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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AMORES CLANDESTINOS / Anne Mather
AMORES CLANDESTINOS / Anne Mather

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Quando Catherine chegou a Barbados para passar os próximos meses sob a tutela de Jared Royal, esperava apenas ter uma alegre temporada em uma ilha tropical. Mas Jared foi tão desagradável, ao mostrar que a considerava uma maluquinha sem muita moral, que ela resolveu desafia-lo fazendo tudo para dar uma péssima impressão. Se achava que era leviana, Catherine ia se comportar exata-mente assim e deixá-lo louco de ódio. Só que, bem cedo, foi um outro tipo de loucura que começou a consumir os dois: a de uma paixão desesperada. Fazia sentido se desejarem tanto, se nem gostavam um do outro? Não era arriscado ela se atirar nos braços dele, se Jared estava noivo e prestes a casar?

 

 

 

 

Só escutava o trovão de água que rugia, corria e explodia no recife, atrás dele. À frente estava a praia, branca e rebrilhando ao sol, e, no meio, a água verde-escura tornada viva pelas ondas, que faziam de Flintlock uma das melhores praias para surfing de toda a ilha.

Uma grande onda se aproximava e ele se preparou, ”sentindo uma grande euforia. Ficou de pé na prancha e foi em diagonal até a praia. Era um teste de força conseguir equilibrar-se sobre aquela escorregadia tábua de fibra de vidro, controlando-a com uma habilidade nascida de longa experiência. Antes que a onda morresse, ele mergulhou e deixou que a correnteza o levasse até a areia quente. A prancha foi jogada a seu lado.

Ele rolou e deitou-se de costas, protegendo os olhos contra o brilho do sol que lhe dera desde a infância aquele bronzeado dourado e inteiro. Sentiu o bem-estar já tão familiar. Fazia questão de que os problemas do dia não perturbassem aqueles momentos de completo descanso e abandono.

- Sr. Royal! Sr. Royal!

Como de propósito, para zombar de sua contemplação preguiçosa, a voz grossa de Sylvester veio na brisa que agitava suavemente os ciprestes da enseada. Apoiando-se em um cotovelo, Jared Royal olhou à volta e viu o velho criado negro, num uniforme de motorista que não combinava nada com a sua figura, chamando-o do alto da escada rochosa que dava acesso à praia.

Com uma expressão de tolerância resignada no rosto moreno e magro, levantou-se, enxugou-se rapidamente e enfiou o short de sarja azul, desbotado. Pegou a prancha, pôs debaixo do braço e foi andando pela areia em direção a uma casa, tipo bangalô, na extremidade da praia. Sylvester tinha desaparecido, mas com certeza estaria sentado no carro, esperando por ele.

Jared subiu os degraus sem pressa. Uma varanda de telhas vãs, cobertas de trepadeiras, dava para um único apartamento, típico de casa de praia, com metade do espaço para dormir e metade para cozinhar. As paredes estavam cobertas de telas, uma encostada na outra, pincéis, tinta, e toda a parafernália de um pintor cobria o chão. Apesar da bagunça, Jared gostava de lá; servia muito bem para o que ele queria e era um esconderijo ideal, quando sua madrasta enchia a casa de gente.

Deixou a tábua cair junto de várias outras no canto da sala e atravessou-a para pegar uma lata de cerveja de uma geladeira a gás perto da pia. Todo o equipamento de cozinha e o que dependia de luz era alimentado pelo gás de bujão, mas havia água, canalizada há dez anos, quando a casa foi construída.

Em pé, perto da janela, olhando para a areia, bebeu a cerveja... Limpou a boca com as costas da mão, refletindo, sem entusiasmo, sobre a responsabilidade que tinha que enfrentar. Cuidar de uma jovem de vinte anos era um estorvo sem cabimento. Apesar de apreciar a confiança que Jack Fulton depositara nele ao lhe confiar a filha, bem que podia ter escolhido outra pessoa.

Na única ocasião em que viu Catherine Fulton não gostou dela nem um pouco. Aos catorze anos, era uma adolescente precoce e mimada, já consciente de seu potencial e pronta a usar suas manhas num homem com o dobro de sua idade. Jared tinha adorado colocá-la no devido lugar e duvidava que ela o tivesse perdoado por aquilo. Se o pai da moça não fosse um amigo íntimo e não sofresse do coração, Jared nunca aceitaria aquele arranjo de emergência, que acabou se tornando uma desagradável realidade, quando Jack morreu.

Até os vinte e um anos, Catherine não poderia tocar em um tostão da considerável fortuna que o pai lhe deixara. Faltavam ainda seis meses, e Jared não teve muita escolha, a não ser sugerir que ela viesse para Barbados ficar com ele até que entrasse de posse da herança.

Podia não ter feito isso. Na realidade, sua vontade era deixar que ela

cuidasse da própria vida. Mas Jack lhe escrevera uma carta, falando de sua preocupação com as companhias da filha e de seu temor de que alguém casasse com ela só por causa do dinheiro.

Através de seus advogados, Jared soube que a idéia de ir para Barbados não agradou a srta. Fulton. Pelo jeito, estava levando uma vida muito divertida em Londres e não queria passar seis meses numa ilha, nem que fosse do Caribe, vegetando. Além disso, tinha tornado bem claro que havia um rapaz que ela não queria deixar para trás. Jared ficou imaginando se não seria essa a má companhia com a qual o pai tanto se preocupava.

De qualquer jeito, resolveu não adiantar nenhum dinheiro para que Catherine ficasse na Inglaterra. Seria impossível controlá-la de tão longe. Mas só pensar que chegaria a Seawell naquela tarde o irritava. Lembrando-se da criança insuportável que tinha sido, não estava muito contente com seus futuros deveres de tutor.

Acabou a cerveja, jogou a lata no lixo e saiu sem trancar a porta. A praia era particular e, além das telas, não havia nada de valor para se roubar.

Subiu os degraus até o topo do despenhadeiro e encontrou Sylvester cochilando atrás do volante de um Mercedes creme, conversível, último tipo. Um sexto sentido pareceu avisar o velho criado, que se endireitou ao sentir que o patrão se aproximava.

- Pode ir, Sylvester. Eu sigo você.

- A sra. Elizabeth mandou dizer que já são mais de onze horas. Ela disse que aquela mocinha chega às duas.

- Duas e meia - corrigiu Jared, encostando-se na capota do carro e sentindo o calor de brasa do metal. Pôs a mão no bolso do short e tirou uma latinha de charutos. - Tem fogo?

Sylvester entregou a ele o isqueiro automático do painel.

- Não tem tempo de ficar por aqui fumando charutos, sr. Royal. A sra. Elizabeth mandou chamar o senhor há meia hora!

O patrão ignorou o comentário e virou-se para observar o oceano de cima do despenhadeiro. Era uma vista magnífica da qual Jared nunca se cansava. Além dos recifes, o Atlântico aparecia em seu esplendor inquieto com a fímbria branca das ondas semelhante a um colar de pérolas sem tini. Havia uma névoa verde-azulada no horizonte e não se podia distinguir com clareza onde começava o céu e acabava o mar.

- Bom, já vou indo, sr. Royal.

Sylvester deu partida no motor e o patrão olhou-o, sorrindo.

- Confia que eu o siga então?

O empregado suspirou. Não era raro vir àquele lugar à procura do patrão. Fazia isso há anos. antes que o velho sr. Royal morresse e o filho se tornasse o herdeiro. Tinha sido o maior desapontamento para o velho, quando o único filho não mostrou nenhum interesse pelos negócios que construíra durante uma vida e preferiu ser pintor. O fato de Jared ter se tornado um grande sucesso diminuiu um pouco o golpe. Agora, era a viúva que tomava conta dos estábulos, ajudada por um administrador, cedendo seu poder ao enteado só em matéria de finanças.

- Acho que deveria ir de carro. sr. Royal - disse Sylvester, sacudindo a cabeça e olhando para a moto encostada à sombra de umas palmeiras, do lado da estradinha. - Essas coisas são para vagabundos; não para um Royal de Amaryllis!

O patrão escondeu seu divertimento, pôs o charuto entre os dentes e montou na moto, confortavelmente.

- O que pode ser mais agradável, num dia como hoje, do que andar pelo campo, com o vento refrescando o corpo?

- Ora, tem vento à vontade dentro desse carro aqui! - rebateu Sylvester. - Qual é a vantagem de ter três carros, se ninguém usa? Não vai encontrar a moça, hoje de tarde, nessa geringonça, vai?

Jared Royal deu uma risada, passou a mão pelos cabelos compridos, que, junto com as roupas desleixadas, lhe davam um ar de pirata.

- Olhe que é uma boa idéia. Sylvester!

- Não seria capaz!

- Não. Acho que ela não gostaria de viajar com a mala pendurada do lado - caçoou ele, e Sylvester gemeu.

- Seu pai viraria no túmulo se o visse agora! Ainda sorrindo, Jared ligou a moto e saiu atrás dele.

A distância entre a praia de Flintlock e a casa dos Royal era de uns cinco quilómetros, mas, de motocicleta, ele cortava caminho pela metade, atravessando os paddocks. Os cavalos estavam acostumados ao barulho. Só os empregados mais velhos é que desaprovavam o comportamento do patrão. Mas o desculpavam, porque adoravam o rapaz que, desde menino, os tratava como iguais.

Jared chegou em casa cinco minutos antes de Sylvester, encostou a moto perto das garagens e atravessou o pátio de trás, entrando pelas portas de veneziana.

Seus pés descalços não fizeram barulho no chão de ladrilhos, e ele chegou ao vestíbulo sem encontrar ninguém. Ao subir os primeiros degraus da escada de mármore, escutou passos e uma voz de mulher.

Jared! Jared, o que andou fazendo? Sabe que já é mais de meio-dia?

Virou-se e viu a madrasta, em pé no saguão. Elisabeth Royal era apenas dois anos mais velha do que o enteado e sua figura e o penteado juvenil faziam com que parecesse mais moça ainda. Usava calça comprida justa, sandálias de salto alto, e seus cabelos ruivos pareciam chamas, acentuados pelo reflexo do sol que atravessava os painéis de vidro sobre as portas.

com um sorriso, Jared desceu de novo.

- Sabe muito bem onde andei - disse ele. - Ou achou que eu estava no Fórum?

- Querido, você sabe que aquela menina vai chegar agora mesmo. Não acha que, pelo menos hoje, devia esquecer essa história de sumir sem deixar rastro?

- Não. - Jared enfiou os polegares na cintura do short. - Olhe, Liz. não quero que fique toda aflita por causa de Catherine Fulton. Droga! Ela já tem vinte anos! É bem crescidinha para errar sozinha!

Elizabeth concordava com a cabeça enquanto ele falava, apertando as mãos e olhando-o o tempo todo. Pequenininha em tamanho, era, no entanto, uma astuta mulher de negócios, e somente com Jared é que, de vez em quando, assumia um ar de frágil feminilidade.

- Tem razão, é claro, meu querido - murmurou. - Mas, como dona da casa até que você e Laura decidam casar, não posso falhar agora.

Ao ouvir o nome da noiva Jared teve uma sensação já familiar de impaciência. Seu noivado com Laura Prentiss não tinha sido absolutamente uma decisão pessoal e às vezes sentia-se manobrado numa situação da qual era impossível escapar. Depois da morte do pai e dos mexericos que brotavam de todos os lados pelo fato de ele e Elizabeth continuarem morando juntos em Amaryllis, praticamente se viu forçado a assumir um compromisso com Laura, que até então não passava de uma boa amiga. Agora, quase dois anos depois, ele sentia que alguém apertava os laços quase que imperceptivelmente. Sabia que Laura queria casar e que Elizabeth também se entusiasmava muito com a idéia.

Praguejou intimamente e virou-se para a escada.

- Deixe por minha conta, Liz. - E subiu os degraus de três em três. Quando desceu de novo, Elizabeth esperava por ele na biblioteca, uma sala de teto alto, coberta de livros e com janelas de venezianas para filtrar a brilhante luz do sol. A madrasta se aproximou, sorrindo, oferecendo um copo de Martini.

- O almoço fica pronto em cinco minutos - disse ela. - Tem tempo suficiente para ir até o aeroporto. A que horas chega o voo, mesmo?

- Duas e meia, se não houver acidentes.

- Ai, Jared. não diga uma coisa dessas!

- Por que não? - Deu de ombros. - Está bem, chega às duas e meia, se Deus quiser.

Elizabeth sorriu.

- De que deus está falando, querido?

Jared não respondeu. Ficou de costas para ela, olhando para fora através das venezianas. Não estava com vontade de conversar, já chateado com a idéia da tarde que perderia.

- Tem certeza de que não gostaria de uma festinha hoje à noite... perguntou Elizabeth. - Não acha que facilitaria as coisas? Laura e os pais teriam muito prazer em vir, e o juiz Ferris...

- Não! - A resposta rude fez com que ela ficasse vermelha. - Já lhe disse, nada de festas especiais para Catherine Fulton.

- Mas, Jared, quer dizer que vamos parar de receber enquanto ela estiver aqui?

- É claro que não. - Virou-se e engoliu o resto da bebida. - Só não exagere, só isso. - Foi até o carrinho de bebidas e pôs o copo na bandeja. - Vamos almoçar?

Mais tarde, guiando pela estrada arborizada em direção ao aeroporto, Jared pensou no antagonismo que sentia em relação à filha do amigo.

Aos catorze anos, ela já tinha o instinto de uma gata, e agora, seis anos depois, ainda estava querendo dobrar a vontade dele. A escolha da palavra ”vegetar” em relação à vida da ilha em Barbados, irritou-o imensamente, pois, apesar de ter visitado a Inglaterra várias vezes, nunca tinha achado nada de especial em Londres. Muito barulhenta, suja, o ar poluído de fumaça. É claro que lá ela gostava da turma com que andava e Jack esperava que agora ele fizesse o papel de pai severo.

Ligou o rádio do carro. Um conjunto americano tocava seu último sucesso, um ritmo compassado que o relaxou. O que eram seis meses, afinal de contas? Cento e oitenta dias. E ainda podia pintar e nadar e fazer seu surf. Logo passaria.

Um avião roncava lá em cima e ele olhou, imaginando se o voo de Heathrow aterrissaria na hora. Sempre achava aquela viagem longa e tediosa e passava o tempo todo esboçando algum perfil que prendesse sua atenção.

Às vezes, no entanto, a situação ficava embaraçosa, se alguém o reconhecia. Publicidade era uma das coisas que mais o aborreciam.

Estacionou o conversível e foi andando em direção ao aeroporto, que, nessa época do ano, sempre estava cheio de turistas chegando e partindo.

Não percebeu os olhares femininos que o seguiam. Aos trinta e quatro anos, já havia gozado bastante a vida e desde o noivado com Laura, evitava todo envolvimento sexual.

Um par de olhos, em particular, insistiu mais do que os outros; Jared virou-se para encarar a dona com uma leve impaciência. Viu uma moça alta, de cabelos castanhos. Era magra, mas não demais, e a curva provocante dos seios aparecia no decote desabotoado do vestido de algodão listrado. A roupa era larga, rodada,.. as listras azuis contra o fundo branco realçavam sua beleza. Ela sorriu, mostrando dentes muito brancos, e ele achou algo de familiar em seu rosto. Só então percebeu por quê.

Ao andar na direção dela, todo seu corpo se endureceu, rígido, formal..

- É a srta. Fulton. não?

Ela concordou. Há seis anos era mais baixa e gorda e usava tranças, mas mesmo então já dava mostras do que ia ser. Agora, estava bem bonita, um quadro encantador de um desabrochar de mulher. E o que mais? Olhou-a dos pés à cabeça, até ser interrompido por ela.

- Catherine. Meu nome é Catherine. Mas pode me chamar de Cat. Todos os meus amigos me chamam assim.

Só muito raramente Jared ficava sem saber o que dizer, mas essa foi uma das vezes. A atitude dela era tão inesperada! Tinha se preparado para raiva, ressentimento e até indiferença. Nunca essa amabilidade casual.

- Seu avião chegou cedo? - Olhou em volta, procurando a bagagem, e ela concordou de novo.

- Não sabia o que fazer, e como disse que viria me encontrar...

- Certo, certo. - Jared ficou amolado com a irritação que sentia. Sinto muito ter chegado atrasado.

- Atrasou? - Os olhos dela desafiaram os dele. -Ah. esqueça! Cheguei há cinco minutos. - Indicou as duas maletas atrás dela. - São minhas. Foi tudo o que trouxe. Deixei o resto das minhas coisas no apartamento. Não tinha sentido devolvê-lo só por seis meses.

Jared olhou-a, azedo.

- Está muito segura de que vai voltar em seis meses - comentou, e depois ficou matutando o motivo de seu comentário. Afinal de contas, não queria saber da moça ali...

- É, estou. É minha casa.

Jared chamou um carregador para levar as malas, vendo que ela o observava. O que estaria pensando? Ficou desapontado quando ouviu:

- Foi bondade sua me convidar para vir aqui. Não era preciso. Posso tomar conta de mim muito bem.

- Pode? Sinto muito, mas não havia outro jeito de eu cumprir a promessa que fiz a seu pai.

- Fiquei surpresa - disse ela, andando à sua frente. - Meu Deus, que calor! Estava chovendo quando saí de Londres.

O conversível esperava na sombra. Jared fez o carregador arrumar as malas atrás e abriu a porta para Catherine entrar. Não pôde deixar de apreciar as pernas esbeltas e o perfume gostoso que usava. Bateu a porta, sentou-se a seu lado e pegou um charuto antes de dar a partida.

- Sua casa é muito longe, Jared?

- Não gostou nada de ela o chamar pelo primeiro nome com tanta sem-cerimônia.

- Uns vinte quilómetros.

Ficaram em silêncio por algum tempo, quebrado somente pelo barulho de um avião e o som de risos no estacionamento. Então, ela perguntou:

- Por que me trouxe aqui, Jared? É óbvio que não me queria.

- Eu lhe dei essa impressão?

- Sabe que deu. Nem disse alo, nem perguntou como foi minha viagem! Qual é o problema? Ainda não me perdoou por deixá-lo embaraçado há tantos anos’?

- Não me embaraçou em absoluto, srta. Fulton.

- Cat! E deixei-o encabulado, sim. Sinto muito. Mas foi o primeiro homem pelo qual me encantei. Sei que eu era uma pestinha precoce, mas cresci.

- Aquilo não teve importância nenhuma.

Então, por que está tão esquentado?

Que idéia! Está inventando coisas. Nem sei o que quer dizer com ”esquentado”.

Deve saber. Barbados não fica em outro planeta.

Não é mesmo o fim do mundo.

Ela o olhou de esguelha. Você acha que eu...

- ”Vegetando”! Foi isso que falou, não foi? Catherine riu.

- Não! Eu não! Foi Tony. Ele disse isso; não eu.

- Tony?

- Tony Bainbridge. Um... amigo.

- Namorado?

- Bem...

Jared amassou o resto do charuto no cinzeiro.

- A razão pela qual você não queria vir para cá. imagino.

- Credo, como você é formal! Nunca pensei que fosse. Afinal, é um artista.

- Não sou um artista. Sou um pintor. Não me confunda com um excêntrico de avental e paleta!

- Nunca faria isso.

Andaram vários quilómetros sem conversar. Ela parecia contente de ficar observando as cercas vivas bem tratadas da estrada sinuosa, as carrocinhas puxadas por burros cheias de bananas, grapefruits, mangas e abacates, a pele morena das pessoas, as plantações de cana. De vez em quando, surgia um moinho de vento pintado de branco. E casas com jardinzinhos cheios de lírios, begônias, rosas, hibiscos vermelhos e jasmins. Era uma paisagem excitante e colorida. Quando a estrada se ”estreitou em direção à costa, viram e ouviram as ondas do Atlântico espalhando-se por praias selvagens e lindas. Quanto mais se aproximavam do norte, mais espetacular se tornava a paisagem e Catherine comentou:

- Lembra a Bretanha. Passei umas férias lá quando tinha dezessete anos. Já esteve na França, Jared?

- Não.

Ela estudou seu perfil sério.

- Essa visita não vai ser nada engraçada, se você teimar em me tratar como um pária. Não dá nem para ser um pouco educado? Sei que meu pai gostaria que fosse assim.

Jared sentiu uma pontada de remorso. Olhou-a de lado e viu que seu rosto se anuviara de tristeza. Teve pena.

- Gostava de seu pai. Era um homem e tanto. Conheci-o no meu último ano em Oxford. Sua mãe ainda estava viva.

- mamãe... - Catherine encostou-se no seu banco. - Eu não tive sorte com meus pais. Mamãe morrendo naquele acidente de carro, e agora papai...

- Então, é bom que saiba tomar conta de si, não é? Não queria ser irónico, mas soou assim, e ela se zangou.

- É o tipo de comentário que você faria, não... Só porque uma vez adorou me humilhar, não aguenta a vontade de repetir a dose.

- Minha cara mocinha...

- Não sou sua cara mocinha! Ah, como queria que papai não tivesse escrito aquela carta. Não ’sei o que passou pela cabeça dele. Não preciso ser tutelada por você. Estava muito feliz em Londres, me divertindo.

- com Tony. Ela o olhou, brava.

- É, com Tony. E por que não Tony ou qualquer outra pessoa? A expressão de Jared, depois da explosão, era de desprezo.

- Estou começando a entender por que seu pai se preocupava tanto com você.

- Ah, está? - Examinou o rosto dele. - Você tem olhos de gato, sabia? Parece um pirata. Que pena que seu caráter não combine com a aparência!

- Não estávamos falando sobre mim. Seu pai tinha medo de que algum homem...

- Me engravidasse? Casasse comigo por causa do dinheiro? Que antiquado, sr. Royal. Ainda não ouviu falar da pílula? Além disso, não imagina que uma gravidez me forçasse a casar com alguém. Imagina?

Jared fechou a cara.

- É fácil de dizer, srta. Fulton, quando as coisas ainda não aconteceram!.

- Como é que sabe? O que o deixa tão seguro de que não estou grávida?

Ele tirou os olhos da estrada para encará-la, incrédulo, lembrando-se do vestido largo e rodado. Franziu a testa, incomodado.

- E você está? Catherine apertou os lábios. -’- Eu... eu... estou. E que providência vai tomar?

 

Por que havia dito isso, meu Deus!, ela pensou,

Catherine nem acreditava que tinha dito mesmo aquelas palavras. O que ganharia com uma notícia daquelas? QUe bobagem deixar que ele a irritasse a ponto...

Apesar de tudo, não poude deixar de rir do perfil severo de Jared que tentava se concentrar no tráfego, depois de sua afirmação incrível. Ela deixou escapar um pequeno suspiro, ao lembrar-se de como queria vê-lo outra vez. A imagem de Jared nunca lhe saíra da cabeça, acompanhada pela lembrança incómoda da reação dele aos seus esforços amadores para atrair sua atenção.

Tinha sido há seis anos, e nunca mais o viu. Quando soube da carta do pai não se opôs completamente a ir para Barbados e encontrá-lo. Ele com certeza já teria se esquecido do incidente de que ela lembrava tão bem. Mas parecia que não era o que havia acontecido. E ainda julgava seu comportamento atual por causa de um simples ato impensado de criança. Endireitou os ombros. Bem. agora Jared tinha alguma coisa para justificar a opinião que fazia dela.

Estava tão absorta em seus pensamentos que nem percebeu quando atravessaram os portais de pedra cinzenta. O caminho sacolejante de pedregulhos fez com que acordasse para o fato de que se aproximavam da casa. Olhou para Jared, frustrada. Não ia dizer nada? Interessava-se tão

pouco por sua vida que mesmo a notícia de que estava esperando um bebé não o fazia reagir?

Deu de ombros. E o resto da família? O que diria a eles? Sabia que ele tinha uma madrasta. Já podia imaginar as reações, quando soubesse do estado de sua hóspede. Nunca deveria ter dito aquilo! Mas já era tarde. Além disso, queria que ele acreditasse. Teria o maior prazer de acabar com sua famosa autoconfiança.

- Chegamos?

- Chegamos. - Havia orgulho na afirmativa dele. - Amaryllis. Fizeram uma curva por entre arbustos de hortênsias e ela viu Amaryllis.

Uma grande casa colonial, com janelas brancas e um terraço cercando todo o segundo andar. No térreo, cadeiras de vime na sombra, entre pilares brancos por onde subiam flores azuis e brancas, em trepadeiras.

- Que beleza! Tão limpa e pitoresca! A casa de fazenda dos sonhos de todo mundo. - Virou-se para ele, quase se esquecendo de tudo que haviam conversado. - Acho que você deve adorar isso aqui.

Jared olhou para ela, gelado.

- É minha casa - respondeu, sem expressão.

- Mas não é a minha - explodiu, zangada. - É isso que quer dizer? Ele deu de ombros, concentrou a atenção em passar o carro por sob um arco, parando-o do lado de umas portas abertas para o ar da tarde.

- Eu a convidei para vir a Amaryllis, srta. Fulton. Espero que não tenha se esquecido.

Mal o carro parou, apareceu uma mulher. Catherine imaginou que fosse a madrasta dele. Mas percebeu que tinha pele muito morena, e usava um avental de algodão estampado. Os cabelos estavam ficando grisalhos e o rosto enrugado. Catherine achou que ia gostar dela.

Jared tirou as malas do carro e virou-se para a mulher, com um sorriso

que fez com que a moça desejasse que ele tivesse usado todo aquele charme com ela.

- Lily, essa é srta. Fulton, que veio morar conosco por algum tempo. Peça a Henry para levar a bagagem dela para cima.

- Pois não. sr. Royal. Bem-vinda a Barbados, senhorita.

- Muito obrigada. Lily. - Catherine olhou com ironia para Jared. Tinha sido preciso uma empregada dizer as palavras que ele devia ter

dito. - Tenho certeza de que vou gostar daqui. - Isso, só para mostrar

que não se deixava intimidar por ele.

- Onde está minha madrasta?

Lily levou-os para o saguão fresco, forrado de madeira, com um arco, à esquerda.

- Está na sala de visitas, sr. Royal. Disse para servir o chá logo que chegassem do aeroporto. Devo trazê-lo agora’?

- Para mim, traga uma cerveja. Preciso de uma bebida.

Foi a única concessão que fez em relação à tensão entre os dois, mas Catherine sentiu-se mais que triunfante ao acompanhá-lo por frescos corredores até uma sala de pé-direito muito alto. Sua primeira impressão foi de ladrilhos de mármore que refletiam as cortinas de seda cor turquesa, movendo-se levemente nas janelas abertas, e sofás na cor coral-escuro, cheios de almofadas coloridas em tons de azul, verde e turquesa. Uma mulher, reclinada num dos sofás, levantou-se quando entraram. Era pequena e esguia, elegante num vestido comprido de chiffon.

Seria a madrasta de Jared? Catherine achou que sim. Mas devia ser muitos anos mais nova que o pai dela! Jared fez as apresentações chamando a madrasta de sra. Royal e Catherine de srta. Fulton. A mulher observou-a da cabeça aos pés; Catherine ficou intrigada.

- Acho que podemos deixar as formalidades de lado. Meu nome é Elizabeth.

Catherine não poude resistir e deu uma olhada para o rosto de Jared para ver sua reação, mas ele se virou ostensivamente.

- Fez boa viagem? - Elizabeth sentou-se de novo no sofá e bateu a mão no lugar ao seu lado, mostrando que Catherine deveria sentar-se ali.

A moça obedeceu, com o calor começando a lhe causar um certo desconforto.

- Não gosto de andar de avião - confessou, percebendo que Elizabeth não prestava muita atenção, pois olhava para Jared.

- Querido, você pediu o chá? Eu disse a Lily... Jared deu meia-volta.

- Pedi. Talvez nossa hóspede prefira tomar chá no quarto. Catherine pôs a bolsa no chão, com firmeza,

- Estou ótima - afirmou, consciente da antipatia dele. Olhou em volta. - Mas que casa tão bonita!

- Gosta? - Elizabeth escondeu, com sucesso, qualquer estranheza pelo comportamento do enteado. - Foi construída há mais de cem anos.

- Adoro casas antigas. Moro em um apartamento muito funcional, mas quando papai estava vivo fiz muita força para que ele comprasse uma casa.

- Bem. dentro de seis meses, você compra uma - comentou Jared. ela fingiu não ouvi-lo.

- Mora aqui há muito tempo sra... quer dizer, Elizabeth?

- Doze anos. - Teria hesitado um pouco antes de responder? Casei com o pai de Jared há doze anos. Infelizmente, ele morreu há dois.

- Sinto muito.

Elizabeth fez uma cara triste e depois sacudiu a cabeça.

- É claro que ele era muito mais velho do que eu.

- Entendo.

Catherine mordeu o lábio inferior. Havia qualquer coisa em Elizabeth Royal que não a agradava nem um pouquinho, mas não sabia dizer o que era. A mulher estava sendo perfeitamente educada, mas preferia o antagonismo evidente de Jared à polidez forçada da madrasta. Sentiu-se aliviada ao ouvir o ranger do carrinho de chá, mas não pôde deixar de pensar que os seis meses demorariam a passar.

O aparelho de chá era antigo e lindo. Enquanto bebiam e comiam docinhos açucarados demais para o gosto de Catherine, Elizabeth começou uma verdadeira inquisição. Catherine morava em Londres? Tinha morado sempre? Tinha seu próprio apartamento? Muitos namoros?

A última pergunta foi feita com um olhar disfarçado para Jared, que estava de pé,” de costas para as janelas abertas, tomando cerveja diretamente da lata, apesar dos protestos da madrasta. Catherine ficou tentada a dar uma resposta bem maluca, mas, só de pensar na cara de má vontade dele, desistiu.

- Tenho... namorados e amigas, também.

