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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AMOR EM DOSE DUPLA / R. L. Stine
AMOR EM DOSE DUPLA / R. L. Stine

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

AMOR EM DOSE DUPLA

 

Bobby Newkirk segurou a porta do armário com a mão, impedindo Ronnie Mitchell de sair.

- Me solta Bobby! - gritou ela, em tom de protesto.

   Ele deu uma risada, esboçando um sorriso malévolo, que treinava em casa diante do espelho e que fazia com que as garotas se derretessem para ele. - Te prendi numa armadilha.

- Me solta! - ela tentava se livrar. Mas Ronnie Mitchell era uma garota pequena, delgada e não muito alta. Não tinha força o bastante para enfrentá-lo.

   Enquanto sorria, ele inclinou-se e a beijou. Ele sabia que ela o corresponderia.

   Depois ela o afastou, empurrando-o com as mãos sobre a sua camiseta marrom e branca da escola Shadyside.

   Bobby deu uma gargalhada e um passo atrás, permitindo que ela se soltasse.

- Você é terrível - ela censurou em tom de brincadeira, com os cachos ruivos desarrumados sobre a testa.

- E você adorou - replicou Bobby.

Ela ajeitou o botão da sua camisa verde.

   - Ontem à noite foi bom - murmurou ela timidamente, baixando os olhos. As suas bochechas sardentas enrubesceram.

   - É claro - Bobby disse, apreciando sobre os ombros de Ronnie a sua própria imagem no espelho do armário. -Você não é nada má, baby.

   - Não me chame de baby - Ronnie pediu. - Eu detesto. É ridículo.

- Está bem, baby. - Ele se inclinou novamente para beijá-la, mas ela conseguiu se esgueirar.

- As pessoas estão olhando - Ronnie sussurrou.

     - E daí? Bobby sacudiu os ombros largos. - Deixe que fiquem enciumados. - Ele observava satisfeito a sua imagem no espelho do armário de Ronnie, ajeitando os cabelos louros e lisos. - Tenho que correr.

Ronnie colocou a mochila nos ombros.

- Aonde você vai?

     - A alguns lugares - Bobby riu para ela, puxando um fiapo do ombro da camiseta de Ronnie e pregando em seu nariz sardento.

Ronnie soprou-o para longe.

     - Eu vou para o ensaio de líderes da torcida - ela disse, dando um rápido olhar para o relógio da parede. Três e vinte. - Você quer me encontrar depois?

Bobby balançou a cabeça negativamente.

     - Anh-Anh - disse. E deu as costas em direção ao pátio. - Eu tenho aula também. Procuro você mais tarde, ok?

     Ele caminhava a passos largos em direção à sala de música no final do corredor. Bobby tinha um andar confiante, firme. Tinha certeza de que os olhos de Ronnie o seguiram. Estava certo de que ela o admirava.

     - Me telefona à noite? - Ronnie gritou atrás dele, quase suplicando.

- Talvez - Bobby resmungou. E continuou a caminhar.

     Ele gostava de Ronnie. Não era a garota mais bonita com quem tinha saído. Com sua silhueta magrinha, cabelos ruivos e sardas, parecia ter doze anos. Mas tudo bem. Era apenas diversão.

     Por que ele a convidara para sair? Porque ela era a única garota da torcida dos Tigers com quem ele ainda não tinha ficado. Queria estabelecer um recorde.

     Saí com as seis garotas da torcida. Bobby gargalhava consigo mesmo. Quem poderá dizer que eu não tenho espírito de equipe?

Esta sua brincadeira particular o fez rir alto pelo corredor. - Eu sou realmente de arrasar.

Todas elas estão de cabeça virada por mim, Bobby concluiu.

     Talvez eu procure Ronnie novamente, ele pensou. Talvez eu a dispense.

     Antes de entrar na sala de música, ele parou para falar com dois garotos que vestiam estranhos uniformes.

- O que há? - perguntou Markie Drew a Bobby.

     - Para onde vão assim? Para a cadeia? - Bobby zombou deles.

Jerry Marvin fez uma careta.

     - Meu pai me fez arranjar um emprego. Estou trabalhando no McDonald's, fritando batatas.

Bobby falara com o riso escondido. - Começando de cima, não é?

- Nem todo mundo tem pais ricos - Jerry resmungou. - Muito triste - Bobby ria debochando.

       Markie       a mochila de ombro.

Você ainda está com Cari Taylor? - perguntou.

   - Não. dispensei - respondeu Bobby, com um largo sorriso espalhado no rosto.

Markie e Jerry reagiram com surpresa. -- Dispensou?

Bobby assentiu.

     - É, ela derramou Coca-cola no meu carro - zombou. -- Mandei embora na hora.

       Uau!       Markie sacudiu a cabeça.

           Ei, posso ficar com as suas sobras? - Jerry perguntou.

       - Claro, você é meu convidado - Bobby ofereceu, dando de ombros distraidamente. - Estou atrasado.

Os seus dois amigos foram embora. Bobby entrou na sala

de música. Mas mãos firmes o agarraram pelos ombros e o puxaram para fora.

     - Bobby, eu vou te matar! - ele ouvia uma voz aguda, estridente, gritando atrás dele. - Vou mesmo!

 

"SEM PROBLEMAS"

Bobby gargalhou. Ele não se incomodou nem um pouco de voltar-se para enfrentar a ameaça. Ele havia reconhecido aquela voz homicida.

     - Uau! - ele gritou. - Não me toque a menos que você me ame.

     Kimmy Bass soltou um berro exasperado e retirou as mãos dos ombros de Bobby.

     - Onde você estava ontem à noite? - ela perguntou, demonstrando raiva.

     Bobby virou-se para encará-la de frente. Seus olhos azuis brilharam. Ele arregalou bem os olhos e tentou fazer a cara mais inocente do mundo.

- Ontem à noite?

     Kimmy espumava de ódio. Seu rosto franziu raivosamente e suas bochechas redondinhas ficaram vermelho-sangue. Ela cruzou os braços sobre a sua camiseta azul-clara.

- Sim, ontem à noite.

     Bobby fingiu que tentava se lembrar do que havia feito na véspera.

- Nós tínhamos um encontro, se lembra? - Kimmy disse, com a voz trêmula. - Nós íamos estudar juntos. E depois iríamos....

     - Você parece ótima - Bobby interrompeu. - Você já terminou o ensaio da torcida? Quer tomar um refrigerante ou alguma coisa mais tarde?

Kimmy soltou um gemido. Ela cerrou os punhos.

- Apenas responda a minha pergunta, Bobby. Eu liguei para a sua casa, mas você não estava. Você me esqueceu?

- Claro que não - Bobby replicou, já colocando uma das mãos sobre os ombros de Kimmy. Ela o afastou.

    - Na verdade - Bobby prosseguiu -, eu tive uma oferta melhor. - E começou a rir.

     Kimmy ficou boquiaberta, de queixo caído. Não emitia nenhum som. O seu rosto ganhou um ar sério e penetrante.

- Bobby, você é realmente um grosseirão - ela disse com os dentes cerrados. Bobby abafou o riso.

- É, eu sei.

     - Você é um grosseirão - Kimmy repetiu. Ela começou então a correr rápido pelos corredores, os cabelos negros esvoaçando.

- Ei, Kimmy - Bobby gritou -, posso te ligar mais tarde?

Ela soltou uma praga e desapareceu na primeira curva. Com um risinho disfarçado, Bobby entrou na sala de música.

- Oi, Bobby.

- Pegue a sua guitarra, cara. Você está atrasado.

     Bobby cumprimentou com a cabeça Arnie e Paul, os outros dois parceiros da banda, e entrou na cabine para pegar a guitarra. Nenhum dos três tinha um lugar para ensaiar em casa. O professor de música, sr. Cotton, concordou em deixá-los ensaiar na sala de música depois das aulas.

     Eles tinham acabado de trocar o nome da banda de Os Frios para Duros de Roer. Nos quatro meses em que tocavam juntos, a banda trocou de nome no mínimo uma vez por semana. Bobby já disse que eles gastam mais tempo pensando em novos nomes do que ensaiando.

     Paul, o tecladista, tocava impaciente as teclas esperando por Bobby. Tinha um porte atlético, de ombros muito largos, a pele morena e grandes olhos castanhos.

Tinha também um talento surpreendente para o teclado. Era o músico mais obstinado da banda e levava os ensaios muito mais a sério do que Bobby ou Arnie.

Arnie não é lá muito bom baterista. O melhor que se pode dizer é que ele consegue manter na maioria das vezes um compasso firme e constante.

     Arnie está na banda por ser o melhor amigo de Bobby. Seus cabelos são ruivos e bem curtos, tem os olhos azuis, uma gargalhada debochada e usa um brinquinho brilhante em uma das orelhas. Uma leve penugem acima do seu lábio superior, que ele ousa chamar de bigode, dá-lhe uma aparência de desleixo.

     Bobby ligou a guitarra no pequeno amplificador. Uma Fender Strat, a mesma que Jimi Hendrix usava, ele dizia para todo mundo. Arnie comentou que Bobby gostava da guitarra quase tanto quanto de si mesmo. Bobby se defendeu:

- Ei - gritou -, por que não deveria gostar de mim mesmo? Sou tudo o que tenho!

     - Muito profundo - murmurou Paul. - Bobby é mesmo muito profundo.

     Bobby terminou de afinar a guitarra. Ele abaixou-se para pegar uma palheta dentro da caixa do instrumento.

     - Vamos começar - Paul reclamou. - Eu tenho que sair cedo para buscar minha mãe no trabalho.

- Onde estão minhas palhetas? - Bobby gritou irritado. -- Eu sempre deixo as palhetas na caixa da guitarra, mas não estão aqui...

     - Talvez você tenha limpado o nariz com elas novamente - sugeriu Arnie. E soltou o seu mais estridente riso de hiena. Ninguém achou graça. Ninguém ri mais das gracinhas de Arnie.

- Arnie, você é tão engraçado quanto um bocejo de tédio - Bobby murmurou, ainda procurando as palhetas. Paul deu outro gemido.

- Vocês esqueceram que estaremos tocando num clube de verdade na noite de sexta-feira? - perguntou.

     - Onde você esteve ontem à noite? - Arnie perguntou a Bobby, ignorando a questão de Paul. - Você saiu com a Kimmy?

Bobby virou-se e riu para ele.

- Não. Com a Ronnie.

Os olhos azuis de Arnie se arregalaram.

- Pensei que você tinha combinado de estudar com a Kimmy.

- Combinei - Bobby concordou. - Mas Ronnie me telefonou e aí... o que eu posso fazer? - ele deu de ombros. -Não posso estar em dois lugares ao mesmo tempo.

Arnie gargalhou.

- Você é mau. Você é realmente muito mau.

- Kimmy vai cair fora - disse Bobby. Ele encontrou uma palheta e a deslizou pelas cordas por alguns segundos.

   - Estou surpreso de você não sair com as duas de uma só vez - disse Paul com indiferença.

Bobby ia responder, mas um barulho na porta o fez parar. - Ei! - Bobby exclamou quando duas garotas hesitavam à entrada da sala.

   Ele reconheceu as gêmeas Wade logo de cara. Todo mundo da escola Shadyside conhecia Samantha e Bree Wade. Elas entraram na escola no ano anterior e rapidamente ganharam o título de as garotas mais bonitas da escola. Idênticas, pele lisa, sedosa e cabelos negros perfeitos. Daqueles que brilham nos comerciais de xampu. Tinham

olhos verdes e redondos, maçãs salientes, sorrisos meigos e espontâneos.

   Bree era tímida. Raramente falava na classe. Samantha era mais extrovertida, tinha mais vivacidade. Elas tinham amigos, mas não amigos íntimos. Saíam para se divertir, mas nenhuma das duas tinha namorado firme.

   Arranhando a guitarra docemente, Bobby se exibia para elas logo que entraram na sala. Bree não passou da porta. Samantha chegou ao meio da sala. Elas vestiam

jeans desbotados e camisas decotadas.

   Elas são incríveis, pensou Bobby. No começo do ano, ele planejara convidar uma das duas para sair, mas ainda não tinha executado este plano.

   - Sr. Cotton está aqui? Nós o estamos procurando -disse Samantha olhando para Bobby.

     - Nada de Cotton aqui - Arnie disse a elas. - Mas eu tenho cotonetes no meu armário.

Novamente ninguém riu.

- Nós não o vimos - Paul comentou.

- Ele normalmente desaparece quando começamos a tocar - Bobby disse, esboçando um sorriso.

     Samantha retribuiu o sorriso. Bree tinha as mãos enfiadas nos bolsos da calça.

     - Talvez ele esteja na sala de professores - sugeriu à irmã.

As gêmeas bateram em retirada.

     - Ei, fiquem e ouçam um pouco a música - convidou Bobby.

     - Nós temos que encontrá-lo. - Samantha desculpou-se já saindo da sala.

     Bobby estudou-as enquanto faziam o caminho de volta. Que belo par de corpos, ele pensou.

- O que você quer tocar primeiro? - perguntou Paul. Ele batia todos os dedos na borda do teclado.

- Eu quero tocar as gêmeas - declarou Arnie.

- Elas são demais - concordou Bobby. - Você viu como uma delas me olhava?

     - Talvez porque sua braguilha estivesse aberta - Arnie brincou.

     - Eu não consigo distinguir uma da outra - comentou Paul. - Qual das duas é Bree e qual é Samantha?

- Que diferença faz? - perguntou Bobby. - As duas são totalmente demais! Ele ficou em silêncio por alguns instantes. - Por falar em sair com duas garotas de uma vez, como seria sair com duas gêmeas? Uau!

Paul balançou a cabeça.

- Bobby, mesmo você não faria uma coisa dessas.

- Claro que faria - disse Arnie, entusiasmado.

- Claro que faria - murmurou Bobby pensativo. - Eu sairia com uma na sexta-feira e com a outra no sábado. E faria as duas jurarem que não contariam uma à outra.

- Sem chance - insistiu Paul.

     - Por que não posso dar às gêmeas um pouco de diversão? - perguntou Bobby, já fazendo planos. - Por que não? Estas duas garotas estão solitárias há muito tempo.

     - Ele não é nem um pouco pretensioso - murmurou Paul entediado.

Bobby voltou-se para encarar os dois amigos.

- Vocês não acreditam que eu possa fazer isso?

- Eu acho que elas vão contar uma para outra - respondeu Paul. - E então mandarão você para o inferno.

- Quer apostar? - Bobby desafiou com os olhos faiscando.

     Arnie girou as baquetas nos dedos. Ele estudava a expressão séria de Bobby.

- Você realmente acredita que pode sair com as irmãs Wade num mesmo fim de semana?

- Sem problemas, companheiros - vangloriou-se. -Sem o menor problema.

 

UM AVISO

- Estou atrasado. Tenho que correr - disse Paul. - Ele empurrou os teclados para dentro da cabine. - Minha mãe está me esperando lá fora.

- Programão - comentou Bobby, com os olhos nas nuvens escuras e pesadas que despontavam da janela da sala. - Tomara que vocês, meus amigos, não me envergonhem na

noite de sexta-feira.

     - As duas músicas do Tommy precisam ser trabalhadas - disse Paul, voando em direção à porta. - Não estamos em sintonia e o ritmo está muito lento.

- É - concordou Bobby. Ele tocou uma introdução rápida de uma das músicas do Tommy. - Eu estive ouvindo o CD. Este é o tempo certo. Parecido com o The Who.

- De Quem? - tentou Arnie.

Bobby não lhe deu atenção.

- Estou saindo - Paul se despediu.

Bobby desligou a sua Fender branca e gritou para Arnie: - Você acha que as gêmeas ainda estão por aí? - Você vai mesmo fazer aquilo? - perguntou Arnie. - Pode ficar com elas depois - respondeu Bobby.

- Você é um amigo de verdade - Arnie brincou. Guardou a bateria, mas deixou cair uma baqueta. Ela bateu no chão e deslizou até os pés de Bobby. Quando abaixava para pegá-la, viu Melanie Harris entrando na sala.

     Bobby arremessou a baqueta rapidamente na direção dela. - Pense rápido - disse.

Melanie deu um grito de surpresa, mas conseguiu desviar a cabeça do projétil. Ele bateu na parede e despencou para o chão.

     - Dá um tempo - disse Melanie. Ela se abaixou para apanhar a baqueta e encarou Bobby contrariada.

     Bobby gargalhou. Ele observou Melanie atravessar a sala em direção a Arnie. Ela era uma garota baixinha, um tanto troncuda. Tinha cabelos castanhos lisos até a cintura e costumava prendê-los numa trança. Tinha belos olhos castanhos e um lindo sorriso.

     Bobby tinha se deixado pegar por aquele sorriso maravilhoso. Ele havia namorado Melanie por quase três meses. Um recorde para ele.

     Mas Melanie parou de sorrir para ele quando descobriu que ele saía escondido com outras garotas. Ela terminou com ele na hora, com lágrimas escorrendo pelo rosto. Desde este dia, ela nunca mais sorriu para ele.

Agora ela está ficando com Arnie.

     Tudo bem, pensou Bobby. Ele realmente não gosta de garotas melodramáticas. Por que Melanie tinha que chorar daquele jeito quando terminou comigo? ele indagava.

Será que ela queria que eu me sentisse culpado?

     Bobby a olhou até que ela devolveu a baqueta para Arnie. Ela está linda neste jeans apertado, ele pensou. Ela estava com um casaco de seda preta aberto sobre uma camiseta amarelo-ouro.

     Nada mal, Bobby disse para si mesmo. Se ela perder uns quilinhos, posso azarar ela novamente. Isto quando Arnie terminar com ela.

     Melanie e Arnie conversavam baixinho. Bobby guardava a guitarra na caixa.

     - Você vai na sexta-feira à noite? - Bobby perguntou para ela.

- Arnie está me obrigando - respondeu.

     - Vai ser legal - Arnie comentou. - Fizemos um grande ensaio hoje, não foi Bobby?

- Demais! - respondeu Bobby, fechando a caixa da guitarra.

- O que você acha que devemos vestir? - perguntou Areie. - Não combinamos nada sobre isso.

- Por que não enfiam sacos na cabeça? - sugeriu Melanie, com um risinho abafado. - Sabe como é, no caso da platéia ficar enfurecida.

     - Vai estragar meu penteado - Bobby murmurou. Ele levou a guitarra até o armário.

- Eu estava só brincando - exclamou Melanie. E gritou: - Você é o sujeito mais convencido que já conheci.

- Tem gente que gosta - ele devolveu. Desligou o amplificador e começou a enrolar os fios.

Melanie e Arnie conversavam baixinho de novo.

     Ele ouviu vozes de "garotas" do lado de fora da sala. Seriam as gêmeas Wade?

     - Vamos logo embora - disse para Melanie e Arnie e correu para a porta.

- Ei, Bobby - Melanie chamou. - Não faça isso.

- O quê? - Ele se voltou. Os olhos escuros de Melanie fixaram-se em Bobby, um olhar atravessado pela reprovação.

- Fique longe de Bree e de Samantha - advertiu Melanie.

     Bobby não pôde conter a surpresa que lhe deformou o rosto numa careta.

- Arnie lhe contou?

Melanie assentiu com a cabeça.

- Bobby, eu estou lhe avisando - disse. - Eu conheço essas garotas. Elas não são o que você está pensando.

     Bobby deu uma desdenhosa gargalhada. - Eu não poderia progredir na vida sem os seus conselhos, Melanie.

- Estou falando sério - insistiu Melanie. - Fique longe delas.

     Bobby sacudiu a cabeça violentamente, como se quisesse esquecer a advertência de Melanie.

- Vou deixar os dois pombinhos sozinhos - disse, com sarcasmo.

     Correu para fora da sala. O longo corredor estava vazio. Os seus sapatos estalavam no chão enquanto ele se dirigia ao armário.

     A advertência de Melanie repicava em seus ouvidos. Qual era o problema dela afinal?, ele se intrigava. Decidiu que ela ainda devia estar muito aborrecida por ter terminado o namoro com ele.

     Melanie ainda não me tirou da cabeça, disse para si mesmo. Bem, quem poderia censurá-la?

     Assim que dobrou o corredor, quase trombou com a porta aberta de um armário. Parou bruscamente e uma bela garota apareceu do outro lado da porta.

     - Oi - disse ele, recuperando-se rapidamente com um sorriso nos lábios. - Você é Bree ou Samantha?

 

A PRIMEIRA VITÓRIA

Ela abriu a boca como se nunca tivesse respondido àquela pergunta. Uma mecha de seus longos cabelos negros caiu sobre a testa.

     - Sou a Bree - disse finalmente, com uma voz suave e aveludada.

     - Oi, Bree - replicou Bobby, aproximando-se dela, com o olhar fixo naqueles olhos verdes. - Eu sou Bobby Newkirk.

- Eu sei - disse ela timidamente, ajeitando os cabelos.

- Vocês encontraram o sr. Cotton?

Ela balançou afirmativamente a cabeça.

     - Encontramos. Eu e minha irmã queríamos falar com ele sobre o coral. Eu sei que já está um pouco tarde, mas ainda dá tempo de participar do concerto da primavera.

     Ela suspirou, como se aquela explicação fosse uma tarefa pesada.

     - Você canta? - perguntou, estudando a sua fisionomia. Gostava daqueles olhos verdes e do brilho suave de seus lábios carnudos.

     - Bem, eu e Samantha achamos que sim. Mas eu não sei o que pensa o sr. Cotton. - Ela sorriu pela primeira vez, um sorriso rápido. Em seguida, cerrou timidamente os olhos.

     - Eu estou com uma banda - disse Bobby. - Você nos ouviu? Quer dizer, deu para ouvir do lado de fora da sala?

Ela assentiu.

- Um pouquinho.

     - Nós poderíamos usar uma cantora - disse Bobby. A idéia acabava de pipocar na sua cabeça. - Eu sou um grande guitarrista. E canto bem também. Mas poderíamos usar uma garota no vocal. Talvez você ou a sua irmã...?

     - Samantha deve gostar disso - respondeu Bree pensativa. - A voz dela é mais forte do que a minha. - Ela hesitou, deu um passo atrás e começou a olhar para

o interior do armário. - Eu acho que não consigo cantar rock.

- Você é muito quietinha, não é? - perguntou Bobby. Dois círculos cor-de-rosa surgiram em suas bochechas pálidas.

- Quieta e insegura, não é? - Bobby arriscou. Ela riu sem jeito.

     - Nem tanto. - Seus cabelos caíram novamente sobre os olhos. Ela não tentou mais arrumá-los.

     - Nossa banda vai tocar num clube sexta-feira à noite -Bobby disse. - É uma danceteria para adolescentes. Na Rua Old Mill. Você conhece? Ele se chama The Mill.

Bree disse que não.

     - Nós nos mudamos para cá no ano passado. Eu nunca estive...

     - Você tem compromisso na sexta-feira à noite? Quer assistir à nossa apresentação?

     Ele pôde ver a surpresa em seus olhos. O rosa de suas bochechas estava ficando avermelhado.

- Bem...

     - Nós não precisamos ficar no clube se você não gostar de lá - ele completou rapidamente. - A banda vai tocar só um tempo. Podemos sair logo em seguida. Quem sabe. Vamos a um outro lugar.

     Ela levantou os olhos para ele e o encarou seriamente, como se quisesse ler os seus pensamentos.

- Está bem - disse ela. - Parece que vai ser legal.

     - Pode crer - Bobby replicou. Ele se afastou quando ela virou-se para tirar a mochila do armário.

     - Sabe onde eu moro? - ela perguntou. - É na Rua do Medo. Lá no final.

     - Eu acho a rua - disse Bobby. - Te vejo na sexta-feira lá pelas sete e meia.

     Ele estampou para ela o seu sorriso mais vitorioso, depois seguiu em direção ao seu armário. Ele sabia que ela o estaria observando e admirando a sua maneira de andar.

- Beleza - pensou, orgulhoso de si. Foi fácil demais.

- Uma já ganhei - murmurou para si mesmo. - E a outra ganharei.

- Bom trabalho, homem - Arnie lhe deu um tapinha entusiasmado.

