância. A Grã-Bretanha não reconheceu que o Tratado de Locarno se tivesse invalidado. Se a Alemanha repudiou o tratado, é porque naturalmente não podia obter vantagens dele. As garantias à França e à Bélgica, contudo, ainda permaneciam de pé, e sua importância tinha aumentado. A 19 de março, a Grã-Bretanha prometeu assistência à Bélgica e à França no caso de agressão não provocada e inaugurou conversações militares entre os estados-maiores. Mas, enquanto que pelo tratado de Locarno não havia a obrigação para a França de auxiliar a Grã-Bretanha se esta fosse atacada, a nova adaptação, que alcançou uma base precisa pelos fins de novembro, tornou essa obrigação recíproca. Com efeito, a ação alemã tinha transformado o Locarno de uma garantia de que a Alemanha participava numa aliança contra ela - numa aliança que a França em vão procurou obter mesmo desde 1919. Em julho de 1934, como uma das conseqüências do assassínio de Dollfuss, Mr. Baldwin tinha asseverado que a fronteira da Grã-Bretanha estava no Reno. A ocupação alemã da Renânia, seguida como foi do prolongamento do serviço militar para dois anos e da inauguração de um Plano Quatrienal nas linhas de uma economia de guerra, fez agora a Grã-Bretanha reconhecer que ela devia ter-se postado com todas as suas forças atrás dessa linha.
Assim foi inaugurada a política dual que mais tarde foi definida por Lord Halifax. "Nossa primeira resolução é impedir a agressão. No momento, a doutrina da força barra o caminho a um acordo. Mas se a doutrina da força fosse abandonada, todas as questões relevantes seriam facilmente solvíveis. A política britânica descansa sobre um duplo alicerce de propósitos. Um deles é a nossa determinação de resistir à força. O outro é o reconhecimento de nossa parte do desejo do mundo de prosseguir na obra construtiva da paz". As conversações militares foram a expressão do primeiro propósito. O segundo foi corporificado nas tentativas britânicas de obter uma conferência em que um novo Locarno ficasse estabelecido - tentativas que finalmente ruíram como um resultado da guerra civil espanhola.
O Eixo Roma-Berlim
O significado vital da luta na Espanha foi vividamente resumido num memorando escrito pelo capitão Liddell Hart ao ministério da Guerra da Grã-Bretanha, em março de 1938. "As pessoas que falam em evitar outra Grande Guerra" - asseverou ele - "já estão vinte meses atrasadas. A segunda Grande Guerra do século XX começou em julho de 1936... A assistência direta que a Itália deu com a força aérea e a assistência indireta que a Alemanha deu com a força naval, transportando as tropas de Franco da África para a Espanha; foram as primeiras operações da guerra atual... Que nós, neste país, deixamos de ver essa "guerra em progresso" é devido ao fato de ainda estarmos pensando politicamente, enquanto os Estados ditatoriais pensam militarmente".
Fosse qual fosse a base de seu pensar, havia um pensamento grave e dominante na mente dos governos britânico e francês: o pensamento de evitar que a guerra espanhola se alastrasse e envolvesse a Europa. Com este propósito, eles advogaram uma política generalizada de não-intervenção. Era uma política admirável na teoria, mas o seu valor prático foi anulado pela formal recusa da Alemanha e da Itália de cumprir suas promessas. Procurando salvaguardar a paz, as democracias abstinham-se de agir, enquanto os ditadores mandavam homens e material para a Espanha. A política evitou uma guerra aberta, mas encurtou em muito o caminho para o conflito final, pois que a cooperação de Hitler e Mussolini conduziu ao eixo Roma-Berlim e pôs um fim ao isolamento alemão.
Uma aliança entre a Alemanha e a Itália é um dos objetivos essenciais contidos no Mein Kampf. Durante três anos, as suspeitas italianas quanto às intenções alemães na Áustria estiveram no caminho. Mas pelo ano de 1936, a Itália desviou sua atenção do Danúbio e concentrou-se no Mediterrâneo. Os acontecimentos haviam mostrado quão úteis essas duas potências podiam ser uma à outra. A recusa alemã de participar das sanções contra a Itália diminuiu grandemente a eficiência dessas sanções. A ação alemã na Renânia impediu a continuação e endurecimento das sanções, fato que poderia ter tido as mais sérias conseqüências. A Alemanha, por sua vez, tinha dado uma clara ilustração da utilidade da Itália como freio da Grã-Bretanha e da França. E agora os dois Estados estavam lutando lado a lado para esmagar o governo republicano da Espanha. E entre o entendimento a respeito da Espanha e a colaboração num âmbito europeu, ia apenas um passo.
E, de fato, no começo de 1936, haviam sido tomadas medidas nesse sentido. As visitas dos representantes oficiais começaram em março, e, em julho, foram assinados acordos sobre comércio e aviação. Em julho chegaram a um acordo sobre a Áustria. O reconhecimento alemão da conquista da Etiópia foi um gesto amigável e bem recebido. A 25 de outubro, foi assinado um acordo que estabelecia a unidade de esforços na esfera diplomática e a cooperação na Espanha e no Danúbio. A 1o de novembro, em Milão, Mussolini proclamou a aproximação como "um eixo em torno do qual todos os Estados europeus animados pelo desejo da paz podem colaborar".
A conseqüência imediata dessa colaboração foi o desaparecimento da Áustria.
A anexação da Áustria
A ascensão de Hitler ao poder fizera declinar o entusiasmo austríaco por uma união com a Alemanha, mas aumentara a pressão nazista sobre a Áustria, tanto no interior como no exterior. Já em maio de 1933, correram boatos sobre um possível golpe nazista. As organizações nazistas andavam ativas dentro do país; através da fronteira vinha uma torrente contínua de rádio-propaganda e injúrias; importante fonte de renda foi aniquilada com a taxação em mil marcos dos "vistos" aos turistas alemães que se destinavam à Áustria; uma "Legião Austríaca" de refugiados nazistas foi formada em solo alemão. A Áustria logo sentiu a necessidade de uma proteção substancial contra a sua agressiva vizinha.
