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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AMOR EM PERIGO / Tori Carrington
AMOR EM PERIGO / Tori Carrington

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

AMOR EM PERIGO

 

Só de pensar em Marc McCoy, Melanie Weber ardia de desejo. Mesmo agora. Especialmente agora.

Fechando os olhos, deslizou a palma das mãos pelo cetim pe­sado do vestido de noiva de modelo tradicional. Nunca vira seu relacionamento com Marc como uma ligação convencional. No entanto esperara que sempre estivessem juntos, que nunca deixa­riam de ser parceiros, que nunca deixariam de ser amantes.

Mas isso acabara três meses atrás, quando ela percebera que Marc nunca a amaria de verdade. Quando fora ferida, no cumprimento do dever. Quando descobrira que estava grávida.

Abriu os olhos com relutância, afastando as mãos do vestido. Uma pontada de culpa percorreu-a. A última pessoa em quem deveria estar pensando era Marc McCoy. Guardara-o entre outras lembranças do passado, no fundo da mente, no dia em que Craig generosamente oferecera-se para solucionar seus problemas, ca­sando-se com ela. Era sua obrigação concentrar-se apenas nos planos para o futuro com ele. E devia a si mesma o favor de esquecer o passado e a pessoa que nunca poderia ter.

No entanto, apesar de todo o raciocínio, experimentou os sintomas de pânico que haviam começado a se manifestar na­quela manhã, quando Craig e ela foram buscar a licença de casamento. Sentira-se do mesmo jeito, no dia em que tivera de contar à mãe que não ia formar-se em administração de empresas, contrariando-a profundamente.

Virou-se de lado para olhar-se de perfil. Era engraçado, mas seus conflitos íntimos não a impediam de continuar desejando que seu vestido tivesse um grande decote. Isso, porém, era impossível, pois a cicatriz logo abaixo da clavícula esquerda era feia, e até mesmo ela achava desagradável vê-la. Ela imaginou o tumulto que causaria, se mostrasse àquela cicatriz produzida por uma bala de revólver aos mais de cem convidados, importantes cidadãos de Bedford, Maryland, sem falar em sua mãe. Meneou a cabeça com tristeza. A gola alta e abotoada atrás, como a dos trajes das mulheres do século dezenove, cobria-lhe não só o colo como também todo o pescoço.

Respirando fundo, Melanie encolheu o estômago. Se o vestido não fosse alargado um pouquinho, alguma costura se romperia na frente de Craig Gaffney, do pastor e dos convidados, quando ela subisse ao altar, dali a dois dias.

Isso seria motivo de fofocas pelo menos durante um mês, ela pensou.

E já dera muito que falar, apesar de ninguém conhecer todos os fatos.

Eles não sabem nem a metade do terço, disse a si mesma, repetindo algo que uma tia-avó sempre dizia.

— Joanie ! — chamou — Pode vir aqui um minuto?

A irmã mais nova, Joanie, era dona daquela loja, a Sonho de Amor, especializada em vestidos e complementos para noivas e madrinhas. Estava quase na hora de fechar, mas como muitas moças escolhiam casar-se em maio e junho, início do verão, a loja ainda estava cheia de noivas estressadas e mães dominadoras.

Melanie espiou para fora da sala de provas onde se encon­trava e viu a irmã, no aposento contíguo, ajoelhada diante de uma moça muito alta e magra, espetando alfinetes no vestido marfim que ela usava, obviamente marcando os locais onde seria necessário fazer ajustes.

— Espere só um pouquinho, meu bem — respondeu Joanie.

— Hei, tome cuidado! — gritou a noiva alta e magra. — Se você deixar cair uma gota de sangue em meu vestido, não hesitarei em processá-la!

Voltando depressa para dentro da sala, Melanie refletiu que a irmã ganharia muito dinheiro, se filmasse certas noivas no momento da prova do vestido e vendesse as fitas aos noivos, para que eles pudessem decidir se realmente desejavam ca­sar-se com tais megeras. Mas algo tão maquiavélico jamais ocorreria à doce Joanie. O espírito generoso e a infinita paciência de sua irmã eram as principais razões pelas quais seu negócio florescera de modo tão espetacular. E essas qualidades emanavam dela como um delicioso perfume.

Melanie viu seu próprio sorriso no espelho. Não sorria muito, ultimamente. E naquele momento seus pés inchados estavam martirizando-a, o que não era motivo nenhum para sorrir, mas ela não se atrevia a sentar. Não podia amassar o vestido. Faltavam apenas dois dias para o casamento.

Seu casamento. No sábado.

Sentiu um aperto na garganta, e o ar faltou-lhe. O que era aquilo? Nervosismo, puro nervosismo. O que mais poderia ser?

Você agüenta, Melanie, disse a si mesma. Não conheço nenhuma mulher mais corajosa do que você. Exceto minha Mary, naturalmente.

Esse pensamento despertou a lembrança de Sean, com aque­le rosto marcado pelo tempo e sérios olhos verdes.

Sean, apenas isso. Ela não sabia o sobrenome dele. Mas a presença diária daquele homem fora o que a salvara da loucura, na semana que ela passara no hospital. Algo incompreensível, pois ele era um estranho, cuja primeira visita fora causada por um engano. Ele fora ver outro paciente e entrara no quarto errado. Naquele momento não havia ninguém fazendo companhia a ela, porque a mãe fora ao banco e, naturalmente, a irmã e Craig tinham de trabalhar durante o dia. E ela estava chorando. O ferimento causado pela bala doía, mas o que mais doía era o coração, que clamava pela única pessoa que não fora vê-la.

Aquele estranho, Sean, não fora indiscreto, não fizera per­guntas e não tentara confortá-la. Naquele primeiro dia, apenas oferecera-lhe um lenço de papel e sentara-se na cadeira ao lado da cama, como se houvesse ido ao hospital para visitá-la.

Pegando uma amostra de buquê, Melanie endireitou um dos lírios de seda que o compunham. Não mais vira Sean, depois que recebera alta, nem esperara vê-lo. Mas pensar nele fazia com que ela percebesse como sentia a falta do pai. Então, desejava ter Sean a seu lado novamente, nem que fosse apenas por uma hora, para que ele a levasse ao altar.

Reprimindo uma onda de lágrimas inesperadas, concentrou-se no buquê. Olhando para as flores artificiais, sentiu-se artificial também. Virou-se para o espelho, sem ter certeza de que queria encarar a mulher ali refletida.

— Três meses atrás, você era uma tola, apaixonada por sua carreira — murmurou. — E uma tola maior ainda, cheia de desejo por Marc.

Jogou o buquê numa cadeira forrada de veludo e pôs as mãos para trás, tencionando desabotoar o vestido, mas mal podia mover os braços. Joanie a amarrara naquele vestido, e teria de ajudá-la a sair. Suspirou, entre irritada e resignada.

— E, então, como ficou? — perguntou a irmã, finalmente entrando na sala.

Aliviada, Melanie esboçou um sorriso.

— Você tinha razão. Está um pouco apertado na cintura — explicou.

Joanie aproximou-se para avaliar a situação.

— Eu logo vi que ia ficar justo demais. Observando-a, Melanie viu-a tirar um alfinete da almofadinha presa à cintura, entrando no papel de costureira. A irmã sempre parecera muito contente com a própria vida e com a profissão que escolhera, enquanto ela passara os últimos oito anos desafiando as convenções, como uma perfeita rebelde. No entanto, era ela que ia se casar, e não Joanie, o que não deixava de ser estranho.

— Adoro este vestido. Seria o que eu escolheria para mim mesma. — a irmã declarou com um suspiro e uma expressão melancólica no rosto graciosamente sardento. — Você tem sor­te, sabia? Conhecemos Craig desde que éramos pequenas, e todos sabem que é um homem direito. Além disso, desconfio seriamente que ele sempre teve uma paixão secreta por você.

Fazendo uma pausa, afastou do rosto uma mecha dos cabelos ruivos.

— Não poderia encontrar marido melhor, minha irmã — acrescentou, marcando um ponto acima da cintura do vestido com um alfinete.

Melanie refletiu que ela estava certa sobre Craig. No en­tanto, por melhor marido que ele fosse, o relacionamento deles nunca seria apaixonado, pois os dois eram grandes amigos, mais nada. E algo lhe dizia que o que a irmã sentia por Craig era mais do que amizade.

— Joanie?

A bonita ruivinha piscou, parecendo confusa, e olhou-a através do espelho.

— Desculpe, Melanie, eu estava distraída. Dormi mal, duas noites seguidas.

— Tem certeza de que é só falta de sono?

— Claro que tenho certeza. — Joanie tentou pegar um pouco de tecido nas costas do corpete do vestido, acabando por beliscar Melanie. — Nossa! Quantos quilos você engordou do mês passado para cá?

— Ah, não engordei tanto assim!

— Está naquela época do mês? — a irmã insistiu.

— Não.

Melanie ficaria feliz, se as coisas fossem assim simples. Não podia dizer a Joanie que estava grávida, porque isso causaria mais confusão. Mais dois dias. Dois dias, e poderia contar à irmã e à mãe.

— Vou precisar alargar quase dois centímetros de cada lado, para você não morrer sufocada.

Melanie engoliu em seco ao lembrar que precisava ir ao jantar que sua mãe insistira em oferecer naquela noite à família de Craig. Olhou para o relógio de pulso.

— Oh, Deus! Tenho meia hora para chegar ao Hotel Bedford! Naquele instante, a sineta da porta de entrada tocou, e uma voz falsamente inocente chegou até elas:

— Meninas, cheguei!

Os olhos de Joanie e Melanie encontraram-se pelo espelho.

— Mamãe — as duas disseram em uníssono.

— Eu cuido dela — Melanie ofereceu-se. — Todas as noivas e suas mamães já foram embora?

— Já, menos a peste que ameaçou me processar. Tenho de ajudá-la a tirar o vestido.

— Então vá e despache a "peste" o mais rápido possível, para poder fechar a loja e ir comigo ao jantar. Preciso de alguém que me ajude a suportar a provação.

— Não sei, não. Acho que espetar aquela moça com alfinetes, como se ela fosse uma boneca de vodu, será mais divertido do que jantar com mamãe e a família de seu noivo — Joanie disse baixinho.

Melanie pegou-a pelo braço.

— Por favor, não me deixe passar por isso sozinha! Os olhos verdes da irmã alargaram-se numa expressão de surpresa.

— Você não vai enfrentar nenhum pelotão de fuzilamento, querida. Mesmo que fosse, sei que enfrentaria com coragem. — suspirou, e pôs a mão sobre a de Melanie.      

— Está bem, eu vou.

— Obrigada, Joanie. Você é um anjo!

A irmã deu uma risadinha maliciosa.

— Pode ser, mas lembre-se de que não poderei ir com você em sua lua-de-mel. Lua-de-mel. O estômago de Melanie contraiu-se de tensão.

Juntou a saia do vestido com as mãos, ergueu-a ligeiramente e saiu da sala, andando na frente de Joanie. Gostaria de poder dizer que a inesperada aparição de sua mãe a surpreendera, mas não podia. Wanda Weber sempre conseguira ler sua mente como se fosse um livro aberto, e sem dúvida percebera o tumulto de emoções que lhe ia na alma havia alguns meses. E, como conhecia bem a mãe, Melanie sabia que ela não sossegaria até descobrir o que estava acontecendo.

Em seu jipe, parado cerca de cinqüenta metros abaixo da loja de noivas, Marc McCoy massageou a nuca distraidamente, então ligou o motor para pôr o ar condicionado em funcionamento. Não sabia se era o calor, ou a ansiedade causada pelo que estava planejando, mas a temperatura no veículo estava intolerável. De toda forma, se Melanie demorasse mais um pouco para sair da loja, ele iria lá dentro buscá-la. Fez uma careta, zombando de si mesmo. A quem estava querendo enganar? Não ia fazer nada daquilo. Continuaria esperando lá fora, como esperara nos últimos quarenta e cinco minutos. Era seu castigo por ter estragado o minucioso planejamento que levara oito horas para completar. Pretendera abordar Melanie quando ela saíra da casa da mãe, mas perdera a chance porque ficara estupidificado só de pensar em encará-la pela primeira vez em três meses.

Olhou para o relógio rapidamente, então voltou a observar a porta de entrada da loja. Não entendia por que agira de modo tão contrário ao seu estilo. Em vez de ficar esperando por uma oportunidade de falar com Melanie, deveria ter ido à casa da mãe dela, assim que chegara de volta à cidade, e entrado lá sem pedir licença, disposto a conseguir o que queria.

Irritado consigo mesmo, desligou o motor do jipe e segurou a maçaneta da porta para abri-la. Sua mão, porém, imobili­zou-se no metal quente de sol. A mãe de Melanie aproximava-se da loja, andando com os passos determinados de alguém que tinha uma missão a cumprir.

— Opa! — exclamou, surpreso.

Então, entendeu por que não invadira a pequena casa da rua Cherry Blossom. Por causa de Wanda Weber.

E o que ela estava fazendo lá? Para o plano dele ser bem-sucedido, Melanie tinha de estar sozinha. Ela entrara na loja sozinha, e ele esperara que saísse do mesmo modo. E agora aparecia Wanda, com aquela expressão azeda de quem chupara uma dúzia de limões.

Cinco minutos mais tarde, a porta de vidro da loja abriu-se, e Marc endireitou-se rapidamente no banco.

— Hora do show — resmungou, abrindo a porta e pondo os pés na calçada, mas continuou sentado, de modo a ficar um tanto escondido.

A mulher que saíra da loja parecia Melanie. Ele desceu para os olhos os óculos de sol que mantivera no alto da cabeça e observou-a. Era ela, sim. Mas não estava usando o jeans, a camiseta e o blazer azul com que entrara. Agora usava um vestido muito curto. Por quê? Comprara aquela roupa e decidira vesti-la para ir para casa? Mesmo que vivesse duzentos anos, ele jamais compreenderia aquela paixão das mulheres por rou­pas e sapatos. Ainda havia cerca de oito pares de sapatos e sandálias de Melanie no armário de sua casa na cidade. Man­tendo o olhar fixo nela, começou a descer do veículo, então parou, como que fulminado.

Poucas coisas amedrontavam Marc McCoy, agente do serviço secreto, o terceiro de cinco irmãos, todos homens e orgulhosamente machões. Wanda Weber era uma delas, por mais ridículo que isso pudesse parecer. E quando a mulher saiu da loja, logo atrás de Melanie, ele viu seus planos arruinados.

— Diabos! — praguejou por entre os dentes.

Teve de lutar contra o impulso de afundar-se no banco para fugir do olhar perscrutador e crítico de Wanda. Falara com ela apenas uma vez, mas isso bastara para deixar claro que a mulher nunca gostaria dele. Era difícil acreditar que aquilo acontecera pouco mais de três meses atrás, antes da estúpida briga com Melanie, antes que ela fosse ferida durante uma missão. Melanie convencera-o a ir jantar em sua casa, num domingo, e a desaprovação de Wanda ficara evidente desde o início, quando ele se sentara no sofá, e seu peso repuxara o plástico transparente que o recobria. Ele se sentiu mal, embora Melanie soltasse uma daquelas suas risadas descontraídas. O olhar de censura da mulher perseguira-o durante todo o jantar, e a animosidade dela ficara evidente até o momento em que ele fora embora, pois Wanda mal esperou-o sair, antes de bater a porta com violência às suas costas.

Marc jurara nunca mais pôr os pés naquela casa, a menos que a mãe de Melanie retirasse aquele plástico horroroso do sofá e mandasse buscar pizza para a refeição, em vez de servir sua comida intragável.

Com tristeza, ele pensou que era muito difícil isso acontecer, mesmo porque estava fora da vida de Melanie, e talvez ela nunca mais o aceitasse de volta.

Seu olhar seguiu as duas mulheres, enquanto elas desciam pela estreita calçada de tijolos da rua principal da cidadezinha. Pensativo, reconheceu que o que mais o perturbava era que desejava que Wanda Weber gostasse dele, pelo menos um pouquinho.

Como não mais corria o risco de ser visto, desceu do jipe para observar Melanie mais demoradamente. Era parecia di­ferente. Os cabelos loiros estavam um pouco mais compridos e roçavam os ombros, de modo que as pontas viravam-se gra­ciosamente para cima. Mas não era só isso que fazia a diferença. Devia ser o vestido, então. Não o vestido, exatamente, mas a cor. Melanie nunca gostara de rosa-choque. Certo, a cor estava na moda, de acordo com o que ele lera em uma revista, e talvez ela houvesse decidido ser mais ousada. Admirando o sensual movimento dos quadris arredondados, que fazia ba­lançar a saia do vestido meio largo, Marc lembrou-se de que, a não ser pelo dia em que haviam se encontrado para conversar, na primeira vez em que haviam sido designados para trabalhar juntos, ele nunca a vira usando um vestido. Na verdade, ela não estava usando um vestido, naquela ocasião, mas uma saia preta e curta que deixava boa parte das coxas à mostra. E sandálias de salto alto, que deviam acrescentar uns sete centímetros a sua altura de um metro e setenta.

Sentindo-se mais acalorado e aborrecido, ele puxou o decote da camiseta com um gesto irritado. Melanie era linda e sensual, e ele a perdera, naquela primeira e última briga que haviam tido, quando ela o acusara de não saber nada sobre o amor.

Não, ele não sabia. E não amava, não podia amar Melanie. Mas gostava bastante dela, de seu corpo elástico, daquele tra­seiro sensual, para achar que valia a pena fazer de tudo para protegê-la do sujeito que já atirara nela uma vez.

— Ah, é? — ele murmurou, zombando de si mesmo. — Então me diga uma coisa, Marc McCoy: Por que anda com esse anel de noivado no bolso, há três meses?

Aventura, liberdade e sexo sem compromisso são super valorizados, Melanie pensou, fechando os olhos com força. Não valem tanto assim.

— Melanie, querida, temos convidados à mesa.

Ela abriu os olhos e fitou a mãe, sentada a sua frente na mesa do restaurante do Hotel Bedford.

— Eu sei que temos convidados — replicou com uma certa aspereza.

Não sabia por quê, mas, ultimamente, tudo o que a mãe dizia ou fazia irritava-a.

Olhou em volta, para as cadeiras douradas, antigas, as ima­culadas toalhas brancas de tecido adamascado e o lindo papel de parede. O jantar que reunia as famílias do noivo e da noiva era uma tradição e destinava-se a fazer com todos se conhecessem. Na maioria dos casos, e certamente no dela e Craig, era algo inútil. Afinal, fazia muitos anos que os Weber e os Gaffney conheciam-se. Aquela reunião só servia para mostrar como seriam os jantares de domingos e feriados dali por diante.

Mastigando um pedaço de rosbife, Melanie olhou para o pai de Craig, sentado a sua esquerda, então para a mãe, acomodada no outro lado da mesa, diante do marido. O pai era um tanto autoritário e mostrara-se suspeitoso, quando soubera do casamento marcado às pressas. Teria adivinhado o motivo? Melanie sentiu as faces corarem de vergonha. Não por estar grávida, mas porque, de certa forma, estava usando Craig, aproveitan­do-se de sua bondade.

A mãe de Craig, Dóris, era uma doçura de pessoa. Estava animada com a idéia do casamento e já começara a falar em um neto. Mal sabia a inocente que seu desejo se realizaria mais depressa do que ela poderia imaginar.

Naquele momento, Dóris olhou-a com um sorriso luminoso, e Melanie sentiu uma pontada de remorso que a fez remexer-se na cadeira, enquanto forçava-se a sorrir de volta.

— Difícil, não? — Craig, que se encontrava sentado a sua direita, murmurou.

— Um pouco — ela concordou, olhando-o e vendo seu sorriso confortador.

Melanie não achou estranho o fato de ele ter adivinhado seus pensamentos. Os dois eram amigos desde a infância, e um sempre compreendera o outro muito bem.

— Quando isto aqui acabar, gostaria de conversar com você — ele avisou.

— Claro — ela respondeu, experimentando uma certa apreensão. Notou, então, que todos à volta da mesa estavam em silêncio, possivelmente intrigados com os cochichos deles.

— Você não parece bem — Craig disse baixinho. — Se estiver se sentindo... bem, você sabe...

— Enjoada? — ela completou, um pouco alto demais. Percebendo o que fizera, acrescentou, para consertar: — Acho que estou nervosa, como toda noiva nas vésperas do casamento, e isso às vezes causa enjôo.

Mentira. Ela enjoava, sim, mas porque estava grávida. Gravidez. Bebê. Casamento.

De repente, sentiu-se realmente mal. Medo. Não sabia cuidar de um bebe. Não estava preparada para ser mãe.

— Nunca imaginei que Melanie se casaria primeiro que a irmã — Wanda dizia a Dóris. — A gente tem cada surpresa!

Claro, Joanie tem mais jeito do que eu para esposa, dona de casa e mãe, pensou Melanie, imaginando por que a irmã não comparecera ao jantar.

— Mas você tem de concordar que Melanie será uma noiva linda. —Archie tomou o resto da cerveja em seu copo.

— Digam-me mais uma vez por que estão com tanta pressa de casar — pediu. Melanie estremeceu, e Craig apertou-lhe a mão, respondendo:

— Acho que um namoro de vinte e cinco anos é mais do que suficiente. — Olhou para Melanie e continuou: — Concorda comigo, princesa?

— Só posso concordar, meu bem. A primeira vez em que você me pediu em casamento, tínhamos cinco anos.

Sentia vergonha do que estava fazendo. Ninguém precisava ser matemático para fazer as contas e perceber que havia algo errado, quando a gravidez ficasse evidente. Craig, na época da concepção, estava fora do país, na Nova Guiné, fazendo uma pesquisa para o laboratório em que trabalhava.

Não suportando mais a tensão, Melanie baixou a cabeça, apoiando a testa na mão, ignorando o olhar da mãe.

Uma onda de náusea assaltou-a, e ela se levantou.

— Com licença, preciso... — Precisava o quê? Que desculpa ia dar? — Preciso empoar o nariz.

Wanda pousou o guardanapo ao lado do prato e levantou-se.

— Vou com você.

— Não! — Melanie quase gritou, descontrolando-se. Todos, inclusive as pessoas que ocupavam as mesas mais próximas, olharam-na com espanto.

— Obrigada, mamãe, mas posso ir sozinha — ela acrescentou em tom mais suave. — Fique aqui, com nossos convidados.

De modo incrível, aquilo funcionou, pois Wanda voltou a sentar-se.

— Tudo bem, querida.

Melanie pegou a bolsinha preta pendurada nas costas da cadeira e marchou o mais elegantemente que pôde na direção de uma das portas de vidro que se abriam para o saguão. Sentia-se horrivelmente mal. O estômago estava revoltado, e os pés inchados doíam cada vez mais. Ela, que nunca perdia o controle sobre qualquer situação, experimentava uma sensação de desamparo. Assim que chegou ao saguão, encostou-se na parede, lutando contra as lágrimas. O que estava acontecendo? Tudo aquilo era devido a seu estado, ou ao fato de ela estar percebendo que ia cometer o maior erro de sua vida?

Deslizou as mãos pelo estômago e parou-as na altura do ventre, no lugar onde seu bebê crescia.

O bebê de Marc.

Mais uma vez, imaginou se fora realmente uma boa idéia não contar a Marc que estava grávida.

Agora é tarde demais, pensou, enxugando as lágrimas que haviam teimado em rolar por seu rosto. Além disso, ele deixou bem claro que um relacionamento permanente não o interessa.

Continuou a andar e entrou no banheiro decorado nas cores rosa e branco. Trancou-se em um dos cubículos e sentou-se no vaso. Precisava ficar alguns minutos sozinha. Tinha de controlar o nervosismo. Por amor ao bebê.

Não teve muito tempo de sossego, pois instantes depois a porta do banheiro abriu-se, e ela ouviu a voz de Wanda chamá-la.

— Estou aqui, mamãe.

— Ah.

Melanie ouviu-a entrar no cubículo ao lado do seu e fechar a porta.

— Mãe?

— O que é?

— Por que está com tanto medo de que eu... de que eu não me case com Craig?

Wanda ficou em silêncio por alguns instantes.

— Bem, tenho de admitir que estou um pouco preocupada com seu comportamento estranho — respondeu por fim.

— Estou nervosa, acho que é natural.

— Não sei por quê, mas seu jeito de agir me faz lembrar quando veio da universidade, passar as férias de verão em casa, e disse que deixara o curso de Administração de Empresas para fazer o de Direito. Fiquei muito desapontada. Melanie tirou os sapatos e começou a massagear os pés doloridos.

— E agora está se portando como se fosse minha carcereira — acusou. — Acha que isso vai evitar que eu tome uma decisão de última hora e desista de me casar?

Mais um breve silêncio.

— Não estou me portando como uma carcereira — Wanda defendeu-se. — Só vim ao banheiro atrás de você porque achei que talvez quisesse conversar.

Quase sem perceber, Melanie recomeçou a chorar.

— Melanie? — a mãe chamou. — Você está querendo conversar sobre alguma coisa? Se for algo relacionado com aquele tal de Marc, acho melhor esquecer agora mesmo.

Com um suspiro, Melanie cortou uma longa tira de papel higiênico e usou-a para enxugar as lágrimas.

— Aquele sujeito não é do tipo que se casa — prosseguiu Wanda. — Parece mais um adolescente irresponsável do que um homem adulto e ajuizado. Ele nunca a faria feliz.

Embora odiasse o que a mãe dizia, Melanie tinha de concordar com ela. Talvez fosse pior ficar com Marc do que sem ele.

Levando os sapatos em uma das mãos, levantou-se e cami­nhou para a porta.

— Serei feliz, me casando com Craig. Obrigada, mamãe. Vou voltar para a mesa.

Saiu do cubículo e, descalça, cruzou o espaço onde ficavam as pias. Abriu a porta que dava para o saguão e parou, petrificada. Marc McCoy barrava-lhe a passagem! Melanie perdeu o fôlego e recuou.

— Caminho errado. Você está saindo, não entrando — Marc observou, pegando-a pelo pulso e puxando-a para o saguão.

As pernas de Melanie fraquejaram, e ela teve de segurar-se nele para não cair.

— O que você... — conseguiu engrolar, desejando perguntar o que Marc estava fazendo ali.

— Fique quieta — ele interrompeu-a, acariciando-lhe o rosto e deixando a mão deslizar para o pescoço, sentindo a pulsação acelerada. Então, comentou: — Conversa interessante, a que você estava tendo lá dentro com sua mãe.

— Você ouviu? — ela indagou, surpresa.

Ela não percebeu as intenções de Marc, até vê-lo usar um dispositivo, que todos os agentes carregavam no bolso, para travar a maçaneta da porta, trancando a mãe dela no toalete.

Riso histérico subiu à garganta de Melanie, mas ela repri­miu-o. Nem podia contar às vezes em que desejara trancar Wanda em um quarto. Mas desejar era uma coisa, fazer, outra muito diferente.

— Vamos — Marc convidou, puxando-a pela mão.

— Vamos?! — Melanie repetiu, incrédula.

Tentou fincar os pés no chão, mas as meias finas tornava-os ainda mais escorregadios, e ela se viu deslizando atrás de Marc, quando ele começou a andar.

Ameaçou-o com os sapatos que carregava na mão livre.

— Espere aí, Marc McCoy! Para onde você acha que vai me levar?

Ele parou.

— Lá para fora, claro.

E teve a coragem de sorrir!

— Ficou louco? — ela retrucou, furiosa.

— Sentiu minha falta? — Marc perguntou, sem se perturbar.

— Tanto quanto sentiria falta de uma praga — Melanie respondeu por entre os dentes. Seu coração, porém dizia outra coisa, e ela obrigou-se a ignorá-lo. — O que está fazendo aqui?

— Engordou um pouquinho, não é, meu bem? — ele comentou. — Está melhor do que nunca.

Ela engordara, sim, nem podia esperar outra coisa, estando grávida, mas ele continuava o mesmo. Com aquela altura de um metro e noventa, o peso de cem quilos distribuía-se proporcionalmente por todo o corpo perfeito.

E Marc estava lindo, com aquela camiseta preta, jeans desbotado, e o colete que, ela sabia, ocultava o revólver que ele sempre levava consigo.

A maçaneta da porta do toalete começou a girar, deixando óbvio que Wanda tentava destravá-la.

— Melanie! — ela chamou.

— Não é nada bonito, trancar pessoas em banheiros — Melanie censurou, torcendo a mão para livrá-la, mas Marc intensificou o aperto. — Me solte!

— Isso é jeito de tratar um ex-namorado? — ele reclamou com um sorriso diabolicamente sedutor. — Ou, se prefere, um ex-parceiro de trabalho?

— Um ex-parceiro decente não faz tocaia para pegar o outro, como você fez. O que quer comigo, Marc?

— Tem alguma coisa bloqueando a porta! — a mãe dela quase gritou. — Alguém me ajude, por favor!

— Você vai ter de cancelar o casamento, Melanie — Marc declarou.

— O quê? — ela murmurou, fitando-o, atônita.

— Você ouviu. Diga ao pobre sujeito que mudou de idéia e não vai mais se casar com ele.

Mais uma vez, Melanie precisou lutar contra a histeria que se manifestava com uma vontade quase irreprimível de rir às gargalhadas.

— De jeito nenhum! — ela respondeu, mais alto do que pretendera.

— Ouvi sua voz, Melanie — Wanda gritou. — Quem está com você? Craig? Vejam o que aconteceu com esta porta que não quer abrir!

Com um movimento brusco, Melanie livrou-se da mão de Marc e correu para a porta, mas, antes que pudesse retirar a trava, ele abraçou-a pela cintura e apertou-a contra o corpo, imobilizando-a. Os seios firmes apertaram-se de encontro ao peito duro como pedra.

— Não me obrigue a passar para o plano número dois, Melanie. Que plano número dois? Ela se perguntou.

— Pode me soltar — disse, com calma forçada.

— Para quê? Para que solte sua mãe? De jeito nenhum. Passei a tarde toda querendo ficar sozinho com você. E agora que consegui, pretendo fazer com que me ouça. Você está feliz em me ver — ele declarou.

Ela tentou livrar-se dos braços dele, inutilmente.

— O que pretende, Marc?

— É delicioso sentir seu corpo contra o meu — ele murmurou. Melanie estremeceu, seduzida pelo tom sensual da voz profunda.

— Por favor, me solte — tornou a pedir, controlando-se. — Ou serei obrigada a fazer uma coisa que você não achará nada agradável.

Ele riu baixinho e afundou o rosto nos cabelos dela, aspirando seu perfume.

— Você sempre fez ameaças vãs — ele replicou.

— Ah, é?

Soltando um dos sapatos e segurando o outro pela ponta, bateu com o salto na cabeça dele, com toda a força de que dispunha, presa daquele modo nos braços que pareciam feitos de aço.

Marc soltou uma praga e soltou-a, massageando a cabeça no lugar atingido.

— Ameaças vãs? — ela zombou, atirando-se contra a porta do banheiro e começando a deslocar a trava.

Não teve tempo para terminar a tarefa.

Recuperando-se, Marc segurou-a, firmando a trava novamente.

— Pensou que ia ser fácil, não é?