- Mas não há alguém em particular? Escolhendo as palavras com cuidado, respondeu:

- Há um rapaz de quem gosto muito. - Aventurou-se a olhar outra vez para Jared. mas ele observava um ponto no teto. - O nome dele é Tony Bainbridge. Nós nos conhecemos há alguns anos.

- Ah!

Elizabeth pareceu aliviada, e a moça não entendeu por quê. Teria medo de que a hóspede se interessasse pelo enteado? Afinal, era um rapaz atraente e bom partido, herdeiro daquela propriedade e um artista de sucesso. Sem dúvida, todas as senhoras da ilha, com filhas solteiras, deviam rondar sua porta. Que diferença fazia uma a mais? Certamente, Elizabeth não precisava se incomodar com isso, a não ser que tivesse algum outro motivo para querer que ele continuasse solteiro.

A essa altura, Catherine parou de especular. Não tinha, absolutamente, nenhuma base para imaginar tal coisa. Quaisquer que fossem seus defeitos, achava Jared Royal um homem honrado, e ter um caso com a viúva do pai não era coisa muito decente.

- Precisamos apresentá-la à noiva de Jared - comentou Elizabeth. É um pouco mais velha do que você, mas garanto que vai gostar da companhia dela. Podem nadar juntas na nossa piscina, ou ir à praia, ou jogar ténis.

- É melhor deixar que a srta. Fulton se acostume primeiro ao novo ambiente - interrompeu Jared, e Catherine percebeu, com remorso, que ele lhe estava facilitando as coisas. Ou, pelo menos, pensava que estava. Uma mulher grávida podia nadar, mas jogar ténis já era mais complicado.

- Adoro nadar - respondeu, pousando a xícara no pires. - Mas acho que Jared tem razão; preciso me acomodar primeiro. - Olhou-o de esguelha. - Gostaria muito de conhecer a noiva dele.

E gostaria, mesmo. Estava curiosa para ver a garota capaz de pescar um peixe tão imprevisível!

- Como quiser. Laura, a noiva de Jared, vem almoçar aqui amanhã. Hoje, seremos só nós três. Jared achou que você podia estar cansada depois da viagem.

O que ele teria pensado, realmente? Quais eram seus motivos para trazê-la? Só um sentimento de obrigação para com o pai dela? Ou teria, como a madrasta, outras razões?

Disfarçando um bocejo, percebeu que estava cansada. Levantara muito cedo e o longo voo tinha sido um tédio. O avião não estava cheio e os lugares ao lado dela ficaram vazios. Apesar de se instalar confortavelmente, achou impossível descansar. As revistas oferecidas pela aeromoça não conseguiram distraí-la. Estava impaciente para chegar. Mas agora, só via problemas à sua espera. Ainda mais, depois de se colocar numa posição inteiramente falsa!

Elizabeth notou seus esforços para esconder o cansaço e deu um sorriso simpático, antes de se levantar e tocar uma campainha. Apareceu uma

empregada mocinha, e a patroa deu instruções para que acompanhasse a srta. Fulton até o quarto.

- Vai encontrar tudo de que precisa, Catherine. Se faltar alguma coisa, Susie dá um jeito - indicou a criada. - O jantar é às oito horas. Eu descansaria um pouco, se fosse você.

- Obrigada. - Catherine virou-se e olhou os dois. Bem, agora Jared teria oportunidade de informar a madrasta sobre a situação dela, ou sobre o que pensava ser a situação dela. Gostaria de não ter sido tão impulsiva.

- Muito agradecida por terem me convidado. Tenho certeza de que vou gostar muito.

Jared virou-se para olhar pela janela, e Catherine se arrepiou toda. Que sujeito mais arrogante!

Seguiu Susie. Uma escada de mármore levava a uma galeria, mas a empregada virou à esquerda num corredor de lambris que dava acesso a outra ala da casa. Abriu uma porta pesada e deu lugar para que Catherine entrasse na frente.

Entrou num apartamento que cheirava a rosas, as quais estavam numa mesinha de cabeceira. As paredes eram forradas de damasco branco, e cortinas, cor-de-rosa e compridas, cobriam as portas que davam para a varanda. A mobília de cedro era leve e funcional, juntando seu aroma de madeira ao quarto já tão perfumado.

Susie atravessou os tapetes brancos e fofos sobre o chão de tábuas largas e foi até o banheiro, mas Catherine se dirigiu para o terraço, perdendo o fôlego ao ver a paisagem à sua frente. Lá, à distância estava o mar. em verde e azul enevoados, cintilando no calor da tarde. Entre a casa e o oceano desdobravam-se alqueires de pasto e grupos de cavalos manchavam o verde do capim. Os jardins da casa ficavam logo abaixo das janelas dela. Canteiros, gramados, quadras de ténis escondidas por arbustos e, junto da casa, um pátio de lajotas, com uma brilhante mobília de jardim que se refletia na piscina ovalada. A água azul parecia fresca e convidativa. Se não se sentisse exausta, Catherine teria tomado um banho antes do jantar.

- Posso ajudar em alguma coisa, srta. Fulton?

- Acho que não. É uma beleza.

A empregada sorriu e fez uma pequena cortesia. Olhou para as malas sobre um grande pufe aos pés da cama.

- Quer que eu desfaça sua bagagem? - Catherine sacudiu a cabeça, garantindo que se arrumaria sozinha. - A campainha está ali, perto da porta - acrescentou Susie, com uma vozinha macia e cantada. - Se precisar de ajuda, é só tocar.

Ao ficar sozinha, Catherine deu um suspiro de alívio e se recostou na porta, observando seus domínios. Era tudo muito mais luxuoso do que pensava. Seu pai nunca falava muito sobre a vida de Jared, comentando mais seu talento artístico e a briga que teve com o pai para sair de Oxford e frequentar a escola de arte. O pai dela dava aulas, na época, antes de desistir e concentrar toda a sua energia numa carreira política. Mas agora não tinha a menor dúvida quanto à fortuna do anfitrião e ficou imaginando se não era essa a razão principal de seu pai escolhê-lo como tutor.

O banheiro pegado ao quarto era ladrilhado com o mesmo motivo de rosas. Grandes espelhos refletiam sua imagem de dezenas de ângulos diferentes, e prateleiras de cristal sustentavam uma grande variedade de óleos e loções.

Catherine decidiu tomar um banho. Tirou a roupa e deixou-a cair, descuidada, muito cansada para dobrá-la ou abrir as malas. A água fria refrescou seu corpo quente e a deixou bem disposta. Enrolou-se num roupão atoalhado que encontrou atrás da porta do banheiro, voltou ao quarto e esticou-se no colchão de molas, sem se importar com os cabelos molhados caídos sobre os travesseiros.

 

Catherine acordou com o canto dos passarinhos nas árvores que davam sombra ao pátio em volta da piscina. Primeiro, sentiu dificuldade em identificar o ambiente, mas de repente, tudo voltou de uma vez: a morte do pai seis semanas atrás, o convite, ou ordem, para-vir a Barbados e as boas-vindas estranhas que a esperavam.

Piscou, percebendo que não estava mais sobre a cama, e sim embaixo dos lençóis de seda que acariciavam suas pernas nuas. Ainda usava o roupão, mas haviam desabotoado o cinto e ele se abrira.

A luz que entrava pelas venezianas a confundiu. Estendeu a mão automaticamente para o relógio que sempre deixava na mesinha de cabeceira. Ao fazer isso, notou alguma coisa diferente. Havia rosas do lado da cama antes de ir dormir. Agora, tinham desaparecido.

Seis e quinze! Tinha dormido só uma hora? Impossível! Estava completamente descansada. A não ser que...

Empurrou as cobertas e se levantou. Ao abrir as portas do terraço, suas suspeitas se confirmaram: eram seis e quinze da manhã. O sol nascia, espalhando seu brilho num céu de rosa e turquesa, e uma névoa fina ainda pairava sobre o campo. Não se escutava barulho nenhum na casa, e ela teve certeza de que ninguém a veria ali, naquela hora. O terraço era separado dos quartos por treliças com trepadeiras que não serviriam de barreira para olhos espiões.

Amarrou o cinto com mais força e se espreguiçou. Devia ter dormido doze horas e agora estava bem acordada e inquieta. A piscina continuava tão convidativa como na tarde anterior, mas teve medo de ir nadar e acordar o pessoal da casa. O mar a chamava e ficou imaginando se chegaria lá através dos paddocks que corriam junto aos estábulos. Mesmo à distância, podia ver a linha de espuma sobre os recifes.

Voltou para o quarto, abriu as malas e olhou, pensativa. As roupas que havia deixado jogadas com tanto descuido tinham desaparecido, e achou que alguém as levara para lavar. Era uma sensação estranha saber que estava em sono tão profundo a ponto de não ouvir nada.

Procurou dentro de uma das maletas e tirou uma calça jeans e uma bata larga, muito branca. Uma alça de biquini apareceu no meio da desordem.

Tomou uma ducha, com cuidado para não molhar os cabelos, vestiu o biquini e depois o jeans e a bata. Escovou bem os cabelos até ficarem brilhantes e puxou-os para trás das orelhas.

A porta do quarto não fez barulho quando a abriu e foi andando pelo corredor até o patamar da escada. Ainda bem que suas sandálias não faziam barulho sobre o mármore. Mas quando chegou ao saguão, as portas estavam muito bem fechadas. Franzindo a testa, passou por baixo de um arco que levava à sala onde tomara chá com Elizabeth Royal. Portas francesas eram mais fáceis de abrir.

Saiu junto de um roseiral e procurou o pátio que ficava atrás. com o canto dos olhos viu uma figura alta atrás dos arbustos das quadras de ténis. Era Jared. Sem parar para pensar no que ia fazer, Catherine rodeou a piscina, abriu caminho entre as folhagens e se aproximou. Ele puxava uma motocicleta, sem ligar o motor para não acordar o pessoal da casa.

- Ei! Jared! Espere!

Ele se virou para olhá-la, nada amável.

- Alo! - disse ela. - Aonde é que vai?

Jared desmontou. Assentou a moto sobre o suporte e encarou Catherine.

- Posso perguntar a mesma coisa?

- Sinto muito não ter acordado para o jantar. Acho que estava mais cansada do que pensei. Mas a manhã está tão bonita que não aguentei ficar no quarto nem mais um pouquinho.

- Deve estar com fome. Lily com certeza já se levantou. Se for até a sala de visitas e tocar a campainha, ela traz para você o que quiser.

Catherine apertou os lábios.

Não estou com fome! Pelo menos, não muita. Quero é nadar!

- Use a piscina quando quiser. Catherine controlou-se com dificuldade.

- Não quero usar a piscina. Quero nadar no mar. É quente, não é? Nunca nadei no Caribe.

Jared deu uma olhada preguiçosa em direção ao mar.

- Na realidade, é o Atlântico. Ela fuzilou-o com o olhar.

- Sabe muito bem o que quero dizer.

- Será que pode nadar... no seu estado...

- É claro. Todas as mulheres nadam até sete ou oito meses. E minha gravidez é de semanas!

O rosto de Jared se anuviou.

- Então, sugiro que chame Sylvester, o motorista, e peça que a leve à praia mais tarde.

Catherine olhou-o, frustrada.

- Ainda não me disse aonde vai.

- Não, não disse.

- Quero ir também.

- O quê? - Agora, parecia que tinha conseguido irritá-lo. - Srta. Fulton, não sei o tipo de amigos que tinha na Inglaterra, mas aqui uma moça espera ser convidada; não impõe sua companhia a um homem.

- Verdade? - Fingiu um bocejo de tédio. - Bem, você me convidou para Barbados e acho que tem obrigação de me entreter, não?

Jared parecia furioso. Antes que ele se decidisse a montar na motocicleta e sair voando, Catherine montou atrás, meio desequilibrada.

- Saia já daí! - rosnou ele, mas ela deu o melhor dos sorrisos. Não vai me dizer que mulheres grávidas fazem isso até os oito meses!

- Não. Mas não vai me fazer mal, contanto que não pule demais. Jared sacudiu a cabeça.

- Quer que eu a arranque daí?

- Faria isso? A uma mulher grávida?

Ele ficava cada vez mais bravo, mas não fez nenhum movimento para tirá-la da moto. Catherine se divertia com isso. Era estimulante provocá-lo assim.

- Ora, Jared, não seja mau! Deixe eu ir com você!

- Não pode.

- Por que não?

- Porque vou para a praia...

- Sabia que ia! - exclamou, triunfante.

- Pelo mato! Ela franziu a testa.

- Não entendi.

- Olhe. são cinco quilómetros pela estrada e menos da metade atravessando os paddocks e o pasto.

- Ah! - A idéia de ir sacudindo por um caminho cheio de buracos numa motocicleta era divertida, mas não podia insistir pondo em risco a mentira de sua gravidez.

- Então? Vai sair da motocicleta?

Jared estava de cara fechada, mas ela não cedia com tanta facilidade.

- Não dá para irmos pela estrada? Pelo menos uma vez?

- Não. Eu... - Parou e deu um profundo suspiro. - Está bem, srta. Fulton. Ganhou. vou levá-la à praia, mas de carro.

- Ah, não! - Catherine estava louca para dar uma volta de moto. coisa que não fazia desde os dezesseis anos.

- Vamos! - Ele estava impaciente, com a mão estendida para ajudá-la a descer, o que ela fez de má vontade. - Não se surpreenda se tiver acordado a casa inteira!

Por sorte, ela não tinha feito isso. Quando saíram das garagens, só o velho Sylvester os viu. Era maravilhoso aquele ar frio batendo no rosto, e Catherine descobriu que estava até gostando de ficar sozinha com seu companheiro emburrado.

Jared estacionou num platô de onde se descortinava um pedaço de praia selvagem e lindo, a areia branca faiscando ao sol e as ondas batendo nos penhascos. Ela ia saindo do carro, mas ele a impediu.

- Não pode nadar aqui. É Flintlock. onde venho fazer surf. Já ia ligar o motor de novo, quando ela o segurou pelo braço.

- Espere! Já fiz surf. Não muito, mas um pouco. Em Cornwall. É bem no sul da Inglaterra.

- Sei onde é Cornwall.

- Ah, ótimo! Por que não experimentar de novo.’ Eu quero. Jared olhou-a fixamente.

- Ah. quer?

- Claro. - Suspirou e ficou vermelha. - Já lhe disse que faltam meses e meses. Não vou fazer nenhuma loucura.

- Já fez - disse ele.

- Já? Você acha?

Jared abriu a porta e desceu, sem mais comentários.

Havia degraus para chegar até a praia e ele foi na frente, olhando para trás de vez em quando, para ver se ela estava bem. Catherine até se emocionou com a preocupação dele, mas depois achou que faria a mesma coisa para qualquer um.

No meio do caminho, viram uma casinha baixa ao lado do despenhadeiro. Era construída sobre pilares, a um metro da areia mais ou menos. Ao descerem os últimos degraus, Jared disse:

- É minha. Trabalho aqui, às vezes. E é um retiro muito útil! Olhou-a de soslaio.

Catherine jogou os cabelos para trás. tirou as sandálias e foi andando pela areia. Subiu os degraus até a varanda e olhou para dentro através das janelas sujas de areia.

Jared hesitou.

- A porta não está trancada. Pode entrar, se quiser.

Não notando nenhuma ameaça oculta em sua expressão, ela virou a maçaneta. Lá dentro, sentiu um cheiro forte de tinta a óleo. Havia um aquecedor num canto para esquentar em dias frios, um par de cadeiras de couro meio velhas, uma mesa baixa, um armário, um fogareiro, uma pia e uma geladeira. No resto do espaço disponível só se viam telas jogadas por todos os lados e um cavalete torto inclinado sobre uma das cadeiras.

Ficou perto da porta, olhando à sua volta.

- E então? - perguntou Jared. - Horrorizada com a bagunça?

- E por que estaria? Acho que deve trabalhar muito bem, aqui. Ele franziu a testa.

- Por que diz isso?

- Não sei. Pôr causa da desordem, suponho. Já li em algum lugar, não sei bem onde... acho que numa dessas revistas femininas... que a ordem não tem inspiração. Que a criação, qualquer que seja, principalmente a artística, num ambiente disciplinado é como procurar diamantes numa caixa de veludo.

Jared endireitou-se, rindo.

- Que interessante! E que boa memória, a sua!

Catherine suspirou.

- Algumas vezes, esses artigos são pura bobagem. Mas achei que esse tinha algum fundamento.

- E tinha mesmo. - Passou por ela e atravessou a sala, empurrando com o pé um tubo de tinta aberto. Mostrou um sofá num canto, meio escondido pelo resto da parafernália. - As vezes, durmo aqui. É calmo e não me importo com o barulho do mar. Como você diz. adoro o caos.

Olhou para ela e Catherine sentiu uma sensação de alerta. Quando ele não estava usando o sarcasmo, era incrivelmente atraente e os sentimentos de menina que a excitaram tantos anos atrás não estavam de todo esquecidos.

Como se percebesse que por alguns momentos se esquecera da antipatia para com ela, Jared desviou o olhar e pegou algumas pranchas de surf que estavam atrás da porta.

- Tem certeza de que quer experimentar? Ela concordou depressa.

- Claro. Essa é minha? - Apontou para a prancha menor. - Hum, que cheirinho de mar!

Desceram os degraus até a praia e olharam para o oceano. O sol dançava e brilhava sobre a água, ofuscando os olhos. A areia já começava a queimar os pés.

Catherine inclinou-se para abrir o zíper da calça e Jared olhou-a, zangado.

- O que está fazendo’?

- Não costumo nadar de jeans. - respondeu, inocentemente. Ele respirou fundo.

- Pode mudar de roupa na casa.

- Mas não tenho que mudar. - Já vim preparada.

Puxou o jeans dos quadris, deixando ver o biquini

Sorriu. - E você?

Jared disse uma palavra que ela não gostaria de repetir e também tirou a calça. Seu calção era preto e justo. Catherine não pôde deixar de admirar o corpo musculoso, mas ele não gostou nada de ser olhado. Pegou uma tábua e foi andando para a água, enquanto ela dobrava a roupa e o observava.

Jared levou a tábua até onde a água batia na sua cintura, deitando-se sobre ela; remou com as mãos na direção dos recifes.

Catherine nem percebeu que estava dobrando também o jeans dele e

que o apertava contra o peito, esperando que a onda pegasse Jared. Ele agora se ajoelhava sobre a tábua, que foi levantada bem alto. De repente, ele ficou de pé, equilibrando-se com uma habilidade que ela até invejou, e veio vindo para a praia no que parecia uma velocidade incrível. Se perdesse o equilíbrio, se caísse...

Catherine fechou os olhos. Quando os abriu outra vez, ele tinha desaparecido. Deu alguns passos involuntários para a frente com o coração batendo tão forte que podia escutá-lo. Foi quando viu a tábua jogando nas ondas, e aí o coração quase parou. Correu para a beira da água. O sol batia em seus olhos desprotegidos, cegando-a exatamente quando precisava enxergar direito.

Suspirou de alívio, quando Jared apareceu à sua esquerda e foi jogado na areia. Correu para ele, que já se levantava, com uma expressão nada encorajadora.

- Que diabo está fazendo? - perguntou, e ela só soube piscar, atarantada. - Qual é o problema? Por que está me olhando assim’? E o que está fazendo com minha calça?

Arrancou o jeans de sua mão.

- Eu... eu... você desapareceu. Pensei... pensei...

- Pensou que eu tinha me afogado?

- E. Fiquei aflita.

Jared jogou o jeans na areia.

- Eu mergulhei antes de chegar no raso - disse, impaciente. Sinto muito que tenha se alarmado, mas não sabia que estava me observando.

Catherine recuperava aos poucos a compostura, e o ressentimento forneceu-lhe uma barreira contra as emoções que acabava de experimentar.

- Sabia muito bem que eu estava observando.

- Por quê? E por que não entrou na água?

- Não sou nenhuma estrela de surf, feito você.

- Muito obrigado. - O tom era irónico. - Então, por que se preocupou tanto?

Ela o encarou, zangada.

- Não sei! - E saiu andando pela praia.

Tinha perdido a vontade de nadar. Seus olhos ainda ardiam por causa do brilho do sol e a água misturados. E o estômago doía. Afinal, não tinha comido desde a tarde anterior. Sentou-se na areia ao lado da outra tábua, dobrando as pernas, abraçando-as e descansando o queixo nos joelhos. Nem percebeu que Jared se aproximava, até que se sentou a seu lado.

- Sinto muito que tenha ficado preocupada - disse ele calmamente. E, ridículo dos ridículos, o pedido de desculpas trouxe lágrimas aos olhos dela.

- Não tem importância - murmurou, de cabeça baixa.

Ele percebeu o tremor de sua voz, pois resmungou qualquer coisa e ficou quieto por uns segundos, olhando-a, até que ela o olhasse também. Estava muito próximo, a pele úmida cheirando a sal. Tinha pêlos nos braços e pernas, pêlos macios e escuros. Catherine sentiu vontade de tocá-lo, sentir a pele morena. Mas não conseguiu se mover. Jared se levantou.

- Quer nadar... - perguntou, rude.

Ela enfiou ainda mais o queixo nos joelhos, antes de responder. Não. Não quero atrapalhar você.

- Está bem.

Sem mais uma palavra, começou a vestir a calça sobre o calção molhado.

- Não devia tirar o calção? Ele a encarou, ousado.

- Aposto que até me ajudaria! Não seria novidade para você, não é’? Ela ficou vermelha, levantou-se de um salto e saiu andando, depressa e zangada.

Eram só nove horas quando chegaram em casa. Jared estacionou na subidinha em frente às portas abertas, deixando que Catherine saltasse sozinha, enquanto ele entrava em casa, de cara fechada. Quando a moça o seguiu, viu que tinha encontrado a madrasta no hall e ela o estava repreendendo gentilmente por ter desaparecido tão cedo.

Elizabeth Royal vestia uma blusa de seda creme, calça de montaria muito bem cortada e botas pretas. Aparentemente, Jared não lhe contara ainda que não estava sozinho, pois quando Catherine apareceu, Elizabeth arregalou os olhos, em total incredulidade. Catherine ficou esperando o comentário inevitável sobre seu estado, o que não veio. Em vez disso, Elizabeth a ignorou e virou-se para o enteado.

- Não entendo, Jared. Achei que tinha ido à praia.

- E fui. Ela... a srta. Fulton foi comigo.

Era ridículo que continuasse chamando-a de srta. Fulton e a insultasse sempre que tinha chance. Elizabeth, no entanto, não parecia achar estranho. Talvez preferisse que eles continuassem formais.

Agora, não podendo mais ignorar a presença de Catherine, deu-lhe um sorriso, mas disse, com cara de poucos amigos:

- Que sorte não ter molhado os cabelos. - Olhou para o enteado e tocou a cabeça dele - Você está ensopado, querido.

Catherine enfiou as unhas nas palmas das mãos.

- Eu não nadei, sra. Royal. - Era impossível chamá-la de Elizabeth, naquele instante. - Só fiquei apreciando Jared.

O rapaz foi andando na direção da escada.

- Se me dão licença...

- E o café? - A voz da madrasta seguiu-o, chorosa. Ele parou e olhou para baixo.

- Como alguma coisa depois. Peça a Susie para me fazer um café com leite. Não estou com muita fome.

Elizabeth apertou os lábios ao vê-lo desaparecer e foi com um esforço evidente que se dirigiu educadamente à hóspede.

- Está com fome? Claro que deve estar. Não jantou ontem.

Catherine seguiu-a pelo saguão até uma salinha pequena, inundada de sol, onde uma mesa redonda estava posta com uma toalha branca.

- Acho que estava mais cansada do que imaginei. Tomei um banho e não me lembro de mais nada.

Elizabeth sorriu.

- Não se incomode. É bom recuperar o sono o mais depressa possível. E nós entendemos. Jared mandou uma empregada ver se estava bem.

- Obrigada. Muita bondade sua. - O que mais teria Jared lhe contado?

- Queremos que se sinta em casa nos próximos seis meses. Nós... Jared e eu... queremos que descanse aqui.

Catherine não gostou muito daquele ”nós”. Apesar de ser óbvio que Elizabeth não era muito mais velha do que o enteado, culturalmente falando estavam em pólos opostos. Elizabeth tinha sido casada durante doze anos com um homem pelo menos vinte anos mais velho e Jared nunca tinha experimentado uma relação de compromisso total como essa.

No entanto, a madrasta falava como se fossem iguais, compartilhando um interesse comum.

Susie apareceu e Elizabeth disse a Catherine que pedisse o que quisesse. Ela já havia comido, mas ia tomar um cafezinho. Ficou por perto, enquanto a moça comia frutas frescas, cereal e pãezinhos com geléia de damasco. Catherine teria preferido ficar sozinha. Precisava de tempo’ para assimilar sua posição naquela casa. Mas a outra tinha resolvido dar informações sobre como funcionava a fazenda.

- Nós criamos cavalos de raça. Jared lhe contou? - Catherine sacudiu a cabeça. - Temos tido muito sucesso. Você deve ter visto os cavalos no paddock.

Catherine pôs um pedaço de pêssego muito doce na boca e concordou, limpando os dedos melados no guardanapo.

- Vi os cavalos, mas não sabia. Pensei que Jared era pintor. Elizabeth deu uma risadinha.

- Ah, querida, ele pinta e muito bem. Mas os cavalos... eram o orgulho e a alegria do pai.

- Ah...

- Quando James - esse era o nome do pai de Jared - morreu, eu me encarreguei dos estábulos - Catherine notou que ela não dizia ”meu marido”. Temos um administrador muito eficiente, um irlandês chamado Patrick Donovan, e fico contente em dizer que continuamos mantendo o alto padrão dos cavalos Royal.

Catherine sorriu. Qualquer coisa que dissesse pareceria lugar comum. Gostava de cavalos e montava sempre quando era pequena, mas fazia tempo que não chegava perto de um animal, a não ser se contasse um camelo, em sua visita à Arábia Saudita com o pai.

- Você monta, Catherine?

Era uma pergunta simples, mas a moça percebeu que tinha outras implicações. Seria o tipo de pergunta que Elizabeth faria a uma moça grávida?

Resolvendo não deixar o carro passar na frente dos bois, escolheu a saída mais fácil.

- Não monto há anos. Já gostei de andar a cavalo.

- Então, precisamos arranjar um para você. É o único modo de explorar a ilha. Vamos lhe arranjar uma companhia, também. Dou uma festínha amanhã e vou convidar um ou dois rapazes que sei que vão ficar encantados com você.

- Não é preciso. Não precisa se incomodar comigo, sra. Royal.

- Elizabeth. E, eu sei, meu bem. Espero que não leve a mal, mas não quero que... torne as coisas difíceis para Jared. - Continuou, antes que a hóspede pudesse interrompê-la: - Veja, por exemplo, hoje de manhã. Jared vai à praia quase todas as manhãs. É sua hora de retiro, entende? A hora em que ele pensa, quando recarrega as baterias. O trabalho dele é tão exaustivo. Você deve entender. Precisa de tempo para ficar sozinho. Ninguém o aborrece!

- Sinto muito. - Não tinha muito o que falar. E não podia negar que ele não queria levá-la.

- Tenho certeza de que não foi por mal, meu bem. - Elizabeth podia se dar ao luxo de ser bondosa, agora que tinha explicado tudo direitinho.

- Mas você vai aprender que nessa casa nós todos damos um desconto ao... digamos... ao temperamento artístico dele.

Catherine acabou o café sem prazer. Depois de fazer seu pequeno discurso Elizabeth começou a se desculpar e dizer que tinha de ir cumprir suas tarefas.

- E você, faça o que quiser, querida - levantou-se, tirando um grãozinho invisível de pó da imaculada calça de montaria. - Tome banho de sol, ou nade na piscina. A casa é sua. Jared com certeza, vai passar o resto do dia no estúdio, mas Laura chega ao meio-dia. Eu lhe mostraria as cocheiras, mas tenho que rever umas contas com o Donovan e receber um comprador às onze.

- Tudo bem. - Catherine puxou a cadeira para trás. - Não se incomode comigo. Posso me cuidar.

- Tenho certeza. - Havia um leve traço de irritação na voz suave e sofisticada. - Bem, vejo você mais tarde.

- Obrigada.

Catherine não sabia por que estava agradecendo, mas deu um suspiro de alívio quando Elizabeth a deixou, percebendo que sua gratidão era por ser deixada a sós. Era óbvio que, por alguma razão, a outra achava que precisava esclarecer sua situação em termos muito objetivos. não deixando dúvidas de que Catherine era uma peça insignificante no esquema geral das coisas.

 

A manhã até que passou depressa. Catherine pegou os óculos escuros no quarto e sentou-se numa das confortáveis espreguiçadeiras perto da piscina, tirando o jeans e a bata e passando óleo na sua pele. Geralmente se queimava depressa e esperava não demorar muito para perder aquele tom desbotado, lembrança do inverno inglês.

Esticada na espreguiçadeira, com o sol diretamente sobre ela, sentiu-se bem, apesar do antagonismo disfarçado em todas as coisas que Elizabeth lhe dissera. Às onze horas, Susie trouxe uma jarra cheia de suco de laranja gelado. A empregada sugeriu também que não era bom ficar muito tempo exposta ao sol logo no primeiro dia e Catherine não fez objeções, quando ela trouxe mais para perto um guarda-sol colorido para protegê-la.

Estava saboreando o segundo copo de laranjada, quando escutou barulho de saltos nos ladrilhos e se virou. Uma moça vinha vindo em sua direção. Era mais alta do que Elizabeth mas não tão alta quanto ela, com cabelos escuros curtos e traços serenos e bonitos. Usava um vestido sem alças, estampado de amarelo e azul, que valorizava seu bronzeado. Catherine desconfiou imediatamente de que era Laura, noiva de Jared. Ergueu o corpo e procurou sua bata.

- Por favor, não se levante. - A voz de Laura era quente e amiga.