Pelo ano de 1934, os apelos do chanceler Dollfuss causaram alguma impressão entre as potências. A 17 de fevereiro, a França, Itália e Grã-Bretanha anunciaram terem chegado a um "comum ponto de vista quanto à necessidade de manter-se a independência e integridade da Áustria, em conformidade com os seus tratados pertinentes ao caso." Mas era preciso algo mais que a manifestação de pontos de vista. Em março, uma série de acordos entre a Áustria, Hungria e Itália, materializados no protocolo romano de colaboração econômica e política, mostrou que Dollfuss se tinha lançado nos braços de Mussolini.
Os protocolos deixaram de salvar o próprio Dollfuss, mas, provavelmente para o momento, salvaram a Áustria. Em julho, uma tentativa de levante nazista resultou no assassínio de Dollfuss, mas fracassou na deposição do governo; e a pronta concentração de tropas italianas na fronteira foi uma advertência eficaz a Hitler para que não interferisse. O acontecimento de algum modo aumentou a preocupação da França e da Grã-Bretanha pela liberdade austríaca. A 27 de setembro estas duas potências e a Itália reafirmaram a sua declaração do mês de fevereiro anterior. Em janeiro de 1935, a França e a Itália prometeram consultar-se no caso de ameaça à independência austríaca. A 3 de fevereiro, a Grã-Bretanha concordou com unir-se a tais consultas. O compromisso foi reafirmado em Stresa, em abril. E em março de 1936, a reafirmação dos protocolos de Roma pareceu uma garantia do apoio de Mussolini.
Na verdade, entretanto, a desabrochante amizade entre Hitler e Mussolini já tinha amortecido os zelos deste com relação à independência austríaca. Mussolini estava agora ansioso por ver a Áustria em paz com a Alemanha, mesmo que fosse ao preço de concessões. Em conseqüência, o chanceler Schusschnigg, que sucedeu a Dollfuss, sentiu-se na obrigação de concluir o acordo austro-alemão de 11 de julho de 1936. Neste, Hitler reconheceu "a plena soberania do Estado Federal Austríaco"; mas a vaga promessa da Áustria de, em troca, reconhecer que era um Estado germânico, e agir nessa conformidade, encerrou possibilidades suficientemente alarmantes para aqueles que confiavam na continuação de sua independência.
Também aqui havia a questão de até onde as promessas de Hitler mereciam crédito. Na primavera de 1933 ele dissera que não nutria o pensamento de invadir país algum. No seu discurso de 21 de maio de 1935, asseverara: "A Alemanha não pretende, nem deseja interferir nos negócios internos da Áustria, anexar a Áustria ou realizar um Anschluss." Quando da ocupação da Renânia, ele anunciara que a luta alemã pela igualdade estava concluída, e que "nós não temos exigências territoriais a fazer na Europa." E ao compromisso específico à Áustria em julho ele poderia ter acrescentado a sua garantia de 30 de janeiro de 1937 de que "já passou o período das chamadas surpresas."
Mas contra essa resolução apresentou-se a reiterada insistência nazista em torno da união de todos os alemães num só Reich. Na primeira página do Mein Kampf, Hitler tinha escrito: "A Áustria germânica deve tornar à grande pátria alemã. . . Sangue comum pertence a um Reich comum". O problema era portanto saber em que palavras de Hitler acreditar; se nas faladas ou nas escritas. E neste, como na maioria dos casos, eram as pessoas que acreditavam no Mein Kampf que estavam com a razão.
Dentro de um ano, a contar de suas últimas garantias, Hitler se decidiu a marchar sobre a Áustria. O general von Fritsch, chefe do exército alemão, e o barão von Neurath, ministro das Relações Exteriores, opuseram-se a isso. Em fevereiro de 1938, eles foram afastados, como parte do expurgo geral nos postos mais altos. Uma vez mais, Hitler antepunha sua vontade à opinião dos peritos que receavam que tal ato significasse a guerra.
Os acontecimentos sucederam-se rapidamente. A 8 de fevereiro, o chanceler Schusschnigg foi convidado para uma entrevista com Hitler em Berchtesgaden, e quatro dias mais tarde, lá comparecia. Esperava ele poder confundir Hitler com a apresentação de provas duma trama nazista que violou o acordo de 1936. Ao invés disto, foi submetido a críticas prenhes de ameaças. Sob a ameaça de invasão, Schusschnigg concordou com a remoção de restrições contra o Partido Nazista e admissão de dois simpatizantes nazistas a postos ministeriais. Em troca, Hitler prometeu reafirmar a independência da Áustria.
Tornou-se em breve evidente que isto era apenas o começo. Em seu discurso de 20 de fevereiro Hitler proclamava em altos brados sua vontade de ser o protetor de todos os alemães, mas não assumiu nenhum compromisso específico quanto à liberdade austríaca. Sentindo-se traído, Schusschingg decidiu agir com coragem e firmeza. Iniciou negociações com os dirigentes da classe trabalhadora, cujas organizações tinham sido desfeitas nos dias sangrentos de fevereiro de 1934; e anunciou um referendum para o dia 13 de março sobre a questão da independência austríaca.
Essa última medida precipitou a ação. Mussolini chamou-a de "uma arma que explodirá em vossas mãos." Hitler estava certo de que dessa vez não haveria tropas italianas no Passo do Brenner. Von Ribbentrop, em Londres, assegurava ao governo britânico que Hitler não tinha intenção alguma de atacar a Áustria. A França, como um dos resultados da demissão do premier Chautemps, estava sem governo. Demonstrações nazistas irromperam na Áustria. A imprensa alemã clamou contra atrocidades austríacas. Um ultimato expedido ao meio-dia de 11 de março exigia que fosse revogada a convocação do plebiscito. As quatro da tarde, um segundo ultimato exigia a demissão de Schusschnigg às sete e trinta. A rejeição de qualquer um dos dois ultimatos significaria uma invasão alemã. Afim de evitar corresse sangue, Schusschnigg capitulou. Um governo apressadamente formado por chefes nazistas convidou Hitler a mandar tropas à Áustria afim de preservar a ordem. Na manhã do dia 12, a invasão começou. No dia 13, a Áustria era formalmente anexada. No dia 14, Hitler entrou triunfalmente em Viena, sua primeira conquista incruenta.
Bastava somente dar uma olhadela ao mapa para se ver que a Tchecoslováquia seria a próxima.