Melanie teve a impressão de que estava sendo erguida no ar, e tudo girou a sua volta. Quando a ligeira vertigem passou, ela percebeu que não fora impressão. Marc erguera-a do chão e jogara-a sobre um ombro, segurando-a pelas pernas. O sapato que ela ainda segurava caiu de sua mão, indo parar perto do outro.

Horrorizada, Melanie viu que Marc atravessava o saguão do hotel na direção da saída, carregando-a como um saco de batatas.

— Assunto de família — ele explicou, falando com alguns funcionários que observavam a cena, atônitos. — Podem voltar a seus afazeres.

Wanda ainda presa no banheiro, começou a gritar, daquela vez desesperadamente.

Pouco depois, enquanto andava para o pátio do estacionamento, Marc introduziu a mão livre sob o vestido de Melanie, apalpando-lhe as coxas.

— Pare com isso! — ela ordenou, furiosa.

Ele a ignorou. Subiu a mão quase até as nádegas dela e encontrou o que queria. Com uma risadinha satisfeita, retirou o pequeno revólver de seu coldre.

— Seu noivo sabe o que você esconde embaixo da saia, Melanie?

— Ponha-me no chão!

— Vou pôr — ele prometeu. — Quando chegar à hora.

 

Com um rápido olhar, Marc viu tudo e todos que estavam no pátio de estacionamento. Embora não esperasse ver Tom Hooker, o homem que atirara em Melanie, espreitando nas sombras, o fato era que ele fugira no dia anterior, ao ser transportado da cadeia para o tribunal, onde seria julgado, e devia estar planejando atacá-la outra vez.

Apressou o passo.

Ajeitou Melanie no ombro, ignorando seus protestos e ten­tando ignorar também o calor e o perfume de seu corpo sensual, que tantas vezes fizera-o delirar de prazer.

— Para onde está me levando? — ela indagou, remexendo-se para tentar livrar-se.

— Fique quieta, Melanie. Só está tornando as coisas mais difíceis — ele observou, dando-lhe um tapinha no traseiro e continuando a andar.

Chegando ao jipe, abriu a porta do passageiro e colocou-a no assento, dominando o desejo de beijá-la. Mas não pôde conter o impulso de acariciar languidamente as coxas expostas pelo vestido, que subira uns vinte centímetros, introduzindo a mão entre as duas e deslizando-a perigosamente para cima.

— Foi para isso que me raptou? — Melanie perguntou, ig­norando a onda de desejo que a inundou. — Para me apalpar?

— Não — ele respondeu laconicamente, então curvou-se e pegou do piso do carro um par de algemas. — Sinto muito, mas tenho de fazer isso, querida.

Prendeu uma das algemas no pulso direito de Melanie, sur­preendendo-se com a passividade dela, e a outra na armação de ferro embaixo do banco.

Enquanto fazia isso, evitou olhá-la, pois não resistiria ao desejo de beijá-la, se ela o olhasse com aquela expressão de fúria que a deixava tão incrivelmente linda e desejável.

Quando terminou, ergueu a cabeça, e seu rosto ficou a poucos centímetros do dela. Bastaria inclinar-se para a frente para colar os lábios naquela boca carnuda e úmida. Aproximou o rosto um pouco mais.

— Marc, seria melhor não fazer isso — ela avisou.

— Fazer, o quê? Beijar você?

Ela emitiu um som que era uma mistura de gemido de rendição e de advertência. Ele precisou fazer um esforço enorme para não esmagar a boca tentadora com a sua, num beijo feroz e profundo.

— Lembra-se de quando nos beijávamos loucamente na cama, Melanie?

— Isso foi... foi há muito tempo — respondeu com voz rouca.

— Nem tanto tempo assim — Marc discordou. — Eu me lembro de tudo, de como os lençóis iam parar no chão, de como caíamos no sono, exaustos, então acordávamos e começávamos tudo de novo.

Melanie se remexeu no banco, parecendo inquieta.

— Não acho bom ficarmos relembrando essas coisas — ela comentou baixinho.

— Você está enganada.

— Este é mais um exemplo de como pensamos de forma diferente, certo?

Marc reconheceu a sombra de mágoa nos olhos dela. Pro­vocara a mesma reação, um dia antes de Melanie levar aquele tiro que quase a matara. Na noite de sua primeira e última briga. Na noite em que ela lhe perguntara se a amava.

Pensando naquilo, sentiu um aperto na garganta. Afastou-se, endireitando-se, e fechou a porta do jipe. Sentia-se envolvido por um tumulto de emoções que não conseguia identificar e sabia que teria de controlar-se, se quisesse proteger Melanie, e ela precisava realmente de proteção. Por sua vez, precisava tê-la de volta em sua vida.

Olhou na direção do hotel e não se surpreendeu ao ver Wanda Weber marchando para fora, acompanhada de um homem mais ou menos da idade dele e que devia ser o noivo de Melanie.

Não, as coisas não estavam saindo de acordo com seus pla­nos. Isso, porém, não o abalou. Afinal, seus planos pareciam nunca dar certo. Se dessem, Melanie ainda estaria com ele, como amante e parceira, não teria sido ferida e não ficaria noiva de outro homem. E ele nunca se sentiria tão solitário quanto se sentira nos três últimos meses.

Dando a volta no jipe, embarcou rapidamente e bateu a porta com força. Então, deu partida no motor.

— Para onde vai me levar? — Melanie tornou a perguntar.

— Fique quietinha e aproveite o passeio — Marc recomen­dou, pondo o veículo em movimento. — Na verdade, é só o que pode fazer, não é?

E ele, tudo o que tinha a fazer era continuar a executar seu plano, apesar dos imprevistos.

Ficaram em silêncio durante um longo tempo, enquanto Marc dirigia o jipe para fora da cidadezinha.

— Lembra-se de quando fomos trabalhar com a equipe de segurança do vice-presidente da república, em Seattle? — ele perguntou quando chegaram à rodovia.

Silêncio.

— Então, também não se lembra de que entrou na cozinha do hotel e jogou aquele sujeito no chão antes que ele tivesse oportunidade de dizer quem era — Marc insistiu.

Melanie continuou muda.

— E era o secretário do vice-presidente — ele prosseguiu teimosamente. — Ainda bem que o homem era forte, do con­trário você o teria matado de um ataque do coração, quando encostou a arma na cabeça dele.

Nenhuma resposta.

Frustrado, Marc apertou o volante com força desnecessária.

— Mas quem ia adivinhar que o homem gostava de comer fora de hora e que entrara na cozinha para pedir um pãozinho com patê?

Era um caso engraçado, do qual os dois haviam rido muito, mas daquela vez Melanie não achou graça, nem fez qualquer comentário.

— Não está com vontade de recordar o passado, querida?

— Não me chame de querida! E não, não estou com vontade de recordar o passado. Já esqueci tudo.

— Mentirosa — Marc disse, rindo. — Não faz tanto assim que nos separamos.

— Noventa e dois dias, duas mil e duzentas e oito horas, cento e trinta e dois mil e quatrocentos e oito minutos — ela recitou em tom monótono. — É muito tempo.

— Não acho.

— E tempo suficiente para alguém modificar-se totalmente. Não sou mais a pessoa que você conheceu, Marc.

Ele teve de reconhecer que Melanie não deixava de ter razão. Ela não o considerava mais seu parceiro, nem no trabalho, nem na vida, e não pertencia mais ao seu departamento do serviço secreto. E, embora ainda carregasse o revólver no coldre preso a uma das coxas firmes e acetinadas, não trabalhava mais nas ruas. Agora, que a perdera, desejava-a mais do que nunca, e não só fisicamente. Aqueles três meses sem Melanie transformara-o, fazendo-o ver coisas em si mesmo que nunca vira antes.

Perdera-a e a queria de volta. Contudo, no momento, sua meta prioritária era protegê-la, mesmo que ela lhe dissesse que jamais o aceitaria de novo em sua vida. O que ela faria, se ele lhe contasse que Hooker fugira? Que era mais do que provável que o miserável fosse atrás dela para matá-la, algo que tentara uma vez e falhara?

Olhou para mão de Melanie, onde brilhava o enorme brilhante do anel de noivado. Pensou na bolsinha de veludo que levava no bolso e que continha o anel modesto que comprara para ela. Por que achara que uma esmeralda era mais bonita do que um brilhante?

Ficou pensando naquilo tudo, no percurso até Washington, que ficava a meia hora de Bedford.

— Você não está me levando para sua casa, está? — per­guntou Melanie, quando entraram na via expressa que levava ao centro da cidade.

— Reconheceu o caminho? — replicou Marc. — É de surpreen­der, levando em conta o tempo que faz que não vai a minha casa.

Ela murmurou alguma coisa que ele não entendeu.

— O que disse, Melanie? — como não obtivesse resposta, Marc prosseguiu: — Algo a respeito de eu não ter ido a sua casa também? Sua mãe não lhe contou que praticamente me enxotou, todas as vezes em que tentei vê-la, depois daquela... daquela noite?

— Não me contou nada.

— Que pena.

— Vá para o inferno, Marc McCoy.

Ele não disse mais nada, e pouco depois parava na entrada da garagem da antiga casa geminada onde morava havia dez meses. Acionou o controle remoto, e o portão eletrônico abriu-se.

— Chegamos — anunciou inutilmente.

Entrou na garagem, desligou o motor do jipe e saltou para o chão. Deu a volta no veículo e abriu a porta do passageiro.

— Vai colaborar, ou terei de carregá-la?

— Não, não terá de me carregar — respondeu Melanie com uma máscara de calma que escondia seus verdadeiros sentimentos.

Marc não acreditou nas palavras dela nem por um segun­do, mas tirou a chave do bolso do jeans e abriu as algemas, libertando-a.

Melanie esfregou os pulsos avermelhados.

— Não acredito que fez uma coisa dessas comigo! — excla­mou. — Preciso telefonar.

Olhou em volta, procurando o telefone que havia na parede da garagem, perto da porta que levava à cozinha, mas o apa­relho desaparecera.

— Telefonar? Para quem? — Marc quis saber.

— Não interessa. Onde está o telefone que ficava nesta parede?

— Vamos entrar em casa, Melanie — ele convidou, pondo uma das mãos na curva das costas dela.

— Não vou a lugar nenhum com você — ela declarou, es­quivando-se do toque da mão dele.

— Não vai? Mas veio até aqui, não veio? E minha prisioneira, querida.

Olhando-a, Marc viu medo nos olhos azuis e sentiu-se mal. Nunca causara medo a Melanie. Pegando-a pelo braço, tentou guiá-la gentilmente para a porta da cozinha, mas ela fincou os pés no chão.

— Vamos entrar, Melanie — ele insistiu. — Aposto como não comeu nada naquele jantar e que agora está com fome. Pode assaltar a geladeira, enquanto cuido de umas coisas.

— Não vou assaltar geladeira nenhuma. Solte-me, Marc! Não vê o que está fazendo? Eu devia estar num jantar mara­vilhoso, em companhia de meu...

— Eu sei — ela a interrompeu, dizendo em tom irônico: — Devia estar com seu precioso noivo, a família dele e sua encantadora mãe.

Obrigou-a a andar e, quando já estavam na cozinha, trancou a porta, tirou a chave e guardou-a no bolso. Soltou Melanie, sentindo-se desapontado, pois não tinha mais desculpa para continuar tocando-a.

Brando, o gato, apareceu na cozinha, miando dengosamente, e correu para Melanie, começando a esfregar-se em suas pernas.

— Ah, você ficou com ele — ela comentou com Marc, pegando o animal e aninhando-o nos braços.

— Claro que fiquei — ele resmungou, sentindo-se ofendido.

Não devia, porém, tomar o comentário de Melanie como uma ofensa. Afinal, no dia em que ela recolhera o gatinho abandonado, uma bolinha cinzenta e macia, ele ameaçara devolvê-lo à rua. Não era que não gostasse de animais. Gostava, e muito, mas não dispunha de muito tempo para cuidar de um, com a vida que levava. Por fim, apesar de prever que o bichinho seria um problema, rendera-se às súplicas de Melanie e o aceitara.

— Por que não vai para a sala e descansa, enquanto preparo alguma coisa para comermos? — sugeriu.

Melanie hesitou e olhou para o balcão, onde costumava ficar o telefone sem fio. Mas o aparelho não estava mais lá. Marc notou sua frustração e deu-se os parabéns por ter pensado em tudo.

Não suportando o olhar de censura que ela lhe lançou, ele abriu a porta da geladeira e examinou o conteúdo. Quando tornou a virar-se para Melanie, não a viu mais. Ela fora para a sala com Brando.

Melanie andou pela casa que conhecia tão bem, tentando não notar as mudanças. Ou, mais importante, não notar o que não mudara. Não queria ver o livro que deixara no sofá, quando sua briga com Marc começara, e que continuava no mesmo lugar. Não queria ver o papel de parede que haviam colocado juntos.

Percorreu todos os cômodos, com o gato no colo, procurando um telefone, mas os três, o da sala, do quarto e do banheiro haviam desaparecido. Assim como haviam desaparecido o da co­zinha e o da garagem. Ela engoliu as lágrimas que se acumulavam na garganta. Precisava ligar para Craig, ou para a mãe, para dizer que estava bem, que não precisavam preocupar-se com ela.

O que diria a Craig? A verdade. Ele, compreensivo como era, entenderia. A mãe, porém, faria um escândalo e a acusaria de ter armado aquilo tudo com a ajuda de Marc para não se casar com Craig.

Mas ela queria casar-se com o amigo de infância. Precisava. Tinha de dar um pai para seu filho.

E, por que não o pai verdadeiro?, ela se perguntou. Não. Que idéia estúpida!

Marc nunca pensara em ter uma esposa, muito menos filhos. Por isso, acontecesse o que acontecesse, ela teria de casar-se com Craig.

Voltando para a sala de estar, pôs Brando no chão, e ele correu para a cozinha. Olhando para a mesinha de centro, viu algumas latas de cerveja vazias, embalagens de comida chinesa e várias revistas femininas, algo totalmente insólito, pois Marc costumada zombar sem piedade do que chamava de "bobagens de mulher". Inclinando-se, pegou um exemplar da Cosmopolitan. Naquele instante, Marc entrou na sala, com um saco de lixo vazio em uma das mãos.

— Melanie, pensei em... — ele começou, interrompendo-se bruscamente. Então, foi até a mesinha e empilhou as revistas rapidamente. — Não são minhas. Foram entregues aqui em casa por engano.

Ela virou a revista que tinha nas mãos e olhou a capa de trás, onde havia uma etiqueta com o nome e o endereço dele. Marc assinava a Cosniopolitan e talvez as outras também! Devia ter ficado louco! Raptara-a. Arrancara-a do lugar onde ela jantava com a família do noivo, levando-a no ombro, ignorando o olhar pasmo das pessoas no saguão. No jipe, algemara-a. Sumira com todos os telefones da casa. E agora ela descobria que ele andava lendo revistas femininas, das quais sempre zombara.

Marc devia mesmo ter perdido o juízo, mas o fato de ele ler aquele tipo de revista de certa maneira comoveu-a.

— Eu devia ter deixado você algemada — ele resmungou. Parecia tão embaraçado, que Melanie foi até a porta de vidro que dava para o jardim lateral e ficou olhando as árvores frondosas e antigas.

— Eu não ficaria espantada, se me algemasse no pé da mesa — comentou, de costas para ele.

— Não achei necessário. Se fugir, eu a alcançarei antes que corra dez metros.

Melanie virou-se para olhá-lo e viu-o jogar as revistas no saco de lixo.

— Você deve estar cansada. Por que não se senta, enquanto limpo um pouco isto aqui? — ele propôs, pegando duas latas de cerveja e também jogando-as no saco.

Achando que não valia a pena fingir-se de durona e ficar em pé, quando de fato estava cansada, ela se sentou na poltrona favorita de Marc, macia, grande e reclinável. O vestido curto subiu, exibindo metade das coxas. Xingando a irmã mental­mente, que a obrigara a usar aquele traje tão incômodo, Me­lanie puxou-o para baixo, sem grande resultado.

Observou-o juntar os jornais espalhados pelo chão.

— Pode me dizer o que pretende? — perguntou.

— Digamos que é importante que você passe algum tempo comigo — ele respondeu, sem explicar coisa nenhuma.

— Algum tempo? Quanto? Uma hora, duas? — ela indagou. Marc colocou a pilha de jornais sobre o sofá e virou-se para fitá-la.

— Quanto tempo for necessário — informou.

— O quê? Não se esqueça de que vou me casar com Craig no sábado.

— Não esqueci. Esse casamento tão repentino tem algo a ver com... com o que aconteceu naquela noite?

Melanie sabia que ele estava se referindo à noite em que ha­viam brigado, na véspera de ela levar um tiro que quase a matara.

— Tem a ver com outras coisas também. Eu sei que a notícia de que vou me casar deve ter lhe causado um choque, mas...

— Ela fez uma pausa, sem saber o que dizer, então prosseguiu:

— Nós nem nos conhecemos direito, Marc!

— Não?

— Não! Você conhece minha mãe, mas só esteve em minha casa uma vez. Eu não conheço sua família. — Melanie pigarreou, sentindo a garganta seca. — Nem sei qual é sua cor favorita.

— Verde — ele informou.

Ela esboçou um sorriso triste.        

— E a minha? — perguntou.

Marc não respondeu, pois não sabia.

— Está vendo? — murmurou Melanie, sentindo um aperto no coração.

— O que acha de termos essa conversa mais tarde? Agora estou ocupado, dando um jeito na bagunça — ele explicou, pegando os jornais e caminhando para a cozinha.

— Tudo bem, mas precisamos conversar.

Sozinha novamente, Melanie reclinou-se na poltrona e fe­chou os olhos. Por que doía tanto perceber que se conheciam tão pouco? Por que era tão horrível pensar que o que houvera entre eles não passara de atração sexual, de puro desejo? No que dizia respeito a ela, fora mais do que isso. Ele lhe fizera muita falta naqueles três meses. Fora com o coração partido que ela decidira casar-se com Craig, por amor a seu bebê.

— Quer comer alguma coisa? Deve estar com fome.

— Estou com um pouco de fome, sim.

— Vou preparar um lanche — ele disse, voltando para a cozinha.

Melanie não perdeu tempo. Foi ao banheiro e abriu o chu­veiro totalmente. Tornando a sair, trancou a porta e tirou a chave, correndo para o quarto. Sairia pela janela e estaria livre. Teria uns bons minutos para executar seu plano, pois, se Marc a procurasse, ouviria o som da água do chuveiro e julgaria que ela decidira tomar banho.

No quarto, foi direto para a janela e tentou, em vão, abri-la. Estava trancada com um cadeado. Aquele louco pensara em tudo. Ela, porém, não desistiu. A janela do banheiro, apesar de grande, tinha vidraça fixa, que não se abria, mas ela podia quebrá-la e pular para fora.

Atravessando o quarto para voltar ao banheiro, Melanie olhou em volta, procurando algo pesado que pudesse usar para quebrar a vidraça. Foi então que viu o porta-retrato sobre a cômoda. Estacou de repente ao reconhecer a pessoa da fotografia. Era ela! Mas como? Nunca dera nenhuma foto a Marc, nem tinha uma dele. Observando a fotografia, descobriu que era uma cópia ampliada da que havia em sua ficha, no depar­tamento do serviço secreto para o qual trabalhava. Um nó de emoção apertou-lhe a garganta.

— Boa tentativa!

Melanie deu um salto, assustada.. Marc, parado na porta, olhava-a com um sorriso vitorioso.

— E eu... — ela gaguejou e, sem saber como continuar, ata­cou, furiosa: — Não pode me manter presa nesta casa! Isso é rapto! Você vai se dar mal. Garanto que há uma porção de gente a minha procura.

— Acredito que sim.

A raiva abandonou Melanie, dando lugar ao desespero.

— Se gosta um pouquinho de mim, Marc, deixe-me ir em­bora, por favor! — ela implorou.

— Eu gosto mais do que um pouquinho de você, e é por isso que não posso deixá-la ir — ele disse. — Tire o vestido.

— O quê?!

— Tire o vestido — ele repetiu, entrando no quarto e sen­tando-se na cama.

— Você enlouqueceu, agora não tenho mais dúvida nenhuma — ela retrucou e correu para fora do quarto, indo refugiar-se na sala.

Sentou-se no sofá, junto de Brando, que se lavava calma­mente, correndo a língua pelo corpo peludo.

Marc entrou na sala, aproximou-se do sofá e pegou o gato, obviamente tencionando sentar-se perto de Melanie, que se levantou de um salto, como se houvesse sido picada por algum inseto peçonhento.

— Tire o vestido, Melanie — ele insistiu.

— Por quê?

Ele se sentou no sofá, pondo Brando no chão.

— Um dos motivos é que você puxa tanto a saia para baixo, que vai acabar rasgando o tecido.

— Quais são os outros motivos?

— Tanto esse vestido, como o de noiva, que pretende usar no sábado para casar-se na igreja, fazem de você um alvo muito fácil.

Alvo? Ela repetiu mentalmente, fixando o olhar no rosto de Marc.

— Além disso, enquanto estiver vestida, você pode querer fugir de novo — ele continuou, apresentando o terceiro motivo.

— O que você quis dizer com "alvo fácil"? — perguntou Melanie.

— Não mude de assunto, querida.

— Marc...

— Tire o vestido.

— Está querendo me punir por eu ter tentado fugir? Marc levantou-se e aproximou-se dela com ar determinado.

— Não discuta e tire este maldito vestido! — exigiu.

 

Melanie ouviu a ordem, mas não fez menção .de obedecer. Tirar o vestido, por quê?

— O zíper é atrás, não? — Marc indagou.

— Este vestido não tem zíper — ela respondeu asperamente. Ele virou-a e viu a fileira de botões delicados que iam da gola alta que cobria a nuca, até abaixo da cintura. Soltou o primeiro botão, e o contato da pele dela em seus dedos excitou-o. Aproximou o rosto dos cabelos loiros e aspirou o perfume que emanava deles. Apesar de cheio de desejo, refletiu que seduzir Melanie não o ajudaria a protegê-la do homem que desejava matá-la por vin­gança, porque ela era a responsável por sua prisão, nem a faria desistir da idéia de casar-se com aquele tal de Craig.

Mas como a desejava! Como sentira falta daquele corpo quente e tão sensível a suas carícias! Não era só isso, porém. Sentira falta do riso dela, de seus comentários inteligentes, de sua viva­cidade, de sua companhia nas missões designadas pelo serviço secreto. Pensou em Tom Hooker e no tiro disparado pelo miserável, que lhe roubara tudo aquilo. Que quase tirara a vida de Melanie.

Suprimindo o desejo de rasgar o vestido, para acabar logo com aquela tarefa que o martirizava, Marc soltou os botões um a um. Melanie estremecia ligeiramente, cada vez que os dedos dele roçavam-lhe a pele, levando-o a suspeitar que ela não resistiria muito, se ele a tomasse nos braços e a beijasse. Percebera isso muito antes, no momento em que vira a ex­pressão nos olhos verde-azulados, quando barrara a passagem dela, na porta do toalete feminino, no Hotel Bedford. No en­tanto, sexo nunca fora problema para eles. A atração física entre os dois era poderosa, mas usá-la não era a maneira correta de lutar para ter Melanie de volta.

As costas macias estavam agora totalmente nuas, pois ela não usava sutiã. E, como ele não era de ferro, não resistiu ao desejo de tocá-las. Com um toque leve, correu os dedos pela pele perfeita, da nuca até onde começava a calcinha, vibrando quando viu Melanie estremecer e arrepiar-se. Curvou-se, bei­jando-a no pescoço, e abraçou-a por trás, tomando nas mãos os seios redondos e firmes.

Ela gemeu, deixando a cabeça pender para trás, e Marc virou-a, de modo a ficarem frente a frente.

— Por favor, não... — ela implorou num fio de voz, enquanto ele a enlaçava pela cintura, puxando-a para si.

Marc fixou o olhar na boca carnuda e úmida, que se oferecia, entreaberta. Era óbvio que Melanie o desejava, mas que não queria render-se.

— Do que tem medo, Melanie?

Ela não respondeu e saiu dos braços dele.

— Não está esquecendo nada? — ele prosseguiu.

— O quê?

— O vestido.

— Você não desiste, não é?

— Não.

Algo fulgurou nos olhos verde-azulados de Melanie. Marc reconheceu o brilho, que era provocado por algo que ele sempre admirara nela: coragem para enfrentar qualquer desafio.

Movendo os ombros, ela fez o vestido deslizar, deixando-o cair a seus pés. Ficou parada, os braços ao longo do corpo, totalmente nua, a não ser pela calcinha de seda. Perfeita, linda. Nem a cicatriz abaixo da clavícula conseguia deixá-la menos tentadora.

— Diga-me uma coisa, Melanie. O grande tolo está esperando pela noite de núpcias, ou vocês já...

— Não é de sua conta. E o nome de meu noivo não é "grande tolo". Ele se chama Craig.

— Ele já provou as delícias que você tem para oferecer, Melanie? Durante o relacionamento deles, Marc dissera a si mesmo,

vezes sem-fim, que não se importaria, se soubesse que Melanie fizera sexo com outro homem. Afinal, nenhum vínculo sério os unia, eles eram livres para fazer o que quisessem. Mas, vendo-a tão orgulhosamente nua, com aqueles seios altos e firmes, os quadris arredondados, a feminilidade mal disfarçada pela mi­núscula calcinha, imaginou outro homem possuindo tudo aquilo e sentiu uma onda dolorosa de ciúme.

— Isso não importa — ela respondeu.

Marc tomou-lhe o rosto entre as mãos, forçando-a a encará-lo.

— Você dormiu com aquele sujeito, Melanie?

— Não que seja de sua conta, mas não, não dormi — ela

confessou.

Aliviado, Marc pensou que ela também, como ele, não con­seguira ter um relacionamento íntimo com outra pessoa desde que haviam se separado. Mas o alívio evaporou-se, quando ele refletiu que o problema maior persistia. Melanie ainda ia   ca­sar-se com outro homem.

De repente, de modo absurdo, uma lembrança que não tinha nada a ver com aquela situação cruzou-lhe a mente.

— Lembra-se daquela vez em que fomos comer cachorro-quente numa lanchonete antiquada, que servia mostrada em frascos de vidro? — perguntou.

Ela recuou, livrando-se das mãos dele.

— Que estupidez é essa, agora? — ela resmungou, abaixan­do-se para pegar o vestido.

— Não, Melanie. Você vai ficar despida até a hora de irmos

embora.

— Por que não me deixa ir embora? Que tipo de jogo está fazendo, Marc? — ela indagou com tanta aflição na voz, que Marc desejou poder colocá-la em liberdade.

— Não é nenhum jogo, Melanie. É castigo. Tentou fugir, e agora está sofrendo as conseqüências.

— Então, é para eu ficar aqui até quando você achar que devo. Mas... — Ela se olhou, franzindo a testa. — Nua?

Marc sorriu amplamente.

— Nua, até aprender a comportar-se — ele declarou. Melanie meneou a cabeça, e os cabelos flutuaram, batendo nos ombros que também eram uma tentação. Os olhos de Marc pousaram na cicatriz e desviaram-se rapidamente. Ele não con­seguia ver a prova do que ela sofrera sem sentir-se mal.

— E o que devo fazer, para ter meu vestido de volta? — ela quis saber.

Várias alternativas passaram pela cabeça de Marc, mas ne­nhuma pareceu-lhe viável.

— Ah, não sei. — Ele pensou um pouco, então prosseguiu: — Vou lhe fazer uma proposta. Você colabora comigo, no que planejo fazer, e vai ganhando pontos.

— Pontos? Que ridículo! E o que planeja fazer? — ela perguntou, desconfiada.

Ele suspirou.

— Não é o que você está pensando. — Abaixou-se, pegou o vestido e jogou-o numa das cadeiras ao redor da mesa de jantar atrás dele. — Posso ser um seqüestrador, mas não abuso de mulheres.

-— Que alívio! — ela escarneceu. Marc olhou-a com seriedade.

— É verdade, Melanie, que não pensou em mim, em nosso relacionamento, nos últimos três meses?

— Ganharei pontos, se responder?

— Não, mas eu gostaria que respondesse às minhas perguntas. Talvez, assim, me ajudasse a compreender onde foi que erramos.

Melanie fitou-o com uma expressão que ele não soube interpretar.

A campainha, que tocava algumas notas de uma música folclórica, soou. Os dois permaneceram imóveis, até que ouvi­ram o som pela segunda vez.

— Alguém veio nos visitar — Melanie comentou, fazendo um gesto na direção da porta da frente.

— Alguém veio visitar a mim — ele corrigiu. — Você es­queceu que não mora aqui, que não faz mais parte de minha vida, que vai se casar com outro?

"Que besteira estou dizendo?", perguntou-se.

Por que a censurava por querer se casar, se nunca a havia pedido em casamento, ao contrário, deixara claro que tal com­promisso não fazia parte de seus planos? Bem, na verdade, ela também jamais mostrara qualquer interesse por casamento. Por quê, então, decidira casar com aquele tal de Craig?

Sentiu-se confuso ao ver uma lágrima solitária descer pelo rosto dela.

Naquele momento, quase falou que ela estava livre, que podia voltar para seu precioso noivo. Mas não podia. Ainda não. Nunca falhara em uma missão e não ia começar agora.

Andando até a janela que dava para o pequeno pátio frontal, Marc abriu a cortina e olhou para fora. Fez uma careta ao re­conhecer o pequeno carro esporte vermelho parado na rua. Roger.

— Volto já — informou. — Não saia daqui.

O olhar duro de Melanie deixou evidente que ela não apre­ciara a piada. Aonde iria, com tudo trancado daquele jeito?

Marc foi até a porta e abriu-a, olhando carrancudo para o parceiro que lhe haviam dado uma semana após Melanie ter sido ferida. Uma semana após ela tê-lo deixado.

— O que aconteceu, Roger?

— Oh, nada. Mas estranhei você não ter aparecido na reunião, hoje de manhã, e vim ver se estava com algum problema.

Roger tentava olhar para dentro da casa, mas Marc não permitia, o que não era difícil, porque o colega estava em desvantagem, do lado de fora e no alpendre, um degrau abaixo da porta.

Com trinta e poucos anos, Roger Westfield tinha um rosto que as mulheres achavam muito bonito e olhos azuis perspicazes, que não perdiam nada, algo essencial para um agente secreto. Como Marc, ele nunca fora casado, não mantinha relacionamentos amorosos firmes e até ali se mostrara um bom parceiro de trabalho.

Marc só tinha de apreciá-lo, mas naquele momento estava irritado com sua presença.

Inclinando a cabeça para um lado e fixando o olhar em alguma coisa atrás dele, Roger comentou:

— Você conseguiu, não é?

Virando-se ligeiramente, Marc olhou para Melanie, que con­tinuava parada no meio da sala, não fazendo nenhuma tenta­tiva para cobrir a nudez. Empurrou Roger para trás e saiu, apenas encostando a porta.

— Eu sabia que não devia ter dito a você o que pretendia fazer — disse ao parceiro, enterrando a mão nos cabelos desalinhados.

