Vidas brilhantes ocultando sofrimentos e insondáveis revelações.
Guy Cooke era um homem perfeito. O olhar misterioso e a sensualidade envolvente deixavam as mulheres apaixonadas. Chrissie, de natureza romântica, viu-se atraída perdidamente por Guy, mesmo sem nunca ter acreditado na existência do homem de seus sonhos... Ao perder-se nos braços dele, realizou suas mais ousadas fantasias. Ela precisava dele para viver. Mas a natureza cigana de Guy exigia mais que fantasias e sonhos femininos...
CAPÍTULO I
Você tem certeza de que vai mesmo a Haslewich para resolver tudo?
— Vou sim, mamãe — Chrissie assegurou à sua mãe, com tranquilidade, e fitou o pai.
Os três conversavam na sala de estar, após o jantar. A morte de Charles os aliviara mais do que consternara. Eles formavam uma família pequena e unida, mas o comportamento irresponsável e o hábito de beber do irmão mais novo da mãe de Chrissie sempre foram fatos que constrangeram e aborreceram muito os Oldham.
No começo do casamento, ela tentou dar o melhor de si para ajudar Charles, acreditando ingenuamente que poderia mudá-lo. Oito anos atrás, ele fora condenado por furtar objetos na casa de um conhecido. Desde aquela ocasião, a mãe de Chrissie decidira não intervir mais.
Moravam em uma pequena cidade situada na fronteira com a Escócia, onde o pai de Chrissie era um renomado cirurgião cardíaco. A mãe era membro do conselho local da cidade, liderando várias obras de caridade, e seu caráter era totalmente diverso da reputação desagradável e do comportamento desonesto do irmão.
Charles morrera, e alguém da família deveria ir a Cheshire para abrir o inventário e vender a pequena propriedade que ele deixara no centro de Haslewich. Fora tudo o que restara de uma fazenda que ele e a mãe de Chrissie haviam herdado dos pais.
Os pais de Chrissie tinham compromissos de trabalho, e ela se oferecera para aquela tarefa.
— Deus sabe em que condição estará a casa. — A mãe de Chrissie estremeceu. — A última vez em que estive lá, o lugar estava imundo e por todos os cantos só se viam garrafas vazias. Quando criança, Charles sempre fora inoportuno, auto-destrutivo e problemático. Era muito diferente de nosso pai, sempre gentil e bondoso, que por sua vez, se parecia muito com o meu avô. Nunca fomos muito próximos, talvez devido à grande diferença de idade entre nós. Chrissie, na verdade eu não gostaria que você fosse à Haslewich, mas teremos de comparecer à reunião no México após as conferências de seu pai.
— Não se preocupe, mamãe — Chrissie afirmou. — Farei o que for necessário. Tenho tempo para isso.
O departamento de inglês da escola onde Chrissie trabalhava como professora fora reestruturado, e haveria cortes de pessoal.
— Mas não entendo por que você insiste em ficar na casa de Charles — a mãe comentou.
— Mas é por isso que estou indo para lá. A casa precisa ser vendida para pagar as dívidas de tio Charles. E você mesma disse que para vendê-la, seria preciso antes, colocá-la em ordem.
— Tem razão. Preciso entrar em contato com o banco e o advogado, para fazer uma procuração em seu nome, a fim de que possa assinar todos os documentos necessários.
Chrissie e seu pai se entreolharam, mais uma vez.
Charles Platt deixara como herança uma casa imunda, uma reputação condenável e muitas dívidas.
Para ser sincera, ela não estava muito ansiosa para resolver as encrencas deixadas por seu tio, mas alguém teria de fazer aquilo. Ela não queria aborrecer sua mãe, deixando-a perceber a sua pouca vontade em ir à casa dele.
A última vez que estivera em Haslewich, tinha sido após a morte de sua avó, e ainda se lembrava do desgosto de sua mãe.
O seu tio Charles morava com a mãe na velha casa da fazenda, em Cheshire. Várias gerações de sua família moraram naquela casa. Seu avô, desgostoso com o filho, e consciente de sua fraqueza, vendera as terras para outro fazendeiro. Após a morte da mulher, vendera a casa.
Ainda se lembrava da vergonha quando vira seu tio cambaleando pelas ruas. Um grupo de crianças o desafiara e caçoara dele. Sua mãe ficara muito pálida e com um profundo suspiro, pegou-a pelo braço para saírem do local.
Fora então que compreendera todo o amargor e sofrimento de sua mãe, sempre que se referia ao irmão.
Charles, um fraco, inútil e desajustado desde a adolescência, não seguira a tradição familiar de trabalhar na fazenda.
— Ele acabou com o coração de meu pai — a mãe de Chrissie lhe dissera, triste. — Papai vendeu as terras, deixando a parte de Charles. Ele tentou compreender e ajudá-lo, quando pretendeu ser ator. Mas foi apenas uma desculpa para gastar o dinheiro em jogos e bebidas. Seus avós sofreram muito, Chrissie. Seu tio esqueceu todos os valores morais da família. Foi uma vergonha para todos nós. Nunca consegui entender a falta de caráter e o puro egoísmo que nortearam a sua vida.
Agora estava morto, e com ele morrera uma parte da história de Haslewich. Os Platt cultivaram terras ao redor de Haslewich por mais de três séculos, como testemunhavam as lápides de suas sepulturas no cemitério local.
— Não sofra mais. — Chrissie tentou consolar a mãe com abraços e beijos.
Elas tinham traços semelhantes. Olhos grandes e amendoados, ossos altos nas faces delicadamente femininas. A mãe era mais baixa e um tanto gorda, enquanto Chrissie era alta e esguia como o pai. Os pais tinham cabelos negros, e Chrissie tinha cabelos ruivo-escuros, grossos, lisos e muito sedosos.
Chrissie estava com vinte e oito anos e se considerava uma mulher madura. Não se iludia mais com as intenções dos homens que encontrava, que admiravam seu rosto e corpo, sem se preocuparem com seu caráter e qualidades. Ela queria ser amada pelo que era na realidade, e não pelo que representava. Em sua opinião, a atração física não era fundamental em um relacionamento. No entanto, como uma romântica incurável, achava que entre duas pessoas que nascessem uma para a outra, o desejo seria muito poderoso para ser ignorado. Seria sobretudo um poder que, emanando do interior do indivíduo, captasse os sinais de um ser semelhante.
— Você não dá valor à beleza que tem — uma amiga lhe dissera no verão passado. — Se fosse você, usufruiria do poder que ela lhe confere.
— A verdadeira beleza está em nossos corações e é eterna — comentou ela. — Todo o resto se apaga ou se extingue com o tempo.
Quando ainda frequentava a Universidade, havia sido procurada por uma famosa agência de modelos, mas se recusara a posar para fotografias. Não tinha a menor intenção de exibir seus atributos físicos e nem de ganhar dinheiro com aquilo.
Sempre estudara com afinco e, atualmente era uma ótima professora. Tinha um senso de humor refinado, e seus alunos a adoravam.
— Não estou nada contente com essa história de você ficar na casa de Charles — sua mãe repetiu.
— Mamãe, já conversamos sobre isso. Estou indo para Haslewich com o propósito de tornar a casa vendável. E o mais lógico nesse caso, é morar nela.
— Nesse ponto você tem razão. Mas, também sei em que condição Charles vivia...
A mãe era uma ótima dona-de-casa, excelente cozinheira e muito organizada. Dona de um caráter inatacável, e uma bondade sem limites. Uma verdadeira representante dos antepassados que limpavam estábulos e pavimentavam os arredores das casas. Esfregavam e lavavam, travando uma batalha obstinada contra todo tipo de sujeira.
— Levarei minha roupa de cama, toalhas e meus utensílios — Chrissie acrescentou.
— Não é certo você ir — Rose Oldham protestou mais uma vez. — Charles era meu irmão.
— E meu tio. Você tem compromissos inadiáveis e não poderia ir agora. O mais lógico é eu ir em seu lugar.
Chrissie não dissera que a viagem à Haslewich servira de pretexto para recusar o convite de um colega para passarem férias de verão na Provença, junto com um grupo de amigos.
Ela adoraria ir para Provença, mas não com o colega. Chrissie reprimia a sua inclinação em relação a homens fanfarrões e de natureza impetuosa, mais parecidos com heróis de romances históricos.
Esse colega nunca a aborrecera, e poderia até ser um bom marido e pai. Mas não satisfazia o seu desejo secreto de encontrar um homem que a fizesse estremecer, que a atraísse e ao mesmo tempo, a compreendesse totalmente.
Com certeza, não o encontraria em Haslewich, uma pequena e pacata cidade comercial, um remanso tranquilo de poucos acontecimentos.
CAPÍTULO II
A porta do pequeno antiquário se abriu, e Jenny Crighton entrou. Ela e Guy Cooke eram sócios nessa loja de antiguidades.
— Machucaram alguém em Queensmead? — Guy Cooke perguntou a Jenny, sobre o assalto na casa do sogro dela.
— Felizmente não — Jenny respondeu.
Jenny, como mulher, não poderia permanecer imune aos encantos de Guy. Se não fosse tão bem casada e feliz com o marido, com certeza faria parte da longa lista de mulheres que suspiravam por Guy, um homem muito bonito, com trinta e nove anos. Ele emanava um poder viril e tinha um físico belo e musculoso. Seu olhar, enigmático e irresistível, derretia corações. Herdara o poder de atração e a reputação de seus antepassados ciganos. Guy era extremamente atraente, e sexy era o adjetivo que melhor se aplicava a ele. Ela o considerava um grande amigo.
— Ainda bem que nada aconteceu a Ben. Jon e eu já tentamos persuadi-lo a deixar alguém morando lá, mas ele é muito teimoso.
— Eu imagino — Guy concordou. — Estive lá para fazer a avaliação das antiguidades para a companhia de seguros, e ele quase me bateu quando sugeri que instalasse um sistema de alarme.
— O prejuízo foi grande?
— Não levaram muita coisa. A polícia tem a impressão de que os ladrões foram interrompidos pela campainha do telefone ou por alguém chegando.
— É difícil acreditar que em plena luz do dia, alguém possa forçar a entrada de uma casa e roubar calmamente, sem que alguém perceba — Guy comentou, preocupado.
— A polícia nos preveniu que as chances de recuperar os objetos são muito pequenas. O número de roubos aumentou muito. São quadrilhas de outras cidades que vendem o produto para comprar drogas.
— Será que agora ele se convenceu de que precisa da companhia de alguém? — Guy perguntou, enquanto verificava as mercadorias de uma caixa grande, que tinham vindo de uma avaliação.
— Infelizmente não — Jenny respondeu. — Mas Maddy deve chegar no próximo final de semana. Ela sempre vem nos visitar por algumas semanas durante o verão. Pelo menos, ele gosta dela.
— Max virá junto? — Guy perguntou pelo marido de Maddy, e filho mais velho de Jon e Jenny.
— Não, acho que não poderá vir. — Jenny mordeu o lábio. — Está trabalhando em um processo e terá de viajar para a Espanha a serviço de uma cliente.
Max era advogado em um grande e famoso escritório de Londres. Era especializado em causas de divórcio, e a maioria de seus clientes era mulheres Max admirava as mulheres e ficava envaidecido sempre que as conquistava. Nem sempre agia de maneira criteriosa e pautada por bons princípios.
Guy também gostava muito das mulheres, principalmente das calorosas, gentis, femininas, serenas e com beleza interior. Os atributos físicos que chamavam a atenção, não tinham muito valor para Guy. Ele era um homem muito bem-apessoado, e acreditava que os atrativos exteriores de uma pessoa eram passageiros. Amor, carinho, bondade e solicitude eram qualidades que não se perdiam com o tempo e, portanto, dignas de respeito e admiração.
— Fora o choque natural pelo roubo em si, o que mais aborreceu Ben, foi terem levado a sua pequena mesa de pau-amarelo. O pai dele fez uma cópia do original Frances, que pertencia à sua avó. Era uma peça muito bonita, mas sem grande valor.
— Mas tinha valor sentimental — Guy sugeriu. — Certamente isso o aborreceu.
— Sem dúvida — Jenny concordou. — Luke me disse que a família Chester possuía o par original. Foi um presente trazido da França para as filhas gêmeas dos Crighton. Uma das mesas está com o pai de Luke e outra com seu tio.
— Hum... Talvez o ladrão ou ladrões, não soubessem que a mesa de Ben fosse uma cópia.
— Talvez não. A polícia acredita que só a levaram pois encontraram facilidade para carregá-la.
— Eu e sua irmã Ruth passamos o dia inspecionando a casa e fazendo uma lista dos objetos que faltavam. Ben, é claro, não se encontrava em condições de ajudar.
— Ela já voltou dos Estados Unidos?
— Ela e Grant chegaram sábado. — Jenny sorriu.
— E linda a maneira como se amam e entendem. O que aconteceu entre eles mais parece ficção.
— Um amor de verdade, que nada conseguiu diminuir ou destruir — Jenny acrescentou, com suavidade. — Durante o tempo em que estiveram separados, nenhum dos dois pensou em se casar com outra pessoa. Agora estão juntos e novamente apaixonados. Bobbie reclama que, a despeito de terem se casado na mesma época, Ruth e Grant formam um par muito mais romântico de que ela e Luke.
— Bom, mas Bobbie e Luke têm uma linda filha e são ótimos profissionais em suas áreas — Guy comentou. — E os avós dela estão aposentados e livres para se dedicarem um ao outro.
— Eles podem estar aposentados, mas Ruth pertence a muitos comitês locais e se desdobra com as entidades de mães solteiras — Jenny lembrou. — Grant tem participação em muitos negócios, o que o mantém ocupado. Às vezes fico exausta só em ouvi-los contar as suas atividades. A energia e a alegria de viver de Ruth e Grant são o oposto da crescente falta de interesse em tudo, por parte de Ben. Ele nem parece irmão de Ruth.
Jenny se preocupava muito com o sogro.
— Ele ainda concorda em fazer a operação para substituir a articulação entre o fêmur e o osso ilíaco?
— Espero que sim. — Jenny suspirou. — Está marcada para o fim do verão. Maddy vai estar aqui e cuidará de Ben, quando ele sair do hospital. Ben gosta muito dela, talvez por ser esposa de Max a quem ele admira tanto.
— Você se preocupa muito com seu filho, não é mesmo? — Indagou Guy.
— E verdade. Ele é dono de uma ambição sem limites. Ben sempre o mimou bastante, e Max acredita que é merecedor desse tratamento diferenciado.
Pensei que, ao se casar com Maddy... — Jenny parou de falar e fez um gesto de desânimo, encerrando o assunto pessoal. — Há alguma coisa interessante nessa caixa?
Guy respeitou a tristeza presente nas palavras de Jenny e também mudou de assunto.
— Pelo jeito não. Só encontrei muitos objetos sem valor. Ah, Jenny... recebi um chamado esta manhã, para fazer outra avaliação. Duvido de que haja alguma coisa que possa interessar. Charles Platt.
— Charles Platt? Entendo o que você quer dizer.
— Sem medo de errar, afirmo que ele cavou sua própria sepultura.
— Pobre homem — Jenny se condoeu pela sorte do falecido.
— Nada disso — Guy comentou. — Era o homem mais trapaceiro da cidade. Seus pais o repudiavam publicamente. Morreu endividado.
Jenny pensou, ao notar o tom de voz de Guy, se ele também não era um dos credores de Charles. Se assim fosse, ela duvidava de que Guy tirara algum proveito com aquele empréstimo.
Guy, de modo geral, era um homem complacente, piedoso, sempre disposto a fazer julgamentos honrosos das pessoas. Mas também tinha um orgulho feroz, proveniente talvez dos caracteres hereditários de sua estirpe. Os Cooke eram descendentes de ciganos e faziam parte de uma grande família espalhada pela cidade.
Segundo a história local, uma ingênua filha de um diretor de escola cedera aos encantos de um cigano pertencente a um bando de origem romana. Eles eram, em geral, alvos tanto de admiração quanto de desprezo pelos membros da comunidade.
A jovem fora obrigada a casar-se às pressas com um viúvo encarregado de uma taverna, para dar um nome à criança que iria nascer.
Havia uma tendência de encarar as atividades profissionais e privadas do clã dos Cooke como suspeitas ou invejáveis, dependendo da situação de cada um na hierarquia da cidade.
Havia gerações que o sobrenome Cooke era sinônimo não apenas de tabernas e hospedarias, mas de invasão de propriedades, jogatinas e outros métodos menos lícitos de negócios. Os devotos da comunidade atribuíam aqueles costumes aos genes provenientes dos antepassados errantes e desocupados.
Entretanto, nenhum membro da família mantinha qualquer uma dessas atividades escusas. Segundo Guy contara à Jenny, aquelas práticas não ocorriam mais desde a geração de seu avô e da maioria dos parentes masculinos. Muitos deles se engajaram no Regimento de Cheshire, durante a Primeira Guerra Mundial.
— E difícil livrar-se desse estigma — Guy dissera a Jenny. — Um Cooke é sempre um Cooke!
— E esse ar de bandido moreno e bem-apessoado também não ajuda muito — Jenny caçoou com ele.
— Não mesmo — concordou ele, seco. Já perdera a conta de quantas moças foram proibidas de namorar com ele, quando jovem. Imaginava que devia ser o único adolescente da localidade com fama de selvagem e perigoso, enquanto ainda conservava a virgindade. Aquele era um dia de meio expediente. Depois que Jenny foi embora, Guy trancou a loja e foi para casa fazer o balanço de seus outros negócios. Tinha uma sociedade com a irmã e o cunhado em um restaurante muito concorrido da cidade e também tinha uma pequena participação em uma construtora de um outro parente.
Ultimamente pensava em investir em pequenas propriedades para reformar e alugar por prazos curtos, para empregados de uma grande multinacional que havia se instalado no local.
Mas sua grande paixão era a loja de antiguidades, principalmente o mobiliário, e se ocupava disso quase em tempo integral.
Ele e Jenny tinham sido os principais incentivadores da feira de antiguidades, que teria lugar em Fitzburgh Place no mês seguinte. Guy examinava a lista de expositores e a lista dos convites enviados. Era um evento que visava promover a valorização das antiguidades e também levantar fundos para as casas das mães solteiras, obra de caridade preferida de Ruth e Jenny.
Lembrou-se de Charles Platt.
Guy entrara no colégio quando Charles já estava se formando.
Atualmente, homem forte e musculoso, nem de longe lembrava o menino magro, pálido e de aparência vulnerável que sofria de bronquite asmática. Guy, o caçula dos irmãos, era quieto, estudioso e mimado pelas mulheres da família. Charles Platt vira nele a vítima ideal para extorquir dinheiro.
Guy tentara resistir. Não pelo valor em si, já que os seus primos mais velhos e mais violentos lhe tomavam tudo.
Charles descobrira o seu medo de água e logo se aproveitara do fato. Guy nunca esqueceu o dia em que Charles quase o afogou, mantendo-o sob a superfície do rio, até que apareceu um de seus primos mais velhos. Vendo o que se passava, tratou de fazer justiça, deu alguns socos em Charles e acabou com o tormento do menino.
Naquele verão, Guy aprendeu a nadar. Depois que Charles saiu do colégio, ambos somente se encontraram quando já eram adultos, e Charles, um alcoólatra.
Charles estava morto. Guy não ficara surpreso e nem sentira pena. Aquelas recordações quase o fizeram ignorar o pedido de avaliação dos móveis que escutara em sua secretária eletrônica feito em nome de Chrissie Oldham sobre os bens de Charles.
Quem seria ela? Pela voz nítida e equilibrada, não parecia ser uma das namoradas de Charles. Deveria ser a encarregada de vender a propriedade.
A morte de Charles o fizera refletir sobre a vida. Estava com quase quarenta anos, um belo saldo bancário e um pequeno grupo de amigos.
Por ocasião do Natal, Avril, sua irmã mais velha, vendo-o brincar com os sobrinhos, lamentara o fato de Guy ainda não ter se casado e constituído família. Ele argumentara que Avril era quinze anos mais velha que ele.
Ele só se casaria com alguém que amasse muito. E essa pessoa especial ainda não aparecera. Ou melhor, aparecera uma vez. Mas ela já era casada...
Guy se levantou, foi até a janela, parou e ficou pensando.
Ele se mudara para aquela casa havia seis meses. Situada em um bairro nobre da cidade, pertencia a uma vila de casa iguais, construídas para moradias dos membros do clero. Ruth, tia de Jenny, também morava naquele local. Entre seus vizinhos estavam alguns alto-executivos da Aarlstoon-Beker.
Não faltaram comentários de ser muita pretensão para um Cooke ter uma casa tão boa. Mesmo um Cooke com diploma universitário, que viajara por todas as capitais européias antes de voltar à cidade natal e ali se estabelecer.
Consultou o relógio. Faltava apenas uma hora para ir à casa de Charles Platt. Ainda tinha muito trabalho para revisar e muitos documentos para arquivar sobre a escrivaninha.
Chrissie gemeu ao se espreguiçar e sentir os músculos doloridos. Desde que chegara a Haslewich, passara o tempo limpando a pequena casa de seu tio. Uma tarefa quase hercúlea. Encontrara o quarto que planejava ocupar na sua breve estada por ali, atulhado de papéis inúteis e contas não pagas. Ela fora ao supermercado comprar sacos para embalar lixo, e sorriu ao ver o olhar espantado do caixa, pela quantidade que levou.
Pensou em fazer uma fogueira no jardim com aquela enorme quantidade de papéis. Mas teria de pedir permissão às autoridades locais, pois seria uma fogueira imensa.
Contratou um caminhão aberto, e naquela manhã dois homens haviam recolhido todos os sacos cheios de entulho que ela embalara.
A casa era semelhante a uma série de outras construídas na saída da cidade, atrás dos muros de um castelo destruído durante a Guerra Civil.
Chrissie admitiu que, com um pouco de imaginação e muito trabalho, a casa poderia se tornar uma moradia charmosa para uma pessoa solteira ou um casal sem filhos.
Várias casas da rua, reformadas e pintadas, deixavam ainda mais evidente o miserável abandono da casa de seu tio.
Esvaziara o pequeno quarto de hóspedes para ter onde dormir. Sua mãe certamente teria aprovado a maneira como ela esfregou e desinfetou o banheiro e a cozinha. Não quis usar o velho refrigerador, depósito de comidas azedas e emboloradas.
As roupas do tio, devidamente ensacadas, iriam para uma instituição de caridade. Já havia agendado para o dia seguinte uma reunião com o advogado de Charles.
Como ela e seus pais suspeitavam, a casa não tinha objetos disponíveis para pagamento das dívidas, exceto a pequena mesa de pau-amarelo.
Ela contou à mãe sobre aquele objeto, e Rose lhe disse ter pertencido à bisavó de Chrissie.
— Não venda — Rose disse à filha. — Mandaremos avaliar e o compraremos do espólio. Ainda bem que Charles não o vendeu. Será que estão aí as gravuras de Nan Staffordshire?
— Sinto muito, mamãe, mas não achei.
Ela prometeu mandar avaliar a peça em separado pelo comerciante que faria a análise das bugigangas que encontrara na casa.
Ela limpou e lustrou a delicada mesa. Era sem dúvida uma peça muito atraente. Era muito resistente, e ao mesmo tempo delicada.
Chrissie olhou o relógio. O antiquário recomendado pelo advogado deveria estar chegando. Juntou toda a mobília que gostaria que fosse avaliada, com exceção da mesinha. Um agente estadual também fora chamado para determinar o valor de venda da casa. Estava cansada, mas pelo menos a casa estava limpa. Limpou um resto de teia de aranha e sujeira de sua camiseta branca.