A crise de maio de 1938
A própria existência da Tchecoslováquia era uma afronta para certos princípios fundamentais do credo nazista. Dentro das fronteiras desse Estado, principalmente na zona ocidental conhecida como região dos sudetos, havia mais de três milhões de habitantes de raça alemã, os quais, com seus ancestrais, tinham estado ali durante séculos. Até 1919, tinham sido súditos não da Alemanha, mas do império dos Habsburgos. Mas a idéia da gente de sangue alemão viver sob o domínio eslavo, desafiou as doutrinas raciais nazistas. A política de reunir todos os alemães num só Estado devia estender-se aos sudetos.
Mas, além da voz do sangue, havia o apelo do solo. A Tchecoslováquia apresentava-se como um formidável obstáculo ao programa nazista de expansão para o leste. Essa "fortaleza construída por Deus no coração da Europa", como a chamou Bismarck, estava reforçada por obras modernas de defesa e guarnecida por um exército bem equipado. Mais que isto, ela estava de aliança com a França, e assim era um instrumento de possível guerra em duas frentes. Tinha de ser isolada e esmagada, para que ficasse livre o caminho às ambições nazistas.
Mas, acima de tudo, a Tchecoslováquia tinha entrado em relações estreitas com a Rússia. Um tratado, concluído ao tempo da aliança franco-soviética, previa assistência mútua sob a condição de que também a França cumprisse as suas obrigações. A idéia de que um pequeno Estado vizinho tenha aceito auxílio bolchevista contribuiu para enfurecer os nazistas. Mais e mais a Rússia estava sendo apresentada ao povo alemão como seu inimigo mortal, e os espólios a serem ganhos da Rússia eram acenados, sedutores, diante de seus olhos. Os atos da reunião de Nuremberg em setembro de 1936 tinham sido compostos na maioria de diatribes contra as Sovietes. Hitler declarara: "Se tivéssemos os montes Urais com o seu incalculável depósito de tesouros em matérias-primas, a Sibéria com as vastas florestas e a Ucrânia com os tremendos campos de trigo, a Alemanha sob a direção nacional-socialista nadaria em fartura".
Essa hostilidade ao bolchevismo tomou forma no pacto Anti-Comintern, firmado pela Alemanha e Japão em novembro de 1936. Embora dirigido contra a comunismo mais que à Rússia especificamente, a sua promessa de tomar severas medidas contra as atividades comunistas "internas ou externas" não deixava nem um pouco de ser ameaçadora, apesar de seu caráter vago. A Itália aderiu ao acordo em 1937; a Espanha, Hungria e Manchukuo apuseram-lhe mais tarde as assinaturas. Em contraste com esses aliados na luta, a Tchecoslováquia se apresentava a Hitler como um Estado que estava sendo "usado pelo bolchevismo como o ponto de ingresso. Não fomos nós que procuramos um contacto com o bolchevismo, mas o bolchevismo usou esse Estado para abrir um canal para a Europa central". Rumores de aviões e bases russos em solo tcheco foram usados para emprestar apoio a essa acusação. A idéia de que a Tchecoslováquia era um instrumento ao ataque russo à Alemanha, foi facilmente estendida à crença de que os próprios tchecos eram bolchevistas.
Quando a Áustria foi anexada, a Alemanha dera garantias de que não tinha desígnio algum referente à Tchecoslováquia. Tornou-se claro, pouco depois, que essa promessa tinha mais ou menos o mesmo valor que os anteriores compromissos nazistas. A tática já usada contra a Áustria foi novamente posta em prática. Uma torrente de insultos foi dirigida pelas autoridades e pela imprensa da Alemanha contra os tchecos e seus líderes. Acusações precipitadas de atrocidades tchecas foram espalhadas pelo rádio. Fomentou-se o descontentamento interno entre eslovacos e alemães; e entre estes o instrumento foi o Partido alemão dos Sudetos, chefiado por Konrad Henlein.
Esse grupo tinha conseguido nova proeminência em conseqüência da depressão e da subida de Hitler ao poder. De 1933 em diante, recebeu ele cada vez maior apoio do Estado alemão. Suas exigências, contudo, na ocasião limitavam-se a uma maior liberdade dentro da Tchecoslováquia. Autonomia e não anexação, era a sua reivindicação oficial até as vésperas do Munique.
A anexação da Áustria encorajou Henlein para um novo gesto de atrevimento. A 25 de abril de 1936, o seu programa de Carlsbad continha a reivindicação da quase completa independência para todos os alemães dentro do Estado, numa base que os entregava praticamente à direção de Hitler. Em maio, a organização das tropas de assalto sudetas foi outro sinal de que se preparavam perturbações.
As potências, e particularmente a Grã-Bretanha, estavam ainda relutantes em ir ao encontro dos acontecimentos. Cinco dias depois da conquista da Áustria, a Rússia propôs uma conferência em que fossem estudados os meios de impedir nova agressão. A Grã-Bretanha considerou-a prematura e recusou-se a assumir novos compromissos na Europa oriental. A proposta soviética, disse Chamberlain a 24 de março, "envolvia menos a consulta com um ponto de vista a ser assentado do que o concertar de ação contra uma eventualidade que ainda não se apresentara." Mas, recusando quaisquer garantias antecipadas, ele aduziu à advertência: "Onde paz ou guerra estão em jogo, obrigações legais não ficam envolvidas, e se a guerra rebentasse certamente não ficaria confinada àqueles que assumiram tais obrigações". Em outras palavras, embora a Grã-Bretanha não prometesse adesão, também não prometeu ficar de lado.
A extensão do perigo ficou demonstrada na crise que culminou a 21 de maio. As eleições municipais tchecas estavam marcadas para 22 de maio. No dia 19 chegou a notícia da concentração de onze divisões alemães na fronteira. Aos pedidos ingleses de informações, a Alemanha respondeu que os movimentos de tropa eram "rotina". Mas um incidente ocorrido na fronteira e a recusa de Henlein de continuar as negociações que haviam sido realizadas com o governo, convenceu os tchecos de que uma invasão estava em projeto. Na sexta-feira, 21 de maio, guarneceram suas fortificações fronteiriças e apelaram para a Grã-Bretanha e a França. O governo francês prometeu ficar ao lado dos tchecos. A Grã-Bretanha concordou em vir em apoio da França. A ação francesa também atrairia a Rússia. Na segunda-feira a crise tinha passado, com a negativa indignada da Alemanha de que tivesse quaisquer desígnios em relação à Tchecoslováquia, e decisão de Henlein de reabrir as negociações com o premier Hodza.
