Criar uma Loja Virtual Grátis
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Amor e Pátria / Joaquim Manuel de Macedo
Amor e Pátria / Joaquim Manuel de Macedo

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Amor e Pátria

 

Ato Único

O teatro representa uma sala ornada com luxo e esmero em relação à época. Duas portas ao fundo, uma dando saída para a rua, e outra comunicando com uma sala; portas à direita; janelas à esquerda.

- Cena Primeira -

PLÁCIDO, PRUDÊNCIO, LEONÍDIA e AFONSINA, que observa curiosa uma caixa que está sobre uma cadeira, e a porta da sala do fundo que se acha fechada.

Plácido - Ela já nem pode disfarçar a curiosidade que a atormenta; tem andado em volta da caixa mais de quatro vezes.

Leonídia - Coitadinha! Aquilo é tão natural na sua idade...

Prudêncio - Acrescente-lhe: e no seu sexo... Nunca vi pais tão desfrutáveis!

Plácido - Agora lá vai ela direitinha olhar pelo buraco da fechadura da porta: então que disse eu?...

Leonídia - Faz-me pena vê-la assim martirizando-se.

Plácido - É para que no fim ainda mais agradável e completa lhe seja a surpresa.

Prudêncio - E vocês acham muito bonito o que está fazendo minha sobrinha?...

Plácido - Então que lhe acha, senhor tenente rabugento?...

Prudêncio - Nada: apenas uma comédia em que uma sala trancada e uma caixa fechada fazem lembrar o pomo vedado, e em que Afonsina representa o papel de Eva e minha irmã e meu cunhado o da serpente tentadora ou do diabo, que é a mesma coisa.

Leonídia - Este meu irmão tem lembranças felizes!

Prudêncio - Vocês hão de acabar por perder completamente aquela menina! O senhor meu cunhado com as idéias que trouxe da sua viagem à França e a senhora minha irmã com a sua cegueira de mãe extremosa, deram-lhe uma educação como se a quisessem para doutora de borla e capelo: fizeram-na aprender tudo quanto ela podia ignorar, e a deixaram em jejum a respeito do que devia saber. Assim, minha sobrinha dança melhor do que as bailarinas do teatro de S. João; toca o seu cravo a ponto de admirar ao padre José Maurício: canta e gorjeia que parece um dos italianos da capela real; conversa com os homens como se eles fossem mulheres; é capaz de discutirsobre teologia com Frei Sampaio, e sobre arte militar com o general Corado; mais se lhe perguntarem como se toma ponto a uma das meias, como se prepara um bom jantar, como se governa uma casa, espicha-se completamente: eu até aposto que ela não sabe rezar.

Leonídia - Afonsina é um tesouro de talentos e de virtudes, e você na passa de uma má língua.

Prudêncio - Oh! Pois não! Nem os sete sábios da Grécia lhe dão volta! Ela faz versos como o defunto padre Caldas; fala em política e é tão eloqüente como o Antônio Carlos; é tão revolucionária como o Barata... Não sei por que ainda não quis se deputado às cortes!... Havemos de lá chegar: creio, porém, que já escreve seus artigos para o Reverbero, e que para isso está de inteligência com o Ledo e o padre Januário: até bem pode ser que vocês já a tenham feito pedreira livre, e que a menina fale com o diabo à meia-noite.

Afonsina (Vem à frente) - Minha mãe...

Leonídia - Que tens, Afonsina? Pareces-me triste...

Plácido - É verdade, minha filha: que quer dizer esse ar melancólico no dia dos teus anos, e quando te preparamos uma bela festa?...

Afonsina - É que ...eu...meu pai, eu não posso mais...

Prudêncio - Talis arbor, talis fructus! De um casal sem juízo na podia nascer senão uma doidinha.

Leonídia - Mas que te falta, dize?

Afonsina - Ah! Minha mãe, aquela sala e esta caixa atormentam-me, exasperam-me...

Prudêncio - Andem depressa...andem...satisfaçam a curiosidade da menina, antes que ela arranje algum faniquito.

Plácido - E que tens que ver com aquela sala e com essa caixa?...

Afonsina - É uma curiosidade bem natural: esta caixa, que está fechada, talvez contenha algum objeto interessante, e aquela porta, que e sempre esteve aberta e que hoje amanheceu trancada, encerra necessariamente algum mistério, e portanto...

Prudêncio - Vamos à conseqüência, que há se ser sublime!...

Afonsina - A conseqüência, meu tio?... Ei-la, aí vai:

Deixar de ser curiosa Por certo não está em mim: É pecado feminino, Por força hei de ser assim.

O que em todas se perdoa, Também se desculpe em mim: Mamãe sabe que as mulheres São todas, todas assim.

Mamãe, aquela caixa, Papai, aquela sala, Encerram um segredo Que o meu sossego abala.

Juntamente

Afonsina - Saber desejo O qu'ali'stá; Eu sou teimosa, Sou curiosa Sou caprichosa, Sou ardilosa, Serei vaidosa; Mas não sou má. Plácido e Leonídia - Ninguém lhe diga O qu'ali'stá; Será teimosa E curiosa, E caprichosa, E ardilosa; Será vaidosa: Mas não és má.

Prudêncio - Ninguém lhe diga O qu'ali'stá; Tu és teimosa E curiosa, E caprichosa, E ardilosa, Muito vaidosa, E também má. Não foras tu mulher, minha rica sobrinha!

Afonsina - Meu tio, não é muito que eu tenha um defeito que é comum nas mulheres, quando falta à vossa mercê uma das primeiras virtudes dos homens.

Plácido - Afonsina!