Mas dissera. No fim da tarde anterior, depois que saíra o boletim informando a fuga de Tom Hooker, ele fora tomar uma cerveja com Roger e acabara por falar de sua preocupação com Melanie, expondo seu plano ainda incompleto para afastá-la do perigo.

Naquela manhã, fora anunciado que Hooker havia sido visto na área, e o departamento todo se pusera em estado de alerta. Marc, então, decidira entrar em ação.

— Tem razão, não devia ter me contado, mas contou, e imaginei que ia usar sua habilidade de agente secreto para trazer essa mulher para cá, contra a vontade dela — Roger disse. — Perdeu o juízo, Marc? Sabe o que vai acontecer, se ela processar você?

— Ela não faria isso.

Roger encarou-o, franzindo a testa.

— Desculpe dizer isso, companheiro, mas, pelo que vi, Me­lanie Weber não está muito feliz com o que você fez.

— Fale logo o que veio fazer aqui, Roger. Sei que não foi para me dar apoio emocional.

— Apoio emocional? — o colega ecoou. — Andou lendo aque­las revistas melosas de novo, não é?

Marc irritou-se, nada disposto a responder àquela pergunta. Depois que Melanie fora ferida e desaparecera de sua vida, ele tentara de tudo para descobrir o que deveria fazer para reconquistá-la. E isso incluíra ler "aquelas revistas melosas", que traziam artigos sobre o modo como funcionavam as emoções e a mente femininas.

Mais uma vez, enterrou os dedos nos cabelos, como se quisesse arrancá-los. E, de fato, alguns daqueles artigos haviam lhe mos­trado o que fizera de errado em seu relacionamento com Melanie.

E ele comprara aquele anel de esmeralda, que agora pesava como chumbo em seu bolso, como que zombando de sua estupidez.

— Está certo — Roger conformou-se. — Não vou me meter em seus assuntos. A vida é sua, estrague-a como quiser.

— Nossa! Obrigado — Marc respondeu, irônico.

— De nada. — Roger fez uma pausa, olhando na direção da porta mal fechada. — Apenas achei que você gostaria de saber que a mãe de Melanie falou com nosso chefe, exigindo que ele lhe desse seu endereço. Telefonou da delegacia de uma cidadezinha chamada... Não, não lembro o nome.

Marc agitou-se.

— Preciso tirar Melanie daqui! — exclamou.

— Opa! Calma, parceiro. Não acha melhor libertá-la e deixar que o departamento tome conta dela? — Roger sugeriu.

— Não. O departamento não a protegeria como eu — res­pondeu Marc. — Você terá de me dar cobertura.

— Não posso. Quando Melanie processar você por sequestro, vai me pôr na confusão, dizendo que participei do crime. Pode arriscar sua cabeça, mas não a minha.

— Será que você não entende que não posso deixar Melanie ir embora? — Marc perguntou em tom baixo, mas furioso. — Hooker está por aí à espreita, para matá-la. Não vou deixar que isso aconteça. Não vou!

— Ora, Marc, raciocine. Você não sabe se Hooker está atrás de Melanie. Pode ser que ele tenha aparecido nesta área porque ainda não desistiu de tentar matar o senador Turow.

— Não se faça de bobo, Roger. Você sabe, tão bem quanto eu, que Hooker disse ao companheiro de cela que ia se vingar de Melanie por ela ter frustrado sua tentativa de matar Turow. Além disso, mandou cartas ameaçadoras para ela.

Marc parou de falar e observou o parceiro, sentindo uma súbita inquietação, sem saber por quê.

— Se não quer me ajudar, não ajude — prosseguiu. — Mas não dê com a língua nos dentes, pelo menos até eu tirar Melanie daqui da cidade.

Roger fez uma expressão de desânimo.

— Está cometendo um grande erro, companheiro. Ela o aban­donou e vai se casar com outro. Portanto, cuidar dela não é responsabilidade sua. Isso não entra na sua cabeça dura?

Resistindo ao desejo de agarrar Roger pelo colarinho, Marc respondeu:

— O que é que você sabe sobre certas coisas? Seus relacio­namentos nunca passaram de aventuras de uma noite.

— Nossa! Não acredito que estou ouvindo isso de quem diz que "amor" é um palavrão — replicou o colega, virando-se e começando a andar na direção do carro. — Boa sorte, compa­nheiro. Você vai precisar.

Marc entrou em casa e bateu a porta com força, furioso. Foi então que viu que o vestido de Melanie não estava mais na cadeira; e que ela não se encontrava na sala.

"Não posso continuar perto de Marc", pensou Melanie, do­brando uma toalha de banho em quatro. "Vou acabar sucum­bindo às carícias dele e me entregando. E não posso fazer isso. Não posso deixar que ele me convença a não casar com Craig. Meu filho precisa de um pai".

Determinada a fugir e a colocar o máximo de distância pos­sível entre Marc e ela, segurou a toalha dobrada contra a vidraça do banheiro e bateu na almofada improvisada, usando o relógio de bronze como martelo.

O ruído do vidro se quebrando e caindo no piso de ladrilhos foi mais alto do que ela esperava. Ignorando as batidas vio­lentas do coração e vencendo o impulso de parar para descobrir se Marc ouvira o barulho, ela rapidamente retirou os cacos restantes, então arrumou a toalha sobre a parte inferior do caixilho, preparando-se para pular para fora.

Seria fácil e não haveria nenhum perigo para o bebê, porque a janela ficava a um metro e meio do chão, no máximo. Respirou fundo e tentou passar uma perna pelo vão, mas o vestido atra­palhou-a. Então, ela o ergueu acima dos quadris, tentou novamente e conseguiu.

Tinha de se apressar. Não sabia quanto tempo Marc ficaria conversando com Roger Westfield, seu novo parceiro.

Com movimentos cuidadosos, finalmente sentou-se no caixilho, com as pernas para fora. Para diminuir o impacto dos pés no chão quando saltasse, virou-se e, pendurando-se pelas mãos, foi baixando o corpo lentamente. Naquele instante, ouviu a porta da frente bater com estrondo. Marc ia notar sua ausência e não demoraria nada para descobrir o que acontecera.

Ela se soltou, e os pés pousaram no chão, sem grande choque.

Virou-se... e colidiu com Marc, que prendeu-a entre os braços.

A despeito da raiva causada pela frustrada tentativa de fuga, Melanie estava plenamente consciente do corpo musculoso de Marc apertado contra o seu. O coração martelava no peito, não tanto pelo esforço de pular a janela, como pelo desejo irracional que a dominara. Era aquele tipo de desejo que poderia levá-la a fazer loucuras, algo que ela não podia se permitir.

— Você me mata, Melanie, com esse seu corpo — ele murmurou com voz enrouquecida de paixão, pegando-a pelos quadris e puxando-a de encontro a sua masculinidade poderosa.

Mas era evidente que sua determinação de fazer o que fosse que planejara era mais forte do que o desejo, pois, com um gemido surdo, segurou-a pelos ombros e afastou-a

Melanie, apesar de saber que não podia ceder à louca necessidade de entregar-se a ele, sentiu-se rejeitada e teve vontade de socá-lo no nariz. Conteve-se, porém.

— Vamos embora, se estiver pronta.

— Claro que estou — ela afirmou. — Quero ir para casa. Para minha casa. Agora mesmo.

"Antes que eu faça alguma tolice, como ir para a cama com ele", pensou.

Marc pegou-a pelos pulsos.

— Lamento, Melanie, mas ir para sua casa não é uma opção. O modo sombrio com que ele pronunciou essas palavras

deixou-a inquieta.

— Por que não? — ela perguntou.

— Você saberá, quando chegar o momento.

Ela se obrigou a continuar fitando os olhos cinzentos, embora tivesse de lutar contra seu magnetismo, que a atraía como um abismo.

— Aonde vamos?

— Para um lugar seguro.

De repente, os detalhes da última hora começaram a juntar-se na mente de Melanie como peças de um quebra-cabeça. Marc dizendo que iriam embora daquela casa. O olhar preocupado que ele lhe lançava de vez em quando. A visita do novo parceiro, Roger Westfield. A conversa em voz baixa dos dois, no alpendre. E o que Marc dissera agora, sobre irem para um lugar seguro.

Hooker fugira.

Melanie sentiu-se como se fosse desmaiar. Isso queria dizer que, naquela manhã, Hooker não lhe telefonara da cadeia, como ela julgara, mas de algum outro lugar, talvez mesmo de Bedford.

— Tudo bem, vamos — concordou.

— Vamos? — Marc repetiu, obviamente espantado. Embora apavorada, pensando no homem que desejava matá-la, Melanie conseguiu esboçar um sorriso.

— Isso mesmo — confirmou. Marc soltou-a.

— Então, vamos entrar — disse, apontando na direção da porta-janela que se abria para o jardim lateral.

Andando com toda a dignidade que conseguiu reunir, caminhou na frente dele e entrou na sala.

Ela adivinhou a verdade, pensou Marc, um pouco mais tarde, quando acabavam de pôr a pouca bagagem no jipe.

Numa bolsa grande de couro levavam algumas roupas de Marc, que Melanie também poderia usar, e ela pegara alguns pares de seus calçados, que haviam ficado na casa dele.

"Sou um pouco duro de cabeça, no que diz respeito a mulheres, mas conheço Melanie, embora ela afirme o contrário", ele refletiu, pondo a gaiola de Brando no banco de trás do veículo.

Podia não saber qual era a cor favorita de Melanie, mas sabia que ela era extremamente inteligente, capaz de fazer deduções com rapidez. O fato de ela não exigir mais explicações era sinal claro de que compreendera a situação. E de que ficara com medo.

Marc sabia que teria de contar-lhe sobre Hooker, mais cedo ou mais tarde, mas planejara fazê-lo quando estivessem em um lugar seguro, onde ela teria menos motivos para ficar apreensiva. Desejava que as coisas transcorressem do modo mais calmo possível, apesar das difíceis circunstâncias.

Observou-a inclinar-se para dentro do jipe e falar com o gato, que miava desesperadamente, tentando tranqüiliza-lo. As palavras dela eram carinhosas, porém o tom de voz era tenso.

— Você está bem? — Marc perguntou.

Ela se virou para ele com um sorriso que não se refletiu nos olhos verdes.

— Claro que estou, levando em conta que fui raptada por um louco.

Ele sorriu, apreciando o fato de ela ainda ser capaz de mostrar bom humor, e tirou as algemas do bolso.

— Não me diga que vai me algemar de novo! — ela protestou, acomodando-se no banco do passageiro.

— Devido a seu recentemente adquirido hábito de querer fugir de mim, acho que não é má idéia — ele replicou, sacudindo as algemas para fazê-las tilintar.

— Confie em mim, Marc. Não vou saltar de um veículo em movimento.

— Não?

— Não.

— Eu gostaria de acreditar, querida, mas tivemos o mesmo treinamento, e ambos sabemos como saltar de um carro rodando — ele observou, fechando a porta.

Deu a volta no jipe e entrou pelo lado do motorista. Então, passou uma das algemas pelo pulso esquerdo dela. Melanie puxou o braço, furiosa.

— Nojento!

— Cabeça-dura! — Marc revidou, batendo a porta. — Veja bem o que vai fazer. Você está presa a mim.

— Não acha perigoso? Posso...

— Pode, o quê? Me fazer perder a direção, para morrermos juntos? — ele interrompeu, zombeteiro.

Melanie não respondeu. Virou-se para a janela, praguejando baixinho, enquanto ele punha o jipe em movimento

— Pode me xingar em voz alta, querida. Palavras não machucam. "Não machucam?", pensou Melanie, recordando como ele a ferira com sua resposta, quando ela lhe perguntara se a amava.

E como tudo acabara na briga feia que os separara. Permaneceram em silêncio, ouvindo os miados de Brando, que só se calou quando saíram da zona urbana e entraram na rodovia. Então, Melanie virou-se para Marc.

— Há quanto tempo você e Roger Westfield são parceiros? — perguntou

— Ele foi designado para trabalhar comigo uma semana depois que Hooker foi preso — Marc respondeu.

Preferiu referir-se à prisão do bandido do que ao fato de ela ter levado um tiro que quase lhe tirara a vida. Um gesto gentil, que Melanie percebeu, e pelo qual sentiu-se grata, porque ainda achava muito difícil lembrar-se daqueles momentos terríveis.

— Ah... — Ela voltou-se novamente para a janela, conti­nuando: — E como vocês dois estão se dando?

— Bem. Ele me dá nos nervos, de vez em quando, mas fora isso é um bom sujeito.

Olhando-o, Melanie sorriu.

— O que foi? — Marc indagou.

— Nada.

Ele detestava, quando ela fazia aquilo. Melanie deu uma risadinha.

— Eu só estava imaginando se existe alguém no mundo que consiga irritá-lo.

— Você — ele declarou, fitando-a.

— Eu? Não acredito.

Marc franziu a testa. Melanie fora a melhor parceira que ele já tivera. Ela não sabia disso?

— Pensei que nós dois trabalhássemos muito bem juntos — ele comentou.

— Formamos uma boa dupla, que acabou quando quase me mataram. Naquele dia, estraguei tudo.

Marc tirou a mão do volante, acariciando o joelho dela num gesto de conforto, e a corrente das algemas tilintou.

— O que aconteceu com você poderia ter acontecido com qualquer um, Melanie. Você estava fazendo seu trabalho.

"E se eu estivesse fazendo o meu, da maneira certa, teria levado aquele maldito tiro em seu lugar", ele pensou.

— Onde, em nosso regulamento, está escrito que devemos derrubar nossos próprios companheiros? — ela perguntou, como se falasse consigo mesma.

— Hooker deixou de ser um de nossos companheiros no momento em que atirou no senador — Marc observou.

Ficaram em silêncio por alguns instantes, cada um perdido em seus próprios pensamentos.

— Você sabia que Hooker e eu fizemos o treinamento juntos, na academia do serviço secreto? — Marc perguntou.

— Não.

— Pois fizemos. Eu era um tolo, naquele tempo, cheio de empáfia. Sabia tudo, era o melhor. Uma noite, quando estávamos treinando com o resto da equipe, entrei numa briga com um colega que não quis aceitar minhas "sábias" instruções.

Marc fez uma pausa, meneando a cabeça com tristeza.

— Fiquei com tanta raiva, que quis agredir o outro — prosseguiu. — Hooker me impediu, jogando-me no chão e me se­gurando lá, mandando que eu me acalmasse. Ele me livrou de ser expulso. Até hoje me lembro de suas palavras: "Você é um bom candidato a agente, não vá estragar tudo agora".

Contando aquele episódio, Marc sentiu-se triste pelo com­panheiro, que fora um ótimo agente e acabara por arruinar a carreira e a própria vida.

— Uma pessoa pode mudar muito em onze anos — comentou com um suspiro.

— Uma pessoa pode mudar muito em três meses — Melanie parafraseou.

— É, eu sei — ele concordou, ficando em silêncio por alguns segundos antes de dizer: — Olhe, Melanie, demorei a lhe contar sobre a fuga de Hooker porque não queria assustá-la, mas agora acho que devemos conversar francamente a respeito do assunto.

— Também acho.

— A situação é grave. Hooker disse ao companheiro de cela que iria atrás de você, quando saísse da cadeia. E ele fugiu, está solto por aí...

— Oh, meu Deus — ela murmurou.

— Já sabemos de roupas masculinas que foram roubadas do varal de uma residência e de armas de fogo roubadas de outra, e as duas casas ficam na periferia de Washington — Marc informou.

O silêncio que caiu entre os dois foi longo e cheio de tensão.

— Obrigada por me contar tudo — Melanie disse por fim.

— Você tinha de saber.

— Para onde estamos indo? — ela quis saber.

— Logo vai descobrir — ele respondeu.

Tirou as mãos do volante e esfregou-as no jeans para enxugar o suor. Uma buzina tocou furiosamente atrás do jipe, e Marc notou que passara para a outra faixa. Com uma manobra brus­ca, corrigiu o rumo. Se não tomasse cuidado, não precisaria mais preocupar-se com as intenções de Hooker, porque tanto Melanie quanto ele iriam para um outro mundo.

— Vejo que seu jeito de dirigir não melhorou muito — ela disse, amenizando a crítica com um sorriso.

Marc riu, e a atmosfera entre eles ficou menos tensa.

— Bem, pelo que me lembro, você não dirige muito melhor do que eu — ele comentou.

— Acho que é por isso que quase nunca nos deixavam dirigir, quando saíamos em missão — Melanie disse com um sorriso. — Na maioria das vezes, tínhamos de depender de táxis, ou de um colega que nos acompanhava como motorista.

Os dois olharam-se brevemente, e Marc ficou grato pela capacidade de Melanie de aliviar o estresse de qualquer situa­ção. Ele achava que aquilo era um tipo de dom.

Ergueu a mão para coçar a nuca, mas a corrente das algemas esticou-se, e ele viu, com irritação, que Melanie afastara-se o mais que pudera, apertando-se contra a porta. De súbito, refletiu que a polícia local ou estadual poderia fazê-lo parar, e imaginou que explicação daria por estar levando uma mulher algemada. Não, isso não podia acontecer. Seu plano tinha de ser levado até o fim.

A algema ao redor do pulso de Melanie parecia estranha­mente pesada. Não era tanto uma sensação física, embora o aro de metal causasse desconforto. O que mais pesava era o simbolismo daquilo: Estava presa a Marc, de modo literal, como estivera emocionalmente, naqueles últimos três meses.

Ela reclinou a cabeça no encosto do banco e fechou os olhos, suspirando. Fazia três meses que Marc e ela haviam rompido. Rompido? Aquilo era verdadeiro? Houvera rompimento? Não. A discussão acalorada a respeito do que cada um pensava do amor magoara Melanie profundamente, mas nenhum dos dois declarara que o relacionamento estava terminado. Haviam sido separados por uma série de circunstâncias. Ela fora atingida por um tiro, quase morrera, a mãe assumira o controle da situação, e Marc desaparecera de sua vida. No meio disso tudo, ela descobrira que estava grávida.

— Aguente firme, querida. Falta pouco para chegarmos — Marc animou-a.

Melanie abriu os olhos e fitou-o, surpresa. Ele dissera aquelas mesmas palavras na ambulância, quando ela estava sendo transportada para o hospital. Ficara agachado ao lado da maca o tempo todo, acariciando-lhe os cabelos, repetindo aquela frase.

— O quê? — ela murmurou. Marc olhou-a atentamente.

— Parece que viu um fantasma, Melanie. O que foi?

Até aquele momento, ela esquecera completamente o que acontecera nos curtos momentos em que estivera consciente, a partir do instante em que Hooker atirara, atingindo-a no peito. Lembrava-se de ter caído para frente, dominada por invencível fraqueza. As lembranças do tempo que transcorreu depois, vinham truncadas, em rápidos lampejos. Mas todas elas mostravam-lhe o rosto de Marc, contorcido de preocupação e raiva, inclinado sobre o seu.

Puxou o vestido para baixo, nervosamente, e Marc, mais uma vez pousou a mão em seu joelho, mas daquela vez não a retirou. Deixou-a lá, os longos dedos bem feitos apertando-se carinhosamente contra sua pele.

Com medo de deixar que seus profundos sentimentos por Marc subissem à tona, despertados por aquele contato, ela afastou a mão dele.

— Acho que, de fato, vi um fantasma — declarou.

— Não por minha culpa — ele respondeu, sorrindo daquela maneira sedutora que a fazia estremecer.

— Você nunca tem culpa de nada, não é? — ela observou, desviando o olhar para a janela.

Olhando para a escuridão lá fora, sentiu-se invadir por uma onda de tristeza. Nunca mais sentiria as emoções que conhecera em sua ligação com Marc. A felicidade daquele tempo seria apenas um fantasma do passado. Com Craig, ela teria um relacionamento tranqüilo, sustentado sobre um alicerce de ver­dadeira amizade. Mas os dois nunca conheceriam o arrebata­mento da paixão, e isso deixaria um vazio entre eles.

Não é justo, Melanie pensou, sentindo lágrimas nos olhos. Não é justo para Craig, não é justo para mim. E será justo para Marc, não saber que estou esperando um filho dele?

Aquela era uma dúvida que a vinha perseguindo sem cessar, mas que não a impedira de decidir casar-se com outro homem, negando a seu bebê o direito de conhecer o verdadeiro pai.

Melanie ajeitou-se no banco e fechou os olhos, desejando que o sono a envolvesse para livrá-la do doloroso sentimento de culpa.

 

Marc praguejou, enquanto tentava encontrar o orifício da fechadura para introduzir a cha­ve. Ao lado dele, Melanie aparentemente procurava descobrir onde estavam, mas isso seria difícil, pois ela com certeza nem sabia que eram as águas do rio Potomac que marulhavam, batendo na margem. Como não havia lua, a noite estava escura, apesar da imensidão de estrelas que cobria o céu.

Por fim, a chave entrou na fechadura, e Marc girou-a.

— Meu irmão Connor emprestou-me a casa — ele informou, empurrando a porta, que se abriu suavemente.

Os dois entraram, Marc fechou a porta e apalpou a parede em busca do interruptor. Achou-o e, quando a luz de uma única lâmpada no teto iluminou as paredes manchadas, um sofá velho, uma mesinha de madeira escalavrada e pouca coisa mais, fez uma careta desgostosa.

— Que lugar encantador — Melanie ironizou.

— Não tive tempo para vir aqui antes e dar uma arrumada — ele explicou em tom de desculpa.

"Já é uma grande sorte termos um lugar isolado para ficar", refletiu.

De fato, o lugar era um esconderijo perfeito.

Melanie puxou o braço algemado com força, quase desequilibrando Marc.

— Esta é uma maneira não muito sutil de me dizer que quer que eu a solte? — ele perguntou, tirando a chave das algemas do bolso e abrindo apenas a que rodeava seu próprio pulso.

— Vai me deixar com essa coisa pendurada no braço? — Melanie reclamou.

— Ainda não sei — ele respondeu, olhando em volta e vendo um antigo aquecedor em um canto.

— Nem pense! — ela exclamou, adivinhando-lhe a intenção. Sem nada dizer, Marc levou-a até o aquecedor e prendeu a algema livre em um dos canos de ferro que subiam pela parede.

— Vai ficar aí só alguns minutos, eu juro — disse. Queria examinar as redondezas para verificar se estariam em segurança na pequena casa.

— Quando isso tudo acabar, eu vou...

Melanie interrompeu a ameaça. O que poderia fazer? Mandar o pai de seu filho para a cadeia? Estremeceu, cedendo ao impulso de passar a mão rapidamente pela barriga. Era incrível como aquele gesto tão simples tinha o poder de acalmá-la, fazendo-a lembrar que a vida que crescia dentro dela era o que havia de mais importante no mundo. E por amor àquela criança, ela suportaria qualquer coisa.

Não, não podia fazer uma acusação contra Marc, aquele grande tolo. Ele estava realmente fazendo uma enorme tolice, mas algo podia ser dito a seu favor. Chegara ao extremo de raptá-la, levado pelo desejo de protegê-la. E, pensando com honestidade, com Hooker à solta, não havia quem pudesse ofe­recer-lhe mais segurança do que Marc McCoy.

O coração dela, porém, não estava nada seguro. Olhou para o brilhante em seu anel de noivado, que faiscou a luz da lâm­pada. O fulgor lembrou-a de outro, sinistro, do disparo de Hoo­ker, que a cegara momentaneamente, naquela noite que mu­dara toda sua vida. A garganta apertou-se com aquela recor­dação, os pulmões queimaram, em busca de ar, e uma profunda sensação de solidão invadiu-a.

Ela não se lembrava muito bem do que fora que a alertara sobre a gravidade da situação, quando se aproximara da casa do senador Turow. Talvez fosse o silêncio exagerado, ou o fato de ninguém estar onde deveria. Num minuto, ela e Marc estavam apenas cumprindo a tarefa de ir ver se Hooker ou Westfield haviam encontrado o relógio, a única coisa que ela herdara do pai e que perdera no jardim do senador, à tarde, quando montava vigilância à residência. No minuto seguinte, o caos explodiu.

Melanie obrigou-se a respirar fundo. O mais engraçado é que não havia nada de muito especial naquela missão, que era cuidar da segurança de um senador que se candidatara à presidência da república. Ele nem era um político que despertava o ódio de certos grupos, como acontecia com tantos. Não tinha nenhuma ex-esposa que pudesse querer vingar-se dele por algum motivo. Era apenas uma pessoa normal, que fizera sucesso na política, mas sua candidatura à presidência podia transformá-lo num alvo de agressividade.

A algema tilintou em contato com o cano de ferro, e só então Melanie notou que erguera a mão e distraidamente estava passando os dedos sobre a cicatriz. Deixando a mão pender ao longo do corpo, ela suspirou. Quando a lembrança daquela noite perderia o poder de perturbá-la tanto? Quando ela pararia de acordar no meio da noite, com o coração disparado, suando de pavor, chamando por Marc?

— Acabei a inspeção. Tudo em ordem — Marc informou, entrando na sala.

— Pense no diabo, e ele aparece — ela resmungou.

— O que disse, Melanie?

— Nada. Agora que voltou, vai me soltar ou não?

— Acho que ainda não. Preciso tirar a bagagem do carro. Brando está miando como um louco.

— Deixe de bobagem, Marc. Sabe que não vou a lugar nenhum.

— Não sei se posso ter certeza disso — ele replicou, mas aproximou-se dela, tirou a chave do bolso e abriu a algema.

Melanie esfregou o pulso.

— Pode, sim. Nós dois sabemos que não estarei segura em nenhum outro lugar, com Hooker a minha procura.

Naquele instante, um tilintar eletrônico soou, sobressaltan­do-a. Marc tirou um telefone celular do bolso interno do colete, abriu-o e levou-o ao ouvido.

— Alô — atendeu.

Melanie observou-o, irritada. Ele tirara os telefones de sua casa, para ela não usar, mas estivera com aquele o tempo todo.

— Oi, Roger — Marc saudou. — Nenhuma novidade? — Fez uma pausa, ouvindo — Sim, viemos para um lugar seguro. — Nova pausa. — Não, acho melhor não lhe dizer onde estamos. Telefone-me imediatamente, se souber de alguma coisa. Qualquer coisa.

Fechou o aparelhinho e recolocou-o no bolso de onde o tirara, então virou-se para Melanie e acariciou-lhe o rosto com as costas da mão.

— Vou tirar você dessa enrascada, sã e salva — prometeu. Melanie resistiu à tentação de encostar-se nele, de entregar-se às emoções turbulentas que lhe agitavam o sangue, de induzi-lo a fazer amor com ela.

— Enquanto Hooker não for preso novamente, nenhuma pessoa que conheço estará segura perto de mim — comentou.

— Inclusive eu?

— Especialmente você.

O sorriso dele tocou-a no coração, aumentando seu desejo de procurar conforto nos braços musculosos.

— Parece que já tomei uma decisão a respeito disso, Melanie.

— É, acho que sim. — Ela observou o rosto de feições fortes e bem definidas. — A questão é saber por quê. Depois de tudo o que aconteceu, por que está arriscando sua vida por mim?

Uma pergunta e tanto, Marc pensou.

Esperara que Melanie fizesse muitas indagações, mas aquela não era uma delas. O pior era que ele não tinha nenhuma resposta para dar.

Virando-se, foi até a janela, composta de duas partes de vidro que se juntavam no centro e protegida por uma grade de ferro no lado de fora.                                  

— Está quente aqui dentro, não? — comentou, soltando o trinco da janela e deslizando as vidraças para os lados.

— Marc?

Ele não respondeu. Saindo de perto da janela, caminhou até um canto, onde havia um velho ventilador sobre uma ca­deira. Introduziu o plugue na tomada e ligou o aparelho em­poeirado, que começou a funcionar preguiçosamente.

— Marc! — ela insistiu.

— O quê?

— Quero saber por que está fazendo tudo isso por mim.

— O fato de termos sido parceiros não basta?

Melanie sorriu, e em seus olhos havia um brilho de desafio.

— Talvez, mas não vejo você raptando Roger Westfield a fim de protegê-lo.

— Bem, tem razão, Roger é meu parceiro, mas ele e eu nunca dormimos juntos — Marc argumentou.

Viu a expressão magoada de Melanie e recriminou-se por não saber usar as palavras certas em situações delicadas.

"Você é uma besta", Marc McCoy, xingou-se.

Desligou o ventilador da parede e levou-o para a mesinha de centro, que arrastou um pouco na direção de outra parede para que o fio alcançasse a tomada.

— Pensei que tivesse concordado em vir comigo para cá — observou na defensiva.

— E eu tinha escolha? — ela retrucou, cruzando os braços. — Mas, pelo menos, agora entendo a situação um pouco melhor.

— Bom — ele resmungou, andando para a porta. Descruzando os braços rapidamente, Melanie deu alguns passos para segui-lo, mas parou no meio da sala.

— Aonde você vai? — indagou com voz tensa, quase amedrontada.

Ele parou na porta e virou-se para olhá-la.

— Vou buscar Brando e nossas coisas.

— Ah... — Melanie murmurou, descontraindo-se visivelmente. Será que ela pensou que eu seria capaz de abandoná-la aqui, sozinha? Ele se perguntou. Bem, não deixa de ter motivo, depois do que eu fiz.

Deixara-a algemada ao aquecedor, sozinha, impossibilitada de fugir, e havia um louco atrás dela, querendo matá-la. Não tivera um pingo de sensibilidade, nem de bom senso.

— O gato e a tralha podem esperar — declarou. — Primeiro, vou fazer café.

— Eu faço o café — ela se ofereceu, indo para a pequena cozinha. — Vá buscar o pobrezinho do Brando.

Alguns minutos depois, quando voltou para a sala, levava uma caneca em cada mão. Enchera uma delas até a borda com café instantâneo, e a outra com leite em pó dissolvido em água. Brando estava deitado no chão, perto das vasilhas de ração e água, e Marc, instalado no sofá, lia a primeira folha de um maço de papéis.

Melanie sentou-se a seu lado, mas tomando o cuidado de manter uma boa distância, e entregou-lhe a caneca com café.

— Ainda bem que havia café solúvel e leite em pó no armário — comentou. — Seu irmão é previdente.

Marc moveu a cabeça, concordando.

— Então, qual é seu plano? — ela perguntou.

— Plano?

— Você vem falando nesse plano desde que saiu do hotel me carregando no ombro — ela o lembrou.

Marc entregou-lhe os papéis, e ela sentiu o sangue fugir-lhe do rosto. Era o boletim que anunciava a fuga de Hooker. Teve de tentar três vezes, antes de conseguir compreendê-lo direito.

 

Dois dias atrás, Hooker estava sendo transportado da penitenciária que ficava numa zona rural até a cadeia atrás do tribunal, onde aguardaria o julgamento, e ao descer da viatura conseguira desarmar o guarda que o acompanhava e fugir.

Mas o que mais chamou a atenção dela foi um parágrafo que dizia: "Acredita-se que Thomaz Hooker esteja planejando uma vingança contra a agente Melanie Weber".

Sentindo as mãos trêmulas, ela colocou a caneca no chão e devolveu os papéis a Marc, incapaz de continuar a ler. Notou que ele evitava olhá-la.

— Você tem um plano, não tem, Marc?