- Você está tão bem! Deve ser Catherine, claro. Sou Laura. Laura Prentiss. Como vai?

- Sim, sou Catherine. Como vai?

Laura sentou-se na espreguiçadeira mais próxima e puxou a saia sobre os joelhos.

- Bem-vinda a Barbados. Acha que vai gostar daqui?

- Claro que vou. Quem não gostaria?

- Sou suspeita. Sempre morei aqui e sempre quis morar. Quem nasceu em ilha não quer mais sair.

Catherine teve a tentação de dizer que os ingleses também eram de uma ilha. mas achou rude e só sorriu e esperou que Laura continuasse.

- Sinto muito a morte de seu pai - acrescentou, simpática, e Catherine percebeu que era verdade.

- Seus pais moram aqui, Laura? - perguntou, depois de agradecer os pêsames.

- Moram! Mamãe não dá um passo fora daqui, nem para férias. Como diz ela, temos tudo aqui. Onde achar um lugar que tenha mais do que temos?

Catherine sabia de muitos lugares, mas ficou quieta.

- E você já viajou, Laura? - perguntou, educadamente, querendo que Elizabeth aparecesse para que ela pudesse escapar e ir se vestir.

- Fui aos Estados Unidos com papai, uma vez. E visitei outras ilhas, mas foi só. Frequentei a Escola de Bridgetown. Acho que ainda não esteve lá, não?

- Não. Cheguei ontem à tarde e estava tão cansada que dormi a tarde e a noite inteiras.

- Entendo. É uma longa viagem. Eu nunca a faria, sozinha.

- Por que não?

Laura deu um sorriso infantil.

- Eu morreria de medo. Todo esse tempo sem conversar com ninguém e sem saber que diabo ia encontrar no fim da viagem! Acho que depois que Jared e eu casarmos vou ter que me acosturUar a viajar. Ele é sempre convidado a seminários nos Estados Unidos e às vezes vai à Inglaterra. Sabe disso, não é? Foi assim que conheceu seu pai.

Catherine escutou passos, mas era Susie outra vez, que vinha saber se a srta. Prentiss queria café.

- A sra. Royal já vem - acrescentou para alegria de Catherine. - E

o sr. Royal também vem vvindo o que não a agradava nada.

Catherine levantou-se imediatamente quando Jared apareceu, vindo do

pátio. De calça justa de gabardine e uma camisa de seda azul desabotoada no peito e com as mangas arregaçadas, estava bonito, e elegante. Passou os olhos por Catherine e ela percebeu seu desprezo, antes que sua expressão se suavizasse para cumprimentar a noiva.

Os dois se beijaram. Observando-os, Catherine viu com uma certa satisfação que o beijo não era nada apaixonado.

- Catherine e eu estávamos batendo papo - disse Laura, segurando a mão dele. - Trabalhou muito hoje de manhã, querido?

Antes que Jared pudesse responder, Catherine levantou-se.

- Se me desculpam, vou me vestir. - Trocou um sorriso com Laura. pegou suas coisas e saiu.

Ao entrar em casa, escutou Laura dizer.

- Ela não é um amor, Jared’? E sozinha no mundo!

Até então, isso não tinha ocorrido a Catherine. Nunca havia sido uma pessoa muito dependente e, depois da morte do pai, Tony sempre esteve por perto. Suspirou, batendo os pés descalços ao subir a escada. Jared i ia sem dúvida, tirar tais idéias da cabeça de Laura. Nesse ”momento, ele devia estar dizendo que a srta. Fulton podia ser tudo, menos ”um amor”.

Apesar de ter dito que ia desmanchar as malas, alguém o tinha feito na sua ausência, dependurando suas coisas nos armários de cedro e arrumando seus perfumes e cosméticos numa prateleira.

Catherine passou algum tempo resolvendo o que vestir para o almoço, e já era quase uma hora quando desceu, alta e elegante, num vestido sem costas de jérsei combinando com a cor de seus olhos. Foi para o pátio. mas a piscina estava deserta e sua entrada triunfal só foi testemunhada por um um passarinho que pulava nas mesas de vidro procurando migalhas.

Voltou para a casa e encontrou Lily na sala de almoço.

- Está procurando o pessoal? - perguntou a criada. - Estão tomando drinques na biblioteca. Sabe onde é?

Catherine balançou a cabeça, e, com um sorriso de compreensão, Liiy fez sinal para que a seguisse. No hall viraram em direção a uma sala que a moça ainda não conhecia. Portas duplas davam para uma sala recoberta de estantes cheias de livros. Viu Elizabeth e Laura sentadas juntas numa marquesa e Jared em pé diante da janela, olhando para fora.

Elizabeth foi a primeira a vê-la e se levantou, dizendo:

- Acabei de mandar Susie procurar você. Achamos que podia ter dormido de novo.

Laura também se levantou, comentando:

- Que vestido bonito! É da cor das violetas africanas que mamãe cultiva em casa. Você já as viu, Jared? O vestido de Catherine não é da mesma cor? Jared virou-se com relutância e Catherine o encarou. Se já pensava o pior dela, seria divertido aumentar a antipatia. O que tinha a perder? Não acho que a srta. Fulton esteja interessada na minha opinião.

Laura.

Mas Catherine não concordou.

A gente sempre gosta de saber se está bem, Jared - respondeu docemente e foi recompensada com uma expressão que se anuviava.

- Quer um drinque antes do almoço?

A intervenção de Elizabeth foi calma e deliberada, cortando qualquer ligação entre os dois e chamando a atenção para si. Usava um vestido longo muito feminino.

Laura, que não tinha percebido nada, sugeriu:

- Tome um coquetel. Catherine. Jared fez cada um melhor do que o outro!

- Então, preciso experimentar.

- Vai querer mais um, Laura? - Elizabeth entregou a Catherine um copo cheio de cubos de gelo. - Acho que Lily deve estar nos esperando.

- Não, obrigada. Não posso beber muito hoje. Você vai assistir, não vai. Jared?

Catherine bebericou o coquetel, pensativa. Estava delicioso como Laura dizia. Esperava por rum, mas não era. Uísque e suco de laranja e mais alguma coisa...

- Mas. Jared, você prometeu!

Percebendo que estava fora da conversa, Catherine tentou ver o que acontecia.

- Jared tem aquela encomenda para acabar - lembrou Elizabeth. Sabe que ele não pode passar uma tarde inteira...

- Mas é só uma vez por outra E é a primeira vez que chego às semi-finais!

Catherine franziu a testa. As semi-finais de quê? Por que Laura Precisava estar em forma? Ia nadar? Mergulhar, talvez? Montar? Parece que gostavam muito de cavalos por ali.

- Talvez Catherine queira ir assistir, Laura. - Era Elizabeth outra vez, e Catherine levantou as sobrancelhas, perdida - Gosta de ténis, não gosta?

- Eu... bem... às vezes.

- São as finais do torneio do clube - explicou Laura, desapontada.

- Organizamos um torneio todos os anos e essa é a primeira vez que vou tão longe.

- Que ótimo! - Catherine tentou parecer entusiasmada. Olhou para Jared, atónita por se achar na posição de ter que defender sua noiva. -

você, não vai?

- Jared está trabalhando... - começou Elizabeth, mas ela interrompeu.

- Ele não pode falar por si próprio’?

- Ah, por favor! - Era Laura, corada de vergonha. Estava óbvio agora o motivo pelo qual Elizabeth não fazia nenhuma objeção a Laura como futura mulher de seu enteado. Os-dois juntos reduziam a moça a um zero à esquerda.

- É verdade. -” Jared não queria se explicar, mas não tenha escapatória. - Tenho que trabalhar hoje. Sinto muito, não posso fazer nada.

- Mas teve tempo de ir à praia hoje de manhã! - reprovou Catherine.

Seu tom de acusação fez com que Elizabeth prendesse o fôlego e Jared se irritasse.

- Tive, sim.

- Não tem importância!

Era Laura de novo, e dessa vez Catherine desistiu. Se a noiva aceita a situação, por que ela haveria de se preocupar? Assim mesmo, achou que ao tomar o partido de Laura tinha conseguido antagonizar Elizabeth ainda. Foi um alívio quando o almoço foi anunciado.

Almoçaram em silêncio. Jared estava quieto e distante; Elizabeth, fria crítica; e Laura, muito infeliz entre os dois. Catherine ficou irritada com a humildade da moça e estava louca para fugir para o quarto. Comeu sem prazer nenhum, concentrada no que acontecia à sua volta, admirando a mobília de madeira escura e as paredes forradas de um papel adamascado. Havia um lustre baixo de cristal, suspenso sobre a mesa polida. Mas achou que em ocasiões especiais com certeza acenderiam um par de candelabros de prata sobre o bufe. Podia imaginar a luz das

velas retletida nas superfícies escuras, chamando atenção sobre o retrato na parede.

ficou olhando a pintura do rosto de uma mulher, um pouco mais velha do que Elizabeth, de cabelos escuros, usando um vestido de gaze, um colar de pérolas, e muito parecida com Jared. Seria a mãe dele? E se fosse, quem o teria pintado? Seu pai lhe contara que a mãe de Jared tinha morrido quando ele era adolescente, de modo que não podia ser ele o pintor. Mas era um quadro bom.

Quando voltou a prestar atenção na mesa, percebeu que Jared observara seu interesse.

Mas Elizabeth não tinha desistido dela ainda.

- Acho que seria uma boa idéia ir até o clube com Laura, Catherine. Ainda havia uma certa frieza em sua voz, mas Laura viu aquilo como a quebra do gelo.

- Isso mesmo, Catherine, por que não vem junto? - pediu, contente com qualquer coisa que ajudasse a romper a tensão. - Trouxe as raquetes comigo e vou direto daqui para o clube.

Catherine apertou as mãos com força. Não tinha saída e sabia disso. Levantou a cabeça e viu os olhos de Jared postos nela, entre divertido e malicioso, e teve vontade de matá-lo.

- Vai encontrar mais gente jovem. Jared e eu temos que trabalhar hoje à tarde e você vai se chatear ficando aqui sozinha.

Quase disse que ela mesma era o melhor juiz para saber o que a chateava ou não. Mas, apesar de desprezar Elizabeth, não podia ofendê-la.

- Onde é o torneio? - perguntou, resignada, sabendo que estava dando o primeiro passo e quê não podia voltar atrás.

- No Ténis Clube da Praia de Alora - respondeu Laura. - É a meia hora daqui. Um lugar bárbaro! Pode jogar ténis ou squash ou nadar. E ’em uma piscina de crianças é a sede do clube.

Catherine pensou que era exatamente o lugar que preteria evitar e, pela Primeira vez, sentiu certa simpatia por Jared. Não sabia por quê, mas achava que ele também não gostaria daquele tipo de lugar estereotipado.

- Você vem, então? - Laura implorou, e Catherine cedeu.

- Eu... está bem.

- Que ótimo!

Laura parecia felicíssima e até Elizabeth amansou.

- Você vai gostar. - E deu uma olhada para Jared que Catherine interpretou como vitória.

Afinal de contas não foi uma tarde desagradável.

O clube de ténis não era o que tinha imaginado. Situado na costa sul da fazenda Royal, sua sede se espalhava por vários alqueires. Havia muitos carros estacionados dentro dos portões de ferro e caminhos pavimentados que levavam às piscinas, junto da praia e da sede em estilo colonial.

As partidas finais do torneio de ténis não começariam até às quatro horas e Laura apresentou Catherine a um grupo de jovens sentados junto à piscina.

Laura foi recebida calorosamente, mas era evidente pelos olhares curiosos que todo mundo queria saber por onde andava Jared.

- Ele não vem - explicou a moça, sem dúvida querendo acabar com as explicações o mais depressa possível, e acabou com as censuras deles de ”Que monstro!” e ”Que pena!”, com a afirmativa de que seu trabalho era mais importante do que um jogo de ténis.

Olhando-a, Catherine percebeu que ela realmente dizia a verdade, um fato que teria agradado demais a Elizabeth Royal.

Enquanto Laura desculpava Jared, um homem bonito, de cabelos castanhos e os olhos mais azuis que Catherine já vira, levantou-se e ofereceu seu lugar. Ela agradeceu e aceitou. O homem, que estava de calção, sentou-se no chão a seu lado e olhando para cima, disse:

- Vai ficar muito tempo em Barbados, Catherine?

- Mais ou menos uns seis meses. Não me lembro do seu nome.

desculpe.

- John. John Dexter. Você veio da Inglaterra?.

- Vim De Londres. Estou com os Royal.

- Soubemos que você vinha. Laura nos contou. Catherine abanou-se com uma das mãos.

- Não está quente? John sacudiu a cabeça.

- Não demais. Devia mergulhar na piscina para refrescar. É o que estou fazendo.

- Eu gostaria muito, mas não trouxe maio.

- Posso emprestar um. - Laura tinha escutado o fim da conversa. Quer nadar, Catherine?

- Ora, por que não?

Laura sorriu.

- Venha, então. Tenho um armário na sede onde guardo minhas coisas. vou mostrar a você onde pode trocar de roupa.

- vou esperar! - A promessa de John, em voz alta, as alcançou até dentro da sede.

Parece que você já fez uma conquista - comentou Laura. - Mas não o leve muito a sério’ viu? Ele é um conquistador de marca maior!

- vou tentar - murmurou Catherine, mas a outra não percebeu o sarcasmo.

com vários rapazes competindo com John por sua atenção, não foi difícil se convencer de que tinha sido bom ter vindo.

Infelizmente, Laura perdeu nas semi-finais, mas a moça que ganhou dela foi a primeira colocada, o que a consolou um pouco. Voltaram para Amaryllis quase à noite. Ao chegarem, Catherine deixou-a contando tudo que havia acontecido para o futuro marido e a madrasta e foi procurar o bendito isolamento de seu quarto.

O jantar foi sem graça. Só Elizabeth jantou com ela na sala iluminada por lâmpadas mais suaves do que as do lustre. Quando perguntou onde estava Jared, ouviu a explicação irritada de que tinha saído para jantar com os futuros sogros.

Depois do dia cheio de novidades, Catherine dormiu profundamente e se levantou às oito horas. Saiu da cama e foi para o banheiro, pensando se Jared teria ido à praia para o surf.

Vestiu uma bermuda e um bustiê e desceu, ansiosa para continuar a se dourar no sossego da piscina.

Elizabeth estava sozinha na sala de almoço, estudando a página financeira do jornal local. Esforçou-se para dar um sorriso quando a hóspede apareceu, observando-a com as sobrancelhas arqueadas. Usava outra vez calça de montaria, que pelo jeito era seu uniforme de trabalho.

- bom dia - disse a Catherine, que vinha vindo se sentar à mesa. Você está muito bem.

Foi um comentário ambíguo, e a moça percebeu que era a primeira vez que Elizabeth a via numa roupa tão sumária. Estaria imaginando ou a outra olhava fixamente para sua barriga exposta ao sol? Será que Jared já tinha lhe contado sobre sua suposta gravidez?

- É outro dia maravilhoso - disse Catherine, sorrindo para Susie que tinha vindo perguntar o que ela queria. - Só torradas e café por favor.

Elizabeth dobrou o jornal.

- Estamos com sorte. O tempo está ótimo.

Catherine descansou os cotovelos na mesa, apoiou o queixo nas mãos e sorriu, concordando. Fez-se um silêncio constrangedor e ela comentou:

- Nem acredito que é fevereiro. Só alguns quilómetros, e que diferença!

- É. - Elizabeth acabou o café e empurrou a xícara. - Sinto muito, mas não vou poder lhe mostrar os estábulos hoje. Tinha me esquecido de que vamos dar um jantar e ainda preciso ir a Bridgetown mais tarde. Marquei cabeleireiro para as três. Se incomoda de ficar sozinha?

- Claro que não. - Catherine até gostava da oportunidade de ficar só.

- O que quero dizer é que... - Aparentemente, Elizabeth ainda não estava satisfeita com as explicações. - Você não... vai amolar Jared, não é, Catherine? Ele tem que trabalhar. Sei que não está aqui, no momento.

- Foi para a praia?

- Espero que sim. - Elizabeth não aprovava os modos atrevidos dela. - Já lhe expliquei isso, Catherine.

- Ah. já, sim! - Arregalou os olhos inocente. - E eu entendi. Não se preocupe, sra. Royal. vou só me sentar ao lado da piscina e fazer o possível para não aborrecer ninguém.

Elizabeth levantou-se e arrumou a cadeira.

- Se me der licença...

- Pois não. E não trabalhe demais.

Catherine acabou o café da manhã sozinha e saiu. A piscina parecia convidativa, mas resolveu fazer a digestão primeiro. Tirou os óculos dos bolsos, descalçou as sandálias e esticou-se na espreguiçadeira.

Estava lá há meia hora mais ou menos, pensando em entrar para pegar um óleo protetor para passar nas pernas, quando um homem veio andando até o pátio. Os pés calçados de botas faziam barulho nas lajotas, e ela abriu os olhos, surpresa ao vê-lo muito perto.

Endireitou-se, tirou os óculos escuros e perguntou:

- Posso ajudar em alguma coisa?

O homem riu. Era um pouco mais alto do que o normal, forte, com cabelos grisalhos e rosto atraente, queimado de sol. Com botas, calça de montaria, e uma leve camisa de algodão aberta no peito, parecia um fazendeiro antigo, mas ela não tinha idéia de quem era ele.

Deve ser a srta. Fulton. - aproximou-se mancando um pouco.

- a pronúncia era inconfundível e Catherine lembrou-se. Ah, é o sr. Donovan. Está procurando Elizabeth? Certo. Ela está por perto? Não sei. Pensei que estava nos estábulos. Donovan suspirou.

Droga! Queria perguntar a ela se o comprador de ontem vai voltar hoje.

- Ah. acho que não! Parece que ela quer ir a Bridgetown e vai ao cabeleireiro à tarde, por causa do jantar de hoje.

- Ah! - Donovan franziu a’testa e mudou de assunto. - Como está se sentindo em Amaryllis? Catherine deu de ombros. - Muito bem. - Não está - É, não diria tanto. Trabalha aqui há muito tempo?

- Uns dez anos, mais ou menos.

- Então, conheceu o pai de Jared? - Conheci. Ele me empregou.

Catherine pegou os óculos e começou a brincar com eles.

- Jared... se parece com o pai?

- Jared? - Donovan olhou-a enviezado, e ela ficou pensando se não estava sendo indiscreta. - O que quer dizer?

- Se ele é um bom patrão.

- Espera que eu lhe diga mesmo? - Donovan riu. - O melhor do mundo!

- Por que diz isso?

- Porque nunca se mete nos negócios.

- E você não se importa?

- Por que me importaria? É muito esperto quanto ao aspecto económico e financeiro. Quer bons lucros para seus investimentos, mas deixa a administração dos estábulos para mim.

- E Elizabeth?

- Pergunta demais, não? Catherine abaixou a cabeça.

- Sinto muito, mas é a primeira pessoa que encontro aqui, desde que cheguei. a quem posso fazer umas perguntas.

Donovan olhou-a com simpatia.

- vou tomar isso como um elogio. Para falar com franqueza, a sra. Royal tem boa cabeça para negócios. Deixo a papelada para ela. Vende e compra, e nós dois vamos a leilões de cavalos.

- Parece interessante.

- E é, quando se gosta de cavalos. E eu adoro. Cresci numa fazenda na Irlanda onde criavam puros-sangues e nunca me esqueci-da emoção quando meu pai me colocou em cima de um cavalo pela primeira vez. Eu devia ter uns três anos, mas aquilo ficou na minha cabeça, sabe o que quero dizer? Ei, talvez queira Ver nosso campeão, Chartreuse! Ganha todas as corridas em que entra, incluindo o Derby de Kentucky. Foi um dia de muito orgulho! - Sacudiu a cabeça, lembrando-se. - Mas agora usa suas energias em outra direção!

Catherine entendeu e riu. mas parou subitamente, quando uma voz rude os interrompeu.

- Está procurando por mim, Donovan?

Jared veio vindo da direção das quadras de ténis, com a calça de linho molhada, o que mostrava que não se dera ao trabalho de se enxugar antes de se vestir.

- Estava procurando a sra. Royal, senhor. Mas a srta. Fulton acabou de me dizer que ela foi à cidade.

- Foi? - Os olhos castanhos de Jared passaram por Catherine com arrogância. - E o que você está contando a ela?

Donovan não se perturbou.

- Não sei o que quer dizer, senhor.

- Não sabe? - Jared parou em frente deles, moreno e imponente. O que há de tão engraçado no fato de minha madrasta ir à cidade?

Donovan mudou o peso de um pé para outro e Catherine sentiu-se ofendida. O que havia de mal em duas pessoas conversando? Qual o problema?

- Toma conta de todas as conversas? - perguntou, insolente, e percebeu que Donovan não gostou nada de sua intervenção.

- Eu estava falando sobre Chartreuse, senhor. Jared continuou olhando para Catherine.

- Donovan não tem tempo de ficar aqui, conversando com você. Se está chateada, o problema não é dele.

- Nem seu!

mas Jared já tinha desviado a atenção.

- É só, Donovan? - perguntou, autoritário.

com um gesto de desculpas, o irlandês foi saindo depressa. Quando desapareceu de vista, Catherine jogou-se na espreguiçadeira, colocou os óculos escuros e ignorou o homem a seu lado. Esticou as pernas, expôs os braços ao sol e fingiu um relaxamento que absolutamente não sentia.

Esperava que Jared fosse embora, mas descobriu que tinha sido boba de pensar que ia escapar com tanta facilidade.

- Nunca mais fale comigo assim na frente de meus empregados! ele explodiu.

Catherine tirou os óculos e disse:

- Só quando estivermos à sós, certo?

- E já que estamos nesse assunto, nunca interfira entre Laura e eu! Catherine sentou-se.

- Está falando sobre ontem?

- Estou.

- Laura se queixou? Jared fuzilou-a com os olhos.

- Estou dizendo para não meter o nariz onde não é chamada!

- Elizabeth se mete em tudo...

- É minha madrasta.

- E eu estou sob sua tutela! Ou já se esqueceu?

- Seria impossível esquecer uma coisa dessas, não? E agora, tenho que trabalhar.

- Não estou atrapalhando você.

- Não? - A palavra murmurada foi quase inaudível. Inesperadamente, ele pegou uma mecha dos cabelos dela. - É natural ou pintado?

- É natural - conseguiu dizer, surpresa. Ele a olhou, fixamente.

- E quantos homens já perguntaram isso?

- Não tantos quanto imagina - murmurou, esperando que ele parasse de atormentá-la e a abraçasse.

- Não? Seja como for, quero pintar você. Maternidade pagã. Gosta da idéia?

O desapontamento dela foi uma dor quase física e sentiu-se até doente com o anticlímax. Disfarçou, dizendo:

- Não contou a ninguém, contou?

- Não. Vão descobrir, mais cedo ou mais tarde. Então, fica nua para mim?

Catherine encarou-o, com ódio em seu coração, que disparou ao ouvir suas palavras. O que ele faria, se tirasse a roupa agora? Achava que tinha tudo sob controle, e ela adoraria acabar com aquela segurança.

Mas não teve coragem e disse, provocadora:

- Até você pode tirar minha roupa, se quiser.

Ele largou seus cabelos imediatamente e deu um passo atrás, com os olhos fuzilando.

- Não, obrigado. Não era o que eu tinha em mente.

Catherine deu de ombros e, com muito autocontrole, deitou-se de novo na espreguiçadeira, puxando os óculos para o nariz.

- Não tem vergonha, não é? - explodiu ele. Por um instante, ela teve consciência de que estava fazendo um jogo perigoso. Mas tinha ido muito longe para voltar atrás. Ao invés de responder, virou para o lado.

Ouviu-o respirar fundo e depois se afastar.

 

O jantar foi servido às oito, como de costume, para os Royal e mais uns doze convidados, mas vários casais chegaram tarde para a festa no pátio à beira da piscina. Havia mesas, bufe, um barzinho improvisado e lâmpadas coloridas enfeitando as árvores. Foram colocados alto-falantes. e a música se espalhava pelo jardim.

Era a primeira festa grande que Elizabeth dava depois de Catherine chegar à ilha, e foi muito diferente do jantar de apresentação que organizara uma semana antes, apenas com a presença de Laura e seus pais, o juiz Ferris e a mulher e dois rapazes que tinham sido convidados para não terem um número ímpar de pessoas. Esta noite era muito menos formal e a quantidade de gente não permitia conversas muito pessoais.

A primeira semana de Catherine em Barbados passou depressa demais, e, apesar de quase não ter visto Jared, o tempo voara. Jared estava trabalhando, fechado no estúdio no último andar da casa. Não falou mais no quadro que queria pintar dela; a evitava ao máximo e ela duvidava que aprovasse sua amizade com a noiva.

Laura aparecia todos os dias. Catherine não se deixava encanar pela idéia de que vinha visitá-la, apesar de dizer que seu objetivo era esse. Sempre esperava encontrar Jared, mas, quando não acontecia, geralmente sugeria que ela e Catherine se divertissem juntas. Nadavam, jogavam um ténis leve nas quadras dos Royal e uma vez Laura a levou até Bridgetown.

A capital da ilha estava quente demais para turismo e passaram a maior parte do tempo no porto, em Careenage, onde Catherine ficou com as escunas de altos mastros e os uniformes pitorescos da polícia.

Elizabeth aprovara a amizade delas, e tinha razões bem egoístas para isso. Enquanto Catherine mantinha Laura longe do noivo, Elizabeth ficava com o enteado inteirinho para ela.

Agora, sentada numa rede, Catherine balançava as pernas, escutando John Dexter descrever as delícias do voo à vela. Não foi nenhuma surpresa descobrir que ele era um dos convidados, pois telefonara várias vezes durante a semana. Sua atenção a agradava, mas sua conversa a deixava com sono. Andy David, outro rapaz que tinha encontrado no clube de ténis, já a havia convidado para dançar, mas ela recusou, e, ao fazer isso, imaginou que John provavelmente ia pensar que preferia ficar com ele. A verdade era que não estava com nenhuma vontade de dançar. Sentada na penumbra, ela observava sem ser observada e só via Jared à sua frente.

Ele parecia à vontade e notava-se que era querido e popular. A maioria das moças presentes arranjava uma desculpa para ficar perto... A seu lado, Laura estava orgulhosa e toda feliz com a aliança no dedo. Elizabeth também nunca saía de perto do enteado. Num vestido comprido de chiffon coral, eclipsava o tom pastel da roupa de Laura, e, à distância, Catherine tinha que admitir que não parecia muito mais velha do que a outra.

Jared resolveu tocar bateria e tirou o casaco por causa do calor. A seda fina da camisa grudava no corpo. Tinha afrouxado a gravata e desabotoado o colarinho. Ria de alguma coisa, e, ao vê-lo, Catherine sentiu uma pontada no coração.

Por que a havia forçado a vir para a ilha?, pensou.

- Quer dançar?

O convite de John interrompeu seus pensamentos e ela concordou imediatamente, querendo escapar deles. O rapaz segurou-a nos braços possessivamente.

- Já lhe disse que gosto do seu vestido? - murmurou com o rosto junto ao dela.

- Muitas vezes. - Sorriu, procurando, sem querer, um par de ombros largos.

- Mas é verdade. Nem toda mulher pode usar marrom.

- Não é marrom - corrigiu. - É cor de canela. Mas, obrigada.

Bem que tinha hesitado um pouco antes de usar o vestido de corpete sem alças e saia solta, por causa da cor. Mas, ao invés de ficar sem graça, com seu cabelo e o tom moreno que começava a tomar, chamava a atenção no meio das cores vivas com sua elegância comportada.

- Vamos andar de barco um dia desses? - John afastou-se para olhar seu rosto.

- Talvez - disse ela, e percebeu que Jared a olhava, rosto fechado e severo na penumbra da noite. Dançava com Elizabeth.

Num impulso, Catherine resolveu se comportar de maneira mais audaciosa. Saiu dos braços de John e bateu no ombro de Elizabeth,

- Tenha pena do pobre John. sra. Royal! Está morto de vontade de dançar com a senhora.

Antes que qualquer um deles pudesse protestar, ela se intrometeu entre Jared e a madrasta, que não puderam fazer nada.

Contraindo os lábios, Jared começou a dançar, mantendo uma certa distância. Catherine chegou mais perto, lutando contra o esforço dele para impedi-la.

- Você me surpreende. É demais! - murmurou ele, rouco, com a respiração quente junto à sua testa.

Tirando vantagem de sua fraqueza, ela se apertou contra ele. com um gemido, Jared a enlaçou, segurando-a com toda força. Moviam-se languidamente seguindo o ritmo da música. Catherine queria que a dança continuasse para sempre. Não se importava com quem os olhava ou como interpretariam seu comportamento e achava que Jared também não estava ligando a mínima.

De repente, a música mudou, mas, em vez de largá-la, ele começou a dançar num ritmo mais rápido. Era uma sensação deliciosa e Catherine riu do seu rosto sério, trazendo um brilho de admiração relutante aos olhos dele. Vários convidados começaram a bater palmas ao ritmo da música, querendo ver o que parecia ser uma exibição de dança. com o canto dos olhos, Catherine viu Elizabeth e John se juntarem ao grupo de espectadores.

Mas, pela primeira vez na vida, Jared não se importava com os que o observavam. Catherine estava sem fôlego quando a música acabou, e caiu sobre o parceiro depois de uma última rodada estonteante. Os braços de Jared a apoiaram automaticamente, mas logo Laura apareceu a seu lado, resolvida a será primeira a cumprimentá-los, e ele foi obrigado a largar Catherine.

- Foi genial, querido! - Comentou Laura, reduzindo imediatamente uma violenta experiência emocional a algo medíocre.

Catherine saiu de perto deles, frustrada. Queria escapar daquela gente toda, mas John Dexter estava a seu lado, e sua reação não tinha nada de simpática.