Prudêncio - Deixem falar a retórica; diga lá, minha senhora: qual é então essa virtude que me falta?

Afonsina - É a coragem, meu tio.

Prudêncio - Ora, fico-lhe muito obrigado! Sou um grandíssimo poltrão, porque não entro em revoluções nem em bernardas, e guardo a minha espada de tenente de ordenanças para as grandes crises e os momentos supremos?

Afonsina - Então é bem para recear que a sua espada fique eternamente na bainha.

Prudêncio - Pode fazer o favor de dizer por quê?

Afonsina - É bem simples: é porque vossa mercê nem considera momento supremo aquele em que se trata da regeneração e da independência da pátria.

Prudêncio - E eu creio que era mais próprio da senhora ocupar-se com bilros e agulhas, do que com independências e regenerações políticas: uma mulher metida em negócios do Estado, é capaz de transformar a nação em casa de Orates.

Afonsina - Porém, meu tio, olhe que nem por isso o momento deixa de ser supremo, e é preciso que nos dê provas do seu valor.

Prudêncio - Provavelmente quer que eu deite a correr pelas ruas, dando vivas ao que não entendo e morras a quem nunca me fez mal, e que me exponha a ter a sorte do Tiradentes, como está fazendo o seu querido Luciano, que é um doido de pedras.

Leonídia - Mano Prudêncio, atenda ao que diz!

Plácido - Luciano cumpre o seu dever: a causa que adotou é a de sua pátria, e se morrer por ela será um mártir, um herói; nunca, porém, um louco.

Prudêncio - Pode-se bem servir à pátria sem fazer traquinadas.

Afonsina - É verdade; meu tio tem razão: Luciano é um louco, e ele um homem de muito juízo, de uma bravura e de um patriotismo como nunca vi!

Prudêncio - A senhora parece que quer divertir-se comigo?

Afonsina - Eu quero somente recordar agora alguns fatos. A nove de janeiro deste ano, o senado da câmara foi, em nome do povo, representar ao príncipe contra a sua retirada do Brasil; não houve um só patriota que não corresse ao largo do Paço; meu tio, o momento era supremo e quando se ouviu repetir o glorioso - Fico - do Príncipe, o primeiro que o saudou com um viva entusiástico foi Luciano, e entre aqueles que responderam a esse brado patriótico, ouvi dizer que não se achava meu tio.

Prudêncio - Estava retido em casa com um ataque de maleitas.

Plácido (A Leonídia) - Afonsina esqueceu-se da sala e da caixa.

Leonídia (A Plácido) - Pois se foram ofender o seu Luciano!

Afonsina - Dois dias depois, a onze de janeiro, Avilez e as tropas lusitanas ocuparam o morro do Castelo; a luta parecia dever começar; os brasileiros correram para o campo de Santana e Luciano foi o chefe de uma companhia de voluntários. Meu tio, o momento era outra vez supremo, e ouvi dizer que vossa mercê não apareceu durante três dias.

Prudêncio - Estava de erisipela, senão veriam!

Plácido (A Leonídia) - Olha a cara com que está o mano Prudêncio.

Leonídia (A Plácido) - Bem feito: é para não ser bazófio.

Afonsina - Mas Avilez retirou-se com os seus para a Praia Grande; o perigo não tinha ainda passado, e no campo do Barreto reuniram-se as milícias brasileiras e as falanges dos patriotas: Luciano, à frente dos seus bravos companheiros, lá se achou pronto para o combate e fiel à causa da pátria. Ah! Meu tio, o momento era de novo ou continuava a ser supremo, e eu ouvi dizer que não houve quem pudesse descobrir onde vossa mercê se escondia.

Prudêncio - Achava-me atacado de reumatismo nas pernas.

Afonsina - Ah! É que vossa mercê é um compêndio de todas as moléstias, e eu tenho reparado que sempre adoece a propósito!

Prudêncio - Eu sou o que diz o meu nome: Prudêncio! O homem da prudência; não hei de nunca desonrar a minha espada de tenente de ordenanças em bernardas de pouco mais ou menos; chegue, porém, o dia de uma grande e verdadeira batalha, em que haja cargas de cavalaria, descargas de infantaria, trovoada de artilharia, e verão como brilho no meu elemento!

Afonsina - Com vossa mercê na batalha há de haver por força uma carnagem horrorosa!

Plácido, Leonídia e Afonsina, juntamente.

Se os tambores rufassem deveras, À peleja os guerreiros chamando, O tenente Prudêncio, chorando, Fugiria medroso e poltrão.

Prudêncio - Não!não! não!

Se os tambores rufassem deveras, À peleja os guerreiros chamando, Meu ginete veloz cavalgando, Eu voara com a espada na mão.

Façam de conta Que negra afronta Sem mais tardar Corro a vingar. A uns degolo, Outros esfolo, Outros imolo, Sem trepidar. Zás! Cutilada! Zás! Estocada! Zás! Pistolada! Sem descansar: E derribando, E cutilando, E decepando Sem respirar, Só me detenho No fero empenho, Quando não tenho Mais quem matar.

(Ouve-se o rufar de tambores) (Assusta-se) Misericórdia! Que é isto?

Plácido, Leonídia e Afonsina - Avante! Avante! Prossiga! Chama o tambor os guerreiros!

Prudêncio - Estou com dor de barriga.

Leonídia - Que tremor é esse, mano Prudêncio? dir-se-ia que tem medo!

Prudêncio - Não é medo, não; mas vocês sabem que eu sou muito nervoso, e assim...um rufar de repente...