- Demais, demais, eu sou demais! - ele cantarolava. - E aí?, com qual das duas você marcou o encontro? -perguntou Arnie.

     - Bree - disse Bobby. - Máximo, máximo. - Ele deu mais uma volta de pavão pelo quarto.

     Arnie dera uma passadinha na casa do Bobby, como sempre fazia depois do jantar. Principalmente para fugir do dever de casa. Bobby logo contou como foi que cantou

Bree naquela tarde e como ela, evidentemente, claro, topou a parada.

     - Elas não conseguem dizer não para Bobby, o gostosão! - ele gritava. Ele deu um tapa de satisfação em Arnie. - Quem é o gostoso, Arnie? Quem é?

     - É você - respondeu Arnie, obediente. Ele subiu na colcha vermelha e branca da cama de Bobby e pegou-o pelo pescoço. - E a irmã dela?

     - Vou telefonar para ela agora - disse Bobby. - Acho ótimo que você esteja aqui, cara. Você pode ouvir. Você será testemunha de como armei esta história.

     Arnie morria de rir. Ele estava gostando da aventura tanto quanto Bobby.

     Arnie é o meu maior fã, pensou Bobby. É por isso que somos tão bons amigos.

     - Você vai realmente convidar Samantha para sair no sábado? - exasperou-se Arnie de tanta excitação.

     Ele disse que sim aos gritos, enquanto se atirava em direção ao telefone sem fio.

- E você vai dizer a ela para não contar nada a Bree? -Arnie se jogou na cama de novo.

   Bobby assentiu novamente. Ele procurou o telefone das gêmeas e o descobriu no catálogo da escola.

   - Duas gêmeas num único fim de semana - ele murmurou, percorrendo com os dedos os números da lista telefônica. - Este é o desafio! E eu aceitei este desafio.

   - Esse é o cara! - proclamou Arnie. Bobby discou o número e colocou o fone no ouvido.

   - E se a Bree atender? - perguntou Arnie. - E se a Bree atender e você achar que é Samantha?

- Eu sei distinguir as duas - declarou Bobby. Ele fez um sinal de silêncio com os dedos sobre a boca.

   O telefone tocou duas vezes. Então uma voz de garota do outro lado disse:

- Alô.

Bobby limpou a garganta.

- Alô, Samantha?

 

VOCÊ ACHA QUE EU DEVERIA FAZER ISSO

COM A MINHA IRMÃ?

- Sim, é Samantha. Quem é?

- Oi, Samantha. É Bobby Newkirk.

     - Ah, oi! - Ela parecia muito surpresa. - Eu e a Bree estávamos justamente falando de você.

O sorriso de Bobby amarelou.

- Ela está aí no quarto com você?

- Não. Bree está lá embaixo. Você quer que eu vá chamá-la?

- Não - Bobby respondeu rapidamente. - Eu quero falar na verdade é com você.

     - Comigo? - Sua voz não era suave e aveludada como a de Bree. Samantha falava alto, Bobby sabia.

- Bree me disse que você estava interessada em cantar na nossa banda - disse Bobby sorrindo para Arnie.

     Arnie, esparramado na cama, mandou-lhe um sinal para que prosseguisse.

Samantha deu um riso descrente.

- Eu? Cantar na sua banda? Você está brincando!

- Quer tentar? - perguntou Bobby.

- De jeito nenhum! - ela gritou. - Por que Bree disse uma coisa dessas?

Bobby deu uma risadinha.

- Eu não sei, mas foi o que ela me disse.

- Estranho... - disse Samantha. - Bem, não vou, obrigada. Eu canto bem num grupo grande. Ou no chuveiro. Os dois riram muito.

Arnie estava de prontidão, ouvindo atentamente o que Bobby dizia.

- Você tem compromisso no sábado à noite? - perguntou Bobby naturalmente.

Silêncio no outro lado da linha. Ele podia imaginar a expressão atordoada de seu rosto.

- Quer ir ao cinema? Um filme ali no Tenplex...

Novo silêncio. Instantes depois, Samantha finalmente respondeu num tom calmo, quase que num murmúrio.

- Mas Bobby, você chamou minha irmã para sair na sexta-feira à noite.

- É, eu sei - respondeu.

Ele pôde ouvir a sua respiração ofegante. Ele sabia que ela esperava que ele dissesse mais alguma coisa. Então ele não falou nada.

- Eu acho que Bree não gostará nada se eu sair com você no dia seguinte - disse Samantha pensativamente.

- Ela não precisa saber - Bobby sugeriu, com uma voz afia e clara. Ele ouvia a sua respiração e tentava imaginar a sua reação.

   - Isso é um desafio, uma aposta ou o quê? - perguntou ela contrariada. Alguém o desafiou para sair com nós duas? É isso?

- Não, de jeito nenhum! - garantiu Bobby. - Eu estava pensando em você. Eu te vi lá na escola e pensei...

- Não é uma aposta? - repetiu ela, desconfiada.

- Não, de modo algum. Eu juro, Samantha.

Um longo silêncio. Bobby esperou pacientemente, com os olhos em Arnie.

Ela vai aceitar, ele disse para si mesmo. Ela se interessou por mim e sabe disso. Está a fim. Ela não é diferente de todas as outras garotas da escola. Ela quer sair com Bobby, o gostosão.

- Bobby - disse ela finalmente. - Você acha que eu deveria fazer isso com minha irmã?

     - Claro que sim, claro! - ele incentivou. - Você está querendo sair comigo, não está?

- Você é muito convencido - ela respondeu.

- É, eu sei. É a minha maior qualidade.

Samantha riu com satisfação.

- Eu gosto dos convencidos - declarou.

     Ganhei a garota, disse Bobby alegremente para si mesmo.

- Então você quer sair comigo no sábado à noite? - ele tentava confirmar.

- Está bem - ela disse. - Ao cinema, não é?

- Certo - disse Bobby, mandando para Arnie um V de vitória com os dedos. - Será um segredo, está bem? Você sabe, a sua irmã...

- O que os olhos dela não vêem o seu coração não sente... muito - disse Samantha.

     Isto pareceu algo complexo demais para Bobby. Ele não entendeu o que ela queria dizer. Deixou passar.

- É melhor nos encontrarmos no shopping - disse ele. - Assim Bree não nos verá.

- Boa idéia - disse Samantha. - E nós podemos usar máscaras, assim ninguém nos reconhecerá.

Bobby adorou.

     - É uma brincadeira, certo? - disse ele num tom inexpressivo. Era difícil saber quando ela falava a sério ou não.

- É, uma brincadeira - repetiu indiferente. -Ih, estou ouvindo a voz de Bree. Tenho que desligar.

- Te vejo no sábado às oito - disse Bobby rapidamente.

- Tchau - sussurrou. Um sussurro bem sexy. A ligação terminou.

     Bobby arremessou para o alto o telefone sem fio, que caiu suavemente sobre o tapete macio. Ele virou-se para Arnie com uma expressão de triunfo total. Depois começou a dar as suas voltinhas de pavão pelo quarto para comemorar.

- Acho que estou numa dupla aventura e mereço todas as glórias - gritou.

- Você conseguiu! - gritava Arnie. - Eu não acredito! Você conseguiu! É a coisa mais fantástica que já vi.

- É mesmo, não é? - concordava Bobby.

     Ele e Arnie festejaram ainda mais, os dois dançando pelo quarto, aos gritos, na maior algazarra.

     Finalmente Arnie parou com uma expressão pensativa no rosto. Ele esfregava a penugem que tinha como bigode. Ela sempre lhe dava comichão.

     - Samantha não vai contar nada para a irmã? - ele perguntou.

Bobby disse que não com a cabeça.

     - Isso não é problema para ela! - Ele gritou espantado. - Samantha parece realmente fantástica!

- Uau! - murmurou Arnie. E acrescentou: - Acho que Melanie estava muito mal informada sobre as gêmeas. Bobby deu de ombros.

     - Quem sabe? Melanie é muito esquisita. Eu te avisei, cara.

Arnie assentiu.

     - Mas por que ela achou tão importante adverti-lo para não sair com as gêmeas? - perguntou.

     - Eu não sei qual é o problema da Melanie - respondeu Bobby. -- Eu realmente não sei. O que poderia acontecer, afinal? O quê, cara?

 

O PRIMEIRO CHOQUE

Bree estava estonteante. De saia preta curtinha, meias de seda vermelha e uma camiseta vermelha sem mangas. Ela prendeu os longos cabelos negros com uma fita, mas

eles se soltaram tão logo chegaram ao The Mill. Agora os cabelos de Bree escorregavam pelos ombros e balançavam às suas costas enquanto ela batia palmas e se remexia ao som da música.

     Bobby acompanhava Bree de seu pequeno palco, tão logo ele deslizou na guitarra as primeiras notas de "That'll be the day". Através das luzes vermelhas e azuis, ele pôde vê-la sozinha ao fundo da pista de dança.

     Que sistema de som excelente!, pensava Bobby. Ele sorriu para Paul e para Arnie assim que a música invadiu aquele burburinho, fazendo tremer a pista de dança.

Nós tocamos muito bem!

     Bobby exibia o seu estilo Chuck Berry. As suas mãos corriam automaticamente pelas cordas. A música fluía através dele, à sua volta, dentro de seu corpo.

     A apresentação terminou rapidamente. Bobby queria eternizar aquele momento, o som trepidante, as luzes piscando, corpos dançando, gritos e aplausos.

     - Eles se amarraram! - gritou Bobby enquanto pulava do palco. - Nos amaram!

     Os aplausos pararam quando o DJ assumiu de novo o comando da música. As luzes continuaram a piscar. Vermelhas e azuis, vermelhas e azuis. Bobby atravessou aquele tumulto dançante. Corpos insinuantes acompanhavam o ritmo do som sob aquela iluminação estonteante. Foi até o fim da pista de dança, onde Bree esperava por ele.

- O que você achou? - ele gritou. Pegou um guardanapo usado sobre uma das mesas e enxugou o suor que salpicava na testa.

- O quê? - gritou Bree em resposta.

Ele gritou mais alto do que a música:

- Gostou?

Bree sorriu.

- Muito bom! - Sua vozinha suave apareceu sobre a vibração do baixo elétrico e das pancadas secas da bateria eletrônica.

- Está muito barulho para conversarmos! - Bobby gritou junto de seu ouvido. - Vamos apenas dançar.

     Eles dançaram poucas músicas. Bree era muito contida para ser uma boa dançarina como ele havia imaginado. Ele percebia que ela não conseguia se soltar e simplesmente dançar. Era visível a tensão de seu rosto enquanto se esforçava para acompanhar o ritmo.

- Podemos respirar um ar fresco em algum lugar? - ela implorou quando terminou uma música. Jogou os cabelos negros para trás e puxou Bobby pela mão. Ela o segurava com as duas mãos, que estavam quentes e úmidas.

     Perto da saída ele esbarrou com Paul. Ele tinha os teclados debaixo do braço e já ia embora.

- Nós estávamos ótimos! Estávamos demais! Viva o Rock'n roll! - gritou Bobby, batendo nas costas do amigo. Paul sorriu com indiferença.

     - Estávamos indo bem, Bobby, até que você arrancou os fios de seu amplificador. Por que você resolveu começar a se exibir e dançar daquele jeito?

   - É um show, cara! - Bobby gritou. - Você tem que apresentar um show para a galera! Isso é Rock'n roll, cara! Eles amaram! Você viu o rosto das pessoas? Elas adoraram!

Paul concordou.

     - Mas você tomou distância da gente, cara. Nós parecíamos a sua banda de apoio.

     - Eles se amarraram! repetia Bobby. Eles nos devoraram...

     - Até mais - disse Paul. Ele sorriu para Bree, abriu a porta e desapareceu.

     Bobby percebeu que ainda segurava a mão de Bree, frágil e suave dentro da sua. Ele se aproximou dela e sentiu o cheiro de amêndoas que vinha de seus cabelos.

     Ela era realmente maravilhosa, disse Bobby para si mesmo. Muitos caras estão me admirando. Estão com inveja porque estou com ela e eles não. Pena que ela não saiba dançar. Pior ainda é esta timidez. Ela disse apenas duas palavras enquanto eles se dirigiam ao clube.

     Bobby desfilou novamente pela pista de dança, mergulhada agora num pisca-pisca de luzes vermelhas. Arnie estava dançando com Melanie. Bobby lhe arremessou um aceno e um grito, mas Arnie não pôde vê-lo.

     Melanie estava realmente gorda com aquele shortinho, Bobby pensou com desprezo. Tomara que ele não se rasgue, de tão apertado. Aliás, espero que ele estoure e Melanie que se dane.

     Quando chegaram ao clube, Melanie havia cumprimentado Bree carinhosamente e esnobado Bobby deliberadamente. Como se eu me incomodasse com isso, pensou Bobby.

Por que namorei Melanie? perguntou a si mesmo.

Está bem, aprendi a lição. Caridade nunca mais!

     - Vamos sair daqui - ele disse a Bree. - É melhor pegarmos o ar fresco que você queria.

Eles saíram em direção ao estacionamento.

     A noite estava bem clara, um pouco fria nesta época do ano, mais para inverno do que para primavera. As estrelas piscavam no céu purpúreo.

     Bree estremeceu quando sentou no banco do carona daquele Bonneville vermelho.

- Eu devia ter trazido um casaco - ela sussurrou.

     Ele bateu a porta. Eu aposto que posso aquecê-la bem mais rápido, disse para si mesmo.

Eles passaram pela escola Shadyside. Ele colocou um CD no toca-discos e ligou o som do carro. Um violão clássico, sabia que este som impressionava bem as garotas.

     Ele tinha que falar a maior parte do tempo. Falou da banda, de suas aulas, das férias de verão no Havaí que sua família estava planejando tirar quando ele voltasse de um trabalho como monitor de uma escola em Massachusetts.

     Ele preferia que ela não fosse tão tímida e calada. E desejava que ela não se atracasse à porta do carro como se fosse saltar a qualquer momento.

     - Você é um dos que cuidam dos macacos, não é? -ela perguntou quando ele passou pela Escola Shadyside, agora escura e vazia. - Não é o seu projeto científico?

     - Os macacos Wayne e Garth? Sim, eles são meus. -Ele dirigia com uma única mão, a outra sobre a engrenagem, embora o carro fosse automático. - É uma experiência

nutricional. Eu dou a Wayne só bananas e água. Garth recebe uma dieta mista.

- Onde você arranjou estes macacos? - perguntou.

     - Meu tio - disse Bobby. - Ele é um importador de animais. Trabalha para zoológicos. Eles são ótimos animais, mas não posso ficar com eles. Tenho que devolvê-los quando acabar a pesquisa.

     - É um trabalho bonito - disse Bree, voltando a sentar-se normalmente no banco do carro.

- Eu acho que o sr. Conklin não gosta - comentou Bobby.

- Por que não?

- Porque os macacos são muito parecidos com ele!

     Os dois deram uma gargalhada. A risada de Bree parecia mais uma tosse do que um riso, pensou Bobby.

     - Você os leva para casa nos fins de semana? - ela perguntou.

Ele balançou a cabeça.

- Não, Conklin leva.

Analisava Bree enquanto dirigia, tentando descobrir se ela gostava dele ou não. É claro que ela gosta de mim, ele disse para si. Mas será que ela gosta de mim de verdade'?

     Enquanto dirigia, Bobby começou a imaginar que as gêmeas Wade brigavam por causa dele. Elas se engalfinhavam pelo chão, esfolando uma à outra, cada qual desesperada

para ficar com ele para si.

   Ele gostou dela? Ele se perguntava. Claro! Ela era uma gracinha, não era?

     Um pouco antes de meia-noite, ele chegou à porta da casa dela. Desligou o motor e as luzes do carro. Voltou a conversar com Bree.

     De repente, ela se jogou para cima dele, quase pulando no seu colo.

     - Foi uma noite ótima - ela suspirou. Antes que Bobby pudesse responder qualquer coisa, ela segurou a sua cabeça com as duas mãos, aproximou os seus lábios dos dele e o beijou longamente.

O beijo durou uma eternidade.

     Depois de um intervalo para um doce olhar, ela se aproximou dele e o beijou novamente. Desta vez, um beijo mais intenso e ainda mais longo.

     Eu não acredito! Bobby pensou. Ela é completamente louca por mim!

     Ela entrelaçou as mãos quentes em volta do pescoço dele e fechou os olhos para beijá-lo mais uma vez. Quando terminou, os dois estavam ofegantes.

     - Eu tenho que entrar - ela murmurou. Encostou a sua testa na dele, os cabelos dela caíam sobre o rosto de Bobby. -Você quer me ver amanhã à noite? Podemos assistir a um vídeo, uma coisa assim...

A pergunta pegou Bobby de surpresa. Ele quase respondeu de supetão: Não, não posso, vou sair com a sua irmã. Mas ele conseguiu se conter e respondeu:

     - Eu queria muito, Bree. Queria mesmo. Mas estou ocupado.

     Seus lábios se fecharam numa expressão contrariada. Ela o beijou no rosto e saltou do carro.

     - Boa-noite - ela disse baixinho. - Me telefona, está bem?

     Ele contemplou-a enquanto andava até entrar em casa. Ainda sentia o sabor de seus lábios, ainda sentia o calor de suas mãos em seu pescoço.

     - Uau! - ele pensou. Você nunca deve conversar com as tímidas!

     Enquanto dirigia de volta para casa, ele não pôde deixar de escapar o grito de guerra:

- O gostosão ataca novamente! - gritava bem alto.

     Se ela é a tímida, mal agüento esperar para experimentar a outra!

 

     Bobby esperou por Samantha na noite seguinte em frente a uma lanchonete. Ela chegou um pouco atrasada, correndo em direção a Bobby, os longos cabelos negros

balançavam de um jeito selvagem.

Usava shorts desbotados e uma blusa de malha brilhante.

     Uau! Que tesão! Bobby ficou maravilhado e forçou-a a andar do seu lado. O primeiro impulso era de dizer a ela que estava incrível, mas ele apenas disse em voz alta:

- Oi, como vai?

     Ela não respondeu. De repente, o pegou pelo braço e o empurrou contra a parede.

     - Não podemos fazer isso, Bobby - ela disse em voz alta.

- O quê? - ele reagiu surpreso.

     - Não podemos nos encontrar assim - ela disse, com o olhar nervoso para o movimento de pessoas à sua volta. -Olha! Lá está Bree!

 

O PRIMEIRO SINAL DE PERIGO

- O quê? Onde? - Bobby gritou.

     Enquanto os seus olhos procuravam Bree naquela multidão, ele perdeu alguns segundos para perceber que Samantha dava uma gargalhada.

- Peguei você! - disse ela, segurando-o pelo braço.

- Nem pensar. Eu não acreditei em você - respondeu Bobby.

- Então por que você está pálido? - perguntou. -Parece que vai desmaiar!

- Nada disso - ele protestou sorrindo.

- Bem, eu me sinto como se estivesse num filme de espionagem - ela revelou em voz alta. - O que acontecerá se alguém nos vir juntos?

Bobby deu de ombros.

- Não tem problema - ele respondeu indiferente.

     - Você trouxe os planos secretos, Boris? - ela sussurrou. - Você sabe qual é a senha?

Ele sorriu abafado.

- Você é muito doida!

     A expressão de Samantha ficou novamente séria. Enquanto segurava-o pelo braço, aqueles olhos verdes o olhavam fixamente. - Eu apenas me sinto um pouco estranha

me escondendo deste jeito. Bree me disse que passou uma noite ótima com você ontem. Eu acho que ela realmente gostou de você.

- É, eu sou um rapaz adorável - Bobby gabou-se, exibindo o seu melhor sorriso. Ele conferiu a sua boa imagem refletida numa janela de vidro e ajeitou para trás os cabelos louros.

- Então não é nada correto eu sair com você hoje, não é?

- Bem... - Bobby não conseguiu encontrar uma boa resposta.

Ela respondeu antes que ele pudesse dizer alguma coisa. - E quem quer ser correto? Isso é um saco!

Os dois deram uma gargalhada.

     Ela é demais! Bobby pensou, tentando ser charmoso, escondendo o interesse pelo corpo de Samantha que aparecia sob a blusa. Ela não é de todo igual à irmã, observou.

- Eu é que reparei em você na escola - disse ela, dirigindo-se com ele à bilheteria do cinema.

     - E eu reparei em você também - Bobby replicou com um riso forçado. - Quem não repararia?

Ela riu, derretida.

Ela gosta de ser adulada, percebeu Bobby.

- Você já tem uma senhora reputação na escola - ela disse. Ele parou de andar. Não estava acostumado com garotas tão diretas. Ela diz tudo o que lhe vem à cabeça, pensou.

     - As garotas lá da escola falam muito de você - confidenciou.

- É? O que elas dizem?

Ela deu um belo sorriso.

     - Não vou contar - disse timidamente. - Você já é muito convencido.

     - Então, provavelmente tudo o que você ouviu é verdade - disse Bobby.

     Ela gargalhou novamente. Uma risada alta e profunda. Não era como aquela tosse baixinha da Bree.

Ela tem muito mais personalidade do que a irmã, Bobby pensou. E é óbvio que está louca por Bobby, o gostosão. Eles pararam diante da bilheteria.

     - Que filme você quer ver? - ele perguntou. - O caçador de andróides? Os efeitos especiais são de arrasar!

     - Estes filmes são muito violentos - comentou Samantha, em seguida deu um risinho abafado e concluiu: - Eu adoro!

- Então você quer ver?

     Ela franziu a testa e jogou os cabelos negros para trás com as duas mãos.

- Eu já vi. Nós temos que ir ao cinema? Não podemos ficar só passeando pelo shopping?

- Claro, tudo bem - Bobby concordou rapidamente. Ela provavelmente quer apenas conferir a minha boa fama, ele disse para si mesmo. Esta aí não quer perder tempo. - Eu gosto de andar por aqui - ela disse, enquanto se afastavam do cinema. - A gente vê muitas coisas interessantes.

- Você gosta de fazer compras? - ele perguntou.

- Não. Bree que é a consumista. Eu gosto só de olhar.

Eles percorreram as galerias por algum tempo, parando para olhar as vitrines.

     Diante de uma joalheria, a Gold Barn, ela virou-se para ele com uma expressão diabólica.

- Bree poderia me matar se soubesse que estive aqui com você - confidenciou.

     - Ela não vai descobrir - replicou Bobby, conferindo novamente a sua boa aparência refletida na vitrine.

     - Foi legal com a Bree ontem à noite? - perguntou Samantha.

     Antes que ele pudesse responder, ela apontou para um aglomerado de gente.

- Olhe estas pessoas! Dá para acreditar? - ria debochadamente. - Elas estão comendo cachorro-quente e sorvete ao mesmo tempo! Você acha que podem indicar o caminho

da lanchonete?

     - As chances são gordas! - brincou Bobby. - Ih, estou fazendo piadinhas como o Arnie!

- Arnie? O namorado da Melanie? - perguntou Samantha.

- É. É o meu melhor amigo - contou Bobby. - Sensacional - ela replicou.

     Ele não entendeu este comentário. Aliás, nem teve tempo, porque ela o empurrou para dentro da joalheria Gold Barn.

     - Você disse que não gostava de fazer compras - ele reclamou.

     - Não gosto, mas adoro brincos! - ela exclamou, apontando para as duas grandes argolas de ouro que usava. - Viu? - Ela se dirigiu ao mostruário de brincos.

     Bobby olhou rapidamente para o interior da pequena loja. Era comprida, estreita, com um balcão ao fundo e vitrines de brincos dos dois lados.

- Meu primo trabalhou aqui no verão - ele disse a Samantha. - Os donos me conhecem.

     - Grande coisa! - ela comentou sarcástica. Ela lhe deu as suas argolas de ouro. Em seguida, o empurrou alegremente e foi experimentar um par de brincos de prata.

- Me ajude com estes aqui - disse ela, segurando os cabelos para trás com a mão e tentando colocar o brinco em uma orelha. - Ah, espera aí. Eu gosto mais daqueles. Ela encontrou um novo par e o entregou para ele.