CAPÍTULO III
Guy bateu à porta da casa de Charles. Prevendo a sujeira que iria encontrar, vestiu jeans desbotado e surrado, e camiseta velha e justa.
Chrissie abriu a porta. Ao ver Guy, espantou-se. Já ouvira falar em amor à primeira vista, mas jamais acreditara nele.
Em menos de um minuto chegou à conclusão que achara o homem de sua vida. Achou absurdo aquele pensamento. Entretanto, não conseguia desviar da intensidade do olhar magnético de Guy. Era como se ambos estivessem num mundo à parte, onde nada mais importasse.
Chrissie sentiu o coração disparar e faltar o fôlego, enquanto Guy a fitava de forma irresistível.
Ao abrir a porta, notara de imediato o porte musculoso e harmônico do homem muito bem-apessoado que estava à sua frente. Mas o que sentiu, foi muito além da beleza física. Era uma atração profunda.
Só podia ser devido a uma forte ligação psíquica, do fundo da alma, pensou Chrissie, enquanto se voltava para dentro da casa e sentia a respiração dele às suas costas.
Guy não podia acreditar no que acontecia. Lembrava-se das histórias de premonição de seus antepassados ciganos, e de alguns Cooke que herdaram aqueles dotes espirituais. Quase no século XXI, ele se considerava um homem moderno e não acreditava nessas coisas. Mas naquele momento, teve consciência do momento mágico de discernimento que experimentara quando a vira. Sentia como se já houvesse acariciado aquela maravilhosa cascata de cabelos ruivo-escuros, sentido o cheiro e o sabor de seu corpo, ouvidos os sussurros, gemidos e o grito no momento em que compartilhavam do prazer maior. Ele reconheceu...
Estava ali a única mulher que poderia completar a sua vida e fazê-lo feliz. O coração de Guy estava aos saltos, e a cabeça latejava. Se estendesse a mão, acreditava que ela lhe daria a sua, e o seguiria em silêncio, como uma pessoa ingênua e submissa. No entanto, já no primeiro olhar, soube que era uma mulher instruída e consciente de seu poder feminino.
Ele entrou e fechou a porta atrás de si. Instintivamente estendeu a mão para acariciar-lhe o rosto. No mesmo instante, Chrissie virou a cabeça e lhe beijou a palma da mão.
Guy gemeu e a puxou de encontro a ele. Um se encostou firmemente no outro.
Ele passou os dedos na boca macia e a beijou. Não saberia dizer quem tremia mais. O pequeno sussurro de prazer que ouviu, tornou-se mil vezes maior dentro de seu próprio corpo.
Chrissie tremia violentamente pela emoção do beijo e da surpresa que o destino reservara para ela. Jamais poderia imaginar que estaria abrindo a porta, não para um avaliador, mas para o seu futuro.
Nunca fora uma mulher de rápidas intimidades ou de amores inconsequentes. Muito pelo contrário. No entanto, compartilhava da intimidade com um desconhecido e de uma grande emoção sem palavras.
Quem era aquele desconhecido?
Nunca imaginou que poderia reagir daquela forma a um toque, a um beijo, a ponto de desejar alguém imediata e irresistivelmente. Teve plena consciência do violento poder de atração dele. Ele teve vontade de eliminar a barreira das roupas, para conhecer cada centímetro de sua pele, encostar-se nela, sobre ela, para repartirem a ânsia incontrolável.
Chrissie lhe ouvia os sussurros, dizendo que a amava, e como havia esperado tanto tempo pela mulher de sua vida. Palavras desconexas e sensuais.
Ela não tinha a menor idéia de quanto tempo ficaram se beijando, tocando, querendo... Quando ele finalmente a soltou, ela tremia a ponto de não conseguir permanecer em pé, os lábios inchados e machucados.
Chrissie engoliu em seco, fitou-o, e ele lhe apertou as mãos. Ela ansiava por estar novamente em seus braços, sentir-lhe o corpo másculo e ao mesmo tempo inebriar-se com a sua alma. Angústia e sofrimento misturavam-se à vontade de amar aquele homem.
Guy a desejava tanto, que não sabia como conseguira se afastar dela. Não era um homem que só pensava em sexo. Mas naquele momento...
— Jamais senti uma coisa dessas antes — Chrissie confessou.
— E eu acho que mataria qualquer outro homem que... — a voz de Guy soou áspera.
Ela entendeu o significado daquelas palavras pois também sentiria um ciúme violento de qualquer mulher que o provocasse.
Ela inspirou fundo, mas não recuperou sua respiração normal.
— Eu o amo muito — Chrissie confessou.
Guy tornou a abraçá-la, as mãos deslizando em suas costas.
Por alguns minutos, só houve o som dos beijos apaixonados, cada vez mais intensos, e da respiração forte, entrecortada. Quando Guy acariciou-lhe os seios. Ela se contraiu em movimentos espasmódicos, numa sensação semelhante a uma descarga elétrica que ia dos mamilos intumescidos às entranhas. Sentiu uma convulsão motivada pela intensidade da excitação.
— Não, por favor — ela sussurrou, mas se contorceu para trás e manteve a mão de Guy em seus seios.Com a ponta do polegar, ele roçou o mamilo coberto ainda pelo tecido, até ela implorar que o saboreasse.
Naquele momento, tudo tornou-se inexplicável e inebriante para Chrissie. Toda a sua sensatez e conduta exemplar nada mais significavam. Os seus parâmetros passavam a ser as próprias sensações e necessidades.
Pensou que fosse desfalecer quando Guy levantou-lhe a camiseta e prendeu os bicos duros e intumescidos com os lábios quentes. Ouviu-lhe os murmúrios enquanto a acariciava e sentiu-lhe a força do desejo.
Chrissie também ansiava por tocar, examinar e conhecer aquele corpo musculoso. Já não se satisfazia com a boca sorvendo os mamilos. Queria mais, muito mais. Ergueu-lhe o rosto com delicadeza, fitou-o intensamente e, devagar, pegou-lhe a mão e o conduziu até a escada.
— Você não precisa fazer isso — Guy sussurrou.
— Eu preciso, mas se você não quer...
A sinceridade de Chrissie o comoveu e fez crescer ainda mais a excitação. Ela era tão confiante, entregava-se sem reservas... Era perfeita.
— Você sabe quanto a desejo! — Ele afirmou, e com um sorriso desairoso abaixou o olhar para o próprio corpo. — Tenho receio de que a resposta seja muito evidente.
Chrissie lutou para dissimular a vontade de explorar a rígida manifestação da masculinidade ardendo por ela. Mas Guy já percebera a linguagem de seu corpo delgado enquanto a devorava com o olhar.
Pela primeira vez em sua vida, Chrissie orgulhou-se de suas formas e entendeu que não teria vergonha de sua nudez na frente dele. Ficaria vaidosa de ser mulher, de sua feminilidade, e o trataria com admiração e reverência. Do mesmo modo, a nudez de Guy seria normal para ela.
Chrissie abriu a porta do pequeno quarto de hóspedes e percebeu-lhe o ligeiro tremor da mão.
Lamentou, apenas por um instante, a pobreza do chão e das paredes limpas, a simplicidade do colchão inflável e dos lençóis brancos de linho que trouxera de casa. Para que lhes serviriam os ornamentos, cetins, camas de dossel, brocados e grossos tapetes? Ambos já possuíam toda a riqueza, luxúria, sensualidade que se poderia esperar de uma paixão.
Guy examinou o quarto despojado em silêncio. Tinha um cheiro de frescor e limpeza, um leve odor agradável. Marcava o perfume e a presença de Chrissie.
— Você está mesmo aqui? — Guy perguntou. Haslewich era considerado um lugar seguro para se morar. Porém a casa de Charles situava-se em uma das partes mais pobres da cidade, e naquelas ruas noticiavam-se vários incidentes como brigas de jovens, e até pontos de venda de drogas.
— Pareceu-me a coisa mais sensata a fazer — Chrissie respondeu.
Talvez ele quisesse ir embora, chocado com a rudeza do quarto ou com a atitude atrevida dela. Guy não poderia adivinhar como aquela situação toda era inusitada e inexplicável também para Chrissie.
— Se você prefere... — Chrissie hesitou. Guy não a deixou terminar e a pegou nos braços.
— Não... tudo é perfeito. Você é perfeita. Assim é que entendo o amor. Espontâneo, descontraído, e viável apenas por si mesmo. Simplesmente instintivo, natural, completo e claro. O verdadeiro amor não precisa dos artifícios da sedução. Nada que seja artificialmente imposto poderá se comparar à sua beleza ou à grandeza do que vamos compartilhar ou criar.
Chrissie se emocionou com as palavras de Guy. Era exatamente o que pensava sobre o amor. Os dois estavam em total harmonia, como se fossem uma só pessoa.
Lágrimas de emoção lhe turvaram a visão.
Ela tocou-lhe a boca com a ponta dos dedos trêmulos, e sentiu a maciez dos lábios em contraste com a ligeira aspereza da pele escanhoada.
— Chrissie.
Ele sugou-lhe os dedos, um por um, sem tirar os olhos da amada. Chrissie o fitava e emitia sons guturais ao sentir a sensualidade das carícias. Ela se comovia à vista de tanto desejo.
Nas poucas experiências sexuais de Chrissie, ela fora passiva. Nem pôde acreditar na sofreguidão com que começou a tirar a roupa, ansiando pelos carinhos na pele nua. Guy ajudou-a a despir-se. Os gemidos se transformaram em suspiros de prazer.
Chrissie se desnudou diante de Guy e temeu que o odor de seu corpo, de sua excitação e desejo não o agradassem.
Ele se aconchegou entre os macios seios dela.
— Hum... Você tem um cheiro tão bom... Um cheiro de mulher.
— Aqui há um chuveiro. Eu...
— Nem pense. Nem pode imaginar como você é sensual, com essa fragrância. Tenho vontade de tocá-la, sentir seu sabor, explorar e conhecer cada pedacinho de seu corpo.
Chrissie ficou confusa e insegura, pela primeira vez desde que o encontrara.
— Não quero você limpa e perfumada. Me agrada como você está agora. Uma mulher calorosa, excitada, com o perfume do desejo. E espero que sinta o mesmo por mim.
— Claro. — Ela queria aspirar o cheiro de Guy e saborear o gosto de sua pele.
Ela estremecia ao vê-lo tirar as roupas. Tinha um físico atlético, firme e musculoso. Perfeito! O corpo era coberto de minúsculos caracóis de pêlos pretos e sedosos. Ela sentiu a tensão daquele momento.
De maneira muito diferente das vezes anteriores, Chrissie queria olhar para aquele corpo e matar a sua curiosidade de mulher vibrante pela sensualidade do homem.
Ela não se deu conta de quanto tempo estivera só observando, até que ele a acordou do transe.
— Passei no teste? — Ele brincou.
Chrissie abaixou a cabeça, desarmada. Guy sorriu e a abraçou.
— Não se preocupe, você tem todo o direito de olhar e julgar. Entre nós não deve haver barreiras, inibições, nem lugares que não mereçam serem tocados. Afinal de contas, olhar um para o outro com aprovação, só estimula e aumenta o desejo!
Antes que ela pudesse falar algo, ele curvou a cabeça e a beijou. Chrissie pressionou seu corpo contra o de Guy, e teve espasmos incontroláveis à medida que as línguas se procuravam e se acariciavam com volúpia. Guy lhe explorava o corpo com leve toque de dedos. Parou as mãos sobre os quadris e a puxou mais ainda contra ele, enquanto murmurava, que a amava e desejava muito.
Ela sussurrou as mesmas palavras no ouvido de Guy, ao mesmo tempo em que ele a erguia e deitava na cama. Ela fechou os olhos e estremeceu quando sentiu a boca tépida acariciando a pele macia de seu corpo. Uma sensação delicada e ao mesmo tempo poderosa, como se milhares de minúsculas flechas de prazer explodissem nela qual flores que desabrocham ao sol.
— Você gosta? — ele perguntou, com voz rouca.
Ela só conseguia gemer em aprovação. Guy continuou a passar os lábios sobre o corpo de Chrissie com tanta leveza que mal o tocava. A impressão de delicadeza não se desfez, nem mesmo quando ele cobriu-lhe o sexo com a mão protetora.
Chrissie abriu os olhos. Guy estava ajoelhado entre as suas pernas, venerando o coração de sua feminilidade. Ele resvalou as mãos por debaixo dela e a ergueu. Ela não ficou inibida nem envergonhada. Ao contrário, amou a perfeição da intimidade ao sentir-lhe a língua provando o orvalho misterioso de seu corpo.
Guy, agindo sensualmente, achou o que procurava, e Chrissie se contorceu sem controle, sob a possessão dos lábios dele. Ela não sabia se pedia para continuar ou acabar com aquela doce tortura. Entretanto, o seu corpo queria, necessitava e implorava por mais e mais prazer. O gemido surdo de pura excitação deu a Guy a certeza da mulher maravilhosa que ela era.
Guy comandava-lhe o corpo e as reações.
Chrissie tremia pelo prazer intenso e receio da perda inevitável do auto controle.
— Pare... — ela implorou. — Tenho medo...
— De quê? — Ele indagou, em voz baixa. — Isto? Guy a tocou, fitando-a, e Chrissie estremeceu.
— Tudo o que está acontecendo é tão irresistível... Nunca... senti tanto... Eu... não sei.
— Antes, você só experimentou o prazer físico — Guy adivinhou. — Agora você, assim como eu, entregou-se por completo, física, emocional e mentalmente. E eu também tenho medo. De não corresponder às suas expectativas e de perder o que acabamos de encontrar.
— Sei que isso não vai acontecer. Eu preciso de você e o quero muito.
Sem nenhum embaraço, ela afagou-lhe os pêlos sedosos do peito, e descendo, encontrou a manifestação do mais puro desejo por ela. Continuou roçando levemente os dedos, e então foi a vez de Guy gemer, com os olhos fechados.
— Oh, Deus, como é bom! Muito bom.
Guy ficou tenso, gemeu novamente, abaixou a cabeça e tomou os seios com as mãos e lábios. Sorveu os bicos duros com sofreguidão, queria sentir aquele suave calor em sua boca, antecipar a tepidez do interior do corpo de Chrissie.
Chrissie murmurou palavras ardentes entre os beijos frenéticos.
— Por favor, agora... não suporto mais... — ela implorou.
Ela esquecera todos os receios ante a grandiosidade do que acontecia. Gemeu alto de satisfação quando sentiu Guy invadindo sua intimidade, sofregamente.
— Que sensação divina! Nós combinamos perfeitamente... — ele a encarava transfigurado, com devoção.
Os movimentos rítmicos de Guy se tornavam cada vez mais fortes. Chrissie não conseguiu responder com palavras, mas seu corpo o fazia por ela.
Ela não poderia supor jamais tal intimidade e perfeito entrosamento. Compartilhar anseios, emoções, delírios e vibrar na mesma sintonia fazendo ambos se tornarem um ser único e harmonioso.
As ondulações de desejo se tornavam mais e mais urgentes, o corpo de Guy se movia dentro de Chrissie, que se contraía com o firme pulsar dele.
E um grito surdo de ambos ecoou, quando sentiram o momento mágico da fusão. Um completara o outro.
— Oh, Guy! — Chrissie chorava de emoção, nos braços de Guy.
— Eu sei, eu sei.
Guy a consolava com ternura, enxugando-lhe as lágrimas e beijando seus lábios. Ele a aconchegou na proteção de seu corpo, até que ela se acalmou.
— Ainda não consigo acreditar no que aconteceu — Chrissie confessou, um pouco envergonhada. — Eu não sei...
— Não sabe o quê? — Guy a interrompeu, beijou-lhe a palma da mão. — Nós trilhamos um caminho muito além da vergonha e do fingimento. O que nós temos... e o que poderemos ter...
Os olhos de Guy ficaram marejados de lágrimas. Chrissie o confortou e beijou sua boca com todo o amor que nutria por ele.
— Nós precisamos conversar, mas não aqui — Guy confessou. — - Se eu ficar aqui...
Chrissie sentiu o olhar quente sobre o seu corpo despido. Ela admitiu que era verdade. Mesmo agora, tranquila e descontraída, se ele... Guy estava certo. Havia muito para conversar, saber e descobrir.
— Vamos jantar juntos — continuou Guy. — Nem me ofereço para vir buscá-la senão... Minha irmã e meu cunhado têm um pequeno restaurante. Podemos nos encontrar lá. Que ironia, tê-la encontrado na casa que pertenceu a Charles Platt.
Ele percebeu a estranheza no rosto de Chrissie.
— Nós nunca nos demos bem — ele explicou.
— Você não gostava dele — ela comentou e desviou o rosto.
— É verdade — Guy concordou. — De fato... Bem, não vamos falar de Charles Platt. Ele não significa nada para nós.
— Guy... — Chrissie tentou explicar, mas desistiu.
— Gosto da maneira que pronuncia o meu nome — Guy afirmou, em tom apaixonado. — Você reacende minha vontade de beijá-la...
— Você ainda não viu a mobília — Chrissie o lembrou, arquejante, dez minutos depois.
— Farei isso na próxima vez... — Guy mudou de expressão, os olhos se tornaram mais escuros e pensativos. — Pois, minha Chrissie, haverá outras vezes, não é mesmo?
Ele a beijou novamente, e ela lhe assegurou que eles ficariam juntos para além da eternidade.
Decorreu mais de uma hora até que finalmente, tomaram um banho, vestiram-se e decidiram se despedir.
Chrissie anotou o endereço do restaurante, e ele foi embora. Ela ficou apenas sentada, esperando, contando os minutos e segundos que faltavam para estarem novamente juntos.
Ainda imersa em seus sonhos, flutuando em uma nuvem dourada de beatitude, ouviu o telefone tocar.
Chrissie sorriu para si mesma e atendeu.
— Você parece feliz, minha filha.
— E estou, mamãe.
Chrissie contou para a mãe o que acontecera naquela tarde, emitindo os detalhes mais íntimos.
Chrissie conversava muito com os pais e não guardava segredos. Mas sabia que certos detalhes eram muito preciosos e sagrados, e não poderiam ser compartilhados com ninguém, a não ser com a pessoa envolvida.
— Sei que parece incrível — ela afirmou para a mãe. — Se alguém me dissesse que nós iríamos nos apaixonar à primeira vista, é muito provável que eu não acreditaria.
— Chrissie, você tem certeza? Eu não sei... — A voz de sua mãe parecia insegura. — Sem dúvida querida, é surpreendente, mas receio por você.
— Ele é maravilhoso... Muito mais que isso — ela assegurou. — Mamãe, ele conheceu tio Charles e tive a impressão de que não gostava muito dele.
— Você lhe disse que Charles era seu tio?
— Não tive chance — Chrissie respondeu. — Tentarei lhe dizer à noite, pois iremos jantar juntos hoje.
— Minha querida, acha mesmo conveniente? — Rose questionou, após uma pausa. — Detesto ser desmancha-prazeres, mas você afirmou que ele não apreciava seu tio. Talvez não seja muito sensato contar-lhe a verdade, até que vocês se conheçam um pouco mais.
— Você insinua que devo mentir para Guy?
— Não, claro que não... mas acredito que deva esperar para comentar sobre esse assunto — respondeu a mãe. — Detesto pensar que a má reputação de seu tio possa macular a sua felicidade. As pessoas tendem a fazer julgamentos. Deixe Guy conhecê-la um pouco melhor, então...
— Acha que ele me rejeitaria devido... ao tio Charles? — Chrissie indagou.
— Não sei, minha querida. Faço votos que não, mas... seu tio...
Não precisou dizer mais nada. Chrissie sabia de tudo. Seu tio fora um mentiroso, trapaceiro e ladrão.
— Eu a aborreci, minha filha — Rose lastimou. — E creia, seria a última coisa no mundo que gostaria de ter feito.
— Não é isso, mamãe — Chrissie assegurou. — Mas não gosto de ser desonesta com ninguém, muito menos com ele.
Chrissie ficou angustiada pela simples idéia de que alguma coisa pudesse lançar uma sombra na sua felicidade. Sentiu um medo terrível pela vulnerabilidade de seu amor recém-descoberto. Iria protegê-lo de tudo e todos que representassem uma ameaça.
— Você já pediu uma avaliação da mesinha para Guy? — a mãe perguntou.
Chrissie ficou vermelha ao lembrar que não houvera tempo.
— E... ainda não — ela admitiu. — Acho melhor procurar outro avaliador. Não quero que ele, nem ninguém, pense que estou querendo uma avaliação de favor. Você entende, não é?
— Claro, claro — sua mãe concordou. — Você está certa. O valor sentimental da peça é que a faz valiosa para seu pai e para mim. Nós concordamos em pagar um valor acima de mercado ao espólio, mesmo que por lei eu tenha direito à metade dos bens. Claro, vai ser difícil comprovar. Quando eu penso nas pessoas que seu tio ludibriou...
Chrissie não fez nenhum comentário. Ela já conhecia a decisão de seus pais no sentido de obter, por intermédio do advogado, uma lista dos credores de seu falecido tio, no sentido de reembolsá-los. Por conta deles, se fosse necessário. Chrissie duvidava de que mesmo após a venda da casa e o pagamento da hipoteca, sobraria dinheiro para pagar as dívidas.
— Bem, filha — a mãe quis brincar com ela. — Quando vamos conhecer o herói?
— Vamos aguardar um pouco mais — Chrissie afirmou. — Podem viajar sossegados e pensaremos nisso na sua volta.
Ela deu graças a Deus por sua mãe não tê-la visto corar, lembrando-se de seus sentimentos em relação a Guy. Era tudo muito novo na sua vida, e tinha receio de compartilhar as emoções com outras pessoas.
— Uma mesa para dois...
— O que aconteceria se eu dissesse que não tem? — Frances Sorter caçoou com o irmão.
Guy ajudara o marido de Frances a montar o restaurante. Eles se davam muito bem, apesar do temperamento forte de ambos. Guy dera um formidável impulso ao negócio, investindo muito dinheiro e sugerindo inovações. Quando eles titubearam em assumir um compromisso financeiro extra, Guy os encorajara a aumentar a sala de refeições, e dera a necessária ajuda financeira. Guy acertara. Seu marido Roy, fizera um curso de especialização em comida regional. A fama do restaurante se espalhou rapidamente entre as regiões vizinhas, e a casa vivia lotada. Roy usava somente ingredientes de qualidade, vegetais orgânicos e carnes provenientes de animais criados pelos métodos tradicionais, em vez de serem alimentados com substâncias químicas e hormonais. Os pratos da casa faziam a alegria dos frequentadores masculinos e a tristeza das esposas, cansadas de verem a comida caseira ser comparada à de Roy.
— Paul sempre diz que as massas de Roy são melhores que a de sua mãe — uma freguesa confidenciou a Frances.
Os dois filhos do casal faziam o curso de engenharia de alimentos e acabariam ajudando no negócio da família. Miranda, sua filha, trabalhava por conta própria, organizando festas e jantares. Mantinha a tradição de servir comida regional.
— É um jantar de negócios? — Frances perguntou, com delicadeza.
— Não. — Guy respondeu.
— Então é uma mulher... — Frances calculou.
— Acertou — Guy concordou, pensando em confessar que era uma mulher muito especial para ele.
Mas Guy conhecia a irmã. Se falasse alguma coisa, na manhã seguinte, todos os membros da família Cooke saberiam da novidade. Por enquanto, ele a queria só para si, sem reparti-la com ninguém. Ainda não se sentia em condições de enfrentar a sua família bastante sociável, porém inquisidora e gregária.