O Pacto de Munique
Mas isso serviu apenas para diminuir temporariamente a tensão. A questão sudeta tinha levado a Europa à beira de uma conflagração geral. O ponto de vista britânico exigia urgentemente uma nova tentativa de "consulta para um acordo", antes que nova crise tornasse a guerra inevitável. A França estava igualmente ansiosa por uma solução pacífica. Uma sugestão alemã de que as quatro potências ocidentais "arbitrassem" a questão foi rejeitada a 22 de julho. Mas os tchecos sofriam pressão no sentido de fazerem as maiores concessões possíveis aos sudetos; e a 4 de agosto, no papel de "investigador e mediador", Lord Runciman chegou a Praga.
A situação nas seis semanas seguintes caracterizou-se pelo aumento das concessões tchecas e por uma agressividade cada vez maior por parte dos nazistas. A 5 de setembro, foi apresentado um plano liberal, que dava aos sudetos alemães autonomia local e plena participação no governo central. Mas a esse tempo a imprensa alemã estava publicando clamorosas histórias de atrocidades e denunciando os tchecos como mentirosos, torturadores e assassinos que queriam chapinhar em sangue alemão, e as desordens provocadas por alemães pareciam aplainar o caminho para uma intervenção.
"Estamos convictos" - disse Sir John Simon a 27 de agosto - "de que com boa vontade de todos será possível encontrar-se uma solução que satisfaça todos os interesses legítimos". Mas a Alemanha estava resolvida a obter uma solução de acordo com o seu ponto de vista, mesmo ao risco de guerra. A fase final foi inaugurada pelo discurso de Hitler em Nuremberg, a 12 de setembro de 1938. O Estado nazista, bradou ele, estava rodeado de conspiradores, desde democratas até bolchevistas. Os sudetos alemães estavam sendo tratados como animais ferozes. A Alemanha não se submeteria a um tratamento assim. Desde maio que os alemães apressavam a conclusão de suas obras fortificadas no oeste. "Não mais estou disposto, em circunstância alguma, a encarar com intérmina tranqüilidade o prosseguimento da opressão dos compatriotas alemães na Tchecoslováquia".
O discurso foi o sinal para distúrbios na região dos sudetos. Segundo parecia, esperava-se que o exército alemão atravessasse de uma vez a fronteira. Mas não houve invasão, e a polícia tcheca logo restaurou a ordem. A 15 de setembro, Henlein pela primeira vez exigiu claramente a anexação. O governo tcheco respondeu ordenando a sua prisão, e ele fugiu para a Alemanha. Apesar das ameaças de Hitler, Praga se manteve firme.
Era preciso saber-se, contudo, se uma atitude firme não fez senão aumentar o perigo da guerra. A 14 de setembro, o premier Chamberlain decidiu-se a uma tentativa pessoal de chegar a um acordo com Hitler. "Em vista da situação cada vez mais crítica" - telegrafou - "proponho avistar-me convosco com uma proposta tendente a encontrar uma solução pacífica". No dia 15, ele chegou de avião e encontrou-se com Hitler em Berchtesgaden.
Na entrevista que se seguiu, Chamberlain. descobriu que "a situação era muito mais aguda e muito mais premente do que eu tinha imaginado." Teve a impressão de que Hitler estava determinado a anexar a região dos sudetos e estudava uma invasão imediata. O máximo que ele prometeria seria, caso a Grã-Bretanha aceitasse as suas exigências, e se nada novo ocorresse para forçá-lo a uma ação, refrear-se de hostilidades ativas até Chamberlain ter tempo para consultar o seu gabinete. "Não tenho dúvida alguma" - disse mais tarde Chamberlain na Câmara dos Comuns - "de que somente a minha visita evitou uma invasão para a qual tudo tinha sido preparado".
No dia 16, Lord Runciman comunicou a substância do relatório que mais tarde vasou numa carta ao primeiro ministro (a 21 de setembro). Nesse documento, ele acentuou que os tchecos tinham concordado com, praticamente, todas as exigências de Henlein, e que pela maioria das recentes dificuldades a culpa deveria ser atribuída a Henlein e seus adeptos. Mas, prosseguiu, "há um perigo real, o perigo mesmo de uma guerra civil, na continuação deste estado de incertezas. Conseqüentemente, há razões muito reais para uma política de imediata ação drástica." Essa ação, concluiu Lord Runciman, por um curioso processo de lógica, deveria consistir antes de tudo em satisfazer Henlein pela entrega da região sudeta à Alemanha.
Havendo tomado tal decisão, o governo britânico entendeu-se com o premier e ministro dos Estrangeiros francês, que chegou a Londres no dia 19. O resultado foi a apresentação no dia seguinte ao governo tcheco de uma série de exigências cuja natureza era a de um ultimato. Essas exigências incluíam a transferência de todas as zonas com mais de 50% de habitantes alemães; o ajuste da fronteira por uma comissão internacional; e a garantia das novas fronteiras por uma fiança internacional de que participariam a Grã-Bretanha e a França. Quando o governo tcheco protestou, e propôs arbitragem sob o tratado germano-tcheco de 1925, o Sr. Benes foi informado por uma mensagem enviada às 2,15 da madrugada de que a Grã-Bretanha e a França lhe recusariam o apoio se rejeitasse a proposta. No dia 21, os tchecos cederam, e no dia seguinte Chamberlain voou a Godesberg a fim de obter de Hitler um acordo final.
Achou que Hitler ainda não estava satisfeito. Um novo memorando. acompanhado de um mapa, incluía exigências de mais outras concessões, inclusive a imediata ocupação militar das zonas a serem cedidas. Esta última condição abria justamente as perspectivas de um choque armado que Chamberlain se esforçava por evitar. Mas o seu protesto a Hitler obteve como resposta apenas demoradas invectivas contra os tchecos e a ameaça de ação imediata.
Chamberlain voltou de Godesberg com a paz ainda na balança. As novas exigências foram enviadas a Praga, com a observação de que "os governos francês e britânico não podem continuar a tomar a responsabilidade de aconselhá-los a não mobilizar". Foi uma promessa implícita de apoio no caso de os tchecos, como quase estavam prontos a fazer, rejeitarem as exigências. A rejeição e mobilização tchecas seguiram-se de fato; e a 26 de setembro a promessa foi feita em definitivo, por uma declaração em Londres, de que se a Alemanha atacasse a Tchecoslováquia "o resultado imediato tem que ser a França dar-lhe assistência e a Grã-Bretanha e a Rússia ficarem certamente ao lado da França".