- Veja, Bobby. Peixinhos prateados. Não são lindos? Ele assentiu com a cabeça.

- Qual você gosta mais? Estes pingentes ou os peixinhos? Ah, esquece. Vou experimentar os dois.

     Assim que ela colocou o primeiro par, Bobby voltou-se para o balcão dos fundos da loja. Seu olhar bateu no amplo cartaz no centro da parede. Ele dizia em letras vermelhas: "Os ladrões de loja serão presos e processados nos termos da lei."

     Ele avaliou as duas argolas de ouro em suas mãos. Elas aparentavam ser de ouro maciço. Mas, na verdade, eram ocas e leves.

     - Desculpe-me, senhorita - uma vendedora chamou do fundo da loja. Samantha pegava um par de brincos de ouro com a forma de coração. - E proibido experimentar os brincos da loja. Por favor, não pegue mais nenhum.

     - Tudo bem - respondeu Samantha com um sorriso. -Eles não são lindos? - ela perguntou.

- Lindos - Bobby replicou sem entusiasmo.

     - Eu seria capaz de ficar a noite inteira vendo brincos - ela lhe disse.

     - Ah, seria uma noite muito excitante! - disse ele com desdém, revirando os olhos.

Ela virou-se para ele com os olhos brilhantes.

- Você quer muita excitação. - Ela parecia o estar desafiando.

Ele deu um riso forçado.

     - Você conhece a minha reputação - vangloriou-se. - Estou sempre atrás de alguma coisa excitante.

     - Está bem - disse ela, devolvendo o sorriso amarelo. - Então vamos. - E dirigiu-se à porta.

- Ei, espere! - Bobby correu atrás dela. - Seus brincos!

     Samantha não olhou mais para trás. Rapidamente, com passos largos e firmes, dirigiu-se à saída da loja.

     Bobby correu para alcançá-la. Ele tinha em uma das mãos as argolas de ouro. Com a outra mão, agarrou Samantha pelos ombros.

- Você não pagou por estes brincos.

     Ele olhou de relance para os vendedores atrás do balcão nos fundos da loja. Será que eles viram?

- Eu sei que não paguei pelos brincos - Samantha murmurou, guardando as suas argolas de ouro. Vamos embora. - O que você está fazendo? - Bobby perguntou.

- Estou ganhando um desconto de cem por cento - disse ela, com a maior naturalidade.

     Assim que eles atravessaram a porta, ouviram um grito alto em tom urgente que vinha dos fundos da loja:

- Garota, pare! Ei, garota!

     Bobby hesitou. Mas Samantha agarrou a sua mão e o arrastou para fora da joalheria.

- Garota, pare! Pare!

     Bobby deu uma olhadinha rápida para trás e viu que dois vendedores vinham correndo atrás deles.

Samantha o empurrou mais uma vez e gritou:

- Corre, Bobby!

 

PRESOS

- Corre! - gritava Samantha.

     Ela soltou-se das mãos de Bobby e mergulhou na multidão do shopping.

Bobby esboçou um suspiro e se mandou atrás dela.

     Gritos horríveis atravessavam o burburinho do shopping. Bobby olhou para trás de soslaio e viu um homem de meia-idade e uma mulher jovem correndo atrás dele.

- Cuidado!

     Bobby quase trombou com um enorme casal que vagueava sonolento pelo shopping. Ele parou rápido e virou à esquerda.

- Veja por onde anda! - gritou uma mulher.

- Desculpe! - gritou Bobby recomeçando a correr.

     Ele perdeu Samantha de vista por um momento, mas vislumbrou a sua blusa num aglomerado diante de uma loja de discos.

- Pega! Pega! - Os dois vendedores vinham atrás. - Samantha! - Bobby chamou sem fôlego.

Ela não parecia ouvir. Ele a viu desaparecer numa esquina.

     Ele parou novamente para evitar uma trombada com duas garotinhas com sorvetes de casquinha. E voou para virar a esquina, sentindo uma fisgada no estômago quando

conseguiu pegar Samantha.

- Ei, espere aí!

     Para sua surpresa, ela estava às gargalhadas. Uma risada excitada, marota.

Cortaram caminho pela praça de alimentação, desviaram-se de uma longa fila no McDonald's, correram entre duas fileiras de mesas de plástico amarelo.

     A dor de Bobby aumentava rapidamente. Ele perdia a respiração e tentava acompanhar Samantha.

- Ei, Samantha, espere!

Passaram por uma butique, depois por uma livraria.

     A dor desapareceu. Ele respirava com dificuldade. Corria rápido, agora bem atrás dela.

     Os seus cabelos negros balançavam como uma bandeira ao vento. Ele a ultrapassou, agarrou-a e viu seus olhos verdes brilhando de excitação. Ela ainda estava rindo.

     Ele deu mais uma olhadinha para trás. Nenhum sinal dos vendedores.

     Será que ele e Samantha conseguiram despistá-los? Será que eles poderiam voltar com segurança?

- Samantha, por quê? - perguntou quase sem fôlego. - Por que fez isso?

- Para me divertir! - ela gritou.

     Ela voltou a correr, os cabelos negros esvoaçantes atrás dela e ele correu novamente atrás.

     As pessoas olhavam espantadas. Bobby ignorava o desagrado geral e os gritos de surpresa.

     Logo após uma confeitaria, eles dobraram a esquina. Misturaram-se a um grupo de adolescentes diante de uma pizzaria.

     Bobby perdeu o fôlego, quando de repente viu um guarda com o uniforme cinza da segurança parar diante deles. O homem bloqueou o caminho da dupla, com os olhos cheios de reprovação.

     - Ah, não. Fomos pegos! - Bobby deixou escapar em voz alta.

 

"CUIDADO PARA NÃO MAGOÁ-LA"

Bobby parou tão rápido que trombou com Samantha. Ele respirava com dificuldade e se sentia mal. Veio então a lembrança de que ele ainda tinha as duas argolas de ouro nas mãos.

     - Devagar - disse o guarda de segurança. Ele ajeitou o seu quepe cinzento na cabeça e olhava fixamente para um e para outro com olhos vermelhos, penetrantes.

Presos, Bobby pensou. Estamos presos.

     É o resultado deste tumulto idiota, ele disse para si mesmo, ainda lutando para recuperar o fôlego. Por que Samantha fez isso? E por que ela me jogou nesta loucura?

     - Por que tanta pressa? - perguntou o guarda vagarosamente.

- É... Nós... Estamos atrasados - Samantha gaguejou. Resposta ridícula, pensou Bobby.

O guarda cravou os olhos em Samantha.

     Bobby esmagava o par de brincos na mão. Ele viu que os cabelos de Samantha cobriam-lhe o rosto e os brincos roubados.

     Ouviu gritos atrás dele. Seriam os vendedores da Gold Barn?

     Virou-se para trás para ver. Não. Apenas uma discussão entre um casal de meia-idade.

     Ele então voltou a enfrentar o guarda de segurança. Samantha iria confessar que roubou os brincos? ele pensava. Será que ela tinha uma boa desculpa já pronta para o guarda?

     - Vocês não devem correr - disse o guarda. - Podem se machucar.

- Desculpe - disse Samantha abaixando os olhos.

- Este piso é escorregadio - advertiu o segurança. -Então, tenham calma, ouviram?

- Claro, perfeitamente - respondeu Samantha em tom solene.

O guarda fez um gesto com a mão, liberando-os.

- Jovens. Sempre com pressa - murmurou para si mesmo, balançando a cabeça.

     Bobby e Samantha decidiram manter as aparências até chegarem ao estacionamento. Aí, sim, explodiram em gargalhadas e congratulações mútuas. Eles arfavam de tanto júbilo por este fantástico segredo.

- Esta foi demais! - disse Samantha, feliz da vida.

     No fundo, Bobby não achava que os brincos valessem tamanho risco. O seu coração batia em disparada e ele se sentiameio atordoado. Mas não queria parecer um bobalhão. - Foi muito melhor do que num filme - ele disse.

- Este piso é escorregadio. Então tenham calma - -, Samantha fazia uma hilariante imitação da voz pastosa do guarda.

     Os dois se desmancharam novamente em gargalhadas e em cumprimentos.

     - Quando o guarda nos parou, quase tive um troço -confessou Bobby.

     - Ele era velho. Poderíamos acabar com ele - respondeu Samantha, despreocupadamente.

     Bobby ficou perplexo. O que ela queria dizer com aquilo? Ela estava só brincando?

     - Vamos embora daqui! - ela decidiu, com os olhos faiscando de excitação.

Eles atravessaram a garagem às pressas em direção ao onneville vermelho, os sapatos estalando no chão de cimento. - Eu vou dirigir - Samantha gritou, sem fôlego. Elaestendeu a mão para receber as chaves do carro de Bobby. Ele hesitou.

   - Eu quero dirigir! - insistiu Samantha. Ela arrancou as chaves de sua mão.

     - Você tem o hábito de fazer sempre o que lhe dá na telha? - provocou Bobby.

- Sempre! - admitiu. Ela se atirou para o volante, ligou o motor e acendeu os faróis antes que Bobby pudesse abrir a porta do carona.

     - Você não está acostumada com este carro - comentou Bobby sem muita paciência.

Ela segurou-lhe a mão.

- Eu sei dirigir muito bem - replicou severa.

     Bobby se agarrou onde pôde logo que ela deu uma marcha a ré para sair do estacionamento sem olhar para lugar algum. Os pneus cantaram quando ela arrancou e enquanto fazia uma curva em direção à saída.

     Ela saiu do estacionamento sem sequer diminuir a velocidade para entrar no tráfego da Rua Division. Nem ligou para o festival de buzinas em protesto.

Bobby se engasgou, afundando na poltrona do carona. Samantha jogou a cabeça para trás numa sonora gargalhada.

- Qual é a graça? - perguntou Bobby, enquanto ela dava uma cortada numa caminhonete de pizzas para pegar a pista do meio.

- É a sua cara - disse ela. - Não se preocupe, Bobby. Eu sou uma boa motorista. - Ela deu nova guinada para voltar à pista certa. Mais um buzinaço enfurecido atrás deles.

   Bobby deu uma olhada para o velocímetro. Ela dirigia rápido demais.

     Ele ia lhe dizer para ir mais devagar, mas calou-se. Lembrou que deveria fazer o tipo irreverente. Então que irreverente é esse que vai censurá-la por dirigir tão rápido?

     - Eu amo a velocidade, e você? - perguntou ela, enquanto novamente fazia uma curva brusca, cantando os pneus para entrar na estrada River. - Eu adoro ir tão rápido! Me deixa excitada - ela olhou para ele timidamente.

- Eu também - respondeu Bobby, tentando parecer sincero. - Aonde estamos indo?

- Você verá. - Ela abriu a janela. O vento frio esvoaçava os seus cabelos. - Que lugar maravilhoso! - ela gritou mais alto do que o barulho do vento.

     As casas com luzes no portão indicavam o caminho naquela escuridão. Bobby sabia que eles estavam dirigindo ao longo do rio. Ele viu Samantha pisar fundo no acelerador quando apareceu uma ladeira para o penhasco de pedra que escondia o leito do rio.

Eu não acredito! pensou Bobby. Ela está indo para o rio?

     River Ridge era um mirante com a vista mais alta do Conononka River e da cidade, um lugar freqüentado por namorados adolescentes da escola Shadyside.

     Uau! Ela não gosta mesmo de perder tempo em momento algum! Bobby pensou alegremente.

     Finalmente ela parou o carro logo que chegaram ao cume do rochedo. Ultrapassou dois carros estacionados e freou o carro à beira do penhasco, ao lado de uns arvoredos.

     Samantha desligou o motor e as luzes e, com as mãos, ajeitou os cabelos desgrenhados.

     - Bem, veja onde estamos - murmurou, contemplando pelo pára-brisa.

     - Belo passeio - disse Bobby com um sorriso esforçado.

- Você nunca esteve aqui antes, não é? - ela provocou. - Talvez por alguns minutos - ele replicou, inclinando-se para ela.

- Acho que gosto de você - ela sussurrou.

     Assim que se beijaram, Bobby entrelaçou os braços em volta dos ombros de Samantha. O beijo durou uma eternidade.

     Eu não acredito nestas gêmeas!, Bobby pensou. Ele lembrou do beijo de Bree, tão esfomeado, tão carente.

     Eu mal posso esperar para contar para o Arnie! pensou Bobby logo que eles pararam um pouco para recuperar o fôlego. Arnie ficará totalmente abobalhado.

Ele a beijou de novo. Bobby gostoso será o assunto da segunda-feira na escola Shadyside!, ele disse para si mesmo. Ninguém vai acreditar que fiquei com as duas gêmeas Wade num único fim de semana!

     O que foi que Samantha lhe disse logo que o encontrou no shopping? - Você tem uma senhora reputação. - É. Foi o que ela disse.

Ora, você ainda não viu nada!, pensou Bobby.

     Quando correrem as notícias sobre este fim de semana -o fim de semana das gêmeas! - todo mundo saberá quem é o cara mais incrível da escola!

Eu sou o rei! Bobby pensou, beijando-a novamente. O rei do Rock'n roll!

     Samantha se afastou e olhou para Bobby com os olhos semi-abertos.

- Eu disse que amava a velocidade - ela murmurou.

     Bobby recostou-se de volta na poltrona. Esta garota é estonteante!, pensava, acreditando que talvez fosse muito tarde para telefonar para o Arnie ainda esta noite.

     - Em que você está pensando? - Samantha perguntou, sonhadora.

     - Estou pensando que você é mesmo demais! - mentiu Bob.

Fino, finíssimo, ele parabenizava a si mesmo.

Ela arregalou os olhos.

- Você gosta mais de mim do que da Bree?

A pergunta brusca o deixou um pouco confuso. - Claro, com certeza.

     Ela sorriu. O vento soprava os seus cabelos. Ela ajeitou-se na poltrona e olhava pelo pára-brisa.

     Bobby acompanhava o seu olhar. O céu negro estava coberto por um milhão de estrelinhas brilhantes. Uma nuvem espessa encobria parte da pálida lua cheia.

- Eu sou um pouco diferente da minha irmã -Samantha disse suavemente, olhando para o céu.

- É - Bobby concordou. Depois acrescentou: - Mas fisicamente vocês duas são muito parecidas. Demais. Como as pessoas Samantha virou-se para ele com um sorriso reluzente.

- Há uma maneira de nos diferenciar - disse timidamente.

- Qual? - Bobby perguntou.

Ela colou o rosto no dele e sussurrou no seu ouvido:

     - Quando nós nos conhecermos melhor, vou te mostrar. - A sua respiração morna fez com que um arrepio percorresse de cima a baixo o corpo de Bobby.

Qual, ele pensava, qual?

     - Eu acho que Bree realmente gosta de você - ela disse, com um riso murcho.

- Eu acho que gosto mais de você - respondeu Bobby. - É melhor você tomar cuidado - ela disse, evitando o seu olhar.

- Como assim?

- Bem... - ela hesitou. - Bree é muito frágil. - Frágil?

- É melhor tomar cuidado para não magoá-la - avisou Samantha, encarando Bobby. - Bree pode ficar um pouco... estranha quando está magoada.

     Bobby fixou Samantha um pouco confuso. Uma nuvem cobriu a lua e o rosto de Samantha ficou sombrio.

- Samantha, o que você quer dizer com isso? - perguntou Bobby.

- Eu realmente não quero falar disso - disse ela. Seus olhos se apertaram. - Apenas tome cuidado com Bree, Bobby. Muito cuidado.

 

TRÊS É DEMAIS

Bobby bateu a porta do armário escolar e se dirigiu ao saguão. O último sino da saída já havia tocado. A escola esvaziava-se rapidamente.

     Uma introdução de uma velha canção de Chuck Berry repetia-se em sua cabeça. Enquanto se dirigia à sala de música, pensava em tocá-la na guitarra.

     A banda estava realmente começando a decolar, pensou Bobby, acenando para um grupo do lado de fora da escola. O sol brilhante da tarde invadia o saguão toda vez que os alunos empurravam a porta da saída.

     Era péssimo que Paul estivesse ameaçando desistir, logo agora que começaram a tocar tão bem juntos. Paul deu a desculpa de que tinha que arranjar um trabalho depois das aulas.

     Mas Bobby achava que a verdadeira razão era outra. Paul tinha inveja dele. Ele é um músico bom e seguro, mas não tem o meu estilo e sabe disso.

     Ao dobrar um corredor, cumprimentando umas meninas de sua sala, ele decidiu ter uma conversa com Paul. Decidiu dizer a ele o quanto era necessário. Vou fazê-lo acreditar que é o líder. Ele vai se sentir como um grande homem. Então ficará.

     Ao ver Kimmy Bass diante de seu armário, Bobby colou atrás dela e lhe deu um forte puxão.

Kimmy gritou furiosa e voltou-se.

- Bobby, seu verme! - bradou. - Tire suas patas nojentas de cima de mim!

- Você adora! - Bobby devolveu, rindo meio sem jeito.

- Verme! - repetiu com a voz alta e sonora.

- Você vai fazer alguma coisa no sábado à noite? - ele perguntou.

Ela o olhou desconfiada.

- Por quê?

- Estou só perguntando - respondeu Bobby, encarando-a com os seus olhos azuis.

- Não, não vou fazer nada - disse Kimmy.

   - Então por que não toma um banho? - Bobby soltou uma sonora gargalhada estridente.

- Argh! - Kimmy soltou um grito de nojo e o socou no peito. - Você é realmente um porco, Bobby!

- Oinc-oinc. - Ele desviou-se de um outro murro e saiu em disparada pelo corredor.

   Ela é louca por mim, dizia a si mesmo. Totalmente louca por mim.

   Mas eu não tenho tempo para ela agora. Já tenho muito que administrar. Gêmeas!

Arnie e Melanie estavam de pé à janela da sala de música, conversando baixinho. Paul tamborilava os seus teclados. - Ei, o que houve? - perguntou Bobby.

   Arnie o cumprimentou, mas Melanie apenas fez uma cara de desagrado, abaixou os olhos e ficou olhando a paisagem pela janela.

- Estou vendo que você teve um dia horrível, Melanie. Mas por que descontar em cima de mim? - perguntou Bobby. Melanie nem se mexeu. Ela cruzou os braços.

   - Você está saindo com as duas gêmeas? - ela perguntou com os dentes trincados.

   - Talvez - respondeu Bobby. - O que você tem a ver com isso?

Melanie não respondeu. Arnie deu de ombros.

- Vamos ensaiar ou não? - perguntou Paul, já impaciente atrás dos teclados.

Melanie olhou para Bobby, com a fisionomia crispada. - Eu não acredito em você - disse ela incisivamente. Bobby lhe mandou um risinho.

- Eu também não acredito! - exclamou. - Duas de uma vez. Eu mesmo estou impressionado!

- Quando é que você não está impressionado consigo mesmo? - desdenhou Melanie.

     - Paul tem razão. Nós temos que ensaiar - interrompeu Arnie.

     Mas Bobby viu que Melanie estava determinada a acabar de falar.

     - Você estava estudando com Samantha em sua casa e Bree apareceu. É verdade? - ela perguntou.

Bobby assentiu.

     - É. Sem problemas. Samantha saiu pela porta dos fundos quando Bree entrou na sala. Bree não suspeitou de nada.

     - Incrível, cara! - murmurou Arnie, gritando em seguida: - Uau!

     Melanie dirigiu um olhar contrariado para Arnie, depois voltou-se para Bobby.

     - Todo mundo na escola está comentando isso - contou a Bobby. - Sei que você acha isso fantástico, mas o que o faz acreditar que Bree não vai descobrir o caso entre você e a irmã?

- Isso é problema seu? - Bobby disparou.

- Elas são minhas amigas - ela respondeu emocionada.

- E minhas também - Bobby respondeu com uma risadinha irônica. Ele gritou para Arnie. - Elas estão acabando comigo, cara. Elas são demais, mesmo para mim!

     Arnie iria dar uma gargalhada, mas o olhar de Melanie cortou a sua onda.

     - Eu não posso acreditar que Bree não desconfie de nada - ela disse a Bobby, balançando a cabeça. - Como você e Samantha podem fazer isso com ela?

Bobby deu de ombros.

- Bree é uma grande garota. Ela entenderá.

     - Mas Bobby - Melanie insistia com a voz irritante -, o que acontecerá quando Bree descobrir? Ela ficará muito magoada, se sentirá traída. Vai ser um problema de família.

- Dane-se - Bobby deu de ombros. Ele entrou na cabine para pegar a guitarra.

 

     Bobby estudou sua expressão no espelho do guarda-roupa. Passava um pouco das nove da noite e ele ainda tinha muito dever de casa para fazer. Mas estava difícil de se concentrar.

     Ele estava viajando na cama, com o texto aberto na sua frente, mas o pensamento em Bree e em Samantha não o deixava ler coisa alguma.

     Se eu terminar com uma delas, com qual delas será? pensava.

Elas são tão parecidas e tão diferentes.

     E as duas parecem estar totalmente enlouquecidas por minha causa.

     Ele se levantou e foi até o espelho. Escovou os cabelos louros, estudou o seu rosto, o seu sorriso. Gostou do que viu.

     O telefone da escrivaninha tocou, interrompendo sua sessão de vaidade. Ele o deixou ainda soar por alguns minutos. Se fosse uma garota, não deveria parecer tão ansioso. Finalmente pegou o fone e disse "alô" com voz baixinha.

- Dois é bom. Três é demais - murmurou uma voz em seu ouvido.

     - O quê? - Bobby tirou o fone do ouvido e o encarou, como se isto o ajudasse a reconhecer aquela voz. - Quem é?

     - Dois é bom. Três é demais - repetia a voz sussurrante. - Você vai pagar caro.

     - O quê? Que brincadeira é essa? - perguntou Bobby, lutando para ouvir cada palavra, atento a qualquer indício que identificasse a voz.

- Você vai pagar caro - repetia a voz misteriosa. -Você pagará em dobro.

 

VISITA SURPRESA

Bobby agarrava o telefone com força enquanto ouvia a ameaça. Ele já tinha visto filmes e livros onde personagens ficavam aterrorizados com certos telefonemas, mas nunca pensou que isto pudesse acontecer com ele.

Quem está querendo me assustar?, perguntou a si mesmo. Todo mundo gosta de mim!

   - Samantha, é você? - ele perguntou. - É você não é? - Ele conhecia o tipo de brincadeira boba que Samantha gostava de fazer. Ela adorava surpreendê-lo, até mesmo chocá-lo. - Viva todos os riscos - disse ela uma vez.

Ele ouviu um riso abafado do outro lado da linha.

     - Arnie! - gritou. - Pode parar, cara. Eu reconheci você agora.

     O risinho abafado se ampliou numa estridente gargalhada.

- Como você adivinhou, cara?

     - Eu reconheceria o seu riso estúpido em qualquer lugar - disse Bobby, aliviado. - Qual é o seu problema?

     - Estava só brincando - respondeu Arnie. - Achei que talvez você estivesse precisando de um pouco de emoção. Afinal, a sua vida anda tão aborrecida estes dias, não é?

     - Você está com inveja, confessa - disse Bobby, já sem apertar com tanta força o fone. Ele escorregou para sentar na beira de sua escrivaninha.

- Sem chance! - reagiu Arnie.

     - Você está com inveja porque Bobby, o gostosão, ganhou as duas gêmeas e...

     - Sem chance, repetiu Arnie. - Por que teria inveja? Eu sempre fico com as suas sobras!

Bobby riu.

- Está bem, você pode ficar com Bree quando eu decidir dispensá-la - disse para o amigo. - Ou talvez Samantha. - E acrescentou: - Ou as duas.

Arnie morreu de rir.

- Bobby, eu não acredito! Por quanto tempo você vai segurar esta onda de sair com as duas de uma vez?

     - O quanto eu puder! - repetiu Bobby. - As duas são ótimas, Arnie. Realmente ótimas. E fascinadas por mim, todas as duas, o que não é novidade alguma.

Arnie gostou.

- Para começar, você não é nada convencido.

- Quem? Eu?

Os dois gargalharam.

     - Melanie está possessa com esta história - disse Arnie seriamente.