— Além de manter você em segurança? — Também pondo sua caneca no chão, ele flexionou os braços como que para aliviar a tensão dos músculos. — Não, não tenho.

— Está brincando, não é?

— Não.

— Deixe-me entender direito. Hooker foge. Você me seqüestra. Primeiro me leva para sua casa, depois me traz para esta casa à margem do rio Chesapeake e...

— Rio Potomac — Marc corrigiu.

— Potomac, que seja. E agora vamos ficar aqui...

— Esperando — ele completou.

— Esperando, o quê? O Natal?

— Esperaremos até o Natal, se levar todo esse tempo para Hooker ser preso novamente.

As palavras dele fizeram Melanie arrepiar-se. Faltavam sete meses para o Natal. Até lá, seu bebê teria nascido. Ela não podia, de modo algum, ficar escondida todo esse tempo. Mas essa era uma hipótese absurda, porque o homem que desejava matá-la logo seria apanhado. O serviço secreto era muito eficiente, quando se tratava de pegar algum agente que denegrira sua imagem.

— Não posso ficar aqui indefinidamente, Marc — ela ob­servou, girando o anel no dedo. — Tenho coisas a fazer. Por exemplo, vou me casar depois de amanhã.

— Não, não vai.

— O quê?

— Quero dizer que, se Hooker não for preso entre hoje e sábado, você não poderá nem chegar perto de Bedford, muito menos entrar naquela igreja para se casar.

A explicação era lógica, mas ela teve a impressão de que não fora bem àquilo que Marc quisera dizer quando afirmara que ela não se casaria no sábado. Estaria ele se aproveitando da situação para impedi-la de casar-se com Craig? Mas por quê? Por orgulho ferido, egoísmo masculino, ou... porque a amava? Não, isso não fazia sentido. Ele tivera tempo de sobra para procurá-la e falar de seu amor. Por que não fora ao hospital? Se ele tivesse ido e dito que a amava, ela lhe falaria da gravidez, e tudo se acertaria. Mas nem sequer lhe telefonara.

Sentindo-se inquieta, Melanie levantou-se e começou a andar pela sala.

— Marc, não podemos ajudar nossos colegas a capturar Hooker?

— Não.

— Por quê?

Ele baixou os olhos, e isso aumentou as suspeitas de Melanie.

— Acha que não tenho capacidade para participar da busca? — ela insistiu, parando na frente dele.

— Não seja ridícula. Foi minha parceira. Tem tanta capacidade quanto eu.

— Mentiroso.

— Estou dizendo a verdade — ele afirmou, curvando-se para pegar a caneca de café.

— Então, por que não consegue me encarar? — ela desafiou. Ele a olhou, e Melanie viu tudo o que precisava ver para compreender o que ia em sua mente. Cerrou os punhos, furiosa.

— Só porque levei um tiro e estou trabalhando no depar­tamento burocrático por uns tempos, você me julga uma invá­lida, que deve ficar sentada, sem fazer nada, enquanto todos os nossos companheiros vão atrás de Hooker.

Marc riu.

— Que exagero, Melanie! Não a considero uma inválida. Mas tenho visto outros serem feridos em ação, e eles sempre demoram um pouco para voltar à ativa. — Tomou um gole do líquido em sua caneca e quase engasgou. — Leite?!

Pegara a caneca dela, por engano. Sentindo que corava, Melanie tomou-lhe a caneca das mãos e colocou-a na mesinha, ao lado do ventilador.

— Por que acha que não estou apta a voltar à ativa? — indagou.

— Quer que eu seja sincero?

— Claro!

— Se estivesse apta, em plena forma, não estaria aqui agora, porque teria me derrubado, no instante em que me viu na porta do banheiro, naquele hotel.

Melanie abriu a boca para replicar, mas tornou a fechá-la, porque não sabia o que dizer. A raiva que a invadira evapo­rou-se, deixando-a indefesa. Marc estava certo. Pelo menos em parte. Naturalmente ele não podia saber que os sentimentos dela a seu respeito tinham contribuído muito para sua hesitação em lutar com sua total capacidade. Vê-lo novamente, e de modo tão inesperado, fora um golpe duro demais para seu equilíbrio.

Na verdade, um soco bem dado em seu plexo solar ou na traquéia o derrubaria com a mesma eficiência de uma bala de revólver. E ela não fizera nada. Por quê? Até aquele momento, estivera tentando convencer-se de que fora levada contra sua vontade para a casa dele e depois para aquela casinha. Que piada. Fora treinada para derrubar assassinos profissionais. No entanto, opusera uma resistência muito fraca, quando Marc, no hotel, a jogara no ombro e a levara para o jipe.

Ele pigarreou, tirando-a dos pensamentos.

— Se estivesse em perfeita forma, Melanie, já teria voltado para nossa divisão.                                

Ela recomeçou a andar, mordendo a unha do polegar. Não sabia o que era pior: deixar que Marc a julgasse incapacitada, ou contar-lhe o motivo de ela permanecer fora da divisão, o mesmo pelo qual pediria demissão assim que voltasse da viagem de lua-de-mel.

— Talvez você tenha razão — concedeu —, mas podíamos traçar um plano juntos para apanhar Hooker numa cilada.

Ele a fitou com ar duvidoso e permaneceu em silêncio.

— Acho que é disso que estou precisando, de trabalhar num caso para lubrificar minha habilidade enferrujada — Melanie continuou.

— Não. Vamos ficar aqui.

— Quem lhe deu o direito de decidir o que eu devo fazer?

— Ela atacou, novamente com raiva.

Não. Discutir com ele era inútil. Tinha de mudar de tática.

— Tudo bem. Admito que você teve motivo para me seques­trar. Mas não acha que agora devemos decidir juntos o que fazer e o que não fazer?

— Certamente, desde que não tenha nada a ver com Hooker

— Marc respondeu, recostando-se. Melanie mordeu o lábio para não xingá-lo.

— Não é do interesse de nós dois, que Hooker seja apanhado o mais depressa possível? — persistiu.

Marc entrelaçou os dedos atrás da cabeça, olhando-a com expressão travessa, e ela desviou o olhar para não ver o modo como a postura dele retesava os músculos do peito largo, mar­cado pela camiseta de malha canelada.

— Qual seria seu interesse? — ele perguntou. — Está pen­sando novamente nesse maldito casamento, não é?

— Não. Isto é, eu...

— Tudo ia indo às mil maravilhas até eu entrar novamente em sua vida e estragar todos os seus planos. E isso a deixa furiosa, não é?

— Acho que você quer dizer que a fuga de Hooker estragou meus planos — ela murmurou, pois estava com dificuldade para respirar.

— Não. Eu quero dizer o que disse: entrei novamente em sua vida e estraguei seus planos — ele afirmou, levantando-se do sofá com os movimentos elásticos de um magnífico felino.

— Mas você não entrou de novo em minha vida — Melanie observou num fio de voz. — Não somos mais parceiros... em nenhum sentido.

— Quer que eu acredite que, em três meses, encontrou alguém que lhe desse o que levamos dois anos para construir?

— Conheço Craig há muito tempo. Crescemos juntos. Marc aproximou-se tanto, que ela sentiu o cheiro cítrico de sua loção de barba. Estendeu a mão e tomou entre os dedos uma mecha de cabelos que caíra sobre o rosto dela, pondo-a para trás da orelha.

— Eu sei. Você falava de seus amigos de infância, de vez em quando. Não foi ele que vomitou durante uma aula em que vocês tiveram de dissecar uma rã? Parece que foi na terceira série.

— Na quinta — ela esclareceu.

Os olhos cinzentos de Marc fixaram-se nos dela.

— Engraçado, Melanie, não me lembro de você ter me contado que esse sujeito foi seu namorado.

— Craig foi o primeiro garoto que me beijou.

— É mesmo? Que romântico — Marc disse em tom zombeteiro.

— Sempre houve alguma coisa entre nós dois — ela conti­nuou, querendo fazer crer que ia se casar por amor. Mas seus olhos pousaram na boca de Marc, fazendo-a perder a segurança. — Quero dizer, entre mim e Craig.

Não estava mentindo. Sempre houvera algo entre ela e Craig, mas Marc não precisava saber que era amizade.

— Ele a faz arfar de desejo, como eu fazia, Melanie?

Ela estremeceu ao sentir o toque da palma da mão dele em um de seus mamilos. Sabia que devia recuar, protestar, repreendê-lo por tal ousadia, mas só conseguiu ficar parada, de­sejando que ele a tocasse mais e mais.

— Craig me faz feliz — afirmou, tentando resistir àquele encantamento.

— Acredito. Fora do quarto pode fazê-la feliz, mas, e lá dentro?

— Tenho certeza de que ele será um ótimo amante.

— Tem? Como? — Marc perguntou, enquanto acariciava o seio dela de modo sensual.

— Acho que é melhor parar com isso — ela avisou sem muita veemência, e passou a língua nos lábios, num gesto inconsciente, mas intensamente erótico. — Devíamos estar fa­lando sobre como vamos pegar Hooker.

— A única coisa que quero pegar agora é você — Marc declarou, curvando a cabeça e colando a boca na dela.

Melanie rendeu-se, apertando-se contra ele, surpresa ao per­ceber como desejava ter aqueles braços fortes à volta de seu corpo. Marc, porém, não a abraçou, embora continuasse a afa­gar-lhe um dos seios.

Ela enlaçou-o pelo pescoço, pressionando-se ainda mais con­tra seu corpo rijo, introduzindo a língua em sua boca, mordis­cando-lhe os lábios, algo que sabia que o enlouquecia, mas Marc não a envolveu nos braços.

Com um gemido surdo, Melanie ofereceu-se despudorada-mente, esfregando-se contra a masculinidade poderosa que pul­sava de encontro ao seu ventre.

Ele, então, enterrou as mãos nos cabelos dela e aprofundou o beijo, pesquisando a boca macia com a língua, movimentan­do-a de modo enlouquecedor, e sua respiração tornou-se ofe­gante, entrecortada.

Entregue ao desejo completamente, Melanie puxou a cami­seta dele para fora do jeans e introduziu as mãos sob ela, movendo-as sobre as costas largas e musculosas.

Inebriada de prazer, sentiu os dedos de Marc em sua femi­nilidade. Ele estava preparando-a para recebê-lo. Como se ela precisasse ser preparada. Como se não houvesse desejado aqui­lo todos os dias, durante os últimos três meses.

— Oh, Marc, eu quero você... — murmurou contra a boca dele.

— Não!

 

― Não — Marc repetiu. Demorou para perceber que a pala­vra saíra de sua própria boca. A carne de Melanie queimava sob seus dedos, a boca úmida e entreaberta ainda estava quase colada à dele.

Mas ele dissera "não". Por quê? Olhando-a nos olhos nubla­dos de desejo, Marc quase gemeu de frustração. O que mais queria, desde o momento em que a vira saindo da loja de vestidos de noiva, era matar sua fome, enterrando-se naquele corpo macio e escultural que conhecia tão bem. E não era só isso. Queria muito mais.

Queria o que nunca quisera antes. Era uma necessidade que surgira quando ela fora ferida e que nos dias seguintes fizera-o ficar plantado na frente daquele hospital, apalpando o anel que levava no bolso. Mas seu pavor impedira-o de entrar naquele lugar frio, cheio de odores pungentes, porque sua men­te só sabia associar hospitais com pessoas morrendo, nunca com gente saindo de lá curada.

Todo seu corpo estava preparado para possuir Melanie, e ela nunca parecera tão ansiosa para entregar-se. Apesar de ele a estar rejeitando, ela continuava abraçada a ele, trêmulo e quente, o desejo estampado nos olhos verdes.

Segurando-a pelos braços, afastou-a gentilmente. Embora aquilo lhe doesse no fundo da alma, ele sabia que estava fa­zendo o que era certo. Melanie o odiaria, se ele se aproveitasse de sua vulnerabilidade naquele momento.

Ela pesquisou-lhe o rosto com um olhar magoado e confuso. — Não era isso o que você queria, Marc? Ver-me ofegando de desejo, pronta para me entregar?

— Mas não assim — ele respondeu, afundando os dedos na maciez dos braços dela. — Não desse modo.

— De que modo, então? — Desviando o olhar, ela acrescentou baixinho: — Esta pode ser sua última chance. Depois de ama­nhã eu estarei casada com outro homem. Devia pegar o que pode, enquanto pode.

Aquelas palavras provaram que ele agira corretamente, vencendo a tentação de fazer amor com ela. Melanie, apesar de desejá-lo, ainda estava determinada a casar-se com aquele.... aquele Craig.

Soltá-la e recuar foi uma das coisas mais difíceis que ele já fizera em sua vida. A segunda, na verdade. A primeira fora levar Melanie para aquele horrível hospital.

— Vou... vou tirar o resto das coisas do jipe — informou.

Melanie ficou parada junto à janela, olhando para a escu­ridão da noite lá fora, massageando os braços como se estivesse com frio, apesar do forte calor, enquanto Marc movimentava-se, tirando as coisas da bolsa de couro e de algumas sacolas. Ela ainda pulsava de desejo. A mente estava anuviada, confusa. Sua capacidade de compreender as ações e os sentimentos de Marc era realmente muito pequena. Quase nula, na verdade.

Antes do rompimento, ela se convencera de que ele a amava. Acreditara que não era apenas desejo que via nos olhos dele, quando faziam amor, mas também algo mais profundo e in­tenso. Então, na noite anterior àquela em que fora baleada por Hooker, cometera o erro de dizer a Marc que o amava.

Tentou fugir daquela lembrança, fechando os olhos com força, mas foi inútil. A expressão chocada do rosto dele ficaria para sempre gravada em sua memória. Tornando a abrir os olhos, recordou o modo como ele saltara para fora da cama, como se ela lhe fosse repulsiva. Fora um momento doloroso, cuja recor­dação ainda fazia com que ela tivesse de lutar contra as lágrimas.

Então, na noite seguinte, ela levara aquele tiro. Ele a acom­panhara até o hospital, mas depois a deixara lá, sozinha. E nunca fora visitá-la.

Tentando ignorar a dor no coração, Melanie virou-se lentamente e viu Marc entrar no banheiro. Refletiu que nunca compreendera de modo correto o que ele fazia. Exemplo disso era que pensara que ele a sequestrara para impedi-la de casar-se com Craig, porque descobrira que não queria que ela pertencesse a outro homem. Sentiu-se corar de embaraço por ter sido tão pretensiosa.

Estava cansada de saber que Marc não era de assumir com­promissos no que dizia respeito a relacionamentos. Até admitia que essa fora uma das características que a atraíram para ele. Que mulher não gostaria de fazer um homem como Marc mudar de idéia e desistir de sua liberdade para ficar com ela?

Com um suspiro, Melanie refletiu que seu consolo era que escolhera um amante honrado, dedicado à carreira, honesto em suas ações, inteligente e espirituoso, não um traste qual­quer. Seu único erro fora se apaixonar por Marc, um homem que nunca seria seu. Um homem que nunca pensara em ser pai, assim como nunca pensara em ser marido de alguém.

Voltando-se novamente para a janela, deixou que os pensa­mentos corressem por sua mente, depressivos e confusos.

— Melanie?

Ela se virou, e o olhar preocupado de Marc levou-a a perceber que estava chorando... de novo.

Odiando suas emoções descontroladas pela influência dos hormônios que a gravidez ativava, ela passou a mão no rosto, enxugando as lágrimas.

— Acho que entrou um cisco em meu olho — mentiu.

— Um cisco? — ele repetiu com ar duvidoso.

— É, acho que sim.

Marc fez um gesto na direção do banheiro.

— Está limpo e arrumado — informou. — Não quer tomar um banho?

— Quero! — ela respondeu, entusiasmada, passando por ele. Parou na porta do banheiro, com Marc atrás dela. Viu no fundo o boxe do chuveiro, com a cortina fechada, e, em dos lados uma banheira antiga, já quase cheia com a água de duas torneiras abertas, obviamente uma de água quente, e outra de fria. Mas o que a deixou atônita foi ver as velas coloridas, muitas delas, de vários tamanhos e todas acesas, que Marc espalhara pelo pequeno cômodo.

Ela o olhou, admirada e grata, mas ele estava olhando na direção do estúpido ventilador barulhento.

— Obrigada.

— De nada. Bem, vou preparar alguma coisa para comermos. Ela entrou no banheiro e ouviu Marc andar para a cozinha.

Fechou a porta, andou até o meio do cômodo e parou, aspirando o leve vapor que subia da banheira, misturando-se ao suave aroma das velas perfumadas. Olhou em volta e viu toalhas limpas dobradas sobre uma banqueta e uma camisola pendurada atrás da porta. Surpresa, notou que era uma camisola comprida, de decote rente ao pescoço. A embalagem em que viera, um saco de papel brilhante, cor-de-rosa, estava no cestinho de lixo.

O fato de ele ter pensando em comprar um modelo casto, que a deixaria à vontade e cobriria a cicatriz, sensibilizou Me­lanie, e os olhos dela encheram-se de lágrimas. Além da ca­misola, as velas e as toalhas também indicavam que ele pla­nejara tudo com antecedência.

Aproximando-se da banheira, ela tirou o vestido e a calcinha, fechou as torneiras e entrou na água tépida com um suspiro de prazer. Pegou o frasco de óleo de banho que viu na borda larga, e leu o rótulo. Jasmim. Um nó de emoção fechou-lhe a garganta. Seu perfume favorito. Marc não esquecera.

Marc acabou de arrumar os pratos e talheres na mesinha de centro, que puxara para perto do sofá, depois de pôr o ven­tilador no chão, virado de modo a fazer com o que o ar fosse para o lado onde ele e Melanie se sentariam. A sala modesta já não parecia tão feia, pelo menos, a seus olhos.

Ele lançou um olhar para a porta do banheiro. Melanie estava lá dentro havia bastante tempo. Se a janela do banheiro não tivesse grade, ele pensaria que ela fugira. Mas não, esse perigo não existia.

Imaginou o que ela teria pensado das velas, da camisola, do óleo de banho com seu perfume favorito. Ele planejara tudo com cuidado, mas seus planos, como sempre, pareciam não estar dando certo. Mesmo tentando convencer Melanie a de­sistir daquele casamento idiota, para que os dois recomeçassem de onde haviam parado, ele não conseguira demovê-la de seu propósito. Não entendia por quê, pois tinha certeza de que ela não amava aquele seu amigo de infância. Depois do modo como Melanie reagira a seu beijo, a suas carícias, isso ficara mais do que evidente.

Distraído com seus pensamentos, sobressaltou-se, quando a porta do banheiro abriu-se.

Melanie saiu, e ele, que achara que a camisola comprida e fechada não mexeria com sua libido, viu que esse não era bem o caso. O tecido cor de palha, quase do tom dos cabelos dela,

não era transparente, mas escorria de maneira insinuante pelas formas do corpo sensual, acentuando o arredondado dos seios, o relevo dos quadris, o contorno firme das coxas.

— Está com fome? — ele perguntou, disfarçando sua perturbação.

— Um pouco — ela respondeu com um pequeno sorriso, andando até o sofá.

Seus movimentos fizeram a camisola amoldar-se ainda mais ao corpo perfeito, e Marc murmurou uma praga por entre os dentes, desviando o olhar da figura tentadora.

Precisou de todo seu controle para dominar o desejo que corria por suas veias como fogo. Seria fácil possuí-la, porque era óbvio que Melanie desejava-o com a mesma intensidade com que ele a desejava. Mas não podia ceder à tentação, até poder provar a ela que mudara. Talvez essa mudança não fosse tão completa como ela queria, porque "amor" era uma palavra que nunca fora usada entre os McCoy, mas ele a queria em sua vida, queria muito.

Observou-a afofar as almofadas do sofá. Sempre achara que Melanie tinha um traseiro magnífico, que permanecia firme, mesmo quando ela estava sem...

"Oh, não!", ele exclamou mentalmente. "Esqueci de comprar calcinhas!"

— Com licença — engrolou. — Volto já. Desapareceu na cozinha, acendeu uma boca do fogão para aquecer o molho do macarrão e encostou-se na pia, pensativo. Tivera de fugir da sala às pressas, do contrário não resistiria ao desejo de fazer amor com Melanie. E, se fizesse, a perderia para sempre. Quando Hooker fosse preso, ela iria embora, acre­ditando que ele só a queria para sexo. Não lhe fizera essa acusação, na noite em que haviam brigado?

Alguns minutos passaram-se, então ele foi para a sala, levando numa grande bandeja a tigela de macarrão com molho de ervas finas, um pão italiano, queijo e uma garrafa de vinho tinto.

Ajeitou a bandeja numa das pontas da mesinha e sentou-se no chão, não confiando bastante em si mesmo para sentar-se no sofá ao lado de Melanie.

— Eu trouxe o vinho que você gosta — anunciou, vertendo o líquido rubro em dois copos diferentes, que um dia haviam servido para embalar requeijão cremoso.

— Obrigada, mas só quero um pouco. Não encha o copo — ela instruiu.

— Melanie... — ele começou, entregando-lhe um copo pela metade, mas não continuou.

Ela tomou um pequeno gole.

— O que é?

Ele ganhou tempo, pondo um pouco de macarrão no prato dela, com cuidado exagerado.

— Fale, Marc — ela insistiu, quando o silêncio prolongou-se.

— Você ama Craig?

Ela o fitou, e os olhos verdes estavam escuros à fraca luz da lâmpada que pendia do teto.

— Eu... — Hesitou, então afirmou: — Sim, eu amo Craig. "Mas não do modo como amo você", pensou.

— Entendo — Marc murmurou, parecendo totalmente desapontado.

Olhando-o, Melanie refletiu que nunca conhecera um homem tão bonito quanto ele. Tão desejável.

De repente, ela soube exatamente o que queria. Mais uma noite com Marc. Algumas horas de intimidade para relembrar até o fim da vida. Um tempo apenas para os dois, antes que ela lhe contasse que estava grávida. Antes de ela casar-se com outro homem.

Marc não sabia dizer o que mudara em Melanie nos últimos minutos, mas havia algo diferente. Então, viu o que era. Ela estava olhando para ele daquela maneira convidativa que sem­pre o fizera encher-se de desejo, estivessem onde estivessem. Não, não era justo. Melanie não podia tentá-lo daquela ma­neira, sabendo que ele não era capaz de resistir.

Dominado por uma onda de desejo primitivo, que desprezava todo o bom senso, Marc levantou-se, empurrou a mesinha para um lado e foi ajoelhar-se diante de Melanie. Tirou-lhe o copo das mãos, colocando-o no chão, e enterrou as mãos nos cabelos loiros, olhando-a no fundo dos olhos. Precisava ter certeza de que ela realmente o queria. Se visse a menor sombra de dúvida...

— Faça amor comigo, Marc.

A voz dela, ligeiramente enrouquecida, envolveu-o como seda, anulando qualquer chance de recuar que ele pudesse ter.

Com um gemido gutural, Marc apossou-se da boca úmida num beijo faminto. Melanie era doce como uma pêra madura. Deliciosa. Ela aninhou-o entre as coxas cobertas pela camisola,

puxando-o para mais perto, aprofundando o beijo, apertando os seios contra seu peito. Ele sempre achara que chegava perto do céu, quando fazia sexo com Melanie, mas não podia descrever o que estava sentindo naquele momento. Era uma sensação diferente, que atingia algo mais profundo do que os sentidos, um prazer que era mais do que simples prazer da carne.

Sem interromper o beijo, ele deslizou as mãos para baixo, até aninhar os seios nas palmas em concha, excitando os ma­milos com os polegares.

Melanie separou os lábios dos dele, ofegante.

— Você sempre soube como me tocar — murmurou baixinho.

Ansiosa por dar a ele o mesmo prazer, deslizou as mãos pelo abdome liso, lentamente, então soltou o botão da cintura do jeans e desceu o zíper. Massageou a pulsante ereção, e Marc tomou-lhe a boca num beijo violento, movendo os quadris para intensificar o contato com a mão dela.

Ele achou que nunca experimentara sensações tão fortes, e disse a si mesmo que era porque estivera muito tempo sem Melanie, mas uma parte de sua consciência dizia-lhe que havia um elemento novo e poderoso entre os dois.

Introduziu as mãos sob a camisola, subindo-as pelas coxas roliças e quentes, até encontrar o que procurava, a maciez úmida entre elas. Demorou-se ali, acariciando, provocando, no mesmo compasso do prazer que Melanie estava lhe dando.

Não suportando mais a tortura, querendo doar-se por inteiro, Melanie deixou de afagá-lo e começou a puxar a camisola para cima com gestos descontrolados, tentando livrar-se rapidamen­te daquele obstáculo entre Marc e ela.

Ele percebeu sua intenção. Beijando-a numa coxa, levantou-se do chão e ajudou-a. Então, tirou as próprias roupas rapidamente e sentou-se na borda do sofá, ao lado dela, que se deitara e estava a sua espera, linda, nua, afogueada de paixão.

Inclinou-se e tomou na boca um dos mamilos rosados, cir­culando-o com a língua, sugando-o, ao mesmo tempo em que acariciava o centro da feminilidade de Melanie fazendo-a ar­quear-se contra ele, gemendo cada vez mais alto, implorando-lhe que a tomasse.

Por fim, quando não suportou mais, deitou-se entre as pernas dela e penetrou-a, iniciando os movimentos da dança erótica que saciaria o desejo que os torturava. Pretendia ir devagar, mas não podia. Esperara tempo demais para perder-se no corpo de Melanie. E era evidente que ela também tinha pressa, pois começou a mover os quadris, incentivando-o a aprofundar-se e aumentar o ritmo.

Então, ele ouviu-a gritar seu nome, movendo a cabeça fre­neticamente de um lado para o outro, e soube que ela estava atingindo o êxtase. Só então soltou-se, e seu grito de prazer misturou-se ao dela.

Ficaram unidos ainda por um longo tempo, embalados pelas ondas de gozo que refluíam lentamente e por uma sensação de paz e alegria profundas, diferente de tudo o que haviam experimentado juntos até aquele momento. Marc tinha a im­pressão de estar fora do corpo, flutuando em algum lugar onde a atmosfera era leve e serena, longe de tudo o que era físico.

Foi com grande relutância que se separou de Melanie, es­corregando para o lado, onde continuou deitado, com a cabeça reclinada no peito dela, ouvindo as batidas ainda um tanto descompassadas do coração.

 

 

CAPÍTULO VI

 

Melanie acordou com um sobressalto, um nó de medo aper­tando-lhe a garganta. A sua volta, só havia escuridão, e a cama em que se encontrava era dura, estranha. Ela levou al­guns segundos para perceber onde estava.

No esconderijo, com Marc.

Tivera um pesadelo, mas não conseguia reter as imagens fugidias e descobrir por que acordara tão apavorada, por que o coração batia tão forte que parecia querer saltar do peito.

Hooker.

Ela reviu mentalmente o vulto sombrio a mais ou menos seis metros de distância, perto de uma das janelas do andar térreo da casa do senador. A janela estava entreaberta, e o vulto entrava por ela. Então, a arma brilhara a luz fraca do interior, quando Hooker apontara-a em sua direção.

Estremecendo, Melanie fechou os olhos, tentando fugir da horrível lembrança. Judith Hamilton, a psicóloga de sua divi­são, dissera que os pesadelos se tornariam menos freqüentes depois de uns quinze dias, mais ou menos, e acabariam por desaparecer. Mas já fazia três meses que o fato acontecera, e ela continuava a revivê-lo quase todas as noites. Judith também explicara que os sonhos podiam ser uma forma que a mente encontrara de passar alguma mensagem, e Melanie concordara, dizendo que talvez essa mensagem fosse de que ela devia deixar o serviço secreto.

Um leve murmúrio chamou a atenção de Melanie, fazendo-a voltar-se para o lado. Marc virou-se e puxou-a para seus braços, como sempre fazia quando ainda estavam juntos. Ela se deixou ficar aninhada contra ele, tentando aproveitar aquele momento precioso, pois era a última vez que dividia uma cama com Marc. Enterrou o rosto no peito dele, aspirando o cheiro daquele corpo maravilhoso, tentando não pensar que ele não fazia idéia do que ela pretendia fazer.

Depois de fazerem amor com intensa paixão, eles haviam finalmente jantado, embora o macarrão já estivesse frio. Depois, então, tinham ido para o quarto e feito amor novamente na casa de casal, que ele arrumara com lençóis limpos, certamente enquanto ela tomava banho.

Com um aperto no coração, Melanie pensou que nunca fora amada com tanta intensidade como naquela noite. Amada? "Desejada" seria a palavra mais correta, pois Marc, que não acreditava em amor, com certeza pensaria naqueles momentos como "sexo espetacular".

Querido cabeça-dura.

Pegando a mão dele, Melanie beijou-lhe os dedos, um por um. Então, virando-se de costas, espalmou a mão grande e morna no ventre, querendo que seu bebê conhecesse o toque do pai.

Pensou em tudo o que acontecera desde que Marc a seqüestrara. Lembranças seriam tudo o que ela teria, pelo resto de sua vida.

De onde, diabos, vem esse barulho?, Marc pensou, pondo o travesseiro sobre a cabeça, meio tonto, tentando lembrar quan­tos copos de vinho tomara na noite anterior.

Então, lembrou-se de que tomara apenas um e sentou-se abruptamente na cama, olhando em volta.

Melanie. Onde ela estava?

E o barulho era produzido por alguém que esmurrava a porta de entrada da casinha. Aflito, saltou da cama, vestiu o jeans e foi para a sala, dando uma olhada na cozinha e no banheiro.

— Melanie! — chamou, tropeçando em Brando, que dormia num tapetinho perto da porta. — Desculpe, amigo.

Tudo o que conseguia pensar era que estavam no meio do nada, que Melanie não se encontrava na casa e que alguém queria pôr a porta abaixo. Notou que o revólver e o telefone celular, que havia deixado sobre a mesinha, haviam desaparecido. Xingou ferozmente, apalpando o bolso do jeans. O anel de esmeralda ainda estava lá, o que lhe deu algum alívio.

— Quem está aí? — gritou parando diante da porta.

— Sou eu, Connor.

Marc abriu a porta e encarou o irmão mais velho, também agente do serviço secreto federal.

— O que está fazendo aqui? — perguntou.

— Acho que essa pergunta é minha — Connor observou, carrancudo. — O que você está fazendo aqui?

Tentou entrar, mas Marc impediu-o.

— Imagine minha surpresa, quando papai me acordou no meio da noite para contar que policiais estaduais foram lá em casa, em a sua procura. Então, hoje de manhã, quando peguei meu chaveiro, notei que estava faltando uma chave. Adivinhei o que acontecera.

Connor fez uma pausa, bufando e abanando a cabeça com ar incrédulo.

— Que inferno, Marc! Tem idéia da encrenca em que se meteu, invadindo propriedade federal?

Coçando a cabeça, Marc deu um passo à frente e olhou para fora, sentindo-se aliviado ao ver que seu jipe continuava no mesmo lugar.

— Só tomei a casa emprestada, mais nada.

— Mais nada?! — Connor rugiu. — Perdeu o maldito juízo? Marc não tinha tempo para explicações. Melanie sumira,

Hooker estava à solta.

— Você foi seguido? — perguntou.

— Vai me dar explicações, ou não?

— Perguntei se você foi seguido!