- Que idéia foi aquela de me jogar em cima da madrasta de Jared? perguntou, segurando-a pelo braço.

Ela levantou a cabeça, desafiando-o.

- Eu fiz isso?

- Sabe que fez. O que há com você? Jared é propriedade de Laura, não sabia?

- E o que foi que eu fiz, pelo amor de Deus?

- Não venha com essa! Sabe muito bem.

- Nós dançamos, foi só isso! Dançamos!

- Dançaram! Posso arranjar outro nome mais adequado!

- E o que lhe dá o direito de criticar o que eu faço? - perguntou, zangada.

John deu um pontapé no tronco de uma palmeira.

- Nada. Nada, a não ser... que não queria vê-la magoada, Catherine.

- Não sou nenhuma boba, John.

- Está bem, eu estou com ciúme.

A zanga de Catherine desapareceu na hora.

- Quer dançar mais? John olhou-a fixamente.

- com você?

- É, comigo. - Puxou-o para a pista. - Elizabeth ficou muito zangada?

- Disfarçou bem - respondeu ele, rindo. - Ou talvez quisesse mesmo dançar comigo.

Catherine sorriu. De repente, John se mostrava um sujeito agradável e ela percebeu que o problema com ele é que nenhuma de suas namoradas o tinha deixado tão por baixo.

Jared estava do outro lado do pátio, com Laura e os pais, e Catherine fez força para não olhar para ele. O que estariam falando? Será que os velhos, como Laura, não viam as implicações mais profundas do que tinha acontecido na pista de dança? Ela própria não conseguia se esquecer. Apesar de tudo que havia dito a John, sabia que as coisas nunca mais seriam as mesmas entre ela e Jared; apesar de não significar que iam melhorar. John estava certo, afinal de contas: ele era propriedade de laura. Mas por que não conseguia acreditar nisso?

Suspirou, e John perguntou ansioso:

- E agora, o que é?

Ela sacudiu a cabeça e tranqiiilizou-o com um sorriso.

Não viu Elizabeth outra vez, até o último convidado sair. Já eram mais de duas horas, e um sentimento de tristeza substituiu a euforia anterior. Queria ir para a cama, procurar o conforto dos lençóis e afundar no mundo da fantasia e do esquecimento. Jared tinha saído uma hora atrás para levar Laura para casa. Quando o último carro desapareceu pelos portões, ela e Elizabeth ficaram sozinhas.

No pátio, dois dos empregados que iam ficar até mais tarde, pegavam os copos, enchiam bandejas de comida e jogavam guardanapos sujos na cesta de roupas para lavar. De manhã nada restaria da festa, e Catherine via uma certa semelhança entre aquele caos tangível e suas emoções intangíveis.

No saguão, Elizabeth olhou-a friamente, e jogou a cabeça para trás, adotando uma arrogância que qualquer membro da realeza teria invejado.

- Acho que não é hora de trazer o assunto à baila, mas tenho que lhe dizer que seu comportamento hoje me desgostou, Catherine.

- Sinto muito.

- Sente mesmo? - Passaram-se alguns segundos. - Não posso acreditar. Você fez tudo de propósito e calculadamente, sabendo que magoaria Laura.

- Não é verdade!

- Como não é verdade? É claro que a magoou...

- Não era minha intenção. Essa história de ser deliberado ou calculado não é verdade. Pode ter sido impulsivo, talvez. Mas foi só.

- E como acha que o Jared se sentiu? no meio de todos os amigos? Uma hóspede nesta casa se comportando como uma...

- Espere um pouco.

- Espere um pouco você, Catherine. Não sei junto com que tipo de gente foi criada na Inglaterra, mas aqui temos um código de valores diferente.

- Ah, têm?

- Temos. - Contraiu os lábios. - Não nos jogamos em cima de homens que, obviamente, nos acham uma carga desagradável!

- Uma carga desagradável? Não pode acreditar nisso! Elizabeth franziu a testa,

- O que quer dizer?

Catherine estava pálida, mas decidida.

- O que pensa que estou falando? - Arrebitou o nariz. - Não acha mesmo que Jared não gostou!

- Que diabo está acontecendo aqui?

A voz de Jared soou aguda e irritada no súbito silêncio. Estavam tão ocupadas discutindo, que não escutaram o carro voltando, mas agora lá estava ele, zangado, com o casaco jogado nos ombros.

- E então? Sabem que estão falando tão alto que dá para ouvir da praia? Pelo amor de Deus, se querem se morder, não façam isso em público!

- Eu só estava mostrando a Catherine como se comportou mal hoje a noite, Jared. Se alguém estava mordendo, não era eu.

- Acho que a única pessoa que tinha o direito de se ofender era Laura

- respondeu Jared, friamente.

- Ah, Laura! - falou Elizabeth, cheia de desprezo. A expressão dele endureceu.

- E. Laura - repetiu. - Você não é e nunca foi minha tutora, Liz. Elizabeth olhou na direção de Catherine.

- Está me dizendo que aprova a exibição que ela deu hoje à noite? Catherine ficou pensando o que faria, se Jared escolhesse aquele momento para revelar o que sabia de sua condição física. Que arma na mão da madrasta! Nunca o perdoaria se fizesse isto!

Ele sacudiu a cabeça e jogou o casaco sobre uma cadeira perto da escada.

- Acho que, quanto menos falarmos sobre o assunto, melhor. -’Foi até o arco que delimitava a ala esquerda da casa. - E vocês duas, já para a cama!

Mas é claro que, quando chegou ao quarto, Catherine não conseguiu dormir. A exaustão que sentia ao se despedir dos convidados tinha desaparecido depois da cena com Elizabeth, e agora sua mente estava alerta.

Vestiu a camisola e ficou andando de um lado para outro. Abriu as

portas da varanda e olhou o pátio, no exato momento em que as luzes se fecharam. Agora, os criados iriam para a cama e a casa se prepararia para dormir.

Suspirou, debruçando-se na grade da varanda. Estava quente e a brisa trazia o murmúrio do oceano. Se fosse mais perto, iria nadar. A única vez que tinha nadado à noite foi durante um churrasco, na Itália, com muita gente em volta, e não no isolamento silencioso que procurava hoje. Mas de todo jeito não adiantava querer. A praia estava longe demais. Mesmo assim...

De repente, na escuridão, bem debaixo de sua janela, viu o brilho de um cigarro e percebeu que Jared estava lá. Franziu a testa procurando saber onde estava. Deu um passo atrás, mas a voz dele soou macia no ar da noite:

- É muito tarde. Sei que você está aí. Catherine hesitou um instante e voltou para a grade.

- O que está fazendo?

Seus olhos se acostumaram à escuridão e viu qUe ele dava de ombros.

- Só dando um passeio, antes de... - Interrompeu-se e levantou a cabeça, com o rosto anuviado e enigmático. - Não consegue dormir?

Ela não sabia dizer se ele se importava ou não, mas sacudiu a cabeça.

- Não.

- Não está preocupada com o que Liz falou, não é?

- Não muito.

- Foi o que achei. - Seu tom era seco. - Não vai acontecer outra vez.

- Não vai?

- Não!

- Sabe o que eu estava pensando? Ele não respondeu, e ela continuou: - Como seria gostoso nadar à noite!

O silêncio foi tão demorado, que ela achou que Jared tinha ido embora. Afinal, ele disse, numa voz áspera:

- Já pensou no escândalo, se descobrissem você fazendo uma coisa dessas?

Catherine prendeu a respiração.

- É um convite. Jared? Ele praguejou baixinho.

- Não, não é!

- Mas se eu convidasse você...

- Não. Catherine!

Era a primeira vez que o ouvia dizer seu nome e gostou do som. Seria tão bom ouvi-lo dizendo ”Catherine” ao fazer amor...

- Jared?

- Você é louca, sabe disso?

- Posso me vestir

- Quer dizer se despir? Por favor, Catherine! Tenho que trabalhar amanhã. Sabe que horas são?

- Hum, hum. Mais ou menos três horas.

- Três e doze, para ser bem preciso - murmurou ele, olhando o relógio de pulso.

- E daí?

- Ora, desça. vou pegar a moto. Não tenho a menor intenção de sair de carro hoje. Pode andar na motocicleta?

- Claro! - Ela sorriu, morrendo de alegria. - Não demorou nem cinco minutos.

Ele não respondeu: entrou na casa e desapareceu.

Ela custou a amarrar as tiras do biquini, pois as mãos tremiam, mas afinal conseguiu e enfiou a calça jeans por cima e um leve suéter de lã. Amarrou os cabelos com um elástico e saiu do quarto, levando as sandálias na mão.

A casa estava às escuras. Enquanto hesitava no saguão, Jared apareceu e fez sinal para que o seguisse. Saíram por uma porta lateral que Catherine nunca tinha visto.

Andaram até a frente da casa e ela viu o brilho do metal, indicando que a moto estava na entrada. Foram andando até os portões, antes que Jared montasse. Agarrou-se a ele e partiram.

O ar da noite estava fresco, mas não frio. Catherine encostou o rosto nas costas de Jared. Ele ainda estava de dinner-jacket, e ela achou que não havia nada mais esquisito do que andar de motocicleta em roupa a rigor.

Viraram para o sul, na direção oposta a Flintlock, mas ela não fez perguntas. Jared sabia para onde ia, e, honestamente, adoraria andar com ele a noite inteira.

Afinal, parou do lado de uma encosta de grama que levava às dunas onde o barulho do mar era muito mais suave do que em Flintlock. Desligou a moto.

- Você está bem? - perguntou ele, ajudando-a a desmontar. Ela concordou, - Só dolorida. Há anos não ando de moto.

Ele encarou-a por alguns segundos e depois deu de ombros, pesmontou, tirou o casaco, colocou-o no guidão e apontou as dunas.

- Vá na frente.

Uma lua pálida iluminava a praia selvagem e deserta e para Catherine, incrivelmente linda. Palmeiras se erguiam no meio das dunas e uma cama de haste longa e escura contrastava com a areia. Ela deixou as sandálias no chão, adorando sentir os corais minúsculos entre os dedos. Logo adiante, o mar se debruava numa linha branca sobre a praia, e Catherine estava louca para sentir a carícia suave no corpo quente.

Virou-se para trás. Jared a seguia e ainda estava completamente vestido. Ela puxou a ponta do suéter indecisa.

- Você não vai entrar?

- Depois de você - disse ele.

- Depois de mim?

- Na última vez que veio à praia comigo, você não se molhou. Catherine suspirou.

- Foi... diferente.

- Por quê?

- Não queria me trazer - disse ela, suavemente.

- E agora?

- Trouxe porque quis.

Ele tirou a roupa, ficando de cueca.

- Vamos nadar. - E andou na direção da água.

Catherine hesitou um instante. Depois, numa ansiedade que não conseguiu disfarçar, livrou-se do jeans e do suétar e correu para as ondas.

A água estava deliciosa. Nadou em largas braçadas preguiçosas. Viu a cabeça morena de Jared já a alguma distância, mas ficou perto da praia. Virou-se de costas, boiou um pouco, tentando distinguir as estrelas do céu. mas sempre consciente de que Jared estava com ela. O que faria Elizabeth, se desse pela falta do enteado... Iria ver se ela estava no quarto? Pensaria que podiam estar juntos? E se descobrisse que os dois estavam sumidos?

Catherine começou a nadar de novo. Não queria pensar em Elizabeth, pois isso a fazia lembrar de Laura.

Por que estava traindo a outra desse jeito? Não era uma mulher egoísta Mas, quando via Jared tudo e todos desapareciam, insignificantes.

Ao sair da água, lembrou-se de que não tinha trazido toalha. Passou as mãos pelos braços tirando o excesso de umidade, e quase morreu de susto quando foi agarrada pelo tornozelo. Não tinha visto Jared deitado na areia.

- Eu... eu não trouxe toalha.

- Nem eu - respondeu ele, olhando-a com intensidade. - Vem cá que eu enxugo você.

- Co... como?

- Já lhe mostro. - Subiu a mão até seu joelho. - Vem cá... Ela hesitou.

- Não. vou pegar minha roupa...

- Por quê? - com um movimento rápido, ficou de pé ao lado dela.

- Eu só teria o trabalho de tirá-las de novo.

- Jared...

- Hein?

- Jared... - Respirou fundo. Ele estava tão perto que suas pernas tocavam as dela. - Você tem certeza?

Sacudiu a cabeça e abraçou-a pelos quadris, apertando seu corpo maleável contra o dele.

- Não tenho certeza de mais nada. Mas é bom, não é? Diga que é gostoso.

- É... gostoso... - murmurou, segurando o rosto dele com as duas mãos e aproximando a boca.

Nem ela estava preparada para a emoção violenta que os envolveu, quando seus lábios se encontraram. Tinha esperado a noite inteira por isso. Enquanto dançavam, possuindo-se de todas as formas, menos fisicamente, Catherine antecipava esse momento e do jeito como Jared a segurava, ele também.

Seus lábios se abriram sob os dele, e sentiu que Jared acariciava suas costas e soltava o elástico que lhe prendia os cabelos. Ainda abraçados, deitaram-se na areia.

- Meu Deus, como eu a quero! - ele falou, com o rosto entre seus seios, e ela sentiu o sutiã do biquini cedendo à pressão dele. A boca procurou os bicos rosados, e Catherine foi dominada por um prazer que só ele podia lhe dar. - Você é tão linda - murmurou, rouco, e a boca esfomeada procurou a dela outra vez.

A pele de Catherine tinha secado depressa, mas uma fina camada de areia grudara nas costas nuas, queimando-a. O amor de Jared também tinha alguma coisa selvagem e primitiva que queimava. A boca devoradora e possessiva acordava-a para a consciência da própria vulnerabilidade em relação àquele homem.

Foi Jared que interrompeu o louco abraço, rolando pela areia, apertando a testa com as duas mãos. Estava lívido pelo esforço de controlar as emoções.

- Pelo amor de Deus, o que eu estou fazendo? - a pergunta era um tormento e uma acusação.

- Jared, começou Catherine, carinhosa, mas ele se levantou, tentando alcançar sua calça.

- Cubra-se! - ordenou ríspido. Virou-se de costas para ela, que começou a amarrar o sutiã com dedos trémulos.

- O.que foi que aconteceu? - Olhou para ele, desconsolada. - Qual é o problema?

O riso dele foi sarcástico.

- Meu Deus! Você bem sabe o que está errado. Eu me esqueci, acredita? Eu me esqueci mesmo de que não era o primeiro homem a... Interrompeu-se, com um ríctus de desprezo. - Ah, não, Catherine! Não vai me usar para colocar dúvidas sobre a paternidade da criança que está gerando...

- Mas eu não estou...

Jared não prestou a mínima atenção.

- Esqueça! Não quero me envolver nisso! - Abotoou a camisa com mãos nada firmes. - Você tomou conta de mim por um minuto murmurou, zangado com ele e com ela. - Ora, vista-se! Vamos voltar já. Só espero que ninguém tenha percebido nossa ausência.

- Como Elizabeth, por exemplo?

Estava gelada de frio e de decepção e não se importava a mínima com o que dizia.

Jared franziu a testa.

- Por que falar em Elizabeth?

- E por que não? - Enfiou o suéter pela cabeça. - Achei que era a Pessoa mais próxima...

- Que diabo está insinuando?

Catherine deu de ombros, vestindo a calça jeans.

- Sinto muito. - Mas seu tom desmentia as desculpas. - Pensei que ela podia ter ido ver se o bebé estava nanando!

Sentiu imediatamente que tinha ido muito longe. Jared tentou alcançá-la, furioso, mas conseguiu fugir dele. com o coração batendo nos ouvidos e um soluço histérico preso na garganta, saiu correndo pela praia e atravessou as dunas até onde estava a motocicleta.

Olhou para trás, morrendo de medo. Ele ainda estava a alguma distância, seguindo-a sem pressa, mas com uma persistência que parecia ainda mais perigosa. Achava que estava sem saída e que não precisava se apressar. Se ela corresse, ele a pegaria com toda a facilidade de motocicleta.

A motocicleta!

Catherine virou-se, rapidamente. Era maior do que a que tinha usado, na Inglaterra, mas os controles eram os mesmos. E a chave estava na partida.

Antes que ele pudesse prever suas intenções e correr para impedi-la, ela já havia montado, jogado seu casaco no chão e ligado o motor.

O barulho era de ensurdecer, mas ainda escutou os gritos de raiva de Jared, o que a fez aumentar a velocidade. Saiu da grama, entrou na estrada, e aí foi fácil. Um riso de puro prazer escapou de seus lábios ao olhar para trás e vê-lo em pé no meio da estrada.

Que glória, pensou, sem o mínimo arrependimento. Dessa vez, ganhei!

 

Já passava das onze quando acordaram Catherine na manhã seguinte. Viu Susie ao lado dela, segurando uma bandeja de suco de frutas e café.

- A srta. Prentiss está lá embaixo - explicou a moça, colocando a bandeja em seu colo. - Eu disse que a senhorita estava dormindo, mas ela insistiu que já era hora de acordá-la.

Catherine sorriu, compreensiva.

- É verdade, Susie. A srta. Prentiss está certa: eu já devia ter me levantado. Onde está todo mundo?

- A sra. Royal nos estábulos, e o sr. Royal não está aqui.

- Não?

- Não.

- Então, onde está? - Lembranças de Jared, sozinho no meio da estrada deserta, começaram a atormentá-la. Será que tinha acontecido alguma coisa? Nunca se perdoaria. - Você o viu hoje de manhã?

Susie olhou-a, intrigada... - Vi, srta. Fulton. Precisa falar com ele?

Catherine achou melhor não mostrar tanto interesse em Jared.

- Agora não, Susie - disse, rapidamente, esperando desviar a atenção da moça. - Hurra! Que delícia! Como adivinhou que eu não queria comer nada?

- Não sei. Só adivinhei. - Susie parecia contente. - Devo dizer à srta. Prentiss que vai descer já?

- Por favor. Onde está ela?

- No pátio.

Depois que a criada se foi, Catherine pôs a bandeja de lado e saiu da cama. Abriu a porta da varanda, que tinha trancado na noite anterior, com medo de que Jared usasse esse caminho para pegá-la depois que voltasse Mas dormiu sem escutar barulho de gente entrando em casa.

Laura estava sentada, muito desconsolada, numa das espreguiçadeiras coloridas, observando Henry tirar os fios de lâmpadas em volta da piscina. Estava com o corpo curvado, cotovelos nos joelhos e o queixo aninhado nas mãos. Parecia triste e desanimada, e Catherine sentiu todo o peso de sua traição. Quaisquer que fossem os motivos de Jared ter interrompido o abraço da noite anterior, ela tinha conseguido alguma coisa que queria. Não sabia que demónio a havia possuído para agir assim, e, ao se lembrar de seu completo abandono, ficou vermelha e sentiu o corpo todo pegar fogo.

Desconfiava de que tinha destruído qualquer esperança de convencê-lo de que não era a mulher livre e sem princípios que ele imaginava. O que havia começado como um jogo estava drasticamente mudado. Apesar de que não estava grávida, ia achar que era mais por sorte do que por ter se cuidado. Que coisa mais sem cabimento, pensou, desgostosa. Mas só podia culpar a si mesma.

com um suspiro, serviu-se de suco de laranja fresco e levou-o para o banheiro. Uma ducha quente limpou o sal de seus cabelos e pele. Na noite anterior, só tinha tido tempo de secar os cabelos com uma toalha, antes de cair na cama, mas agora se sentiu nova e pronta para encarar o dia.

Vestiu-se, amarrou um rabo-de-cavalo com uma fita verde, da cor exata do vestido. Passou um pouquinho de sombra nos olhos e sua pele dourada não precisou de mais nada. Sentiu-se muito segura ao descer a escada, segurança que logo se dissipou, ao ver o olhar de reprovação de Laura.

- Alo, Catherine - cumprimentou-a, friamente. - Deve estar cansada.

- Eu estava. - Pensou em colocar os óculos, mas desistiu: não ia se esconder atrás de lentes escuras. - E você?

Laura deu de ombros...

- Eu não trabalhei tanto quanto você. Catherine não entendeu.

- Não?

Na organização da festa. Deve ter ajudado Elizabeth a conseguir um resultado tão maravilhoso. Catherine suspirou e afundou nas almofadas de uma cadeira próxima.

Por que não fala logo, Laura? Por que não diz logo o que quer’?

A outra umedeceu os lábios.

Não sei o que quer dizer.

- Sabe, sim. Por que não me diz para deixar o Jared em paz? É por isso que está aqui, não é?

- Não! - Laura ficou horrorizada. Levantou-se, de repente, encarando Catherine, espantadíssima. - Eu... eu vim aqui ver se você queria ir almoçar no Fourwinds, só isso! A troco de que eu iria querer causar uma cena desagradável’? Se está preocupada por que dançou com Jared ontem, está exagerando a coisa. Ele dança com todas as moças. Além disso, me explicou que John queria mudar de par. Não sou ciumenta. Não seja boba!

Catherine encostou a cabeça nas almofadas. Tinha que aceitar o que Laura estava dizendo. O que mais podia fazer? Quaisquer que fossem seus sentimentos, a garota não ia se abrir com uma estranha.

- Fourwinds? - perguntou.

- Minha casa. - Laura juntou as mãos. - Como Jared não está aqui e Elizabeth está ocupada, achei que você podia querer sair.

Catherine levantou-se e começou a andar pela margem da piscina. A última coisa que queria era passar o dia na companhia de Laura. Mas, se recusasse, podia ser mal interpretada. Ou ”bem” interpretada, o que ainda seria pior.

- Onde está Jared? - perguntou, desprezando-se por perguntar.

Laura arrumou as almofadas da espreguiçadeira onde tinha estado sentada.

- Lá na casa da praia. acho.

- Flintlock?

- É. Já esteve lá?

- Uma vez. - E virou-se de costas de novo.

- Acho que não o veremos por alguns dias - comentou Laura, e suas palavras casuais fizeram com que todos os músculos de Catherine se retesassem.

- Não?

- Não. - Laura pegou a bolsa. - Henry me disse que ele encheu o carro, de manhã, com a parafernália toda de pintura. Todo mundo sabe o que isso significa.

- O quê?

- Que está achando impossível trabalhar em casa. Afinal de contas, tem que acabar a encomenda para o Legislativo.

Havia bolsos no vestido de Catherine e ela enfiou as mãos dentro deles.

- Que encomenda?

- Um retrato da mulher do governador-geral - informou Laura, com orgulho.

- Mas ela já esteve aqui? Nunca a vi.

- Não. Jared trabalha sobre fotos, na maioria das vezes. Todos os pintores têm seu estilo próprio e Jared trabalha melhor sozinho, sem modelos.

- Ah, é?

- É. Não viu o retrato da mãe dele na sala de jantar? Foi Jared que fez. Depois que ela morreu, é claro. Ele era muito menino quando aconteceu...

Catherine lembrava-se muito bem do retrato. Ela o tinha admirado muitas vezes.

- Ele é muito bom. Laura concordou, contente:

- Não é mesmo? Você não pode imaginar como é maravilhoso estar noiva dele. - Esticou a mão, de modo que Catherine pudesse admirar o diamante solitário em seu dedo. - Jared era tão... bem, sua reputação não era das melhores, quando rapazinho. Mas desde que começamos a namorar...

Sorriu, mas Catherine tinha se virado, odiando as emoções que sentia. Laura não estava se vangloriando do que tinha conseguido. Parecia, mas não estava.

- E então? - insistiu a moça. - Vamos almoçar com meus pais? Eles vão adorar.

Catherine pensou em almoçar sozinha com Elizabeth e chegou a uma decisão.

- Tudo bem. - Conseguiu sorrir. - Eu vou, se você acha que não atrapalho.

- Maravilhoso! - Laura ficou tão entusiasmada que ela se sentiu pior ainda. - Você deixa um bilhete para Elizabeth com um dos criados. Ela não vai se importar.

Agora, Catherine não podia voltar atrás, mesmo que quisesse. Susie estava espanando a escada quando ela entrou no hall e deixou o recado de que iam almoçar fora. Pelo menos, todo mundo da casa ficaria sabendo, pensou, friamente.

Fourwinds era uma casa térrea, construída num declive sobre um pequeno lago. Janelas compridas davam para os jardins que desciam até a água, onde um barquinho a motor balançava preso a um pilar de pedra. Atrás da casa havia canaviais. Ao chegarem pelo caminho estreito, coberto de árvores, palmeiras e arbustos coloridos, Laura explicou que, apesar de aposentado, o pai empregava um administrador para tomar conta da pequena fazenda. Catherine viu um moinho no meio de plumas cinzentas, as pás rodando com a brisa, com certeza puxando água do lago para os campos. Dois nativos trabalhavam no jardim, mas pararam e se encostaram nas pás quando as duas moças passaram. Era uma atmosfera que respirava a indolência e preguiça.

O sr. Prentiss estava sentado na varanda em frente à casa, que dava para os jardins e o lago. Era um homem de cinquenta e poucos anos. Catherine já o conhecia, mas não tinham conversado ainda.

De estatura média, magro, grisalho e rosto enrugado pelo sol, era um homem quieto, acostumado a deixar que suas mulheres falassem por ele.

Estendeu a mão para Catherine, com um sorriso quente e franco.

- Bem-vinda a Fourwinds. Venha tomar um drinque antes do almoço.

- Obrigada. Que vista mais linda vocês têm!

- Verdade. Como não podemos ver o mar...

- Nadam no lago? Laura riu.

- Papai, não. Mas eu nado, às vezes.

- O mais perto que chego da água é naquele barquinho ali. Você sabe velejar, Catherine?

- Nunca tentei. Não era uma das paixões de meu pai e nunca cheguei a experimentar.

Subiram os degraus da varanda e a mãe de Laura apareceu numa das portas para encontrá-los. Era como Laura gordinha, cabelos escuros com alguns fios grisalhos, mas a pele muito bonita disfarçava sua idade. Cumprimentou Catherine, um pouco menos amável do que o marido, e todos se sentaram confortavelmente em cadeiras de vime com almofada. Catherine provou pela primeira vez um ponche gelado, mistura de suco de limão e açúcar com uma pitada de angostura e bastante rum. Uma delícia Relaxou, juntando-se de vez em quando à conversa superficial e leve. A eloquência da sra. Prentiss diminuía a contribuição de todos, e era bom ficar ali no sol, olhando as abelhas e as flores e escutando o barulho da água contra os juncos da beira do lago.

O almoço foi servido numa sala de paredes brancas com um enorme ventilador de teto. Salada de frutos do mar e uma musse de frutas era tudo que se precisava num dia quente daqueles. Depois, a sra. Prentis sugeriu que Catherine fosse olhar a casa. Ela teria preferido voltar para sombra da varanda. O ponche era mais forte do que imaginava e misturado com vinho que tinha bebido no almoço, a deixara sonolenta Mas Laura e a mãe compartilhavam do mesmo entusiasmo e animação o que tornava a recusa difícil. Esperava que Laura as acompanhasse, mas ela ficou com o pai.

Fourwinds era mais moderna do que Amaryllis, com mobília semelhante à que se via em Londres. Catherine tentou mostrar um entusiasmo genuíno pelo que a anfitriã dizia, mas decoração de ambientes não era o seu forte. Logo descobriu, no entanto, que mostrar a casa era apenas uma desculpa. A sra. Prentiss levou a conversa para os Royal, e Catherine ficou só esperando a acusação que viria. Espantou-se, quando a mãe de Laura começou a falar em Elizabeth.

- Como é que se dá com a madrasta de Jared? - perguntou como quem não queria nada.

Catherine deu de ombros. Como responder àquela pergunta?

- Eu... nós não nos vemos muito - disse, evasiva. - Sabe que ela passa a maior parte do tempo nos estábulos, não é?

- Sei. - A Sra. Prentiss abriu a porta de uma sala baixa e grande. É a sala de visitas. - Explicou, distraída: - Ela já comentou com você o que vai fazer quando Laura e Jared casarem?

- Não. - Passou os dedos pelo estofado macio de uma poltrona. Adoro esse-couro claro...

- Sabe que houve muitos mexericos sobre ela e Jared quando o pai dele morreu?

Catherine sentiu que ficava vermelha.

- As pessoas sempre fazem fofocas - disse, sem mais comentários.

- Eu sei. E francamente não acho que haja alguma coisa por trás do falatório. Não da parte de Jared, pelo menos. Mas Elizabeth Royal sempre prestou muita atenção no enteado. Todo mundo sabe. Tem gente que diz que só casou com o velho porque não estava conseguindo nada com o filho. E quando James morreu...

- Por favor, sra. Prentiss, não vejo o que isso tem a ver comigo. Se sente alguma dúvida sobre o relacionamento de Jared com a madrasta, devia conversar com ele.

A sra. Prentiss fungou.

- Como se eu pudesse fazer isso! Não sabe que Jared não’ deixa que se fale nada sobre aquela mulher? Mas ele e Laura estão noivos há dois anos. Já era hora de decidirem esse casamento. Mas, pelo que sei, não se resolveu nada, ainda.

Catherine sentiu o estômago embrulhar.

- Não tenho mesmo nada a ver com isso, sra. Prentiss - falou, baixinho, imaginando o que a mulher diria, se soubesse como estava se sentindo naquele momento, lembrando-se de que há menos de doze horas atrás estava nos braços de Jared...

- Mas você mora na casa, Catherine. E Laura me disse que você a defendeu dela a semana passada. Não, não foi bem assim... eu sei. Ela é uma boba em -relação a ele. Mas percebi que estava tentando ajudá-la.

- Sra. Prentiss...

- Não, deixe-me acabar. Eu tinha esperança de convencê-la a falar com Elizabeth. Sem compromissos, entende? Só sondá-los sobre... sobre a situação.

- Mas eu...