Afonsina (Que tem ido à janela) - Sossegue, meu tio: é apenas a guarda do paço que se vai render.

Prudêncio - E quem foi que se assustou aqui?

O rufo dos tambores Exalta o meu valor Com a durindana em punho, Nas asas do furor, Eu levo aos inimigos A morte e o terror.

Plácido, Leonídia e Afonsina, juntamente

O rufo dos tambores Abate o seu valor; Não sabe mais da espada, Tem medo e não furor, E em dores de barriga Disfarça o seu terror.

Afonsina - Realmente, meu tio, vossa mercê vale os doze Pares de França juntos!

Prudêncio - Eu sou assim; sou o homem das grandes ocasiões!

- Cena II -

Os precedentes e Luciano

Luciano - Mas o pior é, tio Prudêncio, que as suas grandes ocasiões não chegam nunca.

Prudêncio - Ora, eis aí o senhor espalha-brasas conosco! Faça coro ali com a senhora, e venha também divertir-se comigo.

Luciano - Nada de amofinar-se; o dia de hoje é de festa, e portanto não se enfade.

Plácido - Entretanto, vejo-te de chapéu na mão, e disposto a roubar a Afonsina algumas horas de um dia, que deveria ser todo consagrado a ela.

Luciano - Meu pai, eu conto com o perdão de Afonsina e com o seu, asseverando que somente motivos da mais grave importância me obrigam a sair por uma hora.

Prudêncio - Oh! Pois não! O senhor anda sempre ocupado com assuntos da mais elevada transcendência; não há bernarda em que não entre, nem revolucionário a quem não conheça; agora então vive sempre pelas grimpas; freqüenta a casa do advogado Rocha, já é maçom, e ainda ontem foi duas vezes à casa do ministro José Bonifácio.

Plácido - Muito bem, Luciano! Muito bem! Estas amizades fazem a tua glória: vai, meu filho, e continua a proceder como até aqui. (Tocam cornetas)

Prudêncio - Pior vai ela! Que diabo de tempo em que a cada instante se ouvem os ecos das cornetas e o rufar dos tambores!

Luciano - Creio que hoje deve ter lugar algum acontecimento importante; o nosso magnânimo Príncipe está a chegar de S. Paulo; mas...tio Prudêncio, por que não vai saber que novidades há?

Prudêncio - Pensa que tenho medo? ... pois vou imediatamente. (À parte) Hei de pôr a cabeça na rua; mas, pelo sim, pelo não, deixarei o corpo no corredor. (Vai-se)

Luciano - Meu pai, procurei um meio de afastar o tio Prudêncio, porque antes de sair preciso dizer-lhe duas palavras em particular.

Leonídia - Visto isso, também devemos retirar-nos?

Luciano - Por um instante só, minha mãe.

Leonídia ( A Plácido) - Acho Luciano hoje mais sério do que costuma mostrar-se.

Luciano (A Afonsina) - Afonsina, eu voltarei nas asas do amor.

Afonsina (A Luciano) - Nunca sem tardar muito para a minha saudade.

Leonídia - Vem, Afonsina. (Vai-se)

Afonsina (À parte) - E ainda não sei o que contém a caixa nem a sala. (Vai-se)

- Cena III -

Plácido e Luciano

Plácido - Estamos sós, Luciano, e eu confesso que estou ansioso por saber que espécie de confidência me queres fazer.

Luciano - Meu pai, é força que eu lhe dirija uma pergunta, que aliás considero desnecessária. Oh! Por Deus o juro: não duvido, nem duvidei jamais da única resposta que vossa mercê vai dar-me; mas... julgou-se...é essencial que eu a ouça da sua boca.

Plácido - Excitas a minha curiosidade e começas a desassossegar-me: Fala.

Luciano - Algum dia... vossa mercê se pronunciou contra o Príncipe e contra a causa do Brasil?...Mandou alguma vez socorros ou comunicações a Avilez quando ele esteve na Praia Grande, ou o aconselhou a resistir às ordens do Príncipe?

Plácido - Luciano! És tu que me devias fazer uma tal pergunta?

Luciano - Não...não...eu bem o sei, eu o conheço, meu pai sinto que o ofendo: mas acreite que era indispensável que eu lhe fizesse esta pergunta, como é indispensável que eu ouça um - não - pronunciado pela sua boca.

Plácido - É possível!

Luciano - Oh! Responda-me por compaixão!

Plácido - Pois bem: pela minha honra, pela honra de minha mulher, pela pureza de minha filha, eu te afirmo que não.

Luciano - Obrigado, meu pai! Mil vezes obrigado! Nestas épocas violentas, nestes dias de crise, há às vezes quem duvide da consciência mais pura e da probidade mais ilibada; oh! mas a pátria de seus filhos é também a sua pátria e...oh meu Deus! Que imensa felicidade me inunda o coração! (Abraça Plácido)

Plácido - Sim! Eu amo o Brasil, como o mais patriota dos seus filhos!

Luciano - Tocamos a hora suprema, meu pai! O Príncipe chegará de São Paulo talvez hoje mesmo; a última carta vai ser jogada, e o Brasil será contado entre as nações do mundo. Oh! sinto abrasar-me a chama do patriotismo! O Grito de liberdade e da independência soa já em meus ouvidos e em meu coração! Meu pai, um dia de glória vai brilhar para a minha pátria, e se combate houver, e se nele sucumbir teu filho, não o lamentes, porque morrerei a morte dos bravos, defendendo a mais santa das causas e mais bela das pátrias!

Plácido - Sim! Avante! Avante! avante!(Abraçam-se; soam trombetas) Soam de novo as trombetas...Que será?