Empurrou o irmão e recuou para dentro rapidamente, co­meçando a fechar a porta. Connor pôs o pé no vão, impedindo-o.

— Não saio daqui até você explicar o que está acontecendo — declarou. — E vá falando. Agora mesmo! Pode começar explicando que diabo entrou em você para fazê-lo raptar Me­lanie Weber bem embaixo do nariz da mãe dela.

— Depois eu explico, raios! — Marc exclamou, furioso. Precisava encontrar Melanie e não sabia como se livrar do irmão. Empurrou-o para fora. Naquele momento, Connor avan­çava, querendo entrar, e perdeu o equilíbrio. Enquanto se agar­rava ao batente, tentado firmar-se, Marc introduziu a mão sob seu paletó e tirou o revólver do coldre de ombro.

— Desculpe, Connor. Depois eu devolvo a arma. Dizendo isso, Marc entrou e bateu a porta. Ouviu o ruído surdo, quando o irmão caiu no chão coberto de capim.

A areia úmida e fria agarrava-se aos saltos das sandálias de Melanie, tornando cada passo uma verdadeira luta. Ela não imaginara que três meses de inatividade a deixariam tão fora de forma. Naquele ritmo, não iria muito longe, e Marc logo perceberia que ela fugira. Ele acabaria por encontrá-la sentada no chão, sem forças, implo­rando uma xícara de café. Só uma. Fazia quase três meses que não tomava aquela bebida divina, e agora precisava desesperadamente da energia emprestada pela cafeína.

Marc nunca fora de se levantar cedo, o que facilitara a fuga de Melanie. Além disso, depois do pesadelo, ela não conseguira mais dormir, de modo que fora fácil sair da cama antes do amanhecer e partir.

Com um aperto no coração, ela refletiu que deixar Marc na casinha à beira do rio fora uma das coisas mais difíceis que já fizera. Olhara aquele rosto descontraído, que o sono tomava quase infantil, e por um momento acreditara que tudo acabaria bem, que ela contaria que o filho que esperava era dele e que Marc...

Tropeçou num tronco e quase caiu. Saltou-o com alguma dificuldade e prosseguiu andando ao longo da margem do rio. Bem, Marc ficaria furioso por ela não ter contado antes, depois teria um ataque cardíaco, porque ele nunca incluíra um filho em seus planos. Era por isso que ela precisava escapar dele e casar-se com Craig. Não queria que Marc fosse obrigado a aceitar a criança, que se sentisse do dever de casar-se com ela. Seria fantástico tê-lo como marido, dar ao bebê seu ver­dadeiro pai, mas apenas se ele a amasse, o que não era o caso.

Exasperada com as lágrimas que ameaçavam tombar, sen­tou-se na areia, pousou o revólver e o telefone celular a seu lado e tirou as sandálias que só a atrapalhavam, jogando-as numa moita próxima.

Tornou a pegar a arma e o telefone e começou a correr, mal percebendo a beleza do céu no horizonte, onde os primeiros raios de sol começavam a surgir. Olhou para trás, para a ca­sinha da qual se distanciava. Não havia nenhum movimento naquela direção, e ela foi assaltada por uma sensação que era uma mistura de alívio e desapontamento.

Parando para tomar fôlego, calculou a distância entre o lugar onde se encontrava e a rodovia, que já se tornara visível. Pensou em telefonar para a mãe, então ocorreu-lhe que nem lhe passara pela cabeça ligar para Craig. Era como se não fossem se casar no dia seguinte. Teria agido corretamente, aceitando a generosa proposta dele?

Pensara muito, antes de decidir que precisava aceitar e co­locar sua vida em ordem. Em ordem? Casar sem amor era colocar a vida em ordem?

Irritada com esses pensamentos, abriu o celular e digitou o número da casa da mãe.

Wanda atendeu ao primeiro toque.

— Alô!

— Mamãe?

— Oh, graças a Deus, Melanie! Onde você está? Você está bem? Ainda...

— Mamãe...

— Ainda está como refém daquele doido? Passei a noite acordada, cheia de preocupação!

— Mamãe! — Melanie quase gritou, perdendo a paciência.

— A gente vê tanta coisa! Quantos namorados rejeitados não matam suas ex-namoradas por vingança?

— Mamãe, escute!

— Craig ficou desesperado. Ele está aqui, bem do meu lado.

— Por favor, mamãe, me escute.

— Melanie, é mesmo você?

Ela relaxou ao ouvir a voz do noivo e afirmou:

— Sou eu, sim, Craig, e está tudo bem. Não precisa se preocupar. Vou explicar onde estou, para você vir...

Parou de falar abruptamente, quando o estampido de um tiro quebrou a paz do amanhecer, fazendo com que um bando de aves aquáticas subissem em revoada para o céu. Uma fração de segundo depois, um jato de areia ergueu-se perto dela como um chafariz, salpicando seu vestido. Seguiu-se outro tiro, e a bala arrancou o telefone celular de sua mão. Ela perdeu o equilíbrio com o impacto inesperado e caiu. Sem fôlego, arras­tou-se até a orla da praia, escondendo-se entre os arbustos.

Olhou na direção da casa, já bem distante, e viu a porta aberta. Então, viu Marc, agachado entre as árvores, com uma arma na mão. Arma? Mas ela levara o revólver dele! Outro tiro fez com que ela recuasse mais para dentro da vegetação. Sentou-se e pôs a mão na barriga, num gesto instintivo para proteger a vida que ali se desenvolvia. Lágrimas quentes rolaram por suas faces. O perigo que a rondara como uma nuvem intangível nas doze horas anteriores cristalizara-se em apavorante realidade.

"Calma, calma", disse a si mesma. "Não entre em pânico. Pense no bebê."

Tentava raciocinar com clareza, usar sua habilidade profis­sional para encontrar uma saída, mas parecia que não seria capaz. Respirou fundo, várias vezes.

"Pense no bebê, pense no bebê", ordenou-se novamente. Então, subitamente, uma nova onda de energia inundou-a, e ela, agachada, virou-se na direção oposta e olhou através dos arbustos. O sol nascente iluminava algo escuro e brilhante perto da rodovia. Um carro. Hooker.

Destravando o revólver, ela refletiu que ele não poderia ter encontrado a casinha isolada por acaso. Ela e Marc haviam sido seguidos, provavelmente desde o Hotel Bedford. Fosse como fosse, ela agora estava em desvantagem. Sabia apenas que Hooker en­contrava-se ali por perto, mas ele sabia exatamente onde ela estava. Ela engoliu em seco e ergueu o revólver, segurando-o com ambas as mãos. Sempre fora exímia atiradora. Esperava não ter perdido o jeito.

Outro estampido. A bala atravessou os arbustos à esquerda de Melanie. Sem largar a arma destravada, ela se levantou, recuou para a praia e começou a correr na direção da casa, o mais rapidamente que podia, mantendo-se perto da vegetação.

Um metro, dois... Cinco, seis...

Ela mergulhou na areia ao ouvir outro disparo. Assim que a bala passou, zunindo, Melanie levantou-se, atirando cegamente na direção de onde viera o tiro. Então, recomeçou a correr.

— Melanie, abaixe-se!

Era a voz de Marc. Ele estava mais perto do que ela ima­ginara, porque jogou-a no chão, cobrindo-a com seu corpo, en­quanto atirava para o lado onde Hooker obviamente estava, embora não pudesse ser visto.

O cheiro de pólvora e o guincho de pneus no asfalto subiram no ar. Marc rolou para o lado. Melanie sentou-se e olhou-o, cuspindo a areia que lhe entrara na boca.

— Você está bem? — ele perguntou.

— Estou, mas seu telefone celular levou um tiro.

O sorriso de Marc fez com que ela sorrisse também, sen­tindo-se bem melhor.

Ele se levantou e estendeu a mão para ela.

— Venha.

Melanie aceitou o apoio da mão vigorosa e ergueu-se, olhando o vestido rasgado em vários pontos.

— Acha que podemos transformar isto num modelo da moda? — brincou.

— O nome seria "Voltando do inferno” — ele disse, rindo, então ficou sério e acrescentou: — Ficou bem claro que nossa presença aqui é desagradável para alguém.

— Hooker — ela murmurou.

— Você o viu?

— Não, mas quem mais poderia ser?

— Tem razão — Marc concordou com ar pensativo, e começou a andar, levando Melanie pela mão. — Por que fugiu?

— Você sabe por quê — ela respondeu.

Ele parou e segurou-a pelo braço, encarando-a com um olhar penetrante.

— Está querendo me dizer que o que aconteceu essa noite foi o modo que encontrou de me fazer baixar a guarda para que pudesse fugir? Para se casar com aquele palerma?

Olhando para os próprios pés, ela ignorou o aperto no coração.

— O que você acha? — Ergueu os olhos, mas não o fitou, en­vergonhada de si mesma. — Penso que devemos ir embora daqui.

— Para que tenha mais uma oportunidade de fugir de mim?

Melanie olhou-o, então, odiando-se pelo que dissera, pois dei­xara claro que tudo o que queria era voltar para casa e levar adiante seu plano de casar-se com Craig. O que Marc não sabia, o que ela nunca lhe diria, é que não tinha outra opção.

— Prometo que não tentarei mais nada, se me deixar ser sua parceira nisso tudo.

— Por favor, Melanie... — ele murmurou, abanando a cabeça numa negativa.

Ela sabia que havia coisas que não podia mais fazer, devido a seu estado, mas naquele instante o instinto de sobrevivência era mais forte do que tudo. Não precisava salvar apenas a si mesma, mas também a seu bebê, e se sentiria mais segura e tranqüila se de alguma forma estivesse no controle da situação, pelo menos como parceira de Marc naquela inusitada missão.

— Marc, me escute, por favor. O que aconteceu provou que não estou segura aqui, sem fazer nada, esperando que a polícia prenda Hooker. Vou ter de seguir a pista dele, como ele vem seguindo a minha. Você fica comigo, ou não. A escolha é sua. Para mim não faz diferença.

De repente, ele sorriu.

— Você é de matar, com sua teimosia, mas essa Melanie é mais parecida com aquela de que me lembro. Está pronta para entrar em ação, parceira?

Marc não sabia em que devia acreditar. Estava agindo mais por instinto do que por bom senso.

Por que ela fugiu?, perguntou-se, olhando-a entrar no quarto de hotel, em Washington, ainda usando o vestido rosa-choque sujo e rasgado. O suave ondular dos quadris sensuais excitou-o, mas ele repreendeu-se por isso. Não queria sentir nada além de respeito profissional por Melanie. Não mais. Se ela fora capaz de deixá-lo, depois dos momentos maravilhosos que haviam compartilhado na noite anterior...

Apesar de a parceria ter sido novamente estabelecida, ele estava tendo dificuldade em manter uma conversa com a nova e reanimada Melanie. No percurso para a cidade, ela abordara vários assuntos, todos relacionados ao problema criado por Hoo­ker. Contara a respeito das primeiras cartas que seu perse­guidor escrevera-lhe da prisão, explicando que devolvera sem abrir as outras que chegaram depois. Falara também dos te­lefonemas, nos quais ele se declarava inocente. E, claro, inter­rogara Marc sobre tudo o que ele ouvira sobre Hooker.

Marc permanecera em silêncio a maior parte do tempo, se­gurando o volante com tanta força, que o nó de seus dedos ficaram brancos. Tudo o que queria era um pouco de sossego para pensar em tudo o que acontecera. Sentia-se usado, violado, um objeto descartável.

— Devíamos ter escolhido um daqueles motéis da periferia da cidade, em vez de um hotel quatro estrelas — comentou, segurando a porta, enquanto Melanie entrava no quarto car­regando algumas sacolas que continham as roupas que haviam comprado para ela.

— Um motel seria mais seguro? Por quê? — ela questionou. Ele olhou para os dois lados do longo corredor do quinto andar, notando que a saída para a escada de incêndio ficava na frente do quarto deles.

— Há mais caminhos de fuga em um motel — Marc explicou. Ela pôs as sacolas em um enorme e fofo sofá de estampa floral e começou a procurar alguma coisa em uma delas.

— Ficamos muitas vezes neste hotel, em missão. Sabemos exatamente quais são os caminhos de fuga, portanto, que diferença isso faz?

Ficou calada, enquanto tirava da sacola uma calcinha e um sutiã. Então, abriu outra, de onde retirou uma calça jeans, antes de continuar:

— Além disso, depois do lugar onde passamos a última noite, estou sentindo falta de uma cama macia, de televisão a cabo e ar-condicionado.

O comentário displicente sobre a noite que haviam passado juntos na casinha à beira do rio fez Marc sentir-se como se houvesse sido esmurrado.

Com um suspiro exasperado, pôs no chão a gaiola de Brando e a sacola que continha tudo o que o gato precisava.

Melanie abriu a sacola, tirou uma caixa de plástico, sem tampa, rasa e comprida, e um saco de areia grossa. Colocou uma boa porção de areia na caixa, e o "vaso sanitário" de Brando estava pronto. Enquanto isso, Marc abriu uma lata de comida de gato, despejou o conteúdo numa tigelinha e encheu outra com água. Depois que tudo aquilo foi posto no chão, num canto do banheiro, ele soltou Brando, que esfregou-se em suas pernas com um miado dengoso.

— Já está se acostumando com as mudanças, não é amigo? Dormiu a viagem toda — Marc comentou, falando com o animal e curvando-se para acariciá-lo.

A direção tomada por seus pensamentos não era nada tran­quilizadora. Tirando novamente o telefone do gancho, pediu à telefonista uma ligação para Connor, no trabalho. Aquela altura, a raiva do irmão, pelo tombo que tomara por culpa dele, já passara, ou pelo menos esfriara um pouco. Pelo menos era o que Marc esperava, porque precisava pedir-lhe alguns favores.

— McCoy — Connor atendeu, quando a ligação completou-se.

— Oi, aqui é o Marc.

O irmão contou que fora à propriedade à beira do rio porque haviam descoberto que Hooker encontrava-se nas redondezas. Não sabia que Marc e Melanie estavam lá. Depois de encontrar Marc na casa e de discutir com ele, fora em perseguição de Hooker, ouvira tiros e conseguira ver o homem ir embora num carro preto sem placas. Fora atrás dele em seu carro, mas perdera-o de vista. Quando voltara à casinha, Melanie e Marc já haviam partido. Disse também que não havia mais nenhuma pista do paradeiro de Hooker e prometeu que ligaria, se hou­vesse alguma notícia, oficial, ou não.

Marc desligou o telefone e notou que o barulho da água do chuveiro continuava.

Se Melanie demorar mais um pouco nesse banho, vai acabar se desmanchando, pensou, irritado.

Melanie encostou-se na parede do boxe, o corpo pulsando de desejo por Marc. Sabia que era loucura, quase masoquismo, querer tanto um homem que não servia para ela. Mas quando Hooker fosse capturado, não haveria mais nenhum motivo para os dois ficarem juntos, de modo que ela queria aproveitar cada minuto daquela convivência forçada.

Espiando pela abertura da cortina do boxe, viu que a porta continuava aberta, como ela a deixara, mas não viu Marc. Ele devia estar deitado, descansando, quando deveria estar ali, fazendo amor com ela sob o jato morno e abundante do chuveiro.

Aquele estúpido não compreendia qual era sua intenção? Es­taria pensando que ela pretendia gastar a pele, de tanto se lavar?

— Melanie? — ele chamou do lado de fora do banheiro. Viu-o entrar e parar, olhando na direção da fresta na cortina

semitransparente.

— O que está querendo fazer? — ele perguntou. — Acabar com toda a água do hotel?

— Só estou querendo uma coisa, Marc — ela respondeu, fechando o chuveiro e saindo do boxe. — Você.

Aproximou-se dele e ergueu os braços para abraçá-lo pelo pescoço.

— Não. — Segurando-a pelos pulsos, ele afastou-a. — O lanche que pedi já deve estar chegando.

Então, viu que ele olhava sua cicatriz e que seu rosto mu­dava, perdendo a severidade e adquirindo um ar de sofrimento mesclado com ternura. Estremeceu, quando ele ergueu a mão e acariciou o local, onde a pele repuxava-se, avermelhada.

No instante seguinte, estava abraçada a Marc, o corpo mo­lhado umedecendo as roupas que ele vestia.

Marc deslizou um dedo languidamente pelo ventre de Melanie, tocando de leve o triângulo úmido e sedoso entre as coxas dela.

— De novo? — ela perguntou num tom de voz rouco e sonolento.

— Acho que não — ele respondeu, rindo. — Depois dessa, vou precisar de uma semana para me recuperar.

Esperava que ela risse, mas Melanie permaneceu quieta, sem nem mesmo esboçar um sorriso. Apoiando-se num cotovelo, observou o rosto dela. O brilho desaparecera dos olhos verdes, e quando ela suspirou, deu a impressão de estar carregando todo o peso do mundo nos ombros.

— O que foi? — ele indagou, acariciando a cicatriz que maculava a pele acetinada.

— Nada.

— Lá vem você com esse "nada".

Por fim ela o encarou, e, de súbito, Marc compreendeu o que causara aquela mudança nela. Ele mencionara o tempo. "Vou precisar de uma semana para me recuperar", dissera.

Melanie pegou a toalha do chão ao lado da cama e sentou-se para enrolar-se nela. Ele quis protestar, dizendo que tanta beleza não devia ser escondida, mas conteve-se. Podia não saber o que se passava na cabeça dela, mas conhecia o significado de sua atitude. Melanie estava dizendo, sem palavras, que não podiam mais ficar descontraidamente na cama até que o desejo tornasse a invadi-los, como costumavam fazer no passado. Tudo mudara entre eles. Talvez não tivessem nem mais um dia para ficarem juntos.

Deitando-se de costas, Marc dobrou um braço sobre os olhos. Não podia imaginar a vida sem Melanie. Além de perceber que os dois haviam atingido um grau mais profundo de inti­midade física, ele percebia também um novo elemento emocio­nal em seu próprio íntimo.

E tudo isso junto doía como se alguém o queimasse com uma brasa.

— Nunca imaginei que diria tal coisa, mas chego quase a desejar que você fique grávida — disse, descobrindo o rosto.

Melanie saltou da cama abruptamente.

— O quê? — murmurou. Marc deu de ombros.

— Notou que não temos usado nenhum tipo de proteção? Ela permaneceu muda, olhando para ele sem piscar.

Ele pigarreou, sem ter muita certeza de que gostava daquela reação estranha. Melanie acharia a idéia de ter um filho dele assim tão terrível?

— Não usamos preservativos — insistiu.

— Entendi o que você quis dizer, Marc. Sentando-se na borda da cama, ele vestiu a cueca.

— Não precisa agir como eu sugerisse que amputasse um braço — reclamou em tom exasperado.

Melanie, então, abanou a cabeça rapidamente.

— Não, não... O que quis dizer quando... quando disse que deseja que eu fique grávida?

— Eu disse que quase desejo. Uma grande diferença, não? Com uma expressão de quem queria matar alguém, ela agar­rou um travesseiro e jogou-o sobre Marc. Rindo, ele rolou na cama e segurou-a pelas pernas.

— Me solte!

— Não.

Ela, então, estendeu as mãos para o criado-mudo e pegou o abajur, erguendo-o acima da cabeça.

— Quebro sua cabeça com isto — ameaçou.

— Me dê o abajur, Melanie! — ele exigiu, enquanto se le­vantava, fingindo estar furioso.

Mas percebeu que aquilo não era uma brincadeira, quando tentou pegar o abajur, e Melanie mordeu-o no ombro, enter­rando os dentes em sua carne.

— Ai! Quer parar com isso? Ficou maluca?

Arrancou o abajur das mãos dela e jogou-o no chão. A cúpula de vidro quebrou-se, apesar do grosso carpete. Surpreso, ele imaginou quanto aquele estrago lhe custaria.

— O que deu em você? — perguntou, espantado com a fúria de Melanie. — Tudo isso, só porque eu disse que quase desejo que você fique grávida?

A resposta que ela deu foi chutar-lhe a canela.

— Que inferno, mulher! Não vai me dizer o que está acon­tecendo? Já conversamos sobre isso há muito tempo atrás, quando começamos a dormir... hã... a namorar. — Eu disse que não queria filhos.

Ela ficou imóvel, dando a impressão de que toda sua raiva se esvaíra. Marc, então, acrescentou:

— Além disso, você vai se casar com outra pessoa, amanhã. — Não entendo você, Melanie — ele se queixou, apoiando os cotovelos nos joelhos e abanando a cabeça num gesto de desânimo. — Três meses atrás, você rompeu comigo, sem ex­plicações, sem despedida. Depois; de repente, fiquei sabendo que você ia se casar com outro.

Ela deu a volta na cama e parou na frente dele.

— Quer realmente me entender, Marc? — perguntou, os olhos verdes faiscantes. — Quer saber por que vou me casar? Por que deixei a divisão?

— Quero.                                            

— Estou grávida.

Ele endireitou-se rapidamente, atônito.

— O que disse?

Melanie sentou-se ao lado dele.

— Eu disse que estou grávida.

Marc olhou para o vazio, sentindo-se totalmente incapaz de formular um pensamento coerente.

— Desde quando? — perguntou por fim.

Pelo canto dos olhos, viu-a pegar um travesseiro e apertá-lo contra o corpo.

— Isso faz diferença? — ela murmurou.

Virando a cabeça num gesto abrupto, Marc encarou-a.

— Faz, porque, ou Craig trabalha muito rápido...

Ela se ergueu de um salto, fechando os punhos como se fosse socá-lo, mas não teve tempo, porque ele a segurou pelos pulsos.

— Quer me deixar acabar de falar, Melanie? — Marc se­gurou-a com mais força, quando ela tentou escapar de suas mãos. — O que eu ia dizer era que, ou Craig trabalha muito rápido, ou, então, eu vou... eu vou ser...

— Pai — ela completou por ele, falando baixinho.

Marc sentiu-se como se Mike Tyson o houvesse socado no nariz. Tentou falar, mas não conseguiu. Seu olhar deslizou do rosto de Melanie para o ventre coberto pela toalha, mas que ele sabia que continuava liso como sempre fora. Enganosamente lisa. Voltou a fitar os olhos verdes, onde ainda havia um brilho de lágrimas.

Então, as peças começaram a se encaixar. Ela estava com pressa de se casar. Agora tomava leite, em vez de café. Não voltara à ativa, na divisão de agentes secretos, mas permane­cera no departamento burocrático, fazendo um trabalho monótono que não combinava com ela.

Sustentando o olhar dele, Melanie moveu a cabeça afirmativamente.

— Bem... — Marc murmurou, sem saber o que dizer.

— Você está me machucando — ela reclamou.

— Desculpe-me — ele pediu, soltando-a e observando-a esfregar os pulsos que exibiam as marcas de seus dedos.

Melanie foi ao banheiro e voltou usando um dos roupões atoalhados fornecidos pelo hotel.

— Desculpou-se pelo quê, Marc? — perguntou, amarrando o cinto do roupão. — Por ter me abandonado, três meses atrás?

Do que ela estava falando? Quem a abandonara?

— Ou por ter me seqüestrado? — ela prosseguiu. — Não. Espere um pouco. Você pediu desculpas por ter me engravidado. É isso?

Ele não conseguiu responder, ainda totalmente confuso.

— Se for, nem pense em aborto — Melanie avisou. — Já entrei no quarto mês de gravidez, mas mesmo que estivesse grávida há apenas alguns dias, não mataria meu bebê.

Marc ficou em silêncio, e ela continuou:

— Descobri que estava grávida no hospital, por causa dos exames. Estava lá, sozinha, e, se não me senti completamente abandonada, foi graças a minha mãe e minha irmã, que ficaram quase que o tempo todo comigo.

— Eu me desculpei por...

— Pelo quê, Marc? — ela perguntou em tom áspero, pondo as mãos nos bolsos do roupão.

— Por ter apertado tanto seus pulsos — ele explicou. — Não queria machucá-la.

Melanie ergueu os olhos para o teto e bufou, visivelmente exasperada.

"Eu disse a coisa errada", pensou Marc. "De novo".

Também, o que podia esperar, depois de receber uma notícia inesperada como aquela?

Pegou o jeans do chão e vestiu-o.

— Você ia se casar com outro, sem me contar isso? — indagou em tom calmo, erguendo-se e puxando o zíper da calça para cima.

Uma onda de choque percorreu Melanie. Ela esperara uma explosão de raiva, não aquele mutismo, aquela calma. Marc era mesmo imprevisível. Embaraçada com a pergunta dele, pegou a calcinha que separara e vestiu-a, sem tirar o roupão. Então tirou-o e vestiu o sutiã e a calça jeans. Marc mostrou-se gentil, não a pressionando, mas era óbvio que estava esperando uma resposta.

— Claro que eu pretendia contar a você — ela disse por fim.

— Quando, Melanie? Quando ia me contar?

Ela estremeceu, então ganhou mais tempo, tirando de uma sacola uma camiseta branca, curta, tipo baby look, e vestin­do-a. Quando? Boa pergunta. E ela não sabia a resposta. Só o que sabia era que um dia contaria a ele.

Marc deu um passo em sua direção.

— Ia me contar quando já estivesse casada? — perguntou. Surpresa com as emoções claramente visíveis no bonito rosto másculo, ela não respondeu. O que mais a surpreendeu foi à sombra de sofrimento que viu nas profundezas dos olhos cinzentos. Nunca vira Marc tão compenetrado.      

— Considerando que seu casamento está marcado para amanhã, talvez seja seguro dizer que ia me contar depois — ele comentou, cruzando os braços. — Mas acho que não ia me contar nunca.

— Claro que ia. Afinal, eu contei, não?

— Só porque se descontrolou. Contou num momento de raiva.

— Olhe, Marc, eu... — Ela fez uma pausa, sentindo o coração apertar-se. — Eu ia contar. Precisa acreditar em mim. Mas confesso que não sei quando faria isso.

Ele ficou parado e em silêncio, esperando que ela continuasse. Melanie, porém, não tinha mais nada a dizer. Na verdade, refletira vagamente sobre o assunto. Imaginara que Marc re­presentaria algum tipo de papel na vida do filho, mas qual? Os dois se veriam em feriados, fins de semana, talvez passas­sem juntos um Natal ou outro, coisas desse tipo.

— Ele... Craig sabe? — Marc indagou, passando o peso do corpo de um pé para o outro, parecendo constrangido.

— Sabe — Melanie respondeu, sentando-se na cama. Marc não xingou, não gritou com ela, nem mesmo piscou.

Apenas moveu a cabeça ligeiramente, sem demonstrar o que estava sentindo.

Nervosa, ela se levantou e começou a andar pelo quarto, ten­tando colocá-lo em ordem. Pegou o roupão e levou-o para o banheiro. Juntou os pratos, talheres e copos e colocou-os no carrinho. Ergueu do chão o vestido rasgado e guardou-o numa das sacolas. Por fim, querendo gastar a estranha energia que a dominava, levou o carrinho do serviço de quarto para o corredor. Quando voltou e fechou a porta, viu que Marc não se movera do lugar.

Sentiu um aperto na garganta, que lhe tirou o ar e fez brotar lágrimas em seus olhos.

— Marc...

Ele não respondeu. Ergueu a cabeça, mas não se virou para o lugar onde ela estava.

— Sinto muito, me desculpe — Melanie murmurou. Nunca imaginara que diria tal coisa a ele, porque até aquele momento acreditara que fora a única prejudicada em toda a história, a única que merecia ouvir um pedido de desculpas. Quantas coisas erradas pensara!

Estou sozinha e grávida.

Ele não sabia da gravidez.

Marc não será um bom pai.

Ela nunca achara que seria uma boa mãe. No entanto, agora sabia que seria.

Ele vai sair correndo, quando souber que estou grávida.

Não saíra.

Então, finalmente, Marc virou-se para ela.

— Agora que eu sei, como isso afeta seus planos de casa­mento? — perguntou.

Tudo o que acontecera nos três últimos meses desfilou pela mente de Melanie. O hospital, o médico dando-lhe a espantosa notícia de que ela estava grávida, a inexplicável ausência de Marc, a proposta de Craig.

— Não sei, sinceramente — ela respondeu. — Não sei o que vou fazer.

De fato não sabia. Mas não mais conseguia ver-se casada com outro homem. Nem mesmo com Craig. Marc caminhou até ela.

— Eu sei o que você vai fazer — ele declarou. — Vai se casar amanhã, como estava programado. Mas não com seu amigo de infância. Você vai se casar comigo.

 

Olhando a paisagem campestre, iluminada pelo sol do meio da tarde, Melanie não tinha a mínima idéia de onde estavam ou para onde iam.

Assim que decretara que os dois iam se casar, Marc levara-a para fora do hotel, por uma das portas dos fundos e fizera-a entrar no jipe. Fora tão repentino, que ela mal se lembrava dos preparativos para a viagem, a não ser que ele lhe entregara a gaiola com Brando, enquanto pegava a bolsa de couro e as sacolas.

Ainda estava atônita com a decisão de Marc de casar-se com ela no dia seguinte. Olhou para ele e viu-o com expressão serena, como se toda aquela tempestade emocional não houvesse desabado sobre eles.

Observou uma mulher que trocava o pneu de um carro pa­rado no acostamento. Lembrou-se de que um dia achara que não poderia haver coisa pior do que aquilo. Agora sabia que havia. E também aprendera que as coisas sempre podiam pio­rar, fosse qual fosse a situação.

Ou melhorar, ela pensou, sentindo o coração bater mais forte.

Virou-se no assento para olhar para Marc, e seu joelho roçou a coxa dele.

— O que você quis dizer, lá no hotel?

— Exatamente aquilo que eu disse — ele respondeu.

— Ou seja... — Melanie interrompeu-se, gesticulando nervosamente.

— Está perdendo a audição, juntamente com o bom senso que Deus lhe deu? — Marc brincou, sorrindo amplamente.

Ela riu, surpreendendo a si mesma. Uma vez, ele lhe contara que o pai tinha algumas expressões só dele, e "o bom senso que Deus lhe deu" era uma delas. O fato de Marc tê-la usado para desanuviar um pouco a atmosfera entre eles deixou-a mais descontraída.

— Então, deixe-me ver se entendi direito, porque ainda não estou acreditando. Amanhã, vou me casar.

— Vai — ele concordou, acionando a seta esquerda e en­trando numa estrada secundária.

— Mas não com Craig.

— Não. Ela sorriu.

— E o motivo de eu não me casar com ele é que vou me casar com você.

— Certíssimo.

O sorriso de Melanie desapareceu.

— Errado — ela declarou.

— Não, Melanie. É tão certo quanto chover no verão. — Estendendo a mão, Marc pegou a dela, acariciando-lhe a palma com o polegar. — Tenho toda a intenção de me tornar seu marido, amanhã.

Marido. Marc McCoy, meu marido, ela recitou mentalmente. Puxou a mão, livrando-a.

— Por favor, não me toque.

Marc riu como se ela houvesse lhe contado uma piada muito engraçada.

— Pode ser que você tenha dito isso a Craig, mas comigo é diferente — disse, acariciando a coxa dela. — Quanto mais eu a toco, mais você deseja ser tocada. Vai negar?

De modo incrível, ela se sentiu como se estivesse se abrindo ao toque dele, como uma flor oferecendo-se a uma abelha.