— Ah, quase esqueci de lhe contar! — Frances exclamou. — Houve outro assalto. Dessa vez foi no The Limes. A polícia suspeita ter sido uma quadrilha. Guy sabia que um primo de Roy era inspetor de polícia de Chester, por isso Frances sempre sabia da história cheia de detalhes.
— Ainda segundo os policiais, é uma gangue que circula bastante. Sempre sabem exatamente o que procuram e evitam coisas muito valiosas que sempre estão bem guardadas e protegidas com alarmes. Chester, com seus antiquários e visitantes é um lugar ideal para se desfazer do material roubado, vendendo aos comerciantes antes da polícia fazer a listagem do que foi perdido.
— Hum... É o pesadelo dos comerciantes — Guy acrescentou. — Realmente é frustrante descobrir que os produtos adquiridos de falsos colecionadores eram na realidade eram roubados.
— Como vai indo a organização da feira de antiguidades? — Frances perguntou, mudando de assunto.
— Muita coisa já está resolvida. O maior problema tem sido achar espaço suficiente para todos os expositores participantes. Talvez precise vetar a participação de alguns.
— Bem diferente da primeira vez, há três anos — Frances lembrou. — Na ocasião, você implorava para as pessoas participarem.
— Nem quero me lembrar!
— Mesmo assim, a feira foi um sucesso. E houve lucro, além da boa quantia que foi destinada às obras de caridade. Você pretende fazer uma doação neste ano?
— Claro. Nem Jenny, nem Ruth me perdoariam, se eu não contribuísse com as obras delas.
— E com razão. As casas de mães solteiras de Ruth Crighton valem o que se investe nelas. Acho que as pessoas têm prazer em contribuir, por se tratar de uma instituição local e pequena. Quando esteve aqui pela última vez, Ruth me contou que está treinando uma equipe de conselheiros para planejar um atendimento pós-parto para as mães e pediátrico para os bebês.
— Tenho a impressão de que essa obra assistencial está sobrecarregando Jenny. Talvez, em breve, ela venda sua parte na sociedade.
Frances sabia que Guy e Jenny eram sócios havia muito tempo, e que, se não fosse por Guy, a loja de antiguidades ainda seria um investimento modesto. Muitas vezes, durante aqueles anos todos, ela pensara na natureza do relacionamento entre eles. Jenny era muito devotada ao marido, Jon Crighton, sócio majoritário do escritório jurídico da família.
Por outro lado, Frances achava que seu irmão era extremamente carinhoso e protetor com sua sócia. Naquele momento, no entanto, havia uma nova mulher na vida de Guy. Frances não era nenhuma tola. Tinha conhecimento de que seu irmão não era exatamente um monge. Por volta dos vinte anos, ele namorara com muitas jovens belíssimas. Mas até então, já perto dos quarenta, ele ainda não havia demonstrado interesse especial por alguém. Quem seria essa mulher e onde Guy a conhecera?
Muito curiosa, sabia que teria de fazer algumas pesquisas, e sorriu com inocência para o irmão.
CAPÍTULO IV
Mal havia saído do banho, Chrissie ouviu as batidas à porta. Vestiu o roupão, desceu rapidamente e com cuidado, destravou o trinco da porta. O seu receio se transformou num largo sorriso. Guy estava parado, com um enorme ramo de flores.
— Eu ia encontrá-lo no restaurante — ela lembrou, convidou-o a entrar e repreendeu-o pelo exagero do ramalhete.
— Eu sei... Não consegui esperar. Guy a fitou, deixando-a arrepiada e com calor.
— Você disse que nós não deveríamos... por que...
Chrissie levou as flores para a pequena cozinha, que ficou parecendo um jardim.
— Lembro exatamente do que eu disse — Guy assegurou e a pegou nos braços. — E estava certo. Mas já estava com saudade.
— Passaram-se apenas algumas horas e... — Chrissie achou graça.
— Poucas horas, poucos minutos, não importa — ele retrucou, com paixão. — O menor intervalo de tempo longe de você, parece uma eternidade.
— Chegaremos tarde para o jantar — ela preveniu, quando Guy começou a beijá-la.
Ele abriu o robe, e acariciou-lhe o corpo úmido e desnudo.
Ela imaginou que depois da primeira vez, as emoções não seriam tão fortes e mágicas. Porém enganara-se. Ambos estavam ainda mais ardentes, o desejo era irresistível, os corpos se moviam em total e perfeita harmonia.
— Nunca poderia imaginar um amor tão completo como esse — Guy comentou, com Chrissie nos braços, após terem feito amor.
— Nem eu — ela concordou. — E isso me assusta um pouco. É quase... perfeito demais...
— É "a perfeição", sem dúvida — ele proferiu.
Chrissie sorriu, e novamente sentiu-se envolvida pelas ondas da paixão quando Guy, abaixando a cabeça, beijou e acariciou-lhe os botões róseos dos seios. Ela gemeu quando ele sugou com os lábios os mamilos. E, então, o desejo tomou conta de ambos, fazendo com que ansiassem em desespero um pelo outro, até que o êxtase os saciou.
— Não quero perdê-la nunca — Guy falou, após terem feito amor novamente.
— Nem posso pensar em ficar sem você — Chrissie admitiu, chorando e rindo, tomada pela comoção. — Quase não posso crer no que está acontecendo conosco. Vim para Haslewich apenas para... resolver algumas coisas.
— Foi o destino que a trouxe — ele corrigiu.
— Jamais teria vindo se não fosse... Sua voz falhou. A despeito do aviso de sua mãe, ela teria de contar a verdade e explicar seu parentesco com Charles.
Mas Guy tinha outras intenções, e Chrissie esqueceu o que iria dizer. Amaram-se mais uma vez.
— Você está atrasado, mas mantivemos a reserva de sua mesa — Frances falou séria, quando eles chegaram ao restaurante duas horas mais tarde.
Chrissie corou ao imaginar que bastava olhá-los para que todos soubessem o que estavam fazendo até então.
A maquiagem não conseguira disfarçar o brilho vermelho da pele, o cansaço do olhar ou o intumescimento dos lábios. Ela percebeu a inspeção discreta, mas insistente, feita pela irmã de Guy.
Frances era bonita e tinha cabelos negros. Chrissie comentara com ele, em tom de aprovação feminina, sobre a sua aparência vigorosa e o calor da pele moreno-dourado. Guy lhe respondera, lisonjeado, que o aspecto físico era devido aos genes de seus antepassados ciganos.
— Ainda sofremos muita discriminação. Os moradores das pequenas cidades não esquecem que, no passado, cigano era sinônimo de ladrão — ele explicou. -— Digo isso, pois quero que saiba exatamente quem eu sou. Não deve haver enganos, pois
pretendo ser parte integrante de sua vida, daqui para a frente.
Chrissie emocionada, não tivera coragem de contar sobre a sua família.
— Guy está apaixonado por ela — Frances afirmou para o marido, depois que os deixou na mesa e voltou para a cozinha. — Basta ver seu olhar de admiração.
— Só você mesmo, Fran! Guy tem quase quarenta anos, e pelo que eu saiba, há um séquito de mulheres interessadas nele. Ele já deixou algumas bem apaixonadas e...
— Essa é diferente — Frances interrompeu-o, desprezando o raciocínio de seu marido. Olhou o relógio e pensou se ainda teria tempo para fazer alguns telefonemas. A família ficaria muito interessada no que teria para dizer.
— Se continuar me olhando desse jeito, teremos de sair — Guy advertiu.
Ela se sentia leve e atordoada, não conseguia desviar o olhar de Guy, de sua boca, de seu corpo, de...
— Por favor... — Ela implorou, pois ele também a fitava com tal intensidade que a pele chegava a queimar. — Nós estamos muito sensíveis.
— Sensibilidade não seria bem o termo... Chrissie, nós nos apaixonamos. Eu não consigo ficar longe de você e ainda nem sei por quanto tempo você ficará por aqui.
— Eu também não sei. Amanhã tenho um encontro com Jon Crighton. Preciso conversar com ele sobre o inventário.
— Jon é marido de Jenny! Ela é minha sócia na loja de antiguidades.
Chrissie estranhou a maneira calorosa como ele se referiu à mulher de Jon.
— Você deve estar trabalhando para a família Platt. Não é de admirar que eles não queiram tratar do assunto pessoalmente.
— A família não pode ser acusada pelo comportamento condenável de Charles — ela protestou.
— Minha família sabe, mais de que ninguém, que nas cidades pequenas as pessoas tem memórias longas e mentes estreitas. Charles prejudicou muita gente e, certamente, não faltará alguém que ache que toda família deva ser colocada sob suspeita.
— E isso que você pensa? — Chrissie perguntou, tensa.
— O que importa isso? — Guy pegou na mão dela, e estremeceu. — Para ser honesto, não estaria muito inclinado a ter simpatia por algum membro da família Platt, mas nem ele nem qualquer um deles me interessam. A única pessoa que me interessa, e sobre a qual desejo conversar, é você. Então, conte-me...
— Bem, estou representando a família Platt — Chrissie não se sentia à vontade por estar mentindo. — Vou me encontrar com seu advogado e colocar a casa dele à venda.
O que mais poderia ela dizer, depois de tudo o que ouvira?
— Jon a ajudará em tudo. Os Crighton são os advogados mais tradicionais da cidade. A ligação dos Crighton com o Direito é muito antiga, e data da chegada dos antepassados de Jon a Chester.
— Não sabia disso.
— Há membros da família que ainda exercem advocacia em Chester. Entretanto Max, filho mais velho de Jon e Jenny, trabalha em Londres. É uma família grande, mas não como a dos Cooke. Os nossos genes são muito férteis. Para alegria de uns e tristeza de outros, ajudamos a colonizar esta cidade.
Aquele comentário sobre fertilidade assustou Chrissie. Ocorreu-lhe que, na ânsia do amor e da paixão, nenhum dos dois se lembrou da necessidade de proteção. Tinham agido como adolescentes, e não duas pessoas maduras. Transtornados pelo súbito desejo, não pensaram em precauções ou consequências. Precisava discutir o assunto com Guy.
— Alguma coisa errada? — Guy perguntou, vendo a expressão preocupada de Chrissie.
Ela acenou negativamente, com um gesto de cabeça. O médico lhe receitara anticoncepcionais para regular o ciclo menstrual. Seria um bom método de proteção. Na verdade, nunca tivera problemas. Tomara a última pílula havia alguns dias, e a receita para comprar a próxima carteia, ainda estava em sua bolsa. A primeira coisa a fazer na manhã seguinte, seria correr para a farmácia.
— Não... nada. — Ela parou de falar, pois percebeu a aproximação de Frances.
— Tudo bem? — A irmã perguntou, vendo que mal haviam comido. — Será que não gostaram do jantar?
— Claro que sim! Acho que não estávamos com muita fome — Guy respondeu.
Frances chamou uma garçonete para retirar os pratos e foi para a cozinha.
— A que hora vai se encontrar com Jon? — Guy fez a pergunta, assim que sua irmã se retirou.
— Amanhã cedo, tenho uma reunião com o administrador dos bens de lorde Astlegh, para tratar de assuntos relativos à feira de antiguidades que estamos organizando. Vai ser realizada num local muito bonito e tradicional da cidade. Pensei que talvez gostasse de vir comigo. E uma casa belíssima e muito interessante. Os jardins são grandiosos. Se tudo der certo, a feira será um belo espetáculo
— Eu adoraria! — Chrissie apreciou o convite. — Meu encontro é às três...
— Ótimo. Podemos almoçar juntos!
Ele teve certeza de que a irmã já avaliara seus sentimentos em relação à Chrissie e que logo passaria as informações à família. Por enquanto, seria melhor preservar o amor que florescia.
— Se não quer mais nada, podemos ir embora e tomar café num cantinho mais tranquilo...
Chrissie o fitou, expressando no olhar tudo o que sentia.
— Eu adoraria — ela sussurrou, já ofegante.
Não ficou surpresa ao perceber que Guy a levava para a casa dele. Mas sentiu o coração bater forte, ao chegarem à vistosa casa de tijolos aparentes em estilo georgiano, com três pavimentos e terraço. Atravessaram o caminho estreito que levava à porta de entrada, imaculadamente pintada de branco.
Eles passaram pelo hall de pé-direito alto, e Guy acendeu as luzes. Entraram na sala de estar, elegantemente decorada com mobília finíssima, porém discreta. O carpete combinava perfeitamente com os móveis em estilo clássico. Havia vários tapetes persas espalhados pela sala. Perto da lareira, um conjunto com dois sofás grandes com braços estofados, feitos em tecido adamascado na cor creme. Os sofás estavam colocados de frente um para o outro. Vasos de cristal, pratarias, objetos de estanho e belos quadros completavam o ambiente.
— Fique à vontade. — Guy fez uma mesura de cavalheiro. — Vou fazer café.
— Prefiro ir com você. — Chrissie sorriu e, trêmula, segurou-o pela mão.
Ela experimentava uma nova emoção. Estava, a cada minuto, consciente de sua feminilidade, de seu desejo intenso por ele. Palavras, sentimentos e anseios incontidos, que deixavam de lado sua cautela natural, preenchendo a lacuna com desejos e necessidades audaciosas. Todos os sentidos estavam concentrados na presença de Guy e no poder que ele emanava.
A cozinha era bem grande, e Guy se movia nela com desenvoltura, abrindo armários, pegando xícaras, enchendo a chaleira. De costas para ela, pegava o pote de café. Chrissie observou seus ombros largos e a cintura estreita. Pernas longas e quadril bem torneado. Sentiu uma vontade louca de abraçá-lo, tirar sua camisa, beijá-lo e ser beijada. Suspirou.
— Alguma coisa errada? — Ele perguntou.
— Nada... — ela insistiu na resposta, mesmo estando preocupada.
Guy colocou as canecas na mesa.
— O café está quase pronto, a água já ferveu.
Chrissie não pensava no café. Após observar cada movimento de Guy, ficou ainda mais ansiosa por seus toques, pele, todo o seu corpo.
— Guy, eu não quero beber nada, eu quero... você.
— Oh, Deus, o que devo fazer para deixá-la feliz? Ele a abraçou, demonstrando quanto a amava e desejava.
— Você sabe que a quero muito — ele sussurrou e a beijou.
— Mostre-me então — ela colocou-lhe os braços ao redor do pescoço e apertou-o com o próprio corpo.
Muito vagamente, teve a lembrança de que precisava revelar a verdade sobre o tio, mas não podia mais raciocinar. Só tinha percepção de um corpo forte e rijo, desejando-a com a mesma intensidade de que ela o queria. Rapidamente esqueceu os pruridos de correção e franqueza, por recear qualquer coisa que pudesse atrapalhar seu amor recém-descoberto.
Subiram lentamente a escada, cada um se regozijando com a proximidade do outro. Guy a levou para seu quarto. A decoração do ambiente era feita em estilo country com mobiliário antigo muito sólido. A cama toda em carvalho tinha quatro colunas entalhadas e estava recoberta com uma colcha verde-escuro em cetim matelassê. Havia harmonia entre aquelas cores e as peças de decoração que circundavam a poltrona e as banquetas.
— Já pensei em fazer design de interiores — Guy confessou, ao perceber o olhar de aprovação de Chrissie. — Algumas vezes somos chamados para fazer consultoria de decoração.
— Foi você quem fez a decoração do restaurante? — Ela reparara nos móveis confortáveis feitos com madeira natural, que tornavam o local muito agradável.
— Fui eu, sim. Frances e Roy pretendiam aumentar o espaço, e fazer uma área reservada para jantares e festas. Pensei em combinar cores com o estilo da casa, para tornar o ambiente aconchegante. A área externa, com as mesas e cadeiras, ficou por
conta de minha irmã e meu cunhado.
Aprendi um pouco sobre estilos, cores e pintura de paredes e tetos, no tempo em que morei e trabalhei na Itália. Passei alguns anos naquele país. Posso dizer que eles levam muito a sério qualquer tipo de manifestação artística. Fiquei maravilhado com a perfeição dos afrescos.
— Itália... Hum... Estive alguns meses por lá, no ano passado. Adorei Florença.
Guy lembrou de sua estada na Itália. Não tinha sido uma simples viagem de férias. Fora sobretudo motivada pela necessidade de conhecer um mundo diferente daquele em que havia crescido. Tinha na época vinte e poucos anos, e trabalhara em serviços braçais, pesados e sujos. Enfrentara bares e cozinhas, colheita de batatas, aceitando qualquer tipo de serviço. Precisava ganhar dinheiro para sustentar os cursos de arte que fazia.
Chrissie, com certeza, tivera uma formação muito diferente, refletiu Guy. Sua família deveria ser de classe média-alta, o pai um profissional de sucesso, e a mãe, uma ativa voluntária de obras de caridade. Chrissie deveria ter estudado em colégios particulares.
Guy notara a sua relutância em falar sobre ela mesma, talvez pelo fato de perceber que pertenciam a mundos diferentes. Seus próprios pais, mesmo que prósperos e trabalhadores, tinham um modo de vida muito diverso das altas classes sociais.
Seu pai servira na Marinha. Era tradicional na família Cooke, os jovens se incorporarem nas Forças Armadas. Após conhecer a mãe de Guy e com ela se casar, comprou uma taberna, outra paixão daquela família.
A impaciência e vontade de conhecer outros lugares, herdados dos antepassados ciganos, fizeram de Guy, na sua juventude, um viajante contumaz. Os anos passados no continente europeu ampliaram seus horizontes.
Apesar do sucesso profissional e financeiro, Guy tinha consciência de que muitas pessoas o olhavam com desconfiança. Infelizmente, a diferença de classes não era coisa do passado.
Chrissie, aninhada nos braços de Guy, após terem feito amor, pediu-lhe que contasse sobre a feira que estava organizando. Guy relatou alguns fatos e procedimentos, com modéstia.
Jenny dissera, na semana anterior, ter sido uma façanha conseguir que lorde Astlegh cedesse Fitzburgh Place para a realização da feira. E com certeza, fora esse fato que elevara o nível e a qualidade dos expositores.
Guy tinha sido bastante criterioso na escolha dos fornecedores e distribuidores de alimentos que participariam da feira. A parte musical ficaria a cargo da orquestra de uma escola de música da cidade e de um quarteto de cordas. Haveria ainda a participação de conhecidos malabaristas e outros artistas para animar o evento.
A imprensa local e nacional mostrara grande interesse na cobertura dos três dias em que se realizaria a feira. O lorde, representante do condado, seria o anfitrião na recepção de abertura.
— A preocupação com a segurança em um evento dessa natureza, deve ser enorme, comentou Chrissie.
Ela lembrou das dificuldades que sua mãe enfrentara para conseguir segurança adequada em um de seus eventos sociais de caridade.
— Com certeza — confirmou Guy.
Ele já perdera a conta de quantos encontros tivera com o paciente inspetor de polícia responsável pela área em que se realizaria a feira. A maior dificuldade fora a contratação de pessoal e aquisição de alarmes portáteis.
— É impossível prever tudo — afirmou Guy. — Em última instância, cada participante deverá se ocupar com sua própria segurança. Um dos maiores problemas que encontramos até agora, tem sido a dificuldade em obter permissão das seguradoras que cobrem o evento.
— Suponho que lorde Astlegh deva ter objetos antigos muito valiosos — Chrissie avaliou.
— E em grande quantidade — Guy respondeu. — Uma excepcional coleção de obras de arte e porcelanas raras.
Chrissie sorriu ao lembrar que muitas vezes ajudava a mãe na organização das festas de caridade.
Entretanto esqueceu tudo quando ele a beijou, e ela percebeu que não estava tão sonolenta como parecia.
— Hum... — Chrissie se espreguiçou, sentindo seu corpo ser acariciado.
— Acorde, dorminhoca. São nove horas da manhã.
— O quê? — ela abriu os olhos, descrente. — Não pode ser!
— Veja você mesma — disse Guy, sorrindo e mostrando o relógio. — E você estava roncando até agora.
— Roncando? — Chrissie repetiu, indignada.
Levantou da cama e riu ao perceber que ele caçoava. Pegou no travesseiro para atingi-lo, mas ele arrancou-o de Chrissie. Eles se entreolharam, com desejo. Recomeçaram as carícias, com muito amor.
Eram onze horas quando saíram em direção a Fitzburgh Place. Passaram pela casa de Charles, para Chrissie trocar de roupa.
— Lorde Astlegh foi muito generoso em permitir que a casa e os jardins fossem utilizados para a realização das festividades locais — Guy afirmou.
— A Aarlston-Becker promoveu, neste mesmo lugar, uma festa maravilhosa, um baile de máscaras.
Haviam parado em uma curva de onde podiam admirar a vista espetacular da casa. Um canal dividia os jardins da frente da casa, dos que circundavam o lago artificial, uma ilha e um templo grego.
— O desenho original dos jardins é da época de Charles II — explicou Guy. — Algumas modificações foram feitas durante o reinado de William e Mary, portanto, com influência holandesa. Por sorte, permaneceram inalterados até hoje.
— São lindos — admirou Chrissie. — Onde vai se realizar a feira?
— Nos fundos da casa, em uma área onde ficavam originariamente as estrebarias. Lorde Astlegh fez uma reforma no local e construiu uma série de oficinas, que são alugadas a preços baixos para os artesãos da região. Ele também providenciou uma assessoria comercial, que vai desde a preparação da documentação e contabilidade das pequenas empresas até a colocação e distribuição dos produtos no mercado.
— Então é um filantropo — Chrissie asseverou.
— É verdade — Guy concordou. — Felizmente esta é uma atitude tomada por vários proprietários de terras, à semelhança do duque e duquesa de Devonshire.
Guy dirigiu o carro por um pequeno atalho e passou por duas grossas portas de madeira instaladas em uma parede de tijolos, chegando, finalmente, aos jardins das cavalariças.
As estrebarias originais foram transformadas em pequenas unidades de dois pavimentos, com janelas e portas pintadas de verde-escuro, rodeadas pelos jardins que estavam cobertos com uma profusão de plantas de verão. No centro do jardim, havia uma bomba de água. O local era ideal para aquele tipo de evento. Vários carros estavam estacionados por ali.
— O celeiro será limpo e transformado em local de hospedagem para alguns expositores — Guy explicou e apontou para a grande construção de um dos lados da área retangular. — Várias unidades vazias serão transformadas em lojas que venderão grande variedade de produtos. Nos jardins serão erguidas barracas. Nos locais onde se guardavam originalmente os arreios, as selas e ainda na parte superior, será instalado um restaurante e um bar.
— Será uma feira maravilhosa — Chrissie se entusiasmou. — A organização deve ter lhe dado muito trabalho, penso eu.
— Mais ou menos — Guy concordou. — Mas já encontrei um alívio para meu cansaço. Fitou-a com amor, e Chrissie sorriu.
— Cansaço tira a vontade de fazer amor — ela comentou, matreira.
— Nem sempre, Chrissie.
Guy foi para a reunião com o administrador, e Chrissie foi passear pelos jardins. Achou que o templo grego na pequena ilha, no centro do lago, seria o cenário romântico ideal para um casamento. Ela olhava o lago de uma pequena elevação recoberta de grama, sentada de pernas cruzadas.
Tantas coisas aconteceram em tão pouco tempo, que teve vontade de se beliscar, para ver se sonhava. Em menos de um dia, já tinha certeza de não poder mais viver sem Guy e seu amor.
— Esta é Chrissie — ele a apresentara à irmã, na noite anterior.
Ele não achara necessário dar mais nenhuma explicação. Era suficiente e definitivo.
— Acho que sua irmã adivinhou sobre nós — Chrissie lhe dissera mais tarde, quando estavam na cama.