Hitler mostrou poucos sinais de recuo. Uma proposta para uma conferência de potências resultou em nada. A 26 de setembro, Hitler exigiu que a rendição se efetuasse até o dia 1o de outubro, e prometeu que "se este problema estiver solucionado, a Alemanha não terá mais problemas territoriais na Europa." Mais tarde foi informado de ter dito a Mussolini que tinha decidido começar a invasão a 28 de setembro. Duas mensagens do Presidente Roosevelt não conseguiram demovê-lo dessa atitude. A frota britânica foi mobilizada. A França convocou reservas e guarneceu a Linha Maginot. Chamberlain apelou a Mussolini para que usasse sua influência, e escreveu a Hitler: "Sinto que podeis obter todo o essencial sem guerra e sem dilação." Mas tudo pareceu demonstrar que Hitler queria a guerra.
A 28, a tensão desfez-se. Hitler convidou Chamberlain, Daladier e Mussolini a uma conferência em Munique. No dia 30, pouco depois da meia noite, o acordo foi firmado. As zonas cedidas iriam ser ocupadas por escalas entre 1o e 10 de outubro. Uma comissão iria determinar as fronteiras e decidir em que zonas o plebiscito deveria realizar-se. Foram tomadas precauções quanto à Hungria e Polônia. A Grã-Bretanha e a França renovaram suas promessas de garantia. Em adição, a Grã-Bretanha e a Alemanha firmaram uma declaração de que o acordo era "simbólico do desejo dos nossos povos de nunca mais entrarem em guerra um contra o outro".
Mesmo este tratado não conseguiu reprimir as exigências hitlerianas. Ele acabou por tomar não somente as zonas da maioria alemã, mas também as puramente tchecas. A comissão internacional de fronteiras fracassou em impedir a rapacidade alemã. Uma força para policiar as zonas em plebiscito foi organizada na Inglaterra e depois dissolvida. Nenhum plebiscito foi realizado. O tratado de garantias jamais foi observado. E no dia 19 de dezembro, Mr. Chamberlain disse a respeito do governo nazista: "Estou ainda à espera de um sinal... de que eles estão prontos para dar a sua contribuição à paz".
Esse sinal nunca veio. A pressão alemã sobre o remanescente da Tchecoslováquia - reorganizada agora em um Estado federal - prosseguiu por meio de uma série de exigências econômicas e políticas. A 26 de setembro, Hitler dissera: "Não estamos interessados em oprimir outros povos. Não desejamos absolutamente ter outras nacionalidades entre nós... No momento em que a Tchecoslováquia tiver solvido seus outros problemas... o Estado tcheco não mais me interessa. Não queremos mais tcheco algum."
Em março de 1939, Hitler anexou a Boêmia e a Morávia e proclamou um protetorado sobre a Eslováquia.
A absorção da Tchecoslováquia
Os passos que conduziram a esta ação seguiram uma trilha agora tornada familiar - a de excitar desordens internas e violentas exigências eslovacas de autonomia, a do desencadeamento de uma campanha na imprensa alemã martelando sobre "sanguinário terror tcheco" e "uma orgia de insolência hussita", a da chamada do premier Hacha de Praga a Berlim e extorquindo-lhe um "pedido" de intervenção por parte da Alemanha no momento em que as tropas nazistas já se achavam em movimento. Mas os fatores envolvidos eram novos; e quando Mr. Chamberlain assegurou que "a opinião pública mundial recebeu um choque mais forte do que quaisquer outros que lhe tenham sido aplicados, mesmo pelo atual regime da Alemanha", expressou ele a percepção de que a política alemã tinha entrado numa fase nova, em que os antigos métodos não mais eram adequados.
A primeira fase da política de Hitler culminou com a ocupação da Renânia em março de 1936. Ligava-se à remoção das restrições internas que o Tratado de Versalhes tinha imposto à Alemanha. Em 1938, na segunda fase, veio o ataque às fronteiras estabelecidas pelo tratado, sob a alegação de que elas violavam a "autodeterminação" e o direito de se unirem todos os alemães num só Estado. Mas nem a independência nacional nem a unidade racial puderam ser apresentadas como motivos para novas anexações. Estas se basearam numa reivindicação de mais terras, o que abriu uma perspectiva de expansão indefinida. "A Boêmia e a Morávia" - disse Hitler na sua proclamação - "pertenceram por milhares de anos ao espaço vital do povo alemão. A força e a injustiça separaram-nas arbitrariamente de seu antigo, histórico engaste... É de conformidade com o princípio de autopreservação que o Reich está resolvido a intervir decisivamente para restabelecer as bases de uma razoável ordem centro-européia". Em tais bases seria fácil justificar-se uma tentativa alemã de restabelecer o santo Império Romano em toda a Europa setentrional e oriental.
Assim, toda a fantasiosa segurança que os pequenos Estados hauriam da crença de que Hitler queria apenas alemães no Reich desapareceu por completo. "Esses recentes acontecimentos" - disse Chamberlain - têm feito, certa ou erradamente, com que todos os Estados adjacentes à Alemanha se sentissem ansiosos e inseguros quanto às futuras intenções da Alemanha". A separação de Memel da Lituânia, e sua anexação pela Alemanha, a 21 de março, dificilmente deve ter aquietado essas emoções. Os Estados das regiões do Danúbio e dos Bálcãs olhavam interessados os novos acontecimentos. Já um comércio agressivo orientado pela Alemanha os impelira estreitamente ao sistema econômico nazista. Os esforços para uma completa dominação nazista, não somente econômica, mas política, pareciam exercer pressão mais ativa que nunca. Isto ficou demonstrado pela informação de que a 17 de março a Alemanha tinha apresentado um virtual ultimato à Romênia, ultimato que teria colocado, se satisfeito, a vida econômica daquele país sob completo controle alemão. A informação foi desmentida pela Alemanha, que mais tarde negociou um tratado de comércio mais moderado com a Romênia. Mas os desmentidos alemães tinham agora deixado de influir sobre os governos europeus.