Mas não podia fraquejar. Casar-se com Marc seria algo mara­vilhoso, excitante... impossível. A montanha-russa emocional em que fora levada nos últimos dois dias bastava para provar que um ca­samento com ele seria desastroso. Marc era irresistivelmente char­moso, bonito, mas também imprevisível e, às vezes, irresponsável.

— Onde estamos indo? — Melanie perguntou.

— Para um lugar seguro — ele respondeu, olhando-a e re­tirando a mão de sua coxa.

— Não vamos voltar à estaca zero, vamos, Marc? Concor­damos em que seríamos parceiros nesta história.

Melanie fez uma pausa e forçou-se a parar de mexer as mãos nervosamente. No hotel, tentara tirar o anel que ganhara de Craig, mas não conseguira, porque seus dedos estavam um pouco inchados.

— Isso significa que devemos compartilhar informações — continuou. — Tenho o direito de opinar sobre o lugar para onde vamos. "Um lugar seguro" não me basta.

— Terá de bastar, porque é a única coisa que vou lhe dizer.

— Somos parceiros... — ela balbuciou, à beira da fúria.

— Concordei com isso antes de saber que você está carre­gando meu filho.

Ela o fitou, admirada.

— Seu filho? Uma hora e meia atrás você nem sabia que eu estava grávida.

Marc olhou-a com um leve sorriso.

— Mas agora sei. Tudo bem, nosso filho.

— O que nos leva de volta a esse negócio de parceria — ela comentou.

— Ah, Melanie, não insista. Nossos papéis, agora, são total­mente diferentes. Você vai comer bem, exercitar-se, tomar vita­minas e criar aí dentro um ambiente saudável para nosso filho.

A raiva que ela vinha contendo, explodiu.

— Quem o nomeou meu conselheiro, ou, pior, meu guarda?

— O fato de você estar grávida me dá o direito de fazer coisas que podem desagradá-la, Melanie. — Marc tornou a sorrir. — De qualquer forma, seus deveres agora são aqueles que eu mencionei.

Parando de falar por um momento, acelerou o jipe e ultrapassou um caminhão.

— Meu dever é cuidar do ambiente externo, isto é, proteger você, para que nada de mau lhe aconteça. Teremos nove meses de trabalho pela frente.

— Cinco meses — ela corrigiu. — E o trabalho tem sido todo meu.

Ele quer cuidar de mim, Melanie pensou.

A idéia era atraente, de certa maneira. Romântica, com um toque medieval. Homem protege mulher. Cavaleiro luta por sua dama. As coisas costumavam ser assim, não? O problema era que, nesse sentido, as mulheres haviam evoluído muito, e os homens ainda tinham muito que evoluir. Olhou para Marc, refletindo com justiça que ele não era machista. Pelo menos, não muito. Lavava a louça, preparava uma refeição ou outra e, mais importante, durante a parceria deles como agentes secretos, ele sempre a vira como sua igual. Mas depois... Bem, chegara até a algemá-la e arrastá-la com ele, numa atitude própria de homem das cavernas. No entanto, dera como desculpa o desejo de protegê-la de Hooker.

Confusa com esses pensamentos, sem saber se o julgava um bom ou impossível candidato a marido, remexeu-se no assento.

— Nós discordamos sobre uma porção de coisas — ponderou. — Acha que conseguiríamos fazer uma família funcionar?

— Acho — ele respondeu prontamente.

Então, ocorreu a Melanie que não era porque a amava, que Marc estava fazendo tudo aquilo. Estava sendo levado por seu senso de dever, que lhe dizia que ele precisava casar-se com a mãe de seu filho.

Não. Pelo bem de seu bebê, ela não podia aceitar o que lhe parecia uma espécie de sacrifício. Não podia casar-se com Marc. Nem com Craig.

Vou ser pai, Marc pensou pela milésima vez.

A notícia fora chocante, mas ele não entrara em pânico, nem sentira raiva, como seria de esperar. O que experimentara, e continuava experimentando, era uma deliciosa sensação de leveza, de euforia.

Olhou para Melanie, que girava o anel de noivado no dedo. Talvez quisesse tirá-lo, mas ele notara que as juntas estavam ligeiramente inchadas.

Certo, ele não mostrara nenhum entusiasmo a respeito de ser pai, quando haviam discutido o assunto, mais de um ano atrás. Muito pelo contrário, declarara que não queria ter filhos. Tinha, porém, seus motivos para não querer constituir uma família. Ele e os quatro irmãos, todos homens, haviam sido criados pelo pai, que mal conseguia desempenhar esse papel, muito menos o de mãe. E não fora o único do clã a decidir que filhos não estavam em seu programa de vida. Os irmãos McCoy não sabiam como funcionava uma família de verdade, não se consideravam capazes de dar a uma criança o que eles próprios não haviam recebido.

Olhou novamente para Melanie.

— Sabe, aquilo que eu disse, antes de você me dizer que estava grávida...

Ela interrompeu-o com um olhar que ele achou mais difícil de enfrentar do que uma turma de manifestantes na frente da Casa Branca, protestando contra o presidente do país.

— Deve levar em conta que eu não sabia que você estava grávida — Marc concluiu.

— Tudo bem.

— Admito que um dia eu disse que não queria filhos — ele tentou de novo. — Mas mudei de idéia.

Ela fungou, como se estivesse à beira das lágrimas.

— E qual é sua idéia agora, Marc? Como se sente, sabendo que vai ter um filho?

Ele achava muito difícil colocar seus sentimentos em pala­vras, e aquele fora o motivo da briga que os separara.

— Está feliz? — ela insistiu, quando não obteve resposta. Marc hesitou, preso por suas enraizadas inibições.

— Estou — respondeu por fim. — Estou feliz.

Silêncio. Ele olhou para Melanie, querendo ver sua reação, mas ela virara o rosto para a janela.

— Você muitas vezes disse que não consigo colorar meus sen­timentos em palavras — Marc comentou. — Mas quero explicar o que estou sentindo, desde que queira me ouvir, naturalmente.

Ela moveu a cabeça num gesto afirmativo, mas não se virou para fitá-lo.

Marc fixou o olhar na estrada.

— Até dois dias atrás, eu achava que nunca mais veria você — disse, sem acrescentar que fora muito difícil aceitar o fato de que ela ia se casar com outro homem.

— Então, Hooker fugiu — comentou Melanie.

— Não, não. Isto é, claro, ele fugiu, mas isso não tem nada a ver com o que estou querendo explicar.

Por fim, ela se virou para ele, dando-lhe atenção. Marc refletiu que tinha de pronunciar as palavras que estavam entaladas em sua garganta. Naquele momento, sem esperar mais nada.

Fale logo, homem, ele se ordenou.

— Não sei bem o que estou querendo dizer — confessou. — Mas sei que, quando você me falou da gravidez, eu... Bem, um dia eu disse que não queria filhos, só que agora vejo que eu achava que não queria.

"Pare de enrolar, seu estúpido!", ralhou consigo mesmo. "Você quer perder Melanie?"

Tenso, apertou o volante com força desnecessária.

— E quando descobri que você ia casar... fiquei horrorizado, sabe? Meu instinto me dizia que algo estranho estava aconte­cendo, mas não conseguia imaginar o que poderia ser.

Melanie voltou a olhar pela janela.

— Olhe para mim — ele pediu em tom urgente, tocando-a no braço.

Ela se virou, sem nada dizer, apenas fitando-o com aqueles enormes verdes cuja expressão era indecifrável.

— O que estou querendo dizer — ele recomeçou —, é que, quando você disse que estava esperando um filho meu, eu vi que ia voltar a fazer parte de minha vida, e não apenas tem­porariamente, mas que ficaríamos juntos por muito tempo.

Fez uma pausa, escolhendo as palavras.

— E me senti muito... Acho que, na verdade, nunca me senti tão feliz.

O silêncio entre os dois foi completo. Marc continuou olhando para a estrada, esperando que Melanie dissesse alguma coisa, mas quando longos segundos escoaram-se, e ela permaneceu calada, ele se virou para olhá-la.

E viu-a chorando.

— Ah, Melanie, por favor, não chore.

— É que essa... essa foi à coisa mais linda que você já me disse — ela murmurou com voz tremura.

Uma estranha sensação explodiu no peito de Marc. Uma mistura esquisita de orgulho e esperança.

— Bem... — ele engrolou, imaginando se estava com o rosto vermelho. Então, sorriu. — Não me peça para dizer de novo, porque uma vez já foi bem difícil. Você sabe que não sou bom com palavras.

Melanie inclinou-se e pegou-lhe a mão, entrelaçando os dedos nos dele, deliciando-se com o contato. As lágrimas continuavam a cair, pingando nas mãos unidas, mas ela não se importou.

Notando que Marc estava tenso, ela sorriu, consciente de quan­to lhe custara admitir que estava feliz com a idéia de ficarem juntos e terem um filho. Ele tinha razão. Ela costumava acusá-lo de esconder pensamentos e sentimentos, mas o que ele dissera mostrava que era capaz de sentir profundas emoções.

— Nossa, Melanie! Pare de chorar — ele disse, soltando a mão e abrindo o porta-luvas, de onde tirou uma caixa de lenços de papel que entregou a ela. — Se alguém a vir chorando desse jeito, vai pensar que bati em você.

Ela enxugou as faces e assoou o nariz, então riu da expressão preocupada no rosto dele.

— Se for para você chorar, nunca mais vou dizer coisas do tipo dessas que disse — Marc avisou.

— Não se preocupe. Deve ser culpa dos hormônios — explicou. O jipe derrapou, quando ele pisou no freio, diminuindo a velocidade de modo repentino, e um caminhão atrás deles bu­zinou furiosamente, desviando-se para a esquerda com uma manobra brusca e ultrapassando-os.

— Meu Deus! Está enjoada? — Marc perguntou em tom aflito.

— Você viu o que fez? Poderia ter nos matado! — ela ralhou, assustada.

— Mas você não está passando mal? Melanie riu, acalmando-se.

— Não. De onde tirou essa idéia? Estou ótima. Nem todas as mulheres grávidas têm enjôos, você não sabia?

— Não, não sabia. Quantas coisas mais eu não sei sobre mulheres grávidas?

— Acho que não sabe nada — ela respondeu, sorrindo, e olhou pela janela.

Admirou o verde profundo dos campos de fumo, os retalhos coloridos formados por moitas de flores silvestres, experimentando uma sensação de paz. Então, de repente, achou que descobrira para onde Marc estava levando-a.

E soube que sua suposição era correta quando, cerca de dez minutos depois, viu uma placa anunciando que estavam se aproximando de Manchester, e que a população da vila era de mil novecentos e noventa e nove habitantes.

Marc estava levando-a para a casa da família dele.

Analisando os acontecimentos das últimas horas, Marc refletiu que, ao mesmo tempo em que experimentara uma eufórica sensação de alegria ao saber que ia ser pai, também sentira medo. O que ele entendia de crianças? Nada.

Mas algo em seu íntimo dizia-lhe que ele faria tudo por aquela que Melanie levava no ventre.

Tomando a estradinha que levava à vila, logo viu o xerife, Percy Mathison, sentado no lugar de sempre à sombra de um abrigo de madeira, observando o caminho para ver se alguém ultrapassava o limite de velocidade para a zona urbana. Acenou para o homem, que acenou de volta, parecendo não muito satisfeito por não poder dar-lhe uma multa, que levaria algum dinheiro aos cofres do lugarejo.

Passava um pouco de cinco da tarde, e as pessoas, ou já tinham ido para casa, ou estavam indo. No armazém que vendia de tudo havia alguns clientes, assim como na pequena lancho­nete, mas a rua estava praticamente vazia.

— Que lugarzinho bonito! — Melanie comentou. Bonito? Marc não concordava. "Lugarzinho" era uma palavra bastante adequada para Manchester, mas "bonito", não, de jeito nenhum. O que ela acharia da casa dos McCoy? Ele nem queria pensar.

Um tanto afastada da estrada, já na saída da cidade, a velha e espaçosa casa de sítio parecia prestes a desmantelar-se. E o celeiro... A grande construção de madeira, que um dia fora pintada de vermelho-escuro, já não oferecia muita segurança. Não que isso tivesse importância, pois os McCoy não possuíam vacas e cavalos havia muito tempo, assim como não plantavam mais nada, de modo que não tinham o que armazenar na época da colheita. O único animal do sítio era Goliah, o cachorro de Mitch, um dos irmãos de Marc.

Pensando em tudo isso e imaginando o que Melanie acharia de sua família, e como a família se comportaria perto dela, Marc mal viu o resto do caminho e chegou a surpreender-se quando viu que haviam chegado à entrada da propriedade.

Bufou ao ver os carros parados no pátio malcuidado. Parecia que todos os McCoy estavam em casa. Ia ser um inferno. Ne­nhum deles jamais levara uma mulher para lá. Então, enquanto parava o jipe trás dos outros veículos, ele se lembrou de algo que aliviou sua tensão. Uma vez, Mitch levara uma moça, sua noiva. Liz qualquer coisa, ele não lembrava o sobrenome. A mesma Liz que, no dia do casamento, fugira com outro, dei­xando Mitch plantado na frente do altar.

— Esta é a propriedade de seu pai? — Melanie perguntou, olhando a grama crescida, a cerca de ripas arruinada, os de­graus quebrados da escadinha que levava à varanda.

— É.

Marc saltou do jipe e foi abrir a porta do passageiro para ela, ajudando-a a descer. Olhando na direção da casa, viu Connor, que os observava, parado na porta lateral.

— Vamos acabar logo com isso — disse, começando a andar. Já dera vários passos, quando notou que Melanie não o acompanhara. Parou, virou-se e viu-a parada no mesmo lugar, olhando-o com ar de reprovação.

— Será que nunca vou aprender? — resmungou, voltando e oferecendo o braço a ela.

— Posso andar sozinha — ela declarou.

— Me dê o braço, Melanie.

Os olhos verdes cintilaram de rebeldia.

— Mulheres grávidas não precisam andar apoiadas nos ou­tros — ela replicou. — Mas nem por isso gostam de ser deixadas para trás.

Engolindo um impropério, ele segurou a mão dela.

— Por que você tem sempre de complicar tudo? — reclamou, recomeçando a andar. — Ah, sim, a respeito do... hã...

— Do bebê?

— É. Não vamos dizer nada a eles, por enquanto. Acho melhor contamos primeiro que vamos nos casar.

Melanie tentou livrar a mão, mas Marc segurou-a com mais força.

— Não vou me casar com você — ela informou.

— Está certo, Melanie — ele respondeu, mostrando que não dera importância ao que ouvira.

Bastava ela pensar que Marc progredira, para ele dizer ou fazer algo que estragava tudo.

— Marc, eu disse que...

— Falaremos disso mais tarde, está bem?

— Ok — ela concordou.

— Ótimo.

Olhando-o detidamente, Melanie perguntou-se se era sua im­pressão ou se, de fato, Marc estava nervoso. Seguindo-lhe o olhar, viu um homem parado no vão da porta lateral. Era alto como Marc e também tinha cabelos escuros. Devia ser um dos irmãos dele.

Aproximaram-se, e ela viu que o homem olhava para Marc com ar sombrio, como se tivesse algo contra ele.

— Boa tarde, Connor — Marc cumprimentou.

— Boa tarde.

Melanie esperava ser apresentada, mas Connor entrou, e Marc empurrou-a para dentro. Por um momento, ela receou que ele pretendesse fechá-la em um armário, isolando-a de todos.

Que idéia ridícula, pensou, vendo que haviam entrado na cozinha.

Estacou, surpresa, ao ver-se diante de um bando de homens, obviamente os membros da família McCoy. Seu primeiro impulso foi virar-se e fugir, mas conteve-se. Ninguém ia esfolá-la viva.

— Boa tarde — murmurou, ensaiando um sorriso.

Melanie achou que falara em alguma língua estrangeira, porque ninguém respondeu ao seu tímido cumprimento. Seu olhar percorreu rapidamente os cinco desconhecidos rostos mas­culinos, todos extremamente bonitos. E cinco pares de olhos mantiveram-se fixos sobre ela. A despeito do tamanho da mesa, ao redor da qual caberiam dez pessoas, o móvel parecia pe­queno, cercada por aqueles homens altos e fortes.

De repente, todo mundo começou a falar ao mesmo tempo. Mas foi o mais velho, obviamente o pai de Marc, que se levantou.

Melanie fitou-o e piscou, totalmente aturdida.

— Sean?! Não pode ser! — exclamou.

O sorriso caloroso do homem disse-lhe que não só podia ser, como era. Então, ela compreendeu. Sean não fora ao hospital para visitar outra pessoa, como ela presumira, e algo que ele não negara. Sean era o pai de Marc.

A peça que estava faltando apareceu e encaixou-se, comple­tando um quebra-cabeça do qual Melanie nunca tomara consciência, mas que existia. Ela se lembrou das vezes em que Sean defendera Marc por suas ações, sugerindo motivos lógicos para ele não ir vê-la no hospital. Na época, não estranhara o fato de ele defender alguém que não conhecia, achando que era uma daquelas coisas de homens.

Um dia, ele dissera que talvez Marc não fosse visitá-la por­que se sentia mal em hospitais. Melanie não concordara, e Sean contara que ficara muito tempo sem entrar num hospital, depois que a esposa morrera, muitos anos atrás.

Com a mente em turbilhão, Melanie refletiu que sabia muita coisa a respeito daquela família. Sean fora vê-la várias vezes e fizera-lhe companhia durante as horas em que Craig, a mãe e a irmã dela não podiam estar a seu lado e contara-lhe his­tórias a respeito dos filhos e de si mesmo.

Olhando para os quatro irmãos de Marc, ela percebeu que sabia quem era quem, baseada no que ouvira de Sean. Saberia, mesmo que não ouvisse Marc chamá-lo pelo nome, que o alto, de olhos compenetrados, que vira na porta, era Connor. Sean contara-lhe que esse filho, o mais velho, fora quase um pai para os irmãos.

E foi Connor que lhe ofereceu uma cadeira. Ela agradeceu e sentou-se, corando ao lembrar-se repentinamente de que Sean também sabia muito a seu respeito, pois ouvira suas confidenciais no hospital. A maioria delas, a respeito de Marc.

— Desculpe nossa falta de modos, Melanie. É que não estamos acostumados a receber mulheres — Sean explicou, sorrindo.

Ela retribuiu o sorriso.

— Posso falar com você um minuto em particular? — Connor perguntou a Marc.

— Claro, mas espere um pouco, sim? Sean pousou a mão no ombro de Melanie.

— Está com fome? Vou fazer um prato para você.

— Eu já fiz, pai — Marc informou, pondo um prato com bolo de carne, purê de batatas e milho refogado na frente dela.

Melanie ouviu o próprio estômago roncar, e uma risada dei­xou claro que não fora só ela que ouvira. Olhando para o lado, ela viu um loiro parecido com Brad Pitt, e teve certeza de que se tratava de David, o mais jovem dos irmãos.

— Com licença — Connor pediu, sorrindo para ela. — Vol­taremos em um minuto.

Deu um tapa nas costas de Marc e depois segurou-o pela nuca, com um pai faz com um filho que não quer obedecer, e levou-o para fora da cozinha.

Melanie ocultou um sorriso e observou o homem de cabelos escuros e um tanto longos, sentado no lado oposto, que punha um copo de leite diante dela. Devia ser Mitch, ex-agente do FBI e que agora trabalhava como detetive particular.

— Muito prazer em conhecê-la, Melanie. Meu nome é Mitch.

— O prazer é meu, Mitch.

Arrastando a cadeira para trás, o loiro ao lado dela levantou-se.

— E eu sou o David. Aquele caladão ali é Jake. Não se deixe intimidar pela carranca. Ele rosna, mas não morde. É da polícia.

Melanie riu. Marc contara-lhe que Jake era policial e tra­balhava no serviço de imigração e naturalização. Ela achara interessante o fato de todos os irmãos McCoy atuarem em áreas ligadas à defesa da lei.

Olhou novamente para David.

— Você também é policial, certo?

— Certo — o jovem respondeu, voltando a sentar-se. Melanie comeu um pedaço de bolo de carne, que por sinal estava delicioso.

— Agora chega, rapazes — Sean manifestou-se. — Estamos perturbando Melanie.

— Não, não — ela negou. — Vocês são todos muito gentis.

Mitch pôs mais leite em seu copo, e Sean, sentado a sua esquerda, na cabeceira da mesa, serviu-lhe mais um pedaço de bolo de carne.

De súbito, Melanie entendeu por que Connor apressara-se em oferecer-lhe uma cadeira, por que Mitch dera-lhe leite, em vez de refrigerante, por que o pai deles parecia pensar que ela precisava comer bastante. Olhou para Sean, e o sorriso encabulado do homem mostrou que ele sabia exatamente o que ela estava pensando.

— Desculpe, Melanie, mas não consegui guardar segredo, quando soube que Marc, aquele louco, raptara você.

Ela achou difícil engolir o bocado de purê de batatas que levara à boca. Marc não precisava se preocupar com a reação dos irmãos. Todos já sabiam que havia mais um McCoy a caminho.

— Você não parece grávida — comentou David.

— Está tomando vitaminas? — perguntou Mitch. — Vai tomar alguma cápsula após o jantar? Pode tomar com leite, mas se quiser água, eu vou buscar.

— Obrigada, mas eu...

— Parece cansada — observou Jake, o caladão. — Acho que deve se deitar, depois que acabar de comer.

— Estou bem — afirmou Melanie, sorrindo para ele. Voltou-se para Sean.

— Não me lembro de você ter me dito qual é seu trabalho — disse, querendo deixar de ser o centro das atenções.

Connor, que entrou na cozinha naquele momento, bateu no ombro do pai.

— Ele ainda está na ativa, no departamento de polícia. — Fez uma pausa, dirigindo um sorriso contrito a Melanie. — Desculpe, se fui rude, quando vocês chegaram. Mas é que eu estava furioso com Marc. A casinha à beira do rio, para onde ele a levou é propriedade da polícia federal. Esse desmiolado invadiu território proibido.

— Está querendo dizer que a casa é usada como esconderijo de testemunhas que precisam de proteção?

— Exatamente.

Por falar em Marc, onde ele está?, pensou Melanie, olhando para a porta por onde o vira sair, levado por Connor.

— Ele já vem — informou Connor, lendo seus pensamentos.

— Está tomando banho.

Banho? De novo?, ela estranhou, pensando nos dois tomando banho de chuveiro juntos, poucas horas atrás.

Já quase acabara de comer, quando Marc voltou à cozinha e parou junto à mesa. Ele não dava a impressão de ter saído do banho e não parecia muito contente. E a marca vermelha em seu queixo explicava por quê.

— Oh, meu Deus! — exclamou Melanie, levantando-se e correndo para o lado dele.

— Não se preocupe — Jake disse. — Marc já levou e já deu muitos desses.

Ela estava furiosa.

— Foi para isso que saíram da cozinha? Para se atracarem?— indagou.

Marc puxou-a pela manga da blusa.

— Isso não tem importância, Melanie.

— Não tem? Dois irmãos se batendo...

— Foi só o troco do empurrão que ele me deu hoje de manhã, me jogando no chão — explicou Connor.

— Hoje de manhã? — ela repetiu. — Você esteve na casinha à beira do rio?

— Estive. Marc pigarreou.

— Melanie, acho melhor nós... Ela ignorou-o.

— E vocês todos sabiam o que ia acontecer, quando os dois saíram da cozinha? — perguntou, olhando para os outros, de um por um.

O modo como os homens desviaram o olhar, mantendo-se calados, foi resposta bastante eloqüente. Sabiam e não fizeram nada para evitar.

— Não acredito! — Melanie continuou, abanando a cabeça.

— E assim que resolvem seus problemas? Com socos e em­purrões? Nunca ouviram falar em comunicação verbal?

Parando de falar por um instante, plantou as mãos na cin­tura, sempre olhando ao redor da mesa.

— É assim que se comportam no trabalho? Espero que não.

Todos os homens negaram com um movimento de cabeça. Ela então, virou-se para Marc.

— É verdade que você derrubou Connor com um empurrão?

— Não foi bem isso. Eu o empurrei, sim, mas ele caiu porque estava tentando entrar à força na casa, perdeu o equilíbrio e caiu — Marc explicou, então mudou de assunto: — Todos aca­baram de jantar? Podemos ir para a sala?

— Peça desculpas a Connor — Melanie ordenou.

— O quê?!

Ouvindo uma risadinha, ela olhou para David, que apertou os lábios, contendo o riso.

— Peça desculpas a Connor — repetiu. — Agora mesmo.

— Mas, diabos, Melanie, ele já...

Pegando-o pelo braço, ela o levou até o irmão mais velho.

— Aperte a mão dele.

Connor continuou teimosamente com os braços cruzados, quan­do Marc estendeu-lhe a mão. Melanie olhou-o, franzindo a testa. Por fim, com um suspiro exasperado, ele descruzou os braços e apertou a mão estendida em sua direção, soltando-a em seguida.

Marc continuou em silêncio, até que Melanie deu-lhe uma leve cotovelada nas costelas.

— Desculpe, Connor — grunhiu, então.

— Desculpe pelo quê? — ela continuou, exigente.

— Que "coisa, mulher! Não somos crianças! — Marc protestou.

— Peça desculpas direito — Melanie ordenou, implacável.

— Me desculpe por ter empurrado você e tomado sua arma, hoje de manhã — Marc recitou.

— Ótimo — ela aprovou. — Agora podem ir para a sala. Marc olhou-a, carrancudo.

— E Connor? Ele não me deve desculpas?

Melanie quase riu ao ver sua expressão ofendida. Ele parecia um menino que se sentia injustiçado.

— Não tenho o direito de me intrometer no que Connor faz ou deixa de fazer, Marc.

Ela olhou para Sean, que a observava, sorrindo. Corando, ima­ginou o que lhe dera para fazê-la agir como uma mãe educando dois filhos briguentos. Devia ser a gravidez. A natureza talvez a estivesse preparando para sua nova e mais importante missão.

Os homens começaram a sair da cozinha, mas Marc e David ficaram para trás.

— Você não vai para a sala? — Marc perguntou a Melanie.

— Não. Vou ficar na cozinha, arrumando tudo.

— Eu ajudo — David ofereceu-se.

Quando ficaram a sós, Melanie e o caçula da família recolheram todos os utensílios da mesa e levaram-nos para a pia. Então, ela começou a passar os pratos sob a água da torneira e entregá-los a David, que arrumava-os numa gigantesca lava-louça. Então, foi à vez dos talheres, dos copos, travessas e tigelas. Tudo ali era enorme, a mesa, a geladeira, o freezer, o fogão de seis bocas.

Ouvindo que os homens estavam falando muito na sala, mas em tom baixo, Melanie deduziu que estavam discutindo tudo o que acontecera nos últimos dois dias e, claro, sua gravidez.

— Vocês sempre fazem isso? — perguntou.

— Isso, o quê? Reuniões da família na sala? — David sorriu para ela, fazendo-a notar mais uma vez sua semelhança com o charmoso Brad Pitt. — Para conversas sérias? Não. Quando estamos juntos só falamos bobagens.

Melanie olhou-o com atenção. Ele não devia ter mais de trinta anos, a idade dela, mas os olhos azuis refletiam a sa­bedoria de um homem de sessenta. Debruçando-se no balcão, enquanto David lidava com as panelas maiores, que insistira em lavar, ela olhou pela janela, para o quintal. Quintal? Parecia que metade das terras do Estado de Virgínia estendia-se atrás da casa dos McCoy, entrecruzadas por cercas arruinadas.

— Posso fazer uma pergunta? — o jovem perguntou de repente. Ela voltou sua atenção para ele.

— Pode.

— Estou... estou tendo problemas com uma mulher. Embora tentasse conter um sorriso, Melanie não conseguiu.

— Desculpe, é que não me acho nenhuma especialista em relacionamentos entre homens e mulheres — explicou. — Mas tentarei ajudar.

— Obrigado — David agradeceu e calou-se. Observando-o raspar algo grudado no fundo da panela onde fora feito o purê de batata, ela notou que ele parecia mergu­lhado em pensamentos e sentiu uma inexplicável necessidade de saber o que lhe passava pela cabeça.

— Essa mulher... Faz tempo que você a conhece? — indagou.

— Algumas semanas. Ela é minha parceira. Foi por isso que achei que falar com você poderia ser útil.

Ele enxaguou a panela e debruçou-a na pia.

— Deixe que eu enxugo — Melanie disse, afastando-se do balcão e pegando o pano de pratos pendurado acima da pia.

— Isso é bom — David comentou com um sorriso lindo. — Não me importo de lavar panelas, mas não gosto de enxugar.

Ela riu e empurrou-o gentilmente para longe da pia.

— Eu lavo o resto. Só falta a assadeira do bolo de carne.

— A pior. Você viu como está suja?

— Não faz mal — ela assegurou. Então, pensou que podia fazer uma troca com ele. David queria conselhos sobre sua vida amorosa. Ela queria mais informações sobre Marc. — Vamos fazer um trato?

— Trato?

— Isso. Eu respondo às suas perguntas, depois você responde às minhas.

Ele encheu uma caneca com café e encostou-se no balcão, olhando-a enquanto tomava um gole.

— Ah! Marc é um tanto misterioso, não é?

— É, um pouco — Melanie respondeu, sorrindo.

— Não sei se posso ajudar, porque nenhum de nós o compreendo muito bem, mas... — David sorriu — Trato feito.

Ela abriu a torneira elétrica e colocou a assadeira sob o jato de água quente.

— Você começa.

David pensou um pouco, enquanto ela fechava a torneira e punha uma boa quantidade de detergente na assadeira cheia de água fumegante.

— O que é que as mulheres realmente querem? — ele per­guntou por fim.

Por essa Melanie não esperava. Aquele trato não ia ser tão fácil de cumprir quanto ela imaginara.

 

Marc revirou-se mais uma vez na cama arrumada no chão do quarto de Mitch, tentado a socar o assoalho para torná-lo mais macio. Como se isso fosse possível.

— Posso fazer uma pergunta? — As molas da cama de casal rangeram, indicando que Mitch virara-se para o lado em que ele se encontrava. — Por que você acomoda seus hóspedes tão mal?

O irmão riu, irritando-o.

— A culpa é sua. Ficou se mexendo, dando pontapés e bra­çadas, até que fui obrigado a chutá-lo para fora da cama.

Comum suspiro, Marc cruzou os braços sob a cabeça.

— A pergunta não era bem essa.

— Então, fale logo o que deseja saber, porque quero dormir.

— E, um detetive particular sem clientes precisa levantar-se cedo — Marc comentou, zombeteiro.

— Eu tenho clientes. Só decidi tirar férias. Mas nós dois teremos de levantar cedo, se for para seguir o esquema que você criou para vigiar a casa e proteger Melanie.

— Tem razão — Marc concordou, pensando se seria sensato fazer a pergunta que vinha martelando seu cérebro.

Era mais fácil Mitch esmurrá-lo do que responder.

— Mitch...

— Hã?

— Você se lembra do que aconteceu, sete anos atrás? — Um rangido de molas, depois, silêncio. Nenhuma palavra. Nem mesmo um som de respiração. Marc, então, decidiu continuar: — O que eu quero saber é se você algum dia se arrependeu de não ter ido atrás dela.