— Hum... E se bem a conheço, ela já deve ter informado todos os Cooke. Espero que você não tenha nenhum segredo escondido no armário. As mulheres de minha família vão se empenhar em descobrir.
Ele brincara com ela. Mas não estaria na hora de contar a verdade? Ainda não havia contado sobre o tio Charles e aquilo a incomodava. Prometeu a si mesma que o faria, logo mais, à noite. Olhou o relógio e viu que já estava na hora da reunião de Guy terminar.
Levantou-se e caminhou em direção ao jardim das estrebarias. Quando lá chegou, viu um carro estacionado perto de Guy. Ele conversava com uma mulher elegante que parecia um pouco mais velha que ele. Ambos estavam entretidos na conversa, e Guy tinha as mãos nos ombros da mulher. Estavam muito próximos e pareciam afeiçoados um ao outro, quase íntimos, era um relacionamento antigo.
Ficou paralisada, sem coragem de chegar até eles, ardendo em ciúme.
Guy se voltou e a viu.
Poderia ser até imaginação, mas teve impressão de que ele não ficara muito satisfeito com a sua chegada. Entretanto sorriu para ela, como que encantado pela sua presença.
— Chrissie, venha conhecer Jenny!
Então aquela era a sócia de Guy, a esposa de Jon Crighton! Hesitante, Chrissie se aproximou. Não era jovem nem bonita. Mas transbordava doçura e calor humano, qualidades muito atraentes para os verdadeiros homens.
Ela sorriu com simpatia ao cumprimentá-la, mas Chrissie sentiu que os sentimentos de Jenny por Guy ultrapassavam a barreira da sociedade de ambos.
A atmosfera entre eles seria a herança de um passado ou um acontecimento recente? E como aquilo afetaria o seu amor? Ela não tinha uma natureza ciumenta, mas também nunca sentira por homem algum aquelas sensações que só agora conhecera com Guy.
— Jenny e eu discutíamos alguns preparativos para a feira — Guy afirmou para ela e se voltou para Jenny.
— Chrissie está tratando dos bens de Charles Platt. Devido a esse processo, nós nos encontramos.
Por alguma razão, ela não se sentiu bem na presença de Jenny Crighton e não conseguiu encará-la.
Teria medo de que Jenny descobrisse a verdade, ou não queria ler nos olhos dela algum fato oculto?
— Louise e Katie poderão ajudar este ano? — Guy perguntou para Jenny, e explicou para Chrissie. — São as gêmeas de Jenny.
— Receio que não. Ambas estão estudando demais para as provas — Jenny informou. — Não terão muito tempo disponível.
— Elas ainda estão imbuídas da idéia de serem advogadas?
— Louise sim, mas acho que Katie tem outros planos. Tínhamos planejado visitá-las este mês, mas o roubo deixou Ben muito abalado. Não gostaria de deixá-lo sozinho.
— Ben é meu sogro — Jenny explicou para Chrissie.
Chrissie olhava para Jenny, sem contudo perceber-lhe qualquer maldade.
— Sua casa, em Queensmead, foi assaltada recentemente. Ben não tem ainda certeza do que foi levado. Felizmente, dormia no quarto, e os ladrões não o molestaram.
— Posso imaginar o susto — Chrissie se compadeceu.
Apesar das suspeitas sobre Jenny e Guy, Chrissie foi obrigada a reconhecer, que em outras circunstâncias, gostaria de conhecer Jenny melhor. Guy explicava para Jenny, os resultados do encontro com o administrador. Chrissie se sentiu excluída da conversa. Havia uma parte da vida de Guy que ela não conhecia e nem compartilhava. Teve medo da intimidade dos dois e do abismo que a separava deles.
Ela o conhecia há menos de vinte e quatro horas. Jenny, por certo, conhecia-o havia anos. Guy não fizera menção de tocá-la, ou puxá-la para perto dele. No entanto, conversava com Jenny, os corpos quase se tocando.
Jenny olhou o relógio, afirmou que tinha outros compromissos e se despediu.
— Foi muito bom conhecê-la — Jenny declarou, com um sorriso.
— Nós também vamos embora. Chrissie tem um encontro com Jon, esta tarde, para tratar dos bens de Charles Platt.
— Ah, sim. — Jon lhe havia contado sobre o encontro com a sobrinha de Charles.
Jenny lhe apertou a mão. Abraçou e beijou Guy com efusão e foi embora.
— Você e Jenny se conhecem há muito tempo, não é mesmo? — ela perguntou, no carro, de volta à cidade
— Ah, sim, há anos.
Alguma coisa, no tom de voz de Guy, aumentou a chama da desconfiança. Teria Jenny um lugar especial na vida e no coração de Guy?
— Há quanto tempo ela e Jon são casados? — Chrissie tentava, pelas respostas, adivinhar o que se passara ou passava, entre os dois.
— Não sei ao certo. Bem mais de vinte e cinco anos, suponho. Max, o filho mais velho dela, já deve estar com trinta anos.
Bom, pelo menos não houvera um amor de juventude entre ambos. Guy seria muito novo na época. Mas ainda não estava tranquila.
— E sempre foram felizes?
Guy franziu a testa e fitou Chrissie. Por que estaria fazendo tantas perguntas? O que poderia responder?
Na verdade, houve uma época que Jon e Jenny quase se separaram.
Guy e Jenny nunca foram além de uma grande amizade e um saudável relacionamento entre sócios. Houve uma época em que ele desejou mais que o companheirismo. Naquele tempo, torcia para que eles se separassem, mas Jenny era muito inteligente, e nunca permitiu que nada interferisse na camaradagem e confiança dos dois. Não havia nada que o impedisse de contar a verdade.
Mas qual seria a reação de Chrissie ao saber que estivera perto de acabar com o casamento de Jenny? Sem dúvida, para convencer a si mesmo de que o vazio de sua vida poderia ser preenchido por ela. E convencer a ambos que esses sentimentos poderiam se transformar em amor. Jenny evitara que ambos cometessem um terrível engano. Acabaria contando a história do amor que não houve para Chrissie.
Mas ela deveria saber que fora a única mulher que ele desejou para compartilhar de cada minuto do resto de sua vida. Naquele momento, podia reconhecer o abismo que existia entre os seus sentimentos por Jenny e os que nutria por Chrissie.
Contaria mais tarde, quando nada mais pudesse separá-los. Mentalmente, pediu perdão pela mentira que iria dizer.
— Muito, eles têm sido extremamente felizes juntos.
Guy não está sendo sincero, refletiu ela.
— Não podemos continuar assim — Guy reclamou, na cama, enquanto a beijava com ternura após terem se amado com paixão. — Gostaria de tê-la só para mim por mais algum tempo antes de contarmos para todos, mas...
O que está querendo dizer? — Ela adivinhou o que seria.
— Nós poderíamos ir para Amsterdã. Conheço um comerciante que é especialista em jóias antigas, mas se prefere peças modernas...
— Está pensando em anel de noivado? — O coração de Chrissie parecia saltar pela garganta.
— Sim. Estou pensando em um anel de casamento. — Guy se curvou e a beijou novamente.
— Nós não podemos nos casar tão rápido — Chrissie protestou, mas seu olhar a desmentia. — Meus pais...
— Minha família também não é fácil. Se não fizermos uma grande cerimônia, teremos de aguentar mau humor e olhares de desaprovação.
— Casamento... — Chrissie ponderou. — Você tem certeza...
— Nunca tive tanta certeza de alguma coisa, em toda minha vida — Guy afirmou, solene.
— Poderemos conversar mais tranquilamente, à noite — Chrissie prometeu. — Se não sairmos agora, vou me atrasar para o encontro com Jon Crighton.
— Esta noite, faremos os nossos votos, promessas e planos. É a última chance, antes de sermos afogados com oferecimentos de damas-de-honra e bolos de casamento.
Chrissie riu enquanto ele a abraçava e beijava.
Deliciou-se com o cheiro e o sabor de Guy. O calor, a proximidade, a presença quase física daquele amor que os envolvia a emocionou.
Lembraria para sempre aquele momento, prometeu a si mesma.
CAPÍTULO V
Chrissie observou Jon Crighton sair de detrás da escrivaninha, atravessar a sala e parar em frente à janela. Ela relatara o necessário para resolver a situação. O marido de Jenny era um homem alto, loiro, com cerca de cinquenta anos. A sua timidez não conseguia esconder o temperamento afável. Ao conhecê-lo, Chrissie reconheceu que o casal realmente vivia feliz.
— Minha mãe deseja uma lista dos credores de tio Charles, principalmente o nome das pessoas que lhe emprestaram dinheiro.
— Ela não tem nenhuma responsabilidade legal sobre esses débitos.
— Minha mãe e meu tio nunca foram muito próximos. Eu mal o conhecia. Era um problema familiar e... Minha mãe não quer que outras pessoas sejam prejudicadas. Ela tem um profundo senso familiar e quer preservar o nosso nome. Ela está consciente, e nós também, de que ele não era uma pessoa muito correta.
— Eu concordo com isso.
Jon refletiu sobre as diferenças de temperamento que podiam existir entre dois irmãos. Lembrava-se de seu irmão David.
— Sua mãe não precisa ter receio pelo que as pessoas possam pensar. Todos têm por ela muita admiração e respeito. Chrissie, a sua avó era muito querida na região por sua generosidade. Colaborava muito com as obras assistenciais.
— A minha mãe continuou a tradição familiar
— Ela comentou e explicou os motivos da ausência de seus pais em Haslewich para tratar do assunto.
— Para ser sincera, estou contente que a minha mãe não tenha vindo, visto que meu tio não era benquisto.
— Tenho receio de que não mesmo — Jon acrescentou. — Ele era alcoólatra e como tal, nada mais lhe importava a não ser a bebida.
Ela fez um gesto de desânimo com a cabeça. Era óbvio que Jon conhecia exatamente a situação, e ela ficou aliviada de não ter de explicar mais nada.
— Sua mãe nem deve pensar que não será bem-vinda em Haslewich ou que é responsável pelo comportamento do irmão. Há poucas famílias que podem se vangloriar de não terem ovelhas negras na família.
— Acho que minha mãe gostaria de voltar. — Chrissie sentiu alívio nas palavras de Jon. — Ela sempre fala da fazenda.
Jon Crighton era um homem muito simpático, refletiu Chrissie. Sincero e modesto, que entendia os problemas alheios.
Ele continuou, dizendo que faria, o mais depressa possível, um levantamento dos credores de Charles Platt.
— Se bem que... Segundo minha esposa, você não pensa em deixar Haslewich tão rapidamente. Chrissie corou e ficou embaraçada pelas palavras de Jon.
A reunião terminou meia hora mais tarde. Jon a observou, pela janela, atravessando a rua. Era uma jovem mulher atraente, tranquila. Entendeu por que Guy se encantara com ela.
— Ainda bem que você está aí. Ele se voltou ao ouvir a voz de Jenny, e a beijou.
— Pensei que você iria passar o dia em Fitzburgh Place, ocupada na organização da feira — Jon comentou.
— Ia mesmo, mas decidi fazer um intervalo e voltar para casa mais cedo. Talvez amanhã eu vá até lá. Que tal irmos ao Grosvenor para tomar um chá?
— Hum... — Jon fingiu pensar sério no assunto. — Grosvenor é muito longe. Teremos de atravessar Chester e voltar. Mas eu sei de um lugar pequeno e especial, onde poderemos ficar a sós, e se tivermos sorte, desfrutar de mais alguma coisa além do chá.
— Se você está pensando em... — Jenny avisou — - Está sem sorte. Primeiro, por que não fiz compras e não temos nada para comer. E segundo...
— Eu não pensava exatamente em comida — Jon murmurou.
— Jack e Joss estarão em casa. -Ah...
Jon suspirou e pensou nos rapazes. Joss era o seu filho mais novo e Jack era filho de seu irmão David. Ele morava com eles, desde o fim do casamento de seus pais.
Olívia, a irmã casada de Jack, morava nas proximidades. Era casada com Caspar e tinha duas crianças. Jon insistira para Jack morar com os tios.
— No que você estava tão interessado? — Jenny chegou até a janela para ver. — Ah... a amada de Guy. Esqueci que vocês haviam marcado um horário para a tarde.
— Hum... Gostei dela. E pelo que contou, a mãe não se parece em nada com o irmão. Os dois não tinham muitas afinidades, mas apesar disso, os pais de Chrissie fazem questão de indenizar os principais credores de Charles.
— Um belo gesto, por parte deles.
— Também acho.
— Mas por que motivo, a mãe não veio pessoalmente?
— Tenho a impressão de que a mãe, conhecendo o irmão, achou que não seria bem recebida por aqui. Expliquei a Chrissie que os maus elementos de uma família não comprometem o todo. Nós bem sabemos disso.
— Eu gostaria que David entrasse em contato com nosso pai. Isso seria muito importante para ele. David não se comunica mais com Ben, a não ser na época do Natal.
— É verdade. — Jon abraçou a esposa e a puxou para perto dele. — O cartão de Natal tinha carimbo postal da Espanha. Mas ninguém conhece o atual paradeiro dele.
— Talvez seja melhor assim — Jenny sugeriu. — Afinal, o que fará se voltar? Não pode trabalhar aqui... não depois...
— Não, certamente ele nem pensa nisso.
— Ainda sente falta de David? Vocês são gêmeos...
— Não é por mim. Mas por papai. Ele mudou muito depois que David foi embora.
— Ele está ficando velho, Jon — Jenny lembrou.
— Nós todos estamos. Jon pensou nas mudanças ocorridas naqueles poucos anos. A contar da noite em que os irmãos comemoraram o aniversário de cinquenta anos. O infarto de David. Ambos se tornaram avôs. Ele dos filhos de Max, e David dos filhos de Olívia. Jon duvidava de que David se interessasse pelos netos.
— Olívia me contou que Tiggy decidiu se divorciar de David — Jenny informou.
— E, eu sei. Outro dia, discutimos a respeito. O novo namorado de Tiggy pretende se casar com ela e quer que ela se divorcie.
Jenny lembrou a época em que eles mesmos quase se divorciaram. Ele, tentado por uma bobagem, e ela... pensando estar apaixonada por Guy.
Jon, adivinhando os pensamentos da esposa, abraçou-a fortemente.
— Só lamento ter sido tão tolo, arriscando-me a perder você naquela época.
— Oh, Jon — Jenny murmurou, em seus braços e com a cabeça encostada em seu peito. — Espero que tudo dê certo com Guy e Chrissie. Ele está apaixonado por ela...
— E ela, por ele. Percebi, quando falei de Guy — Jon assegurou.
Jenny sacudiu a cabeça, e fez uma careta.
— Pode ser uma bobagem, e Guy já é crescidinho para ser meu filho — Jenny considerou. — Mas eles se conheceram há pouco tempo, e nunca se sabe...
— Você mesma disse que gostaria de vê-lo casado e com filhos.
— Lembro-me de ter dito isso — Jenny riu. — Talvez esteja mesmo sendo super protetora. Espero que Chrissie também o ame muito.
Ela abraçou Jon, e ambos se olharam com muito carinho.
— Olá, Chrissie!
Chrissie assustou-se quando a chamaram, pelo nome, na rua. Sorriu ao ver a irmã de Guy Havia uma mulher mais jovem com ela. Pelo rosto bonito e os cabelos negros e espessos, Chrissie imaginou que também fizesse parte da família.
— Adorei conhecer você, ontem à noite — Frances comentou, com um sorriso e explicou para a outra jovem: — Guy levou Chrissie para jantar no restaurante ontem à noite. Chrissie, esta é Natalie, outro membro da família.
— Você é íntima de Guy? — Natalie perguntou, áspera e carrancuda, ignorando a mão estendida de Chrissie.
Chrissie ficou vermelha, sem saber o que responder. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Frances o fez por ela.
— Deve ser, pela maneira com que Guy a olhava — afirmou Frances, amável.
— Ah, então é assim? — Natalie retrucou com menosprezo. — Guy está sempre se apaixonando, mas também esquece rápido. E um conquistador terrível.
— Natalie! — Frances a repreendeu.
— Mas é verdade — Natalie continuou, sem levar em conta a advertência de Frances. — Guy é muito mulherengo, e ainda por cima, todo mundo sabe o que sente por Jenny Crighton.
— Natalie! — Frances protestou, com veemência.
— Eu não estou mentindo. As vezes Guy fica loucamente apaixonado. Bom, preciso ir. Natalie beijou Frances no rosto, ignorou Chrissie e foi embora.
— Sinto muito — Frances se desculpou, ainda sem graça, notando a palidez de Chrissie.
Natalie era muitas vezes, bastante inconveniente. A família já se acostumara aos seus rompantes e observações ferinas. Era o tipo de pessoa que se divertia em aborrecer e machucar os outros. Tinha uma natureza mesquinha e invejosa, embora na opinião de Frances, aquilo fosse insegurança.
Natalie, durante anos, estivera apaixonada por Guy, sem que ele jamais lhe desse esperanças. Ele não gostava de mulheres como ela. Guy era um cavalheiro e se interessava por mulheres dóceis e femininas, a quem pudesse proteger. O gênio atrevido e arrogante não atraía Guy. A lealdade à família e a complexidade da situação, impediram Frances de explicar tudo para Chrissie. Mas contaria para Guy aquele incidente desagradável.
— Quanto tempo pretende ficar na cidade? — Frances tentou ser gentil. — Foi bom tê-la encontrado, pois estava mesmo querendo convidar você para almoçar. Não sei se Guy lhe contou, mas temos por tradição nos reunirmos um domingo por mês. Muitos de nós trabalham em bares ou no comércio de alimentos. Não é muito fácil conseguir um tempo livre. Por isso cada reunião mensal é feita em casas diferentes. O próximo encontro é de minha responsabilidade, e eu adoraria tê-la conosco.
— Muita gentileza, obrigada — Chrissie retrucou, sem demonstrar emoção.
Ela não era tão ingênua a ponto de não notar a maldade de Natalie, mas percebera também que Frances ficara muito sem jeito, principalmente nos comentários sobre Jenny Crighton. Era evidente que Guy já tivera outros relacionamentos. Mas por que não fora honesto em relação a Jenny, e escondera os fatos?
Chrissie despediu-se, e caminhou em direção à casa de seu tio, dizendo a si mesma que nada sabia sobre Guy. Ela sentiu-se insegura. Teria sido confiante demais, ao acreditar em Guy?
Chrissie olhou o relógio apreensiva. Guy chegaria dentro de uma hora. O sol cedera lugar a uma noite úmida e fria. A casa não tinha aquecimento central e cheirava a mofo. Desde que chegara a Haslewich, sentia-se uma estranha solitária.
Seus pais já estavam a caminho do México, e não podia sequer ouvir-lhes os conselhos e as vozes queridas.
Naquela manhã, ela e Guy fizeram mil planos. Naquele momento, entretanto, ele se tornara quase um estranho para ela. Acho que estou ficando louca, pensou ela. Por certo há um motivo pelo qual Guy não lhe contara sobre Jenny. Mas ela perguntaria o por que.
Guy saía da delicatessen com as compras que fizera para o jantar com Chrissie e viu Jon e Jenny atravessando a rua.
— Olá, estivemos no Lawfords — Jenny comentou, ao ver as compras de Guy. — Sorte sua, poder comprar tudo isso. Quando se tem dois rapazes famintos dentro de casa... Nem precisa me contar quem você convidou para jantar.
— Adivinhou!
— Chrissie parece uma boa moça — Jenny afirmou, com sinceridade. — Só não entendo por que ela tem receio de que os outros saibam que é sobrinha de Charles. Todos sabem que a família não pode ser responsabilizada pelas atitudes dele. E por falar nisso, você também não o apreciava muito.
Percebendo a hesitação de Guy, Jon procurou mudar de assunto e comentou:
que a polícia suspeitava que havia uma mulher na quadrilha que vinha fazendo os assaltos.
Jenny percebeu Guy franzindo as sobrancelhas e sacudiu a cabeça.
— Parece estranho, eu sei, mas para uma mulher é mais fácil entrar em uma casa e verificar o que vale a pena ser roubado. Depois é só passar a informação para o resto da quadrilha.
O relógio da igreja soou as horas.
— Meu Deus, vejam a hora! — Jenny exclamou.— Vamos andando, Jon. Bom jantar para vocês.
Guy ainda estava abismado com as palavras de Jenny. Chrissie era sobrinha de Charles Platt. E por que lhe dissera ser apenas uma contratada da família?
Lembrou-se de quando era criança e Charles mentia para ele, como se fosse seu amigo. E depois zombava de Guy, por ter acreditado nas mentiras. As dificuldades que teve para se proteger de Charles, fez com que ele desenvolvesse um sentido de precaução e cinismo, que lhe era útil até como comerciante de antiguidades. Era uma profissão onde a cautela e a suspeita deviam sempre estar presentes. A origem das mercadorias oferecidas precisava ser conhecida e também se o proprietário realmente tinha a intenção de dispor de seus bens.
Acreditara nela cegamente, sem duvidar de nenhuma palavra sua. A atração por ela fora tão imediata, intensa, emocional, que não sobrara lugar para um raciocínio lógico.
Ela não agira da mesma forma com Guy. De outro modo, não teria escondido o fato de ser sobrinha de Charles. Escondera aquela informação dele! Guy empalideceu.
Ela não só escondera a verdade, mas o enganara. Não faltaram oportunidades para contar o seu grau de parentesco com Charles.
A trapaça não parecia fazer parte do caráter de Chrissie. As qualidades que mais o impressionaram nela foram a naturalidade, a compreensão, a simpatia, a cordialidade. Com certeza, tudo não passava de fingimento.
Atravessou a rua, e foi para casa convencido de que estava exagerando em seu julgamento. Ela merecia a chance de explicar-se. Haveria uma razão lógica para não lhe ter contado a verdade.
Será mesmo? A desconfiança o desanimou.
"Ah, esqueci de contar. Charles Platt era meu tio", diria ela.
Mais calmo, chegou em casa e agradeceu os cumprimentos de Ruth pela beleza de seu jardim florido.
Ruth morava algumas casas adiante. Guy a conhecia por suas obras de caridade e pela amizade com Jenny.
— Não sou responsável pela beleza de meu jardim — Guy admitiu. — Não sou muito bom nisso. O mérito é de Bernard.
Bernard Philips era membro da grande família Cooke. Primo de segundo grau de Guy, montara junto com os dois filhos e a filha, um centro de jardinagem e paisagismo. Guy, confirmando seu tino empresarial, tinha também uma participação naquele negócio. Não era sem motivo, que seus parentes o apelidaram de "o banqueiro".
Tinha a reputação de homem de negócios astuto e inteligente. No último Natal, suas irmãs caçoaram, afirmando que a sua lógica e perspicácia não o deixavam se apaixonar. Antes de encontrar Chrissie, acreditara naquelas palavras.
Chrissie... Teria sido melhor nunca conhecê-la.
Despediu-se de Ruth e entrou em casa.
Quem era ela, na verdade? Aparentando uma mulher sincera e calorosa, seria uma impostora? Ou seria ele um grande tolo ao lhe creditar virtudes e qualidades que não possuía?
Teria idealizado uma pessoa que não existe, levando para o reino divino e espiritual, toda a luxúria mundana?
CAPÍTULO VI
Uma hora mais tarde, retirou-se da cozinha mesmo sem terminar o jantar e resolveu perguntar diretamente a Chrissie por que não lhe contara que Charles era seu tio.
Chrissie ainda sentia cheiro de umidade e mofo, apesar de toda a limpeza que fizera. Ela torceu o nariz. Tirou o pano velho com que cobrira a mesinha, e pensou que a mãe tinha razão em querer comprá-la do espólio.