A perspectiva de uma infinita expansão do controle alemão devia forçosamente afetar a política das outras potências, inclusive a da Grã-Bretanha. No auge da crise de Munique, Mr. Chamberlain tinha dito num discurso pelo rádio: "Sou um homem de paz até as profundezas da minha alma. O conflito armado entre nações é um pesadelo para mim. Mas se eu estivesse convencido de que alguma nação tinha resolvido dominar o mundo pela ameaça da força, acho que se deveria resistir." Agora, condenando as novas anexações, ele perguntou significativamente: "É este o fim de uma velha aventura, ou é o começo de uma nova? É este o último ataque a um pequeno Estado, ou será ele seguido por outros? É este, de fato, um passo na direção de uma tentativa para a dominação do mundo pela força?"
Parecia haver lugar muito pequeno para dúvida sobre as respostas. Toda a base da conciliação e boa fé sobre a qual se presumia que repousava o acordo de Munique tinha sido agora destruída. As garantias de Hitler, disse Chamberlain, tinham sido lançadas ao vento, e a confiança britânica estava completamente destruída. Fôra claramente indicada uma nova base à política britânica.
A frente de paz
A natureza dessa base foi definida por Lord Halifax no dia 20 de março. "Se e quando se tornar evidente para os Estados que não há garantia visível contra os sucessivos ataques dirigidos a todos os que possam parecer que estão no caminho dos planos ambiciosos de dominação, então logo a concha da balança penderá para o outro lado, e em todos os círculos será da mesma forma imediatamente possível encontrar-se mais disposição para considerar que a aceitação de mais largas obrigações mútuas é ditada pelas necessidades de autodefesa, mesmo que o não seja por outras razões."
A política dual da Grã-Bretanha, de fato, mudou agora de natureza. Ela não foi abandonada, mas a ênfase foi diretamente voltada ao avesso. Até aqui o peso maior tinha sido posto na conciliação, com a perspectiva da resistência mantida relutantemente em reserva, como último e desesperado recurso. Agora estava claro que a resistência era a primeira necessidade; mas ainda havia a esperança de que, quando a força e determinação dessa resistência fossem tornadas dominadoramente visíveis, uma volta à conciliação, com alguma perspectiva de sucesso, seria possível.
Um dos resultados foi a aceleração do rearmamento britânico. Já prognosticada na primavera de 1935, a decisão definitiva tinha sido tomada em 1936; e em 1937 a verba de um milhão e meio de libras para um período de cinco anos ficou decidida. Já em fevereiro de 1939 era evidente que esta soma seria possivelmente ultrapassada. Os acontecimentos de março trouxeram razões novas; e de 283.500.000 libras esterlinas do ano anterior, o orçamento da defesa britânica subiu para 382.456.000 libras esterlinas, com aproximadamente 600.000.000 de libras esterlinas em projeto para o ano vindouro. As forças britânicas foram aumentadas no fim de março. Em maio começaram com os Estados Unidos negociações para a acumulação de uma reserva de matérias-primas. E no dia 27 de abril, o passo sem precedentes foi dado pela Grã-Bretanha quando ela anunciou a adoção do alistamento obrigatório em tempo de paz. A nação estava mobilizando suas forças para a emergência vindoura.
Entrementes, a frente unida franco-inglêsa estava sendo firmemente consolidada. A 6 de fevereiro, seus compromissos mútuos foram confirmados por Chamberlain numa declaração de que todas as forças de cada um dos países estariam à disposição do outro em caso de guerra, e de que "a solidariedade dos interesses pelos quais a França e este país estão unidos é tal que qualquer ameaça aos interesses vitais da França, de onde quer que venha, deve determinar a imediata cooperação deste país." O significado desta solidariedade foi demonstrado a 7 de março, quando foram revelados os planos de uma força expedicionária britânica de 19 divisões - cerca de 300.000 homens. A adoção do alistamento obrigatório foi outro sinal das intenções britânicas. Desde então, a Grã-Bretanha e a França, em todas as questões de diplomacia, deviam ser compreendidas como agindo de perfeito acordo.
A mais aguda questão diplomática passava então a ser a Polônia. Imediatamente depois de seus triunfos na Boêmia e no Memel, Hitler voltou a sua atenção para a sua vizinha oriental. Exigiu ele o retorno da Cidade Livre de Dantzig, a cessão de uma faixa de terra para uma rodovia através do Corredor Polonês e crescentes direitos para a minoria alemã na Polônia. Os poloneses rejeitaram a exigência, convocaram tropas e notificaram a França e a Inglaterra. A França já estava ligada à Polônia por uma aliança. Agora, a Inglaterra se colocou a seu lado. A 31 de março, Chamberlain declarou: "No caso em que o governo polonês julgue de importância vital resistir pela força a uma ação que ameace a independência da Polônia, o governo de Sua Majestade ver-se-á na necessidade imediata de emprestar ao governo polonês todo o apoio que estiver ao seu alcance".
Este foi o começo da frente de paz cuja finalidade era impedir nova agressão, se preciso pela força. No mês seguinte, semelhantes garantias foram dadas à Romênia e à Grécia pela França e Grã-Bretanha, e um acordo de assistência mútua no Mediterrâneo foi firmado entre a Grã-Bretanha e a Turquia em maio. Estas garantias constituíram para a política britânica iniciativas quase tão revolucionárias como a conscrição. Mesmo desde a guerra, a Grã-Bretanha se tem recusado firmemente a aceitar acordos remotos e indefinidos na Europa central e oriental. Sua volta a esta política serviu para mostrar até que ponto ela estava resolvida a impedir a todo o custo a ameaça de dominação nazista sobre a Europa.
Dantzig e a Polônia
A resposta de Hitler foi característica: repudiou um outro grupo de tratados. No seu discurso de 28 de abril, utilizou-se da garantia à Polônia como desculpa para a denúncia tanto da declaração de amizade que a Alemanha e a Inglaterra tinham feito em Munique como do tratado naval anglo-germânico de 1936. Isto era algo que a Inglaterra podia receber calmamente, como tinha recebido a declaração alemã, em dezembro anterior, sobre a intenção de aumentar a força submarina alemã ap nível da britânica. Mais séria foi a denúncia do tratado de não agressão germano-polonês de 1934. Tratava-se então de um acordo concluído para um período de dez anos e ao qual Hitler estava habituado a referir-se com especial orgulho como sendo uma prova de seu desejo de paz. Em maio de 1935, ele dissera: "Reconhecemos o Estado polonês como a pátria de uma grande nação patriótica, com a compreensão e a cordial amizade de leais nacionalistas". Em fevereiro de 1938, ele disse que a compreensão "tinha conseguido remover todo o atrito entre a Alemanha e a Polônia e lhes possibilitado trabalhar juntas em verdadeira amizade." Em setembro seguinte, asseverou: "Estamos todos convencidos de que esse acordo resultará numa duradoura pacificação." Ainda em fins de janeiro de 1939, Herr von Ribbentrop disse no decurso de uma visita a Varsóvia: "Posso assegurar aos alemães na Polônia que o acordo de 1934 pôs um ponto final à inimizade entre os nossos povos". Agora, em abril, Hitler desfez esse acordo sob a alegação de que ele havia sido violado pela garantia britânica e "portanto não mais está em vigor."