- Laura não se impôs, entende? Não faz perguntas. Fica bem contente de se sentar e deixar que os Royal pisem nela. Não vou permitir isso. Alguém tem que fazer alguma coisa. Esse noivado não pode se arrastar pelo resto da vida.

Catherine respirou fundo e lhe ocorreu maldosamente, que, ao tentar trazê-la para suas fileiras, a sra. Prentis esperava acabar com qualquer ameaça que ela pudesse representar Mas, quaisquer que fossem seus motivos, não podia ajudar em nada.

- Por que não fala com Elizabeth?

- Pensa que já não tentei? Elizabeth Royal é uma mestra na arte dos sofismas! Nunca uma resposta direta. Sempre algum impedimento que inventa: a venda de um cavalo de raça, Certas encomendas que Jared precisa despachar...

- Bem, por falar nisso. Jared está trabalhando agora.

- O retrato da mulher do governador-geral. eu sei. - A sra. Premis: fez um gesto impaciente. - Mas já deve estar pronto.

- Acho que ele foi embora hoje de manhã...

- Foi embora?

- Para a casa da praia. Laura me contou.

- Para terminar a encomenda, imagino.

- Acho que sim.

A mulher suspirou, zangada.

- Não é típico de um homem? Fugindo de suas responsabilidades? Catherine pigarreou.

- Suas responsabilidades?

- Claro! Você, Catherine, você! Convida-a para vir para a casa dele e a abandona!

- Não sou uma criança, sra. Prentiss.

- Eu sei. Mas Jared é assim com tudo. Ele sabe... pelo menos, devia saber... o quanto Laura quer casar; mesmo assim, teima em se comportar tão irresponsavelmente! Acho que é seu temperamento artístico e temos que dar um desconto. Mas ele abusa de Laura. Ela é uma moça adorável e muitos rapazes invejam a sorte dele. E o que faz Jared? Trata-a sem o menor respeito.

Catherine fez um esforço para escapar.

- Não acha que devíamos ir ficar com os dois? Devem estar preocupados.

- Mas a mãe de Laura ainda não tinha acabado.

- Se Jared não está, vai ser uma ótima oportunidade para você conversar com Elizabeth.

- Mas...

A sra. Prentiss acalmou-a, com um gesto.

- Por favor, não estou pedindo que seja indiscreta. Só gostaria que falasse sobre o casamento. Uma palavrinha bem colocada aqui e ali. Podia ficar sabendo muita coisa.

- Duvido.

- Ah, eu sabia que podia contar com você.

A sra. Prentiss tomou seu comentário seco como aceitação e, antes que Catherine pudesse protestar, ela atravessou o saguão e chamou um dos enpregados para levar o chá para a varanda.

Foi de propósito, pensou Catherine. Mas não podia dizer nada. Além disso, não era obrigada a contar a ela tudo que se falasse na casa dos Royal. Levando Catherine de volta para Amaryllis, Laura parecia muito menos tensa.

- Você e mamãe se deram muito bem, não? - Olhou-a de esguelha.

- Fico contente. Não é sempre que ela gosta de minhas amigas.

Catherine não fez comentários. Estava se sentindo desconfortável e vulnerável. O que havia com essa gente que a fazia ficar tão nervosa? Por que teimavam em envolvê-la em seus problemas? Ela e Laura nem eram amigas. Só conhecidas, só isso. E não tinha se dado nada bem com a mãe dela. Pelo contrário, sentia uma aversão incrível. Era só uma estranha, uma convidada da casa Royal, nem mesmo uma parente distante. Não sabia nada sobre eles nem sobre seus planos. E não queria saber. Se a sra. Prentiss estava ansiosa para casar a filha, devia falar com a única pessoa que podia fazer alguma coisa sobre o assunto: Jared!

E por que ele não casava com ela, afinal? Se estavam noivos há tanto tempo, pelo que esperavam? Dinheiro não era obstáculo para nenhum dos dois. A casa Royal era suficientemente grande para acomodar meia dúzia de famílias. Por que o atraso? A barreira seria Elizabeth? Ou Jared relutava em se comprometer para sempre?

Ah, meu Deus! Catherine sentiu lágrimas nos olhos. Não tinha nada a ver com isso. Será que não entendiam? E por que ela também não aceitava esse casamento?

Laura recusou o convite para entrar quando chegaram em Amaryllis.

- É melhor eu voltar para casa. Muito obrigada. Vejo você amanhã. Podemos ir ao Castelo de Sam Lord. Gostaria? Almoçamos lá. Vai gostar, garanto.

Catherine não achou um bom motivo para recusar, mas precisava de algum tempo só para ela.

- Deixe para depois de amanhã.

- Depois de amanhã? - perguntou Laura, desapontada. - Está bem. Mas o que vai fazer amanhã?

Catherine segurou a bolsa comVorça e se esforçou para ser educada.

- vou passar um dia bem preguiçoso e à toa. Até logo!

- Até logo - respondeu Laura, com um suspiro, e ela entrou em casa sentindo-se uma verdadeira peste.

Lily a esperava no saguão.

- A sra. Royal quer vê-la, srta. Fulton. Está na biblioteca. Sabe onde é? Catherine suspirou. Depois da conversa com a sra. Prentiss, a última coisa que queria era uma briga com Elizabeth.

- Por favor, diga à sra. Royal que preciso ir lavar as mãos - pediu dirigindo-se para a escada.

A voz de Elizabeth fez com que parasse.

- Você tem um minuto, Catherine?

- Ia lavar o rosto e as mãos, sra. Royal.

- Acho que isso pode esperar. Se não se importa...

Catherine notou o olhar compreensivo de Lily ao ir para a cozinha aquilo lhe deu forças: levantou a cabeça e foi na frente até a biblioteca.

Elizabeth ainda estava usando sua roupa de trabalho, camisa de seda calça de montaria, o que era estranho àquela hora da tarde. Talvez, com ausência de Jared, não ligasse tanto para a aparência, pensou.

- Esteve em Fourwinds? - perguntou Elizabeth, fechando a porta.

- Estive.

- Laura convidou você?

- É claro.

- Elizabeth indicou uma cadeira, mas Catherine preferiu ficar em pé. - É bom que ela considere você como amiga.

- O que queria falar comigo, sra. Royal? A outra suspirou e sentou-se numa cadeira.

- Ah, meu bem, percorremos um longo caminho em dez dias, não é verdade? Começamos como amigas e o que somos agora? Inimigas?

- Acho que está exagerando, sra. Royal.

- Espero que sim. - Mordeu o lábio. - Sobre ontem à noitCatherine...

- Não acho que..,

- Calma. Eu ia pedir desculpas por exagerar o que todos viram dentro do enfoque verdadeiro. Sinto muito. Quer se sentar agora?

Catherine sentiu um cansaço enorme dominá-la.

- Por que queria falar comigo, sra. Royal?

Elizabeth impacientou-se.

- Estou tentando dizer, Catherine: - Forçou um sorriso. - Podia ajudar, aceitando minhas desculpas.

Catherine inclinou a cabeça. Sabia que estava sendo sem educação, mas não podia fazer nada: estava irritada demais.

- Não importa. E sinto muito se também fui grosseira. Se é tudo...

- Não é tudo. Queria falar com você sobre o... casamento.

- O casamento? - Duas vezes na mesma tarde? Era demais! Catherine olhou-a, confusa. - Que casamento?

- O casamento de Jared e Laura, é claro. Você deve saber que planejam casar. As pessoas não ficam noivas à toa, ficam?

- Eu... eu... - Catherine sentiu a boca seca. - Eu... não sabia que já tinham se decidido.

- Não? Bem, não está aqui há tempo suficiente para saber de tudo, não é? Mas já é de domínio público que esse noivado vem se arrastando há tempo demais. Naturalmente, Jared não quis apressar as coisas, mas acho que agora já é tempo, não? Pensei que talvez gostasse da idéia. A vida aqui não é tão interessante como em Londres. E quem sabe se, depois de casar, Jared deixa você voltar para a Inglaterra e para... seus amigos.

Catherine estava gelada. Começava no estômago, uma pedrinha dura de gelo, e se espalhava por todo o corpo. Então, era isso! Por alguma razão, Elizabeth resolvera mandá-la embora, mesmo que tivesse que se submeter ao casamento de Jared e Laura.

- É um pouco súbito, não? - Não conseguiu evitar um leve tremor na voz. - Laura não me disse nada, e tenho certeza de que comentaria se...

Elizabeth passou a mão pela calça, limpando-a de uma sujeira invisível.

- Eu e Jared discutimos isso ontem à noite, depois que você foi se deitar.

- Mas não... - Interrompeu-se, mordendo a língua. Quase tinha caído na armadilha que Elizabeth armara sem querer. Ou por querer? Não podia ter certeza absoluta de que a outra não sabia da saída noturna. Jared podia ter lhe contado. Catherine arrepiou-se só de pensar. Sacudiu a cabeça e murmurou: - Já era bem tarde, não?

- Jared me disse que ia passar uns dias na casa da praia. Achei que Podíamos resolver tudo antes de ele ir embora.

Catherine olhou para o rosto da outra e ficou louca para saber a verdade. Teria Jared falado com a madrasta depois que chegou de madrugada? Como podia ter feito isso? A não ser que o relacionamento deles ultrapassasse os limites da decência... Estremeceu apesar do calor do dia. Não podia acreditar que ele tivesse ido para o quarto de Elizabeth depois da cena de paixão com ela na praia. Mas, se não tinha ido, era tudo uma mentira? Uma invenção? Será que Elizabeth ousaria sugerir tal coisa sem permissão de Jared? Precisava admitir que não era possível.

- Então, quando vai ser o casamento? - Não deixaria que aquela megera visse como estava chocada.

- Essas coisas levam um tempinho. - Elizabeth cruzou as pernas. - Seis ou oito semanas, acredito.

- Oito semanas... Laura vai ficar contente, Elizabeth encarou-a, sem piscar.

- Todos nós vamos ficar felizes - corrigiu, suavemente. Catherine sentiu uma vontade enorme de arrancar seus olhos com as unhas.

 

Catherine recebeu uma carta de Tony na manhã seguinte. Foi como uma rajada de vento fresco ler aquela letra bonita, forte, lembrando a ela que, apesar das dificuldades, ele nunca havia desanimado da vida.

Tinha escrito a ele há menos de uma semana, dando-lhe seu endereço e um resumo divertido dos acontecimentos desde sua chegada. Tocou no assunto do antagonismo de Jared, mas omitiu a mentira sobre a gravidez. Suspeitava que Tony não aprovaria nem um pouco.

Elizabeth entrou na sala de almoço quando Catherine acabou de tomar café e seus olhos imediatamente caíram sobre a carta com o selo inglês.

- Do namorado?

Catherine enfiou a carta no bolso da calça jeans.

- Um amigo.

A outra sorriu, e ela de repente percebeu que não estava usando roupas de trabalho, e sim um conjunto de jaqueta e saia verdes. Era a primeira vez que Catherine via suas pernas, que eram muito bem torneadas.

- Acho que está querendo saber aonde vou - comentou Elizabeth, notando com satisfação o interesse da moça. - Telefonei para Marion Prentiss. Achei que devíamos nos encontrar, para discutir sobre o casamento. Ela foi muito simpática, de modo que vou lá hoje de manhã. Perguntei se você podia ir também, mas ela me contou que você havia dito a Laura que queria passar um dia sem fazer nada. É verdade? Acho que estava meio abatida, ontem à noite. Talvez não se dê bem com nosso clima.

Havia uma pitada de malícia na observação. Catherine resolveu pagar na mesma moeda.

- Pelo contrário. Gosto do tempo e adoro estar ao sol. Se estou abatida é porque Laura é cheia de vida demais. Muito, para a minha saúde.

O sorriso de Elizabeth desapareceu.

- Então, não quer ir?

- Não, obrigada. - Empurrou a xícara vazia. - Mas não se incomode comigo. Não fico chateada. Estou muito feliz aqui.

Elizabeth saiu logo depois das dez e Catherine suspirou de alíviu quando o barulho do motor do carro desapareceu na distância. com Jaret na praia, a casa era só dela, o que não era nada mau. Todos aqueles quartos que nunca tinha explorado! Elizabeth não era como a sra. Prentiss, e não tinha feito uma turnê com a hóspede. Mas talvez a excursão de interiores da mãe de Laura só tivesse como objetivo arrancar alguma coisa dela. Imaginou o susto da sra. Prentiss ao receber o telefonema de Elizabeth, e riu sozinha. Será que a mãe de Laura achava que influíra de algum modo naquela decisão? Bem, de algum modo sim. não do jeito que Marion Prentiss pensava.

Ficou um pouco na espreguiçadeira perto da piscina e depois passou pelos jardins. O irmão de Henry estava podando as cercas em volta das quadras de ténis, e seus olhos castanhos quase saltaram das órbitas ao vê-la com o short vermelho e bustiê branco. Corando, Catheríne bateu em rápida retirada, voltando para a beira da piscina e ficou lá, distraída.

O que estaria Jared fazendo? Trabalhando? Achava mais fácil concentrar-se na casa de praia, perto do surf que amava, do que entre as quatro paredes de seu estúdio? Seu estúdio...

Virando-se, olhou para o segundo andar- da casa. Era por ali. Sabia que era. Uma vez, tinha perguntado a Susie ao encontrá-la levando uma bandeja lá para cima. Havia uma segunda escada no fim do corredor, na extremidade oposta ao seu quarto. Mas ninguém subia lá, a não ser a convite.

Descontraída, entrou em casa. Lily estava na sala de almoço tirando a mesa do café da manhã e olhou-a, curiosa.

- Quer alguma coisa, srta. Fulton?

- Não, nada, obrigada. Só vou até o meu quarto pegar um livro, Lily aceitou a explicação e continuou seu serviço. Catherine atravessou a sala e subiu a escada correndo. No patamar, parou. Será que ia mesmo ivadir o estúdio dele? Teria coragem de fazer uma coisa dessas? E se fosse descoberta?

Suspirou, zangada com a própria indecisão. Ninguém sabia que ela não tinha permissão para entrar ali. Além do mais, não ia fazer nada de errado. Só queria ver onde ele trabalhava e examinar suas telas. Seguiu pelo corredor, muito confiante. Se alguém a visse era melhor que parecesse saber para onde ia.

Chegou ao fim do corredor sem incidentes, e lá estava a escadinha que ia ao segundo andar. Respirou fundo, pôs o pé no primeiro degrau, disse adeus aos escrúpulos e à consciência e subiu.

Chegou em um pequeno hall com duas portas. Qual escolher? Mordeu u lábio e virou a maçaneta da primeira. Era um banheiro. Abriu rapidamente a segunda.

Encontrou-se em um apartamento enorme, que se estendia quase que pela casa inteira, com janelas compridas para que entrasse o máximo de luz, mas agora as venezianas estavam fechadas. Como na casa de praia,

as paredes estavam cheias de telas, mas havia também mesas de desenho,

com potes e tubos de tinta, óleos, vernizes e vasilhas com pincéis,

arvões. facas. Era uma verdadeira caverna de Aladim.

Catherine fechou a porta, recostou-se contra ela, saboreando as delícias da exploração. Havia um cavalete no meio da sala sem tela.

Imaginou que Jared tinha levado à que estava sobre ele. O retrato da

esposa do governador, talvez. A encomenda que, no momento, tomava todo o seu tempo.

Suspirou, endireitou-se e foi andando com muito cuidado para não fazer barulho sobre as tábuas do assoalho. Havia uma porta no fim da sala, que ela abriu. Como esperava, viu um segundo corredor com mais portas. Era provável que antigamente essa porta superior fosse exatamente do tamanho dos andares inferiores, mas a necessidade de aumentar o estúdio tinha dividido a casa. Por que será que o estúdio não tinha sido feito do outro lado? A resposta veio naturalmente. As janelas onde Jared trabalhava tinham uma vista magnífica do mar. Atravessou a sala outra vez, abaixando-se para examinar algumas das telas encostadas nas paredes. Pintavam uma variedade enorme de temas, desde retratos, paisagens, figuras presas para sempre em cenas cheias de cor e paixão. Trabalhadores do campo com suas foices refletindo o sol, Os rostos escuros e alertas, dentes brancos. Os iates no porto de Careenape os policiais do porto em seus uniformes, os crustáceos dentro das redes. Pescadores e marinheiros, vendedores do mercado com seu material, as rodas tortas de suas carroças, tudo numa dimensão que Catherine nunca vira. Moinhos de vento e casas de fazenda arruinados, as velas de uma escuna ao pôr-do-sol.

Ficou deslumbrada, fascinada pelo talento dele. Virou as telas, sem se sentir uma intrusa, atenta como se estivesse numa exposição de arte que precisava ser compartilhada, vivida.

Atrás das telas, um caderno de esboços, coisas rápidas feitas a carvão. Folheou-o e arregalou os olhos, incrédula. Seu próprio rosto a olhava de volta em várias expressões diferentes: triste, pensativa, alerta, excitada, teimosa, provocante. Mas não só seu rosto; o corpo também, sem roupa e mostrando sinais de gravidez.

Abriu a boca, entre admirada e desgostosa, e ficou ali, com os desenhos na mão. Escutou passos na escada e logo depois a porta do estúdio se abriu. Achou que fosse Susie, Henry ou mesmo Elizabeth. Mas era Jared que a olhava, e as mãos dela tremeram incontrolavelmente ao ver a expressão dele.

- O que está fazendo? - perguntou, atravessando a sala e arrancando os esboços de sua mão. - Quem lhe deu permissão para vir aqui? Onde está Liz? Não acredito que permitisse tal coisa!

Catherine estava de joelhos e continuou assim. Não via Jared desde que tinha saído correndo na moto, deixando-o sozinho na praia. Olhou para ele, paralisada de susto e emoção.

- Bem? é muda, além de surda? O que está fazendo aqui? Catherine respirou fundo.

- Acho que é óbvio: queria ver como você trabalhava. Estava curiósa. É um pecado?

- Devia ter me pedido.

- Ah, é? E você teria deixado? Bem, já não tem mais remédio. Sinto muito, se não gostou.

- Ah, sente? - Jogou os esboços de lado e levantou-a, sem cerimônia. - Não minta para mim, Catherine. Conheço você muito bem! Não está nada arrependida e diz isso da boca para fora, só porque foi apanhada em flagrante! - Suas mãos a machucavam. - Espero que esteja satisfeita, agora!

Olhou o rosto moreno dele, sem medo. Aproximou-se, encarando-o e zombando de sua raiva selvagem.

- E você, está satisfeito?

Sentiu as mãos dele descerem por seus braços, pela cintura, mais baixo... Jared a olhava, pálpebras pesadas, lábios contraídos, sentindo que Catherine sabia o quanto era fraco diante dela. - Você devia estar na casa da praia.

- Eu sei, eu sei. Mas tive que voltar. Precisava de algumas coisas...

- Que coisas’? - perguntou ela, estendendo a mão para acariciar seu peito, mas ele a repeliu e, com um esforço supremo, empurrou-a para longe.

- Saia daqui! Saia antes que eu lhe dê a surra que merece!

Catherine começou a tremer mas não deixou que ele visse que a havia magoado.

- O que vai fazer com esses desenhos?

- Esses? - Pegou-os sobre a mesa onde os tinha jogado há minutos.;;;- O que vou fazer com eles? O que sempre faço com o que me desagrada. Destruí-los! - Antes que ela percebesse sua intenção, ele tinha rasgado os desenhos em pedacinhos e jogado tudo na cesta de papéis.

Catherine ficou atónita. Tão brilhantes, tão vivos, uma parte dela, destruídos era como destruí-la um pouco...

- Você... você... seu porco! - engasgou, olhando para os papéis espalhados cOmo um grande quebra-cabeças que nunca mais poderia ser montado.

- Agora, talvez me deixe em paz! Você tem que morar na minha casa, mas isso é insuficiente!

- Por que fez aqueles desenhos?

- Sabe por quê.

- Maternidade pagã! Mas nunca posei para você. Laura sabe disso?

- Não ponha o nome dela no meio!

- E por que não? Ela tem tanto orgulho de você... Achei que seria a Primeira a cumprimentá-lo por sua imaginação tão vívida.

- Cale a boca! - Ele a agarrou pelo pescoço. - Eu poderia matá-la. Podia acabar com sua vida e sumir com seu corpo sem que ninguém soubesse.

- Poderia, mesmo?

Ele respondeu, com um suspiro vencido: - Não! Não! - Estremeceu ao puxá-la para si, as mãos escorregando por seus ombros e braços encontrando as dela e segurando-as com força. - Oh, Catherine! Catherine!

Falou seu nome junto de sua boca, abrindo seus lábios com a língua e beijando-a. Catherine enlaçou-o pela cintura e depois segurou-o pelo cinto do jeans, chegando mais perto.

Ele parecia tentar se controlar, mas o macio contato do corpo dela acabou com as resistências. Sua boca se encheu de paixão, possuindo a dela com uma urgência que a deixou fraca, recostada nele.

- Isso é uma loucura! - protestou ele, junto aos seus cabelos. - Pelo amor de Deus, me beije! Outra vez, Catherine. Sabe o que vou fazer com você, não sabe? é claro que sim...

- Pare de se atormentar, Jared. Você não entende.

- Eu não quero...,

- Jared, Jared. está aí? Catherine está com você?:

- Laura!,

A rouca exclamação de Jared só foi ouvida pela mulher em seus braços, A voz de Laura ecoava claramente na escada estreita, e as pernas de Catherine se recusavam a sustentá-la. Quando Jared se afastou, ela mergulhou para o chão.:

Ele deu uma olhada desesperada em sua direção, passou a mão pelos cabelos e foi até o topo da escada. Se sua voz estava um pouco incerta ao responder à noiva, só Catherine percebeu. Escutou os passos de Laura subindo à escada e então, decidida, levantou a cabeça quando a outra entrou no estúdio.

- Ah, está aqui, Catherine! - exclamou ela, e mais uma vez Catherine se espantou com sua capacidade de não ver nada que não lhe interessasse.

Será que não suspeitava do que estava acontecendo? Não percebia o olhar meio tonto e opaco de Jared?

Aparentemente, não. Laura pôs a mão no braço do noivo e olhou-o cheia de adoração.

- Vim ver Catherine. Fiquei louca com as novidades e precisava partilhá-las com alguém. Mas quando Lily me disse que você estava

- Ficou na ponta dos pés e beijou-o no rosto. - Ah, querido, muito obrigada!

Jared parecia precisar de um drinque. Desvencilhou-se dela, atravessou a sala e foi até a janela.

Não me agradeça, Laura. Foi idéia de Liz. Nem acho que foi boa.

Então, tinham discutido a questão!

Catherine levantou-se com dificuldade, vendo o ar de segurança de laura desaparecer.

- Eu... vou descer... - começou, sem jeito, mas Jared virou-se para ela, com as mãos apoiadas na janela.

- Por quê? - perguntou ele. - Não quer escutar meus argumentos, minhas razões?

- Jared! - Olhou para Laura, sem saber o que fazer.

- O que há de errado? - Ele parecia estar resolvido a se destruir. Laura sabe o que está acontecendo, não sabe, Laura? Só não quer dar o braço a torcer.

- Jared!

Catherine ficou vermelha como um tomate. Laura, pelo contrário, empalideceu. Ficou aqui, escutando o que ele dizia, e, apesar de quase não mudar de expressão, parecia congelada.

Catherine estremeceu. Que coisa horrível! O que Jared ia fazer? Como podia dizer que amava alguém, tratando-a assim, com tanta maldade? Será que não se importava com o que Laura sentia?

- Está certo, Laura?

Ele parecia decidido a ter uma resposta; a moça sacudiu os ombros num gesto desarmado.

- Eu não devia ter vindo aqui - disse, trémula. - Já percebi. Você está nervoso porque não acabou a encomenda...

- Para o diabo com essa encomenda! Não escuta nada do que eu digo? Eu estava beijando Catherine, Laura, está me escutando? Estava com ela nos braços. Se não nos tivesse interrompido, teria feito amor com ela.

- Não.

Agora foi Catherine que o interrompeu e ele virou-se para fuzilá-la com os olhos.

- O que quer dizer com ”não”?

- Quero dizer não. Não teria feito amor coisa nenhuma!

- Não conseguiria que eu parasse. Você se esquece que eu a conheço Catherine. Sei tudo sobre você. E uma vez provado o fruto do prazer...

A mão de Catherine estalou no rosto dele. Bateu por ela e por Laura. e por toda a agonia que ambas sentiam.

Pensou que Jared ia devolver a bofetada. A mão dele se mexeu, mas foi até o próprio rosto, explorando as marcas que ela causara. Laura deu um soluço de dor e se colocou entre os dois, puxando a mão de Jared e examinando sua face, angustiada.

- Ah, querido! Foi tudo minha culpa.’ Diga que me perdoa. Não aguento quando você se torna cruel comigo!

Catherine foi saindo, tonta. Não entendia os dois, não entendia mais nada! O que significava aquilo? Será que Laura aceitava Jared de qualquer jeito?

No primeiro andar, foi andando automaticamente para seu quarto. Sentia-se doente, enjoada pela cena que acabara de assistir e alquebrada por emoções que não queria identificar. Será que Laura queria casar com Jared, mesmo sabendo que era infiel a ela? Não tinha orgulho? Nem respeito próprio? Nem dor pela humilhação sofrida? Enquanto usasse aquele anel, o mundo podia cair, que ela estaria bem?

E por que Jared tinha feito aquela cena? Por que não deixou que ela continuasse na ignorância, mesmo que fosse uma ignorância fingida? O que esperava ganhar com suas revelações?

Percebeu que estava tremendo e sentou-se na beira da cama. Ah, meu Deus, por que não conseguia odiá-lo? Não era melhor do que Laura. Estaria preparada para aceitá-lo de qualquer jeito?

Levantou-se outra vez e ficou andando no quarto. Não, não ia se entregar! Tinha pena de Laura, só isso. Tinha pena de” toda mulher tão obcecada por um homem que faria tudo para conservá-lo. E ainda Elizabeth...

Elizabeth... com quem ele discutira o casamento. Mas quando’ Naquela madrugada? Teria ido ao quarto dela? Teria contado tudo que aconteceu na praia? Ela o consolara, com certeza?

Um gosto amargo subiu à sua boca e ela correu para o banheiro, curvando-se sobre a pia até que o violento espasmo passasse. Mas não era que passava tão fácil, pensou, segurando o batente da porta para se apoiar, enquanto o quarto girava à sua volta.

As mãos estavam pegajosas de suor, escorregando na madeira lisa. Não ia aguentar. Sentiu-se mergulhar nas ondas da tontura, mas não podia fazer nada para se salvar...

 

Catherine só recuperou a consciência quando alguém colocou-a na cama. Abriu os olhos devagar e piscou, incrédula, ao ver o rosto zangado de Jared.

- O que... o que foi que aconteceu?

- Você desmaiou - explicou ele, ajeitando os travesseiros, tirando suas sandálias e jogando-as no chão. - Como se sente agora?

- Eu... - Viu Laura, toda aflita atrás dele, e lembrou-se de tudo- Estou bem.

- Está mesmo?

- O que está fazendo aqui? - protestou, tentando se levantar sobre os cotovelos, mas achando o esforço muito grande.

Jared olhou por trás do ombro para Laura e uma estranha expressão passou por seu rosto.

- Fiquei preocupado com você - murmurou, meio zangado. Precisa de um médico?

Ela entendeu o que ele queria dizer e o ridículo de tudo trouxe lágrimas de frustração a seus olhos. Balançou a cabeça.

- Ah, por Deus, Catherine! - Olhou de novo na direção de Laura.

- Sabe o que quero dizer.

- Sei, sim, mas não preciso de nada! Jared deu um suspiro.

- Muito bem. Vamos deixar você sozinha. - Fez um sinal a Laura que saísse na frente. - vou pedir a Susan para lhe trazer umas frutas. É provável que seja o calor - comentou Laura, e Catherine mais uma vez se espantou com a sua falta de percepção. Tem certeza de que está bem? - insistiu Jared. Já disse que sim! - respondeu, louca para ficar sozinha. Acho que deveria contar a Elizabeth - acrescentou ele, e ambos sabiam a que se referia.

- Não há nada para contar. - Virou o rosto para o travesseiro. Ele que entendesse o que quisesse!

Ela devia ter dormido, porque, quando abriu os olhos, Susie estava inclinada perto da cama, dobrando as pregas do avental engomado. Sorriu.. viu que Catherine estava acordada e levantou-se para se inclinar sobre ela.

- Está se sentindo melhor?

- Que horas são?

- Três e trinta.

- Três e meia! Dormi mais de três horas?

- Foi.

- E onde está todo mundo? Susie franziu a testa.

- Só a senhorita está aqui. A sra. Royal telefonou para dizer que ia almoçar na casa da srta. Prentiss e o sr. Royal saiu há uma hora, mais ou menos.

- E a srta. Prentiss?

- Ficou aqui um pouco ainda, depois que o sr. Royal saiu, e depois foi embora também.

- Onde o sr. Royal foi? - perguntou, mesmo percebendo que não devia fazê-lo.

- Acho que voltou para a casa da praia. Não sei. Não disse a ninguém. Só saiu.

Catherine ergueu-se num cotovelo só.

- Susie, pode ir, estou bem.

- O sr. Royal disse para não deixar a senhorita sozinha. Pelo menos, hoje.

Catherine sentiu lágrimas nos olhos ao ver que Jared sentia-se responsável por ela, mas conseguiu engoli-las e pôs os pés no chão. Honestamente, Susie, acho que foi o sol. Estou me sentindo bem.

- Tem certeza?