Luciano - A trombeta belicosa Chama os bravos à peleja! Infame, maldito seja Quem recusa combater.

Da liberdade da pátria A causa é sagrada e bela; É honra vencer com ela, Honra por ela morrer.

Quebrar da pátria o jugo É dos heróis a glória: Às armas, brasileiros; A morte ou a vitória!

- Cena IV -

Plácido (Só) - Como é sublime o grito do patriotismo! Mas esta pergunta que Luciano acaba de fazer-me envolve talvez algum sinistro mistério!...embora! tenho a minha consciência tranqüila; para longe as idéias tristes: o aniversário natalício da minha Afonsina seja todo de alegria e de ventura...e é já tempo de revelar o segredo da caixa e da sala: Leonídia! Afonsina! Então que é isso?...querem ficar lá dentro dia inteiro?

- Cena V -

Plácido, Leonídia e Afonsina

Leonídia - Plácido, Afonsina ainda não me deixou sossegar um instante, e quer por força que eu lhe revele o nosso segredo.

Plácido - Tens então muita vontade de saber o que encerra esta caixa e que se acha naquela sala?

Afonsina - Oh! muita, meu pai... e também para martírio já é bastante.

Plácido - Pois bem: eis aqui a chave da sala; abre a porta e olha. (Dá a chave, Afonsina vai ver) Que vês?...

Afonsina - Um altar!...para que se armou aqui um altar?

Plácido (O mesmo) - Abre agora acaixa; aqui tens a chave.

Afonsina - Ah!

Leonídia - Que encontraste na caixa, Afonsina!...

Afonsina - Um vestido...um véu...e uma coroa de noiva...

Leonídia - E não sabes a quem devem pertencer?...

Afonsina - Minha mãe ...eu não sei...

Plácido - Afonsina, minha Afonsina: não te lembras que ao receber cheio de júbilo o pedido de tua mão, que nos fez Luciano, eu exigi que o dia do casamento fosse marcado por mim?...Pois esse dia feliz é hoje, hoje, que também é o dia dos teus anos e que será o mais belo da minha vida!

Afonsina - Meu pai!...minha mãe!...

Leonídia - Estás contente, Afonsina?...Oh! mas atua alegria não excede a que enche o coração de tua mãe!...

Prudêncio (Dentro) - Então já está descoberto o segredo?... Pode-se cumprimentar a noiva com todos os ff e rr do estilo?

Plácido - Sim ...sim...Afonsina já abriu a caixa e a sala.

Prudêncio - em tal caso, avanço com o meu batalhão...avante, camaradas!

- Cena VI -

Os precedentes, Prudêncio, cavalheiros e senhoras Coro - Salve o ditoso Dia propício De natalício E de himeneu

Salve, mil vezes, Noiva adorada, Abençoada Por Deus no céu

(Plácido cumprimenta; as senhoras cercam Afonsina, etc)

Plácido - Obrigado, meus senhores, obrigado!

Prudêncio - Muito bem! Excelentemente; e agora queira Deus que o encanto do casamento, que põe a cabeça à roda a todas as moças, queira pelo contrário dar à minha sobrinha a única coisa que lhe falta, isto é, o juízo no seu lugar.

Leonídia - Mano Prudêncio, você esquece o respeito que deve à princesa da festa.

Prudêncio - Pois se eu tenho a cabeça completamente aturdida com os tambores que rufam lá fora, e com os parabéns e alegrias que fervem cá dentro!não sei como hei de haver! Na praça a guerra, que é o meu elemento, e em casa um casamento que e faz encher a boca d'água. Olhe: até me havia esquecido de lhe entregar uma carta, que há pouco veio trazer um criado da nossa prima, a mulher do intendente da polícia. Leonídia - Uma carta do intendente?...Que novidade haverá?

Plácido - Aposto que adivinhou o casamento de Afonsina...

Leonídia (Lendo) - Meu Deus!...

Plácido - Leonídia muda de cor e treme!...Que será?

Prudêncio - A cartinha, pelo jeito, parece mais um convite de enterro, do que carta de parabéns: quem sabe se não é notícia de alguma bernarda?...Ora, que não se pode ter sossego neste tempo de revoluções!...tomara que eu levasse o diabo a todo o patriota que não é como eu amigo do cômodo.

Plácido - Recebeste, por certo, uma notícia desagradável...

Afonsina - Minha mãe, que há?

Leonídia - Que há de ser?...Minha prima se mostra ressentida, porque não a prevenimos do teu casamento; queixa-se de mim, e declara-se enfadada; mas vou já obriga-la a fazer as pazes comigo; voltarei dentro em pouco; no entanto, minhas senhoras...

Prudêncio - As honras da casa ficam por minha conta: minhas senhoras, aquela porta dá caminho para o jardim; aquela, meus senhores, abre-se para uma sala de jogo: às senhoras as flores, aos homens as cartas! Vamos... (Repetem o canto e vão-se)

- Cena VII -

Plácido e Leonídia

Plácido - Houve há pouco uma pessoa, a quem não conseguiste enganar, Leonidia.

Leonídia - Nem tive esse pensamento, meu amigo; lê esta carta; mas lembra-te de que hoje é o dia do casamento de nossa filha: tem coragem e prudência.

Plácido (Lendo) - "Cumpro um dever de amizade e prevenindo-te de que teu marido foi denunciado como inimigo do Príncipe e da causa do Brasil; o governo toma medidas a esse respeito; o denunciante, cujo nome não te posso confiar, é um moço ingrato e perverso, que deve tudo a teu marido, que o acolheu em seu seio e tem sido o seu constante protetor. Vês bem que este aviso, que te dou, pode, se chegar ao conhecimento do governo, comprometer ao intendente. Fala-se na deportação do senhor Plácido; mas há quem trabalhe em seu favor. Adeus." Infâmia!