"Dela." Não era preciso dizer o nome, pois Liz Braden fora a única mulher que fizera um dos irmãos McCoy querer ca­sar-se. Para depois deixá-lo esperando no altar. Nenhum ho­mem esqueceria uma coisa dessas. Nunca.

— Eu me arrependi, sim.

As palavras encheram o ar, mas, de modo estranho, pareciam vir de muito longe. Intrigado, Marc sentou-se e, à fraca clari­dade que vinha de fora, olhou para a cama. Vazia.

— Não, não me arrependi.

Marc, então, percebeu que o irmão saíra pela janela, no lado oposto do quarto, e estava no telhado do alpendre. Ele tentara fazer aquilo uma vez, quando tinha dez anos, e quase caíra. Ficara pendurado no beiral, e Connor, com treze anos, primeiro resgatara-o, depois lhe batera.

Levantando-se e indo até a janela, Marc viu que não se enganara. Mitch estava lá, olhando para o céu estrelado.

— Qualquer dia desses o telhado vai desabar e jogá-lo lá embaixo — avisou.

— Deixe que desabe.

Fazendo uma careta ao ouvir uma resposta tão negativa, Marc também ergueu os olhos para as estrelas.

— Então, arrependeu-se, ou não?

— As duas coisas. Eu queria ir atrás dela para pedir uma explicação, mas meu orgulho não deixou.

— Sei como é.

— Bem, são águas passadas, e águas passadas não movem moinhos — filosofou Mitch. — Por que me fez essa pergunta?

Marc deu de ombros.

— Sei lá. Acho que por curiosidade.

— Curiosidade, uma ova. O que está passando por essa sua cabeça avoada?

Voltando para a cama improvisada, Marc não respondeu.

— Sabe, estou admirado por você ainda não ter tentado se esgueirar para dentro daquele quarto no fim do corredor — Mitch comentou, sua voz chegando abafada.

Agitado, Marc socou o travesseiro.

— O velho ainda não começou a roncar.

A risada de Mitch ameaçou acordar a casa toda. Como ad­vertência, Marc pegou o travesseiro e atirou-o pela janela.

Melanie achara que nunca mais a deixariam sozinha. Jake levara-lhe um cobertor grosso, embora o quarto estivesse tão quente que cobrir-se com um lençol já seria demais. David aparecera com um roupão de banho azul, bastante desbotado, e Mitch fora perguntar se ela queria conversar sobre alguma coisa, ao que ela respondera com um "não" acompanhado de um sorriso. Sean levara-lhe leite e biscoitos e, até uma hora atrás, batera na porta do quarto de cinco em cinco minutos para saber se estava tudo bem.

Por fim, deliciosamente sozinha, ela se aninhara na cama de solteiro com um suspiro de satisfação. O quarto de Marc. A cama de Marc. O travesseiro de Marc. Os troféus esportivos de Marc alinhados numa prateleira, refletindo a luz do luar que entrava pela janela aberta.

Gostara, quando Sean dissera que não era para ela e Marc dormirem no mesmo quarto. Marc reclamara, mas sem resultado, principalmente porque seus quatro irmãos tomaram o partido do pai, dizendo que os dois ainda não estavam casados e que seria falta de respeito dormirem juntos sob o teto da casa da família.

Falta de respeito. Família. Melanie arrepiou-se, prevendo o que um bebê representaria em sua vida. A criança precisava de um pai, não merecia ter uma família pela metade.

Marc já estaria dormindo, lá no quarto de Mitch? Provavel­mente, porque não violara as regras, aparecendo em seu quarto, algo que ela achava que ele faria.

Pelo que Melanie entendera, apenas Sean e Mitch moravam naquela casa. Marc, Connor, Jake e David moravam na cidade de Washington, ou nos subúrbios, por ser mais conveniente, ape­sar de Manchester ficar a apenas oitenta quilômetros de lá. Mas todos os McCoy chamavam aquela velha casa de lar e reuniam-se sempre que possível, geralmente nas noites de quarta-feira e fins de semana. Parecia que não faziam nada para melhorar o sítio, mas ali cultivavam o vínculo que os mantinha juntos. Um vínculo muito forte, pelo que Melanie notara.

Ela não conhecia os detalhes, mas a mãe de Marc morrera dando à luz ao sexto filho, que não vivera, vinte e oito anos antes, quando David tinha apenas dois. Marc devia estar com cinco. Conversando com ela na cozinha, David contara que não se lembrava da mãe, mas que se lembrava de seu perfume. Os outros tinham algumas recordações truncadas, apenas as de Connor eram mais completas, e, por ele ser o mais velho, coubera-lhe cuidar dos irmãos após o falecimento da mãe, por­que Sean caíra em depressão, deixando de importar-se com os cinco filhos pequenos durante muito tempo.

Num gesto instintivo, Melanie pôs a mão na barriga e, de repente, foi envolvida por uma onda de emoção e júbilo. Podia jurar que sentira um ligeiro movimento. Longos minutos pas­saram-se, e mais nada aconteceu, então ela achou que sua imaginação pregara-lhe uma peça.

Naquele instante, as tábuas do piso do corredor estalaram, bem perto de sua porta. Ela se sentou na cama bruscamente, o coração aos saltos, e pegou o revólver de cima da mesinha-de-cabeceira. Destravando-o, apontou-o para a porta.

Viu a maçaneta girar lentamente. Esperou, prendendo a respiração, o dedo firme no gatilho. A porta abriu-se.

Marc.

Soltando o ar dos pulmões, Melanie deixou a arma cair no colo.

— Quase me matou de susto — queixou-se.

— Psiu, fale baixo — ele murmurou, olhando para um lado e outro do corredor. Então, entrou e fechou a porta.

Dizendo a si mesma que era uma tola por achar que Hooker conseguiria entrar naquela casa sem ser percebido, ela travou o revólver e recolocou-o na mesinha.

— Pensei que o velho nunca mais fosse dormir — Marc cochichou, abeirando-se da cama e erguendo o lençol. — Chegue para lá.

— E eu pensei que você não ia vir — Melanie murmurou, quando ele abraçou-a, aconchegando-a ao seu corpo ternamente. — Que gostoso...

Quanto tempo fazia que Marc não a abraçava? Apenas pelo prazer do abraço, do carinho, sem outras intenções? Ele nunca me abraçou assim, ela pensou. Remexeu-se, ajeitando-se melhor, e as molas da cama gemeram.

— Fique quieta, ou acabará acordando o bicho-papão — Marc avisou.

Ela riu baixinho, acariciando-lhe o rosto.

— Eu não chamaria Sean de bicho-papão. Seu pai é um amor.

— Você diz isso porque não foi criada por ele.

— Eu trocaria minha mãe por seu pai, sem nem pensar. Marc deu uma risadinha.

— Não, obrigado.

Deslizando a mão do rosto dele para o peito, Melanie deli­ciou-se com o contato dos pêlos escuros sob seus dedos. Con­tinuou a carícia, descendo a mão sensualmente e encontrou um obstáculo inesperado, porque Marc, que sempre dormia nu, estava usando um calção.

Ele segurou-lhe a mão, quando ela quis introduzi-la sob o elástico da cintura.

— Pare com isso, Melanie...

Ela se debruçou sobre ele, beijando-o na boca longamente. Então afastou o rosto alguns milímetros e perguntou:

— Essa sua relutância tem algo a ver com meu estado? Desde que soube que estou grávida, vem me tratando com luvas de pelica.

Tornou a beijá-lo e gemeu quando ele, vencido, começou a acariciá-la entre as coxas.

— Podemos? — ele indagou em tom rouco.

— Claro, seu bobo. Posso fazer sexo até o fim da gravidez. Daquela vez foi ele que a beijou, e Melanie sentiu-lhe o desejo urgente.

Ela tirou a calcinha e a camiseta que vestira para dormir, e sorriu de prazer, quando ele beijou um dos seios e sugou o mamilo empinado e duro. Arqueou-se, querendo mais, quase gritando, quando ele a tocou no centro úmido de sua feminilidade, pressionando-o e excitando-o.

Por fim, Marc penetrou-a e os dois moveram-se em perfeita harmonia, no início devagar, então aumentando o ritmo, au­mentando, aumentando, até a explosão final, quando suas bocas se uniram, sufocando os gritos de êxtase.

Vários minutos depois, recuperados da deliciosa languidez que os dominara, abraçados na cama estreita, beijaram-se de leve, saciados e felizes.

— David me disse que vocês tiveram uma longa conversa na cozinha — Marc comentou baixinho.

— É verdade.

— E disse também que você não vai casar comigo. Melanie beijou-o suavemente na boca.

— Não vamos falar sobre isso agora, está bem? — pediu com voz sonolenta.

Se Marc disse mais alguma coisa, ela não ouviu, pois já adormecera.

Melanie acordou na manhã seguinte, ouvindo o pipilar de pássaros. Espreguiçou-se, sentindo-se deliciosamente saciada. Apalpou a cama, então percebeu que estava sozinha e imaginou a que horas Marc teria voltado para o quarto do irmão.

Levantou-se e foi até a janela, olhando para o céu ainda acinzentado, mas que se coloria lindamente no horizonte. A tranqüilidade da paisagem levou-a a uma reflexão sobre a situação em que se encontrava. Não haveria nenhum problema, se Marc a amasse. Ela seria a mulher mais feliz do mundo, casando-se com ele. Mas esse não era o caso. Quanto a Craig...

Melanie olhou para trás, para o relógio na mesinha de cabeceira. Seis horas. Seis horas do sábado, dia em que se casaria com Craig. Claro, o casamento podia ser adiado para quando Hooker fosse preso e ela não precisasse mais ficar escondida na casa dos McCoy. Mas não haveria casamento nenhum. Ela não podia usar Craig daquela forma e diria isso a ele, liberando-o do compromisso.

Com um suspiro, afastou-se da janela. Vestiu-se, arrumou a cama e deixou o quarto, indo para o banheiro no fim do corredor. Pouco depois, desceu a escada e saiu da casa pela porta lateral. Não viu Marc, que devia estar vigiando a casa, pois ele e os irmãos haviam dividido essa tarefa entre si, estabelecendo turnos. Bem, o que ela queria de fato era conversar com Sean.

Encontrou-o na cozinha, encostado na pia, tomando uma xícara de café.

— Dormiu bem, Melanie?

Ela corou, pensando nos momentos de paixão que compar­tilhara com Marc.

— Muito bem — respondeu. — Café fresco?

Pegou uma xícara do armário e serviu-se de um pouco da bebida quente, que exalava delicioso aroma. Um ou dois goles não fariam mal.

Não teve tempo de levar a xícara à boca, porque Sean tirou-a de suas mãos e jogou o conteúdo na pia.

— Você vai tomar leite — decretou.

— Mas estou com vontade de tomar um pouquinho de café — ela teimou.

Sean não disse nada. Apenas encheu uma tigelinha com flocos de milho e leite levou-a a mesa.

— Sente-se, coma e acabe as palavras cruzadas que eu estava fazendo.

Com um suspiro, Melanie sentou-se e pegou o lápis, olhando para a revistinha de palavras cruzadas aberta a sua frente.

— Bom dia — Mitch cumprimentou, entrando na cozinha. — Está com fome? Ah, flocos de milho são muito nutritivos.

— Nutritivos? Mesmo açucarados desse jeito? — Melanie brincou, levando uma colherada à boca.

Naquele instante, David entrou também, de jeans, sem ca­misa e todo despenteado.

— Oi, Melanie, veja o que guardei para você.

Abriu um antigo armário com porta de tela, de onde tirou uma banana grande e madura.

Com um sorriso, ela pegou a fruta e descascou-a.

— Muito gostosa — aprovou, depois de comer um pedaço. "Não vou aguentar ser o centro de toda essa atenção", pen­sou. "Será que eles pensam que não sei me cuidar?"

Mas, no fundo, sentia-se grata por ter sido aceita com tanto carinho.

— Vocês dois, querem me deixar a sós com Melanie? — Sean pediu, falando com Mitch e David.

Os dois irmãos sorriram pára Melanie e saíram da cozinha. Mais uma vez, ela se espantou com a capacidade de Sean de compreendê-la. Aquele homem sensível adivinhara que ela pre­cisava conversar com ele.

— Sean, você se lembra do que me disse, lá no hospital?

— Depende. A que você se refere? — ele indagou, ocupan­do-se em arrumar fatias de bacon numa enorme frigideira.

— Ao bebê, a minha decisão de tê-lo.

Ele se virou para ela, fitando-a com uma expressão compe­netrada nos olhos azuis.

— Lembro. Eu disse que achava que você devia se casar.

— Isso mesmo. Estava querendo dizer que eu devia me casar com Marc?

Após alguns instantes de silêncio, Sean respondeu:

— No princípio. Eu nunca vira meu menino tão desesperado. Ele me perturbou, dia e noite, até que concordei em ir vê-la no hospital, sem dizer quem era, como você sabe.

— Depois mudou de idéia?

— Fui mudando, à medida que conhecia você melhor. Depois, conheci Craig, um dia em que ele chegou quando eu estava lá, e achei-o um bom sujeito. Vi que seria um bom pai para seu filho.

Melanie encarou-o, surpresa.

— Mas meu filho é seu neto — observou. — Por que achou que seria melhor ele ter um pai que não é o verdadeiro?

— Meu primeiro neto — Sean murmurou em tom comovido. — Bem, Melanie, eu não fiz um bom trabalho, criando meus filhos. Achei que você tinha o direito de escolher quem criaria seu bebê.

Parou de falar por um momento, pigarreando, talvez para dominar a emoção.

— Estou contente, porque agora Marc sabe da criança e porque isso me dá a chance de fazer o papel de vovô. Se você permitir, claro.

— Claro que vou permitir — Melanie afirmou com voz em­bargada pelas lágrimas.

— Obrigado.

— Eu é que sou grata a você. Não apenas pelo que está fazendo por mim agora, mas também pelo que fez no hospital.

Ele apenas moveu a cabeça afirmativamente, olhando-a com ternura.

Marc viu Melanie no instante em que ela abriu a porta, e seu coração estremeceu de modo engraçado. Vê-la sair da casa onde ele crescera causou-lhe uma sensação estranha, entre agradável e triste.

Continuou sentado na pedra onde se posicionara para vigiar a casa, contendo o desejo de chamá-la. Podia não ser seguro. Pegou um graveto e começou a desenhar círculos na terra.

"Ela não me quer", pensou com um aperto no peito.

E não podia culpá-la por não querer casar-se com ele. Afinal, nunca houvera romantismo no relacionamento deles, Melanie nunca ouvira uma declaração de amor.

Amor. Lá estava aquela palavrinha de novo. O que ele entendia de amor? Claro, ele amava a família, mas, e quanto a Melanie? O que sofrera, enquanto ela estivera no hospital, seria sinal de que a amava? E depois, o inferno que fora sua vida, quando ele achara que a perdera? Seria instinto de posse? Seria amor?

Comprara um anel de noivado para ela, não comprara? Por quê? Ele não sabia. Talvez porque fosse o que Melanie quisesse, um símbolo de compromisso. Mas, se fosse só isso, ele não teria escolhido uma esmeralda, só porque era uma pedra verde, da cor dos olhos dela.

— Oi, bom dia.

Surpreso, ele ergueu os olhos e viu Melanie parada a sua frente, com uma caneca de café em uma das mãos. Pegou a caneca, murmurou um agradecimento e tomou um gole da be­bida ainda fumegante.

Ela se sentou ao lado dele na grande pedra chata. Ficaram em silêncio. Marc estava confuso com suas reflexões, e Melanie parecia constrangida, por algum motivo. Devia estar querendo lhe dizer, como dissera a David, que de fato não queria ser sua mulher, que continuava decidida a casar-se com Craig.

O dia de verão estava claro, mas um vento fresco começou a soprar, como que prenunciando chuva.

— Acho melhor você entrar — Marc disse. — Não quero que apanhe um resfriado.

— Sou capaz de cuidar de mim mesma — ela respondeu secamente.

Marc suspirou.

— Deixe-me tentar de novo. Meu turno acabou, e vou entrar. Você vai comigo, ou quer ficar aqui?

— Vou ficar aqui mais um pouco — respondeu Melanie, erguendo o queixo num gesto voluntarioso.

Ele deu de ombros.

— Faça o que achar melhor. — Levantou-se, então voltou a sentar-se. — Sabe, acho que você está certa em não querer se casar comigo. Na verdade sua idéia de casar-se com Craig é ótima. Vá em frente.

Atônita, Melanie observou-o.

— Desculpe, eu não queria falar desse jeito — ele explicou. — Mas você disse que ama Craig, e tenho certeza de que ele a ama. Quanto ao bebê... acho que posso participar da vida dele, não posso?

A mente de Melanie não queria aceitar o que ela estava ouvindo.

— Olhe, Marc...

— Está tudo bem. Não precisa me dar explicações. Eu fi­nalmente entendi suas razões para não me querer como marido. Não vou mais aborrecê-la.

Ele se levantou e começou a andar na direção da casa.

Por fim, ela reconheceu que não estava sonhando, que Marc realmente pronunciara aquelas palavras contundentes. Er­gueu-se de um salto e foi atrás dele.

— O que foi que você disse? Não pode dizer essas coisas e sair andando! Quero uma explicação — quase gritou, sentindo o coração dilacerado.

— O que há para explicar, Melanie? Você ama Craig. Não quero ser um obstáculo a sua felicidade.

Ela não sabia se batia nele ou desatava em lágrimas.

O som do motor de um carro rompeu o silêncio da manhã. Marc, num gesto rápido, tirou o revólver que levava na cintura e levou Melanie até a porta lateral da casa, apressadamente.

— Entre.

— Não. Eu...

— Não é hora de discutir, Melanie.

Ela olhou na direção de onde vinha o ruído de motor e viu um carro que lhe pareceu familiar, embora não pudesse ter certeza por causa da distância.

A porta abriu-se, Sean puxou-a para dentro, ao mesmo tempo em que Mitch e David entravam correndo na cozinha. Em seguida entrou Jake, abotoando a camisa. Era incrível a rapidez com que aqueles homens ficavam prontos para enfrentar uma situação de perigo.

— Agora você vai ficar aqui dentro, Melanie, em segurança — Sean declarou.

— Será que é Hooker? — ela conjeturou.

— Talvez sim, talvez não. Os meninos e eu vamos investigar e logo descobriremos. Você, vá para a sala.

Melanie obedeceu. Na sala, sentou-se em uma grande pol­trona, mas estava inquieta, de modo que se levantou para olhar pela janela.

— Não se mexa — uma voz masculina ordenou atrás dela.

O medo, como um rio gelado, inundou-a, paralisando-a. Ti­nha de ser Hooker. Como ele entrara? Por alguma janela do andar superior, provavelmente a do quarto de Marc, que ela não tivera o cuidado de fechar antes de descer.

E agora ela estava sozinha com o homem que queria matá-la, pois todos os McCoy tinham ido à procura dele, julgando-o do lado de fora.

Uma mão forte agarrou-a pelo braço e girou-a.

— Hooker... — ela murmurou.

— Não planejei fazer as coisas assim, Melanie. Você precisa entender isso.

Ele estava nervoso, pois a mão que segurava a arma tremia, e ela, com todo seu treinamento e sua experiência, sabia que um homem em pânico era o mais perigoso.

— Tentei falar com você por telefone — ele continuou. — Por que não quis falar comigo?

Melanie encarou-o, olhando-o nos olhos.

— Não havia mais nada a dizer, Hooker. Tudo já fora dito.

— Não! — Ele apontou a arma para o peito dela. — Você vai me ouvir! Precisa conhecer a verdade. Estou aqui para lhe dizer o que foi que realmente aconteceu naquela noite.

Fazendo uma pausa, ele enxugou o suor do rosto com a manga da camisa.

— Eu exigi que me deixassem falar com você naquela noite, mas você... você tinha levado um tiro — prosseguiu, e seus olhos assumiram uma expressão desesperada, suplicante. — Só você pode me ajudar, Melanie.

Ela sentiu um ridículo desejo de chorar. O destino estava sendo irônico demais. Seis homens, todos a serviço da lei e altamente treinados, haviam decidido protegê-la, mas estavam lá fora, e ela encontrava-se no único lugar desprotegido de toda a propriedade, à mercê de seu perseguidor.

Contendo-se, observou que a mão de Hooker tremia de modo tão violento, que havia o risco de o gatilho ser acionado, mesmo sem ele querer.

"Mantenha a calma", ordenou-se. "Mantenha a calma."

— Não fui eu, Melanie — ele disse me tom angustiado. — Sou inocente.

— Então, por que vem tentando me matar? — ela conseguiu perguntar, embora a garganta doesse, de tão apertada.

— Matar? Eu não quero matá-la, Melanie. Quero conversar com você — ele explicou, recuando um passo. — Por que ten­taria matá-la, se estou apenas querendo salvar minha pele?

Lá de fora veio o barulho de portas de carro batendo. Hooker virou a cabeça na direção da janela, então voltou a fitar Melanie.

— O que aconteceu naquela noite ainda é um borrão em minha mente — prosseguiu. — Num instante, eu estava ve­rificando o que provocara um barulho estranho, no outro, me vi no chão, com seu namorado em cima de mim, me segurando. Você não entende Melanie? Não fui eu, foi...

Como uma pantera saltando sobre a presa, ela jogou-se sobre Hooker, agarrando-lhe a mão e erguendo-a para desviar a arma, enquanto, com a perna esquerda batia atrás do joelho direito dele, ao mesmo tempo em que o empurrava para trás. Quando ele caiu, tirou-lhe a arma, então plantou um pé fir­memente em seu plexo solar, prendendo-o no chão.

Travou a arma, então permitiu-se um momento de regozijo pela vitória. Não, ela não perdera o jeito.

Hooker começou a lutar para livrar-se, e Melanie ergueu a arma para golpeá-lo na cabeça.

— Não fui eu! — ele insistiu. — Foi Roger!

O golpe acertou-o no lado da testa, no momento em que ele pronunciou a última palavra.

Melanie olhou para o homem inconsciente, que ela amarrara cuidadosamente com os cordões da cortina.

Foi Roger... Foi Roger... Foi Roger...

As palavras de Hooker repetiam-se em sua mente sem ces­sar, assim como as imagens daquela noite sinistra. Agora ela sabia por que razão sempre tivera a impressão de que algo não se encaixava na história que haviam lhe contado, ainda no hospital. Seu subconsciente dizia-lhe que havia algo errado, mas ela não compreendia o que poderia ser. De fato, existia uma informação que o choque de ter sido ferida apagara de sua mente.. O vulto que vira esgueirando-se pela janela do senador não era Hooker. Era o parceiro dele, Roger Westfield.

E Roger, agora, era parceiro de Marc!

— Melanie, querida! Eu sei que você está aí. Vamos embora, menina travessa.

O coração de Melanie disparou, tamanha foi sua surpresa, quando ela ouviu a voz da mãe soando na cozinha. Que hora Wanda escolhera para aparecer!

Examinando os cordões que amarravam os pés e as mãos de Hooker, Melanie foi para a cozinha.

— Ah, você está aí! — a mãe exclamou ao vê-la.

Os seis homens McCoy cercaram Melanie, como para protege-la do grupo formado por Wanda, Craig e dois policiais.

Craig. Cheia de sentimento de culpa, Melanie encarou-o e viu que não havia raiva nos olhos dele, mas uma expressão de profundo alívio. Craig sorriu-lhe, então, e ela soube que não perdera seu melhor amigo.

Um movimento abaixo dela chamou-lhe a atenção. O são bernardo de Mitch, Goliah, corria com seu buquê de noiva na boca! Wanda, gritando como louca, correu atrás do cachorro e tentou arrancar-lhe o buquê, mas só conseguiu destruir algu­mas rosas, e as pétalas de seda branca espalharam-se no piso de ladrilhos. Craig tentou ajudar, mas foi inútil. Levando seu "troféu", Goliah disparou para a porta que dava para o quintal e desapareceu.

Melanie ouviu algumas risadinhas abafadas atrás dela, quando a mãe encarou-a, muito vermelha e com mechas de cabelo escapando do coque meio desmanchado.

— Quero que me explique já o que está acontecendo aqui!— Wanda exigiu.

— Eu...

— Passei três dias quase morrendo de preocupação...

— Mamãe, eu...

— Não tive um minuto de paz, desde que esse sem-vergonha raptou você, lá no hotel!

— Marc não é...

— E o coitado do Craig não saiu de junto de mim e de Joanie, compartilhando de nossa aflição.

— Mãe...

Wanda virou-se para Marc e, apontando para ele, ordenou:

— Prendam esse homem! Foi ele que raptou minha filha.

— Vocês só tocarão em um de meus filhos, se passarem por cima do meu cadáver! — Sean declarou no tom imperioso de um general.

A mãe de Melanie manteve-se calada. Calada! Sean conse­guira o que parecia impossível: Sufocar a personalidade indo­mável de Wanda.

Depois de longos instantes, ela recuperou a voz e disse em tom suave:

— Você vai se casar dentro de três horas Melanie. Eu trouxe...

— Melanie não vai a parte alguma até Hooker ser preso. — Marc manifestou-se.

— Será que vocês todos podem calar a boca e me ouvir? — Melanie gritou, perdendo a paciência.

O silêncio foi total e instantâneo.

— Mamãe, sinto muito tê-la preocupado, mas agora está tudo bem. E ninguém vai ser preso.

Contou, então, por que Marc a seqüestrara, enfatizando que ele só quisera protegê-la.

— E enquanto vocês todos estavam lá fora, protegendo-me de minha mãe e de meu... noivo, Hooker estava aqui dentro — concluiu, deliciando-se com o assombro que viu nos rostos a sua volta. — E continua aqui dentro, na sala, amarrado.

— O quê?! — Marc exclamou, enquanto os irmãos e o pai corriam para a sala.

— Derrubei e amarrei Hooker — ela confirmou, decidindo que tinha de acertar outras coisas, antes de contar que Roger Westfield era o verdadeiro culpado. Hesitou um momento, então perguntou: — Você falou sério, quando conversamos, agora de manhã? Quero dizer, sobre meu casamento?

Esperou uma reação, algum sinal, um gesto, uma palavra de Marc, mas não houve nada. E ela nunca precisara tanto como naquele momento, saber o que ele pensava.

— Melanie, detesto interromper, mas...

— Cale-se, mamãe.

Wanda olhou-a com expressão horrorizada e marchou para fora da cozinha, acompanhada dos policiais e de Craig.

— Nunca falei tão sério em toda minha vida — Marc res­pondeu por fim. — Desejo que você e Craig sejam muito felizes.

— Também desejo — ela murmurou, sentindo um doloroso aperto no coração. — Só que Craig e eu não vamos nos casar.

Marc olhou-a como se ela houvesse perdido o juízo, mas não disse nada.

— Mais uma coisa — Melanie continuou, engolindo as lá­grimas. — Não foi Hooker que atirou em mim, mas seu parceiro, Roger Westfield.

 

Profundamente triste e desanimada. Essa era melhor maneira de descrever como Melanie se sentia naquele momento. Depois de tudo o que acontecera, parecia um absurdo ela estar na sacristia da igreja, fingindo que se preparava para casar-se com Craig. Tanto desperdício! Joanie perdera tempo, e muito dinheiro fora gasto nos prepa­rativos para a cerimônia e a recepção. Era uma pena, mas não havia nada a fazer, a não ser seguir os planos traçados e fingir que tudo seguia seu curso normal.

Ela não teria Craig como marido, mas, pelo menos, ele con­tinuaria a ser seu amigo. Os dois haviam conversado, no ca­minho de volta para Bedford, e quando ela lhe dissera que não haveria casamento, ele admitira que não ficara desapon­tado, nem magoado ou com o orgulho ferido, como ficaria se estivesse apaixonado, o que não era o caso.

Quanto a Marc, o que ele fizera fora algo incrível, pois pra­ticamente lhe ordenara que se casasse com Craig, pedindo ape­nas o direito de participar da vida do filho que ia nascer. E aquilo despedaçara o coração de Melanie. Ela o amava, sempre amaria, mas era um amor sem esperança.

Uma batida na porta arrancou-a de seus pensamentos melancólicos.

— Sou eu — a mãe anunciou, entrando e fechando a porta. — Como está se sentindo?

— Bem — mentiu.

Wanda ajeitou o coque, então pousou a mão no ombro dela.

— Você está linda, querida.

"Estou ouvindo direito?", Melanie perguntou-se. "Mamãe me elogiou? Não encontrou nenhum defeito?"

— O que foi que disse, mãe?

— Que você está linda — Wanda repetiu com um sorriso. — Sempre achei você muito bonita, embora não tenha dito isso com a freqüência que deveria.

Fazendo uma pausa, bateu a mão na saia do vestido de noiva, alisando alguma ruga invisível.

— Eu gostaria que sua vida tivesse seguido um rumo dife­rente da minha — confidenciou.

Melanie virou-se para olhá-la, surpresa. Não era possível que sua mãe estivesse pensando o que ela achava que estava. Wanda teria casado grávida? Não, ela não podia estar querendo dizer isso. Não sabia da gravidez de Melanie. Ou sabia?

— Está tentando me contar alguma coisa, mamãe? Wanda puxou uma cadeira próxima e sentou-se. Mas con­tinuou calada.

— Mãe?

— Você se lembra da pergunta que me fez? — A mulher indagou, abrindo a bolsa e tirando alguns papéis de dentro.

— Que pergunta?

— Aquela que me fez, no banheiro do hotel, na noite do jantar. Parece mentira que faz apenas dois dias. Parece que foi há uma eternidade. Bem, você me perguntou se eu amava seu pai.

— É, eu perguntei.

— Eu o amava, sim. Mais do que minha própria vida. Melanie observou-a. Se nunca a ouvira xingar o falecido marido abertamente, muitas vezes ouvira suas reclamações contra ele.

Wanda entregou-lhe os papéis e desviou o olhar para o es­pelho na parede.

— Eu sei que você está grávida, Melanie. Ouvi uma das conversas que teve com Sean, no hospital. — Corou, visivel­mente embaraçada. — Eu estava voltando da cantina, quando ele entrou no quarto. Bem, ouvi atrás da porta, mas não é disso que quero falar.

— Você também estava grávida, quando se casou com papai, não é?

— Estava — a mãe confirmou. — Ninguém sabia. Naquele tempo, uma moça solteira engravidar era uma vergonha.

Imaginando o que ela sofrera com tal situação, Melanie enterneceu-se.

— Oh, mamãe, sinto muito.

— De qualquer maneira, quero que você saiba que sempre a considerei fruto de um milagre, não de um acidente. Eu amava seu pai demais, e isso me tornou infeliz. Achava que ele não me amava como eu o amava, que não me dava o apoio emocional de que eu precisava. E quando morreu, revoltei-me contra o que julguei uma deserção.

— O que está querendo me dizer, mamãe?

— Que vi você trilhando o mesmo caminho, com aquele homem, Marc McCoy, e que tive de intervir.

Melanie absorveu as palavras, tentando captar seu verda­deiro sentido.

— Você... você provocou nosso rompimento, mãe? — per­guntou por fim.