Catherine fez que sim com a cabeça e a mocinha foi saindo, relutante. Depois que ela deixou o quarto, foi mais fácil demonstrar fraqueza. Catherine pôs a cabeça entre as mãos. É claro que o excesso de sol havia prejudicado, além da violência das emoções que Jared provocara. Mas duvidava de que ele acreditasse nisso. E quem poderia culpá-lo? Será que tinha pedido a Laura para ficar até que ela acordasse? Por que Laura foi embora mais tarde? Teria a moça escolhido esse modo para mostrar um raio de independência?

com um sorriso, Catherine tentou levantar-se. Para seu desconsolo, as pernas se dobraram e foi obrigada a voltar para os travesseiros sentindo-se mais sozinha do que nunca.

Na realidade, teve que passar três dias na cama.

Quando Elizabeth voltou para casa e descobriu o que tinha acontecido quis chamar um médico de todo jeito. O doutor examinou Catherine muito bem e diagnosticou uma leve insolação. Insistiu que ficasse pelo menos quarenta e oito horas na cama num quarto escuro, e Catherine estava muito fraca para discutir com ele. Mas não tinha prazer nenhum em ficar sozinha com seus pensamentos, e à medida que sua força voltava só queria saber de escapar daquela casa que se tornara uma prisão.

Laura veio visitá-la em seu segundo dia de cama. Como esperava, não fez referência aos fatos que tinham precipitado a doença de Catherine, e conversou sem parar sobre os planos para o casamento. Catherine não sabia bem se Laura percebia o que estava fazendo, mas chegou à conclusão de que sabia. Parecia levar uma vida muito superficial e qualquer coisa que perturbasse a calma era deliberadamente ignorada. Escutando as suas idéias sobre os vestidos das damas de honra, Catherine entristeceu-se. Fraca como estava, não era fácil esconder seus sentimentos. Talvez Laura soubesse disso, pensou. Havia mais do que um jeito de se vingar.

Elizabeth foi um pouco mais sutil. Sua preocupação, disse ela, era que Catherine ficasse boa depressa para comparecer à festa que os Prentiss dariam dentro de uma semana. Seria uma pena se Catherine não estivesse lá para compartilhar da alegria geral.

Marion Prentiss mandou-lhe um buquê de rosas e votos de uma rápida recuperação. Todo mundo estava sendo muito bondoso, mas Catherine duvidava da sinceridade geral. Todas essas mulheres tinham suas próprias razões para lhe desejarem uma recuperação rápida, mas não eram tão simples como as razões que alegavam.

No quarto dia depois do desmaio, Catherine já estava bastante bem para levantar e sentar-se numa poltrona na varanda. A brisa que soprava do Atlântico trazia o cheiro de maresia, e o sol da manhã dava um tom de coral ao mar.

O barulho de um carro chegando perturbou o ambiente quieto e calmo. O motor parou e a porta do carro bateu. Os nervos de Catherine ficaram tensos. Quem seria? Laura, com certeza. Não tinha vindo na véspera.

Pouco depois, escutou uma batida na porta do quarto.

- Entre!

Espantou-se quando Susie entrou, ao invés da noiva de Jared. Susie estava afobada.

- Tem uma visita, srta. Fulton. O sr. Dexter.

- John Dexter? - O alívio dela foi até engraçado. - Ah, eu gostaria de vê-lo. - Olhou para seu roupão de seda azul. - Mas não assim. Peça cinco minutos a ele, que já vou descer.

- Ah, srta. Fulton, acha que deve? A sra. Royal disse para ficar no quarto.

- Estou bem, Susie! - exclamou Catherine, impaciente, e depois sorriu, envergonhada, lembrando-se da última vez em que tinha dito a mesma coisa. - Muito bem. Sei que já falei essas palavras antes, mas olhe! - Levantou-se e fez uma pirueta. - Isso deixa você satisfeita?

Susie ainda estava em dúvida.

- Quer que eu a ajude a descer?

- Não sou uma velha, Susie! Vá e diga ao sr. Dexter que não me demoro.

Não levou muito tempo para lavar o rosto e as mãos e vestir uma túnica leve, de jérsei. A saia de seda aconchegava-se nas suas pernas e era gostoso sentir-se normal outra vez. John estava esperando na sala de visitas e ela ficou contente por saber que estava bem, pela admiração evidente dele.

- Que história é essa de insolação? - perguntou ele, como um cumprimento, e ela se descontraiu totalmente.

- Só um pequeno mal-estar. Mas o que faz aqui? E como descobriu?

- Jantei com uns amigos dos Prentiss ontem e falaram sobre você. Eu teria vindo antes, se soubesse. Você não respondeu aos meus telefonemas.

Catherine suspirou, sentando-se num banquinho baixo.

- Não tive muita chance.

- Não venha com essa! - John fez uma careta para ela. - E como vai você?

Catherine não resistiu.

- Como está minha cara?

- Maravilhosa. Vai à festa na sexta-feira? Catherine sacudiu os ombros.

- Não sei. Depende.

- De quê?

- Você vai?

- Isso é um convite? Ela riu.

- Não. Só estou perguntando.

- vou, se puder levar você.

- John! - Olhou-o, agradecida. - Nem pode imaginar o bem que faz ao meu ego!

Ele sentou-se ao lado dela e pegou suas mãos.

- Eu podia ser mais importante do que isso, Catherine. Sabe que nunca pensei tanto numa garota quanto penso em você?

Tentou se desvencilhar, mas ele não deixou. Não podia absolutamente admitir que desde a noite da festa só pensava em Jared.

- John, não tente apressar as coisas. Dê tempo ao tempo!

- Mas nunca me senti assim, antes - disse ele, sondando o rosto dela. - Conheci dezenas de moças, mas nenhuma como você.

- John! - Catherine sentia-se frustrada. Precisava dele como amigo, não como namorado.

- Estou sendo demais?

Jared entrou sala a dentro, de cara fechada, e se estava sendo demais não tinha a menor intenção de ir embora. Catherine assustou-se. Não o ouvira entrar e não sabia o que ele estava fazendo ali. Teria acabado o quadro? Ou era simplesmente uma visita?

John levantou-se, meio sem jeito, mas Catherine continuou sentada, concentrando toda a atenção nas mãos que estavam no colo. Teria ele escutado a conversa? E como a interpretaria?

- Alo, Jared! - John cumprimentou-o. - Não sabia que estava aqui. Achei que continuava trabalhando na casa de praia.

- Ah, achou? - A voz de Jared gelou a todos. - E quem lhe disse isso?

- Laura. Eu a encontrei no clube, Ele inclinou a cabeça.

- Ah! - Voltou sua atenção para Catherine. - Você não devia estar na cama?

O tom ríspido dele a irritou. Olhou-o, zangada.

- Não sou uma inválida!

- Mas esteve doente - corrigiu ele, friamente, enfrentando seu olhar. - Ouvi falar de... insolação?

- Certo.

O ceticismo dele era” total.

- Verdade?

Catherine baixou a cabeça. Já tinha experimentado aquele tipo de crueldade antes, mas nunca se sentira tão vulnerável.

- Catherine não passou nada bem, pelo que ouvi falar. - John veio galantemente em sua defesa, um papel ao qual não estava acostumado. Sol demais pode fazer muito mal.

- Acredito.

Jared estava em pé em frente à lareira e, pelo jeito, não ia deixá-los sozinhos. Percebendo isso, John olhou para ela, desconsolado.

- Bem, é melhor eu ir andando. Não quero cansá-la no primeiro dia fora da cama.

- Não está me cansando, John. Mas Jared discordou.

- Acho que Dexter está certo - comentou ele, apertando a campainha perto da porta. - Não deve exagerar.

Catherine virou-se de costas para ele.

- Foi uma gentileza sua ter vindo, John. e sobre a festa...

- Sim?

- Eu vou. Ligue na quinta-feira para combinarmos tudo.

- Claro. Cuide-se, hein? Susie apareceu na porta.

- Chamou, sr. Royal?

- Chamei. Leve o sr. Dexter até a porta, por favor.

Catherine trocou outro sorriso com o rapaz e Susie o acompanhou. Depois que seus passos sumiram, Jared foi até as portas duplas, fechou-as e virou-se para encará-la.

- Que invenção foi essa de insolação..

- Invenção? - Catherine sacudiu a cabeça, muito calma. - Não sei o que quer dizer.

- Sabe, sim. - Saiu de perto das portas. - Nós dois sabemos q não foi insolação nenhuma o que a fez desmaiar.

- Sabemos? Quer dizer que foi sua brutalidade?

- Não é isso! - respondeu, zangado, chegando bem perto dela. - Sabe exatamente o que quero dizer. Desmaiou por causa do seu estado. Não nego que meu comportamento deve ter contribuído, mas insolação é demais. -’ Passou a mão pelos cabelos. - Meu Deus, como conseguiu escapar do médico?

Catherine resistiu à tentação de se afastar dele.

- Meu estado, como você diz, é uma mentira. Jared franziu a testa.

- O que quer dizer isso?

- Que eu menti. Não estou grávida e nunca e.stive.

- O quê? - Olhou-a fixamente, incrédulo. - Você é corajosa, não há dúvida!

- Por quê? Só por enganar você? Não resisti...

- Não! Não por me enganar. Não acha que acredito em você, acha?

- E por que não? Já fez isso antes!

- Você não mentiu.

- Não estou mentindo agora - corrigiu ela, trémula ao ver a ”raiva dele que aumentava.

- Realmente espera que eu aceite que inventou essa história toda?

- Não. Você que inventou.

- O quê?

Deu um passo ameaçador em sua direção e ela recuou.

- É verdade. Foi você que começou. Me acusou de me comportar de uma maneira... pouco conveniente.

- Você não aprende, não é? Seu pai me escreveu, lembra-se? Nega que ele estava preocupado com você?

Ela respirou fundo.

- Não, não estou negando isso. Mas você já se preocupou em descobrir o porquê?

- Não precisa, não é?

Catherine apertou as mãos, convulsivãmente. - É típico de você! Nunca lhe ocorreu que houvesse outra razão menos óbvia?

- Francamente, não.

- Francamente, não! - ela o imitou, passando para trás da poltrona... Você me deixa doente! Acha que conhece as mulheres tão bem! Deixe que eu lhe diga que não me conhece absolutamente!

Jared olhou, com escárnio.

- Ainda não, talvez!

- E nunca conhecerá!

- Será- que não? - Ele pegou as costas da poltrona e, por um instante, ela pensou que ia jogá-la de lado para alcançá-la. - Não pode negar que, se Laura não aparecesse, eu acabaria o que comecei!

- Pois nego.

- Engano seu, Catherine. Você tem muita prática.

- E você também! Fingindo que não há nada entre você e sua madrasta!

Tinha ido longe demais e percebeu imediatamente. Tentou fugir, mas ele chegou à porta muito antes do que ela.

- Ah, não! - disse, entredentes, apertando seu braço. -Não dessa vez. Estou tentado, só Deus sabe como estou tentado a colocá-la nos joelhos e lhe dar a surra que merece. Infelizmente, sei que existem limites para a minha autoridade. Mas retire o que disse, ou acho um outro castigo mais desagradável ainda.

Catherine tremia. Ele percebeu e tocou sua testa. Queimava.

- Você está doente mesmo, não? - perguntou, zangado. - Por Deus, Catherine, por que não me disse a verdade? Teve vergonha? Quer que eu a ajude?

- Não! Desvencilhou-se dele. - Me deixe sozinha! - Teve uma vertigem e quase caiu. Não adiantava discutir com ele. Simplesmente se recusava a escutá-la. - Não estou doente, estou frustrada!

- É melhor voltar para a cama - sugeriu, calmo, e sua preocupação era maior do que a raiva anterior. - Quer que eu a ajude?

- Se eu disser que sim, vai interpretar mal, não é? Não vou para a cama e não preciso de sua ajuda.

Ele deu um passo em sua direção e parou. Virou-se de lado e perguntou inesperadamente:

- Esse homem, Tony Bainbridge, você o ama?

Ela se surpreendeu por ele se lembrar do nome do amigo. Hesitou um momento e, apoiando-se na maçaneta da porta, respondeu:: - Não.

- Não?

- Foi o que eu disse.

- Então, por que, em nome de Deus, você...

- Você ama Laura? - perguntou ela, e Jared passou a mão na nuca, cansado.

- Não tenho que amar.

Ela ainda o olhava, intrigada, quando a porta se abriu atrás dela, quase jogando-a no chão. Era Elizabeth, vermelha e despenteada pela primeira vez na vida, em roupa de trabalho e muito satisfeita de vê-los juntos.

- Já de volta, Jared? Fiquei surpresa quando Susie me contou.

- Ficou? - Catherine sentiu impaciência na voz dele, - Não vejo por quê. Considerando todos os planos que fez na minha ausência.

Elizabeth deu uma outra olhada para Catherine.

- Podemos discutir isso mais tarde, querido?

- Posso sair - disse a moça, mas o olhar de Jared fez com que parasse.

- Não é um assunto particular, é, Liz? - perguntou ele, friamente.

- Que eu saiba, meia ilha já foi convidada.

Elizabeth respirou fundo.

- Tudo bem, tudo bem. É só uma festinha que Marion vai dar para vocês dois.

- com sua assistência?

- Admito que sim. Achei uma boa idéia!

- Mas eu não acho. Cancele essa festa!

- Cancelar? - Elizabeth quase caiu dos saltos e olhou Catherine com veneno na expressão. Não perdoaria a moça por testemunhar sua humilhação. - Não posso cancelar. Os convites já foram mandados.

- Problema seu. Devia ter me consultado antes de inventar, essas novidades.

- Mas, querido, nós discutimos o assunto!

- Correção. Discutimos o casamento. E quero falar sobre isso, também.

- Ah, Jared, agora não!

Elizabeth estava implorando e ele ficou com pena.

- Muito bem. Agora, vou levar Catherine para almoçar. - Seu tom não aceitava argumentos e os olhos desafiaram a moça a negar, mas ela só pôde continuar em pé, muito fraca, enquanto ele conversava com a madrasta.

- Vai levar... Catherine... para almoçar... fora? - repetiu Elizabeth, baixinho.

- vou. Se você não tem objeções.

Elizabeth provavelmente tinha dezenas, pensou Catherine, incapaz de acompanhar as mudanças de génio dele. Por que ia levá-la para almoçar? O que significava tudo aquilo? Tinha acreditado nela, afinal?

- Laura pode vir aqui - disse a madrasta, sem jeito.

- Tenho certeza de que dirá a ela onde fomos. Catherine, está pronta’? Ela não tinha certeza se devia sair com ele. Achava que estava com

febre e a companhia de Jared só piorava suas doenças. Mas, como recusar, quando queria tanto estar com ele’? Elizabeth tentou de novo fazer com que ficassem.

- Catherine ficou de cama por três dias, Jared. Acho que o dr. Matthews não aprovaria que ela se levantasse e saísse no mesmo dia, por melhor que se sinta. - Olhou a moça, friamente. - E, para ser honesta,

ela não parece nada bem.

Catherine endireitou-se.

- Sinto-me bem, sra. Royal. Estou pronta. Vamos?

O conversível estava na porta, cheio de areia da praia. Antes de ligar o motor, Jared levantou a capota para protegê-la do sol e ela ficou gratamente surpresa.

- Concordo com Liz - murmurou ele, ajeitando-se atrás do volante.

- Você não devia ter saído.

Catherine engasgou.

- Mas... você me convidou...

- Sei que convidei.

- Queria que eu recusasse? Olhou-a, impaciente.

- Você acha? O que eu quero e o que faço nem sempre são coisas coerentes.

Catherine ficou confusa.

- Mas queria que eu viesse? Jared olhou-a de soslaio.

- Tenho que responder? - perguntou, e a paixão crua dos olhos dele fez com que a moça ficasse com um nó na garganta.

Foram para o sul, no litoral, e Catherine achou bom ficar ali do lado dele. descansando, relaxada. Só a perna dele, que às vezes tocava a dela, já fazia seu coração saltar. Percebendo que tinha que quebrar aquele clima antes de chegar onde quer que fosse, se aventurou a dizer, baixinho:

- Você acabou a encomenda?

Ele apertou o volante.

- Não.

- Ah! - Catherine passou a língua nos lábios. - Sinto muito.

- Eu também. - Jared deu um suspiro fundo. - Como está? Tudo bem?

Catherine olhou para trás do ombro e viu um grupo de crianças de pele escura, andando de bicicleta na estrada.

- Não são uns amores? - Depois disse: - Estou bem, verdade.

- Gosta de crianças? Ela corou.

- Claro. E você?

- Acho que vou ter que gostar - respondeu, enigmático, e virou o carro, subitamente, entrando pelos portões de um hotel de ambiente tropical, com uma maravilhosa vista do mar.

Jared foi reconhecido e, enquanto arrumavam uma mesa para eles, foram tomar um drinque. Um dos lados do bar dava para a piscina, e as pessoas entravam e saíam de short e biquini, misturando-se com os clientes vestidos com mais formalidade. Jared sugeriu que se sentassem no grande balcão vermelho, em bancos altos, com formato de poltroninhas.

Pediu uns drinques servidos em copos compridos com fatias de frutas e gelo picado. Catherine tomou o seu com muita sede.

- Calma - avisou Jared, pondo a mão no braço dela e fazendo com que colocasse o copo no balcão. - Isso não é limonada.

Catherine sorriu.

- Nunca pensei que fosse.

Jared continuou segurando seu pulso e o polegar acariciou a palma de sua mão.

- Teria mesmo parado de fazer amor comigo? - perguntou ele, olhos cheios de paixão.

Catherine puxou o braço e mostrou a piscina, num gesto largo.

- Não aguento de vontade de nadar outra vez. Parece que há semanas não entro na água. Aposto que nadou todo dia na casa da praia, não? E fez surf, também. Eu gostaria de saber pegar uma onda como você.

- Posso lhe ensinar.

Ela relanceou os olhos por seu rosto e ficou até tonta com o calor de sua expressão.

- Não me olhe assim, Jared.

Ele deu de ombros e virou seu banco de costas para o bar, olhando à volta da piscina, meio desencantado.

Uma moça de biquini, que estava deitada perto de um rapaz num colchão de ar, levantou-se e, vendo Jared, acenou com força. Falou qualquer coisa com o rapaz e veio em direção do bar.

- Jared! - Inclinou-se sobre ele para beijar seu rosto e deixou que apreciasse seus seios quase nus. - Jared Royal! Voltei a Bridgetown no sábado, e o que escuto em todos os lugares? Jared Royal vai casar, afinal. Nem pude acreditar. - Desviou o olhar para Catherine e ficou envergonhada. - Ah! Ora... pensei... Onde está Laura?

- Em casa, espero - respondeu ele, ficando de pé. - Catherine, essa é Angela; gostaria que conhecesse a moça que está sob minha tutela.

Usou a palavra de propósito, e, observando-o, Catherine percebeu o brilho de desafio em seus olhos. Angela estava perplexa e olhou para trás, impaciente para que o companheiro viesse se juntar a eles. O rapaz se levantou devagar. Catherine reconheceu Andy David, um dos amigos de Laura, que tinha ido à festa em Amaryllis.

Os dois homens se cumprimentaram e Andy sorriu para Catherine. ’- Como está se sentindo? Laura disse que o calor pegou você de jeito.

- Estou muito melhor, obrigada. - Tendo recuperado a compostura, Angela perguntou:

- Vocês vão almoçar no hotel?

- Vamos - concordou Jared.

O coração de Catherine ficou pequeno, quando Angela sugeriu que almoçassem juntos.

- Passei três meses nos Estados Unidos - explicou ela. - E quero saber todas as novidades. Que tal, Jared?

Ele olhou para Catherine, que vigiava suas próprias mãos no colo, e deu de ombros. - Tudo bem, contanto que acabemos antes das duas. Tenho que estar em Seawell às duas e meia.

- No aeroporto?

Angela levantou as sobrancelhas, mas, como Jared não disse mais nada, não insistiu. Catherine também estava curiosa, mas achou que Jared ia ao aeroporto pegar material de pintura. Talvez fosse esse o motivo para tirar um dia de folga. Era uma dedução lógica e conseguiu minar ainda mais sua confiança, já tão desgastada.

A refeição estava uma delícia. Camarões com melão, bifes e saladas e uma sobremesa com conhaque. Mas Catherine quase não comeu, consciente de que o pouco tempo que tinham para passar juntos estava se escoando.

Só uma vez, durante a longa refeição, ela olhou para Jared, tentando se comunicar com ele, que desviou o olhar e deu uma risada gostosa de alguma coisa que Angela dizia.

Quando o garçom veio lhes perguntar se tinham gostado da comida e saber se queriam café, Jared empurrou a cadeira para trás.

- Vamos ter que esquecer o café, se não se importa, Catherine. Obedientemente, ela se levantou, fazendo um gesto para que Andy continuasse sentado, e dando a volta à mesa para se juntar a Jared.

- Já vão? - Angela ficou desapontada. - Ainda é cedo.

- Sinto muito. - Jared pegou Catherine pelo braço. - Nós nos vemos a qualquer hora.

- Na festa! Meu convite estava esperando, quando cheguei. Estou doida para chegar o dia.

Catherine e Jared se olharam e ele balançou a cabeça, sem comentários..

- Até logo!

Dentro do carro, Jared mostrou sua irritação.

- Você esperava que eu dissesse a Angela que não vai haver festa nenhuma, não é?

- Não posso responder a isso.

- Não? Pois eu não queria começar esse tipo de conversa com ela.

- Não tem que se justificar comigo.

- Não tenho? E por que me gelou durante o almoço inteiro?

- Imagine se fiz isso! Além de tudo, estava bem satisfeito da vida, conversando com a antiga namorada.

- Angela não é uma antiga namorada.

- Está bom: uma nova namorada.

- Nem isso. Ela é amiga de Laura. Queria que eu fosse rude com ela?

- Não tenho nada com isso.

- Droga, tem tudo a ver com você! - Deu a partida no carro, espalhando pedregulhos para todos os lados.

Catherine segurou-se no assento ao chegarem aos portões, certa de que não iriam longe naquela velocidade. Mas, muito antes de haver perigo, ele diminuiu a marcha e virou para a estrada costeira.

- Jared, por que me convidou para almoçar? - perguntou, olhando-o intrigadíssima. - Só consigo deixar você zangado.

Ele respirou fundo.

- Porque, idiota que sou, deixei você tomar conta de mim. Não consigo pensar em nada, só em você.

- Jared...

- Não posso trabalhar nem dormir! Maravilha, não é? Acho que é por isso que guardei um ressentimento contra você por todos esses anos. Talvez, desde então, eu estivesse lutando uma batalha perdida!

- Jared! - Estava tonta, incrédula. - Jared, não sei o que dizer. Mas seu coração batia descompassado.

- Você podia dizer que não é completamente indiferente murmurou, e o coração dela quase parou, quando ele pôs a mão possessiva em seu joelho.

Colocou as duas mãos sobre a dele que, sem prestar atenção nos outros motoristas, freou e tomou-a nos braços.

Catherine mal teve tempo de dizer seu nome, antes de ser beijada, e aquela intimidade varreu qualquer pensamento coerente de sua cabeça.

-’ Ah, meu Deus! - murmurou ele, afinal, levantando a cabeça ao som de buzinas, o riso dos pedestres e a impaciência dos outros. - Quero você só para mim e estamos aqui encalhados no meio da rua, divertindo o público!

Catherine pôs os cabelos para trás das orelhas.

- Vamos para a praia - sussurrou.

- Tenho que fazer uma coisa antes.

- O quê? É Laura? Vamos encontrá-la no aeroporto? Olhou-a, enviezado.

- Antes fosse - respondeu, zangado, e ela entendeu cada vez menos.

- O que há? Jared, você não está pensando...

- Estou tentando não pensar. Nunca acreditei que pudesse fazer isso, mas vejo que consegui.

- Fazer o quê? Jared, querido, o que é?

Mas já estavam entrando no aeroporto e ele precisava dar toda sua atenção à direção. Catherine olhou o Boeing que aterrissava. Não importa o que Jared dissesse, ela estava morrendo de medo. A urgência dele de chegar ao aeroporto parecia uma obsessão. O que queria ali? O que tinha vindo fazer? E por que estava tão certa de que era algo a ver com ela? Estacionou o conversível, e Catherine olhou-o, em dúvida.

- Quer que eu fique aqui?

- Não. - Jared saiu do carro e foi abrir a porta para ela. - Venha comigo.

- Mas aonde vamos? Jared, o que estamos fazendo aqui?

- Já vai ver. - Jared tinha se tornado curiosamente distante e suas feições estavam contraídas. - Vamos, parece que o voo já aterrissou.

- Que voo?

Mas ele foi andando, olhando para os lados, procurando por alguém. Catherine seguiu-o, devagar. Não sabia o que estava acontecendo e a ansiedade aumentava em seu peito, o que também não entendia.

- Cat! Cat! Meu amor! Estou aqui!

Catherine girou nos calcanhares. Será que estava escutando bem?

- Tony! Tony, pelo amor de Deus, o que está fazendo aqui? Viu como Jared ficou pálido.

- Você é Tony Bainbridge? - perguntou, numa voz estranha, e olhou para Catherine. - Esse é o Tony?

- Ele não contou que eu vinha, amoreco? - Tony olhou para ela, e Catherine, de boca seca, sacudiu a cabeça.

- Eu queria... - Jared interrompeu-se, tão lívido que até dava medo.

- Não sabia... que...

- Que eu era aleijado? - perguntou o rapaz, empurrando a cadeira de rodas. - Cat não lhe contou? Vejo que não. E, mas infelizmente sou. Inútil da cintura para baixo. - Deu uma piscada com seu jeito bem-humorado. - É por isso que Manners sempre anda comigo, não é, Manners?

Um homem alto que estava junto à banca de jornais apareceu. De meia-idade, começando a perder os cabelos, mas com o mesmo senso de humor do patrão.

Ele sorriu para Catherine e cumprimentou Jared.

- Boa tarde. É bom vê-la de novo, srta, Fulton. Não foi gentileza do sr. Royal nos convidar para vir aqui?

 

- Acho que enfiei os pés pelas mãos, não é, meu amor? No sentido figurado, é claro.

Tony falou da cama, mas suas palavras não conseguiram parar Catherine, que andava de cá para lá.

- Por que está aqui, Tony? Sei que detesta sair de Londres!

- Que palavras ótimas para umas boas-vindas! Recebi um convite do seu amo e senhor.

- Não é meu amo e senhor!

- Não? Pois parece...

- O que ele faz e o que ele é são coisas completamente diferentes.

- Conhece-o bem, não é?

- Imagine! Nem um pouco. Tony deu de ombros.

- Como eu podia adivinhar que você não sabia do convite dele? Por que ele não lhe contou nada?

Catherine suspirou e foi ficar na beira da cama.

- O que foi que ele lhe disse, Tony? Por que o convidou para vir aqui? - O rapaz fez uma careta.

- Esqueci as palavras exatas. Algo sobre você estar doente... Esteve doente?

- Um pouco de insolação, só.

- Vai ter que tomar mais cuidado.

- Tony, o que mais ele disse?

- Foi só um telegrama, amor. Não se pode dizer muito num telegrama.

- Só? Que eu estava doente? Tony franziu as sobrancelhas.

- Bem, ele deu a entender que você precisava de mim. Sabe o que quero dizer. Mas, porque pensou isso, não sei.

- Eu sei.

Catherine falou baixinho, entredentes, curvando os ombros e virando-se de costas. Podia imaginar muito bem. Jared estava convencido de que ela esperava um filho de Tony. Tinha trazido o rapaz para encarar suas responsabilidades. Assim é que se faziam as coisas naquela casa. Mas, a essa altura, já devia saber que Tony não podia ser pai.

Mas por que resolvera tudo em segredo? Por que não lhe disse o que estava planejando? Por que se comportara hoje como se a amasse e, de repente, tinha feito aparecer o homem de quem ela supostamente gostava? Não fazia sentido. A não ser que...

Continuou andando de um lado para o outro em frente às portas abertas. Tinham dado a Tony um quarto no térreo da casa, permitindo que ele se locomovesse na cadeira de rodas, sem dificuldades. Manners ficou no quarto ao lado, arrumando suas malas, mas insistiu para que Tony descansasse um pouco antes do jantar. Não aprovava Catherine ali por perto, mas ela achava que, se não falasse com alguém, ficaria louca.

Voltara do aeroporto no assento de trás do carro, com Manners, pois era mais fácil para Tony entrar no’ banco da frente. Sua cadeira de rodas era dobrável e encaixou sem muita dificuldade no porta-malas. Mesmo sentada atrás de Jared, percebeu a raiva dele na conversa educada com Tony, no modo inibido de guiar, nos ombros duros e na cabeça ereta.

Queria escorregar as mãos pelos ombros dele, apertar o rosto contra seus cabelos escuros e sentir a reação imediata de seu corpo.

Mas, ao invés disso, teve que ficar quieta, falando apenas quando Tony perguntava alguma coisa.

Quando chegaram em casa, Jared deu instruções bruscas para que arrumassem acomodações para os dois hóspedes e Lily e os outros empregados correram para cumprir as ordens. Não era nenhum problema acomodar duas pessoas no primeiro andar, mas para preparar os quartos era preciso remover certos móveis e colocar outros. Tony parecia pedir disculpas por tudo e Catherine sentiu uma onda de calor e afeição por ele.

Para surpresa sua, Elizabeth foi muito simpática. Não era problema nenhum, insistiu ela, acomodar os amigos de Catherine; mas lembrando-se do comportamento da outra antes que ela e Jared saíssem de manhã, Catherine viu que a madrasta entendia o que Jared estava fazendo.

ela própria não compreendia nada. Por que Jared tinha feito isso’? A não ser, e essa era a parte mais dolorosa, que, apesar da atração que dizia sentir por ela, fosse casar com Laura. Talvez se ressentisse do poder que Catherine parecia ter sobre ele. Mas hoje...

Melhor esquecer o dia de hoje, pensou. Melhor esquecer tudo, menos o fato de que Jared estava noivo de Laura.

- O que é, amoreco?