A campanha contra a Polônia tomou agora uma intensidade familiar. A imprensa alemã clamava contra os horríveis maus tratos infligidos aos alemães na Polônia e a intolerável provocação que a Polônia oferecia à Alemanha. Herr Forster, líder dos nazistas de Dantzig, ia e voltava entre aquela cidade e a de Berlim de uma maneira que lembrava a de Konrad Henlein. Os recursos de Hitler tornaram-se mais fortes em maio com a conclusão de uma aliança militar com a Itália, aliança pela qual uma estava ligada à outra no caso de conflito armado. Verificaram-se expulsões já de poloneses, já de alemães. "Turistas", lembrando de perto membros das tropas de assalto, passaram subitamente a visitar Dantzig em grande número. Armas eram contrabandeadas para a cidade em crescentes quantidades. Multiplicaram-se os choques internos na Polônia; um conflito ameaçava irromper entre as autoridades de Dantzig e os guardas alfandegários poloneses; tiroteios de fronteira acrescentaram a isto tudo um toque de mau agouro. "A Alemanha" - disse Hitler, depois de os acontecimentos terem servido ao seu trágico propósito - "estava determinada a acabar com essas condições macedônicas em sua própria fronteira, e, mais ainda, fazer isto não somente no interesse da ordem, mas também no interesse da paz européia".
A Grã-Bretanha, nesse ínterim, nos esforços para completar a frente de paz, abriu negociações com a Rússia.
As negociações com a Rússia
A 18 de março, o governo britânico perguntou o que o governo soviético faria no caso de um ataque não provocado à Romênia. A Rússia respondeu com a sugestão de uma conferência internacional para considerar a questão da agressão alemã. Com uma singular escolha de adjetivos, o governo britânico considerou tal proposta como sendo prematura; mas em seguida a uma conferência com o presidente francês em Londres, a 21 de março, a Grã-Bretanha se decidiu a sugerir que a França, a Polônia e a Rússia formassem a seu lado e fizessem uma declaração que incluísse um compromisso de consultas no caso de nova agressão. Com a decisão de garantir a Polônia e os outros Estados, tornou-se urgentemente desejável um acordo mais estreito e numa base mais positiva de ação com a Rússia. Já num discurso sobre a política exterior, a 10 de março, Stalin dissera: "Apoiamos em sua luta pela independência os povos que se tornaram vitimas de agressão." Parecia agora haver em ambos os lados, a esperança de alcançar um acordo.
As razões completas do esboroamento daquelas esperanças somente serão conhecidas quando se dispuser de um relatório minucioso das negociações. Um fator, entretanto, logo se tornou claro. O governo soviético desejava estender aos Estados Bálticos uma garantia articulada que os protegesse de agressões tanto indiretas como abertas. Os Estados bálticos, por sua vez, recusaram ruidosamente qualquer assistência não solicitada, particularmente da Rússia. A Grã-Bretanha procurou obter algum arranjo que implicasse em compromissos. "Espero que seja possível agora" - disse Chamberlain a 7 de junho - "sugerir-se uma fórmula aceitável aos três governos que, enquanto consideram os direitos e interesses de outros Estados, asseguram cooperação entre esses Estados para a resistência contra a agressão". As conversações continuavam a arrastar-se. A impaciência soviética se manifestara na substituição de Litvinov por Molotov como ministro do Exterior. A 12 de junho, Mr. William Strang, um funcionário do Foreign Office, seguiu para Moscou com novas propostas. A 31 de julho, com as dificuldades ainda não resolvidas, a Grã-Bretanha e a França se decidiram a enviar uma missão militar a Moscou. Mas pelos meados de agosto a questão ainda estava em ponto morto e a crise chegou a uma nova e final fase.
No dia 16 de agosto, enquanto a mobilização dos exércitos europeus, pela terceira vez num ano, adiantava-se bastante, a Alemanha anunciou uma nova série de exigências que implicavam na anexação tanto do Corredor Polonês como de Dantzig. No mesmo dia, o embaixador britânico em Berlim informou ter tido uma conversação com o secretário de Estado, barão von Weizsacker. "Ele pareceu muito confiante e expressou a crença de que a assistência russa à Polônia não só seria inteiramente negligente, mas que a URSS no fim até se uniria à partilha dos despojos poloneses. Nem mesmo a minha insistência sobre a inevitabilidade da intervenção britânica pareceu preocupá-lo." No dia 18, tropas alemães ocuparam a Eslováquia e começaram a concentrar-se na fronteira meridional da Polônia. A 19, um tratado comercial russo-germânico foi firmado. A 21, os dois países anunciaram a decisão de concluir um pacto de não-agressão.
A Alemanha e a Rússia, na verdade, já tinham um pacto de não-agressão desde 1926. Mas em vista das perseguições de Hitler ao comunismo, ele foi considerado por ambos os lados como letra morta. A declaração do novo acordo, particularmente nesse tempo, atribuiu-lhe uma vital importância; e o verdadeiro pacto, datado de 23 de agosto, era muito mais específico e obrigatório que o primeiro. Mostrava claramente a vontade de Hitler de eliminar a Rússia como prelúdio de uma definitiva ação contra a Polônia.
A vinda da guerra
Se esperava que a Grã-Bretanha e a França recuassem, Hitler errou por completo. O primeiro resultado foi a reafirmação das garantias à Polônia e sua incorporação dessas num tratado definitivo. A França convocou novas reservas. A Grã-Bretanha tornou clara a sua posição numa nota dirigida à Alemanha a 22 de agosto:
Tem sido alegado que se o governo de Sua Majestade tivesse tornado a sua posição mais clara em 1914, uma grande catástrofe teria sido evitada. Haja ou não verdade nesta alegação, o governo de Sua Majestade está resolvido a que nesta ocasião não surja tão trágico erro de interpretação. Se vier o caso, ele está decidido e preparado para empregar, sem delongas, todas as forças sob o seu comando, e é impossível prever-se o fim das hostilidades uma vez iniciadas.