Quando tocou na madeira, sentiu o calor e a energia que dela emanava.
Não era nenhuma especialista para avaliar com segurança, mas achou que a mesa não era muito valiosa. Ficou tentada a comprá-la e dar de presente à mãe, que faria aniversário dentro de dois meses. Boa lembrança.
Ouviu as batidas à porta, correu e abriu-a, o coração saltando de alegria. Guy, parado à entrada, encarou-a friamente. Parecia um estranho.
Ela recordou as palavras de Natalie e hesitou. Sentiu frio e foi buscar o casaco que estava na cadeira. Ao voltar, viu a porta ainda aberta, e Guy estático, olhando o quarto.
— O que está acontecendo? — ela perguntou, confusa.
— O que faz esta mesa aqui? — ele indagou, ríspido, sem responder à pergunta de Chrissie.
Ela ficou abismada com o tom de voz de Guy, frio, cortante e acusador.
— É que... Preciso mandar avaliar. Ela era de... — Chrissie parou e mordeu o lábio.
— Continue — ele ordenou. — Ou quer que eu diga? Pertencia a Charles Platt, conhecido vigarista e ladrão. É difícil acreditar que um vigarista como ele fosse o legítimo proprietário dessa peça.
Chrissie empalideceu. Sabia que ele não gostava de seu tio. Mas o rancor e a amargura presentes na voz e no olhar de Guy, eram absolutamente fora de propósito, para o homem apaixonado, meigo e gentil que ele demonstrava ser.
Chrissie estava atordoada.
— Provavelmente você já sabia disso, não é, Chrissie? Por isso se empenhou tanto em esconder esta mesa, para que eu não a visse... do mesmo jeito que escondeu o fato de Charles Platt ser seu tio.
— Não! — Chrissie protestou.
— Não o quê? — Guy vociferou. — Ele não era seu tio?
Chrissie não conseguiu falar nem se defender.
Ela sabia que, cedo ou tarde, teria de contar a Guy, quem era na verdade, assim como todo o passado do tio. Mas não aceitava tais acusações. Como se ela fosse um ser abjeto, indigna de ser olhada ou tocada.
— Eu... ia lhe explicar... Queria lhe dizer — ela tentava se desculpar.
— Claro que iria — Guy interrompeu, irônico.
— Não houve tempo... Tudo aconteceu tão depressa. — Chrissie queria fazê-lo entender, antes que tudo estivesse perdido.
— Tão rápido, para dar tempo de fugir — Guy acusou, apontando a mesinha.
— Sempre soube que Charles não era muito criterioso na maneira como conseguia dinheiro para beber. Mas nunca pensei que fosse receptador de produtos roubados...
— Roubado! — Chrissie explodiu, indignada. — Esta mesa não foi roubada. Pertenceu à minha bisavó, à minha...
— "Esta" mesa — Guy gritou, e apontou o pequeno móvel — foi roubada de Queensmead há menos de uma semana. Eu conheço a peça, pois a avaliei para Ben Crighton. Na verdade, não tem muito valor comercial. E uma cópia, e não vale um décimo da original francesa.
— Você está mentindo! — Chrissie declarou. A raiva intensa que sentiu, superou o choque e a angústia. Do que ele estava acusando-a? O que estaria insinuando? Sua mãe garantiu que a mesa pertencera à sua bisavó. Sua mãe jamais mentiria.
— Eu, mentindo? — Guy trovejou.
Chrissie recuou, o rosto vermelho, ao ver a fúria de Guy estampada no semblante.
— Não se preocupe. Não agrido mulheres, nem mesmo as de seu feitio. Há outros objetos roubados guardados aqui? Ou onde estarão agora? São perguntas interessantes que a polícia certamente gostará de ver respondidas.
Mulher como ela! Polícia! Chrissie sentiu o coração disparar, mas estava consciente que nada teria a temer. A mesa pertencia à sua família. Guy se enganara, confundindo com a que fora roubada em Queensmead.
Há algumas horas, ela estava deitada nos braços de Guy, e eles trocavam juras de amor eterno!
Chrissie não sabia se ria ou gritava, ou as duas coisas. Como podia ter sido tão idiota? Pensou ela, irada. Um caráter instável e não confiável! Quantas mulheres enganara, como fizera com ela? Tinha vindo naquela noite, com uma desculpa alucinante, para dar motivo de terminar o que mal começara. E dizia que a amava!
Certamente, ele não sabia o significado da palavra "amor". Oh, mas ela, sim, tinha certeza daquele sentimento. Assim como tinha convicção de que, se ele a pegasse nos braços, pedisse perdão, dizendo ter sido um terrível engano, que fora somente o choque de saber que Charles era seu tio, ela lhe perdoaria imediatamente.
Compreendeu que ele não faria isso. O seu orgulho ferido falou mais alto. Em vez de fazê-lo ver como estava equivocado, como a humilhava e jogava para o alto tudo o que haviam compartilhado, Chrissie inspirou fundo e ergueu a cabeça.
— Se é assim, é melhor se retirar — ela afirmou, serena.
— Sabe de uma coisa? — Guy retrucou com sarcasmo. — Você está certa. Oh, Deus, como fui idiota! Se não fosse Jenny ter dito, sem querer, que era sobrinha de Charles...
— Eu lhe teria dito — ela interrompeu, altiva. — Só não o fiz, por que você falou tão mal dele e...
— Você mentiu para mim!
— Da mesma forma que você mentiu, quando lhe perguntei sobre Jenny — ela desafiou, disposta a enfrentá-lo. — Encontrei sua irmã hoje à tarde. Estava com Natalie. E parece que sua fama é de conquistador. Pena que eu não soube disso antes de conhecê-lo.
Ele ficou tão irado, que ela quase se arrependeu do que dissera. Mas, por que só ele tinha direito de acusar?
Errara em não contar nada sobre o tio. Mas não ocultara fatos importantes sobre um passado amoroso. Não era para admirar que tivesse tão grande desempenho nas artes da sedução. Teve de lutar para não transparecer o desengano e profundo sofrimento.
— Não sei o que lhe contaram, e também não me importo — Guy retrucou, com frieza. — O sentimento que eu tinha por Jenny foi só meu e jamais ela correspondeu ou duvidou de seu amor por Jon.
— E por que não me contou isso? — Chrissie sugeriu, com maldade.
— Vá para o inferno! — Guy blasfemou, saiu e bateu a porta.
Uma hora mais tarde, Chrissie se recriminava por chorar tanto. A dor e o sentimento de perda eram muito intensos. Naquele momento, as lágrimas ainda deslizavam no seu rosto, sem que ela pudesse se controlar.
Ela tornou a limpar e esfregar cada canto da cozinha antiga e pequena, tentando manter a mente ocupada, até que suas mãos ficaram tão feridas quanto o seu coração.
Como pôde acreditar que ele a amava? Chrissie se perguntava. Estaria enlouquecida, enfeitiçada ou seria mesmo uma idiota?
Não existia nenhuma explicação lógica para o que acontecera. Era óbvio que ele não a amava. Era provável que estivesse tentando esquecer Jenny. Claro que não poderiam se amar, se não se conheciam. Então por que se comportava como uma heroína de tragédia grega, torcendo as mãos e chorando feito uma louca? Deveria dar graças a Deus por ter descoberto, a tempo, quem ele era.
As mentiras mirabolantes, sobre anel de noivado em Amsterdã! Com certeza, ficaria muito, muito melhor sem Guy.
Guy não foi para casa, depois de sair da casa de Charles. Desde os tempos da juventude, não lembrava de ter sido tão violento. Admitiu contudo, que precisou fazer um esforço intenso para se controlar. Sem querer, caminhou até a escola primária onde estudara. Cenário dos pavores de sua infância. Relembrou o medo das maldades de Charles Platt.
"Eu ia lhe contar", Chrissie gritara, defendendo-se. Mas como acreditar nela, depois de ver a mesinha? E ela teve a ousadia de fingir que pertencia à sua família.
Houve um momento em que leu a hesitação nos olhos de Chrissie, como se... Mas então, ela passou a acusá-lo, envolvendo sua reputação e também a de Jenny.
Olhou o pátio vazio, palco de tantas desavenças. A raiva o abandonara. Guy sentiu-se vazio, esgotado, desiludido e fracassado.
Deveria ter sido mais cauteloso... O mal já fora feito.
O seu amor por Jenny tinha sido uma emoção tranquila que ele conservou durante muito tempo, como uma defesa contra a sua solidão. Era uma mulher sempre disposta a ajudar e amparar os outros.
O amor por Chrissie o atingira como um bólido, com uma força esmagadora. Fora tomado por uma paixão intensa, e uma imprudência que modificou o seu modo de agir.
O seu amor por ela... Não poderia ser simplesmente apagado, não importando quanto seu orgulho e amor-próprio tivessem sido atingidos. Deu um longo suspiro e foi para casa.
Meia hora mais tarde, entrou na ampla cozinha e viu o jantar que ia preparar para Chrissie. Juntou as delícias gastronômicas que comprara e jogou-as no lixo. Não teve coragem de jogar fora o vinho Chambertin, safra de 1983, que comprara. Seria um sacrilégio. Abriu a garrafa, pegou um copo e se serviu. Aspirou o aroma e bebeu um gole. Mas nem o paladar rico e delicado, conseguiu atenuar a dor lancinante que sentia. Tomou um copo e mais outro.
Sempre se vangloriava de ser um ótimo conhecedor do caráter humano. Naquela noite, teve a certeza de que nada sabia a respeito. Só pensava em Chrissie.
Encheu o copo novamente. Inútil maldizer o destino que os unira. Melhor blasfemar contra sua insensatez ao se deixar enganar por ela. Não adiantava lamentar o que ocorrera. Levantou-se e carregou a garrafa de vinho para o quarto.
Guy sonhava, e puxava Chrissie para junto de si, saboreando o calor de seu corpo. Estranhou ao sentir que ela olhava alguém por detrás dele. Voltou-se e viu Charles Platt, sorrindo com afetação, no meio da sombra do portão escolar.
— Você sabe quem é ele? — Guy perguntou.
— Preciso falar com ele — Chrissie se afastou de Guy. De imediato, Charles aproximou-se, rindo maldosa e ameaçadoramente e pegou Chrissie pelo braço.
— Você não está pensando que ela gosta de você, não é? — Charles perguntou, desafiador. Guy ouviu o riso e a voz de Charles.
— Veja o que trouxe para você, querida. Ele lhe mostrou a mesinha que Guy havia visto na casa dele.
— Não toque nisso! — Guy advertiu.
— Charles me deu de presente. — Chrissie riu alto. — Ela é minha, posso pegar quanto quiser.
— Não! — Guy gritou, e acordou. Piscou no escuro, tentando afastar os sonhos.
"Chrissie tem receio de que os outros saibam que é sobrinha de Charles Platt," dissera Jenny.
"Esta mesa não foi roubada. Pertenceu à minha bisavó," afirmara Chrissie.
"A polícia suspeita de que há uma mulher envolvida na quadrilha", ele recordou aquelas palavras.
Guy gemeu, rolou sobre a cama, abraçando o travesseiro. Tinha convicção de que Chrissie não estava ligada à quadrilha que assaltara em Queensmead. Mas há vinte e quatro horas, estava igualmente convencido de que ela não seria capaz de mentir ou enganar. Desperto, acendeu a luz, deitou de costas e fixou-se no teto.
Ridículo, com tudo o que sabia sobre ela, ainda a desejava! Jamais se sentira daquela maneira em relação a uma mulher. Nem mesmo com Jenny. Chrissie era a mulher destinada para ele. Mas ela o desiludira como tantas outras.
Não entendia por que ela se entregara por inteiro, como se realmente o amasse. Queria simplesmente divertir-se enquanto precisava ficar em Haslewich? Poderia apostar que ela era um tanto inexperiente sexualmente, pela hesitação que demonstrava às vezes. E também não parecia ser do tipo que se divertia com qualquer um.
A cabeça lhe doía, pelo vinho que tomara. O coração e o corpo, pela desilusão.
Fechou os olhos e lembrou que já não era nenhum adolescente. Tinha deveres e obrigações. Perguntou a si mesmo se gostaria de que o condado inteiro soubesse quão tolo que tinha sido.
Guy colocou o telefone no gancho e ouviu a campainha da porta. Ainda estava com dor de cabeça, apesar de ter tomado um analgésico. Sentiu palpitação, só em pensar que fosse Chrissie. Que bobagem, claro que não seria ela. Estava tudo acabado entre eles.
— Guy, você está bem? Que aspecto horrível! — Jenny entrou.
Ele estremeceu ante a luz do sol e não respondeu.
— Temos um pequeno problema com um dos fornecedores — Jenny explicou, e o seguiu para a cozinha. Não queria perturbá-lo tão cedo. Chrissie...?
— Não está aqui — Guy respondeu, seco. — Terminamos tudo.
— Guy — Jenny balbuciou, incrédula. — Todo mundo briga. Tenho certeza...
— Não foi uma rusga de amantes, Jen — ele retrucou. — Até você me contar, eu não sabia que ela era sobrinha de Charles. Ela me fez crer que estava representando a família dele.
— Oh, Guy, desculpe. Não deveria ter dito nada. Não poderia imaginar... Pensei que soubesse.
— Não, eu não sabia. Ela mentiu para mim e... — Ele começou a andar pela cozinha.
— Guy, eu posso entender como se sente — Jenny consolou. — Você não gostava de Charles, mas pense no motivo pelo qual ela não lhe contou.
Guy olhou pela janela. Se Jenny soubesse da mesa, o que ela pensaria?
— Não é só o fato de não me ter contado. Existe um outro pormenor.
Ele hesitou enquanto Jenny esperava, confusa.
— A mesa de Ben estava lá. Na casa dele. Eu vi. Não poderia ter-me enganado. Eu fiz a avaliação para Ben. Apesar de eu ter-lhe dito isso, ela continuou dizendo que a mesa pertencia à família dela. E obvio que ela sabia que não era de Charles. Se você visse o resto das tranqueiras...
— Talvez ela acreditasse que a pequena mesa pertencesse a Charles... — Jenny sugeriu, sem muita certeza.
— Como ela pensaria tal coisa, se eu lhe disse a quem pertencia?
— Oh, querido — Jenny consolou. — Sinto muito, Guy. Não sei o que dizer. Ela parecia tão autêntica e agradável. Vocês pareciam feitos um para o outro. Quem sabe se tentasse falar com ela novamente?
— Para quê? Ela mentiria outra vez. De qualquer forma é muito tarde. Já avisei a polícia. Tinha de fazer isso, Jenny. Você me entende.
— Sim — Jenny concordou, triste.
— A polícia vai entrar em contato comigo, dentro de meia hora. Querem que eu identifique a peça.
— Sinto muito, Guy — Jenny tentou confortá-lo.
— Não tanto quanto eu — Guy afirmou.
Ambos resolveram o problema sobre os fornecedores, e Jenny avisou que iria embora.
— Jenny, pelo menos por enquanto, só comente o caso com Jon. Por favor.
— Claro — ela prometeu.
— Todos saberão brevemente. Imagine como vou parecer um tonto, especialmente perante à família.
— Deve haver uma explicação racional — Jenny sugeriu.
Guy sorriu amargamente.
— Obrigada, Jen, por tentar. Entretanto, ambos sabemos a verdade. Não há a menor chance de a mesinha ter pertencido à família de Chrissie. Não existem duas iguais. Ela foi feita por encomenda. Não é que eu queira ser indelicado, mas um pequeno fazendeiro como o bisavô de Chrissie não poderia se dar ao luxo de ter ou mesmo de querer, uma peça rara como aquela.
— Quanto a isso você tem razão. A única razão de Ben ter mandado fazê-la é por ter se sentido injustiçado. A mãe de Ben havia prometido que após a sua morte, a peça original seria dele. Os Chester se recusaram a lhe entregar.
Guy ouvia, desalentado.
— A bem da verdade, Guy, a memória de Ben é um tanto seletiva, quando ele quer — Jenny continuou. — Pelo que eu saiba, nunca houve dúvidas de que o pai de Ben fosse o herdeiro da mesa original. Esta, por sua vez, era o par de outra, ambas feitas na França para as filhas gêmeas da família Chester. O pai de Ben mandou fazer uma cópia, mais por inveja do que por qualquer outra coisa.
— As mesinhas originais estão com quem?
— Lawrence tem uma, e Henry, a outra. São muito bonitas e diferentes da cópia de Ben. Porém, ninguém teve a coragem de dizer-lhe isso — Jenny riu. — Você sabe da rivalidade de Ben com os Chester. Aos seus olhos, o pai nada fazia de errado, mas segundo Ruth, ele era um homem muito obstinado e autocrático. Ben sempre o defendeu.
— Que interessante...
— Guy, dê uma chance a Chrissie — Jenny pediu, tocando-lhe o braço.
— Não posso mais voltar atrás. Muitas coisas foram ditas e duvido de que ela me aceite novamente. Por mais que eu queira — ele concluiu, com ironia.
Chrissie dormiu muito mal.
Não adiantava lamentar não ter contado nada, desde o início, sobre o tio. Mas, pelo menos, Guy teria se afastado antes de ela se apaixonar.
Se ele realmente a amasse, teria interesse em ouvir as explicações. Parecia mesmo que ele só esperava uma chance para romper com ela. Era evidente que não a amava.
Levou um susto ao ouvir batidas à porta. Abriu e quase desmaiou. Um policial graduado e Guy, parados, olhavam-na com frieza.
— Srta. Oldham? — O agente perguntou. — Sabemos que a senhorita tem em seu poder, uma mesa de estilo, que é propriedade roubada.
— Roubada? — Chrissie cravou um olhar raivoso em Guy. — Tenho uma mesa, mas jamais foi roubada. Pertenceu à minha falecida bisavó.
— Entendo. Tem como provar isso? — o policial indagou.
Chrissie só tinha a palavra da mãe, que afirmara ter Charles se apropriado da peça, após a morte da mãe de ambos. Voltou as costas para Guy, e abaixou o tom de voz, ao explicar para o policial.
— Prova material, nenhuma. Somente a palavra de minha mãe e sua descrição do objeto.
— Entendo. Por favor, como podemos entrar em contato com sua mãe?
— Tenho receio de que no momento seja difícil. Meus pais estão viajando a trabalho. É o motivo por que eu vim a Haslewich, no lugar deles.
— Quer dizer que não há meios de provar que a peça pertence à sua família?
— De imediato não, se está se referindo à palavra de minha mãe.
Não se voltou para Guy. Não lhe daria a satisfação de ver o seu desespero e vergonha.
— Quando seus pais voltarão?
— Eu não sei.
— Sr. Cooke, o senhor acredita que este objeto pertence ao Sr. Ben Crighton?
— Eu sei que pertence a ele — Guy corrigiu as palavras do oficial. — Fiz uma avaliação, a seu pedido, há alguns meses, e como o senhor sabe, a mesa está na lista dos objetos roubados da casa de Ben.
Chrissie começou a sentir-se culpada, pela maneira como a olhavam e não havia motivo para aquilo. Porém começava a achar que a mãe poderia ter feito confusão, embora parecesse ter tanta certeza ao descrevê-la.
— Minha mãe cresceu ao lado desta mesinha — Chrissie afirmou, convicta. — Mas... se houver uma confusão...
— Confusão? — Guy ridicularizou.
— Isso mesmo. — Chrissie lançou-lhe um olhar cheio de amargura e disse ao agente policial: — Se for o caso, ela será a primeira a admitir. Por enquanto...
Chrissie parou de falar, sentindo os olhos cheios de lágrimas. Piscou firme, para estancá-las. Jamais deixaria Guy perceber quanto ele a ferira e a deixara indefesa.
— Bom, é melhor retiramos a mesa até que a propriedade seja identificada — disse o oficial, com diplomacia.
O policial agradeceu a colaboração de Chrissie e se voltou para sair. Guy não fez menção de ir embora.
Chrissie permaneceu no lugar, sem conseguir se mexer.
— Eu tinha de informar a polícia — Guy explicou, calmo, quando já estavam a sós.
— Tem toda razão — ela agradeceu, sem demonstrar emoção. Mas se descontrolou ao continuar. — Sei que está pensando que sou mentirosa. Mas nem eu nem minha mãe somos pessoas desse tipo. A mesa pertence à família.
— Há dez minutos, você não tinha tanta certeza
— Minha mãe jamais mentiria — Chrissie afirmou, com dignidade, o rosto em fogo pelo olhar de desprezo de Guy. — Ela não...
— Ela não o quê? — Guy a atormentou.
Chrissie já ouvira o suficiente. Investiu contra ele, sem conseguir se controlar. Ele reagiu rápido, pegou-lhe o punho no ar e o torceu para trás.
— Meu Deus, você é mesmo uma raposa! Seu tio Charles se orgulharia de você. Chrissie, por que não contou a verdade?
Ela imaginou que ele tentava entender. Que ingenuidade.
— Se eu lhe contasse, você não entenderia — ela afirmou, orgulhosa.
— Não, confesso que não — Guy assegurou, ríspido. — Mas entendo isso. Antes que Chrissie se desse conta, ele a empurrou contra a parede, ainda com a mão para trás. E a beijou com tal violência que ela sentiu o calor queimar-lhe os lábios.
Sem nenhum gesto de defesa, Chrissie correspondeu ao beijo, deixando que ele invadisse sua boca, seus sentidos, ela mesma. Onde se escondera o seu orgulho, sua auto-estima, seu respeito e sentimento de auto preservação?
— Eu o odeio! — Ela bateu nele, sem sucesso, quando finalmente a soltou. — Odeio e não quero vê-lo nunca mais. Nunca mais! Entendeu?
Guy saiu, batendo a porta, sem ouvir o que ela dizia. Já na rua, Guy não podia compreender o que fizera. Comportar-se daquela maneira com uma mulher! Com tal brutalidade...
Não se imaginava capaz de uma coisa daquelas. E nem poderia supor que a desejasse tanto, a ponto de transformar a sua ânsia em uma demonstração de machismo, que ele sempre desprezara.
Ele desejara beijar Chrissie... e muito mais que beijá-la, admitiu com um gemido. O desejo ainda queimava. Bom Deus, quando e onde terminaria tudo aquilo, ele se perguntou, desgostoso.
CAPÍTULO VII
— Chrissie...
Chrissie, envergonhada, começou a chorar quando Jon se dirigiu a ela com solicitude e consideração.
Desde a briga com Guy, há algumas semanas, ela vinha tentando se convencer de que depois do terrível episódio, nada pior estaria por vir. Mas a realidade não foi bem assim.
Marcara uma hora com Jon, para discutirem sobre os débitos de seu tio. Havia dez minutos que escutava as palavras do advogado. Por intermédio de um novo avaliador, havia sido feita uma relação dos parcos bens deixados por Charles. As dívidas também arroladas, eram muito maiores de que ela ou a mãe poderiam imaginar.
— Desculpe — ela balbuciou e tirou um lenço de papel da caixa que Jon lhe ofereceu.
Jon soubera do acontecido por Jenny, mas não acreditava que Chrissie tivesse relação com o roubo.
— Você deve saber que a polícia ainda está investigando o caso — ela afirmou, enxugando as lágrimas. — Pensei em procurar na minha casa alguma foto em que aparecesse a mesa. Minha mãe tem absoluta certeza de que o pequeno móvel pertencia a avó dela. Ainda se lembrava de que ralhavam com ela, quando mexia na preciosidade.
— Se quiser, eu poderia dar um jeito de você voltar para casa.