Tony mexeu-se na cama, inquieto. Virando-se para ele, Catherine sentiu uma pontada de culpa por tê-lo envolvido naquilo tudo.

- Nada. - Forçou um sorriso e aproximou-se da cama. - vou embora e deixo você descansar. Conversaremos depois.

Tony estendeu a mão e apertou a dela.

- Você está apaixonada por aquele sujeito, não é? Não tente negar. Conheço você muito bem.

Catherine suspirou.

- Jared está noivo de uma moça chamada Laura Prentiss. Vai conhecê-la hoje, com certeza. Ouvi Elizabeth dizer que ia convidá-la para o almoço.

Tony olhou-a, desconfiado.

- Desde quando um anel de noivado impede uma pessoa de se apaixonar por outra? Ou-uma aliança de casamento?

- Tony, por favor...

- Acho que você sabe por que ele me trouxe aqui.

- Não sei. - Sentiu o rosto afogueado. - Bem, talvez eu saiba parte da razão.

- Que é...

- Não posso lhe dizer, Tony..

- Por que não?

- Foi uma burrice!

- O que, meu Deus?

- Uma coisa que eu fiz. Tony, por favor, não me pergunte. - Mas não acha que me deve essa explicação?

Ela deu um suspiro.

- Você não vai gostar.

- Estou preparado pára o pior.

- Eu... - Apertou os lábios por um minuto. - Eu deixei Jared pensar... que estava grávida.

- O quê? - Tony largou a mão dela e olhou-a, incrédulo. - Fez o quê? Em nome de Deus, sobre o que está falando?

- Está vendo? Eu disse que não ia gostar!

- Não gosto, mesmo, mas quero saber por que fez isso.

- Tony, Manners disse que você precisa descansar.

- Acha que posso descansar com isso na cabeça? Vamos, sente-se. Bateu na cama, ao seu lado. - É melhor desabafar. Venha.

- Tony! - Catherine afundou na cama e desatou a chorar, escondendo o rosto nas mãos e soluçando como se seu coração fosse estourar.

O rapaz puxou-a para o peito largo, afagando sua cabeça.

- Tudo bem, meu amor. Tudo bem. Sossegue, agora, e comece do começo.

Completamente incoerente, a princípio, Catherine afinal conseguiu contar a história inteira, sua queda pelo homem mais velho amigo do pai, a atitude de Jared quando ela chegou a Barbados e sua submissão inquieta, e a relação subsequente com ele...

Tony ficou em silêncio quando ela acabou e levantou a cabeça para olhá-lo, ansiosa.

- Está zangado comigo?

- Impaciente, talvez. Ah, Catherine, você sempre foi uma bobinha impulsiva! Por que não explicou o motivo pelo qual seu pai escreveu a Royal? Por que deixou que ele pensasse que levava uma vida completamente diferente? Deus do céu, Jack Fulton tem culpa nessa história!

- Não fale assim de papai.

- Mas é verdade. O dinheiro era seu deus, mas não o nosso. Devia ter explicado o motivo do medo dele.

- Eu não podia. - Catherine afastou-se, enxugando os olhos com a ponta da colcha. - De todo jeito, foi minha culpa.

- Bem, acho que Royal foi um estúpido! - Tony!

- Acho, mesmo. Imagine se tudo acontecesse como ele esperava, se fosse o tipo de homem que ele imaginava que eu fosse. Você aqui e eu em Londres, me divertindo. Que audácia me trazer para ver você! Sabe, nós podíamos não querer ver a cara um do outro. Ele não percebeu que há milhares de mulheres nos dias de hoje criando filhos sem um marido? Você podia muito bem ser uma delas!

- Mas não sou! - Catherine levantou-se. - Além disso, acho que não entende que tipo de homem Jared é. É contra seus princípios deixar que uma criança nasça fora do casamento se puder fazer alguma coisa para que isso não aconteça.

- Verdade? Que tipo de princípios são esses que permitem que ele faça amor com uma mulher que pensa estar grávida, forçando a noiva a ver tudo? Sinto pena dela’; não dele. E me trazer aqui... É o fim! Como já disse, acho esse sujeito um bruto, um mau-caráter!

Catherine saiu do quarto numa onda de infelicidade. Não sabia se Jared ia querer falar com ela antes do jantar, mas ele nem chegou perto. Ela descansou um pouco na cama, tomou banho e trocou de roupa. Escolheu um vestido preto, simples, de jérsei drapeado e decotado.

Sentada no banquinho da penteadeira, passando rímel nos cílios, ficou pensando em Como estava cansada. Tinha sido um dia exaustivo para quem se recuperava de uma doença, por menor que fosse, e se Tony não esperasse vê-la, arranjaria uma desculpa para ficar no quarto. A cama a convidava, mas tinha que encontrar forças para encarar Jared. Talvez, quanto mais depressa acabasse, melhor se sentiria. Mas o que podia acontecer agora, ela não ousava nem imaginar.

Laura e os pais estavam chegando quando Catherine desceu a escada e a moça veio direto a ela.

- O que aconteceu? Elizabeth me contou que um amigo seu chegou de Londres. Quem é ele? Sabia que ele vinha? - Eu... bem... não exatamente.

Catherine lutava para encontrar as palavras adequadas, quando Jared chegou no hall, vindo da biblioteca. Cumprimentou os Prentiss e depois olhou fixamente as duas moças. Laura saiu de perto de Catherine para ir ter com o noivo e deu-lhe o braço, possessivamente, dizendo:

- Querido, estava perguntando a Catherine sobre a visita. Talvez possa nos esclarecer, pois ela está tão deslumbrada com a chegada dele que não consegue explicar nada.

As feições de Jared estavam duras e controladas.

- Foi um arranjo meu - disse, inexpressivo. - Achei que ela estava sentindo falta do amigo.

Catherine fuzilou-o com os olhos, tentando ver o que havia atrás daquela fria máscara que adotava, mas não adiantou. Estava mais distante do que nunca.

- Não foi uma ótima idéia dele?

Foi Marion Prentiss quem falou, tirando a estola de peles, entregando a Susie e sorrindo para a filha e Jared. Em cetim cor de pêssego, parecia ainda mais gordinha, e Laura, num vestido de tafetá cor de limão, era um pálido reflexo da mãe.

Elizabeth apareceu atrás do enteado,

- Marion! Gerald e Laura! Entrem, entrem. Aqui está o nosso convidado de honra, o amigo de Catherine, Tony Bainbridge.

Todos foram andando em direção à biblioteca, com Catherine com Prentiss atrás. Logo se fizeram as apresentações e Tony, bem humorado e confiante, conseguiu a simpatia imediata de todos. Menos de Jared, que continuou distante, misturando drinques e servindo-os, tomando o seu perto da lareira, silenciosamente, olhando a cena por sobre o copo.

Apesar de Tony se esforçar ao máximo para envolvê-lo na conversa. Catherine percebia claramente a indiferença de Jared; assim mesmo, queria se aproximar dele.

Laura parecia, pela primeira vez, menos obcecada com o noivo. Era óbvio que nunca tinha encontrado alguém como Tony. Ninguém podia deixar de admirar o modo pelo qual ele esquecia seus problemas com um sacudir de cabeça, garantindo a todos que se considerava feliz por estar vivo.

Aos onze anos, viajava em um avião, que caiu nas montanhas da América do Sul, matando seus irmãos e deixando-o paralisado da cintura para baixo. Voavam para o Peru para encontrar os pais, que faziam uma pesquisa arqueológica. Só restaram sete sobreviventes, e, apesar de quase não tocar no assunto e parecer não se importar, Catherine sabia que em algumas ocasiões ele sofria terríveis depressões. Queria ajudá-lo a nunca mais sentir nada disso. Foi por isso que tentou convencer o pai a financiar os planos de Tony para um centro de reabilitação de deficientes físicos. Mas Jack Fulton não tinha tempo para caridade.

O jantar foi servido um pouco mais tarde do que o normal, e Catherine encontrou-se sentada entre Tony e o sr. Prentiss. Jared e Elizabeth ocupavam as cabeceiras da grande mesa de jantar, Jared com a noiva à direita e Manners, que foi forçado a se juntar a eles para fazer número par, sentado entre Laura e a mãe. Catherine tinha de olhar de lado para ver Jared, e como Elizabeth a colocava sempre como par de Tony, as ocasiões para conversar com ele eram poucas.

Surpreendentemente, quando o jantar acabou e foram para a beira da piscina tomar café e licores, Laura atrapalhou os planos de Elizabeth ao pegar a cadeira de rodas de Tony e insistir em empurrá-la, apesar de ele ser perfeitamente capaz de manejá-la sozinho. Gerald Prentiss conversava com Elizabeth, a sra. Prentiss fazia perguntas a Manners sobre a reabilitação do patrão depois do sério acidente e Catherine ficou de lado, com Jared.

- Seu amigo está fazendo muito sucesso - disse, numa voz fria e dura.

Catherine olhou-o, infeliz. Apesar de achar seu comportamento muito estranho, não podia deixar que ele escapasse sem tentar alcançá-lo.

- Jared - sussurrou, inclinando a cabeça para que ninguém pudesse ler seus lábios. - O que há com você?

- Não entendo. Ela suspirou.

- Não se faça de bobo. Sabe o que quero dizer. Só não compreendo sua atitude, é isso.

- - É uma pena.

- Jared! Podia bem ter me contado.

- - Por quê? Só de contar, eu deixaria de fazer o papel de bobo que fiz?

- Não fez papel de bobo!

- Ah, fiz. - Sua expressão era de desprezo. - com a sua ajuda, é claro.

- Eu lhe disse que não estava grávida e você não acreditou.

- Um pouco tarde, não acha?

- Mas eu lhe contei naquela noite, na praia, e você não acreditou!

- Que bobagem minha!

- Jared, pare com isso. Hoje à tarde...

- Não quero falar sobre hoje à tarde.

- Por que não?

- Ora, vamos, Catherine, não é assim tão ingénua. Você me fez de’ bobo o tempo todo. Como posso saber que não está grávida? Há outros homens em Londres, não há? Homens com todas as... faculdades, não é? Se acha que eu posso acreditar em você depois disso...

- Seu... seu... desgraçado!

- Palavra forte! - Jared olhou em volta para ver se ninguém os escutava. - Fale baixo. Eu preferia que a ilha toda não ficasse sabendo que uma das minhas convidadas não é uma mulher educada.

- Você, você... Não acredito que seja normal e tenha os mesmos sentimentos que todo mundo. Está é desapontado porque seu orgulho foi ferido, só isso. Não se importou quando humilhou Laura; mas, quando afeta você, não gosta.

- Acertou na mosca.

- Que sujeito orgulhoso e egoísta!

- Tenho uma boa professora.

- Eu? Como pode dizer isso? Não comecei nada, foi você! Insinuando que eu dormia por aí com qualquer um! Não era essa a preocupação de papai!

- Não era?

- Não’ - O desprezo dele tocou-a fundo. - Se quer saber, papai estava preocupado com Tony. Masnão do modo que você pensa. Tony quer abrir um centro de reabilitação. Tem idéias esplêndidas. E há milhões de anos tento convencer papai. E, mas ele sabia que não estava bem de saúde. Havia uma possibilidade de... - Respirou fundo. Tinha medo que lhe acontecesse alguma coisa e eu desse a herança de presente. Ou a maior parte dela. Dinheiro nunca significou muito para mim. Posso trabalhar, se precisar.

Jared deu uma risada.

- Que emocionante! - Era óbvio que não estava acreditando numa só palavra.

- Mas é a verdade! Jared, eu não mentiria num caso desses.

- Ah, não? Fitou-a longamente, severo. com um gesto impaciente, foi embora.

Catherine ficou onde estava. Seus joelhos batiam um contra o outro e a fraqueza que tinha sentido voltou com toda força. Não adiantava conversar com Jared. Ele simplesmente escolhia a verdade que queria e se mantinha preso a ela, teimoso. Era cruel e egoísta, e completamente amoral em relação às suas próprias necessidades. Gostaria de nunca mais vê-lo!

 

- Manners e eu temos que começar a pensar em voltar para Londres

- disse Tony, calmamente, apoiando-se nos cotovelos e observando o pátio.

- Ah, não! - Catherine virou-se de bruços no colchão de ar ao lado dele e, olhou-o, desolada. - Tony, você não pode ir!

- Infelizmente, vou ter que ir, amor. Já percebeu que estou aqui há uma semana? Tenho coisas a fazer, a organizar. Não quer que eu largue o meu comité, quer?

Catherine deu um suspiro.

- Não aguento pensar como vão ficar as coisas aqui, depois que você for embora.

Tony fez uma careta.

- Nunca fui tão popular.

- Estou falando a verdade. Não sei se aguentarei sem você. Tony esticou a mão e apertou seu braço.

- Volte comigo, então. Catherine piscou.

- Está falando sério?

- Claro que sim. Você não é obrigada a ficar. Não é uma tutelada pela corte ou coisa semelhante. E, mesmo que Royal arranjasse uma tutela legal sobre você, já estaria longe.

Catherine sentou-se, abraçando os joelhos.

- É uma tentação.

- Ele não falou com você?

- Depois que você chegou? Não. - Balançou a cabeça, mal

conseguindo esconder o tremor da voz.

Tony praguejou baixinho, coisa nada costumeira, e ela o olhou agradecida. Uma semana de sol tinha feito pouco para a pele clara de Tony, mas passaram muitas horas ali, do lado da piscina, conversando.

Ela sentiria falta de sua atenção, de sua companhia e da barreira que representava contra a maldade de Elizabeth.

Era quase certo que a mulher devia saber alguma coisa; ainda olhava para Catherine como para uma rival em potencial. Talvez inimiga fosse uma palavra melhor. Quaisquer que fossem os sentimentos de Jared ou a falta deles em relação à madrasta, Elizabeth ainda o considerava como sua propriedade pessoal, e só queria emprestá-lo para alguém como Laura,

que jamais exigisse alguma coisa dele. Jared mantinha-se afastado. Quando não estava no estúdio, ia para a casa da praia, e só de vez em quando se juntava a eles, nas refeições. Ele e Tony não simpatizavam um com o outro, e, apesar de educado, via-se que sua polidez era forçada.

Laura continuou visitando os dois, e agora Catherine até gostava de vê-la. Às vezes, parecia ser a única pessoa sã no meio de todo mundo.

Passava horas discutindo com Tony os vários aspectos que tomavam os defeitos físicos, em todas as suas formas, e Laura tinha sugestões que surpreendiam Catherine por sua originalidade. - Você precisa ir a Londres e visitar o centro quando estiver pronto!

- sugeriu Tony uma tarde.

Apesar de Laura fazer cara de dúvida. Catherine achou que ela realmente gostaria de aceitar o convite. Mas, a essa altura, já estaria casada...

- Bem, acho melhor você ir embora comigo - disse Tony. - Royal já me conhece. Já viu o pior. Deve ter percebido que não tem motivo para se alarmar.

Catherine deu um suspiro abafado. - Ele não acredita em mim.

- O quê? Sobre o centro? - Ela concordou e ele perguntou: Então, por que pensa que seu pai lhe escreveu?

Catherine deu de ombros.

- Ainda acha que vivo solta por aí.

- com outros homens?

- Acho que é. Tony ferveu de raiva.

- Como se seu pai se importasse com isso! - murmurou. - Esse homem é um idiota!

- Não diga isso. A culpa é toda minha. Não devia ter feito com que ele pensasse... ora, eu não sabia o que ia acontecer...

- Não poderia lhe contar?

- Contar o quê? Não tenho nada a dizer a Jared Royal! Eu... eu... desprezo.

- Não é verdade.

- Juro! Eu o desprezo. Desprezo tudo que ele significa. Tony suspirou.

- E então?

- Está bem, está bem. Volto para Londres. - Agora que a decisão estava tomada, ela queria ir embora logo. - Quando vamos?

Tony franziu a testa.

- vou fazer com que Manners vá ao aeroporto hoje. com sorte, sairemos amanhã.

- Amanhã?

- É depressa demais?

- Não... não. - Mas era. E a idéia de não ver Jared nunca mais a enchia de desespero.

Encontrou Tony na biblioteca antes do jantar. Tinham combinado encontrar-se lá um pouco mais cedo para poderem conversar antes que Elizabeth e Jared aparecessem.

- Seis horas, amanhã - disse ele, sem preâmbulos. - Chegaremos a Heathrow logo depois das seis. No dia seguinte, é claro.

- Claro. Seis horas. Não havia nada mais cedo? Tony riu.

- Que afobação! Além disso, é um voo direto e achei que ia preferir.

- Prefiro. - Catherine mexeu-se inquieta. - Acho que... acho que vou ter que contar a Jared.

- Não é preciso. Já contei. - O quê?

- Ele estava sentado na varanda quando Manners voltou.

catherine sentiu o estômago embrulhar.

- E o que foi que ele disse?

Tony franziu a testa.

- Primeiro, não falou muita coisa, com cara de quem não estava acreditando. Fiquei com raiva e expliquei tudo sobre o meu centro...

- Oh, Tony!

- E por que não? Não sei por que quer que ele continue achando que

você é uma cabeça de vento. Disse que podia verificar tudo, entrar em

contato com o comité em Londres, mas acho que não fará isso.

- Tony, não devia ter se metido...

- Por quê? Queria que ele se sentisse mal. Por que fazer você passar

por tanta humilhação à toa?

- E então, o que foi que ele disse?

Tony sacudiu os ombros.

- Quase nada. Só fez algumas perguntas sobre o centro e sobre o que queríamos fazer e de quanto dinheiro precisávamos.

Catherine cruzou os braços. Apesar de ser uma tarde quente, estava se sentindo gelada. Sua última noite em Barbados, pensou. Devia estar aliviada, e não desolada.

- Então, está combinado. Já aliviei minha consciência. Não podia ir embora sem contar a verdade a Royal.

- Catherine! - Ela assustou-se, mas era só Elizabeth entrando na sala e estendendo a mão. - Acabei de saber da novidade. Vai embora!

Catherine virou-se para encarar a mulher, com relutância. Sabia que seus olhos estariam triunfantes e não se desapontou.

- Foi Jared que lhe contou?

- Jared? Ele está aqui? Não, não foi ele. Foi Susie. Diz que vai com Tony e o sr. Manners. Foi ele que contou aos empregados. Deveria ter me dito antes. Eu faria uma festinha de despedida.

Para substituir a que Jared cancelou, pensou Catherine, amargamente.

- Acho que Catherine não ia querer saber de festa. Mas foi uma idéia gentil. Jared vem jantar? - interrompeu Tony.

- Não sei. - Elizabeth pareceu se agitar. - Não o vi hoje. Pensei que estava na casa da praia. - Esteve aqui hoje cedo.

- E estou aqui agora - interrompeu Jared. Posso preparar um drinque para todos?

Enquanto ele misturava os drinques, Elizabeth ficou conversando superficialidades, mencionando o voo de volta para Londres e perguntando a Catherine quanto tempo demorava do aeroporto ao seu apartamento.

- Garanto que está louca para ver os velhos amigos - observou ela com um resto de maldade. - Uma moça como você deve ter montes de... amigos.

- É claro que tem - garantiu Tony. - E não são todos aleijados. Elizabeth forçou um sorriso.

- Vejo que gosta muito dela, Tony.

- Gosto. - Pegando a mão de Catherine. - Eu casaria com ela amanhã, se fosse um homem inteiro.

- Tony!

Catherine ficou envergonhada, mas ele só fez apertar sua mão com mais força.

- Qual é o problema, amoreco? Só estou dizendo a verdade. Sabe que sempre fui seu escravo.

- O jantar está servido, sr. Royal.

O aviso de Lily não podia ter chegado na hora mais certa para Catherine, que soltou a mão de Tony e foi para sua cadeira. Viu que Jared a olhava fixamente e virou o rosto, perturbada.

A refeição parecia não ter fim. Catherine queria escapar para o quarto e arrumar as malas. Até a companhia de Tony não a agradava naquela noite, e logo que pôde pediu desculpas e saiu da sala. Escutou passos, e a voz de Jared, no saguão, fez com que parasse.

- Catherine! Quero falar com você. Virou-se, relutante.

- Por quê? Não deu uma palavra a semana inteira! Ele franziu a testa, zangado.

- Não imagina que vou deixá-la ir embora, não é? Catherine engoliu em seco.

- Como?

- Acho que devemos entrar na biblioteca. Podemos conversar lá, em particular.

- Não quero ir para a biblioteca.

- Mas vai assim mesmo. - Antes que ela pudesse resistir, ele a

pegou pelo braço, corredor afora, e entrou pelas portas abertas. Enquanto

fechava as duas, deixou-a lá, esfregando o braço dolorido. - Agora eu

digo: você não vai embora!

De repente, Catherine ficou muito calma. Tony tinha razão: Jared não

podia forçá-la a ficar.

- Não pode me impedir.

- Catherine. pelo amor de Deus!

- vou embora, Jared. Nunca devia ter vindo. Você não queria minha

presença. Só lhe dei trabalho. Devia ficar contente de me ver pelas costas.

- Catherine! Muito bem, muito bem, talvez eu a tenha castigado durante a semana.

- Castigado? - Olhou-o, incrédula.

- É, castigado. - Passou a mão pela nuca, desmanchando os cabelos. - Se isso a diverte, saiba que me puni também.

Catherine não queria escutar. Tinha resolvido: ia embora no dia seguinte à tarde. Jared ia casar com Laura e, dissesse o que dissesse, ficar só prolongaria sua agonia.

- Está perdendo seu tempo, Jared. - Ficou boba de ver como sua voz soava calma. - Agora, se é tudo que tem a dizer...

- Catherine! - Segurou-a pelos ombros, seus dedos machucando-a, olhos cegos de impaciência. - Acho que não está entendendo.

- É você que não compreende nada, Jared.

- Admito. Quando descobri que estava me enganando, fiquei louco! Pode me culpar? Talvez nós dois tenhamos culpa. Talvez eu a tenha julgado mal.

- Talvez?

- Mas sou um homem ciumento! Nunca pensei que pudesse desejar qualquer mulher que não fosse... - Interrompeu-se, frustrado. - O que estou tentando dizer é que, se tiver que escolher, prefiro você como é a não tê-la junto a mim.

Catherine não acreditava em seus ouvidos. - Uma mulher da vida, é isso que quer dizer?

- Não fale assim. Catherine. Meu Deus. estou me expressando mal...

- Está, sim. - Repeliu-o e ficou ofegando na frente dele. - Você... você... E espero não vê-lo nunca mais.

- Não fala de coração!

- Não?

- Eu a amo, Catherine.

- Amor! - Quase riu na cara dele. - Não sabe o significado da palavra!

Saiu da sala. Sentia-se gelada, adormecida, completamente exaurida de emoções. Essas semanas em Barbados tinham sido uma experiência de que nunca se esqueceria.

Laura veio almoçar no dia seguinte.

Catherine não tinha visto sinal de Jared depois da cena da biblioteca e a julgar pela expressão de Elizabeth, ela também não o vira. Mas Laura era outro assunto.

- Mas foi tão súbito, não? - perguntou, olhando ingenuamente de Catherine para Tony. - Nenhum dos dois falou que ia embora tão depressa.

- Eu tenho trabalho, mocinha - disse Tony, descontraído. - Não sou como vocês, preguiçosas. Tenho que ganhar a vida.

Laura fez um gesto impaciente.

- Mas Jared me disse que ia ficar pelo menos seis meses, Catherine. Catherine inclinou a cabeça. Na posição de Laura, duvidava que agisse assim. Laura era uma boa moça, esse é que era o problema. Parecia pedir para ser magoada. E Jared a magoaria.

- É que quero voltar a trabalhar com Tony.

- Trabalhar? - Elizabeth entrou na conversa pela primeira vez. - O que você faz?

- Muito, na verdade - interpôs Tony rapidamente, detectando o tom maldoso de Elizabeth. - Catherine dirige. Tem seu próprio carro. Nossa organização tem membros saudáveis, sem defeitos. Ela levantou fundos através de bazares e rifas, pàra comprar um minionibus que conduz nossos deficientes.

- É mesmo? - Elizabeth não se impressionou.

- Que maravilha! - Laura falou, com inveja. - Gostaria de fazer qualquer coisa dessa espécie. É tão chato ficar só de festa em festa!

- Você vai casar logo - lembrou Elizabeth, docemente. - Não terá tempo de sentir tédio. E depois que vierem os filhos...

- É... - Mas Laura não parecia convencida. Continuou olhando Catherine e Tony. pensativa, e era óbvio que pela primeira vez não prestava atenção na futura sogra.

Apesar de dizer a si mesma que estava feliz por ele não aparecer, Catherine surpreendeu-se quando Jared não voltou antes que eles saíssem para o aeroporto. Sylvester os conduziu, e foi difícil dizer adeus a Elizabeth.

No aeroporto, tiveram que esperar um pouco depois de se apresentarem, mas Tony manteve a conversa fluente e, apesar de Catherine saber por que ele falava tanto, a terapia funcionou assim mesmo.

Foi quando estavam entrando no avião, que ela viu Jared, mas disse a si mesma que devia estar imaginando coisas. Havia qualquer coisa de familiar naquele homem sentado numa motocicleta na beira da pista, e quem mais, senão um Royal, teria conseguido acesso àquele lugar...’?

 

Londres ainda estava fria, mais fria ainda, depois do calor de Barbados, mas a primavera vinha chegando. Havia tulipas e narcisos por todos os cantos e as árvores nos parques brotavam com nova vida.

Era bom voltar ao apartamento. Gostoso estar entre coisas e pessoas conhecidas e, principalmente, ser dona do próprio nariz.

Durante os primeiros dias, tudo foi mais fácil. A sra. Forrester, diarista, tinha tomado conta de tudo com muito capricho, mas faltava o toque de personalidade da dona da casa. Catherine comprou livros e revistas, deu-se ao luxo de uns cosméticos novos e encheu os vasos com flores da primavera. Mas recusava-se a admitir que, por mais que cobrisse a casa de botões, faltavam os perfumes e cores de Amaryllis.

Foi a seus advogados e explicou que estava de volta a Londres. Eles se surpreenderam um pouco e ela imaginou que tivessem achado que voltara por saudades.

A vida começou a entrar nos eixos. Agarrou os fios deixados para trás sem muitas dificuldades e encontrou uma fuga no trabalho com Tony. Mas não podia controlar os sonhos e acordava exausta.

O quartel-general de Tony ficava no andar térreo de uma casa velha que ele tinha em Ewling. Os dois andares superiores ao porão não serviam para nada, pois o pessoal vivia em cadeira de rodas, mas eram alugados para várias organizações como local de reuniões e escritórios, e o dinheiro revertia para os fundos da associação.

De lá, Tony dirigia toda a operação. Apesar de a pintura e o papel de parede já mostrarem o sinal do tempo, havia tanto calor e entusiasmo no lugar, que Catherine adorava sentir-se parte daquilo.

Ela se envolvera, indiretamente, no último ano de escola, quando alguns alunos mais velhos organizaram uma frente de trabalho para ajudar velhos e excepcionais. Depois que conheceu Tony, não olhou mais para trás. compartilhava seu sonho de um centro equipado e moderno, um lugar que combinasse facilidades de trabalho com oportunidades de lazer. Nas semanas seguintes, Catherine tentou livrar-se da depressão passando muitas horas no centro ou pedindo objetos para um leilão de caridade que estava planejando. Caía na cama, à noite, muito cansada para pensar em outra coisa que não fosse dormir, mas a inquietação desses períodos de

inconsciência a deixava abatida, com olheiras escuras. Tony estava ficando muito preocupado com ela, que tentava enganá-lo, usando uma maquilagem mais pesada.

Uma manhã, chegou ao centro e encontrou a maior confusão. Jerry Ilan, um dos satélites de Tony, trombou com ela no vestíbulo. Era um tetraplégico que passara a vida inteira numa cadeira de rodas, mas hoje estava quase pulando fora dela.

- Espere até Ver Tony! - disse, rindo. - Só espere! Catherine encarou-o, perplexa.

- Por quê? O que foi que aconteceu? Jerry sacudiu a cabeça.

- Bem, não... não vou dizer. Não seria justo. São notícias de Tony.;.; Ele mesmo vai contar.

- Contar o quê?

- Entre, entre que vai descobrir.

com um suspiro, Catherine abriu a porta do escritório de Tony. A sala istava cheia de gente e ela olhou-o por sobre suas cabeças.

- O que está acontecendo? Alguém ganhou na loteria?

- Melhor do que isso, Cat - gritou ele sobre a algazarra. Ganhamos um donativo para o novo centro. Espere só! Cem mil libras!

Catherine apoiou-se no batente da porta.

- Cem mil libras? Mas quem... quem?

- Nós não sabemos. - Tony abanou o cheque, excitado. - Um donativo anónimo! Mas é válido. Já liguei para o banco e verificaram que o cheque tem fundos.

As pernas de Catherine bambearam e ela foi sentar-se ao lado de sua escrivaninha. - Mas o banco não disse a você quem foi?

- É claro que não. Segredo. Informação particular. Foi tudo feito através de advogados. Sabe como são essas coisas... Mas por que se preocupar? Temos o dinheiro, e o resto não importa. Você sabe o que significa, é claro. Podemos começar a procurar um terreno para o novo centro.

- Não está emocionada? - perguntou Bárbara Collins, a secretária de Tony, lá de sua mesa.

- Acho que o choque foi demais para ela - comentou o dr. Johnson, um dos membros mais velhos do grupo, com defeitos provenientes de ferimentos da última guerra.

- Mas me parece muito pálida - concordou Tony, ansioso. - O que foi, amoreco? Não está se sentindo bem?

- Estou ótima - protestou Catherine, mais do que depressa, mas não estava mesmo se sentindo nada bem. Esse dinheiro, com os milhares que já tinham no banco, permitiria a Tony começar a realizar seu sonho, e sua doação, à qual o pai tanto se opunha, já não era muito necessária.