Bobby trocou o fone de ouvido.

     - Eu sei. Qual é a dela? Ela está com você agora. Ela ainda não está a fim de mim, está?

- Não - disse Arnie, pensativo.

- Então por que ela está no meu pé? - perguntou Bobby. - Por que ela está preocupada com o que eu faço com as gêmeas?

     - Você sabe como são as mulheres - respondeu Arnie, em tom adulador.

     Bobby ia responder com um comentário infame sobre Melanie. Mas a campainha tocou no andar debaixo e o interrompeu. Ele se despediu de Arnie, desligou o telefone e olhou de relance para o rádio-relógio. Passava das dez.

Quem poderia ser a esta hora?

     A campainha tocou novamente, mais e mais. Os pais de Bobby estavam na casa de vizinhos.

- Só um instante! Estou indo! - disse Bobby, correndo escada abaixo, de dois em dois degraus.

Ele abriu a porta da frente.

- Bree! O que houve? - ele perguntou.

Ela o encarava com um jeito perturbado.

- Bobby - murmurou -, temos que conversar.

 

BREE DESCOBRIU TUDO!

- Bree, o que houve? - perguntou. - É tão tarde...

     Ela entrou na sala. Os cabelos negros estavam presos para trás com uma fita azul. Ela usava uma camiseta pólo verde-claro e bermuda de jeans.

     Ela descobriu! Bobby imaginou, sentindo um peso no estômago.

Bree descobriu tudo sobre meu caso com Samantha.

     Enquanto ele a conduzia para o seu quarto, o pensamento voava em busca de uma saída. Ele podia mentir e dizer que ela estava louca, disse para si mesmo. Posso dizer para ela que nunca estive com Samantha.

Ou então posso escancarar e dizer:

- Qual é o problema?

     Não, espera aí. Posso admitir que estive com Samantha, mas direi a Bree que ela é a minha preferida. Que ela é a maior.

     É, decidiu Bobby. Ela ficará satisfeita. As garotas só querem mesmo é que você diga que elas são as tais.

     Ela vai engolir a história. E aí tudo ficará como está. Todo mundo feliz novamente.

     Bree escorregou para bem perto de Bobby no sofá de couro. Ela enroscava nervosa um cacho de cabelo. Depois apertou o peito com as duas mãos.

     - É sobre Samantha - disse, voltando os olhos desnorteados para ele.

Lá vem bomba, pensou Bobby.

     - Samantha? - perguntou inocentemente. - O que há com Samantha?

     Ele prendeu a respiração e esperou as acusações de Bree. Ela provavelmente vai começar a gritar, ele pensou de mau humor. Eu realmente odeio quando as mulheres choram.

     - Samantha está saindo com alguém - disse Bree, com a voz quase desaparecendo.

- Não diga!

Agora vem a bomba.

     Agora ela vai se debulhar em lágrimas e gritar, Bobby, como você pôde fazer isso?

     Bree ficou ofegante. Seus olhos cravados em Bobby como se procurasse alguma coisa.

     - Samantha está saindo escondido com alguém - disse ela, esfregando as mãos. - Eu sei.

     E você sabe também que o cara sou eu?, pensou Bobby, já a fim de acabar com aquele suspense. Vamos terminar logo com isso, Bree, pensou.

    - Bem, mas por que você está tão aflita? - ele perguntou pateticamente.

     - Eu perguntei a Samantha sobre o tal cara - continuou Bree, baixando os olhos. - Mas ela não quis me dizer quem era.

     Bobby esperava que ela prosseguisse, mas ela mordia o lábio inferior. Confuso, Bobby continuou esperando. Quando acreditava que ela não diria mais nada, ele rompeu o silêncio.

- Por que você está tão contrariada?

- Você não percebe? - perguntou impaciente. - Não entende? Eu e Samantha sempre confiamos uma na outra. Contamos tudo uma para a outra. É coisa de gêmeos. É como se fôssemos parte de uma só pessoa. Somos mais íntimas do que irmãs comuns. Somos irmãs gêmeas. Sempre contamos tudo uma para a outra - E acrescentou com tristeza:

- Até agora.

     Ela não sabe! Bobby estava convicto. Ela sabe que Samantha está saindo com alguém, mas não sabe que sou eu!

     Ele recostou no sofá aliviado e teve que se esforçar para não rir nem para sair dançando de tanta alegria.

- Estou tão chateada - disse Bree, balançando a cabeça. - Eu precisava falar com alguém. Acho que posso desabafar com você, Bobby.

     Ele deslizou os braços em volta de seus ombros. Ainda sentia uma vontade incontrolável de rir. Mas se conteve e disse:

- Fico feliz que você conte comigo, Bree. Talvez eu possa ajudar.

Os olhos dela se arregalaram.

- Como?

- Bem, tenho muitos amigos na escola - disse, puxando-a para bem perto de si. - Você sabe, todo mundo me conhece. Eu vou investigar para você. Vou tentar descobrir quem é o cara. Estou certo de que alguém vai me dizer quem é o namorado secreto de Samantha.

Que piada!, ele pensou.

     - Oh, Bobby, muito obrigada - disse Bree suavemente. Ela colocou a cabeça no seu colo. - Obrigada, Bobby - repetiu num sussurro. - Eu não sei o que faria sem você. Você tem sido muito importante para mim.

- Não se preocupe - disse Bobby docemente. Ele puxou o seu rosto para um longo e ardente beijo.

- Você tem que terminar com ela agora - disse Samantha.

Bobby ficou boquiaberto.

- Uau! - exclamou.

- Eu estou dizendo. Você tem que terminar com ela.

     Bree tinha saído há cinco minutos, depois de declarar a Bobby o quanto ele era importante para ela. Tão logo fechou a porta, Bobby começou a rodopiar triunfante pela casa.

     - Quem é o maior? Quem é o maior? - cantava para si mesmo.

     Acabava de acreditar que era muito fácil dominar garotas. Uma moleza!

Você deve apenas dizer o quanto elas são fantásticas e demonstrar satisfação por tudo quanto é bobagem que elas fatalmente vão dizer a todo instante. Ficam loucas por você.

     Claro que a minha boa aparência ajuda também. E também dinheiro e ter um carrão.

     Mas é preciso saber como falar com elas, como fazê-las acreditar que você realmente se preocupa com elas.

     Ele ainda estava se parabenizando por sua performance com Bree quando o telefone tocou. Ele correu para a cozinha e retirou o fone da parede.

- Bobby, sou eu - a voz de Samantha demonstrava uma grande contrariedade.

Bobby pensou: agora vem o quê?

- O que há, Samantha?

- Bobby, Bree está indo para aí. Ela está suspeitando de alguma coisa.

     - Ela já esteve aqui - disse Bobby, esticando o fio do telefone até a geladeira para pegar uma Coca-cola.

- Já? - disse Samantha assustada. - Ela descobriu alguma coisa? Ela descobriu tudo entre nós?

- Sem chance - disse Bobby despreocupado. - Eu resolvi tudo, não tem problema. - Ele abriu a lata do refrigerante e tomou um longo gole.

- Tem certeza? Ela não sabe de nada?

- Eu disse a ela que tentaria descobrir quem é o seu namoradinho secreto - disse Bobby debochadamente. Samantha ficou em silêncio.

     - Bobby, não podemos mais ficar nesta situação. Você tem que terminar com ela.

     Bobby quase engasgou com a Coca-cola. Deixou a lata sobre uma mesinha de fórmica branca.

     - E tem mais uma coisa - continuava Samantha sem esperar qualquer resposta - estou cansada de dividir você. Por que tenho que ficar sozinha em casa toda noite de sexta-feira para você sair com ela?

     Bobby respondeu com um gemido. Ele pensava rápido, tentando encontrar o melhor caminho para acalmar Samantha.

Ele estava gostando de sair com as duas gêmeas, não queria terminar com Bree tão cedo.

     - Você tem que fazer isso logo - repetiu Samantha com voz trêmula. - Bree é muito desconfiada. Ela está começando a passar dos limites, Bobby. Você não conhece ela. É frágil como vidro. Se este vidro se quebra...

     - O que é que tem? - Bobby perguntou, pegando a lata de Coca para mais um longo gole.

     - Se quebra, ela é capaz de fazer qualquer coisa - disse Samantha sem respiração.

- Qualquer coisa? - perguntou Bobby.

- Qualquer coisa - sussurrou Samantha.

 

DIVERSÃO CRIMINOSA

- Uau, Samantha! Pare! - gritou Bobby.

Samantha jogou os cabelos para trás rindo prazerosamente.

- Já falei! - gritava Bobby. - Saia daí! Deixe-me dirigir!

- Nem pensar - gritou ela, mais alto do que o ronco do motor do carro. Sua janela estava aberta. O vento esvoaçava os seus cabelos. Os olhos brilhavam de excitação.

     Casas e árvores ficavam para trás na escuridão. Uma buzina de carro disparou furiosamente quando Samantha entrou na Division sem olhar para o tráfego que vinha na contramão.

- Aposto com você - gritou. - Aposto que dirijo até o shopping sem parar uma única vez!

- Você é louca! - disse Bobby, fechando os olhos. As buzinas faziam o maior alarido. Bobby teve a impressão de que ouvia uma sirene da polícia atrás deles.

- Meu carro! - ele gritava. - Você vai destruir meu carro!

     Ela ria e desviou para a pista da esquerda fechando um caminhão gigantesco. Penteou com as mãos os cabelos desgrenhados.

- Por favor! - Bobby suplicou.

- Eu adoro ver você apavorado! - disse Samantha, enfiando o pé ainda mais fundo no acelerador. O Bonneville vermelho voou e avançou um sinal vermelho. Bobby escutou uma sinfonia de pneus cantando, enquanto um carro na transversal desviava-se para não trombar com eles.

- Pensei que você gostasse de emoções fortes! - disse ela em tom zombeteiro, os olhos brilhavam de satisfação. - Você é louca! - gaguejava Bobby.

     Ela fez numa curva fechada um cavalo de pau, para entrar no shopping. Quase rodopiou. Um outro carro freiou bruscamente. Novo festival de buzinas.

     Samantha jogava os cabelos para trás com um sorriso de triunfo.

     - Conseguimos! Todo o trajeto sem parar uma vez! Ganhei a aposta!

     Bobby estava com a boca seca. O seu coração parecia que ia sair por ela. O estômago contraído como uma pedra.

     Com os cabelos despenteados sobre o rosto, Samantha jogou o carro numa vaga apertadíssima e desligou o motor. Ela virou para ele e perguntou:

- O que você achou? Ficou impressionado?

Bobby emitiu um som de desaprovação.

     - E se a gente batesse com o carro? - perguntou mal-humorado. - E se a polícia nos parasse? Voce tem idéia da confusão em que iríamos nos meter? Eles iam tomar a sua carteira de motorista!

     - Não iam, não - ela assegurou calmamente, abrindo a porta do carro. - Eu não tenho carteira.

     Bobby se acalmou um pouco quando ele e Samantha entraram no shopping para a excursão habitual dos sábados à noite. Ele achou que tinha estragado a imagem de valentão ao gritar com ela no carro.

     Não tinha importância. Afinal, era o seu carro que estava à beira da ruína. E ela poderia ter provocado um acidente mortal.

     Ela não liga para a própria vida? Que prazer era esse tão importante que a fazia arriscar a vida deles para alcançá-lo?

     Pensamentos tenebrosos. Ele concluiu que ela era totalmente doida. Talvez eu termine com Samantha e fique com Bree. Será certamente muito mais seguro.

     - Você terminou com Bree ontem à noite? - perguntou Samantha como se lesse os seus pensamentos.

- O quê? - Bobby foi pego de surpresa.

     Eles estavam sentados um em frente ao outro numa mesinha vermelha do Pete's Pizza. A garçonete acabava de colocar uma pizza sobre a mesa e Bobby pegava uma fatia.

     Samantha gostava de pizza com pimenta, cogumelos, cebola e calabresa. Bobby gostou da idéia e pediu uma para dividir.

     Ela é fanática por pizza, pensava Bobby, enquanto observava Samantha catar os cogumelos de seu pedaço e enfiá-los na boca.

- Bree me disse que você a levou a uma festa na casa da Suki Thomas - disse Samantha, passando um guardanapo por cima da pizza para retirar um pouco da gordura.

- É. Os pais da Suki viajaram e então ela deu uma festa.

     - Você não teve uma conversa séria com a Bree? - perguntou Samantha. - Você não disse a ela que não vai mais vê-la? - Ela mordeu um enorme pedaço de pizza.

- Ih, está quente!

- Eu sempre queimo minha boca na primeira mordida - disse Bobby, ansioso para mudar de assunto. - Sempre, não importa o quanto eu espere ela esfriar.

- Posso dirigir na volta? - interrompeu Samantha, engolindo mais um pedaço de pizza.

- De jeito nenhum!

     Os dois gargalharam. Ela olhou para ele timidamente e segurou a sua mão sobre a mesa.

- Eu não faço a sua vida ficar excitante?

     - Excitante demais! - replicou Bobby, revirando os olhos.

     - Mais do que Bree? - perguntou, o olhar grudado em Bobby.

     - A sua irmã é mais sossegada - comentou Bobby com dificuldade.

- Você não sabe nada sobre ela - disparou Samantha, encarando-o. Ela agora levava à boca um enorme pedaço da pizza.

     Conversaram sobre a escola por um instante. Bobby falou de seus macacos, Wayne e Garth. Ela disse que queria mostrar a ele o seu próprio projeto científico.

- Depois do ensaio do coral na segunda-feira está bem? Bobby discordou com a cabeça.

     - Eu tenho ensaio com a banda. Tocaremos para a escola inteira na próxima semana.

     Ele disse que pensava em dispensar Arnie e Paul e procurar outros músicos para formar um novo grupo.

- Eles não conseguem me acompanhar.

- Mas Arnie é o seu melhor amigo - ponderou Samantha.

- Mas ser artista é assim mesmo - observou Bobby. Os dois riram novamente.

Samantha é totalmente louca, mas tem um grande senso de humor, pensava. Bree é muito séria o tempo inteiro. Como podem duas gêmeas ser tão diferentes?

     Eles deixaram a pizzaria sem acabar de comer a pizza. Samantha não conseguiria jamais ficar sentada por mais do que alguns minutos.

     Bobby perguntou se ela queria ir ao cinema, mas ela escolheu passear pelo shopping. Ela o segurou pela cabeça.

- Eu gosto de andar ao seu lado - sussurrou no seu ouvido. - Eu gosto apenas de estar com você.

     Aquela respiração morna fez cócegas no pescoço de Bobby. Ele a abraçou e os dois começaram a andar devagar. olhando cada vitrine.

Samantha parou à porta de uma loja de departamentos.

- Vamos entrar aqui um minuto - disse, segurando-o pela mão.

     Quando ela parou para olhar brincos na joalheria da loja, Bobby sentiu o seu estômago se corroer.

     - Eu não estou gostando deste seu sorrisinho - disse para ela.

     Os olhos verdes de Samantha se iluminaram. Ela ria agora largamente.

- Você não vai roubar nada outra vez, não é? - perguntou Bobby contrariado.

Samantha concordou com a cabeça:

- Não, eu não - disse. - Você é que vai!

     - De jeito nenhum! - disse, balançando as mãos em total negativa e já voltando-se para a porta da saída.

     - Volte aqui - ordenou Samantha. - Você me desafiou a dirigir até aqui sem parar, não foi? Agora é a sua vez. Vem cá, Bobby!

- Eu não vou fazer isso, Sam. Sem chance - insistiu. Mas parou diante de um mostruário de vidro.

     - Você está vendo aquele lindo bracelete de prata? -ela apontava, batendo o indicador no vidro. - Preciso dele.

- Sem chance. - Bobby balançava a cabeça. Ele a agarrou pela mão. - Vamos!

Ela se soltou e parou de sorrir.

- Só vou quando você pegar este bracelete para mim. Estou te desafiando, Bobby. Você não pode ser tão idiota.

     Ele a olhou atentamente, tentando descobrir se ela falava sério ou estava de brincadeira.

Era sério.

- Pegue-o da vitrine e vamos - ela murmurou, chegando pertinho dele. Novamente a sua respiração chegou ao pescoço de Bobby e o excitou. - Você viu como é fácil.

Agora é a sua vez.

Ele hesitou, olhando a vitrine.

- Você não é um babaca, é? - Samantha perguntou delicadamente. - Você não é uma mosca-morta, é?

- Ninguém me chama de idiota - disse Bobby seriamente, com os olhos no bracelete de prata.

- Babaca - provocou Samantha. - Babaca, babaca, babaca.

- Cale a boca - disse Bobby com um tom cortante na voz.

- Babaca, babaca.

- Cale a boca. Vou pegar para você este bracelete ridículo. Ele deu uma olhada para os fundos da loja. Havia dois vendedores, ambos ocupados com clientes.

Checou a saída. Não havia sinal de seguranças.

Ele respirou fundo.

- Vamos nessa.

     Abriu a porta de vidro com as duas mãos e assim disparou um alarme ensurdecedor.

 

FLAGRANTE

Ih! - Bobby deu um grito horrorizado quando o alarme disparou em toda a loja.

- Pegue o bracelete! Pegue! - dizia Samantha em seu ouvido.

     Ele pegou o bracelete com as mãos trêmulas. Deixou-o cair, mas o agarrou de novo.

     Retirou o braço da vitrine e fechou ruidosamente a porta de vidro.

     A sirene do alarme tocava mais alto do que todo o barulho da loja.

     Antes que pudesse perceber, Bobby estava correndo. Correndo no meio daquelas cores e luzes. Correndo debaixo daquele alarme infernal.

     Seu coração estourava de tanto bater no peito, ele segurava o bracelete e corria.

Onde estava Samantha?

Ele a perdera de vista.

     Ele viu apenas a porta da saída. Uma mulher empurrava um bebê no carrinho. Um casal de adolescentes vinha atrás dela.

- Ei, pare! Alguém pare este rapaz!

     Ele já estava fora da loja, correndo no tumulto do shopping.

E Samantha?

     Ele se virou, mas continuou a correr em direção à praça de alimentação.

- Preste atenção!

Ele parou bruscamente para evitar uma colisão com duas garotinhas que andavam abraçadinhas, uma agarrada na cintura da outra.

   Ele olhou à sua volta. Alguém atrás dele? Algum sinal de Samantha?

- Ah, ali - disse sem fôlego. - Caramba!

   Samantha estava de pé bem atrás dele, sem alterar sequer a respiração. Ela o alcançou e fez um gesto para que ele entregasse o bracelete.

Ainda com falta de ar, Bobby o colocou nas suas mãos.

   - Bobby, que lindo presente! - ela gritou fingindo surpresa. Ela avaliou o bracelete e, em seguida, rodeou com os braços o pescoço de Bobby para beijá-lo no rosto com entusiasmo. - Eu adorei! Você é tão atencioso!

   Ela deixou a pulseira deslizar da sua mão para o pulso e o sacudiu diante de Bobby.

- Você teve muito bom gosto, Bobby. Ele deve ter custado realmente muito caro! - disse às gargalhadas.

- Você quer se ferrar, não é? - Bobby disse com um ar desolado.

- Quero sim - admitiu, enquanto examinava a jóia brilhante com um sorriso artificial.

   - Você ainda vai nos matar, nos jogar na prisão ou as duas coisas juntas - reclamava Bobby, ainda lutando para que o coração parasse de disparar.

- Eu estou só tentando me divertir - replicou. Ela sacudia o bracelete. - Eu realmente adorei!

   - É melhor a gente se mandar - disse Bobby nervoso. - Eles devem estar atrás de nós.

- Podemos tomar um milk-shake antes de ir? - perguntou Samantha. - Me deu uma vontade de tomar um milk-shake.

   - Sem chance - disse ele, angustiado, olhando ao redor por cima de seus ombros. - Os guardas de segurança...

   Ele parou no meio do caminho e deixou escapar um grito.

Samantha acompanhou o seu olhar.

- Ah, não! - murmurou Bobby. - É a Bree.

     Bree parou em frente a uma vitrine, a cinco passos dos dois, olhando-os estarrecida.

- Fomos pegos - sussurrou Samantha.

 

UM GOLPE

Bree parou timidamente diante de Bobby. Ela usava uma camiseta branca e uma calça jeans rasgada e desbotada. Com as mãos cerradas, Bree estava completamente sem graça, sem ter o que dizer. Atônita.

     O pensamento de Bobby voava, numa luta feroz por uma boa explicação. Ele olhou de relance para Samantha.

     Para sua surpresa, Samantha tinha uma expressão de terror. Ela estava boquiaberta e parecia tremer.

     Por que ela ficou tão assustada? Bobby tentava pensar rápido. Por que ela está tão apavorada com a sua própria irmã?

     Bobby percebeu que caberia a ele tirar os três daquele encontro desagradável. Samantha estava muito desnorteada para ajudar em alguma coisa.

Ele respirou fundo e forçou um sorriso.

     - Oi, Bree - ele chamou, abanando a mão e parando em frente a ela.

     Ela balançou a cabeça, mas continuava muda. Os seus olhos o fixavam timidamente.

     - Eu e Samantha estávamos justamente falando de você - disse Bobby carinhosamente, ignorando o seu estado de estupefação.

     - É? - perguntou Bree com um jeito estúpido, quase sem voz.

     - Foi muito engraçado - disse Bobby, pensando rápido. - Eu e Samantha nos esbarramos. Justamente agora. E eu pensei que fosse você! Acredita? Eu comecei a falar com ela e a chamei de Bree. Pensei que fosse você.

O olhar de Bree desviou-se para a irmã.

     - Eu não sabia que você vinha ao shopping esta noite, Sam - disse Bree, desconfiada.

     - Eu estava fazendo compras - respondeu Samantha gaguejando. - Eu não tinha nenhum programa. Então, você me conhece. Na dúvida, faço compras. - E soltou uma gargalhada artificial.

     Por que Samantha mentia tão mal? Bobby estranhava. Por que tremia tanto? Ela não podia ficar tão apavorada diante da irmã. Ou poderia?

     - Eu estava justamente explicando para Bobby que não era você. Sou eu - continuou Samantha, gaga e sem graça.

     Bree parecia ter relaxado um pouco. Ela descerrou os punhos e relaxou as mãos. O seu cabelo estava preso para trás por uma fita azul. Não usava maquiagem, nem batom. Bobby reparou que ela era realmente linda.

     As duas eram lindas. Talvez eu possa convidar as duas para saírem comigo ao mesmo tempo esta noite. Duas para dividir um só.

Eu posso encarar esta, pensou, rindo para si mesmo.

     - Eu não sabia que você viria aqui hoje à noite - disse Samantha a Bree. - Poderíamos ter vindo juntas.

     - Eu estava aborrecida - respondeu Bree. - Então pensei que poderia comprar um jeans novo. Eu arruinei este aqui escorregando na grama no piquenique da semana passada, lembra?

Samantha assentiu.

- Então vamos. Vou te ajudar. - Ela pegou Bree pelo braço e começaram a andar.

     - Ei! - Bobby não sabia o que dizer. - Eu poderia ir junto...

- Tchau, Bobby - Samantha se despediu. - Que encontrão, hein?

- Me telefona, está bem? - Bree pediu.

     - Eu não acredito nisso - murmurou Bobby enquanto assistia às duas desaparecerem.

Eu arranjei uma excelente desculpa. Livrei a mim e a Samantha desta enrascada. E agora as duas se afastam como se eu tivesse uma doença contagiosa!

     O que será que aconteceu? Por que Samantha estava tão aflita para afastar Bree daqui?

     Ele sacudiu a cabeça, tentando desembaralhar aquela história.

     Samantha é totalmente louca. As duas são totalmente loucas.

     Ele começou a andar em direção ao estacionamento. Eu deveria largar as duas. Tem muitas garotas na Shadyside que estão sem ninguém por culpa das duas. Tem muitas

garotas morrendo de vontade de sair com Bobby gostoso.

     Mas havia algo de especial em Samantha e em Bree. Não era apenas a beleza das duas. Não era a maneira como o tocavam, tampouco o jeito carente e intenso com o qual as duas o beijavam. Também não seria pelo fato de as duas gostarem tanto dele.