Leonídia - Silêncio...

Plácido - Mas é uma horrível calúnia que me levanta!

Leonídia - Sê prudente, meu amigo; convém que não transpire este segredo; eu vou imediatamente falar à minha prima, e conto desfazer toda esta intriga. Deus há de ser por nós..Promete-me ficar sossegado...

Plácido - Sim...sim...vai...e sobretudo, e antes de tudo, traze-me o nome do infame caluniador.

Leonídia - Hei de trazer-te a alegria, mas não me lembrarei da vingança. (Vai-se)

- Cena VIII -

Plácido e logo Velasco

Plácido - Que abominável trama! Quem será o infame denunciante? (Lendo) "...Um ingrato que me deve tudo" Meu deus! Diz-me a consciência que tenho estendido a mão e socorrido a muitos infelizes... Qual seria então dentre esses o que assim me calunia, e me faz passar pó inimigo de um Príncipe heróico e do país abençoado, que me deu felicidade e riqueza! Por inimigo da causa do Brasil, do Brasil, que é a pátria querida de minha mulher e de minha filha!... e é, em tal circunstância, que nem Luciano me aparece? Oh! nem tenho um amigo a meu lado!

Velasco - É porque não quer voltar os olhos, senhor Plácido.

Plácido - Velasco...senhor Velasco...

Velasco - Velasco, dizia bem; pode tratar-me como um filho, pois que tem sido meu pai.

Plácido - Obrigado.

Velasco - Chamava um amigo seguro: eis-me aqui.

Plácido - Mas...

Velasco - Senhor, não procuro arrebatar-lhe um segredo; sei que um negro pesar atormenta o seu coração, e que um desejo ardente se agita no seu espírito.

Plácido - Como?...que quer dizer?

Velasco - O pesar nasceu de uma denúncia caluniosa e malvada: o desejo é de saber o nome do miserável denunciante.

Plácido - É isso, é isso mesmo: quero saber esse nome...diga e ...

Velasco - Vou dizê-lo, senhor; antes, porém, é força que eu traga à sua memória os benefícios que lhe devo.

Plácido - Perderá assim um tempo muito precioso: diga-me o nome do meu denunciante.

Velasco - Ouça primeiro, senhor: cheguei, há três anos, da ilha do Faial, minha pátria, e desembarcando nas parias do Rio de Janeiro, achei-me só, sem pão, sem protetor, sem amparo; mas o senhor Plácido condoeu-se de mim, recebeu-me em sua casa, fez-me seu caixeiro, deu-me a sua mesa, deu-me o teto que me abrigou, e enfim abriu-me o caminho da fortuna: já estabelecido há um ano, chegarei um dia a ser talvez um rico negociante, graças unicamente ao seu patrocínio. A meus pais devi acidentalmente a vida; ao senhor Plácido devo tudo, tudo absolutamente, e portanto, é vossa mercê para mim ainda mais do que são meus pais.

Plácido - Senhor, antes dos pais, Deus, e a pátria somente; mas a que vem essa história?...

Velasco - Repeti-a para perguntar-lhe agora se um homem que lhe deve tanto poderia procurar enganá-lo?

Plácido - Senhor Velasco, nunca duvidei da sua honra, nem da sua palavra.

Velasco - E se eu, pronunciando agora o nome do seu denunciante, quebrar uma das fibras mais delicadas do seu coração? Se...

Plácido - Embora...eu devo, eu quero saber esse nome...

Velasco - Pois bem: o seu denunciante...foi...

Plácido - Acabe...

Velasco - O senhor Luciano.

Plácido - Mente!

Velasco - Senhor Plácido!...

Plácido - Perdoe-me...fui precipitado; mas Luciano...não...não é possível!

Velasco - E no entanto foi ele!

Plácido - Está enganado: Luciano é a honra...

Velasco - Tenho um patrício empregado na polícia, e dele recebi esta confidência: vi a denúncia escrita pela letra do senhor Luciano.

Plácido - Meu Deus! É incrível! (Reflete) Não... Luciano não pode ser; o noivo de minha filha...o meu filho adotivo...o meu...não, não: é falso.

Velasco - Cumpri o meu dever; o mais não pe da minha conta; rogo-lhe somente que não comprometa o meu amigo, que perderia o seu emprego se se descobrisse que...

Plácido - Pode sossegar...não o comprometerei; mas Luciano!... com que fim cometeria ele uma ação tão indigna?

Velasco - Senhor Plácido, a sua pergunta não é difícil de ser satisfeita: o senhor Luciano há dois dias que não deixa a casa do ministro José Bonifácio: uma deportação pronta e imediata precipitaria o casamento desde tanto por ele suspirado, e ao mesmo tempo deixaria em suas mãos a riqueza imensa do deportado, ficando o segredo da traição oculto nas sombras da polícia.

Plácido - Quem poderia acreditá-lo!... Mas... realmente todas as presunções o condenam: há pouco ele tremeu e confundiu-se, ouvindo Prudêncio dizer que o tinha visto ontem entrar duas vezes na casa do ministro: a carta da mulher do intendente diz que o denunciante é um ingrato, que tudo me deve, que eu acolhi em meu seio, é de quem tenho sido o constante protetor... Oh! miséria da humanidade!...oh! infâmia sem igual! Foi ele! O caluniador, o infame; o denunciante foi Luciano!