— Não — Chrissie falou. — Não quero dar a impressão de que estou fugindo ou tentando escapar.
— Entendo.
Meia hora mais tarde, Chrissie saiu do escritório. Sentia-se mal. Não tomara o café da manhã, aliás, como vinha fazendo havia alguns dias. Sentia fome, mas não podia pensar em comida. Estava com uma tontura estranha. Parou um pouco, e segurou nas grades do jardim que separava a principal igreja de Haslewich, em estilo normando, do cemitério que ficava atrás.
Não estava bem. Chrissie avaliou que seria melhor ficar ali mais um pouco, antes de voltar para a casa de seu tio. A sensação de embriaguez foi sumindo, e ela viu que estava perto do lugar elegante onde Guy morava. Só em pensar naquilo, sentiu-se cambaleante de novo. As dolorosas lembranças fizeram as lágrimas escorrer pelo canto dos olhos, no mais puro sofrimento.
Ruth estava irritada consigo mesma. Já deveria ter ido aos Estados Unidos, encontrar-se com Grant. Devido a compromisso de negócios, ele viajara no começo da semana anterior. Lamentava não ter ido junto. Acabou ficando, com pena de Ben, de sua insegurança patética, devido ao roubo em Queensmead.
Na sua idade, não era comum sentir tanto prazer na proximidade física de um homem. A lua-de-mel ainda não terminara. Era a alegria de saber que dormiriam juntos, abraçados, e acordar pela manhã lembrando que não era mais a solteirona da família Crighton. Algumas pessoas não aceitavam o fato de uma mulher madura experimentar sentimentos físicos, sexuais e emocionais em relação a um homem.
Amava seu marido como se tivesse vinte anos e agradecia a felicidade de tê-lo reencontrado após tanto tempo. Grant a tranquilizara ante os seus receios de parecer ridícula.
— Sei que Ben é teimoso e rabugento — Ruth explicara, aconchegada nos braços de Grant. Mas é meu irmão e estou preocupada. Ele mudou muito depois do assalto. E logo mais vai se submeter a uma operação. Acha que posso deixá-lo?
Grant a beijara com carinho.
— Claro que não. Eu entendo a sua situação, embora fique aborrecido por não irmos juntos.
Ela sentia saudade do marido, e ele não poderia voltar antes da próxima semana.
Ruth pensava, parada em frente à janela e percebeu uma jovem que se apoiava no gradil. Aparentava não estar passando bem. De acordo com sua natureza em se preocupar com todos, desceu a escada correndo.
— Olá! Vi você da minha janela — Ruth anunciou.
— Você não parece muito bem. Vamos até minha casa. Você poderá sentar-se um pouco.
Chrissie não tinha percebido a aproximação de Ruth, e não conseguiu disfarçar as lágrimas. Tentou recusar aquele oferecimento, mas a mulher a segurou pelo braço e conduziu-a para a sua casa.
Chrissie era independente, às vezes teimosa. Mas ela se sentia muito fraca para reagir e, obediente, deixou-se levar.
A casa de Ruth era próxima à de Guy. As duas casas eram parecidas. O saguão de entrada e a sala de estar tinham uma disposição semelhante e eram mobiliadas numa mistura de estilo moderno e clássico, muito bem combinados. Pôde ver uma série de fotografias e lembranças familiares. Chrissie, intrigada, reparou em uma foto de Jenny e Jon, juntos e alegres.
— Meu sobrinho Jon e sua esposa — Ruth afirmou, percebendo o olhar de Chrissie.
— Você pertence à família Crighton? — Chrissie perguntou.
— Sim, embora tenha me casado e mudado o sobrenome. Você conhece Jon e Jenny?
-— É... Jon está representando minha mãe no inventário do falecido irmão dela, Charles Platt — Chrissie falou, e a olhou de soslaio. — Sou Chrissie Oldham e Charles Platt era meu tio. Sei que ele não era benquisto na cidade, e se você quiser...
— Não seja tola. Em uma família, nem todos são iguais e perfeitos. Cada família tem seus problemas. Poderia citar alguns, dentro da nossa.
Fez o comentário de modo displicente, mas observou bem o rosto pálido e os dedos nervosos de Chrissie. A desolação que via em seu olhar, era tão preocupante como a debilidade física que demonstrava sentir.
— Vou fazer um chá para nós duas, e depois falaremos disso — Ruth anunciou com firmeza.
Acatou as palavras de Ruth. Os acontecimentos das últimas semanas a deixaram mais dócil e demonstraram a sua fragilidade em lidar com os traumas e emoções dolorosas. Ainda sonhava com o arrependimento e a retratação de Guy... Só em pensar nisso, chorou novamente, enquanto Ruth fazia o chá.
— Muito bem. — Ruth chegou, trazendo as xícaras com a bebida aromatizada. — Onde estávamos? Ah, sim... Você me contava sobre seu tio. Conheci a mãe e a avó de Charles, e também a sua mãe, que se mudou de Haslewich há bastante tempo, não é verdade?
— E sim. No momento, meus pais estão viajando a trabalho. E por isso...
— Que você está aqui, representando-os — Ruth concluiu.
— Em parte — Chrissie acrescentou.
Ela sentiu uma vontade imensa de contar sua mágoa para alguém. Seria um alívio desabafar o coração dolorido. Ruth inspirava confiança, e Chrissie acabou contando toda a história.
— Oh, querida! — Ruth se condoeu por ela. Ruth conhecia a mesa em questão. Seu irmão, Ben, era muito apegado à ela, por ter sido uma das primeiras compradas para a casa, quando o pai deles se mudara para Queensmead. Ruth duvidou de que a tristeza de Chrissie era devida a uma disputa de um pedaço de madeira, por mais bonito que pudesse ser.
— Tentou explicar a Guy? — ela perguntou, com suavidade.
— Não adiantaria. Ele já fez seu próprio julgamento, e não acreditou em mim.
Chrissie tomou um gole de chá e empalideceu. — Desculpe, não sei o que está acontecendo comigo. Deve ser o nervosismo. Não consigo comer nada, pois fico enjoada. Não consigo entender. Nunca tive nada parecido.
Ruth a fitou atentamente. Era muito experiente e já conhecia essa estranha náusea e intolerância à comida. Já passara por isso e o seu contato diário com as mães solteiras, faziam-na suspeitar de uma gravidez, quando a própria mãe ainda nem cogitava aquela possibilidade.
— Não quero dar palpites, mas... — Ruth acreditava em conversas francas, sem subterfúgios. — Posso estar errada, mas será que não está grávida?
— Não! — Chrissie exclamou com voz entrecortada, sabendo que Ruth poderia estar certa.
Há menos de duas horas, pensava que nada pior poderia acontecer em sua vida. Depois das palavras de Ruth, já não tinha tanta certeza. Haveria coisa pior de que estar grávida de um filho de Guy?
— Tenho receio de ter sido muito direta. Sei como se sente. Eu já passei por isso. — Ruth sorriu, ao ver o ar desconfiado de Chrissie. Claro que foi há muito tempo, e as pessoas eram muito rigorosas. Tive de dar o meu bebê para adoção.
— Que coisa horrível! — Chrissie protestou, com o instinto materno exacerbado.
— Foi mesmo. Mas Deus me deu uma nova chance, e minha... nossa filha, é agora parte de minha vida e de Grant. Será um choque, mas deve dizer o mais rápido possível a Guy.
— Não. — Chrissie foi enfática. — Não é da conta dele... e ele nem se importaria.
— Tem certeza disso? — Ruth se espantou. — Conheço Guy desde criança, e tenho certeza de que assumirá inteiramente um filho seu.
— Essa criança não foi planejada. Aconteceu. Não preciso dele e nem de seu senso de responsabilidade. Posso me virar sozinha. E meu bebê.
Ruth lembrou de seu próprio orgulho feminino e do sofrimento que acompanhou.
— A decisão é sua, mas pode contar comigo em qualquer circunstância. Temos um ótimo centro médico aqui na cidade, com ginecologistas altamente especializados. Só precisa marcar uma consulta.
— Obrigada, marcarei — Chrissie agradeceu com voz firme e pegou a folha de papel onde Ruth escreveu o nome e o endereço do médico.
Comeu algumas torradas, por insistência de Ruth, e tomou mais uma xícara de chá. Agradeceu por sua bondade e compreensão e foi embora.
Grávida! Um filho de Guy. Ela não podia acreditar, mas sentia que era verdade.
O que iria fazer agora? O que diria a seus pais? Eles não eram conservadores, mas de qualquer forma seria um choque. Chrissie fechou os olhos, e pensou em outras mulheres com pais muito mais intransigentes e com menor poder aquisitivo, que enfrentaram o mesmo problema. Ela também iria superar a situação com a cabeça erguida.
Guy teve um dia péssimo. O mordomo de lorde Astlegh havia flagrado uma jovem, que fazia parte do quadro de fornecedores, passeando por lugares não permitidos da casa. A moça alegara que havia se perdido, e que fora muito maltratada pelo mordomo.
— Como se eu fosse uma ladra — ela se queixou para Guy. — Quem ele pensa que é?
A feira já fora aberta oficialmente, e aquele tipo de confusão era totalmente inaceitável. Mesmo que...
Ele brecou bruscamente, quando viu Chrissie atravessando a rua. Vinha de cabeça baixa, e parecia cansada e frustrada. A primeira coisa em que pensou, foi saltar do carro e correr para pegá-la nos braços. Aquelas poucas semanas em que evitara encontrar-se com ela foram as mais longas de sua vida. Por que tinha insistido tanto na acusação de roubo da mesa?
Se, não... Mesmo magoado com a falta de sinceridade de Chrissie, chegara à conclusão, como dissera Jenny, de que ela nada contara sobre o tio, com medo de criar qualquer obstáculo entre eles.
Jenny lhe pedira para dar uma nova chance a Chrissie e ainda lembrava de suas palavras.
Chrissie virou a esquina, sem vê-lo. O semáforo mudou para a luz verde. Guy engatou a marcha e saiu, dando sinal de entrar à esquerda, para seguir Chrissie. Estacionou, saiu do carro e tentou alcançá-la a passos largos. Ela percebeu estar sendo seguida. Parou e olhou para trás. Levou um susto.
— Guy! — Gritou, surpresa.
— Chrissie, você está bem? — Guy perguntou, assustado com a palidez e aparência de fraqueza.
— Claro que estou — ela respondeu secamente. Retomou o seu caminho, lembrando-se de sua situação.
Guy chegou perto de Chrissie e sem querer colidiram-se. Ela deixou cair a folha de papel que Ruth lhe dera. Abaixou-se depressa, mas Guy foi mais rápido. Apanhou o papel e estranhou o nome e o endereço do médico.
— Se não está doente, o que está fazendo com o nome e endereço da Dra. Jardine? Você não está com boa aparência.
— Estou perfeitamente bem — Chrissie afirmou, entre dentes. — Por favor, me devolva...
Dra. Jardine. Guy sabia ser uma médica da cidade. A conhecia, mas não lembrava de onde. Estranho...
Ia devolver o papel para Chrissie, quando lembrou de quem se tratava. Era a médica de uma de suas irmãs, que teve uma gravidez de risco. Ginecologista! Por que Chrissie iria se consultar com uma obstetra? Ela estava pálida, acabrunhada, parecendo quase um fantasma, mantendo o orgulho, com as mãos cruzadas sobre o corpo, protegendo...
— Você está grávida! — Guy nem pensou para falar, mas percebeu a verdade no rosto de Chrissie.
Guy submergiu num mar de emoções conflitantes. Choque, dor, alegria, angústia, raiva, orgulho e amor... Sobretudo, amor.
Chrissie olhava em frente, os lábios cerrados, o coração apertado.
— Chrissie.
— Não tenho nada a dizer — ela afirmou, com altivez.
— Você vai ter um filho meu... meu bebê... — ele suspirou
— Não — ela negou, com violência. — Se for mesmo um bebê, ele nada tem a ver com você. É meu, somente meu.
— Duvido de que uma Corte de Justiça acredite nisso — Guy desafiou, sem pensar no que dizia, tal a sua emoção.
Nunca se ligara muito em paternidade, mas convivia bem com os sobrinhos. Então por quê, esse orgulho intenso e atávico? Um sentimento de envolvimento e posse, surgidos imediatamente após descobrir que ela seria mãe de seu filho?
— Corte de Justiça? — ela protestou.
— Um pai tem direitos, se é que você não sabe.
— Eu... Duvido de que a paternidade estivesse presente nos seus pensamentos quando... quando nós...
— A maternidade estava nos seus planos? — Chrissie ficou sem resposta.
— Precisamos conversar, Chrissie.
— Deixe-me sozinha, por favor.
Chrissie voltou-se, e caminhou rapidamente pela calçada.
Guy a seguiu, irado, pegou-a pelo braço e fez com que o fitasse.
— Vá embora — ela pediu, colérica.
— Não faz muito tempo, me pedia que não a deixasse — lembrou ele, implacável.
— E você dizia que me amava, mas nós dois sabemos... — Chrissie corou.
— Sabemos o quê, Chrissie? — Guy lhe apertou o braço.
Chrissie não respondeu. Estava cansada e fraca. Não tinha forças para discutir com Guy. Guardaria energias para seu filho.
— Meu carro está ali na esquina — ele falou com energia. — Vou levá-la para casa e não discuta comigo, Chrissie. Você está à beira de um colapso nervoso.
Ela estava muito fraca, e censurou a si mesma por não reagir.
— Quando você desconfiou... isto é, quando soube sobre o bebê? — Guy perguntou, já dentro do carro.
— O que importa? — ela não comentou ter sido Ruth que a alertara.
Chrissie não se sentia nada bem. Percebeu que ele não a estava levando para casa de Charles.
— Para aonde está indo? Pare o carro imediatamente. Eu quero sair.
Ela estava furiosa, tentou abrir a porta do carro e viu que ele trancara no comando central.
— Você não tem o direito de fazer isso! — ela gritou. — Você...
— Tenho os meus direitos de pai e vou proteger a saúde de meu filho que está para nascer!
Direitos de pai! Chrissie não achou resposta plausível. O movimento do carro estava piorando seu mal-estar.
— Guy, acho que vou vomitar — ela murmurou.
— Justo agora?
Chrissie fez um gesto afirmativo com a cabeça. Guy parou o carro de imediato. Após dez minutos, Chrissie já havia melhorado e foi obrigada a reconhecer que ele demonstrara solicitude e a tratara com muita gentileza numa situação tão desagradável.
— Quero ir para casa, por favor.
— Você precisa ir para um lugar onde possa ser bem cuidada. E é exatamente para onde a estou levando. Vamos...
Chrissie se recostou no banco, e pensou que deveria ir para longe de Guy enquanto ainda tinha forças. Percebeu que estavam saindo da cidade.
— Aonde estamos indo? — Ela perguntou, com voz fraca.
— Já lhe disse. Para um lugar onde você e nosso filho serão bem cuidados.
Nosso filho! Que ousadia!
Já haviam saído da cidade, e rodavam por caminhos estreitos cercados por sebes altas. Guy saiu da estrada principal, e seguiu por um atalho estreito e sujo, passou por uma porteira e entrou em uma fazenda.
Chrissie arregalou os olhos. Sem acreditar, ela se voltou para Guy.
— Essa era a fazenda de meus avós... — ela sussurrou.
— E. Minha irmã e meu cunhado a compraram no ano passado — ele explicou. — Mas já não era a fazenda original. Muitos lotes de terra haviam sido vendidos. Sobraram apenas duas áreas de pastagem. Minha irmã ensina crianças deficientes a cavalgar. Por isso precisam de lugar para os pôneis.
— Sua irmã... Quantas você tem?
— Cinco — ele retrucou.
— Cinco?
— Você vai gostar dessa.
— Espere, você não pode simplesmente... Ela não...
— Ela pode e vai querer — Guy a corrigiu.
Ele não mencionou que havia emprestado dinheiro para sua irmã comprar a casa, e nem que o coração generoso dela jamais negaria ajuda a quem precisasse. Chrissie viu uma mulher alta, de cabelos negros, abrindo a porta da frente.
— É ela?
— É.
Guy parou o carro, ela veio correndo, e Chrissie pôde ver a enorme semelhança entre os irmãos. Era uma mulher de uns cinquenta anos, muito bonita e de porte elegante.
— Guy! — Ela exclamou, afetuosamente. — Que surpresa adorável! Ah, você trouxe... Ah, deve ser a Chrissie. Frances me contou.
— Hum... Há alguma coisa que Frances não tenha contado? No momento, Chrissie e eu atravessamos uma fase difícil, mas isso é uma outra história. Ela não está passando bem e mora naquele casebre sem conforto que era de Charles Platt. As paredes estão úmidas, e não confio muito nos sistemas de esgoto daquela casa.
Chrissie somente escutava a conversa dos dois irmãos.
Aquelas casinhas eram bem antigas, e haviam sido construídas às pressas, usando material barato e de má qualidade. Ela já se dera conta do cheiro desagradável que impregnava o ar do casebre. Pensava que fosse a umidade... Poderia ser algo bem mais perigoso. Para ela e o bebê.
— Você está muito pálida — a irmã de Guy comentou, preocupada. — Vamos entrar. Meu nome é Laura. Rick, meu marido, está viajando. Foi comprar pôneis.
— Guy contou que você ensina crianças deficientes a montar — Chrissie comentou, entrando na casa, ladeada pelos irmãos.
— É verdade. E no momento estamos precisando de mais animais, mas não é fácil achar a montaria certa.
Chrissie hesitou.
— A casa pertenceu aos avós de Chrissie — Guy explicou para Laura.
— Mas então...
— Minha mãe é irmã de Charles Platt — Chrissie retrucou com altivez, sacudindo o rabo-de-cavalo.
— Oh, sim! Eu me lembro de sua mãe no colégio
— Laura falou, com um grande sorriso nos lábios.
— Era completamente diferente de Charles. Muito quieta e estudiosa.
— Era e é — Chrissie concordou, sem olhar para Guy.
— Cuide dela por mim — Guy pediu à irmã. Ele se despediu de Laura, meia hora mais tarde, deixando Chrissie com ela.
Laura não estava entendendo a situação, mas sabia que era melhor não perguntar nada ao irmão. Era evidente que os dois haviam brigado, e Chrissie parecia doente e infeliz. Laura não era intrometida e nem costumava fazer perguntas indiscretas. Mas não pôde deixar de reparar no rosto pálido e nas olheiras de Chrissie, e no modo quase rude do irmão. Nada que se comparasse à descrição de um amor inebriante, feita por Frances dias antes.
Laura acompanhou o irmão até o carro e voltou para dentro da casa. Encontrou a sua visitante, olhando pela janela da sala, pensativa.
— Sinto muito por Guy ter me trazido para sua casa, sem mais nem menos — Chrissie se desculpou. — Se puder chamar um táxi, irei logo embora.
— A minha vida tem muito valor, para eu deixá-la ir embora — Laura caçoou. — Mas falando sério, tirando o fato de podermos brigar com o comportamento machista de Guy, é óbvio que você não se sente bem. Nós temos muitos quartos por aqui, e para ser sincera, fico muito sozinha quando meu marido não está. Você me faria companhia, ficando por alguns dias. Guy tem razão sobre a poluição existente naquelas casas. Tenho um amigo que morava naquela rua e ficou doente.
— Eu não estou com nenhuma doença. Penso que estou grávida. Você deve estar chocada. Não tinha intenção de lhe contar, no entanto...
— Não estou chocada — Laura interrompeu. — Talvez com inveja. Rick e eu nunca tivemos filhos. Agora já estou muito velha e também não sofro mais por isso. Meu trabalho me ajudou muito. O problema entre vocês dois é essa criança?
— Não exatamente — Chrissie retrucou. — Ainda que...
Aquela não era a ocasião adequada para contar sobre a intenção de Guy de insistir em seus direitos de pai. O problema não era imediato.
— O problema é que investimos loucamente em um relacionamento sem nos conhecermos direito.
— E você acha que... o amor acabou?
— Eu gostaria que assim fosse. Se não se incomoda, prefiro não falar disso.
— Como quiser. Vamos lá para cima, vou lhe mostrar seu quarto. Mais tarde, se quiser, iremos para a cidade buscar suas roupas.
CAPÍTULO VIII
Se você estiver disposta, poderemos ir até Fitzburgh Place, agora de manhã — Laura sugeriu.
— Para quê? — Chrissie indagou, desconfiada.
— Ontem foi a abertura oficial da feira de antiguidades. Pensei que seria divertido percorrer as barracas de artesanato
— Pode ser, mas você não está pensando...
Chrissie estava na casa de Laura havia dois dias e reconhecia que não poderia haver pessoa mais hospitaleira. As duas combinavam muito bem e, juntas, se divertiam muito. Laura a cercava de carinho e atenção, substituindo a mãe que estava longe. Se não fosse irmã de Guy, seria uma amiga para se conservar por toda a vida.
— Não estou pensando em nada — Laura prometeu. — Guy vai estar lá, se acha melhor não ir...
Chrissie olhou o céu pela janela da cozinha. A manhã estava linda e ensolarada. Ela acordara sem enjôo. As duas poderiam fazer um passeio maravilhoso. Ela teria de encontrar-se com Guy mais cedo ou mais tarde. Achou melhor enfrentar aquela situação, mesmo porque o inventário de seu tio já estava quase pronto. Logo ela retornaria para a sua cidade e não o veria mais.
— Gostaria de ir, se você não estiver arquitetando nenhum plano de reconciliação — Chrissie avisou, séria.
— Vocês são adultos e sabem o que fazer — Laura comentou, enquanto se levantava para lavar a louça do café.
— Concordo.
Chrissie observou Laura colocar os utensílios na máquina de lavar. Pensar em reconciliação era tentador. Ela não entendia a si própria. Queria Guy de volta? Depois de todas as acusações que ele fora capaz de fazer? Ficaria muito melhor sem ele!
Mas não podia esquecer que era o pai de seu filho. Passou a mão na barriga, confortando a vida que crescia dentro dela.
— Está sentindo alguma coisa? — Laura perguntou, ansiosa.
— Estou ótima, não se preocupe.
No dia anterior, fora ao médico para uma consulta, e ele lhe garantira que teria uma gestação muito saudável, apenas com um pouco de náuseas.
— Geralmente os enjoos terminam depois de três ou quatro meses — ele consolou Chrissie, rindo de seu desânimo.
— Quatro meses?! — Ela gemeu.
— Prefiro não receitar remédios para isso. A menos que a mãe sofra tanto que possa afetar o crescimento do bebê. Já tentou comer dois biscoitos secos, ao levantar?
Laura já havia recomendado aquele lenitivo, assegurando que funcionaram muito bem com suas irmãs.
— Poderíamos levar o almoço e fazer um piquenique __ Laura lhe disse, animada. — Lá, os jardins são muito bonitos. Penso que Guy não vai gostar muito de saber que estou levando-a para andar tanto.
— Ele não tem direito de me dizer o que fazer — Chrissie acrescentou, sem ter certeza de que Laura a ouvia, devido ao barulho da máquina de lavar pratos.
Meia hora mais tarde, já estavam no carro, a caminho da feira.
— Guy está muito preocupado com você — Laura afirmou. — Telefona no mínimo duas vezes ao dia para ter notícias.
— Ele não está preocupado comigo. Preocupa-se com a criança. E essa criança é minha, Guy não tem nada a ver com ela.
— Não pode esquecer que ele é o pai — Laura lembrou.
Chrissie suspirou. Elas haviam discutido o assunto várias vezes naqueles dois dias. Laura não tomava o partido de Guy, mas também não dizia que ela estava certa.