     Muitas garotas são loucas por mim, pensava Bobby. Elas são duas dessas garotas e eu estou com as duas. Esta é a questão!

     A escola inteira está falando de mim! Bobby se orgulhava. A escola inteira sabe que as irmãs gêmeas Wade são minhas. Estou famoso!

     Vão falar de Bobby gostoso, por muitos anos na Shadyside! Deveriam até mesmo colocar uma estátua enorme, bem em frente à entrada principal da escola. Com os seguintes dizeres: "Bobby, o gostosão. Duas irmãs gêmeas de uma só vez."

Estes pensamentos levantaram o seu astral.

     Ele deu uma volta por ali, procurando algum conhecido. Como não encontrou ninguém, parou e comprou um milkshake de chocolate.

     Samantha deve ter poderes sobre a minha mente, brincava Bobby consigo mesmo, enquanto sorvia o último gole da calda de chocolate. Eu jamais sentaria aqui sozinho para tomar um milk-shake se ela não tivesse colocado esta idéia na minha cabeça.

     Pagou a garçonete, limpou o bigode de chocolate com um guardanapo e caminhou para o estacionamento. Para sua surpresa, o chão estava coberto de poças de água.

Deveria ter chovido muito enquanto ele estava no shopping.

     Ele levantou os olhos, procurando a lua, agora encoberta por uma espessa camada de nuvens.

     Seus sapatos espalhavam a água das poças, enquanto andava até o carro. Quando avistou o Bonneville vermelho, Bobby notou que havia algo errado.

     Ele estava inclinado, um lado mais baixo do que outro. O carro parecia mais baixo do que os outros.

     Bobby esperou uma caminhonete passar com luzes que o forçavam a fechar os olhos. Em seguida, ainda piscando, correu para o carro.

     - Uau! - gritou ao ver que o carro estava mesmo estranho. - Os pneus!

Os pneus da frente estavam ambos furados.

Quem poderia ter feito isso?

     Bobby se abaixou e tentava examiná-los sob a luz do estacionamento.

Cortados. Os dois pneus foram rasgados.

     Fizeram rasgos enormes nos pneus. Talvez com um canivete.

   Bobby passou a mão sobre a tira de borracha rasgada. Um carro passou por ali espirrando a água das poças. Bobby deu um grito quando sentiu a água nas costas.

     Ele agachou ainda mais para examinar os pneus traseiros. Também furados.

     - Quem? - Bobby perguntou em estado de choque. -Quem fez isso?

     Ele se debruçou sobre o porta-malas, sem se importar mais com as poças de água, os olhos percorrendo o amplo estacionamento.

- Quem fez isso! - ele deu um grito inconformado. Não havia ninguém por ali. Mas ele continuava a gritar.

     Como vou voltar para casa? Quem poderia fazer isso comigo?

     Ele deu a volta para observar novamente os pneus da frente, como se pudesse ter alucinado e nada daquilo fosse verdade. Talvez eles pudessem estar inteiros.

Não.

Os pneus foram cortados em tiras.

Bobby bateu com as duas mãos na capota do carro.

     Ele levou algum tempo para perceber que um carro tinha parado em frente ao seu. Ele ouviu um motor roncar, viu o reflexo dos faróis no asfalto e esperou o carro passar. Como o carro estava parado, ele levantou para olhar para a janela do motorista.

     Ele a reconheceu de cara. Viu o riso estranho e divertido riso em seu rosto. Desconfiou logo que poderia ter sido ela quem havia furado os quatro pneus de seu carro.

 

UM CHOQUE

- Melanie! - exclamou, surpreso.

     Ela sorriu para ele com aquele sorrisinho esquisito, o rosto meio escondido pela escuridão.

- Melanie, você! - gritava Bobby.

     Ela abaixou o vidro de sua janela. Uma música alta vinha do interior do carro.

- Oi, Bobby! Eu achei mesmo que era você!

     Parecia muito simpática. Desde quando era tão carinhosa e amigável? Ela o vinha tratando com muita estupidez desde que ele tinha começado a namorar as gêmeas.

     Ele pulou uma poça de água e se apoiou com as duas mãos na porta do carro, encarando-a. Ela desligou o rádio. O silêncio súbito parecia mais atormentador do que a música.

- Vou me encontrar com Arnie - explicou Melanie. -Mas parei aqui para comprar uma coisa para minha mãe. Eu achei que era você à distância e resolvi parar...

     Ela se interrompeu bruscamente, olhando para o carro de Bobby.

- Nossa! O que aconteceu com os seus pneus?

     Cínica, imbecil, ridícula, pensava Bobby. Será que ela acha que vou acreditar nesta inocência descarada?

- Alguém os cortou - disse ele, estudando-a atentamente.

- O quê? - Melanie ficou boquiaberta.

     - Alguém rasgou todos os quatro pneus - disse Bobby contrariado. - Pode me dar uma carona?

Ela concordou com a cabeça:

     - Claro, entra aí. - Ela olhou longamente para o carro, avaliando o estrago. - Que boa coincidência eu ter aparecido agora... - ela disse, enquanto ele sentava ao seu lado.

     - É. Uma coincidência... - Bobby estava amargurado. Bateu violentamente a porta do carro de Melanie.

 

     Depois das aulas de segunda-feira, Bobby guardou o seu material no armário e se dirigia à sala de música para mais um ensaio com a banda.

     Arnie tinha telefonado no sábado com a novidade de que ele e Paul queriam mudar o nome da banda para Desesperados. Bobby não tinha o que discutir.

     Acreditava que iriam arrasar diante da escola inteira na próxima sexta-feira. Não importaria se a banda se chamasse Desesperados ou Rolling Stones!

     No domingo ele perdeu muito tempo pensando sobre Melanie e os pneus furados. Ele ficou convencido a princípio de que fora ela a responsável por tudo.

     Ela tinha tanto ciúme das gêmeas... Ele achava que Melanie o queria de volta. Ela está tão desesperada que perdeu a cabeça,

Mas, depois de refletir mais um pouco, achou que estava errado. Melanie e Arnie pareciam muito felizes juntos.     Melanie era amiga de Bree e Samantha. Certamente estava aborrecida com o fato de Bobby sair com as duas ao mesmo tempo.

     Estaria tão irritada ao ponto de furar os quatro pneus de meu carro?, pensou Bobby. Ela estaria se incomodando tanto assim com esta história?

A resposta era não. Sem chance.

     Uma garota não era forte o bastante para cortar pneus tão profundamente. Uma garota não sabe manejar um canivete. Sem chance.

     Bobby achou melhor procurar outro suspeito. Mas quem? Ele não tinha pistas.

     No caminho para a sala de música, ele parou para conversar com um grupo de jogadores de basquete. Ele avistou Bree do outro lado do saguão. Acenou para ela, que lhe retrubuiu o adeuzinho.

- Espere aí - gritou Bobby.

     Ela desapareceu no auditório, provavelmente atrasada para o ensaio do coral.

Ele dobrou o corredor e deu de frente com Samantha.

- Ei! Como vai?

     - Eu o vi correndo atrás de Bree - disse ela timidamente. - Você não está se apaixonando por ela, está?

     - O quê? - ele sacudiu a cabeça e estampou o sorriso mais inocente. - Sem chance, Sam.

Samantha se acalmou. Ela agarrou-o pelo braço e disse:

- Venha comigo rápido.

Ele não queria:

- Estou atrasado para o ensaio.

- Só um minutinho - disse ela. Ela o puxava pela mão. - Vem. Não vou te morder não. - Um sorriso doce se estampou em seu rosto. - Ou talvez eu vá te morder.

     Ela o puxou escadaria abaixo em direção ao laboratório de ciência. A porta estava fechada. Ela agarrou a maçaneta e a abriu.

- É o seu projeto científico? - perguntou Bobby. - É isso que você quer me mostrar?

     Ela negou com a cabeça. Eles estavam de pé no amplo salão. As luzes estavam apagadas.

     Bobby procurava o interruptor, mas ela o segurou pela mão. Ela o encostou contra a parede e lhe deu um louco e apaixonado beijo.

     Quando ela finalmente se afastou, os dois estavam sem fôlego.

- Gostei de seu projeto - brincou Bobby. - Nota dez.

Ela riu. Bobby pôde ouvir o alarido de excitação dos dois macacos.

     A luz pálida que entrava por uma pequena fresta das janelas fechadas o deixou vê-los aos pulos dentro da jaula no fundo da sala.

     Ele procurou novamente a luz, mas Samantha o segurou novamente.

- Quero te mostrar uma coisa - sussurrou.

     Eles ouviram passos firmes do lado de fora. Gargalhadas e vozes de dois professores. Samantha tapou a boca de Bobby com as mãos. Eles pareciam petrificados na escuridão, esperando que os dois professores fossem embora.

     Samantha abaixou a mão e avançou na sala escura. Seus olhos reluziam excitados sob a luz fraca que invadia a penumbra.

- O que você quer me mostrar? - Bobby perguntou impaciente.

Um sorriso meigo se abriu no seu rosto.

     - Lembra que eu disse que havia uma maneira de me diferenciar da Bree? - disse baixinho.

- Lembro - respondeu, sem entender onde ela queria chegar. Ele a agarrou pela cintura. - Beije-me de novo e eu aposto que posso dizer qual é a diferença.

Ela o empurrou.

     - Cale a boca, Bobby. Eu quero lhe mostrar isto. Olhe! - Ela esgaçou a gola de sua camiseta deixando de fora o ombro esquerdo. - Vê?

     Bobby chegou bem perto, se esforçando para ver o que era. Uma tatuagem. Uma linda borboleta azul tatuada em seu ombro.

- Linda! - ele murmurou.

- Bree não teria jamais uma tatuagem - disse. -Nunca.

     Ela endireitou a camisa. Colocou as duas mãos nos ombros de Bobby e o empurrou contra a parede.

     - Eu quero que você termine com Bree, Bobby - disse ela, entredentes.

- O quê? - reagiu Bobby surpreso.

     Ela o empurrou com mais força, apertando-o contra a parede.

- Cansei desta situação - disse séria. - Não estou nem aí para o que ela sente. Quero que você se livre dela.

- Bem... - Bobby hesitava.

- Diga a Bree que não vai vê-la nunca mais. Seja gentil ou então não seja gentil. Apenas livre-se dela.

- Vou tentar - prometeu Bobby.

- Tentar, não. Vai fazer! - disse, sacudindo-o pelos ombros. - Estou falando isso para o seu bem. Não estou sendo egoísta. Você não conhece minha irmã. Não sabe o que é se envolver com ela. Eu já avisei uma vez.

- Está bem - disse Bobby baixinho. Ele não tinha certeza de que iria terminar com Bree. Ele gostava dela, gostava muito dela. Mas não queria discutir isso com Samantha.

     Samantha se aproximou e o beijou novamente. Um beijinho rápido, como se apenas selasse o acordo.

     Os macacos se agitavam a mil por hora na jaula. Bobby acendeu as luzes. As duas lâmpadas fluorescentes iluminaram a sala.

- Você conhecia Wayne e Garth? - perguntou Bobby, caminhando em direção a eles. Eles saltavam para cima e para baixo de felicidade por vê-lo. - Veja. Eles pensam que vou lhes dar comida.

- Eles são tão lindos! Eu adoro os rabinhos enroscados. Bobby colocou o dedo dentro da jaula e fez um carinho nas costas de Garth.

- Eu poderia pegá-los e deixar você segurar um no colo, mas tenho realmente um encontro com Paul e com Arnie. Tenho que ir.

     - Eu trouxe você aqui para mostrar o meu projeto científico - disse Samantha. Ela apontou para um pequeno aquário de vidro em cima de uma mesa junto à parede. - Veja! Meus bichinhos também são lindos.

     Bobby olhou de perto pelo vidro do aquário. A princípio ele viu apenas uma areia amarela que cobria todo o fundo do aquário. Depois viu grandes insetos vermelhos escavando a areia.

- Formigas?

Samantha assentiu, com os olhos fixos no aquário.

     - Estranho. Nunca tinha visto formigas vermelhas. Elas são enormes! - comentou Bobby.

- São formigas carnívoras - explicou Samantha. - Da Nova Zelândia.

     - Interessante - disse Bobby, abaixando-se para vê-las mais de perto. - O que elas estão comendo?

- Um rato morto - respondeu Samantha.

- Hum! - Bobby olhou para ela e depois voltou a -)bservar o aquário. - Estão fazendo um belo trabalho. Vão deixar esse rato só nos ossos.

- Elas comem vinte vezes o próprio peso todos os dias - explicou Samantha com uma voz estranha.

     O jeito dela dizer isso, algo que brilhava em seus olhos, a expressão de satisfação no rosto, tudo isso provocou um calafrio em Bobby.

Ele se levantou.

- Elas me deixaram com fome! - brincou.

Samantha não achou graça.

     - Mais tarde - disse ele em direção à porta -, eu te ligo. Agora tenho que ir.

     - Mais tarde - disse Samantha como se já não estivesse ali.

     Ele ainda olhou para trás e pôde vê-la abaixada diante das formigas vermelhas.

 

     - Você está nervoso? - perguntou Arnie, penteando a penugem loura, aquele projeto de bigode.

Bobby abanou a cabeça.

- Que nada, cara! Nós estamos como sempre es Paul gargalhou.

- Isso é um elogio ou é uma crítica?

     Bobby riu sem responder. Eles estavam atrás do palco do auditório, esperando a vez para a apresentação naquele festival de primavera.

- Eu só espero que deixem a gente regular o som antes de entrar no palco - resmungou Bobby.

- Não há como regular um teclado - comentou Paul.

     - Você me entendeu muito bem - disse Bobby com um tom áspero na voz. - E se o volume não estiver equilibrado? E se o meu amplificador estiver muito alto ou muito baixo? E se um dos amplificadores estiver queimado ou coisa parecida? Eles devem nos dar uns minutos para checar o som.

- Ih, você está muito nervoso - comentou Arnie. Ele bateu com as duas baquetas contra a parede produzindo um ritmo acelerado.

- Nós somos os próximos - informou Paul. - Logo depois desta exibição de ginástica.

     - Eles vão liberar o palco para eu ter espaço para me mover, não é? - perguntava Bobby, preocupado.

Paul soltou um ganido.

- Você não vai rebolar pelo palco de novo, vai?

- Que banda é essa? - Bobby estava irritado. - Niguém o nomeou nosso líder, Paul.

- Nós não temos líder, lembram? - Arnie interrompeu, instalando-se entre os dois.

     - Nós também resolvemos que não queremos Bobby ciscando pelo palco como um galo no quintal - retrucou Paul.

- Meu cabelo está bom? - Bobby perguntou a Arnie, ignorando Paul. - Que tal esta roupa? - perguntou Bobby, ajeitando a gola da camiseta vermelha brilhante que estava usando.

- Tudo bem - Arnie levantou o polegar para Bobby. Bobby viu Kimmy Bass logo em seguida, espiando por uma porta aberta. Olhava com o maior desagrado para Bobby.

- Qual é a dela? - gritou ele bem alto, olhando para ela. - O que está fazendo aqui?

- Não deve ser por gostar de você - comentou Paul rindo com sarcasmo. - Kimmy tem falado mal de você para a escola inteira.

- De mim? - Bobby olhou para ela através da penumbra do palco. Ela não se movia de onde estava.

- Kimmy está dizendo para todo mundo que você é um descarado, um tarado sexual - disse Paul.

Bobby gargalhou.

     - Ela está apenas com ciúmes.- Ele balançou a cabeça. - Desculpe Kimmy - disse ele bem alto. - Eu gostaria de te dar mais atenção, mas não tenho tempo para todas as garotas desamparadas desta escola!

     Arnie soltou uma gargalhada e deu uma palmadinha em Bobby. Paul ia dizer alguma coisa, mas parou quando ouviu os aplausos e os gritos que vinham do auditório.

     A apresentação de ginástica tinha terminado. A platéia estava aos pulos. A professora McCuller, diretora do espetáculo, pedia a todos silêncio para que a banda pudesse entrar.

     - Lá vamos nós - disse Bobby, ajustando a gola da camisa e entrando no palco.

- Aqui vão os Desesperados - bradou Arnie.

     Eles foram recebidos por um misto de aplausos e vaias logo que apareceram na pista iluminada do palco. Bobby tentou analisar o público, mas o auditório estava muito escuro para reconhecer qualquer rosto além da primeira ou da segunda fila.

     Os instrumentos estavam ao fundo do palco. Bobby pegou a sua guitarra Fender e colocou a alça para prendê-la no ombro. Ele viu que Arnie tinha uma expressão tensa logo que sentou-se à bateria.

     Paul empurrou os teclados para o centro do palco. Bobby abaixou para ligar o amplificador. Houve um estrondo. Ele girou o volume para o mais alto possível.

Aquilo abafaria o som de Paul, mas e daí?

Ele parou na frente de Paul.

- Ei vai para o lado, cara. Você está me bloqueando -reclamou Paul.

   Bobby fingiu que não ouviu. Voltou-se para Arnie e perguntou:

   Pronto?

Arnie segurou as baquetas.

- Vamos nessa.

   Bobby retirou uma palheta do bolso e a fez deslizar pelas cordas da guitarra.

   Um forte solavanco, como um soco no estômago, jogou-o ao chão, estirado.

   Em seguida, ele ouviu um enorme estrondo. O barulho do estouro não tinha mais fim. Seus braços estavam caídos inertes acima de sua cabeça quando o seu corpo começou a sacudir novamente. Sacudia sem parar.

   Ele percebeu apenas que não podia mais respirar antes de perder totalmente os sentidos, um mergulho sem fim na escuridão.

 

MORTO

Bobby piscou os olhos. Alguns rostos cinzentos flutuavam sobre ele num ambiente nebuloso.

   Rostos cinzas, bocas abertas, olhos arregalados de compaixão.

   Ele piscou os olhos novamente. Aqueles rostos não desapareciam.

   Ele achou que aquilo fosse mesmo a morte. Gente cinza flutuando pelo espaço. Ele estava morto.

- Ele abriu os olhos - disse alguém.

- Está respirando bem - disse outra voz.

   Tudo girava à sua volta. Os rostos se transformavam e se mexiam.

- Não tente se sentar - alertou alguém.

- Não. Vamos fazê-lo sentar - discordou um daqueles rostos.

   Bobby começou a reconhecer aquelas caras. A sra. McCuller, com uma fisionomia exausta. Arnie, com um sorriso estranho e apavorado nos lábios. Melanie, olhando-o quase sem cor. Kimmy, com o mesmo jeito inexpressivo de Melanie.

- Estou morto? - a voz de Bobby reapareceu baixinho,chocada.

Alguém riu muito.

- Você ficará bom - comentou a sra. McCuller. -Você levou um choque violento. Tivemos que chamar uma ambulância. Você acha que consegue sentar?

   - Mas estou morto afinal? - Bobby repetiu. Os rostos boiavam no espaço à sua volta. Ele precisava de uma resposta concreta.

- Você vai ficar bem garantia a sra. McCuller.

- Ei, vejam só isto! - Bobby ouviu a voz de Paul ao longe.

Os rostos voltaram-se para ele.

- Os fios do amplificador foram cortados! - Bobby ouviu Paul exclamar.

     Bobby sentou rapidamente. As palavras de Paul o deixaram vivinho de novo. As nuvens desapareceram, os rostos pararam de flutuar.

     - O que você disse? - perguntou Bobby, olhando meio vesgo para Paul.

     Ele viu Paul num canto, com os fios do amplificador nas mãos, examinando-os com a maior atenção.

     - O fio está totalmente danificado - anunciou Paul. -Parece que alguém o cortou de propósito.

- Não foi à toa que você levou um choque, cara! - gritou Arnie, descontrolado.

     Por que ele berrava daquele jeito?, perguntou-se Bobby. Ele está estressado ou será por causa do meu choque?

     Melanie e Kimmy olhavam cabisbaixas para ele, com os lábios contraídos.

     Bobby lembrou-se dos pneus furados no estacionamento do shopping. Ele voltou a olhar para o fio danificado nas mãos de Paul.

     O que estaria acontecendo? pensava, olhando um a um à sua frente. Alguém estaria tentando matá-lo?

 

- Você acha que poderia ter sido Bree?

     Bobby tirava o tênis, enquanto segurava o telefone sem fio entre o queixo e o ombro. Ele ouviu a exclamação de surpresa de Samantha do outro lado da linha.

Arremessou o tênis para o outro lado do quarto e estirou-se na cama, olhando para o teto enquanto falava ao telefone.

     - Alguém danificou os fios do amplificador - disse ele para Samantha. - Alguém estava a fim de me dar um choque.

- Você não acha que pode ter sido um acidente? -sugeriu Samantha.

     - Não, o fio estava cortado - disse Bobby, abaixando a voz enquanto sua mãe passava pela porta do quarto. - Era um material novinho. Não poderia se destruir da noite para o dia daquele jeito.

- Uau! - exclamou Samantha.

- E aí, você acha que pode ter sido Bree? - perguntou ele de novo. - Você acha que ela descobriu tudo sobre nós dois?

- Eu não acho - protestou Samantha. - Acho que ela desconfia de alguma coisa, mas realmente não acredito... - sua voz foi desaparecendo.

- Bem, se ela não descobriu que estou saindo com você - perguntava ele, olhos fixos no texto -, não faria nada assim tão violento, não é?

- Eu te avisei sobre a minha irmã - replicou Samantha docemente. - Ela é capaz de fazer qualquer loucura!

     Bobby ia responder, mas uma batida na sua porta o fez parar e se voltar.

- Bree!

     Ela já estava de pé no meio do quarto, olhando-o atentamente.

Bobby ficou sem respiração.

O que será que ela ouviu?

 

NÃO É SAMANTHA!

Bree deu alguns passos, olhos nos olhos de Bobby.

     - Falo com você mais tarde - disse Bobby ao telefone. Desligou e colocou o fone ao lado, em cima da cama. Sacudiu os pés e se levantou. - Oi, Bree. Como você entrou?

     - Sua mãe me deixou subir - disse. - Com quem você estava falando?

     - Com Arnie - mentiu. Ele estudou a sua fisionomia, tentando descobrir se ela tinha ouvido alguma coisa de sua conversa ao telefone.

- Você está bem? - perguntou Bree.

Ele assentiu.

- Estou. Ainda um tanto espantado.

     - Eu fiquei preocupada! - Bree gritou numa repentina comoção. Ela abaixou-se ao seu lado na beira da cama e agarrou as suas mãos. - Fiquei aflita, Bobby! Quando

vi você cair no palco, pensei... pensei...

- Já estou bem - disse ele.

     Será que ela estava sendo sincera ou aquilo era uma representação teatral?

     Ela enroscou os braços em volta do pescoço dele e começou a beijá-lo.

     - Oh, Bobby - ela murmurava -, você é tão importante para mim!

 

     Bobby debruçou-se sobre o balcão amarelo brilhante e sorveu a Coca-cola num só gole. Arnie, num banco atrás dele, deu-lhe um tapa nas costas que quase o fez engolir a garrafa.

- Que grande solo de guitarra, cara! - brincou Arnie -pena que foi um tanto curto.

Bobby olhou para o amigo.

- Sem piadas.

     - Curto! - gritou. - Curto, sacou? Fiz um trocadilho incrível.

     - Você não tem graça, cara - disse Bobby aborrecido, girando o corpo no banquinho redondo. - Pare com isso. Eu poderia ter morrido, você sabia?

Arnie virou-se para encarar Bobby.

     - Duvido. Não havia potência no amplificador suficiente para matá-lo. O que aconteceu com o seu senso de humor, Bobby?

     Os dois estavam sentados lado a lado no balcão do The Comer, uma lanchonete popular entre os alunos da Shadyside. Era uma tarde quente de segunda-feira. Todos corriam de um lado a outro, ouviam-se gritos. Bobby e Arnie eram os únicos ali no balcão.

     - Estou fora da banda - murmurou Bobby, evitando o olhar de Arnie.

- Nada disso! - protestou Arnie. - Você arranja uma nova guitarra e...