Velasco - Ainda bem que a verdade brilha a seus olhos; mas... não se exaspere: a inocência triunfará e o crime deve ser condenado ao desprezo.

Plácido - Ao desprezo? Não: o seu castigo há de ser exemplar: juro, que um ingrato não será o esposo de minha filha; o demônio não se há de unir a um anjo de virtudes: oh! o céu me inspira ao mesmo tempo o castigo do crime e o prêmio do mérito. Senhor Velasco, há dois meses pediu-me o senhor a mão de minha fiha, e eu lha recusei, dizendo que Afonsina estava prometida em casamento a Luciano; pois bem, o motivo da recusa desapareceu: minha filha será sua esposa.

Velasco - Senhor...

Plácido - Recusa a mão de minha filha?...

Velasco - Oh! não, mas a senhora Dona Afonsina ama ao senhor Luciano.

Plácido - Aborrecê-lo-á dentro em pouco: minha filha ama somente a virtude, e um ingrato há de inspira-lhe horror.

Velasco - Mas eu nem mesmo assim serei amado: e em tal caso...

Plácido - Respondo pelo coração de Afonsina; não pretendo coagi-lo...

Velasco - Senhor, é a felicidade que me está oferecendo; abre-me as portas do céu: e pensa que eu hesitarei em beijar-lhe a mão, recebendo de sua boca o nome de filho?

Plácido - Ainda bem! Oh! Luciano! Luciano! Mal sabes o que te espera!...Senhor Velasco, vá reunir-se aos nossos amigos, e...silêncio. (Vai para dentro).

Velasco - Acabo de lançar-me em um caminho perigoso; embora: quem não arrisca, não ganha. Se eu perder no jogo, terei pelo menos feito beber fel e vinagre a esse revolucionário que detesto, a esta família estúpida que não me aprecia bastante, e ao senhor Plácido, que, sendo meu patrício, me havia posto de lado para casar a filha e dar a sua riqueza a um brasileiro!... Ânimo! O dia é para mim de jogo forte. Vou jogar. (Entra).

- Cena IX -

Afonsina e logo Luciano

Afonsina - Como sou feliz! O horizonte da minha vida é um quadro de flores: amo, sou amada; meus pais abençoam o meu amor e meus votos; meus juramento de envolta com os de Luciano vão ser levados ao céu nas asas dos anjos!Oh! Meu Deus! Meu Deus! O coração é muito pequeno para tão grande felicidade.

Luciano - Afonsina! Minha Afonsina!

Afonsina - Luciano...já sabes...

Luciano - Encontrei na casa do intendente nossa mãe, que tudo me disso, e vejo a coroa e o véu de noiva em tua cabeça patenteando a minha glória: oh! de joelhos! de joelhos! Agradeçamos a Deus tanta ventura!

Afonsina - Sim... sim... é impossível mais felicidade do que a nossa.

Luciano - E ainda é maior do que pensas; errarei muito se não é verdade que saudaremos hoje a um só tempo o triunfo sincero do amor e o triunfo heróico da pátria: Afonsina, os cantos de amor vão misturar-se com os hinos da liberdade...

Afonsina - Como?

Luciano - Creio que um acontecimento grandioso teve lugar. O ministro José Bonifácio acaba de receber despachos e notícias do Príncipe; oh! o meu coração transborda de entusiasmo, e eu espero saudar hoje a pátria da minha Afonsina, como nação livre e independente.

Afonsina - Oh! praza ao céu que a glória da pátria venha refletir seus raios brilhantes sobre a pira do nosso himeneu.

Luciano - E a pátria será tua única rival; a amada única que terei além de ti!

Afonsina - Mas a essa minha rival eu amo, eu adoro também! Nem eu te quisera para meu esposo se não a amasses tanto! A essa minha rival...Oh! meu Luciano, amo-a! adoro-a tanto, como a mim! Ainda mais do que a mim!...

Luciano - Afonsina!

Afonsina - (Correndo a abraçar-se) - Luciano!

- Cena X -

Os precedentes, e Plácido aparecendo.

Plácido - Separai-vos!...

Afonsina - Meu pai!...

Luciano - Senhor!...

Plácido - Separai-vos, disse: Afonsina, o teu casamento só mais tarde terá lugar, e outro será teu esposo, porque este senhor é...um...infame...

Luciano - Infame! Infame!...oh! meu Deus! Eu mataria outro qualquer homem que ousasse dizê-lo!

Afonsina - Luciano!... é meu pai!

Luciano - Estás vendo que o não esqueci.

Plácido - Nada mais há de comum entre nós: o senhor sabe que praticou uma infâmia,e tanto basta. Seja feliz...suba...conquiste posição...honras...fortuna; pressinto que terá um futuro imenso... é hábil...conseguirá tudo, menos ser esposo de minha filha.

Afonsina - Meu pai, caluniaram a Luciano.

Plácido - Não; foi ele que se desonrou.

Afonsina - É calúnia, meu pai!

Luciano - Obrigado, Afonsina; juro-te pela nossa pátria, que me faze justiça. (A Plácido) Senhor, ninguém no mundo, e nem vossa mercê, é mais honrado do que eu.

Plácido - Acabemos com isto (Falando para dentro). Venham todos, entrem, senhores!

Afonsina - Oh! meu Deus!...Luciano...

Luciano - Sossega.

- Cena XI -

Os precedentes, Prudêncio, Velasco, Senhoras, Cavalheiros.

Prudêncio - São horas do casamento?...

Plácido - Justiça seja feita!

Prudêncio - Justiça! Tenho muito medo desta senhora, porque padece da vista, e às vezes dá pancada de cego.