— Não provoquei nada, menina. Tudo estava acontecendo naturalmente. Só precisei dar um empurrãozinho.

Melanie começou a andar de um lado para o outro, pensativa. Não acreditara, quando Marc lhe dissera que Wanda não o deixara aproximar-se dela, durante sua convalescença. Não acreditara. Pensara que a mãe não tinha motivo para querer separá-los, apesar de deixar claro que não gostava de Marc. Mas esse motivo existia. Wanda queria protegê-la do sofrimento que conhecera em seu próprio casamento. Certamente percebera que Marc não lhe dava o mesmo amor que ela dedicava a ele.

Isso explicava muita coisa, mas não mudava nada. A triste verdade era que a mãe tinha razão. Se ela se casasse com Marc, sabendo que não tinha seu amor, sua vida se transfor­maria num inferno.

Melanie examinou os papéis em sua mão. Bilhetes de Marc. Não se daria ao trabalho de lê-los. Para quê? Guardou-os na bolsa que deixara sobre uma pequena mesa ao lado da porta.

— Acho melhor voltar para junto dos outros — Wanda co­mentou, levantando-se. — Desculpe se a perturbei, mas eu queria que você soubesse.

Saiu da sacristia, e Melanie ficou parada perto da mesa, olhan­do para o vazio. Instantes depois, bateram novamente à porta.

— Entre — ela murmurou. Daquela vez era Craig.

Melanie fitou-o através das lágrimas que lhe nublavam os olhos.

— Eu amo Marc — declarou, atirando-se nos braços do amigo em busca de consolo.

Marc, sentado no banco de trás de uma caminhonete de cabine dupla, olhava fixamente para a igreja, no outro lado da rua. Bedford. A cidadezinha limpa, com suas ruas bem tra­çadas e casas perfeitamente conservadas, era tranqüila, não conhecia o tumulto e violência das grandes cidades. Parecia incrível que um lugar tão pacato houvesse produzido uma pes­soa com vocação para um trabalho tão estressante e arriscado quanto o de agente secreto, principalmente sendo essa pessoa uma mulher. Melanie, porém, era sempre surpreendente.

Tenso, massageou a nuca. Quando pensara que tudo se aco­modara, ela mudara as regras e decidira não se casar com Craig. Sentira-se aliviado, mas não completamente satisfeito, porque Melanie também não queria casar-se com ele.

Observando um convidado que entrava na igreja apressado, Marc falou pelo intercomunicador, pedindo ao policial a pai­sana, que aguardava suas ordens dentro do templo, que acom­panhasse o homem até a sala dos fundos, onde todos os con­vidados esperavam pelo momento da cerimônia.

Ele e Melanie, depois de interrogar Hooker, quando o homem recobrara a consciência, e de entregá-lo à polícia federal, sob a guarda da qual ele ficaria até a audiência, na segunda-feira, haviam decidido que ninguém deveria desconfiar que não haveria casamento. Claro que os convidados achariam estranho o fato de serem levados para aquela sala, em vez de acomodarem-se nos bancos da igreja, como de costume. Mas era assim que tinha de ser. Não fora fácil, contudo Marc e seus irmãos haviam reunido um grande grupo de policiais para ocupar os bancos, fazendo-se passar por convidados. Todos armados até os dentes. Prontos para dominar o atirador num piscar de olhos.

— Você é louco varrido, sabia? — Mitch comentou. Distraído como estava, tentando ver Melanie, nem que fosse de relance, Marc esquecera completamente que o irmão e dois especialistas em vigilância estavam com ele na caminhonete.

— O quê?

— Você é louco — o irmão repetiu, rindo.

— Tem alguma coisa me perturbando — Marc comentou num resmungo. — Não sei o que é.

— Eu sei — Mitch afirmou. — Saber que sua namorada está na mira de um assassino é motivo mais do que suficiente para perturbação.

Marc olhou-o, carrancudo.

— Não é isso. Bem, isso também, mas há algo mais.

— O que acha que é?

— Sei lá — respondeu Marc.

Viu uma menininha de uns seis anos, usando um vestido cor-de-rosa, que subia a escada da igreja de mãos dadas com um homem que devia ser seu pai.

Sentiu um nó na garganta, pensando que dentro de alguns anos poderia ter uma garotinha como aquela. Ou um menino. Como seria a experiência de ser pai? Não um pai de fins de semana, mas um pai sempre presente, que acompanhasse o desenvolvimento do filho, dia por dia?

— Estive pensando uma coisa, Mitch — ele prosseguiu. — O tempo todo, Hooker afirmou que é inocente.

— Não se sinta mal por isso. Você sabe o que nosso pai diz.

— Sei. "Todo culpado alega inocência porque não tem nada a perder." — Marc recitou, coçando o queixo. — Tudo bem, mas fiz a academia com Hooker, e ele nunca mostrou qualquer tipo de desvio de comportamento.

— As aparências muitas vezes enganam — observou Mitch.

— Mesmo assim, eu não devia ter acreditado tão comple­tamente na culpa dele — Marc insistiu.

Pensou nos exames de balística pelos quais o revólver de Hooker passara. Todos os resultados haviam sido negativos. Mas os depoimentos dele e de Melanie haviam pesado mais. Afinal, eles haviam testemunhado o que acontecera. Se hou­vessem examinado a arma de Roger Westfield...

— Inferno! — praguejou, abrindo a porta da caminhonete impetuosamente.

Mitch segurou-o pela manga da camisa.

— Aonde você vai?

— O assassino já entrou na igreja — Marc respondeu. Livrou-se da mão do irmão e atravessou a rua correndo.

Com um gesto de cabeça, Melanie cumprimentou os policiais disfarçados que guardavam a escada para a galeria e subiu os degraus apressadamente para ver a falsa noiva percorrer a nave central com o rosto escondido por um véu espesso.

Segurando o revólver, abaixou-se atrás da grade da galeria ao longo da parte traseira da igreja, tão perto do órgão, que achou que ia ficar surda com o som da marcha nupcial. O coração batia forte em seu peito, quando ela observou os bancos cheios, lá embaixo.

Não entendia como Marc conseguira armar tudo aquilo. Re­correra aos colegas dos irmãos e do pai e a alguns investiga­dores, pois não poderia convocar os homens do serviço secreto, todos conhecidos de Roger Westfield.

Como já era tarde demais para cancelar o casamento, sem falar que, se cancelassem não seria possível montar aquela armadilha, os verdadeiros convidados haviam sido levados para uma sala nos fundos da igreja, onde estariam em segurança. Melanie imaginou o que eles estariam pensando, pois nenhuma explicação lhes fora dada.

A "noiva" chegou aos degraus do altar e começou a subi-los para colocar-se ao lado de um homem que se parecia incrivel­mente com Craig. Apesar da terrível situação, Melanie não pôde deixar de sorrir ao ver a noiva pisar no vestido e puxá-lo para cima com um safanão nada feminino.

O organista acabou de tocar a Marcha Nupcial com um acorde triunfante e deixou a galeria, de acordo com as instruções que recebera. Melanie recuou, escondendo-se entre a parede e o órgão, desejando não estar usando aquele incômodo vestido de noiva. Mas não pudera trocar de roupa, pois a mãe pusera seu jeans e a camiseta numa sacola que ela não conseguira encontrar.

De súbito, ouviu um ruído muito leve no outro lado do órgão. Com toda a cautela, espiou pelo canto do instrumento e viu um homem de cabelos escuros, segurando um rifle e parado junto à banqueta que o organista deixara momentos antes.

Roger.

Movendo-se silenciosamente, ela recuou ainda mais para esconder-se na sombra do órgão. Sentiu que as palmas das mãos estavam úmidas. Nervosismo. Isso não era nada bom.

Marc entrou correndo na igreja e parou, examinando os fal­sos convidados que via apenas pelas costas. Certificando-se de que Roger não se encontrava entre eles, recuou um pouco. O padre, também falso, falava suavemente, fingindo estar casan­do o par diante do altar. Segurando o revólver junto ao peito, Marc enxugou o suor da testa com as costas da outra mão.

Seu instinto dizia-lhe que Roger estava lá dentro, em algum lugar. A captura de Hooker não fora divulgada, de maneira que o miserável acreditava-se em segurança para levar adiante seu plano de eliminar Melanie e, conseqüentemente, qualquer possibilidade de ela lembrar-se do que realmente acontecera naquela noite, três meses atrás.

Hooker, submetido a um rápido interrogatório, na sala da casa dos McCoy, contara que fora Roger, não ele, que atentara contra a vida do senador. E Marc xingara-se de burro por não ter desconfiado de nenhuma falcatrua, quando Roger começara a gastar muito mais do que seria possível para um agente secreto, comprando aquele carro esporte, uma lancha, ternos italianos e freqüentando lugares caros. Agora, era óbvio que alguém o pagara para matar o senador, um dos candidatos à presidência da república. Algum fanático, provavelmente.

Andando para a lateral da igreja, Marc continuou refletindo. Na noite do atentado, Roger devia ter nocauteado Hooker e, quando Melanie aparecera, atirara nela. O que Hooker teria sentido, ao voltar a si e ver-se estendido na grama, com Marc e Roger, seu próprio parceiro, em cima dele, acusando-o de ter tentado matar o senador?

Então, convicta de sua culpa, Melanie recusara-se a falar com ele. Mas a sorte de Roger acabara. Usando sua habilidade de agente, Hooker fugira ao ser levado da prisão para o tri­bunal. E acabara por chegar até Melanie, ludibriando a vigi­lância de Marc e seus irmãos, o que significava que ele era, de fato, muito bom. Mas havia um problema. Todo mundo sabia que Hooker queria matar Melanie, e quando ela fosse assassinada, ele levaria a culpa. O plano de Roger era muito simples e poderia ter sido executado com sucesso, se Hooker ainda estivesse à solta. Marc arrepiou-se ao pensar que, apesar de tudo, Melanie ainda corria perigo.

O suposto padre ergueu a voz, chamando a atenção dele para o que se passava lá na frente. Assim, de longe, ninguém diria que o noivo não era Craig, e que a moça envolta num nuvem de tecido não era Melanie.

— Se alguém tiver algo contra este casamento, que fale agora, ou cale-se para sempre — o homem no altar entoou em tom pomposo.

Ninguém se manifestou, naturalmente.

Marc observou o falso noivo erguer com relutância o véu de Jake, que fazia o papel de noiva. A cena ridícula o faria rir às gargalhadas, se o momento não fosse tão grave.

Roger tinha de acreditar que o Jake travestido era Melanie, do contrário o plano todo iria por água abaixo.

Ansioso, Marc deu alguns passos para a frente, observando os "convidados" novamente. Olhou para cima e gelou ao ver Roger agachado atrás da grade da galeria, apontando o rifle para Jake.

Deus do céu, onde está Melanie?, perguntou mentalmente.

— No chão todo mundo! — gritou, ao notar que Roger pre­parava-se para atirar.

Apontou sua arma para ele, enquanto os policiais, o falso padre e os supostos noivos posicionavam-se rapidamente, usando os bancos como escudos e sacando as armas. Os homens destravaram os revólveres e rifles, e o ruído metálico encheu a igreja.

Roger apertou o gatilho no momento em que Melanie surgiu a seu lado e bateu-lhe no pulso com o revólver. A bala cravou-se inofensivamente numa coluna ornamental de gesso.

Com o sangue martelando em seus ouvidos, Marc pensou em tudo o que acontecera nos últimos três meses. Melanie fora ferida por um tiro, depois perseguida por alguém que desejava matá-la, ele descobrira que ia ser pai... Sentiu que o revólver ficara leve em suas mãos, que sua visão do alvo tornara-se notavelmente clara. Apertou o gatilho.

Tudo parecia estar acontecendo em câmara lenta. A bala acer­tou Roger no ombro, o rifle escapou de suas mãos, caindo no piso de mármore, aos pés de Marc. Roger endireitou-se e oscilou, in­clinando-se precariamente sobre a grade. Melanie segurou-o pela parte de trás do colarinho para impedi-lo de cair. Roger agarrou-a. A grade rangeu. O coração de Marc quase parou.

Melanie! Ele gritou mentalmente, incapaz de emitir um úni­co som.

Então, de repente, Roger não estava mais inclinado sobre a grade, e Melanie olhava para Marc, lá embaixo.

— Nós o pegamos — ela anunciou.

Parado junto de Melanie na escada externa da igreja, Marc refletiu que havia algo de surrealista em tudo o que os rodeava. Por alguma estranha razão, parecia que as cores haviam se tornado muito mais brilhantes, que os pássaros trinavam mais alto, que o ar tinha um perfume incrivelmente delicioso. E a decisão que havia tomado, ao ver Melanie sã e salva, parecia-lhe a mais certa de todas as que já tomara na vida.

Afastou-se para um lado, quando os paramédicos, escoltados por vários policiais, saíram da igreja carregando Roger em uma maca, algemado.

— Como você soube que era eu? — o prisioneiro perguntou ao passar por ele.

— Pergunte a Hooker — respondeu Marc.

Enquanto os convidados, falsos e verdadeiros, observavam os paramédicos levar a maca para a ambulância, ele olhou para Melanie e comentou:

— Bonita cerimônia.

— Inesquecível — ela concordou com um sorriso largo.

— Acredito que a cidade falará disso durante anos. A pró­xima geração ouvirá essa história muitas vezes.

Marc notou, pela expressão de Melanie, que ela entendera que ele fizera uma alusão a seu bebê, um cidadão da nova geração. E, por mais que tentasse, não conseguia desviar o olhar daqueles magníficos olhos verdes. O que queria, naquele momento, era jogá-la sobre ombro e raptá-la de novo. Não porque houvesse um louco à solta, querendo matá-la, ou porque ela ia ter um filho seu, mas porque a amava mais do que qualquer outra coisa no mundo.

Ele a amava.

Surpreendera-se ao descobrir essa verdade, mas não demais. No íntimo, já devia saber disso havia muito tempo, mas sua mente ainda não registrará o fato. Como Melanie dissera-lhe tantas vezes, "ele demorava a entender, quando se tratava de assuntos do coração".

Com um sorriso, observou Jake passar por eles em compa­nhia de Wanda, que lhe passava um sermão por ele ter rasgado o vestido de noiva emprestado pela loja de Joanie.

— Nunca usei vestido — o mais quieto dos McCoy defen­deu-se. — Muito menos uma coisa comprida dessas.

Marc riu, então pigarreou, dizendo a Melanie:

— Acha que os convidados ficaram muito desapontados por não ver você e Craig casados?

Ela o fitou, e os olhos verdes cintilaram à luz do meio-dia.

— Acho que não muito — respondeu, olhando para Craig que estava a alguma distância, com Joanie e os pais dele. — E como ainda vamos oferecer a recepção, eles logo vão esquecer o desapontamento, comendo e bebendo.

Marc observou-lhe o rosto, traço por traço.

— E você, onde fica nisso tudo? — perguntou.

Ela olhou para as portas da igreja e deu de ombros, mais bonita que nunca, usando aquele vestido de noiva, embora houvesse tirado o véu.

— Acho que fico na posição de mãe solteira — respondeu.

— E eu, na posição de pai solteiro — ele comentou. — É uma pena, considerando que nos damos tão bem, em tantas coisas.

— Não adianta insistir, Marc. Não vou me casar com você.

— Por que não?

— Você sabe.

— Acha que eu quero me casar com você só por causa do bebê, não é?

Melanie olhou para uma mulher que se esticava toda para o lado deles, querendo ouvir a conversa.

— Algo assim — respondeu baixinho.

— Se não quer casar, podemos, pelo menos, morar juntos, vivendo em pecado — Marc comentou com um sorriso malicioso.

A risada de Melanie chamou a atenção de várias pessoas, que se viraram para olhá-la.

— Viver em pecado, essa é boa! — ela exclamou.

— Aceito qualquer coisa para ficar com você.

Sorrindo, ela fez menção de se afastar, e Marc segurou-a pelo braço.

— Alguma vez eu lhe disse como adoro seu sorriso? — ele perguntou.

— Não. Na verdade, você nunca disse que adorava alguma coisa em mim — Melanie respondeu com tristeza na voz.

— Estou dizendo agora.

Ela o fitou de modo perscrutador por um momento.

— Bem, acho que a diversão aqui acabou — disse, mudando de assunto. — Vou para casa, tomar um bom banho e trocar de roupa para participar da festa.

Desceu um degrau e, então, virou-se para trás, parecendo hesitante.

— Eu... eu manterei você informado a respeito das coisas. Quero dizer, a respeito do bebê.

Marc exibiu um de seus sorrisos mais amplos.

— Com certeza, Melanie. Estarei sempre em contato.

 

Duas semanas passaram-se, e Marc não foi vi­sitar Melanie, nem telefonou, apesar da pro­messa que fizera, de manter contato.

Uma tarde, sentada no balanço da varanda, onde soprava uma brisa fresca, ela refletia sobre as surpresas da vida. Era incrível como as coisas aconteciam diante dos olhos das pessoas, sem que elas notassem.

Fazia vinte e cinco anos que ela, Joanie e Craig eram in­separáveis. E durante esse tempo todo, Melanie nunca perce­bera que a irmã e seu melhor amigo estavam apaixonados um pelo outro. Essa verdade fora revelada graças à história de seu sequestro e do casamento cancelado. Durante os dias em que Marc a mantivera cativa, Craig ficara fazendo companhia a sua mãe e à irmã, e essa convivência prolongada criara uma atmosfera mais do que propícia para o amor dos dois jovens. Wanda presenciara tudo, notando como a paixão secreta de Craig e Joanie explodia, e ficara apavorada, mas depois que tudo se esclarecera, dissera que estava muito feliz. Afinal, o querido Craig seria seu genro, embora não através de Melanie.

Atmosfera propícia para o amor. Uma beleza, mas que nem sempre funcionava. Seu relacionamento tórrido com Marc não criara nada parecido, pelo menos no que se referia a ele.

Com um suspiro, Melanie acariciou o ventre, que crescera visivelmente naqueles quinze dias. No meio do tumulto dos preparativos para o casamento de Joanie e Craig, ela conseguia encontrar tempo para isolar-se e fazer planos para o bebê, o que a ajudava a ignorar a saudade que sentia de Marc. Por que ele não ligava, não ia vê-la? Cada vez que o telefone tocava, ela corria para atender e decepcionava-se quando constatava que não fora Marc que ligara. Ficava horas na varanda, olhando cada carro que passava, na esperança de ver o jipe dele. Mas, apesar disso, sentia-se em paz, porque aceitara a idéia de ser mãe solteira, sabendo que seu filho receberia dela, de Wanda, Joanie e Craig, todo o amor de que precisasse.

Pedira demissão do serviço secreto e estava fazendo planos para trabalhar por conta própria, como consultora de segurança. A vida era boa, afinal. Ela poderia julgar-se totalmente feliz, se não fosse a dor que a ausência de Marc lhe causava e que a fazia chorar todas as noites, quando a casa mergulhava em si­lêncio. Mas isso também passaria. Se Marc não queria acompa­nhar a gravidez, se não queria participar da alegria de...

Um movimento sob sua mão desviou seus pensamentos. O bebê mexera-se. Daquela vez não podia haver dúvida nenhuma. Seu filho estava se movendo dentro dela. Lágrimas de emoção subiram-lhe aos olhos.

— Melanie?

Ela ergueu a cabeça e viu Sean, que subia a escadinha da varanda. Não se surpreendeu. Sabia que um dia ele iria visitá-la.

— Venha, sente-se — ela convidou, apontando para uma poltrona de vime a seu lado. — Senti o bebê mexer-se, pela primeira vez.

Sean aproximou-se, sentou-se e, com alguma hesitação, virou-se para ela, espalmando a mão em sua barriga arredon­dada. Melanie sorriu e pôs a mão sobre a dele, aumentando a pressão sobre o local onde sentira o movimento do bebê.

Ficaram assim durante longos momentos, e nada aconteceu. Ela começou a desanimar, então, de repente, sorriu, radiante.

— Aqui! — exclamou, movendo a mão de Sean mais para cima. — Sentiu?

Ele riu baixinho, e Melanie, vendo sua expressão comovida e orgulhosa, foi invadida por nova onda de emoção.

— Acho que aí vem outro menino McCoy — Sean comentou, retirando a mão e endireitando-se na poltrona.

Parecia estar evitando fitar Melanie nos olhos, e ela preocupou-se.

— Aconteceu alguma coisa, Sean? Marc está bem? Sean olhou-a, então, com um leve sorriso.

— Está bem, sim, mas nervoso como o diabo. — Corou, obviamente envergonhado por ter usado uma expressão pesada. — Desculpe.

Melanie riu.

— Por ter dito "diabo"? Ninguém mais liga para isso — ela assegurou, ficando séria e olhando o homem atentamente. — Marc está nervoso? Por quê?

— Oi, Melanie — uma outra voz masculina soou na direção da escada da varanda, impedindo Sean de responder.

Ela reconheceria aquela voz em qualquer lugar, mesmo que ficasse cem anos sem ouvi-la. Virando a cabeça lentamente, experimentou uma sensação não muito diferente daquela que experimentara ao sentir o bebê mover-se.

Lá estava ele. Marc. Parado no alto da escadinha, apoiado na coluna envolta por uma trepadeira florida que subia até o teto, parecendo estar com medo de entrar. Maravilhoso, mais lindo do que nunca, com uma expressão tímida nos olhos cinzentos.

Melanie levantou-se do balanço, e Sean estendeu a mão, segurando-a pelo cotovelo para ajudá-la.

— Obrigada — ela agradeceu sorrindo.

— Espero que minha visita não a tenha aborrecido — o senhor disse.                                                          

— Não, claro que não! Venha sempre que quiser. Eu gosto muito de você, Sean.— Olhando para Marc, ela o viu parado no mesmo lugar. — Por que não entra? Vou buscar um refresco para vocês.

Marc entrou na varanda, finalmente, e Melanie caminhou até a porta que levava ao interior da casa.

— Vamos para a sala — convidou. — Lá é bem fresco, a esta hora.

Entrou, e os dois acompanharam-na. Deixando-os na sala de estar, ela foi para a cozinha, buscar o refresco de framboesa que Wanda não deixava faltar na geladeira. Precisava ficar um pouco sozinha para acalmar a agitação que a dominara quando Marc aparecera tão repentinamente.

Mas a mãe estava na cozinha, pondo uma jarra de refresco, dois copos e um prato de biscoitos em uma bandeja.

— Deixe que eu levo. — Wanda ofereceu-se. — Vamos. Era claro que havia visto Marc e Sean na varanda.

Ela não perde a mania de espiar pela fresta da cortina, pensou Melanie, irritada ao ver frustrado seu desejo de um pouco de solidão.

Sem outra alternativa, foi para a sala, e a mãe seguiu-a.

— Melanie, querida, me ajude a tirar o plástico do sofá, sim? — Wanda pediu, vendo que Marc e Sean continuavam de pé. — Você sabe que costumo tirar, quando recebo visitas.

Melanie olhou para Marc, e os dois trocaram um breve sor­riso. A mãe dela nunca tirava o plástico, a não ser para trocá-lo por um novo.

— Claro, mamãe. Não sei onde eu estava com a cabeça — Melanie respondeu, entrando na encenação.

Os forros de plástico foram retirados do sofá e das poltronas, e ela levou-os para a sala de jantar, voltando em seguida. Sentou-se na poltrona perto da lareira, que agora, no verão, exibia vasos com lindas folhagens, imaginando o que Marc queria. Por que ele não fora à casa dela sozinho? Era evidente que Sean o acompanhara.

Estaria achando que ela lhe negaria o direito de visitar o bebê, quebrando o acordo que haviam feito? Teria levado o pai para que ele o ajudasse a fazê-la mudar de idéia, se esse fosse o caso?

Wanda falava sem parar. Contou aos dois homens tudo o que acontecera depois da captura de Roger, elogiou os filhos de Sean, dizendo que eles formavam um "lindo bando de me­ninos", contou que Joanie e Craig iam se casar.

Parecendo não prestar atenção àquela tagarelice, Marc olhou para Melanie e sorriu. Ela sorriu de volta, sentindo-se inex­plicavelmente acanhada.

— Posso falar com você a sós? — ele perguntou, apontando na direção da porta que se abria para a varanda.

— Hã... claro — ela concordou, levantando-se. — Mas acho melhor irmos para o quintal. Já demos muito material de fofoca para o povo da cidade.

Wanda e Sean pareceram não ver os dois saindo, porque ele começara a contar que Mitch fora abandonado no altar, alguns anos atrás, e ela olhava para ele interessada, dando-lhe toda a atenção.

Guiando Marc através da casa e pelo gramado dos fundos, Melanie levou-o até um caramanchão coberto de hera e sus­tentado por colunas brancas. Dentro, uma mesinha e cadeiras de ferro trabalhado, também brancas, tornavam o lugar acon­chegante. E romântico.

Ficaram em pé, a uma certa distância um do outro. Melanie hesitava em encarar Marc, porque sofria só de olhar para o rosto bonito que tanto amava.

Seria muito melhor nunca mais vê-lo, ela pensou. Talvez, assim, um dia eu o esquecesse.

Sabia que estava tentando enganar-se, que amaria aquele homem para sempre.

Olhou-o disfarçadamente e só então notou que ele usava uma camiseta amarela e que não vestira o eterno colete preto que servia para ocultar a arma que sempre carregava consigo.

Por fim, fitou-o no rosto.

— Marc... hã... eu... eu quero que você saiba que vou permitir que participe da vida de nosso filho, tanto quanto quiser.

O esboço de um sorriso apareceu nos lábios másculos.

— Acha que pensei que não permitiria, que foi por isso que vim aqui?

— Admito que pensei isso, sim — respondeu Melanie. — Achei que veio com Sean para que ele o ajudasse a me convencer a manter nosso acordo sobre o bebê.

— Trouxe meu pai porque ele quis vir junto — Marc escla­receu com uma risadinha. — Se soubesse que aquele danado lidaria tão bem com sua mãe, eu o teria trazido, quando vim aqui, três meses atrás.

Franzindo a testa, Melanie tentou compreender. Três meses atrás? Então entendeu. Ela saíra do hospital, e Marc fora a sua casa para vê-la, mas Wanda não permitira.

Inconscientemente, pousou a mão na barriga, e ele acom­panhou o gesto com o olhar.

— É verdade? É verdade que ele se mexeu, e você e meu pai sentiram?

— Ele, ou ela — Melanie lembrou-o com um sorriso largo. — E verdade, sim.

— Ele ou ela ainda está se mexendo? — Marc perguntou em tom suave.

Um nó de emoção bloqueou a garganta de Melanie, mas ela não estava certa de que seria boa idéia deixar que ele a tocasse.

— Quer... quer pôr a mão? — acabou por oferecer.

Marc não hesitou. Abriu a mão enorme sobre a barriga que abrigava seu filho.

"Vamos, bebê", mostre a seu papai que você já se move, ela pediu em pensamento.

Guiou a mão de Marc para o lugar onde antes sentira o movimento, e esperou.

— Nossa! — ele exclamou de repente, retirando a mão depressa. Melanie riu de seu espanto.

— É maravilhoso, não é? — comentou.

Ele não respondeu, mas colocou novamente a mão na barriga dela. Daquela vez, Melanie achou quase impossível suportar a emoção.

Se as coisas fossem diferentes...

Marc olhou-a atentamente, deslumbrado com a ternura, o enlevo que via no rosto dela, além de algo indefinível, mas que parecia tristeza.

— Acho que o bebê se cansou — ela finalmente disse.

Ele retirou a mão, embora quisesse prolongar indefinida­mente o contato. Por um momento, sentira-se ligado a Melanie como nunca antes. Fora um instante de perfeita comunhão.

Ela virou-se para sair do caramanchão, e Marc segurou-a gentilmente pelo braço.

— Espere, Melanie. Quero lhe mostrar uma coisa. Apesar de ter visualizado aquele momento várias vezes, na viagem entre Manchester e Bedford, ele se atrapalhou ao tirar do bolso de trás do jeans a caixinha de veludo que continha o anel de esmeralda.

Era incrível, mas sua mão tremia. Tanto, que ele deixou-a cair no chão, no espaço entre eles. Repreendendo-se por ser tão desas­trado, abaixou-se e pegou-a, então abriu e tirou o anel.

— Eu amo você, Melanie — declarou. — Não existe nenhuma possibilidade de eu estar enganado. Quero me casar com você, e não é por causa do bebê.

Ela sentiu-se aquecer por um delicioso calor que não era provocado pelo sol de verão.

— Por que devo acreditar em você, Marc?

Ele engoliu em seco. Que prova poderia apresentar? Então, animou-se e disse:

— Ajudaria, se eu dissesse que comprei este anel no dia seguinte àquele em que você foi ferida? Tive essa idéia porque você tinha me perguntado se eu te amava e dito que queria um compromisso sério, que queria casar-se.

Fez uma pausa, meneando a cabeça com força, como se uma lembrança desagradável o assaltasse.

— De nada adiantou, porque no dia em que vim aqui, pre­tendendo pedi-la em casamento, fiquei sabendo que você ia se casar com Craig — prosseguiu. — Agora sei que amo você desde o início de nosso relacionamento, mas só descobri isso quando achei que ia perdê-la para sempre, lá na igreja, no momento em que Roger agarrou-a, quase jogando os dois galeria abaixo.

Melanie fitou-o através das lágrimas, e ele, que detestava ver mulheres chorando, refletiu que todas tinham o direito de chorar quando eram pedidas em casamento. Esperou que ela estendesse a mão para que ele lhe pusesse o anel no dedo, mas, atônito, viu-a virar-se e começar a andar na direção da casa.

— Melanie! Estou dizendo a verdade! Olhe... — Procurou alguma coisa nos bolsos, freneticamente. — Eu tenho a nota fiscal do anel para provar.

Com a mesma rapidez com que se afastara, ela se virou e jogou-se nos braços dele, com tanto ímpeto, que quase o der­rubou. Como um bobo, Marc ficou parado, com o anel em uma das mãos, e a nota fiscal na outra. Não podia ver o rosto de Melanie, que o abraçara pelo pescoço, tão apertadamente que parecia querer sufocá-lo.

— Hei, está querendo me matar? — ele reclamou dando uma risadinha.

Inclinando a cabeça para trás, ela riu, então o beijou na boca.

— Também te amo, te amo, te amo! — exclamou. — Mas devia matá-lo por não me dizer tudo isso três meses atrás, seu... seu bobão!

Tudo o que girara na mente dele sem parar, durante aqueles últimos três meses, deixando-o indeciso e confuso, passou a fazer sentido. Ele nunca tivera tanta certeza de estar fazendo o que era certo como naquele instante. Certo era amar Melanie e ficar com ela para sempre. Certo era participar da vida de seu bebê, ensinando a ele, ou ela, que o amor era a coisa mais importante do mundo.

Desvencilhando-se delicadamente dos braços de Melanie, ele tomou-lhe a mão esquerda e colocou o anel no dedo anular.

— Agora, nós vamos entrar e contar aos outros que vamos nos casar o mais rápido possível — declarou.

Então, ergueu-a do chão e rodopiou com ela, rindo, vitorioso e feliz.

 

                                                                                 Tori Carrington  

 

                      

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