     - Você não entendeu! - reagiu Bobby, irritado com o amigo. - Alguém tentou me eletrocutar, não importa o que você pense. Alguém quer me matar, cara. Primeiro os pneus do carro. Agora minha guitarra. Tenho que tomar muito cuidado!

Duas mãos fortes o agarraram pelo ombro.

     Bobby gritou. Ele ouviu uma sonora gargalhada, voltou-se e viu David Metcalf, um nome famoso do time de luta livre da Shadyside.

- Ei, Bobby, adorei a sua banda! - declarou aos gritos. - Vocês podem fazer outros números? - Ele soltou uma nova gargalhada e bateu nos ombros de Bobby.

Bobby olhou-o com raiva.

     - Como é que pode ser tão engraçado eu ter ficado quase torrado? Qual é a graça?

David não respondeu.

- O que vocês estão preparando para a próxima apresentação? Uma explosão na escola? - Às gargalhadas, balançando a cabeça, David afastou-se com seu companheiro Cory Brooks para pegar uma mesinha ao fundo da lanchonete. - Estou feliz que você esteja bem, cara!

- Que gracinha! - disse Bobby com ironia.

- Você não pode sair da banda - continuou Arnie. -Lá vem Melanie. Diga para ela sentar aqui, está bem? Tenho que telefonar para minha casa e já volto.

    Arnie acenou para Melanie e correu para a cabine telefônica. Melanie percorreu todo o balcão, deixou a mochila escorregar dos ombros para o chão e sentou-se no banquinho vazio ao lado de Bobby.

- Você está bem?

- Estou - disse Bobby com a voz fria.

- Talvez alguém esteja tentando te dizer alguma coisa - disse ela, meio sem jeito.

Ele olhou para ela e bebeu um longo gole de Coca.

- Ah, é? Dizer o quê? Para eu parar de sair com as gêmeas ao mesmo tempo, é?

     A garçonete limpou o balcão em frente a Melanie. Ela pediu refrigerante e batata frita.

- Será que estão querendo repetir o seu conselho? -perguntou Bobby, debochando.

     Ela franziu a testa, olhos fixos no balcão. A porta se abriu atrás deles deixando entrar uma lufada de ar quente.

- Olhe - disse ela, suavemente - conheço as gêmeas desde o jardim de infância.

- Pensei que elas tinham se mudado para cá no ano passado - interrompeu Bobby. Ele chupou ruidosamente o canudinho até o último gole de Coca, arremessou-o para cima

do balcão e virou o copo na boca para mastigar as pedras de gelo.

     - É, mas os nossos pais são amigos de infância. Minha mãe estudava com a mãe delas.

     - Por que você está sempre no meu pé? - perguntou Bobby. - O que você tem a ver com isso?

     - Eu sei o que é estar magoada com você - disse ela, baixando os olhos. - Não quero vê-las assim.

- Elas são gente fina - disse Bobby. - Vão se dar bem.

       - Bobby, você não sabe o que está dizendo - Melanie disse calorosamente, olhando em volta o ambiente do restaurante. - Veja. Os seus pneus foram cortados.

A sua guitarra foi sabotada...

Bobby agarrou-lhe os pulsos.

- O que você sabe sobre isso, Melanie?

     - Eu? - ela soltou-se. - Eu não sei de nada. Estou tentando ser sua amiga.

     - Amiga, é? - a expressão de Bobby se suavizou. - Já entendi. Você quer voltar comigo. É isso? - Ele abanou a cabeça, rindo para si mesmo. - Vem daí este monte de advertências? Você quer Bobby de volta, não é? Entendi tudo!

     Ele inclinou-se para ela e encostou o nariz no seu pescoço.

- Talvez a gente possa falar disso só nós dois em um lugar mais discreto.

Melanie deu um grito de nojo.

     - Você é um descarado! - disse, afastando-se. - Sei que pode ser difícil de acreditar, Bobby, mas não quero você de volta. De jeito nenhum.

Bobby deu um salto e deixou um dólar no balcão.

     - Não estava falando sério de voltar com você. Só queria fazê-la sentir-se melhor. Diga ao Arnie que mandei um abraço.

Ele saiu da lanchonete sem olhar para trás.

 

     Depois do jantar, Bobby foi dirigindo até a Rua do Medo. Samantha o encontrou a umas cinco quadras de sua casa. Ela pulou ao seu lado e lhe deu um beijo no rosto.

- Aonde nós vamos? - ela perguntou.

     - Eu achei que a gente ia só se ver - disse ele. - Sua mãe não se incomoda que você saia durante a semana?

     - Ela não estava em casa - disse Samantha, afundando-se no carro, descansando os pés sobre o porta-luvas. Vestia uma camisa de seda azul com shortinho branco.

- Bree também não está em casa. Acho que ela saiu com minha mãe.

     Bobby saiu da Rua do Medo e tomou a direção da Rua Old Mill Road.

- Eu não tinha muito trabalho de casa - explicou, olhando a estrada. - Não me sentia bem em casa, não consigo relaxar, estou estressado.

- Coitadinho! - murmurou Samantha.

- Você também parecia entediada - comentou ele.

- Acertou! - disse ela, sorrindo para ele.

     Bobby ligou o ar-condicionado. Apesar de já estar escuro, ainda estava quente e abafado. Não havia vento algum na rua. As folhas das árvores estavam imóveis.

     - Você está muito quietinha hoje - disse ele, enquanto percorria uma alameda.

Samantha sorriu.

- Estou só pensando.

- Pensando em mim, espero - ele provocou. Depois concluiu: - Eu também tenho pensado muito, Samantha. Sobre sua irmã.

Samantha arregalou os olhos.

- Em Bree? O que houve com Bree?

- Ela não te contou nada sobre o que houve com minha guitarra? Sobre o que aconteceu no show?

Samantha mordeu os lábios, pensativa.

- Não. Nem uma palavra. Mas ela nunca fala de você para mim. Eu e Bree não temos mais conversado como antes. Acho que você sabe por quê - Samantha olhava pela janela para as árvores que passavam, uma após a outra.

- Você acha que Bree pode ter sido quem...

     Samantha colocou os dedos sobre sua boca para interrompê-lo.

- Não vamos falar de Bree hoje, está bem? Não quero falar dela.

Bobby a encarou.

- Está bem, de acordo.

     Ele achou Samantha muito estranha àquela noite. Ela não é tão quieta, tão silenciosa.

     - Eu só quero rodar e rodar de carro - disse Samantha, fechando os olhos e deitando a cabeça no assento do carro, esfregando os braços.

     Ao realizar esse movimento, a manga da camisa escorregou de seu ombro esquerdo.

     Bobby desviou os olhos do pára-brisa, olhou de relance para o ombro à mostra e quase se engasgou.

Nada de borboleta tatuada. Nada de tatuagem!

O seu ombro estava liso e sem marcas.

Ela ajeitou rapidamente a alça da blusa.

Tarde demais. Muito tarde.

     Bobby já tinha visto o ombro nu, sem marca. E percebeu tudo, horrorizado: Ela não é Samantha!

 

ALGO CHEIRA MAL

O coração de Bobby disparou. Ele lutava para se concentrar no volante para evitar que ele se desgovernasse.

     Ele a via se inclinado para ligar o rádio. O som explodiu bem alto. Ela deu uma gargalhada e em seguida baixou o volume.

- Onde está a sua tatuagem? - perguntou Bobby.

     - O quê? - Ele acreditou que sua pergunta foi abafada pela música alta.

     - Que estação é esta? - perguntou ela, mas Bobby mal podia ouvi-la debaixo daquele reggae-rap. - Você viu o clip desta música? É demais!

- A sua tatuagem... - ele repetia. - Samantha, você... - O quê? - Ela não o ouvia.

Era Bree ou Samantha? Bree ou Samantha?

     Uma dúzia de perguntas pipocavam ao mesmo tempo na cabeça de Bobby. Samantha já sabe que Bree descobriu tudo? Sabe que Bree está fingindo ser Samantha esta noite? O que Bree está pretendendo? Por que está fazendo isso?

     Ele sem querer perdeu a direção e entrou com o carro num gramado à beira da estrada. Voltou à pista ainda atrapalhado com todas aquelas questões.

     Decidiu encontrar a verdade de todo aquele mistério. Reduziu a velocidade, entrou novamente no gramado e parou. Imediatamente desligou o rádio.

Ela sorriu para ele, um sorriso demoníaco.

- Já vai estacionar? O que está planejando?

- Você é a Bree, não é?

Ela deu uma gargalhada.

- Bobby, você ainda está em estado de choque? Você não pode nos diferenciar depois de todo este tempo? - Posso. E eu sei que...

     -- Você está pirando? - perguntou ela, mal-humorada. - Eu lhe disse que Bree não estava em casa e você sabe que ela ignora o nosso namoro. - Ela era a insatisfação em pessoa. - Eu não acredito, Bobby. Estou arrasada. Como você pode achar que sou a minha irmã? É isso o que eu sou para você? Apenas uma das gêmeas Wade, não importa qual?

     Ela tinha os olhos rasos d'água. Estava visivelmente à beira de um ataque de choro.

- E a tatuagem? - ele insistia.

Ela parecia surpresa.

- Tatuagem? Que tatuagem? Bobby, estou muito aborrecida com você. Este choque que você levou deve ter afetado a sua cabeça.

- A tatuagem no seu ombro - ele não desistia.

- Você quer que eu faça uma tatuagem no ombro? -perguntou Samantha desorientada. Ela tocou o próprio ombro. - Meus pais vão me matar! Por que você quer que eu faça uma tatuagem?

     Bobby a encarou seriamente. Pensamentos confusos tumultuavam-lhe a cabeça.

- Mas Samantha...

- Tem certeza de que não sou Bree? - reagiu ela irada.

     Caramba!, Bobby. Você se meteu realmente numa grande loucura. Ela estava ficando uma fera. Como ele iria sair desta situação?

     - Desculpe - disse ele. - Talvez meu cérebro esteja carbonizado. Vamos esquecer tudo, Samantha.

     Ele tentou agarrá-la, mas ela afastou-se em direção à janela do carro.

- Leve-me para casa, está bem? - disse, com lágrimas nos olhos. - Fiquei sentida, Bobby. Muito magoada. Apenas me leve embora. Agora.

     Na manhã seguinte, ele viu Bree e Samantha na porta de sua sala de aula. Estavam bem perto uma da outra, conversando. Falavam ao mesmo tempo, gesticulavam muito.

Pararam instantaneamente quando o viram.

     - Como vão? - ele perguntou, cumprimentando-as. -Parecem muito bem!

Elas disseram qualquer coisa como resposta.

     Será que elas estavam falando dele? Ele delirava. Foi por isso que pararam tão de repente quando me viram? Ou será que discutiam quem sairá comigo da próxima vez? Bobby já não entendia mais nada. Ele perdeu horas e horas da noite passada viajando na cama, tentando desvendar o enigma da tatuagem. Depois, caiu finalmente em sono profundo, sem resolver coisa alguma.

     Deixou-as para trás, a fim de pegar alguns livros no armário. Estava quase na hora da primeira chamada. As paredes reverberavam os sons de abre-e-fecha de armários, gargalhadas, conversas da manhã.

     Bobby viu primeiro uma folha de papel, presa à porta de seu armário. Quando chegou mais perto, viu que era um bilhete.

Você está aqui dentro.

     As palavras eram claras, escritas com enormes letras vermelhas.

     Assim que ele puxou o bilhete, sentiu um cheiro insuportável. Alguma coisa está cheirando mal aqui. Muito mal.

De onde vem este fedor? De dentro do armário?

     Ele viu primeiro o sangue escuro, coagulado. O sangue se espalhava pelas paredes do armário.

     Depois, ele se inclinou para o chão do armário e viu a cabeça de um chimpanzé.

     Degolada na altura do queixo, a cabeça do macaco estava mergulhada numa poça negra de sangue. Os seus olhinhos frágeis olhavam sem vida para Bobby. A boca estava petrificada num silencioso grito de medo e dor.

 

"TEMOS QUE MATÁ-LA"

Com um grito alto, um gemido de horror, Bobby deu um salto para trás.

     Ele sentiu uma reviravolta no estômago e, antes que pudesse dar um passo, estava vomitando todo o seu café da manhã. Ouvia gritos de surpresa e lamentos de compaixão.

     Quando acabou, levantou-se. Estava apoiado num outro armário, com as duas mãos, esforçando-se para respirar.

- Pelo visto você comeu ovo no café!

Bobby virou-se para ver Arnie, abanando a cabeça.

- Sem brincadeiras, Arnie. Bobby estava chocado. Ele apontou para o seu armário ainda aberto. - Não olhe -avisou. - Ou vai vomitar também.

- Eu? - Arnie não pôde resistir. - Que nojeira! Quando ele viu a cabeça do macaco, deu um grito apavorado. Ficou ainda mais pálido do que sempre fora.

     Ele se abaixou em seguida e retirou a cabeça do macaco do armário. Ele a segurava na palma da mão e olhava para Bobby.

- Coloque-a no chão, cara! - Bobby gritava. - Você está louco?

- Mas não é de verdade, Bobby! Veja, é de plástico! Bobby examinou a boca escancarada do macaco, os olhos negros e brilhantes. - Não é um dos meus?

     - Não, cara - replicou Arnie, mostrando-o de perto. -É de plástico. Só um brinquedo!

     Bobby olhava o macaco de plástico nas mãos de Arnie, enquanto sentia um ódio violento surgir em seu peito e se espalhar rapidamente pelo seu corpo inteiro.

     De repente, ele deu um murro na cabeça do macaco e deixou-a rolar pelo corredor. Duas garotas gritaram, surpresas, quando viram a cabeça, jogada no chão.

- Quem está fazendo isso comigo? - perguntava Bobby. Quem?

- Onde você está nos levando? - perguntou Bobby.

     Pela janela do carro, ele observava aquelas árvores de troncos espessos. Elas se sacudiam ao vento. O verde brilhante da paisagem, fresca primaveril, tinha um tom de esmeraldas.

- Vamos a um lugar secreto - respondeu Samantha, sem sorrir, olhos fixos na estrada.

     Era uma tarde de sábado. Bobby tinha um encontro com Bree à noite, mas Samantha havia telefonado no fim da tarde, desesperada para falar seriamente com ele.

     Bobby pegou-a no seu Bonneville vermelho a poucos quarteirões de sua casa, na Rua do Medo. Samantha insistiu para que ele a deixasse dirigir. Prometeu que não faria nenhuma loucura e conseguiu se instalar ao volante.

     Tão logo saiu do meio-fio, ela abriu todas as janelas e o teto solar. O vento momo invadiu o carro, fazendo seu cabelo flutuar.

     Bobby reparava que ela tinha um ar de primavera, num top branco e um short de listinhas brancas e amarelas. O humor não estava tão irradiante quanto a sua aparência.

Ela mal disse uma palavra desde que saiu da cidade e se embrenhou naquele parque.

     Admitiu que também estava muito quieto, perdido entre tantos tormentos. Ele olhava as árvores, sentia na nuca o calor do sol que entrava pelo teto solar do carro.

     De repente, Samantha pegou um atalho estreito e imundo. O carro sacolejou por alguns metros até que ela parou embaixo de um abrigo cercado de árvores.

     - Por que você parou? - perguntou Bobby, acostumando os olhos com a penumbra. - Onde estamos?

     - Temos que conversar - disse ela, sem responder às perguntas. Ela desligou a ignição. O vento soprava-lhe os cabelos.

- Conversar sobre o quê?

     - Sobre aquela noite em que você me confundiu com a Bree.

     - Olha, me desculpe por aquilo - disse Bobby rapidamente.

     - Eu disse para você terminar com ela - interrompeu Samantha. - Lembra? Há várias semanas atrás.

- É, eu sei - disse Bobby, desconcertado.

     - Agora é tarde demais - disse Samantha, evitando o olhar de Bobby e enfatizando cada palavra.

- Como assim? Tarde para quê? - Bobby assustou-se.

- Tudo isso foi muito longe. Não quero mais dividir você. É muito difícil para mim, muito confuso. Nós estamos as duas confusas.

- Bem... - Bobby não tinha o que dizer. Ele tentava adivinhar o que Samantha queria. Ele sempre estava uns passos à frente de todas as garotas com as quais saía.

Sempre dominava a situação. E detestava sentir-se a muitos passos atrás como acontecia com Samantha e com Bree.

- Temos que matar Bree - disse ela fria como o gelo. Ele pestanejou. Teve a impressão que não ouvira bem o que ela dizia.

- Temos que matá-la - repetiu. - Não tem mais jeito. Bobby gargalhou.

   - Não entendi a brincadeira, Samantha. Você está tão sem graça quanto Arnie hoje.

     Ela agarrou a sua mão, os olhos ardendo sob aquela luz sombria de começo de noite.

     - Não é brincadeira. É sério. - Ela o segurava com as duas mãos. - Vamos matar Bree, Bobby. Ela me leva ao desespero. Você sabe disso.

     Bobby observava o crescente entusiasmo de Samantha, à medida que desenvolvia mais o tal projeto de assassinato.

- Vamos matá-la. Bobby - continuava Samantha, - Ficaremos só nós dois. Será maravilhoso!

     Bobby olhava atentamente no fundo de seus olhos. Ela falava sério? Estaria provocando-o? Era uma brincadeira?

     Não. Nada de brincadeira, concluiu. Samantha falava sério. Ela desejava aquilo. Queria realmente matar a irmã.

Ela soltou as suas mãos e o agarrou pelos ombros.

     - Está bem? - perguntou, chegando bem pertinho. Ela começou a cobrir-lhe o rosto com beijinhos curtos. - Está bem, Bobby? Vamos matá-la?

Ela o beijava na testa, nas bochechas, no queixo.

- Está bem? Podemos matá-la? Vamos?

- Está bem - respondeu Bobby. - Vamos matá-la.

 

NÃO SOMOS GÊMEAS

Samantha sorriu enquanto puxava com as mãos os cabelos para trás. A alça de sua blusa escorregou e Bobby viu num relance a borboleta azul tatuada no seu ombro.

     O que estaria acontecendo? Bobby estava chocado com a redescoberta da tatuagem. Com indiferença, Samantha pôs a alça no lugar e sentou-se diante do volante.

- Eu sabia que você iria concordar - murmurou Samantha, com o sorriso doce de gratidão ainda nos lábios. Ela ligou o carro.

Bobby ainda olhava para ela.

- A tatuagem... - balbuciava ele. - Você não a tinha naquele dia...

- Do que você está falando? Você sabe que eu tenho uma tatuagem.

- Então Bree estava fingindo ser você! - revelou Bobby. - Bree deve ter descoberto tudo a nosso respeito e decidiu se passar por você.

     - Bobby, você está dizendo um monte de besteiras -disse Samantha. - Está misturando tudo. Há razões muito mais fortes para matá-la.

Ela conduzia o carro por uma trilha terrível.

     - Quero lhe mostrar um lugar especial - disse ela suavemente.

     Bobby estava certo de que ela era totalmente louca. Samantha era de fato pirada.

     Por que ele não tinha percebido isto antes? Por que não percebeu logo?

Ela quer matar a própria irmã, sua irmã gêmea.

     Ele tinha que fazer alguma coisa. Ele concordou em ajudá-la no crime só para deixá-la mais calma, para que ela parasse de falar em matar Bree.

Ela é louca! Totalmente louca!

     Bobby pensava seriamente no que fazer enquanto o carro pulava naquele caminho estreitinho e perigoso, coberto pela copa das árvores, num mato fechado que bloqueava até a entrada da luz do sol.

     Teria que avisar Bree. Era a primeira coisa a fazer. Logo que chegasse em casa, telefonaria para Bree. Ela poderia falar com os pais, com a polícia, com quem quisesse.

     Samantha se sacudia alegremente enquanto o carro pulava a cada buraco. Ela animava-se consigo mesma na medida em que entrava cada vez mais na floresta.

     O seu humor mudou quando Bobby concordou em matar a irmã. Bobby percebeu isto e sentia uma reviravolta no estômago. Ela era uma doente mental.

     Ele desconfiou subitamente que era Samantha quem o andava torturando, cortando os seus pneus, sabotando a sua guitarra, colocando aquele macaco asqueroso no seu armário escolar.

Ela é perigosa, acreditava. Perigosa e louca.

     Ele foi jogado pra frente, quando ela parou bruscamente o carro.

     - Aqui estamos - ela lhe deu um sorriso carinhoso. -Nosso lugar secreto.

     Eles saltaram do carro, o ar era fresco e agradável. Bobby parou diante de uma cabana quase escondida pelas árvores.

     Um barril de madeira estava encostado numa das paredes da cabana. Uma grelha de churrasco enferrujada estava jogada na grama, ao lado do barril.

     - Onde estamos? - perguntou Bobby, seguindo Samantha em direção à entrada.

     - Esta é a cabana de minha família - respondeu. - É um esconderijo maravilhoso. - Ela o empurrou em direção à porta. - Vamos trazer Bree aqui. Ninguém a encontrará por várias semanas.

     Bobby sentiu novamente o estômago revirado. Ele percebeu que ela já tinha planejado tudo.

Ela parou diante da porta e sorriu para ele.

- Ninguém dá nada por esta cabana assim por fora. Mas ela é incrível por dentro. Vou te mostrar.

     Um marimbondo zumbia em volta da cabeça de Bobby. Ele se abaixou e tentou matá-lo.

Samantha deu uma risada.

- Você não tem medo de insetos, tem?

- Eu? Claro que não - disse Bobby.

- Você vai ter que forçar a porta. Esqueci as chaves. Bobby hesitou.

- Arrombar a porta?

- Não, apenas dê um empurrão forte com os ombros -instruiu. - A porta é frágil e abrirá facilmente.

     Ela lhe deu um empurrão de brincadeira em direção à porta.

     Bobby estava atônito. Pensava no que estava fazendo ali. O que estou fazendo ao lado desta maluca?

- Vá em frente - disse ela encorajando-o.

     Ele respirou fundo e, obediente, arremessou os ombros contra a porta. Ela balançou, mas não abriu. Da segunda vez, no entanto, estava aberta.

     Bobby entrou na pequena cabine. A luz do sol entrava pelas janelas e fazia brilhar o piso de madeira. Bobby viu um velho sofá de vinil, duas cadeiras de lona, duas mesinhas para TV de plástico, caídas num canto. Um mapa amarelado com inscrições indígenas estava emoldurado na parede acima da lareira.

     - É realmente rústico - disse Samantha, aproximando-se dele. - Mas é perfeito. Não há ninguém a quilômetros de distância. Foi por isso que meu pai a construiu aqui. Não vínhamos aqui desde julho do ano passado.

Bobby aspirou o ar.

- Está realmente com um cheiro de mofo - murmurou.

- Ficou fechada durante o inverno. Mas é agradável, não é? - Sem esperar resposta alguma, ela o cercou com os braços e o beijou apaixonadamente.

     - Então vamos fazer aquilo? Você e eu? - murmurou Samantha, mordiscando o lóbulo de sua orelha. - Vamos trazer Bree aqui e matá-la? E então ficaremos juntos para sempre?

- Está bem - disse Bobby.

     Ele ficou aflito para voltar para casa e avisar Bree. Começou a dizer que tinha que voltar, mas ela se atracou nele e o sufocou com beijos.

     - Bree, preciso te ver - disse Bobby afobado. Ele falava baixo, mesmo sabendo que estava trancado sozinho no seu quarto. - Agora!

- Mas Bobby - ela protestou. - Vamos nos encontrar daqui a duas horas, lembra? Não vamos dançar?

- Bree, ouça-me - Bobby implorou. - Nós temos que nos falar agora.

Bree estava surpresa.

- O que é tão importante que não pode esperar duas horas? Minha família está jantando agora e temos a visita de uns primos.

- Por favor, Bree!

- Não dá. Você espera um pouco até mais tarde. Tenho que ir. Te vejo às oito.

     A ligação foi cortada. Bobby desligou o telefone sem fio e o jogou na cama frustrado.

     - Estou tentando salvar a sua vida, idiota! - gritou ele, sozinho.