Plácido - Senhores, tenho de cumprir um ato de solene justiça; ouçam-me.

Afonsina - Eu tremo!...

Plácido - Sejam todos testemunhas do que vou dizer, e do que se vai passar. Senhores, acabo de romper o casamento que devia celebrar-se hoje. O senhor Luciano é indigno da mão de minha filha.

Prudêncio - Então como diabo foi isso?

Plácido - Esse mancebo, a quem sempre servi de pai desvelado, atraiçoou-me, feriu-me com a mais perversa calúnia. Esperando, sem dúvida, ficar de posse dos meus bens e riqueza, denunciou-me ao governo como inimigo do Príncipe e da causa do Brasil, e pediu a minha imediata deportação.

Afonsina - Luciano? é impossível, meu pai!...

Prudêncio - Já não há impossíveis no mundo, minha senhora: e ia esta pombinha sem fel cair nas garras daquele revolucionário!

Velasco - (Á parte) - Chegamos ao fim do jogo: tenho esperanças de ganha-lo; mas confesso que estou com receio da última cartada.

Plácido - A perfídia do ingrato foi a tempo descoberta: espero em Deus não ser deportado; e ainda bem que posso salvar minha filha!

Prudêncio - Apoiado! Nada de contemplações...

Plácido - E agora, senhores, revelarei a todos um segredo de família, que eu hoje tinha de confiar somente ao senhor Luciano. Sabem os meus amigos que eu tive um irmão querido, meu sócio nos prazeres e nas aflições da vida, e também meu sócio no comércio; a morte roubou-me esse irmão, cuja fortuna herdei, como seu único parente. Pois bem, esse irmão muito amado, ferido de súbito pelo mal que o devia levar em poucos instantes à sepultura, reconhecendo o seu estado, e vendo que se aproximava do transe derradeiro, chamou-me para junto de seu leito e disse-me: "Plácido, sabes que tenho um filho, penhor de um amor infeliz e ilegítimo; ignorem todos este segredo, e tu recolhe meu filho, educa-o, zela a fortuna que deixo e que deve pertencer-lhe; e se ele se mostrar digno de nós, se for um homem honrado , entrega-lhe a sua herança." Concluindo estas palavras, meu irmão expirou. Senhores, o filho de meu irmão é o senhor Luciano!

Luciano - Grande Deus!...

Afonsina - É me primo!

Prudêncio - Esta é de deixar um homem de boca aberta um dia inteiro!

Velasco - (À parte) - Complica-se o enredo...e...palavra de honra, creio que isto acaba mal.

Plácido - Senhor Luciano, creio que cumpri à risca o meu dever; zelei os seus bens,a sua fortuna, amei-o e eduquei-o como...um filho. Hoje que sou vítima de sua ingratidão, podia guardar para mim a herança que lhe pertence, pois que nenhum documento lha assegura, e todos ignoravam o que acabo de referir: quero, porém, dar-lhe um último e inútil exemplo de probidade. (Dando papéis) Eis aqui as minhas contas: pode mandar receber a sua herança; o senhor possui quinhentos mil cruzados.

Prudêncio - Este meu cunhado é doido!

Afonsina - Como procederá agora Luciano?...

Plácido - eis as minhas contas, repito; examine-as e dê-me as suas ordens. Uma última palavra: compreenda que faço um sacrifício falando-lhe ainda, e que estou ansioso por concluir depressa. Senhor, sei que se ufana do nome de patriota; é um belo nome, sem dúvida, e que exprime uma idéia grandiosa; mas não basta ser valente para ser patriota, como ser bravo nãoé ser honrado. O patriota é aquele que além de estar pronto a dar a vida pela causa do seu país, sabe também honrá-lo com a prática de virtudes, e com o exemplo da honestidade; o patriota prova que o é no campo de batalha, nos comícios públicos, no serviço regular do estado e nos seio da família; em uma palavra, quem não é homem probo, não pode ser patriota. Eis o que pretendia dizer-lhe; agora separemo-nos para sempre: aqui tem as minhas contas, e dê-me as suas ordens. (Luciano fica imóvel)

Afonsina - Oh! ele não aceita!

Plácido - Receba-as, senhor, e deixei-nos em paz. (Luciano recebe os papéis).

Afonsina - E aceitou...meu Deus!

Velasco (À parte) - Quinhentos mil cruzados de menos no bolo!

Luciano - Vou retirar-me; antes, porém, de o fazer, também direi uma única...e derradeira palavra. Fui condenado sem ser ouvido: transformou-se contra mim a calúnia em verdade, e puniram-me com o insulto e com a humilhação. Curvo-me diante do único homem que o podia fazer impunemente. Senhor, fácil me fora desfazer em um instante todo esse indigno enredo em que me envolveram, mas o meu orgulho me cerra os lábios, e não descerei a desculpar-me; ao insulto seguirá em breve o arrependimento; no entanto...vou retirar-me; esta riqueza, porém, que vossa mercê me atirou ao rosto em um tal momento...essa riqueza...oh! senhor, um patriota também prova que o é, levantando-se diante do opróbrio... Oh! vossa mercê definiu perfeitamente o patriota e o homem honrado: deu-me, porém, a definição e não me apresentou o exemplo; pois o exemplo quero eu dar-lho: Ei-lo aqui! (Rasga os papéis)

Afonsina - É o meu Luciano! Eu o reconheço!...

Plácido - Senhor! Despreza a herança de seu pai?...