— Muitos homens nessa situação ficariam felizes de não ter de assumir a responsabilidade — Chrissie sugeriu.
— Concordo com você. Mas Guy não é desse tipo. Sempre foi muito responsável.
— Não a ponto de pensar um pouco, antes de jurar que me amava — Chrissie protestou. — De fato, devido à sua reputação, só me admiro que isso não tenha acontecido antes — Chrissie murmurou, com amargura.
Laura se espantou, desviou o carro para uma área de estacionamento à beira da estrada, e perguntou:
— Sobre o que está falando, Chrissie? Qual reputação?
Chrissie engoliu em seco, consternada ao ver a expressão severa de Laura. Lembrou-se das atitudes da mãe, quando a repreendia por alguma travessura infantil.
— E... Eu... Natalie falou — ela gaguejou, e Laura continuou esperando uma resposta.
— Ah... Natalie! — Laura escarneceu. — É uma encrenqueira. No que diz respeito a Guy, ela está completamente enganada. Desconfio até de que manipula certos fatos em benefício próprio. Uma coisa posso lhe garantir. Guy jamais teve fama de conquistador barato ou algo no gênero. Como todo homem normal, teve namoradas, relacionamentos, mas...
Laura parou, pensativa e fitou Chrissie com carinho.
— Na verdade, é um assunto que deve discutir com ele, não comigo. Devo confessar que estou surpresa. Você me parece uma pessoa bastante sensível e inteligente, para dar ouvidos a uma mulher invejosa.
— Também isso não tem muita importância. — Chrissie ficou embaraçada.
— A polícia voltou a fazer novas perguntas? — Laura mudou de assunto e deu partida no carro.
— Não. Eles esperarão até minha mãe voltar da viagem. Afinal, ela é que viu a mesa antes...
— Quando seus pais vierem a Haslewich, terei o maior prazer em hospedá-los na fazenda — Laura afirmou, com gentileza. — Temos espaço suficiente, e sua mãe poderá recordar o lugar em que passou a infância...
Chrissie ficou comovida com o oferecimento.
— Direi a ela. Ela sabe da opinião dos outros sobre a vida desregrada de tio Charles e tem receio em voltar para cá...
— Por Deus, ninguém vai julgá-la mal por isso! — Laura assegurou.
— Guy me julgou por meu tio... — Chrissie hesitou, mas não pôde deixar de comentar.
— Não sei se eu deveria lhe falar sobre isso. — Laura suspirou. — Mas Guy tem razões muito sérias para não gostar de seu tio.
Chrissie escutou, horrorizada, os relatos de Laura, sobre tudo o que seu tio fizera com Guy, naquela época, um menino franzino e tímido.
— Esse tipo de agressão o marcou muito. Guy não usaria sua força física contra ninguém, ele simplesmente não tolera isso. De qualquer forma, o orgulho masculino não admite que outro homem lhe cause medo ou dor. Seria ultrajante. Guy nunca pensou em se vingar de Charles, pelo que sofrera nas mãos dele. Na minha opinião, Guy até hoje se ressente de não ter tido a coragem, ou a força, de evitar a humilhação. Você me entende?
— Claro — murmurou Chrissie, com os olhos cheios de lágrimas.
A descrição pungente de Laura a fez visualizar o menino pálido, frágil, sendo atormentado por seu carrasco grande e corpulento. Pôde entender então, como os traumas atormentaram Guy por toda a sua vida, mesmo sendo um adulto equilibrado e bem-sucedido.
— Por que ele não me contou nada? — Chrissie perguntou, chorando.
— Quer mesmo saber? — Indagou Laura. — Ele é um homem.
Laura estacionou o carro, e elas entraram no jardim das cavalariças. A feira de antiguidades era um espetáculo deslumbrante. Era como entrar no século dezenove, com todas aquelas cenas, sons e traços de uma feira vitoriana em andamento.
Músicos vestidos a caráter tocavam melodias alegres. Acrobatas e um malabarista talentoso entretinham a multidão com suas momices. Um comedor de fogo fazia os seus números perigosos, em um palco seguro e fora do alcance dos visitantes. O pasteleiro anunciava as suas mercadorias, em altos brados. Uma cigana e duas crianças a seu lado, vestidas a caráter, lia a sorte de quem assim o desejasse.
Chrissie imaginou ao atentar para aquelas feições, que deveriam ser membros da grande família Cooke. Tudo fora pensado e feito para recriar o ambiente do passado.
Chrissie parou maravilhada, ante a visão multicolorida e pitoresca.
— Foi Guy quem idealizou tudo isso? — Ela perguntou para Laura.
— Acho que sim. Ele gosta disso. Mas finge que não... Afirma que são apenas coisas necessárias para atrair a multidão, mas no fundo... Na época do Natal, é ele quem organiza as festas da família. Nem sei como lhe explicar. E uma espécie de representação, onde todos participam e se vestem com elegância. Não existe platéia pois cada um de nós trabalha com afinco e procede de acordo com o papel determinado por Guy.
— Deve ser muito, divertido — Chrissie admirou-se. Lamentou que seu filho não iria ver nem participar desses festejos. Ele também não teria a oportunidade de conhecer a alegria e o prazer de fazer parte de uma família tão numerosa. Entristeceu-se.
Viu um quiosque onde se vendiam jóias art-deco. Era uma das paixões de sua mãe, e Chrissie se aproximou da barraca.
Do lado oposto da tenda, uma carroça puxada por um cavalo grande descarregava barris de cerveja. Chrissie ouviu uma advertência, mas não se deu conta do que seria, até que uma criança gritou. Um pesado barril se desprendera do carregamento e vinha rolando na direção dela.
Não conseguiu sair do lugar. Ficou paralisada pelo medo, ouvindo o barulho surdo do barril sinistro aproximando-se.
— Chrissie!
Ela se virou na direção da voz de Guy, a tempo de vê-lo correndo por entre a multidão, desesperado.
— Guy — ela sussurrou, sentiu as pernas amolecerem e não viu mais nada. -
Desmaiou.
Chrissie abriu os olhos, sem entender muita coisa. Estava deitada na maca sobre o gramado. Virou a cabeça com cuidado. Uma calça de homem... com um perfume familiar.
— Guy... — Ela tentou levantar, mas foi contida.
— Está tudo bem... Não se preocupe — Guy afirmou, com gentileza. — Você desmaiou.
— O que aconteceu? — Chrissie, atordoada, levou a mão à cabeça. Lembrou-se do barril e da criança gritando. Começou a tremer. — Meu bebê!
— Seu bebê está bem — alguém lhe disse.
— Este é o Dr. Miles — informou Guy e apresentou-lhe um jovem médico loiro, ajoelhado na grama ao lado dela.
Chrissie percebeu que eles se encontravam num lugar que parecia um jardim particular.
— E o barril? — Ela perguntou.
— Não se preocupe. Graças a Deus, Guy o pegou antes que você fosse atingida. O desmaio foi devido a forte emoção, ao calor e à sua gravidez. Posso lhe garantir que você e a criança estão muito bem. Contudo, deve fazer uma consulta com seu médico, para prevenir esses desmaios ocasionais.
— Onde está Laura? — Chrissie perguntou, sem entender muito bem o que se passava.
— Foi buscar chá.
O médico a preveniu que deveria esperar um pouco antes de se levantar, e se ergueu.
— Bom, agora vamos ver seu braço, Guy. Você está com a vacina antitetânica em dia?
— Acho que estou.
Chrissie não pôde distinguir o que acontecera com o braço de Guy, pois o médico parara entre os dois, mas escutou-o gemer quando foi examinado.
— Hum... E um corte profundo e vai precisar de pontos — preveniu o Dr. Miles. — Fiz uma assepsia da melhor forma possível e coloquei um curativo. Precisa ir ao pronto-socorro o mais cedo possível, para dar os pontos.
— Não posso me ausentar antes do término da feira. Irei à noite. Tenho obrigação moral com os exibidores e com lorde Astlegh. Ele só nos permitiu instalar a feira neste espaço sob a minha palavra de que tudo correria sem incidentes.
— E se bem o conheço, prefere morrer de gangrena a não cumprir a promessa — Laura criticou, já de volta com o chá.
Sem acreditar no que ouviu, Chrissie fechou os olhos. Guy se arriscara para salvá-la!
— Guy, tenho certeza de que Jenny não se incomodará em ficar aqui, para você ir ao hospital — Laura lembrou com determinação. — Ligue para ela agora, e eu os levarei até lá. Onde está seu carro?
— Deixei no estacionamento privativo — ele disse. — Pode deixar que vou buscar.
— Você não vai a lugar algum — Laura protestou.
— Eu vou buscar o carro. Fique com Chrissie.
— Vou voltar para a sala de primeiros socorros— o médico explicou, e fechou a maleta.
Depois que ambos se afastaram, Chrissie dirigiu-se a Guy, em voz baixa.
— Ainda não lhe agradeci pelo que você fez. Aquele barril...
— Não fiz nada demais. Qualquer um faria o mesmo. Afinal, sou responsável pela total segurança da feira.
— Foi um acidente — Chrissie comentou.
Mesmo sabendo disso, ela estremeceu só em pensar no que teria acontecido se o barril a atropelasse. Instintivamente abraçou-se na altura do estômago. Guy percebeu e empalideceu.
— Meu Deus, o que foi... Onde está o médico? Você está... — ele perguntou, com voz rouca.
— Estou bem... estou bem, Guy.
Ela o segurou pelo braço, para que não saísse à procura do médico e o trouxesse à força.
— Não se preocupe, estava só imaginando que se algo acontecesse ao bebê... Nem sei o que faria. Antes, nem cogitava em ter um filho... Talvez você não entenda. Não é a mesma coisa para um homem.
— Não...? E o que pensa. Como acha que eu me sentiria se você e o nosso filho se machucassem, e eu nada pudesse fazer para impedir?
— Mas você impediu — ela lembrou.
Não queria mais continuar falando no assunto. Ela se sentia ridícula por querer confortá-lo. Por que se incomodar com ele?
Chrissie se virou e estremeceu ao ver a extensão do ferimento na testa de Guy e a mancha escura de sangue na manga rasgada de sua camisa.
Ainda não experimentara essa união de medo, choque, dor e angústia.
Chrissie fitou o relógio da sala de espera do hospital. Ela já tivera alta e esperava que terminassem a sutura no braço de Guy. Laura fora conversar com um amigo no corredor. Chrissie corou, quando Guy saiu da sala de curativos.
— Está tudo... bem? — Chrissie indagou, temerosa.
— Parece que sim. Tiraram as lascas que estavam no braço, e me garantiram que não haverá problemas. Chrissie, preciso lhe falar... — Guy começou, muito sério. — Vamos tentar... começar novamente?
Ele estendeu o braço sadio na direção de Chrissie.
— Hoje de manhã... Senti pavor de... Não acha que devemos mostrar ao nosso bebê que nos preocupamos com ele?
— E... acho que sim — ela sussurrou.
— Nós tivemos a sorte de ter pais maravilhosos. Fizemos parte de uma família. Não que um pai ou mãe solteiros não possam desempenhar bem a tarefa, mas...
— Entendo o que está querendo dizer.
Chrissie suspirou, tentando disfarçar o aperto na garganta e as lágrimas que deslizavam por seu rosto.
— Uma criança precisa de pais que se amem... que se respeitem...
— Sinto muito não ter-lhe dito sobre tio Charles — ela se desculpou, com dignidade. — Eu tinha essa intenção, mas tive medo.
Chrissie estava emocionada. Naquela manhã, deitada na grama e ouvindo a conversa do médico sobre a ferida do braço de Guy, ela compreendeu o quanto o amava, e soube que nunca deixaria de amá-lo. Porém, ele gostava de Jenny e ainda havia o caso da mesinha.
— Nós poderíamos tentar — Guy lhe assegurou.
— Talvez — ela concordou e fixou-lhe um olhar temeroso. — E se o nosso filho se parecer com o tio Charles? Você ainda vai querer essa criança?
— Você o amaria, se ele se parecesse comigo? — ele perguntou.
Chrissie fechou os olhos. Claro que sim... Com certeza.
— Isso não importa, Guy. Entre nós haverá sempre uma mesa e o fato de Charles ter sido meu tio... Eu serei somente uma substituta para a mulher que você realmente amou, e você se casaria comigo pelo bem da criança. Imagino que não haverá mulher que tome o lugar de Jenny...
— Chrissie! — Ele gritou, no momento em que Laura voltava para a sala de espera.
Ela notou a irritação de Guy e a tristeza de Chrissie.
— Pelo jeito, vocês já estão prontos para ir embora. Se quiser, posso deixá-lo em casa, Guy.
Guy acendeu o abajour, praguejou e procurou o vidro de analgésicos receitados pelo médico. O braço latejava muito, mas não foi por isso que acordara. Tinha sonhado com Chrissie, e ela estava bem na direção do maldito barril. Ele ficara estático por alguns segundos, antes de conseguir pular. Transpirava. Cansado, passou a mão nos cabelos. A ferida na testa era dolorida e a cabeça doía.
Lembrou-se daqueles momentos de pavor, querendo saber se Chrissie estava bem, se nada havia acontecido, não só ao bebê... Só então teve consciência de que, nem Charles, nem a mesinha, tinham a menor importância.
Só o amor por Chrissie o interessava. Precisava convencê-la de que a amaria pelo resto da vida. Tinha certeza de que ela o amava. Percebera a angústia de Chrissie ao saber que ele tinha se ferido. Não conseguira esconder seus sentimentos, na frente do homem que amava. E o comentário sobre Jenny! Na manhã seguinte, procuraria esclarecer tudo.
Onde estariam aqueles analgésicos? Pegou o frasco, mas derrubou o vidro com os antibióticos, que também deveria tomar. Deixou para pegar o vidro depois. Podiam ficar no chão, quem se importava?
CAPÍTULO IX
Na manhã seguinte, deitado na cama, inconsciente, febril, Guy murmurava no silêncio do quarto. O corpo e os cabelos estavam ensopados de suor. Debaixo do curativo, o braço inchara e latejava muito. Uma linha vermelha escura se espalhava do braço, em direção à axila.
— Como vai, Jon. Você parece cansado — Ruth saudou o sobrinho, ao se encontrarem na rua.
— Hum... Um pouco. Tive de me desdobrar esta manhã, pois Jenny precisou ir novamente a Fitzburgh Place, no lugar de Guy. Ele deveria chegar por volta das oito horas. O telefone dele não atende. Devem tê-lo segurado no hospital essa noite.
— Hospital? — Ruth se espantou.
— E. Houve um pequeno acidente ontem, na feira. Parece que um barril caiu de uma carroça. Se Guy não interviesse, a jovem Chrissie teria se machucado muito.
— Coitado. Mas acho que ele não está no hospital. Eu vi quando Laura o trouxe para casa ontem. Chrissie estava com eles no carro. Quem sabe voltaram às boas...
— Seria ótimo.
— Namorados brigam e fazem as pazes.
— Essa não é uma simples briga de namorados. Há o problema da mesa. Guy diz que pertence a Ben, e Chrissie afirma que é da família dela.
— Eu sei.
— Desculpe, Ruth, mas estou com pressa. Daqui a dez minutos, tenho hora marcada com um cliente.
Jon se desculpou, abaixou a cabeça e a beijou.
A manhã estava radiosa. Ruth prosseguiu em seu caminho, refletindo sobre o absurdo da situação de Guy e Chrissie. Tinha certeza de que ambos se amavam, e uma simples e nem tão valiosa mesinha os afastava daquele amor.
Ela não era Salomão e não poderia resolver o problema, cortando a mesa em duas partes. Duas partes... Duas mesas... Desde que ficara sabendo daquela confusão, cismou que havia algo errado.
— O que está fazendo aqui? — Ben perguntou de mau humor.
— Vim ver como está passando — respondeu Ruth, ignorando a carranca do irmão. — Ah... também preciso procurar um documento na biblioteca.
— O que é?
— Nada de importante — ela desconversou. — Pedi à Sra. Brookes, para trazer um bule de chá.
— Hum... Chá. Não aguento mais. Piora o meu reumatismo.
— Nunca ouvi dizer que o chá tivesse tal efeito — retrucou Ruth, sabendo que o culpado era o vinho do Porto que Ben tomava todas as noites.
Todavia, quando a Sra. Brookes trouxe o chá ele ficou satisfeito.
Ben andava com dificuldade. Depois da operação, ele poderia voltar a andar com mais segurança. Depois da segunda xícara de chá, Ruth avisou que iria até a biblioteca e depois iria embora. Ela sabia exatamente o que procurar. Fechou a porta, e foi até o armário onde estavam guardados os livros de contabilidade de seus pais. Demorou a encontrar o que procurava, pois não sabia qual o ano de referência. Precisou pesquisar em vários livros. Quando encontrou, deu um abafado grito de satisfação.
Claro como o dia, na elegante caligrafia de seu pai. "Pagamento... Para Thomas Berry, marceneiro, duas libras, dez xelins e seis pence cada, pela confecção de um par de mesinhas iguais em pau-amarelo."
Duas... Um par! Ela estava certa. Então, teve certeza de que eram duas. Seu pai era um perfeccionista. Não mandaria fazer uma cópia apenas, das duas mesas da família Chester.
Tanto Guy quanto Chrissie estavam certos. Como uma delas estava nas mãos da família de Chrissie?
Estava fechando o livro, quando ouviu a porta se abrir, e Ben entrou.
— Ainda aqui? — Ele resmungou. — O que está fazendo com isso?
— Estava procurando alguns dados — Ruth respondeu calmamente.
— Você não tem o direito — ele começou a esbravejar. — Você...
— Ben, eu sou sua irmã. Não pode falar comigo deste jeito. Também tenho direitos. Agora... me diga uma coisa. Aquela mesa roubada... ou melhor, as duas mesas...
Ele sentou-se com dificuldade em uma poltrona.
— Não sei de que está falando — ele declarou com voz insegura, tornando a mentira evidente.
— Ah! Sabe, sim. Sabe muito bem a que me refiro. Por que você não contou para a polícia que eram duas mesas?
— Eu não podia. Dei a palavra a papai que jamais contaria o nosso segredo.
— Eu não fiz nenhuma promessa, e vou contar. O que importa, Ben? Qualquer pessoa vai deduzir a verdade, quando Rose Oldham comprovar a identificação da mesa que está em poder da polícia. Vamos... conte-me o que aconteceu.
Ben respirou fundo.
— Preciso saber da verdade, Ben — Ruth advertiu o irmão. — E vou ficar aqui até você me contar. Sei que nosso pai mandou fazer cópias das duas mesas que pertenciam aos Chester. Como uma delas foi parar nas mãos da família Platt?
Ben carrancudo, cruzava e descruzava as pernas.
— Papai deu uma delas à menina Platt, como dote... um presente de casamento. Ela trabalhava aqui como babá.
— Papai deu a uma empregada, um objeto que ele mandou fazer sob encomenda? Papai não era um homem de posses. E não faria isso, se não tivesse um motivo muito forte.
— Não sei de nada... — Ben tentou disfarçar. — Talvez tenha roubado ou...
— Bem. Podemos esperar até a mãe de Chrissie voltar. Ela saberá dizer como a mesa foi parar nas mãos de sua família.
— Não, ela não sabe. A menina era esperta. E o velho Platt também não contaria nada. Deve ter levado o segredo para o túmulo.
— Ben... Sinto muito, mas não estou entendendo
— Ruth interrompeu.
— Não estou sendo claro? — Ben se lastimou. — A mocinha casou-se com o velho Platt, que era viúvo e não tinha filhos. Ele ficou feliz em casar-se com ela, que estava grávida. Mas insistiu que ela merecia uma indenização e ameaçou fazer um escândalo. A moça, por outro lado queria a mesa...
— Indenização? Não está insinuando que a babá, bisavó de Chrissie estava grávida de nosso pai? E ele a casou com Archie Platt, dando a mesa em pagamento?
— Era o que ela queria! — Ben defendeu o pai. — Além de um marido, é claro.
— Uma empregada! — Ruth protestou. — Não deveria ter mais de dezessete ou dezoito anos. Pobre menina. Vai ver que o amava.
— Quem? Archie Platt? Duvido. Ele tinha o dobro da idade dela...
— Não. O papai — corrigiu Ruth. — Então Chrissie é também uma Crighton. Maravilha!
— Você não vai contar para ninguém? Dei a minha palavra.
Ruth descobriu, então, de quem Charles Platt herdara algumas de suas características. Egoísmo e cobiça eram claramente visíveis nos homens da linhagem Crighton. Traços negativos presentes no caráter de David, irmão gêmeo de Jon, no de Max, filho mais velho de Jon, e no de seu próprio pai. Charles apenas os herdara de modo exacerbado.
Chrissie e Guy precisavam ser comunicados, assim como polícia. Diante daquela necessidade de esclarecer tudo, nem queria pensar na reação de Ben.
Ruth era uma pessoa sensata e experiente. Não acreditava que a reconciliação deles fosse instantânea, apesar dos fatos. O agravante fora a desconfiança, e não a propriedade da mesa em si.
Guy e Chrissie tinham medo de confiar um no outro. Ela esperava que, para o bem da criança que ia nascer, eles resolvessem seus problemas. Não pela necessidade, mas pelo amor. Não acreditava em um relacionamento sem amor e sinceridade. Talvez fosse um pensamento fora de moda, mas era uma verdade.
CAPÍTULO X
Chrissie acordou de repente, assustada e ansiosa. Apertou o estômago com as mãos. O coração batia forte, e ela não conseguia atinar com o motivo de ter despertado tão bruscamente de seu sono profundo. Fora dormir razoavelmente tranquila após terem deixado Guy em casa. Não tivera pesadelos e estava se sentindo muito bem. Compreendeu aliviada, que a sua ansiedade não se relacionava com o sopro de vida palpitante em seu ventre. O instinto materno lhe dizia que tudo corria normalmente. Por que despertara sentindo tanto medo e aflição?
Ainda era muito cedo, mas podia ver o sol iluminando o quarto através das cortinas. O ambiente do quarto de hóspedes da casa de Laura era confortável e repousante, causando uma sensação de bem-estar. A decoração era feita com móveis de bom gosto.
Refletindo sobre os acontecimentos da véspera, ela chegou à conclusão que tivera muita sorte. Se não fosse... Guy... Sentiu o coração dar um salto de encontro ao peito, como se houvesse levado um grande susto.
Levou as mãos ao rosto, e sem saber exatamente como, compreendeu que algo errado acontecera com ele. O pressentimento a fez pular da cama, entrar correndo no quarto de Laura para acordá-la.
— O que foi, Chrissie? Alguma coisa com o bebê? — Laura murmurou, esfregou os olhos e viu Chrissie curvada sobre a cama.
— Não, eu... está tudo bem — ela assegurou. — É Guy.
— Guy? — Laura começava a espreguiçar-se e parou. — Mas como... O que aconteceu?
— Não tenho certeza, e nem sei como explicar, Laura — Chrissie falava exaltada e aflita. — Mas sei que há alguma coisa errada. Sinto isso...
— O que a faz pensar assim? — Laura duvidou, já bem acordada. — Você levou um choque ontem, e uma mulher em suas condições...
Laura tinha razão. Ela também preocupava-se com o seu estado, mas a sua ansiedade nada tinha a ver com o bebê que esperava, como Laura insinuara. Era o amor que sentia por Guy que lhe dava essa clarividência.
— Por favor, Laura — Chrissie implorou, apontando o telefone ao lado da cama. — Ligue para ele.
— Tudo bem, farei isso. Mas duvido de que ele ficará muito feliz ao ser acordado a essa hora da manhã!