Esta advertência foi acompanhada, contudo, da solicitação de uma trégua e de diretas negociações entre a Polônia e a Alemanha, com uma oferta de cooperação britânica para a consecução de um acordo. O pedido foi vasado numa mensagem pessoal de Chamberlain a Hitler e a qual foi levada de avião a Berlim por Sir Neville Henderson. Obteve uma recepção tempestuosa, mas a resposta que recebeu foi intransigente. Dantzig e o Corredor eram interesses a que a Alemanha não podia renunciar. As ações britânicas haviam encorajado a agressão polonesa. A intenção britânica de mobilizar foi "um premeditado ato de ameaça ao Reich". A sugestão de trégua foi completamente ignorada.
Outros líderes juntaram agora seus esforços para a causa da paz. O rei Leopoldo da Bélgica, agindo em nome dos neutros ocidentais, irradiou um apelo no dia 23. No dia seguinte, pelo rádio, o Papa fez a seguinte advertência: "Nada se perde com a paz - tudo se pode perder com a guerra." A 24, enquanto onze milhões de homens estavam mobilizados na Europa e a marinha de guerra britânica rumara para suas bases, o presidente Roosevelt expediu três mensagens. Concitou o rei da Itália a procurar impedir a guerra. Instou ele junto ao presidente Moscicki da Polônia para que adotasse métodos de solução pacífica. Enviou um apelo semelhante a Hitler. No dia seguinte, quando chegou a aceitação polonesa, tornou a apelar para Hitler - pela quinta vez no decorrer de um ano. Nenhuma das mensagens obteve resposta. Uma carta pessoal de Daladier a Hitler, na qualidade de velho soldado de linha de frente para outro, foi respondida de um modo que nada prometia.
A diplomacia britânica prosseguiu em seus esforços. No dia 25 de agosto, Sir Neville Henderson levou a Londres uma mensagem em que Hitler prometia, para quando tivesse sido satisfeito na questão das colônias e resolvido a da Polônia, dar garantias ao Império Britânico e aceitar uma razoável limitação dos armamentos. A Grã-Bretanha respondeu a 28, dizendo que estava disposta a discutir esses tópicos, mas que antes era preciso resolver honrosamente a questão polonesa, e que oferta nenhuma de vantagens especiais poderia persuadir a Grã-Bretanha de retirar as garantias dadas. Os poloneses, Hitler foi informado, estavam prontos a discutir as coisas; entrementes, a Grã-Bretanha fá-los-ia evitar qualquer ação que pudesse conduzir a um choque.
Os blackouts eram agora generalizados nas grandes cidades européias. Civis e crianças estavam sendo evacuados de Londres e Paris. A Alemanha estava esperando que a Rússia ratificasse o pacto de não-agressão. No dia 29, uma nova nota alemã foi entregue ao embaixador inglês. O estado de coisas criado pelas bárbaras ações polonesas era "insuportável para uma grande potência. Forçou agora a Alemanha, depois de ter sido por muitos meses um passivo espectador, a, por sua vez, dar os passos necessários para a salvaguarda dos justos interesses alemães." (O espectador passivo estava então completamente mobilizado. Mas quando, no dia seguinte, a Polônia ordenou a mobilização parcial, as estações de radio alemães denunciaram-na como sendo "uma grave e completamente injustificada provocação"). O governo alemão contudo concordou em "aceitar a oferta do governo britânico de empregar seus bons ofícios no sentido de que fosse mandado a Berlim um emissário polonês com plenos poderes." Esperavam-no para o dia seguinte.
O governo britânico agarrou-se a esta última palha. No decorrer do dia 30, enviou cinco telegramas a Berlim referindo-se à pressão sobre a Polônia para que evitasse todos os incidentes fronteiriços e pleiteando mais tempo. Num telegrama e em outra nota mandados naquela mesma noite insistiu em que a Alemanha deveria seguir o curso ordinário de conversações por intermédio do embaixador polonês e renovou a proposta de uma trégua durante as negociações.
Quando esta nota foi apresentada, à meia-noite de 30 de agosto, Herr von Ribbentrop respondeu com a apresentação de um longo documento, que ele leu rapidamente em alemão. Era a proposta de 16 pontos para um acordo baseado no retorno de Dantzig à Alemanha, a retenção de Gdynia pela Polônia e um plebiscito no Corredor com certos direitos reservados para ambos os lados, fosse qual fosse o resultado. Mas quando Sir Neville Henderson perguntou-lhe sobre o texto dessas propostas, Ribbentrop respondeu que agora era muito tarde, já que os poloneses não mandaram enviado algum a Berlim. A alegada oferta não foi, assim, jamais apresentada à Polônia. A insistência do governo britânico, o embaixador polonês, depois de repetidos esforços, conseguiu afinal avistar-se com Ribbentrop na noite seguinte, 31 de agosto. Mas o pacto russo estava agora ratificado e o caminho da Alemanha estava desimpedido. Quando o embaixador polonês tentou entrar em contacto com Varsóvia, verificou que a comunicação tinha sido cortada pelo governo alemão. Na madrugada do dia seguinte começou a invasão alemã da Polônia. "Nenhum outro meio me foi deixado" - anunciou Hitler "a não ser enfrentar a força com a força."
A Grã-Bretanha e a França viram-se assim forçadas a correr em auxílio da Polônia. Numa última e desesperada esperança, contudo, elas esperaram dois dias mais. Mussolini, que já tinha decidido sua neutralidade a despeito do tratado com a Alemanha, sugeriu uma conferência. A Grã-Bretanha e a França aceitaram-na, sob a condição da Alemanha retirar suas tropas da Polônia. Ao mesmo tempo, a Grã-Bretanha e a França enviaram uma exigência direta à Alemanha de retirada ou guerra. Esperaram em vão por uma resposta até o domingo, dia 3 de setembro, e depois então assentaram um definitivo limite de tempo. O limite de tempo britânico expirava às 11 horas da manhã; o francês, às 5 da tarde. Quando estas horas se escoaram, as nações estavam em guerra.
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