     Ele começou a andar freneticamente de um lado para o outro, absorvido por seus pensamentos. Como ele explicaria tudo para Bree? Ele não queria contar a verdade sobre suas saídas com Samantha. Isso só ia aumentar a confusão.

     Mas como lhe dizer que Samantha planejava matá-la? Bree iria acreditar nesta história louca? Iria acreditar?

   Ele caminhou para lá e para cá pelo quarto por um bom tempo. Depois se jogou na cama e começou a olhar para o teto. As idéias fervilhavam em sua cabeça. Os seus pais o chamaram para jantar, mas ele disse que não tinha fome.

     Finalmente chegou a hora de se encontrar com Bree na Rua do Medo. Ela sorria para ele à porta, vestida para dançar com uma camisa de seda verde, minissaia verde e meias pretas.

     - Boa-noite para todos! - gritou ela para os que estavam dentro de casa.

Bobby viu Samantha à porta da cozinha.

- Boa-noite para você também! - ela gritou.

Bobby conduziu gentilmente Bree para o carro. - Ainda vamos dançar? - ela perguntou.

     Bobby olhou-a intensamente nos olhos. Sua expressão estava solene.

- Bree tenho que lhe falar. Tenho uma coisa muito séria para lhe dizer.

- Bobby é tão cedo. Eu sou muito nova para me casar! - brincou. Ficou sem graça quando viu que ele não riu. - Ih, você está tão sério hoje.

     Ele saiu da Rua do Medo. Dirigiu alguns quarteirões e parou o carro no meio-fio.

- Ouça-me - disse ele. - Eu sei que pode parecer estranho, mas você tem que acreditar em mim.

Bree olhava para fora da janela.

- Por que você parou aqui? Ao lado do cemitério?

- Apenas ouça - disse Bobby impaciente. Ele iniciou a história que montara no seu quarto. - Eu estava passeando à tarde e de repente vi Samantha. Ela acenou para mim e eu parei o carro. Ela subiu e disse que precisava me falar uma coisa séria.

Os olhos de Bree se arregalaram de surpresa.

- Samantha queria falar com você? Sobre o quê?

     - Vou te contar - disse ele ofegante. Ela me fez dirigir até a cabana que sua família tem no mato. Aí ela me disse... ela me disse...

Bobby se engasgou. Bree iria acreditar nele?

- Samantha me disse que queria levá-la até a cabana e matá-la.

Bree abriu a boca, chocada.

- Não estou mentindo - Bobby garantia. - Eu achei que deveria te avisar, Bree. Sua própria irmã. Sua própria irmã quer te matar.

     Bree ficou estarrecida diante dele, boquiaberta. Seus olhos o encaravam esbugalhados. Depois apertavam-se como se ela tentasse entender. Sua expressão estava tensa. Ela balançava a cabeça, como se estivesse concluindo alguma coisa sobre si mesma.

- Tenho uma confissão para fazer, Bobby - Bree sussurrava, evitando o seu olhar.

   - Eu não posso acreditar que sua irmã gêmea queira te matar! - insistiu Bobby.

- Tenho que te dizer uma coisa - Bree falou solenemente. - Eu e Samantha não somos gêmeas!

 

JENNILYNN

Bree aproximou-se dele, seu rosto escondido pela penumbra. Ela apertava com força as duas mãos, a voz trêmula enquanto tentava explicar tudo a Bobby.

- Há uma terceira irmã - revelou, de olho na reação espantada de Bobby. - Eu e Samantha não somos gêmeas. Somos trigêmeas.

- Uau! - Bobby balançava a cabeça perplexo. - Que horror!

     - A outra se chama Jennilynn - continuou Bree, olhando para o cemitério da Rua do Medo. - Você deve ter estado com ela hoje à tarde. Não era Samantha. Samantha estava em casa o dia inteiro comigo.

- Eu não consigo acreditar nisso! - murmurava Bobby.

     Ele sabia que esta história era muito séria, mas, ainda assim, ele só pensava numa coisa: Eu tenho que contar para o Arnie! Espera só ele saber que eu saí com trigêmeas em vez de gêmeas. Será o máximo!

- Jennilynn é muito perigosa - continuou Bree, os olhos cravados nas lápides do cemitério que apareciam por trás do muro. - Nunca falamos sobre ela. Ela foi despachada para viver com nossos tios no oeste.

- Por quê? - Bobby perguntou, deslizando as mãos pelo volante do carro.

- Porque ela tinha um ciúme doentio de mim e de Samantha - confessou. - Qualquer coisa que tínhamos, ela queria ter também ou então a destruía. Jennilynn não podia aceitar a idéia de que éramos três e tínhamos que repartir tudo por três.

Bree suspirou.

     - Meus pais a levaram para terapia e tudo o mais. Nada resolveu. Mais tarde, quando tínhamos 13 anos, ela passou dos limites.

     Ela ficou em silêncio. Bobby percebeu que ela estava ofegante e mordia os lábios. Ele via que era muito difícil para ela falar daquele assunto.

- O que aconteceu? - perguntou Bobby suavemente. Bree respirou fundo e continuou.

     - Jennilynn nos trancou no nosso quarto e depois incendiou a casa.

- Oh, não! - gritou Bobby sensibilizado.

     - Por sorte, meu pai voltou mais cedo do trabalho, a tempo de evitar que morrêssemos queimadas. Depois disso, minha família tomou uma decisão drástica. Ela foi internada por mais de um ano. Quando ela teve alta, os médicos disseram que era mais seguro que ela não vivesse conosco.

     - Então ela foi parar no oeste? perguntou Bobby, acariciando os braços trêmulos de Bree.

Ela assentiu.

     - Ela vive com a irmã do meu pai e seu marido desde esta época. - Bree olhou para Bobby. - Por favor, não conte nada a ninguém - implorou. - Nós já mudamos duas vezes de casa. Esta foi uma das razões pelas quais entramos na escola Shadyside. Minha família quis começar tudo de novo, esquecer o passado.

     - Eu prometo. Não conto nada para ninguém - disse ele docemente, cobrindo-a de carinhos.

     - Eu não posso acreditar que meus tios nem telefonaram - disse Bree. - Eles provavelmente não sabiam que Jennilynn viria para cá. Vou avisar meus pais imediatamente.

Não sei o que vão fazer. Estou preocupada com você, porque ela é muito perigosa!

- Tomarei cuidado - disse Bobby.

   - Se você encontrá-la novamente, chame a polícia -implorou Bree. - É sério, Bobby. Chame a polícia na hora.

     Bobby ficou em silêncio por um longo tempo, entregue a profundos pensamentos.

     - Você acha que pode ter sido Jennilynn quem fez todas estas barbaridades contra mim? - perguntou.

Bree concordou.

- Certamente.

- Por quê? Ela nem me conhece!

     - Ela quer destruir tudo o que eu ou Samantha temos -disse Bree, sentindo um calafrio. Ela quer arruinar as nossas vidas.

     - Bobby sentiu um arrepio de medo percorrer-lhe todo o corpo. Ele estava congelado, apesar da noite tão morna.

     - Não posso acreditar que era Jennilynn quem eu encontrei à tarde. Pensei realmente que fosse Samantha!

     Bree encarou-o intensamente. Um uivo bem alto veio do cemitério. Os dois ouviram.

- Deve ser um gato - murmurou Bobby.

     - Vou te mostrar como diferenciar Jennilynn de mim e de Samantha - disse Bree baixinho.

- Como? - perguntou Bobby, nervoso.

Ela puxou a gola da camiseta.

- Aqui você pode identificar Jennilynn - revelou. Ela apontou para o seu ombro esquerdo. - Ela tem uma borboletinha azul tatuada bem aqui.

 

BREE ESTÁ DELIRANDO

Bobby prometeu que não iria contar a ninguém sobre Jennilynn, mas não cumpriu. Ele tinha que contar a Arnie.

     Meus dedos estavam cruzados quando prometi, pensou. Então não valia a promessa!

     Ele deixara Bree em casa. Nenhum dos dois sentia vontade de dançar. E Bree disse que estava muito abalada com a possibilidade de sua irmã ter voltado para aprontar novas loucuras.

   Ele pegou o caminho da casa dela, ela se aconchegou ao seu lado.

     - Estou chateada com esta história da Jennilynn. - Ela escorregava os lábios pelo rosto de Bobby. - Você gosta de mim, não é Bobby? - sussurrava. - Gosta mesmo, não é?

     Ele achou que ela iria se desmanchar em lágrimas. Ela era bonita e ele gostava de sair com ela. Mas era tão carente!

     Bobby não queria se envolver com este melodrama mexicano. Ele achava que elas deveriam resolver estas coisas só mesmo em família.

     - Sim, estou louco por você - disse ele, num murmúrio. Enquanto lhe dava um beijo de despedida, ele pensava no que Arnie diria ao saber que eram três irmãs gêmeas.

     Ele dirigiu às pressas para a casa de Arnie. Encontrou Arnie e Melanie na calçada, os dois iam entrar no pequeno carro de Arnie. Bobby se colocou diante deles, interrompendo-os.

- Ei, o que há? - perguntou Arnie, sorrindo para ele.

     Melanie fez uma careta. Era evidente que ela tinha detestado aquele encontro.

- Vamos ao último show do Tenplex, quer ir?

     Melanie o fuzilou com um olhar. Ela virou-se para Bobby.

- O que você está fazendo aqui? Está fugindo das gêmeas?

Bobby gargalhou.

- Boa lembrança. Eu vim aqui justamente contar as novidades para Arnie e é bom que você esteja presente, Melanie.

Ela fez uma cara de tédio.

- Obrigada.

- Você conhece as gêmeas Wade há tempos, não é? Ela admitiu.

- Já disse isso. Desde que éramos crianças.

   - Mas você não me contou que eram trigêmeas - disse Bobby estudando a sua expressão.

   - Uau! - gritou Arnie. - Três delas! Você vai sair com a terceira, Bobby? Isto será um recorde! - ele deu umas palmadinhas nas costas de Bobby.

     Bobby, no entanto, tinha os olhos fixos em Melanie, que permanecia impassível com aquela história.

   - E então, Mel? É verdade? Elas são realmente trigêmeas?

   - Não me chame de Mel - cortou Melanie. - Você sabe que odeio.

- Responda à pergunta - insistia Bobby.

Melanie hesitou.

- Não posso dizer, Bobby.

O sorriso de Bobby murchou.

- Não pode dizer por quê?

- Não posso - repetia Melanie firme. - Quem lhe contou que havia uma outra irmã?

   - Bree. Ainda agora - disse Bobby, olhando-a sem pestanejar. - É verdade ou não é?

- Não posso dizer! Quantas vezes terei que repetir? - Por que você não pode dizer?

- Eu prometia a elas - disse ela suavemente.

     - Então é verdade! - gritou Bobby. - Você prometeu a Bree e a Samantha que não contaria a ninguém sobre Jennilynn, certo?

     - Talvez - disse Melanie. E completou: - Talvez sim, talvez não. Fiz uma promessa, Bobby. Portanto não me pergunte mais nada. - Ela fez um sinal para Arnie.

- Vamos embora ou chegaremos atrasados.

Arnie sorriu sem graça para Bobby.

       - Trigêmeas ! Uau! E dirigiu-se a Melanie. - Como isso pode ser uma história tão secreta?

     - É uma história longa - disse Melanie. E dirigiu-se a Bobby: - Tchau, Bobby. Este caso vai ser mesmo sensacional.

     Bobby estava atordoado demais para voltar para casa. Ele atravessou a cidade, com o rádio baixinho e a cabeça nas irmãs Wade.

     Pensava em terminar com todas as duas. Estava na hora de sair com novas garotas. Por que iria privar as outras de Bobby, o gostosão?

     Depois pensou que era melhor terminar com Bree e continuar com Samantha. Era mais excitante. E adorava namorar. Seria difícil desistir daqueles beijos apaixonados.

     O macaco coberto de sangue veio à sua cabeça. Ele se lembrou também dos pneus furados, do choque no auditório.

     Não, as irmãs Wade eram turbulentas demais. E ele nunca iria querer uma terceira irmã psicopata. Ela joga muito pesado. Ele pensava em pular fora antes que Jennilynn fizesse alguma coisa mais séria. Ele poderia até morrer!

     Iria terminar com as duas no dia seguinte. Vieram tão fáceis e se vão também facilmente, pensava.

     Quando parou de dirigir, pouco antes da meia-noite, ele estava ainda muito confuso. Ainda não sabia o que fazer com as gêmeas.

Na tarde seguinte, um domingo cinzento com nuvens negras e espessas no céu, Bobby encontrou Samantha no estacionamento do shopping.

     Ela usava um pulôver azul-marinho com calças jeans bem largas. Tinha na cabeça um boné do time de beisebol Black Sox.

- O que aconteceu ontem à noite? - perguntou Samantha de cara, sem nem dizer um oi. - Você deixou Bree em casa tão cedo! E ela correu para o quarto muito aborrecida.

Você terminou com ela?

     Bobby negou com a cabeça. Samantha franziu o rosto de desapontamento.

- Bem, então o que aconteceu?

     - Ela me contou tudo sobre Jennilynn - respondeu Bobby.

- O quê? - Samantha ficou boquiaberta. Ela olhava Bobby por baixo do boné.

     - Ela disse que a sua outra irmã pode estar de volta. Você sabe, a Jennilynn - disse Bobby.

     Samantha empalideceu. Os seus olhos perderam o brilho instantaneamente.

- Coitada da Bree! Ela está delirando de novo!

- Como? - Bobby engoliu em seco. - O que você quer dizer?

     Samantha agarrou Bobby pelo braço, como se precisasse se apoiar em alguma coisa e recostou-se no carro.

- Não existe Jennilynn, Bobby - murmurou ela. - Nós não temos uma terceira irmã.

 

"VOCÊ ESTÁ COMEÇANDO A ME IRRITAR!"

- Leve-me para casa agora! - ordenou Samantha com um olhar incandescente. - Vou contar aos meus pais. Temos que resolver o caso de Bree.

- Não estou entendendo nada. Do que você está falando? - Bobby estava cada vez mais perdido.

Samantha emitiu um ruído de insatisfação.

     - Bree não fazia isso há muitos anos, Bobby. Quando ela fica perturbada, ela inventa histórias sobre uma tal de Jennilynn, diz que temos uma terceira irmã.

Ela constrói histórias escabrosas sobre essa tal Jennilynn. Fantasias horríveis sobre uma irmã imaginária e cruel.

- Fantasias? São realmente fantasias? - Bobby estava abobalhado.

Samantha assentiu com pesar.

- É isso que acontece quando Bree fica magoada. Eu tentei te dizer - disse suavemente. - Quando ela começa a falar de Jennilynn, nós já sabemos que ela entrou novamente em delírio.

Bobby sentiu o estômago embrulhar e sacudiu a cabeça: - Meu Deus!

- Leve-me para casa, Bobby - insistiu Samantha. -Estou muito preocupada com Bree. Por que você acha que ela contou todas estas mentiras? Você acha que ela descobriu tudo sobre nós dois e isto provocou este ataque de loucura?

     - Eu não posso acreditar que Jennilynn não existe -disse Bobby. O jeito com que ela contou, tão verdadeiro... - a sua voz arrastava-se.

     - Bobby, por que você está me olhando desse jeito? -perguntou Samantha.

- Eu tive uma idéia - disse Bobby. Ele pegou na gola de seu pulôver.

Ela reagiu.

- Ei!

     - Você pode me fazer um favor, Samantha? Posso ver o seu ombro? - perguntou.

     - Meu ombro? - ela gargalhou. - Qual é o seu problema, Bobby? Samantha segurava a gola do pulôver com a mão.

- Anda, Samantha. Deixe-me ver o seu ombro por um segundo.

Ela hesitou, depois deu de ombros.

     - Você está ficando louco, Bobby! - Puxou, então, a gola e mostrou o ombro esquerdo.

Nada de tatuagem!

- Onde está a tatuagem?       Bobby perguntou, encarando-a.

Ela colocou o pulôver no lugar.

     - Tatuagem? Pare de bobagem. Você sabe que não tenho tatuagem!

Bobby ficou atônito.

     - E aquela tarde no laboratório? Lembra? Você me mostrou uma borboleta tatuada no ombro. E me disse que era o único jeito de diferenciá-la de Bree...

     Samantha abriu a boca. Ela colocou a palma de sua mão na testa de Bobby.

     - Você está com febre? Está delirando? Eu nunca mostrei tatuagem alguma no laboratório de ciências!

- Então quem foi? - perguntou Bobby irritado.

     - Você também está alucinado? - perguntou Samantha, com uma expressão de consternação. - Anda, Bobby. Se segure. Eu tenho que voltar para casa para conversar com Bree. Não comece a delirar também!

 

     Tarde da noite, Bobby sentou-se em sua escrivaninha, olhando para a parede azul-clara, ouvindo o barulho da chuva pela janela do quarto. Ele não conseguia se concentrar no dever de casa.

     Era uma sorte não ter aula no dia seguinte, pensava Bobby, com os olhos fixos na folha de papel em branco à sua frente. Haveria um encontro de professores.

Talvez ele conseguisse pensar no dia seguinte. Talvez conseguisse fazer os exercícios de casa. Será que ele iria conseguir raciocinar novamente?

     Ele reviveu a cena no laboratório. Samantha naquela penumbra, o sorriso diabólico no rosto quando lhe mostrou a tatuagem. E relembrou o tormento na expressão de Bree, as suas mãos apertadas contra o peito, quando ela sentou-se ao seu lado no carro e falou sobre Jennilynn, a terceira irmã.

     Bobby pensava amargurado que uma das duas queria enlouquecê-lo. Uma das duas é totalmente mentirosa. Mas qual delas?

     Será que Bree inventou Jennilynn? Será a terceira irmã um delírio exclusivo de Bree? Ou Samantha tentava encobrir o segredo de sua família?

A mentirosa era Samantha? Ou Bree?

     A chuva batia contra a vidraça. Um relâmpago cortou o céu. O telefone tocou.

       Uau! - gritou ele, a voz abafada pelo barulho do trovão. Ele pegou o telefone sem fio e atendeu à chamada: -Alô!

     A voz de mulher do outro lado parecia perversa e impaciente.

- Bobby, aqui é Jennilynn.

- O quê?

- Eu o vi hoje no estacionamento do shopping com Bree, esta tarde, Bobby.

     - Espera aí - disse Bobby, com o coração em disparada. - Não era Bree, era Samantha.

- Ora, eu conheço minha própria irmã! - a voz soou furiosa. - Era Bree!

     Poderia ser Bree? Bobby enlouquecia. Tinha que ser Samantha!

E quem era essa agora? Seria mesmo Jennilynn? Samantha mentiu para ele à tarde? Por que ela disse que não existia esta terceira irmã? A voz dessa garota era diferente.

Uma voz cruel, muito profunda. Jennilynn parecia verdadeira para Bobby.

- Quando nós vamos matá-la, Bobby? - a voz perguntava. - Você prometeu que a mataríamos. Quando? - Espere um minuto - Bobby pediu.

     - Tem que ser logo, Bobby - disse a voz ameaçadora. - Bem depressa! Você está começando a me irritar!

 

NO MEIO DO MATO

Ele tentou ligar para Samantha na manhã seguinte, mas o telefone ficara ocupado durante horas e horas. Quando ele ligou de novo, depois do almoço, o telefone tocou, tocou e ninguém atendeu.

     A chuva parou no começo da tarde e o brilho do sol começou a despontar por detrás das nuvens. Os pais de Bobby estavam no trabalho. Ele tinha a casa só para ele e achou que aquele silêncio o ajudaria a fazer o dever de casa.

     Que nada! Ele estava tão transtornado, tão confuso, que não conseguia escrever uma linha.

     Tentou cortar a grama do quintal, com o propósito de que um pouco de exercício físico o ajudaria a esquecer as gêmeas, Jennilynn e sua ameaça macabra. Mas a grama estava ainda muito molhada pelo temporal. Encharcada demais para ser cortada.

     Quando uma das gêmeas despontou na rua a bordo do conversível branco dos pais, Bobby já estava quase relaxado. Ele tinha desistido temporariamente de resolver aquele intrincado enigma.

     Correu para a rua para ver qual das irmãs estava ali. Ela vestia um top sem mangas extravagante que Samantha usou na primeira vez em que saíram juntos. Bree jamais se vestiria assim tão ousada.

     - Ei! Como você pegou o carro? Pensei que você não tivesse carteira! - disse Bobby.

Ela gargalhou.

     - Meus pais não estavam em casa - explicou ela. - Então, peguei o carro!

Ele abaixou para vê-la:

- Eu tenho te ligado, Sam. Tenho que falar com você...

- Eu tenho que falar com você também - interrompeu ela. Ela apontou para o banco do carona. - Suba. Vamos dar um passeio.

Bobby deu a volta e subiu meio relutante.

- Você não vai dirigir como uma maníaca, vai? Ela sorriu para ele.

- Aperte os cintos - disse.

     Minutos depois eles estavam voando na Old Mill Road, saindo da cidade. Um vento fresco soprava nos seus rostos enquanto o sol caía por trás das árvores.

     - Jennilynn me ligou ontem à noite - disse Bobby, bem alto para que ela pudesse entendê-lo apesar do barulho do vento.

Samantha não tirou os olhos da estrada.

   - Bree, você quer dizer... Só pode ter sido Bree - ela devolveu.

- Ela disse que era Jennilynn... Ela disse...

- Eu não posso ouvi-lo - gritou Samantha, fazendo um gesto com a mão para que ele parasse de falar. - Vamos conversar quando chegarmos à cabana.

- Que cabana? - ele se assustou.

- Precisamos de um lugar reservado - disse ela. - Só para conversar.

     Ela pisou fundo no acelerador. As casas começaram a desaparecer para dar lugar a uma mata verde infinita. Ainda encharcada pela chuva, a vegetação reluzia sob a luz vermelha do sol como se estivesse banhada pelo brilho de esmeraldas.

     O vento batia no pára-brisa. Bobby recostou-se no banco. Ele olhou para Samantha. Seus olhos estavam apertados. Ele se abaixou para ligar o rádio.

     O vento afastou a alça da camisa dela. Bobby quase caiu da cadeira quando viu a tatuagem no seu ombro esquerdo.

- A tatuagem! - ele gritou, agarrando no seu ombro direito. - Você tem uma tatuagem!

     Ela olhou para ele, com a testa franzida numa expressão de surpresa.

- Claro! Qual é o problema?

     - Mas... mas... - Bobby gaguejava. - Você não a tinha ontem à tarde no shopping!

- O quê? - Samantha abanava as mãos. - Eu acho que não estou te ouvindo bem. Eu não estava no shopping ontem à tarde. Eu não encontrei com você ontem, Bobby!

     Ela desviou para a pista esquerda para ultrapassar um truculento caminhão. O motorista buzinou para ela enquanto ela o deixava para trás.

     Bobby tapou os ouvidos até que eles se afastassem do caminhão.

     - Você sempre teve esta tatuagem? - ele gritava acima do vento.

Ela assentiu.

- Claro! Qual é o problema? Eu te mostrei a tatuagem no laboratório de ciências, se lembra?

     A mata enfim se aproximou. Samantha entrou na estrada estreita de terra que levava à cabana.

     Tão logo eles começaram a subir a estrada, nuvens escuras apareceram no céu. Bobby notou que estava começando a ofegar. As suas têmporas latejavam. Ele se sentia tonto. Seria apenas o vento que batia forte no seu corpo?

- Você também combinou comigo de assassinar Bree? - ele perguntou embaraçado.

Samantha virou-se para ele com aquele risinho demoníaco.

- Eu desisti dessa idéia - disse ela, com os olhos brilhando. - Ela não aprenderia o que é sentir muita dor...

 

O ATAQUE

Bobby fechou os olhos. Aquilo estaria acontecendo de verdade? Ou era um pesadelo?

     O carro sacolejava sob a copa espessa das árvores. depois de um solavanco, o carro parou. Bobby abriu os olhos. Ele viu a cabana escondida na escuridão.

     As árvores altas e antigas tapavam o céu e davam a impressão de que já era noite. Perdido em pensamentos aflitos, Bobby não se mexeu. Ele sentiu de repente

Samantha apertar-lhe os braços.