E havia mais. O novo centro nunca se fizera tão real para ela, um objetivo de trabalho. Agora, realizava-se o projeto, e seus esforços perdiam a razão de ser.

Tony mandou todo mundo embora do escritório logo depois e disse, calmamente:

- Não precisa fingir comigo, Cat. Sei o que está errado. Vem se matando de trabalhar nas últimas semanas e agora viu que se esforçou à toa.

- Não! Tony, não sou egoísta a ponto de não querer que seus desejos se realizem!

- Não, mas não me enganou, meu amor. Desde que voltou de Barbados, esse lugar aqui tem sido seu apoio. Não sei por que pensa que tem que se matar de trabalhar, mas, mais cedo ou mais tarde, vai precisar viver sozinha outra vez, sem gastar tanta energia.

Catherine levantou-se, atravessou a sala e ficou olhando pela janela para as velhas casas maltratadas.

- Eu só queria trabalhar. Só isso.

- Não é verdade. Está se desgastando. Porquê?

- Está imaginando coisas, Tony.

- Não, não estou. Já quis dizer isso há muito tempo, Catherine. Se continuar nessa corrida, vai ter uma crise nervosa. - Suspirou. - Eu nunca devia ter sugerido que voltasse.

- Eu teria voltado de qualquer jeito. Não podia ficar lá.

- Porque Jared Royal ia casar com Laura. Só por essa razão. Catherine apertou os punhos.

- Você não sabe de nada.

- Então, diga o que a está roendo por dentro.

- Nada. Tenho dormido mal, é só.

- E não tem nada a ver com o fato de que ele deve estar casado? Que ele e Laura são marido e mulher, vivendo juntos, comendo juntos, dormindo na mesma cama?

- Ah! - Catherine perdeu a compostura. - Que maldade falar essas coisas comigo. - Engoliu as lágrimas quentes que tinham demorado tanto achegar.

Tony deixou-a chorar um pouco e depois fez a volta na mesa até perto dela. Pôs o braço em volta de sua cintura.

- Não sabe que é melhor chorar? As emoções vão se acumulando e, se não as solta, começam a destruir você.

Catherine pegou o lenço que ele ofereceu e esfregou os olhos.

- Sou tão egoísta! Você teve notícias maravilhosas e eu estrago tudo.

- Bobagem! É para isso que existem os amigos. Não posso ser nada mais do que um amigo. Não me negue pelo menos isso.

- Ah, Tony! Eu amo Jared.

- Sei disso. Mas nós dois sabemos que não adianta, não é? - Ela concordou, muda, e ele fez um gesto decidido. - Então, você tem que sobreviver e nós temos que trabalhar.

Surpreendentemente, havia mais trabalho a fazer nas semanas seguintes do que antes. Foi preciso entrar em contato com arquitetos, estudar as plantas, modificá-las, e o conselho local fez sua parte ajudando a encontrar um lugar adequado. Escreveram cartas a construtores e companhias de construção, além de fazerem o trabalho diário do centro de Ewling.

Catherine jogou-se de coração na tarefa, às vezes trabalhando até tarde da noite, discutindo as prioridades de lazer com Tony e resolvendo o que viria primeiro nos estágios iniciais da construção.

Estavam trabalhando, uma tarde, e já iam sair atrás de alguma coisa para comer e beber, quando a campainha tocou. Catherine deixou Tony

limpando sua mesa e foi atender, dando um passo atrás, atónita, quando abriu a porta e viu no corredor o rosto iluminado de uma moça.

- Laura! Deus do céu, o que está fazendo aqui? Automaticamente, olhou sobre os ombros dela, mas não havia ninguém.

Estremeceu toda.

- Ei, Catherine - Laura deu um passo à frente. - Credo, você não está com a cara nada boa. Sinto muito se a assustei, mas fiquei horas esperando junto do seu apartamento, até que uma vizinha me disse que era possível que estivesse aqui. Então, vim. Posso entrar? É esse o famoso centro?

Catherine deu lugar, sacudindo a cabeça, e Tony, que saíra do escritório para ver o que estava acontecendo, exclamou:

- Ainda não é, famoso, Laura, mas vai ser] - Riu, empurrando a cadeira para a frente. - É uma surpresa mais que agradável. Não sabia que estava passando a lua-de-mel em Londres.

Catherine fechou a porta e encostou-se nela, fraca. Tony ia direto ao ponto, pensou, amarga. Mas talvez fosse melhor assim. Não havia motivo para evitar os fatos.

- Não estou em lua-de-mel. - A resposta de Laura foi um choque. Estendeu a mão para que vissem. - Nem noiva, quanto mais casada. Acabou-se o casamento.

Falou descontraída, só com uma ponta de tristeza na voz. Tony cruzou olhares com Catherine, viu como estava pálida e mostrou o escritório dele.

- Entre um minuto. Nós, Cat e eu, íamos jantar, mas podemos conversar melhor aqui. - Esperou até que as duas se sentassem e acrescentou. - E então, o que está fazendo em Londres?

Laura deu de ombros. Depois olhou para Catherine, com compaixão.

- Eu podia dizer que vim encontrar você, mas não seria verdade. Mordeu o lábio. - Não tem visto Jared, tem?

- Visto Jared? - Quase engasgou com as palavras. - O que quer dizer...

- Porque ele está aqui em Londres. Há dois meses.

- Dois meses? - Catherine percebeu que repetiu tudo o que a outra dizia, sem querer, como um papagaio.

Tony tomou a si as perguntas.

- E por que Jared viria a Londres?

Laura deixou os ombros caírem e ficou esfregando o dedo sem aliança, distraída.

- Quem sabe? Ele disse que quer pintar aqui. Mas, pelo que vejo, não fez nada.

- Já o viu?

Catherine não conseguiu impedir que as palavras saíssem, e Laura concordou:

- Hoje de tarde. Foi por isso que vim para a Inglaterra. Elizabeth tem se preocupado muito com ele. Não escreve, nem telefona. Não entrou em contato com ela de jeito nenhum. Ela só achou seu endereço, porque por algum motivo ele o tinha dado aos seus advogados.

- E acabaram o noivado? - perguntou Tony.

- Acabamos. Algumas semanas antes de Jared sair de Barbados. Logo depois que você saiu, Catherine. Acho que deve saber porquê.

Catherine não conseguiu suportar aquilo tudo. Estava se sentindo mal, cheia de uma esperança absurda que fazia seus joelhos dobrarem e o estômago virar como um caldeirão fervendo.

- Está dizendo que Jared acabou o noivado com você por minha causa? sussurrou, sem acreditar, e Laura deu um suspiro.

- Não fique tão surpresa. Nosso noivado nunca significou muita coisa. Agora percebo que só ficamos noivos para acalmar as fofocas depois que o pai morreu e ele e a madrasta ficaram sozinhos em casa. Depois que você chegou... Ora, sabe mais do que eu o que aconteceu.

’l - Mas... mas... - Catherine não encontrava palavras para dizer o que queria. - E por que ele não me disse nada?

- Achei que tinha dito e você lhe deu o fora.

- Eu? - A boca de Catherine ficou seca. - Mas ele nunca falou em casar comigo!

- Pensou que as intenções dele eram outras? - Laura impacientou-se.

- Conhece Jared muito bem para saber que não havia saída. Pelo amor de Deus, não percebeu que ele levou Tony a Barbados só para ver se você o amava?

- Amava quem? Jared ou Tony?

- Tony, é claro. Achava que vocês dois estavam apaixonados e queria verdeperto.

Catherine levantou-se da cadeira e ficou andando de lá para cá, perplexa. É claro que Laura não sabia da história da gravidez! Subitamente, entendeu

o que Jared quis fazer. Achou que estava esperando um filho de Tony. Quis ver qual o tipo de relação que tinham. Teria casado com ela, apesar da criança, se chegasse à conclusão de que não se amavam mais? Oh, Deus, fazia um sentido maluco, mas fazia. E ela lhe dera o fora! Virou-se para Laura.

- Onde está ele?

- Jared? - Hesitou. - Não sei se devo lhe dizer.

- Por que não? Deu de ombros.

- Acho que não gostaria de vê-lo. Está tão mudado! Rude, sujo. Se deu o fora nele em Amaryllis, vai fazer coisa pior, agora.

- Onde está ele? - teimou Catherine. Tony disse, calmamente:

- É melhor contar a ela, Laura.

Laura hesitou mais um pouco, depois abriu a bolsa e tirou um pedaço de papel.

- O endereço é esse. Mas aviso a você que ele pode não querer vê-la. Não queria que eu entrasse, eu, que tinha voado cinco mil quilómetros.

Catherine leu.

- Coniston Street? Onde é isso? Tony franziu a testa.

- Nãoé Chelsea? Acho que é.

- Não sei - respondeu Laura, indiferente. - Fui de táxi. Acho que o motorista mencionou King’s Road.

- É Chelsea - disse Tony. -Agora tenho certeza. Não é longe do campo de futebol, Cat.

- Eu encontro. - Catherine já estava pegando o casaco. Parou na porta. - Ah, Laura, muito obrigada.

A outra deu de ombros, indiferente.

- Não me agradeça, ainda. Pode acabar sendo uma viagem inútil.

Não foi fácil achar um endereço desconhecido, à luz das lâmpadas da rua. Um policial indicou-lhe o caminho, mas assim mesmo ela quase não virou na hora certa e escutou um carro buzinando barulhentamente, atrás dela.

Coniston Street era um corredor de velhas casas vitorianas, já meio maltratadas, atualmente convertidas em apartamentos. O número, no papelzinho que Laura lhe dera, era quarenta e sete, no meio da rua, do lado esquerdo. Catherine conseguiu apertar seu carro entre um velho Vauxhall e uma camionete de entregas, a impaciência fazendo com que demorasse duas vezes mais do que devia.

Subiu os degraus até a porta e viu a relação de nomes com campainhas individuais. Dois nomes muito complicados para se pronunciar, um Philips, um Kenilworth e um Brown. E só. Examinou-os outra vez, já um pouco aflita. Ahmed Mahdu... Desistiu do resto. Esse, definitivamente, não era Jared. Viktor Czyviarchos. Balançou a cabeça. M. Philips. Maurice Kenilworth. J. Brown. Brown. Mexeu na bolsa e tirou o papelzinho. O número era quarenta e sete. Melhor tentar. Se pelo menos Laura tivesse explicado! Mas quem poderia culpá-la por dificultar um pouco as coisas?

Apertou o botão ao lado de J. Brown e esperou. Não aconteceu nada. Apertou de novo, e de novo não aconteceu nada. Suspirou e deu uns passos para trás, para olhar as janelas da casa. Havia luz em muitas delas.

Subiu os degraus, apertou o botão de J. Brown, e, quando não responderam, apertou o M. Philips. Não sabia se o senhor ou senhora esperava visitas, nunca descobriu, mas a porta se abriu e ela entrou, satisfeitíssima.

Engoliu em seco ao ver um grupo de hindus no saguão. Mas sorriram, educados, e impulsivamente ela perguntou se sabiam onde encontrar o sr. Brown.

- No último andar - disse um deles, imediatamente, apontando a escada. - Dois andares acima.

- Obrigada. - Esperou até que fechassem a porta, antes de começar a longa subida.

Já estava sem fôlego quando chegou no segundo andar, e ficou respirando fundo antes de resolver em qual porta bater. Passou a mão pelos cabelos e, decidida, bateu na porta à esquerda.

Para sua surpresa, a porta abriu-se imediatamente e uma voz zangada protestou.

- Por Deus, Laura... - Parou, subitamente, ao vê-la.

Catherine encarou-o por um longo momento e depois disse, calmamente:

- Posso entrar?

- Tinha se assustado com a aparência dele, não podia negar, e, quando ele lhe deu lugar para entrar no apartamento, moveu as pernas quase automaticamente. Estava tão magro, abatido, com os cabelos pelos ombros e a barba enorme. Nunca o teria reconhecido como o arrogante dono de Amaryllis ou como Jared Royal, pintor de retratos e paisagens. No entanto, naquele estado parecia-se mais com a imagem que todo mundo fazia de um artista. Se queria se disfarçar, alcançara sucesso absoluto. Mas a que custo?

O apartamento era pequeno e mal arrumado, com um cheiro de bebida e cigarros velhos. Um pé direito que diminuía fazendo com que as janelas fossem baixas e, através delas, podia-se ouvir o barulho do tráfego da cidade. Catherine deu uma olhada em volta e exclamou, frustrada:

- Oh, Jared! Podia ter arranjado coisa melhor que isso!

Ele tinha fechado a porta e parecia se recuperar do susto de encontrá-la.

- É bastante bom para mim - disse, áspero. - Desculpe a bagunça. Nunca fui muito bom em trabalhos caseiros.

Catherine respirou fundo.

- O que está fazendo em Londres, Jared? Disse que não gostava daqui. Ele deu de ombros.

- Achei que era hora de expandir meus horizontes.

- Mas... - Catherine tornou a olhar em volta. - Onde está seu material de pintura? Fez alguma coisa, depois que chegou?

Jared levantou a cabeça, olhando-a com um resto da antiga arrogância.

- Acho que não tem o direito de fazer uma pergunta dessas.

- É claro que não, mas encontrar você assim...

- Como foi que me achou? Laura lhe disse, aposto. Catherine concordou.

- Ela foi até o centro.

- Ainda está trabalhando lá, então?

- Claro.

Ele sacudiu a cabeça.

- O que veio fazer aqui, Catherine?

- Ver você, é claro.

- Por quê? Laura lhe disse que lugarzinho imundo era esse? Queria ver com os próprios olhos?

- Não! - Respirou fundo. - Jared, você precisa me dizer... por que rompeu o noivado com Laura.

Ele foi devagar até uma garrafa de scotch numa mesinha baixa. Levantou a bebida e mostrou-a a Catherine, que sacudiu a cabeça, recusando eobservou-o beber. Estava usando jeans e, ao se inclinar, a camisa se abriu na cintura e ela viu quadris estreitos, ossudos. Era a última gota. com um

soluço, deixou cair a bolsa no chão e correu para ele, passando os braços em sua cintura, por trás, e apertando o rosto contra a fazenda dura e suada.

- Jared, Jared - murmurou, com o rosto úmido de lágrimas. - Jared, eu amo você!

Ele se endireitou quando ela o tocou e ficou imóvel por um minuto.

Pousou o copo na mesa, e virou-se afastando-a um pouco.

- Agora, escute - disse, rouco. - Não preciso de sua piedade, Catherine.

- Piedade? Jared, se tenho pena de você, tenho mais ainda de mim. Por todo esse tempo que perdemos.

Ele a repeliu, passando a mão pelos cabelos, trémulo.

- O que foi que Laura lhe disse? Por que veio aqui? Por que agora?

- Não podia vir antes, não sabia onde você estava.

- Nem procurou descobrir, não é?

- Descobrir? - Ficou confusa. - Como poderia descobrir? Não tive contato com você, desde que vim embora.

- Mas Liz lhe escreveu, contando que eu tinha rompido o noivado.

- Elizabeth me escreveu? - Catherine piscou, agitada. - Quando foi que me escreveu?

Jared sacudiu a cabeça.

- Não sei exatamente. Depois que eu lhe contei que tínhamos acabado

tudo.

- Mas não recebi carta nenhuma! Ele apertou os olhos.

- Deve ter recebido.

- Já disse que não! - Fez um gesto de desânimo. - E o que adianta? Você não acredita em mim, não é? Jared deu um passo em sua direção.

- Pedi a Líz para lhe escrever. Oh, meu Deus, não sabia o que fazer, o que dizer...

Catherine prendeu o fôlego.

- Você viu a carta?

Jared franziu a testa.

- Não sei. Não, acho que não. - Fechou os olhos. - Ela não escreveu, é isso que quer dizer?

- Se acredita em mim.

Abriu os olhos de novo, encarando-a fixamente.

- Tenho que acreditar em você - murmurou. - Por minha saúde mental. - Deu outro passo em sua direção. - Então, não sabia que Laura e eu...

- Não. Achei que estavam casados. - E Laura lhe contou a verdade.

- Hoje à noite.

- E isso fez uma grande diferença? Nada mais?

- O que mais poderia...

Ele hesitou e depois concordou:

- Verdade. O que mais?

- Ah, Jared, atravessei o inferno!

- Não o mesmo inferno que eu - gemeu e, sem poder se impedir, puxou-a para seus braços, tremendo inteiro. Enterrou o rosto no pescoço dela, a barba grossa contra sua pele macia, segurando-a bem perto. - Meu Deus, meu Deus, eu a amo, Catherine!

Quando ela esperava que a beijasse, Jared se afastou de novo, tremendo e passando as mãos pelos cabelos.

- Não adianta. Não posso beijá-la. Há dias que não tomo um banho e nem me lembro de quando comi pela última vez. Acho que foi ontem, ou anteontem.

- Jared!

Pegou o braço dele, mas o rapaz se desvencilhou, e Catherine percebeu que estava quase desmaiando de fraqueza.

- Deixe que eu tome banho e mude de roupa. Depois vou ficar bem.

- Não vai ficar bem coisa nenhuma - protestou, quase chorando, apesar de saber que as lágrimas não adiantariam nada. - Não está se cuidando, não é? Meu Deus, Jared, pense que mais dois meses, e estaria morto.

Ele se apoiou nas costas da poltrona, forçando um sorriso.

- Eu não tinha por que viver, tinha? - perguntou, tentando fazer graça, mas Catherine sentiu uma onda de raiva primitiva por Elizabeth, por deixar que isso acontecesse.

Ela devia saber como ele estava mal, pois viera para Londres, lugar que odiava. Mas tinha dado um jeito para que ele continuasse pensando o pior: isto é, que Catherine não o amava. Se não tivesse ficado preocupada e pedido a Laura para ver o que estava acontecendo...

É claro que nunca imaginaria que Laura a procurasse. Logo a ela, sua rival. Tinha se esquecido do caráter bom e manso da moça e de seu interesse pelo centro de reabilitação de Tony. Teria sido esse o modo de Elizabeth se vingar dos dois? Mas, mesmo ela, não podia fazer idéia do estado de saúde de Jared.

- Onde é o banheiro? - perguntou Catherine, e ele apontou a cozinha.

- Por ali.

Tentando esquecer o quanto queria tomá-lo nos braços, ela passou por ele e acendeu a luz da cozinha pequena e bem suja. Uma rápida exploração mostrou um banheiro que se escondia atrás da pia, grande e até limpo. Gostaria de levá-lo para seu apartamento, moderno e cómodo, mas imaginava que ele não teria forças para descer aquela escada e subir outra. Tinha que se arranjar com o que havia por ali. Abriu a torneira para encher a banheira.

Jared chegou na porta, encostando-se no batente para se apoiar.

- O que está fazendo?

- Enchendo a banheira.

- Posso fazer isso.

- Não, não pode. - Resistiu, quando ele segurou seu pulso. - Vê, nem tem forças. - Ansiosa, mostrou sua camisa e calças. - É melhor começar a tirar a roupa.

Ele fez uma cara de desprezo.

- Não vou deixar você me dar banho.

- Eu nem ia oferecer - respondeu, pondo mais água quente na banheira. - Depressa. Não vai demorar muito. Depois, vou lhe fazer uma comida quentinha.

- Não estou com fome.

- Mas vai ter que comer alguma coisa.

- Está me dando ordens? Catherine corou.

- Estou.

Ele deu de ombros e, obedientemente, começou a abrir o zíper da calça. Era incrível tê-lo assim à sua mercê, mas ela suspeitava de que não ia durar muito. Depois que recobrasse a força... Mas aí... seria diferente.

Virou de costas quando ele entrou na banheira e entregou-lhe o sabão, perguntando:

- Onde estão suas roupas limpas?

Ele suspirou, relaxando na água, preguiçoso, muito sensual.

- Acho que estão na gaveta da cómoda. - Olhou-a com emoção, e aquele olhar fez com que ela prendesse o fôlego. - Vem cá.

Catherine sacudiu a cabeça, um pouco relutante.

- Agora, não. - Foi andando em direção à porta. - Dê um grito, quando acabar.

O quarto dele era pequeno, só com uma cama, abrindo para a sala de visitas, e esses três aposentos formavam o apartamento. Catherine fez uma careta para a cama mal arrumada e os lençóis amassados; arrancou as cobertas e jogou a roupa de cama para lavar. Achou lençóis limpos numa gaveta e fez a cama de novo, com prazer.

As roupas dele estavam em desordem nas gavetas e ela puxou um monte de camisas e meias misturadas com uns papéis, que caíram no chão. Ao curvar-se para pegá-los, viu uma cópia de um cheque para um banco de Londres com a mesma data que há poucas horas era o assunto mais importante do centro. Não podia ser uma coincidência. Sentou-se na’ cama, olhando, incrédula, para o cheque.

Devia ter desconfiado, pensou, apesar de que não podia entender por que Jared tinha doado uma soma tão grande. Devia ter desconfiado, mas não conseguia entender o motivo da doação. Mas tinha sido feita. Estava lá em branco e preto. E outros papéis só confirmavam a doação.

Olhou através da sala de visitas para a parede da cozinha. Será que era por isso que ele havia perguntado por que tinha ido lá? Teria medo de que Laura revelasse o que tinha feito?

Ela ainda estava lá, sentada, quando o escutou saindo do banheiro. Guardou os papéis, sabendo que não devia falar nisso agora. Não havia encontrado sua roupa de baixo, mas encontrou um roupão azul-marinho e foi até a cozinha com ele.

Jared estava perto da pia quando ela entrou, a toalha amarrada nos quadris, fazendo a barba. Tinha lavado os cabelos, que estavam úmidos e despenteados. A barba desaparecera. Parecia anos mais moço, ainda que magro. Tirou a espuma do queixo e virou-se para ela.

- Eu... - A boca de Catherine estava seca. - Não encontrei sua roupa de baixo e trouxe isso. - Esticou o roupão.

- Obrigado.

Veio pegar o roupão. Mesmo descalço, era muito mais alto do que ela, de sapatos altos. Tirou a toalha, deixou-a cair no chão e, com uma exclamação abafada, abraçou-a, procurou sua boca. Beijou-a, faminto.

- Hum, Catherine, você cheira tão gostoso! - gemeu, segurando o zíper nas costas do vestido e puxando-o para baixo.

- Você deve estar com fome... - ela conseguiu dizer, sem fôlego, mas ele a apertou mais.

- Só tenho fome de você. Só de você. - Ignorando seus protestos, carregou-a, desequilibrado, até a sala de visitas e depois para o quarto. Colocou-a na cama. - Não faça nada, Catherine - implorou, e ela passou os braços em seu pescoço, puxando-o para bem perto.

- Eu não ia impedir nada, querido.

Algum tempo depois, Jared esfregou o rosto contra seu ombro nu, a mão possessiva em seu pescoço.

- Catherine - murmurou, rouco. - Eu errei tanto!

- Você gosta de mim? - sussurrou ela, virando a cabeça no travesseiro para olhá-lo.

- Se gosto? - Deu uma risada. - Minha querida, ninguém poderia amar você tanto quanto eu. Eu é que tinha que fazer essa pergunta.

- Se gosto de você? - murmurou ela, espreguiçando. - Hum, nem um pouquinho.

Jared disse uma palavra que deixou-a arrepiada e acariciou sua boca com a dele.

- Não deixaria você ir embora. Mesmo quando soube... Interrompeu-se com uma careta. - Ah, droga! Vamos casar logo que eu conseguir uma licença, e algo me diz que não vou deixá-la partir até que um pedaço de papel diga que é legal.

Catherine pendurou-se no pescoço dele.

- Eu não poderia deixá-lo. - Passou os dedos por seus cabelos..., adoro você,

Os olhos dele se escureceram, apaixonados..

- Sabe o que está pedindo, não sabe? Sei Ela sorriu.

- Tenho que ligar para Tony. Contar que está tudo bem. Jared olhou-a, possessivo.

- Tony... Se soubesse como odeio esse nome!

Catherine encostou os dedos em sua boca.

- Pobre Tony!

- Pobre Tony coisa nenhuma! Ele me deixou tantas noites sem dormir! Podia ter matado você naquele dia. no aeroporto. Estava me preparando para pedi-la em casamento, apesar de... sabe apesar do quê. Quando vi Tony, não sabia em que acreditar. Catherine hesitou.

- Casaria comigo sabendo que eu estava grávida? Jared enterrou o rosto em seus seios.

- Sabia que não casaria com ninguém, a não ser você.

- Meu querido!

Ele levantou a cabeça.

- Tantas coisas conspiraram contra nós! Não estou culpando você. Fiquei ressentido com o efeito que teve em mim desde o começo. Acho que era mais fácil ser mal-educado com você, para mantê-la à distância.

- E havia Laura.

- É, Laura. Não devíamos ter ficado noivos. Mas Liz me convenceu de que era uma boa idéia. - Olhou-a, franco. - O que quer que tenham contado a você, nunca houve nada entre Liz e eu. Era a mulher de meu pai e eu a respeitava.

- Mas naquela noite que estávamos na praia... Ela disse que você conversou com ela sobre o casamento. Foi... quando voltou?

- Meu bem, só voltei às sete. Depois que saiu e me deixou na estrada, fiquei furioso. - Puxou uma mecha de seus cabelos. - Tenho que pensar num castigo para isso. Fiquei na praia até o sol nascer e depois voltei a pé. Ela falou comigo quando eu estava pondo as coisas no carro.

- Sobre o casamento?

- Catherine, eu estava tentando me convencer de que você não significava nada para mim. Mas não podia fazer isso se ficasse em casa. Não confiava em mim e tive que fugir. Sabe como tive sucesso. Voltei e encontrei você... e Laura nos encontrou.

- Foi tão mau para ela, naquele dia!

- Eu sei, eu sei. Mas, Catherine, estavam me amarrando, ela e Liz. Sabia o que Liz estava fazendo. Eu via que ela não gostava de você e tinha medo de que nós casássemos se ela não mexesse seus pauzinhos. Mas eu não podia levar aquela farsa adiante. Ficar com você, ver você, tinha ciúmes de todo homem que se aproximava, incluindo aquele playboy do Dexter.

- Mas deixou que eu fosse embora.

- Não podia segurá-la à força e, depois daquela cena na biblioteca, pensei que nunca me perdoaria. Fui ao aeroporto. Vi você entrar no avião.

- Ah, era você!

- Era. - Suspirou. - Na noite em que você chegou a Amaryllis, fui eu que a coloquei na cama. Não sabia, sabia? Susie fechou as venezianas e tirou as flores, mas eu tive que ter certeza de que você estava bem. Foi quando comecei a me ressentir do poder que exercia sobre mim.

Catherine hesitou.

- Por que fez a doação ao centro, Jared? Ele franziu a testa e praguejou.

- Como sabe sobre isso?

- Quando eu estava procurando suas roupas limpas, encontrei uns papéis. Não li de propósito, mas vi o cheque...

Parou e olhou-o, ansiosa, com medo de que ficasse furioso com ela. Mas ele se descontraía de novo.

- Acho que lhe contaria, mais cedo ou mais tarde. como minha mulher, terá acesso a todos os meus negócios. - Riu, enviezado. - Não foi o ato desapegado que parece. Achei que talvez... se tivessem dinheiro suficiente para construir o centro... você poderia se chatear com o projeto e voltar para Barbados.

- Jared! - Inclinou a cabeça e beijou seu peito. - Não queria outra coisa!

Fez-se silêncio no apartamento e Jared rolou na cama, aprisionando o corpo dela debaixo do seu.

- E agora, estou com fome. Escutei alguém falar sobre comida?

Seis semanas depois, Catherine e Jared andavam descalços pela praia de Flintlock, abraçados pela cintura. A tarde caía e o sol se punha em glória dourada sobre o oceano.

- Está na hora de voltar - murmurou Catherine, relutante, e Jared apertou-a mais. Cinco semanas de casamento tinham feito bem a ele, que engordara e se descontraíra completamente.

Naquela noite haveria um jantar em Amaryllis, a primeira festa depois da volta deles, e os convidados de honra seriam o governador-geral e a mulher. Jared acabara, afinal, sua encomenda, e ia apresentá-la.

- Vamos - disse ela, andando em direção à casa da praia. - Tenho uma coisa para lhe mostrar.

Catherine esperou até que ele entrasse e acendesse umas velas e o seguiu.

- A lâmpada está queimada?

Jared riu.

- Não seja prática! A luz de velas é mais romântica!

- Querido, nossos convidados vão chegar em menos de uma hora, e, agora que Elizabeth tem a casa dela, não há ninguém para recebê-los... Não temos tempo para romantismos!

- Sempre temos tempo para romance. - Levou uma tela até a luz. O que acha disso?

Puxou um lençol que cobria o quadro e Catherine olhou, espantada, a pintura à sua frente. Era o mar, selvagem e louco, a onda se levantando, branca e cheia de espuma. Mas o oceano era só o pano de fundo. Ela estava em primeiro plano, esguia e muito mais bonita do que sabia que era, véus de chiffon voando à sua volta, os cabelos soltos como o próprio mar.

Olhou-o, divertida, e ele apontou um canto do quadro:

- Olhe. Tem um título. Catherine leu: Encanto Selvagem.

- Eu ou o oceano?

- Os dois, acho eu. Meu passado e meu futuro. Agora sabe porque demorei tanto a acabar a encomenda.

- Mas você destruiu os esboços.

Jared puxou-a para seus braços com mãos possessivas.

- Acha que preciso de esboço para me lembrar de cada centímetro de seu corpo e do seu rosto? - perguntou, rouco. - Sobre nossos convidados... - disse ele, mas ela só fez apertar-se mais contra ele.

- O que estava dizendo sobre romance? - sussurrou. Rindo, ele fechou a porta com o pé.

 

 

                                                                  Anne Mather

 

 

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