Luciano - Não desprezo a herança de meu pai; revolto-me contra a afronta de meu tio. Riquezas! Eu as terei; a terra abençoada por Deus, o Brasil, minha bela e portentosa pátria, abre ao homem que trabalha um seio imenso repleto de tesouros inesgotáveis; colherei, pois, esses tesouros por minhas mãos, enriquecerei com o meu trabalho, e ninguém, ninguém jamais terá o direito de humilhar-me!

Prudêncio - É outro doido! Creio que a loucura é moléstia hereditária nesta família.

Luciano - Vossa mercê não será deportado, eu o juro; descanse; mas o seu denunciante, esse...esse miserável que se esconde nas trevas, esse...hei de conhecê-lo e curvá-lo de joelhos a meus pés, e ...adeus, senhor...Afonsina!...

Afonsina - Luciano!

Leonídia (Dentro) - Parabéns! Parabéns!

Plácido - Leonídia...

Velasco (Á parte) - Pior está essa!...

- Cena XII -

Os precedentes, e Leonídia

Leonídia - Plácido!...(Abraça-o) Cheguei tarde, meu amigo, tudo já estava feito: Luciano tinha assinado uma fiança por ti e suspendido a tua deportação...

Plácido - Luciano?! perdão, meu filho! Perdoa a teu pai!

Luciano - Meu pai! O meu coração nunca o acusou...

Velasco (À parte) - Chegou o momento de por-me longe daqui...vou sair sorrateiramente...

Leonídia - Pois duvidaste de Luciano? dele, que há dois dias só se ocupa de salvar-te?

Plácido - Senhor Velasco!... (Voltando-se) Devo-lhe o ter feito a meu filho uma grande injustiça; venha defender-me...(Trá-lo pelo braço)

Velasco - Segue-se que fui enganado também...palavra de honra...palavra de honra...

Plácido - Não jure pela honra...não a tem para jurar por ela...

Prudêncio - Mas que alma de Judas foi então o denunciante?

Leonídia - Negam-me o seu nome; mas eis aqui uma carta para Luciano.

Luciano (Depois de ler) - O denunciante...Ei-lo! (Mostrando Velasco).

Plácido - Miserável!... (Luciano o suspende).

Prudêncio - Pois vocês caíram em acreditar naquele ilhéu?...

Luciano - Sirva-lhe de castigo a sua vergonha: os bons vingam-se de sobra do homem indigno, quando o expulsam da sua companhia...o denunciante é baixo e vil, e o denunciante falsário um abjeto, a quem não se dirige a palavra, nem se concede a honra de um olhar. (Sem olhá-lo, aponta para a porta, e Velasco sai confuso e envergonhado) Afonsina!

Plácido - É tua, meu filho...o altar vos espera...não nos demoremos...vamos.

Leonídia - Vai, minha filha, vai e sê feliz! (Abre-se a porta da sala do fundo; os noivos e a companhia vão para o altar: Leonídia só fica na cena, ajoelha-se e ora).

Coro - Nas asas brancas o anjo da virtude Os puros votos leve deste amor, E aos pés de Deus depositando-os, volte E aos noivos traga a bênção do Senhor.

Afonsina e Luciano - Minha mãe!...

Leonídia (Abraçando-os) - Meus filhos!...

Prudêncio - Agora ao banquete! Ao banquete! Estou no meu elemento!...(Ouve-se música e gritos de alegria) Misericórdia!...parece toque de rebate...

Luciano - Oh! é a feliz nova que rebenta, sem dúvida! Meu pai! Minha mãe! Afonsina! É a Independência...eu corro...(Vai-se)

Plácido - Os sinais não são de rebate, são de alegria...

Leonídia - E Luciano...se ele se foi expor...

Afonsina - Não, minha mãe; meu esposo foi cumprir o seu dever.

Prudêncio - Esta minha sobrinha nasceu para general.

- Cena XIII -

Os precedentes, e Luciano ornado de flores

Luciano - Salve!salve! o Príncipe imortal, o paladim da liberdade chegou de S. Paulo, onde a 7 deste mês, nas margens do Ipiranga, soltou o grito "Independência ou Morte" grito heróico, que será doravante a divisa de todos os Brasileiros...ouvi!ouvi! (Aclamação dentro Sim! - Independência ou Morte!"

Prudêncio - Por minha vida! Este grito tem assim alguma coisa que parece fogo...faz ferver o sangue nas veias, e é capaz de fazer de um medroso um herói...O diabo leve o medo!...quando se escuta um destes gritos elétricos, não há, não pode haver Brasileiro, de cujo coração e de cujos lábios não rompa esse mote sagrado... "Independência ou Morte!"

Vozes (Dentro) - Viva a Independência do Brasil!... Viva! Viva!

- Cena XIV -

Os precedentes e multidão - Homens ornados de flores e folhas; um traz a bandeira nacional. Entusiasmo e alegria. Vivas à Independência.

Luciano - (Tomando a Bandeira) - Eis o estandarte nacional; Viva a nação brasileira!...

Afonsina - Dá-me essa nobre e generosa bandeira. (Toma-a) Meu pai: eis o estandarte da pátria de teus filhos! Abraça-te com ele, e adota por tua pátria a nação brasileira, que vai engrandecer-se aos olhos do mundo!...

Plácido - Terra de amor, terra de liberdade, terra de futuro e de glória! Brasil querido! Aceita em mim um filho dedicado!...

(Aclamações, vivas e o Hino da Independência)

(FIM DO PRIMEIRO E ÚNICO ATO)

 

                                                                                            Joaquim Manuel de Macedo

 

Carlos Cunha        Arte & Produção Visual

 

 

Planeta Criança                                                             Literatura Licenciosa