     Bobby olhou-a nos olhos. Seus cabelos negros estavam despenteados sobre o rosto de um jeito bem selvagem. O vento tinha lhe enrubescido o rosto.

     - Vamos lá dentro - disse ela calmamente. Temos que conversar.

Ele concordou.

- Temos mesmo que conversar.

     Ela saltou do carro e começou a caminhar pela grama molhada em direção à cabana. Ele respirou profundamente. O ar parecia fresco e puro. Ele viu milhares de mosquitinhos dançando sob um rasgo fino de luz amarelada do sol.

     Ouviu a porta do carro se abrir e se fechar rapidamente. Imaginou que Samantha tivesse esquecido alguma coisa no carro. Ele observava um esquilinho em alta velocidade ao longo de um tronco de árvore caído.

       Samantha? - Ele voltou-se para o carro a tempo de vê-la levantar uma garrafa de Coca-cola vazia. - Ei! Samantha!

Não teve tempo de se desviar. Ela espatifou a garrafa em sua cabeça. O golpe fez um barulho terrível de uma forte pancada. A dor atravessou-lhe o corpo como se uma bomba tivesse explodido em sua cabeça. Tudo ficou branco e brilhante de repente e, em seguida, veio a mais negra escuridão.

 

MEL

Um redemoinho de luzes vermelhas que foram ficando cor-de-rosa e depois brancas. Feixes de luzes apareciam numa penumbra acinzentada. Nuvens negras flutuavam num céu vermelho.

     Bobby abriu os olhos. A dor, uma dor terrível na cabeça, obrigou-o a fechá-los novamente.

     De olhos fechados, ele tentava se levantar. Alguma coisa o impedia. Ele tentou levantar os braços. Alguma coisa os segurava para baixo. Ele percebeu que estava imobilizado. Começava então a recuperar os sentidos.

     Ela me imobilizou, pensava Bobby, enquanto se esforçava para ficar de olhos abertos. Soltou um gemido baixinho. A nuvem cinza começava a se dissolver. Os contornos da cabana ganhavam lentamente uma certa clareza.

     Ele percebeu que estava despertando. Tentou se levantar novamente, mas alguma coisa o impedia. Bobby estava sentado numa cadeira, amarrado. Amarrado a uma cadeira.

     Tentou colocar os pés no chão. Amarrados também. Os pés e as mãos atados. Atados nesta cadeira de madeira.

     - Ei! - Ele se esforçou para soltar um grito. Aquela era mesmo a sua voz? Tão fininha, tão fraca?

     Ele abaixou a cabeça. Sentiu uma fisgada e a dor latejante ressurgiu.

     - Ih! - Ele viu seus joelhos despidos. Estava sem calças. Também sumiram suas meias e seu tênis. Estava amarrado a uma cadeira, de camiseta e cuecas listadas.

     Uma pequena labareda crepitou na lareira. Esticou o olhar até lá. Sua calça jeans. Sim. Estava queimando no fogo.

    Samantha estava de pé ao lado da lareira, de braços cruzados. Seus olhos verdes tinham o mesmo brilho da labareda.

- Por quê, Samantha? Bobby estava chocado.

     - Eu não sou Samantha - disse ela calmamente. Ainda de braços cruzados, ela andou dois passos em sua direção. -Sou Jennilynn.

     Bobby balançou a sua cabeça. A dor que percorria todo o seu corpo o fez gritar.

     - Não é não. Não existe Jennilynn - gritou. - Pare de mentir, Samantha!

- Foi isso que te disseram? - perguntou ela, com os olhos ardendo de raiva. - Disseram que eu não existo? - Ela deu um grunhido de desgosto. - Minhas doces irmãzinhas adorariam que eu não existisse - disse ela, quase que cuspindo cada palavra.

- Pare, por favor! - suplicava Bobby.

     - Eu sou a pior de todas - continuava ela, sem ligar para os apelos de Bobby. - Eu sou a perigosa, a que eles mandaram embora. Eles querem que eu não exista.

Mas sou real, Bobby. Estou aqui, de verdade.

- Está bem, você existe - disse Bobby olhando para o seu rosto enraivecido. - Desculpe, eu não sabia...

- Eu sou a única com tatuagem no ombro! - gritou ela, mostrando a borboleta azul. -Eu sou a do laboratório de ciências. Nada de Samantha ou Bree! Você acha que estas duas idiotas teriam coragem de fazer uma tatuagem? De jeito nenhum! Só Jennilynn. Só a irmã má poderia fazer uma coisa dessas.

     - Está bem - dizia Bobby baixinho. A dor de cabeça começava a diminuir. Ele já enxergava com maior nitidez, já conseguia raciocinar. Sentado diante da lareira, viu suas calças fumegando como churrasco.

- Deixe-me ir agora - implorou ele, fixando os seus olhos gelados, entreabertos. - Deixe-me ir Jennilynn. Eu não fiz nada contra você!

Ela fez uma carranca e voltou para junto da lareira.

     - Minhas duas irmãs gostam demais de você... - disse ela, revirando os olhos. Ela estocava as calças em brasa com um espeto de ferro. - Por que elas devem ser felizes?

- Espera aí, escuta aqui uma coisa... - Bobby gaguejava.

- Por quê? - gritou. - Eu não quero vê-las felizes. -Ela empunhou o pesado espeto de ferro e apontou para ele. -Então as duas devem dizer bye bye para você!

Um sorriso escabroso se desenhou no seu rosto.

- Adeus - ela cantava. - Adeus, Bobby!

     - Espera aí, Jennilynn - implorou. - O que você vai fazer?

     Ela jogou o espeto no chão sem nada responder e ficou de pé atrás de Bobby.

     Ele tentou se virar na cadeira para ver o que ela fazia, para descobrir o que ela era capaz de fazer. Mas estava muito bem amarrado.

     De repente ele sentiu um líquido nos seus cabelos. Uma coisa líquida e espessa, que escorria por toda a sua cabeça e agora caía em seus ombros.

     - Jennilynn, o que está fazendo? - O que é isto? - ele perguntou esganiçado.

     Ela apareceu diante dele, segurando uma enorme lata de metal com as duas mãos.

- É mel! - disse ela, sorrindo alegremente para ele.

     Ela virou a lata e deixou aquele mel espesso deslizar pelo colo de Bobby. Ela espalhou-o pelas suas pernas. O cheiro doce invadiu as suas narinas. Aquela gosma grossa escorria-lhe pela testa. Ele piscava para evitar que lhe entrasse nos olhos.

     - Chega, por favor! - ele se contorcia na cadeira, lutando para se libertar, para empurrá-la. Mas os nós estavam muito apertados. Ele não podia se mexer.

   - Com o maior prazer - ela lambuzou os pés de Bobby com o mel. - Pronto. Todo coberto! - disse baixinho, levantando-se e lhe enviando mais um sorrisinho infernal. -Você não é a coisinha mais docinha do mundo?

     Bobby sentiu o peito se contrair de pânico. - O que você vai fazer? - balbuciava.

     No chão diante dele, ele percebeu o vidro com as formigas vermelhas.

 

"TENTE GRITAR!"

- Ah, você já as viu! - disse Jennilynn fingindo decepção. - Estou desapontada! Eu queria que as formigas carnívoras fossem uma surpresa!

     - Como é possível... - Bobby se engasgava. - Você não pode...

     Ela deixou a lata de mel no chão e parou diante dele, com as mãos na cintura, admirando o seu trabalho.

- O projeto científico de minha irmã será mais útil do que ela poderia imaginar!

- Não, Jennilynn! - protestava Bobby, com voz trêmula de pavor.

     Ela gargalhava enquanto caminhava para pegar o vidro com as formigas.

- Bobby, eu as trouxe para cá há muito tempo. Elas devem estar com fome, não acha?

     Bobby se retorcia e se debatia tentando soltar-se. Todo o seu corpo estava coçando, mas ele nem percebia a comichão enquanto a via aproximar-se cada vez mais

com o formigueiro. Chegou perto o bastante para que ele visse aquela multidão de formigas vermelhas se agitando lá dentro.

     - Eu acho que formigas gostam de mel - disse ela carinhosamente.

- Por favor, não!

     Ela retirou a tampa do vidro e a colocou no chão da cabana. Segurando com as duas mãos, ela virou o vidro sobre a sua cabeça.

      Descendo-lhe da cabeça aos pés, Bobby entrou em estado de terror quanto as formigas vermelhas chegaram até os seus pés.

     Jennilynn ergueu o vidro e o derramou sobre as suas pernas.

- Pare, por favor!

     Ela sacudiu o vidro novamente e o esvaziou de vez sobre os seus ombros.

- Bobby, você está totalmente coberto! - gritou ela, com uma falsa alegria. - Olhe como elas correm atrás de mel!

     Milhares de picadas de dor fizeram Bobby se contorcer em agonia.

- Estão me mordendo! Me ajude, Jennilynn! Bobby implorava. --- Por favor, estão me comendo inteiro!

     As formigas pulverizavam-se pelo corpo de Bobby, atolando-se na grossa camada de mel.

- Por favor! Isso dói demais! - gritava Bobby.

- Tente gritar - Jennilynn sugeriu friamente. Ela largou o vidro no chão. - Grite que talvez você se sinta melhor. Ela se dirigiu à porta, abriu-a e voltou-se para ele:

- Vá em frente, Bobby. Grite! E não se preocupe em perturbar os vizinhos. Não há nenhum por aqui!

Com uma gargalhada de prazer, ela desapareceu.

   Contorcendo-se e debatendo-se, com milhares de ferroadas agudas lhe machucando todo o corpo, Bobby não teve outra escolha a não ser seguir aquele conselho.

Abriu a boca e começou a gritar como um louco.

 

JENNILYNN VOLTOU

- Meu pescoço! Estão mordendo o meu pescoço! - As formigas vermelhas espalhavam-se por todo o seu corpo. Nas costas, debaixo de seus braços.

     Ele assistia às formigas escorregarem pelo mel e sentia milhares de picadas enquanto elas mastigavam.

     Contorcendo-se, agitando-se, gemendo de dor, Bobby sentiu o peito apertar. Ele estava sem ar.

- Não posso mais respirar!

     Tudo era pânico. Ele lutava para se libertar. Virou-se para um lado e gritou ainda mais alto quando a cadeira caiu para trás.

     Esparramado sobre uma poça de mel, ele se debatia e esperneava. As formigas rastejavam pelo seu pescoço. Ele sentia as suas patinhas no queixo.

     Ele cuspiu forte, afugentando-as de sua boca. Mas quando ele tentava respirar, algumas entraram pela boca aberta.

Ele gritava, gemia, mas sequer ouvia a si mesmo.

     Enquanto se contorcia em agonia, percebeu que poderia sentir cada uma das mordidas e milhares delas ao mesmo tempo. Elas mordiam a sola de seus pés, debaixo de seus joelhos e braços.

- Ohhhhhhhhhh...

     Deitado de lado, ele rastejava empurrando os nós por várias horas. Pelo menos pareciam horas. As formigas entraram nos seus ouvidos, nas pálpebras, subiam-lhe pelo nariz.

     - Ohhhh - Um gemido animalesco escapou de sua garganta ressecada enquanto ele lutava e dava solavancos. Mas o mel deixou os nós muito melados e escorregadios, difíceis de desatar.

     De repente, um pé ficou livre. Ele nem acreditou. Deu um pontapé no vento para conferir.

Sim!

     Deitado de lado, ele se revirou e conseguiu liberar o outro pé.

     Jennilynn fracassou nestes nós, ele pensava. Se eles não estivessem cobertos de mel, ele poderia ter se libertado há mais tempo.

     Com uma forte taquicardia, ele tentava ficar de joelhos. O coração parecia que ia explodir. As formigas estavam em volta de seu pescoço. Ele sentia suas patas dentro dos ouvidos e no cavanhaque.

Ohhhhh...

Com satisfação, ele conseguiu soltar as mãos.

     E começou a escovar furiosamente as formigas de seu corpo. Ele esfregava o rosto, a testa, varria por trás dos joelhos, tentava desesperadamente expulsá-las de seus braços e de suas pernas.

- Eu jamais vou parar de me coçar! Jamais!

     Ele tinha que se mandar dali. Tinha que pedir ajuda a alguém. Procurou rapidamente por suas meias e seus sapatos. Sumiram.

     - Esqueça-os - disse para si mesmo. - Vá embora, pegue a estrada, peça ajuda. - Seu coração disparado no seu peito. Bobby correu para a porta. - Oh... - Ele escorregou numa poça grudenta de mel e caiu, espatifando-se com as costas e os cotovelos no chão. - Vá embora! Vá embora já! -repetia para si mesmo.

     Ele se colocou de pé e atravessou a porta. Estava tudo escuro. Muito escuro e frio. Há quanto tempo ele estava ali?

     A grama fofa grudava nos seus pés melados enquanto ele corria em direção à estrada de terra.

     - Tenho que pedir ajuda, tenho que pegar a estrada, chegar em casa.

- Ai! - Deu uma topada numa pedra. Mas continuou a correr pela grama, ainda livrando-se das formigas, as mãos meladas do mel que lhe cobriu o corpo, a camiseta e as cuecas.

     Ele tinha percorrido só uma pequena distância da estradinha de terra quando viu duas luzinhas brancas. Eram faróis de um carro que vinha em sua direção.

- Oh, não.

     Naquele instante, ele sentiu que Jennilynn estava de volta.

 

FESTINHA SURPRESA

Ele deveria correr? Tentar se esconder entre as árvores? Não havia mais tempo para nada.

     Bobby protegeu os olhos da luz dos faróis enquanto o carro deu uma guinada diante dele.

- Bobby, é você?

A voz que lhe chamava não era de Jennilynn.

- Bobby, o que você está fazendo aqui?

     Ainda protegendo os olhos, ele viu uma pessoa saltar do carro e correr em sua direção.

- Bobby, você está bem?

- Melanie! - ele gritou. - Não posso acreditar!

- Como?

     - Bobby, o que aconteceu com você? - Sob a luz dos faróis, ele viu a sua fisionomia se transformar numa expressão de terror.

- O que é este troço em você? E as suas calças? Onde estão as suas calças?

- Jennilynn - ele desabafou. - Ela...

     - Oh, não! - Melanie abanava a cabeça, olhando descrente para ele. - Entre no carro, vou levá-lo para um hospital.

- Não, estou bem - insistiu Bobby. - Vamos à polícia.

Jennilynn é perigosa.

     - Está bem - Melanie concordou. - Espere aí. Tenho algumas toalhas de praia na mala do carro. Deixe-me colocá-las no banco. Não sente ainda. Ela correu para a mala. - O que é este grude em você?

- Mel - ele contou. - Eu. - As palavras lhe sumiram. Ele não conseguiu dizer mais nada.

     Minutos depois ele se abaixava para limpar-se com a toalha estendida no banco.

- Como você me encontrou? - ele perguntou.

     Melanie olhava sempre para frente, atenta à estradinha de terra que levaria ao asfalto.

- Eu não estava te procurando. - Estava ajudando Samantha e Bree. Elas estão em casa sozinhas e o conversível da família foi roubado esta tarde. Elas têm certeza absoluta de que Jennilynn o pegou. Me pediram para procurar o carro e me lembrei que Jennilynn costuma se isolar na cabana, então...

     - Então você finalmente admite que há uma Jennilynn - Bobby disse com amargura.

- Admito - respondeu Melanie calmamente. -Desculpe-me, Bobby. Eu estou arrependida, mas prometi às duas que não contaria nada a ninguém sobre a terceira irmã. Agora acho que é tarde demais para segredos.

     Bobby estava calado, olhando a mata escura passar à sua frente.

- Você realmente está um trapo - ela comentou sem sorrir.

Ele esticou as pernas.

   - Eu não posso parar de me coçar. Não sei se um dia vou poder parar.

- Vamos direto à polícia - disse Melanie. - Ou você acha que devemos antes avisar Bree e Samantha?

Bobby pensou por alguns segundos.

- Pode ser perigoso - disse ele. - Jennilynn é realmente um perigo. Louca e perigosa.

     - Então vamos avisar Bree e Samantha e depois vamos à polícia - sugeriu Melanie.

- Boa idéia.

     Melanie e Bobby deram gritos de horror quando viram o conversível branco estacionado à porta da casa das gêmeas.

     - O carro está aí. Você acha que Jennilynn também está? - perguntou Melanie, com voz trêmula. Ela abriu a porta do carro. - Corre, Bobby. Pode ser tarde demais!

Eles correram para a casa. As cortinas da sala estavam fechadas. Estava tudo escuro. A grama grudava na sola dos pés de Bobby. Ele ajeitou as cuecas. Elas estavam pesadas e lambuzadas de mel.

- Bobby, estou apavorada! - sussurrou Melanie. Ela empurrou a porta da frente sem bater e os dois entraram. Quando se dirigiam para a sala, Bobby ouviu vozes.

- Jennilynn está aqui - ele gritou para avisar Bree e Samantha. - Cuidado com Jennilynn.

Samantha e Bree pularam de surpresa.

- Bobby, pelo amor de Deus! - gritou Samantha, olhando-o descrente. - Você está nu!

     Bobby ouviu a sua gargalhada de espanto. Ele olhou assombrado em volta da sala. Samantha e Bree não estavam sozinhas. No sofá estavam Ronnie e Kimmy. Muitas outras garotas estavam sentadas no chão.

     Todas elas olhavam perplexas para o seu corpo encharcado de mel, a camiseta e as cuecas meladas, uma sola de grama grudada em seus pés descalços. Ele abriu a boca para falar, mas a voz não saiu.

     De repente, uma voz de homem quebrou aquele silêncio. O senhor Wade entrou na sala.

- Bobby, o que aconteceu com você?

     - Foi Jennilynn... Ela me seqüestrou! - disse Bobby ofegante. - Ela está aqui agora. Na sua casa!

O senhor Wade fez uma cara desorientada.

- Quem?

     - A sua outra filha, Jennilynn. Ela está de volta - gritou Bobby.

     A expressão aparvalhada do sr. Wade continuava a mesma. Ele olhou severamente para Bobby.

     - Se isto é alguma piada ou alguma brincadeira, Bobby, ainda não entendi nada! Você andou bebendo?

     - Não é brincadeira! - gritou Bobby desesperadamente. - Jennilynn está de volta. O senhor não precisa fingir que ela não existe, sr. Wade. Ela me seqüestrou!

- Sinto muito. Eu não tenho tempo para essas bobagens

- respondeu o sr. Wade. - Quem é essa Jennilynn? - A terceira irmã! - Bobby insistia, ofegante.

- Essas meninas não têm uma terceira irmã - respondeu o pai com severidade.

     Bobby ouviu muitas gargalhadas na sala. Ele deu mais uma olhada e reconheceu outras garotas. O que estaria acontecendo? Parece que todas as garotas que ele namorou estavam ali.

     - Espere aí, sr. Wade - pediu Bobby. - Ela me levou para a sua cabana. Jennilynn. Ela despejou formigas carnívoras sobre o meu corpo...

- O quê? Que formigas? - perguntou o sr. Wade.

- Carnívoras! - gritou mais uma vez, sem respiração. - Não existem formigas carnívoras! - disse o pai, como cenho franzido.

     O sr. Wade abaixou os olhos. A sua confusão se transformava em irritação.

- Bobby, não temos cabana alguma. As meninas não têm outra irmã. Nada do que você diz faz sentido.

     Bobby teve uma súbita lembrança. Ele se lembrou de que da primeira vez teve que forçar a porta. Será possível que a cabana não é da família Wade?

- Onde fica esta cabana? - perguntou o pai.

     - Eu não sei - disse Bobby. - Fica no meio do mato, depois de uma estradinha de terra - disse ele, olhando desesperadamente para Melanie que se sentou no sofá com Kimmy e Ronnie. - Melanie sabe. Diga a ele onde fica - pediu Bobby.

- Sinto muito, Bobby - disse ela. - Eu não conheço cabana nenhuma.

     - O quê? - Bobby se revoltou. - Você está mentindo! Mentirosa!

     - Calma, Bobby - disse o sr. Wade. - Se você andou bebendo, é melhor que volte para casa. - Ele olhou para as duas gêmeas. - Vocês sabem do que Bobby está falando?

- Não, papai - respondeu rapidamente Bree.

- Nem eu - completou Samantha.

     - Elas estão mentindo! - gritava Bobby. - Ouça-me. Talvez não exista Jennilynn. Mas uma das duas me levou de carro para uma cabana.

- Pare! Nenhuma delas tem carteira de motorista ainda.

- Uma das duas me levou de carro. A que tem uma tatuagem. Ela me seqüestrou e...

     - Tatuagem? - A voz do sr. Wade estourou na sala. -É melhor que elas não tenham tatuagem alguma!

     - Veja no ombro de cada uma - Bobby gritava desesperado. - Foi a que tem uma tatuagem!

- Pai, ele está louco. Está delirando sem parar! -comentou Bree.

- Toda essa loucura de terceira irmã e de formigas carnívoras... - observava Samantha. - Ele precisa de ajuda, pai.

     As duas garotas mostraram obedientes os ombros. Nada de tatuagem.

O telefone tocou.

- Bobby, volte para casa e vá se limpar - disse o sr. Wade consternado. E correu para atender o telefone.

- Vocês fizeram isso comigo! Vocês descobriram que eu estava saindo com as duas e planejaram tudo isto. Vocês e Melanie!

As gêmeas se olharam com ar de inocentes.

- Nós estávamos em casa o tempo todo com nossas amigas, Bobby - disse Samantha docemente. - Não saímos nem por um minuto!

Melanie se levantou de repente.

     - Eu te avisei! - disse ela em voz alta. - Este é o castigo por você ter apostado sair com Bree e Samantha ao mesmo tempo. Por ter apostado sair com todas nós.

Você não é o gostosão. Você é um grandessíssimo mau-caráter!

     As garotas da sala, todas elas ex-namoradas de Bobby, aplaudiam e gritavam de prazer.

     - Sair com as duas gêmeas foi a última palhaçada -disse Kimmy com raiva.

     - Foi aí que tivemos a idéia de fazer você pagar por tudo o que fez - completou Ronnie.

     - Eu me diverti muito dirigindo como louca, me fazendo de garota selvagem - disse Samantha com um riso perverso. - Fazendo você pensar que eu e Bree éramos muito, mas muito diferentes!

     - Você se arriscou muito com aquela história do furto -disse Bree consternada para Samantha.

- É - mas eles gravaram a cara de Bobby, não a minha. - Espero que você tenha gostado da festinha surpresa... disse Melanie, incapaz de conter o riso.

     - Esta foi a melhor festa que eu já fui - disse uma garota.

- Que belo traje, Bobby - gritou uma outra voz. Alguém riu mais uma vez.

     - Será que vocês não gostam de mim? - gritou Bobby totalmente incrédulo.

     A pergunta foi recebida por um coro de gargalhadas e de deboches. Ele ia protestar, mas percebeu que não tinha sentido. Derrotado, ele abandonou a sala cabisbaixo, com o som das gargalhadas repicando nos seus ouvidos.

 

     Dias mais tarde, depois da aula, Bobby caminhava em direção à sala de música. Ele estava a meio caminho quando se lembrou de que há pouco tempo tinha uma banda de rock. Paul encontrou um outro grupo. Arnie decidiu finalmente que não levava o menor jeito para a música e vendeu sua bateria.

     Ele dirigiu-se à saída da escola, mas parou bruscamente quando Bree e Samantha correram em sua direção.

     - Tome - disse Bree. - Ela colocou um pequeno envelope em suas mãos.

     Bobby pegou rapidamente o envelope e leu rapidamente a mensagem escrita à mão no verso:

     - Irmãs gêmeas não têm segredos. Nós duas sabiamos de tudo desde o começo. Tchau!

       - Tchau! - gritaram Bree e Samantha. Elas acenaram para ele e desapareceram no corredor.

Bobby abriu o envelope.

     Lá dentro, ele encontrou um papelzinho de uma tatuagem descartável. Uma borboleta azul.

 

                                                                                            R. L. Stine

 

                      

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