Chrissie não se importou. Ela tinha certeza de que acontecera algo muito grave e não poderia ignorar o seu sexto sentido.
Observou Laura discar o número e aguardou...
— Ele deve estar tão dopado com os remédios que lhe receitaram, que nem ouve o telefone — Laura afirmou e recolocou o fone no gancho. — Sei que você está preocupada, mas os médicos nos garantiram que ele estava bem, lembra?
— Laura... por favor... — Chrissie implorou novamente, com a voz trêmula pela emoção. — Sinto que está acontecendo algo. Não sei precisar o que…
— Aonde você vai? — Laura perguntou, quando a viu saindo do quarto.
— Vou me vestir e ir até a casa dele! — Chrissie avisou e ouviu Laura suspirar.
— Tudo bem... Espere, vou com você — Laura concordou. — Estou lhe avisando, ele não vai recebê-la de braços abertos ou agradecer, por estar sendo incomodado tão cedo.
Sentiu uma sensação inusitada ao sair de casa numa manhã tão linda e refrescante, mas ainda assim sentir-se angustiada. Em outras circunstâncias, Chrissie teria adorado o frescor da manhã, o clarear do dia, o contato com a natureza, o mundo ao seu redor, a visão do casal de gansos nadando no pequeno lago. A preocupação com Guy era grande, e ela nada admirou.
— Para quem diz que não gosta dele, você parece ansiosa demais — Laura comentou, enquanto rodavam pelas ruas vazias de Haslewich.
— Eu... eu o amo — Chrissie admitiu. — Mas não posso casar com um homem que não me respeita e nem acredita em mim...
Ela parou de falar, incapaz de controlar as lágrimas, e sacudiu ligeiramente a cabeça.
— Desculpe, não quis magoá-la — Laura se desculpou.
— Não é você. É que estou mesmo aborrecida.
— Veja, chegamos.
Chrissie estava aflita. As cortinas de cima estavam fechadas, e as inferiores, abertas.
Laura bateu à porta e tocou a campainha.
O barulho estridente pareceu ainda mais forte no silêncio da rua.
— Esta sineta parece um carrilhão! — Laura zombou.
Esperaram alguns minutos, e não se ouviu nada.
— É melhor tocar de novo. — Chrissie estava impaciente.
— Tenho uma ideia melhor — Laura anunciou, abriu a bolsa e tirou um molho de chaves. Fazendo muito ruído, escolheu uma delas. — Guy me deu uma chave para eu abrir a casa, quando ele estava viajando. — Laura explicou. — Vamos.
Laura colocou a chave na fechadura, abriu a porta, e elas entraram.
Chrissie se arrepiou. Não se ouvia o mínimo som. Só os passos das duas. Subiram a escada, Laura na frente. A porta do quarto de Guy estava fechada. Laura, receosa de incomodar, chamou-o pelo nome e cuidadosamente abriu o trinco.
— Oh, meu Deus!
— Laura, o que foi?
Chrissie não enxergava, pois Laura estava parada à porta, bloqueando a visão da cama.
— Parece que está com septicemia — afirmou Laura, afastando-se para Chrissie entrar.
Ela pôde ver, mesmo na obscuridade do quarto, o braço de Guy muito inflamado e vermelho, e a reveladora linha vermelha que ia até a axila.
— Guy... Guy! — Laura chamou, mas ele não respondeu. Laura mexeu-lhe nos ombros, mas ele só murmurava palavras desconexas, sem abrir os olhos.
Enquanto esperavam a ambulância, nos dez minutos seguintes, Chrissie agradecia a Deus, por terem seguido a sua intuição. Guy foi submetido a uma cirurgia, que durou quatro horas, para extrair uma lasca de madeira. Enquanto permaneciam na sala de espera, esperando o término da cirurgia, Laura compreendeu quanto Chrissie amava seu irmão. Se tivesse de testemunhar e apontar uma mulher profundamente apaixonada, com certeza aquela mulher seria Chrissie. Jamais esqueceria seu empenho em seguir o pressentimento que tivera. Chrissie salvara a vida de seu irmão.
Guy já havia retornado do centro cirúrgico, e elas estavam à porta do quarto, esperando autorização para entrar.
Chrissie, receosa, pediu à Laura que entrasse primeiro e esta concordou.
— Olá, querido! — Laura percebeu o olhar de expectativa se transformar em desilusão. — Ainda bem que pode receber mais de uma visita.
Chrissie entrou. Ele não conteve a enorme satisfação em vê-la se aproximar da cama.
— Chrissie! Que bom ver você.
— Como... como vai? — ela perguntou, a garganta seca pela emoção.
— Dolorido, mas feliz por estar são e salvo.
— Guy, meu irmão, Chrissie lhe salvou a vida — Laura afirmou, ignorando a muda repreensão de Chrissie. — Preciso confessar que não acreditei quando ela me acordou muito cedo esta manhã, aflitíssima, dizendo que você estava doente. A sua tenacidade acabou me convencendo.
Chrissie sentiu-se recompensada no olhar de Guy, transbordante de ternura.
— Mas como você soube...? — ele balbuciou.
— Chrissie, é melhor se sentar — Laura aconselhou. — Você passou quatro horas andando de um lado para outro, na sala de espera. Só de vê-la, eu fiquei cansada. Descanse um pouco, querida. Desculpem, volto logo... Preciso telefonar.
Laura saiu, e Chrissie virou-se para segui-la.
— Chrissie, por favor, não vá!
Ela voltou e veio para perto da cama.
— Oh, Deus! O que estamos fazendo um com o outro? Em que confusões nos metemos? E você me salvou a vida... O médico me falou que devo me considerar um felizardo, por estar vivo. Mais algumas horas de septicemia poderiam resultar em uma amputação do braço, ou coisa pior... Antes de perder a consciência, eu pensava que se eu morresse... você jamais saberia quanto eu a amo e quanto desejei que esse lamentável episódio da mesa jamais houvesse ocorrido. Também lamentei esse meu preconceito idiota sobre seu tio...
— Guy, sua irmã me contou o que ele fazia quando você ainda era um menino — Chrissie interrompeu. — Ele procedia da mesma forma com a minha mãe, que era mais velha que ele. Em uma ocasião, quando mais uma vez desabafava suas desilusões com tio Charles, ela me contou que chegava a se sentir culpada por odiá-lo tanto.
— Não deve ter sido fácil para ela, também. Mas nada justifica o mal que eu lhe causei, Chrissie.
De repente, estavam de mãos dadas, dedos entrelaçados, os corações transbordando de amor.
— Você vai ter um filho meu... — Guy murmurou. — Quero compartilhar do milagre de seu nascimento e proteger vocês dois... Quando o médico me falou de que eu escapei, tive pavor de pensar que nosso filho poderia nascer sem que eu o conhecesse... Chrissie, eu quero viver, não só pelo bebê, mas por você, por que a amo mais do que a minha própria vida.
— Oh, Guy! Eu também o amo muito.
Chrissie começou a chorar. Guy se ergueu, abraçou-a com o braço livre, beijou-a no rosto e a confortou. Ela encostou a cabeça em seu peito e chorou à vontade, de emoção e alegria.
— Sei que temos problemas — ele admitiu. — Mas acharemos as soluções para todos eles e viveremos felizes.
Guy sorriu com muito amor e afastou-lhe os cabelos molhados do rosto.
— Nunca mais deixarei de lhe contar a verdade — ela sussurrou.
— Não diga nada — ele pediu com energia. — Não foi o fato de você ser sobrinha de Charles que me magoou. Achei que não confiava em mim o suficiente para contar. Por isso me comportei como uma criança, censurei e acusei sem motivo.
— Eu não lhe contei por que tinha medo de perdê-lo — Chrissie respondeu. — Minha mãe me aconselhou a esperar um pouco antes de revelar a verdade, pois você já me havia dito que não gostava dele. Por outro lado, fiquei muito magoada por você não ter contado sobre... o seu relacionamento com Jenny.
— Tem razão... Não fui completamente honesto, mas...
— Talvez não queira confessar que a amou muito, não é? — Chrissie completou.
— Não! — Guy protestou com veemência, ergueu o braço operado e gemeu. — Não lhe contei por me envergonhar de ter sido um fraco, achando que, em determinada época da minha vida, a mulher de outro homem resolveria meus problemas. No íntimo, sempre soube que não éramos feitos um para o outro. Queria me apaixonar por alguém, estabelecer-me e constituir família. Como isso não acontecia, pois não me sentia atraído por ninguém, acabei acreditando que a felicidade não poderia existir para mim pois me apaixonara por uma mulher casada, feliz com seu marido e sua família.
Chrissie escutava com atenção, e se convenceu da sinceridade de Guy.
— Na realidade acho que nunca amei Jenny, e ela é muito inteligente e sempre soube disso. Chrissie, eu não queria que você tivesse conhecimento dos meus erros. Não conheci um amor grande e verdadeiro até lhe encontrar. Gosto muito de Jenny, somos muito amigos, mas você é o amor de minha vida.
— Mesmo achando que eu menti sobre a mesinha? — Ela perguntou.
— Não sei o que dizer. — Ele suspirou. — Somente sei o que eu vi.
— Entendo— Chrissie abaixou a cabeça, soltou-se dos braços de Guy e caminhou em direção à porta.
— Chrissie... — ele a chamou, desesperado. — Por Deus! Não me importo com aquela mesa. Só me importo com você. Se quiser, posso vender minha parte na sociedade, poderemos mudar e começar a vida onde você quiser...
— Você faria isso por mim?
— Faria qualquer coisa por você. Faria tudo. Quando eu sair deste hospital, vamos planejar o nosso futuro e o de nossos filhos.
Ele a puxou com o braço livre, e a beijou. Laura abriu a porta e os viu abraçados. Sem fazer barulho, voltou para trás.
— Nós três seremos muito felizes — Guy sorriu para ela.
Mesmo ouvindo Guy falar em sair de Haslewich e começar vida nova em outro lugar, ela temia que a distância da família dele o entristecesse.
— Ruth Reynolds, uma das minhas vizinhas, convidou-nos para tomar um chá — Guy anunciou, quando viu Chrissie entrando na sala de estar.
Ele havia saído do hospital no dia anterior, com a condição de ter alguém cuidando dele. Laura não pôde se comprometer, pois seu marido já estava de volta. Além disso, tinha de cuidar dos cavalos..
Laura afirmara, com segurança, que não havia nenhum motivo para Chrissie não se incumbir daquela tarefa.
Chrissie prometeu, e estava cuidando do enfermo.
— Irei com prazer — Chrissie confessou.
— Que prazer recebê-los! — Ruth cumprimentou, efusivamente, ao abrir a porta para Guy e Chrissie. — Entrem, por favor.
Entraram e foram com ela até a bonita sala de visitas.
— Convidei Jon para tomar chá conosco — Ruth avisou, para surpresa deles. — É importante que ele esteja aqui, não só como testemunha, mas também para confirmar o que tenho a dizer. Bom, estou me precipitando. Como está se sentindo, Guy?
— Muito melhor. Graças a Chrissie — ele falou com ternura, e sorriu para a amada.
Jon cumprimentou a ambos, com alegria. Perguntou pela saúde de Guy e Chrissie.
Ruth soubera da reconciliação por Jenny. Era maravilhoso saber que haviam superado as diferenças e que o amor saíra vitorioso.
— Sentem-se. Chrissie, poderia servir o chá para nós? Tenho uma história bem interessante para contar a vocês.
Chrissie ficou intrigada. Foi até a mesa, pegou o bule e serviu a todos.
— Fiquei bastante intrigada e preocupada com o problema da mesa encontrada na casa de Charles Platt. Achei que seria interessante fazer algumas pesquisas... Jon sabia que meu pai mandara fazer uma cópia das mesas da família Chester. Um par
de mesas foi dado como presente de aniversário às gêmeas da família Chester. Meu pai não mandaria fazer apenas uma cópia, sendo que havia duas originais. Por isso resolvi investigar...
Ruth fez uma pausa, abaixou-se e ergueu um pesado livro que estava no chão, ao seu lado.
— Esse é o livro de contabilidade do ano em que a mesa foi confeccionada. Ou melhor, deveria dizer "as mesas".
Houve alguns minutos de silêncio como se todos estivessem digerindo a notícia.
— Você disse que havia duas mesas! — Guy exclamou.
— É verdade, duas idênticas, justamente como o par da família Chester.
— Mas isso não esclarece como uma delas foi parar nas mãos de minha família.
— Não, não explica. A contabilidade apenas mostra o que foi pago por elas.
— Tem certeza de que minha bisavó não adquiriu uma das mesas? — Chrissie indagou, confusa. — Quem sabe...
— Não, Chrissie, não comprou — Ruth assegurou, trocando olhar cúmplice com Jon. — Nosso pai, meu e de Ben, foi casado duas vezes. Nossa mãe morreu logo depois que eu nasci quando, então, uma jovem foi contratada como babá.
Ruth suspirou, distendeu um pouco os ombros para relaxar e continuou.
— Essa jovem era a sua bisavó, Chrissie. Ela e meu pai se envolveram emocionalmente. Ela ficou grávida, e foi convencida a se casar com um dos
arrendatários de meu pai, também viúvo e sem filhos.
Chrissie e Guy ouviam a história, quase sem piscar.
— Acertaram que a criança seria registrada como filha do fazendeiro, que era um homem de meia-idade e louco por dinheiro. Deve ter ganho uma boa soma. A pobre menina deveria estar apaixonada por meu pai. Tanto que implorou para levar para sua nova casa, uma lembrança dele. Escolheu a mesinha.
— Você tem certeza de que essa história é verdadeira? — Chrissie perguntou, chocada. — Parece tão...
— É a mais pura verdade, Chrissie — confirmou Jon, com sua autoridade de advogado.
— Por que minha mãe nunca me contou?
— Duvido de que ela soubesse. Eu e Ben também não sabíamos. Meu irmão tomou conhecimento da história, pela confissão, na hora da morte de nosso pai. Ele fez Ben jurar que não contaria o segredo para ninguém. Ben somente me disse a verdade, quando ameacei contar para a polícia que havia duas mesas.
— Ainda não posso acreditar, Ruth — confessou Chrissie, chorando. — Você nem pode imaginar como estava aflita para minha mãe voltar e reconhecer o pequeno móvel.
— Posso entender, querida. — Ruth a consolou.
Guy ainda não comentara nada. Levantou-se e começou a andar pela sala.
— Como não pensei nisso antes? Duas mesas originais e "duas" cópias!
— Você não poderia adivinhar. — Ruth consolou. — Afinal, você viu só uma, e não havia nenhuma evidência de que pudesse haver duas.
— Mas eu poderia ter pensado nisso... Chrissie!
— Tudo bem, Guy. Ruth está certa. Ninguém poderia imaginar que houvesse também duas cópias — Chrissie afirmou e segurou a mão de Guy. — Em seu lugar, eu teria pensado o mesmo.
Apaixonados, ambos se entreolharam, com emoções e sentimentos intensos. Ruth desviou o olhar, para preservar a intimidade do momento.
— Você é muito generosa — retrucou Guy, com amor.
Chrissie ficou emocionada com as revelações de Ruth.
— Que história incrível! — Chrissie balançou a cabeça, em sinal de dúvida. — É tudo tão... inesperado.
— Bom — comentou Ruth, bem-humorada. — Isso ajuda a explicar de onde vieram os genes trapaceiros de Charles. Sabe Chrissie, infelizmente na família Crighton há características inerentes aos ancestrais, que se traduzem em traços de um caráter irregular, como egoísmo e falta de responsabilidade moral...
Ruth se levantou, veio até Chrissie e a abraçou.
— Minha querida, bem-vinda à família Crighton. Porém nós entenderemos se não quiser nos reconhecer como parte da família.
— Imagine só! Obrigada, Ruth, pelo que fez por nós! O que minha mãe vai dizer disso tudo?
Ela e Guy se levantaram para sair.
— Acho que você e Guy, diante dos fatos, têm muito o que conversar — afirmou Ruth. Acariciou o rosto de Chrissie e deu-lhe um forte abraço.
Jon também os abraçou, demonstrando muito carinho.
— Ruth é extraordinária! — afirmou Chrissie, quando estavam a sós na casa de Guy.
Guy foi preparar um drinque na cozinha, e ela começou a chorar. Ele veio correndo ver o que tinha acontecido.
— Não é nada! Apenas estou feliz que tudo tenha terminado bem. Tinha tanto medo de que não confiasse em mim! — Ela o abraçou e soluçou em seu ombro.
Guy abaixou a cabeça, para beijá-la. As desculpas dele foram abafadas pelo calor dos lábios de Chrissie contra os seus, aliviando um pouco a dor de seu remorso e de sua culpa.
— A primeira coisa que vamos fazer amanhã cedo, é voar para Amsterdã — Guy assegurou, assim que conseguiu falar. — Não comprarei só um anel de noivado. Quero um anel que seja o símbolo da eternidade de nosso amor.
— Oh, Guy...
— Posso ver seu anel? — Perguntou Bobbie, nora de Ruth.
Chrissie e Guy saiam debaixo de uma chuva de pétalas de rosas, jogadas por alguns dos convidados do casamento. Chrissie estendeu a mão para mostrar o anel.
O anel de noivado, com um diamante em forma de coração, fora escolhido por Guy. Ficara extasiada pelo brilho surpreendente da jóia, montada em uma aliança de diamantes pequenos e duas de ouro. Era um anel triplo, moderno, com desenho exclusivo, mandado fazer num dos joalheiros mais famosos de Amsterdã.
Ela achara muito grande, mas Guy e o joalheiro a convenceram de que era maravilhoso.
— Os três se entrelaçam, como nós três — Guy dissera a Chrissie, quando aprovaram o desenho da jóia.
O vestido de noiva tinha sido confeccionado em Chester, o corte simples realçado pela riqueza do cetim de cor creme, disfarçando o início da gravidez. Chrissie escolhera um vestido de corpo inteiro sem recortes, combinado com uma capa do mesmo cetim e uma pequena cauda.
— Não me importo de casar grávida — Chrissie orgulhosa, dissera à mãe. — Só não acho apropriado um vestido de noiva convencional.
— Você vai ficar linda, minha querida — Rose disse, aprovando o modelo.
— Muito mais que linda — disse Guy.
Chrissie sorriu, chamando-lhe a atenção para a mãe e Laura, que conversavam animadamente.
Laura fizera questão de hospedar os pais de Chrissie, ignorando as reservas de sua mãe quanto à opinião das pessoas sobre o irmão.
— Você é uma pessoa íntegra, independente de quem possam ser seus parentes. Pode ter certeza de que os outros a julgarão pelo que você é — a nova amiga afirmara, convicta.
De fato, a recepção à sua mãe fora das mais calorosas, por parte das antigas amigas de colégio. Chrissie percebeu a influência de Laura, mas nem comentou com a mãe para não lhe estragar o prazer. Do mesmo modo, a família de Guy e os Crighton, lhes haviam recebido com muita simpatia e cordialidade. Apenas Natalie se manteve a distância, mas Chrissie não deu a menor importância ao fato.
Chrissie ficara muito feliz ao ouvir sua mãe dizer a Jenny, que ela e o marido pretendiam se mudar para o sul, depois da aposentadoria.
— Assim ficaremos perto de nossa filha, genro e netos.
— Estou quase achando que você vai preferir ficar por aqui, em vez de irmos para Barbados — Guy caçoou, enquanto observavam a pequena e feliz multidão.
— Quase? — Chrissie gracejou. — Oh, Guy, é tão maravilhoso fazer parte de uma família grande! Saber que nossos filhos crescerão no meio de tantas pessoas que os querem bem. Mas nada é tão extraordinário como ter certeza de que você me ama. E quanto à viagem...
— Barbados. Eu deveria ter reservado uma suíte no hotel Grosvenor, em Chester. — Guy beijou-a. — Sabe quantas horas são de vôo até lá?
— E ainda temos que ficar na recepção, antes de acomodarmo-nos no quarto.
— Espere até eu lhe pegar de verdade — Guy a preveniu, rindo.
— Guy, mudando de assunto, fiquei contente por terem pego os ladrões responsáveis pelo roubo.
— Eu também — ele acrescentou. — Nem imagina como me censuro por ter pensado que você pudesse estar envolvida naquela confusão.
— Esqueça. — Chrissie colocou-lhe os dedos sobre os lábios.
Pensativa, Madeleine Crighton observava o casal rindo e trocando juras de amor. Aquele amor era tão intenso que quase se materializava.
Na gravidez de seus dois filhos, Max a tratara com violência, lembrando sempre que não desejava filhos e na verdade, nem a amava. Ela caminhou até onde se encontravam Jenny, sua sogra e as crianças. Refletia sobre Max e seu casamento. Aliás, que casamento? Uma simples folha de papel, um documento legal. Ela começava a acreditar que Max jamais a amara. Ao lado dele se sentia inútil, indesejável, mal-amada. Até gostava do fato de Max trabalhar na Espanha. Com aquela distância, ela se sentia melhor, mais tranquila.
— Hum... Isto aqui é um paraíso! — Exclamou Guy. Haviam alugado uma vila em Barbados e estavam deitados na cama, com o ventilador girando no teto, para refrescar a noite quente.
— Valeu a pena esperar? — Chrissie perguntou, brincando.
Guy se ergueu sobre um braço, encostou-se nela e passou-lhe o dedo nos lábios. Então abaixou lentamente a cabeça e beijou-lhe o busto nu.
— E como! — Murmurou em tom satisfeito, depois de os desejos terem sido saciados.
Chrissie observou-o levantar-se da cama e andar pelo quarto. O corpo de Guy brilhava na obscuridade. O calor da temperatura local e o suor resultante do amor intenso, deixavam uma fina camada de gotículas por sobre a pele de seus fortes músculos. Ela continuava a desejá-lo.
— Antes, nós nunca tivemos tempo para isso — Guy anunciou ao pegar a champanhe.
A garrafa ainda estava no balde de gelo, e ele quis tomar o líquido espumante em comemoração aos votos que haviam feito um ao outro. Ele abriu a garrafa e serviu.
Chrissie não conseguia desviar o olhar de Guy, de sua postura masculina, levemente arrogante e autoritária. Ele chegou até a cama, trazendo as taças de champanhe. Brindaram, com os braços entrelaçados, entreolhando-se com muito amor e desejo.
A mão de Guy resvalou nela e algumas gotas do líquido espumante caíram sobre o corpo de Chrissie. Ela fez menção de enxugar, e ele segurou-lhe a mão. Abaixou a cabeça e, delicadamente, lambeu as gotas douradas. Aos poucos alcançou os mamilos eretos.
— Hum... — ele murmurou, com prazer.
Guy colocou a taça no chão, tomou-lhe o seio como se fosse uma flor, e roçou-lhe os contornos com a língua quente. Em seguida, sorveu-lhe os botões firmes com volúpia.
Chrissie se contorcia, a excitação pulsando em seu corpo, gemendo a cada carícia mais intensa e exigente.
Ela abriu os olhos, molhou os dedos no champanhe e passou no corpo másculo. Ele a fitou intensamente, enquanto ela abandonava a taça na mesa-de-cabeceira.
Chrissie queria saborear o gosto da pele de Guy, sentir-lhe o desejo se manifestando. Acariciou e beijou cada centímetro do corpo musculoso e dourado. Sentiu um grande deleite em ouvir-lhe os grunhidos de satisfação, quando ela o tocava com os lábios e língua.
Uma alegria sensual, ao mesmo tempo divina, de tanto amor e desejos plenamente satisfeitos.
— Chrissie, meu amor, o que acha de mais três semanas de lua-de-mel?
Eles sorriram e finalmente adormeceram.
Penny Jordan
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